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PERIGOSAS NACIONAIS

Refúgio
M.S. Mendes

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Copyright© M.S. Mendes


TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
Todos os personagens desta obra são plenamente
fictícios. Qualquer semelhança com a realidade é
mera coincidência.

Capa: M.S. Mendes


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REFÚGIO
M.S. Mendes

Edição digital - 2018


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PERIGOSAS ACHERON
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PERIGOSAS ACHERON
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SUMÁRIO
Prólogo
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze

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Prólogo

Ela tinha medo da escuridão.


Todas as vezes que olhava pela janela e
percebia que, lentamente, as estrelas começavam a
dançar sobre o manto negro da noite, e que o breu
lançava seu fascínio e seus mistérios sobre o
mundo, ela sabia que os gritos, a violência e as
longas horas de terror começariam. Mas a verdade
era que estava começando a aprender a ser egoísta.
As sessões de espancamento que sua mãe sofria
não a abalavam tanto quanto as batidas em sua
porta durante a madrugada.
Sabia que tudo dependia simplesmente de si
mesma, de sua escolha. Se fosse uma boa menina,
ninguém além dela sairia machucado. Se fizesse
tudo que lhe era mandado, sua mãe e sua irmã

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estariam a salvo. E ela sentia o peso daquela


responsabilidade a cada noite, cada vez que o sol se
punha.
Olhando no relógio, percebeu que faltavam
apenas alguns minutos para as nove, mas já ouvia
batidas na porta de seu quarto. Imediatamente seu
corpo reagiu à adrenalina. Seria possível que ele já
fosse importuná-la tão cedo? Normalmente a
procurava só quando já estava mais bêbado do que
poderia suportar por uma semana, ou seja, apenas
de madrugada, quando, além de violar a intimidade
da garota, conseguia também perturbar seu sono.
Sono. Fazia muito tempo que ela não sabia
o que era isso. Todas as vezes que se deitava, seus
cinco sentidos já ficavam em alerta à espera do
monstro de seus pesadelos. De fato ele não a
desejava todos os dias, mas era imprevisível. Às
vezes ficava uma semana longe – o que era

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considerado uma bênção −, mas às vezes


apresentava-se constantemente. Sem dormir, sem
comer e sempre ameaçada, ela sentia que estava
empalidecendo, emagrecendo e adquirindo uma
personalidade introspectiva e fraca. Era metade da
garota que poderia ter sido, se sua vida fosse
diferente.
Mas esse se era o que não podia permitir
que penetrasse em sua mente.
Todas as vezes que pensava em outras
possibilidades para sua vida, seu coração se enchia
de esperança e de fé. E esses dois sentimentos eram
perigosos, pois com eles surgiam o desejo e a
necessidade, que poderiam levá-la a cometer uma
loucura, algo pelo qual se arrependeria para o resto
de sua vida.
No entanto, naquela noite foi diferente.
Quando proferiu a palavra “Entre”, tentando não
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demonstrar a fragilidade que sentia, quem abriu a


porta foi sua mãe. Com os olhos umedecidos,
vermelhos, e o rosto tão pálido quanto o da filha,
sustentava uma expressão cansada. Além disso,
também já não era mais nem a sombra da mulher
que um dia fora. Os cabelos estavam sempre mal
penteados, cheios de fios brancos, seu corpo
perdera as curvas e suas roupas eram sempre
remendadas, feitas em casa, por suas hábeis mãos
para a costura. Mãos essas que traziam o sustento
para casa.
Karen sabia que a depressão era a maior
companheira de sua mãe. Sabia que ela não mais
vivia, simplesmente existia para cuidar e proteger
as filhas, então, não era uma novidade vê-la
naquele estado. Mas, naquela noite, algo parecia
diferente.
Pegando as mãos da filha, a mãe se sentou

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na cama, pronta para iniciar uma conversa, que


parecia bem séria.
— Algo errado, mãe? — perguntou para
tentar iniciar o diálogo, pois percebia que havia
certa dificuldade.
Mesmo com o incentivo, a mulher ainda
hesitou.
— Filha, eu estou cansada, muito cansada...
— comentou, mas quando a menina ia dizer mais
qualquer coisa, com um grande pesar nos olhos, ela
a impediu. — Não estou reclamando. É apenas uma
constatação.— Eu vim aqui, apenas para lhe fazer
um pedido.
— Qualquer coisa. Você sabe disso.
E a mãe sabia. Sabia que o destino exigia
muito mais de sua filha do que ela merecia.
— Quero que negue o que Elias vier lhe
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pedir nesta noite.


