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MÔNICA MEIRELLES

Minha mania de você


NICOLAS
Irmãos Louzada – Livro III

2ª edição
Rio de Janeiro – RJ, 2020
Editor e Publisher
Mônica Meirelles
Revisão
Serviços Da Costa & Fabiano Queiroz
Capa
Thaís Alves
Projeto gráfico e diagramação
Mônica Meirelles

Copyright © 2016 por Mônica Meirelles, 2020


Todos os direitos reservados.
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Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer
forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e
gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da autora.
Índice

Prefácio
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Epílogo
Posfácio
Agradecimentos
Playlist
Sobre a autora
E a sensação nunca mais me deixou, de que meu corpo carrega em si todas
as chagas do mundo.
Frida Kahlo

Prefácio

Se você estiver à procura de um livro que contenha um mocinho


apaixonante ou um bad boy carregado de traumas, sinto muito, esse livro
não é para você. Não insista. Pare de lê-lo agora mesmo.
Não à toa, como em todos os meus livros, busco sempre falar de um
tema. O tema da vez é a visão que a sociedade tem da mulher na atualidade.
Para isso, trago a vocês um personagem característico: um homem
inconscientemente preconceituoso, advindo dos costumes e das falácias de
uma sociedade culturalmente e extremamente machista.
No que se refere à história de amor, em Minha mania de você não
haverá idealizações amorosas como são “vendidas” nos filmes e nos livros.
Aqui, trata-se de uma história tão real, mas tão real que chega a incomodar.
Eu sei, eu sei. Te entendo. Lemos porque queremos fugir desse
mundo horroroso e perverso em que vivemos, e um livro que nos cutuque
bem onde dói não é bem-vindo. Mas saiba: precisamos falar disso,
precisamos vivenciar isso nos livros, afinal, a realidade dolorosa ainda nos
cerca, e não é só de mocinhos bondosos e príncipes perfeitos que o mundo é
feito.
Além do mais, não são todas as pessoas que têm consciência do
quanto ainda somos machistas e do quanto esse tipo de ideologia influencia
negativamente na percepção que temos da mulher na sociedade: a que lava,
passa, cozinha, tem filhos, enfim, vive para o lar, podendo nunca — que
absurdo! — falar de sexo, tampouco gostar dele.
E não só pela questão sexual, mas tantas outras, como a falta de
oportunidade no mercado de trabalho, as nossas vozes sendo silenciadas,
nossos corpos sendo violados... e dezenas de outras coisas que eu não vou
prolongar porque isso daria um TCC.
Por fim, no início, peço para ter um pouco de paciência com Nicolas,
o mocinho da vez, e, se realmente quer dar continuidade à leitura, um
conselho: leia a história com a mente e o coração abertos porque, modéstia
à parte, apesar de todo “ranço” que o personagem pode te causar, te garanto
que vale a pena ler e ver o crescimento dele, bem como sua evolução.
E você, mulher, que estiver lendo esse livro, também evolua. Não
tenha medo da mulher que você sabe que nasceu para ser.

Um abraço,
Mônica Meirelles
Capítulo 01
Estou tão feliz que você arranjou tempo para me ver
Como vai a vida, me diga, como vai a sua família?

Eu não os vejo faz um tempo

BACK TO DECEMBER – TAYLOR SWIFT

Estou em um sono profundo quando meu celular toca, me assustando.


Não faço ideia de que horas são, mas sei que é madrugada, pois, se cedo
fosse, como de costume, o sol atravessaria as persianas da janela do meu
quarto, me fazendo acordar. Também não imagino quem possa ser. Não é
comum me ligarem a essa hora.
Penso em ignorar a ligação, mas o toque persiste por mais duas vezes.
Giro com meu corpo na cama, levantando meu braço esquerdo até a mesa
de cabeceira ao lado, onde ele está. Pego-o nas mãos e olho para a tela com
certa dificuldade de enxergar. Meus olhos, ainda fechados, pesam. Mas com
a claridade que a tela transmite, devido à chamada, abro-os lentamente,
vendo o nome Carina aparecendo na tela.
Faz tanto tempo que não falo com ela. Era minha amiga de infância.
Foi criada junto comigo porque nossas mães são melhores amigas. Mas
depois que crescemos nos afastamos porque temos personalidades e
interesses distintos. Agora, eu sou o cara de vinte anos que está na
universidade, que trabalha e tem seu apartamento e o seu carro, e também
um compromisso sério com uma garota.
Carina é a garota de dezoito anos que não parece querer compromisso
com os estudos, tampouco com alguém. Vive em festas noturnas, das quais
na maioria das vezes vai embora acompanhada de algum cara. Chega em
casa só na manhã do dia seguinte. Sei disso porque ela é mal falada na
cidade que mora. Sem falar que ainda temos amigos em comum e, entre
homens, sempre rolam esses assuntos.
Me esquivo de meus julgamentos e me pergunto que motivos fariam
ela me ligar em um sábado, às cinco da manhã. Fico imaginando mil coisas
terríveis, afinal de contas, de acordo com a vida que ela leva, é de se esperar
que algo de ruim aconteça a ela em algum momento. E para ela estar me
ligando só poderia mesmo ser algo ruim.
Na infância, eu era aquele amigo que ela procurava sempre que
precisava, quando, por exemplo, se dava mal em alguma matéria da escola e
precisava de uma forcinha. Eu sempre fui o amigo procurado apenas nas
dificuldades. Sempre.
O celular para de tocar, o que por um segundo me alivia. Mas a tensão
volta logo em seguida, quando, a tempo de dar um único suspiro, ele volta a
tocar. Encaro o celular vibrando em minha mão e o levo ao ouvido.
— Carina? — pergunto, agora cético de que poderia realmente ser ela.
Por um momento, penso que possa ser trote. Ou quem sabe Carina
possa ter perdido o celular e alguém de boa índole tê-lo encontrado. A ideia
se desfaz quando ela ofega do outro lado da linha, causando uma tensão
ainda maior dentro do meu peito.
— Nick. — Sua voz denuncia claramente que ela acabou de sair de
um choro.
Apesar de mil pensamentos circundarem minha mente, a parte que
mais me chama atenção é o fato de ela dizer “Nick”. Ela não me chama
assim desde a nossa infância. Para falar a verdade, ela só chama por meu
nome quando esbarra comigo em algum lugar ou quando chega à casa dos
meus pais para uma visita e me cumprimenta.
Apesar de ter a consciência de mais uma vez ser o amigo procurado
para os momentos difíceis, no fundo, fico feliz por ela ter se lembrado de
mim.
Porém, não dá tempo de ser nostálgico, uma vez que ela começa a
chorar descontroladamente do outro lado da linha telefônica, o que leva
minhas suspeitas a se confirmarem de que algo realmente terrível havia
acontecido. Se tem uma coisa que me recordo bem sobre a Carina, é que,
quando criança, ela não era garota de chorar. Então, agora adulta, não pode
ser à toa.
— Aconteceu alguma coisa? — me pronuncio.
Ouço uma fungada dela do outro lado da linha telefônica, o que fez
meu coração se partir em dois. Ainda mais porque ela não diz nada. Depois
do silêncio, ela começa a chorar mais ainda. Fico parado, assustado e sem
saber o que fazer.
— Onde você está?
Ainda chorando, ela me passa o endereço de onde está. É uma estrada
extremamente perigosa (por ser deserta) para a hora que é, à meia hora
daqui, que fica em outra cidade, São Gabriel, região central do estado do
Rio Grande do Sul, onde meus pais e ela moram. Eu moro em uma cidade
vizinha, em Santa Maria, cidade universitária e mais populosa, de onde
aparentemente ela voltava de uma das boates que de costume frequenta.
Arrumo-me rapidamente e saio às pressas, com meu carro cantando
pneus na rua pouco movimentada de uma madrugada.
Durante o caminho, penso em como Carina é uma garota muito
bonita. Ela tem o rosto como de um anjo. Seus cabelos são loiros e seus
olhos são azuis. No entanto, seu corpo é que me chama mais a atenção. Ele
sempre me faz imaginar a diaba que ela deveria ser na cama. Ele é
realmente muito atrativo, e ela faz muito bom proveito dele quando usa
shorts curtos e decotes abusados. Sem falar quando toma banho de biquíni
fio dental na piscina da casa dos meus pais, com minha irmã, de quem ela é
amiga. Eu gosto de ver seu bumbum grande e redondo, admito. Apesar de
palavras como essa não fazer parte do meu vocabulário, acho ela muito
gostosa.
Se eu, que sou um cara mais tranquilo, fico louco quando vejo suas
curvas, é fato que outros, os quais ela sai para bebedeiras, queiram também
apreciá-las. Ainda mais que ela dá abertura.
Carina é extrovertida, simpática, se exibe, conversa com todo mundo.
Com isso, sempre se arrisca a entrar em carros de pessoas pouco
conhecidas. Eu não a acompanho nas festas em que vai. Minhas saídas de
casa sempre se resumem a coisas mais culturais e intelectuais, como
museus, cinemas, viagens e até à igreja. Sei dessas coisas sobre ela porque,
como já disse, ainda temos amigos em comum.
Um pensamento terrível me assombra, me preocupa.
Levando em consideração a hora, o choro, seu corpo, seu rebolado,
somada à bebida nublando a mente de um homem, já imagino o que
aconteceu. E só por imaginar, já me dói. Não é algo que uma garota mereça,
seja esta como for.
Carina provoca, ela faz o cara sonhar com ela, assim como eu. E ela
agindo assim, não tem como não pensar que esteja dando abertura, se
oferecendo. E se ela entrou no carro de um cara, garanto que não foi à
força. Essa postura é supernormal para ela.
Chego ao local descrito em meia hora. A estrada está escura, sem
movimento ou barulho algum. É cercada apenas por matos, árvores e
entulhos que, pessoas sem educação que passam diariamente por ela, aqui
jogam.
Forço meus olhos para enxergar um corpo imóvel parado na estrada.
Tenho miopia, então uso óculos de grau e, mesmo com eles, tenho
dificuldade de enxergar de longe. Dando-me conta de que é Carina, paro o
carro no acostamento, saindo dele em seguida.
Ela está abraçada ao próprio corpo, a cabeça baixa. Além de ter os
cabelos bagunçados, o vestido preto de alças finas está caído no seu ombro.
Passo meus olhos por todo seu corpo, me dando conta de que seus braços e
pernas estão ralados. Ela também tem o nariz fungando e lágrimas pretas,
devido à maquiagem que está escorrendo por sua face. Nunca tinha visto
seu rosto tão acabado e maltratado como estou vendo agora. Fico imóvel.
Não sei o que fazer, nem que palavras usar.
— O que fizeram com você? — pergunto ao me aproximar dela.
Não sei se é certo tocá-la. Mas me arrisco. Levanto seu rosto para ela
me encarar, mas ela desvia o olhar e começa a soluçar, fazendo seu tórax
subir e descer. Passo meu braço direito por seus ombros, e ela não recua.
Ando com ela assim até o carro, quando a solto de mim e abro a porta para
que ela entre. Dou a volta nele e também entro. Não olho para ela. Não
consigo olhar e não me sentir triste.
Durante o caminho de volta, ficamos em total silêncio na maior parte
do tempo. Fico com meus olhos fixos na estrada à minha frente. Vez ou
outra olho de soslaio para ela. Ela fica a viagem inteira encolhida no banco
e com a cabeça encostada no vidro, olhando para o caminho de volta, pela
janela. Ela tenta esconder o choro, mas é possível ouvir, pois ela não
aguenta controlar. Sei que ela sente vergonha, culpa e nojo. Sei disso
porque era o que eu sentiria se estivesse no lugar dela.
— Você não quer ir à delegacia dar queixa? — pergunto e no mesmo
instante ela faz que não com a cabeça.
— Não é o que você está pensando — ela enfim se pronuncia, mas
sem me olhar. — E não me faça perguntas, por favor, Nicolas. Apenas me
leve para casa.
Não acredito no que diz, mas, pensando que sua vontade deve
prevalecer, fico em silêncio, fazendo o que ela pede.
— Não. Me leve para sua casa. — Ela me olha rapidamente e desvia
o olhar em seguida. Não me encara. Não quer me encarar.
Ainda não tenho certeza, mas penso, com total certeza, que ela foi
estuprada. Olho rapidamente para ela e assinto.
Quando chegamos a minha casa, ainda em silêncio, caminhamos no
escuro até o meu quarto, onde ela senta na cama e fica encarando o chão.
Dou as costas e vou até o guarda-roupa para procurar uma toalha limpa e
uma camisa para ela vestir após um banho. Quando separadas, as entrego
para ela. Não falo nada. Sequer a olho nos olhos.
Saio do quarto e vou para a cozinha.
No escuro do cômodo, coloco uma xícara d’água no micro-ondas e
procuro por um sachê de chá de camomila, para proporcionar tranquilidade
a Carina e, assim, ela dormir mais calma. Depois, com a xícara de chá
quente pronto em minhas mãos, me debruço sobre uma bancada de
mármore preto que divide os dois ambientes da casa: sala e cozinha. E
respiro, profundo e lentamente. Tenho um minuto para respirar, tempo esse
que acaba fazendo eu me sentir pequeno e fraco, diante da situação de
Carina. Sinto, sobretudo, vontade de chorar.
Quero mudar o que aconteceu. Quero voltar no tempo e lhe
aconselhar, lhe dizer como o caminho que anda é perigoso e de pessoas
maliciosas.
Sentindo uma lágrima escorrer por meu rosto, passo as costas da
minha mão por ele e volto ao quarto, levando o chá e encontrando Carina
sentada e encolhida na cama, de modo que segura as pernas com os braços.
— Você quer me contar o que aconteceu? — pergunto, mesmo com
receio, ao me sentar ao seu lado, lhe entregando a xícara de chá. Ela se
arrasta até mim e pega a xícara, levando-a para a boca e dando um gole.
— Foi um cara que eu estava ficando. — Ela abaixa os olhos,
encarando a xícara entre as mãos. Suspira pesadamente.
Noto lágrimas se formarem em seus olhos. Ela levanta a cabeça e olha
para mim, mas desvia o olhar em seguida, mordendo a boca para não
chorar.
— Paramos na estrada para... você sabe o que. — Um soluço escapa
de sua boca, enquanto lágrimas escorrem por suas bochechas.
Abaixo a cabeça, me sentindo triste a cada palavra que ela pronuncia.
Nunca gostei e nem gosto de ouvir os comentários a respeito dela.
Sentia-me e ainda me sinto com raiva e ao mesmo tempo magoado. Muitas
vezes, tive vontade de chacoalhá-la, de tentar por algum juízo em sua
cabeça. Fazê-la acordar e perceber que o caminho de vida que segue não é
bom. É perigoso e de pessoas desonestas. Mas nunca tive coragem. Se
tivesse feito, ela certamente riria de mim ou me ignoraria, me achando
chato.
— Depois do que fizemos — ela continua. —, ele abriu a porta e me
jogou para fora, me mandando ir embora. Me tratou como um nada. Como
um lixo. Um lixo não-reciclável.
Um alívio me preenche o coração. Que confusão! Eu achando que
alguém tivesse abusado dela. Ela está derrotada porque o cara que gosta a
jogou fora depois que conseguiu o que queria.
— Aí eu fiquei jogada na estrada escura com meus cotovelos e
joelhos ralados, me sentindo humilhada. — Ela começa a chorar, seu dorso
dançando. Está totalmente desorientada. Passa as mãos pelos cabelos ao
passo que encolhe as pernas debaixo do queixo, se encolhendo outra vez. —
Por favor, não conte para ninguém o que eu te disse.
— Não contarei.
— Obrigada, Nick.
Ela coloca a xícara vazia sobre a cama e me encara. Ficamos nos
olhando por um momento, em total silêncio, até ela abaixar os olhos
novamente. Até que eu, por instinto ou impulso mesmo, lhe puxo para meus
braços e a deixo chorar. Ela não desaba em lágrimas como uma garota frágil
faria, mas sinto sobre meu peito um soluço escapar por sua boca.
— Você pode contar comigo — prometo, sincero, dando um beijo no
topo de sua cabeça.
Não me lembro bem quando tinha sido a última vez que lhe dei um
beijo ou a abracei. Mas não importa. Gosto de tê-la, mesmo que chorando,
debaixo dos meus braços.
— Sempre. Sempre que precisar pode contar comigo.
Carina se livra dos meus braços e me encara com aqueles olhos azuis
fascinantes que só ela tem. Eles brilham, mesmo que os glóbulos estejam
vermelhos, por causa do choro. Por mais que Carina tenha muitas curvas
pelo corpo e abuse bem delas, os olhos se destacam. Caso um homem tente
admirá-la sem pudor, notará isso, como eu agora.
Ela suspira profundamente e estica o braço até a xícara, entregando-a
vazia para mim. Eu a pego e a seguro entre minhas mãos. Depois, se deita,
se encolhendo, na cama. Levanto-me, me dando conta de que aquele era um
sinal para que eu a deixe sozinha.
— Eu vou te deixar à vontade — comunico, virando as costas para
sair do quarto e lhe desejo boa noite, mesmo que já fosse dia.
— Nick — ela me chama quando eu já alcanço a maçaneta, prestes a
me retirar. Viro-me para ela e a encaro, já que ela me olha nos olhos. — Eu
te liguei porque sei que você é um cara legal. Você seria incapaz de me
machucar ou de me julgar. Apesar de não sermos mais tão próximos, eu
confio mais em você do que em qualquer outra pessoa. Então, obrigada.
— De nada, Carina.
Quero dizer para ela que na verdade não a entendo, que a julgo.
Quero dizer que não concordo com suas atitudes em noites de bebedeiras
noturnas com pessoas de pouca confiança. Sem contar que este é o ano que
ela iniciaria a última série do Ensino Médio. E, por isso, ela deveria focar
nos estudos para passar no vestibular, caso ela tenha interesse em passar em
algum. Mas esse não é o momento propício para ouvir qualquer sermão
meu, e eu nem sou um amigo íntimo a tal ponto.
Diante disso, não falo nada. Apenas assinto e viro as costas, indo para
o sofá pequeno e desconfortável da minha sala, onde passarei a minha noite,
certamente em claro. Procuro não pensar mais sobre ela, sobre o que
acabara de acontecer. Afinal, no fundo, sei que seríamos amigos só essa
noite. Depois, tudo voltaria às normalidades.
Capítulo 02
Isso foi tudo você, nada disso fui eu
Você colocou suas mãos no meu corpo e disse
Você me disse que estava pronto
Para o grande, para o grande salto
Eu seria o seu último amor eterno, você e eu
Isso foi o que você me disse
SEND MY LOVE – ADELE

É um sábado à noite. Nesse momento, acontece minha festa de


noivado, simples e de poucos convidados na casa da minha noiva, Alicia.
Depois de um ano juntos, acabei decidindo pedir sua mão. Já tínhamos
planos e sonhos juntos. Só precisávamos da concretização de nosso
compromisso para pô-los em prática.
Na festa, há apenas nossos pais e nossos irmãos porque Alicia não
quis convidar muitas pessoas, apenas as pessoas mais importantes de sua
vida. Ela não é uma garota fútil. Não liga para festas e luxos. É humilde,
responsável, tranquila, estudiosa, gosta de ler e de sair nos sábados à noite
para lugares tranquilos, como cinema ou teatro.
Como tem o mesmo estilo de vida que eu, temos muita sintonia.
Damo-nos tão bem em todas as escolhas que fazemos, como na hora de
decidir o filme que assistiremos no cinema. E quando, por algum motivo,
não chegamos a um acordo, somos sinceros e honestos um com o outro e
procuramos nos acertar. É a melhor maneira que encontramos de manter
nosso relacionamento saudável.
Ela estuda na mesma faculdade que eu, a Universidade Federal de
Santa Maria, UFSM, onde nos conhecemos no ano passado quando
fazíamos nossas matrículas. Além da ocupação com a faculdade, trabalha
em dois locais: faz estágio em uma escola perto da faculdade e ajuda o pai
no comércio da família no período da noite, uma lanchonete que também
fica perto da faculdade.
A mãe, Marcela, que eu não cheguei a conhecer, faleceu há dois anos.
Sofria de um câncer generalizado, assunto que Alicia não gosta de tocar.
Não que seja recente, mas, algumas perdas, ainda mais as repentinas,
parecem difíceis de superar. Então, ainda é doloroso lembrar e sentir
saudade da mãe, que era uma pessoa maravilhosa para a família, a mulher
presente e aberta a todas as necessidades que todos na casa tinham: senhor
Carlos, seu pai, e seus filhos, Douglas, um adolescente de dezessete anos, e
a pequena Nicole, de seis.
Desta é a que eu mais tenho admiração, pois é tão pequenina para
perder cedo uma figura tão importante na vida de uma menina. Mas Nicole,
diferente do que se pode esperar, é uma menina doce e alegre, cheia de vida.
E isso me deixa mais tranquilo.
Com a morte da mãe, Alicia precisou, além de trabalhar para ajudar
nas despesas de casa, cuidar da pequena Nicole e também do Douglas,
quem tem pouco juízo. De classe baixa, seu pai não tem condições
financeiras para pagar alguém para fazer isso. E essa sua garra que me faz
admirá-la tanto e amá-la ainda mais. E foi consciente de que Alicia seguirá
o exemplo de sua mãe para com uma família que um dia viríamos a ter que
eu pedi a mão dela em casamento. Não tenho dúvidas do meu querer, assim
como dos meus sentimentos.
No entanto, eu tenho um sogro muito carrasco que reclama cada dia
mais que as coisas entre mim e sua filha estão "evoluindo" com muita
pressa. Eu sei que ele não quer correr o risco de passar vergonha de ter uma
filha solteira e grávida, mesmo que tais palavras não saiam de sua boca. Só
que isso é impossível de acontecer porque, apesar de sua filha e eu muitas
vezes termos avançado nas carícias, ela ainda é virgem. E virgindade, por
ser irreversível quando perdida, é algo que Alicia encara com muita
seriedade.
Mas é impossível eu largá-la. Tenho mesmo certeza dos meus
sentimentos por ela. Sem falar no mais importante do que ela ou eu, que é o
que construímos diariamente juntos e não pode acabar por qualquer coisa: o
nosso relacionamento. Ele é respeitoso, saudável, sem brigas e ciúmes, pois
Alicia não é daquele tipo de garota que fica no pé, desconfiada, até porque
eu não dou motivos, assim como ela também não me dá. Aliás, não me
recordo de algum momento ter sentido ciúmes dela.
A única coisa que me incomoda em nosso relacionamento é a nossa
falta de privacidade, causada pelo sufoco das cobranças de seu pai. Ele não
a deixa dormir no meu apartamento, não a deixa chegar em casa depois da
meia noite, assim como não nos deixa namorar de porta fechada no quarto
dela. Sempre fico imaginando: caso as coisas fossem diferentes, como seria
Alicia? Talvez outra garota. Talvez alguém não ligada nos estudos e na
crença da família, alguém que eu jamais me relacionaria.
— Daqui a pouco vou perder todos os meus bebês! — minha mãe
choraminga, me acordando de meus pensamentos. Ela me dá um abraço
apertado, para se despedir de mim.
Olho por cima de seus ombros e vejo Alicia recebendo um abraço do
meu pai. Por cima dos ombros dele, ela sorri abertamente para mim.
Minha noiva é linda, a mulher mais linda que eu conheci na vida,
ganhando da minha mãe e das minhas irmãs. Morena, cabelos pretos
ondulados, olhos negros e um sorriso bonito na boca. Ele é o que mais me
chama a atenção nela. Sabe quando a pessoa sorri e parece ser com os
olhos, de tão bonito que ele é? É isso. Ela sorri com os olhos.
— Calma, mãe — brinco, saindo dos braços da dona Anne, como eu e
meus irmãos costumamos chamá-la. — A Bia ainda vai fazer dezessete
anos. E eu não acho que ela irá se casar algum dia.
Bia é o apelido da minha irmã Beatriz. Ela é a caçula de quatro
irmãos. Como tem dezesseis anos, é rebelde, mal-humorada e de opinião
forte, além de mimada, devido aos benefícios que todo caçula tem em uma
família.
— Eu vou me casar sim, tá bom, irmãozinho! — Beatriz bate o pé,
balançando para lá e para cá seus cabelos castanhos e lisos.
Aperto seu nariz fino, o que a faz me dar uma tapa no braço. Minha
irmã é tão linda. Não é a toa que é uma modelo valorizada e conhecida, pelo
menos por nossa cidade, e só não é mais porque ainda é muito nova, mas sei
que no futuro seu rosto estará estampado por muitos lugares, momento em
que seu nome estará no auge.
— Tchau, Nicolas — ela diz, me dando um beijo estalado na
bochecha. Depois, meu irmão Bernardo também o faz, fazendo eu me
esquivar dele.
Bernardo é um brincalhão, aquele estilo de cara descolado, que gosta
de balada e tem um monte de amigos. Ele é um ano e meio mais velho do
que eu, filho do primeiro casamento da minha mãe. Ele se casou há um ano
com a Laura, minha outra irmã, também mais velha do que eu e minha irmã
só por parte de pai, filha do primeiro casamento dele. Então, filhos da Anne
com o Daniel, meu pai, somos apenas eu e a Beatriz.
— Tchau, linda — Laura se despede de Alicia, ao dar dois beijos no
rosto da minha noiva.
Diferente da Beatriz, essa minha irmã é toda doce e calma. Acho-a
bastante parecida com Alicia. Gosta de estudar, sonhava em se casar, em ter
uma família, é paciente e um pouco tímida.
Laura chega até mim, deixando um beijo estalado na minha bochecha,
me felicitando pelo noivado. Faço questão de lhe dar um beijo na testa, em
sinal de respeito e a abraço bem apertado, porque, diferente da Beatriz, é
uma irmã que vejo pouco, já que mora em uma cidade mais distante: Porto
Alegre.
Depois que meus familiares vão embora, sobra para mim, senhor
Carlos, Alicia e seus irmãos arrumarmos toda bagunça que fica na pequena
e humilde casa deles.
— Estou com sono, papai — Nicole diz, colocando uma mecha de
seus cabelos ondulados, como os da irmã, atrás da orelha.
— Vou colocá-la para dormir — Alicia me avisa, arrastando a
pequena para fora do cômodo. — Você me espera, amor?
Assinto.
— Boa noite, boneca — me despeço de Nicole, lhe dando um beijo
estalado na bochecha. Ela laça os braços ao redor do meu pescoço e me dá
um abraço apertado.
— Até semana que vem, Nico — diz, e volta-se para a irmã.
As duas, quase idênticas, somem pela entrada da cozinha. Na
aparência, diferente da personalidade, Nicole é Alicia da cabeça aos pés:
sorriso grande e bonito, pele morena e cabelos pretos cacheados. Segundo
minha noiva, ambas puxaram a mãe na questão física, bem como Douglas
herdou os traços de Carlos; os dois são de pele em um tom mais escuro,
apesar de terem os cabelos mais lisos, tendo a aparência semelhante à de
um índio.
— Já está tarde. Por que não deixa o Nicolas dormir aqui hoje, pai?
— Douglas quer saber, depois que as irmãs se retiram da cozinha. Ele lava
na pia algumas louças que eu seco e senhor Carlos guarda. Este, quando
ouve a pergunta do filho, para o que faz, e me olha de lado, desconfiado.
— Ele mora aqui do lado — o pai responde sem fazer muitos rodeios.
— Se eu dormir aqui, provavelmente acordarei tarde amanhã. E eu
não posso porque tenho que organizar algumas coisas no meu apartamento.
As aulas voltam na segunda e eu preciso fazer uma faxina. — Invento essa
desculpa para não parecer que quero dormir debaixo do mesmo teto que
Alicia.
Se bem que meu maior sonho é dormir abraçadinho com a minha
noiva, ainda mais depois de uma noite tão importante para nós. Mas me
desvencilho destes pensamentos e volto ao que falava antes.
— Ah, que pena — Douglas lamenta.
O garoto parece ser ágil em lavar louças, pois já havia lavado tudo o
que tinha na pia. Na verdade, esse é o trabalho exclusivo de Alicia na casa.
Então, de fama de indisposto que Douglas tem, certamente tinha lavado de
qualquer maneira para se livrar do serviço.
— Amanhã queria jogar aquele jogo, sabe? — Enquanto seca as mãos
no pano de prato, momento esse que parece demorar mais do que quando
lavava um prato na pia, ele escora suas costas na pedra de mármore preta e
olha para mim. — Aquele jogo que eu te falei.
— Deixamos para uma próxima.
— O que vocês deixarão para uma próxima? — Alicia chega à
cozinha e me abraça por trás, me dando um beijo no rosto.
— Jogar com seu irmão — respondo e puxo-lhe para minha frente,
ficando com ela abraçada assim, de costas para mim.
Suspiro em seus cabelos e dou uma fungada, para sentir o cheiro de
shampoo doce que ainda está neles. A atitude, além de respeitosa, é mais do
que um sinal de carinho. Mas seu pai não parece gostar.
— Acho que já está na hora de o senhor ir — ele diz, mal-humorado.
Apesar de não ser amigo do senhor Carlos, me dou bem com toda a
família de Alicia. Douglas e eu sempre jogamos UFC em meu Xbox quando
eu levo o videogame para sua casa. Já com Nicole eu gosto de conversar
sobre os heróis da Marvel e da DC, os quais ela estranhamente gosta de
comprar os bonecos ou colecionar as figurinhas. Só com meu sogro que as
coisas são difíceis, mas eu entendo o porquê. Ele sente medo de perder seu
braço direito. Afinal, é isso que Alicia é.
Depois da nítida expulsão, me despeço de todos, em especial de
Alicia, que me acompanha até o portão. Ela, com um sorriso de felicidade
estampado no rosto, me empurra para o muro de chapisco e me dá um beijo
ousado e demorado, fazendo nossas línguas enroscarem com toda
velocidade possível uma na outra, o qual emite sinais de excitação para
dentro da minha bermuda.
Alicia solta uma risada maliciosa por sentir minha excitação.
Aperto sua cintura com minhas mãos e puxo seu corpo para mais
junto ainda do meu.
— Hum — ela solta um gemido e arfa. É quando ela desgruda sua
boca da minha e me dá um beijo rápido.
Tímida, mal me olha nos olhos. Põe uma mecha dos cabelos negros
atrás de sua orelha, me abraça a cintura e encosta a orelha no meu peito
para ouvir meu coração, como sempre faz.
— Eu te amo — diz. — Estou muito feliz!
Beijo o topo de sua cabeça e aliso seus cabelos. A excitação me
escapa. Agora só fico pensando no quanto ela é preciosa, no valor que ela
tem. Com dezenove anos é virgem, se guarda para mim, para nossa lua de
mel. Não posso deixar de sorrir de tanto orgulho que sinto em ter uma
mulher assim comigo, coisa que hoje em dia é muito difícil de encontrar.
Devo valorizá-la. E respeitá-la. Ai, se devo!
— Também te amo — Levanto seu rosto e lhe dou um último beijo.
Despeço-me com um abraço apertado e entro em meu carro, rumo ao
meu apartamento, que fica a dez minutos de sua casa. Fico pensando na
noite gostosa, das nossas famílias reunidas e dos trâmites que resolveríamos
sobre o casamento a partir de então. Serão tantas coisas para resolvermos,
tantas coisas gostosas para nos preocuparmos.
Capítulo 03
Pelo caminho, garrafas e cigarros
Sem amanhã, por diversão, roubava carros
Era Ana Paula, agora é Natasha

Usa salto quinze e saia de borracha


NATASHA – CAPITAL INICIAL

Segunda-feira chega e eu me vejo de novo em meio a correria. Já que


fiz ensino médio técnico em Segurança no Trabalho, trabalho em uma
empresa de construção civil, a Magnato Engenharia.
Meu trabalho é orientar os funcionários na segurança do trabalho e
prepará-los fisicamente para as construções dos serviços prestados à
empresa. Trabalho oito horas por dia, saio do trabalho às quatro da tarde e
chego só no início da noite em casa. Quando chego, tomo um banho e
preparo algo para comer antes de ir para a faculdade. Por morar sozinho há
algum tempo, aprendi a me virar e, dessa forma, até cozinhar eu sei.
Como de costume, sempre ligo para Alicia para conversarmos, para
saber se está tudo bem e nos mantermos informados acerca da vida do
outro. Agora, por telefone, falamos sobre a reforma do meu apartamento. É
onde moraremos quando nos casarmos dentro de dois anos.
Alicia, como não tem muita vaidade, não deseja mudar muitas coisas.
Apenas pintar as paredes e talvez trocar o piso da cozinha e do banheiro. Já
eu, talvez por cursar Engenharia, tenho muitos planos para o meu
apartamento. Então, desejo trocar todos os pisos e móveis e pintar ele por
completo.
— Ah, você que sabe! Detesto perder para você. Mas você sempre
vence. Sempre as suas escolhas são válidas — ela diz do outro lado da
linha telefônica. Não é reclamação nem nada. Apenas mais uma vez ela está
aceitando as minhas escolhas e se esquecendo das dela.
Apesar de nunca ter tocado no assunto com ela, ser passiva é a única
coisa que me incomoda na sua personalidade. Suas concessões me fazem
entender que ela é indiferente às suas vontades, o que causa certo desânimo
no meu amor por ela. Queria lhe dizer isso em algum momento, mas é tão
bom estarmos bem um com outro. É tão bom evitar qualquer possibilidade
de desentendimento.
— Amor, vou desligar. Preciso estar na loja em vinte minutos — ela
se despede.
— Está bom. Beijo. Te amo.
— Também te amo. Beijo.
Desligo o telefone e o coloco de volta no suporte para carregar.
Suspiro profundamente e encaro a aliança dourada que agora tenho na mão
esquerda, no meu dedo anelar. Levanto meu rosto e encaro minha sala, o
que me faz voltar a pensar sobre a reforma.
Meu apartamento é simples. Dois quartos, banheiro, cozinha, sala e
área de serviço. A sala e a cozinha são no estilo americano: separadas
apenas por uma bancada de mármore. A porta de entrada dá de frente para
um sofá preto de couro, uma das poucas coisas que comprei quando me
mudei. Outras, trouxe da casa dos meus pais, tal como minha televisão de
quarenta polegadas e minha mesa de estudos junto com meu computador.
Os móveis da cozinha e o armário do quarto, embutidos, pertencem ao
apartamento.
Este é o lugar onde viveu minha mãe quando, sozinha e separada do
ex-marido, criava meu irmão mais velho. Ela disse que eu fui feito nele,
quando ela e meu pai eram apenas namorados. Quando estive aqui pela
primeira vez, me apaixonei por sua simplicidade e decidi que um dia ele
seria meu. Agora ele é.
Balanço a cabeça, expulsando meus pensamentos. Preciso estar na
faculdade dentro de alguns minutos. Levanto do sofá e caminho até a porta
de saída, descendo dois lances de escadas. Por sorte, moro no segundo
andar, então quando o elevador dá problema, não preciso sofrer com a
quantidade de escadas a descer. A garagem fica a alguns passos à direita do
final das escadas, outra vantagem do condomínio residencial em que o
prédio fica.
A garagem é grande, a piscina também. O ambiente é tranquilo
durante o dia. Sempre há crianças sorridentes correndo pelo pequeno
parque. É um local familiar. Não tenho do que reclamar com o síndico.
Gosto mesmo daqui. Não posso estar mais satisfeito. Serei feliz aqui com
Alicia e nossos filhos. Seremos felizes. Sinto meu peito pulsar de tanta
alegria que é imaginar nosso futuro.
Já em meu carro, dirijo tranquilo enquanto ouço rock brasileiro,
Capital Inicial, minha banda preferida. Distraio-me quando entro em uma
avenida que dá acesso à estrada que me levaria para a faculdade. Vejo uma
senhora e uma garota loira paradas na esquina. É minha tia Lucy, a grande
amiga da minha mãe, acompanhada de sua filha Carina. Desacelero o carro
e paro com ele no acostamento, desligando o rádio em seguida. Desço do
carro, batendo a porta, o que faz com que as duas olhem para minha
direção.
— Nicolas! — Tia Lucy se surpreende ao me ver enquanto anda
alguns passos até mim. Eu faço o mesmo.
— Tia! — Paro em sua frente e lhe dou um beijo na bochecha. Viro
meu rosto para o lado e encaro Carina. Puxo seu rosto para mim e dou um
beijo estalado em sua cabeça. — Carina. Está tudo bem?
Ela simplesmente consente, abaixando o olhar. Tanto tempo que não a
vejo, que não a tenho por perto, um ano mais precisamente. Acho que desde
o dia em que ela me telefonou de madrugada. Para falar a verdade, a via
algumas vezes na casa dos meus pais, mas sempre muito rápido. Mal nos
cumprimentávamos. Apenas um “oi” de longe sem muita formalidade.
— O que vocês fazem na cidade? — Estou um pouco confuso, mas,
sobretudo, espantado com tamanha coincidência em encontrá-las em uma
cidade tão grande como essa.
— Passei na reclassificação do vestibular de Arquitetura — Carina se
explica. — Soube essa semana.
Quando criança, ela sempre dizia que sonhava em cursar Arquitetura
na UFSM. Queria seguir os passos do pai. Sempre desejei que realizasse
seu sonho. Mas achava que, depois de crescida, o sonho tivesse ficado para
trás. Mas, pelo visto, parece que não. Não posso deixar de sorrir por saber
disso. Fico feliz. Quero vê-la fazendo as escolhas certas.
— E está gostando das aulas? — Quero saber, pois fico animado e
interessado. Ela abre a boca para me responder, mas a mãe lhe corta:
— Nada. Ela não conseguiu vir a uma aula. Ainda estamos
procurando uma casa para ela ficar. Uma luta, rapaz! — Ela põe a mão na
cintura, soltando um suspiro. Tem um aparente cansaço no rosto. — Já
visitamos todas as repúblicas de Santa Maria e nada.
— Sério?
Fico surpreso, pois há muitos lugares para se ficar aqui, afinal é uma
cidade universitária. Mas levando em consideração que já é março, penso
que a maioria das repúblicas estejam cheias. Mas Carina não precisa morar
em república. De família rica, os pais podem pagar por um apartamento
para morar sozinha ou até lhe comprarem uma casa.
— O pai prometeu comprar um apartamento para ela, mas até agora
nada — tia Lucy traz a resposta para a minha indagação. — Desde que
arrumou a outra família, esqueceu que tem filhos. Tudo bem que agora
Carina já tem dezoito anos e ele não precisa bancá-la em tudo, mas ele pode
dar um apartamento para ela. Ele tem dinheiro para isso. Mas a outra suga
tudo dele!
— Mãe! — Carina lhe repreende.
— Ué, vai dizer que o Nicolas não sabe disso?
Da vida pessoal deles eu não sei. O que sei é que, segundo minha
mãe, tia Lucy até hoje não superou o fim de seu casamento com George, pai

de Carina, que chegou ao fim porque ele resolveu contar para ela que tinha
outra família, na mesma cidade em que moravam, o que levou o casamento
perfeito e feliz para o fundo do poço. Eram namorados desde a
adolescência. Casaram jovens. Não conheceram outras pessoas. Até que
outra mulher apareceu na vida dele e desestabilizou tudo.
Não presenciei o término de perto. Mas sei que, assim como ela, seus
filhos também sofreram com o divórcio. Às vezes penso que foi essa a
causa da postura de Carina em relação às boates e ao sexo desregrado. Foi
depois que os pais se separaram que ela começou a agir de forma
descontrolada.
Encaro a loira e ela se abraça, com frio, pois venta e ela, como
sempre, não usa roupas adequadas para tal clima. Veste uma bermuda jeans
curta mostrando suas pernas torneadas e morenas e uma blusa de ombro
caído que deixa seu ombro à mostra, além de seu piercing brilhando em seu
umbigo, o que já é o suficiente para deixá-la sexy.
Tento não prestar muita atenção nela, apesar de ser quase impossível,
e me concentro no assunto anterior: uma república para Carina. É
impossível eu lhe ajudar, pois, apesar de morar na cidade há um pouco mais
de um ano, não tenho muitas amizades, já que sou um cara fechado, e os
poucos amigos que eu tenho são homens, e não acho uma boa ideia ela ficar
numa república só com rapazes.
— Eu não conheço muitas meninas em Santa Maria — falo,
desanimado. — As amigas da Alicia moram com os pais, então... nem sei
como posso ajudar.
— Vai ser meio cansativo ir e vir todos os dias — Carina lamenta.
— Falei para estudar em São Gabriel mesmo — tia Lucy comenta
meio ranzinza. Pelo jeito, já perdeu a paciência de procurar um lugar para a
filha ficar.
— Vamos embora, mãe — Carina fala. Depois, me olha. — Foi bom
te ver, Nicolas. Pena ser desse jeito. — Ela dá de ombros com um sorriso
leve nos lábios.
Sorrio de volta, encarando-a. É tão bom vê-la outra vez, mesmo que
trocando poucas palavras comigo. Sinto como se meu coração se aquecesse.
Como se ele ficasse tranquilo.
— Ah! — tia Lucy aumenta o tom, animada, me fazendo virar o rosto
para ela. — Você noivou, né?
— Sim, tia. Foi mal por não convidar vocês. Foi algo bem simples. A
família da Alicia é bem humilde e ela não queria muitas pessoas. Só tinha
nossos pais e nossos irmãos.
— Não precisa se explicar. Eu entendo. — Ela abre os braços e me
abraça, de surpresa. — Meus parabéns! A Anne e o Daniel fizeram filhos
maravilhosos! Quem dera se os meus pensassem em casar e me dar netos!
Tia Lucy só tem Carina e o seu irmão gêmeo, o Caio, de filhos. Assim
como a irmã, Caio não é uma pessoa muito séria. Vive de festas, bebedeiras
e sexo. Uma pena, pois minha tia, na adolescência, segundo minha mãe, era
totalmente ao contrário dos dois. Era romântica e sonhadora. Criou os filhos
para que fossem como ela, mas não deu certo, o que lhe trouxe certa
decepção.
— Mãe, chega. Vamos embora — Carina reclama.
Não posso deixar de reparar nas olheiras que se formam debaixo dos
olhos de Carina. Ela é tão frágil. Cansou-se porque passou apenas um dia
procurando um local para ficar. Imagina uma semana de correria entre
aulas, fazendo o trajeto diário de duas horas de São Gabriel para Santa
Maria e vice-versa. Preocupo-me ao pensar que com isso ela possa desistir
da faculdade.
Quero que ela tenha uma vida, uma carreira. Não posso de jeito
nenhum pensar na possibilidade dela desistindo. Mas o que posso fazer?
Sinto-me tão impotente. Quero fazer algo por ela. Quero, pelo menos em
algum momento, aparecer mais em sua vida.
Mas acho que posso ajudá-la.
— Então, tia — começo, mas paro. Tento encontrar as palavras certas
para usar. — Eu moro sozinho no antigo apartamento do meu avô. E tem
dois quartos. Se a Carina quiser ficar lá enquanto não encontra um lugar
definitivo...
Tia Lucy olha para a filha com um sorriso claramente animado. Já a
filha, ao contrário dela, tem o rosto indecifrável.
— O que você acha? — pergunta para a filha.
— Obrigada, Nicolas — Carina agradece. — Mas não posso aceitar.
Você está noivo agora e não quero causar ciúmes. Mas obrigada.
— Eu e Alicia nunca tivemos problema com isso.
— Mas pode ser um motivo para ela começar a ter.
— Ah, pelo amor do meu Santo Deus! — tia Lucy nos interrompe,
pondo suas mãos na cintura. — Vocês são praticamente primos. Como ela
sentirá ciúmes?
— Mãe! Você não a conhece.
— Deixa que o Nicolas decide.
— E se eu perguntar para ela? — informo a Carina. — Você jura que
pensa?
— Nicolas... eu não quero incomodar.
— Por favor.
— Está bem. Você pergunta para ela e enquanto isso eu vou
pensando.
Assinto. Carina está certa. É claro que eu preciso conversar com
Alicia antes de colocar uma mulher na minha casa. Tudo que mais quero é
ter a loira de novo por perto, mas, antes disso, preciso manter a saúde do
meu relacionamento. E eu e Alicia sempre consultamos um ao outro antes
de tomar qualquer decisão e dessa vez não seria diferente. Caso decidisse
sozinho, seria um motivo para brigarmos. E estamos em um momento tão
bom, fazendo planos juntos, que não posso permitir que uma briga nos
atrapalhe.
Capítulo 04
Cabelo verde, tatuagem no pescoço
Um rosto novo, um corpo feito pro pecado
A vida é bela, o paraíso é um comprimido

Qualquer balaco ilegal ou proibido


NATASHA – CAPITAL INICIAL

Quero casar com Alicia logo. Não aguento mais me masturbar


enquanto assisto a algum pornô ou penso em alguma garota gostosa. É
constrangedor ser saciado pelas minhas mãos. Desejo profundamente ter
uma mulher fisicamente.
Olho para baixo e me deparo com meu o membro ereto, resultado que
o filme pornô que antes assistia me causou. Suspiro e levo minha mão até
ele, que lateja, desesperado por uma foda verdadeira. Acaricio-o sentindo
sua dureza e extremidade. Fecho meus olhos e imagino eu e Alicia deitados
em minha cama.
Deito sobre seu corpo nu, enquanto beijo suavemente sua boca,
acariciando sua pele macia. Quando eu lhe penetro, ela arqueia para trás,
em sinal de excitação. À medida que beijo sua boca, a velocidade da minha
mão aumenta. Eu entrando e saindo da minha garota, que geme docemente
em meu ouvido enquanto arranha as minhas costas. Minha velocidade
aumenta, e ela geme cada vez mais alto, me puxando para ela, para que eu
entre mais fundo em seu espaço molhado, excitado e explorado.
Meu gozo vem como um jato, me fazendo socar a parede gelada do
banheiro. De modo que o alívio me preenche, eu me pego sorrindo,
satisfeito com a foda imaginária. Ligo o registro do chuveiro e entro
debaixo do jato d’água, esfregando a cabeça do meu membro.
Como hoje é sábado e faz calor, convidei Alicia para se refrescar
comigo na piscina do condomínio. Queria mesmo era que ela ficasse
comigo aqui em cima, para namorarmos, mas ela não gostou da ideia. Disse
que não teríamos muito o que fazer, o que de fato não é verdade.
Poderíamos fazer amor. Para antes, prepararia um jantar romântico para
nós, veríamos um filme e depois poderíamos dormir juntinhos. É tudo que
mais quero, tê-la em meus braços enquanto dorme. Eu beijaria seu ombro,
seu pescoço, seu queixo e, por último, sua boca, pela manhã, enquanto ela
dormisse. Ela acordaria e envolveria seus braços ao redor do meu pescoço e
as pernas ao redor da minha cintura. Estaria nua. Eu também.
Sorrio, sentindo meu pênis pulsar em minha mão outra vez. Por Deus!
Não aguento mais. Preciso fazer amor com ela. Preciso beijar aquele corpo
cheiroso, apalpar suas curvas. Mas não posso esperar isso de Alicia, pois o
máximo que ela faz é me dar beijos ousados.
Suspiro, derrotado, sentindo minha excitação esmaecer diante de
mim. Desligo o registro e pego o sabonete na saboneteira dourada do box.
Abro o registro outra vez e começo a ensaboar meu corpo debaixo d’água.
De repente e do nada, e num momento completamente inapropriado, a
lembrança de Carina vem como um flash na minha mente.
Não encontrei com ela na faculdade ainda. Ela estuda no período
integral (manhã e tarde) ao passo que eu estudo à noite. Sendo assim, só
temos chances de nos esbarrarmos na sua saída. Mas depois de uma semana
de aula, isso ainda não ocorreu.
Converso com minha mãe frequentemente por telefone e, segundo
ela, a loira já está cansada da rotina frenética de engarrafamento. Mas ainda
não desistiu, apesar de comentar que pensa em fazer isso. Não é algo que
me deixa feliz. Lembro de seu olhar triste por se lamentar em não conseguir
um lugar para ficar, e isso parte meu coração. Arquitetura na UFSM foi
tudo que ela sempre sonhou.
Sorrio, recordando.
Nossa infância foi tão boa. Pena o destino nos separar. Sinto falta
dela. Seria incrível que passasse uns dias comigo enquanto não encontra o
lugar definitivo para ficar.
Como hoje será o dia que encontrarei Alicia, já que é sábado, falarei
com ela sobre Carina. Minha noiva já conhece a loira, pois a viu na festa de
comemoração da contratação de Bernardo pelo Internacional, no ano
passado. Ela sabe que a loira não é apenas uma amiga, que é quase parente,
uma prima. Então, não deve questionar. Acho que aceitaria. Seria alguém
para conversar com ela quando viesse para cá. Nós três poderíamos assistir
a um filme comendo pipoca ou tomando um vinho. Faria as duas sorrirem
ao mesmo tempo. Pensar nisso me deixa bem.
Finalizo meu banho e me enrolo em uma toalha. Saio do banheiro e
entro no meu quarto, para me arrumar, antes que Alicia chegue. Jogo minha
toalha sobre a cama e abro o armário, procurando o que vestir. Mas, nesse
momento, meu interfone toca na sala, e sei que é o porteiro avisando que
Alicia chegou. Olho para baixo, encarando minha nudez, e penso como
seria gostoso receber Alicia assim.
Ai ai, tenho que parar com meus pensamentos! Mas o que fazer se
tudo que mais desejo é provar de suas curvas ao beijar, sem limites, toda
extensão de seu corpo? Um pouco triste, por saber que esse sonho vai
demorar muito tempo ainda para se realizar, me apresso ao enrolar a toalha
na cintura e corro para a sala.
— Pronto.
— Alicia, Nicolas.
— Pode mandá-la subir, senhor Antônio. — Desligo o interfone e me
jogo no sofá. Encaro a tevê e noto que ainda passa o filme pornô. Uma
loira, de quatro, geme alto com a boca aberta, ofegante, enquanto um
homem lambe seu sexo.
Sorrio, achando a situação engraçada.
Alicia chegaria aqui e perceberia que seu noivo tem visto filmes
pornôs para se masturbar. Nunca falei com ela sobre isso. Está aí um
assunto que nunca conversamos. A campainha toca e eu me levanto do sofá,
desligando a televisão em seguida. Abro a porta e Alicia sorri timidamente.
— Amor, que isso? — ela pergunta, de modo que põe a mão na
cintura e encara meu membro. Abaixo a cabeça e me dou conta de que estou
com a toalha elevada. Sentindo meu membro pinçar na toalha, mordo minha
boca e puxo minha noiva para meus braços, colando nossas bocas e
fundindo nossos corpos. — Nicolas! — Ela me bate no braço. Solto-a,
sorrindo, e ela me olha de soslaio, revoltada.
— Vou trocar de roupa. — Beijo sua boca, e ela bate no meu braço
outra vez. Tão medrosa. Desnecessário, mas balança meu coração sendo
assim.

Estamos dentro da piscina do condomínio, cercados de crianças, com


alguns falatórios, e um sol gostoso de abril nos aquecendo. O lugar é
simples, o espaço pequeno, porém aconchegante, com cadeiras de sol
brancas rodeando a piscina e alguns coqueiros trazendo natureza para o
local.
— Me beija, me beija, me beija — Alicia pede. Ela chega até mim,
que estou de pé na água, de frente para ela. Laço sua cintura fina e lhe dou
um beijo casto, enquanto ela coloca os braços ao redor do meu pescoço.
Alicia não tem tantas curvas. Ela é magra, tem a cintura pequena e
braços e pernas finas. Seu bumbum também não é muito grande e seus seios
cabem na palma da minha mão, mesmo que eu tenha tocado poucas vezes,
sei disso. Ela não é do tipo de garota sexy, é dura nas poses. Sua beleza está
em seu rosto fino e bonito que herdou da mãe. Não tenho tesão por vê-la de
biquíni. Isso me deixa bem, pois só confirma que meus sentimentos por ela
não são luxúria, pois, amor.
— Você está distraído, amor. Está tudo bem? — ela me pergunta,
segurando meu rosto para olhá-la.
— Estou sim, Lice. Distraído pensando em você, como sempre. —
Dou um beijo casto em sua boca, e ela sorri enquanto ainda nos beijamos.
Desgrudo nossas bocas e faço um carinho em seu rosto com as costas da
minha mão, admirando sua beleza. — Eu te amo.
Ela coloca a cabeça sobre meu peito e diz que também me ama muito.
Beijo o topo de sua cabeça enquanto faço carinho em seu cabelo molhado.
É quando me lembro de Carina.
— Ah, amor, quero te perguntar uma coisa.
— Hum — murmura, desinteressada.
— Sabe a Carina, filha da tia Lucy?
Ela levanta a cabeça com o rosto indecifrável. Até que franze o cenho
e pergunta:
— Sua amiga? — Como nunca antes, noto um nítido ciúme em sua
voz.
Enrugo a testa, estranhando seu repentino surto de ciúmes.
Percebendo, ela escorrega os ombros para baixo, assim como a cabeça.
Uma risada de lado me escapa pela boca. Acho que, no fundo, gostei de vê-
la enciumada por mim por alguns segundos. Foi meigo. Me deixou bem.
— Desculpa. Sei que você e ela são muito próximos. Não estou com
ciúmes.
— Vou fingir que acredito. Mas sabe que até que gostei de vê-la
enciumadinha assim. Ficou muito lindinha. — Beijo sua boca de leve, e ela
sorri, voltando com sua cabeça para meu peito. E eu volto a fazer carinho
em seus cabelos. — Então, ela passou no vestibular recentemente, um mês
depois do início das aulas. Ela não conseguiu uma república para ficar e o
pai está enrolando para pagar pelo apartamento que prometeu. Então, eu
ofereci o meu provisoriamente.
Rapidamente, ela desencosta a cabeça do meu peito e me encara com
o rosto duro, como se não gostasse do que ouviu. Mas como ela não me
deixou completar, prossigo:
— Calma. Ela não aceitou meu pedido. Acho que, antes de tudo,
gostaria de seu consentimento. Quero saber se aprova ou não eu dividir meu
apartamento com ela. Você sabe que ela é só uma amiga. É quase uma
prima — finalizo e fico esperando ansioso por sua resposta.
Alicia vira o olhar para o lado, parecendo pensar. Sei que é muito
pedir que uma mulher more comigo, mas não é uma mulher de fato. É
Carina, alguém que cresceu comigo, estudou na mesma escola que eu,
dormiu na minha casa e que cuja mãe eu chamo de tia. Alicia sabe disso.
Não tem por que ter ciúmes. Ela só está surpresa e insegura porque Carina é
bonita e, sobretudo, gostosa. Minha noiva não é cega. Ela vê isso, assim
como eu. Então, só se sente insegura. Mas sei que vai ceder. Ela sempre
cede.
— Olha, eu não quero ser chata, amor — ela começa, me encarando
firme com o rosto sério. — Eu não sou ciumenta. Você sabe. Mas o que o
meu pai vai dizer? Ele vai ficar me infernizando dizendo que é sua amante.
Sabe como ele é.
Senhor Carlos infernizar não é novidade. Carina morando comigo ou
não ele vai continuar sendo o mesmo velho chato e rabugento de sempre.
Vai sempre procurar algo para reclamar de mim para a filha.
— E depois, você mesmo cansou de me dizer que está afastado dela
— continua. — Você não conhece mais o gênio dela, nem suas manias. E se
ela chegar bêbada? Drogada? Fumar maconha? Se ela levar homem para
sua casa?
E é nesse momento que entro em contradição. Pergunto-me se Carina
seria tão folgada a ponto de chegar bêbada, de levar um homem para meu
apartamento ou de fumar maconha nele, caso use da erva, coisa que não
duvido. Pergunto-me também se estar na universidade para ela significa
mesmo estudar.
De acordo com a lembrança que tenho de seus olhos brilhando
quando disse ter passado na reclassificação de Arquitetura para a UFSM,
não deixo de acreditar que está em Santa Maria pelo estudo e não atrás de
curtições novas. E depois, ela está firme e forte, fazendo as viagens diárias,
o que significa que ela quer estudar. Não tenho como duvidar. Arquitetura
foi tudo que a loira sempre sonhou.
— E desculpa o que vou falar, mas ela parece bem oferecida. Tenho
medo de ela dar em cima de você e você ser fraco e ficar com ela. — Ela
abaixa a cabeça.
Rio fraco, achando meigo seu gesto de insegurança. Não trairia Alicia
nem se fosse uma panicat que morasse comigo. Eu a amo demais. Será que
não percebe isso? A amo tanto que estou há mais de um ano me
masturbando e gozando em minha mão, quando, na verdade, tudo que mais
quero é gozar junto com minha noiva.
E outra: não transaria com Carina. Transar com ela seria como transar
com uma de minhas irmãs, incesto, um pecado. A única coisa que quero é
ajudar a loira. Só quero o bem dela. Quero vê-la realizando seu sonho de ir
à faculdade, e não desistindo disso porque está sendo difícil para ela fazer
as viagens diárias.
— Não confia em mim? — Levanto o pequeno e doce rosto de Alicia
e lhe encaro nos olhos. — Lice, só quero ajudá-la. Ela está fazendo quatro
horas de viagem por dia, duas indo e duas voltando. Sinto-me mal com isso.
Eu moro sozinho. Tem um quarto sobrando no meu apartamento. O que
custa ela ficar nele por algumas semanas? Sobre os costumes dela, tenho
certeza que não tem nada de errado. Apesar de não ser mais minha amiga,
ela é amiga da Bia. Vive dormindo na casa dos meus pais, ficando lá o dia
todo. Não tem nada de errado nela. Caso contrário, minha mãe me alertaria.
E sobre seu pai, me diz: do que ele não reclama? A opinião dele, para mim,
não vale de muita coisa. Perdoe-me, mas essa é a verdade. E acho que vocês
duas se darão bem. A Carina é legal. Será uma nova amizade para você.
Não minto. Apesar de ser totalmente diferente de Alicia, Carina é uma
pessoa que se dá bem com a maioria das pessoas. É simpática, simples. Isso
é tão verdade que posso dizer que ela é muito amiga das minhas duas irmãs,
principalmente da Beatriz, que tem quase a idade dela e com quem foi
criada junta. Aliás, as duas são melhores amigas. Mas com a Laura, que é
bem parecida com Alicia, a amizade não fica muito para trás, não.
Alicia suspira, abaixando os ombros.
— Tudo bem, Nicolas. Não vou questionar. “Autorizo”. — Ela faz
aspas e ri. — Você a dividir seu apartamento com a Carina. Não confio
nela, mas confio em você. Sei que não vai fazer nada de errado.
— E não vou, Lice. Só existe você nos meus sonhos. Só você. Fica
tranquila.
— Peguei um engarrafamento de quatro horas na segunda-feira na
volta para casa porque houve um acidente na estrada — Carina lamenta no
telefone, com a voz triste. Liguei para ela com a desculpa de que queria
saber como ela estava na faculdade. — Cheguei tão exausta em casa que
dormi o dia inteiro de terça. Quando acordei vi que já eram duas da tarde.
Perdi aulas importantes e olha que já estou atrasada.
— Já falei, aqui tem um quarto só para você. — Coloco água na
cafeteira e aperto o botão para o café começar a passar.
— Não, Nicolas. Não quero mesmo incomodar.
— Se me incomodar, te aviso. Vai preferir continuar perdendo aula?
Ela dá um suspiro cansado, fazendo ecoar pelo telefone um sopro.
— E então?
— Acho melhor não. Meu pai está resolvendo os trâmites do
apartamento novo. No próximo mês acho que estará tudo certo. Passa
rápido.
— Carina, para de bobagem! Estou me esforçando tanto para te
convencer a vir. Vou começar a ficar chateado com isso, poxa.
— Ai, Nick. — Ela ri do outro lado da linha telefônica. — Então eu
aceito, está bom assim? Mas, por favor, eu prometo que irei embora logo.
Prometo.
— Já falei: minha casa, sua casa.
— Você não mudou nada. Continua o mesmo garoto bom, disposto a
ajudar, a me ajudar. Eu não sei por que me afastei de você. Você sempre foi
tão bom comigo, sempre me fez tão bem!
Capítulo 05
O mundo vai acabar
E ela só quer dançar
O mundo vai acabar

E ela só quer dançar, dançar, dançar


NATASHA – CAPITAL INICIAL

Hoje é quarta-feira, o dia que Carina disse que chegaria com as


mudanças. Perdi aula. Ela disse que não precisava. Como veio de casa, me
disse que me esperaria na faculdade para que eu lhe entregasse as chaves
que fiz para ela, mas eu disse que fazia questão de faltar para recebê-la.
Estou ansioso para revê-la e passar um tempo com ela depois de tanto
tempo afastado.
De saudade e ansiedade, meu coração, a cada segundo que passa,
pulsa forte em meu peito. Sem falar nas minhas mãos que suam. Eu gosto
tanto dessa garota. Estou feliz por nossa amizade estar voltando. Bom, acho
que está. Ou, se não estiver, é o caminho para que isso ocorra.
Sentado no sofá, com meus cotovelos apoiados sobre meus joelhos,
seguro meu queixo com minhas mãos cruzadas. Bato os pés no chão e, vez
ou outra, tento olhar a televisão na tentativa de prestar atenção no noticiário
de início de noite. Mas não consigo. Sempre me pego recordando de Carina,
lembrando-me que em instantes ela estaria aqui.
Nossa, como é bom ter por perto as pessoas que sentimos falta!
Aquece nosso coração. Nos deixa ansiosos e bobos.
O interfone toca, me despertando. Levanto-me apressadamente do
sofá e corro até ele. O porteiro mal dá um suspiro e eu lhe lanço as palavras:
— Oi, senhor Antônio, pode mandá-la subir.
— Ele autorizou que subisse, bonequinha.
Desligo o interfone e sinto meu cenho enrugar. A entonação em
“bonequinha” na fala de seu Antônio não foi nada inocente, e o velhote
nunca chamou Alicia de boneca, nem minhas irmãs. Mas com Carina já
pegou tal intimidade? Provavelmente, deve estar de olho nas curvas
expostas da loira. É o que digo: não há santo que não note!
Começo a andar de um lado para o outro da sala, enquanto aperto
minhas mãos. Sorrio. Não acredito que ela vai passar um tempo aqui. Tenho
certeza de que nos divertiremos muito! Vai ser tão bom relembrar nossa
infância! Mas melhor ainda vai ser ter sua amizade de volta! Imagina tudo
que podemos fazer juntos outra vez...
Como é quase hora da janta, deixei o peito de frango cozer no fogão.
Faria panquecas para comermos. É a primeira vez que cozinharei para uma
mulher que não seja minha noiva, minhas irmãs ou minha mãe. A primeira
é a melhor de boca das quatro. Ela adora todas as massas que eu preparo,
especialmente lasanha à bolonhesa. Eu gosto mais de panquecas de frango
porque, além de ser mais fácil de preparar, eu prefiro frango à carne de boi.
A campainha toca, e eu desperto outra vez. Corro até a porta, abrindo-
a em seguida. De tão forte que pulsa, meu coração quase sai pela boca
quando a vejo.
— Carina!
— Nick. — Ela sobe os olhos, fazendo-os se encontrarem com os
meus. Que saudades desse brilho natural deles!
Carina tem um leve sorriso nos lábios, o segundo sorriso dela para
mim só nesse mês. O primeiro foi quando a convidei para morar aqui. Não
me esqueci dele. Sinto falta de vê-la sorrindo. Quando criança, Carina era
muito risonha. Adulta, não é diferente. Penso ser uma pena eu não ter
presenciado seus outros sorrisos antes.
— Me ajuda com as coisas, Nick.
Nick...
— Nick?
— Ah, claro. — Olho para trás e vejo duas malas atrás dela, além da
mochila, aparentemente cheia e pesada, em suas costas. — Trouxe a casa,
é? — Brinco, de modo que vou até as malas e as coloco aos pés do sofá.
Carina fica parada, aparentemente desconfortável, ao lado da porta ainda.
— Minha mãe quem fez. Só faltou vir junto. — Põe uma mecha loira
atrás de sua orelha, se sentindo desconfortável.
— Tia Lucy sendo tia Lucy. — Sorrio, apoiando minhas mãos na
cintura. — Não fique com vergonha. Quero que se sinta em sua casa, okay?
— Vou até ela e deixo um beijo em sua testa. Agora meu coração não pulsa
tanto quanto antes de sua chegada. Está tranquilo. Só estava ansioso. —
Está com fome?
— Muita!
— Já comeu minhas panquecas? — Uno minhas sobrancelhas
apertando meus olhos e a encaro, em desafio. Sei que nunca comeu, mas
quero, através do tom da minha voz, mostrar-lhe que eu sei cozinhar
panquecas e muitas outras massas.
— Como assim, suas panquecas? — Ela sorri abertamente, parecendo
se sentir mais à vontade.
— Especialidade do Nicolas! Minha mãe adora!
— Você sabe cozinhar?
Assinto, sorrindo, orgulhoso de mim.
— Ai, que vergonha! Sei nem fritar um ovo, Nick!
Sei que não sabe. Patricinha e mimada que é, assim como minha irmã
Beatriz, Carina não aprendeu nada sobre os deveres de casa. Tenho receio
de saber como ela vai se virar quando morar sozinha, em seu apartamento.
Ela gira os olhos e segura a alça da mochila, como se ela estivesse
pesando em suas costas.
— Você deve estar cansada. Vou te levar para o seu quarto. Não
arrumei a cama porque, como você sabe, não tenho lençol adequado, uma
vez que minha cama é de casal e a que você usará é de solteiro, mas
acredito que no meio de todas essas coisas tenha um lençol perdido.
— Tem sim, Nick. Obrigada.
— Nada. — Abaixo meu corpo para pegar as duas malas pesadas no
chão. — Agora, vamos lá conhecer a sua nova “casa”? — Aponto com a
cabeça para o corredor, que fica à direita da sala, e ando em direção ao
mesmo.
Carina consente e vem atrás de mim, me seguindo.
O quarto dela fica na segunda porta à direita, já que na primeira fica o
meu. Entre eles, fica a porta do banheiro e, ao seu lado, o vão de entrada
para a sala e a cozinha. A área de serviço fica no final do corredor. É o lugar
menos frequentado por mim.
— Carina, quarto — brinco, quando para em frente a ele. — Quarto,
Carina. — Jogo as malas no chão e a vejo dando uma breve risada.
A porta do quarto está trancada. Tem duas chaves, as quais ficarão
com ela. Quero demonstrar que em mim ela pode confiar. Então, não vou
ficar com as chaves que abrem a porta do quarto em que ela vai dormir.
Levo minha mão ao bolso e puxo as duas chaves, passando para ela,
que pega e agradece.
O quarto que Carina ficará hospedada não é luxuoso. Então, receio
que não goste, já que é uma garota mimada e tem um quarto grande, com
closet e com banheiro próprio em sua casa. Mas, como forma de amenizar,
arrumei e limpei todo o local que estava abandonado há alguns anos. Ele,
assim como o meu, está pintado na cor gelo. A porta, assim como do
restante da casa, é de madeira escura, quase preta. Abrindo-a pode-se ver a
cama box de solteiro, além da pequena janela, cobertas pelas persianas
brancas. O armário fica à esquerda da janela. É grande. Certamente caberá
tudo o que ela trouxe.
— Espero que se sinta em casa — digo, sincero. — Agora, guarde
suas coisas e tome um banho que, enquanto isso, eu vou preparando as
panquecas.
— Está bem. Estou doida para experimentar! — Ela solta um sorriso
e se vira para a porta, encaixando a chave na maçaneta.
Viro as costas e ando até a cozinha. Entrando nela, separo todo o
material para preparar as panquecas. Ovo, leite, farinha de trigo e um
tempero especial do Nicolas. Como os peitos de frango já estão cozidos na
panela, apago o fogo. Alcanço o triturador no armário acima da pia e o
desço para triturar o recheio. No liquidificador, coloco a massa para bater e,
enquanto ele e o triturador entram em trabalho, emitindo barulho por toda
cozinha, preparo, com empenho e dedicação, o molho de tomate no fogão,
para jogar por cima da panqueca quando ela estiver montada. Quero agradar
o paladar da Carina. Quero que ela goste do meu tempero e elogie-o.
Experimento o molho na palma da mão. Como está gostoso! E como
bom é cozinhar com vontade! Sempre dá certo.
Apago o fogo para começar a montar as panquecas. Coloco-as em um
pirex, desligo a panela com o molho de tomate e o despejo por cima delas.
O vapor, junto ao cheiro, sobe por minhas narinas. Sinto falta do cheiro de
orégano. Fico pensando se Carina gosta do devido tempero, pois a Bia não
gosta. Assim, deixo o pirex com as panquecas em cima do balcão da pia e
vou até a porta do banheiro para perguntá-la.
— Carina — a chamo, enquanto caminho distraído pelo corredor. —
Carina, eu posso...
No mesmo instante, um susto gostoso me tira a voz. Engulo seco.
A porta de seu quarto está entreaberta. Pela brecha, a vejo, de costas,
nua. Ela pega um lingerie branca, que está sobre a cama, e sobe pelas
pernas, encaixando-a dentro de seu bumbum. Fio dental e de renda,
deixando-a tão sexy tanto quanto sem nada. Não que eu a tenha visto sem
nada, mas imagino o quanto seja sexy.
Ela pega uma blusa que também está em cima da cama e passa pela
cabeça. Não posso simplesmente virar as costas e sair porque gosto muito
do que vejo. Sempre desejei vê-la nua. E, sem pedir, lá está ela mostrando
seu bumbum para mim.
Tento não pensar em suas curvas e nem imaginar seu corpo nu.
Engulo seco e corro rapidamente para a cozinha. No entanto, as lembranças
o tempo todo voltam para minha cabeça. Mas eu não posso pensar porque,
só de pensar, sinto meu membro pinçar minha bermuda, que fica alta por
isso. E, se Carina entrar agora aqui e ver, ela notará. Passarei vergonha já no
primeiro dia.
— Que chuveiro espetacular! — ela diz, entrando na cozinha com os
cabelos molhados, os quais ela penteia.
Olho para Carina e vejo que ela veste short jeans e uma blusa preta,
cobrindo suas curvas. Mesmo vestida, vê-la faz a recordação de seu
bumbum em uma calcinha fio dental voltar. Sinto meu membro enrijecer
outra vez. Viro-me de costas para ela para que ela não note meu volume.
Pego o pirex no balcão da pia e o coloco no forno, que pré-aquece.
— Ainda vai demorar um pouco — aviso. — Você pode esperar na
sala. Eu não gosto de gente na cozinha enquanto eu ainda estou preparando
a comida.
Não é bem uma verdade que eu não gosto de companhia enquanto
cozinho, mas é a maneira que consigo para ganhar tempo e as coisas se
acalmarem dentro da minha bermuda.
Sinto-me um adolescente na puberdade. Fala sério! Eu riria se não
fosse o medo de ela notar minha situação.
— Está bom, Nick. — Ela ri. — Na verdade, acho que o problema é
que estou penteando o cabelo aqui, né? A Bia sempre te provoca fazendo
isso.
Devo dizer que odeio gente que penteia os cabelos na cozinha. Minha
irmã Bia que sempre faz isso. É nojento! Só que ela faz para me provocar,
coisa do gênio dela. Agora, Carina, como sempre, deve ter agido por ser tão
distraída, tal como foi ao se trocar de porta aberta e me permitir ver seu
bumbum dentro de uma calcinha fio dental.
Não que eu esteja reclamando...
Que gostosa!
Vejo o vulto dela virando as costas para sair da cozinha e giro minha
cabeça para trás, reparando em seu rebolado quando ela sai. Suspiro,
apoiando minhas mãos sobre o mármore da pia. Bufo pela boca.
Por um breve segundo, me arrependo do convite que fiz a ela. Carina
é uma mulher gostosa e eu sou um homem com muitos desejos enrustidos e
acumulados, desejos esses que despertaram como um vulcão adormecido
depois do que acabei de ver.
Repito: mas que gostosa! Por mais que eu deva, a lembrança de seu
bumbum bonito eu não quero esquecer.
Capítulo 06
Tem sete vidas mas ninguém sabe de nada
Carteira falsa com a idade adulterada
O vento sopra enquanto ela morde

Desaparece antes que alguém acorde


NATASHA – CAPITAL INICIAL

Cheguei do trabalho há meia hora, tomei banho e jantei, agora vou


ligar para Alicia para combinarmos o que faremos no dia seguinte, que é
sábado. Vou para o meu quarto e bato a porta atrás de mim. Sento-me na
cadeira giratória de frente para a escrivaninha de estudos e ligo o
computador de mesa. Pego meu celular no bolso e disco seu número. No
primeiro toque, ela atende:
— Amor!
— Oi, Lice. Como você está?
— Mais feliz agora. — Ela dá uma risada abafada. — Achei que
tivesse esquecido de mim.
— Impossível. Só penso em você nas vinte e quatro horas do meu dia.
— Levanto meu ombro, de modo que aperto o celular no meu ouvido.
Quero livrar minhas mãos para usar o computador.
Como minha vida é totalmente organizada, até a programação do meu
final de semana é decidido e planejado às vésperas.
— E o que faremos amanhã? — pergunto. — Cinema ou teatro?
— Teatro.
— Sério? Queria ver Batman versus Superman. — Digito o nome do
site do shopping mais perto de Santa Maria e acesso a opção “Cinema”.
Abro as opções de sessões para sábado e encontro a mais adequada para
Alicia.
Como o pai não a deixa chegar em casa depois de meia-noite, o filme
teria que acabar antes das onze, o que renderia tempo de eu lhe dar um beijo
e depois levá-la para casa.
— Não gosto de nenhum dos dois. Me simpatizo com o Capitão
América.
Mulheres só gostam de filmes de super-heróis quando tem um cara
bonito no meio, como em Guerra civil, em que o ator Chris Evans
interpreta o Capitão. Não me surpreendo nem me sinto com ciúmes. Não é a
primeira vez que Alicia deseja ver um filme só porque nele tem um homem
bonito.
— Guerra civil só no final do mês.
— Hum, então vamos ver Batman versus Superman mesmo. Temos o
Ben Affreck. Vou reclamar do quê? — Ela ri docemente, depois faz uma
pausa.
Questiono-me por que ainda pergunto sua opinião sobre as coisas se
ela sempre acaba cedendo às minhas vontades.
— Amor, a Nicole está dizendo que o filme é muito bom. Ela viu essa
semana com o Douglas. Calma, Nicole. Eu sei, garota. Vou falar para ele,
calma. Ela está dizendo que você irá se surpreender e de repente até chorar
com o final.
Perco minha atenção. Não choraria no final do filme nem caso o
Superman morresse. Não sou homem de chorar. A pequena parece chamar
sua atenção outra vez, pois minha noiva fica em silêncio. Só ouço o
balbuciar dela dizendo algo para Alicia.
— Cala a boca, pentelha! Não quero spoiler! — Alicia reclama,
brincalhona. Nicole parece resmungar mais alguma coisa, pois minha noiva
fica muda outra vez. — Ela disse que quer ver Guerra civil e, quando
formos assistir, chamá-la.
Nicole e seus desejos estranhos por coisas de meninos. Mais estranho
ainda é sua irmã e seu pai não notarem. É claro que isso ocorre porque a
menina passa o dia inteiro acompanhada do irmão adolescente que só pensa
em videogame e desenhos de super-heróis. Alicia está mais presente no
final da noite, quando chega da lanchonete, prepara sua comida e a põe para
dormir.
Como a mãe faz falta para a pequena. Tenho tanto dó. Não só pela
falta de feminidade em sua vida, mas porque é nítido sua carência afetiva.
Sempre puxa assunto comigo quando a visito. Sempre querendo atenção e
arrumando um jeito de ficar por perto de mim e de Alicia. Sempre.
Volto minha atenção para Alicia quando ela diz no telefone:
— Ai, amor, o que eu faço com essa garota? Ela está implorando por
uma festa de sete anos com o tema de heróis da Marvel.
Não julgo uma garota que goste de super-heróis porque minha irmã,
Beatriz, sempre acompanhou a mim e ao Bernardo para assistir todos os
filmes deles que saiam no cinema. Também assistia aos desenhos, e até
pegava um quadrinho emprestado, às vezes, para ler. Mas, diferente de
Nicole, preferia coisas de menina, como bonecas e filmes de princesa.
Aliás, todas as suas festas infantis foram de princesas.
Já Nicole, no ano passado, por exemplo, teve uma linda festa da Bela
Adormecida e reclamou da arrumação, que era totalmente rosa. Também
reclamou o tempo todo por estar usando o vestido da princesa. Ela não
gosta de vestido. Sempre está de calça jeans e All Star. A irmã ainda a
força, ao comprar vestidos ou roupas rosas, mas fica guardado no armário
porque a pequena não usa de jeito nenhum.
Será que o pai não enxerga como a filha tem um comportamento fora
do comum? O velho reclama de mim, me sufoca diante de Alicia, mas não
nota que a filha mais nova que carece de uma atenção maior. É claro que
Nicole, mesmo muito novinha, tem a sexualidade duvidosa. Quanta
negligência da parte dele não notar isso!
— Depois falamos sobre isso, pentelha. Agora preciso dar atenção ao
Nico. — Uma pausa. — Ah, chata! Só você pode chamar ele de Nico? Está
bom! Vai para o quarto que eu deixo só você o chamar de Nico e ainda faço
sua festa dos super-heróis da Marvel.
Apesar de Alicia chamar a irmã de pentelha e chata, Nicole tem um
grande respeito por ela. No momento, as duas só fingem brigar porque a
pequena não aceita de jeito nenhum que outra pessoa me chame de Nico. Só
ela pode. Alicia não me chama assim, mas faz para provocar. Ela acha
engraçado Nicole ficar sempre em cima de mim, puxando assunto,
conversando sobre heróis. Ela diz que acha que a pequena me vê como
estereótipo de inspiração. Pensar nisso aumenta minhas suspeitas. Alicia
não parece desconfiar. Preciso alertá-la, pois me preocupo.
— Festa de super-herói, vê se pode?
— Você não acha estranho essas vontades da sua irmã, Lice? Ela só
gosta de coisas de meninos.
— Ai, amor, ela é só uma criança influenciada pelo Douglas. Nada
demais. Ela não tem muitas amigas da idade dela. A proximidade maior
que tem é com ele. Não acredito que esteja duvidando da sexualidade de
uma menina de seis anos. — Ela mostra desapontamento na voz. — Ela
nem sabe o que é isso.
— Não é isso. Só acho estranho. A Bia sempre gostou de super-
heróis, mas nunca deixou de ser feminina. Tinha bonecas e vestidos rosas.
Não me lembro de ver a Nicole brincando de boneca. De vestido, foi só no
aniversário dela no ano passado, que, aliás você sabe que ela esteve o tempo
todo insatisfeita.
— Nicolas, para! Não estou gostando.
— Desculpa. Só estou preocupado.
Não desmereço homossexuais, tampouco lhes ofendo. Só é uma
atitude que não concordo. Gosto das coisas certas. E é normal e bíblico
homem casar com mulher para gerar crianças, pessoas, e assim
sucessivamente. Então, não entendo a homossexualidade. Mas juro por
minha vida que adoraria poder entender.
Normalmente entendo uma coisa ou uma situação quando me coloco
no lugar da pessoa que a sofre e/ou vive. Só que, nesse caso, me coloco no
lugar e realmente não consigo compreender, afinal mulher com mulher não
gera filhos. Tampouco homem com homem. Se fosse a coisa certa a ser
feita, o impossível se tornaria possível.
— Relaxa. Já temos um gay na família. Não precisamos de mais
outro. — Ela solta um riso zombador. Seu primo, Marlon, é a pessoa a qual
se refere. — E tudo certo para domingo? Vai conosco visitar minha tia
Ruth?
— Vou sim, amor.
Tia Ruth, irmã mais velha que a mãe de Alicia tinha, é umas das
poucas parentes com quem minha noiva tem contato. Ela mora em outra
cidade e no dia seguinte comemorará o aniversário em sua casa. Por vezes,
é tedioso visitar os parentes de Alicia. Mas sempre faço esse esforço só para
vê-la feliz. E dona Ruth me trata com tanto carinho que não tem como eu
não a visitar no dia de seu aniversário. O problema é que seu filho, Marlon,
flerta comigo descaradamente e isso me incomoda. Alicia sabe disso,
senhor Carlos também, mas eles não parecem se incomodar como eu.
— Antes do cinema vamos comprar alguma coisa para ela? Ela
merece. Você sabe.
— Claro. Sábado sou todo seu. Agora vou desligar que dentro de
quinze minutos tenho aula.
— E eu preciso correr para a lanchonete. Beijo e eu te amo muito.
— Te amo mais, Lice. Estou com saudades.
— Também. Tchau. Até amanhã.
Desligo o meu celular e o jogo sobre minha escrivaninha. Giro com
minha cadeira para a porta e suspiro, já sofrendo antecipado pelo cansaço
que sentiria na maratona que enfrentarei amanhã. Mulher e shopping não é
algo que admiro muito.
Como Alicia quer comprar um presente para tia, indecisa e insegura
do jeito que é, já imagino que passará a tarde inteira entrando e saindo de
lojas, sem saber o que comprar. Indagará se a tia tem tal coisa, se vai gostar,
se não é muito sem graça e tudo o mais.
Levanto-me da cadeira, esticando todo meu corpo cansado e ando até
o banheiro. Agradeço por ser sexta-feira. Assistiria duas aulas de Desenho
Técnico para Engenharia Civil. Não é uma aula que gosto, pois tenho
dificuldade de desenhar. Prefiro cálculos e aulas teóricas.
Quando vou fechar a porta do banheiro, vejo, pela brecha do quarto
da frente, Carina estudando deitada em sua cama, de barriga para baixo, ao
redor de textos, cadernos, lápis e um notebook branco da Apple.
Por um momento, até havia esquecido que estou dividindo meu
apartamento com ela. Quase não a vejo. Durante os primeiros dias morando
juntos, quando eu acordava, ela já estava pronta esperando por mim para
sairmos de casa, já que eu tenho lhe dado carona para ela ir à faculdade.
Saímos de casa no mesmo horário e a faculdade é caminho para meu
trabalho. Mas o trajeto apartamento-faculdade é tão rápido, dez minutos,
que mal consegui trocar uma palavra com a loira.
Olho novamente para ela estudando e sorrio com a cena.
Sinto-me feliz por vê-la se dedicando. Espero que continue assim e se
dê bem na faculdade e, com isso, se encontre. Tudo que mais quero é que
ela coloque algo dentro dessa cabecinha vazia.
Carina gira o corpo de modo que fica de barriga para cima, pegando o
notebook na cama e colocando sobre ela. Estranhamente, ela usa óculos de
grau de aros grandes e pretos. Não posso deixar de notar que fica mais
bonita assim. Ainda mais que usa os cabelos em um coque no topo da
cabeça. Fios rebeldes batem em sua boca e a vejo assoprando para afastá-
los.
Ela mira os olhos em minha direção, e me sinto sem graça, por espiá-
la. Ela acena com a mão, sorrindo, e eu sorrio de volta. Saio do banheiro e
vou até ela, me escorando no vão da porta de seu quarto.
— Estudando? — pergunto o óbvio.
Ela consente simplesmente, jogando o notebook sobre o colchão
macio e se sentando na cama com as pernas no estilo borboleta. Subo meus
olhos por seu corpo e me dou conta de que ela veste um baby-doll branco
com flores rosa claro, apertado nos seios e mostrando seu umbigo. Fica
muito mais gostosa assim.
Deus! O que estou pensando? Desvio meu olhar e me concentro em
um nada à minha direita.
— Hoje é sexta. Deveria descansar — aconselho, levando meu rosto
novamente para ela. Dessa vez, para seus olhos e não seu corpo. Depois que
vi seu bumbum coberto apenas por uma calcinha fio dental branca e de
renda, vez ou outra me pego lembrando disso, e me sentindo excitado, o
que é nada bonito para um cara comprometido como eu.
— Amanhã eu descanso. Domingo também.
— Certo. — Olho para seus olhos, e vejo-a me encarando. Bate as
pernas, ansiosa, como se esperasse que eu dissesse mais alguma coisa. —
Novidades essa semana?
— Não. Só fiz algumas amizades e tive uma aula chata de cálculo,
mas não é nada que eu não consiga aprender. — Ela faz uma careta
divertida, me fazendo sorrir.
Lembro-me dos tempos em que eu a ensinava cálculos aritméticos.
Tinha dificuldade em matemática, matéria que eu a ajudava. Mas ela amava
a disciplina e se incomodava por não entender os cálculos aritméticos. Seria
divertido ensiná-la outra vez. Faria com muito prazer.
Por outro lado, ela sempre teve facilidade nas aulas da área de
humanas, como Literatura, Gramática, História e Artes. Nesta última, ela
nunca me pediu ajuda. Sempre tirava dez em tudo. Desenhava muito bem
edifícios e prédios, mas os vestidos de galas é que eram surpreendentes. Até
achei que fosse cursar moda.
— Podemos estudar juntos se quiser — proponho. — Você me ajuda
nos desenhos, e eu te ajudo nos cálculos. — Me vejo sorrindo abertamente,
imaginando a possibilidade.
— Está bem.
— Agora preciso ir. Tenho aula. Se sentir fome, tem comida pronta na
geladeira. Lasanha. Só esquentar no micro-ondas.
Ela se levanta e anda até mim. Para debaixo dos meus olhos, na altura
que sua cabeça bate, com um sorriso grande aberto na boca.
— Já vi que vou engordar morando com você — ela diz. —, mas
obrigada. Já estou até sentindo uma gordurinha se acumular aqui. — Ela
desce a mão e aperta um pouco de pele em sua barriguinha lisa. — Não me
ajude nisso, Nicolas! — Ela põe as mãos na cintura, apertando seu quadril.
Desço os olhos por seu corpo, desde seus seios redondos por debaixo
da blusa até suas pernas tornadas e morenas, expostas, reparando em suas
curvas enxutas outra vez. Não acho que seria uma coisa boa mudar alguma
coisa nesse corpinho. Ele é tão perfeito assim...
Sinto uma onda de calor queimar minha espinha, bem como um breve
gemido escapar por minha boca, pois bem nesse momento meu pênis vibra
dentro de minha cueca. Levanto meu olhar por toda extremidade do seu
corpo, até encontrar seu rosto, onde ela tem um par de olhos distraídos e um
sorriso pequeno aberto.
Outra vez, meu membro emite sinais nada dignos para mim. Viro as
costas, saindo do quarto e andando até a cozinha. O desejo já percorrendo
meu corpo. Não posso ficar muito tempo perto dela. Não quando estiver
usando roupas assim. E ainda mais por eu estar tanto tempo sem sexo e tê-la
flagrado praticamente nua.
E sei que provavelmente pareci um tolo agora, mas Carina é tão
avoada que nem deve ter notado meu constrangimento.
Deus! Por que isso?
Agora me arrependo. Arrependo-me um pouco por permitir isso, por
permitir trazê-la para perto de mim. Mas como eu ia imaginar que já no
primeiro dia, na primeira semana, já iria cair de tesão pela loira?
Não, não me arrependo coisa nenhuma. Posso controlar minhas
vontades, meus instintos, assim como controlo minha vontade em consumar
meu amor com Alicia. Eu consigo. Não sou fraco. Eu consigo. Não tem
nada de errado em dividir o apartamento com a loira. Quero isso. Quero ela
por perto, quero sua amizade de volta. É só eu me controlar. Repito: eu
consigo.
Eu consigo.
Não tem nada de errado. É só eu conversar com ela e pedir para ter
bons modos. Só isso. Porque, de resto, está tudo ótimo. A única coisa que
me incomodou até agora é o fato de ela se trocar de roupa com a porta do
quarto entreaberta.
Olho para dentro da pia, me deparando com um prato e um copo
dentro da dela. Achava que era distração de Carina esquecer sua louça na
pia. Mas é a terceira vez que isso acontece: quarta e ontem à noite (quinta) e
hoje outra vez.
Preciso dizer para ela sobre suas atitudes preguiçosas e.... sensuais.
Precisamos de uma conversa séria, já na primeira semana morando juntos,
uma conversa sincera e séria, porque é isso que amigos verdadeiros fazem.
Capítulo 07

Mexo, remexo na inquisição


Só quem já morreu na fogueira
Sabe o que é ser carvão

Hum! Hum!

