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Copyright 2022 © Aline Pádua

2° edição – dezembro 2022

Todo o enredo é de total domínio da autora, sendo todos os direitos


reservados. Proibida qualquer forma de reprodução total ou parcial da

obra, sem autorização prévia e expressa da autora.

Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

EDIÇÃO: AAA Design


SUMÁRIO
NOTA
SINOPSE
PLAYLIST
PREFÁCIO
PRÓLOGO
Parte I
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
PARTE II
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
EPÍLOGO
REDES SOCIAIS
OUTRAS OBRAS
UMA GRAVIDEZ INESPERADA
CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo
O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY
FELIZ NATAL, TORRES
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO
GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME AMA
O CASAMENTO DO CEO POR UM BEBÊ
A FILHA DO VIÚVO QUE ME ODEIA
GRÁVIDA EM UM CASAMENTO POR CONTRATO
NOTA

Olá, minha gente!

Quem aí gosta de um clichê com cheirinho de Sessão da Tarde e


Taylor Swift na trilha sonora?

Primeiro de tudo, gostaria de dizer que esse livro é um


relançamento, que anteriormente levava o título “Agora & Para Sempre

Nós” (o qual foi lançado em dez/2019). Este passou por nova edição,

com novas diagramação e ilustração.

Segundo que aqui estamos nós, em um dos livros que posso dizer

com toda certeza que foi um dos antecessores do que viria a ser a Série

Torres-Reis (que talvez muitas de vocês conheçam, e caso não o faça,


eles estarão listados ao fim dessa obra).
Então com Madu e Samu temos um gostinho de comédia

romântica, uma pitadinha de “hot” que vocês tanto me pedem (espero

que gostem rs), um enemies to lovers (trope de amigos para amantes) que

tanto gostamos de imaginar e claro, um final para deixar o coração

quentinho...

Espero que consiga passar cada sentimento desses para você. Que

Samu e Madu, seja seu primeiro ou segundo encontro com eles, te


teletransportem para um momento único – apenas seu e do universo que

apenas os livros nos permitem ter.

Com amor,

Aline
SINOPSE

O que fazer quando você se apaixona pelo seu melhor amigo e


ele está apaixonado pela noiva do irmão?

Samuel Antunes é um cowboy moreno, com sorriso cafajeste,

alto, bonito, musculoso e com fama no interior. Porém, para Maria


Eduarda ele sempre significou muito mais que isso - ele é o melhor

amigo de infância que faz seu coração bater mais forte.

Quando Samu lhe conta que está apaixonado pela noiva do irmão,

é como se esse mesmo coração se despedaçasse.

E Madu sabe, que agora pode ser sua única e talvez última chance

para aprender a como conquistá-lo. Ou talvez, perdê-lo para sempre.


PLAYLIST

2002 – Anne-Marie

Adore You – Harry Styles

Afterglow – Taylor Swift

Call It What You Want – Taylor Swift

Codinome – Maria

Contatinho – Léo Santana feat. Anitta

Cornelia Street – Taylor Swift

Cruel Summer – Taylor Swfit

Daylight – Taylor Swift

Death By a Thousand Cuts – Taylor Swift

Delicate – Taylor Swift

False god – Taylor Swift

I Think He Knows – Taylor Swift

i wish you were gay – Billie Eilish


If The World Was Ending – JP Saxe feat. Julia Michaels

Living Proof – Camila Cabello

Lover – Taylor Swift

Nightmare – Halsey

Onda Diferente – Anitta e Ludmilla feat. Snoop Dogg

Paper Rings – Taylor Swift

Priest – Julia Michaels

Say You Won’t Let Go – James Arthur

Te Assusta – Manu Gavassi

There’s No Way – Julia Michaels feat. Lauv

Wave – Meghan Trainor feat. Mike Sabath

You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go – Bob Dylan


PREFÁCIO

“Eu odeio acidentes, exceto o de quando passamos de amigos para isso”

Paper Rings – Taylor Swift


PRÓLOGO

“Nós tínhamos apenas onze anos

Mas agindo como adultos

Como se estivéssemos no presente

Bebendo de copos de plástico

Cantando o amor é para sempre e sempre

Bem, eu acho que isso era verdade?”[1]

Madu

— A gente não devia estar aqui. — Samuel reclamou a minhas

costas e levei a mão a boca, sufocando uma gargalhada. — Tô falando


sério, Madu!
Olhei-o de supetão e ele pareceu genuinamente assustado.

Estávamos escondidos no armário da cozinha de seus avós, no qual

geralmente, não se guardava nada, para que os cachorros não

conseguissem mexer e acabassem comendo o que não devia. O fato era

que os armários de baixo eram enormes, e mesmo assim, comportavam


de forma apertada Samuel com seus um metro e oitenta alcançados após

a puberdade, e os meus um metro e sessenta que fora um milagre

conquistado na mesma fase. Meus pais não passavam de um metro e

meio, e dez centímetros a mais, era motivo para ser chamada de gigante

dentro de casa.

Tínhamos dezesseis anos, e em vez de estarmos na festa de

carnaval que rolava do lado de fora da casa, resolvemos distrair as


crianças, para que poupassem os adultos por alguns instantes. Éramos

como babás imediatistas, e fora eu a culpada de nos colocar naquele

lugar. As crianças optaram por esconde-esconde, e era praticamente

impossível vencerem de mim. O que elas não faziam ideia era que

realmente levava a sério. Samuel sabia e por aquilo, tentou ao máximo

fugir. A questão era que quando lhe mostrava um beicinho, digno de

ganhadora do Oscar, ele cedia. Era o ponto fraco de Samuel. Talvez por
aquilo seus pais me chamavam de seu calcanhar de Aquiles.
Poderia ser um exagero, contudo, vendo-o emburrado e com

medo de que os avós nos pegassem ali dentro, porque com certeza

poderíamos danificar o móvel aos nos esconder, sabia que ele faria

qualquer coisa por mim. Talvez por coisas como aquelas éramos

melhores amigos. Éramos malucos no mesmo nível, de fazer o que

podíamos pelo outro.

— Para de ser medroso. — Reclamei, e ele revirou os olhos.

Conseguia enxergá-lo pela baixa iluminação da tela inicial do

celular. Uma mensagem chegou e sorri ao notar que era uma das primas

de Samuel, que com certeza, gostaria de tirar uma casquinha dele durante

o carnaval. Ele era um cara bonito, tinha que admitir. Demorei um bom
tempo para ter tal certeza, talvez por sempre enxergá-lo apenas como o

amigo de infância que preferia comer frutas do que lanches de presunto e

queijo. Sempre pensei que Samuel precisava ser estudado.

— Ela te quer. — Pontuei, sorrindo baixinho.

Ele revirou os olhos mais uma vez, e passou a mão pelo cabelo
preto ralo pelo corte militar. Deu-me a língua que emoldurava um

piercing e tentei pegá-la com o dedo, sem qualquer sucesso.

— Não vamos começar uma lutinha aqui. — Determinou e sorri

levemente de lado. — Madu...


Ataquei seu pescoço, sabendo que era seu ponto fraco para

cosquinha. Ele gargalhou alto, o que com certeza entregava nossa

localização para as crianças. Contudo, sequer me importei em ganhar. Era


o poder de Samuel sobre mim. Quando éramos apenas eu e ele, aquilo

bastava. Ouvi um estrondo, e no segundo seguinte, senti meu corpo

caindo sobre algo macio. Meus olhos encontraram o castanho dos dele, e

notei seu olhar mudar por completo. Uma sombra se fez sobre nós, e

sabia que estávamos encrencados. Olhei levemente para o armário com

uma porta capenga e acabei gargalhando alto.

Samuel me empurrou, fazendo-me cair, e atacou minha barriga.

Ele conhecia meus pontos fracos.

— Deus me ajude com dois adolescentes! — a voz de seu avô

percorreu todo o ambiente, e não conseguia parar de rir por conta do

ataque de cosquinhas. — Júlia, dá um jeito no seu filho e na sua nora!

Minha risada morreu por meio segundo, e fora quando parei para

me colocar em tal lugar na vida de Samuel. Nunca o fizera antes daquele

momento. Quando o fiz, percebi que ia pelo caminho errado. Revidei a

cosquinha e acabamos rolando pela cozinha, até o momento que ficamos

exaustos. Pelas traquinagens, pelas cosquinhas, pelas risadas... Olhei-o e

tive certeza que dele, nunca me cansaria.


Parte I

“Talvez eu tenha medo demais, e isso chama-se covardia. Fico me perdendo em páginas de diário,
em pensamentos e temores, e o tempo vai passando. Covardia é uma palavra feia. Receio de

enfrentar a vida cara a cara.”

Caio Fernando Abreu


CAPÍTULO 01

“Lhe procurarei em Homolulu

San Francisco, Ashtabula

Você vai me deixar agora, eu sei

Mas te verei no céu acima

Na grama alta, naqueles que eu amo

Você vai me deixar solitário quando você for?”[2]

Anos depois...

Madu

— Brega Funk! — gritei no meio da pista, e ouvi Larissa


gargalhar ao meu lado.
Era dia de comemorarmos nossa solteirice, e aquilo era como um

pacto anual. A promessa era simples: apenas namorar com o cara que te

trate como uma rainha. Poderia ser uma utopia, mas com tanto homem no

mundo, não aceitaria menos do que ser uma verdadeira rainha para o

meu. Já que faria o mesmo por ele. Por isso, mais um ano, estávamos na
balada de sempre, descendo até o chão, comemorando o dia da nossa

solteirice. Se encontrássemos o cara certo, mudaríamos o nome para o

dia de rainha, e faríamos o mesmo ritual.

Fazíamos aquilo desde que nos conhecemos na calourada da

faculdade, e aos vinte e nove anos, apenas dava mais combustível para

não desistir do amor, e mostrava que a vida sem um relacionamento

amoroso não era o fim do mundo. Olhei para minha amiga e me virei,
cantando junto com a música que fizera todo mundo se soltar.

“Tá pensando que eu sou o quê?

Sempre que eu quero não tá disponível

Se eu abrir minha agenda pra tu ver

Eu tô com boy de A a Z

Eu gosto até desse doido


Mas tá brincando comigo

Sento, eu rebolo gostoso

Quem tá perdendo é você

Oi, te liguei

Deve tá ocupadinho

Tudo bem, tô com outro contatinho

Te liguei

Deve tá ocupadinho

Tudo bem, tô com outro contatinho

E quem mandou você brincar?

Eu tô sentando em outro lugar”[3]

Mostrei a língua para minha amiga e descemos até o chão, rindo

uma para a outra. Sorri, sentindo meu corpo mais leve e sabendo que

precisava mesmo daquela noite fora e longe de minha rotina. Estava

realmente exausta de me esconder dos problemas e do mundo,

geralmente, era o tipo de pessoa que enfrentava tudo de frente. A questão


era que não conseguia enfrentar o amor que sentia por meu melhor

amigo. Sentia-me uma piada pronta de um romance clichê. Fechei os

olhos e tentei esquecer aquilo, e com certeza, não pensar o quanto sentia
falta de Samuel no meu dia a dia.

Senti uma mão na cintura e sorri, pensando em como seria mais

proveitoso estar com alguém para deixar todos meus pensamentos sobre

meu melhor amigo de lado. Contudo, assim que me virei, ainda

rebolando, meu corpo paralisou. Olhos castanhos, a barba mais grande do

que costumava ser, os cabelos em um tom negro e a pele branca em

contraste com a camisa social cinza.

Forcei um sorriso e parecia ser a primeira vez em que

simplesmente não me jogava sobre ele por sentir saudade. Samuel

Antunes – o dono de meus pensamentos e coração. Era uma completa

merda ser apaixonada pelo cara que sempre fora meu mundo. Ele ainda

continuava sendo meu melhor amigo e companheiro. O problema era que


eu queria mais. Um mais que ele não podia me dar.

Samuel não era avesso ao amor, mas com toda certeza, não queria

algo assim para a vida. Conhecia-o bem demais para saber que não era o

momento para declarações e mal sabia quando o seria. Ele estava focado

em sua carreira como administrador da fazenda que os avós deixaram. O


que o mantinha longe de mim. Ele vivia mais no interior de Minas

Gerais, e eu, enfurnada em meu apartamento na capital.

— Parece triste em me ver. — falou perto de minha orelha e sorri

ainda mais, o que com certeza ele entenderia como forçado. — Ei, vem

cá!

Ele me puxou para si e me abraçou com força, praticamente me

tirando do chão. Era por aquilo que evitava abraços pela saudade. Porque

cada toque dele em meu corpo, por mais inocente que fosse, fazia-me

querer olhar em seus olhos e puxar sua boca para minha. Queria sentir o

gosto de seus lábios, se eram tão firmes e doces como em meus sonhos e

imaginação.

Sentia-me uma idiota por ter sonhos eróticos com meu melhor

amigo e aquilo me matava por dentro.

— Vou ao banheiro. — Larissa quase gritou, parando ao nosso

lado, e Samuel me colocou de volta no chão.

Agradeci-a mentalmente e ela cumprimentou-o rapidamente com

um beijo no rosto.

— Vou com ela. — Avisei-o, sem sequer saber por que o fazia.

Larissa praticamente me arrancou dali, e quando chegamos aos

corredores mais tranquilos em direção ao banheiro, ela me parou,


encarando-me profundamente.

— Que foi? — tentei fazer-me de burra. — Lari...

— Nem vem! Moramos juntas há anos, acha mesmo que não sei

que se inspira no Samuel pra criar seus mocinhos? — arregalei os olhos,

completamente surpresa. — Vi como está diferente de uns tempos pra cá,

e nem fica surpresa, porque não tocamos no assunto porque você se fecha

nos livros e não fala do que realmente sente.

— Não posso, Lari. — falei com pesar. — Simplesmente não

posso.

— O cara é perfeito pra você e você pra ele! — bateu uma palma

no ar. — Não acredito que fica berrando à toa Paper Rings[4] e não sonha
nele como seu acidente favorito?

Olhei para o lado e notei quase instantaneamente que Samuel

caminhava entre as pessoas, com certeza, em nossa direção.

— A gente fala disso depois. — Soltei baixo e ela revirou os

olhos, indo em direção a porta do banheiro.

Encostei-me contra a parede e soltei o ar que mal sabia que

segurava. Era um inferno aquele sentimento guardado. Completavam


cerca de cinco anos que tivera noção de como me sentia sobre ele e no

último natal que realmente me rendi aquilo, e mesmo assim, nunca abri a
boca sobre. Meu coração parecia aberto para o amor, mas eu, não sabia

como lidar. Ser renegada por Samuel me destruiria, e destruiria a amizade

mais real que tinha. Ele era como meu porto seguro e não conseguia me

imaginar em um mundo em que ele não fosse o primeiro a contar uma

novidade.

— Dia da solteirice, acertei? — sorri baixo, sem levantar o olhar,

e acenei com a cabeça. — O que aconteceu, Madu?

Tocou levemente em meu cabelo e olhei para cima, encontrando o


olhar castanho que me tinha por completo. O que queria era poder

responder a verdade: Você, Samuel. Você aconteceu! Porém, apenas


neguei com a cabeça e me afastei de seu toque e falei alto:

— Trabalhando demais! — não era uma mentira completa. —


Preciso de uma bebida forte, isso sim.

Ele sorriu, aceitando minha resposta e agradeci aos céus por ser

boa em camuflar o que realmente sentia.

Alguns minutos se passaram, e enquanto ele voltava com um

copo de plástico, virei o que tinha dentro, sem me importar em perguntar.


O gosto de vodca com algo doce explodiu em minha boca, e poderia ter

certeza de que a vodca sobressaía.


— Melhor? — indagou, com um sorriso sacana de lado, e tentei
não levar aquele movimento para meus pensamentos nada amigáveis.

Dei um tapa em seu ombro e lhe entreguei o copo de volta.

— Agora eu preciso é... — Outro funk explodiu no local e lhe dei


o meu sorriso mais inocente. — Descer até o chão!

— Eu te acompanho, pequena. — Piscou, e enlaçou minha

cintura.

Segurei um suspiro e tentei não pensar muito sobre. A realidade

era que dançávamos juntos há muito tempo, até mesmo quando ainda
sequer sabia mexer as pernas sem quase cair. Virei-me para ele e me

afastei no segundo seguinte, seguindo a música.

— Sai sai da minha frente! Hoje eu vou dar trabalho numa onda
diferente. — Praticamente gritei, para que ele ouvisse, e ele sorriu,

piscando um olho.

Dei-lhe as costas e rebolei, sem querer olhá-lo um pouco mais. Se


parasse para o fazer, com certeza, acabaria trocando o pé pelas mãos. O

lado bom de morarmos longe um do outro, era o fato de que não tinha
tantas oportunidades de destruir a amizade que construímos. Larissa

apareceu a minha frente, e pareceu entender meu olhar de súplica. Puxou-


me para ela e dançamos juntas, como era dito naquele dia. Foi quando
comecei a me soltar de fato e tentar esquecer que o motivo pelo qual
nenhum outro homem parecia tão interessante, estava há poucos passos

de distância.

Quando finalmente olhei em sua direção, encontrei-o basicamente


parado, em meio a todas as pessoas que dançavam loucamente. Ele me

olhava, e por mais que quisesse me enganar e acreditar que era de forma
diferente, que de alguma maneira me enxergava além de sua melhor

amiga, vi no sorriso leve em seu rosto, que estava ali apenas para me
esperar. Ele sempre me esperava para passarmos um tempo juntos, assim
como eu o fazia.

Parei de dançar e soltei os ombros, segurando as lágrimas que


guardei. Queria não demonstrar o quanto o amava, mas não tinha como
fingir que não sentia sua falta – amargamente. Dei alguns passos e logo

parei a sua frente.

— Vem cá! — consegui ler seus lábios, e ele me puxou com força
contra si.

Nos abraçamos ali, no meio da pista de dança, enquanto outro


funk começava. Sabia que nos braços dele me sentia em casa. Samuel era

como um lar para mim e aquilo nunca mudara. Nem mesmo quando notei
que queria além da nossa amizade. Porém, se fosse para sermos apenas

aquilo, estava satisfeita. Aquilo significava o mundo para mim.


— Senti muito a sua falta, pequena.

Sorri, sentindo o seu cheiro me embriagar, assim com os braços


que pareciam querer me proteger. Completava praticamente um mês que

não nos víamos, e era quase como um recorde do tempo que ficávamos
longe fisicamente. Por mais que gostasse de parecer inabalável e

intocável, ele me conhecia bem. Sabia que se me esperasse, eu cederia a


ele, e com certeza, admitiria a saudade.

O que mais me matava por dentro era o fato de que ele sabia ler

tudo o que se passava sobre mim, e assim, tinha que guardar meu amor
no âmago, quando ele estava por perto. Guardava de forma que nem

mesmo ele pudesse lê-lo. Afastei-me e passei a mão pelo rosto, tirando
qualquer resquício de lágrima. Bati de leve em seu peito, em um gesto

tão nosso que desejei poder gritar o quanto o queria de fato.

— E eu a sua. — Fui tudo o que realmente consegui dizer.


CAPÍTULO 02

“Eu só quero fazer você se sentir bem

Mas tudo o que você faz é olhar para o outro lado

Não posso te dizer o quanto eu queria não querer ficar

Eu só meio que queria que você fosse gay”[5]

Madu

Adentrei o apartamento como uma esfomeada. A questão não era


nem mesmo a fome, era a sede que me batera segundos depois que

pagamos nossas comandas e saímos do local. De lá até o meu

apartamento foram cerca de vinte minutos no uber, o que me garantiu


uma boca seca e piadinhas nada engraçadas de Samuel.
Assim que abri a geladeira e encontrei minha garrafa de água,

peguei-a e abri, agradecendo aos céus por aquela bebida. Demorou cerca

de uns dois minutos para voltar a realidade e me lembrar que não viera

para casa sozinha, não daquela vez. Geralmente, após a noite da

solteirice, eu e Larissa encontrávamos algum carinha interessante e íamos


para algum lugar com eles. A regra era clara em nosso apartamento, só

entrava ali quem de fato estava em nosso coração. Bufei internamente, ao

me deparar com Samuel confortavelmente jogado contra o sofá.

Larissa já se acostumara com ele, e sabia que sua entrada ali

sempre seria garantida. A questão era que por mim e pela minha

sanidade, preferia que ele quisesse passar a noite com sua família, mas ali

estava ele, sob o mesmo teto que eu.

— Quantas reformas andam fazendo por aqui? — indagou,

enquanto me encaminhava para a sala, e ainda trazia a garrafa a tiracolo.

Sentei-me no sofá ao lado, ocupando os dois lugares, com as

pernas esticadas, e encostei o cotovelo no apoio. Encarando-o dali,

sentando no outro sofá, com o olhar avaliativo sobre o ambiente, sabia

que não existia a mínima possibilidade de ser imune a ele. Samuel

parecia ser a única pessoa que conseguia me entender por completo, e por

muita ironia do destino, trazia a tiracolo uma beleza genuína que me

tirava do eixo. Será que ele realmente não percebia o quanto me deixava
perdida? O lado bom de ele não saber, era que tinha mais alguns

segundos para suspirar internamente, enquanto ele permanecia preso a

um dos cactos que comprei durante a semana.

— E desde quando cuida de planta? — seu olhar castanho se

virou para o meu, e um sorriso pendeu para o lado esquerdo do rosto.

Maldita mania que me fazia querer puxar os lábios deles para os meus.

Foco, Madu!

— Desde que essa é a minha casa e preciso me sentir bem nela.

— Rebati, dando de ombros. — Todo esse lugar é minha inspiração.

— Pensei que se inspirasse quando corria. — comentou,

claramente inocente em toda aquela conversa.

“Me inspiro em você” segurei-me para não dizer, e mordi

fortemente o lábio inferior, travando a língua.

— Gosto do meu canto... Tudo aqui me faz ter alguma ideia e

bom, dá mais ideias que geram ideias e...

— Nasce um novo livro incrível. — Puxou meu cabelo levemente

e bati em sua mão. — Estou falando sério!

— Como se já tivesse lido algum deles. — Revirei os olhos,

sendo sarcástica. Por um segundo, assim que virava meu olhar,

desconfiei que ele realmente poderia tê-lo feito. Puta merda! Se ele o fez,
saberia que o último personagem masculino principal era todo ele.

Cuspido e escarrado, como diria sua mãe. — Não leu, certo? —

perguntei, fingindo-me de desinteressada.

Ele me encarou profundamente, e logo deu de ombros,

claramente despreocupado.

— A fazenda tem ocupado todo meu tempo, sinto muito. —

Piscou um olho, e ele soltei uma respiração, que quase me entregara. —

Agora me fala de verdade, o que tá acontecendo?