— Mas, mamãe...
— Sem mas, querida. Não se preocupe com
as consequências. Está na hora de eu cuidar de
você. — E sem dizer mais nada, a mulher beijou a
testa da filha, saindo de seu quarto, deixando-a
confusa.
Aquela estranha conversa com sua mãe
deixou a garota ainda mais apreensiva. Seu coração
palpitava de forma incerta, prestes a sair pelo peito
afora, apenas pensando que algo estava errado.
Tinha a mórbida impressão de que alguma coisa em
sua vida mudaria naquela noite, definitivamente.
Não demorou muito para que o pesadelo
batesse à sua porta. Ela se encolheu na cama antes
de permitir sua entrada. Não seria a primeira vez
que diria não a ele. Nas primeiras, quando ainda era
uma garota diferente daquela covarde que se
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tornara, tentara se impor, mas as consequências


foram três costelas quebradas e hematomas por
todo o corpo de sua mãe. E as coisas só foram
piorando, pois sua pequena irmã começou a sofrer
também. Não queria que nada de ruim acontecesse
a elas, mas raramente sua mãe lhe pedia qualquer
coisa, então, teria que acatar.
A porta foi aberta, e o cheiro podre de
bebida empesteou o quarto. Aquilo lhe dava ânsias
de vômito, especialmente quando ele se
aproximava demais, fedendo também a suor.
— Ruivinha, cheguei! — Em sua voz havia
um terrível tom de sarcasmo e escárnio, como se
ele sentisse prazer ao vê-la definhar e se
amedrontar com sua presença.
Ela ficou calada, escutando cada passo,
enquanto ele caminhava lentamente até sua cama.
Em poucos segundos, ainda com os olhos fechados,
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sentiu o colchão ceder ao peso daquele homem, e


sua mão calejada, sem demora, começou a passear
por toda a coxa dela. As náuseas aumentaram, e seu
rosto ardeu, anunciando o choro de sempre.
Mas não daquela vez, ela tinha que ser forte
e respeitar o que sua mãe lhe pedira.
— Não. Hoje, não. — Sem muita
delicadeza, ela tirou a mão dele de sua perna, antes
que pudesse atravessar a calcinha.
Furioso e confuso, Elias se sentou na cama
para olhar para o rosto da enteada, que
simplesmente se mantinha deitada de lado, de
costas para ele.
— O quê? Ficou maluca, garota? — Sua
língua enrolava enquanto ele falava, começando a
alterar o tom de voz. — Sabe quem é que paga
quando você não é legal comigo, não sabe? — E
sem nem se importar com o que ela tinha acabado
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de dizer, ele pôs a mão no mesmo lugar de antes,


recomeçando a carícia indesejada.
Reunindo toda a sua coragem, a garota
virou-se para ele, com fúria nos olhos. Aquela ira
estava reprimida há muitos anos, era a reunião de
todas as mágoas, humilhações e lembranças que
uma garota de dezoito anos jamais deveria ter.
— Já disse que não! — falou com
autoridade. — Saia daqui!
Elias olhou para ela com dúvida. Fazia
tempo que ela não lhe enfrentava, o que o fazia
desconfiar que estava tramando alguma coisa.
— Garota burra! — gritou. — Vai se
arrepender disso!
Berrando xingamentos e palavrões, Elias
saiu cambaleante da cama da enteada. Tropeçando
em seus próprios pés ‒ tanto pela embriaguez

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quanto pela surpresa de ser rejeitado ‒ ele saiu


porta afora, pronto para qualquer coisa. E era esse o
maior medo da garota.
Karen esperou. Esperou, sabendo que ele
não aceitaria aquilo tão facilmente. Contudo, a
sensação de que alguma coisa estava errada a
perseguia, a consumia, tirava sua paz. Sua mãe
tinha algum plano, e ela temia que desse errado,
fosse o que fosse que ela pretendia.
Foi então que ouviu um tiro.
Imediatamente, seu coração parou, e sua
mente ficou em alerta. Queria sair da cama para ver
o que tinha acontecido, mas sua covardia de sempre
a impedia. Era como se seu corpo estivesse preso à
cama. Inerte. Imprestável.
Em uma questão de segundos, alguém abriu
a porta, e um corpinho pequeno e magro veio
correndo em sua direção, buscando conforto. Sua
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irmã de apenas nove anos jogou-se em seus braços,


tremendo. Porém, ela também tremia, então, como
poderia oferecer proteção a alguém?
— O papai matou a mamãe. Eu vi. — Sua
voz infantil soou como um sussurro apavorado.
Ela absorveu aquelas palavras como quem
prova de um veneno amargo e eficaz. Sua mãe?
Morta? Aquilo era pior do que qualquer estupro
que já tinha sofrido nas mãos de seu padrasto
nojento. Pior do que as noites de terror, quando
assistia sua mãe ser espancada sem piedade ou
quando Elias ameaçava violentar também sua irmã,
a própria filha dele, que não tinha idade nem para
compreender o que acontecia. Aquilo era pior do
que a própria morte. E era culpa dela. Somente
dela.
Porém, apesar de estar cheia de culpa em
sua consciência e completamente amedrontada,
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obrigou-se a tomar uma atitude. Se estivesse


sozinha, enterraria o rosto por debaixo das cobertas
e ficaria naquela cama, esperando pelo pior, mas
havia alguém que dependia de sua coragem.
Coragem que ela nunca tivera, mas que teria que
encontrar, em algum lugar daquela alma
despedaçada.
— Fique aqui — ordenou à irmã, que se
agarrou ainda mais a ela.
— Não! Não me deixe sozinha! —
choramingou.
— Não vou deixar... volto em um minuto.
— Ele vai matar você também.
Suspirando profundamente, lamentou ter
que escutar aquelas palavras horríveis saindo da
boca inocente de sua irmã. Imaginou o trauma que
ela teria, para o resto da vida, por ter testemunhado

