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2ª edição
Rio de Janeiro – RJ, 2020
Editor e Publisher
Mônica Meirelles
Revisão
Serviços Da Costa & Fabiano Queiroz
Capa
Thaís Alves
Projeto gráfico e diagramação
Mônica Meirelles
Prefácio
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Epílogo
Posfácio
Agradecimentos
Playlist
Sobre a autora
E a sensação nunca mais me deixou, de que meu corpo carrega em si todas
as chagas do mundo.
Frida Kahlo
Prefácio
Um abraço,
Mônica Meirelles
Capítulo 01
Estou tão feliz que você arranjou tempo para me ver
Como vai a vida, me diga, como vai a sua família?
de Carina, que chegou ao fim porque ele resolveu contar para ela que tinha
outra família, na mesma cidade em que moravam, o que levou o casamento
perfeito e feliz para o fundo do poço. Eram namorados desde a
adolescência. Casaram jovens. Não conheceram outras pessoas. Até que
outra mulher apareceu na vida dele e desestabilizou tudo.
Não presenciei o término de perto. Mas sei que, assim como ela, seus
filhos também sofreram com o divórcio. Às vezes penso que foi essa a
causa da postura de Carina em relação às boates e ao sexo desregrado. Foi
depois que os pais se separaram que ela começou a agir de forma
descontrolada.
Encaro a loira e ela se abraça, com frio, pois venta e ela, como
sempre, não usa roupas adequadas para tal clima. Veste uma bermuda jeans
curta mostrando suas pernas torneadas e morenas e uma blusa de ombro
caído que deixa seu ombro à mostra, além de seu piercing brilhando em seu
umbigo, o que já é o suficiente para deixá-la sexy.
Tento não prestar muita atenção nela, apesar de ser quase impossível,
e me concentro no assunto anterior: uma república para Carina. É
impossível eu lhe ajudar, pois, apesar de morar na cidade há um pouco mais
de um ano, não tenho muitas amizades, já que sou um cara fechado, e os
poucos amigos que eu tenho são homens, e não acho uma boa ideia ela ficar
numa república só com rapazes.
— Eu não conheço muitas meninas em Santa Maria — falo,
desanimado. — As amigas da Alicia moram com os pais, então... nem sei
como posso ajudar.
— Vai ser meio cansativo ir e vir todos os dias — Carina lamenta.
— Falei para estudar em São Gabriel mesmo — tia Lucy comenta
meio ranzinza. Pelo jeito, já perdeu a paciência de procurar um lugar para a
filha ficar.
— Vamos embora, mãe — Carina fala. Depois, me olha. — Foi bom
te ver, Nicolas. Pena ser desse jeito. — Ela dá de ombros com um sorriso
leve nos lábios.
Sorrio de volta, encarando-a. É tão bom vê-la outra vez, mesmo que
trocando poucas palavras comigo. Sinto como se meu coração se aquecesse.
Como se ele ficasse tranquilo.
— Ah! — tia Lucy aumenta o tom, animada, me fazendo virar o rosto
para ela. — Você noivou, né?
— Sim, tia. Foi mal por não convidar vocês. Foi algo bem simples. A
família da Alicia é bem humilde e ela não queria muitas pessoas. Só tinha
nossos pais e nossos irmãos.
— Não precisa se explicar. Eu entendo. — Ela abre os braços e me
abraça, de surpresa. — Meus parabéns! A Anne e o Daniel fizeram filhos
maravilhosos! Quem dera se os meus pensassem em casar e me dar netos!
Tia Lucy só tem Carina e o seu irmão gêmeo, o Caio, de filhos. Assim
como a irmã, Caio não é uma pessoa muito séria. Vive de festas, bebedeiras
e sexo. Uma pena, pois minha tia, na adolescência, segundo minha mãe, era
totalmente ao contrário dos dois. Era romântica e sonhadora. Criou os filhos
para que fossem como ela, mas não deu certo, o que lhe trouxe certa
decepção.
— Mãe, chega. Vamos embora — Carina reclama.
Não posso deixar de reparar nas olheiras que se formam debaixo dos
olhos de Carina. Ela é tão frágil. Cansou-se porque passou apenas um dia
procurando um local para ficar. Imagina uma semana de correria entre
aulas, fazendo o trajeto diário de duas horas de São Gabriel para Santa
Maria e vice-versa. Preocupo-me ao pensar que com isso ela possa desistir
da faculdade.
Quero que ela tenha uma vida, uma carreira. Não posso de jeito
nenhum pensar na possibilidade dela desistindo. Mas o que posso fazer?
Sinto-me tão impotente. Quero fazer algo por ela. Quero, pelo menos em
algum momento, aparecer mais em sua vida.
Mas acho que posso ajudá-la.
— Então, tia — começo, mas paro. Tento encontrar as palavras certas
para usar. — Eu moro sozinho no antigo apartamento do meu avô. E tem
dois quartos. Se a Carina quiser ficar lá enquanto não encontra um lugar
definitivo...
Tia Lucy olha para a filha com um sorriso claramente animado. Já a
filha, ao contrário dela, tem o rosto indecifrável.
— O que você acha? — pergunta para a filha.
— Obrigada, Nicolas — Carina agradece. — Mas não posso aceitar.
Você está noivo agora e não quero causar ciúmes. Mas obrigada.
— Eu e Alicia nunca tivemos problema com isso.
— Mas pode ser um motivo para ela começar a ter.
— Ah, pelo amor do meu Santo Deus! — tia Lucy nos interrompe,
pondo suas mãos na cintura. — Vocês são praticamente primos. Como ela
sentirá ciúmes?
— Mãe! Você não a conhece.
— Deixa que o Nicolas decide.
— E se eu perguntar para ela? — informo a Carina. — Você jura que
pensa?
— Nicolas... eu não quero incomodar.
— Por favor.
— Está bem. Você pergunta para ela e enquanto isso eu vou
pensando.
Assinto. Carina está certa. É claro que eu preciso conversar com
Alicia antes de colocar uma mulher na minha casa. Tudo que mais quero é
ter a loira de novo por perto, mas, antes disso, preciso manter a saúde do
meu relacionamento. E eu e Alicia sempre consultamos um ao outro antes
de tomar qualquer decisão e dessa vez não seria diferente. Caso decidisse
sozinho, seria um motivo para brigarmos. E estamos em um momento tão
bom, fazendo planos juntos, que não posso permitir que uma briga nos
atrapalhe.
Capítulo 04
Cabelo verde, tatuagem no pescoço
Um rosto novo, um corpo feito pro pecado
A vida é bela, o paraíso é um comprimido
Hum! Hum!
No meio da multidão
Você disse oi
Mal sabia eu que você era Romeu
O seu segredo
Sempre você
Um sorriso para esconder o medo pra longe
Abro a porta do meu quarto e seguro minha cabeça com as duas mãos.
Penso em toda situação. Leonel bateu em Carina. Ele transou com ela e a
jogou fora, a chutou como ela disse. Mas e se não foi só isso? Se ele abusou
dela e ela estiver escondendo isso? Não. Se ele a tivesse forçado a fazer
sexo com ele, ela não seria mais a mesma. Não moraria comigo. Não ficaria
nua de porta aberta no banheiro. Seria outra.
Já ouvi relatos de mulheres que sofrem abuso sexual, já li matérias
falando sobre o comportamento das mesmas. Elas se esquivam. Se
escondem dos homens, evitam relações sexuais e sexo. Carina não parou
com nada. Ela fica com outros caras. Fica com o Gustavo, que, pela fama
que tem, jamais aceitaria só beijos na boca.
Mesmo que menos do que na adolescência, Carina ainda sorri
livremente, bebe, sai para dançar. Só está assustada com tudo isso. Apanhou
e não pode lutar contra ele por ser frágil. Deveria ter denunciado. Ter feito
corpo de delito. Essas coisas não podem passar batidas. É preciso seguir em
frente, levantar o peito e ir contra o agressor.
A porta do quarto raspa. Levanto o rosto e vejo que é Bernardo.
— Esse cara precisa ficar longe da Bia, Bernardo! — rosno, enquanto
ele caminha até a cama e se senta. Ele tem o cenho levemente franzido e
uma expressão de tristeza no rosto. — Ele bateu na Carina na volta de uma
festa. Ele parou o carro em uma estrada, transou com ela e depois a chutou
na costela! — Olho firme para ele.
Ele abaixa a cabeça e faz que não, parecendo inconformado.
— Eu queria ter acabado com ele. Ter estourado a cara dele!
— Ele é só um viciado, Nicolas.
— Ele bateu na Carina! Você não ouviu o que eu disse? — Aumento
o tom. — Um homem batendo em uma mulher! Um homem com a força
dele batendo numa garota como a Carina! Imagina se fosse a Bia no lugar
dela! Ela já andou de carro com o Leonel que eu sei. E se fosse ela?
— Como que eu poderia imaginar uma coisa dessa? Como Leonel
chegou a tal ponto? Andava por aqui, sentava nessa cama e jogava no seu
videogame. Como pode? — Meu irmão passa a mão pelos cabelos,
suspirando, e bufa pela boca, balançando a cabeça em negação. — É
impressionante como não conhecemos as pessoas, mesmo convivendo com
elas por tanto tempo.
— Minha mãe disse isso essa semana. Se referia ao George, o pai da
loira. Você sabia que quando a Carina era criança, ele a levou na casa de
uma mulher que ficava? Todos os dias quando ele chegava e beijava a testa
de sua mãe, ela se lembra de tudo. Foi ela quem disse a tia Lucy que o pai
era um traidor. Ela me contou. O casamento acabou porque ela resolveu
contar. Olha quantos anos ela guardou isso com ela, Bernardo.
Ele suspira, fazendo que não com a cabeça.
— E o pai sempre a humilhando, a desvalorizando — analiso. — O
próprio pai a chamando de vagabunda.
— A Carina sempre foi ousada, Nicolas. O pai sempre soube, assim
como eu, você, nossos pais, o Leonel. Mas é o que você acabou de dizer. —
Ele me encara firme e assente. — Nunca conhecemos verdadeiramente as
pessoas. A Carina, por exemplo, pode parecer só uma garota fácil. Mas por
detrás deve haver muitas qualidades. Não é verdade? — Ele se levanta da
cama, ficando de frente para mim, toca meu ombro e me sacoleja.
Assinto, deixando minha boca em linha reta.
— Eu sinto muito pelo seu amigo, Bernardo. Mas ele é um criminoso.
Ele bate em mulheres e as estupra. Não é boato. Ele precisa ser denunciado,
antes que mais vítimas apareçam
— Você acha que ele estuprou a Carina?
— Não. Garotas que sofrem abusos mudam seus comportamentos.
Como disse, ela não tem pudor. Ela se exibe para mim com roupas
minúsculas, vestidos curtos. E ela está ficando com um cara da faculdade.
Ele, pelo que disse, está transando com ela. Então, estupro eu descarto. E
você conhece a Carina. Se ela entrou no carro do Leonel, certamente foi
para transar com ele. O susto que teve foi ele ter batido nela. Tem homem
que vê prazer em fazer isso com uma mulher.
— Então, foi por isso que você socou a cara dele? Para defender a
Carina?
— Claro.
— Mas por quê?
— Porque ela é minha amiga, e mesmo que não fosse, ele não tem
que fazer isso com ninguém.
— Claro. Você está certo. Desde pequeno querendo proteger todo
mundo, né, Clark Kent, ou eu deveria te chamar de Superman? — Ele
aperta os olhos dando uma risada frouxa, o que me faz rir também. — E
Carina era a sua Mulher Maravilha. Não me esqueci, brother. Mas, e a
Alicia?
Enrugo o cenho.
— Você nem falou nada dela hoje. Você só fala da Carina
ultimamente. Tudo bem que as circunstâncias trazem isso. Mas eu não acho
que você apenas sinta desejos por ela. Eu acho que você está sentindo algo
pela loira, cara.
— Não. Eu amo a Alicia.
— Então você ama as duas. Seu sentimento pela Carina não é de hoje.
Eu não sou burro, Nicolas. — Ele dá duas tapinhas em minhas costas, como
sempre faz. — Pense nisso. — Depois, vira as costas e bate com a porta,
saindo do quarto.
Fico pensando no olhar da loira, no sorriso leve que tem, no jeito
meigo quando se sente envergonhada. Bernardo está certo. Mal tenho
pensado em Alicia. Só penso em Carina. Meu coração está estranho. Está
apertado. Ele quer ela por perto. Aqui, dentro dos meus braços. Ele quer ela
aqui. Não posso negar o que sinto. Eu gosto dela. Nunca deixei de gostar.
Gosto não só das suas curvas, mas dela por inteiro.
Eu a amo, meu Deus! Amo-a e nem sei se tenho alguma chance!
— Nick? — Como um sonho, a vejo pôr o rosto na brecha da porta.
— Posso entrar?
Assinto. Ela bate com a porta em suas costas e caminha lentamente
até minha cama, de braços cruzados, se sentando ao meu lado. Ele fica de
perfil para mim, encarando a porta à sua frente, já que minha cama fica de
frente para ela.
— Obrigada — agradece, mas sem me olhar. — Por me defender. —
Agora ela me olha, fazendo eu me perder em seu olhar.
Como seus olhos são lindos! Quanta admiração tenho por ela! Como
meu coração se sente feliz toda vez que ela fica ao meu lado. Deus, eu amo
sim. Devo admitir que a amo desde que eu era um garoto desejando que ela
me desse o mínimo de sua atenção. Era amor e eu nunca percebi. Porque se
sentir confortável por estar ao lado de alguém e querer proteger esse
alguém, só pode ser amor.
Eu a puxo para os meus braços, a abraçando de lado e fazendo
carinho em seu braço. Ela laça sua mão em minha cintura e suspira próximo
ao meu pescoço. Nunca nos abraçamos assim antes, nunca estivemos tão
vulneráveis e suscetíveis um ao outro. E é tão bom. Preenche meu coração.
Preenche a mim.
Deixo um beijo no topo de sua cabeça e encaixo meu queixo ali.
— Eu amo você — ela diz simplesmente, me assustando.
Solto-a dos meus braços, encarando-a com o cenho enrugado.
Diferente de mim, Carina tem o mesmo olhar meigo de sempre e aquela
expressão de anjo no rosto, como se o que tivesse acabado de confessar não
tivesse o peso que tem.
— Como assim me ama?
— Eu não posso amar o meu amigo?
Suspiro, deixando meus ombros caírem.
De certa forma, me sinto um pouco triste por ser amado como amigo.
Mas o que posso exigir dela? É isso que somos, não é? Amigos. Talvez eu
só esteja confuso. Talvez eu não ame como um homem ama uma mulher,
mas como amiga também, e esteja confundindo as coisas.
— Eu também amo você — confesso, dando um apertão em seu nariz,
fazendo-a franzi-lo de uma forma muito meiga.
— Agora eu tenho que ir. — Ela se levanta da cama bufando.
— Mas já?
— Sim. Senão, vou perder a carona da mamãe. — Ela faz uma careta
divertida. — Agora você entende por que eu amo minha independência?
Viver à mercê de alguém é a treva! — Ela gira os olhos e ri docemente.
— A gente se vê amanhã à noite então? Passo lá na sua casa e te pego
para voltarmos para... hum... para nossa casa.
— Estava pensando em voltar só na segunda de manhã, para eu poder
passar mais tempo com minha mãe, mas não vou dispensar a carona.
Obrigada pela gentileza.
Assinto e no mesmo instante ela sai, batendo a porta e me deixando
com um sorriso bobo nos lábios.
Capítulo 20
Exatamente a mesma sala limpa
Exatamente a mesma cama limpa
— Voltei mais cedo que o esperado, mas não tem como nos
encontrarmos, amor — explico a Alicia, por telefone, quando estou deitado
em minha cama, já no meu apartamento, depois de ouvi-la se lamentar que
poderíamos ter saído.
— Poderíamos ter visto um filme com Nicole, amor. Meu pai até
autorizou.
— Amor, olha o temporal que está caindo. Não poderíamos ter nos
arriscado a sair de casa e ficar ilhado com vocês duas. Seu pai autorizou que
saíssemos porque ele sabe que na situação que está é inviável andar de carro
pela cidade.
— Tudo bem então. — Ela parece triste, mas se conforma. — Vou
ficar no quarto com a Nicole. Ela cismou de ficar na janela ou fica dizendo
que vai para a varanda, ficar perto das árvores. Inventou que quer ser
atingida por um raio, acredita? Só por causa do Flash.
Rio. Amo tanto essa menina!
— Fala para ela que picadas de aranhas são mais saudáveis e realistas.
Ser acertado por um raio é muito difícil.
— Ai, amor! Você não ajuda também!
— Desculpa.
— Tudo bem. Um beijo grande. Eu te amo muito.
— Te amo mais, Lice. Beijo.
Ela desliga, e eu deixo meu telefone sobre a cama.
Fico triste por enganar Alicia, mas o que posso fazer? Não posso
encontrá-la dessa maneira. Não ainda. Claro que estou morrendo de
saudades dela, mas meu olho ainda está um pouco roxo. Então, como a
encontraria? Ainda não sei se devo contar para ela os motivos que me
levaram a ser presenteado um soco no olho.
Não me sinto mal por esconder isso dela. Não estou mentindo. Estou
omitindo. Não é tão ruim assim. Pelo menos foi o que Carina me disse.
Um relâmpago clareia o meu quarto, levando meus pensamentos até
Carina.
Quando ela era criança, morria de medo do barulho de trovão, e o
Bernardo, que sempre foi muito travesso, para assustá-la, dizia que um raio
poderia cair na escola porque nela havia muita radiação do laboratório de
robótica. E Carina dizia “Para, Bernardo!”, sorrindo de maneira muito
saliente, como se gostasse da atenção dos garotos sobre ela, mesmo que
ainda fosse muito novinha, uns doze anos talvez.
As brincadeiras entre ela e meu irmão (ou qualquer outro menino que
fosse) me incomodavam porque eu queria que ela sorrisse daquela maneira
para mim. Mas comigo as coisas sempre foram mais sérias. “Preciso de
uma ajuda em Matemática” ela dizia quando chegava lá em casa nos finais
de semana. E eu a ajudava só para ter um pouquinho de sua atenção, e
funcionou, pois, foi assim que fomos nos aproximando.
Um estrondo ecoa pelo quarto, seguido de um relâmpago. Dessa vez,
assusta até a mim, pois uma brecha surge na porta do meu quarto, como se
alguém estivesse tentando me espiar. E isso realmente me assusta.
Ah, não é fantasma, longe de ser um fantasma. Parece um anjo, porém
um anjo assustado.
Carina põe o rosto para dentro do quarto e fica parada, me olhando.