— Como posso resumir a situação na capital? — debochei e sabia

que não era a resposta que ele esperava. — Meus avós estão amando a

viagem para o Nordeste. Sua mãe me manda uma mensagem de bom dia,

boa tarde e boa noite, todos os dias. Seu pai me liga uma vez por semana.

Larissa me deixa maluca as vezes, mas eu faço o mesmo, então ficamos

quites. O trabalho vai bem, e tenho a entrega de um novo livro para o

próximo mês... — comecei a divagar, e encostei a cabeça. — Tento ser

saudável, mas sempre acabo comendo massa e algum refrigerante. Fui ao

cabelereiro e quis cortar tudo, mas me arrependi no segundo seguinte e

como pode ver... — Passei as mãos em meus cachos, sem encará-lo. —

Continua firme e forte.

— Parece a narrativa de uma vida muito social. — zombou e


praticamente o perfurei com os olhos.
— Me diga você, bicho do mato! Como anda as coisas na

fazenda? — perguntei sarcástica. — Vive cercado de peões e bichos, o

que mais acontece de tão empolgante? — joguei-lhe e ele sorriu

abertamente, sabendo que não me calaria.

— Minha vida anda tão interessante quanto a sua. — Deu de

ombros. — A única diferença é que Paulo resolveu passar um tempo por

lá com a noiva, e isso mudou um pouco do ritmo de tudo...

— O que? — indaguei perplexa, sentando-me corretamente. —

Paulo ficou noivo? Quando e com quem? Por que ninguém me contou

sobre?

— Ei ei, metralhadora! — levantou os braços em sinal de

rendição e bufei. — Sei que o vê como seu irmãozinho mais novo, mas

ele já tem vinte e sete anos e...

— Corta essa! Conta logo de onde surgiu a noiva! — falei, e

praticamente me joguei a sua frente, sentada no tapete. As engrenagens

de escritora começando a trabalhar a todo vapor.

— O nome dela é Clara, e Paulo a conheceu em um leilão de

gado. — comentou por cima e fiquei ainda mais ansiosa para saber o

restante. — O que pode ser tão interessante?


— Puta merda! Seu irmão é o maior canalha que conheço, como

pode simplesmente se apaixonar assim? De repente? — seu olhar mudou

por um segundo e fiz sinal para que prosseguisse. — Conta tudo!

— Ele se encantou com ela e bom, ela mora eu uma das fazendas

vizinhas, aí... Essa semana ele surpreendeu a todos da família dela, ela e

eu no jantar e a pediu em casamento. Nem nossos pais sabem.

— Meu Deus do céu! — exclamei perplexa, e me levantei. Levei

a mão a boca, sem conter o sorriso. — Eu vou ser madrinha de

casamento! — praticamente berrei, e encarei Samuel, buscando a mesma

empolgação, mas não existia brilho em seu olhar. — Que foi? Por que

parece tão desanimado? Não vamos ser padrinhos do Paulo? Eu vou

quebrar a cara daquele...

— Conheci Clara antes dele. — cortou-me rapidamente e meu

corpo inteiro paralisou, e o sorriso se desfez em minha face. — Agora ela

passou a viver sob o mesmo teto que eu, e não sei o que fazer com a

culpa que sinto.

— Culpa pelo quê? — indaguei, sem querer acreditar que

embarcava na porcaria de uma história falida de amor.

— Por ser apaixonado por ela.


CAPÍTULO 03

“Esse mundo pode te machucar

Te cortar profundamente e deixar uma cicatriz

As coisas desmoronam, mas nada quebra como um coração

E nada quebra como um coração.”[6]

Madu

Senti o fundo da garganta fechar, o coração aquietar e mente


praticamente evaporar. Continuei apenas a encará-lo, como se visse um

espírito a minha frente. Não sabia sequer o que dizer ou se simplesmente

fingia que aquela conversa fora apenas um delírio coletivo.


— Por favor, não me olhe assim... — Sua voz triste, fez-me piscar

algumas vezes, e notei que abaixou a cabeça, levando as mãos ao rosto.

— Estou te olhando como? — perguntei, como se precisasse de

fato de tal resposta. Com certeza, o encarava com todo meu sentimento

exposto e esmagado, sem ao menos, ele ter a mínima noção. Aquilo me

deixava a beira de um colapso sentimental.

— Como culpado.

Só se fosse por não olhar para mim de forma diferente, e de fato,

nunca o culparia. Inspirei profundamente e coloquei as mãos no quadril,

soltando o ar com força.

— Ok, vamos recapitular! — falei mais alto e ele sequer mexeu o

rosto. — Vamos recapitular e você tem que olhar para mim, Samu! —

praticamente o intimei, e ele sabia que era obrigatório que o fizesse.

Eu era o tipo de pessoa que não sabia conversar sobre algo sério

se não fosse olho no olho. Era o tipo de gesto que sempre apreciei.

Senão, dava as costas e simplesmente desistia de falar.

— Quando conheceu a tal Clara? — perguntei, e no segundo

seguinte, senti que até meu estômago começava a se remexer.

Era incrível a capacidade do psicológico de abalar qualquer parte

do físico. Era incrível o poder que Samuel tinha de me desestruturar a tal


ponto. A ponto de sequer conseguir chorar, mas que a tristeza começava

a se alastrar, de forma lenta e cortante por todo meu interior.

— Há alguns meses, quando nos esbarramos no centro da

cidade... — falou sem jeito e continuei apenas o encarando. — Ela é o

tipo de mulher que gosta daquilo, sabe? Que gosta do campo e acabamos

ficando próximos como amigos, mas nunca passou disso.

— Por que não? — a minha língua parecia não saber parar quieta

na boca.

— Porque não pensei que era algo tão importante até o momento

em que meu irmão a apresentou como sua namorada, e agora, noiva. —

Sua voz soou mais baixo, e sabia que era difícil de admitir.

— Como pode ser apaixonado por alguém que mal conhece? —

indaguei, sem saber ao certo onde enfiara o filtro de meu cérebro.

Eu acreditava em amor à primeira vista e muitos outros tipos, que

aconteciam espontaneamente. A questão era que parecia difícil demais

aceitar que Samuel simplesmente se apaixonara por alguém que

aparecera do nada, e nunca sequer olhara para meu papel em sua vida.

Era uma realidade dolorida e eu egoísta o suficiente para perguntar a


respeito.
— A especialista em amor aqui é você. — Rebateu e sorriu fraco.

— Só quero conseguir tirar isso de mim e ficar realmente feliz pelo meu

irmão.

— Ela então agora basicamente não sai da fazenda e fica lá com

seu irmão? — perguntei, e Samuel assentiu de forma receosa. — Me

deixa adivinhar? Você apareceu aqui depois de praticamente um mês

porque já não suportava ficar no lugar que tem sido seu mundo todinho

desde os dezoito, porque uma mulher te desestrutura a ponto de não saber

como...

— Madu, estar aqui não tem a ver com ela. — Cortou-me,

falando com pesar. — Só estou contando porque quero que isso passe.

Sei lá, falar em voz alta faz parecer idiota e...

— Sinto muito. — Soltei os braços com força ao lado do corpo.

— O amor não vem com liga e desliga. Mas ainda assim, não consigo te

ver apaixonado por ninguém, nem mesmo ao te ver falar o mínimo sobre.

Somos melhores amigos a vida toda e nunca o vi abalado por alguma

mulher, não da maneira de que isso viesse a atrapalhar a sua vida.

Ele me encarou profundamente por alguns segundos e abriu a

boca para dizer algo, mas nada saiu. Meu coração era esmagado ao vê-lo

tão perdido por outra mulher.


— Me sinto um imbecil por isso.

— Acho que isso é bom. — falei e ele me encarou sem entender.


— Ora, ela é a noiva do seu irmão. Muitas pessoas poderiam

simplesmente entrar em uma briga por isso, o que não faz o menor

sentido. Até porque, se a tal Clara quisesse estar com você, com certeza

não estaria noiva de Paulo.

— É exatamente o que penso. — Confessou. — Quero que meu

irmão seja feliz, e ficar feliz por isso.

— O jeito é dar um jeito. — Dei de ombros, forçando um sorriso.

— Já tive muitos amores passageiros na vida.... — Soltei, e Samuel me

encarou atentamente, fazendo uma leve careta. — Talvez Clara seja

apenas o primeiro dos seus.

— Espero que sim, Madu. — Assumiu. — Porque com certeza

seremos os padrinhos de Paulo, já que ele comentou sobre isso antes de

eu sair da fazenda pra cá.

Minha empolgação tinha se esvaído pela janela.

— É... — Engoli em seco e dei alguns passos em sua direção,

sentando-me ao seu lado no sofá. Era o momento certo para jogar tudo

para o alto e dizer o que sentia? Ou era a melhor hora para aprender que

aquele amor por Samuel tinha que acabar?


— Senti sua falta. — Olhou-me de repente e passou um braço

sobre meu ombro, puxando-me para si, e depositando um leve beijo em

minha testa.

Encarei-o e a proximidade que nos encontrávamos fez com que

meu coração batesse tão forte, a ponto de imaginar que Samuel pudesse

ouvi-lo de onde estava. Uma grande loucura da cabeça de uma romântica

incurável. Suspirei fundo e sorri fracamente, sabendo que lutara por tudo

que tinha na vida. O que queria estava ali, a minha frente, ao alcance dos

meus lábios.

Entre simplesmente aceitar que não éramos para ser ou me

declarar feito uma maluca, encontrei uma terceira opção. Talvez fosse

aquela que tentei evitar por tanto tempo, mas no fim, era para ser.

Precisava conquistar o homem que amava e trazê-lo comigo para a

realidade de amor que acreditava. Uma nova realidade nossa.

— E eu a sua. — Confessei. — Quando volta para a fazenda? —

indaguei, usando o que guardara arduamente de minha coragem.

— Daqui uma semana. — comentou por cima. — Espero ter um

lugar para ficar por aqui. — Piscou um olho e acabei sorrindo.

Ele sempre tinha um lugar, e o quarto de hóspedes do

apartamento era basicamente composto por algumas coisas que ele


trouxera.

— Sabe que sim. — Sorri e ele tocou levemente meu rosto, em

um carinho que não deveria significar tanto, mas o fazia. — E eu espero

ter um lugar no interior para um tempo indeterminado. — Joguei sobre

ele, que acabou franzindo o cenho. — Não vai sobreviver a esse

sentimento sem mim. — Pisquei um olho, fazendo-me de sua fortaleza.

Na realidade, não passava da casca da minha insegurança, e o fato de

começar a mostrar que ele era mais do que meu amigo. Samuel era o que

queria.

— Não precisa... — toquei seus lábios com os dedos, e tentei


ignorar a reação de meu corpo a tal gesto.

Praticamente pulei do sofá no segundo seguinte, e daí percebi que


decidira dar um passo à frente, e acabava de dar dois para trás. Precisava

me permitir viver o que sentia, fazer com que ele também


experimentasse.

— Primeiro, um bom sono. Depois conversamos mais sobre isso.

Na realidade, eu estava era me borrando de medo. O olhar de


Samuel me varreu e acabou apenas assentindo, como sempre, cedendo ao

que eu queria. Seja meu, era o que queria dizer. Seja meu como nunca foi
de alguém, era o que meu coração gritava. Finalmente, era hora de dar
espaço e ouvidos para o que ensurdecia minha alma – eu amava meu
melhor amigo, e finalmente, lutaria pelo seu coração.
CAPÍTULO 04

“Você realmente me conhece

A futura e a velha eu

Todos os labirintos e a loucura da minha mente

Você realmente me ama

Você me conhece e me ama

E é o tipo de coisa que eu sempre esperei encontrar, sim?”[7]

Madu

Minha mente viajou para longe.

Para bem longe daquele apartamento e do notebook aberto em

uma página branca do editor de texto. Era o momento em que o


personagem acabara de declarar seu mais profundo amor. Suspirei fundo,

bebendo mais um gole da Coca-Cola que trouxera como minha

companheira, logo após de deixar Samuel e dizer que queria descansar.

Ele me conhecia o bastante para saber que não o faria, contudo, apenas

aceitou minha decisão. Muitas vezes era o seu jeito de entender o meu
lado nada descomplicado das coisas. Gostava da solidão, da minha

própria companhia. Ele era da mesma forma, talvez fora um dos motivos

de que acabamos nos dando bem desde muitos novos.

Nossos pais eram melhores amigos e passávamos muitos eventos

e feriados juntos por conta daquilo. Sua família era como uma extensão

da minha, e com o tempo, Samuel começou a se tornar uma constante.

Lembrava-me dele banguela, e o quanto sentia vontade de ter aquela


experiência, mas ainda continuava com os famigerados dentes de leite.

Lembrava-me dele em cada aniversário e a rosa que sempre trouxera

como o principal presente, algo que seus pais inventaram desde quando

éramos bebês, e perdurou entre nós. Lembrava-me dele no momento em

que disse adeus aos meus pais, encarando a madeira fechada em um luto

que de fato nunca superaria. Lembrava-me dele no depois daquele

momento que me quebrou, ainda muito nova, e em como se tornou ainda


mais parte do meu mundo. Lembrava-me dele por ter sido a pessoa que

tive coragem de dizer que amava depois de tudo aquilo. Lembrava-me do


momento em que foi meu príncipe na festa de quinze anos que não

desejava, e mesmo assim, tornou-a especial – e ainda mais cafona.

Lembrava-me dele nas confissões sobre nossos primeiros beijos e

primeiros amores.

Sorri, deixando a coca sobre o criado mudo e tirando meu olhar

da janela que não mostrava nada além de uma chuva fraca. Eram em

torno das cinco da manhã e eu permanecia ali, sem conseguir pregar o

olho. Nunca fomos o tipo de amigos que fazem tudo juntos, mas éramos

do tipo que compartilha cada momento vivido. O que me doía era ter que
esconder dele o que realmente sentia. Era como trair a mim mesma, e a

nossa amizade. Uma batida e a porta fora aberta em seguida. Não precisei

me virar para saber de quem se tratava. Suspirei lentamente e ouvi seus

passos até mim.

— Sabia que estaria acordada. — comentou baixo, e praticamente

se jogou na cama ao meu lado. — O que está te deixando assim? —

indagou, e me senti na obrigação de encará-lo. Nosso pacto visual nunca

falhava.

Olhos castanhos analisadores me receberam. Samuel parecia tão à

vontade consigo que me fez questionar qual foi o exato momento que

parei de me sentir de tal forma perto dele. Usava apenas uma regata e

uma calça de moletom a sua frente, e ele, uma calça moletom na


coloração preta. Dividimos a mesma cama por anos, muitas vezes, por

passar as noites acordados para nos fazermos de adultos. Contudo, ali,

era um cenário diferente.

Ele continuava sendo meu melhor amigo e confiava-lhe meu

coração.

Ele estava apaixonado por outra mulher e aquilo quebrava o

sentimento que tanto guardei.

— O que posso dizer? — pisquei um olho, e fui até a minha


cadeira que custara o olho da cara. Trabalhar sentada trazia certos gastos

mais do que necessários. Minha coluna que antes apenas doía, agradeceu

e muito. — Muitas ideias e uma tela em branco após o eu te amo.

Ele franziu o cenho, claramente não entendendo. A cara confusa

que me destinava era como a prova de que realmente não o via mais

como meu amigo. Eu o desejava, da forma mais verdadeira. Existia

aquela parte de mim que por muito tempo acreditei ser a curiosidade pelo

seu toque além de algo fraternal... Mas não era apenas curiosidade.

Minha pele se sentia à vontade para implorar a dele, apenas ali,

encarando-o. A vontade consigo mesmo, ele me fazia querer ficar da

mesma forma. O único jeito era simplesmente lhe mostrar o que

guardava no peito.
— Acho que é o mesmo que eu perguntar sobre como gerir uma

fazenda e você me explicar de forma resumida. — comentei

despreocupada e cruzei as pernas. — É bom te ter aqui, por perto. —

Admiti, tentando ainda tomar cuidado com meus sentimentos.

Tinha em mente que o melhor jeito para tentar fazer Samuel

encarar o que não via sobre mim, era estar em seu próprio ambiente. Ali,

no meu lar, ele com certeza não me via além. Agora, invadindo o que era

o seu, com toda certeza, poderia mudar tudo de figura. Poderia ser um

plano besta, e no fim, apenas admitiria que queria uma chance, contudo,

a parte romântica e pragmática se encontrava em desacordo. Naquele

momento, a romântica vencia.

— Vai tirar algumas férias por lá? Nadar no rio, banho de

cachoeira.... Quem sabe andar a cavalo? — indagou e não pude evitar

uma careta. — O medo de cavalos permanece. — Sorriu baixinho,

provocando-me.

— Sou bicho da cidade, Samu. — Dei de ombros. — Mas faço

esse esforço por você. — Sorri de forma debochada, e ele pareceu pensar
sobre algo, parecendo desagradável. — O que foi?

— Nada, eu só...
— Fala logo! — cortei-o, pois sabia quando ele tentava fugir de

algum assunto.

— Não acredito que depois de meses, a primeira vez que consigo

te levar para fazenda sem praticamente lhe obrigar é por conta de estar

apaixonado.

Revirei os olhos, e com toda certeza, meu estômago fizera o

mesmo movimento.

— Primeiro, amo passar minhas férias por lá.

— As que tira a cada cinco anos? — provocou e peguei a

almofada no chão e joguei em sua cabeça, fazendo-o gargalhar.

— Segundo, não vou tanto porque sempre parece ocupado


demais. — Confessei e ele parou de rir no mesmo instante. — O último

natal foi uma prova disso, Samu.

— Sabe que sinto muito por não chegar a tempo da ceia. —


Confessou e sabia que ele realmente se sentia. Não que ainda me doesse

tal gesto. Guardar mágoas dele era algo praticamente impossível. Mesmo

brava, demorava menos de um segundo para perdoar.

— Eu sei disso, mas...

— Madu! — reclamou e sorri amplamente. — Aprendi minha

lição de não atender nenhuma ligação em dias especiais.


— Momentos especiais, caríssimo. — Provoquei-o.

Lembrar daquele natal sozinha a frente de um jantar que tentei

preparar para nós, me fazia lembrar que fora naquela noite que me

descobri realmente apaixonada por ele. Não era só a falta. Era a dor

subsequente a ela. Fora o desejo de simplesmente não lhe atirar o vinho

da minha taça no segundo que apareceu na sala de jantar da fazenda, e

simplesmente querer beijá-lo e esquecer que por um segundo cogitei não

o fazer. Não o fiz. Talvez fora o meu maior e real arrependimento

daquela noite.

— Esse ano minha família vai viajar de novo, e bom, seremos só


nós. — falou e eu assenti, sem saber muito o que pensar. — Prometo

recompensar, além das cinco ceias.

Neguei e tentei não pensar muito a respeito. A questão era que

não me via longe dele, e a ideia de perdê-lo era perturbadora. Tínhamos


uma história forte e que sentia ser inquebrável. Seria? Mesmo eu

querendo mais?

Era o momento de colocar a prova.

— Por que não falamos com seus pais amanhã e daí vamos para a

fazenda? — indaguei de uma vez e Samuel pareceu completamente


surpreso. — Qual é? É o seu dia de sorte! Você odeia a cidade e me ama,
logo, estou te dando uma puta presente. — Provoquei, e ele pareceu
desconfiado.

— Isso tudo por que não acredita que me apaixonei? — pareceu


ainda mais desconfiado.

— Apenas uma melhor amiga tentando salvar a pele do melhor

amigo. — E uma mulher apaixonada em desespero... — Mas, pode


considerar que quero quebrar a cara do seu irmão por não ter pedido

minha benção para casar. O que aconteceu com aquele desalmado? —


perguntei para o nada, e Samuel pareceu apenas me observar. — Para de

tentar me dissecar.

— Uma caixinha de surpresas, como sempre. — Levantou-se e


veio até mim, dando-me um leve beijo na cabeça. — Que tal assistirmos

algo na sala até o sono vir? — indagou, e acabei assentindo, sem saber
como olhá-lo, não com toda a intensidade que me encontrava

mergulhada.

— Só vou salvar o arquivo.

— Te espero com cobertores e travesseiros quentinhos. — Piscou

um olho e saiu com cara mais deslavada do mundo.

— Os meus cobertores e travesseiros....

Deixei a frase morrer e acabei sorrindo.


Eu realmente queria aquele homem!
CAPÍTULO 05

“Estou com muito medo para me afastar (Sim)

Eu preciso de você comigo (Ei)

Eu acho que é tudo igual para você, sim

Eu só quero beijar o seu pescoço”[8]

Madu

Eu estava sentada sobre uma toalha na grama. Meu corpo já


estava seco e apenas conseguia focar no homem lindo que nadava em

minha direção. Seu sorriso e olhar brilhante fora a primeira coisa que

pude notar. Assim que ele saiu da água e veio até mim, não neguei o
toque de seu corpo molhado. Por mais fria que a água estivesse, sabia

que seu toque me deixaria quente.

— Que cena mais linda! — um grito me fez dar um pulo, ou fora

o que imaginei estar fazendo. Contudo, encontrava-me sobre o peito de

Samuel, confortavelmente deitada. Ele ainda dormia como pedra, e sabia

bem que não acordaria se não o sacudisse. Larissa gargalhou ao nosso

lado, e riu ainda mais alto, quando lhe olhei feio. — Será que estou
atrapalhando o casalzinho aí? — insistiu na provocação, cruzando os

braços.

— Por que não vai a merda? — indaguei, nervosa, e me afastei do


corpo de Samuel. Senti falta do seu calor no mesmo instante, contudo,

não pretendia dormir mais. — Que horas são? — perguntei, notando que
nenhum raio de sol entrava pela janela.

A televisão da sala estava em sua imagem de repouso e lembrei-


me da última coisa que me prendeu na série que decidimos assistir –

Dark. A única coisa que entendia menos do que aquela série, era como

meu coração conseguia se acalmar tão rápido e do nada acelerar estando

ao lado de meu melhor amigo.

— Já passou das seis. — Larissa respondeu, encostando-se em

um sofá. — Ele não acorda? — indagou e franziu o cenho para Samuel

que respirava de forma lenta.


— Uma pedra. — comentei, levantando-me. Espreguicei-me e

encarei minha amiga. — Só acorda se pular em cima dele.

— Por que não faz isso? — perguntou com um sorriso sacana,

fazendo-me revirar os olhos.

— Eu já te mandei a merda hoje?

Ela riu e se levantou. Reparei melhor em suas roupas e vi uma

camisa social branca em seu corpo, a qual não saíra de casa para nosso

dia da solteirice.

— A noite foi boa, certo? — provoquei, e ela parou em seu

caminho em direção ao corredor que dava para os quartos. — Pode me

contar tudo!