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o assassinato da própria mãe. Se a irmã também


morresse, ela ficaria sozinha com um pai que
odiava. Mas, não. Não permitiria isso.
— Ele não vai me matar. Juro que eu mato
ele primeiro. — Não queria ter falado daquela
forma, afinal, apesar de tudo, Elias era pai da
pequena. Mas, para sua surpresa, ela não pareceu se
importar, nem mesmo quando a irmã mais velha
pegou um estilete enferrujado de sua escrivaninha
para tentar se defender, caso fosse necessário.
Então, respirando fundo mais uma vez, ela
saiu do quarto, pegando a chave e trancando a
porta, deixando a irmãzinha segura lá dentro. Havia
outra cópia dentro de uma gaveta, que a menor
sabia qual era, para o caso de Karen não voltar e ela
ter que fugir.
Não, ela não podia pensar na hipótese de
não voltar.
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Tentando confiar em si mesma, Karen


começou a caminhar em silêncio até a sala. Estava
em busca do telefone sem fio, afinal, Elias jamais
permitira que ela ou qualquer outra pessoa da casa
‒ a não ser ele ‒ tivesse um celular. Ela dependia
daquele telefone. Ela e sua irmã.
Quando chegou na sala, a cena que viu a fez
colocar a mão na boca para abafar um grito. Havia
um mar de sangue manchando o piso claro da casa
e dois corpos caídos no chão. Um deles era de sua
mãe, com uma ferida de bala bem no coração. O
outro era de Elias, mas este, infelizmente, não
estava morto. Ele se contorcia, com a mão no
abdômen. Ao seu lado, uma faca ensanguentada
provava que aquele era o plano de sua mãe: matar o
marido a facadas para que ele não pudesse mais
importunar suas filhas. Contudo, acabou em uma
tragédia ainda maior.

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— Ajude-me! — Elias proferiu com


dificuldade, observando a enteada. Porém, ela
simplesmente olhou para ele com indiferença e
continuou seu caminho até a mesinha de canto, ao
lado do sofá, pegando o telefone. — Maldita! Ligue
para o hospital, estou morrendo!
Naquele momento, ela se aproximou, tão
lentamente quanto ele sempre fazia antes de
estuprá-la, abaixou-se e sussurrou em seu ouvido,
com uma voz tão sombria que ela podia jurar que
não lhe pertencia:
— Que morra!
Ele ainda continuou gritando e chamando-a
de imprestável, mas ela não desistiu. Apenas voltou
para o quarto, onde a irmã a esperava com
desespero.
Depois de se abraçarem, a mais velha
discou um telefone que havia anotado na última
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página de seu livro favorito: “Razão e


Sensibilidade”, de Jane Austen. Aquele telefone lhe
fora passado por sua mãe, há alguns dias, com a
garantia de que aquela pessoa as ajudaria em um
momento de dificuldade. Somente agora era fácil
concluir que tudo estava sendo planejado. Sua mãe
achava que iria para cadeia após matar o marido,
então, preocupou-se em encontrar alguém para
ajudá-las.
E o que aconteceu depois tornou-se somente
um flash em sua memória. Lembrava-se apenas da
bondade do policial para quem telefonara e a
rapidez com que chegou em sua casa para acudi-
las. Ele tomou todas as providências com o cadáver
e levou Elias para um hospital, com a promessa de
que ele ficaria preso por um bom tempo, tanto por
assassinato quanto por estupro de menores. Ela não
fazia ideia de como ele sabia da violência que

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sofria, mas preferiu nem perguntar. Somente


imaginava que, de certa forma, sua mãe conseguira
o que almejava, Elias jamais as machucaria
novamente.
Mas ela sequer esperava pelo pior, pois
depois de audiências com juízes e visitas de
assistentes sociais, as irmãs foram separadas.
Estava claro que a mais velha não tinha condições
de criá-la sem um emprego, sendo tão jovem e
cheia de traumas. Seria muito melhor que levassem
a pequena para uma família que a amasse e a
tornasse uma criança normal. Bem, pelo menos era
isso que todos desejavam, mas não o que
aconteceu.
A verdade era que naquela noite fatídica,
ela sentira que tinha perdido tudo. Apenas uma
coisa restara: a promessa de que, algum dia,
conseguiria recuperar a irmã e seus sonhos.

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Um dia...

