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Copyright © 2021 Gabriela Bortolotto

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É proibida a reprodução total e parcial desta obra de qualquer forma
ou quaisquer meios eletrônicos, mecânico e processo xerográfico,
sem a permissão da autora. (Lei 9.610/98)
Essa é uma obra de ficção. Os nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos na obra são produtos da imaginação da
autora. Qualquer semelhança com nomes e acontecimentos reais é
mera coincidência.
 
DIAGRAMAÇÃO E
EDITORAÇÃO DA CAPA
Larissa Chagas
 
REVISÃO
Bianca Bonoto
 
 
Bortolotto, Gabriela
BONDED: porque o destino quis assim - Série Encontros
Inesperados, Livro Três [recurso digital] / Gabriela Bortolotto. – 1ª
Ed. 2021.
1. Romance Contemporâneo 2. Literatura Brasileira 3.
Romance Jovem Adulto 4. Ficção I. Título
 
 

 
NOTAS DA AUTORA:
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EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
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BONDED: PORQUE O DESTINO QUIS ASSIM
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Dedico esse livro a minha família e minha melhor
amiga, Gabi, conhecidos por serem meus maiores
incentivadores. Mas também dedico esse livro a todas
as pessoas que perderam alguém especial, ainda
mais nos tempos que vivemos atualmente. A dor pode
até aliviar, porém ela sempre acaba presente em um
momento, em uma lembrança, na saudade eterna.
Também quero dedicar esse livro a todas as mães
que conheço e passaram pela minha vida,
principalmente aquelas que compartilharam suas
histórias sobre a maternidade e me fizeram criar a
mamãe presente nesse livro. Me sinto incrivelmente
grata por ser cercada de mulheres incríveis.
 
 
 
 
 
 
Olá querido leitor, vamos finalmente conhecer a história do Matteo?
Não irei colocar isso como gatilho, mas quis vir aqui deixar um aviso
que falamos sobre o luto nesse livro. Seria impossível contar a
história do Matteo sem abordar a dor dele de perder a noiva tão
precocemente. Eu, Gabriela, não considero que há nenhuma cena
pesada a respeito disso, mas ainda assim temos os sentimentos do
personagem a respeito dessa perda, o que ele sentiu naquele dia e
nos dias seguinte, todo o processo dele de viver depois desse
momento.
Caso você ainda não tenha feito a leitura, recomendo que leia
Broken – a vida antes dele perdê-la, o conto que fala um pouco da
história do Matteo e da Brooke, sua falecida noiva. A leitura pode
ser antes ou após você ler Bonded, mas acredito que seria
interessante para conhecer um pouco mais da história dele. O conto
só está disponível em ebook, na Amazon.
Não quero falar muito para não acabar dando qualquer
spoiler sobre a história e estragar sua leitura, mas acho importante
deixar isso em evidencia antes de começarem o livro. Caso
qualquer tipo de abordagem que envolva a perda e o luto te deixa
mal, talvez a leitura de Bonded não seja a melhor para você agora,
mas eu posso prometer que tomei o máximo de cuidado que eu
podia ao tratar sobre isso.
Além disso, preciso citar também que conheceremos um
pouco da história dos Laurent-Davis, família da Daphne e do Mike,
dois personagens que ainda não tivemos tanto contato nos outros
dois livros. A relação dessa família, na minha visão, é uma das mais
conturbadas. Temos uma família um tanto complicada por aqui. Eles
fizeram um bom trabalho sendo péssimos pais e levando a Daphne
para longe, ou fazendo com que ela desejasse se afastar de tudo o
que estava relacionado a família. Honestamente, o livro do Mike é
bem mais triste nesse quesito do que Bonded, então se preparem,
mas quis deixar esse breve aviso por aqui.
Essa não é uma história sobre o luto, esse não é o foco, mas,
novamente, seria impossível falar sobre o Matteo sem falar sobre
isso.
Essa é uma história de amor, de segundas chances e de
redescobertas.
 
 

 
EU ESTOU BEM. Completamente bem e sociável. É isso que digo
constantemente para Rebecca e aos meus pais. Não, não estou
mais sofrendo a perda de Brooke, ainda que isso seja algo
completamente da boca para fora, uma vez que, sim, ainda sinto
muita a falta dela. Mesmo assim, preciso tranquilizar minha irmã
mais nova e meus pais, ainda que não esteja mais com humor
algum para bajulações a Marise Drake desde o último ano.
Entretanto, meu pai se empenhou para cumprir meus desejos
e aos de Becks, me permitindo vir para Boston em um doutorado e
comprando a companhia de comunicação que ele tanto queria em
Atlanta, e lá está minha irmã, já se sucedendo muito bem à frente da
companhia filiada à Drake Co. Não posso ser tão ingrato, ainda que
siga cuidando bem dos negócios da companhia mesmo de longe.
Estou indo bem coordenando o escritório jurídico daqui e, até o
momento, depois de quase dois meses, ainda não precisei visitar
Nova York uma vez sequer.
Agradar nunca foi meu maior propósito de vida. Qualquer um
que me conheça poderia dizer isso e, por esse motivo, preciso
mesmo me esforçar para seguir minhas tentativas de fingir ser
sociável e estar bem. Mas complica muito quando me fazem vir à
sociais no meio da semana e me deixam frente a frente com uma
loira que se gaba sobre as últimas conquistas da empresa dela, mas
eu sei muito bem que quem comanda a revista da qual Katherine
me conta é sua prima, Beatrice Oakles e não ela.
De qualquer forma, nem mesmo compreendo como caí em
uma conversa com a loira e me pergunto se é muito contra as
etiquetas dar uma demorada olhada no relógio para checar as horas
e indiretamente dizer a ela que quero ir embora. Talvez só dela, só
da conversa, ou de todo o evento no geral. O fato é que, diferente
de Bea, Katherine não é nem um pouco agradável e não sou bom
falando do trabalho dos outros. Sou bom falando do meu próprio
trabalho, e só.
Às vezes, me arrependo profundamente de tanto tentar deixar
Becks e meu pai felizes, porque esse é o único motivo para eu ter
dito sim a uma pequena social em plena quarta-feira, no meio de
setembro, no apartamento de Jeremy, um antigo conhecido que tem
residência em Boston atualmente e mora somente alguns andares
abaixo da minha cobertura. Não conheço a maioria das pessoas
aqui, ainda que reconheça dois colegas do doutorado, duas
mulheres que devem ter a mesma idade que eu e trabalham em
escritórios próximos ao de Jeremy.
Isso se eu estiver me atentado direito.
O fato é que, assim como na minha conversa com Katherine,
a maioria das conversas que tive nos últimos dezenove meses
passaram despercebidas por mim. Desde que Brooke se foi, não me
sinto mais eu mesmo e nada mais faz tanto sentido. Conversas
sempre são sem graça, e mesmo que sorria, me recordo bem qual
foi a última vez que me senti realmente feliz e essa foi a última vez
que tomei minha noiva nos braços e beijei sua boca fina, enquanto
ela ria da minha despedida demasiadamente demorada.
Se Brooke soubesse que aquela seria a última vez que eu
seria capaz de ver seus olhos verdes esmeralda brilhando na minha
direção, talvez me deixasse apertá-la contra mim mais tempo.
Se soubesse que aquela era a última vez, nunca teria a
deixado ir.
Há poucas coisas que podem se chamar de liberdade em
uma vida programada por outros e Brooke foi minha maior
liberdade. Ela era como o grande brilho da minha vida desde que
coloquei meus olhos nela. Soube desde o primeiro instante que eu
precisava que aquele sorriso fosse meu, fosse para mim. Porque ela
batia palmas animadas após nossa vitória no Campeonato Estadual.
Eu vestia meu uniforme, um calouro sortudo, com boas influências e
um ótimo arremesso, o que me garantiu a vaga de quarterback.
Nem mesmo precisei tirar o capacete de proteção para que meus
olhos grudassem naquele sorriso e saber que precisava que aquela
garota fosse minha.
E ela foi, depois de alguns encontros e muitas mensagens de
texto. Brooke não era nada como se esperava para um cara como
eu, com minha posição social e todo o dinheiro. Tinha vindo do
interior do estado e era uma transferida dentro do Curso de
Negócios, ainda que fizesse uma área distante da minha. Ambos
queríamos o Direito no fim e tínhamos mais em comum do que
qualquer pessoa pudesse pensar. Queria me casar com ela e assim
deveria ter sido.
Maldita fosse a neve na pista. Maldito fosse o inverno.
Maldita fosse a vida por ser findada em um piscar de olhos.
Mas maldita fosse Katherine Oakles que finalmente parou de
falar sobre a maldita revista e decidiu que falar sobre minha vida
pessoal seria um assunto interessante. Maldito fosse eu por ainda
não ter ido embora dessa maldita social que eu nem mesmo queria
ter vindo. Porque odeio socializar há mais de dezenove meses,
odeio lugares lotados e odeio como isso me lembra o funeral.
“Então, deixou a Drake Co., como sua irmã?” Maldita fosse sua
boca por achar que poderia tecer a pergunta com tanto veneno
direcionado a minha irmã. A parte inicial, entretanto, é algo que
venho escutando com frequência desde que deixei Nova York, em
agosto.
“Não. Nem eu, nem Rebecca, deixamos a companhia. Sigo
minhas funções daqui e ela está no comando da mais nova
companhia sob o domínio da Drake Co.”, respondo de forma quase
grosseira, mas poderiam dizer que essa é a única forma que venho
me comunicando há muito tempo.
“Ah, claro. Fiquei sabendo sobre a compra.” E isso faz com
que ela ganhe apenas um aceno de cabeça meu. Katherine parece
pensar em outro assunto e bebo mais um gole do meu vinho,
desejando profundamente que ela não ache esse assunto. A taça de
vinho em minhas mãos pode vir a cobrar seu preço amanhã, mas
preciso de algo para conseguir suportar isso. “E você?  Está
comprometido?”, ela pergunta, tão indiscreta quanto poderia ser,
apontando para minha aliança de prata que sigo usando no meu
dedo anelar da mão direita. Nosso anel de noivado.
“Não”, respondo ríspido, esperando que o assunto se finde por
aqui. Homens poderiam usar anéis, mas Katherine é mesmo
indelicada.
“Ah…” Ela levou a mão aos lábios. “É sua antiga aliança de
noivado ainda? Da sua falecida noiva?” Katherine não parece nem
próxima de me desejar condolências ou algo assim, e fico um pouco
chocado com tamanha falta de decoro de uma moça Oakles.
Beatrice me acostumou mal com suas conversas boas e que
sempre me traziam um pouco de alegria com piadas bobas sobre os
artistas da edição da revista. Infelizmente, sua prima na minha
frente nem mesmo chega perto da sua simpatia.
“Pelo amor de Deus, Katherine. Parece ter sido treinada nos
estábulos do convento e não em um dos melhores internatos da
Inglaterra. Quanta falta de educação! Espero que passe a noite
pensando sobre as palavras que poderia não ter dito e sido,
minimamente, educada.” Muitas vezes na vida eu poderia ter
descrito Daphne Laurent-Davis como um furacão e essa é uma
dessas vezes, porque enquanto uma das minhas amigas de infância
me toma o braço parece mais do que decidida a me levar para longe
daqui.
Óbvio que me deixo levar, ou o um metro e sessenta de altura
de Daphne nunca teriam dado conta do meu um e noventa, e
mesmo que o corpo dela não seja esguio como o de Chelsea e
tenha bastante curvas, ela não conseguiria me mover nem mesmo
dois centímetros sem que a ajudasse na ação. Não tenho muitas
desculpas para não aceitar de bom grado a mão de Daphne no meu
antebraço, me guiando até o outro lado do salão.
“Você está aqui” digo, com o pouco traquejo social que me
resta, e fico feliz em saber que uma das minhas amigas mais
próximas não vai me julgar pela falta de comprimentos saudosos ou
de qualquer tom de voz afetuoso. Infelizmente só sei soar entediado
ou algo perto disso na maioria das vezes.
“Infelizmente, porque mal cheguei e já me arrependi bastante
de ter vindo”, ela responde, soltando meu braço para servir uma
generosa taça de vinho e encher a minha mais uma vez, ainda que
eu não tenha terminado ainda o líquido purpura.
“Quis dizer em Boston. Achei que estivesse em Nova York,
com Becks e Chelsea.” Às vezes minha falta de habilidade em uma
comunicação decente me leva a explicações bobas que poderiam
ser evitadas se eu falasse mais. Sei disso, mas pouco faço para
mudar, de qualquer forma.
“Ah, isso. Sim, estava. Cheguei há uma hora e pouco, passei
no meu apartamento para deixar as malas e resolvi comparecer.”
Daphne dá de ombros para mim antes de beber um gole da sua
taça.
“Se está tão infeliz, por que veio? Se soubesse que seria
assim, provavelmente não teria me dignado a descer os cinco
andares.” Porque não teria mesmo. Ou talvez teria feito tudo da
mesma forma para amanhã, ao conversar com Becks, poder dizer
que fui a uma social e ela ficaria feliz por eu estar voltando a minha
vida, saindo do meu casulo e seja lá quais outras metáforas ruins
minha irmã usaria.
“Jeremy e eu costumávamos a sair. Acabou que fiquei muito
ocupada com o trabalho e fui meio esquecendo.” Ela levanta os
ombros. “Acho que vim essa noite em busca de algum flashback ou
algo assim. Mas ele definitivamente me esqueceu também.” Daphne
aponta com o queixo na direção onde Jeremy está abraçado com
uma mulher, seu tom de voz não denuncia que está nem um pouco
chateada com o assunto. Talvez ela não quisesse tanto assim esse
flashback.
“Você ficava com Jeremy?” Meu tom, o máximo humorado que
consigo, deixa claro que estou zombando dela e Daphne revira os
olhos para mim. “Acho que isso é um pouco fundo do poço, além do
seu irmão odiar o cara.”
“Como se você ou Mike fossem sinônimos de bons
companheiros. Odeiam metade de Nova York e desgostam da outra
metade. Fala sério, Matt.” Não posso fazer muito sobre a afirmação
dela. Está correta em diversos pontos. “E você? Por que ainda está
aqui se está com tanto tédio? Garanto que não é para ficar ouvindo
as perguntas agradáveis de Katherine Oakles.”
“Não mesmo.” E com a mera lembrança da conversa, faço
uma careta da qual Daphne ri pelo nariz. “Moro na cobertura. Pensei
que poderia ser minimamente interessante vir, mas estava
enganado e não sei se ainda é cedo demais para ir embora sem
ficar feio.” Não que fosse me importar caso as pessoas não
aprovem meu comportamento. Tenho vinte e sete anos e há um
bom tempo passei da fase da aprovação alheia. Mas dentro do
mundo em que eu e Daphne vivemos, assim como Jeremy e
Katherine vivem, as aparências importam assim como ter bons
contatos.
“Acho que não é cedo demais. Pelo menos é o que estou
dizendo a mim mesma porque estou cogitando voltar para a porta e
sair.” Ela dá outro longo gole em sua taça e bebo um da minha. O
vinho é bom e pelo menos é algo com o que você pode contar
quando está em eventos assim. “Você ainda está bem mais perto de
casa do que eu.” Eu nem mesmo sei onde Daphne mora.
“Talvez devêssemos ir então” digo, simplesmente, e Daphne
parece pensar enquanto gira um pouco de vinho restante em sua
taça. “Acredito que tenha safras melhores no meu apartamento e
menos conversas chatas”, admito, e ela sorri de forma travessa para
mim antes de deixar a taça em um aparador da sala de estar e não
hesito em fazer o mesmo.
“Não é como se eu tivesse muito o que fazer por aqui
também.” Acredito que o objetivo dela ao vir aqui tinha sido falho e
Daphne tem muito mais personalidade do que eu para
simplesmente ir embora de eventos a hora que quer. Na verdade,
para fazer qualquer coisa que quer. “Talvez uma boa garrafa de
vinho branco vá me acompanhar bem nos dois processos que
preciso analisar.” Nem mesmo quero pensar sobre as pilhas de
papéis que me aguardam e os e-mails que terei que enviar amanhã
logo cedo. Daphne pega sua bolsa no gancho na entrada e abro a
porta para que ela saia.
“Honestamente, não acredito que tenha perdido muito, além
do seu tempo, essa noite.” O que gostaria de falar é que não
acredito que Daphne se envolvia com Jeremy, que parece muito o
tipo de cara banana. Eu o colocaria na mesma caixa que coloco o
ex chato da minha irmã, e acho que Jeremy é ainda mais enfadonho
que Oliver.
“Não mesmo!” Ela parece bem certa disso e fico me
perguntando o porquê dela ter vindo se nem mesmo parece estar
com tanta vontade assim, ou não estava. Aperto o botão para
chamar o elevador. “Não sabia que tinha vindo morar aqui. Acho que
fui uma amiga um pouco relapsa.” Daphne faz uma careta e solto
uma espécie de riso.
“Está tudo bem. Estava ocupada com seu trabalho e acabei
contratando uma agência para cuidar dessa parte para mim.”
Apesar de mal ter visto Daphne desde que cheguei. Conversas por
mensagem foram o máximo trocado por nós. “Além disso, me
ajudou com várias coisas.” Como o aluguel de uma sala para que eu
possa ter um escritório mais propício para trabalhar. As portas do
elevador se abrem. “Não quer subir? Já que perdeu a sua noite,
acho que tenho umas garrafas boas de vinho no meu apartamento.”
Levanto os ombros. Quarta-feira costumava a ser o dia que nos
encontrávamos para uma pequena reunião. Eu, ela, Mike, Becks,
Oliver e Angel. Deixei de ir muito antes do Oliver conseguir estragar
tudo.
“Por que não?! Me parece tentador.” E quando ela diz isso,
aperto o botão do elevador para o último andar. “Sabe, é bem
presunçoso da sua parte sempre morar em coberturas. O que há de
errado com apartamentos comuns?” Daphne implica comigo, e
quase reviro os olhos.
“Não há nada de errado. Mas o espaço é maior, melhor.
Simples assim. E atualmente, meu apartamento em Nova York é
comum.” Já que Mike e eu fizemos uma troca e atualmente ele está
instalado na minha antiga cobertura. Mas Daphne revira os olhos
enquanto se apoia na parede do elevador.
Se você olhar de fora, nunca imaginaria que essa menina
quase petulante é uma das advogadas mais fortes e jovens que
conheço. Daphne se transforma dentro de seus terninhos, ou nem
mesmo usa isso e segue se transformando quando entra em um
escritório. Já a vi em ação no último ano em um caso médio,
atuando ao lado dos pais. Ela tem alguns meses de atuação
profissional, mas sei que era uma estagiária super dedicada e já
está fazendo seu nome.
É interessante a visão de Daphne sobre querer fazer seu
nome por quem ela era e não pelos pais. Gostaria de ter tido
tamanha coragem. Não que seja um covarde, só sou um pouco
acomodado e gosto da Drake Co. no fim. Gosto de trabalhar lá e da
perspectiva de construir muito ao lado do meu pai e de Becks. Sei
que Daphne pretendia, talvez no futuro, voltar para o escritório de
advocacia com os pais, trabalhando ao lado de Mike, mas isso é só
quando os pais já não estejam mais por lá.
Nunca vou compreender o porquê de Daphne ter se
desvinculado de Nova York, assim como se desvinculou dos pais.
Sempre que volta a cidade fica ou com Rebecca, ou com Mike, mas
nunca com os pais. Não acho que logística e distância sejam os
únicos motivos. Nem Mike, nem Becks me contaram o motivo e eu
nunca perguntei de qualquer forma.
“Você cortou o cabelo”, comento, ao perceber só agora que,
quando a vi há uns dois meses, não tinha essa franjinha. Beck
estava usando uma até julho, mas desistiu de evitar o crescimento
do cabelo. Isso faz com que Daphne me dê um sorriso com os
lábios fechados e leve a mão aos fios castanhos, em tom de
conhaque que preenchem sua testa.
“Demorou quase o mesmo tempo que Mike para notar,
apesar de eu esperar mais dele”, ela zomba, e esboço um revirar de
olhos.
“Espere… Becks fez alguma coisa muito diferente no dela?”,
pergunto, para não passar de irmão tosco amanhã quando minha
irmã, provavelmente, fizer uma videochamada enquanto está em
seu horário de almoço para me contar sobre qualquer coisa que eu
adoro ouvir. Sua empolgação me deixa feliz.
“Quem disse que ela também fez algo no cabelo? E eu
deveria deixar você se ferrar, mas não, ela não fez nada de mais
além de cortar as pontas” ela me responde, se arrastando para fora
do elevador, quase como uma criança.
“Foram ajudar Chelsea e não penso em formas além de
mimar a loira e levá-la para compras, spa e salão que resolvesse
uma dor de cotovelo.” Existem vários fatores de estranheza nessa
frase. O primeiro foi Chels de fato começar a namorar, com um cara
mais novo e parecer completamente… apaixonada, acho que posso
usar essa palavra. A segunda coisa estranha é o fato dela ter
terminado com Joshua e se sentir mal pelo término. Definitivamente
uma versão mudada da Chelsea que eu conheço, mas apreciei seus
momentos. Nunca acreditei que um dia fosse ver minha melhor
amiga tão vulnerável ao amor.
“Ok, é justo.” Ela parece concordar totalmente com o que fala
enquanto entra no meu apartamento. “Você é tão óbvio, Matt. Olha
para esse tanto de luxúria. Nunca vou convidá-lo para o meu
minúsculo apartamento.” Mas Daphne diz isso já se sentindo bem à
vontade na minha casa. Jogando sua bolsa no aparador e
caminhando pelo andar de baixo.
Não é nada magnifico, não é como meu apartamento em
Nova York. É claro, porque preferi tons brancos dessa vez, bem
espaçoso e bem equipado. É algo que eu preciso. Além disso, não é
como se eu necessitasse me privar de qualquer luxo.
“Vinho?”, pergunto, caminhando até a cozinha.
“Branco!”, ela diz, antes de se sentar em um dos bancos da
bancada de mármore claro. “Como está a faculdade? Eu
definitivamente não sei se quero voltar para lá tão cedo.”
“Faz quatro anos que sai, então não estou voltando cedo”,
digo cético, enquanto pego o saca-rolhas para abrir a garrafa que
escolhi a dedo. Um dos melhores vinhos brancos que já bebi e sei
que é um dos que Daphne mais gosta. Às vezes me apego aos
detalhes. “E está… como o esperado.” Porque não tenho uma
definição melhor. Mas ela bufa e sacode a cabeça, ajustando melhor
sua nova franja.
“Se soubesse que sua resposta seria terrível assim, iria
preferir ter feito para o robô do meu celular.” Seus olhos carregam
toda essa crítica, enquanto ela me fita ao pegar a taça servida que
lhe ofereço. “Quero detalhes. Inclusive, fiquei sabendo que estão
pegando os processos da Fitz com a compra, isso me parece
incrivelmente sacana.” Ela se refere as novas ações que meu pai
comprou junto com a empresa de companhia em Atlanta, e apesar
das investigações a parte, não achamos nada sobre os processos e
nem mesmo incluía no contrato. Mas acabamos nos ferrando de
forma quase escandalosa de tão grande com esses casos.
E foi assim que Daphne e eu começamos a falar a mesma
língua, como sempre fazíamos em algum ponto de nossa conversa
e sempre acabava irritando nossos amigos. Gostávamos de falar
sobre o trabalho, de trocar experiências e era como se, falando
disso, eu pudesse me sentir confortável em uma conversa, ainda
que soubesse que não deveria sentir estranheza com ela. Conheço
Daph desde quando ela mal falava. Mas ela sabe como apertar
meus botões sociáveis, porque quando percebo, já estou quase
totalmente relaxado apoiado na bancada, depois de ter deixado o
paletó do terno de lado e conversando como se não tivesse trabalho
a fazer ou precisasse acordar cedo na manhã seguinte.
 

 
“Sabia que seu pai não aguentaria! Ele sempre teve essa
tendência e ano passado era só do que falava.” Daphne balança os
pés no ar, uma vez que está sentada na minha bancada da cozinha
enquanto eu abro nossa segunda garrafa. Ou essa é a terceira
garrafa de vinho? Prefiro acreditar que é a segunda ainda. Dou um
esboço de riso antes de puxar a rolha para fora.
Daphne prendeu seu cabelo de uma forma quase engraçada,
fazendo com que os fios estejam bem bagunçados. Jogou os tênis
ao se sentar no sofá da minha sala e seus pés pequenos balançam
em meias brancas enquanto ela estica sua taça para que a sirva.
Não posso dizer que não relaxei desde que chegamos aqui, acho
que isso foi há mais de uma hora. Minha camisa social branca tem
os dois primeiros botões abertos e minha calça já está bem mais
amassada do que gostaria.
“Honestamente, não acredito que foi a melhor das ideias,
mas o velho não falava sobre outra coisa.” Dou de ombros me
servindo mais vinho antes de deixar a garrafa na bancada, não tão
perto de Daphne e ainda sóbrio o bastante para não desejar quebrar
uma garrafa cheia. “Mas a Becks tá feliz, parece estar fazendo um
ótimo trabalho por lá.” Apoio meu corpo de lado na bancada, me
virando para ela e Daph se vira um pouco para me olhar.
“Ela está.” Os olhos de Daphne brilham ao dizer isso e sei
que está pensando na minha irmã mais nova. “Estou muito feliz por
ela. Pela empresa, por ela e pelo Zach.”
“Eles são um bom casal”, digo, porque eles são e Zachary faz
bem para minha irmã. Fazia um bom tempo que não a via tão feliz,
consigo e com a vida.
“Você tem ouvido falar sobre o…” Mas interrompo sua fala,
levando minha mão até sua coxa.
“Não me pergunte sobre aquele infame”, falo, com um pouco
mais de autoridade do que gostaria, mas Daphne não se importa
muito.
“Só achei que talvez soubesse.” Ela levanta os ombros.
“Só sei que Angel se mudou para a Califórnia.” Não que
minha mãe não tenha tentado trazer o assunto Oliver novamente a
mesa no último mês, todavia, fiz meu trabalho de mantê-la calada.
Daphne me dá um aceno.
Puxo minha mão de volta, percebendo que em um
movimento impulsivo acabei espalmando a perna dela muito acima
do joelho e acredito que, infelizmente, tenha sido um movimento
incômodo, uma vez que Daphne pressiona as pernas mais juntas
assim que cesso o contato. Talvez devesse me desculpar, porque
não tive a intenção de constrangê-la e só de interromper sua fala,
mas ao invés disso, só pego minha taça para outro gole.
Um silêncio quase constrangedor se instala. Entretanto,
diferente de mim, Daph nem mesmo parece um pouco tensa pela
minha presença. Ela bebe um longo gole do vinho antes de deixar a
taça de lado e juntar as mãos no colo.
“Não sei porque foi tão relutante. É uma área que está em
ascensão. Não que eu entenda muito disso, mas é só olhar ao
redor.” Ela volta a conversa amena e sacode a cabeça. Meus olhos
se voltam para ela enquanto tenta arrumar sua mais nova franja.
Mas não alcança a mecha que está fora do lugar.
“Não que eu fui relutante”, começo, me aproximando mais
dela, pedindo permissão com um olhar para ajudá-la com seus
dedos atrapalhados. Daphne me dá um aceno e volta a jogar as
mãos no colo enquanto me coloco na sua frente. “Mas é uma área
um pouco arriscada. Nunca sabemos se vai continuar em alta
amanhã. Pode ser instável e isso não é um lugar confortável”,
comento, enquanto separo a mecha de fios mais longa para colocar
de lado. Daphne fica quieta, pressionando os lábios juntos e franzo
a testa quando meus olhos acabam nos dela.
Daphne tem belos olhos, não são do tipo azul alegre de
Chelsea, é algo um pouco mais profundo, principalmente enquanto
inclina a cabeça para trás, me olhando mais abertamente. Minhas
mãos ainda estão meio inutilmente no ar, próximas do seu cabelo
castanho. Ela abre a boca um pouco, como se quisesse falar
alguma coisa e acho que sou traído pelas minhas maneiras ao olhar
para a forma como seus lábios entreabertos são quase convidativos.
Mas não deveriam.
“Está bem?”, pergunto, e dou crédito a bebida pela minha voz
sair tão baixa, mas também não há necessidade de qualquer
volume. Pela proximidade e por estarmos sozinhos aqui. Apoio
minhas mãos espalmadas nas laterais do seu corpo, ainda de pé em
frente ao seu corpo sentado na bancada baixa. Não sei porque
ainda não me afastei. Tecnicamente, já fiz o que deveria e que
exigia a proximidade. Mas continuo aqui, talvez um pouco mais
inebriado pelos seus lábios tentadores e olhos bonitos do que
deveria.
Ela é uma das minhas melhores amigas.
Daphne engole em seco, dando um aceno e seus olhos
descem por mais tempo do que provavelmente deveria, saem dos
meus olhos e fitam um ponto abaixo do meu nariz e tento não
pensar muito sobre isso. Talvez deva ser o tempo, porque há muito
tempo não me permito proximidade assim com alguém. Tentei
alguns meses depois da ida de Brooke e foi inútil, então preferi não
me iludir novamente que poderia sentir o mesmo desejo.
Mas quando Daphne solta um “mhm”, confirmando que está
bem, ainda que o som saia esganiçado e estranho pelos seus
lábios, faz algo comigo. Definitivamente a pessoa errada para que
eu descubra que ainda sou bem funcional e tentado ao sexo.
Quando noto que estou muito inclinado a abaixar meus lábios nos
dela, porque seu olhar me encoraja muito, decido que devo me
afastar. Entretanto, Daph escolhe esse exato momento, quando
tenho ainda um pequeno lapso de consciência, para lentamente
separar suas pernas.
“Daph…” Não sei bem se minha voz sai com um tom de
repreensão pelo movimento dela. Se fosse uma repreensão, eu
deveria me afastar e não dar um mínimo passo para frente,
encostando minhas pernas no armário embaixo do balcão e me
encaixando no meio das suas pernas.
“Porra Matt…”, a forma como diz, me faz pensar que é mais
um pensamento alto do que qualquer coisa. Daphne parece estar na
mesma batalha mental sobre o que devemos ou não fazer, mas,
felizmente, ela pensa mais rápido que eu quando suas mãos
encontram minha cintura e ela se inclina para frente, me beijando.
Essa provavelmente não é a forma como se devia beijar uma
de suas melhores amigas. Na verdade, eu não devia fazer isso de
qualquer maneira que seja. Mas, ainda assim, espalmo as laterais
de suas coxas e a puxo ainda mais para perto. Daphne beija com
urgência e devolvo esse desejo, mesmo sabendo que deveria me
afastar. É um pouco difícil pensar nisso enquanto a língua dela
passa de forma tão deliciosa pela minha e, seu corpo está tão
quente e convidativo se encaixando no meu. Ou quando sua mão
parece não ter escrúpulos nenhum ao me apalpar a bunda,
pressionando minha frente contra seu meio.
Suas pernas começam a abraçar as minhas, enquanto sua
outra mão passa por todo meu abdômen antes de chegar ao meu
pescoço e ela geme contra os meus lábios, de maneira muito
deliciosa, enquanto parece se divertir tocando meu corpo. Nem
mesmo posso protestar, porque não quero protestar nem um pouco.
Aperto sua cintura levemente com uma mão, talvez tentando achar
algum controle, que não acho, porque logo a subo para seus
cabelos e são muito macios ao meu toque.
Infelizmente, ou não, porque Daphne faz outro som prazeroso
com a boca na minha, meu toque nos seus fios castanhos não é
assim tão gentil. Estou me deixando levar pelo desejo e pela
necessidade maluca que sinto dela nesse momento. Por isso meus
dedos se entrelaçam no seu cabelo meio preso e a força aplicada é
suficiente para que o coque se desfaça, caindo por cima da minha
mão e braço.
Daphne parece estar consumida pelo mesmo sentimento e
acho que não deveríamos ter tomado tanto vinho em uma quarta-
feira, mas isso é o que menos importa enquanto ela puxa minha
camisa para fora da calça social. Ela se ocupa com os botões e
puxo sua cabeça para o lado, inclinando-a em meu toque, para que,
quando desgrudo meus lábios dos seus, tenha um ótimo acesso à
pele quente do seu pescoço.
Ela solta um som como um suspiro enquanto corro os dedos
abaixando sua camisa casual azul-marinho para poder beijar,
mordiscar e lamber seu ombro. Daphne usa um sutiã com uma alça
grossa de renda branca e sinto muita vontade de descobrir mais
sobe a peça enquanto a desço pelo seu ombro também.
“Matt…” Meu nome sai quase como um gemido delicioso
pelos seus lábios, quando ela termina de desabotoar minha camisa
e corre a ponta dos dedos livremente pelo meu peito e abdômen
coberto tatuagens. Quando me ocupo com as abotoaduras nos
pulsos, ela se inclina para traçar um caminho muito bom com a
língua entre meu pescoço e peito.
Finalmente me livro da camisa, voltando a agarrar suas
coxas, não tendo o contato o suficiente e quando sua bunda chega
na beirada da bancada, se encostando em mim totalmente, ela solta
um gemido contra os meus lábios, os quais voltou a beijar com
voracidade, quando percebe minha excitação crescente. Suas mãos
parecem querer decorar meu corpo e seu toque é combustível.
Sou bem pior do que Daphne com os botões de sua camisa
e, por estar demorando tanto para chegar no meu objetivo de me
livrar da peça, desisto de ter paciência quando chego ao quarto
botão de baixo para cima e forço a abertura, ouvindo que alguns
botões se descosturam no caminho, mas nem eu, nem ela, nos
importamos. Na verdade, Daphne joga os braços para trás, me
ajudando a tirar a peça e preciso me afastar, não porque desejo
parar, porém porque preciso olhar o corpo que não consigo parar te
tocar.
Sua pele é clara e limpa, contrastando com meus braços com
muita tinta que a rodeiam. A peça rendada não foi feita para seduzir
ou algo assim, mas a forma como só o pano sustenta seus seios
fartos, dos quais nunca tinha percebido ou olhado de maneira tão
faminta, é bastante sensual. Quando volto a beijar e chupar seu
pescoço, e agora o vale dos seus seios também, Daphne se abraça
em mim e levo minhas mãos para sua bunda, espalmando sua pele
pela calça jeans preta antes de impulsioná-la para o meu colo.
Meu pau quase explode dentro da boxer e da calça social
preta quando ela se encaixa tão perfeitamente em cima do meu
membro. Daphne também sente porque se agarra mais com as
pernas e os braços em mim enquanto toma minha boca para a sua
de novo. Seu peso não parece incomodo algum enquanto a carrego
para fora da cozinha e, talvez eu devesse aproveitar o longo e
macio sofá da sala, mas minhas pernas me levam para a escada e
não tenho muita vontade de pensar racionalmente agora.
Se fosse pensar, a deixaria no chão e não apertaria sua
bunda com o intuito de fazer com que ela se esfregue contra mim
mais um pouco. Me concentro em beijá-la vagarosamente,
aproveitando seu gosto enquanto subo os degraus bem mais
devagar que o comum. Parece ser bem desvantajoso morar em uma
cobertura quando se quer subir o mais rápido possível para o
próprio quarto. Solto um pequeno grunhido contra sua boca quando
Daphne abraça meu pescoço e entrelaça as mãos na minha nuca,
tocando meu cabelo. Adoro ser tocado ali, entre outros lugares.
Finalmente consigo chegar no andar de cima e quase chuto a
porta do meu quarto enquanto entro e a coloco no meio da cama,
me deitando junto, em cima, apoiando um dos antebraços no
colchão. As mãos de Daphne descem rapidamente pelas minhas
costas, me deixando leves arrepios, até que ela chegue no cós da
minha calça e não tem descrição nenhuma quando segura meu
membro pelo tecido, fazendo com que nos dois gemêssemos ao
mesmo tempo.
Ela se inclina quando busco pelo fecho do sutiã, me ajudando
a passar a peça pelos seus braços antes de abrir minha calça social
no momento em que desço minha boca pelo seu pescoço, antes de
tomar um dos seus seios na boca. Mesmo que sua pele pareça
ferver, seus mamilos estão duros e quando provoco um deles com a
língua, ao passo que levo o polegar ao outro. Daphne arqueia seu
corpo contra o meu e isso consegue fazer qualquer controle, que eu
não tive desde o momento que a beijei, ir embora.
Suas pernas se ocupam chutando minhas calças para baixo
e quando ela começa a acariciar meu pau, explodindo na cueca,
solto um som entre um gemido profundo e um grunhido com muito
desejo. Preciso estar dentro dela. Passo a língua pelo vale dos seus
seios antes de me dedicar ao outro e procuro pelo fecho de sua
calça enquanto isso. Pelo menos nisso não tenho dificuldade e logo
me vejo livre da peça.
Me permito observá-la por um tempo. Seu corpo é lindo, suas
curvas mais acentuadas no quadril e seus seios grandes e
deliciosos. Nunca imaginei que fosse ter pensamentos assim
direcionados a Daphne, mas fica um pouco difícil agora, prestando
tanta atenção em seu corpo embaixo do meu, com seus cabelos
espalhados pela cama e a franja jogada para o lado. Com esses
olhos azuis me olhando com tanto desejo. Não consigo evitar notar
como cada parte dela parece uma tentação e volto a explorar todos
os cantos da sua pele com a boca.
Ainda que eu esteja adorando muito prová-la, beijando seu
pescoço, colo, peitos e barriga, quando chego na altura do seu
umbigo e estou com os dedos para tirar a sua última peça de roupa,
Daphne segura meu rosto entre as mãos e me olha. Acredito por
mim instante que ela recobrou os sentidos, que não quero recobrar
tão cedo, mas ao invés disso, o azul parece escurecer enquanto ela
abre os lábios inchados e avermelhados, como a pele ao redor pela
minha barba densa.
“Eu quero muito transar com você”, é o que ela fala, com
muita urgência, e entendo seu pedido. Penso que posso aproveitar
para prová-la em uma próxima vez, mas quando o pensamento volta
para minha cabeça certa, lembro que não pode ter nem essa, muito
menos uma próxima vez.
Mesmo assim, me coloco de novo em cima do seu corpo e
Daphne não parece se importar com a posição, porque suas mãos
apertam minha bunda quando entram da minha boxer e logo depois
começa a descer a peça, assim como eu faço com sua calcinha de
algodão. Meus lábios encontram os dela e é no momento que a
cabeça do meu pau sente a umidade no meio de suas pernas que
me lembro de um fator importante.
“Não podemos fazer isso”, é o que consigo sussurrar entre
nosso beijo, e o que minha mente consegue formar racionalmente.
“Matt…”, ela fala, enquanto me puxa ainda mais colado ao
seu corpo, envolvendo minhas costas com as pernas. “Não seja
racional bem agora”, seu resmungo faz com que eu deseje beijá-la
por mais um bom tempo antes de voltar a falar.
“Não é racionalidade”, digo, finalmente me afastando um
pouco mais para olhar em seus olhos. “Não tenho camisinha.”
Compreendo totalmente a expressão surpresa de Daphne e quase
tenho vontade de falar que é melhor deixamos por isso mesmo.
Com o tempo que estou sem transar e meu desejo muito forte de
fazer isso com ela no momento, sou capaz de gozar antes mesmo
de terminar de entrar nela.
Mas o invés de se afastar, eu ou ela, fico preso em como
quero muito que Daphne seja a Daphne e ache uma solução rápida
para isso antes que meu exploda de tesão. E ela parece pensar por
um instante antes de falar.
“Estou ok e tomo pílula”, é o que ela diz, e acaba mordendo o
canto da boca antes que eu me abaixe e volte a beijá-la. Daphne
entende isso como algum convite e volta a inclinar seu corpo contra
o meu. Também estou ok, como ela mesmo disse, e quando estou
prestes a perguntar se ela tem certeza, Daph parece ler a minha
mente pois murmura um “mhm” contra os meus lábios.
Corro minha mão pelo seu corpo até encontrar o meio de
suas pernas e sentir nos dedos sua umidade. A provoco um pouco,
acariciando vagarosamente seu clitóris e quando Daphne começa a
rebolar em minha mão não consigo me aguentar mais e a penetro
totalmente. Ela solta um gemido e arqueia seu corpo contra o meu.
Fico com medo de ter desaprendido as boas maneiras pelo tempo e
pela vontade, não que acredite que possa se desaprender como o
prazer é incrível, mas sigo um pouco parado até que Daphne pareça
quase frustrada pela falta de movimentação e comece a rebolar
embaixo de mim.
Tomo isso como um convite e seguro sua cintura com uma
mão, apertando um pouco o local enquanto guio nossos
movimentos em sincronia e bato contra ela de forma rápida e dura.
Talvez devesse diminuir o ritmo, porque me sinto o tempo inteiro no
limite, prestes a gozar. Porém, com Daphne me beijando com força
é um pouco difícil, como vem sendo há bons minutos, encontrar
qualquer controle ou raciocínio lógico.
Seus gemidos são baixos ou suprimidos entre nossos lábios,
na mesma medida que os meus. Ela é impressionantemente muito
gostosa e talvez não deva me chocar com isso e, sim, com o fato de
que estou entrando nela com muita vontade. Me separo de seus
lábios, querendo ouvir suas arfadas e me concentro em beijar a
curva do seu pescoço, tentando tardar um pouco mais enquanto
seus músculos internos apertam meu pau com força e me deixam
quase maluco.
Marco sua pele em alguns pontos e espero pelo menos ainda
estar controlando minha força, tanto na minha mão em seu quadril
quanto nos meus lábios que sugam sua pele. Mas ela nem mesmo
parece pensar em protestar enquanto se mexe em meus braços e
quando seus suspiros começam a ficar mais intensos, como os
meus. Pode haver um bom tempo desde a última vez que estive
com alguém, talvez quase um ano, mas sei que Daphne está
prestes a chegar a um orgasmo forte, entretanto não antes que eu o
faça.
Por isso, alcanço o meio das suas pernas e ela treme um
pouco quando começo a movimentar meu polegar em círculos em
seu ponto pulsante. Suas mãos agarram meus ombros com mais
força, mas é quando suas unham descem pelo meu abdômen que
não consigo mais me conter e solto um grunhido alto enquanto gozo
em alguns jorros fortes que fazem meu corpo tremer. Apesar de
estar completamente entorpecido pelo delicioso prazer que transar
com ela acabou de me dar, me mantenho em movimento e acelero
meus dedos em sua carne úmida até sentir seus músculos se
contraírem contra o meu pau enquanto ainda termino de gozar.
A sensação dela chegando ao seu clímax logo depois de mim
é ainda melhor, porque Daphne apoia a cabeça no meu ombro e
deixa um beijo molhado na minha pele suada. É uma sensação
muito boa da qual há mais de um ano não sinto e nem sei porque
experimento. É só muito bom e me faz levar a mão para afastar
seus cabelos da pele, onde os fios grudam pelo suor e beijar sua
testa antes de tirar meu membro que começa a amolecer de dentro
dela.
Transar com Daphne foi incrível, provavelmente muito errado,
mas ainda assim muito bom. E quando baixo meu corpo, deitando
quase inteiro em cima da sua pele quente, antes de me ajustar ao
seu lado, penso que vou gostar de lidar com as consequências do
que não deveríamos ter feito amanhã.
 
 

 
SABE A SENSAÇÃO DE SABER QUE FEZ COISA ERRADA só
pelo tamanho da ressaca que você acorda no dia seguinte? Eu não
sabia como era até o momento em que abri meus olhos essa
manhã, quando o corpo de Matt pesa em cima do meu. Estou em
um pequeno casulo em seu abraço e seus braços muito musculosos
me abraçam de ambos os lados, encostando minhas costas em seu
peito tão musculoso quanto, além de bem quente.
Provavelmente não é o lugar onde eu deveria acordar.
Definitivamente o lugar e a pessoa errada.
Vamos aos pontos, temos vários positivos e muitos mais
negativos. A social estava um porre e nem mesmo sei o porquê
achei que queria repetir a dose com Jeremy, ele é bem mediano em
todos os sentidos possíveis. A ideia de me divertir com um dos
meus melhores amigos, que conheço basicamente desde que nasci,
pareceu muito boa e sempre foi. Mas talvez a gente não devesse ter
bebido tanto vinho e talvez meu corpo não devesse ter reagido tanto
para o toque dele.
O fato foi que a proximidade do seu corpo com o meu, e
depois de ontem acho que posso me permitir nem que seja só um
pouco pensar que o corpo de Matt não é só atraente e sim, vai muito
além disso. A pele pintada pelas tatuagens, os músculos tão firmes
e grandes que vibravam e respondiam aos meus toques, a força
com que ele abraçava minha cintura e apertava meu quadril e
coxas. Nem mesmo precisaria ir tão longe, o beijo me basta para
admitir que foi complicado manter o controle.
Ele beija do tipo que tira o fôlego, que te faz ansiar por mais e
raramente eu anseio por mais de forma tão necessitada assim.
Era quase como se, caso eu não transasse com ele ontem à
noite, meu corpo poderia entrar em combustão sozinho e se derreter
ao mesmo tempo. E tudo isso me levaria a maior frustração sexual
da minha vida.
Talvez agora me venha a maior frustração sexual ao me
lembrar todos os dias que esse sexo é algo que não vou mais ter,
porque não posso e nem devia ter feito uma vez.
É um pouco difícil manter meus pensamentos nesse sentido,
de que isso nunca mais deve acontecer, enquanto Matteo meu
abraça contra o seu corpo nu e sinto uma ereção matinal nas
minhas costas. Um agradável, de fato, lembrete da última noite, mas
também de que devo ir embora o mais rápido possível. Missão
complicada quando seu corpo forte está quase em cima de mim
totalmente.
Me mexo, na esperança de testar meu espaço para sair, mas
só acabo me frustrando ainda mais ao perceber que não vou
conseguir me livrar dessa posição tão cedo, como gostaria. Mas
meu movimento parece incomodá-lo, porque alguns instantes
depois solta algo entre um suspiro e uma bufada, se virando de
barriga para cima na cama, desvinculando seu braço de cima do
meu corpo, assim como suas pernas entrelaçadas nas minhas.
Ele nem mesmo devia estar confortável nessa posição me
abraçando.
Não tomo muito tempo para pensar sobre isso, escorrego
para fora da cama o mais silencioso e rápido possível antes de
começar a juntar minhas peças de roupa e ir para o banheiro.
Gostaria de um banho, mas vou ficar com uma água no rosto, uma
escovada de dentes e talvez um pouco de dignidade e vergonha na
cara. Visto minhas roupas e saio na ponta dos pés para descer as
escadas, me julgando internamente por desejar parar para admirar
Matt dormindo tão relaxado.
Nada de ternos bem engomados, cabelo bem ajustado ou
expressão dura. Ele dorme de forma muito pacífica.
Mas, ainda assim, desço as escadas reparando em como seu
apartamento parece ainda mais bonito no nascer do dia do que a
noite, com as luzes entrando pelas enormes janelas da sala. Tudo é
bem mais branco do que no seu antigo, quase parecendo como algo
menos sombrio, mas ainda contrastando muito com a pessoa que
Matt se tornou após a morte de Brooke.
A adorava e me sinto culpada por estar me esgueirando pela
cozinha do apartamento do noivo… ou ex noivo, de uma pessoa tão
doce como Brooke era.
Me esgueirando para procurar uma camisa que está com
pelo menos três botões arrebentados.
De jeito nenhum vou sair daqui com essa cara de culpada e
sem roupa. Tenho um pingo de dignidade, um pequeno pingo.
Junto a camisa branca imaculada que ele usava ontem e,
diferente dele, mantive os botões ao tirar, por isso passo o tecido
largo pelos braços. Ajusto as mangas, apesar de saber que vai ficar
bem claro que essa roupa não foi feita para mim. Procuro pela
minha bolsa e calço meus tênis depois de guardar minha camisa
destruída, gosto dela e espero ainda conseguir recuperar a peça.
Pronta para ir e, preferencialmente, evitar Matt pelos
próximos meses além de tentar esquecer sobre ontem à noite, pego
um bloco de notas em cima da mesa de centro da sala e vou até à
ilha da cozinha. O que escrever para um de seus mais antigos
amigos após sair de fininho do apartamento dele após uma noite de
vinhos e sexo? Não acho que exista um protocolo interessante para
isso.
“Se está cogitando o que deve ou não deixar escrito em um
bilhete enquanto vai embora sem me avisar, talvez possa descobrir
o que dizer agora, que estou acordado.” Esse é um dos momentos
em que quase desejo que minha mãe esteja certa e que eu tenha
minha mente fértil demais, ouvindo a voz grave dele soar pelo andar
de baixo enquanto paira totalmente incrível… totalmente acordado,
em nada além de uma calça de moletom. Matteo está parado na
escada, três degraus antes de pisar na sala de estar e a forma que
me olha contém uma pergunta implícita. Só ainda não sei qual, das
inúmeras que rodam a minha mente, é a que ele quer fazer a mim.
Faço uma careta, fechando os olhos com força, torcendo o
nariz, enquanto largo a caneta na bancada. Me viro para ele,
passando a mão nos fios da minha mais nova franja, que não está
das mais alinhadas essa manhã, enquanto cogito mesmo o que
falar.
“Não quis te acordar”, é o que eu consigo dizer, enquanto ele
termina de descer os degraus e caminha até onde estou. Sempre
gostei de me considerar uma mulher inteligente e com
personalidade, mas não há nada de inteligente no que falo. Pareço
mais uma garotinha abobada aqui, tentando buscar seus olhos e
não outras partes tão interessantes quanto do seu corpo.
“Deveria.” Esse se parece mais com o Matteo que eu
conheço, frases extremamente curtas e sem emoção. “Café?” Ele
corta o pequeno silêncio que se forma após a declaração,
quebrando também o pequeno feitiço que estávamos, um
encarando o outro do lado de fora da bancada da cozinha aberta.
Balanço a cabeça em negação, mas mudo de ideia e falo.
“Talvez seja bom um café antes de ir.” Provavelmente não,
mas não quero simplesmente ir embora agora como se estivesse
envergonhada. Gosto de pensar em mim mesma como uma mulher
forte e não do tipo que faz algo parecido com uma caminhada da
vergonha porta afora do apartamento de um dos melhores amigos.
Matt se coloca a fazer o café e sigo seus movimentos com os
olhos, ainda parada no mesmo lugar. Ocupo minhas mãos para
parecer menos tosca e faço um coque sem elástico no meu cabelo
antes de checar as horas no meu celular. Uma xícara aparece na
minha frente no momento que percebo ainda ser cedo demais para
usar a desculpa do meu trabalho para sair correndo.
“Vai para a faculdade hoje?”, pergunto, antes de beber um
gole, mirando um ponto mais seguro como a xícara branca ao invés
do seu torso nu ou do seus olhos verde-musgo. É uma conversa
segura, pelo menos é o que eu acredito, e espero deixar claro que
estou tentando evitar qualquer assunto constrangedor.
“Não, vou para o escritório.” Dou um aceno e um novo
silêncio se faz presente antes que eu tome coragem para mirar
meus olhos mais acima e Matt tomar fôlego nesse momento para
dizer algo: “É… sobre onte…”
“Melhor não comentarmos sobre o assunto, de verdade. Não
há necessidade nenhuma de tamanho constrangimento”.
interrompo-o, com meu turbilhão de palavras e deixo a xícara na
bancada antes de voltar a colocar minha bolsa no ombro. “Acho
melhor eu ir ou vou me atrasar para o trabalho.” Pode ser verdade,
mas pelos meus cálculos, é mentira.
“Daph…” Novamente o corto, já fazendo meu caminho para a
porta.
“Está tudo bem, Matt. Nós provavelmente deveríamos…
deixar isso passar, não sei.” Dou de ombros, abrindo a porta, sem
dar espaço para uma réplica dele. “Preciso mesmo ir… Tchau e
obrigada.” E quando noto o que digo e que não tenho o porquê dizer
isso, apesar de pensar em uns motivos, acrescento rapidamente:
“Pelo vinho.” Fecho a porta sem que Matteo consiga esboçar
alguma reação antes disso e me apresso no botão do elevador com
uma careta.
Que droga foi essa, Daphne?
É o que passo o tempo inteiro me perguntando enquanto
desço pelo elevador. Pelo menos tive consciência limpa para
chamar um carro pelo aplicativo, além de sorte de não topar com
nenhum conhecido. Não duvido nada que outros pomposos morem
nesse prédio chique. Ajusto minha franja no espelho do elevador
antes de sair com um suspiro e o motorista avisar que já me espera.
Troco algumas amenidades com o homem que não parece
muito mais velho que eu, antes de pegar meu celular e começar a
checar os compromissos do dia. Única vantagem de acordar mais
cedo do que o meu horário normal, é que provavelmente me sobrará
tempo para, pelo menos, começar a trabalhar no caso que deveria
ter olhado ontem à noite. Mas quando meu celular toca, sei que não
sou a única advogada acordada na costa leste que já pensa em
trabalho.
“Droga!”, sussurro, antes de atender a ligação.
“Daph? Te acordei?” A voz de Mike soa do outro lado da linha
e respiro fundo achando minha coragem porque acabei de fugir do
apartamento do melhor amigo do meu irmão gêmeo.
Claro que não, Mike, imagina. Acordei cedíssimo na cama do
Matt. Nua, porque fiquei assim na noite passada depois de umas
taças de vinho, o que me categoriza como carente demais, eu acho.
Claro que não me acordou.
Mas eu nunca poderia dizer isso, ainda que honestidade
sempre tenha sido algo muito forte na minha relação com o meu
irmão gêmeo. O que me faz sentir uma pessoa muito horrível por
mentir, além de ter feito o que eu fiz. Espero esquecer o ocorrido o
mais rápido possível para não passar pelo mesmo constrangimento
quando acabar falando com Becks.
“Daph?” Ele chama de novo pelo meu longo silêncio.
“Mike! Não, estou acordada há um tempo já. Bom dia, por
sinal.” Tento parecer… normal, e não muito agitada. Mas não sei
como normalmente falo com o meu irmão, quando não tenho essa
pequena grande culpa nas costas. “Algum problema?”
“Ligações matinais para minha irmã estão fora de cogitação.”
“Acho que você não gostaria que estivessem em cogitação
ou posso começar a te ligar domingo antes das sete da manhã e
imagino que posso te encontrar bem sonolento, talvez leve ressaca
e acompanhado.” Mike dá uma risada abafada do outro lado da
linha e percebo que não me sinto nem um pouco com ressaca. Duas
garrafas deveriam me deixar de ressaca. Coisas que o sexo cura,
pelo visto.
“Está bem, melhor não mesmo”, ele fala, e escuto o farfalhar
dos papéis que Mike mexe. “É sobre um processo, é um caso de
uma pessoa física, e não jurídica, e como não costumamos lidar
com isso na empresa. Você está vendo mais disso, pensei que
poderia me ajudar em uma parte. Estou montando a defesa do
acusado, entretanto, já quebrei minha cabeça e não sei o que usar
para me desfazer de uma parte da acuação. Sei que há algo,
porque minha mente entende isso, mas não consigo me lembrar ou
chegar nesse pensamento.”
“Nossos pais estão aceitando processos assim agora? Prefiro
nem saber do que se trata, provavelmente alguém bem corrupto e
amigo.” Reviro os olhos sozinha antes de chegar ao meu destino.
Saio do carro para entrar no meu prédio, nada glamoroso ou cheios
de luxo. “Me mande a parte por e-mail que tento ver isso logo
quando chegar no escritório ou durante o café.” Arrasto meus pés
pela escada, controlando minha respiração para não parecer
suspeita. “Como estão as coisas?” Última vez que conversamos,
Mike entrou em uma briga com nosso pai sobre a empresa.
“Distantes.” Quase vejo meu irmão dando de ombros. “Onde
está?”, ele pergunta, quando entro no meu apartamento, e talvez
devesse ter tentado não fazer tanto barulho com a porta.
“É… hm… Fui comprar meu café da manhã.” Balanço a
cabeça em negação para minha desculpa ruim enquanto deixo
minha bolsa no sofá e caminho até o quarto. “Distância às vezes é
melhor.” Volto ao assunto para que Mike não se prenda ao fato, e
funciona.
“Está sendo. É melhor não ter eles se intrometendo na minha
vida. Mamãe está mais fácil de ceder. Já se afastou, mas o velho
insiste que com quase sessenta anos, ainda tem pique para a
corte.” Preferi me retirar quando me foram ditas palavras bem ruins,
porém não significa que não esteja torcendo de longe para que
meus pais descem a diretoria do escritório para Mike o mais rápido
possível. E isso nem é só pela possibilidade de voltar para Nova
York um dia.
“Tudo está se encaminhando.”
“Talvez.” Ambos suspirados. “Tá bem, já estou te mandando.
Vou deixar que tome seu café. Tchau.” E mal tenho tempo antes de
dizer um tchau quando ele desliga a chamada.
Começo a tirar minha roupa no caminho para o banheiro. Um
banho vai me ajudar muito a me recompor totalmente.
Pelo menos é o que estou fielmente acreditando quando
entro embaixo da água fria, mesmo que prefira banhos mornos.
Provavelmente estou precisando muito mais da água fria por
motivos dos quais quero não pensar muito ou precisarei gastar a
manhã embaixo da água.
Curiosidades sobre a noite passada: Sexo com o Matteo é
incrível e fiquei mesmo querendo descobrir os demais talentos dele
na cama, ou fora dela. Curiosidades sobre hoje: Não estou mais
bêbada como ontem para pensar assim e justo por esse motivo, não
queria pensar assim.
Com um gemido frustrado, saio do banheiro enrolada no meu
roupão fofo e caminho até meu quarto. Ainda preciso achar cérebro
o suficiente para conseguir trabalhar. Tenho pelo menos dois casos
me esperando para o dia e preciso entregar ambos antes do fim do
mês, mas, além desses, tenho mais quatro casos para avaliar e
passar para meu chefe, quem de fato vai para os tribunais. Não é
um lugar ruim, só é preciso esperar até as promoções chegarem e,
honestamente, acho que vou ganhar um processo só meu ainda em
setembro. Há um caso de divórcio na minha mesa e seria muito
descrédito que não me dessem nem um caso mixuruca de divórcio.
Só quero poder ir para a corte, defender meu cliente e sair de
lá com um caso ganho.
Eu, Daphne Laurent-Davis, a advogada novata com um caso
ganho no currículo.
Poderia esfregar isso na cara dos meus pais com satisfação.
O dia mal começou e sei que vai ser um dia quente de fim de
verão, assim como um dia muito atarefado no escritório e, por esse
motivo, escolho um jeans claro com uma blusa de alcinha de seda
com detalhes no decote em renda. Um blazer combina bem, mas
apesar de separá-lo, sei que não vou passar mais que uma hora do
meu dia com ele. Começo a me vestir quando meu celular toca da
mesa de cabeceira, onde está carregando.
Que maravilha! Virei uma pessoa para ligações matinais pelo
jeito.
“Ah, merda!”, solto, sozinha no meu quarto quando atendo a
ligação de Becks. Ótimo, só as pessoas erradas resolveram me ligar
hoje. Ótimo, muito bom mesmo. “Oie, Becks!”
“Daph, achei que ainda fosse estar na cama.” Não sou uma
pessoa matutina e todo mundo sabe disso, acordo só a tempo de
entrar em uma roupa e sair para o trabalho com um café na mão.
“Muitos processos para analisar, felizmente, cara amiga.”
Porque isso pelo menos significava um salário gordo o suficiente no
fim do mês. E é uma mentira convincente. “Você também não é uma
pessoa matutina, mas acredito que foi acordada por uma pessoa
bastante matutina.” Zach é do tipo academia logo cedo e, por Deus,
eu morreria só de pensar em me exercitar antes de ter pelo menos
duas refeições no corpo.
“É, mas dormi cedo ontem depois que cheguei. Inclusive,
como foi seu voo?” Provavelmente chegamos no mesmo horário, já
que meu voo saiu poucos minutos depois do dela e são quase as
mesmas duas horas e meia de viagem. Além disso, fico grata pela
pergunta ser relacionada ao voo e não a qualquer outra parte da
minha noite.
“Tranquilo”, respondo, e minha voz de tranquila sai super
esganiçada, por isso mudo de assunto. “Aconteceu algo?”
“Não, só estou pensando na Chels.” O motivo da nossa ida a
Nova York. “Acha que ela e Josh vão voltar? Que ela vai conseguir
parar de ser cabeça dura?”
“Penso que esse cara mudou nossa Chelsea e, bem, a
conhecendo, se realmente quiser ficar com ele, vai ficar. E acho que
ela quer. É só questão de tempo até que perceba isso. Você
também tomou o seu tempo.”
“Sim, eu sei, mas são situações diferentes.”
“Não muda o sentimento real, pelo que eu entendo”, rebato.
“Como pode ser a pessoa que tem as palavras mais sábias e
melhores conselhos e ainda ser a única solteira?”
“Esse é exatamente o motivo de eu preferir continuar
solteira!” Ligo o viva voz para voltar a me vestir.
“É. Honestamente sempre acreditei que fosse por não existir
bem uma pessoa a sua altura. Mas também nunca achei que
houvesse alguém no mundo que fosse capaz de entrar tão
profundamente no coração de Chelsea.” Becks está certa, sempre
pensei isso também. “Talvez seja a próxima na linha dos acertos.”
“Vamos aguardar confortavelmente sentados, sendo assim.”
Dou de ombros sozinha.
“Óbvio. A pressa é inimiga da perfeição, é o que dizem. Eu
mesma preferiria encurtar meu tempo longe de Zach, mas imagino
que foram dias de aprendizagem.”
“Você parecia terrível e achei que fosse se tornar alcoólatra.”
Visto minha blusa e pego meu celular na cama antes de sair para a
cozinha e fazer uma quantidade absurda de café.
“Ok, eu tomava só uma ou duas taças por dia, isso é normal.
Estava sofrendo.”
“Tá bem, entendo, senhorita aprendizagem.” Ambas damos
risadas. “Mas acho mesmo que Chels vai ficar bem, e qualquer
coisa, sempre terá nós duas para o que precisar.” Moveria o mundo
pelas minhas melhores amigas e meu irmão.
“É, isso é verdade.” Becks solta um suspiro do outro lado da
linha quando o cheiro de cafeína começa a invadir meu apartamento
médio. “Preciso ir, Zach chegou da academia e é meu momento de
ter um café da manhã bem gostoso.” Isso acaba sendo bem amplo
para interpretações. “Beijos, amo você.”
“Beijos, amo você e tenha um bom dia.”
Jogo meu celular na bancada e penso que não são nem oito
da manhã e já passei por três testes. Um sobre autocontrole, logo
ao acordar. E outros dois sobre como ser uma boa mentirosa para
duas das três pessoas das quais não consigo esconder
absolutamente nada. Odiaria precisar contar a Beck sobre o que
aconteceu ontem à noite, e odiaria ainda mais precisar contar ao
meu irmão.
Única saída é passar por um terceiro teste e mentir para mim
mesma que isso nunca aconteceu.
 
 
O que de fato estava funcionando até quase um mês depois.
É sexta-feira e a maioria dos meus colegas de trabalho estão saindo
para aproveitar um bom começo de final de semana no meio de
outubro, enquanto eu prefiro continuar me mantendo longe de
qualquer bebida alcoólica e seguir trabalhando no meu caso. Está
perfeito, minha defesa está impecável e já estava desde o início da
semana, quando finalizei e comecei o meu trabalho de colocar
defeitos em todas as partes.
Mas está perfeito agora e as chances de eu ganhar no
tribunal estão acima dos setenta por cento. O trabalho me deixou
ocupada o suficiente, uma vez que sempre fui extremamente
perfeccionista no meu papel de Dra. Daphne, para que não lembre
sobre a noite prazerosa ao lado de um dos meus conhecidos de
mais longa data. Se eu não mentisse para mim mesma, fantasiei um
pouco sobre as coisas, que infelizmente não aconteceram naquela
noite, enquanto me divertia sozinha em meu próprio prazer a noite
no meu apartamento.
Dizendo as palavras corretamente, posso ter me masturbado
pensando sobre Matt algumas vezes desde o ocorrido, e isso não
me faz uma pessoa boa, muito menos me ajuda a parar de desejar
por uma segunda vez.
Nem mesmo precisei de taças e mais taças de vinhos para
esses momentos, principalmente porque, desde aquela noite, ainda
que eu deseje uma segunda vez, tenho medo que perca o controle
real sobre minhas ações e acabe a noite em uma ligação para sexo
vergonhosa. Então me mantive totalmente sóbria no último mês e
peguei mais trabalho do que o necessário, o que me fez descobrir
que minha mente consegue trabalhar em dois sentidos ao mesmo
tempo.
Bem, eu estava conseguindo lidar bem com toda a situação,
ou o melhor que posso, até esse exato momento, quase seis da
tarde, quando sou uma das três pessoas restantes no escritório.
Estava conseguindo lidar bem até receber a seguinte mensagem.
 
Matt: Está ocupada hoje?
Matt: Queria conversar com alguém.
 
Ok, isso, sim, soa bem mais estranho do que uma chamada
para sexo as três da manhã. Não lembro qual foi a última vez que
ouvi algo desse sentido, ou li, vindo de Matteo. E só sei que ele
ainda realmente conversa e desabafa com as pessoas por ser
melhor amiga de Rebecca e por Mike ser o melhor amigo dele,
ainda que o teor das conversas nunca chegue até mim.
 
Daphne: Não exatamente.
Daphne: Aconteceu alguma coisa?
Matt: Não.
 
Como eu disse, nada de frases elaboradas. Mas ainda assim,
existe alguma coisa dentro de mim que me impede de ser uma
amiga ruim.
 
Daphne: Ok.
Matt: Quer passar no meu apartamento depois do trabalho?
Daphne: Não podemos sair para jantar? Estou faminta.
 
Ainda que eu tenha feito um lanche com um queijo quente e
uma barrinha de cereal há nem duas horas, além de ter almoçado
um belo prato de risoto de camarão e comido entre essa refeição e
o queijo quente. Trabalhar em acesso deve deixar as pessoas ainda
mais famintas. Também acho que seja um pouco mais seguro estar
em um local público com ele do que em seu apartamento.
 
Matt: Claro, vou fazer a reserva e te mando o lugar e horário
assim que conseguir.
Daphne: Está bem.
 
Fico feliz em não ser questionada pela minha escolha, não
sei se estou nas melhores das condições ainda para estar
novamente sozinha com ele em seu apartamento e penso sobre
como agir durante o jantar no caminho inteiro que faço a pé até em
casa. Ele me manda a reserva que fez em um restaurante italiano
não tão distante de onde fica seu apartamento e pelos meus
conhecimentos sei que é um dos melhores da cidade.
Minha barriga ronca só de pensar em um prato de macarrão
enquanto saio do banho e seco meu cabelo com o secador. Precisei
aparar minha franja essa semana e fico feliz em como está bem
mais acomodada agora do que com os fios crescidos. Gosto do
estilo e da suavidade que ela me dá. Acho que veio para ficar.
Entro em um tubinho preto e calço scarpins da mesma cor
antes de disfarçar as olheiras e bater um pouco de pó e blush no
rosto, além de rímel. Aplico uma leve camada de lip tint enquanto
aguardo pelo carro que chamei no aplicativo, já que preferi também
dispensar a carona oferecida, e desço no elevador exatos dez
minutos antes do horário marcado.
Meu vestido tem mangas longas, e optei por não pegar um
casaco. Mas me arrependo quando chego no restaurante, porque o
vento gélido começar a mostrar que o outono bate à porta. A
recepcionista nem mesmo precisa de muitas palavras para me dizer
que Matt já chegou e me levar até a mesa. Ele está vestido em suas
roupas de sempre dos últimos três ou quatro anos. Um terno
completo de três peças com uma gravata combinando, o cabelo
muito bem alinhado e a expressão bem séria.
“Boa noite”, é o que me fala, ao puxar minha cadeira para
que eu me sente.
“Oie!” Não precisamos fingir tão pouca naturalidade assim um
com o outro. Deixa o clima ainda mais estranho, mas sei que boa
noite é um cumprimento estilo Matt de sempre. “Espero não ter te
feito esperar muito, o trânsito fica caótico para esse lado da cidade
no final de semana”, comento, enquanto aceito a taça com água que
o garçom me segue, porém recuso que ele encha a outra com o
vinho que Matteo já bebe. Ele me olha com a sobrancelha arqueada
após o garçom nos deixar e levanto os ombros. “Estou evitando o
álcool, preferindo ficar sóbria e essas coisas.”
“Certo.” E pelo seu tom de voz acho que ele compreende
mesmo que o que quero dizer é que prefiro ainda mais evitar o vinho
ao lado dele e evitar um replay. “Está bonita.”
“Obrigada.” Ofereço a ele um sorriso gentil pelo comentário e
acho que conseguimos voltar ao nosso normal, já que elogios
tranquilos fazem o estilo dele, assim como sair para jantar sem
nenhum outro pensamento muito tosco ou obsceno. “Já pediu
alguma coisa?”
“Estava te esperando, para falar a verdade. Vim aqui uma só
vez.”
“Somos dois, vim aqui com Mike no meu primeiro ano. Exige
muitas etiquetas para a quantidade de álcool que costumamos
consumir normalmente e risadas não são aceitas pelos casais de
meia-idade que frequentam o lugar. Mas a comida é deliciosa, foi
uma ótima escolha.” Até porque vejo que casais mais jovens
ocupam a maioria das mesas nessa sexta-feira à noite e prefiro
pensar que existem outros pares de só amigos jantando juntos hoje,
assim como Matteo e eu.
“Claro.” Ele me dá um aceno e mesmo sabendo que foi ele
quem fez o convite, percebo que serei eu a fazer a maior parte da
conversa na mesa por alguns bons minutos até conseguir arrancar
um Matteo mais falante dele. “Quer fazer os pedidos?”
“Sim, por favor.” E enquanto abro o cardápio, ele chama o
garçom que anota minha entrada e prato principal muito refinados,
mas grandes o suficiente para matar minha fome. “E então? O que
houve? Não deveria estar a caminho de Nova York para o jantar dos
seus pais amanhã?” Não é todo dia que o casal Drake faz
aniversário de trinta e um anos de casado ou pelo menos é isso que
Theodore e Marise pensam para sempre comemorarem a data com
pelo mínimo um jantar quase de gala.
Mas Matt solta um longo suspiro com uma quase careta
antes de beber um grande gole de sua taça de vinho.
“Está bem, agora me deixou ainda mais intrigada, Drake.
Pode me contar o que aconteceu.”
“Não estou no meu melhor momento com meus pais.” Fito ele
por tempo o suficiente para perceber que vai precisar me dar mais
do que isso. “Com minha mãe, em específico. Então preferi não ir,
mas isso não evita com que eu me sinta um pouco… culpado.”
“O que aconteceu com vocês dois? Sempre foi o preferido da
tia Mar.” E isso nunca foi segredo nem mesmo para Rebecca.
“Não acho que possa te contar.”
“E por que não poderia?”
“Porque contaria a Becks.” E essa revelação faz com que eu
abra minha boca em um pequeno choque antes de pensar sobre o
assunto enquanto bebo minha água e encosto com as costas na
cadeira.
“Sério desse tanto?”
“É… complicado.” Matteo suspira de forma pesada e eu
descanso as mãos nas pernas, esperando-o formular seus
pensamentos. “Sei que parece bem inútil agora, porque não posso
te contar o que é, mas também fui eu quem te chamei para o
jantar...”
“Não é inútil”, digo baixo.
“Mas você é meio que minha única amiga aqui e… não sei,
acho que queria me distrair um pouco.” Ele levanta os ombros e o
ato parece relaxado demais para seu terno bem passado.
“Tudo bem, acho que posso tentar te distrair um pouco.”
Ainda que a fala possa ser levada a um sentido bem diferente do
que me foi pedido. “Tenho minha primeira sessão sozinha na
segunda, estou super ansiosa!”, conto, e ele alarga os olhos, um
pouco impressionado, e vejo uma pitada de orgulho pela forma que
me olha também.
“Mas já esteve no tribunal, certo?”
“Nunca sozinha, já fui auxiliar. Entretanto, essa vai ser minha
primeira vez sozinha. Divisão de bens do divórcio. Um casal de
trinta e poucos anos, sem filhos, porém com uma fortuna. Minha
cliente está mais do que bem amparada pela contrato pré-nupcial.”
Minha empolgação é clara e Matt dá um meio sorriso com um aceno
de cabeça.
“Esses são os casos que nunca vou entender.”
“Sim! Por que entrar em um processo chato e demorado
sendo que você mesmo optou por um acordo que já prevê tudo o
que vai acontecer? Eles tiveram três testemunhas do acordo, além
dos responsáveis, e todas as testemunhas alegam que o noivo
estava ciente e todo o resto. Acho que a quantidade de dinheiro é
alta o suficiente para que eles queiram gastar em algo fulo assim.”
“Pelo menos você está se dando bem”, ele aponta, e bebo
um gole da minha água bem a tempo das nossas sopas de entrada
chegarem.
“Sim, pelo menos meus bolsos estão se enchendo.” É uma
quantia bem gorda de comissão caso eu ganhe. “Como estão indo
as coisas? Conciliando bem a empresa e a faculdade?”
“Acredito posso colocar assim. Conseguimos formar uma boa
equipe no escritório, então estou só coordenando algumas
demandas e no fim elas passam prontas só para o meu visto final.
Um dos melhores empregados vem sendo um recém-formado. Mike
o indicou, fez estágio até o verão no escritório dos seus pais”, ele
me conta, quando começamos a comer nossa sopa que tem um
cheiro incrível e poderia mesmo ser acompanhado do vinho que
Matt toma, mas acho melhor não arriscar. “E estamos começando a
desenhar nossa pesquisa central. As coisas ainda estão calmas na
faculdade, apesar de eu já ter uma noção maior de com o que quero
trabalhar na pesquisa.”
“Garanto que já tinha isso pronto há muito tempo.” Sempre
muito organizado.
“Talvez, mas estou feliz em poder trabalhar com esse
assunto. Das coisas estarem se encaminhando bem.” Posso ver um
pouco do brilho no seu olhar, um brilho que há tempos não é mais
tão frequente quanto qualquer um de nós gostaria. Isso me faz olhar
de relance entre uma colherada e outra e notar que, assim como
naquela noite, Matteo ainda usa sua aliança de noivado.
Isso me incomoda um pouco hoje, mesmo que não tenha me
incomodado da última vez, ou até mesmo me feito pensar muito
sobre o assunto. A fina peça virou quase como uma parte dele, mas
hoje penso que gostaria que ele conseguisse deixar isso para trás.
“Fico feliz por você”, digo mesmo assim, dando um sorriso e
empurrando todos os pensamentos ruins de lado.
 

 
“OBRIGADO POR VIR HOJE”, digo para Daphne, quando estamos
no hall de entrada do restaurante, esperando meu carro chegar.
Bebi só três taças rasas e me sinto bem o suficiente para ainda
poder dirigir.
“Somos amigos”, ela me responde, com um sorriso simpático,
e agradeço pelo momento tranquilo. Conseguimos passar a noite
sem tocar no assunto infortuno da noite no último mês e a última
coisa que eu precisaria era perder outra pessoa próxima a mim.
“Sim, eu sei”, é o que acabo falando, quando meu carro é
finalmente manobrado na entrada e abro a porta do passageiro para
que Daphne entre.
Ela aceitou uma carona de volta para casa e acho que isso
acaba agregando ainda mais nossa pequena normalidade. O que
me deixa cada minuto mais tranquilo de que nossa transa não
estragou com nossa amizade de anos. Não posso dizer que não é
complicado não a olhar agora com olhos um pouco diferentes do
que antes, sei de cor todas as curvas que estão escondidas, ou nem
tanto, por baixo do tecido preto do seu vestido. E essas lembranças
me fazem voltar para a outra noite.
“Mesmo assim, obrigado”, repito, antes de fechar a porta
quando ela entra e rodar o veículo para o lado do motorista.
“Tudo bem. De nada então”, ela diz com um suspiro. “Não vai
mesmo para Nova York? Sei que vão dar um jantar bem chique,
mesmo que mais íntimo. Julgo que nada de eventos tão pomposos
para esse ano.” Quase reviro os olhos para isso, mas me contenho
porque não preciso de Daphne desconfiada ainda mais do meu
comportamento.
“É. Só um jantar esse ano.”
“Não vai me contar o que aconteceu, não é mesmo?”, ela
insiste, e se vira para me olhar melhor, o máximo que o cinto de
segurança permite.
“Precisa me dar seu endereço”, mudo de assunto, oferecendo
meu celular desbloqueado para Daph com uma das mãos enquanto
a outra fica no volante. “Tenho um aplicativo aí”, digo, quando saio
da entrada do restaurante para a rua.
“Acho que vou encarar sua resposta como talvez um dia,
sendo assim.” Isso me faz soltar um riso lufado pelo nariz, porque
sei como ela é muito insistente e pode acabar voltando no assunto
em breve. “Além de tudo, não precisa agradecer. Acredito que obtive
meu pagamento com um belíssimo prato de macarrão com molho
pesto pago no seu gordo cartão de crédito. Nunca me daria o luxo
disso.” Daphne parece uma criança com esse olhar travesso para
mim, uma criança que tem a certeza que vai conseguir o que quer,
mas sou bem mais forte do que isso. Não vou começar a espalhar
os meus segredos ruins de família, ainda que possa ter ficado
tentado durante a noite inteira.
Por isso só balanço a cabeça negativamente antes de olhar o
endereço que ela colocou e começar a seguir a rota do GPS.
“Vai para o aniversário da Becks?”, ela pergunta.
“Vou. Fiquei contente que ela decidiu voltar para Nova York
na ocasião.”
“Acredito ser uma tradição.” Talvez seja mesmo e Daphne
esteja certa, mas de qualquer forma, estou quase ansioso demais
para poder ver minha irmã mais nova de novo. Nunca ficamos muito
tempo longe e mesmo com as ligações frequentes, ainda sinto muita
falta de ouvi-la tagarelando sobre as coisas e fazendo meu dia
melhor.
“Você vai?”
“Não fui no último ano, acho que é justo tentar ir nesse. Mas
pretendo ir só no jantar da quinta à noite. Quero voltar na sexta
ainda. Não vou conseguir dois dias inteiros de folga mesmo que
consiga adiantar todos meus afazeres”, ela diz, com um dar de
ombros. “Sem festa de Halloween para mim esse ano, eu acho. Aqui
ou em Nova York. Estou ficando um pouco desanimada demais para
essas coisas.” Posso mesmo dizer o mesmo porque me esforço
para não estragar as noites do dia trinta e um nas festas onde
comemorávamos o aniversário de Rebecca. Além disso, todos só
acabamos animados pela empolgação de Chelsea, que
basicamente é a anfitriã do evento.
“Estou pensando em ir na quinta, mas fico até na segunda.
Acho que vou aproveitar para dar uma passada na empresa quando
estiver lá”, comento com ela, que me dá um aceno. Deixamos que o
silêncio tome o espaço por algumas esquinas até que eu resolva
voltar a trazer o assunto com um convite. “Se quiser, podemos ir
juntos.” Porque o plano é ir de carro e, de qualquer forma, não vejo
porque não oferecer a carona.
“Claro, podemos ver.” Mas ela não tem nenhum entusiasmo e
acredito que isso signifique um simpático não. Não me importo tanto
com sua recusa. Se passar a fazer grande coisa de todas as
atitudes defensivas de Daphne, não teria passado o jantar são e
tenho mesmo vontade de lhe dizer quem fugiu sem conversamos e
acertarmos sobre o assunto foi ela, não eu. Ainda que não fosse
haver lógica em eu fugir do meu próprio apartamento.
“Tudo bem, me avise. Caso decida”, digo após um tempo,
quando me aproximo do prédio de tijolos a vista onde ela mora, ou
pelo menos onde o GPS me manda. Estaciono o carro junto ao meio
fio. “É aqui?”
“Sim!” Daphne parece quase querer pular do carro e isso me
ofende um pouco, ainda que eu não diga nada.
“Tudo bem, obrigado mais uma vez”, repito, e ela me dá outro
aceno estranho de cabeça.
“Obrigada também. E eu te aviso. Tenha uma boa noite”,
Daphne diz, já abrindo a porta.
“Igualmente” é o que eu tenho tempo de dizer, antes que ela
feche a porta e faça uma caminhada apressada até a porta do
edifício. Espero até que ela entre para arrancar com o carro e
desejo que, até o aniversário de Becks, as coisas estejam
totalmente normais entre nós. Não sei se posso ter outra pessoa se
distanciando ou qualquer coisa parecida. Independente da nossa
relação, ou do que aconteceu há um mês, Daphne ainda é uma das
pessoas mais próximas a mim. Uma das poucas das quais ainda
deixo que se aproxime de verdade.
 

 
Daphne está confortavelmente acomodada no meu banco do
passageiro. Meu Porsche Panamera pode ser um esportivo estiloso,
mas é bem espaçoso, o fator que me fez mudar do 911 para ele no
último ano. Não preciso de espaço, mas é bom conseguir acomodar
minhas bagagens para as viagens até Nova York sem problemas.
Não posso dizer que não aproveito a boa velocidade do carro, ainda
que não possa voar pela estrada, e me esquivar do silêncio mórbido
de dentro do veículo.
Ela trouxe uma bagagem pequena e depois das pequenas
amenidades de quando fui buscá-la no seu apartamento, Daph
pegou algumas pastas na bolsa e começou a trabalhar. Deixei uma
música suave e ela alegou que estava tranquilo apesar de parar
com os papéis nem dez minutos depois. Quando perguntei se ela
estava bem, porque ficou subitamente pálida, Daphne disse que era
sono, ainda que eu acredite que ela tenha ficado enjoada, pelos
sintomas.
Então, se aprumou no banco, com as pernas dobradas para
cima e suas meias no meu estofado, ela dormiu como um anjo por
mais de meia hora. O que me fez perceber que talvez fosse, sim,
cansaço. Segui dirigindo no meu silêncio, com a música ao fundo e
alguns barulhinhos que Daphne faz durante o sono, que nunca tinha
percebido, mesmo que a única outra vez que a vi dormir foi em
situação um pouco… atípica.
Mas agora, com ela deitada ainda sonolenta, com os cabelos
caindo no rosto e uma expressão pacífica, o que vejo pela visão
periférica enquanto pego meu copo de café, Daphne parece quase
acessível de novo. Desde aquela noite, em todas as nossas
conversas, não posso dizer que não senti a diferença. É como se
ela estivesse com medo que acontecesse novamente e não sei
como deixar claro que não. Venho me controlado bem para não a
atacar de novo e ela não precisa temer qualquer avanço.
Antes de Brooke e com as três pessoas que fiquei após ela,
nunca fui rejeitado. Todas às vezes que investi em alguém, sabia
que era recíproco e naquela noite, sei que também foi. Pelos
toques, beijos e gemidos, ou ela é muito boa atriz, o que duvido um
tanto. Mas bem, nunca fui rejeitado de forma tão enfática como
Daphne está fazendo agora, me evitando tão fortemente e
parecendo temer até uma simples carona.
Não queria que fosse assim, mas de qualquer modo, seria
hipócrita pra caralho se falasse que, se soubesse que ficaria desse
jeito, teria evitado o que aconteceu. Não teria evitado coisa
nenhuma. Fazia um bom tempo que não me sentia tão na beira do
limite, como me senti com ela e isso foi bom. Quase como me sentir,
metaforicamente falando e uma metáfora horrível, vivo ou dentro de
mim de novo.
Bem, depois dessa relação péssima sobre o ocorrido, foi algo
nesse sentido que me senti naquela noite. Consumido pelo desejo e
pelo momento, me deixando levar pela imprudência do movimento e
deliciado pelas curvas do corpo dela embaixo do meu. Sem pensar
sobre as consequências do que estava fazendo pela primeira vez
em muito tempo e, até o momento, me dei muito bem lidando com
as consequências externas. A única que não estou lidando bem ou
conseguindo lidar de qualquer forma, é a maneira como minha
relação com Daphne ficou tensa.
“Posso tomar um gole do seu café?” Sua voz me arranca dos
meus pensamentos e mal notei que ela acordou e se sentou ereta
no banco, como vejo agora de soslaio. O som ainda sai um pouco
arrastado pelos seus lábios.
“Está bem gelado já, mas se quiser, acho que guardei uma
garrafa de água aqui.” Aponto com o cotovelo, enquanto seguro o
volante para o console fechado que divide nossos lados no carro.
Ela pega a água lá de dentro e bebe um gole longo.
“Quer?” Me oferece a garrafa aberta e tomo um gole antes de
devolver para que ela feche. “Dormi por muito tempo?”, sua
pergunta é direcionada a mim, mas seus olhos azuis estão na
janela, observando o céu e provavelmente tentando descobrir que
horas são ou se já estamos perto de Nova York.
“Um pouco. Temos mais uma hora de viagem, acredito.” Se o
trânsito seguir fluindo bem, e por ser uma quinta-feira no meio da
tarde acredito que vá seguir. Devemos chegar em Nova York antes
mesmo disso. “Vai ficar no Mike?” Porque moramos no mesmo
prédio.
“Sim”, é sua resposta um pouco seca. Admito isso como um
sinal de que a conversa está feita por esse momento e então volto a
prestar atenção somente na estrada na minha frente.
Presto atenção nos carros passando e na letra da música
sobre se apaixonar no interior, e a letra não faz muito sentido. O
silêncio sempre me fez bem e não sinto por estarmos assim, parece
até mesmo um terreno mais seguro do que se começarmos a falar
nessa estranheza que estamos. Demorei exatos quarenta minutos
durante o jantar na outra noite até fazer com que Daphne se
soltasse e voltássemos a ser como os bons e velhos amigos, e não
dois amigos que acabaram na mesma cama há um mês e pelo jeito
não conseguem se desapegar do sentimento.
Pelo menos eu não consigo.
E não sei se o fato de nenhum de nós dois conseguir fazer
isso é bom ou ruim.
“Matt?”, ela me chama depois de alguns bons quilômetros e
mais duas músicas com letras sem noção. Dou um murmuro, que
sai como um grunhido, indicando para ela prosseguir. “Acho que…
antes de chegarmos em Nova York… talvez…” Ela respira fundo e
segue mais firme. “Eu acho que, antes de chegarmos em Nova York,
talvez devêssemos conversar sobre o que aconteceu.”
“Conversar?”, minha pergunta saí carregada de ironia,
mesmo que não deseje ser grosso. Mas é impossível conter a forma
cínica na qual falo isso, assim como minha gargalhada amarga que
sai a seguir. Daphne me olha incrédula e dou de ombros, perdendo
a compostura enquanto retruco como um menino de dezessete
anos. “Ah, por favor, Daph. Por que me olha assim? Foi você que
saiu correndo do meu apartamento no dia seguinte e se esquivou de
mim por dias, acho que mandou uma mensagem bem clara para
nunca mais tocar no assunto, e se é para me dizer isso, agora com
palavras, acho que, por mim, podemos seguir deixando o assunto
enterrado.”
Ela continua com a expressão confusa quando lhe dou uma
olhada rápida e percebo que se vira no banco para me olhar de
lado. Contenho a bufada para sua demora e aproveito o momento
para voltar a ser o cara de vinte e sete anos que sou.
“Você ficou puto por que fui embora antes do café? Ah, por
favor digo eu, Matteo.”  Ela joga os braços para o alto e me controlo
para não acabar indo bem além da velocidade máxima da pista com
minha irritação. “Esperava o quê? Uma conversa constrangedora
sobre algo que nunca deveria ter acontecido somente para ambos
frisarmos isso? Ou pior, ter uma conversa ainda mais estranha do
que as que estamos tendo? Acho que foi mais esperto evitar.”
“Mas está querendo ter essa mesma conversa agora?”
Exponho o óbvio e isso a irrita a ponto de bufar.
“Pelo visto não vai haver necessidade nenhuma!” Ela pega a
garrafa de água e bebe mais um gole. “Tem alguma coisa para
comer? Acho que minha pressão baixou”, ela pergunta ainda
estressada.
“Devo ter alguma coisa aí dentro.” Aponto para o console
central novamente e ela começa a vascular minhas coisas lá dentro.
“Está bem?”, pergunto, preocupado, e ela dispensa com um
movimento quando acha uma barrinha.
“Só me senti tonta, deve ser porque não almocei direito.
Tenho trabalhado muito”, ela diz, com um pouco menos de rispidez.
“Daphne”, chamo, e ela dá um som afirmativo com a boca
cheia da barra de cereais. “Fale. Me fale o que quer falar e pronto.
Nada pode ser pior e se essa conversa vai fazer nossa amizade
melhorar, ou pelo menos fazer você não seguir passando mal, então
fale!”
“Nossa, tão receptivo!”, ela ironiza, e respiro fundo, o que
deve fazê-la notar que realmente quero que ela fale. “Está bem. Só
acho que a gente precisa, não sei, combinar algo. Tipo, não contar
para ninguém.”
“Achei que isso já estava acordado pela forma que repudia”,
murmuro, frustrado, e nem sei porque me sinto assim. Não é como
se eu desejasse elogios sobre a noite, mas talvez não esperasse
tamanha repulsa também.
“Matteo! Achei que quisesse ouvir.”
“Tá bem.”
“Mas sim, isso teoricamente já está acordado. É só que…
não sei, precisamos resolver isso porque não quero que todo mundo
ache que brigamos ou algo assim. Somos amigos, não podemos
deixar que isso estrague.”
“Claro.” Poxa, estrague foi demais, Daphne. Meu ego está
bem baixo e machucado. Parece ter sido a pior foda da vida dela. O
álcool deve mesmo ter feito coisas com meu cérebro e o tempo sem
ninguém fez algumas coisas com o resto do meu corpo.
“Ok, agora você está fazendo uma careta estranha. O que
houve?”
“Nada, fico feliz que tenha falado.” Mantenho o máximo que
consigo uma expressão neutra e ela me dá um aceno antes de
voltar a se sentar bem acomodada no banco. “Melhor? Sua
tontura?”
“Sim.” Sua voz está um pouco desanimada, mas prefiro
seguir no silêncio, uma vez que as conversas podem seguir no nível
de desagrado dessa.
A viagem até Nova York segue dessa mesma forma e mesmo
recebendo um olhar confuso de Mike, quando chegamos no prédio e
ele nos recebe no elevador — provavelmente Daphne avisou sobre
nossa chegada —, prefiro ainda deixar o assunto como está. Nada
que algumas boas taças de vinho mais tarde, ou quem sabe uísque,
não me façam voltar para o meu estado normal, e esse estado não
é o chateado pela indiferença de uma amiga sobre uma noite onde
um sexo que não deveria acontecer, aconteceu.
E no meu estado normal consigo formular pensamentos
menos toscos.
 

 
Provavelmente há muito mais pessoas aqui do que era do
desejo de Rebecca para uma reunião íntima e bem pessoal. Mal
consigo pensar em outro nome culpado por isso e ela parece
imensamente satisfeita com seu feito ridículo enquanto anda pela
sala de estar e salão de jantar, cumprimentando convidados como a
anfitriã que é, nem se preocupando se Becks não deseja fazer isso.
Mas, no fundo, sei que ela não quer, porque minha irmã mais nova,
que está completando vinte e três anos hoje, está para lá de
sorridente abraçada em seu namorado, conversando com os amigos
de fato e nem mesmo se importando com os demais convidados.
Pelo menos alguém ainda consegue achar algum pingo de
felicidade nessa casa. Ou, pelo visto, sou o único que não consigo.
Meu pai segue o mesmo, talvez bem mais relaxado agora que
Rebecca e eu cuidamos de mais coisas na empresa. Minha irmã
está ainda mais feliz do que antes, se é que um dia de fato esteve
feliz antes, e toda vez que vejo seus sorrisos fáceis e percebo pelo
seu tom de voz como Zachary a faz bem, sei que ele é uma escolha
sólida e boa para ela.
Eles dois seguem os mesmos, talvez em suas versões
melhoradas até. Mas minha mãe há um certo tempo não é a
mesma. Talvez não seja a mesma há quase um ano para mim. Não
faz muita diferença o tempo que se passou, o fato que não consigo
mais olhar para ela da mesma forma que antes ou até mesmo tratá-
la assim quando estamos sozinhos, não é somente uma escolha.
Nunca achei que Marise Drake fosse um anjo e descobri suas
garras quando comecei a namorar Brooke, mas também não achei
que ela fosse ser uma pessoa tão sem escrúpulos por dentro.
Máscaras fazem ótimos disfarces, pelo visto.
“Querido.” Sua voz me incomoda, e isso provavelmente se dá
porque sei que estou prestes a ter mais uma conversa desagradável
com minha mãe. Termino de virar o dedo de uísque que tenho no
meu copo e o deixo no aparador antes de me virar para ela.
“Mãe.” Minha voz sai seca e um pouco mais dura, ainda que
não me importe se isso é causado por estar calado há um bom
tempo ou se é somente direcionado para ela.
“Está tudo bem?” Sei que sua pergunta diz respeito ao meu
distanciamento do grupo, porque ainda que o intuito da conversa
terrível do carro tenha sido não deixar as coisas estranhas em
eventos como esse, Daphne e eu estamos falhando
miseravelmente. E com meu ego ferido, pensei que o melhor fosse
me manter mais afastado do que soltar qualquer comentário
desagradável.
“Ótimo”, digo simplesmente, e mesmo que a resposta não lhe
agrade, ela deixa o assunto assim.
“Não veio no jantar que demos há duas semanas.” Apesar de
tudo, seu tom é acusatório, como se ela não soubesse o motivo pelo
qual não quis, de jeito nenhum, vir ao jantar com tantas baboseiras
e falsos sentimentos.
“Mandei flores e já tinha deixado avisado que tinha, e ainda
tenho, muito trabalho.” Avisei ao meu pai sobre o assunto e
acordamos que não precisaria vir. Becks também não podia se dar
ao luxo de se deslocar todas as vezes para cumprir aos caprichos
de minha mãe.
“Poderia não fazer uma cena no aniversário da sua irmã?”
“Ah, mamãe…”, começo, com ironia. “Acho que quem vive de
fazer cenas é a senhora, não eu. Além disso, esse aniversário não é
para ninguém mais do que você mesma. Uma social na longa lista
de Marise Drake, nunca tem a ver com a Becks de fato. Não finja
ser uma boa mãe”, sussurro para ela, virando-se de volta para o
aparador e servindo outra dose do uísque. “E por fim, se não tivesse
se aproximado de mim, os riscos de uma cena seriam bem menores
então que fique avisada para o resto da noite.”
Dou a minha mãe um sorriso falso antes de sair, porque sei
que isso vai manter as aparências sobre nossa curta conversa e me
direciono ao outro lado do salão, onde Mike e Zach estão
conversando. O namorado de Becks fala sobre como estão as
coisas em Atlanta e sobre seu trabalho, enquanto Mike comenta
sobre algumas coisas do escritório. Sei que meu melhor amigo está
em uma luta constante para assumir a direção do lugar, uma vez
que os ideias de seus pais já estão só facilitando um declínio e uma
perda de clientes importantes. Mike, por outro lado, só está trazendo
novas empresas para a cadeia do Laurent-Davis.
Não tenho dificuldade em me juntar ao que estão falando e
Zachary já está bem mais à vontade conosco do que no começo,
ainda que ele nunca tenha feito do tipo tímido mesmo quando tudo
não passava de uma espécie de farsa. Diferente do namorado de
Chelsea, que se juntou a nós depois de alguns minutos e até o
momento, não sei se soltou mais do que três palavras, e até
compreendo que talvez seja o tema batido da nossa conversa chata
sobre nossos trabalhos. Sei que o rapaz acabou de começar seu
primeiro ano na faculdade de Artes e deve, assim como a própria
Capri, nos achar um porre.
Mas ele é simpático, dou isso ao cara quando começamos a
falar sobre assunto menos chatos como os resultados iniciais da
Liga Nacional e ele conta que já foi jogador. Isso chama a minha
atenção e de Mike, e faz com que Hudson revire os olhos. Depois
de abandonar as bebidas quentes e fortes, uma vez que minha mãe
mantém sua distância, bebo mais cervejas do que deveria e quando
saio para ir em um dos banheiros do andar de baixo, roubo alguns
petiscos da mesa de jantar no caminho.
Após uma rápida verificada no espelho, arrumo os punhos
justos da minha camisa social preta e quando abro a porta, Daphne
está com sua mão erguida, provavelmente pronta para bater.
“Ah, oie”, ela fala sem jeito, e dou um cumprimento de volta.
“Beck estava procurando por você.”
“Já estou voltando”, comento, mas seguimos nos olhando.
“Está pálida de novo. Está bem?” Ela passa a mão no rosto e me dá
um sorriso torto.
“Acho que as duas taças de vinho fizeram um efeito. Está um
pouco quente e acredito que isso me fez ficar um pouco tonta”, ela
responde, e dou um aceno. “Vim passar uma água no rosto.”
“Talvez seja melhor você ir para o jardim tomar um ar fresco.”
Porque não é o ambiente fechado do banheiro que vai fazer com
que ela fique melhor. “Uma sugestão”, finalizo, antes dar um passo
para frente, com o intuito de sair do lugar, mas só me deixa ainda
mais próximo de Daphne e ela dá um passo pequeno de recuo.
“É, certo. Talvez seja melhor”, ela diz, continuando com o
olhar em mim.
“Quer que eu te acompanhe?”, pergunto, provavelmente
porque é o gentil a se fazer, mas porque não quero que ela fique
passando mal vagando sozinha pelo jardim. Daphne toma seu
tempo para pensar e estendo a mão.
“Acho que é melhor eu ir sozinha”, é sua resposta, e solto um
suspiro frustrado, não movendo nem mesmo um milímetro de onde
estou.
“Olha, Daph, se está com medo que eu, sei lá, do nada te
ataque ou algo parecido, pode ficar tranquila que sei me controlar”,
digo, com mais irritação do que planejado.
“Tá bem. Pare de colocar como se fosse inteiramente sua
culpa, isso me irrita. Foi mútuo.” Ela cruza os braços embaixo dos
seios e me olha com uma pitada de desafio por trás dessa franja
bem cortada.
“Tudo bem, foi mútuo.” Não sei porque preciso conter meu
bom humor ao ouvir essas palavras, mas pelo menos tenho uma
confirmação que não fui somente um cara afobado e tarado. “E
pode ter certeza que, da minha parte, vou fazer o que pediu e deixar
isso de lado.” Odeio mentiras e dizer que irei esquecer é algo muito
forte, é mais seguro deixar claro que deixarei o assunto de lado,
como venho tentando a noite inteira. “Nem tentar nada mais uma
vez.”
“É… é só que não posso dar essa mesma certeza. Quer
dizer, posso… não sei.” Ela parece irritada quando passa as mãos
pelos cabelos castanhos em ondas e franzo a testa.
“O quê? Não sabe o quê?”
“Tem muitos hormônios confusos no corpo de uma mulher,
Matteo. Infelizmente, não há nenhum botão para desligar a atração
e todo o resto.” Daphne volta a cruzar os braços e parecer uma
criança birrenta, com sua expressão decidida e, por isso,
infelizmente, acabo soltando um riso seco e abafado. O que a deixa
ainda mais furiosa. Não é como se eu também não tivesse muitos
hormônios confusos e conseguisse desligar o botão da atração.
“Argh, nem mesmo sei o que estou falando e você está rindo. Sou
uma mulher crescida e posso, sim, me manter na minha postura
e…” Ela revira os olhos e acho que o movimento não é exatamente
comigo. “E, também não tentar nada outra vez”, Daphne completa.
Mas quando seus olhos azuis profundos voltam para o meu
rosto, o que faz com que sua cabeça se incline de maneira adorável
para trás, ela comete o deslize de não me olhar nos olhos. Isso me
deixa tentado a fazer o mesmo e quando os meus olhos acabam no
ponto mais abaixo, na sua boca bem desenhada, com uma curva
perfeita no meio e sem a quantidade de vinho da outra noite,
percebo isso pela primeira vez, porque fito seus lábios por tempo o
suficiente para notar que a cor natural de sua boca é algo entre o
pêssego e o tom cereja.
E assim como ambas as frutas, sei que o seu gosto é ainda
mais delicioso. Quando ela comete outro deslize, o de passar a
ponta da língua para umedecê-los, mesmo que não pareça ter a
intenção de dizer mais nada, sou tomado por um impulso ainda mais
forte do que naquela noite. Não faço ideia do porque sou imprudente
a ponto de, no meio de um dos corredores da casa dos meus pais,
com vários outros convidados espalhados pelos cômodos, nem
mesmo olho para os lados antes de puxar seus braços cruzados e
fazer com que seu corpo se encontre com o meu.
Nem mesmo sei como isso seria possível, mas enquanto a
puxo para dentro do banheiro, onde estávamos na porta, percebo
que senti falta de estar envolto em seu perfume de rosas com uma
pitada de algo mais apimentado e atraente. Não sei como é possível
porque estive preso nesse mesmo aroma durante a tarde inteira,
enquanto ela dormia confortável no meu banco do carona. Mas
meus pensamentos não têm muito nexo, nem mesmo dou tempo
para que eles se formem direito quando fecho a porta atrás dela e a
empurro para cima da bancada da pia, tomando seus lábios nos
meus.
 