Ela deu de ombros como se não fosse importante.

— Digamos que o cara era atencioso e achou que passaria frio

apenas com o vestido. — Indicou a camisa branca. — Uma noite e é isso,

Madu. Sabe que só vou estar com um cara quando ele atravessar a porta

desse apartamento. — Piscou um olho e assenti.

— Somos duas. — Engoli em seco, assim que seu olhar

praticamente me acusara. — Nem vem!

— Digamos que o seu cara certo já atravessou a porta há muito

tempo.
Calei-me e ela se virou, sabendo que não teria nenhuma resposta

inteligente para tal fala. Larissa e eu dividíamos o mesmo teto há muitos

anos, quase uma década, contando com a época da faculdade. Nunca


admiti nada a ela sobre meus reais sentimentos sobre Samuel. Na

realidade, não admitia a mim mesma. Contudo, os olhos puxados de

Larissa pareciam enxergar muito mais do que eu lhe permitia ver.

Desviei meu olhar do corredor e parei em Samuel, ainda

dormindo. Sorri da cena e lembrava-me claramente de como aquilo era

comum entre nós. Fui a cozinha e peguei uma garrafa de água na

geladeira. Sentei-me de frente para a bancada, e fiquei ali por alguns

bons minutos, apenas assistindo-o. Nunca pensei que entenderia de fato

músicas românticas, mas ele me fazia entender. Eu o encontrava e o

reinventava em meus livros, como escape de um amor que não pretendia


sentir. Ele tentou pegar algo com as mãos e segurei o riso, vendo-o não

me encontrando, e se contentando com o travesseiro ao lado. Suspirei

fundo, sabendo que fazia um bom tempo que apenas me contentava com

o mesmo. Queria poder estender as mãos e simplesmente tê-lo.

Bebi mais um pouco de água e peguei meu celular sobre o sofá.

Olhei para a última música que ouvira e suspirei profundamente,

sentando-me. Death By a Thousand Cuts[9] era como um hino de

términos, e sequer sabia o que era sentir aquilo por alguém. Entretanto,
via-me em uma situação relutante, por ainda não poder chamar o homem

que amava de meu. Quando percebi, simplesmente cantava baixinho,

como se estivesse eternizando um momento.

“Eu fico bêbada, mas não é suficiente

Porque a manhã chega e você não é meu o amor

Eu olho pelas janelas deste amor

Mesmo que tenhamos tapado elas

O candelabro ainda está oscilando aqui

Porque não consigo fingir que está tudo bem, quando não está

É uma morte por milhares de cortes.”[10]

— Faz tempo que não te ouvia cantar. — A voz grossa

interrompeu o momento e parei no mesmo instante. — Vamos lá! —

reclamou, ainda de olhos fechados. — Sabe que amo sua voz.

— E eu amo quando fica calado. — Rebati, sorrindo baixinho. —

Boa noite, caríssimo.

— Acordou faz muito tempo? — indagou, recostando-se contra o

sofá e me presenteando com os olhos castanhos. — Fazia tempo que não


dormia tão bem.

— Sei que minha presença opera milagres. — brinquei.

— Não vou me opor a isso, já que... — abriu os braços, rendendo-

se. — O que estava cantando? — indagou, e fiquei hipnotizada pelo

corpo feito para o pecado.

Como eu não enxerguei aquele homem antes? Minha mente se

indagava, ao mesmo tempo que tentava encontrar qualquer resquício de


que ele me olhava da mesma forma.

— Death By a Thousand Cuts. — Respondi-lhe, lembrando-me

de sua declaração de amor por outra mulher.

Aquilo parecia com uma morte por milhares de cortes. Ao mesmo


tempo que pensava em pegar uma garrafa de vinho e cantar Marília

Mendonça. Meu humor era variável, mas nunca Marília e Taylor fizeram

tanto sentido ao mesmo tempo.

— Parece pensativa como ontem. — Constatou e odiava o fato de

ser tão transparente para com ele. — Mas sei que não vou tirar nada, e

minha cabeça está me matando de tanto que tentei entender a série. —

Acabei rindo e ele deitou a cabeça no sofá. — Me sinto um adolescente

dormindo tanto.
— Como se fosse um velho aos trinta. — comentei, revirando os

olhos. — Aliás, não vai mesmo fazer a festa dos trinta e um?

— Segundo minha mãe, paramos de contar depois dos trinta. —

respondeu e senti o tom debochado na voz.

— Júlia Antunes e seus eternos trinta. — Ri, encostando-me nas

almofadas. — Mas sério, o que vamos fazer? — perguntei, sabendo que

faltava menos de um mês para seu aniversário.

— Que tal apenas um jantar no nosso restaurante favorito? —


perguntou, e sabia que ele sequer se animava com a data. Samuel era

avesso a festas, e tê-lo nas mesmas era praticamente um milagre.

— Pera aí... Como foi aparecer na balada ontem? — perguntei,


finalmente me dando conta que sequer lhe indaguei sobre.

— Vou entender como uma resposta positiva para o jantar. Mas


respondendo sua pergunta... Perguntei a Lari.

— Claro, a fofoqueira. — Revirei os olhos e ele sorriu

amplamente.

— Era uma surpresa. — Deu de ombros. — Sei que ficou feliz, já


que chorou de saudade. — Provocou e joguei uma almofada em sua

cabeça no mesmo instante.


Ele caiu para trás surpreso e sorri docemente, fingindo-me de
anjo. Sem querer pensar em nada, fui até ele, deitado sobre as cobertas

que espalhamos no tapete, e me deitei ao lado. Ele era meu porto seguro,
e evitá-lo não me faria sentir menos. Pelo contrário, matava-me por

dentro.

Encarei-o de lado, e ele sorriu, claramente feliz.

— Nessas horas parece que temos cinco anos de novo. —

comentou e assenti. — Sinto falta daquela época, de não preocupar com


nada além da próxima brincadeira.

— Sem boletos para pagar. — Provoquei e ele assentiu, sorrindo.

— Pensa pelo lado positivo, aos cinco anos não podíamos dormir o
quanto queríamos.

— Na fazenda, eu acordo as cinco.

Levei a mão a sua testa, fingindo que o checava, e ele a retirou


rapidamente, rindo.

— O lado bom de poder acordar as oito. Obrigada universo! —

praticamente gritei, e ele pegou a almofada que antes tinha o atingido e


bateu em minha barriga.

— Vale a pena acordar as cinco, ao menos lá. — comentou, e dei


de ombros. — Vou te obrigar a passar um dia comigo, no meu jeito.
— E eu que pensei que ia dormir o dia todo com aquela vista
linda de presente. — Bufei dramaticamente, e resolvi lhe fazer uma

contraproposta. — E você vai viver um dia junto comigo, no meu jeito.


— Dei-lhe o dedo mindinho e ele me encarou com os olhos

semicerrados.

— Uma aposta de quem desiste do dia do outro, que tal?

— Era apenas uma proposta. — Rebati, mas sabia que poderia


ficar interessante. — Mas gosto de apostas entre nós, já que sempre

venço.

— Veremos! — piscou um olho. — Se não aguentar o meu dia,

vai ter que me deixar levá-la para andar de cavalo.

— Isso é baixo! — acusei-o. — Mas... Vamos lá! Como sei que


vou ganhar, não precisa saber sobre o que vou pedir.

— Madu Madu... O que está pensando? — perguntou e uniu o


dedo mindinho com o meu, apertando-o.

Não o respondi e fiz minha melhor cara de inocente. Na realidade,

não fazia ideai do que pediria, mas com certeza, estaria dentro do plano
“Conquistar meu melhor amigo” que acabara de colocar em prática. O

plano tinha um nome brega, contudo, histórias de amor geralmente o


eram. Portanto, tinha 50% de chance de funcionar. Talvez menos. Talvez

mais.
CAPÍTULO 06

“Você já não sabe demais?

Só vou te machucar se você deixar

Me chame de amiga, mas me mantenha mais perto (me ligue de volta)

E eu vou te ligar quando a festa acabar.”[11]

Madu

— Chegamos!

A voz baixa e calma diretamente em minha orelha, fez com que


abrisse os olhos vagarosamente. Pisquei algumas vezes até me acostumar

com a claridade, e assim que mexi a cabeça, batia-a diretamente em


alguma coisa. Demorei meio segundo para entender que fora o nariz de

Samuel, e mais meio para começar a gargalhar.

— Ai! — reclamou, levando a mão ao nariz. — Me lembre de

nunca te irritar o bastante para levar uma cabeçada.

— Tá doendo muito? — perguntei, parando de rir e começando a


me preocupar.

Ele mexeu no nariz e olhou diretamente para o retrovisor. Era


impossível não o analisar ali, e acabei segurando um suspiro. Depois me

lembrei que era exatamente o oposto do que deveria fazer. Deveria

demonstrar o que sentia para ele.

— Tá tudo bem. — Piscou um olho e senti-me derreter. Por todos

os deuses! Samuel não tinha ideia do que causava ao fazer algo do tipo?

Soltei o suspiro guardado e ele parou um segundo para me analisar.

Sequer conseguia imaginar o que se passava em sua mente. — Parece

cansada. — falou, já abrindo a porta do carro. — Vamos e pode dormir

até umas oito.

— Até as dez. — corrigi-o, tirando meu cinto e abrindo a porta do

carona.

Pulei da caminhonete e tentei me equilibrar na porta aberta. Não

saberia dizer como, mas Samuel já estava ao meu lado, e virou meu
escoro quando acabei não conseguindo alcançar a porta de forma correta.

Nossos corpos se bateram, e o meu o reconheceu prontamente. Subi meu

olhar e encontrei o seu. O sorriso em seu rosto era o mesmo do menino

que sempre amei, contudo, fora como se tudo parasse. O tempo parasse

para admirá-lo, e quem sabe, buscando alguma negativa do que eu

queria. O sorriso se modificou, e ele franziu o cenho, ainda com uma


mão firmemente colocada em minha cintura. Se tomasse a iniciativa,

sabia que chegaria aos seus lábios. Talvez fosse a hora certa. Talvez

tivesse esperado demais.

Quando subi a mão que estava em seu peito para o ombro, uma

voz desconhecida praticamente invadiu o momento, fazendo todo meu

corpo gelar, e senti Samuel travar.

— Essa deve ser a namorada do patrão. — Virei-me de relance, e

fiquei embasbacada ao reconhecer os olhos azuis a minha frente. — Não

acredito! — ele exclamou quase em um grito e fora o que faltava para

reconhecê-lo.

— Júlio? — perguntei perplexa, e ele assentiu, abrindo os braços.

Abri a boca uma ou duas vezes, sem conseguir crer que o mesmo

cara que cursou letras comigo parecia um peão. Lembrava-me da época

dos cabelos cumpridos, o porte magro e a barba grande, nada parecido


com o homem de chapéu negro, camisa xadrez sobre um peitoral

claramente musculoso, e os cabelos curtos e barba feita.

— Olha pra você! — praticamente gritei e fui até ele, aceitando

seu abraço. Sorri ao ser levantada do chão, e nossos olhos se encontraram

no meio do caminho. — Como chegou aqui? Soube que tinha se mudado

de BH na época da faculdade, mas...

— Quis mudar de vida e deixar tudo pra trás! — confessou,

sorrindo levemente. Ainda permanecia incrédula. A vida realmente era

uma caixinha de surpresas, ou melhor, os seres humanos o eram. —

Trabalho aqui faz cerca de cinco meses. Encontrei o que realmente amo –

a vida no campo.

— Fico feliz por você. — Confessei, e me afastei um pouco de

seu corpo. — Eu e Samu somos...

— Namorados. — Meu amigo tomou a frente e passou uma mão

ao redor de meus ombros.

Não que eu reclamaria de tal movimento, contudo, não eram

condizentes com o que dissera. Olhei-o de relance e tentei buscar a

verdade em seu olhar, e ele claramente não tinha nada para dizer.

— Melhores amigos. — Corrijo-o, revirando os olhos. — Samuel

é ciumento o bastante para não querer que tente tomar seu lugar. —
Pisquei um olho para Júlio, que assentiu sorrindo.

— Não vou intrometer, patrão.

Samuel apenas assentiu e vi Júlio passar por nós.

— Carmem me mandou vir ajudar com as malas. — Ele explicou,

e notei o corpo de Samuel suavizar sobre o meu.

Realmente, eu não sabia explicar se me sentia lisonjeada por seu

mini ataque de ciúmes ou se simplesmente imaginava mil motivos para

que ele o tivesse. Samuel nunca fora adepto a demonstrações de nossas

chateações em público. Geralmente, conversávamos a sós. Pelo jeito, as

coisas pareciam mudar em menos de um minuto que chegamos à


fazenda.

— Estão no banco de trás. — Estendeu as chaves para Júlio, que

assentiu prontamente. — Pode deixar na sala de estar, Júlio.

— Sim, patrão.

— Vejo você depois. — Pisquei para Júlio e ele assentiu,

passando por mim.

Quando dei um passo à frente, Samuel permaneceu colado a mim,

e assim que estávamos a uma distância razoável de Júlio, e já adentrando

o casarão principal, virei-me para ele.


— O que foi aquilo? — indaguei, com meu corpo todo

praticamente implorando para continuar o momento que perdemos. —

Não estava com ciúmes de Júlio, certo?

Ele abriu a boca para dizer algo, mas se calou no segundo

seguinte.

— Não sei. — Confessou, e pareceu constrangido. — Desculpe

por aquilo.

— Você sim parece cansado. — Rondei por ele, tentando tirar

algo que me desse um caminho para seguir. — Tudo isso por Clara? —

perguntei, assim que cheguei próxima ao sofá.

— Acho que pensei ser uma boa ideia fingirmos que somos

namorados, assim...

— Não demonstraria que gosta dela ou deixaria na cara. —

Complementei com pesar e com um nó na garganta. O sonho de que ele

apenas estivesse com ciúme de mim, e ainda mais, que não fosse apenas

amizade, apenas se desfez. A realidade era uma porcaria. — Não sou fã

de joguinhos, Samuel. — falei de uma vez. — Não vou participar dos

seus.

Dei-lhe as costas e fui em direção as escadas.

— Madu, espera...
Deixei sua voz para trás, e apenas subi as escadas rapidamente.

Na realidade, sentia-me estúpida de imaginar que conseguiria conquistá-

lo. Para Samuel, eu era apenas um sopro de paz naquele lugar, talvez uma

fuga da realidade de dividir o teto com quem se apaixonara. Abri a porta

do quarto que costumava ficar, e encontrei-o da mesma forma. A

máquina de escrever de sua vó permanecia ali, um presente que ela me

dera aos quinze anos. Nunca conseguira tirá-la dali, acho que era a forma

de ter um motivo para sempre voltar aquele lugar. A questão era que
sempre voltava. Mas era por ele.

Não demorou muito e ouvi batidas na porta. Parei com meus


dedos sobre a máquina e encarei a vista da grande janela. O lugar era tão

bonito e me trazia boas lembranças de várias fases da vida. A porta se


abriu e não olhei atrás para encará-lo. Ouvi seus passos em minha

direção e apenas fiquei ali, tentando fingir que ele não existia. O que era
impossível.

— Não quis te colocar em nenhum joguinho. — Admitiu a

minhas costas, e senti suas mãos em meu quadril, virando-me


lentamente. — Eu só...

— Essa mulher te desestabiliza a ponto de não considerar o que

está fazendo? — perguntei, sentindo um bolo se formando em minha


garganta.
— Sim. — Admitiu, engolindo em seco. Seu olhar me confundia,
e me arrastava para perto, como se eu fosse o metal e ele o imã. —

Desculpe por aquilo.

Eu odiava joguinhos, era verdade.

Contudo, escrevia joguinhos em meus livros. No qual, eles

pareciam funcionar. Ao menos, quando as pessoas estavam certas do que


faziam. Eu estava certa do que queria fazer, não estava?

Minhas mãos caídas ao lado do corpo subiram por seu peito, e foi

quando subi para seu pescoço. Samuel piscou algumas vezes, encarando
com atenção meus movimentos, mas não me parou – o que foi um erro.

Fiz um leve carinho no mesmo, tendo seu olhar por completo e... abracei-
o. Desistindo no último segundo do que realmente queria. Seu corpo

relaxou sobre o meu, e não saberia dizer qual sinal ele me entregava. No
fundo, sabia que estava pirando por completo – só podia estar vendo

coisas onde não existiam. Ou não.


CAPÍTULO 07

“E tá tão fácil de encaixar

Os teus cenários na minha rotina

No calendário passear

Um fim de tarde em qualquer esquina

Tão natural que me parece sina

Vem cá.”[12]

Madu

Levantei meus cachos e os prendi em um coque com o próprio

cabelo. Suspirei fundo, e encarei as horas no celular jogado sobre a

escrivaninha do quarto. Já eram praticamente onze horas da manhã.


Segundo Samuel, ele me acordaria as oito, contudo, parecia ter decidido
me dar um tempo a mais no primeiro dia na fazenda. Abri a boca

algumas vezes, ainda me sentindo cansada. Realmente não era uma

pessoa matinal. O que tentava lutar a todo custo, já que a flexibilidade de

um trabalho home office, como escritora, poderia se tornar um caos se

não me regrasse. Suspirei fundo e passei uma mão nos olhos. De relance,
vi minhas duas malas, uma grande e outra de mão, assim como minha

bolsa, no canto do quarto. Samuel deve tê-las subido e sequer percebi.

Fui até minha bolsa e peguei meus óculos de sol. Já estava

basicamente vestida de forma leve para o calor que fazia no dia. Uma

mom jeans e uma camiseta na cor preta, em um all star vermelho de cano

médio nos pés. Era o tipo de roupa mais casual que curtia. Peguei meu

nécessaire e resolvi ir até o banheiro, escovar os dentes. Joguei água no


rosto, na tentativa de despertar de fato, e passei uma leve maquiagem,

com adição de protetor solar.

Saí do quarto e tentei pensar se ainda estávamos sozinhos.

Samuel não sabia ao certo quando o irmão e a cunhada apareceriam.

Tinha que admitir que existia uma parte de mim que torcia para conhecê-

la e entender porque tanto mexera com meu melhor amigo, e outra, que

simplesmente adoraria o fato de que ela não aparecesse por ali tão cedo.

Desci as escadas, tendo o silêncio como companheiro.


Conferi meu bolso de trás da calça e felizmente, meus fones de

ouvido permaneciam ali. Sorri, colocando-os na orelha e conectando ao

celular, para em seguida, abrir a porta da frente. Assim que pisei do lado

de fora, na grama, percebi que com certeza trabalharia no ar

condicionado por vinte e quatro horas. Não que fosse um calor

insuportável, mas com certeza, eu era calorenta ao extremo, como todos


ao meu redor acusavam.

Encontrei algumas pessoas pelo caminho e elas me

cumprimentavam de forma simpática, mas notei o olhar de surpresa em


alguns momentos. Talvez porque minhas roupas não eram tão parecidas

com as que eles usavam. Botas, camisas xadrez e jeans apertado.

Balancei a cabeça e foquei na música que tocava, não querendo me

importar com aquilo. Andei em direção ao rio que cortava a fazenda, e

fiquei alguns segundos absorvendo aquele cenário. Era um lugar bonito

para uma história de amor, tinha que admitir.

— Olha só você.

Virei-me levemente, e encarei Samuel. Na realidade, não estava

preparada para como o veria. Nem mesmo já tendo tal visão por todos

aqueles anos, sempre me sentia impactada. A camiseta na cor azul

praticamente se prendia aos músculos, o jeans delineava as pernas


torneadas e não deixava muito para a imaginação, além das botas e

chapéu de peão.

— Você parece tão inadequada aqui, pequena.

Ele sorriu levemente, e tentei não demonstrar o impacto daquelas

palavras sobre mim. Não costumava ser uma pessoa insegura, porém,

sentia-me exposta de uma forma inexplicável. Na realidade, sentia-me

frágil. O que jamais admitiria. De forma discreta, virei-me novamente

para o rio e encarei meus pés. Os all star de cor vermelha me

responderam à pergunta silenciosa: você é uma garota da cidade.

— Eu queria muito...

— Madu! — o grito vindo de longe o calou, e olhei ao redor.

Em poucos segundos, Paulo, seu irmão mais novo que significava

o mesmo para mim, alcançou-nos e me pegou no colo, jogando-me para


cima. Acabei gargalhando e aceitei seu abraço apertado. Assim que

coloquei os pés de novo no chão, notei o sorriso de menino em seu rosto.

Por mais que ele tivesse vinte e sete anos, sempre o veria como um

garoto. — Quanto tempo!

— Eu que o diga. — Bati em seu ombro, e ele pareceu não

entender. — Está noivo e sou a última a saber? — indaguei, fingindo-me

de brava e ele sorriu levemente.


— Ela é incrível.

Forcei um sorriso, tentando ficar feliz por ele. A questão era que
quanto mais feliz ficava por ele, mais poderia imaginar Samuel mal por

aquilo. De relance, vi um vestido na cor rosa clara e botas.

— Ela? — indaguei, e ele assentiu. O brilho em seu olhar era


nítido quando o direcionou para ela.

Clara era muito bonita. Os cabelos pretos batiam quase no

quadril, e pareciam combinar perfeitamente com todo o resto. Olhos

azuis, sardas espalhadas pelo rosto branco quase pálido. Ela parecia tão à

vontade em si, que poderia deixar claro como arrematou dois corações de

uma vez. Como diria uma de minhas youtubers favoritas: ninguém

segura uma mulher segura. Senti falta de mim mesma naquele momento.

— Ei, sou Maria Eduarda.

Ela pareceu travar um passo e seus olhos se arregalaram.

— O que foi? — perguntei para Paulo, e recorri ao olhar de

Samuel.

De repente, meu melhor amigo olhava para qualquer lugar que


não fosse para ela. Senti a facada em meu coração e tentei fingir que não

sangrava. Ela parecia perfeita para aquele lugar, para ele. Eu, entretanto,

passei a me sentir inadequada, assim como ele brincara.


— Ela é sua leitora há muitos anos, e fã.

Abri a boca surpresa e percebi que nem se quisesse poderia não

gostar dela. Ela sorriu levemente, e deu um passo à frente, parecendo não

saber o que dizer. Era claro o seu olhar de vergonha e embaraço.

— Eu tenho todos os livros e... Nossa, eu nem sei o que dizer. —

falou rápido demais, e Paulo acabou gargalhando.

— Shiu! — repreendi-o e ele levantou as mãos em sinal de


rendição. — Eu posso ver?

— Claro, claro! — respondeu ainda mais rápido. — Estão todos

no nosso quarto e... Nossa, nem acredito que estou te conhecendo. Aliás,

sou Clara! — pareceu perceber sua gafe e assenti, como se para não a

constranger. — É um grande prazer. — Puxei-a para um leve abraço, e

sorri para ela em seguida.