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Capítulo Um
Seis Anos Depois - Janeiro

Amália Gonçalves amava o verão. Sua


pousada, Refúgio, estava sempre pronta para
receber a estação mais esperada por uma cidade
praiana. O jardim do lugar despontava como se
tivesse hibernado por anos e anos, e como se ainda
fosse primavera. As rosas ainda tomavam suas
formas, os girassóis procuravam os primeiros raios
de luz e tudo estava colorido e vivo.
A pousada tornava-se cada dia mais linda, e
Amália se orgulhava dela como se fosse um filho.
Tanto que por mais que seu neto insistisse que
deveria se aposentar, ela simplesmente não
conseguia se afastar do lugar.
Quando a criara, assim que o marido
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faleceu, deixando-a com o coração partido e uma


situação financeira confortável, sua intenção era
proporcionar uma atmosfera de proteção, como se
aquele lugar fosse perfeito para um porto seguro,
um refúgio, assim como o nome que escolhera.
Esperava que pessoas com um coração tão partido
quanto o dela se hospedassem lá para se curar e
buscar resignação ou simplesmente dias melhores.
E foi exatamente no momento em que a viu,
que Amália teve certeza de que seu propósito
estava mais do que firme.
A jovem era pequena, esguia e bonita como
uma boneca, mas de um jeito simples, sem
artifícios ou gestos ensaiados. Era dona daquela
beleza natural, tão difícil de se encontrar nos dias
atuais; aquela beleza que se molda de acordo com a
vontade de Deus, e não com produtos e dinheiro.
Os cabelos eram ruivos, em um tom entre o

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vermelho e o loiro, a pele era branca, e os olhos


eram azuis da cor do mar em um dia de chuva. Pela
mão ela trazia uma versão mais nova de si mesma.
A adolescente ao seu lado carregava os mesmos
traços belos, apenas diferenciando-se na cor do
cabelo, que era castanho ao invés de ruivo.
Contudo, o que mais se assemelhava nas duas era o
olhar que indicava uma dor incurável, uma mágoa
reprimida, que tentavam disfarçar a todo custo.
A garota mais jovem deveria ter no máximo
quinze anos, mas parecia a mais ferida das duas.
Seu olhar estava perdido enquanto a outra fazia o
check-in. Ela olhava para o nada, contemplava a
decoração e nem sequer sorria ao ver quanto o
lugar era bonito.
— Bom dia — a mais velha cumprimentou
os dois, e Amália, sorrindo, deu uma discreta
cotovelada em seu neto, que estava ao seu lado com

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a cabeça baixa, dando uma olhada em alguns


documentos dentro de uma pasta. Assim que
ergueu os olhos, a idosa conseguiu enxergar no
rapaz o quanto ele também achara a moça bonita.
— Bom dia, querida. O que deseja?
— Ah, eu quero um quarto para mim e para
a minha irmã. No site de vocês dizia que as
acomodações são como miniapartamentos? — a
linda moça perguntou, e Sérgio, levemente
embasbacado, nem sequer conseguiu respondê-la.
Amália precisou tomar as rédeas.
— Exatamente. É isso que está procurando?
— Sim. Bem, eu estou com uma
adolescente, e acho que um pouco de privacidade
para cada uma de nós seria uma coisa muito boa.
— Claro, eu entendo. Meu neto vai atendê-
la. Não vai, Sérgio? — Outra cotovelada foi

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necessária, e finalmente Sérgio se manifestou.


— Sim, claro. Pode, por favor, me passar
seus documentos?
A moça apressou-se em acatar o pedido,
entregando RG e CPF ao neto de Amália, que
finalmente parecia agir com normalidade e
simpatia. Enquanto ele prosseguia com o
atendimento, Amália mantinha-se por perto,
fazendo pequenas tarefas desnecessárias só para
fingir que precisava ficar ali, observando as duas
novas hóspedes. Deu uma olhada no computador e
ficou feliz ao ver que Sérgio as colocaria no 202. A
vista era bonita, direto para a piscina, o que poderia
ajudar a alegrar aqueles corações maltratados. Mas
mesmo só de vê-las, Amália já estava disposta a
fazer de tudo para que aquela estadia das duas fosse
o início de uma nova vida. Algo lhe dizia que era
exatamente isso que elas estavam procurando.

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Quando o atendimento foi finalizado, e as


duas subiram para o quarto informado, Amália
percebeu que Sérgio não tirava os olhos da moça.
— Bonita, não? — comentou
inocentemente, enquanto mexia em um vasinho de
plantas sobre o balcão, que não precisava de
nenhuma atenção, mas que era a desculpa perfeita
para manter suas mãos ocupadas.
— O quê? — ele indagou, se fazendo de
desentendido.
— A ruiva. É uma jovem deslumbrante.
— Ah, sim. Mas... Bem, vó, você sabe que
eu não...
— Por causa de Patrícia? Ah, meu filho,
você sabe o que eu acho desse seu relacionamento.
Adoro sua noiva, mas ela vai acabar perdendo para
a concorrência.

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Dizendo isso, Amália também se afastou do


neto, esperando ter deixado uma pequena
sementinha do caos na cabeça do rapaz.