PAGU – RITA LEE E ZELIA DUNCAN

Quando criança, eu queria ser o Superman, aquele super-herói


superfamoso, talvez o mais, que é dotado de poderes divinos que o coloca
acima dos seres humanos comuns.
Não é por ele ter poderes divinos que eu gostaria de estar na pele do
nerd Clark Kent, mas porque, apesar dos superpoderes, ele nunca se coloca
acima das pessoas, tampouco controla suas vidas.
Tal como Jesus Cristo, ele tem valores heroicos e altruístas e ajuda as
pessoas em seus momentos mais desesperadores sem pedir nada em troca.
Também assim como sofreu Jesus Cristo, há quem interprete suas ações de
maneira errada, há quem tente culpá-lo por algo que não fez, há quem não
acredite nele e há aqueles, como eu, que sintam por ele uma grande
admiração.
Do contrário, o Batman é a representação do homem comum. Ele é
a figura que usa sua inteligência, coragem e astúcia para enfrentar os
problemas que surgem ao longo do caminho. Já Lex Luthor é o típico jovem
bilionário insatisfeito, apesar de inteligente e cheio de boas sacadas. Ele
quer para si o poder absoluto da divindade. Ele não entende que divindade
não é um poder absoluto. Por isso, enlouquece. Mas gosto de Lex. Apesar
de malvado, ele é divertido. Faz o telespectador rir, diferente do Batman,
que é mais sério. Porém, não menos querido pelo público do que Luthor.
Entre os heróis protetor, divertido e corajoso, é claro que me
identifico mais com o primeiro, no caso, Superman. Então, se eu pudesse
escolher, é claro que gostaria de estar na pele do nerd Clark Kent.
— Vamos? — Alicia me chama, de pé, me despertando de meus
pensamentos. Ela segura o copo de meio litro de refrigerante que dividimos
e o balde de pipoca, ambos vazios.
Ainda estou sentado. Encarava os créditos rolarem pela tela grande do
cinema enquanto refletia sobre os personagens do filme, como sempre.
Admirado que sou pelos super-heróis desde criança, sempre me pego
refletindo sobre suas personalidades e ações.
— Você está aí esse tempo todo encarando a tela. Não muda, hein,
amor! Parece um garoto! — ela brinca, pondo a mão na cintura.
— Estava refletindo sobre os personagens do filme. Se você for parar
para analisar, cada um deles representa alguém que conhecemos. — Me
levanto do banco macio do cinema, ficando um palmo acima da minha
noiva, já que ela é pequena. Um metro e sessenta.
Ela me abraça pela cintura e coloca a cabeça sobre meu peito.
Envolvo sua cintura com minha mão e deixo um beijo no topo de sua
cabeça.
— Te amo muito — ela diz, fofa. — Você é tão inteligente, amor!
Levanto seu rosto para olhá-la e sorrio abertamente para ela, feliz com
o elogio. Ela que é uma garota inteligente por usar a força como sua maior
aliada diante da vida. Não posso deixar de dizer que a amo muito por isso.
Quero repetir a cada minuto para que ela nunca se esqueça. É o que faço.
— Te amo, te amo e te amo!
Ela então sorri, agradecida, para mim.
— Vamos? Já vai dar meia-noite. Aposto que meu pai me aguarda no
portão — ela diz, fazendo careta. Depois, gira os olhos e eu a abraço.
Desta maneira, saímos da sala de cinema em silêncio, o que faz com
que meus pensamentos acerca do filme retornem.
Super-heróis são de fato de cunho machista. As personagens
femininas são sempre secretárias ou namoradas dos heróis. Sem falar que,
nos quadrinhos, são desenhadas com saltos altos e biquínis. Nunca
gordinhas nem magras demais. Tem seios grandes e cintura fina,
evidenciando o ideal de mulher para sexo.
Sem contar nos filmes, em que atrizes consideradas sensuais são
cotadas para interpretaram o papel usando poucas roupas. Outro ponto é
que as poucas heroínas que existem nos quadrinhos não têm seus próprios
filmes fazendo tanto sucesso e sendo comentado, estourando bilheterias de
cinemas, como os filmes de super-heróis.
Ao contrário disso, Batman versus Superman desmistificou um pouco
esse julgamento. Não que as mulheres do mais novo filme de super-heróis
tenham perdido sua sensualidade. No entanto, pude notar que elas são mais
do que exemplo de corpo bonito, mente vazia e romance para os heróis.
Por exemplo, nas versões antigas, Lois Lane, a repórter dos
quadrinhos de Superman, era uma garota burra que vivia correndo atrás da
verdadeira identidade do Superman sem se dar conta de que ele era o Clark
Kent disfarçado apenas por uma fantasia colorida e sem óculos. Ela mal se
perguntava os motivos que faziam o rapaz se comportar de maneira
estranha.
Diferente disso, nas novas versões, ela é mostrada com uma faceta
muito mais admirável e digna. É ela quem ajuda Clark Kent a fazer as
coisas certas e tudo isso acontece de forma natural, que pode ser
acompanhada pelos diálogos entre eles. A nova Lois é o tipo de pessoa que
faz diferença positiva na vida das pessoas que ama, como minha irmã
Laura, quem, com seu amor, ajudou Bernardo a fazer as coisas certas, a
mudar seus conceitos, já que meu irmão, antes disso, era um rebelde
inconsequente, como agora Bia é.
Por outro lado, Martha Kent, mãe do Superman, e a Mulher
Maravilha, desde as versões antigas, são retratadas nos filmes como
exemplo de fortaleza. Martha é a imagem da mãe sábia e trabalhadora para
quem o super-herói pede conselhos. De certa forma, pode-se botar a culpa
nela pelo fato do Superman ser uma boa pessoa mesmo possuindo poder
absoluto. Parece minha mãe. Sempre vendo um lado bom para as coisas.
Sempre nos enchendo de conselhos sábios e palavras de incentivo.
Chego a sorrir, por lembrar.
Já a Mulher Maravilha é a personagem feminina mais forte em minha
opinião. É guerreira e valorosa. Ela é capaz de bater de frente com Batman
e Superman ou qualquer outro sacana que aparecer em seu caminho,
confrontando-a. O exemplo de mulher inteligente e forte, que não coloca
seu corpo a frente de todas as outras coisas.
— Pensando no filme ainda, amor? — Alicia me pergunta quando
estamos entrando no carro.
Consinto simplesmente. Estive esse tempo todo acompanhado de
minha noiva, andando de mãos dadas com ela, mas pensando em super-
heróis. Acho que nunca deixarei de ser fanático por quadrinhos.
— Lembrando o quanto você é gato, nerd e altruísta como o
Superman?
— Você me acha tudo isso?
— Claro que sim, meu Kent.
— Eu te amo, minha Maravilha. — Toco com o dedo indicador a
ponta de seu nariz fino, e ela ri, mordendo o lábio inferior. Deixo um beijo
casto em sua boca e viro de lado para passar o cinto por meu busto.
Ligo o carro para sair do estacionamento do shopping, como também
ligo o rádio, deixando uma música qualquer tocar. Por sorte, é do meu
agrado. A voz da Rita Lee ecoa pelo ambiente enquanto “Mania de você”
chega ao refrão, o que me faz começar a cantar:
— A gente faz amor por telepatia. No chão, no mar, na lua na
melodia. Mania de você, de tanto a gente se beijar, de tanto imaginar
loucuras...
— Que música cafona, amor! — ela reclama, me encarando com o
rosto duro e de braços cruzados. De implicância, aumento a rádio.
— Nada melhor do que não fazer nada, só para deitar e rolar com
você... — Olho fixo para ela. — Meu bem você me dá água na boca...
— Uma vez na minha vida escolherei eu a música a ser escutada. —
Ela estica o braço e troca a rede.
Não conheço a música que toca, mas é fato que Alicia também não,
pois seu estilo musical é tão parecido quanto o meu: rock nacional e MPB.
Pelo que sei, até gosta de Rita Lee. Deve ter se irritado pelo fato de a
cantora enfatizar o sexo, a mania do eu-lírico com seu parceiro. Se ela
soubesse o quanto seria feliz se o praticasse. Que boba!
Olho para suas pernas cobertas por seu vestido até o joelho e levo
minha mão esquerda para ela, alisando-a, sentindo sua pele macia por
debaixo do pano.
— Será que a tia Ruth vai gostar do presente? — ela se pergunta,
olhando, distraída, para a rua pela janela. Depois, vira o rosto para mim e
me encara, esperando minha resposta sobre sua indagação.
— Ela tem que gostar. — Enfatizo a palavra porque passamos a tarde
toda atrás de um presente surpreendente para sua tia.
Variamos entre lojas de bijuterias até magazines. Depois de dizer que
levaria um colar, a escolha foi um conjunto de louças, já que é o que a tia
mais gosta de ganhar. Minha mãe odiaria ganhar presentes como esse.
Lembro-me bem que, em um amigo oculto de Natal, a ex-namorada
do Bernardo lhe deu panelas com tampas de vidro. Minha mãe sempre
comentava com todos que estava louca para ter as malditas panelas, mas
não era uma indireta. Era um desejo para a vaidade que tem com sua casa.
Não era para sua mais nova nora lhe dar de presente porque, de presente,
ela gosta de algo que faça lembrar-se dela. E panelas não foram uma boa
comparação...
Enfim, foi uma péssima primeira impressão da nora, péssima forma
de tentar conquistar a sogra. Minha mãe não é uma pessoa ruim, ela não
maltrata as pessoas, mas de fato nunca curtiu a ex-namorada de seu filho
mais velho, diferente dos sentimentos que tem por Laura, sua enteada e
agora nora, quem ela muito adora e admira, assim como também adora e
admira Alicia.
— Para de falar assim — Alicia choraminga. — Parece que te
incomodo te chamando para me ajudar.
Não reclamei, mas me incomodo sim. Penso que poderíamos ter
aproveitado mais, como ao trocar algumas carícias e beijos, porque agora,
por exemplo, depois do filme, não poderemos fazer isso, uma vez que o pai
exige que chegue em casa antes de meia-noite e já beira onze horas. E,
durante o filme, mal pisquei de tão compenetrado que estive, atento a cada
detalhe ocorrido. O máximo de contato que tivemos era quando eu
esbarrava minha mão na dela dentro do balde de pipoca.
— Eu sei que sou indecisa — ela continua. —, mas quando dou um
presente, gosto de dar algo legal para a pessoa, algo que sei que a pessoa
goste de...
Um rosto conhecido invade meu campo de visão, me fazendo perder a
atenção no que minha noiva diz. É Carina, sozinha, parada no ponto de
ônibus.
— Nicolas? — Alicia me chama, e eu a olho rapidamente de lado,
parando o carro no acostamento em seguida. — Eu estou falando!
— Desculpa, amor. — Aponto com o rosto para sua janela. — A
Carina.
Ela vira o rosto para a janela e desce o vidro da janela em seguida. Eu
desço um pouco meu rosto para encarar a loira, enquanto Alicia diz alguma
coisa para ela, que aparece logo em seguida com o rosto na janela.
— Está perdida? — brinco.
— Indo pra casa.
Fico curioso. O que fazia a uma hora dessa na rua e sozinha? Mas
deixo meus pensamentos e a convido para entrar.
— Obrigada — agradece. — Nem acredito que vocês apareceram.
Que sorte! — Ela parece aliviada, pois suspira pesadamente, deixando cair
os ombros. Depois, abre a porta de trás e entra.
Ligo o carro e volto a dirigir ao passo que minha curiosidade retorna:
— Estava passeando no shopping?
— É, fui ver um filme.
— Sozinha? — Olho-a pelo retrovisor, surpreso.
Mesmo que não tenha me dado a resposta, sei que é sim, pois, ela não
conhece ninguém na cidade para ir ao cinema. Sinto os olhos de Alicia em
mim e a encaro. Ela não tem o rosto exatamente feliz. Parece incomodada.
Noto também que, a cada troca de palavra entre mim e Carina, o olhar de
Alicia nos acompanha. Uno minhas sobrancelhas e aperto meus olhos. Ela
continua com o rosto sério.
— Não — Carina responde, arrumando o cabelo em um coque. Como
sempre, fios caem sobre sua boca, coisa que gosto. Até seus cabelos são
sexys. Sua boca entreaberta. Seu olhar distraído...
Balanço a cabeça em negação. O que está acontecendo comigo? Por
que não posso ficar perto dela que já me sinto assim?
— Fui com um carinha que... estava ou estou ficando. Não sei.
— Ficando? — Rio, me sentindo ficar nervoso.
Mas já? Acabou de entrar na faculdade e já está de pegação com
algum cara. Por que estou estranhando? É a Carina.
Encaro-a pelo retrovisor e a vejo, distraída, encarando a janela à sua
esquerda. Além de distraída, ela me parece chateada, pois seu olhar vaga.
Penso que esteja triste porque o cara com quem saiu não a deixou em casa.
Sequer colocou-a no táxi. Por falar nisso, por que estava no ponto de
ônibus? Desde quando Carina anda de ônibus?
— É. — Ela vira com a cabeça para frente e seus olhos encontram
com os meus no retrovisor. Ela não tem o rosto animado. Parece mesmo
chateada. — Ele quer algo sério, sabe. Eu não sei como é ter algo sério com
alguém. Não quero isso. Mas eu queria querer, entende?
Enrugo o cenho. Não estou surpreso, mas achando tudo muito
estranho. Ela está ficando com um cara que quer algo sério, mas ele nem
sequer a leva em casa? Quer dizer, se ele não tem carro, é compreensível
não a levar para casa, mas no mínimo deve ter a gentileza de colocá-la em
um táxi ou em um ônibus, se for o caso.
— Ele quer namorar, mas não faz o mínimo, que é fazer você se sentir
especial, tipo, ficando com você no ponto ou te deixando em casa? —
pergunto. — Qual o problema desse cara?
— Eu quem não quis, Nick.
— Nicolas, presta atenção! — Alicia reclama, berrando.
Freio bruscamente, fazendo o pneu cantar no afastamento. Por sorte,
não há nenhum carro além do meu na estrada escura.
— Você quase passou por cima de um cachorro!
Uno minhas sobrancelhas e aperto meus olhos, encarando a estrada
pelo vidro de dianteira. Não há cachorro em lugar algum. Olho para minha
noiva e ela cruza os braços fazendo não com o rosto.
Droga! Deixei alguém com ciúmes pela primeira vez!
— Está tudo bem, Lice?
— Está. — Ela assente. — Me desculpe. Você sabe que não gosto
muito quando você dirige conversando. Eu jurava que tinha um cachorro na
rua. Eu vi um cachorro. Mas, não sei, ele sumiu. Desculpa.
Aperto sua mão debaixo da minha, e ela sorri de lado para mim.
— Vamos — ela diz. — Está ficando tarde e papai deve estar ficando
nervoso.
— Beleza, minha maravilha. — Beijo sua bochecha e tiro minha mão
da dela, para poder controlar a marcha do carro.
Capítulo 08
Nem toda feiticeira é corcunda
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone

Sou mais macho que muito homem


PAGU – RITA LEE E ZELIA DUNCAN

O tempo todo me pego pensando com quem Carina estava no cinema.


Não sei por que me preocupo. Não sei por que gosto tanto de olhar para ela.
É nítido que até Alicia percebeu. Deixei-a no portão de casa meia hora
antes, onde seu pai, como sempre, esperava por ela.
Ela não parecia feliz. Bateu a porta do carro e não me beijou, sequer
pronunciou uma palavra. Assim também foi a viagem toda de volta para
casa, enquanto Carina e eu trocávamos algumas palavras. Alicia nunca agiu
assim. Preocupa-me. Não quero que sinta ciúmes de Carina. Mas é
impossível eu exigir isso da minha noiva. A loira é linda.
Bato a porta do apartamento em minhas costas, e ela anda até a
cozinha, abrindo a geladeira. Pega uma garrafa d’água e despeja o líquido
em um copo. Vou até ela a passos lentos, me debruço no mármore que
divide a cozinha e a sala e a encaro. Volto a me perguntar: com quem ela
estava?
— Viram qual filme? — me vejo perguntando.
— Batman versus Superman. Estava louca para saber se o spoiler que
me deram sobre o final era verdade.
O final foi realmente surpreendente e preciso debater com alguém a
respeito. Mas o que mais me chama a atenção é o fato de eu e Carina
termos, aparentemente, devido à hora que nos esbarramos, assistido a
mesma sessão.
— Sério? Eu e a Alicia também assistimos. Foi nessa última sessão de
agora, às nove?
Ela assente, abrindo um leve sorriso com o copo vazio entre os lábios.
Parece pensar em algo. Até que tira o copo da boca e diz:
— E você, perdeu o costume de analisar as facetas das personagens?
De compará-los com as pessoas de sua vida? — Ela coloca o copo dentro
da pia e anda até o outro lado da bancada, se sentando no banco alto, branco
e de ferro que tem a minha frente, ficando de costas para mim.
Seu vestido sobe até a metade da coxa e seu bumbum está empinado
para trás. Por que ela tem que ser assim? Impossível não a desejar. Desvio
meus pensamentos e puxo um banco para mim ao seu lado, me sentando em
seguida.
— Você lembra?
— Claro que lembro! Era irritante, Nick. Você ainda é o Super-
homem? E eu ainda sou sua Mulher Maravilha?
Rio, fazendo não com a cabeça. Não estou negando que ela seja
minha Mulher Maravilha. Só estou envergonhado por ela me lembrar disso.
Quando criança, eu, Carina, seu irmão e os meus brincávamos de
sermos os super-heróis. Sempre me identifiquei com o Superman, talvez
pelo fato de ele ser nerd e protetor, coisa que vejo em mim, assim como
vejo no personagem. Bernardo se identificava com o Homem de Ferro.
Dizia que Tony Stark era descolado e engraçado. Parecido com ele também.
Já Caio gostava do Batman, mesmo que a personalidade dos dois não
batessem. O negócio dele era ser alguém importante para a Liga da Justiça
ou d’Os Vingadores.
As meninas ficavam rodeando nossas brincadeiras e querendo
participar. Os meninos sempre arrumavam um jeito de prová-las que elas
participarem não seria divertido. Mas a Bia, mesmo sendo muito mais nova
que todos, argumentava que a Mulher Maravilha era muito forte e que
precisava lutar com eles. Carina sempre pareceu indiferente, sempre estava
rindo de alguma coisa que nem era engraçada ou então fazendo pose
quando meu irmão lhe dava alguma atenção. Era o jeito dela. Ela sempre
gostou de ver os caras lhe babarem, mesmo quando criança. E Bernardo
sempre foi safado. Quando criança, não era diferente.
Enfim, eu queria ter um pouco de atenção da Carina. Então, propus à
Bia que elas até poderiam entrar na brincadeira, mas que ficaria injusto
porque seriam três homens contra duas mulheres. Falei que elas precisariam
ficar ao meu lado, que eu era o mais forte e que poderia protegê-las. Ela
concordou, afinal era eu quem estava dando abertura para as duas entrarem
na brincadeira. Com isso, propus que minha irmã fosse a Mulher Gato,
coisa que ela adorou, já que a personagem é a namorada do Batman e minha
irmã era fissurada pelo Caio. Já Carina, eu disse que seria minha Mulher
Maravilha, só para ela combinar comigo. Mas ela o máximo que fez foi rir
quando eu lhe disse isso.
Por essa sua atitude vaga, pensava que não fosse lembrar disso depois
de tantos anos. Mas ela lembra, e isso me deixa feliz.
Desse dia até o fim de nossa infância nos divertíamos com nossas
fantasias imaginárias. Era bom. Sinto saudades.
— É, sinto falta — comento, recordativo.
— Foi uma época boa. Eu fico lembrando: a Laura e o Bê quando
crianças se desentendiam. Cresceram e deram certo. A Bia acabou
namorando meu irmão, apesar de não ter dado certo. E eu e você? Somos
bons amigos. Nunca nos enxergamos de maneira romântica. Engraçado né?
Fico sem palavras. Não é engraçado. É estranho. Incomoda-me ouvi-
la dizer isso. E não sei por que me sinto incomodado com isso. Sempre vi
Carina como uma prima, nunca a enxerguei de forma romântica. E ouvi-la
dizer isso em voz alta, de alguma forma, me incomoda e eu não sei porquê.
Esforço-me para afastar o que sinto e meus pensamentos estranhos, e
digo:
— Seguimos um estilo de vida diferente.
Ela consente e depois se levanta da cadeira e sai da sala, indo para o
banheiro.
— Vou tomar banho.
Mesmo me esforçando para manter afastado aquele pensamento sobre
nós, me pego pensando em nós dois, medindo nossas diferenças na balança.
Seria loucura eu namorar a Carina. Acredito que ela não seria muito fiel. Ia
querer sair para beber e eu não. Sairia porque é o que gosta de fazer e aí
certamente ficaria com outro homem. Sem contar que eu não me orgulharia
de ter uma garota mal falada como namorada, alguém que já deitou na cama
de pelo menos a metade dos amigos do meu irmão.
Na cama do Bernardo ela nunca parou, porque, segundo ele, apesar de
achar a loira muito atraente, ele nunca teve chance com ela e ele não gosta
de loiras. Sempre teve preferência por morenas. E, como fomos criados
com toda essa proximidade, ele afirma que não se sente exatamente
excitado com as curvas de Carina. Diz que ainda enxerga ela como uma
prima, e vê nela a mesma garota risonha de seis anos, mesmo que na época
ele se sentisse o máximo por causa dos olhares dela sobre ele.
Se eu e Carina namorássemos, na questão do sexo, acho que eu seria
satisfeito. Ela é linda e toda gostosa. Tenho certeza que ela faria muitas
coisas incríveis na cama. Lembro-me bem dos amigos do meu irmão
comentando cada detalhe da transa que teve com ela. Eu seria sim feliz na
questão do sexo, mas acho que só aí.
Por outro lado, ouvir aquelas coisas era algo que me fazia sentir ódio
dela, porque saber como ela era intimamente na cama, na visão da pessoa
que ela transou, me incomodava. Doía ver a pessoa que sempre tive muito
carinho sendo chamada de safada, cachorra e muitos outros nomes chulos,
sem falar nos detalhes que me fazia imaginá-la com o cara na hora do sexo.
Sentia raiva dela por isso. Hoje em dia, ainda sinto uma certa mágoa. Ela
não deveria e nem deve continuar fazendo essas coisas. Estraga sua
reputação. Os caras são horríveis. Eles não têm piedade. Falam sem pudor
algum como é sua intimidade com uma garota de uma noite só.
Suspiro, cansado, e desço do banco, caminhando até meu quarto.
Quando alcanço a porta, dou de cara com Carina só de toalha no
corredor.
— Desculpa — peço, sem graça, virando meu rosto para o lado
oposto.
Mas ela não parece se importar, pois para ao meu lado e fica me
encarando. Viro meu rosto e a encaro também. Gotas d’águas de seus
cabelos molhados correm por sua boca, e isso a deixa tão sexy. Cada parte
dela é sexy. Cada parte dela respira sexo no momento.
— Que foi?
— Queria dizer que você cresceu e ficou a cara do Clark. — Ela sorri
abertamente e faz que não. Os olhos brilham como de uma criança travessa
que era. — Não só na aparência, já que você tem essa carinha de nerd, usa
óculos, tem cabelos pretos e é sério como ele. Mas seu jeito de ser também
é parecido. Você é bom, ajuda e protege as pessoas, Nick, e isso sem pedir
nada em troca.
— Obrigado, Carina. Fico feliz que tenha essa imagem de mim.
Ela dá as costas e entra em seu quarto, fechando a porta.
Fico curioso, querendo saber por que toma banho a uma hora dessa e
ainda lava os cabelos. Que eu saiba lavar os cabelos à noite e dormir com
eles molhados, faz mal à saúde dos mesmos. Mas talvez ela estivesse se
arrumando para sair, afinal hoje é sábado.
— Vai sair? — Me vejo gritando do corredor.
— Não!
— Está com fome? — Por que eu quero saber disso?
— Sim! Vai preparar algo para mim? — Ouço sua risada do outro
lado, o que me faz rir também.
— Lógico que não. Hoje é sábado. Não cozinho.
— Estou morrendo de fome, Nick!
Fome? Mas ela não chegou do shopping? Volto a pensar na pessoa
com quem foi ao cinema. Por que ele não a levou para comer, assim como
não a deixou em casa?
— Que cara é esse que além de não te deixar em casa, te deixou com
fome?
— Ai, Nicolas! É complicado. Eu quem não quis nada disso. Eu não
gosto de gente muito em cima de mim. Essa baboseira toda de que “ai, o
cara tem que me pagar o jantar”, “ai, o cara tem que me deixar em casa”. É
besteira, sabe? E eu não gosto. Gosto de ter meu espaço. Gosto de
igualdade. Ninguém acima de mim... nem abaixo. Entende? E eu confesso
que estava com um pouco de pressa de voltar para casa. Eu não tive um
bom encontro. Não sei explicar.
Então, ela realmente estava com um cara. E não. Não entendo o que
ela diz. Não é algo que estou habituado. Mulheres sempre são protegidas,
por serem mais frágeis. Por isso, são deixadas em casa, tem o jantar pago
pelos homens e tudo o mais. Carina é tão... diferente. Não entendo. Melhor
não parar para pensar.
— Mas enfim estou com fome. Me arrependi de não aceitar o convite
que ele me fez para lancharmos.
— Quer sair para comer alguma coisa?
Não estou com muita fome, mas as pipocas que dividi com Alicia não
foram o suficiente para acabar com a fome de um homem guloso como eu.
E hoje é sábado. Então, por que não a convidar para comer alguma coisa e
quem sabe assim conhecer a cidade um pouco mais, mesmo que seja
bastante tarde?
De braços cruzados, me encosto na parede ao lado da porta do quarto
dela e fico alguns segundos, ansioso, esperando por sua resposta.
— Quero. — Ela abre a porta e coloca a cabeça para fora, fazendo
uma careta de desânimo. — Mas aí vou ter que trocar de roupa.
Dou de ombros.
— Sábado eu não cozinho nem se me pagarem — respondo,
brincalhão. — Vá trocar de roupa. Ainda deve ter alguma lanchonete aberta.
Aproveito para te mostrar os melhores lugares para você comer.
Ela sorri como uma criança feliz e bate com a porta. Sempre quis
fazê-la sorrir, mas ela nunca me deu essa chance. Nicolas somente para os
problemas. Para as coisas boas não. E agora estou eu aqui trazendo muitos
sorrisos para ela.
Ela abre a porta do quarto logo depois, batendo o recorde de rapidez
de qualquer mulher. Nunca vi alguém se trocar tão rapidamente.
Entro no quarto, me escorando no vão da porta, enquanto ela, de pé e
de frente para a cama, liga o secador de cabelos, emitindo um barulho
enjoado por todo o quarto e começando a secá-los com muita habilidade.
Ela abaixa a cabeça e começa a secar a nuca. Não posso deixar de
notar a intimidade que é dividir um apartamento com uma garota. Vejo-a de
calcinha, a vejo de toalha e agora a parte menos sexy, que é secando os
cabelos.
Aproveito sua distração e desço meus olhos para seu corpo. Noto que
ela veste um short preto com aquelas malditas cinturas altas. Ele a deixa
muito mais gostosa, não posso deixar de observar. Em cima, há o que já
ouvi minha irmã chamar de cropped e ele é rosa claro. Carina adora rosa.
Fica uma graça assim. Uma graça, porém, gostosa. Mas é noite e, apesar de
estarmos no mês de março, que é verão, à noite em Santa Maria vez ou
outra faz um friozinho, que é o caso de hoje. Então, ela certamente sentiria
frio.
— Não acha que vai sentir frio? — pergunto. Apesar do barulho
irritante do secador, ela me ouve, pois levanta a cabeça e ri, desligando o
aparelho em seguida.
— Não. Você está parecendo minha mãe. Ela que acha que vou sentir
frio só porque gosto de usar shorts curtos. — Ela joga o secador sobre a
cama, que tem muitas outras coisas nela jogada também: roupas usadas,
cadernos, óculos, notebook e até uma calcinha vermelha.
Desvio meus olhos e volto a encará-la. Agora, ela está de frente para
o espelho do armário, conforme bagunça o cabelo, o que acho
superestranho. Não deveria penteá-los? Nunca parei para observar Bia se
arrumando. Mas não acho que minha irmã faça toda essa bagunça que a
loira faz, que, particularmente, a deixou muito mais linda.
— Vou só passar um batom. — Ela se vira para mim e se ajoelha na
cama, procurando, em meio à bagunça, o devido batom. — Achei. — Sorri
para ele pegando-o em mãos, como se fosse um pirulito que uma criança
acabou de ganhar dos pais.
— Falta mais alguma coisa? Vai fazer make, gatinho, essas coisas? É
assim que se fala né? Aquele negócio que coloca no olho que parece orelha
de gato?
— É sim, Nick. — Ela ri de mim. Depois, aperta os lábios. — E não,
não farei olho de gatinho. Não vou a uma festa. Vou lanchar com meu
amigo hoje. Não sou muito fã de fazer makes.
— É, também não gosto. A gente vai beijar o rosto da garota e fica
aquela meleca gosmenta na boca por causa da base, né? Não é esse o nome?
— Isso mesmo. Sabe muito, hein. Já pode fazer um vídeo no
YouTube. — Ela pisca. — Tutorial do Nick. — Ela joga o batom sobre a
cama e suspira, parecendo cansada. — Vamos?
— Está linda. Muito linda, Cá. Nem precisou de uma make trabalhosa
e ficou linda. Muito linda mesmo.
Ela sorri, agradecendo, e passa por mim, andando até a cozinha.
Enquanto eu. Bem, eu suspiro, sentindo algo apertar meu coração. Mas não
é um aperto ruim. Não é uma sensação negativa. É algo bom. Ela está tão
linda, e isso me traz uma sensação tão boa para dentro do meu peito. Parece
orgulho, não sei. É confuso.
Mas sorrio. E vou até ela, que, dispersa, guarda a jarra d’água na
geladeira.
Como ela é linda, meu Deus! Eu não me canso de olhar para ela. Não
canso. Ela é linda. Maravilhosa. Minha Maravilha. Nunca deixou de ser.
Capítulo 09
Nós éramos jovens quando te vi pela primeira vez
Fecho meus olhos e o flashback começa
Eu estou ali de pé

Em uma varanda no ar de verão


LOVE STORY – TAYLOR SWIFT

No carro, procuro por uma música no rádio, passando por algumas


redes, mas não encontro nada que preste. Quando passo por uma pouco
popular, a loira segura minha mão, me impedindo de trocá-la.
Com sua mão sobre a minha, me vejo a comparando com Alicia outra
vez. Seu jeito de me encarar com o rosto pidão para eu fazer sua vontade é
o mesmo. Só que, estranhamente, para ela, eu cedo.
— Ah, deixa aí — ela contesta, e logo depois começa a cantar a
canção.
Tento prestar a atenção na letra da canção. Meu inglês é enferrujado,
mas o suficiente para entender algumas passagens da música: “meu
Romeu”, “Julieta”. É uma música de amor e isso me deixa feliz. Carina
gosta de músicas românticas. Ela um dia pode vir a se apaixonar.
— Quem canta? — pergunto, curioso.
— Taylor Swift. Eu a adoro! O nome da música é “Love story”.
Nunca ouviu? É tão famosa!
Faço que não, indiferente, e ela sorri abertamente voltando a
cantarolar a letra da música. Tão fofa e doce, a ponto de encher meu
coração. Suspiro profundamente e volto minha atenção ao trânsito, tentando
não pensar no seu rosto feliz que a todo tempo invade minha mente.
Paro no estacionamento do melhor fast food da cidade. Dou a volta e
abro a porta para Carina sair. Ela enruga o cenho para o meu gesto, mas
depois sorri, certamente me achando engraçado. Não está acostumada com
tais tratamentos e isso me perturba.
Entramos na lanchonete, nos encaminhando até o balcão de
atendimento, para pedirmos nossos lanches à atendente. Eu peço um
refrigerante e um hambúrguer de frango simples, enquanto Carina me
surpreende:
— Eu quero o “big tudo” com batata, refrigerante, milkshake de
morango e pode colocar steak de frango também. Vou levar para viagem.
Olho boquiaberto para ela e me pergunto para onde vai tudo aquilo. Já
acho que Alicia come muito, mas não mais do que eu. Mas aqui está uma
garota que vai me fazer passar vergonha.
— Coloca o steak de frango para mim também, além de milkshake de
chocolate. — Me pego dizendo.
Carina parece indiferente, e eu não suporto isso. Ela pega alguma
coisa no bolso, o que me parece ser um cartão, e eu me apresso, pegando o
meu rapidamente na carteira, passando-o para a atendente em seguida. Nada
mais justo. Carina me olha boquiaberta e com a cara insatisfeita.
— Nicolas! — Ela bate o pé, segurando o cartão na mão. — Poxa! Eu
pago o meu. Odeio quando pagam as coisas pra mim! Eu te falei isso!
E eu odeio que uma mulher pague a própria conta quando eu estou
acompanhado da mesma, penso, mas não lhe respondo. Apenas lhe encaro
sério, e ela percebe que perdeu a batalha para mim.
— Só hoje! — Ela guarda o cartão no bolso e vira as costas, indo se
sentar na primeira mesa.
Noto que quando ela passa por dois homens, que estão sentados ao
redor da primeira mesa da lanchonete, eles encurvam suas cabeças para
olhar para seu bumbum. Um deles até sorri ao passo que o outro gesticula
uma palmada. Isso me irrita. Também usando esse short apertado e esse tal
cropped minúsculo, que cara não vai quebrar o pescoço para admirá-la?
Mas não gosto. Incomoda-me. E pior é que ela nem parece notar, pois,
como sempre, anda distraída, se sentando em uma mesa depois.
— Senhor? — a atendente chama minha atenção, e eu giro com meu
rosto para ela. — Sua senha.
Depois de tudo pago, vou até a mesa em que ela está e sento de frente
para ela, ficando de frente também para os dois homens, que ainda a
encaram. Levo meu olhar para os dois, com o rosto fechado, e eles
esquivam seus olhares da loira, aparentemente sem graça.
— Seu apartamento é bom — ela comenta, me fazendo encará-la. —
Pequeno, mas aconchegante. Ele era da sua mãe, não é? Ela te deu de
presente? Como foi?
Abro a boca para explicar, mas ela, afobada, me corta:
— Meu pai sempre soube que eu queria estudar em Santa Maria.
Desde criança, ouço ele me dizer que me daria um apartamento no meu
aniversário de dezoito anos. Só que tem três meses que fiz dezoito anos e
nada. Ele mudou depois que se separou da minha mãe e ficou com aquela
outra lá. — Ela baixa os olhos, encarando suas mãos cruzadas sobre a mesa.
Ponho-me em seu lugar e tento imaginar meus pais se separando por
causa de traição, como é o caso dos pais da Carina. Seria doloroso para
mim e de certa forma um desestímulo para eu me casar, pois o amor dos
dois é tão lindo, admirável, algo que não consigo imaginar como seria se os
dois se desrespeitassem dessa forma. Não, isso jamais aconteceria. E se
chegar a acontecer, amor não fará mais sentido para mim.
— Sinto muito, Cá. — Toco suas mãos com as minhas, e ela levanta o
rosto para me encarar. — Não consigo imaginar meus pais separados. Mas
me ponho no seu lugar e imagino como você está sofrendo.
— Eles se amavam, Nick, desde a adolescência. Tia Anne
acompanhou isso.
— Eu sei.
— Às vezes penso que o casamento acabou porque minha mãe
sempre viveu em prol de nós três, eu, meu irmão e meu pai, e isso cansou o
meu pai. Ela nunca teve uma vida própria, sabe? Sempre a família e os
filhos como objetivos de vida. Eu sempre a enxerguei dessa maneira. Acho
que por isso sou diferente. Não quero ser como ela. Não quero que homem
nenhum fique acima de mim, realizando sonhos e projetos, viajando e
crescendo profissionalmente, enquanto eu fico em casa esquentando o
colchão e cuidando dos filhos enquanto ele não chega. Não quero. — Ela
suspira, tirando as mãos debaixo das minhas. — Mas vir para cá está sendo
bom para mim. Minha mãe anda cada dia mais depressiva. Sei que é
egoísmo da minha parte a querer longe para não me atrapalhar. Mas meu
irmão foi embora, assim como meu pai, e a carga caiu toda sobre mim. Eu
tenho meus próprios problemas. Não sou como você, Nick, que coloca os
meus problemas no bolso e ajuda as pessoas. Eu quero poder ajudar minha
mãe, mas antes de tudo preciso me resolver. Mas em casa estava sendo tão
difícil.
— Se resolver? — Enrugo o cenho, sem entender. Que problemas
Carina teria?
— É-é — ela gagueja. — Eu quero me resolver em relação aos meus
pais. Não pensar neles e ficar triste. É isso. Mas não quero ficar me
lamentando. — Ela abre um sorriso forçado. — Me sinto triste sim, pois
sinto falta do carinho e da presença do meu pai e não gosto de ver minha
mãe abatida como está. E ficando perto dela, me sinto infeliz porque, oras, é
a minha mãe com depressão. Mas, enfim, me fale sobre seu apartamento.
Minha mãe disse que foi a tia Anne que te deu, é verdade? A Bia não ficou
com raiva?
Rio. A rebelde Bia ficaria realmente uma fera se eu ganhasse um
presente como esse dos meus pais e ela não, mas não foi o caso. Como já
disse, eu paguei por ele. É o que conto para Carina:
— Não. Eu comprei meu próprio apartamento. Comecei a ter meu
próprio dinheiro no ano passado, assim que comecei a trabalhar. Então,
como a faculdade fica perto do apartamento, fiz um acordo para que meu
avô o vendesse para mim, sem entrada, já que nem meu primeiro salário eu
havia recebido. Ele topou, fez um preço bacana e agora que estou em um
emprego melhor, estou pagando parcelas mais altas, para terminar de pagá-
lo logo.
— Esse apartamento que você mora então é oficialmente seu?
— É sim. Em dois anos vou reformá-lo para eu e Alicia morarmos
— Então você e a Alicia vão casar mesmo?
— Foi para isso que noivamos — zombo dela. Ela sorri, fazendo que
não. — E você, não tem planos assim para o futuro? Sei lá. Ter uma casa,
um carro, um namorado.
— Namorado não, mas uma casa e dois carros.
Apesar de ela enfatizar a palavra “dois”, o que eu acho engraçado, o
que mais me chama a atenção é o fato de ela dizer que não planeja namorar.
Carina nunca namorou. Nunca pareceu realmente se interessar. Como ela
disse minutos atrás, acha tudo isso uma grande “baboseira”, mas eu
discordo.
Quando penso em namorar, penso primeiramente em viver um
romance com alguém, lhe mimar, lhe dar flores e fazer carinho. Penso em
viajar, em conhecer lugares novos, fazer planos e viver experiências
gostosas. E o principal: em fazer a pessoa feliz ao ouvi-la, ao amá-la, ao
compreendê-la e preenchê-la, se for o caso. Ser o porto-seguro desta pessoa.
Estar e ser presente. Depois, penso que namorar é solidar um compromisso.
Através do casamento, construímos uma família. Não tem como isso ser
algo negativo, como para ela parece ser.
Olho-a distraída, desenhando círculos na mesa branca, e sorrio. Ela
parece tão pura, e tão perdida.
— Pra que dois carros? — pergunto.
— Ué, um para passeio e outro para trabalhar.
— Interessante. Mas desnecessário. — Sorrio. — E a faculdade?
— Estou adorando! — Ela tem um sorriso de orelha a orelha, além de
um nítido brilho nos olhos, me convencendo de que realmente está
adorando. Só não sei se é pelas amizades e chopadas que nela tem ou pelo
estudo em si. — É o que quero fazer, você sabe. Sempre quis. Agora vou
correr atrás de algum estágio para conhecer melhor a profissão, e claro, para
ter um dinheirinho extra para começar a realizar meus desejos materiais.
— Há bolsas de pesquisas também.
— Eu me informei e já me inscrevi para uma. Tomara que eu consiga!
— Estou torcendo por você. — Pisco para ela e me encosto na
cadeira, cruzando os braços e admirando o fato de ela se mostrar tão
interessada na faculdade. Orgulho-me. Ela fica tão mais linda assim...
— Obrigada, Nicolas. A convivência com você está sendo tão boa!
— Eu também estou adorando. — Olho firme para ela, que tem um
riso solto aberto para mim. Como ele é bonito. Cada dia mais bonito.
O painel da lanchonete, barulhento, notifica que nosso pedido está
pronto, me fazendo parar de olhá-la e me levantar para pegar.
— Já volto — aviso, me levantando.
— Até essa parte faz parte do “sair com você”? Não tenho direito
nem de pegar meu próprio lanche?
Acho engraçado ela dizer que o que temos no momento é como se
fosse um encontro, mas ignoro isso. Penso na parte em que ela se incomoda
com o fato de eu fazer as coisas que gosto de fazer por Alicia, por minha
mãe, por minha irmã, para agradá-las, como estou fazendo com ela, ao
pagar e pegar seu lanche. Me debruço sobre a mesa e digo:
— Não. — Dou a volta na mesa e vou até o balcão.
— O cara era gostosinho — uma atendente comenta, enquanto enche
o último copo de refrigerante e eu me aproximo do balcão de atendimento.
— Já entrou no quarto tirando minha roupa, me lambendo. — Ela gargalha
e as outras também. Depois, coloca o copo cheio na bandeja. — Fiquei
doida, maluquinha! “Quero todo dia, gato” falei para ele no final da noite.
“Pode ser meu amigo de foda. Nem ligo”. Rarará! Também, o pau dele era
do tamanho do meu braço!
— Ketchup, por favor — peço, gentil.
A atendente continua a tagarelar, risonha, e me ignora, o que me deixa
um tanto irritado. Mas entendo que minha irritação, na verdade, é pelo fato
de ela falar o que não deveria na frente de um cliente. Ela deveria ser
demitida por isso!
Ela vira o corpo para mim e sorri com brilho nos olhos, com o olhar
safado, sinal de interesse. Mas acredito que, na verdade, ela está extasiada
porque teve um sexo incrível. Mas me sinto constrangido. Não está certo.
Pego minha bandeja e viro as costas, voltando para a mesa, bufando.
Carina se assusta.
— O que houve?
— Pedi ketchup e atendente não me deu. Estava falando sobre sexo,
acredita? — Me sento, colocando a bandeja sobre a mesa, entre nós dois.
Carina logo puxa o lanche dela para si, deixando o meu.
— E qual o problema? — ela pergunta.
— É errado expor a vida sexual no trabalho, principalmente na frente
dos clientes, quando, na verdade, o funcionário deveria ser atencioso e
formal. Ela deixou de me dar atenção para ficar fofocando. Ela foi
escandalosa! Falou um linguajar inapropriado para o ambiente e ainda me
atendeu muito mal.
Carina ia dar uma mordida no seu lanche, mas desiste, ficando com
ele parado na frente da boca, me encarando. Depois junta as sobrancelhas,
de modo que aperta os olhos levemente, e abaixa seu hambúrguer, o qual
ela põe na bandeja de volta. Parece indiferente ao assunto ou talvez esteja
pensando em algo.
— Eu era assim — afirma. — Quer dizer, acho que ainda sou. Não
tenho muito filtro para falar, sabe?
Pior que sei. Suas posturas e seu modo de falar ajudaram muito na sua
imagem de garota safada.
— Mas esquece isso — ela diz. — Você tem participado de algum
evento na faculdade?
Faço não com a cabeça.
Acho o movimento estudantil nas universidades públicas uma
maneira de as vozes dos estudantes serem ouvidas, já que estes reivindicam
seus direitos, assim como buscam melhorias para o espaço acadêmico. Mas
eu, infelizmente, pela falta de tempo, não posso participar. Mas fico feliz
em saber do interesse de Carina neles.
— Eu entrei em uma roda de debate que acontece todas as quartas —
ela informa. — Não somos Amélia.
O Não somos Amélia é um projeto que se iniciou esse ano na UFSM.
Inicialmente, ele ocorre através de uma roda de debates, criada por
professoras feministas do campus em que estudamos, com o intuito de
ensinar garotas sem opiniões a levantar a blusa e mostrar os seios e se
colocar no mesmo patamar que os homens.
Rio.
Esperava que ela fosse entrar em algum movimento a favor da
gratuidade nos ônibus ou aumento de bolsas, o que é comum nas
universidades.
— O machismo ainda está presente na sociedade — ela começa a
defender o projeto, usando o mesmo discurso que sempre ouço pelos
corredores (e acredite: bares) da faculdade. — E nós mulheres infelizmente
ainda enfrentamos preconceito, falta de respeito, diferenças. Acredite: não é
à toa que o feminismo está aí fazendo a cabeça da galera.
— Presta atenção no que você acabou de falar. O feminismo está
fazendo a cabeça da galera. — Apoio meus cotovelos sobre a mesa, lhe
encarando em desafio. — Acha que quando um movimento faz a cabeça de
alguém, ele está sendo justo?
Ela fica reflexiva, girando com uma batata-frita entre os dedos e
olhando para um nada na parede ao seu lado. Acredito que ainda não tenha
opinião sobre o assunto. Eu tenho.
— Não. Mas nós mulheres precisamos disso, Nicolas! — ela
argumenta. Agora, olha para mim. — Não acredito que você é o tipo de
cara que pensa que lugar de mulher é na cozinha ou na cama de pernas
abertas para ele.
— E não sou. Não sou machista. O mínimo que desejo a um homem
que pratica abuso sexual é a morte, e digo qualquer tipo de abuso sexual, a
começar pelo toque sem concessão, que já é considerado abuso. Também
repudio homens que impõem respeito, que agridem suas mulheres, que as
humilham com atitudes e palavras, que as intimidam, as fazem baixarem
sua autoestima, homens esses que acham que o lugar delas é na cozinha.
Eu sou a prova de que homem também pode cozinhar porque homem,
mulher, qualquer pessoa, tem que se virar sozinho quando precisa. Assim
como não é vergonhoso um homem cozinhar, não é feio uma garota arrastar
um móvel. Ao contrário, é admirável.
— Então, por que você não concorda?
— Eu não discordo. Eu só não aceito o feminismo moderno, esse
feminismo exacerbado e manipulador que veio para fazer cabecinhas fracas
ao pregar a ideia de que a mulher pode e deve fazer tudo o que o homem
faz, mesmo aquilo que é negativo, como o sexo desregrado com um e outro.
Não concordo com esse tipo de relação. Assim como não respeito uma
garota que fica na cama de um e outro, também não respeitaria um homem
que faz o mesmo. Essa libertinagem (confundida com liberdade) é o que
mais discordo no feminismo atual.
Carina apoia o antebraço sobre a mesa, deixando seu lanche de lado e
prestando atenção em mim, parecendo interessada.
— Diferente disso, a luta feminista de início tinha como intenção
igualar as mulheres e homens na questão política, social e econômica, uma
vez que essas não podiam ocupar o mesmo lugar que estes. A luta deu certo
e hoje vemos homens e mulheres competindo por cargos políticos, nos
quais elas, por vezes, vencem. A presidência do Brasil, a exemplo. Os
direitos foram conquistados, agora cabe a nós a consciência de que respeito
é o mínimo que devemos dar uns aos outros, independente de sexo, raça,
credo.
Carina me encara, assentindo, mas pela expressão desaprovadora de
seu rosto, ela não parece concordar com o que disse. No entanto, ela não diz
nada. Fica com o rosto duro, pensativa, como se não tivesse um argumento
findável para debater contra mim.
— Ninguém faz minha cabeça. Tenho minha própria opinião —
afirmo, convicto. — Preciso de argumentos findáveis para ser convencido.
E o feminismo é apenas uma praga moderna, que a mim não vai atingir
mesmo.
A loira murcha em sua cadeira, sem me olhar, de cabeça baixa e ainda
parecendo pensar em algo.
Por um momento, me sinto incomodado. Talvez um pouco mal com a
metralhada de coisas que joguei sobre ela. E não sei por que falei sobre isso
com Carina. Se ela tivesse opinião sobre o assunto, seria como discutir
religião ou política. Mas que bom que parece que ela não parece ter opinião.
Eu não quero ter que ficar discutindo esses assuntos com ela. Gosto dela
assim, distraída. Gosto dessa Carina.
Ela levanta o rosto e me encara sem expressão, aquele de quem não
tem mais o que dizer porque não tem mais argumentos.
Sorrio, vitorioso.
Assim como sempre venço debates com Alicia, aqui estou eu
vencendo um com a loira também. E olha que nem precisei falar muito.
Capítulo 10
Eu vejo as luzes
Vejo a festa, os vestidos de gala
Eu te vi fazendo seu caminho

No meio da multidão
Você disse oi
Mal sabia eu que você era Romeu

LOVE STORY – TAYLOR SWIFT

Bato a porta atrás de mim e tranco-a em seguida. Carina se vira de


frente para mim e se abraça, como sempre faz. Beijo sua testa em sinal de
respeito, a desejando boa noite. Não posso deixar de observar seu rosto
bonito próximo do meu.
Queria tanto poder abraçá-la forte, fazer carinho em seu rosto, tê-la
debaixo de meus braços... E seus olhos, tão bonitos! Eles são o símbolo da
perfeição. Azuis como água de um mar turbulento, mas que me tranquiliza.
Quando dou por mim, me vejo segurando-a pelos cotovelos enquanto
encaro seus olhos.
Ela vira o rosto para o lado, sem graça e eu solto seus braços, saindo
da sala para ir ao meu quarto. Assim que entro, tiro minha camisa pela
cabeça. Depois, tiro meu tênis e calço meu chinelo. Jogo-me em minha
cama com minhas mãos atrás da minha cabeça, como se fosse um
travesseiro e começo a pensar.
O que está acontecendo comigo? Por que me sinto tão sufocado? Por
que meu peito se enche e ao mesmo tempo se sente vazio? Por que seu rosto
não sai da minha mente? Deus! O que há comigo?
— Nicolas! — Carina grita, interrompendo meus pensamentos. —
Nicolas! Vem aqui agora! Nicolas! — Além de gritar, ela parece chorar,
estar em pânico.
Sem saber o que pode ser, um tombo, um corte em algum vidro, me
preocupo.
Às pressas, me levanto da cama e corro até o quarto dela, enquanto
ela berra por meu nome mais umas três vezes.
Assim que abro a porta do seu quarto, vejo-a encolhida ao lado oposto
à porta. Ela bate os pés constantemente enquanto tem as mãos cobrindo o
rosto. Não parece machucada.
Franzo meu cenho e me aproximo lentamente, tocando seus ombros
devagar.
— O que foi?
— Mata aquele monstro! — Ela aponta para a parede oposta à que ela
está encolhida, fazendo-me virar o rosto na direção de seu dedo.
Uma barata. Uma baratinha ousada batendo suas antenas e ameaçando
voo que está pousada sobre a parede.
Suspiro, aliviado, chegando a emitir uma risada leve. Garotas e
baratas. Alicia reage quase da mesma forma, só que menos escandalosa,
assim como Beatriz. E aqui no meu apartamento, por ser antigo e necessitar
de reforma, no verão, sempre aparecem esses “monstros” como Carina
nomeia, devido ao calor.
O inseto balança as antenas, como se estivesse se divertindo com o
medo da loira. Até parece que as duas podem competir. Sinto vontade de rir
alto, mas ignoro minha falta de sensibilidade e pego meu chinelo no meu pé
esquerdo. Viro-me para a sujeita e a acerto em seguida, fazendo-a cair no
chão de barriga para cima, balançando as pernas em sinal de dor. Aos
poucos, os movimentos cessam.
— Pronto. Mortinha. — Giro meu corpo de volta para Carina e jogo
meu chinelo no chão, calçando-o. — Na próxima vida, ela vem em formato
de dinossauro. E, por favor, dessa vez me socorre porque aí sim eu vou
sentir muito medo. — Faço não com a cabeça, sorrindo.
Acho graça da situação. Mulheres querem ser independentes, mas são
tão medrosas. Precisam de proteção, pois foram criadas para receber isso de
nós homens.
— Engraçado. Como as mulheres brigam por igualdade se ainda tem
medo de barata? Eu não entendo vocês. — Viro as costas e ando até a
barata, chutando o inseto inconveniente para o corredor. Sinto Carina vindo
atrás de mim.
— É, essa é a única coisa que preciso que alguém faça para mim:
matar um monstro desse. Mas não precisa ser um homem. Minha mãe faz
isso.
— É um medo bobo. Você supera. — Me viro para ela, encarando-o
fixamente nos olhos. — Experimenta matá-la. Vencemos nosso medo
quando o enfrentamos.
Carina leva seu olhar para a direita, depois para a esquerda, como se
processasse o que acabei de dizer.
— Na próxima, eu enfrento meu medo — ela diz. — Não te chamarei.
Eu enfrento.
— Não. Eu quero que você me chame. — E eu quero sim. Quero
muito. Adoro matar baratas para ela! Adoro proteger as pessoas que gosto
das coisas que as assombram. — Só estou te dando um conselho. Enfrente
seus fantasmas e aí eles nunca mais voltarão a te assombrar. Entende?
Ela assente, meiga.
Chuto o inseto até o banheiro, o enrolo em um papel higiênico e jogo-
a na lixeira. Viro-me para Carina. Ela está encostada no portal do banheiro,
ainda encolhida. Tem o rosto meigo, igual ao rosto do Gato de botas do
Shrek. Não consigo entender por que.
— Está tudo bem?
Ela faz que não abaixando os olhos.
— Sabe o que é, Nicolas? É que eu não vou conseguir dormir sozinha
lembrando dessa barata. Aliás, eu nem sei se vou conseguir dormir naquele
quarto hoje. Eu tenho catsaridafobia. — Quando ela diz isso, seu corpo
estremece, o que me assusta.
— Catsaridafobia? — Enrugo o cenho.
— Fobia de barata. Segundo a psicóloga que frequentei quando
criança, é esse o nome científico para esse tipo de fobia. Fiz tratamento e
nunca melhorei. — Ela levanta o rosto e me encara. Seu rosto está mais
meigo ainda, desmanchando meu coração.
Se tem uma coisa que me atrai numa mulher é essa vulnerabilidade, e
Carina sempre teve muito disso, desde pequena.
Mesmo que eu tenha consciência de que isso não é exatamente bom,
Carina sempre contou comigo para salvá-la de qualquer perigo. Isso era
algo paradoxal: ficava mal por ser lembrado nos momentos ruins, não nos
bons, mas ficava feliz por ser a pessoa que ela confiava para ajudá-la.
Eu adoro proteger as pessoas. É algo que me deixa bem. Acho que
essa é uma de minhas maiores virtudes. E, protegendo Carina, foi a maneira
que encontrei de tê-la por perto. No entanto, não me lembro de tê-la salvado
de alguma barata, tampouco de ela ter fobia desse inseto. Só me recordo
dela alegre, sorrindo, ou me pedindo ajuda em matemática.
— Não me lembro de você com medo de barata na infância —
comento.
— É, acho que na sua casa não tem muito desses insetos. — Ela olha
para os lados, certamente procurando pelo bicho. — Horríveis.
Sorrio, achando-a engraçada. Ela está tão vulnerável. Isso me deixa
balançado demais. Não entendo. Não entendo o que está acontecendo
comigo. Mas gosto. Quero ser a pessoa a protegê-la.
— Eu posso dormir no seu quarto? — ela pergunta, sem rodeios, mas
com muito receio.
Coço o topo da minha cabeça, meio sem graça. Nunca dividi minha
cama com minha noiva. A minha vida inteira, só dividi minha cama com
umas cinco mulheres talvez, e isso para fazer um sexo rápido. E com
minhas irmãs e minha mãe algumas vezes. Não foram muitas.
— Eu não ronco, nem babo — ela brinca.
Como recusar diante desse olhar? E não há mal algum. Não faremos
nada de errado. Nos respeitamos acima de tudo, fomos criados como primos
e algumas vezes dormimos juntos na infância, principalmente nas noites de
Natal.
Nesta data, ela, sua mãe e seu irmão sempre comemoram lá em casa,
com minha família, e sempre dormiam por lá. Algumas vezes, na nossa
infância, minha mãe preparava uma cama no chão, com colchonetes, e
colocava todas as crianças para dormirem juntas. Vai ser legal recordar isso.
Eu não sou maluco de tocá-la sem ela querer, e nem se ela querer. Eu a
respeito. Mesmo que a deseje, eu a respeito e respeito Alicia também.
— Tudo bem. — digo. — Divido sim.
— Obrigada. Mas pega meu travesseiro lá no quarto? Acho que não
vou entrar nele hoje.
— Está bem. Eu pego sim.
— E minha camisola também. Está em cima da cama.
Camisola? Engulo seco, tentando não imaginar a tentação que seria
dormir com Carina de camisola.
— Claro. — Viro as costas e saio do banheiro, entrando no quarto em
seguida.
Pego a toalha de banho dentro do armário e a tal camisola em cima da
cama. Tento não olhar muito para a peça de dormir. Não quero pensar em
Carina em uma roupa íntima. Ficaria excitado, talvez lembraria dela
trocando de roupa. E não quero que ela me veja excitado. Não quero
constrangê-la. Nem me constranger.
Volto para o banheiro, onde ela ainda está, e lhe entrego suas coisas.
E, dessa vez, ela lembra de fechar a porta do banheiro para se trocar.
Vou para meu quarto, onde tiro meus óculos e o coloco na mesa de
cabeceira. Fico pensando em como será dividir meu quarto com Carina. E
se Alicia souber? Ela vai querer me matar. Ela já sentiu ciúmes o suficiente
horas antes. Saber que dormi em uma cama com a loira só vai piorar tudo.
Mas não contarei. Nada vai acontecer. Só iremos dormir.
Eu a respeito. Ela me respeita. Somos bons amigos, quase primos. E
eu estou feliz, ansioso para dormir com ela. Não posso deixar de sorrir por
pensar nisso.
— Me arrumei o mais rápido possível porque senão poderia aparecer
outro monstro daquele — ela diz, entrando no quarto, quase me flagrando
nu, já que eu termino de subir meu samba-canção pelas pernas.
Que garota cheia de manias! Ela não sabe bater na porta antes de
entrar?
Ela ofega, colocando a mão no peito, como se tivesse corrido uma
maratona. Viro-me de costas, terminando de me vestir. Ela não parece
perceber, pois não me olha.
— Nem banho tomei. Mas você também não tomou, né.
Viro-me para ela. Ela dá de ombros e se senta na cama, se jogando.
Não posso deixar de notar o tecido fino de cetim marcando os bicos
enrijecidos de seus seios, além de suas coxas expostas. Ela puxa os cabelos
e começa a amarra-los em um coque. Seu corpo é lindo, só que mais sexy e
perturbador do que ele, é quando ela faz esse maldito coque bagunçado.
— Desculpa, Nick. Prometo que um dia esse medo vai passar. Se
você quiser, posso dormir no chão.
— Não, que isso. Posso dividir minha cama com você. Sem
problemas. — Me sento na cama e fico encarando-a.
Com o coque no cabelo, fios rebeldes caem sobre sua boca. Carina,
distraída, encara seus pés, que balançam para lá e para cá. Fica tão lindinha
assim. Parece a mesma Carina menina de anos atrás. A boca rosada,
pequena e entreaberta. Os cílios grandes, os olhos arregalados, chamando
atenção para seu olhar marcante.
— Você me olha tão diferente às vezes. — Ela olha rapidamente para
mim e desvia o olhar em seguida, estranhamente parecendo tímida.
Eu não sei por que eu gosto tanto de olhar para ela, mas acho que é
por causa de seus olhos azuis que sempre me chamaram muita atenção.
Engraçado que nunca ouvi nenhum amigo nosso em comum falar a respeito
dos olhos dela. Eles sempre falam que ela é "gostosa", "safada", essas
coisas chulas, o que, francamente, não duvido que ela seja.
— Sempre gostei dos seus olhos. Acho que nunca te falei isso.
— Não. Nunca fomos de conversar. Você sempre foi muito fechado e
eu sempre estava bêbada. — Ela dá um sorriso leve, me encarando
rapidamente outra vez.
— Você ainda bebe? — Me deito na cama com minha cabeça sobre
meus braços, como se eles fossem um travesseiro.
Ela olha rapidamente para trás e a flagro admirando meu abdômen nu.
Não sei por que, mas gosto. Um calor gostoso me sobe pelo corpo.
Lentamente, ela se deita ao meu lado. Ao contrário de mim, ela não
fica com a barriga para cima, pois deita de perfil, de frente para mim. Olho
de lado para ela e a flagro encarando meu rosto. Giro meu corpo para o lado
ficamos um de frente para o outro.
— E aí, não bebe mais? — insisto, já que ela ainda não me respondeu.
— Não. Quer dizer, menos que antes.
— Você bebeu com os amigos da faculdade? Sempre rola aquela
“cachaçada” no início das aulas. Ninguém leva nada a sério já que quase
não tem aula.
— É, bebi sim, admito. Mas fazia um tempo que não bebia. Eu mudei,
Nick. Essas coisas já não fazem mais parte da minha rotina. — Ela franze o
nariz de um jeito muito fofo. — Beber, sair para a balada todo final de
semana, ficar com vários caras.
Sorrio, feliz por saber. Sempre torci por seu amadurecimento e acho
que isso enfim está acontecendo.
— Acho que você também mudou. Você está mais. — Ela encara meu
abdômen e desvia o olhar para o teto. — Hum... mais gato. Mais... homem.
— Agora seus olhos voltam para os meus. — Sempre te vi como um garoto
nerd que jogava videogame. Agora, você está um homem muito bonito e
bom partido, como diria dona Suzana, sua avó, porque, além de inteligente,
carinhoso e uma boa pessoa, você é. — Ela encara meu peito outra vez, mas
dessa vez morde o lábio inferior, o que faz um calor gostoso passar por
mim.
Carina aprova minha aparência. Gosto de saber disso. Ela faz que não
em seguida, ficando vermelha.
— Enfim — ela continua. —, eu achava que seu corpo era cheio de
pelos e que dormia de óculos. Sem óculos, você parece o Superman e não o
Clark. — Ela me encara e ri, ficando mais vermelha ainda.
Solto uma gargalhada, achando o comentário divertido. No entanto,
meu sorriso se desmancha quando me recordo que, diferente de mim, que
sempre notei suas curvas, ela parece nunca ter reparado em meu corpo.
Tomávamos banho de piscina juntos na casa dos meus pais, talvez há
um mês tenhamos feito isso. Não ficávamos um ao lado do outro. Ela, como
sempre, estava com minha irmã e os amigos descolados do meu irmão,
usando biquíni fio dental, chamando a atenção dos homens da casa. Eu
estava em meu canto, sozinho, lendo um livro ou conversando sobre coisas
mais sérias com meu pai.
Sempre foi dessa forma. Sempre distantes um do outro. Nunca
tivemos uma conversa como a de agora, como a de hoje no restaurante,
como todas as outras que tivemos nesse pouco tempo morando juntos. E é
bom conversar com ela. Sinto-me bem, me sinto feliz por ouvi-la, conhecê-
la além do que os outros dizem. Estou feliz. Quero tanto abraçá-la e dizer
como estou bem por tê-la aqui!
— Bem. — Ela tira uma mecha de cabelo que entra em sua boca. —
Crescemos e mudamos.
— Pois é. As pessoas, as coisas que vivemos, sentimos e passamos
nos transformam.
— Pois é. Nos transformam. — Olhando para um nada atrás de mim,
ela suspira fundo, como se um pensamento lhe perturbasse a mente. — Eu
já sabia que ele traia ela.
Enrugo o cenho, sem entender.
— Meu pai. Eu já sabia. Foi eu quem contei para ela, na frente dele.
— Por que você fez isso?
Seus olhos se enchem de lágrimas e ela morde a boca, prendendo o
choro.
— Quando eu era criança, ele me levou na casa de uma amante. Era
aniversário dela. Eu tinha cinco anos. Acho que ele pensou que eu fosse
esquecer. Mas eu cresci com a recordação. Nunca contei para ninguém, mas
sentia tanta raiva quando ele chegava em casa com aquele maldito cheiro de
mulher e beijava minha mãe. — Ela levemente fecha as pálpebras e um par
de lágrimas desce por suas bochechas.
Do nada, me vejo fazendo carinho em seu rosto, limpando seu choro.
E gosto de sentir sua pele macia debaixo de minhas mãos.
— Nick, você sabe que meu pai nunca sentiu orgulho de mim, não
sabe?
Não digo nada.
É uma verdade. Tio George, seu pai, sempre reclamou muito do
comportamento desenfreado de Carina para o meu pai, que
consequentemente passava as reclamações para mim, meus irmãos e minha
mãe. Meu pai não achava Carina uma boa influência para Beatriz. Achava
que a culpa de minha irmã ter uma personalidade difícil fosse da loira. Mas
eu sinceramente acho que é próprio da Beatriz ser como é.
— Ele sempre tratou o Caio melhor — ela continua. — E isso sempre
doeu muito em mim. No dia em que o denunciei para minha mãe, antes de
fazer isso, cheguei em casa em silêncio. Ele conversava com ela sobre mim,
na cozinha. Fiquei atrás da porta ouvindo tudo. Ele disse que eu era a maior
decepção da vida dele. Que uma hora eu iria engravidar e não saberia quem
era o pai. Que tinha vergonha do que seus amigos diziam a meu respeito.
Que era difícil chegar ao trabalho e ouvir de um deles que eu saí pela
manhã escondida do quarto de um de seus filhos. Que sentia muita raiva de
mim quando seus amigos me chamavam de gostosa, e mais ainda quando
eles diziam que sentiam vontade de me levar para o quarto deles também,
caso não fosse pedofilia. Foi nesse momento que ele me chamou de
“vagabunda”, “puta”, “minha maior decepção”. Eu chorei tanto, Nick.
Fiquei com tanta raiva dele que entrei na cozinha dizendo toda a verdade
para minha mãe. Disse que me lembrava de tudo. Que eu poderia ser o que
fosse, mas que não escondia nada de ninguém, diferente dele. — Ela funga
em meio ao choro e passa as costas da mão pela bochecha. — Eu sou a
maior decepção dele, mas o Caio, mesmo fazendo as mesmas coisas que eu,
não é. Só por ser homem.
— Eu sinto muito, Carina. Sinto muito que tenha sido dessa forma.
— Eu estraguei o casamento dos meus pais. Eu sei que fiz isso. E eu
me sinto muito culpada.
— Não. Ele estragou.
— Ele sempre dizia para minha mãe que a culpa era dela, por eu ser
uma garota fácil e mal falada, e meu irmão um viciado. Mas a verdade é
que a culpa sempre foi dele. Ele sempre exigiu que fossemos perfeitos, mas
nunca foi verdadeiro. Graças a ele eu não acredito no amor, Nick. Mas
queria muito acreditar.
— Esquece o que passou. — Beijo sua testa e me vejo fazendo
carinho em sua bochecha com meu polegar, sucessivamente.
Ao perceber, ela me encara profundamente. Vê-la olhando-me assim,
faz meu peito explodir de um sentimento que eu não consigo explicar. Sei
que é intenso, profundo, turbulento. E eu gosto de sentir essa turbulência
aqui dentro. Deixa-me bem e faz eu me sentir extremamente vivo, como
nunca ocorrera antes.
E como ela é linda! Sua boca pequena, seu olhar perdido e profundo,
seu nariz bem desenhado, sua pele macia. Seguro seu rosto pequeno quase
todo na palma de minha mão. Ele se encaixa perfeitamente nela. Solto meu
polegar e faço carinho em sua bochecha. Ela fecha os olhos lentamente,
sentindo meu carinho. Tão linda. Parece uma pintura.
Ela abre os olhos e me encara firme. Eu cesso meu carinho e me
perco em seu olhar.
— Linda. Você é linda, Cá.
Ela abaixa os olhos, tirando minha mão de seu rosto.
— Obrigada, Nick. Obrigada por tudo. — Ela gira o corpo para o lado
oposto ao meu, puxando o lençol para cobrir seu corpo até a altura de sua
cintura. — Boa noite.
— Boa noite. — Me viro para o outro lado e fecho meus olhos, me
concentrando para dormir.
Mas demora. Pensamentos circundam minha mente. Não paro de
pensar na garota que tenho ao meu lado.
Carina não se apaixona, não se envolve com homem algum porque
quando criança viu o pai — um homem declarado romântico e apaixonado
por sua mãe, mas que não passava de um hipócrita covarde — traindo a
mãe. Com isso, ela desacreditou no amor. Mas está errada. Há muita coisa
no amor que ela ainda não conhece.
Mas como explicar para ela que o fato de seu pai ser um falso
mentiroso não significa que todas as outras pessoas sejam? Como explicar
para ela que este é só mais um caso isolado e que o amor existe sim? Como
explicar que existem argumentos, se nem eu tenho? Porque eu não sei
explicar o que é amar. Eu não sei. Talvez não exista uma explicação. Talvez
só exista o sentir.
Giro meu corpo de volta para ela, e escuto sua respiração soar
profundamente. Já dorme, e dorme como um anjo, doce e tranquilamente.
Ela é tão linda...
Capítulo 11
Você estava jogando pedras

E meu pai disse: Fique longe de Julieta


E eu estava chorando na escadaria

Implorando: Por favor, não vá


LOVE STORY – TAYLOR SWIFT

Acordo com Carina dormindo em meus braços. Sorrio com a situação.


É errada, eu sei, mas é gostosa. Seu rosto está deitado sobre meu peito nu e
sua mão enlaçada em minha cintura, assim como a minha na dela. Sua
perna, dobrada, está sobre as minhas. Seus lábios estão encostados um no
outro, com uma pequena abertura mostrando seus dentes exageradamente
brancos.
Carina está tão sensual que me deixa excitado. Difícil não ficar
quando você tem entre seus braços uma mulher como ela. Gostosa, linda...
Confesso que gosto de sentir sua pele quente e macia colada à minha.
Não posso deixar de apertar sua cintura. Penso que ela, vulnerável,
dormindo, já é uma forma de assédio. Mas não quero tirar minha mão dela.
Quero continuar tocando-a. Quero fazer carinho em seu rosto, pressionar
sua cintura contra minha dureza e beijá-la.
Meu Deus! Preciso parar! O que eu estou fazendo? O que estou
pensando para agir assim? Além de não ter seu consentimento, tem o fato
de que não posso me sentir atraído por outra mulher, pois tenho Alicia!
Acordando de meu transe, tiro minha mão da cintura da loira. Ela se
remexe na cama, girando o corpo de modo que fica de barriga para baixo e
de costas para mim. Sua camisola sobe até a altura de suas costas, me
proporcionando uma visão espetacular de seu bumbum coberto apenas por
uma calcinha de renda fio dental rosa claro. Algo excitante demais para um
cara que está sem ver uma mulher completamente nua há mais de um ano.
Instantaneamente, sinto meu membro pinçar dentro de meu samba-
canção. Passo minha mão por meu rosto, constrangido e nervoso. A outra,
levo para minha dureza, apertando-a, mesmo que doa, forma que encontro
de amenizar minha situação. Sem sucesso, me levanto da cama para tomar
um banho, antes que Carina acorde e me flagre assim.
Ando até o banheiro, onde tiro minha roupa de dormir e a jogo no
cesto de roupas sujas, entrando no box em seguida. A imagem da loira volta
para minha mente, mesmo que eu me esforce para não pensar nela.
Toco meu membro ainda duro e tento me concentrar em Alicia. Penso
em seu corpo, em suas poucas curvas, mas desejo algum vem. Só penso em
Carina, Carina, Carina. Seu olhar profundo na noite anterior, seus fios de
cabelo caindo sobre a boca, seus seios quase à mostra por baixo da camisola
transparente, sua cintura fina, seu bumbum empinado para mim quando ela
sentou no banco da cozinha.
Quero gozar pensando nela. Imaginar minha boca chupando o bico de
seus seios rosados, meu membro duro estocando seu espaço quente e
apertado. O que há comigo? Quero profundamente foder com a loira. Como
quero isso nesse momento. De verdade. Não só na imaginação.
Meu telefone toca, me assustando. Deve ser Alicia. Hoje é o
aniversário da tia Ruth. Combinei de buscá-la em casa às oito. Mas não faço
ideia de que horas sejam. Certamente, estou atrasado e, se esse for o caso,
acredito que minha noiva esteja uma fera. Ligo o registro do chuveiro e
apresso meu banho. Ainda seguro meu membro na mão, que ainda está
enrijecido, quase tocando a parede.
Ficar duro e não gozar sempre me deixa dolorido depois. Então, tento
pensar em Alicia outra vez. Passo minha mão por toda sua extremidade e
começo com as carícias. Fecho meus olhos e imagino Alicia comigo no
banheiro, debaixo d’água. Pressiono sua cintura fina com minha mão
enquanto estoco seu sexo apertado. Seu rosto assustado é trocado pelo rosto
de garota safada de Carina. Ela morde a boca enquanto empina o bumbum
para mim. Meu membro vibra em minha mão e eu me vejo ofegando por
causa da loira.
Rapidamente, paro com a carícia e suspiro profundamente, de modo
que levanto minha cabeça para cima. É meu subconsciente me dizendo o
que verdadeiramente quer: transar com Carina. Mas que homem não deseja
uma coisa dessa com a loira? Ela é toda formosa, cheia de curvas para eu
acariciar enquanto ela certamente se enche de prazer.
Faço não com a cabeça. Não gozaria pensando nela. Não posso sentir
desejos por ela. Não posso.
Solto meu membro e entro debaixo d’água. Tomo meu banho
tranquilo. Nada de masturbação pensando em Carina. Alicia não merece
isso. Ela é tão boa e pura. Não merece um noivo que age como um cachorro
louco por uma cadela no cio. Não está certo. Não posso sentir essas
vontades. Mas isso só está acontecendo porque ela não se entrega. Mas ela
vai.
Sorrio com a ideia de nós dois juntinhos hoje à noite.
Poderíamos dizer a seu pai que iríamos ao cinema. Eu a traria para cá
e namoraríamos sossegados. Ela faria um carinho em mim como sempre
faz. Mas dessa vez, eu também faria um carinho nela, como nunca ousei
fazer antes. Ela vai experimentar o que é sentir prazer e, com isso, vai ser
mais um passo para nossa primeira vez. E quero vê-la gozar na minha mão.
Sei que é um pensamento errado e mesquinho, mas é o que quero.
Estou louco por sexo de verdade. Um corpo quente e cheiroso colado no
meu.
Suspiro, sorrindo por imaginar a possibilidade, e desligo o chuveiro.
Abro o blindex, puxando a tolha de banho para mim. Enrolo-a em minha
cintura e saio do banheiro para ligar para Alicia. Ando até a sala assim.
Pego o telefone fixo na mesa de centro e disco seu número, enquanto me
jogo no sofá.
— Amor, como você demorou! — ela reclama assim que me atende,
sem sequer me dar bom dia.
— Desculpa, Lice. Estava no banho.
— Fiquei preocupada. Pensei que tivesse acontecido alguma coisa.
Já são oito horas e estou desde as sete da manhã te mandando mensagens e
te ligando a cada minuto. Não dormiu essa noite? Perdeu a hora por quê?
Demorei alguns minutos para dormir, uma vez que ficava lembrando
que Carina estava ao meu lado, mas não perdi uma noite de sono. Acho que
pelo contrário: dormi foi muito bem essa noite. Tão bem que até perdi a
hora. Não que eu sofra de insônia ou coisa do tipo, mas como sempre
acordo pelas seis da manhã de segunda às sextas-feiras, é comum que eu
também acorde por volta desse mesmo horário nos finais de semana. Mas
hoje foi diferente. Admito que foi. Sinto-me relaxado de alguma forma.
— Nicolas?
— Ah, oi, amor. Perdão. Eu... bem... eu-eu estava lavando o banheiro.
Foi isso. Distrai-me e nem me dei conta de que já são oito da manhã. Mas
em minutos eu chego aí. Estou quase pronto. Você sabe. Ontem eu não tive
tempo e hoje terei menos ainda. Então como fica a organização da casa?
Pela primeira vez minto para Alicia.
Como dizer para ela que estou completamente excitado nesse
momento e por isso ainda não saí de casa? Como dizer para ela que estou
excitado porque dormi com uma gostosa do meu lado e quero me masturbar
pensando nela?
— E a sua prima? — Ela enfatiza a palavra “prima”, me fazendo
entender o aparente ciúme nela. — Ela não pode fazer isso? Ela já está aí
atrapalhando. Tem que contribuir com alguma coisa.
— Lice, olha, depois a gente conversa. Vamos chegar tarde à casa da
sua tia se eu não me adiantar.
— Está bem. Vou pegar um ônibus e descer aí para adiantar.
Encontro você na portaria.
— Ótimo. Te amo.
— Eu também. — Ela desliga, e eu me apresso, jogando o telefone de
qualquer jeito no sofá da sala, de onde me levanto e ando lentamente até o
quarto.
Dou de cara com Carina dormindo abraçada a meu travesseiro. Ela
não mostra mais a calcinha, mas ainda assim estou excitado. Pior que gosto.
Pior que gosto muito de vê-la e me sentir assim. Por Deus! Eu preciso parar
com isso. Imagina se Alicia souber?
Viro as costas e ando até meu guarda-roupas. Escolho uma roupa
básica para vestir. Tênis baixo, camisa branca e bermuda jeans no joelho.
Roupa leve e simples para um almoço de família. Fecho lentamente a porta
do armário, assim como a do quarto, e ando até o banheiro com a roupa que
vestirei na mão.
Maldita hora que fui oferecer o meu quarto. Estou ficando louco? A
loira não tem mais oito aninhos, tem dezoito agora, tem um corpão também
e muita sensualidade. Como que vou dormir com ela sem ficar excitado? E
se ela acordasse e me visse com meu samba-canção elevado? Que vergonha
eu passaria! E se ela contasse para minha irmã? E se contasse para o
Bernardo? Ou para as amigas? Todos saberiam que fico excitado por ela.
Correria até o risco de chegar nos ouvidos de Alicia. Preciso me controlar!
O interfone da casa toca, me dando o sinal de que Alicia já chegou.
Não posso deixá-la subir. E se ela cismar de entrar no meu quarto? E se ver
Carina dormindo lá? Vai pensar que aconteceu o que não aconteceu.
Balanço minha cabeça em negação e termino de me vestir. Depois,
escovo meus dentes com muita pressa e termino de me ajeitar. Volto ao
quarto e pego meus óculos na mesa de cabeceira, encaixando-os em meu
rosto logo em seguida.
Não posso deixar de observar Carina dormindo. Está na mesma
posição que a última: abraçada a meu travesseiro. Ela é tão fofa e sexy.
Sorrio. E logo balanço a cabeça em negação. Quando bato a porta do
quarto, a campainha toca. Estou ferrado, pois ainda estou excitado.
Calço meu tênis apressadamente enquanto a campainha toca mais
uma vez. Lembro-me da carteira e a procuro pelo sofá. Não está. Mais uma
vez a campainha toca. Merda! Cadê a carteira? E merda! Estou duro ainda!
Encontro-a na mesa de centro ao lado do notebook de Carina. Suspiro e
passo a mão em meu cabelo. Com a outra, toco minha bermuda: duro ainda.
E agora?
Mais uma vez, a campainha toca e, por um momento, me vejo
odiando Alicia por tamanha insistência.
Penso que pode ela desconfiar ainda mais se eu enrolar e penso
também em Carina acordando e de alguma forma em contato com Alicia,
lhe dizendo que dormimos juntos ou pior: me vendo nessa situação. Dou
largos passos até a porta e abro em seguida, dando de cara com Alicia. Ela
tem um rosto nada aprovador.
— Que demora, amor! — ela reclama, cruzando os braços enquanto
eu bato a porta em minhas costas e tranco a fechadura. Viro-me para ela e
respiro fundo, encaixando seu rosto entre minhas mãos em seguida.
— Me desculpe. Estou excitado, Lice — confesso, e ela abaixa os
olhos para minha bermuda, sorrindo, provavelmente me achando idiota. —
Eu não sei como fazer isso passar. A culpa é sua. Quero muito, amor.
Acordo pensando. Estou subindo pelas paredes!
Ela gargalha, e eu sinto meu rosto quente, de vergonha.
— Amor, depois da visita à minha tia, posso vir para cá. — Ela morde
a boca e me dá um beijo casto. — E aí a gente resolve isso.
— Resolve, é? — Laço sua cintura ao redor dos meus braços e beijo
seu pescoço, fazendo-a se encolher. — É uma promessa?
— Calma. Só vou fazer aquele carinho de sempre. — Ela beija minha
boca e tira minha mão de sua cintura. — Vamos. Podemos descer pelo
estacionamento e pegar meu pai e a criançada na rua. Enquanto isso, você
tenta se controlar aí.
— Obrigado — resmungo, insatisfeito.
Já estou menos duro. Estranhamente, bem menos duro. Acho que era
a presença de Carina, a lembrança dela, pensar que estava somente com ela
no mesmo espaço era o que estava me descontrolando. Acho que era isso.
Ao menos, Alicia não desconfiou de nada. Não lembrou da loira, o que é
um alívio.
Capítulo 12
A despeito de tanto mestrado

Ganha menos que o namorado


E não entende porque

Tem talento de equilibrista

Ela é muita, se você quer saber


DESCONSTRUINDO AMÉLIA - PITTY

— Tia Ruth! — Alicia se alegra assim que abraça a tia no portão da


casa dela.
— Minha menina! — A tia beija cada lado da bochecha de Alicia, de
modo que segura seu rosto entre as mãos. — Que saudades! — Ela solta a
sobrinha e se vira para mim, segurando firme em um dos meus braços, me
abraçando apertado e me dando duas tapinhas nas costas. — E esse
garanhão, como está?
— Estou ótimo, dona Ruth. Obrigado.
— Minha menina linda. Não para de ficar mais linda a cada dia. —
Ela me solta de seus braços e encara Alicia outra vez, que agora está parada
ao meu lado. Passa as costas da mão no rosto da sobrinha, admirada.
— Ô, tia, obrigada.
— Vamos entrar? Lá dentro está o Marlon. Ele já espera na mesa do
almoço. Está reclamando desde meio-dia que vocês estão atrasados.
— Culpa do Nicolas, tia. Estava lavando o banheiro.
— Além de bonitão, faz serviço doméstico. Isso que é sorte! — Ruth
pisca para a sobrinha, e Alicia enlaça sua mão na minha, me fazendo puxá-
la pela cintura e beijar o topo de sua cabeça.
Com Alicia tagarelando com a tia, caminho pelo pequeno quintal da
casa. O lugar é bem simples. Grama sintética verde, muro de chapisco
pintado de verde claro, portão único de ferro, um cachorro poodle latindo
no meu pé, que, se não me engano se chama Mogley.
A entrada da casa, que é pela garagem, dá na varanda, onde tem duas
cadeiras de jardim, nas quais Nicole e Douglas estão sentados, já que
entraram na casa antes de nós. Senhor Carlos está ao lado, de pé, assim
como Marlon. Este sorri, animado, assim que paro de frente para ele.
Sinto-me incomodado, mas não sei como reagir. Não bateria em um
gay porque ele flerta comigo. Mas me incomoda ser paquerado por um.
— E aí, Nicolas? — Ele estica a mão para um cumprimento e eu
aceito.
Marlon é um rapaz negro e de olhos intensos. Mais alto e mais magro
do que eu. Usa camisa e bermuda jeans coladas o suficiente para denunciar
sua sexualidade, como se não bastasse a forma que sempre me olha. Só a
mãe não nota.
— Tudo bem, Marlon?
— Estou ótimo.
— E então, minha filha, como estão suas expectativas para o
casamento? — Ruth quer saber, animada, passando ao nosso lado,
acompanhada de Alicia.
As duas entram na casa, e eu as sigo.
O primeiro cômodo, assim que se entra na casa, é uma pequena sala
escura. Assim como nas casas de pessoas mais humildes, nela há dois sofás
azul escuro (de dois e três assentos), cobertos por uma colcha de lã bege,
uma tevê de muitas polegadas fixa à parede, onde, em sua frente, há um
tapete marrom e retangular, cobrindo quase toda a extensão da sala, com
estampas indianas na cor preta.
No final da sala, atrás do sofá maior, há uma mesa grande de madeira
escura com assentos para oito pessoas. Ao lado direito dela, tem uma porta
que dá acesso ao corredor. Nele, há as portas para os dois quartos da sala,
para o banheiro e para a cozinha, que fica no final da casa. Sei disso porque
já visitei a Ruth diversas vezes. É o parente mais visitado por Alicia.
A família de seu pai não é daqui do Estado. No entanto, os irmãos de
sua mãe são. Mas Alicia só tem contato com a Ruth, já que os outros tios e
tias não são tão próximos. Como minha noiva diz: não parecem se importar
com ela e com os irmãos, o que me deixa tão chateado. Ela merece ser
amada.
Sento-me ao seu lado no sofá e puxo suas mãos para as minhas,
enquanto ela e a tia ainda conversam. Marlon se senta com senhor Carlos e
as crianças no outro sofá, ficando os últimos sentados em seu braço. Volto
minha atenção para Alicia e a vejo falando sobre suas expectativas acerca
do nosso casamento:
— Ah, tia! Com certeza você será minha madrinha, junto ao Marlon.
— Ela olha para o primo e sorri.
Ele no momento tem uma expressão de nojo para Alicia, e isso me
deixa confuso. Ele e Alicia nunca se mostraram amigos um do outro. Pelo
contrário, notei, apesar de nunca ter comentado com minha noiva, que o
primo parece não gostar dela. Penso que sinta inveja. Mas depois
conversaria com ela sobre isso. Há algo que me chamou mais a atenção:
Ruth como minha madrinha de casamento. Alicia não havia me falado
sobre isso.
Ela não tem muitas amigas e como a mãe não está viva, era de se
esperar que chamasse uma tia para completar suas madrinhas, já que até
então só tem uma.
Eu tenho duas certas: Laura e Beatriz, minhas irmãs. Terei mais duas,
que serão as namoradas dos meus dois amigos mais próximos: Felipe e
Lucas, ambos da faculdade. Alicia, até então, não havia me dito nada a
respeito das dela. Apenas sobre Nicole, que seria nossa dama de honra.
Nada contra sua tia, mas a situação me faz pensar. Alicia reclamou
não ter primas, irmãs ou amigas para chamar para serem suas madrinhas,
mas é tão normal que garotas da idade dela, que frequentam tantos lugares
como ela frequenta no dia a dia, tenham muitas amizades. Por que ela não
tem? Talvez por ser tímida. Mas mesmo assim. Que motivos levam alguém
a não ter os parentes por perto e ter poucos amigos?
— Queria que sua mãe estivesse viva para presenciar sua felicidade
— Ruth diz, admirada. — Ter o sonho realizado de ver uma filha casando
na igreja, crianças correndo pela sala da casa nas visitas de domingo. Que
mãe não quer isso? — Pega na mão de Alicia e encara-a nos olhos, com
admiração. Seus olhos brilham, parecendo que ela quer chorar. — Fico
muito feliz por vê-la bem, minha querida. Sei que esse rapaz vai te fazer
feliz. Vocês são lindos juntos. — Ela me olha e sorri para mim. Eu sorrio de
volta. — Não vejo a hora do Marlon conhecer a garota dele. Já está com
vinte anos e nunca me apresentou uma namoradinha.
Sinto vontade de rir. Em contrapartida, uma pena me invade. Marlon
é seu único filho e, como disse, toda mãe sonha em ver seus filhos se
casando, lhe dando netos e tudo o mais. Ela não teria netos. Não veria o
filho se casando. Quer dizer, com toda essa modernidade de casamento gay
e adoção para casais homoafetivos, ela poderia sim presenciar um
casamento de seu filho, assim como ter netos. Mas não seria a mesma coisa.
— Na hora certa aparece, tia — Alicia afirma, mesmo falsamente,
pois, assim como eu, ela sabe que o primo gosta da mesma fruta que ela.
Senhor Carlos também sabe, tanto é que no momento prende uma
risada debochada na boca.
Eu adoro a Ruth, mas me incomoda o Marlon. Então, internamente,
torço para que a hora do almoço acabe, mesmo que não tenha começado, só
para marcarmos uma hora e irmos embora.
— Quando a senhora menos esperar, ele aparecerá com o cara certo
aqui. — Vejo Douglas dizendo, e Ruth enrugando o cenho. — Desculpa.
Quis dizer, garota. Força do hábito. — Ele abre um sorriso de lado,
travesso, apontando a cabeça em direção à irmã.
Ruth dá uma risada sem graça e olha de lado para o filho, que ainda
me encara fixo, parecendo indiferente ao que falamos.
— Vou ao banheiro. Com licença. — Me levanto, sentindo os olhos
de Marlon me acompanharem.
Não desejo necessariamente usar o banheiro. Só quero me esquivar
dos olhares de Marlon sobre mim. Passo por ele e ando até o corredor, me
sentindo menos sufocado a cada passo de distância.
Entro no banheiro e suspiro. De costas, me escoro no balcão de
mármore da pia e pego meu celular no bolso para dar uma olhada nas
notificações. Há apenas uma mensagem de Carina, contato que salvei
carinhosamente como “Cá”.
Cá: Onde você foi? Acordei sozinha, Nicolas. Estou com medo
daquele monstro horrível L
Sinto saudades dela no mesmo instante. A loira desejando por minha
proteção, tudo que eu sempre sonhei. E seu jeitinho dramático de descrever
situações: tão encantadora. Não posso deixar de sorrir por isso.
Nicolas: Desculpa, Cá. Vim visitar uma tia da Alicia, programa de
índio.
Cá: Por que não me chamou?
Nicolas: Achei que você não ia gostar.
Cá: Mim ser índio bom. Mim adora programa de índio.
Nicolas: Engraçadinha!
Nicolas: Mas na próxima te chamo então.
Cá: Tudo bem.
Nicolas: Vai ficar em casa?
Cá: Não. Aceitei ir numa festa na casa de um amigo da faculdade.
Estou me arrumando para sair.
Festa? Amigos da faculdade? Ela não disse que mudou e não gosta
mais disso?
Sinto meu peito esmagar em meu coração. Ela deveria ficar em casa.
Nada de festas. Ela mal conhece essas pessoas da faculdade. Não deveria ir
à casa de um amigo, ainda mais amigo do sexo oposto.
Diante do pensamento perturbador, guardo, com certa raiva, meu
celular de volta no bolso e não respondo nada mais a ela. Que se dane! Vá à
festa que quiser! Durma com o cara que quiser! Não tenho nada com isso!
Viro-me para a privada, abrindo o zíper para poder urinar, quando
alguém abre a porta do banheiro. Marlon.
— Desculpa. Não sabia que estava aqui — ele falsamente se
desculpa.
— Quer me ver pelado. Só falar. Mando nudes — debocho.
— O que disse?
— Nada não. — Me viro para ele, terminando de fechar o zíper. —
Com licença. — E saio do espaço sentindo seus olhos sobre mim.
É necessária muita paciência para aturar pessoas como Marlon me
paquerando sem o menor respeito. Eu não dou abertura, por que ele faz
isso? Vai dizer que não sabia que eu estava no banheiro? Eu mesmo aleguei
que iria nele. É safadeza e falta de respeito. Queria me ver nu e veio atrás
de mim. É por isso que fico com tanta raiva dele. O fato de ele ser gay não
o dá o direito de dar em cima de mim (nem qualquer outro homossexual),
pois eu sou heterossexual.
— Deixa eu só te falar uma coisa — ele comenta vindo atrás de
mim.
Pelo amor de Deus, o que ele quer? Agora, estou no corredor, prestes
a voltar para a sala.
Viro-me para ele, me esforçando para não lhe lançar um soco na cara.
Ele dá dois passos e fica frente a mim.
— Estou muito feliz que a Alicia tenha enfim seguido em frente, sabe.
Mas aviso: ela não é para você. Essa Alicinha aí é furada, gato. Cai fora.
Não sei o que ele quer dizer com “Alicinha ser furada” ou “ela ter
seguido em frente”. Sei que minha noiva teve um único ex-namorado do
qual ela não gosta de falar, pois sofreu. Mas já estou com ela há mais de um
ano e nunca desconfiei de seus sentimentos por mim. Não tem por que ele
me dizer isso agora. Quer nos desestabilizar? Deve ser isso. Agora,
“Alicinha ser furada”, que diabos ele quer dizer com isso? Só pode estar
querendo mesmo nos atrapalhar.
— Eu não dou em cima de você. Só fico com muita dó. Está bem?
Eu prefiro seu irmão. — Ele bate em meu ombro. Depois, pisca e dá as
costas, me deixando atônito.
Quem não prefere meu irmão? Ele é jogador de futebol e cada dia
mais fica famoso. É simpático, engraçado e “pintoso”. Já pousou nu para
revista e tudo o mais. Ganhou uma grana com isso. Revista essa que foi
uma das mais vendidas de todas as edições, perdendo apenas para o
Gianechini. Mas pouco importa o Bernardo. Não entendo o que o Marlon
quis dizer sobre Alicia. E por que diz sentir dó de mim?
Depois que Marlon se retira, volto para a sala, onde o almoço está
sendo servido. Sento-me ao lado de Alicia, que me olha preocupada. Ela
sibila, perguntando se estou bem, e eu assinto. Depois conversaremos sobre
Marlon. Sempre somos claros um com o outro. É a maneira que
encontramos de ter nosso relacionamento saudável.
Olho para minha frente e vejo Marlon me encarar de braços cruzados
com um leve sorriso na boca. Alicia suspira pesadamente e começa a provar
de sua comida.
Ruth é nordestina, nascida no interior de João Pessoa, cidade que fica
no Estado da Paraíba. Por isso, cozinha pratos maravilhosos. Calóricos, do
jeito que gosto. Como o prato da vez foi carne seca com abóbora, o que fez
Nicole cair na gargalhada quando a tia disse que o prato em sua cidade natal
é conhecido como “jabá com jerimum”. E é justamente graças à pequena
que passo o resto da tarde sorrindo. Adoro sua companhia, apesar de
estranhar sua total atenção em mim. Acho que é questão de admiração
mesmo. Só me preocupo. Não quero que ela seja como Marlon.
— Vou ao banheiro, Nico — ela diz, se levantando do sofá, onde
assistíamos ao futebol de domingo.
Vira as costas e sai pelo corredor, onde Alicia aparece e anda até mim
com um sorriso aberto no rosto. É nossa primeira vez sozinhos nessa tarde.
— Até que enfim — digo e beijo sua boca, assim que ela se senta ao
meu lado.
— Calma, amor. — Ela desgruda sua boca da minha, se distanciando.
— Estou na casa dos outros. Cuidado.
— Vamos para meu apartamento na volta? — Mordo minha boca,
ansioso, de modo que passo meu polegar por seu lábio. — Podemos dizer
ao seu pai que iremos ao cinema.
Ela sorri, afirmando. Logo em seguida, ouço um coçar de garganta.
— Atrapalho? — senhor Carlos pergunta, se sentando ao meu lado.
— Não. Estamos conversando, pai.
— Acho bom.
Giro meus olhos e encaro Alicia. Ela pergunta:
— Vi o Marlon conversando com você no corredor. O que ele queria?
— Ele veio me dizer que fica feliz por enfim você ter seguido em
frente. Também disse que você não é o que eu acho que é. Eu não tenho
raiva de homossexuais, Alicia. Mas sinto ele me paquerando o tempo todo.
Não me sinto à vontade aqui por isso. Desculpa. Mas na próxima vez não
venho.
— Não acredito que ele disse isso! Que recalcado! — Ela parece
ignorar o que acabei de falar. O que mais lhe chamou a atenção foi o que o
primo disse a seu respeito. — Ele sempre quis tudo meu, não é, pai? — Ela
olha para o pai e ele confirma com a cabeça. — Agora quer você. Vê se
pode?
— Pode não. Eu sou só seu. — Dou um beijo rápido e estalado em
sua boca, o que faz senhor Carlos coçar a garganta outra vez e Alicia sorrir.
— Vamos pegar um cinema mais tarde? — Pisco para Alicia, e ela sorri,
confirmando.
— Estou ansiosa — ela murmura em meu ouvido, me deixando
ansioso. E excitado.
Se controla, Nicolas. Talvez não aconteça nada. Mas talvez aconteça.
Penso isso, pois vejo o sorriso malicioso que ela tem estampado no rosto.
Capítulo 13
Hoje aos 30 é melhor que aos 18
Nem Balzac poderia prever