 
DA ÚLTIMA VEZ, provavelmente estava bêbada demais para
perceber como seus lábios são macios e conseguem me dar um
beijo gentil mesmo quando me faz perder o fôlego. Mas são muito
macios, e bons, e quando estão colados nos meus trazem
sensações amplificadas sobre um beijo qualquer, mas acho que
muito disso tem relação com a voracidade e a urgência com que sua
língua prova da minha.
É de tirar o fôlego e o chão. E, caso eu não estivesse sentada
na pia, abraçando seu corpo forte, seus ombros, bem mais largos do
que de qualquer homem, suas costas musculosas muito bem
malhadas e que eu sei bem que há uma tatuagem de um lírio em
meio a outras coisas bem nesse ponto onde toco, no ponto alto do
seu trapézio, quase na base da nuca. Bem, se eu não estivesse
sentada na pia, minhas pernas já teriam bambeado pelo desejo e
acredito que essa possa ser nossa posição favorita, se é que dois
encontros assim podem caracterizar qualquer preferência.
Realmente é bem melhor poder alcançar sua boca sem muita
dificuldade, ainda que hoje esteja com saltos bem altos, além de
poder passar meus dedos pelos seus cabelos que tem tanta maciez
quando seguro-os, sentindo o toque gostoso e a forma como sua
boca solta um som prazeroso contra a minha quando faço isso. É
bem melhor poder sentir seus dedos correndo e apertando as
laterais da minha coxa enquanto a outra mão traz minha cintura o
mais colada com o corpo dele possível. Minhas pernas abraçam seu
tronco da melhor forma que meu vestido permite e quando seu
toque passa um pouco mais para dentro da minha coxa, arfo em
seus lábios, quase muito pidona, mas sem conseguir me controlar.
Mas, para o meu desagrado, Matteo me solta e me obriga a
voltar para a realidade onde eu, há poucos segundos, pedi
exatamente para que isso não acontecesse mais. Não foi um pedido
muito sincero, admito, e nem mesmo soube dizê-lo com todas as
letras, assim como me embaralhei com meus próprios sentimentos e
desejos. Talvez tenha dado a impressão que eu queria muito que ele
me beijasse, o que foi exatamente o que aconteceu.
Quando eu saí de uma boa amiga para ficar desejando beijos
alheios de Matteo pelos corredores da sua antiga casa como uma
adolescente cheia de hormônios? Na verdade, me sinto mesmo
muito cheia de hormônios a flor da pele nos últimos dias e sei que é
porque meu período está por vir na próxima semana, mas talvez eu
deva ligar para minha médica e falar que o novo anticoncepcional
que ela me passou está fazendo loucuras com minha libido e não
consigo avaliar sozinha se isso é bom ou ruim. Se isso é geral ou é
algo mais relacionado ao homem cheio de músculos, com uma cara
incrivelmente séria e atraente.
Além de tudo, esse cara do qual anseio pelos toques é o
irmão da minha melhor amiga e melhor amigo do meu irmão, além
de meu amigo de infância. Não um peguete qualquer, uma transa
qualquer de uma noite, ainda que uma transa maravilhosa de uma
noite. Não posso sair por aí desejando ele, ainda mais por saber
que esse desejo não passa do carnal e nem sei porque me importo
com isso.
Meus pensamentos estão uma bagunça na última semana e
sei que isso é o excesso de trabalho.
“Isso foi mútuo?”, seu sussurro ainda sai muito próximo de
mim, me permitindo sentir seu hálito quente e carregado pelo
uísque. Meus olhos se abrem para fitar o seu lábio inferior tentador
e não seus olhos verdes igualmente bonitos e atraentes. Dou um
gemido que deveria soar como uma confirmação. “Bom.” A voz é
rouca antes que ele volte a me beijar e começo a ficar tentada a
desabotoar sua camisa que fica tão perfeitamente colada no seu
corpo de uma forma que não era muito certo notar antes e nem é
agora.
“Beck… Aniversário...” Consigo me afastar o suficiente para
murmurar e minhas palavras não parecem fazer tanto sentido como
eu gostaria. Por isso me inclino, me afastando mais dele e
mantendo minhas palmas em seu peito enquanto tomo uma
respiração e reformulo. “Estamos no aniversário da Rebecca e tem
convidados.” Porque se não houver ninguém do lado de fora da
porta, isso já será grande sorte.
“Claro.” Matteo parece um pouco atordoado quando se
afasta, passando as mãos pelos cabelos e pela camisa um pouco
mais amarrotada agora. “Claro”, ele repete, dando outro passo para
trás, o que nos faz ter uma boa distância entre nós dois e, por isso,
pulo para ficar de pé mais uma vez. “Eu não deveria ter feito isso.” E
lá vamos nós de novo nessa história.
Dou só um breve aceno e a forma como seus olhos ainda
estão um pouco escurecidos pelo que acredito ser desejo, imagino
que apesar de achar que não deveria e, ainda que o comportamento
perfeito dele não vá suportar uma afirmação como essa, acredito
que ele agiu no impulso do momento. Mas ainda assim, não pede
desculpas ou se arrepende de fato. Ele olha para o espelho atrás de
mim e então me dá um aceno antes de tocar a maçaneta.
“Acho melhor eu ir”, ele fala, e dou espaço para que abra a
porta e saia.
“Claro.” Dou a confirmação que ele precisa antes de vê-lo sair
do banheiro.
Tranco a porta e me volto para o espelho, passando as mãos
nos meus cabelos e no meu vestido, tentando me desfazer da
bagunça que me encontro e passo um pouco de água gelada nos
lábios para fazer com que o tom vermelho do contato com os lábios
dele passe. Pego minha bolsa, que tinha pendurada no ombro e
acabou caída na bancada da pia, e retoco meu pó ao redor da boca,
onde sua barba densa deixou alguns pontos irritados, mas nem
mesmo sinto qualquer incomodo com isso, provavelmente ainda
extasiada demais para notar o nosso segundo erro.
 

 
Engulo uma taça de champanhe antes de acompanhar a
cabeça loira pelo salão e ir me juntar ao nosso pequeno grupo.
Chelsea e Josh parecem uma graça vistos de longe, porque nunca
imaginaria minha melhor amiga tão apaixonada e pela forma como
Josh está constantemente com a mão na cintura dela, fazendo um
leve carinho ou até mesmo beijando seu ombro quando ninguém, ou
quando ele acha que ninguém, está vendo. Além disso, seria
bobagem não dizer que os sorrisos que Chels dá a ele não
poderiam iluminar o bairro inteiro assim como negar que ele a olha
de volta, depois desses sorrisos, com os olhos mais apaixonados
possível e eu já sabia há um bom tempo que esse casal foi feito um
para o outro, antes mesmo que eles percebessem isso sozinhos.
O outro casal de ouro também está na mesa e acho fofo a
forma como Zach não parece conseguir tirar os olhos de Becks
quando estão um ao lado do outro e ele carrega um olhar bem
similar do de Josh, assim como está sempre buscando uma forma
de tocar minha melhor amiga, seja as mãos entrelaçadas, o toque
na cintura, um abraço frouxo ou até mesmo quando ele
simplesmente leva os dedos para tirar os cabelos dela para trás do
ombro. Ela parece ser o centro da órbita dele e não posso negar
que os sorrisos bem mais verdadeiros que Rebecca dá agora não
são totalmente razão de Zachary e a pequena transformação que
ele fez em sua vida.
Os quatro estão felizes, e estou feliz pelas minhas melhores
amigas e orgulhosa de todas as coisas que elas estão conquistando
nos últimos meses. Iria até o inferno por elas e faria qualquer coisa
para ver esses sorrisos. E esses pensamentos sentimentais me
fazem ficar sentimental demais, por isso alcanço uma garrafa de
água antes de finalizar meu caminho até eles, que estão juntos de
Mike e Matteo também. Mas o celular de Mike toca antes que eu os
alcance e vejo que ele gesticula pedindo licença antes de sair para o
jardim, atendendo a ligação.
“Onde a senhorita estava?”, Beck me pergunta com os olhos
franzidos, quase acusatória demais e arrumo minha franja antes de
pensar em uma mentira, mantendo minha melhor expressão neutra
no rosto.
“São chamadas necessidades básicas do ser humano,
Becks. Daph tinha ido ao banheiro”, Chelsea responde por mim
quando estou prestes a abrir a boca, mas por fim só dou uma
risadinha e um aceno.
“Exatamente”, confirmo.
“Não aguento mais cumprimentar pessoas que eu nem
mesmo queria por aqui”, Becks sussurra, antes de deitar a cabeça
no peito de Zach, que não demora a largar a cerveja que tem na
mão e ajustar os fios negros que caem no rosto da namorada.
“São pelas boas aparências.” Mas Matteo não parece tão feliz
quando oferece esse consolo e um olhar gentil a irmã mais nova.
“Eu sei, mas só queria poder me sentar e ficar bêbada com
meus melhores amigos em paz. Foi isso o que tinha pensado sobre
os meus vinte e três”, ela retruca, parecendo um pouco mimada e
até mesmo Josh se junta na nossa leva de risadas abafadas. Becks
se recompõem.
“Ok, não sabia que tinha virado do tipo que quer ficar
bêbada”, Chelsea acusa, em uma brincadeira, e aponta para Zach,
que tenta levantar os braços em sinal de rendição, entretanto o
movimento sai meio travado já que ele não se preocupa em soltar
Becks. “Estou tentando fazer a mesma transformação com Josh,
mas o máximo que consegui foi fazer todos os melhores amigos
dele criarem maior resistência ao álcool e nada de nem mesmo uma
mísera declaração bêbado.”
“Não preciso necessariamente de bebida para isso.” Ele se
defende da acusação da namorada.
“Sim, eu sei, mas a última vez que isso aconteceu, pareceu
bem propenso a coisas bem grandes. Fiquei curiosa.” A loira dá de
ombros com seu sorriso diabólico nos lábios e Josh balança a
cabeça em negação, corando um pouco. Nem mesmo sei como
esse aí consegue aguentar Chels e todas suas ideias mirabolantes.
“Já voltamos”, Becks fala, pegando a mão de Zach e sua taça
de vinho com uma cara um pouco desagradável. “Preciso ir
cumprimentar um acionista de Atlanta.” E então ela se vira para
Matt. “Cuido disso sozinha, aproveite minha festa. Ou a festa da
mamãe”, ela zomba, com um sorriso antes de saírem da mesa.
“Acho digno darmos a ela a festa que deseja amanhã”,
Chelsea fala certa, e faço uma careta.
“Estou pensando em pegar um voo amanhã de noite, não
posso ficar muito tempo e prometi ir trabalhar no sábado”, falo.
“Tá bem, podemos ficar bêbadas a tarde”, a loira continua
empolgada, e Matt solta um riso anasalado, o que me faz dar-lhe um
olhar incrédulo, ainda me acostumando a ver ele se soltando de
novo em sociais. “Acho que o Matt concorda.”
“Por que não? Devo ficar até segunda, apesar de ter pensado
em ir para o escritório”, ele diz.
“Ugh, você dois separados já são muito viciados em trabalho,
juntos parecem pior”, minha melhor amiga fala, e isso acaba
fazendo com que eu e Matt troquemos um olhar pouco disfarçado e
um pouco alarmante. Mas Chelsea finge que não vê quando se
inclina para Josh. “Baby boy, podia ir pegar uma nova taça para
mim?”, ela pede, estendendo a ele sua taça que não está
completamente vazia, mas apesar do olhar confuso, Josh deixa um
beijo rápido nos lábios dela antes de sair. “Vocês são horríveis.”
Nós três nos olhamos e Chelsea bufa, revirando os olhos e
jogando para o alto qualquer necessidade de compostura social,
afinal, quem iria questionar os modos da quase dona de Nova York?
“Vocês ficaram! É tão óbvio”, ela exclama com total certeza
do que diz. “E se estão tentando disfarçar isso para alguém, é
melhor mudar a forma como estão fazendo. Provavelmente toda a
festa já deve saber pelo comportamento distante de vocês, que
vivem tagarelando sobre direito, leis e blá-blá-blá. Não estão
disfarçando coisa nenhuma agindo estranhos assim.” Chelsea
parece indiferente ao olhar alarmado que eu e Matteo damos a ela.
“O que foi? Eu conheço a culpa. Lembra quando eu fiquei com o
Mike em uma festa e não escondi por nem meia hora de você, por
causa da culpa?” Dou um aceno.
“Você e Mike ficaram?”, Matteo pergunta chocado.
“Foi no colégio e ele era um calouro então acharam que
podiam zoar com ele naqueles jogos de verdade ou consequência,
ou seja lá o que fosse e quando a menina se negou a beijar ele, eu
me dispus e desde estão Mike teve uma reputação perfeita com as
meninas no Ensino Médio. Foi meio que para salvar a reputação de
um dos meus melhores amigos”, ela conta, e isso é tão típico
Chelsea. “Bem, eu contei porque não me sentia tranquila com minha
consciência mentindo e pelo amor de Deus, são dois adultos. Becks
deve desconfiar. Além do mais, está com a camisa amassada e a
gola mal ajustada.” Ela aponta para o Matt antes de levar a mão
para arrumar. “Você nunca está descomposto.”
“Posso…”
“Para um advogado, você mente mal para mim, poupe suas
palavras”, ela zomba, e arranca um sorriso de canto dele antes de
dar dois tapinhas no peitoral firme de Matteo e voltar a sua posição
inicial. “É frequente?”
“Não!”, dizemos juntos, quase alto demais.
“Ok, entendi. Mas não resolveram que hoje, no aniversário da
Becks, seria uma boa data para começar, então…?”, ela sugere, e
fica nos encarando.
“Aconteceu só uma vez”, Matteo responde, depois de um
tempo que Chelsea fica esperando uma resposta.
“Isso. E só”, confirmo, e ela me olha com divertimento. “E
hoje”, acrescento, para o sorriso convencido se aumentar nos lábios
dela.
“Parem de ser tão careta sobre o assunto. São adultos, se
peguem se quiserem, mas não fiquem se evitando e com todo esse
tratamento estranho. É suposto para melhorar a amizade, não
piorar.” Como se fosse simples assim, Chels. “Parem que ficar
estranhos um ao lado do outro como se tivessem cometido um
pecado. São adultos e solteiros. Pode até mesmo fazer bem para
toda essa tensão que vocês vivem por causa da profissão. Sexo
sempre me ajuda em basicamente tudo!” Ela dá de ombros mesmo
que esteja falando algo bem obsceno em uma sala com muitas
pessoas.
“Chelsea!”, Matteo dá uma advertência em tom baixo e com
um mero olhar, nossa melhor amiga encerra o assunto com um dar
de ombros momentos antes de Josh voltar a se juntar a nós com
duas taças de vinho nas mãos.
Mas parte de mim concorda com o que ela fala, porque
tecnicamente, sempre costuma dar uma elevada na amizade, ainda
que, em todos os casos que isso me aconteceu antes, não foram
com amigos tão próximos como Matteo e eu somos. Entretanto,
também sei que não é só por esse motivo que ficar com Matt é uma
péssima ideia, e sim porque ele ainda está preso em seu antigo
relacionamento e não é como se eu não me conhecesse o suficiente
para saber que poderia acabar indo fundo demais nessa relação.
Então, pelo resto da noite, tento dar o meu melhor para voltar
a nossa relação para o que era antes, fingindo que ainda não
consigo lembrar o toque suave dos seus lábios nos meus ou que
não estou com vontade de sentir mais uma vez. Na verdade, tento
dar o meu melhor mentindo que nada aconteceu, nem hoje e nem
naquela noite há um mês, mas fica um pouco complicado todas às
vezes que meus olhos acabam encontrando os dele, porque Matteo
me olha com um pouco mais de intensidade do que sou capaz de
ignorar.
Nem mesmo sei o que isso poderia significar vindo dele. E
prefiro não pensar muito sobre o assunto ou posso acabar voltando
a cometer esse erro repetidas vezes.
 
 
“Todas às vezes que fazemos isso, me sinto de volta no
Ensino Médio”, Chelsea comenta, quando saímos de uma das
nossas cafeterias favoritas, cheias de sacolas e vindas de um salão.
“Isso foi há tanto tempo!”, Becks exclama, achando graça da
situação.
“Acho que vou ir com o saudosismo da Chels”, comento,
dando de ombros e nossa loira sorri largo. “Vamos lá, Becks, nossa
vida era tão tranquila. Só pensávamos em qual festa ir, qual sapato
usar. Se poderíamos ou não puxar as saias do uniforme mais para
cima e dar em cima de algum veterano.” Nós três gargalhamos no
meio da rua, chamando atenção de alguns pedestres.
“Essa parte é verdade. Eu era tão boba.” Rebecca bate a
mão levemente na testa e Chelsea ri ainda mais alto.
“Você era a fim do Oliver, por Deus, Becks, acho que foi
mesmo sua pior época, para falar a verdade.” Apesar de rir,
concordo com Chelsea nesse ponto e fico feliz que citar o nome do
ex-namorado não faz mais Beck ficar com uma careta e, sim, a faz
rir.
“Todas tivemos fases ruins”, ela se defende.
“Chelsea não”, rebato, porque Chelsea nunca foi do tipo boba
apaixonada.
“Estou pagando absolutamente todos meus pecados
atualmente. Não se preocupem. Constantemente me sinto com
dezessete anos, mas me lembro que tenho muito mais que isso
quando sou surpreendida pelos talentos do meu namorado de vinte
e um.” Ela joga os cabelos para trás e Beck tem a mesma
expressão que eu.
“Não quero saber detalhes sobre como ele te surpreende, só
para deixar claro”, aponto para ela, que desata a rir de novo.
“Falando sobre não querer saber detalhes ou ser
surpreendida…” Rebecca começa, virando para mim enquanto
chegamos até onde a SUV dos Capri está estacionada. Como vou
viajar mais tarde, tomei o volante de Vicent para a tarde das
meninas. “O que está rolando entre você e Matt?” Arregalo meus
olhos, surpresa com a pergunta e antes que pense em algo bom
para dizer, Beck me dá seu olhar de quem me diz com todas as
palavras que não devo nem tentar mentir.
“Bem… nada”, respondo, porque é a verdade. Mas aproveito
o tempo que colocamos as coisas no porta-malas e tomamos
nossos assentos no interior do carro para pensar em algo mais
plausível.
“Ok, pode me dar os mínimos detalhes”, ela diz, colocando o
cinto e olho pelo retrovisor, mas Chels dá de ombros. “Você sabia?”
O tom acusatório é usado enquanto ela se vira para a loira.
“Deduzi também. Meio óbvio”, Chelsea responde.
“Ah… bom. Continuando…”, Rebecca me incentiva, enquanto
saio para a avenida.
“A gente estava bêbado, foi uma vez. Pronto. Por Deus,
parem de falar sobre o assunto, sério. Não quero ficar falando disso
e me sinto uma amiga terrível”, peço, dando um olhar rápido para as
duas.
“Por minha causa?”, Becks pergunta, e dou um olhar a ela.
Por causa de quem mais seria? Mas a minha resposta para essa
pergunta silenciosa vem em uma risada baixa dela. “Bem, acho que
se isso tirou Matteo um pouco do poço da autodepreciação e o
colocou de volta a vida, talvez te envie um buque em Boston ainda
amanhã.”
“Rebecca!”, digo.
“O que foi? Matteo precisa de um pouco de vida, toda vez
que olho para aquele par de olhos sortudos verdes e vejo a tristeza
no meu irmão, isso me mata por dentro. Odeio ver como ele ainda
sofre sobre coisas que não são responsabilidade dele e eu amava
Brooke, mas precisamos seguir vivendo, mesmo que ele vá fazer
isso só porque era o que ela iria querer.” Um silêncio se forma. “Não
é pecado desejar a felicidade do meu irmão! É a única coisa que eu
quero. Não estou falando que ele e você vão começar a namorar ou
algo assim, mas saber que ele pelo menos… sei lá, quebrou essa
barreira e ficou com outra pessoa já me dá um pouco de alívio. Faz
mais de um ano e meio.”
“Não é errado, Becks. Só acho que nunca vimos você ser tão
incisiva sobre esse assunto”, Chelsea fala, e dou um aceno,
concordando.
“Desculpem, é só que, acho que… sei lá.” Ela balança a
cabeça, olhando para o próprio colo.
“Isso é bom, é bom que esteja finalmente dando sua opinião
sobre as coisas. Não há nada de errado nisso Becks”, digo,
pegando sua mão quando paramos em um sinal. “Mas não é algo
que vai acontecer de novo. Matteo e eu, quero dizer. Ele e outras
pessoas… bem, também torço para que ele seja feliz de novo.” Eu
já falei isso uma vez e não foi bem o que aconteceu, mas estou
firme em seguir minha promessa dessa vez. Além disso, estou
envergonhada o suficiente sabendo que Becks tem conhecimento
sobre o fato de termos ficado. Estou bem não recebendo olhares
tortos de Mike.
“Tudo bem. Ainda assim…” Mas ela deixa a frase morrer e
acabo curiosa para saber a continuação. Beck pensa por um
momento e então sorri no momento que começo a me direcionar
para a entrada do seu prédio. “Só espero que não acabem ficando
estranhos um com o outro por causa disso.”
“Exatamente o que falei!”, Chelsea quase grita do banco de
trás.
“Não vai entrar?”, Rebecca pergunta, juntando suas sacolas.
“Não tenho muito tempo até meu voo, mas…”
“Por favor, quero mostrar uma coisa que chegou ontem para
vocês.” E isso faz com que eu e Chelsea nos entreolhamos pelo
espelho retrovisor e sem mais uma palavra saímos do carro.
“Ok, me deixou nervosa, Rebecca. O que é?” Não me
aguento ao entrarmos no elevador.
“Acho que posso ter um piripaque bem agora se seguirmos
em silêncio”, Chelsea complementa.
“Não é o que, é quem.”
“Oliver?”, pergunto incrédula, e ela balança a cabeça
negativamente quando finalmente as portas do elevador se abrem
no último andar.
“Não! Santo Deus, não!”, ela fala um pouco urgente. E então
franze o cenho pensando enquanto destrava a porta. “Angel”,
Rebecca fala simplesmente, e sons surpresos saem de mim e de
Chelsea enquanto entramos. “Ela me mandou flores e um bilhete.
Um longo bilhete, julgo que posso classificar como uma carta.”
Becks nos aponta a sala e vamos nos sentar enquanto ela some no
corredor para seu escritório.
“Ok, acredito que isso deveria ser esperado, mas não é”,
Chelsea diz alto o suficiente para que Rebecca escute.
“Totalmente de acordo. Acho que ela pode ter perdido o
timing”, digo, com um revirar de olhos enquanto Becks volta e se
senta do meu lado. “Você já abriu, certo?”
“Sim. Quer dizer, tive que esperar Zach voltar, porque estava
sozinha na hora que o Jack subiu com as flores e quando eu li o
cartão, não sei, eu travei. Então quando Zach chegou, nós lemos
e… bem, é como um pedido de desculpas e uma explicação. Um
pouco tardia, mas acho que fico feliz que isso tenha acontecido.
Penso que… depois de um tempo, tudo isso virou tão passado que
foi bom ter um… fechamento com ela. Porque éramos melhores
amigas afinal.”
“Quer que a gente leia?”, pergunto, e ela dá um aceno com
os lábios pressionados, Chelsea me dá um aceno para que eu leia e
abro o papel bem dobrado. “Querida Rebecca, primeiramente, feliz
aniversário. As coisas ficaram um pouco confusas entre nós no
último ano, mas não consegui partir para Los Angeles antes de lhe
enviar isso, porque as palavras vêm ficado presas na minha mente
há um tempo e não seria justo com os anos de amizade não
esclarecer algumas coisas.” Dou uma pausa, limpando a garganta,
antes de prosseguir. “É seu aniversário e não muito antes, nessa
mesma data no ano passado, eu fiz os maiores equívocos da minha
vida que resultaram em situações um pouco conturbadas para você.
Sinto muito por isso, ainda que, no fim, tenha te levado a Zachary e
sei pelas fotos e pelo que as pessoas falam, que estão felizes. Fico
feliz por você também.”
“Espero mesmo que ela esteja feliz e longe”, Chelsea
comenta, com um pouco de deboche quando faço uma segunda
pausa.
“Sempre fui apaixonada por Oliver, preciso te confessar isso.
Desde muito nova sempre soube que queria que ele ficasse comigo
e vice-versa. Mas, então, ele começou a demonstrar interesse por
você e o resto da história sabemos. Nunca invejei diretamente seu
relacionamento com ele, não teria adiantado de nada. Porém,
aguardei de longe, porque, depois de um tempo, qualquer um
poderia ver que estavam fadados ao fim. Então esperei, e fiz minha
jogada na semana seguinte. O que foi um pouco precipitado porque
peguei Oliver desprevenido e ele nunca admitiria, mas não achou
que você iria muito além de três dias com essa ideia de aceitar o
término.”
“Ele acha mesmo que é irresistível!”, outro comentário de
Chelsea. Mas concordo totalmente, porque foi ele quem terminou e
esperava que Rebecca voltasse para ele, o que não faz sentido
nenhum.
“Bem, na semana seguinte do término, eu fui atrás dele.
Honestamente, acho que nunca vou entender relacionamentos de
verdade, porque não entendia vocês e não entendi nós dois. Oliver
ainda te amava, mas, mesmo assim fingiu que queria algo de
verdade comigo, e eu aceitei o pouco que ele me dava como se
fosse o máximo. Não precisa ficar lendo sobre minhas infelicidades
da vida, ou dos meses que passei ao lado dele, porém acabei
aceitando menos do que deveria. Oliver te amava e eu sabia disso,
e eu também deveria ter te amado mais do que a ele, entretanto, eu
disse sim. Ele tomou uma decisão precipitada e eu disse sim. Nem
mesmo queria me casar tão cedo e nem mesmo acho que o pedido
foi realmente porque ele queria. Foi pomposo, foi Oliver.”
“Pelo menos ela admite que o que aquele cara tem, é
pompa.” Dou um olhar, pedindo silêncio para Chelsea.
“Nunca houve traição, talvez tenha havido uma traição minha
com meu próprio caráter, mas isso venho resolvendo sozinha. Ainda
assim, sinto muito por tudo o que vi você passar e segui ali, fingindo
que tudo estava bem, que as atitudes não eram erradas e que não
estavam te chateado. Fui egoísta, e um pouco boba, por achar que
aquilo era o suficiente, me senti bem recebendo pouco e vendo você
passar por situações terríveis. Ele é uma pessoa ruim, descobri isso
tarde demais, para mim e para você. Fico feliz que tenha encontrado
alguém realmente gentil para seguir do seu lado, mas sinto por tudo
o que acabaram passando até chegar aqui e sei que tenho parcela
de culpa em tudo. Você foi humilhada por parte do nosso círculo
social e sinto tanto por ter feito isso acontecer. Nunca mereceu,
sempre foi uma das pessoas mais gentis que conheci e hoje vejo
que nenhuma de nós duas merecia passar qualquer coisa ao lado
de uma pessoa tão falsa e suja como Oliver. Mas eu o perdoo,
porque infelizmente arrependimento não me levará a lugar nenhum,
nem mesmo esse sentimento ruim que carrego no peito. Por isso,
espero do fundo do meu coração que um dia possa perdoar tudo o
que eu fiz, por tudo o que te fiz passar e por ter sido uma amiga
ruim, nunca vamos recuperar o que um dia tivemos, mas espero um
dia podermos voltar a frequentar os mesmos lugares e algo nesse
sentido. Feliz aniversário, espero que esteja bem. Te desejo muitas
felicidades, Angeline Hawthorne.” Finalizo com uma grande
respiração. “É isso!” Viro as folhas em minha mão. “Bem profundo e
acho que… explica um pouco, talvez.” Dou de ombros, incerta
enquanto olho para Becks.
“Acredito que sim. Não sei o que responder. Ou se devo”, ela
fala, um pouco atônita, nos olhando. “Penso que foi bom, pelo
menos sei que ela se livrou dele também, se superou, que não
houve traição. Quer dizer, perdi uma amiga no caminho, mas… eu
não sei.”
“Acho que foi bom ela ser honesta, antes tarde do que nunca.
Além disso, ela reconhece os erros”, Chelsea diz, se levantando e
indo até à cozinha. “Independente se quiser ou não perdoar ela,
pelo menos ela admite que errou feio com você”, ela continua
dizendo de longe, enquanto eu e Becks nos viramos no sofá para
observá-la.
“Acham que devo responder?”, Becks pergunta.
“Se for isso que estiver querendo, se acreditar nas palavras
dela e quiser dizer algo, talvez deva”, falo, enquanto Chels volta
com um copo de água para Rebecca.
“Mas mande uma mensagem. Acho fofo, mas brega isso de
cartas”, a loira diz, amenizando o clima. “Faça o que seu coração
mandar, Becks”, ela comenta mais séria, totalmente voltando a ser
nossa quase mãe desregulada do grupo, com seus conselhos e
palavras quase sábias, além de estar sempre cuidando da gente.
“Tá bem”, Becks fala. “Vou pensar, mas não hoje.”
“Certo.” Dou um aceno e ela nos abraça forte.
“Eu amo vocês.”
“E nos amamos você, Becks”, digo de volta, enquanto
Chelsea nos cobre de beijos e apertos. Acabamos caídas, deitadas
no sofá, como as três adolescentes que um dia fomos, dando
risadas e zombando de como Chelsea acha brega cartas, mas vivia
de bilhetes trocados para Josh. A loira nem mesmo consegue achar
uma objeção plausível até o momento que eu infelizmente preciso
me despedir delas para ir para o aeroporto.
Fico um pouco mais triste do que o habitual quando recebo
meu beijo no topo da cabeça de Mike quando nos despedimos e ele
promete tentar ligar mais, assim como eu. Mas nós dois somos
ocupados demais às vezes, porém gosto da promessa. Junto com
as meninas, ficar longe dele foi a primeira coisa mais difícil que fiz
quando me mudei para Boston Não há pessoa mais perfeita para te
compreender e te dar conselhos do que seu irmão gêmeo e sinto
por não ter passado muito tempo com ele nas pouco mais de vinte e
quatro horas que passei em Nova York, ainda que tenha ficado no
seu apartamento.
Prometo a mim mesma voltar antes do Natal para uma visita.
 

 
NA SEGUNDA SEGUINTE AS COMEMORAÇÕES, estou atolada
até os cotovelos com o trabalho, jogando pastas de um lado para o
outro na minha pequena escrivaninha de frente para a minha janela
larga da sala. Meu apartamento é pequeno, mas confortável, e
desde que descobri que a vista, mesmo que nublada como hoje,
sempre me ajuda a pensar, movi minha mesa do quarto para a sala
e foi uma benção de ambos os lados. Quarto mais espaçoso e local
de trabalho em casa mais agradável.
Pego uma maçã na cozinha, percebendo que são quase nove
da noite e mal me recordo a última vez que comi hoje. O cansaço
tem me deixado com falta de apetite e meu corpo vem me
mostrando muito bem suas reclamações sobre minha negligência
todos os dias quanto tento tomar café da manhã reforçado. Volto
para a mesa bem a tempo de pegar meu celular tocando. Atendo a
ligação de vídeo de Rebecca e ajusto os fones via bluebooth nos
ouvidos antes de sorrir para minhas duas melhores amigas que
aparecem na tela. Apoio o celular no meu notebook para não
precisar segurá-lo.
“Oie! Já sentindo saudades?”, zombo dela.
“Sei que sou inesquecível.” Chelsea faz o mesmo e começo a
ficar curiosa quando Becks segue em silêncio, com um sorriso
enorme e incontido nos lábios. “Becks?”, Chelsea chama, na mesma
curiosidade que eu e então Rebecca levanta sua mão para a
câmera.
“Estou NOIVA!”
“O quê?”, Chelsea e eu gritamos ao mesmo tempo, ambas
sorrindo e nos aproximando para olhar o anel que Rebecca exibe
para nós.
“Estou tão feliz!”, ela quase grita, e posso sentir sua felicidade
daqui. “Zach falou que estava pensando em esperar, mas não viu
porque e, meninas, foi tão lindo.”
“Queremos detalhes!”, Chelsea implora, e dou um aceno com
a cabeça.
“Chegamos de viagem hoje cedo e precisei ir para o
escritório, ele teve o dia de folga e preparou uma surpresa linda.
Recebi flores no trabalho com um cartão fofo e quando cheguei em
casa tinha flores, velas e um jantar perfeito, e tinha ele. Estou muito
eufórica!” Ela ri da sua condição, porque nem mesmo consegue
falar tamanho o sorriso e percebo que estou derramando algumas
singelas lágrimas ao ouvir sua felicidade. “Ele falou algumas coisas
tão lindas e acho que nunca vou amar alguém tanto assim. Então
ele se ajoelhou e me pediu em casamento, porque estamos juntos e
ele quer uma vida ao meu lado para sempre, nós dois, uma família,
e por que não deixar tudo encaminhado agora?” Rebecca dá de
ombros. “Quero fazer todas essas coisas com ele, eu o amo tanto”,
minha melhor amiga explode em um gritinho animado, olhando para
a própria mão e seco meu rosto.
“Estou tão feliz por você!” Chelsea também funga.
“Eu também. Vocês merecem tanto tudo de bom que está
acontecendo com vocês, Becks, estou tão feliz. Você está noiva!”, e
minha fala leva a uma nova rodada de gritinhos animados.
“Prometo contar tudo melhor amanhã, mas não consegui me
conter. Zach subiu para atender uma ligação de urgência e não
consegui esperar até amanhã para contar para vocês”, ela diz.
“Estamos muito felizes mesmo por você”, Chelsea repete.
“Mal posso esperar.”
“Sempre soube que seria a primeira a se casar”, brinco,
fungando para tentar afugentar meu choro.
“Sempre soube disso também. Mas, mesmo que acabamos
de ficar noivos, sabemos que ainda não queremos nada muito cedo.
Não que eu acredite que vou me aguentar. Não há nada que eu
quero mais do que dizer eu aceito para o resto da minha vida para
ele.” Rebecca nem mesmo consegue se desfazer do sorriso
enquanto fala.
“Espero mesmo!”, a voz de Zach surge no fundo, e pouco
depois ele está abraçando Becks por trás. “Imagina eu me esforçar
todo e ela falar não, acho que iria… provavelmente passar o resto
dos meus dias chorando pelos cantos”, ele brinca, e todos
acabamos rindo.
“Acho que essa é a nossa hora de dizer felicidades e tchau,
Chels”, comento.
“Exatamente. Felicidades e aproveitem a noite como eu
aproveitaria.” A loira dá uma piscadela e depois de um breve aceno,
encerramos a chamada.
“Becks está noiva!”, falo sozinha, ainda um pouco incrédula e
rindo de felicidade pela minha melhor amiga, antes de respirar fundo
para me recompor das outras lágrimas que escorrem. Santo Deus, o
cansaço e a fome me fazem emocional demais, mesmo que eu
esteja genuinamente feliz pela minha melhor amiga.
 

 
“Estou um pouquinho atrasada, me desculpe!”, digo para a
recepcionista, que conheço bem assim que chego e ela me dá um
sorriso gentil, dispensando minhas desculpas com um aceno de
mão, mas continuo: “Fiquei presa no trabalho. Espero não ter
perdido minha consulta.” Porque sei que devo ser a última paciente
dessa quinta-feira à tarde, quase noite.
“A doutora está em uma ligação com o marido então tinha
pedido de qualquer forma para esperar, senhorita Laurent-Davis.”
Mesmo vindo aqui a cada seis meses, ainda não consegui
convencê-la a me chamar só de Daphne. “Desculpe mesmo ter
perdido seus exames.”
“Eu estava querendo vir de qualquer forma. Não acho que me
adaptei muito bem a nova pílula”, comento, me sentando em um dos
sofás da recepção. Somos só nós duas aqui, de qualquer forma.
“Algum problema?”
“Parece que meus hormônios estão constantemente a flor da
pele, estou um pouco sem apetite ultimamente e me sinto um pouco
mais inchada.” E nem é só um achismo, meu jeans skinny favorito
não entrou essa semana direito e precisei dos meus esforços para
abotoar. Talvez eu devesse ter comprado um número maior, mas
não ficava tão bem quanto esse na minha bunda.
“É, pode ser mesmo a adaptação com a pílula”, e quando ela
termina de falar isso, minha médica abre a porta do consultório e
sorri para mim.
“Vamos?”, diz, com um gesto convidativo para dentro da sala
e me levanto, acenando para a recepcionista antes de segui-la.
“Queria pedir desculpas mais uma vez pelos exames. Acabamos
tendo um back-up surpresa no meio do dia, seu exame ainda não
tinha sido colocado na devida pasta e não foi salvo. Não queria ficar
sem ele, afinal, fizemos recentemente a troca do anticoncepcional
então queria ter uma ideia melhor de como ele está agindo.”
“Não se preocupe, eu estava pensando em ligar para vir
conversar com você”, falo, me sentando na mesa, de frente para
ela. “Tenho me sentido um pouco estranha e acho que pode ter
relação com a adição dos hormônios”, começo, quando vejo que ela
começa a digitar e me dá um aceno para que continue. “Muita
sensibilidade em alguns assuntos, falta de apetite no decorrer do
dia, o que me faz vomitar quando como de verdade, quando meu
apetite surge. Um pouco de inchaço, o que me preocupa um pouco”,
continuo citando.
“Libido?”
“Na média, não venho transado com tanta frequência, mas
em uma questão geral, está ótima.” Se pensar que venho ficando
acordada até mais tarde com pensamentos que não devo e as
vezes tenho os mesmo no meio do dia de forma tão enfática que
preciso me distrair para não acabar ser demitida por uso indevido do
banheiro.
“Bem, o inchaço me preocupa, porque não deveria ter. Mas a
falta de apetite pode acontecer no começo mesmo, ainda que façam
o quê? Uns três meses que fizemos a mudança?” Dou um aceno a
ela, porque estou no fim da minha terceira cartela. “Está com a
bexiga vazia, certo?” Dou um aceno. “Tá bem, vamos dar uma
olhada para saber se esse inchaço pode ser algo mais agravante.”
Ela me entrega o avental para que eu me troque no banheiro e o
faço.
“Talvez tenhamos que trocar a pílula outra vez?”, pergunto,
enquanto saio, vestida somente nesse avental ridículo e me
acomodando na maca onde a Dra. Margot prepara o aparelho.
“Talvez, vamos ver se o exame está mostrando alguma
alteração”, ela me fala. “Pronta?”, pergunta, e dou um aceno antes
que ela coloque o aparelho. Um leve desconforto, como sempre, me
toma antes que eu relaxe. “Sentiu alguma outra coisa? Muito
enjoo?”
“Não, só pela manhã, que é o momento que mais tenho
apetite então acredito que seja uma reação do corpo contra. Não sei
se posso encaixar algumas dores de cabeça mais frequentes,
porque pode ser por estar trabalhando demais”, conto.
“Claro.” Ela parece atenta a tela e eu continuo deitada
olhando para o teto de gesso do consultório. “Está tendo relações
constantes?”
“Não”, falo, com uma careta. “A última foi há umas cinco ou
seis semanas”, relato, tentando recordar a data que eu e Matteo
ficamos, ainda que seja a memória que venho tentando apagar, é o
último cara com quem transei.
“Ok. Não namora?” Dou um balanço negativo para ela
quando me encara e seu cenho está franzindo.
“O que foi? Há algo errado?”, pergunto, um pouco
preocupada pela sua expressão.
“Não. Quer dizer, acredito que não.” Ela começa a clicar em
alguns botões e digitar algo. “Sete semanas”, ela afirma, e olho
confusa. “Sete semanas desde sua última relação.”
“Bastante preciso… é, mas sim”, digo, com um riso, fazendo
as contas na cabeça. Mas Margot segue um pouco séria enquanto
tira o aparelho e me avisa que posso ir me vestir.
“Usou camisinha?”, ela pergunta, assim que volto a me sentar
na cadeira na sua frente, vestida nas roupas do trabalho mais uma
vez. Quase dou risada, porque a doutora parece minha mãe, mas
quando penso um pouco, faço uma careta.
“Não”, admito, um pouco envergonhada. “Mas conheço ele,
somos amigos. Quer dizer, pelo menos acreditei que se ele tivesse
alguma coisa me avisaria.” Fecho os olhos com força, sentindo uma
repentina raiva de Matteo nem mesmo sabendo sobre qual doença
pode se tratar ainda, mas já o xingando mentalmente de todas as
formas possíveis por ser tão babaca.
“Não! Quer dizer, não tem como detectar todos os tipos
possíveis, mas você está bem.” Ela parece um pouco nervosa.
“Santo Deus, nunca fiquei assim antes” Margot fala, dando uma
longa respirada. “Daphne… você está grávida.”
“O quê? Não. Não é possível eu estava…”
“Tomando a pílula nova da qual eu lhe avisei…”
“Que não garantia prevenção na certa até o quarto mês de
uso”, continuo a frase dela, fechando os olhos mais uma vez e
descansando a cabeça entre as mãos. Eu me esqueci dessa droga
de aviso. “Porra.” O que se deve sentir quando recebe uma notícia
como essa?
Eu sempre pensei que sentiria êxtase. Porque sempre tive o
desejo de ser mãe e ter uma criaturinha só minha para amar e me
amar de volta, porque sempre prometi a mim mesma que seria uma
mãe melhor do que a minha. Então, sim, pensei que ficaria animada,
em choque de maneira positiva, superfeliz e gritante. Mas aqui estou
eu, sentada na cadeira do consultório, paralisada, em choque sem
saber ainda se de forma positiva ou negativa e me sentindo
exclusivamente perdida e tosca.
Gravida aos vinte e três com um diploma fresquinho e um
emprego bem pago, que exige tudo de mim. Algumas muitas
aspirações para o futuro, uma família disfuncional, mas com um
irmão perfeito que sempre me apoia. Duas melhores amigas
incríveis, mas distantes. Morando sozinha em um apartamento
pequeno em Boston. Grávida aos vinte e três por um erro básico
meu por não dar ouvidos a minha ginecologista e, sim, ao simples
desejo carnal. Essa é a parte que começo a chorar porque além de
tudo, também estou um pouco desesperada.
Gravida aos vinte e três do meu melhor amigo, mas solteira e
quase sozinha.
“Daphne...” Mas Margot não fala mais nada. “Está tudo
bem?”, ela me pergunta, depois de um tempo em que me
recomponho das lágrimas silenciosas. Dou uma fungada e respiro
fundo antes de dar um aceno de cabeça. Porque, no fundo, não me
sinto mal. Não completamente. “Podemos pensar em formas de
abortar, ainda é uma gestação nova.” Entretanto, eu balanço a
cabeça veemente em negação.
“Não. Não quero isso.” Balanço a cabeça para tirar alguns
fios da franja dos olhos. “Não quero abortar!”, falo com mais certeza,
olhando para Margot que me dá um aceno e sorri de canto. “Sempre
quis ser mãe, não tão nova, mas… é, é isso.”
“Bem, ainda é um feto pequeno, no começo do
desenvolvimento, mas já foi capaz de identificar pelo ultrassom.
Mesmo assim, vou querer que venha aqui novamente daqui umas
três semanas para fazemos o primeiro ultrassom oficial. Tudo
bem?”, ela me diz, e então vira o papel em sua mesa e me estende.
“Essa pequena coisinha aqui.” Margot me aponta. “O crescimento
está ok para as sete semanas. Mas da próxima vez faremos um
exame mais detalhado, porque veremos mais coisas. E ouviremos o
coração.” Dou um aceno de forma monótona, olhando fixo no
pedaço de papel na minha frente e encarando para a pequena
mancha redonda. “Vou querer que faça exames de sangue amanhã
cedo, para comprovar a gravidez e o estágio, se é que precisamos
disso de fato. Além de para vermos os seus níveis de vitaminas e
nutrientes”, Margot continua, digitando em seu computador. “Vou
marcar um retorno na próxima semana só para checarmos tudo
juntas, mas posso te enviar algumas instruções já no sábado de
manhã, quando os exames ficarem prontos. Peço para me enviarem
direto. Mas pelo meu conhecimento, só melhore a alimentação.
Volte a comer!”, ela fala mais séria, e volto meus olhos para seu
rosto, ainda segurando o ultrassom. “Não tem uma vida tão
desregrada, não deve estar com os níveis baixos, mas precisa se
alimentar.”
“Tá bem”, consigo falar. Ela imprime uma folha e me entrega.
“Temos uma clínica de análises nesse prédio, segundo andar.
Posso conseguir um encaixe para você logo no primeiro horário
amanhã”, a doutora continua. “Está bem?”
“Um pouco… fora de sentido ainda, captando tudo”,
respondo, porque sei que devo estar com uma expressão confusa,
porque ainda estou tentando absorver a informação de que estou
grávida e ainda desacreditando do fato, mesmo vendo a foto do…
meu bebê, aqui na minha frente. Não que entenda muito sobre
ultrassonografias.
“Desculpe, acho que fiquei tão surpresa quanto você e não
cumpri minha profissão corretamente.” Margot é alguns anos mais
velha que eu, mas desde que cheguei em Boston, há cinco anos,
comecei a consultar com ela, uma novata na época, e acabamos
criando um pequeno vínculo. Sempre venho de seis ou de oito em
oito meses para analisar meus ovários que tiveram significativa
melhora em seu estado policístico desde que comecei a me
consultar com ela. Mesmo assim, nunca consegui ficar totalmente
relaxada pelo fato de terem sumido há um ano e meio.
“A culpa não é sua. Só… acho que ainda estou em choque,
só isso”, explico. “Mas escutei o que disse, pode marcar para
amanhã cedo. Jejum, certo?” Ela me dá um aceno. “Até o fim da
noite prometo assimilar e estar um pouco mais… animada, com isso
tudo amanhã.”
“Não precisa necessariamente ficar animada, você quer a
criança, mas é chocante, não se cobre. As coisas provavelmente
vão ficar bem, não precisa ser agora.” E isso é bem mais
tranquilizador do que parece. Por isso, consigo sorrir de canto para
ela.
“Obrigada.”
“Retorno na próxima semana e podemos marcar sua primeira
ultrassonografia oficial para o fim do mês ou para o começo de
dezembro.” Dou outro um aceno para ela. “Mande uma mensagem
para minha secretária, agendando o melhor dia e horário. E…
Daphne...”
“Sim.”
“Não é da minha conta, mas, sabe quem é o pai?”, ela
pergunta, e sei que está deixando de lado a profissão e me
perguntando como uma amiga.
“Sim, eu sei. Como disse, é um amigo. Estávamos bêbados
e… bem, é isso”, digo, com um dar de ombros e começo a cogitar
de devo ou não contar para Matteo. Poderia esconder e dizer que é
de outra pessoa ou coisa assim. Sei que posso ser uma mentirosa
convincente e se esconder dele por tempo o suficiente, poderá ser
ainda mais convincente.
“Acho que isso é bom então”, Margot fala. “Acho melhor ir, é
bom descansar e pensar bem sobre tudo, talvez só amanhã. Não se
pressione muito sobre nada durante hoje.”
“Não há muito o que pensar. Isso aconteceu e foi
parcialmente minha culpa, e no fim das contas, é meu bebê”, as
palavras saem um pouco estranhas, e nem mesmo ainda consigo
soar convincente.
“Se é o que diz.” Ela solta um suspiro longo. “Lembre de jogar
a pílula fora, nada mais de álcool e tente comer mais frutas durante
o dia. Se o enjoo matinal for muito ruim, me avise que te passo um
remédio antes do nosso próximo encontro, mas isso deve ir
amenizando.” Ela me entrega os papéis com os exames a serem
feitos pela manhã. “Durma bem e tente não se estressar tanto com o
trabalho.” Um pouco difícil, mas dou um aceno. “Descase de
verdade e nos vemos semana que vem. Isso é seu.” Ela me entrega
a ultrassom que deixei de volta na mesa. “A não sei que não queira.”
“Não, eu quero!”, falo com confiança, e pego as folhas,
colocando-as na bolsa. “Eu quero isso, não planejei, mas não quero
um aborto. Prometo tentar soar mais confiante sobre isso quando
nos vermos novamente.”
“Não precisa provar nada para mim”, Margot diz, abrindo a
porta. “Tem certeza que vai ficar bem?”
“Sim, nada que um banho relaxante e uma boa noite de sono
não ajude a organizar meus pensamentos.” Coloco um sorriso
enquanto saio do consultório e aperto o botão do elevador.
“Peço para minha secretária te mandar um retorno logo pela
manhã e ajustam o horário”, ela repete. “E vou marcar seus exames
agora mesmo. Conheço a médica responsável e peço esse favor
para ela. É bom termos esses exames o quanto antes.”
“Tá bem. Obrigada, por me receber depois do horário hoje
e… bem, por não me achar uma pessoa horrível por não sair
festejando”, falo, quando o elevador chega.
“Não é a primeira, choque é bem mais realista que os
pulinhos dos filmes”, ela zomba, e damos risada. “Me mande
mensagem se precisar de qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo,
Daphne. E se cuide.”
“Ok”, é o que digo, junto com um aceno quando entro no
elevador e assim que aperto o botão para descer, sinto uma coisa,
um peso ou um batimento acelerado. Uma sensação estranha e
meu peito aperta com isso. Porque nunca me senti mais perdida do
que estou agora, evito até mesmo me olhar no espelho porque
tenho medo de achar uma barriga ainda inexistente, ou qualquer
outra coisa.
Quando chego no carro, pego o ultrassom da bolsa e encaro
o que não compreendo por bons minutos antes de sair do
estacionamento decidida, parando na primeira farmácia aberta que
vejo e comprando todos os sete testes de gravidez que vejo na
prateleira, assim como uma garrafa grande de água, que tomo no
caminho restante até meu apartamento.
É bobagem, eu sei. Confio em Margot e confio no ultrassom,
mesmo assim sinto que preciso de mais, de todas as confirmações
possíveis. Ainda que não saiba se isso me fará mais tranquila ou
mais desesperada.
“Daphne?” Estou prestes a abrir meu apartamento quando
minha vizinha da frente abre sua porta e me encara com um sorriso
gentil. “Chegaram hoje mais cedo para você, estava chegando com
as compras e peguei, sabia que estava no trabalho”, ela diz, e tento
manter um sorriso igualmente gentil enquanto ela se aproxima e me
entrega o buque bonito com rosas e tulipas. 
“Ah, obrigada. Acabei me estendendo hoje.” Não sei porque
minto, mas mesmo assim parece uma desculpa mais plausível. Ela
me dá um aceno e volta para seu apartamento enquanto finalmente
entro no meu.
Não posso dizer que esse foi o primeiro momento em anos
que me senti assim, completamente perdida. Não, tive minha cota
ao longo da vida e isso sempre aconteceu por motivos específicos
de família. Meus pais sempre desaprovaram meu comportamento,
porque deveríamos fazer o máximo para nos encaixarmos na
sociedade da qual não tínhamos nascido dentro, como Chelsea ou
Becks, por exemplo. Deveríamos ser perfeitos e se isso significasse
que vez ou outra precisaríamos ser corruptos para nos encaixarmos,
tudo bem.
Também me senti incrivelmente sozinha quando me mudei
para Boston, longe das meninas e do meu irmão. Mas se tivesse
que fazer direito, que fosse na escola dos meus sonhos, e essa era
a Harvard. Não que eu desgostasse do curso, na verdade, para um
pouco de infelicidade minha, uma vez que isso entusiasmava meus
pais, eu amo o que faço. Mas isso não significa que me senti menos
perdida ao vir para cá sozinha, mesmo que isso também tenha
significado um pouco mais de liberdade e paz.
Durante meus anos de adolescência, ainda que amasse
como amo minhas amigas, me senti perdida uma boa quantidade de
vezes e provavelmente sempre me perguntei mais do que o
necessário, ou saudável, se estava fazendo as coisas certas para
minha vida e mais vezes do que eu gostaria de admitir a resposta
não foi plausível o suficiente. Mas hoje, apesar de me sentir o mais
perdida que já estive em toda a minha vida, essa pergunta não
passou pela minha cabeça nem uma vez se quer.
Não me questionei nenhuma vez se o que estou fazendo é o
certo para a minha vida, porque não há necessidade nenhuma. E
mesmo olhando para todos os sete testes se acumulando
positivamente em minha pia do banheiro, com o ultrassom na mão,
nem cogito me perguntar. Porque é o certo, é o que quero, ainda me
faça sentir perdida e completamente sem noção do que fazer em
seguida, não penso em momento algum que talvez deva interromper
a gestação.
Mesmo quando penso sobre todas as coisas horríveis que
provavelmente vou escutar dos meus pais, não penso que isso não
é a coisa certa. E quando lembro o quanto Mike vai ficar chateado
com toda a situação, principalmente sabendo de quem é, ainda que
no fim eu tenha a total certeza que meu irmão, assim como minhas
melhores amigas, vão dar seu melhor para me apoiar, isso — o
pensamento de não seguir em frente com a gravidez — passa pela
minha cabeça.
Não cogito isso também quando o pensamento de contar
para Matteo me assombra, com medo de qualquer resposta
negativa. Pego todos os testes e os guardo em uma necessaire
vazia que não uso e coloco no cesto com meus demais produtos
embaixo da pia. Sento de volta na sala, ainda segurando o papel
com a mancha branca e um desenho que provavelmente significa o
meu pequeno serzinho, me dou conta disso.
Esse bebê é meu e de mais ninguém, não preciso da
aprovação de nenhuma pessoa — ainda que goste de pensar que
terei a de Mike e as meninas — para fazer as coisas certas para a
minha vida. Independente de qualquer circunstância, de qualquer
hora errada ou algo assim, é meu para amar e decido que qualquer
sentimento além disso da minha parte não será tolerado. Estou
decidida, sei que é o que quero para mim e devo encarar minhas
decisões porque é a minha vida e de mais ninguém.
Ainda assim, tenho uma lista a seguir em minha cabeça de
pessoas que deveria contar primeiro, com uma ordem em
específico. Mas preciso criar coragem para enfrentar e decidir o que
dizer para a primeira, então pensando nisso, leio o cartão de Mike
que veio junto com as flores. O cartão impresso é como todos os
outros que já recebi do meu irmão, que já deve ser sócio da
floricultura.
“Você é a melhor irmã do mundo, além da mais
inteligente advogada de todas. Ganhamos o processo e tudo
por sua ajuda. Obrigado por ser essa pessoa incrível, te amo e
sinto saudades.
Mike.”
Não me sinto a melhor irmã do mundo e essas poucas linhas
com palavras tão bonitas me fizeram mais sentimental do que
normalmente fariam e agora entendo todos os momentos emotivos
dos últimos dias. Fungando para espantar as lágrimas, alcanço meu
celular na bolsa e encaro a pessoa número dois.
“Ei, baixinha!”, ele me diz, assim que atende. “Ganhamos o
processo e tudo por sua causa.”
“Não é bem assim. Também é um advogado incrível, só dei
um esforço”, tento soar tão animada quanto ele. “Obrigada pelas
flores, fizeram o meu dia.” Porque é verdade, me senti um pouco
melhor e mais confiante ao ler o bilhete e colocá-las em um vaso na
minha bancada.
“Dia difícil?”, ele pergunta, e começo a chorar
silenciosamente, porque odeio esconder coisas de Mike, sempre
fomos nós dois contra qualquer coisa, mesmo que eu tivesse as
meninas e ele, o Matteo, sempre fomos nós dois no fim. “Daph?”
“Sinto tanto a sua falta”, resmungo, como a irmã de quinze
anos que um dia eu fui.
“Pelo visto o dia foi bem ruim”, ele sussurra. “Também sinto
muito sua falta. O que houve?”, e Mike pergunta da forma que
sempre pergunta e sempre me arranca todas as respostas, porque
não escondo nada dele, não porque não consigo, mas porque nunca
quero. Meu irmão é um ouvinte perfeito e sempre tem conselhos
adoráveis, além de ótimos carinhos enquanto me fala que tudo vai
ficar bem uma hora.
Meu irmão é a melhor pessoa do mundo além de ser o
melhor amigo que eu poderia pedir para ter.
“Algumas coisas meio… turbulentas.” Fungo com a definição
terrível e involuntariamente, solto o papel do ultrassom no colo,
levando a mão para a barriga. Está do mesmo jeito que estaria se
estivesse prestes a menstruar e bem inchada. “Acha que pode vir
para cá esse final de semana?”, peço em um impulso, mas
realmente desejo olhar em seus olhos ao dizer.
“Posso ver o que consigo fazer, talvez precise ir na segunda
ou terça. Temos um júri na segunda cedo e um no sábado de
manhã. Então não compensa eu ir e ficar só uma noite. A não ser
que precise da companhia com urgência.” Faço um som em
negação, apesar de precisar com urgência. “Tá bem, posso ir e ficar
até quinta, trabalhar em casa. Voltamos juntos para Nova York, ou
não vem para o aniversário de Chels?” Quase me esqueci que
prometi estar na cidade para o aniversário de vinte e seis de
Chelsea.
“Claro, é uma boa ideia. Me avise quando puder vir, preciso
mesmo te ver.” Minha voz sai com um pouco de desespero. “Acho
que vou ir dormir, foi um dia agitado.” Invento uma desculpa para
não ficar chorando igual um bebê no ouvido do meu irmão.
“Tá bem, me ligue amanhã cedo. Quero saber se precisa de
mais alguma coisa.”
“Tá bem.”
“Daphne, eu estou sempre aqui!”
“Eu sei, e te amo muito por isso. Obrigada.”
“Ok, se precisar de alguma coisa me ligue, não hesite. Eu te
amo, vá descansar. Tudo vai parecer melhor amanhã.”
 

 
Meu irmão estava parcialmente certo. O dia seguinte é
mesmo um tanto melhor e a sexta-feira inspira um ar de
tranquilidade no escritório. Depois de tirar mais sangue do que gosto
normalmente para os exames, me senti pelo primeiro dia em muitos
com apetite e sem enjoo matinal, e tomei um belo café da manhã
reforçado em uma cafeteria. Passei o início do dia trabalhando no
que precisava e descobri que me adiantei muito essa semana. Por
essa razão, estou completamente livre depois do almoço e ao invés
de pedir mais coisas, ou rever o que fiz, decido fazer pesquisas.
Sei que a internet não é sempre nossa melhor amiga, mas
sentada na minha cadeira do escritório pequeno, comendo alguns
biscoitos com chocolate, comecei a pesquisar coisas que minha
médica provavelmente dirá na próxima semana, como alimentos
que devo evitar e aqueles que devo fazer maior consumo.
Provavelmente preciso ir ao mercado e a feira amanhã.
Além disso, reli meu contrato com o escritório, buscando pela
cláusula que fala a respeito de gravidez. Fico contente por ter
assinado com uma empresa que me respeitará nesse período e
quando for falar sobre minha nova situação com meu chefe na
próxima semana, sei que estou tranquila. Minha carga seria
diminuída, além de ser aceito saídas para consultas ou trabalhos em
casa caso algum dia fosse necessário. Outros itens precisam ser
discutidos com o RH e passado para a administração e quando
deixo o prédio as seis em ponto, me sinto bem mais confiante.
As coisas estão se arrumando, como Mike prometeu e por
isso, passo na padaria e compro algo para beliscar enquanto faço
meu caminho no meu Prius usado, que comprei quando cheguei em
Boston com parte das minhas economias. Não é um carro chique ou
nem coisa parecida, mas é útil e hoje, ao entrar nele no fim da tarde,
percebo que acomodará bem uma cadeirinha de bebê. Não
precisarei trocá-lo quando o bebê chegar.
Pescando alguns salgadinhos do saco no banco do carona,
faço meu caminho até o prédio luxuoso no sentindo contrário do
meu apartamento. Se não fizer isso hoje, enquanto ainda estou
convencida e totalmente confiante, com as palavras na ponta da
língua, não sei quando terei coragem de novo. Por isso, pego minha
bolsa quando estaciono no estacionamento privado que fica na
calçada extensa na frente do prédio, e minha sacola com minhas
compras. O enjoo me deixou em paz pelo dia e encarei isso de
forma positiva.
Minha bolsa pode estar pesando mais que o normal hoje e
sei que é por causa da minha consciência que tem noção do pedaço
de papel aqui dentro. Passei o dia espiando o ultrassom que parece
a cada minuto fazer mais sentido. Tranco meu carro e o porteiro
abre a porta para mim, tão chique quanto no antigo prédio dele ou
no do apartamento de Rebecca, ambos em Nova York.
“Boa tarde”, ele me cumprimenta, antes de voltar para sua
mesa.
“Boa tarde. Vim para ver o Matteo Drake, da cobertura.”
Estou dando um longo chute no escuro. “Daphne Laurent-Davis”,
anuncio meu nome na esperança que Matteo tivesse a atenção de
colocar, um dia, meu nome na lista e depois de um momento de
nervosismo, ele sorri.
“Claro. Só preciso lhe avisar que o senhor Drake ainda não
chegou”, ele me diz, e tento não parecer tão aliviada por ter minha
entrada liberada.
“Tudo bem, vou esperá-lo lá em cima”, após eu dizer isso, ele
me dá um aceno antes que eu tomar meu caminho até o elevador.
Da última vez que estive aqui, não reparei muito no prédio,
porque estava correndo para não estar tão atrasada para a social de
Jeremy ou saindo apressada com medo de ser seguida. O que me
faz parecer um pouco boba hoje, como se Matteo fosse se dar ao
trabalho naquele dia. Infelizmente, me dou conta enquanto subo no
elevador, que não me posso dar ao luxo de desejar algo que não é
meu e nunca será. Posso no máximo esperar uma reação positiva
hoje.
Não que eu tenha imaginado que, por estar grávida,
automaticamente ganharia um pai e um namorado novo, ainda mais
por se tratar de Matteo. Mas exatamente por se tratar dele, sei que
as coisas são mais profundas. Ele ainda sente muito pela morte de
Brooke, ainda a ama incondicionalmente e mesmo que tenhamos
ficado quase duas vezes, isso não significa nada. Matt passou por
um longo período de sofrimento e ainda sofre muito por ela, mesmo
que tente fingir que não.
Chego ao andar mais alto do prédio e percebo que Matteo
tem quase um hall próprio para a entrada em sua cobertura. Uma
sala pequena está mobiliada com três poltronas pretas que
contrastam com as paredes brancas com alguns quadros. Tudo no
preto e branco. Isso antes de alcançar a enorme porta preta com um
sistema de segurança para lá de moderno. O prédio só acomoda
uma cobertura e dá para entender pela enormidade da casa dele.
Sento em uma das poltronas largas e jogo os saltos para
baixo antes de subir os pés e me aconchegar na poltrona. Me sinto
exausta, acho que parte disso foi por pensar demais e me preocupar
muito hoje. Involuntariamente, passo minha mão pela barriga, o que
fiz muito hoje como se precisasse sentir algo, mesmo sabendo que
vou demorar boas semanas para sentir qualquer movimento. Uso
uma regada preta bem colada, com alças da largura de dois dedos e
com um decote reto e baixo, o que valoriza meus seios mediano e
penso se eles vão inchar muito. O jeans de lavagem clara é de cós
alto e mesmo que se ajuste ao meu corpo não consigo ver nada
além da minha barriga levemente inchada, nada fora do padrão.
Nunca fui magra como Chelsea ou bem malhada como
Rebecca, sempre tive um corpo magro, pernas e braços finos, coxas
e bunda um pouco mais avantajados, mas nada surpreendente
gostosa, estou mais para flácida. Uma barriga ok, não chapada, mas
ainda altero entre o P e o M, e atualmente com um leve inchaço na
parte mais debaixo do ventre. Poderia cogitar que são mais que sete
semanas, mas antes disso, antes de Matteo, o último cara com
quem fiquei foi em agosto, isso me daria pelo menos mais trinta dias
e quando chegar na décima primeira semana estarei com uma
barriga bem maior do que isso.
Ou pelo menos devo. Além disso, teria sido visível bem mais
coisas do que Margot conseguiu identificar pelo ultrassom que
mantenho bem guardado na minha bolsa. Talvez até mesmo o sexo
do bebê e me pego pensando nisso enquanto me encolho mais na
poltrona, descansando a cabeça na mão e puxando meu casaco
grande e bege de tricô mais apertado ao corpo.
Me sinto cansada porque devo estar esperando há quase
uma hora, mexendo em e-mails e lendo mais coisas sobre gravidez
encolhida aqui. E talvez eu deva ir para casa e dormir, mas sei que,
se deixar essa confiança passar de que devo contar a Matteo sobre
a gravidez, posso desistir de fazer isso por pelo menos mais um
mês e meio. E é quando estou perdida nos pensamentos de que
desistir de contar a ele não vai ser tão má ideia assim que as portas
do elevador se abrem e escuto as conversas antes de qualquer
coisa.
Sua voz grossa se mistura com uma feminina suave e sento
um pouco mais acomodada para não parecer desajeitada antes de
olhar para Matteo, em seu terno impecável como sempre,
conversando com uma loira, acho que já a vi antes. É bonita, lembra
um pouco Chels com as pernas compridas, sorriso quase malicioso,
cabelos loiros brilhantes e olhos azuis belíssimos. Mas minha
melhor amiga é bem mais bonita na minha opinião.
Ela me nota antes que ele, porque da sua posição no
elevador, me vê logo de cara e Matteo, olhando para ela, não me
enxergou ainda. Mas assim que a loira arqueia as sobrancelhas, ele
se vira e parece um pouco chocado ao me ver. E com isso, pense
em uma expressão bem neutra e séria de choque, porque é preciso
de um pouco de prática para distinguir as expressões de Matt
depois que aderiu essa folha em branco pacífica e concentrada.
“Daphne”, ele diz, enquanto saem do elevador e me apresso
para calçar meus pés nos saltos antes de me levantar.
“Oie.” Minha coragem está querendo se esvair. “Queria falar
com você sobre uma coisa. Ah, hum, oie, sou Daphne”,
cumprimento a loira com um sorriso, o melhor que consigo no
momento e ela parece mais simpática com o seu.
“Maggie”, diz de volta.
“Tá bem”, Matteo fala, e busca a chave no bolso, como se
isso fosse um incentivo para que ambas o acompanhamos.
“Desculpe… preciso falar com você a sós”, explico melhor, e
isso me resulta em uma breve franzida de sobrancelhas dele.
“Ah, claro. Tudo bem. Podemos combinar de fazermos nossa
pesquisa outro dia. Ainda quero ler os livros que me falou hoje”,
Maggie fala, parecendo um pouco sem jeito e fico mal por isso.
“Desculpe”, falo, tão sem jeito quanto antes de pegar minha
bolsa na poltrona.
“Ah…, sim. Tudo bem. Combinamos”, Matt fala. “Posso
chamar um carro para você se quiser.”
“Não, tudo bem. Não moro muito longe e uma caminhada é
boa. Posso pedir um carro também. Não se preocupe.” Ela se
adianta e eu somente assisto a cena enquanto ela aperta o botão do
elevador, que ainda está no andar e some dentro do mesmo com
um aceno.
“Desculpe, não sabia que teria visitas”, falo, seguindo-o para
dentro do apartamento, torcendo minhas mãos nervosas.
“Maggie é uma colega do doutorado, estamos fazendo
pesquisas parecidas”, ele explica, com um olhar sério e parece
precisar que eu acredite naquilo, mas só dou de ombros. Não estou
ligando muito se está saindo com alguém ou se estar fazendo
pesquisas ou qualquer coisa. “Devia ter me dito que viria, teria saído
mais cedo da faculdade.”
“Tudo bem.” Nem mesmo sei porque não mandei mensagem,
acho que ficaria ainda mais ansiosa. “Precisamos conversar”, repito,
enquanto eu vou para a sala e ele para a cozinha.
“Tá bem.” Seu tom é sério. “Quer alguma coisa? Parece
nervosa. O que houve?” Sou mesmo péssima disfarçando minhas
emoções. Quase sinto tudo o que comi durante o dia voltando do
meu estômago e sei que isso pode não ser só um sentimento
passageiro e, sim, os enjoos do dia acumulados.
“Água”, respondo só uma de suas perguntas, e espero até
que Matteo volte até a sala me entregar. “Poderia se sentar?” Ele
me olha estranho, mas acata o pedido. Bebo um gole.
“Daph, está estranha. E me preocupando. O que aconteceu?”
Ele parece mesmo preocupado e se ajeita no sofá para ficar de
frente para mim, assim como eu estou, com uma das pernas
dobradas para cima.
“É…” Seus olhos verdes me transmitem algumas coisas.
Vejo sua preocupação, mas há um bom tempo não vejo o
brilho ali, porque há tristeza pelo que perdeu e começo a me senti
ainda mais tensa, porque sou uma pessoa horrível. Porque pareço
estar conseguindo coisas tão fáceis e coisas que ele deveria estar
tendo hoje em dia, com a mulher que amava e iria se casar. Ao
mesmo tempo, também não quero pedir nada, porque vim em um
comunicado. Por isso respiro fundo antes de conseguir continuar,
mas preciso desviar dos seus olhos, porque imagino coisas além de
ver ainda mais preocupação ali, porque os meus olhos sensíveis se
encheram.
“Daph…” Ele começa, colocando a mão no meu joelho
quando olho para a mesa de centro, mas o interrompo.
“Estou grávida.”
 

 
EXISTEM ALGUMAS COISAS NA VIDA das quais você nunca
espera ouvir. Essa nunca foi uma dessas coisas. Sempre quis ser
pai, um bom marido e ter uma família. Então sempre esperei escutar
essas duas palavras um dia na minha vida. Claro, sempre fui cético
e acreditei em ordem cronológica para as coisas, como primeiro ser
um bom marido, depois virar pai para construir uma família. Óbvio
que sempre houve outras coisas das quais desejei antes, durante e
depois dessa linha cronológica para minha vida. Como obter meu
diploma, fazer meu doutorado e assumir a presidência da Drake Co.
O que nunca esperaria em toda a minha vida seria escutar
essas palavras vindas de Daphne, direcionadas exclusivamente
para mim e não para todo nosso grupo de amigos como um anúncio
geral. Não, essas palavras são só para mim e tem um significado
bem maior do que teria se fosse um aviso para todos. Sem precisar
colocar em todas as letras, acabei de ouvir que ela está grávida de
mim e bem, isso me deixa um pouco sem saber o que falar.
Sendo realista, minha expressão de choque tenta não passar
de sobrancelhas arqueadas, das quais ela não vê porque nem
mesmo me olha nos olhos enquanto diz isso. Algumas perguntas
bem toscas rodam minha mente, como, por exemplo: O quê? Mas
eu ouvi direito o que ela disse. Como? Entretanto, a resposta eu
posso dar bem detalhada, mesmo que estivesse sob o efeito de
bastante vinho naquela noite, me lembro bem dos detalhes. Tem
certeza? Essa seria a mais estúpida e grosseira, porque não duvido
do que ela está falando e nem mesmo cogito isso.
Mas quando estou prestes a falar, e descobrir através da
impulsividade o que de fato estou querendo falar, Daphne continua,
ainda um pouco eufórica e nervosa.
“Estou grávida, é seu, mas não estou te pedindo nada. Só
achei que seria certo te comunicar o fato antes de qualquer
surpresa. Esse bebê é meu e… é isso”, ela fala, e tiro minha mão do
seu joelho para colocar em seu braço, chamando a atenção dela.
“Daphne…” O que eu deveria falar?
Sempre gostei de pensar que sou um cara organizado e que
teria tudo organizado quando um momento como esse chegasse. As
palavras certas para dizer, as coisas certas para sentir, tudo
organizado para o que fazer em seguida. Porque sempre fui de
fazer planos, listas e organizações, seguir tudo é o mais certo, é o
que me ajuda a sempre fazer as coisas corretamente e foi o que me
ajudou a seguir em frente sem arrastar tudo a minha volta para o
fundo do poço, como eu mesmo fiquei há quase dois anos.
Mas não tenho ideia do que devo dizer ou como me sinto
sobre o que Daphne acabou de me falar. Quer dizer, tenho algumas
ideias e alguns pensamentos organizados sobre o que quero falar e
sobre como me sinto de maneira geral. Não é aterrorizado, chocado
sim, mas não do tipo a querer me livrar disso. Porém bem…
desesperado, porque não sei como seguir a partir daqui.
“Meu Deus, eu sabia que isso tinha sido um erro gigantesco,
mas fui tão burra, como pude fazer isso. É basicamente minha
culpa, e não me importo sobre o que acha sobre isso, porque eu…”
“Daphne, está tudo bem. Acho que é melhor você… se
acalmar, talvez.” Mulheres grávidas tendem a ter sentimentos mais
amplificados e teoricamente não devem se exaltar pelo bem do
bebê, certo? “Pode me contar do começo?” Talvez eu me acalme,
assim como ela, se houver um detalhamento e tempo para eu
pensar.
“O quê? Ah… tá bem.” Mas ela parece confusa, jogando os
saltos para longe — ela pode usá-los? — e se acomodando com as
pernas dobradas no sofá. Ofereço a água esquecida na mesa e ela
bebe um gole. “Tive uma consulta ontem, porque houve um erro no
sistema e perderam meus últimos exames e eu queria me consultar
porque estava me sentindo estranha, culpava a nova pílula que
comecei a tomar no começo de setembro.”
“Tá bem.”
“E bem, eu tomo anticoncepcional desde que era bem nova,
mudei duas vezes e Margot, minha médica, recomendou que
mudássemos para um mais leve, porque não precisava mais da
quantidade extra de hormônios.” Gostaria que ela encurtasse a
história, porque fico um pouco confuso, mas ela segue. “Bem… eu
deveria ter esperado pelo menos noventa dias de uso para confiar
totalmente na nova pílula e…” Ela faz uma careta, me olhando com
cara de culpada. Entendo o que quer dizer e, por isso, mesmo
parecendo um pouco insensível digo:
“E dormimos juntos somente dias depois de começar, e
transamos sem camisinha”, quando falo isso, ela aperta os olhos e
morde o lábio inferior, tento acalmá-la, tocando sua mão, mas não
sinto que o gesto foi ao todo reconfortante.
“Porque eu falei que estava ok.”
“Daphne, eu também sabia dos riscos, independente de
qualquer coisa.” Ela parece aceitar isso, porque relaxa e finalmente
me olha. Seus olhos estão em um azul-escuro, porque não preciso
ser burro e fingir que não vejo que ela funga e segura um choro na
garganta. “E então, foi na sua consulta ontem e…?”
“Fizemos novamente os exames de imagem, porque faço de
rotina, e como perdemos ela queria um novo para manter o histórico
um pouco atualizado. E então…” Ela se desvincula e alcança sua
bolsa, procurando algo lá por um instante e me pego olhando para
seu corpo, procurando por algo, mas não sou tão discreto quanto
achei que fosse. “Não há nada ainda, só um leve inchaço”, ela
responde minhas questões silenciosas quando se vira de volta,
segurando um papel. “E Margot achou isso.” Daph me entrega o
papel e sou inteligente o suficiente para saber do que se trata ainda
que não entenda nada. “Isso é meu útero.” Ela aponta para uma
marcação quase imperceptível. “Isso é o saco gestacional, pelo que
li. E isso é o bebê”, Daphne vai me explicando e, bem, agora faz
bem mais sentido o que vejo.
“É… pequeno.” Que coisa mais estúpida. Mas faz Daphne rir
um pouco.
“Sete semanas e dois dias, se contado desde aquela noite.”
Ela faz uma careta. “Pelo que li na internet é do tamanho de um
grão de feijão. Margot coloca entre oito e nove milímetros.” Ela
indica a medição na lateral. “E um pouco incerto pelo ultrassom,
porque ainda é bem pequeno, mas fiz sete testes de farmácia.”
“Deixe-me adivinhar, todos positivos?” Tento relaxar um
pouco e ela me dá um sorriso de canto enquanto acena,
confirmando. “Então…”
“Como falei, só achei que seria certo você saber disso… não
precisa…”
“Eu preciso”, falo, em um tom mais fechado, e ela me encara.
“A não ser que você não queira, eu preciso, sim, saber e… fazer o
que é certo.” E Daphne faz o que eu tenho vontade de fazer ao me
ouvir falando isso, ela ri.
“Tudo bem, isso é… um pouco tranquilizante.” Ela suspira.
“Achou que eu iria fazer o quê?” Porque o pensamento de
que ela supor que eu simplesmente daria as costas é um pouco
assustador. Eu nunca faria isso. “Independente de como isso
aconteceu, aconteceu e parece que vamos…”
“Por favor, não fale isso ainda. Estou me acostumando com a
ideia de que eu e você vamos… você sabe.” Não entendo o que há
de errado, mas dou um aceno. Não tenho medo de pensar que eu e
Daphne, uma das minhas melhores amigas de infância, seremos
pais. De um mesmo bebê. Porque é lógico e se pensar toda a
situação de forma lógica, é mais calmante.
“E o que precisa fazer agora? Precisa de alguma coisa?” Ela
balança a cabeça em negação e a forma como sua franja se
bagunça no movimento é fofo.
“Não, fiz exames hoje cedo e devo ter um retorno na próxima
semana para olhar os resultados. Para saber sobre vitaminas e
coisas assim, além de confirmação da gravidez e outras coisas que
não entendi direito”, ela fala, com os pensamentos longe,
provavelmente se lembrando do que mais colocar no seu relatório.
“A próxima ultrassom só precisa ser para o fim do mês ou depois, se
não sentir nada de errado. Acho que é isso.”
“Está bem, quero estar lá, então me mande os horários das
suas consultas.” Porque parece ser o correto a se fazer.
“Não precisa fazer isso.”
“Se não for te incomodar, eu gostaria.”
“Não, é só que você não precisa mesmo…”
“Isso é um tópico fechado, Daphne. A não ser que você mude
de ideia quanto a isso, minha opinião vai seguir a mesma, então
pare de tentar me convencer que não preciso fazer isso da forma
devida, quando eu preciso sim.” Ela fecha a cara na mesma hora e
se senta com as pernas para fora do sofá.
“Não precisa fazer disso como se fosse uma obrigação, é
isso que quero deixar claro.”
“Não é uma obrigação”, retruco, quase no mesmo tom
chateado que ela. “Olha, Daph… Não sei como me sentir ainda
sobre isso, talvez vá demorar alguns dias para absorver a situação,
mas isso não significa que não quero fazer as coisas certas. Não só
por obrigação, porém…” Balanço a cabeça, porque não sou bom em
colocar meus sentimentos para fora, por isso sigo por outro rumo.
“Não estou fazendo isso por obrigação. Se você vai fazer isso, então
vamos fazer isso juntos.” Que bosta de frase ridícula. “É…”
“Você quer um teste de paternidade!” Não é uma pergunta,
nem mesmo um pequeno tom de pergunta. Santo Deus, o cérebro
de Daphne sempre operou de formas estranhas, mas ela parece
estar diabólica agora porque o que raios eu disse que possa indicar
isso?
“Não! De forma alguma. Sempre confiei em você e agora não
vou simplesmente parar.” Asseguro-lhe.
“Não devia ter confiado tanto.” Sei que ela está pensando
sobre o lance da camisinha.
“Daphne!”
“Tá bem, não quer o teste, entendi.” Ela dá de ombros e bebe
o resto da água.
“Ok, você está bem? Sentindo alguma coisa?”
“Precisa mesmo ser cético sobre tudo?” Prefiro responder
com o silêncio a pergunta, porque ela sabe que esse é o meu jeito e
se quiser meu suporte, talvez precise compreender que essa a
minha forma de me expressar. Posso tentar melhorar um pouco por
ela. “Não, um pouco de cansaço e enjoos matinais que me tiram o
apetite às vezes, mas não posso afirmar porque desde ontem
descobri que uma gravidez pode ser o motivo então não vim
analisando isso exatamente por esse ângulo nos últimos dois
meses.”
“Tudo bem. Isso é normal, certo?”
“Sim, pelo que Margot me disse mais cedo e pelo que li em
alguns sites.” Ela parece ter lido mesmo muitas coisas.
“Ok”, digo, dando alguns acenos para tentar reorganizar
meus pensamentos. “Quer alguma coisa? Posso pedir o jantar.” O
que de fato já faria, mas acho que é certo oferecer a ela.
“Não, acho melhor eu ir para a casa.” E com isso ela começa
a se abaixar para pegar os sapatos.
“Daphne, pode ficar se quiser. Podemos jantar e conversar
com mais calma.” Talvez também porque quero a garantia de que
ela vai comer alguma coisa. Subitamente estou me preocupando
com sua alimentação sempre desleixada.
“Pensei que tivesse coisas para fazer.” Quase reviro os olhos
com isso, mas me contenho perante sua atitude infantil.
“O que quer comer?”, pergunto, ignorando-a, procurando meu
celular no bolso da calça e tirando o paletó.
“Algo bem gostoso e com batatas fritas, e um sorvete.”
Daphne parece quase desejosa e poderia atribuir isso ao seu novo
estado se não a conhecesse como uma faminta há anos.
“Então escolha.” Passo o meu celular com o aplicativo aberto.
“Pode pedir o que quiser.”
“Acho que posso aproveitar novamente essa oportunidade de
comer a suas custas.” Ela sorri diabólica antes de começar a rolar a
tela.
“Peça o mesmo para mim. Tudo bem se eu subir e tomar um
banho?”, pergunto, me colocando de pé. Ela me dá um murmuro de
concordância, começando a se esparramar no sofá e subo para o
meu quarto.
Tomo um banho, tirando um pouco do cansaço do dia e
aproveito para deixar a água fria arrumar meus pensamentos um
pouco. Daphne está grávida e vamos ter um bebê. Ok, se seguir
pensando assim posso ajustar a ideia na cabeça. Ainda não consigo
entender o que sinto sobre o assunto de maneira geral e tomo que,
por ainda ser recente, minha ficha não caiu direito. Mas quando paro
em frente ao espelho do banheiro, com a toalha enrolada na cintura,
penso que há bons tempos não cogitava mais a ideia de ser pai.
Desde a morte de Brooke, nunca mais pensei sobre o
assunto de casamento ou paternidade, porque nem mesmo imaginei
que fosse voltar a me envolver com alguém. Não que eu e Daphne
tenhamos algo e, pela forma como ela deixou bem claro que não
esperava que eu assumisse qualquer responsabilidade, acredito que
nem mesmo seja uma ideia. Não que eu esteja pensando que só
porque teremos um bebê agora precisamos virar um casal.
Mas acho que muitas outras coisas além disso mudaram em
mim desde a morte da minha noiva. Giro meu anel de noivado, uma
peça fina de prata, sem detalhes a não ser o nome dela no lado
inteiro, e penso que me perdi um pouco nos últimos vinte e um
meses. Algumas coisas me levaram a seguir o que sempre quis,
como voltar a estudar, outras me fizeram um pouco mais
amargurado, porque reconheço que me afastei muito dos meus
amigos nos últimos anos e a única pessoa da qual ainda consigo
conversar é Mike.
Sempre fomos melhores amigos e acho que o fato dele ter
sido o único a não tentar suavizar a situação, e me deixou sofrer
pela perda de Brooke sem palavras solidárias, foi o que me fez
conseguir seguir sendo o mesmo amigo que sempre fui. Becks não
soube bem como encarar com toda a mudança e não a julgo por
isso, no fim, teve seus próprios problemas para lidar e sempre
tentou me colocar para cima.
Isso me lembra de um ponto importante, enquanto coloco
uma calça de moletom e uma camiseta de algodão, antes de descer
de volta. Se mais alguém sabe sobre a gravidez. Porque acredito
que isso possa mudar algumas coisas e sei que Rebecca poderia
estar em êxtase de felicidade, quase comprando roupas com
dizeres de titia. Isso me faz rir baixo quando desço, porque apesar
do nervosismo de Daphne, acho que podemos lidar bem com tudo
isso.
Talvez só vá demorar para nos acostumarmos com o
pensamento.
Estou prestes a lhe perguntar se já contou a mais alguém
quando chego a sala e encontro ela dormindo no sofá, com o meu
celular caído na barriga. Faço meus esforços para puxar o aparelho
e não posso evitar de, mais uma vez, procurar por qualquer sinal da
gravidez em sua barriga. Mas não há nada ali, porque sete semanas
não é um feto crescido e chega ser bobagem até mesmo cogitar
procurar por uma protuberância.
Abaixo as luzes da sala enquanto vou até à bancada da
cozinha. Pelo menos ela dormiu depois de fazer nossos pedidos.
Pego meu laptop e começo a trabalhar, sem incomodar o sono dela,
enquanto espero nosso jantar. Fico mais lento do que o normal e me
atenho a algumas leituras para meu projeto no doutorado, ainda que
fique pensando se não devo abrir uma aba de pesquisa e colocar
algo sobre a gravidez. Mas isso é tolice, além de poder ainda gerar
algum constrangimento quando Daphne acordar.
Consigo ler um total de três páginas, repetindo linhas infinitas
vezes e com a mente em outros lugares, quando a campainha toca.
Faço uma careta leve quando percebo de canto que Daphne salta
do sofá enquanto caminho até a porta e pego nosso pedido. Ela
está ajeitando o cabelo, me seguindo até a mesa onde tiro as
embalagens.
“Devia ter me acordado.”
“Achei que tivesse comentado que se sentia cansada.”
Porque essa foi a razão pela qual preferi deixá-la dormindo nesse
meio tempo. “Filé mignon com molho quatro queijos, batatas fritas,
uma minúscula porção de legumes ralados e isso é um creme de
milho?”, pergunto, enquanto abro as embalagens e ela sorri
contente. “Acho que não deve se encaixar bem em alimentação
saudável.”
“Estou tendo um bom dia, não estrague”, Daphne me
repreende, pescando uma batata frita antes que eu vá pegar pratos
e talheres. “Para sua informação, comi uma fruta mais cedo.”
“Claro, isso justifica muita coisa”, retruco baixinho, quando
volto e acredito que ela não me escuta, ou só me ignora. “Então… já
contou para alguém?”, questiono, quando começamos a nos servir.
“Como disse, achei que seria mais correto primeiro te contar
para depois fazer qualquer outra coisa”, ela fala, como se fosse
óbvio enquanto come outra batata frita.
“Ah, claro.”
“Mike vem na próxima semana e pretendo contar a ele
quando estiver aqui. Pretendo falar com as meninas depois disso.”
Ela coloca um pedaço da carne na boca. Comemos por alguns
instantes em silêncio. “Se preferir falar com a Becks… bem, são
irmãos. Só…”
“Vou pedir para que ela não comente com ninguém ainda.”
Termino sua frase e ela me dá um sorriso de canto. Não sei porque
quero ser a pessoa a dar a notícia a Rebecca, não acho que serei
cheio de flores e animação, porque não me sinto exatamente
animado agora, não que também me sinta negativo sobre o assunto.
Mas quero dizer eu mesmo a minha irmã mais nova que ela será tia,
ainda que isso soe estranho na minha cabeça.
O restante da noite se ocupa em conversas tranquilas, e por
diversos momentos até mesmo esqueço o motivo pelo qual Daphne
veio para cá a princípio. Comemos quase todo o conteúdo das
embalagens e ficamos na mesa, conversando sobre trabalho como
sempre fazemos. Ela pediu um pote bem grande de sorvete depois
do jantar e nos acomodamos no sofá para seguir a conversa
enquanto ela come.
Me abstive do doce e sento em uma poltrona mais distante
da dela, porque Daphne esticou os pés no sofá e quando seus
bocejos foram ficando muito frequentes, percebi que talvez não
devesse ter prolongado tanto nossa conversa. Porque é tarde e
ainda que amanhã seja sábado, ela parece precisar descansar ou
algo assim.
“Talvez seja melhor você ir para casa antes que fique tarde
demais”, digo, quando um silêncio curto se instala. “Posso te levar,
se preferir.”
“Não. Não precisa, estou de carro.” Ela começa a calçar os
saltos. “E está certo, estou começando a ficar com sono de novo.”
“Ok.”
“É, acho que obrigada pelo jantar, de novo.”
“É o mínimo”, digo, acompanhando-a até a porta.
“Não precisa me levar até lá embaixo.” Daphne se adianta.
“Tudo bem.” Dou um aceno abrindo a porta. “Daphne… se
precisar de qualquer coisa, me liga.”
“Tá bem, mas não vou precisar de nada.”
“Não seja tão teimosa!” Mas isso só faz com que ela revire os
olhos e saia, chamando o elevador. “Estou falando sério.”
“E eu também, Matt. Não vim te pedir nada. Estou… estamos
bem.” Mas não tenho chance de dizer que algo pode mudar e ela
sempre poderá me chamar se precisar de algo, ainda que seja um
favor mínimo. Daphne vai embora antes que eu consiga organizar
meus pensamentos.
 

 
“Meu Deus, olhe só quem está me ligando e em horário
comercial? Você está bem?” Rebecca me atende com um bom
humor que vem tendo desde que começou a namorar Zach, que
virou seu noivo há alguns dias.
“Isso é quase rude, Becks. E são oito da noite. De um
domingo.”
“Teoricamente, vinte e quatro horas por dia é o seu horário
comercial.”
“Não está certa e nem errada.”
“Tá bem então, ao que devo a honra? Ou ligou só para ouvir
minha voz?”
“Eu poderia, mas, na verdade, precisamos conversar.” Todas
as vezes que me imaginei dizendo isso para Becks no último ano,
todas tiveram um final um pouco mais melancólico do que vai ter
hoje. Ou pelo menos é o que eu espero.
“Tá bem, algo de errado com a empresa?”
“Não, é sobre mim.” Posso imaginar minha irmã franzindo a
testa nesse exato momento. Por um momento, cogito deixar para
que Daphne acabe dando a notícia depois. Mas Rebecca é minha
irmã e sei que poderia ficar chateada precisando descobrir da
amiga, porque o próprio irmão não foi capaz de fazer isso. Além
disso, contar a ela pode ser uma prévia para o que posso enfrentar
com meus pais. Ainda que tenha pensado em deixar para que eles
descubram por conta, através de outras pessoas.
“Ok.” Seu incentivo sai arrastado e percebo que fiquei em
silêncio por tempo demais.
“É… Daphne, hum, Daphne está grávida.” Minha voz sai
estranha, mas sei que fui audível o suficiente.
“O quê? Meu Deus, isso é… surpreendente e ótimo. Espera,
é uma pegadinha?”, ela de fato soa desconfiada.
“Não, Rebecca, é verdade.”
“Ah… Meu Deus, não acredito nisso!” Ela solta um gritinho
animado em seguida, o que me faz ouvir Zach perguntando o que
houve no fundo. E sendo ignorado. “Espera… porque você está…
Caramba! Ai meu Deus!”, ela profere uma série de xingamentos
baixinho, e não distingo direito o que fala, mas me choca que ela
tenha um vocabulário tão extenso de palavrões. “Daphne está
grávida?”
“Isso.”
“E eu vou ser tia? Matteo, Daphne está grávida de você? É
por isso que estou recebendo essa notícia por você?”, ela pergunta,
e acredito que não fui claro como achei que seria.
“Sim. Exatamente.” E minha resposta leva a uma nova onda
de gritinhos animados. Pelo menos alguém está em êxtase e não
confuso.
“Ai, espera, vocês estão juntos então? Ou foi…?”
“Não, não estamos juntos.” Tá bem, esse é o tipo de
conversa que nunca gostei de precisar ter com Rebecca, porque
nunca tivemos e nunca quis ter. Cada um com suas vidas nesse
quesito e isso provavelmente me ajuda a olhar Zachary com bons
olhos. Definitivamente não é o melhor pensamento saber que tem
um cara transando com sua irmãzinha. “Foi algo que aconteceu uma
vez.”
“E ela engravidou?” Obrigado pelo lembrete do quão sortudo
nós somos, Becks. Faço uma careta e passo a mão pelos cabelos,
porque falando assim parece mesmo um enorme golpe de azar.
Transamos uma vez, ocasionou por ser sem camisinha e pronto, ela
está grávida. “Tá bem, tá bem. Estou animada, me desculpe. Isso é
bom, certo? Quer dizer, lembro de me falar que sempre quis um
filho.”
Prefiro não dizer a minha irmã que isso é algo do qual vinha
com outros planejamentos, porque soaria como se estivesse não
desejando essa criança em específico e ainda nem sei como me
sinto de verdade.
“Vou ser titia!”, ela diz, empolgada, e isso acaba me deixando
um pouco mais animado também. “Santo Deus, eu nunca esperaria
por isso. Quer dizer, eu achava que… esquece. Só não esperaria
nunca, em um milhão de anos, que você e Daph… juntos… argh,
você entende.”
“Entendo.” Porque o que Becks quis dizer é o óbvio. Nunca
esperaria que eu e Daphne ficássemos, muito menos que isso
resultasse em termos um bebê juntos.
“Isso é bom, certo? Está feliz?”, ela pergunta mais séria, e
sinto o tom de preocupação.
“É, acho que é. Ainda estou me decidindo sobre o que sinto.
Quer dizer, nunca esperava isso, mas não é algo ruim. Conheço
Daphne há anos então isso é… bom, não é?” Becks murmura algo
afirmativo do outro lado e eu prossigo. “Acredito que vou estar feliz
em breve, só ainda estou atordoado demais no momento para me
sentir assim.”
“É normal, eu acho. Pelo fato de ser inesperado e porque
vocês nem estão juntos de fato. Quer dizer, se eu estivesse grávida,
seria algo até mais esperado.”
“Mas você não está, certo?”, pergunto, estranhando o
exemplo, e ela bufa.
“Não! Meu Deus, se você e Zach tivessem combinado não
teria saído tão perfeita essa combinação de perguntas. Não, eu não
estou grávida, foi só um exemplo.” Ela soa um pouco irritada e
imagino que a reação desconfiada minha possa ter sido combinada
com alguma de Zach da qual não agradou dela. “Eu não estou nada
grávida.”
“Tá bem, entendi.”
“Como vão fazer isso? Tipo, acredito que vá ser um pai
presente ou posso voar para Boston e tenho algumas ideias de
mutilação.”
“Eu sou seu irmão!”
“E ela minha melhor amiga e se você fosse um babaca, não
existiria compartilhamento de sangue o suficiente para me fazer ficar
do seu lado.”
“Tão amável”, digo, e escuto ela rir. “Mas sim, quer dizer, não
sei ainda como vai ser, mas deixei claro que quero ajudar com o que
for preciso.”
“Bom.”
“Becks? Você acha que seria possi… Nada, esquece.”
Porque estava prestes a fazer uma pergunta tosca e sem sentido
nenhum, provavelmente movido por alguma espécie de carência ou
loucura por causa da recém-descoberta paternidade. Minha irmã
bufa, provavelmente insatisfeita com minha atitude, porém ciente de
que não vai adiantar me pressionar. Até mesmo já esqueci a ideia.
“Bem, te liguei para contar isso, mas… vamos manter essa
conversa só entre nós agora, tudo bem? Queria que soubesse de
mim, porém Daphne ainda não deve ter falado para mais ninguém e
vou deixar que isso continue cabendo a ela.” Porque querendo ou
não é a mais afetada com qualquer coisa.
“Tá bem”, ela diz pensativa. “Estou feliz. Sei que é
inesperado, mas estou feliz por você. Talvez signifique um novo
começo, certo?” Sei o que ela quer dizer por trás dessas palavras,
mas não acredito nisso ainda. Talvez seja, mas o sentimento ainda é
incerto. Além do mais, muitas coisas podem de fato mudar em trinta
e três semanas e isso pode significar um novo começo, bom ou
ruim.
“É, talvez”, falo. porque não quero compartilhar meus
pensamentos pessimistas com Becks, que sempre dá o seu melhor
para me manter o mínimo contente. “Tá bem, preciso ir. Temos
alguns contratos para revisar. Te mando tudo até terça à noite.”
“Tá bom, não pense demais sobre o assunto. Só faça o que
seu coração mandar e sei que isso vai ser um caminho bom”, ela
diz, e faço uma careta. “Papai ainda tá com a ideia do escritório aí?”
“Sim, inclusive parte da equipe deve se mudar na próxima
semana.” Porque decidimos que seria interessante de eu tivesse
uma equipe física aqui e o aumento no salário engrandeceu a
vontade de dez funcionários da Drake Co.
“Rápido, mas na velocidade que os Drake preferem”, ela
brinca, e dou risada. “Te amo, me mande mensagem se precisar
conversar. Você vai ser um bom pai.”
“Obrigado, também te amo. Fique bem.”
As palavras de Rebecca ecoam em minha cabeça por muito
tempo depois que desligamos a chamada, por que eu vou ser
mesmo um bom pai? Sempre tive o desejo de ser, mas isso não
significa que eu vá ser bom nisso. Ainda que eu tente não
sobrecarregar minha mente com esses pensamentos, parece
impossível. Entretanto, pelo menos quando envio a quarta
mensagem do dia para Daphne, ela me responde.
 
