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Copyright © 2023 by AllBook Editora.

Direção Editorial: Beatriz Soares


Tradução: Clara Taveira
Preparação e Revisão: Raphael Pellegrini E Allbook Editora
Capa: Rebecca Barbosa
Diagramação e produção digital: Cristiane [Saavedra Edições]

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro,
sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais
forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.
Os direitos morais do autor foram declarados.

Esta obra literária é ficção. Qualquer nome, lugares, personagens e incidentes são produto da
imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, eventos ou
estabelecimentos é mera coincidência.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa


(Decreto Legislativo nº 54, de 1995)
CIP - BRASIL. Catalogação na Publicação
Sindicato Nacional dos Editores da Livros, RJ
Gabriela Faray Ferreira Lopes - Bibliotecária - CRB-7/6643

B886a
Bromberg, K.
Um amor de mentira [recurso eletrônico] K. Bromberg ; tradução Clara
Taveira. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Allbook, 2023
Recurso digital

Tradução de: Faking it


Modo de acesso: word wide web
ISBN: 978-65-80455-71-3 (recurso eletrônico)

1. Romance americano. 2. Livros eletrônicos. I. Taveira, Clara. II. Título.

23-84374
CDD: 813
CDU: 82-3(73)

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SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
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Epílogo
AllBook Editora
Harlow
Cá está ele.
Você conhece o tipo. Ele é um desses babacas que invadem elevadores
lotados e obrigam a massa de pessoas presentes a se deslocar, de modo que
você termina esmagada nos fundos. Desses que falam muito alto durante uma
ligação, para que todos tenham ciência da sua presença, quando é meio
impossível não ter, já que ele acabou de se tornar a vigésima quinta pessoa em
um elevador cuja capacidade é de vinte e quatro.
— Que bom para você, então — sua voz explode no espaço lotado, e
todos nós desviamos quando ele gesticula com o braço. — Mas, meu chapa, é
que ela não era adequada. Claro que a gente… você sabe, mas, em algum
momento, o cérebro precisa fazer parte dessa receita. — Solta uma risada de
barítono. — Você não faz ideia… Mas, hm, é… É tudo ridículo. Ninguém
acredita que alguém que marque encontro em um lugar como esse queira
algo além de sexo… Aquilo que importa deixa de importar assim que você faz
o que quer, independentemente de como você faz.
Eu reviro os olhos enquanto as pessoas ao meu redor se remexem,
desconfortáveis. Olho para sua nuca. Para o vislumbre de cílios escuros e a
sombra de barba quando ele vira a cabeça por uma fração de segundo.
Seu sotaque australiano me faz querer ouvi-lo falar o dia todo, enquanto
o conteúdo de suas palavras me faz querer criar pálpebras nos ouvidos.
Estou farta de escrotos. Bem, não de escrotos de verdade – o item extra
que os acompanha definitivamente tem serventia –, mas de escrotos tipo
babacas. Os caras que se acham bons demais para ser verdade. Que acham
que você deve a eles uma saidinha porque eles seguraram a porta para você
entrar… Bem, esquece, isso não existe mais. O cavalheirismo morreu.
Esse cara domina o espaço todo. Não se importa que haja mais alguém no
elevador, e se ele se importou com isso em algum momento, agora só quer
que todos nós saibamos como é incrível, mesmo que provavelmente ainda
more com a mãe.
Parece que muitos homens fazem isso hoje em dia.
Ah, ei, meu nome é Harlow Nicks… Uma modelo que apenas está
tentando conquistar seu lugar neste mundo grande e malvado.
É aqui que minha história começa… Vou deixar você ler o restante por
conta.
Harlow
— Merda.
Dou uma olhada nos meus papéis e vejo que a tinta da caneta que usei
para anotar o local da entrevista está borrada. Eu estreito os olhos e tento
discernir o número do escritório: ou é um 313 ou um 318.
Treze. Eu vou no treze.
Ou é dezoito?
Respirando fundo, levo a mão à maçaneta do escritório 313 ao mesmo
tempo em que a porta se abre.
— Que bom. Você chegou.
Eu olho para frente, assustada, e vejo o Australiano Arrogante do elevador
com um olhar de impaciência no rosto e a irritação gravada na voz. Ele me
parece familiar, mas eu não consigo reconhecê-lo, então atribuí a sensação ao
encontro de momentos antes.
— Sim. Oi. Estou aqui para…
— Você está atrasada. Manchado precisava ter saído meia hora atrás.
Agilidade é o que espero quando pago seu salário.
— Espere. Não. Eu não…
E antes que eu perceba, uma guia é posta em minhas mãos, e eu me
distraio com um buldogue muito animado. Ele solta um ronco e se lança pelo
corredor afora, antes que eu consiga segurar a guia com firmeza.
Desprovida de qualquer explicação — sobre a porta ser fechada na minha
cara, sobre o cachorro agora saltitando pelo corredor —, levo um segundo
para recuperar o juízo. Meu instinto me faz perseguir o cachorro. Não posso
deixá-lo fugir sem fazer nada.
— Manchado! — eu digo em um sussurro severo enquanto tento
persegui-lo usando um salto alto que não combina com altas velocidades.
Manchado? Que raio de nome é esse?
De qualquer forma, eu vou atrás dele. Não porque eu queira, mas porque
é a coisa certa a fazer, independentemente de o dono dele ter me confundido
com uma passeadora de cães ou não.
Levo uma eternidade para encurralar esse safadinho fofo. Ele vem cheio
dos roncos e balançadas de rabo e tem o rosto mais adoravelmente feio que já
vi.
É o que penso até ele tomar impulso para escapar de mim.
Faço todo o esforço do mundo para não cair de cara quando meu
calcanhar fica preso em um tapete. Eu ouço o estalo. Qualquer mulher que
usa salto alto sabe como é esse barulho e se encolhe antes mesmo de olhar
para baixo.
Quebrou.
Meu salto quebrou.
E eu tenho uma entrevista.
Eu levanto o sapato e tento colocar o salto de volta no lugar — a
aderência da cola do salto e alguns grampos o seguram por um fio —, mas sei
antes de tentar pisar no chão que ele vai desmontar inteiro.
Claro que isso aconteceria comigo.
Eu nem deveria estar surpresa.
Decidindo que dá para ficar na ponta dos pés e fingir que o salto está
intacto quando chegar a hora da minha entrevista, eu o tiro do pé. De dentes
cerrados e coleira na mão, me encolho quando vejo as horas no meu relógio,
mas é impossível fazer a droga do cachorro se mexer. Mais alguns minutos se
passam antes que eu finalmente consiga mover o Senhor Manchado-
Estacionado-Parado. Depois de muito tentar, manco de volta para o
escritório.
Vejo que a parte da frente do escritório está vazia quando abro a porta. A
decoração é repleta de linhas elegantes e madeira escura. Há um escritório à
minha direita, que é óbvio que alguém geralmente o ocupa, mas está vago no
momento, e há uma cama de cachorro no canto entre algumas cadeiras de
sala de estar à minha esquerda. Obviamente se sentindo em casa, Manchado
vai até a cama do cachorro e se ajeita sozinho.
— Olá? — Começo a dizer ao mesmo tempo em que um riso soa atrás da
porta parcialmente fechada na minha frente.
— Foi bom. Ela era excelente. Porra, eu poderia até topar uma segunda
rodada — Australiano Arrogante diz com uma risada que combina com o
apelido que eu dei.
— Nunca tope uma segunda rodada. Elas ficam acomodadas e depois
complicam tudo — diz uma voz masculina profunda e sem sotaque, quase
soando como se estivesse em um viva-voz.
— Você é um escroto.
— Você me ensinou bem.
— Escuta — o Australiano Arrogante diz. — Não importa como a gente
faça, meu chapa, eu preciso agir como se eu tivesse passado por todas as
etapas.
— Você quer dizer que tem que fingir que encontrou o amor nessa
merda? — a outra voz pergunta, dando uma risada em seguida.
— Jack. Eu te amo, você é meu melhor amigo, mas você vai foder tudo
para mim se nem fingir ser capaz de manter a rola nas calças.
— Olha quem fala — diz Jack enquanto troco o apoio de um pé para o
outro, subitamente desconfortável em ouvir essa conversa. — Quero dizer,
você está servindo mulheres gostosas em uma bandeja e está esperando que eu
não pegue uma provinha?
— Elas estão em um servidor, um banco de dados, não em uma bandeja.
E é um site de encontros, não um serviço de acompanhantes. Vamos garantir
que não vamos nos referir a ele dessa forma quando ligarmos para o Robert.
— Você é um estraga-prazeres, Zane. — Australiano Arrogante agora tem
um nome. — Vai me dizer que você não desfruta das vantagens?
— Mas as vantagens são mais apreciadas quando se come quieto, ora.
Além do mais… Amor? Pelo amor de Deus. É de mim que estamos falando.
— Uau, que campeão, exatamente como eu achei que seria quando eu o vi no
elevador. — Olha, Jack, eu preciso do investimento do Robert. O dinheiro
não é tanto o problema. Capital eu tenho. Mas são as conexões dele que
preciso para ajudar a lançar o site do jeito certo. Com seu passado e
experiência em lançar outros grandes sites de encontros, ele é o homem que
eu preciso para me ajudar. Além disso, ele me disse que está apaixonado pela
plataforma e tem grandes planos de como fazer com que seja notada desde o
início. Fracassar não é uma opção.
— Então não fode com tudo. — A risada de Jack é sarcástica, e o suspiro
que ouço do Zane diz que não é bem-vinda.
— Essa é a ideia. — Uma cadeira range. Um armário é fechado. Eu me
sinto como uma voyeur. Devo ir embora sem avisar que o cachorro dele está
aqui? Devo esperar?
— Olha, com sinceridade, Robert é totalmente apaixonado pela ideia do
amor. Ele perdeu a esposa de 60 anos para um câncer no ano passado. Eles
tinham toda aquela merda de conto de fadas. Namorados desde o ensino
médio. Casamento perfeito.
— Então ele não nos entende? — Jack pergunta enquanto ambos riem.
— Não… o amor é uma bosta.
— Diz o homem que ama a si mesmo. — Bem na cara dele.
— Cuzão.
— Babaca — ele diz como se fosse uma conversa habitual entre os dois.
— Faz um favor, Jack — diz Zane, seu tom se tornando sério.
— Qualquer coisa.
— Eu preciso que isso dê certo. Mais do que você imagina. Você ajudou
com o começo. Desde então, tenho estado ocupado fazendo todos os esforços
possíveis para provar ao Robert que esta é a companhia certa para ele usar sua
influência. Eu até prometi para ele que vou reduzir para cinco os testes para
porta-voz, para que ele possa ajudar com a decisão final na festa na sexta-feira.
— Mas que trabalho difícil. Você pode vetar as mulheres em todos os
aspectos do desempenho delas? — Jack pergunta.
A risada de Zane reverbera nas paredes e me faz revirar os olhos. Tenho
que admirar a coragem masculina.
— Sem vetos. E nada de tocar em ninguém. Mantenha o zíper fechado e
não estrague nada. Robert já deu a entender que não acha que estou
comprometido o suficiente para comandar a empresa corretamente. Eu tenho
que provar a ele que estou.
— Sim, sim. Eu te entendo.
Já ouvi o suficiente. E, pior ainda, eu fiquei tão distraída ouvindo essa
discussão desses dois cuzões, que perdi a noção do tempo.
E então me dou conta. Há quanto tempo estou aqui? Quanto tempo eu
perdi ouvindo egos sendo inflados? Quando olho meu relógio, eu surto.
Minha entrevista.
Lá se vão todos os meus pensamentos de soltar os cachorros em Zane, por
ter assumido que qualquer mulher que passe na sua frente está disponível
para uma investida… E tudo que consigo pensar é na minha conta bancária
vazia e na entrevista de emprego esperando por mim no número 318. Merda
dupla!
Eu largo a guia na mesa, fazendo um ruído surdo, e saio correndo do
escritório, tentando endireitar minhas roupas da melhor maneira possível e
removendo qualquer baba ou pelo de cachorro.
Sem fôlego, enfio meu salto no pé, invado, totalmente desequilibrada, o
escritório do número 318, e corro até a mesa da recepcionista.
— Oi, meu nome é Harlow Nicks. Estou aqui para uma entrevista às
onze para o cargo de assistente pessoal. Marquei com… — Eu procuro em
minha bolsa o e-mail que imprimi com o nome da pessoa que ia me
entrevistar. Plenamente consciente de que pareço uma desmiolada que eu não
contrataria se estivesse no lugar do entrevistador, deixo as mãos caírem ao
lado do corpo e dou meu sorriso mais sincero. — Peço desculpas. Parece que
deixei cair quando estava no elevador. Meu compromisso era às onze com…
— São onze e cinco agora. — Ela levanta as sobrancelhas de uma forma
que me diz que estou sendo descartada. — Temos uma política rigorosa de
que se você não pode chegar para uma entrevista a tempo, você com certeza
não merece o cargo. Pontualidade é importante.
Eu olho para ela com lágrimas frustradas ameaçando cair e digo a mim
mesma para pegar leve.
— Eu compreendo — digo o mais calmamente possível e paro de mudar
meu peso de um salto para o outro, que está quebrado. — Eu estava
ajudando uma pessoa no corredor a encontrar seu cachorro. Demorou um
pouco. Meu atraso não tem nada a ver comigo não chegar na hora marcada.
— Odeio que pareça que estou implorando, mas é o que estou fazendo.
— Sem exceções.
— Mas eu realmente preciso deste trabalho — eu jogo meu orgulho fora
e imploro.
— Então você deveria ter pensado sobre isso antes de se atrasar.
Lágrimas enchem meus olhos enquanto olho para a mulher de coração
frio, que indiferentemente volta a digitar em seu computador como se eu não
estivesse gritando mentalmente para ela sobre minhas contas se acumulando e
minha sorte, que tem sido uma merda ultimamente.
Eu fico parada por mais alguns segundos, como se ela fosse mudar de
ideia. Quando percebo que ela não vai, saio pela porta. Derrotada, porque é
assim que minha vida tem sido ultimamente, e puta da vida, porque eu estava
apenas tentando fazer uma boa ação e dar uma ajuda com o cachorro alheio,
eu tiro os sapatos. De pé no corredor deste andar, aperto os olhos com os
dedos para combater as lágrimas de frustração.
Imediatamente, minha mente vai para a pilha de contas em cima da
minha mesa. Vai para a minha conta bancária e seu saldo em declínio — eu
tinha recebido uma boa remuneração do meu último trabalho como modelo,
e eu pensei que ia durar até o próximo… Mas o próximo não veio. Minha
mente transita para meu agente, que prometeu que o ensaio de catálogo da
Victoria’s Secret abriria caminhos para mim, quando tudo o que fez até agora
foi me deixar plantada no meio de um monte de preocupações.
Eu realmente precisava deste trabalho.
Eu luto contra as lágrimas ardendo. Contra o sentimento frustrante de
impotência. Contra o fato de que eu talvez precise desistir deste meu sonho.
Harlow
— Aí está você!
Isso que eu chamo de ser arrancada do meu momento de autopiedade por
ninguém menos que o Australiano Arrogante, que foi o causador disso tudo.
— Você — eu resmungo com todo o ódio que sinto e aponto meus
sapatos para ele.
— Eu? — ele pergunta enquanto segue pelo corredor na minha direção, o
verde de seus olhos queimando de raiva. — Que tipo de passeadora de cães
você é? Manchado acabou de mijar em todo o escritório. Você ao menos o
levou para passear? Ou ficou muito ocupada postando Snapchats de si mesma
e se esqueceu da única coisa que tinha que fazer? Não importa. Você está
demitida.
— Despedida? — eu grito para ele, não me importando com os negócios
que estão sendo conduzidos nos pequenos e agradáveis escritórios ao nosso
redor. — Despedida? Qual é a sensação de ganhar o prêmio de Cuzão
Arrogante do ano?
— Arrogante? Por que eu sou arrogante quando foi você quem estragou
tudo?
— Eu não estraguei nada! Não sou sua passeadora de cães. Eu não sou
nada sua. A sua passeadora de cães de verdade provavelmente desistiu, como
eu desistiria se tivesse que trabalhar para um idiota como você. É normal para
você presumir que toda mulher está à sua disposição? — Eu dou um passo
em sua direção e quase rosno. — Extra, extra, Zane, ninguém gosta de caras
como você.
Sua risada mostra que ele discorda de mim.
— Sim, elas gostam. — Eu odeio que seu sorriso arrogante seja tão
encantador quanto o som da sua voz.
— Não, não gostam. Não é de se admirar que você seja um bosta no
amor.
— Quem disse que eu sou um bosta no amor? — ele pergunta, e eu
percebo que acabei de revelar que estava escutando sua conversa.
— Ah. — Eu jogo as mãos para cima, em um gesto fingido de horror. —
Imagina só se esse seu ego absurdo fosse um indício disso.
— Você está com ciúmes.
Eu dou uma risadinha sarcástica.
— Nem um pouco.
— Além disso, o amor é uma emoção estúpida fabricada para definir
relacionamentos.
— Só quando se namora um babaca como você.
Zane inclina a cabeça para o lado enquanto cruza os braços sobre o peito.
— Ah, é mesmo? — ele pergunta enquanto um sorriso torto de diversão
incrédula se alarga em seu rosto.
— Sim. — Eu balanço a cabeça para dar ênfase ao meu ponto, mais do
que irritada por ele estar encontrando algum tom de humor na minha raiva.
— Por favor, não pare. Eu adoraria ouvir seus argumentos.
Eu sei que deveria me afastar dele, já que agora estou uns bons sete
centímetros mais baixa sem meus sapatos. Deveria virar as costas e seguir pelo
corredor com os pés descalços e entrar no elevador, porque tenho certeza de
que ele realmente não se importa com o que eu penso. Nem um pouco.
Mas não consigo encontrar força de vontade para fazer isso.
Há algo sobre Zane — o olhar presunçoso em seu rosto, a maneira como
ele falava ao telefone, sua beleza, mesmo não gostando dele — que está me
fazendo ficar parada e terminar de dizer a ele o que penso.
— Meus argumentos? Que tal o fato de você se achar muito melhor do
que realmente é? — Eu bufo e boto as mãos nos quadris, fazendo com que
minha bolsa escorregue do ombro. Então agora, é claro, em vez de parecer
durona, pareço uma idiota que está tentando se manter firme, com a alça em
volta do antebraço e parte da bolsa aberta.
— Disse a mulher descalça que fica apontando os sapatos na minha cara.
— O salto quebrou por causa do seu cachorro. — Eu cerro os dentes. —
Ou melhor, porque você foi muito imprudente para parar o que estava
fazendo e me tratar como um ser humano.
— Seu salto quebrou por minha culpa? — ele diz dando uma risada. —
Perdi a parte em que sua escolha de sapatos e minha opinião sobre o amor se
conectam.
— Sim. — Eu bufo em desgosto. — Porque tudo se resume a você se
achar demais.
— Engraçado, foi o que minha ex me disse.
— Daí a razão pela qual ela é sua ex.
— Daí? — ele diz com um sorriso zombeteiro.
— Sim, daí. — Eu me aproximo mais um passo. — Aqui não é o
Outback. Você não está lutando contra crocodilos, Dundee. Então…
— Eu não estou?
— Não. Você não está. Então pare de agir como se você não tivesse
educação ou boas maneiras. As mulheres merecem ser tratadas com educação.
Elas merecem respeito. Elas merecem…
Sua risada me interrompe quando uma mulher passa por nós no corredor.
Seus olhos se encontram, e Zane abre um sorriso que sugere o que ele
adoraria fazer com ela. Sinto ódio quando ela quase bate de cara na parede
porque está demasiadamente preocupada em flertar com ele.
— Sério? Você está provando meu ponto! — eu digo.
— Sim. Seu ponto. Qual era mesmo o seu ponto, porque o meu estava
ocupado se concentrando em outra coisa? — Ele balança a cabeça enquanto
dá um último sorriso.
Cerro os dentes e o encaro.
— Que mulher nenhuma gosta de homem mulherengo.
— Discordo.
— Portanto…
— Você fica tão sexy quando usa conjunções…
Normalmente eu daria risada disso. Mas agora sinto que sou o alvo da sua
piada — eu e meu humor difícil de controlar —, então preciso de todas as
minhas forças para manter minha voz calma e uniforme.
— Para de ser escroto.
— Surpresa por eu saber o que é uma conjunção?
— Você precisa se orientar.
— Mas eu gosto de mim desse jeito. — Quando Zane dá um passo à
frente e coloca uma mecha de cabelo atrás da minha orelha, o gesto me pega
de surpresa. Meu próximo argumento some, e eu pisco para ele várias vezes,
tentando entender por que ele fez isso. Por que Zane faria um gesto tão
íntimo com alguém que o está repreendendo? — E você também gosta de
mim. — Sua voz sai como um estrondo profundo que transmite a mesma
coisa que o olhar que ele lançou para aquela mulher.
Dou um passo para trás e balanço a cabeça. Estou aturdida quando não
deveria estar.
— Não. Eu não gosto. Acho que nem o Manchado gosta de você. Ele é
fofo e tem modos, enquanto você é apenas… — Eu o olho de cima a baixo.
— O verdadeiro cão da casa.
Seu sorriso é rápido como um raio.
— Você terminou?
— Não — digo, tentando pensar em uma resposta, mas falhando
miseravelmente.
— Então, por favor, continue.
— Zane?
Eu me assusto e vejo a dona da voz enfiando a cabeça para fora da porta
de seu escritório. Seu cabelo está penteado para trás, óculos emolduram seus
olhos.
— Oi? — ele pergunta, mas não afasta o olhar do meu.
— Robert no telefone — diz ela.
— Ok. Vou atender. — Ele espera que ela feche a porta e então fala: —
Obrigado pelas lições, mas parece que a aula precisa ser interrompida. —
Zane dá um passo para trás, com seu sorriso ainda no rosto. — Certifique-se
de tomar cuidado ao sair, ouvi dizer que é muito fácil quebrar o salto aqui…
‘Dia.
— Ah, meu Deus, você é muito babaca! — Eu cerro os dentes, e contra
todos os meus instintos racionais, jogo meus sapatos nele. Um atrás do outro.
O que me deixa ainda mais chateada é que ele ri e os segura.
E antes que eu diga qualquer coisa, Zane me dá um sorriso que eu
adoraria arrancar desse rosto lindo dele, e então se vira e segue pelo corredor
— com meus sapatos na mão.
Eu solto um suspiro e o observo, percebendo que jogar os sapatos foi um
impulso o qual eu deveria ter resistido. Agora terei de andar descalça até o
meu carro, no calor de Los Angeles, além de precisar lidar com o fato de que,
por mais que esses sejam meus sapatos favoritos, me recuso a dar a Zane a
satisfação de pedi-los de volta.
Em vez disso, fico olhando para a porta do seu escritório por alguns
momentos. Furiosa comigo mesma por agir sem pensar. Ainda mais furiosa
com ele por me fazer agir dessa forma.
E então eu suspiro, sabendo que não fiz nenhuma grande mudança hoje
— nem o repreendendo nem tacando nele meus sapatos —, mas, caramba,
como foi bom poder dizer a ele tudo o que eu penso.
Zane
Eu sei, eu sei. Você está achando que eu sou um babaca.
Meh. Talvez eu seja meio galinha de vez em quando. Talvez eu fale
besteira porque às vezes estou pensando com a cabeça errada. E talvez eu seja
como qualquer outro homem por aí, mas você está me vendo em primeira
mão porque está na minha cabeça.
Todos nós falamos assim. Correção. Todos nós pensamos assim. É um
código de homem. Tudo o que fazemos é parte de uma espécie de concurso
imaginário — ou, neste caso, real. Um caso sério de necessidade de superar
um ao outro, apenas para provar quem tem o maior pau. E caso você esteja se
perguntando, eu venço. Sempre. Mas é aquilo, o tamanho realmente
importa? (Alerta de spoiler: sim, importa.)
De qualquer forma, pense o que quiser sobre mim, mas não sou um cara
ruim. Eu gosto de mulheres. Eu gosto muito de mulheres. E eu gosto de
muitas mulheres. Agora é crime?
E há uma em particular que não consegui tirar da cabeça nos últimos
dias. Porra, não faço ideia do que fazer com ela.
Ela está bem ali. Do outro lado da rua, no jardim da frente daquela casa
térrea, bege, com um Explorer na garagem. Aquela com cabelo cor de
chocolate preso no alto da cabeça, pernas quilométricas e peitos que eu
adoraria meter meu… er, meu casaco em cima.
Ah, vai, não revire os olhos. Foi uma boa. Grosseira, mas boa. Eu disse a
você, código de homem.
Droga, ela é agradável aos olhos… mas é o comportamento infernal dela
que não consigo tirar da cabeça.
Eu nunca vi uma mulher falando comigo assim antes. As mulheres são
todas complacentes perto de mim. Elas querem me agradar e me conquistar.
Essa definitivamente não quer.
Se ela tem um humor assim, só posso imaginar quão passional ela é em
outras áreas.
Sim, estou te vendo revirar os olhos. Mas você vai esquecer disso quando
eu usar meu charme. Vamos torcer para que ela também.
É aqui que minha história começa… me deseje sorte para entender essa
mulher, porque… vamos ser honestos. Eu sou homem, precisamos de toda a
ajuda possível.
Zane
Olho a conta de gás e luz em minhas mãos com o grande “atrasado” em
vermelho marcado no topo.
— Quem é você, Harlow Nicks? — eu murmuro, puto por estar aqui.
Por estar sentado do outro lado da rua vendo-a brincar com um cachorro
como se eu fosse um stalker.
Mas, caralho, não consigo parar de pensar nessa mulher.
Ela é modelo. Ou melhor, trabalhou como modelo. Uma rápida pesquisa
no Google e a enxurrada de imagens que surgiram me disseram isso. Lingerie
pelo visto é meu ponto fraco e, caramba, como ela é boa nessa categoria.
É por isso que estou aqui? Para dar uma segunda olhada no que eu perdi
por trás de sua máscara de fúria na primeira vez em que nos vimos? Porque
com certeza não é para devolver a conta atrasada que ela acidentalmente
deixou no meu escritório, dobrada com seu e-mail impresso com informações
sobre uma entrevista em um escritório no final do corredor onde fica o meu.
— O que você está fazendo, Phillips? — resmungo, saio do meu SUV e
atravesso a rua.
Mas sei muito bem o que estou fazendo, senão não estaria carregando esta
caixa estúpida comigo.
Ela está de costas para mim, e sua risada flutua quando me aproximo; eu
a vejo cair no chão, lutando com um vira-lata de várias cores. Risada. Era algo
que ainda não tinha ouvido vindo dela.
— Então você realmente gosta de cachorros? — digo.
Ela instantaneamente fica imóvel ao ouvir minha voz, ao mesmo tempo
em que o cachorro repara em mim. Suas orelhas tortas se erguem, e a cauda
começa a balançar. Harlow está deitada de costas e olhando para mim.
Curvando-me, eu acaricio o cachorro quase por instinto, mas meus olhos
permanecem fixos nos olhos castanhos voltados para mim.
— Deus. Vai embora.
É bom ver que a hostilidade é padrão dela. Pelo menos sei o que esperar.
— Então você não gosta de cachorros? — pergunto. — Isso explica muita
coisa.
— Claro que gosto de cachorros. Não confio em ninguém que não goste.
— Ela se senta e olha para mim. Eu amei que nem uma vez ela leva a mão ao
cabelo para ver se está bagunçado ou ajeita a camisa que deixou um ombro
exposto, como a maioria das mulheres que conheço faria. — Vem, Lula —
ela diz ao cachorro e começa a se afastar. Quando não me mexo, ela para e
solta o ar dramaticamente. — O que você quer? O que você está fazendo
aqui?
— Você deixou isso no meu escritório naquele dia. — Estendo os papéis
para ela. Levantando-se lentamente, ela os encara por um instante como se
não confiasse em mim antes de agarrá-los e dobrá-los sem olhar para ver o
que era
— São antigas. O cheque que mandei foi extraviado no correio — ela
murmura com as bochechas vermelhas e desvia o olhar.
Harlow está envergonhada. O aviso de atraso. Merda… Eu apenas usei as
contas como uma forma de encontrá-la. Eu não queria que ela se sentisse
humilhada.
— Aconteceu a mesma coisa comigo no ano passado — eu minto.
Sentindo como se eu fosse um cuzão de marca maior, a encaro, até que ela
volte o rosto em minha direção e eu possa lhe dar um sorriso suave. Ela se
remexe sem sair do lugar, em seguida os cílios tremulam, e ela me olha.
Jesus, como é linda. Como eu deixei de notar isso naquele dia? Olhos cor
de avelã. Tez perfeita. Uma pitada de sardas no nariz que de alguma forma
fica sexy nela. E lábios… malditos lábios.
Por aquela fração de segundo, vejo o lado mais suave de Harlow. A garota
durona ofuscada por sua própria vulnerabilidade. E tão rapidamente quanto
veio, ela guarda esse lado novamente, e o fogo retorna com força total.
— Obrigada, você pode ir embora agora. — Uma elevação de suas
sobrancelhas. Um desafio nítido em seu sorriso.
— Você é sempre tão agradável com gente que te devolve suas coisas?
Seu suspiro sai pesado, mas faz coisas tão maravilhosas em seus seios por
baixo da blusa, que tenho que me lembrar de não olhar.
— Vou repetir… vai embora.
— Por quê? — Minha mão ainda está ocupada fazendo carinho na cabeça
de Lula. Pelo menos uma das garotas com quem estou lidando agora gosta de
mim.
— Por quê? Que tal porque sua presunção arrogante de que eu era sua
passeadora de cães me atrasou para minha entrevista de emprego? E esse
atraso me fez perder a entrevista de um trabalho que eu realmente precisava?
Isso é motivo suficiente?
— Você deveria me agradecer por isso.
— O quê? — Já estou preparado para suas mãos voando para os quadris e
uma fumaça imaginária saindo de suas orelhas. — Como eu disse, você se
acha demais.
É ruim que eu a ache sexy quando ela está com raiva? Porque tem coisas
que eu definitivamente adoro cutucar. Algumas partes em particular.
— Repito, você deveria me agradecer. Salvei você de um assédio gigante.
— Me salvou? — Ela inclina a cabeça e olha. — Para quê? Para que eu
fique livre para você?
— Cuidado — eu aviso, levantando-me quando Lula decide que está
cansada e se joga na grama entre nós. — Eu não assedio minhas funcionárias.
Eu flerto. Dou em cima. Mas não toco quando não é consensual e nunca uso
intimidação para conseguir o que quero. Agora aquele idiota com quem você
ia fazer a entrevista? Jerry… digamos que ele não é tão atencioso. Eu o vi em
ação mais vezes do que gostaria de contar e já chamei a atenção dele.
— Ótimo saber — diz ela, mas posso dizer por sua expressão que não
acredita em mim.
— Então, pensando dessa forma, você me deve uma.
— Eu não te devo merda nenhuma. — Suas mãos se fecham em punho.
— Opa! Calma, garota! — Levanto a mão livre fingindo rendição, a outra
ainda segurando a caixa. — Eu só estava brincando.
Ela olha para a casa por um instante e depois volta para mim.
— O que veio fazer aqui?
Eu sustento seu olhar e tento descobrir por que ela me intriga tanto
quando normalmente qualquer mulher que me cause tanta dor de cabeça me
faria virar as costas rumo à próxima no mesmo instante.
Mas por que pensaria em não virar as costas se não quero nada dela?
Droga, não fazia parte dos meus planos pegar o carro e vir até aqui.
E, no entanto, aqui estou.
— Toma. — Empurro a caixa para ela, como um adolescente atrapalhado
que não sabe o que fazer depois que sua mãe disse que deve comprar flores
para uma menina.
Harlow olha para a caixa e volta a olhar para mim.
— O que é isso?
— Seus sapatos. — Contenho um sorriso, e ela me olha com cautela.
— Meus sapatos?
— Eu os consertei. Era o mínimo que eu podia fazer, já que Manchado
foi parte da razão pela qual eles quebraram. — Ela se remexe como se
estivesse se perguntando se quer aceitá-los ou não, mas depois de um
instante, pega a caixa e a segura debaixo do braço. — Não mataria você
agradecer.
— E é aqui que essa conversa acaba. — Ela balança a cabeça e começa a
se afastar.
— Espera! O que você faz?
Ela faz uma pausa e inclina a cabeça para o lado enquanto debate se quer
responder ou não. Eu meio que espero o giro sedutor do dedo no cabelo e o
bater de cílios quando ela me diz que é uma modelo, um movimento que
tantas outras mulheres fazem com perfeição.
Mais, de novo, Harlow Nicks mostra que não é nem um pouco como
qualquer outra mulher que conheci antes e que a imprevisibilidade lhe cai
muito bem.
— Como assim?
— De trabalho? Você estava indo para uma entrevista…
— Contabilidade. Ser garçonete. Palhaça de aniversário. — Ela encolhe
os ombros e cora novamente. — O que for preciso para pagar as contas.
Nada de dizer que está esperando sua grande chance. Nada de “minha
última campanha foi para a Victoria’s Secret e você pode me ver nas
propagandas publicitárias”. Nada de “Estou procurando emprego, você pode
me ajudar, já que é um homem tão bem-sucedido?”
Não. Nem uma menção a nada disso, mesmo estando em uma cidade
cheia de pessoas tentando jogar aos quatro ventos seus nomes para conseguir
um lugar no mundo.
Ela desvia os olhos coloridos e balança a cabeça.
— Quer saber? Obrigada por trazer isso para mim. Eu preciso entrar.
— Eu tenho contatos. — Brilhante, Zane. Brilhante para caralho. É
assim que você faz com que ela não fuja de você? Com um comentário bosta
desses? — Talvez eu possa te ajudar a encontrar alguma coisa.
— Eu não poderia me importar menos com seus contatos. — Ela abaixa
a cabeça, e quando a levanta, vejo-a vestida com seu orgulho, o que faz eu me
sentir um merda por ter arranhado. — Desculpe. Foi rude da minha parte.
Como eu disse, obrigada.
Ela levanta os papéis e oferece um sorriso reticente.
— Olha… — Dou um passo em direção a ela, mais do que ciente de que
não quero que ela vá embora ainda e me questionando por que estou
trazendo isso à tona. — Tenho um evento neste final de semana. Você deveria
ir. Eu posso apresentá-la a algumas pessoas. Pode haver algumas
oportunidades de trabalho lá.
— Obrigada, mas, não, obrigada. Eu não sou esse tipo de garota. — O
rolar de seus olhos me faz perceber como ela interpretou meu comentário.
Minha risada faz Lula levantar a cabeça.
— Não foi exatamente isso que eu quis dizer, Harlow. Eu dirijo um site
de encontros, não um serviço de acompanhantes.
— Bom saber. Então, basicamente, isso significa que você escolhe as
mulheres com quem deseja namorar depois de verificar todas as informações.
Garanto que agora posso dormir melhor à noite sabendo disso.
— Você é cansativa. — E ela é, mas da maneira mais fascinante.
— Olha quem fala. — Harlow cruza os braços sobre o peito e ergue as
sobrancelhas.
Eu mantenho as mãos erguidas.
— Só estou dizendo que ter contatos é importante nesta cidade. Você e
eu sabemos disso. Meu evento… vai ter muita gente lá. Pessoas da indústria
— eu digo, mais do que ciente de que deixei escapar que busquei saber que
ela trabalha com isso.
— Que bom. Excelente. Você pode ir agora?
Mas há um esboço de sorriso em seu rosto. Uma fenda em sua armadura
que me diz que estou chegando a algum lugar.
— Você precisa aproveitar as oportunidades quando elas surgem. — Ela
não diz nada, mas o leve sorriso permanece. — Zane Phillips. Prazer em
conhecê-la. — Estendo a mão. Ela olha para mim e balança a cabeça, mas
não retribui.
Porra, ela é teimosa.
E linda para diabo.
— E você se chama Harlow Nicks.
— Considerando que você estava com minha conta de luz, acho que isso
significa que você sabe ler.
— Eu sei. — Concordo com a cabeça. — E também tenho seu endereço
de e-mail, que estava na papelada da entrevista.
— Devo me preocupar com um stalker?
Eu balanço a cabeça para os lados e suspiro.
— Vou te enviar um e-mail com as informações sobre a festa…
— Não se incomode…
— …será na noite de sexta-feira. Traje para coquetel. Muito networking.
— Não vou ler.
Eu lanço um sorriso brilhante para ela e então me viro para ir embora.
— Sim, você vai.
E ela vai.
É raro uma mulher resistir a mim. Ela está tentando, mas vou vencer no
final. Parece que, por enquanto, tenho ainda certo trabalho pela frente.
Sou um homem que sempre tem um objetivo em mente. Sempre.
Não adianta estabelecer uma meta se você não planeja ultrapassá-la.
A pergunta é, o que diabos eu pretendo quando se trata de Harlow Nicks?
Harlow
— Você devia ir, mi hija. Você precisa viver o agora.
— Mãe… — eu suspiro seu nome em exasperação e olho em sua direção.
Viva o agora. Quantas vezes na minha vida eu a ouvi dizer isso? Minha mãe é
implacável, nunca desiste, nunca me deixa me aquietar e faria qualquer coisa
ao seu alcance para me ajudar a ter sucesso. — Ir a um evento presunçoso não
vai ajudar a pagar as contas.
— Eu disse que resolvi isso para você este mês. — Ela prende o cabelo cor
de café em um grampo, se afunda na cadeira e aponta para o meu laptop. —
Olha para ele.
— Eu olhei para ele, mãe. — Vi um monte de fotos de Zane; mais do
que eu deveria admitir que v. Em eventos de caridade. Em eventos com
executivos. Em festas com celebridades tão conhecidas, que normalmente são
chamadas apenas pelo primeiro nome.
As manchetes e subtítulos atravancam minha mente. CEO do site
emergente de matchmaking, SoulM8.com. Natural de Brisbane, na Austrália,
mudou-se para cá aos vinte anos para perseguir seus objetivos empresariais. O
homem que construiu sua fortuna fazendo uns trades sortudos em ações,
depois comprando negócios falidos e vendendo por um lucro ridículo após
uma renovação.
Deve ser bom ter o Toque de Midas, como um artigo o chamou, mesmo
sendo um babaca.
— Ele é alto. Bonitão. Bem-sucedido.
— E um cuzão — eu resmungo.
— Um cuzão com contatos. — Ela levanta as sobrancelhas de uma certa
forma, para me dizer que tem anos a mais que eu e sabe mais do que eu.
— Um cuzão presunçoso — murmuro.
— Você ainda está com raiva por causa dos sapatos? Que mulher fica
brava quando um homem traz para ela um par de saltos novinhos em folha, e
caros, para substituir o que ela quebrou? Eu não. Mmm-hmm-não.
— Sim, ainda estou com raiva por causa dos sapatos.
E também por causa do bilhete que veio no Jimmy Choo rosa-claro, que
dizia:
“Vejo você às oito, Cinderela. Você vai aparecer.”
— Eu não sou uma princesa — eu afirmo.
— Mi hija, eu o deixaria me chamar de Cinderela a noite toda se estivesse
no seu lugar. — Ela levanta as sobrancelhas duas vezes para enfatizar, e nessa
fração de segundo, reforça minha firme determinação de não comparecer à
festa. Ou pensar nele. Ou qualquer coisa sobre ele.
Deixo para a minha romântica incurável mãe pensar nesta situação em
algum tipo de conto de fadas da Disney. A mesma mulher que repetidamente
se ferrou e teve seu coração partido simplesmente porque acredita no amor - e
porque adora estar apaixonada. E mesmo com todas as lágrimas e a colher
enfiada no pote de sorvete, que ela estará devorando para lidar com sua
infelicidade, ela vai sorrir e me dizer que não se arrepende, porque, afinal, o
amor não é uma coisa maravilhosa?
Muito drama. Muito sentimento. Muito faz de conta.
E ela se pergunta por que sou reticente quando se trata de
relacionamentos.
— Mi hija? — Ela me tira dos meus pensamentos e me traz de volta à
situação atual: Zane, meus sapatos, o bilhete. — Vamos, talvez ele seja o
príncipe que você estava esperando.
— Já tive meu coração partido muitas vezes por homens que você
chamou de príncipes. — Eu suspiro. — Não, obrigada.
— Você tem que beijar muitos sapos para…
— Você precisa de ajuda profissional, mãe.
— Pelo menos sou honesta, ao contrário de algumas pessoas — ela
aponta para mim —, que continuam fingindo que o gesto dele não foi nem
um pouco romântico.
Eu solto o ar pelo nariz.
— De algum modo, acho que Zane Phillips e a palavra romântico não
cabem na mesma frase.
— Você nem o conhece.
— Eu o ouvi falando por tempo suficiente para saber o tipo de cara que
ele é, mãe.
— E eu estou te falando que ele tentou compensar isso depois.
— Por que você está pressionando tanto? — Eu ergo as mãos, e ela
apenas balança a cabeça.
— Porque… — Ela encolhe os ombros e faz aquele olhar sonhador que
me diz que já está escrevendo o felizes para sempre na minha história quando
não há nem mesmo uma história aqui, para início de conversa.
Era fofo quando eu tinha oito anos. Isso me fez acreditar que meu
primeiro amor do colégio era o cara até meu coração se partir quando o
peguei beijando Shelly Dodson atrás das arquibancadas após o treino de
futebol. E agora que estou na casa dos vinte, com muitos relacionamentos
fracassados no currículo, seus olhos brilhantes e sua trama de conto de fadas
só me levam a resistir com mais força quando ela começa com isso tudo.
Porque se ela pensa que Zane é o cara, o histórico dela parece mostrar
exatamente o contrário.
Além disso, comer litros de sorvete e trabalhar como modelo não andam
exatamente de mãos dadas.
— Deixa isso pra lá, mãe.
— Mas e se esse for o jeito do destino juntar vocês? Ele pode ser um
homem muito bom. Ele pode ser daquele tipo que te deixa mole quando não
está sendo o cuzão alfa que, vamos ser honestas, nós sabemos que é atraente e
sexy e faz seu sangue aquecer.
Eu me levanto do sofá e ando pela minha pequena sala de estar, desejando
que ela vá para casa e me deixe em paz.
— Mãe, eu amo o fato de morarmos uma ao lado da outra. Adoro que
sejamos próximas e que possamos compartilhar quase tudo, mas isso não
significa que quero sua opinião 24 horas por dia, sete dias por semana. Eu sou
uma adulta que pode tomar as próprias decisões. Você pode respeitar isso?
Se eu não tivesse aberto a caixa de sapatos na frente dela, ela nunca
saberia dessa história…
Quando me viro para encará-la, minha mãe está com aquela expressão
irritada no rosto — sobrancelhas franzidas, lábios em linha reta —, como se
eu tivesse acabado de magoá-la. Ela balança a cabeça e torce os lábios, mas
não se levanta do sofá nem faz o que eu pedi.
Tudo o que posso fazer é suspirar e esperar que ela diga o que quer dizer.
Eu sei que é a única maneira de terminar esta conversa.
— Claro, eu respeito você. O que não consigo entender é se você está
com raiva de alguém por ter te dado um belo presente ou se é porque ele já
tem a certeza de que você vai à festa.
Engulo a resposta sarcástica que quero dar e decido pela verdade. De
qualquer forma, ela vai notar se eu mentir.
— Que tal “todas as opções acima”? Quer dizer, que homem compra
sapatos que custam vinte vezes mais do que os que ela quebrou para uma
mulher se não espera algo que eu não vou dar a ele em troca?
— Você gosta dele, não é?
— Mãe — eu aviso quando o olhar brilhante volta.
— Quando você bate o pé sobre um assunto, significa que você está
lutando contra algo… e, meu bebê, você está implicando com esses novos
saltos rosa apenas por uma questão de princípios.
— Mamãe. — Eu suspiro e caio para trás em meu assento, me sentindo
na defensiva e ao mesmo tempo confusa sobre os pensamentos que ela está
despertando sobre Zane. — Eu só… não sei.
— Às vezes, as pessoas que te irritam por dentro acabam acendendo um
fogo em seu coração.
— Mãe…
— É verdade, mi hija.
Eu rio. O que mais posso fazer, sabendo que ela já está fabricando
mentalmente nosso primeiro encontro, primeiro beijo… primeiro tudo?
— Pode ser verdade, mas com a minha sorte atual, eu apareceria com
meus sapatos novos, prenderia um salto em um buraco e de alguma forma
derrubaria a mesa inteira ou algo assim.
— Ou talvez você caia na frente do seu príncipe e ele te agarre, Cinder.
E aí está. O conto de fadas.
— Eu te amo, mas príncipes não existem, e não preciso de nenhum
homem para me pegar. Eu posso me virar perfeitamente bem sozinha.
— Mi hija — ela diz. — Só porque seu pai não era o melhor dos
homens, não significa que todos os homens são assim.
Eu afasto o pensamento do homem que nos deixou na pior quando eu
era pequena. O homem que me ensinou que o amor é passageiro, mexe com
a sua autoestima e sempre tem suas condições.
— A meu ver, sim, são.
— Quantas vezes eu te avisei para não deixar as coisas do seu pai
enfraquecerem sua opinião sobre o amor? Você tem que seguir em frente.
Você tem que acreditar que a pessoa certa está lá fora esperando por você.
— E você acha que essa pessoa é o Zane. — Levanto as sobrancelhas.
— Pode ser. Nunca se sabe. O que há nele que…?
— Vejamos. Ele é egoísta. Acha que o mundo gira em torno dele.
Acredita que pode estalar os dedos e me mandar pular, e que eu vou
perguntar de que altura. Ele pode não ser exatamente como papai, mamãe,
mas com certeza soa como um homem de quem eu deveria ficar longe.
Babacas vêm em todas as formas e tamanhos.
— O amor também.
— Eu acredito que você disse essas palavras para mim depois que Jamie
me disse que as mulheres são como leite depois de cinco meses: elas têm datas
de validade. E novamente quando encontrei Finn na cama com outra pessoa.
Ou que tal…?
— Acredito que eu tenha dito que quando você encontra a pessoa certa, o
amor assume qualquer forma necessária para que o relacionamento funcione.
Pare de colocar palavras na minha boca, mi hija, porque parece que você está
fincando mais ainda esses seus saltos no chão.
Eu me viro e olho pela janela, para a rua além, meu suspiro preenchendo
a pequena, mas comum, área.
— É só uma festa, Low. Por que você está fazendo disso algo tão
importante?
Porque você está certa. Porque eu consigo me ver gostando desse cara,
mesmo que eu o odeie. Porque ele é todas essas coisas que você disse e muito
mais, embora eu não queira admitir.
Quando me viro para encará-la, vejo um sorriso leve lábios, e a resignação
me atravessa.
— Eu nem sei nada sobre a festa além do que ele disse, sobre haver
pessoas da indústria. O que exatamente isso significa? A coisa toda parece
muito estranha — explico.
— E? Por que não vai e, se não gostar, vai embora? Se você não for, nunca
saberá.
— Mas para onde eu realmente estou indo? Pode ser até uma festa de
swingueiros.
Minha mãe ri, e é bom ver um sorriso em seu rosto. Ela tem feito muitas
horas extras ultimamente e parece cansada.
— Você e sua imaginação. Ela sempre te coloca em apuros. — Ela dá um
tapinha no lugar ao seu lado, para que eu me sente. — Tenho certeza que não
é uma festa de swing. É um coquetel. As pessoas se misturam. Fazem
conexões. Trocam cartões de visita. Usam saltos altos sensuais. — Ela pisca.
— Não é grande coisa, realmente.
— Então por que você está fazendo disso algo grande? — pergunto
exasperada enquanto me sento.
— Porque minha linda Mi hija trabalha muito para ser independente, e
eu amo isso. Mas, às vezes, quando um homem bonito e bem-sucedido a
convida para uma festa, ela precisa relaxar e se divertir um pouco.
— Eu não serei acompanhante dele, mãe.
— Mas você poderia ser… — Ela deixa as palavras no ar enquanto reviro
os olhos. Ela não entende. Minha mãe não conheceu Zane e seus modos
frustrantes. Ela só o vê como uma possibilidade, enquanto eu o vejo como
alguém que sente pena de mim e está tentando aliviar a culpa por pensar que
eu era sua passeadora de cães pobretona.
Não importa o que eu diga, essa mulher é uma romântica hardcore, ela
não vai ouvir.
— De novo, mãe. De alguma forma, posso acabar me ferrando toda.
Por que estou me convencendo do contrário quando não tenho intenção de ir?
— Pfff. Você é linda. Um olhar para você e… — Ela balança as
sobrancelhas.
— E o quê? Ele vai me adicionar ao seu aplicativo de encontros para ter
certeza de me colocar em sua lista de possibilidades? Não, obrigada.
— Você vai e…
— Não, eu não vou…
— E eu vou te dar uma aspirina para você segurar entre os joelhos. Dessa
forma, não vai abrir as pernas e seguir pelos maus caminhos dele.
Minha risada ecoa pela sala.
— Mãe, eu poderia encher um frasco inteiro com a quantidade de
aspirina que eu já deixei cair. — Eu me abaixo quando ela me dá um tapa e
caio de volta nas almofadas rindo.
— Harlow! — Paft. — Não diga isso. — Paft. Nossa risada ecoa pelas
paredes da sala, e ela continua até que eu levanto minhas mãos em sinal de
rendição fingida.
— Estou brincando. Juro. Estou brincando. — Ela para e dá um beijo
estalado na minha testa.
— É bom mesmo.
— Eu estou. Eu quis dizer dois fracos. — O olhar que ela me dá é um
que eu amo e odeio. Diz que ela sabe que estou brincando, mas que sua
filhinha já cresceu e é capaz de fazer escolhas - boas e más - por conta própria.
Ela muda de volta para seu assento no sofá.
— Fala sério, Low. Que mal vai fazer? Podemos pegar emprestado um
vestido se você não tiver um. Te deixar nos trinques. Talvez até arrume um
emprego para você. Quem sabe, talvez este seja o evento que você precisa para
encontrar aquele emprego que irá lançar a carreira pela qual você tem
trabalhado tanto. Você só tem que continuar tentando.
— Eu tenho tentado. — Eu rio, mas a autodepreciação está carregada em
meu tom. — Só não estou conseguindo grandes oportunidades.
— Victoria’s Secret foi…
— Eu fiz um ensaio de catálogo. Assim como tantas outras fizeram.
Droga, se os testes me pagassem algo, então eu não teria nenhum problema
em pagar as contas. Vou a todos, só não consigo agendar nenhum trabalho.
Parece que ter curvas está fora de moda, e a magreza heroin-chic está
voltando.
Ela estala os lábios e balança a cabeça. Já posso vê-la tentando descobrir
como arcar com nossas contas.
— Sei que sua independência é importante para você, mas sempre
podemos voltar a morar juntas até que as coisas melhorem. Você levou um
baque grande com o fim do pagamento do seu empréstimo estudantil e o
problema com a transmissão do seu carro. Eu posso te ajudar. Eu posso
trabalhar em turnos extras. Eu…
— Obrigada, mãe, mas…
— Não deixe seu orgulho atrapalhar, Mi hija. Eu adoraria ter você de
volta sob o meu teto.
Eu rio e me sinto bem.
— Tecnicamente falando, estamos sob o mesmo teto.
Ela aperta minha mão.
— Você entendeu o que eu quis dizer. É só me dizer.
— Obrigada. Eu sei que você faria… mas eu vou descobrir como
organizar tudo. As coisas vão se acertar em breve. — Espero.
— Que tal ir atrás do lance de ser relações públicas, aquilo que você
costumava falar quando se formou? Com seu diploma de comunicação, sua
inteligência e sua capacidade de falar sobre qualquer coisa, tenho certeza de…
— Os trabalhos assim são ainda menores e mais difíceis de se encontrar
do que os trabalhos de modelagem. — Frustração ecoa em meu tom de voz
enquanto penso em mais uma semana de miojo para o jantar.
— Você é mais bonita e talentosa do que todas as outras garotas tentando
ser notadas… Só o que precisa é que a pessoa certa te veja.
Falou como uma verdadeira mãe.
— Obrigada por acreditar em mim… mas, como disse, talvez eu não
tenha nascido para ser modelo ou trabalhar com show business. Talvez eu
devesse simplesmente desistir disso.
— Que absurdo. — Ela coloca a mão sobre a minha. — Às vezes, as
melhores coisas da vida são resultado de algo inesperado. Zane fazendo o que
ele fez… talvez esse tenha sido o seu inesperado. Um sinal. Você precisa ver
aonde isso pode te levar.
— Um sinal, é? Parece mais um alerta.
Zane
— Robert, meu chapa, que bom te ver.
— Igualmente. — Robert estende a mão e me cumprimenta. Ele
envelheceu bem para alguém de oitenta anos. O cabelo está grisalho, com
mais brancos que pretos, mas seus exercícios diários, que sempre parecem
surgir como tema em cada uma de nossas conversas, o mantiveram forte e em
forma.
Quando um homem pensa em investir milhões de dólares em sua
empresa, você faz questão de conversar com ele sobre seja lá qual assunto o
cara deseja falar. Seus treinos diários são um desses assuntos.
A esposa dele é outro.
— É uma bela festa de lançamento essa que você organizou — ele diz e
toma um gole de gim-tônica.
— Não era isso o que pretendíamos? Fazer barulho suficiente para gerar
engajamento… mas não o suficiente para que as pessoas queiram mais
novidades antes de estarmos prontos para o lançamento oficial?
— Você me ouviu. — Ele balança a cabeça e espia ao redor do pátio
coberto.
— Eu sempre ouço, Robert. — Tomo um gole do meu Bundaberg com
Coca-Cola e aponto para a cena à nossa frente.
Está exatamente como mencionamos em nossas conversas. O pátio com
terraço está repleto de luzes. Aperitivos estão circulados. As bebidas estão
sendo servidas nos dois bares, em cantos opostos. Cobrei uns favores, e as
pessoas que precisam estar aqui — aquelas que dizem a Robert que estou
conectado com esta indústria multimilionária — já chegaram.
Sim, estou jogando. Oferecendo um belo comes e bebes e esperando que
um cheque seja preenchido até o final da semana.
Porém, o mais importante para mim, além do dinheiro, são suas
conexões. É sua experiência em consultoria para outras plataformas de
encontros, depois que ele se aposentou, e é sua experiência em relações
públicas. Ambas podem me ajudar a obter a visibilidade necessária para
lançar e bombar esta plataforma.
O homem é uma mina de ouro ambulante para a SoulM8, e não tem
nada a ver com a profundidade de seus bolsos.
— E o programa de IA, ele já está instalado e funcionando? As falhas que
você encontrou no último teste foram corrigidas?
Minha risada baixa é um aviso: não se meta nisso.
— Eu disse a você, meu chapa, deixe o software, a IA, a implementação
de tudo comigo. Só preciso da sua ajuda com a visibilidade. Seus contatos
com a mídia. Você conversando com a imprensa para nos colocar no ar e na
mídia impressa.
Ele me olha, o aviso para não passar dos limites foi recebido com clareza.
Ele ergue as sobrancelhas e toma mais um gole de gim-tônica.
— E quanto à porta-voz?
Eu rio, feliz por ele ter escutado e se mantido dentro de sua área.
— Tem sido muito difícil ter que olhar para uma mulher linda após a
outra, mas alguém tinha que fazer isso.
— Deve ter sido desgastante. — Ele gesticula para as pessoas que
circulam no pátio. — Você tem uma favorita?
— Sim. — Simone me vem à mente. A linda e torneada Simone, com
uma voz sexy que vai atrair os homens aos montes, exatamente o grupo
demográfico mais difícil de se engajar. — Organizei para que você possa
conhecer as cinco mulheres que estamos considerando, falar com elas, e então
veremos se concordamos em quem deve ser nossa porta-voz. Mas acho que
estaremos de acordo.
— Faz sentido — diz ele e balança a cabeça. — E você ainda acha que a
transferência do grupo beta vai durar?
— Acho. Já superamos nossa meta de pré-registro em vinte por cento, e
ainda nem começamos a turnê de lançamento, que vai ser na próxima
semana. Assim que começarmos e fizermos a coletiva de imprensa, tenho
absoluta certeza de que vamos estourar nossas projeções.
Robert não olha na minha direção. Notei que isso é um hábito seu
quando está tentando descobrir como formular uma questão.
— Então, fala um pouco sobre sua experiência.
Jesus. Vamos por esse caminho. Não é o suficiente que eu esteja pulando
em todos os aros imagináveis que ele segura, agora ele vai jogar na minha cara
essa merda? Talvez tenha sido uma promessa que fiz para tentar negociar seu
investimento, mas que eu esperava que ele esquecesse?
— Foi boa. — Balanço a cabeça e esvazio minha bebida em um só gole.
Eu posso enrolar qualquer um. Eu posso oferecer um banquete e
persuadir qualquer pessoa, mas nem fodendo consigo mentir para um
homem que vai me ajudar a ganhar uma bolada.
— Bom? — Sua risada ressoa ao nosso redor, e várias pessoas olham em
nossa direção. — Então você encontrou alguém?
— Alguém… sim. — Eu vou para o inferno.
— E você acha que há chance de um futuro juntos?
Concordo com a cabeça, não confio em minha capacidade de dizer
qualquer coisa.
— Mm-hmm.
Ele dá um tapa nas minhas costas e sorri.
— Isso é fantástico! O amor é incrível, não é?
— É, de fato. — Com certeza vou para o inferno.
— Que ótima maneira de ajudar a vender a plataforma para as massas. O
CEO encontrou o amor com ela, e você também pode. — Ele levanta as
mãos enquanto diz as palavras, como se estivesse lendo um outdoor.
Mas que bela bosta. Pelo visto, não vou poder mandar o clássico “não deu
certo” daqui a alguns dias.
Eu dou a ele um sorriso tenso e aceno para um conhecido do outro lado
do pátio.
— Fiquei igualmente surpreso.
— Mal posso esperar para conhecê-la. Qual é o nome dela?
— Robert! Zane! Que bom te ver!
Deus te enviou, Jacko.
Eu olho para um de meus melhores amigos, que está atravessando o
espaço, uma multidão de mulheres quase quebrando o pescoço para ver quem
ele é.
— Jack! — Robert puxa Jack para um tapinha rápido de cumprimento e
então recua. Para minha sorte, os dois têm algum tipo de histórico familiar.
Amigo de um tio ou algo assim. Isso tornou o contato com Robert muito
mais fácil para mim. — Eu não esperava te ver aqui.
— Eu sempre gosto de apoiar Zane em qualquer coisa em que ele esteja
envolvido, porque sei que será um sucesso.
Parece que alguém já começou a exalar seu charme hoje.
— Que coisa boa de ouvir, muito boa — diz Robert.
— Parece que tudo se encaixou. Mulheres, uísque e baleias — diz ele com
um sorriso torto. As baleias são investidores de alto risco que estão espalhados
pela festa. Aqueles que Jack está sutilmente sugerindo poderem comprar as
ações disponíveis da SoulM8, se Robert não o fizer.
— Está bem cheio mesmo — Robert diz e sorri. — Zane estava me
contando sobre seu novo…
— Robert Waze? É você? — Uma voz à nossa esquerda chama.
— Com licença, senhores — diz Robert, seu rosto se abrindo em um
sorriso enquanto ele aponta o dedo para o amigo antes de se virar para mim.
— Zane, conversamos mais tarde sobre a reunião com as candidatas.
— Claro, meu chapa.
Tanto Jack quanto eu o observamos ir embora, e então solto um suspiro
exagerado.
— Filho da puta realmente me perguntou aquilo.
Jack joga a cabeça para trás e ri, sabendo de toda a obsessão de Robert
com esse lance de “você precisa ser um produto de sua própria plataforma”.
— E?
— Eu disse a ele que não preciso de uma porra de um site de encontros
pra arrumar mulheres. — Deixo a mentira no ar por um segundo e vejo o
choque surgindo no rosto de Jack.
— Você está de sacanagem comigo, certo? — ele finalmente pergunta.
— Claro que estou. Eu disse a ele que achei alguém. Como poderia dizer
algo que não fosse isso? Eu quero que ele pense que a SoulM8 funciona.
— Você está tão fodido.
— Quem dera. — Eu rio. — Minha noite seria muito melhor se alguém
quisesse foder comigo.
— Ah, tadinho. Está passando por um pequeno período de seca?
— Isso eu resolvo com um simples telefonema. Robert pensa que eu
tenho uma namorada, aí já é uma questão totalmente diferente.
— É bem fácil encontrar alguém para preencher essa vaga
temporariamente.
— Quem? Me diz quem ele aprovaria? — eu pergunto enquanto uma
garçonete muito bonita se aproxima e me entrega uma bebida. — Obrigado.
— Disponha — ela diz, a voz rouca, uma sugestão nítida nos olhos.
— Minha resposta foi dada sem que eu nem precisasse abrir a boca —
Jack diz, rindo quando ela se afasta, balançando os quadris, os saltos
ressoando no chão.
— Ela é bem gostosa, mas do tipo que só dá para passar a noite. Não do
tipo que Robert aprovaria.
— Concordo. — Ele balança a mão para todas as pessoas ao nosso redor.
— Tenho certeza de que há algumas candidatas bem dispostas a fingir que
são seu verdadeiro amor por algumas noites, só para apaziguar o velho.
— Verdade. — Tomo um gole e olho em volta. Pernas longas, vestidos
elegantes e muitas oportunidades disponíveis.
— Conseguir o investimento dele é o que mais importa. Tenho certeza
que você vai fazer esse sacrifício pelo time.
— Eles não me chamam de jogador à toa.
— Você é muito babaca.
— Já me disseram isso antes — eu digo quando avisto a última mulher
que me chamou de algo parecido, enquanto ela caminha no pátio. Olá,
Harlow Nicks.
Ela veio. E não só veio, como o fez com um vestido que não revela nada,
mas ainda dá vontade de o despir para ver o que se esconde por baixo. É
preto e simples, com um suave decote e um flash de perna, mas, caramba, se
molda às suas curvas.
E os saltos.
Ela está com aqueles sapatos, e está sexy para diabo com eles. O tom claro
de rosa combina com os detalhes do vestido. Seu cabelo está solto, levemente
cacheado sobre os ombros.
Meus dedos coçam para tocar nela. E fazer outras coisas.
— Viu alguém que te interessou? — Jack diz dando um empurrãozinho
em meu ombro. — Eita, porra. Aquela é definitivamente uma boa.
— Não, não é. É toda espertinha e tem temperamento explosivo. — Mas
não consigo parar de olhar para ela.
— Ah, mas isso torna tudo muito mais divertido. Esquentadinhas são
ótimas. Especialmente tendo essa aparência sob os lençóis.
— Preciso de outra bebida — digo, apesar do copo meio cheio na minha
mão, mas Jack precisa parar de olhar para Harlow. Ela não é para o bico dele.
— Precisa, sim. Você precisa de uma bem forte para decidir quem será
sua namorada-de-mentira.
Ele me dá um tapinha nas costas quando nos viramos em direção ao bar,
depois que eu dou uma última olhada na direção dela.
— Considerando que estou pagando a conta esta noite, acho que a
bebida é por minha conta.