— Aconteceu alguma coisa? — pergunto.
— Não estou conseguindo dormir.
— Por causa dos relâmpagos?
— Não, não. Isso passou.
— Então o que é?
— Quero conversar.
Sento-me na cama, apalpando o colchão macio ao meu lado. Carina
anda até mim e se senta ao meu lado, de pernas cruzadas, deixando-as em
um formato de asas de borboleta.
— O que houve? — pergunto.
— É que eu fico pensando. Minha cabeça fica pensando em um
monte de coisa, e eu preciso falar sobre essas coisas.
— Já é meia noite. Não é hora de pensar. E eu estou com muito sono,
mas te ouvirei. — Me deito na cama, de lado. — Pode deitar aqui.
— E a Alicia?
— Ah, já menti para ela hoje. Só vai ser mais uma mentira.
— Aprendendo a ser mentiroso comigo? — Ela se deita na cama, de
frente para mim. Ficamos cara a cara.
— Talvez. Agora, me conte tudo.
Carina se arrasta para mais perto de mim e coloca o rosto no meio do
meu peito, suspirando. Seus ombros sobem e descem.
— O que houve, Cá? Tem a ver com o Leonel? — Removo seus
cabelos de seu rosto, que, quando fica descoberto pelos fios, faço um
carinho com as costas da minha mão.
É automático. Suspiro e paro com o gesto, por mais que não queira
parar. Não sei. Sinto-me errando com Alicia por isso.
— Não — ela diz, mas não me olha, pois ainda está encolhida entre
meus braços. Suspira, como se algo estivesse lhe incomodando.
— Fala, Cá. Como eu posso te ajudar se você não me contar?
— Você acha que eu sou uma vagabunda?
Bruscamente, me sento na cama, fazendo-a sair dos meus braços de
forma desprevenida. Encosto minhas costas na cabeceira, enquanto ela,
ainda deitada, levanta o rosto para me encarar como se esperasse pela
minha resposta.
Ela? Vagabunda? Não. Mas devo admitir que não concordo com seu
ritmo de vida. Só não sei como contar isso para ela sem ofendê-la.
— Por que essa pergunta?
— Então, você acha que eu sou? — Ela se arrasta até mim e se senta
ao meu lado. Há uma expressão de culpa nítida no rosto.
— Não. Você é linda, é estudiosa e eu te amo. Jamais pensaria isso de
você.
— Mesmo?
Consinto porque tudo isso é verdade. Eu a amo e não posso negar.
Bem mais do que como um amigo.
— Eu quero te contar uma coisa. — Ela me olha rápido, de soslaio.
— E se eu te disser que tive um caso com o namorado de uma amiga?
— Você fez isso? — Acho que não pude disfarçar a decepção em
minha voz.
— Na verdade, eu ainda não era amiga dela, nem sequer a conhecia,
mas sabia que o cara tinha uma namorada e fui para cama com ele algumas
vezes. É o Denis da nossa cidade. Ele é da faculdade. Você deve conhecer
ele.
Claro. O Denis, namorado da Carol, a mais nova amiga da Carina. O
cara que o Cachaça falava na última vez que nos esbarramos no corredor da
faculdade. Se não bastassem os amigos do meu irmão e o Gustavo, agora
aparece mais um cara que já a levou para cama. Não gosto de saber dessas
coisas, de descobrir os seus números.
Assinto, e ela suspira, de arrependimento, talvez. Mas eu penso que o
fato de ela não conhecer a namorada do cara na época desagrava a situação.
— E agora eu descubro que ele é namorado da Carol. E, hoje, depois
que eu o reencontrei lá na faculdade, ele me mandou várias mensagens me
convidando para sair, mesmo sabendo que agora eu sou amiga dela.
— E o que você respondeu?
— Não respondi nada. Apaguei tudo. Estou prestes a bloquear ele das
minhas redes sociais.
— Por que não diz que não quer mais nada com ele? Não é mais
simples?
— É, vou fazer isso. — Ela então olha para mim e sorri fraco. — Eu
fiz muita merda, né? — Ela abaixa a cabeça e encara as próprias mãos
depositadas sob suas pernas.
— Não é uma coisa que aprecio, mas você pode mudar suas escolhas
futuras. As antigas, você só precisa superá-las. — Eu a puxo para meus
braços e deixo um beijo estalado no topo de sua cabeça.
— A Carol me odiaria. Acho que ela seria capaz de me expor, fazer
coisas terríveis. Ela me conta cada loucura que faz com o namorado quando
descobre uma merda. Ela falou que sempre descobre as amantes e ferra com
a vida delas. Falou que uma vez foi no perfil dos pais da garota e expôs ela
para a família toda com vídeos de momentos íntimos que ela conseguiu
gravar dos dois, não sei como.
Fico sem palavras.
Mulher realmente é um bicho muito louco. É capaz de fazer qualquer
coisa para se vingar do namorado mentiroso ou traidor. Isso quando não
resolve se culpar e se entregar à tristeza, como aconteceu com minha tia
Lucy.
Diante desse pensamento, um medo terrível me invade. Penso na
Alicia sabendo que eu e Carina dormimos na mesma cama e que eu tenho
desejos muito maiores por minha inquilina do que por ela. Mas Alicia não é
mulher de fazer barracos, nem de se expor e nem de cometer loucuras. Se
um dia eu a magoasse, acredito que ela apenas sofreria em silêncio e me
deletaria da vida dela para sempre.
— Eu era livre, Nick. Eu não devia nada a ninguém, sabe. Ele que não
devia ter procurado por outra mulher se ele tinha uma namorada. Mas eu
me culpo porque muitas vezes eu o provoquei. Mas isso foi depois da
primeira vez que ficamos juntos. E foi muito bom! Tínhamos uma química
muito boa. Foi o melhor sexo da minha vida. — Ela solta um sorriso
animado, que logo é trocado por um suspiro de arrependimento. — Agora
eu concordo com o que me disse a sua irmã uma vez, a Laura, que homens
safados são os melhores.
Remexo-me na cama, me sentindo extremamente constrangido.
Primeiro, por ela expor meus irmãos. Segundo porque ela acabou de me
dizer que teve o melhor sexo da vida dela com esse cara, o que eu não deixo
de imaginar como pode ter sido. E imaginá-la fazendo sexo é algo que me
deixa um tanto excitado.
Engulo seco.
Que mania eu tenho dessa garota! Tenho que parar com isso. Só
posso estar com algum problema.
— Ah, deixa pra lá! — ela diz. — Olha o que eu estou falando para
você. — Ela sai de meus braços e me encara com certa timidez.
— Não tem problema. — Solto um sorriso leve para tranquilizá-la.
— Obrigada, Nick. Eu só não entendo por que você é tão bom
comigo. Eu acho que não mereço.
— Xiiii. — Eu coloco meu indicador entre seus lábios, que ficam
entreabertos com meu toque. — É claro que você merece.
Uma vontade insana de beijá-la invade meus sentidos, ainda mais
porque ela me encara profundamente com aqueles olhos azuis tão bem
desenhados que só ela tem. Talvez ela esteja certa. Talvez ela seja boa em
provocar. Mas eu não sou como o Denis, então resistirei aos seus encantos.
— Vamos dormir — sugiro. — Amanhã será um longo dia.
— Será mesmo. Boa noite, Nick. — Ela vira de costas para mim e
tapa o rosto com meu travesseiro, me deixando sem nenhum.
Eu falei para irmos dormir, mas não era um convite para ela fazer isso
comigo. E, poxa, ela já tem outro travesseiro debaixo do rosto, por que
pegou o meu?
— Boa noite, Carina — desejo, atrasado, e não obtenho resposta.
Olho para o lado e a vejo de olhos fechados. Seu tronco sobre e desce,
dando o sinal de que ela já dorme. Remexo-me na cama, desconfortável,
pela falta de um travesseiro, e suspiro pesadamente.
— Quantas manias. Como se não já não me bastasse a minha mania
de você.
Capítulo 22
Prazer em te conhecer, onde você esteve?
Eu posso te mostrar coisas incríveis
Te vi ali, e eu pensei
Ai meu Deus, olhe esse rosto!
Não paro de pensar na loira. Não paro. Sua boca macia tocando meus
lábios, sua língua se enroscando na minha, me excitando.
Tudo que faço hoje me parece tedioso. Só quero prová-la, sentir seu
gosto, penetrá-la, sentir meu membro indo e vindo no seu sexo molhado, ela
gemendo no meu ouvido, rebolando e no final ouvi-la gozar chamando por
mim. É tudo que mais quero.
Mas tem Alicia. Não posso. É errado, é pecado, só falta ser um crime.
Por que tem que ser assim? Por que a quero tanto? Qual é o meu problema?
Até o final da tarde, quando saí de casa, Carina não tinha saído do
quarto. Eu até pensei em bater à porta e chamá-la para uma conversa mais
franca, mas eu, honestamente, também estou preferindo fugir. Não sei como
seria dizer para ela que o beijo que eu lhe dei era algo reprimido e que
agora é algo que quero repetir e ir mais a fundo. Eu sei que é um
pensamento porco da minha parte, mas eu estou confuso.
— Amor, você está muito estranho hoje — Alicia comenta.
Estamos no cinema, durante a sessão de Guerra Civil, filme que eu
não prestei nenhuma atenção. Pensava nela. Em Carina. O tempo todo. Nem
lembrava mais que estava aqui com minha noiva e seus irmãos. E isso é
incomum. Sempre fui atencioso com todos, em especial com Alicia.
— Ah... eu? Acho que estou cansado. Só isso. — Dou de ombros.
— Eu estava perguntando o que você achou do filme e você estava
com os olhos gélidos grudados na tela. Só que o filme já acabou. Está
acontecendo alguma coisa? Sua mãe? Seu pai, sei lá.
Olho para o lado esquerdo e vejo que Douglas e Nicole nos esperam,
de pé, no corredor escuro da sala de cinema. Olho rapidamente para Alicia e
faço que não com o rosto me levantando do meu assento e desviando meu
olhar do seu atento sobre mim. Quando tento dar o primeiro passo, minha
noiva coloca sua mão esquerda em meu peito para que eu pare de andar. Ela
olha profundamente em meus olhos. O que faço é desviar a porcaria do
olhar porque, depois do que fiz, não consigo olhar para ela por muito
tempo.
— Você sabe que pode me contar tudo, né? — Ela aparenta
preocupação na voz.
Consinto e, dessa vez, a olho nos olhos. E não é tão difícil quanto
imaginei que seria olhá-la.
Alicia não é alguém que lança aquele olhar desconfiado que faça o
traidor se sentir mal pelo que fez. Ela é tão boa que, quando eu olho para
ela, só consigo ver compreensão e bondade, o que, somado às suas
características pessoais, significa fragilidade. Agora eu entendo por que
pessoas frágeis são tão fáceis de serem enganadas.
— Eu sei, meu amor. — Dou um beijo estalado em sua boca.
Um nojo me invade, por ter feito o que fiz, por ter sido tão porco, por
beijar outra pessoa e agora usar dos mesmos lábios traidores para beijar
alguém tão boa quanto Alicia. Ela não merece isso.
— Vamos? — digo, pegando sua mão sobre a minha e brincando com
seus dedos. — Vou te deixar em casa.
— Falta só a 22 e a 40 — Nicole diz, ao se sentar no sofá de dois
assentos, ao meu lado, e me passando seu álbum de figurinhas da Marvel.
Pego de suas mãos e o encaro, nostálgico. — Não sabia que era tão viciante
colecionar essas coisas.
Depois que saímos do shopping, meu objetivo era deixar os três em
casa e voltar para meu apartamento, mas Nicole implorou tanto para que eu
entrasse que não consegui recusar. Primeiro porque prometi à pequena que
veria seu álbum de figurinhas que ela está colecionando, segundo porque eu
não estou com pressa de chegar em casa e encarar a Carina.
— Eu colecionava aqueles carrinhos da Hot Wheels quando era
criança. — Me sentindo ficar nostálgico, passo os olhos no álbum e noto
uma figurinha do Capitão América na versão do Chris Evans lutando contra
o Homem de Ferro encenado por Robert Downey Jr. — Tenho eles até hoje.
— Hum. Acho que minha irmã não vai querer eles na casa de vocês.
— Eu escondo. — Pisco.
A pequena sorri, achando graça.
— Eu não quero que você vá embora, Nico. Eu gosto muito de você,
mas quando você for embora, eu não vou ter nenhum garoto para conversar
comigo sobre coisas de garotos. O Douglas até fala, mas ele só sabe me
maltratar.
— Mas eu tenho que ir para casa. Não posso dormir aqui.
— Não, Nico. Você não entendeu. Quando você e a Lice se casarem,
vocês irão embora dessa casa e aí eu vou ficar sozinha. Mas eu quero que
vocês me levem, quero que você seja meu papai e a Lice minha mamãe.
Aqui só vai sobrar o papai e o chato do Douglas. Eu gosto de ficar com
você e com a Lice. O papai não brinca comigo. O Douglas só sabe pegar no
meu pé. E a Lice, ela é minha mamãe. Quando você a levar, não vou ter
mais mamãe.
Como pode uma garotinha de seis anos ser tão esperta e pensar nessas
coisas? E como eu fui tão egoísta por nunca ter pensado nisso?
Nicole só tem seis anos, e eu, casando com Alicia, significa que a
pequena ficará sem uma presença feminina para compartilhar seus
sentimentos, como o primeiro amor, nem com quem tirar dúvidas sobre o
primeiro beijo. E quando ela ficar mocinha? Vai contar para o pai? Ele é tão
turrão que não consigo imaginar como ele reagiria. E se contar para o
irmão? Douglas vai zombar dela porque é só isso que ele sabe fazer!
— Eu não vou tirar ela de você, combinado? — Eu olho para ela, e
ela consente lentamente. — A gente vai te levar todo dia para lá. Tem um
quarto sobrando, e aí você vai poder ficar com ele até a Lice ficar grávida.
— Mas quando o bebê nascer, eu vou ter que ir embora.
— Nada disso. Você vai ficar. Vai ficar com a gente e com ele
também. Se ele for menino, você vai poder ensiná-lo a ser gentil com as
meninas. Se ela for menina, você poderá ensiná-la a ser adorável como
você. — Aperto suas bochechinhas, e ela sorri.
— Então, será muito bom e divertido! — Ela sorri grande, mostrando
suas covinhas. — Por favor, Nico, me promete que nunca vai deixar a Lice.
Eu preciso ensinar os bebês. Quero fazer por eles o que a Lice fez por mim
e também quero ser uma tia legal com eles como você é comigo. Então, por
favor, Nico, nunca deixe a Lice. Você me promete que vai ficar para sempre
com ela?
— Eu prometo, garotinha. A Lice é a mulher da minha vida.
— Obrigada, Nico. Quero muito que vocês se casem logo. Estou
muito ansiosa para ser a daminha de vocês. — Ela sorri abertamente,
desmanchando meu coração.
Depois do que eu fiz, pequena, não sei se sua irmã ainda vai querer
ficar comigo.
No mesmo instante, Alicia entra na sala.
— Para a cama, pentelha! — ela exige, dócil, colocando uma mão na
cintura.
Como sempre, Nicole a obedece. Levanta-se do sofá e me dá um beijo
estalado na bochecha.
— Boa noite, Nico. Vou sonhar com nossos bebês.
— Boa noite, boneca! — Aperto suas bochechas rosadas, e ela sorri.
— Boa noite, Lice. — Ela envolve os braços na cintura da irmã e
suspira. — E não demora para ir para o quarto. Você sabe que tenho medo
de dormir sozinha.
— Acho bom você começar a se acostumar. Daqui a pouco será só
você e o Douglas.
A pequena suspira, inconformada, com o rostinho tristonho.
— Viu, Nico? Ela não vai me levar.
Alicia enruga o cenho, e antes de eu deixar claro para Nicole que
nunca a deixaremos, ela vira as costas e anda para fora da sala, arrastando
os pés. Minha noiva se senta ao meu lado e suspira, se encaixando em meus
braços e me olhando por cima dos cílios.
— Uma noite com o papai e a criançada dormindo. — Ela se
desvencilha de mim e me dá um beijo leve na boca. — Estou sonhando ou é
real?
Sorrio, lhe admirando, e então faço carinho em seu cabelo. Penso no
quanto ela é boa com a irmã, em como Nicole a ama como se fosse sua
falecida mãe. Com certeza Alicia será uma ótima mãe para nossos filhos. Se
cuida assim da irmã, com os filhos será melhor ainda. E sem contar que é
um exemplo para eles. Tão forte, tão guerreira. Admiro-a. Não há dúvidas
de que é uma mãe assim que quero para os meus filhos. Não há dúvidas de
que é uma mulher assim que quero ao meu lado até a minha velhice. Eu a
amo.
Carina foi uma distração. Uma distração que passará quando eu enfim
acabar com minha vontade de sexo, quando ela for embora e restar só
Alicia e eu. Só estou confuso no momento, mas isso vai passar.
— Eu preciso te contar uma coisa — ela avisa, se sentando de pernas
cruzadas, deixando-as tipo uma borboleta. — Você sabe que meu pai vai
viajar a trabalho, não sabe? Que na próxima semana ele vai para outra
cidade e só volta no mês seguinte...
Assinto, pois há algum tempo conversamos sobre isso.
— Então, na semana que vem, minha tia vem pegar o Douglas e a
Nicole para levar para a casa da vovó. Eu falei que não vou porque tenho
um trabalho da faculdade para entregar, o que é mentira. — Ela dá um
sorriso maroto. — Queria aproveitar a paz e a gente tentar.
Sinto meu cenho levemente franzir. Estou confuso. Não compreendi
totalmente a mensagem.
— Tentar...?
Instantaneamente, o rosto de Alicia fica vermelho. Ela coloca as mãos
no rosto, se escondendo de mim.
— Ai, amor, para! — Ela ainda tem as mãos no rosto. — Você sabe
do que eu estou falando! — Ela tira as mãos do rosto e me olha. — O que
você acha?
Então, eu entendo. É sobre sexo que ela fala. Pensar nisso faz uma
náusea tomar conta de mim, a ponto de fazer a bile alcançar minha
garganta. É culpa, remorso, pelo meu erro cometido.
— Eu quero tanto isso, amor — ela diz, segurando meu rosto entre
suas mãos.
Não consigo olhá-la nos olhos. Não tenho coragem para isso. Mas
também não quero magoá-la. Não quero dizer o que fiz e vê-la se
despedaçar ao meu lado. Deus! Eu não seria capaz de suportar.
— Por que você está assim? — ela quer saber, soltando meu rosto,
frustrada. — Você não quer, amor? É isso?