Daph: Estava ocupada durante o dia, adiantando um pouco
de trabalho.
Daph: Eu me alimentei direito hoje sim e, sim, estou bem.
Daph: Obrigada por perguntar.
 
E então é isso, três mensagens curtas que não respondem
nem metade das dúvidas que tenho, porém decido que não adianta
tentar nenhuma conversa mais longa, porque quando retorno suas
respostas, fico mais uma vez falando sozinho e esperando que isso
mude um pouco daqui para frente. A pergunta não feita para Becks
também ecoa na minha cabeça, ainda que eu nem mesmo consiga
acreditar que conseguiria fazer disso algo possível.
Mas talvez não custe tentar.
 

 
“VOCÊ ESTÁ MAIS QUIETA DO QUE O NORMAL. Está me
preocupando, Daph”, Mike me fala, sentado na bancada minúscula
da minha cozinha mediana. Ele está com o celular em mãos e me
olha por cima do aparelho enquanto faço nosso jantar na segunda à
noite.
“Estou normal.”
“Daphne, você estar quieta para começo de conversa já não
é normal. O que houve?” Preciso admitir que meu irmão está certo.
Porque desde o momento que o busquei no aeroporto no fim de
tarde até o momento, não consegui falar muito sobre qualquer coisa
com ele. “Nossos pais falaram alguma coisa?”
“Eles têm algo para me falar?”, pergunto, enquanto mexo o
molho da carne.
“Não, mas sempre encontram uma forma de conseguirem ser
inconvenientes”, ele retruca e isso é um fato.
“Ah sim, mas não tem nada a ver com eles.”
“Então tem a ver com o quê?”, ele pergunta, e respiro fundo.
“Daph?”
“Vá até o meu quarto, abra a gaveta da mesa de cabeceira.
Tem um papel lá”, digo, porque não sei o motivo pelo qual não
consigo simplesmente dizer aquelas duas palavrinhas tão
diretamente.
“Tá bem.” Mike me olha com estranheza antes de se levantar
e ir fazer o que eu pedi. Continuo a fazer nosso jantar até ele voltar
alguns momentos depois, vindo até mim, me deixando um beijo no
topo da minha cabeça, como sempre faz. “Você está grávida e eu
meio que já sabia.”
“O quê? Quem te contou?”, pergunto de imediato. “Espera,
nenhum choque, nada?”
“Bem, não. E ninguém me contou, você não escondeu muito
bem os muitos testes embaixo da pia. Vi quando fui ao banheiro e,
bem, estava me perguntando quando iria me contar. Além disso,
muito fez sentido.” Faço uma careta e nem mesmo sei porque
esperei qualquer coisa além de uma expressão neutra, porque Mike
é a pessoa mais pacifica que conheço. “Achou mesmo que eu iria
surtar? Achei que eu não fosse do tipo que surta.”
“Você não é!”, afirmo para ele, e começo a pegar as coisas
para colocar a mesa de jantar, mas ele me toma esse trabalho.
“Estou de quase oito semanas.”
“Dois meses”, ele diz em seguida, e dou um aceno.
“Você não quer saber quem…” Deixo a frase morrer, porque
não consegui digerir essa informação.
“Bem, por não estar namorando, imagino que tenha sido algo
que aconteceu… sem querer, e a não ser que precise que o filha da
puta tenha algum incentivo para fazer o papel, caso queira que ele
tenha um papel nisso, acho que prefiro não direcionar nenhum
pensamento ruim a ninguém.” Ele volta para pegar os pratos e beija
minha cabeça mais uma vez enquanto finalizo nosso jantar.
Não é bem a resposta que eu gostaria. Por isso arranco o
band-aid de uma só vez.
“Matteo”, digo, e minha voz sai mais baixa do que o
planejado.
“O quê?”, ele pergunta, me olhando com a testa franzida.
“Matteo é o pai.”
“Drake?” Mike muda sua expressão para incrédulo e um
pouco furioso, por isso tenho medo de fazer a afirmação seguinte.
“Isso.”
“Você está brincando?” Meu irmão me olha sério e eu
balanço a cabeça em negação. “Filho da puta!”
“Mike!”
“Desde quando vocês…” Ele faz um gesto indicando para
mim e o olho furiosa.
“Está sendo rude! E aconteceu uma só vez”, respondo
grosseira de volta para ele, levando os suportes para as panelas e
travessas quentes a mesa.
“E bastou?”
“Achei que estivesse sendo compreensível”, jogo, e vejo a
fúria se desfazer de seu rosto.
“Me desculpa, Daph, é só que como eu não tive
conhecimento disso?”, ele pergunta, e então balança a cabeça.
“Não acredito que…”
“Aconteceu uma só vez, a gente tava bebendo juntos e
bem… você sabe, ou imagina.” Eu prefiro que meu irmão não esteja
imaginando e pela careta que ele fez, sei que não quer imaginar
nada também. “Isso também é o motivo para você não ter tomado
conhecimento. Primeiro: não faço relatórios sobre todos os caras
com quem eu fico. Segundo: sabia que sua reação seria assim.”
“Ah claro, eu tenho culpa por ficar furioso ao descobrir que
meu melhor amigo, ao invés de ficar de olho da minha irmãzinha,
deu um jeito de entrar nas calças dela.” Sua voz está carregada de
ironia e ele até mesmo revira os olhos enquanto nos sentamos na
mesa.
“Você é três minutos mais velho!”
“Mesmo se você fosse três anos mais velha ainda seria
minha irmãzinha da qual eu esperava que a porra do Drake
conseguisse se manter longe.” Ele se exalta e então me olha de
novo com culpa. “Desculpa.”
“Acontece, Mike. E para a sua informação, ele foi bem mais
receptivo até. Pelo menos não ficou gritando comigo.” Sei que isso é
apertar na ferida, mas ainda assim falo. Me sirvo do suflê e das
batatas assadas.
“Daphne, não fale assim. Eu só... fiquei um pouco chocado
ao descobrir que não só minha irmã e meu melhor amigo ficaram,
como também vão ter um filho! Tenho um pouquinho de direito de
ficar chateado, mas não estou bravo com você”, ele acrescenta
rapidamente. “Precisa comer carne e salada.” E com isso ele
adiciona ambas as coisas no meu prato misero que servi antes de
colocar no dele.
“Não quero comer carne e salada”, resmungo.
“A não ser que pretenda usar um enjoo falso, vai comer pelo
menos um pouco”, Mike quase ordena. “Continuando, contou a ele
já? Inclusive, quando descobriu isso? Na noite que me ligou?”  Dou
um murmuro de concordância, que serve para tudo e ele segue. “E
o que Matteo disse?”
“Não vai precisar sair batendo em ninguém, senhor
agressividade. Ele… não sei, deu o suporte necessário. Não é como
se algum de nós dois soubesse o que fazer.” Não entendo bem
porque acabo defendendo toda a situação, entretanto é isso que
faço antes de dar de ombros e começar a comer.
“Bem, melhor, sendo assim. Não que Matteo esteja fazendo
além do que deve, mas pelo menos não está sendo um babaca
total”, ele fala um pouco irritado ainda, e começamos ambos a
comer em silêncio. “Não consigo acreditar, está grávida mesmo?”
Mas isso sai com um sorriso.
“Estou”, respondo, com um sorriso de canto, contagiada por
ele.
“Estou feliz até. Quer dizer, como está se sentindo sobre
isso?”
“Acho que estou… mais confiante agora. Quer dizer, desde o
início decidi que iria em frente, mas agora, alguns dias depois,
parece que consegui me acostumar com a ideia melhor”, falo,
pensativa. “Talvez só vá cair a ficha mesmo quando ver de novo, ou
minha barriga crescer, ou algo assim, algum sinal nítido disso.”
Imaginei quando o bebê der seu primeiro chute, acho que seria o
suficiente para que minha ficha caia totalmente.
“Quando é o próximo exame?”
“Só daqui algumas semanas. Mas tenho uma consulta
amanhã cedo, para ver os resultados dos exames de sangue que fiz
na sexta, medir meus índices e vitaminas”, digo, me sentindo um
pouco mais faminta agora que a situação se tranquiliza.
“Vamos juntos, sendo assim. Pode ser?” Mike parece incerto
e sorrio.
“Vai ser bom, sempre me esqueço de tudo o que ela fala
depois”, brinco, e ele acena.
“Vou estar aqui para qualquer coisa.” Meu irmão me confirma
o que já sei e meu sorriso se alarga.
“Sempre soube disso.”
 

 
“Acho que meu apartamento nunca cheirou tão bem assim, e
isso que sou cuidadosa com a limpeza”, brinco, assim que entro no
lugar, fechando a porta com o pé e jogando minhas coisas no sofá
da sala.
“Acredito que talvez seja melhor contratar mesmo alguém
para uma limpeza semanal, sendo assim.” Mike me joga de volta
com ironia e reviro os olhos antes de ir bisbilhotar o que ele faz na
cozinha.
“Chega a ser um pecado você cozinhar tão pouco para mim”,
resmungo, abraçando meu irmão pela cintura e ele me dá um beijo
no topo da cabeça. Mike é alto, como Matteo, e sua estrutura física
é bem parecida, ex-jogador de futebol americano e ambos
passaram vários anos sendo bons parceiros de academia, até
Matteo se mudar para cá. O que faz com que meu irmão tenha bons
músculos que sempre coloca à disposição para me defender do
mundo.
“Eu cozinho sempre que você vai me ver ou eu estou aqui”,
ele retruca, quando vou pegar um copo de água. Meu apartamento
nem mesmo chega aos pés do antigo apartamento dele, atualmente
pertencente ao Drake, ou da sua atual cobertura, mas Mike nunca
parece se importar de dormir no sofá-cama. “Como estão?”
“Ainda achando estranho o fato de falar agora usando o
plural, mas bem.” Porque desde segunda, ele vem falando sobre
nós dois, eu e o bebê. É bastante atencioso e fofo da parte do mais
novo titio. Além disso, também foi muito atencioso da parte dele ter
ido ao mercado hoje e abastecido minha geladeira com muitas
coisas saudáveis e algumas porcarias que amo.
“Bom”, ele retruca. “Fiz cookies de chocolate branco hoje à
tarde.”
“Meus favoritos!”, digo, já me aproximando para beijar suas
bochechas e apertar meu irmão que se desvincula de mim, fingindo
irritação e pegando o prato com cookies deliciosos no micro-ondas.
Ainda devem estar mornos. “Não coma mais que um, se não vai
ficar sem fome para o jantar.”
“Você parece meu pai às vezes”, digo, ainda que obedeça e
pegue só um antes de guardar de volta.
“Papai não seria tão prestativo”, Mike diz, e isso, infelizmente,
é verdade.
Falando sobre essa questão, meus pais foram comunicados
da minha gravidez ontem à noite e recebi um total de duas
mensagens, sem emoções nenhuma, porém o que era esperado
dos vovôs do ano. Mais cedo, liguei para as meninas e Chelsea
ficou emocionada com a ideia, preocupando-se comigo, na medida
Capri de ser, e me pedindo para ligar se precisar de qualquer coisa.
Rebecca revelou que ficou muito feliz quando descobriu, ainda que
esteja se acostumando com a relação entre mim e Matteo, a qual é
inexistente.
Matteo, inclusive, acatou meu pedido ontem de não
comparecer à consulta, ainda que tenha pedido um relatório total
sobre tudo o que foi dito. Ele vem mandado mensagens desde o
momento em que eu acordo até dizer que irei dormir, pedindo
atualizações ainda que acabem sendo sempre as mesmas. Além de
frisar que, qualquer coisa que eu precisar, posso pedir a ele e terei.
O que, em um momento de carência hoje mais cedo atribuído
totalmente aos hormônios da gravidez, me fez pensar até onde isso
se estende.
“Vou tomar um banho antes do jantar”, aviso, ao terminar de
comer e Mike dá um aceno enquanto saio da cozinha.
Quando vou para o quarto separar uma roupa, encontro uma
caixa branca com um laço rosa em cima. Franzo o cenho enquanto
me aproximo e noto a logo de uma loja de artigos infantis. Desfaço o
laço e abro a caixa.
“Achei que talvez fosse legal que tivesse alguma coisa.
Talvez ajude a tornar mais real”, Mike diz, parado na porta,
encostado no batente e me olhando. Provavelmente me seguiu
prevendo que eu acharia o presente.
“Não precisava”, digo, mas fico um pouco contente quando
deixo a tampa de lado e encontro dois macacões, tamanho pequeno
e parecendo minúsculos quando pego um.
“Fiquei um pouco indeciso então trouxe os dois”, ele diz. Um
é branco, com estampas espaçadas de nuvens em um azul bem
claro. Delicado. O outro é um cinza com branco, listrado e
igualmente delicado nas minhas mãos. “Infelizmente não tinha
nenhum com a estampa do tenho o melhor tio do mundo, acho que
vou mandar personalizar… Daph, está chorando?”, ele pergunta
incerto, caminhando até mim e me abraçando enquanto deixo
algumas lagrimas escaparem sem querer.
“Desculpe, eu não quis… é só que, você é o melhor irmão do
mundo”, digo, entre fungadas, odiando meu novo estado
hipersensível a algo fofo como esse presente. Minha felicidade é
saber que isso passará em algum momento.
“Não queria fazer você chorar”, ele diz, me embalando.
“Comprei até meias que são sapatinhos”, ele brinca, vestindo os
sapatinhos de tecido branco nos dedos e me mostrando.
“São lindos. Obrigada”, consigo dizer, voltando a admirar as
roupas que estendo na cama. Limpo meus olhos e minha
bochechas. “Acho que devemos mesmo providenciar esse
personalizado. Obrigada mesmo.” Olho nos mesmos olhos azuis
que tenho, refletidos no meu irmão gêmeo e ele sorri de canto.
“Temos nossas primeiras roupinhas agora”, digo, usando o plural
pela primeira vez pelo que me recordo e realmente pensando em
um a gente.
“É bom começar a separar espaço”, Mike brinca, amenizando
o clima e apontando para meu armário cheio. “Talvez seja bom
pensar em uma cômoda, ou um apartamento maior. Posso te ajudar
com isso.” Mas nego com a cabeça.
“Não, vou me virar com tudo, prometo.” Porque penso que
talvez meu apartamento seja pequeno para um bebê, mas não
posso, nem tenho economias o suficiente, para pensar em uma
mudança para o momento.
“Tá bem”, ele diz, e volta a se afastar, provavelmente
voltando para a cozinha para que eu vá para o meu banho. Mas me
lembro de algo e resolvo dizer em voz alta.
“Completei oito semanas hoje.” Mike se vira sorrindo, já na
porta.
“Eu sei!” Ele pisca e percebo que o presente do meu irmão foi
quase premeditado, como se para me lembrar disso. Como se
devesse celebrar as semanas e percebo que tenho mesmo um
ótimo irmão por estar feliz e tão cuidadoso comigo desde que
chegou. Independente de não ser a pessoa mais aberta e falante,
Mike é o gêmeo perfeito, algo que nunca pensaria em pedir. E me
lembra disso com essas duas peças estendidas na minha cama e o
par de sapatinhos minúsculos.
Separo um pijama de calças e camisa de mangas longas,
além de um top e uma calcinha, pensando em nada além de jantar o
prato delicioso que Mike estiver preparando e depois deitar no sofá-
cama com o prato de cookies que meu irmão fez apoiado na barriga
— que agora consigo reparar um pouco no inchaço — e assistir
algum reality show de péssima procedência na companhia dele. Ou
talvez podemos fazer nosso programa favorito, assistir seriados de
advogados e julgar a forma como isso é colocado na TV.
Isso antes que eu acabasse pegando no sono ali mesmo e
fosse colocada na cama como uma irmãzinha de anos a menos que
ele e não a gêmea de vinte e três, quase vinte e quatro, que sou.
Mas Mike sempre acabou cumprindo sua função de me proteger e
me defende sem nem mesmo protestar, e amo isso nele. Por
diversas vezes, meu irmão mais velho faz o papel que meu pai
nunca se prestou. Para estar na alta sociedade de Nova York era
preciso dar duro e os Laurent-Davis não tinham tempo de mimar os
filhos com amor e subir na escala social ao mesmo tempo. Ou pelo
menos foi isso que sempre nos fizeram acreditar.
Entretanto, sempre tivemos um ao outro e isso nos bastava
como família. Nesse momento, enquanto conversamos sobre
nossos respectivos dias no trabalho, me sinto um pouco melhor
sobre toda a situação, porque sei que, independente de qualquer
coisa, Mike estará ao meu lado, fazendo seu papel de ótimo irmão e
tio.
Meu celular vibra incansavelmente dentro da bolsa no sofá,
se fazendo audível mesmo enquanto tiramos a mesa e Mike se
coloca a lavar a louça. Culpo o apartamento pequeno por isso
enquanto vou esticar o sofá até que vire uma cama, jogando minhas
pastas em uma poltrona no canto e pegando meu celular no ato.
Deito no sofá para ler as mensagens de Matteo.
 
Matt: Como está?
Matt: Pensei em passar no seu apartamento hoje, mas não
sei se Mike ainda está por aqui.
Matt: Pelo fato dele não estar respondendo minhas
mensagens, acredito que não seria uma boa ideia.
Matt: Inclusive, poderia pedir para ele, por favor, atender
minhas ligações ou me responder.
Matt: Além disso, ainda não me mandou as contas das suas
duas consultas. Por favor, Daphne, falei que queria ajudar com os
gastos. É o mínimo.
Matt: Você jantou hoje?
Matt: Precisa de alguma coisa?
 
Como eu disse, a mesma pergunta umas cinco vezes por dia.
Como se muito fosse mudar. Mas ao ler as mensagens, não
entendo minha vontade súbita de enviar fotos dos novos presentes
que o bebê ganhou hoje para ele e tenho gostado de atribuir todas
essas sensações estranhas aos hormônios da gravidez. Acho que
isso é sempre uma boa desculpa.
“Por que Matt está me mandando mensagens reclamando da
sua falta de resposta?”, questiono alto para Mike, e escuto um som
de desaprovação antes que ele apareça secando as mãos no pano
de prato. “Sério, Mike?” Reviro os olhos para essa reluta de menino
imaturo.
“Não sei se quero falar com ele ainda, pronto.”
“Ah claro. Isso é tão maduro, Michael!”, repreendo-o. “Não
podem ficar sem se falar para sempre. Além do mais, não ficou
bravo comigo.”
“Porque você é minha irmã mais nova e não posso ficar bravo
com você, ainda mais agora.” Mike coloca como se fosse a coisa
mais óbvia do mundo, trazendo um pote de sorvete junto com o
prato de cookies. “Ele… bem, não quero ainda conversar com ele.
Tenho o direito.”
“Ele é seu melhor amigo!”
“Por que está defendendo Matteo?” Ele parece ofendido
quando se senta ao meu lado.
“Não estou defendendo-o, só acho que é muito ridículo vocês
pararem de se falar agora”, digo, alcançando o sorvete. “Além disso,
sempre foram melhores amigos e não é justo que eu estrague isso.”
“Sabe muito bem que a questão está longe de ser culpa sua.”
Reviro os olhos outra vez, porque Mike faz parecer quase que
Matteo me convenceu e fez tudo sozinho, e não que eu também tive
participação ativa no ato.
“Ah, claro.” Pego um cookie e passo ele no sorvete antes de
colocar na boca e sentir a doçura — tudo o que eu precisava — e
como os cookies do Mike são deliciosos, desmancham na boca.
“Não devia me mimar tanto, vai embora no sábado.”
“Bem, vamos ficar juntos até domingo, então vou te mimar
até lá.” Já que ficarei em sua casa de novo durante minha estadia
em Nova York. “Já comprou passagens para voltar?”
“Vou voltar com Matt”, digo, dando de ombros. Mike que se
acostume com o fato e deixe de ser um menino mimado. “Ele só não
sabe ainda se vai voltar de carro ou de avião.” No caso o jatinho
particular dos Drake. Meu irmão bufa irritado, ligando a televisão.
“Sendo assim, ele podia ao menos reduzir sua viagem.” E
com isso ele quer dizer para virmos de jatinho, como se isso
exigisse muito esforço de Matteo, e Mike sabe que não exige.
“Você devia respondê-lo antes de sábado, terão que se ver
de qualquer forma e se um dos dois causar uma cena, acho que
posso fazer promessas que não agradarão nenhum dos dois”,
aponto, ameaçando de antecedência meu irmão, que bufa outra
vez. “Tem uma nova série de advogados, lançou na semana
passada. Parece se passar em Nova York.”
“Parece terrível”, ele diz, com um sorriso de canto. “Prometo
não causar nenhuma cena”, Mike fala, quando os créditos iniciais do
primeiro episódio começam, depois de um tempo.
“Sei que não faria isso, mas serve o aviso.”
“Mas não vou responder ele”, insiste e eu resolvo voltar a
tentar em outro momento.
“Você quem está querendo perder um melhor amigo”, digo
por fim.
“Ele deveria ter pensado nisso antes de achar que seria uma
boa ideia ficar com a minha irmã”, sua voz sai quase irritada mais
uma vez.
“Eu não cogitei se era boa ideia ou má ideia”, replico, para
implicar e ele me dá um olhar de advertência antes que eu dê de
ombros e começamos a assistir. Antes de voltar minha atenção
unicamente para o programa de péssima procedência ou para
minhas delícias de sorvete com cookie, respondo as mensagens de
Matteo.
 
Daphne: Tive alguns enjoos mais forte no fim da tarde, estou
percebendo que alguns aromas não são bons. Mas foi tudo bem.
Daphne: Estou ótima, como estava há três horas.
Daphne: E sim, Mike fez um jantar delicioso então eu comi o
suficiente!
Daphne: Não sei o que posso fazer a respeito do meu irmão,
acho que deve dar um tempo para ele.
Daphne: Ele vai perceber que está sendo cabeça dura.
Daphne: Pelo menos eu espero que as coisas voltem ao
normal.
 
Mas duvido que algo volte ao normal, ao normal que era
antes. Porque muitas coisas mudaram e não poderiam ser
remediadas, e eu nem mesmo sei se gosto do pensamento de voltar
atrás. Porque meu bebê não é um problema a ser consertado.
 

 
“NO FUNDO, APESAR DE TUDO, acho que as coisas correram
bem”, Daphne diz, com um riso nos lábios, sentada no banco alto da
bancada de sua cozinha, enquanto me olha finalizar a louça e
coloco o último pote no escorredor antes de lavar minhas mãos com
sabão.
“Ah, claro”, debocho, secando as mãos.
“Não, é sério.” Mas ela acaba rindo, provavelmente não
conseguindo acreditar nas próprias palavras. “Tá, não foi ótimo, mas
não foi ao todo ruim também.”
“Podemos começar do comecinho mesmo para listar as
coisas que deram errado”, brinco, e ela balança a cabeça em
negação, sorrindo para mim enquanto pego um copo de água e vou
até onde está sentada.
“Você não tinha contado aos seus pais, isso foi terrível!” Mas
Daph ainda ri.
“Objeção, eu contei ao meu pai e a Rebecca”, corrijo-a,
enquanto me coloco ao seu lado, apoiando o braço na bancada.
“Ok, sua mãe não sabia”, ela diz. “O que tem com vocês
dois?” Sua voz fica mais séria, assim como sua expressão enquanto
me olha de forma intensa com esses dois olhos azuis. Por um
momento, cogito contar a ela, mas não o fiz com ninguém então
volto atrás no pensamento.
“Nada, acho que só… paramos de nos dar bem.” A resposta
é insuficiente, porque Daphne franze a testa por alguns instantes.
Mudo o foco do assunto. “Seus pais pareciam bem…”
“Indiferentes”, ela fala por mim, e percebo como seus olhos
se entristecem. “Acredito que eles não se importam muito com isso.
Minha mãe perguntou se iriamos nos casar, porque ficaria bem para
a empresa, e quando disse que não estávamos juntos acho que isso
matou qualquer interesse deles na gravidez.” Ela dá de ombros.
“Sinto muito”, digo, porque sinto. Eles poderiam no mínimo
fingir interesse para não magoar a filha. “Quer dizer, acho que
gostaria de um pouco de animação, não?”
“Não esperava muita coisa já. Não é como se eles fossem os
pais do século, também não serão os avós.” Mas sinto que ela
desejava um pouco mais de afeto vindo dali. “Talvez seja até melhor,
pelo menos não se metem muito.” Assinto, porém não pude deixar
de ouvir um comentário grosseiro de sua mãe no qual dizia que
esperava que isso não fizesse de Daphne ainda mais mal-vista.
Nunca a considerei como mal-vista, porque ela é tudo o que deve
ser. Bem resolvida com sua própria vida, emprego bom,
independente dos pais, um lugar para morar, contas pagas, é uma
mulher bonita e com todos os atributos.
“É, talvez seja melhor. Prometo dar o meu melhor para que
minha mãe não se meta nisso também. Não quero te gerar
estresse”, digo, e ela dá um aceno.
“Ela pelo menos pareceu animada com a ideia.” Sinto a
melancolia em sua voz e seguro sua mão que descansa na
bancada, esperando que isso a conforte um pouco. “Desculpa,
tenho estado um pouco sentimental.”
“Não sei se isso pode ser só culpa do bebê”, falo, e ela me
olha. “Não é como se eu não achasse que um pouco de apoio seria
legal. Não sou tão cego, Daph.”
“É. Mas tenho muitas outras pessoas. Não vou deixar que
eles voltem a me afetar agora”, ela fala mais determinada, se
recompondo. “Becks e Chelsea parecem acreditar que isso é a
melhor coisa que aconteceu em anos.”
“Eu vejo que está sendo uma coisa boa”, digo, levantando os
ombros.
“Claro, continua aí, com toda sua boa forma, apetite perfeito,
sem enjoos matinais ou no fim da tarde. Seu sono não parece estar
anos atrasado”, ela zomba, apontando para mim com a outra mão,
não se distanciando do meu toque da mesma forma que eu não
tenho a intenção.
“Você também ainda está em boa forma e… é, acho que isso
se resume as nossas atuais semelhanças.” Ambos acabamos rindo
e o som ecoa pelo pequeno apartamento dela.
“Ok, e minha boa forma deve sumir em algumas semanas”, a
fala de Daphne me faz imaginá-la com a barriga crescida e a visão
continua me mostrando toda sua graça.
“É ruim assim?”, pergunto, após um pigarro, desviando os
olhos dos seus e focando em algum ponto no meu suéter,
procurando algo que não vou achar só para ter alguma distração
para minha mente imaginativa.
“Não. Quer dizer, alguns dias são mais fáceis que os outros,
mas não é insuportável”, ela fala, com um dar de ombros. “Mas é
engraçado poder debochar do assunto. Não que eu esteja
reclamando de fato.”
“Tá bem. Mas...”
“Se eu precisar de algo posso sempre falar para você, já sei”,
ela finaliza a minha frase, e acabo revirando os olhos. “Você voltou a
ser uma pessoa calada em Boston.”
“Eu não fui uma pessoa calada.”
“Não minta, você foi. E tinha voltado a ser o Matt de sempre,
e agora, espero que não seja só comigo, mas voltou a ser essa
pessoa calada”, ela fala, começando a movimentar o polegar em
uma espécie de carícia nas nossas mãos unidas em cima da
bancada.
“Acho que voltou a ser difícil”, admito, dando de ombros. “Em
Nova York, mesmo que ele não seja a pessoa mais social do
mundo, Mike sempre me ajudou. Becks não aceita muito um não
como resposta e sempre fez seus esforços. Era mais forçado a ir a
eventos sociais. Aqui voltou a ser difícil pela falta de obrigação.”
“Então voltou a se fechar.”
“Eu não me fechei”, revido, mas ela me olha com a cabeça
inclinada, fazendo com que sua franja caia um pouco para o lado,
assim como algumas mechas e por impulsividade, levo meus dedos
para colocar os fios longos para trás do seu ombro. Daphne parece
não se importar com a proximidade e me mantenho mais próximo,
ainda que não entenda o porquê quero ficar mais próximo. Por esse
motivo, volto a falar, fitando algum ponto entre seu pescoço e
ombro, divagando. “Nós quase não nos encontramos, mesmo agora,
então não é como se eu tivesse muitos conhecidos. E sabe que não
sou tão fácil no começo, não sou a pessoa mais fácil de querer ficar
por perto.”
“Isso é mentira”, a voz de Daphne sai baixa. “Não é uma
pessoa complicada de se estar por perto, muito pelo contrário. É um
cara divertido, muito inteligente, sabe como deixar os outros
confortáveis. Não é porque algumas coisas ruins aconteceram na
sua vida que deixou de ser tudo isso.” Ela maneia a cabeça, para
que seus olhos encontrem os meus e dou um sorriso de canto. “Fui
uma péssima amiga desde que chegou aqui.”
“Isso é mentira. Não era como se eu te procurasse também.”
Ambos acabamos desleixados com nossa amizade. “Espero que
isso mude, não só pelo bebê”, falo, e ela sorri.
“Acho que posso fazer isso. Como disse, sua companhia não
é terrível.” Ela faz graça e me arranca um riso abafado.
“Não posso dizer o mesmo, porque acho, de forma sincera,
que sua companhia é boa”, admito, e ela encolhe os ombros. “Estou
falando a verdade.” Seu aceno é quase imperceptível quando o
silêncio se instala, as expressões de Daphne mudam de quase
sorridente para pensativa, e então séria. Ela pressiona os lábios em
uma linha e talvez eu não devesse os notar tanto.
“Você sente muita falta dela?” No momento que a pergunta é
proferida, não preciso pensar muito para saber de quem estamos
falando. Sinto um aperto ruim no peito, que sempre está ali, mas
alguns dias fica mais escondido que nos outros.
Instintivamente, puxo minha mão da de Daphne, porque
subitamente parece errado o toque. Mas Brooke não está mais aqui,
ainda que sua presença me acompanhe. Faz quase dois anos,
porém ainda não me desapeguei do desejo de encontrá-la quando
chego em casa tarde do trabalho, mesmo que Brooke nunca tenha
pisado no meu atual apartamento, mesmo que não existam
memórias dela aqui como existia em todo canto do apartamento de
Nova York. Ainda que tente me convencer todos os dias que já me
perdoei por não ser eu a dirigir, por não ter insistido em ela me
esperar. Ainda que todos os dias diga a mim mesmo que ela
preferiria que as coisas não estivessem como estão.
“Prefiro não falar sobre isso, por favor”, digo, por fim, sentindo
minha garganta apertar e dou alguns passos, caminhando até a sala
de Daphne. Ela não diz mais nada e não vejo seu rosto, então não
sei como interpretar o silêncio ainda que saiba que ela compreende
meus desejos. Nunca me sinto pronto para falar sobre como a
minha noiva não está mais aqui e tenho grande culpa nisso.
“Você não chegou a ver as coisas que o Mike comprou”, ela
fala, depois do que parecem minutos. Me viro de volta e Daphne
salta do banco alto, se segurando em seguida na bancada o que me
faz querer adverti-la, por pular para o chão e ao mesmo tempo me
faz me aproximar de volta em passos largos. Mas ela me dispensa
com a mão. “Só uma leve tontura. Li que minha pressão pode sofrer
grandes alterações por agora.” Daph logo se recompõe.
“Tudo bem, lembre de tomar mais cuidado.” Dou a ela um
sorriso de canto, mas não deve sair como planejado. “O que Mike
comprou?”
“Achei que tivesse comentado com você. Ele comprou… não,
deixe para lá. Não é o melhor assunto para vir à tona agora.” Ela dá
outro aceno, como se dispensasse o assunto e entra na cozinha
para pegar água.
“Daphne… não faça isso. Eu só não quero falar sobre o
assunto. Se quer saber a resposta, é sim. Eu ainda sinto muita falta
de Brooke, estivemos juntos por quase sete anos, claro que eu sinto
a falta dela. Só prefiro não comentar o assunto, porque não quero te
chatear com isso”, digo, indo atrás dela.
“Não me chateia, só para seu conhecimento.”
“Tudo bem. Continuando, sobre o que Mike comprou. As
roupinhas?”, pergunto.
“Sim, então eu te contei.” Eu dou um aceno, confirmando o
fato para ela que bebe seu copo de água. “Sim, as roupinhas.”
“Não me mostrou ainda”, falo, quando percebo que ela não
vai falar mais nada. Fico parado na entrada da cozinha enquanto ela
me fita, provavelmente pensando sobre tudo ainda. “Gostaria de
ver.” Deixo meu desejo mais explícito e Daphne volta a se
movimentar, me obrigando a me mexer e a sigo até seu quarto.
Como o apartamento dela é quase minúsculo, isso não é nada além
de três passos.
“Ele comprou peças neutras, mas são muito fofas e tão
pequenas”, ela diz, pegando uma caixa de dentro do guarda-roupa
antes de se sentar na cama. Fico de pé na sua frente enquanto ela
me entrega as peças.
“São pequenas mesmo.” A peça quase cabe inteira na palma
da minha mão e imagino que meu filho vai também se encaixar bem
ali. Meu filho, até mesmo o pensamento sai estranho, ainda que já
tenha pensado nisso algumas vezes nas últimas duas semanas.
Mas enquanto me acostumo de novo com a ideia, segurando a
roupinha, externizo um pensamento que tive há uns dias. “É uma
menina.”
“Como?”, Daphne pergunta, parecendo confusa quando
levanta o rosto, me entregando o par de sapatinhos de tecido.
“Vai ser uma menina”, repito, olhando para ela e Daphne se
diverte com o comentário. “Estive pensando sobre isso nos últimos
dias, tenho certeza que vai ser uma menina.” Deixo a roupa
estendida na cama ao lado dela.
“Eu deveria fazer alguma aposta também?”, ela debocha,
rindo. “Não pensei sobre o assunto ainda. Mas uma menina soa tão
bem quanto um menino.” Daphne levanta os ombros. “Não acho que
tenho preferência.”
“Eu não tenho preferência, é só uma previsão.” Independente
do sexo do bebê, vou tentar dar meu melhor. “Acredito que vai ser
uma menina.”
“Você fala isso com tanta certeza.” Daphne continua sorrindo
com divertimento.
“Mas tenho certeza.”
“Pare de ser presunçoso, Matt.” Dou de ombros, porque
estou sendo convencido, mas estou convencido disso. Puxo as
mangas da minha camiseta de algodão dos punhos até os cotovelos
e então levo os dedos para colocar o cabelo de Daphne para trás de
novo. Seu rosto está inclinado para me olhar.
“Deveríamos apostar.” Mas apesar do brilho que passa nos
seus olhos, ela nega.
“Eu tenho mais a perder. Além disso, não posso dizer ainda
que não concordo com você, porque não tenho uma previsão. Por
Deus, não fazem nem duas semanas que descobri que estou
grávida”, ela constata.
“Bem, muita coisa pareceu acontecer desde então.” Porque
também sinto que foi há bem mais tempo que encontrei Daphne na
porta do meu apartamento.
“É, acho que já estou bem mais tranquila do que antes”, ela
diz, fitando algum ponto nos meus ombros. “Essa semana já vão ser
nove semanas. Quase um quarto da gestação.”
“Falando assim, parece que isso vai passar voando”. brinco,
me ajoelhando de frente para ela. “Está mesmo tranquila? Às vezes
ainda me sinto estranho”, admito, colocando as mãos nos joelhos
dela.
“Isso porque não é você quem acorda todos os dias
buscando algum sinal de barriga”, Daphne brinca, antes de dar de
ombros. “Acho que já tive tempo de assimilar a ideia. Venho me
acostumando com os sintomas, e é bom saber que isso tem um
motivo e que vai passar, provavelmente.”
“É, provavelmente”, repito, e então meu olhar baixar dos
olhos dela. “Já achou algum sinal de barriga?” Daphne nega na
hora.
“O máximo que parece é que estou com alguns quilos a mais.
Apesar de não ter engordado quase nada”, ela fala. “Mas ainda é
cedo, provavelmente só verei sinais mais evidentes das treze
semanas pra frente.” Isso é daqui um mês ainda. Acabo pensando
sobre o assunto e um novo silêncio nos toma. “Por que fez tantas
tatuagens?” Os dedos dela começam a traçar meus antebraços
expostos. Sigo seu olhar.
“Não sei, suponho que na época pareceu uma boa ideia.
Talvez fosse para fugir”, digo. Sempre gostei dos desenhos. Antes
de Brooke morrer, tinha algumas espalhadas pelos braços, mas
depois disso, minhas visitas ao estúdio foram bem frequentes. Cobri
grande parte do peito, das costas e todos os pedaços faltantes dos
meus braços.
“Fugir?” Daphne faz o contorno de uma rosa espinhosa.
“Sim, talvez da imagem do espelho, talvez das lembranças.
Nos piores momentos cheguei a pensar que fazia pela dorzinha,
mas não sou masoquista a esse ponto. Acabei gostando da ideia,
de como isso me mudou do que eu era antes.”
“No externo só.” Sua voz está baixa, porque ela parece um
pouco perdida nos pensamentos antes de levantar seus olhos nos
meus. “Porque segue sendo a mesma pessoa, mesmo que tenha se
coberto de tatuagens ou que tenha se fechado, não mudou suas
características básicas e boas.” Seus olhos passam intensidade que
me fazem, mesmo sem perceber, inclinar levemente para a frente.
Mas Daphne nota, porque volta a desviar o olhar para a tinta
na minha pele, subindo minha manga com a ponta dos dedos para
revelar toda uma tatuagem de um anjo caído em chamas.
“Quando fiz essa, Mike estava comigo. Quase o convenci de
fazer uma”, conto, e ela sorri de novo, acompanho o movimento,
fitando seu rosto concentrado.
“Acho que ele teria medo de se arrepender. É muito certinho.
Você não se arrepende de nenhuma?”
“Não. Nem todas tem significados, muitas fiz por gostar do
desenho. Mas escolhi todos os desenhos bem, não me arrependo
de fazer nenhuma. De qualquer forma, não vale a pena me
arrepender, é bem pior resolver tirar.” Porque remover seria um
porre. “Mas ele foi convencido quando fiz a minha última em Nova
York”, comento, apontando para uma parte baixa da minha cintura.
“É um pássaro. Foram duas sessões e na última ele estava
convencido a fazer uma também.”
“Eu nunca vi isso.” Ela parece chocada. “A dele, não a sua.”
“Claro.” Como se eu precisasse da explicação. Talvez ela não
tenha prestado atenção, mas teve a oportunidade de ver todas as
minhas tatuagens. Me perco um pouco com as lembranças daquela
noite, balançando a cabeça ao voltar para o aqui. “É uma bússola
um desenho bem bonito. Também mais ou menos nesse mesmo
lugar.”
“Ele nunca me contou. O que não choca, afinal, Mike quase
não fala muito sobre sua própria vida comigo.” Ela quase parece
ciumenta sobre nossa amizade. Isso me faz lembrar como meu
melhor amigo está muito puto comigo. Faço uma careta. “Ele vai
voltar atrás, não pode ficar… sei lá, chateado sem motivo pra
sempre.”
“Está tudo bem, posso lidar com Mike zangado por alguns
dias. Não pode durar para sempre. Pelo visto, ele vai ter que me
aguentar pelo resto da vida se quiser conviver com a sobrinha”, falo,
com um dar de ombros, ainda que esteja bem chateado pelo fato
dele ter se afastado de mim. Talvez preferisse uma ligação furiosa.
“É, mas ele nem mesmo pensou em ficar bravo comigo então
não parece justo que ele esteja bravo com você. Vou tentar falar
com ele de novo, eu juro”, ela fala, e viro minha palma para cima.
Daphne entende o gesto e encaixa sua mão ali.
Ela parece tão pequena perto de mim e nunca pensei sobre
isso antes. Brooke era uma mulher alta, não era como uma
supermodelo super magra, ainda que fosse super linda. Então
acabava não ficando tão pequena ao meu lado. Mas Daph é bem
menor, seu corpo tem curvas, porém são bem mais finas, é mais
esguio e a faz parecer delicada ao meu lado, e me faz parecer meio
grande demais, quase bruto. Porque sou uma massa de músculos
grande demais, com ombros muito largos, braços e pernas muito
fortes, além da altura e das tatuagens que podem assustar de
primeira vista, quando estão expostas.
Mesmo assim, fecho minha mão com a dela.
“Seria tão ruim assim? Tão estranho se ficássemos juntos?”
Acabo deixando sair o pensamento. Porque se eu pensar muito,
somos mais do que compatíveis. “Somos muito parecidos, sempre
nos demos bem.”
“Mas não é só isso, tem a questão física também e outras
coisas”, ela fala.
“É, mas acho que descobrimos que isso também não é um
empecilho.” Não consigo evitar subir um dos cantos dos lábios,
lembrando. Mas Daphne não parece ficar tão contente com a
memória. “Não seria tão estranho.”
“Matt, você é muito cético e isso não é algo do qual devemos
ser céticos.” Ela se desvencilha de mim, ficando de pé e me
obrigando a fazer o mesmo. Olho confuso para ela, entretanto
Daphne não está me encarando diretamente. “Além disso, só está
cogitando a ideia porque estou grávida e isso não é justo nem
comigo, nem com você, além de ser algo bem… pouco justo, de se
pensar só porque estamos nessa situação. Desde o começo deixei
claro que não queria nada de você, principalmente uma relação
forçada.” Sigo ela para fora do quarto. “E, além de tudo, você ainda
está comprometido com outra pessoa.” Sinto essa parte me atingir
diretamente e estanco no chão, querendo negar algumas
afirmações, mas sabendo que não sou capaz disso.
“Não estou sendo cético, fiz uma sugestão e é, verdade,
nunca me pediu nada, mas isso não significa que eu não queria me
envolver ou que, agora que me comprometi totalmente, não possa
me pedir qualquer coisa. Sabe disso então pare com essa história
de que não me pediu nada, porque não deveria me pedir, tenho
tanta responsabilidade quanto você…” Passo as mãos pelos
cabelos, me acalmando. “Por Deus, Daphne, odeio quando começa
com essa história porque faz parecer que eu acho o bebê um fardo,
o que não é!”
“Eu sei que não é!” Ela joga de volta, virando-se de frente
para mim, com os braços cruzados. “Mas não pode negar que sua
sugestão é baseada completamente na situação. Independente de
nos darmos bem ou não, nunca teria cogitado essa ideia antes,
assim como não cogitou até o momento.”
“Foi você quem saiu correndo!” Lembro ela. “E eu não estou
entendo, está brava por estar sugerindo isso ou por nunca ter
sugerido isso antes?”
“Argh! Nenhuma das opções, Matteo!”, ela quase grita
comigo.
“Não deveria se estressar.”
“Então deveria parar de me estressar”, ela exclama, e
caminho em sua direção.
“Desculpa”, peço, puxando seus braços cruzados até que ela
os abra para me abraçar. Envolvo seu corpo pequeno contra o meu.
“Não queria te deixar estressada. Foi algo estúpido de se falar”,
digo, contra seus cabelos, deixando um beijo no topo da sua
cabeça.
“Não”, ela fala depois de um tempo nessa posição. “Não seria
tão ruim ou anormal. Mas não seria exatamente bom. Eu já estive
com alguém que desejava estar com outra pessoa e prometi a mim
mesma não repetir o mesmo erro. Podemos ter tudo que combine
para ficarmos juntos, menos algo muito fundamental. Não quero
ficar no cético.” Daphne respira fundo e então se afasta, me dando
um sorriso de canto.
“Entendo.” Porque sei o que ela quer dizer com isso, porém
não sei se posso fazer alguma coisa a respeito. Por isso dou um
breve aceno. “Está tarde, talvez seja melhor eu ir, para você
descasar. A viagem foi um pouco cansativa.” Mas, na verdade, não
foi tanto assim, e ela dormiu grande parte.
“É, e precisamos trabalhar amanhã cedo também”, ela
concorda, recuando mais alguns passos antes de se virar para a
porta. Recolho meus pertences que estão no sofá. “Obrigada pela
companhia.”
“Obrigado pelo jantar”, respondo, caminhando até parar no
batente. “Desculpa mais uma vez.”
“Não se desculpe pelas suas ideias, só não seria a melhor
situação. Acho que não pensou em todos os fatores do que dizia.”
“De fato”, concordo, rodando a chave do meu carro na mão.
“Boa noite.” Me inclino para frente e Daphne me olha com atenção,
o azul cheio de expectativa, mas não consigo compreender o que
ela quer dizer com aquilo. Beijo sua testa por cima da franja e
escuto um suspiro leve quando me demoro no movimento, o que me
faz desejar repetir o gesto um pouco mais para baixo. Entretanto,
me afasto, e ganho um sorriso tímido quando dou dois passos para
trás.
“Boa noite”, ela diz, antes que eu termine de me afastar e ela
feche a porta. Os últimos minutos me mostraram que muitas coisas
saíram do meu controle, como minhas palavras e atitudes, além dos
pensamentos que já não controlo há muito tempo. Mas o pior de
tudo, é a sensação de que estou perdendo o controle de muito mais.
E odeio não estar no comando de tudo.
 

 
Às vezes, me pergunto como vim parar na situação que estou
atualmente e se penso muito, acabo entrando em territórios um
pouco inadequados. Mas, na verdade, parado em meio a um
corredor dessa loja gigantesca, com uma sacola de vitaminas e
suplementos que uma mulher grávida pode precisar para um mês,
olhando para a mensagem enviada há pouco tempo e quase me
sentindo estranho esperando pela confirmação, percebo que sei sim
como vim parar aqui.
É uma lembrança bem clara.
 
Matteo: Faltou algum?
Matteo: Precisa de mais algo?
 
Isso depois de uma lista com o nome de todos os remédios.
Sei que posso parecer muito repetitivo, mas gosto de pensar que
estou garantindo parte do bem-estar do meu filho. Filha! Porque sei
que é uma menina, e sexta-feira vou confirmar isso com toda a
certeza. Deveria ter apostado com ela. Quer dizer, podemos acabar
descobrindo o sexo do bebê na consulta de sexta, mas Daphne
ainda está só com doze semanas, que vão se completar daqui dois
dias, então pode ser que não seja visível.
 
Daph: Isso, comprou todos.
Daph: Se está mesmo podendo, poderia comprar meu
almoço e me trazer no escritório?
Daph: Acabei um pouco atrasada de manhã e quero terminar
antes das seis aqui.
Daph: Mas já comi muito, muito, muito bem.
Daph: Café da manhã bem repleto, uma salada de frutas e
um sanduíche no meio da manhã e umas bolachas de água e sal
agora.
 
Como se pudesse já prever que eu iria cobrar.
 
Matteo: Tá bem, algum desejo em especial?
Daph: Já que perguntou, estou sonhando desde hoje cedo
com uma lasanha à bolonhesa e com uma salada ceaser.
Daph: Não sei se isso faz sentido, nem se consigo comer
tanto, mas parece tãooo delicioso.
Matteo: Seu desejo é uma ordem. Algo para tomar? Um suco
talvez, balanceamento.
Daph: Pode me trazer um daqueles seus sucos de frutas
vermelhas, são vitamínicos, fazem uma beleza com minha pele e
são saudáveis.
Matteo: Tá bem, te levo às 11:30?
Daph: Perfeito, me avisa a hora que chegar.
Matteo: Tá bem. Qualquer outra coisa, me avise!
 
Mas não recebo mensagem para isso, por isso acabo
entrando em uma conversa da qual não venho recebendo nenhuma
resposta há pouco mais de um mês. E Daphne falou que não iria
durar. Rolo um pouco mais para cima e mando outra mensagem.
 
Matteo: Tá desocupado? Me liga quando puder.
 
E a resposta vem poucos minutos depois, quando tento achar
uma diferença entre duas peças na minha frente. Em forma de uma
ligação.
“Papai do ano! Desesperado por ouvir minha voz? Vocês,
Drake, tem uma coisa mesmo por mim”, Zachary soa totalmente
presunçoso — totalmente ele — do outro lado. Mas ao mesmo
tempo que reviro os olhos, sorrio de canto.
“Tecnicamente, o bebê nasce no próximo ano. E espero que
em nós, Drake, só Becks e eu estejamos inclusos. No máximo meu
pai. Ou Marise voltou a incomodar?”
“Não mesmo, acho que sua mãe está aprendendo a me amar
da maneira dela.” Mas o deboche na voz dele deixa claro que minha
mãe não incomoda mais, porém também não é das mais simpáticas.
“Mas acredito que não estamos em uma ligação casual. O que
rolou?”
“Mike ainda não quer falar comigo e isso tá me deixando um
pouco puto agora. Porque ele não pode simplesmente resolver que
tudo é culpa minha e não olhar mais na minha cara.”
“Ah, isso”, ele fala em um suspiro. “Ainda nada? Achei que
depois do aniversário da Chelsea ele fosse relaxar um pouco. Se lhe
serve de consolo, ele mal tá falando comigo. Às vezes é só
trabalho.”
“Não é só trabalho. Ele só tá evitando nós dois mesmo”, falo,
entre dentes.
“Bem injusto, não acha? Tipo, eu não engravidei a irmã dele.
Não tenho culpa na barriga crescente.”
“Sabe falar sério por dois segundos, Hudson? Não entendo
como minha irmã te aguenta.”
“Becca poderia falar sobre as razões, mas talvez você não vá
gostar de ouvir todas.” Ele ri, debochado e já seguro demais de si e
da sua posição em nossas vidas. “Bem, não é como se eu tivesse
mentido. Não tenho nada a ver.”
“É, não tem mesmo. Só queria saber até quando isso vai
durar.”
“Bem, eu poderia falar para se colocar na posição dele, mas
isso me deixaria com péssimos olhos para nosso amigo Mike.
Poderia dizer para imaginar como se sentiria se Becca e eu
anunciássemos amanhã que estamos grávidos, porém, estamos
noivos então é esperado que talvez um dia a gente resolva ter filhos.
E posso deixar aqui bem claro que sim, espero mesmo que
tenhamos filhos um dia. Também não se compara a situação. Mas
tenta pensar, o cara do nada descobriu que o melhor amigo dele
resolveu transar com a irmã dele e BUM, eles vão ter um bebê. Eu
não iria aceitar bem, já adianto.”
“Por que eu sempre saio super mal quando falamos da
situação?”
“Porque culpar uma mulher grávida é, tipo, um pecado, não?
De qualquer forma, é bem mais fácil para ele desculpar a irmã por
esse erro do que achar de boa o que você fez”, ele pontua. “Mas ele
vai relaxar em algum momento, então não fica assim tão neurótico
com isso.”
“Não é como se eu quisesse meu melhor amigo de volta para
fofocar sobre coisas estúpidas, mas gostaria de não perder um
parceiro forte nos negócios”, digo, ainda que esteja sentindo um
pouco de falta de falar sobre coisas inúteis com meu melhor amigo.
“Bem, então fale com ele. Mande uma mensagem falando
exatamente isso, que ele tá sendo estúpido em ter essa atitude. Sei
lá, desabafa com ele. Sinta de volta o seu menininho de dezessete
anos voltando, Matt”, ele zomba. “E se nada der certo, pelo menos
vai ter a mim ainda. Uma ótima companhia, não tem como negar.”
“É mesmo, não tem como negar”, ironizo. “Acredita que tudo
vai se resolver assim?”
“Não, mas esse foi o melhor conselho que consegui para o
momento. Me pegou desprevenido.” Ele faz uma pausa. “Olha… se
quiser, posso tentar conversar com ele, sem pressão. Posso tentar
colocar um pouco de lógica na cabeça do Mike, afinal, isso é
ridículo. Agora, mais do que nunca, vão ter que se olhar para o resto
da vida e ele ainda pode ter o azar de olhar para o sobrinho e ver a
tua cara. Então melhor deixar isso de lado.”
“É, tem razão. Talvez seja melhor você falar com ele”,
comento. Parando em frente a uma prateleira com sapatinhos.
“Cara, é um pouco assustador não poder entrar em uma loja de
roupas infantis sem me sentir, sei lá, um alienígena.”
“Está comprando roupinhas já?”, Zach debocha. “Mas te
entendo, semana passada precisei ir à farmácia para uma pequena
emergência da Becca e recebi tantos risinhos que me senti na
faculdade de novo. Quando era solteiro”, ele acrescenta por
segurança.
“Fui comprar uns remédios da Daphne e a caixa quase
anunciou para todo mundo que eram vitaminas de grávida. Me sinto
um pouco mal pelas mulheres, porém gostaria de poder comprar um
inferno de sapatinho para minha filha sem parecer uma bomba de
fertilidade”, falo, um pouco mais alto e grosseiro, o que me resulta
em olhares feios, mas em maior privacidade e menos curiosidade.
“E preferiria não saber sobre as emergências de Rebecca, por
favor.”
“Ah, claro. Então, filha? Becca não me contou que tinha
descoberto o sexo.”
“É um chute ainda. Estou certo que será uma menina.”
“Espero que esteja errado, apostei que era um menino com
sua irmã. Ela acha que vai ser menina também.” Pego uma meia
rosa com flores.
“Estão apostando sobre meu filho?”
“Meu sobrinho”, ele enfatiza. “Talvez meu afilhado, quem
sabe?!”
“Vai sonhando, Hudson.”
“Está ciente que eu coloquei um anel no dedo da sua irmã e
pretendo colocar outro de ouro em breve, não é?”
“Vai que Becks percebe até lá o quanto é presunçoso”, digo,
revirando os olhos, ainda que ache que Zachary é a melhor opção.
O cara idolatra minha irmã, além de deixá-la muito feliz e enquanto
continuar fazendo isso, estou feliz em subir em um altar e dar a
minha aprovação, se necessária.
“Tudo bem. A questão é, por que me ligou de fato? Acho que
poderia fazer suas reclamações sobre seu cunhado com Becca,
mas preferiu ligar para mim, o que me deixa pensando que há
mais.”
“Está com a Becks?”
“Ela me deixou almoçando sozinho por uma reunião, mesmo
que eu oferecesse mais, então infelizmente não estou com ela”, ele
responde melancólico, e quase espero que diga que está com
saudades. Fico feliz por não dizer. Rebecca ainda é minha irmã e
depois que dei liberdade a Zach, ele virou mesmo um convencido
zombeteiro. “Tá bem, isso virou supersecreto e está me deixando
curioso.”
“Ele não é meu cunhado…”, começo, tomando fôlego, mas
sou interrompido.
“Mas você tá querendo que seja.”
“Ah…” é o que consigo dizer, surpreso pela constatação não
tão errada dele e tão depressa “Não é bem assim.”
“Não é bem assim, mas de alguma forma é assim.”
“Você não fez nenhum sentido agora, Zach. Mas… achei que
talvez fosse ser uma boa ideia”, digo, arrumando meu sobretudo
depois de devolver a caixinha com os sapatos de pano. “Quer dizer,
nunca tinha pensado na ideia, porém nas últimas semanas
estivemos mais juntos do que qualquer vez antes e…”
“Depois da primeira vez você se pega pesando nas outras,
entendo”, ele completa minha frase depois de um tempo que fico em
silêncio. “Acho que não está totalmente errado, mas tá fazendo isso
pelo bebê ou por que tá descobrindo que realmente gosta dela?
Tem uma enorme diferença.”
Meu silêncio deve responder muito por mim, porque não
tenho muita ideia do porquê tive o pensamento e porquê segui
pensando que talvez isso seja mesmo uma boa ideia. Talvez seja só
pelo bebê, porque isso facilitaria as coisas, mas talvez seja pelo fato
de que conviver com Daphne nos últimos dias se mostrou diferente
do que antes. Talvez eu esteja sendo ludibriado com essa relação
ou talvez só esteja me agarrando a primeira oportunidade de que
tive de sentir algo de novo.
“Se a situação fosse diferente, diria para que deixasse as
coisas se levarem com o tempo. Talvez esse ainda seja o melhor
conselho, deixe que as coisas aconteçam e veja como se desenrola.
Mas pela situação onde estão, acredito que é melhor tomarem mais
cuidado, talvez até mesmo seja por isso que ela não aceitou a
oferta. Quer dizer, falou com ela?”
“Mais ou menos.”
“Você tem um problema gravíssimo com comunicação
mesmo.” Zach suspira e faço o mesmo, me sentindo um idiota
parado no meio dessa loja infantil pedindo conselhos para o meu
cunhado sem noção sobre um relacionamento que não exatamente
sei o porquê penso em ter. Isso tudo enquanto penso em comprar
uma roupa para meu filho inesperado. “Não sei o que te dizer, Matt.
Quer dizer, fale com ela. E não apresse as coisas, acho que temos
duas situações diferentes. Você ainda tem muita bagagem e precisa
se desfazer de parte disso antes de se envolver com as pessoas de
verdade, além disso toda a situação da gravidez coloca a Daph em
uma posição delicada. Não é a coisa mais fácil.”
“Não estou achando que é a coisa mais fácil do mundo.”
“Então faça as coisas devagar, vá com calma. Não queira
simplesmente viver o conto da família feliz amanhã, Matt.
Simplesmente não fique do jeito como está, todo ansioso e
querendo premeditar coisas assim. Vocês não planejaram o bebê,
aconteceu, então deixe que as coisas aconteçam, mas também
acate todos os desejos dela.”
“Não sei porque perdi meu tempo te ligando, você é péssimo
nisso.”
“Na verdade, sou ótimo, mas não quer admitir. Simplesmente
não se apresse, deixe que tudo aconteça. Se for para ficarem
juntos, vão ficar. Além disso, tem ainda mais uns sete meses pela
frente. Sei que já deve ter desaprendido, mas é algo sobre
conquistar uma garota, toma tempo. Então faça sua parte e não a
pressione. Mas é fundamental que leia os sinais ou tente descobrir
se ela quer isso. Acha que foi a coisa mais fácil do mundo ficar com
a sua irmã?”
“Pelo que fiquei sabendo, você simplesmente decidiu que
namoravam na primeira vez que se viram”, zombo dele. “Mas acho
que entendi o que quer falar. Estou me sentindo um pouco ridículo
agora.”
“Foi na terceira vez. Mas ok, é um pouco ridículo porque é um
homem de vinte e sete anos precisando de conselhos ridículos.
Outra coisa, pense antes se quer ficar com ela porque tá sozinho,
porque estão esperando um bebê ou porque realmente gosta dela,
ou acha que está gostando.” Escuto Zach conversando com outra
pessoa. “Preciso ir, houve uma emergência aqui. Mas pense sobre
isso. Vou ver se falo com Mike mais tarde, antes da Becca chegar.”
“Tá bem, obrigado por isso.”
“Posso acabar cobrando no futuro, mas por enquanto, de
nada. Lembre-se de relaxar. Vocês, Drake, tem algo contra levar a
vida numa boa.”
“Tchau, Zachary.” Reviro os olhos e desligo, antes de colocar
meu celular de volta no bolso do meu casaco e volto a olhar para as
caixinhas ali.
Pego a que não consigo parar de olhar, porque o sapatinho é
lindo. Acabo gastando mais alguns minutos escolhendo um conjunto
para combinar, imaginando onde minha vida acabou indo para que
eu esteja combinando sapatinhos com roupas infantis. Entretanto,
me sinto adorável ao ver as peças fofas e minúsculas em minhas
mãos. Fico pensando nas palavras de Zach enquanto caminho até o
restaurante para pedir o almoço de Daphne, e quando a encontro
momentos mais tarde, fico tentado a apressar as coisas, a dizer algo
estúpido mais uma vez.
Porém, me seguro e não digo. Pelo menos não dessa vez.
 

 
“VOCÊ É A PRÓXIMA!”, a secretária da Dra. Margot me avisa. Dou
a ela um aceno, mas assim que meus olhos retornam para o celular
em minhas mãos, franzo o cenho para o aparelho, porque Matteo
nunca se atrasa, ou não costuma se atrasar. E parecia empolgado
sobre isso quando lhe avisei sobre a consulta. Por isso, deixo a
teimosia de lado quando desbloqueio o aparelho e digito o número
que já está na minha discagem rápida.
“Hey, tá tudo bem? Me pegou segundos antes da reunião de
abertura”, ele diz, assim que atende.
“Hey, está sim. Reunião?”
“Sim, não te falei? Ontem o último funcionário se instalou aqui
então hoje vamos ter a reunião de abertura, uma coisa boba e, na
verdade, planejo já colocar na mesa a nossa próxima negociação
que precisa ser discutida com emergência”, ele responde,
parecendo entusiasmado com o trabalho. Sei que gostou da ideia de
comandar o escritório jurídico ou grande parte dele daqui de Boston.
Theodore pareceu gostar da ideia, porque ajuda a expandir
horizontes. “Aconteceu alguma coisa?”
“Nada.” Infelizmente, minha voz sai mais fraca do que
gostaria e sinto um leve aperto da decepção. “Só achei que viria a
consulta comigo agora de manhã.” Reluto a vontade de dar de
ombros sozinha na recepção, resignada.
“Hoje? Mas você me falou que era dia dez, não sabia que a
data tinha mudado. Espere só um segundo, posso adiar a reunião.
Devo chegar aí em talvez vinte minutos, acha que conseguem
aguardar? Caramba, Daph, me desculpa mesmo.” Ele parece
agitado do outro lado e quando chama alguém, logo me apresso a
dizer.
“Não! Está tudo bem…” Ele para em silêncio do outro lado.
“Devo ter confundido o dia quando te falei. Sinto muito.” Solto um
longo suspiro. “Não mudou a data, devo ter achado que hoje seria
dia dez e não nove, sinto muito. Mas não precisa cancelar sua
reunião, não é nada.”
“Claro que é, Daphne. Sabe que tudo, cada detalhe, eu
considero importante. Desculpe por isso, deveria ter confirmado com
você o dia. Posso mesmo adiar a reunião.” Balanço a cabeça, ainda
que ele não me veja. “Me desculpe.”
“Está tudo bem. Quer dizer, foi um erro dos dois. É só rotina,
posso lhe passar tudo depois. Além disso, não tem assuntos
urgentes?”, brinco, com um riso fraco, retomando as palavras dele
de antes.
“Nada tão urgente quanto isso.”
“De qualquer forma, mesmo que cancele, minha consulta é a
próxima, bem provável que nem chegue a tempo. Então não há
necessidade de acabar perdendo os dois compromissos. Fique na
sua reunião.”
“Daph…”, Matteo sussurra do outro lado.
“Está tudo bem, de verdade. Aconteceu um erro, estava até
estranhando você não estar aqui. Não vamos deixar isso acontecer
da próxima vez”, digo com firmeza, respirando fundo.
“Me desculpa”, ele repete. “Prometo mesmo ser mais atento
da próxima vez. Me disse que podem acabar vendo o sexo do bebê,
me desculpa mesmo por não estar aí.”
“Prometo que, se Margot me disser que podemos descobrir,
pedirei para que ela guarde a informação até a próxima consulta,
assim estará aqui.” Além de tudo, é uma probabilidade até baixa
descobrirmos isso hoje. E gosto de pensar em ver a cara dele
quando souber o sexo. “Está tudo bem mesmo. Logo mais já serei
atendida, não pense sobre isso. Vá para a reunião e foque no
trabalho, quanto menos tiver, mais livre ficará para a próxima
consulta.”
“Não fale assim. Sabe que eu cancelaria para ir aí.”
“Não estou te culpado, foi só uma constatação. Não existe
culpa. Desculpe por ter lhe dito a data errada também. Desatenção
minha, talvez seja até bom que eu cheque todos meus
compromissos da agenda mais tarde”, brinco novamente, e ele solta
um riso abafado do outro lado. “Acho que vou perguntar se memória
ruim é um sintoma.”
“Talvez seja bom”, ele fala, um pouco mais relaxado. “Me
prometa vir para cá direto depois da consulta. Por favor”, sua voz
implora, quase e me sinto pouco tentada a não cumprir de qualquer
forma. “Podemos ir almoçar juntos, pode me contar tudo sobre o
bebê.”
“Tá bem, não precisa me convencer. Me pegou com o
almoço.” Quase sei que ele revira os olhos, ou se segura para não
revirar no meio do escritório. “Vá para a reunião.”
“Prometa que virá!”
“Eu irei. Prometo. Não deve haver tantas novidades de
qualquer forma, passaram três ou quatro semanas desde que vim.”
“Mas agora já está mentalmente mais grávida.”
“Tá bom, isso é verdade. Vou prestar mais atenção para te
dar detalhes. Vejo se consigo uma segunda cópia do ultrassom para
você.”
“Eu irei adorar isso.” Alguém o chama e ele suspira
impaciente. “Desculpe mesmo, preciso ir. Sinto muito por isso,
espero te ver logo. Me ligue qualquer coisa, manterei meu celular
por perto.”
“Não vai acontecer nada, está tudo bem. Nos vemos mais
tarde.”
“Tá bem. Até mais tarde.” Desligo a ligação e nem mesmo
tenho tempo de guardá-lo direito na bolsa que carrego quando
Margot aparece em sua porta e me abre um sorriso ao me chamar.
“Você ficou bem grávida desde a última vez que nos vimos.
Vai ficar com um barrigão grande bonito, já prevejo isso”, Margot
fala, assim que caminho em sua direção e reviro os olhos antes de
entrar no consultório.
“Isso deveria ser um elogio ou uma crítica? Nem estou tão
grande assim”, digo, passando a mão pela minha barriga, esticando
o tecido do suéter rosa-claro que uso hoje. Minha barriga cresceu
um pouco, mas não tanto. Parece uma barriga de quase treze
semanas, para um corpo como o meu. Ou pelo menos é isso que
acho. “Já comecei a deixar os jeans de lado, isso é fato. Me apertam
demais.” Leggings, calças de montaria e calças sociais estão sendo
melhores, ainda que dependa do modelo no último caso.
“Talvez deva começar a aceitar sua condição e ir para a
sessão materna nas lojas de roupa.” Não posso afirmar que já não
fiz isso, uma vez. “Como está se sentindo?”
E com isso passo um longo resumo sobre as últimas
semanas para ela, que anota algumas coisas e me fala outras. Os
enjoos estão ficando menos frequentes, apesar de serem mais
fortes quando acontecem. As vitaminas têm ajudado muito a me
deixar com mais ânimo e força, além de eu estar me sentindo bem
mais saudável. Diminui minha carga no trabalho e meu chefe
pareceu até empolgado quando lhe falei sobre a gravidez, inclusive
descobri que sua esposa também está gravida então acredito que
possa ter sido solidarização por se encontrar na mesma situação.
Falo que andei pesquisando e estou pensando em começar
yoga e pilates para grávidas, para ajudar mais para frente e ela acha
que essa é uma boa ideia, já que até o momento tudo está
ocorrendo o mais tranquilo e já tenho o hábito de praticar ambas as
coisas. Deito na maca e ajusto minha calça mais para baixo
enquanto Margot prepara o aparelho. Embolo meu suéter para cima.
“O gel é gelado”, ela fala, antes de aplicar e me retraio um
pouco com o produto. “Achava que viria acompanhada de novo,
sempre é bom ver rostos bonitos e não comprometidos por aqui”,
ela brinca, e a olho feio.
“Você é casada, e meu irmão voltou para Nova York.”
“Olhar não tira pedaço e não é como se fosse cogitar trair
meu marido, esse sim é um pedaço de mal caminho.” Ela suspira.
“Matt ia vir, mas acabamos… desconversando sobre a data.
Disse o dia errado e ele tinha uma reunião. Mas vai poder ver o
rosto bonito dele da próxima vez.” Ainda que a ideia acabe me
incomodando um pouco. Por Deus, não temos nada e ela é casada
de qualquer forma. “Matteo é o pai”, explico, quando Margot me olha
com a sobrancelha arqueada.
“Ah sim, espero mesmo vê-lo. Agora vamos ver esse
bebezão aqui.” Ela coloca o aparelho na minha barriga e me atenho
a tela, tentando distinguir algo. Logo a mancha branca aparece.
“É tão mais visível”, sussurro, um pouco impressionada ao
ver a imagem do bebê se formando na tela. Não é como se muito
fosse distinguível, mas consigo ver a cabecinha, o corpinho se
formando. Ou é o que imagino. Me controlo um pouco para não
acabar chorando e isso é feito com sucesso quando a imagem
parece duplicar. O único problema é que não são duas imagens e
sim…
“Daph…” Margot começa e me olha com um sorriso. “São
gêmeos!”
“Gêmeos…”, repito baixinho, um pouco chocada. Quer dizer,
sendo honesta, não é como se a ideia não tivesse passado pela
minha cabeça algumas muitas vezes. Minha mãe é gêmea, eu e
Mike somos também, temos um histórico enorme na família, tantos
nos Davis quanto nos Laurent, de gestações gemelares. A
probabilidade para quem já tem casos na família é grande e não
achei, ingenuamente, que poderia ser totalmente alheia a genética.
“Provavelmente ainda eram muito pequenos para que
conseguisse perceber no primeiro ultrassom. Mas agora é mais
claro”, ela diz, voltando ao seu tom de médica e segue falando
algumas coisas, além das medições, que estão normais para uma
gestação de dois. Me fala algumas novas coisas, diferentes para
essa situação. “Aparentemente… é, consegui detectar dois sacos
gestacionais e duas placentas, o que é positivo porque torna a
gravidez gemelar, já que cada um tem sua membrana amniótica e
se desenvolve pela sua própria placenta, sem compartilharem essa
fonte. Não é possível dizer se são idênticos ou não, isso somente
com a descoberta do sexo ou nem isso”, ela me explica, enquanto
fico focada vendo as duas bolotinhas bem visíveis agora. “Ainda não
está possível distinguir com certeza o sexo, mas eu…”
“Não!” A paro e ela me olha com estranheza. “Prometi para o
Matteo que não iria ficar sabendo nada sobre isso enquanto ele não
estivesse comigo. Ele jura que é uma menina. Acredito que agora
vai achar que são duas.”
“Tudo bem, então, talvez da próxima vez ficará bem mais
claro, de qualquer forma”, ela fala, antes de voltar a mexer no
aparelho e me falar mais algumas informações, que tento escutar
com mais atenção. Depois de um tempo e algumas medidas, além
de capturas das imagens para minha pasta. “Vamos ouvir os
corações? Acredito que dessa vez vá ficar bem mais entendível. No
ultra passado estava meio estranho e talvez fosse pela mistura de
sons.” Ela ajusta o monitor e logo o som preenche, fica um pouco
complicado segurar as lágrimas que escorrem pelas laterais do meu
rosto quando escuto as batidas aceleradas, duas frequências
cardíacas muito aceleradas.
“É tão…” Não sei o que dizer, porque é emocionante e
enlouquecedor, mal sabia como lidaria com um só bebê e agora
terei dois para mim. Mas, ao mesmo tempo, é lindo porque sinto
meu peito se estender enquanto escuto aquela agitação toda em
minha barriga, os corações batendo forte e vendo as duas bolsas
com minhas duas bolinhas crescentes, porque preciso comportar
amor em dobro agora.
Gêmeos.
“É, um sentimento bem confuso”, Margot brinca comigo, e
então volta a fazer algumas coisas com a tela, enquanto fico boba
com as imagens. Certo tempo depois, ela passa o papel na minha
barriga, tirando o gel e me ajuda a sair da maca. “Acho que, como
está bastante saudável, podemos ir monitorando se precisará de
alguma troca nos medicamentos que te passei. Vou fazer uma lista
de cuidados e algumas recomendações, assim como as consultas
precisarão ser um pouco mais frequentes agora…”, ela segue
falando sobre as novas mudanças que vão ocorrer e sorri para mim,
me entregando as imagens do ultrassom de hoje, assim como os
papéis que ela digitou.
Prefiro olhá-los com calma quando eu estiver mais calma,
porque no momento, sinto meu coração sair pela boca de tanto que
bate. Mas também me sinto um pouco enjoada e a única coisa que
penso é que quero contar isso a Matteo, porque imagino que sua
reação vai ser boa. Quero que seja. Desejo que ele fique feliz e não
desesperado, porque eu já passei para essa etapa, de estar feliz e
não mais desesperada.
Saio do consultório ainda um pouco atordoada e quando
entro no meu carro, deixo uma mensagem avisando sobre minha
ida. Mike vai surtar com a notícia, principalmente por saber que
agora terá dois sobrinhos para mimar. Durante o caminho da médica
até o escritório, que fica em um prédio mais ao centro comercial de
Boston, um pouco mais chique, imagino a reação de todos e acabo
me pegando sorrindo com lágrimas nos olhos.
“A mamãe está se tornando uma chorona”, digo sozinha, ao
parar em um sinal e limpo meu rosto. “E pelo visto começou a fase
de conversas. Espero que não demorem muito a me responderem
com chutes. Sejam simpáticos”, continuo, e apesar de me achar
louca, também acabo pensando que finalmente aceitei minha
gravidez como deveria e imagino o sentimento de sentir as mexidas
dos bebês, mesmo que ainda vá demorar para isso começar a
acontecer.
Passo a mão na barriga antes de voltar a movimentar o carro.
Não posso evitar perceber que ela de fato vem crescendo nos
últimos dias. Nas últimas duas semanas foi quando mais notei as
diferenças, nas roupas e quando paro em frente ao espelho. Minha
barriga já está um pouco protuberante, nada gigantesco. Apesar de,
para meu tipo físico, já se notar que se trata de uma gravidez.
Começo a imaginar o futuro, se minha barriga irá ficar muito grande
pelos gêmeos, ou se não irá ficar tão explosiva. Preciso pesquisar
barrigas de gestações gemelares quando chegar em casa.
Estaciono na área privativa do prédio e desço com minha
bolsa apertada junto ao corpo. Lembro de checar minha aparência
no retrovisor antes de deixar o carro, limpando qualquer cara de
choro, já que parei de aderir muito à maquiagem depois que me
tornei um pouco mais emocional. Arrumo minha franja e entro no
prédio, sendo cumprimentada pelo porteiro antes de entrar no
elevador. O andar do escritório adjacente da Drake Co. em Boston
não é nem perto de ser grande como o prédio de Nova York, mas
logo de cara vejo que é tão sofisticado quanto.
Imagino que antes havia alguma empresa parecida aqui
porque seria impossível, nem tanto para os Drake, transformar esse
lugar dessa forma em menos de um mês. Assim que chego ao
balcão da recepção, anuncio que Matteo está me esperando e a
mulher com idade próxima a minha me indica a sala do senhor
Drake. Se estivesse em um dia normal, zombaria com ele sobre o
fato, porque ele fica parecendo tio Theo com esse tratamento.
Mas hoje não é um dia normal, porque estou nervosa e
ansiosa, mas também muito feliz de certa forma. Bato suavemente
na porta de madeira branca, ainda que ache desnecessário já que
as paredes da sala, que fica ao fim do corredor com diversas outras
portas, são de vidro, ainda que as cortinas estejam parcialmente
fechadas. Matteo vem até a porta e abre para mim.
“Me desculpe mais uma vez por hoje.” Essa é a forma que ele
me cumprimenta, me dando um beijo na cabeça enquanto me leva
para dentro e fecha a porta.
“Está tudo bem, já te disse isso. Além disso…” Mordo meu
lábio, tentando achar alguma forma mais legal de dizer isso.
“Está tudo bem com o bebê?”, Matt pergunta, enquanto me
sento, parando ao meu lado e me olhando com a testa franzida.
Encaro seus olhos, que estão em um verde mais claro hoje e
preciso inclinar minha cabeça para cima para fitá-lo.
“Então…”, começo, e ele se abaixa ao meu lado. “Está tudo
bem com os… com os bebês”, friso, e Matteo demora um pouco
para entender o que falo, porque seu cenho continua franzido
olhando para o braço da cadeira onde estou até que seus olhos se
arregalam um pouco e ele me olhar novamente. Dou um aceno, não
conseguindo conter um sorriso de canto.
“Bebês, no plural?”, ele pergunta, ainda parecendo atônito e
confirmo com a cabeça mais uma vez, começando a ficar tensa com
sua demora para uma reação mais objetiva até que ele sorri largo,
algo que é um pouco raro de ser ver hoje em dia, mas assim como
desconfiava, seu sorriso segue sendo lindo. “São gêmeos.”
“Sim, dois!”, exclamo, um pouco empolgada em minha
própria voz, e então começo a abrir minha bolsa para tirar de lá a
imagem do ultrassom. Matteo segura o papel com delicadeza, como
se segurasse os próprios gêmeos.
“Daph, teremos gêmeos.” Sua voz ainda demonstra sua
surpresa, porém fico aliviada ao notar o tom positivo em sua
surpresa.
Ele segura o papel entre os dedos de uma só mão e acaba
levando a outra até minha barriga. Seus dedos compridos cobrem
por completo qualquer pele que já esteja se esticando com o
crescimento dos bebês por baixo do meu suéter e então ele me
olha. Seguro seu rosto com ambas as mãos ao perceber as singelas
lágrimas que se acumulam ali. De forma um pouco desajeitada por
nossas posições, ele me abraça e me inclino para envolver seus
ombros com meus braços.
“Eu estou… um pouco assustado ainda, mas isso é tão bom.
Estou tão feliz, e digo isso de forma honesta. Quero muito que
acredite em mim quando digo isso”, ele fala, e sua voz sai abafada
em meu ombro. “Essa coisa nova está sendo algo muito positivo
para mim e estou feliz, apesar de todo o resto das coisas, pelos
bebês. Parece que as coisas, que a vida, está finalmente me dando
outra chance de finalmente tentar voltar… voltar a ser quem eu era.
Sinto que, mesmo que possa falar que isso aconteceu em um
acidente, e que possivelmente possa se arrepender daquela noite,
ainda que eu não me arrependa… Sinto que é a melhor coisa que
me aconteceu em dezoito meses”, Matteo continua, e fungo contra
seu pescoço, sendo tomada por um cheiro bom de familiaridade e
conforto, porque é complicado não voltar a toda emotividade. “Os
bebês, essas duas novas coisinhas que estão crescendo… eu já os
amo tanto por tudo o que estão me dando. Estou muito feliz, de
verdade. Obrigado por me dar essa chance de… experimentar a
vida de novo.”
Ele se inclina para trás, mas ainda sem me soltar por inteiro.
Faço o mesmo e balanço meu rosto, um hábito criado pela franja,
mas também por querer afastar as lágrimas. Dou um sorriso para
tranquilizar sua expressão séria, preocupada.
“É difícil me falar essas coisas e esperar que eu não fique
assim”, brinco, quando ele segura meu rosto em suas mãos e passa
os polegares pelas minhas bochechas, limpando as lágrimas.
Ele segue em sua posição, agachado ao meu lado e sem
demonstrar qualquer reação natural do ser humano ao ficar tanto
tempo nessa posição, como dor nas pernas. Muito pelo contrário,
segue completamente impecável, com suas pernas grossas sendo
marcadas pelo tecido da calça social azul escura, músculos
completamente contemplados pela camisa social branca, que
abraça com graça seus ombros muito largos e braços muito fortes.
O tecido é grosso e mal consigo vislumbrar as tatuagens que ele
esconde por baixo.
A gravata tem o nó perfeito, que combina perfeitamente com
todo o visual de advogado sério, futuro CEO que ele tem. O cabelo
castanho bem escuro penteado para trás, a barba bem aparada,
densa e escura, mas rente ao maxilar que eu sei que faz uma curva
perfeitamente marcada. Seus olhos, em um verde esmeralda com
um brilho pelas lágrimas que já foram engolidas e seus lábios
bonitos. Tão convidativos, em um tom de rosa avermelhado, os
quais eu sei que são suaves e macios ao toque, os quais sei que me
dão sensações incríveis que talvez eu não devesse sentir.
Talvez por serem tão bonitos, por esse homem ser tão bonito
e falar palavras tão bonitas que me fazem acreditar que não há
nenhum ponto negativo nessa gravidez. Talvez pelos lábios
convidativos, ou pela pupila que eu percebo que se dilata enquanto
ele me fita com mais intensidade. Talvez pela sua língua, que
gentilmente umedece os lábios perfeitos. Ou talvez pela forma como
ele segura meu rosto com tanta ternura. Talvez seja uma junção de
todos esses fatores que me leva a inclinar para frente e encontrar a
suavidade e maciez que eu sabia que teria, colocando meus lábios
nos dele.
Matteo segue segurando meu rosto, enquanto deixo que as
minhas mãos se encontrem em sua nuca, entrelaçados em seus fios
tão bem arrumados ali também. Me inclino para frente e percebo
que mesmo ele estando agachado ao meu lado, nossos rostos ficam
na mesma altura. Mais um lembrete sobre toda a imponência da sua
presença, do seu corpo muito másculo e grande, da sua altura em
comparação a minha. Tudo nele sempre pareceu assim, mas agora
o que há de diferente é o fato que acho tudo incrivelmente atraente.
Apesar de tudo isso, seu toque é tão gentil que me permito
derreter em suas mãos. Em seu beijo tão suave e tranquilo, tão
diferente de tudo o que já tivemos antes. Sem toda a fúria e desejo
suprimido de algo que nem sabíamos o que era. Agora é algo
calmo, e tão bom como são seus beijos repletos de desejo. Seus
lábios tocam os meus e sua língua explora minha boca sem pressa,
assim como eu faço. Como se isso fosse natural entre nós.
O beijo é o que parece, algo como uma alegria
compartilhada, um sentimento mútuo sobre algo que temos juntos.
Ao mesmo tempo, sinto algo estranho por dentro, como um desejo
de entender a situação, de não desejar mais, ainda que deseje.
Porque não devo, não devemos, seria uma bagunça completa e
provavelmente nenhum de nós dois estaríamos prontos para isso.
Mas ao invés de pensar demais, como não faço muito no
meu âmbito pessoal, porque a vida sempre foi tranquila e quanto
mais natural, mais eu amei vivê-la, me deixo ficar perdida mais
algum tempo em sua boca grudada na minha e em seus polegares
acariciando minhas bochechas com gentileza.
Não posso mais me deixar levar pelos momentos, além de
pensar em mim, preciso lembrar das minhas duas bolotinhas agora.
Entretanto, é complicado me focar nisso quando tudo parece tão
encaixado, até mesmo a forma como ele se afasta, plantando um
beijo rápido ao finalizar o toque da sua boca na minha. Até mesmo
quando ele mantém suas mãos em mim e eu não hesito em fazer o
mesmo, escorregando minhas mãos até seu pescoço e deixando
uma vagar pelo peito, por cima da camisa bem passada e de toda a
roupa social.
E claro, temos o ensaio de um sorriso quando tenho seus
olhos verdes tão bonitos virados unicamente para mim, e eu tenho
os meus unicamente para ele. Como se também estivesse muito
satisfeito com o beijo, com o contato natural, com essa aproximação
gentil.
“Sai para jantar comigo hoje, por favor.” É um pedido, mas
não exatamente uma pergunta. Algo extremamente o Matteo em
sua figura séria de executivo, advogado muito bem renomado e já
dono de uma fortuna bastante digna aos vinte e sete anos. Quase
soa presunçoso, isso se não houvesse uma pequena lasca de
insegurança ao me fitar, esperando por uma confirmação. Consigo
notar essa quase fraqueza em sua barreira firme.
“Tudo bem”, digo em um impulso, um impulso pelo
sentimento, ainda inebriante e confortável que o beijo me deixou.
Impulsionada por essa brecha, essa pequena abertura dele. Porque
insegurança é algo pouco detectável em sua figura desde… desde
um tempo bem ruim em sua vida. Dou um aceno leve com a cabeça,
como se minha voz sussurrada não fosse o suficiente para aceitar o
convite.
Quantas vezes já sai com ele, reunidos entre amigos?
Muitas, saímos para jantar um dia aqui sozinhos também. Não há
nada de exagerado ou novo, mas, ainda assim, me sinto insegura
por aceitar. Não tem nada de mais, digo a mim mesma algumas
vezes, dando e ele um sorriso de canto enquanto me inclino um
pouco para trás.
“Talvez eu devesse ir, parece estar cheio de coisas para
fazer. Preciso terminar de entregar um relatório hoje ainda também”,
digo, sem me mover mais que uma leve virada para a mesa com
duas pastas enormes e o laptop aberto além do computador de
mesa. Além disso, hoje é o primeiro dia oficial do escritório
adjacente. E eu preciso mesmo finalizar meu trabalho. Um almoço
nunca foi a opção de fato para hoje.
“Infelizmente”, ele fala com desgosto. “Queria saber mais
sobre a consulta.” Matteo passa a mão pelo meu rosto mais uma
vez.
“Posso te contar mais tarde, não há tantas novidades.” Mas
claro que há, são gêmeos agora.
“Tudo bem… também não quero que atrase seu trabalho”,
Matt diz, e então apoia as mãos no braço da cadeira macia onde
estou. Volto minhas próprias mãos até meu colo.
“Sim, exatamente”, replico de forma monótona.
“Estou mesmo muito feliz com os bebês. Acredita em mim,
certo?” Mas sua voz está carregada novamente da brecha na
parede firme, com insegurança. Por isso me apresso em balançar a
cabeça em afirmação.
“Sim, acredito. Também estou feliz, atônita e um pouco com
medo novamente, mas acho que já sentia isso. Não posso dizer que
era uma ideia que passava longe da minha cabeça”, respondo, e ele
sorri um pouco mais antes de finalmente se levantar, não sem antes
deixar um beijo demorado em minha testa e fecho os olhos com
isso. A forma como segura minha cabeça gentilmente e parece
tão… atencioso, mas sei que é um ato simples.
Mais uma vez, talvez seja minha nova percepção sobre as
coisas.
Me levanto da cadeira, voltando a colocar minha bolsa no
ombro.
“Passo para te pegar às sete e meia, ok?” Novamente, a
pergunta que não parece bem uma pergunta.
“Tá bem. Aonde vamos?” Porque é uma pergunta
fundamental para saber o que vestir.
“Pode escolher o restaurante onde quer que… como disse da
última vez?”, ele insinua uma brincadeira, e reviro os olhos com um
sorriso nos lábios. “Acho que era algo sobre utilizar meu cartão para
pagar refeições que sempre quis.”
“Tá bem, tá bem. Posso pensar em algum lugar que sempre
desejei ir em Boston e seu cartão ficaria feliz em passar por lá”,
retruco, e ele me dá um aceno contente, com seu sorriso se
alargando. “Nos vemos às sete e meia, sendo assim.”
“Qualquer coisa, pode sempre me ligar.”
“Como se não dissesse isso umas cinco vezes, para dizer o
mínimo, por dia.” Não que eu desdenhe sua preocupação, mas já
entendi o recado.
Sua postura já está totalmente recomposta quando me
acompanha até a porta, não que em algum momento tenha ficado
descomposta, mesmo quando se abaixou do meu lado estava
impecável. Isso me faz cogitar se alguém chegou a presenciar,
através das portas de vidro e cortinas não tão fechadas, nosso
momento íntimo ali dentro. Espero ter sido salva de tamanho
constrangimento ainda que siga apreciando a sensação contínua da
boca dele na minha.
Recebo um sorriso como despedida, enquanto digo que
posso fazer meu caminho até o elevador sozinha e tento dar passos
mais largos, evitando qualquer funcionário que possa vir a passar.
Faço isso como uma adolescente abobalhada e não uma mulher
grávida com seus hormônios compreensíveis que se sentiu
incrivelmente desejosa de um beijo e fez isso acontecer.
Será que esse desejo se tornará tão recorrente como
parece? Ou será que irei sempre culpar os novos hormônios pelo
meu desejo de tocar Matteo, beijá-lo entre outras coisas? Mas o que
mais me pergunto, é o porquê, depois de todos esses anos o
conhecendo, sinto essas súbitas vontades e atrações agora.
 

 
CHEGO DEZ MINUTOS ADIANTADOS DE FORMA PONTUAL,
como eu mesmo previ ao sair de casa no horário em que sai.
Preciso de alguns bons passos até a entrada do prédio de Daphne,
uma vez que não há garagem de visitas ou qualquer vaga por aqui.
Visto meu sobretudo, uma vez que Boston é relativamente ainda
mais fria que Nova York no meio de dezembro, e pego minhas
coisas antes de sair do carro e andar até o interfone.
Daphne não demora muito para atender e destrancar a porta,
além de me avisar sobre deixar sua porta aberta porque ainda não
está pronta. Como previ. Subo até o seu apartamento e assim que
fecho a porta atrás de mim, entrando no espaço pequeno, escuto
sua voz.
“Estou aqui no quarto”, Daphne diz, enquanto deixo meus
presentes de desculpa na bancada da cozinha.
“Posso entrar?”, pergunto, parando pouco antes da porta
aberta.
“Sim.” Não preciso dar dois passos para frente para saber
que Daphne revirou os olhos ao me responder nesse tom. “Tive um
pouco de enjoo quando cheguei do trabalho e depois um sono muito
grande, acabei dormindo pra mais”, ela diz, assim que me percebe
na porta, ainda fixa no espelho de corpo inteiro que tem.
“Tudo bem. Eu me adiantei também”, digo, me apoiando no
batente da porta. “Está bem agora?”
“Sim, acho que quase tudo vem se resolvendo com boas
doses de sono. Me sinto cada dia mais cansada.” Ela me olha
rapidamente pelo espelho. “Mas também está sendo difícil encontrar
algo para vestir. Talvez agora, que sei que são dois, precise me
render de fato a sessão cheia de elásticos das mamães”, ela zomba.
“Bem, parece ter encontrado algo. Está muito bonita.” Porque
a saia longa e estampada em um tom claro de vermelho a deixa
parecendo ela mesma, com toda a energia e informalidade que
Daphne pode oferecer, e o suéter branco com costuras altas como
detalhes arrumado parcialmente para dentro da saia. A saia bate em
seus tornozelos e é alta na cintura. Nem mesmo poderia notar sua
gravidez se não estivesse procurando muito.
“Obrigada, suponho ser sua obrigação falar coisas assim
sendo que é o culpado por estar me deixando gigante.” Franzo a
testa, um pouco relaxado ao perceber a forma como ela comenta
com naturalidade sobre o assunto, mas ainda tentando ver se algo
indica insatisfação em sua frase. “Acredito que terminei”, ela diz
para si, enquanto se olha mais um pouco no espelho e então ajeita
a franja antes de caminhar até a cama.
“Não temos pressa. Escolheu o lugar aonde quer ir?”
“Pensei em algumas opções, mas acho que tenho certeza
agora. Estou com vontade de comer comida francesa e sei um
restaurante super renomado que tem aqui em Boston.” Daph me dá
uma olhada pelo ombro, enquanto senta de costas para mim e calça
as botas.
“Tudo bem, então, o que preferir”, respondo. “Não chegou a
me falar mais nada sobre a consulta de hoje à tarde.”
“Ah, sim.” Ela se levanta um pouco ofegante de calçar as
botas e me olha com um suspiro. “Estão ambos bem, com as
medidas dentro dos padrões e crescendo bem. Algumas coisas
mudaram agora, em relação aos cuidados e o pré-natal, mas nada
muito exagerado. Ela falou que posso seguir tomando as mesmas
vitaminas, porém se voltar a me sentir fraca ou algo assim, nós
mudamos.” Daphne se olha mais uma vez no espelho antes de
começar a sair do quarto e me viro para fazer o mesmo.
“Alcançamos o fim do primeiro trimestre da gravidez e agora
dificilmente chegaremos muito perto das quarenta semanas, a
Margot falou que em gestações com mais de um bebê se estendem
até a trigésima sétima ou trigésima oitava semana. Nós também…
O que é tudo isso?” Ela para ao notar os itens que deixei na
cozinha. “Por acaso isso é um encontro?”, ela brinca, sorrindo, e ido
até à bancada. “Quer dizer, é grande demais para ser um
corsage[1].”
“Acho que estamos velhos demais para essa tradição. Mas
sim, quer dizer, acho que pode ser um encontro desajustado…”
Faço uma careta, mas ela não está olhando para mim. “Porém, é
um pedido de desculpas por mais cedo ainda. Comprei as flores,
entretanto sei que está sensível a cheiros então caso elas
precisassem ir embora, comprei alguns chocolates que sei que são
da sua marca favorita.”
“Isso é atencioso, mas sabe que foi um engano mútuo e não
teve culpa. Só precisamos ser mais atentos da próxima vez.” Ela
abre a caixa e pega um bombom, suspirando ao colocá-lo na boca.
“Sobremesa antes do jantar é uma das melhores coisas sobre estar
grávida.”
“Existe alguma lista?”, pergunto, com um sorriso de canto, me
aproximando dela.
“Infinitas vantagens, mas algumas desvantagens.”
“Acredito que seja a parte do cansaço e enjoos?”
“Acertou.” Ela arruma as flores em um jarro e as coloca na
bancada de volta. “Obrigada, são lindas, mesmo que
desnecessárias.”
“Então pense que eu as trouxe só como um agrado e não
como um pedido de desculpas.”
“Você tá diferente”, ela fala, depois de me fitar por um tempo
em silêncio. “Obrigada, de novo” diz, e junta as mãos na frente do
corpo. “Vamos?”
“Diferente como?”, questiono, enquanto nos direcionamos a
porta. Ajudo ela com seu casaco também branco.
“Não sei… Só diferente”, Daphne responde, enquanto
descemos as escadas.
“Não deveria usar tanto as escadas”, constato. “Isso é bom
ou ruim? Eu estar diferente.”
“Posso subir e descer alguns lances e sabe, ainda nem
comecei a ficar tão enorme assim.” Ela revira os olhos. “Algo bom.
Não sei dizer como, mas mudou bastante desde nosso primeiro
encontro aqui em Boston, em setembro. Acho que a mudança de
ares está definitivamente te fazendo bem.”
“Foi uma das intenções para eu vir, certo? Então acho que
meu plano está funcionando.” Levanto os ombros enquanto seguro
a porta para que a gente saia. “Penso que grande parte vem sendo
tudo o que está acontecendo. Te falei a verdade hoje à tarde”, digo,
enquanto caminhamos até meu carro. “Sobre acreditar que,
independente de como tudo aconteceu, isso está sendo bom. Sei
que pode não pensar sempre assim, sua carreira está só
começando e isso pode te tirar alguns meses do trabalho, que eu
sei que você ama. Você tem só vinte e três anos, vinte e quatro na
semana que vem. Sei que pode ver isso, algumas vezes, de forma
negativa, mas saiba que sempre estarei aqui.” Abro a porta para que
ela entre no carro. “E que sempre vou apoiar tudo isso”, completo,
antes de fechar a porta uma vez que ela está acomodada e dou a
volta para entrar atrás do volante.
“Eu acreditei quando falou e acredito agora”, Daphne
comenta, depois de certo momento de silêncio enquanto nos
dirigimos ao restaurante que ela coloca no aplicativo de GPS do
meu celular. “Realmente, alguns momentos me sinto um pouco
desesperada sobre tudo, mas acho que podemos dar conta. Nos
conhecemos a vida inteira e sei quem é você ou pelo menos
conheço você o suficiente para saber que posso ter a tranquilidade
de que estará comigo até o fim, independente de qualquer coisa.
Independente de estarmos juntos ou não.”
“Eu penso que deveríamos tentar mudar isso…”, comento,
sem me arriscar tirar os olhos do trânsito para olhar sua reação.
“Por causa do bebê… dos bebês?” Ela se mexe no banco do
passageiro e sei que me encara.
“Honestamente, talvez. Talvez eu tenha começado a pensar
sobre o assunto por causa disso, mas não acho que seja
unicamente por esse motivo.” Pareço um garotinho ao começar
meus discursos hoje, mesmo assim prossigo. “Porém… acredito que
não seja algo tão impossível. Não pela conveniência, ou por
qualquer coisa. Sei que a gente já falou sobre isso e…”
“Acho que algumas coisas se passaram desde o último mês.
Algumas coisas mudaram”, Daphne diz, e aproveito breve momento
do semáforo fechado para olhar de relance para seus olhos azuis no
escuro do carro.
“Gostaria que a gente tentasse ser algo. Você sempre foi
muito especial para mim e agora está sendo ainda mais. É talvez
seja pela gravidez, mas não é só sobre isso”, falo, antes de voltar a
colocar o carro em movimento. É complicado conseguir explicar que
nas últimas semanas nosso contato foi bem diferente do que nos
outros anos e que tudo agora parece bem diferente do que um dia
foi.
E que há algo que sinto por ela que é diferente do que antes,
não apenas a atração, mas o afeto se transformou. Não poderia
dizer que é algo totalmente avassalador ou qualquer coisa assim,
todavia as coisas mudaram. Não é como algo que já senti antes, há
não tanto tempo assim, mas já é um começo de algo novo e que me
tem feito bem pela primeira vez em quase dois anos. A ansiedade, a
expectativa, o carinho e a vontade de fazer com que nada dê
errado.
Daphne nunca será Brooke, a situação é diferente e as
pessoas são diferentes. Disse isso uma vez para Rebecca, porque
ela não deveria comparar o que tinha com Zachary com seu antigo
relacionamento. Entretanto, isso também não se compara a relação
da minha irmã, porque não há lado ruim. Há alguém que eu amava
muito e de quem nunca conseguirei esquecer, mas que partiu, e
existe alguém que tem se transformado aos meus olhos, e um futuro
que vem de nós dois que é certo.
Mas além de tudo, Daphne também é uma das minhas
melhores amigas e a última coisa que iria querer seria chateá-la por
minhas atitudes insensíveis ou grosseiras, ou até mesmo fazer com
que a gente se afaste caso algo aconteça. O que me faz cogitar que
talvez não seja uma ideia tão boa assim, mesmo que eu deseje no
mínimo dar uma chance ao fato.
“Tudo bem”, ela fala baixinho, com o cenho franzido e
olhando para frente. Como se não estivesse ainda totalmente certa
disso. Não a culpo, acabei de também me sentir inseguro sobre
minha própria sugestão. “Acho que podemos tentar, mas talvez seja
bom que tenhamos regras, para nosso bem e visando o bem dos
bebês.”
“Regras?”
“É, para bom funcionamento e para caso não funcione. Não
que eu já esteja sendo pessimista. Mas talvez seja bom já deixar
algumas coisas bem desenhadas.” Dou um aceno, porque ela está
certa e vai ser bom se tivermos todos os termos bem definidos caso
qualquer coisa aconteça.
“Está certa.” Mas seria pouco óbvio não concordar. Além de
tudo, a decisão de Daphne é muito burocrática, como nós,
advogados, amamos. “Quais seriam as regras?”
“Ainda estou pensando sobre isso. Talvez precise de um
tempo para formular a lista. E poderá fazer alguma objeção ou
acrescentar itens. Acredito que seja mais justo eu escrever as
bases, já que sou eu quem estou carregando as preciosidades.” Ela
volta com o clima leve, apesar de já estar achando curiosa como
essa situação pode acabar sendo. Entro no estacionamento coberto
do restaurante.
“Tudo bem, é mais justo mesmo. E é bom que ambos
acordemos com a maior parte dos termos.”
“Justamente.” Daphne concorda, sorrindo, quando estaciono
o carro e desligo o motor. “Toda essa conversa me deu fome”, ela
comenta, passando a mão na barriga e sorrio para isso antes de sair
o carro e ir apressadamente até sua porta, ainda que chegue
atrasado para abri-la.
“Acho que é justo ter fome. Três alimentações agora, deve
ser pesado”, brinco, com o fato apesar de me importar muito agora
que comerá por três.
“Preciso dizer que não é nada fácil. Algumas vezes sinto
vontade de comer umas quatro pizzas de uma vez, mas então, no
minuto seguinte, vomitar tudo só de pensar.” Faço uma careta
enquanto andamos lado a lado até a entrada. “Ok, assunto enjoos
vetado para a hora do jantar.” Ela ri e acabo soltando uma risada
também.
“Não por isso, mas não deve ser a melhor coisa do mundo
essas mudanças.”
“Ah, a Margot disse que provavelmente vai passar nos
próximos dois meses. Tenho me mantido presa a isso. O primeiro
trimestre sempre é mais complicado pela formação dos bebês,
acredito eu. Depois temos outras dores na lista.” Não consigo
entender como ela zomba da coisa toda, mesmo sendo ela quem
sofre com os sintomas. Entramos e somos acompanhados até uma
mesa para dois.
“É, espero que não sejam tantas dores assim.”
“Não pesquisei nada sobre a gestação de gêmeos desde que
descobri hoje cedo, mas para uma gravidez única estou até com
uma média boa. Não é como se eu não conseguisse viver direito
sem precisar encontrar um banheiro. Tenho enjoos frequentes, mas
ainda consigo comer e manter as coisas no estômago. Talvez seja
um fator bem positivo para o crescimento.” Ela dá de ombros,
olhando atenta para o cardápio, e dou um sorriso de canto ao notar
como ela suspira e passa a língua pelos lábios, e imagino que esteja
faminta por metade do cardápio.
“Deve ser bem positivo mesmo, espero que continue assim”,
digo, antes de abrir meu próprio cardápio. “Me sinto um pouco mal
por não ter muito o que fazer para ajudar.”
“Acho que já está fazendo um bom trabalho. Não tem como
achar uma forma de me tirar isso, mas pelo menos não se sente
enojado ao meu lado e tenta minimizar, além de eu ter percebido
que parou de usar produtos com cheiros fortes, ainda que eles
nunca tenham me dado nada. E eu vi o neutralizador de cheiros que
tem colocado na sua casa. É atencioso.” Ela me dá um sorriso por
cima do cardápio e parece um pouco grata, me sinto feliz por ter
percebido esses detalhes para tentar ajustá-los, pelo menos estou
tentando meu melhor na minha parte.
“Pensei que fosse interessante já que está passando algum
tempo por lá.” Levanto os ombros antes de voltar a atenção para o
cardápio. “Já pensou no que vai fazer sexta que vem?” Me refiro ao
seu aniversário de vinte e quatro anos na próxima semana. Um
garçom acabou de tomar nossos pedidos e já trouxe a minha tônica
e o suco de Daphne.
“Provavelmente afundar meu sofá mais um pouco com o
formato do meu corpo e comer algo guloso com a desculpa de
comer pra três”, ela responde pensativa.
“Talvez devêssemos fazer algo.” Novamente uma sugestão
impulsiva da qual não me arrependo muito. “Sair ou fazer algo
caseiro. Se quiser, é claro.”
“Posso pensar no assunto.” Ela sorri para mim antes de
beber mais um gole do seu suco. “Ah, esqueci de te contar. Sei que
vai fazer com que fique mal, porém escutei o coraçãozinho dos dois
bebês hoje e isso foi a melhor parte. É tão incrível, Matt! É como…
outro tipo de confirmação de que isso está mesmo acontecendo.”
Sua animação é contagiante, assim como o sorriso enorme que
abre em seu rosto e se espalha pelo meu.
“Parece mesmo ser algo incrível, mal posso esperar para ver
e ouvir tudo isso.” Apoio o cotovelo na mesa, pouco me importando
com qualquer etiqueta e apoio a cabeça na mão. “Me fale mais
sobre a consulta”, peço, e ela se inclina para frente. O faz, com a
animação e ansiedade de sempre, como se, apesar de estar
gostando, ainda se sinta insegura.
Não posso dizer que não sinto o mesmo.
 