É
— É verdade, meu chapa — Jack diz, tentando seu melhor sotaque
australiano.
— Você continua sendo um cocô nisso — eu digo da nossa maneira
habitual.
— E você continua me amando.
Harlow
— Não, obrigada — digo com um sorriso rígido para o homem ao meu lado,
que está fazendo sua quarta oferta para pegar uma bebida para mim.
— Vamos, eu adoraria pegar uma para você.
— Eu sei, e agradeço, mas vim de carro.
— Eu sempre posso te levar para casa. — Ele coloca a mão nas minhas
costas, e eu dou um passo para frente e saio de seu alcance.
— Achei meu amigo, eu estava esperando por ele — minto e sorrio para
uma pessoa invisível na direção oposta. — Foi um prazer conhecê-lo. — Não,
não foi.
— Talvez possamos conversar mais tarde.
— Talvez — digo por cima do ombro enquanto atravesso o terraço com
baixa iluminação. Há uma música tocando suavemente e um ruído baixo de
conversas. Há uma grande variedade de pessoas aqui, pelo que percebi, mas o
Cara da Bebida ocupou a maior parte do meu tempo desde que cheguei.
Solto um suspiro de alívio e entro em um corredor escuro que margeia o
exterior do pátio. Vou ficar aqui por alguns minutos, até que ele volte sua
atenção para outra pessoa, aí depois volto e sigo pelo lado oposto ao dele.
Já que estou aqui, vou aproveitar para tentar conhecer o maior número de
pessoas possível.
— Vamos lá, não há desculpa para que você não saia daqui acompanhado
— diz uma voz masculina seguida de uma risada.
— Há um monte de desculpas, cara. — Apuro os ouvidos quando escuto
o sotaque australiano – Zane – e silenciosamente me curvo de alívio, sentindo
como se conhecesse alguém nessa festa.
Normalmente, sou bastante extrovertida, mas entrar aqui sozinha e não
conhecer ninguém tem sido mais intimidante do que eu esperava. Talvez seja
porque imaginei o evento como algo maior do que realmente é. Ou talvez
seja porque eu estava meio que animada para ver Zane novamente,
independentemente do quanto ele me deixa louca.
E agora estou começando a soar como minha mãe.
— Que se fodam as suas desculpas. Não foi você quem me disse que eu
precisava te ajudar a bolar essa parada para ele? Bem, é isso que estou
tentando fazer. Não me culpe por você ter mentido e dito que encontrou seu
grande amor na plataforma. Nós dois sabemos que essa merda não funciona
assim.
— Pode calar a boca, cacete?
— Se você não quer que Robert descubra a verdade, então é melhor
começar a descobrir como vai consertar isso.
— Jesus — Zane murmura.
— Ele não vai te ajudar agora — o outro homem brinca, mas Zane não
ri. — Mas eu sei quem pode acertar as coisas para você… — Jack gesticula
para as pessoas que se misturam no espaço ao seu redor. — Quero dizer, olhe
para todas as mulheres lindas. Eles estão excelentes para a colheita. Agora
tudo o que você precisa fazer é encontrar o jeito certo de fazer isso.
Excelentes para a colheita? Sério? Espero que ele não esteja dizendo o que
eu acho que está dizendo.
Eu olho para a minha direita, e em uma das áreas iluminadas, vejo Zane
vestido com minha criptonita: um colete abotoado, calça e camisa enrolada
nas mangas. Profissional, mas casual, e muito mais sexy do que eu gostaria de
admitir. O homem à sua direita, que está de frente para mim, tem cabelos
escuros, olhos claros e uma pele morena mais clara. Ele é incrivelmente
bonito também. Juntos, eles parecem uma propaganda da Ralph Lauren.
— Desista, Jack.
Ah, esse é o Jack. Eu deveria ter imaginado.
— E aquela?
— Qual delas?
— De vestido bege. A de saltos “me-come”.
— Não é meu tipo — Zane diz enquanto toma um gole. Eu odeio que
estou com vontade de ver como ela é para tentar descobrir qual tipo é o dele.
— Mas é o meu — Jack diz com uma risada. — E a Simone?
— Não posso. Depois que a campanha acabar, pode ser… mas antes? —
Zane diz e ri. — Isso seria pouco profissional da minha parte.
— E se as coisas dessem errado…
— Exatamente. Seria um desastre para todos.
— Que tal ela?
— Pernas quilométricas? — Zane levanta o queixo em direção a alguém.
— Sim, ela.
Ambos inclinam a cabeça para a esquerda e observam alguém.
— Não. Ela não é ruim… ela simplesmente não é…
— Boa — Jack termina para ele. — Você é um filho da puta exigente.
Então, e a sósia da Chrissy Teigen ali?
— Ela veio acompanhada.
— E? Desde quando isso te impede?
Zane diz algo que não consigo ouvir, e os dois riem.
Eles estão realmente fazendo isso agora? Ele está realmente tão
desesperado para arranjar… um encontro? Tenho certeza que há mulheres
mais do que dispostas a se pendurar em seu braço para que isso tudo seja
necessário.
E então a ficha cai. É um encontro que ele está procurando ou
simplesmente alguém para dormir?
Dou um passo para trás, desconfortável ao ouvir o que obviamente é um
jogo para eles, e então meus pés vacilam quando Jack fala.
— E a de antes? Vestido preto, corpo incrível, olhos de matar, salto rosa?
Prendo a respiração, ainda que eu não queira me importar com o fato de
que estão falando de mim.
Zane ri de uma forma que faz com que eu sinta como se ele soubesse que
estou aqui ouvindo.
— Nem ferrando — ele murmura em um estrondo baixo.
— Por que não? Ela chamou sua atenção.
— Duas palavras: pesadelo interminável.
Jack joga a cabeça para trás e ri.
— Mas elas todas não são assim? — Eles brindam enquanto eu fico aqui,
olhando para os dois como uma criança que foi ridicularizada na frente de
toda a escola.
Levo um segundo para me reestabelecer, e então fico com raiva de mim
mesma por me importar com o que ele pensa, sendo que é um cara que
provou o quanto pode ser um idiota.
Mas eu caí no truque dele, esse de ter ido até a minha casa. Caí que nem
um patinho. Deixei minha mãe e seu romantismo me afetarem tanto, que
vim até aqui pensando que poderia ter me enganado em minha primeira
impressão. Que o homem que apareceu na minha casa era seu verdadeiro eu
— o sincero —, não o idiota que conheci no prédio comercial naquele dia.
Um pouco de arrogância é sexy. Este monte assim, não.
Eu já deveria saber.
Um pesadelo interminável? Por quê? Porque eu não vou idolatrá-lo como
se fosse um deus por causa de sua boa aparência e conta bancária?
É preciso muito mais do que isso para me impressionar.
Aturdida e agora querendo uma boa taça de vinho, sigo na direção oposta
de Zane e Jack e passo pelo corredor coberto para ir buscar minha bebida.
E esbarro em um homem que vira a esquina ao mesmo tempo que eu.
— Ah, me desculpe! — Nós dois dizemos ao mesmo tempo em que ele
agarra meu braço para que eu não caia.
— Perdoe-me — ele diz, e eu dou um passo para trás e olho nos amáveis
olhos azuis. — Você está bem, senhorita?
Eu balanço a cabeça, minhas bochechas esquentando de vergonha por ter
sido descuidada e trombado neste senhor idoso.
— Sim. Me desculpe. Eu não estava olhando para onde estava indo. Você
está bem?
— Eu estou. — Ele ri. — É preciso muito mais do que uma mulher
bonita para me derrubar. — Sua aliança brilha na luz suave enquanto ele
toma um gole de sua bebida.
— Sua esposa é uma mulher de sorte, então.
Sua expressão suaviza, e seu sorriso diminui.
— Eu a perdi no ano passado.
— Eu sinto muito. — Eu me sinto uma idiota, mas ao mesmo tempo me
derreto toda ao ver o amor que ele obviamente ainda sente pela esposa.
— Não sinta. Sou sortudo de ter experimentado o amor verdadeiro. —
Ele sorri e depois se dá conta de algo. — Perdoe minha descortesia. Robert
Waze. Encantado em conhecê-la.
Robert? Tipo o Robert que já ouvi Jack e Zane mencionando duas vezes?
— Harlow Nicks. Igualmente. — Apertamos as mãos, e, sem pensar, nos
viramos para encarar a festa acontecendo à nossa frente. Estranhamente, pela
primeira vez em toda a noite, me sinto à vontade.
— É um prazer, senhorita Nicks.
— Harlow, por favor.
— Harlow, então — diz ele com um aceno definitivo antes de pegar uma
taça de vinho de um garçom que passava e oferecê-la para mim.
— Sim, por favor. Obrigada. — Tomo um gole, e embora não entenda
muito de vinho, reconheço um caro quando o provo. — Por quanto tempo
você foi casado? — pergunto, tanto por curiosidade, quanto pela pura
necessidade de bater um papo, para evitar o constrangimento de estar em um
evento cheio sem conhecer ninguém.
— Sessenta anos. — As linhas ao redor de seus olhos se enrugam em um
sorriso, e duvido que ele perceba que gira a aliança no dedo quando
responde.
— Que incrível. — Olha, mãe, os contos de fadas da vida real existem.
Ele concorda.
— Eu a cortejei por cinco anos antes disso.
Eu faço as contas. Mesmo que ele tivesse dezoito anos quando se casaram,
isso faz dele um homem de quase oitenta anos. Isso não me passaria pela
cabeça, a julgar por sua aparência jovem e em forma.
— Você se importa se eu pergunte como você a perdeu?
— Câncer. — Ele balança a cabeça e depois desvia o olhar por um
momento, para se acalmar, antes de olhar para mim. — Ela lutou como uma
guerreira, mas no final estava muito cansada.
— Ela teve sorte de ter você ao seu lado.
— Eu fui o sortudo.
Suspiro. Um grande e imenso suspiro. Se nada acontecer esta noite, pelo
menos terei conhecido Robert, e agora sei que o amor verdadeiro realmente
existe.
— É por isso que estou aqui — ele continua sem que eu diga nada. —
Um de seus últimos desejos era que eu encontrasse a felicidade novamente.
Mas ela estava louca de pensar isso. Ela era a minha felicidade.
— Então talvez encontrar uma pessoa que seja sua amiga. Alguém que
possa lhe fazer companhia.
— Talvez, mas duvido. Ela era a minha vida. — Ele toma um gole de sua
bebida e balança a cabeça como se estivesse se lembrando. E eu não o
interrompo em sua divagação, porque obviamente ele é uma pessoa sozinha.
O que custa ouvi-lo por alguns minutos, para que não se sinta tão só por um
tempo? — Tivemos uma boa vida, sabe? Começamos uma empresa juntos,
criamos três filhas incríveis juntos, e quando elas saíram de casa, vivemos
nossa vida como se cada dia tivéssemos uma nova lista de desejos.
— Isso é incrível. — Nós dois nos viramos quando escutamos risadas
pelo terraço. Zane está no centro de uma roda composta por homens e
mulheres, todos parecendo saídos de uma passarela. Ele é animado e domina
as atenções do público com sua aparência e suas expressões faciais. De
repente, lembro de algo que Robert mencionou. — Espero que não se
importe que eu pergunte, mas você disse que está aqui por causa de um
desejo de sua esposa…
— Sim. — Seu sorriso amável volta aos lábios, e ele concorda com a
cabeça. — Aquela empresa que começamos… bem, nós a vendemos em certo
ponto da vida e conseguimos guardar esse dinheiro, investi-lo e ganhar mais
com ele. Seu outro desejo, além de eu encontrar a felicidade novamente, era
pegar um pouco desse dinheiro que ganhamos e ajudar mais gente a
encontrar o tipo de amor que tínhamos.
— Eu sinto que estou sendo repetitiva, mas isso é incrível, Robert.
— É por isso que estou aqui. Para ver se devo apoiar este
empreendimento. A SoulM8.com tem uma ótima premissa. Seu uso de
tecnologia de inteligência artificial para ajudar no processo de matchmaking é
inédito em comparação com outras plataformas existentes. Os resultados após
o teste beta foram fenomenais. Acho que vai ser um grande sucesso.
— Então por que você parece tão hesitante? — sondo, tentando
entender.
— Eu não sei — diz e olha para o copo vazio antes de olhar para cima e
encontrar meus olhos. — Se Sylvie estivesse aqui, ela me diria para escolher a
porta-voz, assinar um cheque e ver o que acontece.
— Porta-voz?
— Sim. — Ele olha para as pessoas no pátio e acena para o
estacionamento. — Supostamente, eu tenho a palavra final sobre quem
representará a empresa. Tenho certeza de que Zane já escolheu sua favorita,
mas, francamente, não sinto que possa me relacionar com nenhuma das
mulheres que conheci aqui esta noite além de você.
Concordo com a cabeça e sorrio suavemente quando seu elogio atinge
meu coração. Dou uma olhada nas mulheres presentes e me pergunto quais
delas estão concorrendo. Nenhuma delas tem algo que eu não tenha.
— Por que você está hesitando em apoiar a empresa? — pergunto.
— Por causa dele. — Robert ergue o queixo para onde Zane estava, mas
não o chama pelo nome. Não digo nada porque de repente me sinto
desconfortável. — Ele me disse que acredita no poder da plataforma SoulM8
e que funcionou para ele. Ele me diz que acredita que o amor é mais
importante na vida de alguém do que o dinheiro… mas ele também está
vendendo seu peixe. E parece um garanhão. Como posso confiar que ele não
está apenas me dizendo o que eu quero ouvir para que eu assine o cheque que
ele quer?
— Robert…
— Sylvie podia farejar mentiras a um quilômetro de distância. Já eu? Eu
confio demais…
As palavras de Zane ecoam em meus ouvidos. O amor é uma emoção
estúpida fabricada para definir relacionamentos.
Tudo o que Robert está dizendo está correto, mas não consigo dizer o
contrário.
E então uma ideia me ocorre. E se eu pudesse proteger Robert, colocar o
hipócrita Australiano Arrogante em seu lugar e fazer algo por mim?
Você precisa aproveitar as oportunidades quando elas surgem.
Acho que você vai se arrepender de ter me dado esse conselho, Zane.
— Robert! Como está tudo por aqui? — A voz de Zane ressoa atrás de
mim, e sua mão surge e dá um tapa nas costas do senhor.
— Ótimo, obrigado.
— Harlow — Zane diz, mas não me passa despercebido que ele dá uma
boa olhada em meu corpo antes de parar em meus olhos.
— Zane — eu digo com um aceno de cabeça e um sorriso excessivamente
doce, enquanto me preparo para fazer minha jogada. — Eu estava
conversando com Robert aqui e estava prestes a lhe contar as boas novas.
— Boas novas? — Um alerta pisca em seus olhos esmeralda, mas eu
ignoro completamente.
— Sim. Sobre como você me contratou para ser o rosto da campanha
publicitária da SoulM8. Eu serei a porta-voz.
Enquanto o rosto de Robert se ilumina, o de Zane fica congelado e
mostra que ele rejeita minha revelação.
— Você o quê? — ele finalmente diz depois de tomar um longo gole da
bebida em sua mão.
— Eu contei para ele a boa notícia! — Zane enrijece quando estendo a
mão para apertar seu braço e mostrar a Robert que há alguma familiaridade
entre nós dois. — Fiquei tão surpresa e empolgada quando você me contou
que havia me escolhido, que ainda estava processando tudo. E então, é claro,
conheci Robert, e estávamos conversando sobre como, dentre todas as
finalistas, ele sentiu que poderia se relacionar melhor comigo, então pensei
que era o momento perfeito para contar tudo. Não é a melhor maneira de
usar meu diploma de comunicação e minha experiência como modelo?
— Não há maneira melhor, de fato… — Zane diz com o maxilar
cerrado, olhos perfurando os meus enquanto abre um sorriso.
Zane
Ela está de sacanagem com a minha cara?
Todas aquelas visões que tive daqueles saltos afundados no meu quadril
enquanto fazíamos sexo foram jogadas pela janela.
— Robert? — Harlow diz, olhando para Robert com olhos doces e lábios
entreabertos. — Você não disse nada. Devo me preocupar com isso…?
— De jeito nenhum. — Robert olha pra mim e para ela e então abre um
largo sorriso. — Esta é uma das melhores notícias que já ouvi.
Espera. O quê? Ele lidou bem com isso?
Mas e a Simone? Eu disse a Simone que o trabalho era garantido.
— Você será o rosto perfeito da SoulM8, Harlow — Robert diz, me
fazendo balançar a cabeça como se estivesse em estado de choque.
Surfa na onda, Z. Porra, surfa na onda.
Mas tem algo de errado. Eu vejo isso em seu rosto. No jeito como ele
continua olhando para Harlow, como se houvesse algo mais que ele precisasse
dizer, e eu odeio estar sendo excluído disso.
— Então acho que devemos contar a ele as outras novidades também. —
O que estou dizendo?
— As outras novidades? — Ambos dizem em uníssono e se voltam para
me olhar. Sinto um pouquinho de satisfação ao ver que ela parece
preocupada.
Ela deveria estar mesmo, porque estou prestes a chutar sua bunda dessa
campanha tão rapidamente quanto ela pulou nela… ao mesmo tempo que
resolvo o problema que criei.
Eu lhe dou um sorriso antes de me aproximar, meus olhos em Robert.
— Estávamos com receio de mencionar isso — eu blefo. — Ela tem
razão. Originalmente, escolhi Harlow como a porta-voz meses atrás, e, eis
que, quando usei a SoulM8 como você sugeriu, ela deu match entre nós dois.
Seus olhos se arregalam. Dois podem jogar este jogo, querida.
— É mesmo? — Robert pergunta, a cabeça girando de mim para ela e
depois de volta, um ceticismo em seus olhos que eu não quero ver.
— Eu sei que é difícil de acreditar… mas conversamos um pouco online
durante a fase de teste beta, ambos usando avatares, e você pode imaginar
nossa surpresa quando nos encontramos cara a cara.
Eu me aproximo, puxo Harlow e dou um beijo em sua têmpora.
— Foi uma grande surpresa — ela diz, entrando em encenação que não
faz ideia de para onde vai. — Pensei em me inscrever para dar uma olhada no
site e ver do que se tratava. Nunca em meus sonhos mais loucos imaginei que
isso aconteceria. — Ela desliza o braço em volta de mim e se vira, sorrindo
para mim.
— Quando você me contou antes, Zane… Eu estava cético de que você
estava dizendo a verdade. Eu… Harlow, peço desculpas pelas coisas que eu…
— Não se desculpe por sua honestidade — ela diz. — Quando descobri
quem era o homem com quem eu estava conversando, tive muitas das
mesmas preocupações que você. — Ela olha para mim, e embora seu sorriso
seja doce, seus olhos disparam um alerta para mim que é tão confuso quanto
a conversa entre os dois. Ela olha para Robert. — Mas eu tenho que te dizer,
quanto mais eu o conheço, mais essas preocupações se dissipam.
— É mesmo? — Robert pergunta, claramente mais à vontade do que
quando conversamos no início da noite.
— É — ela comenta.
— Eu me sinto um estrangeiro aqui — brinco, odiando essa posição.
— Não é nada que diga respeito a você — Harlow diz com um aceno de
cabeça reconfortante para Robert, o que me deixa ainda mais curioso, mas me
permite assumir a liderança aqui.
Seu tempo aqui foi bom, Harlow… agora é hora de acabar com isso.
— O que me preocupa, porém, é a aparência de impropriedade, Robert,
e isso é a última coisa que quero antes de um grande lançamento
promocional para a plataforma. Harlow e eu conversamos — digo — e
decidimos que é melhor eu usar outra pessoa para o cargo de porta-voz.
Seu corpo enrijece ao meu lado, e seus dedos fincam em minha lateral.
Qual é a sensação de ser pega de surpresa?
— Zane…
— Espere, querida. — Dou um beijo casto em seus lábios para calá-la, e
odeio perceber como eles são macios. — É importante ter certeza de que
Robert sabe que não estávamos tentando enganá-lo. Os primeiros meses de
um relacionamento são importantes, pelo menos foi o que ouvi, e não
gostaria de comprometer o que temos misturando trabalho. Tampouco
gostaria que houvesse a aparência de impropriedade para qualquer um de
nossos patrocinadores. Com isso em mente, pedi ao meu advogado que
preparasse um novo contrato para Simone assumir o cargo e, com sua benção,
meu chapa, vou avisá-la hoje à noite.
Harlow fica tensa novamente. Não há nada que ela possa dizer, realmente.
Se retrucar, Robert saberá que ela mentiu, então o melhor é ficar em silêncio
e sorrir para que pareça que está de acordo.
Ela pode ser corajosa, mas algo me diz que não vai me desmentir.
Robert franze os lábios e olha para nós dois por cima da borda de sua
bebida enquanto toma um gole. Alguém ri à nossa esquerda. Capto
rapidamente o olhar curioso de Simone por cima do ombro, mas sei que não
posso fazer nada para responder à pergunta em seus olhos.
— Devo discordar de você, Zane — diz Robert. Ah. Merda. — Acho que
ter um casal na vida real, nada menos que o CEO e sua namorada, pareceria
muito mais genuíno do que um rostinho bonito e uma cabeça falante nas
coletivas de imprensa.
Harlow endireita a postura, ri e encosta no braço de Robert.
— Acho que estou ofendida, Robert.
— Minha querida, Harlow… ninguém jamais negaria quão linda você é.
Perdoe-me se fiz você pensar que não. — Robert encontra meus olhos. —
Relatos verdadeiros vendem bem, desde que seja crível. — Ele levanta uma
sobrancelha em desafio para mim, e não sei dizer se está sendo sincero ou se
sabe que estou mentindo.
De qualquer maneira, estou fodido.
E não o tipo bom de fodido.
— Todo mundo diz que a fase de lua de mel de um relacionamento é a
mais importante. Eu não gostaria de arriscar a nossa com…
— Ah, Zane, não seja bobo — ela me interrompe e se inclina para dar
um beijo na minha bochecha. A raiva me faz querer me afastar dela, meu
instinto – e meu pau – me faz notar muito sobre ela: seu perfume, a maneira
como seu cabelo faz cócegas em minha bochecha, a sensação de seus seios se
esfregando contra meu peito. — Tenho certeza de que o que temos é mais do
que suficiente para sobreviver a uma pequena propaganda. Trabalhar juntos
nos deixará mais fortes, você não acha?
O que está acontecendo agora? E como posso chutá-la daqui e trazer Simone
de volta? A complacente e agradável Simone.
E, no entanto, fui eu quem a convidou. Fui eu quem começou tudo isso.
— Minha Sylvie sempre dizia que um pouco de conflito só torna tudo
muito mais doce — diz Robert.
— E nós amamos as partes doces, não é, Zane? — Harlow diz com um
piscar de olhos enquanto sua mão desliza para a minha bunda e dá um
tapinha para dar ênfase.
— Amamos — eu digo, tossindo, desesperado por um motivo para me
afastar dela e seu corpo muito quente.
— Bom para vocês, então — Robert diz com um sorriso enorme, ainda
não superando sua necessidade constante de tentar imitar meu sotaque. —
Não é assim que você diz, meu chapa?
— É, sim. — Soo distraído. Eu sei que é o que parece, mas, porra, não
consigo pensar em um modo de sair dessa.
Zane Phillips não é alguém que se possa encurralar, bajular ou forçar a
fazer qualquer coisa… nunca. Eu não consigo nem me concentrar no que os
dois estão dizendo, planejando, fodendo com tudo e tramando porque, a
cada segundo que passa, minha raiva aumenta mais.
Será difícil trabalhar com Harlow? De jeito nenhum.
Vou me ressentir dela a cada minuto por me manipular? Para caralho.
O que começou como um joguinho de nada – uma competição – acabou
me ferrando, não foi? Eu me fodi e não tive um pingo de prazer nisso tudo.
— Robert Waze! É você mesmo? — diz uma voz à nossa esquerda, me
dando uma abertura para escapar.
— Precisamos falar com alguns conhecidos — eu digo a ele enquanto
meus dedos seguram o cotovelo de Harlow para nos guiar para fora do
alcance de todos na festa.
Harlow
— Você enlouqueceu? — Zane rosna, e eu puxo meu braço quando
chegamos no lugar onde o vi pela primeira vez nesta noite: no corredor
coberto.
— Não. Na verdade, acho que fui muito inteligente. Vim para uma festa
e consegui um novo emprego. Não foi isso que você me disse? Que haveria
oportunidades aqui que talvez eu pudesse aproveitar?
— Sim, e há. Mas não comigo! Não por cima de mim.
— Qual é o problema? Você acabou de experimentar seu próprio jogo,
meu chapa? Foi isso mesmo? Você tentou nos transformar em um casal para
que eu fosse chutada e então, opa, isso consolidou ainda mais o negócio?
Eu dou de ombros inocentemente, em contradição com o sarcasmo em
minha voz. Estou amando tudo isso a cada segundo que passa. Posso até ver a
frustração crescer em sua expressão: o franzir de suas sobrancelhas, o tique do
músculo em sua mandíbula, a tensão em seus lábios.
— Você tem alguma ideia do que acabou de fazer? — Ele olha por cima
do ombro para se certificar de que nossa conversa não possa ser ouvida. Em
seguida, nos move novamente para que fiquemos sob as sombras da noite.
— Sim, eu estava salvando teu rabo — eu bufo. Não é elegante. Não
combina com o vestido caro que estou usando. Mas eu não poderia me
importar menos.
— Meu rabo? — Sua risada poderia congelar a água, além de ser muito
irônica. — Eu sei cuidar do meu rabo perfeitamente bem, muito obrigado.
— Na verdade, você não sabe — eu digo e caminho em sua direção. —
Você saberia do que estou falando se tivesse ouvido Robert confessar que não
confia em seu comprometimento com este projeto. Ele estava preocupado
com sua motivação e sua crença geral nesta empresa para além de algo mais
do que apenas um empreendimento monetário.
A expressão em seu rosto me diz que Zane acredita em mim e que tinha
dúvidas semelhantes.
— A última coisa que preciso é que você interfira nos meus negócios. —
Lá vem aquela máscara de arrogância de novo. Ela desliza sobre seu rosto
como uma armadura que esconde qualquer emoção do mundo exterior.
— Por quê? Você tem medo de que talvez Robert tenha ouvido você
pensando em qual mulher aqui poderia ser sua namorada de mentira para
que você pudesse enganá-lo? — Minha voz é doce como sacarose enquanto
meus olhos brilham. — Quero dizer… que pesadelo interminável.
Chamei a atenção dele. Seus lindos olhos verdes encaram os meus e seus
dedos apertam a taça.
— Harlow…
Eu inclino a cabeça para o lado.
— Então, pelo que estou vendo, você me deve uma.
Seu sorriso é no mínimo frio.
— Você está brincando com fogo.
— Nah, estou apenas lidando com a queimadura que você mesmo
provocou. — Eu sei que estou sendo infantil, mas é tão bom ver a boca de
Zane ficar relaxada, nem uma única palavra saindo por seus lábios. —
Também estou te impedindo de cometer um grande erro e comer a Simone,
afastando sua porta-voz e sendo pego por Robert.
— Sou um homem adulto, posso dormir com quem eu quiser.
Minha risada é cheia, gutural e zombeteira.
— Não quando você encontrou o amor da sua vida, aí você não pode. O
que o pobre Robert pensaria se descobrisse que você estava dormindo com
outra pessoa enquanto supostamente namorava comigo? Acho que isso não
daria muito certo. — Eu balanço a cabeça lentamente, gostando de vê-lo se
contorcer. — Tá odiando que seu próprio plano saiu pela culatra? Que você
tentou me foder…
— Se eu tentasse te foder, seria mais do que bem-sucedido. E você ficaria
com um humor muito melhor.
— Não seja tão babaca.
— Sou conhecido por isso, querida.
Nós travamos uma guerra visual, ambos olhando um para o outro
enquanto tentamos lidar com essa nova situação.
— É fácil de resolver — diz ele, em voz baixa, o corpo na defensiva. —
Diga a Robert que você não pode mais fazer isso. Sua mãe está doente. Seu
cachorro morreu. Você conseguiu um emprego maior em outro lugar. O que
for.
— Pra quê? Para você dar o trabalho para Simone? — Eu olho por cima
do ombro e encontro a mulher que eu ouvi se gabar mais cedo. Ela é
incrivelmente linda em todos os sentidos imagináveis: cabelo, corpo, lábios,
estilo. — Não era ela que estava contando a todos sobre a quantidade de
trabalho que tem e como mal consegue encaixar essa oferta em sua agenda se
for aprovada? Essa Simone? Ela vai sobreviver, Zane. E vou poupá-la da
mágoa de ser enganada e pensar que realmente há algo entre vocês dois.
— Você é uma grande de uma…
— Cuidado com o que você diz sobre sua namorada, Zane. — Ele range
os dentes, e eu reviro os olhos. — Ah, fala sério…
— Pode calar a boca? — ele rosna.
— Não. É uma sessão de fotos. Grande porcaria. É o mínimo que você
pode fazer…
Antes que eu possa terminar as palavras, os lábios de Zane encontram os
meus. Ele é puro calor e fogo, e há faíscas de raiva em sua língua. Elas me
atordoam momentaneamente enquanto tento me manter firme… mas,
droga, esse homem sabe beijar.
Estou presa naquele estado suspenso de querer tomar uma decisão e
empurrá-lo para longe de mim, mas o tempo todo desejando beijá-lo de volta
e aceitar o que está oferecendo.
E justo quando tomo a decisão – logo quando sua mão livre desliza pelas
minhas costas nuas e o calor de seu corpo se infiltra através do meu vestido –
ele me choca ao se separar de mim.
Levo um segundo para recuperar o fôlego. Para encontrar meu rumo.
Para lembrar o que eu estava pensando.
— Robert estava olhando — ele murmura, e seus olhos perfuram os
meus. Por mais blasés que suas palavras soem, seu corpo, seus lábios, seus
dedos se mexem como se estivessem ansiosos para tocar em alguma coisa;
tudo em Zane mostra algo completamente diferente de seu tom de voz. —
Estou mantendo as aparências.
Aturdida exatamente por não ficar aturdida, sinto que preciso fazer algo
para sumir com essa confusão toda dentro de mim, a fim de nos colocar em
pé de igualdade. Sem pensar, agarro seu colete e fico na ponta dos pés,
pressionando meus lábios nos dele. Eu imito seu beijo em todas as
características – no calor, na raiva, na confusão, na curiosidade.
Quando separo meus lábios dos dele e respiro fundo, adoro o olhar
perplexo em seu rosto.
— Estou mantendo as aparências — repito com um inocente piscar de
olhos e um encolher de ombros indiferente. Faço o que for preciso para me
ajudar a disfarçar as batidas rápidas do meu coração e o fato de que posso ser
corajosa e ousada, mas beijar Zane Phillips desse jeito me deixou nervosa.
— Sim. É claro.
Ele balança a cabeça quase como se não confiasse em si mesmo para dizer
mais nada. Em seguida, toma um gole de sua bebida e se vira para a festa que
estava às suas costas. Ficamos em silêncio por alguns instantes, quase como se
não soubéssemos o que dizer ou para onde ir depois desse beijo… e talvez eu
deva tomar isso como um alerta para recuar, seguir seu conselho e inventar
um problema para não aceitar este trabalho.
Talvez fosse esse o objetivo de Zane.