Levanto meu olhar e encaro seu rosto bonito. Ela, com o cenho
levemente enrugado, me encara com expectativa.
— Eu quero, Lice. Claro que quero. Mas não quero que você faça isso
porque...
— Não, amor. Não é por pressão. Eu quero mesmo. Eu fiquei
sonhando com isso depois daquela última vez que nós... ah, você sabe, que
nós fomos muito além. E eu estou pronta, e na semana que vem estaremos
sozinhos. É um sinal, amor. Devemos consumar o que temos.
Abro um sorriso pequeno para ela, puxando seu rosto pelo queixo, e
lhe dou um beijo doce. Outro beijo dos meus lábios traidores. Por outro
lado, meu coração se preenche de um sentimento bom, que eu não consigo
explicar o motivo de senti-lo. Acho que é por me lembrar de que tenho uma
noiva maravilhosa, cheia de qualidades, apesar das limitações trazidas pelas
inseguranças e pelos medos.
Alicia é surpreendentemente doce, forte, guerreira, boa, inteligente...
um infinito de adjetivos para descrevê-la. E, além de tudo, ela me ama
muito, como nunca fui amado na vida, assim como eu a amo, mas que
infelizmente eu vim a cometer um erro sobre o qual nunca conversamos:
traição. Nunca precisamos conversar sobre isso porque sempre fomos claros
um com o outro, mas aqui estou eu sendo o traidor.
Olho para ela, que agora está completamente envolvida em meus
braços, com um sorriso leve nos lábios e o olhar de garota apaixonada.
Deveria puxar tal assunto? E se ela desconfiar do que eu fiz? E eu
devo contar? Ou eu devo esconder para sempre e torcer para que ela nunca
saiba? Porque é possível simplesmente fingir que nada aconteceu, afinal
muitas pessoas fazem isso. Carina mesmo falou que foi amante do
namorado de uma amiga. E disse "amante" no gerúndio, como se ela tivesse
ficado com o cara em um grande espaço de tempo e não em um espaço
curto de tempo, e a traída até hoje não sabe que foi traída.
Então, por que eu preciso contar para a Alicia, se só foi um beijo?
Estragar com tudo que eu e ela construímos todo esse tempo juntos por
causa de um beijo, de um maldito beijo que eu dei na Carina, um beijo sem
significância, que não vai mais se repetir?
A recordação do beijo, da traição, irá passar, e eu, aos poucos, me
sentirei menos culpado. Passará uma semana, um mês, um ano e eu nem irei
mais me lembrar de que um dia beijei a garota que eu sempre quis beijar,
assim como passou a vontade que eu fiquei de beijá-la outra vez.
Porque a vontade passou, e eu não acredito que ela irá voltar.
Capítulo 24
Você costumava dizer que me amava
Você diz que estou louca e que não tem nada de errado
— Ele não está tão a fim de você, o que acha? — Alicia pergunta para
mim, enquanto eu me sento ao seu lado, no sofá da minha sala, trazendo
comigo um balde de pipoca e um copo grande de refrigerante.
— Ótimo!
Deixo-os sobre a mesa de centro da sala e me encosto no sofá, sendo
recebido pelos braços de Alicia ao redor do meu pescoço. Ela estica o braço
e pega o controle remoto na mão e aperta um botão, aumentando o volume
da TV.
— Adoro esse filme. — Ela estica um braço até a mesa de centro e
pega algumas pipocas, levando-as até a boca. — Está na metade, mas é
válido.
— Você já viu tantas vezes esse filme, não enjoa? — Pego um
punhado da pipoca, deixando uma na boca de Alicia. Ela sorri com o gesto.
— Não. Gosto da Gigi. Ela é tão engraçada. E essa história é tão... —
Ela parece pensar na palavra a usar para resumir o filme. — Real! Uma
garota que não consegue namorado, um cara que enrola sua namorada há
sete anos, um cara traidor, que só pensa numa vadia loira.
Sentindo que aquilo me parece uma indireta, olho de soslaio para ela,
que, atenta e de perfil para mim, olha para a TV. Depois, pega um punhado
da pipoca e leva à boca.
— O que foi? — Ela gira o pescoço para mim. — Gosta do que vê?
— Claro que gosto, meu amor.
— Estava pensando. — Ela junta as pernas e as segura com as mãos,
trazendo-as para cima do sofá. Seus joelhos tocam minha coxa. Observo,
enquanto ela ainda fala: — Podemos aproveitar que sua prima não está e
namorar um pouquinho, o que acha?
Sem esperar por uma resposta minha, Alicia senta em meu colo e me
dá um beijo molhado, puxando minha língua para a sua, completamente
diferente de todas as vezes que ela me beijou.
Deus! Eu sempre quis isso, sempre desejei que Alicia desse um passo
à frente e derrubasse seus medos, e aqui está ela fazendo isso, bem em um
momento que eu não mereço. A culpa não permite que minha excitação
ocorra, como normalmente ficaria nessa ocasião. Só faz um dia que beijei a
loira. Não tem como eu não me sentir sujo e desonesto com Alicia.
E a loira... desde ontem que não a vejo, desde o momento que lhe dei
um beijo e ela se trancou no quarto e não saiu mais. Antes do beijo, ela
havia me falado que iria a uma festa na casa do Gustavo. Provavelmente
dormiu lá, com ele, pois ela não voltou para casa. Sei disso porque não a vi
em casa ontem à noite nem hoje pela manhã. Não que eu necessariamente
esteja preocupado. Sei que ela está bem.
Depois que acordei, abri minhas redes sociais e vi uma marcação dela
em uma foto no Facebook, em que ela não parecia triste ou confusa, como
eu. Pelo contrário, parecia a Carina de sempre, a Carina com um copo de
bebida na mão e cercada de caras e garotas bonitas, a Carina das “resenhas”
da vida. Provavelmente não voltou para casa porque deve ter bebido muito,
a ponto de passar mal e não conseguir vir para casa ou simplesmente...
Suspiro ao pensar nessa grande possibilidade.
Ou simplesmente dormiu com ele.
Não sei por que, mas pensar nisso está me atormentado o dia todo.
Não paro de pensar nas mãos dele tocando o corpo dela, na boca dele
tocando na dela...
— O que foi? — Alicia pergunta, soltando minha boca da sua e
apertando os olhos para mim.
— Nada. — Passo meu polegar por sua bochecha e dou um beijo
casto em seus lábios salgados de pipoca, a encarando firme nos olhos. —
Estou distraído, mas saiba que estou muito feliz pela gente, pelo próximo
passo que daremos.
— Ah, é? Deixa eu te fazer mais feliz então.
Como nunca antes, Alicia posiciona suas pernas entre meus quadris,
subindo seu vestido até a altura de suas coxas. Sua entrada toca meu
membro que, levemente enrijecido, pinça em minha cueca quando sente a
abertura do sexo de Alicia sobre ele.
Alicia me puxa pelo pescoço, escorrendo seus dedos pelos meus
cabelos e trazendo sua boca para a minha. Passo por cima dos meus
ressentimentos e, como um noivo apaixonado que sou, correspondo ao seu
beijo. Sugo sua língua para minha boca de modo que passo uma de minhas
mãos por suas costas, alisando-a. Desço minhas mãos para baixo de seu
corpo, sentindo o desenho de sua silhueta. Aperto sua cintura contra mim.
Alicia corresponde esfregando seu sexo no meu, que dessa vez não reage.
Alicia parece notar, pois se distancia um pouquinho de mim e me
encara com o cenho levemente franzido. Ela faz que não, mas sorri e desce
a alça do vestido pelo ombro, fazendo esse cair até sua cintura. Ela passa a
mão por meu rosto e toca com seus dedos em meus lábios, voltando a me
beijar suavemente.
Dessa vez, sinto meu coração pulsar em minha garganta. Não sei é
medo ou se é paixão. Os sentimentos estão misturados, minha cabeça está
confusa. Não consigo me concentrar no momento. Não consigo me
concentrar em Alicia sobre mim.
É ela. É ela em minha mente, ocupando todos os meus sentidos, me
fazendo querer tê-la aqui comigo, agora. É ela que quero nesse momento. É
ela que quero tocar, beijar, sentir debaixo dos meus braços. É só ela que
quero. Meu peito acelera não é por amor a Alicia, mas pelo desejo
inoportuno que sinto por Carina, que acende como um vulcão em chamas.
Um rangido toma minha atenção, me fazendo soltar a boca de Alicia e
abrir os olhos. Olho por cima dos ombros de Alicia e vejo Carina parada na
porta de entrada com os olhos arregalados, olhando para nós, para mim e
Alicia. A última gira o rosto para trás e solta um grunhido de vergonha.
— Desculpa — Carina pede, desviando o olhar de nossa direção. Ela
bate com a porta atrás de si, enquanto Alicia, agora ao meu lado no sofá,
ajeita o vestido no corpo, provavelmente vermelha de vergonha.
A loira vira as costas, indo para seu quarto e batendo a porta.
— Eu quero ir embora — Alicia resmunga.
Capítulo 25
Meu bem, você me dá água na boca
Vestindo fantasias, tirando a roupa
Alicia não falou muito durante o caminho de volta para casa. Parecia
incomodada, insatisfeita. A primeira palavra que disse foi quando desceu do
carro: “você precisa dar um jeito nisso”, me beijou e bateu a porta. Vim o
caminho inteiro pensando em todas as coisas que preciso dar um jeito, em
como minha vida se tornou uma bagunça desde que trouxe Carina para
viver comigo e o que preciso fazer para tirá-la de uma vez por todas da
minha cabeça.
Mas agora, quando eu entrar naquele apartamento, teríamos nossa
conversa e resolveríamos isso. Se ela estiver trancada em seu quarto, eu
seria capaz de arrombar a porta e invadi-lo só para ela ouvir toda a verdade.
Vou dizer para ela o que estou sentindo, os desejos que venho reprimindo.
Vou ser sincero e dizer que preciso dar um jeito nisso. Ou ela vai embora ou
eu vou, porque juntos não podemos ficar.
Abro a porta do meu apartamento e entro no espaço, batendo-a atrás
de mim. Quando passo pela sala, me deparo com um anjo lindo e loiro, de
costas para mim, de frente para a pia da cozinha, colocando alguma coisa
para bater no liquidificador. A passos lentos, ando até perto dela, ficando do
outro lado da bancada da cozinha.
— Precisamos de uma conversa — a abordo.
Ela se vira para mim e dá um pulo para trás, como se tivesse levado
um susto. Depois, desliga o objeto barulhento e se vira de frente para mim,
escorando-se no mármore da pia, mas não me olha. Encara o chão.
— Desculpa pelas coisas que falei — ela pede, levando seus olhos até
os meus.
Sinto meu cenho enrugar, sem entender.
— Eu não falei sobre seu pênis porque estava dando mole para você.
Eu falei sobre isso porque eu me sinto sua amiga, e eu achei que não tinha
problema. Eu converso sobre qualquer coisa com meus amigos, e alguns
deles não ficam excitados por isso. Tudo bem que você... que você me disse
que eu te excitava, mas depois.... mas depois eu achei que tinha passado
porque você voltou a agir normalmente. Dormimos juntos sem querer, no
dia da tempestade, depois passamos o resto da semana fazendo isso,
abraçadinhos. E, não Nick, eu não vi maldade nenhuma nisso. Eu não dormi
com você pensando em te beijar ou ir para a cama com você depois. Eu
dormi com você porque eu gostei de fazer isso, porque foi bom e me fez
feliz. Eu não estava dando mole para você, da mesma forma que não estava
quando você me viu pelada, saindo do banho ou trocando de roupa. Eu sei
que tenho essas manias feias, mas aos poucos estou me livrando delas.
Então, me desculpe por te fazer pensar de outra forma.
— Não. Eu não pensei de outra forma. — Dou dois passos até ela,
ficando dois centímetros a sua frente. Cruzo os braços sobre o peito, e ela
desvia o olhar.
— Eu sei que erro. Sei que é culpa minha. Eu acabo fazendo os caras
pensarem errado, mas não era minha intenção. Não era.
— Mas era a minha.
Ela volta com seu rosto para mim, me encarando por cima de seus
cílios. Descruzo meus braços, sentindo meu coração bater forte contra
minha blusa, bem como minhas mãos suarem e um frio percorrer por minha
barriga, de nervosismo.
— Eu te beijei porque você estava certa, porque eu reprimo meus
sentimentos. Eu queria fazer aquilo há muito tempo.
— Mas você tem...
— Uma noiva. Sim, eu tenho e me sinto horrível por isso. Mas você,
Carina.
Ela fixa os olhos nos meus. Seu peito sobe e desce, evidenciando sua
respiração descontrolada.
— Você é irresistível. Você... você está me deixando louco. Não paro
de pensar em você.
Ela faz que não com a cabeça, virando o rosto para o lado outra vez,
se esquivando de mim. Fazendo isso, sua respiração diminui, mas a minha,
do contrário, só de eu olhar para seus lábios rosados, só aumenta.
— Não posso negar que fiquei muito balançada. — Ela volta com seu
rosto para o meu, mas suas feições estão sérias. — Você não é mais o
mesmo, Nick. Você é um homem agora, e, sim, eu também me sinto atraída.
E essa intimidade toda que estamos tendo não vai nos ajudar a controlar o
que estamos sentindo.
Como?
— O que disse? Controlar o que estamos sentindo? Estamos?
— Você acha que eu não pensei um monte de coisa depois do beijo?
Nicolas, eu gostei, e é por isso que estou tão brava! E não é só pela Alicia.
É porque está errado. Você é como se fosse meu primo. Fomos criados
juntos, brincávamos juntos. Eu olho para você e penso no Caio, no
Bernardo. Eu sempre conversei sobre tudo com eles, desde os super-heróis
até sexo. E não, nunca senti vontade de ir para a cama com eles. E seu
irmão é daquele jeito, pega todo mundo, e ele nunca deu em cima de mim,
bem como eu também nunca me senti atraída por ele. O que estamos
sentindo está errado. Não podemos fazer isso. Por mais que sintamos
vontade.
— Então você também quer isso, Carina? Você também quer ficar
comigo?
— Não. Quer dizer, eu quero, mas estou dizendo que quero me afastar
de você. Porque é melhor assim. Não quero ser sua amante. E também não
quero te beijar porque você não é um cara que eu deveria beijar.
Pego em seu braço.
— Cá... não faz isso.
Carina olha para minha mão apertando seu braço fino, levanta seu
rosto para o meu, me fazendo encontrar com seus olhos azuis fascinantes
presos aos meus. Seus lábios se abrem em uma linha fina, quando ela emite
um único sussurro:
— Nick...
Sendo guiado por um desejo incontrolável, me aproximo dela e toco
seu rosto com as costas da minha mão, fazendo-a fechar os olhos ao sentir
meu toque. Passeio por sua boca com meu polegar, pressionando sua nunca
com minha outra mão. Meu coração alcança minha garganta,
descontrolando suas batidas a cada respirada de Carina sobre mim.
Ela abre os olhos e me encara fixamente.
— Eu não quero atrapalhar você com a Alicia — diz, com meu dedo
ainda sobre seu lábio.
— Você não atrapalha.
— Nick, você tem uma noiva. — Sua voz sai rouca, e seus olhos,
fixos, estão concentrados nos meus. Ela morde o lábio inferior e olha para o
lado, desviando seus olhos dos meus. Passo meu dedo outra vez por sua
boca, trazendo seu rosto meigo e ao mesmo tempo sensual de volta para
mim.
Eu seria capaz de beijá-la de novo. E de novo. E de novo. Ainda mais
com ela me chamando de Nick. Isso sempre foi tão perturbador. Só ela me
chama assim... Só ela!
— Só você me chama de Nick, e eu sempre achei isso uma gracinha
— confesso, provavelmente apresentando um rosto meio embasbacado.
Mas não importo. Estou gostando disso. Aproximo meu rosto mais ainda do
dela, quase selando nossos lábios.
— Nick. — Ela tira minha mão de seu rosto e me encara, séria, mas
seus olhos ainda estão concentrados nos meus. — Você vai se arrepender.
Eu só serei um momento.
— Está enganada. E mesmo que você for um momento, que seja meu
melhor momento.
Ela sorri, parecendo mais leve agora. É aí que eu que eu aproximo por
completo nossos rostos e colo nossas bocas, sentindo sua respiração quente
tocar o meu rosto. Seus lábios macios tocam os meus, suas mãos, ágeis,
rapidamente enroscam-se em meus cabelos e sua língua quente toma a
iniciativa de sugar a minha para sua boca.
Laço a cintura fina de Carina com meus braços, empurrando-a para de
encontro com o mármore da pia. Meu coração acelerando cada vez mais em
minha garganta, enquanto sua língua me suga, suas mãos puxam meu
cabelo, e as minhas passeiam, sem qualquer receio, toda a extensão do seu
corpo bem distribuído.
Sinto meu membro pinçar contra a barriga de Carina, fazendo-a
emitir um grunhido, que me excita mais, trazendo ondas de calor por todo
meu corpo. Suas mãos me puxando para si. As minhas apertam sua cintura,
sobem por dentro de sua camisa e encontram seus seios. Desgrudo nossas
bocas, descendo minha língua para seu pescoço. Lambo-a, sentindo seu
gostinho de morango, enquanto suas mãos pressionam o mármore da pia e
ela arfa, gemendo baixinho.
— Te quero, garota — murmuro em seu ouvido, passando a língua no
lóbulo de sua orelha, o que a faz arfar outra vez. — Te quero muito. Você
não sabe o quanto. — Levo meu rosto para o seu, fazendo nossos narizes se
encontrarem. — Você me quer?
— Quero, Nick. — Ela me beija rápido, sugando meu lábio inferior.
— E preciso.
Sinto um sorriso preencher meus lábios. Carina tira os óculos do meu
rosto e os coloca sobre o mármore da pia. Depois, gruda outra vez nossas
bocas, enquanto eu a pego pela cintura e a arrasto para fora da cozinha.
Quando passo pela porta do meu quarto, coloco minhas mãos dentro
de sua blusa, tirando-a pela cabeça, o que faz seus seios saltarem para fora,
enroscando seus mamilos durinhos em meu peito.
Sentindo minha excitação gritar em mim, deito Carina sobre minha
cama, deitando com meu corpo sobre ela. Esfrego minha dureza na entrada
de seu sexo ainda coberto, para que ela me sinta, ao mesmo tempo em que
passo minha língua na entrada entre seus seios. Carina se contorce na cama,
com uma mão puxando meus cabelos. Desço minha língua para sua barriga,
enquanto que com minhas mãos puxo sua bermuda pelas pernas, trazendo
com ela sua calcinha preta umedecida.
Sorrio para o que vejo. Lindo como um sonho.