— Fico muito feliz por gostar dos meus livros. — Fui sincera, e

notei o rubor em seu rosto. Ela parecia querer correr dali, ao mesmo

tempo que me abraçar novamente. — Acredite, o prazer é meu, Clara! —

pisquei um olho e sorri. — Que tal irmos ver isso agora? — perguntei e

ela assentiu rapidamente, como se ansiosa por aquilo. — Certo, vamos

lá!
Assim que dei um passo para sair, senti a mão de Samuel sobre

meu braço. O casal ao nosso lado já caminhava em direção ao casarão, e

então me virei para ele.

— O que foi? — perguntei, e ele pareceu querer dizer algo, mas

nada saiu. — Eu vi a forma como olhou para ela. — Praticamente

sussurrei, e chequei novamente se eles se distanciavam. — Ou melhor,

como evitou o fazer. — Ele franziu o cenho, como se não conseguisse

captar o que eu dizia. — Pensei que fosse algo da sua cabeça, mas...

— Acho que precisamos conversar. — Encarei-o sem entender a

seriedade em sua voz. — Preciso fazer isso.

— Qual o grande problema? — senti-me acuada, e ele subiu uma

mão até meu pescoço, puxando-me para ele. Ficamos a um passo do


outro, como se a ponto de nos beijar. — Samuel... — minha voz se

perdeu, e seus olhos castanhos pareceram negros.

— Precisamos falar disso. — Assumiu, e franzi o cenho. Ele


então apertou levemente meu pescoço, deixando-me ainda mais próxima.

— Eu podia te beijar bem aqui... exatamente aqui e você não ia negar. Ou


ia?

Paralisei diante de suas palavras e senti meu corpo fazer o


mesmo.
O que?

— O que quer com isso? — perguntei, sentindo-me mal com seu

arroubo. Nunca imaginei que me sentiria mal por ele me tocar. — Não
vou fingir nada porque se sente mal por estar perto dela. — Pontuei, e me

livrei de seu toque como se me queimasse. Daquela vez, de forma


completamente negativa. — A gente conversa depois, não sei lidar com

você assim.

— Assim como? — pareceu completamente perdido.

Ali, perdi-me ainda mais pelo o que sentia por ele.

— Um momento diz que sou inadequada e no seguinte, quer me

beijar. — Fui honesta, e ele abriu a boca para dizer algo, mas nada saiu.
— Acho que está confundindo as coisas.

Por Deus, eu queria que ele não estivesse! Mas claramente,

parecia louco para tirar Clara da cabeça. Ser usada pelo meu melhor
amigo não era uma opção. Eu o queria para mim. Não por ela ou por

qualquer outra pessoa.

Dei-lhe as costas e fui em direção a casa principal. Meu coração


estava a ponto de sair pela boca e senti que poderia ter um treco ali

mesmo. A intensidade de Samuel me assustava, e sabia que a queria para


mim. Porém, ele realmente entendia o que estava sugerindo?
Sem resposta para aquela pergunta, adentrei a casa e dei de

cara com uma Clara sorridente, e todos os livros físicos que lancei sobre

o sofá, que eram cerca de sete. Ela falava alegremente para Paulo sobre

algo e sequer notou minha presença. Por um segundo, queria apenas

perguntar-lhe como roubou o coração do homem que eu amava. Contudo,

me calei, e resolvi deixar aquilo de lado. Por alguns segundos, ao menos.


CAPÍTULO 08

“Eu odeio acidentes, exceto o de quando passamos de amigos para isso

Uh huh, isso mesmo

Querido, você é o que eu quero, e

Anéis de papel e porta-retratos e sonhos sujos

Oh, você é o único que eu quero.”[13]

Madu

A noite caiu e Samuel sequer deu sinal de sua existência. Gastei


meu tempo conversando sobre livros com Clara, e até mesmo, matando

minha saudade de Paulo. Pode perceber que os dois eram lindos juntos, o

que não me admirava o fato de ele admitir ter se apaixonado à primeira


vista. Os olhos de ambos pareciam dividir um mundo particular de

sentimentos.

— Obrigada mesmo. — Clara falou, sorrindo amplamente ao

encarar os livros autografados. — Eu tentei ir as sessões em BH, mas

nunca consegui. — Admitiu e toquei levemente em seu ombro, como que

para acalmá-la.

Ela parecia genuinamente feliz em me ter por perto. Seria tão

mais fácil se ela fosse uma pessoa intragável, não é? Porém, se ela o

fosse, sabia que nenhum dos dois homens teriam caído por ela.

Samuel realmente o fizera? Era o que me perguntava após aquele

momento a beira do rio. Ele parecia atormentado ao me encarar, e não

saberia dizer pelo quê. Ao mesmo tempo que sabia que se ele tentasse,

aceitaria o beijo. Esperava há muito tempo por aquilo. Contudo, por que

parecia confuso demais para simplesmente aceitar? Sempre tive tudo


dele, a vida toda. Como poderia simplesmente aceitá-lo pela metade?

— Eu posso perguntar algo? — Clara me encarou curiosa e

assenti.

— Conversamos sobre muita coisa e é da minha família agora. —

Fui sincera. — O que quiser.


— Seu protagonista masculino... Ele se parece muito com... —

Ela pareceu procurar as palavras e sabia aonde queria chegar. — Não

disse aos meninos e acho que nenhum deles leu, mas... Curiosidade de fã.

— Justificou e assenti. Paulo, felizmente, tinha ido atrás do irmão. Como

eu poderia lhe explicar?

— Samuel é minha referência de ser humano. — Fui franca. —

Se for me apaixonar por um cara um dia, com certeza teria que ser

parecido com ele. Não consigo me ver com alguém que não me trate

como ele. — Aquilo teria valia se eu não tivesse me apaixonado


justamente por ele, mas era um detalhe que ela não precisava saber. —

Claro que são sentimentos diferentes. O amor romântico e o amor amigo.

— Depois que o conheci, vi muitas semelhanças com os seus

mocinhos. — Sorri, por perceber que ela realmente parecia gostar do que

eu escrevia. — Desculpe se fui invasiva.

— Não foi. — Pisquei um olho e me estiquei no sofá, ainda a

encarando. — Acho que vou procurar algo na cozinha.

— Se quiser, posso fazer o jantar. — Ofereceu-se e neguei

rapidamente.

— Paulo comentou sobre terem um jantar romântico hoje. —

Lembrei-a e ela pareceu cair em si.


— Mas posso falar com ele e...

— Nem pensar! — levantei-me e ela sorriu de meu rompante. —

Só quero uma fruta e ir ver as estrelas.

— Podemos jantar juntas amanhã, o que acha? — indagou e

concordei, sem ter porque fugir. Ela era uma boa pessoa e estava feliz por

Paulo. — Mais uma vez... — falou ao pegar os livros no colo e se

levantar. — Obrigada.

— Sem isso. — Ajudei-a com um livro que quase caiu da pilha.


— Quer ajuda?

— Não, tá tudo bem! — sorriu, saindo da sala com os livros a

tiracolo. — Até mais, Madu.

— Até.

Fiquei parada ali por alguns instantes, pensando e repensando

sobre o sumiço de Samuel. Já eram praticamente seis da noite, e nenhum

sinal de vida. Abri minhas redes sociais pela primeira vez no dia e rolei a
tela do instagram, buscando algo que o tirasse da minha cabeça. Todavia,

nada parecia o suficiente.

Suspirei fundo, e fui em direção a cozinha. Samuel tinha uma

cozinheira de muitos anos, que também conhecia há muito tempo –

Carmem, a qual não parou de tagarelar do quanto estava feliz por se


tornar avó e foi o assunto do almoço, e acabei dispensando-a para passar

o dia em casa com sua família. Na realidade, o que mais rondara minha

mente fora o lugar vazio na mesa.

Meus pensamentos estavam entorno do quanto Samuel parecia

evitar estar ali. Seria por Clara? Seria por mim? Por que diabos tudo

pareceu tão difícil apenas com uma simples conversa? Talvez fora por

aquilo que resguardei tão bem todos meus sentimentos. Porque no final

era tudo muito delicado, e eu não sabia como lidar. Nunca soube. Não era

boa no amor, não na realidade.

Peguei uma maçã e segui porta a fora da cozinha. Encontrei o céu

escuro, com as estrelas tão presentes como se fosse possível contá-las. A

lua banhava a terra, como se pudesse tocá-la, e sabia que era o efeito

mágico do interior a me tocar. Andei até a grande árvore com o balanço

que existia antes mesmo de eu nascer. Sorri, sentando-me no mesmo e

ainda comendo. Decidir estar ali era bom o bastante para me fazer

esquecer um pouco do que realmente me tirava do eixo. Ou talvez, querer

de fato me deixar levar.

A questão era que pensava muito, até demais.

Terminei de comer e balancei levemente, sentindo-me um pouco

mais à vontade comigo mesma. Ouvi um barulho de água e senti meu

coração acelerar no mesmo instante. Levantei-me praticamente de


imediato e caminhei em direção do rio passava ali atrás. A passos

incertos, cheguei à margem, e encontrei uma pilha de roupas. Estava

praticamente tudo escuro, a não ser por uma iluminação do celeiro. Fraco

para iluminar por completo, mas o suficiente para eu conseguir distinguir

os cabelos negros sobre a água.

Engoli em seco assim que o reconheci por completo, e senti meu

corpo todo tremer, ao mesmo tempo que me obriguei a fazer algo. Se não

fosse para ser, não seria. Se não fosse para ser, por que me sentiria de tal

forma? Talvez tivesse algum propósito. Nem que fosse para aprender

com um coração partido.

Tirei minha roupa rapidamente, ficando apenas de calcinha e sutiã

e entrei na água. Samuel ainda nadava, mas vi-o parar assim que ouviu o

barulho de meu mergulho. Emergi e molhei meus cachos, aceitando a

água na temperatura perfeita. Mesmo assim, meu corpo se acendeu assim


que os olhos castanhos chegaram aos meus. Nadei para perto dele, e

percebi que ainda conseguia tocar o chão. Felizmente, não tínhamos

chegado na parte profunda.

— Por que está assim? — perguntei, e notei a tensão em seu

rosto. — Desde que chegamos, você parece...

— Diferente? — indagou ao complementar, e acabei assentindo.

— A gente se conhece a vida inteira, Madu. Não consigo fingir nada para
você.

— Sei disso. — Assumi. — Mas o que isso tem a ver?

— Por que escondeu que estava apaixonada?

O que?

— De onde tirou isso? — rebati, sem saber como chegávamos

aquilo. Eu não tinha falado nada ou admitido.

— Ouvi sua conversa com a Lari. — Confessou e fechei os olhos,

sentindo-me patética. — Por que não me contou sobre? Sempre fomos


sinceros um com outro.

— Eu sei, eu só... — respirei fundo e abri os olhos novamente. —

Não sabia como te dizer. — Admiti, segurando-me para não desabar. —


Aconteceu de repente e...

— Não teve um momento para me ligar e contar? — perguntou e


franzi o cenho.

Ele achava aquilo simples?

— O que esperava? Que eu ligasse e dissesse: Alô, eu estou


apaixonada...

Parei de falar assim que me dei conta do que realmente acontecia.

— Você acha que estou apaixonada, certo? — indaguei, e ele

assentiu, passando as mãos levemente pelos cabelos. — Mas não faz


ideia de por quem? — assentiu novamente, e soube que poderia voar
sobre ele e esganá-lo.

— Por isso pareceu tão atraída por mim mais cedo, não é? Deve
estar confusa por se sentir apaixonada e...

— E o que? Querendo esquecer isso beijando meu melhor amigo?

— levei as mãos ao rosto, incrédula. — Onde escondeu essa versão de si


mesmo que acha que te usaria assim? — indaguei com raiva, e bati na

água. — Agora entendo porque Clara se apaixonou por Paulo, e não por
você.

Notei seu olhar magoado e não quis compreendê-lo. Sentia todos

meus nervos à flor da pele, e nem mesmo conseguia pensar uma vez
antes de falar.

— Realmente, não sei o que vim fazer aqui. — falei em derrota.


Mal completavam vinte e quatro horas, e tudo que que queria era minha

casa. Era a realidade. — Foi só chegarmos aqui que nos tornamos


inimigos.

— Eu sinto muito, Madu.

— Pelo que especificamente? — indaguei e dei dois passos à

frente, parando a um fio de cabelo de distância. — Somos adultos e não


temos porque mentir ou ficar incomodados um com o outro. — Eu estava
a um fio de me deixar levar e simplesmente beijá-lo ali.

— Não quero isso. — Admitiu. — Eu só não sei como me

explicar ou fazer a coisa certa.

A profundidade que encontrei em seus olhos não me permitiu

pensar em mais nada. O fio se partiu.

— Eu faço por você.

Soltei de uma vez, e encostei nossos lábios. Fora como um teste

inicial, mas meu corpo aprovou-o de imediato. Pensei que após toda a
nossa própria confusão, ele não me aceitaria. Ledo engano. Senti sua mão

em meu pescoço e o beijo se aprofundou. Puxei-o ainda mais para mim,


não conseguindo me contentar apenas com o simples toque. Eu queria

tudo. Finalmente, o tinha.


PARTE II

“Quem gosta, gosta. Sem complicações. Sem armações e armaduras.”

Tati Bernardi
CAPÍTULO 09

“Está tudo bem eu ter dito tudo isso?

É normal que você esteja na minha cabeça?

Porque eu sei que é delicado

Delicado.”[14]

Madu

Nos afastamos devagar, quando o ar se tornou necessário. Os


olhos de Samuel vagarosamente me estudaram, e notei o quanto estava

expondo-o ali. A realidade era que eu me expusera por completo.

— Não te contei nada porque sinto isso há muito tempo. —

Confessei, sentindo meus lábios formigarem após o beijo intenso. —


Tive ainda mais certeza no último natal, e tudo o que queria era encontrar

um jeito de te dizer isso. — Senti-me mais aliviada, ao mesmo tempo que

tudo ao redor pareceu girar. — Eu te amo, Samu. Amo desde criança,

mas esse amor se modificou. Tentei lutar contra isso, eu tentei...

— Você estava falando sobre mim. — Constatou, como se para si

mesmo, e o vi engolir em seco. — E me aguentou falando de outra

mulher? Merda! — levou as mãos aos cabelos, claramente bravo consigo


mesmo. — Eu tinha que ter percebido, tinha que...

— Sei que não ia me magoar de propósito. — Puxei sua mão para

mim, e forcei um sorriso. — Acho que vim aqui mais para mostrar a você
que sou eu quem está aqui, sempre estive... Que talvez possa me enxergar

além da amizade. Nunca soube pedir nada a ninguém, nem mesmo sei
fazer isso.

— Alguém me ensinou que amor não se pede, se conquista. —


comentou e assenti, pois, era exatamente o que falara para ele durante a

viagem de carro.

— Sei que está confuso e tem tudo isso acontecendo, mas...

— Vi que tinha algo diferente assim que te encontrei na balada.

— Confessou, tocando levemente o meu rosto. — Posso ser muitas


coisas, mas não sou imune a você, Madu. Não quero te machucar, mas...
Levei meus dedos aos seus lábios e o calei.

— Vamos só deixar acontecer. — falei de uma vez, sabendo que

era o melhor caminho para seguirmos. — Eu te amo e nada muda isso.

— Eu também te amo. — falou, e sabia que era real. Contudo,

não da total forma que queria. — Desde que me vi apaixonado, fiquei

confuso com tudo ao redor. Mas te beijar me fez ter certeza do que sou e

do que quero.

— O que você quer, Samuel? — indaguei, aceitando o doce toque

em meu rosto.

— Te beijar de novo.

Fora a vez de ele iniciar o beijo e não consegui negar. Agarrei-me

a seu corpo como se dependesse do mesmo para viver. Não sabia o que

aconteceria no depois, todavia, o que realmente tinha era o agora. Não

me importava em imaginar, mesmo que minha tola mente tivesse a

certeza de que seria agora e para sempre... nós.

Samuel
— Ei! — os olhos castanhos claros pareciam me analisar, e como

sempre, eu era um livro aberto para ela. Nunca fora diferente. A questão

era que nunca tinha a olhado daquela maneira. Não abertamente. Sorri,

beijando levemente sua testa.

Deixei-a sentada sobre nossas roupas secas, ainda vestida apenas

de lingerie. A nossa intimidade era única, de quem cresceu junto e nunca

se inibiu de nada. A questão era que nunca me vi tão atraído por alguém

e aquilo me assustava. Ainda mais porque não era qualquer pessoa.

Se por algum momento imaginei que gostar de Clara virara minha

vida de cabeça para baixo, tive a certeza que fora apenas uma leve chuva,

antes do temporal que Madu trazia consigo. O beijo ainda parecia vivo

em meus lábios e suspirei fundo assim que alcancei o violão que trouxe

para me distrair um pouco. No caso, estava evitando conversar sobre o

que notei sobre nós. Com medo de que estivesse enlouquecendo sozinho.

Percebi que ela me desejava, e não soube como reagir. Nem me

entendia quando simplesmente me senti da mesma forma. Eu queria

beijá-la e sentir seu gosto. Não saberia dizer como aquilo fora

desencadeado dentro de mim, mas saber que eu era o homem que ela

amava, despertava-me completamente. Como uma correspondência que


nunca imaginei ter.
Se ela soubesse...

— Aqui. — Mostrei-lhe o violão e ela sorriu abertamente,


passando minha camiseta sobre sua cabeça. Ela sempre usava minhas

roupas, e não era nenhuma novidade. Contudo, vê-la tão à vontade

comigo, fazia-me sentir culpado por não parecer mais o mesmo à sua

frente. — Quero ouvir sua voz. Que tal?

— Para agora, caríssimo.

Sorri de seu apelido tão velho quanto chamá-la de pequena.

Tínhamos vários caminhos diferentes e sempre estávamos na estrada um

do outro. Ela era única e me matava por dentro apenas a possibilidade de

ter quebrado seu coração. Na realidade, ainda tinha tantas dúvidas sobre

como ela se sentia, que por um segundo, apenas quis ter minha melhor

amiga ao redor, e deixar que as coisas acontecessem. No final, Madu

tinha razão como sempre.

— É a música do casal principal do livro que estou terminando,

ou tentando terminar... — suspirou fundo, e dedilhou as cordas. — Mais

uma para o seu repertório, que não sertanejo. — Piscou um olho e sorri

de sua provocação.

“Me assusta
O nosso beijo ser melhor agora

Só me ajuda

E não me peça pra não ir embora

Você diz que igual a nós não tem

E me assusta

Me assusta

Era mais fácil quando era passado

E você usa a nossa história

E deita do meu lado

E me diz que igual a mim não tem

E me assusta

Pra onde a gente vai daqui

Não sei, nem sei se quero ir

Você em olha como um recomeço

E eu te beijo e sinto nosso fim

Como pode o tempo ter passado

E tudo está perfeitamente igual


Você conhece cada canto meu

E nosso amor seria tão real

Se eu fosse a mesma de anos atrás

Se eu fosse a mesma de anos atrás

(Eu poderia até fingir)

Mas você sabe que eu não sou

Sempre amei apenas ouvi-la e sabia que na música ela encontrava

sua segunda paixão. Madu vivia entre a escrita e a música. Livros e


discos eram seus vícios e eu sabia que todo o seu sentimento tomava

forma ali. Não reconhecia a canção, mas como sempre, a colocaria em


minha playlist para poder ouvir depois e me lembrar dela.

O que remetia a certeza de que ela estar ali, ao meu lado, em um


dia de semana não era algo comum. Era na realidade algo raro para nós.

Fazia tempo que não tínhamos um momento juntos sem que a vida real
nos chamasse. Compartilhar momentos com ela sempre foi o ponto alto

do meu dia.

Ali, sabendo que ela me amava além do que eu esperava ou


imaginava, só poderia imaginar o que o Samuel de apenas dezoito anos
pensaria. De que forma reagiria. Aquela música parecia um verdadeiro
soco no estômago e a realidade era que não sabia lidar com a intensidade

que vinha dela. Nunca soube.

“E te assusta

Te assusta minha liberdade

E se culpa

Porque era linda nossa pouca idade

E me diz que igual nunca viveu

E te assusta

Pra onde a gente vai daqui

Não sei se tem pra onde ir

Você me diz que ninguém te conhece

Como um dia eu te conheci

Como pode o tempo ter passado

E nos dois de novo vendo o mar

Você me diz que agora faz sentido

Eu poderia até considerar

Se eu fosse a mesma de anos atrás


Se eu fosse a mesma de anos atrás

(Eu poderia até fingir)

Mas você sabe que eu não sou

E me assusta

Eu te olhar assim do mesmo jeito

E te assusta

Saber que o nosso foi seu melhor beijo

E pra sempre, igual não tem

E te assusta

Me assusta

Eu te olhar assim do mesmo jeito

Te assusta

Saber que o nosso foi seu melhor beijo

E pra sempre, igual não tem

E te assusta”[15]
— Não me olha assim. — falou, assim que parou de tocar,

sorrindo lindamente. — Sei que as coisas são recentes e que precisa


pensar sobre, mas... Eu ainda vou estar aqui. Independente de qualquer

coisa. Somos nós para sempre...

— E mais um dia. — Complementei, soltando a respiração que

nem notei que guardava.

Toquei seu rosto com carinho e tentei não sentir à vontade de unir
nossos lábios, mas parecia algo improvável. Eu queria seu gosto no meu

mais uma vez. Porém, me contive, sem querer confundi-la sobre algo ou
me confundir ainda mais. Madu merecia alguém inteiro e sem dúvida de

nada. Puxei-a para mim e passei um braço sobre seu ombro. Ela nos
empurrou para trás, e ali nos deitamos, em meio as roupas, e o céu

estrelado como nossa tela de fundo.

— Quantas pessoas podem ter visto a gente aqui? — perguntou

inocentemente e arregalei os olhos, finalmente me dando conta de que a


fazenda ainda tinha outras casas, afastadas dali sim, porém, qualquer um

poderia perambular. — Ei, não fica tenso!

— Eu só me toquei de... Meu Deus, você estava quase pelada na


frente dos peões e...
— Assim como você. — Escorou-se sobre meu peito, sorrindo

levemente. — Nada que qualquer um deles que tenha a sorte de estar


andando por aí, não tenha visto. — Piscou um olho. — Aliás, que tal a

gente só ficar aqui e esquecer um pouco que foi uma noite de revelações?
— perguntou de forma confiante, mas eu sabia que estava nervosa.

A mão sobre meu peito tremia e apenas concordei com a cabeça.