É
— Tá bom. Você ganhou. O trabalho é seu, Harlow. É o mínimo que
posso fazer por você estar me ajudando a manter Robert feliz.
— Oh… — Sua desistência repentina me assusta. E me deixa cética.
— Além disso, você vai viajar na segunda-feira para uma turnê
promocional de várias semanas. — Seu sorriso se alarga, e ele se vira para que
eu o veja. — Só teremos que nos ver uma ou duas vezes antes de você ir, para
que eu possa ver como você está indo, e depois que você voltar… a distância
terá sido demais para esse novo relacionamento e tudo mais.
Eu mordo o interior da minha bochecha quando nossos olhos se
encontram.
— E você tem certeza que Robert vai lidar bem com isso?
— Não. — Ele balança a cabeça como se não estivesse nem um pouco
preocupado. — Mas considerando que você está prestes a conseguir um
contrato de cento e cinquenta mil pratas para ficar bonita e falar bem para
promover a SoulM8… Acho que você vai saber lidar com a decepção de
Robert.
Faço um esforço sem medidas para não deixar que meu queixo caia.
Cento e cinquenta mil dólares. Zane realmente disse isso?
E eu reclamando de quanto dinheiro ele gastou nos meus sapatos.
Eu o encaro, olhos piscando, pés se mexendo, tentando ficar de boas. Mas
aquele sorriso arrogante dele no canto da boca aparece; ele sabe que vou jogar
esse jogo para ele.
— Foi o que eu pensei — diz ele, os olhos vagando pelo meu corpo. —
Belos sapatos. — E com isso, Zane vai embora sem dizer mais nada.
Eu fico olhando para ele. Observando-o. A maneira como suas calças
perfeitamente ajustadas destacam sua bunda. A maneira como seu colete
abraça os ombros largos e o torso. A maneira como sua camisa veste bem seus
bíceps. E fico lembrando do gosto de seu beijo.
O fato de que não vamos ficar próximos um do outro é bom.
Tudo sobre Zane Phillips me atiça de um jeito ruim.
Mesmo quando estou pensando que ele saberia me atiçar de um jeito
bom.
Eu me inclino contra a parede atrás de mim e respiro fundo. Então
minha ficha cai: eu tenho um emprego. Um trabalho remunerado real e
legítimo como porta-voz. Um que me dará um respiro e tanto por um tempo
no que diz respeito a contas, empréstimos e despesas.
Estou conseguindo o que quero… então por que minha consciência odeia
o fato de que estou mentindo para Robert?
E por que estou desapontada com o fato de que Zane não estará nessa
viagem de negócios?
Zane
— Eu estou com umas ideias aqui, Zane.
— Ideias? — Jesus. As ideias de Robert nunca são boas. A última ideia
que ele teve envolveu eu ter de me inscrever e usar a SoulM8 durante a fase
beta, e veja onde isso me levou.
Quando ergo a cabeça e o vejo parado na porta do meu escritório, há um
sorriso em meus lábios. Porém, na minha cabeça, estou xingando minha
secretária por deixá-lo passar sem me avisar.
Ele assinou um cheque, Zane, eu tento me lembrar disso.
— Sim. Ótimas ideias — diz.
Suas conexões já estão valendo a pena. Selecionamos mais cinco meios de
comunicação para ajudar a destacar o lançamento da plataforma, trouxemos
quinze novos anunciantes pagos e garantimos um artigo na People para o
próximo mês rotulando a SoulM8 como a próxima grande tendência em
relacionamentos.
— Dia, Robert — digo para atrasá-lo e poder definir o ritmo. Meu
escritório. Minha plataforma. Minha companhia. — Então, quais são essas
ideias?
Ele entra em meu escritório com facilidade – sua camisa vermelha dá um
toque de cor contra a madeira escura de mogno e as paredes cinza-claro – e se
senta na minha frente.
— Como a Harlow está?
Sua pergunta me confunde momentaneamente, mas eu respondo sem
hesitar.
— Ela está bem.
— E a sessão de fotos?
— Eu estive fora da cidade, mas acredito que tudo correu bem também.
— Eu me inclino para trás na cadeira e cruzo as mãos atrás da cabeça.
— O que Harlow achou?
— Ainda não falei com ela — digo cautelosamente, andando na corda
bamba, sinto que ele está puxando para me pegar em minha mentira.
— Não?
— Não, nós dois estivemos bastante ocupados, mas é Harlow… como as
fotos podem ser outra coisa senão lindas? — argumento. — Devo ter
relatórios gráficos em breve. Podemos analisá-los e decidir qual caminho
seguir com a campanha publicitária.
— Vai precisar fazer uma declaração. Já fizemos burburinho o suficiente
com as propagandas que usamos até agora.
— Já fizemos. — Imagino o fundo preto sólido. A palavra SoulM8 em
uma fonte única e reconhecível, com sua ortografia inteligente: SOULM
seguido pelo número oito, eight em inglês. Em nosso logotipo, o oito está na
horizontal, de modo que parece um símbolo do infinito.
— Sexy o suficiente para atrair as mulheres, masculino o suficiente para
manter os homens interessados.
Concordo com a cabeça e olho as pilhas de merda para fazer na minha
mesa. É melhor arrancar o Band-Aid e suportar logo a dor de seja lá o que
Robert queira fazer.
— Então, me conta dessas suas ideias.
— Quero mudar o foco do nosso marketing. — Sua voz é calma, seus
olhos me estudando para uma reação.
— Pensei que era disso que estávamos falando. Colocar a Harlow como o
rosto da SoulM8, tanto nas propagandas quanto pessoalmente nas festas de
lançamento, vai dar conta disso.
— Concordo, mas depois de pensar no assunto durante a minha corrida
da manhã, estou achando que nossa visão está limitada.
— É mesmo?
— Sim. Precisamos vender o resultado: o felizes para sempre, não o
primeiro encontro do casal.
— Ok — murmuro enquanto espero para ver o que mais ele vai dizer.
Porra, como isso é difícil. Ouvir e ter de acatar ordens. Eu trabalho sozinho.
Eu trabalho como eu quero, quando eu quero, então essa coisa toda de ter
um sócio é uma merda… mas forço um sorriso e me lembro de que o prêmio
de quatro milhões de dólares e os méritos valerão a pena. — E como você
pretende que nós façamos isso?
— Focamos em um casal que encontrou seu grande amor pelo site e os
usamos como garotos-propaganda; nossa promessa do que é possível fazer no
site.
— Robert. — É um aviso. É um está falando sério? Um grande alerta para
que ele não siga por esse caminho.
A plataforma ainda está em modo beta. A única pessoa que ele conhece
que encontrou seu grande amor por conta do site sou eu.
— Me escute.
— Eu não quero.
— Sim, você quer. — Seu sorriso é sua forma de me alertar também. —
Harlow é belíssima e inteligente. Você é muito bonito e bem-sucedido. Vocês
dois juntos representam exatamente o modelo de clientela que almejamos:
jovens profissionais cosmopolitas que não têm tempo a perder em bares, mas
que esperam que a pessoa certa apareça. Vocês estão com muita fome em todos
os aspectos da vida para ficarem sentados esperando. Vocês são
empreendedores. São proativos. Vocês são duas pessoas que se conheceram no
site e encontraram o grande amor. Que melhor maneira de vender sua
própria plataforma do que provar que ela funciona?
Ele é brilhante para caralho, e eu o odeio por isso. Eu já consigo ver a
campanha publicitária. Os gráficos online. Os anúncios em revistas. O
fascínio de um casal atraente que encontrou um relacionamento dos sonhos.
Tudo até a parte sobre ser meu rosto nisso tudo.
— Já organizei tudo para você participar do tour promocional.
— Jesus Cristo, Robert. — Eu tusso as palavras enquanto me levanto da
minha mesa e viro de costas para olhar pelo vidro a Cidade dos Anjos
trabalhando. — Não posso simplesmente largar tudo e…
— Sim, na verdade você pode. — Eu me viro, e nos encaramos.
Ninguém me avisou que Robert Waze fez fortuna forçando barras. — Sua
secretária me disse que sua agenda está bem livre, e as poucas tarefas que
existem, eu tenho certeza de que você pode adiar.
— Eu não cuido somente dessa empresa.
— Por enquanto, cuida — afirma.
— Mas meu trabalho é administrar a empresa, não ser a cara dela.
— Não mais.
Eu belisco a ponte do meu nariz, relembrando as provocações na
teleconferência mensal que tivemos esta manhã.
— Fala sério, Phillips. Nada a relatar ainda? Eu já estou lucrando enquanto
você fica aí todo meia-bomba esperando para apostar no amor enquanto nós
estamos lucrando com tecnologia.
— Acalme-se, Kostas. Eu gosto de ir no meu tempo, bem devagarinho.
Exatamente como as gurias gostam.
A voz de Robert me traz de volta ao presente.
— Eu já organizei com os Três Grandes para dar nosso pontapé inicial.
Eles toparam demais só com a menção de seu nome.
The Today Show. Good Morning EUA. CBS This Morning.
Até eu estou impressionado com a escalação que Robert fez através de
suas conexões.
— Achei que faríamos eventos pequenos. Burburinhos. Encontros. — Eu
tento agir de forma indiferente.
— E vamos — diz Robert com um aceno de cabeça. — Mas com esse
novo ângulo de marketing, consegui vender o lançamento como uma história
de interesse público. O homem rico e inatingível é finalmente domesticado
pelo amor.
— Domesticado? É da minha dignidade que estamos falando aqui.
— Vale tudo no amor. — Ele pisca, e minhas mãos se fecham. — Todo
esse conceito me permitiu conseguir mais visibilidade. As mulheres querem
esperança. Elas veem você, veem que é possível pegar um homem como
você… e elas compram a ideia. Quando você faz as mulheres ofegarem, elas
usam o boca a boca. E se elas usam o boca a boca, nós conseguimos clientes.
Ter clientes significa assinaturas. Ter assinaturas significa…
— Dinheiro.
— Exatamente — ele concorda. — E não é só isso, nós vamos ganhar
dinheiro unindo as pessoas, trazendo amor para as massas. Enfim, tenho
certeza de que podemos usar o ensaio de Harlow de hoje para alguma coisa,
mas também quero fazer outro ensaio com vocês dois juntos.
— Bom. Ótimo — eu digo em um tom monótono, incapaz de fingir
entusiasmo. — Estou sendo sarcástico, caso não tenha ficado claro.
Ele não parece se importar.
— Você me deu o controle da parte criativa, Zane.
— Sim, meu chapa, isso foi antes de você me incluir em parte de sua
campanha publicitária — eu meio que brinco, meio que lamento e quero me
estrangular por ter concordado com isso. — Não sou modelo. Eu pertenço às
salas de reuniões, não à frente de uma lente.
— Eu sei o que faço. Você precisa confiar em mim.
Mal sabe ele que não confio em ninguém. Nem hoje. Nem nunca.
— Não estou feliz com isso.
— Eu estou ciente. — Robert se apoia no braço da cadeira e cruza os
braços casualmente sobre o peito. — Mas esse é o lance… Estou bem ciente
de que você não precisa do meu dinheiro, Zane. Suas contas bancárias estão
mais do que cheias. É das minhas conexões que você precisa.
— Concordo — eu digo, curioso com onde ele quer chegar.
— E você vai ter acesso a elas, mas tenha em mente: eu não vou ser
tapeado. Posso ser um velhote, mas sou durão, então se você acha que eu
passaria um cheque e iria embora em silêncio, você está errado. Eu acredito
nesse projeto, eu acredito em você… e, mais do que tudo, acredito na
promessa que fiz a Sylvie. Eu estou fazendo isso por ela. É por isso que eu
quero que isso dê certo. Então, goste ou não, estou cem por cento envolvido
nisso.
Olá, senhora bala. Esta é a arma. Esta é a minha têmpora.
— Não esperaria outra coisa. — Quanto menos eu falar, melhor.
— Que bom — diz ele com um balançar de cabeça definitivo. — Agora
vou te falar: estou extasiado por você ter encontrado Harlow. Ela é uma
mulher adorável e com tanta profundidade. Eu posso ver por que você está
apaixonado por ela.
— Ela é uma força e tanto que precisa ser reconhecida.
Pena que parece que sou eu quem vai lidar com esse reconhecimento.
E, claro, assim que ele vai embora do meu escritório, o restante do meu
dia é uma merda, para combinar com a manhã.
Telefonemas dos meus pais. Minha mãe ligando para reclamar do meu
pai. Meu pai ligando para reclamar da minha mãe. Aí eles desligam sem dizer
mais nada, vão tomar outro drinque e sem dúvida brigar mais um pouco.
Outro lembrete agradável de por que fui embora na primeira chance que
apareceu.
Em seguida, apareceu uma falha frustrante na programação da SoulM8 e
não consegui encontrar o engenheiro de software para consertá-la. Além
disso, um problema com uma de minhas outras empresas – uma fusão que
estava dando errado e eu tinha de tentar salvar. Isso sem contar com o
desapontamento de Simone, que veio me perguntar o que diabos aconteceu,
sendo que eu quase afirmei que ela tinha o emprego.
Adicione a isso tudo o fato de que Manchado vomitou no tapete.
Mas vai além disso, para contribuir com meu mau humor.
Eu deveria estar feliz. Posso dormir com Simone livremente agora, sem
cruzar os limites que antes não poderia porque seria o chefe dela. Bem, depois
que ela me perdoar por tudo. Nosso encontro às oito horas para tomar uma
bebida me dará uma chance de explicar.
Mas ainda estou de péssimo humor. É porque não quero ficar preso a
Harlow?
Jesus, não é nem isso.
O problema é que eu realmente gosto dela. Seu bom senso, sua habilidade
de jogar comigo quando ninguém mais consegue fazer isso. Seu maldito corpo.
É exatamente por isso que odeio essa ideia. Se nossos primeiros encontros
tiverem sido uma amostra de como será essa viagem, já sei que ela não vai
parar de falar o que pensa e se afirmar a cada oportunidade que tiver.
E, porra, como isso é sexy. E confuso. E é tudo aquilo que eu mais fujo.
Está escrito “encrenca” em todo lugar. E vai ser difícil fingir que estou
apaixonado por ela sendo que o que eu desejo mesmo é calar a boca dessa
mulher.
— Você está bem, meu chapa? — pergunto a Manchado enquanto ele
vagueia ao lado da minha mesa, grunhindo um pouco a cada respiração,
quando o celular toca. — Jesus — eu gemo quando vejo o nome no
identificador de chamadas.
Cinderela.
Já não é ruim o suficiente que eu só pense nela? E só olhe para ela? Estou
encarando as imagens na tela do meu computador, a sessão de fotos que me
foi enviada há pouco mais de uma hora. Passo um tempo contemplando e
imaginando todas as maneiras com as quais eu poderia me divertir com esse
corpo dela, sabendo o caos e a irritação que ela está me causando em todos os
outros aspectos da minha vida.
Às vezes, é uma maldição ser homem. O que eu não daria para pensar
com meu cérebro sem que meu pau interferisse e fodesse com tudo.
Literalmente.
— Você já não causou problemas suficientes? — digo quando pego o
celular.
— Vejo que seus bons modos ainda precisam de um ajuste fino.
— Eu não sou um piano, Harlow. Não preciso de ajuste fino.
Sua risada é profunda e gutural, e o mero som dela me faz pensar em seus
lábios na outra noite. O desafio em sua língua. A rendição contra a qual ela
lutou. Isso até ela abrir a boca.
— Nossa, mas como é fácil te provocar.
Porra, não estamos há nem um minuto nessa conversa, e eu já estou puto
da vida.
— O que você quer?
— Boa tarde, Zane. Espero que você esteja tendo um bom dia.
— Nem um pouco. — Só vou dizer isso. Eu me recuso a dar a ela o
prazer de saber que é a razão do meu humor atual estar uma merda. O
silêncio se estende enquanto eu percorro o restante das fotos de Harlow que o
fotógrafo me enviou.
Ela é fotogênica. A câmera ama cada ângulo e curva dela. As fotos me
fizeram passar muito tempo encarando a tela, em vez de encarar meu
trabalho.
A culpa é dela. Tudo isso. Não é a maneira mais fácil de entender tudo
isso?
— O que você quer? — pergunto.
— Preciso de acesso à SoulM8.
— Pra quê? Para você foder com tudo lá também?
— Por dois motivos. Em primeiro lugar, se vou promovê-la, preciso
entendê-la. E em segundo lugar, se vou seguir sua mentira de que nos
conhecemos online, você não acha que seria sensato eu ter um perfil e estar
mais do que familiarizada com o seu?
Ela tem razão. Merda. Meu suspiro preenche a ligação.
— Você não pode simplesmente sorrir e acenar? — É um comentário
escroto, mas me deu vontade de irritá-la.
Ela não cai na provocação.
— Almocei com Robert hoje — diz ela com indiferença, me fazendo
engasgar com a água e desejar algo mais forte do que isso.
— Por que você fez isso?
— Porque ele pediu. Porque ele queria falar de marketing. Porque ele está
sozinho, e eu estava tentando ser legal. Não preciso ter um motivo, e com
certeza não preciso da sua aprovação se quiser almoçar com alguém.
Eu suspiro, já exausto.
— Devo presumir que ele lhe contou a notícia?
— Notícia?
— Sim… que você e eu vamos viajar juntos.
— Ah, essa notícia. Sim, Robert mencionou isso.
— E..?
— E eu estou tentando descobrir como vamos administrar isso, visto que
sua postura é pautada em se meter em tudo quanto é lugar.
— Deus, como você é irritante.
— Então prepare-se para ficar irritado, porque vamos passar muito tempo
juntos nas próximas semanas.
Porra. Ela está certa.
— Vai dar tudo certo, Harlow. Ficarei fora do seu caminho enquanto
você ficar fora do meu.
Sua risada atravessa a linha e me faz pensar qual som ela faz quando goza.
Totalmente inapropriado, mas levando em conta as fotos na minha frente e
seu tom de desafio permanente, não tive como não pensar nisso.
— Você entende que teremos que trabalhar juntos, certo? — ela
pergunta. — Isso vai dificultar essa ideia de cada um ir para um lado.
— Sim e não. Quando for necessário, estaremos juntos. Cumpriremos o
papel. E quando estivermos longe dos olhos do público, ficaremos longe um
do outro.
— Certo — ela prolonga a palavra e fica em silêncio. — Posso perguntar
o que eu fiz para você que o deixou tão zangado?
É a minha vez de rir.
— Você me obrigou a fazer algo que eu não queria. — Direto ao ponto.
Sem soar afetado. Honesto.
— Ah, entendi. Homens machões não gostam que alguém diga a eles o
que fazer, mas está tudo bem para esses homens machões assumirem que
qualquer mulher que passa é uma simples passeadora de cães. Uma pessoa
contratada para você não sujar as mãos.
— Voltamos a esse assunto? — Mulheres e sua capacidade de manipular
as conversas. Daí porque eu não me meto em relacionamentos. Ou com
mulheres a longo prazo.
— Não. Não voltamos. Nós só… — Ela suspira, soando tão frustrada
quanto eu. — Voltando à ideia de marketing de Robert. Acho que é
inteligente da parte da empresa, mas também pode ser desastroso.
— Diga o que você pensa sobre isso — digo, sendo pego de surpresa. Eu
não deveria estar surpreso por ela estar falando o que pensa; a maioria das
pessoas não me peita quando se trata de negócios. Eles apenas puxam meu
saco e fazem o que eu digo. Mas Harlow, tudo sobre ela é diferente do
normal.
— Você já deve saber que eu vou te dizer mesmo. Vender a ideia de um
casal, de que a plataforma funciona, é uma ideia brilhante.
— Então qual é o problema? — pergunto.
— Acho que você não vai conseguir dar conta.
— Logo quando pensei que você estava tentando ser legal comigo…
— Olha, Zane, você está usando uma estratégia errada, e isso tá óbvio.
— Você é uma figura, sabia?
— Você está olhando para isso como um negócio para ganhar dinheiro
— ela diz, me ignorando completamente. — Não como algo que pode
mudar a vida das pessoas.
— Você nem me conhece. Nós nos encontramos três vezes.
— Eu vi o suficiente para saber que isso é algo padrão para você. Não
consigo identificar o que é, mas tem algo de errado, e é mais do que apenas o
fato de que não é sua praia. Você investe em tecnologia. Em negócios. Você
nunca se envolveu em algo assim.
— Alguém está fazendo o dever de casa. — Eu odeio e amo o fato de que
ela notou isso tudo.
— Estou. Preciso entender a pessoa para quem estou trabalhando.
Qualquer empresário inteligente faria o mesmo.
Muito mais do que apenas um rostinho bonito…
— E você acha que eu não vou dar conta por qual motivo?
— Porque isso parece ser um jogo para você. Você investiu muito tempo
e dinheiro em algo que, de acordo com Robert, o grupo de teste beta elogiou
e mostrou que o site se saiu bem-sucedido… E, no entanto, você age de
modo indiferente e frio.
— Gerir uma empresa normalmente exige frieza.
— E essa postura vai chegar até o consumidor. Podemos fingir um
relacionamento por um tempo, mas se você não acreditar em nós ou no
produto que vende, o público vai notar.
— Então você é vidente agora, é? Consegue ver o desastre que a
plataforma será antes mesmo de começar?
— Talvez eu esteja errada… mas eu odiaria estar certa.
Ela fica em silêncio, e eu apenas olho para a foto de Harlow na minha
tela, detestando saber que ela tem razão. Não que eu vá admitir isso.
— Mas que bela bosta — eu digo.
— Veremos se é ruim mesmo. Você sabe o que dizem sobre orgulho
masculino, Zane?
— O quê?
— Ele surge antes de toda grande queda. — Sua risada preenche a linha,
e é tudo que ouço antes que ela desligue sem dizer mais nada. Mas, que
droga, Harlow me desafiou, e tenho toda a intenção de provar que essa garota
está errada.
Farei a maldita turnê.
Farei com que todas as malditas mulheres solteiras queiram estar na
plataforma, para que possam se apaixonar por alguém. Mesmo as casadas.
Então direi a Harlow que ela estava errada.
Completamente errada.
Droga de competições.
Elas sempre mexem comigo.
Harlow
— Eu enfiei algumas camisinhas na sua mala, mi hija.
— Jesus, mãe. O que aconteceu com segurar uma aspirina entre os
joelhos? — pergunto.
— Às vezes, você tem que aproveitar a vida!
— Tem algo de muito errado com você — eu digo, rindo.
— Talvez, mas assim como coloquei um estoque secreto de doces em sua
mochila, eu precisava ter certeza de que você estava preparada.
— Vai ter comida no ônibus, você sabe, né?
— Eu sei. — Ela dá de ombros. — Mas também sei que vou sentir sua
falta, e esta é minha maneira de te dizer isso.
Eu odeio sentir meus olhos ardendo de lágrimas, mas eu sei que se eu as
deixasse brotar, minha mãe ficaria mais preocupada comigo do que já está
fingindo não estar.
— Eu vou ficar bem.
— Claro que você vai. Você é minha garota.
— E eu vou sentir sua falta mais do que você imagina.
— Que absurdo. Você vai se divertir muito. — Quando o sorriso
sonhador de sempre aparece em seus lábios, eu estreito os olhos.
— Pare com isso. Nada vai acontecer. Ele é meu chefe. E ainda é um
babaca…
— Um babaca que deu a você um trabalho incrível — ela corrige. —
Tipo um príncipe chegando para salvar o dia.
— Era só o que me faltava — eu digo, revirando os olhos. — Vamos
torcer para que, enquanto eu estiver fora, você encontre um homem para que
possa parar de inventar contos de fadas sobre a minha vida e, em vez disso,
começar a inventar sobre a sua. — Eu passo os braços ao redor dela e a abraço
forte. Nós duas fungamos, mas fingimos que nada aconteceu. — É só um
trabalho. Só isso.
— Vai dar trabalho, mas vai ser divertido.
Vai dar trabalho, mas vai ser divertido.
As palavras da minha mãe em nossa conversa de hoje cedo me vêm à
mente enquanto eu respiro fundo para controlar meu nervosismo.
Consigo exibir meu corpo vestindo lingerie. Caminhar por uma passarela
sem vacilar ou olhar nos olhos de uma única pessoa. Mas há algo sobre as
pessoas olhando para mim – não para as roupas que estou encarregada de
mostrar – que as fazem parecer mais próximas, mais reais.
É apenas o nervosismo inicial de um evento. Noite um de cinquenta e
tantas pela frente. Pelo menos ainda estamos em Los Angeles. Minha terra
natal, onde há alguns rostos familiares na multidão – todos se perguntando,
sem dúvida, quando exatamente eu me tornei a namorada de Zane Phillips.
Porque com o lançamento da campanha publicitária veio a curiosidade do
público, junto da atenção minuciosa da mídia. Como o empresário e quase
playboy conhecido por andar com o pessoal mais badalado de Hollywood de
repente passou de solteiro e disponível a alguém apaixonado e monogâmico?
A plateia ri e me traz de volta ao presente, acalmando meus nervos.
Hora de ganhar meu dinheiro e convencer aqueles que me conhecem
melhor de que estou realmente apaixonada por ele. Se eu conseguir fazer isso,
o resto da viagem será fácil.
— Por que a SoulM8 é diferente? — Zane pergunta ao público antes de
deslizar a mão em volta da minha cintura, me puxando contra si e plantando
um beijo casto na lateral da minha cabeça, como se fosse a ação mais natural
do mundo. — Porque funciona.
Uma risada abafada atravessa a plateia, e eu luto contra meu instinto de
me retrair quando ele me toca.
Interprete seu papel, Low.
— Que resposta masculina — eu digo, soltando uma risada, e dou um
tapinha em sua bochecha antes de me voltar para o público. O teatro é de
bom tamanho, mas a sensação é íntima. Vejo os rostos das pessoas. Homens e
mulheres vestindo suas roupas de negócios, com expressões intrigadas,
linguagem corporal engajada, a esperança de encontrar sua alma gêmea neste
mundo agitado brilhando em seus olhos.
— Você gostaria de mim se eu fosse de outro jeito? — Nossos olhos se
encontram, e por um breve momento, reconheço para mim mesma que
estava errada.
O homem definitivamente sabe vender seu produto.
Ele está até me vendendo.
— Claro que não, mas precisamos explicar a essas pessoas por que ela
funcionou. Por que é diferente das outras plataformas que prometem
encontrar seu grande amor. Como ela fez com que um solteiro inatingível
como você decidisse tentar a chance.
— Inatingível? — ele zomba de mim e faz isso perfeitamente.
— Mantenha o ego sob controle, Phillips. Precisamos de espaço para o
restante das pessoas na sala.
A plateia ri.
— Ela me ama. Estão vendo? — Um toque brincalhão na minha bunda
para continuar o ardil.
— Na maioria dos dias, sim. — Eu assinto com um sorriso. — Agora por
que você não explica a eles o porquê de suas decisões?
— Eles não vão ficar entediados? Quero dizer, não posso simplesmente
mostrar o site a eles?
— Eles podem fazer isso em casa, querido. Eles vieram nos ouvir.
— Dá para saber qual de nós comanda o show? — ele diz com um sorriso
tímido, que, por um segundo, me faz esquecer que isso é uma encenação.
Estamos em uma sala cheia de gente, mas parece que somos só nós dois. —
Fazer o quê? Ela gosta de ditar as regras, e eu lido bem com isso.
— E ele gosta de ir na cara e na coragem com tudo.
— Mas, veja, nós sabíamos disso antes mesmo de nos encontrarmos cara
a cara. Com a inovadora tecnologia de IA que a SoulM8 está usando, nossos
pontos fortes e fracos, gostos e desgostos… eles foram combinados, nos
dando uma taxa de compatibilidade que estava nas alturas.
— Se isso não foi uma transição suave de assunto, não sei mais o que é —
eu digo com uma risada.
— Você percebeu? — ele diz.
— Percebi. — Ele se inclina para me dar um beijo, mas quando Zane
pressiona seus lábios nos meus, eu empurro seu peito. — Nananinanão.
— Viu? — diz e balança a cabeça para os lados antes de se voltar para o
público. — Já somos iguais a um casal de velhinhos.
Isso provoca outra risada coletiva.
— Por que desisti da vida de solteiro mesmo? — ele pergunta.
— Ah, porque a recompensa, no caso, eu, vale muito a pena — eu digo
com uma reverência brincalhona.
Ele respira fundo de forma dramática para dar ênfase.
— Minha rainha se pronunciou. Agora os detalhes.
— Sim, eles querem detalhes sobre por que você acha que isso funciona.
— Bem, vou repetir a frase dita há pouco. IA ou tecnologia de
inteligência artificial. O uso de IA em nossa plataforma de encontros é o que
diferencia a SoulM8 de outros sites. Eu poderia começar uma longa
explicação em que falo sobre os cálculos matemáticos que nem eu entendo —
ele diz enquanto caminha para o outro lado do palco e toma um gole de água
antes de continuar. — Mas eu vou poupá-los do tédio e apenas dizer o
seguinte: nossos matchmakers são programados para compilar seus dados e
suas interações no site para que possam te conhecer e, por sua vez, te conectar
com quem esperamos que seja sua alma gêmea.
— Eu sei que parece estranho, mas juro, funciona.
— Sim. — Ele me dá um sorriso suave. — E não só funciona, como
também…
Eu o vejo trabalhando com a multidão. Na verdade, o vejo dominar o
público. Eu encontro o olhar de Robert algumas vezes durante a
apresentação, vejo que ele está satisfeito, mas esse olhar faz com que eu
pergunte a mesma coisa que já me perguntei várias vezes. Por que o
investimento de Robert na SoulM8 é tão importante para Zane?
E por que, para um homem cuja rotina de investimentos parece abranger
apenas ativos tangíveis, ele apostaria na única coisa que não consegue se
conectar — os assuntos do coração?
Harlow
— Dói admitir isso… mas eu estava errada.
A bebida de Zane vacila a meio caminho de seus lábios antes que ele tome
um gole e olhe para mim.
— Eu disse que daria conta disso.
Deixo o som de meus saltos batendo no asfalto preencher o silêncio
enquanto penso na incrível interação que tivemos.
— Disse mesmo.
— Talvez, da próxima vez, você pense duas vezes antes de duvidar de
mim.
Meus pés vacilam. Há algo na maneira como ele faz essa declaração – o
sutil toque da provocação – que me incomoda. Tipo, como ouso questioná-lo
quando tenho todo o direito de fazê-lo?
Talvez eu esteja apenas cansada. Talvez eu esteja sendo pentelha. Porém,
talvez sua face real esteja à mostra.
Deixa pra lá, Low.
— Então é isso? — digo mais para mim mesma do que para qualquer
outra pessoa quando passamos pela entrada dos fundos do teatro e
encontramos um grande ônibus tipo leito estacionado. O veículo é longo,
preto e elegante, com a palavra SoulM8 estampada imensa na lateral. O
ônibus da turnê promocional parece deslocado no estacionamento, e eu levo
um momento para encará-lo, quase como se estivesse esperando algum deus
do rock aparecer a qualquer momento.
— Sim — diz Zane, seguido por um suspiro e um movimento com a
mão que segura a bebida. — Infelizmente, é isso.
Eu não me preocupo em olhar para ele. Não quero que minha euforia
depois da noite de sucesso seja arruinada pelo súbito aparecimento de seu
mau humor. Os elogios de Robert ainda soam em meus ouvidos, junto com
sua descrença expressa sobre outra empresa não ter me contratado antes como
porta-voz e ter me amarrado no cargo. Depois de lutar por tanto tempo para
ser notada nesta carreira, seus elogios me enchem de esperança de que este
trabalho possa ser meu ingresso para mais oportunidades desse tipo. Somado
a isso tudo… olha esse ônibus!
Meus olhos estão arregalados, e fica nítida a falta de experiência com esse
tipo de coisa quando subo a bordo e observo tudo. É elegante e sóbrio por
fora, porém rico em cores escuras e confortável por dentro. Está cheio de
detalhes que são de melhor qualidade do que os da minha casa. Passo a mão
pelo braço do enorme sofá de couro e observo o centro de entretenimento
completo, com todos os aparelhos eletrônicos que consigo imaginar. A área da
cozinha compacta tem uma versão em miniatura de basicamente tudo, exceto
pela geladeira grande. Do outro lado há um bar abastecido no que eu acho
que se chama copa.
Em seguida vem o que parece ser um closet em uma espécie de corredor.
Eu me assusto quando vejo minhas roupas penduradas ali, lado a lado com as
camisas engomadas e as calças passadas de Zane. Alguma coisa nelas me faz
estender a mão para tocá-las, passar meus dedos sobre o tecido, quase como
se para garantir a mim mesma que isso tudo é real. Que estarei neste ônibus
em turnê com Zane por quase dois meses inteiros.
Eu vou para os fundos do ônibus, onde encontro uma espécie de suíte
master. Um banheiro com chuveiro grande, uma área de trabalho com um
laptop e uma cama king-size.
Pode parecer estúpido, mas me sinto como uma adolescente boba só de
pensar que esta será minha casa na estrada. É luxuosa e confortável e…
E então a ficha cai.
Meus olhos piscam e se voltam para os de Zane; eu nem sabia que ele
estava parado aqui, me olhando. Seu ombro está encostado na parede, os dois
primeiros botões de sua camisa estão abertos, e sua gravata está solta e
pendurada em seu pescoço. Mas são seus olhos que estão me observando e
esperando que eu termine a avaliação.
— Pois é. — É tudo o que ele diz, abaixando levemente o queixo antes de
levar o copo de líquido âmbar aos lábios, me olhando por cima da borda.
— Há apenas uma cama — eu afirmo o óbvio.
— Apenas uma.
— E somos dois.
— Brilhante observação.
Eu o encaro, pois cada pedaço do meu corpo reage de forma diferente a
essa afirmação. Meu cérebro? Diz que isso pode ser tratado de maneira
racional. Podemos alternar entre o sofá e a cama e lidar com isso. Meu corpo?
Meu corpo se lembra da sensação de sentir o de Zane contra mim mais cedo
e diz que vai ser uma viagem tremendamente longa.
Oito semanas.
É muito tempo para ficar presa em um ônibus com um homem de quem
não tenho certeza se gosto ou não.
Meu suspiro soa tão pesado quanto a tensão entre nós.
— Vai ficar tudo bem — eu digo para tentar aliviar a situação.
— Bem? É assim que você chama essa situação? — Exasperação e
irritação aparecem em sua voz.
— Vai ficar tudo bem — eu repito, tentando resgatar o bom humor que
me dominou esta noite.
— Ficaria tudo bem se houvesse dois sofás.
— Mas ter dois não daria uma boa impressão quanto ao status do nosso
relacionamento, daria? Casais apaixonados dormem na mesma cama.
— Ding. Ding. Ding. Temos uma vencedora — ele diz com
condescendência. Zane balança a cabeça antes de passar por mim, o corpo
roçando levemente o meu, e se senta na beira da cama. Da nossa cama.
— Fingir que estamos juntos não pode ser tão difícil.
Ele bufa ironicamente em resposta.
— Quinze minutos atrás você estava agindo todo charmoso na frente de
todas aquelas pessoas. Respondendo a perguntas. Sendo cordial. Você ficou
assim por três horas inteiras, para ser exata, então deve ter soado meia-noite e
eu não ouvi, porque você acabou de voltar a ser uma abóbora bem babaca.
— Ninguém disse que eu tinha que ser legal quando não estamos em
público.
— Você é enlouquecedor.
— Obrigado. É algo que tento aperfeiçoar sempre.
Cerro os dentes e respiro fundo. Tecnicamente isso é tudo culpa dele. Foi
ele quem mentiu sobre estar em um relacionamento. Foi ele quem colocou
essa bola em movimento.
Mas eu não falo nada. Terei mesmo de conviver com esse homem, e por
mais que queira colocá-lo em seu lugar, não o faço porque estou
completamente exausta. Posso travar essa batalha pela manhã se for necessário
– caramba, terei semanas e semanas para isso –, mas agora ele andou bebendo
e está de mau humor… e eu só quero tirar esses saltos e trocar de roupa.
— Robert vai acabar comigo — ele resmunga e depois ri quando levanta
o copo e o encontra vazio.
— Eu posso dormir no sofá — eu ofereço.
— Excelente. Perfeito. E tenho certeza que Mick não vai se perguntar por
que esse novo e loucamente apaixonado casal nunca parece dormir junto.
— Mick?
— Nosso motorista.
Eu olho por cima do ombro, para o banco do motorista vazio, e percebo
que não tinha pensado em haver alguém presente em todas as nossas
conversas. Todas as nossas brigas. Todas qualquer coisa.
— Mas ele trabalha para você. Você não pode simplesmente fazer com
que ele assine qualquer coisa que diga que ele não pode falar nada?
— Um acordo de confidencialidade? — A raiva afeta cada palavra que
Zane pronuncia.
— Isso. — Eu apoio as costas na parede. — Dessa forma, Robert nunca
vai descobrir.
— Vejamos… você trabalha para mim, assinou um acordo e ainda assim
você e Robert conversam sobre tudo.
— É diferente.
— Pela minha perspectiva, não é.
— Você pode parar de ser tão difícil, cara? — Ergo as mãos. — Também
não estou nem um pouco feliz com esse arranjo. Eu tinha planos. Eu tinha…
— Planos? O que você estava planejando fazer? Tricotar um suéter entre
as apresentações?
Zane endireita a postura, e neste momento eu odeio tudo sobre ele. O
fato de eu estar aqui. A maneira como sua camisa com as mangas arregaçadas
nos punhos recai sobre seu corpo. O perigo brilhando em seus olhos.
— Tricotar um suéter?
— Você é sempre tão tensa, imaginei que faria algo para relaxar.
— Tensa? — Eu rio, mas então lentamente minha risada desaparece
quando minhas sinapses disparam e a cama atrás dele entra em foco. — É
disso que se trata? — grito e jogo as mãos para cima. — Eu deveria saber.
Você está chateado porque comigo aqui, tendo uma só cama, não será capaz
de sair piranhando por aí em todas as cidades.
Sua risada não tem um pingo de humor.
— Claro. Sim. É exatamente disso que se trata.
— Excelente. Vou ficar longe de você para que possa fazer o que quiser.
— Faça isso.
— Eu vou…
O barulho de passos nos degraus do ônibus da turnê me impede de
terminar meu comentário.
— Prontos para pegar a estrada?
Eu me viro para ver o dono do ligeiro sotaque sulista. Ele é baixo e largo e
tem uma barba branca que pode fazer par com a do Papai Noel. Seu sorriso é
largo, e sua mão segura uma xícara fumegante de café.
— Você deve ser o Mick, certo? — eu digo, dou um passo à frente e
aperto sua mão.
— E você deve ser a Harlow. É um prazer te conhecer.
— Igualmente — eu digo.
— Meu chapa. — Zane o cumprimenta atrás de mim com um leve aceno
de cabeça.
Mick sorri para ele e depois olha para mim.
— Eu estoquei comida nos armários e guardei todos os seus pertences
também. O tanque de gasolina está cheio, e eu estou cheio de cafeína. Vocês
dois estão prontos para enfiar o pé na estrada e ir para o Arizona?
Nós dois murmuramos alguma forma de consentimento, e Mick caminha
em direção ao banco do motorista, seu espírito alegre e jovial inversamente
proporcional ao fato de que já passa da meia-noite. Em instantes, o motor
ganha vida, o ônibus vibrando com sua força.
Eu fico parada por alguns momentos. Assistir Mick organizar as coisas
que ele precisa no painel me acalma um pouco.
Zane continua sendo um babaca, mas estamos presos juntos. Serão longas
oito semanas pisando em ovos, mas eu consigo fazer isso por cento e
cinquenta mil dólares.
Me forçando a deixar isso tudo para lá por enquanto, eu entro no quarto
sem falar com Zane. Ele está sentado à mesa, o brilho azul do laptop cria uma
auréola ao redor de sua cabeça. Começo a abrir e fechar as gavetas da
minicômoda para tentar achar meu pijama. Levo um segundo, mas encontro,
então vou para o banheiro e tranco a porta.
Demoro um tempo removendo a maquiagem, lavando o rosto e me
vestindo para dormir, sentindo o ônibus balançando enquanto seguimos pela
estrada. Quando eu saio do banheiro, Zane está parado, com os braços saindo
das mangas de uma camisa, no meio do processo de se despir.
Nós dois congelamos. Nossos olhos se encontram. Ele hesita por um
momento antes que seu olhar recupere a expressão costumeira. Nós dois nos
encaramos, indecisos, e ele tira a camisa e a coloca na cama. Há um fantasma
de um sorriso.
— Você deixou cair — diz sem qualquer emoção, pega algo na cama e
joga para mim.
Por reflexo, tento pegar o que quer que seja e, no processo, largo tudo o
que estava segurando: roupas sujas, sapatos, celular. Acabo deixando cair a
caixa que ele jogou. Quando me inclino para ver o que é, ruborizo da cabeça
aos pés.
E eu sinto vontade de matar minha mãe quando vejo o nome “Trojans”
na caixa de preservativos.
Afobada e mais do que constrangida, recolho tudo no chão num frenesi e
tento esconder a caixa de preservativos na confusão de roupas. Quando me
levanto, Zane está parado na minha frente, peito e abdômen nus, pele
bronzeada e bíceps à mostra, um sorriso brincando em sua boca.
— E eu pensando que seus grandes planos entre os shows eram tricotar
suéteres… Acho que não se conhece de verdade uma pessoa até morar com
ela.
— Não é o que, não é bem, elas são da minha mãe.
Oh. Meu. Deus. Eu realmente disse isso?
A risada de Zane retumbando pelo pequeno espaço me diz que, sim, eu
realmente disse isso. Eu abaixo o rosto, olho para a pilha de roupas — e
preservativos — e sinto a mortificação se instalando em meu corpo.
Como se essa situação pudesse ficar pior…
— Tá sentindo falta de alguma coisa? — Ele ergue as sobrancelhas. Há
um toque de provocação em seu sorriso.
Levanto a cabeça, dando de cara com o peito nu na altura dos olhos,
muito perto, e a calcinha preta de renda que tirei no banheiro pendurada na
ponta de seu dedo indicador.
Eu estava errada. Pode ficar bem pior.
Como se pega a própria calcinha usada da mão de um homem e se
mantém a dignidade? É meio que impossível. Mas mantenho meu queixo
erguido, mesmo que meu rosto provavelmente esteja com um milhão de tons
de vermelho. Pego o pedaço de renda dele e o acrescento à minha pilha.
Mais do que cheia dessa interação, em que só fiz me envergonhar ainda
mais, tento me afastar e o ignorar.
Mas Zane não se mexe. Ele fica parado com a cabeça inclinada para o
lado, seus olhos verdes procurando os meus. Ele está invadindo meu espaço
pessoal de uma forma que faz com que partes do meu corpo cobertas pelo
pijama, composto de short de dormir e regata, fiquem mais do que cientes de
sua presença.
— Com licença? — pergunto.
— Para uma mulher que não tem problema em falar o que pensa, por
que uma coisinha de nada, como uma caixa de preservativos e uma calcinha
sexy, te deixa desconcertada?
— Já disse, não são meus.
— A calcinha ou as camisinhas?
Ele está amando cada segundo disso. Eu vejo na forma como Zane franze
os lábios. O brilho em seus olhos. A expressão presunçosa em seu rosto.
— A calcinha é minha.
— Ah, e as camisinhas são da sua mãe?
— Sim. Não. — Solto o ar, exasperada, odiando o fato de que o mero
vislumbre de seu peito nu me deixe toda nervosa, quando eu nunca fico
nervosa. Raramente fico envergonhada… e com certeza nunca fico sem
palavras. — Cara, só… esquece.
— Então quem é o sortudo? — A elevação de uma sobrancelha faz mais
perguntas do que essa frase inteira.
— Você pode falar mais baixo? — meio que sussurro, meio que aviso,
enquanto olho por cima do ombro para a frente do ônibus. Claro que a porta
está fechada, nos impedindo de ver Mick, mas só de saber que ele está lá tão
perto me deixa nervosa.
— Eu perguntei quem é o cara.
— Ninguém.
— Ah, então você estava planejando ficar com alguém durante esta
viagem? — Eu começo a refutá-lo, mas Zane me interrompe. — Como
exatamente você estava pensando em fazer isso quando deveria estar comigo?
A rejeição está na ponta da minha língua, mas, quer saber? Ele que se
dane. Zane queria fazer a mesma coisa durante esta viagem… Por que ele
pode, mas eu não?
Direitos iguais.
— Talvez da mesma forma que eu tenho certeza de que você estava
planejando fazer isso.
— E como seria? — Ele está gostando muito desta situação.
— Qualquer lugar menos neste ônibus. Que tal? Podemos pelo menos
concordar que o ônibus deve permanecer uma zona livre de piranhas?
— Livre de piranhas? Devo me ofender com o fato de você presumir que
qualquer mulher que eu trouxer para minha cama é uma piranha?
— É o que eu acho — eu desafio.
Ele dá um passo para perto, seu abdômen encosta no bolo de roupas em
minhas mãos.
— Em primeiro lugar, Harlow… não curto piranhas. Gosto de me
esforçar pelas minhas conquistas. Coisas fáceis não são nada divertidas. Não
para um cara como eu. — Seus olhos se movem para os meus lábios e depois
voltam, e eu odeio como esse simples olhar faz com que certas coisas
aconteçam dentro de mim, mas não quero Zane como responsável por elas.
— E segundo, parece que você está com uma caixa de preservativos aí…
então ou você gosta de estar preparada… ou você é a fácil aqui.
— Vai se ferrar. — As palavras saem antes que eu pense direito, e meu
corpo vibra de raiva.
Ele se inclina, e minha respiração falha quando, por um ínfimo segundo,
acho que Zane vai me beijar. Posso sentir o cheiro de uísque em seu hálito,
sentir o calor em meu rosto e me lembrar muito vividamente de seu beijo
habilidoso naquela noite. Digo a mim mesma que vou afastá-lo se ele
tentar… e então me pergunto se eu realmente faria isso.
— Não se preocupa — ele sussurra. — Isso não faz parte deste acordo.
— Que bom.
— Bom? — Zane murmura.
— Sim. Que bom.
— Então não será um problema você ficar em um canto da cama, e eu
em outro.
— Certo. — Não sei por que meus sentimentos estão feridos, sendo que
estou conseguindo exatamente o que quero dele. Espaço. Mas… qual é
exatamente o lado dele e qual é o meu lado?
Zane permanece a centímetros do meu rosto. Meu corpo reage
irracionalmente de uma forma que qualquer mulher normal experimentaria
ao ser encarada por um par de olhos esmeralda e um corpo perfeito desses.
— E mesmo assim você ainda está aqui.
— É meu canto também, não é?
— Como queira — ele diz com um encolher de ombros antes de dar um
passo para trás, olhos fixos nos meus enquanto desabotoa o cinto de sua calça.
Vá embora, Low.
E antes que eu tente me mover, suas calças caem no chão. Ele está só de
cueca preta, justa em todos os lugares certos, emoldurando um par de coxas
fortes; meus olhos mergulham momentaneamente no suave caminho da
felicidade.
Quem não olharia?
Quando eu olho para trás, vejo a arrogância gravada em seu belo rosto,
quase como se Zane estivesse perguntando se eu gosto do que vejo. Um
sorriso brinca em seus lábios.
— Se falar sobre preservativos deixa suas bochechas vermelhas, Harlow…
então serão longas oito semanas para você.
— Para sua informação, é preciso muito mais do que preservativos para
deixar minhas bochechas vermelhas.
— O que faz você corar, então?
— Você adoraria saber, não? — digo e faço questão de olhá-lo de cima a
baixo. De mostrar que estou dando uma boa olhada antes de dar um sutil
aceno de cabeça, como se eu não desse a mínima, quando, puta merda, o
homem tem um corpão. Tonificado, bronzeado e tentador.
Sem dizer mais nada, me viro e sigo em direção à frente do ônibus e ao
sofá que está posicionado bem atrás de Mick. Estou com as roupas em mãos,
junto com a caixa de preservativos, que me fará matar minha mãe, e a cabeça
toda confusa.
Por exemplo, como posso não gostar de Zane e ainda achá-lo charmoso e
atraente, ao mesmo tempo que acho irritante e frustrante?
— Tudo certo? — Mick pergunta enquanto coloco minhas roupas no
chão ao lado do sofá, em uma pilha tão organizada quanto possível.
— Sim. Tudo bem — murmuro enquanto afundo no couro chique e
sinto que devo explicar por que estou aqui e não lá. — Não quero que a luz
do meu Kindle incomode Zane.
Minha explicação soa muito ridícula. Mais uma coisa que não faz o
menor sentido hoje.
Mas coisas sem sentido parecem ser o padrão do dia.
Harlow
Há vários posts e reportagens no ar. Todas com fotos de Zane comigo no
palco ontem à noite. Uma de quando ele deu um beijo na minha têmpora.
Outra em que ele estava olhando para mim com uma adoração tão crível, que
se eu não soubesse da história, acreditaria.
Há artigos sobre o lançamento iminente do SoulM8. Um bom começo
para a escalada lenta e planejada por Robert antes de chegarmos aos
programas de televisão matinais no meio da turnê. Outros artigos
mencionam brevemente sobre como o notório solteirão Zane Phillips
finalmente foi fisgado. Há algumas das minhas fotos do catálogo da Victoria’s
Secret. Alguns comentários sobre mim, mas nenhum que realmente me
importe, já que meu passado está longe de ser digno de nota ou escandaloso.
A visibilidade é um benefício colateral inesperado deste trabalho. Eu sabia
que receberia um salário, sabia que haveria uma visibilidade adicional com a
campanha e que isso poderia me ajudar a conseguir empregos futuros. O que
eu não esperava era que as pessoas tivessem interesse em quem Zane Phillips
está namorando.
Isso foi ingênuo da minha parte. Eu mesma procurei sobre ele na internet
e li sobre seus interesses amorosos, não foi?
Continuo rolando a tela e lendo. Há listas de outras empresas que Zane
comprou, reergueu e depois vendeu. Uma empresa de software do Vale do
Silício que lidava com agendamento hospitalar. Uma empresa de gadgets que
fabricava algum tipo de peça de carro. Uma empresa de hardware de
computador que fabricava itens periféricos. Todas as empresas foram
compradas quando estavam prestes a falir e revendidas alguns anos depois
com um lucro astronômico.
Mas não há nenhuma menção de por que Zane decidiu vir para os
Estados Unidos. Nenhuma referência à família que ficou lá ou ao seu lar.
Clico no botão voltar do navegador, e meus olhos examinam as várias
imagens nossas na tela.
Nós definitivamente ficamos ótimos juntos, então estamos criando um
bom show. Pelo menos isso. Porque todo o resto é falso e confuso.
Especialmente depois de como acordei esta manhã.
Um arrastar de pés desvia minha atenção dos artigos para o homem com
quem agora estou para sempre associada. A cabeça de Zane está abaixada
enquanto ele caminha, vestindo um short azul-escuro de ginástica, as
bochechas todas vincadas do travesseiro.
O magnata que parece um garotinho inofensivo que você quer abraçar.
Não se engane, Low. Ele vai voltar ao normal mal-humorado em breve.
— Bom dia.
Zane resmunga algo incoerente e desliza o olhar em minha direção
enquanto se arrasta dos fundos do ônibus para a área da frente, onde estou
sentada saboreando minha caneca de café.
— Estamos no Arizona. — Eu olho pela janela e vejo o verde do campo
de golfe e o tom de bronze do deserto ao nosso redor, no estacionamento do
resort em que estamos estacionados. Não consigo ver uma placa que nos diga
onde estamos, mas há uma abundância de carrinhos de golfe, mesmo a esta
hora.
Outro grunhido e um clique da cápsula de café na máquina.
— Você joga?
Os olhos verdes se viram na minha direção.
— Você sempre fala tanto assim de manhã?
Eu olho para o meu celular buscando saber que horas são.
— São nove horas.
— Certo. Da manhã. — Ele se mexe com impaciência enquanto espera o
café ficar pronto. — Está cedo.
— Então, você joga? Sempre quis aprender, mas nunca tive tempo para
isso. Parece bastante fácil. Quero dizer…
— Não sou uma pessoa matutina. — Ele olha para mim por entre uma
mecha de cabelo que caiu sobre sua testa.
— Bem, eu sou. — Eu sorrio brilhantemente, mais do que feliz por ter
encontrado algo que vai irritá-lo.
Zane pega a caneca da cafeteira, e não posso deixar de notar a flexão de
seu bíceps quando ele a traz imediatamente até a boca. Seu gemido enche a
sala enquanto sua língua arde, mas a maneira como ele fecha os olhos e
saboreia o primeiro gole me faz imaginar como saborearia outras coisas.
Pare com isso. Foi apenas um sonho.
Um sonho em que imaginei coisas sobre ele que não deveria imaginar. A
sensação de seu peso em cima de mim. O arranhão da barba por fazer em seu
queixo enquanto se esfrega entre minhas coxas. O calor de suas mãos
apertando meus mamilos. O som que ele faz quando goza.
— Que tal ficarmos longe um do outro até que eu tenha tomado umas
três canecas de café? — sua voz rouca diz, interrompendo meus pensamentos
– todos sobre ele.
— Sim. Certo. Ok — eu gaguejo enquanto tento tirar da cabeça este
sonho, que está muito mais vívido agora que Zane está parado na minha
frente. — Quantas faltam?
Outro gole. Outro suspiro de satisfação.
— Você é permanentemente animada, não é?
— Obrigada.
— Isso não foi um elogio. — Ele me olha de cima da borda, um aviso
para que eu suavize a felicidade matinal.
— E é assim que você sempre fica de manhã? Rabugento?
Ele concorda com a cabeça e ajusta o cós de seu short, que estava
perigosamente baixo.
— Mm-hmm.
— Então teremos uma manhã sem conversa, sem alegria, sem contato
visual… Que foi…?
Um canto de seu lábio se levanta ligeiramente.
— É um bom começo.
Eu faço um som qualquer e me viro para olhar pela janela. Há jogadores
ao longe no gramado. Carrinhos de golfe circulam de um lado para o outro.
— Talvez eu faça uma aula hoje. Vou dar um pulo no driving range. Não
é como se não tivéssemos tempo para matar.
— Vá em frente.
Respiro fundo e percebo que estou divagando porque não quero
perguntar a única coisa que queria saber desde que acordei esta manhã.
— Como eu fui parar na cama?
Penso naquela sensação de sobressalto que tive quando acordei em uma
cama estranha, em um lugar novo. Então aquela consciência repentina da
respiração uniforme ao meu lado. O cheiro de xampu, sabonete e homem. E
então, quando tive coragem de me virar bem devagar, encontrei-o deitado de
costas, o braço jogado sobre o rosto, os lençóis puxados até a cintura.
— Trabalhei até tarde. Mick parou para abastecer — Zane diz
rispidamente.
— O que isso tem a…?
— Quando Mick parou para abastecer, você estava aqui. Fui eu que te
peguei no colo e te trouxe para a cama. — Zane desvia os olhos da vista por
trás das janelas escuras do ônibus. — Então… mulligan.
— Mulligan? — pergunto enquanto minha mente se esforça para
compreender que ele me trouxe para a cama. Não, não apenas me trouxe…
mas me pegou no colo.
— Arram, é um termo de golfe. Você pode se virar a partir daí.
— Então você joga?
— Eu jogo com muitas coisas. — Um sorriso lento desliza em seus lábios
antes que ele se vire.
Eu fico olhando para Zane. Observando a curva de sua bunda enquanto
ele se move, sem saber como me sinto sobre o fato de que ele me pegou e me
carregou para a cama.
Estou detectando uma falha na armadura rabugenta dele?
A pia faz barulho nos fundos do ônibus, me levando a pegar meu celular
para pesquisar o que significa mulligan: quando um jogador tem uma segunda
chance de realizar um segundo movimento ou ação.
Eu encaro a definição. Uma segunda chance.
Essa é a maneira de Zane me dizer que ele estragou tudo na noite
passada? Que ele estava sendo um cuzão e sabe disso, então me trouxe para a
cama para oferecer uma espécie de trégua?
Está pensando demais nisso tudo, Harlow.
E, mesmo assim… ele quem falou isso. Deixou o termo solto, aberto a
uma interpretação.
Definitivamente é uma brecha naquela armadura rabugenta.
Que surpresa inesperada, não?
Zane
Eu a observo.
Eu não deveria, porque a cada segundo que passa, fico mais irado. Mais
irritado. Mais tudo quando ele coloca as mãos nos quadris dela para mostrar
como precisa movê-los para transferir o peso na hora da tacada.
Porra de jogador de golfe profissional meu rabo. É só um idiota profissional
fingindo ser instrutor para poder agarrar a bunda das pessoas no clube:
esposas solitárias que frequentam o clube para obter um pouco mais de
atenção enquanto seus maridos passam horas ocupados.
Mas Harlow não é casada e não está precisando de atenção. Dezenas de
pares de olhos a observam, homens acotovelando uns aos outros.
Ela está usando um short branco imaculado que exibe pernas longas e
uma camiseta amarela cor de margarida que cai perfeitamente bem em seu
corpo. Harlow é deslumbrante em todos os sentidos. Mas é o sorriso dela, sua
risada e seu jeito despreocupado que fazem as pessoas a olharem.
Pessoas como eu.
O que não consigo entender é se essa coisa toda inocente é genuína ou
apenas um ato para fazer homens como eu pensarem nela, trazendo à tona
aquele lado nosso que nos faz querer ser os primeiros a conquistar uma
mulher.
— O que eu não daria para que ela pegasse no meu taco — o homem ao
meu lado diz e me dá uma cotovelada para chamar atenção.
Meus punhos cerram, mas eu não respondo.
Como posso, quando já estive na pele dele mais vezes do que gostaria?
As mãos do profissional voltam ao corpo dela novamente. O peito dele
encosta nas costas de Harlow enquanto se aproxima e a flanqueia, para que
possa ajudá-la na tacada. Eles movem os corpos para trás, depois para frente.
Quando batem na bola, ela sobe.
Harlow solta um grito de excitação e faz uma dancinha para comemorar.
Seus quadris balançam, e os braços sobem acima de sua cabeça. Sua risada faz
com que ainda mais gente pare para apreciar a vista.
A única coisa que eu odeio mais do que ver as mãos do profissional nela é
o fato de que todo homem presente está olhando para ela.
Jesus, se eles soubessem que podem encontrar fotos dela usando lingerie
na internet…
O profissional – um playboy de camisa polo branca, cabelo perfeito e
sorriso bobo – faz uma tentativa desajeitada de dar a ela um high five e, em
seguida, puxá-la para um abraço comemorativo.
Porra. Chega disso.
— Harlow? Querida… — eu chamo o nome dela e saio do bar para o
campo.
Harlow ergue a cabeça, e quando me vê, seu sorriso se abre.
— Zane! Você viu minha tacada?
Isso mesmo, seus arrombados. Ela está comigo.
Paro dentro da plataforma.
— Boa jogada. — Eu olho para o profissional e dou para ele um olhar
advertência antes de me virar para ela. — Você está pronta para repassar
tudo?
— Repassar tudo?
Do que diabos estou falando?
— Sim. Para hoje à noite.
— Ah. Ok. — A confusão fica nítida em seu rosto antes que ela olhe para
o relógio na parede e, em seguida, levante a sobrancelha. — Você quer dar
umas tacadas antes que meu horário termine?
— Não, obrigado. Reservei uma mesa para nós dois no bar.
Ela balança a cabeça e sorri. Satisfeito por todos os idiotas assistindo
saberem que ela está comigo, eu caminho em direção ao bar. Demora alguns
minutos antes que ela me alcance, e eu me levanto e dou um beijo casto em
seus lábios.
É mais um aviso para quem duvidava de que ela estava comigo.
Harlow endurece quando nossos lábios se tocam, mas então parece
perceber que este é o local do nosso evento de hoje à noite, e qualquer uma
dessas pessoas pode estar presente.
Demoramos uns minutos para decidir o que vamos pedir, e assim que o
fazemos, Harlow volta sua atenção para mim.
— Então?
— Então… o quê?
— Você disse que precisava conversar sobre hoje à noite. Devo presumir
que faremos o mesmo de ontem à noite? Conversar. Flertar. Informar. Nos
misturar.
— Certo.
— Agir como se estivéssemos loucamente apaixonados.
Eu solto o ar rapidamente pelo nariz e desvio o olhar dela para onde o
garoto profissional de golfe agora dedica sua atenção a uma esposa perfeita
que encontrou.
— Você me confunde — diz ela, me levando a olhar para seu rosto. —
Você dirige uma empresa de encontros, mas tudo o que diz sobre o assunto
em particular é uma contradição total.
— Essa é minha prerrogativa. E dirijo vários tipos de negócios.
Atualmente, esse é meu foco.
— E quando não é o seu foco? O que isso significa para as milhares de
pessoas que estão se inscrevendo e que acreditam que o aplicativo funcionará
porque dizemos que funcionará?
— Não é problema meu.
— Que coisa cagada de se falar.
— Talvez, mas o mundo é assim. As coisas na vida duram pouco tempo.
Você gosta de ficar com as pessoas, tira proveito delas enquanto pode, e
depois lava as mãos e todo mundo segue caminhos separados.
Seus olhos se estreitam, a avelã neles escurecendo.
— É nisso que você realmente acredita?
Eu dou de ombros. O que eu disse foi um pouco exagerado, mas nem
fodendo vou deixá-la brincar de psicóloga em busca de saber o que eu penso
de mulheres e relacionamentos. Sou um homem de trinta e três anos. Um
homem ocupado. Não tenho tempo para compromissos. Não tenho tempo
para me dedicar a uma pessoa da maneira necessária para fazer um
relacionamento funcionar… e, francamente, eu realmente não quero fazer
nada disso.
Crescer junto da minha mãe e do meu pai foi como pintar um quadro
muito pessimista sobre o que um bom relacionamento deveria ser. Encher a
cara o dia todo, todos os dias, só para aguentar seu cônjuge me ensinou a
nunca desejar ter um.
— Terra para Zane? É nisso que você realmente acredita?
Ela me tira dos meus pensamentos, e por um instante eu a encaro e tento
encontrar minha resposta.
— Minha teoria evolui diariamente — eu finalmente digo.
— Não pense muito. Apenas responda. — Ela apoia os cotovelos na mesa
e me olha fixamente. — Você acredita no amor, Zane?
— O amor é uma emoção falastrona.
Harlow inclina a cabeça e me encara como se estivesse tentando se
convencer de que acabei de dizer isso. Eu disse mesmo. E é verdade.
— Não diga isso a Robert.
— Eu não ia dizer.
Ela toma um gole de sua bebida e depois observa os cubos de gelo
enquanto mexe os canudos.
— Eu não entendo.
— Pare de tentar, vai tornar sua vida muito mais fácil. — Estou falando
demais. Tem muita conversa acontecendo aqui.
— Não entendo. Você é um homem rico…
— Ahh, o poder onisciente do Google. Você procurou meu passado
sórdido enquanto estava online?
E por que caralhos me incomoda Harlow ter feito isso? O que sobre o
meu passado quero esconder dela, quando eu nunca me importei antes com o
que as pessoas pensam das muitas mulheres que namorei? Mas que droga, eu
mesmo joguei seu nome na internet. Até procurei saber sobre todos os
homens que a tiveram nos braços.
Ou talvez não seja meu histórico de relacionamentos que eu não quero
que Harlow saiba, mas sim a vida que deixei para trás. Uma vida que prefiro
manter fora da discussão.
— Seu passado não me disse nada que eu não esperasse. — Ela dá de
ombros. — Então, onde Robert entra nisso tudo?
— Sua contribuição monetária ajuda, mas seu valor para a SoulM8 vem
da sua experiência na indústria e em sua vasta rede de conexões com a
imprensa.
— Então é a influência dele que você deseja.
Tomo um gole da minha bebida, me encosto na cadeira e apenas a
encaro. Como chegamos nisso aqui? Como diabos vim parar nessa situação,
fingindo ser parte de um casal para jogar um site de namoro pra cima dos
outros?
O porra do Kostas e seu desafio.
— Sua influência? Sim. Já ouviu falar da IMM?
Eu vejo a confusão em sua expressão. A mesma que senti pela primeira
vez quando o conheci, enquanto tentava entender que aquele homem
despretensioso era o empresário detalhista que fundou e construiu a
International Market Media, a convertendo em uma das principais empresas
de publicidade do país.
Harlow me olha como se ainda estivesse tentando entender.
— Você quer dizer…?
— Sim, a International Market Media — eu digo. — Foi criada,
gerenciada e vendida por um bom dinheiro e muitas opções de ações por
Robert e Sylvie Waze cerca de quinze anos atrás.
A surpresa surge em seu rosto, os lábios chocados abertos em um O, os
olhos ricos em cores piscam de fascínio.
— Ele me disse que tinha uma empresa, mas eu nunca ia imaginar que
era essa.
— Nem todo mundo é o que parece, Harlow.
Harlow
— Olá. — A voz baixa de Zane rompe minha névoa de sono, e por um breve
momento, penso que ele está falando comigo.
Meu corpo endurece, o carinho em seu tom soando um pouco familiar
demais para mim.
Ele ri baixinho, o som ecoando pela escuridão do quarto me leva a abrir
os olhos. Olho para o relógio na mesa de cabeceira e vejo que são três da
manhã.
Que bosta é essa? Com quem ele está falando?
— Você gosta disso? Gosta?
Eu fico imóvel, o tom de brincadeira em sua voz e minha consciência
repentina da luz azul de sua tela de computador me chocando e me botando
totalmente acordada.
— Você tem brincado? Sente falta de mim fazendo isso? Hm? Dá para
fazer tudo sem companhia?
Por favor. Não.
— Você está brincando comigo? — pergunto mais alto do que deveria e
me sento na cama, puxando as cobertas em volta de mim. — Tem como ser
um pouco cortês e não fazer isso quando estou deitada aqui?
— Fazer o quê? — ele pergunta e se vira abruptamente para olhar para
mim, sem camisa, rosto destacado pela tela.
— Aquilo! — digo apontando para a tela do computador, que estou
petrificada demais para olhar.
— Isso? — Ele ri, incrédulo, me fazendo olhar para onde aponta.
E então eu morro.
De constrangimento. De sobrecarga de fofura. Pela minha própria
idiotice.
Na tela do computador de Zane há um quarto com uma cama muito
grande. De pé na referida cama, inclinando a cabeça de um lado para o outro,
não há mais ninguém senão Manchado.
Sim. O cachorro.
Ele está falando com Manchado.
O grande e machão Zane Phillips está ligando para seu cachorro no canil
e conversando com ele às três da porra da manhã.
Devo estar com uns dez tons diferentes de vermelho enquanto olho a
expressão confusa de Zane e Manchado sentado, esperando para ouvir a voz
de seu dono novamente.
— Me desculpa. Achei… que estava… — Paro no meio da frase quando
vejo a compreensão, clara como a luz do sol, registrada em seu rosto.
— Ah, meu Deus! — Zane joga a cabeça para trás e ri, levando a mão à
barriga. — Você pensou que eu estava… Porra, isso é hilário.
— Ok, vou calar a boca agora — eu digo e caio de volta na cama,
cobrindo meu rosto com o edredom.
— Quero dizer, eu realmente gosto de fazer de quatro, que nem um
cachorro, Cinder, mas isso aí é um nível que jamais chego perto.
— Quer ficar quieto, por favor? — pergunto, minha mortificação
aumentando a cada vibração de sua risada.
— Que bizarro — ele murmura, ainda dando risada. — Desculpa,
Manchado, eu te amo e tudo mais…
E os comentários espertinhos continuam, um após o outro, enquanto
coloco as mãos nas orelhas e luto contra a vontade de rir.
Eu sou uma idiota.
Zane conversa com o cachorro via videochamada.
Acho que preciso reavaliar minha impressão inicial sobre ele.
Qualquer cara que faça isso ganha uns pontos comigo.
Harlow
— Vamos lá, deixa que eu pago uma bebida para você.
Eu olho para esse belo homem à minha direita. Cabelos escuros, olhos
claros e um ar arrogante mostrando que ele sabe que é bonito. O mesmo
homem que ficou olhando para mim a noite toda, independentemente do
fato de eu estar no palco com meu suposto namorado para falar sobre nosso
grande amor nascido por causa da SoulM8.
— Não, obrigada. — Eu abro um sorriso tenso e dou um passo para trás.
— Aquele é o Zane Phillips, você sabe — diz ele e dá um passo em
minha direção.
— Tenho plena consciência de quem ele é. Obrigada.
— Nós circulamos pelos mesmos ambientes. Eu sei como ele é.
— Eu também sei como ele é.
A risada do homem soa condescendente.
— Então você está preparada para ficar de coração partido?
— O coração é meu. Então isso é só da minha conta — eu digo o mais
gentilmente possível, mais do que ciente de que estou aqui representando
uma marca, então mandar que ele vá para o inferno como eu normalmente
faria não é exatamente uma postura profissional.
— Eu não faria isso com você. — Ele passa um dedo pelo meu braço nu
e imediatamente dou um passo para longe do sujeito.
— Se você me der licença, eu preciso usar o banheiro.
Saio do salão de baile do clube e sigo pelo corredor. Preciso de uma forma
de escapar do Sr. Abusadinho que seja melhor do que o banheiro, então abro
o primeiro conjunto de portas destrancadas e me encontro em uma espécie de
pátio aberto. Há bancos de concreto e treliças onde trepadeiras subiram pelas
paredes de pedra e sobre as vigas de madeira. Luzes brilham ao meu redor,
fazendo com que esse ambiente de contos de fadas seja tudo que eu preciso
agora para recuperar o fôlego.
Eu fico tensa quando ouço passos, mas relaxo de alívio quando vejo Zane.
Nossos olhos se encontram no espaço pouco iluminado, e eu percebo a tensão
nas suas linhas de expressão.
— Você vai flertar com todo mundo, Harlow? Acho que você pode ter
pulado alguns homens.
— Como é? — O alívio que senti momentos atrás dá lugar a uma raiva
confusa.
— Você deveria estar comigo, lembra? Não com aquele imbecil do Miles
Finlay.
— Miles Finlay?
— O idiota com quem você estava tagarelando.
Sr. Abusadinho?
— Não é da sua conta com quem estou conversando…
— O cacete que não é…
— E estou bem ciente do que devo fazer aqui. — Eu me mexo, para ver
se consigo reduzir minha inquietação repentina. — E de onde eu estava, você
parecia estar fazendo um ótimo trabalho com o público, quero dizer, com as
mulheres. Sabe como é, as mulheres saradas com vestidos curtos, que, tenho
certeza, ficariam mais do que felizes em ferrar com sua “namorada” se você as
convidasse para sua casa. Pena que sua casa é nossa casa, e é uma zona livre de
piranhas.
Estou com as mãos nos quadris, as sobrancelhas arqueadas em desafio.
— Como se isso fosse me impedir.
Não sei por que o comentário dele me pega desprevenida e me atinge,
mas é exatamente o que acontece. Não consigo entender esse homem, na
verdade preciso parar de tentar, para o meu próprio bem.
— Quer saber? Isso não está funcionando para mim.
— O que não está? — ele pergunta e dá uma risada.
— Seu cosplay de Jekyll e Hyde. Esse lance de ser legal em público e
depois ser um babaca no privado. É uma palhaçada do cacete da sua parte,
então decida quem você vai ser, para que eu possa descobrir como lidar com
você.
O sorriso lento que se curva em um canto de seus lábios diz que Zane
está gostando disso. Cara, como eu odeio esses joguinhos. Já estive com
homens que fazem essas coisas o suficiente para saber que eles te deixam com
um coração partido, um orgulho ferido e um questionamento constante
sobre si mesma.
— Quem você prefere que eu seja?
Ele dá um passo em minha direção.
— Você mesmo. Seja lá quem você for.
Outro passo.
Eu não vou me mexer. Não vou ser intimidada. Não vou recuar para ele.
— Tenha cuidado com o que deseja, Harlow.
— O que você quer dizer com isso?
Estamos no jardim, sob o luar, tentando nos entender; nossos corpos
separados por centímetros.
— Nada. — Ele solta uma risada breve e inclina a cabeça para o lado
enquanto olha para mim. O verde de seus olhos diz coisas que não posso ler e
que não tenho certeza se quero poder. — Apenas certifique-se de não
confundir nossa atuação com a realidade, é tudo.
— Nossa atuação?
— Sermos um casal.
— Eu não estou confundido.
— Eu já estou vendo que está em seu rosto.
— Vendo o quê?
— E em seu corpo.
— Que diabos você está falando?
Ele lambe os lábios e fica em silêncio um momento antes de falar.
— Mulheres se apaixonam pelas palavras, Harlow. Homens se apaixonam
por corpos.
— Você se importaria de me dar uma pista sobre o que diabos você está
falando? Porque estou confusa, e você está se aproximando demais.
Ele balança a cabeça sutilmente, como você faria com uma criança que
não está entendendo o que você está explicando.
— Seu olhar de hoje, durante nossa apresentação. Aquele que de quando
você se perguntou como seria se o que há entre nós fosse real. Não confunda
nossa atuação com a realidade.
Suas palavras me atingem de uma forma que eu nunca admitiria, porque
Zane está certo. Eu estava pensando nisso esta noite. Enquanto ele falava
palavras doces sobre mim e comentava sobre relacionamentos e como
encontrar alguém novo destinado para si, eu estava refletindo sobre isso.
Para um homem que diz que não presta atenção, Zane com certeza notou
esse deslize no meu disfarce.
Eu não vou deixar que isso aconteça novamente.
— Assim como você, eu posso desempenhar esse papel perfeitamente —
eu digo.
— Uh-huh. Você pode ser capaz de enganá-los, mas não a mim.
— Não se ache tanto assim. — Dou um passo para trás, precisando de
espaço e odiando o fato de que ele consegue me ler com tanta facilidade.
— Por que não?
— Quer saber? Chega de palhaçada, Zane. Você quer ser o garanhão,
então seja. Você quer ser o fodão dono da empresa, problema seu. Mas eu
odeio isso tudo. Você não pode ser apenas o cara que entrou no ônibus da
turnê esta manhã e me ofereceu um mulligan? Aquele que me pediu
desculpas por ter sido um idiota porque era adulto o suficiente para perceber
que tinha sido um idiota e queria consertar as coisas. Por que você não pode
ser aquele cara o tempo todo? — Fico sem fôlego e com raiva de não
conseguir recuperá-lo quando Zane muda de posição, de modo que seu peito
roça levemente no meu.
— Eu disse para ter cuidado com o que deseja, Harlow.
— Por quê? — Eu ergo as mãos, sentindo a derrota e a frustração e
percebendo que essa conversa não vai a lugar nenhum.
— Porque aquele cara… — diz enquanto sua mão se estende, traçando a
linha da minha mandíbula. Sinto minha respiração arder, presa em meus
pulmões. — Aquele cara iria até você e faria isso.
E antes que eu possa pensar em respirar, Zane vence o restante de
distância entre nós e roça seus lábios nos meus. Uma vez. Mais uma. Meus
lábios se separam. Eles lhe concedem acesso, então na terceira vez, Zane
desliza a língua entre eles e incendeia meu corpo todo.
Eu hesito e me questiono, mas antes que possa interromper, ele muda o
ângulo do beijo e começa tudo de novo. Lábios macios. Pele áspera. Língua
quente. Gemidos contidos.
Desejo.
Algo que eu não quero sentir.
Mentira.
Eu quero sentir. Eu quero ceder.
Mas não com ele. Não desta forma. Não…
Meu Jesus amado, o homem me derruba. Neste jardim cheio de luzes e
sombras escuras, há um toque subjacente de contenção por baixo do seu beijo
que mexe comigo, um aviso que sugere seu maior desejo.
Até que ele o interrompe…
Isso é apenas uma atuação.
Zane dá um passo para trás e esfrega o polegar sobre meu lábio inferior,
como se quisesse me avisar que, sim, isso foi real. Os lábios que acabaram de
me drogar se abrem em um sorriso malandro, e o brilho perverso em seus
olhos me assusta e me toca.
— E isso não é nem a metade do que aquele cara que você quer faria…
— sussurra enquanto dá um passo para trás, ainda segurando meu rosto. De
repente, ele olha para a porta atrás de mim e diz uma única palavra. —
Finlay.
Ainda nervosa pelo beijo, levo um segundo para registrar o que ele
acabou de dizer. O nome do cara que estava dando em cima de mim. Mas
quando olho por cima do ombro, não há ninguém por perto.
Finlay estava aqui? Assistindo? Ou foi apenas a maneira de Zane colocar
algum tipo de bandeira invisível em mim, um ardil que está ficando mais
confuso a cada segundo e que vem tornando mais difícil separar o que é real e
o que é falso.
Ele recua mais um passo, todo toque agora é algo do passado.
— Finlay? — pergunto quando meus pensamentos se alinham, apenas
para obter uma sutil sacudida da cabeça de Zane em resposta. — É disso que
se trata? Você quer garantir que todos saibam de sua posse sobre mim antes
que algum cara que você obviamente odeia o faça? Você não me quer, mas
isso significa que ninguém mais pode me ter também? Como você ousa?
Meu coração dispara descontroladamente, e aquela pequena parte de
mim que pensou que Zane realmente queria aquele beijo – aquela que eu
continuo ignorando porque não quero entrar no jogo dele – murcha um
pouco.
— Você está passando dos limites, Harlow.
Minha risada ecoa nas paredes de concreto ao nosso redor.
— Passando dos limites? Em primeiro lugar, você não pode me dizer
como eu devo me sentir. Em segundo? Não sou um troféu para ninguém, e
com certeza não serei para você.
— Por enquanto você é, aos olhos do mundo pelo menos. — Seus lábios
se franzem, e seus olhos me prendem, imóveis.
— Isso é culpa sua.
— Nós dois queríamos algo um do outro. Estamos conseguindo. Como
eu disse, não confunda realidade com fingimento… e com certeza não
confunda o cara que você quer com o homem que eu sou.
— O que você quer dizer com isso?
— Tenha cuidado com o que deseja, Harlow.
Zane recua mais um passo, nossos olhares ainda presos, antes de balançar
a cabeça, como que se despedindo. E se afasta sem dizer mais nada.
Um gesto que estou começando a me acostumar.
Sua maneira de dar a última palavra.
A confusão reina em mim. Em que diabos eu me meti?
Muito mais tarde, quando estou deitada na cama sozinha e olhando para
o teto, minha mente girando sem parar, ouço passos nos degraus. Sinto o
movimento do ônibus da turnê enquanto ele sobe as escadas. Algumas
palavras são trocadas com Mick, que está esperando o retorno de Zane para
que possamos seguir para a próxima cidade. Para o próximo episódio de
Quanto Podemos Deixar Harlow Confusa Hoje?
Com os olhos fechados, sigo os movimentos de Zane pelos sons que ele
faz, meu corpo mais consciente agora de sua presença do que nunca. O clique
de seu celular sendo conectado ao carregador. O som da porta do quarto. Seu
suspiro quando ele chega ao pé da cama. Eu não olho, mas sei que ele está
olhando para mim.
Eu posso sentir. No peso da energia ao meu redor. Nos calafrios que de
repente brotam na minha pele. No incômodo lento e doce que arde entre
minhas coxas.
Meu corpo está me traindo. Quer algo que não posso ter. Algo que só
serviria para complicar as coisas, quando já parecem complicadas o suficiente.
E, no entanto, posso sentir seu olhar. Eu posso sentir o gosto do seu beijo.
Eu posso ouvir as palavras que ele disse sendo repetidas em minha mente.
O problema é que Zane está certo.
As mulheres se apaixonam pelas palavras.
Por palavras estúpidas como mulligan. Como pode essa palavra ter
qualquer traço de romantismo? Não tem, mas ele disse isso, e eu me derreti
com o significado por trás dela – com o que eu inferi disso e como eu…
Merda, estou provando seu ponto de vista, e ele nem está precisando defendê-
lo.
Zane se move. A porta do banheiro fecha. O chuveiro é ligado.
Eu fico aqui, lembrando de seu beijo. Aquele que tirou meu fôlego e que
é a fonte primária de toda a minha confusão.
Eu pedi a ele para ser real… e então Zane foi e me beijou. E pareceu
terrivelmente real.
Se ele está propositalmente tentando ferrar com meu cérebro, e corpo,
então conseguiu.
O beijo foi um aviso? Uma promessa sombria? Sua maneira de se manter
no controle de uma situação a qual o forcei? Uma maneira de fazer jus à sua
reivindicação sobre mim com alguma palhaçada de homem bem-sucedido da
qual eu não quero participar?
Ou era apenas mais um jogo, da mesma forma que todo esse
empreendimento da SoulM8 é?
A porta do banheiro se abre novamente, a linha de luz
momentaneamente surgindo antes de ser desligada, e então o quarto é mais
uma vez banhado pela escuridão.
A cama afunda com seu peso. Os lençóis ficam apertados contra o meu
corpo enquanto ele os puxa ao seu redor.
Afaste-o, Harlow.
Meu sangue vibra com o calor de seu corpo ao meu lado.
Afaste.
O cheiro de seu corpo após o banho.
Este.
Seu suspiro longo e prolongado.
Homem.
Seu “Noite, Harlow” é murmurado tão suavemente, que quase acho que o
imaginei.
E quando o motor ganha vida, Mick nos conduz para a próxima cidade.
Não importa o quanto eu tente, não tenho certeza se afastar Zane é algo
possível de se fazer agora.
Zane
Ela vai me matar.
É simples para caralho, desse jeito.
O calor do Texas começa a se infiltrar no ar da manhã e, no entanto, me
esforço mais. Mais intenso. Mais rápido.
Assim como desejei fazer com Harlow, deitada na cama ao meu lado,
quando acordei. Deitar sobre ela, comer essa mulher com força e intensidade.
Maldito Miles Finlay. O escroto nojento que se esforça demais para ser
tudo o que não é. Eu lidei com ele nos negócios. Eu o observei interagindo
com as pessoas. O canalha é conhecido por tentar ludibriar as pessoas para
que pensem que ele é o que está fingindo ser. E ontem à noite ele estava de
olho em Harlow.
Só de pensar no escroto falando com ela, meu sangue ferveu, meu corpo
inteiro quis marcá-la. Reivindicá-la. Avisá-la que é a mim que ela deveria
querer, e não a ele. Fazê-la perceber que sou muito melhor do que ele, mesmo
que ela nem parecesse interessada, para começo de conversa.
Mesmo quando continuo dizendo a mim mesmo que não a quero.
E é claro que eu caí nessa armadilha e a beijei.
Foi uma jogada idiota da minha parte?
Claro que sim.
Eu faria isso de novo?
Em uma porcaria de um piscar de olhos.
Eu olho para os dois lados na estrada, atravesso a pista e então sigo pela
trilha reta e plana, paralela à rodovia. Eu deveria estar olhando para as árvores
verdes exuberantes ao meu redor. Eu deveria parar e olhar para o tatu
andando a alguns metros de mim. Eu deveria usar essa atividade física para
limpar a droga da minha mente, mas não importa o quanto eu tente, ela
continua voltando para a única pessoa que eu não quero pensar.
A única pessoa que eu não deveria querer, mas ainda quero. Quero dizer,
olha para ela. Harlow é linda quando está vestida com classe, com um sutil
apelo sexual que é como uma droga de uma canção de sereia para um homem
como eu… Mas é a mulher dos momentos em que estamos sozinhos no
ônibus da turnê que me mata.
Sem maquiagem. Cabelo preso para cima. Seu corpo vestido com uma
blusa básica e short. Simples, mas devastadora para a minha libido.
Eu não aguentaria outra manhã vendo Harlow sentada no sofá, caneca de
café na mão, lábios limpos, olhos sem maquiagem, corpo ainda quente de ter
dormido na cama, ao meu lado.
Estou acostumado a fingir. Não caio de amores por deslumbres
femininos, mas normalmente é o que eu recebo, dia após dia. Mulheres
tentando me agradar em todas as oportunidades para que possa ser vista
comigo. Minha reputação existe. Eu sou um galinha. Não há vergonha nisso.
Mas me mostre algo real e vulnerável, como Harlow se mostra quando me
olha no privado, e eu te digo se não estou querendo tirar vantagem disso e
dela de todas as maneiras possíveis.
Isso não deveria acontecer.
Tipo de jeito nenhum.
Eu não deveria estar nesta turnê. Eu não deveria estar preso a ela. Eu não
deveria desejá-la como desejo.
Uma coisa é vê-la em um vestido elegante e morrer de vontade de saber o
que há por baixo… mas saber o que realmente há é pior. Vê-la com aquela
camisa minúscula e short apertado e querer provar, lamber e comer, tudo isso
é pior.
Este é o meu inferno. Minha tortura por ser homem. Por querer uma
mulher. Minha penitência por mentir para Robert e minha punição por ser
quem eu sou.
Estou tão fodido.
Fodido dos pés à cabeça, sem um fim ou prazer à vista.
Devia ter dormido com Simone antes de partirmos. Eu deveria ter
aceitado as insinuações que ela estava me dando quando saímos para beber na
outra noite. Talvez isso tivesse ajudado.
Talvez isso me satisfizesse.
Porra nenhuma, meu chapa. Não. Não quando você estava olhando para
Simone, mas pensando em Harlow.
A diferença é que, se fosse Simone, tudo teria sido fácil. Fácil demais.
A maneira como ela passou a ponta do dedo sobre a clavícula, para
direcionar meu olhar para seu decote, como se fosse impossível não notar. A
maneira como ela deslizou a ponta de seus saltos para cima e para baixo, na
frente da minha canela por baixo da mesa. A maneira como ela engoliu a
bebida de uma vez e explicou que conseguia engolir tudo com facilidade.
Só consegui pensar nisso o tempo todo. Nisso – nela. Tudo nela era fácil
para caralho. Sempre dizia a coisa certa. Sempre era perfeita em seus
posicionamentos, na maneira como projetava os lábios, em cada insinuação
de que me ouvia.
Nem uma vez ela botou a mão no quadril e falou da vida como ela é.
Nem uma vez ela discutiu, desafiou ou me deu bronca.
A porra da Harlow.
É tudo culpa dela. Isso. Essa tour. Eu a desejando. Tudo isso.
E é por isso que estou correndo agora, me obrigando a seguir pelas ruas
de Austin em um ritmo que eu não costumo correr. Me cansando para que,
quando voltar para o ônibus da turnê, não faça a única coisa que não saiu da
cabeça hoje.
Comer Harlow. Levá-la para a cama e terminar o que aquele beijo entre
nós começou ontem à noite.
Porque Harlow Nicks traz problemas para mim em todos os sentidos da
palavra. Ela me deixa em alerta. E me faz hesitar quando penso em
ultrapassar um limite que antes seria fácil de avançar: dormir com ela.
Mulheres como Simone querem uma coisa: sexo. E o poder que vem com
o sexo, a visibilidade em sua carreira por estar associada ao meu nome. Isso é
fácil para mim. Eu posso dar tudo isso para ela ou para qualquer uma. É
seguro, direto e deixa minha liberdade intocada. E meu coração.
Não, prefiro o bom e velho toma lá, dá cá.
Ou lamba aí. Lamber é sempre uma boa maneira de retribuir o favor.
Mas com Harlow é diferente. Ela não se impressiona com nada disso. Ela
achou o ônibus muito bom – e realmente é –, mas quanto a mim? Ela não se
impressiona com nada meu.
Isso é diferente para mim. Não faz parte do mundo que eu conheço. E
não faço ideia de como agir além de me afastar dessa porra toda.
Porque se tem uma coisa que homens fazem melhor do que bater no
peito e ganhar uma competição é ficar o mais longe possível de algo que os
assusta.
E Harlow me assusta demais.
Meus pés vacilam enquanto corro para o estacionamento, nos fundos do
centro de convenções. O ônibus está parado aqui, e a silhueta de Harlow é
emoldurada pelas janelas coloridas da área da cozinha. Ela está de pé, levando
uma caneca de café aos lábios, o cabelo preso no alto, me atraindo como o
som de quando ressonou suavemente pela manhã.
Bem-vindo ao inferno, Phillips.
Onde a tentação é quente para caralho, as consequências são
condenatórias e os pecados estão ao alcance das mãos, esperando para
queimá-lo.
Harlow
— Como estão as coisas, mi hija?
Ouvir a voz da minha mãe traz uma onda repentina de saudade que eu
não esperava, e lágrimas ardem em meus olhos, apesar do sorriso nos meus
lábios.
— Tudo indo. É muito diferente do que eu esperava e, ao mesmo tempo,
sinto que é algo que eu deva fazer.
— Tenho visto as propagandas. Teve uma na People Magazine ontem.
— Mesmo? — pergunto, me sentindo estupidamente feliz.
— Sim. Com uma ótima foto de você e Zane. Sexy e deslumbrante, até
me fez pensar que poderia me inscrever no SoulM8.
— Você não faria isso.
— Por que não? Posso ser mais velha, mas ainda tenho peças que
funcionam e um príncipe esperando para me enfiar um sapatinho de cristal.
— Mãe. — Minha risada enche o ônibus.
— É verdade. Não há vergonha alguma nisso. — Posso ouvir o barulho
de papel do outro lado da linha. Soa quase como se ela estivesse abrindo a
revista e olhando o anúncio novamente. — E é um anúncio de página inteira.
Mostrei a todos na fila do supermercado.
— Ai, Deus.
— Mostrei mesmo. Eu também comprei todas as cópias que eles tinham.
— Você não fez isso.
— Eu fiz. Não vou deixar que essa chance que meu bebê conquistou
passe sem ter registro de tudo.
— Já tive chances antes. — Vamos torcer para que desta vez isso de ter
visibilidade realmente se concretize e mais empregos apareçam.
— Teve. Mas desta vez eu sei que vai ser a grande chance, Low. Sinto no
fundo da minha alma.
— É obrigação sua dizer isso — eu digo, dando uma risada. — Você é
minha mãe.
— Você me conhece. Digo apenas verdades. Esse é o meu trabalho.
— Verdades e contos de fadas — novamente comento, rindo.
— Ninguém é velho demais para um conto de fadas, mi hija.
— Ai, fala sério.
Ela solta uma série de palavras em espanhol dizendo que sou louca, e isso
me faz sorrir. E sentir falta dela.
— É bom ouvir sua voz — eu digo suavemente.
— Está sentindo minha falta, é? — ela pergunta em seu tom de mãe.
— Sim. Eu estou. Tem sido… — Eu olho em volta, para minha realidade
atual, e sinto vontade de contar a ela a verdade. Aprisionador. Surreal.
Confuso. — Uma experiência e tanto — eu digo.
— Me diga que ele está te tratando bem. Que ele não está te
pressionando a fazer coisas que você não quer fazer.
— Não. — Eu rio, encobrindo o fato de que Zane pode não estar me
pressionando, mas me tentar é outra história. — Ele é um cavalheiro. —
Exceto quando me beija loucamente em uma noite e, nos dias subsequentes,
permanece monossilábico, a não ser que estejamos no modo atuação. — Ele é
confuso.
— Os homens sempre são, mi hija.
— Ele é…
— Você gosta dele.
— Por que você diz isso?
— Porque sou sua mãe e sei dessas coisas.
— Eu não gosto dele — eu digo, talvez para me convencer. — Quero
dizer, só se passaram seis dias. Não é muito tempo para poder definir se gosto
de alguém ou não.
— Então você não tem certeza se gosta ou não?
Eu suspiro.
— Trabalhamos bem juntos. As pessoas acreditam na história que
estamos vendendo.
— Eu não contei isso para ninguém — ela diz espontaneamente, e
imediatamente me preocupa que ela tenha dito a verdade a uma colega do
grupo de salsa. Deixo o silêncio pairar na linha como um aviso sutil para ela.
— Eu prometo, mi hija. Eu jamais estragaria isso para você.
— Ok.
— Então o que está te deixando com a pulga atrás da orelha?
— Eu não sei — eu penso enquanto me levanto e espio pelas janelas o
mundo além. Árvores exuberantes me cercam, galhos balançando com a brisa
enquanto as nuvens acima estão se movendo lentamente no céu. — Não
consigo compreendê-lo. Não sei o que Zane realmente sente por mim… ou o
que eu sinto por ele…
— E quando ele beija você…
— O que você quer dizer com quando ele me beija? Como você sabe que
ele faz isso? — pergunto, minha mente imediatamente voltando para a outra
noite em Austin, no jardim, para o beijo que nunca esqueci por completo.
— Houve fotos postadas. Parece que ele é carinhoso durante as
apresentações. Sempre beijando sua têmpora ou tocando nas suas costas… Aí
eu me perguntei o que isso poderia te causar.
— Realmente não importa o que isso me causa, para ser honesta. Estou
desconcertada porque estamos passando muito tempo juntos. Estou aqui para
fazer meu trabalho, e qualquer coisa além do que eu deveria estar fazendo não
vale a pena perder tempo refletindo.
— Mi hija, você acabou de dar um monte de voltas para tentar me
enrolar. Você gosta dele. Eu sou sua mãe. Não posso ser enganada.
E ela está certa. Eu gosto. De uma forma enlouquecedora e sexualmente
frustrante, do tipo como-será-que-ele-é-na-cama.
— Mãe — eu aviso, não querendo que ela entre nesse assunto.
— O que ele tem que faria você não gostar dele?
Minha risada sai repleta de sarcasmo.
— Talvez porque Zane seja como David e Linc, e depois como Rhett, e
eu não posso fazer isso comigo mesma novamente. Em algum momento, eu
tenho que aprender a não deixar o ego de um homem me dominar.
— Low… todos os homens são assim de uma forma ou de outra. O ego
deles é parte do motivo pelo qual nos sentimos atraídas por eles. Confiança é
algo sexy. Estar seguro sobre seu lugar no mundo é algo que gostamos de ver
em nossos parceiros. Não é uma coisa ruim achar isso atraente. Nós gostamos
de um homem com um ego um pouco inflado. Isso é atraente. O que não
gostamos é de homem com um ego absurdamente inflado.
— Você já pode parar de fazer sentido agora.
— Vocês são duas pessoas jovens e solteiras. Claro que vocês vão se sentir
atraídos um pelo outro. Isso é natural. Explore essa atração. Não explore. Mas
independentemente do que fizer, saiba que é perfeitamente possível se perder
em um homem sem se perder no processo.
— Mãe. Nossa. Não estou procurando um relacionamento — digo as
palavras, mas o romantismo que ela incutiu em mim, bem no fundo, me faz
questionar como Zane Phillips seria nesse sentido. Ele diz que o amor é uma
emoção falsa… a questão é: ele acredita nisso?
— Então é só procurar um pouco de diversão.
— Eu não vou dormir com ele, mãe.
Sua risada sai alta pelo telefone.
— Está bem, então. Continue dizendo isso a si mesma…
— Vou mesmo — eu digo defensivamente.
— E viva o presente.