Minhas batidas aceleram ainda mais em meu peito e minha ereção
pula, como um cão feroz, prestes a atacar. Ajoelho-me sobre a cama,
abrindo o zíper da minha calça, puxo meu membro para fora, massageando
toda sua extremidade, sua cabeça mela minha mão, e vejo Carina olhar no
fundo dos meus olhos enquanto o mostro para ela.
Encurvo-me sobre o corpo da minha loira, lambendo sua barriga,
enquanto agora minhas mãos esfregam seus seios macios. Desço minha
boca para seu sexo e, com ajuda do meu polegar e do meu indicador, abro
sua entrada e passo minha língua, para sentir o seu gosto, um gosto amargo,
mas delicioso. Carina se contorce outra vez, gemendo baixinho. Ela me
afasta de si e me encara.
— Por favor — ela diz, tocando meu rosto com as costas da mão, e
por um momento sinto meu coração bater menos forte.
— O que foi? Quer parar? — Acho que meu rosto transmite a
decepção que sinto.
— Não, claro que não. — Ela abre um sorrio maroto. — Eu quero
logo. Deixa as preliminares para depois. Mas, por favor, devagar. E com
carinho, tudo bem?
Assinto e também abro meu sorriso maroto.
— Do jeito que você quiser. — Beijo sua boca levemente, de modo
que seguro meu pênis com minha mão e o encaixo em sua entrada úmida e
apertada, sentindo sua unha penetrar em minhas costas e sobretudo um
prazer inigualável percorrer por cada poro do meu corpo.
Sentindo meu pênis ser pressionado pela extremidade apertada do
sexo de Carina, um grunhido me escapa pela garganta, ao mesmo tempo em
que minhas batidas voltam a bater com toda força, feito bateria de escola de
samba no carnaval.
Carina solta suas mãos de minhas costas para segurar meus cabelos
com uma mão e, com a outra, trazer o lençol para entre seus dedos,
enquanto eu começo a seguir o ritmo frenético de estocar e destocar seu
espaço apertado.
Olho para o rosto dela, que desvia constantemente o olhar, e
estranhamente vejo tudo, menos prazer. Parece decepção. E medo. E raiva. E
nojo. E mágoa. E milhares de outras coisas, todas no mesmo rosto contraído.
Seria por causa de Alicia? Seria por sermos quase primos? Ou seria pela
culpa de estar corrompendo o garoto certinho?
Não tenho tempo para pensar em muitas coisas no momento, porque o
prazer que eu sinto é o que fala mais alto. Em uma única vez em toda minha
vida, esqueço que tenho que proteger, que tenho que sempre parar o que é
bom para mim e perguntar a qualquer pessoa que seja se está tudo bem. Por
um momento na minha vida, tenho um momento egoísta e penso em mim.
Fecho os olhos e penso só em mim. Penso na liberdade misturada com
prazer e satisfação que sinto. Penso no meu membro sendo pressionado
gostosamente e tão prazerosamente como está no momento por seu sexo
apertado, seu clitóris pulsante tocando sua cabeça, no vai e vem de nossos
movimentos. Na real, dos meus movimentos.
Abro os olhos e a vejo fechar os seus. Ela arpeja para trás e geme
fraco. Em seguida, abre os olhos lentamente, mas ainda sem me olhar. Olha
o vazio do quarto, um nada em minhas costas. Observo-a. E como se tudo
aquilo já não fosse mágico o suficiente, exatamente no mesmo momento em
que ela goza, estremecendo o corpo devagarzinho debaixo do meu, uma
onda quente, que não veio nenhum momento antes, e não voltará nenhum
momento depois, lava a nós dois.
Caio ao lado dela, sentindo meus joelhos doerem, cansados.
Olho para o lado e vejo Carina paralisada encarando o teto, o rosto
sério. Giro meu corpo para ela. Deixo meu momento egoísta de lado e
penso nela. Penso no que há de errado, penso que talvez eu não tenha a
satisfeito, que fingiu para que eu acabasse logo com aquilo, que eu deveria
ter demorado mais, que fui muito rápido. Abro a boca para perguntar se está
tudo bem, mas sou cortado por um sorriso grande, leve, diria que de alguém
que precisava se libertar, saindo dos lábios mais deliciosos que já provei.
Desço meus olhos para meu corpo nu suado e gozado e abro um
sorriso pequeno, me achando bobo e satisfeito pelo que acabara de
acontecer. Nessa hora, o transe se esvaindo, me fazendo levar meus olhos
para minha mão esquerda sobre a cama, parando bem no meu dedo anelar
brilhando. E só então... só então penso no erro que acabei de cometer, um
erro que, por um motivo desconhecido, não faz eu me sentir nenhum pouco
mal. Carina estava certa. Aqui está o meu lado obscuro.
E gostei do que fiz.
Capítulo 26
A gente faz amor por telepatia
Mania de você
Já tirando a poeira
(...)
Sempre, sempre
Eu só me apavorei, apavorei
Mal consigo pensar, raciocinar, ter uma opinião sobre o que aconteceu
entre Alicia e eu. Meu coração não está feliz, como achei que ficaria
quando isso acontecesse ou quando dormíssemos juntinhos. Não senti
aquele aquecimento em meu coração que sentia quando pensava na
possibilidade. Para falar a verdade, na maioria do tempo, me pegava
recordando de Carina, e sentia sua falta. Quando acordamos, tudo que senti
foi um pouco de indiferença e culpa. E nojo. E receio. E medo. E raiva. E
repulsa. E diversos outros sentimentos que não convinham. De mim. Dela.
De Carina.
Mas o que mais tem me incomodado é que, mesmo que eu não lhe
diga que amo e que não demonstre que estou feliz, Alicia, desde ontem, está
em cima de mim o tempo todo, me sufocando, falando sobre como nossa
noite de amor foi especial, sobre como seremos felizes outra vez e o quanto
está feliz pelo que aconteceu.
Não transamos outra vez. Não que ela não quisesse porque, assim que
acordou, ela me olhou e sorriu. E me beijou, me tocou. Depois que tomei
banho para vir ao hospital visitar seu pai, me beijou outra vez e ameaçou
tirar minha camisa. Mas não a permiti ir mais além outra vez. Usei a
desculpa de que iriamos nos atrasar para o horário de visita no hospital, o
que quase ocorreu. Chegamos vinte minutos após o horário marcado.
Agora, estamos aqui assistindo senhor Carlos falante, nos lançando muitas
perguntas comprometedoras:
— Como está o namoro de vocês? — Mais uma, depois da primeira,
que foi “Já marcaram a data do casamento?”.
Não respondemos. Não sabemos o que responder. Então, senhor
Carlos encara nossas mãos, que não estão enlaçadas uma na outra. Aliás, ele
parece se dar conta de que só Alicia usa aliança, pois abre a boca em um
“o”, surpreso, ao olhar para minha mão esquerda.
— O que houve com sua aliança, meu filho? Perdeu?
— Ele precisou tirar porque estava muito apertada no dedo dele, papai
— Alicia responde rapidamente, como se já tivesse ensaiado para aquilo.
Encara-me ao levantar a cabeça, já que está sentada no banco
desconfortável de ferro que tem em frente à cama do seu pai. — Não foi
isso, amor?
— Foi sim, Seu Carlos — confirmo, mentiroso e cínico, encarado
meu ex-sogro em minha frente, com seu tronco coberto por gesso e
ataduras, o que me faz sentir pena só de olhar, e deitado, incapaz de agir
contra mim caso eu comece a responder com sinceridade.
Ele ri, fazendo que não. Não é burro. Claro que sabe que algo não vai
bem entre eu e Alicia.
O sorriso dele se desmancha rapidamente, pois parece sentir dor por
simplesmente rir. Segundo os médicos, ele vai sofrer um pouco com dores
pelo corpo e precisará ficar um bom tempo em repouso, sem trabalhar, sem
fazer muito esforço, uns três meses pelo menos. Mas, graças a Deus, ele
tem Alicia. Senão não sei como seria a vida dele.
— E vocês dormiram juntos? — Terceira pergunta comprometedora.
Posso pedir aos médicos para sedá-lo outra vez ou estarei sendo insensível?
— O que foi? Por que o silêncio? Vocês não vieram de Santa Maria hoje
para me ver. Não enfrentariam seis horas de trânsito. Vocês estão
hospedados em algum hotel de Porto Alegre, estou errado? E espertinhos
que são e se nada tiver saído do meu controle. — Ele volta a olhar para meu
dedo sem a aliança. — Vocês não iam perder a oportunidade de ficarem
juntos, de dormirem juntos e fazer sabe-se lá o quê!
— Que besteira, pai. — Alicia faz que não.
— É preciso que um velho se arrebente todo para um engraçadinho se
meter entre as pernas de sua filha! — ele rosna, me encarando de lado, e faz
que não outra vez.
É nesse momento que me dou conta do erro que foi ter tirado a
virgindade de Alicia. Se eu a largar, além de magoá-la, terei grandes
problemas com seu pai. O velho nunca mais me deixará em paz. Vai me
aborrecer pelo resto da vida, exigir que me case com sua filha, que faça
todos os seus gostos.
Meu telefone toca, me despertando. Tiro o aparelho brilhante do meu
bolso e encaro sua tela. É a pequena Nicole me ligando. Agora que tem um
celular, ela não para de fazer isso. Alicia diz para eu não atendê-la, já que
acabamos de entrar no quarto, mas não consigo ignorar a garotinha.
— Já volto — aviso, dando as costas e saindo do quarto. Não posso
deixar de perceber a careta do meu ex-sogro e a expressão de insatisfação
no rosto de Alicia. — Olá, minha pequena.
— Que saudade de ouvir sua voz, Nico!
— Também estava morrendo de saudades de ouvir a sua.
Ela dá uma risadinha meiga, me fazendo sorrir.
— Como você está?
— Estou bem. Estou feliz porque a tia Ruth está aqui em casa
cuidando de mim, e o Marlon também veio. Ele também adora os super-
heróis dos desenhos, você sabia?
— Não sabia.
Ela dá um suspiro, ficando em silêncio. Sento-me no banco grande e
acolchoado de espera, que fica de frente para a recepção do hospital, entre
os quartos dos pacientes da UTI.
— Sabe, Nico, depois que você ficou afastado de mim, por causa de
um motivo que não é a Carina...
Meu coração dói por ouvir este nome sair da boca da garotinha. A
verdade é que também já estou com saudades da loira, mas não posso ficar
pensando muito nela. Penso em voltar com Alicia, preciso voltar com
Alicia. É o certo. É o que devo fazer. Mas por que até Nicole faz eu me
lembrar dela? Como pedir à pequena que evite falar esse nome perto de
mim sem admitir minhas verdades? Por que todos os caminhos parecem me
levar para o lugar que não devo estar?
— Eu fiquei me perguntando: por que eu gosto tanto do Nico? Por
que sinto tanta saudade dele? Por que eu o amo tanto? E sabe o que eu
descobri? Sabe por que eu sempre te amei?
— Não — respondo simplesmente, com toda paciência que tenho.
— Porque você é minha alma gêmea, Nico. Veja só: nossos nomes
são tão parecidos. Você nunca reparou? Nico de Nicolas e de Nicole.
Penso em dizer que sempre gostei de ter nossos nomes semelhantes,
apesar de nunca ter comentado com ela, e que adorei a ideia sobre sermos
almas gêmeas, mas a tagarela não se cala:
— E gostamos das mesmas coisas. De heróis, da igreja, da Lice e
também da Carina. Quando vou vê-la de novo, Nico? Já estou com
saudades dela. Eu achei ela tão linda!
Fico em silêncio.
Nem eu sei quando e se verei a loira, imagina você, Nicole.
— Hein, Nico, quando você vai me levar para vê-la? Ela me
prometeu fazer um coque como o dela no meu cabelo.
— Não sei, pequena.
— Sabe, Nico, a Lice pediu para não te dizer isso, mas você é meu
melhor amigo e eu não vou esconder as coisas de você.
— O que a Lice disse? — Me finjo de interessado para que a pequena
não se sinta mal com meu nítido desinteresse por uma conversa com ela no
momento. Mas prefiro estar aqui com ela a ficar com senhor Carlos me
fazendo muitas perguntas.
— Ela me disse que não gosta da Carina porque sua prima é a vilã
da história. Eu não entendi muito bem por que a Carina é vilã se ela é tão
bonita e legal com as pessoas, mas eu não sou burra. Eu sei que a Lice está
com ciúmes porque a Carina é muito bonita e mora com você, te vê todos
os dias, e a gente não. Mas, Nico, fala para ela, fala para a Lice que
primos não namoram e que você ama a Lice. Fala para ela. Eu não quero
que a Lice fique de mal com a Carina. Eu gosto das duas. Então, Nico, fala
para ela que é ela quem você ama. Fala isso para ela. Por favor.
Fecho os olhos bem apertados, para tentar me manter calmo e não
desabafar para minha pequena amiga minhas verdades, que eu queria fazer
ao contrário: queria dizer a Carina que a amo e que já sinto muita falta dela
e que sou um tolo por ter dito todas aquelas coisas. Que me sinto tão mal,
tão infeliz, com tudo isso, com esse meu desejo errado. Que eu deveria estar
feliz por estar outra vez com Alicia, por termos transado, por termos dado
um passo à frente, mas não estou. Só consigo pensar na loira.
— Eu vou falar — digo a Nicole, deixando meus olhos se abrirem.
Vejo, parada a alguns passos de distância, uma Alicia encostada no
batente da porta do quarto do pai. Ela me encara e levanta as palmas da mão
ao alto, em um gesto como se estivesse incomodada com minha atenção
para Nicole.
— Você me promete?
— Prometo, pequena — prometo, sem sinceridade aparente na voz,
mas Nicole não percebe por ser criança, por ser pura.
— Ai, eu fico feliz. A Lice também vai ficar. Agora vou desligar. A tia
Ruth está peteando meu cabelo para eu ir para a escola. Hoje tenho aula
de Artes. Vou desenhar o Homem de Ferro para você. Não, não. Eu vou
desenhar o Superman e a Mulher Maravilha loira e aí eu vou trazer para
você levar para a Carina de presente, tá bom?
Rio fraco e digo que a Carina vai adorar.
— Tem certeza que ela vai gostar, Nico?
— Claro.
— Então tá. Beijo.
— Beijo, pequena. — Desligo o celular e encaro sua tela vazia.
Nenhuma mensagem de Carina. As que enviei ainda estão todas ignoradas.
Abro o aplicativo de mensagens e vejo meus dedos se descontrolando
e escrevendo um pequeno texto à loira: Eu te amo. Apago o texto,
expirando, soltando o ar pela boca. Meu peito subindo e descendo, meu
coração apertando, se exprimindo, parecendo estar desconfortável em meu
peito grande.
O que sinto por Carina vai além da carne. Está no coração! Eu não
confundi meus sentimentos, eu a amo e reprimi isso, como ela me disse
naquele dia no banheiro, toda linda, rebolando seu bumbum e me olhando
com seu olhar distraído. Que saudade... Que dor, meu Deus! Por que isso?
Por quê?
— Meu pai perguntou por você — Alicia me avisa, de modo que se
agacha à minha frente, me trazendo de volta para ela. — Você está bem? —
Ela cerra os olhos e repara em meu rosto, parecendo me estudar. — Parece
cansado, abatido... triste.
— Preocupado — minto. Levanto-me, ficando à sua altura, e guardo
meu celular dentro do bolso.
— Preocupado?
— Com as perguntas do seu pai — completo.
— Nós vamos ficar bem. — Ela dá um último passo, ficando
completamente colada a mim, sua boca quase na minha. Passa suas mãos ao
redor do meu pescoço e acaricia meus cabelos da nuca. Depois, me envolve
em seus braços, e eu retribuo também envolvendo os meus em sua cintura.
— Vamos dar um jeito nisso.
Capítulo 37
Nós voltamos.
Alicia e eu.
Não tinha como eu não voltar para ela depois que senhor Carlos
acordou e perguntou como estava nosso namoro. Agora, quase uma semana
depois, ele já passou por todas as cirurgias que precisava e foi transferido
para um hospital de Santa Maria. Por isso, já estamos de volta a Santa
Maria, em nossas casas.
Tudo voltou à latência inicial, às suas normalidades, e isso, ao mesmo
tempo em que me acomoda, me incomoda. Incomoda-me porque sinto falta
do que fui com Carina: um Nicolas obscuro, porém livre. Acomoda-me em
mim mesmo, porque eu voltei a ser o mesmo Nicolas pacato de todos os
dias: o cara ideal, que metodicamente telefona para sua noiva, todas as
manhãs e noites.
Estar com Alicia de novo não tem sido como no início. Tenho a
ligeira sensação de que ela não me perdoou, mas que voltou para mim por
medo de me perder, chegando ao ponto de me puxar para a cama, para
transarmos.
Com isso, passei a enxergá-la com outros olhos. Perdi o interesse em
ligar, procura-la e mima-la. Faço por mera obrigação. Nem a beijar tem sido
como era antes de toda essa confusão acontecer. Coloquei minha aliança de
volta no dedo, mas a sensação não foi tão boa como quando a coloquei aqui
pela primeira vez. Parece tão sem sentido... sem valor.
Sobre Carina, voltar para casa me trouxe um vazio muito grande. Meu
apartamento está completamente vazio sem ela. Não a vi a semana inteira
porque, quando acordava, ela já havia saído, não me dando a oportunidade
de lhe oferecer alguma carona. Quando chegava, estava em seu quarto,
trancada, dormindo. Claro que não a incomodei. Não me sinto mais íntimo
a tal ponto. Só que hoje, sexta-feira, não tive aula, então estou em casa
desde que retornei do trabalho, assistindo a um canal futebolístico na TV.
Será a primeira vez que verei Carina depois de tudo que aconteceu.
Penso se devo fazer uma janta, pois a loira está prestes a chegar da
faculdade e certamente estaria com muita fome, como sempre. Se bem que
não faço ideia de como será nossa relação depois que nos encontrarmos. Do
jeito que conheço seu orgulho, é capaz de ela não aceitar algo feito por
mim. Certamente vai me ignorar, como ignorou todas ligações e as
mensagens que lhe enviei na semana passada, como me ignorou depois de
eu tê-la ofendido, como me ignorou quando a beijei e como me ignorou na
primeira semana quando questionei suas manias.