Depois do lar, do trabalho e dos filhos

Ainda vai pra night ferver


DESCONSTRUINDO AMÉLIA – PITTY

— O que deu em você, Lice? — pergunto, beijando o pescoço dela ao


mesmo tempo em que destranco a porta. Ela sorri, passando os braços ao
redor do meu pescoço.
— Não sei. — Morde a boca e me encara nos olhos. — Estou feliz.
Consigo destrancar a porta da sala e, ainda agarrados e nos beijando,
carrego-a para o meu quarto. Caímos sentados em minha cama, com ela em
meu colo. Como ela está de vestido, sinto seu sexo umedecido tocar minha
dureza coberta por minha bermuda, que vibra mais ainda por senti-la tão
próxima.
Por que para ela precisa ser tão difícil? Por que não deixa
simplesmente acontecer? Não vê que eu jamais a largaria?
— Eu tenho camisinha — sussurro em seu ouvido, ao mesmo tempo
em que beijo seu pescoço, enquanto ela se contorce de tesão em meu colo,
se esfregando em meu sexo duro.
Olho para seu rosto contorcido, os olhos fechados, em sinal de
excitação, e fico mais maluco ainda para acabar com o limite dela. Desço a
alça fina de seu vestido e beijo seu ombro. Levo uma mão para seu peito e o
massageio. Ela geme, se esfregando mais ainda em mim. Até que abre os
olhos e sorri para mim, me dando um sinal.
Abro o zíper da minha calça e puxo meu membro para fora da minha
cueca, massageando-o. Alicia desce o olho e sorri, notando-o. Ela já o viu
algumas vezes. Já tocou nele e me masturbou, mas nunca pôs a boca, apesar
de eu já ter pedido. Para ela é, de certa forma, perder a virgindade.
Ela põe sua mão suada nele e começa a massageá-lo, para cima e para
baixo. Passo minha mão em seu sexo, por cima de sua calcinha e esfrego-o.
Ela solta meu membro duro e gira os olhos, sentindo prazer. Começo a
esfregar mais, deixando-a cada vez mais molhada. Ela se contorce de prazer
só com minha mão. Imagino se fosse de verdade.
Ela põe uma mão sobre a minha e me ajuda a esfregá-la. Até que
geme alto, esticando as pernas. Claro que eu desejava que fosse de outra
forma, mas sorrio, vendo-a gozar pela primeira vez.
Dou um beijo estalado em sua boca, e ela cola a testa na minha, me
beijando outra vez. Sua língua lambe minha boca, fazendo meu membro
pulsar.
Passo meu polegar em sua cabeça molhada e o solto, levando a mão
dela para ele outra vez. Ela ri, ainda me beijando. Sentindo sua mão para
cima e para baixo me dando prazer, eu arfo para trás, soltando sua boca da
minha. Seguro meu corpo com meus cotovelos sobre a cama e abro os
olhos.
Alicia sorri maliciosamente, como nunca antes. Eu passo minha mão
por seu rosto e faço carinho. O arranhar da porta me distrai. Olho por cima
dos ombros da minha noiva e vejo Carina me encarar de os olhos
arregalados.
Não podemos parar, não quero parar. Estamos quase dando o próximo
passo. Volto minha atenção para Alicia e percebo a mudança em seus olhos:
a excitação sumindo de suas expressões. Noto o vulto de Carina batendo a
porta e volto minha atenção para minha noiva.
— Amor — ela diz, soltando meu membro. — Melhor pararmos.
Estamos indo longe demais.
— Estava prestes a... — Estalo a boca.
Mas passo por cima da minha frustração ao ver seu rosto assustado.
Nunca passamos do limite como hoje. Foi demais. Ela já me tocou. Mas eu
nunca toquei em seu sexo assim como nunca a vi gozar. Ela certamente está
assustada. Mas estou feliz, apesar de querer muito mais do que isso.
— Tudo bem. — Desço minha mão para meu membro enrijecido e,
com dificuldade, tento acalmá-lo. Mas com Alicia em meu colo só
complica. — Mas, então, vamos nos ajeitar aqui porque senão depois fica
ruim para mim.
Ela sai do meu colo, ficando de pé, e ajeita o vestido no corpo.
— Desculpa — ela repete.
— Para, amor. Não precisa se desculpar. — Coloco meu membro
dentro da minha calça e suspiro. Estou ainda duro, mas, como sempre, irá
passar. Vou até ela e beijo o topo de sua cabeça.
— Vou ao banheiro para depois você me levar para casa.
Aperto minha dureza, tentando ficar menos duro. É complicado isso.
Alicia me provoca, damos uns amassos e eu sempre fico assim, "na mão".
Vez ou outra que ela me faz gozar. Mas na maioria das vezes, faz como
agora: desiste, se sente mal por ir muito além.
Fico lembrando da Carina espantada, olhando para mim, há alguns
minutos atrás. Bem feito! Não mandei entrar no meu quarto sem bater! Que
mania!
— Que isso? — Alicia entra no quarto mirando uma calcinha rosa
para minha direção.
— Deve ser da Carina. — Eu lembro. Era a mesma que ela usava essa
manhã.
— Ela larga as calcinhas dela por aí, é isso mesmo? — Ela bufa pela
boca, completamente irritada, como nunca vi antes. Depois, joga a calcinha
no chão e cruza os braços sobre o peito. Seu rosto chega a ficar vermelho,
devido a tensão, o que é compreensível.
— Vou conversar com ela.
— Acho bom mesmo, Nicolas. Você está dividindo um apartamento
com uma garota, só que você tem uma namorada, daí ela chega aqui e
encontra isso no banheiro? — Ela aponta para a calcinha, descruzando os
braços. — Isso é falta de respeito!
Imagina se Alicia visse as roupas que Carina usa para dormir, se
soubesse que a loira troca de roupa de porta aberta, que não tem postura
para sentar, que vi seu bumbum coberto apenas pela mesma calcinha que
ela achou. Pior: se ela soubesse que dormimos juntos, se soubesse que eu
quis alisar as pernas de Carina no carro, como faço com ela. Realmente é
falta de respeito.
Meus atos errados, posso contorná-los e mudá-los, mas os de Carina,
preciso conversar com ela e deixá-la atenta a esse vacilo e muitos outros.
— Desculpa, Lice. Vou conversar com ela. A Carina é cheia de
manias. Umas duas vezes já que eu...
— Que eu o quê?
— Que eu encontro calcinhas no banheiro.
— Hum. — Ela não parece acreditar, mas sei que tenta não
demonstrar a insegurança. — Falei que não ia dar certo. Você não conhece
as manias dela. Vamos?
— Vamos. — Dou dois passos até ela, pegando-a pela cintura e lhe
olhando nos olhos. — Mas já? Podemos não fazer amor, mas podemos
namorar e conversar um pouquinho, o que acha?
Seus ombros escorrem, me dando o sinal de que ela me “perdoa” e
que “está tudo bem”. Depois, ela sorri e passa os braços ao redor do meu
pescoço, me dando um beijo estalado na boca.
— Eu te amo, amor — diz, desgrudando a boca da minha. — Não
quero sentir ciúmes. Não quero desequilibrar nosso namoro.
— Nem eu, Lice.
— Desculpa. Não quero ser a namorada chata que sente ciúmes.
— Tudo bem. Eu te amo. E eu entendo. — Agora eu que a beijo
levemente nos lábios, enquanto seguro sua mão e brinco com seus dedos.
— Preciso de você assim: fazendo carinhos inocentes. — Ela sorri
fraco e abaixa a cabeça. Eu levanto seu rosto e deixo outro beijo estalado.
— Lice, todo casal faz sexo. Para de bobagem. — Passo a mão em
seus cabelos e ela assente, se encaixando em meus braços. Beijo o topo de
sua cabeça enquanto ela suspira profundo.
— Agora eu preciso ir, amor.
Assinto.
Saímos do quarto abraçados. Passando pela sala, encontramos Carina
deitada no chão, de bruços, sobre livros e seu notebook, dormindo. Os
óculos completamente tortos no rosto, o coque no cabelo completamente
bagunçado e os seios quase pulando para fora da blusa de dormir, assim
como a polpa de seu bumbum está toda para fora. E, aparentemente, ela está
sem calcinha.
Deus, eu sou fiel, juro que sou, mas até com a Alicia do meu lado, eu
não consigo não olhar para aquele diabo loiro. Carina é muito gostosa e está
me deixando muito maluco!
— Nicolas, vamos? — Alicia chama minha atenção com aparente
ciúme no rosto.
Durante o caminho de volta para casa, no carro, Alicia não fala nada
sobre Carina, apenas sobre o pai e os irmãos. O assunto é que no próximo
final de semana o irmão irá para uma excursão da escola de futebol em que
treina. Ficará duas semanas em outra cidade e, com isso, ela se sente
injustiçada, uma vez que o irmão nem maior de idade é, e pode fazer o que
bem entende. Enquanto ela, adulta e independente do pai, precisa de
horários para chegar em casa, não pode dormir na casa do namorado e tudo
o mais.
— O pai só deixa o Douglas dormir fora — ela reclama no momento
em que estou parando com o carro em frente à sua casa, o que me permite
tirar a atenção da rua para olhar para ela. Por incrível que pareça, seu pai
dessa vez não espera no portão. — Seu pai é assim?
— Um pouco. Ele protege muito mais as minhas irmãs do que a mim
e ao Bernardo. Mas é aquilo, Lice: filhas mulheres sempre são mais
protegidas. Mas seu pai é em excesso. Sinto muito por ele ser assim. Mas
acho que você precisa dar o primeiro passo para as coisas começarem a
mudar. Mostre a ele que você não é mais uma criança, que você trabalha,
tem sua vida, seu noivo. Chegue um dia depois da meia noite, ignore suas
exigências sem pé nem cabeça.
— Não consigo. — Ela abaixa o olhar.
Alicia consegue tantas coisas: superar a perda da mãe, cuidar de
Nicole, da lanchonete e da faculdade ao mesmo tempo. Como não consegue
o mais simples? Mas entendo. Ela teme o pai. Sei que o teme. Ou então
vive bem sendo subordinada por ele.
— Olha, amor. — Pego seu rosto entre minhas mãos, levantando-o,
para que ela me olhe nos olhos. — Eu sempre fico muito desanimado
quando ele não te deixa sair comigo. Sou seu noivo. Isso é tão estranho. Ele
pode estragar nosso relacionamento. Isso só não acontece porque eu não
permito, pois eu te amo, Lice.
— Eu sei. — Ela solta seu rosto de minhas mãos e me abraça
apertado. — Te amo tanto, amor. Não sei o que seria de mim sem você. —
Ela me solta de seus braços e me dá um beijo rápido. Depois, me encara. —
Obrigada. Agora vou descer porque ele já está no portão. — Ela aponta com
os olhos para a o vidro dianteiro do carro, por onde posso ver seu pai de
braços cruzados encostado no portão e olhando para nossa direção.
Alicia me dá outro beijo rápido e sai do carro, batendo a porta. Eu
aceno com a cabeça e ligo o carro, cantando pneus pela pista em seguida.
Como é noite, chego em casa rápido.
Assim que abro a porta da sala, encontro com Carina ainda dormindo
no chão da sala, jogada sobre os livros. Penso em acordá-la, mas é tão sexy
vê-la dessa forma que não faço isso. Fico admirando-a, sentindo outra vez
meu membro pinçar dentro de minha bermuda.
Suspiro profundo, passando uma mão por meu cabelo.
Preciso conversar com ela sobre situações como essa. Ela dormindo
toda largada e quase pelada assim. Preciso pedir que seja mais atenta, que
não largue calcinhas por aí, que não troque de roupa de porta aberta, que
saia da minha cabeça e pare de me deixar tão excitado toda vez que um
incidente como os que eu citei ocorra. E eu preciso parar de admirá-la.
Vou para o meu quarto e deito em minha cama, lugar este que ela
deitou comigo da noite de ontem para a manhã de hoje. Acordei abraçado a
ela e foi tão bom!
Olho para o lado e vejo, no chão, a calcinha que Alicia reclamou ter
encontrado no banheiro. Levanto-me da cama e pego a lingerie na mão.
Logo, a recordação da Carina dentro dela vem à minha mente, deixando
meu membro completamente duro outra vez.
Que vontade de aparecer naquela sala e arrancar a roupa dela toda e...
Só posso estar maluco! Droga! Ela não sai da minha mente. A recordação
dela dormindo em minha cama com os seios quase pulando para fora de sua
camisola, o bumbum empinado no banco da cozinha, de costas para o
corredor, nua, quando a porta do seu quarto estava aberta enquanto ela se
trocava.
Quero gozar pensando nela. Quem sabe assim esse desejo não cesse
um pouco, pelo menos por hoje. Não seria nenhum crime fazer isso, não é?
Nem pecado. Quero tanto! Que ao menos em pensamentos eu possa fazer.
Não há nada de errado nisso.
Puxo meu membro duro para fora da minha bermuda e me jogo na
cama de barriga para cima, fechando meus olhos.
Imagino Carina comigo na cama. Eu a jogo na cama, nua, depois das
preliminares que trocamos no escuro do meu quarto. Sento-me na cama e a
puxo para meu colo, encaixando minha dureza em sua entrada apertada e
molhada. Ela arfa, segurando o lençol com os dedos. Empurro-o mais para
dentro, fazendo-a grunhir baixinho.
Com um sorriso safado nos lábios, Carina começa a comandar os
movimentos. Meu membro duro entra e sai de sua entrada. Seus seios
redondinhos balançam para cima e para baixo enquanto ela rebola e se
esfrega, fazendo meu membro vez ou outra sair e novamente estocar seu
espaço estreito. Nossa velocidade aumenta, enquanto nossos suores se
misturam. Só há o som dos nossos gemidos, da cama arranhando o chão e
do colchão que vai e vem.
Apresso velocidade da minha mão e arfo para trás. Carina chamando
meu nome, gemendo, rebolando, se dando prazer, sem qualquer restrição ou
limites. Ela está quase chegando a seu limite, e só de ver enlouqueço. O
suor escorrendo por sua barriga, seus seios lindamente meneando para cima
e para baixo, com seus bicos rosados apontando para o céu.
Mas paradoxalmente, lindos como um inferno!
Eu os sugo, puxo o bico com o dente. Ela abre um sorriso largo, me
dando o sinal de que está quase lá, e se preenche totalmente de mim. Tão
profundo e gostoso. Estou enlouquecendo.
Com minha mão livre, soco o colchão macio da cama. O orgasmo me
preenche tão rápido que eu grito alto, abrindo meus olhos e encarando a
escuridão do meu quarto vazio.
Fecho meus olhos outra vez e vejo Carina caindo sobre mim,
enquanto geme meu nome.
Nick...
Capítulo 14
Romeu, salve-me, estão tentando me dizer o que sentir

Esse amor é difícil, mas é real


Não tenha medo, nós vamos sair dessa bagunça

É uma história de amor, baby, apenas diga sim

LOVE STORY – TAYLOR SWIFT

Acordo com meu despertador tocando. Quando abro os olhos, me


vejo dormindo de conchinha com alguém. Levanto meu rosto e vejo que é
Carina. Depois que gozei pensando nela, acabei caindo no sono minutos
depois.
Passo minha mão por seus cabelos loiros e beijo seu rosto. Desço com
minha mão por sua cintura e admiro suas curvas. Engulo seco. Tão linda...
Ela acorda em seguida, girando o corpo de frente para mim. Levanta o
rosto e abre um sorriso doce.
— Bom dia! — diz baixinho.
— Bom dia. — Fico admirando-a, e ela me olha de volta na mesma
proporção.
Quero tanto beijá-la. Pena que não posso. Linda, linda. Um anjinho
com o olhar perdido. Uma diabinha com o rebolado gostoso.
— Dormimos de conchinha, Nick. Sua noiva vai ficar uma fera se
souber!
— Ela não é ciumenta.
— Não? — Ela solta uma leve risada. — Pois pareceu naquele dia
que você me deu uma carona.
— Foi a primeira cena de ciúmes dela para falar a verdade. Nós temos
um relacionamento saudável e equilibrado. Não aturamos essa coisa de
ciúmes, mas você é bonita, Cá. E mesmo que seja quase uma prima,
qualquer garota sentiria ciúmes do namorado no lugar da Alicia. Então, eu
entendo.
— Obrigada por me deixar saber que você me acha bonita. Você
também é muito bonito. Já te disse isso. Enfim, o Clark tirou os óculos e
decidiu vestir a capa de herói. — Ela sorri abertamente, fazendo que não e
olhando para baixo. — Essa noite, antes de dormir, você pega o meu
colchão e eu durmo no chão na próxima noite, pode ser? É melhor. Não
quero atrapalhar você com ela.
— Não atrapalha. Mas me sentirei com a consciência menos pesada
se cada um dormir em um lugar diferente.
— Se eu fosse ela, ia ficar com muita raiva sabendo de uma coisa
dessa. Eu acho. Não sei. Eu nunca namorei. Não sei como é essa coisa de
sentir ciúmes da pessoa que a gente gosta. Mas via minhas amigas sofrendo
muito com essas coisas. A sua irmã então, piorou! O Caio não podia olhar
para o lado, caso alguma garota bonita passasse, que ela surtava. Ainda bem
que eles não estão mais juntos. Acho que a Bia fica melhor sem ele.
— E você está bem sozinha? Não se incomoda em nunca ter
namorado?
— Não. Você sabe que não. — Ela sorri e estica o corpo sobre o meu
para pegar alguma coisa na mesa de cabeceira, o que faz com que os bicos
de seus seios, duros, façam cócegas no meu peito, me fazendo recordar da
noite anterior que só ocorrera em pensamento, mas que parecia tão real.
Mas agora mesmo, estou prestes a perder o controle e agarrá-la,
tornando tudo real.
Por que ela tem que ser assim, hein? Por que tem que roçar os seios
sobre meu peito, me fazendo desejá-la? Que mania!
Alcançando o que parece ser um celular, ela encara o que parece ser a
hora nele e rapidamente se levanta da cama, descolando seu corpo do meu.
Depois, calça os chinelos que estão nos pés da cama.
— Vou tomar banho para me adiantar — avisa. — Hoje apresento um
trabalho no primeiro tempo de aula.
— Meus pêsames.
Ela sorri para minha brincadeira e sai digitando algo no celular. Giro
com meu corpo para cima, de modo que coloco minha cabeça sobre meus
braços cruzados. Penso na nossa intimidade, dormindo juntos. Está sendo
tão gostoso. Estou curtindo, apesar de querer beijá-la, tocá-la, senti-la. Mas
é melhor que ela durma no chão. Ou eu.
Tenho alergia a poeira e dormir no chão traz uma grande possibilidade
da minha alergia atacar, mas correria esse risco. Incomodaria-me ver
Carina, mulher e mais frágil do que eu, dormindo no chão.
Suspiro profundamente, sentindo algo sufocar meu coração.
Será que estou ficando cardíaco? Visitar um médico cardiologista
seria uma boa ideia depois de tantos anos sem fazer isso.
Levanto-me da cama e calço meus chinelos. Pego uma toalha no
guarda-roupas e minha roupa de trabalhar, que está passada e pendurada, e
ando até o banheiro.
Como sou técnico em segurança no trabalho, a roupa de trabalho é
uma camisa social branca de botões, além de uma calça jeans básica. Quero
mesmo é andar de terno e gravata, mas ainda falta muito para isso.
Oh. Meu. Deus! O que é isso?
— Nicolas! — Carina cobre os seios com uma mão e com a outra
tampa sua intimidade. Ela estava saindo do box, nua, quando cheguei à
porta do banheiro, que está aberta. Estou parado, atônito, admirando seu
corpo completamente exposto para mim.
— Desculpa, Ca-ca-carina. Eu juro que... que... que... eu não vi nada.
— Viro as costas e corro, como o diabo foge da cruz, até a cozinha.
Suspiro. Jogo minha toalha na mesa e apoio minhas mãos na pia de
mármore. Lembro-me dos seus seios duros e seu sexo sem pelos. E aquela
cinturinha. Fico imaginando minha mão controlando-a, enquanto Carina
está encaixada sobre meu membro, rebolando, se dando prazer. Melhor não
pensar. Isso tem que parar. Está cada vez pior. Vendo-a nua, dormindo
abraçadinho, são coisas que cada dia só fazem meus desejos por ela
aumentarem. E isso está errado demais. Não pode continuar assim. Esse
medo de barata, essa mania de deixar as portas abertas... tudo isso tem que
parar!
Olho para a pia à minha frente e vejo várias louças nela. Esta é outra
mania da Carina: não lavar sua louça depois que suja. Não sei se é por
maldade ou preguiça. Só sei que só complica nossa convivência.
Suspiro profundo e me solto do mármore da pia, passando uma mão
por cima da minha bermuda, sentindo o volume do meu membro. Ligo a
torneira e começo a lavar as louças. O jato d’água descendo pela torneira
me distrai, pois me tranquiliza.
Ouço os passos de Carina do banheiro até seu quarto e termino de
enxugar a última louça. Assim que termino, vou para o banheiro, lugar que
está impregnado com o cheiro delicioso dela: creme corporal de morango.
Tiro minhas roupas de dormir e entro no box, ligando o chuveiro em
seguida. O jato d’água cai sobre meu corpo, enquanto toco minha dureza.
Penso em Alicia, mas em alguns segundos me vejo outra vez sem conseguir
gozar por pensar nela. Que inferno!
Com a outra mão, soco a parede do banheiro.
É a segunda vez que eu a flagro nua. Por que ela pareceu tão
indiferente? Por que não se incomodou em dormir de conchinha comigo?
Por que senta de mau jeito? Por que toma banho de porta aberta? Por que
larga as calcinhas por aí? Por que dormiu duas noites comigo? Por quê? Ela
está me provocando? Sim, está!
Tudo isso que está acontecendo, ela deve estar fazendo de propósito.
Quer me excitar como faz com os caras que sai. Quer me excitar para eu
fodê-la bem gostoso. Não consigo me sentir menos duro. Não quero brincar
com minha mão. Quero entrar nela de verdade e ouvi-la gemer no meu
ouvido. É tudo que mais quero com aquela gostosa. Mas não posso. Tem
minha noiva. Ela não merece. E eu não sou assim. Que nojo de mim!
Nojo. É assim que me sinto comigo mesmo.
Quando saio do banheiro, vou para a cozinha, onde encontro Carina
colocando o prato dentro da pia, o qual acabou de usar.
— Precisamos conversar — aviso, esboçando uma expressão séria e
cruzando meus braços sobre o peito.
Ela gira o corpo para mim. Seu rosto também está fechado. Ela coloca
uma mecha de cabelo atrás da orelha e me encara.
— Olha, Nick, sobre o que acabou de acontecer. Me desculpa, por
favor. Eu prometo que isso nunca mais vai acontecer.
— Espero. Mas não é só sobre você... hum... nua que eu quero
conversar. —Encaro a louça, e seus olhos seguem os meus.
Ela junta as sobrancelhas, apertando os olhos. Eu suspiro, cansado.
Não é por maldade. É culpa de sua criação. Ela é mal-acostumada e
mimada, além de distraída.
— Bom, você comeu e não lavou sua louça. — Com o polegar direito,
aponto para a pia.
Seus olhos outra vez me seguem. Ela fecha os olhos e bufa pela boca,
parecendo perceber o problema. Faz que não, colocando as mãos dentro dos
bolsos da calça jeans surrada, abaixando o olhar, certamente se sentindo
uma tola. Eu a fiz se sentir assim e me sinto mal por isso, mas não posso
continuar aceitando todas essas coisas. Não posso. Está errado. Muito
errado. Comigo mesmo, com Alicia.
— Desculpa, Nick. Eu ia lavar, mas eu sempre esqueço.
— Esquece também suas calcinhas no registro do banheiro?
Ela arregala os olhos e sua pele troca de tom: de branca passa a ficar
rosada. Não posso deixar de observar que até assim ela fica linda. Por Deus!
Preciso ignorar minha idolatria por essa garota. Isso não está certo. Não
está!
Passo minha mão pelo cabelo. Dou dois passos até ela. Ela continua
de cabeça baixa.
— Ontem, a Alicia encontrou uma calcinha sua no chão do banheiro
— continuo. — Carina, eu tenho uma noiva e ela visita minha casa com
frequência. Fica meio constrangedor ela encontrar essas coisas por aí.
Parece que nós... entende?
— Entendo. — Ela levanta a cabeça e me olha. — Desculpa, Nick. A
última coisa que quero é te atrapalhar com a Alicia.
— Está tudo bem. Só ter mais atenção com o lugar onde você deixa
suas calcinhas e lembrar-se de lavar sua louça depois que come. Desculpa
eu te pedir isso, mas eu preciso. É a melhor forma de vivermos bem
dividindo o mesmo espaço. Aliás, se eu estiver fazendo algo que esteja te
atrapalhando ou te incomodando, você também precisa me dizer. Tem toda
liberdade para fazer isso. Não é porque está em minha casa, que você tem
que se incomodar e aceitar. Pode falar. Sem problemas. Só quero o bem, a
saúde, da nossa convivência.
— Não tenho nada a reclamar de você. Só elogios a fazer. Eu que sou
uma distraída. — Ela faz biquinho, desestabilizando minhas estruturas,
porém as do meu coração. Ela sabe ser sensual quando precisa, assim como
ser meiga também.
Encaro seu olhar doce para mim, me afundo nele, admirado. Volto a
pensar que ela parece um anjo, enquanto na cama deve ser uma diaba. Ela é
um paradoxo, na verdade. E, nesses casos, diaba no sexo e graciosa no
gesto, é tudo que eu mais desejo para mim. Agora, por exemplo, é tanta
ternura nela, tanta doçura e pureza, que me dá vontade de envolvê-la em
meus braços e fazer um carinho em seu cabelo. Abraçá-la. Beijá-la. Que
vontade!
— Mas é uma graça sendo distraída assim... — As palavras
escorregam da minha boca sem eu perceber.
Ela abaixa os olhos, sem graça, certamente notando meu surto de
flerte. O que deu em mim?
— E-e-eu gosto disso em você, apesar de ser um defeito. Mostra que
você não faz nada pensado. Inclusive, as coisas ruins.
Coisas ruins que me refiro são não só deixar um homem desesperado
por sexo como eu, quando ela exibe seu corpo, mas sair para baladas, virar
a noite, entrar em carros de desconhecidos, ir para a cama de um cara que
ela conhece na night. Enfim, ser libertina demais. Não acho que seja dessa
maneira por maldade. Ela é assim porque é a maneira que encontra de não
amar, de não esbarrar com o amor, já que ela não tem uma experiência boa
com ele, de acordo com que os pais viveram.
Ela se encolhe no mármore da pia e me corresponde com seu olhar
doce. Linda! Perfeita! Como uma pintura!
Tento me esquivar da minha idolatria por ela, e volto ao assunto:
— Preciso te contar outras coisas. Meio constrangedoras, mas eu não
quero mais que isso aconteça.
— O que aconteceu?
— Além de deixar suas calcinhas no registro do banheiro e de não
lavar sua própria louça, você tem uma mania muito feia de trocar de roupa
de porta aberta. Então, eu acabei vendo você. — Desvio meu olhar do dela,
já que ela me encara concentrada. — Pelada outro dia. E eu fiquei muito
excitado. Carina. Você é assim desse jeito, tem esse corpo. Os caras ficam
loucos. Acha que eu não?
Ela não reage. Seu corpo continua parado junto a pia.
Volto com meu olhar para seu rosto e vejo que ela tem o olhar baixo,
demonstrando culpa. Sinto-me um idiota por dizer essas coisas. Ela ser
linda e gostosa não me dá o direito de exigir e reclamar com ela sobre isso.
— Desculpa — peço. — Não quero te deixar mal nem culpada. Mas
tente lembrar-se de fechar a porta quando você está no banho e quando está
trocando de roupas. E. — Encaro seus seios marcados pela blusa colada que
veste. — Roupas curtas. Eu não estou conseguindo me controlar. — Dou
dois passos, ficando de frente para ela e passo minha mão em seu rosto,
acariciando sua bochecha com meu polegar.
Mas diferente das outras vezes que o fiz, dessa vez, ela me encara
parecendo estar assustada. Mas meus instintos não me fazem parar.
— Carina, você é linda. Eu não sou cego. Estou vendo isso. E esse
corpo. — Abaixo meus olhos e paro com eles em seu decote, estalando a
boca. Ela se afasta, se encolhendo mais ainda contra o mármore da pia. —
Desculpa. — Solto minha mão dela. Noto algo em seus olhos. Talvez medo,
receio, como se eu fosse capaz de machucá-la.
— Nicolas. — Sua voz sai fraca. Ela cruza os braços sobre o peito,
mas continua com o olhar baixo. — Eu que te peço desculpas. Vou me
esforçar para ser menos distraída. Eu tinha meu próprio banheiro no meu
quarto e eu não precisava fechar a porta enquanto tomava banho, então
fiquei mal-acostumada. Não que isso justifique, mas perdi o costume de
trancar a porta e às vezes eu tenho me esquecido mesmo. Mas eu vou me
lembrar de fazer tudo direitinho. Eu prometo. — Ela me encara docemente,
ainda se encolhendo na pia, mas desvia o olhar logo em seguida. — Agora
eu tenho que ir. — Sem me olhar, ela vira as costas e sai da cozinha,
andando rapidamente para seu quarto, onde ela bate com a porta.
O dia amanheceu tão lindo, acordamos tão bem um ao lado do outro.
Até combinamos de não dormirmos mais juntos. Estava tudo bem entre nós.
Agora, aparentemente, corro um grande risco de ser ignorado por Carina
outra vez. De ser colocado na lista de “amigo procurado somente para os
momentos difíceis”. Acabo de estragar com tudo, porque a deixei se
sentindo mal.
Mas o que posso fazer? Não posso ficar excitado por vê-la nua, por
dormir agarradinho com ela enquanto tenho uma noiva inconsciente de tudo
isso, assim como não posso permitir que a loira deixe suas louças para eu
lavar e suas calcinhas para eu recolher.
Sei que não faz por maldade. Sinto isso. São só manias... manias essas
que até me fazem sorrir, de tão deliciosas que são. Só há uma coisa que não
entendo: por que me olhava tão assustada quando eu lhe disse todas aquelas
coisas? O que há de errado com a Carina?
Capítulo 15
Porque você era Romeu
E eu era a menina má

LOVE STORY – TAYLOR SWIFT

— Está tudo bem, cara? — João, meu amigo mais próximo da


faculdade, pergunta, quando me alcança no caminho cercado de grama
verde e árvores que me leva ao prédio de Exatas da UFSM.
Estou indo para uma sala, onde aconteceria a última aula do dia. Na
anterior, pensei em falar com ele sobre Carina. Ele estuda comigo há mais
de um ano, desde que entramos no curso de Engenharia Civil, mas não
conversamos sobre assuntos muito pessoais, exceto quando é ele quem me
fala sobre sua namorada. Ele sempre questiona que ela reclama da hora que
ele chega em casa às sextas, que é o dia que ele normalmente sai com uns
amigos da nossa turma para beber e jogar sinuca no bar mais próximo da
faculdade.
Não sei se João seria uma pessoa de confiança para eu desabafar esse
assunto que tanto me perturba. Sou um cara fechado. É difícil falar sobre as
coisas que sinto. Estalo a língua na boca e suspiro.
— Quer sentar lá no bar e beber alguma coisa? — ele me pergunta de
forma irônica.
Ele sabe que eu sou o único da turma que não me enturmo para beber,
mesmo que algumas vezes eu sente com eles no bar para bater um papo
leve e jogar sinuca ou baralho. Então, provavelmente, do seu jeito, ele deve
estar querendo melhorar o clima, já que passei a aula inteira distraído,
pensando no problema que eu tenho em casa, problema esse que não sai da
minha cabeça.
Depois da conversa que tivemos, Carina e eu mal trocamos uma
palavra. Mas é melhor assim.
O problema é que fiquei tão distraído, pensando se a magoei que, no
trabalho, sequer consegui perceber que havia um funcionário sem capacete
e outro preso incorretamente a um guincho, o que me fez levar um esporro
de meu superior, o primeiro esporro que levei durante esses quase dois anos
de empresa.
Além disso, não liguei para Alicia como sempre faço. Ela estranhou.
Me mandou uma mensagem perguntando se estava tudo bem. Eu lhe
respondi que sim, que só não lhe mandei uma mensagem primeiro, como
sempre faço, porque me atrasei. Segunda vez que eu minto para ela. Não
quero conversar, não com ela.
Quero e preciso conversar com alguém de confiança sobre meus
desejos por Carina, mas a pessoa de mais confiança que tenho é meu irmão
Bernardo. Mas ele mora em Porto Alegre, há muitas horas daqui, e sem
contar que, como ele é jogador de futebol profissional, vive ocupado
treinando, então quase não temos nos falado.
— Acho que hoje vou aceitar seu convite — respondo meu amigo.
— Estou preocupado. O que aconteceu que te deixou tão aflito assim?
O Nicolas que conheço é tão de boa.
Eduardo, ou melhor, Cachaça, o ser mais sem noção de nossa turma e,
pelo apelido, cachaceiro e festeiro, aparece entre eu e João, passando seus
braços por cima de nossos ombros.
— Ele está pensando na prima gostosa que está morando com ele —
diz.
Eu lhe lanço um olhar de ódio e tiro seu braço de meu ombro. Como
ele sabe da existência da Carina e principalmente por que ele está
chamando ela assim?
— Desculpa a brincadeira, Nicolas. — Ele tira o braço do ombro de
João e levanta as palmas da mão em minha direção, como se estivesse se
rendendo à polícia. — É que está rolando um comentário aí...
— Que comentário? — interrompo-o, segurando-o pelo ombro. João
fica atrás de mim, segurando as alças de sua mochila, o cenho levemente
franzido.
— Ah, é que tem um maluco aí da Engenharia Mecânica que está
pegando ela, sabe? E ele que falou que a caloura mais gostosa da
Arquitetura estava morando contigo. E ele usou essas palavras "a caloura
mais gostosa". — Ele sorri abertamente, mordendo o lábio inferior em
seguida, o que me deixa irritado.
Quem seria esse cara da Engenharia Mecânica que ele está se
referindo? Quem será esse cara que Carina está ficando e que não a deixou
em casa e nem sequer lhe pagou um lanche? Porque, mesmo que ela admita
que ela que não quis nada disso, eu duvido muito. Que mulher não gosta de
ser bem tratada? Quem é esse marginal? Quem?
— Quem?
— O Gustavo da Engenharia Mecânica.
Eu franzo o cenho, pois não recordo de ninguém da Engenharia
Mecânica, até porque é um curso cuja maioria das matérias acontecem pela
manhã e eu estudo à noite.
— Irmão da Carol, a namorada do Denis da nossa turma, cara.
Também não me recordo de nenhum Denis da nossa turma. Deve ser
algum aluno que ficou para trás, pois acontece muito isso na faculdade.
Muitas pessoas se atrasam nas disciplinas por motivos diversos e, pela
ausência, com o tempo, você nem lembra mais quem é. Não é como na
escola que todo mundo estuda junto todo dia. E sem contar que, na
Engenharia, a maioria dos alunos são homens e, na minha faculdade, as
turmas são de quarenta alunos, em média. Então, não tem como decorar o
nome de todos.
— Nicolas, o Gustavo. O cara do trote — João diz, ficando com o
corpo na frente do meu.
Sua testa franzida demonstra certa preocupação. E não sei por que
estou tão interessado em saber com quem a Carina fica ou deixa de ficar,
também não sei por que o Eduardo quer tanto me dar detalhes desse
Gustavo, assim como o João agora parece se preocupar para que eu saiba
quem é ele.
— Nicolas, o Gustavo, não lembra? Do trote, o cara que discutiu
contigo no ano passado, lembra? Aquele, do trote.
Agora me lembro. Gustavo é um cara mais imbecil que o Cachaça, o
cara que acha que a melhor forma de dar as boas-vindas para os calouros da
universidade é humilhando eles através do trote. No meu, ele não fez nada
comigo, mas fez com uma garota, a Ana Paula, que era a única mulher de
nossa turma.
Na hora que ele estava pintando os calouros, ele a mandou tirar a
blusa e ficar apenas de sutiã para ficar como todos os alunos homens, que,
assim como eu, estavam sem camisa. Ele falou que se ela não fizesse, ele
pegaria no pé dela pelo resto da faculdade até conseguir levá-la para cama.
Sentindo-me desconfortável pela garota, me meti e disse que aquilo era
humilhante demais, que a brincadeira poderia acontecer, mas não daquela
forma. Mas a garota riu de mim e tirou a blusa em seguida, ficando só de
sutiã. Gustavo me chamou de mariquinha para baixo, o que fez quase toda a
turma rir de mim. Apenas uma pessoa ou outra saíram em minha defesa,
como o João.
Depois desse episódio, Gustavo, sempre que me encontra pelos
corredores da UFSM, faz um comentário desagradável, mesmo que raras
vezes, já que estudamos em turnos diferentes.
— Fala para sua priminha tomar cuidado com o Gugão! — Eduardo
diz sem parar de rir. Depois, anda para longe de nós.
— Aí, pelo que eu fiquei sabendo, sua prima é meio danadinha —
João comenta quando Eduardo está distante. — O Denis falou que já deu
uma ensaboada nela.
— Quê?
— Ela e o Denis já tiveram um rolo.
— Como assim, o Denis?
— Ele que me falou na semana passada no bar que já foi para cama
com ela. Esqueceu que o Denis também é da sua cidade? Ele a conhece de
lá.
— Ah. — Abaixo meus olhos.
Sinto um pouco de raiva da Carina por toda essa repercussão acerca
de sua imagem. Ela precisa parar de ser assim. Não gosto mesmo de ouvir
essas coisas. Ela não tem que ser lembrada por ser gostosa e boa de cama,
danadinha como o João disse. Ela não é isso. Sei que é muito mais.
— Desculpa, Nicolas, mas a guria está meio mal falada por aqui. Na
verdade, só queria te alertar sobre isso. Sei lá. Esses caras são meio
malucos. Podem fazer alguma coisa com ela, não sei. — Ele dá de ombros e
volta a caminhar no corredor. Eu o acompanho, em silêncio. — E ela não é
tua prima, né? É filha da amiga da tua mãe.
João sabe disso porque comentei na semana passada que estava
morando com uma prima, mesmo que não fosse filha de tia. Ele não
comentou muito a respeito. Só disse que se fosse ele no meu lugar, mesmo
que levasse a mãe para morar junto dele, a namorada já não gostaria, só por
ser mulher.
— Deve ser difícil morar com uma gostosa. Guerreiro você. Te
admiro pra caramba. — Ele dá uma tapinha no meu ombro, me fazendo
abaixar a cabeça e assentir.
Como já estamos de frente para a porta da sala de aula, entramos e
sentamos em nossos respectivos lugares, que normalmente ficam na mesma
parede da porta, no meio da fileira. Eu sempre sento na cadeira de trás e ele
uma à frente da minha. Deposito minha mochila no chão e levanto o rosto,
dando de cara com Gustavo conversando com a professora em frente à
mesa dela.
— Pode sim, Gustavo — ela afirma no momento, apontando com o
rosto para onde estamos, me levando a entender que ele assistirá à aula
nessa turma.
— Valeu, professora gata! — Ele pisca para ela e anda a passos largos
em minha direção, segurando a alça de sua mochila. Ele arqueia as
sobrancelhas assim que me nota, abrindo um sorriso debochado junto. Para
de frente a mim e faz que não. — Oi, primo, vou assistir a aula hoje junto
com você. Passei a tarde inteira beijando a boca gostosa da sua prima
também gostosa. Precisei perder aula. — Ele dá de ombros. — Fazer o que.
Mas valeu a pena. — Ele coça o queixo e morde a boca.
Seu rosto e suas palavras me enojam e me irritam. Estou a um passo
de me levantar e acertar minha mão em sua cara. Por respeito à professora e
aos meus colegas de turma, não estragaria a aula iniciando uma briga.
Então, fecho os olhos e suspiro profundamente, forma que encontro de me
acalmar.
— Boa aula. — Ele vira as costas e anda até as últimas cadeiras, onde
o ouço parar e cumprimentar, com pancadas fortes de aperto de mãos, os
muitos amigos que tem em minha turma.
Gustavo lembra meu irmão Bernardo no passado, não na aparência,
mas no jeito de ser, de andar, agir, falar. É mulherengo, baladeiro,
descolado, faz piada de coisas que não são engraçadas e se acha, o que, de
certa forma, chama a atenção das garotas. No entanto, ele não leva nenhuma
delas a sério. Apenas as usa para depois jogá-las fora. É o que fará com
Carina em breve. Mas a loira não se importa. Gosta desse tipo de
tratamento.
Uma pena. Ela não merece isso. Merece carinho, respeito, amor.
Precisa conhecer o amor. Precisa conhecer o que é ser protegida e bem
tratada, e não receber esse tipo de tratamento que o Gustavo, por exemplo,
oferece. Como pode essas mulheres preferirem caras como ele? Não
entendo essas mulheres. Não entendo.
Quer dizer, entendo sim. Gustavo é um cara bonito para o senso
comum. É moreno, cabelos ondulados e pretos batendo no rosto, sorriso
aberto, alto, tem braços fortes, tatuados, sorriso de homem galinha. Sem
contar que tem muitas amigas mulheres, as quais ele abraça pela cintura,
beija o pescoço, certamente lhes emitindo arrepios. Elas gostam desse jogo
dele, jogo esse de caras galinhas, que muito via em meu irmão.
Segundo Bernardo, o segredo é trazer um calor imenso às mulheres
para em seguida, meses mais tarde, as espalharem em cacos. Ele diz que é
como se elas estivessem reagindo ao amor, que, assim como a droga, é um
vício. E pessoas com o coração partido têm as mesmas áreas do cérebro
ativadas do que quando a pessoa tem desejo por algo que está viciada.
Idiotice!
Gargalhadas vindas detrás de mim me despertam a atenção. Olho para
trás e vejo Gustavo rindo com Cachaça em sua rodinha de amigos. Há
também duas garotas, obviamente derretida pelos dois. Viro o rosto para o
quadro negro, apoiando meus cotovelos sobre a mesa. Bufo, segurando meu
rosto com as mãos.
Não sei o que Carina viu nele, nem o que as duas outras garotas veem
nele e também no Cachaça. Não entendo essas mulheres. Não entendo.
Capítulo 16
Era uma vez uma garota

Que muito jovem teve que aprender


Como crescer vivendo numa guerra que ela chamava de lar

I’M OKAY – CHRISTINA AGUILERA

Depois da faculdade, chegando em casa, passo pelo corredor e


percebo que Carina está em seu quarto, pois a porta está fechada. O medo
de barata deve ter passado. Uma pena. Até que sinto falta de encontrá-la
tomando banho de porta aberta, na minha cama dormindo ou no chão da
sala estudando.
Penso em bater na porta do quarto e lhe dar um oi. Dou duas batidas
na porta, e ela não me atende. Deve estar dormindo ou estudando. Dou meia
volta e vou para a sala, assistir TV. Não que eu tenha costume de fazer isso
quando chego, mas porque, no fundo, sinto esperança de ela aparecer, falar
comigo e me mostrar que não está magoada. Não a quero magoada comigo.
Não falei aquelas coisas para que ela ficasse assim. Fiz pelo bem da nossa
convivência. Mas pelo visto ela não entendeu dessa maneira.
Ligo a televisão e passo por alguns canais, procurando algo que
prenda minha atenção. Nada. Deixo-a falando sozinha, em um canal
qualquer que passa um filme de ação, mas nem sequer o Paul Walker
estrelando em Velozes e furiosos, mesmo que de forma computadorizada,
me deixa interessado.
Desvio a atenção da tela da televisão e me deito no sofá, colocando
minha cabeça sobre meus braços dobrados. Fecho meus olhos, sentindo-os
pesados, por causa do sono. Logo, a recordação de Carina comigo na manhã
de hoje, em meus braços, dormindo, passa por minha memória. Tão linda,
doce, seus olhos azuis por baixo de seus cílios, me encarando.
Suspiro, cansado, sentindo o sono me vencer.
Acordo no meio da noite. Levanto-me do sofá, sentindo meu pescoço
doer, devido à falta de conforto que me encontro. Levanto-me. Meus olhos
ainda estão apertados. Estou exausto, e ainda é madrugada de terça-feira.
Ando lentamente até meu quarto, lugar que, quando chego, me assusto,
fazendo minhas pupilas dilatarem.
A porta está aberta, por onde, mesmo no escuro, consigo ver a Carina
dormindo de bruços. Um sorriso abre em meus lábios, mesmo que
inconsciente. Dando-me conta da maldade que sinto, penso que não devo
entrar nesse quarto e dormir com ela mais uma noite. Não devo. Eu seria
capaz de cometer uma loucura. E essa loucura seria consentida.
Eu lhe avisei que estava ficando excitado por causa dela e que, por
isso, ela deveria dormir separada de mim, então por que está deitada em
minha cama e para variar com essa roupa de dormir erótica demais? É um
lingerie rendada preta com detalhes em vermelho em algumas partes, cores
do flamengo, seu time do coração. A calcinha é fio dental, com ligas até as
meias calças pretas que veste. No busto, veste um body nas mesmas cores e
também rendado.
Sempre soube que ela era assim: safada como meus amigos falavam,
oferecida, provocante. Comigo ela não seria diferente. E lá está ela,
dormindo na minha cama mais uma vez. Medo de barata? Não caio mais
nessa! Ela está é dando em cima de mim, como se eu fosse solteiro. E pior é
que eu, no fundo, estou gostando do jogo dela, estou gostando de sentir o
que estou sentindo e, se ela me der mole, eu certamente não recuarei.
Suspiro e decido entrar no quarto, não para dormir com ela, mas para
pegar minha roupa de dormir, já que estou decidido a dormir no sofá da
sala. Assim, em silêncio, pego uma roupa dentro do armário. Quando me
viro para o lado da cama, vejo que Carina está acordada olhando para mim.
— Acordada? — pergunto o óbvio, engolindo seco.
— Urun. Você não vai deitar?
— Carina. — Suspiro e depois passo minha mão por meus cabelos. —
Eu não posso dormir mais uma vez com você. Não é legal. Imagina se a
Alicia souber.
Ela então rapidamente se levanta da cama, e eu não consigo não olhar
para seu corpo perfeito.
— Vou dormir na sala então — ela diz, parando de frente para mim.
Continuo olhando fixo para seu corpo. Depois, subo meus olhos e
paro na sua boca. Noto que ela ofega por ela, semiaberta; e os olhos,
semicerrados, não desgrudam dos meus. E eu. Bem, eu... estou muito, muito
duro, mais excitado do que todas as outras vezes que eu a vi nua, ainda mais
com esse olhar provocativo dela. Meu coração bate mais forte do que
nunca, como se estivesse prestes a sair de minha boca.
— Nick. — A voz sexy dela chama por meu nome. Sua respiração é
tão intensa que seus seios sobem e descem, o que deixa o clima mais
sensual ainda. — Nick, eu...
— Eu — eu também tento falar um nada. — Eu... Carina... eu... estou
doido por você.
— Eu também. — Ela sorri de lado.
Aproximo-me dela e passo meu polegar por seu lábio. Ela fecha os
olhos, sentindo o prazer do meu toque.
— Nick... — ela murmura ainda de olhos fechados. — Por favor,
Nick. Fica comigo essa noite.
Não sei o que me dá. Só sei que, guiado por um impulso, puxo Carina
para os meus braços, colando seu corpo no meu, ao mesmo tempo em que
desesperadamente colo minha boca na dela, logo enfiando minha língua,
sentindo a quentura da sua.
Sem parar de me beijar e com muita pressa, ela tira minha camisa,
puxando-a pela minha cabeça, que ela joga em minha cama junto aos meus
óculos. Depois, ainda me beijando, ela sobe em meu colo, laçando as pernas
ao redor do meu quadril, fazendo seu sexo roçar no meu propositalmente,
me deixando muito mais maluco.
Eu a empurro de encontro com a parede gelada do meu quarto, ao
mesmo tempo em que agora beijo seu pescoço em desespero.
— Nick — ela geme. — Eu quero você. — Ela volta a grudar sua
boca na minha, iniciando um beijo quente, com chupões e mordidas, ao
mesmo tempo que ela esfrega seu sexo no meu, cheia de mãos, fogo, tesão e
gemidos.
— Também te quero. — Removo seu sutiã pela cabeça, enquanto ela
desce sua calcinha pelas pernas, me olhando e sorrindo de um jeito muito
provocante. Do jeito Carina.
Olho para seu corpo completamente nu em minha frente e lhe dou um
sorriso, aprovando-a, e ela me corresponde com outro. Abro o zíper de
minha bermuda e a desço por minhas pernas junto também de minha cueca,
evidenciando meu membro duro para ela, que sorri, mordendo o lábio
inferior.
Volto a beijá-la e grudo nossos corpos. Ela laça suas pernas em meu
quadril, fazendo nossos sexos se tocarem.
Enquanto nos beijamos, e ainda de pé e encostado na parede gelada
do quarto, eu encaixo meu membro duro na entrada apertada dela, que
geme e arranha minhas costas.
Assim, começo com movimentos de vai e vem bruscos, porém
silenciosos. Há apenas o som de nossos gemidos, enquanto ela divinamente
rebola desesperadamente para os lados, me dando mais prazer, se dando
mais prazer. Safada, muito safada. Agora eu posso dizer. E gostosa também.
Cheirosa, ousada. Encara-me fixo nos olhos enquanto rebola gostoso em
mim.
Carina geme, me fazendo perceber que chegou ao seu limite. Suas
pernas escorregam sobre a minha, e eu também gozo, apertando seu corpo
conta o meu, sentindo sua quentura misturada com a minha.
Ofego.
Não consigo acreditar.
Ofego outra vez.
— Gostosa. — Beijo seu pescoço e a solto de mim, para ver, melhor,
seu corpo nu para mim. Somente para mim. — Perfeita. Gostosa demais,
meu Deus!
Um som estranho ecoa pelo espaço. Abro os olhos e me dou conta que
estou deitado de bruços no sofá da minha sala, segurando meu membro,
agora mole e melado de gozo.
Sério isso?
Fecho os olhos, suspirando, e faço não com a cabeça.
Meu telefone ainda toca, me irritando. Quem ousa me ligar a essa
hora da noite? Olho pela janela da sala, que fica na direção do braço do
sofá, e noto que já é dia. Com um impulso, me levanto limpando minha
mão em minha bermuda. Que vergonha!
Tive um sonho erótico com a Carina, um sonho que mais parecia
realidade. Que desejo louco é esse que estou sentindo por ela? Faço que não
outra vez, e nesse exato momento o telefone volta a tocar.
Debruço-me sobre a mesa de centro da sala e o atendo.
— Alô.
— Bom dia, meu filho — minha mãe responde do outro lado da linha.
— Como você está?
— Oi, mãe. — Suspiro, passando minha mão limpa por meu rosto.
Que vergonha! Que vergonha!
Viro as costas e ando em direção ao corredor, para me esconder no
banheiro, antes que Carina acorde e me veja sujo de gozo.
— Bom dia, mãe. Estou bem. Aconteceu alguma coisa?
Agora, no banheiro, tranco a porta e ligo a torneira. Pressiono o
telefone contra meu ombro e lavo minhas mãos.
— Não, meu amor. Só para te lembrar que no próximo sábado é
aniversário da sua irmã. Não se esqueça. Faremos uma festa para a família
e os amigos mais próximos aqui em casa. Fico preocupada com a Alicia.
Ela nunca pode vir.
Sorrio, feliz pelo gesto da minha mãe com a nora, quem ela tanto
gosta.
— Vou ligar para ela, mãe. Obrigado por se preocupar.
— Será um prazer revê-la. E a Carina, como está? Se comportando?
Engulo seco, sentindo meu rosto queimar.
— Ah-ah.... sim. Ela-ela... bem, ela está bem. Tem sido muito bom ela
ficar aqui em casa. Sinto-me mais tranquilo por ela ter um lugar para ficar,
por não ter que fazer essa viagem cansativa todos os dias.
— Ah, que ótimo, Nicolas. Sua tia me disse que o pai não fala nada
sobre o apartamento. — Ela suspira, emitindo um chiado pelo telefone. —
Tampouco sobre a filha. Não pergunta se ela está bem, não liga para saber
da garota. É uma pena. O George decepcionou a todos nós. Não entendo.
Esses homens encontram essas mulheres vadias na rua e suas cabeças
mudam. Como pode, Nicolas?
— Não sei. Não faço ideia.
— É muito complicado. Tenho muito medo do seu pai fazer isso
comigo. De alguma mulher ou até mesmo uma garota lhe arrancar de mim.
Você sabe que seu pai é um galã. Dá de dez a zero no George, então devo
me preocupar.
Sorrio outra vez. Agora, achando a insegurança da minha mãe fofa.
Meu pai jamais faria uma coisa dessa.
— Relaxa, dona Anne. O pai só tem olhos para a senhora. — Desligo
a torneira e me encaro no espelho, cruzando meio-braço, já que o outro está
ocupado com o telefone. Acho-me parecido com meu pai, exceto pelos seus
cabelos grisalhos, da meia idade.
— Você está no banheiro? Ai, meu Deus! Estou te atrapalhando, meu
filho. Desculpa. Vou desligar. Mais tarde nos falamos melhor.
— Fica tranquila, dona Anne. Você nunca me atrapalha. Mas vou
desligar que ainda tenho que falar com a Alicia antes de sair. Te amo.
— Te amo. — Ela desliga, e eu também.
Fico encarando o telefone, pensando no que ela acabou de falar sobre
o George. Eu, assim como ele, sou comprometido e estou sentindo muitos
desejos por uma mulher que é vista como vadia pela maioria.
Eu seria capaz de trair Alicia, se fechasse os olhos para meus
sentimentos e colocasse em evidência minhas vontades? Porque toda vez
que fecho meus olhos e me lembro do corpo nu de Carina, de seu olhar
profundo, sua boca entreaberta, seu bumbum na calcinha fio dental... toda
vez que fecho meus olhos e lembro, é o desejo que sobressai. É ele quem
fica no topo, fervendo como um vulcão em erupção dentro de mim. Como
quero aquela loira! Como quero!
Outra vez o telefone toca.
Dessa vez, lembro de encarar a tela. Vejo que é Alicia.
Ontem à noite não me lembrei de ligar para ela. Deve estar
preocupada, achando que aconteceu alguma coisa comigo.
— Oi, amor — atendo.
— O que houve? Esperei você me ligar ontem. Fiquei preocupada.
— Acabei pegando no sono.
— Nunca mais faça isso, amor.
— Desculpa, Lice. Por que você não me ligou?
— Porque sempre você me liga. Fiquei mal-acostumada.
Giro meus olhos, me sentindo incomodado com sua justificativa, pois
ela me faz lembrar a submissão em Alicia. É tão mais simples fazer o que
sente vontade, e digo qualquer coisa. Não apenas fazer uma ligação. Mas
Alicia, como sempre, age de maneira passiva.
Encaro minha roupa de dormir, suja, e desço-a pelas pernas, jogando-
a de mau jeito, com os pés, em direção ao cesto de roupas sujas. Ando até o
box e ligo o chuveiro. Deixo o celular no viva-voz e caio debaixo d’água.
— Esquece isso — digo. — Na próxima você já sabe. Me liga que eu
acordo para falar com você.
— Está bom. E os planos para nosso final de semana? Temos que
levar a pentelha conosco. O Douglas vai fazer uma viagem para outra
cidade, com o grupo do futebol. Como ele é menor de idade e alguns papeis
precisam ser assinados, meu pai não pode deixar de ir. E eu, como sempre,
tenho que ficar com a Nicole. Quer dizer, nós. — Ela dá uma risada. E eu
rio de volta.
— É aniversário da Bia no sábado. Minha mãe dará uma festa para a
família e alguns amigos mais próximos na casa dela.
— Meu pai já cortou minha asa dizendo que não vou.
— Como? — Enrugo o cenho. O velho agora é telepata? Ou ela
estaria com o telefone em “viva voz” por exigência dele? — Você nem
perguntou a ele!
— Ele já avisou que colocou os amigos de olho em mim, para caso eu
traga você para dormir aqui ou não durma em casa. — Pelo tom de sua
voz, ela parece sentir muita raiva do pai, assim como eu sinto.
Às vezes sinto tanta vontade de afundar a cara de Carlos com um belo
soco para ver se ele acorda para a vida. Não é possível um homem ser desse
jeito. Quanta guarda com a filha mais velha! Alicia mal pode respirar. Não
vejo a hora de casarmos. Darei o troco. Será eu quem proibirá ela de ficar
ao lado dele.
— Mas você não tem que ir, né? Você pode abrir mão dessa vez.
— Como?
— Nicolas, eu vou ficar sozinha com a chata da Nicole. E ela já fez
planos com você. Já escolheu a porcaria do filme que veremos e tudo o
mais. Você não pode ir ao aniversário da sua irmã e me deixar sozinha
aturando uma criança que só pensa em desenhos chatos! Não pode!
Eu não acredito que ela está dizendo isso. Está dizendo que eu tenho
que ficar em Santa Maria não porque eu não estarei com ela, mas sim
porque ela precisa de mim para aturar Nicole. E aturar Nicole, como assim?
A garota é doce, engraçada. E é uma criança. Não se atura uma criança.
Estar perto de uma é sempre um gesto de amor. Se não fosse aniversário da
minha irmã ou de qualquer outro familiar meu, certamente eu ficaria só para
fazer a pequena feliz, mas não é o caso. Dessa vez infelizmente não posso
ficar.
— Eu não acredito que você está dizendo isso, Alicia. É aniversário
da minha irmã. E eu não visito a minha família desde o início do ano. Nos
vimos esse mês por causa do nosso noivado.
— E se você for no aniversário, nós ficaremos quinze dias sem nos
vermos! Quinze dias, Nicolas! — Sua voz está exaltada, o que eu estranho,
uma vez que ela nunca falou assim comigo. — A não ser que você volte
para cá no domingo de manhã, o que eu duvido muito!
— Só vir comigo!
— Eu não posso! — Ela funga, me levando a entender que chora.
Suspiro e desligo o chuveiro, pois me dou conta de que a água
derramava e que o banho irá demorar, já que uma briga (a primeira) acaba
de iniciar.
Não, briga não. Não precisamos disso, nunca precisamos, não será
agora que isso irá acontecer. Sempre nos respeitamos e encontramos,
através do diálogo, uma maneira de resolver nossos problemas. Então, dessa
vez, não faremos diferente.
Só estou um pouco estressado por causa dos meus sentimentos por
Carina e Alicia está sensível, estranhamente sensível. Ela não costuma
chorar por motivos bobos, como o de agora. O fato de seu pai colocar vigias
atrás dela não é motivo para ela chorar, pois outras vezes isso já aconteceu e
ela aceitou, como sempre aceita tudo. Se chora não é por esse motivo. É
porque algo está fora do lugar. E eu só saberei se tiver paciência e ouvi-la
dizer o que está acontecendo.
— Lice. — Suspiro profundamente. — Desculpa. Olha, estou
estressado.
— Eu que te peço desculpas por falar alto. E tudo bem, amor. Eu
entendo. Sua vida é corrida.
— Não é por isso. É a Carina. Ela está saindo com um cara que é um
babaca, o Gustavo da Engenharia Mecânica, lembra dele?
Ela fica muda.
— Alicia?
— Lembro. — Ela suspira profundamente, me levando a entender que
ainda chora. O gesto me traz um pouco de culpa.
Alicia tem os próprios problemas, enquanto eu fico falando da Carina
e pior: fico pensando nas curvas da loira. Tenho que dar mais atenção a
minha noiva. Ela precisa se abrir comigo e dizer o que há de errado. Mas eu
nunca preciso lhe perguntar. Antes de o choro alcançar sua garganta, ela
sempre me liga e diz o que tem de errado. Por que dessa vez não diz?
Preocupo-me.
— O que tem de errado com você, Lice? Você não é de chorar assim.
— Eu estou com raiva de você por me deixar sozinha! Estou com
raiva do meu pai por não me deixar respirar! Estou com raiva do Douglas
por ele poder fazer tudo, só se divertir jogando bola enquanto eu trabalho e
tenho que aturar a chata da Nicole, que é um grande peso em minha vida!
E principalmente: estou com raiva dessa vagabunda que você colocou na
sua casa! — Ela rosna quando pronuncia “vagabunda” ao passo que chora
descontroladamente.
Me incomodo. Sinto raiva dela por isso. Muita raiva, a ponto de
esquentar meu rosto e me fazer fechar o punho sobre o mármore da pia.
— Só isso, Nicolas!
— A Carina não é uma vagabunda! — disparo, firme. — Não
desconte seus problemas nela, até porque ela nem está aqui para se
defender! Você que te... — Não consigo finalizar minha fala, pois ela
desliga o telefone.
Tiro-o do meu ouvido e, boquiaberto, o encaro em minha mão.
Capítulo 17
Nem toda feiticeira é corcunda
Nem toda brasileira é bunda

Meu peito não é de silicone

Sou mais macho que muito homem

PAGU – RITA LEE E ZELIA DUNCAN

Depois da ligação de terça-feira de manhã, Alicia e eu nos falamos


normalmente durante a semana, pela noite, mas não falamos sobre seu surto
no telefone, assim como ela não me pediu desculpas por xingar Carina. Para
falar a verdade, estou esperando que ela dê o primeiro passo. Mas não ela
dá. Ela finge que nada aconteceu, assim como eu estou fingindo.
Reconheço que essa atitude não é saudável, pois quando uma mágoa
fica mal resolvida e guardada, uma hora retorna afetando a todos os
envolvidos. Por isso gosto do diálogo aberto, sincero. Não existe melhor
forma de resolver as pendências. Mas a minha pendência não tem como ser
resolvida, uma vez que envolve outra mulher, que, inclusive, minha noiva
questionou a estadia em minha casa. Minha pendência é Carina.
Durante a semana, não a vi em casa. Sempre que chegava da
faculdade, ela estava trancada em seu quarto. Pela manhã, saía antes mesmo
de eu acordar. Pensei em lhe mandar uma mensagem para saber como está.
Mas dei esse tempo para ela, assim como dei um tempo a Alicia.
Só que hoje, sábado, certamente nos esbarraríamos, já que será a festa
de aniversário da minha irmã e ela certamente foi convidada. Em casa ela
está, pois, a porta do quarto está trancada. Conferi quando acordei. Passei
por lá e dei duas batidas. Ela não me atendeu, então puxei a maçaneta.
Trancada. Tomei meu café sozinho, enquanto lia o jornal do dia. Depois,
lavei minha louça.
Por falar nisso, a loira tem lavado as suas depois da conversa que
tivemos, assim como acredito que ela tem se trocado de porta fechada, já
que é assim que ela sempre está. Também não encontrei calcinhas no
registro do banheiro, assim como não me excitei mais, tampouco tive outro
sonho erótico com ela. Só fico mesmo incomodado por imaginar que esteja
magoada comigo. Essa é a última coisa que desejo. Tanto tempo esperando
por uma aproximação e, quando consigo, a magoo.
Jogo meu lápis sobre a escrivaninha, bufando. Estudo, ou ao menos
tento estudar. Na semana seguinte, tenho minha primeira prova do semestre.
Quero me dar bem dessa vez. No último semestre, foi complicado conseguir
uma nota mediana em todas as matérias, já que, como trabalho, cuido
sozinho do meu apartamento e preciso dar atenção a minha noiva, não
posso me dedicar como gostaria. Sendo assim, fui para a prova final em
duas matérias, mas no final passei em ambas.
Nesse semestre, não quero saber de prova final. Quero passar nas
primeiras provas, para entrar de férias mais rápido. Tempo que usarei para
estudar a obra do apartamento e resolver coisas acerca do meu casamento,
como datas, buffet. Por isso, estou tentando resolver um cálculo infernal em
meu caderno desde a hora que me sentei nessa cadeira giratória, que
normalmente é confortável, só que hoje resolveu me contrariar. Sem contar
que não lembro a explicação da professora na última aula. Como sempre,
pensava em Carina.
Ouço o ruído da porta do banheiro e giro com minha cadeira para
trás. Carina passa, enrolada em uma toalha, pela porta do meu quarto, que
está aberta. Acaba de sair do banho, pois os cabelos estão enrolados em
outra toalha, como se estivessem molhados.
— Bom dia, flor do dia — lhe cumprimento, fazendo-a parar de
andar.
Ela gira o rosto para minha direção e sorri docemente.
— Boa tarde, né — ela responde, dando de ombros.
Ela tem o rosto meigo misturado com vergonha, talvez por estar de
toalha e eu ter lhe dito que me excitei por causa dela. Mas não me sinto
excitado no momento. Sinto-me tranquilo, por saber que “estamos de bem”,
uma vez que ela fala comigo sem aparentar mágoas.
— Cansei essa semana, viu — comenta.
E realmente, ela parece cansada. Suas olheiras voltaram com tudo.
— É assim mesmo — advirto. — Quando as provas começam, é uma
correria só! Entra aí.
— Estou de toalha.
— Coloca uma roupa então.
— Eu tenho que me arrumar correndo porque eu vou almoçar com
minha mãe em São Gabriel, em casa.
— Sério? — Me levanto da cadeira e vou até ela. Cruzo os braços,
encarando-a. — Também vou para São Gabriel hoje. Como é aniversário da
Bia, minha mãe preparou uma festinha para ela e o Bernardo vai para lá
com a Laura. A Bia não te chamou?
— Não. Do início do ano para cá, meio que perdemos o contato. Já
tem tanto tempo que não a vejo. — Ela morde a boca, olhando para o lado,
pensativa, de cabeça baixa. — E éramos tão amigas.
Minha irmã era sua melhor amiga até o ano passado, mas pelo visto
deixou de ser, já que não têm mais contato como antes. Vez ou outra quando
ia visitar meus pais, a Bia reclamava que a Carina estava estranha, que
estava a evitando. Mas como minha irmã sempre reclama de tudo, nunca
dei muita bola. Mas agora estranho o fato de as duas terem se afastado.
Eram mesmo grandes amigas, desde a infância. Mas é como a loira disse:
crescemos. Elas cresceram. A Carina aparentemente cresceu. Agora, é uma
mulher, não mais uma garota. Estuda, não vai mais a baladas. Mas pouco
importa. Posso ser o mediador desse afastamento entre as duas. Posso levá-
la ao aniversário da Beatriz comigo. Minha irmã ficaria feliz e a Carina
também.
— Acho que minha mãe chamou a sua mãe — aponto. — Mas, se ela
ainda não chamou, eu estou convidando vocês. Afinal, você e a Bia são
melhores amigas desde crianças.
— E eu estou com muitas saudades dela! Não a vejo desde o Natal...
ah, também quero muito matar a saudade da tia Anne e da Laura! Aliás, de
todo mundo!
— Então ótimo. Vai lá trocar de roupa que eu vou me adiantando
aqui. No caminho, passaremos no shopping para comprar alguma coisa para
a pirralha. — Franzo o nariz, e ela sorri. — Se eu chegar lá de mãos
abanando, certamente ouvirei muitas reclamações da Beatriz e você, melhor
amiga dela, vai me ajudar na escolha. Sei que tem bom gosto e que fará a
escolha perfeita.
— Obrigada, Nick. Vou adorar fazer compras com você. — Ela pisca
com um olho, sorrindo abertamente. Depois, vira as costas para sair do
quarto. Mas desiste e gira o corpo de volta para mim com o cenho
levemente franzido. — A Alicia não vai?
— Não. Ela precisa ficar com a irmã mais nova porque o irmão está
em uma excursão do futebol e não tem quem fique com a garota.
— Mas ela não pode levar a irmã?
— Não é por causa da irmã. É porque eu vou dormir lá e o pai dela
não a deixa dormir fora. Deve acabar tarde e quero matar a saudade da
minha família, ficar mais perto deles.
Durante a semana, em uma ligação, ainda insisti para que ela fosse.
Mas ela disse que conversou com o pai e ele, como sempre, não permitiu.
Como ela teria que dormir fora, longe do alcance de seus olhos, segundo
ele, muitas coisas poderiam acontecer. Boçal. Sinceramente, não aguento
mais.
— Que pena — Carina diz, e parece realmente sentida quanto a isso.
— Então vocês ficarão um final de semana separados?
— É. É a primeira vez. Na verdade, estamos meio que brigados. Eu
tive uma conversa com ela e eu. — Estalo a boca e olho para o lado.
Conversar com Carina poderia ser legal. Mas não sei se ela está interessada
em ouvir minhas lamentações acerca do meu relacionamento. Para ela, tudo
isso deve ser muito chato. — Deixa pra lá.
— Pode falar, Nicolas. Eu gosto de ouvir. E você pode confiar em
mim. — Ela sorri abertamente e, como um espelho, sorrio em resposta. Ela
cruza os braços sobre a frente do corpo e balança-os, ansiosa, esperando por
minha resposta. Acho-a tão meiga assim. Nossa, meu coração chega a
balançar.
Balanço a cabeça, desviando meu olhar dela e me concentro no que
antes dizia.
— Nem todo relacionamento é perfeito, Carina. E o nosso não é
diferente disso. Sabe, o pai dela. — Suspiro profundamente e passo a mão
por meu cabelo. — Ele piora tudo, complica tudo. Ele é o fato de a Alicia
ser como é. É muito complicado. Ele não a deixa viajar comigo, não a deixa
visitar minha família porque ela teria que dormir lá.
— Mas a Alicia já dormiu na casa dos seus pais, eu lembro. Um dia
antes da festa de noivado do Bernardo e da Laura, lembra?
— Foi sim — confirmo, recordativo.
Alicia dormiu na casa dos meus pais no dia em que meu irmão fez a
festa de comemoração de seu contrato com o Internacional. Ela iria embora
no mesmo dia. Mas como a festa seria no dia seguinte, ela bateu o pé e
disse ao pai ao telefone que iria ficar. Foi uma festa muito bonita e toda
família estava lá para ajudar. Minha noiva não quis ficar de fora.
Eu e senhor Carlos discutimos por causa disso.
Quando deixei Alicia em casa no dia seguinte, ele estava no portão
esperando, como sempre. Apontou o dedo em minha direção e me chamou
de sem vergonha. Disse que eu queria transar com sua filha e tirar sua
dignidade antes do casamento. Ele não é cristão, mas já foi. E, por isso,
ainda tem esse pensamento. Não tive paciência na hora. Eu e Alicia
estávamos bem, estávamos felizes e ele estragando tudo. Dei-lhe uma boa
resposta. Grosseira, mas boa. Disse que se ele estava criando a filha para
ele, que me avisasse. Eu procuraria uma delegacia e o denunciaria. Ele
rosnou me chamando de desgraçado e eu fui embora, com minha mão
coçando para acertar seu rosto. O pior foi que ele disse que a expulsaria de
casa se agisse outra vez assim. Eles brigaram e eu me senti tão culpado.
— Naquele dia ela dormiu, mas na verdade eu iria levá-la para casa
no mesmo dia — explico para ela. — Só que, como surgiu a ideia do pedido
do Bernardo, ela ficou tão animada para ficar e participar que, pela primeira
vez na vida dela, ela foi contra o pai, e dormiu fora. Mas eles brigaram
muito quando ela voltou e eu me senti culpado com isso.
— Que chato, Nick. Eu sinto muito.
— Sabe, às vezes eu penso em cancelar o casamento e trazê-la para
morar comigo. Mas gosto das coisas certas.
Ela abaixa os olhos, parecendo triste.
— O que foi? — pergunto, preocupado, dando dois passos à frente.
Toco seu rosto, fazendo-a me encarar.
— Nada. Só estou com um pouco de dor de cabeça. Mas você sempre
foi mesmo muito certinho. — Ela abafa uma risada, e eu solto seu rosto. —
Nunca te vi bêbado, nem com uma garota. A Alicia foi a primeira. Já seu
irmão estava sempre bêbado e com uma garota diferente. Ele casou com a
Laura. E foi tão fofo.
— É, foi sim.
— Mas acho tudo isso uma grande besteira, casamento, etc. Então,
traz a Alicia. Tem meu apoio. Mas aí eu vou ter que sair. — Ela dá uma
risadinha doce, o que faz seu rosto corar um pouco. — Enfim, acho melhor
a gente se ajeitar. Está ficando tarde. — Ela vira as costas, entrando em seu
quarto e batendo a porta em seguida.
E eu entro no meu, caindo em minha cama, bufando.
É um saco ter que aturar seu Carlos. Não aguento mais. Se continuar
desse jeito, precisarei apressar as coisas e trazer Alicia o quanto antes para
morar comigo, mesmo que essa não seja a coisa correta a se fazer. Ao
menos, teria ela comigo debaixo de meus braços e meus desejos por Carina
sumiriam. O problema é que a loira teria que sair da minha casa, e não sei
se estou preparado para isso.
— A Bia gosta de maquiagem, perfume, roupa, qualquer coisa que a
faça ficar mais bonita — Carina me explica, depois que entramos em uma
loja de joias, e ela rapidamente escolheu o presente da minha irmã. — Não
precisa escolher muito.
— Ela é chata, resmungona — zombo. — Não sei se ela vai gostar.
— Como diria minha avó, cavalo dado não se olha os dentes.
— A minha também diz isso, mas eu nunca concordei. Sabe por quê?
— Hum? — Ela põe uma mão na cintura e a outra ela coloca o
presente no balcão do caixa. É um par de brincos folheados a ouro 18k em
formato de cupcakes. Realmente, a cara da Bia.
— Penso o seguinte: não é porque você está dando algo para alguém
que tem que ser de qualquer jeito.
— Não é de qualquer jeito. Eu conheço a Bia. Sei que ela vai gostar
desse presente. — Ela aponta para o balcão, onde a vendedora nos olha,
com os olhos atentos, parecendo prestar atenção em nossa conversa,
enquanto embrulha o par de brincos em um papel de presente bastante
exagerado. — Olha para esses cupcakes! São uma gracinha! A Bia vai
adorar! Eu fiz uma boa escolha. Só fui rápida.
Pois é. Diferente de Alicia, que me fez ficar duas horas no shopping
em busca de algo perfeito para sua tia, Carina não demorou mais do que
cinco minutos para fazer uma ótima escolha.
— Hum. Então, você é decidida?
— Acho que sou.
— E se fosse um presente para sua tia distante, quanto tempo te
custaria para comprar?
Ela faz um biquinho, parecendo pensar. Depois, abre a boca e diz:
— Meia hora.
— A Alicia demorou duas.
— Uau. Se a tia é distante, isso significa que eu não a conheço bem,
não conheço seus gostos. Logo, não tem por que perder muito tempo
tentando adivinhar do que ela vai gostar. Então, levo alguma coisa que uma
pessoa com o perfil dela goste.
— É bem prático.
Sorrio, admirado com minha loira. Gosto desse seu jeito decidido e
bem resolvido. Ele mexe comigo mais ainda.
Carina dá de ombros e pega o presente das mãos da vendedora, que
nos agradece pela compra e nos deseja um ótimo final de tarde.
— Agora — Carina diz. —, me ajude com a escolha do meu vestido.
— Como?
— Eu vou comprar um vestido para a festa da Bia. — Ela para no
meio do pátio do shopping, cruzando os braços.
— Não precisa. Vai ser na casa dos meus pais.
— Claro que precisa. Eu quero ficar bonita.
— Mas você já é bonita.
— Nicolas. — Ela toca meu ombro, dando duas batidinhas nele. —
Agradeço o elogio, mas eu preciso disso. Preciso muito.
Abro mais um sorriso. Como essa garota é vaidosa! Está aí mais uma
coisa para a lista de coisas que admiro nela.
— Você é muito vaidosa, Cá.
— Sou sim. E já que agora você é meu amigo, você precisa lidar com
isso e me acompanhar nas minhas compras. Aliás, você me deve uma. Te
poupei da grande dificuldade que foi comprar o presente da Bia. — Ela
sorri, até que se distrai com algo atrás de mim, levando seu sorriso para lá.
— Ali está ele!
— Quem? — Me viro, procurando a pessoa a qual ela se refere.
— O vestido. Ali, naquela vitrine. — Ela aponta.
Uau.
O vestido realmente é lindo. Preto, no meio da coxa do manequim e
com um decote circular. Se no manequim ficou assim, imagina nas curvas
da Cá.
— Vamos lá! — Ela me puxa pelo braço em direção à loja.
E eu... acho que gosto. Gosto de passar esse momento com ela além
do meu apartamento, conhecendo outro lado seu, seus costumes, suas
vontades.
Capítulo 18
Vamos, vamos, vamos!

Empurre-o para longe


Não, não, não!

Não o deixe ficar...