Ela escorou a cabeça sobre meu peito e ficamos ali. Estar com Madu me
remetia à paz, e tê-la ali, apenas me mostrava que no fim das contas, as
coisas eram como tinham que ser. E pela primeira vez em meses, não

pensei em nada além daquele momento. Madu era minha paz perdida.
Apenas temia que pudesse, de alguma forma, quebrar seu coração. Ou o

meu.
CAPÍTULO 10

“Só estamos dançando de costas um para o outro

Tentando manter nossos sentimentos em segredo

Você me toca e é quase como se soubéssemos

Que existiria história.”[16]

Madu

Virei-me de relance e puxei um corpo quente em minha direção.


Acomodei-me melhor, e abri os olhos lentamente. Pouca luz entrava pela

fresta da cortina na janela, e fora o bastante para ter o vislumbre de

Samuel. Depois daquele momento ao lado do rio, tínhamos decidido


entrar para tomar um banho e dormir. Eu também precisava comer algo e
ele parecia tentar não surtar. No entanto, entendia seu lado. Se algum dia

ele se declarasse para mim, em um momento que não esperava ou

sentisse o mesmo, ficaria confusa.

Suspirei fundo e tentei pensar em algum jeito de não o pressionar

com aquilo. A questão era que eu me sentia sufocada por guardar o que

sentia há tanto tempo, e pelo medo de o perder em um piscar de olhos. O

medo de perder sem ao menos ter lutado. Ele me atraía de uma forma
assustadora, e que me aterrorizava pois ele poderia nunca sentir o mesmo

a respeito de mim. Queria apenas deixar acontecer, como pedi a ele. Mas

como boa romântica que era, quanto tempo poderia ficar naquela até ter

meu coração quebrado?

Samuel nunca o faria de forma consciente. Contudo, ele era tão


humano como eu. O bastante para não poder me amar de volta.

O que ele poderia estar sentindo era uma atração repentina,


causada pelo fato de eu ser a pessoa próxima o bastante para saber que

precisava esquecer os próprios sentimentos. Uma muleta? Era aquilo que

poderia me considerar? Levantei-me devagar, afastando-me de seu corpo

e me sentei contra a cabeceira. Estávamos no meu quarto, e nada demais

acontecera. Ao menos, nada fora do que sempre fazíamos. Apenas

capotamos juntos na cama, e eu mal saberia dizer como me sentia a

respeito.
Feliz pelas coisas não parecerem estranhas o suficiente para nos

afastar. Triste porque não sabia como conquistar alguém. Nunca precisei,

aquela era a realidade. Passei as mãos pelos cabelos e os prendi no alto.

Meu celular vibrou na escrivaninha ao lado, e levantei-me por completo

da cama. Peguei o celular e sorri ao ver que era uma chamada de vídeo

de Larissa. Dei uma última olhada no homem esparramado de forma


confortável sobre minha cama, e deixei o sorriso preencher o rosto.

Apenas de lembrar dos nossos beijos, sabia que não tinha como estar

maluca por amá-lo. Era basicamente impossível não o sentir.

Assim que cheguei nas escadas, atendi a chamada de Lari e sorri

ao notar que tinha uma caneca, com certeza com café, em suas mãos.

— Olá desnaturada. — Anunciou, e revirei os olhos.

— Sabe que horas são? — indaguei, e encarei a parte superior do

meu celular. — Não acredito que está me ligando as sete da manhã! —


reclamei e ela gargalhou do outro lado da linha.

— O bom humor matinal permanece. — Piscou um olho, bebendo


mais um pouco de sua caneca. — Por que sumiu desde que saiu de casa

com Samuel?

Suspirei fundo e caminhei para fora da casa, tentando não acordar

ninguém, ao mesmo tempo que, querendo privacidade para falar com


minha amiga.

— Me declarei para Samuel ontem. — falei de uma vez, e os

olhos de Lari se arregalaram no mesmo instante. — E o beijei. —

Acrescentei sem conseguir conter um sorriso.

— Puta que pariu! — praticamente gritou, e agradeci aos céus

por ter sido esperta e não ficado dentro da casa. Parei do lado de uma

árvore e sorri da cara de tacho de minha amiga. — E ele?

— Ele parece confuso e... atraído. — comentei, engolindo em


seco. — Só tenho medo que Samuel esteja me usando sem ter

consciência disso.

— Ele jamais faria isso.

— Inconscientemente, as pessoas são capazes de muitas coisas.

— Pontuei.

— Mas estamos falando do Samuel, do seu Samuel... — enfatizou,

parecendo realmente lutar por aquele time. — Ele não ia corresponder


um beijo se não tivesse vontade. Você mesma disse que já tentou, quando

mais novos, obrigar ele a sair com várias pessoas e nunca funcionou.

— A questão é que essas outras pessoas não eram a melhor amiga

dele. — confessei o que realmente se passava por minha mente. —


Samuel sempre me protegeu do mundo, mas nunca teve que me proteger

dele. Talvez isso possa...

— Pera lá! Não vai começar as paranoias antes mesmo de as

coisas rolarem. — Revirou os olhos e sorriu levemente. — Se joga nesse

amor, Madu! Guardou isso no peito por muito tempo e sei muito bem que

tentou esquecer o que sentia com outros caras.

— E se ele estiver fazendo isso agora? — indaguei, sentindo-me

uma imbecil. Minhas inseguranças gritando a todo vapor. — Se eu for a

tábua de salvação perfeita para...

— O que?

Paralisei com o celular na mão, e fechei os olhos lentamente.

— Que merda! — ouvi Larissa falar, e no segundo seguinte ela

simplesmente desligou.

Não me virei para a voz, mas sabia que ele permanecia ali. Como

diabos não percebi que Samuel chegava? Talvez estivesse ocupada

demais surtando pelo que sentia. Merda!

— Ei! — encarei-o, assim que parou a minha frente. — Por que


parece com tanto medo de mim? — perguntou, e por um segundo, perdi-

me em mim mesma.
Na realidade, tinha medo de como ele me fazia sentir. Tinha medo

de perdê-lo para sempre no meio do caminho. Tinha medo de ter me

precipitado e me declarado na pior hora.

— Acho que tenho mais medo de mim. — Confessei com pesar.

— Por que a gente não toma café da manhã e depois conversa

sobre isso? — sugeriu e engoli em seco. No fundo, talvez fosse eu quem

quisesse fugir de uma conversa.

— Acho sensato, mas...

— O que? — perguntou, passando a mão levemente pela calça

moletom. Ele parecia perfeito ali, como um real mocinho protagonista de

um livro. Por que diabos eu também não poderia ser a protagonista?

— Nada. — Balancei a cabeça levemente e sorri. — Agora me

diz, quando vamos ter o seu dia e o meu?

— Bom, tinha pensado em começar hoje, mas... Acabei


acordando mais tarde do que costume.

Tive que sorrir, porque aquilo apenas mostrava que de alguma

forma eu mexia com ele. A ponto de perder seu tão regrado horário.

Samuel não era o tipo de pessoa que usava despertador, já que acordava

sozinho no mesmo horário.


— Devo ser um bom travesseiro. — Provoquei, dando-lhe as

costas, e seguindo em direção da casa.

Será que poderia admitir que meu coração, mais uma vez, batia a

ponto de saltar da boca?

— Ah claro! — rebateu, enlaçando levemente minha cintura. Era

um ato simples, que ele sempre fizera. Minha mente parecia a mil e

talvez, complicando tudo. Mais do que deveria. — Quem vê pensa que

não é você que me usa desse jeito.

— Admito que é um bom travesseiro. — Pisquei um olho e

adentrei a casa, com ele a tiracolo.

Assim que pisei na sala, o cheiro de café me abraçou. Realmente,


precisava de um gole. Segui diretamente para a cozinha. Parei a frente da

mesa de jantar e sorri ao notar Paulo arrumando os pães em uma tigela, e


ao seu lado, Clara trazia uma garrafa térmica. Os dois pareciam uma boa

parceria.

— Ei, casal apaixonado. — Provoquei, e logo Samuel apareceu a

minhas costas, enlaçando-me novamente.

Encarei-o e notei que o belo sorriso permanecia no rosto e por um


segundo, acreditei que as coisas poderiam ter mudado magicamente em

uma noite.
— Se eu não conhecesse vocês, juraria que são um casal também.
— Paulo comentou despreocupado e apenas assenti, tentando me afastar

de Samuel.

— Vou lá em cima rapidinho e já volto. — Avisei, e Samuel

acabou me seguindo. — O que foi? — indaguei, assim que chegamos as


escadas, notando que seu sorriso morrera no momento em que Paulo

falou a respeito de nós. — Samu, passamos a vida com as pessoas


acreditando que somos um casal ou devemos ser. O fato de ter admitido o

que sinto, não muda nada.

— Muda, pequena. — Admitiu, surpreendendo-o por completo.


— Precisamos mesmo conversar.

— Então por que simplesmente não fazemos isso? — perguntei

de relance, parando no último degrau. — Nunca fomos de esconder nada


um do outro.

— Por quanto tempo escondeu que me amava? — sua pergunta


fora como um tapa no rosto, e suspirei fundo, antes de tomar coragem

para responder.

— Cinco anos. — Admiti, e seus olhos se estreitaram.

— Caralho! — levou as mãos ao rosto, completamente incrédulo.


— Como conseguiu fazer isso?
— Sei que conversamos sobre tudo, mas eu pensei que o
sentimento ia passar e que tudo voltaria ao normal. — Engoli em seco,

tentando não parecer perdida. — Mas não passou e aqui estamos.

— Todo esse tempo eu...

— Talvez seja mais sonso do que eu imaginei. — Provoquei,


tentando aliviar a tensão. — Por que parece querer me dizer algo? —

indaguei, notando seus olhos castanhos analisadores. — Samuel! —


insisti.

— Eu não sei fingir nada pra você. — Confessou. — Mas acho


que preciso de um banho antes.

— Ok.

Andei em direção ao meu quarto e parei com a mão na maçaneta.


Samuel parou na porta da frente, que era do seu quarto, e deu um sorriso

antes de entrar. Aquele tipo de sorriso que deixa uma margem gigantesca
para imaginação.

Adentrei meu quarto e encostei-me rapidamente contra a madeira

da porta. Soltei o ar que sequer sabia que segurava e tentei imaginar o


que faria a seguir. Tirei o celular do bolso e o coloquei no volume

máximo, com uma música que me deixava ainda mais solta – Good As

Hell[17].
“Ei, garota, tô cansada dessa baboseira

Vá e tire a poeira de seus ombros, siga em frente

Sim, Senhor, estou tentando coisas novas

Como sair, usar biquínis, ir à piscina, essas coisas

Vamos, enxugue seus olhos

Você sabe que é uma estrela, você pode tocar o céu

Eu sei que é difícil, mas você tem que tentar

Se você precisar de conselhos, deixe-me facilitar

Se ele não te ama mais

Simplesmente dirija sua linda bunda para a saída.”[18]

Entrei no banheiro com o celular na mão e já praticamente nua.


Felizmente, como vira no dia anterior, permaneciam dentro do box os

mesmos produtos que deixei da última vez que viera para a fazenda.
Deixei a playlist me embalar enquanto tomava um belo banho. Cantar me

levava a outra dimensão, na onde tudo era possível. Era o tipo de


relaxante que precisava. Longe de tudo e perto de mim mesma.
CAPÍTULO 11

“Mas se o mundo estivesse acabando, você viria, certo?

Você viria e passaria a noite

Você me amaria e pro inferno tudo isso?

Todos os nossos medos seriam irrelevantes.”[19]

Samuel

Passei a toalha no cabelo ainda molhado e por um tempo, apenas


permaneci ali, parado a frente do espelho. Soltei um suspiro profundo e

deixei a toalha sobre a cama, encarando meu reflexo. Segurei contra a

madeira da velha cômoda e meus pensamentos viajaram para o que


estava atrás da porta à frente da minha. Ou melhor, para quem. Madu
sempre foi uma parte bonita de mim, e nunca considerei a possibilidade

de perdê-la, independente do que fosse.

O que me atormentava ali, não era ela ter se apaixonado, mas sim,

o fato de ela ter admitido. O quão corajosa ela era por aquilo? Abaixei a

cabeça e pensei em mim mesmo. Não sabia por onde começar a me

explicar e muito menos como. Na realidade, talvez não devesse falar

sobre o que passou. O passado era apenas passado, certo? Porém, desde
o momento em que seus lábios tocaram os meus, soube que não tinha

ficado esquecido ou enterrado. Aquele sentimento ainda vivia em mim.

Lembrava-me claramente de quando me vi apaixonado por ela.


Nunca me sentira tão perdido quanto naquele momento. Tinha acabado

de completar dezoito anos e não conseguia parar de pensar nela.


Diferente de antes, não era apenas como minha amiga. Eu a desejava, e

aquilo me matava por dentro.

Lembrava-me de tentar contar e até mesmo decidir que o

precisava, contra todo meu medo de a perder como parte de mim.

Lembrava-me de estar chovendo, do buquê de rosas vermelhas em minha

mão, e o que tentei decorar para impressioná-la. Eu não era bom com

palavras. Nem de longe como ela. Sentia-me acuado e medroso, mas de

repente, estava à frente do seu novo apartamento desde que entrara na

faculdade.
A primeira lembrança que tive foi de ser recepcionado não por

ela, mas por um cara. O que mais tarde viera a saber que era seu mais

novo namorado e que ela estava completamente envolvida. Não sei como

criei uma desculpa qualquer, mas o fiz, para as flores. Todo o meu

discurso mental de como contar que a amava ficara preso em mim

mesmo, a ponto de quem sabe, explodir. Demorei tempo demais para


superar, e até mesmo acreditei que o tivera feito. Se não fosse o seu beijo

ter mexido tanto comigo.

Por um segundo esqueci-me completamente de Clara e o terror


em minha mente de estar apaixonado por ela. Naquela noite, com Madu

adormecida em meus braços, percebi que não chegara perto de um por

cento do que um dia senti. E que quem sabe, ainda sentia. Contudo, por

mais simples que parecesse. Não o era.

Lidar com sentimentos era a parte minha que sempre desistia.

Lidar com sentimentos por Madu me aterrorizava. Como ela poderia

entender tal coisa? Como ela poderia simplesmente aceitar que não a

esqueci, sem ter noção que um dia me apaixonei? Conheci-a bem o

bastante para saber que não aceitaria nada facilmente ou sem as mínimas

explicações.

Talvez apenas precisasse fazer como ela pediu: deixar acontecer.

O que não era do meu feitio, não com ela. Por isso sabia que ouvi-la
concordar com Larissa que existia um homem certo que atravessara a

porta de seu apartamento, fez-me sentir insano a ponto de considerar-me

ciumento. Era mais preferível amar Clara, do que voltar a amar Madu.
Contudo, não era uma escolha. Meu coração nunca me deu tal

possibilidade.

Mas era eu... O que mudava tudo de figura e conformação. Ela

falava de mim, e agora sabia, guardara o que sentia por cinco anos. Por

que decidira contar justamente naquele momento? Levei as mãos ao rosto

e encarei-me. Meus pensamentos pareciam presos ao passado, ao mesmo

tempo, que torcia para o presente ser tão perfeito, para termos a chance

do futuro.

— Ei caríssimo!

Ela adentrou o quarto como um furacão. Vestia o que parecia ser

uma blusa cigana e solta, só que mais curta, deixando sua barriga

exposta, assim como um grande decote. Uma calça tão esvoaçante

quanto, fez-me estacar no momento, e só a analisar. Guardara aquela

admiração e desejo de homem por tanto tempo, que sequer estava

preparado para quando viesse à tona.

— Eu encontrei uma música PERFEITA! — basicamente gritou e

pareceu não se importar com o fato de eu estar apenas de toalha a sua


frente, e a comendo com os olhos. Por Deus, estava a ponto de perder a

mente e ela falava sobre o que mesmo?

— O que? — indaguei, sem o mínimo de interesse, e tentei

desviar meus olhos dos seus, porém, parei justamente na parte exposta do

pescoço, pelos cachos presos no alto da cabeça, claramente, ainda

molhados. O quanto sonhei em simplesmente fazê-los uma bagunça

perfeita sobre a minha cama?

Se controla, porra! Xinguei-me mentalmente.

— Aqui. — Colocou o celular ao meu lado, e não consegui

desviar o olhar. Madu parecia genuinamente feliz. Acabei sorrindo,

porque no fundo, ela não era culpada pelo fato de eu sempre ter sido

covarde a respeito do que sentia. De admitir de fato. Era fácil estar

apaixonado por qualquer pessoa. Mas não para com ela.

— Presta bastante atenção na letra! — exigiu, e assenti, virando

para a cama ao lado, e pegando minha toalha, trazendo-a para o cabelo

novamente.

Esperava uma batida lenta, uma letra romântica ou até mesmo

poética, porém, ela me pegara completamente de surpresa. Não a olhei,

mas fiquei por alguns segundos apenas absorvendo cada palavra.


“Pode chegar, a porta já tá destrancada

Tô te esperando no segundo andar

Mas, a gente começa na sala, se você quiser

Eu nem vou me importar

Ah, olha só que coisa louca se essas escadas pudessem falar

Eu gosto de você em qualquer roupa

Ainda mais quando são fáceis de tirar com a boca

Te devoro, doma essa loba, eu imploro de joelhos

E você adora segurar o meu cabelo quando tô de costas

E você olha pra mim, dizendo: Não faz assim, que fica foda de ir embora

Mas amanhã eu volto e recompenso todas essas horas sem dormir

Baby, vai rebola em mim

E fica foda de ir embora

Mas amanhã eu volto e recompenso todas essas horas”[20]


Soltei uma respiração pesada e a encontrei de costas, cantando a

plenos pulmões. Madu nunca cantava por nada ou simplesmente para o

nada. Ela sempre tinha um significado para o que fazia. E era uma parte

de si que sempre admirei por completo. Quando ela virou e começou a

cantar me encarando, entendi que escolhera aquela música para se

mostrar para mim. Como se: ei, eu sou uma mulher!

Eu tinha completa noção daquilo. Ela que não tinha ideia do que

fazia comigo naquele momento.

Seus olhos me prenderam, e cerrei os punhos, na falha tentativa

de me conter. Ela deu passos em minha direção ainda cantando, e parou


apenas a um fio de cabelo de distância. A mão sobre meu peito nu, e fez

todo meu corpo sentir como se uma descarga elétrica o encontrasse. Será
que ela não tinha noção do que fazia?

“Longe da minha cama, sei que sente falta e pensa no fim de semana

Porte de atleta, aguenta uma maratona

Oh beleza humana, sabe que essa marra sempre acaba

Quando tô pelada, chamando seu nome

Com tesão, diaba virou o meu codinome

Pronta pra atentar, essa leoa sente fome


Vai, me usa Me nomeia sua musa”[21]

— Não faz isso. — Pedi, a voz mais rouca e meu corpo


completamente pronto para tê-la. — Não me tortura desse jeito.

Ela subiu a mão que estava em meu peito até meu rosto, e seu

corpo ficou firmemente colado no meu.

— Você me deseja. — Não era uma pergunta, mesmo assim,

assenti, levando uma mão para os cabelos presos, e soltando-os, sentindo


a textura e encaixando-a perfeitamente em sua nuca. — Samuel...

— O que? — indaguei, virando-a de costas e puxando novamente

para mim, deixando um leve beijo no seu pescoço.

Sua pele se arrepiou por completo, entregando-me a resposta que


tanto desejava.

— E você me deseja. — falei, puxando levemente o lóbulo da sua


orelha. — Agora sai daqui antes que eu esqueça o meu próprio nome e

faça o mesmo com você.

Ela gargalhou baixinho, e pareceu me entender completamente.


Antes de se afastar por completo, olhou-me pelo ombro e piscou

levemente. Ela sabia, tanto quanto eu, que se permanecesse por mais um
segundo ali, não existia chance de não irmos diretamente para cama.
Mas Madu era imprevisível, e sabia bem daquilo.

O que ela confirmara ali só a fazia querer-me mais. Ao menos,


era o que eu esperava. Porque nunca desejei alguém tão ardentemente

como naquele exato instante.


CAPÍTULO 12

“Ele faz com que as batidas do meu coração

Saltem lá pela Décima Sexta Avenida

Entendi, oh, quero dizer

Quero ver o que tem por baixo dessa atitude

Eu quero você, Deus me ajude

E eu não tenho que dizer a ele, acho que ele sabe

Eu acho que ele sabe.”[22]

Madu

— O casamento é pra quando? — perguntei, assim que me sentei

a frente do casal sorridente.


Clara deu de ombros como se não tivesse ideia, e Paulo pareceu

pensativo por alguns segundos. Fiquei aguardando a resposta, enquanto

meu coração tentava sincronizar as batidas. Aquele momento com

Samuel me tirara do eixo. Eu sempre o idealizei como um homem

quente. Do tipo que consegue te virar do avesso apenas com o olhar mau.
Ele tinha aquele olhar. A diferença era que nunca o tivera tão preso ao

meu. E o seu corpo...

— Pelo que conversamos, Clara quer algo especial, mas ainda

não sabe o que. — Pisquei algumas vezes, encarando o irmão do homem

que estava infernizando minha mente e que a qualquer momento poderia

aparecer.

Paulo passou o braço sobre o ombro de Clara que sorriu


levemente.

— Nunca pensei em casar, e de repente, tudo o que queria era


isso. — falou, como se rindo de si mesma. — Pareço como a Lia, de um

dos seus livros. — comentou e acabei assentindo, pois fazia todo o

sentido. Paulo franziu o cenho, com certeza, sem entender nada.

— Lia pregava para todos os cantos o ódio ao casamento, por

conta de um babaca que a deixou no altar. — expliquei rapidamente,

tentando tirar de minha mente a imagem de Samuel, apenas de toalha,

com o corpo perfeito e pronto para mim. Foco, Madu! — Mas ela
conheceu alguém que mudou a ideia sobre isso. Ao menos, que não se

precisa de um altar para se casar, nem papéis... O casamento é um

símbolo, para eles. Cada um pode decidir o seu. — Pisquei um olho para

Paulo, que parecia absorver a informação.

— E você? — Paulo perguntou, no momento em que dei uma

leve mordida no pão e engoli o alimento de forma forçada. — Sempre foi

tão romântica... Não pensa em casar?

— Tem uma grande diferença entre romantismo e casamento. —

Pontuei, piscando um olho. — Mas pelos exemplos que tive e ainda

tenho, acredito que sim. Ainda assim, tem coisas que não dependem só

de mim.

— Eu aposto que se pedisse Samuel em casamento, ele corria até

você na mesma hora. — Foi o momento em que senti o pão travar em

minha garganta, e tossi de forma grosseira. Puta merda! Tudo o que


precisava era do irmão mais novo casamenteiro, que nos viu como um

casal a vida toda.