*
— Muito obrigada… — Albuquerque? Austin? Houston… As cidades se
misturam em minha cabeça sob as luzes quentes do palco, então demoro um
segundo para terminar. — Houston — eu digo.
Zane ri do outro lado do palco.
— Houston, temos um problema. — A plateia ri de sua brincadeira com
minha óbvia gafe.
— Eu nunca entendi como os músicos confundiam os lugares em que
estavam, mas agora eu entendo. Estamos nessa sem parar há uma semana…
— Não vamos revelar todos os nossos segredos íntimos.
— Ah, por favor. — Reviro os olhos e ouço a risada.
— Estamina, baby. — Ele pisca enquanto caminha em minha direção.
— Não vamos fazer propaganda enganosa — eu digo, em alerta quando o
vejo parar atrás de mim e sinto suas mãos em meus quadris. — A SoulM8
ajudará você a se conectar com alguém, não lhe dará estamina.
— Eu já imagino isso como um novo slogan.
Outra risada da plateia.
Outro beijo na minha têmpora.
— Você está linda hoje — ele murmura baixinho, o calor aquecendo
minha orelha.
Outra vibração indesejada por causa dessa simples demonstração de afeto,
mesmo que roteirizada.
Mas isso foi roteirizado? Foi um momento que ele esperava que o público
ouvisse no microfone, para que as mulheres pudessem derreter coletivamente,
ou foi sincero e destinado apenas a mim para que eu me derretesse
silenciosamente?
Subitamente perturbada e sentindo como se toda a sala estivesse olhando
para mim enquanto tropeço em pensamentos que não cabem na minha
cabeça, limpo a garganta e me recomponho.
— Vamos começar com as perguntas, Romeu, antes que você prometa
demais e não cumpra.
As perguntas logo se iniciam: veto de candidatos, checagem de
antecedentes, de segurança, mais explicações sobre o que exatamente nossa
tecnologia de IA faz, garantias. Espero que as perguntas específicas comecem
logo em seguida. Normalmente começa com os homens fazendo perguntas
francas para Zane, e as mulheres, para mim. Então, em algum momento, essa
ordem muda – normalmente quando o álcool bate, e então sou cercada por
homens, e Zane, por mulheres.
Mas tem algo de diferente esta noite. Zane não sai do meu lado. Sua mão
permanece em algum lugar do meu corpo o tempo todo. Tocando.
Reivindicando. Avisando para todos que eu sou dele.
É tão fofo quanto irritante, e não posso deixar de me perguntar se toda a
situação com Miles Finlay o fez pensar duas vezes antes de deixar as
montanhas de testosterona e álcool me encurralarem em um canto sozinha.
Você está linda hoje.
Mas foi esse comentário aí – o que me tirou do sério e ainda alugou um
apartamento na minha cabeça – é que me faz pensar se algo a mais está
acontecendo aqui.
Ele ri com a mulher à nossa direita. Ela é rechonchuda, loira e
genuinamente gentil. Independentemente disso, eu a odeio
instantaneamente.
Levo um segundo para registrar que estou com ciúme. Desejo que Zane
pare de prestar atenção nela, mesmo que seja uma interação totalmente
inocente.
Espera aí. Foi assim que Zane se sentiu na outra noite quando me viu
com Miles Finlay? Essa é a maneira sutil dele de me mostrar como é e esfregar
isso na minha cara?
Eu olho para ele, que olha na minha direção com um sorriso leve antes de
mirar de volta a loira.
Jesus, Low, controle-se. Você está perdendo a cabeça aqui. Você não é
assim. Você não se importa se ele a acha atraente, desde que ela não acabe na
cama que vocês dois dividem.
Mas eu me importo.
Mesmo sem querer.
Você está linda hoje.
Essas palavras se repetem na minha cabeça e me dizem, nitidamente, que
Zane tinha razão naquela noite. Estou começando a acreditar que esses
pequenos toques dele significam alguma coisa. Estou começando a pensar
demais em suas intenções. Estou começando a me apaixonar por palavras,
quando não tenho nada que permitir que isso aconteça.
Faz apenas uma semana e preciso de um pouco de espaço. Só penso nisso
enquanto pego algumas coisas – roupas, escova de dentes, sabonete facial –
no ônibus da turnê e as jogo em uma sacola. Esta noite é uma das poucas
noites repetidas que teremos em uma cidade, então vou aproveitar a
oportunidade e reservar um quarto no hotel onde estamos estacionados.
Abro a porta do ônibus e estou prestes a sair quando fico cara a cara com
Zane. Ele olha para a bolsa enorme em minhas mãos e depois olha para mim
com confusão clara em seu rosto bonito.
— O que você está fazendo?
— Não estou me sentindo bem — minto. — Arranjei um quarto no
hotel para não te passar nada.
Zane torce os lábios, o questionamento em seus olhos é implacável.
— Você está doente?
— Sim. Garganta inflamada. Estado febril. Dor de cabeça. — Pare de
falar ou ele não vai acreditar em você.
— Uh-huh. — Zane acena com a cabeça, mas seu tom evasivo me diz
que não acredita em mim. Ele fica ao pé da escada para que eu não possa sair.
— Com licença?
— Quem é o cara?
— O quê? — É a última coisa em que eu pensaria, mas foi a primeira em
que ele pensou, o que me deixa chocada.
— Você está trocando uma cama perfeitamente boa no ônibus da turnê
por uma de quarto de hotel, então só posso presumir que você encontrou
alguém para passar a noite.
Creio que eu tenha piscado uma centena de vezes enquanto tento
processar o que Zane está dizendo. Uma parte muito pequena e infantil de
mim quer concordar com ele e dizer que sim, estou saindo com outra pessoa.
Qualquer coisa para dissipar essa tensão repentina entre nós, que se tornou
uma constante sempre que estamos próximos.
Mas tudo em que consigo pensar é: se eu disser que sim, isso não abrirá
caminho para que ele faça o mesmo? A agitação no meu estômago me faz
calar a boca.
E confirma novamente que realmente preciso de um pouco de espaço
para clarear a cabeça.
— Desculpe desapontá-lo, Zane, mas não vou encontrar ninguém. —
Engulo em seco. — Não estou me sentindo bem, e estivemos próximos
demais nos últimos seis dias… Achei que talvez fosse bom ter um pouco de
espaço, já que é uma das únicas oportunidades que teremos para isso. Não
sei, só para não pegarmos no pé um do outro ou algo assim.
O verde de seus olhos brilha na noite pouco iluminada, posso ver o
esforço de Zane para decidir se acredita em mim ou não.
Isso por si só deveria me irritar. O fato de eu querer que ele acredite em
mim quando, na verdade, não é da conta dele o que estou fazendo com meu
tempo fora do trabalho.
E, no entanto, quero que Zane acredite em mim.
Não quero que ele pense que estou com outra pessoa.
— Deixe-me acompanhá-la até o hotel — ele diz suavemente e se afasta,
para que eu possa desembarcar do ônibus.
— Tá tudo bem. Não precisa. Você deve estar cansado.
Por que de repente estou tão nervosa?
— Eu vou com você.
E ele vem mesmo. Caminhamos em silêncio pelo estacionamento até a
frente do hotel. Ele me acompanha até a entrada iluminada.
— Vou entrar para botar a diária na conta da empresa.
— Isso não é necessário, mas obrigada. — Coloco minha mão em seu
bíceps, a fim de detê-lo. — Já resolvi tudo.
— Então eu vou fazer umas ligações e resolver isso mesmo assim. — Ele
me dá um sorriso tenso, e pela primeira vez vejo como Zane está cansado.
Meu primeiro instinto é estender a mão e tocar em sua bochecha, então eu
percebo quão estúpido isso não seria, já que se trata do Zane: um cara
intocável, meu chefe, um jogador, enquanto eu sou eu. Alguém que confia
demais nos outros, meio desequilibrada, confusa.
Pelo menos eu sei que ele também não está dormindo muito bem. Todo
esse lance de dormir na mesma cama, tentando não me mexer a noite toda
para não acabar acidentalmente me aconchegando nele durante o sono, está
tendo um efeito semelhante em Zane.
— Obrigada, Zane.
— Posso acompanhá-la até o seu quarto?
— Não, não precisa. Você foi gentil o suficiente.
Eu olho para os meus dedos, que brincam com a alça da minha bolsa, e
odeio o fato de que sua presença está fazendo meus nervos se agitarem.
— Espero que você melhore.
— Com certeza não é nada de mais.
Quando eu olho para trás, Zane está muito próximo, rosto quase grudado
no meu, e seus lábios pressionam levemente minha bochecha..
— Durma bem, Harlow — ele murmura em meu ouvido.
— Sim. — Minha voz sai sem fôlego. Meu coração está batendo forte. —
Você também.
Só quando ele se afasta alguns metros que eu respiro novamente. Vejo
suas costas fortes, largas, na escuridão da noite. As mangas da camisa
arregaçadas até os cotovelos, calças sob medida abraçando sua bunda
perfeitamente, a prata de seu relógio refletindo nas luzes do estacionamento.
Eu o observo caminhar em direção ao ônibus até o perder de vista.
E então eu fico olhando mais uns instantes.
Isto não é bom.
Esse repentino frio na barriga não é bom. Esse calor entre minhas coxas
não é bom. Eu querer ir atrás dele não é bom.
Isso não deveria ter acontecido. Isso de gostar dele. De ficar criando
motivos pelos quais seria bom dormir com Zane. Afinal, estaremos presos no
mesmo ônibus por semanas a fio. Dois adultos solteiros e atraentes. Seria
apenas a progressão natural das coisas.
Nada disso é bom quando começo a justificar minhas ações antes mesmo
de as realizar. Ou quando esqueço as razões pelas quais eu não deveria gostar
dele – seu ego, suas mudanças súbitas de humor, seu privilégio.
Nada.
E ainda assim eu faço tudo isso.
Entre no hotel, Low. Distancie-se.
Esfrie a cabeça.
Zane
Não dormi merda nenhuma.
Não foi porque Harlow não estava aqui. Não pode ter sido.
E, no entanto, é nela que estou pensando enquanto estou no chuveiro
com o pau na mão. Água quente. Sabonete escorregando. O pensamento dela
deslizando sobre meu pau com os dedos enfiados em meu peito, os seios
saltando enquanto monta em mim, e aquele som leve vindo do fundo de sua
garganta, como ela fez quando a beijei na outra noite.
Não é o que eu quero – minha mão – em vez do calor de sua boceta, mas
teu cu que vou admitir isso, que vou admitir que dormir ao lado dela noite
após noite é o suficiente para testar o limite de qualquer homem.
Pior ainda, não dormir ao lado de Harlow ontem à noite me fez pensar
nela sem parar.
Ela estava realmente sozinha ou estava fazendo bom uso daquelas
camisinhas que trouxe?
Eu deixo o pensamento de lado e me concentro nela. Seus peitos. Sua
bunda. A voz dela. O que eu só posso imaginar que ela sentiria.
E quando gozo, soltando um gemido que enche o pequeno banheiro, não
é satisfatório o suficiente.
Nem. Perto. Disso.
Jesus. Isso tudo é uma merda do caralho. O pensamento permanece
enquanto seco meu cabelo com uma toalha; em seguida, a enrolo em volta da
minha cintura, para que eu possa deitar na minha cama e olhar para o teto…
esfriar a cabeça? Não pensar nela? Pensar em qualquer coisa, apesar da ressaca
que perdura desde a noite passada, quando fui ao bar do hotel na esperança
de que talvez Harlow estivesse mentindo para mim. Que talvez ela estivesse
indo se encontrar com alguém, e eles tivessem vindo ao bar onde eu estava.
Sim, foi nesse nível.
Pior ainda foi ter umas mulheres se aproximando de mim no bar,
querendo muito mais do que as bebidas que estavam sugerindo que eu
comprasse para elas Normalmente eu compraria, conversaríamos e iríamos
embora, mas por algum motivo, eu realmente não estava interessado.
Harlow está fodendo com meu mojo e nem sabe disso.
Eu gemo de novo, e não porque estou gozando de novo pensando em
Harlow.
Como diabos eu cheguei nessa situação? É tudo culpa do Kostas. Não é
sempre assim?
Penso na nossa viagem. Nas noites em que estive acompanhado de
amigos, álcool e talvez um pouco de confusão. Na aposta que fizemos.

— Estou entediado.
Olho para Kostas. Ele está recostado na cadeira, com o cabelo na altura dos
ombros caindo de seu rabo de cavalo no seu rosto. Há um monte de garrafas de
cerveja vazias diante dele na mesa. Ele está com aquela expressão no rosto, aquela
que mostra uma busca por encrenca.
Não é a primeira vez que vejo essa expressão. Tenho certeza de que também
não será a última.
— Seja lá o que for que você esteja querendo, estou fora, cara — murmuro,
notando que meu comentário tira o foco de Enzo da mulher de cabelos negros do
outro lado do pátio externo, a mesma mulher que capturou sua atenção pelos
últimos minutos.
— Uh-oh — diz Mateo, sua cadeira fazendo barulho no chão. — Da última
vez que você ficou entediado, acabei me fodendo.
— Isso foi há dois anos. — Kostas diz, revirando os olhos. — Munaki — ele
murmura, chamando-o de maricas em sua língua nativa.
— Mesmo assim, não muda o fato de que fui preso — diz Mateo, mas seu
sorriso disfarça um tom de voz firme.
— Fala sério. Foi um mal-entendido. Você não passou mais de trinta minutos
atrás das grades.
— No que você está pensando? — Enzo interrompe a discussão para a qual
Kostas e Mateo certamente estavam se encaminhando.
— Estou entediado — repete Kostas. — Preciso ser desafiado. Eu vou para o
escritório todos os dias, e é a mesma merda de sempre. Eu quero descobrir algo.
Quero criar algo e tornar seja lá o que isso for em algo bem-sucedido.
— Você pode fazer qualquer coisa dar certo quando investe dinheiro
ilimitado nisso — rebate Mateo.
— Eu entendo o que ele está falando — Enzo se intromete. — Sinto falta
daquela emoção da caçada. Quando meu nonno me encarregou de criar um novo
mercado para o vinhedo, senti que conseguia respirar novamente. Era novo. Foi
diferente. Não era a mesma merda do dia a dia.
Eu odeio o fato de que eles estão pondo em palavras como eu tenho me sentido
ultimamente. Entediado. Sentindo que o dia a dia não tem nenhum tipo de
desafio, como era no começo. Fizemos sucesso no mundo dos negócios. A correria
acabou.
A brisa do Mediterrâneo traz cheiro de sal, mar e do óleo de coco usado por
muitos ao nosso redor.
— O que você está pensando? — pergunto, meu interesse despertado, mas me
sentindo ressabiado.
— Proponho uma competição — diz Kostas enquanto pega uma cerveja
nova. — Uma em que encontraremos aquela emoção novamente.
— Você pode encontrá-la na próxima mulher que passar pela porta. Quem
você está enganando? — Mateo brinca.
— É verdade, mas não é a mesma coisa. — Ele olha para o bar, para as
pessoas, e demora para encontrar as palavras que quer usar, assim como fez
quando o conheci em Princeton, mais de uma década atrás.
— Você é muito jovem para ter uma crise de meia-idade — acrescenta Enzo.
— Um chá de boceta vai resolver sua questão.
— Eu consigo toda a boceta que quero — ele responde.
— Tá, tá — eu digo, sabendo que essa conversa vai descambar em uma briga
entre os três, para ver quem está comendo quem ultimamente. — Todos nós
conseguimos… Então, Kos, qual é o lance?
— Sou muito jovem para deitar e esperar minha morte. — Kostas e seu
talento para o drama. — Acho que devemos fazer uma aposta. Um concurso. Seja
lá qual for a porra que você queira chamar.
— Um concurso? Não estamos mais na faculdade — diz Mateo. Memórias
de nós quatro voltam. As competições que terminavam em brigas. Os egos que
brigavam pelo domínio. A necessidade de estar no topo, sempre.
— Olhem — diz Kostas levantando o dedo. — Cada um de nós pode usar
um milhão de nosso próprio capital para investir como quisermos em um novo
empreendimento comercial.
Enzo solta um assobio agudo, mesmo que só Deus saiba quantos bilhões há na
conta bancária da família dele.
— Apenas um milhão?
— Apenas um milhão — diz Kostas como apenas alguém que viveu uma
vida de privilégios infinitos poderia. Para a maioria dos novos negócios, um
milhão seria uma fortuna. Para nós, é uma gota d’água em um balde cheio. —
Tem que ser algo em que você nunca se envolveu antes. Escolhemos um prazo.
Uma data de início. Uma data final. Aí veremos quem vai pegar esse milhão de
dólares e aproveitá-lo ao máximo nesse período.
A ideia faz meu sangue acelerar.
Eu estudo as reações das pessoas ao meu redor, homens que são como irmãos
para mim. Nossas vidas são tão ocupadas, que podemos nos encontrar apenas a
cada um ou dois anos, e, no entanto, somos tão parecidos em motivação e
ambição, que é assustador.
— Certo — Enzo diz, esticando a palavra. — Quais são os objetivos?
— Orgulho. Lembrar que temos colhões. — Kostas franze os lábios e olha
para cada um de nós. — Deixar de ter trinta e poucos anos sentindo que não há
mais nada a ser feito.
— Uma boa transa com duas ou três das minhas le signore mais próximas
poderia fazer isso por mim — diz Enzo, dando uma risada que me diz que ele já
fez isso tudo. Possivelmente até pagou por isso. Porra, Enzo. — Precisamos de
mais do que isso.
— Que tal quatro milhões? — Mateo fala e nos faz virar a cabeça em sua
direção. — Um milhão de cada um dos perdedores. Marcamos uma data de
início, todos investimos o milhão em nosso empreendimento, escolhemos um
contador neutro, e após um determinado tempo, esse contador analisa as finanças
de cada empresa. Aquele que conseguir o maior lucro ou o maior valor de
revenda, algo assim, ganha um milhão dos outros filhos da puta.
— E isso fica entre nós. Ninguém além de nós quatro pode saber disso —
Enzo diz, e todos concordamos.
— É claro.
— Investidores externos? — pergunto, pensando em como poderia ser benéfico
unir forças com alguém. — Podemos ter ajuda?
— Mmm — Kostas murmura enquanto passa o dedo sobre o lábio inferior.
— Eles podem adicionar mais um milhão no máximo, mas você precisa se manter
como acionista majoritário. Mas por que você quer dividir seu lucro?
— Você nunca sabe quais oportunidades podem se apresentar — murmuro,
sustentando seu olhar.
— Concordo. — Um sorriso malicioso surge nos lábios de Kostas. São apostas
altas o suficiente para ele cair nisso tudo. — Faz diferença no que vamos investir?
— ele pergunta.
— Deve ser em algo legal — interponho, sabendo que às vezes eles escrevem
certo, mas por linhas um pouco tortas.
— Claro — diz Mateo.
— Eu não estou brincando com isso, cara.
— Relaxe, Zane. Vai ser tudo feito direito — acrescenta Enzo.
— Quem está dentro? — Kostas pergunta.
Eu olho para todos na mesa. Eu sou o único que começou do zero aqui.
O único que não começou com os bolsos cheios de dinheiro vindo do
conglomerado de transporte de um pai (Kostas), dos vinhedos da Toscana de um
avô (Enzo) ou das plantações de tabaco de outra família… e possivelmente outras
culturas (Mateo).
Eu sou o filho da puta solitário que escapou de Brisbane para evitar as
agressões do pai, as repreensões da mãe… e fez algo consigo mesmo.
Mas somos todos homens ambiciosos.
A faculdade tem uma maneira engraçada de te botar junto de pessoas
equivalentes a você.
Se é que podemos nos chamar disso.
— Estou dentro — diz Enzo, balançando a mão no ar antes de se virar para
a mulher à nossa frente.
— Definitivamente — acrescenta Mateo.
— O cauteloso sempre fica por último — diz Kostas quando nossos olhares se
encontram.
— Não é questão de ser cauteloso… é só de não ser tolo.
— Você está dentro ou não, Phillips?
— Estou dentro, meu chapa.

Posso ter ido a Mykonos naquelas duas semanas para relaxar e passar um
tempo com meus colegas de faculdade, mas antes de ir embora de lá, já estava
progredindo no concurso. Encontrei uma pequena empresa iniciante que
estava fazendo sucesso no mundo dos encontros online na Austrália – sua
premissa era diferente e única, e estava na boca do povo, o que sempre é uma
coisa boa. Passei a noite inteira pesquisando sobre IA e como poderia integrá-
la à plataforma, e sabia que isso poderia virar alguma coisa. Eles levaram
apenas 48 horas para aceitar a oferta que fiz na manhã seguinte.
A sensação boa voltou em um instante. Eu mal podia esperar para chegar
em casa e reformular certos aspectos da empresa — nome, imagem, branding
— e torná-la minha.
Droga, eu posso não acreditar no amor ou mesmo apostar nele, mas há
um monte de pessoas no mundo que pagariam para encontrá-lo.
Eu passo a mão pelo cabelo. Posso não pagar para encontrá-lo, mas de
alguma forma estou pagando um preço alto por causa dele.
Droga de disputas.
Elas sempre mexem comigo.
Zane
— Robert? O que está fazendo aqui? Que boa surpresa.
Só que não.
Eu o observo, minha mesa repleta de papéis por toda parte, uma caneca
de café já velho no balcão… e nada de Harlow. Robert está parado perto da
porta aberta do ônibus, com tacos de golfe na bolsa e uma boina na cabeça.
— Tenho reuniões de negócios aqui nos próximos dias e depois terei uma
folga, então pensei em vir ver a programação e como as coisas estão indo.
— Estão indo muito bem — eu digo, fecho a porta atrás de mim e desço
os degraus.
— E Harlow?
— Ela está por aí — eu digo, sabendo muito bem que a hora do
checkout no hotel está se aproximando, porque eu liguei para saber cerca de
uma hora atrás. Quando eu estava sentado trabalhando e me perguntando
onde ela estava.
Robert acena com a cabeça lentamente enquanto começamos a andar.
Para onde? Não sei.
— Vamos tomar alguma coisa.
Eu olho para o meu relógio.
— Está um pouco cedo, mas, claro, meu chapa.
— São cinco horas da tarde em algum lugar do mundo. — Ele ri e então
fica em silêncio de uma forma que eu, alguém tão acostumado a observar as
pessoas, percebo.
— É verdade. — Seguimos para o luxuoso hotel onde o evento aconteceu
ontem à noite. Haverá outro hoje, seguido pelo que Robert considerou a fase
dois: uma coletiva de imprensa com estações de rádio amanhã de manhã.
— Está indo tudo bem? Parece que as pessoas estão gostando bastante da
plataforma.
— Estão. — Eu aceno para o concierge com quem falei ontem à noite
sobre colocar a diária de Harlow na minha conta. — Eu te mandei os
resultados da primeira fase. Tivemos um aumento de quinze por cento nas
pré-inscrições e um aumento de vinte por cento no tráfego do site desde
nosso primeiro evento em LA.
— Amanhã começará a fase dois.
— Entrevistas com a imprensa e mais apresentações — eu digo, repetindo
o plano de publicidade como se ele já não soubesse. Faço isso mais para que
Robert saiba que eu lembro de tudo. Para que ele veja que estou levando tudo
isso a sério. Atravessamos o saguão, e eu olho em volta, como se fosse ver
Harlow, mas ela não está à vista enquanto nos dirigimos para o bar do hotel.
— Isso ajudará a aumentar o burburinho, então passaremos para o
turbilhão que é Nova York e para os canais de televisão antes do lançamento
oficial online.
— É um ótimo plano.
— As pessoas parecem realmente amar a Harlow — diz ele quando
entramos no bar, já lotado de pessoas. Todos parecem estar pegando uma
bebida antes de sair para aproveitar a extravagante área da piscina do resort.
— É o que parece — murmuro, ainda tentando descobrir do que se trata
esta conversa.
— E como você está lidando com isso?
— Com o quê? As pessoas a amando?
— Mm-hmm. Deve ser difícil para um homem como você dividir os
holofotes quando está acostumado a ser o único a brilhar.
Inclino a cabeça e penso a respeito do seu comentário.
— Não é difícil, não. Ela vai brilhar estando no centro das atenções ou
não. Ela é exatamente esse tipo de pessoa.
— Hum.
Robert fica quieto, e seu silêncio com certeza é um indicador de que algo
está errado. Então eu o espero fazer o primeiro movimento. Você nunca
mostra suas cartas, a menos que seja necessário.
Ele suspira. Pegamos nossas bebidas, e Robert ainda está em silêncio.
Então ele me encara longa e duramente.
— Sabe, às vezes viajar junto do parceiro pode ser um teste para o
relacionamento.
Eu assinto demoradamente.
— Com certeza.
— Faz vocês brigarem quando normalmente não brigariam. Ensina quais
são os pontos fracos alheios e como usá-los para irritar o outro. E permite que
você faça um ótimo sexo de reconciliação.
Eu sorrio.
— Aonde você quer chegar, meu chapa?
Ele se recosta na cadeira e franze os lábios.
— Só estou tentando entender algo que vi hoje.
— Ok…
— Estou tentando descobrir se estou sendo manipulado por você, se você
é quem diz que é… ou se é apenas um filho da puta desprezível.
Com nossos olhares fixos um no outro, não me apresso ao levar a garrafa
de cerveja aos lábios e depois ao colocá-la de volta na mesa antes de falar.
Preciso de um minuto para tentar descobrir qual é o lance dele.
— Eu estou supondo que você vai me explicar do que está falando.
— Quando eu estava fazendo o check-in no hotel antes da minha
primeira reunião, houve uma confusão com a minha reserva. Como estamos
realizando o evento aqui, usei a conta comercial, e eis que eles me disseram
que já havia sido feito um check-in no meu quarto. Uma tal de Harlow Nicks
o pegou ontem à noite.
— Isso foi um mal-entendido. Liguei para eles hoje de manhã, para que
cobrassem no meu cartão…
— Então ela ficou no hotel, e você ficou no ônibus? O mesmo ônibus
que eu estava vindo visitar esta manhã, para discutir algumas coisas com você,
quando uma mulher muito linda saiu de dentro dele? Uma que, devo
acrescentar, não era a Harlow.
— Robert…
— Não. — Ele levanta a mão para me impedir de explicar. — Não me
enrola, Zane. Dedique a mim o respeito que eu mereço e não invente uma
desculpa ridícula para me enganar.
Sinto meu humor ficando sombrio.
— Não é o que você está pensando — eu digo, pensando na batida que
recebi na porta esta manhã, de uma das cocotas do bar na noite passada.
— Posso ajudar?
— Você se lembra de mim, de ontem à noite? Do bar? Uau, que ônibus
incrível. — Eu não respondi, mas observei a maquiagem e o cabelo perfeitamente
feitos, o que me disse que ela estava mentindo descaradamente. — Eu fiquei na
festa a noite toda e agora… agora meu celular descarregou. Eu estava me
perguntando se talvez não fosse incômodo, sabe, te pedir para usar seu celular
para chamar um táxi.
Ela piscou, empinou os peitos o máximo possível e tentou fazer o bom e velho
movimento de deixe-me-tocar-em-seu-braço-para-te-mostrar-que-realmente-gosto-
de-você. Eu já vi isso um milhão de vezes, e é um gesto antigo e desesperado.
— Eu não estou interessado, mas atrás de você há um hotel perfeitamente
bom, onde você acabou de se arrumar. Você deveria voltar lá e pedir a eles para
usar o telefone como cortesia.
— Ah, vai, eu só quero me divertir um pouco. — Ela tentou entrar no
ônibus da turnê, mas eu apenas fiquei parado, seu corpo roçando o meu, o
perfume em que ela se afogou enchendo meu nariz.
— E eu não quero.
Que porra de azar, Robert apareceu bem quando ela estava indo embora.
— Robert. Isso é ridículo. Não era o que parecia.
— Tudo o que sei é que tenho na cabeça a imagem perfeita de vocês dois
no palco. Quase perfeita demais, na verdade. Vocês estão vendendo a marca.
Estão dançando no ritmo da música… mas para um casal tão importante,
não há mais nada além disso. Não há jantares à meia-noite no In and Out.
Nenhuma foto de vocês se beijando em um bar ou em algum outro lugar.
Nada.
— Eu não sabia que parte do seu plano de marketing era vigiar meu
relacionamento fora do horário de trabalho com a SoulM8.
— Não foi isso que eu quis dizer.
— Foi, sim, para cacete. — Agora estou puto. Ninguém me diz o que fazer
nem como fazer, muito menos Robert. Porra, sim, preciso de suas conexões para
me ajudar a ganhar esta maldita aposta, mas não preciso dele olhando por cima
do meu ombro a cada passo que dou. — Você pode ser um parceiro neste
empreendimento, Robert, mas não pode me dizer como administrar meu
relacionamento. Você já mexeu em umas merdas que eu não queria que
fossem mexidas.
— E minha ação, de fazer vocês dois serem o rosto da campanha, foi um
sucesso.
— Mas é aí que acaba seu alcance. Não temos que expor cada parte de
nossa vida para sua aprovação. Harlow não se sentiu bem ontem à noite,
então ela propôs dormir no hotel para não me deixar doente e para que
pudesse relaxar na banheira. Ter um pouco de espaço. Eu fiquei aqui, tomei
alguns drinques, e aquela mulher que bateu na minha porta esta manhã já
não era meu tipo ontem à noite, quando tentou flertar comigo, e com certeza
continuou não sendo pela manhã… Então, se você acabou de tentar me dizer
como viver minha vida, voltarei ao ônibus e às teleconferências que agendei
para as próximas horas.
O gelo em seu copo tilinta quando ele o coloca sobre a mesa, e seus olhos
me medem, para ver se ele acredita em mim ou não.
— O que eu não consigo entender, Zane, é se você está sendo defensivo
para proteger a mulher que ama ou para proteger a mentira que me contou.
— E estou tentando entender por que, se você não confia em mim, abriu
um negócio comigo.
Há um sorriso frio em seu rosto. O filho da puta está falando sério. Isso é
que eu chamo de ser pego de surpresa, quando eu normalmente nunca sou.
Ele se inclina e abaixa a voz.
— É justo… mas lembre-se disso, posso ser velho, posso ser sozinho, mas
não serei enganado. — Ele puxa a cadeira e joga algumas notas na mesa para
cobrir a bebida. — Se você está mentindo para mim, este negócio acabou e
sua reputação — ele dá de ombros com indiferença —, sua reputação estará
acabada em meus círculos.
Não confio em mim mesmo no momento, então não digo nada.
Memórias me inundam de volta. As ameaças do que posso e não posso fazer
são reforçadas pela palma da mão aberta na minha bochecha. A queda da
garrafa de vodca de suas mãos na primeira vez que lutei. A promessa que fiz a
mim mesmo de nunca mais permitir que alguém me ameaçasse.
De nunca mais viver aquela vida.
Não vim até aqui para que alguém ditar quem devo ser, com quem devo
trepar e como devo administrar meus negócios.
Ele não é seu pai, Zane. É apenas um investidor querendo os mesmos
resultados que você.
Sucesso.
Harlow
O hálito quente de Zane chega à minha orelha e me arrepia toda.
Eu mantive com sucesso a promessa que fiz para mim mesma. Aquela que
eu fiz quando saí do quarto do hotel esta manhã para ter certeza de que me
manteria ocupada, com uma distância física e mental dele.
Mantive, isto é, até agora.
Claro que participei do nosso show de hoje à noite. Os doces sorrisos no
palco, os olhares demorados, mas de longe. Fiz questão de estar sempre em
movimento para evitar o toque de Zane.
Distância significa uma cabeça limpa. Espaço significa que posso evitar
mergulhar de cabeça em uma paixonite que inevitavelmente resultará em uma
aterrissagem dolorosa quando eu atingir o chão.
Porque é isso, não é? Isso é uma paixonite boba por um homem bonito e
bem-sucedido, algo que não vai dar em nada. Não que eu queira que dê em
algo… mas é que eu… A respiração de Zane atinge meu pescoço novamente,
e eu perco minha linha de pensamento quando seus braços deslizam em volta
da minha cintura e me puxam contra ele. Cada centímetro rígido e magro
dele.
— Vamos sair daqui — ele murmura, e quando ergo os olhos, encontro
os de Robert, que está sentado em silêncio, nos observando do outro lado da
sala e vendo o evento como um todo.
— Não podemos. — Quando me viro para protestar, noto que estou
colada em Zane. Faço menção de me afastar, mas as mãos dele em minhas
costas me impedem.
Ele inclina a cabeça, os lábios encostando em minha orelha novamente.
— Podemos, sim.
— Para onde…
— Qualquer lugar longe daqui. — Ele entrelaça os dedos nos meus e se
vira para as pessoas ao nosso redor. — Se vocês nos derem licença por um
minuto, preciso levar Harlow para dar algumas entrevistas.
E antes que minha mente possa processar o fato de que estamos fugindo
do evento, Zane me leva para fora do salão sem dizer mais nada.
Passamos pela porta, depois pelo corredor, saímos pela porta lateral e nos
dirigimos para o ônibus.
— Vá se trocar. Nós vamos sair — ele murmura enquanto abre a porta do
ônibus.
— Zane, o que está…?
— Que porra está acontecendo hoje, que está todo mundo me
questionando? — Há um tom mordaz em sua voz, e ele abre os botões na
frente de sua camisa. Eu fico ao lado dele, observando enquanto tira a camisa,
enrola-a e a joga no canto.
— Do que você está falando?
— Robert. — Ele me olha por cima do ombro, e eu imediatamente
desvio os olhos, parando de admirar a sutil ondulação dos músculos em suas
costas. — Você vai usar isso aí ou vai se trocar?
— Robert? — Eu dou um passo em direção a ele. — Para onde estamos
indo?
— Para longe. Vamos para longe daqui.
— O que está acontecendo, Zane?
— Estou me sentindo sufocado, é o que está acontecendo. — Ele passa
por mim no pequeno espaço, puxa uma camiseta preta com decote em V de
um cabide e a veste. — Fizemos nosso trabalho esta noite. Estou cansado de
ser observado e de ter gente me dizendo para onde ir e o que fazer. — Ele se
enfurece, abaixa a calça e pega um jeans azul-escuro. — Temos permissão
para sair e relaxar. Temos permissão para sair dessa porra de prisão sobre
rodas… Além disso, sou seu chefe, então minha palavra é lei.
— Você pode ser meu chefe e definitivamente pode dizer o que quiser,
mas isso não significa que eu tenha que concordar com tudo.
Eu dou um gritinho quando ele se vira e bate as mãos na parede, uma de
cada lado da minha cabeça, para que seu corpo se encaixe ao meu. Há raiva
em seus olhos esmeralda, frustração, mas é o desejo que me faz abrir a boca e
fechá-la com a mesma rapidez.
— Você quer ficar presa nesse ônibus novamente ou prefere ficar longe
dos olhares indiscretos de todas essas pessoas… e de Robert? Venha e se
divirta — ele diz, sua voz baixa e áspera.
— Você sabe se divertir?
Por um segundo, acho que ele vai se inclinar e me beijar. Meus lábios se
abrem apenas uma fração, e minhas mãos se fecham de ansiedade.
Mas seus lábios se abrem em um sorriso arrogante, e seus olhos
escurecem.
— Você está ficando atrevida, Harlow. — Há algo na maneira como diz
meu nome que faz com que todos os meus nervos se arrepiem.
— Sou sempre atrevida.
Nós nos encaramos em um estado suspenso de incerteza. Um momento
em que eu quero que Zane me beije, mas não tenho certeza se ele quer a
mesma coisa. São segundos, mas parece que duram para sempre.
— Vá se trocar — diz ele antes de se aproximar por um momento e, em
seguida, tomar impulso na parede e ir buscar seu cinto na cama.
— Para onde estamos indo? — pergunto novamente.
— Precisamos fazer coisas fora dos eventos.
— Certo. — Estico a palavra enquanto olho no armário e pego um
vestido de verão curto e sedutor para combinar com as botas de cowboy que
eu trouxe. Já que estou no Texas…
— Eu sou um cara bastante público. As pessoas me notam. Elas vão
começar a te reconhecer por causa da campanha publicitária. Talvez tirem
fotos. Talvez, não. E aí, pá! Robert tem sua prova de que estamos bem.
— Devo perguntar o que você fez que de repente o deixou preocupado
com o que Robert pensa? — pergunto enquanto tiro meu vestido e olho por
cima do ombro quando ele não responde. Estou de pé no quarto só de sutiã e
shortinho, muito maior que qualquer biquíni que eu trouxe, mas pequeno o
suficiente para obviamente chamar sua atenção. Zane se demora, os olhos
vagando sobre minhas costas nuas, minha bunda, minhas pernas, antes de
limpar a garganta e encontrar meus olhos novamente. — Você está tentando
fugir dele ou apaziguá-lo?
— Ambos, na verdade. — Ele faz uma careta. — Esqueça Robert. Ele
não significa nada. Está tudo bem.
— E eu devo acreditar em você? — O vestido desliza sobre minha cabeça,
e quando termino de me vestir, a atenção de Zane ainda está voltada para
mim.
— Acredite em mim. Não acredite em mim. Não faz a menor diferença.
— É aí que você se engana, Zane. — E então o pensamento me atinge
com força. A atenção repentina de Robert. A irritação imediata de Zane. Meu
estômago se revira de repente quando percebo estou olhando para um
homem que não é de forma alguma meu. — Você dormiu com outra pessoa e
foi pego no flagra, não foi?
— Não.
Meu peito se aperta, e eu odeio o fato de que o mero pensamento me faça
olhar para a cama e imaginar a oportunidade que dei para ele ontem à noite,
quando fui para o hotel. A oportunidade que tive para ganhar espaço e
colocar alguma distância, a fim de não mais desejar Zane, mesmo que tenha
falhado miseravelmente.
Porque é claro que eu o desejo. Não é só o que faço de uma forma ou de
outra desde que ele me trouxe os sapatos?
Puta merda.
Eu realmente acabei de admitir isso?
Minha revelação me atinge com força total enquanto olho para Zane.
Piscando. Rejeitando a ideia com um movimento sutil da cabeça, que eu sei
que não vai fazer com que esses sentimentos repentinos desapareçam.
É toda essa situação. Deve ser isso. A viagem. O fato de estarmos
dormindo na mesma cama. Isso de implicarmos um com o outro vinte e
quatro horas por dia.
Mas minha irritação deu lugar ao querer, minha resistência, ao desejo,
ambos sentimentos que estou achando difícil entender, já que, nas últimas
semanas, tudo o que mais tenho dito a mim mesma é que não pode haver
nada entre nós.
Ele está parado diante de mim com o cabelo despenteado, os olhos
intensos e ombros tensos, e tudo em que consigo me concentrar é no que
desencadeou toda essa revelação. Porque mais importante do que perceber
que realmente gosto de Zane Phillips é o medo de que ele possa ter realmente
dormido com alguém na noite passada.
— Zane… — Seu nome sai como um suspiro por meus lábios. Um aviso.
Um apelo para que minha conclusão esteja errada… mas quando eu o encaro,
ele não hesita em sua determinação. Ou ele é um grande mentiroso ou está
dizendo a verdade.
— Robert viu uma mulher saindo do ônibus de manhã, uma mulher que
estava tentando ao máximo ser você.
— Eu? — Eu rio, e ele assente com a cabeça.
— Ele acha que eu te traí. Entre outras coisas. Eu disse que ele era louco e
que nossa vida fora desta campanha não é da conta dele. — Zane enfia a
carteira no bolso traseiro como se a acusação não fosse grande coisa, e seus
olhos se voltam para minhas botas antes de voltar para meu rosto. — Então,
vamos ou não?
Eu o encaro, vejo a mão que ele estendeu para mim e a pergunta em seus
olhos: sim ou não.
Mas eu sei a resposta. Especialmente quando ele está parado, todo
sombrio e perigoso na penumbra do ônibus, enquanto penso na revelação
inesperada que está fazendo minha cabeça rodar.
Sim.
Definitivamente sim.
Seguimos em direção ao centro da cidade, para as luzes, os bares e a
multidão. Pode ser dia de semana, mas a cidade está cheia de pessoas que
precisam de um alívio à noite depois de um dia longo e difícil.
— Escolha. — É a única coisa que Zane diz para mim enquanto abre a
porta do carro e me ajuda a sair do Uber.
Passamos alguns minutos caminhando pela calçada cheia de bares.
Passamos por músicos e vendedores ambulantes vendendo itens inúteis que
brilham no escuro e atraem os bêbados. O cheiro de fritura enche o ar, e o
brilho do néon se reflete nas janelas de vidro.