 
“Está se sentindo bem?”, pergunto para Daphne, logo que o
garçom se afasta após trazer nossos pratos principais. Ela parece
um pouco pálida. “Está com enjoo?”
“Acho que não pensei muito bem”, ela fala, se encostando na
cadeira. “Cassoulet[2] não está me parecendo a coisa mais apetitosa
no momento.” Ela respira fundo e balança a cabeça em negação.
“Prefere pedir outra coisa ou… ir ao banheiro, alguma coisa
que possa fazer?”
“Não, quer dizer, demoraria muito outro prato e seria feio
mandar esse de volta”, ela diz, e percebo que está tentando se
controlar.
“Está grávida e eu iria pagar.” Porque não seria tão grosseiro
assim.
“Talvez seja somente um enjoo forte.” Ela respira fundo
algumas vezes, fechando os olhos e me inclino para observá-la
enquanto faz isso.
“Quer… trocar? Acho que o Confit de Carnad[3] pode ser mais
tranquilo”, sugiro incerto, e ela volta a abrir os olhos, espiando meu
prato fumegante. “Não iria me importar. O que eu iria me importar é
que fique sem comer ou que passe mal por causa do prato.”
“Mas você falou que estava com vontade de comer o
Confit…”
“Daphne!”, a repreendo. Não é como se fosse eu a ter
desejos ou precisar me alimentar muito bem. Ela pressiona os lábios
e então me dá um aceno, parecendo uma criança. Pego seu
Cassoulet e trago para o meu lado da mesa antes de colocar meu
prato tamanho grande em sua frente. “Melhor?”
“Desculpe.” Ela faz uma careta depois de certo tempo,
finalmente voltando a se aproximar do prato. “Melhor.”
“Não tem porque se desculpar, já te disse. Passou mesmo ou
só está mentindo para não me deixar preocupado?”
“Os enjoos não somem do nada. Mas já estou bem melhor,
além de conseguir pensar em comer agora.” Daphne me dá um
sorriso fraco e lhe ofereço um aceno de cabeça.
Comemos por algum tempo em silêncio. Dou olhadas
ocasionais para notar que ela parece realmente se deliciar com seu
prato agora e a palidez foi sumindo, dando lugar a um tom mais
normal para sua pele. Apesar da ser porção grande, Daphne a come
quase inteira antes de me olhar com um sorriso satisfeito e passar a
mão na barriga quase protuberante.
“Mal parece a mesma gravida enjoada que era há nem meia
hora”, brinco com ela.
“Se surpreenderia ao saber meu dia a dia”, Daphne retruca,
revirando os olhos. “Sei que esse é um restaurante chique e tudo
mais, mas acha que podemos pagar a conta e procurar um pote
enorme de sorvete para comermos?” É quase impossível não dizer
sim. Por isso sorrio ao dar um aceno e confirmar seus desejos,
antes de pedir a conta para o garçom que nos atende.
“É o que mais vem pedindo”, comento, quando a ajudo
colocar seu casaco de volta e saímos do restaurante. “Se não estou
enganado, essa é a quarta vez que me pede sorvete.”
“É, acho que posso dizer que, até o momento, é meu
alimento mais desejado”, ela diz. “Acho que podíamos ir andando.
Não está tão frio hoje à noite. Deve ter alguma sorveteria nas
próximas duas ou três quadras.” Daphne me olha incerta quando
alcanço a chave do carro no bolso, mas torno a guardá-la.
“Tudo bem.” Ofereço meu braço a ela, que o toma e
começamos a andar. “Se pegar um resfriado por minha causa, vou
me sentir culpado por não te dissuadir.”
“Sabe, estou grávida e não doente. Além disso, minha saúde
está sendo elogiada em todas minhas três consultas até agora, e o
crescimento dos meus bebês, então acho que sou saudável o
suficiente para andar um pouco. Isso também vai me fazer bem.”
Ela me olha séria e entendo a bronca. Balanço a cabeça em
negação, porque não acredito que ela esteja doente, mas sim que
precisa de mais cuidados agora, só isso.
“Só não quero fazer nada de errado”, digo por fim.
“E não está. Honestamente, tem feito exatamente todas as
minhas vontades desde que descobriu. Pode acabar sendo
sufocante.” Daphne pressiona os olhos fechados por alguns
instantes, assim como seus lábios ficam em uma risca. “Desculpe,
não quis ser rude. Está sendo ótimo estar com você ao meu lado,
me ajudando, mas estou bem. Se não estivesse, eu falaria. De
verdade.” Ela me encara por alguns segundos, antes de ambos
voltarmos a atenção para a calçada.
“Só tenho receio que não vá pedir se precisar.”
“Eu vou.” Sua mão aperta de leve meu braço, como se para
afirmar isso. “Acho que vejo uma sorveteria na próxima quadra”,
Daphne comenta, apontando para o letreiro.
Caminhamos em silêncio por mais um tempo, a rua não está
muito movimentada e conseguimos andar tranquilamente se
esbarramos em milhares de pessoas por segundos, como em Nova
York.
“Por que resolveu se mudar para Boston? Não é como se não
tivessem boas opções em Nova York. Na NYU ou em outras.”
“De fato. Acho que foi porque sempre quis vir para Harvard”,
começo, quando chegamos a entrada da sorveteria e aguardo até
entrarmos, pedindo nossos potes com bolas demais, as quais me
darão trabalho amanhã cedo na academia. “Não que a NYU não
tenha sido ótima, mas acho que é sempre o sonho que não
conseguir ir atrás. Você conseguiu realizar.”
“Não me faz muito diferente de você, apesar de ter sido um
sonho.” Ela dá de ombros, gemendo pelo gelado quando coloca a
primeira colherada na boca ao sairmos de volta para a calçada.
“Não, não nos faz diferentes. Mas sempre tive vontade, é
uma área de doutorado que me atraiu, desde sempre. Além disso,
sabia que meu pai não iria se retirar da empresa pelos próximos
anos, então pensei ser a oportunidade certa.” Também levanto os
ombros, comendo do meu sorvete.
“Entretanto tem mais por aí.” Daphne indica com um sorriso
travesso nos lábios, que se desmancha. “Não precisa me contar,
mas tem. Estou certa?”
“Está. Quem sabe eu não acabe te falando…” Ainda que a
ideia não pareça atraente agora por todas nossas relações. “Mas
também tive outros motivos. Precisava sair de Nova York.” Dou uma
pausa antes de admitir: “Além de tudo, a cidade me trazia
lembranças demais. Acho que em Boston tive uma pequena chance
de me afastar disso.”
Daphne me dá um aceno silencioso, e a falta de diálogo
continua por quase uma quadra.
“Suponho que tenha funcionado bastante até agora. Desde
que cheguei aqui, me sinto um pouco como antes”, admito.
“Acho que também pode falar sobre o fator do tempo. Após
certo tempo, nos adaptamos com nossas novas situações. Não que
você possa ter tido a oportunidade de escolher por isso…” Ela
balança a cabeça. “Talvez esteja falando bobagem. De qualquer
forma, fico feliz em ver você voltando aos poucos a sua antiga
forma, ou a sua forma renovada.” Seu sorriso é de canto e dou um
igual.
“É, acredito que seja isso.” Coloco meu pote vazio em uma
lixeira da rua quando já nos aproximamos de novo do restaurante e
do meu carro estacionado. “Me desculpe se acabar… não sei,
errando nisso tudo. De tentar voltar a ser mais sociável, de tentar
fazer as coisas certas pelos bebês, ou de te sufocar com a atenção.
Estou tentando mesmo mudar, não só pelos acontecidos de agora,
mas porque acho que é tempo e seria o certo.”
Acaba sendo mais fácil falar sobre assuntos assim com
Daphne, assim como acaba sendo com Mike. Não há olhares tristes
o tempo todo, como se tivesse a necessidade de fazer algo para me
ajudar. Nunca reclamaria de tudo o que minha família fez por mim,
mas às vezes é complicado. Abro a porta do passageiro e espero
até que ela se arrume para ir ao meu lugar.
“Também não precisa se apressar nas coisas. Tenha o seu
tempo. Acho que ambos podemos tentar nos ajustar e sobre… nós,
só nós dois, em específico, não quero que se pressione a algo que
ainda não está pronto”, Daphne fala após um tempo. “Não que eu
esteja dando para trás na ideia. É só que, não quero que se sinta…
estranho e desconfortável. Pode sempre me falar quando estiver se
sentindo assim.” Dou um aceno e ela prossegue. “Não quero deixar
de sermos amigos, sempre apreciei nossa relação. Muito.”
“Tudo bem… entendo o que quer falar.” Mas parece um
pouco complicado passar isso em palavras. O que é ridículo porque
sou um advogado muito bem formado. “Também sempre apreciei
nossa amizade e sei que não quero perder isso”, prossigo. “E…
acho que estou pronto, só preciso começar a fazer as coisas direito,
tentar mais, para que eu mesmo acredite mais que estou pronto
para isso.”
Porque sei que estou, é algo que penso há um tempo e sei
que não posso passar o resto da vida sentido por todos os
acontecimentos. Além disso, não seria justo com Brooke continuar
nesse estado de luto eterno, sofrendo por sua morte e quase
deixando que as pessoas a culpem pela minha tristeza constante.
Porque não deve ser a responsável por isso, pela minha vida estar
passando como uma folha em branco na minha frente sem que eu a
viva. Eu sou o culpado, e eu posso mudar a situação. Também não
seria só por ela, apesar de saber que Brooks iria querer assim, que
eu tentasse superar. Quero voltar a tentar viver minha vida por mim
também.
“Fico muito feliz em ouvir isso.” Daphne ostenta um sorriso
gentil nos lábios quando alcança minha perna com uma das mãos e
deixa um leve aperto ali. Pego sua mão na minha e beijo o torso
antes de soltá-la, também sorrindo para ela que volta a comer se
resto da porção enorme de sorvete.
 

 
SOU CUMPRIMENTADA PELO PORTEIRO quando entro e pelos
segundos que ele me olha a mais do que o normal, quase fico
arrependida por colocar o vestido cinza canelado de mangas longas.
É um dos poucos justos que ainda me serve tranquilamente, estou
me encaminhando para a décima quarta semana, mas agora
percebo que os gêmeos estão crescendo bem mais do que pensei.
Da última semana até hoje perdi exatas três calças jeans e se eu
fosse experimentar minhas blusas de verão, provavelmente todas já
se mostrariam curtas demais.
Mas bem, escolhi um vestido cinza canelado, que desce até
abaixo dos joelhos, com um sobretudo grosso, como o próprio
vestido, além de tênis brancos casuais. O frio de dezembro já se
mostra bem firme, principalmente à noite, e para o que planejo hoje
trago também outro suéter por cima da minha bolsa, caso precise
vesti-lo por baixo do sobretudo mais tarde.
Me encaro por alguns minutos no espelho do elevador,
esperando chegar na cobertura de Matt e viro de lado algumas
vezes. Minha barriga está ficando cada dia mais evidente, porém de
fato a escolha do vestido ajudou. Entretanto, é meu aniversário de
vinte e quatro anos e me permiti colocar algo que me fizesse sentir
bonita e tenho tomado gosto pela barriga nas últimas duas
semanas, ainda que a maioria dos meus suéteres disfarcem bem
isso.
De qualquer forma terei que me acostumar com os olhares,
logo vou começar a crescer como se não houvesse amanhã.
Algumas barrigas de grávidas podem ser assustadoras.
Saio do elevador para o hall de entrada do apartamento de
Matteo e ele demora um pouco para vir abrir a porta.
“Oie!”, ele fala meio afobado, provavelmente deve ter corrido
escada abaixo. “Como estão?”
“Ainda não me acostumei com você falando da gente, no
plural. Mas estamos bem. Pelo visto essas duas gracinhas
descobriram que é aniversário da mamãe e não provocaram, ainda,
nenhum acesso de choro ou enjoo e consegui fazer todas minhas
refeições hoje muito feliz”, digo ao entrar. “E sua camisa está
abotoada errada”, comento.
“Cheguei tarde da faculdade. Por isso ainda não tô pronto.
Me desculpe”, ele fala, começando a desabotoar os três primeiros
botões e colocá-los nas casas certas. “Está bonita hoje e fico feliz
que passou o dia bem.” Caminho até a cozinha para pegar água.
“Obrigada, também estou feliz. Margot tinha comentado que
provavelmente começariam a diminuir.”
“É bom”, Matteo comenta com um aceno, e volta para o
andar de cima. Estou distraída na cozinha, trocando mensagem com
as meninas quando ele retorna. “Bem, comprei algo para você.”
Caminho para fora da cozinha, vendo que Matteo colocou um suéter
por cima da camisa e parece um pouco menos formal assim. “Além
disso, estou curioso sobre o que vamos fazer, porque insistiu em
não me avisar em qual lugar preferia que eu fizesse nossa reserva.”
“Primeiro meu presente”, falo ansiosa, acompanhando-o até a
sala. “E depois te falo o que iremos fazer. Você me prometeu que eu
poderia planejar sobre hoje à noite.”
“Bem, é seu aniversário então é o justo. Só espero que não
seja nenhuma aventura noturna maluca”, ele brinca, me dando um
sorriso de canto.
“Não, nada disso. Porém, só depois do presente.” Sei que
pareço uma criança animada, mas não posso dizer que não adoro
ganhar presentes.
“Ok, venha aqui.” Ele aponta para que me sente e some por
pouco tempo antes de voltar com uma caixa embrulhada. “Você me
contou como foi incrível e não sei como pode funcionar com os
gêmeos, mas achei que gostaria de ter”, Matteo diz, me deixando
ainda mais curiosa antes de se sentar comigo e me entregar a
caixa. O embrulho é bonito e a caixa, tamanho médio.
“Tudo bem…”, falo incerta, ao começar a me desfazer do laço
e tirar o papel. Franzo a testa para a imagem que vejo logo de cara
na caixa e Matteo ri.
“É um aparelho sonar que consegue detectar os batimentos
do bebê. Pode ser feito em casa então poderá escutar sempre que
quiser. Sei que é um presente um pouco fajuto, porque não é algo
completamente para você, mas acabei pesquisando. Quando me
contou da consulta da semana passada, e como gostou disso, achei
que poderia gostar de ter por perto”, ele diz, com um levantar de
ombros e aceno antes de voltar minha atenção a caixa. “Feliz
aniversário!”
“É um presente incrível, já estou ansiosa para usar.” Porque
mal posso aguardar até chegar em casa e testá-lo. Escutar de novo
minhas batidas frenéticas mais adoráveis. “Pode escutar também”,
comento, me lembrando sobre o seu pesar por até hoje ainda não
ter me acompanhado e sentindo tudo aquilo que eu senti ao ver o
monitor preto e branco de Margot.
“É, se deixar, vou adorar”, Matteo diz como se estivesse à
mercê do meu desejo, mas gosto de compartilhar as coisas com ele,
então isso chega a ser bobo.
“Claro que deixaria.” Franzo a testa para ele. “Eu adorei.
Obrigada”, agradeço com um sorriso largo. “Talvez possamos testar
mais tarde”, sugiro, e ele assente, voltando ao seu pequeno casulo
estranho de quietude. Mesmo estando animada com meu presente
e querendo descobrir como funciona, prossigo a noite. “Bem, sobre
essa noite precisará confiar em mim.”
“Devo ter medo?”, ele pergunta, com um tom divertido.
“Não. Com certeza não. Mas pensei em aproveitar meu
aniversário para te levar a um lugar que imagino que nunca tenha
ido.” Na verdade, tenho a certeza disso. “Mas vai gostar, só tem que
confiar em mim e deixar que eu dirija essa noite.”
“Ok, acho que posso fazer isso. Só vou descobrir o lugar na
hora ou alguma chance de me dar alguma pista?” Matt arqueia a
sobrancelha para mim e comprimo um sorriso ao negar, balançando
a cabeça. “Tá bem, isso está ficando mais interessante e curioso
ainda.”
“Esse é justamente o intuito”, começo, já voltando a me
colocar de pé. “É o meu dia, mas é quase como um presente para
você.”
“Estou vestido corretamente para essa ocasião tão especial?”
Matt inclina a cabeça para o lado, me acompanhando até a porta.
“Não existe um dress code, é suposto para ser totalmente
livre disso, uma coisa relaxada.”
“De fato, você nunca gostou muito de seguir as regras”, ele
fala, balançando a cabeça enquanto colocamos nossos casacos e
pego minha bolsa. “As chaves, senhorita.” Sua voz sai divertida
enquanto me entrega a chave do seu carro e pego com um sorriso
largo. “Espero não me arrepender disso.”
“Não seja tão assim, sei que você ama seu carro e eu dirijo
muito bem, como já pode perceber.” E ele me dá um aceno
afirmativo, porque sou mesmo muito boa.
“Mudando o assunto, está preparada para o Natal em
família?”, sua pergunta me obriga a fazer uma careta quando
entramos no elevador. Isso significa nossa grande família, Laurent-
Davis, Drakes, Gardners, Hawthornes e Capris, dependendo dos
investimentos, talvez um ou outro possível comprador de alguma
ação, além de sócios. Se fosse algo simples, algo realmente Natal,
não haveria problema algum. Mas conseguimos sempre complicar
todos os feriados.
“Nenhum pouco. Estou pensando se consigo inventar alguma
boa desculpa até a próxima semana. Para não ir para Nova York ou
para não precisar comparecer à festa no dia vinte e quatro.” Dou de
ombros. “Quer dizer, estou com saudade das meninas, ainda que
tenha as visto há um mês, e de Mike. Porém passaria toda a
falsidade extra. Além disso, passaria todas as oportunidades de
precisar ver meus pais.” Matteo abre a boca, mas respondo sua
pergunta antes mesmo de ser feita. “Eles não fizeram questão até
agora e nunca vão fazer, não vejo o porquê de ficar me desgastando
com isso. Sabe como eles são.”
“É…” Dentro de seus padrões, Matteo faz uma careta poucos
segundos antes das portas se abrirem na garagem no subsolo.
“Acho que talvez seja melhor pensar de forma bem cética assim.”
“Sei que algo aconteceu entre você e sua mãe, Beck me
disse que estão… estranhos um com o outro, mas também sei que
sempre foi muito próximo do seu pai. Não deixe o meu desanimo te
afetar na sua relação com sua família.” Destravo o carro e Matt
precisa pensar um pouco antes de entrar do lado do passageiro.
“Não é só isso.” Ele toma seu tempo para organizar seus
pensamentos enquanto entramos no carro e ajusto o banco. “Sabe
como funciona nosso mundo. As pessoas acreditam que eu estou
gastando o precioso tempo do meu pai, e o meu mesmo, com toda
essa história do doutorado.”
“A maioria ali nunca cogitou seguir um real sonho”, falo com
desprezo. “Não é de chocar que pensam assim. Pensei que seu pai
tivesse te apoiado nisso tudo.” Dou uma rápida olhada para ele
antes de começar a sair da garagem.
“Ele apoiou, e apoia. Acha que é algo interessante e nunca
teve tempo ou disposição para se aprofundar muito em qualquer
estudo. Deu sorte de fazer investimentos lucrativos e depois disso
viveu pela empresa.” A história que todos sabemos sobre Theodore
Drake. “Então ele sabe que é bom me dar a chance de seguir um
sonho e está feliz que venho conseguido conciliar bem os estudos
com meu trabalho na empresa...” Ele corta sua fala quando seu
celular começa a apitar sem falhas com a chegada de mensagens.
Matt logo pega o aparelho pelo que noto de canto de olho. “Perdão,
preciso responder.”
“Tudo bem.” Tenho um estranhamento na voz, afinal, não é
só porque estamos juntos que isso impede ele de viver. O que me
lembra das regras que escrevi e que ainda preciso mostrá-lo.
Sigo o caminho em um quase silêncio, somente com o ruído
baixo da música pop que toca no rádio e sai pelos altos falantes do
carro. Matteo parece se concentrar no que digita, franzindo a testa
algumas vezes pelo que pude captar em rápidas olhadas entre as
paradas em semáforos fechados. Seu apartamento, muito bem
localizado, permite que não demoremos muito para chegar onde
desejo e ele guarda o celular de volta no bolso, pedindo desculpas
mais uma vez, pouco antes de eu estacionar rente ao meio fio do
parque.
“Bem, imaginei que, pelo seu tempo corrido desde que
chegou, nunca de fato conheceu a cidade e eu amo Boston, como
deve saber. Vem sendo a minha casa nos últimos seis anos e achei
justo que tivesse seu momento de turista antes de virar um morador
oficial e não aproveitar mais nada do que a cidade oferece”, digo,
um pouco animada, porque adoro fazer esse caminho quando tenho
tempo e ultimamente isso vem se tornando cada vez mais raro.
“Freedom Trail?” Matteo tem um riso preso no canto dos
lábios, que seguram um sorriso e olho para ele com os olhos
semicerrados, julgando-o por me julgar, antes de abrir a porta e sair,
pegando minha bolsa grande no banco de trás.
“Não fale assim. É meu aniversário e independente de querer
ou não, vai ser obrigado a fingir que está se divertindo, Drake”, digo
para ele, apontando o indicador antes de o encontrar na calçada. É
bom e ao mesmo tempo estranho falar novamente com Matteo
dessa forma, tão leve e desapegada. Porque nossas conversas
sempre foram assim até aquele dia em setembro onde tudo
começou. Por um lado, até aprecio as novidades, por outro, odeio o
sentimento de estranheza de querer frequentemente agradá-lo
agora.
“Não estou julgando. Se quer saber, nunca fiz o caminho
mesmo. Sou um péssimo morador, pelo visto.” Ele sorri para mim e
dá de ombros.
“Seus dias de péssimo morador de Boston acabam hoje.
Preciso dizer que não há nada realmente gratificante no caminho, é
importante adiantar isso. Além do mais, ainda não sei se terei
vontade de fazê-lo inteiro e voltar, ainda que exista uma ótima
recompensa no fim dos quatro quilômetros.” Porque meus pés
começam a inchar com maior facilidade agora, além de estar frio e
eu sempre estar cansada ultimamente.
“É seu aniversário e como parece gostar de deixar claro,
precisarei cumprir suas ordens, senhorita”, ele ironiza, e sinto seu
humor também voltando a ser o que era há um tempo. “Então se
fizemos o caminho inteiro ou não, será pela sua vontade.”
“Talvez a gente faça tudo e eu te obrigue a me carregar de
volta, sendo assim”, zombo dele, virando minha cabeça e colocando
uma expressão decidida no rosto antes de desmanchar em uma
risada leve.
“Por que acho que essa foi sua ideia desde o começo?”
“Está começando a desvendar minha mente obscura, Matt.”
Estalo a língua e seu riso sai abafado. “Bem, mas primeiro, é
inverno então precisamos fazer isso da maneira certa.” Paro nossa
pequena caminhada para abrir minha bolsa e tirar a garrafa térmica
média de lá, assim como meus dois copos térmicos. “Segure isso.”
Entrego os copos e Matteo me ajuda de bom grado, ou de forma
obrigatória, enquanto sirvo o chocolate quente nos copos. Ainda
está quente o suficiente para produzir fios de fumaça. Guardo a
garrafa de volta e pego um dos copos. “É assim que se deve fazer.”
“Pensou em tudo mesmo.”
“Falei que iria organizar a noite. No fim do caminho também
existe um restaurante que vende a melhor sopa do mundo por um
preço pagável no meu cartão.” Jantei vezes o suficiente no lugar
para que seja até mesmo figurinha conhecida por lá.
“Esses são os planos?”
“Precisa mesmo saber tudo, né?”, pergunto, rolando os olhos
antes de beber um gole delicioso da bebida para voltarmos nossa
caminhada. Matt faz um som afirmativo ao beber. “Bem, não vai
saber. Vai ser um bom turista de uma noite.”
“Como desejar”, ele debocha. “Deixe que eu leve isso.” E
sem esperar muito, pega as alças da bolsa, nem tão pesada assim,
e coloca em seu ombro, ficando ridiculamente bem mesmo assim.
“Mais cedo falou sobre as pessoas que nunca seguiram seus
próprios sonhos, quando se referia a minha vinda para cá. Morar em
Boston sempre foi o seu sonho?”
“Perguntas pesadas logo para começar”, rebato, com uma
careta.
“Achei que odiasse os assuntos superficiais.”
“E odeio. Não, a resposta é não. Quer dizer, é o sonho de
todo mundo, também era um sonho para mim, mas não era o meu
primeiro sonho da lista. Queria ficar em Nova York, porém vi em
Boston uma saída boa, prática e não tão longe. Além da ótima
oportunidade na Harvard.” É estranho colocar isso como o último
item da lista de coisas que me fizeram mudar, porque a pomposa
Harvard deveria estar no topo da lista, mas não está.
“Estava fugindo?”
“Não exatamente com essas palavras, mas minha relação
com meus pais começou a ficar insustentável. Sinto por ter deixado
Mike sozinho, ainda que ele tenha se virado bem e saído de casa
também, mas não conseguia mais ficar lá”, comento, hoje sem mais
todo o remorso. “Gosto da vida que criei aqui, longe do sobrenome
pesado que carrego em Nova York, podendo ser somente… a
Daphne e sei como isso soa terrivelmente clichê, mas foi algo bom.
Acho que parei de querer ser uma rebelde sem causa só pelo horror
dos outros e passei a conseguir ver mais quem eu era de verdade.
Quem eu sou.” Faço uma pausa com uma careta. “Isso também
ficou horrivelmente clichê.” Ambos soltamos uma risada por cima
das bordas dos copos quentes antes de bebermos mais um gole.
“Julgo que tem a ver também com todo o virar adulta”, ele
brinca. “Mas entendo o que quer falar. Às vezes não é tão fácil
manter a relação amigável e seus pais são infinitas vezes mais
complicados que os meus.”
“Infelizmente.” Se Matt percebe o pesar em minha voz, não
comenta. Ainda assim, provavelmente por estar precisando mais do
que o normal compartilhar meus sentimentos, prossigo. “Tenho
medo as vezes de me tornar como meus pais. Tive esse
pensamento algumas vezes desde que descobri a gravidez.”
“Daph… você é muito diferente que seus pais.” Diminuímos o
passo e Matteo me encara enquanto caminhamos.
“E se eu não for?” Olho para ele de volta e seus olhos verdes
parecem confusos. “E se, mesmo tentando ao máximo ser diferente,
acabe sendo igual para os meus filhos? Sendo uma mãe ausente,
não conseguindo ser o suficiente para eles?” Claro que essas
dúvidas e muitas outras que preenchem minha cabeça me deixam a
beira de lágrimas. Matteo para e paro junto com ele, dois passos à
frente.
“Isso é bobagem, Daphne. Se for assim o que me resta? É,
meu pai pode ser quase um exemplo, mas não é como se minha
mãe tivesse me dado motivos para ficar seguro sobre minha boa
cota de paternidade. E sobre meu pai, bem, ele fez os esforços dele,
mas sabe tão bem quanto eu o quanto acabamos ficando sem a
presença dele durante grande parte da nossa vida.” Sei que inclui
Rebecca ao falar isso.
“Mas eu também sou viciada no trabalho, honestamente
nunca planejei ter filhos pelos próximos cinco ou dez anos e isso me
faz me sentir horrível só de lembrar do pensamento, não sou
responsável, minha vida pessoal é uma bagunça e toda vez que
entro no meu apartamento minúsculo e lembro que vou colocar duas
criaturinhas minhas no mundo, mas não tenho nem mesmo um lugar
para colocar as roupinhas para eles me sinto ainda mais
insuficiente. Tudo bem, talvez eu não seja como os meus pais, mas
não sou tão diferente. Nem mesmo sei como segurar um bebê e
todas as vezes que me lembro tudo o que ainda vamos passar…
isso me aterroriza”, digo para ele, que diminuiu nossos dois passos
de distância nesse meio tempo. Respiro fundo, brigando contra as
lágrimas.
“E achou que não iria acabar pensando assim em algum
momento? Sempre desejei ser pai, mas a ideia me deixa morrendo
de medo porque nem mesmo sei como segurar um bebê e a última
coisa que desejo fazer é machucar elas.” Não posso deixar de notar
como ele segue sempre falando dos bebês no feminino. “E sobre
todas as outras questões, eu vou estar aqui e vamos dar um jeito.
Não é viciada no trabalho e não pode negar todas as coisas que já
fez para mudar na sua vida e agregar essa nova… fase que está
passando. Sua vida não é bagunçada e está lidando melhor do que
muitas pessoas, e a forma como lidou com isso desde o começo é
corajosa o suficiente para que eu tenha certeza que vai seguir
agindo assim.”
“Está dizendo isso só para que eu não fique mal.” Pareço
uma criança emburrada ao dizer isso, mas Matteo traz dois dedos
ao meu queixo, me forçando a olhar para cima, para o seu rosto.
“Você entrou no meu apartamento há pouco mais de um mês
e me comunicou que estava grávida, basicamente dizendo depois
que pouco se importava sobre o que eu achava da situação e que
não estava pedindo pela minha opinião. Se isso já não é agarrar o
momento com toda a sua coragem e lidar muito bem com o fato,
não sei bem o que poderia ser.” Ele tem um sorriso de canto e
fungo, apesar de algumas lágrimas caírem.
“Só porque decidi levar tudo para frente não significa que
serei boa nisso.”
“Significa que terá a coragem para enfrentar tudo o que pode
vir da melhor forma que conseguir e provavelmente ser muito boa
fazendo isso.” Seus olhos me passam toda a certeza do mundo
sobre o que ele diz. “E você não está sozinha. Posso prometer a
você que não vou a lugar nenhum.”
Solto um longo suspiro e sorrio para ele, antes de limpar as
lágrimas e balançar a cabeça, certeza que baguncei minha franja
rebelde, da qual venho adorado. “Ok. Acredito em você.” Com
minha mão livre, seguro sua mão que toca meu queixo e deixo um
carinho ali. Matteo pega minha mão na sua e leva até os lábios
mornos, dando um beijo nos nós dos meus dedos. “Acho que
entramos em um assunto pesado demais para um dia de
comemorações, desculpe.” Mesmo que o pensamento não saia da
minha cabeça com tanta facilidade como gostaria.
“É o seu dia então acho que pode transformá-lo como bem
entender.”
Ele parece um pouco hesitante antes de me puxar e me
abraçar com só um braço, circulando meus ombros enquanto usa a
outra mão que segura o copo para abraçar sua cintura. Seus
centímetros a mais o permitem beijar o topo da minha cabeça sem
dificuldade e acho que ele apoia o queixo levemente ali depois
disso. Respiro fundo, sentindo o seu cheiro de conforto e segurança
e todos os sentimentos bons que ele me passa, toda a tranquilidade
e me deixo soltar mais algumas lágrimas porque ainda não tive o
suficiente.
Matteo não reclama, ainda que eu saiba que molho um pouco
seu suéter. Ele continua me abraçando, sem demora, no meio dos
primeiros trezentos metros da Freedom Trail e sei que não vou
chegar inteira no final dessa caminhada. Acho que essa é a primeira
vez que o abraço simplesmente porque preciso disso desde que
soube da notícia, ainda que seja parte por causa dos bebês, da
minha insegurança sobre isso e dos hormônios. Mas também é
porque preciso dessa segurança que ele me traz agora.
Me inclino para trás o suficiente, sentindo que as poucas
lágrimas que caíram pelo meu rosto nesse abraço já secaram com o
vento frio. Fungo, afastando qualquer possível nova queda. Matt
também se inclina para trás, baixando seu rosto para me encarar.
Seu olhar é profundo e ainda assim me passa a segurança que
gosto tanto de ver nesse verde esmeralda que está ali agora, apesar
da iluminação não me ajudar tanto.
Nunca pensei sobre isso, sobre um dia possivelmente estar
assim, com ele. Piadas e brincadeiras foram feitas quando éramos
pequenos, porque sempre combinamos o suficiente para que
achassem tal coisa. Mas quando Matteo começou a namorar, não
havia porque seguirem com isso. Até mesmo eu, que sempre pensei
sobre o assunto como uma piada, esqueci sobre isso até agora. Até
treze semanas atrás, quando acabamos em sua casa, e até eu
perceber que combinamos, mas também existe algo a mais.
Algo que nunca vi, ou algo que nunca existiu até essa certa
noite de setembro. Penso se um dia acabaria descobrindo sobre
isso, caso nunca tivesse ido direto para a tal festa, ou social, ou se
nunca tivesse aceitado seu convite meio hesitante, ou se nunca
tivesse sido uma bagunça grande, mesmo nos pequenos detalhes.
Ou se nunca tivesse tomado vinho demais, porém desacredito que
essa foi a razão, foi a coragem que precisávamos, não a razão.
Percebo isso enquanto torço com todas as minhas forças
para que Matteo se incline para baixo um pouco mais rápido. Ou
quando desejo ter alguns centímetros a mais, porque anseio, mais
uma vez, para que ele me beije e a ideia poderia parecer
completamente estranha até três meses antes. Mas agora parece o
que mais preciso para completar minha noite, completar esse
momento, enquanto sua mão escorrega pelas minhas costas e
direciona minha cintura mais para perto dele, enquanto uma das
minhas mãos passa pela sua cintura para então subir pelo seu peito
firme no momento em que finalmente sinto os lábios, que momentos
antes tocaram meus dedos, finalmente juntarem aos meus.
Ele segura meu rosto com uma das mãos, enquanto a outra,
que segura o copo térmico, rodeia minha cintura com uma facilidade
que somente alguém tão grande como ele conseguiria sem se
contorcer. Seus lábios ficam nos meus suavemente por um tempo
até que separe os meus, o convidando para algo mais do que
aquilo. E, felizmente, Matteo não me nega enquanto toca minha
língua com a sua, levando seus dedos até a minha nuca e
entrelaçando-os nos meus fios soltos, me fazendo soltar um
grunhido pela delícia da sensação que isso me dá.
Mas ainda assim, o beijo é calmo, parecido com o dado
semana passada no meio do seu escritório e isso parece há tanto
mais tempo. Sua boca se delicia da minha vagarosamente e faço o
mesmo, colocando minha mão na lateral do seu rosto e sentindo a
aspereza da sua barba, algo com o qual não me importo enquanto
ele me beija. Não sei bem por quanto tempo ficamos assim, até que
ele se afaste, deixando um último beijo demorado nos meus lábios
para então colocar os lábios na minha testa, por cima da franja, e
sussurra tão baixo que quase penso que não deveria escutar.
“Prometo estar aqui, independente do que acontecer com nós
dois no fim.” E eu acredito fielmente na sua promessa, descansando
a testa em seu peito. Fecho os olhos e fico ali, sentindo o seu
perfume amadeirado delicioso por alguns segundos até que sua
boca encontre o meu ouvido. “Acho que está começando a ficar frio
demais para você. Podemos escolher um dia mais quente, talvez
um final de semana para fazermos o passeio.” Dou um aceno com a
cabeça, apesar de estar me sentindo deliciosamente quente junto a
ele, sinto o vento frio em minhas canelas descobertas.
“Não quero ir para casa ainda”, digo, reunindo certa coragem
para a sinceridade e quando olho para o rosto de Matteo, vejo um
sorriso ali.
“Me prometeu a melhor sopa de Boston, uma garrafa de
chocolate quente e uma lista de regras.” Ele passa a mãos pelo meu
rosto, afastando alguns fios. “Podemos ir para o meu apartamento
de volta. Pegamos o jantar e podemos fazer alguma coisa mais
quente por lá.” Ele fecha os olhos com força, fazendo uma careta e
balanço a cabeça em negação. Dou risada contra seu suéter.
“Estava falando sobre algo… tipo, não…”
“Tudo bem, eu entendi.” Apoio minha palma em seu peito, o
acalmando com um sorriso. “Acho uma ótima ideia e adoro o
sistema de aquecimento do seu apartamento. E de fato te prometi
uma lista de regras que estão guardadinhas nessa bolsa esperando
pelo seu momento.”
“Tudo bem.” Ele dá um aceno, mas ainda demora um pouco
para me soltar do seu abraço. “Fico feliz por… não ter desistido da
ideia.”
“Eu também”, falo, quando voltamos a caminhar e ele sorri de
canto para mim. Acho que isso pode mesmo ter sido uma boa ideia.
 

 
“AINDA É MUITO ESTRANHO PENSAR que você está de volta pra
faculdade”, Daphne fala da sala, enquanto estou descendo com
uma manta apoiada no braço. Ela olha para mim antes de se sentar
no sofá. “Tipo… me sinto estranha porque eu já não estou mais lá.
Não sei, é só estranho.” E então ela solta um riso com um dar de
ombros.
“Não posso falar que não é estranho para mim também. Mas
acho que estou conseguindo me adaptar.” Sento-me ao seu lado no
sofá e estico o cobertor pelas suas pernas. Daphne está bonita hoje
e gostei de poder ver a barriga já protuberante aparecendo pelo
vestido colado ao seu corpo. “Mas também fico me lembrando que
não é como se fosse um estudante como antes.”
“É… qualquer dia, irei adorar que me fale mais sobre sua
pesquisa.” Ela arruma o tecido, me dando um olhar incerto e que
pouco combina com ela. Suas pernas sobem para o sofá e me
aproximo o suficiente para que fiquem no meu colo. Daphne não
parece se incomodar.
“Não é nada grandioso, mas posso te falar”, digo. “Não hoje.”
“Tudo bem, estouramos nossa cota de assuntos pesados
pela noite”, ela brinca, sorrindo para mim por cima da caneca de
chocolate quente que leva aos lábios.
Jantamos há pouco tempo, depois de deixarmos o passeio de
lado e ela dirigir até o restaurante que comentou, e então com
sacolas para viagem, comemos no conforto do meu apartamento
bem aquecido. Boston é mais fria que Nova York e mesmo que a
noite estivesse agradável, não gostaria de saber que ela pode se
resfriar por minha causa.
“Não esgotamos, só acredito que talvez não vá querer me
ouvir falando horas sobre um objeto de pesquisa ainda incerto. As
aulas mal começaram de fato.” Apesar de eu já estar aqui há quatro
meses por causa delas.
“Ok.” Daphne se inclina para deixar a caneca na mesa de
centro da sala. “Obrigada pela noite. Não saiu bem como eu tinha
planejado, mas foi uma boa noite. Obrigada também por… me
consolar ou algo nesse sentido.”
“É o seu aniversário então acho que só posso acatar.” Deixo
um sorriso de canto e ela retribui com algo mais sincero. “Obrigado
também.”
Ela assente antes de sorrir levemente para mim. Não evito o
pensamento de como tudo parece estranho na situação atual que
estamos, que estou desde que me mudei para Boston. Mas não foi
exatamente essa mudança que afetou tudo, porque tudo mudou
mesmo quando Daphne se tonou uma figura mais presente na
minha vida, principalmente sendo presente naquela noite. Às vezes,
cheguei a pensar que me arrependeria de termos transado, ainda
mais pela distância imposta novamente entre nós dois depois do
ocorrido.
Claro que tentei não pensar muito sobre, afinal, antes de
irmos para a cama, não tínhamos contato mesmo eu morando aqui.
Mas me sinto incrivelmente mais confortável mantendo uma relação
amena com Daphne, e mesmo percebendo que sempre nos demos
muito bem — somos muito parecidos em inúmeros pontos —, agora
é diferente em muitas formas.
Massageio seus pés desatentamente por cima do tecido fofo
da manta e ela segue com a mesma expressão para mim, apesar de
eu notar que seus ombros relaxam ainda mais. É complicado pensar
sobre tudo, porque não envolve mais só a simplicidade de um
relacionamento a dois, o que eu nunca pensei como simples, mas
pensando sobre o fato de que agora temos mais duas crianças
envolvidas em tudo, torna as coisas complicadas.
Nunca fui uma pessoa descomplicada, posso admitir isso.
Sou prático, cético em meu trabalho e em vários pontos da vida
pessoal, mas isso não é necessariamente algo positivo. Não sei
como fazer as coisas certas, estou fora do mercado há muito tempo.
Mesmo com Brooke, ainda era novo demais, quase dez anos atrás,
quando precisei dar os pequenos passos com uma garota e as
coisas não são as mesmas. Porque não sou mais um calouro,
Daphne também não é uma menina.
Percebo que essa é a primeira vez que consigo colocar as
duas em uma mesma linha de pensamento sem sentir meu peito
afundar. Sem ter o rosto de Brooke preenchendo minha mente de
memórias feitas ou que gostaria de ter vivido com ela. Pela primeira
vez só penso nela como algo que, infelizmente, ela é. Algo no
passado e que nunca terei de volta.
“Você tá pensando demais. Consigo ver as rugas se
formando daqui. Uma por uma”, Daphne comenta, me tirando dos
meus devaneios e focalizo seu rosto novamente, tentando lhe dar
um sorriso de canto e relaxar minha expressão. Ela se senta mais
ereta no sofá, ainda mantendo seus pés nas minhas coxas.
Daph tem razão, venho pensando demais. Mas é o que eu
faço, penso demais sempre, em tudo. Preciso querer calcular todos
os passos e quando não calculei, as duas melhores coisas que já
me aconteceram nos últimos vinte e dois meses me deixaram… vivo
de novo. Me senti incrivelmente diferente quando tive Daphne em
meus braços naquela noite, uma sensação nova, diferente e boa.
Ótima, como o sexo sempre foi. Talvez como despertar novamente
para tudo o que estava me acontecendo.
Então, os bebês. O que não era algo que eu esperava mais,
apesar de desejar isso para meu futuro. E, incrivelmente, apesar de
todo o choque e insegurança, fiquei feliz. Como um novo começo,
ou algo nesse rumo. Talvez por estar tentando fazer tudo diferente e
ver como seria se eu deixasse as coisas seguirem sem as
calcularem, faço algo nada habitual para mim.
“Estava pensando em como me sinto um pouco incerto agora
sobre como devemos agir um perto do outro. Desde aquela noite,
mas ainda mais hoje, ou nos últimos dias”, falo, e ela franze o
cenho. “Nunca fui muito bom em tudo isso. Não sei muito bem como
levar as coisas devagar e deixá-las tomar seu tempo para
acontecerem. Fico ansioso”, admito.
“O que isso significa?”
“Que… quero você mais perto, mesmo que não queira invadir
seu espaço. Quero puxar você até que esteja aqui, nos meus braços
enquanto falamos sobre coisas idiotas como o fato de eu estar
seguindo um sonho que nunca me levará a nada e você, mesmo
assim, vai entender o porquê estou fazendo isso. Quero as coisas
estúpidas sobre estar juntos, mas não quero acabar estragando com
tudo por apressar as coisas, ainda que eu queira passar por essa
fase e ir devagar o mais rápido possível. Quero poder te ligar e falar
sobre coisas… não tão pontuais e não precisar tanto de uma
desculpa para te ver. Estou parecendo um garotinho de merda
falando isso, mas é exatamente essas coisas que quero dizer
quando falo isso. Isso e algumas outras.” Porque penso mesmo em
várias outras coisas que gostaria de apressar sobre nós dois. “Ah, e
gostaria de poder te beijar todas às vezes que quero, sem precisar
programar de fato o momento certo para isso. Porque todos os
momentos parecem certos.”
“Então faça!”
“De verdade?” E novamente o tom enfraquecido da minha
voz me deixa irritado. Mas não me importo em deixar que ela veja
isso.
“Sim… quer dizer, temos uma lista de regras a serem
seguidas, mas prefiro pensar sobre elas depois. Ou outro dia”, ela
zomba, e então ri antes de parar aos poucos, me encarando com
intensidade. “Quero essa proximidade também. Quero que você…
sei lá, pegue minha mão ou toque minha cintura, quero ficar junto
com você enquanto compartilho mais uma vez qualquer surto que
tiver ou quando estivermos falando sobre como o meu trabalho tem
sido incrivelmente cansativo, mas gratificante. Ou sobre como estou
ansiosa para descobrir o sexo dos bebês ao mesmo tempo que
insegura sobre como lidar com novos dois serzinhos na minha vida.
E eu quero que me beije sempre que quiser, porque sempre é um
ótimo momento para fazer isso.” Ela morde o lábio inferior e deixo
um sorriso fino nos lábios enquanto seguro seus tornozelos para
puxar seu corpo gentilmente até que sinta suas coxas batendo na
lateral da minha.
“Essa é uma ótima notícia”, falo, antes de passar o braço pela
sua cintura, quase a colocando em meu colo, mas Daphne só sorri
antes de se inclinar para me encontrar no meio do caminho para um
beijo.
Sinto o gosto doce do chocolate quente ainda presente nos
seus lábios. Suas mãos se entrelaçam em meus cabelos na nuca.
Ela não tem pressa, nem eu tenho. Prefiro saboreá-la sabendo que
não precisarei deixá-la ir por um longo período de novo. Seguro seu
rosto com a outra mão e resisto ao impulso de, de fato, puxar até
que ela esteja sentada no meu colo. E isso fica incrivelmente mais
difícil de não fazer quando ela aprofunda mais nosso contato,
começando a me trazer ainda mais para perto e buscando pela
minha boca com maior urgência.
Quero me inclinar sobre ela no sofá e provar cada pedaço de
pele que não pude provar na outra noite. Passar minha boca por
todas as curvas, toda a maciez da sua pele, sentir seu gosto e ver
se é tão doce quanto o seu cheiro. Mas não consigo me sentir
confortável para fazer isso, ainda mais no sofá. Mesmo assim,
Daphne procura pela barra do meu suéter antes de parar suas mãos
espalmadas em meu peito e se afasta de súbito, parecendo sem
fôlego.
Ela me olha por um tempo e compreendo o mesmo que sinto,
talvez seja melhor não apressar tanto assim as coisas. Beijo seus
lábios suavemente mais uma vez e depois sua testa coberta pela
franja. Com certa relutância, solto-a para puxar o sofá até que todo
o comprimento expansível seja aberto. Jogo meus sapatos para
longe.
“Então seu trabalho está sendo cansativo?”, pergunto, me
lembrando sobre o que ela falava, antes de puxar o suéter pesado
pela cabeça e o deixá-lo de lado. Com o aquecedor e a manta, além
da presença dela, não me sinto mais congelante como lá fora. Volto
a me sentar com as costas no encosto fofo do sofá e mal preciso
abrir meus braços para que Daphne entenda o pedido de se juntar a
mim nessa posição.
“Não tão cansativo. Falei sobre a parte do gratificante
também”, ela coloca, me olhando com a sobrancelhas levantadas
enquanto se arruma encolhida ao meu lado e estendo a manta
sobre nós dois.
“Me lembro bem só da parte do cansativo.” Porque
gratificante ou não, ela não deve ficar pegando cargas muito
pesadas. Passo um dos meus braços pelas suas costas, trazendo
seu corpo até que esteja colado no meu. Ajeito seu cabelo para
longe do rosto primeiro antes de colocar a outra em sua cintura,
percebendo que fico parcialmente com a palma em sua barriga,
somente com o tecido do vestido me impedindo de tocar sua pele e
minhas meninas por debaixo dela.
São duas meninas!
“Não é bem assim…”, ela começa, deitando-se no meu peito
e deixando as mãos correrem pelo tecido da camisa social meio
amarrotada agora. E então começa a me contar sobre o trabalho,
cansativo e gratificante, que vem fazendo nas últimas semanas
quando seguro seu corpo junto ao meu e a sensação é… quase
totalmente perfeita. Também posso beijar o topo da sua cabeça, a
testa, ou trazer seus dedos até meus lábios sempre que quero
enquanto a escuto e faço comentários pontuais. Ela parece
empolgada e adoro a forma como pareço confortável e no lugar
certo no momento que acaricio sua pele e escuto sua voz.
 
 
Depois de um tempo, Daphne liga a televisão para assistir
algo em algum streaming que assino e não uso. O programa me
pareceu um pouco bobo, mas ela parece gostar e ri ocasionalmente.
Alcanço um dos livros que uso para o doutorado de cima da mesa
de centro em certo momento e me afundo nele até perceber que
meu braço, que passa pelas costas dela, está ficando dormente
demais.
Meu relógio de pulso indica que já passam das onze e meia
da noite quando deixo o livro de lado de novo e abro a boca para
falar com Daphne. Antes disso, meus olhos captam sua figura
dormindo com a cabeça em meu peito, uma das mãos ao meu redor
e a outra ainda segurando molemente o controle. Pego isso dela e
desligo o aparelho. Apesar de saber que devo falar para ela ir dormir
confortavelmente, tomo meu tempo um pouco para colocar seus fios
para longe do rosto e olhar para ela.
Nunca olhei para Daphne com tanta atenção, notando como
seus traços são finos e delicados, o nariz levemente empinado e os
lábios médios em uma curvatura perfeita. Suas bochechas são
fofas; apesar dela ser magra, nunca lhe faltaram curvas que agora
se acentuam pela gravidez. Levo minha mão até sua barriga e ela
não acorda com meu toque. Não sinto nada e sei que não sentirei
por um bom tempo, porém só o imaginário do que toco é bom o
suficiente.
Cogito passar a noite assim, mas não fará nada bem para
Daphne nem para os bebês. Por isso que aproveito o momento em
que seus lábios se mexem e seus olhos tremem, para tocar sua pele
gentilmente e chamar seu nome. Ela solta um leve suspiro, e tento
novamente, mais próximo de sua orelha.
“Talvez seja melhor você ir para cama, não deve estar
confortável.” Um murmuro indistinguível é o que recebo de volta.
“Não vai estar feliz amanhã cedo quando acordar cheia de dores.”
Mas ela só murmura algo novamente e então abre os olhos
vagarosamente para mim, me dando boa visão do azul profundo
neles.
“Não sei se consigo chegar até a cama. Muito menos ir para
casa”, sua voz sai arrastada e ela fecha os olhos de novo. Franzo o
cenho, confuso.
“Não precisa ir para casa. Pode ficar aqui”, falo, e seus olhos
demoram para se abrir de novo, me deixando imaginar que ela
voltou a dormir.
“Deveríamos mesmo falar sobre as tais regras.” Um quê de
humor faz parecer que ela está bêbada, mas sei que é somente o
cansaço. Sorrio ao afagar seus cabelos.
“Achei que tínhamos deixado para outro dia”, brinco de volta,
e beijo sua testa, adorando a pequena liberdade que ganhei para
isso. “Tenho uns dois ou três quartos extras, se preferir.” Porque não
cheguei a explorar muito meu novo apartamento pela falta de
tempo. Mas sei, pelo preço, que devo ter pelo menos uns dois
quartos de hóspedes.
“Mhm.” E então ela volta a se enrolar em mim. “Acho que
posso dispensar os outros quartos, pareceria meio… quase
hipócrita.” Sua risada é estranha, provavelmente preguiçosa demais.
“Claramente odiaríamos a hipocrisia.” Porque só penso em
como será ter alguém na minha cama de novo, dormir com alguém
ao meu lado outra vez.
Com ela.
Começo a me sentar e carrego seu corpo comigo, trazendo
Daphne para os meus braços quando fico de pé e ela coloca as
mãos no meu pescoço. Carrego-a escada acima até meu quarto, de
uma forma bem diferente de como fiz da última vez. Quando a deito
na cama e me viro para puxar o cobertor dobrado, ela se senta.
“Acho que vou usar seu banheiro antes disso”, sua voz indica
que gostaria de somente dormir, mas dou um aceno.
“Tem coisas extras no armário. Vou descer para apagar as
luzes, quer que eu lhe traga algo?”, pergunto, a meio caminho da
porta.
“Água, por favor. Tenho acordado com muita sede no meio da
noite. Eu acordo muito no meio da noite então se preferir fazer uso
dos quartos de hóspedes, essa é a hora de avisar.” Um sorriso
cruza seu rosto, mas nego.
“Tudo bem. Posso aguentar, se você aguenta.” Ela dá de
ombros e percebo que se levanta antes que eu saia.
Não demoro muito para desligar as luzes do andar de baixo e
pegar uma garrafa para Daphne. Quando subo, ela está sentada de
novo na cama, parecendo sonolenta ainda, mas menos.
“Tem algo que possa usar? Algo confortável, não quero
amassar muito meu vestido.” Ela aponta para a peça que usa e
caminho até o closet grande demais para mim e minha infinidade de
ternos de três peças. Demoro até achar um moletom, usado pela
última vez há muito tempo, porém continua com o cheiro do
amaciante floral.
“Acha que pode servir?”, minha pergunta e incerteza é clara
enquanto lhe estendo a peça.
“Acredito que sim.” Ela sorri em agradecimento e dou um
aceno, indo para o banheiro.
Coloco a calça de pijama e uma camisa de algodão simples
depois de fazer minha higiene e volto para o quarto. Daphne está
deitada e enrolada nos cobertores, parecendo já dormir. Desligo as
luzes e me deito do outro lado, virando para ela e fitando seu rosto
pacífico.
“Costumeiramente, acordo as três ou quatro da manhã com
enjoos e mal-estar. Não é algo frequente mais, nessa última semana
pelo menos, porém não precisa se preocupar, logo passa”, ela fala,
com os olhos fechados.
“Pode me acordar se quiser.”
“Não é nada, passa em nem dez minutos.”
“Tudo bem”, digo, e então ficamos em silêncio. Demoro um
pouco até me decidir se me aproximo ou não, porque acredito que
agora ela dormiu de fato, mas Daphne abre os olhos lentamente e
estica a mão para mim.
“Vem.” E eu vou, até que ela esteja enrolada novamente em
todo o meu corpo. A abraço junto a mim, beijando seus lábios
suavemente antes de relaxar ali e cair no sono sem conseguir
pensar o suficiente sobre o conforto desse ato novamente. Ou sobre
como pareceu fácil descansar com ela ao meu lado. Durmo com o
som da sua respiração pesada pelo sono e com sua mão apertando
um pouco minha camiseta enquanto minhas mãos a acomodam
ainda mais perto.
 

 
Acordo e não demoro para perceber que estou sozinho,
assim como da última vez, meses antes, quando dormi junto com
Daphne. Apesar da situação ser completamente diferente agora.
Mesmo que seja inútil, tateio a cama. É inútil porque sei, mesmo que
o quarto esteja bem escuro pelas cortinas pesadas fechadas, que
não há o calor dela na cama. Me sento e olhando rápido para o
relógio digital na mesa de cabeceira, percebo que é cedo demais
em um sábado.
Não achei que Daphne continuasse trabalhando no sábado.
Levanto da cama mais rápido do que meu corpo gostaria e
meus músculos reclamam por não serem alongados como sempre
são. O banheiro está aberto e vazio, assim como o closet, apesar de
achar o moletom que emprestei para ela estendido ali. Escovo meus
dentes rapidamente no banheiro e passo uma água no rosto para
terminar de acordar.
Desço as escadas já prevendo que, novamente, ela
conseguiu escapar sem precisar falar mais nada. Entretanto, paro
na base da escada para admirar seu corpo deitado no sofá da sala.
Sua respiração é profunda e os olhos estão fechados. Ela está
novamente com o vestido que usava ontem, que chega até seus
tornozelos, e o suéter. Me aproximo a passos leves para puxar a
manta em seus pés para cobri-la.
Talvez seja a coisa mais esperta a se fazer, deixar uma
mulher grávida descansando.
Vou até à cozinha e começo a olhar pelas coisas na geladeira
para fazer um café da manhã reforçado. Começo colocando
algumas frutas em um prato para depois pegar ovos para a omelete
e as panquecas. Estou batendo o mix para a segunda opção
quando o rosto sonolento de Daphne aparece pela minha visão
periférica. Me viro para a bancada, a fim de olhá-la.
“Desculpe, não tinha a intenção de te acordar.” E fiquei com
medo que carregá-la até o andar de cima pudesse fazer isso
acontecer.
“Está tudo bem.” Sua voz é rouca e ela sorri de canto, ainda
parecendo atordoada pelo sono. Sirvo um copo de água e coloco na
sua frente.
“Dormiu bem?” Óbvio que não, afinal acordou bem cedo.
“Sim.” E como meu olhar deve deixar a pergunta implícita, ela
segue. “Enjoos matinais, só isso. Acordei faz nem uma hora, preferi
ficar aqui embaixo para não te acordar, mas…” Ela aponta para o
sofá. “Cochilei no sofá.”
“Já está melhor agora?”
“Sim, já passou.” Seu sorriso se alarga um pouco, como se
tentasse passar através dele que está bem. Dou um aceno. Me sinto
bastante inútil com essa parte. “O que está fazendo aí?” Volto minha
atenção para a bancada com os ingredientes.
“Pensei em fazer uma omelete com queijo e peito de peru, e
panquecas com algumas gotas de chocolate.” Aponto para ela.
“Você come chocolate?” Daph provavelmente acordou o
suficiente para já estar zombando de mim.
“Não exatamente, mas às vezes compro essas coisas.” Dou
de ombros e começo a colocar tudo nas frigideiras quentes. O
exemplo de que só compro está no pote de vidro completamente
cheio ainda. Apesar de ser um desses chocolates oitenta por cento
cacau.
“Eu provavelmente estou matando seu horário na academia”,
ela continua zombando, e dou uma olhada de canto. “Qual é? Você
e Mike são viciados nisso. E falo no total sentido da palavra.” Reviro
os olhos, mesmo estando de costas para ela.
“Eu posso ir mais tarde”, respondo, afinal, ainda é cedo. “Mas
também não me importo em não ir.” O que é meia mentira, porém
isso não faz de mim um viciado.
“Ok.” Daphne encerra o assunto e tiro a primeira panqueca
da frigideira, cuidando dos ovos enquanto isso. Até que ela volte a
quebrar o silêncio. “Você e Mike… voltaram a se falar?” A
insegurança em sua voz também é presente em seu rosto quando
me viro para encará-la por alguns segundos. Quase atípico demais
para Daphne.
“Não”, respondo, antes de formular o que dizer. “Eu estou
tentando fazer… não sei, estou dando a ele o tempo para… digerir?
É, acho que é isso. Para ele digerir a situação”, completo. Desligo
os ovos e pego pratos para separá-los. “Mandei algumas
mensagens, sobre trabalho e sobre outras coisas, ele não
respondeu nenhuma. Devo encarar de forma positiva que ainda
responde meus e-mails sobre assuntos da empresa.” Mas eu não
encaro.
“Ele vai parar com isso.” Ela solta um suspiro.
“É, eu não acredito tanto nisso, infelizmente. Mas não tem
nada que eu possa fazer. Mike terá que lidar comigo e com a
situação.” É algo prático, mas soa um pouco rude. Por isso, tento
sorrir para ela de forma resignada demais para mim enquanto
começo a colocar a mesa na sala de jantar ao lado da cozinha.
“Talvez o Natal seja uma boa oportunidade para vocês…
fazerem as pazes.” Ela coloca, me seguindo de um lado para o
outro com o olhar.
“É, quem sabe.” Daphne percebe que eu acredito pouco
nisso e nem mesmo estou sendo pessimista, somente realista sobre
toda a situação. Não vai ser da noite para o dia que ele vai esquecer
que eu, seu ex melhor amigo, fiquei com a sua irmã mais nova.
Apesar de vivermos juntos desde que todos nós conhecemos como
gente e a ideia nunca ter, de fato, surgido, Mike deve pensar que
aproveitei a primeira oportunidade para isso.
E minhas ações, nossas ações, tiveram resultados. No plural.
Não que eu esteja descontente com isso.
Tiro a quarta e última panqueca da frigideira e levo o prato
com elas junto com o pão. Busco mais algumas coisas para terminar
de montar a mesa e Daphne já está sentada quando tomo meu
lugar.
“Ele vai, um dia, compreender”, ela diz, pouco certa disso.
Dou um aceno e me sirvo de café.
“Bem, mesmo se ele não compreender, será o tio das minhas
meninas então, na pior das hipóteses para ele, terá que olhar para
suas sobrinhas e ver meus traços ali.” Dou de ombros, comendo um
pouco da omelete e Daphne ri por cima do copo de suco. “O que
foi?”
“Primeiro, sua convicção que são meninas.”
“Mas são!” E minha fala a faz revirar os olhos com um sorriso.
“Ok, e depois falando sobre o inferno que será se Mike seguir
de birra, porque vai ser obrigado a amar duas coisinhas com sua
cara.”
“Não falei que serão minha cara”, rebato, porque espero que
tenham mais a ver com Daphne no fim das contas. “Mas algo irão
puxar de mim.”
“Espero que não a personalidade”, ela diz baixo, e finjo que
não escuto sua zombaria. “Acho engraçado. Nunca pediu teste.”
Franzo a testa para ela e parece um pouco desconfortável,
mexendo em sua panqueca com mel antes de falar. “De
paternidade.” Sua voz insinua que essa questão é óbvia.
“E eu deveria?”, pergunto calmamente, tomando meu café
preto e puro.
“Bem… é o que normalmente as pessoas fazem, tipo, quando
não estão… juntas… e algo assim acontece… uma só vez.” Seu
olhar furioso para mim indica que não deveria estar sorrindo ou
achando graça dela falando assim.
“Não tenho vontade ou acho que devo. Se isso te deixaria
mais tranquila, podemos fazer. Por mim, não há necessidade. Te
conheço a vida inteira, Daph. Se diz que são meus, então são.” É
uma forma meio cética de encarar a situação e percebo que ela
acha o mesmo. “Não desconfiaria da sua palavra”, começo de novo,
tentando ser mais tranquilo e menos grosso. “E não é como se fosse
impossível isso acontecer por causa de uma única vez”, explico.
“É. Pelo jeito não é mesmo.” Ela segue comendo em silêncio
e abro minha boca para tentar remediar a situação mais uma vez.
Porém, Daphne parece querer encerrar o assunto e começa a falar
sobre a festa de noivado de Rebecca e Zachary em janeiro.
 

 
ME ACOMODO NO BANCO DO PASSAGEIRO ENQUANTO Matteo
termina de colocar nossas malas dentro do carro. Não é como se
fossemos passar muito tempo em Nova York, porém ambos temos
quase a mesma opinião sobre o que levar para passar um mês na
cidade. Ou pouco menos que isso. É quarta-feira, o que significa
que estou completando a décima quarta semana nesse exato dia,
assim como estamos há três dias do Natal.
“Ok, acho que isso é tudo”, ele fala, entrando em seu assento
e puxando o cinto. “Pegou tudo?” Aponto para a sacola
confortavelmente apoiada em meu colo, com algumas guloseimas
para a viagem. Além disso, não o respondo, pois estou comendo
uma maça. “Tá bem.”
Ficamos em silêncio durante o percurso que nos leva até fora
de Boston e logo coloco a sacola no chão, levando meu banco para
trás e acomodando minhas pernas para cima. Isso era mais fácil
antes da minha barriga crescer desenfreadamente. Coloco uma
perna para baixo e bufo.
“Tudo bem?”, Matt me pergunta, dando uma olhada de canto.
“Sim.” É um pouco mais grosso do que gostaria por isso tento
zombar. “Talvez eu devesse dirigir, assim não ficaria incitada a
dormir. Além disso, seu carro é infinitamente mais confortável que o
meu.” É injustiça com meu sedan de segunda mão fazer tal
comparação.
“Às vezes deve se esquecer que está grávida.”
“Grávida, não invalida. Vale sempre ressaltar.”
“E você faz isso umas… cem vezes ao dia?”, é uma pergunta
retórica, e noto o sorriso de canto nos lábios dele.
“E outra, se fosse os seus terninhos caros que não
fechassem mais, saberia que é impossível esquecer.”
Ele reprime um riso e reviro os olhos.
“Tá bem… Não tem problema se dormir o caminho inteiro.”
“Isso faria de mim uma péssima companhia de viagem.”
Tenho quase a impressão que ele responde com algo do tipo que já
sou, mas ignoro. “Chegaremos no começo da noite em Nova York.
Não quero ficar acordada de madrugada.”
“Chegaremos as quatro horas, Daphne!”, Matteo fala, como
se o tivesse ofendido. “Podemos achar um assunto então.”
“Ok.”
“Como por exemplo, suas regras…”
“Nossas regras.” Lembro a ele. “Você assinou.”
“O que fez um pedaço de papel sem norma alguma parecer
incrivelmente um documento muito sério.”
“Mas é!” Viro para ele o máximo que consigo no banco. “É
pelo bem dessa relação.”
“Ainda não consegui compreender bem o conceito de como
regras podem ser benéficas para alguma relação. Deveria ser
natural, não?” Reviro os olhos mais uma vez, porque expliquei para
ele os motivos de haver regras e isso não exatamente limita nosso
relacionamento. “Tá bem, estava querendo me referir a sexta regra
em específico.” Ele me olha de canto e um silêncio se segue.
“Não decorei qual regra é qual.” Porque sinto que ele espera
que eu saiba sobre o que se trata a sexta regra.
“Ah, claro. Bem, é sobre a questão de não contarmos a
ninguém”, ele começa, e dou um aceno, incentivando-o. “Acha que
vai dar certo?”
“Bem, se quisermos sim.” Parece óbvio na minha cabeça.
“Talvez haja desconfianças, porém podemos tentar nos desfazer
delas. Não que eu queria exatamente mentir para nossos
amigos…”, falo, torcendo as mãos no colo. “Só não quero que, sei
lá, acabe virando algo grandioso, o que não é.” Talvez se
transforme, mas não sabemos ainda.
“Ok.” Matteo está sério e mesmo olhando somente o seu
perfil, sei que está pensando sobre suas próximas palavras.
Entretanto, sua expressão muda, e ele acaba parecendo um pouco
triste.
“Não que eu não acredite que possa ser. Quer dizer, faz nem
mesmo duas semanas que pensamos que seria interessante dar
uma chance a isso.” Tranquilizo-o, colocando a mão rapidamente
em sua perna, deixando um aperto ali.
É uma parte melhor para dar atenção do que segurar sua
mão, por exemplo. Que há duas semanas segue usando a aliança,
como sempre usou nos últimos cinco anos, eu acho. Claro, talvez eu
devesse expressar minha opinião sobre o assunto, mas talvez não
queira me impor mais que o necessário. Ainda que isso seja
necessário.
Em todo caso, não me incomoda o tempo inteiro o fato que
ele ainda use a aliança de Brooke.
“É só que… minha mãe aumentaria as coisas”, digo, o que é
verdade. “Ela provavelmente faria um alvoroço sobre isso e eu
odiaria. Porque ela traz mal agouro, só pela presença dela. Já não
gosto muito de pensar que ela será uma avó… Não quero que ela…
tente qualquer coisa só porque você é um Drake.”
“O que quer dizer com isso?” Talvez eu tenha falado pra
mais, por isso solto um gemido frustrado antes de prosseguir.
“Quando contei aos meus pais, bem, a curiosidade maior da
minha mãe foi saber se eu e você estávamos juntos, como um casal
e coisa assim. Ela colocou que, por você ser um Drake, isso seria
muito bom para o escritório e para a relação deles com a alta
sociedade.” O que fica deixando parecer que se trata de um filme
antigo sobre ascender na sociedade. “Mas daí quando falei que não
tínhamos nada, ela meio que… se desinteressou no assunto.”
Termino. “Não quero que ela comece com as teorias e com as
pressões sociais.”
Matteo assente, pensando sobre o que falei.
“Não quero estragar algo que mal começou por causa de
todo o nosso drama familiar.” Porque temos um grande drama
familiar, principalmente porque somos os Drake e os Laurent-Davis.
Felizmente, os Capri são levemente mais evoluídos em suas
relações paternais. Ou somente o tio Cyrus no caso.
“Também não quero estragar as coisas antes que elas
comecem de fato. Acredito que podemos… fazer com que essa
regra funcione pelo bem do que pode estar por vir”, ele diz, e então
estende a mão, coloco a minha na dele e recebo um beijo no dorso.
Sorrio para o gesto. “Minha mãe também colocaria pressões o
suficiente. É a última coisa que quero. Isso além de aguentar ela
reclamando por não ter recebido flores e cartazes com o anúncio.”
“Como assim?” Mas ele faz uma careta para minha pergunta,
soltando minha mão para focar no trânsito um pouco mais agitado
que o normal pela proximidade dos feriados de fim de ano.
“Fugi um pouco da conversa com ela. Ela descobriu através
do meu pai. Liguei para ele alguns dias depois que me falou e
contei. Acredito que ele tenha ficado feliz, porque em suas palavras
está ficando velho demais.” Mas Theodore Drake mal passa dos
cinquenta e cinco.
“Você… parece estar evitando conversar com sua mãe.” Sua
expressão endurece e percebo que falei a coisa errada, mesmo
assim, não retiro. Talvez devesse colocar nas regras sobre
confiança, porém, ao invés disso, sei que há uma sobre não
pressionar o outro. “Acho que podemos nos virar bem. São três,
quase quatro semanas. Além disso, sei que estará ocupado se
mantendo em dia com a empresa.” Mesmo que seu escritório em
Boston cumpra todas as funcionalidades que ele precisa.
“E se precisar de mim?”
“Não preciso tanto assim de você!” O que é uma mentira e
isso me rende um olhar divertido de Matteo. Talvez eu tenha ligado
para ele todos os dias na última semana, buscando algum jantar
completamente diferente ou algum pedido bobo a respeito de um
desejo que não tive exatamente. Novamente, uma desculpa boba.
Talvez eu esteja apreciando ter uma companhia constante, assim
como tenho gostado de ver essa nova relação entre nós dois.
“E se precisar?”
“Não vou, mas caso isso aconteça. Daremos um jeito.” E
então ele sorri, um pouco mais convencido demais de si do que
concordando que daremos um jeito.
Procuro na sacola por um pacote de bala de goma e, óbvio,
Matteo as negam enquanto me conta sobre a sua pequena evolução
no programa de doutorado.
 

 
Existem algumas coisas que deveriam ser pecados de alta
escala. Uma delas é tirar meu irmão de casa três dias depois do
Natal para trabalhar. Pelo jeito o querido aspirante a político que
possui contrato grande com o escritório não liga muito para isso e
achou que seria interessante se meter em problemas bem no
recesso entre o Natal e o Ano Novo. Talvez o problema maior seja
meus pais, que forçaram meu irmão a atender o caso.
O problema real é que tínhamos planejado passar a tarde
juntos e acabei de receber uma mensagem de Mike me falando para
esperá-lo somente para o jantar, que é um caso longo. São nem
duas da tarde e eu estou completamente entediada, ao mesmo
tempo que com vontade nenhuma de sair para o frio de Nova York e
a multidão de turistas do fim do ano.
Poderia mandar mensagem para as meninas, mas Chelsea
foi passar o ano novo com Josh em San Diego e Rebecca vai
receber a sogra esse ano novamente para a virada. A mãe de Zach
deve estar chegando nas próximas horas e não quero mandar
mensagem e preocupar minhas amigas, porque todos se
preocupam exaustivamente com uma grávida. Não que isso seja
uma reclamação, só é cansativo às vezes.
Além disso, me senti um pouco sobrecarregada no Natal,
com toda a atenção quase focada somente em mim e parecendo
que todos os olhares sabiam algo que eu não sabia. Tentei usar um
vestido mais largo, folgado na barriga e que não marcou nada
minhas quinze semanas evidentes de gêmeos. Apesar de ter
escolhido um modelo que mostrasse bem como meus seios estão
ficando maiores, o que é um ponto positivo.
O Natal foi relativamente bom, tirando os convidados extras,
meus pais e Marise Drake. Mas foi bom rever todo mundo. Becca
parece ainda mais iluminada de tão feliz e contou várias coisas
sobre como é morar junto com Zach em Atlanta. Chelsea parece
completamente diferente agora que está apaixonada e, ao mesmo
tempo, mais ela mesma do que sempre. É adorável ver as duas
assim e por isso não posso simplesmente ligar para uma delas por
causa de uma crise solitária momentânea.
Por isso, mando para quem posso.
 
Daphne: Está em casa????
 
A resposta demora um tempo e percebo que uma das
vantagens de se morar em uma cobertura, com direito a um terraço
enorme com área de lazer e piscina, é que você tem muito espaço
para andar quando está entediada.
 
Matt: Estou, por quê?
Daphne: Ocupado?
Matt: Não, por quê??
Daphne: Ok.
Matt: Daphne??
 
Mas bloqueio meu celular e coloco no bolso de trás da minha
calça. Quem saberia que calças montarias poderiam ser tão uteis
para barrigas crescentes?
Pego meu pacote de bolinhas crocantes cobertas por
chocolate e levanto do sofá. Guardo minhas chaves no bolso e
quando saio do apartamento, vestindo um suéter azul-claro que
deixa minha barriga em evidência — um dia ele foi solto — e
pantufas fofas brancas, tenho a benção de encontrar com a vizinha
de Mike.
Em minha defesa, meu cabelo está penteado e lavado, então
a não ser pelas minhas roupas um pouco jogadas e pelo pacote
médio de chocolates, estou muito bem. Além disso, estou descendo
somente um andar, nem mesmo acreditei que acharia alguém.
“Olá”, cumprimento-a, enquanto esperamos pelo elevador e
ela sorri. Não é muito mais alta que eu, mas isso deve dar ao
máximo um metro e sessenta e sete para ela. Seus cabelos são
castanhos, e estão presos fortemente no alto da sua cabeça. Apesar
dos olhos, da mesma cor que os cabelos, serem calorosos e do
sorriso gentil, ela parece uma imponente mulher de negócios.
Extremamente chique com seu terninho bem passado em pleno dia
vinte e oito de dezembro.
“Oie, você deve ser… Rebecca, certo? Irmã do Matteo”, ela
pergunta, quando entramos no elevador. Meu choque é rápido.
Claro que ela conhece o Matteo, ele e meu irmão trocaram de
apartamento quando Matt foi pra Boston.
“Oh… não. Sou Daphne, irmã do Mike, é ele quem mora no
apartamento do Matt agora”, explico para ela, que me dá um
refinado aceno de cabeça. Com a socialização em alta de meu
irmão, não deixo de acreditar que provavelmente nunca cruzou com
ela.
“Ah sim, sou Beatrice. Beatrice Oakles.” Ela me estende a
mão e eu a cumprimento.
Apesar de parecer ser do tipo simpática para um elevador,
não tenho a oportunidade de dizer mais nada quando ele para no
penúltimo andar do prédio, logo abaixo do andar com as duas
coberturas, do meu irmão e de Beatrice, e saio.
É estranho bater na porta que um dia foi o apartamento de
Mike. Claro, é legal que eles tenham trocado os apartamentos, é
bem mais confortável vir visitar uma cobertura belíssima. Não que o
apartamento que hoje é do Matteo seja ruim.
Na verdade, quando entro pela porta que sei que estaria
destrancada, vejo o apartamento de sempre. Uma sala e cozinha
aberta espaçosas, um corredor que leva a um banheiro social, um
quarto de visitas e a suíte principal.
Não é enorme, é metade do tamanho da cobertura e isso é
grande e confortável o suficiente. É maior do que o meu
apartamento em Boston.
“Matt?”, o chamo, assim que fecho a porta atrás de mim.
Demora um tempo até que escute o barulho vindo do corredor e ele
saia pelo quarto que costumeiramente é um quarto de visitas.
“Ei, você veio!” Ele quase parece surpreso, quase. Seu
celular está em mãos e ele está completamente vestido em um
terno preto de três peças.
“Atrapalho?”
“Não.” Olho para ele dos pés à cabeça e então um sorriso de
canto aparece em seus lábios. “Fui para o escritório de manhã, só
isso”, Matteo explica. “Estava adiantando algumas coisas.”
“Bom.” Parece extremamente estúpido falar algo assim,
porém sinto a necessidade de preencher o silêncio. Por alguns
instantes, imagino que foi um pouco bobo resolver que poderia
simplesmente parecer aqui, sem saber se era ou não bem-vinda.
Mas nunca precisei exatamente de um convite para ver meus
amigos e Matteo ainda é um amigo.
“A que devo a honra?”, ele pergunta após um tempo,
voltando a se movimentar e entrando na cozinha.
“Estava entediada e sozinha no apartamento”, admito,
seguindo-o para me apoiar na bancada que separa a cozinha da
sala. Apoio meu pacote com chocolates ali. “Mike saiu pra trabalhar
hoje cedo e só volta de noite.”
“Ah, claro”, mas quando diz isso, nem mesmo tenta esconder
o sarcasmo. Franzo a testa para Matt, que me olha calmo por cima
do copo de água que bebe.
“O que seria esse ah, claro?”
“Tipo, ah claro, você está aqui porque não tem mais nada
para fazer e está sozinha.” Ele deixa o copo na pia, soltando um
pesado suspiro. “Ah, claro, só está aqui porque Mike não está no
andar de cima.”
“O que raios é isso?” Mas ele demora para responder minha
pergunta e, por isso, arqueio as sobrancelhas. “Eu fiz uma
pergunta!”
“Que estamos aqui há uma semana e a única vez que vi você
foi quando fomos forçados a isso na noite de Natal”, ele responde,
como se fosse claro como o dia, o que de fato é, mas não explica
muito. “Você não responde direito minhas mensagens e recusa
quando eu ligo.”
“Bem… sim. Estive com Becks e Chelsea, vendo sobre a
festa de noivado. Ou com Mike. E eu pensei que tivéssemos
combinado que…”
“Ninguém deve saber. É está certa.” Entretanto, ele não diz
isso como de fato compreendesse. Parece até um pouco frustrado e
isso me deixa irritada.
“Ok”, digo. “Eu não tinha muito para dizer nas mensagens,
nem como simplesmente inventar alguma coisa para vir aqui. E
sobre as ligações…”
“Você não é obrigada a atendê-las.”
“O quê?” E não sei direito se não escutei de fato o que ele
falou ou se estamos em uma sintonia completamente diferente da
conversa. A segunda opção costuma ser bem rara.
“Regra número quatro não? Sobre não ser obrigado a fazer
as coisas. Mas também tem a sete sobre não se chatear quando as
coisas não saem como eu quero então…” Ele dá de ombros, mas
usa aquele tom de voz que estou acostumada a escutar no
escritório e nos tribunais. Como se estivesse cheio de razão, ainda
que esteja falando isso só para colocar sal na ferida.
“Se quer falar sobre isso podemos voltar para a mais básica e
tenho quase certeza que é a primeira, já que gravou todas elas.
Sobre ser honesto quando algo te incomoda.”
“Você quem quis tudo isso de regras. Além do mais, como
seria honesto? Por mensagem?”
“O intuito das regras é fazer com que situações como essa
não aconteçam, Matteo!”, falo, passando as mãos pelos cabelos,
provavelmente estragando minha arrumação já não perfeita na
franja. “E não! Eu estou bem aqui e ao invés de, sei lá, me chamar e
falar sobre isso você resolveu agir como um menininho mimado que
não combina nada com você.” Balanço a cabeça em negação e vejo
sua expressão mudar para algo próximo ao arrependimento. Só
queria que ele fosse sincero sobre o que sentia, não posso imaginar
o que o chateia ou não.
“Daph…”
“Não! Pelo jeito foi uma péssima ideia descer até aqui e
procurar por companhia. Parece que quer ficar sozinho com toda...”
Faço um gesto indicativo para ele. “Tudo isso.” Porque nem sei
explicar esse sarcasmo e atitudes ridículas.
“Eu acabei de deixar bem claro que quero a sua companhia.”
“Foi isso mesmo que falou? Pareceu algo como uma
cobrança de algo que nem sabia que queria.”
“Eu só…” Mas Matteo não termina a frase. Parece desistir do
que queria falar e por isso dou a ele um aceno antes de começar a
fazer meu caminho de volta para a porta. Não estava pensando
mesmo quando achei que poderia vir aqui.
“Eu acredito que é melhor ficarmos sozinhos.”
“Não, Daphne…” Matt sai da cozinha e me olha na porta,
onde eu estupidamente ainda espero ele conseguir terminar alguma
sentença. “Eu só… fiquei chateado e um pouco… preocupado.
Queria saber como estavam e é um pouco diferente aqui do que em
Boston. Não te vi direito em uma semana e…” A frase morre nos
lábios dele, porém tenho uma ideia do que diria.
“E estávamos nos vendo todos os dias antes disso?”
“Exatamente.” Ele coça a nuca, parecendo desconfortável
com a situação e não sei se isso é bom ou ruim. Não parece bom,
às vezes não sei se me sinto bem-vinda ou não perto dele e essa
sensação não é nem um pouco boa. “Me desculpa. Deveria ter
falado isso desde o início. Eu quero que fique. Quero passar um
tempo juntos.”
“Tem certeza?”
“Cem por cento. Mesmo que para isso eu tenha precisado
que seu irmão tenha ido trabalhar logo após o Natal, quero
aproveitar esse tempo.” Ele dá dois passos hesitantes na minha
direção e dou um aceno. “Eu realmente sinto muito por ter falado
assim.”
“É só ser honesto.”
“Não é tão fácil… me expor assim.” Mas não deveria ser
exposição, e sim confiança. Ainda assim, deixo o assunto de lado
para o momento. Ele para na minha frente e segura meu rosto para
que o encare.
“E achei que fosse ok com as regras. Não são regras, é
apenas para… que a gente lembre que isso, seja o que for, é para
ser bom.”
“Eu estou ok com elas e isso é bom”, ele fala sério, me
olhando com esses dois olhos verdes fitando os meus. “Eu só…
ainda tô me ajustando.”
“Eu nunca quis apressar as coisas.”
“E elas não estão apressadas.” Sinto que ele não tem certeza
disso. Mas ainda assim se inclina para deixar um beijo suave na
minha testa. “Me desculpe.”
“Você já falou isso.”
“Talvez devesse pedir desculpar para cada uma das pessoas
que eu estressei sem necessidade.”
“Nem eu, nem eles estamos estressados. Só gostaríamos
que conseguisse falar sem todo o drama”, digo. “Isso é mais eu do
que os bebês”, admito, com uma careta e sinto a tensão se
dissipando um pouco. “Mas estou falando sério.”
“É, e está certa.” Ele suspira fundo antes de me puxar em
seus braços e me abraçar um pouco mais forte que o habitual.
“Como estão? Minhas três meninas.”
“Ok, isso foi presunçoso. Todas as partes. Mas bem. Os
enjoos diminuíram mesmo agora, e estão mais fracos.”
“Estão crescendo bastante. Parece bem maior do que na
última semana.” Ele nos afasta só o suficiente para conseguir levar
uma das mãos até minha barriga. Mesmo que eu olhe para ela
muitas vezes todos os dias, venho notado a diferença somente
quando tento alguma roupa antiga e ela não serve mais, ou como os
meus suéteres têm ficado mais justos.
“Obrigada por notar”, zombo, mas não sustento o riso por
muito tempo. “Parece que a cada vez que noto isso, o crescimento
da minha barriga, a gravidez parece mais real.”
“Acho que é um sintoma bem visível”, ele brinca, com um
sorriso de canto.
“É o que mais gosto.”
“Jurava que preferia os enjoos matinais.” Reviro os olhos
para a sua brincadeira e então me coloco na ponta dos pés para
alcançar os lábios dele. Momentaneamente necessitada desse
toque.
Matteo não hesita em segurar minha nuca com uma das
mãos e passar a outra pela minha cintura, me abraçando mais
contra ele. Coloco minhas mãos em seu pescoço, porque o
movimento é calmo e o beijo da forma como preciso para o
momento, para deixar que toda nossa pequena discussão seja
encerrada de fato. Como se pudesse deixar claro através do toque
dos meus lábios nos dele de que estamos cumprindo a regra oito,
sobre não levar tão a sério coisas ditas em discussões acaloradas.
Mas também o beijo de forma calma, lenta e bem proveitosa
porque preciso de algo assim, para acalmar todo o resto.
“Pare de tentar me afastar”, digo, enquanto me inclino
levemente para trás.
“Eu não estou tentando fazer isso.”
“Sim, está. E essa não foi a primeira vez que resolveu
simplesmente querer iniciar uma discussão por causa de algo sem
sentido.” Nas últimas semanas, houve outras duas. Apesar de esta
ter sido a mais dura até o momento. “Parece que todas as vezes
que estamos nos aproximando, você acaba… com medo dessa
proximidade e arruma uma desculpa para brigar e se afastar.”
“Disse que quero que fique.”
“Mas isso não é tudo”, comento, descansando minha testa
em seu peito largo. Matteo me envolve em seus braços. “E então, o
que estava fazendo mesmo?”
“Somente adiantando algumas coisas. Nada de mais.” Ele
planta outro beijo em minha testa. “O que quer fazer?”
“Tenho algumas ideias.” Sei como soo e Matteo compreende
exatamente como digo isso. Porque sorri para mim de forma
travessa, apesar de balançar a cabeça negativamente.
Há alguns fatos sobre a gravidez que tento sempre reprimir,
mas há algo na forma como estamos abraçados, ou sobre como
viemos de uma quase discussão, ou só sobre a forma como passei
a ver Matteo desde setembro que faz quase impossível negar esse
sintoma no momento. É impossível negar a forma como estou me
sentindo incrivelmente atraída e excitada pelo corpo musculoso dele
colado no meu.
Existem alguns sentimentos dos quais nunca gostei ou nunca
pensei que gostaria até ele acontecer na minha vida. Por exemplo, a
forma como adoro o contraste entre ele, com seus um metro e
noventa, braços fortes e cobertos de tinta dentro desse paletó justo
e todo o visual de advogado sério, mas incrivelmente sexy, e eu,
pouco mais de um metro e sessenta, não super magra, mas algo
próximo disso, com minha pequena barriga crescente, em minhas
roupas simples e confortáveis.
Mas agora, acho isso… interessante. Talvez seja um retrato
sobre nossa quase relação. Existem outras coisas que nunca pensei
que gostaria ou pensaria, como desejar transar com Matteo Drake
nesse exato momento. Ansiar por isso, sendo mais exata. Porém
não há nada que soe ainda melhor do que sexo no momento.
“Então é isso? Veio me procurar só por isso?”, ele pergunta,
arqueando uma das sobrancelhas e deixando um sorriso de canto.
“Bem…” Entro na pequena provocação dele, deixando que
meus braços descansem abraçados em seu pescoço enquanto ele
segura minha cintura com as mãos grandes e firmes que estão…
me fazendo sentir algo ainda mais forte. “Eu poderia ir a outro lugar,
porém, pense pelo lado positivo, foi minha primeira escolha.”
Levanto os ombros.
“Ah, sério?” Levanto os ombros mais uma vez, fazendo pouco
caso e Matteo fecha os olhos por um instante, respirando fundo
antes que volte a me fitar com aquelas duas esmeraldas da exata
forma que eu queria. Com desejo. “Você tem sorte de estar grávida
nesse exato momento, Daphne”, ele sussurra com a voz rouca.
 