***

Karen suspirou aliviada, como não fazia há


muito tempo. A paz que invadia seu peito era como
um bálsamo, um doce acalanto, depois de tantas
tempestades e provações. Aquele lugar era ideal
para começar uma nova caminhada. E finalmente
não estava sozinha. Depois de sete anos, seu mundo
estava completo novamente.
Anne, sua irmã, tirava as poucas roupas que
tinha da mochila e as guardava dentro do armário,
em movimentos automáticos e desinteressados.
Desde que a buscara no orfanato, naquela mesma

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manhã, a menina ainda não falara muito, ainda não


sorrira, mas Karen tinha fé que chegaria o dia em
que ela se abriria e que poderiam finalmente
recuperar o tempo perdido.
─ Ei... ─ Karen chamou, enquanto se
aproximava da caçula. Segurou, portanto, seus
braços e a virou para si. ─ Está gostando do lugar?
─ É bonito ─ elogiou da mesma forma
como mexia em suas coisas, totalmente indiferente.
─ Podemos ir para outro lugar, se você
preferir. ─ Havia doçura na voz de Karen, mas
Anne simplesmente deu de ombros e se afastou.
O olhar e os modos da mais nova faziam
com que Karen pensasse que ela a culpava de
alguma coisa. Não que pudesse julgá-la ou
recriminá-la por isso. A menina tinha o direito de
estar confusa ou desconfiada, pois Karen não podia
sequer imaginar as coisas pelas quais ela tinha
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passado durante todo esse tempo. Via em seus


olhos aquela mesma dor que enxergara na noite em
que viveram o maior pesadelo de suas vidas,
porém, naquela época podia tomá-la em seus
braços e confortá-la, agora, aquela mocinha bonita
era quase uma estranha.
Mas Karen não queria pensar naquilo; elas
teriam uma vida inteira para se redescobrirem e
voltarem a se amar incondicionalmente como antes.
Naquele momento, queria pensar no local onde
estava.
Era muito mais bonito do que nas fotos que
vira no website. A acomodação que escolhera era
quase um miniapartamento, com dois quartos e
uma saleta. A vista de seu quarto era encantadora e
lhe proporcionava uma visão bem completa da
parte externa da pousada. Ela conseguia ver a
piscina, que não era enorme, mas possuía um

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tamanho significativo, via o pequeno jardim, e até


mesmo o que seus olhos não podiam enxergar. Ela
via ─ ou sentia ─ paz. Havia algo de especial
naquele lugar, algo de reconfortante que a fazia
acreditar que tinha escolhido o local certo para se
refugiar. E não era o nome simpático daquela
pousada ─ Refúgio ─ que lhe remetia àquela ideia
de abrigo. Não, não era apenas isso. Karen
conseguia sentir em seu coração que poderia ser
feliz ali, que sua estadia seria abençoada pelos
anjos. Esperava apenas que chegasse o momento
em que Anne também sentisse o mesmo. Queria
fazê-la se sentir segura, protegida... Queria que ela
soubesse que jamais seria maltratada ou
abandonada novamente.
Sozinha no quarto que seria seu, também
começou a arrumar suas coisas dentro do armário.
Assim como Anne, ela também não tinha muitas

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coisas que fossem suas, apenas algumas roupas


simples, alguns livros e um porta-retratos que
levava consigo para onde quer que fosse. Era
aquela fotografia que não permitia que ela
desanimasse nos momentos mais difíceis, quando
tudo que queria era ficar deitada na cama dura e
fria da pensão onde morara logo após a morte da
mãe, porém, precisava trabalhar. Era aquela foto,
onde as três, Karen, Anne e a falecida mãe sorriam,
que lhe dava a certeza de que um dia tudo estaria
melhor.
Beijando o vidro que protegia o retrato,
Karen o colocou sobre a pequena escrivaninha que
mobiliava o quarto, além da cama, do armário e o
cabideiro. A acomodação que lhe fora reservada era
muito aconchegante, exatamente o que ela
precisava. Além disso, os lençóis tinham um cheiro
gostoso de sabão, as cortinas tinham uma linda cor

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de ameixa e havia flores espalhadas em pequenos


vasinhos, exalando um aroma primaveril muito
agradável. Era isso que fazia a diferença.
Após organizar suas poucas coisas dentro
do armário, ela pegou seu celular para dar um
telefonema importante. Desde a morte de sua mãe,
ela mantinha contato com o policial que a ajudara
naquela noite trágica. Ele se tornara um amigo...
uma espécie de conselheiro... algo como um pai. O
pai que Karen nunca teve. Fora ele que encontrara
uma pensão decente e barata para ela ficar, que
conseguira uma vaga como garçonete em um
restaurante limpo e de pessoas honestas, e que
sempre lhe enviava dinheiro, por mais que ela
insistisse que não precisava. Karen acreditava que
ele fosse apaixonado por sua mãe. Não era casado
na época e jamais de casou. Certa vez chegou a
cogitar a hipótese de adotá-la, mas a moça preferiu

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que não, pois sabia que ele tinha muitos problemas


pessoais, então, não precisava de mais um, muito
menos na forma de uma garota traumatizada que
acordava todas as noites gritando, assustada com
pesadelos. Ele não merecia isso.
─ Senhor Olavo? É Karen. ─ identificou-se,
depois de buscar o número e ele atender.
─ Olá, menina! Que bom ouvir notícias
suas! ─ ele sempre ficava feliz ao falar com ela.
Daquela vez parecia também aliviado, uma vez que
Karen não entrava em contato há mais de dois
meses. ─ Como você está?
─ Estou com Anne, senhor.
Aquela frase resumia tudo. Olavo sabia que
a luta diária de Karen, que a forma como abdicava
de sua adolescência para juntar dinheiro, que sua
falta de vaidade, tinham um propósito: ela queria
recuperar a irmã caçula. E aquela pequena guerreira
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conseguira realizar seu sonho.