— Respira!

A voz de Samuel chegou até meus ouvidos, e ele bateu levemente


em minhas costas, como se tentando me acalmar. Ao mesmo tempo que

me estendeu um copo de água que não tinha ideia de onde saíra.


— Paulo! — Clara falou e o fuzilou com os olhos, enquanto me

recompunha.

— O que? — fez-se de desentendido, e notei seu olhar analisador

sobre Samuel, que ainda permanecia com uma das mãos em minhas

costas, e não estava nem um pouco longe. — Olha só para eles! Quem

não vê um casal?

— Cala a boca, Paulo! — Samuel o repreendeu duramente, e

voltou seu olhar para o meu. — Tá tudo bem? — indagou, e notei a

preocupação em seu semblante.

Como sempre, a parte insegura de meu ser apontava que ele não

nos declararia como um casal pois estávamos justamente a frente de

Clara. Porém, não tinha sentido se tornar uma paranoia. Passei a vida

toda mandando os outros calarem a boca quando nos apontavam como

casal. Samuel apenas fizera o mesmo. Em uma noite as coisas

simplesmente não se desfazem e se tornam o sonho que queremos. A

questão era que meu sonho se tornara real em seu quarto, minutos atrás.

Era naquilo que me apegaria.

Minhas urgências e paranoias que lutem!

— Ahan. — falei, pegando a jarra de suco de laranja e colocando

no copo. — Paulo ainda tenta me matar de forma silenciosa, mas...


— Ele agora virou pregador do amor. — Samuel soltou de uma

vez, de forma sarcástica, e acabei sorrindo. Era um dos seus lados mais

bonitos, quando ele se despia da seriedade e se deixava levar pelo

momento. Será que poderíamos voltar ao momento de ele quase nu me

desejando?

Por Deus, eu ia enlouquecer!

— Será que devo falar como ele era antes de Clara? —

provoquei, e Paulo arregalou os olhos, enquanto Clara gargalhou alto.

— Não há muito que contar, na verdade. — Ela esclareceu, e

notei o semblante de Paulo quase branco. — Os irmãos Antunes têm uma

fama por aqui. No nível dos irmãos Torres e Esteves.

Eu não tinha ideia de quem eram os últimos, mas ela teve toda

minha atenção.

— Fama? — perguntei surpresa, já que não era nem de perto o

que esperava.

Os Antunes como irmãos famosos na cidade do interior? Aquela

era uma novidade que Samuel nunca chegou a falar sobre.

Samuel se moveu e puxou a cadeira ao meu lado.

— Não tem nada demais. — Ele se adiantou, parecendo

despreocupado.
— Então, não vai se incomodar se eu souber? — perguntei, e

fiquei feliz ao notar seu olhar tranquilo e a forma como assentiu

levemente. Mesmo assim, notei a forma como ele transpassava, ao menos

para mim, que sua mente não estava ali. Estaria preso ao mesmo

momento que eu?

Compartilha a música Codinome[23] com ele, fora como declarar

o desejo que fluía em mim, e saber, se de alguma forma, também fluiria

por ele.

— Bom, comentam por aqui que eles são os solteiros mais

desejados, junto com o Tavares, da fazenda vizinha ao norte. — Clara

falou sorrindo. — Essa semana tem uma feira na cidade, e devia ir com a

gente. Verá por si mesma!

— Isso me parece interessante. — Fuzilei Samuel com o olhar,

que sequer comentou sobre a feira.

— Nem me olhe assim! — falou, entendendo-me completamente.

— Não gosto de multidões, mesmo que seja numa pequena cidade.

— Nós vamos. — Intimei-o, e ele me encarou, claramente sem

vontade. — Não vamos? — toquei levemente em sua coxa ao meu lado,

de forma que apenas nós poderíamos ver o movimento.


Ele engoliu em seco, e tive que conter o sorriso. Um gesto tão

comum entre nós, e que de repente, parecia mudá-lo por completo. Os

olhos suaves pareceram em chamas, e ele apenas assentiu, sem prolongar

a conversa.

— E essa é Madu Oliveira, a única pessoa capaz de dobrar meu

irmão. — Paulo anunciou, como sempre, provocativo.

— E essa é Clara...

— Gomes! — ela complementou, sorrindo, e o sorriso de Paulo


sumiu.

— Clara Gomes, senhoras e senhores. — Bati duas palmas, e

continuei debochando de Paulo. — Capaz de prender o maior cafajeste e


o fazer apaixonado com um olhar.

— Vai pagar por isso, Oliveira. — Paulo falou decidido, e


fingindo-se de bravo.

— Mal posso esperar, caubói.

Samuel gargalhou ao meu lado, assim como Clara, e percebi que

não parecia mais tão incomodado. Talvez eu tivesse virado a mente dele,
ou a nossa noite o fizera. A questão era que valia a pena lutar. Por ele,

sempre valeria.
Tirei a mão de sua coxa, e ele me encarou, com um recado
silencioso no olhar. Samuel não era mais apenas o meu melhor amigo,

nem mesmo o homem que povoava meus sonhos mais quentes. Ele se
portava como o dono da situação, e aquilo me deixava ainda mais

intrigada a respeito. Ele me atraía e puxava para perto com o olhar. Se ele
me tocasse da mesma forma que antes, mais uma vez, eu cederia. Sem

arrependimentos algum.
CAPÍTULO 13

“Você segura minha mão na rua

Me leva de volta para aquele apartamento

Anos atrás, estávamos lá dentro

Com os pés descalços na cozinha

Novos começos sagrados

Isso se tornou minha religião, escute.”[24]

Madu

— Isso me lembra tanta coisa. — Comentei, assim que adentrei a

cozinha, com as louças sujas ocupando as mãos.


Depositei-as sobre o balcão da pia, e sorri, encarando a parte do

armário que permanecia sem porta alguma. Fora a mesma que destruímos

muitos anos atrás, após nos escondermos em um esconde-esconde com as

crianças mais novas, e cairmos de lá por uma luta de cosquinhas

desnecessária.

Apontei para o lugar vazio e Samuel sorriu lindamente, deixando

o que trazia ao lado das outras louças.

— Sinto falta deles. — Admitiu, escorando-se na pia, e parecendo

um pouco longe. — Sempre foram tão presentes na minha vida, e de

repente...

— Acaba. — Complementei com pesar, pois o entendia

completamente. Seus avós, que também ajudaram na minha criação, após

a perda dos meus pais, tinham falecido há cerca de seis anos.

Primeiro foi Nora, que já apresentava alguns problemas

cardiovasculares sérios. E cerca de uma semana depois, Luís Antunes

pareceu se entregar a morte enquanto dormia. Não existia explicação. A

não ser que, a vida para ele era difícil demais sem ela. Era um jeito
bonito de se pensar, e de se lembrar de ambos.

Conhecia a dor da perda. Perdera meus pais há tantos anos, e a


dor ainda permanecia ali, como um toque no ombro, quando momentos
felizes chegam. Não os ter e não poder compartilhar nada com eles, era o

que mais doía. Internamente, sempre fiz de cada momento algo nosso,

não apenas meu. Pois mesmo tendo-os perdido, sentia que viviam em

mim. Eu era a representação de seu amor, como eles mesmos diziam.

Assumi tal papel.

— Sabe que pode falar comigo, não é? — perguntei, e toquei

levemente seu peito, em um carinho terno.

— Eu sei. — Admitiu, beijando levemente minha testa. — Se não

fosse você, com certeza teria perdido minha mente.

— Ei! — abracei-o com carinho, e depositei minha cabeça em seu

peito. — Sempre foi mais forte do que realmente pensa. Então, eu penso

por nós. Pode deixar.

Senti seu sorriso em meu pescoço, e acabei fazendo o mesmo.

Samuel escolheu o campo, a fazenda, e estar ali. Ele vivera com os avós a

maior parte de sua fase adulta, e sabia que o laço entre eles se tornara

ainda mais forte. A dor da perda é única para quem sente. Não poderia
afirmar que ele sentira mais do que todos. Contudo, sabia que nunca o

vira entrar no escuro como naquela época.

A não ser quando adentrou o mesmo quando eu me encontrava

por lá. Ainda éramos crianças, e ele o fez para me ajudar a voltar. Para
que eu pudesse ver algum sentido na vida, novamente. E ele o fez.

Sempre seria grata por aquilo. Porque foi por ele que voltei a querer

viver, para depois poder me reencontrar, e acreditar em uma boa vida.

— O seu calcanhar de Aquiles. — comentei, sorrindo para ele.

— Meus pais nunca se cansam de te chamar assim. E tem toda

razão. — Passou as mãos levemente por meus cabelos. — Ter você aqui

me faz sentir ainda mais em casa.

— Prometo que venho mais. — falei sem sequer pensar, e


sabendo que também precisava daquilo. — A gente nunca ficou tanto

tempo separado, e eu me vi chorando na balada por sua culpa! — acusei-

o e peguei o pano de prato pendurado em um gancho da parede a frente,

batendo-o em seu peito. — Isso foi muita maldade!

— Acho que ambos ficamos presos ao nosso trabalho, e não

percebemos que falar por mensagem ou chamada de vídeo não é o

suficiente. — Argumentou e acabei tendo que concordar.

— E você me apareceu apaixonado. — comentei, escorando-me

contra a pia, e sem desviar de seu olhar. Notei a mudança em seu

semblante e tentei me conter, todavia, não conseguia me enganar e muito

menos parar minha curiosidade. — Como está se sentindo agora?


Poderíamos conversar abertamente ali. Paulo e Clara tinham ido

passar o dia com os pais dela, e então, éramos apenas nós.

— Confuso... — admitiu, e assenti, pois já o desconfiava. — Mas

tão certo quanto nunca de como me sinto.

— Como assim? — perguntei, temendo minha grande língua, e


ainda mais, o que se passava na mente de Samuel.

— Que tal esse ser o seu presente caso perca nossa aposta? —

indagou, e abri a boca em choque.

— Não ousaria negociar sua voz! — semicerrei o olhar e ele deu

de ombros, segurando levemente no balcão.

Vestia uma camiseta de cor preta simples, assim como jeans. Os

pés estavam descalços, o que me lembrava o quanto ele odiava meias.

Saber dos pequenos detalhes sobre, apenas me mostrava que realmente o

amava. Era nos detalhes que descobri aquele amor, e eram exatamente

eles, que gostaria de me estender.

— Talvez. — Mordeu o lábio inferior, e sabia que só poderia estar

encarnando o próprio pecado.

— Sai pra lá! — pedi, querendo ficar à frente da pia. — Não é

todo dia que estou de bom humor para te ajudar.


— Ou de mau humor para descontar nos trens. — Revirei os

olhos, e prendi meu cabelo no alto da cabeça, para começar a separar as

louças e lavá-las.

— Me diz você, caríssimo. — falei sem vontade, e sabia que me

analisava, ao lado. — Vai mesmo me torturar para saber o que sente? —

indaguei, e ele negou com a cabeça. — Ótimo! Pode começar. — Pedi,

sorrindo de lado.

— Tem medo disso? — perguntou de repente, calando-me no

mesmo instante. — Medo de a gente estragar tudo?

— Tive esse medo por cinco anos. — Confessei, ligando a

torneira e tentando não pirar. — Mas quando vi que tinha outra pessoa,

eu não pensei mais, só agi. Precisava que soubesse que lutei por amor.

— Dramática do dedinho do pé até o último fio de cabelo. —

comentou, e assenti. Ele me conhecia profundamente, e tinha propriedade

para falar. — Sabe que te amo exatamente assim, não é?

Parei, vendo que estava gastando água à toa e não lavando nada.

Desliguei o registro e me apoiei no balcão.

— Eu sei. — Sorri sem muita vontade. — Só quero que conheça

meu lado mulher, e quem sabe...


— Eu te admiro por ter coragem de admitir o que sente. —

Interrompeu-me de imediato, e o encarei confusa. Não era do feitio de

Samuel. — Eu não o fiz. Ao menos, não com mais afinco.

Suspirei fundo, torcendo os lábios, e sabendo que meu desânimo

era evidente.

— Sei que deve ser difícil a ver com seu irmão, mas... Está na

cara que eles se amam. E pelo que vi, ela não te olha com nenhuma

intenção. — Confessei, tentando não parecer que jogava contra aquele


time. Porém, era impossível ser neutra. — Olha, Samu... Não é por mim,

nem pelo o que sinto. Vim aqui dizendo que era para te proteger, mas na
verdade, foi por mim. Para me proteger de te perder. O que encontrei foi

um casal apaixonado e toda essa intensidade... — fiz um sinal entre nós,


deixando claro o que queria dizer. — Nunca brigamos por nada, e em
poucos minutos aqui, acabamos o fazendo. Eu não sei te dizer nada sem

estar completamente envolvida. Sinto muito. Se Clara demostrou algo


que não vi ou...

— Eu tentei, Madu. — falou e a covinha em seu rosto ficou ainda

mais evidente. — Tentei, com rosas e uma fala decorada na mente. Era
um dia de chuva e eu nunca senti tanto medo na vida. — Confessou e

fiquei paralisada, sem conseguir entender.

— Você tentou algo com ela antes de...


— Mas foi seu primeiro namorado que abriu a porta, e ali, eu
temi tanto te perder, que apenas aceitei.

Paralisei por completo e meu cérebro deu uma volta, lembrando


claramente daquele dia. Anos atrás, Samuel com um buquê de rosas na

frente do meu antigo apartamento. Fora exatamente no dia que Fabrício


me pedira em namoro. Lembrava-me das rosas e do sorriso forçado de

meu amigo, mas compreendi que era pelo fato de estar nervoso para pedir
uma pessoa especial em namoro. Alguém que nunca conheci e fiquei

atormentando-o por mais de um ano para saber. Alguém que ele nunca
falou abertamente.

— Espera. — Levantei uma mão e o encarei completamente

perdida. A culpa me bateu profundamente, justo ali. — Eu era a


namorada invisível? — indaguei, lembrando-me do apelido que criei.

Não tinha ideia de que fora o apelido que criara para mim mesma. —
Você...

— Eu nunca te disse o que queria dizer naquele dia. Talvez não


seja tão forte quanto você imagina. Mas eu só queria que fosse feliz, e

você estava sendo. Então escondi o que realmente sentia. — falou e notei
o olhar castanho constrangido. — Sempre fiquei perto de contar, mas

nunca me senti confiante. Amar você, Madu, sempre foi fácil. Mas te
amar como homem, me fez feliz e inseguro. Sinto muito pela parte do
medo ter ganhado.

— Mas... Eu não entendo. — falei, levando a mão a frente, e me

perdendo em toda a situação. — Isso faz mais de doze anos. — Deixei


meus pensamentos saírem em voz alta. — Puta merda, Samu!

— Eu sei que é difícil digerir isso, mas... Desde que cheguei na

balada, vi algo diferente em você. Na forma como me olhou e... Talvez


tenha sido o tempo separados e tive medo de me enganar sobre. Mas

quando me beijou, simplesmente não pude mais guardar. Pensei que com
o tempo ia esquecer e que tudo ia ficar bem. Acho que por isso tentei

tanto acreditar na ideia de gostar da Clara. Porque no final, ela é alguém


proibida, e isso ainda me deixaria livre para amar você.
CAPÍTULO 14

“Eu já sabia que te amava naquela época

Mas você nunca saberia

Porque eu me calei com medo de perder

Eu sei que eu precisava de você.”[25]

Samuel

Eu esperava o olhar confuso.

Eu esperava a forma como seus olhos piscaram algumas dezenas


de vezes e nada saiu de sua boca aberta. Meu coração estava batendo

rápido, ao mesmo tempo que parecia a ponto de perder uma batida.

Nunca pensei que realmente lhe diria como me sentia. Como me sinto.
A forma como ela me olhou quando cheguei a balada. A forma

como se portou a minha frente e os olhos castanhos claros me chamando

para si. Tudo pareceu mudar quando coloquei os pés à sua frente

novamente. Um mês foi capaz de me deixar perdido, encontrando o amor

no lugar menos provável. Um mês foi capaz de uma admissão e ao


mesmo tempo, a cabeça se perder por imaginar que minha melhor amiga

tinha se apaixonado. Vi-me perdido por ela novamente. Vi-me

encontrado quando me beijou.

— Isso não faz sentido, sabe? — indagou, levando as mãos ao

rosto, sem realmente me encarar. — Você não pode parar de amar alguém

do dia para noite.

— A não ser que não seja amor. — comentei, e dei um passo em


sua direção.

Sentia-me pronto para o que fosse, mas não para que sua mente
ainda permanecesse na ideia de que existia outra pessoa. Na realidade,

nunca saberia quando existiu. Sentia-me um completo idiota por ter

considerado estar apaixonado por Clara, e ao mesmo tempo, confessado a

Manu. Se não o tivesse feito, com certeza, as coisas não estariam naquele

patamar de bagunça. Contudo, a fala de Madu deixava bem claro que

fora minha confissão que a fizera lutar por mim. Onde diabos estaríamos

se continuássemos nos escondendo um do outro?


— Por favor, não me olha assim. — pedi, assim que notei os

olhos castanhos marejados.

— Isso não é justo. Me usar como uma segunda opção ou...

— Eu jamais faria isso! — falei prontamente, e puxei sua mão

levemente até meu peito, onde meu coração batia freneticamente. —

Nunca tive que me declarar para ninguém na vida, Madu. Não sei como

fazer e confesso que estou morrendo de medo. Mas não vou te perder de

novo, não depois de ter provado um pouco do que sempre sonhei.

— Entende que não faz sentido para mim? — indagou, afastando-

se de forma errática. — Alguns dias atrás estava de coração partido

acreditando que você amava outra mulher, e agora... — levou as mãos

aos cabelos, claramente nervosa. — Eu não sei o que pensar.

— Disse que parou de pensar e só agiu depois que me ouviu falar

dela.

— Isso foi diferente. — Rebateu, parecendo ficar ainda mais

relutante. — Isso...

— Você só lutou por mim porque se sentiu ameaçada. Vamos ser

sinceros, Madu. Ficou cinco anos guardando seus sentimentos, e eu estou

há mais de uma década assim. Acho que tenho mais experiência pra dizer
que isso não vai passar. — Fui sincero e a encarei profundamente. —

Quase passou todos os dias, mas de verdade... Não passa. E aqui estamos.

— Isso se chama pressão. Estou te pressionando desde que botei

os pés aqui. — Pareceu vencida e negou com a cabeça.

— Acha mesmo que faria qualquer coisa para te magoar? —

perguntei, sentindo-me acuado. Ela não me encarou e sequer disse algo, o

que tomei como resposta. — Então você não me ama, ou ao menos, não

da forma que pensa.

— O que? — sua voz saiu como um sussurro, e ela permaneceu

de cabeça baixa.

— Se me amasse, ao menos como seu melhor amigo, saberia que

eu jamais deixaria um beijo entre nós acontecer, se não o quisesse.

Jamais brincaria com seus sentimentos. Nunca fiz isso e nunca vou fazer.

Quando concordei que uma mulher me desestabilizava e até mesmo

considerei fingirmos um namoro, foi porque estava desesperado.

Desesperado por você. O medo de que você amava outro me deixou

assim. — fui incisivo, e deixei os ombros caírem de lado. Sentia-me

exausto por aquela discussão sem fim. Ao menos, longe do fim com a

mulher que amava nos braços. — Você disse para deixarmos acontecer e

concordei com isso. Só estou te contando tudo, porque quero deixar claro
que meu coração não está em jogo. Ele sempre teve uma única dona.

Você.

Pensei em dizer mais alguma coisa, mas sabia que não

conseguiria. Sentia-me sufocado pelas palavras guardadas por longos

anos, e agora, finalmente proferidas, sentia-me em meio ao caos de não

saber se tinha a perdido de vez. Suspirei fundo e segui em direção a sala

de estar, para depois subir as escadas. Madu parecia precisar de tempo, e

eu, precisava enfiar minha cabeça no trabalho. Tentar ao menos, não

surtar pelo fato de não saber se era amado, como eu a amava.

Há anos ela era meu mundo.

Há mais de uma década, ela se tornara um sonho.

Há algumas noites, ela se tornara real.

Há alguns instantes, vi-me perder o que sequer cheguei a ter.

O quanto a vida poderia se resumir a momentos?

Adentrei meu quarto e retirei a camisa, já em busca de alguma

que geralmente usava para acompanhar os peões nas atividades diárias da

fazenda. Eu amava fazer aquilo, e ainda mais, administrar o que meus


avós criaram com tanto esforço e carinho. Contudo, minha cabeça não

estava em lugar algum, a não ser, no andar debaixo.

Era o efeito de Madu sobre mim.


Batidas na porta chamaram minha atenção, e mudei o olhar do

nada para a porta. Deveria ser meu irmão ou qualquer outra pessoa.

Madu não era de bater. Fui até a porta e assim que abri, a surpresa me

pegou por completo. Talvez, em meio ao medo de perdê-la, esqueci-me

de que ela era imprevisível.

Madu me encarou com tamanha adoração que não soube o que

fazer. Assim que abri a boca para dizer algo, senti meu corpo ser

empurrado contra a madeira, e meus lábios tomados pelos dela. Talvez as

palavras não fossem mais necessárias. O beijo fora diferente dos

anteriores. Sentia a entrega total de seu corpo, assim como a aceitação do

meu.

— Vamos esquecer nossos nomes. — Sussurrou, afastando-se

levemente do meu corpo, e puxei-a firmemente para mim.

Seu corpo se moldou ao meu, e não pensei em mais nada. Ali,

sabia, éramos apenas duas pessoas em busca da paz que tínhamos

perdido. Em busca do prazer que apenas o outro poderia proporcionar.


CAPÍTULO 15

“Então só por essa noite a minha pele é sua

E o conflito de certo e errado continua

Talvez eu pense muito

Talvez seja você”

Madu

O beijo era diferente.

O toque era algo que não esperava.

Na realidade, eu estava completamente presa ao momento.

Senti-me cair sobre a cama, e no mesmo instante, Samuel fez o


mesmo. Encaramo-nos, naquele olhar tão nosso. Apenas nosso. Puxei-o
para o beijo que tanto deixava, sem lembrar o porquê de nunca o ter

pedido ou tomado. Suas mãos se espalharam por cada pequeno canto

meu. Sentia-o em minha blusa sendo tirada, deixando-me nua na parte de

cima, e o olhar que parecia me varrer e queimar ao mesmo tempo. Sentia-

o no toque suave e que deixava um rastro de destruição por onde passava,


até os lábios substituírem com o toque molhado e certo sobre meu colo.