PUSH – THE CURE

Minha família é do tipo italiana, apesar de não ter nenhuma ligação


com a Itália, pois, até onde eu sei, ela originou-se no Brasil. Digo isso
porque a cozinha é o nosso habitat natural e, por mais que tenhamos uma
cozinheira que faça pratos excelentes, eu, meu pai e minha mãe adoramos
estar nela, não só para comer, mas também para cozinhar.
Macarrão, nhoque, lasanha são bem comuns aqui. Beliscões, puxões
de orelha e "carinhosos" apertões na bochecha também são comuns. As
conversas são sempre muito altas e, quando tem alguma festa, soma-se o
barulho das conversas paralelas com o barulho da música da festa. Meu pai
sempre tem uma garrafa de vinho preciosa para abrir nos momentos
especiais.
E aqui estou eu no meio dessa minha família barulhenta e agitada, que
nada tem a ver comigo.
Meu pai tem um pouco de mim. Ele é mais quieto, sério e não é um
cara brincalhão. Laura, minha irmã mais velha, também é assim, mas a
Laura é mais bobinha, acredita em tudo que falam para ela e é muito
sensível, talvez por ser mulher. Agora a Beatriz, o Bernardo e a minha mãe
são tão falantes e agitados.
A Beatriz fala muito palavrão, gesticula, reclama muito e é muito
marrenta. Já o Bernardo se acha o máximo, faz piadas que nem sempre eu
acho graça e se acha o último biscoito do pacote, mas ele é meio lerdo às
vezes e demora para entender certas coisas, isso quando não entende errado.
Ele é até engraçado por isso. Já a minha mãe é um doce, simpática,
inteligente, mas falante, muito falante. E, quando se está numa festa de uma
família estilo italiana, não se deve exigir muito silêncio.
— Dezessete anos não se faz todo ano! — Bernardo diz assim que
chega acompanhado de Laura e abraça Beatriz, lhe desejando feliz
aniversário. — Parabéns, pirralha!
— Muito obrigada, Bernardo — ela responde, fingindo desdém e
abraça a Laura. — Ah, irmã, que saudade!
— Ela só sente falta da Laura, por quê? — Bernardo fala para mim e
me cumprimenta com um aperto de mão barulhento.
Lembro-me das pancadas que Gustavo trocou com os amigos e penso
se não é esse um dos gestos que chama a atenção das garotas.
— E aí?
— Minha mãe me disse que você está dividindo um apartamento com
a Carina. Que história é essa, cara?
— Ah, é. Ela está procurando uma república e, enquanto não encontra
uma, está lá em casa.
— E a Alicia?
— Ela não veio.
— Não. Isso eu já sei. Ela não está escondida atrás de você. — Ele me
balança de um lado para o outro, como se procurasse algo em minhas
costas, e depois gargalha sozinho. Mas o sorriso some quando percebe que
eu não achei graça. — Eu quero dizer, e a Alicia, o que está achando de
você morar com uma gostosa?
— Eu agradeço se você respeitá-la — esclareço, lhe encarando sério.
— Aliás, respeitá-las. Não me agrada muito você se referir à Carina como
uma gostosa se você está casado com minha irmã.
Tudo bem que não é a primeira pessoa que me diz que estou morando
com uma gostosa, até porque é isso que Carina é, mas algo em mim dói ao
ouvir as pessoas se referirem a ela apenas como "gostosa". Sei que ela é
mais do que isso.
— Só foi uma brincadeira. Relaxa. Está nervoso? A Alicia ainda não
te deu o presentinho? — Ele bate de leve no meu peito, sorrindo, bobão.
Também não acho graça na brincadeira. Continuo sério, e o sorriso do
meu irmão some do seu rosto outra vez. Ele nota.
— Desculpa — pede.
Laura vem até mim, me cumprimentando rápido com um abraço.
— Está um gatinho, hein, maninho. — Ela dá duas tapinhas no meu
peito. — Adorei essa camisa gola V. Caiu muito bem em você.
— Claro. Foi eu quem dei para ele no Natal. Tenho bom gosto,
amorzinho — Bernardo diz, com um sorriso orgulhoso estampado no rosto,
fazendo Laura girar os olhos em sinal de desprezo. Esses dois não mudam.
— Laura! — Carina chega, fazendo a maioria dos rostos virarem-se
para ela.
Ela abraça Laura, enquanto Bernardo e eu prestamos atenção no
gesto. Ou nas curvas da loira, que estão bastante evidentes devido ao
vestido colado que usa. Ela escolheu o bendito vestido preto. Mas diferente
do eu esperava, ela não o experimentou. Entrou na loja e pediu para a
vendedora o empacotar. Depois, lanchamos, pegamos a estrada e eu a deixei
em casa.
Não a tinha visto dentro dele ainda. Sinceramente, não imaginei que
ele cairia tão bem assim nela. O vestido marca todo seu corpo e, com a
ajuda de um salto alto, suas pernas ficam bastante sensuais e seu bumbum
empinado, onde seus cabelos, cacheados na ponta, quase batem.
Olhando para seu rosto, vejo o batom vermelho em sua boca e em
seus olhos o que ela chamou de olho gatinho. Não está vulgar. Está sexy e
linda.
Carina é muito vaidosa. Gosto muito disso. Adoraria que Alicia se
importasse mais com sua aparência. Não que minha noiva seja feia e se
vista mal, porque isso de fato não é verdade, mas ela não é provocante
como Carina, não mostra sensualidade como a loira, não faz os homens
babarem.
— Você está babando, cara — Bernardo cochicha para mim, me
fazendo desviar os olhos da loira e encará-lo.
— Eu? Ham. Não. E-eu...
— Confessa que está sendo difícil.
— Não. É coisa da sua cabeça. Eu só estava olhando as...
— Pernas dela?
— Não.
Ele sorri, dando duas tapas nas minhas costas e sai de perto de mim,
até que é parado por um conhecido que encontra no caminho, enquanto eu
fico parado na porta de entrada da casa olhando para um nada, pensando no
flagra de agora.
Está tão óbvio assim que eu estou babando pela Carina? Mas quem
não baba? Olha ela. Olha essas pernas. Esse sorriso maroto, saliente, por
trás desse batom vermelho. E esse olhar mais marcante ainda com essa
maquiagem preta evidenciando sua íris azul. Seu cabelo bem escovado,
caindo em cachos nas pontas. Sem falar no seu corpo cheio de curvas, que
mais parece um violoncelo, marcado por esse maldito vestido preto colado
e curto, terminando dois palmos acima de seu joelho. Ela é toda linda da
cabeça aos pés. Impecável, sem nenhum erro. Realmente uma pintura.
— Bernardo está chamando a gente na cozinha — Beatriz avisa
quando passa por mim, me fazendo acordar de meu transe.
Faço não com a cabeça e ando atrás dela, passando por Carina. Ouço-
a gargalhar quando passo, o que me emite calafrios. Olho para ela de
soslaio, e ela acena com a mão abrindo um sorriso.
Pego o corredor e entro na cozinha, encontrando meus pais, a Laura e
o Bernardo. O cômodo é quase todo cercado por armário de parede.
Equipada com geladeira, fogão embutido, micro-ondas, tudo da melhor
qualidade, cinza e charmoso. Obra de dona Anne. Tem tanta vaidade com a
casa assim como tem consigo mesma. E aqui está minha mãe, me
abraçando de lado e acarinhando meu ombro. Tão adorável. Sempre
sorrindo, feliz pela família que construiu com o homem que ama. Como a
admiro, assim como muito admiro meu pai.
— Então, estamos todos aqui, né — Bernardo fala e pausa, dando um
pigarro. Ele está nervoso, pois treme, mesmo que suas mãos estejam em
seus bolsos. — Eu pedi para reunir todos porque eu e a Laura temos uma
novidade. — Ele tira uma mão do bolso para abraçar a Laura de lado.
Aperta seu ombro e lhe dá um beijo estalado na bochecha. — É que nós...
Bem, nós... Nós. — Ela coça a testa, inseguro. — Fala você, amor.
— Estamos grávidos! — ela fala com seu jeitinho tímido, relaxando
os ombros.
Um grito preenche a cozinha, o mesmo grito que juntos soltamos
quando o Internacional faz um gol no final de campeonato. Todos
participaram do coro, felizes. E se gritamos é porque, afinal, é o primeiro
sobrinho meu e da Bia, a primeira criança da terceira geração e o primeiro
neto da minha mãe e do meu pai.
Depois que o grito cessa, Beatriz fica pulando e gritando "Eu vou ser
tia! Eu vou ser tia! Nem acredito!" ao mesmo tempo em que abraça o
Bernardo; minha mãe vai até a Laura e a abraça tão forte que parece que
minha irmã vai se quebrar em duas; já meu pai fica paralisado, assim como
eu, assistindo aquela farra em volta dos dois.
Quando os abraços e gritos terminam, eu cumprimento meu irmão,
devolvendo os dois tapas em suas costas. Depois, dou um beijo na testa da
minha irmã em um gesto de carinho e um abraço, de lado, apertado.
Quando a solto, Bernardo a laça pela cintura e ela se derrete toda em seus
braços. Os olhos dela brilham de amor. Quanto amor vejo nos dois. Assim
como meus pais, tão admiráveis. Motivadores.
— Estou com dois meses — Laura fala, limpando lágrimas que se
formam no canto de seus olhos.
— E o mestrado? — meu pai pergunta, cruzando os braços sobre o
peito e com uma expressão séria no rosto, fazendo toda a alegria da cozinha
se esvair.
Alguém não curtiu a gravidez. Alguém está chateado com a
interrupção do mestrado da filha. No quesito ciúmes, não sei se vence meu
pai ou seu Carlos. Sei que eu que não quero ser assim. Meus filhos serão
livres. Quer dizer, se for menina, não penso em soltar muito.
— Pai! — Laura o repreende. — Eu consigo conciliar e terminar.
— Tudo bem, minha filha. É que. — Ele olha para nós quatro, um de
cada vez (eu, Bia, Laura e Bernardo), descruza os braços e baixa a guarda,
suspirando. — Vocês cresceram tão rápido. Parece que foi ontem que você
tinha cinco anos e veio me visitar no Natal. O Nick chorão, o Bê briguento.
A Bia, nem sonhávamos que viria. E, hoje, agora, recebo a notícia de que
vou ser avô. — Seus olhos brilham. Ele está quase chorando.
Faço que não, sem acreditar.
— E, poxa, minha filha, vou ser avô de um filho seu com o Bernardo!
— Pai! — Laura bate o pé, lhe repreendendo.
No início, meu pai não aprovou o namoro dos dois. Mas depois muito
rapidamente veio o casamento. Agora, um neto de sua filha mais velha com
seu enteado. E aqui está ele dando mais um ataque de ciúmes.
— Daniel! — minha mãe resmunga, colocando as mãos sobre a
cintura.
— Eu não poderia estar mais feliz, minha filha! — Ele abre um
sorriso, assim como os braços para Laura, fazendo todos rirem de sua
brincadeira.
Minha irmã o abraça e ele beija o topo de sua cabeça. Minha mãe
solta uma lufada de ar pela boca, parecendo aliviada.
— Eu, hein! Que brincadeira boba! — ela resmunga, abraçando
também o filho mais velho, que lhe dá um beijo estalado no topo de sua
cabeça.
— Te amo muito, minha filha — meu pai diz a Laura, segurando seu
rosto. — Que venha com saúde, que traga mais alegria a essa família, que
seja tão bom ou boa quanto você é para mim.
Olho para o lado e vejo Bia girar os olhos de tédio.
— Esperem aí, é isso mesmo que eu escutei? — Carina diz ao entrar
na cozinha acompanhada de sua mãe e de um sorriso aberto no rosto. —
Vou ter um sobrinho?
Laura faz que sim com um sorriso de orelha a orelha, ainda dentro dos
braços do meu pai. Carina bate palmas e meu pai solta a filha. As duas se
abraçam apertado, dando pulinhos no meio da cozinha. Quando as duas se
desgrudam, a loira levanta a blusa da minha irmã e faz um carinho em sua
barriga.
Um pouco mais distante de mim, saindo da cozinha, minha mãe, tia
Lucy e meu pai já trocaram de assunto. Agora, falam algo sobre a Bia, que
se gaba ao ouvir os elogios sobre suas novas fotos para a agência de
modelos em que trabalha. Minha irmã caçula é linda. Por sorte, herdou
todas as coisas boas, na aparência, de nossos pais. Ela agora está se
tornando uma mulher, e isso me preocupa.
— É. E tipo teve um dia que uma barata enorme apareceu no meu
quarto e o Nick matou. Mas, como você sabe, tenho fobia de barata. Daí
precisei dormir com ele algumas noites. — Ouço Carina falando de mim
para Laura ao mesmo tempo em que me encara com um sorriso aberto.
Além de mim, Bernardo parece também ter escutado, pois me encara
boquiaberto.
— Vocês. — Ele deixa a boca em um “o”, surpreso. Já Laura franze o
cenho e olha para mim e depois para Carina. — Vocês dormiram na mesma
cama. — Ele me olha como se me pedisse explicação.
Fico calado, afinal o que eu posso dizer?
— Então, meninas. — Bernardo se vira para as duas, tocando em seus
ombros. — Eu queria conversar com o Nicolas. Tenho uma dúvida para
tirar com ele sobre... ahh... sobre...
— Matemática, amor, lembra? Matemática! — Laura completa e puxa
Carina pelo braço, saindo da cozinha. — Eu também preciso conversar com
a Carina sobre... hum... moda?
Carina franze o cenho, mas Laura não explica muita coisa. Apenas
puxa a loira pelo braço, tirando-a da cozinha e deixando eu e Bernardo
sozinhos, já que os outros também já não estão mais aqui.
— Me explica isso — ele pede, cruzando os braços e parando de
frente para mim.
— Ela tem medo de barata — desconverso.
— Isso eu já sei. Me explica a parte que vocês dormiram na mesma
cama. Vocês transaram?
— Não!
— Como que vocês não transaram? Estamos falando da Carina, cara.
Se ela dorme na cama de um cara, é para transar com ele. E você dividiu a
cama com ela e, Nicolas, você sempre caiu de amores por ela!
— Isso não é verdade!
Meu irmão, desde criança, cisma que eu tenho uma queda pela
Carina. Se bem que eu sempre achei que ele tinha uma queda pela Laura, e
deu no que deu.
— Mas você sentiu vontade de transar com ela? — ele insiste. — Fala
para mim. Eu sei que sentiu.
Bernardo, além de meu irmão, é meu amigo e eu converso muito com
ele quando nos encontramos, então ele sabe que eu e a Alicia ainda não
temos uma vida sexual e sabe que eu sinto muita falta de sexo porque eu
sempre me queixo.
— Eu sonhei com isso — confesso.
— Você sonhou que transava com a Carina?
— Muito gostoso. E ela era tão safada. Acordei... hum... todo sujo e
com muita vontade de foder bem gostoso com ela.
Ele dá um risinho irônico, e eu suspiro. Precisava compartilhar isso
com alguém. Esconder esse desejo, sozinho, está sendo muito difícil. Talvez
agora a tensão melhore. Isso se o Bernardo ajudar porque, por enquanto, ele
só ri, zombando da minha cara. Conselho que é bom nada. Bobão. Nem
parece irmão mais velho.
Acabo por soltar um sorriso de lado também.
— Eu a vi algumas vezes pelada, e ela é fantástica — acabo
assumindo também.
— O quê?
— É. Ela é meio distraída. Deixa a porta aberta quando toma banho,
quando troca de roupa. Eu fiquei doido de tesão por ela, Bernardo. Mas
agora já passou. Depois que. — Desvio meu olhar do dele e encaro o chão.
— Que eu sonhei com ela e gozei, parece que a vontade passou.
— Nicolas, isso é muito sério. — Ele segura em meu ombro, me
fazendo levantar o rosto e encará-lo. — Tá, eu sei que eu não sou o cara
mais certo do mundo, quer dizer, eu não era, porque depois que eu e a Laura
ficamos juntos, eu não quis mais ninguém porque eu a amo, porque ela é o
suficiente. Só que, assim, quando eu e a Laura ainda não transávamos, eu
não sentia desejos por outra mulher, somente por ela. E eu esperei o
momento dela, esperei ela se sentir pronta. E. — Ele suspira e olha para os
lados, vendo se não há alguém próximo. Temo o que ele está para revelar.
— A primeira vez que eu me vi pensando em uma garota que não foi ela, eu
senti nojo de mim. Tudo bem que não era minha vizinha ou uma prima
distante. Era a Angelina Jolie, mas eu senti nojo. Muito nojo.
— Eu também tive nojo de mim, Bernardo. Pensar na Carina, ver suas
curvas e me imaginar provando delas é uma tentação, algo que parece que
preciso fazer para me satisfazer, mas eu me sinto sujo, me sinto errando
com Alicia. Eu não me orgulho. Estou com tanto medo. Estou com tanto
medo de trai-la. E se eu fizer isso? E se eu trair minha Alicia, o que vai ser
da gente? Como vou viver com isso o resto da minha vida?
— Amor, quero comer sorvete — Laura nos interrompe, fazendo
biquinho. Olha para mim, notando que me cortou. — Desculpa, Nicolas.
Sou uma gravidazinha gulosa.
— Tudo bem. — Encaro Bernardo. — Arrume o sorvete para sua
esposa. — Dou um beijo no topo da cabeça da minha irmã e viro as costas
para me retirar.
Mas Laura me chama, me fazendo virar para ela:
— Eu estava conversando com a Carina sobre moda, sabe? — ela diz.
— E aí chegou um amigo dela. Ela pediu para eu entrar, mas ela me pareceu
tão estranha. — Ela franze o cenho. — Está tudo bem com ela?
— Amigo?
— É, acho que é o Leonel. Amigo do Bê. Ele está lá fora com ela, no
portão. Mas ela está muito estranha.
Franzo o cenho e viro as costas, saindo da sala em seguida. Não sei o
que passa entre Carina e Leonel, mas sei que meu coração se comprime, me
dando o sinal de que algo não está certo. Afinal, Leonel é um cara
baladeiro, mulherengo, descolado. Frequentava minha casa anos antes de se
envolver com drogas e se viciar, já que era amigo do meu irmão. Depois
disso, se afastou.
Bernardo, com o coração grande que sempre teve, acredita que um dia
ele venha a melhorar. Já eu, nunca me senti confortável perto dele. Acho-o
confuso, bruto, estranho. Soube que namorou uma garota anos atrás. Ela
sempre aparecia machucada, o que me fez levantar suspeitas. Não a
conheci, mas soube que, mesmo que ela nunca tenha afirmado, apanhava
dele. Era uma menina viciada que ele mantinha em sua casa. Não entendo.
Por que ela nunca o denunciou?
Abro o portão da casa dos meus pais, vendo-o segurando Carina pelo
braço, enquanto ela tenta se desvencilhar dele, mas não consegue. Ele é
muito mais forte do que ela para ela poder competir.
— Está tudo bem? — pergunto ao chegar por trás dele.
Leonel solta o braço de Carina e se vira para mim, sorrindo de lado,
com deboche. Ela anda até mim, ficando atrás das minhas costas, como que
para se proteger.
— Vamos embora daqui, Nick — ela murmura, entrando em meus
braços.
— O que você quer com a Carina, Leonel? — Aperto meus olhos em
direção a ele enquanto giro meu corpo de modo que ela fique ao meu lado,
mas ainda abraçada a mim.
— Nada. Só quero dar uns beijinhos na Cá. Me deliciar mais uma vez.
Fala para ele o que eu fiz com você. Aliás, diz o que nós fizemos bem
gostosinho juntos. — Ele olha para Carina e solta um riso debochado. —
Fala para ele que você gosta de apanhar, de ser maltratada. Para ele, você
pode falar. Eu sei que ele é seu melhor amigo agora, seu melhor confidente.
Dele você não precisa esconder nada.
Enrugo o cenho e olho para uma Carina assustada debaixo dos meus
braços.
Demorei para assimilar, mas agora entendo. Foi Leonel quem esteve
com Carina na noite em que a encontrei assustada e machucada. Assim
como fazia com a namorada, ele fez com ela. Transou com ela e depois lhe
bateu.
Como pode fazer isso com ela? Por que fez isso com ela?
Apesar de já ter quase um ano, lembro-me daquela noite como se
fosse ontem. Lembro-me de levar um susto, achando que algum infeliz
tivesse abusado dela, até que ela disse que o cara com quem ela saiu da
boate havia lhe jogado para fora do carro, após transarem. Era Leonel. Foi
ele que fez isso com ela. Esse miserável maltratou a minha loira, tratou-a
como um lixo, a magoou, a fez chorar. Esse maldito partiu o coração dela!
Um ódio me preenche o coração ao mesmo tempo em que minha
visão fica turva, não me permitindo enxergar mais nada. Só sinto meu corpo
se movendo em direção ao infeliz. Minha mão alcançando dois socos em
seu rosto. Ele reage e vem para cima de mim, me empurrando contra o
chão. Dou uma leve tropeçada, mas me levanto, me erguendo e o
enfrentando.
Carina diz algo que não entendo. Só percebo o sangue escorrendo na
boca dele, que tem nela o sorriso debochado estampado.
Avanço para cima dele outra vez, o derrubando no chão e socando seu
rosto várias vezes seguidas. Ele mal reage. Parece frágil por estar drogado.
Mas pouco importa. Ele machucou a Cá. Ele machucou a Cá! Não deveria
ter machucado a minha Cá!
Dou um último soco em seu rosto, me dando conta de que ele parece
quase inconsciente. Mas ainda tem o sorriso debochado no rosto, como se
assim como gosta de bater, gostasse de apanhar. Infeliz! Levanto-me do
chão e chuto sua costela. Ele reage, se contorcendo.
— Chega, Nick! — Ouço Carina berrar com a voz embargada,
enquanto mãos me puxam pelos ombros. Empurro, seja lá quem for.
— Calma, Nicolas! — É Bernardo quem me segura pelos braços.
Meu irmão me aperta com tanta força, a ponto de me fazer girar com o
corpo para ele. — Você está maluco? O que você está fazendo?
Me solto dele, passando meu antebraço por minha boca, secando o
sangue que ali se forma. Com uma expressão de espanto no rosto, Bernardo
me solta e se agacha no chão, tentando levantar Leonel. Mas o infeliz está
com o corpo mole e a cabeça tombando para trás. Mas a risada debochada
ainda está perfeita em seu rosto.
Meu irmão pega seu celular no bolso e disca para algum número:
— Por favor, uma ambulância na rua...
Fecho meus olhos, retornando a consciência.
Pela primeira vez na minha vida briguei com alguém a ponto de ver a
pessoa sangrar. Quando criança, raras vezes, discutia com meu irmão. Na
verdade, ele sempre foi metido a engraçado. Achava que colocar uma
aranha dentro do quarto de um alérgico era uma maneira de se divertir.
Quando minha alergia passava, eu não precisava dar o troco, pois meus pais
faziam isso por mim.
Mas, como a mágoa ficava, em algum momento, encontrava uma
maneira de empurrá-lo, agredi-lo, mesmo que não fosse da minha índole
machucar as pessoas. No entanto, mesmo que saíssemos nos tapas, eu
nunca machuquei alguém. E ver alguém sangrar devido a pancadas minhas,
me apavora. De onde tirei tanta força?
Abro meus olhos e vejo minha força. Vejo de onde tirei forças para
dar o troco nesse cretino. E ainda foi pouco. Deveria ter destruído suas
mãos para ele nunca mais encostar um dedo nela.
Carina, abraçada à Laura, não chora. Está com os olhos arregalados,
olhando para mim, depois para Leonel no chão. Ela faz que não com a
cabeça, perplexa. Talvez um pouco culpada por achar que a culpa é dela.
Que outra vez a culpa é dela. Mas não é. Preciso dizer isso a ela. A culpa
não é dela.
— Entrem — Bernardo exige, me fazendo virar para ele. — As
pessoas podem notar o movimento e vir saber o que aconteceu. Não quero
estragar a festa da Bia, nem que você se complique, Nicolas. Entre, troque
de roupa. Você está sujo de sangue. Quando a ambulância chegar, direi que
o achei desacordado na rua.
— Vai, Nicolas — Laura pede. — Faz o que o Bê está pedindo. Eu
vou levar a Carina para a cozinha, para tomar uma água. Ela precisa se
acalmar. — Ela vira as costas e passa pelo portão abraçada à Carina.
Depois, passa pela porta dos fundos para entrar na casa.
Olho para Bernardo, e ele desvia os olhos dos meus, voltando com
sua atenção para o amigo desmaiado e sangrando no chão. Viro as costas e
atravesso o portão de entrada mais discretamente possível.
Passando pela cozinha, vejo Laura passar um copo d’água para
Carina. A loira não me olha, assim como não encara minha irmã, pois está
olhando um nada no chão, pensativa. Alcanço o corredor para pegar as
escadas, passando de cabeça baixa por poucos convidados. Por sorte, não
cruzo com meus pais nem com a Bia. Certamente, fariam muitas perguntas.
Eu não saberia mentir. Não sei mentir. Mentiria mal e eles perceberiam.
Estragaria a festa da minha irmã.
Capítulo 19
Ele fica do lado de dentro para olhar pra ela
A boca penetrante

A boca que sabe

O seu segredo

Sempre você
Um sorriso para esconder o medo pra longe

PUSH – THE CURE

Abro a porta do meu quarto e seguro minha cabeça com as duas mãos.
Penso em toda situação. Leonel bateu em Carina. Ele transou com ela e a
jogou fora, a chutou como ela disse. Mas e se não foi só isso? Se ele abusou
dela e ela estiver escondendo isso? Não. Se ele a tivesse forçado a fazer
sexo com ele, ela não seria mais a mesma. Não moraria comigo. Não ficaria
nua de porta aberta no banheiro. Seria outra.
Já ouvi relatos de mulheres que sofrem abuso sexual, já li matérias
falando sobre o comportamento das mesmas. Elas se esquivam. Se
escondem dos homens, evitam relações sexuais e sexo. Carina não parou
com nada. Ela fica com outros caras. Fica com o Gustavo, que, pela fama
que tem, jamais aceitaria só beijos na boca.
Mesmo que menos do que na adolescência, Carina ainda sorri
livremente, bebe, sai para dançar. Só está assustada com tudo isso. Apanhou
e não pode lutar contra ele por ser frágil. Deveria ter denunciado. Ter feito
corpo de delito. Essas coisas não podem passar batidas. É preciso seguir em
frente, levantar o peito e ir contra o agressor.
A porta do quarto raspa. Levanto o rosto e vejo que é Bernardo.
— Esse cara precisa ficar longe da Bia, Bernardo! — rosno, enquanto
ele caminha até a cama e se senta. Ele tem o cenho levemente franzido e
uma expressão de tristeza no rosto. — Ele bateu na Carina na volta de uma
festa. Ele parou o carro em uma estrada, transou com ela e depois a chutou
na costela! — Olho firme para ele.
Ele abaixa a cabeça e faz que não, parecendo inconformado.
— Eu queria ter acabado com ele. Ter estourado a cara dele!
— Ele é só um viciado, Nicolas.
— Ele bateu na Carina! Você não ouviu o que eu disse? — Aumento
o tom. — Um homem batendo em uma mulher! Um homem com a força
dele batendo numa garota como a Carina! Imagina se fosse a Bia no lugar
dela! Ela já andou de carro com o Leonel que eu sei. E se fosse ela?
— Como que eu poderia imaginar uma coisa dessa? Como Leonel
chegou a tal ponto? Andava por aqui, sentava nessa cama e jogava no seu
videogame. Como pode? — Meu irmão passa a mão pelos cabelos,
suspirando, e bufa pela boca, balançando a cabeça em negação. — É
impressionante como não conhecemos as pessoas, mesmo convivendo com
elas por tanto tempo.
— Minha mãe disse isso essa semana. Se referia ao George, o pai da
loira. Você sabia que quando a Carina era criança, ele a levou na casa de
uma mulher que ficava? Todos os dias quando ele chegava e beijava a testa
de sua mãe, ela se lembra de tudo. Foi ela quem disse a tia Lucy que o pai
era um traidor. Ela me contou. O casamento acabou porque ela resolveu
contar. Olha quantos anos ela guardou isso com ela, Bernardo.
Ele suspira, fazendo que não com a cabeça.
— E o pai sempre a humilhando, a desvalorizando — analiso. — O
próprio pai a chamando de vagabunda.
— A Carina sempre foi ousada, Nicolas. O pai sempre soube, assim
como eu, você, nossos pais, o Leonel. Mas é o que você acabou de dizer. —
Ele me encara firme e assente. — Nunca conhecemos verdadeiramente as
pessoas. A Carina, por exemplo, pode parecer só uma garota fácil. Mas por
detrás deve haver muitas qualidades. Não é verdade? — Ele se levanta da
cama, ficando de frente para mim, toca meu ombro e me sacoleja.
Assinto, deixando minha boca em linha reta.
— Eu sinto muito pelo seu amigo, Bernardo. Mas ele é um criminoso.
Ele bate em mulheres e as estupra. Não é boato. Ele precisa ser denunciado,
antes que mais vítimas apareçam
— Você acha que ele estuprou a Carina?
— Não. Garotas que sofrem abusos mudam seus comportamentos.
Como disse, ela não tem pudor. Ela se exibe para mim com roupas
minúsculas, vestidos curtos. E ela está ficando com um cara da faculdade.
Ele, pelo que disse, está transando com ela. Então, estupro eu descarto. E
você conhece a Carina. Se ela entrou no carro do Leonel, certamente foi
para transar com ele. O susto que teve foi ele ter batido nela. Tem homem
que vê prazer em fazer isso com uma mulher.
— Então, foi por isso que você socou a cara dele? Para defender a
Carina?
— Claro.
— Mas por quê?
— Porque ela é minha amiga, e mesmo que não fosse, ele não tem
que fazer isso com ninguém.
— Claro. Você está certo. Desde pequeno querendo proteger todo
mundo, né, Clark Kent, ou eu deveria te chamar de Superman? — Ele
aperta os olhos dando uma risada frouxa, o que me faz rir também. — E
Carina era a sua Mulher Maravilha. Não me esqueci, brother. Mas, e a
Alicia?
Enrugo o cenho.
— Você nem falou nada dela hoje. Você só fala da Carina
ultimamente. Tudo bem que as circunstâncias trazem isso. Mas eu não acho
que você apenas sinta desejos por ela. Eu acho que você está sentindo algo
pela loira, cara.
— Não. Eu amo a Alicia.
— Então você ama as duas. Seu sentimento pela Carina não é de hoje.
Eu não sou burro, Nicolas. — Ele dá duas tapinhas em minhas costas, como
sempre faz. — Pense nisso. — Depois, vira as costas e bate com a porta,
saindo do quarto.
Fico pensando no olhar da loira, no sorriso leve que tem, no jeito
meigo quando se sente envergonhada. Bernardo está certo. Mal tenho
pensado em Alicia. Só penso em Carina. Meu coração está estranho. Está
apertado. Ele quer ela por perto. Aqui, dentro dos meus braços. Ele quer ela
aqui. Não posso negar o que sinto. Eu gosto dela. Nunca deixei de gostar.
Gosto não só das suas curvas, mas dela por inteiro.
Eu a amo, meu Deus! Amo-a e nem sei se tenho alguma chance!
— Nick? — Como um sonho, a vejo pôr o rosto na brecha da porta.
— Posso entrar?
Assinto. Ela bate com a porta em suas costas e caminha lentamente
até minha cama, de braços cruzados, se sentando ao meu lado. Ele fica de
perfil para mim, encarando a porta à sua frente, já que minha cama fica de
frente para ela.
— Obrigada — agradece, mas sem me olhar. — Por me defender. —
Agora ela me olha, fazendo eu me perder em seu olhar.
Como seus olhos são lindos! Quanta admiração tenho por ela! Como
meu coração se sente feliz toda vez que ela fica ao meu lado. Deus, eu amo
sim. Devo admitir que a amo desde que eu era um garoto desejando que ela
me desse o mínimo de sua atenção. Era amor e eu nunca percebi. Porque se
sentir confortável por estar ao lado de alguém e querer proteger esse
alguém, só pode ser amor.
Eu a puxo para os meus braços, a abraçando de lado e fazendo
carinho em seu braço. Ela laça sua mão em minha cintura e suspira próximo
ao meu pescoço. Nunca nos abraçamos assim antes, nunca estivemos tão
vulneráveis e suscetíveis um ao outro. E é tão bom. Preenche meu coração.
Preenche a mim.
Deixo um beijo no topo de sua cabeça e encaixo meu queixo ali.
— Eu amo você — ela diz simplesmente, me assustando.
Solto-a dos meus braços, encarando-a com o cenho enrugado.
Diferente de mim, Carina tem o mesmo olhar meigo de sempre e aquela
expressão de anjo no rosto, como se o que tivesse acabado de confessar não
tivesse o peso que tem.
— Como assim me ama?
— Eu não posso amar o meu amigo?
Suspiro, deixando meus ombros caírem.
De certa forma, me sinto um pouco triste por ser amado como amigo.
Mas o que posso exigir dela? É isso que somos, não é? Amigos. Talvez eu
só esteja confuso. Talvez eu não ame como um homem ama uma mulher,
mas como amiga também, e esteja confundindo as coisas.
— Eu também amo você — confesso, dando um apertão em seu nariz,
fazendo-a franzi-lo de uma forma muito meiga.
— Agora eu tenho que ir. — Ela se levanta da cama bufando.
— Mas já?
— Sim. Senão, vou perder a carona da mamãe. — Ela faz uma careta
divertida. — Agora você entende por que eu amo minha independência?
Viver à mercê de alguém é a treva! — Ela gira os olhos e ri docemente.
— A gente se vê amanhã à noite então? Passo lá na sua casa e te pego
para voltarmos para... hum... para nossa casa.
— Estava pensando em voltar só na segunda de manhã, para eu poder
passar mais tempo com minha mãe, mas não vou dispensar a carona.
Obrigada pela gentileza.
Assinto e no mesmo instante ela sai, batendo a porta e me deixando
com um sorriso bobo nos lábios.
Capítulo 20
Exatamente a mesma sala limpa
Exatamente a mesma cama limpa

Mas desta vez eu fiquei longe tempo demais

E eu tive também que ajustar este tempo...

PUSH – THE CURE

— Não fique assim, Lice — peço à Alicia, por telefone.


Ela me ligou bem cedo, antes das oito, chorando e dizendo que se
sentia mal por não ter podido me acompanhar no aniversário da minha irmã,
que sente saudades de todos, que passou o final de semana inteiro chorando
sozinha em seu quarto e que se sentiu pior ainda quando Nicole aparecia em
seu quarto, perguntando se estava tudo bem, se havia brigado comigo. Ou
pior: terminado.
— Desculpa, amor. Desculpa por ser assim.
— Está tudo bem. Não precisa se desculpar. — Me levanto da cama
com certa dificuldade, me sentando na beirada.
Solto um grunhido de dor. Estou com um pouco de dor nas costelas e
também nos meus dedos da mão direita, devido à briga de ontem à noite. E
essa minha cama antiga e pequena, da casa dos meus pais, não me ajudou a
ter uma boa noite de sono. Ela não me parece mais tão confortável como era
até o início do ano, quando dormi aqui pela última vez.
— Está tudo bem? Você parece estranho.
— Estou bem, Lice. Estou bem.
— Tem certeza? Aconteceu alguma coisa?
— Não, não aconteceu nada. Ela ficou com raiva de mim, a Nicole?
— Troco de assunto porque não quero contar para ela que caí na briga com
um cara por causa da Carina.
Alicia já está com ciúmes da loira. Sabendo disso, não vai entender.
Vai ficar com mais ciúmes ainda!
— Não. — Alicia funga. — Ela só disse que ia chorar muito também,
se isso acontecesse.
Abro um sorriso leve, pensando em Nicole. A garotinha é tão especial
para mim. Sempre que olho para ela, fico pensando em quando Alicia e eu
tivermos nossos filhos. Serão tão queridos e amados quanto sua irmã.
Alicia será uma ótima mãe, e eu também serei um bom pai. Caso eu
tenha uma filha mulher, diferente do meu sogro, não vou ignorar o fato de
ela gostar de coisas de meninos. Tampouco vou proibi-la de ficar sozinha
em seu quarto com o namorado. Quer dizer, acho que vou me incomodar
um pouco sim.
— Você vem hoje? Quero te ver. Se você chegar cedo, podemos nos
ver um pouquinho, não podemos?
— Ah, é-é-é — gaguejo.
Não sei se ver Alicia hoje é uma boa ideia. Eu não quero que ela veja
como estou, porque, se ver, eu não vou conseguir mentir. Vou ter que contar
para ela a verdade sobre o meu olho roxo e meu abdômen dolorido.
— Nicolas, você está tão estranho. Tem certeza que está tudo bem?
O rangido da porta do meu quarto me distrai. Subo os olhos até o alto,
encontrando com os olhos atentos de Carina sobre mim.
— Você está bem? — ela pergunta, baixinho, de modo que anda até
mim. Seu rosto está visivelmente preocupado. Suas feições estão abatidas, a
respiração cansada. Ela se senta ao meu lado e toca meu rosto levemente,
bem em cima da ferida. — Desculpa ter feito ele te machucar.
— Faria de novo, se fosse necessário — murmuro, sendo guiado por
seus olhos, atentos e preocupados, sobre mim.
Sua mão desce por meu rosto, alcançando minha boca, onde também
há um pequeno corte, que dói, quando ela a toca.
— Eu vou fazer alguns curativos em você.
— Nicolas, quem está aí? — Alicia quer saber, me fazendo voltar
com minha atenção para ela. — Nicolas?
— Oi, Alicia. E-e-e... — Olho para Carina, e ela tira sua mão de mim,
se guardando. — Quer dizer, amor, e-e-eu preciso desligar.
— Desculpa — Carina pede, baixinho. — Não sabia que...
Ponho o dedo indicador em seus lábios, silenciando-a, enquanto uso
minha outra mão para segurar o celular.
— Está tudo bem. Lice. Minha mãe me espera para tomar café. Eu te
amo. Fica bem, tá?
— Também te amo, amor. — Sua voz, rouca, é cortada, me dando o
sinal de que ela havia encerrado a ligação.
Jogo meu celular sobre minha cama e encaro ao meu lado uma Carina
com os olhos arregalados e a boca semiaberta, mostrando o desenho de seus
dentes brancos.
— Está tudo bem — falo para ela, tocando sua bochecha. — Você...
dormiu aqui?
— Não. Eu cheguei agora a pouco. Sua mãe convidou a minha para
almoçar com ela.
— Mas ainda é hora do café.
— Não é não. Já são quase onze horas, Nicolas. E está todo mundo se
perguntando por que você ainda dorme. O Cinderelo sempre acorda cedo,
estou errada?
— Não, não está. — Abro um sorriso sem mostrar os dentes.
— Você está com medo de descer, não é? E seus pais perguntarem por
que diabos seu filho certinho se meteu em encrenca e teve o rosto quase que
deformado.
— Ei! — Cutuco seu quadril com meu indicador, fazendo-a se
encolher e abrir um sorriso grande. — Não sou medroso. Isso é uma ofensa!
Estava conversando com a Alicia, desde as oito horas. Entramos em uma
DR. Ela não está bem.
— É por causa daquilo que me falou, o pai?
Assinto.
— Eu queria te ajudar nisso, mas não posso, Nick. — Carina bufa,
fazendo alguns fios de seus cabelos saltarem pelo ar. Depois, enruga o
cenho e vira seu rosto confuso para mim. — E o que é uma DR?
Rio alto, fazendo que não.
— Discutir a relação — explico. — Mais precisamente, brigar e
depois colocar os pingos nos “is”.
— A Bia nunca me falou sobre isso.
— Sorte a sua. É uma coisa bem chata. Espero que nunca passe por
isso.
— E não vou! — Ela se levanta, esticando a mão para mim. — Vamos
descer e almoçar? Tinha pensado em te levar para longe, fugir. Melhor
dizendo, te levar de volta para Santa Maria, escondido, sem seu pai e sua
mãe te verem. Mas já que é tão corajoso, vamos descer e nos explicar.
— Você é bem desafiadora, Cá. — Me levanto, ficando de frente para
ela. Aperto seu nariz fino, o que a faz segurar meu pulso e descê-lo até a
altura do meu quadril. — Mas eu prefiro ter que me explicar para os meus
pais do que para minha noiva.
— Ela vai ficar muito brava?
Assinto, e ela arregala os olhos. Abraço-a de lado e puxo-a para fora
do meu quarto, mas ela me para antes de alcançarmos a porta.
— Vai se esconder até o machucado desaparecer? — ela questiona,
curiosa. — É muito tempo, Nick.
— É o jeito.
— Você poderia fazer uma make para cobrir o machucado e depois
postar um vídeo no YouTube com a legenda “Tutorial: como esconder o
olho roxo, que foi causado em uma briga por causa de outra garota, de sua
namorada”.
Eu rio com a brincadeira, mas me sinto muito mal com isso. Ter que
me esconder da pessoa que amo e mentir para ela não é uma coisa que me
deixa bem. Isso nunca fez parte da minha índole. Mas, pelo visto, Carina
chegou modificando todos os meus conceitos.
— Ei, relaxa — ela diz, tocando meu ombro.
— Ela tem ciúmes de você, Cá. — Cruzo os braços sobre o peito e a
encaro.
Carina arqueia as sobrancelhas, surpresa.
— Você está brincando!
— Não, não estou. Ela tem. Como eu te disse, você é bonita e isso
atrai os caras.
— Está atraído por mim, Nick?
— Não! — Olhando fixamente para ela, deixo isso bem claro, para
que ela não pense o contrário. Sua reação é sorrir, simples e docemente.
— Então?
— Então que as namoradas ficam com ciúmes de garotas bonitas.
— Fala para ela não se preocupar. — Ela dá duas batidinhas com a
palma da mão no meu peito. — Ou, se quiser, eu mesma falo isso para ela.
— Vou fazer uma reunião lá em casa só para você dizer isso —
zombo.
— Será divertido! — Ela pisca. — Nicolas, eu queria te pedir uma
coisa. — Ela olha para os lados, como se procurasse por alguém nos
espionando. — Eu pedi para o Bê e agora vou pedir para você.
— O quê?
— Por favor, não conte para sua mãe nem para seu pai sobre ontem.
Enrugo a testa.
— Eu não quero que minha mãe saiba.
— Por quê?
— Porque ela já está sofrendo muito por causa do meu pai. Você sabe,
ela está deprimida. Não quero mais problemas para ela.
— E o que eu vou dizer para os meus pais?
Ela dá de ombros.
— Ainda podemos fugir — ela sugere, abrindo um sorriso doce. — E
eu tenho a desculpa perfeita!
— Ah, é? E qual é?
— Vai chover. E vai chover muito. As estradas vão alagar e você vai
precisar ir para casa, antes que corra o risco de pegar horas de trânsito e, por
azar, chegar atrasado no trabalho amanhã, já que você vai chegar em casa
muito estressado e irritado com as horas e horas de engarrafamento que
enfrentou e, com isso, vai querer dormir muito essa noite.
— Até porque eu não durmo bem aqui — completo, entrando na
brincadeira.
— É, porque a cama. — Ela aponta para ela. — É muito pequena para
um homem de quase dois metros.
— Eu tenho um e noventa.
— Não importa. — Ela dá de ombros. — Ninguém sabe. Topa?
— Você é mentirosa sempre? Devo me preocupar?
Ela parece pensar.
— É, acho que esse é um dos meus grandes defeitos — confessa,
sorrindo.
— Está falando sério?
— Eu disse que sou mentirosa. Você ainda acredita em mim?
Faço que não, sorrindo.
Capítulo 21

As rachaduras não vão se consertar e as cicatrizes não irão desaparecer


Acho que eu deveria me acostumar com isso

O lado esquerdo da minha cama é um espaço vazio

Lembro que éramos estranhos


Então, me diga, qual é a diferença

Entre o antes e agora

ALWAYS – GAVIN JAMES

— Voltei mais cedo que o esperado, mas não tem como nos
encontrarmos, amor — explico a Alicia, por telefone, quando estou deitado
em minha cama, já no meu apartamento, depois de ouvi-la se lamentar que
poderíamos ter saído.
— Poderíamos ter visto um filme com Nicole, amor. Meu pai até
autorizou.
— Amor, olha o temporal que está caindo. Não poderíamos ter nos
arriscado a sair de casa e ficar ilhado com vocês duas. Seu pai autorizou que
saíssemos porque ele sabe que na situação que está é inviável andar de carro
pela cidade.
— Tudo bem então. — Ela parece triste, mas se conforma. — Vou
ficar no quarto com a Nicole. Ela cismou de ficar na janela ou fica dizendo
que vai para a varanda, ficar perto das árvores. Inventou que quer ser
atingida por um raio, acredita? Só por causa do Flash.
Rio. Amo tanto essa menina!
— Fala para ela que picadas de aranhas são mais saudáveis e realistas.
Ser acertado por um raio é muito difícil.
— Ai, amor! Você não ajuda também!
— Desculpa.
— Tudo bem. Um beijo grande. Eu te amo muito.
— Te amo mais, Lice. Beijo.
Ela desliga, e eu deixo meu telefone sobre a cama.
Fico triste por enganar Alicia, mas o que posso fazer? Não posso
encontrá-la dessa maneira. Não ainda. Claro que estou morrendo de
saudades dela, mas meu olho ainda está um pouco roxo. Então, como a
encontraria? Ainda não sei se devo contar para ela os motivos que me
levaram a ser presenteado um soco no olho.
Não me sinto mal por esconder isso dela. Não estou mentindo. Estou
omitindo. Não é tão ruim assim. Pelo menos foi o que Carina me disse.
Um relâmpago clareia o meu quarto, levando meus pensamentos até
Carina.
Quando ela era criança, morria de medo do barulho de trovão, e o
Bernardo, que sempre foi muito travesso, para assustá-la, dizia que um raio
poderia cair na escola porque nela havia muita radiação do laboratório de
robótica. E Carina dizia “Para, Bernardo!”, sorrindo de maneira muito
saliente, como se gostasse da atenção dos garotos sobre ela, mesmo que
ainda fosse muito novinha, uns doze anos talvez.
As brincadeiras entre ela e meu irmão (ou qualquer outro menino que
fosse) me incomodavam porque eu queria que ela sorrisse daquela maneira
para mim. Mas comigo as coisas sempre foram mais sérias. “Preciso de
uma ajuda em Matemática” ela dizia quando chegava lá em casa nos finais
de semana. E eu a ajudava só para ter um pouquinho de sua atenção, e
funcionou, pois, foi assim que fomos nos aproximando.
Um estrondo ecoa pelo quarto, seguido de um relâmpago. Dessa vez,
assusta até a mim, pois uma brecha surge na porta do meu quarto, como se
alguém estivesse tentando me espiar. E isso realmente me assusta.
Ah, não é fantasma, longe de ser um fantasma. Parece um anjo, porém
um anjo assustado.
Carina põe o rosto para dentro do quarto e fica parada, me olhando.
— Aconteceu alguma coisa? — pergunto.
— Não estou conseguindo dormir.
— Por causa dos relâmpagos?
— Não, não. Isso passou.
— Então o que é?
— Quero conversar.
Sento-me na cama, apalpando o colchão macio ao meu lado. Carina
anda até mim e se senta ao meu lado, de pernas cruzadas, deixando-as em
um formato de asas de borboleta.
— O que houve? — pergunto.
— É que eu fico pensando. Minha cabeça fica pensando em um
monte de coisa, e eu preciso falar sobre essas coisas.
— Já é meia noite. Não é hora de pensar. E eu estou com muito sono,
mas te ouvirei. — Me deito na cama, de lado. — Pode deitar aqui.
— E a Alicia?
— Ah, já menti para ela hoje. Só vai ser mais uma mentira.
— Aprendendo a ser mentiroso comigo? — Ela se deita na cama, de
frente para mim. Ficamos cara a cara.
— Talvez. Agora, me conte tudo.
Carina se arrasta para mais perto de mim e coloca o rosto no meio do
meu peito, suspirando. Seus ombros sobem e descem.
— O que houve, Cá? Tem a ver com o Leonel? — Removo seus
cabelos de seu rosto, que, quando fica descoberto pelos fios, faço um
carinho com as costas da minha mão.
É automático. Suspiro e paro com o gesto, por mais que não queira
parar. Não sei. Sinto-me errando com Alicia por isso.
— Não — ela diz, mas não me olha, pois ainda está encolhida entre
meus braços. Suspira, como se algo estivesse lhe incomodando.
— Fala, Cá. Como eu posso te ajudar se você não me contar?
— Você acha que eu sou uma vagabunda?
Bruscamente, me sento na cama, fazendo-a sair dos meus braços de
forma desprevenida. Encosto minhas costas na cabeceira, enquanto ela,
ainda deitada, levanta o rosto para me encarar como se esperasse pela
minha resposta.
Ela? Vagabunda? Não. Mas devo admitir que não concordo com seu
ritmo de vida. Só não sei como contar isso para ela sem ofendê-la.
— Por que essa pergunta?
— Então, você acha que eu sou? — Ela se arrasta até mim e se senta
ao meu lado. Há uma expressão de culpa nítida no rosto.
— Não. Você é linda, é estudiosa e eu te amo. Jamais pensaria isso de
você.
— Mesmo?
Consinto porque tudo isso é verdade. Eu a amo e não posso negar.
Bem mais do que como um amigo.
— Eu quero te contar uma coisa. — Ela me olha rápido, de soslaio.
— E se eu te disser que tive um caso com o namorado de uma amiga?
— Você fez isso? — Acho que não pude disfarçar a decepção em
minha voz.
— Na verdade, eu ainda não era amiga dela, nem sequer a conhecia,
mas sabia que o cara tinha uma namorada e fui para cama com ele algumas
vezes. É o Denis da nossa cidade. Ele é da faculdade. Você deve conhecer
ele.
Claro. O Denis, namorado da Carol, a mais nova amiga da Carina. O
cara que o Cachaça falava na última vez que nos esbarramos no corredor da
faculdade. Se não bastassem os amigos do meu irmão e o Gustavo, agora
aparece mais um cara que já a levou para cama. Não gosto de saber dessas
coisas, de descobrir os seus números.
Assinto, e ela suspira, de arrependimento, talvez. Mas eu penso que o
fato de ela não conhecer a namorada do cara na época desagrava a situação.
— E agora eu descubro que ele é namorado da Carol. E, hoje, depois
que eu o reencontrei lá na faculdade, ele me mandou várias mensagens me
convidando para sair, mesmo sabendo que agora eu sou amiga dela.
— E o que você respondeu?
— Não respondi nada. Apaguei tudo. Estou prestes a bloquear ele das
minhas redes sociais.
— Por que não diz que não quer mais nada com ele? Não é mais
simples?
— É, vou fazer isso. — Ela então olha para mim e sorri fraco. — Eu
fiz muita merda, né? — Ela abaixa a cabeça e encara as próprias mãos
depositadas sob suas pernas.
— Não é uma coisa que aprecio, mas você pode mudar suas escolhas
futuras. As antigas, você só precisa superá-las. — Eu a puxo para meus
braços e deixo um beijo estalado no topo de sua cabeça.
— A Carol me odiaria. Acho que ela seria capaz de me expor, fazer
coisas terríveis. Ela me conta cada loucura que faz com o namorado quando
descobre uma merda. Ela falou que sempre descobre as amantes e ferra com
a vida delas. Falou que uma vez foi no perfil dos pais da garota e expôs ela
para a família toda com vídeos de momentos íntimos que ela conseguiu
gravar dos dois, não sei como.
Fico sem palavras.
Mulher realmente é um bicho muito louco. É capaz de fazer qualquer
coisa para se vingar do namorado mentiroso ou traidor. Isso quando não
resolve se culpar e se entregar à tristeza, como aconteceu com minha tia
Lucy.
Diante desse pensamento, um medo terrível me invade. Penso na
Alicia sabendo que eu e Carina dormimos na mesma cama e que eu tenho
desejos muito maiores por minha inquilina do que por ela. Mas Alicia não é
mulher de fazer barracos, nem de se expor e nem de cometer loucuras. Se
um dia eu a magoasse, acredito que ela apenas sofreria em silêncio e me
deletaria da vida dela para sempre.
— Eu era livre, Nick. Eu não devia nada a ninguém, sabe. Ele que não
devia ter procurado por outra mulher se ele tinha uma namorada. Mas eu
me culpo porque muitas vezes eu o provoquei. Mas isso foi depois da
primeira vez que ficamos juntos. E foi muito bom! Tínhamos uma química
muito boa. Foi o melhor sexo da minha vida. — Ela solta um sorriso
animado, que logo é trocado por um suspiro de arrependimento. — Agora
eu concordo com o que me disse a sua irmã uma vez, a Laura, que homens
safados são os melhores.
Remexo-me na cama, me sentindo extremamente constrangido.
Primeiro, por ela expor meus irmãos. Segundo porque ela acabou de me
dizer que teve o melhor sexo da vida dela com esse cara, o que eu não deixo
de imaginar como pode ter sido. E imaginá-la fazendo sexo é algo que me
deixa um tanto excitado.
Engulo seco.
Que mania eu tenho dessa garota! Tenho que parar com isso. Só
posso estar com algum problema.
— Ah, deixa pra lá! — ela diz. — Olha o que eu estou falando para
você. — Ela sai de meus braços e me encara com certa timidez.
— Não tem problema. — Solto um sorriso leve para tranquilizá-la.
— Obrigada, Nick. Eu só não entendo por que você é tão bom
comigo. Eu acho que não mereço.
— Xiiii. — Eu coloco meu indicador entre seus lábios, que ficam
entreabertos com meu toque. — É claro que você merece.
Uma vontade insana de beijá-la invade meus sentidos, ainda mais
porque ela me encara profundamente com aqueles olhos azuis tão bem
desenhados que só ela tem. Talvez ela esteja certa. Talvez ela seja boa em
provocar. Mas eu não sou como o Denis, então resistirei aos seus encantos.
— Vamos dormir — sugiro. — Amanhã será um longo dia.
— Será mesmo. Boa noite, Nick. — Ela vira de costas para mim e
tapa o rosto com meu travesseiro, me deixando sem nenhum.
Eu falei para irmos dormir, mas não era um convite para ela fazer isso
comigo. E, poxa, ela já tem outro travesseiro debaixo do rosto, por que
pegou o meu?
— Boa noite, Carina — desejo, atrasado, e não obtenho resposta.
Olho para o lado e a vejo de olhos fechados. Seu tronco sobre e desce,
dando o sinal de que ela já dorme. Remexo-me na cama, desconfortável,
pela falta de um travesseiro, e suspiro pesadamente.
— Quantas manias. Como se não já não me bastasse a minha mania
de você.
Capítulo 22
Prazer em te conhecer, onde você esteve?
Eu posso te mostrar coisas incríveis

Magia, loucura, paraíso, pecado

Te vi ali, e eu pensei
Ai meu Deus, olhe esse rosto!

Você parece o meu próximo erro

O amor é um jogo, quer brincar?

BLANK SPACE – TAYLOR SWIFT

— Meu protetor. — Abro os olhos e vejo Carina acariciar meu rosto


com a mão. — Bom dia! — Ela solta a mão do meu rosto.
— Bom dia. — Olho para a janela e sorrio, feliz, por ver um dia
bonito estar começando lá fora.
A semana inteira choveu, o que contribuiu para que Carina dormisse
todos os dias comigo, em minha cama. Na manhã do dia posterior ao
primeiro temporal, ela acabou me confessando que ainda sentia medo de
relâmpagos e trovejadas, o que me fez rir dela por ter um medo tão bobo,
tão infantil. Apesar de ter se tornado mulher muito cedo e muito
repentinamente, Carina não perdeu seu jeito meigo, de menina, bem como
os medos.
Desvio meus olhos da janela e me concentro em um anjo loiro à
minha frente. Meu sorriso se desmancha quando me dou conta de que
Carina e eu estamos grudadinhos na cama, um de frente para o outro. Minha
mão está em sua cintura, sobre o pano macio de sua roupa de dormir,
enquanto ela tem uma perna dobrada sobre meu corpo e uma mão pausada
sobre meu rosto.
Arregalando os olhos, me afasto, saindo de seus braços e pernas.
— Desculpa! — peço.
— Não tem problema. Pode tirar uma casquinha. — Ela pisca.
Sorrio, a achando engraçada.
— A gente dormiu assim a semana toda, Nick. É que você não notou.
Eu sempre acordo antes de você.
— Sério?
— Urun.
Passo a mão por meu rosto, suspirando.
— Ainda bem que hoje é sábado — ela diz, distraída, mexendo em
uma mexa de cabelo que tem na altura de sua boca. — Assim posso curtir a
cama o dia todo!
— Sério que você acredita nisso?
— E por que não?
— Porque nós iremos faxinar a casa hoje.
— Nós?
— Sim, nós. Eu você e todas as pessoas que por essa casa passam.
— Ai, Nick! Você é tão chato às vezes! — Ela afunda o rosto no
travesseiro, fazendo que não com o rosto, e eu sorrio, também fazendo que
não.
O celular de Carina apita. Ela estica o braço por cima do meu corpo e
o pega para atender.
— Oi, Guga! — Ela passa sobre mim e pula para fora da cama, saindo
pela porta do quarto para ir para seu quarto. — Vamos sim!
Guga seria o apelido do Gustavo, o cara do trote com quem ela está
saindo e que nem lhe trouxe em casa quando eles saíram juntos?
Dessa vez, eu quem afundo meu rosto no travesseiro e faço que não.
Meu telefone também toca. Pego-o sobre a cômoda ao lado da minha cama
e o levo para o ouvido.
— Oi, Lice.
— Oi, meu amor. Bom dia!
— Bom dia!
— Estou com saudades.
— Eu também. Está melhor?
— Muito melhor, ainda mais agora que vou te ver. Tenho novidades.
— Hum, novidades? — Me sento na cama, procurando por meus
óculos sobre a cômoda, mas não os acho. — Estou curioso.
— Só contarei depois do cinema.
— Você e esse seu mistério que me deixa louco. Falou com as
crianças? A Nicole deve estar doidinha para ver Guerra civil, estou errado?
— Você sabe que sim. Ela está aqui do meu lado, desde a hora que
acordou criando teorias de qual super-herói vai morrer no final.
— Fala para ela não se basear no final de Batman x Superman, não,
hein!
— Ela está ouvindo. Está no viva-voz.
— Nico, que horas? Eu quero ir logo!
Ponho meu celular também no viva-voz e vou até a porta, trancando-
a. Encontro meus óculos sobre o chão e os coloco. Enquanto Nicole fala a
respeito de sua teoria de no final do filme o Capitão morrer, troco de roupa.
— No outro, você sabe, quem morreu foi o super-herói que tem
superpoderes — ela diz, com a voz completamente ansiosa. — Então, nesse
acho que também vai acabar assim. É o Capitão quem vai morrer. Tenho
certeza! Ai, Nico! Vamos logo! Eu quero ver!
— Princesa, vou dar uma arrumada na casa e após o almoço nós
iremos, okay? Enquanto isso, que tal você pedir para o Douglas comprar
mais figurinhas para seu álbum?
— É uma boa, Nico! Falta alguns números só.
— Então. Quero ver seu álbum depois, mas completo.
— Tá bom, Nico. Agora vou lá na rua com o Douglas. Ele está me
esperando.
— Está bem! Boa sorte.
— Obrigada, Nico. Beijo.
— Beijo, pequena.
— Amor?
— Oi, Lice. Estou aqui.
— Desculpa pela intrometida.
— Que nada, amor. Sabe que amo sua irmã tanto quanto amo você.
— Aff, Nicolas!
— Ficou com ciúmes? — Rio por pensar na possibilidade.
— Não. Mas você é MEU namorado. A pirralha tem que parar com
isso. Você acredita que hoje ela me disse que te ama?
— Viu? Eu também a amo.
— Não, amor. Não é isso. Tenho medo de ela estar apaixonada por
você.
— Ela não está. Fica calma. Agora, vou tomar meu café e dar uma
arrumação rápida na casa. No final da tarde te ligo para combinar a hora.
Beijo. Te amo.
— Te amo. Estou com saudades.
Encerro a ligação e jogo meu celular sobre a cama. Vou até o espelho
da porta do guarda-roupas e me encaro nele. Depois de uma semana, meu
olho está menos roxo, bem como o corte da minha boca desapareceu.
Agora, posso encontrar Alicia sem precisar mentir para ela.
— Ah, então você fica com um cômodo só? — reclamo para Carina,
brincando.
Como ela e eu tiramos o dia para colocar algumas roupas para bater
na máquina e também para faxinar nossos quartos, aproveitamos para
dividirmos o resto das limpezas dos aposentos. Ela ficou com o banheiro e
eu fiquei com a cozinha e a sala.
— O banheiro é mais difícil. — Ela passa por mim no corredor,
carregando vassoura, balde e alguns produtos de limpeza. — E eu posso
passar um pano no corredor para ficar mais justo.
— Você deveria era limpar a casa toda sozinha, além de fazer a
comida e lavar as minhas roupas e também as minhas cuecas, afinal, você é
a mulher da casa.
— Isso soou tão machista! — Ela joga um pano de chão em direção
ao meu rosto, mas tem insucesso, pois eu pego o objeto no ar. Então, vira as
costas e entra no banheiro, onde começa a organizar as coisas para lavá-lo.
Encosto-me no vão da porta e começo a rir, achando graça da sua falta
de jeito para serviços domésticos.
— O que foi? — ela pergunta, girando o rosto para mim.
— Nada. Só acho que você não leva jeito nenhum para essas coisas.
Coitado do cara que casar com você!
— Não vou me casar para ser empregada dele! — Ela cruza os braços
em desafio, me encarando. — Aliás, eu não quero me casar. Odeio essa
ideia de ter que colocar um mosqueteiro na cabeça.
— Como?
— O véu da noiva.
Rio, achando a comparação um tanto engraçada. Pois bem que um
véu de noiva parece um mosqueteiro.
— Não quero me casar. Bobagem isso!
— Duvido que não. É sonho de toda mulher.
— Então eu sou homem. Porque não me encaixo nesse “toda” aí. Ai,
Nicolas, às vezes sai umas falas tão machistas da sua boca! Não entendo!
Um cara inteligente como você pensar essas coisas.
— Já falei para você o que acho dessa baboseira aí de machismo
versus feminismo. Mas acho que você está certa. Às vezes eu sou um pouco
machista, mas acho que no fundo, não sou.
— Eu concordo com você. — Ela vira as costas e começa a ensaboar
o boxe enquanto ainda fala: — Inclusive, aproveito minha sinceridade e
digo que acho que você esconde muita coisa, reprime, sei lá. Você não é
você. É outra pessoa, sabe?
Como assim? E eu reprimo minhas vontades? Só se for a vontade que
tenho de ficar com ela, coisa que é impossível de acontecer. Primeiro
porque sou comprometido e não trairia Alicia. Segundo porque Carina
jamais me daria uma chance. Sou o amigo que ela ama, devo lembrar. Sou
seu protetor. Mas ainda assim fico curioso. Que repressão é essa que ela se
refere?
Entro no banheiro, ficando do lado de fora do box, atrás dela, e cruzo
os braços sobre o peito.
— Me fala mais sobre isso — peço.
Ela se vira para mim, encarando o chão e segurando uma esponja
cheia de espuma na mão. Noto que agora sua blusa está dobrada, mostrando
sua barriga. Não posso deixar de reparar em suas pernas, devido à falta de
pano do seu short jeans curto. Só isso já é o suficiente para me deixar muito
louco. Será que é dessa repressão que ela fala? Será que ela percebeu o
quanto desejo tocar em suas curvas e reprimo isso?
Tento desviar meus olhos de seu corpo, antes que ela alcance os meus
e note que eu o olho. Se bem que ela é tão distraída que não sei se consegue
perceber eu lhe comendo com os olhos. Quero-a tanto! Essa semana,
dormindo juntos, contribuiu mais ainda para que eu sinta mais desejo por
ela.
Por esse motivo, precisei fechar os olhos, durante o banho, e imaginar
seu corpo nu junto ao meu, bem aqui nesse banheiro, todos os dias da
semana. E foi gostoso. Foi muito gostoso. Já não me sinto mal por me
masturbar pensando nela. Não é pecado pensar. Fazer, sim.
— Sabe o Superman? — ela pergunta, me esquivando de meus
pensamentos e me fazendo olhar seus olhos. Assinto. — Então, acho que a
melhor coisa que a DC fez foi se livrar daquele Superman emo e
estranhinho que circulou por um tempo nos filmes. Aquele que ficava se
esquivando de usar os poderes e era meio angustiado. Há vários e ótimos
personagens dos quadrinhos que são angustiados, e o Superman não
precisa ser mais um.
Onde ela quer chegar com isso?
— Tá, eu adoro o Superman. Mas o que ele tem a ver comigo?
— Quando vimos o filme, o Guga me disse “ele é muito obscuro”.
— Ele disse isso de mim?
— Não, do Superman. E eu pensei “isso é obscuro?”. O Superman
enfrenta os mesmos problemas que todos nós enfrentamos todos os dias.
Para mim, isso não é obscuro, é a vida. Somos pessoas complicadas, e o
fizemos de uma forma mais fácil de se relacionar. Então, não acho isso
obscuro, é apenas o que nós somos. Pessoas são complexas. Não somos
estritamente o “bom escoteiro” tentando fazer o bem o tempo todo. O
Superman quer fazer as coisas certas, e acho que ele representa todas as
coisas que ele é, mas ele também erra ao longo do caminho e aprende com
isso. Para mim, isso é muito mais interessante.
— Eu continuo não entendendo.
— Nicolas, você é perfeito. O bom moço que faz o bem, que faz tudo
direitinho. Não existe essa pessoa no mundo. Nem o Superman, que muitas
vezes foi e ainda é comparado com Deus, é! Ninguém é. Só você. Por isso,
acho que reprime o seu eu errado. Há algo de errado em você, e você não
diz, porque reprime. Não estou te julgando. É até bonito isso. Você tentando
ser uma pessoa correta, boa. Mas ninguém é, Nick. Você precisa se livrar
dessa sombra. Mostra pra gente o Nick obscuro.
— Eu não sou perfeito, Cá. Acho até que sou homofóbico.
— Você não é homofóbico. — Ela tem uma espécie de horror e
espanto no rosto. — Não é mesmo!
— Eu não gosto do primo da Alicia, e ele é gay.
— Só se você se tornou agora porque na época da escola você andava
com o Quindinho, e todo mundo dizia que ele era gay e que inclusive vocês
tinham um caso.
É verdade. Eu andava. E ainda ando. Ligo para o Quindinho às vezes.
Ele já até foi convidado para o meu casamento, e disse que levaria o
namorado. É, talvez eu não seja homofóbico. Só não gosto do Marlon
porque ele não me respeita.
— Mas eu não sou perfeito, Carina, tenho muitos outros defeitos. Sou
perfeccionista. — Começo a pontuar nos dedos. — Exigente.
— Desde quando essas duas coisas são defeitos? — Ela gira os olhos,
fazendo que não com a cabeça. — Pelo que sei esses são os “defeitos” que
as pessoas mais dizem numa entrevista de emprego. E por quê? Porque é
uma coisa boa. Para! Você é perfeito! — Ele nega com a cabeça e volta a
ensaboar a parede. — Você é tão perfeito que até é superdotado, e eu não te
imaginava assim. Te imaginava pequeno e bem fininho!
Quê? Foi isso mesmo que eu ouvi?
— O que você disse?
Ela se vira para mim, sem graça.
— Ai, eu disse isso? — ela diz mais para si mesma do que para mim,
e dessa vez mal me olha. — É, eu disse. — Decide me encarar. — Quer
saber a verdade? Eu fico com tanta raiva de você por você ser perfeito. Até
seu pênis é grande!
Solto uma gargalhada alta. Não sei por que. Mas ela vem com muita
vontade. Minhas mãos suam, porque estou nervoso com isso. Carina está
toda ensaboada na minha frente, o que é bastante erótico para mim, e me
dizendo essas coisas, não tem como eu me sentir de outra maneira, a não ser
excitado.
A garota que eu estou doido para mostrar minha superdotação está
falando do tamanho do meu membro, como se ela tivesse visto-o. Ela o viu?
Então, não é só eu que ando a vendo nua. Ela também tem seus
privilégios nessa casa.
Olho para ela e a vejo ficar vermelha. Ela timidamente se vira de
costas, voltando a ensaboar as paredes do box com a esponja. Não posso
deixar de notar seu rebolado enquanto faz isso.
— Eu e Alicia ainda não fizemos sexo — revelo, sendo guiado pelo
minha excitação. Quero continuar falando sobre isso com ela. Estou
gostando.
— Você é virgem? — Ela se vira para mim, boquiaberta.
— Não! A Alicia é! E ela tem medo. Ainda não se sente pronta.
— Então naquele dia que eu te vi pelado, você estava...
— Você me viu pelado? — Eis a chance de perguntar.
— Oh. Acho que minha boca às vezes fala sozinha e fala demais. Foi
naquele dia que eu te vi com a Alicia.
— Você viu meu...
— Não. Ela estava em cima dele. Foi depois. Eu apaguei na sala.
Estava com muito sono. Aí, no meio da noite, fui para seu quarto e você
estava nu.
Dessa vez, quem deve estar vermelho de vergonha sou eu, pois sinto
meu rosto queimar. No dia que eu e Alicia fomos mais além, eu me
masturbei pensando em Carina. Será que ela me viu fazendo isso?
— O que mais você viu? — quero saber.
— Você se masturbando.
— Carina... — Passo a mão pelo meu rosto, totalmente sem graça.
— Tudo bem, Nicolas. Todo mundo faz isso.
— Todo mundo? Tipo, você faz?
— Ué. É gostoso.
Sinto meu membro pinçar contra minha bermuda só por imaginá-la se
tocando, se dando prazer, girando os olhos, gemendo, gozando. Mordo a
boca e faço que não, afastando meus pensamentos sujos.
— É, acabei de descobrir um defeito. Você não é safado! — ela
zomba. — Que decepção, Nicolas!
Opa! Isso foi ofensivo.
— Ei, sou bem safado. — Sorrio, mordendo a boca. — Sabe, Cá, eu
sou um cara que gosta muito de sexo. E eu estou ficando doido!
Ela morde a boca, me encarando nos olhos, como se estivesse me
provocando.
Tento desviar os olhos de seu rosto e não a encarar. Seria capaz de
agarrá-la sem seu consentimento. Estou louco por ela. Estou cada dia mais,
ainda mais agora que ela fala sobre sexo para mim, ainda mais agora que
ela disse que se toca e goza. Não consigo tirar a imagem dela desta forma
da minha cabeça.
Carina faz que não com a cabeça e vira as costas, voltando a esfregar
a parede do box. Desço com meu olhar para seu bumbum, que
automaticamente rebola, pelos movimentos da ensaboada. Mas ela para e
sorri de lado, como se notasse minha atenção em seu rebolado.
— Então. — Pigarreio. — Eu vou terminar minha parte. Marquei um
cinema às seis com a Alicia. Se você quiser ir... Vai ser um passeio em
família. Os irmãos não têm com quem ficar. O pai dela foi trabalhar, fazer
um extra.
— Ia adorar! — Ela se vira para mim. — Mas vou numa festa com o
Guga.
— Ah, vocês estão firmes, né?
— Não como namorados. Agora meio que somos... ham... deixe-me
pensar... amigos? Acho que é isso: somos amigos. — Dá de ombros e volta
ao seu trabalho.
Paro um instante e fico pensando. Certamente, a essa altura do
campeonato isso já tenha ocorrido. Ele viu seu corpo nu, o beijou, o
cheirou. Fez tudo o que eu jamais terei a chance de fazer.
— Está tudo bem? — Ela se vira para mim outra vez. O cenho
franzido.
— Ah, eu...
Não tenho palavras. Quero explicar como me sinto. Quero dizer que
meus sentimentos são mais do que amizade. Quero tocar seu rosto, beijar
sua boca macia e provar do seu beijo. Quero deslizar com minha mão por
seu corpo e sentir suas curvas. Quero tanto o que não posso que dói saber
que logo o idiota do Gustavo tem tudo isso.
E ela. Bem, ela me encara tão profundamente. Isso balança meu
coração. Ele dispara tão forte que o sinto pulsar em minha garganta. E o
pior é que acho que ela também quer me beijar. Seu olhar me diz isso. E se
ela quer, por que não posso fazer? Ter um segundo sem juízo? Apenas um
segundo. Ninguém vai saber. Manteremos em segredo. Podemos fazer isso
se quisermos.
Sei que é pecado e errado. Mas estou muito doido para fazer isso. Sei
que vou me arrepender depois. Mas não posso deixar de provar de seu
beijo. De suas curvas. Dela. Não posso. Preciso disso. Preciso. Preciso do
meu momento obscuro, sair das minhas sombras.
— Eu-eu — gaguejo. — Eu estou doido para fazer isso! —
Aproximo-me dela e coloco minha mão em sua nuca, puxando sua boca
para a minha.
Carina me corresponde, ao soltar a esponja no chão e abraçar o meu
corpo, me puxando para si.
Empurro seu corpo junto ao meu de encontro à parede úmida do
banheiro. Mal nossas bocas se enroscam e uma onda de calor me preenche,
trazendo os sinais de excitação para dentro da minha bermuda. Sua boca
macia e molhada se abre, e sua língua ousada já toca e brinca com a minha,
sugando-a. Suas mãos me puxam para ela, fazendo-me sentir seu corpo
colado ao meu. Aperto sua cintura, sentindo meu membro ereto tocar sua
barriga nua. Ela levanta uma perna, a qual eu seguro com uma mão,
fazendo-a ficar alta o suficiente para que nossos sexos se enrosquem.
Empurro meu quadril para ela, que solta sua boca da minha para
emitir um gemido. Esfrego meu pênis duro sobre sua abertura, que sinto
sobre seu short jeans. Gemo em sua boca, subindo com minha mão para
dentro de sua blusa. Levanto-a até a altura de seu tórax e vejo seus seios
pulando para fora do sutiã. Redondinhos e lindos, o bico rosadinho e com
algumas pintinhas em um tom mais escuro ao redor.
Meu membro vibra como um touro prestes a derrubar o que vem pela
frente. Pressiono-o contra sua entrada e o esfrego ali.
Instantemente, eu desço com minha boca para sugar o bico de seus
seios, um de cada vez. Gosto doce, de morango. Cheirosos. De olhos
fechados, Carina geme, esfregando seu sexo sobre o meu.
Subo minha boca para a dela, que está perdida em pulso, mas não a
beijo. Solto sua perna, que desliza no chão e levo minha mão para seu sexo,
que aperto, sentindo-o completamente molhado.
Sorrio, orgulhoso, e encaro-a de olhos fechados, perdida de tesão.
Olha como ela está para mim, e por mim.
Gostosa.
Minha diaba loira.
É nesse momento que me dou conta de que é real. De que estamos
prestes a transar no banheiro do meu apartamento, tão desesperado como
em meu sonho, e do quão sujo e errado é minha atitude, principalmente
dessa forma tão vulgar, nada sublime. Solto minha mão de seu sexo, e ela
abre os olhos, arregalando-os.
— Desculpa, Nick. Por favor, me desculpa — pede. O rosto cheio de
culpa. — Desculpa.
Por que ela está me pedindo desculpa? Se ela não tem culpa por isso.
Se eu a beijei, se foi eu quem começou com tudo isso. Se sempre foi eu
quem nutri um sentimento por ela e nunca admiti e, por esse motivo, o
reprimi e decidi, da pior maneira possível, colocá-lo para fora hoje, dessa
maldita forma.
E mesmo que de forma inconsciente ela me provoque, mesmo que
apareça de calcinha ou nua no banheiro, de porta aberta, tomando banho, fui
eu quem a beijou.
— Você não tem culpa. Eu quis isso. Eu fiz. — Aponto para meu
peito, enquanto ela segue, com o olhar, os meus gestos. — Eu me
responsabilizo.
Ela encosta a cabeça na parede e suspira. Não parece triste, nem
assustada. Ela parece se sentir culpada com isso tudo. No entanto, ofega.
Ela gostou. Ela quer mais. Ela me quer, e, assim como eu, está se
controlando para não ferrar mais ainda com nossa situação.
— Desculpa, Nick. — Seus olhos se enchem de lágrimas.
Carina coloca a mão na boca, como se tentasse evitar um choro que
está por vir. Depois, vira as costas e sai do banheiro, rápido o suficiente,
não dando tempo de me fazer alcançá-la nem de dizer qualquer coisa.
Ouço a batida da porta do seu quarto, o que me faz fechar os olhos e
soltar uma lufada de ar pela boca.
O que eu temia aconteceu. Traí Alicia.
Capítulo 23
Então, vai ser para sempre
Ou vai acabar em chamas?

Você pode me dizer quando terminar

Se os momentos bons superaram a dor

Tenho uma longa lista de ex-namorados

Eles te dirão que sou maluca

Pois, você sabe que eu adoro os jogadores

E você ama o jogo

BLANK SPACE – TAYLOR SWIFT

Não paro de pensar na loira. Não paro. Sua boca macia tocando meus
lábios, sua língua se enroscando na minha, me excitando.
Tudo que faço hoje me parece tedioso. Só quero prová-la, sentir seu
gosto, penetrá-la, sentir meu membro indo e vindo no seu sexo molhado, ela
gemendo no meu ouvido, rebolando e no final ouvi-la gozar chamando por
mim. É tudo que mais quero.
Mas tem Alicia. Não posso. É errado, é pecado, só falta ser um crime.
Por que tem que ser assim? Por que a quero tanto? Qual é o meu problema?
Até o final da tarde, quando saí de casa, Carina não tinha saído do
quarto. Eu até pensei em bater à porta e chamá-la para uma conversa mais
franca, mas eu, honestamente, também estou preferindo fugir. Não sei como
seria dizer para ela que o beijo que eu lhe dei era algo reprimido e que
agora é algo que quero repetir e ir mais a fundo. Eu sei que é um
pensamento porco da minha parte, mas eu estou confuso.
— Amor, você está muito estranho hoje — Alicia comenta.
Estamos no cinema, durante a sessão de Guerra Civil, filme que eu
não prestei nenhuma atenção. Pensava nela. Em Carina. O tempo todo. Nem
lembrava mais que estava aqui com minha noiva e seus irmãos. E isso é
incomum. Sempre fui atencioso com todos, em especial com Alicia.
— Ah... eu? Acho que estou cansado. Só isso. — Dou de ombros.
— Eu estava perguntando o que você achou do filme e você estava
com os olhos gélidos grudados na tela. Só que o filme já acabou. Está
acontecendo alguma coisa? Sua mãe? Seu pai, sei lá.
Olho para o lado esquerdo e vejo que Douglas e Nicole nos esperam,
de pé, no corredor escuro da sala de cinema. Olho rapidamente para Alicia e
faço que não com o rosto me levantando do meu assento e desviando meu
olhar do seu atento sobre mim. Quando tento dar o primeiro passo, minha
noiva coloca sua mão esquerda em meu peito para que eu pare de andar. Ela
olha profundamente em meus olhos. O que faço é desviar a porcaria do
olhar porque, depois do que fiz, não consigo olhar para ela por muito
tempo.
— Você sabe que pode me contar tudo, né? — Ela aparenta
preocupação na voz.
Consinto e, dessa vez, a olho nos olhos. E não é tão difícil quanto
imaginei que seria olhá-la.
Alicia não é alguém que lança aquele olhar desconfiado que faça o
traidor se sentir mal pelo que fez. Ela é tão boa que, quando eu olho para
ela, só consigo ver compreensão e bondade, o que, somado às suas
características pessoais, significa fragilidade. Agora eu entendo por que
pessoas frágeis são tão fáceis de serem enganadas.
— Eu sei, meu amor. — Dou um beijo estalado em sua boca.
Um nojo me invade, por ter feito o que fiz, por ter sido tão porco, por
beijar outra pessoa e agora usar dos mesmos lábios traidores para beijar
alguém tão boa quanto Alicia. Ela não merece isso.
— Vamos? — digo, pegando sua mão sobre a minha e brincando com
seus dedos. — Vou te deixar em casa.
— Falta só a 22 e a 40 — Nicole diz, ao se sentar no sofá de dois
assentos, ao meu lado, e me passando seu álbum de figurinhas da Marvel.
Pego de suas mãos e o encaro, nostálgico. — Não sabia que era tão viciante
colecionar essas coisas.
Depois que saímos do shopping, meu objetivo era deixar os três em
casa e voltar para meu apartamento, mas Nicole implorou tanto para que eu
entrasse que não consegui recusar. Primeiro porque prometi à pequena que
veria seu álbum de figurinhas que ela está colecionando, segundo porque eu
não estou com pressa de chegar em casa e encarar a Carina.
— Eu colecionava aqueles carrinhos da Hot Wheels quando era
criança. — Me sentindo ficar nostálgico, passo os olhos no álbum e noto
uma figurinha do Capitão América na versão do Chris Evans lutando contra
o Homem de Ferro encenado por Robert Downey Jr. — Tenho eles até hoje.
— Hum. Acho que minha irmã não vai querer eles na casa de vocês.
— Eu escondo. — Pisco.
A pequena sorri, achando graça.
— Eu não quero que você vá embora, Nico. Eu gosto muito de você,
mas quando você for embora, eu não vou ter nenhum garoto para conversar
comigo sobre coisas de garotos. O Douglas até fala, mas ele só sabe me
maltratar.
— Mas eu tenho que ir para casa. Não posso dormir aqui.
— Não, Nico. Você não entendeu. Quando você e a Lice se casarem,
vocês irão embora dessa casa e aí eu vou ficar sozinha. Mas eu quero que
vocês me levem, quero que você seja meu papai e a Lice minha mamãe.
Aqui só vai sobrar o papai e o chato do Douglas. Eu gosto de ficar com
você e com a Lice. O papai não brinca comigo. O Douglas só sabe pegar no
meu pé. E a Lice, ela é minha mamãe. Quando você a levar, não vou ter
mais mamãe.
Como pode uma garotinha de seis anos ser tão esperta e pensar nessas
coisas? E como eu fui tão egoísta por nunca ter pensado nisso?
Nicole só tem seis anos, e eu, casando com Alicia, significa que a
pequena ficará sem uma presença feminina para compartilhar seus
sentimentos, como o primeiro amor, nem com quem tirar dúvidas sobre o
primeiro beijo. E quando ela ficar mocinha? Vai contar para o pai? Ele é tão
turrão que não consigo imaginar como ele reagiria. E se contar para o
irmão? Douglas vai zombar dela porque é só isso que ele sabe fazer!
— Eu não vou tirar ela de você, combinado? — Eu olho para ela, e
ela consente lentamente. — A gente vai te levar todo dia para lá. Tem um
quarto sobrando, e aí você vai poder ficar com ele até a Lice ficar grávida.
— Mas quando o bebê nascer, eu vou ter que ir embora.
— Nada disso. Você vai ficar. Vai ficar com a gente e com ele
também. Se ele for menino, você vai poder ensiná-lo a ser gentil com as
meninas. Se ela for menina, você poderá ensiná-la a ser adorável como
você. — Aperto suas bochechinhas, e ela sorri.
— Então, será muito bom e divertido! — Ela sorri grande, mostrando
suas covinhas. — Por favor, Nico, me promete que nunca vai deixar a Lice.
Eu preciso ensinar os bebês. Quero fazer por eles o que a Lice fez por mim
e também quero ser uma tia legal com eles como você é comigo. Então, por
favor, Nico, nunca deixe a Lice. Você me promete que vai ficar para sempre
com ela?
— Eu prometo, garotinha. A Lice é a mulher da minha vida.
— Obrigada, Nico. Quero muito que vocês se casem logo. Estou
muito ansiosa para ser a daminha de vocês. — Ela sorri abertamente,
desmanchando meu coração.
Depois do que eu fiz, pequena, não sei se sua irmã ainda vai querer
ficar comigo.
No mesmo instante, Alicia entra na sala.
— Para a cama, pentelha! — ela exige, dócil, colocando uma mão na
cintura.
Como sempre, Nicole a obedece. Levanta-se do sofá e me dá um beijo
estalado na bochecha.
— Boa noite, Nico. Vou sonhar com nossos bebês.
— Boa noite, boneca! — Aperto suas bochechas rosadas, e ela sorri.
— Boa noite, Lice. — Ela envolve os braços na cintura da irmã e
suspira. — E não demora para ir para o quarto. Você sabe que tenho medo
de dormir sozinha.
— Acho bom você começar a se acostumar. Daqui a pouco será só
você e o Douglas.
A pequena suspira, inconformada, com o rostinho tristonho.
— Viu, Nico? Ela não vai me levar.
Alicia enruga o cenho, e antes de eu deixar claro para Nicole que
nunca a deixaremos, ela vira as costas e anda para fora da sala, arrastando
os pés. Minha noiva se senta ao meu lado e suspira, se encaixando em meus
braços e me olhando por cima dos cílios.
— Uma noite com o papai e a criançada dormindo. — Ela se
desvencilha de mim e me dá um beijo leve na boca. — Estou sonhando ou é
real?
Sorrio, lhe admirando, e então faço carinho em seu cabelo. Penso no
quanto ela é boa com a irmã, em como Nicole a ama como se fosse sua
falecida mãe. Com certeza Alicia será uma ótima mãe para nossos filhos. Se
cuida assim da irmã, com os filhos será melhor ainda. E sem contar que é
um exemplo para eles. Tão forte, tão guerreira. Admiro-a. Não há dúvidas
de que é uma mãe assim que quero para os meus filhos. Não há dúvidas de
que é uma mulher assim que quero ao meu lado até a minha velhice. Eu a
amo.
Carina foi uma distração. Uma distração que passará quando eu enfim
acabar com minha vontade de sexo, quando ela for embora e restar só
Alicia e eu. Só estou confuso no momento, mas isso vai passar.
— Eu preciso te contar uma coisa — ela avisa, se sentando de pernas
cruzadas, deixando-as tipo uma borboleta. — Você sabe que meu pai vai
viajar a trabalho, não sabe? Que na próxima semana ele vai para outra
cidade e só volta no mês seguinte...
Assinto, pois há algum tempo conversamos sobre isso.
— Então, na semana que vem, minha tia vem pegar o Douglas e a
Nicole para levar para a casa da vovó. Eu falei que não vou porque tenho
um trabalho da faculdade para entregar, o que é mentira. — Ela dá um
sorriso maroto. — Queria aproveitar a paz e a gente tentar.
Sinto meu cenho levemente franzir. Estou confuso. Não compreendi
totalmente a mensagem.
— Tentar...?
Instantaneamente, o rosto de Alicia fica vermelho. Ela coloca as mãos
no rosto, se escondendo de mim.
— Ai, amor, para! — Ela ainda tem as mãos no rosto. — Você sabe
do que eu estou falando! — Ela tira as mãos do rosto e me olha. — O que
você acha?
Então, eu entendo. É sobre sexo que ela fala. Pensar nisso faz uma
náusea tomar conta de mim, a ponto de fazer a bile alcançar minha
garganta. É culpa, remorso, pelo meu erro cometido.
— Eu quero tanto isso, amor — ela diz, segurando meu rosto entre
suas mãos.
Não consigo olhá-la nos olhos. Não tenho coragem para isso. Mas
também não quero magoá-la. Não quero dizer o que fiz e vê-la se
despedaçar ao meu lado. Deus! Eu não seria capaz de suportar.
— Por que você está assim? — ela quer saber, soltando meu rosto,
frustrada. — Você não quer, amor? É isso?
Levanto meu olhar e encaro seu rosto bonito. Ela, com o cenho
levemente enrugado, me encara com expectativa.
— Eu quero, Lice. Claro que quero. Mas não quero que você faça isso
porque...
— Não, amor. Não é por pressão. Eu quero mesmo. Eu fiquei
sonhando com isso depois daquela última vez que nós... ah, você sabe, que
nós fomos muito além. E eu estou pronta, e na semana que vem estaremos
sozinhos. É um sinal, amor. Devemos consumar o que temos.
Abro um sorriso pequeno para ela, puxando seu rosto pelo queixo, e
lhe dou um beijo doce. Outro beijo dos meus lábios traidores. Por outro
lado, meu coração se preenche de um sentimento bom, que eu não consigo
explicar o motivo de senti-lo. Acho que é por me lembrar de que tenho uma
noiva maravilhosa, cheia de qualidades, apesar das limitações trazidas pelas
inseguranças e pelos medos.
Alicia é surpreendentemente doce, forte, guerreira, boa, inteligente...
um infinito de adjetivos para descrevê-la. E, além de tudo, ela me ama
muito, como nunca fui amado na vida, assim como eu a amo, mas que
infelizmente eu vim a cometer um erro sobre o qual nunca conversamos:
traição. Nunca precisamos conversar sobre isso porque sempre fomos claros
um com o outro, mas aqui estou eu sendo o traidor.
Olho para ela, que agora está completamente envolvida em meus
braços, com um sorriso leve nos lábios e o olhar de garota apaixonada.
Deveria puxar tal assunto? E se ela desconfiar do que eu fiz? E eu
devo contar? Ou eu devo esconder para sempre e torcer para que ela nunca
saiba? Porque é possível simplesmente fingir que nada aconteceu, afinal
muitas pessoas fazem isso. Carina mesmo falou que foi amante do
namorado de uma amiga. E disse "amante" no gerúndio, como se ela tivesse
ficado com o cara em um grande espaço de tempo e não em um espaço
curto de tempo, e a traída até hoje não sabe que foi traída.
Então, por que eu preciso contar para a Alicia, se só foi um beijo?
Estragar com tudo que eu e ela construímos todo esse tempo juntos por
causa de um beijo, de um maldito beijo que eu dei na Carina, um beijo sem
significância, que não vai mais se repetir?
A recordação do beijo, da traição, irá passar, e eu, aos poucos, me
sentirei menos culpado. Passará uma semana, um mês, um ano e eu nem irei
mais me lembrar de que um dia beijei a garota que eu sempre quis beijar,
assim como passou a vontade que eu fiquei de beijá-la outra vez.
Porque a vontade passou, e eu não acredito que ela irá voltar.
Capítulo 24
Você costumava dizer que me amava

O que aconteceu, o que aconteceu?

De onde é que tudo isso veio?

O que aconteceu? O que aconteceu?

Você diz que estou louca e que não tem nada de errado

Você está mentindo e você sabe que eu sei

Querido, no que nos tornamos? O que aconteceu?