─ Você conseguiu, menina! Finalmente
conseguiu. ─ falou, mostrando-se emocionado.
─ Sim, eu consegui. ─ a voz de Karen
começava a ficar um pouco embargada por conta
de suas lágrimas. ─ Estou em Vilamares. Em uma
linda pousada. Com a minha irmã, nada poderia
estar mais perfeito.
─ E como ela está?
─ Não sei, sinceramente não sei. Ela ainda
não conversou comigo... parece um pouco
chateada. Acho que me culpa por alguma coisa.
─ Ela é apenas uma menina; e era uma
criança quando tudo aconteceu. Precisa lhe dar um
pouco. Vai ver que tudo irá se encaixar ─ falou
com a doçura de sempre.
─ É o que eu espero. Na verdade, esperei
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por isso minha vida inteira.


Ele sabia ao quê ela se referia. E também
esperava que ela tivesse um pouco de paz.
Finalmente.
Após um breve momento de silêncio, Karen
prosseguiu, com um suspiro:
─ Eu devo tudo isso ao senhor. Não estaria
aqui, nesta situação confortável que estou hoje, se
não fosse sua bondade e seus cuidados. Não sei o
que teria acontecido se tivesse que enfrentar tudo
sozinha ─ desabafou. Ela já havia dito frases como
aquela muitas vezes, em muitas ocasiões em que
precisou agradecer a Olavo pelas coisas
maravilhosas que fez por ela, mas, talvez, nenhuma
das outras vezes tivesse soado tão genuína, tão
emocional.
─ Não me deve nada, menina. Conseguiu
tudo isso por seu valor, por seu trabalho duro. Eu
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apenas ajudei um pouco.


─ Não, foi muito mais do que isso. O
senhor foi um anjo em minha vida. Jamais serei
capaz de pagar... ─ Karen iria continuar, mas foi
interrompida.
─ Nem ouse falar em pagamento, querida.
Fiz muito menos do que poderia ter feito, e você
sabe disso. E pretendo sempre estar aqui para
quando precisar.
─ Espero que não precise mais.
─ Eu também, menina. Eu também. Quero
que seja feliz.
─ Eu serei, senhor Olavo. Agora eu serei.
Com promessas de que ligaria para lhe dar
notícias constantes, Karen desligou o telefone.
Assim que terminou a ligação, ela saiu do
quarto em busca de Anne. Não queria deixar a irmã
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sozinha por muito tempo; não queria que ela se


sentisse novamente abandonada ou rejeitada, nem
que passasse muito tempo sozinha, pois não fazia
ideia de que tipo de pensamentos assolavam sua
mente.
Estava prestes a começar a descer as
escadas que a levariam para o primeiro andar, onde
ficava o hall, quando ouviu uma delicada voz
feminina chamar:
─ Senhorita... senhorita... ─ imaginando
que a pessoa estivesse falando com ela, Karen se
virou, em busca de quem lhe chamava. Deparou-se,
portanto, com uma bonita senhora de
aproximadamente setenta anos, apesar de não
aparentar a idade, com cabelos lisos, brancos,
caindo na altura dos ombros. Seus olhos azuis
brilhavam de uma forma quase sobrenatural, e
havia uma luz ao seu redor, como se ela fosse um

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anjo. Claro que aquilo era apenas uma impressão,


mas, de alguma forma, sentiu uma espécie de
afinidade com aquela mulher. E confiança fora uma
coisa que ela aprendera a poupar.
─ Pois não. Posso ajudar? ─ indagou de
forma simpática e solicita.
─ Você deixou cair isto. ─ A senhora se
aproximou, parecendo tão confusa quanto Karen,
enquanto estendia a mão para ela, onde um
pequeno laço de fita cor de rosa repousava.
─ Não é meu ─ informou. ─ Mas, de
qualquer forma, obrigada. ─ Sorriu.
─ Não há de quê.
Karen acenou com a cabeça, como se
estivesse se despedindo, tentando afastar da cabeça
a impressão de que aquilo fora apenas um pretexto
da idosa para falar com ela. Não queria e nem podia

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se permitir voltar a ser a pessoa assustada e


desconfiada que fora alguns anos atrás, por isso,
sentiu-se um pouco envergonhada. Era apenas uma
senhora tentando ser simpática, afinal. Contudo, ao
perceber aquela estranha sensação, Karen
compreendeu que ainda tinha um longo caminho a
percorrer antes de começar a levar uma vida
normal.