 
AS PALAVRAS DELE, misturadas com o efeito que elas acabam
tendo sobre mim ditas com um tom de voz tão rouco, são a
combinação perfeita para arrepiar minha pele. Mesmo assim, dou a
ele um sorriso travesso, porque descubro que gosto de provocá-lo e
gosto de como tenho ele quando faço isso.
A mão de Matteo toma minha nuca e aplica certa pressão
quando me puxa de forma abrupta até sua boca, me beijando
completamente diferente de como foi antes. Sua boca busca faminta
pela minha e me sinto sem fôlego assim que o toque urgente
começa, totalmente entregue a luxúria do momento. Minhas mãos
fazem o caminho da sua nuca até o peitoral firme, ainda coberto
com tecidos demais e trabalho com meus dedos para desfazer a
gravata dele antes de precisar lidar com os botões do paletó e
colete.
Essa é uma das partes que me faz desgostar um pouco de
toda a questão de advogado sério. O engraçado é pensar que isso
nunca me atraiu em nenhum colega de faculdade ou no trabalho,
mas parece muito irresistível agora. Principalmente enquanto quase
me atrapalho com as casas dos botões por causa dos seus beijos
que descem pelo meu pescoço. Minha pele arrepiada parece um
convite, assim como seu nome quase gemido pelos meus lábios
quando ele suga a minha pele.
“Pra que tantos botões!?”, praguejo, ao tentar, com muita
dificuldade, desabotoar a camisa branca dele. Sua risada fraca
sopra no meu pescoço e é uma sensação deliciosa.
Aproveito o momento para focar minhas mãos em
desvencilhar seu corpo da peça, expondo toda a pele tatuada do
seu peito e braços. Me pego pensando, enquanto deixo minhas
mãos explorarem seu abdômen — um pacote de 8 completo e firme
—, quando foi que Matteo saiu de um simples jogador de futebol
musculoso para tudo isso. Não é como se fosse algo exagerado e
estranho, porque todos os músculos bem definidos se encaixam
com perfeição no corpo dele, porém não posso evitar perceber que
ele é… grande.
Em vários sentidos.
Levanto meus braços enquanto ele passa o suéter e a blusa
térmica pela minha cabeça, antes de voltar a tocar seu corpo e
buscar pelos seus lábios. É como da primeira vez, mas melhor do
que isso, porque o desejo não se baseia em algumas muitas taças
de vinho ou algo reprimido que nunca achamos que teríamos um
pelo outro.
Estou bem ciente dele, de como me sinto em relação a isso e
como sei o que quero.
“Eu quero muito isso!”, ele diz, ainda contra os meus lábios,
em um sussurro e quando abro meus olhos, encontro os seus me
fitando com seriedade. Algo como muita vontade reprimida por trás
de uma leve insegurança.
“Eu também”, é o que sou capaz de dizer, antes que ele beije
meus lábios de forma mais suave e demorada uma última vez e
então desça sua boca pelo meu pescoço e colo, plantando beijos ao
longo dos meus ombros e então descendo um pouco mais.
Fico quase orgulhosa da minha escolha de sutiã hoje, apesar
de ser uma peça simples, ela realça bem a forma como meus seios
ficaram um pouco maiores nos últimos dias e me valorizam nesse
quesito. Sem pensar muito, levo meus dedos até o fecho e tiro a
peça, deixando-a cair nos meus pés. Quando Matteo cobre a pele
nua de beijos, levo meus dedos para seus cabelos, deixando um
suspiro escapar.
Seus olhos se levantam até mim quando ele passa o polegar
pelo meu mamilo, que endurece instantaneamente. Ele aprecia a
visão, e isso provavelmente sou eu ansiando por mais, até que ele
finalmente lambe a pele entre um seio e outro, e dedica a atenção
que preciso ao outro mamilo, beijando, sugando, até que me arqueie
em sua direção, precisando de cada vez mais.
Existe uma sensação completamente nova na forma como
recebo o prazer e notei isso em outras oportunidades mais
individuais, mas isso é completamente diferente.
Mantendo suas mãos me provocando, correndo os dedos ou
beliscando suavemente a pele endurecida dos meus seios, sua
boca volta para a minha, plantando ainda mais urgência enquanto
me gira rapidamente pela cintura até que me encoste na parede do
pequeno corredor de entrada.
Não posso dizer que um apoio não é bem-vindo enquanto me
derreto em seus toques e beijos com tanta facilidade.
Sua boca desce novamente pelo meu corpo, parando mais
uma vez e dedicando breve atenção em ambos os seios, antes de
deixar um rastro de beijos pela minha barriga de forma suave e
carinhosa até se ajoelhar na minha frente. Seus olhos focam nos
meus enquanto mordo o lábio inferior, suprimindo um som frustrado
pela demora e toda gentileza. Gosto de seus toques apressados e
firmes.
Mas também há algo incrivelmente atraente e enlouquecedor
sobre ter um homem como Matteo, vestido uma calça social justa
que me oferece uma ótima visão da sua ereção quase implorando
para ser libertada, ainda com sua postura séria, e todas aquelas
tatuagens bonitas e confusas, ajoelhado na sua frente.
“Gostaria que me falasse se quer parar bem agora.” Mas a
forma como suas mãos apertam levemente minha cintura, mostram
que ele, assim como eu, não quer parar. Dou um aceno. “Palavras.”
“Por favor!” Minha voz sai mais urgente do que gostaria de
admitir para mim mesma, mas tudo o que consigo imaginar agora é
ter ele no meio das minhas pernas.
Seu sorriso é mais convencido do que queria que fosse
enquanto ele puxa minha calça para baixo, tirando minhas meias
também. Nunca tive vergonha do meu corpo, mas ainda assim
aprecio muito a forma como seu olhar parece sedento quando Matt
me olhar de cima a baixo completamente nua.
Suas mãos correm provocando arrepios pelas minhas pernas
até pararem em meus seios. Ele se aproxima e fecho os olhos
enquanto sinto seus beijos em minha barriga, abaixo do umbigo e
descendo.
“Você consegue ficar ainda mais linda grávida”, seu murmuro
sai como um pensamento alto, quase como se ele não conseguisse
compreender esse fato. Não tenho muito tempo de falar muito
porque sua mão desce de novo até parar no meio das minhas
pernas, finalmente me tocando onde mais preciso dele e sentindo
toda minha excitação ao correr o indicador pela minha entrada.
“Porra, Daph…” Sua voz morre e vejo ele fechando os olhos com
força enquanto passa o dedo vagarosamente por toda minha
umidade.
Solto um gemido abafado.
“Matt…” Seu nome sai entre um pedido e um choque quando
ele segura a parte de trás do meu joelho esquerdo e o coloca em
seu ombro, dando a ele ainda melhor visão e abertura para fazer o
que deseja, e espero muito que isso seja trazer sua boca para
minha carne.
Sua mão, que antes brincava com um dos meus seios, desce
até me dar maior estabilidade, firmando minha cintura. Encosto
minha cabeça na parede quando Matteo finalmente toca seu polegar
em meu clitóris, soltando um gemido quase alto demais, sem me
importar muito com isso, somente querendo apressar e, ao mesmo
tempo, prolongar essa deliciosa sensação.
Sinto sua aproximação, apesar de estar com os olhos
fechados, assim como sinto sua leve respiração momentos antes de
sentir seus lábios se fechando, onde momentos antes seu dedo
traçava maravilhosos círculos. Arfo e inclino meus quadris em sua
direção, ficando inebriada pelo prazer que me acomete.
“Quero que olhe para mim”, é o que ele fala baixo, contra
minha pele, de onde se afasta somente para dizer duas frases.
“Desejei isso muito na outra noite, então quero que olhe para mim
enquanto me delicio com você hoje”, sua voz soa autoritária, e não
consigo saber se é isso ou o que diz que me fazer imediatamente
olhar para baixo.
A visão é incrível. Seus olhos em um verde-escuro de desejo,
enquanto sua boca se dedica inteiramente em chupar, lamber e
provocar minha intimidade, me deixando a beira do êxtase a cada
momento. Uma das minhas mãos está na minha cintura, por cima
da dele, e a outra se agarra nos fios castanho-escuro de sua nuca,
mantendo-o no lugar como se isso fosse a minha maior salvação.
Enquanto sua língua e lábios se atentam em meu clitóris,
Matteo trabalha com os dedos em minha entrada, me fazendo
arquear para frente até que ele finalmente me penetre com dois.
Meus sons ecoam pelo apartamento e espero que exista algum tipo
de isolação acústica para isso. Movimento meus quadris, querendo
ir mais fundo e rápido em suas estocadas lentas com os dedos em
mim, mas o divertimento nos olhos dele me mostram que está
adorando me ver perder o controle e ter o controle sobre meu corpo
dessa forma.
Sua mão firma meu corpo contra a parede quando ele
finalmente começa a fazer da maneira como mais o quero agora,
firme e acelerado, fazendo com que minhas pernas comecem a
perder a força, até que ele desacelere. Isso gera um gemido
frustrado da minha parte.
“Matteo… por favor…” Apesar de não gostar nada de como
soo quase implorando, tentando mover meu corpo de encontro a
sua boca e mão, funciona. Ele volta a se dedicar ao meu sexo com
mais voracidade ainda e não consigo mais sustentar seu olhar.
Fecho os olhos quando sinto meu orgasmo vindo com força,
encostando meu corpo nele e na parede para conseguir um pouco
de equilibro.
Mordo o lábio inferior com força quando finalmente meu
clímax me atinge com um espasmo leve e um gemido quase
reprimido. Matteo fica mais um tempo se banqueteando com minha
carne sensível e muito molhada pelo meu gozo até que eu
finalmente consiga recuperar minha respiração um pouco para voltar
meus olhos para ele. Sua boca sobe do meu meio, abaixando minha
perna e voltando a plantar beijos pela minha barriga crescida
justamente por causa dele, até finalmente estar de pé mais uma
vez.
“Como eu previa, você é deliciosa.” A rouquidão da sua voz
novamente arrepia todo o meu corpo, e aprecio o seu comentário
feito entre uma e outra chupada leve em meu pescoço.
“Deveríamos ter feito isso antes”, falo, antes de sua boca
finalmente encontrar a minha de novo e provo do meu próprio gosto
nos lábios dele, em um beijo calmo. “Acho que você deveria me
levar para cama”, digo, com um sorriso de canto, que é espelhado
por ele antes de forçar meus joelhos até que me pegue no colo.
Enrolo minhas pernas ao redor da sua cintura e sinto seu pau ereto
dentro da calça cutucar minha bunda nua.
Matteo caminha comigo no colo pelo apartamento até
estarmos na porta da suíte. Ele cuidadosamente me coloca de
costas na cama, colocando-se por cima de mim e voltando a me
beijar. Tomo meu tempo passando os dedos e unhas por toda suas
costas e peito, me deliciando com a sensação de todos os músculos
tensionados enquanto ele está sobre mim. Minhas mãos seguram
sua bunda a aperto contra o meio das minhas pernas, que agarram
sua cintura.
Ele deixa um grunhido escapar quando sinto sua ereção
contra o meu centro, deixando o meu corpo completamente
acordado e desejoso como se não tivesse sido saciado instantes
antes por ele. Seguro o cós da sua calça e desfaço o botão e zíper,
empurrando o tecido para baixo só o suficiente para tocá-lo por cima
da boxer.
Seu pau parece latejar na minha mão enquanto o masturbo
brevemente antes de descer a última peça pelas suas pernas com a
sua ajuda. Matteo voltar a sugar e mordiscar minha pele pelo
pescoço e acima dos seios, enquanto desce uma das mãos até o
meio das minhas pernas só para notar como já estou novamente
pronta para ele.
“Tão molhada, Daphne. Tão fodidamente gostosa”, ele
sussurra contra minha pele, e deixo escapar uma arfada antes de
ser quase surpreendida ao sentir seu membro pressionando minha
entrada.
Inclino meu quadril para frente e Matteo entende o convite
para me penetrar de uma vez, firme. Sinto-me deliciosamente
preenchida e deixo minhas pernas caírem no colchão, mantendo
meus joelhos o máximo flexionados para dar ainda mais alcance as
suas estocadas duras e lentas.
Sua boca beija a minha com fervor, reprimindo nossos sons
enquanto transamos bem menos eufóricos que da outra vez. É bom,
incrivelmente bom. Sua mão acaricia meu corpo e não posso notar,
e sentir falta, de ter seu corpo abraçado ao meu, apesar de
compreender o motivo pelo qual a forma como se apoia o distancia
de mim.
“Me deixe ficar por cima”, murmuro, contra seus lábios.
“Preciso sentir você perto.” E não compreendo o porquê peço isso
ou porque sinto essa necessidade, mas Matteo me olha por alguns
instantes antes de sair de dentro de mim. Ele me puxa com ele
quando me coloca por cima e se senta, com as costas encostadas
na cabeceira.
Nos encaixamos de novo e perece ainda mais prazeroso
estar assim. Os braços dele envolvem minhas costas, me trazendo
perto enquanto seu quadril se move de encontro ao meu e dito um
ritmo um pouco mais frenético e urgente. Espalmo minhas mãos em
seu peito, precisando me agarrar em sua força quando sinto meu
ápice chegando mais uma vez e sentindo que ele pulsa dentro de
mim, provavelmente também próximo de atingir o seu máximo.
Abraço seu corpo bem a tempo de ouvir um gemido rouco
sair pela garganta de Matteo e me movimento mais algumas vezes
antes de tremer pelo meu próprio clímax em seu colo. Ficamos
assim, envolvidos um no outro até que sinto seu peito desacelerar e
recupero meu próprio fôlego. Em um movimento mínimo quase, Matt
sai de dentro de mim, mas me mantém perto. Posso sentir seu gozo
descendo pelas minhas coxas, um pouco diferente como da outra
vez.
Solto um suspiro, gostando de me deitar na curva do seu
pescoço, extasiada e feliz, sentindo seu aroma masculino de
perfume amadeirado e sexo. Ele me segura junto a ele enquanto
desliza pela cama até estarmos deitados. Apesar de ser meio da
tarde, me sinto momentaneamente cansada e sinto o frio voltando
ainda que o aquecimento do apartamento esteja fazendo seu
trabalho.
Matteo consegue puxar o cobertor dos pés da cama sem me
soltar completamente e nos cobre, abraçando meu corpo no seu
enquanto deixo minha cabeça descansar em seu peito. Também
tento o manter próximo enquanto sinto o cansaço me abater.
“Isso foi realmente muito incrível”, comento, enquanto inclino
minha cabeça para olhar para ele, que me fita com um sorriso curto
nos lábios.
“Não duvidava que seria. De novo”, ele diz, antes de plantar
um beijo na minha cabeça. “Você é incrível.” Se não estivesse
prestando atenção e tentando me desviar do sono com muita
vontade, acredito que seu sussurro teria passado despercebido por
mim. Ao invés disso, sorrio. Provavelmente mais abobalhada do que
gostaria. “Acho que deveria descansar um pouco. Vou ficar aqui”,
ele finaliza, antes que eu possa fazer o pedido para que fique.
Dou um curto aceno antes de voltar a me deitar confortável
contra dele. Seu braço abraça minha cintura até que sua mão
repouse na lateral da minha barriga, enquanto a outra afaga meus
cabelos de forma muito boa. Não demoro até me render e fechar os
olhos enquanto Matteo aperta um pequeno botão na cabeceira e
fecha as cortinas do quarto.
Solto um último suspiro antes de apagar, ainda sentindo a
sensação de estar completamente preenchida, mas dessa vez de
forma bem mais sentimental do que física.
Apesar do pensamento me assustar, deixo para pensar muito
sobre ele outra hora, uma vez que não consigo mais lutar contra o
sono tendo tanto conforto nos braços de Matteo.
 

 
Matteo e eu ficamos na cama por um bom tempo. Ele parece
despreocupado com qualquer coisa que estava fazendo antes de eu
estar aqui e chega a me admitir isso, o que faz com que eu me
sinta… feliz, muito feliz. Tiro vários cochilos até finamente decidir me
vestir e ir embora, uma vez que a tarde começa a virar noite e Mike
provavelmente logo chegará.
Espero pelo banho que Matt toma enquanto me visto e ele
coloca roupas mais casuais ao invés do terno e gravata de novo.
“Nos vemos no Ano Novo ou só no noivado da Rebecca?”,
ele joga para mim, enquanto observo a sua coleção de livros na
sala. Mesmo que seja uma pergunta sendo feita séria, sinto a
provocação e reviro os olhos.
“Não falei que era escondido, só falei que não deveria ser
espalhado”, retruco. “E não sei, Becks quer companhia amanhã
para ver os últimos detalhes da festa e não tenho meus dias
planejados, mas Mike quer aproveitar um pouco o tempo que temos
juntos então…”
“Sem expectativas, entendi.” Ele dá um aceno e não sei se
parece exatamente chateado. Talvez frustrado, foram duas ótimas
transas, não posso dizer que também não penso já nas próximas.
Mas para mim, também tenho um pouco da vontade de somente
passar um tempo com ele. O que é um pouco estranho de pensar
considerado que sempre tivemos antes a companhia um do outro
ocasionalmente em eventos sociais.
“Não é como se você não tivesse muita coisa pra fazer.”
Porque ele me disse durante a viagem sobre os compromissos com
a Drake Co. de Nova York. “Acho melhor eu ir.” Caminho até a porta
para pegar minhas chaves.
“Me mande…”
“Mensagem se precisar de qualquer coisa, sim, sim! Me
lembro do discurso”, falo, e ele ri baixo. “Tchau”, digo, parada de
costas na porta, encarando ele que se posiciona na minha frente e
deixo um sorriso antes de perceber que Matt se inclina para deixar
um beijo demorado nos meus lábios. Seguro sua nuca, prolongando
um pouco o contato.
“Tchau”, ele repete, afastando-se e colocando a mão grande
na minha barriga. “Tchau.” Rio com isso, mas ele me olha sério.
“Dizem que a partir da décima quarta ou décima quinta semana os
bebês começam a reconhecer as vozes da mãe.”
“Mas eu sou a mãe!” O que me choca ainda ao dizer em voz
alta.
“Pode funcionar para os pais também.” Ele levanta os ombros
e deixo um selinho em seus lábios antes de balançar a cabeça e
abrir a porta.
“Tchau!” Não espero muita resposta além do seu sorriso de
canto enquanto saio e fecho a porta.
O elevador não demora muito e pouco tempo depois, estou
adentrando o apartamento do meu irmão.
Sou tomada assim que abro a porta por um maravilhoso
cheiro de legumes sendo marinados e tempero de folhas em alguma
carne no forno. Faço uma careta, ele provavelmente está em casa
há certo tempo.
Poderia pelo menos ter mandado uma mensagem avisando
que chegaria mais cedo.
“Daph?”, sua voz soa da cozinha, e caminho tentando não
parecer tão culpada até lá.
“Hey!”, digo, ao me aproximar da bancada e seus olhos se
viram para mim. “Eu… estava… hm...”
“Não achando a mentira perfeita, hum?” Ele me olha torto.
“Sei onde estava. Não restam muitas opções e contando que eu vi a
Drake do sexo feminino hoje à tarde, resta absolutamente uma
opção, Daphne!” Mike parece com um pai dando uma bronca e coço
minha nuca.
“É… Eu estava entediada e sozinha.”
“Ah, claro.” Meu irmão bufa antes de voltar para sua bolha de
raiva enquanto mexe com nosso jantar. “Pelo menos me diga que
ainda não comeu.”
“Claro que não!”, a pergunta é ultrajante, uma vez que não há
comida melhor no mundo do que a dele. Óbvio que não comeria em
outro lugar. “Sabe… deveriam deixar de lado essa masculinidade
tóxica de amigos entre você. Ou você com sua postura de irmão
mais velho, que nunca teve. Eu já fiquei com um monte de caras,
Mike, nunca me encheu sobre nenhum deles.” Me sento em um dos
bancos, olhando-o cozinhar.
“Nenhum deles era meu melhor amigo. Além disso, prefiro
pensar em um número bem pequeno para um monte.”
“Mike…” Mas ele só dá de ombros, ainda de costas para
mim. “Sabe que deveriam voltar a se falar. Matteo vai estar
presente…”
“E eu ainda prefiro fingir que não, ele não é o pai das minhas
belíssimas sobrinhas que estão pra nascer”, ele diz, com os olhos
bem abertos e se virando para mim. Não deixo de rir.
“Sabe, deveriam mesmo se falar. Ele também acha que são
duas meninas.” Mostro a língua porque sei que isso enfurece meu
irmão, ele bufa e volta a mexer com a forma no forno.
“Isso fez perder toda a graça agora. Espero que elas não o
puxem”, ele murmura. “Vai arrumar a mesa pelo menos, folgada.”
“Ok, e bem, infelizmente você não deveria apostar muito na
roleta da genética”, falo, entrando na cozinha para pegar os jogos
de jantar.
“Ha-ha.” Ele me olha por um tempo e então revira os olhos.
“Devo culpar a mente grávida distraída pelo suéter do avesso?” Mas
ele balança a cabeça quando vou rápido demais conferir se meu
suéter está mesmo do avesso. “Como se não pudesse parecer mais
culpada, Daphne Laurent-Davis!” Mike parece desapontado e fico
um pouco chateada, não gosto de acabar brigando com ele.
E meu suéter não está do avesso, porém não passei no
pequeno teste dele.
“Se quer saber as coisas, deveria perguntar.”
“Bem… a gente costumava falar um com o outro
normalmente.”
“Eu quem sempre faço a maior parte da conversa!” Porque
preciso me esforçar para tirar qualquer segredo dele.
“Justamente.” Mike faz o seu touché e eu uma careta
enquanto coloco os pratos na mesa de jantar.
“O que eu deveria ter falado? Tinha acontecido uma vez, foi
numa noite que nenhum dos dois estávamos tão sóbrios. Não queria
precisar te contar. Sei que não é somente pelo fato que estou
grávida que você está todo virado com o Matteo”, exaspero. “Não
queria ser o motivo disso tudo!”
“E qual é a sua desculpa para não me contar agora?” Ele
para o que está fazendo para me olhar sério e solto um suspiro.
“Foi uma ideia minha.”
“O que exatamente?”
“Bem…”, digo de forma arrastada, voltando a sair da cozinha
com os talheres e copos. “Achei que… bem, pra começar tudo, a
gente pensou que talvez devêssemos dar uma chance a alguma
coisa.” Franzo minha testa sozinha ao ouvir tamanha bobagem.
“É, tá. Continua.”
“E daí eu achei que talvez fosse bom que colocássemos
alguns limites para não… prejudicar nossa amizade.”
“Pelo visto não os limites que eu gostaria que tivesse
colocado.” Mike bufa. “Além disso, acho que a amizade fica afetada
quando vocês resolveram…” Ele gesticula na altura da minha
barriga quando faço mais uma viagem da cozinha para a sala de
jantar.
“Quando transamos”, provoco-o, que me olha furioso.
“Daphne!”
“O quê? Foi isso que aconteceu. E você sabe que eu perdi a
minha virgindade bem, mas bem mesmo, antes disso.”
“É, belíssimo. Memórias que prefiro não ter.” Ele revira os
olhos e eu faço o mesmo.
“Não seja hipócrita.”
“É você que vive compartilhando suas coisas comigo com se
eu fosse a Becks ou a Chelsea, não o contrário!”
“Não acabou de reclamar sobre eu guardar segredo?”
“Alguns segredos são preferíveis guardados”, ele coloca,
desligando o forno e colocando os legumes em travessas, assim
como o arroz colorido.
“Ok. Continuando…”, falo, pausadamente. “Eu achei que
seria melhor a gente não contar nada até, sei lá, ser algo concreto.”
“E como vão descobrir se é algo concreto ou não? Não é
assim que as coisas funcionam, Daph”, ele diz, dando um aceno
com a cabeça para que eu pegue a travessa que fica enquanto ele
leva a forma com a carne e os legumes.
“Virou expert de relacionamentos? Tem algum segredo que
você não está me contando?”
“Não preciso ser expert. Mas não tem como determinar isso.
É algo que acontece. Pelo jeito, pra vocês, já tá acontecendo”, fala
entredentes, enquanto nos sentamos.
“Seja menos ciumento.”
“Ele já conseguiu tirar minha irmã de mim.” Mike finge ficar
triste ao falar isso e dou risada.
“Que mentira!”, retruco, respirando fundo. “Nunca vou te
trocar. Nós dois até o fim.” Estico meu braço com o punho fechado
para ele. “Se não fizer nosso cumprimento eu vou jogar essa
travessa quente em você, Michael!” E, sob ameaça, ele faz nosso
toque especial.
“Mas estou falando sério sobre não poder adivinhar essas
coisas”, ele comenta, depois de um tempo, nos servindo.
“Eu sei. Mas… honestamente, quero tentar dar uma chance,
e Matteo parece tentar se esforçar para isso também. Ou tanto
quanto duas ou três semanas de tentativas parecem. Não queremos
apressar tudo e nos arrependermos depois.” Mike me dá um aceno.
“Tudo bem.” Ele se senta após colocar ambos os pratos
servidos nos nossos lugares. “Só… tenha certeza que sabe onde
está se metendo.”
“Bem, eu poderia saber bem mais se meu irmão parasse de
brigar com seu melhor amigo e soubesse informações privilegiadas
do out…”
“Não começa, Daphne!”
“Mike…” Mas mesmo recebendo um olhar feio, continuo.
“Você deveria tentar, pelo menos. Não é o fim do mundo.” Meu
irmão mais velho não fala nada e começamos a comer em silêncio.
“Vou tentar”, ele fala, quando está quase finalizando seu
prato e preciso de um tempo para assimilar o que fala. “Por você.”
“Não é o ideal, mas melhor que nada.” Dou de ombros e Mike
assente.
Sei que ele também deve estar sentindo falta do melhor
amigo. Não queria estragar a amizade deles. Não quero
informações privilegiadas, só quero ver os dois juntos de novo.
Como antes ou o mais próximo disso.
 

 
É UM DIA RUIM E EU SABIA QUE SERIA desde o princípio de toda
a ideia. Existem alguns bons motivos pelos quais evito comparecer
em noivados e casamentos há quase dois anos. Razões boas.
Mas tenho também bons motivos para estar nessa festa de
hoje. O principal é a pessoa com um vestido branco noiva, de
mangas longas e simples, sorrindo de orelha a orelha enquanto
dança com um não-tão-respeitável-ex-jogador de futebol, mas meu
futuro cunhado. Oficial, já que tecnicamente ele já é meu cunhado.
Fito meu copo com um dedo de uísque. Às vezes é bom
escolher bebidas assim para passar por eventos como esse. A
aliança no meu dedo direito ainda reluz um pouco dependendo do
ângulo em que a luz pega nela. Um constante lembrete de que me
foi arrancado essa felicidade que Becks está tendo. Não que eu a
inveje ou que isso seja algo do tipo inveja ruim. É algo próximo a
uma inveja do tipo gostaria de já ter vivido isso, há dois anos, com
uma pessoa que não está mais aqui.
Viro a dose.
Faz um tempo que não bebo algo tão forte e ainda assim a
queimação não me incomoda. Solto um longo suspiro para controlar
a careta que tenho vontade de fazer. A felicidade da minha irmã não
me incomoda, mas a situação de forma geral me incomoda.
“Mais uma?”, a voz mais do que familiar me pergunta, e dou
um aceno, pegando o copo que foi colocado na mesa. “Não deveria
ser um dia feliz?”
“Está falando comigo de novo?” Levanto o olhar para Mike,
que torce o nariz.
“Não faça disso grande coisa ou posso desistir de me
esforçar.”
“Tudo bem”, assinto, e tomo um gole do uísque que ele me
trouxe. “Teoricamente o dia do casamento é o dia feliz. Mas não há
nada de errado com o dia do noivado.” Queria eu ter pensado nisso
antes.
“Sua cara diz coisa diferente.” Ele dá de ombros e então bebe
um gole de sua cerveja. Antes que ele acabe achando uma brecha
para perguntar, encho o silêncio.
“Daphne?”
“Como?”
“O esforço. Foi ela quem pediu?”, pergunto, e ele faz uma
careta, se apoiando no bistrô.
“Pedir é algo muito específico.” Ele bebe outro gole e finaliza
sua sentença. “Conheço minha irmã o suficiente para que ela não
precise me pedir as coisas.” Mike suspira e conheço meu melhor
amigo o suficiente para saber que essa é a última coisa da qual ele
deseja falar.
“Como estão as coisas no escritório?” Mudo de assunto.
“Bem, agitadas. Alguns casos da Hawthorne&Gardner estão
migrando para lá.”
“Alguma crise?” Mas Mike só dá de ombros.
“Vai saber”, ele diz, após um tempo. “Acho que toda essa
crise entre o Oliver e a Angel pode ter… gerado alguns comentários
ruins pra empresa. O escritório é uma parceria, com os dois em um
quase pé de guerra que chamam de relacionamento, ou chamavam,
as pessoas tendem a pensar que os pais não estão se dando.
Ninguém quer um processo instável por causa dos seus
advogados.”
“E teve mesmo essa instabilidade?”
“Não tem como saber. Quer dizer, seus pais se afastaram
deles significativamente. Eu não costumo ouvir as fofocas que os
meus pais estão dispostos a falar, então não sei. Mas semana
passada foram dois clientes, no mês de dezembro foram mais de
sete.”
“Se isso não é instabilidade, não sei o que seria”, comento,
antes de beber mais um gole da bebida cor âmbar.
“Como estão as coisas em Boston? Fiquei sabendo que levou
uma equipe para lá.”
“Fez mais sentido. Assim consigo trabalhar mais próximo das
pessoas e, além disso, facilita meu trabalho um pouco. Ainda mais
agora, não preciso mais ficar vindo para Nova York sempre que
precisam.” Com Daphne grávida, gosto de pensar que estou sempre
há poucos metros, caso ela precise de algo. “E é estranho estar de
volta em uma sala de aula.”
Mike acaba soltando uma risada.
“Deve ser assustador para quem está em uma turma com
você. O quase CEO da Drake Co., supertranquilo. Nenhuma
pressão para a perfeição”, ele debocha, e eu reviro os olhos. “Fiquei
sabendo do trabalho que tiveram com o processo de compra da…”
“Óbvio que vocês juntos só poderiam estar falando de
trabalho. É exaustivo!” Chelsea se aproxima de nós dando uma
revira de olhos drástica, puxando o namorado pela mão. “Pelo
menos fizeram as pazes, que lindo!”, a loira ironiza fazendo uma
careta.
“Obrigado por nos encantar com sua presença, Chelsea.
Sempre amável”, retruco, com o mesmo tom de deboche. “Josh”,
cumprimento o outro, que dá um sorriso tímido para mim e Mike ao
se colocar ao lado da namorada.
“Ela fala como se não vivesse falando sobre a academia de
balé e sobre…” Mike franze a testa tentando se lembrar e eu
completo.
“O emprego na agência de eventos.”
“Exatamente!”, ele exclama, e então se vira para mim. “O
tempo inteiro. O coitado de Josh deve ficar exausto de ouvir.” Nós
dois rimos da cara feia que a loira nos dá.
“Olha quem resolveu deixar… a excêntrica personalidade
masculina dominante de lado, e voltaram a ser amigos.” É Rebecca
quem se aproxima agora. Pouco a frente de Zach e Daphne, que
riem juntos sobre um assunto.
“Se esforçou para essa, maninha.”
“Estive esperando… três meses para usá-la. Pelo menos
voltaram a pensar direito”, Becks diz, com um dar de ombros.
“Disse a que está noiva de uma excêntrica personalidade
masculina”, Mike debocha por cima do copo, antes de beber um
gole.
“Pelo menos ele não é dominante”, Rebecca retruca, quando
Zach se junta ao seu lado, lhe abraçando pela cintura. “Em todos os
momentos.” Minha irmã ri de forma completamente travessa e reviro
os olhos.
“Rebecca!”, repreendo-a. “Casada ou não, meu desejo de
não saber dessas coisas continua o mesmo.”
“E por incrível que pareça, será o puritano aqui que vai ser
papai em breve”, Chelsea fala, me dando tapinhas no ombro. Olho
para Daphne e ela ri.
“Ok, a mamãe aqui vai ao banheiro, se me dão licença. Minha
bexiga vem sendo reduzida para o tamanho de um amendoim em
uma velocidade incrível.” Eu abro a boca, mas ela continua. “E para
os novos, reconciliados, melhores amigos, sim eu consigo
perfeitamente fazer isso sozinha.” Mike e eu acenamos antes dela
se afastar com as mãos na barriga.
Daphne completa dezessete semanas daqui três dias. Cada
dia que passa parece que sua barriga cresce muito e cogito o
tamanho que vai ficar em vinte semanas, quando o parto
provavelmente acontecerá. Ela está em um vestido azul hoje, que
se acentua logo abaixo dos seios, que também estão maiores do
que antes, e, mesmo assim, não consegue muito desviar o foco da
barriga marcada. Ela não se importa nem um pouco, pelo visto. E
isso me deixa feliz.
“Sabe, apesar de tudo, nunca achei que a Becks fosse ser a
primeira a se casar de nós”, Chelsea fala, depois de um tempo, me
voltando a atenção para a mesa. Zach faz uma careta ao ouvir isso.
“Não, é verdade. Mesmo que namorasse Oliver, sempre achei que
fosse ser… Angel ou Mike a se casarem.”
“Eu?”, Mike pergunta incrédulo.
“Sim. Você nunca nos conta nada. Sempre tive a teoria que
poderia se casar em segredo de uma hora para outra.”
“Fico feliz em não estar de acordo com sua teoria.” Ele bufa.
“Eu também”, Becks fala contente, mal se cabendo dentro do
próprio sorriso largo.
“Teria sido eu”, digo, sem pensar muito e todos os olhos se
voltam para mim. “Eu teria sido o primeiro a casar. Deveria ter sido
Brooke e eu. Era para ser nós dois agora”, completo, e todo mundo
parece um pouco chocado com o que falo. Mike parece um pouco
furioso e Becks decepcionada. Abro a boca, mas pela primeira vez
nos últimos quinze minutos, escuto Josh.
“Daphne… dança comigo? Chels está com os pés cansados,
mas… adoro essa música”, ele fala, estendendo a mão para Daph
que está em um ponto na minha esquerda.
Que merda.
Que grande merda!
Fecho os olhos por alguns instantes, pensando na grande
merda que acabei de fazer e falar, mas não exatamente me
arrependendo dela. Brooke e eu deveríamos estar casados se ela
ainda estivesse aqui. Não é uma mentira, apesar de eu poder ter
guardado o pensamento para mim. Daphne não precisava escutar
isso, apesar de tudo. Não deve ter sido legal, eu tenho consciência
disso.
Que eu fui um pouco babaca.
Reprimo uma careta ao ver Daphne sorrindo para Josh
quando ele a rodopia na pista onde outros dois casais dançam.
“Bem, ninguém pode falar que eu não me esforcei”, Mike fala,
colocando o copo na mesa com mais força do que deveria.
“Mike, sem escândalos no meu noivado” Zachary o alerta, e
Mike faz menção de sair, por isso falo.
“Eu não deveria ter dito isso. Eu sei.”
“É, sabe mesmo?”, ele diz, se voltando para mim. “Porque
você sabe, e ainda assim falou. Você fala que… sei lá… vocês
decidiram tentar alguma coisa por causa dos bebês, mas você
segue usando esse inferno de aliança todos os dias, tentando
absolutamente nada além de simplesmente afagar seu ego dizendo
que está fazendo a droga da sua parte nisso. Mas você não sabe
que não deveria ter dito isso, porque você acha que ainda é
completamente ok viver do relacionamento que não existe mais
enquanto ilude minha irmã... Minha irmã que está grávida de você,
diga-se de passagem, dizendo que realmente quer tentar fazer com
que as coisas entre vocês deem certo. Elas não vão dar certo
enquanto você seguir vivendo no passado, Matteo!” Mike toma
fôlego e me olha com nojo antes de dizer. “Precisa parar de viver no
passado, precisa deixar a Brooke ir e precisa definir as suas
prioridades. Sua vida não é mais como ela era há dois anos.”
“E meu namorado precisou salvar o dia”, Chelsea fala, depois
que Mike sai pisando duro em direção aos banheiros.
“Chelsea!”, Rebecca repreende.
“O que Becks? Desculpa, Matt, mas o Mike tá certo!”, a loira
diz, e me viro para ela com o cenho franzido, ainda atordoado com o
que acabei de ouvir. “Precisa vir pro presente. Precisa sair do seu
luto eterno, se culpando por algo que não pode ser desfeito e que
não é sua culpa. Daphne tá grávida, se querem ou não ficar juntos,
isso cabe a vocês decidirem se são maduros o suficiente para isso,
mas precisa definir o que é importante na sua vida agora e não há
muito o que se pensar quando se tem bebês a caminho.”
Desvio o foco de Chelsea e olho para Daphne rindo para
Josh enquanto dançam, ela leva a mão a barriga quando ele a gira
devagar.
Não há muito o que pensar de fato. Ela e os bebês deveriam
ser a prioridade, ainda que eu pareça não conseguir deixar isso
claro como deveria.
“Não precisa pensar nisso nesse exato momento, já está
atrasado para qualquer atitude perfeita. Mas não demore pra tomar
alguma atitude.”
“Ok, Chels, acho que nosso garotão já entendeu”, Zach tenta
minimizar. “Você vem comigo, pois vamos dançar”, ele diz, pegando
a mão de Chelsea. “E vai ter o seu precioso namorado de volta.”
Rebecca fica olhando o noivo sair junto a Chelsea, antes de
dar um passo na minha direção, com as feições que me dizem o
que está por vir.
“Você concorda com eles, não é?”, pergunto para ela, que faz
uma careta.
“Não sabia que estavam juntos”, é a sua resposta.
“Não estamos, tecnicamente. Pensamos que talvez seria bom
dar uma chance e ver o que aconteceria. Não queríamos falar pra
ninguém. Menos dano se nada desse certo, mas…” Solto um
suspiro e finalizo o último gole da minha bebida. “Mas, pelo jeito, o
estrago foi feito.”
“Ah, Matt…”, minha irmã fala com um suspiro. “Não está tudo
perdido, não seja tão dramático assim.”
“Há um ano você estava totalmente desacreditada do seu
atual noivo.”
“São situações completamente diferentes! Primeiro pela
razão óbvia e visível, segundo o que aconteceu comigo e com o
Zach foi uma questão de… uma pequena grande mentira. Você só
disse algo errado. Só que não adianta simplesmente ir lá e desdizer
ela. Mike está parte certo. Precisa decidir as coisas em sua vida.” 
Rebecca dá de ombros e suspira. “Não necessariamente hoje.
Pense bem.”
“E o que eu posso fazer hoje?”
“Provavelmente tentar não falar mais nada que possa
estragar as coisas.” Minha irmã solta um riso tenso após isso.
“Sério, não sei bem o que te dizer, mas poderia se sentir grato pelo
fato da Daph ter falado que estava cansada e por isso logo já iria
pra casa. Aproveite a viagem amanhã, tente conversar com ela se
achar que já está… pronto pra isso.” Rebecca descansa a cabeça
no meu ombro. “Só pense bem antes de falar qualquer coisa.”
“Parece que não venho pensando o suficiente sobre qualquer
coisa.”
“Não seja tão duro consigo”, ela replica, voltando a me
encarar. “Foi tudo… súbito, mas já é hora de começar a parar de
usar isso como desculpa para não pensar sobre o que está sentindo
e refletir sobre a situação.”
“Não é para eu ser duro comigo, porém você pode?”
“Sou sua irmã.”
“Não é desculpa!”, retruco, com um sorriso de canto.
“Às vezes, é. Pelo menos eu tenho esse direito e você meio
que está precisando de alguém para lhe dizer isso.” Então ela faz
uma pausa. “De forma mais gentil do que foi dito.” Rebecca solta
uma risada e acabo não conseguindo suprimir meu próprio riso.
“Acha mesmo que eu ainda… não consegui superar a morte
da Brooke?”, pergunto, após um tempo enquanto encaramos a
pista, onde Zach e Chelsea dançam ao lado de Daphne e Joshua.
“É um pouco óbvio, Matt.” Seu tom não tem o julgamento que
eu esperava. “Acho que só não acabou pensando muito sobre isso.”
Becks hesita antes de prosseguir. “Desculpa te dizer essas coisas
depois de tudo o que escutou, mas você meio que se acomodou
com toda a situação.”
“Ok.” Isso não me machuca, talvez justamente por eu saber
que é parcialmente verdade.
“Não fique bravo comigo.”
“Não estou!”, falo, antes de beijar o topo de seu penteado
bonito. “Só estou pensando um pouco.”
“As coisas vão se ajeitar. Precisa confiar nisso também.”
“É… eu espero que se ajeitem.”
 

 
“SABE, NÃO PRECISAVA TER FEITO ISSO”, digo, depois de
alguns momentos de dança.
“Isso o quê? Chelsea está mesmo com dores terríveis nos
pés. Já viu como eles ficam depois que ela passa horas dançando
balé? Fico horrorizado às vezes.” Uma sentença tão longa vinda de
Josh para mim me faz rir baixinho e isso arrancar dele um sorriso
gentil. “Desculpe se acabou parecendo alguma coisa chata. Só
achei que… achei que…”
“Achou certo.” Tranquilizo e vejo seus lábios torcerem. “Mas
está tudo bem. Suponho que não se pode criar expectativas altas.
Ainda mais quando não se é Chelsea Capri e não existe um Joshua
Crawford pronto para salvar o dia”, brinco com ele, deixando um
tapinha em seu ombro no qual minha mão descansa durante a
dança. Josh ri do seu jeito tímido.
“Acredito que, no fim, eu precisava ter feito isso.” Ele dá de
ombros, mas consigo ver o pequeno rubor em suas bochechas pelo
meu comentário.
“Obrigada.” O comentário não me chateou tanto. Me pegou
muito desprevenida, porém talvez eu já estivesse a noite inteira
esperando ser lembrada sobre esse fato e por esse motivo fico mais
chateada comigo mesma por ter parecido chocada. “Os pés de
Chels ficam mesmo tão ruins assim?”, e a pergunta é feita após um
curto momento de silêncio nos faz rir.
“Um tanto. Mas ficam melhores depois de um pouco de água
gelada”, ele explica.
“Você é bom pra ela.” A mudança de assunto repentina traz
um cenho franzido para Josh, mas logo ele sorri sem jeito. “Fico feliz
por estarem juntos.” Ele morde o lábio, um pouco hesitante antes de
falar.
“Requer um pouco de paciência. Não é fácil, não foi. Mas eu
não queria deixá-la ir tão simples assim. Sempre foi sobre a pessoa
que ela era, que ela é, e sobre como eu me vejo ao lado dela. E isso
era, sempre foi, muito bom. Valeu a pena todos os minutos que
precisei esperar até que Chels… talvez que ela organizasse os
pensamentos e pensasse sobre a gente. Vale todos os dias que
estou do seu lado.” Fungo e encosto minha testa em seu ombro com
um riso.
“Sou uma mulher grávida, Josh. Fico um pouco emocionada
com coisas simples e fofas.” E nós dois acabamos gargalhando
quando eu volto a encará-lo, já bem mais recomposta.
“Não foi o intuito, mas, bem, acho que não posso evitar.” Ele
dá de ombros mais uma vez. “Tem alguma expectativa para os
bebês? Sobre o sexo?” Agradeço a mudança de assunto e a
aproximação de Chels e Zach ao nosso lado, um pouco brigando,
um pouco rindo sobre quem sabe dançar menos como par ali.
Acabo rindo de novo quando Josh me gira e acabo trocando
de par. Zachary é ainda mais engraçado quando o intuito dele é me
fazer rir. Quando digo que meus pés inchados doem, ele não tarda
em me levar para sentar, deixando Chelsea e o namorado fazendo
uma linda cena romântica ao dançarem tão bonito juntos.
Nenhum dos noivos parece se incomodar quando digo que
vou embora mais cedo, talvez por já ter dito isso bons minutos
antes. Mike, apesar das minhas objeções, me acompanha de volta
ao apartamento dele e mal tenho tempo para um banho antes de
deitar na cama, agradecida pelo cansaço que me traz o sono tão
rápido. Também não me dando tempo para pensar demais no que
não quero precisar pensar.
 

 
“Você dormiu a viagem inteira”, Matteo fala, como uma
constatação estranha quando entra pela porta que mantenho
aberta. 
“Ah… sim. Estava cansada, desculpa. Foi uma madrugada
agitada.” Duas verdades e uma mentira. Estava cansada e a noite
foi complicada, mas eu somente fingi dormir de Nova York até aqui,
porque queria fugir de qualquer conversa que possa estar por vir.
E porque eu tenho total direito de fazer isso.
“Não conseguiu dormir?”, ele já pergunta, adotando sua voz
de super preocupado, franzindo a testa e tudo mais, enquanto deixa
minha mala na porta do meu quarto.
Dou de ombros depois de encostar a porta e ir para a
cozinha.
“Acho que foi um dia agitado, senti bastante enjoo durante a
noite. Fazia um tempo que não sentia isso. Na verdade, não foram
como os enjoos normais… foi como se tivesse comido algo que não
caiu nada bem”, explico, fazendo uma careta ao me lembrar do
sentimento e me sirvo de um generoso copo de água. “Mas vou
aproveitar para descansar bem hoje à noite e amanhã cedo. Só
volto a trabalhar depois do almoço.”
“Ah, claro.” Matteo suspira me dando um aceno, como se
estivesse se lembrando do fato, mas não cheguei a falar sobre isso
antes.
A viagem foi regada de estranhezas, e talvez esse foi o
motivo para que eu resolvesse fingir dormir nas primeiras horas de
estrada. Ontem não foi um dia estranho. Provavelmente tudo o que
eu esperava aconteceu e ainda assim me senti estranha sobre isso,
sobre o que aconteceu.
Talvez seja a pior parte do todo. Porque eu não estava
totalmente crédula em um futuro positivo, em um romance bonito e
verdadeiro. Estava esperando o que estava acontecendo, um
companheirismo e talvez um ajuste pela situação. Não que eu
estivesse feliz com isso, afinal ninguém visa somente se conformar
com a vida e com relacionamentos. Não eu, cercada por lindas
histórias de pessoas que encontraram o amor em lugares que nunca
iriam esperar e estão completamente felizes com isso.
Não, eu estava conformada, mas, até certo ponto, feliz.
Matteo não é a pior coisa que se pode acontecer para alguém, muito
pelo contrário. Talvez só não seja agora o melhor momento para que
ele aconteça na minha vida.
A gente se entende da nossa forma e descobri que isso
poderia ser muito bom para se ter ao lado. Sempre consegui
conversar sobre absolutamente tudo com Matteo e talvez o fato de,
antes de tudo, ele ter sido um grande amigo, acabou facilitando
depois de um tempo. Não é complicado rir quando estou com ele,
apesar de parecer que ele gostaria que todos pensassem o
contrário pela fachada séria que adotou para si nos últimos tempos.
E, talvez, eu tenha abraçado demais esse sentimento de que
ele é o certo para o momento, porque ele era, que acabei deixando
muitas coisas de lado. Como, por exemplo, a presença constante de
Brooke no nosso meio. E talvez por achar que eu não tinha motivos
para me chatear com isso que deixei que me chateasse mais do que
deveria.
Talvez por focar em todas as coisas boas que iam
acontecendo no meio do caminho, posso ter ignorado algumas ruins
que também aconteceram. E sei que muito disso nem mesmo é
unicamente culpa de Matteo, porque sei que deveria ter falado.
Deveria ter falado que a aliança em seu dedo meu incomodava
antes que ele resolvesse só hoje parar de usá-la; deveria ter falado
que talvez, mesmo sendo a pessoa que fez as malditas regras, teria
gostado de algo a mais do que aquilo; talvez pudesse ter deixado
mais claro que gostava das visitas mais frequentes e que gostaria
de visitas por mim, não somente pelos bebês.
Foi não conseguindo admitir isso para mim que acabei não
sabendo admitir isso para ele. Talvez eu esperasse demais e não
soubesse mostrar o suficiente.
E eu, sempre dada a relacionamentos de duas semanas sem
dificuldade nenhuma, senti demais dessa vez. Acho que pela
primeira vez eu desejei tão forte ser a prioridade de alguém que
talvez tenha me perdido em mim mesma e no que deveria estar
focando como prioridade na minha vida.
Acabei me contentando, me conformando.
Sufocando qualquer desejo de ter mais, de ser mais. Mesmo
sabendo que era isso que eu queria.
“Daph…”, Matteo começa, e percebo que acabei fungando,
perdida em meus pensamentos.
Me viro de costas para ele, servindo mais um copo de água e
me focando nisso ao invés de encarar seus olhos verdes que me
olharam desde hoje cedo com tanto arrependimento.
“Me desculpa”, ele diz, e fecho os olhos com força, mordendo
o interior da bochecha e segurando as lágrimas.
Malditos hormônios da décima sétima semana e todos os
sentimentos amplificados do segundo trimestre.
“Não...”, consigo falar, respirando fundo antes de tomar mais
um gole de água, virando de frente para ele. “Não peça desculpas
se não realmente significa isso. Você sente muito que eu tenha
escutado, não por ter falado aquilo. Então, não peça desculpas.”
Foi a intenção, talvez o pensamento em voz alta, que mais
me chateou. Provavelmente teria ficado igualmente chateada se não
tivesse ouvido, somente ouvido ele me contar que pensou nisso.
Matteo abre a boca, mas a fecha e aproveito a oportunidade
para seguir.
“É ok que se sinta assim ainda. Ela se foi há dois anos, mas
talvez ainda não seja tempo o suficiente para você. Eu só… eu só
não quero ficar no meio disso tudo se não é necessário que eu
fique.” Franzo as sobrancelhas, talvez tentando compreender o que
digo. “E não é necessário.”
“Daphne…”
“É a verdade, Matt, sabe disso. A gente tentou, não vai
funcionar, é melhor deixar as coisas claras antes que ainda acabe
existindo mais mágoa, ou que acabe existindo alguma mágoa.”
“A gente poderia…”, mas sua fala morre, e acabo dando um
sorriso triste, porque mesmo querendo, até ele sabe que é a melhor
coisa.
“Nós nem mesmo éramos uma opção um do outro antes de
tudo isso acontecer então…” Suspiro e involuntariamente passo a
mão pela minha barriga. “Acho que é melhor, pelos bebês até.” Não
é bem o que penso, gostaria de ficar ao lado dele, gostaria mesmo.
Acredito que poderia facilmente me apaixonar por Matteo e
passar meus dias ao seu lado, falando sobre os assuntos que todo
mundo considera chato e entediante, mas nós gostamos. Poderia
insistir mais em nós dois e talvez acabar mais chateada, mais
magoada. Talvez poderia tentar mais e só estragar ainda mais
nossa amizade e o futuro de nós quatro.
“Você não acha isso de verdade”, ele diz, entrando na
cozinha e parando na minha frente, perto demais pela falta de
espaço e me sobrecarregando com sua presença tão… Matteo.
Suas mãos seguram meu rosto, me fazendo o olhar nos olhos.
“Talvez eu não esteja certa sobre isso agora, mas sei que é a
coisa certa a se fazer.” Dou de ombros. “Sabe que é verdade.”
Ficamos assim por um tempo, suas mãos segurando meu
rosto e seus olhos nos meus. Me perco um pouco no seu toque e
depois de alguns segundos, me permito apoiar as mãos em sua
cintura. Matteo suspira quando faço isso e volta a falar.
“Me desculpe… por tudo o que devo ter feito de errado.”
“Você não fez nada de errado.”
“Então, por que sinto que isso está acontecendo porque, em
algum momento, eu errei?” E eu não sei responder a essa pergunta,
porque pode mesmo parecer isso, mas acho que foi um erro velado,
não cometido por nenhum de nós dois, mas que ambos temos a
culpa.
Talvez tenha sido erro dele não fazer algumas coisas antes,
mas foi erro meu nunca falar sobre o que me incomodava. Ambos
nos colocamos em posições complicadas quando decidimos que
deveríamos tentar ficar juntos e acho que não há nada além para
culpar que não nós dois.
“Acho que metemos os pés pelas mãos… Tentamos tanto
fazer algo tão certo que acabou dando errado”, respondo, com um
longo suspiro e então me inclino, deixando que minha testa caia em
seu peito. Uma das mãos de Matteo fica em minha nuca enquanto a
outra segura minha cabeça em um abraço estranho que
orquestramos. “Acho que até faz parte do nosso tentar fazer tudo
certo, sabe? Parar agora antes que as coisas fiquem piores, antes
que a gente perca totalmente o que tínhamos antes.”
E antes mesmo que o pensamento se forme em minha
cabeça, Matteo o profere.
“Nós nunca vamos voltar a ter totalmente o que tínhamos
antes depois de tudo o que aconteceu, Daph.” Fecho meus olhos e
ele beija o topo da minha cabeça antes de completar em um
sussurro. “Mas compreendo o que quer dizer. Melhor agora do que
continuarmos a… estragar o que temos.”
“Exatamente.” Ficamos assim mais um tempo antes que eu
me afaste dele e Matteo coloque certa distância entre nós. “Acho
melhor você ir. Obrigada por ter subido minhas coisas.” Balanço
minha cabeça levemente antes de levar minha mão até a franja e
ajeitá-la.
Matteo pigarreia e então acena com a cabeça, apesar de
ainda não se mover.
“Por favor, ainda me mande mensagem sempre que precisar
de alguma coisa”, ele diz, e dou uma confirmação com a cabeça.
“Acho que vou deixar você descansar mesmo.” Finalmente, Matt
volta a se mover para sair da cozinha e eu vou atrás. “Era um dos
pontos das suas regras, acho que não estamos as descumprindo.”
Paro um instante, quase sem compreender o que ele falou,
mas então me lembro da lista. Ao mesmo tempo, quando olho o
sorriso quase triste demais presente no rosto de Matteo, penso que
não é bem isso que ele queria dizer. Na verdade, sinto desde o
princípio que ele deseja falar mais, porém se contêm, não fala.
Cogito se algo mudaria dependendo do que ele falasse, mas só
saberia se ouvisse.
O que provavelmente não vai acontecer.
Estou novamente querendo criar expectativas sobre algo que
não terei. Que sei que não terei.
“Daphne?”, Matteo me chama, tocando meu braço e com as
sobrancelhas juntas de preocupação. “Está tudo bem?”
“Sim, acho que é o cansaço mesmo. Desculpe”, amenizo,
com uma mentira meu súbito estado estranho e ele assente. “Tem
razão. Sobre as regras. Não faríamos disso algum tipo de obrigação
e nos comprometemos que tentaríamos… cuidar para que isso não
estragasse o que a gente teve antes.” Mas também teve a parte que
prometemos sempre falar um ao outro sobre as coisas que nos
incomodavam e sei que essa parte do compromisso fui eu quem
não cumpri direito.
“É…” Ele suspira antes de chegar na porta e abri-la. “Bem…
me ligue se precisar de algo.”
“Ok.” A estranheza que paira entre nós é tão horrível que
tenho vontade de chorar, infelizmente algo que parece ter se
tornado algum tipo de sentimento até comum na última semana.
“Tchau”, ele diz, depois de um tempo e me olha, como se
esperasse algo. Mas foi ele quem não fez nenhuma objeção ao que
disse. Também não sei se posso seguir tentando o meu máximo
sem muito retorno. Não vou voltar atrás.
“Tchau”, digo, ele se vira e sai, me fitando mais um pouco
antes que eu feche a porta e ele desapareça no corredor.
Me deixando com a pergunta de que se já houve algo mais
estranho que essa conversa em minha vida. E se, em algum
momento, Matteo cogitou não desistir tão fácil.
 

 
É estranha a forma como você pode sentir falta de algo que
nem sabia ser tão presente na sua vida. Há uma semana Matteo e
eu resolvemos findar o nosso nem iniciado relacionamento e desde
então tenho sentido a falta dele no meu dia a dia. Desde as
mensagens sobre coisas aleatórias do seu dia até tópicos
interessantes que ele achou em sua pesquisa do doutorado. Dos
deliveries de comida no meu trabalho no meio do dia até os jantares
no meu apartamento.
Sinto falta de poder comentar coisas bobas, como que
nenhuma calça jeans me serve mais e comprei algumas de
gestante, que podem ser muito confortáveis. Compras, na verdade,
foram o que me mantiveram… mais controlada essa semana.
Agradeço ao cartão Drake sem limites, apesar de ter usado ele com
certa moderação. Engordei significativamente na última semana, se
comparada as todas anteriores. E apesar de estar hidratando minha
pele, me sinto ressecada pelo inverno, ainda que ache que parte
disso pode ser da gravidez.
O que me faz perguntar quando a fase da pele bonita e brilho
materno chegará.
Mas os enjoos passaram bem, ainda que eu tenha
descoberto uma nova parceira, a azia. Que também não é muito
frequente apesar de me fazer sempre lembrar dela por algumas
horas de tão incômodo. Minha barriga já é grande o suficiente para
que seja impossível tentar disfarçá-la de qualquer pessoa e gosto de
exibir ela por debaixo dos meus antigos suéteres quase justos e que
hoje estão bem justos.
E talvez eu tenha sentido falta de poder compartilhar essas
coisas chatas com Matteo, ainda que tenhamos nos falado ao longo
dessa semana. Claro que de forma estritamente necessária. Como
dois estranhos que terão filhos juntos.
Por isso, tenho feito outras coisas para tentar fingir que não
me senti sozinha na última semana.
“Não deveria estar na sua consulta para descobrir que eu, de
fato, terei lindas duas sobrinhas?”, Mike fala, antes mesmo que eu
possa dizer oi ao atender o telefone.
“Estou a caminho.”
“Odeio quando fala comigo quando está dirigindo”, ele
resmunga.
“O trânsito está lento hoje, por isso liguei quando parei no
sinal. Quero companhia.”
“Quis bastante a minha companhia na última semana.”
“E eu achando que você gostava de conversar com sua irmã
gêmea”, dramatizo. “Está no escritório?”, é uma pergunta boba,
afinal, são duas da tarde. Claro que ele está no escritório.
“Sim, estou no escritório, e sim, eu gosto de falar com você.
Está ansiosa?”
“Um pouco. Quer dizer, não achei que ficaria, mas estou.”
Porque nunca desejei mais um sexo do que o outro e a
possibilidade de gêmeos sempre trouxe essa questão de dois
meninos, duas meninas, um menino e uma menina. Três
possibilidades que sempre considerei igualmente perfeitas.
“Honestamente, acho que só pensei demais sobre isso na última
semana. Com a folga maior no trabalho e o fato de odiar ficar em
casa, mas ser frio demais para bater perna por aí, além do cansaço
que logo me abate.”
“Deveria aproveitar as folgas do trabalho para descansar!”
“Sabe que odeio ficar parada”, retruco, manhosa, porque
Mike sabe mesmo o quanto odeio. “Me fale sobre o seu dia”, peço, e
logo em seguida faço uma careta pela pergunta boba, de novo.
“São só duas da tarde ainda. E, além disso, vai me fazer essa
mesma pergunta hoje à noite, então pouparei a saliva de agora.”
Solto um grunhido frustrado, nunca achando que meu irmão e eu
poderíamos esgotar algum tipo de assunto banal, e Mike ri de mim
do outro lado da linha. “Deveria parar de me encher. Achei que já
teriam voltado a essa altura.”
“Achei que fosse contra.”
“São duas coisas diferentes. Posso ser contra ver a minha
irmã e meu melhor amigo juntos, mas ainda assim ser inteligente o
suficiente para saber que isso não é o suficiente para mantê-los
separados”, ele fala, com a arrogância típica de um advogado que
eu sei também ter às vezes. “Mas pensei que acabariam… sei lá, se
resolvendo de forma bastante prática e cética no fim das contas.”
“Desde que me lembro, ainda não senti mudanças drásticas
então não tem porque voltar atrás. Você tem razão no que me disse
naquele dia. Por mais que eu queira, preciso aceitar que estar em
um relacionamento com alguém que não está totalmente nele
também não é uma boa coisa. Muito menos para uma mulher
grávida.”
“Ugh… você soa tão dura quanto eu. Apesar de falar isso e
eu saber que, no fundo, está com saudade do quase babaca.”
“Quase? Fizeram as pazes?” Mas Mike não responde ao meu
deboche e eu franzo a testa sozinha dentro do carro. “Mike?”
“É só que descobri algumas coisas ontem que me fizeram
pensar se eu não fui duro demais com ele naquele dia. Com meu
pequeno discurso”, ele começa, me deixando ainda mais confusa.
“Quer dizer, não me arrependo de dizer que ele precisa definir as
prioridades na vida dele atualmente e que não quero ver minha irmã
mais nova em uma situação ruim em um relacionamento ruim...”
“Mas…?”, questiono, após sua demora em finalizar.
“Ah, Daphs… sabe que não é meu assunto para falar.”
“Você nunca foi tão santo para guardar um segredo”, digo,
um pouco estressada pela demora dele. “Desembucha!”
“A família da Brooke afastou o Matteo do caso. Do processo
contra o motorista bêbado.”
“Como assim afastou?”
“Por ele não ter nenhuma ligação direta com a família, foi
Matteo quem pegou o caso, apesar de não fazer trabalhos como
esse em tribunais e com processos penais, porém eles acabaram
deixando tudo nas mãos dele. O problema é que o Matt se afundou
nesse processo, como se… como se ganhar isso, fazer o cara pagar
por tudo e mais um pouco fosse algum tipo de alento para a perda
da Brooke.” Ele suspira. “Matteo começou a se afundar demais em
tudo isso, com procurações e aberturas que nem mesmo faziam
parte do processo central, da acusação de assassinato culposa pela
morte da Brooke.”
“Então a família dela preferiu afastar ele do caso e contratar
outro advogado.”
“Ele começou a ficar muito obcecado por tudo isso. Eu até
desconfiei, mas nunca senti o que ele estava sentindo. Deixei, e
ajudei, ele com alguns trâmites. Mas ele se afundou muito nisso,
como se a própria vida começasse a depender de culpar legalmente
esse cara. A família dela não quis mais toda essa… mágoa e fúria.
Esse sentimento tão ruim vindo de alguém que foi tão importante
para ela. Eles só querem se livrar de toda a burocracia e tentar
seguir a vida da forma como ela seguiria, sem se lembrarem da filha
como algo cansativo… exaustivo. Que tirou deles até mesmo
qualquer momento de sofrimento pela perda para dar espaço a um
processo que sugou deles todas as forças.”
“Esses processos são… pesados e complicados. É reviver
demais a tragédia”, completo, e Mike faz um som afirmativo. “Não
sabia que ele tinha sido afastado.”
“O último júri foi marcado para a próxima semana. A família
comunicou isso para ele no dia seguinte do ano novo.” Nos vimos
dois dias depois disso e não reparei alguma mudança, ainda que
seja complicado tentar de fato ler algum humor em Matteo desde o
acidente. E então, depois disso, no noivado de Becks, onde ele
definitivamente não parecia no melhor humor do mundo. “Não estou
dizendo que isso exime ele de qualquer culpa por alguma falta de
consideração por você…”, ele começa rapidamente, como se
temesse que eu pense que tudo isso seja uma desculpa pelas
atitudes de Matt.
“Sei que não é isso o que quis dizer, Mike.” Tranquilizo meu
irmão. “Mas obrigada por me contar. Quer dizer, não muda muita
coisa, mas muda algo.”
“É…”, ele fala, meio incerto.
“Preciso ir. Estou entrando na rua do consultório e sabe que
não é a melhor coisa do mundo estacionar por aqui.”
“Ok, não se esqueça de me ligar assim que souber o
resultado! Estou ansioso para finalmente ser oficialmente o titio de
duas lindas menininhas.”
“Não sei o que pode ser pior, você falando isso o resto da
vida ou falar sobre qualquer decepção.”
“Nenhum resultado será uma decepção, sabe disso. Amo
vocês três.”
“Você está começando a ficar com os mesmos sintomas que
eu, muito emotivo e sentimental.”
“Ha-ha, nada engraçado. O que posso fazer se abracei meu
papel de titio com facilidade.” E eu reviro os olhos com isso, apesar
de amar essa questão. Mike sempre me deu seu suporte total desde
o dia que lhe contei e isso ajuda muito a conseguir pensar em
passar por tudo isso. “Me ligue assim que terminar.”
“Ok, eu prometo. Tchau.” Ele encerra a chamada quando
começo a manobrar em uma vaga, checando as horas e
percebendo que chegarei quase no horário pontual da consulta com
Margot.
 

 
ABRO ALGUNS E-MAILS QUANDO ENTRO no elevador do prédio,
tentando evitar qualquer desconforto até chegar ao andar do
consultório. Não me habituei com o trabalho tão reduzido que estou
fazendo agora, ainda que sempre agradeça isso quando me
encontro totalmente cansada depois de cinco horas trabalhadas.
Abro minhas mensagens assim que o elevador chega,
digitando uma mensagem para Matteo, mas quando levanto os
olhos para sair do elevador, o vejo já sentado na sala de espera do
consultório. Com uma revista de maternidade em mãos.
Eu riria, porque é uma situação engraçada ver esse homem,
alto e musculoso em seu terno bem engomado, sentando em seu
perfeito comportamento, com uma revista sobre maternidade em
mãos e um semblante bem sério. Seguro meu riso com os lábios
comprimidos e acabo parada na entrada do consultório, lembrando
sobre a última semana e percebendo que, talvez, eu não quisesse
ver ele tão… assim ainda.
Suspiro, provavelmente pelo motivo diferente do que uma
outra grávida e sua amiga que também estão na sala de espera.
Seria impossível não olhar para ele, sei disso agora, apesar de
nunca ter pensado no assunto antes. Além do mais, Matteo faz
parte de uma população masculina ali composta por ele e outro
papai. São pelo menos cinco mulheres além da recepcionista.
Engulo em seco, pensando se talvez eu não esteja
arrependida da minha decisão da semana passada e aguento firme
a vontade de voltar atrás. Sei que nada mudou da noite para o dia, e
ele não vai ter virado o cara que deixou Brooke para trás quase que
completamente para decidir me priorizar como uma possível
namorada agora. Mas é bem complicado pensar sobre isso, ainda
mais depois do que Mike me falou no telefone.
Engulo também essa mudança de humor repentina, com
essa vontade de mudar minhas decisões de forma abrupta e sem
pensar como deveria. Balanço a cabeça, sacudindo os
pensamentos para longe e levo a mão para minha franja, aparada
mais cedo, organizando os fios enquanto tomo a coragem para
andar.
Prefiro nem mesmo pensar quanto tempo passei parada aqui,
na saída do elevador, sem nem ao menos dizer alguma coisa.
Somente olhando para esse homem completamente focado em seja
lá o que esteja lendo nessa revista.
Dou os passos necessário até que eu esteja próxima o
suficiente dele para falar algo que somente Matteo vá escutar e,
provavelmente por estar um pouco atordoada com sua presença, a
frase menos boba que minha mente acha é:
“Você já chegou.” E então, quando seus olhos se viram para
mim, indico o celular ainda em mãos. “Eu estava te mandando
mensagem.”
“Hey”, ele fala, parecendo finalmente voltar aos seus
sentidos, largando a revista de lado e trazendo a mão para minha
barriga, como pegou o hábito de fazer no último mês todas às vezes
que me vê. Mesmo agora, segue sendo a pessoa menos incomoda
que faz isso sem que eu me importe. “Consegui terminar durante o
almoço as coisas que tinha para fazer e vim pra cá. Cheguei faz uns
quinze minutos só.”
Dou um aceno antes de me sentar ao lado dele, aproveitando
o pequeno tempo para pensar sobre o que deveríamos estar
conversando e tentando, novamente, quebrar essa tensão que
passou a existir entre a gente.
“Como vocês estão?”, ele pergunta, antes que eu.
“Bem”, respondo, estranhando o som esganiçado de minha
voz antes de limpar a garganta. Repouso a mão na minha pequena
barriga e tento de novo. “Bem, foi uma semana bem tranquila.
Semana passada comecei as aulas de pilates e estão sendo muito
boas para… tudo. Tem me ajudado a manter meu corpo mais ativo e
acho que vou começar logo a me sentir um pouco mais disposta
para as atividades do dia”, conto. “E você? Como está?”
Não é uma pergunta atípica de se fazer, eu sei. Porém, sei
também que o fundo dela vem motivado por outras razões do que
as que normalmente tenho ao fazê-la. Sei que Matteo não vai
subitamente me contar tudo ou algo assim, ainda mais aqui. E ainda
mais depois de a gente basicamente ter terminado há uma semana.
A última coisa que imagino que ele vá querer falar comigo é sobre
Brooke.
“Bem, um pouco ansioso pela consulta só.” Seu tom é o
mesmo que ele usaria para falar como o dia hoje está chuvoso e
não me parece tão ansioso assim. Mas, o conhecendo o suficiente
nos últimos meses, sei que não é de se duvidar. “E você? Ansiosa?”
Ele segue puxando a conversa.
“Não sei. Quer dizer, tenho a curiosidade, mas tenho medo
de que minha ansiedade possa virar algum tipo de preferência, e por
mim o que vier será perfeito.” Dou de ombros.
“Por mim também. Não tenho preferência, só acredito que
sejam duas meninas.” Seu semblante adquiri um sorriso de canto
convencido. “Estou falando sério.”
“Sei que está!”, digo, sorrindo antes de suspirar. “Tenho um
pouco de medo, se forem duas meninas”, admito, e recebo uma
testa franzida de volta. “Não sei, acho que tenho medo de ser uma
mãe ruim como a minha foi para mim, tendo duas meninas. Não é
como se ela tivesse sido a mãe perfeita para Mike, mas parece
que… acho que ela foi mais idealista comigo. Queria se ver em mim.
Tenho medo de replicar esse comportamento.”
“Você não vai!”, Matteo me garante, alcançando minha mão e
apertando-a em um consolo. Ele abre a boca para falar mais algo,
porém é interrompido pela assistente da Margot, que nos chama
para entrar.
Como me habituei, sentamos por uns bons dez minutos
enquanto eu falo sobre as últimas semanas, como venho passado, o
que tenho sentido, quais dessas coisas é ocasionado pela gestação.
Pesamos e medimos. Matteo fica extremamente calado e muito
observador enquanto fazemos tudo isso, até que eu finalmente vá
me deitar para o ultrassom.
“Então? Irão querer descobrir o sexo dos bebês hoje?”, ela
começa, assim que me deito e subo meu suéter e camisa térmica,
não sabendo se odeio essa parte mais do que odeio o gel frio que
Margot espalha em minha pele.
“Sim!”, respondo, depois de um tempo, me habituando com a
situação mais uma vez e vendo Matteo um tanto deslocado ao meu
lado. “Alguém está bastante ansioso com isso, não é mesmo?”
Incito sua participação na conversa e ele parece sair de um transe.
“Ansioso, sim. Quer dizer, ficarei feliz de qualquer forma,
especialmente se estiverem… saudáveis.” Matt parece um pouco
hesitante com a resposta antes de sorrir. “Mas tenho um
pressentimento que serão duas meninas”, ele conta a Margot.
“Alguma aposta envolvida? Adoro quando apostam”, ela
instiga, rindo, começando a passar o aparelho pela minha barriga e
me deixando com um pequeno arrepio de frio.
“Não. Não apostei em nada. Acho que não pensei muito
sobre essa questão, para ser honesta.” E estou mesmo sendo
sincera sobre isso.
Margot começa a fazer algumas imagens para seu arquivo e
nos diz alguns dados sobre os bebês; um deles é um pouquinho
maior que o outro, ambos estão saudáveis e crescendo como
deveriam, com os desenvolvimentos esperados. Antes de resolver
nos revelar ou descobrir o sexo dos bebês, ela coloca o delicioso
som do coração deles.
“Isso… é...?”, Matteo pergunta com o choque, ou seria um
pouco de emoção, estampado em seu rosto e dou um aceno.
É ainda melhor do que da primeira vez. Provavelmente mais
emocionante e menos chocante, me deixo levar por esse sentimento
e tudo o que as dezoito semanas amplificam sobre minhas
emoções. Isso é bem diferente do que conseguimos ouvir pelo
aparelho que ele me deu de aniversário.
“Isso é o que chamamos de o coraçãozinho do nosso bebê
um”, Margot explica.
“É rápido”, Matt fala, com a voz um pouco falhada e uma
expressão confusa, ainda vidrado na tela.
“É como soa um coração de um feto. Bem rápido mesmo.
Temos 151 batimentos por minuto aqui e isso provavelmente irá ir
desacelerando com o crescimento dos bebês, se aproximando para
o meio e fim da gestação.” Ela mexe mais um pouco e o som é
cortado, sendo logo substituído por um novo. “Aqui está o bebê dois,
um pouco mais calmo, com 146 batidas por minuto.”
Nunca fui do tipo chorona. Não que eu nunca chore, eu
sempre choro, mas pelos motivos necessários. Filmes com
bichinhos de estimação, animações com fundos muito profundos,
comédias românticas com alguma tragédia ou filmes quaisquer com
alguma tragédia, livros bonitos, se algo quebra quando estou na
TPM, e claro pelos motivos óbvios da vida.
Quando descobri que estava grávida não chorei muito. Chorei
o suficiente para um tempo considerado pela minha memória como
não tenho a mísera ideia do que farei agora com a minha vida, mas
não durou tanto assim. Nos últimos dias tenho me sentido bem mais
emotiva, isso é um fato e sei que são os hormônios da gravidez
fazendo o seu efeito, além da pequena solidão sentida. Entretanto, o
choro leve que cai pelos meus olhos agora é um pouco mais
sentimental do que o que derramei da primeira vez que ouvi esses
sons.
Acho que desde minha última consulta, pude amadurecer o
suficiente sobre toda a minha atual situação e abraçar ainda mais
toda a gravidez. Compreender ainda melhor que agora sou eu e
meus bebês; eu e duas criaturinhas que dependerão unicamente de
mim, assim como dependem agora; pude sentir ainda mais forte
todo o amor que sinto e sem pensar em qualquer outra coisa, a
culpa ou as dificuldades que poderei ter.
Sou eu e eles.
E amo esses dois sons de uma forma bem diferente agora.
“É tão lindo”, consigo dizer em um sussurro, como uma
pequena forma de externar meus pensamentos de forma bem
medíocre.
“É a coisa mais linda que já ouvi”, Matteo sussurra de volta,
aproximando-se mais. Ele corre os dedos pelo topo da minha
cabeça, fazendo um pequeno afago antes de deixar sua mão por ali,
sorrindo para a tela enquanto Margot nos olha com uma cara que
provavelmente faz umas três vezes por dia para cada grávida.
“Podemos ir para nossa pequena revelação?”, ela pergunta,
já voltando a mexer no aparelho. “Aqui está nosso bebê um.
Conseguem ver a cabeça e o corpinho aqui?” Seus dedos vão nos
indicando na tela enquanto ela performa movimentos mais enfáticos
na minha barriga. “Nosso bebê um é, na verdade…” Margot faz uma
pequena tensão, nos olhando rapidamente. “Nossa pequena bebê
um. Uma menina!”
“Uma menina!”, a exclamação sai de mim e Matteo ao
mesmo tempo, ainda que sua parte soe como uma contida
comemoração e para mim não passa de surpresa e felicidade. Uma
menininha para chamar de minha.
“Vamos ter uma menina!”, Matteo repete, olhando para mim e
não consigo evitar fazer minhas bochechas doerem com o sorriso
que não sai da minha face para a expressão emocionada dele.
Quase vejo pequenas lagrimas nos cantos dos seus olhos.
“Vamos dar uma pequena olhada no nosso segundo bebê”,
Margot diz, após algumas observações e salvar algumas imagens. A
imagem na tela muda para o segundo bebê e ela volta a mexer no
aparelho de ultrassom em minha barriga. “Apesar de aparentemente
ela querer se esconder um pouco, temos outra menina aqui. Duas
meninas, parabéns!” Ela me dá uma piscadela, bem provável para
uma Daphne bem chocada.
“Duas meninas? Terei duas meninas?”, Matteo pergunta,
exalando sua felicidade da forma como ele exala, de forma contida.
Um sorriso largo se põe em seus lábios, juntamente com olhos
verdes claros e quase molhados por lágrimas de contentamento.
Não consigo evitar de replicar tanta emoção.
Não esperava que ele estivesse certo, mas, de certo modo,
estou feliz por isso ter acontecido. Poderiam ter vindo dois meninos,
ou um menino e uma menina e estaria igualmente feliz. Porém, acho
que não esperava por isso e a surpresa traz um sentimento muito
bom ao meu peito, como se conseguisse ser ainda mais preenchido
pelo amor pelas minhas duas menininhas.
“Sim, você terá!”, Margot responde, com a entonação dele, e
acaba rindo pela empolgação de Matteo antes de voltar a nos
atentar para mais alguns pontos nas ultrassonografias.
Ela nos indica as formações dos bebês e então me ajuda a
limpar o gel antes que eu torne a abaixar minha roupa e Matteo me
ajude a descer da maca. Voltamos a mesa e Margot nos passa
algumas instruções e informações básicas sobre mudanças que
podem acontecer e coisas assim. Ela me entrega a pasta com as
imagens da consulta e relatórios antes de indicar o fim da consulta.
Margot me garante que irá verificar quando será a melhor
data para voltarmos a fazer uma nova checagem e que a secretária
me mandará mensagens para o agendamento até o fim da semana.
“Duas meninas!”, Matteo exclama mais uma vez, quando
entramos no elevador e me deixo rir disso agora.
“É, estava certo.”
“Estou muito feliz.” E apesar de isso parecer bem óbvio para
mim, ele parece um pouco confuso por estar admitindo isso. Como
se o sentimento lhe fosse estranho. “Muito mesmo.” Novamente sua
voz falha um pouco e ele se recompõem instantaneamente.
“Eu também, muito mesmo”, repito suas palavras. “Estou
feliz, mesmo que não tivesse pensamento nenhum a respeito disso.
Duas meninas parecem ainda mais perfeito do que eu imaginava.”
“Fico… feliz de saber que está feliz com isso.”
“Não teria como não ficar.”
A conversa não poderia ser mais estranha do que está e
quase choro quando o elevador finalmente chega ao térreo.
Provavelmente toda essa estranheza distraiu meu estômago para
qualquer possível enjoou ou azia pelo movimento da descida. Olho
para a pasta em minhas mãos quando chegamos ao lado de fora e
cogito compartilhar uma das imagens.
“Sabe… deveria ficar com uma delas. Se quiser, é claro”,
digo, antes que pense demais. “Quer dizer, pode me dar uma cópia
depois e ela também envia a imagem digital para mim.” Não é como
se eu fosse perder qualquer imagem.
“Tem certeza?”, ele pergunta, andando junto a mim até meu
carro. “Eu iria adorar, mas… não sei, não quero tirar nada de você.”
“Parece justo!”
“Posso fazer uma cópia e te dar de volta a original de volta
depois.” Odeio o fato de Matteo parecer ter voltado a pisar em ovos
a minha volta.
“Não precisa achar que está tirando isso de mim. Você é o
pai e está sendo um bom pai até agora.” Podemos acabar revendo
essa sentença de forma mais egoísta por parte da mamãe aqui mais
tarde, mas ficarei com isso para o momento. Ele está sendo um bom
pai, eu quem não consegui fazer dele um bom namorado também,
ou foi uma ação mútua. Começo a abrir o envelope e procurar pela
página onde aparecem dois ultrassons das duas juntas na imagem.
“Aqui.”
Matteo pega a folha como se fosse alguma preciosidade, e
de fato é. Apesar de parecer que ele está segurando as duas em
suas mãos ao invés de uma representação delas em uma foto. É
bonito, porque seus olhos estão brilhando com um sorriso e não sei
porque esperava algo que não isso, quando ele se mostrou tão
próximo desde o começo.
“Obrigado!”, ele fala por fim. “Preciso voltar para o escritório,
passei grande parte da manhã na faculdade”, Matt se explica. “Se
precisar de alguma coisa, sabe que pode sempre me ligar, não é?”
“É, eu sei.” Todos os dias que nos vemos o discurso é o
mesmo e sempre acabo me dobrando um pouco mais a tal
insistência, porque sei que é sua forma de deixar claro que posso
mesmo ligar se precisar de qualquer coisa.
Com um aceno, Matteo não usa de nenhum tipo de
despedida antes de me deixar sozinha no estacionamento, olhando
alguns segundos para suas costas largas e bonitas, além de muito
bem-vestidas, antes que eu me volte para minha própria bolsa e
busque pela chave do carro.
 

 
Estaciono o carro na minha vaga e mal tenho tempo de tirar o
cinto até que receba os toques da chamada de vídeo com as
meninas.
“Oie”, digo, segurando o telefone com uma mão e tentando
pegar minhas coisas com a outra para sair do carro.
“Mamãe do ano!”, Chelsea diz empolgada, e Becks ri.
“Duas meninas!”, ela exclama sem se segurar.
“Matteo já te contou”, constato. “Sim, duas meninas”, digo,
sem tirar um sorriso do rosto. “Estou um pouco… não sei, acho que
ainda estou muito surpresa com a notícia, mas muito feliz. Não que
eu esperasse algo, mas entendem.”
“Sim”, elas falam em uníssono. “Estou muito feliz. Mais duas
menininhas para nosso grupo”, Becks complementa.
“Terei duas meninas para mimar e ensinar o melhor da moda
e bom gosto com homens, o que claramente a mãe não poderá
ensinar”, Chelsea diz convencida, e posso ouvir uma risada
masculina no fundo para então notar que ela não está em seu
quarto.
“Ei!”, reclamo, rindo, quando saio do carro. “Achei que eu
tivesse um bom gosto para moda!”, me defendo, e nós três
acabamos rindo.
“Ei! Estava com meu irmão até semana passada, preciso
fazer uma defesa sobre os Drake aqui”, Rebecca defende, e eu
reviro os olhos para ela. “Falando sobre isso…”
Mas qualquer pergunta fica no ar, porque não compreendo o
que ela quer saber e somente arqueio a sobrancelha antes de
retornar a caminhar até a porta de acesso ao saguão.
“Becks quer saber se as probabilidades de você ser cunhada
dela realmente estão acabadas ou ainda há uma chance”, Chels diz
impaciente.
“Bem… é uma pergunta complicada”, começo, com uma
careta. “Não sei. Tipo, honestamente, eu estava aproveitando o
tempo que estávamos tendo juntos e meu Deus como é
constrangedor falar isso com a Rebecca me olhando.” Minha
gargalhada ecoa quando me coloco no pé da escada.
“Mais estranho do que eu descobrir que minha melhor amiga
estava, está, grávida do meu irmão? É uma situação bem específica
que não gosto de pensar muito”, ela retruca.
“Becks tem um bom ponto”, Chelsea diz. “Mas, ok, gostava
de estar com ele, porém…?”
“As coisas ficaram complicadas, ou só as coisas complicadas
ficaram mais claras depois da semana passada. Não é como se
tudo isso não me incomodasse.” Minha voz é um pouco ofegante
mesmo que eu suba as escadas o mais lento que já fiz em todos os
anos que moro aqui. “E ouvir alguém deixando isso meio claro pra
mim foi… esclarecedor?  Péssimas palavras, mas compreenderam.”
“É, um pouco.” Chels faz uma careta rindo. “Acho que vocês
dois deixaram muito para ser conversado e não… organizaram a
relação de vocês. Não é só sobre os bebês, precisam aprender a
ser um casal acima de tudo.”
“Seis meses namorando e ela já está dando conselhos sobre
relacionamentos”, Becks zomba. “Josh deve ser transformador.”
“Ele é, mas não é só isso. Acho que passei tempo demais
negando as coisas que eu queria e evitando de conversar sobre isso
retardou que eu chegasse ao ponto que eu desejava antes”, a loira
fala, e eu franzo o cenho para ela. “Eu queria ficar com ele, mas
negava isso até o fim por inúmeros motivos e um deles era ser
teimosa. Eu era insegura em relação a ex-namorada dele e deixei
que ela entrasse na minha cabeça falando mentiras ao invés de
simplesmente chegar no Josh e falar isso pra ele, conversar sobre o
que eu sentia. Acho que, de certa forma, é isso que falta para vocês
dois.”
“Penso que é um pouco tarde para isso”, consigo dizer,
enquanto faço minha pausa no meio das escadas.
“Será? Quer dizer, vocês dois me parecem querer ficar juntos
e quanta bobagem querer ficar regrando as coisas quando tudo
deveria ser simples. Vocês querem isso, batalhem por isso, ponto.
Não que eu esteja criticando sua lista de regras, mas eu estou”,
Chelsea torna a falar, e quase me arrependo de ter contado tudo
para elas depois do que aconteceu na festa. “Mas para tentarem
essa batalha de ficarem juntos, precisam pelo menos fingir que
querem isso de verdade, pra valer. E isso seria conversar com
honestidade um com o outro. Falar que ele deveria parar de viver no
passado, e ele falar que você precisa parar de fingir tanto que tá
tudo bem na sua vida e se permitir algumas tentativas que podem
ser falhas.”
“E eu quem tinha o título de palestrinha do grupo”, Rebecca
brinca. “Mas a Chels está certa. Meu voto é que fiquem juntos,
porque são um belo casal e combinam em inúmeros pontos. Porém,
isso não vai acontecer direito nunca se não existir sinceridade total.”
“Eu sou uma pessoa aberta a novas possibilidades”, me
defendo, com a primeira coisa que me ver a mente. “E deveria ser
errado jogarem todas essas coisas na minha cara enquanto eu,
como mulher grávida, subo escadas.”
“Isso me grita mudança de apartamento para um prédio com
elevador.” E Chelsea não está completamente errada, mas a ignoro
quando chego no meu andar. Parando para retomar o fôlego.
“Você tem medo de se decepcionar”, Rebecca solta tão
rápido que quase não compreendo. “Desculpa, mas é isso. Não só
sobre o Matt, mas de forma geral. Você sempre foi receosa porque
tem medo de se decepcionar, e tudo bem ter esse medo, mas nunca
vai saber se ele é plausível ou não se não tentar uma vez.”
Ela não está também completamente errada e pela sua cara
de arrependimento, minha expressão pode mostrar que me doí um
pouco com tal afirmação. Não é ruim, ou mentira, mas não gosto de
lembrar constantemente que sempre tive relacionamentos rasos por
medo de entrar em um e acabar machucada. E talvez por isso eu
tenha ditado tantas regras com Matteo e isso tenha não ajudado em
nada.
“Você não está errada”, digo. “Mas não sei se estou no
momento certo para me arriscar com as coisas.” Porque agora
preciso pensar em mim e nas minhas meninas.
“É, está certa”, Becks diz torcendo o nariz.
Distraída pelo celular que seguro na minha frente enquanto
caminho em direção a minha porta, não noto as coisas deixadas ali.
Venho ficando mesmo muito emotiva até mesmo com um simples
buquê e embrulhos fofos.
“Daph? Está com uma cara estranha. Tá tudo bem?”,
Chelsea pergunta, com seu tom preocupado.
“Sim, é só…” Viro a câmera da frontal para a traseira e
aponto para os presentes. “Isso.”
“Fofo”, a loira fala.
“São do meu irmão?” Rebecca tem um tom mais curioso e eu
me abaixo para pegar o cartão.
“Sim”, confirmo, ao ver a letra cursiva dele. “E, preciso
desligar agora para ver o que é tudo isso e entrar em casa. Ligo
para vocês mais tarde.”
“Estarei comprando presentes para competir inutilmente pelo
posto de madrinha”, Chelsea diz, e Rebecca revira os olhos para a
tela.
Nós três mandamos beijos antes que eu desligue, jogando
meu celular na bolsa, alcançando minha chave antes de me abaixar
para pegar todas as coisas e finalmente entrar no meu apartamento.
Jogo as botas para o lado enquanto caminho até o sofá, me jogando
nele com um buquê muito cheiroso de rosas em um dos braços e
dois embrulhos no outro.
Deixo as flores de lado para começar a abrir os embrulhos e
o primeiro é uma caixa com minhas trufas favoritas. Não seria
possível passar para o próximo presente sem começar a comer uma
e acho fofo a atenção dele de lembrar sobre isso, ainda que tenha
sido um pedido bem frequente feito por mim até o momento.
O laço rosa é bem-feito e tenho quase pena de tirá-lo do
pacote branco que cobre o que parece uma caixa baixa, bem maior
do que a de trufas. Assim que retiro todo o embrulho, me sento
direito para apoiar a caixa no colo e tirar a tampa. Deixo o bilhete de
lado para rasgar o papel de seda que cobre os dois pequenos bodys
rosa-claro.
Culpo todo e qualquer sentimentalismo da gravidez por
começar a chorar baixinho enquanto desdobro as roupinhas no meu
colo, afastando a caixa de lado. Nº 1 e Nº 2 é o que está escrito bem
no meio da barriga de ambas as peças e acabo rindo com o
pensamento que isso pode ser muito útil no futuro.
São as duas primeiras peças que tenho para as meninas em
específico e mesmo que não seja do tipo tudo rosa, acaba quando
outro fator que me deixa ainda mais pensativa sobre o momento,
sobre tudo o que aconteceu hoje. Sobre eu descobrir que seremos
eu e minhas duas meninas daqui para frente.
Respiro fundo para afastar as lágrimas e pego o cartão das
flores primeiro.
“Espero que não lhe façam ficar enjoada. Mas se ficar,
aproveite os chocolates!”
Acabo rindo, talvez porque ainda estou sob influência de todo
o ato muito fofo dele de me enviar tudo isso. Seguro o outro bilhete,
um pouco maior do que o anterior e que veio junto a caixa com as
roupas. A caligrafia de Matteo também está presente ali e o
conteúdo me deixa novamente um pouco chorosa.
“Sei que parece bobeira, mas acho que podemos fazer
bom uso disso no futuro. Principalmente se as meninas forem
muito parecidas, porque espero que ambas se pareçam muito
mais com você, ainda que eu não reivindique que elas tenham o
gênio Drake. Obrigado por hoje, nem mesmo saberia dizer por
onde começar a agradecer você. Nunca tinha experimentado
uma situação tão bonita e até agora me pego lembrando da
felicidade de ouvi-las. Obrigado por me dar minhas duas
menininhas, um novo propósito para tudo o que venho fazendo
e um novo motivo para descobrir o amor de novo, de forma tão
infinita que nunca pensei ser possível sentir. Obrigado por me
mostrar um novo sentido para a vida e desculpa por ter
demorado tanto para perceber isso.
Matteo.”
E por um segundo, alguns fragalhos de segundo, cogito
pegar meu celular e ligar para ele. Deixar de lado todas as coisas
que passaram pela minha cabeça na última semana, toda minha
insegurança, todos os sentimentos que deixei suprimidos para
manter uma relação curta com ele fingindo que nada não me
incomodava.
Porque me sinto carente e sendo honesta sinto a falta dele, e
talvez uma pequena conversa baste para que a gente consiga fazer
com que as coisas fiquem bem de novo. Ou bem de forma geral.
Cogito que possamos resolver as coisas e tentar mais uma vez,
porque gostaria de tê-lo ao meu lado, não somente agora, mas
principalmente agora.
Gostaria que a gente pudesse sentar e conversar sobre hoje
à tarde. Lembrar das pequenas formas que vimos na tela, do som
dos corações batendo agitados, de como ainda parecem tão
pequenininhas e como estou muito ansiosa para conhecê-las, e
como quero que ele também esteja.
E que mesmo estando muito ansiosa, também estou
morrendo de medo de não dar conta, de não conseguir ser o
suficiente, de não ter o suficiente como elas merecem, de não
conseguir ser uma mãe minimamente boa porque não sinto que
estou pronta para ser mãe, ainda que eu deseje ter minhas meninas
nos braços mais que tudo.
Queria que Matteo estivesse comigo para que a gente
pudesse compartilhar todas essas pequenas coisas e as grandes,
pudesse conversar sobre as meninas, cogitar nomes, pensar em
tudo juntos. Sentir o amor e o medo juntos, ou até mesmo gostaria
que ele estivesse aqui somente para que me consolasse em todas
as minhas inseguranças. E o mais engraçado de tudo é que nem
mesmo cobrei tais atitudes dele há onze semanas.
Há onze semanas eu entrei em seu apartamento decidida de
que, apesar dos receios, teria meu bebê, um serzinho único até
então. Independente do que Matteo me dissesse, independente se
ele quisesse ou não assumir. Independente da vontade dele, meu
bebê seria meu e pronto. Mas hoje me vejo desejosa de ter a
companhia dele, ter o pai das minhas filhas para compartilhar os
momentos constantemente, não só por mensagens e consultas.
Desejo meu melhor amigo comigo, desejo que o cara que
sempre foi só isso, mas que virou algo muito maior nos últimos
meses, esteja comigo todos os dias, em todos as horas, mesmo que
não somente com sua presença física. Quero o que a gente tinha
até uma semana atrás, porém mais evoluído, melhor. Quero sua
companhia, mas não quero ser só uma companhia para ele, quero
ser mais.
Pela primeira vez na minha vida, desejo que me seja dada a
prioridade que sempre neguei, que nunca quis. Quero ser a primeira
pessoa que ele pensa ao acordar e que se lembre de mim ao deitar
para dormir. Quero ser a pessoa que ele possa dizer que ama e que
esse sentimento seja real, e quero que ele se sinta assim por mim e
não só por quem eu represento atualmente em sua vida, a mãe de
suas filhas.
Mas quando finalmente me deito a noite, sei que quero
demais e talvez não seja suficiente só querer. Entretanto, também
não sei se estou pronta para ceder o suficiente, me dar o suficiente
para tentar tudo. Porque não sei se sou capaz de conseguir sair de
qualquer decepção que eu possa ter. E isso me faz dormir um pouco
chorosa, de carência ou saudade de alguém mais importante do que
eu gostaria que fosse.
 

 
GIRO O COPO NA MINHA MÃO MAIS uma vez antes de largá-lo de
novo na mesa de centro da sala. A lareira acessa me dá o único
barulho presente na sala, ainda que ela seja falsa e não crepite de
fato. É a gás. Ainda assim parece necessário que exista algum
barulho para o momento que não me faça sentir tão solitário hoje.
Passei o dia pensando em somente uma coisa e por mais
estranho que pareça meu medo de que o dia de hoje fosse marcado
pela tragédia de dois anos atrás, foi outra pessoa que preencheu
minha mente. Brooke se foi há dois anos e mesmo que eu ainda
sinta sua falta, isso parece um pouco menos marcante do que
antes, menos forte, mais como uma lembrança de uma pessoa que
foi muito boa para mim e que poderia fazer parte da minha vida,
mas não faz mais. Não está mais aqui.
A aliança deixada na caixa de um relógio que nunca é usado,
em uma das gavetas mais abaixo do closet, mal foi lembrada nos
últimos dias. E talvez eu tenha mantido minha mente ocupada
demais com tudo ou somente meus pensamentos mudaram para
outra direção. Sei que foi uma mudança tardia e que fez com que
eu, nesse momento, me sinta solitário de uma forma que não tinha
me sentido até então.
Estava triste e em um luto infinito, mas não me sentia sozinho
como agora. Sempre desejei que Brooke estivesse comigo, mas era
um desejo distante, por saber que não se concretizaria mesmo que
eu desejasse com muita força.
Hoje foi o aniversário de morte da minha ex-noiva, a quem
amei mais do que achei que poderia amar alguém, quem me
ensinou muitas coisas sobre o amor, mas que partiu de uma forma
que demorei muito a superar. Demorei demais para deixá-la ir em
paz, sem que ansiasse por respostas que não fariam diferença
alguma. Demorei demais para perceber que deveria deixar que ela
se fosse, que saísse da minha vida como deveria e manter ela
somente como uma memória saudável e feliz.
Por esse motivo, justamente no dia de hoje, a pessoa em
quem mais pensei foi naquela que podia estar aqui, mas que eu
deixei ir sem me esforçar nenhum pouquinho para fazê-la ficar.
Deixei que me afastasse, que me mandasse ir embora e que
simplesmente cortasse o fio tão fino que eu deixei que ficasse entre
nós. Mesmo que eu desejasse ter feito algo.
Penso que, por estar tão errado na situação, não me achei no
direito de falar algo, de tentar um pouco mais por nós dois. Ela não
estava errada, porque sei que a falta de posicionamento estava
machucando Daphne mais do que me permiti admitir e mudar. Ainda
assim, fiz pouco de tudo e desejava ter feito mais. Ter agido
diferente, ter priorizado antes tudo o que deveria e tudo o que queria
comigo agora.
Finalizo a bebida no copo, por puro desperdício para não
jogar fora um bom copo de uísque, da mesma forma que fiz com
duas taças de vinho. Talvez achasse que precisava beber hoje, para
superar o fato que Brooke se foi há dois anos, mas descobri que
não era necessário. Talvez seja para o fato que todas as sete
mensagens que deixei no celular de Daphne hoje não foram
respondidas, mas ainda assim não houve motivo específico para
que eu desejasse beber de verdade.
Checo meu celular mais uma vez, na esperança que talvez
alguma mensagem tenha surgido quando não percebi, mas segue
sem nenhuma notificação. Não consigo evitar um suspiro quase
triste demais para o meu gosto enquanto ando até a cozinha,
deixando o copo junto com a taça na lava-louças. Aproveito para
pegar uma garrafa de água e começo a apagar as luzes do andar de
baixo. São mais de uma da manhã e normalmente só vou para
cama tão tarde se algum trabalho me exige tal coisa.
Uma mensagem vibra contra o tecido do sofá e
estupidamente quase corro de volta para a sala para pegar o
aparelho.
 
Daph: Ei.
Daph: Ainda acordado?
 