Levanto do sofá e encaro a cozinha do meu apartamento, dando
alguns passos até chegar a ela. No mesmo minuto, Carina também entra na
cozinha, me fazendo entender que estava em casa, no quarto, esse tempo
todo. Ela pega algumas coisas de dentro da geladeira, coisas suas, como
danone, garrafa d’água. Olho para detrás dela e vejo que ela carrega duas
malas, as mesmas que ela trouxe quando se mudou para cá. Depois que
pega todas suas coisas na geladeira, ela passa por mim, mas não me
cumprimenta. Escoro-me no mármore da pia, vendo-a arrastar suas malas
para a sala. Mesmo sentindo o receio tomar conta de mim, a cumprimento:
— A gente não se fala desde aquele dia... — começo, e ela não me
responde. — Eu mandei algumas mensagens. Não sei se recebeu.
— Está tudo bem, Nicolas, já disse. — Ainda arrastando as malas, ela
não me olha. Agora, está quase na porta da sala.
— Você. — Aponto para as malas dela, esperando por uma
explicação.
— Eu estou indo para aquela república, sabe, que eu havia te falado
antes. Acho melhor agora que você e a Alicia voltaram e ela sabe de mim.
Ficará uma situação meio chata. Mas obrigada por ter me recebido aqui e
também por ter me aturado — ela ainda zomba, brincalhona. Ainda não me
olha, mas está com um leve sorriso na boca, como se ela estivesse bem,
como se tivesse voltado a ser a mesma Carina de antes.
E isso me traz, para dentro do meu coração, uma insegurança
indescritível.
— Não tem por que agradecer. — Eu deveria dizer "você pode voltar
quando precisar ou quiser", mas não sei se devo dizer isso. É certo que não.
— Então é isso. Tchau. — Ela levanta o rosto e me lança um olhar
vago. Com certa dificuldade, puxa as duas malas pelas suas alças, as
arrastando para fora do apartamento.
— Não quer que eu te leve?
Ela levanta o olhar, trazendo seus olhos para mim e me olhando
daquele jeito que eu tanto gosto, me enfeitiçando.
— Não precisa. O Guga vai me levar.
— E, ah, claro, o Guga. — Suspiro, sentindo uma pontada de ciúmes.
— Ele está lá em baixo. Eu consigo levar as malas até lá.
Ela consegue atravessar a porta com as malas, mesmo com certa
dificuldade, a ponto de fazer uma careta. Mas, me dando conta de que nem
até o elevador ela conseguirá levar as malas, ainda insisto:
— Deixa que eu te ajudo. — Vou até ela, segurando na alça de uma
mala.
Ela levanta o olhar, jogando o cabelo para o lado, e me encara com
uma expressão de repúdia no olhar, um olhar capaz de me fazer entender o
real sentimento que ela tem por mim, mesmo que disfarce bem. Seu
desprezo finca em meu peito como uma faca afiada, me ferindo.
— Não precisa — ela diz e vira as costas, enquanto eu mal consigo
me mexer. Mas vejo-a, mesmo meio atrapalhada, chegar até o elevador,
arrastando as malas pesadas. Ela entra nele e me encara fixamente, como se
esperasse que eu dissesse algo. Mas eu não digo, pois não tenho o que dizer.
E eu vejo.
Eu sou capaz de ver um par de lágrimas brotarem nos cantos de seus
olhos. Não sei por que, um alívio me preenche, por presenciar isso. Como
que para impedir que um choro comece, ela morde a boca, faz que não e
aperta o botão para que as portas do elevador se fechem. Então, como uma
cena melancólica de filmes românticos, as portas se fecham e, aos poucos, a
rosto de Carina desaparece, até sobrar duas portas metálicas, reluzindo
minha imagem.
Olho para trás e vejo a porta aberta do meu apartamento e entro no
espaço. Bato a porta lentamente atrás de mim, guiado pela melancolia que
ainda está presa a mim. Vou até a cozinha e penso em voltar a cozinhar, mas
a vontade é tão pouca que mal consigo sequer chegar perto do fogão.
Trinco meus dentes. Eu não vou chorar. Eu não deveria chorar por
isso. Mas uma lágrima escorre por meu rosto. E eu choro por deixar a
garota que eu sempre gostei partir bem depois que consegui tê-la, coisa que
eu nunca imaginei que fosse possível.
Deixando o par de lágrimas correrem por meu rosto, caminho em
direção ao meu quarto, mas antes checo o banheiro. Sorrio, por recordar da
cena inusitada de Carina tomando banho lá, de porta aberta. Seu corpo de
violão no reflexo do vidro do box. Abaixo o olhar, em negação, e vou até o
quarto dela, onde, do lado de fora, vejo o vazio que está, ao contrário do
meu coração no momento, que está cheio de sentimentos guardados. Além
de amor, há insegurança, incerteza, saudade e medo.
Entro no quarto e sento em sua cama. Depois, passo a mão no colchão
macio sem lençol. Fecho meus olhos e me lembro do dia do episódio da
barata e também do dia em que escovava os cabelos, e eu me sentia feliz
por compartilhar esse momento com ela. Lembro também da semana da
tempestade, dias estes que dormimos juntinhos, não aqui em seu quarto,
pois era sempre no meu.
Lembro-me da sua mudança de humor; alguns dias, estava abatida,
chorando por algum motivo que até hoje não conheço. Em outros, ela
estava animada, dançando na cozinha e me chamando para um beijo, depois
uma transa muito gostosa. Assim como no humor, também havia uma troca
constante em suas roupas de dormir; alguns dias, usava o pijama da Gata
Marie ou a camisola do Smurfs. Noutros, a camisola vermelha sexy, ou um
pijama bem decotado, marcando seu corpo cheio de curvas, me deixando
louco.
Quando enfim nos beijamos, no banheiro. Nossa transa desesperada
um dia depois. No dia seguinte também. Tão ousada, ativa. Sorria
maliciosamente quando eu penetrava nela. E seu olhar, seu sorriso, seu jeito
bem sensual de empinar o bumbum para pegar algo na dispensa da cozinha.
Sorrio com a recordação, que murcha quando me lembro das piadas
grosseiras que ouvia da boca dos amigos do meu irmão sobre ela, quando,
por exemplo, estávamos jogando vôlei na piscina lá de casa falando sobre
mulheres.
Na época, Carina não tinha nem dezessete anos, mas já havia
começado sua vida sexual, inclusive, com alguns carinhas do colégio,
pessoas que eu conhecia. E isso começou a me incomodar porque todo
mundo falava mal dela. Eu pensava que a culpa era dela, por agir assim, por
permitir isso.
— Garota como ela se diz "não" para mim é porque está se fazendo
de difícil. — Lembro-me disso sair da boca de um deles. — Só insistir mais
um pouquinho que ela abrirá as pernas fácil-fácil para mim.
— Com ela não é difícil — o outro falou. Esse era o Vinny. Ele
sempre a quis, até que conseguiu, pois ela sempre foi caidinha por ele. Não
de amores, mas de vontade mesmo. Afinal, toda garota era. Vinny era o
garanhão da escola.
— Muito gostosa, fala você. — Lembro-me da fala de outro amigo do
Bernardo, sentado no sofá lá de casa, depois que soube pelo Vinny que ele e
Carina também haviam transado casualmente, coisa que nem gosto de
lembrar porque presenciei.
Algumas semanas antes do ocorrido com Leonel, teve uma festa na
casa dos meus pais. Bernardo reuniu alguns amigos, fez um churrasco,
liberou a piscina, como sempre costumava fazer. Carina estava lá, Vinicius
também, além de outros amigos do meu irmão. Os dois, como estava claro
há algum tempo, queriam se pegar. E foi o que aconteceu. Só que, como
estavam na casa dos outros, o máximo que eles poderiam fazer era trocar
alguns beijos e algumas carícias, e não terem sido porcos e agirem como
agiram.
Na casa dos meus pais, tem um quartinho em que o caseiro guarda seu
material de limpeza da piscina. É tipo uma casinha. Quando eu era criança,
sempre me escondia lá quando brincava de pique-esconde. Mas, adulto,
nunca fiz sexo. E foi o que Vinicius e Carina fizeram. E eu assisti tudo de
perto, sem querer, porque fui pegar a bola que estávamos jogando na
piscina. Ela caiu bem de frente para a casinha.
A cena eu nunca esqueço: Carina estava de costas para mim, subindo
e descendo do colo do Vinny, que beijava o pescoço dela. Com uma mão,
ele apalpava um de seus seios, que estava para fora. Com a outra, ele a
ajudava em seus movimentos. Vinny levou sua boca para a de Carina. Foi
quando me viu e abriu um sorriso de lado, se orgulhando de sua vitória.
Eu me senti muito mal por presenciar aquilo. Um misto de náusea e
de raiva atingiu meu estômago. Afinal, presenciei a garota que eu sempre
gostei transando daquela forma tão suja, vulgar e desesperada com um dos
amigos mais próximo do meu irmão. Só que, pior do que eu presenciar, foi
meu pai e Bernardo chegarem em seguida e também presenciarem a cena. E
o primeiro, depois disso, passou a cada dia falar mal da loira e a questionar
o fato que Bia estar ficando rebelde só poderia ser influência de Carina.
Pior ainda foi no dia seguinte ouvir da boca do Vinicius os detalhes de
como foi gostoso "foder" a Carina. E seus amigos acharem divertido aquilo.
E eu culpava a loira, e ainda culpo. Pensava que, se ela se preservasse, não
falariam essas coisas dela. Acho que ela nunca soube do que eles diziam.
Ou se soube, e nunca pareceu se importar.
Meu celular toca, me acordando de meu transe. Tateio-o em meu
bolso até encontrá-lo. É uma mensagem do Bernardo, em que ele diz que
está na cidade e que deseja trocar uma ideia comigo.
— Então, quer dizer que você e a loira estão se pegando. — Bernardo
tem um copo de cerveja na mão e muita convicção nas coisas que fala.
Estamos em um bar que normalmente nos encontramos quando ele
está por Santa Maria, um lugar tranquilo, com muitos jovens universitários
da UFSM e redondezas, sinucas, chopes e petiscos. Mas, diferente do
Bernardo, eu não tenho um copo de cerveja. Tenho um copo de refrigerante
e um prato com aperitivo em minha frente, o qual eu nem toquei.
— Como chegou a essa conclusão? — pergunto.
— Minha mãe acabou desabafando com a Laura sobre sua discussão
com seu pai, na qual o assunto era você e Carina no seu apartamento,
sozinhos. Aí a Laura veio me perguntar se eu sabia de algo. No aniversário
da Beatriz, eu e você conversamos sobre seus desejos pela Carina. Mas eu
não sabia que chegaria ao ponto de trair sua noiva, Nicolas.
— Bernardo, eu não...
— Eu não estou aqui para te julgar. Eu estou aqui para te entender.
Olha, Nicolas, eu nunca traí sua irmã, apesar de muitas vezes ela dificultar
as coisas. Cara, ela não quer experimentar sexo ana...
Levanto a palma da minha mão, para que ele se cale. É o que ele faz.
— Eu não quero saber da vida sexual de vocês dois. Sentiria-me mal
imaginando você e a Laura... enfim.
— Você parece seu pai.
— Talvez eu seja a cópia dele.
— Aí que você se engana, garanhão! Daniel preza um casamento, o
respeito. Ele discutiu com o pai da loira depois que soube da traição dele.
— Ele pronuncia loira de uma forma tão cafajeste que me irrita. Lembro-me
de seus amigos, de suas conversas... —Então, ele jamais estaria no seu
lugar, traindo quem diz amar...
— Eu não estou traindo a Alicia.
— Então você e a loira não estão juntos?
— Dá para você parar de chamá-la assim? — falo alto demais, a
ponto de as pessoas ao redor de nossa mesa pararem de conversar e nos
encarar. — Deixa eu contar a minha versão das coisas.
— Calma. Pode falar.
— Eu dei um beijo na Carina quando eu e Alicia ainda estávamos
juntos. Eu terminei com a Alicia logo em seguida e depois disso que as
coisas entre mim e a Carina começaram a acontecer de verdade.
— Vocês transaram?
— É.
Ele sorri maliciosamente, gostando.
— Só que agora eu voltei para a Alicia.
— Então você tem uma amante?
— Não, Bernardo. Eu dei um fim na minha história com a loira.
— Por quê?
— Porque eu não sei se teríamos algo a mais do que sexo e, se
tivéssemos, eu não conseguiria assumi-la. Ela já esteve na cama de pelo
menos a metade dos seus amigos, é mal falada pela cidade inteira e meu
pai. — Suspiro, sentindo meu coração me engolir por inteiro. Não gosto de
me lembrar da cena dela transando no quartinho da casa dos meus pais.
— Eu sei que seu pai não aprovaria — ele observa. — E ele tem
aquele motivo. Mas, Nicolas, entende uma coisa: se você gosta dela, você
que tem que aprová-la. Esquece o seu pai, esquece os outros e o que dizem
ou disseram dela. Aliás, o que nós vimos, ele já deve ter esquecido.
— Não. Não esqueceu. Ele fez questão de mencionar no dia em que
esteve em meu apartamento. Mas meu pai é o de menos. Pior é o que eu
sinto quando eu me lembro daquela cena...
— Carina sou eu mulher — Bernardo observa, dando de ombros. — E
daí que ela era ou ainda é, sei lá, uma garota safada? Eu comia a mulherada
toda da cidade, até conhecer a Laura, e levava fama de gostosão por isso.
Por que com a Carina tem que ser diferente? Por que, só porque ela é
mulher e faz o que bem quer, as pessoas precisam repudiá-la? É o jeito dela
de levar a vida, ué. Um dia, ela irá mudar. Quer dizer, eu acho que ela já
mudou. Pelo que sei, ela nunca mais foi a mesma, pelo menos foi isso que o
Vinicius me falou ontem.
Franzo o cenho interrogativamente.
— Ele me disse que esteve com a Carina em um pub, na sexta, onde
eles ficaram e quase... hum. — Ele me olha com receio, como se não
soubesse se deveria continuar falando, e eu sei bem o que vem a seguir. —
Transaram. Só que ela, do nada, começou a chorar e dizer "Ele é um idiota,
Vinny! Eu sou linda! Olha para mim, eu não sou linda? E eu sei fazer sexo
oral tão bem! Você sabe disso, não sabe?"
Bernardo ri, achando graça da situação, enquanto eu fico sem reação,
pois não gosto de saber que ela esteve com outro. Sem falar que não
entendo aonde ele quer chegar com essa história.
— Não entendi — aviso.
— Sério? E eu que era o irmão burro. Cara, a Carina gosta de você.
Era por você que ela chorava. Era de você que ela estava falando!
Meu coração se alegra por saber, o que é refletido pelo sorriso que
deixo se abrir em meus lábios. E se for verdade. E se for verdade? E se ela
me ama?
— E eu acho que, se você gosta dela, você deveria dizer isso a ela.
— Eu não gosto da Carina, Bernardo. Eu a amo.
— Então dá um jeito na sua vida porque eu acho que seu pai não vai
gostar nada disso.
— Meu pai é o de menos, já falei. O problema é que eu a quero, não
só para foder. — Sorrio, imitando o sorriso safado do Bernardo, só por
pensar na possibilidade de repetir. — Mas também para tentar algo sabe.
Mas eu não sei. Eu tenho medo de ela achar engraçado, rir de mim, ou pior:
ter um relacionamento comigo e me trair, e as pessoas me zoarem pelas
costas por isso. Sem contar que eu disse para ela que amava Alicia e ainda
insinuei que ela parecia uma garota de programa. Não acho que ela vá me
perdoar. Ela deve me odiar agora.
— Eu casei com a mulher que mais me odiava, e estou amando isso.
— Ele arqueia a sobrancelha. Depois, dá o último gole em sua cerveja,
fazendo uma careta no final. — Esquentou. — Deixa seu copo sobre a mesa
e volta com sua atenção para mim. — Mas quer saber? Por mais que a Bia,
seu pai e a mamãe não concordem, eu gostei da ideia da loira contigo. A
Laura sempre torceu por isso. Então, dá um jeito nisso aí, sério, até porque
eu quero que você case e me dê muitos sobrinhos, porque a Lizzie nasce em
alguns meses e ela vai ficar sozinha enquanto você não lhe der um
priminho.
— Lizzie? — Franzo o cenho.
— Lizzie é o apelido da Elizabeth, sua sobrinha-afilhada.
— Então, é uma menina? — Sorrio, não só por saber do sexo da
minha primeira sobrinha, mas também pelo fato de saber que acabei de
ganhar minha primeira afilhada.
— Sim.
— Parabéns, irmão.
— Parabéns nada. Quero você se declarando para a Carina e me
dando um sobrinho menino, um garoto safadão como o tio.
— Independente da Carina, isso está muito longe de acontecer.
Ele arqueia as sobrancelhas, pega seu copo vazio e brinda no ar.
Depois, diz:
— Pode ser, mas não sei por que, mas toda vez que penso em você
tendo um filho, eu imagino um moleque loiro, levado e de fralda correndo
na casa da mamãe atrás da Lizzie. E eu tenho a ligeira sensação de que isso
está prestes a acontecer — ele divaga, o que, no seu caso, é normal.
Capítulo 38
O ensejo a fez tão prendada
— Você veio — Alicia diz, assim que abre a porta para mim.
— Nico! — Nicole pula em meu colo. Antes, atropelando a irmã. —
Estava com saudades de você.
— Também, minha pequena.
— Nicole, sai! — Alicia resmunga para a irmã, que se encolhe ao
meu lado. — Eu tenho que conversar com ele.
— Deixe-me entrar, Lice — peço, passando por senhor Carlos e
Douglas. — Douglas, Seu Carlos.
— Você vai? — Alicia para de frente para mim, na porta de aceso da
sala para a cozinha, o lugar da casa onde conversaremos, já que na sala se
encontram seus irmãos e pai. Ela cruza o braço sobre o peito e bate o pé.
Encara-me com o rosto fechado, os lábios enrugados. Emana raiva. Não
parece a Alicia que conheci, a doce Alicia que amei um dia.
Eu fiz isso com ela. Sinto-me tão mal com isso...
— Lice, olha. Já te disse, é um noivado importante. Serei um dos
padrinhos. Não posso deixar de ir no noivado deles por isso. Principalmente
por isso. E eu quero estar lá. É importante para mim estar lá.
— Deveria ser importante para você estar aqui comigo! É sábado e eu
vou ficar sozinha! — Sua voz está alta, como nunca antes. — E ela vai estar
lá, Nicolas! Como você acha que eu me sinto sabendo disso?
Nicole, que está sentada ao lado do irmão no sofá à nossa frente, gira
a cabeça para trás e olha para mim com o cenho enrugado. Ela segura seu
celular, no qual, devido ao barulho, noto que ela aparentemente joga alguma
coisa.
— Ela quem? — pergunta.
— Não é da sua conta! — Alicia grita para a pequena, os dentes
trincados.