***

Amália agora tinha um novo projeto de


vida, e ele se chamava Karen. Descobrira o nome
da moça no cadastro feito por Sérgio e se sentir
ainda mais próxima dela, como se Deus tivesse
colocado aquelas duas em seu caminho para serem
ajudadas de alguma forma. Mas, para tentar ajudá-
las, precisava descobrir mais sobre elas. E, para
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isso, teria que vigiá-las.


Com esse ideal na mente, ela as encontrou
sentadas no jardim, dando ainda mais beleza do
lugar. Observando o céu claro, pareciam
melancólicas e parte do cenário, como em uma
pintura impressionista. Amália reparava que
estavam em silêncio, como se não tivessem nada a
falar uma com a outra. A mais velha observava a
caçula com certa adoração, como se quisesse uma
aproximação que a outra não lhe permitia. E foi ela
que iniciou uma conversa, o que fez Amália se
esconder atrás das cortinas da varanda que se abria
para o deck da piscina, mantendo as enormes
janelas abertas.
─ Tem certeza de que não quer conversar?
─ perguntou a ruiva com carinho.
─ Não tenho nada a dizer.
─ Mas eu quero saber, Anne ─ insistiu.
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Como Anne sequer olhou para ela, a outra tocou


seu rosto com delicadeza e o virou para si. ─ Quero
saber todas as coisas pelas quais passou para poder
compreendê-la.
─ Acho que você não vai querer saber! ─
respondeu com um pouco de sarcasmo na voz.
─ Sim, eu quero!
Foi nesse momento que a menina olhou
para a outra, de forma quase ameaçadora, com um
sorriso torto nos lábios, e levantou-se, fazendo o
mesmo com sua camiseta, deixando a pele da
cintura de fora, revelando um hematoma arroxeado,
que deveria ser resultado de um machucado
provocado há pouco tempo.
─ Aqui está uma das coisas pelas quais
passei. E essa foi uma das leves. Eles surravam a
gente no orfanato, quando desobedecíamos. Sei que
você vai simplesmente fazer uma cara de pena e
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dizer que agora vai tudo ficar bem. Mas não vai,
Karen! Nunca vai! ─ com a voz alterada, ela
proferiu a resposta e saiu, deixando Karen a
observá-la, sem ter coragem de tomar qualquer
atitude.
Amália se compadecia, principalmente, da
mais velha. Algo lhe dizia que, apesar de Anne ter
mostrado machucados e um comportamento
rebelde de quem tinha sofrido bastante, era Karen
quem possuía o coração mais despedaçado. E ela
queria descobrir o motivo.
As lágrimas que começaram a cair daqueles
belos olhos verdes eram mais do que prova de que
ela estava certa. Era de partir o coração ver o choro
daquela moça se tornar um pranto compulsivo,
enquanto abraçava os joelhos e escondia o rosto
entre eles.
— Dona Amália, que vergonha!
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Bisbilhotando as hóspedes novas? — Levando a


mão ao coração, ela se assustou, virando-se para
encontrar o neto logo atrás de si, com uma
expressão transigente no rosto bonito.
— Eu tenho mais de setenta anos, Sérgio
Henrique! Se me der mais um susto desses, vou
cair dura no chão!
— Se a senhora parar de ser indiscreta desse
jeito não vai mais levar tantos sustos com medo de
ser pega.
Amália fez um gesto com a mão, indicando
que o que o neto tinha acabado de dizer era uma
pura bobagem.
O rapaz, então, colocou-se ao lado dela,
também observando Karen sozinha.
— Ela não parece bem — Sérgio afirmou
em voz baixa.

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— Olha quem está bisbilhotando agora! —


brincou, mas logo acrescentou: — Não. A mais
novinha não é fácil. Acho que elas são brigadas ou
algo assim. — Logo, uma ideia pareceu piscar em
neon dentro da cabecinha criativa de Amália. —
Você bem que poderia tentar conversar com ela,
hein! Um rapagão bonito assim, com esse seu jeito
gentil e a fala mansa, poderia fazer a moça falar.
— Vó, talvez ela não queira falar... —
Sérgio disse com muita paciência.
— Corações partidos assim sempre
precisam desabafar. Vá lá... converse um pouco
com ela. E depois me conte o que descobrir. Vamos
ajudar essas moças.
Sergio balançou a cabeça em negativa, em
repreensão, mas acabou sorrindo e acatando o
pedido da avó. Havia poucas coisas no mundo que
ele não fizesse por aquela mulher que tanto amava.
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***

Karen estava distraída, mas um barulho de


passos chamou a sua atenção. Isso fez com que
levantasse sua cabeça para olhar ao seu redor, e
tudo o que viu foi o rapaz que a atendera mais
cedo, na recepção, parado ao seu lado, a observá-la,
sem nenhum constrangimento, como se estivesse
pronto para confortá-la, sem nem mesmo conhecê-
la.
─ Desculpe! Não queria ser indelicado, mas
fiquei um pouco preocupado ─ ele falou, assim que
ela virou seus olhos inchados e vermelhos em sua
direção. Como Karen estava sentada em uma das
espreguiçadeiras da piscina, ele se acomodou em
outra, ficando de frente para ela. ─ Você está bem?