*
— Você disse que eu podia escolher — eu digo e levanto as sobrancelhas,
olhando para ele sentado ao meu lado na banqueta.
— Foi uma boa escolha. — Um balançar de cabeça. Um gole de cerveja.
Um olhar casual pelo bar lotado.
— Você é um mentiroso. Isso não tem nada a ver contigo, e você sabe
disso. Você queria aquele bar elegante na esquina. — Eu rio.
A música soa alta e cheia de vibração, as fivelas dos cintos das pessoas são
grandes e brilhantes, e a atmosfera é mais barulhenta e casual do que o
sofisticado bar de uísque que eu imagino que ele escolheria.
— Que nada. É perfeito. — Ele se inclina para trás em seu banquinho,
seu braço encostado nas minhas costas, a mão distraidamente brincando com
uma mecha solta do meu cabelo. É um gesto inocente, mas algo sobre isso me
parece muito íntimo.
Jesus, Low. Pare de tentar interpretar as coisas. Pare de querer as coisas.
— É mesmo — murmuro e sustento seu olhar. Zane não se encaixa nem
um pouco nesse lugar. Claro que ele está de jeans e camiseta e parece de boas,
mas não há nada remotamente simples em Zane. Mesmo vestido
discretamente, ele chama a atenção das mulheres ao nosso redor. E mesmo
que esteja claramente fora de seu habitat, o fato de ele não se importar é sexy.
Ficamos sentados em silêncio por alguns momentos, e tento arrumar um
assunto. Nunca as coisas ficaram estranhas entre nós, e ainda há alguma coisa
diferente em Zane agora – tem havido a noite toda, na verdade – que eu
simplesmente não consigo identificar.
— O que Robert quis dizer antes, quando disse que poderia mudar parte
da nossa programação?
— Não faço a menor ideia — Seu suspiro é muito mais pesado do que
sua resposta tenta indicar. — Este é o forte dele, então tudo o que ele sugerir
deve ser atendido.
— Deve?
— Sim, deve. Está no nosso contrato.
— Estou surpresa que você tenha desistido de ter todo o controle.
Ele me olha de lado.
— Às vezes, é necessário abrir mão de um pouco de controle para garantir
o sucesso no final.
— Hmm — eu digo, sentindo que há mais por trás do que Zane está
dizendo, mas que se trata de algo que eu não entendo.
A música muda, e algumas pessoas saem da pista, insatisfeitas, enquanto
outras seguem animadas.
— Onde está seu namorado? — ele pergunta e me deixa perplexa .
— Se eu tivesse um, você acha que ele lidaria bem comigo estando aqui
agora fingindo ser sua namorada? — Ou que eu deixaria você me beijar como
beijou?, penso, mas não falo. Quanto menos mencionarmos o beijo, melhor.
Porque mencioná-lo me faz pensar em fazê-lo. E pensar me faz querer que
Zane faça de novo.
Sim, estou com problemas. Problemas imensos e colossais.
— E você? — pergunto. — Como pode você não ter namorada?
Ele franze os lábios e toma um gole de sua cerveja.
— Eu dou uma zoada por aí.
— Zoada? — repito ao mesmo tempo em que dou uma risada, e, minha
nossa, como é bom rir com ele. A tensão de estar perto de Zane sumiu. A
sensação de estar sob um microscópio, com cada movimento nosso sendo
monitorado, desapareceu.
— Sim, zoar. Nada sério. Nada permanente. Não tenho tempo suficiente
para proporcionar mais do que isso a alguém. — Ele dá de ombros.
— Ainda bem que estou aqui apenas pelo sexo — digo brincado, mas
assim que penso que minha piada não foi boa, posso ver o verde dos olhos de
Zane escurecer. Sua coluna enrijece, e algo acontece em seu movimento de
levar a cerveja à boca.
— É mesmo? — ele diz depois de um tempo, o tom e o clima da
conversa mudando instantaneamente. Uma mudança pela qual não me
arrependo nem um pouco.
Nós dois sabemos porque estamos aqui.
Nós dois sabemos o que vai acontecer.
Nós dois viemos de qualquer maneira.
Esteve óbvio nos pequenos toques a noite toda. Nos olhares sutis. Nas
palavras não ditas que posso ouvir, subjacentes a todas as nossas conversas.
Desejá-lo tudo bem, Low. Por outro lado, ter sentimentos por ele… não.
A batida da música muda. O barman interrompe a súbita tensão sexual
que há entre nós. Quando ele se afasta, após nos servir, Zane inclina a cabeça
e olha para mim.
— Você é linda.
Eu jogo a cabeça para trás e rio.
— Eu não sou biscoiteira, Phillips.
— Ainda bem, porque não sou de dar biscoito. — Ele espera um
instante. — Você está linda.
— E você deve estar bêbado.
Ele franze os lábios e olha para o rótulo de sua garrafa de cerveja.
— Eu nunca fico bêbado.
A princípio, acho que o comentário é seu jeito de ser irreverente, mas
quando ele olha para cima e sorri quase se desculpando para mim, percebo
que está sendo sincero. A diversão e o flerte de segundos atrás foram trocados
por uma solenidade silenciosa exalando por seus poros.
— Nunca?
Ele sutilmente inclina a cabeça de um lado para o outro, como se estivesse
avaliando a resposta.
— Raramente. Normalmente bebo para ficar um pouco alegrinho, depois
paro.
— Um maníaco por controle, estou certa em presumir?
Sua risada sai plana.
— Quando seus pais foram alcoólatras a vida toda, o desejo de encher a
cara é muito menos atraente.
— Sinto muito. Eu não…
— Não sinta. — Ele dá de ombros e fica em silêncio, me fazendo
concluir que esse assunto acabou. Ficamos em silêncio por um instante
enquanto a música muda mais uma vez, então fico surpresa quando ele
comenta do nada. — Há pessoas que têm pais como modelos. Outras, como
eu, se fodem e aprendem a se virar sozinhos anos antes do que deveria
acontecer na vida.
— Eles também vieram para os Estados Unidos quando você se mudou
para cá?
Ele solta o ar pelo nariz, seu sorriso de escárnio estragando seu belo rosto.
— Não. Não os vejo desde aquela época, e não me importo.
Deve ter sido ruim. Ele poderia numa boa arcar com custos de viagem
para os visitar ou para trazê-los para cá, diferente de muita gente, e o fato de
não ter feito nada disso fala por si só.
— Então foi por causa deles que se mudou da Austrália? — pergunto,
unindo as peças do quebra-cabeças.
— Sim e não.
— Respeito sua decisão — eu digo enquanto observo as pessoas na pista
de dança se movendo em sincronia, em uma coreografia que todos parecem
conhecer. Eu me pergunto o quanto de seus pais e do vício forjaram o
impulso de Zane para o sucesso. — Eu sinto muito. Se eu soubesse, nunca
teria sugerido que fôssemos beber…
— Não seja ridícula, Cinder. Eu sou adulto. Bebo quando quero. Paro
quando eu quero. Nada de mais. — Ele se inclina para mais perto de mim.
— Veja por este lado: isso significa que você pode beber o quanto quiser, e eu
vou garantir que você fique bem.
— Você está tentando ser meu cavaleiro salvador, Zane?
— Não me parece que você seja o tipo de mulher que precisa ser salva.
Você parece se virar muito bem sozinha.
A admiração em seu tom me diz que Zane está fazendo um elogio. Mas
uma parte adormecida de mim se levanta e quer argumentar que não há
problema em os homens cuidarem das mulheres, independentemente do
quanto elas sejam fortes. Quer dizer a ele que todas as pessoas querem ser
amadas e queridas, e ser forte não tem nada a ver com isso.
Imediatamente me sinto boba por pensar nisso. Eu desvio o olhar e sorrio
para o barman, que acabou de chamar minha atenção. É muito mais fácil
olhar para ele do que para Zane, cuja honestidade me enerva, sendo que eu
nunca fico enervada.
— Você quer me contar sobre Robert? — Robert é um tópico seguro.
Zane, seu corpo perto de mim e seu perfume ao meu redor não são.
— Não. Agora, não. Quero ficar aqui sem pensar em trabalho.
A ironia é que essa é a nossa zona segura. Trabalhar. Eu sei que é nesse
momento em que fingimos estar juntos, mas pelo menos sei o que esperar. Pelo
menos eu sei como reagir. Mas isso — estar aqui com ele e saber o que vai
acontecer entre nós depois que acabarmos com a noitada — definitivamente não é
seguro.
É brincar com um fogo que sem dúvida vai me queimar, e, no entanto, eu
juro, quero sentir esse calor mesmo assim.
— Dança comigo? — pergunto enquanto uma música pop começa. Topo
qualquer coisa para acender a tensão sexual que está reverberando entre nós.
— Não. Eu não danço. — Ele balança a cabeça e toma um gole.
— Vamos, Phillips. Solte-se comigo.
Algo passa por seus olhos – desejo, intensidade –, não sei, mas faz meu
coração bater um pouco mais rápido.
— Vou assistir — ele murmura e levanta os dedos para o barman,
pedindo outra rodada.
— Como quiser. — Eu deslizo para fora do banquinho, passo a ponta do
dedo em sua nuca e, em seguida, caminho em direção à pista de dança lotada,
sabendo muito bem que ele está observando cada passo que dou.
Zane
A forma como ela dança.
Jesus amado.
Ainda bem que estou aqui apenas pelo sexo.
Não posso dizer que já ouvi alguém falando isso antes. E não apenas as
palavras, mas a forma como ela as disse. Direta. Ao ponto. Um leve sorriso
dizendo que poderia estar brincando se eu a ignorasse.
Essa mulher tem uma força e tanto a ser explorada, e, caramba, eu quero
que Harlow explore qualquer coisa em mim.
Fácil, fácil.
Não há dúvidas disso.
Ela pode até se atrapalhar nos passos de dança, mas a maneira como joga
a cabeça para trás e ri ou como move os quadris e dança deixa até os cowboys
ao seu redor encantados em vez de irritados por ela estar arrastando as botas.
Encantado?
Porra. Talvez eu esteja assim também.
Porque não consigo tirar os olhos dela. Não quando Harlow olha para
cima e encontra meus olhos enquanto dá um pulinho para a frente. Não
quando levanta o queixo para a direita para me dizer que vai tentar o touro
mecânico. Não quando monta naquela besta e me faz pensar, a cada
movimento de seu corpo, se ela faria do mesmo jeito montada em mim.
Meu pau está duro já, só de imaginar, querer, saber como seria. Minha
libido está em alta. E bebi o suficiente para esquecer tudo sobre ter medo de
uma mulher como Harlow.
Afinal, regras foram feitas para serem quebradas, certo?
Seus olhos novamente se voltam para os meus enquanto ela sai do tapete
acolchoado onde está o touro e volta para a pista de dança. Ela sorri
suavemente, sugestivamente.
Caralho.
Eu me levanto do banquinho e bebo o restante da minha cerveja.
Eu tentei deixar isso para lá. Eu tentei deixá-la quieta… mas, porra, quem
disse que consigo ficar aqui vendo todos os homens neste local olhando para
ela, querendo estar com ela, quando eu sei que posso estar?
Quando eu sei que eu quero estar com ela.
Harlow pode me assustar muito, mas às vezes o medo pode ser
motivador. Assim como potencializador de um tesão do caralho.
Que se danem as regras. Eu quero. Agora mesmo. E lidarei com as
consequências mais tarde.
Harlow está me esperando quando atravesso a pista de dança, imóvel em
meio a uma massa de corpos em movimento. Mas é o corpo dela que eu olho.
É a curiosidade dela que quero despertar. É só ela que eu vejo.
— Eu pensei que você não dançasse — ela diz quando eu deslizo meus
braços ao seu redor e a puxo contra mim.
— Eu não danço — murmuro e, em seguida, a beijo. Eu ouço seu ofegar
de surpresa, sinto a tensão repentina de suas mãos no meu peito, o
movimento rápido de seu corpo enquanto ela se encosta em mim.
E quando ela reage – quando desliza a mão na minha nuca e arranha meu
couro cabeludo com as unhas –, eu sei que não há como voltar atrás agora.
Não que eu quisesse que isso fosse possível.
Harlow tem gosto de cerveja e desejo, noto quando nossos lábios se
encontram e as línguas se tocam. Os corpos imploram por muito mais um do
outro do que podemos dar aqui nessa pista de dança.
Eu preciso sair daqui, nos tirar daqui, mas quando tento me mover, nos
vemos no centro de uma pista de dança lotada. Fileiras de pessoas se movem
ao nosso redor, uma após a outra, mas felizmente nos dão um pequeno
círculo de espaço.
Ela também percebe, ri e pressiona a mão na minha nuca, para que eu a
beije de novo. Garota gananciosa.
E, caralho, que bom que Harlow fez isso, porque eu esqueci como é a
sensação de só beijar uma pessoa. De me perder na sensação de sua língua,
nos sons que ela faz, que mal consigo ouvir com a batida da música, no roçar
de seus seios contra meu peito e na fricção de minha ereção contra ela.
Nós nos beijamos nesta pequena ilha em que residimos sozinhos
enquanto o mundo se move ao nosso redor.
Muda a música.
Muda a multidão.
— Vamos — murmuro contra seus lábios, segurando sua mão e levando-
a para fora da pista de dança antes mesmo que Harlow diga qualquer coisa.
Pedir um Uber. Outro beijo. Entrar no carro e sentar no banco traseiro.
Minhas mãos deslizando por sua coxa nua. Meus lábios na parte inferior de
seu pescoço. Seus dedos apertando os músculos das minhas costas.
Não falamos nada na curta distância de volta ao ônibus, apenas nos
beijamos e nos tocamos, a cada segundo desgastando a corda fina que me
continha. Não falamos nada quando eu abro a porta. Nem quando entramos
e ficamos a poucos metros de distância, nosso desejo dominando todo o ar da
sala.
— É uma má ideia — ela sussurra, embora não haja mais ninguém no
ambiente.
— Ok. — Eu tiro a camisa.
— Tipo, não deveríamos fazer isso… — Desafivelo meu cinto. — E você
é meu chefe… — Tiro os sapatos. — Temos que trabalhar juntos… —
Desabotoo meu jeans. — Dormir juntos complicaria as coisas…. — Deixo
tudo cair no chão.
— Você tem razão. — Eu dou um passo em direção a Harlow, meu único
pensamento enquanto estou de cueca é onde estão aquelas malditas
camisinhas e por que ela ainda está vestida? — Sobre tudo isso, você tem
razão. — Outro passo para mais perto. — Mas, às vezes, Harlow, estar errado
pode ser tão bom.
Estendo a mão e passo o polegar em seus lábios. Meu corpo me implora
para tomar, reivindicar e possuir, mas seus olhos e palavras me impedem.
— Isto é um erro. — Suas palavras são quase inaudíveis.
— Vamos aprender com ele então. Podemos descobrir se é algo que
queremos fazer novamente ou se queremos seguir caminhos separados. — Ela
poderia me dizer que o céu está verde agora, e eu não discutiria.
Meus lábios estão nos dela. Minhas mãos deslizam até a bainha de seu
vestido, para que a bunda perfeitamente redonda esteja em minhas mãos.
— Mas esse é o ponto: não podemos seguir caminhos separados — ela
murmura contra meus lábios.
— Você está falando, Harlow. — Eu a puxo contra mim, para que meu
pau encoste entre suas coxas e mostre a ela que toda essa conversa a está
privando. Ela suspira, e isso me permite mergulhar a língua entre seus lábios e
voltar para aquele estado de desespero de antes.
— Zane.
— Estamos aqui só pelo sexo. — Eu rio contra seus lábios enquanto seus
dedos em meus ombros ficam tensos, relaxando em seguida, quando meus
dedos brincam com o elástico de sua calcinha. Eu a empurro para o lado.
Deslizo meu dedo para baixo, em sua boceta, e não posso evitar o gemido que
sai da minha boca quando a encontro molhada para mim. — Só sexo — eu
sussurro, ouvindo Harlow ofegar quando meu dedo entra nela. Meu pau
implora para substituir minha mão. Sinto o arranhão de suas unhas nas
minhas costas. Seu gemido enquanto eu a provoco.
Volto a beijá-la. Minha língua é exigente, assim como meus dedos.
— Que bom que você me entendeu.
E com essas palavras, é como se um interruptor tivesse sido acionado.
Cada gama de hesitação da parte dela se vai. Harlow levanta o vestido e o tira.
Abre o sutiã, e minha boca mal pode esperar para chupar os mamilos rosados
perfeitos.
Sua pele tonificada e macia cheira a xampu, perfume e sexo… Deus,
cheira a sexo mesmo. Eu abocanho um mamilo e passo a língua antes de
mordiscar. Desço sua calcinha e, em seguida, minha cueca, enquanto fazemos
aquela caminhada desajeitada rumo à cama.
Quando ela se deita… quando posso ter um deslumbre completo da
nudez de Harlow Nicks, fico sem fôlego. Há mulheres… e há mulheres.
Harlow é longilínea, mas com curvas em todos os lugares certos, e há uma
faixa fina de cachos castanhos em cima de sua boceta, apontando como uma
flecha para exatamente onde eu quero estar. Suas coxas brilham com o que eu
já extraí dela, e seus seios são perfeitos.
Imagens do que eu quero fazer com ela – nela – piscam em minha mente
enquanto Harlow me provoca com um sorriso que diz que está me
esperando. Está pronta. Está no clima.
Tudo em mim está ansioso para tocar, provar e foder sua boceta até que
nós dois desmaiemos. De certa forma, tivemos nossas preliminares – noites a
fio dormindo um ao lado do outro, mas sem nos tocar –, e embora eu seja o
primeiro cara a se voluntariar quando se trata de cair de boca, no momento
só consigo pensar em tê-la do jeito tradicional.
Vai ser brutalmente doloroso ir devagar com Harlow, considerando o
quanto já estou atormentado.
Mas estou pronto para o desafio, em todos os sentidos.
Eu começo com o tornozelo dela. Beijo da sua canela até o joelho. Traço
uma linha com a língua até a parte interna da coxa. Ela se contorce embaixo
de mim, com as pernas tensas e as mãos segurando os lençóis, dizendo,
ofegante, meu nome.
E se isso não for o suficiente para me deixar mais duro do que uma pedra,
a porra do cheiro dela resolveria a situação. É sexo – sexo puro, que eu sinto
quando respiro fundo e dou um beijo naquela faixa de pelos. Meu controle
cai por terra.
— Cristo, Harlow — eu gemo e engatinho por seu corpo, a cabeça do
meu pau roçando em sua pele no processo, em uma forma sutil de tortura.
Seus dedos deslizam pelo meu peito enquanto eu me abaixo e abocanho
novamente seus mamilos. Primeiro o direito. Então o esquerdo. A palma das
minhas mãos assume o meu lugar enquanto eu beijo sua pele até sua clavícula
e, em seguida, de seu pescoço até a orelha.
— Estou morrendo aqui, Harlow — murmuro em seu ouvido e depois
gemo quando sua mão envolve meu pau e começa a me acariciar. — Eu
preciso de você. Estar em você. Preencher você. Comer você.
— Sim, por favor! — Seu polegar acaricia minha cabeça enquanto seus
dedos apertam meu membro. Quando ela se inclina e me beija, concluo que
está pronta. Que nossas preliminares foram suficientes para ela.
Porra, eu sou um homem que se orgulha de garantir que uma mulher
goze pelo menos uma vez antes de partir para ação, mas, desta vez, com o
consentimento dela, definitivamente não vou negar o que vier.
Nossos lábios se encontram novamente.
— Camisinha?
— Na gaveta. No canto superior esquerdo — diz ela.
Pego a caixa e falo um palavrão quando vejo que está lacrada. É mais uma
barreira, um segundo extra até que eu possa entrar nela.
E mais uma afirmação de que Harlow realmente estava se sentindo mal
na outra noite, e não com um cara qualquer, como eu estava pensando, todo
infeliz.
A risada gutural de Harlow enche meus ouvidos quando me inclino para
trás, entre suas coxas, e brigo com a caixa.
— Deixa comigo — diz e se senta, as pernas montadas nas minhas,
pegando a caixa de mim. Em um segundo, a unha dela desliza contra o lacre,
rompendo-o. Seus olhos se fixam nos meus quando ela pega o pacote
laminado, rasga-o e retira a camisinha.
— Podemos acelerar esse processo nada sexy para que possamos chegar à
parte do sexo?
— Com certeza — diz ela e a entrega para mim. Em seguida, deita na
cama, os travesseiros atrás de si. Eu olho para baixo e boto a camisinha no
meu pau. Então minhas mãos param quando percebo as dela deslizando entre
suas coxas.
Seu suspiro preenche a sala enquanto ela se abre e lentamente estimula o
clitóris. Suas costas se arqueiam um pouco. Sinto suas pernas tensas.
Observo a ponta do dedo deslizar pela fenda, se umedecendo e voltando a
esfregar um pouco mais. Outro gemido.
Volto a atenção para seus olhos e os vejo voltados para mim. Me
convidando. Me pedindo. Dizendo que é a minha vez. E quando ela morde o
lábio inferior, e seus olhos se fecham de prazer. Estou acabado. Cheguei no
limite.
Em um segundo, seus quadris estão em minhas mãos, meu pau está
alinhado em sua entrada, e estou entrando nela centímetro por centímetro.
Quente. Apertado. Molhado. Paraíso.
Essas quatro palavras preenchem minha mente antes que meus
pensamentos se dissolvam e o desejo vença a guerra contra meu controle.
Dou a ela um segundo para se ajustar ao meu tamanho, então começo a
me mover. Lentamente no início. Dentro e fora. Roçando, quando estamos
pélvis contra pélvis. Uma inclinação para mordiscar seu mamilo, enquanto
seus dedos agarram meu cabelo.
— Isso é bom — ela murmura enquanto eu entro e saio dela.
Encontramos um ritmo. Eu acelero, seguindo suas dicas conforme
avançamos. Estou amando como ela pega em seus peitos e aperta os mamilos.
Enlouquecendo quando ela desliza a mão entre as coxas, toca meu pau,
enquanto ele desliza para dentro e para fora dela, e, em seguida, estimula o
clitóris.
Sua confiança é sexy. Seu olhar em mim, erótico. Seu comando gentil, me
dizendo do que ela gosta e precisa, é sexy para cacete.
Aí, seu corpo me diz. Mais forte. Ai, meu Deus, aí mesmo. Me provoca só
com a cabeça.
— Zane.
— Zane.
— Zane!
— Eu vou gozar.
Sua boceta se aperta em torno de mim, arrebatando cada fração de
controle que me resta. Eu a deixo desfrutar de seu orgasmo, mas a pulsação
dela ao meu redor me leva ao limite.
Meus dedos apertam a parte interna de suas coxas enquanto as abro mais
e aumento o ritmo. Segundo após segundo. Impulso após impulso. Minhas
bolas doem pelo melhor tipo de prazer possível, e é impossível parar o trem
desgovernado do maldito êxtase que me atravessa quando eu gozo.
Meu. Deus.
A mulher usou e abusou de mim, e no cu que eu não voltaria na fila para
ela fazer tudo isso de novo.
Harlow
Está cheirando a sexo aqui.
Mick provavelmente vai saber o que estávamos fazendo antes de entrar no
ônibus à meia-noite, para nos levar ao nosso próximo destino.
Eu fecho os olhos e respiro. Definitivamente está cheirando a sexo, e eu
meio que gosto disso. O cheiro de Zane na minha pele. A doce ardência onde
sua barba raspou, a pele entre meus seios, quando ele me levava às alturas. A
leve dor entre minhas coxas, onde seu pau – Deus, esse pau celestial dele, tão
gloriosamente grosso e grande – fez sua mágica e me virou do avesso.
O homem é habilidoso. Vou dar a César o que é de César. Dedos, e
língua, e pau. DLP. Eu sorrio e balanço a cabeça. Eu sei que DLP é uma
estratégia de prevenção de perda de dados, mas, de agora em diante, toda vez
que eu ouvir essa sigla, pensarei em Zane e em como ele é hábil com essas
coisas.
O ônibus sacoleja ao longo da estrada, e os faróis entram através da
pequena fresta nas persianas. Eu posso ouvir a voz grossa de Zane enquanto
ele diz algo para Mick.
Zane disse que precisava pegar uma bebida.
Ele disse que voltaria logo.
Isso foi há vinte minutos.
Ele já está achando que isso foi um erro? Ele está começando a seguir seu
caminho agora mesmo, para que eu saiba que isso é exatamente o que
dissemos que seria, apenas sexo, e nada mais? Ou está simplesmente me
dando um pouco de espaço para que possamos digerir o que diabos
aconteceu?
Sexo alucinante, foi isso. Confortável. Íntimo. Divertido.
Mas como se faz sexo casual quando se é forçado a viver com a outra
pessoa? Como exatamente isso funciona? Você simplesmente volta a agir
como antes, como se nada tivesse acontecido, quando, na verdade, toda vez
que você encontrar com ela vai conseguir lembrar da sensação dos dedos e do
gosto do beijo?
A porta se abre. E fecha. O suspiro de Zane preenche o pequeno espaço
enquanto a cama afunda quando ele toma seu lugar ao meu lado. Prendo a
respiração, imaginando o que vem a seguir. Eu digo boa noite? Finjo que
estou dormindo?
Eu me assusto quando os lábios de Zane encostam em meu ombro nu.
— Definitivamente não foi um erro — ele murmura, como se estivesse
lendo minha mente, antes de deslizar a mão para minha cintura e me puxar
para perto, com minhas costas coladas em seu corpo.
Incerta de como reagir, ou o que dizer, ou se devo respirar neste
momento, apenas fico parada, enquanto os mesmos pensamentos continuam
passando pela minha cabeça.
Fazer conchinha não é nada casual de onde eu venho.
Mas eu não o afasto.
Uma vez já está bom… precisamos parar aqui.
Quem eu estou enganando?
Com seu corpo contra o meu, e o calor de sua respiração em meu ombro,
revivo cada momento desta noite. O suave, o doce, o duro, o rápido, o
brincalhão, o intenso – a cena inteira –, e não posso deixar de me perguntar
como é possível já estar desejado esse homem de novo.
Harlow
Eu sei, eu sei, eu sei.
Você está olhando para mim e se perguntando: “O que há de errado com
essa garota? Por que ela o está evitando?”
E você está olhando para o estacionamento, onde Zane está fazendo
flexões, e agachamentos, e fazendo alguns saltos, e um monte de outras coisas
só para mostrar o corpo magnífico dele, e me dizendo: “Ele é gostoso, fode
muito bem e tem todos os músculos certos”.
Mas esse é o problema, não é?
Eu sou uma mulher.
O sexo sempre vem com amarras, independentemente de quantas vezes
você diga a si mesma para não atar esses nós. Significa que há sentimentos.
Sobre aqueles cuzões do passado? Eu fui machucada por eles e por homens
como Zane mais vezes do que eu gostaria de contar.
Mas, caramba, olha só esse cara.
Talvez valha a pena cometer o erro da noite passada mais uma, duas ou
dez vezes.
E talvez eu vá mesmo fazer isso… minhas coxas pinicam só de pensar
nisso, nele. Talvez eu também queira que Zane saiba que terá de se esforçar
nisso comigo. Que minhas pernas não se abrem apenas quando ele me olha e
me dá um sorriso sexy, aquele que revela seu desejo de me comer toda.
Talvez eu queira que Zane saiba que não sou como suas outras mulheres.
Que eu não posso ser usada.
Que sou mais do que apenas um rostinho bonito para ele descartar
quando esta campanha publicitária acabar.
Mas isso não contradiz todo o propósito do sexo casual?
Viu só? É muito mais difícil do que parece. Especialmente quando Zane
está ali, malhando desse jeito.
Isso vai ser um grande problema.
Imenso.
Então fique por perto – você deveria, porque ele está tirando a camisa
agora –, porque as coisas estão apenas começando a ficar boas.
Harlow
— Estamos na fase do silêncio? — Zane pergunta, me olhando. Estou
arrumando meu cabelo, sentada na cadeira de maquiagem, no camarim do
estúdio do programa matinal da rede local em Nova Orleans.
— A fase do silêncio? — murmuro, quando sei muito bem o que ele quer
dizer: aquele momento em que me certifico de que não estou sozinha com
ele, para que não tenhamos um silêncio constrangedor nos obrigando a
conversar sobre o que aconteceu, quando nós dois não queremos isso.
— Sim. Você está me evitando sempre que pode.
Zane está abotoando a camisa, e eu desvio os olhos. Ver sua pele é ruim.
Muito ruim. Principalmente quando dormi muito pouco pensando nessa pele
e em como ela desliza sobre a minha.
— Não estou — digo, muito ciente de que temos uma plateia de
maquiadores e cabeleireiros ao nosso redor que já está pensando que estamos
dormindo juntos.
Ele me olha, e um fantasma de um sorriso revelador se curva em um
canto de sua boca. Por que estou nervosa de repente?
— Bom saber — diz ele. — Como você está?
— Bem. — Mantenho meus olhos fixos no espelho à minha frente e me
concentro nessa imagem.
— Bem?
— Sim, tudo bem.
— Eu amo quase na mesma proporção quando você me dá respostas
curtas ou usa advérbios. Isso me diz que você está tentando não me ignorar,
mas está falhando miseravelmente.
Zane ri e para atrás de mim. Seu reflexo no espelho me permite ver
apenas dos ombros para baixo, então não consigo ver seus olhos.
— Você está tentando me provocar? — eu pergunto.
— Nós dois sabemos que sei como fazer isso com maestria.
Eu ignoro sua insinuação.
— Com certeza. Pena que me provocar o fará dormir no sofá.
— Todos nós cometemos erros — ele murmura enquanto passa a ponta
do dedo no meu ombro nu. — É que às vezes eu gosto de errar quatro ou
cinco vezes, sabe, só para ter certeza de que vale a pena fazer essas besteiras.
Como é que meia dúzia de palavras ditas nessa voz sexy faz com que cada
gota do meu sangue pareça ter ido para o meio das minhas coxas?
E mais importante? Zane está dizendo o que eu acho que ele está dizendo?
Que ele também quer dormir comigo de novo?
— É mesmo?
— Mmm-hmm — ele murmura. — Você levantou da cama e foi
embora. Eu fiquei sozinho.
Minhas bochechas parecem queimar.
— Eu tinha coisas para fazer.
Ele levanta uma sobrancelha enquanto se abaixa, encontrando meus olhos
no reflexo do espelho. Em seguida, dá um beijo muito leve em minha nuca.
Zane mantém os lábios contra minha pele, o calor de sua respiração se
espalhando de uma forma que faz cada nervo do meu corpo parecer estar de
alguma forma conectado a esse ponto.
— Sim. Comigo.
Sexo. Emana de tudo que diz respeito a ele. A aspereza da sua voz. Seu
olhar me observando. O movimento de sua mão, para cima e para baixo, no
meu braço nu.
E não sou a única que percebe isso. Há alguns olhares de cumplicidade
trocados entre as pessoas presentes enquanto abro a boca para falar e depois a
fecho.
— Senhoras? Vocês podem nos dar licença por um momento? — Zane
pergunta.
— Claro — as maquiadoras respondem, deixando rapidamente suas
estações de trabalho, e eu começo a ficar apreensiva, preocupada com o que
exatamente Zane vai fazer quando estivermos sozinhos.
Quando a porta se fecha, ele vem em minha direção, bloqueando o
espelho e esperando até que eu levante o olhar para ver a diversão nos seus
olhos.
— Você pode parar com o show agora. Elas já saíram — eu digo.
— Eu não estava fazendo show nenhum. — Eu odeio que essas poucas
palavras simples façam minha pulsação acelerar, apesar da lógica me dizer que
Zane é apenas um cara bom de papo. — Não é direito de qualquer mulher
ser bem tratada depois de dormir com alguém? — ele pergunta.
Ai. Meu. Deus. Quem é esse cara?
Eu tento entender esse homem e o fato disso ter parecido mais uma de
suas jogadas, igual quando o ouvi conversando com seu amigo Jack, mas
ainda assim isso aqui – aquele comentário – não é nada parecido como o que
um galanteador diria… bem, quer dizer, a menos que ele ainda esteja
tentando me enganar.
Ele está? Para Zane eu sou apenas mais uma mulher caindo no seu papo? Ou
este é o verdadeiro Zane quando ninguém está por perto?
Odiando o fato de que não consigo compreender direito a situação, e
confusa sobre os motivos de me importar por ter dito a ele ontem à noite que
era apenas sexo, eu ergo um muro ao meu redor, só por via das dúvidas.
— O que está rolando, Zane?
— Eu só estava me perguntando como vamos fazer isso.
— Isso? — eu pergunto. Deus, a intensidade em seus olhos é enervante.
— Sim, lidar com o fato de que somos adultos que concordaram em fazer
sexo, mas que agora estão repentinamente tímidos, não sabem lidar com a
novidade de que realmente fizeram sexo, um sexo incrível, devo acrescentar,
mas precisam chegar um consenso sobre o que vão fazer a respeito disso. É
sobre isso que estou me referindo.
— Oh, isso — eu digo suavemente.
— Sim, isso. — Ele cruza os braços sobre o peito. — Você está
arrependida? — Direto ao ponto.
— Acho que não.
— Bem, essa resposta entusiasmada é um verdadeiro afago no meu ego.
— Ele ri.
— Não, eu não estou arrependida, mas era para ser apenas sexo. Agora é
obviamente mais do que isso, porque temos que trabalhar juntos, e viver
juntos, e…
Zane levanta a mão para me interromper.
— E você está complicando as coisas quando elas não precisam ser
complicadas. Você gosta de mim, Harlow?
Eu rio de sua pergunta ridícula.
— Espero que sim. Eu dormi com você, não foi?
— Você não respondeu a minha pergunta.
Reviro os olhos e bufo.
— Sim, eu gosto de você.
— Você ainda gosta de mim depois da noite passada?
— Sim. — Minha voz sai mais suave desta vez.
— Então isso é tudo que precisamos saber neste momento.
— Não é tão simples assim — eu digo quando Zane começa a se afastar.
— Não é?
Só um homem para pensar em sexo e suas consequências como coisas fáceis.
— Não…
— Foi um erro, Harlow?
Abro minha boca para responder, a cabeça já balançando de um lado para
o outro, quando ele estende a mão e coloca um dedo em meus lábios.
— Não responda agora. Sem pressa. Descubra sozinha. Temos muitas
semanas pela frente, e a última coisa que quero fazer é tornar o clima estranho
para a gente. Mas, ao mesmo tempo… se é apenas sexo, como você diz, então
não há a menor possibilidade de te impedir se você quiser aproveitar mais um
pouco.
Eu dou uma risada nervosa enquanto processo o que Zane está dizendo,
oferecendo, pedindo…
— Independentemente de tudo, ainda temos que manter a história de…
— Você e suas histórias. — Ele balança a cabeça. — Sim, mesmo se você
não quiser mais, eu ainda vou ter que te beijar quando estivermos em
público. Eu ainda vou ter que tocar em você. Ainda terei que fazer tudo que
um casal apaixonado faz… A única diferença é que toda vez que eu fizer isso,
você se lembrará da noite passada.
Seu sorriso me provoca exatamente como suas palavras.
— O mesmo vale para você — eu respondo, sabendo muito bem que não
será fácil.
— Não me afeto facilmente.
— Sério?
— Mmm-hmm.
— Nem por uma mulher bonita? — eu pergunto e me levanto da cadeira,
para ficarmos mais próximos.
— Nem por uma dúzia.
— Nem quando elas fazem isso? — Eu me inclino na ponta dos pés e
dou um beijo em Zane, lambendo seus lábios.
— Já fui beijado antes — ele diz no mesmo tom, apesar do súbito desejo
escurecer seus olhos.
— Seus mamilos são sensíveis, no entanto. E quando eu fizer isso?
Eu passo as mãos pelos seus ombros, indo até seu peito, as pontas dos
meus dedos circulando sobre os mamilos endurecidos sob sua camisa.
— Eu posso lidar tranquilamente com isso. — Ele ergue uma
sobrancelha.
É um safado mesmo. Ele quer agir como se fosse todo durão, como se
dormir comigo de novo fosse algo que ele recusaria, quando o súbito
endurecimento de seu pau marcando a calça me diz o contrário.
É uma via de mão dupla.
— E isso? — pergunto com a voz baixa enquanto passo as unhas pela
linha de seu abdômen. Os músculos tensionam sob meu toque, uma
indicação de que ele está, de fato, mexido. Bem, isso e a cabeça de seu pênis
em destaque em suas calças. Além da sua respiração ruidosa quando eu passo
as unhas sobre a sua ereção.
Antes que eu possa agarrá-lo, a mão de Zane segura meu pulso.
— Cuidado, Harlow.
Nossos olhos se fixam em desafio.
— Algum problema? — pergunto docemente. — É duro não ser afetado?
— Não se você me der uma resposta à minha pergunta inicial — ele
murmura, a voz repleta de puro sexo mexe com todo o meu corpo.
— E comer na sua mão?
— Nós vamos continuar? — ele diz e volta seu olhar para baixo, onde
mantém pulso preso, minha mão contra seu pau.
— Você está acostumado com as mulheres pulando quando você diz de
qual altura. Eu não pulo a menos que eu queira, e…
— Não é minha culpa se as mulheres não resistem a mim. Eu, no
entanto, posso resistir a elas.
Deus, eu quero arrancar esse sorriso do rosto dele agora.
— Oh, eu posso resistir a você muito bem.
— Tem certeza disso? — Zane tira minha mão do seu pau e se move para
a frente, para esfregá-lo contra minha carne dolorida. — Porque… sempre
podemos resolver isso agora. Você poderia me dizer que me deseja
novamente. Eu poderia dizer a você que imaginei que fosse esse o caso. E
então nós dois teríamos posto as cartas na mesa. Entenda isso, Harlow… você
não consegue resistir a mim.
— Resistir a você? — Eu rio. — Eu mal te aguento.
— Vocês estão prontos? — Uma batida na porta nos assusta. Eu puxo
minha mão, e Zane me solta, mas seu corpo não se afasta do meu.
— Um segundo — ele diz antes de chegar tão perto, que seu corpo roça
no meu e sua respiração aquece a pele ao lado da minha orelha. — Continue
dizendo a si mesma que não quer outra rodada entre lençóis comigo, mas eu
não acredito nisso. Continue tentando agir como se não tivesse pensado nisso
e em mim a manhã toda… Você está apenas enganando a si mesma.
— Não se ache tanto.
— Ah, eu não tenho nenhum problema quanto a isso. No momento, sua
calcinha está molhada, e você está pensando em como a noite passada foi
ótima. Sua boceta está ardendo, querendo que eu a preencha novamente.
Seus mamilos estão tão duros, que doem pela lembrança do prazer que eu lhe
dei. Então você pode fingir o quanto quiser que não me deseja de novo…
mas isso está escrito em todo o seu corpo. — Ele mordisca minha orelha, e eu
respiro fundo. — Você vai dizer que sim.
Filho da puta arrogante.
— Entre — diz Zane antes que eu possa responder. Seus lábios roçam nos
meus quando a porta se abre e o ruído externo se infiltra. — Mantendo a
história, lembra?
Eu o encaro, enquanto tudo que meu corpo quer fazer é se inclinar para
frente e tomar outra dose de seus lábios. Mas eu não me permito. Em vez
disso, faço a única coisa que posso para colocá-lo de volta em seu lugar;
talvez, com sorte, possa fazê-lo saber o que é verdadeiramente desejar.
— Quem disse que estou usando calcinha? — Um pequeno levantar de
sobrancelha. Um sorriso travesso em meus lábios. Um desviar de olhar
enquanto me sento na cadeira, para deixar a equipe de cabelo e maquiagem
fazer sua mágica.
Zane fica parado por mais alguns segundos, o peso de seu olhar parece
palpável.
Quando ele se afasta sem dizer uma palavra, eu me encaro no espelho e
me faço a única pergunta que permanece rondando a minha mente: Por que
estou hesitando?
Bonito. Check.
Ótimo na cama. Check.
Está lidando perfeitamente bem com sexo e nada mais que sexo. Check.
Frustrante o suficiente para que a irritação não me permita desenvolver
sentimentos por ele. Check duas vezes.
É o meu medo de ser manipulada que me faz recuar? Assim como eu o
repreendi na primeira vez em que nos conhecemos?
Sua risada ressoa pelo corredor, vinda de algum lugar neste estúdio de
televisão, e eu simplesmente não sei a resposta.
É direito de qualquer mulher ser bem tratada depois de dormir com alguém.
Um comentário agradável, mas ainda faz parte de seu jogo. Mas, cacete,
como esse jogador é digno de um pouco de afetação de vez em quando.
Harlow
— Essa é a minha garota — Zane diz antes de me puxar pela cintura para
que eu caia no seu colo sem aviso prévio.
Eu grito de surpresa e então enrijeço quando sinto todo o calor de seu
corpo contra o meu.
— O que você está…?
— Apenas mantendo a história — ele murmura em meu ouvido
enquanto seus braços me envolvem.
Filho da puta.
Ele está certo. Os cerca de duzentos participantes que chegaram cedo ao
nosso evento e estão esperando para ganhar algumas das cortesias vão engolir
tudo que a gente disser quando virem o lindo casal na cadeira. Eles vão
comprar a ideia de que o amor realmente existe.
Mas quanto a mim? Tudo o que consigo agora é sentir os braços de Zane
em volta da minha cintura e sua respiração na minha orelha, seus lábios
encostando suavemente em meus lábios.
— Você não está jogando limpo, Phillips.
— Talvez não, mas eu sugiro que você não se contorça agora como está
fazendo ou então vai ser difícil para nós dois nos levantarmos… considerando
seu hábito confesso de não usar calcinha.
— Isso foi há dois dias — eu digo.
— Quarenta e oito horas e muitas fantasias sobre o que eu encontraria se
levantasse essa sua saia.
— Continue sonhando, queridão — respondo e arranho sua coxa
enquanto sorrio suavemente para as pessoas que estão passando e que
parecem nos reconhecer por causa da campanha publicitária. — De qualquer
forma, eu pensei que nada te afetava.
— Apenas mantendo a nossa história — ele murmura entre uma risada e
outra.
E Zane tem razão. Toda a interação dele comigo – os toques extras, os
olhares provocadores, encostar acidentalmente em meus seios – acontece
quando estamos em público e fazendo nosso trabalho.
No minuto em que voltamos para o ônibus ou quando estamos sozinhos,
Zane não me toca ou mesmo olha na minha direção, mesmo quando eu lhe
dou a mais nítida oportunidade para isso. É como se houvesse uma linha
imaginária no meio da cama. Ele garante que não esteja nem perto do quarto
quando estou me trocando, tomando banho ou até mesmo indo para a cama.
Ele acorda sempre antes de mim, apesar de ser uma pessoa não matutina. É
quase como se ele nem estivesse ali.
Não consigo descobrir se toda essa reviravolta me deixa aliviada, afinal
diminui a pressão, ou em conflito, afinal Zane parece não estar interessado.
Eu quero dormir com ele de novo? Sim. Sim. Ah, e como. Mas ao custo
de provar que ele está certo? Aí é difícil.
Mas… se eu o fizer jogar a toalha primeiro… não vou matar dois coelhos
com uma cajadada só – uma vitória, para provar que ele está errado, e um
sexo incrível para comemorar?
Então o que devo fazer?
Eu mexo minha bunda o mais discretamente possível e recebo um
gemido dele.
Eu também sofro no processo, sentindo seu pau endurecer embaixo de
mim e encostar bem no ponto onde eu me sentaria sobre ele.
— Ops. Foi sem querer — eu digo com uma voz provocadora.
— Zane Phillips. — Nós dois levantamos os olhos como crianças pegas
fazendo algo que não deveriam. A súbita tensão de nossos corpos, ao
tomarmos consciência da presença de outra pessoa falando conosco, só serve
para que eu sinta como ele está duro.
— Kostas? O que diabos você está fazendo aqui? — Zane pergunta, o
choque nítido em seu tom.
Quando olho para cima, vejo um homem vindo em nossa direção. Seu
cabelo é comprido, mas puxado para trás em um coque liso. Sua coloração é
fascinante: pele morena, olhos cinza, de um tom tão claro, que quase parece
translúcido, cabelos escuros. Suas roupas são caras, e sua arrogância é
proeminente.
É um homem bonito, com um jeitão europeu e sofisticado. Não tenho
ideia de como sei disso, mas ele veio de berço nobre. Cheio dos privilégios.
Dá para perceber isso a quilômetros de distância.
Quando os dois homens apertam as mãos, tento ficar de pé, mas Zane me
segura forte com a mão livre, então o único movimento possível é ficar de
lado em seu colo.
— Terei algumas reuniões aqui, e tenho acompanhado seu novo… uh,
empreendimento — ele diz com humor na voz e nos olhos.
— Se você está acompanhando, significa que a campanha publicitária está
funcionando. Seu invejos… — Zane para abruptamente de falar quando
Kostas volta seu olhar para mim. Em apenas um segundo, sou medida,
avaliada e objetificada. Para uma mulher acostumada a usar o corpo para
vender produtos, há algo no olhar de Kostas que me enerva.
É quase como se ele quisesse me comer viva.
— E quem é você?
— Harlow Nicks — Zane diz antes de mim.
— Ela pode falar por si mesma — Kostas diz levantando a sobrancelha
para Zane. — Esse não é o trabalho dela?
E com essa interação, minha raiva por Zane tomar a frente se transforma
em agradecimento. Ele está me protegendo. Só não tenho certeza do quê.
— Harlow Nicks — eu digo, e desta vez, quando vou me levantar, Zane
me solta. Ele também se levanta, então ficamos todos no mesmo nível.
— É um prazer — diz ele e, em seguida, leva minha mão aos lábios.
Desconfortável com a vibe permeada de testosterona, puxo minha mão e
dou um passo para mais perto de Zane.
— Vocês se conhecem de onde? — eu pergunto.
— Somos velhos amigos — diz Zane, e Kostas sorri. — Fizemos
faculdade juntos, e Kostas está aqui para tentar conseguir algum
protagonismo. Eu o amo pra cacete, mas também sei que ele não suporta
quando alguém está se saindo melhor do que ele em certos assuntos.
Um olhar trocado entre os dois me diz que obviamente há mais coisas
acontecendo aqui do que parece.
— Ainda falta muito tempo. Abaixa sua bolinha, meu chapa — Kostas diz
com uma risada, mas noto que Zane mandar a real sobre seja lá o que eles
estejam falando o incomoda. Kostas volta sua atenção para mim. — O que
Zane está realmente preocupado é se você vai olhar para mim e perceber que
está perdendo isso tudo aqui enquanto está com ele.
Um sorriso se abre em meus lábios, e eu apenas balanço a cabeça, sem
saber se Kostas está falando sério ou brincando.
— Estou perfeitamente feliz com a forma como as coisas estão.
— Então presumo que convidar você para jantar não seria possível.
— Você presumiu corretamente — eu digo, contente por poder defender
minha posição.
Kostas olha para nós dois antes de se voltar para Zane.
— Então você agora é um homem de uma mulher só? — Zane fica tenso
ao meu lado. — Quando esse desenvolvimento emocional surpreendente
aconteceu? Da última vez que conversamos, você estava…
— Kostas. — Tudo no tom de Zane soa como um aviso.
— Quero dizer, se eu não visse com meus próprios olhos, teria certeza de
que isso era algum tipo de esquema sujo…
— O que você está querendo? — Zane pergunta, dando um passo em
direção a ele, o corpo tenso. Nós dois estamos mais do que cientes de que as
pessoas estão prestando atenção. — Está te irritando tanto que o mercado
para seus investimentos tenha caído e que você precise começar tudo de
novo?
— Eu vou ficar bem — murmura Kostas.
— Se me derem licença, cavalheiros, preciso usar o banheiro feminino.
Zane me dá um beijo na bochecha só de garantia, antes que eu siga para o
lado oposto ao deles, me perguntando o que diabos foi isso tudo.
Zane
— Se importa de me dizer que merda foi aquela, Kos? — pergunto no
minuto em que a garçonete serve nossas bebidas.
— Do que você está falando? — Sua risada ecoa no clube. É escuro e
chique, com assentos de veludo e um blues tocando baixo no ambiente.
Algumas mulheres estão circulando perto da área VIP onde estamos sentados,
apenas esperando por um convite. — Não fique tão tenso. Viva um pouco.
Você está parecendo uma cadelinha daquele seu investidor, provavelmente vai
precisar de umas sete mamadas a partir de domingo para relaxar.
— Estou bem, obrigado — digo a Kostas, do outro lado da mesa, grato
por o ter longe do evento e dos ouvidos atentos de Robert.
— Tenho certeza que você está. — Sua risada é irritante, sua voz,
condescendente.
— É tão difícil para você aceitar o fato de que pode perder essa? —
retruco, ignorando sua insinuação sobre Harlow. — Significa tanto para você
ter vindo aqui tentar sabotar minha jogada?
Porra de garoto rico privilegiado. Eu amo esse idiota, mas odeio o lado
desagradável que vem junto – a mimadice costumeira – quando ele não vence
ou consegue o que quer. Nunca me incomodou antes… mas algo na maneira
como ele olhou para Harlow – como se ela fizesse parte da aposta – me
irritou.
Eu sei como ele opera. Como Kostas usa e depois descarta sem pensar
duas vezes. E eu sei que quando ele viu Harlow, já estava pensando em como
a ter.
Que se foda.
— Eu disse, Zane. Eu vou ficar bem. O mercado está em alta. Vou
recuperar o que perdi e mais alguns trocados. Quando você já me viu
fracassar?
— Então por que está aqui tentando foder com o meu negócio?
— Eu foderia com ela… sem dúvida. Harlow é tão boa, que te deu um
chá de boceta?
— Ela não está disponível.
— Elas estão sempre disponíveis quando se trata de mim. — Sua risada
brota novamente. — Olhe ao redor, Zane. Há vinte mulheres aqui
competindo por sua atenção. Elas adorariam te deixar meter nelas… por que
você está perdendo seu tempo com uma mulher, quando pode ter uma, duas,
três de cada vez?
— Eu te amo pra cacete, meu chapa. Você é como um irmão para mim.
Mas isso, a SoulM8, e ela, Harlow, para o seu bem, é melhor que você não
encoste um dedo nelas. Nós nos conhecemos há muito tempo para você fazer
uma besteira dessas comigo.
Kostas sustenta meu olhar e leva o copo aos lábios sem interromper o
contato visual. Ele não está acostumado com isso, com ser desafiado. E com
certeza não está acostumado a receber um não.
Ele olha por cima do ombro, procurando a garçonete, levanta o dedo para
sinalizar outra rodada, e como um homem sempre acostumado a conseguir o
que quer, aponta para três mulheres do lado de fora; em seguida faz um sinal
para que se sentem conosco.
Ele as observa caminhar em nossa direção, mas fala comigo.
— Então isso é real? Ela é real? Não é uma tática para dar visibilidade
para sua empresa?
— Por que você diz isso?
As mulheres ficam ao pé do sofá em forma de U e esperam que Kostas
indique onde devem se sentar: uma ao lado dele, uma entre nós e uma ao
meu lado.
Mas eu não olho para elas. Não encontro seus olhos. Eu me recuso a dar a
elas um convite para algo que não desejo.
— Porque eu sei como você é. É um lobo quando se trata de conseguir o
que deseja. Além disso, nunca te vi assim com uma mulher.
— As pessoas mudam — murmuro e, em seguida, retiro a mão
perfeitamente feita que estava deslizando lentamente pela minha perna e a
devolvo para sua dona sem nem a olhar.
— Só quando são motivadas por alguma coisa. — Ele vira o rosto e beija
a mulher à sua esquerda. — Então ela de alguma forma tem que se relacionar
com isso. Com você ganhando algo. Disso eu sei. — Em seguida, um beijo
na boca da mulher à sua direita. — Ou isso ou a boceta dela tem que ser do
tipo mágico, e se for esse o caso, você está me impedindo de verificar.
— Não é da sua conta — respondo, trazendo meu copo aos lábios e me
afastando de repente quando a mulher ao meu lado se inclina e tenta dar um
beijo na minha bochecha. Ela geme em protesto.
Kostas percebe e levanta uma sobrancelha.
No passado, eu a teria deixado levar seus dedos até o meu pau. Deixaria
que ela me provocasse à vontade. Deixaria que me mostrasse o quanto ela
quer isso.
Mas foda-se, não estou de bom humor agora. Não vou deixá-la me tocar
quando minha cabeça continua pensando em Harlow. Nas malditas
preliminares que estamos tendo para provar um ao outro que não estamos
afetados.
Ela me afeta muito bem. Me agarra pelas bolas e me faz querer isso como
nunca quis antes.
— Eu posso transar com ela se você precisar de mim para verificar se ela
vale a confusão em seu rosto e se justifica o absurdo de você ter rejeitado
nossa amiga aqui — Kostas diz com um erguer de queixo para a mulher ao
meu lado.
Eu me inclino para a frente e apoio os cotovelos nos joelhos.
— Ela não é minha amiga. Ela é sua amiga. E eu te amo, Kos, mas está na
minha hora de ir, e na sua de sumir.
— Preocupado que ela possa me querer em vez de você?
— Você é um chorão arrogante, sabia disso?
— Assim como você. — Ele sorri e desliza a mão até a coxa da mulher ao
seu lado sem quebrar o contato visual comigo. — Você nunca foi capaz de
ficar com raiva de mim por muito tempo.
— Mmm-hmm — murmuro e tomo o restante da minha bebida em um
longo gole.
— Foi bom te ver, Zane.
Não, não foi, penso comigo mesmo.
— Boa sorte em suas reuniões.
Ele balança a cabeça e, em seguida, se volta para as mulheres ao seu redor,
sem se importar com os efeitos de suas palavras em mim.
Pego o Uber de volta para o outro lado da cidade, as ruas de Atlanta estão
movimentadas e cheias de vida, e eu só consigo pensar em Harlow.
Desde quando me tornei tão defensivo quando se trata dela?
Chego ao hotel em trinta minutos, entrando no saguão em direção ao
salão de baile.
— Deve ser legal poder se mandar dos lugares sem dar satisfações. — A
voz de Harlow soa fria, e sua expressão não está muito melhor quando me
viro em sua direção, a vendo sentada em uma cadeira à esquerda. Seus braços
estão cruzados sobre o peito, e aquelas longas pernas cruzadas na altura do
joelho estão balançando para cima e para baixo em sinal de irritação.
— Eu disse a Zoey que estava saindo. Ela devia…
— Ela me disse, mas que diabos foi isso, Zane? Vou ao banheiro e
quando volto ela me diz que você foi embora.
— Eu sabia que você ia lidar bem com isso.
— Eu ser capaz de lidar com isso não lhe dá o direito de simplesmente
me dar um bolo.
— Eu não tive escolha. Eu tinha que tirar Kostas daqui antes que ele
fizesse uma cena.
— Ele fez uma cena, te irritou ou você só precisava de uma noitada com
os parças para se sentir macho de novo, porque ficou esse tempo todo preso
em um ônibus comigo?
Enfio as mãos nos bolsos e olho em volta, para ver quem mais está ao
alcance da voz.
— Ele teria dado em cima de você.
— Está querendo controlar com quem eu saio agora? — Ela franze os
lábios, e seus olhos se estreitam em direção a algo antes de se voltar para mim.
— Que progresso rápido. De “não quero nada com você” para você me
dizendo com quem posso ou não falar? Isso que eu chamo de ser hipócrita.
— Você está sendo irracional, Harlow… — Meu suspiro ressoa na sala,
porque no minuto em que essas palavras saem da minha boca, eu sei que são
um erro. O fato de que só falta sair fumaça de suas orelhas e de que sua
mandíbula está cerrada com força confirmam minha impressão.
— É mesmo?
Qualquer homem que já ouviu esse tom de voz antes sabe que está na
merda.
— Olha, você tem o direito de estar brava…
— Você está certíssimo sobre isso. Você disse que tinha que lidar com
Kostas, então você se levantou e foi embora. — Ela se levanta de seu assento e
ergue as mãos em desgosto. — Levantou e foi embora para fazer sabe-se lá o
quê.
Lágrimas? Há lágrimas em seus olhos?
Porra.
Eu suspiro, apenas porque não tenho ideia da razão de Harlow estar tão
chateada.
— Você não conhece Kostas como eu. Eu o conheço há anos, e ele estava
querendo encrenca. Eu só estava tentando protegê-la disso.
— Me proteger ou se proteger? — Seus olhos se voltam para o meu
ombro novamente, e então seus dentes rangem quando ela volta a me olhar.
— Por que ele faria algo do tipo? Eu tenho tentado entender por que
exatamente ele não gostaria que você tivesse sucesso em seu empreendimento
se ele é tão bom amigo assim.
— Kostas é complicado.
— É muito mais fácil dizer isso, porque aí não tem que explicar, né? Foi
porque, imagina só, ele me achou atraente, e você estava tentando marcar
algum território sobre mim, mesmo que não tenhamos nada? Foi porque há
algo a mais acontecendo aqui e…
— Olha, eu sinto muito. — As palavras mais importantes que preciso
dizer antes de continuar, porque, primeiro, Harlow merece ouvi-las, e
segundo, isso vai me dar pelo menos mais alguns segundos para admirar
como ela fica sexy quando está com raiva.
— E eu sinto muito por ter te esperado voltar. Sinto muito que seja lá o
que você foi fazer com Kostas teve prioridade em relação ao que estávamos
fazendo. Sinto muito por ter dito todas aquelas coisas adoráveis sobre você
para as outras pessoas, enquanto por dentro eu estava te xingando baixinho
por ter que te cobrir. Oh, Harlow, estou tão animada que você encontrou seu
grande amor pelo site. Senhorita Nicks, podemos conversar com Zane… Oh,
espere? Onde ele está? Blá. Blá. Blá.
— Você não ia gostar de Kostas por perto.
— Eu não poderia me importar menos se ele estaria aqui ou não, mas era
você quem deveria estar. Você sabe que posso me virar com homens egoístas e
egocêntricos que pensam que são um presente de Deus para as mulheres. —
Seu sorriso é tenso. — Veja, por exemplo… você.
Eu assobio ao ouvir sua provocação, em seguida, perco a batalha que
estou travando contra um sorriso.
— Não vem de sorrisinho. — Harlow aponta um dedo na direção do
meu peito. — Isso não tem graça. Nada disso tem. Estamos falando de mim,
meu trabalho e meu… — O dedo se transforma em uma mão pressionada
contra o meu peito, me empurrando para longe. — Que se foda. Você que se
foda. Vou para a cama.
Ela passa por mim, os saltos batendo no chão, seus quadris balançando
tanto, que eu solto um gemido.
Harlow
A cada passo na calçada, ouço o som dos meus saltos batendo no chão, o que
só serve para exacerbar minha fúria.
Bem quando começo a acreditar que Zane é o cara que penso que é, ele
vai e me deixa no meio do nosso trabalho para ter uma festinha do pijama. E
volta agindo como se nada tivesse acontecido, exceto pela mancha rosa-escura
de batom em seu colarinho, que tenho certeza que ele nem sabe que está lá. E
eu devo ficar parada e não ficar puta?
Ou me sentir magoada?
É por isso que eu preciso de espaço. Distância. Qualquer coisa para
entender por que estou mais magoada do que puta da vida. Magoada pelo
batom num nível maior do que estou puta por ele ter me obrigado a me virar
sozinha.
Zane não é importante – foi apenas sexo –, por isso eu não deveria me
magoar.
Mas as lágrimas ainda ardem. A rejeição ainda permanece.
Bah. Eu odeio ser mulher às vezes. Eu odeio que, mesmo dizendo a mim
mesma que nada disso importa, eu ainda ligo para tudo.
— Harlow.
Eu fecho os olhos quando Zane grita atrás de mim.
— Por favor, apenas me deixa em paz. — Eu odeio que minha voz
falhada me traia.
— Você pode parar um segundo?
— Não.
Meus pés doem. Minha cabeça dói. Meu humor está em chamas.
— Desculpe por ter ido embora hoje. Tomei a decisão que achei ser a
melhor naquele momento.
— Que se dane. — Mas não paro de andar.
— Que se dane? — Sua risada incrédula me irrita. — Alguém já te disse
que seu temperamento está fora de controle?
Eu giro, fogo brotando em minhas veias e fúria em minha voz.
— Não, não está… — eu resmungo enquanto olho para Zane. Atrás
dele, vejo a luz da lua, o branco de sua camisa destacando o batom; noto que
seus olhos verdes procuram os meus. — Fora de controle está um homem
que passou a maior parte dos últimos dois dias tentando me fazer admitir que
quero fazer sexo com ele. Ele me provocou. Me deixou excitada
eventualmente. Ele está frustrado e me excitou. E quando eu não mordo a
isca, quando eu não me rendo e durmo com ele na mesma hora, porque,
imagina só, ele precisa entender que eu não sou mais um de seus
brinquedinhos com os quais ele pode brincar… Esse homem sai e encontra
outra pessoa para fazer isso.
Sua expressão se transforma em uma gama de emoções: confusão, raiva,
não compreensão.
— De que porra você está falando, Harlow?
— Esse batom realmente não parece combinar muito com você. — Eu
levanto as sobrancelhas, então me viro e caminho em direção ao ônibus.
— Batom? — Zane pergunta com uma risada que me faz cerrar os
punhos quando chego à porta. — Jesus, Harlow.
— Me deixa em paz. — Eu me atrapalho com a minha chave e grito
quando sua mão encosta no meu bíceps, me virando.
— Eu não fiz merda nenhuma. Kostas tentou me distrair para provar que
ele deveria dar em cima de você.
— Bela tentativa.
— É a verdade.
— É o que dizem todos os homens que… — Graças a Deus eu me
impeço de dizer a palavra. Traem. Fico em silêncio enquanto tento controlar
meus pensamentos para tentar entendê-los. Então eu luto contra eles. Contra
essa confusão. Contra a frustração de ter meus próprios sentimentos me
traindo. Sentimentos que me fazem odiar o fato de que eu realmente gosto de
Zane, que é mais do que apenas sexo incrível. — É o que dizem todos os
homens que estão tentando conquistar um território.
— Você pode só me ouvir? — Sua mão aperta meu braço. — Fomos a
um bar de blues. Kostas trouxe três mulheres para perto de nós dois e…
— Me poupa, Zane. — Nós nos encaramos sob a iluminação suave das
luzes do estacionamento. Imagens passam pela minha mente e fazem meu
estômago revirar. — Eu não preciso saber o que aconteceu ou se há batom
em outra parte do seu corpo. — O sorriso que dou a Zane não é nada
amigável. — Você é exatamente quem eu imaginei que fosse. Que vergonha
eu me permitir ser enganada dessa forma.
— Você é irritante.
— Que bom. O sentimento é mútuo.
— Você quer saber a pior parte?
— Tenho certeza que não. — Eu tento me desvencilhar de sua mão, mas
Zane apenas dá um passo para que eu fique de costas para o ônibus e ele
esteja na minha frente.
— A pior parte é que durante o tempo todo em que eu estive com
Kostas, a cada vez que uma garota tentava passar o dedo na minha coxa ou
beijar minha bochecha… — Ele faz uma pausa, e um músculo em sua
mandíbula se contrai enquanto Zane cerra os dentes e olha para mim. —
Tudo em que eu conseguia pensar era em você.
A mulher em mim que quer acreditar respira internamente de alívio. A
mulher em mim que foi ferida por esse tipo de homem e não quer ser
machucada de novo fala mais alto.
— Que explicação conveniente.
— Jesus, mulher, pode parar de ser tão teimosa? — Ele passa a mão livre
pelo cabelo. — Eu tentei te dar o espaço que você queria. Te dar tempo para
você entender sozinha se deseja voltar ao ponto em que paramos e cometer
outro erro comigo. Mas estou cansado de esperar, Harlow.
Quando seus lábios colidem com os meus, minhas costas são pressionadas
contra o metal frio do ônibus. Eu resisto a Zane. Boto as mãos em seu peito,
empurrando-o para longe, estou lutando com ele por meio de beijos raivosos
em lábios macios.
Sua mão envolve meu cabelo enquanto ele assume o controle, apesar da
minha resistência.
E apenas quando eu começo a ceder ao calor da sua boca, à frustração em
seu toque e ao desejo reverberando entre nós, como se fosse uma terceira
pessoa plantada entre a gente, ele afasta a boca da minha. Mas Zane não se
move muito. Sua respiração paira sobre meus lábios, uma respiração irregular,
seus olhos perfurando os meus.
— Eu não beijei aquela mulher porque eu só conseguia pensar em beijar
você. Você não entende? Tudo o que eu queria era ter você de novo.
Nós olhamos um para o outro enquanto absorvemos suas palavras.
Uma.
Por.
Uma
Tudo o que eu queria era ter você de novo.
Minha mão passeia pelo seu peito, em seguida desce para o punho de sua
camisa, o puxando para mim.
— Isso é apenas sexo — eu sussurro, quase como um lembrete para que
possamos manter as emoções fora disso. As emoções que, da minha parte,
estão lentamente se insinuando, mesmo que não haja espaço para elas.
— Apenas sexo — Zane murmura de volta, diversão em sua voz. Mas
quando seus lábios encontram os meus e cada centímetro rígido de seu corpo
roça no meu, todos os pensamentos se perdem.
Eu quero. Preciso. Agora. Por favor.
Essas palavras continuam pipocando em minha cabeça enquanto Zane
trata meus lábios com uma doce reverência misturada com desejo
desenfreado.
— Pra dentro.
— Pra dentro — repito enquanto ele abre a porta à nossa direita, e eu
subo de costas, para não ter que interromper o beijo.
Não estamos com mais do que um pé para dentro, a porta trancada e
nossos corpos grudados. quando ele passa os braços em volta de mim e me
carrega para o quarto.
Pensar se torna uma tarefa impossível quando Zane puxa minha saia até a
cintura, sem pensar duas vezes no quanto ela é justa, e me coloca na cama.
— Abra as pernas. Fiquei pensando em provar você há dias.
Antes que eu possa dizer qualquer coisa, seu rosto mergulha entre as
minhas coxas. Seus lábios se fecham em volta do meu clitóris, por cima da
calcinha, e em seguida sinto Zane chupar. O calor úmido, o pinicar da renda,
a sensação de seus dedos puxando o tecido para o lado e entrando em mim
sem nenhum aviso prévio, tudo isso me deixa em transe em um instante.
— Zane. — A palavra me escapa, sai ofegante, repetidas vezes, enquanto
ele se inclina e passa minha calcinha pelas minhas pernas. Em seguida, apoia
meus calcanhares em seus ombros e então me dá um sorriso lascivo antes de
afundar o rosto entre as minhas coxas de novo. É um espetáculo de primeira.
Zane inspira e, em seguida, geme, segundos antes de sua língua me separar e
mergulhar em meus lugares mais íntimos.
É uma sobrecarga sensitiva. Calor, e mais calor, e pressão, e felicidade,
enquanto sua língua entra em mim, se move em círculos, e então se arrasta de
uma ponta a outra. Ele agarra minha coxa, lentamente sobe pelo meu torso e
segura um seio. Sua língua se dedica ao meu clitóris, me deixando em êxtase.
Os dedos de sua mão livre deslizam para dentro de mim e começam a adorar
cada nervo meu.
Meu corpo está dominado por múltiplas sensações. Com o vai e vem do
desejo guerreando dentro de mim para que eu possa gozar, para que eu possa
desfrutar do prazer, mas querendo adiar o orgasmo para que ele possa crescer
e ficar ainda mais forte.
Minhas mãos agarram seu cabelo. Meus quadris se levantam. Minhas
pernas ficam tensas. Tudo tenta ajudar, atrapalhar, encorajar e dissuadir.
Um orgasmo significará que esse prazer acabou.
Um orgasmo significará que aquela lenta queimação dentro de mim vai
explodir em um vulcão de desejo.
— Zane — eu gemo enquanto ele se desdobra em seu ataque. Dedos e
movimentos rápidos, língua e sucção.
— Vamos, baby — ele murmura enquanto trabalha fervorosamente para
me levar ao limite.
— Deus, aí mesmo. — Meus olhos se fecham. Eu aperto os lençóis. Meus
calcanhares afundam em seus ombros enquanto os ecos estrondosos do meu
clímax começam a me rasgar ao meio.
Sensação após sensação. Calor, e calafrios, e tremores, e tensão. Vejo tudo
branco, fico tonta, e meu corpo começa a mergulhar naquela névoa líquida
orgástica.
E justamente quando penso que meu corpo parou de pulsar, Zane me
leva ainda mais para as nuvens. Ele passa a língua suavemente sobre meus
lábios inchados, usa a ponta para circular minha entrada – seu gemido é o
suficiente para me fazer gozar novamente – e então dá um beijo em meu
clitóris antes de sair beijando o restante do meu corpo.
Ele se acomoda sobre mim e se apoia nos cotovelos, seus olhos, escuros, e
as pálpebras, pesadas de desejo.
— Deus, você é incrível — ele murmura antes de se inclinar e me beijar
ternamente na boca.
— Não estou reclamando de suas habilidades, com certeza — eu digo
com uma risada contra seus lábios.
— Que bom, porque estou tentando ser paciente e te deixar descansar…
mas se eu não conseguir foder sua boceta logo, vou sentir muita dor.
Eu o puxo para baixo e o beijo.
— Sem dúvida, acho que já te torturei o suficiente nos últimos dois dias.
— Abro minhas pernas e o provoco com um sorriso tímido. — Isso aqui
serve?
— Serve até demais. — Ele ri e logo começamos a dançar mais uma vez.
Assim que Zane desliza para dentro de mim com um fino véu de
proteção, nós deslizamos para seja lá o que há entre nós.
Sexo sem compromisso.
Privilégios com o chefe.
Amigos coloridos.
Obter as vantagens de desempenhar certo papel.
Qualquer maneira de se referir a isso está ótima para mim… exceto que
não é um relacionamento.
Daqueles em que sou péssima.
Aqueles só levam à dor.
Isso é algo que eu sei que Zane nunca concordaria em ter.
Zane
— Robert! Como posso te ajudar?
— Liguei só para saber como as coisas estão indo. Você está em Nashville
hoje, não é?
— Sim. — Mais uma droga de dia dentro do ônibus. Um dia a menos
para voltar à minha vida. Outro dia dormindo com Harlow. — Você recebeu
as informações que enviei por e-mail? As novas estatísticas de acesso e o
aumento dos cadastros?
— São ótimos dados. Você está satisfeito com eles? — ele pergunta, e eu
posso ouvir uma agitação ao fundo, como se ele estivesse sentado em um
restaurante.
— Estou. Os números sempre poderiam ser melhores, mas isso sou eu
apenas sendo perfeccionista.
— Concordo. Estou pesquisando algumas ideias para ver o que mais
podemos fazer para bater o máximo de inscrições antes do lançamento
propriamente dito.
— Mal posso esperar para te ouvir. — Minha voz falha quando vejo
Harlow caminhar ao longo do ônibus. Seus mamilos estão intumescidos por
baixo da blusa, e seu cabelo está uma bagunça. Ver Harlow assim faz com que
tudo em mim deseje sentir o quanto seu corpo é capaz de me aquecer debaixo
dos lençóis.
— Mas todo o resto, está tudo bem? — pergunta Robert.
— Sim. Claro. — O silêncio preenche a linha, e sou atingido por uma
pontada de pavor.
— E as coisas com Harlow estão bem?
Merda. Lá vamos nós de novo pelo caminho do conselheiro matrimonial.
Eu já estou vendo para onde isso vai.
— Sim, as coisas estão ótimas, obrigado.
— Ouvi dizer que vocês dois tiveram uma briga e tanto no saguão do
hotel na outra noite. — Sua voz parece calma, mesmo que esteja
bisbilhotando e me deixando puto da vida.
Como diabos ele sabe da nossa briga?
— Como duas pessoas costumam fazer quando estão juntas vinte e
quatro horas por dia, sete dias por semana, sem nenhum espaço. Eu não
preciso de uma porra de um stalker.
— Ninguém disse que você precisa. Zoey está aí apenas para ajudar em
todos os eventos, e ela mencionou quando estava saindo do salão de baile e
indo…
— Deixe seus informantes longe de mim, Robert. — Eu me levanto e
dou uma volta no espaço disponível no ônibus da turnê. — Como você se
sentiria se alguém estivesse documentando cada movimento seu e de Sylvie?
— Eles teriam visto como um relacionamento real funciona — diz ele
baixinho, fazendo com que eu me sinta um escroto por perguntar, mas, puta
merda, não preciso de uma figura paterna. — Que tem briga, e que você fica
irritado. Que às vezes nem tudo são rosas, mas você supera isso etc.
Se eu pudesse bater a cabeça em uma parede de tijolos, eu o faria, porque
ele não está ouvindo nada do que eu estou dizendo.
— Você está viajando, meu chapa. Eu te avisei da última vez que você
meteu o nariz nos meus negócios que eu não vou permitir intromissões.
Parceiros ou não, você só tem acesso a uma pequena parte de mim e de
Harlow. O restante é problema nosso.
— Espera. Isso é brilhante. Por que não pensei nisso?
— Perdão?
— Campanhas publicitárias tradicionais são boas porque criam uma
imagem com a qual as pessoas se identificam, mas é a possibilidade de
observar as pessoas passando por altos e baixos que as faz se interessar mais.
Você acabou de me dar uma ideia sobre como manter esta campanha fresca
na cabeça do público, assim toda vez que seus eventos forem divulgados, eles
ganharão uma nova roupagem.
Jesus. Essas palavras me assustam.
— O que você quer dizer com isso?
— Aguenta aí. Preciso fazer alguns telefonemas e ver se consigo algo para
amanhã. Aí eu preciso…
— Robert?
— Você vai amar!
A chamada é finalizada.
E eu gemo.
O homem realmente vai acabar me matando.
— Robert? — Harlow pergunta, e então suspira quando toma seu
primeiro gole de café.
— Como você adivinhou?
— O gemido. A sua expressão. Seus protestos. Talvez sejam indícios. —
Ela se senta no braço do sofá. — Mas ele é um fofo, apesar dos pesares.
— É assim que você o chama? — Eu dou uma risada autodepreciativa.
— Ele é. Seja legal com ele. Robert é inofensivo.
Só uma mulher para cair na sua ladainha de inofensivo; eu sei muito bem
como ele pode ser calculista.
— Você não acharia isso se ele estivesse ligando para você todos os dias
para tentar se intrometer na sua vida.
— O que eu não entendo é que, se ele é um pé no saco, por que você o
deixou investir?
Eu a encaro por um instante, tentado a pedir que pare de falar antes que
eu tome uma decisão estúpida e conte tudo.
— É complicado — murmuro.
— A maioria das coisas boas são.
Zane
— Eu vou matar esse puto.
A risada de Jack soa no celular, e eu sei que meu melhor amigo está tendo
algum tipo de prazer doentio em assistir tudo isso acontecer.
— É só um programinha do tipo reality show.
— Eu pareço querer estar em um reality show? — pergunto.
— Não consigo te ver pelo telefone, mas as mulheres te adoram, então, se
houver algum tipo de paredão, ninguém vai votar em você.
— Isso não tem graça. — Olho para a tela de novo, para o local onde
Robert marcou um horário para esta tarde: Estreitando os Laços Pela
Confiança.
Jesus.
— Meio que tem. Como é aquele ditado? O mundo não dá voltas, ele
capota?
— Qual ditado, aquele que diz que quando o mundo capota você dá um
soco na cara do seu melhor amigo? É esse o ditado a que você se refere? —
pergunto, extremamente frustrado com a mensagem que recebi de Robert
hoje ao acordar. Uma sobre a qual eu nem tive a chance de contar a Harlow
ainda porque ela está fazendo as unhas e não me responde.
— Talvez seja divertido — Jack diz.
— Divertido? — Eu rio e passo a mão pelo cabelo. A ideia por si só faz a
porra da minha camisa ficar molhada de suor. — Ficar pendurado em cordas
e confiar que Harlow vai me pegar se eu cair não é exatamente o mais
reconfortante dos sentimentos.
— Espero que você a tenha tratado bem, caso contrário… Ops, ela pode
esquecer de te segurar.
— Isso não tem graça, Jacko.
— É tão difícil para você confiar em alguém ou…?
— Talvez seja mais sobre a porra da possibilidade de cair no chão e
quebrar meu pescoço — eu retruco e então belisco a ponte do meu nariz,
frustrado.
— Olhe pelo lado bom. Você fica longe do ônibus da turnê um pouco,
fará algum exercício e poderá ver aquela bela bunda de Harlow em um arnês
que tenho certeza de que ressaltará cada curva dela.
— Eu já vi tudo, muito obrigado.
Sua risada ecoa na ligação.
— Tá de sacanagem? Olha, isso não demorou muito. Mas, pensando
bem, é de você que estamos falando. Qualquer tempo dedicado após a
primeira vez é considerado muito tempo quando se trata de Zane Phillips.
— Bem, se vamos interpretar esse papel…
— Você também pode aproveitar os benefícios. Por sinal, como são esses
benefícios?
— Sem reclamações de minha parte — murmuro enquanto olho para o
meu trabalho espalhado pela mesa do ônibus.
— Vou te dar um conselho, irmão.
— Que seria? — eu pergunto, meio prestando atenção, meio distraído
pelo cheiro do perfume de Harlow ainda presente.
— Não deixe que ela se apegue. Vocês estão brincando de casinha, então
vai ser bem fácil para ela pensar que no minuto em que você voltar para casa,
tudo o que ela precisará fazer é colocar um avental para ser sua esposinha.
— Se for só o avental, o salto e nada mais, aí eu como o que ela vai me
servir. — Eu rio, a imagem mais do que agitando meu pau. Porra nenhuma,
só pensar em Harlow já faz isso comigo.
Você poderia até acreditar que não fizemos sexo ontem à noite, pelo nível
de tesão que eu ainda estou sentindo por ela.
— Primeiro o avental, e depois você vai usar cordas. Parece o meu tipo de
festa.
— Você não foi convidado.
— Se Robert está tão entusiasmado com os assinantes vendo como é o
amor na vida real e está disposto a promover uma relação de trabalho, faça
um filminho caseiro hoje à noite, de você cuidando da Harlow. — Ele ri
antes de continuar: — Isso talvez cale a boca dele.
Eu rio e depois gemo.
— Pensa só… — Jack diz. — Zane Phillips. magnata dos negócios.
Empresário. Mestre de matchmaking. E agora… Estrela de reality show.
— Não me lembra disso.
Não é assim que quero passar o meu dia.
Eu temo isso desde o minuto em que peguei meu celular no meio da
corrida para atender Robert.
— Vender o fato de que você e Harlow se conheceram no site foi ótimo, mas
acho que agora precisamos vender que há mais do que a fase inicial da luxúria —
ele falou. — Pense em passar às pessoas a sensação de que o amor vale a pena. As
pessoas querem comprar o sonho do amor, então vamos mostrar a elas o que é
preciso para isso. E eu tenho a ideia de marketing perfeita…
Ele continuou explicando que filmaríamos pequenos episódios para
publicar na internet. De cinco a dez minutos cada. Eles seriam basicamente
compostos por Harlow e eu trabalhando ou descobrindo modos de lidar com
diferentes situações juntos. Alguns episódios seriam desafiadores e outros
provavelmente mais descontraídos. Apenas um pequeno instantâneo da nossa
vida juntos.
— E se nós brigarmos? — eu perguntei.
— Então nós mostramos isso também.
— Eu não vou entrar nessa.
— De verdade, não é grande coisa. Enviarei um e-mail com os detalhes do
que preparei para vocês dois esta tarde.
— Você está chegando muito perto de ultrapassar a fronteira, meu chapa.
— Confie em mim.
— É o que todo mundo diz.
Olho de volta para a tela do computador e gemo com a declaração da
missão da empresa: a vida é cheia de desafios. Os relacionamentos também são
cheios de desafios. Os desafios podem ser oportunidades de crescimento pessoal, de
construção de confiança, oportunidades para aprender quando ir na frente e
quando seguir seu companheiro, de perceber que você pode confiar em seu parceiro
quando estiver precisando e vice-versa. Nós, aqui no Teste Seus Limites,
oferecemos inúmeras oportunidades para construir sua confiança, para melhorar o
modo como vocês se comunicam com os outros e para os incentivar a provar a si
mesmos que, sim, vocês podem. Enquanto isso, focamos na construção de seu
vínculo como casal.
Que bela merda.
Preciso de todas as minhas forças para não ligar para Robert e mandá-lo ir
para o inferno. Que não há a menor possibilidade de eu me meter nessa.
Estou acostumado a ir contra as regras para manter o controle… mas,
porra, Robert foi certeiro em cada movimento. Este é o forte dele, não o meu.
Nenhum dos meus outros negócios – principalmente empresas de
investimento e fundos de hedge – precisa de marketing na mesma proporção
que este empreendimento… e estou determinado para cacete a vencer.
Especialmente depois da visitinha de Kostas no outro dia.
Harlow
— Tudo bem aí?
Olho para Zane, que está sentado ao meu lado. Suas bochechas estão
pálidas, joelhos inquietos, e seus dedos estão brancos de tensão, já que ele
agarra a beirada do banco em que estamos sentados.
— Eu estou bem para caralho — ele solta para mim. — Isso é uma
palhaçada. Um dramalhão por causa de uma besteira que eu dei aval a Robert
fazer.
— Para mim parece que vai ser divertido. — Eu olho para a estonteante
variedade de cordas presas às árvores. Cada uma delas colocada
propositalmente para nos testar de uma forma diferente.
— Se você diz… — Ele ergue o rosto e me encara. — Qual é mesmo o
motivo de estarmos fazendo isso?
— Porque queremos testar o vínculo de vocês dois — explica nosso
instrutor, Tucker, um homem alto, moreno, robusto e bonito. Seu sorriso é
tão brilhante quanto o sol, e quando seus olhos encontram os meus, há um
interesse que não fiz nada para fomentar.
— Não foi bem isso que eu quis dizer — Zane murmura baixinho.