LOVE ME OR LEAVE ME – LITTLE MIX

— Ele não está tão a fim de você, o que acha? — Alicia pergunta para
mim, enquanto eu me sento ao seu lado, no sofá da minha sala, trazendo
comigo um balde de pipoca e um copo grande de refrigerante.
— Ótimo!
Deixo-os sobre a mesa de centro da sala e me encosto no sofá, sendo
recebido pelos braços de Alicia ao redor do meu pescoço. Ela estica o braço
e pega o controle remoto na mão e aperta um botão, aumentando o volume
da TV.
— Adoro esse filme. — Ela estica um braço até a mesa de centro e
pega algumas pipocas, levando-as até a boca. — Está na metade, mas é
válido.
— Você já viu tantas vezes esse filme, não enjoa? — Pego um
punhado da pipoca, deixando uma na boca de Alicia. Ela sorri com o gesto.
— Não. Gosto da Gigi. Ela é tão engraçada. E essa história é tão... —
Ela parece pensar na palavra a usar para resumir o filme. — Real! Uma
garota que não consegue namorado, um cara que enrola sua namorada há
sete anos, um cara traidor, que só pensa numa vadia loira.
Sentindo que aquilo me parece uma indireta, olho de soslaio para ela,
que, atenta e de perfil para mim, olha para a TV. Depois, pega um punhado
da pipoca e leva à boca.
— O que foi? — Ela gira o pescoço para mim. — Gosta do que vê?
— Claro que gosto, meu amor.
— Estava pensando. — Ela junta as pernas e as segura com as mãos,
trazendo-as para cima do sofá. Seus joelhos tocam minha coxa. Observo,
enquanto ela ainda fala: — Podemos aproveitar que sua prima não está e
namorar um pouquinho, o que acha?
Sem esperar por uma resposta minha, Alicia senta em meu colo e me
dá um beijo molhado, puxando minha língua para a sua, completamente
diferente de todas as vezes que ela me beijou.
Deus! Eu sempre quis isso, sempre desejei que Alicia desse um passo
à frente e derrubasse seus medos, e aqui está ela fazendo isso, bem em um
momento que eu não mereço. A culpa não permite que minha excitação
ocorra, como normalmente ficaria nessa ocasião. Só faz um dia que beijei a
loira. Não tem como eu não me sentir sujo e desonesto com Alicia.
E a loira... desde ontem que não a vejo, desde o momento que lhe dei
um beijo e ela se trancou no quarto e não saiu mais. Antes do beijo, ela
havia me falado que iria a uma festa na casa do Gustavo. Provavelmente
dormiu lá, com ele, pois ela não voltou para casa. Sei disso porque não a vi
em casa ontem à noite nem hoje pela manhã. Não que eu necessariamente
esteja preocupado. Sei que ela está bem.
Depois que acordei, abri minhas redes sociais e vi uma marcação dela
em uma foto no Facebook, em que ela não parecia triste ou confusa, como
eu. Pelo contrário, parecia a Carina de sempre, a Carina com um copo de
bebida na mão e cercada de caras e garotas bonitas, a Carina das “resenhas”
da vida. Provavelmente não voltou para casa porque deve ter bebido muito,
a ponto de passar mal e não conseguir vir para casa ou simplesmente...
Suspiro ao pensar nessa grande possibilidade.
Ou simplesmente dormiu com ele.
Não sei por que, mas pensar nisso está me atormentado o dia todo.
Não paro de pensar nas mãos dele tocando o corpo dela, na boca dele
tocando na dela...
— O que foi? — Alicia pergunta, soltando minha boca da sua e
apertando os olhos para mim.
— Nada. — Passo meu polegar por sua bochecha e dou um beijo
casto em seus lábios salgados de pipoca, a encarando firme nos olhos. —
Estou distraído, mas saiba que estou muito feliz pela gente, pelo próximo
passo que daremos.
— Ah, é? Deixa eu te fazer mais feliz então.
Como nunca antes, Alicia posiciona suas pernas entre meus quadris,
subindo seu vestido até a altura de suas coxas. Sua entrada toca meu
membro que, levemente enrijecido, pinça em minha cueca quando sente a
abertura do sexo de Alicia sobre ele.
Alicia me puxa pelo pescoço, escorrendo seus dedos pelos meus
cabelos e trazendo sua boca para a minha. Passo por cima dos meus
ressentimentos e, como um noivo apaixonado que sou, correspondo ao seu
beijo. Sugo sua língua para minha boca de modo que passo uma de minhas
mãos por suas costas, alisando-a. Desço minhas mãos para baixo de seu
corpo, sentindo o desenho de sua silhueta. Aperto sua cintura contra mim.
Alicia corresponde esfregando seu sexo no meu, que dessa vez não reage.
Alicia parece notar, pois se distancia um pouquinho de mim e me
encara com o cenho levemente franzido. Ela faz que não, mas sorri e desce
a alça do vestido pelo ombro, fazendo esse cair até sua cintura. Ela passa a
mão por meu rosto e toca com seus dedos em meus lábios, voltando a me
beijar suavemente.
Dessa vez, sinto meu coração pulsar em minha garganta. Não sei é
medo ou se é paixão. Os sentimentos estão misturados, minha cabeça está
confusa. Não consigo me concentrar no momento. Não consigo me
concentrar em Alicia sobre mim.
É ela. É ela em minha mente, ocupando todos os meus sentidos, me
fazendo querer tê-la aqui comigo, agora. É ela que quero nesse momento. É
ela que quero tocar, beijar, sentir debaixo dos meus braços. É só ela que
quero. Meu peito acelera não é por amor a Alicia, mas pelo desejo
inoportuno que sinto por Carina, que acende como um vulcão em chamas.
Um rangido toma minha atenção, me fazendo soltar a boca de Alicia e
abrir os olhos. Olho por cima dos ombros de Alicia e vejo Carina parada na
porta de entrada com os olhos arregalados, olhando para nós, para mim e
Alicia. A última gira o rosto para trás e solta um grunhido de vergonha.
— Desculpa — Carina pede, desviando o olhar de nossa direção. Ela
bate com a porta atrás de si, enquanto Alicia, agora ao meu lado no sofá,
ajeita o vestido no corpo, provavelmente vermelha de vergonha.
A loira vira as costas, indo para seu quarto e batendo a porta.
— Eu quero ir embora — Alicia resmunga.
Capítulo 25
Meu bem, você me dá água na boca
Vestindo fantasias, tirando a roupa

Molhada de suor de tanto a gente se beijar

De tanto imaginar loucuras


MANIA DE VOCÊ – RITA LEE

Alicia não falou muito durante o caminho de volta para casa. Parecia
incomodada, insatisfeita. A primeira palavra que disse foi quando desceu do
carro: “você precisa dar um jeito nisso”, me beijou e bateu a porta. Vim o
caminho inteiro pensando em todas as coisas que preciso dar um jeito, em
como minha vida se tornou uma bagunça desde que trouxe Carina para
viver comigo e o que preciso fazer para tirá-la de uma vez por todas da
minha cabeça.
Mas agora, quando eu entrar naquele apartamento, teríamos nossa
conversa e resolveríamos isso. Se ela estiver trancada em seu quarto, eu
seria capaz de arrombar a porta e invadi-lo só para ela ouvir toda a verdade.
Vou dizer para ela o que estou sentindo, os desejos que venho reprimindo.
Vou ser sincero e dizer que preciso dar um jeito nisso. Ou ela vai embora ou
eu vou, porque juntos não podemos ficar.
Abro a porta do meu apartamento e entro no espaço, batendo-a atrás
de mim. Quando passo pela sala, me deparo com um anjo lindo e loiro, de
costas para mim, de frente para a pia da cozinha, colocando alguma coisa
para bater no liquidificador. A passos lentos, ando até perto dela, ficando do
outro lado da bancada da cozinha.
— Precisamos de uma conversa — a abordo.
Ela se vira para mim e dá um pulo para trás, como se tivesse levado
um susto. Depois, desliga o objeto barulhento e se vira de frente para mim,
escorando-se no mármore da pia, mas não me olha. Encara o chão.
— Desculpa pelas coisas que falei — ela pede, levando seus olhos até
os meus.
Sinto meu cenho enrugar, sem entender.
— Eu não falei sobre seu pênis porque estava dando mole para você.
Eu falei sobre isso porque eu me sinto sua amiga, e eu achei que não tinha
problema. Eu converso sobre qualquer coisa com meus amigos, e alguns
deles não ficam excitados por isso. Tudo bem que você... que você me disse
que eu te excitava, mas depois.... mas depois eu achei que tinha passado
porque você voltou a agir normalmente. Dormimos juntos sem querer, no
dia da tempestade, depois passamos o resto da semana fazendo isso,
abraçadinhos. E, não Nick, eu não vi maldade nenhuma nisso. Eu não dormi
com você pensando em te beijar ou ir para a cama com você depois. Eu
dormi com você porque eu gostei de fazer isso, porque foi bom e me fez
feliz. Eu não estava dando mole para você, da mesma forma que não estava
quando você me viu pelada, saindo do banho ou trocando de roupa. Eu sei
que tenho essas manias feias, mas aos poucos estou me livrando delas.
Então, me desculpe por te fazer pensar de outra forma.
— Não. Eu não pensei de outra forma. — Dou dois passos até ela,
ficando dois centímetros a sua frente. Cruzo os braços sobre o peito, e ela
desvia o olhar.
— Eu sei que erro. Sei que é culpa minha. Eu acabo fazendo os caras
pensarem errado, mas não era minha intenção. Não era.
— Mas era a minha.
Ela volta com seu rosto para mim, me encarando por cima de seus
cílios. Descruzo meus braços, sentindo meu coração bater forte contra
minha blusa, bem como minhas mãos suarem e um frio percorrer por minha
barriga, de nervosismo.
— Eu te beijei porque você estava certa, porque eu reprimo meus
sentimentos. Eu queria fazer aquilo há muito tempo.
— Mas você tem...
— Uma noiva. Sim, eu tenho e me sinto horrível por isso. Mas você,
Carina.
Ela fixa os olhos nos meus. Seu peito sobe e desce, evidenciando sua
respiração descontrolada.
— Você é irresistível. Você... você está me deixando louco. Não paro
de pensar em você.
Ela faz que não com a cabeça, virando o rosto para o lado outra vez,
se esquivando de mim. Fazendo isso, sua respiração diminui, mas a minha,
do contrário, só de eu olhar para seus lábios rosados, só aumenta.
— Não posso negar que fiquei muito balançada. — Ela volta com seu
rosto para o meu, mas suas feições estão sérias. — Você não é mais o
mesmo, Nick. Você é um homem agora, e, sim, eu também me sinto atraída.
E essa intimidade toda que estamos tendo não vai nos ajudar a controlar o
que estamos sentindo.
Como?
— O que disse? Controlar o que estamos sentindo? Estamos?
— Você acha que eu não pensei um monte de coisa depois do beijo?
Nicolas, eu gostei, e é por isso que estou tão brava! E não é só pela Alicia.
É porque está errado. Você é como se fosse meu primo. Fomos criados
juntos, brincávamos juntos. Eu olho para você e penso no Caio, no
Bernardo. Eu sempre conversei sobre tudo com eles, desde os super-heróis
até sexo. E não, nunca senti vontade de ir para a cama com eles. E seu
irmão é daquele jeito, pega todo mundo, e ele nunca deu em cima de mim,
bem como eu também nunca me senti atraída por ele. O que estamos
sentindo está errado. Não podemos fazer isso. Por mais que sintamos
vontade.
— Então você também quer isso, Carina? Você também quer ficar
comigo?
— Não. Quer dizer, eu quero, mas estou dizendo que quero me afastar
de você. Porque é melhor assim. Não quero ser sua amante. E também não
quero te beijar porque você não é um cara que eu deveria beijar.
Pego em seu braço.
— Cá... não faz isso.
Carina olha para minha mão apertando seu braço fino, levanta seu
rosto para o meu, me fazendo encontrar com seus olhos azuis fascinantes
presos aos meus. Seus lábios se abrem em uma linha fina, quando ela emite
um único sussurro:
— Nick...
Sendo guiado por um desejo incontrolável, me aproximo dela e toco
seu rosto com as costas da minha mão, fazendo-a fechar os olhos ao sentir
meu toque. Passeio por sua boca com meu polegar, pressionando sua nunca
com minha outra mão. Meu coração alcança minha garganta,
descontrolando suas batidas a cada respirada de Carina sobre mim.
Ela abre os olhos e me encara fixamente.
— Eu não quero atrapalhar você com a Alicia — diz, com meu dedo
ainda sobre seu lábio.
— Você não atrapalha.
— Nick, você tem uma noiva. — Sua voz sai rouca, e seus olhos,
fixos, estão concentrados nos meus. Ela morde o lábio inferior e olha para o
lado, desviando seus olhos dos meus. Passo meu dedo outra vez por sua
boca, trazendo seu rosto meigo e ao mesmo tempo sensual de volta para
mim.
Eu seria capaz de beijá-la de novo. E de novo. E de novo. Ainda mais
com ela me chamando de Nick. Isso sempre foi tão perturbador. Só ela me
chama assim... Só ela!
— Só você me chama de Nick, e eu sempre achei isso uma gracinha
— confesso, provavelmente apresentando um rosto meio embasbacado.
Mas não importo. Estou gostando disso. Aproximo meu rosto mais ainda do
dela, quase selando nossos lábios.
— Nick. — Ela tira minha mão de seu rosto e me encara, séria, mas
seus olhos ainda estão concentrados nos meus. — Você vai se arrepender.
Eu só serei um momento.
— Está enganada. E mesmo que você for um momento, que seja meu
melhor momento.
Ela sorri, parecendo mais leve agora. É aí que eu que eu aproximo por
completo nossos rostos e colo nossas bocas, sentindo sua respiração quente
tocar o meu rosto. Seus lábios macios tocam os meus, suas mãos, ágeis,
rapidamente enroscam-se em meus cabelos e sua língua quente toma a
iniciativa de sugar a minha para sua boca.
Laço a cintura fina de Carina com meus braços, empurrando-a para de
encontro com o mármore da pia. Meu coração acelerando cada vez mais em
minha garganta, enquanto sua língua me suga, suas mãos puxam meu
cabelo, e as minhas passeiam, sem qualquer receio, toda a extensão do seu
corpo bem distribuído.
Sinto meu membro pinçar contra a barriga de Carina, fazendo-a
emitir um grunhido, que me excita mais, trazendo ondas de calor por todo
meu corpo. Suas mãos me puxando para si. As minhas apertam sua cintura,
sobem por dentro de sua camisa e encontram seus seios. Desgrudo nossas
bocas, descendo minha língua para seu pescoço. Lambo-a, sentindo seu
gostinho de morango, enquanto suas mãos pressionam o mármore da pia e
ela arfa, gemendo baixinho.
— Te quero, garota — murmuro em seu ouvido, passando a língua no
lóbulo de sua orelha, o que a faz arfar outra vez. — Te quero muito. Você
não sabe o quanto. — Levo meu rosto para o seu, fazendo nossos narizes se
encontrarem. — Você me quer?
— Quero, Nick. — Ela me beija rápido, sugando meu lábio inferior.
— E preciso.
Sinto um sorriso preencher meus lábios. Carina tira os óculos do meu
rosto e os coloca sobre o mármore da pia. Depois, gruda outra vez nossas
bocas, enquanto eu a pego pela cintura e a arrasto para fora da cozinha.
Quando passo pela porta do meu quarto, coloco minhas mãos dentro
de sua blusa, tirando-a pela cabeça, o que faz seus seios saltarem para fora,
enroscando seus mamilos durinhos em meu peito.
Sentindo minha excitação gritar em mim, deito Carina sobre minha
cama, deitando com meu corpo sobre ela. Esfrego minha dureza na entrada
de seu sexo ainda coberto, para que ela me sinta, ao mesmo tempo em que
passo minha língua na entrada entre seus seios. Carina se contorce na cama,
com uma mão puxando meus cabelos. Desço minha língua para sua barriga,
enquanto que com minhas mãos puxo sua bermuda pelas pernas, trazendo
com ela sua calcinha preta umedecida.
Sorrio para o que vejo. Lindo como um sonho.
Minhas batidas aceleram ainda mais em meu peito e minha ereção
pula, como um cão feroz, prestes a atacar. Ajoelho-me sobre a cama,
abrindo o zíper da minha calça, puxo meu membro para fora, massageando
toda sua extremidade, sua cabeça mela minha mão, e vejo Carina olhar no
fundo dos meus olhos enquanto o mostro para ela.
Encurvo-me sobre o corpo da minha loira, lambendo sua barriga,
enquanto agora minhas mãos esfregam seus seios macios. Desço minha
boca para seu sexo e, com ajuda do meu polegar e do meu indicador, abro
sua entrada e passo minha língua, para sentir o seu gosto, um gosto amargo,
mas delicioso. Carina se contorce outra vez, gemendo baixinho. Ela me
afasta de si e me encara.
— Por favor — ela diz, tocando meu rosto com as costas da mão, e
por um momento sinto meu coração bater menos forte.
— O que foi? Quer parar? — Acho que meu rosto transmite a
decepção que sinto.
— Não, claro que não. — Ela abre um sorrio maroto. — Eu quero
logo. Deixa as preliminares para depois. Mas, por favor, devagar. E com
carinho, tudo bem?
Assinto e também abro meu sorriso maroto.
— Do jeito que você quiser. — Beijo sua boca levemente, de modo
que seguro meu pênis com minha mão e o encaixo em sua entrada úmida e
apertada, sentindo sua unha penetrar em minhas costas e sobretudo um
prazer inigualável percorrer por cada poro do meu corpo.
Sentindo meu pênis ser pressionado pela extremidade apertada do
sexo de Carina, um grunhido me escapa pela garganta, ao mesmo tempo em
que minhas batidas voltam a bater com toda força, feito bateria de escola de
samba no carnaval.
Carina solta suas mãos de minhas costas para segurar meus cabelos
com uma mão e, com a outra, trazer o lençol para entre seus dedos,
enquanto eu começo a seguir o ritmo frenético de estocar e destocar seu
espaço apertado.
Olho para o rosto dela, que desvia constantemente o olhar, e
estranhamente vejo tudo, menos prazer. Parece decepção. E medo. E raiva. E
nojo. E mágoa. E milhares de outras coisas, todas no mesmo rosto contraído.
Seria por causa de Alicia? Seria por sermos quase primos? Ou seria pela
culpa de estar corrompendo o garoto certinho?
Não tenho tempo para pensar em muitas coisas no momento, porque o
prazer que eu sinto é o que fala mais alto. Em uma única vez em toda minha
vida, esqueço que tenho que proteger, que tenho que sempre parar o que é
bom para mim e perguntar a qualquer pessoa que seja se está tudo bem. Por
um momento na minha vida, tenho um momento egoísta e penso em mim.
Fecho os olhos e penso só em mim. Penso na liberdade misturada com
prazer e satisfação que sinto. Penso no meu membro sendo pressionado
gostosamente e tão prazerosamente como está no momento por seu sexo
apertado, seu clitóris pulsante tocando sua cabeça, no vai e vem de nossos
movimentos. Na real, dos meus movimentos.
Abro os olhos e a vejo fechar os seus. Ela arpeja para trás e geme
fraco. Em seguida, abre os olhos lentamente, mas ainda sem me olhar. Olha
o vazio do quarto, um nada em minhas costas. Observo-a. E como se tudo
aquilo já não fosse mágico o suficiente, exatamente no mesmo momento em
que ela goza, estremecendo o corpo devagarzinho debaixo do meu, uma
onda quente, que não veio nenhum momento antes, e não voltará nenhum
momento depois, lava a nós dois.
Caio ao lado dela, sentindo meus joelhos doerem, cansados.
Olho para o lado e vejo Carina paralisada encarando o teto, o rosto
sério. Giro meu corpo para ela. Deixo meu momento egoísta de lado e
penso nela. Penso no que há de errado, penso que talvez eu não tenha a
satisfeito, que fingiu para que eu acabasse logo com aquilo, que eu deveria
ter demorado mais, que fui muito rápido. Abro a boca para perguntar se está
tudo bem, mas sou cortado por um sorriso grande, leve, diria que de alguém
que precisava se libertar, saindo dos lábios mais deliciosos que já provei.
Desço meus olhos para meu corpo nu suado e gozado e abro um
sorriso pequeno, me achando bobo e satisfeito pelo que acabara de
acontecer. Nessa hora, o transe se esvaindo, me fazendo levar meus olhos
para minha mão esquerda sobre a cama, parando bem no meu dedo anelar
brilhando. E só então... só então penso no erro que acabei de cometer, um
erro que, por um motivo desconhecido, não faz eu me sentir nenhum pouco
mal. Carina estava certa. Aqui está o meu lado obscuro.
E gostei do que fiz.
Capítulo 26
A gente faz amor por telepatia

No chão, no mar, na lua, na melodia

Mania de você

De tanto a gente se beijar

De tanto imaginar loucuras

MANIA DE VOCÊ – RITA LEE

Bato com a porta atrás de mim e paro do outro lado da bancada da


cozinha, me debruço sobre ele e observo Carina, na cozinha, com fones de
ouvido, dançando, para lá e para cá, enquanto lava alguns pratos, do café da
manhã, que estão dentro da pia. Ela remexe os ombros, e lindamente os
quadris, balança a cabeça para lá e para cá, faz uma pausa, ergue a mão e
parece cantar um trecho da música, em que a letra parece dizer que ela faz
os bonzinhos ficarem maus por um final de semana.
Interessante.
— So it's gonna be forever or it's gonna go down in flames. You can
tell me when it's over if the high was worth the pain. Got a long list of ex-
lovers. They'll tell you I'm insane 'Cause you know I love the players and
you love the game!
(Então, vai ser para sempre ou vai acabar em chamas? Você pode me
dizer quando terminar se os momentos bons superaram a dor. Tenho uma
longa lista de ex-namorados. Eles te dirão que sou maluca, pois, você sabe
que eu adoro os jogadores, e você ama o jogo)
Sorrio largo e livremente, me sentindo contente com o fato de, desde
ontem, estarmos em sintonia. Não transamos depois da primeira vez.
Apenas conversamos um pouco e pegamos no sono. Acordei mais cedo, lhe
observei dormindo, tomei um banho rápido e sai para comprar uma pílula
do dia seguinte para ela, uma vez que transamos sem nos prevenirmos. Não
falei para ela que compraria, mas não acho que ela esteja planejando ter
bebês agora.
Faço que não com a cabeça, deixo a sacola do produto que comprei
sobre a bancada que divide sala e cozinha, dou a volta no espaço e abraço
Carina por trás, beijando seu pescoço. Ela arqueia com as costas para trás e
segura minhas mãos, me fazendo dançar junto a ela, meio desajeitado. Beijo
seu pescoço outra vez, e ela se vira de frente para mim, puxando minha
boca para a sua. Depois, me solta, me fazendo ver seu look de garota sexy:
uma camisa minha.
Se as garotas soubessem o quanto ficam sexys assim...
Carina tira os fones do ouvido e deixa-os, juntamente ao celular, na
parte seca da pia.
— Bom dia! — ela diz e sorri.
— Bom dia. — Beijo sua bochecha. — O que você ouve?
— Taylor Swift, “Blank space”.
— Você gosta, né?
— Muito. Fui a um show dela no Rio, em 2012.
— Deve ter sido divertido.
— É, foi. Eu tinha quinze anos. Imagina! Era uma adolescente louca
por cantores pops.
— Acho que ainda é.
— É, um pouco. E por onde você esteve?
— Eu fui comprar preservativos e uma pílula porque ontem eu gozei
dentro de você. — Beijo sua bochecha outra vez, me sentindo
envergonhado por dizer isso tão abertamente assim.
— Será que vai me fazer mal? — Ela faz um biquinho, me dá um
estalinho e volta a ensaboar os pratos.
— Não sei. — Debruço meu braço sobre a pia e observo Carina, sem
modos algum para a tarefa, terminar de lavar a louça. — Você nunca
tomou?
— Não.
— Hum.
— Eu já te falei que eu odeio tomar remédio?
— Lembro de tia Lucy reclamando.
— Ontem foi do nada. Não estávamos preparados, mas não podemos
mais correr esse risco.
— E não vamos. Comprei algumas camisinhas.
Observo seu coque, no alto da cabeça, mal feito, sua boca apontada
para frente, seus olhos grandes, atentos aos pratos em suas mãos, seus cílios
quase tocando o céu, e sinto tanta vontade de agarrá-la. Não apenas para
fodê-la. Isso também. De acordo com a pinçada que recebo em minha
cueca, não há dúvidas. Mas principalmente para por dentro dos meus braços
e guardar comigo, cuidar, fazer muitos carinhos, lhe encher de beijos o dia
todo.
Só de pensar na possibilidade meu coração fica aquecido. O
sentimento é tão forte que mal consigo sentir culpa por errar com Alicia.
Pelo contrário, uma pureza tranquiliza meu coração, minha alma, me faz
querer sorrir como um bobo o tempo todo.
Bernardo estava certo. Sempre tive um grande sentimento pela Carina
e o escondi, assim como ele sempre gostou da Laura e reprimiu seus
sentimentos. E por medo de ser rejeitado, ou por acreditar que nunca
daríamos certo juntos, já que somos tão diferentes um do outro. Além disso,
como Carina mesmo me disse, nós dois juntos parecia tão errado. Mas
engraçado que, depois do que aconteceu, pareceu ser tão certo.
— Sabe. — Ela põe os pratos no secador ao lado da pia, me fazendo
ficar atento a cada gesto seu. Seca as mãos no pano de prato, se escora na
pia, ficando de perfil para mim, e cruza os braços. — A gente mal
conversou sobre o que aconteceu, Nicolas. Nos beijamos, aí ontem
transamos daquela forma louca. Depois, ficamos conversando a noite inteira
sobre nossa infância. Você disse que desde aquela época se sentia atraído
por mim, que o Bernardo sempre te alertou sobre isso e tudo o mais. Okay,
foi uma grande surpresa. Nunca pensei que você sentia alguma atração por
mim. Só que você tem uma noiva, você é todo desse jeito aí certinho e eu
não estou vendo remorso em você.
— Preciso conversar com ela.
— Isso eu sei. Mas aí vai ficar assim: você conta para ela, ela aceita e
você fica com as duas?
— Eu não sou assim, Carina.
— O que você quer dizer com isso? — Ela traz seu rosto para mim,
erguendo a sobrancelha.
— Que eu fico com uma pessoa de cada vez — respondo o óbvio.
— Não é o que parece. Até você é como todos os outros, Nick. Seria
um ano de luto para as garotas românticas, caso elas saibam disso — ela
zomba, abrindo um sorriso travesso.
Acabo por sorrir junto.
Essa garota me desestabilizou, me tirou do comum, acabou com
minhas crenças, com meu estilo de vida, mas ainda assim me sinto tão
tranquilo e feliz estando com a garota errada. Por que isso me parece tão
certo?
— Eu não sei o que está acontecendo comigo. — As palavras
escorregam livremente pela minha boca, mas eu não me importo. — Não
sei. Estou bem, estou satisfeito e quero mais. — Giro meu corpo para o
dela, laço sua cintura e seguro seu rosto bonito entre minhas mãos.
Tamborilo meus dedos no seu queixo fino, e ela sorri docemente para mim.
— Eu também não sei o que está acontecendo comigo. Agora mesmo
estou doida para pular no seu pescoço, te beijar de novo e também fazer
outras coisas.
— A proposta é bem tentadora.
— O que nós faremos com isso que estamos sentindo? — Ela morde a
boca, deixando um sorriso de lado escapar. Linda como um anjo, sexy como
um diabo.
A minha resposta é simplesmente dar de ombros.
— Eu vou pedir um tempo para a Alicia. Precisamos resolver isso. —
Aponto o dedo indicador para mim, depois para ela.
Ela encaixa a cabeça em meu peito e laça minha cintura. Beijo o topo
de sua cabeça, sentindo o cheiro do seu shampoo adocicado. Meu coração,
em resposta, começa a pular mais forte no meu peito, mas não deixo de
estar tranquilo. Aqui, parece tão certo estar.
A tranquilidade acaba quando penso no Gustavo.
Eu tenho Alicia, mas ela tem ele. Ela vai dizer a ele o que aconteceu?
Pois, conhecendo bem Carina, sei que ela deve ficar com vários caras ao
mesmo tempo, mas não quero ter que dividi-la, não quero ter que saber que
outros envolvem sua cintura em um abraço, como eu.
— Carina?
— Hum? — Ela levanta o rosto e me encara. Ela parece me estudar,
me analisar.
— Você e o Gustavo ainda estão juntos?
— Não, Nick. Somos amigos agora, desde uma semana atrás. Acho
que eu já tinha te falado isso.
Mas eles seriam amigos que se beijam? Que transam? Afinal, ela
dormiu na casa dele...
— É que você dormiu lá. Eu achei...
— Eu só dormi lá para fugir de você.
Não sei se acredito, mas não tenho por que cobrá-la de alguma coisa.
— E você vai continuar fugindo? — Sorrio bobamente e a aconchego
novamente em meus braços. — Espero que não.
— Você vai dizer para ela que a traiu? — Ela levanta o rosto para me
olhar.
— Eu não sei. Você acha que eu deveria?
— Não sei. Tudo que sei é que ela não merece isso, Nicolas.
— Eu sei. E eu me sinto muito mal com isso. Eu acho que não a amo
mais. Se eu a amasse, eu não estaria aqui, contigo. Se eu a amasse, meu
coração estaria insatisfeito com o que eu fiz, mas não estou. Meu coração
está feliz por termos nos beijado e mais feliz ainda por você está me
abraçando agora. — Aperto-a contra meus braços bem forte, e ela suspira.
— E você, como se sente?
— Excitada. — Me encara de novo, abrindo um sorriso doce, e com a
respiração pesada. — Tem algum tempo que não faço sexo. Acho que você
me acendeu.
— É? — Desço minhas mãos e aperto seu bumbum, puxando seu
corpo contra a dureza que já começou a se instaurar em meu membro. —
Eu fiz isso?
— Fez sim, Nick.
—Você também me acendeu, Cá. — Mordo seu lábio inferior. —
Como um vulcão em erupção.
— Então vamos apagar esse fogo, Nick. Aproveita que já estou
molhada. — Ela me solta de seus braços e vira as costas, saindo da cozinha
e puxando minha camisa pela cabeça, me proporcionando a visão de suas
costas nuas; seu bumbum está coberto apenas por uma calcinha branca e
pequena. Mas infelizmente sua silhueta nua some depois da porta.
Meu membro vibra, imaginando o que está por vir. Sorrio, mordendo
a boca, sentindo meu coração acelerar bem forte em meu peito
Pancadas d’água ecoam pelo espaço, me fazendo entender que ela
está no banheiro. Ela está no banheiro tomando banho e de porta aberta.
Caminho apressadamente até o banheiro, onde encontro Carina
abrindo o boxe, me proporcionado uma visão espetacular de seu corpo nu.
Passo meus olhos por todo seu corpo, dos pés à cabeça, até alcançar o seu
rosto, no qual ela tem um sorriso da garota levada e safada, muito safada.
Sua respiração acelerada, fazendo seu peito subir e descer enquanto a água
escorre por seu corpo.
Tiro meus óculos, minha camisa, minha calça e cueca, com tanta
pressa e agilidade como nunca antes, entro no box, pego Carina pela cintura
e lhe encosto contra a parede gelada e úmida. Ela se curva para trás por
sentir meu corpo contra o dela. Eu não quero falar. Da forma que estou
quase explodindo, tudo que quero é foder logo com ela. Mas preciso dizer o
que penso. Ainda mais quando ela fecha os olhos e semiabre a boca, sinto
mais vontade ainda. Mas preciso lhe dizer:
— Nunca perca essa mania.
Ela então abre os olhos e me encara com o cenho levemente franzido.
— De deixar a porta do banheiro aberta para eu te ver nua.
Agora ela sorri abertamente, mas não fala nada. Apenas me ouve,
atenta. E eu continuo:
— De dormir comigo com medo de "barata". — Faço aspas.
— Eu realmente tenho medo! — ela se defende.
— De usar roupas de dormir durante o dia, mostrando suas curvas, me
excitando.
— Seu apartamento é muito quente e na minha casa eu dormia sem
calcinha.
— Ah, é? Seria bem delicioso você dormir só de calcinha comigo.
Aliás, pode dormir sem nada mesmo.
— Gostei da ideia.
— Mas deixa eu te dizer, também quero ter as minhas manias —
aviso, abrindo um sorriso grande.
— E quais serão as suas manias?
— Você. Quero ter mania de você. Quero repetir mais vezes isso com
você. — Olho com muito apreço para todo seu corpo juntinho do meu. —
Me permite?
— Claro. Seu desejo é uma ordem, Nick. — Ela pula em meu colo,
laçando as pernas ao redor de meu quadril, grudando nossas bocas e
enfiando sua língua quente dentro da minha, iniciando um beijo
desesperado e, sobretudo, excitante.
Sorrio dentro de sua boca, conforme vou sentindo cada parte do seu
corpo molhado debaixo das minhas mãos. Esse corpo que muito desejei e
que agora sei que posso aproveitar bem como eu quiser. O corpo da minha
Cá, da minha loira. Nunca pensei que diria isso, que viveria isso.
Mas é real.
Capítulo 27

Nós nunca íamos dormir brigados


Mas isso é tudo o que estamos fazendo ultimamente
E você está se afastando como se me odiasse
Você me odeia? Você me odeia?
LOVE ME OR LEAVE ME – LITTLE MIX

— E então, o que faremos? — Alicia me pergunta ao se sentar de


frente para mim em sua cama, onde eu também estou sentado.
Como hoje não tive aula na faculdade por causa de uma paralisação
organizada pelos professores e estudantes, em prol do aumento das bolsas
dos alunos e dos salários dos professores, Alicia me ligou perguntando se
poderíamos ir ao cinema. O pai havia autorizado e a lanchonete estava
fechada, já que não teve aula na faculdade. Avisei que não daria, que
passaria na casa dela para conversarmos.
Em outras palavras: terminar com ela.
A semana inteira a evitei. Ligava rápido à noite e dizia que precisava
desligar. Aproveitando a semana de provas, usava isso como desculpas. Não
que eu me sinta feliz por ter feito isso. Mas eu não me sentia satisfeito
falando com Alicia enquanto tinha me deitado com Carina a semana inteira.
Além disso, deixei de me sentir confuso sobre meus sentimentos por minha
noiva. De certa forma, ainda nutro um sentimento por ela, mas acho que
repentinamente ele tenha deixado de ser amor.
Não que eu ache que o acontece entre eu e Carina vai ir além das
paredes do meu apartamento, porque, conhecendo seu jeito, sei que não vai
ser assim. Sei que curtiremos esse momento e, quando esse desejo que
estamos sentindo um pelo outro for embora, nossa vida voltará ao normal.
— Conversar — lhe digo, puxando suas mãos para meu colo, junto às
minhas. Eu nem sequer consigo encará-la.
— Sobre?
— Posso? — Aponto o indicador para a porta de seu quarto, que está
aberta, por onde, seu pai vez ou outra vem olhar o que fazemos, quando não
é Nicole fazendo suas perguntas sobre os heróis da Liga da Justiça ou dos
Vingadores.
Alicia assente. Então, eu me levanto e encosto a porta, deixando uma
brecha aberta, para que o velho resmungão não apareça e faça piadinhas
irritantes depois.
— Você está me assustando.
— Precisamos passar um tempo separados. — Me sento novamente
de frente para Alicia. Sem coragem de encará-la, abaixo meus olhos.
Porque quando olho para ela, me sinto sufocado, com um caroço agarrado
em minha garganta. Sinto-me culpado, sujo, um miserável traidor, que
merece ser repudiado pelo resto da vida pela pessoa que mais amou um dia.
— Como?
— Preciso de um tempo.
— Por quê?
Fico em silêncio, a cabeça ainda baixa, sem encarar a garota que vou
ferir. Não consigo lhe dizer a verdade, que sou um traidor e que quero ficar
com Carina por um tempo.
— Por que, Nicolas?
— Só preciso. — Levanto o meu olhar e encontro olhos cobertos por
lágrimas que ela luta para não deixar escorrer por suas bochechas.
— O que está acontecendo? Você está estranho. Está muito estranho.
Sentindo uma dor preencher meu coração, abaixo a cabeça e suspiro.
Não vou conseguir explicar os meus motivos. Não vou conseguir
dizer que não a amo mais, que me deitei com outra e que é com esta que
quero ficar. Isso me destruiria porque destruiria a ela também. E ela não
merece passar por isso.
Volto a encará-la de novo, e vejo um par de lágrimas descer por seu
rosto.
— Você conheceu outra pessoa, é isso? — Ela me encara firme,
esperando por uma resposta minha, mas eu sou incapaz de responder. — É
isso, Nicolas? Quem?
Como dizer uma coisa como "Na verdade, eu já conhecia essa pessoa
antes de você, já gostava antes de gostar de você". Então, o que eu faço é
limpar as lágrimas de suas bochechas, o que a faz chorar ainda mais.
— Por favor, amor, não! Eu faço o que você quiser! — ela implora,
tirando minhas mãos de seu rosto e as segurando. Encara-me firme.
Alicia é de fato uma mulher guerreira, pois mesmo com a brutal perda
da mãe, foi forte para não desistir de seus sonhos, como a faculdade, e para
dar conta de cuidar da casa, dos irmãos e do mala do pai. Só que, ao
contrário disso, nos relacionamentos, ela sempre foi mais frágil.
— Por que, Nicolas? — ela ainda indaga, ao mesmo tempo em que
mais lágrimas escorrem por seu rosto, partindo meu coração no meio.
Se eu pudesse e se isso fosse a coisa certa a se fazer, eu daria um
pedacinho dele para Alicia e o outro para Carina. Ficaria com as duas. Com
uma, para realizar os meus sonhos simples de ter uma família linda. Com a
outra, para suprir os desejos de um homem porco, vulgar.
— Não faz isso. Eu não vou conseguir viver sem você!
Como não conseguiria viver sem mim? Ela perdeu uma mãe! Como
uma pessoa que perdeu a mãe e reagiu admiravelmente bem a isso pode me
dizer que dizer que não vai conseguir viver sem mim?
Falta amor próprio. Está explicado. Alicia não se ama. Talvez isso
explique o fato de ela ter decidido transar, assim do nada. Sempre
conversamos sobre tudo, e sobre nossa primeira vez nunca havíamos
conversado porque, mesmo que eu avançasse nas carícias e pedisse por isso,
não tínhamos planos de fazermos sexo. Então é isso: ela decidiu ter sua
primeira vez porque está com medo de me perder.
Pudera! Eu estava estranho e, na cabeça dela, o motivo era porque
ainda não transamos. Assim, ela deu um jeito de mostrar que queria e que
estava pronta para isso, só para não me perder. Acontece que, insegurança e
falta de amor próprio, deixa qualquer mulher bonita, feia, e um tanto
desprezível.
E isso é tudo que consigo sentir nesse momento por minha noiva:
desprezo, por ela implorar para não darmos um tempo, ao mesmo tempo em
que chora, como se isso fosse adiantar; como se o amor que ela tem por
mim fosse tudo que mais importasse para a vida dela.
E não é. Ou é e não deveria ser. Deveria ser o pai, os irmãos, a
faculdade. Seus sonhos. E não eu. A mim, ela não pode priorizar porque eu
a ofendi com uma traição, e ela precisa saber disso para me tirar esse título
de pessoa mais amada. Aceitarei as consequências, seu desprezo, se for o
caso. Isso ainda será pouco diante do que um traidor merece. Diante do que
eu mereço. Mas tudo bem. Eu aceito. Devo lhe contar. Alicia não merece a
traição, mas merece a verdade.
— Eu te traí — murmuro, mas não a encaro. Encaro o chão. Observo
os desenhos trançados no tapete indiano do chão, porque não consigo
encará-la. Sinto-me exposto, um traidor miserável. Por outro lado, me sinto
aliviado, com o sufoco da minha garganta esmaecendo. Fui sincero e
honesto com ela. — E eu estou gostando da pessoa.
Alicia, lentamente, separa suas mãos das minhas. Fica paralisada,
muda. Nem mais o ruído de seu choro há. E um silêncio, um silêncio que
perpetua por todo o espaço por um longo tempo, me prende no lugar, me
deixando sem coragem para levantar meu rosto traidor e encarar minha
noiva.
Pela ausência de uma palavra e de alguma reação sua, crio coragem
não sei de onde e decido levantar meu rosto para encará-la. Vejo suas
pupilas dilatadas encararem, firmes, um nada no chão. Seus olhos, cobertos
por mais lágrimas que querem escorrer, mas que Alicia, forte, as segura.
Se eu tivesse coragem, eu lhe diria: é isso, Lice. A dor nos ensina
tantas coisas, a sermos fortes, por exemplo. Você já aprendeu com a perda
da sua mãe. Agora precisa aprender a enfrentar a vida e os relacionamentos
de um modo geral. Muitos serão bons com você, mas a maioria será como
eu, porque a maior porcentagem das pessoas é ruim e traidora. Ao contrário
de você, que é uma pessoa boa, honesta, e, por isso, eu sei que ainda vai
querer me perdoar.
Mas você não merece isso.
Não merece um cara como eu, Lice. Você merece alguém para te
amar, e eu não sou ele, pois, se fosse, eu teria esperado o seu tempo, não
teria implorado por sexo como muitas vezes fiz, não teria fantasiado outra
mulher e me deliciado de satisfação por esta só de pensar no ato e muito
menos teria lhe traído como o fiz.
Ela levemente levanta o rosto, piscando os olhos, o que faz lágrimas
suavemente escorrerem por suas bochechas.
— Desculpa, Alicia — peço, mas nem sei se minha voz é possível de
ser ouvida. Com certo receio, lhe puxo para os meus braços e a deixo chorar
aqui. — Por te magoar, me perdoa.
— Eu te-te. — Um soluço escapa por sua boca. — Te perdoo. Eu não
quero mais perder ninguém.
Ao ouvir seu pedido, eu comprimo meu maxilar e fecho meus olhos.
Eu não quero mais você, Lice, e você não deveria me perdoar.
— O que foi? — a pequena Nicole pergunta, ao aparecer no quarto.
Reparo em seu pijama azul com estampas dos heróis da Liga da
Justiça, o que faz meu coração esmaecer. Penso na saudade que
provavelmente sentirei dela e de nossas conversas daqui em diante. E o
pedido que ela me fez? “Nunca me deixe, Nico. Nunca vá embora”? Eu
prometi que ficaria, mas não cumprirei com minha promessa.
Desculpa, Nicole.
Por outro lado, a pequena me falou que não quer que a irmã case, pois
quando isso acontecer ela não terá uma menina com quem conversar
assuntos de menina, quando precisar.
Pensar nisso, me deixa um pouco mais tranquilo de certa forma, afinal
há um lado bom em eu deixar a Alicia. Nicole teria a irmã aqui com ela, e
deve ser horrível ter a idade dela e ver tantas pessoas indo embora. Deve ser
horrível se descobrir mulher e não ter com quem conversar sobre isso em
casa.
— O que está acontecendo? — ela insiste.
E eu não sei o que dizer para a garotinha curiosa e preocupada com a
irmã. Como dizer a verdade para alguém tão pequenina e incapaz de
compreender o mundo malvado adulto? Apenas solto um sorriso fraco e
dou de ombros.
— Deixe-nos a sós, por favor, Nicole — peço com carinho.
A pequena consente e vira as costas, desaparecendo pela porta que dá
acesso ao corredor.
— Pelo menos se dê um tempo para pensar, Lice — lhe aconselho,
com carinho, lhe soltando de meus braços e limpando suas lágrimas. —
Agora você está agindo por impulso. Quando você refletir melhor, sozinha,
você toma uma decisão. E você não vai me perder. Estarei aqui sempre para
o que precisar. Mas não posso te enganar. Não posso continuar escondendo
de você o que fiz e o que estou sentindo por outra pessoa.
— Não, amor, não. Não quero ficar longe de você.
— Eu não posso mais, Lice. Não posso mais fazer isso com você. —
Me levanto da cama, deixando-a deitada nela, chorando. — Me desculpe.
Quando entro em meu carro e ponho minhas mãos sobre o volante,
noto a aliança dourada brilhar em minha mão esquerda. Sem pensar e com
um pouco de desdenho, a removo de meu dedo, guardo-a dentro do porta-
luvas. Agora sim, me sinto livre. Enfim, sem culpa. Enfim, liberdade. Dirijo
de volta para casa, de volta para Carina.
Capítulo 28
Eu mordia minha língua e prendia minha respiração
Tinha medo de virar o barco e fazer uma bagunça

Então eu sentava quieta, concordava educadamente

Acho que esqueci que eu tinha uma escolha

Deixei você me empurrar até o limite

Não me levantava para nada, então eu caía por tudo

ROAR – KATY PERRY

Abro meu apartamento, ansioso para encontrar Carina e beijar seus


lábios, mas não a encontro na sala, nem na cozinha. Ela havia me falado
que iria a um encontro do Não somos Amélia, o tal projeto que participa na
faculdade, a favor do feminismo. Mesmo que haja paralisação, nas
universidades públicas, algumas coisas não deixam de funcionar.
Entro na cozinha e penso em preparar um jantar para nós dois, para
comemorarmos nossa liberdade. Opto por uma deliciosa receita de
espaguete, que é feita com bacon, creme de leite, cebola, queijo e
cogumelos. Sem contar que a receita é bem rápida de preparar e fica super-
romântica com morangos e velas na mesa.
Hum. Morangos e velas.
Eu quero dar um jantar para Carina com morangos e velas.
Enquanto o macarrão cozinha, arrumo a mesa de centro da sala.
Coloco uma toalha vermelha bonita sobre ela, duas velas grossas e amarelas
dentro de um copo de vidro propício para isso, um pirex com morangos e
em outro creme leite, além de outro, vazio, onde ficará o macarrão. Ponho
também duas taças de vidro para nos servirmos de um vinho que guardo
comigo desde que me mudei, para uma ocasião como essa. Deixo o vinho
ao lado e suspiro ao ver a mesa arrumada.
Fico pensando se não serei patético demais, se a Carina não irá rir de
mim, afinal ela é uma garota diferente, que nunca viveu o romantismo e
também parece não se importar ou querer experimentá-lo. Logo, o
arrependimento me acerta, bem como algumas dúvidas circundam minha
cabeça.
Acabei de terminar com Alicia por causa de Carina, e eu não sei se a
loira vai querer algo mais do que sexo comigo. Também não sei o que
nossos pais pensarão se por acaso um dia viermos a ter algo sério. Seria
estranho.
Balanço a cabeça em negação, expulsando meus pensamentos, e vou
até a mesa, decidido a acabar com tudo. Mas, quando eu ameaço apagar as
velas, Carina chega, batendo a porta em suas costas.
— Ah, oi — ela diz, o rosto um pouco cansado, diria até que abatido.
— O que é isso? — Aponta para a mesa e abre um sorriso bobo. Parece ter
gostado. Não sei dizer.
— Eu fiz para a gente.
— Por quê?
— Hum. Eu não sei. — Dou de ombros. — Acho que em
comemoração a nossa liberdade. Você não gostou?
— Claro que gostei. Está lindo! — Seus olhos brilham e, dentro do
azul deles, consigo ver o fogo das velas refletido. — Sério. Eu adorei! Faça
mais vezes! — Ela dá alguns passos para chegar até mim, me dá um beijo
estalado na boca, joga sua bolsa sobre o sofá e dá as costas, indo para a
cozinha procurar por alguma coisa no armário. — Vou pegar um chocolate
que comprei na semana passada. Guardei aqui. — Ela coloca o doce sobre a
mesa e se senta.
— Vou pegar o macarrão — aviso, lhe virando as costas.
Já no pirex, deixo o macarrão sobre a mesa e me sento em frente a
minha loira.
— E a Alicia, como foi? — ela quer saber, enquanto nos sirvo com o
espaguete.
— Foi difícil.
— Imagino. — Ela abaixa o olhar. — Nick, hoje podemos só dormir?
— Como?
— Eu não me sinto bem.
Deixo o pirex sobre a mesa e me vejo passando minha mão em sua
testa, para saber se ela está quente, de febre. Está normal. Mas me
preocupo.
— Está com dor de cabeça, algo assim?
— Não. Eu só não me sinto bem. Só que é por dentro.
— Quer falar sobre isso?
— Não, Nick. Eu só quero deitar e ficar quietinha. — De cabeça
baixa, ela enrola o espaguete no garfo, mas no final, ao invés de comê-lo,
brinca com ele pelo prato, parecendo distante.
— Sozinha?
— Não. — Ela ameaça levar uma garfada de macarrão à boca, mas,
ao invés disso, deixa o garfo sobre o prato e abaixa a cabeça.
Noto que um par de lágrimas escore por suas bochechas.
— Não chore, Cá. — Passo minha mão por seu rosto, limpando suas
lágrimas, levantando seu rosto para olhá-la nos olhos. — Você está se
sentindo culpada por causa da Alicia, é isso?
Ela faz que não, ainda de cabeça abaixada.
— Então o que está acontecendo?
— Acho que é por causa do meu pai. Eu não falo com ele há tanto
tempo. Deve ser por isso. — Ela me encara e funga.
Por que eu tenho a ligeira sensação de que ela está mentindo?
Ela tira sua mão do meu rosto, deixando-a, levemente, sobre a mesa, e
se levanta da cadeira.
— Vou me deitar um pouco — diz.
Depois de vê-la sumir pelo corredor, me levanto, recolho nossos
pratos e os pirex com os morangos, o creme de leite e o macarrão. Guardo
tudo em seu devido lugar. Assopro as velas, apago a luz da cozinha e da
sala e vou até o quarto, onde, encostado no vão da porta, vejo Carina
jogando sua toalha de banho sobre a cama. Depois, ela pega sua roupa de
dormir, também sobre a cama, e passa pela cabeça. É uma camisola de
algodão com estampa dos Smurfs.
Além de usar roupas sensuais, de um tempo para cá notei que minha
loira também gosta de coisas fofas, infantis. Assim como na aparência e no
jeito de ser, seu guarda-roupas tem esse paradoxo entre fofo e sexy, anjo e
demônio. Essa roupa de dormir, por exemplo, a deixa bem fofinha, ainda
mais com o olhar que ela tem no momento, um olhar de inocência, uma
pureza magnífica, que me deixa afetuoso. Porém, ainda estou confuso
devido as suas últimas palavras na sala.
Distraída, sem notar minha presença, ela se senta na ponta cama e
suspira profundamente. É quando seu rosto sobe, levando seus olhos por
meu corpo e parando seus olhos nos meus.
— Sabe — digo, andando até ela, que fica atenta a mim, com o olhar
abatido. Sento-me na ponta da cama, ao seu lado, e lhe abraço de lado. —
Em um relacionamento, não tem só sexo. Eu sei que o que temos não é um
relacionamento exatamente, mas se você não está com vontade de fazer
sexo hoje, tudo bem. Eu entendo. Estou aqui para te ouvir também. Como
um amigo, um amante. E eu não ia conseguir transar com uma garota que
usa camisola dos Smurfs.
Ela abre um sorriso grande, porém não sincero, e se aconchega em
meus braços, onde ela solta um suspiro profundo.
— O que está rolando, Cá?
— Vai passar, Nick. Às vezes me sinto assim, aí depois passa.
— Você às vezes tem crises?
— É, deve estar nos genes da minha família — ela zomba, se
referindo à mãe que sofre de depressão. Seus ombros balançam, e uma
risada abafada escapa por sua garganta. A risada some, então ela levanta o
rosto para me olhar e diz: — Mas sim. Às vezes me sinto assim.
— Sem motivos?
— É.
Fé fraca? Penso.
— Não sofro de crises existenciais ou coisa do tipo — começo. — Eu
era católico você sabe, meus pais são. Mas, desde que me tornei adulto e
pude fazer minhas próprias escolhas, escolhi ser evangélico. Não sou do
tipo de evangélico que vive em dia com Deus e está todos os domingos
fielmente na igreja, mas tenho minha fé, procuro minha paz mental e
espiritual e tenho meu contato diário com Deus. Pelo menos uma vez no
mês vou a uma igreja da cidade para agradecer ou até mesmo para pedir
perdão. Que tal se formos um dia?
— A última vez que fui a uma igreja foi no batizado da Beatriz e isso
tem quase dezessete anos.
— Então, acho que está na hora de você procurar Deus um
pouquinho.
Ela sorri fraco e assente.
— É, podemos ir. — Se aconchega em meus braços. Beijo o topo de
sua cabeça, deixando no final meu queixo encaixado nele. — Você é tão
bom, Nick.
— Não sou mais. Sou obscuro agora. Como o Superman. Sou um
Nick obscuro que traiu a noiva.
— Você não fez isso porque você é ruim. Você fez isso porque você
se escondeu. Era sobre isso que eu falava, que você se escondia. Todo
mundo se esconde, todo mundo esconde alguma coisa. — Ela parece
divagar. — Há coisas que não podem ser feitas, que não podem ser ditas.
Há coisas que, se abrirmos a boca para falarmos ou se movermos os braços
para fazermos, sairemos derrubando todas as pessoas que amamos.
Sinto meu cenho levemente enrugar.
Do que ela está falando? Por que ela não consegue ser clara? Ou será
que ela não pode? Quero que ela me conte, quero saber para poder fazer
alguma coisa por ela. Eu sempre fiz alguma coisa por ela. E agora, que a
tenho, literalmente, nos braços, ela não me diz o que tem de errado, para
que eu possa fazer alguma coisa para ajudá-la.
— O que está acontecendo, Cá? — Levanto seu rosto e a encaro. —
Por que você não me diz?
— Porque não é nada. — Ela tira minha mão de seu rosto, a
colocando sobre meu colo. — Eu só preciso dormir e descansar a minha
mente. Só isso. — Ela se arrasta até o início da cama, deitando-se nela em
seguida.
— Tudo bem.
Olho para trás e a vejo de olhos abertos, quase arregalados, pensativa,
enquanto encara a parede branca do quarto.
Uma afeição tremenda me preenche o coração. Quando a vejo triste,
quando a vejo feliz, com medo, com sono... simplesmente quando olho para
ela, essa afeição, esse carinho, essa pureza, toca meu coração, me fazendo
querer tê-la por perto, me fazendo querer protegê-la de tudo e de todos.
Não há dúvidas. Não é só seu corpo que eu desejo. É ela por inteira.
Seu sorriso, seu olhar, seus defeitos, seus problemas, seus fantasmas. Eu a
amo. E a amo tanto que não me importo se ela não me amar de volta.
Capítulo 29
Você me derrubou, mas me levantei

Já tirando a poeira

Você ouve minha voz, você ouve aquele barulho

Como um raio, vou fazer o seu chão tremer

Você me derrubou, mas me levantei


Prepare-se, porque já cansei

Eu vejo tudo, eu vejo agora

ROAR – KATY PERRY

No meio da noite, acordo com Carina montada em meu colo, roçando


nossos sexos, de olhos fechados. Ela está sem a camisola dos Smurfs. Veste
uma calcinha rosa rendada e em cima está sem nada, os seios balançando
para lá e para cá. Aparentemente, fui dormir com ereção, pois é como me
encontro nesse momento.
Aliso suas pernas lisas e desnudas e sorrio, a achando fantástica. Com
meu toque, ela abre os olhos e me encara com o rosto sério. Passo uma mão
por sua nuca e a puxo para um beijo rápido, de agradecimento, o qual, no
final, deixo uma mordida em sua boca. Com minha outra mão, desço a
minha calça de dormir até a metade das minhas pernas, que cospe para fora
meu membro duro e pinçante. Aliso sua extremidade, tocando sua cabeça
melada.
Quando vou encaixá-lo em Carina, ela tem a atitude de tirá-lo de
minha mão. Com a outra, ela coloca sua calcinha para o lado e se encaixa
em mim, me fazendo sentir seu sexo, nesse momento extremamente
apertado, a ponto de quase me fazer gozar instantaneamente, ainda mais
com a visão que tenho dela, à minha frente, nua. Ela então fecha os olhos e
começa a fazer movimentos circulares, conforme meu pênis entra e sai de
seu espaço quente e apertado.
Sorrio, olhando para ela. É bonita a cena dela se dando prazer,
gemendo baixinho, os olhos apertadinhos, a boca em uma linha, os seios
balançando conforme se movimenta, rebola, se esfrega, com pressa. Então,
ela aumenta a velocidade, o que me dá mais prazer ainda por sentir sua
entrada molhada e quente pressionar minha parte mais sensível e
principalmente por vê-la tão descontroladamente desejando atingir seu
orgasmo.
— Isso, Cá. Isso. — Guiando-a pela cintura, afundo-a mais ainda
contra mim, o que faz a cabeça do meu membro tocar a parte mais profunda
de seu espaço apertado, causando uma onda vibrante de prazer passar por
toda minha dureza. — Que delícia!
A cada estocada minha e gemido seu, meu coração pulsa mais alto, e
minha ereção pinça, dando o sinal de que está prestes a chegar em seu
limite. Mas Carina quer mais.
Quando sinto que não tenho mais como me segurar, ameaço lhe tirar
de cima de mim, mas ela não me permite sair. Sem falar nada, me prende,
pelo tronco, com suas pernas, e volta a se esfregar e gemer, enfiando, contra
si, com toda força que pode, cada vez mais fundo e mais forte, toda minha
dureza.
— Cá, eu não estou, ai! — lhe alerto, alisando seu rosto. — Cá... eu...
Mas ela não ouve. Volta a rebolar sobre mim, se equilibrando com
suas mãos sobre meu peito, os olhos fechados, seus mamilos roçando em
mim, sua entrada pressionando minha dureza, brincando no meu ponto
especial.
Fecho olhos, sentindo a vibração pulsar em meu pênis e o líquido
quente vindo como um jato, me fazendo soltar um gemido, bem como uma
sensação de alívio gostoso me preencher.
Abro os olhos e vejo Carina ainda rebolando sobre mim, sobre minha
moleza, agora, melecada. Olho bem. Olho bem em seus olhos e vejo que
algumas lágrimas escorrem por suas bochechas. Balanço seus ombros, de
modo que lhe giro na cama, a deixando debaixo de mim, e fazendo-a parar
de se esfregar em mim. Desencaixo-me dela. O líquido branco escorrendo
sobre suas pernas. Paralisada, ela tira seus braços de mim, se encolhendo na
cama.
— Cá — a chamo, fazendo carinho em seu cabelo. — Cá, fala
comigo. O que há de errado?
E ela chora baixinho, a ponto de fazer seu peito subir e descer.
— Cá, olha para mim. Carina... Você não está conseguindo gozar, é
isso?
Mas ela não me responde.
— Carina. — Puxo-lhe para meus braços, onde ela aceita ficar. E
chora baixinho. — O que há de errado com você?

— Como assim ela estava chorando de madrugada? — mamãe


pergunta, por telefone.
Assim que acordei, deixei Carina na cama e a primeira coisa que fiz
foi ligar para mamãe, mesmo que fosse muito cedo. Sinto-me muito
preocupado com a loira. Ela não parece nada bem.
— Eu não sei. Só queria que conversasse com tia Lucy. Sei que está
passando por um momento difícil, mas será que ela não pode entrar em
contato com o tio George? Acho que Carina chorava por causa do pai. Ela
me disse que não fala com ele desde o ano passado. Já estamos em maio,
mãe.
— Não sei se sua tia vai querer ter contato com ele, mas peço para
seu pai telefonar.
Sempre tive uma relação boa sem o pai de Carina, assim como meu
pai. Sempre nos reuníamos para jogarmos baralho, tomar uma taça de vinho
e falar de futebol. Mas depois que se separou de tia Lucy e se casou com
outra, ele se afastou. Para falar a verdade, meu pai que pediu que ele se
afastasse. Não foi só minha mãe, por ser amiga da tia, que tomou as dores
desta. Meu pai, apesar de ser muito mais amigo do tio do que era da tia,
ficou muito desapontado com a atitude deste, não de casar outra vez, mas de
construir outra família, já tendo uma com tia Lucy.
— Não, mãe. Meu pai não. Meu pai não quer saber do tio. Você sabe,
ele não quer contato. Faz o seguinte: me passa o número do tio George. Eu
mesmo ligo para ele.
Mamãe me fala o número do tio, e eu o anoto em um papel que
encontro sobre a bancada de mármore do meu apartamento, já que uso o
meu celular para falar com ela.
— Obrigado, mãe. Isso vai ser muito bom para a Carina. Agora, vou
desligar porque preciso de um banho e de um café antes de sair para
trabalhar.
— Melhoras para ela, meu amor. Qualquer coisa, só me ligar.
— Beijo. — Desligo o telefone e o pego o papel com o número de tio
George anotado, já digitando o número para falar com ele.
— Alô? — uma voz cansada me atende.
— Tio? É o Nicolas.
— Olá, meu filho. — Ele parece sorrir, feliz por falar comigo. —
Como você está? Por que me ligando? Achei que, assim como seu pai,
estivesse se afastado do coroa aqui.
— Para falar a verdade, eu liguei para falar da Carina.
Ele solta uma risada abafada. Alguém o chama, alguém de voz
feminina doce, e ele responde para essa pessoa, baixinho, para esperar
porque é uma ligação de uma pessoa que não fala há muito tempo.
— Calma, Giovana!
— Tio, posso te ligar em outro momento?
— Não, meu filho. Tudo bem. — Ele volta com sua atenção para mim.
— Ela já foi. Mulheres são tão complicadas, ainda mais nessa idade.
Então, sobre o que falávamos? Ah, lembrei. Minha filha. Soube que ela está
morando em seu apartamento. É muita coragem deixá-la entrar. — Ele
solta outra risada abafada, desta vez mais debochada do que tudo, o que me
irrita, esquenta meu rosto.
Sei por que ri. Agora entendo. De acordo com as coisas que Carina
disse que o pai acha sobre ela, consigo compreender sua risada.
— Tio George, eu...
— Deve estar sendo difícil dividi-lo com essa garota.
— Essa garota é sua filha e ela sente a sua falta.
— Ela sente falta do meu dinheiro. A mãe já me ligou cobrando o
apartamento.
Não, ele não é mais o mesmo. Está tão... babaca.
— Só ligue para ela, por favor — peço, paciente. — Ela estava
chorando essa noite. Ela sente falta de sua presença, de um telefonema.
— A Luciana não soube criar os filhos. — Ele não parece ter me
ouvido. Continua em seu monólogo. — Graças a ela, uma virou uma
vagabunda. Acredita que meus amigos da empresa ficam insinuando que
tenho uma filha gostosinha? — Ri outra vez, em desapreço. — E o Caio,
que virou um viciado?
Ouço barulho de passos vindo do corredor.
— Olha, tio, eu vou desligar — aviso, esticando o pescoço para trás e
vendo Carina aparecer no vão de entrada da cozinha.
— Bom dia — ela me cumprimenta docemente, me abraçando por
trás.
— Um abraço, meu filho. E eu ligarei... ligarei para ela. Fica com
Deus.
Desligo sem lhe dizer mais nada. Inspiro fundo, a irritação me
comandando, e deixo o telefone sobre a bancada. Enquanto Carina faz a
volta da bancada, para se sentar ao meu lado, eu amasso o papel ainda
dentro da minha mão e o guardo dentro do bolso.
— Era minha mãe — comento, lhe puxando para meus braços, e
deixo um beijo na altura de sua sobrancelha. Solto-lhe dos meus braços e a
encaro de lado. Carina encara a pia a nossa frente, parecendo ter os
pensamentos distantes daqui. — Está tudo bem?
Ela assente, trazendo seu rosto meigo para mim.
— Acho que vou ter que te dar outra pílula daquela — lhe aviso.
Pensar nisso me chateia.
A maldita pílula do dia seguinte é um remédio que faz mal para o
útero, e já é a segunda vez que ela vai tomar somente durante esse mês. E
isso graças a mim. Não quero vê-la correr riscos. Do contrário, quero que
ela os evite.
Carina tem que se controlar. Ela não pode ficar subindo em cima de
mim quando estou desprevenido. Ela é tão gostosinha. Cinco minutos com
ela montada em cima de mim, rebolando e me proporcionando uma visão
panorâmica sua nua e se dando prazer, é muito para eu me segurar. E eu não
posso ficar gozando dentro dela. Não penso em ter filhos no momento.
— Por quê? — ela pergunta, ainda com o cenho enrugado. — Por que
eu tenho que tomar outro negócio daquele?
— Eu gozei em você essa noite, de novo.
— Você transou comigo enquanto eu estava dormindo? — Ela tem o
rosto surpreso, diria que também ofendido.
— Não! A gente transou. Você não lembra?
Ela faz que não com a cabeça e olha para os lados. Depois, fecha os
olhos, e fica assim por alguns segundos, o que me deixa confuso. Quando
os abre, pego suas mãos, de modo que giro com seu corpo de frente para o
meu e a olho no fundo dos olhos, mas ela não me encara.
— Carina, eu não transaria com você desacordada — deixo claro. —
Isso não seria bom para mim e muito menos para você. Eu não quero te
fazer mal. Agora mesmo me sinto um idiota por ter que te dar aquela pílula
outra vez.
Mas ela não parece acreditar. Seu rosto é puro desapontamento,
tristeza.
— Olha para mim — Levanto seu rosto pelo queixo. Dessa vez, ela
permite me olhar. — Isso é crime. Eu transar com você sem seu
consentimento é estupro. Eu jamais faria isso com você.
— Eu sei, Nick. Eu confio em você, mas eu não lembro. E isso é
muito estranho.
— Será que você é sonâmbula? — zombo, fazendo-a abrir um sorriso
pequeno.
— Nunca me falaram sobre isso. Mas eu posso simplesmente ter me
esquecido. Não é? — Ela solta suas mãos das minhas e fica de perfil para
mim outra vez, se debruçando sobre a bancada.
— Acho que sim.
Ela traz seu rosto para mim e deixa um beijo casto em meus lábios,
me segurando pelo queixo.
— Sabe, eu andei pensando — comento, enquanto ela se levanta e dá
a volta na bancada, indo para o outro lado, para a cozinha. — Você me disse
que não toma mais pílula anticoncepcional. — Coço a testa, sem saber
como lhe pedir isso, e também me levanto do meu banco. Carina vira o
corpo para mim, se escorando na bancada, nos deixando um de frente para o
outro. — Por que não volta a tomar? Seria mais seguro, para em casos
como esse não nos preocuparmos com a ausência da camisinha.
Sem contar que usar camisinha é bem chato. Penso em completar.
Porque sentir sua pele quente sobre meu membro, sem nada nos separando,
é muito mais excitante e prazeroso. Só por pensar nisso, minha dureza por
aqui já se instaura.
Automaticamente, mordo minha boca e dou a volta na bancada,
abraçando Carina por trás, e roço minha dureza em seu bumbum, o que a
faz dar uma leve arqueada para trás. Mordo seu ombro. Ela se vira para
mim, me proporcionando uma visão do seu rosto, que tem estranhamente
uma espécie de abatimento e excitação, e laça os braços ao redor do meu
pescoço.
— Tenho uma consulta com minha médica semana que vem — ela
avisa. — Vou pedir que ela me receite uma pílula anticoncepcional de novo.
Não quero ter um bebê nem tão cedo. Não me imagino sendo mãe. Que
maldade com o mundo e com a pobre criança se isso acontecer!
Sinto o pequeno sorriso que tenho em meu rosto se desfazer.
Ouvir isso me deixa triste. Quero que sonhe em ter filhos, quero que
sonhe em tê-los comigo. Desta maneira, seria melhor ainda. Mas ela é essa.
A Carina do sexo, das nights. Mas saber disso realmente me dói. Não queria
que fosse assim.
— Algum problema com o que eu disse? — ela me pergunta, trazendo
meu rosto para o seu.
— Não. Enquanto você não sonha em ser mãe, o meu maior sonho, o
maior de todos, é ter uma família, é ser pai. Você só é muito diferente de
mim.
— É, eu sou. — Ela se solta dos meus braços, mas encosta a cabeça
sobre meu peito e suspira profundamente. — Sou diferente da maioria das
pessoas, das garotas principalmente.
Realmente. Ela é muito diferente. Sempre teve fama de ser fácil e
nunca quis nada com cara algum, nunca se apaixonou, como a própria não
tem vergonha de admitir. Seus relacionamentos, no que tange os
sentimentos, se resumiram no máximo ao que chamam de amizade colorida.
Não sei como é ter essa coisa de amizade colorida, que meu irmão
Bernardo, nas épocas de galinhagem antes de casar com a Laura, muito
dominava e tentava me manipular a experimentar. Eu nunca quis porque
nunca admirei isso. Sempre enxerguei a relação sexual como algo afetivo,
um momento para você viver com alguém que você tenha sentimento.
Confesso que sentia falta de sexo, mas não foi isso que me levou a
trair Alicia. Não foi. Hoje, mais do que nunca, tenho certeza que tenho um
sentimento pela loira e que acabei me envolvendo desta forma tão errada e
nada admirável com ela por amá-la, por ter meus sentimentos guardados,
acumulados, ressentidos.
O problema é que ela não me dá o sinal de que tem algum sentimento
por mim. Por suas atitudes, calculo que sua vontade seja apenas se divertir.
Mas não gosto da ideia de tê-la só para o sexo. Só que infelizmente é o que
parece que ela está esperando de mim. Apenas sexo.
— Nicolas, eu quero ir à igreja — ela confessa, depois de um longo
silêncio, levanta o rosto que tinha encaixado em meu peito e me olha por
cima de seus cílios grandes, me encarando com seus olhos de feitiço.
— Quer, pecadora? — Pressiono-a contra minha dureza, que agora
encontra-se quase adormecida.
— Quero, Nick. Podemos ir amanhã? Amanhã é sábado. A igreja
abre, não abre?
— Abre todo dia, sua doidinha. — Dou um beijo estalado em sua
boca, e Carina sorri, mordendo a boca de maneira sexy e doce. — Mas o
que te deu para você querer ir à igreja? É por causa das crises?
— Acho que tem um monstro morando dentro de mim. Talvez Deus
me ajude.
— Fala sério?
— Urun.
— Sabe que pode conversar sobre seus monstros comigo, não é?
— Eu sei, Nick.
— Então?
— Então que o meu monstro é muito malvado, e eu tenho muito medo
de ele machucar você.
— Não tenho medo desse monstro malvado aí. — Aperto a pontinha
do seu nariz, e ela o franze. — Por você, enfrento o monstro que for.
— Jura?
Assinto.
— Obrigada, Nick. Obrigada por me ajudar a matar o meu monstro.
— Ela toca meu rosto com a palma da mão, acariciando minhas maçãs com
o polegar. Seus olhos, apertadinhos, admiram o meu rosto, enquanto seus
ombros sobem e descem, mostrando sua respiração acelerada.
Seu jeito doce, seu olhar sobre mim, me deixa totalmente entregue.
Quero lhe dizer que sim, que seria capaz de matar qualquer monstro por ela,
quero lhe dizer como me sinto, por dentro, toda vez que ela me olha e quero
lhe dizer que seu rosto, depois que nos despedimos no portão da faculdade,
me aparece como uma lembrança boa pelo resto do dia, me fazendo sorrir o
tempo todo como um bobo apaixonado que sou.
Quero tanto lhe dizer todas essas coisas!
Só que mais do que vontade de confessar meus sentimentos, eu tenho
muito medo de sua resposta e de sua atitude. Ela riria. Sei que riria e me
acharia um bobo por me apaixonar.
Capítulo 30
Me machucou ver a dor no rosto da minha mãe

(...)

Forte é ela por todo o amor que te deu

I’M OKAY – CHRISTINA AGUILERA

Quando eu era garoto, ia todo domingo à igreja católica. Assistia a


missa com meus pais e meus irmãos e depois ficava para fazer a catequese.
Eu curtia muito a igreja. Ficava muito admirado quando as freirinhas
contavam todas aquelas historinhas sobre Jesus Cristo. Eu queria me
espelhar n’Ele, ser como Ele. Então, sempre ficava muito animado para
chegar o domingo, bem como fiquei para fazer a Primeira Comunhão, o
EAC, a Crisma e todas outras coisas que eram propostas.
No entanto, quando cresci, me desiludi com a igreja.
Não perdi minha fé, tampouco minha crença em um Jesus Cristo Todo
Poderoso, mas fui, aos poucos, percebendo o quanto metódico, antiquado e
surreal tudo aquilo que era imposto por ela. Desiludi-me porque fui me
dando conta de que, mesmo que rezasse e lesse aquelas palavras bonitas da
bíblia, ninguém a praticava em sua totalidade. Nem meus pais, que eu
sempre enxerguei como boas pessoas. E nem eu, o bom escoteiro, muitas
vezes me vi fazendo coisas ímpias.
Ainda assim, criei a consciência de que, se era para eu estar na igreja,
lendo sua bíblia, ouvindo aquelas palavras, eu deveria seguir com aquilo,
pôr em prática. Mesmo que meus pais e meus irmãos tivessem se tornado
católicos “não praticantes”, aquele católico que visita a igreja como um
paciente que visita um dentista quando sente dor de dente, até meus quinze
anos, eu ainda a frequentava.
Todos os domingos, de manhã, lá estava eu me arrumando e saindo de
casa com a bíblia debaixo do meu braço, mesmo que sozinho. Até aí, não
me sentia um pecador, um ímpio. Me via adorando a Deus, fazendo quase
tudo corretamente. Mas é na juventude que os pecados começam a te
seduzir como uma vadia gostosa.
Comigo, não foi diferente.
Por volta dos meus dezesseis anos, me vi pecando contra a castidade.
Com o espírito da sedução corroendo a minha carne, perdi minha
virgindade com uma garota da minha escola, em seu quarto, quando
estudávamos. Ela também era da minha igreja, muito próxima de mim e
infelizmente não muito bonita. Quer dizer, não era o meu ideal de mulher
bonita. Ela era interessante, mas com poucas curvas, talvez pela idade:
quinze anos.
Bernardo acha que perdi minha virgindade há dois anos, quando me
levou para um prostíbulo. Não que ele tivesse me perguntado. Na verdade,
nem me deu a chance, já saiu julgando que deixei-o pensar o que bem
entendesse. Tudo bem. Sou o cara certinho para a maioria, um cara que vai
à igreja todo domingo, e um cara assim não poderia ter cometido o pecado
da carne tão cedo, não é verdade?
Mas... tinha acontecido. Eu tinha pecado. Fui contra um dos Dez
Mandamentos das Leis de Deus: não pecar contra a castidade, aquela
bendita lei que sempre tive muita dificuldade de obedecer. Não foi por isso
que larguei a igreja. Afastei-me por um tempo, mas continuava indo de vez
em quando, para falar com Deus, lhe contar minhas verdades, pedir
orientação. E foi assim até eu me mudar para Santa Maria, quando me
afastei da igreja, isso até começar a acompanhar Alicia e sua família na
igreja que frequentavam e ainda frequentam, A Igreja Evangélica Renovada
Casa da Benção.
Aqui, eu procuro vir, ao menos, uma vez ao mês, como disse, para
pedir orientação, desabafar, ouvir a palavra, louvar ao Senhor, enfim manter
a minha fé em dia. Aqui também seria o local em que me casaria com
Alicia, quem eu não pude deixar de pedir desculpas a Deus por ter errado,
por ter enganado, por ter pecado.
“Por sorte”, este está sendo o tema do culto de hoje, a castidade, a
integração correta da sexualidade versus o adultério, o sexo desenfreado na
juventude, que, aliás, parecem estar sendo uma indireta de Deus para mim,
como se Ele dissesse: “Nicolas, abre teu olho”.
Olho para o lado esquerdo e observo Carina. Ela não parece
desinteressada ao que o pastor diz. Do contrário, desde que chegou, presta
atenção a cada palavra, diferente de mim, que estou desatento, me sentindo
um pecador de carne fraca que trouxe seu pecado à igreja.
Volto com meu rosto para o pastor Ricardo, que no momento, e de
práxis, usa seu lencinho para limpar sua testa suada e prega, com muita
maestria e com sua persuasão de sempre, as palavras aos fiéis atentos. Ele
está de pé no altar e com sua bíblia aberta à sua frente, no púlpito:
— A bíblia nos diz no Salmo de número 107, verso 17 “os loucos por
causa da sua transgressão e por causa das suas inquietudes, são aflitos”. A
palavra nos mostra que os ímpios serão afligidos por causa dos seus
pecados. As dores e as angústias acontecem aos incrédulos como
consequências dos seus pecados — como de costume, ele enfatiza
determinadas palavras na pregação. — Há pessoas que vivem com o
coração longe de Deus... pessoas que se afundam em suas inquietudes e
que, quando sofrem, se perguntam: “por que eu tenho sofrido tanto, meu
Deus”? E Deus, por causa de Sua própria santidade, além de abominar o
pecado, não pode ficar impassível diante de tantas práticas pecaminosas.
Ele age permitindo o sofrimento àqueles que vivem na prática do pecado.
Então, meus irmãos — ele continua, mas não presto atenção.
De cabeça abaixada, giro lentamente meu tronco para meu lado
direito, o que me proporciona observar as pessoas no lugar, que estão de pé
e de olhos fechados, em frente de seus bancos de madeira escura, enquanto
o pastor termina de dar sua palavra. Alguns gritam “aleluia” e estalam a
boca. Alguns dizem “graças a Deus”. Já outros, batem o pé e dizem “eu
creio”, “aleluia”...
— Aleluia, irmãos? — o pastor grita alto, enfático, me fazendo
levantar a cabeça e olhar para ele, que, sentindo uma gota de suor escorrer
por sua testa franzida, passa seu paninho nela. — Aleluia, igreja?
— Aleluia! Graças a Deus!
Sons melódicos ecoam pelo espaço ao mesmo tempo em que o coral
da igreja começa a cantar um louvor que só pelo hino de introdução toca
meu coração:
Quando todos os meus medos já não cabem mais em mim
Quando o céu está de bronze e parece que é o fim
Quando o vento está revolto e o mar não quer se acalmar
Quando as horas do relógio se demoram a passar
Muitas vezes não consigo os teus planos compreender
Mas prefiro confiar sem entender
— Estou me esforçando, Nicolas — Carina sussurra, do nada, em
meu ouvido, me fazendo levar meu rosto para ela. Sem entender, sinto meu
cenho enrugar. Ela não me olha. Seus olhos estão fixos no pastor.
Agora, o coral é cantado por toda igreja.
Eu creio em Ti
Eu creio em Ti
Eu olho pra Ti
E espero em Ti
— Está se esforçando para o quê? — sussurro, em resposta. — Para
gostar? Está achando chato?
— Não. Estou me esforçando para entender a mensagem... a palavra.
Só... só me parece... — Ela suspira e faz que não, abaixando a cabeça. Seu
humor escurece. Ela parece aborrecida, triste. Não sei. Algo parece passar
por Carina e deixar nela uma áurea negativa. Então, ela levanta o rosto para
o pastor e completa: — Estranho.
— Estranho?
De perfil para mim, vejo que em seu olho esquerdo há lágrimas se
acumulando. Vê-la assim esmaga meu coração. Sei do seu fantasma, mas
quero saber o que de fato se passa com ela. Quero poder matar esse
monstro, esse fantasma que lhe perturba. Quero tanto poder fazer alguma
coisa, mas não posso, se ela não me diz o que é. Quero também lhe tocar,
lhe abraçar e mimar. Mas nada disso eu posso. E isso me faz sentir tão
impotente, não poder proteger quem eu amo.
Em um gesto de amizade e proteção, que é tudo que posso, no
momento, fazer por ela, laço sua mão pequena na minha, fazendo nossos
dedos se enroscarem e brincarem entre eles. Ela gira o rosto para mim e
sorri fraco. Expira e volta com sua atenção para as palavras finais do culto
com o coro no fundo.
Eu creio em Ti
Eu creio em Ti
Eu olho pra Ti
E espero em Ti
— Entregue seu coração para Ele, ouça sua palavra, cure a sua dor. —
De olhos fechados, o pastor chora.
Eu cuido de Ti
Eu cuido de Ti
Descansa em mim
Comece a sorrir
— Só Jesus... só Jesus salva! Só Jesus cura só Ele. Creia! Aleluia!
— Você vai ir embora mais leve hoje — garanto a Carina, apertando
mais sua mão junto a minha. — Depois desse culto, seu monstro não irá
mais te assombrar. Pelo menos por um tempo. Eu espero. Seja lá o que for,
só tenha fé.
Quando me calo, a música finaliza, fazendo os fiéis despedirem-se
uns dos outros com abraços, apertos de mãos e sorrisos.
— Obrigada, Nick — Carina agradece e abre um sorriso doce para
mim, apertando minha mão sobre a sua.
Meu coração então se aquece. Sinto-me bem por estar mais uma vez
fazendo bem a ela. Sendo o Nicolas não só para os maus momentos, pois
para os bons também. Veja só: até a trouxe à igreja.
— Querido Nicolas! Trouxe uma amiga para nossa igreja! — o pastor
Ricardo me chama, dando passos apressados até mim.
Giro o corpo para ele, sem desgrudar minhas mãos enlaçadas nas de
Carina, mas deixo a loira atrás de mim.
— A paz do Senhor, Ricardo. — Aperto sua mão e, com a outra, puxo
Carina para minha frente.
— A paz do Senhor, Nicolas.
— Essa é a Carina... minha prima.
— Seja bem-vinda, jovem bonita. — Ele aperta a mão de Carina,
depois aperta meu ombro com uma mão. — E Alicia? Ela tem se afastado.
Não quero vocês distantes de Deus.
Quando abro a boca para responder um nada a Ricardo, ouço a voz
gritante de Nicole vindo atrás de mim gritando “Nico! Nico!”. Viro-me para
trás, vendo a pequena correr pelo corredor da igreja com seus cachos
balançando para lá e para cá, tampando seu rosto, até alcançar a fileira em
que estou.
Sorrio, me sentindo feliz por vê-la depois de tanto tempo.
— Nico! — Ela me abraça pela cintura, não me dando tempo de me
abaixar à sua altura. — Estava morrendo de saudade! — Ela me aperta tão
forte, que sinto que serei partido em dois.
De modo que seus braços vão se afrouxando do meu corpo e uma
Alicia carregada de receio para a algum espaço de distância de nós, me
agacho em sua frente. Nicole tira uma mecha de cabelo que cai sobre seu
olho e a joga para trás.
— Você sumiu, Nico — diz, fazendo um bico, seguido de uma
carinha triste. — Eu consegui completar o meu álbum. Queria tanto te
mostrar.
Meu coração dói por ouvir isso. Também sinto falta da pequena e
adoraria ver seu álbum completo.
— O Nico um dia vai passar na sua casa para ver seu álbum, tudo
bem? — prometo, puxando a pontinha do seu nariz.
— Eu vou te cobrar, hein. — Ela abre um sorriso travesso, fazendo
que sim com a cabeça. Seu olhar se distrai de mim para algo que a atrai em
minhas costas. — E quem é essa moça bonita?
Olho para minhas costas e vejo Carina sorrir para Nicole e atrás dessa
está o pastor Ricardo, também sorrindo. Levanto-me do chão, ficando de
perfil entre as duas.
— Nicole, essa é a Carina, uma prima do Nico. — Puxo Carina pela
mão, a deixando na minha frente, bem próxima a Nicole.
— Oi, Nicole — a loira cumprimenta a pequena, se abaixando.
— Bonita você, Carina. — Nicole sorri, mostrando suas covinhas. —
Gostei dos seus olhos. E também do seu cabelo.
— Obrigada, boneca. Você também é uma gatinha. Seus cachos são
lindos. — Carina toca a ponta dos cachos de Nicole, que ficam balançando
para lá e para cá.
— Ah, eu não acho. Eu sempre quis ter cabelo loiro, por causa do
Thor, mas eu ainda sou criança para pintar meu cabelo.
— Thor? — Carina sobe o corpo e me olha, estreitando os olhos.
— Você não conhece? Ele é um dos super-heróis da Marvel. Ele é
tipo um semideus, tem um machado superpoderoso. Só ele consegue
segurar o machado. Nem o Capitão América conseguiu pegar o machado
dele.
— Ela adora super-heróis — cochicho para Carina, que arqueia as
sobrancelhas.
— Eu também adoro os super-heróis. — A loira volta-se para Nicole.
— Quando eu era criancinha, eu brincava de ser a Mulher Maravilha. E
você sabia que o Nico era o Superman?
Nicole abre um sorriso grande e olha para mim.
— Eu acho ele a cara do Clark.
— Nunca tinha reparado, mas você parece mesmo, Nico! — Nicole
abre um sorriso maravilhado para mim. Estranhamente parecendo
desinteressada em mim, ela gira seu corpo para Carina. — Mas você não
parece a Mulher Maravilha, porque você é loira. Você está mais para a
Supergirl. Mas a Diana é tão bonita quanto você. Aliás, acho que você é
mais. Nunca vi uma pessoa tão bonita antes. Parece que ela veio da
televisão, Nico. — Agora, ela me olha outra vez, rindo baixinho.
— Na verdade, ela veio de Marte — zombo. — Lá em Marte as
garotas são muito bonitas.
Carina me olha boquiaberta. Após, gesticula algo com a boca, como
se quisesse me dar uma bronca, mas acaba desistindo.
— Eu te liguei, mandei mensagem — Alicia diz, dando alguns passos
até alcançar Nicole. — A paz do Senhor, pastor Ricardo.
— A paz do Senhor, minha filha.
Alicia volta com sua atenção para mim e pergunta:
— Posso te ligar hoje à noite?
A pequena enruga o cenho, olha para a irmã, depois para mim.
— Por que você não está atendendo a Lice, Nico? — ela quer saber.
— O Nico está muito ocupado, pequena — digo para ela. Na verdade,
não digo. Eu minto. Até para Nicole eu tenho mentido, inclusive dentro da
igreja.
— Nico, sua prima é muito legal — a pequena comenta, olhando com
muita admiração para Carina ao meu lado. — E também muito bonita. E
você está sumido. É por causa dela?
— Não, pequena. — Sei que minha mentira convenceu à pequena,
mas não à Alicia, porque esta me olha como se calculasse quem é a pessoa
que eu disse estar gostando. — O Nico realmente está muito ocupado. As
provas começaram. A faculdade não é fácil como a escola.
— Precisamos ir, Nicole — Alicia avisa, puxando a pequena pelos
ombros.
— Calma, Lice. Deixa eu dar um abraço no Nico. — Ela se esquiva
da irmã, voltando para sua posição anterior. — E na Carina.
Mostrando um rosto culpado e preocupado, por causa de Alicia,
Carina dá dois passos até a Nicole, se abaixa à sua frente e abre os braços
para a pequena, que a abraça bem forte, da mesma maneira que sempre faz
comigo.
Sorrio. Gosto desse jeitinho amoroso de Nicole, que sempre entra em
paradoxo com sua personalidade masculinizada, nada sensível, que tem.
— Tchau, Nico. — Ela também me abraça forte. — Te espero, hein.
Tchau, pastor Ricardo.
— Vai com Deus, minha filha.
— Pode deixar, pequena. — Beijo o topo da sua cabeça. — Até logo,
Alicia.
— Até.
— Bom, meus filhos — o pastor começa, laçando uma mão sobre a
outra. Parece intranquilo, talvez tenha percebido o clima entre mim e
Alicia, e, claro, não aprove, mas por achar ser inconveniente, não quer se
meter. — Fiquem na paz do Senhor. — Aperta nossas mãos, uma de cada
vez, lenta e carinhosamente. Vira as costas e vai falar com outras pessoas,
que o recebe com abraços barulhentos.
— Nicolas! — Carina dá uma tapa em meu braço e cruza os braços
sobre o peito. — Você disse que eu vim de Marte!
Faço que não e sorrio abertamente, pois a achei tão fofa braba assim.
Nunca vi Carina nervosa. Se for dessa forma, não tem como ganhar uma
briga. Nem começá-la. Adoro esse seu jeito doce e puro. Mas não posso
ficar pensando muito nela nem a observando porque, quando o faço, sinto
uma descontrolada vontade de abraçá-la e beijá-la. É o que quero fazer no
momento, e não posso.
— Se não estivéssemos na igreja, eu te pediria um beijo, minha
marcianinha — brinco com ela, puxando seu nariz pela ponta. Puxo-a pela
mão, saindo com ela pelo corredor. — Se sente melhor? Mais leve?
— Com certeza. Só foi meio esquisito esse aparecimento da Alicia
agora. A garotinha é uma gracinha. Muito simpática.
— Ela é. Muito simpática. Meu coração. — Sorrio, por lembrar. —
Gosto muito de crianças. São adoráveis. E a Nicole me adora. — Giro meu
corpo para de frente do dela e solto suas mãos. Agora, estamos do lado de
fora da igreja, no estacionamento.
Com um semblante indecifrável, Carina não diz nada. Dá a volta no
meu carro, que destranco com o alarme, abre a porta e se senta. Faço o
mesmo, a levando de volta para o meu apartamento.
Capítulo 31
Envie meu amor para sua nova amada
Trate-a melhor
Temos que nos libertar de todos os nossos fantasmas
Nós dois sabemos que não somos mais crianças
SEND MY LOVE – ADELE