— Alicia, tenta se acalmar. Olha como você tem agido nos últimos
dias.
— Não dá, Nicolas! Só de pensar em você com ela eu fico com muita
raiva!
— Vem cá, de quem vocês estão falando? O que eu perdi enquanto
estive ausente? — meu sogro, que está deitado no sofá assistindo televisão,
se vira para nós. — E você, minha filha, por que esse nervoso todo? Nunca
te vi assim.
— Você não sabe que tipo de homem o Nicolas é, pai! Você não faz
ideia do que ele fez comigo!
— Alicia. — Suspiro e a encaro. Ela respira tão profundamente a
ponto de seus ombros subirem e descerem como se estivessem dançando.
— Olha, minha filha, fica calma e vá conversar com o Nicolas em
outro lugar — senhor Carlos diz com paciência na voz. — Estou aqui
tentando assistir à partida de futebol e vocês dois não calam a boca.
— E eu estou assistindo a um tutorial no YouTube — Nicole pontua,
sorrindo e mostrando suas covinhas. — Estou aprendendo tantas coisas,
Nico. Depois quero até te perguntar algumas coisas. Ah! Como baixo
aplicativos e...
— Cala a boca, Nicole! — Alicia berra, descontrolada, soando
totalmente grossa. Nunca a vi assim.
Sem dizer mais nada, pego sua mão com carinho e a levo para a
cozinha. Paramos um de frente para o outro, ao lado da mesa do centro da
cozinha.
— Eu não aguento mais minha vida! — ela resmunga, cruzando os
braços sobre o peito.
Levo meu olhar para seu rosto e vejo que agora ela chora.
Aparentemente, não de dor ou tristeza, mas de mágoa. Dá para distinguir só
pelo tom da voz ou pelas coisas que a pessoa diz.
— Um inferno! Que saco!
— Alicia, acho que você precisa se acalmar. — Toco seus ombros,
mas ela, de maneira agitada e bruta, se esquiva de mim.
— Você não sabe de nada, Nicolas! O problema não é só você agora!
O problema é TUDO! Estou cansada de tudo! Queria poder ser uma pessoa
normal! Ter uma vida normal! Sem precisar trabalhar para estudar! Poder
chegar em casa e não precisar me preocupar com as contas do dia seguinte
para pagar ou com a comida que eu tenho que fazer! Roupa para lavar, casa
para limpar! A lanchonete do papai, os pedidos para fazer! E ainda tem a
faculdade: provas, seminários, textos e mais textos não lidos que vão se
acumulando! Eu fui reprovada em três matérias esse semestre, Nicolas!
Três! Queria poder chegar em casa e estudar! Só isso, Nicolas! Mas não dá!
E eu sou uma só, caramba!
Já sabia de tudo isso, que ela reprovou três matérias, que acumulava
textos porque não dava conta porque precisava fazer todas essas coisas. Só
que, desde que a mãe morreu, ela vive em prol dos irmãos e do pai, abrindo
mão de si mesma, e nunca reclamou. Parecia se sentir bem assim.
— Eu estou tentando desde que a mamãe morreu segurar todas as
pontas, mas não estou dando conta!
— Eu sei, Lice. Eu sei. — Vou até ela, lhe encaro firme e lhe dou um
abraço. Desta vez, ela não recua. Chora, desmorona em meus braços.
— Desculpa, Nicolas. Eu estou muito magoada com tudo isso. — Ela
me encara com os olhos perdidos em lágrimas. — Você com a Carina. —
Ela faz que não e se afasta de mim, depois passa as costas da mão no nariz,
limpando algumas lágrimas que também se formaram ali, se senta em uma
cadeira de frente para mim e diz: — Ela conquista as coisas que quero! Ela
tem tudo que eu sempre quis! Uma vida boa, tranquila, mora com você, no
seu apartamento! Te teve na sua cama! Ela consegue tudo, enquanto eu não
consigo nada! Patricinha oferecida! — ela rosna. — Vadia!
Não gosto do que ouço, mas não ouso defender a loira porque esse é o
momento da Alicia, o momento de ela colocar tudo para fora que ela tem
guardado por tanto tempo.
— Eu não quero que você vá nesse noivado! Eu não quero que você
chegue perto daquela vagabunda! Sempre é assim: preferem as vagabundas!
As oferecidas!
— Alicia, acho melhor você parar de falar essas coisas. Ela nunca
falou nada de você! Quando estava comigo, foi ela quem me pediu para te
falar a verdade. Ela estava comigo e pensava em você.
— Aran, sei. Pensava em mim enquanto estava em sua cama,
montada em cima de você, meu noivo! Grande preocupação que ela teve
comigo! Para, Nicolas, de defender ela!
— Não é questão de defendê-la. Só acho que se você está insatisfeita
com sua vida, você não tem que colocar a culpa em mim ou na Carina. Não
tem que encontrar alguém para despejar isso. — Abro os braços como um
redentor, fazendo não com o rosto.
Alicia ia dizer mais alguma coisa e com mais raiva dessa vez, mas
inocentemente Nicole entra na cozinha, nos interrompendo.
— Será que você não percebeu que o Nicolas e eu estamos no meio
de uma conversa? — ela rosna para a irmã, que se encolhe do meu lado, de
medo.
— Meu celular travou. Só queria saber se o Nico pode resolver.
Encaro Alicia e a vejo suspirar profundamente, forma de aliviar o
grito que certamente daria na irmã outra vez. Encurvo-me em frente à
pequena e digo:
— Vejamos. É só clicar e — brinco com Nicole. — pronto! Destravei!
Não era nada demais! — Eu passo o celular para ela, que sorri toda boba.
— Obrigada, Nico. Você é tão inteligente!
— Nada. Que isso. Depois eu te ensino a ser inteligente como eu! —
Pisco para ela, e ela sorri mais ainda, mostrando sua doçura, refletida em
suas covinhas que tanto gosto.
— Está bom. — Vira as costas em direção à porta da cozinha, mas
desiste disso e volta para mim. — Ah, eu queria que você me ensinasse a
enviar mensagem.
— Mensagem? — Eu pego o celular dela, que ela tem esticado em
minha direção. — Nossa, isso é bem difícil. Acho que vou precisar te dar
umas três aulas, pelo menos — brinco com ela, ao mesmo tempo em que
acesso sua caixa de mensagens.
Sinto meu cenho instantaneamente franzir quando noto que já tem três
mensagens enviadas. Aliás, três únicas mensagens remetidas a mim, as
mensagens que me deixaram comovido, as mensagens que bagunçaram
minha cabeça e me fizeram terminar com Carina.
Nicole: Nico, si meu papai morre quero que vosse caze com a lice e
seja meu novo papai.
Nicole: Eu to bem triste, Nico.
Nicole: Eu quero mostra pra lice que sou forte porque ela ta mais
triste que eu mas a verdade e que eu também to triste.
Olho para Nicole e vejo que ela espera por minha explicação, ansiosa.
— Você já me mandou uma mensagem, gatinha. Aliás, várias. E só
para mim. — Sorrio para ela.
— Mandei? — Ela enruga o cenho, se mostrando confusa. — Não
mandei não, Nico.
— Me dá isso aqui. — Alicia, com muita grosseria, puxa o celular da
minha mão.
Então, eu entendo. Não foi a Nicole quem mandou a mensagem. Foi
Alicia. Ela fez isso, para me manipular a voltar para ela. Encaro-a, seu rosto
expressando medo e cinismo. Faço não com o rosto diversas vezes. Não
consigo acreditar no que Alicia foi capaz. É decepcionante, mesquinho, usar
meus sentimentos por sua irmã para me manipular.
— Nicole, — Me agacho em frente à baixinha. — Será que você pode
deixar eu e sua irmã sozinhos?
— Claro. — Ela sorri, mas dessa vez sem brilho, como se enfim ela
notasse que aquilo se tratava de uma briga. Vira as costas e sai da cozinha
arrastando os pés.
— Como que você teve coragem de fazer isso, Alicia?
— Eu não queria te perder! — ela justifica, a voz ainda alta. Abaixa
os olhos, encarando o celular em suas mãos. — Já perdi muita coisa! Já me
faltam muitas coisas! Dinheiro, liberdade, uma mãe! Não poderia ficar sem
meu noivo!
— Lice, não é assim. Essa mensagem. — Aponto para o celular nas
mãos dela. — Está vendo essa droga de mensagem? Foi ela que me...
Eu ia dizer "que me fez duvidar de meus sentimentos pela Carina",
mas fecho a boca para não completar com algo que poderia magoar Alicia
mais do que ela já está magoada. Mas, ao que parece, ela entendeu o
recado, pois ela ofega ódio.
— Que fez você voltar para mim? — Ela ri, de lado, como se sua
atitude fosse aceita. — Porque funcionou, né. E você ainda foi para a cama
comigo!
— Mas não é assim, Alicia. Não é!
— Então é como? — ela berra mais alto do que todas as outras vezes.
— Sendo sincera e honesta.
— Ah, e o que você entende sobre honestidade, Nicolas?
— Eu fui honesto com você. Eu terminei com você quando me senti
atraído por outra pessoa. Eu não te enganei, Alicia. Eu disse para você que
estava terminando porque estava gostando de outra!
— Quer saber? Então volta para ela! Porque por mim já chega!
— Quê?
— É isso mesmo! Chega, Nicolas! Cansei de olhar para tua cara e ver
o quanto está sendo um tédio ficar comigo! Estou cansada de assistir você
fingir que ainda quer ficar comigo quando na verdade você queria estar
comendo aquela piranha lá! Você estava com medo de fazer isso, te poupei!
Não precisa fazer mais! — Ela vira as costas e ameaça sair da cozinha, mas
lhe puxo pelo braço, fazendo-a voltar para onde estava.
Ainda me sinto culpado. Porque a culpa de ela estar totalmente
desiquilibrada assim é minha, foi o que fiz. Preciso me desculpar por isso,
mesmo que ela não aceite. É o mínimo que devo fazer.
— Desculpa, Lice. Não queria que o fim fosse assim. E eu queria que
sua primeira vez tivesse sido mais especial. Desculpa por tirar isso de você
e...
Ela puxa o braço de minhas mãos, bufa, impaciente, abre a boca e
solta:
— Eu também te traí!
O quê?
Fico boquiaberto, inexpressável, pausado no mesmo lugar, minha
visão ficando turva e meus olhos umedecendo.
Ela.. ela não está dizendo isso para me afetar, está?
— Não, não digo isso para que você se sinta mal. — Ela parece ter
lido meus pensamentos. — Eu não era virgem, Nicolas. Eu namorei o
Gustavo. Eu o amava, então eu me entreguei para ele... mas eu nunca fui
correspondida. Mas eu me convenci de que nunca tinha feito sexo com
ninguém, até acontecer entre nós.
Faço que não, incrédulo.
— Não aconteceu de novo entre nós, né? Porque mais uma vez não
sou correspondida. Então, eu transei com um cara que conheci na faculdade
essa semana. Anderson o nome dele. Fui para a cama com ele no mesmo
dia que nos conhecemos, depois da aula. Você me ligou, lembra? E eu
estava na cama dele, na casa dele, transando com ele! Ele era bom, ele me
tocava, me desejava. Ele sentia desejos por mim! Diferente de você, que
transou comigo pensando em uma vagabunda! E quer saber? Sinto-me
digna agora! Sinto-me muito mais feliz!
Não parece Alicia! Não parece! Parece outra, só que com o rosto e a
voz dela!
E por essa Alicia, hoje, mais do que nunca sinto nojo, apenas isso.
Nojo.
— Eu estou com nojo de você, Alicia. Nojo por ter essas atitudes
medíocres.
— Nojo você deveria ter tido de se enfiar no meio das pernas daquela
vagabunda da Carina!
Faço que não, incrédulo. Essa não é Alicia. Não é. Ou então eu nunca
a conheci de verdade. É claro que eu nunca a conheci de verdade.
— Puta! Vagabunda! Vadia barata! Isso que ela é! Ai, eu odeio tanto
aquela cara de vagabunda dela! Odeio tanto ela! ODEIO! Oferecida!
Tomara que você fique com ela e seja bem corno! Tomara que ela dê para
Santa Maria inteira nas tuas costas e você nunca saiba!
— Chega! — grito com toda minha voz que tenho na minha garganta.
Ofego diversas vezes, consternado. Em seguida, um silêncio se
instaura na cozinha, e Alicia chora de novo. Sinto-me horrível por ter
gritado com ela desta maneira. Me sinto horrível. Muito horrível! Ela se
abraça e ainda chorando.
— Desculpa, Lice. Desculpe.
Ela me encara com o semblante carregado de rancor, abre a boca,
ameaça dizer alguma coisa, mas desiste. Simplesmente vira as costas e sai
da cozinha. Passo minha mão por meu cabelo e suspiro, encarando o teto.
— Nico. — Nicole surge na porta da cozinha. Os olhos brilhando de
lágrimas.
— Oi, pequena.
Ela corre até mim e me abraça pela cintura.
— Eu vou sentir sua falta — ela diz. Então, me agacho em sua frente
para encará-la nos olhos.
— Desculpa, pequena.
— Não precisa me pedir desculpas. Eu já estava percebendo que você
não estava mais gostando da Lice. E quer saber? Acho que ela também não
gostava mais de você, e nem de mim... ela não gosta mais de mim, Nico.
— Não fala isso. A Lice só está um pouco machucada, entende?
Ela assente.
— Como eu faço para ela não se sentir mais assim?
— Olha, eu não faço ideia. Mas, se eu descobrir, juro que te conto.
— Obrigada.
— Agora, posso te falar uma coisa? Um dia, quando você for adulta,
você me promete uma coisa?
— O quê? — Ela passa um fio de cabelo solto para detrás de sua
orelha.
— Não deixe o mundo te contaminar, nem as frustrações. Nada. Seja
uma pessoa boa. Tenha um coração puro como o de agora, Nicole,
independentemente de qualquer coisa. Você me promete isso?
— Urun. — Ela consente.
— E cuida da sua irmã, do seu irmão, do seu pai e de todas as pessoas
que você ama, mas nunca se esqueça de cuidar primeiro de você.
— Tá.
— Okay. Então a gente se esbarra por aí.
— Você me promete?
— Claro que sim. Moramos na mesma cidade, gostamos dos mesmos
filmes. Você tem dúvidas de que um dia não iremos nos encontrar?
— Não, Nico. — Ela passa os braços em volta do meu pescoço, me
abraçando bem forte. Dou um beijo bem estalado em sua bochecha e faço
carinho em seus cabelos. — Sei que vamos. E saiba que eu amo você e que
vou sentir muito a sua falta.
— Também te amo, pequena. — Solto-a de meus braços, para encará-
la, e aperto seu narizinho pequeno. — E também sentirei a sua falta. Agora
o Nico precisa ir. — Dou um último beijo em sua bochecha e viro as costas,
deixando para trás, a cada passo, a maior perda que terei no final das contas.
A pequena Nicolas. A grande amizade de Nicole.
Quando passo pela sala, encontro senhor Carlos que, atento à
televisão, não nota minha presença. Eu deveria me desculpar, deveria
confessar tudo de errado que fiz com sua filha, mas além de eu saber que
esse homem nunca gostou de mim, sei que, ao invés de ficar triste, vai me
agradecer por estar indo embora tão cedo. Então, o que faço é abrir a porta e
batê-la lenta e silenciosamente em minhas costas.
Conforme ando pelo quintal, uma mágoa me domina, a ponto de fazer
minha boca ficar seca. Não sinto isso por Alicia, mas por mim. Por eu ter
acreditado nela e por eu mesmo ter feito uma imagem tão boa dela, quando
na verdade ela era completamente o oposto do que eu pensava. A garota
pura, virgem e amorosa não passa de uma garota traidora, mentirosa, infeliz
e cheia de mágoas.
Valores invertidos, Nicolas. Questão da imagem que as pessoas fazem
de si mesmo, com o objetivo de se favorecerem. O mundo está cheio de
pessoas assim.
Capítulo 39
Talvez eu fosse ingênua, me perdi nos seus olhos
E nunca realmente tive chance
Sei que errei com Carina. Sei que pensei coisas horríveis e limitadas,
as quais eu nem deveria pensar. Reconheço que terminei com ela para voltar
para Alicia por pura covardia. Mas agora eu me arrependo. E me sinto
péssimo, um babaca, ainda mais depois do que soube do ocorrido com ela.
Diferente daquela noite de dois anos atrás, agora não estou ao seu
lado para ouvir o que ela tem a dizer e protegê-la nesse momento de
aceitação pelo qual ela está passando, pois, pelo que Gustavo contou, só
agora ela resolveu dividir o que sofreu com alguém, e foi com ele que ela se
abriu.
Como nunca antes, agora me sinto-me inábil, incapaz de resguardá-la,
de maneira que meus ideais e posturas acerca de proteção fossem
insuficientes para impedir que algum mal ocorra não só a ela, mas a
qualquer pessoa que eu amo. Sim, porque a amo. Hoje, mais do que nunca,
posso afirmar a mim mesmo que o que eu sinto vai além do desejo carnal.
Eu amo Carina, sempre a amei, mas escondi meus sentimentos por
pura covardia e preconceito, devido a minha aversão a seu jeito libertino e
que sempre gerou muito o que falar entre as pessoas de nosso convívio.
Mas se antes, bem antes, ainda na adolescência, tivesse confessado a
mim mesmo meus sentimentos, e depois a ela, talvez nada disso teria
acontecido. Talvez eu a conquistaria e, assim, teríamos firmado um
relacionamento, e sua troca constante de parceiros não ocorreria, impedindo
todas as más falácias, e também ela nunca teria ficado suscetível ao
desgraçado do Leonel e nada disso teria acontecido. Eu faria de tudo para
protegê-la porque ficaríamos juntos, estaríamos juntos e agora estaria tudo
bem.
Mas não está.
Pelo contrário, a cada amigo que cumprimenta meu irmão, estico o
corpo para ver se não é Leonel chegando à festa de noivado do meu amigo
Marco, festa essa que, diferente do que Alicia insinuou, não vim com o
objetivo de encontrar com Carina, apesar de o tempo todo me pegar
observando os arredores para ver se a encontro, mas com o objetivo de
bater de frente com ele e socar tanto o seu rosto a ponto de fazê-lo
desfalecer, como da última vez que o encontrei.
Estou sentando ao lado de Laura, que tem ao seu lado Beatriz. Ao
meu lado esquerdo, está Vinicius, o cara que Bernardo disse que saiu com
Carina no último sábado, e o próprio Marco e sua noiva, Renata. Nós seis,
estamos reunidos em uma mesma mesa amadeirada, com cadeiras também
amadeiradas, no estilo rústico, tema da ornamentação da festa. Eles
conversam sobre qualquer coisa que não presto muita atenção.