É
— A causa número um de brigas em um relacionamento é o estresse. É
nosso trabalho estressar, colocar vocês em situações desconhecidas e depois
ajudá-los a se comunicar para um ajudar ao outro.
— Então, em outras palavras, causar a separação prematuramente para
que você possa ganhar espaço e roubar a garota? — Zane murmura baixinho
com uma ponta de sarcasmo.
Se Tucker o ouviu, não demonstra, porque nos abre um grande e cafona
sorriso. Ele olha para o canto esquerdo, onde outro funcionário está
conversando com a pessoa que segura a câmera, e faz um sinal de positivo.
— Vamos começar? Parece que todo mundo está pronto.
Desta vez, Zane resmunga algo que não consigo entender.
E ele continua com as instruções de segurança, a aula rápida sobre a
técnica adequada e a explicação de cada um dos obstáculos que
definitivamente parecem desafiadores.
Subimos os degraus até uma espécie de plataforma construída em torno
de um tronco de árvore. Estamos agora a uns bons dez metros do chão, se
não mais. Por mais que lugares altos não me incomodem, fico um pouco
tensa quando olho para baixo e percebo como a equipe parece pequena lá
embaixo, apontando suas câmeras para nós.
— Merda, que alto — murmuro, mais do que agradecida por eles terem
decidido não colocar microfones na gente; em vez disso, vamos dublar o som
mais tarde.
— Isso se chama O Espelho — Tucker diz, olhando para Zane e depois
para mim. — O objetivo é que vocês aprendam a confiar um no outro.
— Porra, perfeito — Zane resmunga, e eu o ignoro. Eu entendo que ele
está chateado com Robert; caramba, até eu fiquei surpresa com essa nova
estratégia de marketing, mas quando você pensa bem e olha para o projeto
como um todo, entende que é uma sacada inteligente.
Além disso, andamos tão ocupados viajando, a maioria dos lugares,
inclusive, duvido que visitarei novamente, que será bom criar algum tipo de
memória além de como os saguões dos hotéis ou country clubs são bonitos.
— Estas duas cordas aqui… — diz Tucker, apontando para um conjunto
de cordas que estão a cerca de um metro de distância. Há outro conjunto de
cordas paralelas a cerca de dois metros diretamente acima delas, portanto, se
você desenhar uma linha imaginária, poderá formar um retângulo. As cordas
se estendem da árvore em que estamos para outra árvore e a plataforma, a uns
bons quinze metros de distância. — Vamos prendê-lo na corda superior para
que você tenha uma corda de segurança para quando cair…
— Quando? — Zane bufa como um babaca arrogante.
— Vocês dois ficarão em cordas opostas, de frente um para o outro —
Tucker continua sem nem mesmo vacilar. — Vocês usarão um ao outro como
equilíbrio para se ajudar a atravessar a distância.
— O que você quer dizer com usaremos um ao outro? — Zane pergunta.
— Isso você vai descobrir.
— Sério? Você só vai me dizer isso? — Zane fala de novo, e estou irritada
com a forma como ele está tratando Tucker simplesmente pelo cara fazer seu
trabalho.
Se é assim que os privilegiados agem — descontando suas frustrações com
uma pessoa em outra —, então me tira dessa. Prefiro ser pobre e gentil.
Aparentemente não afetado, Tucker apenas continua sorrindo, assobiando
uma música alegre enquanto prende o mosquetão do nosso arnês na corda de
segurança acima de nós.
— Desculpe por isso — murmuro quando Tucker intervém para garantir
a minha segurança.
— São sempre os caras durões que têm problemas com isso — ele diz
baixinho e depois dá um passo para trás com um aceno de cabeça. — É aqui
que eu me despeço. Vou descer a escada para que vocês possam entender isso
tudo por si mesmos. Vejo vocês lá embaixo.
— Porra ridícula — Zane resmunga pelo que parece ser a décima vez em
poucos minutos. Normalmente sou bastante tolerante, mas agora ele está me
irritando.
— Está pronto? — pergunto com frieza na voz.
— Mal posso esperar. — Ele dá um passo em direção à beirada da
plataforma, seu rosto transformado em uma máscara de fúria que não
entendo muito bem.
— Se ficarmos de frente um para o outro, talvez possamos segurar a mão
um do outro, ou os pulsos, ou algo assim, para que possamos usar nosso peso
para nos equilibrarmos.
— Excelente.
Eu passo, e em seguida um pé na corda inferior; uso minha mão na corda
acima de mim para me firmar enquanto espero que ele faça o mesmo. Zane
apenas olha para mim com uma aversão que eu não consigo entender.
— Dá a mão — eu digo e estendo minha mão livre, mas ele apenas olha
para mim e cerra os dentes. — Qual é o seu problema? Você está sendo um
grande de um cuzão, e, francamente, também não estou muito feliz por estar
presa aqui com você. Então supera. Você esqueceu que há câmeras lá embaixo
documentando todos os seus movimentos? Talvez você devesse pensar nisso
da próxima vez que decidir ser rude com Tucker.
— Por que você defende todo homem que aparece pela frente exceto eu?
— Defender todos os homens? Se chama educação. Me dá a droga a mão,
Zane, porque eu quero sair disso tanto quanto você.
Seu suspiro sai estrangulado, e há algo sobre a tensão repentina de todo o
seu corpo, quando ele coloca todo o seu peso na corda, que faz a ficha cair.
Ele não está sendo arrogante ou um babaca. Nem um pouco.
Ele está aterrorizado, mascarando isso com um comportamento ruim.
Eu acho que Zane Phillips tem medo de altura.
— Dá sua mão — eu digo sem diminuir o passo. — Se nos apoiarmos
um ao outro, o próximo passo vai ficar muito mais fácil.
Ele fecha os olhos por um breve segundo e diz algo para si mesmo,
baixinho, antes de estender a mão e apertar meu pulso. Eu faço o mesmo.
— Zane?
— Estou bem. Eu estou bem — ele diz, mas seu aperto mortal em mim
diz o contrário. Seu rosto está com um tom claro de cinza, e uma linha de
suor escorre por sua bochecha por baixo do capacete.
— Zane? — pergunto novamente, implorando para ele olhar para mim.
— Deixa quieto, Harlow.
— Me dê sua outra mão. Vamos pular na corda.
Outro gemido estrangulado de resistência, apesar de seus pés fazerem o
que eu peço e sua mão agarrar a minha como uma tábua de salvação.
— Com calma — murmuro, o tremor perceptível em suas mãos.
— Você pode parar de falar por um segundo? — ele solta de repente, seus
olhos se fechando novamente enquanto solta uma respiração ruidosa.
— Zane.
— Para de ficar me chamando. Jesus. — Mas seus olhos se abrem, e há
um pouco mais de cor em suas bochechas agora.
— Você tem medo de altura?
— O que te faz pensar isso? — Seu tom sai casual, mas o nervosismo fica
óbvio em sua risada. — Estou bem.
— Você não parece bem.
— Como estão indo aí, pessoal? — Tuck nos chama do chão. Ele parece
tão distante.
— Jesus Cristo. Ele quer que a gente ande — Zane resmunga.
Ele dá um pequeno passo adiante, e eu o sigo.
— Bem, esse é o ponto. Andar pela corda.
Eu mereço o olhar que ele me dá, mas não acho que Zane tenha
apreciado meu humor.
— Isso é tudo culpa sua, você sabe. — Sentindo-se corajoso após a
acusação, Zane dá mais um passo, e então comete o erro de olhar para baixo.
— Jesus.
Juro por Deus que a palidez dele passa de cinza para verde.
— Minha?
— Se você não tivesse mentido sobre eu ter te dado o emprego, eu não
teria que estar aqui agora e…
— Você vai colocar a culpa em mim? Você não começou isso quando
mentiu para Robert e disse a ele que encontrou seu grande amor? Não foi…?
— Você pode só calar a boca?
Nada me dá mais ódio do que ouvir isso, e quando estou prestes a sentar
o cacete nele – no meio do ar, sendo sustentada por cordas – entendo
perfeitamente o que está acontecendo. Sua necessidade de brigar surge para
distraí-lo de seu medo. Um comentário sarcástico atrás do outro.
Então, pela primeira vez, faço sua vontade. Eu controlo minha língua e
dou outro passo trêmulo para tentar incentivá-lo a fazer o mesmo. Uma
rápida olhada para baixo mostra o reflexo da câmera seguindo cada
movimento nosso, e percebo que isso faz parte da macheza de Zane. De sua
necessidade de agir como um homem porque está diante das câmeras.
— Isso não te assusta? — ele pergunta enquanto dou outro passo, e ele
fica parado ao sentir as cordas balançando por causa de uma brisa. — Merda.
— Ele fecha os olhos novamente para esperar que as cordas se estabilizem.
— Ei?
— Agora não, Cinder.
— Olhe para mim. Vamos, você consegue… precisa confiar em mim.
— Por quê? — Ele ri. — Não é como se você fosse capaz de me segurar se
eu caísse.
— Você tem razão. As cordas vão te pegar, mas ainda estou aqui. Eu
posso me esforçar ao seu lado para que você possa atravessar esta corda.
Ele balança a cabeça, rejeitando a oferta, mas não responde. Fecha os
olhos de novo. Seus pés deslizam ao longo da corda. Ele solta mais um
gemido de desespero em voz baixa.
— Lembra da outra noite? — pergunto.
— Porra — ele murmura enquanto a corda balança novamente.
— Quando você me curvou na beirada da cama?
Ele para e estabiliza seu corpo com a ajuda do meu.
— Mmm-hmm.
— Eu continuo pensando naquela coisa que você fez.
Distrair. Desviar.
Dar um passo.
— No quê?
— Me agarrar. Seus dedos. Você batendo seu pau contra a minha boceta
— eu digo algo nos termos que ele vai ouvir, e pelo brilho de seus olhos verde
esmeralda, eu diria que funcionou.
— Sério?
— Mmm-hmm — eu respondo quase em um gemido, e então dou um
passo maior. Quando sua respiração falha e ele começa a olhar para baixo,
balanço a cabeça. — Nada disso. Olhe para mim. Só para mim.
Ele balança a cabeça, mas a ansiedade ainda domina todo o seu corpo.
— Qual é a sua posição favorita?
— Eu sou homem. Enquanto eu estiver dentro de você, não faz…
— Isso não é uma resposta. De quatro? — Passo. — Você por baixo? —
Passo. — Meia-nove?
— Se você está tentando me distrair, não vai funcionar. Estamos muito
longe do chão…
— E se eu dissesse que minha calcinha estava encharcada só de falar em
fazer sexo com você de novo… isso iria distraí-lo?
O músculo em sua mandíbula se contrai quando ele olha para mim.
— Nada me afeta, lembra? — Mas quando ele diz isso, há o mais tímido
dos sorrisos substituindo a careta de apenas alguns segundos atrás.
— Não olhe agora, Zane, mas faltam apenas mais alguns metros.
E é claro que ele olha e depois ofega quando sua falta de concentração
nos desequilibra.
— Viu? Você conseguiu. — Mas posso ver o retorno do desespero, agora
que ele percebeu novamente onde estamos. — Sem entrar em pânico. Vamos
lá. Você se saiu muito bem até agora.
— Isso não vai acabar nunca? — ele geme.
— Pensa em algo para se concentrar.
Ele bufa, seus olhos olhando para o meio das minhas coxas.
— Você está de calcinha?
— Você adoraria saber, não é?
E isso é tudo de que preciso para ajudá-lo a passar pelos últimos metros e
chegar à plataforma. Seus braços me rodeiam no minuto em que nossos pés se
apoiam nas tábuas de madeira. Ficamos esperando que Tucker suba as escadas
e venha nos soltar.
— Obrigado — ele murmura contra minha orelha enquanto me puxa
contra o seu corpo. Ele cheira a suor, perfume e medo, e essa combinação faz
disparar minhas endorfinas.
— Pelo quê?
— Por não ter brigado comigo.
Eu sorrio.
— Eu só te distraí.
— Obrigado. — Ele se inclina para trás e olha para mim por um
instante, antes de se inclinar de volta e me dar um beijo leve. A mistura de
adrenalina e ternura inesperada faz com que eu queira me fundir a ele.
— Então, o que acharam? — Tucker diz, o som de seus passos vindo
apenas alguns segundos antes de ele chegar à plataforma. Nós nos separamos
ao ouvir sua risada. — Sem problemas. Acontece muito. Uma briga ali, fazer
as pazes aqui.
Zane se afasta de mim, mas me pega de surpresa quando une seu dedo
mindinho com o meu, de lado.
— Você foi ótimo. — Tucker bate palmas. — O cinegrafista também
conseguiu algumas boas tomadas. Agora vamos para o próximo curso. Qual
você vai escolher?
Eu rio quando Zane geme, mas há muito mais orgulho nisso do que
havia quinze minutos atrás.
Harlow
— Ei. — Sinto uma mão nas minhas costas. Uma sacudida me balança de
um lado para o outro. — Acorda, dorminhoca.
— Que horas são? — eu gemo, puxando o travesseiro sobre a cabeça.
Um beijo quente é deixado no meu ombro. A boca de Zane permanece
contra minha pele quando ele responde, e meu corpo sonolento se aquece.
— Cedo.
— Vá embora.
— Eu pensei que você fosse uma pessoa matutina — ele diz, dando uma
risada.
— Por que você parece estar tão alegre? Que mágica é essa?
— Vem, vamos. Quero te levar a um lugar.
— Agora?
— Mmm-hmm.
— Uma cafeteria? — eu pergunto, esperando que numa hora ímpia
dessas, ele pelo menos me conceda isso.
Outra risada naquele tom matinal baixo dele, que desperta todos os tipos
de sentimentos típicos de um casal que eu não deveria sentir.
— Agora. — Uma mão desliza suavemente pelas minhas costas. — Sem
maquiagem. Sem fazer cabelo. E se você for rápida o suficiente, posso garantir
um pouco de café.
Quando me levanto e me viro para encará-lo, Zane parece amarrotado e
sonolento como eu… e muito sexy. Por mais que eu ame esse homem vestido
com suas camisas, coletes e gravatas, quando ele está assim – camiseta com
decote em V, jeans, cabelo bagunçado – é irresistível. O CEO poderoso
reduzido a um garoto de fraternidade universitária.
— Vem, a gente vai chegar atrasado. — Suas palavras são enfatizadas por
um tapinha na minha bunda.
Eu faço o que ele diz, mas resmungo o tempo todo, até que Zane me
entrega uma caneca de café. Quando o ar frio da manhã me atinge ao sair do
ônibus, ele me fala que temos de subir uma montanha na madrugada, com o
céu ficando azul. Zane verifica o relógio a cada poucos minutos para se
certificar de que estamos onde precisamos estar a tempo.
— Você se importa de me dizer para onde estamos indo ou o que estamos
fazendo? — pergunto quando enfim sentamos em um pedaço de grama ao
lado de uma encosta.
— Você só precisa esperar para ver.
— Bela explicação. — Eu bufo pela mensagem enigmática, mas
secretamente gosto desse lado quieto e despretensioso dele. — Se estamos
aqui para assistir ao nascer do sol, você pode só confirmar, que eu me darei
por satisfeita.
Ele não responde, apenas mantém os olhos fixos à frente, um enorme
sorriso ilumina seu rosto.
— Olhe.
Quando me viro para o leste, me deparo com o lento nascer do sol sobre
o cume da montanha. O céu está cheio de tons de rosa e laranja. As nuvens
ao longe têm uma grande variedade de cores. Mas antes que eu consiga juntar
as palavras, algo mais começa a espreitar por cima da borda das colinas e se
juntar ao sol. Enormes globos de cor.
— Uau! — Eu nem percebo que digo isso quando o céu de repente se
enche com um balão após o outro. Eles sobem rápido e silenciosamente. Seus
desenhos – listras retas, angulosas, bolinhas e cores sólidas – salpicando o céu
de cores.
— Bem legal, não? — Zane murmura ao meu lado.
— Como você…?
— Shhh — ele murmura sem olhar para mim e aponta para a cena digna
de um cartão postal bem diante de nós.
— Você já andou em um?
— Não.
— Você já…?
— Shhh. Só aproveita o momento.
E assim ficamos sentados no início da manhã, com nosso café agora frio,
observando o céu ganhar vida. Mas há algo sobre o homem ao meu lado que
atrai minha atenção igualmente.
Geralmente sou boa em ler as pessoas, saber quem elas são depois de
apenas um encontro… No entanto, Zane está continuamente me provando
que posso estar errada. Esse cara – o que faz chamadas de vídeo com o
cachorro e me acorda para me surpreender com esse espetáculo – não é nada
parecido com o homem que conheci quando ele me confundiu com sua
passeadora de cães.
E acho que essa percepção pode ser prejudicial para o meu coração.
— Me desculpa, eu fui um escroto ontem. — Suas palavras saem
suavemente, seu tom é uniforme. Ele se apoia para trás, as mãos espalmadas,
ainda mantendo os olhos fixos à frente.
— Você estava com medo.
— Sempre tive pavor de altura.
— Era só me dizer. Fazer algo para me avisar, para que eu pudesse ajudá-
lo.
Foi por isso que Zane me trouxe aqui? Para se desculpar com uma bela
vista e um pedido de desculpas comovente?
— Não é tão fácil.
— Não é como se eu fosse tirar sarro de você.
Ele ri baixinho.
— Você tem ideia de como é difícil proteger a imagem de ser o cara
quando algo parece que vai dar errado? Ser o cara forte que vai estender a
mão e agarrá-la se você escorregar da corda e cair, quando na verdade nunca
seria capaz de fazer isso porque eu mesmo estava morrendo de medo.
— Você teria me protegido.
— Como você pode saber disso?
— Sabendo. Você se aventura, se arrisca, e faz isso sem pensar.
Ele olha para mim e permanece mirando meus olhos por um instante,
diversas emoções nítidas, em seus olhos esmeralda, que não consigo decifrar.
— Obrigado por me ajudar a atravessar… e por ter me distraído. — Um
sorriso tímido enfeita seus lábios, fazendo meu estômago se remexer antes que
Zane volte a observar os balões.
Passamos os momentos seguintes apontando para os padrões nos balões,
escolhendo um favorito. Fingimos que há uma corrida entre todos eles, e
então escolhemos o que achamos que poderia vencer. Nossas risadas ecoam,
até que, em algum momento, me viro para estudá-lo. As linhas de seu perfil.
A barba por fazer. O boné de beisebol puxado para baixo.
— O que você está olhando? — Zane pergunta, seus lábios se abrindo em
um sorriso, mas ele não olha na minha direção.
— Só estou tentando te entender, só isso.
— Muita gente já tentou. Poucos conseguiram.
— Acredito que poucos tenham vivido com você por quase um mês.
— Verdade. — Ele concorda com a cabeça lentamente e leva a caneca de
café aos lábios. — Ninguém, na verdade.
— Não?
— Não.
— E só me diz isso agora… — eu digo no meio de uma risada.
Ele dá de ombros.
— O que você queria que eu dissesse? Eu poderia te dar a resposta padrão
que as pessoas esperam. Aquela coisa de eu não encontrei a mulher certa
ainda. Ou a outra, eu trabalho demais, e isso não seria justo com a outra
pessoa… mas nenhuma delas é verdadeira.
— Ok — eu digo, mas sem entender completamente o que ele quer dizer.
— Talvez eu não saiba o que quero. Talvez eu trabalhe demais, de modo
que viver com alguém significa que estou dando falsas esperanças sobre o
homem que posso ser algum dia, sendo que ainda não cheguei nesse estágio.
Talvez eu não tenha nascido para me casar. Deus é testemunha de que tive
um péssimo exemplo quando era criança, então não quero dar falsas
esperanças a ninguém.
— E talvez você apenas goste de mulheres — eu digo, levantando minhas
sobrancelhas, enquanto tento processar toda essa honestidade.
— É, eu realmente gosto. — Ele me olha, a cabeça inclinada para o lado,
um sorriso leve nos lábios. — É tão ruim eu não saber o que quero ser
quando crescer?
Sua pergunta me faz hesitar por um momento, para ter certeza de que ele
está sendo sincero. Há uma sinceridade em seus olhos que me assusta.
— Não. De jeito nenhum. Mas me surpreende que você diga isso. Você é
obviamente bem-sucedido. Parece que você faz mil coisas ao mesmo tempo.
— E você? Por que você não tem um namorado ou marido? O que você
quer ser quando crescer? — Ele estende a mão e prende uma mecha de cabelo
que caiu do rabo de cavalo atrás da minha orelha. Por um breve momento,
seu polegar repousa ao lado da minha bochecha quando ele faz isso.
Luto contra a vontade de encostar o rosto em sua mão – garota boba – e,
em vez disso, me concentro em responder à sua pergunta.
— Quando eu era criança, queria ser veterinária. Ou melhor, acho que na
sequência dos meus sonhos, quis ser uma princesa, vestido rosa-cheguei e
uma tiara de diamantes eram obrigatórios…
— Não é assim com todas as crianças?
— E depois, queria ser astronauta, só porque pensei que os alienígenas
teriam a pele roxa, e eu amava roxo.
— O que aconteceu com o rosa?
— Na época em que eu gostei de roxo, já havia superado o rosa. — Eu
rio. — Então eu acho que desejei ser mãe.
— Continua fazendo sentido.
— Um dia, quem sabe?. — Eu balanço a cabeça e sorrio. — E depois
queria ser a próxima Jane Goodall. A mulher que estuda chimpanzés nas
florestas da África.
— Ama animais e viagens. Check.
— Então eu decidi que queria ser uma rainha. Eu estava cansada de ser
comandada. Esqueça essa coisa de princesa indefesa.
— Deixe-me adivinhar, você estava cansada de esperar seu príncipe
chegar?
Eu solto o ar pelo nariz.
— Era mais cansaço de ouvir que precisava de um príncipe. Minha
mãe… ela é uma romântica incurável.
— E você tem algo contra o romance, imagino?
— Não. Sim. — Eu deixo escapar um riso. — Não sei.
— O quê? Me conta?
— Mesmo depois que meu pai foi embora, quando eu era pequena,
minha mãe ainda acreditava em contos de fadas. Na noção de que há um
príncipe destinado a cada pessoa. Na ideia de que o amor vence tudo. Isso
sempre me confundiu, já que eu a vi se machucar várias vezes. Por que
acreditar tanto em algo que te traz tanta infelicidade?
— Acho que é diferente para cada um.
— Bem, depois de ver isso acontecendo algumas vezes, decidi que
comandaria meu próprio conto de fadas…
— Sendo a rainha?
— Isso mesmo. Queria ser a pessoa que tomaria todas as decisões quando
se trata da minha vida, sem deixar minha felicidade nas mãos de alguém.
— Daí veio sua mania de ser brutalmente honesta. — Zane coloca a mão
sobre o coração e, desta vez, quando a abaixa, com um sorriso amplo em seu
rosto, a deixa de forma descontraída em cima do meu joelho.
— Cortem a cabeça deles — digo com meu melhor sotaque britânico.
— Cuidado aí, Cinder… Venho de um lugar que já foi uma colônia de
seu reino, minha senhoria. — Ele aperta minha perna. — O que mais essa
sua mente criativa queria ser?
Fico em silêncio e olho para o horizonte.
— Um agente de modelos me abordou em uma praça de alimentação de
shopping. Disse que eu deveria fazer algumas fotos de rosto. Minha mãe
achou que era uma fraude, mas implorei a ela que me deixasse fazer.
Consegui meu primeiro trabalho algumas semanas depois. Foi um desfile de
moda, coisa pequena, mas havia algo sobre a sensação que experimentei lá
que só… Não sei… — Eu dou de ombros, me sentindo boba e
estranhamente vulnerável.
— Você não sabe o que era?
— É besteira, mesmo.
Ele bate o joelho no meu.
— Me conta.
— Fez com que eu me sentisse amada. — Eu limpo a garganta, odiando
o fato de que de repente me sinto exposta. — Eu sei que eram as roupas que
eu usava que as pessoas aplaudiam, mas para essa garota que ninguém nunca
tinha notado… cujo pai não a achava importante o suficiente para ficar por
perto para vê-la crescer… Aquilo tudo só fez com que eu sentisse que valia
alguma coisa. E, sim — eu levanto minha mão para impedi-lo de falar —,
antes que você diga que não se deve basear sua autoestima nas opiniões dos
outros, eu já sei disso. Mas, naquela época, esse trabalho como modelo foi o
começo da minha tentativa de me estabilizar. Foi o momento em que percebi
que poderia ter ficado onde estava, ser quem eu era ou ser a pessoa que eu
desejava ser.
— Eu só ia dizer que te entendo — ele murmura. — Eu entendo. Minha
família… Jesus, minha família era um caos. Claro, meus pais sempre ficaram
juntos, mas quando você vive sob uma névoa alcoólica constante, tudo se
torna mais tolerável… para todos, exceto para as pessoas que moram com
você.
— Eu sinto muito.
— Não sinta. Eles preferiam a vodca ao filho, e ai dele se ficasse entre os
três. — Meu coração dá uma guinada no peito quando penso no garotinho
que cresceu nessa situação.
— É por isso que você veio para os Estados Unidos?
— Uma noite… merda, uma noite, quando eu tinha quinze anos, meu
pai levantou a mão para mim, como de costume, e pela primeira vez eu
revidei. As coisas mudaram depois disso. As brigas deles pioraram, a
bebedeira ficou mais pesada… e eu não conseguia mais fazer nada direito.
— Zane…
Ele balança a cabeça de um lado para o outro, como se estivesse
lembrando e avaliando o quanto pode me dizer.
— No dia seguinte ao meu aniversário de dezoito anos, bolei um plano e
o segui. Roubei um colar da minha mãe e vendi para pagar minha passagem
de avião para cá. Não me orgulho disso, mas às vezes você faz o que é
necessário. — Ele fecha os lábios por um momento, quase como se estivesse
pensando no que dizer a seguir. — Quando fiz minha primeira grande
negociação no mercado de ações, quando tive a mesma sensação de valor de
que você estava falando em seu primeiro trabalho como modelo, mandei para
ela um cheque pelo colar e depois por volta de cinquenta outros. Esse foi o
meu agradecimento por me trazer a este mundo… e minha afirmação de que
nunca quis ser como eles.
— Você acha que conseguiu isso? — Zane volta o rosto na minha
direção, surpreso com a minha pergunta. — Quero dizer, você já conseguiu
botar na cabeça que você é diferente deles?
— Acho que sempre vou correr atrás dessa diferença — ele murmura e
então limpa a garganta, o olhar reflexivo em seus olhos desaparecendo. Um
assunto um pouco íntimo demais para um homem acostumado a se isolar do
mundo.
E antes que eu perceba, ele facilmente nos deitou na grama, e seus lábios
encontram os meus.
O beijo me surpreende por um segundo.
Estamos em um lugar privado. Não há ninguém para documentar a
relação entre o dono da SoulM8 e sua namorada.
Não estamos no ônibus. Não existe “isso é apenas sexo casual e sem
compromissos”.
Somos Zane e eu em uma colina, com balões coloridos acima de nós e
ninguém por perto em um raio de quilômetros.
Eu me entrego ao beijo. Ao fato de não ser fingimento. Ao prazer de
sentir a suavidade de sua língua e a força de sua mão segurando minha
cabeça.
— O que nós…?
— Shh. Estamos assistindo aos balões. — Ele ri, me impedindo de ser
uma idiota e interromper seus beijos.
Porque isso é tão gostoso. Zane é tão gostoso. Tão incrível, que preciso
desligar minha mente e apenas deixar seus lábios, e língua, e o calor que ele
está espalhando por todo o meu corpo serem as únicas coisas em que eu esteja
pensando.
— Quais outras coisas você sonhava em ser? — ele murmura contra meus
lábios quando o beijo termina.
— Eu ainda estou sonhando — eu digo quando abro os olhos e o vejo
deitado, apoiado sobre o cotovelo olhando para mim, a mão apoiada no meu
abdômen.
— E os homens? Eles fazem parte e influenciam esses sonhos?
Eu rio.
— Essa é uma afirmação bastante ampla.
— Eles influenciam?
Engulo em seco e tento ignorar a aceleração repentina do meu coração.
Zane não gosta de compromisso ou de algo a longo prazo… e ele já disse
tudo isso de tantas maneiras, que não sei porque meu coração está batendo
como se eu desejasse que ele me quisesse.
Fica de boas, Low.
— Tenho um gosto horrível para homens.
— Devo ficar ofendido? — ele ri.
— Não foi isso que eu quis dizer — eu digo e então percebo que é isso
mesmo o que eu quero dizer. — Vou só corrigir: foi exatamente o que eu quis
dizer. — Uma risada nervosa da minha parte. Um desviar de olhos de volta
para os balões ainda espalhados pelo céu.
— Então imagino que você ainda não tenha encontrado o seu príncipe
encantado, certo? — Seu sorriso curva um canto dos seus lábios.
— Minha mãe acha que todo homem tem um pouco dos dois.
— E você? O que você acha?
— Acho que escolho os homens que parecem bonitos, que têm algum
charme, mas no final amam a si mesmos mais do que jamais se permitirão
amar outra pessoa. Mesmo vendo os erros da minha mãe, eu ainda me
apaixono por eles. Bastante. E quando percebo que é tarde demais para
recuperar meu coração intacto, eles vão embora, e meu coração fica partido.
— Porra de amor — ele diz e ri.
— Não é assim com todo mundo? — eu pergunto.
— Você não sabe nem a metade. — Ele meio que ri, meio que suspira.
— Como assim?
Zane olha para mim por um momento, seus olhos estreitos e seus lábios
torcidos, como se ele quisesse dizer mais, mas então balança a cabeça.
— Foi só um comentário de homem. — Ele encolhe os ombros e, em
seguida, dá um beijo casto nos meus lábios. — Vamos voltar?
— Precisamos? — Eu rio. — É tão tranquilo aqui em cima. Sem
celulares. Sem ônibus. Sem…
— Sem Robert.
— Sem Robert. — Eu sorrio. — Tenho medo de ver o que nos espera no
nosso próximo destino.
— Nem me lembra — ele geme, levantando-se e me puxando pelos meus
pés.
— Sempre uma aventura.
Zane entrelaça seus dedos aos meus e os balança.
— Sempre.
Caminhamos de volta pela trilha, conversando o tempo todo sobre uma
coisa ou outra — assuntos simples que nunca debatemos, apesar de estarmos
juntos. Porém, o tempo todo fico pensando em como meu sorriso não saiu
do meu rosto. Em como esse pequeno passeio inesperado me fez perceber que
às vezes as primeiras impressões merecem uma segunda olhada.
Especialmente quando se trata de Zane.
Harlow
— Não foi nada mau.
Zane olha para mim. Vejo farinha polvilhada em uma de suas bochechas,
as mangas da camisa estão enroladas até os cotovelos e ele está lambendo a
cobertura do bolo na tigela.
— Nada mau mesmo. Cozinhar juntos é algo que sei lidar.
— Você só gosta da parte em que vai comer depois.
— Quem não gosta? — Ele ri e dá outra lambida. — Além disso, você de
salto alto e avental, parecendo toda doméstica, era…
— Equivalente a você todo doméstico. — Eu arqueio uma sobrancelha.
Ele ri.
— Eu jurava que haveria uma pegadinha nisso. Tipo ingredientes
estranhos, ou cozinhar sem receitas, ou algo para nos desafiar.
— Cozinhar com os olhos vendados.
Ele ri.
— Isso, ou cozinhar pelados. — Zane arqueia uma sobrancelha, um lento
sorriso se abre em seus lábios, seus olhos passeando por meu corpo me dizem
exatamente o que está pensando.
— Seria uma opção, mas logo imagino queimaduras acidentais em
lugares que não precisam ser queimados.
Zane sibila e depois ri.
— Parece mais sexy na teoria. Sejamos gratos por não ter sido nosso
desafio de hoje.
— Graças a Deus, não. — Mas houve hálito quente na minha nuca.
Beijos leves no meu ombro nu. Gemidos baixos quando eu me curvava para
verificar os cupcakes no forno.
Todas as coisas que, tenho tentado me lembrar diariamente – não a cada
hora –, fazem parte do show. Agir como um casal quando você não faz parte
de um. E, no entanto, não pude evitar pensar nisso, me perguntar se seria
assim caso Zane decidisse que poderia haver mais depois que toda essa turnê
acabasse.
Mais?
Ah, Low. Você está perdendo a batalha, não está?
Isso não deveria estar acontecendo.
— Pode ter sido fácil hoje, mas somando isso com as outras sete
aventuras que tivemos esta semana, estou exausto pra caralho. — Ele inclina
os quadris contra o balcão, e adoro que Zane segure a tigela contra a barriga
enquanto dá outra lambida imensa, como um garotinho faria.
Há algo extremamente sexy nessa cena, então eu encaro um pouco mais
do que normalmente faria.
— Foram sete mesmo? — Eu me inclino para trás na cadeira e bocejo
enquanto tiro meus pés dos saltos, os colocando na mesa à minha frente. Sim,
é uma área de cozinha e meus pés deveriam estar no chão, mas agora meus
pés estão implorando por algum alívio.
— Vamos ver, teve o lance com as cordas.
— Quem poderia esquecer do bom e velho Tucker? — murmuro e sei
que o botão que apertei era o certo quando seus olhos endurecem e as
sobrancelhas levantam.
— O bom e velho Tuck, que estava me colocando em perigo para
terminarmos nosso relacionamento falso, aí então ele poderia dar em cima de
você.
— Tanto faz. — Eu rio, mas amei que ele estava com ciúmes e que tenha
admitido isso.
— Então teve a pesca no lago.
— Eca. Minhocas.
Ele ri, e eu sei que Zane estava pensando no grito que dei quando ele me
fez colocar uma no anzol sozinha.
— Mas você pegou um peixe.
— Peguei.
— E então teve a corrida de sacos de três pernas da cidade.
— A mais longa dos Estados Unidos. — Abro um sorriso pensando no
calor, no constrangimento de ter nossas pernas amarradas e na frustração que
sentimos toda vez que caímos.
— Tenho aqui uma coisa que também é bem longa.
Reviro os olhos e balanço a cabeça.
— Dane-se.
— Você está reclamando?
— Não, de modo algum — eu digo enquanto ele dá outra lambida na
cobertura.
— Depois, teve o desafio da venda.
— Eu não me importo com o que você pensa, mas me fazer provar
Vegemite sem me avisar que teria gosto de… Não sei qual é o gosto daquilo,
mas nunca mais eu como um troço daqueles. — Estremeço só de pensar em
ficar com os olhos vendados e ter que provar cinco coisas que ele me dava na
boca.
— Não desrespeite uma das minhas comidas favoritas.
— Acredite em mim, se eu decidir meter alguma coisa do tipo na boca,
definitivamente não será aquela porcaria. — Mas há algo no meu comentário
que o faz inclinar a cabeça para o lado e apenas me encarar.
— Posso pensar em muitos outros benefícios de botar certas coisas na
boca. — Sua voz sai baixa, e ele lambe os lábios sugestivamente. Meu corpo
reage imediatamente quando Zane coloca a tigela ao lado dele e anda alguns
metros até mim.
Seus olhos escurecem e prendem os meus quando ele pega meus pés
doloridos e começa a massagear com o polegar. Estou mais do que ciente de
que só listei quatro dos passeios que tivemos, mas agora tudo em que consigo
me concentrar se resume a suas mãos mágicas.
— Ah, meu Deus, isso é bom.
— É?
— Aí mesmo.
Ele continua massageando. Continuo a fazer ruídos apreciativos muito
semelhantes a chorinhos e gemidos.
— Não que eu esteja reclamando, Cinder, mas por que você sempre
insiste em usar salto alto?
— Por que não usaria? — Um sorriso leve brinca em meus lábios. — Na
vida, posso escolher entre saltos altos ou sapatos baixos. Eu escolho os altos.
Sofisticados e elegantes. Eles machucam? Sim. Eu interpreto o papel que
desejo com eles? Sempre. — Ele sorri e balança a cabeça enquanto eu apoio a
minha na cadeira, e Zane continua a massagem. — Não. Pare. Nunca.
— Vou te lembrar dessas três palavras mais tarde.
— Mmm — murmuro enquanto aquele doce fervilhar se espalha por
todo o meu corpo só de ouvir sua promessa.
— Eu tenho champanhe, se você quiser.
— Champanhe? — pergunto.
— Para celebrar.
Agora ele conquistou minha atenção. Eu levanto a cabeça e o olho nos
olhos.
— Celebrar o quê?
— Bem, agora estamos na metade desse lance todo, e eu juro que vai
acabar me matando se Robert conseguir o que quer…
— Deus o abençoe. — Eu rio, mas Zane me encara com um olhar que
diz: fala sério.
— E os números de assinaturas já superaram todas as previsões. Eu odeio
admitir isso, e nunca vou dizer isso na frente dele, mas Robert tinha razão
sobre toda essa porcaria da vida real. A seção de vídeos do site está recebendo
tantos acessos, que chega a ser ridículo.
— Parabéns! — digo. — Isso é incrível, e impressionante e, ai, meu Deus,
isso significa que ele vai nos colocar em mais dessas paradas, não é?
— Temo que sim. — A risada de Zane ecoa pela cozinha cheia de aço
inoxidável e volta para mim. — Mas pensa, isso também significa que você já
cumpriu metade da tarefa de ter que me aturar. Você voltará a dormir em sua
própria cama ao lado de Lula e terá sua vida de volta.
— Eba — eu digo, minha voz cheia de entusiasmo para mascarar o
súbito lampejo de pânico que suas palavras me trouxeram.
Mais da metade concluída.
A ficha cai bem aqui, no meio de uma cozinha, em uma escola de
culinária, com Zane massageando meus pés, cupcakes no balcão, prontos
para serem comidos, e minhas dúvidas girando em espiral na cabeça — mas
nada disso parece importar.
Eu estou me apaixonando por Zane Phillips.
Estou me apaixonando por ele, e nosso tempo restante é limitado.
A contagem regressiva começou.
Harlow
O ônibus para, então volta a seguir seu caminho.
Ouço barulhos mecânicos.
Em alguns momentos, faróis brilham pelas janelas. E em outros, o
mundo parece um labirinto escuro que se estende para sempre.
É a viagem mais longa da minha vida, e infelizmente tudo o que vejo nas
cidades são salões de baile, hotéis e intermináveis trechos de rodovias à noite.
Zane brinca distraidamente com meu cabelo enquanto relaxamos no sofá.
Ele está sentado, assistindo ao noticiário, e eu estou deitada com a cabeça em
sua coxa, de olhos fechados, tentando processar como esta se tornou a minha
vida atualmente.
— Ainda não acredito na quantidade de gente que apareceu hoje — eu
digo.
— Fiquei surpreso, mas não deveria. As assinaturas refletem o burburinho
dos betas que começaram a usar a plataforma esta semana. A sugestão de
Robert de os fazer postar nas redes sociais foi certeira.
— Eu te ouvi no celular com ele mais cedo. Pareciam estar falando sobre
boas notícias, pelo que pude entender.
— Notícias muito boas.
O toque de sua mão no meu cabelo é reconfortante, tanto que eu fiquei
imóvel quando ele começou a fazer isso, afinal é um gesto estranhamente
íntimo.
— Aquela senhora de hoje à noite… aquela na primeira fila com a camisa
preta de bolinhas…
— A que monopolizou seu tempo? Eu me senti mal por você, mas não
consegui te livrar sem parecer um cuzão.
— Tudo bem — murmuro enquanto seus dedos começam a massagear
minha cabeça. — Ela parecia tão perdida, tão desesperada para encontrar
alguém para amar… isso partiu meu coração.
E aqui estamos nós fingindo ter o mais perfeito… bem, não tão perfeito,
se você assistir aos vídeos que Robert nos obrigou a fazer. Vídeos em que
aparecemos discutindo no evento das cordas, jogando farinha um no outro na
cozinha e possivelmente xingando um ao outro enquanto caíamos com as
pernas amarradas na corrida.
— Você não pode salvar o mundo, Cinder.
— Eu sei. — Eu suspiro. — Só espero que ela encontre o que está
procurando no SoulM8, seja companheirismo… um namorado. Seu
príncipe.
— A vida não é um conto de fadas.
— Para algumas pessoas como minha mãe, é. Para outras… elas precisam
escrever seus próprios contos. — Quando abro os olhos, sua atenção não está
mais no noticiário. Zane está olhando para mim. Olhos verdes e um sorriso
leve. E eu odeio que estou suspirando que nem louca pensando em como isso
parece normal. O quanto isso soa como um namorado e uma namorada no
final da noite de quinta-feira relaxando.
Odeio o quanto tenho de me lembrar que não é assim que a banda toca.
— Você parece cansada — diz ele suavemente e passa o polegar com
leveza abaixo dos meus olhos.
Não seja doce, Zane. Por favor, não seja doce, porque isso só é prejudicial ao
meu coração.
— Estou bem. — Estou exausta, cansada até demais, mas este é um raro
momento em que Zane não está trabalhando, então vou aproveitá-lo
enquanto posso.
— Mmm. — Ele inclina a cabeça para trás contra o sofá e fica em
silêncio. — Se você pudesse escolher qualquer coisa agora, o que seria?
Eu viro o rosto contra a mão dele na minha bochecha, fecho os olhos por
um momento e penso.
— Uma noite de folga.
— Uma noite de folga? — Zane volta a me olhar, seu polegar fazendo
carinho na minha bochecha. — Eu conheço seu chefe, você sabe disso.
— Muito engraçado.
— Estou falando sério. Se precisava de uma noite de folga, devia ter me
avisado. Vou dizer a Robert para se mandar e cancelar qualquer compromisso.
— Você nunca precisa de uma noite de folga? — eu pergunto.
Ele balança a cabeça de um lado ao outro, como se estivesse pensando em
como responder.
— Normalmente, só o Manchado se importa com onde estou. Ou
melhor, devo dizer que ele é o único com quem me importo que se importe
com onde estou… então, não, trabalhar não me incomoda. Me mantém são.
— Todo mundo precisa de um tempo livre.
Uma mecha de cabelo cai no meu rosto. Zane a coloca atrás da minha
orelha.
— Talvez eu ainda não tenha encontrado a pessoa certa para fazer com
que eu ligue para isso.
O silêncio paira entre nós. Eu sei muito bem que ele disse que não era
algo que sentia ou em que acreditava.
Então por que Zane está dizendo isso agora?
Eu odeio que uma pequena esperança surja antes que eu tenha a chance
de contê-la. Uma pequena esperança exatamente como a daquela senhora
desta noite, que estava tão desesperada.
— Então, uma noite de folga? — ele incentiva.
Levo um minuto para organizar os pensamentos — voltá-los para longe
dele e do que estávamos falando antes de Zane fazer essa afirmação.
— Não sei. Não é que eu precise de uma noite de folga… talvez seja mais
porque eu queira fazer alguma coisa sem ser constantemente observada.
Quando fazemos as apresentações, temos público. Damos entrevistas e somos
escrutinados por quem faz as perguntas e por quem assiste. Agora fazemos
aventuras para serem filmadas e temos outro público. — Balanço a cabeça
enquanto tento expressar meus sentimentos. — Eu só queria ir para algum
lugar longe disso tudo, onde eu possa ser eu mesma e não me importar com
quem está assistindo, se faço barulho quando bebo alguma coisa com
canudo…
— Você faz barulho bebendo com canudo? — ele pergunta com uma
risada. — Não consigo imaginar a sempre bem-educada Harlow Nicks
sugando qualquer coisa.
— Exatamente! — respondo e jogo as mãos para cima para enfatizar meu
ponto. — Você não sabe se eu faço isso ou não porque estou sempre me
comportando bem porque estou sendo observada.
— Ahhhh, agora eu quero saber o que você faz quando ninguém está
olhando — Zane brinca.
— Tanto faz. — Eu reviro os olhos e tento dar um empurrão em seu
peito, mesmo estando nessa posição. — Você entendeu o que eu quis dizer.
— Você cutuca o nariz? Eca. Chupa o espaguete também? Talvez você…
— Para. — Eu rio e bato no seu peito. Zane agarra meus pulsos e os
mantém presos. Nós lutamos de brincadeira por um minuto, até eu desistir e
apenas deitar a cabeça de novo no seu colo. — Eu faço tudo isso! — brinco.
— Eu sabia! — O sorriso de Zane é largo. Seus olhos, vivos. — Eu tenho
uma ideia.
— Qual é? — eu pergunto, sentando e olhando para Zane.
— Espera um segundo. — Ele levanta um dedo e pega o celular. Eu
espero que ele digite algo e desça a tela do celular. — Ei, Mick? — ele diz, se
levantando do sofá.
— Sim, Zane? — Mick diz do banco do motorista.
— Vamos fazer um pequeno desvio.
— Eu amo desvios — diz ele com uma risada. — Para onde?
Zane estende o celular para que Mick possa ver o que está na sua tela.
— É meu tipo de desvio — diz Mick.
— Zane? — eu pergunto. — O que você está aprontando?
— Eu estou te dando o que você pediu.
Harlow
— Como você fez isso? Ligou com antecedência e alugou o lugar todo? Está
vazio.
— Tenho meus contatos — ele brinca.
Eu olho ao redor do fliperama na avenida principal que poderia ser
literalmente de qualquer cidade pequena dos Estados Unidos. Há dois
atendentes adolescentes limpando as máquinas e flertando um com o outro e
um senhor mais velho na frente, que parece estar revisando notas fiscais.
Além dessas três pessoas e das toneladas de luzes piscando nas inúmeras
máquinas de fliperama e pinball, há somente nós dois.
— O que falta? — eu pergunto.
— Bem, nós dissemos que tínhamos que jogar em todas as máquinas pelo
menos uma vez antes de sairmos, então… — Zane aponta para todas as
máquinas à minha esquerda que eu ainda não joguei. — Pode escolher.
— Você disse que Galaga era o seu jogo preferido, certo? — Ele
concorda. — Aposto que ganho de você.
— É mesmo? — Ele levanta uma sobrancelha para mim, e eu já tenho
certeza que Zane caiu na provocação.
— Você vai ter que jogar para saber.
— E o que o vencedor ganha?
— Hum… o que o vencedor quiser.
Seu sorriso se abre rápido como um raio, assim como suas mãos, quando
ele se vira e prende meus quadris contra uma máquina. Com a mesma
rapidez, seus lábios se fecham sobre os meus, em um daqueles beijos rápidos,
violentos pelo desejo, que te deixam boquiaberta e com a respiração
entrecortada.
— Eu tenho muitos desejos — ele murmura antes de dar um passo para
trás, rindo e dando um tapa no meu quadril. — Esteja pronta para perder.
Eu me permito um segundo para me recuperar desse beijo inesperado
antes de ir atrás dele.
— Primeiro as damas — Zane diz antes de colocar uma ficha na
máquina.
— E você ainda vai me dar uma ficha? — eu digo e coloco a mão no
peito.
— O que dizer? — diz ele, soprando os nós dos dedos e, em seguida, os
esfregando na camisa. — Sou um grande esbanjador.
E assim começamos uma pequena batalha de videogame. Um duelo de
duas partidas se torna uma melhor de cinco quando ele não mostra domínio
completo na pontuação; depois se torna uma melhor de onze, quando eu fico
um ponto na frente. Por fim, passamos para uma melhor de quinze.
— Veja se aprenda algo, Nicks.
— Aprendi bastante — eu digo com um sorriso presunçoso quando Zane
olha na minha direção. — Estou a uma vitória de ganhar. Agora é matar ou
morrer
— Eu sei, mas, sabe, depois deste jogo, serei o campeão oficial do Galaga
no Fliperama dessa rua. — Ele ergue os braços, vitoriosos, e interpreta uma
multidão aplaudindo o vencedor.
— Não tão rápido, Phillips. Ainda tenho algumas cartas na manga.
— Quais? — ele pergunta enquanto coloca uma ficha. — Estou prestes a
ganhar agora.
Ele se vira para o jogo. Em direção à pequena nave espacial e aos insetos
alienígenas voadores que você deve eliminar. Suas mãos batem freneticamente
no botão, e seus pés se movem enquanto ele avança nos movimentos
seguintes.
Quando sei que Zane claramente vai bater minha pontuação, decido que
é hora de usar todos os meus artifícios.
— Como está indo? — eu pergunto enquanto passo por trás dele e me
certifico de que minha pélvis esfregue contra o seu corpo. Zane congela
momentaneamente, e então uma risada escapa de sua boca e ecoa pelo
fliperama vazio.
— Boa tentativa, mas não vai funcionar.
— Parece que sua pontuação está subindo. — Desta vez, puxo sua camisa
para cima e passo as unhas em seu abdômen, logo acima do botão da calça.
Seus músculos ficam tensos sob meus dedos.
— Harlow — ele avisa.
— O quê? — Minha voz soa repleta de inocência enquanto minhas mãos
fazem uma descida pecaminosa sob o cós da calça. Minhas unhas brincam
com seus pelos e então lentamente descem para onde seu pau já está lutando
contra o jeans.
Seus dedos começam a desacelerar no botão da máquina. Minha mão
agarra seu pênis o máximo que é possível, com meu corpo por trás do dele, e
faço o meu melhor dentro dos limites do espaço para acariciá-lo.
Seu corpo para – mãos no botão, quadris imóveis, a cabeça agora
pendurada – enquanto minha mão continua a provocar; rapidamente o jogo
emite o som de uma explosão, me dizendo que ele acabou de perder. Isso.
Técnica de distração bem-sucedida.
— Ops — eu digo e uso todas as minhas forças para tirar a mão de seu
jeans e ficar longe de seu pau muito tentador e hábil.
— Harlow. — Meu nome sai em um resmungo baixo.
Dou um passo para trás e solto um gritinho quando ele avança na minha
direção, com um sorriso dolorido no rosto, e começa a me perseguir pelo
fliperama. A perseguição dura apenas alguns minutos, porque o espaço é
limitado, mas quando Zane me pega, quando passa seus braços ao meu redor
e puxa meu corpo contra seu pau ainda duro, eu me sinto tão necessitada
quanto ele.
Ele morde muito suavemente meu pescoço, sua respiração difícil
ressoando no meu ouvido.
— Isso foi jogo sujo.
— Sim… foi, mas… funcionou. — Meu sorriso sai espontaneamente.
Fecho os olhos e mergulho no calor maravilhoso de senti-lo atrás de mim.
— Eu adorei que você nem se arrepende. — Ele ri, seus lábios ainda
contra a minha pele. — Você venceu, Cinder. Diga qual será o seu prêmio.
Eu me viro em seus braços e apenas o encaro. Eu o observo. O cabelo
desgrenhado. Os olhos verdes. O sorriso torto. A sensualidade que exala por
todos os poros.
Estou tão ferrada.
Distância. Espaço. Tempo.
Essas são as três coisas que eu preciso agora, porque se voltarmos para o
ônibus, vamos acabar fazendo sexo… mas agora, com esse nosso humor, com
essa vibração entre a gente, com meu coração descaradamente mexido, não
vou apenas abrir minhas pernas para ele. Acabarei abrindo meu coração
também.
— Hmm — eu digo, sabendo que preciso esfriar esses pensamentos para
que eu possa pelo menos fingir para mim mesma que ainda podemos fazer
sexo casual. — Eu quero jogar outro jogo.
— Quê? — Ele ri, claramente pensando que voltaríamos para o ônibus,
para nossa cama, assim como meu corpo deseja.
— Outro jogo. Quero mais alguns momentos em que não sejamos o
rosto da SoulM8.
Zane morde o interior da bochecha enquanto olha para mim, a confusão
nítida em sua expressão.
— Ok. O que você quiser.
— Obrigada. — Minha voz é suave. Meu coração apertando no peito.
— Que tal você fechar os olhos, se virar, e jogaremos qualquer jogo para
onde você apontar?
— Você quer girar uma garrafa, só que com videogame em um fliperama?
— Só se eu conseguir os outros benefícios desse lance de girar qualquer
coisa quando retornarmos à estrada — diz ele, dando uma piscadela.
Apenas balanço a cabeça e vou para o meio da sala. Com o dedo
apontado e os olhos fechados, primeiro giro lentamente e depois um pouco
mais rápido, até ficar desorientada. Quando paro, os braços de Zane estão lá
para me impedir de cair de tontura; meu dedo apontado para uma máquina
de pinball: Lover’s Lane.
— O que raios é aquilo? — pergunto e depois rio quando percebo que há
duas máquinas de pinball idênticas, lado a lado, para um casal jogar.
— Tudo se resume ao amor — diz ele e ri, incrédulo.
Mas enquanto botamos nossas fichas nas máquinas e esperamos que os
jogos soltem as bolas, algo sobre seu comentário me incomoda. Me faz
lembrar daquela primeira vez em que nos encontramos. Uma época que agora
parece distante uma eternidade, quando na verdade foram apenas algumas
semanas.
— O amor é uma emoção estúpida — murmuro baixinho e odeio
lembrar que Zane disse isso, mas, ao mesmo tempo, quando estou com ele
ultimamente, minhas entranhas parecem virar do avesso.
— O quê? — Zane olha para mim brevemente enquanto puxa o êmbolo
para trás e o deixa voar contra a bola.
— Se você realmente acredita nisso, por que comprou e reformulou a
SoulM8?
— É uma longa história. — Ele aperta os botões do flipper repetidamente
enquanto a máquina responde a cada toque.
— Eu quero saber.
Sua bola desliza para o vão, e ele perde a primeira rodada, dando um
suspiro.
— Foi uma aposta — ele diz muito casualmente, enquanto sinto como se
tivesse levado um soco no estômago.
— O que você quer dizer com foi uma aposta? — Minha máquina de
pinball pisca para que eu jogue, mas de repente não tenho mais interesse.
— Uma aposta. Meus amigos e eu fizemos uma pequena aposta alta.
Pegar um milhão de dólares, abrir uma empresa e, ao final de dois anos,
quem tiver o maior lucro ganha um pote em que todos nós apostamos.
Eu fico parada, piscando os olhos e tentando compreender o que ele está
me dizendo. Uma aposta. Uma montanha de dinheiro.
— Mas por qual motivo?
— Porque nós somos homens — ele diz e ri, e eu odeio o fato de que isso
ao mesmo tempo não responde nada, mas diz tudo. Não é como se muitos
homens desistissem de um bom desafio. — Somos todos bem-sucedidos,
muito, e precisávamos de algo com um pouco de emoção nos negócios.
Então…
Portanto, não é apenas um lance de ego… na verdade é, mas pelo menos
é algo que… Deus, por que estou justificando suas ações? Por que eu me
importo?
Então a ficha cai.
— Kostas? — pergunto já sabendo a resposta.
— Sim. — Ele acena com a cabeça e depois geme quando erra a bola com
o flipper. — Filho da puta.
— Mas… por quê?
Sua risada me incomoda. É a primeira sugestão de condescendência que
recebo de Zane em semanas, e agora, de repente, quando o mundo exterior
volta para nossa pequena bolha, estou muito ciente de como nossas vidas são
diferentes. Por causa do ônibus luxuoso, o guarda-roupa chique e tudo de
primeira classe, tem sido fácil esquecer que isso não é brincadeira em um
mundo chique, como tem sido para mim.
A pontada que sinto no peito agora é bem diferente da que senti alguns
minutos atrás.
Por que me sinto magoada por não ter sabido disso antes.
É porque ele não me contou? É porque sinto que estamos próximos o
suficiente para que ele devesse ter feito isso antes?
— Parte das regras do concurso é que ninguém deve saber sobre isso —
ele diz antes que eu faça a pergunta que quero fazer. — Você sabe, a primeira
regra sobre o clube da luta e tudo mais.
— Você poderia ter me contado.
Ele olha na minha direção, no meio da partida.
— Volto a me referir ao clube da luta — diz ele com uma risada
brincalhona.
— Eu sei, mas sou eu quem está tentando ajudá-lo a vender tudo isso e…
— Minhas palavras falham. Ele não me deve nenhuma explicação, nada, e
mesmo assim ainda estou magoada por não ter sabido disso. Zane não
poderia ter me contado, depois da visita de Kostas, o que estava acontecendo?
— Deixa para lá.
— Realmente importa por que eu comecei a empresa? — Outro olhar em
minha direção. Outra declaração indiferente com a qual eu não deveria me
importar, mas me importo.
— Não… mas, quero dizer… se não importa por que você começou,
então por que é um segredo? — Ele não responde, e eu sei o porquê. —
Robert sabe?
— Não, e ele não vai saber.
Eu o encaro, vendo a autoridade em sua postura, e a pessoa que conheci
no primeiro dia ressurge. Foi-se embora o cara brincalhão e doce de antes. Cá
está o homem que conheci por engano, o cara que me mandou passear com
seu cachorro.
Essa troca mexe com a minha cabeça. E coração.
— É por isso que você saiu com Kostas naquela noite. Ele estava dizendo
coisas que agora fazem sentido, mas…
— Eu o queria longe de todos porque, por mais que o ame como um
irmão, ele é um garoto rico e mimado que não suporta a ideia de perder. —
Ele bate a mão no tampo de vidro quando perde a bola e coloca outra ficha
sem olhar na minha direção. — Isso e o fato de que ele queria você.
— Oh. — Deve haver algo sobre o som simples que faço, porque pela
primeira vez desde que começamos esta conversa, Zane para e olha para mim.
— Meus motivos para começar a empresa realmente importam tanto para
você? Importa apenas que esteja em funcionamento, que gere emprego às
pessoas e que cumpra o seu propósito.
— Seu propósito é ajudar as pessoas a encontrar seu grande amor.
— Exatamente. — Ele balança a cabeça, e como se a conversa tivesse
acabado, puxa o êmbolo para trás e começa a jogar novamente.
Eu coloco as mãos na máquina de pinball em que estou jogando e faço
movimentos como se fosse jogar, mas depois paro.
— Então, espera, você vende amor, mas não acredita nele? Por que diabos
você escolheria isso como negócio para desafiar seus amigos?
Zane não responde. Ele apenas faz caretas e sacode o corpo para um lado
e para o outro, como se seus movimentos fossem influenciar para onde a bola
rola. Quando a bola finalmente escorrega para o fundo da máquina e a jogada
acaba, ele ergue o rosto e emite um grande suspiro de frustração por eu não
estar deixando isso quieto.
— Porque é diferente do que eles estão investindo.
E o prêmio de resposta mais vaga vai para Zane Phillips.
— Em que eles estão investindo?
— Ações. Futuros. Medicina.
— E você optou pela SoulM8.
Ele olha de soslaio na minha direção, me dizendo que está mais do que
farto dessa conversa.
— Sim, eu optei pela SoulM8.
— Mas por quê?
— Porque o dinheiro vem e vai, Harlow. As ações caem. Sobem.
Empresas nascem e morrem… é assim com a maioria dos empreendimentos.
Porém, no final das contas, as pessoas sempre voltam a querer o amor. — Ele
olha para a máquina e lança outra bola no pinball. — É a única coisa em que
consigo pensar que magoa as pessoas continuamente, que as deixa de joelhos
e, no entanto, assim como sua mãe, é algo para o qual elas ainda voltarão,
acreditarão e se arriscarão.
— Todo mundo exceto você.
Zane não responde. Ele mantém seu foco na máquina e sua luta para sair
por cima dessa.
Odeio o fato de que sua falta de resposta me incomoda.
Eu detesto que isso me dê um pouco de esperança de que talvez o que eu
estou, inesperada e indesejadamente, sentindo por ele seja recíproco.
Eu odeio que isso prove que sua teoria está cem por cento certa.
Mais tarde, nessa mesma noite, não consigo dormir. Eu me permiti me
perder na fisicalidade de Zane quando voltamos para o ônibus. Nas sensações
que ele evocou dentro de mim. Nos sentimentos por ele que tentei suprimir.
Claro que Zane estava atento às minhas necessidades, como de costume.
Sempre a proporção certa de desejo e sutileza sensual, sempre os elogios
certos, gemidos de necessidade.
Mas não ouço nenhuma das palavras que digo a mim mesma que não
preciso ouvir, mas que ainda assim quero.
Esse é o problema do sexo sem compromisso. Quando você está fazendo
isso com alguém, você transa e depois vai embora. Você não consegue saber
como a outra pessoa é de fato sem tomar café pela manhã junto a ela, ou
descobrir que ela literalmente programa um cronômetro para escovar os
dentes por exatamente um minuto à noite antes de ir para a cama. Você não
consegue compartilhar olhares de cumplicidade em uma sala lotada, um olhar
que diz mais de cem palavras em questão de segundos. Você não conhece essa
pessoa fora do quarto – não sabe como ela adora fliperamas e balões ou como
tem medo de altura.
Você não fica sabendo que ela realmente tem um lado romântico, apesar
de constantemente dizer que é durona e que não está interessada no amor.