— Eu gostei. Foi bom — Carina comenta, do nada, levando sua


caneta à boca. Ela está deitada de bruços em minha cama, assim como eu
estou, ao seu lado. Estudamos, juntos, para nossas primeiras provas que
teremos na próxima semana.
Enrugo o cenho, confuso.
— Falo do culto — ela explica, entendendo minha expressão confusa.
Rio fraco e fecho meu fichário. Giro na cama, ficando de barriga para
cima, e apoio minha cabeça em um braço, fazendo-o de travesseiro. Assim,
posso vê-la e ouvi-la melhor. Com minha mão livre, aliso seu rosto bonito,
admirando-o, enquanto ela ainda fala, trazendo ternura ao meu coração:
— Acho que meu fantasma adormeceu. Sinto-me bem. Tranquila.
Desde que entrei no projeto, me sinto tão perturbada.
Solto minha mão de seu rosto com um pensamento que me aparece.
Desde que entrou no projeto de cunho feminista, Não somos Amélia, Carina
obscureceu seu jeito de ser. Do nada, volta estranha, cabisbaixa, a ponto de
dizer que quer ficar quietinha. Por algum motivo que não consigo entender,
esse projeto não me parece estar fazendo bem a ela.
— Quer falar sobre isso? Quer ser abrir comigo, contar o que está
acontecendo? É a segunda vez que você volta desse projeto meio
cabisbaixa. Você acha mesmo que ele está te fazendo bem?
— Olha, Nicolas. — Ela cai ao meu lado, esbarrando em seu estojo,
celular e notebook, mas não liga. Assim como eu, também fica de barriga
para cima, encarando o teto. — O projeto, na verdade, tem me feito muito
bem. Esses últimos dias só estou me sentindo muito carregada porque estou
ouvindo muitas histórias, assuntos muito polêmicos.
— Que tipo de assunto?
— Violência doméstica e sexual, femicídio.
— Femicídio?
— O quê? — Ela bruscamente vira o rosto para mim. — Nunca ouviu
falar?
Faço que não, sem cerimônia.
— Femicídio tem a ver com homicídio a pessoas do sexo feminino.
Significa o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher — ela
explica. — Suas motivações mais usuais são o ódio, o desprezo ou o
sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres,
comuns em sociedades marcadas pela associação de papéis discriminatórios
ao feminino, como é o caso brasileiro.
Enrugo o cenho, estranhando.
— Não acho que o Brasil seja um país que discrimina a mulher —
argumento.
— Acha que nada disso existe aqui? — questiona. — Acha que uma
mulher não é assassinada simplesmente por ser mulher? — Inquieta, ela
gira o corpo na cama, ficando outra vez de bruços, mas dessa vez, tem os
cotovelos apoiado no colchão e encara meu rosto, por cima. — Ainda acha
besteira essa coisa de feminismo, Nico?
— Não é isso, Cá. É que tenho ideais cristãos. Tanto que não
concordo com o homossexualismo.
Dessa vez, ela quem enruga o cenho. Depois, desvia os olhos dos
meus para encarar suas mãos enlaçadas uma sobre a outra e faz um bico
torto, parecendo pensar. Também giro na cama, ficando na mesma posição
que a dela.
Apesar de não ser um cristão 100% presente e em dia com a igreja,
ainda tento seguir o que considero certo, leio a bíblia, pratico a palavra. E o
feminismo, no meu ponto de vista, é uma praga moderna, disposta a fazer
cabecinhas femininas traumatizadas e revoltadas a seguirem seus ideais.
Ideais esses que não são aprovados pelo Cristianismo, tal como o aborto, o
sexo desregrado e sem controle com um e outro, entendido como “meu
corpo, minhas regras”, entre outras coisas imorais e pecaminosas.
— E o que isso tem a ver com o feminismo? — ela rebate.
— Eu gosto do que é certo — pontuo.
— Repito: e o que isso tem a ver com o feminismo? O feminismo faz
o que é certo. O feminismo estipula direitos iguais a ambos os sexos.
— Concordaria, caso a igualdade se pretendesse a direito civis iguais.
É justo e bonito. Como já te disse uma vez, as mulheres têm sua história de
luta desde a década de sessenta. Conseguiram muitas coisas: direito ao voto,
a voz, a salários iguais aos dos homens, etc., sem falar que hoje em dia tem
muitas leis que defendem mulheres que sofrem agressões. Agora é crime.
Antigamente, não era. Muita coisa mudou e melhorou. Acredito que não há
muito com o que nos preocuparmos. E é esse o problema. O feminismo
moderno quer que a mulher seja transformada em homem e o homem seja
transformado em mulher, invertendo seus valores mais simples. Deus criou
o homem e a mulher em igual dignidade, mas quis que houvesse uma
diferença entre os dois sexos. Esta diferença faz com que exista uma
complementariedade entre eles: homem e mulher foram criados por Deus
para formarem um conjunto, não um se sobrepondo ao outro, mas em
perfeita sintonia um com outro. Lutar contra esse ideal é lutar diretamente
contra o projeto de Deus, contra a natureza humana.
— Cite um exemplo.
— Como? — Giro o rosto para ela, surpreso. Da última vez que
falamos sobre o assunto, eu disse muito menos e ela se contentou. Agora,
parece querer duelar. Esse projeto Não somos Amélia tem feito sua cabeça,
assim como lhe tem feito mal.
— Me dê um exemplo de uma coisa que a mulher faça que na verdade
deveria ser obrigação do homem aos olhos de Deus.
— Adão e Eva, homem e mulher. Ele, Deus, fez o homem e a mulher
para gerarem outros seres. E aí surge o feminismo, sugerindo novas ideias
às mulheres, ideias essas cujo maior objetivo é destruir a essência da
mulher, igualando-a a um homem, e transformando seus úteros em lugares
estéreis e varrendo para debaixo do tapete o instinto natural da espécie: a
maternidade.
Ela me olha de lado e suspira.
— Está falando de aborto?
Assinto com a cabeça.
— Não só. Falo de aborto, de métodos anticoncepcionais...
— Está sendo hipócrita. Você usa camisinha, me deu pílula do dia
seguinte duas vezes e me pediu para voltar a usar a pílula anticoncepcional.
E aí?
— E aí que não sou perfeito. Meu objetivo era casar e fazer sexo sem
me preocupar com dia de amanhã, em engravidar minha esposa, mas aí. —
Travo. Como dizer a ela que ela me ajudou a ser errado? A fazer o que
abomino?
— E aí a Carina surgiu e atrapalhou tudo — ela completa, trazendo
um rosto triste consigo.
— Eu não disse isso.
— Mas pensou.
— Carina. — Seguro seu rosto com minhas duas mãos, fazendo-a me
olhar. — A gente está brigando?
— Não. — Ela ri, fazendo que não e abrindo um sorriso forçado.
— Eu também quis isso. — Puxo-lhe para meus braços e deixo um
beijo no topo de sua cabeça. Em meus braços, ela suspira. — E está sendo
tão bom. Valeu a pena errar um pouquinho. — Começo a fazer carinho de
vai e vem em seus cabelos macios.
Ela levanta o rosto, encaixando seu queixo sobre meu peito e abre a
boca para dizer:
— Tudo isso que você disse sobre o feminismo faz muito sentido,
ainda mais com essa coisa toda de igreja e tal.... Mas a professora do
projeto me disse ter sofrido abuso sexual na infância e que quando casou,
sofreu nas mãos do marido, foi humilhada e chegou ao ponto de apanhar, e
tudo isso hoje em dia, há dois anos ou menos. Sabe mais o que ela me
disse? Que isso é normal. Que a cada onze minutos, uma mulher é
estuprada no Brasil. Que a cada uma hora, uma registra caso de violência
doméstica. E todas as mulheres que sofrem algum tipo de abuso, Nicolas?
Que são humilhadas por seus donos? — enfatiza a palavras e ri. — Donos,
rum! Isso me soa tão ridículo! Tudo que mais odeio nesse mundo machista
é o fato de mulheres serem submissas aos homens, sendo tratadas como
meros objetos, enquanto eles são os garanhões da história. Tem esposa,
amante, controle...
— Esquece isso, Cá.
— Não, Nick. Eu quero saber sua opinião: e essas mulheres, Nick? E
essas mulheres que ainda sofrem ou já sofreram nas mãos desses homens,
como elas podem lutar? Como mostrar ao mundo que elas têm voz sim, que
não são frágeis e que tem muito a oferecer, além de um útero fértil, sem ser
através do feminismo?
— Eu não sei, Cá. Mas você me faz pensar...
E é verdade. Não sei se Carina me ensina a ser errado ou fazer e
acreditar nas coisas moralmente erradas, mas ela me traz inquietudes que
me trazem muitas indagações. Realmente, se não for por meio do “grito”
intitulado movimento feminista, como essas mulheres que ainda sofrem nas
mãos de homens ruins e manipuladores podem encontrar forças para
superar todo o trauma que passam ou já passaram?
Porque deve ser horrível ser mulher e ser mais fraca, na questão
física, que o homem e ser humilhada, maltratada e o pior de tudo:
estuprada, por esses homens horríveis. Penso em Carina, penso nas minhas
irmãs, na minha mãe, na minha avó e em todas as pessoas que amo
passando por isso, e me sinto inútil.
O que eu poderia fazer se por descuido ou falta de sorte alguma delas
fosse parar nas mãos de algum homem covarde que as maltratasse? O que
eu poderia fazer se ele as ameaçasse? O que eu poderia fazer se eu não
estivesse presente? Como eu saberia se não estivesse presente e se elas
fossem ameaçadas, caso levassem o ocorrido a outras pessoas? E o pior de
tudo: como elas se sentiriam no momento (e depois também) que os maus
tratos ocorressem?
A força de uma mulher sendo disputada com a força de um homem,
não tem comparação. Seria uma luta perdida por ela. Lógico que seria. E
isso é tão confuso. E é por isso que penso que não há como mulheres e
homens serem igualados. E é por isso que penso que homens devem
proteger suas mulheres. E não o contrário. E não de maneira igual.
Giro o rosto para Carina. Agora, ela já não está com o rosto
encaixado no meu peito. Ela tem os olhos fixos na cama. Parece pensar.
Levo meu rosto para o teto, observando o branco em nossas cabeças.
— Não sou tão radical assim — reflito, e sinto seu rosto girar para
mim. — Acho útil e necessário sim o uso de camisinhas e pílulas
anticoncepcionais antes do casamento. Pequei contra a castidade e também
cometi adultério. Fiz outras coisas negativas e ímpias ao longo da minha
vida. — Dou de ombros.
— Seu maior pecado foi esse, Nick? — Ela solta um risinho irônico,
me fazendo trazer meu rosto para olhá-la. — Cometer adultério? Pecar
contra a castidade? Seu maior pecado fui eu?
— É, acho que sim. — Faço uma careta divertida, desdenhando do
meu pecado.
— Que Deus me perdoe! — ela zomba, girando os olhos. Rio, a
achando divertida. — Porque eu sim tenho muitos pecados!
Será que ela... ela teria abortado? Já que não deseja ser mãe, será que
ela já abortou? Se ela já fez isso, seria uma grande decepção para mim. Eu
não sei com que olhos olharia para ela...
— Você... você... — tento soltar as palavras, mas por medo do que
vou ouvir, não consigo dizê-las. — Enfim, você já fez aborto?
— Você quer realmente saber?
Sinto meu coração ficar triste. Tudo bem ela ter transado com vários,
ter furtado, matado, e ter cometido outros pecados, mas aborto... isso é tão
horrível. Além de acabar com uma vida que nem se iniciou, ainda há o fato
de ser uma vida ligada à da pessoa, e principalmente uma vida que foi
gerada graças à pessoa. Essa vida não tem culpa, essa vida...
Faço que não e giro meu corpo de lado e olho-a de perfil.
— Deixa isso para lá — peço.
— Tá bom. Vamos falar sobre outras coisas. Você gosta de que, Nico?
— Ela apalpa a mão no colchão macio ao seu lado, parecendo procurar
algo, até que pega seu celular. — De que tipo de música?
Abro um sorriso pequeno, por achar graça dela por estar me
chamando de Nico outra vez, apelido que Nicole me colocou. Saudades da
pequena, e tristeza e culpa por enganá-la.
— Rock, principalmente o nacional — respondo.
— Capital Inicial. Lembrei. — Ela leva seu celular ao rosto. Seus
olhos refletem a luz do aparelho, enquanto ela digita alguma coisa nele. —
Você ouvia em seu quarto na adolescência.
— Você lembra?
— Como não? — Ela vira o rosto para mim, girando os olhos. — A
Bia vivia reclamando que dava para ouvir do quarto dela. — Volta a digitar
em seu celular e o coloca ao seu lado.
A música “Natasha” do Capital Inicial começa a tocar um pouco
baixa:
Tem dezessete anos e fugiu de casa
Às sete horas na manhã no dia errado...
— Não sei por que, mas quando eu ouvia essa música, me lembrava
de você — observo, nostálgico.
— Sério? — Ela sorri, boba.
— O mundo vai acabar, e ela só quer dançar — cantarolo o refrão da
música, justamente quando essa parte ecoa pelo celular, fazendo-a rir
baixinho. — O mundo vai acabar, e ela só quer dançar, dançar, dançar...
— Cabelo verde, tatuagem no pescoço, um rosto novo, um corpo feito
pro pecado... — ela completa e faz uma pausa, com careta. E ri, divertida.
Livre. E linda. — Não, não tem por que essa música te fazer pensar em
mim. Não tive cabelo verde! E nem tatuagem no pescoço. Mas você
pensava em mim quando ouvia uma música! — observa, abrindo um sorriso
grande. E me beija na boca rápido, agradecida. — Adorei saber disso.
— E agora sabe qual é a nossa nova música?
— Sei não, Nick. Você não me disse.
— É essa aqui. — Estico meu braço sobre ela e pego seu celular. No
aplicativo do YouTube aberto, digito “Mania de você” de Rita Lee e
escolho a primeira opção que aparece para tocar.
Começo a cantar a música, conforme eu me viro sobre ela e começo a
beijar cada parte de seu corpo:
— Meu bem, você me dá água na boca... — Laço sua cintura com
meu braço e puxo seu corpo para cima do meu. Dou um beijo rápido e
estalado em sua boca, e ela sorri, mordendo o lábio inferior. — Mania de
você... de tanto a gente se beijar... de tanto imaginar loucuras... Nada
melhor do que não fazer nada... Só pra deitar e rolar com você... Nada
melhor do que não fazer nada... Só pra deitar e rolar com você...
— Sério isso, Nick?
— Sério. — Dou um beijo casto em seus lábios, a música ainda
tocando para nós... — Quer ficar quietinha hoje? — Mordo sua boca,
sentindo meu membro pinçar em minha bermuda e tocar a coxa de Carina,
que sorri por sentir.
— Só hoje, Nick. Prometo que em breve tudo volta ao normal.
— Cá. — Giro meu corpo na cama, de modo que ela fique ao meu
lado, de frente para mim. Toco seu rosto bonito e deixo um beijo inocente
em seus lábios convidativos. — Eu não estou te pressionando. Se você não
quer ou por algum motivo...
— Algumas coisas acontecem e aí outras são deixadas de lado — ela
me corta, se explicando. Desce a cabeça para meu peito e laça seus braços
sobre minha cintura.
— Você está falando do seu pai? Relacionando seu pai com o fato de
não sentir vontade de transar? — Franzo o cenho, achando essa conversa
muito maluca.
— É, Nicolas. Sabe, não te disse, mas ele me ligou. — Ela brinca com
meu peito ao fazer desenhos inexistentes sobre ele. — Na hora que você
estava no banho, antes de irmos ao culto. Ele me ligou e sabe o que ele me
disse?
— Hum?
— Que a garota está grávida.
— Que garota?
— A esposa dele. Ela tem vinte e três anos. Nicolas, ela está grávida.
Eu vou ter um irmão ou uma irmã, sei lá, um irmão fruto de um adultério,
um irmão que não sei se terei algum sentimento. Eu fiquei triste. Era para
ser uma ligação feliz e não foi. Ele me ligou para me dar essa notícia. Essa
grande notícia.
— Nossa, Carina. Eu não sabia disso. — Suspiro bem forte, sentindo
meu coração se apertar em meu peito, por me compadecer de sua dor, e por
me sentir um pouco culpado por tentar protegê-la e na verdade acabar lhe
magoando. Afinal, foi eu quem pedi para o pai ligar para ela. — Sinto
muito.
— Mas ele perguntou se eu estava bem. Fiquei feliz. Ele ainda se
preocupa comigo.
Abraço-a forte bem forte, beijando o topo de sua cabeça.
Eu espero que sim, Cá. Espero que ele realmente ainda se importe e
que não tenha perguntando como você está simplesmente porque pedi e
insisti. Você merece ser amada. Não merece sofrer assim.
Eu te amo, Cá. Queria tanto poder te dizer isso.
Capítulo 32
Eu tenho o olho do tigre, de uma lutadora dançando no fogo
Porque sou uma campeã e você vai me ouvir rugir

Mais alto, mais alto do que um leão

Porque sou uma campeã e você vai me ouvir rugir


Oh oh oh oh oh oh

Você vai me ouvir rugir

ROAR – KATY PERRY

O final de semana passou voando, segunda feira chegou e eu me vi


em meio a náuseas e tontura no trabalho, o que fez com que meu chefe me
dispensasse por um dia. Não gostei de vir para casa porque não tem Carina
para ficar juntinho, quer dizer, a tenho em minha cabeça, me deixando
confuso quanto às suas atitudes: a madrugada que montou em mim e não
lembra, o fato de não conseguir transar, Leonel, o pai...
Não sei. As situações simplesmente não batem. Falta algo para
encaixar.
Por que Carina não me diz a causa desse monstro que tanto a
atormenta? Não acredito que seja a ausência do pai, porque como pode a
relação com o pai fazê-la perder a vontade de transar? Não questiono isso
porque quero desesperadamente entrar em suas pernas e fodê-la. Acontece
que me preocupo. Eu realmente me preocupo e me sinto inútil por não
poder fazer nada por ela.
Ao ouvir o barulho da porta se abrindo, olho para trás e vejo que é
Carina entrando em casa, acompanhada de Gustavo. Ela arregala um pouco
os olhos ao me ver, dando dois passos para trás. Gustavo, que tem as mãos
sobre os ombros dela, sorri de lado, para mim.
Sinto meu cenho sendo enrugado, mesmo que eu não faça esforço
para isso, pois estranho. Gustavo é o cara com quem Carina ficava até
algumas semanas atrás. Por que ela o trouxe aqui? E logo hoje, que por
acaso voltei antes do trabalho porque me senti mal? Estaria ela trazendo
esse cara sempre para cá?
Não gosto de pensar nisso, mas com a ideia à cabeça, sinto meu
sangue esquentar o rosto. Não consigo pensar em outra coisa que não seja:
traição. Ela trouxe esse cara aqui para fazê-la gozar, já que eu não consegui
tal feito na última madrugada que transamos e que ela diz não recordar.
Deve ser por isso que não sente mais vontade de transar comigo. Não
consigo pensar em outra coisa que não seja isso!
— Nick? — Ela dá dois passos até mim, se esquivando de Gustavo.
— Você não tinha que estar trabalhando?
— Eu tive um problema e precisei vir para casa. — Estico meus
braços na altura da minha cintura e, sentindo o sangue esquentar em meu
corpo, cerro meus punhos. — E você, por que está com ele, aqui, a essa
hora?
É claro que ela ficou comigo e não largou o Gustavo. Se bobear, ela
deve trazer ele com frequência para cá e eu, bobo, cego de tesão, achando
que ela estava me levando à sério.
Carina abre a boca, tenta balbuciar algo, na tentativa de se explicar,
mas Gustavo é rápido e lhe corta:
— Ué, Nicolas, viemos namorar sossegados. — Ele tem um leve riso
de vitória no rosto, e isso faz meu sangue vibrar por minhas veias em todas
as partes do meu corpo.
— Guga, você sabe que não estamos aqui por isso — Carina contesta,
com os olhos arregalados, deixando suas olheiras de uma noite mal dormida
mais evidentes ainda. E, pelo tom de sua voz, eu até diria que ela está
falando a verdade. — Por que você está fazendo isso? — Ela encara
Gustavo firme, e ele ri, com deboche. — Por que, Guga? Você disse que ia
me ajudar!
— Ajudar no quê? — me intrometo, andando até eles e parando a um
passo dos dois. — Vocês iam estudar juntos, é isso? — Não consigo
disfarçar o sorriso torto, de deboche, que deixo abrir em minha boca.
— Não, Nicolas — Carina se explica, me encarando firme nos olhos.
— Eu passei mal na faculdade. Ele e a Carol, a irmã dele, me trouxeram
aqui. Ela está lá embaixo. Se quiser, te levo lá para te provar isso.
Passou mal? O que ela tem? Meu Deus, o que ela tem?
Meu coração me manda envolvê-la em meus braços, lhe dar muitos
beijinhos, um remédio e colocá-la para dormir. Adoro fazer isso. Fico tão
ansioso, só por pensar. Mas, ao invés disso, passo por cima dos meus
sentimentos positivos e encaro um Gustavo me olhando nos olhos, de
braços cruzados, como se me chamasse para uma briga. Então, tudo que
faço é dar de ombros.
— Por que eu deveria me preocupar? — Penso em completar “Não
temos um compromisso, não sou nada seu, nem você é nada minha”, mas
desisto, pois me dou conta do quanto isso soaria patético para mim.
Desvio meus olhos do Gustavo e os levo para Carina. Noto o rosto
decepcionado que Carina emite para mim. Acho que ela pensa que eu disse
que não deveria me preocupar com o fato de ela ter passado mal, mas não é
isso. É claro que me preocupo, Cá. Eu te amo, e me preocupo com tudo que
diz respeito a você. Meu coração chega a doer por imaginar o que possa
estar acontecendo de errado contigo, mas eu também estou muito magoado
por trazer esse cara aqui.
— Tchau, Carina. — Gustavo tira uma mecha de cabelo do pescoço
de Carina e deixa um beijo ali.
Ela esquiva, mas ele a puxa de volta. Cochicha algo no ouvido dela,
que se esquiva mais uma vez, fechando o rosto para ele, brava. Por fim, ele
me encara outra vez, acena com a mão para mim e vira as costas, andado
até a porta, batendo-a em suas costas e desaparecendo de meu campo de
visão.
— Eu vou preparar o almoço — aviso, virando as costas em direção à
cozinha.
— Nick. — Carina me puxa pelo braço.
Viro-me para ela e noto que ela está com os olhos lacrimejados.
— Eu realmente passei mal na faculdade.
Não recuo. De braços cruzados, permaneço encarando-a, ouvindo sua
explicação.
— Fiquei tonta e enjoada durante o debate do Não somos Amélia. Aí
eu saí da sala e vomitei meu café da manhã. O Guga viu e me trouxe em
casa, junto com a Carol. Ela ficou lá embaixo, no carro, e ele subiu comigo,
porque ele ficou com medo de eu desmaiar. Mas ele nunca veio aqui antes.
Só foi uma infeliz coincidência. Eu sei que sou uma vadia para todo mundo,
mas eu não estava trazendo o Guga para transar comigo. — Ela morde o
lábio inferior, como forma de segurar as lágrimas que insistem em cair.
Toda vez que ela vai a esse protejo, retorna estranha. Ou passando
mal ou cabisbaixa, como ontem. Penso em lhe perguntar sobre o que
conversaram dessa vez para juntar o quebra-cabeça e tentar entender o que
pode estar acontecendo com ela, já que ela não me diz. Eu realmente me
preocupo, mas não consigo fazer isso. A mágoa por ela ter trazido aquele
cara aqui, achando que eu não estaria, fere a mim e ao meu ego.
— Tá. — Dou de ombros.
— Eu não mentiria para você.
— Não é você a garota que gosta de mentiras? — solto, amargo. Viro
as costas e vou para a cozinha.
— Nick. — Ela me alcança na cozinha, me segurando pelo braço.
Viro meu corpo para ela, lhe olhando nos olhos. — Você nem perguntou se
estou melhor. — Ela tem um rosto tão doce, como uma menininha ingênua
e pura, coisa que ela não é mesmo.
Carina faz essa carinha e sempre balança minhas estruturas. Se esse
for seu truque para amolecer meu coração e me fazer acreditar nela, é fato
que é um truque muito válido porque funciona. Funciona muito bem. Sou
capaz de dar um beijo demorado nela agora mesmo e apertá-la bem forte.
Viro de costas e pego uma garrafa d’água na geladeira, a qual eu
deixo sobre a bancada, ficando de costas para ela.
— Para com isso, Nick. Eu não tenho mais nada com ele. Ele é meu
amigo agora. — Por trás, ela laça os braços ao redor da minha cintura e fica
grudada a mim assim. — Você parece estar com ciúmes, seu bobinho.
Seu toque, sua cabeça em minhas costas, sua mão alisando minha
barriga... me esmaece. Viro-me para ela e levanto seu rosto para olhá-la nos
olhos.
— Não consigo não sentir ciúmes de você. Me desculpe por isso. Mas
não é só ciúmes, Carina. É medo. Insegurança. Receio.
Ela enruga o cenho.
— De quê?
De você me largar, de eu te encontrar com o Gustavo na minha cama,
quero dizer, mas soaria ofensivo demais.
Sou um babaca por pensar essas coisas.
— Esquece isso. — Deixo um beijo estalado em seus lábios macios.
— Nick, por que você está em casa a essa hora? — Ela quer saber, o
rosto preocupado. — Você não foi mandado embora do trabalho não, foi?
— Não, Cá. Não se preocupe. Meu emprego está muito bem
garantido. — Passo a palma da minha mão por seu rosto meigo, admirando-
o, sentindo meu coração se encher de amor. Seu rosto é pura sinceridade.
Sem contar nos seus olhinhos de cachorrinho abandonado, como quem
pensa "por favor, acredite em mim". — Acontece que eu também passei
mal. Estava com muita dor de cabeça e também fiquei meio enjoado hoje.
Mesmo contra minha vontade, acabo soltando uma leve risada, pois
sua careta ao me ouvir falar sobre o enjoo é tão engraçada que eu não
consigo me aguentar. Mas o fato de eu rir não significa que eu acredite nela.
Ainda estou meio cético do que poderia ter acontecido aqui, caso eu não
tivesse chegado. Mas prefiro ignorar isso, até porque não temos um
relacionamento para sermos fiéis um ao outro.
— Talvez a comida de ontem tenha feito algum mal para a gente —
levanto, me recordando das coisas pesadas que coloquei na janta ontem. —
Tinha coisas que não estamos acostumados a comer no dia a dia.
[1]
— A paçoca de pinhão com carne assada? É, deve ser. — Ela
deposita suas mãos sobre meu ombro e estica o dorso para ficar a minha
altura, para me dar um beijo na boca. Mas quando sinto sua boca tocar a
minha, somos interrompidos pelo toque do meu celular, que está no meu
bolso.
Rimos, juntos. Busco por ele no bolso de trás da minha bermuda, até
alcançá-lo, para jogar para bem longe de mim.
— É importante? — Carina quer saber. Olho a tela e enrugo a testa.
— Não — respondo.
Na verdade, era uma mensagem de Alicia, algo tipo "Nicolas, meu
pai...", mas eu não consigo terminar de ler porque Carina toma o celular de
minha mão e o joga ao seu lado na bancada de mármore, voltando a me
beijar.
— Eu acho que você deveria escovar os dentes — aconselho.
— Está dizendo que estou com mau hálito, Nick?
— Estou dizendo que você disse que vomitou e agora quer me beijar.
— É verdade. Naquelas cenas de filmes românticos, as mocinhas
beijam os mocinhos depois de vomitar.
— E desde quando isso aqui é um romance? — Mordo seu lábio
inferior, e ela passa os braços ao redor do meu pescoço. — Desde quando
isso aqui é Hollywood e eu sou um príncipe e você uma princesa?
— Pois é. Não é. Então, vou escovar os dentes. Lá no banheiro. E aí
eu vou deixar a porta aberta, sabe?
— Por que, Cá?
— Porque eu vou tirar minha roupa e aí eu vou entrar no box e você
vai chegar e vai me ver lá, entendeu? — Ela morde meu lábio inferior e
depois se solta de mim, vira as costas e anda apressada em direção ao
banheiro.
Entendo o recado. Meu membro também entende porque do jeito que
ele se encontra dentro da minha bermuda... Ele estava sentindo saudades
disso. Ainda bem que o humor de Carina voltou, e ainda bem que ela parece
estar bastante animada, a ponto de me chamar para o banheiro.
Sorrio, sentindo meu humor acalmar e voltar a ficar feliz, mesmo que
ainda não esteja seguro sobre essa história do Gustavo com ela aqui,
sozinhos.
Quando entro no banheiro vejo Carina colocando a escova dentes de
volta no suporte que há sobre a pia.
— Dentes escovados! — Ela se vira para mim, abrindo um sorriso
grande, e desabotoa a blusa, tira o sutiã, mas sem tirar os olhos de mim.
— Hum, que delicia — aprovo-a, vendo seus seios durinhos de bicos
rosados apontados para o céu. Aproximo-me dela dando alguns passos, com
meu membro batendo contra minha cueca para onde levo minha mão e toco
por cima da calça jeans.
Carina leva os olhos bem para ali e arfa para trás.
— Não sei o que aconteceu, mas hoje estou doida por um sexo
rapidinho.
— Sério? — Dou o último passo até estar com meu nariz quase junto
ao dela. Sinto sua respiração tocar meu nariz. Pego-a pela cintura e beijo
seu ombro nu. — Sorte sua que eu também.
— Os ciúmes passou, Nick? — ela me provoca, olhando-me no fundo
dos olhos e desabotoando sua calça, que desce pelas suas pernas juntamente
à sua calcinha preta. — Hum? — Ela me beija docemente, me laçando pelo
pescoço.
Pego-a pela cintura e a suspendo pelo bumbum, colocando-a sentada
sobre o mármore da pia.
— Não gosto daquele cara — digo, abrindo o zíper da minha calça, e
puxo meu membro para fora. Massageio sua extremidade e solto um leve
gemido pela boca, vendo Carina olhar para ele mordendo a boca.
— O que você vai fazer comigo?
— Te foder.
— Nicolas, você falando assim nem parece você. Vejo que o
Superman obscuro saiu de suas sombras.
— Culpa sua, Cá. — Encaixo meu membro dentro de sua entrada
estreita e dou a primeira estocada. Carina arranha minhas costas, se
esfregando sobre minha dureza e gemendo baixinho. — Caramba, Cá! —
Beijo sua boca. — Do jeito que estou não aguento um segundo.
Carina cessa o movimento e ri da minha situação.
— Ciúmes te excita?
Tapo sua boca com meu indicador.
— Já disse que odeio aquele cara. — Tiro meu membro de dentro
dela, que faz uma careta desaprovadora, sentindo seu clitóris pulsante tocar
a cabeça melada do meu membro. Abro gaveta ao meu lado direito e puxo
uma camisinha, mas sem tirar minha mão da perna da loira que eu aliso,
sentindo sua maciez. Com a outra, seguro a camisinha para com os dentes
rasgar a embalagem.
— Deixa que eu coloco.
Enrugo o cenho.
— A camisinha.
Arqueio a sobrancelha.
— Desce a tampa do vaso e senta lá — ela pede, me deixando mais
confuso. —, mas tira a roupa toda.
Faço o que ela manda, enquanto ela desce do mármore e vem
caminhando até mim segurando a camisinha com a mão. A resposta da cena
dela nua vindo em minha direção com o rosto cheio de más intenções
reflete no meu membro desesperado, que pulsa para cima e para baixo.
Sou capaz de sujar todo de gozo nesse momento mesmo que ela não
me toque.
— Você me deixa muito doido, Cá.
— Fico feliz em saber. — Ela se agacha diante de mim e segura meu
membro com a mão, me olhando nos olhos, e o lambe. — Nick.
Meu membro pulsa, batendo no seu rosto, e ela sorri.
Como minha loira é gostosa, como eu imaginei e sempre quis; outra
garota mais safada do que ela sei que não existe. Sou um cara sortudo.
Carina chupa meu membro, o que me faz, por prazer, resmungar um
palavrão que eu nunca disse antes. Conforme me chupa e se delicia, tenho a
visão mais erótica impossível: ela olhando mim com ele na boca e os bicos
dos seus seios arranhando minha perna.
— Que isso, Cá... que delícia. Me chupa, safada.
Ela aumenta a velocidade da boca e eu empurro sua cabeça para que
Carina vá mais profundo. Mas ela para, coloca a camisinha sobre meu
membro e no minuto seguinte se senta em meu colo, se encaixando sobre
ele.
Carina então começa a se preencher de mim com agilidade. Não me
beija. Fecha seus olhos e rebola para lá e para cá, se dando aprazer. Bato em
seu bumbum, e ela abre o olho, rebolando mais ainda sobre mim.
Lambo seu pescoço, seus seios, seus ombros, me recheando de prazer
e me aproveitando de cada parte do seu corpo.
— Linda... você é tão linda. Um sonho, Cá. Linda e safada.
Deliciosa. — Nesse momento, quase solto um “eu te amo”, mas me seguro.
É quando a vejo cessar seus movimentos e desfalecer sobre mim: a
cena mais incrível que já pude presenciar algum dia. No mesmo instante,
gozo também, pressionando-a pela cintura para mais próximo de mim.
— Achei que jamais conseguiria outra vez — ela revela.
— O quê? — pergunto, permitindo que ela saia dos meus braços para
que eu possa olhar para ela.
— Ficar por cima, comandar, fazer o trabalho sujo. — Ela sorri de
lado e se levanta. Puxa a camisinha do meu membro, dá um nó e a joga na
lixeira ao lado.
Enrugo o cenho, um tanto confuso com sua revelação, e ela estica a
mão para mim, para que eu possa me levantar.
— Vamos tomar banho juntos? — propõe.
— Só com uma condição. — Me levanto e a laço pela cintura,
fazendo-a estremecer com o toque das minhas mãos sobre sua pele, e, nesse
momento, sei que estamos prontos para outra.
— Qual?
— Musiquinha e outro sexo gostoso. Só vou ali na cozinha pegar meu
celular.
— Certo, Nick. Vou ficar no chuveiro te esperando. — Ela se
desvencilha de mim, mas a puxo pela cintura para beijar sua boca. Ela vira
as costas e anda em direção ao box, enquanto eu fico atônito vendo-a se
afastar.
É certo que a amo e que sinto muito mais que desejo de carne por
Carina.
Saio do banheiro rindo como bobo, descrente do que tem ocorrido
entre nós. Estou tão feliz, bem e realizado, como nunca fiquei antes.
Realmente é real ou dormi pela eternidade e estou tendo um sonho eterno?
Deus me perdoe pela brincadeira e pelo pensamento!
Quando entro na sala, vejo meu celular sobre o mármore que divide
sala e cozinha. Nesse momento, por coincidência, meu celular volta a tocar:
outra chamada de Alicia. A chamada se desfaz no mesmo instante que
alcanço o celular.
Não posso deixar de me sentir curioso e um tanto preocupado. Alicia
não estaria me ligando tantas vezes por coisa pequena. Certamente algo de
errado deve ter acontecido. Mas o quê? Com ela? Com a pequena Nicole?
Meu Deus! E se a pequena estiver doente chamando por mim? Como
posso ignorar isso. Se Nicole chama, claro que irei. Posso magoar Alicia e
chatear seu Carlos e Douglas, mas com a pequena sou incapaz de ser
insensível. É só uma criança, que nesse tempo de convivência, criei um laço
que não sou capaz de desfazer, mesmo que eu e sua irmã não fiquemos mais
juntos.
Pobre Nicole... imagina quando souber sobre a irmã e eu...
Meu celular começa a tocar outra vez. Abro a tela. Dessa vez, é uma
mensagem da operadora, o que de certa forma me acalma. Olho minhas
notificações e me dou conta de que há mais de cinquenta chamadas
perdidas Alicia e, entre elas, uma única mensagem, enviada a pouco mais
de dez minutos, certamente a mensagem que ignorei quando fui para o
banheiro com minha loira. Decido abrir.
Lice: Nicolas, meu pai sofreu um acidente de carro na volta da
viagem. As crianças não param de chorar e meu coração está doendo tanto
que eu não consigo ser forte por nós três. Por favor, não deixe de me
responder. Eu preciso muito de você nesse momento.
Sinto minhas mãos trêmulas e meu coração se partir em dois. Mas,
dessa vez, não só pela pequena Nicolas, mas por Douglas, por seu Carlos e
principalmente por Alicia, que nesse momento deve estar quebrada tendo,
como sempre, de segurar todas as pontas, sozinha.
Não posso simplesmente ignorar. Não posso. Mesmo que não
estejamos mais juntos, ela ainda é alguém que guardo no coração e que até
no mês passado estava ao meu lado, dividindo comigo seus momentos, e eu,
os meus.
Então, recorro à Alicia, iniciando uma ligação.
E oro a Deus para que me guie.
Capítulo 33

Você está em meus pensamentos

Sempre, sempre
Eu só me apavorei, apavorei

Prefiro me sufocar com minhas más decisões

Do que carregá-las para o meu túmulo


Você está em meus pensamentos

Sempre, sempre, sempre


ALWAYS – GAVIN JAMES

No dia seguinte ao recebimento da mensagem da Alicia, vou ao


hospital ver seu Carlos, que sofreu um acidente na volta do banco; um
ônibus escolar o pegou de bicicleta na contramão. Seu estado é crítico, mas
não corre risco de morte. Ele está desacordado, devido a uma sedação
farmacológica controlada, como forma de minimizar a dor física que ele
deve estar sentindo, já que o acidente que sofreu lhe causou muitos danos,
como a quebra de dois ossos da costela direita.
Agora, ainda no hospital, Nicole, Douglas e Alicia não param de
chorar, o que é compreensível. Deve ser difícil perder a mãe e, poucos anos
depois, ver o pai desacordado, sofrendo em uma cama de hospital.
— Por que, amor? Por quê? — ela me pergunta, ao mesmo tempo em
que enxuga as lágrimas que pairam na ponta de seu nariz. Ela está em meus
braços, chorando.
— Vai ficar tudo bem — me limito a dizer a ela. Beijo o topo de sua
cabeça como forma de confortá-la. Em outros tempos, eu diria: "eu amo
você”, além de “vai ficar tudo bem”.
Pelo que pude notar, Alicia não contou para os irmãos sobre o término
do nosso noivado. Ninguém me olhou diferente, nem pareceu surpreso por
me ver. Tudo bem que passam por um momento delicado, mas, se
soubessem, Nicole ao menos teria me perguntado os motivos. Afinal,
crianças não têm filtro para falar, independente do lugar ou da situação que
estejam.
— Oh, meu amor. — Minha mãe chega ao hospital, acompanhada do
meu pai e da minha irmã Beatriz. A primeira coisa que faz é oferecer os
braços para Alicia, que aceita e entra neles, sendo confortada por minha
mãe.
— Oi, meu filho. — Meu pai também me abraça, cumprimenta Alicia
e as crianças.
Alicia, depois de receber um abraço carinhoso dos meus pais e da
minha irmã, volta para meus braços, colocando a cabeça sobre meu
pescoço, posição preferida dela e que minha mãe sempre achou "fofinho",
como a mesma sempre fala. É o que dona Anne deve estar pensando em nos
dizer nesse momento, pois pelo modo que seus olhos brilham ao olhar para
nós...
— E então, o que os médicos disseram? — minha mãe quer saber,
encarando Alicia com pena.
— Bom, mãe. — Encaro Nicole, para que minha mãe entenda que
não quero falar sobre o pai na presença da pequena, que já chorou muito no
hospital desde a hora que cheguei. — Os médicos falaram que só foi um
machucadinho no joelho, que já fizeram os curativos e que logo-logo
poderemos visitá-lo. — Pisco para mamãe, que entende minha deixa.
— Viu, Nicole. — Bia curva o corpo à frente da pequena e enxuga as
lágrimas de seu rosto meigo. — Vai ficar tudo bem. Só foi um
machucadinho, está bem?
Com uma tristeza misturada a uma grande preocupação expressa em
seu rosto, Nicole encara minha irmã, com quem sempre teve uma grande
afinidade, e assente. Ver isto, me faz pensar em como será a partir de então,
para todos, saber que eu e Alicia não estamos mais juntos.
— E como você está, Bia? — a pequena pergunta.
— Eu estou bem. Estou com saudade de você. Deveria ir lá em casa
brincar com o Nico no videogame, o que você acha?
— O papai nunca me deixa ir à sua casa. E eu fico muito triste. Eu
gosto muito de ficar perto de vocês.
— Fica tranquila. Vou convencer seu papai a fazer isso. — Bia pisca,
se desencurvando, e a pequena Nicole sorri.
— Ei, Nicole — minha mãe a chama. — Você sabia que a Bia está
participando de um concurso? Se tudo der certo, ela será a Garota Verão do
sul brasileiro de 2016.
Desde que se entendo por gente, a Beatriz quis participar desse
concurso, mas até então não podia, devido à idade. A mínima sempre fora
dezessete. Agora, após ter completado tal idade a pouco mais de um mês,
minha irmã poderá realizar seu grande sonho de se tornar “A Garota Verão”
de 2016.
— E eu estou tão animada! — Beatriz comemora, subindo os ombros
e batendo palmas, do seu jeito animado de sempre.
— Também quero ser modelo, igual a você, Bia — Nicole diz, com
muita admiração no olhar.
— Você tem tudo para ser, guria. — Minha irmã coloca as mãos na
cintura e encara a baixinha. — Aliás, acho que vou começar te dando umas
aulinhas agora. O que acha?
— Eu acho muito divertido! — Nicole dá o maior sorriso que eu vi
hoje, fazendo suas covinhas aparecerem, o que faz minha irmã não resistir e
dar um apertozinho nas bochechas da pequena.
— Leve a Nicole e o Douglas para comerem alguma coisa, Beatriz —
mamãe pede, e minha irmã concorda. Então, as duas saem de mãos dadas e
conversando, enquanto o Douglas as acompanha, indo atrás.
— E você, Alicia, não está com fome? — minha mãe pergunta para
minha hum... noiva?
Nem sei mais o que ela é. Porque agora, olhando para ela tão abatida,
com minha família aqui, me fazendo recordar o quanto minha ex-noiva e
seus irmãos são quistos e queridos por todos, não consigo colocá-la no lugar
de ex-noiva, bem como, por um momento, não consigo acreditar o que fiz
com ela todo esse tempo.
— Estou um pouco sim.
— Vamos à cantina então para você comer algo. — Minha mãe estica
a mão para que sua adorada ex-nora a acompanhe, e Alicia aceita.
Sei que é proposital minha mãe fazer essa cena toda ao tirar Alicia e
os irmãos de perto de mim e do meu pai. Sei que meu pai tem algo para me
falar. É típico de dona Anne e Daniel fazerem isso.
Meu pai me abraça de lado, colocando seu braço sobre meu ombro, e
caminha comigo assim até sentarmos no banco de espera que há em frente
ao balcão da recepção do hospital. Sério, ele diz:
— Eu conversei com a equipe médica hoje mais cedo. A doutora que
está cuidando do caso de senhor Carlos é uma amiga minha. Como você já
deve saber, seu sogro não tem plano de saúde, e aqui, nesse hospital
público, infelizmente não tem um cirurgião ortopédico no momento e ele
não pode esperar mais. Eu não opero, Nicolas, infelizmente. Senão, eu daria
um jeito. E eu também poderia pagar por isso. Você sabe que eu não me
importaria em ajudar, mas, antes disso, eu consegui uma transferência para
o Hospital de Porto Alegre para onde ele já está indo. Lá, tem uma equipe
médica amiga que fará as cirurgias necessárias com todo o cuidado
possível. As crianças vão ficar com a tia delas. Já conversei com a Alicia. E
você, claro, irá precisar acompanhá-la.
— Eu precisarei acompanhá-la?
— Sim. Não há ninguém que possa fazer isso por ela. E ela não está
em condições de fazer isso sozinha. Por quê? Você não pode? Tem algum
compromisso?
— Não. Eu só... — Suspiro profundo, enquanto meu pai me encara,
atento.
Como dizer a ele que eu só não sou mais o noivo de Alicia? Não é
agora que lhe direi isso. Acompanharei Alicia, farei a minha parte. Quando
senhor Carlos sair dessa, meu pai, assim como minha mãe e toda minha
família, saberão do meu término com minha noiva e de meus sentimentos
pela loira, mas não será agora.
— Eu só...?
— Eu só tenho algumas provas — minto, mas mal consigo encará-lo
nos olhos.
Não gosto de mentir. Não é algo que me deixa bem. E não faz parte
da minha índole enganar meus pais, ou qualquer pessoa que não mereça ser
enganada. Envergonho-me por isso. Mas tudo bem. Eu tenho algumas
provas durante a semana. Não é exatamente uma mentira. Apenas omissões.
Como Carina me ensinou.
Carina me ensinou isso. Ela me ensinou a ser errado. A mentir.
— Mas tudo bem. Ela também tem algumas provas. Podemos estudar
juntos.
Meu pai assente.
De certa forma, me sinto contente por ser solícito com Alicia. Porém,
por outro lado, me sinto inconformado com essa viagem repentina, mas que
eu não posso deixar de fazer. Não posso simplesmente largar Alicia
sozinha. Tudo bem que não temos mais nada um com o outro, mas ela
precisa de mim. Ela realmente não tem ninguém. Só a tia, que já se
encarregou de ficar com os irmãos.
Capítulo 34
Estou desistindo de você
Estou perdoando tudo
Você me libertou, oh
SEND MY LOVE – ADELE

Depois da visita a seu Carlos, minha família, Alicia, seus irmãos e eu


vamos para o meu apartamento. Meu pai insistiu em rever o lugar onde ele
morou por alguns meses com minha mãe e o Bernardo, antes de eu nascer.
— Você foi feito aqui, meu filho — minha mãe brinca, quando
paramos em frente à porta do meu apartamento.
— Ai, mãe, você faz uns comentários nada a ver — Bia resmunga.
— E esse bolso aí, Nico? — Nicole enruga o cenho, apontando com o
nariz em direção ao meu bolso, onde eu procuro por meu chaveiro com as
chaves do meu apartamento. — O que tem de errado nele?
— Nada, pequena. Não acho meu chaveiro.
Ela abre um sorriso grande, e eu lhe correspondo com outro na
mesma proporção.
Até para Nicole eu minto agora. Aliás, aí está mais uma mentira para
minha coleção. Porque, para falar a verdade, sinto o chaveiro, no formato
do símbolo de Engenharia, em minha mão, mas receio abrir a porta e
encontrar Carina nua ou nada comportada.
Antes de sair do hospital, mandei uma mensagem para ela, lhe
avisando sobre a visita da minha família a meu apartamento. Disse para se
cobrir com alguma roupa, já que ela normalmente fica só de calcinha e sutiã
ou com uma camisa minha, durante o dia todo. Acontece que ela não
respondeu minha mensagem, e isso me preocupa.
Sentindo meu celular vibrar no outro bolso, o pego. E não, não é uma
mensagem de Carina. É uma mensagem da operadora, me informando que a
fatura do mês está vencida e que, caso não seja paga em uma semana,
minha linha será interrompida, até que o pagamento seja efetuado.
Faço que não, e guardo meu celular no bolso. Talvez Carina não tenha
respondido porque também esqueceu de pagar sua conta. Estamos tão
ocupados e envolvidos um com o outro que temos nos esquecido não só de
pôr camisinha durante o sexo, mas também de pagar nossas próprias contas.
Acontece.
— Achei. — Levo meu chaveiro ao alto, fazendo Nicole abrir outro
sorriso grande. Abro a porta e peço a Deus que me ajude. — Entrem.
Depois que todos entram no espaço, seguidos de mim, meu rosto
esquenta. Carina está dormindo no sofá, de barriga para cima, só de sutiã e
com shorts minúsculos, proporcionando uma visão espetacular de seu
corpo, o qual não preciso repetir que tenho muito apreço.
Batendo a porta atrás de mim, olho para a cara do meu pai, que me
encara enrubescido, fazendo que não com a cabeça. Depois, encaro minha
mãe, que suspira, sem graça. Por último, olho para Alicia, que me encara de
volta, abaixa o olhar, triste, e suspira profundamente. Agora, ela certamente
já sabe quem é a garota que eu disse estar gostando.
— Relaxa, Daniel. Eles são primos — mamãe murmura para meu pai,
como forma de amenizar as maldades que certamente rondaram na cabeça
dele.
— Já ouvi essa história uma vez — ele resmunga, com uma carranca,
e sai de perto de nós, indo em direção à cozinha, onde vejo que ele pega
água na geladeira.
É nesse momento que me ponho a pensar: o que meus pais achariam
ao saber que larguei Alicia para ficar com Carina? Certamente, não
concordariam. Pelo menos, meu pai eu sei que não. Ele se sentiria
desapontado. Quantas vezes o ouvi questionar que a culpa de minha irmã,
Bia, estar ficando rebelde era influências da Carina? Quantas vezes o vi
também torcer o nariz para a loira quando ela se exibia demais? Foram
muitas. Por mais que nunca tenha aberto a boca para dizer, sei que não
gosta muito da loira, e sei que não vai gostar de saber que tenho alguma
coisa com ela. E eu terei alguma coisa com ela? Ela vai querer?
A risada da Bia me desperta, me fazendo me dar conta de que estou
no meio da sala, ainda parado no mesmo lugar onde parei quando entrei.
— Eu vou chamá-la — minha irmã diz, com um sorriso brincalhão,
indo até Carina. — Ou. — Sacode a loira pelos braços. A loira semiabre os
olhos, o rosto confuso. — Vadias não deveriam dormir em sofás. E muito
menos antes de anoitecer.
Ainda com os olhos semiabertos, Carina se senta no sofá, com o
cenho levemente franzido. Ela estica os braços ao alto, se espreguiçando, e
eu engulo seco. Abre mais os olhos e os arregala, se dando conta de quantas
pessoas estão no apartamento naquele momento. Seus olhos correm até
mim, me lançando aquela expressão “deveria ter me avisado”.
— Desculpa, gente — ela pede. — Vou colocar uma roupa. — Se
levanta, com os braços dobrados em formato de borboleta sobre seu peito.
Quando Carina passa ao meu lado, olho-a de soslaio, enquanto seu
olhar de acusação me acompanha. Só deixo de olhá-la quando ela some
pelo corredor. Volto com minha atenção para as pessoas da sala, parando
meu olhar no Douglas, que tem a boca aberta em um “o” e, em seguida, um
sorriso saliente estampado nela.
— Eu preciso ir ao banheiro — ele diz e corre para o corredor,
fazendo Bia cair na gargalhada e minha mãe lhe repreender com o olhar.
— Ai, que chata! — minha irmã reclama.
— Não mudou muita coisa desses vinte anos para cá — meu pai
comenta, ao voltar para a sala. Seus olhos mostram a admiração que tem
pelo lugar que ele viveu com minha mãe. — Tudo bem limpinho e
organizado. Você pensa em vendê-lo para comprar sua casa, meu filho?
Eu abro a boca para falar, mas Alicia me corta:
— Eu e o Nicolas não tínhamos planos de vender, seu Daniel. Mas
agora eu não sei quais são os planos do seu filho.
Eu pai dá uma leve franzida no cenho.
— Como assim?
— Algumas pessoas mudam de comportamento repentinamente.
Indiretas não, Alicia. Por favor, isso não. Sabe que odeio isso. Está
fazendo para me provocar.
— Ainda mais quando tem mulher no meio.
Meu pai me encara, ainda com o cenho levemente enrugado. Sua
atenção é desviada de mim quando Carina entra na sala, vestindo uma
blusa, e não é uma blusa de sua coleção de blusas divertidas e sim daquelas
decotadas, marcando seu corpo bonito. Ela cumprimenta minha mãe com
dois beijos no rosto, depois o meu pai, fazendo o mesmo. Para Alicia, ela
apenas acena com a mão, assim como faz para Nicole que, diferente da
irmã, abre um sorriso grande para a loira.
— Seu cabelo está mais bonito hoje — ela elogia.
— Obrigada. — Carina se encurva em direção a Nicole.
— Adoro coques. Pena que a Lice não sabe fazer.
— Posso fazer em você, se quiser.
— Eu quero!
Carina volta para sua posição anterior, e eu me vejo sorrindo por seu
gesto carinhoso com Nicole. Sem graça, levo meu rosto para meu pai, que
agora me encara firmemente com uma espécie de acusação carimbada em
suas feições. Ele desvia o olhar de mim para olhar para a loira e depois se
volta para mim e cerra os olhos, como se entendesse tudo. Ele viu Carina
dormindo à vontade no sofá e ouviu o que a ex-nora acabou de falar. Já é o
bastante para a cabeça inteligente e antecipada do meu pai começar a
pensar.
— Ai, sua vaca! — Bia, mais uma vez, chama a atenção de todos para
si, ao abraçar Carina pelo pescoço e arrasta-la para o corredor. — Me fale
as fofocas. Dos gatinhos.
Douglas passa pelas duas, sorrindo como um adolescente cheio de
hormônios que é.
— Vamos embora, crianças — Alicia diz, pegando na mão de Nicole,
que levanta o rostinho e encara a irmã com a testa enrugada.
— Já? — ela pergunta. — Eu quero fazer um coque no meu cabelo.
— Vai fazer um coque porcaria nenhuma!
— Deixa que eu levo vocês — peço.
— Vai bancar o cara legal só por que sua família está aqui?
— Alicia...
Ela faz que não com o cabeça, me encarando firme, e vira as costas,
arrastando Nicole pelo braço. Mal consigo me mexer. Não quero ir até ela,
se ela não me deseja por perto. E ela está certa. Eu quero bancar o cara legal
só porque minha família está aqui...
— Tchau, Nico! — Nicole grita.
Levanto meu olhar e a vejo sendo arrastada por Alicia, agora,
passando pela porta da sala. A pequena tem o rosto assustado, talvez
preocupado. Douglas, que até então ainda estava parado ao meu lado, se
despede dos meus pais com um aperto de mão, o mesmo faz comigo. Ele
não faz muitas perguntas, o que é de se esperar, devido a sua personalidade
distraída, e vira as costas, batendo com a porta.
— Só não deixe a garota sozinha em um momento como esse — meu
pai me aconselha de forma preceituada, me encarando com aquele rosto de
quem desconfia de algo e espera que eu confesse. — Você foi fazer isso
logo com a Carina? Essa garota que... — Ele não completa, mas sei bem do
que ele fala. — Eu francamente esperava isso do Bernardo, até da Bia, mas
nunca de você.
Nunca compreendi muito bem o porquê, mas a verdade é que sempre
me esforcei para ser o melhor filho. Nunca gostei de receber o título do
desapontamento, da decepção, sempre gostei do meu trono de filho
exemplar. Desde criança via (e ainda vejo) o Bernardo como o filho errado,
enquanto eu era (e ainda sou) o filhinho certinho, que faz todas as coisas
consideradas certas. Não, não darei ao Bernardo o título de melhor filho.
Nunca foi assim. Não é porque errei uma única vez que os títulos serão
invertidos.
Eu sou o filho perfeito que nunca decepciona e erra. O filho perfeito
que nunca foi reprovado na escola. O filho perfeito que nunca bateu boca
com ele ou o pé, quando era criança. O filho perfeito que casaria com uma
moça pura e boa, de família, como Alicia. O filho perfeito que faz escolhas
perfeitas de acordo com o que ele considera perfeito.
— Você está falando sem saber — me defendo, cínico. — A Alicia
está com muitas neuroses depois que a Carina veio morar aqui, e você sabe
que a Carina é desse jeito aí. Se exibe, anda com essas roupas, quase nua. Já
falei para ela ter mais senso e cuidado, mas ela é muito desligada. A Alicia
mesmo, ela já cansou de ver a Carina só de sutiã e, com isso, fica
imaginando coisas que nem existem. Aliás, que mulher não ficaria com
ciúmes?
Depois que minha boca fala sozinha, mergulhada em mentiras, olho a
todos ao meu redor. Minha mãe, meu pai, Beatriz... e Carina. E todos estão
olhando para mim.
Enquanto meus pais, que estão a minha frente, me encaram com seus
rostos de compreensão, me devolvendo o título de melhor filho, Beatriz
olha a loira de cima a baixo, diria que com certa repúdia. E esta, que está
parada entre o corredor e a entrada da sala, tem uma espécie de mágoa
estampada em eu rosto.
Sinto-me horrível por isso, mas sendo comandado por um sentimento
de egoísmo, não me arrependo do que digo.
— Vamos, Daniel. São sete da noite — minha mãe o apressa,
encarando seu relógio de pulso. Ela leva seu rosto cansado para mim e
pergunta: — Vocês vão para o noivado do Marco?
Minha cabeça anda tão distraída, que até havia esquecido que um
amigo daria uma festa de noivado em algumas semanas. São coisas que
tenho aprendido com Carina: distração, mentiras, falta de pudor... E isso me
enraivece, me deixa chateado e com raiva dela por ser tão cabeça de vento e
ter a capacidade de passar isso para mim, como se fosse uma doença.
— Quando será mesmo? — Carina pergunta.
— Em duas semanas.
— Vou com certeza.
— Também — digo, com um suspiro ao me lembrar de mais uma
coisa que havia esquecido: — Serei o padrinho desse casamento. Não posso
faltar ao noivado.
— Então vejo vocês dois lá. — Mamãe beija minha testa. — E fala
para a Alicia levar as crianças. Assim eles podem passar um final de
semana conosco.
— Aviso sim.
Ela assente e vai se despedir de Carina, enquanto meu pai me dá um
aperto de mão bem apertado e me encara firme nos olhos.
— Se cuida.
Consinto.
Quando os três batem com a porta, encaro uma Carina complacente a
minha frente.
— Olha. — Vou me explicar, mas sou cortado com um beijo estalado
na boca. Ela enrosca seus dedos ágeis em minha nuca, mas por algum
motivo desconhecido, não me sinto confortável por isso.
Quero afastá-la e pensar um pouco, sozinho.
— Quero sua companhia — ela diz com um sorriso grande, muito
alegre, e eu enrugo o cenho. — Para comprar um vestido para o noivado do
Marco.
— Ah, claro. Um vestido. — Sendo guiado por mais um sentimento
obscuro, a repudio por se preocupar com uma coisa tão fútil.
— Eu vou ligar para minha mãe para saber se tem limite no cartão. Já
volto. — Ela me dá um beijo estalado na boca e sai pela porta pulando
como se tivesse algum motivo para comemorar.
Sua distração é tão grande que acredito que talvez ela não tenha
escutado o que disse, ou talvez ela tenha escutado e simplesmente não se
importe. Ou tenha escutado, mas tenha entendido que só foi uma mentirinha
que contei aos meus pais para distraí-los e distanciá-los da verdade sobre
nosso caso.
Uma mentirinha? O que disse foi uma mentirinha? Não menti quando
disse que ela usa roupas curtas, que se exibe, que tem maus modos, manias
feias, que se oferece aos homens, que é fácil e desesperada por sexo...
Não menti. Essa é ela. Sempre foi.
A vibração do meu celular em meu bolso me atenta. Levo minha mão
ao meu bolso e pego o aparelho para ver do que se trata. São várias
mensagens da pequena Nicole chegando, uma atrás da outra. Acomodo-me
no sofá, conforme abro a primeira mensagem.
Nicole: Nico, si meu papai morre quero que vosse caze com a lice e
seja meu novo papai.
Nicole: Eu to bem triste, Nico.
Nicole: Eu quero mostra pra lice que sou forte porque ela ta mais
triste que eu mas a verdade e que eu também to triste.
O acidente de senhor Carlos não foi tão grave a ponto de ele morrer, e
disso as crianças sabem. No entanto, ler aquelas palavras da pequena
Nicole, toca meu coração e faz eu me sentir a pior criatura do universo.
Ainda segurando o celular, levanto meu rosto em direção à porta e
lembro do rosto preocupado da pequena quando Alicia a carregava para
longe. Como ela vai ficar quando souber que eu e sua irmã não iremos mais
nos casar?
E todas as outras pessoas? Minha família? Meu pai? Este tem um
motivo tão grande para abominar Carina. Só eu sei... Lembro-me de seu
rosto desapontado, minutos atrás. Lembro-me da repúdia no olhar da Bia
para Carina. Nem minha irmã, que é amiga da loira, parece concordar que
fiquemos juntos.
E ficaremos juntos? Ou só serão apenas esses momentos de prazer?
Depois, Carina arrumará outra distração? Meu Deus! Que rumo é esse que
tenho dado à minha vida? Um rumo de merda, errado, que foi guiado por
um desejo que estava adormecido há anos e que acordou pronto para passar
por cima de todas as coisas que considero moralmente certas.
Eu não sou do tipo de cara que faz essas coisas. Não sou esse cara que
mente, que engana, que trai. Não sou. Não esse cara que cai por uma
mulher que lhe dar um banho de sexo. Não sou. Quero uma mulher que me
ofereça mais que um bom sexo. Quero uma mulher para somar comigo na
vida, fora da cama. E minha relação com a Carina se resumirá em um
"relacionamento sujo". Ela não quer amar e não pensa em ter filhos, uma
família, um casamento. É um alguém vazio, que até agora só mostrou
querer sexo, e eu não quero apenas isso para mim...
Não quero mesmo uma mulher como Carina. Eu quero uma mulher
como Alicia. Sempre quis. Mas estou me transformando em outro cara por
causa dela.
O que houve comigo?
Sou acordado de meus pensamentos quando, por trás do sofá, sinto
Carina envolver seus braços em seu pescoço e me dar um beijo no rosto.
Automaticamente, me esquivo, mas ela ignora isso.
— Carina — a repreendo, e ela insiste. Beija minha bochecha, desce
com sua boca para a minha, porém com muita dificuldade, devido à posição
que nós estamos. Desvio-me dela, e se me desvio é porque quero que ela
pare. — Espera aí.
Mas ela não parece ouvir.
Ela dá a volta no sofá e se senta em meu colo, de modo que suas
pernas giram ao redor da minha cintura. Segura meu rosto e beija minha
boca, descendo sua mão para o zíper da minha calça, que ela ameaça abrir,
mas é freada pela minha mão.
— O que foi? — Ela franze o cenho. Sua boca linda, seus olhos mais
ainda. Seu corpo, nem se fala. Mas não. — O que foi, Nick?
— Se senta aqui do meu lado. — Bato com a palma da mão na vaga
do sofá, ao meu lado.
Carina gira o corpo sobre mim, se sentando conforme eu pedi.
— O que foi? — Ela me encara com o semblante preocupado.
— Essa noite eu quero que você durma no seu quarto e eu no meu.
Ela enruga o cenho.
— Nessa situação do pai da Alicia. — Me levanto do sofá e suspiro,
dando uma passada de mão no meu cabelo. — Não dá. Não dá para eu ficar
transando com você enquanto minha noiva está sofrendo por causa de mim,
por causa do pai. Não dá!
— Sua noiva? Você está me dizendo... — Mas ela não completa.
Levanto meu rosto. Olho-a. Ela me encara, firme. — Você vai voltar para a
Alicia. — Ela ri, fazendo que não, como se isso fosse óbvio para ela, como
se só fosse uma cena repetida de muitas que já viveu com os namorados de
outras. — É isso?
— É, Carina.
— Claro.
Então, ela se levanta, o que me proporciona a visão de seu corpo
bonito. Ela não veste mais as roupas que antes vestia, quando minha família
estava aqui. Agora, ela tem no corpo uma camisola vermelha, uma camisola
que normalmente veste quando está bem, quando monta em mim e se enche
se prazer.
Claro que a vendo toda vestida de vermelho, meus sentidos se perdem
no mesmo instante. Sinto vontade de arrancar suas roupas e explorar o seu
corpo, lhe preencher, fodê-la bem forte e vê-la pirar. Mas não farei isso.
Serei mais forte que os desejos da carne. Não posso continuar com esse
erro, com esse equívoco. Tenho desviado de minhas crenças e de meu modo
de pensar.
Carina me desperta dos meus pensamentos. Ela ri, ela ri outra vez,
dessa vez mais abertamente, chegando a gargalhar, a pôr a mão na barriga e
olhar para o lado, fazendo que não com o rosto. E um sentimento, e um
maldito sentimento desconhecido, me queima o rosto e me faz odiá-la, odiar
seu jeito mesquinho e fútil, sem limites.
Qual é o problema dela? Achando graça do fato de eu terminar com
ela? Para ela isso é normal, é isso? O que ela queria? Queria que eu
simplesmente lhe virasse as costas e voltasse para a Alicia? É assim que
funciona com ela? É isso que ela faria comigo no futuro?
Olho-a de cima a baixo, deixando o nojo transparecer, lhe afetar. Ela
para de rir e encara meu próprio corpo. Apesar de sentir minha garganta
queimar e o sangue ferver por todo meu rosto, seguro as palavras em minha
boca, mas me contenho porque sei que isso não é certo. Mas sinto raiva,
mais raiva me queimar o rosto, por sua atitude imbecil, por ela ser tão fácil,
tão...
— Olha para você, Carina! Você parece uma...
— Pareço o que, Nicolas? — Ela pisca seus olhos algumas vezes, me
encarando fixamente, os braços cruzados sobre o peito.
Só então me dou conta da grande merda que eu estava prestes a fazer,
a falar. Ia feri-la, destruí-la, machucá-la. Fazê-la me odiar pelo resto da
vida.
— Desculpa, Carina. — Dou dois passos até ela e toco seus ombros.
Ela recua, dando dois passos para trás. — Olha, eu só não quero mais isso.
Estou me sentindo horrível. É melhor pararmos. Só foi um erro, uma
situação vazia que não vai dar em nada.
Ela ri outra vez, fazendo que não. Não me olha. Só faz que não e
encara o chão. Depois, me encara firme, tira minhas mãos de seus ombros e
diz:
— Não precisa se desculpar, Nicolas. Isso para mim não foi nada.
Você só foi mais um para minha lista. Para a minha grande e incontável
lista de caras que me levou para a cama e provou do meu gosto. Eu quem
deveria te pedir desculpas, por te corromper. Não, não se preocupe comigo.
Amanhã mesmo eu procuro outro. — Ela me dá uma última encarada e vira
as costas, andando para fora da sala e sumindo pelo corredor escuro.
Caio no sofá e aperto meus olhos, sentindo no lugar da raiva a tristeza
fazer morada. Por que ela é assim? Não vi deboche, ou mágoa, ou tristeza
em suas palavras. Só indiferença. E essa mágoa, essa indiferença dela por
mim e pelo que tivemos, rasga meu coração de uma ponta a outra e um nó
em minha garganta me sufoca.
Será melhor assim.
Sei que será.
Eu a amo, mas ela não me ama, sequer gosta de mim. É só um erro,
um pecado da carne que me seduziu e que agora me libertei para voltar a ser
o homem certo que sempre fui.
Capítulo 35
Eu sinto falta da sua pele bronzeada, do seu doce sorriso

Tão bom para mim, tão certo

E como você me segurou em seus braços aquela noite de setembro

A primeira vez que você me viu chorar

BACK TO DECEMBER – TAYLOR SWIFT

Nicolas: Você está bem? Não te vejo desde ontem.


Nicolas: Me desculpe pelo que insinuei, Carina. Estou estressado
com a situação do pai de Alicia.
Nicolas: Já te liguei algumas vezes e você não me atende. Por favor,
me deixe saber que está bem. Não precisa estar bem comigo, só me diga
que está bem.
Nicolas: Já tem dois dias e nada de você. Não te vi em casa. Por onde
você anda?
Nicolas: Hoje estou indo a Porto Alegre. Tem arroz e feijão pronto na
geladeira. Qualquer coisa, me liga. Me manda uma mensagem...
Nicolas: Estou me sentindo um idiota por te mandar tantas
mensagens não respondidas, mas só me desculpe pelo que disse, por favor.
Depois de reler as mensagens que enviei para Carina, desligo a tela do
meu celular e o levo ao meu bolso. Ela não me respondeu nenhuma. Ainda
tentei ligar para ela algumas vezes, já que seu quarto esteve vazio desde o
dia que terminamos, mas ela também não me atende.
Diante dessa situação, me sinto triste. Meu coração parece estar sendo
esmagado por mãos castigadoras, que estão me dando o troco por todo erro
que cometi com Alicia, por trai-la e magoá-la, e com Carina, por ofendê-la
e também magoá-la. E tudo isso só está acontecendo porque fui levado
pelos desejos da carne... pelo maior pecado que desde sempre cometi. Mas
preciso superar e esquecer. Voltar a ser o Nicolas de antes, mesmo que
agora eu não esteja mais me encontrando em mim. Acho que, depois de
Carina, eu mudei. Sinto-me outro. Mas é só achismo. Acredito que logo
voltarei a ser o mesmo e me sentirei feliz outra vez comigo mesmo e com
Alicia, com nossa vida tranquila, juntos.
Levanto meu rosto e encontro com os olhos ansiosos dela sobre mim.
Ela está à minha frente parada na recepção do hotel que ficaremos
hospedados, em Porto Alegre. O hotel não é muito luxuoso. De quatro
estrelas, é ideal para uma semana de descanso ou a trabalho. É todo em tons
cinza e preto, alguns detalhes dourados, como a porta de entrada. Ele fica
próximo ao hospital em que senhor Carlos está. Ficaremos aqui até que os
médicos liberem meu sogro para um hospital mais próximo de Santa Maria.
Conforme Alicia e eu havíamos conversado no caminho, ficaríamos
em quartos separados, visto que não somos mais um casal. Se fosse há um
mês, eu e ela aproveitaríamos da oportunidade para dormirmos juntos,
coladinhos, coisa que sempre sonhamos em fazer e que nunca tivemos a
oportunidade de concretizar, graças a seu pai, que agora ironicamente não
pode nos impedir de fazer o que desejávamos.
— Boa tarde — a recepcionista do hotel nos cumprimenta, e nós
retribuímos.
— Por favor, um quarto com duas camas de solteiro — peço.
— Só temos quartos individuais ou de casal. — É meio óbvio, pela
expressão do rosto da atendente, que ela ficou sem entender por que um
casal pretende dormir em quartos separados. — Oh, desculpe. Só tenho
quarto para casal. O último de solteiro acabou de ficar ocupado.
— Ah, não tem problema — Alicia responde por mim e me olha de
soslaio, mesmo que rapidamente. Por um momento, ela parece ter um baque
e se arrepender do que disse. Sua expressão muda para um semblante de
tristeza, certamente por se recordar que não estamos mais juntos, me
fazendo ficar com o coração partido.
Penso que posso passar a noite com ela, como um amigo. Então, a
abraço de lado e consinto, como se dissesse que tudo bem, poderemos
dividir uma cama e não pagar caro por dois quartos de casal
desnecessariamente. Assim, pago pelo quarto e pego a credencial para abrir
sua porta.
Subimos para o próximo andar através do elevador, onde Alicia
permanece ao meu lado, com a cabeça apoiada em meu ombro, em silêncio.
Também não falo nada. Não sei o que vai acontecer conosco a partir de
então. Não estou confuso quanto aos meus sentimentos, mas não sei se
ainda quero ficar com ela. Meu Deus! Eu não sei!
A porta do elevador se abre, e Alicia me toma pela mão, me puxando
para fora dele. Como o elevador dá de frente para o corredor onde fica os
quartos, damos alguns passos até chegarmos ao nosso, ainda em silêncio, e
com ela me direcionando pela mão. Ela tem a iniciativa de abrir a porta do
quarto, onde entramos, e bate com a porta atrás de si.
Lentamente, solto nossas mãos e me sento na ponta da cama macia,
mas não deixo de prestar atenção na garota que tenho à minha frente, que
aparentemente está disposta a salvar nosso relacionamento. Pergunto-me
por que diabos preferi viver momentos de prazer com outra a perder todos
os gestos e momentos simples e doces ao lado de Alicia.
— Engraçado — ela comenta, andando em direção às minhas costas.
Por seu vulto, vejo que ela deposita sua bolsa no chão do quarto e se senta
atrás de mim. — Meu pai nunca deixou a gente dormir juntinho. Mas aí
agora ele não está vendo nada, e aqui estou eu, prestes a dormir na mesma
cama que você.
Giro meu corpo para trás e abro um sorriso pequeno para ela, fazendo
um sorriso no rosto dela também se abrir, o primeiro que eu vejo desde que
eu terminei com ela e desde que seu pai sofreu o acidente.
— Eu pensei o mesmo quando cheguei aqui — lhe confesso.
— Nicolas. — Ela me encara fixamente, se arrastando até ficar ao
meu lado, na ponta da cama. — Eu quero que você saiba que eu estou
magoada por ter sido fraco e ter me traído. E logo com a Carina, essa garota
que você convive há tanto tempo. Mas a culpa não é sua. Foi um erro ter
deixado ela morar contigo. Eu vi o quanto ela é oferecida.
Apesar de eu mesmo ter ofendido a loira, não gosto de ouvir da boca
de Alicia que Carina é oferecida. Sinto certa raiva da minha ex-noiva por
isso.
— A gente precisa conversar sobre isso, se quisermos salvar o que
tínhamos.
Durante o caminho, no carro, vindo para cá, quando trocávamos
alguma palavra, era sobre a faculdade, Nicole, Douglas ou até mesmo seu
pai. Não falamos sobre minha traição, nosso término ou qualquer coisa do
tipo. É a primeira vez que um de nós toma a iniciativa de tocar no assunto.
Mas isso não aconteceu porque não tivemos oportunidade, e sim porque eu
evitei. Não acho que seja o momento. Não me sinto pronto. Não quero falar
sobre isso.
— Eu não quero falar sobre isso, Alicia — deixo claro, de maneira
mais paciente possível. Não quero magoá-la ainda mais.
— Mas eu quero. Eu não te culpo. Eu te entendo.
— Eu não quero que você me entenda. Eu não mereço você, Alicia.
Eu sou horrível. Eu traio, eu sinto desejo por outra pessoa. Você não merece
isso. Você é pura e...
Ela coloca o dedo na minha boca, me impedindo de falar.
— Eu te amo, Nicolas. E é por isso que eu te perdoo.
Fico em silêncio, com minha boca selada por seus dedos.
— Se isso aconteceu, a culpa foi minha — ela afirma, porém não
encontro culpa em sua voz ou em seu olhar, apesar de ver um par de
lágrimas se formarem em seu globo ocular. — Eu fiquei enrolando para
deixar uma coisa tão boba acontecer entre nós. Mas eu estou pronta, amor.
Eu quero selar isso. Selar nosso amor. E não permitir que nunca mais
alguém nos atrapalhe.
Penso em lembrá-la que eu lhe disse que estava gostando de outra
pessoa, mas bem no momento que vou abrir a boca para dizer isso, meu
telefone toca. Afasto-me um pouco dela e pego o objeto barulhento em meu
bolso.
É minha irmã caçula, Bia.
— Como estão as coisas por aí? — ela já diz, ansiosa, assim que
atendo, sem me deixar soltar um “alô”. Não posso deixar de soltar um
sorriso de lado por isso. Sinto falta desse jeito espontâneo e infantil da
minha irmã.
— Ah, oi, Bia. Como você está?
— Eu estou bem. Aliás, estou ótima! Muito ótima porque estou com
minha BFF e a gente vai sair, depois de hum... quanto tempo mesmo, Cá?
Cá não seria a Carina?
Ela está com a Bia. Depois de várias mensagens ignoradas, agora sei
de seu paradeiro. Mas se ela está com a Bia, isso significa que ela...
Um aperto invade em cheio o meu coração. Suspiro, como forma de
tentar minimizar a dor dentro de mim. Carina, festas e bebida não é algo
que eu não ouço falar há algum tempo. E se ela está saindo com minha
irmã, isso significa que ela realmente está bem e que ela já está partindo
para outra.
— Ou, Nicolas, você ainda está aí?
— Ah, Bia, eu... Ham...
— Tudo bem, maninho. Deve estar fazendo coisas melhores com a
noivinha, entendo. Mas sem querer ser inconveniente, só me deixe falar
com a Lice, que eu liguei para isso. Na verdade, eu liguei para o celular
dela, mas está fora de área. Eu não sei que operadora é a dela, mas é fato
que é horrível.
— Está bem, Bia. Vou passar para ela. Um beijo.
— Beijo. Te amo, maninho.
Sem rodeios, passo o telefone para Alicia e me levanto da cama. Ando
até a sacada do quarto, sentindo os olhos de Alicia me seguirem. Encaro as
estrelas que começam a aparecer no céu que escurece em Porto Alegre.
Desço meu olhar e encaro a rua movimentada de uma cidade grande.
Famílias andando pelas ruas. Crianças felizes, amadas. Casais de mãos
dadas trocando beijos doces. Atitudes de uma simplicidade que me
encantam, que me fazem querer amar e ter uma vida tranquila.
Uma família.
Ela não quer isso, uma família. Ela nunca se apaixonará, nunca terá
filhos. E se penso nela é porque não consigo simplesmente parar de pensar,
por amá-la de maneira platônica e idiota. E isso faz eu me sentir um fraco,
pois Alicia está sofrendo por mim, insistindo para voltar, e eu querendo
outra que, no momento, nem está pensando em mim. Está saindo para
beber, se divertir e transar com o primeiro que abordá-la na boate, como
sempre fez.
Eu estava certo. Carina não é alguém para namorar. Pobre de mim por
esperar isso dela. O que tivemos foi só um momento, que acabou, me
fazendo voltar a ser o mesmo cara de antes e ela a mesma garota de antes.
Mas tudo isso pouco importa agora. Minha relação com a loira não existirá
mais. Acabou. Simples assim, como a vida tem que ser. Simples.
— Ah, você está aqui. — Alicia surge por trás de mim. Viro-me para
encará-la. — Seu celular. — Ela estica o aparelho em direção a mim, e eu o
pego. — A Beatriz disse que seu pai estava tentando nos ligar para avisar
que a operação do meu pai foi um sucesso.
— Graças a Deus! — Abraço Alicia e beijo o topo de sua cabeça.
Ela me aperta com muita força e suspira profundamente em meus
braços. Eu não sei como agir, o que falar. Não voltamos. Não sei se
voltaremos, apesar de ela ter me dado outra chance e estar disposta a lutar
por nosso relacionamento. Mas eu não sei se é certo eu aceitar salvá-lo
quando na verdade quero outra...
— São seis horas. — Eu lhe solto de meus braços. — Estou muito
cansado. Seu pai provavelmente ainda deve estar dormindo. Acho que
podemos descansar e amanhã cedo visitá-lo. O que acha?
— Acho ótimo. — Ela sorri, se mostrando mais animada. As coisas
dando certo para ela. — Amor. — Ela se aproxima de mim, juntando nossos
rostos. — Eu te perdoo e quero te provar que podemos passar por cima de
tudo. Nos amamos, Nicolas. Não vamos perder o que temos, o que
construímos juntos: o nosso noivado. Ele é um propósito de Deus, lembra?
— Ela enrosca nossas mãos, nossos dedos, me fazendo sentir a aliança que
lhe dei ainda presente em seu dedo anelar. — Você tirou a sua — observa,
abaixando o olhar.
— Eu não me sentia bem...
— Tudo bem — me corta, assentindo, e um par de lágrimas molham
suas bochechas. — Você pode mudar isso, Nicolas. É só você querer. Eu
creio que ainda podemos ser felizes juntos.
Encarando seus bons olhos cobertos por lágrimas e em sua disposição
para continuar lutando pelo propósito que é nosso relacionamento, penso
em nosso começo, nas coisas simples que vivemos juntos, nos dias na
piscina do meu prédio, sua timidez quando eu avançava nas carícias,
avançava para alguma parte intocada de seu corpo. Também penso em
Nicole, nela me mostrando seu álbum de figurinhas, nossas idas ao cinema
para assistir qualquer filme de super-herói que era lançado, da pequena
dizendo que me ama e que queria que eu fosse seu papai.
Como queria voltar no tempo. Como queria não ter convidado Carina
para morar comigo. Como queria não ter me envolvido com ela. Como
quero me sentir outra vez apaixonado como era por Alicia. Quero voltar no
tempo para voltar a ter certeza de meus sentimentos por ela. Queria ter
certeza para poder beijá-la sem receio, sem culpa. Tocar onde ela permitisse
e passar uma noite doce com ela em meus braços, e não uma noite triste,
com ela chorando, comigo dividido.
Mesmo não tendo mais certeza de nada do que eu sinto, eu lhe puxo
pela cintura, encaro seu rosto bonito, onde passo as costas das minhas mãos,
lhe acarinhando e aproveitando para limpar o seu rosto molhado. Ela fecha
os olhos, permitindo que mais lágrimas escorram por suas bochechas.
Limpo-as e aproximo meus lábios dos de Alicia, roçando-os, sentindo seu
hálito quente tocar meu queixo.
Alicia abre a boca, me permitindo lhe dar um beijo doce, lento e
tristemente sem qualquer sentimento.
— Vamos para o quarto. — Ela sorri e me dá um beijo leve, rápido,
me puxando pela mão para o quarto.
Empurra-me contra a parede, leva sua mão com a aliança para o lado
e apaga a luz. Volta com seu rosto para mim e me beija, enroscando nossas
línguas, comandando nossos atos. Seguro sua cintura fina e lhe puxo para a
cama, onde caio sobre ela. Abro meus olhos e desgrudo nossas bocas.
Encaro seu rosto e vejo um sorriso grande se abrindo nele.
— Eu te amo — ela me diz, me dando um beijo estalado. — Te amo
tanto que te perdoo. Não vamos perder isso.
Sem me esperar lhe dizer alguma palavra, Alicia volta a me beijar.
Desta vez, veloz, apressada, como nunca; uma de suas mãos que me puxam
para ela, para seu corpo.
Enquanto tenho Alicia debaixo de mim, me puxando, me arranhando,
me excitando, sinto raiva, sinto raiva de mim por lembrar-me de Carina, de
seu jeito meigo, seu olhar sobre mim, atento, sua distração. Sinto raiva de
mim por também não conseguir deixar de ter o pensamento infeliz e
comparador entre as duas: enquanto Carina é mais ativa, mais ousada e com
um simples gemido me excita, Alicia, apesar de estar indo cada vez mais
fundo nas carícias e arrancando minhas roupas sem pudor, parece travada,
receosa e pura, o que é compreensível.
Ela trava quando sua mão alcança o elástico da minha cueca e me
encara, ofegando, seu dorso nu, coberto apenas por um sutiã de renda, a
respiração falhando, a insegurança se mostrando presente, mas sobretudo o
amor expirando em cada parte dela.
— Me beija — pede, depois do silêncio.
Obedeço, mas sou veloz, sou rápido. Sugo sua língua, enrosco seus
cachos entre meus dedos e com minha outra mão seguro a sua contra o
colchão. Levo minha boca para seu pescoço, sentindo seu cheiro, seu gosto.
E ela geme, acaricia minhas costas e se contorce debaixo de mim. Isso me
excita, me faz deseja-la, querer explora-la e aprecia-la.
Volto com minha boca para a sua, e Alicia toma a iniciativa de
começar a puxar todas as peças que nos impedem de irmos mais além. E, a
cada retirada, me sinto fazendo a coisa certa, o necessário para
conseguirmos nossa conexão outra vez, um passo gritante, porém talvez a
medida mais drástica e pura para mudarmos todos os lapsos que nos
afastam, que nos impedem, de sermos o que sempre fomos: Alicia e
Nicolas, um propósito, um só, um futuro, uma vida cheia de planos.
Depois de colocar a camisinha, estoco sua entrada e fecho os olhos,
de modo que Alicia solta um gritinho baixo e suas unhas cravam em minhas
costas. Conforme entro e saio de dentro dela, ela geme, pela dor, pelo
sacrifício que se sujeita a passar para que de alguma forma possamos ter um
ao outro outra vez. Mas eu também sinto uma dor, uma dor infeliz
estagnada em meu coração, pelo que fazemos, pelo sentimento de culpa
misturada à confusão, excitação e medo que me preenchem. Mas
principalmente por sentir meu coração querer estar em outro lugar, com
outra pessoa.
Abro os olhos e vejo Alicia desfalecer ao meu lado, gemendo
baixinho, me puxando para ela. Lento e carinhosamente, tiro meu pênis de
sua entrada, dando a ele o final do prazer carnal que tanto se sujeita a querer
sentir: a excitação final, o gozo fraco e pouco prazeroso. Um castigo, um
castigo que mereço.
Alicia se arrasta até mim, se encaixando debaixo do meu braço, se
encolhendo e beija docemente meu rosto.
— Eu te amo — ela repete. — Eu te amo. Vai ficar tudo bem.
Capítulo 36

Eu era tão forte, você era fraco


Você não conseguia lidar com a forma que eu crescia
Meu bem, estou crescendo tanto
Eu estava correndo, você estava andando
Você não conseguia acompanhar meu ritmo
Você estava caindo, caindo
Só há um caminho para baixo
SEND MY LOVE – ADELE

Mal consigo pensar, raciocinar, ter uma opinião sobre o que aconteceu
entre Alicia e eu. Meu coração não está feliz, como achei que ficaria
quando isso acontecesse ou quando dormíssemos juntinhos. Não senti
aquele aquecimento em meu coração que sentia quando pensava na
possibilidade. Para falar a verdade, na maioria do tempo, me pegava
recordando de Carina, e sentia sua falta. Quando acordamos, tudo que senti
foi um pouco de indiferença e culpa. E nojo. E receio. E medo. E raiva. E
repulsa. E diversos outros sentimentos que não convinham. De mim. Dela.
De Carina.
Mas o que mais tem me incomodado é que, mesmo que eu não lhe
diga que amo e que não demonstre que estou feliz, Alicia, desde ontem, está
em cima de mim o tempo todo, me sufocando, falando sobre como nossa
noite de amor foi especial, sobre como seremos felizes outra vez e o quanto
está feliz pelo que aconteceu.
Não transamos outra vez. Não que ela não quisesse porque, assim que
acordou, ela me olhou e sorriu. E me beijou, me tocou. Depois que tomei
banho para vir ao hospital visitar seu pai, me beijou outra vez e ameaçou
tirar minha camisa. Mas não a permiti ir mais além outra vez. Usei a
desculpa de que iriamos nos atrasar para o horário de visita no hospital, o
que quase ocorreu. Chegamos vinte minutos após o horário marcado.
Agora, estamos aqui assistindo senhor Carlos falante, nos lançando muitas
perguntas comprometedoras:
— Como está o namoro de vocês? — Mais uma, depois da primeira,
que foi “Já marcaram a data do casamento?”.
Não respondemos. Não sabemos o que responder. Então, senhor
Carlos encara nossas mãos, que não estão enlaçadas uma na outra. Aliás, ele
parece se dar conta de que só Alicia usa aliança, pois abre a boca em um
“o”, surpreso, ao olhar para minha mão esquerda.
— O que houve com sua aliança, meu filho? Perdeu?
— Ele precisou tirar porque estava muito apertada no dedo dele, papai
— Alicia responde rapidamente, como se já tivesse ensaiado para aquilo.
Encara-me ao levantar a cabeça, já que está sentada no banco
desconfortável de ferro que tem em frente à cama do seu pai. — Não foi
isso, amor?
— Foi sim, Seu Carlos — confirmo, mentiroso e cínico, encarado
meu ex-sogro em minha frente, com seu tronco coberto por gesso e
ataduras, o que me faz sentir pena só de olhar, e deitado, incapaz de agir
contra mim caso eu comece a responder com sinceridade.
Ele ri, fazendo que não. Não é burro. Claro que sabe que algo não vai
bem entre eu e Alicia.
O sorriso dele se desmancha rapidamente, pois parece sentir dor por
simplesmente rir. Segundo os médicos, ele vai sofrer um pouco com dores
pelo corpo e precisará ficar um bom tempo em repouso, sem trabalhar, sem
fazer muito esforço, uns três meses pelo menos. Mas, graças a Deus, ele
tem Alicia. Senão não sei como seria a vida dele.
— E vocês dormiram juntos? — Terceira pergunta comprometedora.
Posso pedir aos médicos para sedá-lo outra vez ou estarei sendo insensível?
— O que foi? Por que o silêncio? Vocês não vieram de Santa Maria hoje
para me ver. Não enfrentariam seis horas de trânsito. Vocês estão
hospedados em algum hotel de Porto Alegre, estou errado? E espertinhos
que são e se nada tiver saído do meu controle. — Ele volta a olhar para meu
dedo sem a aliança. — Vocês não iam perder a oportunidade de ficarem
juntos, de dormirem juntos e fazer sabe-se lá o quê!
— Que besteira, pai. — Alicia faz que não.
— É preciso que um velho se arrebente todo para um engraçadinho se
meter entre as pernas de sua filha! — ele rosna, me encarando de lado, e faz
que não outra vez.
É nesse momento que me dou conta do erro que foi ter tirado a
virgindade de Alicia. Se eu a largar, além de magoá-la, terei grandes
problemas com seu pai. O velho nunca mais me deixará em paz. Vai me
aborrecer pelo resto da vida, exigir que me case com sua filha, que faça
todos os seus gostos.
Meu telefone toca, me despertando. Tiro o aparelho brilhante do meu
bolso e encaro sua tela. É a pequena Nicole me ligando. Agora que tem um
celular, ela não para de fazer isso. Alicia diz para eu não atendê-la, já que
acabamos de entrar no quarto, mas não consigo ignorar a garotinha.
— Já volto — aviso, dando as costas e saindo do quarto. Não posso
deixar de perceber a careta do meu ex-sogro e a expressão de insatisfação
no rosto de Alicia. — Olá, minha pequena.
— Que saudade de ouvir sua voz, Nico!
— Também estava morrendo de saudades de ouvir a sua.
Ela dá uma risadinha meiga, me fazendo sorrir.
— Como você está?
— Estou bem. Estou feliz porque a tia Ruth está aqui em casa
cuidando de mim, e o Marlon também veio. Ele também adora os super-
heróis dos desenhos, você sabia?
— Não sabia.
Ela dá um suspiro, ficando em silêncio. Sento-me no banco grande e
acolchoado de espera, que fica de frente para a recepção do hospital, entre
os quartos dos pacientes da UTI.
— Sabe, Nico, depois que você ficou afastado de mim, por causa de
um motivo que não é a Carina...
Meu coração dói por ouvir este nome sair da boca da garotinha. A
verdade é que também já estou com saudades da loira, mas não posso ficar
pensando muito nela. Penso em voltar com Alicia, preciso voltar com
Alicia. É o certo. É o que devo fazer. Mas por que até Nicole faz eu me
lembrar dela? Como pedir à pequena que evite falar esse nome perto de
mim sem admitir minhas verdades? Por que todos os caminhos parecem me
levar para o lugar que não devo estar?
— Eu fiquei me perguntando: por que eu gosto tanto do Nico? Por
que sinto tanta saudade dele? Por que eu o amo tanto? E sabe o que eu
descobri? Sabe por que eu sempre te amei?
— Não — respondo simplesmente, com toda paciência que tenho.
— Porque você é minha alma gêmea, Nico. Veja só: nossos nomes
são tão parecidos. Você nunca reparou? Nico de Nicolas e de Nicole.
Penso em dizer que sempre gostei de ter nossos nomes semelhantes,
apesar de nunca ter comentado com ela, e que adorei a ideia sobre sermos
almas gêmeas, mas a tagarela não se cala:
— E gostamos das mesmas coisas. De heróis, da igreja, da Lice e
também da Carina. Quando vou vê-la de novo, Nico? Já estou com
saudades dela. Eu achei ela tão linda!
Fico em silêncio.
Nem eu sei quando e se verei a loira, imagina você, Nicole.
— Hein, Nico, quando você vai me levar para vê-la? Ela me
prometeu fazer um coque como o dela no meu cabelo.
— Não sei, pequena.
— Sabe, Nico, a Lice pediu para não te dizer isso, mas você é meu
melhor amigo e eu não vou esconder as coisas de você.
— O que a Lice disse? — Me finjo de interessado para que a pequena
não se sinta mal com meu nítido desinteresse por uma conversa com ela no
momento. Mas prefiro estar aqui com ela a ficar com senhor Carlos me
fazendo muitas perguntas.
— Ela me disse que não gosta da Carina porque sua prima é a vilã
da história. Eu não entendi muito bem por que a Carina é vilã se ela é tão
bonita e legal com as pessoas, mas eu não sou burra. Eu sei que a Lice está
com ciúmes porque a Carina é muito bonita e mora com você, te vê todos
os dias, e a gente não. Mas, Nico, fala para ela, fala para a Lice que
primos não namoram e que você ama a Lice. Fala para ela. Eu não quero
que a Lice fique de mal com a Carina. Eu gosto das duas. Então, Nico, fala
para ela que é ela quem você ama. Fala isso para ela. Por favor.
Fecho os olhos bem apertados, para tentar me manter calmo e não
desabafar para minha pequena amiga minhas verdades, que eu queria fazer
ao contrário: queria dizer a Carina que a amo e que já sinto muita falta dela
e que sou um tolo por ter dito todas aquelas coisas. Que me sinto tão mal,
tão infeliz, com tudo isso, com esse meu desejo errado. Que eu deveria estar
feliz por estar outra vez com Alicia, por termos transado, por termos dado
um passo à frente, mas não estou. Só consigo pensar na loira.
— Eu vou falar — digo a Nicole, deixando meus olhos se abrirem.
Vejo, parada a alguns passos de distância, uma Alicia encostada no
batente da porta do quarto do pai. Ela me encara e levanta as palmas da mão
ao alto, em um gesto como se estivesse incomodada com minha atenção
para Nicole.
— Você me promete?
— Prometo, pequena — prometo, sem sinceridade aparente na voz,
mas Nicole não percebe por ser criança, por ser pura.
— Ai, eu fico feliz. A Lice também vai ficar. Agora vou desligar. A tia
Ruth está peteando meu cabelo para eu ir para a escola. Hoje tenho aula
de Artes. Vou desenhar o Homem de Ferro para você. Não, não. Eu vou
desenhar o Superman e a Mulher Maravilha loira e aí eu vou trazer para
você levar para a Carina de presente, tá bom?
Rio fraco e digo que a Carina vai adorar.
— Tem certeza que ela vai gostar, Nico?
— Claro.
— Então tá. Beijo.
— Beijo, pequena. — Desligo o celular e encaro sua tela vazia.
Nenhuma mensagem de Carina. As que enviei ainda estão todas ignoradas.
Abro o aplicativo de mensagens e vejo meus dedos se descontrolando
e escrevendo um pequeno texto à loira: Eu te amo. Apago o texto,
expirando, soltando o ar pela boca. Meu peito subindo e descendo, meu
coração apertando, se exprimindo, parecendo estar desconfortável em meu
peito grande.
O que sinto por Carina vai além da carne. Está no coração! Eu não
confundi meus sentimentos, eu a amo e reprimi isso, como ela me disse
naquele dia no banheiro, toda linda, rebolando seu bumbum e me olhando
com seu olhar distraído. Que saudade... Que dor, meu Deus! Por que isso?
Por quê?
— Meu pai perguntou por você — Alicia me avisa, de modo que se
agacha à minha frente, me trazendo de volta para ela. — Você está bem? —
Ela cerra os olhos e repara em meu rosto, parecendo me estudar. — Parece
cansado, abatido... triste.
— Preocupado — minto. Levanto-me, ficando à sua altura, e guardo
meu celular dentro do bolso.
— Preocupado?
— Com as perguntas do seu pai — completo.
— Nós vamos ficar bem. — Ela dá um último passo, ficando
completamente colada a mim, sua boca quase na minha. Passa suas mãos ao
redor do meu pescoço e acaricia meus cabelos da nuca. Depois, me envolve
em seus braços, e eu retribuo também envolvendo os meus em sua cintura.
— Vamos dar um jeito nisso.
Capítulo 37