Sem pensar duas vezes, ligo para ela que atende depois de
três toques.
“Oie, estou!”, digo, de prontidão. “Está tudo bem?”
“É… sim, na verdade nem sei porque mandei mensagem.”
Franzo a testa sozinho enquanto me sento no sofá. “Quer dizer, é
sexta à noite, normalmente as pessoas têm coisas mais
interessantes para fazer e… e eu tinha prometido a mim mesma que
não… que tentaria não te incomodar hoje porque hoje é hoje e… é,
você sabe.”
“Daphne…” Minha voz falha mais do que a dela.
“Eu só acabei me sentindo um pouco…. não sei. Acho que
são as crises das vinte semanas.” Ela solta um riso seco, mas tenho
quase certeza que ouço ela fungar um choro reprimido. “Me
desculpa, sei que hoje é um dia difícil. Nem mesmo sei porquê te
liguei. Deveria…”
“Ter me ligado! Deveria ter me ligado e fez certo”, completo,
antes que ela possa falar algo. “Daphne, eu estou aqui! De verdade,
não só porque precisa de alguma coisa. Estou aqui para tudo e tô
cansado de ver você pisando em ovos todas às vezes que fala
comigo. Passei o dia inteiro achando que estava me ignorando por
causa de alguma coisa que fiz. Passei o dia inteiro esperando que
me mandasse uma mensagem, nem que fosse só porque precisava
que eu buscasse seu almoço, ou sei lá, qualquer coisa.” Suspiro
cansado, passando a mão livre no meu cabelo já despenteado por
fazer o movimento vezes demais essa noite.
“Hoje é o dia que a Brooke morreu, não queria invadir esse
espaço.”
“E eu passei o dia inteiro desejando que você… invadisse
esse espaço. Não porque hoje é… hoje, mas porque… eu não sei.
Eu tô cansado e confuso, me sinto tão imaturo para um cara de
vinte e sete anos e queria que a gente parasse de fingir que está
tudo bem e que não precisamos conversar. Estou cansado de fugir
de algo por medo, suprimir as coisas por medo”, admito, me
arrependendo em seguida por não pensar o suficiente antes de
falar.
Ela fica em silêncio por um tempo longo demais e quando
penso em verificar se ela não desligou a chamada enquanto eu fazia
meu pequeno monólogo de um adolescente estúpido de quinze
anos, que nunca teve ninguém e está conhecendo qualquer coisa
próxima do amor pela primeira vez. Bem, quando penso em verificar
se ela não desligou, Daphne torna a falar.
“Estou na sua porta.” Sua voz sai tão fraca e tão baixa que
por um instante cogito ter ouvido o que meus pensamentos desejam
ouvir. “Estou na sua porta”, ela repete, mais forte, quando já me
coloco de pé e caminho a passos largos até a porta.
Não digo nada, com medo de acabar me iludindo com
qualquer fala confusa dela. Só pego minha surpresa e viro a chave
duas vezes destrancando a porta, antes de me desfazer da segunda
trava e finalmente abrir a maldita porta. Encontro Daphne do outro
lado com um olhar tão não Daphne.
Ela segura o telefone contra o ouvido, seu rosto parece já ter
sido manchado de lágrimas, mas não consigo negar olhar para os
olhos inchados e prestes a chorar. Seu cabelo é uma confusão
presa num rabo de cavalo. Suas roupas me apontam que talvez o
ato não tenha sido muito pensado quando ela resolveu bater na
minha porta.
“Daph…”, consigo dizer, enquanto ela me olha e dá de
ombros, segurando muito bem seu choro enquanto abaixa a mão
que segurava o telefone na orelha.
“Crise das vinte semanas?”, ela diz, antes que a primeira
lágrima caia e eu a puxe para dentro em um abraço apertado, me
sentindo egoísta o suficiente para aproveitar isso como eu queria
poder aproveitar todos os dias.
Abraço seu corpo soluçante contra mim, forte, enquanto ela
envolve seus braços em volta da minha cintura. Fecho a porta com
um empurrão com o pé e ficamos assim no pequeno corredor de
entrada do meu apartamento. Beijo o topo da sua cabeça e acaricio
seus cabelos castanhos macios enquanto ela molha minha camiseta
com suas lágrimas. Deixo que Daphne chore e se sinta abraçada
por mim.
Penso em todas as outras duas ligações estranhas que ela
me fez desde que descobrimos o sexo dos bebês. Com a voz
estranha, assuntos sem pé, nem cabeça antes de dizer algo sem
sentido e desligar a ligação, recusando que eu fosse até seu
apartamento. Cogito se o motivo de hoje não é o mesmo,
acumulado com toda a tensão do dia, todo seu receio em falar
comigo.
Ao mesmo tempo, não penso em nada que não confortar ela
para seja lá o que esteja sentindo até que seus soluços sejam mais
espaçados e eu sinta sua respiração acalmar. Ainda assim, não me
sinto corajoso o suficiente para soltá-la, afastar o seu corpo do meu.
Me deixo ser egoísta só mais um pouco, mesmo que odeie pensar
que meu egoísmo está posto em um momento de fragilidade dela.
Mas não consigo me odiar por desejar que eu a sinta próxima assim
mais um pouco.
Porque venho desejando isso há muito tempo, mesmo que
até então fosse covarde demais para admitir.
Puxo ela comigo até que eu suspenda seu corpo do chão e
mesmo sem a intenção disso, Daphne enlaça suas pernas em volta
da minha cintura de forma desjeitosa até que eu sustente seu corpo
e a carregue para sala. Sento-me quando ela finalmente respira
fundo e me olha. Limpo suas bochechas e aguardo até que ela
esteja pronta para falar, se for isso que quer.
“E se eu não for uma boa mãe?”, ela solta, antes de voltar a
chorar e seguro seu rosto virado para mim.
“E se você for a melhor mãe do mundo para elas duas? O
que eu tenho a certeza que será”, replico.
“Não tenho experiencia nenhuma, sou jovem e mal consigo
ser responsável o suficiente por mim mesma.”
“Ninguém nasceu com experiência, você tem vinte e quatro
anos o que não significa que é velha, mas também não é jovem. E
você é uma das pessoas mais determinadas e fortes que eu
conheço. Você está se fodendo para o dinheiro dos seus pais, para
o legado, para qualquer baboseira do tipo. Você pegou o que
desejava fazer da sua vida e fez, se tornou uma ótima advogada,
muito bem falada nos grandes círculos de advogados de Boston,
ainda que não bem remunerada o suficiente.”
“Sou uma recém-formada”, ela justifica, e tenho vontade de
revirar os olhos.
“É uma profissional incrível que conquistou o próprio espaço
num meio desconhecido sem usar um sobrenome almofadinha para
isso. Você é mais responsável do que pensa. Cuida da sua própria
vida, paga suas contas sem precisar da ajuda de ninguém. É
independente e tem uma carreira mais do que brilhante pela frente.
Vai ser a mãe que as meninas terão muito orgulho de ter, e será
uma ótima mãe!”, repito, e Daphne deixa mais algumas lágrimas
caírem, me fazendo acreditar que são mais involuntárias do que
qualquer coisa.
“Por que sinto que não serei?”
“Porque está insegura agora e é normal. Eu surto o tempo
inteiro sobre o fato de não poder ser o suficiente para elas, não ser
bom, não ter a capacidade de protegê-las como gostaria, de falhar
por não saber o que fazer.”
“Então por que nunca aparenta isso?”, ela pergunta frustrada,
empurrando meu peito de leve ainda que não faça efeito, uma vez
que ela está no meu colo. “Sempre parece tão… certo e confiante
em tudo.”
“Eu não estou! Tenho medo de errar, mas daí eu lembro que
mesmo com medo, elas seguem sendo as melhores coisas que me
aconteceram em muito tempo. E… o amor que eu sinto me faz
superar esse medo e substituir ele pela ansiedade de conhecer elas,
segurá-las comigo e poder sentir…” Sem pensar, levo a minha mão
a sua barriga.
Daphne está sentada sobre minhas coxas e, tocando sua
barriga agora, penso em como ela está bem maior do que da última
vez que a vi, ou talvez seja a forma como o moletom abraça muito
bem o formato arredondado. Achei que ela estaria bem maior por
agora, principalmente por serem gêmeos, mas Margot diz que é
normal pela primeira gravidez e estrutura de Daphne.
Ainda assim, não posso evitar ficar encantado todas às vezes
que vejo e que sinto as meninas crescendo.
Ficamos assim por um tempo até que ela encoste a cabeça
no meu ombro, colocando sua mão por cima da minha. Um suspiro
pesado sai pelos seus lábios.
“Está ficando cada vez maior. Parece que todos os dias
acordo maior, ou isso pode ser porque cada vez menos roupas
antigas me servem.” Ela me olha. “Mas acho que já me habituei com
o tamanho, ou pelo menos não me incomodo tanto como a maioria
das grávidas que me encontram pela rua dizem que se
incomodaram nesse período.” Olho para ela com o cenho franzido.
“Algum tipo de pacto entre mulheres grávidas pelo que parece.”
“Tudo bem”, digo, de forma arrastada.
“Me desculpa.”
“Não tem nada com o que precise se desculpar.” Na verdade,
sou eu quem tenho uma enorme lista de motivos.
“Por vir aqui e por, outra vez, ter esse mini surto sobre o
mesmo assunto.”
“Não chame assim! É normal que se sinta dessa forma às
vezes, mas…, mas quero que saiba que eu estou aqui para te
ajudar ou fazer alguma coisa.”
“É só que hoje é um dia… puxado para você.”
“E passei o dia inteiro pensando em você”, admito.
Daphne pressiona os lábios juntos, parecendo não saber se
acredita na minha afirmação ou não. Ela se afasta e começa a se
acomodar para fora do sofá.
“Daphne…”, começo, segurando sua mão, pronto para pedir
desculpas por falar a coisa errada outra vez quando ela me corta.
“Preciso ir ao banheiro. Bexiga minúscula é um dos males”,
ela diz, e minha expressão confusa faz com que ela sorria de canto
antes de sair da sala.
Me levanto e volto para a cozinha, pegando a água antes
abandonada no balcão pela notificação de mensagem e bebo dois
grandes goles. Caminho até a porta e talvez por precisar fazer algo
com as mãos, tranco a porta novamente no momento em que
escuto os passos suaves dela ecoarem de volta para a área comum.
“Vai ficar, certo?”, pergunto, de uma forma que não me
satisfaz nem um pouco, porque me sinto vulnerável de certa forma.
Por outro lado, penso que talvez eu devesse me permitir sentir mais
o que tenho guardado e exprimir meus desejos. E não quero que ela
vá embora.
Daphne dá um aceno, novamente com um sorriso de canto.
“Acho que a gente devia conversar”, falo.
“Podemos dormir primeiro?”, ela brinca, quase voltando
novamente a Daph de sempre e sorrio enquanto caminho até ela.
“Foi um dia longo.”
“E é tarde. Então dormir primeiro”, replico, e ela concorda.
Acabamos os dois parados no mesmo lugar até que Daphne
comece a rir baixo.
“Conversar primeiro então.” Sua mão alcança a minha e ela
começa a me puxar até o andar de cima.
“Quero ficar com você”, digo, antes de chegarmos no meio da
escada e Daphne para um instante antes de seguir até alcançarmos
o corredor do segundo andar. “Estou falando sério. Nos últimos
meses, você me mostrou que eu estava errado sobre tantas coisas
e eu fui muito errado em não compreender isso antes, em não
valorizar o presente”, continuo, enquanto andamos até o quarto.
“Você… trouxe de volta uma parte que eu achei que estava perdida
para sempre. Não sei se teve a intenção, mas acho que, de certa
forma, me salvou de algum tipo de caminho obscuro que eu mesmo
me coloquei e… e quis ficar lá até você.”
“Não sei se eu fiz muito a não ser… engravidar”, ela aponta,
se sentando na beirada da cama.
“Eu não sei. Mas você fez algo que mudou, que virou uma
chave dentro de mim e me fez perceber que talvez eu devesse parar
de sentir tanta pena de mim mesmo. Me fez perceber que eu
deveria parar de viver no passado quando tanta coisa está
acontecendo agora na minha vida.” Me ajoelho na sua frente. “Eu
me mudei para Boston com um intuito: deixar tudo para trás. Mas
não fiz nada além de me mudar de cidade para que isso
acontecesse. Após a morte da Brooke me senti tão frustrado, com a
vida, comigo mesmo. As coisas fugiram do meu controle e eu odiei
todos os minutos disso. Sempre gostei de ter o controle de tudo, de
planejar minha vida, saber como e quando as coisas vão acontecer.”
“Matteo…” Poucas às vezes vi Daphne parecer não saber o
que falar, e agora parece um deles. Espero, mas ela somente morde
o lábio, por isso continuo.
“Quero ficar com você porque pela primeira vez em todo esse
tempo algo que eu não planejei aconteceu e foi muito bom. Eu e
você, as meninas, todas as coisas. Descobri que as coisas estavam
fora do meu controle e eu não quero que isso mude, porque gosto
do que tá acontecendo. Sei que fui um pouco… babaca por não
notar antes, mas é isso.”
Daphne me olha com um meio sorriso, com as mãos juntas
no colo e seu silêncio que me deixa um pouco ansioso. Odeio não
ter o controle das coisas, mas, mesmo que eu nunca consiga ter
controle algum de tudo o que acontece entre mim e ela, gosto de
pensar que ainda somos algo. Porque o tempo que ficamos juntos,
fingindo que não estávamos juntos e em um relacionamento medido
por regras, foram os melhores dias dos meus últimos dois anos.
Ela me faz rir e sentir que tudo vale a pena de forma que eu
não acreditava mais. Depois da morte da Brooke, pensei que nunca
mais amaria, que nunca mais me sentiria dessa forma com alguém,
que nunca mais desejaria ter uma pessoa com a qual passar tudo o
que eu passava com ela, tudo o que vivemos juntos. Mas Daphne
apareceu sob uma nova ótica, me mostrou que posso ter isso de
novo, de forma nova e diferente.
“É estranho, sabe? Eu e você”, ela diz, e eu arqueio uma
sobrancelha, mas ela ri baixo. “Tipo, nos conhecemos há,
literalmente, uma vida. E agora, aqui estamos.” Ela dá de ombros.
“É só estranho para mim, entende. Não ruim, só estranho. Como
se… sei lá, como se a gente estivesse lado a lado por anos e do
nada, aqui estamos nós.”
Penso por alguns instantes e teoricamente ela está certa.
Nem mesmo é justo colocar como se fosse o momento do destino,
porque significaria que todas as coisas ruins que aconteceram até o
momento seriam justificadas e não são. Mas sempre estivemos um
ao lado do outro. Somos amigos, vivemos em um grupo da alta
sociedade de Nova York em comum, seu irmão é, ou era, meu
melhor amigo e Rebecca é sua melhor amiga.
“Talvez o destino tenha decidido que, com tudo o que tá
acontecendo na nossa vida, seria uma boa ideia fazer com que a
gente se cruzasse de forma diferente.” Mas eu faço uma careta para
o que digo. “Péssima fala, eu sei.” E ela ri de mim. Seus olhos estão
molhados, mas ficam ainda mais brilhantes com seu sorriso tímido.
“Você se arrepende?”
Daphne fica um pouco em silêncio, e franze as sobrancelhas
rapidamente. Provavelmente demora um pouco para compreender o
que quero dizer, então suspira e dá de ombros.
“Não. Mudaria uma ou outra coisa sobre àquela noite, sobre
nós dois depois dela, mas não me arrependo. Já pensei sobre isso,
mas não. Não me arrependo de ter ficado com você, ou porque
levou a isso...”, ela diz, passando as mãos ao redor da barriga.
“Queria que algumas coisas tivessem sido diferentes. Talvez se
tivéssemos sido honestos um com o outro, teria sido um pouco mais
simples, menos complicado.”
“Queria que tivesse me falado antes sobre tudo. Desculpa por
ter sido um pouco babaca.” Seguro seu rosto entre minhas mãos.
“Eu pensei que talvez não tivesse esse direito.”
“Se formos tentar, e eu quero muito tentar, precisa entender
que tem esse direito. Não quero que sinta que meu passado é algo
ruim para o meu futuro, pra gente. O que eu vivi com a Brooke foi
algo que nunca vivi antes, e ele se aplica com você. É diferente, e
bom de formas diferentes.” Eu amei minha noiva de uma forma que
chegava a doer. Ela era perfeita, mesmo com os defeitos; doce,
inteligente, querida por todos, gentil, tão parecida comigo, mas, ao
mesmo tempo, tudo aquilo que bastava para me completar.
Brooke apareceu na minha vida quando achei que não
precisava daquilo. Estava em uma ótima glória de jogador de futebol
americano da faculdade, tinha boas festas, boas notas, bastante
opções. Mas ela trouxe algo que me fez diferente, melhor. Me fez
sentir algo novo e muito bom. E nossa vida juntos foi perfeita apesar
de tudo. Entretanto ela se foi, e ainda dói pensar nisso, mas ela se
foi.
Daphne me dá um aceno suave e me inclino para beijar sua
testa. Recebo um sorriso de canto.
“É tarde e está cansada. Vamos dormir.” Não quero a cansar
ainda mais com esse assunto e talvez não devesse nem mesmo ter
iniciado ele ainda hoje. Ela acabou de ter algum tipo de crise sobre
ser mãe a aqui estou eu, forçando-a para uma conversa sobre nós
dois. Ela me dá outro aceno e me levanto. “Vou tomar um banho,
fique à vontade se quiser pegar algo no closet.” Faço um gesto com
a mão para o local.
“Está congelando”, ela comenta, e no mesmo instante olho
para o painel do aquecedor no quarto. “Lá fora. Está uns quatro
graus negativo.”
“É, mas eu ainda estou cheirando a escritório e hoje foi um
dia ruim por lá”, explico, sem precisar colocar que, desde a hora que
cheguei em casa, me encontrei em um estado melancólico com um
copo de bebida na mão.
Novamente recebo só um aceno de cabeça e depois de
perceber que ela não vai dizer mais nada, viro as costas para pegar
minhas roupas antes de entrar no banheiro. A última coisa que vejo
antes de fechar a porta é Daphne dar um grande bocejo e então se
levantar da cama para caminhar até o closet.
Isso deveria ter sido um indicativo de que, alguns minutos
depois, quando eu saísse do banheiro cheio do vapor do chuveiro,
seu corpo já estaria esticado na cama e sua respiração estaria
bastante profunda pelo sono. Deito-me ao seu lado e mesmo após
apagar todas as luzes, não resisto ao impulso de acariciar os
sedosos fios castanhos que se espalham pelos meus travesseiros e
provavelmente deixaram o cheiro do seu perfume floral por ali,
mesmo após as fronhas serem trocadas.
Mas somente fico aqui, escutando o som da sua respiração,
alguns gemidos de insatisfação durante o sono e sua movimentação
agitada até que eu finalmente também caia no sono.
 

 
ACORDO COM UM BRAÇO NA MINHA cara e um corpo quase
inteiramente deitado em cima do meu. Apesar do meu próprio
desconforto, Daphne parece dormir como um bebê e nem mesmo
se importa quando preciso fazer esforço para tirar meu braço
dormente de baixo do seu corpo. Com certa demora, me movo para
longe dela e tomo meu tempo na ponta da cama, observando seu
rosto pacífico dormindo antes de finalmente sair dali com medo de
acordá-la.
A mesa de cabeceira com o relógio digital me diz que passam
pouco após as oito da manhã e o sol não fez muito efeito por trás
das nuvens pesadas do inverno em Boston. Aqui a estação é bem
mais pesada do que em Nova York e ainda estou tentando me
habituar com isso. Pelo menos o aquecedor do apartamento é bom
o suficiente.
Levanto-me, esticando a coluna e me viro ao escutar o
farfalhar dos lençóis, pegando Daphne se virando na cama,
enrolada no edredom grosso e fofo. Seus cabelos parecem um
pouco mais escuros agora pela falta de iluminação no quarto e se
espalham pelos travesseiros da minha cama. Ela trocou somente a
parte de cima das roupas que chegou ontem por uma camiseta
minha de algodão grossa com mangas longas. Sua respiração
profunda me indica que ela não está nem perto de acordar, por isso
vou até o banheiro.
Depois de vestir um jeans claro e um suéter cinza, desço
para a cozinha e começo a me ocupar em fazer o café da manhã.
Itens frescos de uma padaria na próxima quadra chegam nem
mesmo dez minutos após serem pedidos e acomodo-os na mesa
junto com as frutas. Estou finalizando de montar o café com ovos
mexidos e panquecas com mirtilos quando escuto os passos
descendo as escadas.
Nove horas indica no relógio, e Daphne caminha até mim
com um sorriso pretensioso. Pelo menos isso indica que ela não
acordou com qualquer tipo de enjoo matinal. Levanto uma das
sobrancelhas em sua direção enquanto coloco o último prato na
mesa.
“Bom dia”, minha entonação sai mais para uma pergunta do
que qualquer coisa.
“Bom dia”, ela responde. “Dormi como um anjo essa noite.”
Mas conheço Daphne o suficiente para saber que essa é
somente sua forma de colocar algum assunto inicial antes de ir ao
ponto que ela quer. Por isso me abstenho de cometar que ela ter
dormido feito um anjo deve ter sido porque sou um ótimo travesseiro
ou algo do tipo.
“Isso é bom”, falo, enquanto a convido para se sentar.
“Então…”, Daph começa, me dando um olhar estranho. “Você
está montando um quarto de bebê.”
A afirmação dela, junto com a curiosidade extrema em seus
olhos, faz com que o suco de laranja desça errado em minha
garganta e tusso algumas vezes antes de responder.
“Sim”, a palavra sai tremida pelos meus lábios. “Sim!”, repito
mais firme. “Acabei pensando que seria interessante, talvez,
começar a montar um. O apartamento tem quartos de sobra.” O que
não é uma mentira. É grande demais para que eu more sozinho e
mesmo que sempre tenha apreciado o luxo, às vezes penso se não
é um exagero. “Ainda tá no começo, como deve ter percebido.”
Porque eu creio que ela deva ter passado pelo quarto enquanto
descia.
“Sim. Mas já é algo.” Daphne suspira e bebe um gole de
água. “Quer dizer, além de roupas e alguns utensílios, não tenho
nada. Pensei em comprar uma cômoda para começar a organizar
isso.”
Penso em oferecer ajuda, porque sei que o seu salário é
bom, mas para uma pessoa sozinha, e além de tudo seus pais
parecem pouco interessados em sua vida ou na vida das netas.
Entretanto, o olhar de advertência de Daphne faz com que eu
reprima o comentário.
Comemos por poucos minutos no silêncio do tilintar de copos
e talheres até que um pensamento me ocorre.
“Não acha que isso soa muito presunçoso da minha parte,
não é? Tipo eu estar fazendo um quarto aqui para as meninas.”
Daphne para sua mastigação no meio, como se ainda
estivesse relacionando o que disse e então, bebendo um gole de
suco para terminar de engolir antes de balançar a cabeça em
negação veemente.
“Não mesmo. Quer dizer, acredito que isso mostra que está
mesmo fazendo seu cargo, não?”, ela responde, com um dar de
ombros. “Fico feliz.” Seus olhos azuis me fitam e um meio sorriso sai
pelos seus lábios. “Que esteja mesmo nisso.”
“Você ainda acha que a qualquer momento vou pular fora.
Pedir um teste de paternidade e algo estúpido assim”, minha
afirmação sai meio dura, mas sei que é isso que ela pensa às
vezes.
“Não é fácil”, Daphne rebate. “Eu amo os bebês, mas
entenda que isso não é algo que eu possa fugir e não seria
novidade alguém na sua posição fugir. Além disso, você tem muito
mais do que só um meio para fazer isso. Eu não seria nem mesmo
burra para tentar competir com um Drake na justiça.”
“Provavelmente se precisasse de tal coisa, Mike faria por si
só o processo de Laurent-Davis contra homem morto.” E isso
parece alguma boa piada para ela, porque sua gargalhada preenche
o andar de baixo do meu apartamento. “E outra, sabe que não faria
algo assim. Não me compare com qualquer cara escroto por aí.
Somos como família desde o dia que nascemos, e agora somos
literalmente uma família.”
Mas Daphne somente me olha com um suspiro antes de
voltar a atenção para o prato a sua frente.
“Eu sei que… quer dizer, não sei, mas acho que não deve ser
nada fácil e que ainda tem inúmeras questões sobre tudo isso na
sua cabeça, mas pode ter uma certeza. Estou aqui, por você e por
elas. Achei que tivesse conseguido deixar isso claro. Não precisa
estar comigo para poder contar comigo.”
“Eu sei disso.”
Não parece, tenho vontade de retrucar.
“Algumas coisas me fazem notar cada vez mais como tudo
isso é real. Em quatro meses terei mais duas criaturinhas para criar.
Serei oficialmente mãe.” Ela faz uma pausa. “Ver o quarto sendo
montado aqui me fez perceber que talvez eu ainda não esteja pronta
o suficiente para isso.”
“O que quer dizer?”
“Sim, eu quero isso. Já passei dessa fase e nem mesmo
consigo imaginar minha vida agora sem estar grávida e sem me
pensar com minhas meninas, mas é só isso sabe? Me vejo daqui
alguns meses com dois bebês nos braços, mas não sei mais do que
isso. Como vou lidar com a situação, se não farei absolutamente
tudo errado.”
“Jura? Achei que todos nascessem com algum tipo de
manual embutido”, digo debochado, e ela me olha feio. “Eu entendo
que se sinta perdida”, continuo mais calmo, deixando de lado minha
comida. “Ninguém acerta tudo de primeira. São duas crianças, já é
mais do que o normal para qualquer mãe surpresa de primeira
viagem. Mas você ao menos está tentando, sei que está. Quer fazer
as coisas darem certo.”
Ela suspira outra vez, passando as mãos pelos cabelos e
bagunçando a franja em sua testa antes de deixar ambas as mãos
no rosto.
“Tente não querer o controle de tudo. Aproveite o momento
de agora, planeje com calma. As coisas vão sair melhor assim”,
digo, alcançando um de seus pulsos.
“É quase irônico que logo você esteja me pedindo para
planejar as coisas com calma”, ela debocha, destampando seu rosto
e então segurando minha mão. “Falando no organizado senhor
Drake, ele não tem, sei lá, mil coisas no escritório, uma monografia
para escrever ou algum mundo para salvar?”
“Tirei o dia de folga.” Mas ela me olha desconfiada. “Meio que
de última hora, mas é verdade.”
Daphne revira os olhos antes de voltar sua atenção aos ovos
mexidos.
“Matteo Drake tirando o dia de folga por minha causa.” Seu
assobio é baixo e dou um riso. “Devo começar a me sentir
especial?” Suas sobrancelhas se arqueiam e balanço a cabeça em
negação a pergunta boba.
“Você é”, digo sem pensar muito.
Ela engole em seco e desvia o olhar.
Retiro meu prato e começo a limpar a pequena bagunça da
cozinha enquanto Daphne finaliza seu café da manhã. Estou
distraído colocando os talheres no lava-louças quando ela entra e se
coloca ao meu lado. Seu prato passa na água corrente antes de ir
para lavar e fecho a torneira observando-a.
Seus braços passam pela minha cintura e ela se acomoda
em meus braços. Depois do seu estranho silêncio pela minha
pequena afirmação, isso é, teoricamente, bom. Envolvo seus
ombros com um braço e planto um beijo no topo de sua cabeça.
“Acho que vai nevar hoje”, ela diz. “Talvez seja melhor passar
um dia de folga em casa. Provavelmente deve ter algum canal
maratonando os melhores sitcoms[4] dos anos 2000.” Daphne
levanta a cabeça, encostando o queixo no meu peito para me fitar
com uma pergunta nos olhos.
“Parece uma boa ideia.” Mesmo não sendo o maior fã do
gênero.
Me inclino um pouco e deixo um beijo suave em seus lábios
antes que Daphne aperte ainda mais seus braços entorno de mim,
não se afastando tão fácil e com um sorriso de canto, faço o
movimento mais uma vez, me demorando um pouco mais e
recebendo um gemido de aprovação entre o beijo.
 

 
Apesar dos meus muitos protestos, Daphne decidiu não
passar o domingo comigo, nem mesmo passar outra noite em meu
apartamento e voltou para o seu no fim da tarde de ontem. O que
me fez incrivelmente entediado ainda que pilhas crescentes de
pesquisas estejam na minha mesa do escritório, esperando serem
lidas e analisadas para que eu prossiga com a minha própria
pesquisa.
Ou também posso falar sobre os muitos e-mails na minha
caixa de entrada, provavelmente relativos a problemas não tão
urgentes ou que não são necessariamente eu quem preciso resolver
ou teria também inúmeras ligações no meu celular.
Mas, já me sentindo bastante indiferente a tudo isso, decidi
utilizar a tarde de domingo ouvindo algum podcast sobre, pasme,
paternidade. Depois de tudo o que aconteceu na madrugada de
sábado, toda a insegurança que ainda vejo nos olhos de Daphne
todas as vezes que conversamos sobre o assunto, me senti quase
na obrigação de, ao menos, tentar parecer mais conhecedor das
coisas. Ou ainda mais interessado.
Com meus fones via bluebooth, me sento no chão do quarto
de visitas que tenho transformado em um quarto de bebê e leio mais
uma vez atentamente o manual de uma cômoda. Talvez, caso exista
alguma próxima vez, ou na compra de móveis durante o
crescimento das meninas, eu deixe de lado toda essa parte do faça
você mesmo e não compre pela internet.
Um montador deve fazer isso com uma agilidade que eu não
tenho, ainda que não queira admitir isso tão alto e claro. A voz
masculina que participa de algum debate sobre os primeiros dias de
recém-nascidos é interrompida pelo toque do meu celular e em um
gesto rápido atendo.
“Oi”, digo, um pouco mal-humorado, ainda não sabendo
quem está do outro lado da linha uma vez que meu aparelho está
apoiado em uma prateleira já montada do outro lado do quarto.
“Se é para ter tanta doçura no seu tom de voz, talvez fosse
mais eficiente se lesse mensagens de texto.”
“Pelo jeito é algo do dia na família”, retruco Rebecca no
mesmo tom. “Mas como isso não é muito habitual para você, o que
aconteceu?”
“Nada.”
“Você mente mal”, digo, enquanto aperto um parafuso e
penso quem, sem noção alguma, criou os mecanismos de uma
gaveta. “Não deveria estar aproveitando seu domingo com seu
noivo em seu noivado feliz e etc.?”
“Zach foi ver um jogo com alguns amigos do trabalho.”
“Rebecca, pergunte logo o que quer.”
Ela resmunga e parece se jogar em algum lugar, uma cama
ou sofá.
“Acabei de ligar para o papai e… não sei, tô achando ele
estranho. Esses dias falei com a mamãe e foi a mesma coisa. Acho
que tem algo acontecendo e eles não estão contando para gente.”
Agradeço o fato de Becks não estar na minha frente nesse
exato momento porque não sou o melhor disfarçando minha
surpresa para ela. Minha irmã mais nova me conhece bem o
suficiente. Limpo a garganta e, graças, penso em uma desculpa boa
e rápida.
“Deve ser o fato que ambos nos mudamos, talvez ainda
estejam se ajustando com todas essas mudanças.”
“Mas já faz seis meses.”
“Cada um tem o seu período de adaptação”, respondo na
lata, e pelo silêncio sei que Becks está pensando nisso e
provavelmente concordando.
“É… talvez.” Um silêncio se instala na conversa e eu sigo
mexendo nos parafusos, até que ela torne a falar. “Então… o que
está fazendo que nem mesmo se dignou a responder minhas
mensagens?”
E eu demoro o suficiente para responder, pensando no que
dizer. Não sei porque me sinto um pouco estranho de simplesmente
confessar a verdade para minha irmã, mas ainda assim a resposta
verdadeira não é a que passa pela minha cabeça.
“Ok, você tenta mentir muito mal. O que está fazendo e por
que quer mentir sobre isso?” E ela acrescenta rapidamente. “Espero
que não seja nada incrivelmente sórdido. Espere… está com
Daph?”
“Não compreendi exatamente a ligação de uma coisa com a
outra.” Mas a ingenuidade já não flui bem pelos meus lábios, por
isso Rebecca ri do outro lado. “Mas não, não estou com ela.”
“Então o que tá fazendo? Está me deixando bastante
curiosa.”
“Estou… montando um móvel.” Consigo visualizar minha irmã
caçula franzindo o cenho do outro lado. “Para o quarto das meninas
aqui na minha casa.”
“Isso faz um pouco mais sentido.” Mas sei que ela, de certa
forma, zomba de mim. “Quer dizer, mostra certo empenho e
dedicação, mas é totalmente chocante.”
“Me faz parecer um grande mimado.”
“Não tire palavras da minha boca, mas nenhum de nós dois
nunca foi muito dado a trabalhos manuais.” Ela acaba rindo baixo e
solto um riso abafado antes de encaixar finalmente a primeira
gaveta na cômoda. “Como você está? Não consegui ligar sexta e
ontem tivemos um jantar com os chefes do Zach.”
Pondero por um momento antes de relatar sobre os últimos
dois dias para ela, me impressionando que qualquer notícia ainda
não tenha chegado ao trio inseparável.
“Sim, acho que as coisas estão se encaminhando para um
bom rumo. Quer dizer, sexta-feira não é o meu dia favorito, mas
estou bem.” Tenho certeza que Becks me dá um aceno de cabeça
do outro lado da linha. “Daphne passou o dia ontem aqui em casa.
Foi bom”, me permito dizer.
“Oh… isso é bom. Quer dizer, além de tudo, são amigos.
Sempre se deram muito bem.” Suas colocações saem agitadas
antes que ela pergunte o que quer. “Vocês… estão juntos de novo?”
“De novo é algo um pouco relativo, mas acho que, de certa
forma, nos acertamos.”
Ela suspira.
“Pelo visto terei que procurar outra fonte de informação para
maiores detalhes.”
“Espero que siga não encontrando essa fonte”, retruco, na
nossa provocação leve de sempre.
“Ok, me contentarei com isso. Mas fico feliz por vocês.”
“Eu também.”
Ficamos em silêncio por um tempo, e às vezes sinto falta de
ter a companhia de Rebecca, como tínhamos até o último ano.
Sempre fomos próximos, protegemos um ao outro da nossa forma
sem ser sufocante. Tínhamos nossos momentos, ainda que ambos,
antes, fossemos contidos demais no que dizer. Essa característica
se esvaiu dela depois que começou a namorar com Zachary. Talvez
fosse algo sempre escondido dentro dela e que finalmente deixou
sair.
Não posso dizer que eu mudei muito, sempre fui o mesmo.
“Tá bem, era basicamente esse o motivo para a ligação. Volte
para os seus móveis, mas, se puder me dar o prazer de uma
resposta, ficaria feliz que visse o e-mail que te mandei na hora do
almoço. É importante e para amanhã!”
“Nunca uma simples ligação para checar no seu irmão mais
velho.”
“Sempre é uma ligação simples para checar meu irmão mais
velho, não faça drama.”
“Ok, irei olhar o e-mail.”
“Obrigada”, ela debocha. “Boa sorte com seus móveis.”
Rebecca desliga antes que eu possa pensar que realmente
precisarei de ajuda, não só com os móveis, mas com muitas coisas.
E a mentira contada tão rapidamente a ponto de nem mesmo ser
pego me vem à mente de novo. A culpa me preenche, mas de certa
forma, deve ser o melhor a ser feito para o momento ainda.
 

 
“VISITAS SURPRESAS PARECEM ESTAR virando o seu melhor
hobbie do momento”, digo a Matteo, antes que ele se incline e deixe
um beijo rápido nos meus lábios enquanto entra no meu
apartamento.
Longe de mim estar reclamando. Há três sábados, quando,
de certa forma, fizemos as pazes, ouvi palavras que provavelmente
nunca tinha ouvido antes e que me fizeram pensar muito. Nunca
quis me permitir um relacionamento, ou talvez nunca tenha achado
que isso era algo para mim. Ou o momento não foi conveniente para
ambos os lados.
Tentativas falhas se acumulam em meu currículo e,
honestamente, nunca me importei muito em ter casos breves e que
deram errado.
Mas muita coisa mudou nos últimos cinco meses até o
momento em que nos encontramos agora.
Gosto de suas visitas surpresas quase todas as noites, ou
das que passo em seu apartamento e fazemos programas nem
sempre de casais. Muitas vezes sentamos juntos para analisar
papeladas, ler alguns processos e estudar casos. Inúmeras vezes
dormi no sofá enquanto ele trabalhava em suas pesquisas e acordei
na cama, totalmente enroscada em seus braços.
Não é algo que planejei, ou um dia cogitei que aconteceria.
Entretanto Matteo tem se tornado uma peça frequente em minha
vida, uma peça da qual eu tenho apreciado muito, mais do que
antes já apreciava. Às vezes, sozinha pensando, cogito se tudo não
passa de ser uma questão de eu estar grávida, mas então
passamos horas abraçados no sofá da sua sala, falando sobre
coisas que não passam nem perto do tema gravidez, e isso me
deixa com menos dúvidas.
Matteo se mostrou uma pessoa que eu conhecia, mas ao
mesmo tempo não sabia nem mesmo metade das coisas sobre ele.
Três semanas não é muito, porém já é algo. E esse tempo me
mostrou um lado meu que não tinha conhecido ainda, ou ainda não
tinha conseguido a oportunidade de descobrir.
“Eu trouxe risoto de camarão com aspargos e corn dog[5]
daquela barraca no parque. Achei que fosse ficar interessada no
meu novo hobbie favorito.”
“Nunca disse que não estava”, brinco com ele de volta,
seguindo-o até a cozinha e abraçando sua cintura de forma pouco
ajeitada pela minha barriga de vinte e três semanas.
As sacolas são deixadas na pia antes que ele coloque seus
braços musculosos em volta de mim e me abrace contra o seu peito
igualmente forte e duro. Fico na ponta dos pés, tentando diminuir
nossos quase trinta centímetros de diferença e Matteo se inclina
capturando meus lábios e me dando exatamente o que mais quero
no momento.
Sua língua mal precisa provar da minha, ou seus lábios mal
precisam tocar os meus com muita urgência para que me sinta
completamente necessitada de mais disso. Minhas mãos percorrer o
abdômen firme e trincado dele, gerando um gemido baixo de Matteo
quando minhas unhas fazem o caminho pelos vários gomos
delineados até que eu chegue em sua nuca, entrelaçando meus
dedos em seu cabelo e o puxando mais para perto.
Não recebo resistência, muito pelo contrário. Matt afunda
seus lábios nos meus até que precise buscar por fôlego e ainda
assim corre o indicador pelo meu pescoço, afastando meus cabelos.
Deixando um rastro arrepiado ali para depois se abaixar mais para
encontrar a minha pele quente, apesar do frio, com os lábios
molhados.
Suspiro, me derretendo em seus braços que me cercam.
Mesmo com minha barriga em constante crescimento, a imponência
do corpo de Matteo ainda sempre me cobre por inteiro. Os braços
que se alargam quase do tamanho de minhas coxas, os ombros
largos, o peito forte, as mãos que cobrem minha bunda sem
dificuldade alguma. Uma massa deliciosa de músculos que adoro
explorar cada canto, como venho feito sem demora alguma nas
últimas três semanas.
Seus lábios traçam uma trilha perigosa entre meu pescoço e
meu colo, parando somente para aproveitar-se de meu suéter solto
para abaixá-lo o máximo, até que sua língua percorra o vale dos
meus seios inchados. Seus olhos me olham com quanta malícia que
não contenho um barulhinho vindo da minha garganta enquanto ele
faz esse movimento ser a coisa mais sensual que já vi na vida.
Sinto-me fraca, meus joelhos parecem achar que o desejo é
pesado demais para suportar. Meus dedos quase se atrapalham
para empurrar seu terno para longe dos ombros, e ele consegue
ficar ainda mais bonito quando começa a ficar descomposto de sua
figura de advogado CEO. Os fios castanhos se bagunçam pelos
meus dedos que acabaram de percorrê-los, sua camisa está
amassada e não me atento a isso enquanto a desabotoo sem
delicadeza alguma e as mãos dele se aventuram por baixo do tecido
grosso de algodão do meu suéter.
Quando a camisa branca revela o contraste com a pele
tatuada por debaixo dela, não consigo conter minhas mãos que
exploram tudo por ali. Os trapézios bem desenhados, os mamilos
que enrijecem pelo meu toque juntamente com um som de prazer
vindo de Matteo, os oito gomos bem-feitos do abdômen dele os
quais traço com as unhas, até chegar no cós da sua calça.
Seu olhar me acompanha de perto, faminto. Não consigo
controlar o súbito arrepio que me percorre de puro desejo e
carência. Preciso do corpo dele, preciso dele dentro de mim, preciso
das sensações de ser levada ao extremo por ele como tenho sido
levada nas últimas semanas.
Minha boca alcança a sua outra vez e Matteo lida com nosso
beijo de forma bem mais delicada que eu, provavelmente
acalmando meus sentidos urgentes enquanto volta a segurar minha
nuca, abraçando meu pescoço. Seus lábios percorrem os meus
quase preguiçosamente, acalmando meus hormônios aflorados, que
fazem o calor subir tão forte pelo meu corpo ainda que eu não
acredite que do lado de fora não faça mais de 6°C.
Com as mãos descendo pelo meu corpo até que seus braços
me envolvam, ele me leva com cuidado para fora da cozinha, nos
guiando lentamente até o quarto. Sua exploração pela minha boca é
calma e acabo me vendo obrigada a seguir o ritmo ditado por ele.
Não nos importamos com o interruptor, deixando que a luz externa
vinda da janela e a da sala nos leve até a cama.
Sentando na cama, ele me incentiva a sentar em seu colo
depois de se acomodar contra a cabeceira da cama. Apesar de, no
começo, ter me sentindo estranha com toda a situação, o fato de
termos nos adaptados e de levarmos nosso tempo para conhecer o
que favorece e o que é desconfortável no começo, hoje me sinto
bem mais segura de mim e do meu corpo quando estamos juntos.
Me acomodo em seu colo até que ele passe a se dedicar
outra vez a pele exposta do meu pescoço.
“Às vezes, acredito que sou só um corpo quente aquecendo
sua cama nas noites”, ele brinca, antes de lamber uma parte
particularmente sensível abaixo da minha orelha.
Solto uma risadinha.
“É um corpo bem quente, se quer a minha opinião.”
“Ah, é mesmo?”, Matteo finge indignação, e rimos juntos
antes que seu riso se cesse e seus olhos me fitem com tanta
intensidade que me sinto bambear. “Todos os dias que olho para
você, parece conseguir ficar ainda mais bonita.”
Suas mãos passam pelo meu rosto com gentileza,
acariciando minhas bochechas e tenho dificuldade de não me
render a esse homem, sem camisa, falando coisas bonitas para
mim, enquanto às vezes me sinto uma bola enorme.
“É o brilho da gravidez.” Meu sorriso é travesso e logo
refletido nos lábios dele.
“Não acredito que seja só isso, porém acho que vamos ter
que te fazer uma mulher grávida pelo resto da vida, sendo assim.”
Matteo coloca como se não tivesse pretensão alguma, ainda que
sua fala tenha um peso grande. Suas mãos descem, encontrando a
gola do meu suéter e o abaixando um pouco. “Isso vai ser um
trabalho nem um pouco difícil para mim, preciso afirmar”, ele brinca.
Pelo resto da vida.
As quatro palavras têm um grande peso. Principalmente junto
com o brilho em seu olhar, que transmitem muito mais que desejo.
“Acho que posso ficar só com a área experimental. Se tivesse
que carregar quase dez quilos por aí não falaria como se fosse
simples.” Reviro os olhos enquanto suas mãos habilmente levantam
meu suéter até que ele passe pela minha cabeça e revele um
conjunto novo, números a mais do que o habitual, que comprei
recentemente.
“Temo que terei que discordar, senhorita Laurent-Davis.” Ele
começa enquanto voltar a molhar minha pele com seus beijos. “Eu
acho algo extremamente simples e, se a senhorita me permitir a
palavra, muito delicioso. Mas compreendo sobre a parte do peso a
mais.”
Sua voz grave, tão poderosa, mas ao mesmo tempo, tão
sussurrada e quase dada aos meus desejos, faz com que todo o
pacote do tratamento formal, os beijos que me roubam o folego e
suas palavras, me deixem ainda mais excitada e necessitada.
Mas Matteo parece sem pressa alguma enquanto explora
meus seios ainda cobertos pelo tecido macio do sutiã. Como se ele
mesmo não estivesse urgente pelo toque, como posso sentir mesmo
através das roupas.
“Então…” Sua voz tornar a reverberar contra minha pele no
momento em que seus dedos puxam a renda para baixo, expondo
meu mamilo duro sem nem ao menos ter recebido a atenção devida
ainda. “Eu estava procurando algumas coisas esses dias…” ele
continua, passando a ponta da língua vagarosamente pela pele
enrijecida. “Uma das posições que pode trazer algum conforto, além
de muito prazer…” Suas palavras pausadas me causam arrepios,
mas não tantos quantos seu hábito quente quase tocando em mim
diretamente.
Inclino meu corpo contra ele, mas apesar de compreender o
recado, Matteo não toma meu seio por muito tempo em seus lábios.
Suas mãos são ágeis enquanto ele se livra do meu sutiã, tocando
ambos os bicos duros com a ponta dos dedos, sem pressa alguma,
pressionando meus seios juntos enquanto faz isso.
“É quando a mulher fica por cima.” Preciso de alguns
instantes para me recordar o que era dito, perdida no meu próprio
desejo que quase explode de mim. “E você é incrivelmente boa
quando está sentando em mim.”
A quase rispidez de sua voz é o suficiente para que eu não
queira mais me torturar com essa lentidão, ainda que seja deliciosa.
Matteo sorri com malícia momento antes dos meus lábios
tocarem os seus, mostrando minha urgência em beijos
provocadores e mãos desgovernadas pelo seu corpo até que eu
ache o cós de sua calça social. Tenho ajuda enquanto as últimas
peças de roupas passam rapidamente a se acomodarem juntas com
as demais no chão.
“Matteo, eu só…” Minha voz falha quando seus dedos
encontram meu clitóris inchado e latejando por atenção no nosso
meio. A ficção dos corpos não é o suficiente e seu toque é demais
para meu prazer. “Eu só preciso de você.” Meus olhos fitam os dele,
ainda vejo um sorriso de canto antes que ele me beije com
suavidade antes de começar a se acomodar dentro de mim.
Eu amo preliminares, amo muito e sempre gostei de me
prolongar nisso. Mas ultimamente tenho atendido ao meu desejo
carnal de querer muito a penetração. E eu também amo sentar nele.
Um gemido abafado sai dos meus lábios, pressionado nos
dele.
Ainda que eu esteja por cima, com seu corpo quase
inteiramente deitado embaixo de mim, meu desejo não me permite
muitas forças para tomar o controle da situação. Quero rapidez,
dureza, quero o sexo que ele fez comigo da primeira vez. Minha
urgência pede isso. Mas ainda que eu sinta que a necessidade dele
não pulsa de forma muito diferente, Matt consegue ser mais contido.
Sua preocupação chega doer em meu peito, tão atencioso.
Porém, tão lento e suave.
Suas mãos passeiam pelo meu corpo, tornando a se
concentrar na minha cintura grossa para ditar um ritmo rápido o
suficiente para me saciar, duro o suficiente para que sinta meu
corpo estremecer com um gemido todas as vezes que seu corpo
vem forte de encontro ao meu, atingindo um ponto maravilhoso
dentro de mim que me faz fechar os olhos com força.
É melhor que outras posições que já tentamos, bem melhor.
É como se eu pudesse senti-lo melhor, olhando em seus olhos que
me transmitem a mesma intensidade que eu devo ter em meu olhar,
o mesmo desejo enquanto seus dedos brincam com meus mamilos
antes de segurarem minha bunda com força. Minha pélvis se
encontra com a dele com pressão o suficiente para constantemente
roçar meu clitóris e me enlouquecer.
Sinto meus tremores vindos quase juntos com o cansaço. Um
gemido arranha minha garganta com força. Matteo solta um som
incrivelmente sensual quando pressiona seu corpo ainda mais
contra o meu e sinto seu pau pulsando forte em mim enquanto ele
goza, mantendo-se firme e encontrando meu clitóris com o
indicador, friccionando a carne inchada antes que me junte a ele no
estupor do prazer.
Sinto-me mole e, como sempre, seu corpo não tarda a me
enrolar em um delicioso abraço, enquanto confundo seu cheiro
masculino com nosso cheiro de sexo bem-feito. Meu peito encosta
no seu e ele nos puxa até estarmos deitados. Temos respirações
ofegantes compartilhadas e beijos molhados e preguiçosos sendo
espalhados pelo meu ombro enquanto suas mãos me acariciam ao
mesmo tempo que arrumam meu cobertor por cima de nossos
corpos. Me ajeito ao seu lado, ainda abraçando-o o máximo que
consigo.
“Então tem feito pesquisas?”, consigo dizer, virando um
pouco o pescoço e pegando seu sorriso de canto antes que ele beije
meus lábios rapidamente.
“Vale totalmente a pena, acho que começarei a fazer mais
delas”, ele retruca, parecendo sério, mas vejo o riso travesso em
seus lábios antes que volte a me acomodar em seus braços.
O estupor sempre vem acompanhado de um enorme
cansaço, e mesmo que eu saiba que isso é algo somente para mim,
ainda sinto Matteo relaxar enquanto repousa sua mão em minha
barriga, cobrindo grande parte dela. Sua respiração fica suave e
mesmo sabendo que ele não vai cair no sono logo, como eu, não
posso deixar de gostar desse momento, quando seus braços
parecem criar uma zona de conforto e proteção em volta do meu
corpo nu.
Seus afagos ajudam muito para que eu sucumba aos olhos
pesados e consigo escutar ele sussurrando algo antes que eu seja
completamente tomada pelo cansaço e durma. Quase sinto que,
pelo breve acelerar das batidas descompensadas do meu coração,
foi algo relacionado a três palavras muito significativas.
 

 
Acordo com a leve sensação de desconforto, como sempre
nas últimas noites. O quarto está numa escuridão total, as cortinas
foram completamente fechadas assim como a porta. O corpo de
Matteo já não está mais contra o meu, apesar de ele ter colocado
uma almofada entre minhas pernas, o que vem me oferecendo um
conforto maior para dormir. Levanto, puxando a coberta junto ao
meu corpo e me sentando na cama.
Ligo o abajur que tenho ao lado da cama e me espreguiço,
procurando alguma coisa que possa me indicar as horas e
lembrando que meu celular provavelmente está na sala. A escuridão
me dá algumas dicas de que talvez ainda não esteja nem perto de
amanhecer. Separo algumas roupas no meu guarda-roupa e pego
minha toalha atrás da porta.
Apesar de saber que meu aquecedor não é dos melhores e o
tempo lá fora está bem frio ainda, não consigo me conter para tomar
um bom banho nesse exato momento.
Entro no banheiro quase correndo, enrolada na minha toalha
e fecho a porta antes de aumentar o aquecedor do ambiente e ligar
a água. Meu corpo inteiro se arrepia pelo frio e aproveito para dar
uma boa olhada em mim mesma, parada nua de frente ao espelho,
enquanto espero a água ficar fervendo no chuveiro.
Sorrio sem querer quando analiso como minha barriga parece
combinar muito comigo, ainda que nunca tenha pensado sobre isso
antes. Meus dedos correm pela pele esticada, quase do tamanho de
uma bola de vôlei.
“Vocês vão explodir a mamãe antes de saírem daí”, converso
com minhas meninas, e como se estivessem tão acordadas como
eu após esse sono, sinto seus movimentos na ponta dos dedos.
“Espero que sejam pequenas como eu, ou não suportarei mais treze
semanas se pretendem ser grandes como o pai de vocês. Nem
mesmo terei espaço para isso.” Mais movimentos me fazem sorrir
com essa conversa.
Meus olhos seguem vagando pelo meu corpo. Não acredito
que engordei muito nesse meio tempo. Não consigo ver muitas
diferenças além da barriga protuberante e os seios muito inchados,
que também ostentam algumas marcas avermelhadas deixadas
pela boca de Matteo. Consegui conter bem as estrias até o
momento com alguns cremes que Margot me recomendou, mas não
sei se são modificações que me deixariam muito mal. Existem
algumas e não me incomodo tanto assim.
Entro no chuveiro, não sem antes prender meu cabelo, e me
pego pensando sobre isso. Nunca tive muitos complexos com meu
corpo, ainda que tenha gostado sempre de me manter bem e
saudável a medida do possível. O pilates vem ajudando nos últimos
meses, assim como o fato que Matteo tem me ajudado a manter
uma alimentação bem melhor.
Escorrego minhas mãos ensaboadas preguiçosamente pelo
corpo até que me sinta satisfeita com o cheiro de limpeza. Enrolo-
me na toalha fofa antes de começar a passar meus cremes
hidratantes para evitar a pele ressecada no inverno e então evitar
estrias e marcas em minha barriga e seios. Visto um conjunto de
moletom confortável, uma das peças da ala mommy de uma loja, e
finalmente deixo o banheiro embaçado pela fumaça do chuveiro.
Bocejo, mesmo sem sono, enquanto caminho até a sala e me
deparo com a figura de Matteo esticado em meu sofá com seu tablet
em mãos, algo que ele tem deixado por aqui para casos de
emergência enquanto estamos juntos. Suas roupas amassadas
contrastam com todo o semblante sério que ele sempre carrega
consigo.
Seus olhos verdes sobem até encontrar os meus e ele sorri
de canto.
“Achei que tivesse ido embora”, comento, caminhando até a
cozinha e achando tudo bem mais organizado do que antes. Olho
de volta para ele e percebo que a sala também está mais limpa e
organizada. “Você limpou meu apartamento?”, pergunto,
desconfiada, já que isso nunca passaria pela minha cabeça.
Matteo demora um pouco para me responder, findando
algumas anotações com a caneta touch no tablet para deixá-lo de
lado.
“Algo assim. Comentou que estava um pouco difícil achar
animação para isso nos últimos dias. Eu estava aqui sem fazer
nada.” Ele dá de ombros, levantando-se do sofá. “E só não quis ficar
na cama. Estava sem sono e não quis te acordar. Com fome?” Matt
aponta para as embalagens intocadas do nosso jantar. Seus passos
largos o trazem até mim com rapidez.
“Muita!”, reclamo, como uma criança pidona e ele beija o topo
da minha cabeça antes de se encarregar em aquecer nosso jantar
no micro-ondas.
Existem algumas coisas simplórias demais que nunca cogitei
ver Matteo Drake fazendo. Não serei hipócrita e dizer que, assim
como ele, não cresci em uma família com bastante dinheiro e
apesar da nossa receita não ser enorme como a dos Drake, tive
uma vida confortável. Mas quando me mudei para Boston renunciei
algumas partes dessa riqueza ao desapontar meus pais em sua
visão perfeita do mundo.
A mesada que extrapolava valores do necessário passou a
uma ajuda semestral bem pequena, mas ter uma filha na Harvard
ainda era status e pelo menos a faculdade eles seguiram pagando.
Vergonhoso seria descobrirem que Daphne Laurent-Davis estudava
com uma bolsa, muito escandaloso. Sempre tive economias o
suficiente para não ter sentido muita falta, mas me habituei com
uma vida mais comum, sem luxos.
Pensar em Matteo limpando minha casa, comendo comida
requentada, em meu apartamento pequeno, diga-se de passagem,
com roupas amarrotadas em seu corpo grande demais para minha
cozinha, é um pouco desconcertante. Quase como se fosse uma
peça fora do lugar. Parece que me encaixo perfeitamente em sua
vida luxuosa, mas ainda me sinto estranha com ele na minha.
Sorrio involuntariamente depois de repousar meu copo de
água quase intocado na pia.
“O que foi?”, ele pergunta, me olhando de canto. “Está
olhando para mim de uma forma quase maquiavélica”, Matteo
brinca, abandonando seu trabalho com os pratos para se aproximar
de mim com um passo, segurando meu rosto entre as mãos.
“Só pensando que nunca cogitei que minha vida estaria
assim. Ou que estaria assim com você.” Dou de ombros, abraçando
sua cintura.
Matteo parece pensar por alguns instantes sobre o que digo.
“É estranho. Nos conhecemos a vida inteira e às vezes ainda
sinto que não sei como devo agir em relação a nós dois”, ele diz.
“Como saímos de sermos amigos para isso.”
“Acho que bebemos bastante vinho naquela noite, mas ainda
posso me lembrar exatamente como saímos de sermos só amigos
para isso”, brinco, com ele e ganho um riso grave vindo da sua
boca.
“Eu sei como saímos também, me lembro muito bem.” E
então ele faz uma careta. “Não foi uma das minhas melhores
performances.”
Isso é o suficiente para que eu gargalhe alto demais para
qualquer que seja o horário de agora. Meu prédio não tem as
paredes mais grossas do mundo. Encosto minha testa em seu peito,
tentando me controlar e Matteo também ri junto a mim, passando
seus braços pelos meus ombros agora.
“Bem, foi bastante eficaz.” E minha piada nos leva a uma
nova rodada de risadas, ignorando os apitos insistentes do micro-
ondas.
Parada no meio da minha cozinha, rindo nos braços de
Matteo, é um nível de felicidade que fazia um tempo que não
alcançava. Quase tenho vontade de chorar, mais pelos hormônios
que me deixam sempre superexcitada ou super emotiva — adoraria
um meio-termo. Mas fico contente por estarmos onde estamos, e
desejo que isso não seja passageiro, ainda que me deixe pensando
sobre o que será de nós dois no futuro.
Seus olhos me fitam de forma tão intensa que fazem com que
o verde deles se escureça enquanto ele mantém um sorriso de
canto. O meu é largo, e minha bochechas ainda doem pelas
gargalhadas.
“Obrigado por me fazer feliz de novo”, sua voz sai em um
sussurro, mas não preciso de mais volume do que isso para
compreender e sentir meu coração apertar no peito.
Seus olhos têm um brilho e sei que não estou imaginando
coisas. Subo minhas mãos até acariciar seu rosto. A barba bem-
feita, rente a pele; o contorno perfeito da mandíbula; os lábios
esculpidos e carnudos; o nariz quase empinado; os olhos fortes que
transmitem bastante; as sobrancelhas grossas. Tudo nele é bonito,
elegante, gentil. Ou pelo menos sempre que seus olhos estão
focados em mim não vejo nada além disso.
Matteo sempre foi um cara duro demais consigo, vendo-o de
fora nunca foi difícil de ver isso. Sua postura, desde muito novo,
sempre foi firme, como se sempre estivesse esperando pelo pior
acontecer para que fosse forte. Mas quando o pior lhe aconteceu,
sua armadura foi grossa demais, afastando-o de muitas coisas.
Tudo pareceu estar desestabilizado demais e mesmo assim ele não
soube deixar que as pessoas tentassem, naquele momento, exercer
o papel de ser forte por ele.
“Você me devolveu muitas habilidades que achei ter perdido
nos últimos tempos. A capacidade de me sentir feliz foi uma delas.”
Seus olhos fogem dos meus quando ele diz isso, quase como se
preferisse que a confissão fosse feita ao vento, como se não dizer
isso diretamente para mim fosse mais fácil de conseguir fazer.
Não reclamo, pelo contrário. Uma singela lágrima teima em
cair e tiro uma das mãos do seu rosto para limpá-la.
Independente de qualquer coisa, Matt sempre foi muito
importante para mim, sempre foi alguém que amei de alguma forma,
alguém que fez parte da minha vida desde sempre. Saber que,
finalmente, ele está encontrando novamente algumas coisas em sua
vida, saber que eu sou a pessoa capaz de fazer com que ele se
sinta assim de novo, me deixa ainda mais feliz do que pensei.
O mais engraçado é que eu nem mesmo tive que fazer
alguma coisa. Não precisei implorar por isso, não precisei forçá-lo a
estar comigo por estar grávida, não tive que jogar nada em sua cara
— não de forma estúpida e para machucar. Ele só me deixou entrar
atrás da casca que criou entorno de si. Isso pareceu ter sido o
suficiente para ele descobrir que podia, sim, voltar a sentir todas as
coisas boas das quais merece sentir.
“Matt…” Mas nem mesmo sei o que dizer, porque não sei se
tenho palavras boas o suficiente para falar algo.
“Está tudo bem, só queria te dizer isso.” Ele beija minha testa
e então meus lábios em um selinho lento.
Quando acho que ele vai se afastar, ele se abaixa e planta
um beijo na minha barriga, levando as mãos até ali e delineando
minha barriga pelo tecido do moletom. Ele fica um tempo abaixado,
abraçado a mim e sei o porquê permanece. As meninas se mexem
com uma grande frequência nesse momento, o que acontece
bastante quando estou perto de Matteo.
“Elas são agitadas quando você fica próximo”, digo, e vejo
seus olhos brilharem com minha confissão.
“Elas gostam do papai, isso é inegável logo cedo.” Ele pisca
para mim, deixando o ar voltar a ser afetado por um clima mais leve.
Seus lábios beijam minha barriga mais duas vezes e ele fala
algo baixo demais para que até eu consiga ouvir. Matteo se põe de
pé mais uma vez e indica a bancada onde preparava os pratos.
“Vamos comer. Você fica terrivelmente de mau-humor quando
está com fome.”
Reviro os olhos, mas não me digno a retrucar, porque é
verdade. Deixo um beijo no seu ombro enquanto ele nos serve e
pego nossos pratos para levar à mesa enquanto ele traz o suco que
está na geladeira.
“Que horas são?”, pergunto, curiosa por até agora não ter
olhado para nenhum relógio.
“Quinze para as duas”, Matteo responde, após consultar seu
relógio.
“Tem algo para fazer amanhã?” Nem mesmo domingos são
dias cem por cento de folga para ele.
“Tirei o dia para ficar em casa.” E então, me olhando por cima
do garfo que ele segura. “Sendo assim, sou todo seu.” Vejo uma
sugestão de brincadeira e malícia que não consigo evitar responder.
Mas acima de tudo, sinto um gosto bom de ouvir essas palavras.
“Digo o mesmo.”
“E eu pretendo fazer uso disso”, ele diz baixinho, sem nada
além de diversão dessa vez. Seus olhos me fitam com firmeza por
um longo período, o que faz meu corpo quase tremer de desejo
novamente.
“Digo o mesmo”, sussurro outra vez, e ele sorri de canto,
parecendo bem satisfeito com sua resposta antes de finalmente
começarmos a comer.
 

 
ENTRO NO MEU ESPORTIVO, que sempre amei dirigir, pensando
que é minha última semana com ele. Mas estou sendo dramático.
Decidi comprar um carro novo, SUV, que comporte dois
bebês com conforto e um esportivo não é esse carro. Posso me dar
ao luxo de ter dois carros e até mesmo já comprei uma segunda
vaga na garagem para isso. Não me posso dar ao luxo de não ter
um carro que tenha espaço para dois bebês conforto. O novo deve
chegar à loja na próxima semana, após passar por um processo de
fabricação totalmente personalizada.
Novamente, luxos que gosto de ter.
Saio mais tarde do que o habitual do escritório hoje, mas
passei o dia de ontem inteiro trabalhando em minhas pesquisas
para a monografia e fazendo algumas aulas atrasadas. Precisava
recompensar com minha presença hoje no escritório.
Nem mesmo saio do estacionamento do prédio executivo
onde o escritório da Drake CO. fica em Boston para discar o número
da minha irmã e escutar os toques ecoarem pelos fones sem fio do
meu celular. Rebecca demora um pouco e mesmo quando atende
ainda termina de passar algumas instruções para alguém, que não
eu.
“Mande esse relatório para o cliente e não esqueça de
comentar com a assessora que o novo plano de comunicação deles
está já, há três dias, no e-mail dela esperando uma aprovação ou
não... Oie, Matt!” Mesmo tentando parecer durona, Becks ainda tem
um tom suave.
“Oie”, digo, quando faço a curva para adentrar na rua. “Muito
ocupada?”
“Não muito, e como você raramente me liga a não ser que
seja sobre trabalho, acho que deve ser importante.”
“Você sempre me faz parecer um péssimo irmão”, refuto, mas
sem ficar realmente chateado com o comentário. “Mas se estiver
ocupada podemos conversar outra hora.”
“Se não me disser o porquê me ligou nos próximos minutos,
irei fingir que nunca mais, no prazo de um mês, terei tempo”, ela
ameaça. “Me deixe adivinhar: Daphne.”
Reviro os olhos para seu deboche enquanto paro em um
sinaleiro.
“Acho que sinto um pouco de falta da sua amizade
inseparável com Mike. Não sou muito boa nesse papo de meninos,
principalmente quando lembro que é sobre minha melhor amiga e
meu irmão. Mas suponho que com o Mike seria tão estranho
quanto.” Ela ri. “Não me entenda mal. Adoro o fato de que me darão
sobrinhas lindas, que estão felizes e tudo mais, porém me sinto
estranha dando conselhos amorosos de ambos os lados.”
“Ela te pede conselhos?”, pergunto, com mais curiosidade do
que deveria, e Rebecca ri ainda mais empolgada do outro lado.
“Eu nunca disse isso”, Becks pontua. “Então, me diga o que
aconteceu.”
“É mais sobre algo que está para acontecer.”
“Certo”, ela diz, para me incentivar após uma pausa.
“É algo que tenho pensado em fazer, mas estou com receio,
porque estamos juntos há menos de dois meses, apesar de já
termos toda uma… história juntos.”
“Está pensando em pedi-la em casamento?” Não sei como
interpreto a voz dela, se empolgada ou chocada ou até mesmo
incerta sobre isso.
Não, não é casamento, mas não passa tão longe.
“Não!”, digo rápido demais. “Não que isso seja uma ideia
ruim”, finalizo mais tranquilamente. “Estou pensando em convidar
Daphne para morar comigo”, digo, fazendo uma careta sozinho no
carro.
Estou com medo. Muito receio que ela ache a ideia estranha,
que apesar de termos desenvolvido uma rotina onde nos vemos
todos os dias, seja demais dar esse passo. Que eu esteja
apressando as coisas. Mas, ao mesmo tempo, penso que já tenho
vinte e sete anos, estamos em um relacionamento relativamente
estável, ela está grávida e isso possa ser um bom passo para dar.
“Oh”, é o que Becks solta. “Ok… e isso está te deixando
apreensivo… por quê?”
“Muitos motivos”, começo. “Talvez esteja metendo os pés
pelas mãos, não acha? Depois de quantos anos fui morar com
Brooke e nem mesmo realmente moramos juntos, era mais como se
as coisas dela ficasse na minha casa, assim como ela, mas não foi
uma mudança completa. Tenho medo que possa parecer que quero
apressar ela para algo.”
“Ok, acho que precisamos começar pelo começo, como por
exemplo o fato de que Brooke não é Daphne, e Daphne não é
Brooke. Inclusive deve saber tão bem quanto eu o quão diferente
elas são. Sim, você demorou anos para ter uma dinâmica assim
com Brooke, mas eram jovens, recém-formados, em um
relacionamento diferente. Você e ela eram um casal diferente.”
“Eu sei disso.”
“Sabe mesmo?”, mas sua pergunta é retórica. “Olha, são
situações muito diferentes. Matteo podemos começar também por
você. Não é o mesmo cara que começou um relacionamento com
Brooke há sete anos. Muitas coisas mudaram em você daquele
começo para esse, a se iniciar pela sua maturidade. Você era um
cara a recém descobrindo a faculdade, a própria vida, tomando
algumas responsabilidades para si. Hoje em dia é muito mais do
que isso. É um homem formado, com um trabalho impecável, dono
das próprias coisas, reconhecido pelo seu profissionalismo. Não é a
mesma pessoa.”
Suspiro e Becks faz o mesmo antes de prosseguir.
“São momentos diferentes na sua vida. Além de serem
relacionamentos diferentes. Você e Daph começaram sob uma ótica
completamente diferente. Vocês acabaram ficando em uma noite e
isso resultou em algo que vai ligar vocês pelo resto da vida de uma
forma ou outra. Mas diferente de serem estranhos, decidiram que
não queriam só isso. É claro que o motivo para estarem juntos não é
o simples fato que Daphne está grávida, mas foi o motivo pelo qual
resolveram se aproximar de fato. Talvez somente iriam ficar juntos
de um jeito ou de outro. Independente do motivo pelo qual
resolveram permanecer juntos, é uma dinâmica diferente do que foi
o seu começo com Brooke.”
O monólogo de Rebecca me faz pensar sobre esse fato.
Nunca vi nessa perspectiva. Não sou mesmo a mesma pessoa de
sete anos atrás. Muitas coisas aconteceram, tanto em minha vida
profissional quanto pessoal. Perdi uma pessoa que amava e estava
prestes a construir uma vida com ela. Estou numa das melhores
posições dentro de uma empresa de renome nacional, resolvi seguir
meus sonhos, ainda que isso resultem em apenas realizações
pessoais.
Muitas coisas não são as mesmas.
“Sei que a gente tende a fazer isso, mas há pouco tempo
você mesmo me falou sobre isso. Sobre não comparar
relacionamentos porque as pessoas ao nosso redor fariam isso o
suficiente e que cada pessoa é diferente da outra. Sei que seu
relacionamento com Brooke ainda é algo que está muito, muito
mesmo, presente em sua mente e provavelmente nunca deixará de
ser algo no qual vá pensar, mas não pode tentar espelhar seu
relacionamento com ela no que está tendo com Daphne agora. Não
é justo, nem com você, nem com ela. Nenhuma das duas, para falar
a verdade.”
“Não estou tentando espelhar meu relacionamento com
Brooke no que tenho com Daphne”, retruco, um pouco na defensiva.
“Pode não estar fazendo isso conscientemente, mas é o
único relacionamento que conhece de forma mais forte, então vai
sempre querer comparar. Matt, olhe para a minha situação, você
mesmo me disse que não podia fazer isso porque Zach e Oliver são
pessoas tão diferentes que nem mesmo fazia sentido comparar.
Diferente de mim, você pelo menos não deve comparar porque são
duas pessoas incríveis, mas muito diferentes. São momentos
diferentes, motivos diferentes, personalidades diferentes.”
“Então…?”, me prolongo, porque entendo o ponto no qual ela
quer chegar e compreendo o que diz, mas ao mesmo tempo não sei
como ver essa sua fala como o conselho pedido.
“O que quero dizer, é que por tudo ser diferente, nunca
saberá se não tentar.”
“Acha que devo fazer o convite, sendo assim?”
“Se acredita que é o que quer, se deseja ter ela morando com
você, não hesite. A resposta caberá a ela, mas se atenha ao fato de
não se chatear se tudo não sair como você planeja. Sei que é difícil,
principalmente para você, mas nem tudo está no nosso controle.”
“Está me dizendo para não me decepcionar muito se ela
disser não?”, brinco.
“É, algo assim.” Escuto seu riso abafado. “Fico feliz, se quer
minha opinião sobre isso de forma geral. Fico muito feliz em saber
que acha que quer isso para vocês, para você principalmente.”
Suspiro, feliz também, enquanto viro a esquina e entro na rua
do meu prédio.
“Não sei, tantas coisas mudaram tão rápido nos últimos
meses, mas isso foi bom. Acho que me fez acordar para a vida que
tenho, tudo o que tenho e tudo o que ainda posso viver. Daphne fez
muito por mim mesmo sem saber”, confesso a minha irmã, dando
um sorriso de canto sozinho enquanto dirijo, pensando em todas
essas coisas. “É estranho, ser logo com ela.”
“Era para ser, suponho”, Rebecca diz simplesmente. Um
silêncio curto toma nossa conversa e escuto sua respiração pela
ligação. “Tente, penso que vai ser uma ideia maravilhosa e que vai
simplificar muito a vida de vocês. Já estão quase passando o dia e a
noite um no apartamento do outro. Além disso, é um conforto maior
para Daph.”
Também pensei sobre isso. Depois que decidi que queria ela
o tempo inteiro comigo, sem precisar de algum pedido, algum
combinado antes de nos vermos, fiz uma lista de prós para ela ir
morar comigo. O conforto, o espaço, a existência de um elevador,
tudo pareceu bastante positivo.
“Obrigado. Por toda essa conversa.” Sei de basicamente
tudo, mas torna bem mais real quando alguém nos diz assim, de
forma tão direta.
“Sempre a disposição, maninho.”
“Sinto sua falta.” Porque minha relação com Rebecca sempre
foi próxima o suficiente para que eu sinta falta de ter conversas
assim pessoalmente com minha irmã mais nova. Estou muito feliz
sabendo que ela se sente mais do que realizada na empresa em
Atlanta, morando com um cara decente e que moveria o mundo pela
minha irmã, Zach tem pontos nesse quesito, entretanto sinto muita
saudade de Becks e nossas conversas.
“Eu também. Eu te amo.”
“Também.”
“Agora, se não houver mais alguma questão que requer
minha atenção com urgência, acabou de chegar um e-mail urgente
aqui.”
“Por favor, não quero te tomar mais tempo.”
“Me mande notícias sobre o pedido mais tarde, boa sorte.”
“Ok, tchau.” Com um toque rápido, desligo a chamada
enquanto adentro a garagem do meu prédio, notando o carro de
Daphne já estacionado na vaga que alugamos para ela.
Nunca acreditei em hora certa, mas preciso respirar fundo
antes de deixar o carro pensando sobre isso. Não há hora certa,
então se deve criar a oportunidade perfeita.
 
 
O cheiro delicioso preenche meu nariz assim que piso no
apartamento, jogando minhas chaves no aparador da porta e
deixando meus sapatos e casaco no vestíbulo. Uma música pop
ressoa do aparelho de som da sala e não posso deixar de rir baixo,
pensando que esse é um cenário incomum para o meu
apartamento, ainda que atualmente seja muito apreciado.
Deixo minha mochila no sofá da sala e vou me apoiar na
bancada da cozinha, observando Daphne andar de um lado para o
outro mexendo no nosso jantar enquanto movimenta o seu corpo
vez ou outra no ritmo da música. Ela sorri para mim entre uma
estrofe e outra, iluminando todo o ambiente ainda mais e me dando
a certeza que está de muito bom humor.
Ela teve o dia de folga e no meio da tarde me mandou
mensagem, avisando que iria para o meu apartamento, do qual tem
a chave agora, preparar um jantar para nós dois. A mesa já está
meio posta, com algumas velas e o conjunto de jantar posto.
Algumas travessas também já estão lá.
Solto minha gravata e a tiro antes de abrir os primeiros
botões da camisa.
Seus olhos azuis me fitam semicerrados, desconfiada.
“O que foi?”, ela pergunta, enquanto pega o vinho aberto na
minha pequena adega ali e uma jarra de suco de laranja.
“O quê?”, jogo de volta.
“Está me olhando de um jeito estranho desde que chegou.
Parado aí, sem dizer nada.”
Pego as coisas da mão dela, levando até a mesa e já me
servindo de uma taça de vinho enquanto evito a resposta.
“Acho que só estou admirando. Está linda hoje.” Mas óbvio
que meu comentário faz com que Daph revire os olhos antes de se
abaixar para pegar a travessa no forno e eu me adiante para fazer
isso para ela.
“Você fala isso todos os dias”, ela retruca, colocando uma das
mãos na cintura.
Sua barriga de quase vinte e seis semanas é grande o
bastante para não passar mais longe da vista de ninguém mesmo
com roupas muito largas, não que Daphne faça muita questão de
escondê-la. Mais dez dias nos farão entrar no último trimestre e
mesmo que eu possa ver sua disposição hoje, cada dia tem se
tornado mais complicado. O desconforto às vezes é ruim demais,
além dos chutes que passaram a ser bem frequentes e Daphne tem
reclamado de como as meninas poderiam fingir ser calminhas.
Seus dias de trabalho tem sido mais reduzidos ou trazidos
para casa, assim ela pode tentar fazê-lo confortavelmente deitada
na cama. Mas além de coisas habituais, como disse Margot na
nossa última consulta há uns dias, Daphne tem se mostrado uma
ótima mãe de primeira viagem, durante a gravidez.
Seus níveis estão excelentes e ela ainda tem conseguido se
manter fazendo algumas atividades físicas recomendadas leves, o
que a deixa mais em forma, na visão dela, além de serem boas para
o posicionamento das meninas.
“Todos os dias é verdade.” Porque é mesmo.
Apesar de tudo isso, Margot e eu concordamos que o brilho
da gravidez pegou Daphne de jeito. Seus cabelos parecem brilhosos
e ela vem dizendo que estão crescendo na velocidade da luz. O que
é irritante — na visão dela —, porque precisa ir frequentemente ao
salão cortar sua franja, que se manteve após quase seis meses. Ela
parece estar cada dia mais bonita, além de estar ficando
incrivelmente linda com a barriga grande.
“Se tivesse me visto hoje cedo, teria discordado.” Daphne
não dá o braço a torcer tão fácil.
“Tenho certeza que não teria. Se preferir, direi isso a você
amanhã cedo.” E o fato dela não rebater o convite me deixa feliz
enquanto passo meus braços entorno dela, ao lado da mesa antes
de nos sentarmos.
Abraços tem se tornado estranhos, mas conseguimos
adaptar para encaixar nós quatro aqui. Daphne passa seus braços
pela minha cintura, encostando a bochecha no meu peito, ficando
de lado. Afago seus cabelos castanhos que chegam no meio das
costas e beijo o topo de sua cabeça.
“Tudo bem, diga isso amanhã cedo!”, ela me desafia, antes
de virar a cabeça para cima e fazer com que me incline para beijar
demoradamente seus lábios.
Não consigo evitar me aprofundar um pouco ali. Daphne se
derretendo em meus braços é somente um incentivo para que enfie
minha mão em seus cabelos, segurando seus fios com gentileza e
não deixando que ela se afaste tão cedo. Suas mãos seguram
minha camisa com força enquanto ela também me prende junto a si.
Minha língua prova a sua sem muita pressa, apreciando o
momento. Levo a outra mão até seu rosto, segurando sua bochecha
enquanto faço uma bagunça com seu cabelo ao mesmo tempo.
Uma das mãos de Daph corre pelo meu braço, apertando meu
bíceps. Ela também não tem pressa enquanto me beija, parecendo
querer fazer isso durar ao máximo enquanto explora cada canto da
minha boca.
Seu beijo é bom, descobri isso na primeira vez que ficamos.
Ainda que esse beijo não seja tão selvagem como os daquela noite,
sem gosto de vinho em seus lábios e mais apreciativo. Podemos
prolongar isso o quanto quisermos hoje, sem temer qualquer
consequência ou qualquer arrependimento.
Não que eu tenha tido algum arrependimento sobre nossa
primeira transa. Talvez um pouco de embaraço sobre a
performance, e pelo fato de que ela saiu furtivamente do meu
apartamento na manhã seguinte.
Afasto minha boca da dela, ainda me arrastando em selinhos
demorados até que Daphne sorria para o ato e me faça beijar todo o
seu rosto sem poder me conter. Ela é adorável, linda, incrivelmente
inteligente e uma profissional incrível, além de uma mulher muito
mais forte do que poderia pensar, não que eu a tenha subestimado.
Talvez só não tenha dado a atenção devida para apreciar a pessoa
que ela é antes.
“Vai me deixar totalmente melada”, ela reclama, não
exatamente fazendo alguma coisa para se afastar.
“Não parece incomodada com isso.” Dou de ombros, antes
de voltar a espalhar beijos pelo seu pescoço.
“Bem, eu não estaria, mas fiz um jantar incrível pra você. E
estou morrendo de fome, ainda que você seja uma completa
tentação quando tá todo composto assim. Advogado total. Um CEO
de tirar o fôlego e tudo mais.” Solto um riso abafado contra sua pele
e ela ri também, dando de ombros.
“Você é terrível tentando elogiar.”
“Você também não é o melhor, Matteo.” Mas sua tentativa de
repreensão sai com uma risada, enquanto nos desvencilhamos para
nos sentarmos.
“Ei, eu posso começar a fazer melhor, se quiser.”
“Ah, eu adoraria. Seus elogios são o que me mantém
querendo seguir acordando cedo todos os dias e me arrumando
além de um pijama confortável.” Mas sei que isso é parte mentira,
porque ela é vaidosa a ponto de fazer isso para si.
“Bem, não será peso algum para mim.” E quando ela me dá
um daqueles sorrisos que fazem seus olhos ficarem pequenos, sei
que compensará tudo me esforçar com elogios mais elaborados,
porque ela merecerá todos eles. “Isso está cheirando maravilhas.”
“Obrigada e espero que esteja bom. Resolvi fazer uma
receita de magret de pato com um molho especial de laranja, que
não era o original da receita, mas vinho branco está fora de
cogitação. Para acompanhar, temos arroz com ervilhas, legumes no
vapor e purê de batata inglesa”, ela recita.
“Parece tudo delicioso. Se elaborou hoje”, brinco, antes de
pegar sua mão e beijar o dorso. “Obrigado.”
Penso por um segundo que talvez fizesse bem mais sentido
se eu tivesse preparado um jantar bonito para ela, por causa do
pedido que pretendo fazer ainda essa noite. Posso pensar em algo
mais elaborado para o final de semana e começo a cogitar adiar
minha proposta para esse dia.
Mas, então, enquanto comemos e ela me conta sobre seu
dia, o artigo do trabalho que deu uma olhada e sobre os presentes
que Becks comprou que chegaram ali no apartamento a tarde,
penso que não compensa nem um pouco demorar demais nessa
decisão. Demorar no pedido para que Daphne venha morar comigo.
Daqui até o final de semana são dias demais que podem fazer com
que eu pense demais, dê para trás no assunto, mesmo querendo
muito.
Rebecca está certa. Algumas coisas têm que ser feitas pela
pura vontade, sem pensar muito, sem ter tempo de desistir, sem que
minha mente acabe trabalhando de forma a fazer comparações que
nem mesmo devem existir.
Ou talvez eu deva pensar um pouco sobre meu
relacionamento com Brooke e todos os momentos que perdemos de
estar juntos porque pensávamos demais, tínhamos muito medo.
Mesmo noivos, não chegamos a de fato morarmos juntos. Ela ainda
tinha o apartamento dela, e ficava um dia ou outro por lá às vezes.
Mesmo depois de anos noivos, demoramos demais para começar a
pensar em de fato nos casarmos.
Nada disso foi bom. Não que isso signifique que, caso
tivéssemos feito tudo com mais pressa teria evitado o fato que ela
se foi. Não, provavelmente não mudaria nada além do tempo a mais
que eu poderia ter passado ao seu lado. Não sei se estou muito
disposto a poder perder esses momentos ao lado de Daphne. Não
quero perder.
Sei que é uma proposta, e ela pode muito bem não aceitar,
mas ao menos não quero perder tempo propondo isso.
 

 
Não devo ter sido a melhor companhia durante o jantar, mas
Daph atribui isso ao cansaço, porque está tarde já e ambos tivemos
dias cheios. Deixamos a louça na lava-louças e subimos para o
quarto apagando e fechando tudo no andar de baixo pelo controle
remoto na parede.
Vou para o banho enquanto ela senta na poltrona do closet
para colocar algo mais confortável para dormir. Uma chuva fina caí
pelas janelas, que vão do teto ao chão do quarto, quando saio,
vestindo minha calça de moletom para dormir. Março já está mais
próximo do fim do que do começo e as temperaturas em Boston
começam a decidir aumentar relativamente, ainda que o aquecedor
não seja dispensável ainda.
“Você está estranho”, Daphne diz, com um riso na garganta.
Estou parado próximo da cama, observando-a com as costas
apoiadas na cabeceira, uma das mãos passando sobre a barriga e
outra deslizando pelo celular.
“Algo aconteceu hoje?”, ela pergunta.
“Não. Só estou… pensando em algo”, admito, antes de me
deitar na cama, de bruços e abraçando a metade inferior do seu
corpo.
Acaricio suas pernas nuas pelo não uso de calças hoje. Ela
usa uma das minhas camisetas de algodão grosso, com mangas
longas e que, mesmo com a barriga, ainda atingem quase a metade
das suas coxas. Inspiro fundo, sentindo o seu cheiro de
familiaridade enquanto deixo que meus dedos corram pela sua pele
em carícias sem rumo.
“Senti sua falta hoje”, digo, beijando sua barriga.
“Eu também senti sua falta”, ela diz de volta, largando o
celular na mesa de cabeceira e levando seus dedos até meu cabelo.
“Quero você aqui.”
“Eu estou aqui”, ela replica, com um riso baixo, antes que eu
volte meus olhos para os seus.
“Não só agora. O tempo todo”, digo, em um tom baixo, e
mesmo que tenha um sorriso curioso nos lábios, Daphne franze o
cenho. “Quero que venha morar comigo.” Ela abre a boca e já
consigo imaginar todas as coisas que passam em sua cabeça,
relutando. “Sei que pode parecer um pouco cedo, mas… pode ser
mais fácil, mais prático. Além disso, não quero precisar de uma
desculpa pra te ver. Um jantar, ou até mesmo uma mensagem para
combinarmos algo, quero poder chegar em casa e ter você, aqui,
comigo.” Tenho consciência da rouquidão da minha voz, que vai se
perdendo em um sussurro enquanto falo.
Daphne continua fazendo seus afagos em meu cabelo por
um tempo enquanto nos olhamos. Também não deixo de tocar sua
pele, até que alguns arrepios surjam e eu puxe a coberta grossa nos
pés da cama para nossos corpos. Ela segue apoiada na cabeceira e
não me chateio que a resposta não tenha vindo, porque era algo
que eu esperava. Sei que fiz com que ela visse tudo por uma nova
ótica com o que falei por fim, consigo quase ver sua mente
funcionando. Todavia, não fico chateado com a recusa silenciosa.
“Deveria deitar, antes que acabe dormindo sentada”, digo, me
afastando e logo ela começa a se acomodar. “Estava lendo esses
dias, talvez seja bom comprarmos um body pillow[6]. Falam que
ajudam bastante durante o sono.” Não é surpresa alguma para ela
que eu pesquise sobre a gravidez.
“Eu quero.”
“Posso tentar providenciar um amanhã, deve ter em uma
dessas lojas de coisas para bebê”, digo, desligando todas as luzes a
não ser pelos abajures.
“Eu quero vir morar aqui, foi isso que eu quis dizer”, ela torna
a falar, e volto minha atenção totalmente para Daphne de novo,
quase desesperado demais. “Não que um body pillow não seja uma
ideia encantadora.” E isso faz com que nós dois soltemos risadas
baixas. “Mas a ideia de vir morar aqui é ainda melhor.”
O máximo que consigo para o momento é dar um aceno de
cabeça sorrindo. Não é exatamente que eu não esperasse isso,
porque fiz o convite esperando uma afirmativa. Mas ouvir sua
resposta é muito bom, um alívio. Me deito virado para ela,
alcançando sua mão e beijando seus dedos.
“Posso me arrepender caso você seja um companheiro de
apartamento terrível, certo?”, Daphne brinca, deitada de lado
também me olhando.
“Preciso pensar se vou querer te deixar ir”, jogo de volta, e
ela ri.
“Tudo bem.” Um curto silêncio se segue até que nossos
sorrisos se cessem e eu pense em me virar para desligar o restante
das luzes. “Mas eu quero dormir abraçada com você hoje”, ela
replica baixinho, e a olho confuso. “Eu sei o que é melhor para mim
e para as meninas no momento, e isso é estar junto com você,
dormir sentindo você e com seus braços em volta de mim.”
Daphne me repreende antes que eu possa abrir a boca e
falar que essa pode não ser uma posição confortável. E o fato dela
prever o que eu falaria me faz rir.
“Tudo bem, dizem que não se pode negar os desejos de uma
grávida, não é mesmo?”, brinco, me virando para apagar as luzes
antes de me voltar para ela.
“Espero que siga mesmo fazendo minhas vontades”, sua voz
é sussurrada, enquanto me aproximo e passo meus braços pelo seu
corpo, trazendo-a para perto.
Suas pernas se enlaçam em mim e seu corpo fica mais
virado para cima do que para o lado. Parece confortável para ela de
certa forma. Beijo seus lábios rapidamente antes de sentir sua
respiração pesada e perceber que Daphne dorme em meus braços
logo em seguida. Passo mais alguns minutos apreciando a
sensação de tê-la assim comigo.
Acabamos nos acostumando com posições distantes demais
ou algo parecido com uma conchinha, o que também é bom, mas
gosto do calor dela junto com o meu, sua mão repousada no meu
peito enquanto a outra me abraça. Gosto de sentir sua respiração
contra meu peito e sua barriga próxima de mim assim.
Além disso, percebo que acabo anestesiado com o pensando
de que ela, apesar do meu enorme receio desnecessário, aceitou se
mudar para o meu apartamento e se for preciso, irei amanhã na
primeira hora do dia dar o meu melhor para trazer todas as suas
coisas para cá. Sem querer dar brecha para que ela mude de ideia.
Sorrio sozinho no escuro com o pensamento que me tornei
um pouco tosco com essas ideias. Mas Daphne, e as meninas, se
tornaram o que mais importa para mim no momento. E quero ser
capaz de ser o suficiente para que eu as tenha assim, comigo, para
o máximo de tempo possível.
Preferencialmente, até o fim dos dias.
 

 
SUSPIRO TÃO ALTO QUE ATÉ ME impressiono com o meu
cansaço após conseguir colocar metade das minhas roupas no
closet de Matteo.
Ou no meu novo closet.
Desde seu convite na terça, e minha afirmativa, não posso
dizer que Matt não mediu todos os esforços possíveis para trazer
todas as minhas coisas para cá o quanto antes e antes mesmo que
o dia caísse na quarta, ele já julgou que eu tinha o suficiente para
não precisar mais ir para a casa até o dia seguinte.
Passei a maioria dos momentos a partir de então ocupando
seu apartamento com minhas coisas. Sua bancada do banheiro
ganhou inúmeros tons, que não preto, branco e cinza, com meus
produtos de cuidados pessoais e seu closet está ganhando agora
peças mais vivas que seus ternos e gravatas chiques.
É engraçado pensar que mesmo antes de eu vir para cá,
esse cômodo não era totalmente ocupado. É enorme, do tamanho
do meu quarto no meu apartamento ou até maior. Muito amplo, com
uma ilha que agora é composta pelas gravatas, relógios e
abotoaduras de Matteo, além dos meus acessórios e maquiagens.
Ele chegou até mesmo a comentar que talvez pudéssemos mandar
fazer uma penteadeira para complementar o lugar e eu ter um lugar
que possa acomodar melhor minhas maquiagens.
Como se não houvesse espaço o suficiente!
Consegui colocar minhas roupas nas prateleiras e cabides,
além de acomodar, em três gavetas diferentes, minhas lingeries,
meias e tops de ginástica. Tudo fica bem espaçado.
Olho para a sacola com meus calçados e definitivamente não
vou fazer isso antes de um cochilo matinal.
Me levanto e desço até a cozinha ofegante e cansada pelo
esforço logo cedo. Acabei acordando mais cedo do que gostaria
para um sábado, além de tristemente sozinha. Matteo deixou um
bilhete avisando que iria para a academia e depois passaria no
escritório, só chegaria depois das dez horas.
Bebo água o suficiente para saber que daqui menos de
quinze minutos precisarei ir ao banheiro correndo, e então me jogo
no sofá da sala. Estou prestes a tirar meus fones de ouvindo, onde
escutava as novidades da semana enquanto organizava minhas
coisas, quando a ligação de vídeo de Rebecca vibra no aparelho em
minha mão.
“Quem é a grávida mais bonita desse mundo?”, Rebecca
exclama do outro lado, no momento em que Chelsea finalmente
atende, se juntando a nós.
“Não sei se eu.”
“Santo Deus, Becks são nem nove da manhã”, a loira
reclama, sonolenta. Chels está andando em um lugar escuro antes
de descer escadas.
“Não era uma pessoa matutina, Chels?”, Becks zomba dela.
“Ainda sou, mas é sábado de manhã e você quase acordou a
casa inteira. Somos seis pessoas de ressaca”, sua voz ainda é um
pouco sussurrada, até ela finalmente ligar um interruptor do que
parece a cozinha. “Demos uma festa ontem, não sei se dormi quatro
horas até me tirar da cama e estava incrivelmente quentinho e
delicioso tirar meu atraso de sono com meu namorado gostoso.”
“Podia ter recusado.” Rebecca dá a língua para ela que
acaba rindo.
“Beck tem razão”, digo.
“São quase oficialmente cunhadas agora, então não é válido
se juntarem contra mim”, Chelsea retruca, antes de beber um copo
inteiro de água. Chega ser um pecado como, mesmo tendo acabado
de levantar da cama, vinda de uma noitada, ela esteja incrivelmente
linda.
“É completamente válido”, retruco, e nós três rimos.
“Como você está e como estão as duas coisinhas
preciosas?”, Chels pergunta, já parecendo mais consigo mesma de
manhã e isso não é uma pessoa rabugenta.
“Bem. Cansada de fazer essa pequena mudança e o motivo
do cansaço são as duas coisinhas preciosas.” Involuntariamente,
passo a mão livre na barriga. “Elas se mexem quase o tempo todo.
Margot falou que é pelo espaço que está ficando cada vez menor, já
que estão crescendo muito.”
“Não consigo acreditar que em menos de três meses serei
oficialmente titia.” Becks parece mesmo muito empolgada para isso.
“Quer dizer, já sou, mas estou falando de poder pegar minhas duas
sobrinhas no colo.”
“Acho que teremos mais bebês Drake vindo até o fim do ano
desse jeito”, a loira zomba, e Rebecca dá de ombros. “Isso quer
dizer alguma coisa? Rebecca, você tá grávida?”
“Não!”, ela responde, em um quase grito. “Só quis dizer que,
um dia, não me importarei em ter mais bebês Drake inclusos na
família.”
“Por favor, se encarregue de ser a pessoa que fará essa cota
aumentar.” Nunca pensei muito sobre quantos filhos gostaria de ter,
mas duas já estará de bom tamanho.
Chelsea ri em uma gargalhada da qual precisa levar a mão
para a boca para abafar o som.
“Acho engraçado porque você fala como se pudesse
controlar isso, Daphne. Quer dizer, a gente tenta, mas olha pra
você. Uma transa e bum! grávida de gêmeos. Você e Matt fizeram
um trabalho excelente contra os métodos contraceptivos”, ela
debocha.
“Ha-ha, fizemos mesmo um ótimo trabalho, obrigada. E, bem,
não foi nenhum atentado a qualquer método, foi um descuido total.
Não precisa começar a ficar desconfiada dos seus”, digo, e as duas
me olham com o cenho franzido. “Achei que tivesse comentado
sobre isso já.”
“Sobre o que exatamente?”, Becks pergunta.
“Eu estava em um troca de anticoncepcional, então deveria
tomar cuidado durante os três primeiros meses, porque ele não
estava com a total eficácia funcionando no meu organismo ainda. E
nós não usamos camisinha. Além disso, Matteo também não…
Deus, não vou falar isso com Rebecca na chamada.” Porque já é
além do constrangedor.
Consegui me acostumar com o fato que isso está
acontecendo e que estou com o irmão da minha melhor amiga, mas
falar sobre sexo com ele para ela é algo muito além.
“Ele não gozou fora”, Chels completa.
“É, nunca tinha comentado isso mesmo”, Becks diz.
“Foi estupidez nossa, mas a gente tava ali e, bem, demos
sorte ao azar cientes disso.” Dou de ombros. “Não me arrependo, de
qualquer forma.”
“Acho que você é muito foda por isso sabia”, Chelsea
começa. “Quer dizer, não porque não se arrepende, mas pela forma
como você lidou como a situação. Eu teria surtado completamente e
não saberia o que fazer. E eu namoro com Josh, meu pai não é um
idiota e eu não tenho uma carreira. Tenho, mas nunca fui tão ligada
a isso. Você enfrentou tudo isso de frente e estava pouco se
ferrando para todo o resto. Isso é corajoso. Você chegou no Matt e
falou que não importava o que acontecesse, essa gravidez estaria
acontecendo. Comunicou ele que estava grávida e não estava
pedindo qualquer apoio ou conselho. Acho que estou ainda mais
orgulhosa de ser sua amiga por tudo isso, se é que é possível ficar
mais orgulhosa.”
“Não tem como negar que foi mesmo um ato muito corajoso e
foda da sua parte. Você pareceu do tipo mãe leoa desde o primeiro
instante pelo que fiquei sabendo”, Rebecca complementa, e contei
para elas sobre essa parte, quando descobri e resolvi contar para
Matteo.
“Se estão tentando me fazer chorar, está quase dando certo e
isso não é justo porque ando muito emotiva ultimamente.” Respiro
fundo, quase fungando e nós três caímos na gargalhada pelo
momento intenso. “Ok, penso que já tivemos o suficiente sobre eu e
minha vida. Me contem como estão as coisas.”
“Normal? Em Atlanta nada parece acontecer, mas estou feliz
que Zach e eu estamos cada vez mais conseguindo nos habituar
com a vida aqui. Não irei nunca trocar vocês, mas achamos um
grupo de amigos do trabalho dele e tem sido legal fazer alguns
programas noturnos. Existem bons barzinhos por aqui”, Becks fala.
“Mas não tenho muito para contar.”
“Nem eu, pouca coisa mudou desde a última vez. Quer dizer,
meu pai começou a namorar, contei essa para vocês?” E nós duas
acenamos porque Chels chegou a comentar sobre isso da última
vez.
Quando a loira torna a falar, a porta do apartamento se abre e
me viro no sofá para ver um Matteo irritado jogando seu sobretudo
no gancho e pendurando a bolsa de couro sem muita delicadeza.
Olho para ele com estranheza, enquanto tento seguir prestando
atenção nas meninas, mas recebo somente uma revirada de olhos,
bufada e um aceno com a mão, como se eu devesse deixar
qualquer assunto de lado.
Mas não consigo, porque ele nem mesmo pensa em se
aproximar para me dar um beijo ou um oi para as meninas, subindo
a escada com o mau-humor terrível. Chelsea conta sobre o
casamento que está planejando até que seja interrompida por um
dos companheiros de casa de Josh.
“Acho melhor desligarmos”, Becks comenta. “Liguei mesmo
porque estou morrendo de saudades e queria falar um pouco com
as minhas melhores amigas. Mas vi que Matt chegou e Josh logo
deve acordar. Não vou tomar mais tempo. Zach deve estar voltando
também.”
“Quando nossa vida virou conversas quando estamos sem
nossos namorados?”, Chelsea brinca.
“Não virou, virou conversas quando conseguimos tempo livre,
isso sim”, Rebecca comenta rindo.
“Viramos mesmo três mulheres ocupadas e bem
empregadas”, brinco, ainda que seja a verdade e me sinta orgulhosa
de ver como nós três estamos indo mais do que bem em nossas
vidas, apesar dos imprevistos. “Beijo, amo vocês”, digo, e recebo
beijos antes de desligarmos.
Não tardo em subir as escadas atrás de Matteo, porque é
impossível que eu vá simplesmente ignorar sua cara fechada e
emburrada sem ao menos tentar saber do que se trata e conversar
com ele. Chego na porta do nosso quarto e escuto o som do
chuveiro. Noto as roupas de ginástica no chão e percebo que estava
tão focada que mal me atentei ao fato que ele não estava com o
terno.
Bato na porta fechada e não recebo resposta.
“Matt?”
“Daphne não é uma boa hora!”, ele alerta estressado, e isso
me deixa irritada.
“Tenho um total de zero culpa no que aconteceu então não
desconte em mim”, é a minha vez de alertá-lo. “Vou entrar”, aviso,
antes de abrir a porta.
Sei que ele não vai se importar, porque não é como se não
tivéssemos nos vistos nus antes e já precisamos compartilhar o
banheiro na minha casa, por só ter um, enquanto ele tomava banho
e eu me maquiava para o trabalho. E não somos pessoas tímidas
durante o sexo. Ainda assim, fica difícil que eu não meça seu corpo
embaixo do chuveiro.
Uma pequena cortina de vapor preenche o ambiente largo e
me encosto na parede perto do box.
“O que aconteceu?” Olho para ele, que segue com sua cara
emburrada. “Ok, então, se não quer falar, tudo bem, não é obrigado
a isso. Mas a partir do momento que me convidou a vir para cá,
estamos juntos de fato, Matt. Precisamos conversar e conviver.”
Minha voz é suave, porque não estou brigando com ele e nem quero
piorar a situação.
“É só que não quero acabar descontando em você, porque
estou estressado e isso não tem nada a ver com você. E sabe que
não sou a melhor pessoa para me expressar direito”, ele diz.
“Tudo bem. Não precisa falar de tudo comigo.” E nem mesmo
me sinto chateada com isso. “Mas quero que entenda que agora
você tem a mim. Então podemos conversar sobre o que quiser, não
precisamos resolver tudo, mas pode desabafar sobre o que quiser.
Só jogar tudo para fora.”
Descalço meus pés das pantufas e começo a puxar o
moletom pela minha cabeça, sentindo minha pele arrepiar ainda que
o aquecedor e o chuveiro estejam fazendo seu trabalho. Tiro a calça
antes de precisar fazer um esforço para me retirar o meu sutiã e
então escorregar minha calcinha pelas pernas.
Entro no box sem pensar muito sobre o que estou fazendo.
Diferente de Matteo, que deve ter vindo direto da academia, não
planejava tomar banho logo cedo. Mas simplesmente senti a
necessidade de estar próxima dele agora. Seus olhos não deixam
meu corpo nem sequer um minuto até que eu esteja na sua frente.
Sua expressão se suavizou um pouco, o que é bom, mas
ainda consigo ver sua mente trabalhando demais.
“Estamos juntos, e eu sempre fui sua amiga, pode falar
comigo.” Ele me estende a mão e não tardo em pegar enquanto me
aproximo do seu corpo molhado. “Sei que não é fácil porque…
talvez não ache que pode confiar em mim totalmente para falar o
que quiser e talvez não esteja acostumado a me ter por aqui. E isso
não me chateia, saiba disso. Cada um tem o seu tempo de
adaptação as coisas e até mesmo compreendo se achar que
devemos voltar atrás nisso. Se sentir que talvez eu esteja invadindo
muito seu espaço.” O que vai doer um pouco, mas posso lidar. “Mas
quando chega em casa furioso, emburrado, batendo todas as portas
do apartamento no caminho e jogando suas coisas
desorganizadamente no chão, não posso evitar de querer saber ao
menos o que aconteceu.”
Ele não diz nada por alguns instantes, enquanto molha o meu
corpo gentilmente e ensaboa.
“Tudo bem.” A voz de Matteo chega estar rouca pela falta de
uso. “Mas não pode me pedir para que eu faça isso agora porque
estou um pouco ocupado.” Há um tom de divertimento e não preciso
olhar para o seu rosto para saber que está com um sorriso de canto.
Fico contente por ver o mau-humor indo embora, apesar de não
ficar tão satisfeita com a mudança de rumo da nossa conversa.
“Como consegue ficar cada dia mais bonita?”, a pergunta retórica
me faz rir.
“É o brilho da gravidez finalmente fazendo efeito.”
“Não acho que precisa muito de brilho da gravidez, já falei
isso, mas não me importo em repetir.” Ele se demora passando as
mãos grandes nos meus seios e não evitando provocar meus
mamilos que logo ficam duros.
Não consigo ficar parada, seu corpo é irresistível e passo
minhas mãos com o pretexto de ajudá-lo no banho, mas o fato é que
me delicio com seu abdômen mais que definido, fazendo o contorno
das tatuagens que se misturam.
Matteo se dedica e nos demoramos no nosso banho mais do
que normalmente demoraríamos. Não acontece nada além de
toques gentis e carícias deliciosas, e é mais do que bom passar um
tempo assim com ele. Desperta algo em mim que achei que não
fosse um dia ter e isso seria um lado romântico. Porque quero
momentos de carinho que não signifiquem só sexo, apesar de já os
termos bastante.
Adoro me deitar ao seu lado a noite e aproveitar dos seus
afagos até cair no sono enquanto ele lê algum livro para a
faculdade. Gosto de nos sentarmos juntos no sofá, abraçados e só
olharmos alguma programação sem muita graça na TV. Tenho
apreciado cada vez mais momentos simples na presença dele, sem
precisar de muito mais.
Isso me faz desejar cada vez mais que nada disso acabe, eu
e ele. Eu, ele e as meninas. Vejo-me pensando em como nosso
futuro pode ser mais do que só bonito no papel. Ele com toda a
certeza será um pai maravilhoso e quero estar bem perto para ver
ele cuidado das nossas meninas, cuidando de mim e deixando que
eu cuide dele.
Só quero conseguir quebrar totalmente essa barreira que
estamos tirando aos poucos. Porque quero ele finalmente e inteiro
para mim, sem o medo e as inseguranças que sei que Matteo
carrega bem mais do que eu. Sei que ele quer tudo isso, não tenho
mais tantas dúvidas, porém não consigo evitar vez ou outra me
sentir instável na minha posição como namorada na vida dele. Estou
certa da minha posição como mãe das suas filhas
É estranho que eu ainda ache que possa fazer uma distinção,
mas quero que ele esteja cem por cento comigo só por querer, não
pelos bebês. Mas não quero que ele precise fazer esforço para
conseguir isso, para conseguir deixar que suas barreiras se abaixem
totalmente para mim, que ele precise de esforço para me… amar.
Porque para mim não é esforço algum estar com ele, sentir
isso, desejar um futuro ao seu lado. Se eu contasse isso a Daphne
de um ano atrás, ela iria rir, ainda que não fosse debochar da ideia.
Matteo sempre foi um cara ideal que todo mundo poderia querer.
Depois que tudo aconteceu na vida dele, não era de se esperar
menos do que a criação de algumas barreiras, um afastamento
emocional. Mas isso nunca fez dele um cara ruim, sempre seguiu
sendo um homem quase que perfeito demais.
Agora, entretanto, nem mesmo consigo imaginar outra coisa
que não estar com ele. Não consigo mais me imaginar sem sua
presença na minha vida e quando achei que poderia fazer isso,
foram dias ruins demais. Não quero mais me ver sem sua risada
baixa e rouca, sua voz profunda que me causa sentimentos demais,
seus toques que trazem arrepios a minha pele ou são tão gentis que
me fazem querer somente mais dele.
“Está pensando demais”, ele fala, com um sorriso de canto,
passando o indicador no meio das minhas sobrancelhas,
desfazendo o nó de tensão ali.
Suspiro, afastando meus pensamentos enquanto ele termina
de me secar e enrola a toalha nos meus ombros, me trazendo para
perto e deixando um beijo demorado na minha boca.
“Nada demais”, digo, contra seus lábios antes de deixar mais
um beijo ali e me agarrar a toalha.
Matteo enrola a dele na cintura e ficamos parados no
banheiro. Suas mãos seguram minha barriga que sai pela abertura
da toalha antes que eu alcance meu roupão no gancho atrás dele.
“Estou ansioso para conhecer elas. Não vejo a hora de poder
segurar as duas nos meus braços.” O brilho em seus olhos verdes é
inegável e não consigo evitar um largo sorriso quando deixo a toalha
cair aos meus pés.
Suas mãos seguem acariciando minha pele e quase fico com
vontade de não passar o roupão pelos meus braços, porque não
quero que ele pare. Mas Matteo puxa a peça para frente, fechando a
faixa em um nó frouxo.
“Eu também.” Seguro a palma dele contra o roupão a tempo
de Matt também sentir o chute contra minha pele.
A forma como ele sempre parece emocionado, como se fosse
a primeira vez, me deixa igualmente com um sorriso gigante no
rosto. É bonito a forma como ele adora passar horas acariciando
minha barriga, conversando com as meninas baixinho enquanto elas
se mexem em resposta. Às vezes preciso controlar um pouco
minhas emoções.
“Vem.” Ele me oferece a mão e a pego para sairmos do
banheiro.
Não conversamos muito além disso, e sinto que não saberei
o que aconteceu de manhã tão cedo. Mas não me importo, porque
ao menos sinto que agora ele tem a certeza que pode contar
comigo, somos uma dupla, ou um quarteto, e não sou a única que
mereço atenção e cuidado.
Antes de sair do closet, depois que terminamos de nos vestir,
Matteo me puxa para um beijo profundo que me arranca suspiros e
gemidos enquanto ele não se apressa passando sua língua pela
minha, me beijando com ternura antes que seus lábios passassem a
explorar os meus com mais urgência. Não posso negar isso,
principalmente por amar seus beijos, a forma como ele segura
minha cintura em um abraço enquanto emaranha seus dedos em
meu cabelo com a outra mão.
Porque também adoro segurar seus braços enquanto o beijo,
abraçar seu corpo e tocar os fios, nesse momento, úmidos pelo
banho. Porque também me sinto quente de inúmeras formas
quando ele finda o nosso beijo e me olha com os olhos verdes
escuros com tanta intensidade que poderia perder até mesmo a
força nas pernas. Também amo quando ele deixa alguns outros
beijos espalhados pelo meu rosto antes de se afastar.
“Acho que vou deitar um pouco”, digo, e fico feliz por ele
compreender o convite escondido ali.
“Amaria te acompanhar, mas vou preparar nosso almoço. A
última coisa que quero é uma grávida preguiçosa após uma soneca
e faminta”, ele brinca, mas me acompanha até a cama.
Me deito e Matt arruma o cobertor fofo no meu corpo, assim
como ajeita minhas inúmeras almofadas. Ele começa a acariciar
meus cabelos enquanto aciona o comando para fechar as cortinas e
não consigo mais manter meus olhos abertos, me rendendo aos
meus sonos repentinos.
“Você é mais do que eu poderia pedir”, seu sussurro é
próximo do meu ouvido, antes que ele beije minha bochecha.
“Então tem sorte por eu ser sua”, digo, com um sorriso e
mesmo querendo, não consigo me esforçar o suficiente para abrir os
olhos.
“Sou sortudo pra porra mesmo.” Suas mãos deixam uma
trilha de carícias e não evito um bocejo. “Eu amo vocês três”, Matteo
diz, contra a minha pele, antes de beijar minha testa.
“E nós amamos você.”
Não é nem um pouco difícil dizer isso, porque é tão verdade
que não posso evitar me sentir assim, sem ter medo desse
sentimento que sempre me assustou um pouco. Consigo abrir os
olhos o suficiente para ver ele sorrindo antes de se levantar. Meus
olhos pesados voltam a se fechar quando ele se afasta e encosta a
porta do quarto.
É melhor do que achei que fosse. Colocar esse sentimento
para fora com tanta naturalidade e agora não quero nunca mais
parar de colocá-lo para fora. Porque amo mesmo Matteo e não é
nem um pouco de um jeito só amigos de ser.
 