Poderia ter idealizado dezenas de milhares de vezes, enquanto me


entregava a outros, buscando uma conexão que me fizesse esquecê-lo. A

questão era respondida ali, do porquê nunca consegui simplesmente dar

adeus aquela fantasia. Pois não o era. Era o corpo sexy e feito para pecar,

que aos poucos, passava a desbravar.

Deixei-o nu do tronco para cima, e fiz questão de nos virar na


cama, para descer lentamente por cada músculo que me atormentara

durantes os últimos anos. Cada pequeno detalhe sendo consumido por

minhas mãos e boca. Nossos olhos não se afastaram, e sabia que ambos

estávamos nos observando. Conseguia perceber o quanto ele se perdia, ao

mesmo tempo que eu me rendia. Os gemidos ainda tímidos, mas que

davam ainda mais vontade de explorá-lo. Sonhos eróticos nem se

comparavam com a realidade.

— Vem cá! — seu tom era de clemência, quando cheguei

próxima a sua calça, desabotoando-a.


Subi novamente por seu corpo, e senti uma mão se apoderar de

minha bunda, puxando o tecido fino de minha calça e calcinha para

baixo, enquanto a outra acariciou meu rosto, e segurou-me pela nuca

mais uma vez, beijando-me de forma apaixonada.

Naquele exato momento, em que nos embolamos um no outro, e

as roupas simplesmente foram jogadas para longe, tive a certeza do que

era o frenesi que tanto escutava, cantava, lia e escrevia sobre. Não sabia

dizer onde meu corpo começava e terminava, muito menos o dele. Era

uma conexão que parecia estar esperando, sem ter noção de que
realmente existia.

— Sabe que não é só sexo com você. — Ele sussurrou, mordendo


levemente meu pescoço, enquanto separava com as pernas as minhas, e

deixava o caminho livre para me tomar.

Tentei dizer algo, mas de repente, não consegui assimilar mais


nada. Tomei-o em minha mão, e o encarei profundamente, para em

seguida encarar o ponto de conexão entre nossos corpos. Ele

acompanhou o momento comigo, e senti o suor escorrer por minha pele,

assim como por seu tronco. O gemido de prazer que soltei foi alto, e fora

de encontro ao seu.

A primeira investida fora de descoberta. A segunda fora de

intensidade. Na terceira, já não lembrava o meu próprio nome. Apenas


aceitei e dei tudo o que poderia aquele homem. Minhas mãos cravaram

em suas costas e bunda, e as suas, puxaram-me para si, o máximo que

pode, em meio aos beijos desmedidos e palavras desconexas sendo


soltas.

— Porra! — soltei, assim que fui puxada para cima, com ele

sentado na cama, e montada sobre seu corpo.

Sentia-me perdida em todos os sentidos. O seu cheiro me

embriagava, porque se tornava nosso. A sua fala me deixava entorpecida,

junto a boca que parecia ter sido feita justamente para tomar a minha. O

seu toque me inebriava, a ponto de saber que manchas roxas me

marcavam, e me deixava necessitada por mais. O olhar afoito,

apaixonado e quente, entregava-me a cada segundo, a verdade sobre

aquele momento.

Era pra ser.

Não tinha outra opção.

Nos braços de Samuel encontrava meu nirvana. Sentia-o

encontrar o seu.
Samuel

Depois de tanto tempo, finalmente parecia ter alcançado o que

tanto buscava – plenitude em meio ao prazer. Os dedos de Madu faziam

círculos sobre meu peito nu, enquanto nossos corpos permaneciam

enrolados um no outro sobre a cama. Acho que nem de longe, em todas

as vezes que fantasiei, consegui prever tamanha intensidade. Fora único.

Encarei os cabelos encaracolados sob e sobre meus dedos,

bagunçados no meu travesseiro, e não pude evitar um suspiro. Desde o

momento em que admiti a mim mesmo que tinha me apaixonado,

imaginei tal cena. A diferença era ser melhor do que qualquer sonho.

— Acho que estou sonhando. — Confessei.

Sempre fui uma pessoa fechada com o mundo. Na realidade,

mostrava o pouco que podia e era necessário. Era parte de minha

personalidade, contudo, sempre fora diferente com Madu. Ali, nus sobre

a cama, depois de nos entregarmos um ao outro, não seria diferente. Se

tinha algo que poderia ser, era sincero. Vi e senti seu riso em meu peito, e

logo os olhos castanho-claros encararam os meus.

— Não seria tão criativo. — Piscou um olho, e tive que rir. Era

por aquilo e muito mais, que ela se tornava a minha pessoa favorita no
mundo. Madu me desconcertava, ao mesmo tempo que me colocava no

eixo novamente.

— Deixo a criatividade por sua conta. — Puxei-a para meu rosto,

dando-lhe um leve beijo. Não queria perder aquele sabor nunca mais.

Assim que nos afastamos, poucos centímetros, não consegui fugir do seu

rosto, de forma que, não queria. — Pensei que seria estranho confessar

isso, mas... Caralho, eu te amo mais do que um dia imaginei poder amar

alguém.

Ela suspirou profundamente, e notei os olhos marejados. Tocou

meu rosto com carinho e pareceu demarcar com os dedos cada canto de

minha barba.

— Você sempre foi a minha inspiração, mesmo quando não nos

via dessa forma. — Confessou, e fiquei sem entender por alguns

segundos. — Todos os meus personagens tem um pouco de você. Às

vezes olhos, o cabelo, o cheiro, a cor, o jeito de ser... Sempre variei entre

um pouco de tudo que te compõe. — Sorriu levemente, pegando-me

completamente de surpresa. — Isso é cafona, mas acho que foi amor

antes mesmo de ser.

— No nosso caso, sempre foi, até se transformar. — Ponderei e

uma lágrima desceu por seu rosto, deixando claro que estava

emocionada. — Ei...
— Eu tinha tanto medo de te perder, tanto...

— Assim como eu. — Admiti mais uma vez, e ela assentiu. —

Por favor, me dá uma chance.

— Era exatamente o que ia pedir. — Sorri junto a ela, beijando-a


mais uma vez, e seu corpo todo veio sobre o meu. — Mas antes disso...

— O que? — perguntei, já me sentindo completamente pronto


para o que ela desejasse.

— Quero passar o dia todo nessa cama...

— Madu...

— Na frente de um espelho. — Provocou e lambeu lentamente a

minha boca.

— Caralho. — Soltei, adentrando meus dedos em seus cabelos.

— Você foi feita em cada detalhe para mim.

— Acho que precisa conhecer todos.

Provocou novamente, e fora a única coisa racional dita antes

de me beijar profundamente, e mais uma vez, nos perdermos um no

outro.
CAPÍTULO 16

“Mas talvez possamos nos safar disso

A religião está em seus lábios

Mesmo que seja um falso deus

Nós ainda adoraríamos

Talvez possamos nos safar disso

O altar é meu quadril

Mesmo que seja um falso deus

Nós ainda adoraríamos este amor.”[26]

Madu

— Tem certeza que precisa ir? — perguntei, dando um leve beijo


em Samuel, que parecia nem um pouco a vontade de sair debaixo de meu
corpo.

— Preciso conversar alguns detalhes de pedidos com peões. —


explicou, e encarou o relógio ao lado, que já marcava quase meio dia. —

Prometo tentar ser rápido e voltar para você.

— Não precisa ter pressa. — Toquei levemente a sua barba. — É


o seu trabalho, e eu vou estar exatamente aqui quando voltar.

— De toda forma, eu quero terminar rápido para poder ficar com


você. — Beijou-me levemente, puxando meu lábio inferior com os

dentes. — Linda. — falou, encarando-me profundamente.

— Se continuar bancando o romântico perfeito, não vou te deixar

sair daqui tão cedo. — Acusei, e ele sorriu levemente.

Levantei-me de seu corpo, e puxei minha calcinha caída ao lado


da cama, assim como, uma camiseta de Samuel jogada sobre o criado

mudo. Olhei-o pelo ombro, e senti minha bochecha queimar, assim que

notei o olhar que mantinha. Não era apenas o fato de estar praticamente

me comendo com os olhos, existia a paixão nítida no brilho deles. Não

me deixava envergonhada o fato de que me olhasse, mas sim, de nunca

ter notado o quanto ele estava ali por e para mim.

— Vem cá! — pedi, virando-me por completo e estendendo-lhe a

mão.
Ele não se fez de rogado e veio, estendendo-me as dele. Puxei-o,

e sorri por não estar nem um pouco incomodado com sua nudez. Não por

ser como os outros homens que passaram por minha cama, mas por

entender que a intimidade que sempre dividimos, ainda estava presente e

intacta. O que antes não incluía nossos corpos nus a frente um do outro,

agora o fazia, e parecia que nossa conexão apenas tomava uma nova
forma, ao mesmo tempo que, permanecia o que sempre prezamos – nosso

mundo particular.

— Então? — indagou, tocando meus cachos e notei o quanto ele


parecia satisfeito a cada vez que o fazia.

— Nada muda... — comentei, e notei o espanto em seu rosto no


mesmo instante. Sorri, tentando amenizar o que disse, sabendo que

Samuel poderia ser imediatista para muitas coisas. Não que ele fosse me

pedir em namoro ali, ou rotular o que tínhamos. Nunca fui fã de tais

coisas, contudo, sabia que já tínhamos muito mais do que poderia desejar.

E as novas que viriam, seriam o novo roteiro que nunca me imaginei

escrevendo. Mais uma vez, eu escrevia sobre ele. Daquela vez, tendo em

mente o quanto ser amado por quem se ama era diferente. — E tudo

muda. — Complementei, e Samuel apertou minha cintura levemente,

claramente indignado. — Chame isso do que quiser. — Beijei-o

levemente, e sorri, ao ver que citava uma de minhas músicas favoritas


sem ter pensado antes sobre. Então fiz o que ele tanto amava sobre mim,

cantei: — “Porque meu amor é perfeito como um sonho, andando com a

cabeça baixa, é para mim que ele está vindo... Então chame do que
quiser, sim, chame do que quiser chamar.”

Os olhos castanhos suavizaram, assim como sua expressão, e

sorri abertamente. Fui presenteada com um beijo apaixonado, e aceitei-o

como se pudesse morrer em meio a sensação que meu corpo, mente e

alma se encontraram.

— Imprevisível, como sempre. — Tocou meu rosto com carinho.

— Mas vamos por aí... Cada um chama do que quiser, pequena.

— Vai lá. — Beijei-o mais uma vez.

— Vou tomar banho no corredor, se não...

— Eu sei. — Assenti, sabendo que se ele ousasse entrar no


banheiro do quarto, não resistiria a ir até ele novamente.

Ele beijou minha boca mais uma vez, e em seguida minha testa.
Sorri, ao vê-lo sair pela porta, carregando consigo uma muda de roupas e

com uma toalha amarrada na cintura. Assim que a porta se fechou, contei

mentalmente um minuto e soltei um grito. Tampei a boca com as mãos,

como se estivesse incrédula, ao mesmo tempo que encarei os edredons

bagunçados e as lembranças das horas ali me acertavam em cheio.


— Ah! — gritei mais uma vez, e me joguei de costas na cama,

tendo uma crise de riso, ao mesmo tempo que balançava minhas pernas e

mãos. Estava em êxtase.

De coração prestes a se quebrar, para um coração batendo

plenamente por aquele jovem amor. Suspirei fundo, sentando-me

sabendo que precisava extravasar minha felicidade. Peguei meu celular e

selecionei a música que acabara de cantar.

“Meu castelo desmoronou da noite para o dia

Eu trouxe uma faca para um tiroteio

Eles levaram a coroa, mas está tudo bem

Todos os mentirosos estão dizendo que sou uma também

Ninguém teve notícias minhas por meses

Estou melhor do que nunca

Porque meu amor é perfeito como um sonho

Andando com a cabeça baixa

É para mim que ele está vindo

Então chame do que quiser, sim

Chame do que quiser chamar


Meu amor é elegante como um jatinho

Muito acima de toda a confusão/Me ama como se eu fosse nova

Então chame do que quiser, sim

Chame do que quiser chamar

Todas as minhas flores voltaram a crescer como espinhos

Janelas encharcadas após a tempestade

Ele fez uma fogueira apenas para me aquecer

Todas as rainhas do drama fazendo jogadas

Todos os bobos da corte vestidos como reis

Eles são nada quando olho para ele

E eu sei que cometo os mesmos erros toda vez

As pontes queimam, eu nunca aprendo

Pelo menos fiz uma coisa certa

Eu fiz uma coisa certa

Estou rindo com meu amor


Construindo fortalezas debaixo dos lençóis

Confio nele como se fosse meu irmão

Sim, você sabe que fiz uma coisa certa

Olhos estrelados iluminando minha noite mais escura

Meu amor é perfeito como um sonho

Andando com a cabeça baixa

É para mim que ele está vindo

Então chame do que quiser, sim

Chame do que quiser chamar

Meu amor é elegante como um jatinho

Muito acima de toda a confusão

Me ama como se eu fosse nova

Então chame do que quiser, sim

Chame do que quiser chamar

Eu quero usar suas iniciais

Em uma corrente no meu pescoço, corrente no meu pescoço

Não porque ele seja meu dono


Mas porque ele realmente me conhece.”[27]

Rodopiei pelo quarto e acabei me desequilibrando, caindo de


bunda no tapete. Sorri de meu momento, e ouvi palmas a frente. Olhei

para cima e sorri abertamente, ao encontrar Samuel com apenas uma


toalha envolta da cintura, claramente sem ter tomado banho, e com um

sorriso que poderia iluminar a fazenda inteira se fosse necessário.

— Sabe que foi por essas pequenas coisas únicas sobre você que

me fizeram cair completamente, não sabe? — perguntou, e adentrou o


quarto, estendendo-me a mão. Levantei-me e sorri em seu abraço.

— O mesmo aqui. — Beijei-o mais uma vez. — Eu te amo do

jeitinho que é. — confessei, deixando meu coração voar, enquanto a


música nos embalava ao fundo.

— E eu te amo exatamente assim. — puxou-me para si, dando-


me aquilo que tanto parecia certo – um beijo.

O que antes fora renegado sem ao menos ser solicitado. Agora era

meu. Era dele. Era nosso.


CAPÍTULO 17

“Posso ir aonde você vai?

Podemos ser próximos assim para todo o sempre?

E ah, me leve pra sair e me leve pra casa

Você é meu, meu, meu, meu

Amado.”[28]

Madu

Digitei o ponto final e sorri abertamente.

Sentia-me tão imersa em sentimentos que poderia explodir. Ao

mesmo tempo que resolvi transferi-los diretamente para meu arquivo em

branco no editor de texto. Peguei a garrafa de água ao lado da


escrivaninha que agora mais parecia meu lugar de trabalho e dei um

longo gole. Encarei o lado de fora pela janela e o sol já se punha, como

se o trabalho do mesmo já tivera terminado, ao menos, para a Terra.

Sentia-me da mesma forma.

Conseguira me concentrar e passar o resto do dia todo

escrevendo. Era aquilo ou surtar por pensar em mais sobre tudo o que

aconteceu. O lado positivo de usar sua criatividade a favor, era que


escrever me permitia desabafar.

Aumentei o volume da música que começara em meu notebook, e

retirei os fones de ouvido da entrada e da orelha. Escorei-me contra a


madeira e fiquei ali, pensando em tudo ao mesmo tempo que em nada.

Na realidade, meus pensamentos estavam em Samuel. Apenas se


passaram algumas horas, e meu coração e corpo pareciam não entender

tal coisa.

Levantei-me e estiquei o corpo, ouvindo alguns ossos estralarem.

Caminhei até o banheiro e resolvi que era melhor tomar um banho e

quem sabe, sair em busca de Samuel pela fazenda. Sabia que ele era

muito parecido comigo quando se tratava de trabalho. Sempre nos

dedicávamos ao máximo e muitas vezes acabávamos não percebendo que

poderia ser demais. Era boa em desarmá-lo, e tentaria fazer com que

voltasse para casa logo. Quem sabe, para mim.


Assim que a água morna bateu em meu corpo fiquei mais

relaxada. Estavam sendo dias malucos e controversos. Fechei os olhos,

com o sorriso bobo em minha face. Se fosse qualquer outra pessoa do

mundo, eu não teria tanta certeza do amor. Mas com Samuel, até mesmo

com minhas inseguranças a mil, sabia que tinha minha total confiança.

Fingir sentimentos não era o seu jeito de ser, nunca fora. Muito menos
para comigo.

Um filme se passava por minha mente sobre nós.

Saber que ele tinha se apaixonado antes mesmo de meu coração

acelerar um pouco mais, trazia a culpa à tona. O que passara ao lado de

Samuel nos últimos anos era um reflexo do que ele deve ter enfrentado
quando não me viu corresponder seus sentimentos no passado. Passei a

mão pelo rosto e me virei contra o azulejo ainda frio.

A água morna caía por minhas pernas, um pouco mais a frente.


Suspirei fundo, e encarei a porta aberta do banheiro. A música que

deixara tocando já mudara, e comecei a cantar com a que começara. Ela

me lembrara Samuel em todos os detalhes. O que me remetia ao fato de

que tudo parecia me lembrar ele. Ao menos, as coisas boas.

Escrever me definia como pessoa.

Cantar tinha o mesmo efeito.


Amar Samuel era uma parte de meu ser que se misturava as

outras duas.

Eu o amava desde muito nova, e amá-lo como homem tinha

transformado boa parte de meus outros sentimentos. Passei o sabonete

por meu corpo e era como se o rastro de beijos e toques que ele deixara

por ali, fossem seguidos mais uma vez, com o adicional das marcas

roxas. Era como senti-lo vivo em mim, mesmo depois de horas.

Seria aquele o efeito de estar apaixonada?

Talvez eu me sentisse como Niall Stella[29] de um de meus livros

românticos contemporâneos favoritos. Era diferente se sentir tão íntimo

de alguém quando se faz amor, e não apenas sexo. Era tudo tão intenso

que parecia te marcar e não te faz querer fugir. Talvez fosse o fato de

aquela intimidade com Samuel não ser recente, ao mesmo tempo que, o

amor não se resumia apenas a tempo.

Existiam tantos tipos que seria impossível definir como uma

receita de bolo. Samuel e eu poderíamos ser apenas mais uma forma de

trazer o pudim de leite condensado a vida. Sorri de meu pensamento, ao

mesmo tempo que enxaguei meu corpo.

Ouvi o barulho de sapatos contra o chão de madeira, e não resisti

a abrir o box, tendo a visão de uma parte do quarto, pela porta que
deixara entreaberta. Poderia parecer um pedido silencioso de que ele

entrasse e me tomasse para si, mas não fora proposital.

Em alguns minutos Samuel apareceu, apenas vestindo seu jeans

apertado, que o delineava perfeitamente. Seu olhar castanho me

entregava tanta paixão que não conseguiria negar, mesmo que se

quisesse. Eu não queria.

Ele ficou nu a minha frente, e fez com que todo meu corpo se

arrepiasse com sua presença. Suspirei fundo, sem medo algum de ser

notada por aquilo. Eu o amava, e não tinha medo de demonstrar. Não

mais.

— Vem cá. — Pedi e sorri para ele.

Ele já tinha se convidado, porém, via a reação de seu corpo

quando me via falando abertamente sobre o que queria. Ou quando

simplesmente percebeu que minha boca suja não ficava fora da cama,

chão, parede... Onde fosse. Em menos de cinco passos ele me alcançou, e

dei espaço para que a água morna caísse sobre seu corpo. Encostei-me na

parede de azulejos oposta, e fiquei anestesiada pela visão do pecado que

ele me entregava.

— Como foi seu dia? — perguntou, ao tirar a cabeça da ducha e

abrir os belos olhos.


— Produtivo... — falei, cruzando levemente meus braços. —

Acho que tive a inspiração que tanto precisava. — Provoquei-o.

O sorriso cafajeste no lado direito do rosto fez-me sorrir também.

— Amo quando sorri assim. — confessei, já sem querer esconder

nada. — Digamos que me atrai.

— Você me atrai por inteira. — falou, e me cercou com os braços

ao lado da cabeça, e as mãos espalmadas na parede. — Sempre vejo seu


olhar mudar quando sorrio assim, mas nunca imaginei que fosse algum

tipo de atração.

Dei de ombros, e fiquei na ponta dos pés para puxar seu lábio

inferior com os dentes.

— E o seu dia? — indaguei, encostando-me novamente nos

azulejos.

— Tive que ir à cidade porque algumas mercadorias vieram


erradas, mas tirando isso... Tudo certo. — Piscou um olho, sorrindo mais

uma vez do jeito que me desarmava e atraía por completo. — Tudo mais

do que certo.

Ele aproximou nossos lábios e não consegui continuar com as

mãos longe de seu corpo. Toquei levemente seu pescoço e o puxei para

mim, recebendo e dando o que tanto queríamos. Um beijo amoroso e


cruel pela saudade explícita. Não tínhamos estado longe por apenas

algumas horas?

Parecia o fim do mundo naquele beijo, ao mesmo tempo que todo

um recomeço.

— É loucura sentir saudade em tão pouco tempo? — indagou e

uniu nossas testas.

— Bom, nunca fomos bons em ficar longe. — Argumentei. —

Acho que agora será ainda mais complicado.

Notei seu semblante mudar e sabia que acontecera o mesmo com


o meu. Nossas vidas eram longe um do outro, e não sabia como

poderíamos mudar aquilo. Talvez não precisássemos.

— Vamos fazer dar certo. — Não foi uma pergunta, mas acabei

assentindo. Ele era uma pessoa decidida e que sempre dava tudo o que
podia pelo que amava. Admirava-o por aquilo, e ali, soube que nem

mesmo a distância dali até a capital seria um impasse.

— Sabe que eu amo a cidade, minha vida lá e meus avós. —


comentei levemente. — Mas eu te amo também e quase enlouqueci em

um mês longe. Só precisamos nos ver toda a semana, e assim...

— Eu vou até você ou você vem até mim, certo? — indagou, e


me ofereceu o dedo mindinho.
— Já disse que te amo hoje? — acabei perguntando em meio a
um sorriso, enquanto fechava meu dedo em torno do dele.

— Não me canso de ouvir, pequena.

— Eu te amo. — falei, e lhe dei um leve beijo.

— Agora vem cá!

Surpreendendo-me, virou-me de costas e me deu um leve beijo no


pescoço. Senti meu corpo se arrepiar por inteiro e pensei que
estrearíamos o banheiro. Contudo, Samuel tinha outros planos. Ele

espalhou shampoo por meu cabelo, e acabei sorrindo, ao me encostar


contra seu peito.

— Confesso estar surpresa. — falei, e pensei um pouco, ao ficar

ereta novamente. — Na verdade, não tanto.