*
Estou sentada no sofá, olhando as luzes dos faróis dançando no teto. Eu
as assisto e prometo a mim mesma que vou só aproveitar as próximas duas
semanas.
É para isso que estou aqui – para trabalhar, para ganhar experiência, para
fazer conexões, para ganhar visibilidade. Fazer o que Zane e eu estamos
fazendo aqui é apenas um bônus.
Apenas viva o agora, Low. Aproveite tudo que puder.
E então, quando você voltar para casa, quando se afastar, verá que esses
sentimentos são apenas por causa da proximidade.
Só isso.
Zane
Ela é linda.
Esse é o meu primeiro pensamento quando giro a cadeira e olho para
Harlow dormindo na cama. Seu cabelo, seu corpo, seus lábios. Eles me
chamam. Me provocam. São uma tentação.
Estou tão ferrado.
Esse é o meu segundo pensamento. Um que se tornou uma constante
toda vez que olho para Harlow.
Eu preciso trabalhar.
Eu sempre preciso trabalhar.
Mas não me mexo. Eu não volto para as informações e números que
preenchem a planilha no computador, dados que me dizem que este
lançamento, na próxima semana, pouco antes de chegarmos ao circuito de
imprensa de Nova York, vai quebrar os recordes das empresas concorrentes.
Em vez disso, eu a observo, porque, caramba, tudo nela é mais do que
uma distração, não é apenas para o agora. Não é só porque sei que Harlow
está nua debaixo daquelas cobertas e que sua boceta parece o paraíso. Parece
que tudo hoje em dia aponta para Harlow.
Já se passaram quase seis semanas, e ela ainda me surpreende para caralho.
A forma como me desafia, como faz eu me sentir, como me dá vontade de me
afastar do computador por qualquer motivo só para sentar no sofá com ela e
conversar sobre coisas triviais ou, melhor ainda, para não dizer nada.
Porra.
Passo a mão no cabelo, e sei que é melhor que tudo isso acabe logo.
Merda, eu vi aquele olhar. Aquele que diz que Harlow está se perguntando e
se?. Já notei as poucas vezes em que ela se obrigou a se afastar para se
recompor. Eu sei que isso é muito mais do que apenas um trabalho para ela
neste momento… e, porra, que merda, porque isso tudo é exatamente um
trabalho para mim.
Continue dizendo isso a si mesmo e talvez você comece a acreditar.
Duas semanas apenas. O lançamento. Nova York por alguns dias. Então
vamos para casa.
Isso vai acabar logo, e nós dois vamos voltar para nossos cantos, mesmo
que na mesma cidade. Seremos cordiais um com o outro quando houver
material promocional necessário para ser feito para a SoulM8, mas, fora isso,
nosso é-só-sexo acabará.
Nós vamos seguir em frente.
E eu vou ficar bem com isso.
Vou me refestelar em um momento de não-quero-enfrentar-a-verdade.
Digo a mim mesmo que querer passar tempo com alguém tanto quanto
eu quero com Harlow – dentro e fora do quarto – é uma coisa completamente
normal.
Trabalho, Zane.
O pensamento se repete em minha cabeça, mas eu me levanto, me arrasto
para a cama, ao lado dela, e apenas a observo.
Tudo isso, o pensamento constante em Harlow, o desejo sem fim, saber
que quando eu estender a mão ao meu lado, ela estará aqui, tudo é o
resultado direto de estarmos juntos neste ônibus, nesta viagem, fazendo todas
as paradas estúpidas que Robert nos obrigou.
Paradas contra as quais lutei, mas que de alguma forma são minhas
melhores lembranças de toda essa viagem. Harlow no Meio da Natureza, é
como gosto de chamar tais momentos. Sorrio só de pensar, e tudo o que
consigo imaginar é ela de pé, no topo daquela cascata de cordas, com sorriso
largo, a confiança emanando dela como se fosse a porra de uma névoa.
Estendo a mão para tocá-la. Não resisto. Mais ou menos ao mesmo
tempo que eu faço isso, seus olhos castanhos se abrem e olham diretamente
para os meus. Seu rosto se volta para minha mão, que encosta em sua
bochecha.
É uma merda dessas que me pega.
— Bom dia — ela murmura, sua voz insinuando sexo enquanto me
agarra e não me solta.
Pois é, estou fodido.
Harlow
— Harlow?
— Oi, mamãe.
— Ahhh. — É isso. Ela apenas resmunga e nada mais.
— O que isso quer dizer?
— Aconteceu, não foi, mi hija?
— Do que você está falando? — Eu rio, mas as lágrimas ardem em meus
olhos, porque é tão bom ouvir a sua voz. E é ainda melhor conversar com
alguém que me entenda, mesmo que eu não tenha dito uma palavra.
— Você foi lá e se apaixonou por ele.
— Mãe — digo em tom de seriedade. Repreensão. Desespero, para que
ela não acredite no meu tom e pergunte mais.
— Mães sabem dessas coisas. — Abro a boca para falar e depois fecho,
optando por não dizer nada e torcendo para que ela também não diga. —
Então?
— Não sei.
— Isso é um sim, então.
— Não. Foi um não sei. — Eu rio, já frustrada e exasperada, e olha que a
conversa só tem alguns minutos.
— Você repetir essas palavras significa que foi um duplo sim.
Eu franzo o lábio e caminho alguns metros para mais perto da árvore
frondosa. Eu observo o verde ao meu redor, o pequeno e velho casal à
distância abraçado enquanto ambos mancam, e o grande e brilhante ônibus
preto do outro lado do parque, onde Zane está trabalhando.
Se há alguém sobre quem posso falar a respeito dos meus sentimentos, é
minha mãe, então por que estou hesitando?
Porque dizer em voz alta tornará tudo real.
Minha voz é quase inaudível quando finalmente falo.
— Só estou tentando ser cautelosa.
— Por que, mi hija?
— Porque… — Eu rio. — Por razões óbvias.
— Você quer dizer todas aquelas razões pelas quais você não gostou dele a
princípio? Ele é bonito, é bem-sucedido, é desafiante… você quer dizer todas
essas razões?
Eu odeio quando ela faz as coisas parecerem tão simples quando, na
realidade, estou tentando montar um quebra-cabeça de mil peças com os
olhos vendados.
— Quero dizer sobre o motivo chamado “ele não acredita no amor”.
Ela estala a língua.
— Isso não faz sentido. Todo mundo acredita no amor, mesmo quando
diz que não. Todo mundo deseja uma vida de conto de fadas, mesmo que
esconda.
— Você ainda deseja, mãe? Sério? Depois do que papai fez?
— Ah, querida… — Sua voz transborda de emoção. — Claro que sim. O
amor é… o amor é a única coisa na vida que não precisa ser ensinada. Só isso.
Você não pode evitar quando sente. Você pode lutar contra. Deus sabe que fiz
isso no passado, mas lutar contra esse sentimento não adianta nada. Você
ainda vai sentir mesmo quando a luta acabar. — Eu me sento na grama e
brinco com umas margaridas. — Acho que isso significa que você não contou
a ele, não é?
— Não mesmo.
— Por que não?
— Porque não é tão simples.
— É, sim. Você não teve problema para falar sobre isso em nenhum outro
momento, então por que o gato comeu sua língua agora?
— Porque o trabalho está quase acabado. Quero dizer, vamos voltar para
a vida cotidiana, aquela em que não somos forçados a viver um com o outro e
brincar de romance a cada segundo que estamos em público…
— Mas pelo que me disse, parece que você está brincando de romance
mesmo quando não está na frente de outras pessoas.
— Verdade — eu penso e lembro da noite no fliperama na semana
passada. A diversão. O flerte. A conversa na máquina de pinball. Minha
promessa de aproveitar tudo isso… e ainda assim, cá estou eu pensando sobre
isso.
— Vocês estão vivendo juntos. Vocês estão dormindo juntos…
— Mãe!
— Mi hija — ela diz, e eu posso imaginar a expressão em seu rosto. —
Por favor, não insulte minha inteligência nem finja que não é verdade. — Ela
faz uma pausa para me deixar protestar, mas é melhor permanecer de boca
fechada. — Vocês estão em uma espécie de início de namoro express, de certo
modo. É natural que os sentimentos surjam. Não vejo qual é o problema,
porque se eles evoluíram para você, como você sabe que não evoluíram
também para ele?
— Porque eu o conheço — murmuro enquanto minha mente contradiz
minhas palavras e traz à tona cada pequeno gesto que Zane fez longe dos
olhos do público que diz o contrário.
— Conte para ele.
— Eu odeio me abrir só para depois me machucar. Ficar vulnerável.
— Alguém gosta? — ela pergunta. — Olha, você sempre foi durona.
Você sempre se manteve firme e cuidou da própria vida, mas você ficou assim
por minha causa. Porque você viu como eu deixei seu pai me machucar. Nem
sempre é assim, Low. Tudo bem ficar vulnerável às vezes.
— Mãe. — Essa única palavra transmite tantas coisas. Que estou com
medo de que ela esteja certa. Que temo que ela esteja errada. Que estou
muito confusa e com muito medo de estar tornando tudo muito maior do
que de fato é.
— Não estou dizendo para não ser forte. Homens amam mulheres fortes.
O que estou tentando dizer é para você não ter medo de ser fraca.
— Isso é confuso — eu digo, dando uma risada, e tento combater as
lágrimas que de repente brotam.
— Um bom homem saberá lidar com uma mulher em seu momento de
fraqueza, mi hija. Ele vai ouvi-la e tentar entender. Então, quando o
momento passar, ele vai fingir que nunca testemunhou esse momento difícil,
para que ele possa deixá-la manter sua dignidade mesmo quando você sentir
que a perdeu. Esse é o tipo de homem que você está procurando. O tipo de
homem que secretamente sinto que esse Zane Phillips é.
— O príncipe que você está tentando pintar.
— Não, o homem que você, sem saber, continua me dizendo que ele é.
— Talvez — eu murmuro, amando suas palavras de sabedoria, mas
falhando em ver como isso se aplica a mim na hora de contar para Zane que
toda vez que ele me beija, me toca, me dá aquele sorriso tímido do outro lado
da sala em um evento, sinto cada uma dessas coisas bem dentro de mim.
— Admitir que você sente algo por alguém não te torna fraca, mi hija.
Isso te deixa forte.
Harlow
A batida na porta me assusta, mas, sinceramente, estou tão fora de mim, que
não sei se disse para ele entrar ou não.
Acho que sim.
— Harlow? — Preocupação. Ansiedade. — Zoey disse que você não
estava se sentindo bem. — Passos no chão de madeira. — Você não parece
nada bem. — Uma mão fria na minha testa. — Você está pegando fogo.
— Estou bem. Só… só cansada.
— Baby, você não está bem. — Mãos tirando meus saltos.
— Zoey! — Pontas dos dedos afastando meu cabelo do meu rosto. Um
beijo dado na minha testa.
— Sim, Zane? — A voz de Zoey. Vozes abafadas.
— Zane? — eu chamo por ele.
— Eu estou bem aqui. — Seus dedos se entrelaçam nos meus. — Espera
só um minuto, Zoey vai conseguir um quarto para a gente, para que eu possa
cuidar de você.
— Sem sexo — murmuro, e sua risada preenche a sala.
— Isso. Sem sexo. Mas uma cama grande onde você possa dormir e
tomar algum remédio para abaixar essa febre. — Um aperto de nossas mãos.
— Onde está doendo?
— Cabeça. Calafrios. Tonteira. Quente. — Cada palavra é trabalhosa de
dizer.
— Ok. Shh.
Mais passos. Saltos batendo na madeira.
— Por aqui, Zane.
— Ei, Cinder. Vou te pegar agora e te levar para o quarto. Tudo bem?
Seus braços me envolvem. Um calmo “vamos lá” antes de ser levantada.
Não me lembro de muito além do cheiro do seu perfume no pescoço,
onde repouso minha testa. A sensação de que estou bem agora. Seu
murmúrio repetido de “estou com você”.
Ouço o bipe dos elevadores.
Zane murmurando:
— Obrigado, eu assumo daqui.
— Mas e o evento? — pergunta Zoey.
— Ligo para você daqui a pouco.
O clique da porta se fechando, e alguns segundos depois, a suavidade
completa e absoluta da cama embaixo de mim.
— Segure-se. Vou te colocar sentada por um segundo e tirar seu vestido.
Tudo bem?
— Mmm-hmm.
Um zíper, meus braços para cima, a liberdade quando meu sutiã é
desabotoado, então duas mãos me deitando lentamente em lençóis frios.
Passos. A torneira funcionando. Mais passos. O frio de uma toalha sendo
colocada na minha testa.
Então escuridão.

*
Sons abafados da televisão.
É o que ouço primeiro enquanto luto contra o torpor que me mantém
sob seu cobertor confortável.
Indícios de memórias flutuam. Zane. Um médico. Zane. Medicamento.
Zane. Sono.
— Ei, você está viva — o murmúrio leve da voz de Zane contra a minha
cabeça e seu braço me envolvendo são o suficiente para me assustar e me fazer
acordar de vez.
Quando meus olhos se abrem, levo um segundo para absorver tudo: o
luxo sutil do quarto de hotel, o horizonte noturno brilhando nas janelas e a
sensação do corpo de Zane contra o meu.
— Ei — murmuro e começo a me sentar, mas ele me impede.
— Espera um momento. Você vai ficar tonta — ele diz e dá um beijo na
minha cabeça. — Você me deu um susto.
— O quê…? — eu pergunto, sabendo muito bem que eu estava doente;
a dor fraca na cabeça e a sensação estranha no corpo me dizem isso. Mesmo
assim, quero respostas.
— Espera, vou te ajudar a sentar.
Zane me ajuda a ficar apoiada contra os travesseiros encostados na
cabeceira da cama.
— Você está se sentindo melhor?
Eu concordo.
— Sim… apenas desorientada.
— O médico disse que é uma virose. Ele disse que ataca com força e bem
rápido, depois some em quarenta e oito horas… Você já dormiu — ele diz e
olha para o relógio — doze horas dessas quarenta e oito.
— Doze?
— Sim. Você tirou um cochilo e tanto. Eu deveria ter te apelidado de
Bela Adormecida, não de Cinderela.
Eu fecho os olhos e apoio a cabeça no travesseiro por um instante para
fazer minha cabeça parar de girar.
— Obrigada — eu sussurro.
— Não precisa me agradecer.
— Sim, precisa. — Eu viro a cabeça no travesseiro para poder olhar para
ele. — Você me trouxe até aqui, me botou num pijama, chamou um médico
e cuidou de mim.
— Não é nada de mais, você teria feito o mesmo por mim.
Mas você é homem, eu quero dizer. Homens não fazem coisas assim.
— E os eventos? — pergunto, de repente apavorada.
— Eu fiz Zoey vir aqui enquanto você dormia para que eu pudesse
cumprir a agenda, então adiamos os de hoje para amanhã para que você
pudesse descansar.
— Isso deve ter custado dinheiro para você. Eu sinto muito, eu não…
— Shhh. — Outro beijo leve no topo da minha cabeça. — Temos visto
tantas pessoas, apertado tantas mãos, abraçado tanta gente, sempre entrando
e saindo de ar-condicionado de cidade em cidade. Ficar doente era algo
destinado a acontecer com um dos dois. Só sinto muito por ter sido com
você.
Lágrimas enchem meus olhos, e não estou certa se é porque estou doente
ou porque Zane está sendo tão legal, mas não tenho forças para combatê-las e
uma escorre pelo meu rosto.
— Por que você está chorando? — ele pergunta com um pequeno sorriso
no rosto e me puxa contra seu peito nu, enquanto tento controlar meu súbito
furacão de emoções.
— Você não deveria ter ficado. Você vai ficar doente — eu digo contra
seu peito.
— Independentemente do que você tenha, eu já fui bem exposto. — Seu
dedo sobe e desce nas minhas costas. — Posso pegar alguma coisa pra você?
Mandei fazerem uma sopa, já está pronta. Posso preparar um banho para
você, se quiser. Eu até tenho alguns livros de colorir.
— Livros de colorir? — Eu rio e me inclino para trás, para poder vê-lo. A
mesinha de cabeceira para onde ele aponta está coberta com uns quatro ou
cinco livros de colorir e lápis de cor.
Zane dá de ombros.
— Prometi ao médico que faria você descansar nessas quarenta e oito
horas, então estava determinado a mantê-la aqui e, bem… você pode colorir
na cama.
Há algo sobre Zane dizer essa frase simples, sem nenhum duplo sentido,
que chama minha atenção. E significa tudo para mim.
— Banheiro — digo depois de um minuto ouvindo seus batimentos
cardíacos sob minha orelha.
— Eu te…
— Estou me sentindo melhor — respondo, empurrando-o para trás
enquanto levo um minuto para ficar de pé, me segurando no puxador da
gaveta da mesa de cabeceira. Então ando até a porta aberta, e lá dentro
encontro minha escova de dentes, o restante dos meus produtos de higiene
alinhados no balcão e uma nova muda de pijama cuidadosamente dobrada ao
lado.
E desta vez, quando as lágrimas vêm, eu as deixo cair.
Eu demoro um tempo para tomar banho e me arrumar, me sentindo um
pouco mais humana quando abro a porta e vejo Zane sentado de pernas
cruzadas na cama, com um livro de colorir aberto em uma página.
Há algo sobre vê-lo, este poderoso homem de negócios, reduzido a um
cara usando calça de academia e colorindo uma imagem de Scooby Doo, que
derrete meu coração.
— Zane?
— Está se sentindo melhor?
— Muito. Você trouxe todas as minhas coisas para cá.
— Era o mínimo que eu podia fazer.
Eu fico parada na porta, incapaz de me mover, sem conseguir evitar que
meu coração pule do peito e caia no chão.
Ele tira os olhos do seu projeto e, quando me vê parada ali, pergunta.
— O que foi?
— Eu… eu — Estou me apaixonando por você, quero dizer. É
absolutamente ridículo que tenha acontecido em tão pouco tempo, mas acho que
te amo. Mas, em vez disso, digo a ele: — Eu só queria dizer obrigada por
cuidar de mim.
Covardona.
— O que você achou que eu faria? Deixar você aqui para se virar sozinha?
Deus, esse sorriso me pega toda vez.
— Não, mas… Eu sei que você está ocupado pra burro com o trabalho, e
isso…
— O que você quer dizer com isso? Compaixão? Vida doméstica? Brincar
de enfermeiro com você?
— Tudo isso. — Eu sorrio suavemente. — Não está em seu leque de
atividades cotidianas.
— Para você, essas coisas todas estão — ele diz, sustenta meu olhar por
um instante, e então volta para a imagem e recomeça a colorir.
Sem saber o que dizer, olho para Zane por um instante antes de subir na
cama e observá-lo colorindo. E, mais tarde, quando eu cochilo, meu braço
em seu abdômen, minha bochecha apoiada em seu peito e seus lábios dando
um beijo na minha cabeça novamente, eu sei que estou perdida.
Zane
— Robert! Que bom te ver. — E é, pelo menos desta vez: não há mais nada
que ele possa jogar pra cima da gente ou nos obrigar a fazer, já que faltam
alguns dias para o término desta turnê promocional.
Robert atravessa o saguão e estende a mão para me cumprimentar.
— Você parece ótimo — diz ele, me cumprimentando com um sorriso.
— Estou ótimo — digo, balançando a cabeça enquanto nos sentamos à
minha mesa no pub. É um lugar moderno, elegante e representa bem Nova
York: tem estilo, um toque de toda a história da cidade e um monte de gente
falando apaixonadamente sobre qualquer assunto. — Eu sobrevivi a uma
viagem de ônibus por quase todo o país sem enlouquecer. Estou agora em
Nova York. E a SoulM8 está prestes a alcançar números que só poderíamos
imaginar.
— Os números estão incríveis. Estou animado com o lançamento oficial,
para ver até onde vamos chegar. — Robert levanta o dedo para o barman, e,
depois de fazer nosso pedido de bebidas, se volta para mim. — Quer dizer, a
quantidade de atenção que atraímos para este mercado ultrapassou em muito
minhas projeções. Os números que você tem me enviado são simplesmente
incríveis, e o lançamento oficial é só amanhã.
Penso nas assinaturas pendentes prontas para ir ao ar quando
autorizarmos e em todo o feedback positivo que recebemos da nova rodada
de testes beta; o cara dos números em mim fica animado com tudo isso.
Eu levanto meu copo para brindar com o dele.
— Saúde, meu chapa. Muito disso tem a ver com você. Suas ideias. Suas
conexões. Mesmo as coisas as quais eu resistia fazer. Obrigado por tudo.
Realmente foi uma experiência incrível.
— Uma experiência que você não queria ter.
Assinto lentamente e tomo um gole da minha bebida.
— Verdade… mas, no final, você estava certo. Nos promoveu como um
casal. Fazendo as aventuras de reality show. Essas coisas conectaram as pessoas
a nós, o que, por sua vez, fez com que se interessassem pela plataforma.
— Tenho quase certeza que você me xingou algumas vezes.
— Talvez.
Robert ri.
— E como Harlow está se sentindo sobre tudo isso?
— Não posso falar por ela, mas acho que gostou da experiência. — É
uma pergunta estranha, e há algo em seu tom de voz que não consigo
compreender.
— Ela está aqui?
— Não no momento. Sei que ela tem um agente, mas pesquisei e
descobri que é uma empresa pequena. Achei que, como estamos aqui em
Nova York, poderia enviá-la a uma amiga minha da IMG Models, para ver se
ela poderia dar alguns conselhos a Harlow.
— Você diz isso como se não fosse vê-la novamente. Pelo que entendi, a
IMG também tem um escritório em Los Angeles.
Ele saca a porra toda, não é?
— Sim, eles têm, mas essa moça é minha amiga. Ela se ofereceu para dar
alguns conselhos a Harlow, e, nesse setor, conselhos de uma pessoa experiente
que não busca te prejudicar valem ouro.
— Como em qualquer negócio.
— Verdade.
— Harlow é boa no que faz.
— Ela é — digo e balanço a cabeça.
— Mandá-la para a IMG é uma maneira infalível de perdê-la.
— O que você quer dizer com isso? — pergunto, odiando o súbito aperto
no peito que essas palavras trazem. O conhecimento de que toda essa turnê
basicamente acabou. Acordar ao lado dela todas as manhãs e engatinhar na
cama ao seu lado todas as noites, isso vai acabar. Ver a vida pelos olhos de
alguém diferente – que vê tudo como novo e excitante – acabou.
Esse estranho novo normal com o qual me acostumei vai acabar.
— Ela é boa no que faz. Em ser quem ela é. — Robert olha para o fundo
do seu copo por um instante antes de olhar para cima. — Você sabe tão bem
quanto eu que ela vai ser apanhada mais rápido do que você pensa. Como
você vai lidar com o fato de que estará longe dela?
Eu cerro os dentes, porque isso é tudo em que tenho pensado nos últimos
dias… estar longe dela.
Juro por Deus que é como se ele soubesse que tudo isso foi falso, de
modo que está me provocando com cada uma de suas perguntas.
Demoro meu tempo pensando e olho para o bar antes de responder:
— Demorou tanto para encontrá-la… Se for para ser, meu chapa, então
encontraremos nosso caminho independente do que for.
— É verdade, mas me permita te dar um pequeno conselho. — Robert se
inclina um pouco mais. — Se você não quer deixá-la ir embora e está
pensando em ficar com ela, sugiro que tenha um contrato elaborado para ela
assinar o quanto antes.
— Pensando em ficar com ela? — eu pergunto, dando uma risada.
— Para a SoulM8, é claro. — Ele ri.
— Todos adoram a Harlow, por que eu não ficaria com ela?
— Porque o contrato dela era para a turnê e pronto. Lembra de como
você insistia em contratá-la apenas para a turnê e nada mais, caso não desse
certo?
Eu assinto pensativamente.
— Essa coisa toda, trabalhar juntos sendo namorados, tem sido tão
difícil, que você está pensando em não a contratar novamente? — ele
pergunta quando eu esfrego meu queixo e olho para minha bebida em vez de
responder.
Como posso explicar que esses últimos dois meses foram muito mais do
que apenas isso, namoro e trabalho? Tenho sido forçado a ver as coisas por
um olhar totalmente diferente. Um olhar incansável e disposto a encontrar o
lado bom de todos, até mesmo de escrotos como eu.
— Não, eu… foi definitivamente um aprendizado.
Seu sorriso é lento e equilibrado.
— Não é disso que se trata a vida?
Nós nos separamos um pouco mais tarde, ele para se meter em outros
negócios, e eu para trabalhar. Mas não importa o quanto eu tente, não
consigo me concentrar.
Minha mente continua voltando para onde sempre esteve na última
semana: Harlow.
Pego meu celular e disco.
— Oi!
Jesus, apenas a voz dela já me afeta.
Toda.
Vez.
— Como está indo? — pergunto.
— Tem sido… não consigo nem descrever como foi o dia de hoje.
— Tão bom assim?
— Sim. Eu só… é só… obrigada. O dia de hoje aconteceu graças a você.
Todas as dicas, todas as informações, todos os contatos, tudo por sua causa.
— Estou ansioso para ouvir sobre tudo.
E ver você, e te beijar, acrescento mentalmente.
— Assim você nunca vai conseguir me fazer parar de falar — Ela ri, e os
sons da cidade, uma buzina tocando, alguém xingando em voz alta, uma
sirene passando, surgem ao fundo.
— Eu posso pensar em algumas maneiras — murmuro e me inclino para
trás no meu banquinho no bar. Uma mulher do outro lado chama minha
atenção e sorri. Assinto e me viro um pouco, sem interesse.
— É isso mesmo?
— Jantar comigo hoje à noite?
— Eu adoraria.

*
Minha cobertura está silenciosa quando entro. Eu coloco minhas chaves
no aparador do corredor, e quando estou prestes a gritar, brincando,
“Querida, cheguei”, eu a vejo.
As palavras morrem em meus lábios.
Harlow está de pé em frente às janelas panorâmicas, com um
deslumbrante horizonte noturno da cidade ao fundo, mas tudo que vejo é ela.
A curva de seu pescoço. A inclinação dos ombros. Os quadris.
Meu corpo todo anseia por tocá-la, mas ainda assim sinto que não posso
me mover. Como se eu não pudesse respirar. A visão dela aqui na minha casa,
no meu lar, me faz sentir coisas que sempre jurei não serem reais.
Coisas que não tenho certeza se confio suficientemente em mim para
acreditar que são reais.
Harlow
Manhattan se estende por quilômetros diante de mim. Os contornos da
Freedom Tower ficam à direita, o Empire State Building, à esquerda, e abaixo
há a agitação de uma cidade que nunca parece desacelerar.
Como uma criança, pressiono o rosto contra a janela e observo tudo. O
constante movimento dos táxis pelas ruas. As luzes suaves das barraquinhas de
comida nas esquinas. O barulho das buzinas me lembrando de que isso é real.
Que estou aqui e que o dia de hoje realmente aconteceu.
Eu ouço quando Zane entra, o movimento das suas chaves, seu suspiro
aliviado depois de um longo dia, o som de seus sapatos se movendo no chão
de madeira e parando, mas não me viro. Ainda estou em negação quanto ao
que vai acontecer em três dias.
O peso de seu olhar apenas aumenta minha expectativa de vê-lo
novamente, mas há algo sobre o momento, sobre a onda de emoções que me
atravessa, que me faz esperar que ele dê o primeiro passo. Que me faz querer
que ele defina o tom desta noite.
Negócios ou prazer.
Estamos na sua casa. Como ele vai agir?
Minha respiração fica presa quando seus lábios encostam, de forma muito
leve, na curva do meu ombro e permanecem parados. O simples toque é tão
íntimo e excitante, que fecho os olhos e apenas memorizo a sensação.
Prazer.
— Como foi seu dia?
— Mmm. — Suas mãos deslizam pela minha cintura.
— Mmm? — O som vibra contra a minha pele e envia ondas de choque
através de mim.
— Foi bom. Maravilhoso. Longo. Eu posso passar o dia todo falando.
— Vejo que você recebeu minha mensagem.
— E seu presente. — Passo a mão pelo meu abdômen para alisar o
vestido, e minha mão encontra a dele e fica lá. — Obrigada. Não havia
necessidade.
— Muitas coisas não têm necessidade… isso não significa que você não as
mereça.
— Seu cantinho é lindo — eu digo, olhando para Zane através do reflexo
à minha frente. Tons de azul-escuro, de verde suave. Masculino, mas
aconchegante.
— Não fico tanto aqui quanto costumava ficar, mas é bom quando estou
na cidade.
— Obrigada por me deixar ficar aqui. — Eu me sinto boba por dizer isso,
mas é verdade. Eu estava esperando o ônibus ou um hotel… não a casa dele.
Não com ele.
— Depois de tudo que passamos? — Ele ri e move os lábios para a lateral
do meu pescoço. — Achei que pelo menos precisávamos terminar com estilo.
Suas palavras fazem meu estômago revirar. Tenho certeza de que Zane
não quis dizer o que eu entendi – uma última noite antes de nos separarmos
–, mas é nesse significado que minha mente se agarrou, e, cacete, é difícil me
lembrar de separar meus sentimentos de tudo o que está acontecendo.
Aproveite o momento, eu me lembro. Respire. Viva o agora.