Diz que sente muito, aquela cara de anjo

Aparece somente quando você precisa

Eu andei para trás e frente todo esse tempo

Porque eu sinceramente acreditei em você

WHITE HORSE – TAYLOR SWIFT

Nós voltamos.
Alicia e eu.
Não tinha como eu não voltar para ela depois que senhor Carlos
acordou e perguntou como estava nosso namoro. Agora, quase uma semana
depois, ele já passou por todas as cirurgias que precisava e foi transferido
para um hospital de Santa Maria. Por isso, já estamos de volta a Santa
Maria, em nossas casas.
Tudo voltou à latência inicial, às suas normalidades, e isso, ao mesmo
tempo em que me acomoda, me incomoda. Incomoda-me porque sinto falta
do que fui com Carina: um Nicolas obscuro, porém livre. Acomoda-me em
mim mesmo, porque eu voltei a ser o mesmo Nicolas pacato de todos os
dias: o cara ideal, que metodicamente telefona para sua noiva, todas as
manhãs e noites.
Estar com Alicia de novo não tem sido como no início. Tenho a
ligeira sensação de que ela não me perdoou, mas que voltou para mim por
medo de me perder, chegando ao ponto de me puxar para a cama, para
transarmos.
Com isso, passei a enxergá-la com outros olhos. Perdi o interesse em
ligar, procura-la e mima-la. Faço por mera obrigação. Nem a beijar tem sido
como era antes de toda essa confusão acontecer. Coloquei minha aliança de
volta no dedo, mas a sensação não foi tão boa como quando a coloquei aqui
pela primeira vez. Parece tão sem sentido... sem valor.
Sobre Carina, voltar para casa me trouxe um vazio muito grande. Meu
apartamento está completamente vazio sem ela. Não a vi a semana inteira
porque, quando acordava, ela já havia saído, não me dando a oportunidade
de lhe oferecer alguma carona. Quando chegava, estava em seu quarto,
trancada, dormindo. Claro que não a incomodei. Não me sinto mais íntimo
a tal ponto. Só que hoje, sexta-feira, não tive aula, então estou em casa
desde que retornei do trabalho, assistindo a um canal futebolístico na TV.
Será a primeira vez que verei Carina depois de tudo que aconteceu.
Penso se devo fazer uma janta, pois a loira está prestes a chegar da
faculdade e certamente estaria com muita fome, como sempre. Se bem que
não faço ideia de como será nossa relação depois que nos encontrarmos. Do
jeito que conheço seu orgulho, é capaz de ela não aceitar algo feito por
mim. Certamente vai me ignorar, como ignorou todas ligações e as
mensagens que lhe enviei na semana passada, como me ignorou depois de
eu tê-la ofendido, como me ignorou quando a beijei e como me ignorou na
primeira semana quando questionei suas manias.
Levanto do sofá e encaro a cozinha do meu apartamento, dando
alguns passos até chegar a ela. No mesmo minuto, Carina também entra na
cozinha, me fazendo entender que estava em casa, no quarto, esse tempo
todo. Ela pega algumas coisas de dentro da geladeira, coisas suas, como
danone, garrafa d’água. Olho para detrás dela e vejo que ela carrega duas
malas, as mesmas que ela trouxe quando se mudou para cá. Depois que
pega todas suas coisas na geladeira, ela passa por mim, mas não me
cumprimenta. Escoro-me no mármore da pia, vendo-a arrastar suas malas
para a sala. Mesmo sentindo o receio tomar conta de mim, a cumprimento:
— A gente não se fala desde aquele dia... — começo, e ela não me
responde. — Eu mandei algumas mensagens. Não sei se recebeu.
— Está tudo bem, Nicolas, já disse. — Ainda arrastando as malas, ela
não me olha. Agora, está quase na porta da sala.
— Você. — Aponto para as malas dela, esperando por uma
explicação.
— Eu estou indo para aquela república, sabe, que eu havia te falado
antes. Acho melhor agora que você e a Alicia voltaram e ela sabe de mim.
Ficará uma situação meio chata. Mas obrigada por ter me recebido aqui e
também por ter me aturado — ela ainda zomba, brincalhona. Ainda não me
olha, mas está com um leve sorriso na boca, como se ela estivesse bem,
como se tivesse voltado a ser a mesma Carina de antes.
E isso me traz, para dentro do meu coração, uma insegurança
indescritível.
— Não tem por que agradecer. — Eu deveria dizer "você pode voltar
quando precisar ou quiser", mas não sei se devo dizer isso. É certo que não.
— Então é isso. Tchau. — Ela levanta o rosto e me lança um olhar
vago. Com certa dificuldade, puxa as duas malas pelas suas alças, as
arrastando para fora do apartamento.
— Não quer que eu te leve?
Ela levanta o olhar, trazendo seus olhos para mim e me olhando
daquele jeito que eu tanto gosto, me enfeitiçando.
— Não precisa. O Guga vai me levar.
— E, ah, claro, o Guga. — Suspiro, sentindo uma pontada de ciúmes.
— Ele está lá em baixo. Eu consigo levar as malas até lá.
Ela consegue atravessar a porta com as malas, mesmo com certa
dificuldade, a ponto de fazer uma careta. Mas, me dando conta de que nem
até o elevador ela conseguirá levar as malas, ainda insisto:
— Deixa que eu te ajudo. — Vou até ela, segurando na alça de uma
mala.
Ela levanta o olhar, jogando o cabelo para o lado, e me encara com
uma expressão de repúdia no olhar, um olhar capaz de me fazer entender o
real sentimento que ela tem por mim, mesmo que disfarce bem. Seu
desprezo finca em meu peito como uma faca afiada, me ferindo.
— Não precisa — ela diz e vira as costas, enquanto eu mal consigo
me mexer. Mas vejo-a, mesmo meio atrapalhada, chegar até o elevador,
arrastando as malas pesadas. Ela entra nele e me encara fixamente, como se
esperasse que eu dissesse algo. Mas eu não digo, pois não tenho o que dizer.
E eu vejo.
Eu sou capaz de ver um par de lágrimas brotarem nos cantos de seus
olhos. Não sei por que, um alívio me preenche, por presenciar isso. Como
que para impedir que um choro comece, ela morde a boca, faz que não e
aperta o botão para que as portas do elevador se fechem. Então, como uma
cena melancólica de filmes românticos, as portas se fecham e, aos poucos, a
rosto de Carina desaparece, até sobrar duas portas metálicas, reluzindo
minha imagem.
Olho para trás e vejo a porta aberta do meu apartamento e entro no
espaço. Bato a porta lentamente atrás de mim, guiado pela melancolia que
ainda está presa a mim. Vou até a cozinha e penso em voltar a cozinhar, mas
a vontade é tão pouca que mal consigo sequer chegar perto do fogão.
Trinco meus dentes. Eu não vou chorar. Eu não deveria chorar por
isso. Mas uma lágrima escorre por meu rosto. E eu choro por deixar a
garota que eu sempre gostei partir bem depois que consegui tê-la, coisa que
eu nunca imaginei que fosse possível.
Deixando o par de lágrimas correrem por meu rosto, caminho em
direção ao meu quarto, mas antes checo o banheiro. Sorrio, por recordar da
cena inusitada de Carina tomando banho lá, de porta aberta. Seu corpo de
violão no reflexo do vidro do box. Abaixo o olhar, em negação, e vou até o
quarto dela, onde, do lado de fora, vejo o vazio que está, ao contrário do
meu coração no momento, que está cheio de sentimentos guardados. Além
de amor, há insegurança, incerteza, saudade e medo.
Entro no quarto e sento em sua cama. Depois, passo a mão no colchão
macio sem lençol. Fecho meus olhos e me lembro do dia do episódio da
barata e também do dia em que escovava os cabelos, e eu me sentia feliz
por compartilhar esse momento com ela. Lembro também da semana da
tempestade, dias estes que dormimos juntinhos, não aqui em seu quarto,
pois era sempre no meu.
Lembro-me da sua mudança de humor; alguns dias, estava abatida,
chorando por algum motivo que até hoje não conheço. Em outros, ela
estava animada, dançando na cozinha e me chamando para um beijo, depois
uma transa muito gostosa. Assim como no humor, também havia uma troca
constante em suas roupas de dormir; alguns dias, usava o pijama da Gata
Marie ou a camisola do Smurfs. Noutros, a camisola vermelha sexy, ou um
pijama bem decotado, marcando seu corpo cheio de curvas, me deixando
louco.
Quando enfim nos beijamos, no banheiro. Nossa transa desesperada
um dia depois. No dia seguinte também. Tão ousada, ativa. Sorria
maliciosamente quando eu penetrava nela. E seu olhar, seu sorriso, seu jeito
bem sensual de empinar o bumbum para pegar algo na dispensa da cozinha.
Sorrio com a recordação, que murcha quando me lembro das piadas
grosseiras que ouvia da boca dos amigos do meu irmão sobre ela, quando,
por exemplo, estávamos jogando vôlei na piscina lá de casa falando sobre
mulheres.
Na época, Carina não tinha nem dezessete anos, mas já havia
começado sua vida sexual, inclusive, com alguns carinhas do colégio,
pessoas que eu conhecia. E isso começou a me incomodar porque todo
mundo falava mal dela. Eu pensava que a culpa era dela, por agir assim, por
permitir isso.
— Garota como ela se diz "não" para mim é porque está se fazendo
de difícil. — Lembro-me disso sair da boca de um deles. — Só insistir mais
um pouquinho que ela abrirá as pernas fácil-fácil para mim.
— Com ela não é difícil — o outro falou. Esse era o Vinny. Ele
sempre a quis, até que conseguiu, pois ela sempre foi caidinha por ele. Não
de amores, mas de vontade mesmo. Afinal, toda garota era. Vinny era o
garanhão da escola.
— Muito gostosa, fala você. — Lembro-me da fala de outro amigo do
Bernardo, sentado no sofá lá de casa, depois que soube pelo Vinny que ele e
Carina também haviam transado casualmente, coisa que nem gosto de
lembrar porque presenciei.
Algumas semanas antes do ocorrido com Leonel, teve uma festa na
casa dos meus pais. Bernardo reuniu alguns amigos, fez um churrasco,
liberou a piscina, como sempre costumava fazer. Carina estava lá, Vinicius
também, além de outros amigos do meu irmão. Os dois, como estava claro
há algum tempo, queriam se pegar. E foi o que aconteceu. Só que, como
estavam na casa dos outros, o máximo que eles poderiam fazer era trocar
alguns beijos e algumas carícias, e não terem sido porcos e agirem como
agiram.
Na casa dos meus pais, tem um quartinho em que o caseiro guarda seu
material de limpeza da piscina. É tipo uma casinha. Quando eu era criança,
sempre me escondia lá quando brincava de pique-esconde. Mas, adulto,
nunca fiz sexo. E foi o que Vinicius e Carina fizeram. E eu assisti tudo de
perto, sem querer, porque fui pegar a bola que estávamos jogando na
piscina. Ela caiu bem de frente para a casinha.
A cena eu nunca esqueço: Carina estava de costas para mim, subindo
e descendo do colo do Vinny, que beijava o pescoço dela. Com uma mão,
ele apalpava um de seus seios, que estava para fora. Com a outra, ele a
ajudava em seus movimentos. Vinny levou sua boca para a de Carina. Foi
quando me viu e abriu um sorriso de lado, se orgulhando de sua vitória.
Eu me senti muito mal por presenciar aquilo. Um misto de náusea e
de raiva atingiu meu estômago. Afinal, presenciei a garota que eu sempre
gostei transando daquela forma tão suja, vulgar e desesperada com um dos
amigos mais próximo do meu irmão. Só que, pior do que eu presenciar, foi
meu pai e Bernardo chegarem em seguida e também presenciarem a cena. E
o primeiro, depois disso, passou a cada dia falar mal da loira e a questionar
o fato que Bia estar ficando rebelde só poderia ser influência de Carina.
Pior ainda foi no dia seguinte ouvir da boca do Vinicius os detalhes de
como foi gostoso "foder" a Carina. E seus amigos acharem divertido aquilo.
E eu culpava a loira, e ainda culpo. Pensava que, se ela se preservasse, não
falariam essas coisas dela. Acho que ela nunca soube do que eles diziam.
Ou se soube, e nunca pareceu se importar.
Meu celular toca, me acordando de meu transe. Tateio-o em meu
bolso até encontrá-lo. É uma mensagem do Bernardo, em que ele diz que
está na cidade e que deseja trocar uma ideia comigo.
— Então, quer dizer que você e a loira estão se pegando. — Bernardo
tem um copo de cerveja na mão e muita convicção nas coisas que fala.
Estamos em um bar que normalmente nos encontramos quando ele
está por Santa Maria, um lugar tranquilo, com muitos jovens universitários
da UFSM e redondezas, sinucas, chopes e petiscos. Mas, diferente do
Bernardo, eu não tenho um copo de cerveja. Tenho um copo de refrigerante
e um prato com aperitivo em minha frente, o qual eu nem toquei.
— Como chegou a essa conclusão? — pergunto.
— Minha mãe acabou desabafando com a Laura sobre sua discussão
com seu pai, na qual o assunto era você e Carina no seu apartamento,
sozinhos. Aí a Laura veio me perguntar se eu sabia de algo. No aniversário
da Beatriz, eu e você conversamos sobre seus desejos pela Carina. Mas eu
não sabia que chegaria ao ponto de trair sua noiva, Nicolas.
— Bernardo, eu não...
— Eu não estou aqui para te julgar. Eu estou aqui para te entender.
Olha, Nicolas, eu nunca traí sua irmã, apesar de muitas vezes ela dificultar
as coisas. Cara, ela não quer experimentar sexo ana...
Levanto a palma da minha mão, para que ele se cale. É o que ele faz.
— Eu não quero saber da vida sexual de vocês dois. Sentiria-me mal
imaginando você e a Laura... enfim.
— Você parece seu pai.
— Talvez eu seja a cópia dele.
— Aí que você se engana, garanhão! Daniel preza um casamento, o
respeito. Ele discutiu com o pai da loira depois que soube da traição dele.
— Ele pronuncia loira de uma forma tão cafajeste que me irrita. Lembro-me
de seus amigos, de suas conversas... —Então, ele jamais estaria no seu
lugar, traindo quem diz amar...
— Eu não estou traindo a Alicia.
— Então você e a loira não estão juntos?
— Dá para você parar de chamá-la assim? — falo alto demais, a
ponto de as pessoas ao redor de nossa mesa pararem de conversar e nos
encarar. — Deixa eu contar a minha versão das coisas.
— Calma. Pode falar.
— Eu dei um beijo na Carina quando eu e Alicia ainda estávamos
juntos. Eu terminei com a Alicia logo em seguida e depois disso que as
coisas entre mim e a Carina começaram a acontecer de verdade.
— Vocês transaram?
— É.
Ele sorri maliciosamente, gostando.
— Só que agora eu voltei para a Alicia.
— Então você tem uma amante?
— Não, Bernardo. Eu dei um fim na minha história com a loira.
— Por quê?
— Porque eu não sei se teríamos algo a mais do que sexo e, se
tivéssemos, eu não conseguiria assumi-la. Ela já esteve na cama de pelo
menos a metade dos seus amigos, é mal falada pela cidade inteira e meu
pai. — Suspiro, sentindo meu coração me engolir por inteiro. Não gosto de
me lembrar da cena dela transando no quartinho da casa dos meus pais.
— Eu sei que seu pai não aprovaria — ele observa. — E ele tem
aquele motivo. Mas, Nicolas, entende uma coisa: se você gosta dela, você
que tem que aprová-la. Esquece o seu pai, esquece os outros e o que dizem
ou disseram dela. Aliás, o que nós vimos, ele já deve ter esquecido.
— Não. Não esqueceu. Ele fez questão de mencionar no dia em que
esteve em meu apartamento. Mas meu pai é o de menos. Pior é o que eu
sinto quando eu me lembro daquela cena...
— Carina sou eu mulher — Bernardo observa, dando de ombros. — E
daí que ela era ou ainda é, sei lá, uma garota safada? Eu comia a mulherada
toda da cidade, até conhecer a Laura, e levava fama de gostosão por isso.
Por que com a Carina tem que ser diferente? Por que, só porque ela é
mulher e faz o que bem quer, as pessoas precisam repudiá-la? É o jeito dela
de levar a vida, ué. Um dia, ela irá mudar. Quer dizer, eu acho que ela já
mudou. Pelo que sei, ela nunca mais foi a mesma, pelo menos foi isso que o
Vinicius me falou ontem.
Franzo o cenho interrogativamente.
— Ele me disse que esteve com a Carina em um pub, na sexta, onde
eles ficaram e quase... hum. — Ele me olha com receio, como se não
soubesse se deveria continuar falando, e eu sei bem o que vem a seguir. —
Transaram. Só que ela, do nada, começou a chorar e dizer "Ele é um idiota,
Vinny! Eu sou linda! Olha para mim, eu não sou linda? E eu sei fazer sexo
oral tão bem! Você sabe disso, não sabe?"
Bernardo ri, achando graça da situação, enquanto eu fico sem reação,
pois não gosto de saber que ela esteve com outro. Sem falar que não
entendo aonde ele quer chegar com essa história.
— Não entendi — aviso.
— Sério? E eu que era o irmão burro. Cara, a Carina gosta de você.
Era por você que ela chorava. Era de você que ela estava falando!
Meu coração se alegra por saber, o que é refletido pelo sorriso que
deixo se abrir em meus lábios. E se for verdade. E se for verdade? E se ela
me ama?
— E eu acho que, se você gosta dela, você deveria dizer isso a ela.
— Eu não gosto da Carina, Bernardo. Eu a amo.
— Então dá um jeito na sua vida porque eu acho que seu pai não vai
gostar nada disso.
— Meu pai é o de menos, já falei. O problema é que eu a quero, não
só para foder. — Sorrio, imitando o sorriso safado do Bernardo, só por
pensar na possibilidade de repetir. — Mas também para tentar algo sabe.
Mas eu não sei. Eu tenho medo de ela achar engraçado, rir de mim, ou pior:
ter um relacionamento comigo e me trair, e as pessoas me zoarem pelas
costas por isso. Sem contar que eu disse para ela que amava Alicia e ainda
insinuei que ela parecia uma garota de programa. Não acho que ela vá me
perdoar. Ela deve me odiar agora.
— Eu casei com a mulher que mais me odiava, e estou amando isso.
— Ele arqueia a sobrancelha. Depois, dá o último gole em sua cerveja,
fazendo uma careta no final. — Esquentou. — Deixa seu copo sobre a mesa
e volta com sua atenção para mim. — Mas quer saber? Por mais que a Bia,
seu pai e a mamãe não concordem, eu gostei da ideia da loira contigo. A
Laura sempre torceu por isso. Então, dá um jeito nisso aí, sério, até porque
eu quero que você case e me dê muitos sobrinhos, porque a Lizzie nasce em
alguns meses e ela vai ficar sozinha enquanto você não lhe der um
priminho.
— Lizzie? — Franzo o cenho.
— Lizzie é o apelido da Elizabeth, sua sobrinha-afilhada.
— Então, é uma menina? — Sorrio, não só por saber do sexo da
minha primeira sobrinha, mas também pelo fato de saber que acabei de
ganhar minha primeira afilhada.
— Sim.
— Parabéns, irmão.
— Parabéns nada. Quero você se declarando para a Carina e me
dando um sobrinho menino, um garoto safadão como o tio.
— Independente da Carina, isso está muito longe de acontecer.
Ele arqueia as sobrancelhas, pega seu copo vazio e brinda no ar.
Depois, diz:
— Pode ser, mas não sei por que, mas toda vez que penso em você
tendo um filho, eu imagino um moleque loiro, levado e de fralda correndo
na casa da mamãe atrás da Lizzie. E eu tenho a ligeira sensação de que isso
está prestes a acontecer — ele divaga, o que, no seu caso, é normal.
Capítulo 38
O ensejo a fez tão prendada

Ela foi educada pra cuidar e servir

De costume, esquecia-se dela

Sempre a última a sair

DESCONSTRUINDO AMÉLIA – PITTY

Alicia e eu acabamos de começar uma briga, e o motivo é: Carina,


quem eu encontrarei em um noivado de um amigo que acontecerá no
próximo sábado, e Alicia não poderá ir porque precisa ficar em casa
cuidando do pai. Por isso, ela está exigindo que eu fique em sua casa com
ela.
Entendo que deve estar se sentindo mal com isso. Também me
sentiria. Mas acontece que é o noivado de um grande amigo e eu não posso
simplesmente deixar de ir. Mas ela não quer ouvir, disse que é culpa da
Carina. Inclusive, a chamou de vagabunda e diversos nomes chulos, e isso
me incomodou muito. Então, é claro que eu defendi a loira. E foi
exatamente nesse momento que minha noiva se zangou, disse que eu fiquei
cego por Carina, que homem é tudo igual, que é só aparecer uma vadia que
tudo muda no relacionamento.
É fato que tudo mudou em nosso relacionamento, mas não culpo
Carina. A verdade é que não existe mais amor em mim por Alicia, sequer
respeito de ambas as partes. E isso é horrível! E ela sabe disso. Ela tem
consciência assim como eu. Só acho estranho o fato de ela fingir não ver
isso e, do nada, forçadamente, falar sobre nosso casamento.
Engraçado que, antes de toda essa confusão, eu olhava para ela e
enxergava uma mulher incrível. Dizem que amor cega, então acho que eu
estive cego por todo esse tempo, porque agora eu vejo uma garota magoada
comigo, com a vida, alguém que anseia por liberdade, que quer sair de casa
para ter uma vida feliz. E se assim for, será um casamento fadado ao
fracasso porque ela não casaria comigo por amor e eu, como eu já disse,
também não a amo mais.
E é por isso que eu espero que ela dê o primeiro passo para que
terminemos com isso, já que eu não faço a mínima ideia de como fazer isso
sem me sentir menos culpado.
— Você está me ouvindo? — ela berra, me fazendo voltar com minha
atenção para ela. — Você está ouvindo o que estou falando? Ou você me
deixou falando sozinha? Nicolas?
— Você pode parar de gritar, por favor? — peço, com calma, a ela, já
que estou no trabalho, sendo observado por olhos curiosos da repartição.
— Não dá! Não dá! Estou com muita raiva de você!
— Então, é melhor você desligar porque me evitar talvez te ajude a se
sentir mais calma.
— Não, Nicolas! Eu realmente estou muito brava! Você não vai a
esse noivado, ouviu? Não vai encontrar aquela puta!
Bufo, passando a mão por meu rosto, de modo que escorro meu
cotovelo sobre minha pequena mesa preta, com notebook e vários papeis,
documentos de obras, jogados sobre ela. Levanto meu rosto e vejo meu
chefe passar e parar em frente à repartição, na minha mesa mais
especificamente.
— Alicia, na volta do trabalho, passarei aí e aí conversaremos sobre
isso. Agora não dá. Meu chefe acabou de chegar com os novos estagiários.
Preciso desligar.
— Não, Nicolas!
— Tchau, Alicia. — Desligo e suspiro, encostando minhas costas
sobre a cadeira giratória.
— Dia difícil? — Elias, meu chefe, brinca comigo. Ele dá dois passos
até mim e puxa uma cadeira para si. Senta-se nela, de braços cruzados,
ficando ao meu lado.
— Muito difícil.
Elias Magnato, desde que entrei na empresa, sempre me tratou como
um filho, que ele diz que gostaria de ter, já que de seu casamento com sua
esposa, teve apenas filhas meninas, três para ser exato. Ele sempre me diz
que se eu fosse seu filho, depois que me formasse, ele poderia morrer
tranquilo, porque confia que eu possa cuidar de sua empresa, a Magnato
Engenharia. Ele diz que não confia na esposa e nem nas filhas, por estas
serem mulheres.
— Mulheres — comenta. — A minha acha que tenho uma amante.
Olhe para mim: um velho, gordo e cheio de problemas de saúde. Como
posso ter uma amante? — Ele ri, irônico. Sei muito bem que gosta de
contratar garotinhas “gostosas” para ter casos.
— Mas com uma empresa rica. Isso atrai muitas garotas — brinco
com ele.
— Ah, tem um monte. Mas é coisa rápida. Sou um velho com
desejos. Gosto de garotinhas, e a minha esposa mal dá conta do recado.
Então. — Ele dá de ombros.
— Muitas?
— Atualmente, acho que acabo de encontrar mais duas. — Ele ri de
lado.
— Sinceramente, não sei como pode aguentar mais que uma mulher.
Uma já está me enchendo o saco — resmungo, me sentindo infeliz e
amargo. Levanto-me de minha cadeira. — Já passa das quatro e eu preciso
ir à casa da minha fazer meu papel de bom noivo, mas a minha vontade é de
nunca mais olhar na cara dela. Não sinto nem vontade de beijá-la. —
Suspiro profundo, por me lembrar dessa tortura.
— Deixe esse assunto bobo de lado. Mulheres são como empresas.
Enrugo o cenho.
— Um dia você entenderá. Já te apresentei aos novos estagiários? —
Aponta o nariz para suas costas. — Tem duas delicinhas ali.
Faço que não, desinteressado, e começo a catar minhas coisas sobre
minha mesa.
— Julia, Amanda, Paulo Cesar, Pedro Henrique e você é o...?
— Gustavo.
Levanto o rosto, pois reconheço esta voz, bem como o rosto desse
indivíduo.
Gustavo, o cara com quem Carina saía e o mesmo cara que levantou a
blusa de uma caloura. Não acredito que vou ter que passar meus dias com
ele aqui na empresa. Se já não bastasse sua troca de turno na faculdade, o
que ocasionou que tivéssemos algumas aulas na mesma turma.
— Isso, Gustavo — Elias continua, me fazendo voltar com minha
atenção para ele. — A partir de amanhã, você vai cuidar dessas crianças
para mim. Vou viajar com a mulher. Você sabe, às vezes temos que fazer
um agrado. — Ele bate em meus ombros, dando as costas e passando direto,
indo para longe.
Encaro um estagiário de cada vez. Uma moça séria me encarando,
atenta; a outra parece ser mais simpática, mas me parece ser um tanto
distraída. E os três rapazes com seus rostos cheios de expectativas sobre
mim.
— É isso — digo. — Vocês estão dispensados por hoje. Voltem só
amanhã. Às nove em ponto. O chefe não gosta de atrasos.
Os estagiários dão as costas e eu volto a recolher minhas coisas sobre
a mesa, mas noto que um deles fica parado à minha frente.
— Qual o problema, Gustavo? — pergunto, sem levantar o rosto, pois
sei que é ele. — Alguma dúvida? — Levanto meu rosto, encarando-o.
— Nada. — Ele dá de ombros, me mostrando aquele sorriso cínico
que muito me lembra meu irmão. — Só estou surpreso por te ver aqui.
— Acha que eu não? Além de surpreso, me sinto insatisfeito.
— Olha, cara. — Ele dá dois passos até mim. — Sei que não gosta de
mim. E entendo seus motivos. Aquele lance do trote, agora a Carina. Mas
quer saber? Eu não tenho nada contra você, e eu deveria ter, ainda mais
depois de tudo o que aconteceu.
Paro de recolher meu material e o encaro, sentindo meu cenho vincar.
— Do que você está falando?
— Olha, acho que estou falando muito. Mas só queria que você
soubesse que, se dependesse de mim, se eu pudesse escolher, não
trabalharia nessa empresa, só por causa de você. Mas, bem, passei na
entrevista. Porque eu sou bom. E então eu estou aqui. Mas vamos deixar
nossa vida pessoal de lado.
— Claro. — Dou de ombros, passando direto por ele, indo para a
saída da repartição. — Tenha uma boa tarde.
Saio do trabalho estudando como posso dizer para Alicia que não me
sinto feliz com nosso relacionamento, que talvez precisemos de um tempo.
No entanto, não consigo encontrar coragem para fazer isso. Penso em Seu
Carlos, que agora está recebendo todos os cuidados dos filhos, e fico
imaginando como seria cruel da minha parte deixar Alicia. Penso em Nicole
também. As coisas que ela tem me falado sobre meu casamento, a
ansiedade para que o dia, que ainda não tem data, chegue.

— Você veio — Alicia diz, assim que abre a porta para mim.
— Nico! — Nicole pula em meu colo. Antes, atropelando a irmã. —
Estava com saudades de você.
— Também, minha pequena.
— Nicole, sai! — Alicia resmunga para a irmã, que se encolhe ao
meu lado. — Eu tenho que conversar com ele.
— Deixe-me entrar, Lice — peço, passando por senhor Carlos e
Douglas. — Douglas, Seu Carlos.
— Você vai? — Alicia para de frente para mim, na porta de aceso da
sala para a cozinha, o lugar da casa onde conversaremos, já que na sala se
encontram seus irmãos e pai. Ela cruza o braço sobre o peito e bate o pé.
Encara-me com o rosto fechado, os lábios enrugados. Emana raiva. Não
parece a Alicia que conheci, a doce Alicia que amei um dia.
Eu fiz isso com ela. Sinto-me tão mal com isso...
— Lice, olha. Já te disse, é um noivado importante. Serei um dos
padrinhos. Não posso deixar de ir no noivado deles por isso. Principalmente
por isso. E eu quero estar lá. É importante para mim estar lá.
— Deveria ser importante para você estar aqui comigo! É sábado e eu
vou ficar sozinha! — Sua voz está alta, como nunca antes. — E ela vai estar
lá, Nicolas! Como você acha que eu me sinto sabendo disso?
Nicole, que está sentada ao lado do irmão no sofá à nossa frente, gira
a cabeça para trás e olha para mim com o cenho enrugado. Ela segura seu
celular, no qual, devido ao barulho, noto que ela aparentemente joga alguma
coisa.
— Ela quem? — pergunta.
— Não é da sua conta! — Alicia grita para a pequena, os dentes
trincados.
— Alicia, tenta se acalmar. Olha como você tem agido nos últimos
dias.
— Não dá, Nicolas! Só de pensar em você com ela eu fico com muita
raiva!
— Vem cá, de quem vocês estão falando? O que eu perdi enquanto
estive ausente? — meu sogro, que está deitado no sofá assistindo televisão,
se vira para nós. — E você, minha filha, por que esse nervoso todo? Nunca
te vi assim.
— Você não sabe que tipo de homem o Nicolas é, pai! Você não faz
ideia do que ele fez comigo!
— Alicia. — Suspiro e a encaro. Ela respira tão profundamente a
ponto de seus ombros subirem e descerem como se estivessem dançando.
— Olha, minha filha, fica calma e vá conversar com o Nicolas em
outro lugar — senhor Carlos diz com paciência na voz. — Estou aqui
tentando assistir à partida de futebol e vocês dois não calam a boca.
— E eu estou assistindo a um tutorial no YouTube — Nicole pontua,
sorrindo e mostrando suas covinhas. — Estou aprendendo tantas coisas,
Nico. Depois quero até te perguntar algumas coisas. Ah! Como baixo
aplicativos e...
— Cala a boca, Nicole! — Alicia berra, descontrolada, soando
totalmente grossa. Nunca a vi assim.
Sem dizer mais nada, pego sua mão com carinho e a levo para a
cozinha. Paramos um de frente para o outro, ao lado da mesa do centro da
cozinha.
— Eu não aguento mais minha vida! — ela resmunga, cruzando os
braços sobre o peito.
Levo meu olhar para seu rosto e vejo que agora ela chora.
Aparentemente, não de dor ou tristeza, mas de mágoa. Dá para distinguir só
pelo tom da voz ou pelas coisas que a pessoa diz.
— Um inferno! Que saco!
— Alicia, acho que você precisa se acalmar. — Toco seus ombros,
mas ela, de maneira agitada e bruta, se esquiva de mim.
— Você não sabe de nada, Nicolas! O problema não é só você agora!
O problema é TUDO! Estou cansada de tudo! Queria poder ser uma pessoa
normal! Ter uma vida normal! Sem precisar trabalhar para estudar! Poder
chegar em casa e não precisar me preocupar com as contas do dia seguinte
para pagar ou com a comida que eu tenho que fazer! Roupa para lavar, casa
para limpar! A lanchonete do papai, os pedidos para fazer! E ainda tem a
faculdade: provas, seminários, textos e mais textos não lidos que vão se
acumulando! Eu fui reprovada em três matérias esse semestre, Nicolas!
Três! Queria poder chegar em casa e estudar! Só isso, Nicolas! Mas não dá!
E eu sou uma só, caramba!
Já sabia de tudo isso, que ela reprovou três matérias, que acumulava
textos porque não dava conta porque precisava fazer todas essas coisas. Só
que, desde que a mãe morreu, ela vive em prol dos irmãos e do pai, abrindo
mão de si mesma, e nunca reclamou. Parecia se sentir bem assim.
— Eu estou tentando desde que a mamãe morreu segurar todas as
pontas, mas não estou dando conta!
— Eu sei, Lice. Eu sei. — Vou até ela, lhe encaro firme e lhe dou um
abraço. Desta vez, ela não recua. Chora, desmorona em meus braços.
— Desculpa, Nicolas. Eu estou muito magoada com tudo isso. — Ela
me encara com os olhos perdidos em lágrimas. — Você com a Carina. —
Ela faz que não e se afasta de mim, depois passa as costas da mão no nariz,
limpando algumas lágrimas que também se formaram ali, se senta em uma
cadeira de frente para mim e diz: — Ela conquista as coisas que quero! Ela
tem tudo que eu sempre quis! Uma vida boa, tranquila, mora com você, no
seu apartamento! Te teve na sua cama! Ela consegue tudo, enquanto eu não
consigo nada! Patricinha oferecida! — ela rosna. — Vadia!
Não gosto do que ouço, mas não ouso defender a loira porque esse é o
momento da Alicia, o momento de ela colocar tudo para fora que ela tem
guardado por tanto tempo.
— Eu não quero que você vá nesse noivado! Eu não quero que você
chegue perto daquela vagabunda! Sempre é assim: preferem as vagabundas!
As oferecidas!
— Alicia, acho melhor você parar de falar essas coisas. Ela nunca
falou nada de você! Quando estava comigo, foi ela quem me pediu para te
falar a verdade. Ela estava comigo e pensava em você.
— Aran, sei. Pensava em mim enquanto estava em sua cama,
montada em cima de você, meu noivo! Grande preocupação que ela teve
comigo! Para, Nicolas, de defender ela!
— Não é questão de defendê-la. Só acho que se você está insatisfeita
com sua vida, você não tem que colocar a culpa em mim ou na Carina. Não
tem que encontrar alguém para despejar isso. — Abro os braços como um
redentor, fazendo não com o rosto.
Alicia ia dizer mais alguma coisa e com mais raiva dessa vez, mas
inocentemente Nicole entra na cozinha, nos interrompendo.
— Será que você não percebeu que o Nicolas e eu estamos no meio
de uma conversa? — ela rosna para a irmã, que se encolhe do meu lado, de
medo.
— Meu celular travou. Só queria saber se o Nico pode resolver.
Encaro Alicia e a vejo suspirar profundamente, forma de aliviar o
grito que certamente daria na irmã outra vez. Encurvo-me em frente à
pequena e digo:
— Vejamos. É só clicar e — brinco com Nicole. — pronto! Destravei!
Não era nada demais! — Eu passo o celular para ela, que sorri toda boba.
— Obrigada, Nico. Você é tão inteligente!
— Nada. Que isso. Depois eu te ensino a ser inteligente como eu! —
Pisco para ela, e ela sorri mais ainda, mostrando sua doçura, refletida em
suas covinhas que tanto gosto.
— Está bom. — Vira as costas em direção à porta da cozinha, mas
desiste disso e volta para mim. — Ah, eu queria que você me ensinasse a
enviar mensagem.
— Mensagem? — Eu pego o celular dela, que ela tem esticado em
minha direção. — Nossa, isso é bem difícil. Acho que vou precisar te dar
umas três aulas, pelo menos — brinco com ela, ao mesmo tempo em que
acesso sua caixa de mensagens.
Sinto meu cenho instantaneamente franzir quando noto que já tem três
mensagens enviadas. Aliás, três únicas mensagens remetidas a mim, as
mensagens que me deixaram comovido, as mensagens que bagunçaram
minha cabeça e me fizeram terminar com Carina.
Nicole: Nico, si meu papai morre quero que vosse caze com a lice e
seja meu novo papai.
Nicole: Eu to bem triste, Nico.
Nicole: Eu quero mostra pra lice que sou forte porque ela ta mais
triste que eu mas a verdade e que eu também to triste.
Olho para Nicole e vejo que ela espera por minha explicação, ansiosa.
— Você já me mandou uma mensagem, gatinha. Aliás, várias. E só
para mim. — Sorrio para ela.
— Mandei? — Ela enruga o cenho, se mostrando confusa. — Não
mandei não, Nico.
— Me dá isso aqui. — Alicia, com muita grosseria, puxa o celular da
minha mão.
Então, eu entendo. Não foi a Nicole quem mandou a mensagem. Foi
Alicia. Ela fez isso, para me manipular a voltar para ela. Encaro-a, seu rosto
expressando medo e cinismo. Faço não com o rosto diversas vezes. Não
consigo acreditar no que Alicia foi capaz. É decepcionante, mesquinho, usar
meus sentimentos por sua irmã para me manipular.
— Nicole, — Me agacho em frente à baixinha. — Será que você pode
deixar eu e sua irmã sozinhos?
— Claro. — Ela sorri, mas dessa vez sem brilho, como se enfim ela
notasse que aquilo se tratava de uma briga. Vira as costas e sai da cozinha
arrastando os pés.
— Como que você teve coragem de fazer isso, Alicia?
— Eu não queria te perder! — ela justifica, a voz ainda alta. Abaixa
os olhos, encarando o celular em suas mãos. — Já perdi muita coisa! Já me
faltam muitas coisas! Dinheiro, liberdade, uma mãe! Não poderia ficar sem
meu noivo!
— Lice, não é assim. Essa mensagem. — Aponto para o celular nas
mãos dela. — Está vendo essa droga de mensagem? Foi ela que me...
Eu ia dizer "que me fez duvidar de meus sentimentos pela Carina",
mas fecho a boca para não completar com algo que poderia magoar Alicia
mais do que ela já está magoada. Mas, ao que parece, ela entendeu o
recado, pois ela ofega ódio.
— Que fez você voltar para mim? — Ela ri, de lado, como se sua
atitude fosse aceita. — Porque funcionou, né. E você ainda foi para a cama
comigo!
— Mas não é assim, Alicia. Não é!
— Então é como? — ela berra mais alto do que todas as outras vezes.
— Sendo sincera e honesta.
— Ah, e o que você entende sobre honestidade, Nicolas?
— Eu fui honesto com você. Eu terminei com você quando me senti
atraído por outra pessoa. Eu não te enganei, Alicia. Eu disse para você que
estava terminando porque estava gostando de outra!
— Quer saber? Então volta para ela! Porque por mim já chega!
— Quê?
— É isso mesmo! Chega, Nicolas! Cansei de olhar para tua cara e ver
o quanto está sendo um tédio ficar comigo! Estou cansada de assistir você
fingir que ainda quer ficar comigo quando na verdade você queria estar
comendo aquela piranha lá! Você estava com medo de fazer isso, te poupei!
Não precisa fazer mais! — Ela vira as costas e ameaça sair da cozinha, mas
lhe puxo pelo braço, fazendo-a voltar para onde estava.
Ainda me sinto culpado. Porque a culpa de ela estar totalmente
desiquilibrada assim é minha, foi o que fiz. Preciso me desculpar por isso,
mesmo que ela não aceite. É o mínimo que devo fazer.
— Desculpa, Lice. Não queria que o fim fosse assim. E eu queria que
sua primeira vez tivesse sido mais especial. Desculpa por tirar isso de você
e...
Ela puxa o braço de minhas mãos, bufa, impaciente, abre a boca e
solta:
— Eu também te traí!
O quê?
Fico boquiaberto, inexpressável, pausado no mesmo lugar, minha
visão ficando turva e meus olhos umedecendo.
Ela.. ela não está dizendo isso para me afetar, está?
— Não, não digo isso para que você se sinta mal. — Ela parece ter
lido meus pensamentos. — Eu não era virgem, Nicolas. Eu namorei o
Gustavo. Eu o amava, então eu me entreguei para ele... mas eu nunca fui
correspondida. Mas eu me convenci de que nunca tinha feito sexo com
ninguém, até acontecer entre nós.
Faço que não, incrédulo.
— Não aconteceu de novo entre nós, né? Porque mais uma vez não
sou correspondida. Então, eu transei com um cara que conheci na faculdade
essa semana. Anderson o nome dele. Fui para a cama com ele no mesmo
dia que nos conhecemos, depois da aula. Você me ligou, lembra? E eu
estava na cama dele, na casa dele, transando com ele! Ele era bom, ele me
tocava, me desejava. Ele sentia desejos por mim! Diferente de você, que
transou comigo pensando em uma vagabunda! E quer saber? Sinto-me
digna agora! Sinto-me muito mais feliz!
Não parece Alicia! Não parece! Parece outra, só que com o rosto e a
voz dela!
E por essa Alicia, hoje, mais do que nunca sinto nojo, apenas isso.
Nojo.
— Eu estou com nojo de você, Alicia. Nojo por ter essas atitudes
medíocres.
— Nojo você deveria ter tido de se enfiar no meio das pernas daquela
vagabunda da Carina!
Faço que não, incrédulo. Essa não é Alicia. Não é. Ou então eu nunca
a conheci de verdade. É claro que eu nunca a conheci de verdade.
— Puta! Vagabunda! Vadia barata! Isso que ela é! Ai, eu odeio tanto
aquela cara de vagabunda dela! Odeio tanto ela! ODEIO! Oferecida!
Tomara que você fique com ela e seja bem corno! Tomara que ela dê para
Santa Maria inteira nas tuas costas e você nunca saiba!
— Chega! — grito com toda minha voz que tenho na minha garganta.
Ofego diversas vezes, consternado. Em seguida, um silêncio se
instaura na cozinha, e Alicia chora de novo. Sinto-me horrível por ter
gritado com ela desta maneira. Me sinto horrível. Muito horrível! Ela se
abraça e ainda chorando.
— Desculpa, Lice. Desculpe.
Ela me encara com o semblante carregado de rancor, abre a boca,
ameaça dizer alguma coisa, mas desiste. Simplesmente vira as costas e sai
da cozinha. Passo minha mão por meu cabelo e suspiro, encarando o teto.
— Nico. — Nicole surge na porta da cozinha. Os olhos brilhando de
lágrimas.
— Oi, pequena.
Ela corre até mim e me abraça pela cintura.
— Eu vou sentir sua falta — ela diz. Então, me agacho em sua frente
para encará-la nos olhos.
— Desculpa, pequena.
— Não precisa me pedir desculpas. Eu já estava percebendo que você
não estava mais gostando da Lice. E quer saber? Acho que ela também não
gostava mais de você, e nem de mim... ela não gosta mais de mim, Nico.
— Não fala isso. A Lice só está um pouco machucada, entende?
Ela assente.
— Como eu faço para ela não se sentir mais assim?
— Olha, eu não faço ideia. Mas, se eu descobrir, juro que te conto.
— Obrigada.
— Agora, posso te falar uma coisa? Um dia, quando você for adulta,
você me promete uma coisa?
— O quê? — Ela passa um fio de cabelo solto para detrás de sua
orelha.
— Não deixe o mundo te contaminar, nem as frustrações. Nada. Seja
uma pessoa boa. Tenha um coração puro como o de agora, Nicole,
independentemente de qualquer coisa. Você me promete isso?
— Urun. — Ela consente.
— E cuida da sua irmã, do seu irmão, do seu pai e de todas as pessoas
que você ama, mas nunca se esqueça de cuidar primeiro de você.
— Tá.
— Okay. Então a gente se esbarra por aí.
— Você me promete?
— Claro que sim. Moramos na mesma cidade, gostamos dos mesmos
filmes. Você tem dúvidas de que um dia não iremos nos encontrar?
— Não, Nico. — Ela passa os braços em volta do meu pescoço, me
abraçando bem forte. Dou um beijo bem estalado em sua bochecha e faço
carinho em seus cabelos. — Sei que vamos. E saiba que eu amo você e que
vou sentir muito a sua falta.
— Também te amo, pequena. — Solto-a de meus braços, para encará-
la, e aperto seu narizinho pequeno. — E também sentirei a sua falta. Agora
o Nico precisa ir. — Dou um último beijo em sua bochecha e viro as costas,
deixando para trás, a cada passo, a maior perda que terei no final das contas.
A pequena Nicolas. A grande amizade de Nicole.
Quando passo pela sala, encontro senhor Carlos que, atento à
televisão, não nota minha presença. Eu deveria me desculpar, deveria
confessar tudo de errado que fiz com sua filha, mas além de eu saber que
esse homem nunca gostou de mim, sei que, ao invés de ficar triste, vai me
agradecer por estar indo embora tão cedo. Então, o que faço é abrir a porta e
batê-la lenta e silenciosamente em minhas costas.
Conforme ando pelo quintal, uma mágoa me domina, a ponto de fazer
minha boca ficar seca. Não sinto isso por Alicia, mas por mim. Por eu ter
acreditado nela e por eu mesmo ter feito uma imagem tão boa dela, quando
na verdade ela era completamente o oposto do que eu pensava. A garota
pura, virgem e amorosa não passa de uma garota traidora, mentirosa, infeliz
e cheia de mágoas.
Valores invertidos, Nicolas. Questão da imagem que as pessoas fazem
de si mesmo, com o objetivo de se favorecerem. O mundo está cheio de
pessoas assim.
Capítulo 39
Talvez eu fosse ingênua, me perdi nos seus olhos
E nunca realmente tive chance

Meu erro, eu não sabia estar apaixonada

Você teve que lutar para ter a vantagem


WHITE HORSE – TAYLOR SWIFT

Eu não me sinto exatamente tranquilo quanto a tudo que ouvi da boca


de Alicia. No entanto, o fato de me manter ocupado, não me permite pensar
muito a respeito das coisas que soube. Então, de certa forma, por dentro, me
sinto indiferente, diria que até aliviado, pois não precisei dar o passo que
seria o fim de um relacionamento, que eu estava vendo claramente que não
seria mais como antes.
Estranhamente, já não me sinto mais culpado ou sujo quanto a Carina.
É como se, recebendo o troco de Alicia, as coisas tenham ficado igualadas
para nós. Então, agradeço-a. Não suportaria passar o resto da minha vida
carregando esse peso, que é a traição que cometi.
Olho para a entrada do campus universitário e a vejo sendo
cumprimentada por Gustavo, que lhe dá um abraço e um beijo em sua testa.
Ele parece ter tanto carinho e respeito por ela. Não consigo ver um
resquício de maldade. É como se as coisas entre eles tivessem mudando, e
agora tudo que ele deseja é apenas protegê-la, como eu costumava fazer
quando tive a chance. Por outro lado, isso me incomoda, porque queria
ainda ser eu a fazer isso, mas a loira sequer me olha nos olhos. Me evita a
todo custo, finge que não existo. Acho que nunca mais saberei como é tê-la
em meus braços. Invejo Gustavo por isso, como invejo.
Depois de falar com ele, Carina passa ao meu lado com o rosto
distraído, como sempre (ou fingindo distração para propositalmente não me
cumprimentar), segurando a alça de sua mochila e andando apressadamente
em direção à porta do diretório acadêmico, ao invés de seguir o caminho
para fora do prédio.
Já que seu horário na faculdade acabou, fico curioso, me perguntando
o que estaria fazendo numa sexta-feira e a essa hora por aqui. Encontro do
projeto que faz parte não é porque o Não somos Amélia ocorre às quartas.
Espio por cima dos ombros e a vejo cumprimentar algumas colegas
de turma, além da professora Elisângela, que também é professora de
Carina e criadora do projeto do qual a loira faz parte.
Com sua chegada, não posso deixar de observar como toda atenção
paira sobre ela, que balbucia algo que faz a professora e as amigas a
abraçarem, como se a apoiasse em algo que não consigo imaginar o que
possa ser. Talvez não seja nada, talvez só estejam enfeitiçadas por ela
devido a seu jeito doce, que também enfeitiçou a mim.
E meu coração se aperta tanto em meu peito. Sinto tanto a falta dela,
de seu jeito descontraído, distraído e sexy, sinto falta de ouvi-la falar sobre
o pai, de confiar a mim a falar sobre ele. Não deveria ter deixado-a escapar!
Estou sendo um tolo por pensar assim. Qualquer um pode perceber
que ela pouco se importa, que ela nunca vai corresponder aos meus
sentimentos. É a Carina... a garota de sempre, que enfeitiça pessoas e não se
permite enfeitiçar, a garota que não acredita no amor.
— E aí, cara? — João chega, me cumprimentando ao dar uma tapa
em minhas costas, o que me faz virar o rosto para ele, lado oposto ao que
Carina se encontra. — Está sabendo que não vai ter aula hoje?
Balanço a cabeça para os lados, fazendo que não com indiferença.
Realmente não estava sabendo. Agora entendo a agitação que
encontrei nos alunos ao passar pela entrada da UFSM, bem como pessoas
conhecidas correndo em direção à saída ao invés de correrem para seus
campi.
— Por isso está essa movimentação toda — acrescenta. — Parece que
uma aluna foi atacada no banheiro feminino do prédio de Matemática.
— Atacada? — Começo a andar em direção ao corredor que leva à
saída do campus, indiferente, mas tentando prestar atenção à conversa, uma
vez que me pouparia de pensar em alguém que não quer mais saber de mim.
— Para não dizer estuprada.
Paro de andar na mesma hora, porque, afinal, como pode acontecer
um absurdo desse dentro da universidade, um ambiente que existe um fluxo
intenso de pessoas, e ninguém aparecer para impedir?
— Ficou surpreso, não é? — Ele dá de ombros. — Eu também fiquei.
Parece que aconteceu hoje pela manhã, às sete da manhã, para ser exato.
Havia poucos alunos pelo campus. — Suspira, com pesar. — Sempre penso
na minha namorada quando acontecem essas coisas, na minha mãe, na
minha irmã. É complicado...
Não posso deixar de pensar na minha mãe e nas minhas irmãs e me
sentir preocupado, principalmente com Beatriz que, por ser ainda uma
adolescente e pelo meio que vive, está mais suscetível a essa pragmática,
que é o estupro, e se chamo de pragmática é porque o tema ainda é um tabu
para a sociedade.
— A universidade está em choque, e, com isso, o grupo de alunas do
projeto Não somos Amélia junto à professora gata vão discursar para os
alunos da noite.
Fico curioso para assistir à palestra oferecida pelo projeto que Carina
faz parte — aliás, o qual eu critiquei e descredibilizei —, afinal é
importante abrir portas para o debate acerca do assunto, ainda mais dentro
de uma universidade, local onde está concentrada boa parte dos jovens, os
quais estão abertos a novas ideias.
— Vai ficar para a palestra? — ele me pergunta. — Eu vou. Se quiser
me acompanhar... Quero dar uma força a elas, até porque minha namorada
faz parte do projeto, você sabe. E está todo mundo indo embora. Olha. —
Ele aponta a saída do campus com a palma da mão, onde grupos
conglomerados de alunos apressados e claramente felizes saem em direção
aos bares nas redondezas, como se o fato ocorrido fosse indiferente a eles.
— Um absurdo. As pessoas não se importam. Ou fazem piadas idiotas
dizendo “Que sortuda! A mim ninguém estupra!”. Triste. — Estala a boca.
Tudo que faço é assentir com a cabeça, concordando. Como pode
alguém desejar uma lástima dessa para si? O que se passa nessas cabeças
ocas?
— Vou lá. Te vejo na aula de cálculo. — João começa a andar de
costas, como se fosse um caranguejo, voltando para dentro do prédio.
— Eu vou com você — digo, dando meia volta e o acompanhando.

Sentamo-nos nas fileiras finais, uma vez que, diferente do esperado, a


sala de auditório está cheia de alunos, especialmente mulheres. Em níveis
matemáticos, diria que 90%, o que me faz pensar acerca da indiferença
masculina quanto ao assunto.
Eu também não estaria aqui se não tivesse acontecido o que
aconteceu hoje.
As luzes do auditório são apagadas e um silêncio em sinal de respeito
é zelado por todo o espaço. Algumas pessoas ainda cochicham alguma
coisa, baixinho, semelhante ao momento dos trailers de cinema. Por um
momento, me pergunto sobre o que uma palestra com personagens
feministas tem a dizer acerca do ocorrido, uma vez que o próprio feminismo
defende a ideia de mulher como mero objeto.
— A culpa não é da roupa que a pessoa usa — uma voz surge do
escuro do palco. — , não é do jeito que a pessoa caminha, não é do jeito
que a pessoa fala ou se comporta e, muito menos, das estrelas. A culpa é
do estuprador e pronto! — Uma luz se acende acima da cabeça da autora da
voz, possibilitando ao público ver o rosto da aluna que nos lança as
palavras. Não sei quem é a garota, não sei seu nome, mas é um rosto
conhecido. — Chega!
— O fato de uma mulher ser prostituta, por exemplo, não a dá
“direito” de ser estuprada — uma aluna de tranças afros começa a falar
quando um feixe de luz cai sobre ela. Agora, no escuro do palco, podemos
ver as duas alunas, de pé, olhando para nós com seus rostos sérios. —, o
fato de ser casada e não querer fazer sexo com seu marido, não é motivo
para que tal delito ocorra. Alguns pensamentos arcaicos devem ser
removidos de nós o quanto antes.
— Estupro é crime — a primeira aluna recupera sua fala. — Não
fiquem quietas. Falem! Denunciem!
Os alunos da primeira fileira aplaudem o discurso das alunas, e eu,
por um breve segundo, sinto os pelos dos meus braços pinçarem para o céu,
por tentar deduzir os motivos que levaram as duas garotas subirem ao palco
e se exporem assim para tantos alunos da UFSM.
Elas certamente...
— Todas nós, aqui, presentes nesse palco, em algum momento de
nossas vidas, passamos por alguma agressão — a jovem de trança afro volta
a falar, trazendo resposta a minha indagação. — seja sexual, física ou
moral. Por um desconhecido, por um vizinho, por alguém da nossa própria
família, às vezes nosso próprio pai.
Eu sei que essas merdas acontecem. Cansamos de ver nos jornais, na
tevê, diariamente, mas por que nunca paramos para pensar e refletir como
forma de nos tornar conscientes? Não porque estar consciente possa mudar
alguma coisa, mas pensar sobre o mal, tal como a cultura do estupro é,
pode, por vezes, nos fazer abrir os olhos e enxergarmos tantas vítimas e,
assim, se possível, ajudá-las, ampará-las e dizê-las: a culpa não foi sua.
— Meu nome é Pâmela. Aconteceu comigo quando eu tinha quatorze
anos. — Um feixe de luz se forma sobre a cabeça de uma aluna que lança as
palavras. É a Pamela, namorada de João.
Olho-o de soslaio e o vejo atento ao palco, porém não surpreso, o que
me faz concluir que aquilo não se trata de uma novidade para ele.
— Meu nome é Marina — a primeira aluna discursa, apresentando
mais firmeza em sua fala do que na primeira vez. — Aconteceu comigo
quando eu tinha nove anos... foi no quintal da casa da minha melhor
amiga... o pai dela...
— Meu nome é Elisângela Soares dos Santos. — Outra luz é acesa
quando a professora Elisângela diz, firme, fazendo com que o espaço fique
em total silêncio. Agora, nem murmúrios há. — Tenho trinta e oito anos e,
de acordo com a estatística, o que vocês devem entender, uma vez que
somos um curso de Exatas, há uma chance de algum tipo de agressão ter
acontecido comigo pelo menos duas vezes... Só que comigo foram mais.
Lembro-me de Carina falando algo sobre Elisangela ter sofrido algum
tipo de violência do ex-marido e me pergunto como pude ter sido tão
indiferente no dia enquanto me contava.
— Quando eu era criança, eu tinha um tio muito bonzinho, mas que
só me via de vez em quando. Ele, além de tudo, era o meu padrinho.
Quando eu tinha cinco anos, eu me recordo de uma cena dele comigo na
praia, quando me tocou debaixo d'água. Eu não sabia o que era aquilo, mas
não tinha gostado. Ele disse que era um segredo e pediu que eu não
contasse a ninguém, então não contei. Depois disso, ele ficou por anos
afastado, já que morava em outro estado. Quando ele voltou, eu já tinha
nove anos. Ele passou um mês hospedado lá em casa. Eu me lembro de uma
noite ter acordado com ele me tocando, como ele fez quando eu era mais
nova. No dia seguinte, ele falou que aquilo era um carinho do titio, mas que
eu não deveria contar para ninguém. Eu, inocente, fiz o que ele me pediu,
de novo. Ele sumiu por mais alguns anos. Voltou quando eu tinha quatorze.
Foi nessa época que aconteceu o estupro. Eu já estava ficando mocinha,
meus seios estavam crescidos, minhas curvas se formando, como ele disse.
Não foi em minha casa. Ele foi esperto. Chamou-me para passar um final de
semana com ele em um resort no litoral, já que eu estava de férias. Quando
aconteceu, mais uma vez ele disse que aquilo era carinho do titio, que era
uma coisa normal e que acontecia com outras meninas da minha idade.
Ouvir aquela confissão faz a bile subir à minha garganta, pois penso
em Nicole e, por um momento, me sinto desesperado por não estar mais
com Alicia, porque agora quem irá proteger a pequena? O pai, imóvel em
um sofá? O irmão, que só pensa em jogos e pouco se importa com a irmã
caçula? E Alicia, que não aguenta mais a própria vida?
— Depois disso, ele sumiu — Elisangela recupera a voz, após o
silêncio. — Eu só descobri o que era aquilo que tinha acontecido comigo
quando eu tinha dezessete anos e tive meu primeiro namorado e ele,
desconfiado, arrancou perguntas de mim. De lá até minha vida adulta, sofri
muitos abusos morais e sexuais, situações corriqueiras que nos sujeitamos
porque é cultural. “Gostosa”, “safada”, essas coisas.
Elisangela continua a discursar, dessa vez relata o relacionamento
abusivo que teve com o ex-marido, o qual durou cinco anos. Após, outros
relatos são confessados, conforme luzes são acesas nas cabeças dos
falantes, mas agora já não presto mais atenção, pois me recordo de diversas
vezes, mesmo que em pensamentos, ter usado expressões como “safada” e
“gostosa” ao pensar em algumas mulheres, principalmente em Carina.
— Meu nome é Marlon Gonçalves Pereira — uma voz conhecida
surge do palco, e eu reconheço, além da voz, o rosto a que pertence quando
uma luz é acesa sobre sua cabeça. É o primo de Alicia. — Sou autor do
livro Não somos Amélia, que escrevi junto à professora Elisangela Soares
através da Universidade de Porto Alegre, onde estudo Serviço Social.
Depois do ocorrido esta manhã, fui convidado por ela para discursar para
vocês da UFSM. Mas, além de autor do projeto, sou sobretudo gay,
homossexual, bichinha, boiola, baitola, como queiram me chamar, e,
mesmo fora da condição de mulher, saibam que aconteceu comigo também.
Eu tinha quinze anos. Já sabia que não gostava de garotas, meus colegas de
classe também sabiam. Por isso, me estupraram no banheiro da escola.
Fecho os olhos com força e expiro o ar preso em meus pulmões. Eu
sempre odiei Marlon devido às suas nítidas investidas em mim, mas jamais
apoiaria o que fizeram por ele, jamais desejei isso para ele.
— As pessoas colocam culpa na roupa, na postura, mas e comigo?
Por que aconteceu? Eu não provoquei ninguém. Não usava minissaias ou
shorts curtos. Isso não é desculpa... A minha família. — Os olhos de
Marlon fixam-se em mim nesse momento, pois ele me nota no meio da
multidão. — A minha família — repete, como que se para eu ouvir, caso eu
não tenha escutado. — a minha família sabe do que aconteceu comigo, mas
eu nunca consegui contar para minha mãe que eu gosto de garotos porque
meus tios e meus primos... eles... eles zombam de mim por ser gay, eles
zombam de mim pelo ocorrido... até hoje. Dizem que meu sonho se
realizou. — Sua voz falha, e posso ver um par de lágrimas escorrendo por
seu rosto. — É cruel. É humilhante. Eu não me tornei gay, eu não pedi para
nascer gay, eu vim ao mundo assim. E eu também não pedi para ser
estuprado. — Ele funga. — Desculpem-me. É demais para mim me expor
assim.
Elisangela, que está ao seu lado, aperta sua mão como um sinal de
apoio. Abaixo o olhar, me sentindo triste por ter sido, de certa forma,
preconceituoso e indiferente com Marlon, devido a sua sexualidade. Sinto-
me triste também pelo fato de senhor Carlos, Douglas e Alicia serem tão
cruéis com ele. Agora entendo o olhar de zombaria e os risinhos que
direcionavam a ele. Não era só por sua sexualidade...
— Meu nome é Carina Maia... — uma voz, suave como um canto de
um anjo, ecoa pelo espaço, fazendo minha nuca arrepiar.
Levanto o olhar e vejo, abaixo do feixe de luz, uma Carina assustada,
com os olhos arregalados em espanto olhando para um ponto fixo no meio
da plateia. Sua respiração está acelerada, seus ombros subindo e descendo
como se dançassem. Ela abre a boca para falar, e eu fecho os olhos, como se
a atitude fosse capaz de me impedir de ouvir o que sei que ela dirá.
— Aconteceu comigo há um ano, e eu nunca mais fui a mesma. Eu...
— Sua voz falha, e eu abro meus olhos para encará-la. Agora, suas íris
estão cobertas por lágrimas. Ela balança o rosto lentamente para um lado,
depois para o outro. — Eu... eu... eu não consigo falar sobre isso... —
Morde a boca, faz que não e corre para detrás do palco.
Nesse momento, como um flash, as lembranças vêm à minha
memória, o que me faz juntar um quebra-cabeça simples de decifrar, mas
que eu, por negligência, não montei. Lembro-me da noite que a encontrei na
estrada e ela me disse ter sido maltratada pelo cara que gostava, lembro-me
do aniversário de Beatriz quando Leonel apareceu proferindo um discurso
estranho, enquanto o medo estava estampado nos olhos dela.
“Fala para ele o que eu fiz com você. Aliás, diz o que nós fizemos
bem gostosinho juntos. Fala para ele que você gosta de apanhar, de ser
maltratada”.
Lembro-me da nossa primeira vez, quando ela parecia estar fazendo
algum esforço para matar um monstro.
Um monstro vive dentro de mim, Nick.
E isso somado ao fato de ela estar há bastante tempo sem sexo, como
me disse. Lembro-me também da estranha madrugada em que acordei com
ela montada em cima de mim e chorou após o sexo, e no dia seguinte disse
não se lembrar, e principalmente das suas mudanças repentinas de humor,
especialmente quando vinha ao projeto e escutava os desabafos das outras
alunas vítimas de abuso sexual.
Como eu pude banalizar tudo isso que estava debaixo do meu nariz?
Levanto-me da cadeira e vejo alguns alunos correrem em direção ao
mesmo lado que Carina foi, incluindo Elisangela e Marlon. Saio do espaço
às pressas, andando a passos pesados pelo corredor que leva à entrada do
palco do auditório, mas quando chego ao local, não há ninguém lá.
Bato a porta em minhas costas e paro no corredor, encostando minhas
costas na parede gelada. Inspiro. E expiro.
Duas, três vezes.
Abro meus olhos e vejo Gustavo parado a minha frente, me encarando
com um olhar indescritível. Ou talvez seja descritível, algo nele me diz que
Gustavo sabe. Ele sabe sobre Carina. Ele sabe, sei que sabe!
Quando dou por mim, estou em cima dele, segurando-o pelo
colarinho de sua camiseta e empurrando-o contra a parede em suas costas.
— O que você sabe? — esbravejo contra seu nariz, chegando ao
ponto de cuspir, e dou um soco na parede com minha mão livre. — O QUE
VOCÊ SABE?
— É por causa do Leonel! É por causa dele!
— O que você sabe sobre ela? O que você sabe sobre Leonel?
— O que eu sei? Você quer saber, Nicolas? Porque eu quero muito te
contar!
— O que você sabe! Anda, fala logo!
— Certo, eu vou te contar! Ela não estava no carro dele porque queria
transar com ele. Só foi uma carona. Ela e mais duas amigas pegaram uma
carona na saída da boate. A Carina, por azar, ficou por último. Uma garota
gostosa e fácil ficou por último no carro de um estuprador. Aquele cara.
Aquele cara! Parou numa estrada escura, colocou uma arma na cabeça dela
e mandou ela tirar a roupa. Ele... ele batia nela enquanto lhe estuprava. Ele
bateu na Cá. — Sua voz falha, como se pensar naquilo lhe doesse. — Ele
fazia isso, Nicolas, e não tinha ninguém para fazer nada por ela. Não tinha
eu, não tinha você, não tinha ninguém!
Com meu coração me engolindo por inteiro, sinto minhas mãos
fraquejarem, e um Gustavo em lágrimas cair debaixo de mim. Mantenho
meus olhos fixos aos seus, prestando atenção a cada palavra proferida por
ele:
— E não, Nicolas, ela não queria. Carina não sentiu qualquer atração
por aquele homem, e foi por isso que ele a escolheu, porque, para esse tipo
de covarde, a vítima precisa negar. — Ele se levanta do chão, ficando a
minha altura. Meus olhos permanecem fixos aos seus. — E sabe o que é
pior, Nicolas? A Carina não tomou o coquetel e não fez exames de sangue
porque ela se sentia suja demais para compartilhar com alguém, ela se
sentia assim. E quer saber mais? O Leonel ameaçou machucar a família
dela, a mãe dela... Só que mais do que tudo, sabe por que ela não entregou
ele? Porque ela se sente envergonhada. Ela se sente suja, se sente culpada.
E sabe por que ela te procurou? Porque ela estava desesperada. Ela ia te
pedir ajuda, porque, por algum motivo que nem ela entende, ela confia mais
em você do que na própria sombra. Mas quando olhou para você, ela sentiu
medo de te ferir e não te contou. Ela quis te poupar. Foi por isso que ela
nunca te contou. Mas para mim ela contou, porque ela não se importa
comigo da mesma forma que se importa com você... Ela só me contou
porque não aguentava mais guardar aquilo, porque estava destruída, por
causa do Leonel, por você, por causa de você também! Você não sabe, mas
ela se despedaçou quando você deu um pé na bunda dela, ela se despedaçou
e se sentiu um nada, um lixo descartável, foi assim que ela se sentiu. E foi
da mesma forma como se sentiu naquela noite, com Leonel. E aí, na semana
seguinte, quanto ela te viu em casa, quando ela se deu conta de que você e
Alicia tinham voltado, foi muito pior, Nicolas. Doeu mais. Doeu tanto. Mas
ela colocou um sorriso no rosto e te enfrentou, mas por dentro, ela estava
destruída e foi aí que ela chegou na minha casa, aos prantos, e contou para
mim tudo o que havia acontecido sobre Leonel, sobre a Carol e o Denis. A
Carol descobriu que o Denis dormiu com ela, você sabia?
Lembro. Ela me falou sobre isso. Meu Deus!
— Ela também me contou sobre você, Nicolas. Ela me contou tudo.
Não porque ela confiava em mim, mas porque ela precisava dividir tudo
com alguém. Ela não aguentava mais segurar sozinha. E quer saber,
Nicolas? Você liberou a Carina, mas você também a destruiu. Ela nunca vai
me perdoar por ter te contado isso, mas se você a ama, você precisa, de
algum jeito, ajudá-la porque não, ela não está bem. Estou com ela e sei que
ela não está bem. Ela é a minha amiga. No momento, eu sou o amigo mais
próximo, a pessoa que ela mais confia porque, quando ficávamos, criamos
esse laço. E eu poderia te dizer que não gosto dela. Mas sim, eu me
apaixonei. E não me importo se ela não me aceita como um namorado, se
ela não me ama, porque tudo que quero é protegê-la, é vê-la bem. A Carina
sofreu, me fez sentir sua dor e com isso me fez mudar meu ponto de vista. E
eu serei eternamente grato a ela por isso. Eu só queria mudar tudo que
aconteceu com ela, mas eu não posso. É inútil, Nicolas. É inútil. É
irreversível. Ela. Nunca. Mais. Será. A. Mesma.
Gustavo me dá uma última encarada e vira as costas, sumindo pelos
corredores. Passo a mão por meu cabelo, encaro o teto branco sobre minha
cabeça e tento não chorar. Mas, é inevitável.
Também estou destruído.
Capítulo 40
Eu não sou uma princesa
Isso não é um conto de fadas

Eu não sou aquela que você quer agradar

Conduzida pela escadaria

Isso não é Hollywood

Esta é uma cidade pequena

Eu era uma sonhadora antes de você chegar e me por pra baixo

Agora é tarde demais pra você e seu cavalo branco aparecerem

WHITE HORSE – TAYLOR SWIFT

Sei que errei com Carina. Sei que pensei coisas horríveis e limitadas,
as quais eu nem deveria pensar. Reconheço que terminei com ela para voltar
para Alicia por pura covardia. Mas agora eu me arrependo. E me sinto
péssimo, um babaca, ainda mais depois do que soube do ocorrido com ela.
Diferente daquela noite de dois anos atrás, agora não estou ao seu
lado para ouvir o que ela tem a dizer e protegê-la nesse momento de
aceitação pelo qual ela está passando, pois, pelo que Gustavo contou, só
agora ela resolveu dividir o que sofreu com alguém, e foi com ele que ela se
abriu.
Como nunca antes, agora me sinto-me inábil, incapaz de resguardá-la,
de maneira que meus ideais e posturas acerca de proteção fossem
insuficientes para impedir que algum mal ocorra não só a ela, mas a
qualquer pessoa que eu amo. Sim, porque a amo. Hoje, mais do que nunca,
posso afirmar a mim mesmo que o que eu sinto vai além do desejo carnal.
Eu amo Carina, sempre a amei, mas escondi meus sentimentos por
pura covardia e preconceito, devido a minha aversão a seu jeito libertino e
que sempre gerou muito o que falar entre as pessoas de nosso convívio.
Mas se antes, bem antes, ainda na adolescência, tivesse confessado a
mim mesmo meus sentimentos, e depois a ela, talvez nada disso teria
acontecido. Talvez eu a conquistaria e, assim, teríamos firmado um
relacionamento, e sua troca constante de parceiros não ocorreria, impedindo
todas as más falácias, e também ela nunca teria ficado suscetível ao
desgraçado do Leonel e nada disso teria acontecido. Eu faria de tudo para
protegê-la porque ficaríamos juntos, estaríamos juntos e agora estaria tudo
bem.
Mas não está.
Pelo contrário, a cada amigo que cumprimenta meu irmão, estico o
corpo para ver se não é Leonel chegando à festa de noivado do meu amigo
Marco, festa essa que, diferente do que Alicia insinuou, não vim com o
objetivo de encontrar com Carina, apesar de o tempo todo me pegar
observando os arredores para ver se a encontro, mas com o objetivo de
bater de frente com ele e socar tanto o seu rosto a ponto de fazê-lo
desfalecer, como da última vez que o encontrei.
Estou sentando ao lado de Laura, que tem ao seu lado Beatriz. Ao
meu lado esquerdo, está Vinicius, o cara que Bernardo disse que saiu com
Carina no último sábado, e o próprio Marco e sua noiva, Renata. Nós seis,
estamos reunidos em uma mesma mesa amadeirada, com cadeiras também
amadeiradas, no estilo rústico, tema da ornamentação da festa. Eles
conversam sobre qualquer coisa que não presto muita atenção.
De vez em quando, os quatro primeiros, certamente já sabendo da
notícia sobre eu e Carina termos ficado juntos, me olham com certa
curiosidade. Ou acusação. Não sei dizer. Mas pouco importa.
Uma garota loira passa pela nossa mesa. Levanto o pescoço, pensando
ser Carina, mas a guria vira de frente e não encontro com os olhos azuis
bonitos da loira.
— Está procurando alguma coisa? — Vinicius zomba, falando
baixinho só para eu ouvir. — Ou seria alguém?
De soslaio, olho rapidamente para ele e faço que não. Vinny abre um
sorriso, dos muitos que ele sabe dar, que normalmente conquistam as
garotas, garotas essas que incluem Carina. Por hoje, irrita-me, me enoja. Ele
foi um dos caras que já provou de suas curvas. Não gosto de me lembrar
disso... de me lembrar do rosto dele olhando para mim enquanto penetrava a
loira no quartinho da casa dos meus pais e no dia seguinte se glorificando
acerca de sua conquista e, quando o fazia, ele tinha esse mesmo sorriso.
— Alguém loira e de olhinhos azuis sedutores, bumbum durinho. —
Ele morde a boca, como se estivesse delirando.
Sua atitude faz meu rosto momentaneamente esquentar. Seria capaz
de levantar-me da minha cadeira e destruir seu sorriso bonito com minhas
mãos. Mas me contenho. Guardo minha raiva para Leonel. Ele sim, mais do
que qualquer homem que tenha tocado em Carina, merece minhas mãos
sobre seu rosto.
— Vinicius, eu não quero brigar com você — digo, sem encará-lo,
pois olho firme para a entrada do salão, onde Bernardo recebe um casal de
amigos, como se ele fosse o noivo da noite. — Mas você está me deixando
bastante chateado.
— Desculpa, amigo, mas a loira não vai te assumir. — Ele dá uma
tapa em meu peito, o que me faz desgrudar os olhos da porta e mirar minha
atenção a ele. — Se conforma. Ela não assume ninguém. Não vai ser o nerd
do grupo que ela vai firmar um relacionamento.
— Garotas como Carina não merecem todo amor que você tem a
oferecer, irmãozinho — Beatriz zomba, encarando um espelho de mão
enquanto passa um batom vermelho nos lábios, depois guarda ambos
objetos na bolsa e me encara com expectativa. — Aliás, você sabe por que
ela ainda não chegou?
Faço uma pausa, reflexivo, porque também não faço ideia, e acabo
por não responder, mas Beatriz parece esquecer-se da resposta para sua
pergunta, pois começa a conversar com Vinicius sobre alguma coisa que eu
não quero saber, pois, como sempre, só penso em Carina.
Não falei com ela após a palestra de ontem. Claro que a procurei pela
universidade para saber como estava, mas não a encontrei. Até pensei em
mandar-lhe uma mensagem, dizendo que queria conversar, mas como dizer
para ela que agora eu sei e que sinto muito? E ela quer me ver? Ela quer me
ouvir?
É tudo tão confuso. Eu não sei o que uma garota deseja num momento
como esse. Ser ouvida? Abraçada? Apoiada? Meu Deus, eu não sei! Tudo
que sei é que eu gostaria de abraçá-la bem forte e dizer que não a culpo e
que a apoio.
Sinto meus olhos umedecerem conforme meu coração aperta,
esmagando meu peito com tanta força, que parece que estou sendo
sufocado. Talvez todo esse sofrimento seja um castigo divino pelo que fiz
com Alicia e com a própria Carina. Mereço me sentir assim. É claro que
mereço.
Seco meus olhos com a ponta do polegar, e, disfarçadamente, levanto
meu olhar para encarar as pessoas à mesa. Primeiro olho Laura, que agora
com sua barriga começando a aparecer, a qual ela acaricia com as mãos,
olha para Bernardo conversando com um amigo na entrada do salão, e ela
tem tanta admiração e amor em suas feições.
Após um suspiro que consigo entender como de uma felicidade vinda
do seu coração, ela põe uma mão sobre a mesa e brinca com a aliança em
seu dedo. Depois, sorri, um sorriso tão lindo, que sei que é de realização por
conseguir o que sempre desejara: o amor de sua vida. Por um breve
segundo, me permito sentir um pouco de inveja, porque também é um dos
maiores desejos do meu coração.
Olho para seu lado e vejo Beatriz sorrindo para algo que Vinny diz,
mas consigo ver que é um sorriso forçado, vazio, porque minha irmã caçula,
assim como eu, está com o coração aquebrantado, devido a um amor
perdido.
Desvio meus olhos dela, e levo meu rosto para Bernardo, que, quando
esbarra seus olhos em mim, faz um gesto estranho, cerrando o cenho,
aquele olhar de confidência, de código, que você troca com um amigo: Ei,
você não me parece bem.
Levanto-me da mesa e caminho desorientado pelo salão da festa,
quando sou parado pelo peito por meu irmão, meu melhor amigo, a pessoa
com o coração mais generoso que eu já tive a oportunidade de conhecer. Ele
me encara com nítida preocupação estampada em sua face e então abre a
boca para dizer:
— Você não me parece bem. O que está acontecendo?
Vejo-me sentando em um banco qualquer atrás de mim, e Bernardo
me acompanha. Preciso contar para ele, senão sei que posso enlouquecer.
— A Carina. — Fecho os olhos e suspiro com calma. É difícil usar
minha boca para afirmar o que há tanto tempo estava debaixo do meu nariz
e eu nunca percebi. — O Leonel, Bernardo. Aconteceu. Por isso, ela
mudou.
— Olha, meu irmão, eu já estava sabendo. Inclusive, ele está preso.
Rapidamente, giro com meu rosto para meu irmão, conforme sinto
meu cenho vincar.
— Uma adolescente da cidade foi violentada por ele essa semana e a
mãe denunciou. A Carina deu depoimento, onde ela diz que também
aconteceu com ela.
— Quando que ela depôs? Ela estava em Santa Maria até ontem...
— Hoje.
— Por que não me contou? — Levanto-me do banco, me sentindo
ficar preocupado, afinal abrir essa ferida assim deve ter destruído muito
mais a Carina, pois, se ontem já estava daquela maneira... — Por que,
Bernardo?
Mas meu irmão não responde.
— Outras pessoas sabem?
Ele faz que não, mas não me encara.
— Só a tia Lucy, tio George e eu. Não contei para a Bia, nem para a
Laura. Acho que é muito pessoal. Eu fiquei sabendo ontem, e só sei porque
o tio George ligou para mim. Ele estava desesperado. Precisava conversar,
você sabe, ele e tia não se falam mais como antes e seu pai recusou as
ligações dele. Ele precisava conversar com alguém.
— Então foi por isso que ela não veio?
— Eu não sei. — Ele se levanta e me encara com um misto de receio
e preocupação no olhar. Depois, toca meu ombro. — Mas acho que sim.
Porque, pelo que sei, ela está muito mal. Abrir essa ferida a desequilibrou.
Só de imaginar minha Cá, minha doce e sofrida loira, uma dor invade
e angustia meu peito. Seio que essa dor é merecida; mereço isso e muito
mais, afinal sou o homem mais miserável do mundo por tê-la julgado e por
nunca tê-la protegido como merecia. Preciso fazer algo, mas o que fazer?
Não posso mudar o que aconteceu...
— O que eu faço, Bernardo? — Passo minhas duas mãos pelo meu
cabelo, e dessa vez permito que meu rosto molhe com as lágrimas que
seguro desde ontem. Afinal, qual o problema de um homem chorar? — Eu
não acho que há muito que fazer... eu não posso mudar o que aconteceu...
mas eu... eu... eu gostaria de estar ao lado dela.
— Então vamos à casa da tia Lucy. Eu dirijo. Você não está em
condições de fazer isso.
— Não sei se devo. E se ela não quiser me ver nem falar comigo? Eu
insinuei que ela é uma mulher fácil, Bernardo. Tenho certeza que sou a
última pessoa que ela quer ver.
— Mas e se ela te ama?
— O que tem?
— Não acha que ela iria gostar de ter a pessoa que ela ama ao lado
dela? Pelo menos, tente, meu irmão. Não deixe a mulher que você ama
passar por isso sozinha. — Ele toca meus ombros com as mãos, apertando-
os. — Esqueça a rejeição que você pode passar e pense nos sentimentos
dela.
Assinto.
— E eu ainda quero um molequinho loiro correndo pela casa da
mamãe — completa, brincalhão, como de costume.
Permito abrir um leve sorriso, mas, por dentro, quebrado. Quero tanto
consertar tudo que aconteceu e não posso. Sou inútil. Meus ideais acerca de
proteção hoje, mais do que nunca, não servem de nada.
Capítulo 41

As feridas cicatrizam, pai

Mas a dor continua a mesma


E ainda me lembro como você me mantinha com medo

I’M OKAY – CHRISTINA AGUILERA

Tio George está parado, segurando a porta e olhando com firmeza


para mim. Seu olhar demonstra que ele sabe, não falo do abuso que sofrera
a filha, falo sobre o que eu e Carina tivemos. Ele sabe. Por isso ligou para
Bernardo e não para mim. Seu olhar de acusação me diz que ele está
decepcionado com minha atitude. Mas pouco importa. Só quero ver Carina.
— Tio George — digo, dando um passo à frente e entrando na sala de
tia Lucy, que está atrás do ex-marido com meio braço cruzado e olhando
para mim com compaixão.
— Nicolas! — Ela corre até mim e me dá um abraço tão apertado,
como se precisasse urgentemente daquilo. — Obrigada por vir. — Encara-
me por cima dos cílios, fazendo me lembrar de Carina. São tão parecidas, se
não fosse pela idade.
Tio George permanece duro, segurando a porta, e não me olha. Não
consigo entender como, em um momento como esse, ele possa estar
preocupado com acusações. Pergunto-me se ele deveria mesmo estar aqui,
se é isso que Carina deseja, se ele não lhe disse algo que a tenha
machucado.
— Sei que se preocupa com sua prima, mas acho que a Carina não
está num momento ideal para visitas. — As palavras de tia Lucy me fazem
entender que ela, diferente do ex-marido, não faz ideia do que aconteceu
entre a filha e eu. — E imagino o quanto ela deve estar se sentindo
envergonhada, então acho que devemos deixá-la só. Vamos deixar que ela
decida quando quer conversar com alguém a respeito do ocorrido.
— Eu preciso conversar com ela, mas não é sobre isso, tia. — Encaro
tio George de lado, e posso perceber a vergonha pela filha, instaurada em
suas expressões.
Percebendo nossa troca de olhares, ele resolve se pronunciar:
— Vou falar com o Bernardo. Com licença. — Ele acena com a
cabeça e sai pela mesma porta que entrei, fazendo-a emitir uma leve
pancada em suas costas.
— Ele se sente envergonhado — tia Lucy murmura para mim,
olhando rapidamente para trás, em direção ao corredor, acho que para
conferir se Carina não está por perto. — Ele está aqui, apoiando a filha, mas
sei que é assim que no fundo se sente.
— Eu sinto muito, tia.
Ela levanta a palma da mão em minha direção, como se pedisse com o
gesto para que eu parasse com a gentileza. Então, morde o lábio inferior e
guarda uma mecha de cabelo loiro, que cai sobre seu nariz, atrás da orelha.
— Hoje, mais do que nunca, depois de tudo que soube, sendo
confessado pela boca dela, me sinto a mulher mais infeliz do mundo. —
Seus olhos enchem-se de lágrimas, e eu instantaneamente sinto um caroço
se instaurar em minha garganta porque, afinal também me sinto o homem
mais infeliz do mundo. — Nicolas, eu preciso que você entenda que eu
nunca fui negligente com a Carina nem com o Caio. Sempre os orientei de
maneira a fazerem as melhores escolhas, só que eles sempre foram
mundanos... e as escolhas deles foram só deles, o que não significa que a
culpa seja dela. Não, não é isso que estou a dizer. A questão é: a culpa não é
minha, não é dela, é dele, só dele, do homem que fez isso com ela, só que
eu, como mãe, deveria ter observado os sinais. Ela passou esse ano todo
segurando isso sozinha, meu filho.
— Eu sei, tia. Sinto-me da mesma maneira. Queria ter feito alguma
coisa.
— Você a ama, não é? — Ela enxuga as lágrimas nos cantos dos olhos
com o indicador, e eu faço uma pausa, tentando ler os sinais em seu rosto de
onde ela quer chegar com aquela pergunta. Ela percebe. — Não digo como
primo, digo como homem. Sei disso porque posso ver como, desde menino,
você se preocupou com ela. E não é uma preocupação como a que você
sente pela Beatriz. É diferente. E eu não sei se aconteceu algo entre vocês
durante esse tempo que moraram juntos, mas eu espero, do fundo do meu
coração, que não. Sei que Alicia e você terminaram, e sinceramente me
perguntei se a minha filha não estaria envolvida nisso. O George insinua
que sim, porque você ligou para ele sentindo as dores da Carina, como ele
disse. Quando me contou isso, ele a chamou de vagabunda, e foi o que os
olhos dele insinuaram quando o chamei para uma conversa e contei sobre o.
— Ela engole seco. Não consegue soltar a palavra que causa tanta dor. —
Estupro.
Abaixo o olhar, me sentindo triste, pelo pai que a loira tem. Ela não
merece isso. Não consigo pensar em outra coisa que não seja a culpa dele
por todo comportamento que Carina apresentou desde a pré-adolescência
até hoje no que diz respeito a homens, bebidas e baladas. Agora entendo
como ela deve ter sofrido por ser julgada, enquanto seu irmão, por ser
homem, poderia fazer o que bem entendesse.
— Mas espero que um dia — continua. — a Carina encontre um
homem bom como você para amá-la. Sei que ela acha isso uma grande
bobagem, ela não tem uma visão românica de mundo, mas é tudo que uma
mãe deseja para uma filha.
— Acho que há muita coisa sobre a Carina que não sabemos. — É o
que consigo concluir. — Será que posso falar com ela agora?
Ela assente, e me direciona ao corredor escuro e de paredes cor de
creme que leva aos quartos desta casa que há tantos anos não visito. Para
ser honesto, não me recordo da última vez que estive aqui. Acho que,
inclusive, nunca sequer pus os pés no quarto de Carina. No máximo, entrei
no quarto de Caio, para jogar vídeo game ou assistir a algum filme. E isso
foi há anos.
Tia Lucy para em frente à porta branca e fechada do quarto da filha,
me fazendo parar em suas costas. Dá duas batidas na porta e abre a boca
para dizer:
— Minha filha, o Nicolas está aqui. Será que ele pode falar com
você?
Um silêncio se prolonga pelo ambiente.
— É alguma coisa sobre a faculdade.
Carina não responde.
— Se não puder falar, se estiver ocupada ou dormindo, falo para ele
voltar depois.
Tia Lucy me olha com amor no rosto, e posso ver as olheiras se
formando debaixo de seus olhos, sinal de uma noite de sono mal dormida.
— Acho — fala, mas desiste quando a porta do quarto se abre
lentamente e Carina aparece no meu campo de visão trajando o mesmo
pijama dos Smurfs que usava em uma das noites que dissera estar passando
mal.
— Oi, Nicolas — ela diz, sem me encarar nos olhos, mas posso ver
que seus glóbulos oculares estão extremamente vermelhos, de fato por tanto
chorar.
— Oi, Cá. — É tudo que consigo dizer.
— Vou estar na cozinha. Qualquer coisa, me procurem lá. —Tia Lucy
dá as costas e desaparece pelo corredor.
Carina põe a mão num par de bolsos inexistentes dos shorts de seu
pijama e só então resolve me encarar.
— Minha mãe disse que era algo sobre a faculdade...
— Na verdade. — Giro minha cabeça um pouco para trás para olhar
por cima de meu ombro e ver se há alguém pelo corredor escutando nossa
conversa. — Quero te pedir desculpas pelo que te fiz e dizer que me
arrependo da escolha que fiz, que foi voltar para Alicia.
Ela abaixa o olhar e engole em seco.
— Quero que saiba que eu amo você e eu quero fazer tudo que for
possível para ficar com você. Sei que não tem ideais românticos e sei que
certamente não gosta de mim, afinal sou um nerdzinho. — Solto uma risada
traiçoeira, de nervoso. — Como você sempre me chama. Mas quero que
saiba que nada do que tivemos foi um erro, um equívoco como disse
naquela noite. Eu não sei por que disse aquilo, certamente porque sou um
tolo, um idiota que se deixou levar pela aprovação das pessoas.
— Isso quer dizer que sua família não me aprova? — Agora sim ela
me encara, em desafio. — É isso?
— Não é isso que eu quis dizer.
— Imagina quando eles souberem. — Suas palavras soam frias, como
se o que ocorreu com ela fosse banalizado pela mesma. — Vai dizer que
você não sabe? — Sua boca estremece ao anunciar as últimas palavras.
— Eu sei. Eu estava na palestra do seu projeto.
— Agora todos sabem. — Ela suspira e expande os braços para os
lados, abrindo um sorriso amargo. — Legal. A culpa é da vadia. É isso que
estão dizendo, não é? Porque foi praticamente isso que meu pai me disse
quando chegou hoje, aqui. Filha, você deveria ter se preservado. Não ter se
relacionado com tantos homens como fez. Não deveria ter dado ideia a um
homem ao entrar no carro dele! Não deveria ter aceitado a carona, filha,
afinal o que mais um homem vai esperar de uma garota como você?
— Carina, por favor, não diga isso.
— Mas foi o que ele me disse! — ela berra, batendo o pé no chão e
fechando o punho em um círculo. — Só faltou me chamar de vagabunda,
como sempre fez, mas dessa vez ele me “respeitou”. — Ela faz aspas. —
Afinal, é o que sou, não é, Nicolas? Uma vagabunda que deitou com Santa
Maria inteira! Vai dizer que você também não pensa isso de mim?
Fico em silêncio. Afinal, ela está certa. Sempre foi assim que a
enxerguei. Ela também fica em silêncio, os olhos banhados em lágrimas, até
que abre a boca e diz:
— Você não sabe, Nicolas, mas quando eu era criança, um homem
tocou em mim... sim, da forma como você está pensando. Ele não chegou a
me penetrar, sabe por quê? Porque meu pai chegou a tempo, e aí ele tirou a
mão de dentro da minha calcinha e disse que estávamos brincando. Era o
irmão da amante dele, você se lembra dessa história que te contei, que ele
me levou ao aniversário dela? Quando cheguei em casa, contei para o meu
pai, e sabe o que ele fez? Ele duvidou de mim. Mas, na verdade, não é que
ele tenha duvidado porque ele viu a mão daquele nojento dentro da minha
calcinha. Ele só fingiu para não ter que contar para a minha mãe porque o
que ele diria para ela? Que o irmão de sua amante me molestou? Então,
tudo que fez foi simplesmente não me levar àquela casa nunca mais.
Excelente pai!
— Eu sinto muito, Carina, de verdade. — E eu realmente sinto. Só de
pensar que existem miseráveis como esse que se aproveitam de criança,
sinto meu rosto esquentar, mas não tenho tempo para sentir, uma vez que
Carina volta a falar:
— Como foi sua primeira vez, Nicolas?
— Primeira vez? — Entendo a pergunta, mas a acho um tanto
inapropriada para a situação.
— É, sua primeira transa. Como foi?
— Foi... foi... — Quero dizer a verdade, que foi desastrosa, porém
especial com uma amiga querida, mas não sei se deveria. — Foi normal...
— Especial?
— Talvez... Não entendo... Por que pergunta isso agora?
— Porque a minha foi uma merda! Foi no banheiro da escola. Você se
lembra do Lebrahma, o Phillips, amigo do Bernardo?
Não faço ideia de quem seja, mas consinto porque quero que ela
prossiga e relembrar quem é Lebrahma é o que menos importa no momento.
— Então — ela prossegue, a voz carregada de mágoa misturada à dor,
as lágrimas insistindo em rolar. — foi com ele, eu tinha 16 anos. A gente
estava ficando há umas semanas, três talvez, até que um dia chegamos
muito cedo na escola, a escola estava vazia, sabe? Ele me levou para o
banheiro, que estava fedendo e sujo. Ficamos lá nos agarrando, você sabe,
as coisas começaram a esquentar... até que ele colocou a mão dentro da
minha calça. Eu queria sim muito transar com ele, queria muito sim ter
minha primeira vez, mas naquele dia eu tinha desistido porque eu queria a
porra de uma primeira vez especial. Mas ele insistiu, insistiu, disse que não
estava aguentando, já com a mão me tocando lá, sem que eu tivesse
permitido, a porra do instinto batendo na porta. — Ela abre um sorriso de
lado, irônico, porém amargo. — Eu falei “não”, “não aqui, desse jeito”. Ele
respondeu “para de dificultar, gatinha”, “por favor, vai ser bem rapidinho”.
Ficamos um tempo nisso: ele insistindo e eu negando. Até que eu disse sim,
sendo que claramente eu não queria dizer sim, e ele viu que eu não queria
dizer sim, mas me penetrou. Doeu pra caralho. Além de dor, não senti nada,
só um vazio, uma vontade louca de ir embora ou de vomitar, porque a porra
do lugar fedia a merda e a urina masculina.
Eu quero tanto abraçá-la, meu Deus! Tudo que mais queria era ter a
liberdade de abraçá-la e dizer que está tudo bem, que estou aqui, que ela
pode contar comigo e que eu não a culpo. Mas eu não sei se posso. Logo eu,
que a magoei.
Fecho os olhos, engolindo um nó que se faz em minha garganta.
Quando os abro, ela retorna a dizer:
— Então, depois que ele botou o pau pra fora e gozou, eu olhei para o
meio das minhas pernas e vi que tinha sangue, além da dor. Ele deu um
beijo estalado na minha boca, fechou as calças e disse que passaria na
minha sala no intervalo, depois foi pra aula. Eu não fui. Fui embora. Não
chorei nem nada. Só passei o dia todo olhando para o teto e pensando
naquela merda toda e em como sexo poderia ser bom.
Eu não consigo falar nada. Não gosto de saber dessas coisas, também
nunca pensei que sua primeira vez pudesse ter sido assim. Para falar a
verdade, nunca parei para pensar como teria sido e certamente, se pensasse,
a julgaria imaginando o pior, como babacamente sempre faço.
— Sabe o que foi pior, Nicolas? — Ela prende um choro mais
profundo ao recomeçar a falar, como se o que tivesse a me revelar fosse a
parte mais dolorosa disso tudo. Se é que ainda exista dor maior que a merda
de uma primeira vez para uma garota. — No dia seguinte, Lebrahma não
falou comigo, nem respondeu minhas mensagens ou minhas ligações. Por
outro lado, a quantidade de caras me procurando na escola aumentou. Você
deve saber o boato que ele espalhou né? Pois é, foi assim que começou a se
espalhar os boatos sobre a minha promiscuidade. E sabe o que é mais
engraçado, Nicolas? É que eu gostava disso. Eu gostava daquela atenção,
sabe? Me sentia, de alguma forma, especial, desejada. Eu só não entendo
por quê. — Ela passa a mão pelas bochechas limpando as lágrimas que
escorrem ali. — Amava aquela atenção, mas me sentia incomodada com as
consequências dela na minha vida. Sentia vontade de chorar e não chorava.
Só... — Ela abre as mãos para os lados. — Só passava. Com o tempo
passava. Valia a pena suportar só para ter um pouquinho daquela atenção:
mão debaixo da saia, olhar de malícia, palavras que ofendem... Mas tudo
bem, afinal eu cresci achando que era para isso que meu corpo servia... E
parece que não estou errada quanto a isso — completa. — porque todo
homem que se aproxima de mim é por causa disso, do meu corpo. Você
mesmo, Nicolas, naquele dia, quando dormimos juntos pela primeira vez,
quando eu abri meu coração e falei sobre meu pai para você. Eu nunca fiz
isso com ninguém, mas com você eu fiz, e sabe o que você fez? Você olhou
para mim com desejo e não me disse nada. Então, é isso, não é? É para isso
que eu sirvo, para fazer as pessoas sentirem desejo pelo que tenho por fora.
Só para isso! É assim que me sinto desde que me entendo por gente! Então
sim, Nicolas! Quando me pedem, quando eu estou a fim, abro as pernas e
deixo que me preencham, é o que faço!
— Por favor, minha filha, para de falar essas coisas. — Ouço a voz de
tia Lucy, em prantos, surgir atrás de mim. — Por favor...
— Carina. — Dou dois passos até ela, mas ela se esquiva andando
para trás.
— E eu sei que eu era maluca, Nicolas. Fiz essa merda e muitas
outras. E eu só mudei porque coisas horríveis aconteceram comigo por eu
ser assim. E eu mudei tanto que me apaixonei por você. Mas agora eu não
posso ficar com você, Nicolas. Eu não posso!
— Sim, você pode, Cá. É só me dizer. Estou aqui. E eu nunca mais
vou sair, okay?
— Olha para mim, Nicolas. — Ela curva as mãos para o próprio
corpo. — É com isso que você quer ficar? Com essa sobra, com esse lixo?
Porque é assim que me sinto agora, eu me sinto um lixo, me sinto suja,
descartável! Sem valor! Eu não sou mais capaz de ser boa para alguém,
Nicolas.
— Você é sim. Para mim você é a melhor coisa que existe, e não me
importo com nada que tenha acontecido a você porque eu sempre te amei,
sempre, desde que você era pequeninha e eu te vi no colo da tia Lucy eu
quis te proteger... e, agora, mais do que nunca, sinto que posso fazer isso.
— Desculpa, Nicolas, mas essa não é mais uma escolha sua. A Carina
vadia não pode ser sua princesa. Eu sinto muito. — Ela fixa seu olhar no
meu, o rosto aos prantos, e vira as costas, batendo, com força, a porta.
Giro o tronco para trás e vejo tia Lucy abraçada a tio George se
derramar em lágrimas, quebrada, como todos nós estamos nesse momento
de tormento que Carina enfrenta e que não faço ideia de quanto tempo vai
durar ou se algum dia vai passar. Mas que não me fará desistir dela, pelo
contrário, agora, mais do que nunca, quero fazer de tudo para estar ao seu
lado e lhe dar o meu amor, que há tanto tempo guardei para mim. Então, se
preciso for, esperarei essa dor passar para que então possamos ficar juntos.
Porque eu a amo, e agora não vou mais esconder isso nem de mim mesmo e
muito menos de ninguém.
Capítulo 42
E aí está você sobre seus joelhos