 
Mike: Como está a vida na casa nova?
 
A mensagem do meu irmão vibra na minha barriga, onde o
meu celular está apoiado enquanto vejo um programa investigativo
na TV deitada no sofá. Matteo tem meus pés em seu colo e
massageia um deles enquanto segura o leitor digital na outra,
concentrado no que está lendo.
 
Daphne: Todo mundo resolveu me perguntar isso hoje?
Daphne: Bem!
Mike: Com essa agressividade, uma coisa é certa, nem tudo
está tão bem assim.
Mike: O que aconteceu?
Mike: Preciso tomar medidas para ir para Boston?
Daphne: Seja menos dramático.
Daphne: Nada aconteceu.
Mike: Sabe que somos irmãos.
Mike: Gêmeos.
Daphne: Talvez algo tenha acontecido, mas não foi nada de
mais.
Mike: Então…
Daphne: Matt chegou um pouco chateado em casa e, não
sei, às vezes me sinto meio de fora da sua vida ainda. Como se ele
ainda não conseguisse me considerar totalmente aqui, confiar em
mim.
Daphne: Como se ele não me visse como sua companheira
ainda.
Mike: Tenha um pouco de paciência com o Matteo.
Daphne: Olha quem voltou a defender o melhor amigo.
Mike: Não é isso.
Daphne: Não foi uma crítica, fico feliz que possam estar
voltando a ser amigos.
Mike: Pelo jeito ele vai virar meu cunhado de fato, acho justo.
Mike: Seja amigo do seu inimigo.
Daphne: Michael!
Mike: Tá bem, tá bem.
Daphne: Devo ter paciência com ele… por quê?
 
A sua demora para me responder quase faz com que eu
tenha uma síncope. Matteo acaricia meus tornozelos inchados
quase aleatório a minha impaciência. Seus dedos também não
deixam de enviar algumas correntes de eletricidade pelo meu corpo.
 
Mike: Porque acho que ele realmente gosta muito de você,
além de estar completamente dentro nisso de ser pai, eu vejo isso.
Mas acho que ele ainda tá aprendendo a lidar de novo com ter
alguém assim na vida dele, uma pessoa que é uma companhia, uma
namorada, coisas assim.
Mike: Não tô falando que não deve pressionar para que ele
não te jogue totalmente para o lado, que deixe ele te tratar mal. Até
porque se ele fizer isso, posso querer ir aí e ter certeza que ele não
ande por alguns dias, porém entenda também que Matteo está
começando a se acostumar com essa vida de novo.
Mike: E ele parece muito disposto a isso.
Daphne: Violência não resolve tudo.
Mike: Você é minha irmã e eu já estourei minha cota com
Matteo no momento que eu descobri que vocês ficaram, agradeça
por ele ainda ter o nariz no lugar.
Daphne: Tão agressivo.
Mas sorrio para o jeito protetor de meu irmão, como se eu
ainda fosse uma menininha.
Daphne: Tudo bem, terei paciência.
Mike: As coisas vão se acertar, fico feliz que de certa forma
estejam bem, acho que se mudar para o apartamento dele foi uma
boa coisa.
Mike: Mas sabe que independente de tudo, sempre estarei
aqui por vocês três.
Daphne: E eu te amo por isso, maninho.
Mike: Amo vocês, mais as minhas sobrinhas do que você.
Daphne: Não irei competir por atenção.
Mike: É melhor mesmo.
 
E nesse momento, travando o celular e colocando-o no meu
lado no sofá, abro a boca para falar um assunto pertinente com
Matteo, o nome para as meninas, quando vejo que ele tem uma
expressão séria enquanto me observa.
“Tá tudo bem?”, pergunto, me sentando no sofá e indo até
perto dele.
“Sim.” Mas sua resposta não me convence. “Quero falar
sobre o que aconteceu mais cedo.”
“Matt…”
“Não, tudo bem, quero falar porque… acho que preciso falar
disso com alguém.” Ele alcança minha mão, que descansa em cima
da minha barriga, e leva ela até os lábios, beijando o dorso. “E você
é a minha pessoa agora, então quero compartilhar minhas coisas
com você.”
E isso me faz derreter de uma forma que quase me esqueço
que não posso simplesmente pular em cima dele. Somente trago
nossas mãos juntas até plantar um beijo no nó dos seus dedos
também.
“Acho que era no final de semana após o aniversário de
casamento dos meus pais. Aquele que Becks levou o Zach e tudo
começou, a baita festa no Hamptons. Lembra?” Dou um aceno, isso
foi há pouco mais de um ano e meio. “Bem, nesse final de semana
seguinte, eu estava no escritório e meu pai estava pra San
Francisco com o tio Cyrus, pelo negócio que eles fecharam ano
passado, e eu precisava de alguns documentos do arquivo pessoal
do meu pai.”
Matteo fica em silêncio por um momento e entrelaço nossos
dedos antes de limpar a garganta.
“Ok…”, minha voz sai meio engasgada quando tento fazer
esse pequeno incentivo sair.
“Eu nunca precisei pedir permissão para ir até à casa dos
meus pais, morava lá até uns seis, sete anos atrás. Então deixei só
uma mensagem para o meu pai avisando que iria retirar o
documento de lá para fazer a renovação de um contrato. Ele me
explicou onde estava…, mas, bem, isso não vem ao caso.”
Ele balança a cabeça, como se tivesse perdido o fio
importante ali, e estranho isso, afinal, conheço Matt o suficiente para
saber que perder o foco no assunto não é algo comum para ele e
seu temperamento de advogado impecável.
“Quando cheguei em casa, vi que minha mãe estava lá e,
bem, fui procurá-la. Sempre nos demos bem, acho que Becks tem
razão quando fala que eu era o filho favorito dela e penso que
mesmo com tudo o que aconteceu, com a forma como ela era com
Brooke, ainda assim não me desapeguei. Além disso, ela também
esteve muito ao meu lado quando…” As palavras não precisam ser
ditas.
“Sim, eu lembro.” Marise esteve o tempo inteiro ao lado de
Matteo nos primeiros dias após a morte de Brooke, quando todo
mundo pensou que ele iria acabar se despedaçando em sua própria
dor.
Já escutei história como a que Matteo está prestes a me
contar vezes o suficiente para me preparar para suas próximas
palavras. Não sei se isso tem muita preparação, ainda mais quando
diz respeito sobre alguém tão próximo de mim. Eu sei reconhecer os
sinais de quando escuto uma história de traição, especialmente
porque muitas vezes a confissão parte de algum filho ou amigo
próximo do casal.
“Minha mãe trai, ou traia, meu pai com um dos parceiros
financeiros dele. Não foi a cena mais agradável de se ver”, ele diz,
engolindo em seco e pressiono meus dedos contra os dele quando
vejo seu rosto endurecer com raiva. “Não soube o que fazer com a
informação na época, me senti um pouco juvenil demais por isso.
Peguei os dois em uma das salas do andar de cima e… bem, eu
simplesmente sai e fui embora.”
Uma pergunta lateja na minha cabeça. Bem, muitas
perguntas porque não consigo imaginar o que faria. Mas a situação
é bem diferente. Meus pais mantêm uma relação por conveniência e
status, não lembro a última vez que vi os dois protagonizando uma
cena romântica ou de mínimo afeto. Theodore e Marise sempre
foram um casal bonito e apaixonado, ou pelo menos era isso que
transpareciam.
Mas desejo saber, para começo, o que Matteo fez com a
informação.
“Era o melhor amigo dele. Tipo, de todos os caras do mundo
e de todas as mulheres do mundo, precisava ser assim?” Tenho
vontade de dizer a ele que a questão do caráter nem sempre ajuda
no julgamento, porque trair é a mais pura falta do caráter. “Eu não
contei para ele”, Matteo fala depois de um período de silêncio na
sala. Sua voz quase ecoa no apartamento.
“Como?”, pergunto confusa, imersa nos meus pensamentos
sobre o assunto.
“Não contei ao meu pai. Até hoje. Quero dizer, eu deveria, sei
disso. Mas não consegui. Sei que isso o machucaria mais do que
posso imaginar. Infelizmente, meu pai ama muito a minha mãe.” Ele
balança a cabeça. “Só não consegui. Talvez não ainda.”
Seu polegar passa pelo dorso da minha mão e ele parece
mais concentrado nesse movimento do que nos meus olhos que
estão grudados nele.
“E sua mãe?”
“O que tem ela?”
“Chegou a falar com ela?”
“Algumas semanas depois. Ela me prometeu que isso não
era algo que acontecia há muito tempo, que foram momentos de
luxúria e que nunca mais aconteceria.” E estou me preparando para
perguntar o que ele acha disso quando Matteo responde. “Não
acredito nela, quero acreditar, acho que é verdade, mas não consigo
mais. Eu a fiz prometer que se soubesse sobre isso outra vez, ele
ficaria sabendo e ela sabe o quanto isso machucaria meu pai, além
da imagem perfeita e imaculada que ela tanto ama manter.”
Posso sentir o seu aborrecimento com a situação tão nítido
em sua voz, na forma como uma veia se forma em sua testa, na
forma como seus olhos parecem bravos o suficiente para quase
arderem em minha pele, ainda que eu saiba que não são
direcionados a mim.
“Fiz ela prometer que isso não aconteceriam de novo, não
acredito nela e mesmo assim não tive a coragem de contar ao meu
pai. Sou a porra de um estúpido, Daphne!”
“Não, você não é.” Mas seus olhos se viram para mim
semicerrados e mostram claramente que não acredita no que digo.
“Ok, você pode achar que é estúpido, mas isso não faz de você
estúpido. Tudo bem, você perdeu a confiança na sua mãe, mas, ao
mesmo tempo, também está com medo de chatear seu pai.”
“Mas eu devia ter contado.”
“Mas preferiu pensar que sua mãe é madura o suficiente pra
tomar as decisões certas depois do seu aviso. Olha… eu gostaria de
ser avisada se um dia fosse traída, mas entendo que a situação não
é fácil. Se trata dos seus pais.”
“Ela só consegue ser tão egoísta, às vezes que não sei como
não notei antes.”
“O que aconteceu hoje?”, pergunto, um pouco incerta, e ele
suspira fundo.
“Nada demais, é só que ela só pensa em mídia, em estar no
topo do nosso centro social, estampar revistas, status impecável,
imagem perfeita.” Olho para ele com a sobrancelha arqueada e
Matteo parece incerto sobre continuar quando me olha.
“O que é nada demais?”
“Ela é mesquinha e acho engraçado como quer tanto que a
gente tenha uma imagem boa, querendo usar as meninas como
uma boa jogada de marketing, mas mal tem o tom para perguntar
como você está, como elas estão.” Ele parece tão furioso com isso
que mal nota meu choque. Não posso evitar que Marise e minha
mãe fazem a mesma linha e isso é horrível. “Eu dei um jeito nisso,
me desculpe por trazer o assunto.”
“Não é como se eu não tivesse escutado isso antes.” E
Matteo torce o nariz em uma careta, provavelmente se lembrando
que a família Laurent-Davis não tem membros de ouro. “E sinto
muito por isso, esse dilema sobre seus pais e por saber que sua
mãe está, ou estava, fazendo isso. Mas acredito que, de certa
forma, é bom que acabou descobrindo.” Porque ele pode contar
quando achar que consegue. Pelo menos essa perspectiva existe
ao invés de Theodore ser traído pelo resto da vida pelas costas.
“Eu vou contar, só quero que seja cara a cara. Acho que ele
merece descobrir que a esposa de muitos anos, com que tem dois
filhos está traindo, ou estava, por algo melhor que uma mensagem
ou ligação. A próxima vez que nos encontrarmos, vou contar.
Mesmo que já faça quase dois anos. Ele merece saber.” Seus dedos
seguram os meus mais forte antes que ele novamente beije ali. “Por
favor, só peço que você…”
“Sei como manter um segredo, além disso, é o seu segredo.
Fico feliz que tenha me contado sobre isso, e sobre o que
aconteceu mais cedo para te deixar assim.”
“Estamos juntos agora, sei que preciso trabalhar em muitas
coisas, mas confiança é algo que sempre tive em você.” E essas
palavras me fazem sorrir mais do que eu gostaria, porque trazem
convencimento demais aos olhos dele e Matteo se inclina para me
beijar. “É a verdade. Além disso, falar me fez bem. Acho que tomei
uma decisão sobre o assunto e quase me sinto mais leve, decidido
a contar para o meu pai agora. Obrigado.”
“Estou aqui para isso, sempre que precisar.”
Ele abre a boca para falar mais alguma coisa, porém a fecha
de súbito e parece se arrepender tão rápido quanto a vontade de
dizer algo lhe veio à mente. Seus lábios encontram os meus mais
uma vez, para um beijo mais profundo agora e ele coloca as mãos
no meu rosto com gentileza.
Nesse momento me derreto ainda mais por ele, como se
fosse possível. Me sinto desmanchar em seus braços como sempre,
além de sentir um sentimento expansivo no peito. Matteo é mais
para mim do que já permiti qualquer outra pessoa a ser, e todas as
pequenas vezes que ele demostra me querer do mesmo jeito, faz
com que eu o ame cada vez mais.
E não estou com tanto medo mais desse sentimento.
 

 
ESTOU ABRAÇADO AS PERNAS DE DAPHNE enquanto
assistimos um filme na TV da sala. O pote de pipoca foi deixado de
lado, já vazio, há tempos. É sábado, uma semana depois que passei
a entender melhor que devemos ser parceiros em tudo, não só em
partes. Que contei a ela sobre os assuntos com minha mãe e
mesmo que ditos em meias palavras, acho que ela compreendeu.
Os créditos sobem na tela e deixo um beijo em sua coxa
enquanto ela acaricia meus cabelos. Se eu olho para cima,
buscando seu rosto, preciso me inclinar para o lado pois suas quase
trinta semanas parecem mais evidentes do que nunca. Ela está
peculiarmente linda hoje, porque fez algo no cabelo mais cedo
depois que lavou e algumas ondas caem em suas costas e seios.
Seu cabelo também parece ainda mais bonito do que antes e
está bastante longo, atingindo sua cintura em uma mistura de
castanhos. Daphne já falou em cortá-lo pelo menos umas três
vezes, mas sempre pensa que pode ser melhor deixar isso para
mais para frente, porque se cortar perto do parto, pode ser melhor.
E é estranho ouvi-la falando isso, porque em dois meses
conhecerei minhas duas filhas.
Duas meninas que já amo incondicionalmente e que
trouxeram tanta coisa de volta para mim. Espero ser capaz de dar
todo o amor que elas irão precisar, proteger elas de tudo o que for
ruim, dar a elas tudo. Ser um pai suficientemente bom.
Em pouco mais de nove semanas conhecerei minhas duas
meninas e ainda não colocamos um tópico muito importante em
discussão.
“O quê?”, Daphne me pergunta, e levanto meus olhos para
ela, confuso. “Tá com sua cara de pensando demais.”
“Não tenho uma cara de pensando demais.”
“Tem sim!”, ela retruca, enquanto me sento.
“Tava pensando que ainda não conversamos sobre nomes.
Para as gêmeas.” Ela franze o cenho e me diz com esse movimento
que também não pensou sobre o assunto.
“Gosto de Amelia.” E não consigo evitar um choque. “Você
não tem nenhuma ex com esse nome, que eu me lembre.”
O nome evoca tantas lembranças não vividas. Conversas
tarde da noite sobre um futuro que foi arrancado de nós, planos que
nunca foram completados, uma vida que era nossa até que, do
nada, não era mais. Nosso futuro que tanto sonhamos, nosso
casamento, nossa casa, nossos filhos. Tudo que nunca terei, não
com ela.
Daphne pode ser um presente bom demais, mais do que
imaginei que poderia ter um dia de novo. Ela me faz sentir toda a
vida de volta em meu corpo, em minha mente e coração. Ela é boa
demais para mim. Ainda assim, ignorar todo o passado é
impossível.
Venho conseguindo deixar para trás o suficiente, não
passando por cima, mas superando pouco a pouco, de forma que
até então não tinha me permitido. Mas alguns momentos me fazem
ter recordações demais, porque não posso simplesmente esquecer
tudo. Nem mesmo desejo isso.
“Matteo… me desculpa.” A mão dela busca pela minha e
trago seus dedos até meus lábios, porque não existe motivo algum
para que ela se desculpe. “Não sabia que…” Ela parece confusa,
porque provavelmente não sabe bem o que esse nome significa.
“Não é isso.” Minha voz sai estranha e limpo a garganta. “E
só que Amelia era o nome da avó da Brooke. Sempre que
pensamos em ter filhos, era um nome que surgia.”
Daphne fica em silêncio e sei que é porque não tem ideia do
que falar. Trouxe um assunto pesado a mesa, sei disso, mas seria
impossível não comentar. Levo minha mão até sua barriga e ficamos
assim por alguns instantes.
“Você sabe que pode falar comigo sobre ela também, não é?”
Suas palavras fazem com que meus olhos voltem para os seus.
O azul profundo me transmite tantas coisas e isso me deixa
com um sorriso de canto. Daphne consegue ser tudo o que quero, o
que preciso, e sei que não sou nem metade do que ela merece. Sua
tranquilidade, a verdade que vejo em seus olhos quando me fala
isso. Fecho os olhos, porque muitas pessoas já me disseram essas
mesmas palavras. Meus pais, Becks, terapeutas, meus amigos.
Mas é diferente. Daph traz o assunto de forma honesta, não
só porque acabamos passando por ele. Muitas pessoas devem ter
dito isso de forma honesta também, mas é só diferente. Depois dela,
depois que Daphne apareceu em minha vida e me mostrou tantas
coisas, pude voltar a pensar em Brooke como deveria, pensar em
sua presença feliz e sorridente.
Pude voltar a ter lembranças boas.
“Tudo bem se quiser conversar sobre isso, ou também se não
quiser. E tá tudo bem que você sinta saudade dela, ou ainda se
lembre muito dela.”
“Às vezes sinto tanto a falta dela que chega a doer no meu
peito. Às vezes desejo que tivesse sido eu, que eu tivesse lá, que
tivesse cancelado tudo, que tivesse sido quem ela precisava
naquele momento, que fosse a porra de um namorado bom.”
Daphne abre a boca e ela não precisa dizer as palavras para
eu saber o que vai sair. Ela vai dizer que eu era, porque eu era.
Éramos um casal perfeito e ela era tudo, ela tinha tudo. Ela era
simplesmente tudo o que eu sempre acreditei que nunca teria na
vida e sempre esteve ali comigo, o tempo todo. Mesmo que minha
mãe fosse um inferno, que minha vida social sempre fosse uma
droga para ela. Eu a amava de uma forma que doía no peito.
Todas as vezes que eu olhava para o seu rosto, encontrava
ali olhos gentis e um sorriso lindo, todas as vezes me faziam
acreditar que eu seria capaz de manter ela pelo resto da vida.
Porque não havia nada que fosse me fazer mais feliz do que isso.
Brooke era o sol dos meus dias, com piadas ruins, um humor
duvidoso, suas danças aleatórias. Ela era tudo o que eu não era.
Ela era a luz para toda a partezinha de mim que eu acreditava ser
obscura.
E ela carregava aquele sorriso lindo consigo depois de me
beijar e entrar no carro. Ela ainda tinha aquele sorriso quando deu
partida e saiu pela garagem. Eu ainda tenho aquele sorriso na
minha mente, o sorriso que deu a mim antes de ir. Seu último
sorriso, e isso é algo que eu sonhei por noites a fio. Que desejei de
forma tão árdua.
Só desejei que ela sorrisse para mim mais uma vez.
Uma única vez.
Desejei que pudesse ver seu rosto mais uma vez. Talvez
pudesse fazer algo diferente, adiar a sua viagem, beijar ela por mais
alguns minutos, apreciar sua beleza por mais tempo, fazer ela sorrir
até que ela também adiasse sua viagem.
Desejei que pudesse saber ser a última vez para dizer a ela
mais de uma vez que a amava de forma infinita.
Que a amaria para sempre.
“É um pouco irônico sabe, que eu tenha encontrado refúgio
para me esconder dos meus sentimentos depois do acidente no
trabalho. Foi por causa dele que… que eu não estava lá. Talvez se
eu tivesse, as coisas teriam sido diferentes. Teríamos saído mais
cedo, talvez ido mais rápido ou mais devagar. Estaria dirigindo
provavelmente. Existem infinitas possibilidades que fariam com que
nada daquilo tivesse acontecido se eu tivesse dito um não ao
trabalho. Um não para a porra de uma reunião que não rendeu
absolutamente nada.”
E lembro que foi exatamente isso que pensei quando sai da
sala de reuniões naquele dia. A memória parece estar mais do que
vívida em minha cabeça.
“Sabe, eu desacreditei quando recebi a ligação. Porque só
podia ser uma piada de muito mal gosto de alguém com tempo.
Brooke não podia estar morta. Não acreditei, não podia acreditar
que a pessoa mais importante da minha vida tinha sido tirada de
mim. Não podia acreditar que isso tinha acontecido. Eu não podia,
não queria. Se aceitasse isso, não saberia mais quem eu era. Não
podia acreditar porque ela era tudo pra mim e não podia aceitar que
Brooke tinha ido.”
O policial ficou meia hora comigo no telefone, porque eu era
o número de emergência que ela mantinha junto com seus
documentos e achei uma puta ironia do destino que Brooke um dia
tivesse pensado sobre isso. Ela era organizada, sempre pensava
em tudo, e desejei que ela não tivesse cogitado isso, isso não.
“Depois disso tudo parece tão confuso, acho que eu estava
vazio demais para sentir algo. Tristeza, dor, até mesmo chorar. Eu
não tinha nada, sentia como se não houvesse nada, nem mesmo
um eu para sentir alguma coisa. Foi o pior dia da minha vida e
lembro de flashes, de um sentimento como se não tivesse nada
dentro de mim. Não senti nada até o momento que cheguei na sua
cidade e vi os pais dela.”
Meus olhos estão encarando Daphne, mas meus
pensamentos estão longes demais que é necessário que eu a
escute fungar baixinho para me dar conta que seus olhos estão
molhados, assim como as minhas bochechas. Faz um tempo que
não choro por causa dela, e agora não parece mais a mesma coisa.
“Nunca tinha notado o quanto ela e a mãe eram parecidas até
aquele dia. Quando seus pais me abraçaram foi a primeira vez que
eu chorei, e o vazio foi preenchido por uma dor que alcançava meus
ossos. Não conseguia sentir meu corpo, mas tudo parecia tão
pesado, como se eu não fosse nem mesmo capaz de ficar de pé
sem ela. Quando olhei para a sua mãe, com o rosto coberto de
lágrimas, notei o quanto elas eram parecidas e acredito que foi aí
que caiu a ficha que nunca mais a veria, seu sorriso, seus olhos, o
nariz empinado, as sobrancelhas grossas. Que nunca mais tocaria
seus cachos castanhos e que ela nunca mais me daria aquele olhar,
que ela nunca mais…”, as palavras somem, e mordo o lábio para
reprimir um soluço. “Acho que foi quando me dei conta disso, que
soube que morreria pouco a pouco nos dias que passaria sem ela.
Quando percebi que nunca mais veria seu rosto, ou tocaria sua
pele, ou ouviria sua risada, talvez tenha sido ali que uma parte de
mim também se foi, junto a ela. Ela me trazia tudo isso. Ela me
trazia uma leveza que eu nunca achei que teria.”
Daphne aperta minha mão na sua quando minha voz falha,
seus olhos estão em um azul claro, cheios de lágrimas e sua
imagem se embaça por um momento por causa das minhas.
“Eu sei que já te disse isso e deve estar cansado de ouvir,
mas eu sinto tanto por isso.”
“Eu estava cego pelo ódio, por querer vingança que mal via
as coisas se passando ao meu redor. Acreditava que, se me
enchesse com esse sentimento, se fizesse meu melhor para punir
quem tinha tirado ela de mim, conseguiria lidar melhor com o vazio
que sentia por causa da ausência dela. E foi a coisa mais estúpida
que eu fiz, e que mais me machucou, assim como machucou os
pais dela. Porque fiquei tão cego nisso, tão focado em algo que nem
mesmo fazia sentido, que mal notei que acabei escavando ainda
mais fundo toda a situação.”
Seus dedos acariciam a minha mão e fecho os olhos
enquanto aperto sua palma trazendo-a para perto e Daphne desliza
pelo sofá, sentando ainda mais próxima a mim. Quando abro meus
olhos, vejo que ela estica o outro braço, como se desejasse me
tocar, mas não soubesse se deve fazer isso ou não. Encaixo meu
rosto em sua palma e seus polegares secam as lágrimas em minhas
bochechas.
“Olivia”, digo em um sussurro, e Daphne demora a assimilar o
que significa. “Significa paz em alguma derivação do francês. Você
tem parte francesa.” E ela dá um aceno, porque sua mãe é filha de
franceses. “E, porque suponho que pude encontrar novamente o
significado dessa palavra quando descobri que ia ser pai. Acho justo
que uma delas tenha algo que remeta a esse sentimento. Olivia é
um nome bonito.”
“Olivia Drake”, Daphne testa, e sorri para mim, porque fica
bonito.
“Olivia Laurent-Davis Drake?” Mas ela faz uma careta, porque
soa estranho ainda que eu ache justo que ela tenha um sobrenome
da mãe. “Olivia Davis Drake?”
“Um pouco melhor.” Isso me faz soltar um riso abafado.
Daphne também foi capaz de me trazer de volta certa leveza. “Olivia
e Faith.” E nada parece mais bonito do que isso.
“Olivia e Faith.”
Porque elas três são tudo o que eu preciso agora, tudo o que
me fez voltar a vida, voltar a sentir tudo, voltar a sentir esperança e
voltar a sentir todo o amor que posso ter. Elas são toda a paz que
eu tenho, toda a fé. Todo o amor, elas terão tudo o que quiserem de
mim, porque são meu tudo.
“Olivia e Faith”, Daphne repete mais uma vez.
Ficamos assim, de mãos dadas, com sua mão em meu rosto
e ambos com sorrisos de canto. Porque nossas meninas agora têm
um nome, e porque a mãe delas é a melhor pessoa que eu poderia
pedir para vir na minha vida após tudo o que aconteceu.
“Obrigada”, ela fala depois de um tempo. “Por conversar
comigo, me deixar entrar na sua vida.”
Seu agradecimento faz com que eu solte um riso baixo,
porque é tão bobo da parte dela pensar assim.
“Obrigado por me fazer lembrar que as coisas ainda podem
existir pra mim. Que ainda tem vida pela frente. Por recuperar essa
parte minha mesmo sem de fato se esforçar para isso, só bastou
você ser… todo esse furacão e me proporcionar a melhor coisa que
senti em anos.” Beijo sua palma que está apoiada no meu rosto.
“Obrigado por me ensinar que não estou vazio, que não existe só
dor e tristeza. E por me mostrar como é amar de novo. E por serem
as pessoas mais importantes da minha vida. Espero poder um dia
conseguir mostrar tudo isso de forma satisfatória.”
Seus olhos se enchem novamente enquanto Daphne me dá
um aceno. Puxo ela em meus braços e ela não hesita em me
abraçar de volta. Beijo sua cabeça e sinto sua barriga junto ao meu
corpo. Mesmo sem pressão, consigo sentir as meninas se mexendo.
Quero mesmo poder dar todo o mundo para ela, Faith e Olivia.
Todo o meu mundo. Tudo o que posso.
Quero amar elas até que meu peito não comporte mais o
sentimento.
E eu acho que amo.
 

 
Na terça, chego em casa e a primeira coisa que noto é
Daphne atirada no sofá. Tento esconder a sacola que tenho em
mãos enquanto tiro os sapatos, mas ela parece quase alheia a mim
a não ser quando fala.
“Nunca me senti tão entediada na vida!” É impossível não rir
para o seu drama antes de me aproximar.
Ela segue concentrada em seu celular quando paro atrás do
sofá, deixando um beijo na sua cabeça antes de colocar a sacola do
seu lado.
“Então vamos sair. Fiz uma reserva no seu restaurante
favorito”, sussurro em seu ouvido, e vejo seus olhos brilharem antes
que ela vire o rosto para mim com um sorriso do tamanho do
mundo.
Vamos aos fatos, não era o meu intuito hoje. Mas saí do
escritório e precisei passar em um afiliado que tem,
convenientemente, seu escritório ao lado da boutique de roupas
femininas da esposa e não pude não imaginar Daphne usando o
vestido verde água escuro. A cor, com toda certeza, vai ficar perfeita
nela e o caimento se assentará muito bem em sua barriga. As
mangas são soltas, justas só nos pulsos, o decote é alto e fechado,
além do vestido se acinturar logo embaixo dos seios. O algodão
grosso parece ideal para o clima que começa a ficar na casa dos
15°C. Vai até à metade dos tornozelos e tem uma fenda do joelho
até o fim no lado direito.
A vendedora me falou que a fenda é por causa da amarração
que o tecido tem, mas não compreendi o suficiente sobre isso.
“Parece que eu tenho uma decisão difícil pela frente”, ela
brinca, deixando um beijo na minha bochecha. “Não acredito que
me comprou roupas.” Minha resposta é só dar de ombros.
“Pareceu perfeito pra você”, digo simplesmente. “E estou
ansioso pra te ver nele.” Contorno o sofá até me sentar ao lado dela.
“Que romântico.” Daphne ri e sua risada me contagia, porém
acabo deixando um beijo nos seus lábios. “Acho que devo ir me
arrumar então. Parece que precisarei impressionar.”
“Você já impressiona.” Porque não me canso de dizer a ela
como está cada dia mais bonita, e como sua barriga parece cada
dia mais se encaixar perfeitamente com todo o visual. “Nossa
reserva é daqui duas horas.”
Mesmo assim ela se levanta o mais rápido que pode e me
estende a mão.
“Acho que posso pensar em algo bom o bastante em duas
horas.” Seguro sua mão e me levanto com ela enquanto escuto sua
proposta que me faz sorrir ainda mais largo. “Penso que podemos
começar a noite com um banho quente e demorado. Você está
incrivelmente bonito hoje nesse terno azul.”
Mas suas atitudes parecem demonstrar o contrário uma vez
que suas mãos começam a se desfazer do meu paletó e da minha
gravata.
“E eu estava a tarde inteira entediada e sozinha, consegue
imaginar meu sofrimento e todas as coisas que se passaram pela
minha cabeça nesse meio tempo? Muitas coisas interessantes.
Muitas incluindo você.”
Um riso me escapa os lábios quando a puxo pela cintura e
me inclino para beijar sua boca com vontade, matando um pouco da
saudade de ter ficado a tarde inteira sozinho, junto com advogados
chatos, pensando nela. Daphne preenche meus pensamentos
durante todos os meus dias longe dela, e quando não estou
pensando nela, seu corpo, suas curvas, seu sorriso largo e seus
olhos azuis, estou pensando em nós quatro. Daphne, eu, Faith e
Olivia.
Nossa família.
“Parece que fiquei encarregado de um trabalho delicioso,
sendo assim”, minha voz saí rouca contra os seus lábios, e escuto
um som baixinho saindo dela.
Daphne solta um gritinho surpresa quando a pego no colo,
colocando minhas mãos atrás do seu joelho e outro braço
envolvendo suas costas. Mesmo com todo o novo peso por causa
dos bebês, ainda consigo pegá-la sem muita dificuldade e sua
gargalhada preenche o caminho inteiro enquanto subo as escadas.
A deixo de pé quando estamos na porta do banheiro e
quando volto a beijar seus lábios, seu riso já não é o barulho que
escuto vindo de sua boca. Daphne busca minha pele com as mãos
desajeitadas, tentando se livrar da minha camisa. Tenho menos
trabalho em colocar minhas mãos por baixo da camisa de botões
larga que ela usa e puxar para cima. Sua legging também logo está
no chão junto com sua calcinha.
Beijo seu corpo, cada pedacinho dela. Começo pelo rosto tão
bonito, com os olhos pequenos pelo sorriso que ela carrega nos
lábios, o nariz pequenininho que fica fofo junto com as bochechas
que sempre foram fofas e proporcionais com todo o resto. O
pescoço cheiroso, que ela leva para trás quando começo a chupar e
beijar a pele ali. Desço mais, beijando seus ombros endireitados na
sua postura de advogada tão séria de sempre, os ossinhos quase
saltados da sua clavícula.
Mantenho minhas mãos em seu quadril enquanto desço,
mantendo-a no lugar enquanto alguns gemidos e arfadas ansiosas
saem pelos seus lábios. A curva dos seus seios formam um vale
bem acentuado atualmente. Seus seios sempre foram grandes, mas
estão ainda maiores por causa da gravidez, além de suas aréolas
terem ficado ainda maiores e num rosa mais profundo do que antes.
Algumas estrias traçam sua pele, beijo o caminho até que minha
língua toque seu mamilo e Daphne solte um gemido comprimido
pelos lábios.
Tomo o que posso em minha boca, circulando a ponta
enrijecida com a ponta da língua. Sugar sua pele ali já não é mais
uma opção muito interessante e descobrimos isso semana passada.
Com o fim da gravidez, Margot nos alertou que o colostro pode
acabar vazando um pouco nesse período, não é uma opção legal,
mas não consigo evitar de gostar de tê-la em minha boca, seja
como for. Levo minha mão até seu seio livre e toco o bico com o
dorso do indicador, fazendo com que ela se arrepie.
Mas tenho a intenção de me demorar apreciando tudo, e por
isso deixo seus seios para seguir descendo. Sua barriga está bem
esticada com os sete meses de dois bebês ali dentro. Seu umbigo
está um pouco saltado, bem mais leve do que de outras grávidas
que já vi. Algumas linhas acabaram se formando, ainda que Margot
tenha lhe dito que pelos cuidados com cremes, devem sumir até os
primeiros seis meses após o parto. Beijo todos os pontos, sorrindo
contra sua pele quando sinto uma movimentação ali dentro.
Beijo até chegar nos ossos não tão mais salientes da sua
pélvis nua e Daphne traz as mãos instintivamente aos meus
cabelos. Estou prestes a me ajoelhar na sua frente quando penso
melhor e seus olhos me olham com impaciência quando viro os
meus para ela.
“Matteo!” Solto um riso com sua irritação e indico com o
queixo para o quarto.
“Senta na beirada da cama.”
E ela vai obediente quando tomo impulso para ficar de pé de
novo. Beijar o corpo de Daphne me faz ostentar uma meia ereção
comprimida pelo tecido da minha calça social e ela me olha com
bastante malícia, fixando seus olhos azuis nessa parte do meu
corpo enquanto caminho.
Há um tempo, quando estávamos morando em apartamentos
separados, descobri uma parte interessante das gavetas de
cabeceira de Daphne em seu apartamento. Uma certa variedade de
vibradores, com tamanhos e funções diferentes, faziam parte da sua
rotina de solteira e achei que poderia ser parte divertida da sua
rotina de casal agora. Não poderia estar mais certo.
Ela está bastante sensível, e acho bastante peculiar e
delicioso testar todas as possibilidades dos aparelhos enquanto
estamos juntos. Sexo a dois se tornou bastante interessante com
essa descoberta, ainda mais com algumas posições privadas pelo
desconforto. Não há nada mais gostoso do que colocar um vibrador
bullet nela e controlá-lo pelo meu celular enquanto estamos deitados
na cama, lendo algo do trabalho.
Daphne ficou particularmente animada quando trouxe esse
há umas duas semanas. Entendi muito bem sobre isso depois.
Vou até à mesa de cabeceira e escolho um texturizado,
médio, com três velocidades diferentes de vibração. Um sorriso
ainda mais largo está ostentando em seus lábios quando ela me vê
com o aparelho em mãos, ajoelhado na sua frente. Daphne não
hesita quando abre ainda mais as pernas, sentada na ponta da
cama.
Sua carne rosada está molhada e a visão faz com que eu
mexa desconfortável em minha calça. Me inclino para frente e ela
suga a respiração em antecipação. Sua ansiedade faz com que
solte um riso baixo, próximo a sua intimidade tão excitada, e
Daphne se comprimi antes que eu passe minha língua por toda a
sua extensão. Ela geme alto e faço isso de novo só para ganhar
novamente esse som.
E porque ela é deliciosa.
Seu gosto preenche minha boca e Daphne está tão excitada
que o encontro dos meus lábios com sua pele emite o som da
umidade antes que eu feche meus lábios em volta do seu clitóris e o
sugue. Ela está inchada, excitada, pulsante contra mim. Suas mãos
seguram minha cabeça no lugar, como se eu tivesse qualquer ideia
de sair dali tão cedo.
“Matteo… por favor, eu preciso de… algo”, ela pede com
urgência, e sei exatamente o que quer.
Minhas mãos apertam suas coxas, a esquerda segura o
vibrador, mas movo a direita para o meio das suas pernas. Passo o
polegar pela sua entrada e ela tensiona seus músculos. Desejo
colocar meu pau ali ao invés dos meus dedos, querendo sentir sua
umidade contra todo meu comprimento, seus músculos apertando
meu pau da forma que eu adoro. Meu membro aperta contra o
tecido e abro a calça em um movimento rápido.
Ele salta para fora assim que puxo o elástico da cueca e
Daphne grunhe de uma forma incrível. Olho para ela e encontro
seus olhos fixos ali. Coloco dois dedos dentro dela de uma vez e
isso faz com que sua cabeça se incline para trás em um gemido que
ecoa. Chupo seu ponto mais sensível enquanto me delicio em
estocadas vagarosas com meus dedos dentro dela. Daphne faz
aquela coisa incrível de se comprimir contra mim.
É incrível, porra.
“Eu quero você se masturbando pra mim”, ela fala em um
sussurro, carregado de desejo e a chupo com um pouco mais de
força, fazendo com que Daphne perca as palavras antes de tirar
meus dedos de dentro dela.
Meu indicador e médio estão encharcados e afasto minha
boca para chupar seu gosto na minha mão. Daphne observa tudo
com atenção, com o azul dos seus olhos escurecendo pela
intensidade. Passo a língua mais uma vez por ela inteira, me
aprofundando rapidamente antes de posicionar o vibrador na sua
entrada. Ligo na velocidade mais lenta, e ela geme quando o
aparelho toca sua pele.
Agarro meu pau com a outra mão e quase me contraio só por
isso. Passo o polegar pelo pré-gozo na ponta, espalhando por toda
a cabeça antes de fechar meus dedos em volta do meu membro e,
enquanto começo a introduzir o vibrador em Daphne, começo a
bombear para baixo e para cima lentamente. Volto a chupá-la, com
mais delicadeza que antes, beijando a pele ao redor da sua
intimidade, levando meus lábios em seu clitóris.
Aumento a velocidade do vibrador e ela solta um gritinho em
surpresa enquanto seguro ele dentro por alguns instantes. Minha
respiração está falha e aperto meus dedos em volta do meu pau
com mais força, além de aumentar o ritmo que subo e desço.
Daphne fecha os olhos, seus músculos estão se contraindo e ela
pulsa em minha boca antes de soltar um gemido alto, se deixando
levar um pouco para trás quase ao mesmo tempo que meu grunhido
sai com força pelos meus lábios.
A mistura é perfeita. Seu orgasmo junto com o meu, sua
umidade se espalhando em meus dedos que ainda seguram o
vibrador lá dentro antes que eu desligue, meu gozo escorrendo
pelos meus dedos enquanto minhas bolas se contraem. Ela solta
um choramingo de prazer quando beijo sua pele sensível mais uma
vez antes de tirar o vibrador de dentro dela.
Seus olhos demoram a voltar encontrar os meus e ela parece
ao mesmo tempo cansada e tomada pelo estupor do prazer. É uma
visão perfeita.
Me sinto amolecer e solto meu pau, olhando para a bagunça
que fiz em minha calça social e não me importando com isso.
Encosto minha cabeça em sua coxa e ela me dá um sorriso bonito
que não consigo não retribuir. Suas mãos acariciam meu rosto e
deixo meus dedos traçarem sua outra coxa com delicadeza.
“Tsc, Matteo Drake… me deixou incrivelmente cansada e
manhosa, acho que vou precisar de ajuda para tomar banho”, ela
brinca, voltando a se endireitar sentada e fazendo um biquinho.
“Parece que tenho um baita trabalho pela frente”, respondo,
me levantando. “Já disse que amo quando recebo uma tarefa? Essa
me parece uma que terei o prazer de fazer.” Porque é bom demais
dividir o chuveiro com ela, tirando todas as casquinhas possíveis
enquanto passo minhas mãos pelo seu corpo.
Ofereço a mão e com um suspiro e um sorriso malicioso,
Daphne segura enquanto a ajudo se levantar da cama. Seguro-a
contra mim enquanto dou um beijo demorado em seus lábios e ela
sorri quando nos afastamos. Voltamos nosso caminho até o
banheiro e abraço-a por trás. Começo a beijar seu pescoço,
trilhando seus ombros e Daphne ri antes de entrarmos no chuveiro,
com tanta expectativa quanto eu.
 

 
Quarenta minutos depois, estamos no closet e Daphne se
contorce em caretas enquanto aplica maquiagem ainda enrolada no
roupão. Estou com uma calça cáqui em suas costas, passando sem
muita prática o secador em seus cabelos que lavei mais cedo. Pelo
menos estou ficando melhor nisso a cada nova tentativa. O inverno
ainda não foi embora então seus cabelos molhados não são boa
opção, e Daphne se cansa com facilidade de segurar o secador. Me
encarrego de lavar os fios no banho e secá-los depois.
Ela não torna isso tão fácil enquanto se aproxima e se afasta
da penteadeira comprada recentemente para compor o cômodo
antes masculino demais. Na verdade, o cômodo era bastante sem
vida antes da chegada dela com suas coisas.
Daphne cobriu algumas olheiras adquiridas pelas noites mal
dormidas, já que as meninas preferem se agitar quando ela resolve
relaxar, aplicou contornos e blush nas bochechas, que destacam
ainda mais sua beleza.
Depois de quase ignorar o presente de primeira, ansiosa
demais, o vestido agora está suspenso em um cabide pendurado na
estante do closet e por causa da cor, Daphne faz uma sombra mais
dourada e brilhosa. Não que eu entenda muito sobre, mas ela tentou
me explicar sobre a maquiagem. E eu sempre estou mais do que
disposto a ouvi-la com atenção.
Penteio seus cabelos e testo se os fios estão mesmo secos
antes de deixar o secador de canto para que ela escove sua franja
da forma como gosta. Escolho uma camisa mais casual branca e
um blazer da mesma cor da calça, vestindo os dois antes de me
ocupar com as abotoaduras e escolhendo um relógio.
Não conversamos muito, ainda que olhares sejam trocados
com intensidade enquanto ela se despe do roupão para colocar o
vestido junto com uma lingerie rendada preta, peça única. Preciso
dar atenção especial a essa peça, porque as alças grossas descem
pelos seios, deixando um decote indecente de delicioso, no qual
ficarei a noite inteira pensando, contorna sua barriga com perfeição
e tem um corte na parte de trás que deixa sua bunda
particularmente empinada.
Ajudo-a com o vestido e Daphne decide que merece usar
saltos médios para a noite, escolhendo um par preto verniz de saltos
grossos. Seguro seus sapatos enquanto ela termina de colocar suas
coisas na bolsa de mão e descemos as escadas. Antes de sairmos,
me ajoelho na sua frente e Daph apoia as mãos nos meus ombros
enquanto a ajudo calçar os sapatos para irmos. Ganho um beijo
estalado de batom por isso.
“O que aconteceu com o seu carro?”, Daphne pergunta,
assim que chegamos na garagem e destravo minha nova SUV.
“Achei que faria pouco sentido tentar comportar dois bebês
confortos num conversível, então comprei algo mais espaçoso.” E
ela me olha com certo choque. “Peguei hoje esse e mandei o
conversível para o conserto. Não estamos nos desfazendo tão fácil
assim do meu primeiro carro”, explico, e ela dá uma risada antes
que eu feche sua porta e caminhe até a do motorista.
“Não tinha pensado sobre isso”, ela comenta.
“Bem, você tem um carro, não muito bom, mas que é um
carro… familiar.” Seu sedan não está nas melhores condições, mas
é o xodó de Daphne e não é para menos, ela comprou o carro com
o próprio dinheiro, com suas próprias economias.
Ficamos em um curto silêncio até que eu saia do
estacionamento do prédio.
“Hoje estava vendo algumas coisas de decoração para o
quarto das meninas”, ela começa. “Acho que vou tentar ir ver isso
ainda essa semana. Já que estou de folga.”
“Eu desisti mesmo de tentar montar mais móveis então
acredito que a ideia de comprar coisas prontas é perfeita.” Ela ri do
meu pouco jeito no assunto. “Vou entrar em contato com um amigo
de Nova York que faz arte em madeira e pedir uma com o nome das
meninas, para colocar em algum lugar. Pensei em colocar na
cabeceira dos berços.”
Paro em um sinal fechado e tiro uma das mãos do volante
para tocar sua barriga. Daphne cobre a minha mão com a sua e me
guia até um ponto onde consigo sentir uma delas se virando. Olho e
mesmo no escuro, com a iluminação da rua banhando o carro só,
consigo ver o movimento se destacando pelo tecido do vestido.
Sorrio sem me conter.
“Espero que vocês sejam tão lindas quanto a mãe de vocês e
não puxem o papai”, digo, e Daphne ri.
“Acho que nossas filhas serão lindas. Não tenho dúvidas”, ela
brinca.
“Eu sei que elas serão os bebês mais lindos já vistos, mas
espero mesmo que puxem mais você. Seus olhos, seu sorriso.”
Levo a mão e acaricio seu rosto antes de voltar a dirigir pela
avenida. “Inclusive, está muito linda essa noite.”
“O vestido parece mesmo ter sido feito para mim.” Ela se
exibe.
“Sou bom com isso, eu sei.”
“Obrigada. Gosto de me sentir bonita.” Eu sei que as últimas
semanas têm sido um pouco ruins, com as noites mal dormidas e as
dores. Fazem com que ela se sinta constantemente exausta demais
para tudo.
“Você é bonita e eu queria levar a minha namorada bonita
para sair.”
“Virei a namorada troféu de Matteo Drake, a que ponto
cheguei?”, Daphne caçoa.
“Isso é algo bom e você passa longe de ser um troféu. Quer
dizer, é. Porque posso sair por aí falando que Daphne Laurent-
Davis, a advogada bem renomada, recém-formada, linda, gostosa,
inteligente, bem-humorada e outras infinitas qualidades, é a minha
namorada e vamos ter duas filhas juntos. Sou muito sortudo”,
brinco, piscando para ela em uma virada rápida de rosto.
“Parece que é mesmo sortudo.” Sua risada preenche o carro
por alguns instantes.
“Sou muito. Porque sou seu e você é minha, e eu te amo
muito”, digo, procurando sua mão no seu colo e trazendo aos lábios,
entrelaçando nossos dedos antes de beijar seu torso.
“Você é meu, e eu sou sua, e eu também te amo muito.” Ela
devolve o beijo, segurando nossas mãos assim por um tempo antes
que eu precise sair da avenida e segurar o volante com ambas as
mãos para virar a esquina com segurança.
Me sentindo sortudo demais por ter Daphne, e por ela não ter
desistido de mim. E por amar ela muito além do só amigos, e isso
ser recíproco.
 

 
ESTOU HÁ QUINZE MINUTOS SOZINHA em nossa mesa, com
outras duas pessoas que parecem entretidas demais para notar a
minha presença. Já findei várias taças de água e suco de laranja,
além de desfrutar feliz os canapés por três. Estou em um tubinho de
lã vermelha, canelado, de mangas longas e estilo ombro a ombro,
em um comprimento midi e que fazem bom par com minhas
sapatilhas pretas.
Minha barriga salta, bastante bonita nesse vestido e estou há
três dias de completar trinta e uma semanas de gravidez, o que me
deixa com pouco mais de um mês e meio até que esteja a qualquer
momento de entrar em trabalho de parto. Margot me falou na nossa
consulta no começo da semana que as meninas estão ficando bem
encaixadas e que possivelmente o parto normal seja mesmo nossa
opção.
Que é o que desejo, se tudo continuar indo bem.
Me levanto para ir ao banheiro pela milésima vez na noite e
noto que Matteo me olha de longe, mesmo que esteja focado
falando alguma coisa para um dos associados. Seus olhos não me
deixaram de fato em momento algum da noite e nem me sinto
incomodada com isso, nem com o fato de que ele está bastante
ocupado.
Soube que ficaria pouco junto com ele quando me falou sobre
o jantar, porque é um evento com sócios e associados, o que
significa que a atenção do futuro CEO seria muito requisitada e eu
não poderia sair colada com ele a tira colo pelo salão. Ficar muitos
minutos de pé é pura tortura a essa altura. Mas ele me convidou
porque somos um casal agora e estar juntos nesses eventos é
importante.
Além disso, ele tem recobrado todos os seus cuidados
comigo desde que passamos a confiar mais um no outro, o que
elevou nosso relacionamento a um patamar bem incrível. Venho
sendo mimada por seu lado romântico e amando isso,
principalmente porque também tenho ficado muito encantada com
tudo nas últimas semanas.
Estamos com basicamente tudo pronto para receber Faith e
Olivia na primeira quinzena de junho e todas às vezes que me refiro
a elas assim, com seus nomes, fico ainda mais ansiosa de conhecê-
las, ter minhas meninas em meus braços.
Mike ficou minutos o suficiente no telefone comigo quando
contei para ele o nome delas, totalmente apaixonado pelo nome das
suas sobrinhas. Ele parece muito empolgado em poder finalmente
conhecer as meninas e estamos nos falando com muito mais
frequência agora, quase duas vezes ao dia. Gosto porque ele me
conta do seu dia, sobre seus momentos, suas noitadas e várias
coisas que preenchem o fato de que estou ficando basicamente o
dia inteiro deitada.
Estou trabalhando somente um turno por dia na empresa,
porque meu chefe não quer que eu fique muito exausta e isso me
deixa um pouco pensativa. Não quero abandonar minha carreira,
ainda que não queira deixar minhas filhas facilmente com qualquer
pessoa tão cedo. Mas tenho medo, porque não tenho uma carreira
extensa e ao mesmo tempo que quero aproveitar todas as
pequenas coisas com as meninas, quero seguir construindo minha
vida como advogada, porque sempre foi meu grande sonho.
Sei que tenho meu emprego garantido, e que alguns casos
ainda estejam sendo destinados para mim, para que eu os organize
para que algum advogado mais fodão do escritório tome para si nos
tribunais, mas quero um dia virar a advogada fodona que vai aos
tribunais. É uma incógnita que ainda não sei como irei lidar e penso
positivamente quando tento me acalmar, lembrando que tenho ainda
pelo menos sete semanas de gestação mais seis meses de licença.
Porque esse foi o tempo que me foi oferecido pelo contrato
da empresa.
Seriam três, mas parece que dependendo de quem são seus
filhos, seu período aumenta e Faith e Olivia Drake possuem um
peso para o meu chefe interesseiro.
Adoro ele, mas não posso negar esse traço de sua
personalidade.
Penso quando saio do banheiro, depois de um longo xixi e
ver que minha maquiagem segue impecável e que esse vestido caiu
bem demais em mim. Não sei se volto para a mesa e entro em outro
looping de ouvir ou não a conversa alheia, ou se caminho um pouco
pelo salão.
A segunda opção parece bem mais tentadora quando
percebo que o garçom acabou de colocar uma torre de carolinas na
mesa de doces. Impossível não fazer com que meus pés andem até
lá.
Não posso mentir e dizer que não estou me sentindo
entediada. Esses eventos naturalmente já me deixam entediada e
fico feliz todas às vezes que não sou obrigada a ir em um dos
escritórios porque são mais do mesmo, além de serem chatos como
o inferno. Matteo também sabe disso, mas é importante para ele
que firme as amizades com os sócios e se é importante para ele, é
para mim.
Estou entediada e as meninas estão particularmente agitadas
hoje todas as vezes que me sento, ainda que eu tente acalmá-las. E
meus pés estão ficando bastante inchados para que eu ande muito
por aí.
Fatos interessantes, irônicos e doloridos que descobri
durante a gravidez: bebês se sentem calmos enquanto as mães se
movimentam porque, teoricamente, dormem em sua condição de
feto, uma vez que o movimento dá um embalo para esse sono. Ou
seja, quanto mais me movimento, menos elas se movimentam e
vice-versa.
Como eu disse, ironicamente dolorido e é como se o destino
risse para nós, mulheres grávidas.
Estou com uma carolina na boca, quase gemendo alto
demais com o sabor que explode na minha papila, quando escuto
uma voz muito familiar me chamar.
“Daphne?” Me viro e tento conter meu choque enquanto levo
a mão aos lábios, para terminar de mastigar de forma um pouco
educada antes de dar um sorriso meio amarelo para Klaus.
Seus cabelos estão mais compridos do que da última vez que
nos vimos e seus fios formam cachos grossos e num tom de
castanho bem escuros. Além disso, uma barba fina preenche seu
queixo e maxilar e ele parece bem mais maduro do que há três
anos. Mais bonito também. Seu corpo ganhou uma forma
considerável nos últimos anos, mas ele segue tendo o sorriso gentil
e os olhos amendoados que demonstram toda essa gentileza que
Klaus tem dentro de si.
“É mesmo você. Sabia que não confundiria esse cabelo e
esse nariz com qualquer outro.” Eu acabo rindo com o seu
comentário, ainda sem graça e em choque enquanto sou envolvida
— e envolvo — em um abraço saudoso.
Klaus tem a delicadeza de não me apertar muito e esmagar
minha barriga. Atencioso da sua parte, como sempre.
“Algumas coisas mudaram.” Jogo de volta a brincadeira.
“Certeza que foi o corte de cabelo só.” E não consigo evitar a
risada que preciso conter com os dedos nos lábios, não querendo
atrair atenção. “Então…”
“Então… Não sabia que tinha voltado para os Estados
Unidos.” Preencho a tensão que se forma em nosso silêncio.
“Faz algumas semanas só. Voltei por causa que meu contrato
lá acabou e, bem, acabei conseguindo uma vaga na filial daqui da
Drake Co.” Me controlo muito para não colocar uma expressão pra
lá de surpresa no rosto quando escuto isso.
Klaus e eu tivemos algo, não sei como explicar, mas ficamos
juntos por alguns meses, ficando sem muito compromisso, mas em
um compromisso velado. Estávamos juntos, eu ficava só com ele e
ele só comigo. Constantemente estávamos um no apartamento do
outro, eu e ele combinávamos mais do que qualquer dia já combinei
com alguém e sempre considerei Klaus a versão masculina de mim
mesma.
O que soa um pouco narcisista, mas acabava que nos
encaixávamos bem demais.
Nos conhecemos logo no primeiro ano de faculdade e não
demorou para que a gente se envolvesse. Ficamos assim até que
ele acabasse selecionado para um programa de bolsas e fosse
seguir seu sonho na Inglaterra. Onde, ao que parece, ficou até voltar
nas últimas semanas.
Ele não mexe comigo, até porque estou com Matteo e o amo,
mas não posso evitar ficar muito surpresa de ver Klaus de novo.
Porque não esperava isso.
Não mantivemos contato quando ele foi embora. Nada além
de um comentário ou outro em postagem nas redes sociais. Não
faria sentido ficarmos nos torturando em longas conversas por
ligação ou mensagem quando claramente não voltaríamos a ficar
juntos por um longo período. Ele namorou com uma loira bonita
durante quase dois anos no seu período fora e eu aproveitei minha
vida durante a faculdade até engravidar pouco tempo depois de
pegar o diploma.
Ver ele não me causa nada além de choque, mas não posso
evitar o fato de que nos damos bem naturalmente, e ele ainda sorri
de forma bonita enquanto olha para mim, provavelmente buscando
algum assunto enquanto ficamos assim. Muitos me vem à mente,
porque quero saber sobre o curso, a vida dele lá fora, como foram
as suas experiências. Mas não estamos com tempo ou no lugar
adequado para tudo isso.
Busco a minha taça de água apoiada na mesa e bebo um
gole, limpando a garganta e buscando coragem para falar algo.
“Que loucura”, é a coisa tosca que me sai. “Mas fico feliz.
Sabe que tenho ligação com a família Drake. Mais agora do que
antes, inclusive.” E em um gesto involuntário, passo a mão pela
minha barriga.
“Oh!” Klaus parece sem palavras, e isso não é muito típico
dele.
Acabo soltando um riso para sua expressão estática e logo
ele me acompanha.
“Desculpe… Só realmente não esperava te reencontrar
assim. Quer dizer, na minha primeira festa da firma, com um corte
de cabelo novo, grávida do meu… chefe?”, ele pergunta incerto,
voltando a deixar um sorriso travesso nos lábios.
“Teoricamente, sim. Do Matteo”, explico, e ele torce o nariz.
“É… Acho que então tô conversando com a pessoa certa
para pedir conselhos. Não quero ser demitido antes de completar
um mês aqui.” Mas Klaus, apesar de rir, parece um pouco sem jeito.
“Está bonita. Quer dizer, sempre foi, mas está ainda mais bonita.
Mais madura.” O elogio dele cai como uma bigorna porque junto a
isso, seus dedos afastam suavemente o cabelo que recai em meu
ombro para trás.
“Obrigada. Brilho da maternidade, é o que eles dizem.”
Mas eu não sei o que dizer. Porque seus olhos indicam que
Klaus pode estar quase dando em cima de mim segundos depois
que lhe disse que estou grávida do seu chefe. Achei que isso fosse
indicativo o suficiente para expressar o quão compromissada estou.
“É engraçado te rever assim. Quer dizer, eu imaginava que
iriamos nos ver de novo e estava pra te mandar uma mensagem
essa semana para tomarmos um café ou um vinho...” Me seguro
para não comentar com ele que, atualmente, o consumo de ambas
as bebidas está cortado para mim. “E planejava te contar tantas
coisas. Tantos lugares que me falou que queria visitar na Europa e
na África que acabei indo. É tudo incrível como você me disse. Além
de também querer saber como estava, vi que entrou para um dos
escritórios chiques da cidade. Deve ter virado também uma
daquelas advogadas soberbas de quem sempre zombamos.”
Santo Deus, a bola fica cada vez maior porque não tenho
ideia do que dizer a ele. A última coisa que esperava ao reencontrar
Klaus um dia era essa bomba de nostalgia. Não que seja ruim,
porque gosto de recordar como éramos tão jovens e tão bobos há
três anos, e comparar como muito mudou. Mas me sinto estranha
fazendo isso agora.
Por isso, passo a mão mais um pouco pela minha barriga,
como se precisasse do movimento para me distrair. Seus olhos
seguem queimando minha pele de tão fixos. Um sorriso de canto
fica em meus lábios enquanto penso na resposta, e mal sei o que
responder direito.
“Posso prometer que não virei esse tipo de advogada…”,
começo, antes que uma mão circule meu ombro e seu cheiro
preencha o meu campo gravitacional a ponto de não precisar olhar
para saber quem é.
A presença de Matteo preenche o ambiente da conversa
quase de forma esmagadora, com seu olhar duro, expressão séria,
corpo enorme e musculoso, e coberto por aquele terno feito a mão
para acentuar todas as partes incríveis dele. Seu braço repousa em
meus ombros, e não é que eu não esteja habituada, mas sua
posição ali é puramente possessiva.
O que me incomoda um pouquinho e me leva a crer que toda
a confiança entre nós ainda não parece o suficiente para ele.
Mesmo assim, boba como sou e dada a meus impulsos de
carícias, me inclino um pouco dentro do seu abraço, quase
descansado minha cabeça em seu peito duro e confortável.
Minha frase morre no meio da minha boca e percebo que o
silêncio significa que terei que abrir de novo e soltar a língua para as
introduções.
“Matteo, esse é Klaus. Ele é um dos novos associados da
empresa aqui de Boston. Fomos colegas de faculdade nos primeiros
anos”, digo, e eles se olham de forma que preciso conter um riso
para a testosterona ali.
Santo Deus, onde fui me amarrar?
“Klaus, esse é Matteo Drake. Seu novo chefe”, continuo, já
que nenhuma mão foi estendida para um cumprimento.
“E namorado da Daphne”, Matteo complementa, finalmente
oferecendo a mão para Klaus.
“Como eu já disse”, cochicho, e nenhum dos dois escuta
direito, me direcionando um olhar franzido. Só dou de ombros,
colocando um sorriso nada satisfeito nos lábios.
Necessidade nenhuma de tanta bobagem. Eu estava lidando
com a situação. Talvez de forma lenta porque a última coisa que
esperava era que, para ser tirada do tédio, teria que encontrar um
ex que achei está há países de distância. O aperto de mãos é
ridículo e controlo minha vontade de revirar os olhos.
“É o cara que veio de Londres?”, Matteo pergunta.
“Sim.” Se Klaus não quer ser demitido, está fazendo pouco
caso também para impressionar seu novo patrão.
“Sua antiga empresa fez boas indicações suas.”
“Todas verdadeiras, pode ter certeza”, a resposta de Klaus
não é entusiasmada, assim como a afirmação de Matt.
E mesmo quando tornamos a ficar em um silêncio, sigo
esquecida pela troca de olhares deles. Planto as mãos em minha
barriga, apoiando-as ali como venho fazendo ultimamente e me
sentindo com quinze anos de novo. Estou mais do que chateada
com Matteo. Puta, muito puta com sua atitude. Ele não veio aqui
simplesmente checar se eu estava bem ou qualquer coisa do tipo,
veio porque provavelmente me viu de longe, com outro cara,
confortável e rindo. Ele foi atencioso essa noite, entretanto eu sei
diferenciar seu cuidado comigo com o ciúme quase possessivo.
Sim, Klaus parecia mesmo estar com algumas intenções
estranhas, mas, de novo, eu já estava lidando com a situação. Não
é como se eu não estivesse muito satisfeita com o que tenho em
casa. Além disso, sou uma mulher grávida. Onde vou ficar tirando
disposição para flertar e trair? Mal consigo subir as escadas sem
cansar atualmente, ou me deitar sem parecer uma pata.
Limpo a garganta, porque estamos nós três aqui, em silêncio,
comigo sendo ignorada e os dois se olhando em grande análise.
Anos de etiqueta não são totalmente preparatório para que eu evite
uma cara de desgosto para tudo isso.
“Então… a família está crescendo”, Klaus comenta, e preciso
pegar minha taça com água em cima da mesa, porque não havia
nada mais tosco para ser dito.
“É.” Matteo suaviza sua expressão um pouco, o que me deixa
mais feliz porque sei que ele não é dado a violência, mas isso aqui
estava ficando estranho. Além disso, ele não consegue ficar sem
esse sorriso de canto e brilho nos olhos quando fala das meninas.
“Duas meninas! Chegam no começo de junho.”
Sua mão passa pelo meu ombro até encontrar meu pescoço.
Ele sabe que esse é um ponto que vem ficando cada dia mais
sensível em mim e preciso engolir em seco o arrepio que percorre
minha espinha. Tenho vontade de odiar esse homem por querer
causar uma cena, se não tivesse tão focada em sua mão descendo
vagarosamente pelas minhas costas, traçando seu caminho até um
ponto tênue entre a base das minhas costas e minha bunda.
Isso é totalmente infantil, além de me sentir constrangida de
sermos um trio de adultos. Klaus podia, sim, tentar olhar menos
para mim como se estivesse prestes a me jogar em algum canto e
arrancar minhas roupas, o que me trazem lembranças quase vívidas
demais, mas não é como se isso fosse retribuído e Matteo podia ver
isso ao invés de ficar sendo bobo.
Me desvinculo um pouco do seu toque e ele finalmente olha
para mim quando me estico para pegar meu prato com doces,
quase esquecido na mesa.
“Está bem?”, ele pergunta, me olhando com preocupação,
provavelmente notando minha cara insatisfeita.
Não, estou estressada e muito chateada com a situação.
Estou querendo dar um bom soco em ambos para me livrar de tudo
isso e, com licença de grávida, acho que estaria no meu direito. Mas
eu só suspiro pesadamente.
“Só bastante cansada. Acho que vou deixar vocês aqui
fazendo isso que estão fazendo e ir me sentar para desfrutar do
bufê, que está incrível, diga-se de passagem. Deveria aproveitar
também”, falo, indicando o prato cheio que tenho em mãos. “Klaus,
foi ótimo rever você. Espero que tenha uma boa volta para Boston e
tem sorte de estar em uma companhia tão boa quanto a Drake Co”,
minha voz sai meio de forma automática, aderindo à postura
diplomática politicamente correta. “Com a licença de vocês…”
Não espero ninguém me falar mais nada enquanto saio
quase marchando de raiva até a minha mesa, agora vazia, trocando
o entediada por furiosa. Pelo menos as meninas devem ter
percebido que a mamãe está estressada demais e deram uma
trégua em seu jogo de futebol enquanto me empanturro de carolinas
e trufas. Se existe algo que sempre odiei foi causar cenas, ou quase
causar cenas. A última coisa que desejava era começar a fazer isso
na altura dos vinte e quatro anos.
 

 
“Daphne?”, Matteo chama, assim que entramos em casa e
chuto minhas sapatilhas para longe com raiva.
Claro que ele se arrependeu de ter agido de forma tão
ridícula no jantar. Porque meu mau-humor é palpável e não fiz muito
para esconder isso dele enquanto voltávamos para casa. Não que
ele não tenha tentado mudar a situação com um carinho aqui, uma
fala engraçada ali. Mas simplesmente não funciona assim
Quanto mais tempo eu passei naquela mesa sentada, mais
chateada ficava. Porque sim, Klaus foi meio tosco também de
simplesmente seguir com seus elogios e olhares tendenciosos
depois que eu claramente disse que estava com Matteo, seu chefe,
e ainda por cima com uma baita barriga de prova. Não que a
gravidez seja o motivo que eu esteja com Matteo, mas é um
indicativo que estou bastante compromissada.
Porém, eu estava me esquivando disso. Se Matteo tivesse
chegado tranquilamente, com um sorriso no rosto, um abraço
tranquilo, cumprimentando Klaus como se não fossem acabar
rolando no salão como dois depravados, eu não estaria chateada
com ele, só com Klaus pela falta de noção. Mas Matteo precisou
quase criar uma cena ridícula, me mostrando claramente que não
confia em mim para não sair por aí me jogando em cima de
qualquer um.
Tá bem, talvez esse não foi bem o pensamento que ele teve,
e queria mais só mostrar, fisicamente, que eu estava com alguém.
Fiquei chateada porque ele poderia chegar tranquilamente, sem
toda aquela posição de quem queria marcar como sou sua
namorada e não estou disponível.
Estou estressada porque parece que, para ele, eu mesma
dizer isso para Klaus não foi o suficiente. Ou ele achou que eu
estava ali pagando de solteira?
“Daphne?”, ele chama mais uma vez, quando bufo sozinha
com meus pensamentos.
Coloco minha bolsa com um pouco de raiva na bancada da
cozinha, antes de contornar a ilha para pegar água na geladeira.
“Foi muito estúpido, eu sei. Sinto muito.”
“Ah, jura?”, minhas palavras são quase cuspidas em ódio e
dou uma risada irônica. “Matteo, a gente tava conversando!”
“Ele estava claramente dando em cima de você. Eu vi isso do
outro lado do salão.”
“Pelo visto estava me vendo dando em cima dele de volta
também, então”, minha fala debochada faz com que Matteo fique
com uma expressão confusa.
“Claro que não…”, ele diz em um sussurro, atordoado com o
que falei. “Claro que vi que não estava retribuindo.”
“Óbvio que não! Eu falei pra ele que estava com você, mas
mesmo assim Klaus não entendeu o recado e eu estava me
esquivando.”
“Então! Fui tentar te ajudar.”
“Ah, não foi não. Além de não confiar em mim ainda está
duvidando da minha capacidade cognitiva agora.” Respiro tão fundo
que meu nariz quase arde. Bebo um gole de água. “Matteo, eu não
sou burra. Você foi ali por outros motivos e ambos sabemos que não
tem nada a ver com me ajudar, resgatar a donzela indefesa que eu
sou.”
Eu posso estar sendo um pouco dramática, sei disso, porém
não consigo evitar o fato que fiquei chateada com a situação.
“Daphne…” Mas ele não sabe o que falar, porque nem
mesmo consegue achar palavras para se defender.
“Poxa, achei que a gente tinha passado disso. Que confiava
em mim o suficiente para saber que não é só uma aparição surpresa
de um ex, seu atual funcionário inclusive, que ia fazer com que eu
saísse por aí me jogando nos braços dele.” Minha chateação é tão
nítida que ele até mesmo faz uma careta, e eu sei que está
arrependido. “Eu nem mesmo tenho energia para tanto.”
Ele tem vontade de rir quando digo isso, mas meu olhar o
fuzila o suficiente para Matteo saber que não é uma boa ideia.
Ficamos em silêncio por algum tempo, sinto minhas pernas cansada
e meus pés inchados demais. Além disso, quero me livrar dessa
roupa e colocar algo bastante folgado antes de me jogar,
literalmente, na cama, com os pés para cima.
“Desculpa. Foi estúpido, eu sei. Tenho ciúmes de você,
acontece. Mas sei que não deveria ter chegado lá com uma postura
escrota de… namorado possessivo”, ele diz com cautela, o que me
faz acreditar que seus pensamentos se formam junto com as
palavras. “Nem mesmo sabia que ele era seu ex, só vi vocês dois
interagindo de longe e você parecia bastante sorridente e ele… ele
parecia tentado a ficar constantemente te tocando.”
“Ele me tocou umas duas vezes!”
“Em um curto espaço de tempo”, Matteo rebate, e bufo alto,
frustrada. “Desculpa, de verdade. Isso não significa que não confio
em você. Agi de forma um pouco estúpida e impulsiva.”
“Eu não vou te trocar pelo primeiro que aparecer. Mas…”
Seguro as palavras, balançando a cabeça porque não vale a pena
tocar nesse assunto.
“Mas…?”, ele pede.
“Mas não estou aqui, com você, porque estou grávida. Sabe
disso. Gosto de você, da gente, sabe disso. Eu te amo, mas não
faça eu parar de sentir isso por causa de algumas atitudes
impulsivas. Eu sei, foi uma hoje. Eu fiquei bastante chateada com
isso. Somos pessoas crescidas, não precisa ficar com atitudes
possessivas como se precisasse marcar território.” Levanto os
ombros, me sentindo ainda mais cansada e seu olhar para mim é
um pouco triste. “Vamos dormir. Tô exausta e meus pés parecem
duas bolas.” É um pouco cansativo constantemente viver em
alguma provação.
Começo a fazer meu caminho para fora da cozinha.
“Não quis te deixar chateada.”
“Eu sei que não, mas não posso controlar o fato que fiquei
chateada com sua atitude. Adoro me sentir protegida enquanto
estou com você, amo a sensação de conforto, amo pensar em nós
quatro como uma família e sabe que eu amo você. Mas sou sua por
opção.”
Ele dá um aceno. Sei que Matteo está arrependido de ter
agido daquela forma, e sei que isso não é algo que ele faça
normalmente, não é típico do seu comportamento. Talvez tenha sido
a primeira ameaça, ainda que não tenha sido uma ameaça real, que
ele sentiu desde que começamos a namorar e pode ter sido por isso
que ele agiu assim. Mas mesmo sabendo que não é do seu jeito,
que não é algo comum ou que foi intencional, ainda fiquei chateada.
Estamos juntos nisso, preciso que ele compreenda de forma
completa. Não quero que a gente precise sempre ficar mostrando
um ao outro que estamos juntos, provando que queremos isso.
Quero a naturalidade, quero o tranquilo.
Estendo a mão para ele quando chego no pé da escada e
seus olhos verdes possuem uma mistura de medo, arrependimento
e tristeza.
“Vamos”, o chamo, e, depois de pensar um pouco, Matteo
contorna a cozinha para pegar minha garrafa pela metade e então
agarrar minha mão.
“Eu sinto muito mesmo.”
“Eu sei.”
Tenho uma azia terrível, estou cansada, minha chateação
está passando, mas ainda está presente, meus pés parecem
enormes e minhas pernas doem. Amo esse homem demais e odeio
quando brigamos, mas também odeio sentir que ele ainda tem
algumas inseguranças sobre mim, sobre o nosso relacionamento.
Inseguranças que nunca dei a ele motivos para ter, ainda que eu
saiba que não é assim que funciona.
Fazemos nossa rotina noturna de forma silenciosa demais e
é quase um pecado que eu esteja um pouco brava quando ele veste
só aquela calça de moletom cinza para dormir. Porque acabo me
pegando admirando sua pele musculosa e tatuada, dura pelos
músculos bem-feitos, contrastando tão bem com todo o semblante
de executivo que ele tem. A confusão dos desenhos nunca faz tanto
sentido com o semblante neutro que Matteo sempre carrega, mas
hoje ele não esconde tão bem suas emoções.
Quando deitamos, o clima está um pouco melhor. Ele arruma
as almofadas para que me deite de lado, para o lado esquerdo,
elevando meus pés e aprumando o body pillow no meio das minhas
pernas. Seu corpo pesa a cama quando ele se deita ao meu lado,
de barriga para cima depois de apagar as luzes.
Meus olhos demoram para se ajustar ao escuro do quarto e
não demoro a levar minha mão até ele, repousando-a em seu peito.
Matteo suspira antes de entrelaçar seus dedos nos meus, deixando
um beijo na minha mão antes de voltar a apoiar as duas unidas em
seu abdômen. Seu corpo se vira para mim e ele não demora a
trazer a outra mão para os meus cabelos, acariciando até que eu
durma escutando sua voz sussurrar um eu te amo.
 

 
CHEGO EM CASA DE BOM HUMOR, porque meus planos são
levar Daphne para jantar hoje em uma comemoração fútil que
arrumei para chamá-la para sair. Desde nossa pequena briga, venho
me sentindo ainda mais estúpido todas as vezes que me lembro
daquilo. Sei que ele chegou tentar conversar com ela pelas
mensagens diretas no Instagram, além de curtir suas últimas quatro
fotos, duas delas antigas.
Venho pensado em demitir o cara, para ele se tocar. Mas
essa é a parte insegura, ciumenta e muito tosca de mim falando e
eu não sou assim. Daphne comentou comigo todas as vezes que
isso aconteceu e eu não evitei uma cara fechada que resultou em
risadas dela. Nossa relação está cada dia melhor, preciso pontuar
isso. Aderimos a uma rotina muito nossa e isso me faz amar cada
vez mais nós dois juntos.
Se alguém me dissesse nove meses atrás que eu estaria há
vinte e sete dias de poder ser pai de duas filhas com Daphne, eu
teria gargalhado de forma contida na cara da pessoa. Não porque
Daphne e eu não temos nada a ver, mas porque a ideia era
impossível até aquele dia em setembro.
Estou feliz como não estive durante muito tempo, muito
tempo mesmo. Tenho uma mulher incrível ao meu lado, iremos ser
pais em pouco menos ou pouco mais de um mês; estou feliz, minha
vida profissional está estabilizada apesar de eu estar ainda mais
feliz na minha carreia acadêmica do que qualquer coisa. Inclusive
motivo para nossa comemoração hoje é justamente isso.
Enviei meu primeiro pré-projeto do trabalho, ao lado de outros
dois colegas com quem compartilho a pesquisa, e nosso orientador
aprovou com muito gosto o rumo que pretendemos dar ao trabalho.
Estou feliz.
Deixo o paletó jogado no sofá, com minha pasta de couro. Os
dias em Boston estão começando a ficar cada vez mais quentes e
hoje foi uma tarde terrível, com uma umidade pior ainda e só quero
entrar o mais rápido embaixo do chuveiro, preferencialmente junto
com minha namorada.
Subo as escadas e a casa está em silêncio. O que é estranho
já que Daphne normalmente está com música nos últimos volumes
ou assistindo algo na sala. Isso só me deixa com a opção que está
em uma das muitas sonecas que tira durante o dia. Cansaço e
dores são mais frequentes ainda e acho que acabo sentido por não
poder fazer muito além de constantemente oferecer alguma comida,
água ou uma massagem. Sua barriga está enorme. Trinta e quatro
semanas de duas bebês muito saudáveis e bem encaixadas para
um parto natural.
Estou no último degrau para o segundo andar quando
começo a ouvir a voz de Daphne e mesmo que eu não deseje,
acabo seguindo a passos lentos e suaves pelo corredor até a
parede ao lado da porta do quarto das meninas, onde ela
claramente está.
Me sinto mal? Completamente.
Mas sua voz parece um pouco tristonha enquanto fala e
tenho quase certeza que a ligação é com Mike, ou seria uma
chamada de vídeo alta e gritante com minha irmã e Chelsea. Mike
não é de ligar, apesar de ter aderido bastante isso nos últimos
tempos.
“É… eu sei. Ainda tenho um bom tempo pra pensar nisso,
mas… não sei, Mike. Me sinto ao mesmo tempo uma péssima
mãe… Sim, eu sei que todo mundo sabe o quanto eu amo e o
quanto almejei estar onde estou, ainda que não seja nem mesmo
perto de onde eu queria estar.” Ela suspira de forma bastante
audível e sei que não é somente falta de ar. “Tenho medo! É isso, já
consegui admitir para mim mesma. Tenho medo de que minha
carreira simplesmente estanque se eu ficar quase dois anos fora do
mercado. Não sei se quero deixar as meninas tão cedo com alguém
sozinhas ou em algum berçário. Quero elas perto da gente, quero
que a gente crie um vínculo como família.”
Sua voz embarga e funga um pouco. Meu coração aperta,
mas não saio de onde estou, escutando a conversa alheia. Mike
parece dar um longo monólogo e Daphne demorar a voltar a falar.
“Eu sei que deveria falar com ele, que deveríamos conversar
sobre isso juntos é só que… Pare de dizer que eu quero controlar
tudo e resolver tudo sozinha! Eu não sou assim.” Mas Mike está
certo, porque ela é mesmo. “Eu tenho medo pela minha carreira que
pode acabar virando um nada, mas também tenho medo pela minha
família. Não quero que nós quatro acabemos igual eu, você e
nossos pais.” Ela funga mais uma vez e então solta um grunhido
alto.
Engulo em seco, porque nunca pensei sobre isso. Nunca
pensei que, por causa da maternidade, Daphne provavelmente se
ausentaria da advocacia por um longo período. Sei o quanto sua
profissão é importante para ela, o quanto tudo o que fez em sua vida
até hoje foi para virar uma grande e respeitada advogada no
mercado. Fazendo seu próprio nome. Não tinha pensado sobre
esses dois lados da moeda.
“Ok, ok, ok. Eu vou tentar… falar sobre isso nos próximos
dias. Sim eu sei que não tenho tanto tempo… Por Deus! Faith e
Olivia não vão saltar da minha barriga nas próximas duas horas,
Mike. Seja menos ansioso.”
Desço alguns degraus, porque acho que já escutei demais e
faço meu caminho novamente, com passos mais pesados até que
eu chegue, novamente, na porta do quarto das meninas. Tento
colocar um sorriso crível nos lábios e espero até que ela diga alguns
rápidos tchaus para Mike antes de sorrir de volta para mim.
O seu sorriso não parece nem um pouco amarelo quanto o
meu e mal parece que muitos problemas estão rondando em sua
cabeça nesse exato momento.
Me aproximo a passos lentos dela, sentada na poltrona de
amamentação próxima da janela. O quarto é bonito, simples e com
cores. Escolhemos boa parte da decoração nós mesmos, ainda que
tenhamos tido a ajuda de uma decoradora de interiores em algumas
dicas. É a nossa cara, é a cara da nossa família e é um quarto para
duas meninas que são muito amadas.
Agacho-me até que eu tenha altura para deixar um beijo nos
lábios dela e Daphne me olha com a testa franzida quando me
afasto.
“Aconteceu algo?”
“Nada, só pensando no trabalho”, minto. “Pensei em sairmos
para jantar hoje. Meu projeto foi mais do que aprovado pelo
orientador. Pensei em um restaurante italiano, com direito a muito
gelatto depois.” E seus olhos brilham quando digo isso. Quase sei
que ela saliva.
Seu apetite seguiu muito bom uma vez que os enjoos dos
primeiros meses passaram. Além disso, venho gostado de mimar
ela na dosagem certa nas últimas semanas, porque não tem sido
nada fácil.
“Que tal um banho juntos também?”, proponho, oferecendo
ambas as mãos para ela e ajudando em seu impulso para ficar de
pé.
“Hm… parece interessante!”, Daphne fala com humor, me
abraçando de lado enquanto saímos do quarto e caminhamos até
nossa suíte. “Acho que finalmente estou satisfeita com tudo no
quarto das meninas”, Daph diz, e dou um olhar curioso para que ela
prossiga. “E aproveitei a tarde tranquila para arrumar nossas bolsas
de maternidade, porque sei que vou querer mudar isso muitas vezes
até de fato precisar usá-las.”
Acabamos rindo com o comentário, porque falta pouco
tempo, mas ainda falta muito tempo. Ansiedade para finalmente
conhecer nossas meninas é algo que compartilhamos em grande
escala. Não vejo a hora de poder finalmente segurar as duas nos
braços e acho que Daphne também não vê a hora de se livrar um
pouco do peso, ainda que a gravidez a deixe ainda mais bonita do
que achei ser possível.
Paramos no banheiro e me ocupo em tirar suas roupas
enquanto ela desabotoa minha camisa azul-claro.
“Você sabe que…” As palavras acabam meio presas em
minha garganta.
“Hm?” Daphne me olha com curiosidade, apesar de
rapidamente voltar a atenção para seu trabalho com os botões.
“Que eu te amo e que estamos em tudo isso juntos, certo?”,
minha fala traz uma risada aos lábios dela, que parece confusa com
o que digo. Ela se inclina até que eu me abaixe para beijar seus
lábios demoradamente.
“Claro que sei! E eu também te amo.” Daphne pisca para
mim, travessa e mesmo que o clima seja leve enquanto fazemos
nossa rotina de tomar banhos juntos, ainda sinto que o assunto não
pode se acabar aqui.
Apesar dela parecer ter quase esquecido a conversa que
teve há minutos com o irmão, eu não consigo esquecer, porque não
quero que ela precise desistir de nada, de seus sonhos, e quero
poder fazer algo por isso.
 

 
Dois dias depois, o assunto ainda está na minha cabeça
porque é impossível não estar. Fiquei dois dias pensando em como
abordar o assunto com Daphne, que parece não querer trazer o
tema à tona tão rápido. Cogito se devo fingir que nunca ouvi aquela
conversa e simplesmente deixar passar sem conversar com ela.
Mas penso que é fundamental falar sobre isso. Porque a
minha carreira está extremamente protegida enquanto a dela não.
Além do mais, meu afastamento da empresa nem mesmo foi como
achei que seria e sigo trabalhando normalmente, assim como sigo
cuidando da minha pesquisa para o doutorado. Tenho feito ambas
as coisas sem folga, o que não era o planejado.
Estamos prontos para sair e ir almoçar com Mike, que veio de
Nova York para uma de suas inúmeras visitas, como tem feito nos
últimos meses. Ele fica no apartamento de Daphne, já que ela ainda
não decidiu o que fazer com todo o resto das suas coisas. Então
mantenho o aluguel pago para que ela não tenha dor de cabeça
com isso pelo momento.
Seu suspiro me mostra que o esforço para descer as escadas
já está sendo demais e penso que não é o ambiente mais adequado
para uma grávida com uma barriga enorme, mas ela insiste em dizer
que as escadas do apartamento são até boas, porque a mantém
fazendo algum exercício. Outro suspiro, mais dolorido, é feito e ela
leva a mão a barriga, o que me indica que é outro início de
contrações de treinamento.
Daphne senta no sofá e vou atrás com seus tênis e uma
careta preocupada. Ela ri de mim, como sempre.
“Sabe que isso é normal e que nem mesmo sinto mais tanta
dor como das primeiras vezes, né? Estou me acostumando já.”
Claro, porque deve ser ótimo se acostumar com isso.
Além do mais, sei que é mentira porque as contrações estão
ficando cada vez mais fortes com o passar dos dias, com a
aproximação da janela de dias que as meninas devem nascer.
“Não evita que eu fique preocupado com isso. Além do mais,
é ruim ver que você tá sofrendo.”
“Pelo visto estarei sozinha na sala de parto”, ela zomba,
quando me abaixo na sua frente.
“Com toda certeza não! Mas não posso dizer que não penso
em como não é nem um pouco confortável ficar lá só assistindo
você gritar e passar por uma dor de matar.” Óbvio que isso faz
Daphne rir.
“Sabia que a gente não deveria ter visto aquele documentário
sobre partos. Você ficou traumatizado!”
“Não traumatizado, mas não são flores também.” Sua
gargalhada segue preenchendo o andar de baixo, o que me deixa
com um sorriso no rosto também.
Pego as meias de dentro do seu tênis branco e começo a
colocá-las em seus pés, que até não estão tão inchados como o
habitual. Estamos tentando várias coisas para ajudar e, pelo jeito,
tem tido efeito. Ficamos em silêncio enquanto calço seus sapatos,
porque está impossível para ela fazer isso com uma barriga enorme.
“As meninas estão se mexendo”, ela comenta sorrindo, e
então ajusta seu vestido de linho branco bem justo em sua barriga.
“Aqui!” Consigo ver claramente o movimento, desfigurando a barriga
dela por um momento. “Acho que temos uma mão bem aqui.” Sua
mão se fecha em volta de uma parte e sempre acabamos achando
graça quando conseguimos sentir as partezinhas delas.
Com a diminuição do espaço, vez ou outra identificamos uma
mão, um braço ou um pé empurrando contra a pele de Daphne. Às
vezes passamos minutos e mais minutos na cama, tentando
adivinhar de quem é o que, mesmo que seja bobagem porque não
saberemos quem é Faith e quem é Olivia até o momento do
nascimento. Mas já decidimos que Olivia será a mais velha.
Deixo um beijo em sua barriga, sussurrando para que as
meninas deixem a mãe delas comer em paz pelo menos hoje e,
como se me escutassem, logo os movimentos param.
Suspiro, ainda abaixado na frente de Daphne.
“Está me olhando de um jeito estranho”, ela pontua, e solto o
ar pela boca antes de me sentar ao seu lado no sofá. “Ok, o que tá
acontecendo?”
“Acho que precisamos conversar.” Ela franze o cenho, porque
sabe que a maioria dos diálogos que começam com essa frase são
bastante ruins. Mas pelo menos eu espero que esse não seja ruim.
Fecho os olhos com força, uma vez que estou prestes a
confessar meus pequenos pecados e Daphne segura meu rosto
entre suas mãos. Faço uma careta antes de abrir os olhos e falar
com um sorriso amarelo nos lábios.
“Eu ouvi uma conversa sua no telefone esses dias. Desculpa,
sei que é errado, mas eu cheguei em casa e acho que não notou
então eu acabei escutando, a princípio sem querer, mas depois foi
porque quis seguir ali mesmo.” Ela me dá um aceno e prossigo.
“Desculpa, de verdade. Mas acho que precisamos conversar sobre
esse assunto. Cogitei não falar, porque se você não falou nada,
talvez não seja um assunto que quer falar sobre…”
“Matteo, está enrolando”, ela diz, segurando minha mão que
está em punho no colo.
“Sua conversa com Mike, sobre sua carreira.”
“Ah!” Sua boca se abre em um choque sem graça e ela
parece sem saber o que dizer. “É verdade. Quer dizer, queria falar
com você, mas honestamente tenho medo que me julgue.”
“Te julgue?”
“Não sei, que talvez ache que estou e vou ser uma péssima
mãe por causa disso.” Franzo o cenho, porque não consigo ver
sentido entre as relações de uma coisa com a outra. Daphne solta
um suspiro. “As meninas são e sempre vão ser minha prioridade,
porque não quero ser como meus pais, quero dar a elas tudo. Mas
tenho medo de que, nesse período, eu acabe ficando esquecida na
minha própria vida, em segundo plano demais, entende? Que me
esqueça dos meus sonhos e de tudo o que sempre quis para a
minha vida. Não planejava ser mãe tão cedo, e amo que isso tenha
acontecido agora porque por algum motivo devia ser o momento
certo, mas não posso evitar que tenho medo de acabar nunca…”
Seus lábios se comprimem em uma linha quase branca.
“Que nunca alcance tudo o que sonhou para sua vida antes
de tudo isso acontecer?” Ela me dá um aceno, confirmando. “Devia
ter falado disso comigo. Porque eu também pensei que não quero
que as meninas fiquem tão cedo com alguém que não nós, ou em
algum berçário, mas acho que… acho que não pensei o suficiente
sobre as consequências disso.”
Entrelaçamos nossos dedos e ficamos assim por um tempo.
“Talvez eu deva fazer o que iria fazer a princípio quando vim
para Boston”, digo, quando o silêncio parece preencher o ambiente.
“O que isso quer dizer?”
“Não deveria estar trabalhando todos os dias na empresa, o
combinado foi que me afastasse quase que totalmente. Trabalhar
em uma ou outra coisa. Talvez seja o momento de realmente fazer o
planejado e me afastar mesmo do escritório. Trabalho em casa
quando precisar, além disso vai ser melhor para que eu foque no
que sempre foi o meu sonho, e isso é o doutorado. Tenho aula
presencial só duas vezes na semana. Podemos dar um jeito nisso.”
“Matteo…” Seguro suas mãos entre as minhas. “Eu… bem,
não queria que tivesse escutado a conversa, mas não estou
chateada por ter feito isso. Porém também não quero te pedir isso.”
“E eu não posso pedir para que você fique afastada da sua
carreira também. Estamos juntos nisso, não é mesmo? Estamos
juntos de verdade. Você e eu, nós quatro. Quero tudo isso, Daphne.”
Deixo um beijo em suas mãos e ela suspira. Posso ver que sua
mente está pensando demais. “Quero me dedicar, porque quero ser
muito bom em tudo. Como namorado, como pai. Você, a gravidez, a
entrada das meninas na minha vida, isso me tirou de um momento
muito ruim que eu não achava que iria sair, e nem queria sair. Vocês
fizeram muito por mim sem nem precisar de esforço, você já fez
bastante por nós dois. Você foi paciente com minha ignorância e
falta de atenção.”
“Você ainda estava sofrendo por causa de tudo”, ela rebate.
“E isso não justifica o fato de eu ter sido insensível.”
“Eu entendi o porquê fez e falou tudo o que fez e falou.”
“Sei que sim, e amo você por isso, porque me deu uma
segunda chance.”
“Você sempre ocupou um lugar especial na minha vida, não
custava ser compreensível. Eu amo você e me permiti muitas coisas
ao seu lado. Estou feliz que tenha sido com você. Estou feliz com
nós dois, com nossa família que logo vai nascer e… argh, estou
ficando emotiva de novo”, ela reclama, rindo e passando o indicador
pelo nariz antes de olhar para o alto, contendo as lágrimas. “Eu amo
você. Droga de vinho.”
Ambos acabamos rindo, até que as gargalhadas se acabem
em um olhar compartilhado que diz mais do que palavras
expressam. Eu a amo muito, mais do que achei que poderia amar
de novo e sou muito sortudo por amar a minha melhor amiga, a
pessoa em quem sempre confiei, com quem posso contar sempre.
Quero ser essa pessoa para ela, quero ser a melhor pessoa do
mundo para ela.
Daphne solta um suspiro e deixa um sorriso pender de canto.
Ela me olha e parece ainda mais bonita quando faz isso, como se o
azul dos seus olhos aderisse um tom diferente. Passo a mão pelo
seu braço e logo ela se inclina contra mim. Abraço ela de forma
meio desajeitada e ela descasa a cabeça no meu peito.
“Acho que eu faria qualquer coisa por vocês três”, sussurro,
enquanto ela acaricia meu peito por cima da camisa. “Seguir com o
que eu planejei desde o início é o mínimo. Quero estar aqui, em
cada momento. Quero estar aqui por você, por elas e, de certa
forma, por mim também.”
Daphne fica em silêncio por algum tempo, ainda deitada em
meu peito e acaricio seus cabelos macios que caem pelos ombros.
Os fios cresceram muito desde o início da gravidez e ela, até o
momento, desistiu da ideia de cortá-los na altura dos seios. Acho
que ficaria bem, assim como fica bem assim. Poucas coisas não
combinam com ela, até mesmo as mechas coloridas da
adolescência ficaram bonitas.
Ficamos assim até que eu sinta que suas lágrimas molham
minha camisa e traga seu rosto para cima, focando no azul-claro
úmido dos seus olhos. Franzo a testa, porque ela não parece
exatamente triste. Consigo ver sua felicidade por trás desse choro,
como um alívio, uma realização.
“Acho que eu poderia lidar com tudo isso sozinha, mas é
muito melhor ter você do meu lado.”
Deixo um beijo demorado em sua testa. Porque ela pode
sempre contar comigo, porque sempre estarei aqui. Independente
de qualquer coisa. Se brigarmos, se acabarmos achando que em
algum momento é melhor estarmos separados do que juntos, e
espero que esse dia nunca chegue, eu sempre estarei aqui no que
diz respeito as meninas. A elas três.
“Você sempre me terá ao seu lado.” Ela respira fundo ao
escutar isso, deixando seu sorriso crescer e passo os polegares
pelas suas bochechas, limpando as lágrimas que escorreram ali.
Daphne abre a boca para falar algo, mas seu celular toca e
ela demora um pouco para pensar em tirá-lo da bolsa que está do
seu outro lado no sofá.
“Oie.”
“Aconteceu alguma coisa?” Consigo ouvir a voz de Mike
alarmada do outro lado da linha e ela ri.
“Não, está tudo bem. Só alguns contratempos. Já chegou no
restaurante?”
“Sim.”
“Ok, em dez minutos estaremos aí.” E em uma despedida
rápida, eles desligam.
Coloco-me de pé e ofereço ajuda para ela a levantar.
“Então estamos acordados?”, pergunto, enquanto
caminhamos até a porta do apartamento e ela me olha confusa.
“Quando sua licença acabar, se for o que desejar, vai voltar para o
escritório e eu ficarei em casa, com as meninas. Tenho pelo menos
mais dois anos na faculdade, até completar o doutorado.”
“E quando precisar ir para a faculdade?”, ela pergunta,
quando entramos no elevador.
“Daremos um jeito. Pode tentar combinar com seu chefe,
trabalhar em casa, ou posso levar elas para as aulas. Já vi algumas
mulheres fazendo.” Mesmo não frequentando a Harvard por tanto
tempo assim, já notei isso. Principalmente entre alunas mais velhas,
do mestrado, doutorado e PhD. “Daremos um jeito.”
“Tudo bem. Obrigada.”
“Você não tem que me agradecer por isso.” Porque, de certa
forma, já era até mesmo algo que eu queria fazer, mas isso foi um
pequeno impulso para tomar a atitude. “Obrigado, por tudo.”
“Você me diz isso quase todos os dias”, ela brinca, soltando
um riso enquanto entra no carro pela porta que seguro aberta.
“Porque acho que é necessário te dizer isso todos os dias.
Assim como acho necessário dizer o quanto amo vocês e o quanto
você é linda.”
“E nós amamos você.” Daphne suspira cansada pelo fôlego
da caminhada enquanto se acomoda. “Vou lembrar disso quando
essas belezinhas chorarem madrugadas a fio.”
“Estarei mais do que feliz em retribuir o favor das suas noites
mal dormidas durante a gravidez.”
E Daphne gargalha no carro com isso antes de eu fechar a
sua porta e caminhar até a do motorista.
 