*
— Eu disse para você escolher qualquer restaurante da cidade, dinheiro
não é problema. — Ele ri e aponta para mim com sua baguete. — E você
pede comida para viagem para comermos no terraço.
Eu olho para cima, desviando minha atenção do meu pedaço de pizza
comido pela metade, e sorrio levemente, pensando em como gostaria de
poder tirar uma foto de Zane assim. Sentado de pernas cruzadas no chão, as
mangas da camisa arregaçadas até os cotovelos, os pés descalços, o cabelo
desarrumado, os olhos brilhantes e aquele sorriso tímido que eu amo
apontado diretamente para mim.
— Às vezes, menos é mais. Sem frescuras. Sem pretensões. — Eu dou de
ombros e me sinto ridícula enquanto aponto para o cenário ao nosso redor, o
terraço da cobertura que eu presumo ser altamente cobiçado nesta selva de
concreto. Há uma treliça que nos dá privacidade, um amplo pátio no qual
estamos descansando, um tapete macio embaixo de nós e a cidade completa
ao nosso redor com seu brilho e o luar.
— Essa é uma das coisas que eu gosto em você.
— Estou surpresa que você goste de qualquer coisa em mim depois de
ficar preso em um ônibus comigo por dois meses.
— Com você e seu canudo ruidoso — Zane brinca.
Eu mostro minha língua para ele e dou outra mordida, percebendo que
não importa quantas vezes eu desvie o olhar dele, quando volto o rosto em
sua direção, seus olhos estão sempre em mim. Sempre olhando mais de perto
do que eu desejo. A questão é: o que exatamente ele espera encontrar?
— Como foi seu dia?
— Bom. Ocupado. Algumas reuniões pela manhã com alguns dos meus
outros negócios. Um drinque rápido com Robert, para repassar alguns
detalhes de última hora. Algum tempo gasto atualizando o dia a dia. — Ele
estende a mão e enche minha taça de vinho sem que eu tenha pedido. — E
você? Quero saber tudo sobre seu encontro com Essie.
— Por onde eu começo, além de dizer que foi incrível? Ela é
absolutamente maravilhosa, e charmosa, e nada como eu imaginei que seria.
Ele sorri.
— Ela só foi assim porque viu um tremendo potencial em você. Se ela
não visse, você a acharia grosseira, antipática e indiferente, sem muito a dizer,
então esse é um bom sinal de que Essie gostou de você.
— Ela foi uma fonte inesgotável de conhecimento. Acho que minha
cabeça ainda está girando. Tendências, e mercados, e exposição, e, uau! Ainda
estou tentando processar tudo.
Mas mesmo a menção ao dia de hoje, à oportunidade única que Zane
criou para mim com uma das maiores agências de modelos do mundo, faz
com que eu sinta como se estivesse flutuando.
— Como as coisas ficaram combinadas com ela?
— Ela quer que eu encaminhe meu contrato com meu agente atual para
ela quando chegar em casa, para que ela possa ver os termos. Ela acha que é
possível me liberar para que eu possa assinar com ela.
Eu ainda estou em choque. A caceta da IMG Models quer me agenciar.
— Eu não esperava menos — ele diz com orgulho na voz. — Faça-me
um favor e deixe um advogado ver tudo antes de enviar para ela. Posso até
fazer com que o meu dê uma olhada para você, para que você tenha uma
opinião neutra. Se Essie quer tanto você, seu julgamento será um pouco
tendencioso, e eu só quero ter certeza de que você estará protegida.
Quero protestar e dizer que posso contratar meu próprio advogado, mas
não saberia como fazer.
— Obrigada. Eu não espero que você faça isso de graça… É só que eu
nem sei por onde começar.
— Não há problema algum. Qualquer coisa que eu puder fazer para
ajudá-la, Harlow, eu farei… Por favor, sinta-se à vontade para pedir.
— Mais uma vez obrigada. — É tudo o que digo, meu nervosismo
aumentando com o simples elogio e pelo olhar cauteloso em seus olhos.
Diga a ele, Low.
Eu fico em silêncio e movo os pés.
Não seja uma covardona. Diga a ele como se sente. Que você está com medo
de sair dessa bolha que vocês dois criaram. Que você sente algo por ele e não tem
certeza do que fazer com esses sentimentos nem tem certeza se ele sente o mesmo.
As pontas dos dedos se arrastam sobre almofadas, mãos tocam na aspereza
da parede de tijolos do pátio.
— Harlow? — ele me chama, sentindo que há algo em minha mente.
Eu fecho os olhos por um segundo, tentando me preparar para dizer a ele,
mas percebo que estou com medo de arruinar a noite, o clima, a vibração
entre a gente. Se esta é uma de nossas últimas noites juntos em nosso casulo,
eu realmente quero fazer isso? Se ele se importa comigo, não vai me contar
em algum momento?
Mas e se Zane se sentir como eu? E se ele também tiver medo de dizer
alguma coisa?
— Har?
O amor é uma emoção estúpida. A frase passa pela minha mente. Assim
como as centenas de outras coisas que ele fez que contradizem essa frase.
— É lindo isso tudo. — Minha voz falha quando falo, meu coração se
enche de emoção. Eu olho para ele por cima do ombro, parada no parapeito,
e amo a forma como Zane olha para mim agora, como se eu fosse apreciada,
desejada, desejada. — Isso meio que me lembra daquele primeiro evento.
— Ahh… a noite em que essa história toda começou. — Ele ri baixinho.
— Por que você me convidou para a festa? — Eu faço a pergunta que
sempre tive em mente.
— Não sei. — Ele encolhe os ombros, um sorriso tímido se abrindo em
seus lábios. — Talvez porque depois que você me contou sobre perder a
entrevista de emprego, eu me senti um cuzão.
— Cuidado aí, Zane. Você está mostrando que tem um coração — eu
provoco, e ele ri.
— Mas é aquilo, talvez tenha sido por motivos puramente egoístas,
porque eu só queria ver você de novo. — Ele esfrega o queixo. — Eu sabia
que você iria aparecer.
— Ah, fala sério.
— Você apareceu, mas mudou tudo o que eu planejei. Deus, eu estava
tão puto com você. É preciso muito para me deixar sem eira nem beira como
você fez, e Jesus, mulher, você me fez hesitar por alguns segundos para
descobrir como responder.
— Eu presumi que você me desmentiria e seria isso… mas, Deus, você
foi tão idiota com seu comentário de eu ser um pesadelo, que achei que você
merecia.
— Eu disse isso, não disse?
Eu concordo.
— Você disse, e como.
— Me desculpa, mas nunca conheci uma mulher como você antes. —
Ele sorri e balança a cabeça enquanto pensa no passado. — Não acho que
algum dia irei, Cinder.
— Você sabe que a única razão pela qual eu fui naquela noite foi para
poder agradecer pelos sapatos.
Seus olhos voltam para os meus.
— Graças a Deus eu te mandei eles, então.
Bum. Lá se vai meu coração, com seu comentário enigmático que parece
dizer mais.
— Graças a Deus — eu sussurro e de repente me sinto muito vulnerável,
sendo que nada realmente mudou. Eu me viro para a cidade e me pergunto
quantas outras mulheres estão se sentindo como eu agora. Muito assustada
para confessar seus sentimentos e muito esperançosa de que ele confesse os
dele do nada.
A maioria dos homens sumiria nessa situação, e, no entanto, aqui estou
eu, dentro de sua casa, em sua vida. O que exatamente isso diz?
Não pense agora, Low. Apenas aja. Aproveite. Viva o agora.
Ansiosa, passo a mão pela lateral do vestido, sinto o tecido caro e percebo
que ele comprou a peça para uma noite chique, mas não protestou quando
escolhi o contrário.
— Sinto muito, Zane — digo, virando-me para encará-lo e vendo que ele
se mexeu, sentando na beirada da cadeira, mas seus olhos permanecem fixos
em mim. — Eu não pensei… Foi um desperdício usar esse vestido para fazer
só isso.
— Bem, isso depende da sua definição de desperdício. — Seu sorriso se
torna diabólico, e ele se levanta.
— Como assim?
— Talvez, quando eu escolhi esse vestido, estava imaginando o momento
em que eu o tiraria de você. Se for esse o caso, você me economizou tempo
no restaurante — ele dá um passo em minha direção —, no táxi — outro
passo —, no elevador… São segundos preciosos que eu não gostaria de
perder.
— E o que exatamente você planejava fazer comigo assim que removesse
o vestido em questão? — pergunto quando ele para bem na minha frente.
Seus olhos dizem tudo, mas o silêncio se instala nas frestas da tensão
sexual prestes a explodir entre nós.
O tempo está se esvaindo.
Cada segundo.
Cada minuto.
É um a menos para passar com ele.
Dou um passo à frente e encosto os lábios nos dele. Zane reage
imediatamente, me convida a curtir tudo nele.
O gemido gutural no fundo de sua garganta. A suavidade de seus lábios.
As faíscas de calor em sua língua. O sabor de tudo que se tornou familiar e
excitante para mim.
Eu me perco, instantaneamente.
Talvez eu tenha estado perdida há algum tempo, mas só agora percebo
isso.
Nossas mãos se mexem. Caminham sobre a pele exposta. Sobre o tecido
que não sai rápido o suficiente. Cada centímetro que sentimos nos deixa
ansiosos por mais.
Ele me guia para a treliça. Em seguida, seus dedos tocam na bainha do
vestido e deslizam de volta pela lateral do meu corpo, na parte inferior dos
meus braços, direcionando-os para que se ergam. Ele se inclina para outro
beijo antes de tirar meu vestido por cima.
Zane dá um passo para trás e me observa, exibida para ele, com as mãos
sobre a cabeça e vestindo nada além de meias, ligas e saltos altos.
Ele emite um assobio baixo, seus olhos escurecem de desejo percorrendo
cada ponto de renda e cada trecho de pele nua.
— Definitivamente valeu a pena o tempo extra que você nos poupou.
— Zane…
— Shh — ele sussurra e dá um passo à frente, dando a volta e parando às
minhas costas. Sinto sua respiração em meu ombro, o barulho de seu cinto
seguido pelo puxão de um zíper se junta ao som da minha respiração
irregular. — Você é incrivelmente sexy — ele sussurra em meu ouvido. —
Mas você já sabe disso. — Passa a ponta do dedo pela minha coluna. — Você
me excita de maneiras que continuam a me surpreender. — Minha respiração
falha quando seus lábios encostam na depressão logo acima da minha bunda.
— Tipo aqui. É incrivelmente sexy. — Ele lambe de minhas costas até a
minha nuca. — Ou bem aqui. — Zane passa os dentes sobre a minha pele, e
eu me arrepio inteira. — Em você, tudo é sexy pra caralho. — Suas mãos
deslizam sobre minha pele. — Eu só quero tocar em seu corpo inteiro.
Sedução pelo toque. Primeiro na minha bunda, onde ele apalpa e depois
aperta. Em seguida, sobe pelo meu torso para segurar meus seios, dando uma
série de beijos em meu ombro antes de beliscar suavemente meus mamilos
com os dedos. Um suspiro chocado sai dos meus lábios, meu corpo se
contorce, sensível.
Suas mãos, em seguida, continuam na frente do meu abdômen, descendo
direto para entre as minhas coxas. Eu me inclino quando seu dedo puxa
minha calcinha para o lado e mergulha por baixo dela.
— Você está molhada para mim, Harlow? Eu te excito? Você me quer
tanto quanto eu quero você agora?
— O que você está sentindo? — murmuro enquanto uma mão me
separa, e, com a outra, seus dedos deslizam para dentro. O som que ele emite
quando sente que estou molhada é o suficiente para me fazer gozar.
Zane brinca comigo. Me provoca. Me acende. Faz com que eu me
contorça em sua mão implorando por mais, mas ele não me dá o que quero.
Apenas pequenos gestos, um de cada vez. Um beijo de boca aberta logo
abaixo da minha orelha. Uma fricção de um dedo sobre o meu clitóris. Uma
mordida no meu ombro. Seus dedos mergulhando dentro de mim. Sua barba
por fazer arranhando minhas costas.
— Zane — sai em um pedido gemido que o faz rir enquanto seus dedos
mergulham em mim novamente. Minhas unhas se fincam em seu antebraço
para ao mesmo tempo pedir que ele pare e implorar por mais.
Eu agarro seu pulso e puxo seu braço, para que eu possa deslizar seus
dedos em minha boca. Eu os chupo, excitada pelo meu gosto, ouvindo seu
gemido, um “meu Deus, mulher”, e sentindo seu pau, grosso e duro contra o
meu traseiro.
— Eu quero você — digo, enquanto suas ações dizem o mesmo.
Eu me viro para beijá-lo. Para dizer a Zane da única maneira que sei dizer
que me apaixonei por ele. Com rostos colados, línguas dançantes e puxões no
cabelo e dedos se fechando em torno de seu pênis.
— Deita — murmuro enquanto o empurro para baixo, na chaise longue,
e subo sobre ele. Com as pernas montadas nas dele, eu o alinho na minha
entrada, e pouco antes de sentar, suas mãos surgem rapidamente e agarram
meus quadris.
— Ei — ele diz, levando meus olhos a encontrar os dele, mas Zane não
diz nada. Ele apenas olha para mim com uma intensidade que não consigo
decifrar, mas que desejo. Há a mesma quantidade de desejo, luxúria, medo e
outra coisa que não consigo identificar em seus olhos, e tudo isso faz meu
coração bater forte no peito.
— O que foi?
O fantasma de um sorriso brinca em seus lábios, e Zane sutilmente
balança a cabeça.
— Eu só queria olhar para você assim — ele murmura.
A emoção batalha contra o desejo em mim. Quero saber por que, de
todas as vezes que fizemos sexo, esta é a primeira vez em que ele diz algo que
se choca com o desejo queimando por todo o meu corpo.
Viva o agora, Low.
E assim, com meus olhos fixos nos dele, eu sento centímetro por
centímetro de forma gloriosamente torturante. Eu faço de nossos corpos um
só, até que o prazer inicial de nos sentirmos se torna intenso a ponto de
ambos fecharmos os olhos. Apenas para aproveitar a sensação.
— Porra, que delícia — ele geme enquanto seus dedos apertam meus
quadris e eu começo a me mexer sobre ele. Aos poucos. Então um pouco
mais rápido. E então com um pouco mais de comando.
Esfrego meus quadris nos dele para que ele vá até o fim. Deus, sim. Eu me
levanto, apenas provocando a cabeça e acertando todos os pontos que preciso
acertar. Que delícia. Uma sentada de volta sem aviso. De novo. Suas mãos
apalpando meus seios. Mais rápido. Seus lábios se fechando sobre os meus
enquanto eu o monto. Mais intenso.
Há um desespero silencioso entre nós. Em nossos toques. Na pausa
silenciosa quando nossos olhares se encontram, e ele me tranquiliza com um
sorriso suave. Na paixão dos nossos beijos, na súplica de nossas vozes.
Estou tão ocupada tentando agradá-lo, que sou pega de surpresa quando
um orgasmo explode em mim. Meus quadris estremecem, meu corpo fica
tenso, eu finco as unhas em seu bíceps enquanto a euforia toma conta de
mim onda após onda.
Esse raio desse homem é um santo, está tentando resistir, manter tudo
como está para que eu possa aproveitar o meu clímax, mas posso sentir no
minuto em que ele perde o controle. Seus dedos apertam meus quadris, e ele
me mantém imóvel enquanto mexe os quadris o mais rápido e forte que
consegue. Em segundos, ele geme meu nome e aperta cada músculo de seu
corpo, atingindo a felicidade desejada junto a mim.
Zane é magnífico de se observar – sua expressão, como seus músculos se
flexionam, como todo o seu corpo se torna escravo daqueles poucos segundos
de prazer. E sei que eu fiz isso com ele.
Ele me puxa para baixo, para deitar em seu peito, os corpos ainda unidos.
Seus braços deslizam ao meu redor e apenas me seguram, pele com pele, seus
lábios beijando minha cabeça enquanto nossos corações e respirações
desaceleram.
— Podemos ficar aqui para sempre? — murmura, o calor de sua
respiração atingindo meu couro cabeludo enquanto seu polegar faz carinho
em minhas costas.
Conforto. Adoração. Desespero. Medo. Amor.
Eu sinto cada um destes sentimentos que emanam dele, mas o que eu
mais quero ouvir de Zane, temo que ele jamais expresse em voz alta para
mim.
Harlow
Uma maquiadora está passando pó no meu nariz enquanto as luzes fortes me
iluminam. Certo nervosismo atravessa meu corpo, por algum motivo isso não
deveria estar acontecendo.
Zane está ao meu lado.
Assim como ele esteve ontem à noite. Hoje de manhã. No café, sentados
à mesa em um silêncio confortável, enquanto navegávamos por nossas redes
sociais e verificávamos os e-mails.
E agora, enquanto nos preparamos para a primeira de nossas três
aparições na televisão hoje.
Mas este é o grande evento.
Claro que já modelei para a Victoria’s Secret, fiz propagandas de lingerie
em catálogos, desfilei em passarelas, mas este será de longe o maior público
que já tive em um só lugar, de uma só vez.
Zane coloca a mão sobre o meu joelho e aperta.
— Você vai se sair bem — ele murmura.
Eu passo meus dedos sobre sua mão e a entrelaço à minha, balançando a
cabeça positivamente.
— E estamos ao vivo em cinco. Quatro. Três. Dois. Um — diz um
homem do outro lado do set.
— Bom dia, EUA. Eu sou Fran Harrison, e estamos prestes a conversar
com o casal da vida real por trás da plataforma namoro que parece estar na
boca de todo mundo agora. Estamos falando da SoulM8. A mais nova
plataforma de namoros prestes a ser lançada hoje, à meia-noite, e que parece
estar atraindo muita atenção. Estamos aqui com o fundador da empresa,
Zane Phillips, e a mulher que ele conheceu e por quem se apaixonou através
de sua própria plataforma, Harlow Nicks, o casal de que todos falam. Bem-
vindos.
— Obrigada por nos receber — eu digo com um sorriso.
— Bom dia, Fran — diz Zane.
— Então, nos conte: se o site será lançado hoje à noite, como exatamente
você conheceu Harlow nele?
— Dedicamos um tempo significativo para testar o site e ajustar nossa
tecnologia de IA única para criar a combinação perfeita. Tivemos vários
grupos de testes experimentando, inclusive eu… E Harlow estava em um
desses grupos beta.
— Pois é — eu digo com um sorriso e um aceno de cabeça.
— E por que você se inscreveu? Acho que ninguém vai discordar que
você é uma mulher bonita e mais do que capaz de arrumar um namorado.
— Eu tive minha parcela de namoros, sim — eu digo, sentindo minhas
bochechas esquentando. As mentiras que temos contado nos últimos dois
meses simplesmente fluem. — Mas eles não eram pessoas que procuraram
uma conexão mais profunda. Eram homens que viam o exterior, mas não se
interessavam tanto pelo interior. Eu estava em uma fase de muitos primeiros
encontros, muitos homens que só queriam uma coisa, e então me deparei
com um anúncio para ser beta para o site, aproveitei essa chance e encontrei
Zane. — Eu olho e sorrio para ele, a emoção em meu rosto completamente
sincera.
— E como foi a primeira vez que vocês se encontraram?
— Foi eletrizante — diz Zane sem perder o ritmo. — Eu sabia que ela era
impetuosa, e apaixonada, e não tinha medo de falar o que pensa. Eu adorei
isso nela. Mesmo procurando por alguém, Harlow ainda era ela mesma.
Muitas pessoas tentam ser quem elas acham que a pessoa com quem estão
falando deseja que elas sejam… Mas Harlow, ela não teve nenhum problema
em me dizer quando eu estava errado ou contestar minha opinião sobre o que
fosse. Foi revigorante. — Zane levanta nossas mãos unidas e beija a minha,
como se fosse algo que ele faz todos os dias. — Na primeira vez que nos
encontramos, deu tudo errado, e na segunda vez, tivemos um grande mal-
entendido, mas mesmo assim eu queria vê-la de novo. Foi assim que eu
soube.
Mesmo assim eu queria vê-la de novo.
— Foi amor à primeira vista para você também, Harlow?
— Definitivamente houve algumas coisas que nos fizeram questionar se
deveríamos continuar com isso, mas, sim, eu fui atraída por ele de uma forma
que nunca tinha acontecido com ninguém antes.
— Veremos um pouco mais disso depois dos comerciais, mas antes de
terminarmos, Zane, o que há na SoulM8 que a torna tão diferente de todas as
outras plataformas por aí?
— Como mencionei, somos o primeiro site a usar a tecnologia IA.
— IA, tipo inteligência artificial?
— Sim. Investimos muito tempo pesquisando a melhor forma de usar IA
para ajudar nossos usuários. Nosso cadastro inicial de perfil é um pouco mais
longo do que em outros sites, mas é porque queremos ter certeza de que
temos o máximo possível de informações sobre sua personalidade, suas
características, seus gostos e aquilo que vocês não desejam. Em seguida,
cruzamos todas essas informações por meio do algoritmo e fazemos testes de
personalidade que outras plataformas de matchmaking usam, mas é aí que a
SoulM8 vai além. Pegamos todos esses resultados e permitimos que a IA faça
o restante do trabalho. O programa examina todas as nuances e encontra o
que esperamos ser o match perfeito.
— E quantas combinações certeiras você teve até agora com seus grupos
beta? — Fran pergunta.
— As estatísticas sempre podem ser manipuladas, então não vou mentir e
dizer que tivemos cem por cento de sucesso. É claro que houve pessoas que se
conheceram e que sua persona online não correspondia a quem eram
pessoalmente, ou pelo menos foi o feedback que nos trouxe de informação,
mas, neste momento, estamos com o maior índice de satisfação em relação a
qualquer outro site de namoro.
— E você ainda nem lançou oficialmente! Incrível. — Fran se vira para a
câmera. — Fiquem conosco porque, após o intervalo comercial, vamos ter
uma prévia exclusiva com esses dois e saber por que todo mundo está falando
sobre eles. Vamos colocar esse frisson à prova.
A equipe de produção nos diz quando estamos fora do ar, a equipe de
maquiagem corre para passar pó nos nossos narizes, e eu fico sentada
enquanto Zane e a apresentadora conversam sobre algum conhecido em
comum.
O tempo vai passando repasso na cabeça tudo o que Zane acabou de
dizer.
— Ao vivo em cinco. Quatro. Três. Dois. Um.
— Estamos de volta para continuar nossa conversa com Zane Phillips e
Harlow Nicks. Harlow e Zane, vocês estão promovendo o site juntos. O que
significa que vocês ficaram juntos por dois meses em um ônibus de turnê.
— Sim — dizemos em uníssono.
— Vamos mostrar ao público como tem sido essa experiência — Fran diz
e aponta para o monitor, onde imagens de Zane e eu ganham vida. Pequenos
trechos das excursões para onde Robert nos mandou preenchem a tela. Nós
dois discutindo ao longo do Curso da Confiança. Em seguida, a gente
fazendo um high five. Então se beijando. Jogando farinha um no outro
enquanto cozinhávamos, Zane me carregando ao seu lado para que
pudéssemos terminar a corrida de três pernas. Nós dois rindo tanto, que não
conseguimos falar. Um momento tranquilo, com minha cabeça apoiada em
seu ombro, olhos fechados, e Zane olhando para mim.
— Parece que foi uma aventura e tanto.
— Acho que dá para dizer que sim. — Eu sorrio.
— Nós definitivamente aprendemos muito um sobre o outro — Zane
diz, colocando sua mão possessivamente na minha coxa.
— É bom saber, porque costumamos fazer uma coisinha aqui no Good
Morning USA. É um joguinho com recém-casados. — Ela estende as mãos à
sua frente. — E antes que vocês fiquem nervosos e pensem que estamos
pulando etapas, nós o ajustamos para vocês. É tudo diversão.
Zane e eu rimos nervosamente, sem saber o que está acontecendo.
— Nós os fizemos preencher um questionário no camarim esta manhã.
Era uma lista com trinta perguntas. Normalmente, quando fazemos isso com
um casal, acabamos obtendo resultados realmente engraçados. As perguntas
que eles erram, mas que deveriam acertar. Respostas que são tão fora da
realidade, que fazem você se perguntar como eles não sabem disso sobre o
outro… mas olhem as de Zane e Harlow. Podemos colocá-las na tela? — ela
pergunta enquanto penso nas trinta perguntas que respondemos antes, sem
saber para que serviam.
O monitor à nossa frente mostra nossos testes lado a lado. O meu está à
direita, com minha letra cursiva e fluida, e o de Zane está à esquerda, com sua
escrita em um bloco. A caligrafia pode ser diferente, mas conforme examino
todas as perguntas, nossas respostas são exatamente as mesmas.
Todas elas. De como gostamos do nosso café a quem toma os banhos
mais longos, passando até sobre as manias um do outro, e por aí em diante…
— Não tenho certeza se o público em casa está conseguindo ver — diz
Fran —, mas não há uma única resposta que eles tenham errado.
— Uau — Zane diz enquanto se ajeita no assento para olhar para a tela.
Não consigo tirar os olhos dele.
— Fazemos essa brincadeira há mais de dez anos, e isso nunca aconteceu,
nosso casal acertando cem por cento das respostas — Fran diz e levanta as
mãos. — Acho que a SoulM8 é real.
— Nós estamos nos esforçando para isso — Zane diz com um sorriso
suave.
— E ela será lançada hoje à noite, correto?
— Sim — eu digo.
— Temos as informações do site na parte inferior da tela para vocês, se
quiserem dar uma olhada, e ahn, Zane… — ela diz com um pequeno
levantar de sobrancelhas e um encolher de ombros cúmplice. — Você já fez o
teste de recém-casados e passou com louvor… então, hm…
A mão de Zane fica tensa na minha perna assim que um dos membros da
equipe de produção grita:
— Corta. — Eu olho para o lado e vejo o olhar de pânico no rosto de
Zane antes que ele se recupere, o sorriso tenso permanece.
E eu entendo.
Um relacionamento monogâmico não é algo que Zane consideraria,
imagina casamento e filhos.
Somos levados para o próximo local, para o próximo camarim, o próximo
programa, e o tempo todo fico pensando em seus comentários no Good
Morning USA. Nos toques que Zane fez para aumentar o apelo na frente de
Fran.
Eu me lembro repetidamente que tudo isso é uma encenação. Tudo isso. A
noite passada no terraço foi maravilhosa. Romântica. Simples. Eu esperava
que fosse uma indicação de algo a mais entre nós, mas depois de hoje,
entendi.
É tudo encenação, Low. Ele nunca disse essas coisas pessoalmente, mas
ainda as está dizendo na televisão.
Aí está sua resposta.
Se Zane sentisse alguma coisa do que disse, seria muito mais fácil apenas
me dizer em particular, em vez de revelar quando cinco milhões de pessoas
estão assistindo.
Harlow
Eu aprecio o abraço gentil e o sorriso sincero de Robert.
— Só mais dois eventos hoje à noite, garota, e então você estará livre de
mim.
— Não diga isso — eu respondo e dou um passo para trás. — Vou sentir
sua falta. E disso tudo. De certa forma. — Eu rio, e ele também.
— Eu não poderia estar mais satisfeito com o trabalho que você fez. Eu
sei que foi longo, mas…
— Não há outro lugar que eu preferisse estar do que naquele em que
posso dar a todas essas pessoas a esperança de que encontrarão o seu felizes
para sempre com alguém.
— Sylvie teria amado você, Harlow. Ela teria gostado tanto de ver você
encontrar sua própria felicidade. Quero dizer, no Good Morning USA hoje,
você parecia tão apaixonada. Era… foi a melhor propaganda que poderíamos
ter feito para a SoulM8.
— Uau. Eu não sei nem o que dizer. — Tropeço com as palavras, com a
ameaça de lágrimas ardendo em meus olhos.
— Está tudo bem? — ele pergunta. Claro que Robert notaria.
— Estou bem. Só um pouco emocionada com tudo isso terminando. Foi
uma experiência de aprendizado em todos os aspectos e… — Eu dou de
ombros, incapaz de terminar meu pensamento.
— Obrigado por topar abrir seu relacionamento para o mundo. Sei que
não foi fácil, mas fez toda a diferença.
As palavras de Robert ecoam na minha cabeça pelo resto da tarde.
Enquanto estou na cadeira de maquiagem, me preparando para o nosso
penúltimo evento da noite. Enquanto estou falando no set sobre a SoulM8 e
louvando suas qualidades. E depois da minha apresentação, enquanto
conversamos com as pessoas.
Seu comentário me corrói, pouco a pouco, pouco a pouco.
Assim que sinto que já circulei por tempo suficiente e que posso sair para
uma pausa tranquila, antes do início da festa de lançamento oficial, sou
parada quando estou quase escapando do salão de baile.
— Sinto muito por incomodá-la, mas eu tinha que dizer como é incrível
assistir a vocês dois.
— Obrigada. Molly, certo? — pergunto, lembrando dela e de suas
perguntas durante a sessão de perguntas e respostas.
— Sim! — ela diz, surpresa. — Não acredito que você se lembrou.
— Claro que sim.
— Eu acabei de… Tenho acompanhado você, Zane e suas aventuras no
site enquanto espero pelo lançamento hoje à noite, e devo dizer que isso me
deu muita esperança. Vocês dois se divertem, brigam quando estão
estressados, fazem as pazes, incentivam um ao outro a correr riscos… Quer
dizer, o quanto vocês dois se importam um com o outro transparece. Seu
relacionamento é o que eu desejo ter, e mal posso esperar para encontrá-lo na
SoulM8, assim como você fez.
Eu sorrio suavemente para a mulher diante de mim. Ela é linda à sua
maneira, mas as lágrimas nadando em seus olhos e a esperança em seu tom de
voz me destroem por algum motivo.
— Tenho certeza que seu príncipe está em algum lugar esperando por
você, Molly. — Eu a puxo para um abraço.
— Eu sei. — Seu lábio inferior treme, e isso me mata. — Olha só você.
Você encontrou o seu.
— Eu encontrei — murmuro baixinho com um sorriso de uma felicidade
que eu simplesmente não sinto estampado no rosto.
Eu caminho em direção ao canto do salão para pegar um ar e tentar
descobrir o que há de errado comigo. Por que está sendo difícil estar aqui,
quando já estamos no evento número quarenta e poucos, e parece pior do
que na primeira vez?
O corredor está vazio, então eu aproveito para seguir em direção ao nosso
camarim para ficar um pouco sozinha. Espero poder sair desse furdunço em
que estou e ficar pronta para minha última obrigação com SoulM8 – a festa
de lançamento. Uma vez dentro, tiro os saltos e me sento no sofá.
Não sei quanto tempo fico sentada, perdida em meus pensamentos. Mas
me assusto quando a porta se abre, e Zane entra, com o celular na orelha,
levantando o dedo e me avisando que só vai demorar um minuto.
— Não, meu chapa. Estou em nosso camarim, pode falar. — Ele
caminha até a mesa onde o buffet foi servido e pega um punhado de
amêndoas. — Você deveria ter vindo, Jack. Até você conseguiria arranjar
alguém para transar nessa multidão. — Ele ri e joga mais algumas amêndoas
na boca. — Nah, a única coisa que posso te garantir é que você será cobrado
de acordo com a nossa taxa mensal… sem brincadeira… Tenho que ir,
Harlow está aqui. É. Até. Oi — ele diz para mim, levantando o queixo, e
então fica imóvel quando eu não respondo. — O que houve?
— Há muitas pessoas aqui esta noite.
— Sim — Ele balança a cabeça, comedido, e vejo que Zane está tentando
descobrir o que estou querendo dizer com isso, quando eu nem sei para onde
essa conversa pode ir. — O que está acontecendo, Harlow? — Ele se vira e
apoia o quadril contra a mesa logo atrás, cruzando os braços sobre o peito.
— Quando a aposta, o concurso, seja lá como você chame isso tudo,
acabar, o que você vai fazer com a SoulM8?
Pela forma como Zane se assusta, posso dizer que minha pergunta o pega
desprevenido, mas sua resposta é a mais calma possível.
— Não faço a menor ideia
— Como assim? — Eu rio, mas soa forçado e incrédulo, do mesmo jeito
que me sinto.
— É um negócio. Se funcionar, o mantenho. Se não atingir seu potencial,
então eu o vendo e procuro outra coisa.
— Simples assim.
— Sim, simples assim.
— Mas e tudo isso? — Eu aponto para nosso entorno. — E todo o
trabalho que você teve para colocar a SoulM8 onde está e o tempo e esforço
que estamos dedicando agora para fazê-la decolar com tudo? Você vai
simplesmente jogar tudo fora?
— Às vezes, as empresas falham sem que seja culpa nossa ou falta de
esforço. Você não pode lutar contra isso. Só precisa sacudir a poeira e passar
para a próxima oportunidade.
É isso que você vai fazer comigo?, eu me pergunto.
Tenho certeza de que meus olhos fazem essa pergunta, mas meus lábios
permanecem em uma linha fina e imóvel enquanto este único pensamento
toma conta da minha mente.
— Mas…
— Mas o quê? Isso é o que você faz quando administra um negócio. As
decisões nem sempre são fáceis, algumas vezes são uma merda, mas você nem
sempre pode gastar mais dinheiro depois de as coisas darem errado. Às vezes,
você precisa estancar a sangria. Em outras, você corre riscos. E de vez em
quando, tudo isso dá certo e você obtém sucesso.
Nossos olhares se encontram e sua expressão me diz que Zane continua
tentando entender o que há de errado, e eu continuo não sabendo qual é o
meu problema, além do fato de que estou morrendo de medo de que tudo
isso acabe. Isso e o fato de estar cansada de fingir que somos um casal, sendo
que eu realmente quero que sejamos um.
Minha boca se abre e depois se fecha.
Meu peito se aperta, e sinto a garganta arder.
— O que está rolando, Har? O que não estou entendendo? — ele
pergunta, dá alguns passos em minha direção e se acomoda no braço do sofá
onde estou sentada.
— Essa coisa toda, de nós dois sendo amorosos e perfeitos para que as
pessoas desejem ser como a gente, está ficando difícil para mim.
— Que bom, então, que estamos quase terminando. Cinco horas
cronometradas, não?
Respiro fundo, ignorando a facada no coração.
— É só que…
— Agora não é hora de ficar com peso na consciência.
— Vá à merda, Zane. Acabei de falar com uma mulher chamada Molly
que me disse que tudo o que ela mais quer é encontrar seu grande amor. Eu
tive que olhar nos olhos dela e mentir quando ela me disse que gostaria de
encontrar um amor como o nosso. E você me diz que isso não é desonesto.
— Olha, nós dois estamos cansados. Foi uma longa jornada, e nós dois
estamos de saco cheio disso. Tudo o que precisamos agora é ver os resultados
do nosso trabalho e então poderemos desaparecer silenciosamente enquanto
começamos a postar mais e mais histórias de sucesso no site. Vamos usá-las
para promover a plataforma e não haverá mais necessidade de fingirmos. Aí
você se sentirá melhor com tudo isso.
— Você já teve seu coração partido antes? — Minha pergunta vem do
nada, mas continuo pensando em todas essas pessoas que estão acreditando
em nossa mentira e estão dispostas a pagar para tentar ter algo semelhante.
Zane não responde à pergunta, em vez disso, leva a bebida aos lábios e
mantém os olhos nos meus por cima da borda do copo.
— É sempre um jogo para você, não é?
— O quê?
— É sempre o coração de outra pessoa que está em jogo, o coração de
outra pessoa com quem você quer brincar, contanto que ela cuide de seu pau
na hora em que você quiser. — As palavras saem, e eu fico de pé enquanto a
fúria continua crescendo dentro de mim.
— Cuidado com o que fala, Harlow.
— Por quê? O que você vai fazer? Me demitir? Não vai mais dormir
comigo? Contar a verdade a Robert, para que ele saiba que você realmente
não se importa? Que o investimento dele, em memória à esposa, foi
desperdiçado com um cara que não acredita no que está vendendo? — Eu
ando de um lado para o outro da sala enquanto a tensão aumenta neste
pequeno espaço.
— Não sou o único empresário que não acredita no que vende, e,
francamente, não é nem um pouco da sua conta — ele rosna.
— Não? Só sei que estou olhando para um homem que me diz que não
tem problema em assumir riscos e perdas profissionalmente, mas que não
consegue nem imaginar fazer isso na vida pessoal.
— Do que diabos você está falando? Você está sendo vaga, e eu não estou
conseguindo entender aonde você quer chegar, então que tal você desenhar
para mim, porque eu estou perdido pra caralho?
— Que tal se eu disser assim: eu me apaixonei por você, Zane. Sim, virei
apenas mais uma mulher boba e crédula para você enganar com sua
campanha publicitária perfeitamente direcionada cheia de estatísticas
espetaculares. Eu não paguei a assinatura, então sinto muito que você não
tenha lucrado com meu desespero.
Eu poderia ter dito a Zane que eu tinha três cabeças, que ele não pareceria
mais surpreso do que está agora. Seus olhos estão arregalados, e os lábios
abertos; ele apenas balança a cabeça como se estivesse tentando compreender
o que acabei de dizer.
— Harlow… — Ele estende a mão para mim e depois a deixa cair
enquanto as palavras lhe somem. Essa simples ação grita muito alto para
mim.
— Foi o que eu pensei. — Eu me sufoco com as palavras enquanto olho
para ele. Há tantas desculpas em seus olhos, que não tenho certeza de como
dizer a Zane que tudo bem, estou tão surpresa quanto ele.
— Eu não sei o que dizer.
Uma batida soa dois segundos antes de Zoey abrir a porta.
— Vocês estão prontos? — Ela olha para Zane, e depois para mim, e de
volta para Zane. — Está tudo bem?
— Claro.
— Tudo.
Nós dois respondemos de uma vez, em uma competição de quem fala
primeiro.
— Eu só… eu só preciso de um minuto para me trocar — digo enquanto
reprimo a emoção em minha voz que está ameaçando se transformar em
lágrimas. — Vocês dois podem me dar licença? — De costas para eles,
caminho em direção ao vestido pendurado no armário à esquerda. Eu fecho
os olhos, e parece uma eternidade antes que seus passos sigam em direção à
porta.
— Har…
— Por favor, não.
Há silêncio enquanto ele olha para mim, e então ouço o som da porta
sendo fechada.
Eu finalmente disse a ele, mãe.
Desta vez, porém, tenho a sensação de que Zane não vai me trazer mais
sapatos.
Harlow
Minhas bochechas doem de tanto sorrir.
E não do tipo de sorriso sincero, quando tudo está dando certo, mas sim
porque eu tenho medo de que se parar de sorrir, se eu deixar que haja uma
simples rachadura na superfície, não vou conseguir conter tudo o que sinto, e
esses sentimentos ficarão estampados no meu rosto.
Pessoas, fotos e afirmações de como mal podem esperar pela meia-noite,
quando o site for ao ar. Essas coisas estão presentes em uma constante
durante toda a noite. Tudo, é claro, exceto Zane.
Ele manteve distância. Nas poucas vezes em que seus olhos encontraram
os meus, nós nos encaramos rapidamente antes que alguém aparecesse
querendo nossa atenção.
Sua risada ecoa pela sala, porém, e cada vez que isso acontece, meu
coração dói um pouco mais.
— Senhoras e senhores. — A voz de Zane ressoa pelo microfone, e a
multidão volta sua atenção para o palco enquanto eu caminho lentamente em
direção ao fundo da sala. — Eu gostaria de agradecer a todos por terem vindo
e celebrado o lançamento da SoulM8 conosco esta noite. Dentre todos os
negócios que fundei ou comprei, este ocupa um lugar especial para mim,
porque lida com algo que não tem preço: assuntos do coração. Para muitas
pessoas, inclusive eu, o amor sempre foi uma coisa indescritível que eu não
podia alcançar, então não tinha certeza se existia. A SoulM8 me ajudou a
encontrar as respostas para isso. Ela me ajudou a perceber que havia alguém
no mundo para mim. — Ele olha para baixo, para um efeito dramático, e
mesmo que eu queira acreditar nele, que queira aproveitar suas palavras e
pensar que está falando de mim, nós fingimos tanto nos últimos dois meses,
que, de repente, não tenho mais certeza do que é real e do que é falso. —
Olha, não estou dizendo que você vai encontrar o amor da sua vida logo de
cara. Pode levar algumas tentativas, mas o que estou dizendo é que isso pode
restaurar sua fé no processo. Pode mostrar que outras pessoas boas como você
estão por aí querendo as mesmas coisas… e, eventualmente, vocês
encontrarão o caminho um para o outro.
A sala irrompe em uma salva de palmas ao mesmo tempo em que saio
pela porta dos fundos, incapaz de ouvir sua voz e suas palavras confusas por
mais um segundo.
Eu me arrasto para fora do saguão, e no minuto em que meus saltos
fazem barulho na calçada do lado de fora, sinto que posso respirar pela
primeira vez durante toda a noite. E então eu caminho. Para longe do local,
longe dos olhos das pessoas lá de dentro que podem me reconhecer, longe das
pessoas que se importarão com as lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
O tempo passa enquanto ando pelas ruas frias e desconhecidas até que
acabo voltando para a cobertura de Zane. Quando termino de fazer as malas,
ouço a porta da frente abrir e fechar. As chaves sendo postas na mesa. O som
de passos que param logo atrás de mim.
Seja forte, Low.
— Você mal olhou para mim lá. — Minha voz sai baixa enquanto fecho
minha bolsa, mas mantenho meu rosto voltado para a parede, longe dele.
— O que você está fazendo, Harlow?
— As malas. Vou para casa. — Eu me viro para encará-lo e vejo o pânico
encher seus olhos. Meu peito parece que pega fogo ao vê-lo. Um pouco
desarrumado e belo. Assustado e desafiante. Perdido e inseguro.
— Você não pode simplesmente me mandar uma daquelas e esperar que
eu tenha uma resposta na hora — diz ele, se atrapalhando com as palavras,
coisa que normalmente não faz.
— Se eu te dissesse por mensagem, para que você tivesse tempo para
pensar sobre o assunto… isso teria feito alguma diferença? — pergunto,
minha voz calma e baixa, enquanto ele abre e fecha a boca sem responder.
Zane passa a mão pelo cabelo e suspira enquanto dá alguns passos em
minha direção.
— Eu sou homem, Harlow. Não sou bom com esse tipo de coisa.
— Aparentemente, eu também não sou boa nisso — eu digo, dando uma
risada incrédula, e balanço a cabeça. — Eu tentei lutar contra isso, Zane. Eu
realmente tentei… mas aconteceu, e eu… — Eu ergo as mãos enquanto as
lágrimas enchem meus olhos.
— Eu gosto de você. — Ele dá um passo à frente, e eu o mantenho longe
ao botar as mãos em seu peito.
— Eu sei que gosta. — Zane me encara com os olhos cheios de tanta
emoção e dor, que apenas enfatiza novamente a decisão que tomei antes. —
Não posso mudar as coisas que estão profundamente enraizadas em sua
natureza, as coisas em que você sempre acreditou, e não vou tentar fazer isso.
— Se você só me deixar processar tudo isso… — ele diz, a voz tensa, mas
eu sei que se ele processar tudo isso nada vai mudar.
Ou ele me quer ou não.
Ou está disposto a arriscar ou não.
— Isso é tudo minha culpa — eu digo e mudo de tática.
— O que você quer dizer com isso? — Ele franze a testa, os ombros
tensos.
— Eu comecei isso. Quero dizer, não tenho certeza de quem começou
isso entre a gente, mas deixei ir por um caminho que jurei que não iria. Eu
brinquei que estava aqui apenas pelo sexo e, no começo, estava. Eu pensei que
não era uma maneira ruim de passar os dois meses em que ficaríamos juntos.
Aí as coisas começaram a mudar, e entre fingir ser um casal e o sexo incrível à
noite, acho que comecei a acreditar. A essa altura, era tarde demais para
recuar.
Me diz que você também acreditou! Por favor! Me diz que não fui só eu.
Me dê algo para prosseguir. Qualquer coisa para me dizer que não estou
louca de ter visto o que vi em você, de ter sentido o que senti por você.
— Porra, Har… Estou penando aqui. Por que alguma coisa tem que
mudar? Por qu…?
— Saí da festa esta noite dizendo a mim mesma que tinha pirado. Que eu
deveria calar a boca e deixar as coisas acontecerem. Talvez, quando
voltássemos para Los Angeles, as coisas pudessem ser como eram no começo:
divertidas e cheias de flerte. Eu estava disposta a aceitar isso, Zane. Eu estava
disposta a deixar meus sentimentos de lado e apenas sair casualmente com
você e ver no que as coisas dariam Mas, no fundo, eu sabia que nunca ficaria
feliz com isso. E então eu saí andando pelas ruas pensando, e vi um monte de
casais andando de mãos dadas, rindo juntos, se divertindo. Me ocorreu que
eu mereço isso. Eu mereço mais do que isso — eu digo apontando para ele e
para mim. — Deus, é verdade, você conquistou meu coração, Zane. Você
realmente conseguiu ser dono dele por algum tempo. Você é um homem
incrível… mas eu mereço tudo.
— Cinder — ele diz naquele tom rouco e baixo dele, e o maldito apelido
faz lágrimas brotarem nos meus olhos. Digo a mim mesma para recuar
quando ele estende a mão para tocar meu rosto. Grito comigo mesma para
recuar quando ele pega em meu rosto com ambas as mãos.
— Está tudo bem — eu digo, não tenho certeza se para ele ou para mim.
Nós olhamos um para o outro por um longo momento. Seus olhos estão
repletos da emoção que preciso ouvir vinda de sua boca, mas não ouço.
— Aonde você estava indo?
— Reservei um voo…
— Por quê…?
— Você ainda tem reuniões aqui por alguns dias. Você não precisa mais
de mim, e com certeza não precisa que eu esteja aqui bagunçando sua rotina.
É o melhor a se fazer.
— Deixa só eu mandar que preparem o jatinho…
— Tá tudo bem. Não preciso dele. Eu nunca vou precisar dessas coisas.
— Eu fecho os olhos por um instante e quando os abro, encontro a
determinação em mim que estava vacilando. — Obrigada por tudo, Zane.
Ele passa o polegar sobre meu lábio inferior enquanto balança levemente
com a cabeça, antes de nossos lábios se encontrarem. É o mais terno dos
beijos que trocamos. O único em minha vida que posso realmente dizer que
senti profundamente. E o único que posso dizer, sem dúvidas, nunca quis que
acabasse.
Dou um passo para trás e tento sorrir em meio às lágrimas antes de pegar
minha bolsa e passar pela porta. Meus saltos ecoam, um após o outro, uma
prova audível do fato de que estou indo embora.
Quando minha mão agarra a maçaneta e puxa, Zane coloca a mão na
porta e a fecha.
— Fique, Harlow. Fique, e podemos conversar e resolver as coisas. Não
posso fazer promessas, mas…
Olho para ele e vejo tudo o que quero, mas há uma parte de Zane que sei
que ainda está fechada.
Essa é a parte que eu quero.
Essa é a parte que eu mereço.
Eu abaixo a cabeça por um instante e olho para trás, vendo seus lindos
olhos esmeralda que eu tanto amo.
— Não responda por impulso. Pense no assunto. Entenda tudo. Na
primeira vez que você foi atrás de mim, levou um par de sapatos. Se você
quiser vir de novo, preciso de um pouco mais do conto de fadas, ou então
não vou querer isso de jeito nenhum. — Eu aperto sua mão e percebo como
isso deve parecer assustador para um homem que jura que o amor é uma
emoção fabricada. — Não estou pedindo por tudo, só preciso saber que você
vai se abrir e dar uma chance ao amor. Amar alguém e saber que nunca
haverá reciprocidade é uma maneira infeliz de se viver.
— Podemos conversar…?
— Shh. — Eu coloco um dedo em seus lábios e me esforço ao máximo
para não dar um passo à frente e mergulhar em seus braços. Para não o deixar
me convencer do que ele quiser, porque a dor que sinto no peito é suficiente
para me engolir inteira. — Zane Phillips, você merece o tipo de amor que te
faz acreditar no amor.
E sem dizer mais nada e com a determinação por um fio, ando pelo
corredor de cabeça erguida e o coração partido em dois no chão, bem aos pés
dele.
Zane
— Mais de dois hoje? — o barman pergunta.
— Esta noite exige muito mais do que dois, Barney — eu digo,
balançando a cabeça enquanto um avião ruge ao decolar.
— Problemas com mulheres?
— Algo do tipo. — Eu bebo meu drinque e olho para o portão 49, onde
Harlow está. — Vai mandando mais.
Ela está toda encolhida na cadeira, os joelhos dobrados e encostados no
queixo, os braços em volta deles.
— Seu avião não ficou pronto? — Barney pergunta. Ele é meu barman
habitual quando passo pelo aeroporto JFK, então já conhece minha rotina.
— Já, mas só viajo daqui uns dois dias. — Percebo a estranheza, mas não
explico sobre a passagem que precisei comprar só para passar pelos portões de
segurança, e ele também não pergunta nada.
Em vez de conversar, eu a observo, minha forma de tortura pessoal por
não conseguir fazê-la ficar.
Por não poder dar a Harlow o que ela precisa.
Meu peito se aperta novamente. Da mesma droga de forma que tem feito
desde a festa de lançamento. E novamente quando a vi ir embora.
Ou melhor. Quando eu a deixei ir embora.
Então agora eu fico sentado aqui, me torturando por algo que não posso
ter, só para ter certeza de que ela embarcará com segurança. Só para ter
certeza de que Harlow está bem.
Porque tenho certeza que eu não estou bem.
Nem de longe.
Você a ama, meu chapa? Você pode realmente dizer que a ama?
O amor é uma emoção estúpida.
Minha resposta automatizada passa pela minha cabeça e pela primeira vez
desde que me lembro, não acredito nas minhas próprias estupidezes.
O que é esse sentimento? Esse enjoo no estômago porque ela está lá e eu
estou aqui, e ela quer tudo, e eu não tenho certeza se posso dar a ela. Porra,
isso não é nada parecido com qualquer coisa que eu já tenha sentido antes.
Você merece o tipo de amor que te faz acreditar no amor.
Jesus.
É isso então? Amor? Porque se for esse o caso, parece uma merda de
sentimento.
Só porque você está aqui, e ela está lá, meu chapa.
O que você quer com Harlow então? Uma noitada de vez em quando?
Dormir na mesma cama à noite e rir até a barriga doer por causa das besteiras
engraçadas dela? Fechar um fliperama para jogar no pinball e no Galaga,
porque é muito divertido se sentir criança de novo ao lado de alguém que te
deixa ser desse jeito? Ficar morrendo de medo, enfrentando um dos seus
maiores medos, mas poder olhar para os olhos dela e segurar suas mãos?
Conversar sobre o trabalho durante o café da manhã e ter alguém realmente
te ouvindo? Usar todas as suas conexões – mesmo as que você nem tem –
para tentar ajudá-la na carreira porque ela merece muito mais?
Mas que porra. O que você quer, Philips? Porque, de todas essas coisas,
apenas uma tem a ver com sexo.
Eu deslizo o copo vazio e pego o novo que Barney coloca na minha
frente.
O velho eu sabe o que eu teria desejado fazer. Caminhar até lá, dizer a
Harlow que ela não vai a lugar nenhum e trazê-la de volta para minha casa.
Nós nos divertiríamos muito passando mais alguns dias na cidade. Então
voltaríamos para casa, nos separaríamos e seguiríamos caminhos distintos,
livres e cansados pra caralho.
O novo eu… Jesus.
Passo a mão pelo cabelo e solto um suspiro de frustração. O novo eu está
de volta ao mesmo lugar em que eu estava quando tudo isso começou,
querendo ficar o mais longe possível de Harlow porque ela me assusta pra
caralho, mas ao mesmo tempo obcecado pelo fato de que não consigo parar
de pensar nela. Ou de desejar estar com ela. Ou de precisar dela.
Mas não posso dar a Harlow o que ela quer… o que ela merece. Não
posso ser seu cavaleiro de contos de fada.
Eu não posso mudar quem eu sou.
Você merece o tipo de amor que te faz acreditar no amor.
Ou posso?
Harlow
— Você está cometendo um erro com essa mensagem, mi hija.
Olho por cima do ombro para minha mãe. Atrás dela há a cozinha e o
quintal minúsculo, tudo igual, mas parece tão diferente.
Faz dois meses que tudo aconteceu – cair na estrada, explorar,
experimentar, crescer –, e isso só me deu vontade de querer mais. Mais da
minha carreira. Da minha vida. De tudo.
Também foi uma lição muito boa sobre como você não pode controlar
por quem seu coração se apaixona.
Lula se aconchega ao meu lado, e, distraída, eu passo a mão em seu pelo.
Ela não saiu do meu lado nos dois dias desde que voltei; não sei se é porque
sentiu minha falta ou se é porque sabe que estou triste e seu radar canino
detectou esses sentimentos.
— Ele está no noticiário de novo, Low — ela me chama enquanto assiste
TV. Assim como fez toda vez que viu Zane ou nos viu desde que voltei.
Como o lançamento foi um enorme sucesso, a sensação que tenho é que
minha mãe diz essas palavras a cada dois minutos.
Ou talvez seja só porque ainda dói pensar nele.
Espero que fique mais fácil com o tempo.
Por alguma razão, não tenho certeza se isso acontecerá.
O que entendo agora, no entanto, é que estar longe da situação – a união
constante na qual éramos forçados a entreter um ao outro, a descarregar
nossas frustrações e buscar conforto quando precisávamos – fez as coisas
parecerem menos… intensas. Como se estando dentro daquela situação, você
não pudesse parar de pensar nela, mas uma vez que consegue dar um passo
para longe, descobre que a emoção não parece mais tão poderosa.
Isso é uma grande besteira, Low.
Mande essa para ele – mande essa para sua mãe –, mas seja honesta
consigo mesma e admita que sente mais falta de Zane do que jamais
imaginou ser possível. Admita que você está se questionando sobre assunto e
se perguntando se não deveria ter aceitado a oferta de deixar as coisas como
estavam, porque talvez, eventualmente, elas pudessem ter se tornado algo
mais.
— Robert disse que poderia estender seu contrato, mi hija. Que você é
necessária por mais um tempo, já que a campanha foi tão bem-sucedida. Se
você enviar essa mensagem, pode acabar não conseguindo fazer isso.
— Pelo contrário. — Eu suspiro. — Preciso enviar para provar a Zane
que posso ser profissional. Que foi tudo um erro e que não será difícil
trabalhar comigo.
E talvez eu só queira enviar para ver se ele responde.
Ou talvez Zane tenha deixado tudo para trás e decidido que Simone terá
enfim sua chance.
Eu me odeio por ter esperanças de que talvez ele tenha mudado de ideia.
Que ele ligaria ou correria para o aeroporto para me pedir para ficar ou que
tivesse me esperado na porta da minha casa.
Meu Deus. Quando eu me tornei minha mãe? Quando esse romantismo
sem fim tomou conta de meus pensamentos e distorceu minhas opiniões?
É aquela maldita palavra com A. Amor, e tudo que vem com ele.
Mas se realmente terminamos, o que ele disse a Robert sobre a gente?
Como ele explicou minha saída quando ele ainda ficou por lá?
— De qualquer forma, você não precisa dele — ela diz com um gesto de
mão. — Seu e-mail está cheio de pessoas querendo conversar com você sobre
trabalhos. Ele cumpriu o seu propósito.
— Mmm-hmm.
— Você vai responder a esses e-mails, não vai?
Eu fecho os olhos.
— Claro, mãe. Só… preciso de alguns dias, ok? — Minha voz falha, e,
que droga, isso é um grande sinal para que ela sente no sofá e venha me
confortar.
Ela se aconchega ao meu lado e acaricia meu cabelo.
— Mi hija…
— Estou bem. — Eu enxugo a lágrima solitária que deixei escapar.
— É culpa minha você estar sofrendo. Eu te forcei a contar para ele. Eu
fomentei isso com minhas ideias bobas. Eu deveria ter ficado quieta.
— Não é sua culpa. Eu sabia o que Zane achava disso tudo, mas fui uma
estúpida e deixei minhas emoções tomarem conta.
— Ele vai mudar de ideia, mi hija. A maneira como ele olhava para você
nos vídeos da festa… Zane vai mudar de ideia. — Sorrio para ela, mas não
acredito nisso. — Apenas lembre-se disso: se a sua partida não o afetar, então,
na verdade, o tempo que passaram juntos nunca importou para ele.
— Sim. E isso é uma merda.
— É. — Ela dá um tapinha na minha cabeça e depois a beija antes de
voltar para sua casa e me deixar em silêncio.
Com um grande suspiro e uma exaustão tão profunda que me faz só
desejar dormir por dias, mesmo sabendo que quando fechar os olhos verei a
expressão de Zane quando fui embora, releio a mensagem no meu telefone:

Parabéns pelo sucesso do lançamento. Tenho acompanhado de casa e


não poderia estar mais orgulhosa de ter feito parte disso com você.
Obrigada pela experiência, pelas memórias que me proporcionou, e
peço desculpas pela forma como fui embora. Eu estava perdida naquele
momento, presa ao pequeno mundo em que vivíamos juntos, e agora
que saí dele, sei que nunca teria funcionado entre nós.

O cursor piscando no final me provoca para enviar.


Para empilhar outra mentira em cima de um relacionamento fomentado
por elas.
Eu respiro fundo.
Suspiro.
E envio.
Zane
— Eu fodi com tudo, Manchado.
Eu leio a mensagem pela centésima vez. Ela me dispensou assim, do
nada?
Manchado olha para mim com uma gota de baba pendurada na boca,
como se dissesse: “Já faz uma semana que essa mensagem chegou, e ela não
mudou em nada, então por que diabos você continua lendo?”.
Boa pergunta.
Eu me recosto na cadeira, deixo o celular na mesa e pego minha xícara de
café. A cafeteria está lotada. Pessoas entrando e saindo apressadas, já atrasadas
para suas reuniões. Em uma mesa no canto, vejo um homem em seu laptop,
e, ironicamente, o site da SoulM8 está aberto na tela. Ninguém mais
reconheceria, por causa do layout discreto que configuramos, mas eu
reconheço. A garotinha em uma mesa à minha direita está bebendo seu
chocolate quente enquanto a mãe se aconchega ao lado do marido, e eu estou
prestes a desviar o olhar quando ela suga o final da bebida com o canudo,
fazendo barulho.
Ela suga ruidosamente a bebida.
Harlow está em todos os lugares, mesmo quando eu não quero que ela
esteja.
— O amor é realmente fantástico, não é? — Robert diz quando se senta à
minha frente, a xícara cheia na mão, e levanta o queixo na direção da família
que eu estava olhando.
— É — murmuro em resposta.
— É isso? É? Nada mais a acrescentar além disso?
— O que isso quer dizer, meu chapa?
— Você sente falta dela, não é?
Levo um segundo para perceber o que ele acabou de dizer e conter minha
resposta honesta – que droga, sim, eu sinto – e me recompor o suficiente para
olhar em seus olhos sem revelar meu choque.
— O quê? — pergunto para ganhar tempo.
— Você sente falta dela. Vocês estavam juntos, e agora ela se foi, e você
percebe como é uma merda não estar mais com ela.
— Do que você está falando? — Rio baixinho, tentando entendê-lo.
— Fala sério, Zane. Vocês fizeram um ótimo trabalho mantendo as
aparências e agindo de forma que ninguém nem chegasse perto de perceber,
mas eu sabia que vocês não estavam juntos desde o início. Já te disse, sou um
homem inteligente. Caramba, ela era hostil e falava o que pensava, e você era
arrogante e achava que sabia tudo. — Ele dá de ombros com um sorriso
presunçoso no rosto enquanto se recosta na cadeira e toma um gole lento de
seu café. Em seguida, olha para mim. — Vocês eram perfeitos um para o
outro.
— Você está me dizendo que armou tudo isso? Armou para nós dois? —
Eu mal consigo pronunciar as palavras enquanto tento processar o que estou
ouvindo.
— Investi dinheiro na SoulM8 pela Sylvie. Para dar a ela um legado
duradouro. Mas havia algo em você, Zane, que me lembrou de mim mesmo
quando era jovem. Uma arrogância merecida. Um ar de que você não precisa
de ninguém nem de nada. Uma postura de quem tem tudo planejado,
quando a única coisa de que mais precisa na vida você nem sabe o que é. —
Robert acena para a garotinha com o chocolate quente e sorri antes de se virar
para mim. — Eu era você. Ao contrário do que digo a todo mundo, pensei
em sair com Sylvie uma ou duas vezes e depois seguir em frente. Quem
precisa de uma mulher só? Quem precisa dessa merda chamada amor? — Ele
ri enquanto pensa no passado, eu só tento levantar meu queixo do chão. —
Eu estava errado. Muito errado, e era arrogante também. Achei que sabia de
tudo e quase deixei passar a melhor coisa que já aconteceu na minha vida por
causa disso. Talvez eu tenha visto um pouco de mim em você e um pouco de
Sylvie em Harlow e talvez… apenas talvez, eu queria lhe dar o melhor
presente que você nunca soube que existia.
— Você está me sacaneando?
— Não.
— Então todo o lance de Cursos de Confiança e reality shows… Ai, meu
Deus. Foi tudo uma armação.
— Você precisava de um empurrãozinho — diz ele sem remorso algum
na voz — e foi ótimo para publicidade.
— Nós vendemos sua mentira — murmuro.
— Não, você vendeu o conto de fadas.
Pisco várias vezes enquanto o encaro, ouvindo essas palavras novamente e
tentando entender tudo.
— Não sei nem o que dizer.
— Diga que você sente falta dela. Admita que você a ama. Eu sei que isso
te assusta, mas sabe aquela agitação no estômago e aquele aperto no peito
toda vez que você pensa nela? São a sua resposta. É assim que você vai se
sentir quando não estiver com ela. — Ele toma mais um gole de café
enquanto se levanta e joga um envelope pardo sobre a mesa. — Aí está o
contrato dela para estender o trabalho, se você quiser. Cabe a você descobrir o
que quer daqui pra frente.
— Robert…
— Tenha um bom fim de tarde, Zane. Até mais, Manchado.
E ele sai andando sem dizer mais nada e me deixando completamente
atordoado.
Eu fui manipulado. Porra, fui manipulado em um jogo que eu não tinha
ideia de fazia parte. Mas nem fodendo que vou ficar às escuras assim
novamente.
Harlow
Eu me assusto quando olho para o meu celular e vejo o nome de Zane. Tenho
olhado sobressaltada todas as vezes que o aparelho tocou nos últimos dez dias,
e em nenhuma vez apareceu o nome que eu queria… e agora que é o caso,
tenho medo de atender a chamada.
— Olá?
Vai com calma, Low.
— Cinder?
A voz dele. Esse apelido. Meu corpo todo vibra, e eu odeio que minha
reação ainda seja tão forte, considerando como tenho estado infeliz.
— Oi.
— Como você está? — ele pergunta com uma preocupação na voz que eu
não quero ouvir.
— Bem. Ótima — eu digo sem pensar, e imediatamente sou levada de
volta para aquela primeira semana juntos no ônibus. A frustração, a tensão
sexual, o desafio.
— Quer me explicar? — Eu posso ouvir o sorriso em sua voz.
— Estou analisando algumas ofertas que chegaram desde o lançamento.
— Alguma boa?
— Algumas.
— Bem, eu tenho mais uma, na forma de um contrato para você, em
minhas mãos.
Meu coração parece despencar quando ouço essas palavras. Trabalho. Não
é por mim. É por isso que ele está ligando.
— Tem? — Eu me forço a dizer.
— Mmm-hmm. Robert apareceu hoje cedo com ele, depois que pedi que
redigisse um para você ficar com a SoulM8, como porta-voz oficial.
Eu não respondo, não consigo, e reflito sobre como seria difícil trabalhar
com Zane dia após dia quando ainda sinto algo por ele.
— Ele sabe que não estamos mais juntos? — pergunto.
O suspiro de Zane preenche a linha e então o silêncio se instala enquanto
espero a resposta.
— Nós conversamos, sim.
— Oh. — Sinto um aperto no peito, porque isso significa que não
preciso mais fingir.
— O contrato, Harlow?
— Sim. Certo. Pode falar sobre ele? — questiono, tentando me
recompor.
— Ele permite que você aceite outros empregos enquanto trabalha para
nós e…
— Obrigada pela consideração, mas acho que vou passar.
O que você está fazendo? Emprego constante. Salário fixo. Trabalho dos
sonhos.
Mas isso significaria vê-lo regularmente. Isso significaria que eu seria
lembrada do que não posso ter, do que não posso querer.
— O que você quer dizer com você vai passar? — Sua risada incrédula
soa exatamente como me sinto agora.
— Eu não acho que seja uma boa ideia, Zane.
— Que pena. Temos um encontro marcado para às nove amanhã.
— Eu disse a você, eu não acho… Você precisa passar pelo meu agente.
— Ufa. Na dúvida, sempre coloque a culpa no agente.
Sua risada ressoa na linha.
— Eu não passo por agentes.
— Desta vez você vai ter que fazer isso. — Faria qualquer coisa para não
precisar ver você, quando tudo que eu realmente quero fazer é ver você.
— Você vai aparecer — ele diz, e por um breve segundo eu me lembro de
quando ele veio à minha casa para trazer os sapatos. De sua oferta para
comparecer à festa. Do início de tudo isso.
Uma mínima parte de mim se agarra a essa pequena lasca de algo entre
nós e quer ver se ele está me dando uma abertura como eu acho que pode
estar.
Ou isso ou, sem dúvida, enlouqueci.
— Não, eu não vou — eu contesto.
— Sim, você vai
— Continua arrogante e exigente, pelo visto.
— Você achou que eu mudaria?
— Sim. — Minha voz sai em um sussurro, minha pequena confirmação
de que eu realmente tinha esperanças disso.
— Você vai aparecer, Harlow. Você vai aparecer por causa de mulheres
como Molly, por causa de pessoas que conhecemos em Nova York.
Eu aperto o celular.
— Você se lembra do nome dela?
— Você vai aparecer porque são essas mulheres que precisam da
esperança que você, sendo o rosto desta empresa, proporcionará.
E a esperança de que eu preciso?
— Eu não vou aparecer — eu minto.
— Sim, você vai.
Harlow
Não pensa muito nisso, Low.
Passo.
Não entre em seu escritório com grandes expectativas.
Passo.
Não ultrapasse a soleira esperando que ele tenha mudado.
Passo.
Não tenha esperança de que ele vá falar sobre vocês dois ou algo além do
contrato.
Passo.
Vê-lo é como levar um soco. Parece dramático e ridículo, mas quando
Zane olha para cima, seus olhos encontram os meus e aquele sorriso lento se
abre em seus lábios, minha respiração fica presa na garganta.
— Olá, Harlow. — Ele se levanta. — Por favor, entre.
— Oi. — Eu atravesso o espaço, com a coluna rígida, totalmente pilhada.
Meu coração aperta no peito quando ele dá um beijo leve na minha bochecha
em cumprimento antes de puxar a cadeira para mim.
Espero que Zane dê a volta em sua mesa para se sentar na minha frente,
mas, em vez disso, ele inclina os quadris contra ela bem na minha frente.
É claro.
Muito longe para tocar e muito perto para que eu possa sentir o cheiro do
seu sabonete e do seu perfume, para me lembrar de como era a sensação
daqueles músculos em minhas mãos.
— Então? — ele diz e fica em silêncio até que meus olhos se encontrem
com os dele.
— Então. — Há tanto a dizer e, no entanto, este não é o momento nem
o lugar para isso. Na mensagem que mandei, eu disse a Zane que poderia
colocar tudo entre nós de lado para que pudéssemos trabalhar juntos… e
agora estou tentando cumprir com minhas palavras, mas, Deus, como eu
estava errada. Não há como esquecer um homem como Zane Phillips. Não
há como empurrá-lo para baixo do tapete.
— Eu tenho um contrato para você.
— Sim. — Quanto menos eu falar, melhor, ao menos até que consiga
controlar minhas emoções. — Posso ver?
— Prefiro que a gente converse primeiro.
— Claro que prefere.
— Acho que os termos serão do seu agrado. O contrato permite que você
permaneça na cidade com uma renda mensal estável. Haverá viagens
ocasionais, mas nada como antes.
— Com você? — Eu mal consigo pronunciar as palavras.
— O quê?
— Terei que viajar com você?
— Eu sou o CEO da empresa. Sim, parte das viagens vai ter que ser
comigo.
Nossos olhos se encontram, se encaram, enquanto a tensão sexual se
acende de uma forma que nem consigo descrever. Minhas mãos agarram os
braços da cadeira, em vez de tentarem tocar nele, como eu quero.
Meu coração bate em um staccato estridente enquanto tento engolir tudo
o que realmente quero dizer.
— Sinto muito, não posso fazer isso.
— Por que não? — O sorriso de Zane se ergue em um canto, e eu não
consigo entender por que isso é divertido para ele.
— Eu não acho que seja sensato.
— Você vai morar comigo, por que não poderia viajar comigo também?
— Porque eu… o que você disse? — Eu o encaro, meus olhos piscando
várias vezes, como se isso fosse me fazer acreditar no que eu acho que acabei
de ouvi-lo dizer.
Eu luto contra a esperança que ameaça crescer.
— Eu disse que você está sendo insensata. Já que vamos morar juntos,
qual é o problema se viajarmos juntos? — Ele cruza os braços sobre o peito e
me encara.
— Quem disse que vou morar com você?
— Eu disse.
— E por que eu faria isso?
— Porque já se passaram quase duas semanas desde que você foi embora,
Harlow, e eu não dormi merda nenhuma desde então.
— Tenho certeza que muitas mulheres estariam dispostas a acordar ao seu
lado.
— Porque toda vez que pego meu café, espero que você me sacaneie por
fazer um chafé.
— Parece que é um problema seu.
— Porque não consigo parar de pensar em você.
Eu não tenho uma resposta além de um sorriso cauteloso, um que diz que
eu desejo acreditar nele, mas que estou muito ferida para ter esperança.
— Isso é coisa sua — eu sussurro.
— É mesmo. — Ele concorda. — Tenho andado muito infeliz sem você,
Harlow.
Não confio em mim mesma para falar qualquer coisa, porque por melhor
que seja saber que Zane está sofrendo como eu, isso não muda sua visão sobre
o amor.
— Que bom.
— Que bom? — Ele ri, e eu balanço a cabeça quando surgem em meus
olhos lágrimas que não quero mostrar. — Senti a sua falta. De tudo em você.
Não tenho dormido, tenho sido um babaca com todo mundo, eu… Jesus. —
Ele esfrega a mandíbula. — A SoulM8 está de vento em popa; agora eu
deveria ser o cara mais feliz do planeta, mas ainda assim a única coisa em que
consigo pensar é você e no quanto eu estraguei tudo.
— Ok — digo apenas isso porque estou tentando permanecer fiel à
minha promessa de que mereço mais. Porém, a cada palavra que Zane fala,
fica muito mais difícil me impedir de levantar da cadeira e o beijar até que
ambos percam o fôlego e desmaiem.
— Estou estragando tudo, não estou? — Ele ri e respira fundo quando eu
balanço a cabeça e enxugo a primeira lágrima que me escapa. — Por favor,
não chore.
— Zane…
— Eu disse que o amor era uma emoção falastrão, mas quer saber? Agora
eu acho que ele é uma fonte de infelicidade. Como se eu tivesse uma infecção
intestinal e um ataque cardíaco ao mesmo tempo, porque é assim que me
sinto sem você. Então veja bem: eu preciso de você. Eu preciso que você me
ame para que você possa me mostrar o que é. Então você vai poder me provar
que o amor é essa coisa maravilhosa que todo mundo diz que é, porque agora
parece que é só uma merda.
— Isso é porque você está com o coração partido — murmuro.
— É mesmo?
Eu me levanto do meu assento e balanço a cabeça.
— É uma droga, não é?
— Deus, e como. — Ele sorri e emoldura meu rosto com as mãos, e seu
toque… Ah, como eu senti falta de seu toque. E de seu sorriso. E de sua
risada. E de tudo nele.
— Parece que há uma faca em seu coração que está sendo girada
constantemente.
— Sim — ele murmura.
— E tudo o que você quer fazer é comer uns dez litros de sorvete, mesmo
quando seu estômago só sabe doer.
É
— É algo do tipo. — Quando ele sorri desta vez, finalmente o sorriso se
mostra em seu olhar também. — Você pode me ajudar a consertá-lo, Harlow?
Ele se inclina e roça seus lábios nos meus enquanto outra lágrima cai.
É esse o meu lugar.
Aqui.
Com ele.
Deus, como eu senti falta de Zane.
— É preciso muito esforço para consertar um coração partido.
— Eu errei, Harlow.
— Errou.
— Eu te deixei ir embora sem lutar.
— Deixou.
— Eu não vou fazer isso de novo.
— Por que eu deveria acreditar em você? — pergunto, precisando ouvir a
resposta.
— Porque estar com você me mudou — ele diz, e meu coração
transborda no peito. — Porque tudo que eu já conheci, tudo que eu já me
permiti ver foi o lado negativo dos relacionamentos. Então você entrou, de
luvas, punhos em riste e lutou para entrar no meu coração. Eu nem sabia que
isso tinha acontecido, quando de repente percebi que você tinha ido embora
e passei a compreender aqueles contos de fadas estúpidos que você diz que
sua mãe defende. Pela primeira vez na minha vida. Não sou um cavaleiro de
armadura brilhante, Harlow. Estou bem longe disso. Mas sei que posso ser o
homem que você merece. Eu sei que vou me esforçar muito para te fazer feliz,
e aí nunca mais vou precisar sentir essa infelicidade toda novamente.
— Você não é o único que estava infeliz.
— Não? — ele pergunta.
— Não.
— Posso te beijar para tornar tudo melhor? — Ele se aproxima e me beija
com tanta ternura, que quero me fundir nele. Quando Zane se inclina para
trás, levanta as sobrancelhas. — Melhor?
— Isso é um começo.
Ele ri contra meus lábios.
— Seja paciente comigo? Tudo isso é novo para mim. É um território
desconhecido que me assusta muito, mas ficar sem você me assusta dez vezes
mais. Então eu vou cometer erros, vou fazer besteira… mas continuarei me
esforçando enquanto souber que terei você como recompensa.
É a minha vez de beijá-lo. Eu aliso seu peito, subo as mãos e enfio meus
dedos em seu cabelo, despejando toda a minha emoção reprimida neste beijo.
Mostro a Zane como é amar e ser amado.
Quando o beijo termina, ele encosta a testa na minha e ficamos assim por
alguns momentos, apenas absorvendo o momento, um ao outro e a
possibilidade que está agora entre nós.
— Posso falar agora? — pergunto, precisando tirar isso do meu peito.
— O quê?
— Eu amo você, Zane Phillips.
Eu posso sentir seu corpo ficar tenso, sua respiração presa, e então seus
lábios encontram os meus quando ele aceita as palavras que sei que o
assustam.
— Harlow, eu prometo…
— Sem promessas, Zane. Eu só quero você. Do jeito que você é. Quem
você é. Com seus erros e tudo, porque Deus sabe que eu vou cometer muitos
também. Não precisamos prometer nada um ao outro além de que vamos
tentar. Isso é tudo que posso pedir de você.
— Então isso é um sim?
— Essa é uma declaração bastante ampla para que eu concorde. — Eu
rio.
— Você vem morar comigo? — Ele se inclina para trás, os olhos
questionadores, o sorriso reforçando o pedido.
— Depende.
— Do quê?
— Se Lula vai gostar do Manchado.
— Tenho certeza de que se os colocarmos para brincar juntos, eles
aprenderão a se amar.

É
— É mesmo?
— Sim, olhe para nós dois — ele diz enquanto me abraça e me mantém
contra si.
— Não acredito em forçar um relacionamento.
Zane joga a cabeça para trás e ri.
— Ah, eu tenho que te contar uma história, então.
— É mesmo?
— Sim, mas em outra hora.
— E o que faremos agora, então?
— Compensar todo o tempo que perdi e te beijar, Cinder.
Nossos olhares se encontram, se prendem um no outro, flertam.
— É uma ideia difícil, mas acho que estou pronta para o desafio.
— É melhor você estar — ele murmura quando seus lábios encontram os
meus, e nossos mundos colidem mais uma vez.
A única diferença é que desta vez a colisão é bem-vinda.
Sem pretensões.
Sem audiência.
Só nós dois e um mundo cheio de possibilidades.
Harlow Um ano depois
A costa da Sardenha é de tirar o fôlego. As praias, a água, as pessoas.
O homem que se aproxima de mim com a bermuda bem baixa nos
quadris e os olhos voltados apenas para mim é ainda mais
Como pode esta ser a minha vida?
Eu nunca quero sair daqui.
— Olá, você — ele diz, me puxa para perto e me beija. Sinto cheiro de
uísque e hortelã em seus lábios e de sol em sua pele.
— Então…? — pergunto.
— Então… — ele murmura contra meus lábios quando se afasta e me
olha. — Como posso ser tão sortudo?
— Você vai me contar?
— Contar o quê?
— O resultado? — Eu bato de brincadeira em seu peito, e Zane me puxa
para outro beijo, para tentar me distrair.
— Não sei.
— Como assim você não sabe?
Ele está falando sério?
— Eu desisti da aposta. Dispensei o dinheiro.
— Muito engraçado. Você nunca faria isso e deixaria Kostas vencer sem
lutar. Eu te conheço. — Mas há algo na maneira como ele fala que mostra
que talvez não seja uma piada. Zane não faria isso, não é? — Zane?
— Você não pode lucrar com o amor. Não tem preço.
— Ai, meu Deus, isso foi muito cafona. — Eu rio.
— Ei, não faça bullying com quem está jogando o jogo.
— Bem, esse jogador precisa se esforçar mais — eu digo, vendo em seu
olhar que realmente não é uma piada. — Zane? — Ele apenas me olha e
levanta as sobrancelhas. — Zane!
— Hum? — Ele leva a garrafa de cerveja para os lábios.
— Você não está brincando, está?
— Sobre?
— Você desistiu da aposta?
Ele dá de ombros exatamente como um homem que pode abrir mão
dessa quantidade de dinheiro sem se importar.
— Concordei com a aposta porque queria emoção. Aquela sensação que
faltava. Mas percebi que não era do negócio que eu precisava, mas sim de
outra coisa… ou, devo dizer, de outra pessoa.
— Oooh, agora ele está jogando direito. É um avanço e tanto.
— Viu? Eu consigo aprender.
— Consegue. — Eu me inclino e pressiono meus lábios nos dele. — E
você aprendeu. — E repito o gesto. — Agora você pode me contar o que
aconteceu na sua reunião?
Ele encolhe os ombros, novamente agindo como um homem que está
acostumado a ganhar e perder milhões – com completa despreocupação.
A semana passada foi… Deus, foi fabulosa. Nós nos obrigamos a desligar
nossos telefones, desconectar e nos concentrar. Dias preguiçosos na praia.
Piqueniques espontâneos no parque. Amores que fizemos por horas.
Sem interrupções. Sem estresse. Só nós dois.
Aí, é claro, o mundo empresarial veio até a gente hoje. Kostas, Mateo e
Enzo chegaram para o encontro bianual deles. E para abrir o envelope que
contém os resultados de seu concurso de alto risco.
Olho para Zane. Ele está bronzeado, e há uma tranquilidade nele que é
nova para mim. Quase como se finalmente estivesse confortável na própria
pele. Sempre pensei que era o caso antes, mas agora vejo que não era.
— O quê? — diz quando percebe que estou vendo seu olhar apontado
para os iates no azul cristalino do oceano.
— Você está falando sério, não está?
— Eu costumo brincar sobre dinheiro?
— Mas, Zane! — Eu quase gaguejo. — É muito dinheiro! — Mais do
que eu me sinto confortável de dizer. Um milhão de dólares que ele perderá
na aposta e um milhão de dólares que ele usou para a SoulM8. — Você
investiu muito dinheiro na SoulM8, e tem o prêmio e…
— E a SoulM8 está fazendo mais dinheiro do que aquele investimento
inicial… e eu te achei. — Ele estende a mão e segura meu rosto, o polegar
acariciando o lábio inferior, tentando me distrair. — Acho que valeu a pena.
— Suas jogadas estão melhorando a cada minuto que passa.
— Sorte minha que temos todo o tempo do mundo.
Ele sorri, e meu corpo todo se esquenta.
— Então quem ganhou?
Ele dá de ombros.
— Não sei. Eu saí antes que abrissem os resultados. Tenho certeza de que
vamos descobrir mais tarde… Mas por ora, só quero ficar com você. — E eu
nunca canso de ouvir Zane dizer coisas assim.
— Então você nem sabe se ganhou?
Ele sorri, mas a ambiguidade em sua expressão me deixa louca.
— Esqueci. Queria te mostrar algo. Espera um pouquinho.
Eu me viro e observo Zane entrando na nossa vila, que está logo atrás de
nós; rapidamente volta com o que parece ser uma case de notebook.
— O que você está fazendo com isso? — pergunto.
— Quebrando as regras. — Seu sorriso se abre rápido como um raio.
— Dissemos que não haveria internet…
— Você pode me punir depois. — Ele pisca e dá um beijo em minha
cabeça enquanto coloca o notebook na mesa à nossa frente.
— O que é isso?
— Eu… ahn… fiquei sabendo desse vídeo que viralizou e eu queria que
você visse.
Uma coisa muito estranha para ele dizer, mas tudo bem…
— De?
— De um dos melhores pedidos de casamento que vi sair de um match
feito na SoulM8.
— É?
— É.
— E você escolheu voltar aqui e me mostrar esse vídeo, em vez de ir ver
quem ganhou ou de passar um tempo com seus amigos? Estou lisonjeada.
— Eu disse a você, eu sou muito bom nesse jogo.
Começo a rir, e logo a tela do notebook se acende. Zane aperta algumas
teclas e fala um palavrão quando nossa imagem aparece na tela.
— Droga — ele resmunga. — Isso que dá pegar emprestado o
computador de Kostas.
— O que houve?
— É como se a câmera tivesse travado.
Eu começo a rir.
— Olha, eu não quero saber o que ele anda fazendo ou gravando a ponto
de travar a câmera assim — Imagens de mulheres e mais mulheres e tudo que
cabe entre essas coisas preenchem minha mente. Zane resmunga mais
algumas vezes. — Não tem problema. Podemos assistir mais tarde.
— Não, é muito legal. Isto… isso valida todos os motivos que tive para
sair da competição com os caras. Merda. Me dá só um minuto — Zane diz, e
eu assisto seu belo traseiro se movendo rumo à vila pela tela na minha frente.
Deve ser muito legal, para ele estar se esforçando tanto.
Como demora um pouco, inclino a cabeça na cadeira e fecho os olhos.
— Acho que consegui
— Mmm-hmm. Apenas me diga quando, e eu abrirei os olhos, porque
este sol está bom demais.
— Acho que está pronto — uma voz grita do outro cômodo.
Quando abro os olhos, leva um segundo para que o que estou vendo
apareça na tela à minha frente.
— O que você está…?
E então eu percebo.
Zane está atrás de mim, de smoking. Um smoking completo. Seu sorriso
está cheio de nervosismo, e seus olhos estão fixos nos meus.
— Zane? — Viro-me para encará-lo enquanto ele caminha até mim.
— Este vídeo pode não ser para o público, mas é algo que quero registrar.
Eu me sinto inteira trêmula, não sei se devo sentar, ficar de pé, caminhar
até ele ou ficar onde estou. A única coisa que sei é que se Zane ficar de
joelhos — ou não — e me pedir em casamento — ou não —, não importa o
que ele diga para mim, a resposta é sim, contanto que signifique que vou ficar
com ele.
Isso é tudo que me importa.
— Ei? — Ele olha para mim, me dando forças. — Você está bem?
Eu balanço a cabeça freneticamente, confirmando.
— Não tenho certeza do que fazer agora.
— Não faça nada, Cinder, fique do jeito que está.
Ele cruza a distância até mim, Zane de smoking, e eu, de biquíni. Eu me
inclino e encosto os lábios nos dele. Não consigo resistir.
— Eu ensaiei o que quero dizer de um milhão de maneiras diferentes.
Tem anotações minhas por tudo quanto é canto, cheias de coisas que eu
quero dizer, não, que eu preciso dizer, mas há uma que importa mais do que
qualquer outra. Eu te amo, Harlow Nicks. Amo você, seu temperamento
explosivo e sua postura sincerona. Você, seu coração mole e sua generosidade.
Você, suas sugadas barulhentas com o canudo e suas habilidades insanas na
hora de jogar Galaga. Claro, você joga muito bem tudo, até no meu próprio
jogo… mas sou eu que me sinto vencedor desde então.
Ele se inclina e me dá um beijo muito terno.
— Eu te amo e vou continuar te amando e dizendo que te amo até que
você enjoe de mim… Aí eu vou te dizer que te amo um pouco mais.
— Nunca — murmuro, derretida quando percebo que sua mão sobre a
minha está tremendo.
Eu já sabia que ele faria isso, mas solto um suspiro quando Zane se apoia
em um joelho.
— Você uma vez me disse que merecia um conto de fadas, Cinder. E eu
não poderia concordar mais contigo. Eu quero dar isso a você. Eu quero ser
isso para você. Quer se casar comigo, Harlow?
— Sim. Sim. Ah, e sim.
Alguns podem dizer que é bobagem eu nem ter olhado para o anel
quando ele colocou no meu dedo, mas realmente não olhei. Eu estava muito
ocupada olhando para o homem. Meu verdadeiro diamante bruto. O homem
com quem eu mal posso esperar para passar o restante da minha vida.
— Então isso é um sim? — ele pergunta.
E quando pulo em seus braços, o derrubo de costas no chão e o sufoco
com beijos, acho que Zane tem sua resposta.
Quem diria que o amor poderia ser tão bom desse jeito?
— Ei, Cinder?
— Mmm?
— Se seus lábios continuarem fazendo o que estão fazendo, teremos que
desligar a câmera.
FIM
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