Implorando por perdão, implorando por mim


Como eu sempre quis, mas eu sinto muito

Porque eu não sou uma princesa


WHITE HORSE – TAYLOR SWIFT

Não gosto do clima que se forma à mesa durante o almoço que


acontece na casa dos meus pais: total silêncio. Há apenas o barulho dos
talheres e dos pratos se encontrando conforme comemos. Claro. Todos já
sabem do fim de meu relacionamento com Alicia. Tive que contar depois
que me perguntaram por ela ontem, na volta do noivado. Aparentemente,
minha família não parece satisfeita. Pela primeira vez em mais de vinte
anos, não estou aqui para agradá-los. Sinceramente, pouco importa. Estou
cansado dessa falta de respeito com minhas próprias decisões.
Sou adulto, não devo nada a ninguém, e, se devo, é desculpas única e
exclusivamente à Carina por tudo que a fiz sofrer.
— Que desagradável — começa Beatriz com zombaria em seu tom de
voz. — almoçar nesse silêncio. Parece-me que vocês não estão felizes.
Conte-me, papai, o que tanto te incomoda?
— Beatriz! — o pai a repreende, mas ela abre um sorriso travesso e
diria que até satisfatório.
Bia gosta de provocar, principalmente quando isso traz alguma coisa
positiva para si. E, nesse caso, me colocando na berlinda contra meus pais e
me transformando no pior filho Louzada, cujo fardo deseja perder. Afinal,
acho que todos já sabem (ou ao menos desconfiam) do que tive com Carina,
e que isso resultou no fim do meu noivado.
— Será que você não deveria dizer, mamãe, agora que seu filhinho
perfeitinho está aqui, o que vocês têm conversado a respeito dele e de uma
figura loira quando o mesmo não está presente nas refeições porque está lá
na cidade universitária sabe-se lá Deus fazendo o quê?!
Mamãe abaixa o rosto, sem graça. Claro que eu imagino que falem
coisas. Não estou surpreso.
— Por que não fala, mamãe? Por que é tão difícil assim perguntar
para ele? Vocês estão com medo de que ele afirme? — Minha irmã olha
para mim, piscando os olhos. — E aí significa que não existirá nenhum
filho exemplar? Porque até o grande Nicolas agora faz coisas absurdas
como trair a noiva e pegar piriguetes!
A forma como Beatriz se refere a própria amiga me irrita, mas tento
me manter equilibrado. Seguro-me na mesa pela borda e suspiro com
calma.
— Eu achava que a Carina era sua amiga — minha mãe questiona
para minha irmã. — Como pode chamá-la assim?
— Eu chamo-a de vaca, vadia, e ela se amarra. — Beatriz abre um
sorriso grande, orgulhando-se do que diz. — Ela gosta de ser chamada
assim. Por que será, hein?
Mamãe abaixa a cabeça e faz que não.
Suspiro com calma. Minha irmã precisa tanto amadurecer e aprender
coisas básicas. Sua futilidade e jeito de garota mimada sempre me irritaram.
Não entendo como meus pais são responsáveis por essa criação. Bernardo,
Laura e eu podemos ser imperfeitos em vários sentidos, mas não somos
pessoas maldosas. Não fazemos mal intencionalmente, por prazer, não
pisamos nos outros, tampouco nos aproveitamos disso para satisfazer
nossos egos.
— Vai, Nicolas, fala alguma coisa. Para de bancar o cara perfeito para
nossos pais. Desembucha. Diz tudo. A gente quer saber.
Permaneço mudo.
— Vai continuar pra sempre sendo o cara legal, caladão, na sua? Acha
mesmo que a gente ainda cai nessa? — Ela sorri com deboche. — Por que
não fala o que aconteceu entre você e Alicia? Porque não diz o motivo da
separação? Acha mesmo que a gente não sabe?
Não entendo Beatriz. Não entendo como pode crescer e se tornar essa
pessoa maldosa. Que necessidade tem em ser assim? Que prazer ver nisso?
Será que sua vida é muito sem graça e vazia? Ou ela seria muito vazia e
essa seria a forma que encontra de se preencher ao infernizar vidas alheias?
E por que meus pais não fazem ela parar? Por que eles sempre passam a
mão na sua cabeça oca ao invés de lhe darem uma boa lição de moral?
— Querem mesmo saber o que aconteceu? — pergunto, por fim, com
calma na voz, apesar de por dentro estar começando a fervilhar de raiva
com tamanha afronta de minha irmã caçula, uma pirralha de dezessete anos,
e encaro especificamente meu pai.
— Só se você se sentir confortável para fazer isso, meu filho. —
Mamãe segura minha mão por cima da mesa e a aperta, sorrindo,
complacente. — Só estamos preocupados com você... e com Alicia. É
difícil ficarmos no escuro, sem saber o que está acontecendo. Por isso, é
comum que façamos suposições.
Dou de ombros.
— Alicia ligou para nós — meu pai enfim se pronuncia. —,
chorando, dizendo coisas ruins a seu respeito, a respeito da Carina, e disse
coisas que sinceramente não duvido. Alicia é uma menina boa, está
sofrendo por causa do pai, não merecia mais esse sofrimento para si. Eu não
quero controlar suas escolhas, a vida é sua, você é adulto. Só que você me
prometeu que não estava acontecendo nada entre você e Carina, mas eu sei
que aconteceu e que isso resultou no término. Faça a escolha que quiser, só
não minta para mim.
— Eu tentei a minha vida inteira ser perfeito para vocês — começo.
— que me esqueci de ser verdadeiro. Qualquer homem é falho e eu sou um,
pai. Homem. Não geneticamente homem que me refiro, mas humanamente.
Então, errei por desejar outra mulher quando estive com Alicia sim, mas
terminei com ela em seguida. Foi a partir de então que comecei a ficar com
Carina, mas terminei quando aconteceram aquelas coisas com Seu Carlos.
Me senti em falta com ele e também não queria deixar Alicia sozinha num
momento como foi aquele. Além de terminar com Carina, voltei para
Alicia. Só que minha ex-noiva não era nada do que nós imaginávamos.
— Do que você está falando, Nicolas? — mamãe quer saber, a
compreensão beirando a sua voz.
— São coisas pessoais. Não me sinto bem falando a respeito. Já me
expus demais. Mas repito: não sou perfeito. — Volto com minha atenção
para meu pai, olhando fixamente para ele. — Eu não errei por ficar com
Carina. Errei por julgá-la, principalmente quando você esteve no meu
apartamento em Santa Maria e me falou sobre a recordação que tinha dela
com o amigo do Bernardo. Naquele momento, me senti envergonhado por
um dia poder imaginar que poderia chegar em sua casa de mãos dadas com
ela. Mas agora eu não me importo mais. Eu a amo, então eu preciso aprová-
la e não vocês. Carina é boa, pai. É maravilhosa. Ela passou por tanta coisa.
E ela mudou, na dor. Talvez você nunca entenda sobre isso, porque nem eu
entendo. Acho que eu preciso me desconstruir para entender também.
— Pelo que exatamente a Carina passou? — mamãe pergunta.
Aparentemente, pareceu pescar algo no ar, pois pela forma como me
encara...
— Eu acho que é muito pessoal, mas virá à tona, é claro, como tudo
nessa família vem, então, eu vou dizer. — O mistério, junto à sinceridade e
a dor que carrego em minha voz, nitidamente faz com que todos fiquem em
silêncio. — Leonel abusou da Carina, um cara quando ela tinha 16 anos
também fez isso e outro homem quando ela era uma criança. Este colocou a
mão dentro da calcinha dela. — Sinto minha voz vacilar, porque falar dessa
parte me parece a mais difícil.
Chorar é inevitável. Então, é o que faço. Não aguento mais segurar.
Dói tanto! E se dói tanto assim em mim a ponto de me fazer chorar, imagina
como se sente Carina, meu Deus! Imagina como ela se sentiu a vida inteira
segurando tudo isso, sozinha.
Depois de inspirar e expirar profundamente o ar pela boca, abro meus
olhos e observo minha família atenta a mim. Beatriz está com os olhos
brilhando de lágrima. Mamãe já chora. Meu pai se faz de forte, sem
lágrimas, mas vejo, no fundo de seus olhos, o quanto ele se sente triste com
tudo isso. Carina é como se fosse uma sobrinha...
— Uma criança... ela tinha o quê? Seis anos? Vocês sabem o que é
isso? E ela nunca contou nada disso para ninguém... ela guardou a parte
sobre Leonel também e sabe por quê? Porque parece que vão dizer que a
culpa é dela, porque é isso que eu diria se não tivesse aberto a porra da
minha cabeça! — Soco a mesa, fazendo minha mãe dar um pequeno salto
para trás. — Eu a amo, eu a amei a vida inteira. E agora sei disso, e não sei
se ela vai me deixar amá-la... porque ela não se acha digna de ser amada.
— Meu filho... — minha mãe segura minha mão por cima da mesa.
— Eu me sinto um idiota, uma babaca, um tolo. Ela me procurou no
dia que aconteceu com o Leonel e ela mentiu para mim, dizendo que só
tinha sido dispensada depois de um sexo, e eu acreditei porque era ela.
Estava preocupado demais com meus julgamentos sobre ela para acreditar
que foi estupro.
— Se ela tivesse contado, você não poderia mudar o que aconteceu.
— Mas eu poderia tê-la ajudado. — Fungo. — Não posso mudar o
que aconteceu, eu sei, mas ela talvez hoje seria outra.
— Nicolas, eu sinto muito pela Carina — meu pai me diz, sincero. —
De verdade. Me desculpa por julgá-la. Agora entendo por que ela agia
daquela forma... a psicologia explica bem isso: se chama transtorno pós-
traumático. Ela precisa procurar ajuda de uma especialista, senão nunca
ficará boa. Tenho ótimas recomendações, profissionais excelentes. No que
eu puder ajudá-la, pode contar comigo. Eu prometo. Quero muito ajudá-la.
Assinto simplesmente.
— Não quero dizer que a culpa é da Carina, Nicolas — Beatriz
anuncia. —, mas eu me lembro de uma vez, quando viajamos no final de
ano, se lembra? Eu, você, Bernardo, Laura... Naquela viagem, a Carina
parecia desesperada para conhecer alguém, ficava reclamando que não tinha
homem bonito, até que ela conheceu um homem mais velho que ficava
tocando ela dentro da água, e ela não tirava a mão dele. Não parecia gostar
daquilo, mas ela não reclamava, parecia que ela precisava daquilo... talvez
fosse o trauma... nunca pensei... eu s...
— Chega, Beatriz! — peço-a para parar, pois não aguento mais. —
Por favor.
— Como que acontece esse tipo de coisa e vocês não me falam? —
meu pai se altera devido a confissão de Beatriz.
— Papai... — E a rebelde parece se arrepender...
— Eu me preocupo. Você acha que não? Agora me diz: já aconteceu
algo parecido com você, minha filha?
— Nunca, pai, graças a Deus. Você sabe, mamãe sempre me disse que
o meu corpo era meu e que ninguém tem o direito de tocar nele se eu não
autorizar. Claro que os garotos tentam abusar, mas eu nunca passei por isso.
Talvez eu tenha tido sorte. E o Caio sempre esteve ao meu lado, me
protegendo.
— Eu fico aliviado, minha filha, mas ainda assim tenha cuidado e não
permita que esses homens asquerosos te toquem sem seu consentimento.
— Como se isso dependesse de mim.
Meu pai deixa cair os ombros, mostrando-se perdido.
— Como vou ficar em paz pensando nessas coisas quando você sai só
para ir à escola, minha filha?
— Eu também não sei, pai. É difícil ser mulher. Às vezes eu tenho
medo, porque sei que essas coisas acontecem o tempo todo. Só nunca...
pensei que tivesse acontecido com ela, com a Carina, alguém que esteve
sempre com a gente. Deveria ter desconfiado porque ela mudou muito de
um tempo para cá. Quando foi, Nicolas? Há quanto tempo mais ou menos
aconteceu? Você sabe?
— Um ano, um pouco mais talvez.
— Faz sentido. Desse tempo para cá ela esteve bastante diferente. Foi
por isso então que ela sumiu, se afastou de mim. E eu aqui esse tempo todo
com raiva dela, achando que me evitava porque me achava criança demais
para ser sua amiga. Se eu soubesse... teria a ajudado de alguma forma... —
Bia estala a boca, abaixando o olhar. — Estou tão triste. Estou triste de
verdade. Coitada.
Assim como fez com Beatriz, meu pai olha para mamãe, mas não
pergunta se ela já passou por essa situação, como se ele já soubesse sua
resposta, o que me preocupa.
— Mãe? — pergunto-lhe.
— Quando eu era mais nova e namorava seu pai, meu ex-chefe, um
monstro, tentou abusar de mim, no escritório em que trabalhávamos. Eu fui
assediada sexualmente e fisicamente, fiquei internada por alguns dias.
Então sim, aconteceu.
— Mamãe! — Beatriz lamenta.
— Mas o estupro não foi efetivado, foi tentativa de estupro, foi um
assédio sexual, o que gerou um trauma menor. Está tudo bem, meus filhos.
Não façam essas caras. Já tem um tempo, eu superei, seu pai e eu
superamos.
Encaro meu pai, e ele assente levemente com a cabeça.
— Por que nunca contou pra gente? — Beatriz questiona.
Mamãe dá de ombros.
— Não sei. Talvez porque não tive a oportunidade.
— E a Laura, será que já aconteceu alguma coisa com ela? — Bia se
preocupa. — Ela já teve tantos padrastos...
— Fernanda teria me contado — meu pai pontua, recordando-se da
ex-esposa controladora. — Mas é bom conversarmos com ela.
Nós ficamos em silêncio, sem saber mais o que dizer. Então, levanto-
me da mesa. Preciso deitar e tentar dormir, descansar minha mente
perturbada. Na última noite dormia e acordava o tempo todo lembrando do
rosto triste de Carina, da dor, querendo voltar no tempo e mudar tudo.
— O que você vai fazer, irmãozinho?
— Orar para que essa dor passe? Eu não sei também. — Coloco
minha mão no bolso, pego meu celular e abro o aplicativo de mensagens,
visualizando a última mensagem enviada a Carina, que foi ignorada. — Vou
me deitar. Conversamos amanhã. — Viro as costas, sentindo o olhar de
todos, em silêncio, sentados à mesa, me acompanhando a cada passo que
dou.
Quando caio na minha cama, mando mais uma mensagem para
Carina:
Nicolas: Sei que estou parecendo um idiota te mandando todas essas
mensagens e não recebendo respostas, mas só quero que saiba que não
pretendo te esquecer. Só quero esquecer todas as coisas horríveis que
aconteceram entre nós e relembrar apenas as boas. Por favor, me perdoa.
Deixe-me te ajudar, te devo isso.
Nicolas: Eu te amo, Cá.
A última frase fica no meu pensamento, martelando com insistência.
Nunca pensei que em algum momento lhe diria que a amo. E cá estou eu,
desta maneira tão infeliz e miserável lhe dizendo isso.
Capítulo 43

Se um dia eu pudesse ver

Meu passado inteiro


E fizesse parar de chover

Nos primeiros erros ah

Meu corpo viraria sol

Minha mente viraria

Mais só chove, chove


Chove, chove

CAPITAL INICIAL – PRIMEIROS ERROS

Um mês se passou.
Nada mudou, nada saiu das normalidades, exceto meus pensamentos
e ideais arcaicos e consequentemente preconceituosos. Agora, consigo
entender que meu preconceito em relação à Carina começou a partir do
momento em que a vi se entregando a um e outro, e que isso era um direito
dela: transar com quem bem entendesse.
Consigo entender também que, depois de tudo que passamos e de
tudo que descobri a seu respeito, talvez a loira tenha entrado em minha vida
com tanta intensidade para que tal preconceito em mim fosse quebrado. E
funcionou. Pena ser dessa forma, com ela sofrendo e ao mesmo tempo me
rejeitando, não me possibilitando ajudá-la.
Outra parte ruim é que pouco sei sobre Carina, não tenho falado com
ela, apesar de estar sempre lhe mandando mensagem dizendo que a amo,
que ela é especial, as quais nunca são respondidas. Cheguei a ligar para ela
algumas vezes, mas como era de se esperar, não fui atendido. Para piorar,
quando encontro com ela pela faculdade, ela se esquiva ou vira o rosto,
fingindo que não existo.
Tudo bem, não tenho insistido tanto quanto antes. Respeito o seu
tempo. Deixo-a livre. Mas gostaria de estar ao seu lado, apoiando-a em seu
momento de dificuldade. Bem feito para mim. É merecido estar sendo
excluído. É castigo divino, sei que é.
Por outro lado, tenho aproveitado para pesquisar e me aprofundar
sobre assuntos que dizem respeito ao feminismo, o que de certa forma tem
aberto minha cabeça um pouco mais. A parte que mais me interessa é sobre
feminicídio, já que até então eu não havia parado para pensar a respeito.
Sem falar nas vítimas de abusos morais, físicos e sexuais, que ocorrem
principalmente através de relacionamentos abusivos com seus parceiros.
Os números de mulheres vítimas de maus tratos são catastróficos, e
isso me assusta. De acordo com as estatísticas de várias pesquisas, é certo
que 90% das mulheres de nosso convívio sofrem ou já sofreram algum tipo
de violação sexual, o que, colocando em alguns grupos de dez todas as
mulheres que conheço, me faz levantar a hipótese de que nove de cada
grupo já passou pelo delito. E nesse número, entra minha mãe, entram
minhas irmãs e muitas mulheres no mundo que não sei os nomes e nem
conheço os rostos, mas que certamente não merecem passar por uma
situação triste como esta.
Quero fazer algo para ajudar, só não sei como. Acho que me
conscientizado e não sendo mais um potencial assassino ou abusador já
ajuda um pouco. Falando a respeito do assunto com outras pessoas e assim
as conscientizando, também.
Sobre o trauma que sofreu Carina, também tenho pesquisado bastante.
E, de acordo com minhas pesquisas, deixar a vítima de abuso sexual
escolher o seu tempo de falar sobre o assunto é um processo de cura para
elas. Então, de certa forma, quando se abriu (mesmo que primeiramente
para Gustavo), Carina começou a se curar, e isso me tranquiliza. Quero vê-
la bem, saber que está bem. Tudo que mais quero é que ela se cure e volte a
ser a garota do sorriso bonito e pura.
— E aí? — uma voz me chama, cujo corpo faz sombra diante do
estande em que me encontro, apresentando meu trabalho. Estou em um
evento da faculdade, a Semana de Engenharia, que acontece no campus
todo ano.
Levanto o rosto e reconheço o dono da voz. É Marlon. É a primeira
vez que o vejo desde seu depoimento. Quer dizer, tenho visto-o de longe
pelo campus da universidade, no entanto, ainda não tínhamos trocado
sequer um cumprimento.
— Oi, Marlon.
— Como você está?
— Estou bem, e quanto a você?
— Bem também e... feliz por você. — Ele sorri, gentil. E sei que diz
que está feliz se referindo ao fim de meu relacionamento com Alicia. — Eu
nunca quis te chamar num canto e te contar as humilhações que minha
prima e sua família a vida inteira me fizeram passar. Achava que nunca
acreditaria em mim, afinal era ela a garotinha perfeita sem defeitos. Mas foi
bom saber que ela própria tomou coragem e se entregou.
Abro um sorriso sem graça.
— Foi bom para ela também. Agora, ela está sendo ela mesma: uma
garota safada. — Ele sorri com entusiasmo. — E ela parou de pegar no meu
pé. Acho que aquela repressão a fazia um pouco mal... enfim. — Dá de
ombros. — Chega de falar da sua ex, não acha?
— Sinto muito por tudo, cara — digo, sincero. — Nunca pensei. Deve
ter sido difícil o que passou, e mais difícil ainda tendo de enfrentar sua
família rindo de você.
— Eu estou bem. Estou aliviado e feliz. E isso que importa.
— Que bom. E me desculpe por ter sido um babaca com você. Acho
que você não merece.
— Não foi um babaca. Só foi preconceituoso, mas eu te perdoo. Sei
que no fundo é uma pessoa boa, só tinha essa cabeça meio fechada. Que
bom que a abriu um pouco, eu acho.
— Acho que a abri sim. — Sorrio, orgulhoso de mim.
Quem diria que um dia estaria eu no meio da roda de debate do Não
somos Amélia. É o que tem acontecido. Uma pena nunca encontrar Carina.
Acontece que, depois do estupro que ocorreu dentro da própria faculdade, o
assunto começou a ser mais falado entre professores e alunos, e, a cada dia,
apareciam mais discentes procurando a professora Rosângela para entrar no
projeto. Agora, como ele cresceu, há dias distintos para os encontros, e o
meu dia nunca bate com o de Carina, infelizmente.
Uma vez na semana me reúno com um grupo de homens, mulheres e
os binários, um termo que achei interessante conhecer, e discutimos
diversos assuntos: fatos, dados e até analisamos letras de música. Em um
dos encontros, a professora Elisângela falou a respeito do nome que o
projeto tem que é uma analogia à música do Mário Lago, Amélia que era
mulher de verdade só porque não tinha um pingo de vaidade.
— E o que você faz numa semana de engenharia? — pergunto a
Marlon.
— Vim prestigiar uns amigos e a minha professora maravilhosa. —
Ele arqueia as sobrancelhas para minha esquerda, para onde olho e vejo a
professora Elisângela, que é acalentada por alguns alunos no meu estande
vizinho. — Lá vem um macho alfa. — Ele se abana, com entusiasmo.
É sobre Gustavo que Marlon fala, quem caminha em minha direção
com muita pressa. Ele volta do banheiro, de onde achei que não fosse
voltar, já que estava lá muito mais tempo do que é necessário para se fazer
as necessidades básicas.
Ele e eu meio que nos tornamos amigos, e inclusive estamos
apresentando esse trabalho, juntos, no estande. Como trabalhamos e agora
estudamos juntos, já que ele mudou o turno da faculdade para conciliar com
o trabalho, para facilitar nossas vidas, optamos por apresentar um trabalho
em dupla, uma ideia que inclusive surgiu em nosso trabalho e que foi
aprovado por um professor da faculdade, o que acabou nos aproximando o
suficiente para ele visitar meu apartamento duas vezes e inclusive
assistirmos a um dos jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol, no qual
meu irmão jogou fazendo gols pelo Internacional. Gustavo o adora. Foi o
que disse.
No fundo, Guga é um cara legal. É o que venho descobrindo de um
tempo para cá. Acho que agora somos amigos. Não, ele não pensa mais em
Carina de forma romântica. Agora namora uma menina da faculdade, que é
amiga da loira. Apesar de ainda nutrir um imenso carinho por Carina, ele
diz que é um carinho de irmandade, o que é bonito, para falar a verdade.
Gosto da forma que ele cuida dela e se preocupa. E eu fico feliz em saber
que algum homem esteja ao seu lado sem más intenções.
— Escuta, você não vai acreditar. — Gustavo ofega, quando chega,
sob os olhos admirados de Marlon sobre ele, que o olha de cima a baixo, o
que já não me incomoda mais. Acho que não me importo mais com isso,
talvez tenha aprendido a respeitar a diversidade sexual, se é que essa
palavra existe. — Carina acabou de passar mal. — Meu mais novo amigo
virou uma espécie de pombo correio em relação aos assuntos que envolvem
Carina, uma vez que ele é atualmente um dos amigos mais próximos que a
loira e eu temos em comum.
Dando-me conta da notícia que trouxera, preocupado, rapidamente
viro meu rosto para encará-lo.
— Calma. — Ele ri, me encarando com uma expressão como se
achasse minha preocupação engraçada. — Só foi uma tontura. Disseram
que ela não tomou café da manhã.
— Queria poder cuidar dela — lamento, estalando a boca.
— Só foi um desmaio, cara. — Ele folheia alguns folders sobre a
Semana de Engenharia e encara um nada no chão. — Essas gurias vivem
desmaiando porque ficam nessa coisa de ficar sem comer para não
engordar. A minha guria domina isso.
— Carina come bem. É estranho que queira fazer algum tipo de dieta
matinal.
A recordação dela provando de meus pratos é o suficiente para
comprimir meu peito, de saudade.
— Talvez seja estresse. Ela anda fazendo muitas coisas.
— Me sinto ótimo sabendo disso por você — resmungo, virando as
costas, deixando Marlon se abanando e um Gustavo a la Bernardo rindo de
um nada, conforme me afasto do estande para procurar um lugar arejado
para ficar sozinho e pensar.
Assim que chego ao jardim mais próximo ao evento, vejo Carina,
agora aparentemente bem, conversando com suas amigas, rindo e sendo
mimada por elas. Claro que eu esperava encontrá-la na faculdade, mas é
algo que enche meu peito de um sentimento ruim e que me faz sentir pior.
Porque eu queria estar ali com ela, apoiando-a. Queria poder saber o que se
passa com ela. Mas acho que não saberei. Eu realmente a perdi.
Suspiro, fazendo não com o rosto, perdido.
Volto a olhar para a direção dela e vejo um rapaz chegar, a abraçar por
trás e beijar seu cabelo. Ela sorri como se gostasse. Os dois ficam assim
abraçados por um tempo. Ela com a cabeça encaixada em seu pescoço e ele
alisando seu braço, mas vez ou outra sua mão descendo para a cintura fina
dela, que não tira, o que me faz entender que ela confia nele. De acordo
com as muitas pesquisas que fiz, permitir que um homem a toque, após o
ocorrido e a confissão, é necessário haver uma confiança de nível
considerável.
Sinto meu rosto queimar de raiva. Não sei se é de mim ou desse cara,
que, inclusive, nunca vi por aqui. Fico pensando por que Gustavo não me
contou sobre esse cara, mas guardo para mim, afinal eles são amigos antes
de eu entrar nessa história. Com essa ideia em mente, passo o resto do dia
cabisbaixo. Vez ou outra, meu novo amigo me pergunta o que eu tenho, mas
deixo de lado.
Volto para casa no final da tarde.
Recebo algumas mensagens. Surpreendentemente, uma é de Nicole
dizendo que está muito feliz porque entrou em uma aula de artesanato. Por
um momento, me pergunto se foi ela mesma quem enviou a mensagem ou
se foi Alicia. De qualquer maneira, respondo. A baixinha já deve ter
aprendido a enviar mensagens e minha ex-noiva, como não me procurou
depois que terminou comigo, deve ter seguido em frente.
Decido mandar uma última mensagem para Carina. Depois que eu
soube que ela passou mal, não posso deixar de perguntar como ela está,
ainda mais que Gustavo não falou mais sobre isso. Se ela não me responder,
tudo bem.
Nicolas: Soube que passou mal hoje. Está melhor?
Espero dez, vinte, trinta minutos, uma hora e nada. Nem um "Estou
bem, seu covarde machista de merda". Nem isso. Dominado pela raiva, me
levanto do sofá e com toda força que tenho em meu braço, jogo-o contra
parede, que cai no chão se espatifando em várias partes.
Jogo-me no sofá com meus cabelos entre minhas mãos e suspiro
profundamente, inconformado com o destino que eu mesmo preparei para
mim. No mesmo instante, a campainha toca, me surpreendendo.
Não tenho recebido muitas visitas nos últimos dias, nem sequer da
minha família, e, quando vem, normalmente avisam, então quem poderia
ser? Seria Carina? Não tem como ser porque ela ainda tem as chaves, a não
ser que as tenha jogado fora por raiva de mim. Mas talvez seja. Talvez ela
tenha vindo até mim com saudades. Corro até a porta para abri-la. Quando
faço isso, encontro com Gustavo debruçado sobre o portal, assoviando.
— O que você faz aqui? — pergunto, decepcionado.
— Eu preciso te contar uma novidade. — Ele entra em minha sala
sem ser convidado. Depois, se joga em meu sofá, sem cerimônia, e olha
arregaladamente para os lados, certamente reparando na bagunça que meu
apartamento está, o que nunca aconteceu antes. E se ele está assim é porque
reflete a confusão que está dentro mim, além da amargura, do
arrependimento e da culpa.
— Novidade? — Bato com a porta atrás de mim e cruzo meus braços
sobre o peito, parando de frente a ele, encarando-o.
— É. Mas antes eu preciso que tu sente. — Ele me encara firme
apalpando o lugar vazio no sofá ao seu lado.
Meu cenho vinca, de receio misturado à preocupação, mas o obedeço
e me sento ao seu lado. Encaro-o de lado, desconfiado.
— O que aconteceu? — Quero saber.
Ele coça a garganta, ri, faz que não com o rosto, suspira, ri de novo,
coça a ponta do queixo, parece pensar se diz, e não diz, gerando um estresse
como nunca ocorrera antes em mim.
— Será que você pode me dizer o que está acontecendo? — me
altero.
— Certo. — Pigarreia.
— Eu não sei como te dizer isso, mas...
— Mas...?
— Eu acho que tu vai ser papai.
Mas o quê?
— Parabéns!
Capítulo 44

Eu encontrei uma razão para mim

Para mudar quem eu costumava ser

Uma razão para começar de novo

E a razão é você

THE REASON – HOOBASTANK

Por falta de conhecimento acerca do assunto, quando pensava no


feminismo moderno, pensava em mulheres mostrando os seios ou deixando
pelos crescerem pelo corpo, conforme arrotavam mal educadamente, como
faz um homem. Quando pensava em feminismo, pensava em mulheres
fazendo sexo com vários parceiros distintos e achando isso o máximo.
Quando pensava em feminismo, pensava, sobretudo, na mulher se
igualando ao homem em todos os quesitos, sejam eles bons ou ruins.
Mas esse é o feminismo equivocado, que, por algum motivo que não
sou capaz de julgar, é desenvolvido e praticado por pessoas que não tem
conhecimento acerca do assunto. O feminismo moderno, que eu venho
conhecendo ao assistir algumas rodas de debate na UFSM, é uma doutrina
que luta não só pelas mulheres, mas também, de certa forma, pelos homens,
uma vez que põe em uma balança igualitária valores sociais, econômicos e
culturais para ambos, por sermos, ainda, uma sociedade de cultura
machista, que, ao contrário, é uma doutrina que coloca o homem acima das
mulheres em todos esses valores que mencionei.
No entanto, isso não quer dizer que o feminismo fez minha cabeça e
que agora concordo com tudo que colocam em pauta, por exemplo, a
questão do aborto, que é defendida pelos feministas (e digo os, no
masculino, porque é um grupo formado por ambos os sexos), seja quando a
vítima sofreu alguma agressão sexual ou quando a mesma simplesmente
decidiu que aquele momento ainda não é “hora” de por uma criança no
mundo, como se ela tivesse culpa por isso.
Um bebê, com seis semanas, já tem um coração que bate. Fico me
perguntando: se há um coração batendo, então já não havia vida ali? Sem
contar que, considerando que o embrião já é um bebê em potencial, desde
muito cedo o feto já pode ouvir sons, sentir gostos, criar memórias. Como
podemos garantir que ele não "sente" o aborto? E o mais importante: nós
poderíamos ter evitado a gravidez e, por isso mesmo, a criança não se
colocou nesta situação.
Por isso, por mais que isso seja polêmico, acredito que realizar um
aborto é acabar com uma vida, e não sou eu quem decide quem vive ou
quem morre. Então, essa é uma luta, que nada tem a ver com direitos
igualitários, que eu não defendo e entro em prol.
Pensar nesse assunto me preocupa, pois uma mulher feminista, que
não quer saber de mim, que nunca sonhou em ser mãe e que inclusive
deixou subentendido que já abortou uma vez, no momento, gere um filho
meu em seu ventre. Sendo assim, sei que certamente quer interromper essa
gravidez. Por isso, estou desesperado, sem saber como chegar até ela e
lembrá-la de que tudo bem “seu corpo, suas regras”, mas que aquela parte
dentro seu corpo também pertence a mim.
Mas estou aqui, parado em frente à porta de sua nova casa, uma
república só de garotas, que fica em uma vila a dois quarteirões da nossa
faculdade, esperando ser atendido por alguém, após ter tocado a campainha.
— Olá! — uma jovem morena, de cabelos compridos e de sorriso
simpático me cumprimenta ao abrir a porta. Se não me engano, é a
namorada de Gustavo. — Você é o Nicolas, o amigo do Guga, certo?
Assinto, fazendo que sim com a cabeça.
— Sou a Cléo. — Ela estica a mão para um cumprimento, abrindo um
sorriso simpático. Estico a mão e a cumprimento, abrindo o melhor sorriso
que posso nesse momento. — O Guga me fala muito sobre você. Fico feliz
em te conhecer.
— Digo o mesmo.
— Você veio...?
— Vim falar com a Carina.
— Certo. — Ela coça a bochecha, parecendo pensar em um gesto de
dúvida, que me enche de inquietação. — Sei que ela vai me odiar por isso,
mas entre. — Ela dá passagem pela porta para que eu entre. — Só não
repare na bagunça.
Acompanho a moça morena de cabelos pretos e longos caminhando
pela sala bagunçada da república.
— Eu não sei quem é mais bagunceira — comenta, pegando do chão
algumas roupas de ginástica. — Eu, a Carina ou a Natália. Acho que sou eu.
— Ela dá de ombros. — Você aguarda aqui? — Aponta para o sofá, onde há
mais roupas e alguns cadernos sobre. — Vou chamá-la.
— Claro — confirmo, mas não me sento. Permaneço, de pé, diante do
sofá.
— Amiga? — Cléo grita, conforme caminha pelo corredor. Demora
algum tempo, uns minutos talvez, e ela retorna com o rosto de preocupação.
— Não está sendo um bom dia para ela — se explica. — Mas ela falou que
você pode entrar. — Ela aponta para suas costas. — É a primeira porta à
esquerda.
Assinto e, sem fazer tipo, faço o trajeto até estar diante da porta,
aberta, do quarto de Carina, que está sentada em sua cama, de frente para a
porta, com as pernas em formato de borboleta.
— Oi — digo, dando dois passos até ter todo meu corpo dentro do
espaço. Paro de frente a sua cama, e ela não me encara. Tem a cabeça
encurvada um pouco para a esquerda, onde encara um nada no chão. —
Desculpa, mas eu precisei vir até você depois do que eu soube.
Com muito receio, me aproximo da sua cama e me sento ao meu lado,
na ponta.
— Quer dizer que, depois de tudo que aconteceu entre nós, você
acabou engravidando?
— Eu acabei engravidando? — Ela curva a cabeça em minha direção;
sua expressão facial emanando exaltação. — Não acredito que deixei você
entrar aqui para me dizer.
— Não foi o que eu quis dizer. — E realmente não foi. — Foi só a
força do hábito.
— A força do hábito? Assim como também é habitual para você achar
as pessoas vagabundas só porque elas fazem o urso do próprio corpo como
quiserem?
— Me desculpe novamente pelo que disse. Não é o que realmente
acho de você. Sei que errei, mas não vim em busca de perdão. Só gostaria
de conversar a respeito dessa gravidez. Também sou responsável por isso.
Tenho direito de participar dela, não acha?
— Tem certeza que esse filho é seu? Não vai duvidar?
— Para com isso. — Mesmo sabendo que é incerto tocá-la, aproximo-
me um pouco mais e passo as costas da minha mão no seu rosto,
acariciando-o, e ela permanece imóvel, encarando-me nos olhos, como se
me analisasse. — Eu amo você, Carina. Eu até caso com você, se você
quiser.
— Eu não quero casar, Nicolas. — Ela tira minha mão de seu rosto,
empurrando-a para longe. — Não venha com essa. Eu nunca quis. Não vai
ser um bebê que vai me fazer mudar de ideia. — Não só as palavras, mas
seu tom também sai grosseiro. Mas tudo bem. Entendo que ainda esteja
magoada comigo, e sentir raiva é normal em situações de abuso sexual.
— Tudo bem. Eu entendo.
— Nem vamos ficar junto por causa disso.
— Também entendo. Mas pelo menos deixa eu ser o pai do meu
filho? Devo e quero participar disso, claro, se você não estiver pensando...
— Fecho os olhos e faço que não, sem conseguir completar.
— Abortar?
Simplesmente assinto.
— Eu não quero fazer isso, eu não quero. — Uma Carina raivosa salta
para uma de olhos preenchidos de lágrimas. — Eu não quero tirar o bebê,
mas eu não sei se vou conseguir pensar nele sem pensar no outro. Eu não
sei!
— No outro? — Sinto meu cenho vincar.
— No outro bebê. — Encara-me.
— Que bebê, Carina? Do que você está falando?
— Do Leonel.
— Você...
Ela assente, o que é o suficiente para que eu entenda tudo.
Instantaneamente, um arrepio perpassa por minha coluna, eriçando os pelos
do meu braço. Quando sofreu o abuso, ele a engravidou, e, por isso, ela teve
que abortar. Meu Deus! Como eu poderia imaginar?
— Foi por isso que você disse que abortou?
— Foi. Foi a única vez que aconteceu isso. Eu sempre tomei pílulas
anticoncepcionais. Sempre me cuidei. Na época eu não estava tomando
porque meu pai jogou tudo no lixo depois que eu falei tudo que sabia para
minha mãe. — Ela funga. — Ele fez isso enquanto me chamava de puta,
Nicolas.
Não sei se devo abraçá-la, mas sei que é o que eu queria fazer. Quero
tanto mostrá-la que não está só. Mas sei que se fizesse isso, ela me
empurraria para longe.
— Você comentou isso com alguém?
Ela faz que não.
— Você é o primeiro para quem eu conto, como sempre.
Meu Deus! Ela segurou, não só o abuso que sofrera na infância e
agora adulta, mas também uma gravidez indesejada por todo esse tempo,
sozinha. E por Deus! Nesses casos, não sei se discordo do aborto. Como
seria ter em seus braços uma criança que te faz recordar de lembranças
cheias de dores?
— Eu não vou abortar — continua. — Não concordo com
interrupções, nesses casos. Mas eu não quero um pai como você para o
bebê. Se for uma menina, vai chamá-la de vagabunda se ela for como eu?
Vai se envergonhar dela diante de seus amigos como o meu pai se
envergonha de mim? — Sua voz falha no final, e ela engole seco,
segurando o choro. — E se for menino, irá ensiná-lo a respeitar as meninas?
Quais valores você tem para ensinar a essa criança, Nicolas?
— Eu... não faço ideia, mas quero tentar ser o melhor possível.
Pelo menos, tentarei ser o melhor possível. Teorizar é fácil, mas
colocar em prática muda tudo, porque não sei como será ver minha filha
tendo suas primeiras relações sexuais e coisas do tipo. Mas uma coisa é
certa: seria incrível ter uma filha como Nicole, que me acompanhe nas
estreias de filmes de super-heróis e que converse comigo sobre o mesmo.
Saudades da pequena.
— Prometo que serei um pai que não limita. — Pego suas mãos e as
aperto debaixo das minhas. — E que entende que a mulher tem o poder
sobre o próprio corpo. Que entende que homens e mulheres devem receber
o mesmo salário quando executam a mesma função em uma empresa. Que
entende que a mulher tem o direito de trabalhar o bastante e não ficar em
casa pilotando o fogão e cuidando do marido enquanto cuida das crianças.
Ela me ouve, com atenção, e seu rosto, agora, parece mais sereno,
relaxado.
— Eu adoro cozinhar e limpar meu apartamento — continuo. — E
não vejo nada de errado nisso. Se meu filho assim também for, tudo bem.
— Abro um sorriso fraco. — E se minha filha for como a mãe, e não gostar
de fazer nada disso, tudo bem também.
Carina morde o lábio inferior para não chorar, mas é inevitável, pois
logo suas lágrimas descem por meu rosto fazendo o trajeto até alcançar a
ponta de seu rosto. Seus ombros balançam para cima e para baixo, e ela faz
não com o rosto.
— Tudo bem. Você até pode ser o pai do nosso bebê — fala, com a
voz entrecortada. —, pois, por lei, você tem esse direito, mas te perdoar eu
não consigo, Nicolas.
Assinto, mesmo inconformado.
É claro que, com a informação sobre a paternidade, senti mais
vontade ainda de tê-la comigo. Mas, se ela não quer, o que posso fazer a
não ser me sentir triste e desesperançado? Porque se tem uma coisa que sei
sobre Carina é que ela é do tipo de pessoa decidida, então, se disse que não
ficará comigo, sei que mudar de ideia é quase impossível de acontecer.
Meu peito dói de arrependimento, por tê-la deixado ir. Não deveria ter
feito isso. Não deveria. Mas tento não pensar nisso, como forma de enganar
a dor, e me coloco a pensar sobre como do nada aqui estou eu prestes a ser
pai, um sonho grande que sempre tive, mas que ocorre da maneira que
jamais eu poderia imaginar que seria: sem planejar. Logo comigo, o cara
certinho, e não com meu irmão, Bernardo, quem minha mãe temia que a
qualquer momento fosse trazer a nossa casa tal novidade, antes de Laura
entrar em sua vida.
Não tenho como deixar de fazer a comparação. É como Carina disse
sobre o pai. Pessoas como eu e tio George tentam ser perfeitas e se
esquecem de serem verdadeiras.
— Como isso foi acontecer? — me pergunto e passo minha mão pelo
cabelo, suspirando. — Tomamos tanto cuidado.
— Eu acho que foi naquele primeiro dia. — Ela funga. — Eu vomitei
a pílula, lembra?
Ficamos em silêncio. Os momentos que vivemos foram tão intensos e
gostosos que eu não tenho como não afirmar que um clima se formou. Eu
queria agora mesmo colocá-la em meus braços e dizer o quanto eu a amo e
que tudo vai se ajeitar, mas miseravelmente não posso.
Uma melancolia me preenche por imaginar um futuro que sei que não
irá acontecer. Carina e eu, consultas ao obstetra, quarto mobiliado para
nosso bebê; no futuro mais distante, saídas ao shopping e ao cinema, nós
três, para assistirmos Os vingadores e qualquer outro filme que ambos
desejassem; jantares feitos por mim no meu apartamento. Ficando aquém
desse sonho, meu coração se comprime contra meu peito.
— Você vai ficar uma grávida linda — observo. — com todo respeito.
— Na verdade, estou pensando na dor que eu vou sentir — reflete,
fazendo uma careta divertida.
Rio, achando-a engraçada.
— Você é forte. Aguentou tantas coisas. Vai aguentar mais essa.
— Obrigada. E por que você veio assim do nada? Aliás, como você
soube?
— O Gustavo me contou.
— Você e o Gustavo...?
— Não estamos amigos. Ele começou a trabalhar como estagiário na
mesma empresa que eu e aí eu o treinei, então ficamos meio próximos.
— Então era por isso que vocês apresentaram o trabalho juntos hoje?
Mas por que o Guga não me disse que estava trabalhando contigo?
— Por que você só sabe falar mal de mim?
— Desgraçado! — ela rosna.
— Todo mundo já desconfiava. — Aponto para sua barriga, onde na
verdade, queria tocar. — Menos você. Bem, isso foi o que ele me contou.
Acho que ainda não caí na real. Eu vou ser pai, vou ter um filho.
Como isso é possível, meu Deus? Como vai ser isso? Como vai ser minha
vida, a faculdade? E minha família? Como vai ser tudo isso?
— Como contaremos isso para nossa família? — pergunto-lhe.
— O filho perfeitinho do nada vai dar um netinho para o papai e para
mamãe — debocha, para me atingir, o que não ocorre. Entendo sua raiva.
— antes mesmo de casar e logo com a Carina periguete.
— Não diga isso de você mesma.
— É o que sou. — Encara-me com firmeza.
Ficamos em silêncio nos encarando por algum tempo. Ela me passa
um olhar distante e frio, me fazendo concluir que sim, ela jamais irá me
perdoar por magoá-la ou talvez ela simplesmente não me ame. Tal
pensamento me faz odiar a mim mesmo, pois eu tive a chance de fazê-la me
amar e a deixei escorregar por minhas mãos, na minha tentativa de ser
perfeito.
Ainda me encarando, Carina abre a boca para falar:
— Obrigada por vir, mas agora você já pode ir. — Ela levanta-se da
cama e caminha até a porta do quarto, a qual ela fica segurando, um convite
à minha retirada.
Nesse momento, estagnado no mesmo lugar, concluo que ao abrir a
ferida que escondera por tanto tempo a transformou nessa mulher amarga
consigo mesma, uma mulher incapaz de amar. Mas, dessa vez, não por falta
de crença no amor, mas em si mesma. Leonel a destruiu, a fez acreditar que
ela não vale a pena ao tirar sua dignidade violando seu corpo sem
consentimento. Sei que pode ser não lúdico e eu posso estar desejando
demais, mas espero que um dia essa cicatriz se feche e ela volte a ser a
mesma Carina de antes, pela qual me apaixonei.
Estou disposto a esperar por isso.
E esperarei.
Capítulo 45
Agora flutuo como uma borboleta

Pico como uma abelha, ganhei minhas medalhas

Comecei do zero para me tornar minha própria heroína

ROAR – KATY PERRY

Alguns meses depois

Eu costumava ser um homem pacífico e de mente fechada, sem dar


muita atenção às coisas que ocorriam à minha volta. Não que eu achasse
que as coisas já viessem prontas e que não havia a necessidade de
pensarmos muito a respeito de determinados assuntos. Não, não é isso. Eu
só achava que as pessoas extrapolavam demais e que outras aceitavam
demais o erro, a coisa errada.
Porque eu gostava das coisas certas. Mulher com homem, mulher no
lugar de mulher e homem no lugar de homem.
Acontece que não dá para simplesmente colocar as pessoas em um
vidro, direcionando-as a fazerem o que é considerado certo só porque
alguém falou que é certo afinal certo e errado simplesmente não existem.
Não existe padrão. O tempo passa, pessoas pensam, mentes evoluem.
Então, o que pode acontecer é você criar sua filosofia de vida e segui-la sem
ofender e desmerecer os gostos e as decisões dos outros, mesmo que sua
atitude vá de encontro ao que sua religião, família e meio social preguem.
E a filosofia que eu criei para mim é ser verdadeiro e não perfeito,
pois sei que assim farei as escolhas que mandam meu coração, mas claro
colocando um pouco de razão nisto, pois sei que tais escolhas não me farão
me arrepender no final.
Por outro lado, existem coisas que são de fato moralmente erradas, tal
como foi quando eu traí Alicia com Carina. Não é algo que eu admiro, mas
é algo que eu não me arrependo, pois valeu como aprendizado. Só me
arrependo da parte em que magoei quem não merecia. Pelo menos, com
isso, aprendi que não devo confiar naquilo que me fazem acreditar e sim
naquilo que eu acredito, ou seja, naquilo que eu conheço de verdade,
naquilo que meu coração me faz acreditar.
Quando eu voltei para Alicia, alegando que Carina era um erro, foi
algo que fiz porque naquele momento eu usei a cabeça, juntei as peças e
concluí que deveria ficar com alguém que condizia com aquilo que eu
planejava para minha vida. Já Carina, era algo que eu não planejava porque
ela não seria a esposa que eu idealizei, aliás, ela não era um tipo de garota
que planejava ser esposa de alguém. No entanto, desde que me entendo por
gente, é a menina, agora mulher, que sempre fez meu coração pulsar mais
forte. Hoje, mais do que nunca.
Não estamos juntos. Carina não me perdoou pelo que fiz com ela. Por
outro lado, não firmou relacionamento com ninguém, assim como eu,
apesar de às vezes tê-la visto com algum cara na faculdade. Não sei se
ficavam, pouco procurava saber, não queria me sentir mal com a
informação. Mas o que importa é que ela agora está bem no que se refere ao
abuso que sofreu nas mãos de Leonel.
Ela também não desistiu dos estudos, apesar de tia Lucy tê-la
aconselhado a dar um tempo até o Davi se tornar independente em relação à
amamentação e assim ela voltar para São Gabriel. Agora, Carina mora, de
segunda a sexta, na república em que ainda divide com as amigas e, nos
finais de semana, fica com a mãe, na sua cidade natal.
Às vezes conversamos, uma vez que quase toda sexta-feira vou
buscar Davi, nosso filho, na república para fazermos algum passeio ou para
levá-los a São Gabriel. Ele só tem dois meses, mas o levo para passear por
alguns minutos pelo parque da cidade, para pegar um pouco de sol,
conforme a pediatra nos indicou.
Quanto a tio George, com o machismo enraizado em si, não admite,
mas sei que ainda culpa a filha pelo delito. Ele não tem a procurado, mas
Carina diz que está tudo bem, uma pessoa tóxica a menos em sua vida, é o
que diz. Tia Lucy tem sido mais forte do que nunca. Leonel está preso,
pegou uma pena de apenas dezesseis anos. Sinceramente, espero que não
resista aos abusos que vem sofrendo nas mãos dos outros presidiários. É o
que acontece com estupradores.
Quanto à minha família, todos aceitaram muito bem e com todo amor
e receptividade a gravidez de Carina. Acontece que eu também vim ao
mundo desta forma: sem planejar. Então, meu pai e minha mãe não
poderiam me julgar. A diferença é que eles já tinham um relacionamento
quando aconteceu o mesmo com eles, já eu e Carina não, nem sequer
estivemos juntos durante o período de gravidez, nem no dia do parto.
Quer dizer, eu estava junto a ela fisicamente, acompanhando-a nas
consultas médicas, nos exames e afins, bem como apertando sua mão
enquanto nosso menino grande e forte chegava ao mundo chorando e
esperneando, mostrando para a obstetra e para nós o quanto veio cheio de
saúde. No entanto, Carina e eu não estávamos e nem estamos juntos
amorosamente, como um casal.
Por isso, foi complicado contar sobre a gravidez da Carina assim, do
nada. Mas como todos estavam conscientes do meu caso com ela, aceitaram
e não nos julgaram. Pelo contrário, ficaram muitos felizes por saber da
novidade e ficaram mais animados quando souberam que era um bebê e não
uma bebê, completando, assim, um casal de netos para meus pais.
Nesse momento, estamos os três na casa da minha mãe, fazendo
aquela típica visita semanal, como se fossemos uma família. Claro que
busquei Carina e meu filho na república para trazê-los para cá. Sempre faço
isso quando visitamos nossos pais, não que estejamos mentindo para eles
fingindo que estamos juntos, não é isso, eles sabem que não estamos juntos.
Acontece que, desde que descobrimos a gravidez e Carina me permitiu ser o
pai do meu filho, ficamos muito próximos um do outro, principalmente
depois da chegada de Davi. Então, como eu disse: é como se fossemos uma
família, tirando o fato de não morarmos juntos e não estarmos juntos.
Olho para o lado e vejo Bernardo com a perna direita engessada,
sobre um pufe vermelho de Beatriz, enquanto dá uma golada em uma
cerveja long neck. Ele está com uma perna quebrada de um acidente que
sofreu em campo na semana passada, o que ele adorou ter acontecido.
Sobre isso não vou falar, isso faz parte da vida de casados dele e da minha
irmã.
Nós dois estamos sozinhos na sala, assistindo o Limeira disputar o
primeiro jogo do Campeonato Gaúcho da segunda divisão. É quando me
pego recordando de quando Bernardo me disse uma vez que imaginava meu
filho e sua filha correndo pela casa da mamãe. Sei que a cena está próxima
de acontecer, em um ano talvez. Davi já teria um ano, estaria começado a
dar os primeiros passos há um mês ou dois.
Estaríamos sentados no sofá da sala da casa dos meus pais, como
hoje, só que assistindo ao final do Campeonato Carioca, o qual Botafogo
estaria na final contra o Flamengo, ganhando de três a zero, o que deixaria
meu pai altamente feliz, visto que ele é botafoguense. Davi e Lizzie fariam
o impossível: tirariam nossa atenção da televisão porque ele, cambaleando,
correria atrás de sua priminha, agarraria a pequena pela cintura e daria
beijinhos em sua bochecha. Ela, com um ano e poucos meses, ficaria toda
risonha, mas correria dele, fazendo graça.
Nessa, os dois gargalhariam o tempo todo, o que faria Bernardo
reclamar “Olha isso, Laura: esse moleque está dando em cima da minha
filha!”. Laura o mandaria ficar quieto, afinal são só duas crianças inocentes.
Eu concordaria com ela e meu pai também.
Carina grita alguma coisa da cozinha, ou gargalha, não sei bem, me
fazendo acordar dos meus pensamentos, bem como eu me levantar
imediatamente.
Bernardo ri do meu desespero.
— Vai lá, cachorrinho! — debocha, rindo por trás da garrafa de
cerveja.
Meu irmão acha que a qualquer momento Carina e eu voltaremos e
que eu pareço um cachorro, pois vivo atrás dela (só porque a busco para vir
aqui ou ir à casa da mãe) ou me mantenho em alerta quando ela está por
perto, o que de fato não é verdade. Só me preocupo e a quero bem.
— Au au! — ele imita um latido de um cachorro antes que eu alcance
o vão de saída da sala.
Viro-me para ele, pego uma almofada do chão e jogo nele, que desvia
divinamente bem, como se fosse realmente habilidoso naquilo. Estaria
Laura acostumada a fazer muito isso? Certamente. Bernardo dá nos nervos
de qualquer um.
Faço não com o rosto e viro as costas indo para a cozinha. Quando
chego no vão de entrada, me debruço sobre o mesmo de braços cruzados,
enquanto ouço Laura, de perfil para mim, reclamando para Carina:
— Sabe aquela série The Vampires Diaries?
Carina consente; ela está de costas para mim.
— Às vezes eu sinto vontade de desligar a humanidade do Bernardo,
igual aconteceu com o Stefan diversas vezes. — Laura balança Lizzie para
lá e para cá, tentando fazê-la dormir, o que não é muito difícil. — Preferia
que ele fosse um vampiro malvado do que um garoto bobão. Chato!
Por cima de seus ombros, assisto Carina ajustando sua mama à
boquinha de Davi, que move os lábios sobre o mamilo, prendendo e
soltando várias vezes antes de conseguir sugar.
Demora um pouco, mas ele consegue; a boquinha fisga o mamilo da
mãe. Davi move os lábios rosados, como os da loira, em formato de
coração, fazendo um barulho de sucção, abre a pequena mãozinha no seio
da mãe. Sorrio, ouvindo-o mamar com vontade, as bochechas fofas,
evidenciando um furinho no centro.
Covinhas. Meu filho tem lindas covinhas. Minha mãe costuma me
comparar a Davi, dizendo que eu também tinha aquelas covinhas quando
era um bebê, covinhas como as da pequena Nicole, não posso deixar de
comparar também. Sinto tanta saudade dela!
Às vezes encontro-a na padaria, no mercado e principalmente na
igreja acompanhada do pai e de Douglas, e conversamos muito, isso quando
eu raramente vou. Acontece que me afastei da igreja um pouco, mas não de
Deus.
Outra que não tem ido mais à igreja é Alicia. Parece que foi morar em
outra cidade com um homem que conheceu há pouco tempo. Quem me
disse isso foi a própria Nicole, em sigilo e baixinho, entre uma oração e
outra, já que o pai não quer que os outros fiquem sabendo do destino que
escolheu a filha.
Espero que esteja feliz. Felicidade é tudo que mais desejo a ela.
— Esse menino parece a mamãe de tão esfomeado! — Carina
comenta, me fazendo acordar dos pensamentos.
Dou dois passos até estar totalmente próximo dela e de Laura. O
movimento dos meus passos faz Laura olhar, por cima dos ombros de
Carina, para mim, e a última girar o corpo, de modo que o movimento faz o
pequeno resmungar um pouco.
— Perdão — peço, me aproximando de Davi. Pego sua mãozinha
pequena e dou um beijinho. Ele me encara, como se seus olhos misteriosos
e azuis me dissessem que me reconhece. É meu papai. — Não queria
acordar meu pequeno.
— Não acordou — Carina diz, abrindo um sorriso pequeno ao mesmo
tempo em que eu solto a mãozinha do nosso filho. — Ele não estava
dormindo. Você sabe que ele não gosta de dormir.
Pois é, eu sei. As olheiras dela acusam isso. E vez ou outra, quando
nos encontramos na casa da minha mãe ou quando passo em sua casa para
pegar o pequeno para fazer um passeio, esse é o primeiro questionamento
que ela faz acerca da maternidade: dormir mal, e nosso filho é uma criança
de pouco sono.
— Mas vale a pena o esforço — continua, levando seu rosto
apaixonado para Davi. — Quanto mais tempo passo acordada ao lado dele,
mais feliz eu fico por olhar seu rostinho bonito.
— Ele tem sorte. Puxou a beleza da mamãe. Ainda bem, não é?
Porque se tivesse puxado a minha, coitadinho.
— O papai é um bobo. — Agora seu tom é de cochicho, uma vez que
Davi está quase pegando no sono, mas não para com a sucção na mama da
mamãe. Ela leva seu rosto para mim, o sorriso aberto em minha direção, os
olhos azuis fixos aos meus, o mesmo olhar que ela acabara de lançar a
Davi: também cheio de amor. — Mas uma coisa você tem razão, Nicolas. O
Davi é o bebê mais lindo desse mundo.
— Olha, eu vou fingir que nem ouvi isso — Laura fala, nos fazendo
recordar que ela estava todo esse tempo ao nosso lado. Havíamos nos
esquecido disso. — Mas eu entendo. Para o Bê e eu, a Lizzie também é o
bebê mais lindo desse mundo. — Ela sorri abertamente, encarando sua
pequena, minha afilhada, e quem, sem uma sombra de dúvida, é a bebê
mais linda desse universo.
— O Davi é o bebê e a Lizzie a bebê. — Pisco para minha irmã, que
assente. — Problema resolvido!
— Perfeito! Espero que a Beatriz não traga bebês tão cedo para essa
família — ela observa. — pois é fato que ela irá competir não só o cargo de
bebê mais bonito, mas também o mais inteligente, o mais querido, o mais
isso, o mais aquilo. — Ela gira os olhos.
Sorrimos, os três, afinal é a verdade mais que absoluta.
— Bom, agora vou deixar minha pequena com o papai. Preciso
descansar meus braços. Essa menina está tão pesadinha!
— É outra gulosinha. — Beijo a mãozinha pequenina da minha
afilhada. — Ela e Davi têm muito em comum, hein. Além de serem os
bebês mais lindos do mundo, são bons de boca.
— Nem tanto, Nicolas — Carina fala, com nosso bebê de olhos
arregalados observando a todos. Nos enganou. Cochilou dois minutinhos e
já acordou. — Diferente do Davi, você pode fazer qualquer barulho ou
qualquer movimento brusco que essa garotinha não acorda. Você tem sorte,
Laura.
— Talvez ele só queira chamar a atenção para alguma coisa. Talvez,
já que ele não sabe falar ainda, esteja querendo dizer algo, e essa é a forma
que ele encontra de dizer. — Laura dá de ombros, sorri docemente,
guardando uma mecha de cabelo atrás da orelha, e passa por nós,
desaparecendo pelo vão de saída da cozinha.
— O que ela quis dizer com isso? — Vinco meu cenho, encarando
uma Carina com a mesma expressão que a minha.
— Bom, eu também não faço ideia. — Ela suspira com pesar,
trazendo seus olhos (repito: com amor) para os meus. Às vezes, quando a
pego, distraída, olhando para mim, ela me lança esse olhar. Acho que, no
fundo, tenta fugir do que sente. — Eu andei pensando sobre sua proposta de
morar com você...
Não posso deixar de me sentir ansioso por ouvi-la dizer que pensou
sobre minha proposta de ela voltar a morar comigo no apartamento,
enquanto não encontra um lugar definitivo para ficar.
Eu sugeri que ela fizesse isso, uma vez que ainda divide uma casa
com as amigas e os choros desesperados do Davi à noite e principalmente
de madrugada acabam por incomodar suas amigas, mesmo que elas não
admitam. Gostam demais de Carina para isso, sei que têm medo de magoá-
la. Mas sabemos que as atrapalha, a estudar, a ter uma boa noite de sono.
E eu quero ter meus sonos atrapalhados, assim como a loira tem tido
os seus. Também quero que ela descanse um pouco e eu também mereço
passar algumas noites mal dormidas, afinal ela não fez o Davi sozinha.
Nada mais justo.
E por mais que ela tenha deixado “sim” como resposta, subentendido,
Carina não me diz o que decidiu. Só me encara com expectativa.
— Você vai aceitar, é isso? — pergunto-a, enfim.
— Sim, Nicolas. Eu aceito.
Com o que ouço, sinto que meu coração emite uma batida
desesperada. Não, ela não está dizendo que volta para mim. Ela está
dizendo que vai voltar a morar comigo. Só que, bem, ela voltar a morar
comigo é um passo e tanto para nós. E dividirmos outra vez o mesmo
espaço cheio de lembranças boas e gostosas nossas será bastante...
complicado. É bem complicado e perturbador. Bom, e seus olhos
transmitem tanta ansiedade que não consigo me sentir de outra forma, a não
ser esperançoso e também ansioso, como quando me senti com a notícia
que ela passaria um tempo no meu apartamento, nesta mesma época no ano
passado.
E sei que dessa vez tudo poderá ser diferente, pois o Nicolas certinho
não está mais escondido nas sombras. Agora seus sentimentos estão
expostos e o principal: são verdadeiros, bem como minhas ações e decisões.
E Carina sabe disso.
— Certo. — Pigarreio, me sentindo começar a ficar nervoso. — Vou
arrumar aquele quarto para vocês, assim que retornarmos para Santa Maria.
— O quarto das baratas.
— Que ofensa — brinco. — Só foi uma vez que uma apareceu. E se
você não sabe, agora está reformado e dedetizado.
A reforma ocorreu antes de Davi nascer, no final do ano passado, que
fiz pensando que Carina pudesse aceitar meu convite de eles virem morar
comigo, mas o que não aconteceu.
— Assim você me anima a ir o quanto antes. — Ela abre um sorriso,
como se estivesse realmente animada com a ideia.
— Fico feliz. — E eu realmente estou. Só que não é só feliz. É uma
felicidade além dessa, que não sei que nome dar.
— Obrigada, Nicolas. — Ela estica o corpo na ponta dos pés e me dá
um beijo na bochecha. Há quase um ano não recebo um beijo seu, mesmo
que na bochecha. É o contato mais íntimo depois de tanto tempo. Com uma
mão livre, já que com a outra ela nina nosso menino de olhos arregalados,
ela passa a mão por minha bochecha, olhando-me nos olhos com aquele
amor escondido neles, eu sinto, e abre a boca para dizer: — Saiba que eu
amo você.
Eu não sei o que ela quer dizer com essa revelação. Se me ama como
um amigo, como um primo, como o pai de seu filho ou como uma mulher
ama um homem. Mas qualquer uma das opções acima já me deixa muito
feliz. Ela me ama, caramba. Carina me ama. Se bem que ela já falou isso
uma vez, mas foi antes de eu tê-la magoado, de ter lhe dado o primeiro
beijo. Agora, ela diz que me ama depois de tudo que passamos.
Ela voltou a me amar.
— Tenho muito orgulho do pai do meu filho. Vendo seu esforço diário
de me ajudar e ser presente, não consigo imaginar um pai melhor para ele.
— A mãe é melhor ainda.
E não minto. Surpreendi-me. Jamais passou pela minha cabeça que a
garota que disse que teria pena de uma criança que fosse filha dela se
transformaria em um exemplo de mãe a ser seguido. Não é que Carina faça
tudo que uma mãe deve fazer, tal como trocar fraldas, lavar roupas do Davi,
preparar mamadeira (quando for a hora) e varar noites sem dormir, porque
isso ela faz sim, com total maestria como se fosse instinto. É que ela
simplesmente ama tanto esse garoto que eu não consigo imaginar uma mãe
melhor para ele. E meu coração se enche de tanto amor por poder
presenciar isso, ver sua evolução como mãe, como mulher...
— Eu também te amo, Cá. — Quando me dou conta, as palavras
escorregaram da minha boca. Mas não me arrependo. Carina me encara,
atenta, os olhos pedindo que eu continue minha fala. — Nunca deixei de te
amar. Já nasci com esse sentimento em mim, ele faz parte de quem eu sou.
Carina solta a mão do meu rosto e suspira com força. Seus olhos
umedecem devido às lágrimas que querem escorrer por suas bochechas.
Mas morde a boca, segurando o choro. Dessa vez, sou eu quem aliso seu
rosto bonito, levanto-o pelo queixo e ela me encara com aqueles olhos azuis
fascinantes, os olhos, pelos quais me apaixonei antes de perceber a
sensualidade de qualquer outra parte do seu corpo, perdidos nos meus.
Sinto que sou capaz de beijá-la, mas receio, pois sei que pode me
empurrar para longe. E também tenho medo de assustá-la de fazê-la
recordar dos abusos que sofrera, então deixo que ela tome a atitude. Ela
sabe que estou suscetível a ela. É só ela dizer “sim” que corro para seus
braços. Ela sabe...
E então ela abre lentamente os lábios, passando os braços pelo meu
pescoço, Davi entre nós e os seus olhos ainda fixos aos meus. E sinto que,
nesse momento, depois de tanto sofrimento e separados, enfim há uma
chance de darmos certos, juntos. Afinal, é assim que devemos permanecer,
pois temos mania um do outro, e isso jamais alguém ou qualquer
adversidade poderá mudar.
E quando isso enfim acontecer, eu quero dizer que sim, que eu errei
cometendo uma traição (e errei o dobro por magoá-la, abandonando-a), mas
que esse foi o meu melhor erro, causado pela minha mania dela.
Enfim, lhe dizer: Minha mania de você foi o meu melhor erro.
Epílogo
Eu estou tão cansada de correr o mais rápido que consigo
Imaginando se eu chegaria lá mais rápido se eu fosse um homem
E estou tão cansada deles vindo atrás de mim de novo
Porque se eu fosse um homem, então eu seria o cara
Eu seria o cara
Eu seria o cara

MAN – TAYLOR SWIFT

Alguns meses depois

Hoje foi um dia nada formidável. Na verdade, eu diria que foi um dia
dos infernos. Carina e eu tivemos que sair às pressas da festa de aniversário
de um ano de Lizzie porque Davi passou mal logo após os parabéns. Nunca
tinha presenciado isso. Ele vomitava tanto que parecia ter guardado em seu
estômago pequenino a comida da semana inteira. Tive receio de perdê-lo.
Carina, com sua calma e jeito para a coisa, no final das contas, teve
que dar atenção a um filho doente e a um parceiro desesperado. Acontece
que minha pressão subiu tanto que também tive que ser atendido na
emergência do hospital para o qual levamos Davi.
Ao contrário de mim, a loira mostrou controle sobre toda a situação.
Quando chegamos em casa, afirmou que devemos nos acostumar com dias
feito o de hoje, afinal “crianças pequenas dão trabalho, devemos estar
sempre atentos e nos acostumarmos com eventualidades”, nas palavras dela.
Ela é tão forte. Nunca pensei que ela seria a pessoa que ia me dizer
palavras duras de efeito realista.
Bom, no final das contas, deu tudo certo e os exames que o médico
fez em Davi não deram em nada. Ele só havia comido alguma coisa que não
deveria. Lembro-me de ver Beatriz dando salgadinhos para ele, apesar de eu
avisar uma centena de vezes que não deveria. Afinal, ele ainda vai fazer um
ano.
Minha irmã caçula não tem jeito. Depois que atropelou e quase tirou a
vida de um jovem entregador de pizzas, o assunto nas conversas de família
passou a ser ela e suas rebeldias sem limites.
Beatriz tem me preocupado demais. Espero que tente não machucar
mais ninguém. E nem a ela mesma.
Carina e eu estamos morando juntos, nos conhecendo cada dia mais,
cuidando com mais prática do nosso pequeno Davi e vivendo juntos como
um casal. Nossa família agora aprova nosso casamento. De uma maneira
esquisita, vivem dizendo que combinamos mais do que Laura e Bernardo,
este fica morrendo de ciúmes. Assim, quando chegamos em casa, rimos
juntos lembrando dos comentários, e depois tudo que fazemos é deixar que
nossos corpos, mãos e bocas respondam por si.
Não tem jeito. É a mania que temos um do outro.
Seria inocência acreditar que essa mania não falaria mais alto diante
da proximidade que acabamos por ter dividindo novamente o apartamento,
e não demorou muito para voltarmos a ficar juntos. Já na primeira semana
de Carina e Davi aqui, eu e ela acabamos transando. Do nada.
A convivência inicial causou uma tensão sexual bem grande entre
nós. Incrivelmente, Carina não perdeu sua mania de se esquecer de fechar a
porta para se trocar ou de trancar a porta do banheiro para tomar banho. E
eu não perdi a mania de apreciá-la e admirá-la.
Querendo ou não, sempre estávamos nos provocando, encostando
nossos corpos, como imã, um no outro, seja quando nos esbarrávamos no
corredor ou quando estávamos na cozinha juntos preparando algo. Até que
houve um dia que não resistimos a nossos corpos esbarrando um no outro
quando ela colocava a mamadeira do Davi na geladeira e eu preparava um
macarrão para o jantar. Esquecemos a fome e, do nada, estávamos
transando. E depois conversamos, onde chegamos à conclusão de que, além
de dividirmos nossos corpos e os cuidados com nosso filho, também
dividiríamos os afazeres domésticos e as contas.
Por essa razão, não brigamos. Dificilmente isso ocorre. Somos muito
bem esclarecidos um com o outro. Entendo que ela precisa de silêncio para
estudar ou fazer algum trabalho no quarto, o que significa minha ausência e
de Davi no cômodo. E eu também vez ou outra preciso desse tempo para
terminar meus trabalhos finais da faculdade, então estamos sempre
ajudando um ao outro tirando o Davi de perto quando precisamos nos
concentrar nos estudos. Afinal, o guri é muito barulhento.
Por outro lado, há momentos que simplesmente não conseguimos
fazer isso. Colocamos nosso pequenino no meio de nós e fazemos o que
temos que fazer, com os três juntos. É meio difícil porque acabamos nos
desconcentrando do que estamos fazendo, já que nossa atenção paira em
sua fofura graciosa, ainda mais agora que está quase andando e balbuciando
as primeiras palavras. Assim, não há outro jeito a não ser fazer caretas para
que nosso garoto abra aquele sorriso com poucos dentes que aquece nosso
coração.
Meu Deus! Eu estou tão feliz. Nunca tinha sentido isso antes. Tem
sido, sem dúvidas, a melhor fase da minha vida. Ser pai e ter uma mulher
tão forte como Carina ao meu lado é tão... Não há nem palavras para
descrever a sensação. É impressionante, é surreal, e enche meu peito de um
sentimento tão bom, mágico, puro e irreconhecível. Acho que nunca
experimentei a felicidade antes, afinal.
— Vendo o quê, Nick? — Carina pergunta, me fazendo acordar do
meu transe. Estou na sala de pijama, sentado no sofá, com os olhos fixos na
tevê. Então, levanto o rosto por cima do ombro, olhando para trás, de onde
Carina anda a passos lentos em minha direção.
Que filme passa mesmo? Nem me recordo mais. Era suspense ou
terror? Também não faço ideia. Estou absorto demais para lembrar qualquer
informação, porque Carina está exuberantemente sexy hoje. Usa uma
camisola de cetim vermelha de alças finas e que bate no meio das coxas.
Não me recordo de vê-la usando a lingerie antes.
Acentua tão bem seu corpo que até consigo ver os bicos de seus seios
marcados por debaixo do pano. E é óbvio que o desejo respinga em cada
parte do meu corpo. Meu membro lateja só de imaginar minha boca
beijando e sugando cada parte da sua pele macia.
A televisão emite um som exagerado que me desperta para ela.
— É um filme com Ben Affleck — respondo sua pergunta quando o
ator em questão aparece na tela da tevê, com a cara de culpado com a qual
aparece o filme todo. — Me recordei: Garota exemplar. Há uns dois anos,
Laura me emprestou o livro no qual o filme é baseado. — Um estalo me
surge. Fico surpreso com o fato de o tempo ter passado tão depressa.
— Nunca assisti, mas imagino que não seja um romance. — Ela
suspira com força, as olheiras enfatizando o cansaço do dia, e se senta ao
meu lado no sofá.
Abraço-a de lado, acariciando a pele acima de seu ombro.
— Não, não é. É um suspense. Acho que se tornou meu filme
preferido.
Ela faz uma careta descontente. Uma coisa que descobri sobre Carina
é que, além de amar filmes de super-heróis, ela é absolutamente fascinada
por romances e clichês adolescentes. Quem diria.
— E você, está sem sono? Acordada a essa hora...
— É, um pouco sem. Por incrível que pareça. Você sabe, dormimos
tão pouco por causa do Davi que não deveríamos estar com insônia em um
dia da semana assim. — Ela faz um biquinho. — Amanhã acordamos cedo
para trabalhar. Mas acho que meu cérebro ficou bastante ativo depois de
toda essa agitação de hoje: a rotina normal, que já não é pouca coisa, festa
da Lizzie, Davi passando mal. — Ela dá de ombros. — Mas enfim ele
dormiu.
— A tevê atrapalha o sono do Davi?
— Que nada. Do quarto mal dá para ouvir o barulho dela. Ele estava
enjoadinho ainda, demorou para pegar no sono, mas enfim dormiu. Acho
que essa noite ele dorme direto. Parece estar num sono pesado. — Ela se
aconchega em meus braços, levanta lentamente a cabeça e me olha por cima
dos cílios. — E o que te tira o sono? Normalmente você não fica acordado
até tarde assim.
— Pensamentos.
Ela enruga o cenho.
— Você…
— Ah, é? — Ela gira o corpo e passa o dedo indicador no meu lábio,
abrindo um sorriso sensual. — Acho que você deveria ver como estou. Você
quer saber por que não consigo dormir?
Abro um sorriso em resposta.
— Cá… voc…
Antes que eu termine de falar, ela monta em meu colo com as pernas
circulando minha cintura. Meu membro, por baixo de meu short de dormir,
vibra ao encontro de seu sexo sobre ele. Retiro o que eu disse. Hoje já não é
mais um dia dos infernos. Do contrário.
— Essa sua mania de não usar calcinha para dormir, Cá.
— E a sua de reprimir seus desejos por mim, Nick? Sabe que até
virou um fetiche? Torna tudo mais divertido e excitante. Continue a fingir
que não está interessado, mesmo que aqui embaixo. — Ela pressiona meu
sexo duro contra o seu. — Pareça outra coisa. — Ela sela nossos lábios e
corre com suas mãos por dentro da minha camisa.
Já com minha língua dentro de sua boca, aperto sua cintura fina e
pressiono seu quadril contra minha dureza para nossos sexos se enroscarem
um no outro. Mesmo que eu esteja com meu short de dormir, posso sentir
como ela está molhada.
Carina é rápida e tira a camisola pela cabeça, interrompendo nosso
beijo. A oportunidade para fixar meus olhos pelo seu corpo nu diante de
mim: conforme respira intensamente, seus peitos, redondos, estão com os
bicos rosados apontando para o céu.
Levo meu olhar perdido de desejo misturado ao amor que tenho por
essa garota para seu rosto, para admirá-la.
— Eu te amo, sempre te amei e sempre te amarei, Cá.
— Eu também te amo, Nick. — Sua voz é rouca e seu olhar está
perdido nos meus, o desejo aparente em cada parte de seu rosto, mas o que
se destaca é o sorriso grande que tem em seus lábios rosados.
Tenho dado tantos sorrisos para ela. Nem acredito que enfim agora
sou mais do que um amigo procurado para os problemas. Sou seu marido,
mesmo que de maneira informal, já que não pretendemos casar; ela disse
que ainda não sonha em colocar um mosqueteiro na cabeça.
E, para mim, tudo bem. É essa Carina que eu sempre amei.
— Quem diria que você seria apaixonado por mim desde a infância?
— comenta, mordendo a pontinha do lábio inferior.
— E quem diria que você, tão distraída e vivendo tão indiferente a
mim, se apaixonaria por mim um dia?
— Você me conquistou com sua proteção, esse seu jeito de me
proteger foi o que mais me conquistou. Meu Nick protetor, meu Clark Kent
sem a capa de herói. — Ela passa o polegar pelo meu lábio, e dessa vez sou
eu quem tem um sorriso aberto nos meus lábios.
Eu realmente nunca estive mais feliz.
— Mas — ela continua. — também foi por culpa das minhas manias.
Fui me enfurnar no seu apartamento com elas, e você não resistiu, ficava
me espiando por detrás da porta.
— Amo tanto suas manias quanto amo você. Nunca as perca.
— Não sou a única com manias aqui. Você também tem, senhor
certinho.
— Ah, é? E quais são? Que mania eu tenho?
— Manias de mim. — Ela se levanta, fica de pé diante de mim e sorri.
Copio o gesto e puxo seu rosto para mais próximo do meu, retornando
ao beijo antes interrompido, suas mãos trabalhando rápido para remover
minhas peças de roupa e nossa conexão voltando como mágica.
Conforme nos beijamos, corremos para o quarto, onde caímos em
nossa cama.
Levo meu braço para a gaveta da cabeceira ao lado, de onde tiro uma
camisinha. Depois do susto de sua gravidez, nunca mais nos esquecemos de
colocá-la. Não que não estejamos pensando em ter outro filho, nós
queremos sim, mas isso quando estivermos mais velhinhos porque, agora,
queremos aproveitar o Davi e um ao outro.
Carina se apoia em meus ombros com suas mãos e se encaixa no meu
membro duro e ansioso aceitando-o por inteiro, até as bolas. Desprevenido,
gemo contra sua boca.
Com ela comandando, assisto-a colocar meu membro dentro e fora
com velocidade e agilidade, como se dependesse daquilo para respirar; com
os olhos fechados e mordendo a boca, ela geme conforme rebola e se
esfrega em mim, o que me deixa insano e, em tão pouco tempo, quase gozo.
Mas me seguro. Gosto de vê-la se dando prazer.
Enquanto os lindos seios balançam para cima e para baixo, vejo como
é admirável ela sendo livre, explorando seu corpo e os prazeres que ele é
capaz lhe dar usando o meu; vejo, sobretudo, que ela faz sexo porque gosta,
e essa é a coisa mais excitante sobre ela.
Hoje vejo que Carina trocava de parceiro o tempo todo não só porque
sua vida sexual iniciou de maneira conturbada, mas principalmente porque
ela, mesmo diante de tantos traumas, ama sexo. E isso é normal. Nenhuma
mulher deveria ser julgada, como ela foi, por gostar de sexo porque isso é
natural, é como beber água e respirar.
E aquelas mulheres que se sentem mal diante do assunto ou ainda não
conseguem sentir prazer que o sexo proporciona por causa de algum abuso
que sofreu, espero que, assim como Carina, um dia consiga recuperar o
prazer.
Desabafar com alguém de confiança é o primeiro passo, como foi o
Não somos Amélia para Carina. E terapia. Isso ajudou minha loira demais, a
fez entender que o estupro aconteceu não foi por culpa foi dela; a fez
entender também que, quando sentisse vontade, ela podia fazer o que bem
entendesse com seu corpo, como exibi-lo, e que isso não era razão para
alguém violá-lo.
Mas, apesar de não ter mais traumas no que se refere a sexo, sabemos
que, no fundo, ela ficará marcada para sempre. É o que acontece com
pessoas vítimas de abuso sexual. Então, às vezes, quando sinto um
vislumbre de tristeza em seu olhar, só a abraço e beijo sua testa, sempre a
lembrando que ficará tudo bem e que ela pode me contar o que quiser
porque nunca me cansarei de ouvir o que ela tem para dizer.
Mas Carina não se entrega, ela é forte. Me orgulho dela, da força que
tem, é a pessoa mais incrível que já conheci. Eu realmente a amo. Sempre a
amei. E não vou parar de repetir isso. Não vou parar de sentir isso. Esse
sentimento nasceu comigo e vou levá-lo comigo até a minha morte porque
ele é quem eu sou, esse sentimento sou eu.
Agradeço às suas manias, às minhas manias. Se não fossem por elas,
nunca teria descoberto o que eu sinto, nunca teria me dado conta de que
sempre amei essa garota. Mesmo que tenha perdido um pouquinho do juízo,
valeu à pena.
E quem diria? Logo eu, o senhor certinho. Eu não esperava ter manias
dela. Essas manias me perturbavam, me tiravam o sono e a sanidade.
Ninguém me avisou que ter manias de você causava isso.
Ainda bem.

FIM
Posfácio

Há algum tempo, venho conversando com minhas betas e com alguns


leitores do Wattpad sobre a possibilidade de escrever um spin-off com a
versão da Carina, é um projeto que nomeei de Minha versão de você, onde
ela contará não só o que passou e ouviu de Nicolas, mas também sua
história com o pai, a mãe, a noite com Leonel e alguns pontos que ainda
quero detalhar.
Você gostaria de uma história como essa? Eu gostaria que me
dissesse. Estou aberta a conversas sobre esse livro. Ele é muito especial e
importante para mim. Por isso, demorou tanto para vir para a Amazon —
para ter uma ideia, só o epílogo demorou um ano para sair (leitores do
Wattpad que o digam). Queria um final consistente, sem falhas e com
Carina e Nicolas juntos.
No mais, perdão por te fazer passar raiva em alguns momentos. Sei
que se sentiu assim lendo alguns pensamentos de Nicolas. Eu também me
senti ao escrever. No entanto, alertei que era uma história diferente e que
era para ser lida com o coração e a mente abertos. Espero que não tenha
desistido. E, se chegou até esse posfácio, eu acredito que não desistiu. De
toda forma, espero que tenha gostado do livro ou ao menos tenha refletido
um pouquinho.
Por fim, dê uma olhada na playlist no Spotify! Temos de Pitty a
Taylor Swift, e acho que Man é tudo que eu precisava para fechar esse livro.
Então, obrigada Tay-Tay por escrever e cantar uma música tão importante
para nós. E você, leitor, se ainda não conhece essa música, sugiro que a
escute agora mesmo.
Até a próxima história, que é o último livro dessa série de irmãos que
eu amo, Meu pequeno vazio: Beatriz.
Um abraço,
Mônica Meirelles
Agradecimentos

Esta história jamais teria sido (re)concluída sem os incentivos e os


conselhos das estimadas pessoas: Marielle Reis, Bianca Xavier, Kelly
Books, Maiara Ramos, Flávia Mayara e Karina Almeida, minhas queridas
leitoras betas e agora, sem uma sombra de dúvida, amizades literárias que
quero manter por longa data. Saiba que vocês são incríveis e que sou muito
grata por toda atenção e carinho que tiveram com Carina e Nicolas. E
também comigo.

Um agradecimento em especial para Dayane, minha leitora número


um, que está sempre me incentivando a escrever mais e mais e a nunca
desistir do meu sonho, que é continuar contando história para vocês.
Obrigada!

E obrigada a todas as leitoras e leitores maravilhosos que me


acompanham e também a você que talvez tenha conhecido a mim e a meu
trabalho com esse livro. Obrigada pela confiança! Espero vocês em Meu
pequeno vazio – BEATRIZ. Ainda temos muito mais da família Louzada e
toda galera pela frente.

Playlist

Confira a playlist do livro no Spotify!

Send my love – Adele


The reason – Hoobastank
I’m okay – Christina Aguilera
Roar – Katy Perry
Push – The Cure
Desconstruindo Amelia – Pitty
Mania de você – Rita Lee
Pagu – Rita Lee e Zélia Duncan
Natasha – Capital Inicial
Primeiros erros – Capital Inicial
Blank space – Taylor Swift
Love story – Taylor Swift
White horse – Taylor Swift
Back to december – Taylor Swift
Lover – Taylor Swift
Delicate – Taylor Swift
Man – Taylor Swift
Always – Gavin James
Love me or leave me – Little Mix
Independent women – Destiny’s Child
Sobre a autora

Mônica Meirelles é autora independente desde 2015, quando conheceu a


plataforma digital Wattpad, apesar de escrever para si mesma desde que
tinha 12 anos. Seus livros têm uma marca de 1 milhão de leituras na
plataforma, onde conta com 27 mil seguidores.
Desde criança, sabia que queria ser escritora. Mônica se formou em Letras
– Português/Literatura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e
atualmente dá aulas e escreve para a Amazon e para o Wattpad.
Se quiser saber mais sobre seus outros trabalhos, você pode encontrá-la nas
redes sociais:
Facebook: /autoramonicameirelles
Instagram: @monicameirelleslivros

[1] Um dos pratos típicos gaudérios que era feita pelos índios do sul que caminhavam longas
distâncias e precisavam de energia.

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