De vez em quando, os quatro primeiros, certamente já sabendo da
notícia sobre eu e Carina termos ficado juntos, me olham com certa
curiosidade. Ou acusação. Não sei dizer. Mas pouco importa.
Uma garota loira passa pela nossa mesa. Levanto o pescoço, pensando
ser Carina, mas a guria vira de frente e não encontro com os olhos azuis
bonitos da loira.
— Está procurando alguma coisa? — Vinicius zomba, falando
baixinho só para eu ouvir. — Ou seria alguém?
De soslaio, olho rapidamente para ele e faço que não. Vinny abre um
sorriso, dos muitos que ele sabe dar, que normalmente conquistam as
garotas, garotas essas que incluem Carina. Por hoje, irrita-me, me enoja. Ele
foi um dos caras que já provou de suas curvas. Não gosto de me lembrar
disso... de me lembrar do rosto dele olhando para mim enquanto penetrava a
loira no quartinho da casa dos meus pais e no dia seguinte se glorificando
acerca de sua conquista e, quando o fazia, ele tinha esse mesmo sorriso.
— Alguém loira e de olhinhos azuis sedutores, bumbum durinho. —
Ele morde a boca, como se estivesse delirando.
Sua atitude faz meu rosto momentaneamente esquentar. Seria capaz
de levantar-me da minha cadeira e destruir seu sorriso bonito com minhas
mãos. Mas me contenho. Guardo minha raiva para Leonel. Ele sim, mais do
que qualquer homem que tenha tocado em Carina, merece minhas mãos
sobre seu rosto.
— Vinicius, eu não quero brigar com você — digo, sem encará-lo,
pois olho firme para a entrada do salão, onde Bernardo recebe um casal de
amigos, como se ele fosse o noivo da noite. — Mas você está me deixando
bastante chateado.
— Desculpa, amigo, mas a loira não vai te assumir. — Ele dá uma
tapa em meu peito, o que me faz desgrudar os olhos da porta e mirar minha
atenção a ele. — Se conforma. Ela não assume ninguém. Não vai ser o nerd
do grupo que ela vai firmar um relacionamento.
— Garotas como Carina não merecem todo amor que você tem a
oferecer, irmãozinho — Beatriz zomba, encarando um espelho de mão
enquanto passa um batom vermelho nos lábios, depois guarda ambos
objetos na bolsa e me encara com expectativa. — Aliás, você sabe por que
ela ainda não chegou?
Faço uma pausa, reflexivo, porque também não faço ideia, e acabo
por não responder, mas Beatriz parece esquecer-se da resposta para sua
pergunta, pois começa a conversar com Vinicius sobre alguma coisa que eu
não quero saber, pois, como sempre, só penso em Carina.
Não falei com ela após a palestra de ontem. Claro que a procurei pela
universidade para saber como estava, mas não a encontrei. Até pensei em
mandar-lhe uma mensagem, dizendo que queria conversar, mas como dizer
para ela que agora eu sei e que sinto muito? E ela quer me ver? Ela quer me
ouvir?
É tudo tão confuso. Eu não sei o que uma garota deseja num momento
como esse. Ser ouvida? Abraçada? Apoiada? Meu Deus, eu não sei! Tudo
que sei é que eu gostaria de abraçá-la bem forte e dizer que não a culpo e
que a apoio.
Sinto meus olhos umedecerem conforme meu coração aperta,
esmagando meu peito com tanta força, que parece que estou sendo
sufocado. Talvez todo esse sofrimento seja um castigo divino pelo que fiz
com Alicia e com a própria Carina. Mereço me sentir assim. É claro que
mereço.
Seco meus olhos com a ponta do polegar, e, disfarçadamente, levanto
meu olhar para encarar as pessoas à mesa. Primeiro olho Laura, que agora
com sua barriga começando a aparecer, a qual ela acaricia com as mãos,
olha para Bernardo conversando com um amigo na entrada do salão, e ela
tem tanta admiração e amor em suas feições.
Após um suspiro que consigo entender como de uma felicidade vinda
do seu coração, ela põe uma mão sobre a mesa e brinca com a aliança em
seu dedo. Depois, sorri, um sorriso tão lindo, que sei que é de realização por
conseguir o que sempre desejara: o amor de sua vida. Por um breve
segundo, me permito sentir um pouco de inveja, porque também é um dos
maiores desejos do meu coração.
Olho para seu lado e vejo Beatriz sorrindo para algo que Vinny diz,
mas consigo ver que é um sorriso forçado, vazio, porque minha irmã caçula,
assim como eu, está com o coração aquebrantado, devido a um amor
perdido.
Desvio meus olhos dela, e levo meu rosto para Bernardo, que, quando
esbarra seus olhos em mim, faz um gesto estranho, cerrando o cenho,
aquele olhar de confidência, de código, que você troca com um amigo: Ei,
você não me parece bem.
Levanto-me da mesa e caminho desorientado pelo salão da festa,
quando sou parado pelo peito por meu irmão, meu melhor amigo, a pessoa
com o coração mais generoso que eu já tive a oportunidade de conhecer. Ele
me encara com nítida preocupação estampada em sua face e então abre a
boca para dizer:
— Você não me parece bem. O que está acontecendo?
Vejo-me sentando em um banco qualquer atrás de mim, e Bernardo
me acompanha. Preciso contar para ele, senão sei que posso enlouquecer.
— A Carina. — Fecho os olhos e suspiro com calma. É difícil usar
minha boca para afirmar o que há tanto tempo estava debaixo do meu nariz
e eu nunca percebi. — O Leonel, Bernardo. Aconteceu. Por isso, ela
mudou.
— Olha, meu irmão, eu já estava sabendo. Inclusive, ele está preso.
Rapidamente, giro com meu rosto para meu irmão, conforme sinto
meu cenho vincar.
— Uma adolescente da cidade foi violentada por ele essa semana e a
mãe denunciou. A Carina deu depoimento, onde ela diz que também
aconteceu com ela.
— Quando que ela depôs? Ela estava em Santa Maria até ontem...
— Hoje.
— Por que não me contou? — Levanto-me do banco, me sentindo
ficar preocupado, afinal abrir essa ferida assim deve ter destruído muito
mais a Carina, pois, se ontem já estava daquela maneira... — Por que,
Bernardo?
Mas meu irmão não responde.
— Outras pessoas sabem?
Ele faz que não, mas não me encara.
— Só a tia Lucy, tio George e eu. Não contei para a Bia, nem para a
Laura. Acho que é muito pessoal. Eu fiquei sabendo ontem, e só sei porque
o tio George ligou para mim. Ele estava desesperado. Precisava conversar,
você sabe, ele e tia não se falam mais como antes e seu pai recusou as
ligações dele. Ele precisava conversar com alguém.
— Então foi por isso que ela não veio?
— Eu não sei. — Ele se levanta e me encara com um misto de receio
e preocupação no olhar. Depois, toca meu ombro. — Mas acho que sim.
Porque, pelo que sei, ela está muito mal. Abrir essa ferida a desequilibrou.
Só de imaginar minha Cá, minha doce e sofrida loira, uma dor invade
e angustia meu peito. Seio que essa dor é merecida; mereço isso e muito
mais, afinal sou o homem mais miserável do mundo por tê-la julgado e por
nunca tê-la protegido como merecia. Preciso fazer algo, mas o que fazer?
Não posso mudar o que aconteceu...
— O que eu faço, Bernardo? — Passo minhas duas mãos pelo meu
cabelo, e dessa vez permito que meu rosto molhe com as lágrimas que
seguro desde ontem. Afinal, qual o problema de um homem chorar? — Eu
não acho que há muito que fazer... eu não posso mudar o que aconteceu...
mas eu... eu... eu gostaria de estar ao lado dela.
— Então vamos à casa da tia Lucy. Eu dirijo. Você não está em
condições de fazer isso.
— Não sei se devo. E se ela não quiser me ver nem falar comigo? Eu
insinuei que ela é uma mulher fácil, Bernardo. Tenho certeza que sou a
última pessoa que ela quer ver.
— Mas e se ela te ama?
— O que tem?
— Não acha que ela iria gostar de ter a pessoa que ela ama ao lado
dela? Pelo menos, tente, meu irmão. Não deixe a mulher que você ama
passar por isso sozinha. — Ele toca meus ombros com as mãos, apertando-
os. — Esqueça a rejeição que você pode passar e pense nos sentimentos
dela.
Assinto.
— E eu ainda quero um molequinho loiro correndo pela casa da
mamãe — completa, brincalhão, como de costume.
Permito abrir um leve sorriso, mas, por dentro, quebrado. Quero tanto
consertar tudo que aconteceu e não posso. Sou inútil. Meus ideais acerca de
proteção hoje, mais do que nunca, não servem de nada.
Capítulo 41
Um mês se passou.
Nada mudou, nada saiu das normalidades, exceto meus pensamentos
e ideais arcaicos e consequentemente preconceituosos. Agora, consigo
entender que meu preconceito em relação à Carina começou a partir do
momento em que a vi se entregando a um e outro, e que isso era um direito
dela: transar com quem bem entendesse.
Consigo entender também que, depois de tudo que passamos e de
tudo que descobri a seu respeito, talvez a loira tenha entrado em minha vida
com tanta intensidade para que tal preconceito em mim fosse quebrado. E
funcionou. Pena ser dessa forma, com ela sofrendo e ao mesmo tempo me
rejeitando, não me possibilitando ajudá-la.
Outra parte ruim é que pouco sei sobre Carina, não tenho falado com
ela, apesar de estar sempre lhe mandando mensagem dizendo que a amo,
que ela é especial, as quais nunca são respondidas. Cheguei a ligar para ela
algumas vezes, mas como era de se esperar, não fui atendido. Para piorar,
quando encontro com ela pela faculdade, ela se esquiva ou vira o rosto,
fingindo que não existo.
Tudo bem, não tenho insistido tanto quanto antes. Respeito o seu
tempo. Deixo-a livre. Mas gostaria de estar ao seu lado, apoiando-a em seu
momento de dificuldade. Bem feito para mim. É merecido estar sendo
excluído. É castigo divino, sei que é.
Por outro lado, tenho aproveitado para pesquisar e me aprofundar
sobre assuntos que dizem respeito ao feminismo, o que de certa forma tem
aberto minha cabeça um pouco mais. A parte que mais me interessa é sobre
feminicídio, já que até então eu não havia parado para pensar a respeito.
Sem falar nas vítimas de abusos morais, físicos e sexuais, que ocorrem
principalmente através de relacionamentos abusivos com seus parceiros.
Os números de mulheres vítimas de maus tratos são catastróficos, e
isso me assusta. De acordo com as estatísticas de várias pesquisas, é certo
que 90% das mulheres de nosso convívio sofrem ou já sofreram algum tipo
de violação sexual, o que, colocando em alguns grupos de dez todas as
mulheres que conheço, me faz levantar a hipótese de que nove de cada
grupo já passou pelo delito. E nesse número, entra minha mãe, entram
minhas irmãs e muitas mulheres no mundo que não sei os nomes e nem
conheço os rostos, mas que certamente não merecem passar por uma
situação triste como esta.
Quero fazer algo para ajudar, só não sei como. Acho que me
conscientizado e não sendo mais um potencial assassino ou abusador já
ajuda um pouco. Falando a respeito do assunto com outras pessoas e assim
as conscientizando, também.
Sobre o trauma que sofreu Carina, também tenho pesquisado bastante.
E, de acordo com minhas pesquisas, deixar a vítima de abuso sexual
escolher o seu tempo de falar sobre o assunto é um processo de cura para
elas. Então, de certa forma, quando se abriu (mesmo que primeiramente
para Gustavo), Carina começou a se curar, e isso me tranquiliza. Quero vê-
la bem, saber que está bem. Tudo que mais quero é que ela se cure e volte a
ser a garota do sorriso bonito e pura.
— E aí? — uma voz me chama, cujo corpo faz sombra diante do
estande em que me encontro, apresentando meu trabalho. Estou em um
evento da faculdade, a Semana de Engenharia, que acontece no campus
todo ano.
Levanto o rosto e reconheço o dono da voz. É Marlon. É a primeira
vez que o vejo desde seu depoimento. Quer dizer, tenho visto-o de longe
pelo campus da universidade, no entanto, ainda não tínhamos trocado
sequer um cumprimento.
— Oi, Marlon.
— Como você está?
— Estou bem, e quanto a você?
— Bem também e... feliz por você. — Ele sorri, gentil. E sei que diz
que está feliz se referindo ao fim de meu relacionamento com Alicia. — Eu
nunca quis te chamar num canto e te contar as humilhações que minha
prima e sua família a vida inteira me fizeram passar. Achava que nunca
acreditaria em mim, afinal era ela a garotinha perfeita sem defeitos. Mas foi
bom saber que ela própria tomou coragem e se entregou.
Abro um sorriso sem graça.
— Foi bom para ela também. Agora, ela está sendo ela mesma: uma
garota safada. — Ele sorri com entusiasmo. — E ela parou de pegar no meu
pé. Acho que aquela repressão a fazia um pouco mal... enfim. — Dá de
ombros. — Chega de falar da sua ex, não acha?
— Sinto muito por tudo, cara — digo, sincero. — Nunca pensei. Deve
ter sido difícil o que passou, e mais difícil ainda tendo de enfrentar sua
família rindo de você.
— Eu estou bem. Estou aliviado e feliz. E isso que importa.
— Que bom. E me desculpe por ter sido um babaca com você. Acho
que você não merece.
— Não foi um babaca. Só foi preconceituoso, mas eu te perdoo. Sei
que no fundo é uma pessoa boa, só tinha essa cabeça meio fechada. Que
bom que a abriu um pouco, eu acho.
— Acho que a abri sim. — Sorrio, orgulhoso de mim.
Quem diria que um dia estaria eu no meio da roda de debate do Não
somos Amélia. É o que tem acontecido. Uma pena nunca encontrar Carina.
Acontece que, depois do estupro que ocorreu dentro da própria faculdade, o
assunto começou a ser mais falado entre professores e alunos, e, a cada dia,
apareciam mais discentes procurando a professora Rosângela para entrar no
projeto. Agora, como ele cresceu, há dias distintos para os encontros, e o
meu dia nunca bate com o de Carina, infelizmente.
Uma vez na semana me reúno com um grupo de homens, mulheres e
os binários, um termo que achei interessante conhecer, e discutimos
diversos assuntos: fatos, dados e até analisamos letras de música. Em um
dos encontros, a professora Elisângela falou a respeito do nome que o
projeto tem que é uma analogia à música do Mário Lago, Amélia que era
mulher de verdade só porque não tinha um pingo de vaidade.
— E o que você faz numa semana de engenharia? — pergunto a
Marlon.
— Vim prestigiar uns amigos e a minha professora maravilhosa. —
Ele arqueia as sobrancelhas para minha esquerda, para onde olho e vejo a
professora Elisângela, que é acalentada por alguns alunos no meu estande
vizinho. — Lá vem um macho alfa. — Ele se abana, com entusiasmo.
É sobre Gustavo que Marlon fala, quem caminha em minha direção
com muita pressa. Ele volta do banheiro, de onde achei que não fosse
voltar, já que estava lá muito mais tempo do que é necessário para se fazer
as necessidades básicas.
Ele e eu meio que nos tornamos amigos, e inclusive estamos
apresentando esse trabalho, juntos, no estande. Como trabalhamos e agora
estudamos juntos, já que ele mudou o turno da faculdade para conciliar com
o trabalho, para facilitar nossas vidas, optamos por apresentar um trabalho
em dupla, uma ideia que inclusive surgiu em nosso trabalho e que foi
aprovado por um professor da faculdade, o que acabou nos aproximando o
suficiente para ele visitar meu apartamento duas vezes e inclusive
assistirmos a um dos jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol, no qual
meu irmão jogou fazendo gols pelo Internacional. Gustavo o adora. Foi o
que disse.
No fundo, Guga é um cara legal. É o que venho descobrindo de um
tempo para cá. Acho que agora somos amigos. Não, ele não pensa mais em
Carina de forma romântica. Agora namora uma menina da faculdade, que é
amiga da loira. Apesar de ainda nutrir um imenso carinho por Carina, ele
diz que é um carinho de irmandade, o que é bonito, para falar a verdade.
Gosto da forma que ele cuida dela e se preocupa. E eu fico feliz em saber
que algum homem esteja ao seu lado sem más intenções.
— Escuta, você não vai acreditar. — Gustavo ofega, quando chega,
sob os olhos admirados de Marlon sobre ele, que o olha de cima a baixo, o
que já não me incomoda mais. Acho que não me importo mais com isso,
talvez tenha aprendido a respeitar a diversidade sexual, se é que essa
palavra existe. — Carina acabou de passar mal. — Meu mais novo amigo
virou uma espécie de pombo correio em relação aos assuntos que envolvem
Carina, uma vez que ele é atualmente um dos amigos mais próximos que a
loira e eu temos em comum.
Dando-me conta da notícia que trouxera, preocupado, rapidamente
viro meu rosto para encará-lo.
— Calma. — Ele ri, me encarando com uma expressão como se
achasse minha preocupação engraçada. — Só foi uma tontura. Disseram
que ela não tomou café da manhã.
— Queria poder cuidar dela — lamento, estalando a boca.
— Só foi um desmaio, cara. — Ele folheia alguns folders sobre a
Semana de Engenharia e encara um nada no chão. — Essas gurias vivem
desmaiando porque ficam nessa coisa de ficar sem comer para não
engordar. A minha guria domina isso.
— Carina come bem. É estranho que queira fazer algum tipo de dieta
matinal.
A recordação dela provando de meus pratos é o suficiente para
comprimir meu peito, de saudade.
— Talvez seja estresse. Ela anda fazendo muitas coisas.
— Me sinto ótimo sabendo disso por você — resmungo, virando as
costas, deixando Marlon se abanando e um Gustavo a la Bernardo rindo de
um nada, conforme me afasto do estande para procurar um lugar arejado
para ficar sozinho e pensar.
Assim que chego ao jardim mais próximo ao evento, vejo Carina,
agora aparentemente bem, conversando com suas amigas, rindo e sendo
mimada por elas. Claro que eu esperava encontrá-la na faculdade, mas é
algo que enche meu peito de um sentimento ruim e que me faz sentir pior.
Porque eu queria estar ali com ela, apoiando-a. Queria poder saber o que se
passa com ela. Mas acho que não saberei. Eu realmente a perdi.
Suspiro, fazendo não com o rosto, perdido.