 
“COMO ELA ESTÁ?”, Mike pergunta tão desesperado quanto eu do
outro lado do telefone.
Passo as mãos pelo cabelo enquanto somos obrigados a
ouvir Daphne rindo.
Repito, Daphne rindo.
“Ela está tomando banho!”, exaspero, quase puxando meus
cabelos da cabeça e de fato acho que até o fim do dia de hoje ou de
amanhã vou perder meus cabelos de tanto passar as mãos neles.
“O quê?” Escuto algo caindo do outro lado e Mike xinga.
“Ela está tomando banho”, repito, e nesse momento observo
Daphne desligar o chuveiro.
“Estou pegando o carro agora. Devo chegar em no máximo
duas horas.”
“Santo Deus, Mike! Você vai se matar”, Daphne grita, se
enrolando na toalha.
“Vou de avião. Já tinha planejado com um amigo de ir junto
com ele… isso não vem ao caso. O fato é que você não vai ter
minhas sobrinhas, não pode ter minhas sobrinhas, dentro das
próximas horas.”
“Ninguém mandou ser presunçoso e achar que elas
nasceriam no dia que você quer”, ela rebate com deboche.
Mike apostou alto que elas nasceriam só daqui cinco dias.
Nos seus planos, ele chegaria aqui hoje, ficaria a semana conosco e
ficaria pronto para nos acompanhar até o parto quando chegasse a
hora. No dia quinze e não hoje. Sua volta para Nova York foi um
pouco apressada e urgente, e ele está lá há nem quatro dias.
“E elas são…” Mas Daphne perde a voz e estanca no lugar,
ao meu lado. Sua mão aperta meu antebraço com tanta força que
mal sabia que um corpo tão pequeno podia ter.
Outra contração. Um silêncio se instaura enquanto conto
quantos segundos meu braço fica esmagado.
“Trinta e oito segundos”, digo, quando ela solta uma
respiração profunda e volta a andar até chega no closet. “Intervalo
de sete minutos. Vou ligar para a Margot.” Minha preocupação está
tão evidente e até mesmo esqueci que Mike ainda está na linha.
“Matteo, só vou colocar uma roupa. Parece até mesmo que é
você que vai parir.”
“Estou sentindo como se fosse.”
“Mas não é. Calma. Margot falou que até um intervalo de
cinco minutos ainda estamos bem.” Sua voz é tão calma que quase
surto, porque alguém precisa se preocupar por nós dois.
Surtar por nós dois.
“Uma hora e meia, em uma hora e meia espero estar aí”,
Mike fala.
“Tudo bem, Mike. Não fique tão nervoso. Do jeito que
estamos indo, provavelmente demorarei três horas até ter as
meninas”, é o que ela supõe, claro.
“Tá bem, vou desligar.”
Meu celular foi abandonado na ilha do closet enquanto ajudo
Daphne a se vestir. Escuto o som de que a ligação foi desligada e
ajusto seu vestido. É bonito, em um bege, com botões grandes de
enfeite na frente e do tipo que ela usou bastante na reta final da
gravidez. Uma costura marca seus seios antes do vestido se abrir
bastante solto até metade das suas coxas.
“Se eu falar que quero fazer uma maquiagem, você vai
infartar, né?” Olho para ela com desespero, sei disso. Mas Daphne
só abre um sorriso lindo para mim antes de segurar meu rosto e
plantar um beijo demorado em meus lábios. “Tudo bem, faço no
carro.”
Mas quando ela se vira sei que sentiu uma nova contração,
porque seu rosto fica meio pálido. Conto de novo os mesmos
segundos, no mesmo intervalo de tempo. Daphne penteia os
cabelos antes de colocar uma porção de coisas dentro de uma
nécessaire.
“Sabe que ficar em volta de mim não ajuda como acha, não
é?” Novamente seu tom de brincadeira é o que alivia um pouco e
dou uma risada antes de me aproximar dela e deixar um beijo em
sua cabeça.
Suspiro, deixando um afago em sua barriga antes de
alcançar a mala, uma bolsa larga de couro no estilo mala de mão,
com suas coisas na parte de cima das prateleiras. Ela preparou isso
há boas semanas e mudou vários itens desde então. Daphne se
apoia na parede para enfiar os pés em um mocassim aberto e saio
do quarto.
Acabo ficando mais tempo na porta do quarto das meninas
do que o necessário, porque penso que a próxima vez que entrar ali
será com elas no colo e isso me deixa mais sentimental do que o
habitual. Daphne abraça minha cintura quando chega ao meu lado,
já pronta para irmos.
“Estou ansiosa.”
“Não sei como”, brinco incrédulo. “Estou muito ansioso para o
pós, mas estou muito nervoso para o que vai acontecer nas
próximas horas. Se está assim agora, o que será de você quando
essas bonitinhas estiverem, de fato, saindo.” E isso me amedronta
mesmo.
“Matteo, sou eu quem estarei lá e não estou com tudo isso de
medo.”
“E eu estarei lá assistindo você morrer de dor, isso não vai
ser legal.” Abraço-a pelos ombros bem a tempo de uma nova
contração. “Queria poder aliviar isso de alguma forma.”
“Você estará lá, isso já vai ser muito alívio.”
“Não vou sair do seu lado em momento algum, prometo.”
Respiro fundo o seu cheiro de banho recém tomado antes de
finalmente ir buscar a bolsa de maternidade das meninas e colocar
no outro ombro.
Desço até o andar debaixo, deixando as coisas prontas antes
de voltar para buscar Daphne no andar de cima no intervalo entre
uma contração e outra. Seus passos são cuidadosos na escada.
Quando saímos do apartamento, não sei como dirijo até o hospital
de tanto nervosismo. Daphne tenta fazer um diálogo, mas suas
contrações passam de sete para cinco minutos de intervalo.
E acabo pensando que talvez Mike não chegue a tempo.
 

 
Ele chegou no corredor exatos dois minutos antes de Olivia
gritar sua presença para o mundo. E foi o melhor som que já ouvi
em toda a minha vida. Naquele momento precisei quebrar minha
promessa a Daphne, porque não havia outro lugar para eu estar que
não olhando minha filha, suja ainda, vermelha e provando para mim
que seus pulmões são mais do que ótimos.
Olivia não veio direto para os nossos braços, e Daphne não
chorou lágrimas o suficiente até segurar minha mão com força e me
falar que Faith estava vindo. E Faith chegou ao mundo mais quieta
que a irmã, com um choro que durou poucos minutos até ser
embrulhada e que a médica fizesse com ela os procedimentos. Tudo
pareceu durar uma eternidade, mas também ser rápido demais.
Ninguém, não há texto, vídeo, ou qualquer coisa onde
alguém possa descrever para você a sensação de segurar algo tão
seu quanto um filho. É mágico, ou pelo menos foi assim que me
senti. Ao mesmo tempo é assustador, porque quero dar todo o meu
mundo para elas e penso que talvez não seja o suficiente. Daphne e
eu choramos mais que as meninas, isso foi certo.
Além disso, ela sustentou o tempo todo um sorriso, quando
não estava expelindo sua dor em gritos por causa das contrações.
Foi horrível essa parte, preciso admitir. Só queria poder tirar a dor
dela, trocar de lugar, que fosse. Mas seu sorriso quando as meninas
foram colocadas juntas com ela. Daphne me deu uma boa dose de
sorrisos maravilhosos ao longo dos seus vinte e quatro anos, mas
aquele foi diferente. Foi o mais bonito que vi em toda a minha vida.
Quando seus olhos azuis viraram para mim, preenchidos pelas
lágrimas de felicidade, assim como os meus deveriam estar,
naquele momento eu soube que não poderia amá-la mais.
Mas, ao mesmo tempo, descobri um amor diferente, que só
poderia aumentar.
“Elas não vão sumir se você piscar”, Mike me fala,
entregando um copo de café.
São mais de onze horas da noite, provavelmente não o
momento ideal para um café, mas somos advogados e não existe
muito um momento certo para isso. As meninas nasceram no
começo da noite. Dez de junho às dezenove e trinta e cinco, Olivia
explodiu meu peito de amor por ela. Sete minutos depois, Faith me
mostrou que ainda podia sentir mais amor do que pensei ser
possível.
“Fácil falar. Não consigo tirar meus olhos delas.”
Mike acaba rindo, mas ele não está muito diferente de mim.
Não saiu da porta do quarto de Daphne ou do vidro do berçário.
Agora, entretanto, seus olhos estão em mim e viro a cabeça para
ele, arqueando uma sobrancelha para aquele que sempre chamei
de melhor amigo.
“Parabéns, elas são lindas e saudáveis.” Sua mão pesa em
meu ombro, em alguns tapinhas.
Mas minha amizade com Mike vai além de tapinhas nos
ombros. Somos melhores amigos desde sempre e sinto falta da sua
amizade mais do que tudo, porque sempre nos entendemos de uma
forma ou outra. Sei que posso ter acabado cruzando uma linha
quando fiquei com Daphne. Nenhum de nós dois estava em seu
melhor estado naquela noite, mas a atração foi inevitável e nos
gerou as duas coisas mais lindas do mundo.
Além do mais, atualmente ele é meu cunhado.
Por esse motivo, puxo Mike para um abraço e ele não me
nega isso.
“Parabéns, cara, você é o mais novo papai do pedaço.” Ele ri,
antes de se afastar de mim. “Bebês sempre atraem mulheres”, Mike
murmura, e olho indignado para ele. “Óbvio que não para você né,
idiota!”
“Não pense que vai usar as minhas filhas como um ímã para
pegar alguém”, alerto-o, mas tenho um risinho nos lábios também e
ele ri, sem se conter muito e nos gerando um olhar feio das
enfermeiras.
“Nunca disse isso. Foi a sua mente, caro amigo, que te levou
a esse pensamento. Além do mais, elas são minhas sobrinhas e…
olha, são até a cara do titio.” Mike aponta para as meninas pelo
vidro.
“São a cara de Daphne!” Mike tem o mesmo divertimento nos
olhos azuis que Daphne quando consegue apertar os meus botões.
Chega ser engraçado que eu note isso só agora. “Obrigado por ter
estado aqui.” Meu tom de seriedade volta, antes de bebericar um
gole do café e voltar a vigiar minhas filhas.
“Ela é minha irmã gêmea, não poderia estar em outro lugar
que não aqui.” Ele dá de ombros e sorrio de canto, porque os dois
sempre foram assim.
Literalmente como se fossem metades, sempre juntos, muito
amigos um do outro. A relação dos dois sempre foi de muita
cumplicidade e depois de saber mais sobre como é de verdade a
situação dos dois com os pais, entendo que talvez tenha sido até
por necessidade. Se eles não estivessem ali um pelo outro, não
teriam ninguém como família.
Perdi a minha mãe por atitudes que ela mesma causou e
sentimentos que ela trouxe para mim. Porque não tento e nem
quero mais a mesma relação que eu e ela tínhamos antes. Não sei
o que seria de mim se também não tivesse Becks e meu pai.
“Eu fui a primeira pessoa que ela contou depois de você.
Mesmo que eu tenha desejado te matar na época, não pude deixar
de ficar feliz, porque era isso que Daph queria e eu sempre vou
apoiar ela em absolutamente tudo. Se eu tivesse que te chutar para
fora da vida dela e me mudar para Boston para ajudar com as
meninas, teria mandado meus pais e a empresa se ferrarem sem
pensar duas vezes.”
E eu sei que teria.
“Que bom que não fui tão babaca quanto você esperava que
eu fosse.”
“Na verdade, nunca achei que seria. Mas não é como se
fosse ok aceitar o fato que estava com a minha irmã. Além do mais,
foi um pouco desleixado com ela no começo e tive muita vontade de
socar sua cara por isso. Desleixado, inclusive, é uma palavra
simpática que estou usando, em respeito à sua paternidade tão
recente”, ele aponta, e balanço a cabeça em um riso baixo.
Estou prestes a falar que ele tem razão quando uma
enfermeira entra no berçário e pega o carrinho com as meninas.
Fico alerta no mesmo instante, mesmo que saiba que ela,
teoricamente, não vai fazer nada de errado com minhas meninas.
“Daphne acordou”, uma outra enfermeira nos avisa,
chegando há alguns passos de nós e Mike e eu imediatamente nos
colocamos a segui-la.
Daphne não passou muito tempo acordada depois do parto.
Ela e as meninas caíram em um sono profundo logo depois que as
três estavam devidamente alimentadas e limpas. Mike e eu não
ficamos muito tempo no quarto, deixando que ela descansasse em
paz e desde então ficamos plantados do lado de fora do berçário.
Ela parece exausta, mas ainda assim bonita demais. Está
com uma das camisolas que colocou na sua mala, os cabelos são
uma grande bagunça em um coque e sua franja já teve dias
melhores. Mas os olhos azuis estão brilhando de forma tão bonita
enquanto ela conversa com Faith.
Houve um grande medo por nossa parte quando falávamos
sobre confundir as meninas, mandamos fazer pulseiras de ouro para
as bebês, com o nome de cada uma delas escrito. Mas, tão
perfeitas quanto são, nasceram com uma leve diferença no tom dos
cabelinhos ralos. Faith tem os fios quase loiros, finos, é quase
carequinha, puxando mais o tom de cabelo de Daphne. Olivia tem a
cabeça tão escura quanto possível para um bebê.
Uma Drake nata com os cabelos castanho muito escuro.
Minha filha mais nova mama como se tudo dependesse
daquilo, e depende. Sua mãozinha minúscula repousa em cima do
seio que Daphne dá para ela mamar. Quando me aproximo, com um
sorriso para lá de bobo nos lábios, e seus olhos atentos se viram
para mim. O azul presente neles me lembra um pouco o dos
Laurent-Davis, mas Margot falou para eu não perder as esperanças,
pois a cor pode mudar nos próximos meses.
Independente disso, é perfeita.
“Olha quem está aqui”, Daphne fala com ela. Beijo o topo dos
seus fios meio oleosos, apesar de saber que ela lavou hoje de
manhã cedo. “Papai chega está sem fala de tão linda que você é,
Faith. Seu tio também não está muito atrás.” E o riso fraco de Daph
faz com que os olhos dela voltem para a mãe.
“Céus, ela é perfeita”, consigo murmurar. “Papai está mesmo
sem fala.” Minha voz embarga.
“Matt, não pode chorar sempre que olhar para elas. Fico
tentada a fazer o mesmo”, ela me repreende com humor. “Olivia
está dormindo como um anjo ainda.”
“Nem parece que berrou como se odiasse ter saído da
barriga há quatro horas”, comento, traçando o contorno do braço de
Faith com o indicador. “Sua irmã fez um barulhão”, sussurro para
ela.
Faith é atenta a absolutamente tudo, ou pelo menos é o que
acho quando seus olhos focam tanto em mim quanto em Daphne.
Ou é o que suponho. Ela parece pequena demais e vê-la assim
desperta um sentimento ainda mais protetor. Minha filha está
olhando para mim, não poderia haver coisa mais bonita no mundo.
Me coloco novamente ereto e caminho até o berço de
hospital onde Olivia dorme pacificamente. Sorrio com a visão,
porque ela não pareceu nem um pouco calma mais cedo. Olivia se
mostrou bastante agitada, bem mais que Faith com sua calma.
“Infelizmente, é mesmo sua. Tem a cara de um Drake” Mike
zomba, observando-a do meu lado.
“Mike!”, Daphne repreende da cama, mas nós três acabamos
em risos baixos, assim como mantemos a conversa em um tom
sussurrado.
“Você pode tocá-la, sabe disso não?”, Margot pergunta,
entrando pela porta nesse momento. “Disseram que a mamãe tinha
acordado e metade do andar está morrendo de inveja de você,
então precisei aproveitar que sou sua médica para passar inveja nas
enfermeiras.”
Daphne franze o cenho para sua obstetra, enquanto ela se
aproxima com uma prancheta.
“Você tem os dois acompanhantes mais bonitos que já
tivemos no ano. Uma mulher merece sua dose de homens bonitos,
mas dois de uma vez no dia do seu parto é de causar inveja”,
Margot diz, enquanto toma notas. “Além do mais, escutei no
corredor algo como: ela até mesmo grita de dor com classe e
beleza.” Ela afina a voz. “Classe. Definitivamente não te conhecem.”
“Margot!” Entretanto, Daph não contém o risinho.
“Errada ela não está”, Mike complementa.
“Mas falei sério. Você pode pegar sua filha no colo, Matteo.
Ela é sua filha, não vai machucá-la.” Porém é justamente isso que
tenho medo. Margot me olha de canto com um sorriso, me
incentivando. “Se preferir, pode levar essa dorminhoca aqui de volta.
Completamente capotada pelo leite materno.”
Continuo olhando para Olivia incerto, mas logo refaço meus
passos até Daphne. Ela me ajuda a posicionar minhas mãos e não
houve treinamento para isso, porque nada se compara a segurar
sua própria filha e o medo que sinto. Faith quase cabe inteira na
minha mão, e é adorável. Acomodo ela junto ao meu peito e ao
invés de levá-la de volta para o berço, me permito caminhar até a
poltrona no canto e sentar vagarosamente.
Todos no quarto me olham. Margot provavelmente tem o
olhar de eu te disse, Daphne deve estar feliz e Mike com um sorriso
debochado. Mas não tenho certeza porque estou completamente
focado no pequeno embrulho que tenho nos braços. Sua cabecinha
que descansa contra mim, contrastando com as tatuagens que
cobrem meu antebraço.
Daphne pode não estar nos melhores visuais, mas não devo
estar muito melhor. Minha roupa está amarrotada, dobrei as mangas
da minha camisa sem muito jeito até os cotovelos. Passei tanto as
mãos nos cabelos que devem estar totalmente desalinhados e em
direções distintas. Além disso, estou cansado e essa aparência
deve estar nítida.
Mas tenho minha filha nos braços e absolutamente mais nada
importa além disso. Só fica ainda melhor quando, depois de terminar
um pequeno check-up com Daphne, Margot me pergunta se desejo
segurar as duas e explica que sou capaz de fazer isso. Olivia se
junta a irmã e ambas parecem ainda menores quando me inclino um
pouco na poltrona e elas se acomodam mais confortáveis junto ao
meu peito.
É a melhor sensação do mundo e penso que poderia ficar
assim para sempre. Entretanto meia hora depois, enquanto nós três
estamos engatados em uma conversa que não teria como girar em
torno de algo que não elas, Olivia acorda e começa a gemer.
Daphne fala que, assim como Faith, provavelmente acordou para
sua segunda alimentação da noite e Mike é quem é incentivado a
pegar a sobrinha.
Ele parece ter um pouco mais de jeito que eu quando tira
Olivia dos meus braços e ajuda a acomodá-la com Daphne. Seu
choramingo aumenta gradativamente até que ela suspire baixinho
ao encontrar o seio da mãe. Não sei quanto tempo ficamos assim,
mas parece uma eternidade boa, com Daphne embalando Olivia e
Faith dormindo tranquila em meu colo.
E sei que as coisas começaram a ficar somente ainda mais
perfeita a partir de agora.
 

 
UM SUSPIRO NOS ESCAPA EM CONJUNTO quando encostamos
a porta do quarto das meninas, deixando aquela fresta por onde o
barulho passará somente daqui umas cinco horas se tudo der certo.
Elas dormem incrivelmente bem e Matteo parece se sentir tão feliz
quanto eu por isso. As gêmeas estão com três semanas e tudo tem
sido relativamente ok até agora.
Mas preciso falar que Mike ainda está por aqui, assim como
Rebecca e mesmo que nossa casa tenha virado um escritório, os
dois são uma grande mão na roda em todos os momentos. Rebecca
está em um apartamento no hotel dos Capri daqui e Mike se instalou
no meu antigo apartamento que Matteo segue pagando. A
contragosto meu.
Seus braços envolvem meu corpo, com um passando inteiro
pelos meus ombros e o outro circulando minha cintura. Me sinto
cansada, exausta, estranha com meu corpo, porque tudo ainda
parece fora do lugar mesmo após vinte e um dias. Mas estou feliz,
me sinto amada, me sinto mais completa do que sentia antes e boa
parte desses sentimentos podem ser é originada pela minha rede de
apoio, como Margot chamou.
Mas acho que Matteo faz muito, ou faz o que deveria e isso é
perfeito. Me sinto muito grata também, pelo meu irmão e pela minha
melhor amiga, mas me sinto muito feliz por esse cara que me
abraça com ternura e me permite derreter em seus braços.
Me encosto em seu peito nu. São duas da manhã e nós
estávamos dormindo desde as onze quando o choro de Olivia
acordou nós dois e Faith. Uma boa dose de leite acalmou Faith, mas
para Olivia bastou os braços do pai, ainda que ela não tenha
recusado muito o peito quando lhe foi oferecido. Isso quando ambas
as fraldas foram devidamente trocadas.
Sinto que os dois tem uma conexão diferente, não maior nem
menor, mas diferente do que eu tenho com ela ou que Matteo tem
com Faith. Olivia parece constantemente encantada ao olhar para o
pai, enquanto Faith facilmente se distrai com suas tatuagens ou
babando em seu ombro. Matteo adora pegar ambas no colo e não
há nada mais satisfatório do que tomar um longo banho e chegar no
quarto para ver os três dormindo na cama.
Tenho tido longos banhos, graças ao colo dos titios
presentes. Rebecca parece ter o dom de fazê-las se acalmarem,
mas é Mike quem conversa horas a fio, sozinho, com as duas sem
que nenhum som seja feito. E quando digo horas, quero dizer
minutos, porque o tempo é bastante relativo quando se tem dois
bebês em casa.
As gêmeas desenvolveram uma rotina bastante parecida
entre elas. De acordarem, dormirem e se agitarem nos mesmos
momentos. O que me ajuda muito é o fato que raramente mamam
juntas e posso alterar quase uma hora entre uma e outra, invertendo
sempre o peito. Temos nossa primeira consulta na próxima semana
e tudo parece ok.
Um longo bocejo sai pela minha boca e Matteo planta um
beijo demorado no topo da minha cabeça. Continuamos parados na
frente da porta semifechada do quarto delas.
“Amo seu irmão e Becks, mas não posso dizer que aprecio
nossas madrugadas. Com o silêncio, só nós quatro”. Matteo
cochicha em meu ouvido, me virando em seu abraço. “Todas as
vezes que olho para você consigo entender como pude fazer filhas
tão lindas.”
E preciso controlar minha risadinha para aquilo. Ele nos
arrasta de volta para o quarto enquanto respondo.
“Definitivamente não devo estar o maior padrão de beleza.”
“Você é bonita, ninguém pode tirar isso de você. Algumas
olheiras não são o suficiente.” Quando abro a boca para falar que
não é sobre isso, Matt continua. “Sim, seu corpo está bastante
estranho, não vou mentir. Mas acabou de ter nossas duas coisas
mais preciosas, nossas meninas ocuparam espaço e vai demorar
um pouco para que o seu corpo volte ao normal que ele deve voltar.”
“Odeio o fato que você escuta demais a Margot e agora
sempre sabe o que falar”, murmuro, contra seus lábios, quando eles
se aproximam dos meus instantes antes dele plantar um beijo casto
e demorado.
“É a verdade.”
Sua voz sai tão baixa antes que seus lábios tornem a se
aprofundar nos meus, explorando minha boca com a língua e deixo
que ele me beije com calma, me entregando a sua ternura enquanto
abraço seu corpo quente contra mim. Matteo segura meu rosto e me
permito ficar ali, suspirando com seu beijo tranquilo até que ele se
afaste com um sorriso de canto.
“Deveríamos ir dormir. Podemos, talvez, aproveitar essa
delícia de cama até as seis, sete? Quem sabe?”, ele brinca, me
puxando ainda em seus braços até a cama desarrumada.
“Sete? Seria um sonho bom.” E rimos baixo dessa pequena
piada, cúmplices do nosso melhor momento sendo pais. “Gosto do
nosso silêncio também.” Retorno ao assunto de antes quando nos
deitamos.
Matteo apaga as luzes antes de se aconchegar me
abraçando contra si.
“Gosto de pensar que tudo vai dar igualmente certo quando
estivermos sozinhos”, completo.
“Já damos”, ele afirma, contra meu ouvido, mesmo cansada
me arrepio com o movimento provavelmente não proposital.
“Rebecca vai embora final de semana, Mike na quarta e depois
disso continuaremos a dar conta de tudo perfeitamente, porque já
damos.”
Dou só um aceno, porque ele está certo. Bocejo e sinto
dificuldade de manter meus olhos abertos enquanto respiro fundo,
sentindo o aroma cítrico do nosso sabonete na pele de Matteo e me
sentindo em casa.
“Eu te amo”, ele fala.
“Eu te amo”, replico, e nossas respirações parecem ficar ao
mesmo tempo profundas enquanto caímos num sono tão pacífico
quanto as duas lindinhas há poucos metros.
 

 
Quando Mike e Rebecca foram embora, cheguei a pensar
que não daríamos conta não. Porque acho que desde o momento
em que as meninas saíram para o mundo, tomei para mim uma
grande insegurança de não ser suficientemente boa para cuidar
delas. Mas Matteo constantemente me diz o contrário, e
organizamos uma rotina que nos fez lidar melhor com tudo
sozinhos.
Faith e Olivia são as bebês mais amáveis do mundo e
parecem compreender que seus pais não são os melhores do
mundo. As duas são quietinhas e no começo isso nos apavorou, até
Margot nos dizer que tinha avisado para não acreditar nas
experiências alheias. Elas são bebês normais, dormem bem,
comem bem, tem uma digestão pra lá de boa. Tem tudo de mais
perfeito no mundo.
“Para de me olhar como se eu fosse um alienígena”, falo para
Matteo, parado no batente da passagem do quarto para o closet.
Estou há um bom tempo me olhando no espelho, isso é um
fato. Tempo o suficiente após minha longa chuveirada já que Matteo
conseguiu dar banho e trocar as meninas, que devem estar prontas
antes que eu. Meu corpo voltou relativamente ao que era antes.
Algumas estrias que apareceram já suavizaram na pele, uma
alimentação saudável e bem balanceada fez com que mantivesse
tudo ok. Quatro meses depois das meninas nascerem e estou como
a antiga Daphne um pouco mais larga.
Minha barriga segue um pouco inchada, o que é normal, mas
ainda assim é estranho.
Não acho ruim. Durante todos os meses finais da gravidez e
desde que as meninas nasceram, tentei manter em mente que meu
corpo tinha passado por uma enorme mudança e que ele pode
tomar o seu tempo para voltar ao lugar. Ou nem voltar
completamente. Matteo ajudou sendo honesto, o que achei muito
bom, sem tentar fingir que eu estava doida vendo meu corpo
estranho. Não tentou me dar palavras falsas que nem mesmo
seriam bonitas.
Sua honestidade é bonita.
“Ei, é a primeira vez em quase um ano que uso jeans de
novo.” Depois do quinto mês, ficou difícil de abotoar qualquer coisa,
além disso nunca me senti satisfeita com os modelos que achava
com a cinta de elástico.
“Eu sei”, ele fala, cruzando os braços.
Matteo está pronto também, com suas roupas casuais. A
camiseta de algodão de manga longa em um tom de cinza gelo está
alinhada em seu corpo, colada em todos os músculos de forma
indecente. A calça jeans tem uma lavagem clara e dá um gostinho
de tudo o que ele tem por baixo. Amo que ele conseguiu ficar
infinitamente mais gostoso depois que virou pai.
Ou talvez seja só algo que eu passei a pensar todas as vezes
que o vejo com as meninas. Não é um bom anticoncepcional,
preciso dizer. A visão de Matteo com suas meninas favoritas no
colo, rindo para elas enquanto elas sorriem de volta, me faz pensar
como ele é maravilhoso demais.
“Você está me olhando de um jeito que pode fazer a gente se
atrasar, e eu faria isso com muito prazer.” Ele desencosta o corpo do
batente e o vejo se aproximar pelo espelho. “As meninas estão
acordadas, é um pouco maldoso da sua parte me olhar assim
agora.”
“Estava só admirando”, digo, com um dar de ombros inocente
e Matteo deixa pender um sorrisinho de canto enquanto me abraça
por trás.
Seu corpo envolver o meu por inteiro, engole minha pequena
forma com seus braços grandes, com seu peito firme contra minhas
costas, suas mãos segurando firme minha cintura até que não haja
pele que não se toque. Suspiro me entregando a ele, me
encostando e deixando minhas mãos passearem pelos seus braços.
Estou só com o macacão, vestido até a cintura, e o sutiã
preto rendado. O modelo de amamentação é bonito, me permiti
comprar peças bonitas para me sentir um pouco sensual e a forma
como Matteo me beija torna impossível não me sentir extremamente
assim enquanto me enrosco nele. Ou quando ele planta beijos
molhados em meu pescoço, como faz agora.
Com tanta pele exposta, ele se aproveita para traçar os
dedos por mim. Da curva do meu pescoço, contornando os ombros,
passando pela lateral da curva do meu seio por cima da renda,
minha cintura que pouco se redesenhou ainda e parando
perigosamente embaixo do meu umbigo, com o dedão pendendo no
cós da calça da jardineira jeans.
“Está bonita, incrivelmente bonita. Provavelmente é pecado
que seja uma mãe tão bonita assim”, ele sussurra, encontrando o
lóbulo da minha orelha direita e passando os dentes ali.
Sinto o incêndio que começa em meu corpo. Matteo não está
tão diferente, sinto seu volume aumentar na minha bunda e não
controlo me esfregar nele. Seu risinho abafado contra minha pele
quando faço isso faz com que eu sorria também. Nossa imagem no
espelho é magnifica, enrolados um no outro, ao mesmo tempo que é
indecente porque consigo quase sentir a nossa atração sexual ser
palpável no ar.
Suspiro, deixando minha cabeça descansar em seu ombro e
isso só motiva que seus beijos desçam ainda mais.
“Estamos atrasados.” Lembro-o.
“Foda-se meus pais”, é a sua resposta.
E quando estou me dando por convencida, escutamos o
choro vindo do quarto ao lado. Acabamos sorrindo um para o outro
pelo espelho e Matteo beija meu ombro com carinho antes de tirar
suas mãos de mim e me desvincular do seu abraço.
“Olivia é mesmo um bebê que ama atenção”, ele brinca.
“Como sabe que é ela?” Porque os choros são quase
idênticos, principalmente de longe.
“Faith não faria isso com o papai”, sua afirmação é tão
certeira que acabamos gargalhando antes que ele deixe o quarto e
eu me ocupe em terminar de me vestir.
Uso uma manga longa como ele, que sempre foi justa ao
meu corpo e pela primeira vez não me sinto mal em ver todas as
partezinhas marcadas que não havia antes. Nunca fui magra como
Chelsea ou tive o corpo bem delineado como Rebecca. Sempre tive
uma barriguinha que nunca me incomodou e agora tenho ela um
pouco maior, um sinal de que não há muito tempo, duas belezinhas
perfeitas moravam ali.
Quando saio do quarto, pronta com botas de cano baixo e um
salto minúsculo, pretas como a blusa que uso, Matteo está com as
meninas no bebê conforto descendo as escadas. Vamos almoçar
com os pais dele, é a primeira vez que os Drake vão ver as netas e,
bem, Theodore estava fora do país até semana passada e Matteo
não tinha vontade alguma de se encontrar só com a mãe.
Theodore ainda está decidindo o que fazer. Matteo contou
sobre o pequeno segredo que sabia sobre a mãe pouco antes das
meninas nascerem, e como ele acabou passando quase seis meses
fora, acho que ainda está incerto sobre tudo. Marise parece a
verdadeira gentileza em pessoa, pisando em ovos com todo mundo.
Rebecca ficou bastante triste e decepcionada quando ficou
sabendo, mas acho que o fato de nunca ter se dado muito com a
mãe fez com que ela somente sentisse pena do pai.
Matt acha que não, mas sei que o divórcio logo deve sair.
Theodore provavelmente só está pensando no melhor momento
para fazer isso, sem que tudo prejudique a imagem dos Drake. Isso
é algo muito importante no nosso mundo.
A pequena tensão é visível em seus ombros enquanto dirige
até o restaurante e as meninas dormem tranquilamente no trajeto de
meia hora. O carro novo é bastante espaçoso e podemos deixar os
carrinhos de sair sempre no porta-malas, uma vez que Matteo fez
questão de comprar dois para cada uma delas. Assim que
chegamos, Faith acorda ao ser encaixada na estrutura do carrinho,
mas Olivia segue em seu sono profundo. A mais nova é bem mais
quieta apesar de ser bem mais faminta.
“É só um almoço”, digo, colocando minha bolsa de mão na
parte de baixo do carrinho de Olivia enquanto Matteo ajeita a bolsa
das meninas no ombro antes de empurrar Faith. “Além disso, seu
pai está ansioso para conhecer as netas.”
Diferente dos avós maternos, eu poderia acrescentar.
Não posso dizer que acho isso exatamente ruim. Meus pais
não são os melhores do mundo, não foram bons pais e não serão,
subitamente, bons avós. Além disso, não se interessaram muito por
qualquer parte da gravidez a não ser quando fui morar com Matteo e
firmamos um relacionamento, afinal, ele era um Drake e isso é
importante.
Mas não posso ficar exatamente triste por meus pais não
fazerem questão de ver as meninas, a energia ruim poderia afetá-
las e odiaria isso. Elas estão bem tendo a família que tem, porque
essa família até agora é a mais amorosa possível. Eu, Matteo,
Rebecca, Mike, Chelsea, Zach, até mesmo Josh, que ficou todo sem
jeito querendo pegá-las quando vieram nos visitar no mês passado.
Recebemos inúmeras mensagens de amigos, meu chefe mandou
um buquê enorme para nosso apartamento, assim como alguns
colegas do escritório. Matteo recebeu um cartão do seu orientador
até.
Não preciso dos meus pais trazendo coisas ruins.
Nem dos Drake, mas acho que tudo está tranquilo quando
conseguimos passar pelo prato de entrada sem nenhum assunto
chato. A tensão pode ser sentida até mesmo pelo garçom e
felizmente Theodore reservou uma mesa para seis, com bastante
espaço para acomodarmos as meninas nos carrinhos e mais
afastada do meio do restaurante. Marise pegou as duas no colo sob
o olhar vigilante do filho, e precisei chamar sua atenção para que
não causasse uma cena rosnando ou algo assim.
Olivia amou o colo do avô e ficou bom tempo acomodada
nele quando acordou para comer. Faith dormiu bastante e essa foi a
primeira vez que saímos para um longo período fora de casa em
algum lugar público que não o consultório. A mais nova precisou ser
trocada e Matteo se ofereceu prontamente. Não que ele não faça
isso com frequência, porque ele faz, mas quando sai com a bolsa
das meninas em um ombro e Faith pendurada no outro braço, sei
que ele precisava é de um tempo.
“Vocês parecem bem”, é Marise quem puxa assunto.
“Sim, as meninas são bastante tranquilas”, digo, acariciando
a barriga de Olivia, dormindo profundamente de novo no carrinho ao
meu lado. “Acho que isso facilita bastante nossa rotina”,
complemento, voltando a olhar para ela.
“Provavelmente vão precisar de alguém para o futuro.” Fico
confusa, porque não acho que Matteo é incapaz de cuidar sozinho
das meninas e ele me disse que já comunicou a sua decisão ao pai.
Mas Theodore e eu trocamos um olhar que mostra que
Marise não foi comunicada do assunto.
“O que está acontecendo pelas minhas costas?”, ela
pergunta, tentando se conter, mas sei que desejava fazer essa
pergunta uns três tons mais agudos que isso.
“Matteo me comunicou que, assim como havia planejado
previamente, não voltará a trabalhar na companhia por pelo
menos… bem, até o próximo inverno, além disso talvez. Ficará de
forma bastante indireta na Drake até terminar o doutorado”, meu
atual sogro fala.
“Isso é inadmissível!” A forma como ela perde a compostura
não é nem um pouco típica de Marise, mas ninguém tem tempo de
dizer muito.
“O que é inadmissível?”, Matteo pergunta com o cenho
franzido, provavelmente alheio ao assunto. Ele traz Faith no colo e
se senta com nossa filha, esperando uma resposta.
“Você ficando tanto tempo fora da empresa! Como pode fazer
isso?”, Marise pergunta nervosa.
“Primeiramente por causa das minhas filhas; segundo porque
sempre foi o plano, desde que me mudei para Boston.”
“Vai ficar esse tempo inteiro fazendo o quê? Desperdiçando a
sua vida. Matteo seja racional e não um menininho.”
“Bem, parece que alguém aqui, há uns vinte e três anos mais
ou menos, foi pouco racional e uma menininha”, ele retruca, cheio
de ironia e não posso dizer que também não acho hipocrisia da
parte dela falar isso.
Marise parou de trabalhar completamente para ficar com os
filhos. O que foi uma desculpa, porque ela não ficou exatamente
como uma mãezona dando atenção aos dois. Virou uma socialite
com muitos funcionários.
“É diferente!”, ela protesta.
“Não, não é. Além disso, estarei também estudando. Era o
que eu e meu pai tínhamos conversado desde o princípio, mas,
ainda assim eu fiquei na companhia bem além do que queria, bem
mais envolvido do que deveria. Agora tenho duas filhas lindas e não
quero perder nada, tenho uma namorada que precisará voltar para o
trabalho em janeiro, e uma tese a ser escrita.” Se suas mãos não
estivessem envolvidas com Faith, que segura uma das mãos do pai
enquanto aproveita o dedão da outra mão dele — que a segura pela
barriga — para fazer de chupeta, bem, se não fosse por Faith,
acredito que Matteo estaria com os punhos cerrados.
Mas ela sente que o pai não está bem, porque tomba sua
cabeça mais para trás de onde está, sentada no colo dele. Seus
olhos que puxam mais para um azul esverdeado agora, focam nele
e Matteo percebe, voltando a atenção para a filha e sorrindo de
canto quando seus olhares se encontram.
Pouco a pouco, vejo como elas o mudaram. Matt está mais
tranquilo, poucas coisas o estressam e o fato de até agora nem
mesmo ter alterado o tom de voz com as falas da mãe é um dos
exemplos. As meninas viraram seu porto seguro e a cada dia
percebo um pouco mais como ele daria absolutamente tudo de si e
do mundo por elas. Ele está bem mais relaxado agora, como se não
tivesse mais a pressão do mundo em seus ombros.
“Não concordo com nada disso. Matteo não seja burro, não
jogue sua carreira fora.”
“Eu não quero jogar minha vida fora.” Ele me olha por alguns
instantes e nosso olhar trocado diz muita coisa, por isso bebo um
último gole de água, sabendo o que vem a seguir. “E não pedi a sua
opinião, porque não está no lugar de querer falar sobre a família
alheia. O almoço foi ótimo papai, é sempre bem-vindo em nossa
casa e foi bom te ver de novo. Meu bem…” O verde escuro dos
seus olhos me fitam enquanto ele faz menção de levantar e eu o
faço antes.
“De fato, o almoço estava delicioso. Obrigada por virem para
Boston, para verem as meninas.” Nem mesmo sei de onde tiro algo
tão formal e cheio de classe, como o tom que uso em jantares
chatos cheios de pessoas importantes. Quero firmar o convite a
Theodore, mas só abro a boca e fecho, levantando da mesa com
um sorriso fino nos lábios.
Coloco minha bolsa de volta no carrinho de Olivia e Matteo já
me espera de pé, com a bolsa das bebês em um braço, empurrando
o carrinho e firmando Faith no outro. Às vezes tenho inveja em
como ele consegue segurar as meninas tão firme com um só braço,
mas tudo é explicado pelos braços fortes e mãos grandes. Com
mais um sorriso e aceno, sigo até a porta.
“Ela não tinha o direito!”
“Sobrevivemos até a sobremesa. Bem, sem a sobremesa e
está me devendo um petit gâteau bem grande. Mas já estava
buscando um motivo para irmos embora há horas, ela só demorou a
te dar isso”, comento, tomando Faith em meus braços enquanto ele
destrava o carro e se ocupa em colocar as cadeiras nos suportes e
guardar o resto dos carrinhos. “Não sabia que a situação estava tão
crítica.”
“Não é crítica, só não… só não consigo mais olhar para ela e
não lembrar, não pensar quantas vezes isso pode ter acontecido
quando Becks e eu ainda éramos pequenos até. E não consigo
aguentar o fato que meu pai caiu no papinho dela de divórcio no
melhor momento.” Ele balança a cabeça em negação, e sei que
realmente não entra em sua cabeça isso. Não entra na minha
também. “Vem, vamos, conheço um lugar que tem um petit gâteau.
Vamos tentar esquecer isso. Não posso ficar devendo um doce tão
importante assim. Além disso, merece por ter sido tão perfeita hoje.”
“Eu não fiz absolutamente nada.” Porque não fiz mesmo.
Coloco Faith no bebê conforto preso e ela só continua me olhando
quietinha quando afivelo o cinto.
“Gosto de procurar motivos para te mimar.” Sua mão
escorrega pela minha bochecha e me inclino em sua palma quando
ambos já estamos sentados nos bancos da frente. Não evito me
inclinar ainda mais para pedir um beijo que vem sem demora em
meus lábios.
“Sendo assim, acho que está me devendo bem mais que só
uma sobremesa. Meu prato de entrada hoje não foi completo”,
insinuo, e seus olhos brilham quando ele compreende o que digo.
“Acho que ficarei te devendo sobremesa em dobro no jantar
então.” Porque não há nenhuma chance que ele faça a gente se
demorar ainda mais fora de casa depois da proposta.
 

 
“PRECISAM DE AJUDA?”, pergunto para Chelsea e Zach, que
tomaram nossa cozinha.
O cheiro é maravilhoso, o peru está no forno há horas o
suficiente para já estar dourado, as batatas estão sendo amassadas
com destreza pelo meu cunhado e a loira bate alguma coisa com
uma colher enorme, finalizando nossas sobremesas. Quando
pensamos sobre nosso Natal adiantado, um Natal em família,
Daphne e eu achamos que nem todos conseguiriam vir. Mas ser no
final de semana anterior a celebração de fato ajudou. Chelsea e
Josh vão para San Diego na quarta, Becks e Zach na quinta para
Austin, Mike ficará conosco até dia vinte e seis, passando nosso
segundo Natal com a gente.
É o primeiro Natal das meninas e queríamos dar a elas um
significado real de tudo isso, porque Daphne e eu passamos Natais
em reuniões formais demais, com muitas pessoas que não são
família. Mas aqui estamos, com a família delas de verdade.
“Tudo sob controle. A mesa já está pronta?”, Zach pergunta.
“Sim!”
“Então acho que agora é só esperar”, Chels diz. “Digam que
minhas tortas estão maravilhosas, tá bem? Porque elas vão estar.”
Ela fez pumpkin pie[7], além de uma torta de limão que cheia muito
bem. Docinhos menores foram comprados também, pão de mel,
pequenos docinhos de mesa e sorvete para comer com as tortas.
Poderíamos ter encomendado tudo, porque todos os lugares
teriam agenda para um final de semana antes do Natal, mas Zach e
Chelsea se recusaram a aceitar isso. Podiam muito bem fazer nosso
jantar, assim como Mike que achou um absurdo não fazemos nosso
próprio peru de Natal. É ele quem está encarregado por essa parte.
É o Natal mais família que eu já vivi em vinte e oito anos.
O mais interessante de tudo, é que hoje ainda é aniversário
dos gêmeos Laurent-Davis, então foi um sábado bastante cheio por
aqui. Daphne ganhou vários presentes, e ganhará ainda mais no fim
da noite, quando abrirmos os presentes quebrando várias tradições
natalinas de abrir presentes na manhã de Natal. Dei a ela algo do
qual vinha falando há meses. Quer dizer, dei a ela muitos presentes,
mas desde que recebeu o colar com as duas medalhas com os
nomes das meninas, ela tem se exibido para todos.
O nome delas já está gravado em minha pele há um mês,
quando fiz a tatuagem nos meus antebraços. Foi um modelo bonito,
o tatuador desenhou algo se baseando em outras que viu, com data
de nascimento, horário, e outras informações sobre o nascimento
das gêmeas. Daphne achou o gesto bonito e até hoje ainda a pego
encarando a tinta na minha pele.
“Olha como elas estão adoráveis”, Josh fala, com um sorriso
largo no rosto, direcionado a Faith enquanto traz minha caçula no
colo até o lado de Chelsea.
Rebecca entra logo depois, com Olivia e as meninas estão
com macacões fofos de Natal, vermelho e branco, com árvores,
bolas, renas e tudo mais que há de Natal estampado. Zach brinca
com minha filha assim que Becks se coloca ao lado do noivo.
“Parecem duas bonequinhas”, ele fala, deixando um beijo na
barriga de Olivia que logo agarra os cabelos de Zach.
“Eu não fiz absolutamente nada desde que eles chegaram
aqui, meus braços agradecem.” Daphne me abraça e passo meu
braço pelos seus ombros. “Acho que gosto de visitas.” Todos nós
rimos e isso faz com que as meninas deem risada também.
Elas conseguem ficar ainda mais adoráveis quando dão
sorrisos desdentados para a gente e fazem isso com frequência. As
meninas trouxeram muitos sentimentos novos para mim. Quero
protegê-las com todo o meu ser, quero mostrar para elas que as
amo infinitamente, quero poder lhes dar todo esse amor e todas as
coisas que eu puder, quero que elas saibam que estão seguras e
que podem sempre se apoiar em mim. Além disso, descobri um tipo
diferente de felicidade ao lado delas.
Pequenos momentos são grandes momentos. A forma como
elas vocalizam coisas sem sentido me fazem ficar bobo todas as
vezes. Amo quando elas dormem enquanto estão no peito de
Daphne e como se abraçam na mãe de maneira tão terna. Não há
coisa mais fofa do que quando sou acordado por elas, quando sou
eu quem durmo com elas no colo, no sofá ou na cama, e não o
contrário.
“Só bebidas, sem namorada? Nenhum lugar de aluguel de
namorada disponível, Mike? As coisas não estão mesmo nada
fáceis, caro amigo”, Zach zomba, quando meu cunhado entra na
cozinha, com as mãos cheias. Ele saiu mais cedo para reabastecer
nosso estoque de bebidas para a noite.
Todos acabam soltando um risinho com o comentário, que se
tornou uma piada desde que ele constatou sobre o fato de ser o
último solteiro. Não que tenha algum problema com a situação,
porque todos, ou a maioria, sabemos que a vida semiamorosa de
Mike é bastante agitada. Mas não deixa de ser engraçado.
Ele fala que nesse Natal, tem duas acompanhantes e essas
são suas sobrinhas. É o suficiente, foi o que ele disse.
“Ha-ha”, Mike ironiza, enquanto caminha até a geladeira,
plantando um beijo na bochecha de Faith, já que Josh está no seu
caminho. “Algumas pessoas por aqui já estão pegando o jeito,
será?”
“Você está constantemente com as meninas no colo e não
vejo nem mesmo uma entrada no processo de barriga de aluguel”,
Chelsea responde na lata. “Não seja hipócrita ainda que o
pensamento de bebês Crawford-Capri seja uma bela visão. Deus,
faremos filhos lindos.” E Josh deve estar procurando um buraco
para se enfiar enquanto a namorada estala um selinho em seus
lábios. “Um dia num futuro bem, bem, bem distante ainda.” Ela o
tranquiliza.
“Bem, a família Drake já foi abalada em dose dupla então
podemos esperar primeiro nosso belo casamento antes de cogitar
adicionar mais membros”, Becks responde. “Quero mimar muito
essas coisinhas fofas aqui ainda.” Ela traz Olivia na altura dos seus
olhos e ela ri com o movimento.
Olivia parece uma mini versão de Rebecca, pensando agora,
mas com os olhos de Daphne. Seus cabelos são bem escuros,
como os meus, e os olhos bem azuis. Suas bochechas gordas são
perfeitas. Faith, assim como a irmã, tem olhos azuis, porém mais
esverdeados, e o rosto bem redondo, mas seus cabelos são mais
claros, como os de Mike. É uma comparação melhor, uma vez que
ele deixa os cabelos mais curtos e por isso são alguns tons mais
claros que os fios compridos da irmã gêmea.
“Estou feliz que todos tenham topado vir para cá”, Daphne
fala. “Quero que a gente mantenha essa tradição, aqui ou em Nova
York, ou em Atlanta. Um Natal só nosso.”
“Eu também”, Rebecca fala e uma onda de acenos é dado.
“Acho que esse é o primeiro Natal normal que passamos juntos.
Primeiro Natal normal que eu tenho sem ser com a família do Zach.
Porque tenho certeza que eles sabem como fazer um Natal normal.”
“Também recusaram o convite?”, Chelsea pergunta, e sei que
está falando sobre a grande festa de Natal de sempre, com
estranhos e muitas formalidades. Uma festa de amenidades.
“Não tô com cabeça para isso esse ano, com tudo o que
aconteceu. Além do mais, a mãe do Zach está bastante animada
para o Natal”, Becks responde.
“Vocês também?”, Chelsea pergunta para nós, enquanto
Josh me traz uma Faith meio chorosa e com os bracinhos esticados.
“Não quero fazer as meninas virarem um centro das atenções
desnecessário. Elas são novas ainda, preferimos ficar por aqui, mais
calmo. Mike vai ficar conosco.” Acrescento antes de beijar a cabeça
da minha filha, que se acalma assim que vem para os meus braços.
“Quem diria que iriamos crescer e virar isso”, Chelsea fala,
com um suspiro, deixando a torta finalizada de lado na bancada.
“Um bando de adultos responsáveis, credo.”
É impossível não acabar rindo com isso, porque é a verdade
e, no fundo, não é tão ruim como pensávamos quando éramos mais
novos.
 

 
“Elas estão completamente capotadas”, Mike fala baixo,
entrando no quarto das meninas, onde estou.
Pouco antes da sobremesa, elas finalmente se renderam ao
sono e dormiram. Trouxe as duas para o berço, longe do barulho da
conversa e bater de pratos do andar de baixo. Mesmo depois de
aguardar para que ambas seguissem dormindo em suas camas, não
consegui deixar o quarto e sair. Isso deve fazer alguns minutos.
Daphne já está acostumada a me pegar aqui, admirando-as
por bastante tempo. Sempre me perco em pensamentos,
principalmente enquanto observo Faith e Olivia tão pacíficas
dormindo. Deixo que a calma delas passe para mim.
“Devem acordar a uma agora só, para voltar a dormir até as
nove. Elas dormem tão bem que tenho medo de me sentir muito
sortudo por isso e essa benção parar”, brinco.
Mike desencosta do batente e vem até onde estou, no meio
dos dois berços. Só a luz vinda da porta atinge o cômodo.
“Estou feliz por você”, ele fala. “Somos amigos desde
sempre, não posso mentir e dizer que não fiquei puto quando soube
de vocês dois, ainda mais porque soube somente quando Daph já
estava grávida. Sei que passamos muito tempo sem nos falar e que
isso nos afastou, mas não evita o fato de me sentir feliz agora,
vendo você, sua família.”
“Teoricamente, você é minha família agora também”, digo,
erguendo um dos cantos dos lábios, em um sorriso que faz Mike
refletir junto com um revirar de olhos. “Obrigado, por se sentir feliz
por eu estar feliz. Daphne trouxe de volta muitas coisas, fico feliz
que ela não tenha desistido tão fácil, as meninas mudaram minha
vida. As três.”
“Você sempre foi um dos melhores amigos dela, ela não
desistiria tão fácil. Além disso, acredito que ela seria uma das únicas
mulheres que poderia compreender você, depois de tudo o que
aconteceu. Acho que ela, por saber de tudo, conseguiu entender
que precisava de um tempo para assimilar isso, ter um
relacionamento de novo.”
“Fui bem babaca. Ou talvez só acomodado demais”, digo,
com um levantar de ombros.
“Talvez só estivesse ainda atrelado demais ao luto, não vou
falar que tá tudo bem a forma como tratou ela no começo, mas acho
que consigo entender o porquê você foi babaca. Fico grato que
tenha parado. Aprecio nossa amizade e não gostaria de ter que
terminá-la de vez por suas atitudes idiotas.”
Durante certo tempo, pensei que Mike nunca mais falaria
comigo como antes, que nossa pequena intriga geraria muitas
consequências. Não posso dizer que não entendo ele, somos
melhores amigos e posso ter ultrapassado alguns limites, ainda que
eu e Daphne não fizemos exatamente por querer. Não foi planejado,
foi muito bom, mas não foi planejado, como um segredo sujo entre
nós dois, premeditado para acontecer e ser escondido dos outros.
Foi uma atração que talvez nenhum de nós achava que tinha
até aquele momento. A bebida pode ter ajudado na hora, tínhamos
bebido vinho demais, talvez eu estivesse com muito tesão
acumulado, mas foi ela também. Como ela me olhou naquele dia, a
forma como sua pele pareceu queimar na ponta dos meus dedos, a
forma como seus lábios pareceram irresistíveis, tudo naquela noite
foi favorável para que acontecesse. Mas não foi planejado.
Suponho que depois de um tempo ele mesmo soube disso,
mas ainda estava chateado para voltar atrás. Pelo menos
conseguimos nos acertar, tudo foi amenizando com os meses, com
a chegada das meninas. Ele foi virando visita cada vez mais
frequente também. Nossa amizade é como era antes. Diferente
porque a situação é diferente, mas acho que voltei a ter meu melhor
amigo.
“Depois que Brooke morreu, tive medo que você nunca mais
se permitisse algo… assim. Ser feliz, gostar de alguém, ter um
futuro. Você sofreu muito e entrou na sua cápsula de tristeza, dessa
dor, que achei que não fosse conseguir sair.” Ele levanta os ombros,
seus olhos estão fixos em Olivia. Ou pelo menos é onde seus olhos
estão, mas desconfio que seus pensamentos, assim como os meus,
estejam longe. Para o período logo após a morte da minha noiva.
“Me sentia mal, por não saber o que fazer para ajudar, para tentar te
tirar aquilo. Acho que, de certa forma, me ausentei muito do
assunto, deixei estar. Podia ter tentado ser um amigo melhor na
época.”
“Eu teria afastado você”, digo, em um sussurro. “Teria feito
isso, porque não queria sair. Me agarrei como se essa dor fosse o
que me mantivesse em pé. Precisava daquilo porque senão, não
sabia quem era. Eu precisava pra me sentir melhor a respeito de
tudo.”
“Isso é terrível.” Eu já tinha falado sobre isso, em entrelinhas,
com ele. Mas sei que é algo que assusta, algo que hoje sei que não
foi legal.
Daphne me deu a sugestão de procurar alguém para falar
sobre o assunto. Falou que talvez seja bom, agora que consigo falar
sobre a morte de Brooke sem o peso de antes, conversar com
alguém que pode me falar coisas mais sábias. Acho que a sugestão
dela é muito válida e estou mesmo pensando sobre procurar algum
profissional com quem possa falar com tranquilidade. Acho que falar
sobre Brooke pode ser bom para essa nova fase da minha vida, não
para tirar ela de mim, mas para tirar a culpa de mim.
Seus pais mandaram mensagens de felicitações quando as
gêmeas nasceram. Sua mãe sempre comenta algo fofo nas fotos
que posto das meninas e até mesmo começou a seguir Daphne.
Acho que eu segurei o luto deles por muito mais tempo, vejo isso
hoje e me sinto mal pelo que fiz. Fico feliz por eles terem me
afastado do caso, que foi encerrado com o motorista ficando em
cárcere até daqui três anos, se cumprir todos os serviços.
“Fico feliz vendo que conseguiu superar tudo isso. Por um
lado, fico feliz também que tenha sido com Daphne. Vocês dois
formam um par bom, posso ver como estão felizes um com o outro.
Não pensei que a veria assim um dia, tão apaixonada, pelo menos
não tão cedo. Acho que essas duas aí foram de grande ajuda para
que ficassem juntos, mas vejo que só estão juntos mesmo porque
vocês gostam disso, gostam desse relacionamento, posso ver que
se amam.” Mike nunca foi de falar muito, sempre foi muito
observador e suas observações sempre trazem muitas falas assim.
É verdade, sem tirar nem por, tudo o que ele fala.
“Essa foi uma parte da minha vida que, desde que elas três
entraram em ação, me permiti não controlar. Quando Daphne e eu
começamos tudo isso, me permiti sentir o que quer que fosse. Acho
que sempre me senti seguro, confortável, de estar com ela. Foi fácil
porque a gente já tinha uma história, ela me fazia sentir seguro
sobre estar com ela, sobre querer ou não. Me senti bem de querer
tentar sentir tudo de novo, gostar de alguém, tentar um
relacionamento, descobrir que poderia amar alguém de novo. Ela
transformou tudo mais tranquilo para mim e me permiti tudo fosse
vindo.” Suspiro com um sorriso. “Me trouxe aqui e eu não poderia
estar mais feliz.”
“Estou feliz que sejamos uma família, e estou muito feliz de
ver a família que vocês formaram. Elas três são a coisa mais
importante na minha vida, ainda posso te socar se fizer besteira com
qualquer uma delas.” Mike arranca um riso baixo meu, e ele me
acompanha.
“Elas são as pessoas mais importantes da minha vida
também. São tudo para mim.” Ele coloca a mão no meu ombro
quando digo isso e acabamos em um abraço.
Ouvimos um pigarro na porta e pela forma como Daphne se
recompõe, acho que não acabou de chegar.
“Estavam demorando, vim ver se estava tudo bem”, ela fala,
cruzando os braços embaixo dos seios. Daph está linda hoje com
esse vestido vermelho, ombro a ombro e de mangas compridas, que
gruda em seu corpo até abaixo dos joelhos.
“Mais do que bem”, Mike fala. “Estão dormindo que nem
pedra”, ele sussurra, antes de deixar um beijo na cabeça das duas,
que mal se movem, e se juntar a nós dois na porta. “Vou descer e
garantir que ninguém quebre nada por excesso de vinho.” Um
terceiro beijo é depositado na testa de Daphne antes que ele
rapidamente desapareça pelas escadas.
“Está tudo bem?”, ela pergunta, desconfiada.
“Mais do que bem”, repito o que ele disse, e abraço sua
cintura. Suas mãos logo envolvem meu pescoço. “Não precisa fingir
que não estava ouvindo.”
Ela abafa uma risada contra meu peito e tenta parecer
inocente.
“Ok, eu estava ouvindo o finalzinho. Vocês quatro também
são muito importantes para mim. Olivia, Faith, Mike e você. Na
verdade, todos lá embaixo também. Mas vocês quatro são minha
base.”
“Estou me sentindo mal por não ter incluído Rebecca nisso”,
brinco, mas sei que minha relação com minha irmã é diferente do
que ela e Mike tem.
Apesar de hoje termos uma família pronta para ruir, Becks e
eu sempre tivemos pais presentes e que até davam bastante de si
conosco. Mike e Daphne não tiveram isso nem antes, nem agora.
“Eu amo você, muito”, meu sussurro sai contra seus lábios.
Amo mais do que pensei que poderia amar de novo, porque
amo de uma forma diferente. Quando finalmente parei de achar que
Daphne e Brooke eram comparáveis, entendi que meu amor por
cada uma delas era diferente. Brooke ocupou um espaço diferente
em minha vida, em um momento diferente. Ambas vieram sem
planejamento, como se uma bomba estourasse na minha frente e
subitamente descobrisse que tudo tinha mudado, porque tudo
mudou com a entrada delas.
Daphne trouxe consigo uma nova fase, uma nova visão de
tudo para mim. Ela me ajudou a abrir meus olhos, e não precisou
fazer muito esforço, bastou que não desistisse tão fácil de mim. Amo
o fato que a conheço muito, que antes de tudo acontecer nós já
tenhamos histórias juntos. Ela me conhecia muito e desde que
passamos a namorar, começamos a conhecer ainda mais um do
outro e só posso perceber mais a cada dia como ela é tudo o que eu
poderia precisar agora, como somos parecidos e muito mais do que
só compatíveis.
Ela me trouxe também uma família linda, da qual me orgulho
e quero somente fazer crescer, da qual quero que se torne tudo o
que deve se tornar. Quero Daphne comigo até o fim da vida, porque
ela a transformou, me ensinou como era viver de novo, me trouxe
toda essa sensação de estar vivo, de amar e ser amado. E eu a
amo de forma incondicional e quero dar tudo de mim para acordar
até o fim dos meus dias com seus olhos azuis preguiçosos, seu
sorriso manhoso. Vou dar tudo de mim para acordar ao seu lado até
o fim da minha vida.
“Eu te amo muito mesmo. Obrigado por me deixar te amar.”
Ela me olha confusa. “Por me devolver a capacidade de tudo isso.
Se soubesse o quanto eu te amo… espero um dia poder provar tudo
isso.”
“Você tem todos os dias, mesmo que não precise me provar
nada.” Suas mãos seguram meu rosto e ela se inclina para me dar
um beijo demorado. Aperto sua cintura contra mim, precisando de
mais contato, precisando ter a constante certeza que ela é real na
minha vida. “E eu te amo muito também.”
 

 
“VOCÊS SÃO MAIS DIFÍCEIS QUE DUAS BEBÊS!” Mas eu estou
com um riso nos lábios e um revirar de olhos sem irritação alguma.
Me olho mais uma vez pelo espelho no corredor de Mike
antes de voltar a sala. Estamos na cobertura dele, porque Matteo
mandou reformarem o apartamento, para abrigar agora todos nós, e
pelo jeito tomou mais tempo que o previsto. Precisamos vir pra Nova
York por causa de alguns assuntos muito importantes da Drake Co.
e foi bom tirar dois dias de folga do trabalho para um final de
semana prolongado.
Chegamos hoje cedo e Mike nos cedeu a noite de folga. É a
primeira vez em quase um ano que Matteo e eu tiramos uma noite
só para nós, um encontro de verdade. É a primeira vez que vamos
ter um sem eu estar grávida ou sem outras duas acompanhantes,
que são adoráveis. Mas estou animada e me sinto linda.
Estou em um vestido bege, bem mais curto do que tenho me
permitido faz tempo, mas hoje quero ser uma mamãe sexy e
aproveitar muito a noite ao lado de um papai igualmente sexy e
muito gostoso. A saia meio aberta vai até metade das minhas coxas,
o decote é aberto no meu colo, mas termina no começo do vale dos
meus seios. As mangas vão até meus cotovelos e são abertas
também, não exatamente bufantes. Elaborei um coque com alguns
fios soltos contornando meu rosto junto com a franja, que
permaneceu, e saltos do mesmo tom que o vestido.
Todo o visual funciona, porque sei que a boca de Matteo
secou quando ele me viu. Ele também é uma bela visão, com paletó
e calça social em um preto não tão preto, uma camisa mais casual
muito branca e para completar todo o visual, uma Olivia querendo
andar em seus sapatos sociais bem brilhosos. Matteo segura ela
pelos punhos, mas ambos estão parados me olhando.
“Mamãe está completamente mais linda que o habitual, filha”,
ele fala, e resulta em um bufo de Mike.
“Mamã”, ela repete, e não consigo evitar meu coração
acelerar, como sempre que uma delas tenta falar papai ou mamãe.
Infelizmente o mais próximo de tudo até agora foi titio.
Santo Mike.
Meu irmão, inclusive, embala uma Faith sonolenta. Demorei
para ir me aprontar, precisando ficar enquanto Matteo se arrumava e
depois bombeando leite para que elas tomem agora de noite e
amanhã cedo. Nos organizamos desde hoje à tarde para essa
saída, e facilita o fato que as meninas já não demandam tanto do
peito. Gostam das papinhas de vegetais, frutas e caldinhos, mas
ainda amamento elas de manhã e antes de dormir, algumas vezes
durante o dia também.
Elas se adaptaram bem com as mamadeiras. Desde o
começo do ano, Matteo passou a ficar sozinho com elas durante o
dia, nos acostumamos a todos os dias bombear o leite e fomos
introduzindo a fórmula aos poucos na rotina.
A campainha toca e o som estranho faz com que Olivia se
desequilibre, indo parar em dois segundos nos braços protetores do
pai.
“Eu atendo.” Mas com os dois ocupados, é a solução óbvia.
Não sei bem o que eu esperava, mas certamente não
esperava uma mulher.
Quer dizer, deveria esperar uma mulher. Ela é bonita e está
vestida em roupas de academia que delineiam bem seu corpo
repleto de curvas cheias. Seu rosto não é estranho e me sinto mal
por não lembrar de alguém bonita assim. Suas maçãs do rosto são
altas, seu nariz é arrebitado e ela tem olhos expressivos, que me
mostram confusão. Apesar disso, ela ainda demonstra uma
expressão bem poderosa, preciso dizer isso.
“Oie?”, falo, depois de um tempo.
“Putz!”, escuto meu irmão falar ao fundo.
“Oie!”, ela responde depois de um tempo, com certo
reconhecimento. “Desculpa, não sabia que Michael tinha visitas.”
Michael, ninguém chama meu irmão assim longe dos
tribunais.
“Beatrice!” É Matteo quem surge ao meu lado. “Quanto
tempo.” Me sinto bastante perdida, mas abro espaço e a convido
para entrar.
“Matteo! Nem mesmo sabia que tinha se mudado.” Então ela
é a vizinha.
“Bea, eu esqueci completamente de te avisar”, Mike diz…
constrangido? Eu estou me sentindo cada vez mais perdida. “Pelo
visto já se conhecem…”
“Bem, eu morava aqui antes, mas pouco antes de me mudar
para Boston, Beatrice foi para…”
“Londres”, ela completa para Matteo.
“Oh”, é o que falo. “Sou Daphne.” Estendo a mão para ela.
“Nos conhecemos antes”, ela diz, com um sorriso, apertando
minha mão. “No elevador.” Demoro um pouco para lembrar, mas
acabo rindo baixo pelo fato dela lembrar. Isso faz mais de um ano.
“Certo, me desculpa. Gravidez e filhos nos deixam com a
memória um pouco ruim.” Ela acaba achando graça da minha fala.
“Desculpe, não sabia que Mike tinha algo hoje, ele disse que tudo
bem ficar com as meninas.”
“Eu…”, ele começa, mas é ela quem acaba tomando minha
atenção.
“Não tínhamos!” Sua voz sai um pouco rápida demais. Quase
aguda. “Só… só acabei resolvendo passar aqui, para ver se estava
tudo bem.”
“Nós estamos malhando no mesmo horário”, Mike
complementa.
Matteo e eu precisamos de só um olhar para compreender
muito. Ele pigarreia, voltando para a sala e acomodando Olivia no
tapete com os brinquedos, beijando ela e Faith, que foi colocada no
berço montado ali.
“Acho que vamos indo então”, Matteo fala, pegando minha
bolsa no sofá já que sigo meio atordoada no hall de entrada.
“É, temos uma reserva”, completo, meio abobada. “Espero
que tenham uma boa noite.”
“Vocês também, aproveitem”, Mike fala, com um sorriso
estranho nos lábios. Franzo a testa.
“Qualquer coisa, nos ligue”, o aviso de Matteo sai quase
ríspido, Mike e eu reviramos os olhos.
“Espere… vou dar um beijo nas meninas.” Quase me esqueci
de me despedir das minhas filhas com tanta estranheza dos últimos
cinco minutos.
O que está acontecendo aqui?
Beatrice, inclusive, segue em uma posição estranha perto da
porta. Sinto que não sabe se foge ou entrar mais no apartamento.
Beijo Faith e Olivia, dando uma piscadela para Beatrice antes
de jogar um beijo para Mike, acompanhando Matteo porta a fora.
“Isso foi estranho”, digo, quando fechamos a porta.
“Não sabia que eles se conheciam. Beatrice é a vizinha da
outra cobertura”, Matteo fala, assim que entramos no elevador. “Mas
acho que as meninas não correm perigo, Beatrice é uma pessoa
muito boa. Até demais até onde sei.” Ele dá de ombros.
“Não sei se estou bem preocupada com elas. Estou
preocupada com Mike. Michael, ninguém chama ele assim. Além
disso, ele mudou completamente com a chegada dela”, constato,
quando ele me abraça assim que as portas fecham.
“Acho que podemos pensar nisso amanhã. Temos uma longa
noite e pretendo aproveitar muito ela. Você está incrível nesse
vestido, mas não quero que fique muito tempo com ele.” Não evito
uma risada abafada, que muda quando suas mãos fazem jus as
palavras e descem pelo meu corpo até a curva da minha bunda.
Não sei que hora ele apertou o botão, mas o elevador logo
para e as portas abrem. Abrem em um andar, mas ninguém espera
o elevador no corredor.
“Chegamos.” Matteo segura minha mão com um sorriso
travesso e dou uma risada nervosa.
“Achei que íamos sair”, falo, me deixando ser guiada.
“Falei que te levaria para jantar”, ele me corrige, pegando as
chaves do apartamento em seu bolso. “E é isso que vou, que estou
fazendo.” Assim que a porta se abre, um cheiro delicioso de comida
preenche minhas narinas. É algo agridoce.
“Ok, quando teve tempo de tudo isso? E a reforma não tinha
atrasado?” Mas tudo está impecável, mal parece o antigo
apartamento de Mike, a decoração mudou, algo mais parecido com
nosso apartamento em Boston, além de alguns itens terem sido
acrescentado, como cadeirinhas para as meninas comerem a mesa
e outras coisas para elas.
Não consigo prestar muita atenção, porque estou
desconfiada e nervosa, mas sei que posso somente me surpreender
com tudo isso.
“Tive ajuda e parece que eles conseguiram finalizar a tempo,
quem diria.” Mas a pequena ironia por trás do seu sorriso enorme
mostra que essa foi uma mentira contada para mim. “Vem.”
Ele me puxa e abraça minha cintura, nos guiando até a mesa
posta e se afastando para puxar minha cadeira. Matteo se senta ao
meu lado e me dá um beijo demorado, que me faz desejar mais.
“É a nossa primeira noite completamente sozinhos e pensei
que talvez pudesse ser bom utilizar esse conceito pra tudo. Sem um
restaurante, sem nada, só nós dois a noite inteira”, seu sussurro é
contra os meus lábios e roubo um beijo dele antes de responder:
“É perfeito, estou ansiosa para aproveitar todos nossos
momentos sozinhos. Obrigada por planejar essa noite.”
“Espero que me agradeça no fim do jantar, de várias formas
possíveis.” E me sinto aquecendo, apesar de curiosa com tudo o
que ainda vamos fazer com nossa noite.
 

 
O braço de Matteo está passado por trás da minha cadeira e
me inclino para ele enquanto rimos ao lembrar de um evento há
alguns anos, que rendeu muitas matérias para as revistas de
fofocas. Descanso a cabeça em seu ombro e ele desce sua mão
pela lateral do meu corpo. Suspiro, aproveitando do seu cheiro e do
seu conforto.
Descobri que amo estar em seus braços, porque me sinto
bem ali. Confortável, segura, feliz.
“Estou preocupada com as meninas”, digo, e sei que ele
também está pensando assim. “Sei que Mike sabe cuidar delas e é
de noite, devem estar dormindo o milésimo sono da noite já, mas
ainda assim.”
“É a primeira vez que saímos sem elas. Teoricamente não
saímos e é só subir um andar que estamos de novo perto das duas,
mas entendo. Estou com saudade também”, ele diz, afagando meus
cabelos. “Acho que nos últimos dez meses, não passei mais de uma
hora longe delas, pouco mais que isso.”
Solto um riso anasalado, porque com Matteo estando em
casa, ele fica muito mais tempo com as meninas e provavelmente
deve estranhar ficar muito tempo longe. Me acostumei a passar três
ou quatro horas longe, quando estou no escritório. Amo nossa
rotina, amo o fato de ter voltado a trabalhar e me sinto muito
completa com tudo isso.
Acordo cedo para o trabalho, Matteo fica na cama até mais
tarde. Acabo deixando as meninas amamentadas e fico com elas
enquanto me arrumo e tomo café. As duas são agitadas de manhã.
Quando saio, ele acorda para ficar com elas. Contratamos uma
ajudante para auxiliar em algumas coisas três vezes por semanas, e
tem nos feito manter tudo no controle. Matteo cozinha na maioria
dos dias, já que de qualquer forma precisa preparar as comidas das
meninas, mas é bom ter essa folga quando ela vem.
Volto no almoço. Fico do meio-dia às duas, entrando mais
tarde e saindo mais tarde, mas compensa para ter um tempo com
elas. Quando chego no fim do dia, estou morrendo de saudade e
passo a noite agarrada nas duas, que ficam igualmente felizes em
me ter. Matteo desenvolveu uma rotina com elas, de passeios, aula
de natação, de ter seu tempo para estudar e ele parece bastante
satisfeito com o progresso que tem tido. Tiro folga para trabalhar em
casa quando ele precisa ir para as aulas, mas não são muito
demoradas.
“Não vamos voltar antes da hora”, ele fala, porque no fundo,
mesmo com saudade, ambos não queremos acabar tão cedo nosso
momento juntos.
“Não. Ainda temos muito pra fazer.” Viro minha cabeça para
cima e Matteo entende meu pedido silencioso por um beijo.
Suas mãos seguram meu rosto com carinho e apoio as
minhas em seu peito, enquanto ele aprofunda sua língua na minha.
Sinto o gosto do vinho em seus lábios, porque estamos bebendo
uma garrafa de uma safra especial para a noite, e gemo contra sua
boca quando seu toque passa a ser mais urgente. Não nego que
sinto falta disso, poder beijar ele por horas a fio. Estamos tendo
nossos momentos, mas não é como se não fosse as vezes pensado
por um timing regulado no sono das meninas.
Gosto da perspectiva de poder ficar mais tempo. Não tivemos
um relacionamento comum, desde o começo sempre tivemos as
meninas. Ficamos uma só vez sem ter todas essas questões,
gravidez e depois filhas. Pulamos algumas etapas e não é como se
me arrependesse, mas gosto poder aproveitar essa noite só eu e
ele, como se fosse o começo.
“Vou pegar a sobremesa”, ele fala, contra os meus lábios e
protesto um pouco antes de deixá-lo se afastar, rindo da minha
forma manhosa. “Pedi o seu favorito, em tamanho especial.” Franzo
a testa, porque o meu favorito não é só um.
Mas espero na mesa, retomando minha postura e parecendo
uma criança ansiosa. Porque amo doces e qualquer um dos meus
favoritos em tamanho especial me empolga. Matteo volta com um
sorriso travesso no rosto, com um prato em mãos coberto por uma
cloche. Dou risada de todo o suspense. Ele para ao meu lado e
deixa o prato na mesa, me olhando de uma forma estranha.
“Abre.” Mesmo que todas as minhas desconfianças estejam
me tomando, sei que deve ser no máximo uma pegadinha, por isso
faço o que ele diz.
Uma risada me escapa baixa quando vejo o que tem debaixo
da tampa. Um petit gateau enorme, pelo menos duas vezes maior
que o normal, e duas bolas de sorvete de chiclete. Se tem algo que
comi em excesso durante a gravidez, mesmo no inverno, foi sorvete
de chiclete. Sempre amei petit gateau, mas o sorvete foi introduzido
em meio a desejos e fome de grávida.
“Ok, isso foi criativo”, digo, mas me surpreendo de verdade
quando volto a olhar para ele.
Prendo a respiração, ou o ar simplesmente acaba em volta
de mim. Matteo está ajoelhado do meu lado, um dos joelhos no
chão e o outro dobrado, enquanto ele segura uma caixinha
aveludada aberta apoiada em sua coxa. Seus olhos verdes têm
divertimento, o mesmo que carrega em seu sorriso e sei que isso é
por causa da minha expressão surpresa. Minha boca fica em um O
perfeito. Não sei nem mesmo o que fazer.
Me viro na mesa em sua direção e balanço a cabeça em
afirmação, o que faz com que ele solte um risinho.
“Você se transformou na minha pessoa favorita no mundo, e
me trouxe as outras duas pessoas mais importantes na minha vida.
Você transformou a minha vida quando pensei que não seria mais
capaz disso. Sou muito sortudo de ter encontrado tudo isso, minha
pessoa favorita, uma companheira perfeita, uma pessoa que tem
paciência comigo, a mãe das minhas filhas, encontrei tudo isso na
minha melhor amiga. Uma melhor amiga engraçada, inteligente,
uma profissional invejável, que é linda, e tem tantas qualidades que
ficaria o resto da vida citando. Uma melhor amiga que me faz
diariamente amar cada vez mais ela. E eu quero passar o resto da
minha vida citando todas as qualidades dela.”
Matteo respira fundo, porque seus olhos brilham em lágrimas.
Não sou tão contida e deixei as minhas caírem pelas bochechas.
“Quero poder dizer todos os dias que te amo, te amo mais
hoje e menos que amanhã, quero todos os dias poder olhar para
nossa família e ver que eu sou a porra do cara mais sortudo do
mundo por ter vocês. Quero acordar com seu sorriso manhoso e ir
dormir ouvindo sua respiração profunda, com seu cheiro ao meu
redor. Quero você, todos os dias e a cada dia mais.” Ele ergue um
pouco a caixa azul aveludada. “Casa comigo? Mas casa amanhã,
casa hoje, casa o mais rápido possível, porque não quero esperar
para poder te chamar de minha esposa, não quero esperar para te
fazer oficialmente minha e ser oficialmente seu.”
Acho engraçado, porque não precisamos de fato de
assinaturas em um papel para que esse sentimento flutue entre nós.
Amo ele muito, sou dele e ele é meu. Simples assim, porque está
sendo assim há um bom tempo. Matteo trouxe inúmeras coisas
boas para mim, me sinto constantemente amada, constantemente
parte de algo, constantemente feliz com nossa família, como se
tivesse a oportunidade de viver pela primeira vez algo que nunca
tive, o sentimento de ter uma família de verdade. Não só Mike e eu
segurando as pontas.
Nem tudo é perfeito, temos desentendimentos, às vezes as
coisas ficam difíceis e tem dias que nada faz as meninas se
acalmarem, tem dias que estamos cansados demais para qualquer
coisa. Ainda assim, amo tudo isso, amo nossa vida.
Aceno com a cabeça, várias vezes e bem firme, antes que eu
limpe a garganta para achar a voz e dizer algo.
“Sim, sim! Hoje, amanhã, o mais rápido possível e quantas
vezes for possível. Quero muito me casar com você”, minha voz é
embargada e Matteo se levanta só o suficiente para se encaixar nos
meus braços e eu nos dele.
Suas mãos me apertam contra si enquanto ele nos puxa até
ficarmos de pé, me levantando no ar enquanto me abraça. Passo
meus braços pelo seu pescoço e beijo seus lábios, meio sem jeito,
antes que ele nos gire e acabamos rindo. Meus pés tocam o chão,
mas não conseguimos tirar as mãos um do outro.
“Daphne Laurent-Davis Drake”, digo, experimentando meu
novo nome dos lábios, porque quero ter mais essa parte dele em
mim. “Muitos d’s em um nome só, mas acho que posso me
acostumar com isso.”
“Soa perfeito para mim”, ele sussurra, me roubando um beijo
longo.
“Meu anel!” Lembro e seu riso contra os meus lábios faz
cócegas em minha pele.
“Ok.” Matteo se afasta só o necessário para trazer a caixa
que segura para nosso meio e pegar o anel. É rodeado de
pequenas pedrinhas quadradas presas no ouro branco e com uma
pedra maior, não exagerada, em forma de gota. Se encaixa
perfeitamente no meu dedo e fico admirando por algum tempo.
“Acho que preciso comprar um para você também, quero um
anel de noivado no seu dedo”, digo, depois de um tempo, deixando
minha mão repousada em seu peito e cogitando se estou usando
muitos diamantes agora.
Provavelmente.
“Logo colocará um anel de casamento, não se preocupe.”
Seus braços voltar a rodear a minha cintura. “Falei sério sobre casar
o mais rápido possível.”
“Eu também! Amanhã, depois, quando quiser.”
“Amanhã! Vou ligar amanhã cedo e marcar para o fim da
tarde.” Óbvio que Matteo Drake conseguirá alguém para celebrar a
união civil em dois segundos. “Podemos pensar em uma festa, com
convidados, um longo vestido branco, as meninas trazendo as
alianças e todo o resto mais para frente. Podemos nos casar
quantas vezes quiser.”
“Muitas vezes, sendo assim. Mas a primeira vai ser amanhã.”
Ele me dá um aceno, com um sorriso lindo nos lábios. Minhas
bochechas doem, porque estou muito feliz e me casaria com ele
agora mesmo, uma oficialização de tudo o que já sentimos e
vivemos.
“Minha futura esposa”, ele sussurra em meu ouvido, antes de
beijar meu pescoço.
“Meu futuro marido”, digo, de volta para ele.
Matteo segura meu rosto, deixando a caixa do anel na mesa
e me beija de uma forma que tira me fôlego. Agarro-me nele, porque
não existe nada melhor do que fazer isso. E quando suas mãos
pressionam meu corpo contra o seu, sei que a sobremesa vai ser
esquecida com muito gosto. Porque quero ele, mais que ontem e
menos que amanhã. Quero ele por inteiro, quero ele sempre.
Suas mãos tateiam o zíper do meu vestido e me deixam
seminua ainda na sala. Empurro seu paletó para longe e mesmo
sendo difícil, não conseguimos para de nos beijar, beijos distribuídos
entre boca, bochecha, pescoço. Não me importo com sua camisa,
assim como ele não pensou muito a respeito da minha quando
ficamos pela primeira vez. Ele tem inúmeras dessa e forço os
botões, ouvindo alguns caindo no chão onde logo a peça está.
Ele ri contra minha boca antes que me pegar no colo. Enlaço
minhas pernas em sua cintura e seus dedos apertam minha bunda
sem muito dó. Um gemido me escapa enquanto sou levada para o
nosso quarto. Sua ereção já pode ser sentida em minha bunda, e
assim que ele me coloca na cama, trabalho para livrar ele da calça.
Nossos sapatos voam para longe enquanto recebo beijos por todo
meu corpo.
Gemo e arfo com seus toques, que tiram com lentidão as
últimas peças de roupa que temos. Seus dedos espalham minha
umidade e ele grunhe quando me toca, me provocando, se
deliciando com meu prazer, até finalmente entrar em mim. Seu
comprimento me preenche e me abraço nele, braços e pernas ao
seu redor. Matteo me segura contra si enquanto dita um ritmo
calmo, mas estou urgente por ele, essa noite não quero nossa
calmaria.
Quero mais.
Não quero nem mesmo preliminares deliciosas.
Me entrego, e ele entende sem muitas palavras. Suas
estocadas passam a ser firmes, duras e nossos sons mais altos.
Matteo vai e vem dentro de mim quase como da mesma forma que
a primeira vez, e não nos importamos com nada além desse
momento. Ele me beija forte, e arranho suas costas me prendendo a
ele. Nosso beijo engole um gemido profundo que Matteo dá, antes
que eu mesma solte um e me derreta contra ele, sentindo ele fazer
o mesmo enquanto se desmancha dentro de mim.
Nosso abraço prossegue, mais suave e cansado que antes.
Seus lábios ainda fazem trilhas pela minha pele, até que ele saia de
mim.
Apoio minha mão mais uma vez no peito firme dele, próxima
a uma tatuagem com um relógio circulado por rosas espinhosas.
“Minha primeira transa noiva, gosto disso”, brinco, e ele
acaba se rendendo a uma risada.
“Sinto em dizer que não vai ter muitas, mas prometo
recompensar bastante na nossa vida de casado.”
“Estou muito ansiosa por isso.” Seus olhos brilham para mim
e ele me beija mais uma vez.
 
 
 
 
Metade de setembro do mesmo ano.
 
QUANDO SUAS FILHAS SÃO AS CONVIDADAS DE HONRA de
um casamento, é essencial que elas sejam as primeiras a se
arrumarem. Mas Matteo e eu vimos pouca vantagem nisso. Por isso
preferimos deixar as meninas em suas roupas comuns enquanto a
gente se arrumava. Elas ficaram majoritariamente comigo, no
grande salão preparado para a noiva e suas acompanhantes.
Chelsea organizou tudo com perfeição e apesar de ter corrido
de um lado para o outro no meio da tarde, poucas coisas não
pareceram estar perfeitas na organização do evento. Rebecca
deixou tudo nas mãos dela sem nem mesmo pensar duas vezes.
Ela preparou salões para o noivo e para a noiva. Matteo está com
sua roupa de padrinho e eu com meu vestido de madrinha. É um
modelo bonito e me sinto bonita nele. Becks quem quis escolher
tudo a dedo.
“Eu achava que a parte do noivo sempre fosse tranquila, mas
Zach está surtando. A tarde foi uma loucura”, Matt comenta rindo,
me entregando Faith trocada e pegando Olivia para checar a fralda.
Ele as deixou de banho tomado quando ele mesmo tomou
banho. Estou desde hoje cedo fazendo cabelo e maquiagem, em
uma grande alternância entre brincadeiras que Chelsea preparou e
muita bebida. A sala das mulheres está pouco tensa. Rebecca não
tira um sorriso dos lábios e está muito animada em seu roupão de
noiva.
“Logo teremos o nosso”, ele fala, me olhando de canto.
“Não estava pensando nisso.” Mas estou ansiosa.
Decidimos que nosso casamento seria na primavera. Abril do
próximo ano, em comemoração ao nosso um ano de casados.
Faremos uma festa simples, mas eu estarei vestida com um longo
vestido branco, véu, teremos buquê, uma festa animada, com tudo o
que temos direito. Não me arrependo em momento algum de termos
nos casado dezoito horas depois que noivamos. Sou uma esposa
muito feliz e contente com meu marido.
“Rebecca está tranquila até. A mãe e a madrinha do Zach
conseguem fazer qualquer ambiente ser leve e engraçado.” E acabo
rindo lembrando das piadas delas.
“Você está deslumbrante.” Um beijo é depositado em meu
ombro enquanto ele segura Olivia e a leva para a cama do quarto,
para vesti-la.
“Você também está me tentando bastante.” Pisco para ele,
que ri antes de começar a passar o vestido pelos braços da mais
velha. Seguro Faith de pé na minha frente e ela rir também. “Papai
tá lindão, né filha?”
“Papai”, ela repete.
“Vou considerar isso como um sim”, Matteo fala, pegando
Olivia no colo, já vestida, e caminhando até mim. “Acho que, como
estou te tentando, podemos começar a pensar em aumentar a
família hoje à noite”, seu sussurro faz minha pele se arrepiar, assim
como seu beijo no meu pescoço exposto pelo penteado alto.
“Podemos planejar e ensaiar, mas pretendo me casar sem
nenhuma barriga enorme”, retruco, escondendo qualquer
nervosismo, e como eu e ele rimos, as meninas acabam rindo
também. “Não acha, Liv? Mamãe tem todo o trabalho de escolher
um vestido lindo e precisa de ajustes para acomodar um barrigão?
Não, não mesmo.”
“Não” Olivia repete, como se soubesse que precisa me ajudar
a parecer crível nessa.
“Tudo bem, tudo bem.” Ele se dá por vencido. “Se todas as
mulheres da minha vida pensam assim, terei que concordar e
acatar.”
Trabalhamos juntos com sorrisos largos no rosto, colocando
os sapatinhos e arrumando o cabelo das meninas antes de passar a
colônia de bebê deliciosa. Deixamos as duas no chão e apreciamos
enquanto elas caminham até a pequena área montada no quarto
com brinquedos. Elas são uma mistura perfeita de nós dois. Olivia
com seus cabelos escuros, os olhos tão azuis quanto os meus, Faith
tem os fios mais claros, num loiro escuro, com os olhos em um azul
esverdeado.
Elas são tão unidas que é de causar inveja até em mim.
Querem constantemente estarem uma ao lado da outra, andam de
mãos dadas e se abraçam o tempo todo, como agora. Matteo e eu
estamos sempre admirando essa união entre elas. Mas pensamos
em novos filhos, talvez mais dois, ou mais um só. As gêmeas
fizeram tudo parecer fácil, ou pelo menos para nós foi fácil. Faz
algum tempo que não fazemos muito para controlar que isso não
aconteça.
“Podemos adiar o casamento”, digo, com um dar de ombros,
enquanto os braços de Matteo me cercam. Ele ri contra o meu
pescoço, beijando o lugar.
“Podemos nos casar de novo no outro ano, um casamento
com e outro sem barriga. Devem ter inúmeros modelos que pode
usar.” O ponto dele é bom, porque não me importo de ter inúmeros
vestidos de noiva.
“Quero um menino”, falo, depois de um tempo. Nunca
falamos sobre isso, mas sempre pensei que, depois das gêmeas,
gostaria de ter um menino. “Quer dizer, se forem mais meninas,
ficarei feliz, mas quero ter um menino.”
“Então teremos um menino.” Ele me gira em seus braços e
abraço seu pescoço quando fico de frente para Matteo. “Tudo o que
quiser.”
“Você me mima muito.”
“Não é como se eu não adorasse a forma como tentamos
fazer filhos.” Seu nariz passa pelo meu pescoço. “Eu te amo, faz
fácil demais querer cumprir todos os seus desejos.”
“Parece que serei uma velinha mimada, sendo assim.”
Porque quero passar todos os anos da minha vida ao lado dele. “Eu
também te amo.”
Matteo deixa um beijo rápido nos meus lábios e abre a boca
para falar algo, mas Olivia o chama e voltamos nossa atenção as
meninas. Não posso deixar de desejar, ao ver ele pegando as duas
no colo, que nossa família sempre seja assim, e só cresça. Porque é
assim que uma família tem que ser, porque é assim uma família que
sempre desejei. Temos uns aos outros, me sinto segura e amada
com ele. E amo os quatro com todo o meu coração.
Porque eu vou me casar grávida. Ele só não sabe ainda, não
até hoje à noite. Não até o momento em que Rebecca me ajudar na
nossa surpresa para o mais novo papai de três.
 
 
 
 
 
Finalmente chegamos até aqui! A princípio, preciso perguntar,
cumpri com as expectativas? Espero que sim e irei começar os
agradecimentos justamente por você, leitor que me incentivou a
chegar até aqui e estava tão ansioso por essa leitura, que esperava
o livro do Matteo há quase dez meses. Acho que minha relação com
o Matteo chega ficou conturbada com essas expectativas altas, mas
me senti muito feliz e grata por esses momentos de espera e toda a
ansiedade de vocês por esse livro.
Muito obrigada por ter esperado e por ter chegado até aqui,
por ler esse livro e agora compartilhar essa história comigo (não
esquece de avaliar, isso é muito importante pra mim). Obrigada
mesmo. Como uma boa contadora de histórias que sou, preciso
dizer que esse livro foi o mais difícil de ser escrito até o momento e
quem me acompanhou de perto sabe que eu tive muita vontade de
abandonar tudo e jogar tudo fora em vários momentos.
Falando sobre isso, a pessoa que me acompanhou nesse
processo, me viu e ouviu chorar em áudios sobre trechos, me ouviu
reclamar dia após dia quando o bloqueio criativo veio e que estava
constantemente me apoiando a não desistir desse livro, foi a tão
conhecida Gabi. Minha primeira leitora e também a pessoa que mais
me ajuda a acreditar em todos os projetos. Amiga, muito obrigada
por todos os surtos, por ouvir os áudios enormes, por colocar fé em
mim e por sempre acreditar que eu vou conseguir chegar no fim,
sim.
Um agradecimento especial aos meus pais, minha irmã,
minha avó. Tenho sorte por ter tanto apoio da minha família e me
sinto muito feliz por ter isso comigo. A confiança e o apoio de vocês
são minha base para seguir.
Eu sempre, sempre mesmo, esqueço vários nomes então
não vou colocar todos, se você foi esquecido, não me julgue pois a
memória é ruim. Mas muito obrigada a Gabi @entrelidos, a Gi, a
Belle @pontoseinterrogacoes, a Camis @leiturasdacamis_, a Duda,
Samantha, Rafa, Ju, Tan, Lais, Amanda, Carol, Bruna, Leticia, Agda,
todas as Matteozetes que estavam surtando e esperando esse livro.
Todas as minhas leitoras que constantemente conversam comigo no
Instagram, insiram seus nomes aqui porque vocês são a parte mais
especial de todo o processo.
Preciso agradecer também algumas pessoas muito queridas
que sempre fazem parte do processo e nem sempre estão nos
agradecimentos. Bianca @biancabonotorevisora, a minha revisora
que deixou esse livro mais especial possível; Gabs @olhosdtinta,
que ilustrou Daphne e Matteo mais de uma vez e é uma artista
incrível; @lchagasdesign que sempre faz meus livros ficarem lindos
com essa diagramação e capa. Obrigada!!!!
Bonded foi um desafio enorme, um desafio penoso e um dos
livros que mais exigiu de mim coisas além da escrita, mas vocês
fizeram valer cada segundo. Muito obrigada!
 
 
 
Com amor, Gabi
 

[1] Pequeno arranjo floral, normalmente usado no pulso esquerdo.


[2] Muito similar a uma feijoada brasileira, é um prato pesado, feito com feijão

branco e várias carnes


[3] Coxa de pato preparada na própria gordura e acompanhada por batatas

sauteé
[4] Termo usado para séries de comédia com situações cotidianas.
[5] Espetinho de salsicha com massa feita de fubá de milho.
[6] Travesseiro para o corpo inteiro.
[7] Torta de abóbora.

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