Ouvi sua risada as minhas costas, e logo ele me virou, fazendo-


me ver o que tanto não escondia.

— A gente não é só amante, não é? Não tem como ser. —


praticamente falei para mim mesma, e ele massageou levemente minha

cabeça, descendo aos poucos pelos fios.

— Sabe a parte que sempre menos me aterrorizou de estar


apaixonado por você? — perguntou e o encarei curiosa.

— Qual? — indaguei.
— Não ter que fingir nada. — Baixou levemente os ombros,
assim que me indicou com a cabeça o chuveiro.

Entrei debaixo da ducha e enxaguei meus cabelos, enquanto meu

olhar ainda esperava sua resposta completa.

— Acho que o medo de ser íntimo de alguém atormenta as


pessoas, e isso é real em mim.

— Não comigo. — Pensei alto, e senti meu rosto queimar no


segundo seguinte. — Desculpe, continua.

— Não sei explicar, eu só sei que sinto. — Olhou-me tão

intensamente que poderia jurar ser um sonho. Todo aquele dia. Todos
aqueles momentos. Na realidade, todos aqueles dias. Talvez o eram?

Meus sonhos sempre foram criativos ao extremo, ao ponto de se


tornarem livros. Belisquei-me levemente e ouvi a gargalhada de Samuel a

minha frente.

— É sobre isso que estou falando. — Confessou, e me puxou para


si. Felizmente, todo meu cabelo já estava livre de produto. — Não

fingimos nada.

— Acho que a gente vai brigar. — comentei por cima, e escorei


meu rosto em seu peito, ainda com nossos olhos conectados. — Por mais

que nos conhecemos muito bem, sempre existem coisas para descobrir.
— Quero cada uma delas.

Senti-me inerte por alguns segundos e apenas lhe dei um selinho


no segundo seguinte. Só que seus lábios não me permitiram sair,

puxando-me novamente. O beijo se aprofundou e logo senti-me


completamente presa a ele. A diferença entre ele e todos os outros

momentos que tive com outras pessoas, era que eu gostava da sensação.
A sensação de não querer que acabe. De não querer temer o fim de algo

que apenas começava.

Aceitava o meu amor por Samuel ali, com todos os medos,

inseguranças e erros que viessem. Assim como ele, eu queria cada

pequena coisa nova que ele poderia me mostrar.


CAPÍTULO 18

“Porque meu amor é perfeito como um sonho, andando com a cabeça baixa, é para mim

que ele está vindo... Então chame do que quiser, sim, chame do que quiser chamar.”[30]

Samuel

Ela dormia confortavelmente sobre as almofadas no tapete do

meu quarto, como uma cena recorrente entre nós. A diferença era que ela

se encontrava nua, apenas envolta pelo lençol que colocara ao seu redor
há poucos minutos. Sorri, sem conseguir me conter diante de tamanha

felicidade. O quão sortudo eu era?

Tinha conhecido o amor tão cedo e ali estava ele, a minha frente e
ao alcance de minhas mãos. Saí pé por pé do quarto, e fechei a porta com
cuidado. Desci as escadas e fui até o meu escritório, onde tinha uma

prateleira especial apenas para os livros de Madu. Nunca fora amante da

leitura, o que nos diferenciava bastante, contudo, sempre a apoiaria no

que fosse. Por ela, aprendera a ler alguns clássicos e sempre tentar ler

mais.

Não sabia ao certo porque ela nunca insistira para que eu lesse

seus livros, porém, após sua confissão, passei a entender. Já tinha lido
algumas partes, era verdade, mas nunca foquei nas características dos

personagens. Peguei o último que lançara em formato físico, a cerca de

um ano, e não pude evitar abri-lo. Sentei-me na poltrona e deixei as luzes

acesas, para tentar entender como ela me transformava em histórias.

Como um raio de felicidade, a primeira passagem teve meu


coração por inteiro.

“Como ele pode não perceber que os olhos castanhos me atraem


de uma forma assustadora?”

— Madu, Madu... Como a gente se desencontrou por aí? —

indaguei para o nada e continuei a ler.

Os segundos se tornaram minutos, e consequentemente horas...

Fiquei imerso na forma como sua escrita me atraía para si, contando cada
vez mais profundamente sobre os sentimentos. A questão era que
consegui me colocar perfeitamente no lugar do personagem principal, e

daria o mundo pelo o amor que a protagonista sentia por ele. No caso,

pelo amor de Madu. A ficção e realidade se misturavam de uma forma

assustadora. Por mais que não fosse a nossa história, sentia-a me tocar

por dentro.

Deixei o livro sobre meu colo, logo após finalizá-lo. Passei as

mãos pelos cabelos, sentindo-me perdido em meio a tantas descobertas

em poucos dias, e em como o amor poderia ser um sentimento

indecifrável.

— O que está fazendo aí?

A porta se abriu, e a voz rouca e baixa me chamou atenção.

Assim que adentrou o ambiente, Madu parecia realmente incomodada

com a luz. Os olhos semicerrados e o semblante confuso, vestida em meu

roupão preto, como se fosse uma cena comum entre nós. O era, se não
fosse pelo fato de poder puxá-la para mim e sentir o gosto de seus lábios.

O fiz, sem pensar duas vezes, assim que ficou ao meu alcance.

Deixei o livro sobre o braço da poltrona, e a puxei diretamente

para meu colo. Ela veio de bom grado e com um sorriso aberto no rosto,

claramente com sono.


— O que veio fazer aqui? — perguntou, e encarou o livro ao lado

de minha mão esquerda. — Veio ler? — pareceu completamente

surpresa.

— Acho que quis entender um pouco sobre o seu mundo. —

Confessei, e sorri para ela. — Estou assustado, confesso.

— Por que?

— Porque é tão intenso sabe? — passei a mão levemente por seu

rosto. — O jeito como Nora ama Luan, e a forma como eles parecem
correr um do outro sem perceber.

— Nunca pensei que seria real, mas... Parecemos um pouco com

eles. Luan e seus olhos castanhos, baseados em você, claro. — comentou

sem pudores e tocou minha barba por fazer. — Nora e sua paixão

guardada a sete chaves, mas que em algum momento teve que sair.

— Pensou na gente quando escreveu? — indaguei, e ela assentiu

no mesmo instante.

— Acho que criei uma realidade alternativa para nós. Nos livros,

tudo é possível, então... — deu de ombros. — Mas confesso que gosto da

realidade, do jeitinho que ela é.

Sorri abertamente de seu comentário.


— Eu também. — Ela me deu um selinho e deixou nossas testas

unidas. — Mas isso não vai te poupar da nossa aposta.

— Ah é? — provocou-me, mordendo levemente meu queixo. —

Cuidado que eu posso pedir o que quiser se ganhar, e pode ter certeza que

minhas ideias são melhores que andar a cavalo...

Deixou a frase pairar no ar e não pude me conter.

— Eu desisto. — falei de uma vez e ela arregalou os olhos,

completamente surpresa. — Também posso ser imprevisível, pequena.

— Bom... Desistiu oficialmente do seu dia como escritor ao meu

lado? — perguntou, sondando-me atrás da verdade.

Assenti, depositando minhas mãos em seu quadril, fazendo-a ficar

ainda mais presa a mim.

— Palavras, caríssimo.

— Sim, eu desisti oficialmente do dia como escritor. — Anunciei

como um radialista, o que a fez sorrir baixinho.

— Então eu posso pedir o que quiser, certo? — indagou, e assenti

de imediato. Contudo, ela negou com a cabeça, claramente querendo

palavras.

— Sim, pequena. — Beijei seu pescoço levemente. — O que

você quer? — perguntei.


— O que eu quiser... — pareceu pensar um pouco, mas sabia que

por trás daquele ar despretensioso, ela sabia bem o que pediria. — Acho

que preciso de mais uma resposta sua.

— Como assim? — perguntei sem entender.

— Casa comigo?

Arregalei os olhos, mais uma vez sendo pego de surpresa por ela.

Madu sorriu de lado, claramente alegre em me ver desmontado, porém,


conseguia ver a verdade em seu olhar. Não era uma brincadeira. Não ali.

Sabia que Madu era uma pessoa decidida, assim como eu. Ela

poderia agir de repente, mas tinha certeza do que queria. E daquela vez,

ela queria o mesmo que eu. Ela queria nós.

Mais uma vez ela era imprevisível.

Mais uma vez eu me renderia a ela.

Mais uma vez via-me completamente imerso de nós.

Porque dentre nós, ela parecia conseguir ver tudo tão mais claro.

Tudo era mais bonito quando estávamos juntos. Ali e para

sempre.

— Sim.
EPÍLOGO

“Ande em seu arco-íris do paraíso (Paraíso)

Estado de espírito de batom de morango (estado de espírito)

Eu fico tão perdido dentro dos seus olhos

Você acreditaria nisso?”[31]

Anos depois...

O sol se punha no horizonte, que parecia ser ali do lado, pelas


serras impossíveis de serem ignoradas. Cerca de cem convidados se

espalhavam pelo grande verde, em contraste com pétalas de rosas

vermelhas. Era o tipo de flor que ele sempre lhe entregava em

aniversários. Era exatamente a qual escolheram para celebrar aquele


momento. Maria Eduarda sempre foi romântica e nunca fugiu de tal
definição. A diferença de escrever sobre um casamento e vive-lo, era que

quase nunca se falava da dor de cabeça que cada detalhe para o grande

dia trazia. No meio do caminho ela pensou em simplesmente aceitar os

surtos e correu para os braços do amado, que tinha acabado de brigar.

Ela queria pôr fim aquela ideia de reunirem quem amavam pare

celebrar amor. O pânico era composto de vários fatores. Toda a correria e

organização do casamento, as discordâncias que vinham com ele, as


pessoas dando opinião sobre o melhor e pior, a forma como ela e seu

amado pareciam estar enlouquecendo juntos. Aquilo abalara sua relação,

ainda mais do que decidir que morariam na fazenda, mas manteriam o

apartamento na cidade, após cinco anos de idas e vindas entre o interior e

capital.

Quando ela teve o microfone em mãos e tentou evitar as lágrimas,

ou o sorriso bobo no rosto, simplesmente aceitou que aquele era o

momento perfeito. E que valera a pena. Da mesma forma que tudo a

respeito de Samuel era.

— Eu confesso que escrevi na madrugada... — começou a dizer, e

ouviu risadas ao redor. Segurando de forma trêmula a folha, ela respirou

fundo e continuou prendendo-se ao olhar de Samuel. — Tenho tentado

escrever meus votos desde o exato dia que te pedi em casamento. Ou

seria aquela madrugada? — sorriu e notou lágrimas descendo pelo rosto


dele, que parecia tão entregue quanto ela. — Ao contrário de muitas

pessoas, ninguém me contou que o amor seria tão fácil. Geralmente as

pessoas estranham as dificuldades no caminho, comigo, foi o contrário.

Foi fácil te amar desde o começo. Antes mesmo de a gente se ver. Nossos

pais fizeram esse trabalho, cultivando amor e amizade ao nosso redor

desde o início. Um amor que apenas cresceu e se transformou com o


decorrer dos anos. Eu sei que histórias de amor, geralmente se tornam

clichês. Mas o nosso clichê é o mais bonito que poderia imaginar ter.

Nem mesmo minha mente fértil conseguiu chegar a tamanha plenitude, a

tamanho amor. Viver isso, todo dia, com você... Tem sido o melhor

acidente de amor. Então, eu preciso agradecer. Por ter segurado minha

mão e nunca soltado, em hipótese alguma. Até mesmo quando o surto

parecia maior do que eu. Até mesmo quando o drama se torna parte mim.

Até mesmo quando nada em mim faz sentido, mas você parece entender.

Você entende. Você respeita. Eu te amo por me aceitar assim, e por poder

ter o melhor e pior de você todos os dias. Sou feita de letras, em livros e
músicas, mas também, sou feita de você. Essa é uma das minhas partes

favoritas de nós. — As lágrimas se tornaram gerais, e ninguém mais

conseguia se conter. Madu sentiu uma leve lufada de ar, como um toque

singelo e carinho no rosto. — Somos nós desde sempre. Agora apenas

reafirmo isso. Agora e para sempre nós.


FIM
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OUTRAS OBRAS

UMA GRAVIDEZ INESPERADA

Família Torres – Livro 1

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SINOPSE

Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no meio do caminho de

Maria Beatriz, sempre teve Inácio. O herdeiro da fazenda que fica ao lado das antigas terras de
sua família, tornou-se um homem bruto e fechado, que quando aparece na sua frente, ela já sabe

que só pode ser problema ou alguma proposta indecorosa. Maldito peão velho!

Inácio Torres é um homem de poucas palavras, mas que vê em uma mulher tagarela, a

oportunidade perfeita. Mabi precisa de dinheiro, ele o tem. Ele precisa de um casamento falso, e
ela é a escolha perfeita. Porém, a única coisa que recebe de Mabi, como sempre, é uma negativa.

Maldita criança sonhadora!

No meio das voltas que a vida dá, uma noite de prazer os marca. E a consequência será
muito maior que o arrependimento: UMA GRAVIDEZ INESPERADA.
CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

Família Torres – Livro 2

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SINOPSE

Se nem tudo que reluz é ouro, Júlio é apenas a melhor imitação de pedra preciosa em

que Babi colocou os olhos.

O seu ex-melhor amigo, a abandonou e quebrou seu coração quando eram adolescentes.

Bárbara Ferraz jurou a si mesma que nunca mais o deixaria ficar perto. Maldito CEO

engomadinho!

Júlio Torres sabe que deixou uma parte de si para trás. Sua ex-melhor amiga o odeia e ele,
muitas vezes, teve o mesmo sentimento por si. Maldita sombra!

Júlio sabe que não pode mais ignorar, porque ele não quer apenas a sua melhor amiga de

volta, ele a quer como sua.


Babi foge dele como o diabo foge da cruz. Entretanto, como fugir se depois do

reencontro e finalmente os pratos limpos, ela se descobre grávida do seu ex-melhor amigo?
O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

Família Torres – Livro 3

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SINOPSE
Se existe amor à primeira vista, Abigail Alencar e Bruno Torres compartilham o

completo oposto. Abi o detestou desde o primeiro momento, e com o passar dos anos, o

sentimento permaneceu. Bruno é o típico cowboy cafajeste, arrogante e popular, de quem ela não
suporta a presença um segundo.

A cidade pequena sabe de seu desgosto e desinteresse no mais novo dos Torres, porém, ele

sempre pareceu ficar ainda mais animado em confrontá-la. Se existe algo sobre Bruno que ela
conhece bem, é que ele não foge de um desafio.

Assim, quando Abi o encontra como babá da sua filha de apenas um ano, ela só consegue
pensar que ele quer algo. Bruno jura que está ali apenas para tirá-la do sério, como sempre, mas

tudo acaba por mudar, naquele exato instante.

Existe uma linha tênue entre o amor e o ódio... eles estarão dispostos a cruzá-la?
FELIZ NATAL, TORRES

Família Torres – Livro Extra

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SINOPSE
O Natal parou de ser uma data festiva, e tornou-se dolorosa, assim que Maria Beatriz

perdeu os pais. No entanto, nesse ano, tudo mudou e ela vai lutar para que essa data seja

ressignificada. Que ela possa sorrir, o tanto quanto, um dia fez, no passado. Assim, ela precisa que
tudo saia PERFEITO.

Uma árvore de Natal destruída, enfeites perdidos pela casa, a ceia que não vai chegar a

tempo, um desmaio...

Será que ela terá o seu Feliz Natal ao lado dos Torres?

Esse é um conto natalino, narrado na visão de Mabi e Inácio (do livro Uma Gravidez

Inesperada), onde você poderá passar essa data tão especial ao lado da Família Torres.
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO

Família Torres – Livro 4

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SINOPSE
Olívia Torres sempre teve em mente que para bom entendedor meia palavra bastava.

Assim, quando se apaixonou perdidamente e descobriu que o homem com o qual se envolveu era

casado, o seu mundo perdeu o chão. Ela apenas foi embora, sem olhar para trás.

Contudo, com Murilo, ela nunca pôde parar de olhar. Ainda mais, quando descobriu que

estava grávida.

Murilo Reis perdeu tudo. Nunca pensou, que em algum momento, poderia voltar a sentir

algo. Entretanto, bastou um olhar para Olívia, para ele compreender que ainda existia uma

chance. Chance essa, que se perdeu por completo, quando ela o deixou.

Anos depois e uma coincidência do destino, Murilo descobre que não apenas as

lembranças daquele amor de verão permaneceram, mas sim, que ele tem uma filha.

Um amor de verão pode ser o amor para a sua vida?


GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME AMA

Família Reis – Livro 1

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SINOPSE
O triste é que aquele velho ditado se tornou real em sua vida: Valéria que amava

Tadeu, que amava Bianca, que amava Murilo, que não amava ninguém. Desde que seus olhos

pousaram em Tadeu Reis, Valéria se apaixonou. Não sabia dizer se era pelo olhar escuro
enigmático, o sorriso que ela queria tirar daqueles lábios cerrados ou o fato de ele ser tão

atencioso com quem amava.

Porém, Tadeu apenas tinha olhos para outra mulher, e Valéria escondeu aquele sentimento
no fundo de sua alma, tentando matá-lo durante os anos que se passaram. Uma coincidência do

destino, os coloca frente a frente. Ela sabe que ele é errado, mais do que isso, uma grande mentira,

porém, seu corpo não resiste.

E uma noite com o homem errado não é o fim do mundo, certo?


Para ela, tornou-se um outro começo, já que terá uma parte dele consigo, para sempre.

Valéria está grávida do homem que não a ama. E não pretende deixá-lo descobrir.
O CASAMENTO DO CEO POR UM BEBÊ

Família Reis – Livro 2

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SINOPSE

Águas passadas não movem moinhos – era o que Lisa repetia


a si mesma. Contudo, estar sempre tão próxima do único homem que

realmente se apaixonou, fazia com que ela quisesse voltar, e na verdade,

se afogar com ele. Igor Reis era um erro, e ela sempre soube.

Ainda assim, não podia evitá-lo para sempre, já que seus círculos

de amizades eram tão próximos. Então, era apenas isso: Igor era um

amigo. Um ótimo fofoqueiro e uma pessoa para perder horas


conversando – mesmo que quisesse perder muito mais.
Todavia, quando ele bate na sua porta no meio da madrugada com

um bebê a tiracolo, ela não sabe o que de fato está acontecendo. Porém,

nada é tão ruim que não possa piorar, e ele a pede em casamento.

Nas voltas que a vida dá, Lisa se vê com o sobrenome Reis, um

bebê para chamar de seu e um contrato de casamento por um ano com o

homem que ama.

Até onde o casamento do CEO por um bebê será uma mentira?


A FILHA DO VIÚVO QUE ME ODEIA

Família Reis – Livro 3

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SINOPSE

Os opostos se atraem.

Carolina Reis queria jurar que isso estava errado, mas não pôde

evitar a forma como seu corpo reagiu ao cowboy bruto e grosso que,

literalmente, atravessou o seu caminho. Franco era uma incógnita, com


um chapéu de cowboy escuro e uma expressão tão dura, que lhe fazia

indagar se ele em algum momento sorria. Bruto insensível!

Franco Esteves não tinha tempo para perder, muito menos, com

uma patricinha mimada que encontrou sozinha no meio da estrada.


Porém, não conseguia evitar ajudar alguém, mesmo que este parecesse

ser no mínimo uma década mais novo, com olhos claros penetrantes e um

sorriso zombeteiro. Diacho de madame!

O que era para ser apenas um esbarrão no meio do nada, torna-se

uma verdadeira tortura, quando Carolina assume, por coincidência a

função de tutora da filha do cowboy. Ele só quer evitá-la. Ela só quer

irritá-lo. No meio do ódio e atração que lhes permeiam, uma adolescente


se torna um vínculo que eles não podem evitar.

Mas até onde ela será a única a uni-los?


GRÁVIDA EM UM CASAMENTO POR CONTRATO

Família Reis – Livro 4

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SINOPSE

Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra,


no meio do caminho de Nero, sempre teve Verônica. A matriarca dos

Reis era uma mulher que intimidava a qualquer um, e ele nunca

conseguiu entender uma reação dela. Quando ela estava à sua frente, ele

sabe que tudo o que deve fazer é correr para a direção oposta.

Verônica Reis é uma mulher que nunca demonstra o que sente.

Sendo assim, praticamente impossível desvendar o que se passa em sua


cabeça, e muito menos, em seu coração. Contudo, sempre lhe intrigou o
fato de que Alfredo Lopes – ou apenas Nero para os demais – parecia

querer enfrentá-la em uma simples troca de olhares, e nunca a temer.

No meio das voltas que a vida dá, um contrato de casamento é o

que os une. O que ela e muito menos eles esperavam, era que no único

momento que deixassem a guarda baixar, teriam algo maior do que o

arrependimento para lidar: UMA GRAVIDEZ EM UM CASAMENTO

POR CONTRATO.
[1] 2002 – Anne-Marie

[2] You’re Gonna Make Me Lonesome When You Go – Bob Dylan

[3] Trecho da canção Contatinho – Léo Santana feat. Anitta.

[4] Canção do álbum Lover (2019) – Taylor Swift.

[5] Wish You Were Gay – Billie Eilish

[6] Nothing Breaks Like a Heart – Miley Cyrus feat. Mark Ronson

[7]

Easy – Camila Cabello

[8] Wave – Meghan Trainor feat. Mike Sabath

[9] Canção do álbum Lover (2019) – Taylor Swift.

[10] Death By A Thousand Cuts – Taylor Swift

[11] when the party’s over – Billie Eilish

[12] Trecho da canção intitulada Calendário – Anavitória.

[13] Paper Rings – Taylor Swift

[14] Delicate – Taylor Swift

[15] Trecho da canção intitulada Te Assusta – Manu Gavassi.

[16] There’s No Way – Julia Michaels feat. Lauv


[17] Canção do álbum Coconut Oil (2016) – Lizzo.

[18] Trecho da canção Good As Hell – Lizzo.

[19] If The World Was Ending – JP Saxe feat. Julia Michaels

[20] Trecho da canção intitulada Codinome, Maria.

[21] Trecho da canção intitulada Codinome, Maria.

[22] I Think He Knows – Taylor Swift

[23] Canção do álbum () – Maria.

[24]

Cornelia Street – Taylor Swift

[25] Say You Won’t Let Go – James Arthur

[26] False god – Taylor Swift

[27] Trecho da canção Call It What You Want – Taylor Swift.

[28] Lover – Taylor Swift

[29] Protagonista masculino do livro Surpresa Irresistível publicado em 2015, da autora

Christina Lauren.

[30] Call It What You Want – Taylor Swift

[31] Adore You – Harry Styles

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