Volto a olhar para a direção dela e vejo um rapaz chegar, a abraçar por
trás e beijar seu cabelo. Ela sorri como se gostasse. Os dois ficam assim
abraçados por um tempo. Ela com a cabeça encaixada em seu pescoço e ele
alisando seu braço, mas vez ou outra sua mão descendo para a cintura fina
dela, que não tira, o que me faz entender que ela confia nele. De acordo
com as muitas pesquisas que fiz, permitir que um homem a toque, após o
ocorrido e a confissão, é necessário haver uma confiança de nível
considerável.
Sinto meu rosto queimar de raiva. Não sei se é de mim ou desse cara,
que, inclusive, nunca vi por aqui. Fico pensando por que Gustavo não me
contou sobre esse cara, mas guardo para mim, afinal eles são amigos antes
de eu entrar nessa história. Com essa ideia em mente, passo o resto do dia
cabisbaixo. Vez ou outra, meu novo amigo me pergunta o que eu tenho, mas
deixo de lado.
Volto para casa no final da tarde.
Recebo algumas mensagens. Surpreendentemente, uma é de Nicole
dizendo que está muito feliz porque entrou em uma aula de artesanato. Por
um momento, me pergunto se foi ela mesma quem enviou a mensagem ou
se foi Alicia. De qualquer maneira, respondo. A baixinha já deve ter
aprendido a enviar mensagens e minha ex-noiva, como não me procurou
depois que terminou comigo, deve ter seguido em frente.
Decido mandar uma última mensagem para Carina. Depois que eu
soube que ela passou mal, não posso deixar de perguntar como ela está,
ainda mais que Gustavo não falou mais sobre isso. Se ela não me responder,
tudo bem.
Nicolas: Soube que passou mal hoje. Está melhor?
Espero dez, vinte, trinta minutos, uma hora e nada. Nem um "Estou
bem, seu covarde machista de merda". Nem isso. Dominado pela raiva, me
levanto do sofá e com toda força que tenho em meu braço, jogo-o contra
parede, que cai no chão se espatifando em várias partes.
Jogo-me no sofá com meus cabelos entre minhas mãos e suspiro
profundamente, inconformado com o destino que eu mesmo preparei para
mim. No mesmo instante, a campainha toca, me surpreendendo.
Não tenho recebido muitas visitas nos últimos dias, nem sequer da
minha família, e, quando vem, normalmente avisam, então quem poderia
ser? Seria Carina? Não tem como ser porque ela ainda tem as chaves, a não
ser que as tenha jogado fora por raiva de mim. Mas talvez seja. Talvez ela
tenha vindo até mim com saudades. Corro até a porta para abri-la. Quando
faço isso, encontro com Gustavo debruçado sobre o portal, assoviando.
— O que você faz aqui? — pergunto, decepcionado.
— Eu preciso te contar uma novidade. — Ele entra em minha sala
sem ser convidado. Depois, se joga em meu sofá, sem cerimônia, e olha
arregaladamente para os lados, certamente reparando na bagunça que meu
apartamento está, o que nunca aconteceu antes. E se ele está assim é porque
reflete a confusão que está dentro mim, além da amargura, do
arrependimento e da culpa.
— Novidade? — Bato com a porta atrás de mim e cruzo meus braços
sobre o peito, parando de frente a ele, encarando-o.
— É. Mas antes eu preciso que tu sente. — Ele me encara firme
apalpando o lugar vazio no sofá ao seu lado.
Meu cenho vinca, de receio misturado à preocupação, mas o obedeço
e me sento ao seu lado. Encaro-o de lado, desconfiado.
— O que aconteceu? — Quero saber.
Ele coça a garganta, ri, faz que não com o rosto, suspira, ri de novo,
coça a ponta do queixo, parece pensar se diz, e não diz, gerando um estresse
como nunca ocorrera antes em mim.
— Será que você pode me dizer o que está acontecendo? — me
altero.
— Certo. — Pigarreia.
— Eu não sei como te dizer isso, mas...
— Mas...?
— Eu acho que tu vai ser papai.
Mas o quê?
— Parabéns!
Capítulo 44
E a razão é você
Hoje foi um dia nada formidável. Na verdade, eu diria que foi um dia
dos infernos. Carina e eu tivemos que sair às pressas da festa de aniversário
de um ano de Lizzie porque Davi passou mal logo após os parabéns. Nunca
tinha presenciado isso. Ele vomitava tanto que parecia ter guardado em seu
estômago pequenino a comida da semana inteira. Tive receio de perdê-lo.
Carina, com sua calma e jeito para a coisa, no final das contas, teve
que dar atenção a um filho doente e a um parceiro desesperado. Acontece
que minha pressão subiu tanto que também tive que ser atendido na
emergência do hospital para o qual levamos Davi.
Ao contrário de mim, a loira mostrou controle sobre toda a situação.
Quando chegamos em casa, afirmou que devemos nos acostumar com dias
feito o de hoje, afinal “crianças pequenas dão trabalho, devemos estar
sempre atentos e nos acostumarmos com eventualidades”, nas palavras dela.
Ela é tão forte. Nunca pensei que ela seria a pessoa que ia me dizer
palavras duras de efeito realista.
Bom, no final das contas, deu tudo certo e os exames que o médico
fez em Davi não deram em nada. Ele só havia comido alguma coisa que não
deveria. Lembro-me de ver Beatriz dando salgadinhos para ele, apesar de eu
avisar uma centena de vezes que não deveria. Afinal, ele ainda vai fazer um
ano.
Minha irmã caçula não tem jeito. Depois que atropelou e quase tirou a
vida de um jovem entregador de pizzas, o assunto nas conversas de família
passou a ser ela e suas rebeldias sem limites.
Beatriz tem me preocupado demais. Espero que tente não machucar
mais ninguém. E nem a ela mesma.
Carina e eu estamos morando juntos, nos conhecendo cada dia mais,
cuidando com mais prática do nosso pequeno Davi e vivendo juntos como
um casal. Nossa família agora aprova nosso casamento. De uma maneira
esquisita, vivem dizendo que combinamos mais do que Laura e Bernardo,
este fica morrendo de ciúmes. Assim, quando chegamos em casa, rimos
juntos lembrando dos comentários, e depois tudo que fazemos é deixar que
nossos corpos, mãos e bocas respondam por si.
Não tem jeito. É a mania que temos um do outro.
Seria inocência acreditar que essa mania não falaria mais alto diante
da proximidade que acabamos por ter dividindo novamente o apartamento,
e não demorou muito para voltarmos a ficar juntos. Já na primeira semana
de Carina e Davi aqui, eu e ela acabamos transando. Do nada.
A convivência inicial causou uma tensão sexual bem grande entre
nós. Incrivelmente, Carina não perdeu sua mania de se esquecer de fechar a
porta para se trocar ou de trancar a porta do banheiro para tomar banho. E
eu não perdi a mania de apreciá-la e admirá-la.
Querendo ou não, sempre estávamos nos provocando, encostando
nossos corpos, como imã, um no outro, seja quando nos esbarrávamos no
corredor ou quando estávamos na cozinha juntos preparando algo. Até que
houve um dia que não resistimos a nossos corpos esbarrando um no outro
quando ela colocava a mamadeira do Davi na geladeira e eu preparava um
macarrão para o jantar. Esquecemos a fome e, do nada, estávamos
transando. E depois conversamos, onde chegamos à conclusão de que, além
de dividirmos nossos corpos e os cuidados com nosso filho, também
dividiríamos os afazeres domésticos e as contas.
Por essa razão, não brigamos. Dificilmente isso ocorre. Somos muito
bem esclarecidos um com o outro. Entendo que ela precisa de silêncio para
estudar ou fazer algum trabalho no quarto, o que significa minha ausência e
de Davi no cômodo. E eu também vez ou outra preciso desse tempo para
terminar meus trabalhos finais da faculdade, então estamos sempre
ajudando um ao outro tirando o Davi de perto quando precisamos nos
concentrar nos estudos. Afinal, o guri é muito barulhento.
Por outro lado, há momentos que simplesmente não conseguimos
fazer isso. Colocamos nosso pequenino no meio de nós e fazemos o que
temos que fazer, com os três juntos. É meio difícil porque acabamos nos
desconcentrando do que estamos fazendo, já que nossa atenção paira em
sua fofura graciosa, ainda mais agora que está quase andando e balbuciando
as primeiras palavras. Assim, não há outro jeito a não ser fazer caretas para
que nosso garoto abra aquele sorriso com poucos dentes que aquece nosso
coração.
Meu Deus! Eu estou tão feliz. Nunca tinha sentido isso antes. Tem
sido, sem dúvidas, a melhor fase da minha vida. Ser pai e ter uma mulher
tão forte como Carina ao meu lado é tão... Não há nem palavras para
descrever a sensação. É impressionante, é surreal, e enche meu peito de um
sentimento tão bom, mágico, puro e irreconhecível. Acho que nunca
experimentei a felicidade antes, afinal.
— Vendo o quê, Nick? — Carina pergunta, me fazendo acordar do
meu transe. Estou na sala de pijama, sentado no sofá, com os olhos fixos na
tevê. Então, levanto o rosto por cima do ombro, olhando para trás, de onde
Carina anda a passos lentos em minha direção.
Que filme passa mesmo? Nem me recordo mais. Era suspense ou
terror? Também não faço ideia. Estou absorto demais para lembrar qualquer
informação, porque Carina está exuberantemente sexy hoje. Usa uma
camisola de cetim vermelha de alças finas e que bate no meio das coxas.
Não me recordo de vê-la usando a lingerie antes.
Acentua tão bem seu corpo que até consigo ver os bicos de seus seios
marcados por debaixo do pano. E é óbvio que o desejo respinga em cada
parte do meu corpo. Meu membro lateja só de imaginar minha boca
beijando e sugando cada parte da sua pele macia.
A televisão emite um som exagerado que me desperta para ela.
— É um filme com Ben Affleck — respondo sua pergunta quando o
ator em questão aparece na tela da tevê, com a cara de culpado com a qual
aparece o filme todo. — Me recordei: Garota exemplar. Há uns dois anos,
Laura me emprestou o livro no qual o filme é baseado. — Um estalo me
surge. Fico surpreso com o fato de o tempo ter passado tão depressa.
— Nunca assisti, mas imagino que não seja um romance. — Ela
suspira com força, as olheiras enfatizando o cansaço do dia, e se senta ao
meu lado no sofá.
Abraço-a de lado, acariciando a pele acima de seu ombro.
— Não, não é. É um suspense. Acho que se tornou meu filme
preferido.
Ela faz uma careta descontente. Uma coisa que descobri sobre Carina
é que, além de amar filmes de super-heróis, ela é absolutamente fascinada
por romances e clichês adolescentes. Quem diria.
— E você, está sem sono? Acordada a essa hora...
— É, um pouco sem. Por incrível que pareça. Você sabe, dormimos
tão pouco por causa do Davi que não deveríamos estar com insônia em um
dia da semana assim. — Ela faz um biquinho. — Amanhã acordamos cedo
para trabalhar. Mas acho que meu cérebro ficou bastante ativo depois de
toda essa agitação de hoje: a rotina normal, que já não é pouca coisa, festa
da Lizzie, Davi passando mal. — Ela dá de ombros. — Mas enfim ele
dormiu.
— A tevê atrapalha o sono do Davi?
— Que nada. Do quarto mal dá para ouvir o barulho dela. Ele estava
enjoadinho ainda, demorou para pegar no sono, mas enfim dormiu. Acho
que essa noite ele dorme direto. Parece estar num sono pesado. — Ela se
aconchega em meus braços, levanta lentamente a cabeça e me olha por cima
dos cílios. — E o que te tira o sono? Normalmente você não fica acordado
até tarde assim.
— Pensamentos.
Ela enruga o cenho.
— Você…
— Ah, é? — Ela gira o corpo e passa o dedo indicador no meu lábio,
abrindo um sorriso sensual. — Acho que você deveria ver como estou. Você
quer saber por que não consigo dormir?
Abro um sorriso em resposta.
— Cá… voc…
Antes que eu termine de falar, ela monta em meu colo com as pernas
circulando minha cintura. Meu membro, por baixo de meu short de dormir,
vibra ao encontro de seu sexo sobre ele. Retiro o que eu disse. Hoje já não é
mais um dia dos infernos. Do contrário.
— Essa sua mania de não usar calcinha para dormir, Cá.
— E a sua de reprimir seus desejos por mim, Nick? Sabe que até
virou um fetiche? Torna tudo mais divertido e excitante. Continue a fingir
que não está interessado, mesmo que aqui embaixo. — Ela pressiona meu
sexo duro contra o seu. — Pareça outra coisa. — Ela sela nossos lábios e
corre com suas mãos por dentro da minha camisa.
Já com minha língua dentro de sua boca, aperto sua cintura fina e
pressiono seu quadril contra minha dureza para nossos sexos se enroscarem
um no outro. Mesmo que eu esteja com meu short de dormir, posso sentir
como ela está molhada.
Carina é rápida e tira a camisola pela cabeça, interrompendo nosso
beijo. A oportunidade para fixar meus olhos pelo seu corpo nu diante de
mim: conforme respira intensamente, seus peitos, redondos, estão com os
bicos rosados apontando para o céu.
Levo meu olhar perdido de desejo misturado ao amor que tenho por
essa garota para seu rosto, para admirá-la.
— Eu te amo, sempre te amei e sempre te amarei, Cá.
— Eu também te amo, Nick. — Sua voz é rouca e seu olhar está
perdido nos meus, o desejo aparente em cada parte de seu rosto, mas o que
se destaca é o sorriso grande que tem em seus lábios rosados.
Tenho dado tantos sorrisos para ela. Nem acredito que enfim agora
sou mais do que um amigo procurado para os problemas. Sou seu marido,
mesmo que de maneira informal, já que não pretendemos casar; ela disse
que ainda não sonha em colocar um mosqueteiro na cabeça.
E, para mim, tudo bem. É essa Carina que eu sempre amei.
— Quem diria que você seria apaixonado por mim desde a infância?
— comenta, mordendo a pontinha do lábio inferior.
— E quem diria que você, tão distraída e vivendo tão indiferente a
mim, se apaixonaria por mim um dia?
— Você me conquistou com sua proteção, esse seu jeito de me
proteger foi o que mais me conquistou. Meu Nick protetor, meu Clark Kent
sem a capa de herói. — Ela passa o polegar pelo meu lábio, e dessa vez sou
eu quem tem um sorriso aberto nos meus lábios.
Eu realmente nunca estive mais feliz.
— Mas — ela continua. — também foi por culpa das minhas manias.
Fui me enfurnar no seu apartamento com elas, e você não resistiu, ficava
me espiando por detrás da porta.
— Amo tanto suas manias quanto amo você. Nunca as perca.
— Não sou a única com manias aqui. Você também tem, senhor
certinho.
— Ah, é? E quais são? Que mania eu tenho?
— Manias de mim. — Ela se levanta, fica de pé diante de mim e sorri.
Copio o gesto e puxo seu rosto para mais próximo do meu, retornando
ao beijo antes interrompido, suas mãos trabalhando rápido para remover
minhas peças de roupa e nossa conexão voltando como mágica.
Conforme nos beijamos, corremos para o quarto, onde caímos em
nossa cama.
Levo meu braço para a gaveta da cabeceira ao lado, de onde tiro uma
camisinha. Depois do susto de sua gravidez, nunca mais nos esquecemos de
colocá-la. Não que não estejamos pensando em ter outro filho, nós
queremos sim, mas isso quando estivermos mais velhinhos porque, agora,
queremos aproveitar o Davi e um ao outro.
Carina se apoia em meus ombros com suas mãos e se encaixa no meu
membro duro e ansioso aceitando-o por inteiro, até as bolas. Desprevenido,
gemo contra sua boca.
Com ela comandando, assisto-a colocar meu membro dentro e fora
com velocidade e agilidade, como se dependesse daquilo para respirar; com
os olhos fechados e mordendo a boca, ela geme conforme rebola e se
esfrega em mim, o que me deixa insano e, em tão pouco tempo, quase gozo.
Mas me seguro. Gosto de vê-la se dando prazer.
Enquanto os lindos seios balançam para cima e para baixo, vejo como
é admirável ela sendo livre, explorando seu corpo e os prazeres que ele é
capaz lhe dar usando o meu; vejo, sobretudo, que ela faz sexo porque gosta,
e essa é a coisa mais excitante sobre ela.
Hoje vejo que Carina trocava de parceiro o tempo todo não só porque
sua vida sexual iniciou de maneira conturbada, mas principalmente porque
ela, mesmo diante de tantos traumas, ama sexo. E isso é normal. Nenhuma
mulher deveria ser julgada, como ela foi, por gostar de sexo porque isso é
natural, é como beber água e respirar.
E aquelas mulheres que se sentem mal diante do assunto ou ainda não
conseguem sentir prazer que o sexo proporciona por causa de algum abuso
que sofreu, espero que, assim como Carina, um dia consiga recuperar o
prazer.
Desabafar com alguém de confiança é o primeiro passo, como foi o
Não somos Amélia para Carina. E terapia. Isso ajudou minha loira demais, a
fez entender que o estupro aconteceu não foi por culpa foi dela; a fez
entender também que, quando sentisse vontade, ela podia fazer o que bem
entendesse com seu corpo, como exibi-lo, e que isso não era razão para
alguém violá-lo.
Mas, apesar de não ter mais traumas no que se refere a sexo, sabemos
que, no fundo, ela ficará marcada para sempre. É o que acontece com
pessoas vítimas de abuso sexual. Então, às vezes, quando sinto um
vislumbre de tristeza em seu olhar, só a abraço e beijo sua testa, sempre a
lembrando que ficará tudo bem e que ela pode me contar o que quiser
porque nunca me cansarei de ouvir o que ela tem para dizer.
Mas Carina não se entrega, ela é forte. Me orgulho dela, da força que
tem, é a pessoa mais incrível que já conheci. Eu realmente a amo. Sempre a
amei. E não vou parar de repetir isso. Não vou parar de sentir isso. Esse
sentimento nasceu comigo e vou levá-lo comigo até a minha morte porque
ele é quem eu sou, esse sentimento sou eu.
Agradeço às suas manias, às minhas manias. Se não fossem por elas,
nunca teria descoberto o que eu sinto, nunca teria me dado conta de que
sempre amei essa garota. Mesmo que tenha perdido um pouquinho do juízo,
valeu à pena.
E quem diria? Logo eu, o senhor certinho. Eu não esperava ter manias
dela. Essas manias me perturbavam, me tiravam o sono e a sanidade.
Ninguém me avisou que ter manias de você causava isso.
Ainda bem.
FIM
Posfácio
[1] Um dos pratos típicos gaudérios que era feita pelos índios do sul que caminhavam longas
distâncias e precisavam de energia.