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─ Sim, estou. Não se preocupe, não está


sendo indelicado.
─ Eu posso ajudar em alguma coisa?
─ Não. Infelizmente, não. ─ Ela sorriu com
delicadeza. ─ Mas obrigada por perguntar.
Ambos ficaram calados por algum tempo.
Karen não costumava se sentir muito à vontade
com estranhos, especialmente homens. Aquele lhe
inspirava ainda menos confiança, pois era atraente
e parecia olhá-la com interesse. Ou talvez fosse
apenas mais uma paranoia de sua cabeça. Mas
como o silêncio era ainda mais constrangedor,
preferiu puxar assunto.
— Há quanto tempo trabalha aqui?
— Cinco anos. Na verdade, eu sou neto da
dona, que você também conheceu, quando chegou.
É uma velhinha um pouco bisbilhoteira, mas

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adorável — revelou, e ela assentiu, com uma


risadinha. Ele ficou feliz em ter amenizado um
pouco aquela expressão de tristeza de seu rosto. —
Aliás, espero que esteja bem acomodada ─ ele
acrescentou com uma espécie de formalidade e
mesura, que faziam parte da brincadeira, é claro.
— Estou muito bem acomodada, obrigada.
— E sua irmã? Ela está gostando do lugar?
A expressão de Karen imediatamente se
modificou, tornando-se mais sombria e
melancólica.
— Acho que sim.
— Adolescentes são difíceis, eu sei.
— Ficamos separadas por alguns anos,
porque não somos filhas do mesmo pai. Acho que
isso nos afastou. Esta viagem é uma forma de nos
reconectarmos — Karen falou um pouco mais do
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que devia. Então, abriu um sorriso para amenizar o


clima. O rapaz era apenas um estranho, não
precisava ficar ouvindo suas lamentações. — Mas
tenho certeza que em um lugar como este, tudo vai
dar certo.
─ Fico feliz em saber. ─ Sérgio levantou-se,
decidido a lhe dar um pouco de espaço. ─ Se
precisar de qualquer coisa, me procure, eu e minha
avó moramos nos chalés nos fundos da pousada.
Ela é teimosa demais para querer dividir um
comigo.
─ Pode deixar — Karen disse com uma
risadinha.
Com um aceno de cabeça ele se afastou,
deixando Karen novamente solitária, exatamente da
forma como ela preferia e como estava acostumada
a ficar. Não que não gostasse de pessoas, ela
simplesmente não conseguia confiar, não conseguia
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dar a elas o que esperavam. Não conseguia


imaginar-se sendo normal, deixando que alguém se
aproximasse tanto a ponto de descobrir seus
segredos do passado. Tinha medo que um homem
se interessasse por ela, pois acreditava que jamais
teria coragem de se entregar. Tudo que sabia sobre
sexo resumia-se a violência, humilhação, dor e
nojo. Por mais que muitas pessoas lhe dissessem
que fazer amor era algo especial, que a união dos
corpos de um homem e uma mulher, quando feita
por amor, poderia ser sublime, bela e prazerosa,
Karen não se sentia curiosa a respeito disso, não
sentia falta de um namorado, nem de amigos
íntimos. As únicas pessoas em quem confiava eram
o Senhor Olavo e Anne ─ embora mal a conhecesse
nos dias atuais. Além deles, confiara também na
Madame Renoir, a mulher que a acolhera e lhe dera
um emprego com um bom salário. Mais do que
isso, esta lhe deixara uma gorda herança, sabendo
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de suas dificuldades, que era o que estava


proporcionando aquela estadia prolongada em um
lindo lugar. Karen devia tudo àquela mulher, mas
nunca teria a oportunidade de pagar.
Era estranho pensar que em apenas algumas
horas, desde que chegara naquele lugar tão
especial, já tivesse se aberto tanto com um
estranho. Sabia, entretanto, que todos esperavam
algo em troca, mesmo que fosse o mesmo que lhe
ofereciam: um ombro amigo, palavras de conforto e
cumplicidade, mas Karen não tinha nada disso para
compartilhar. Em seu coração ela só tinha culpa,
dor e ressentimento. E talvez aquele fosse um
veredito eterno.

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Capítulo Dois

Um raio cortou o ar, um trovão entoou sua


canção assustadora e a tempestade se formou em
poucos minutos. Anne não gostava de tempestades,
e Karen sabia disso. Sabia que quando ela era
pequena, sempre corria para seu quarto todas as
vezes que havia a promessa de um temporal, ou
quando o clarão de um relâmpago clareava a noite.
Ela acreditava que era o anúncio da chegada de
monstros ou fantasmas, e embora Karen sempre
tivesse lhe ensinado que essas coisas não existiam,
ela ainda procurava a proteção da irmã mais velha.
Porém, daquela vez foi diferente.
Claro que já fazia muito tempo desde a
última noite que passaram juntas, e Karen
lamentava que logo a primeira já estivesse sendo

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coroada por uma chuva bem forte, porém,


acreditava que velhos hábitos nunca desapareciam.
Uma vez com medo de tempestades, sempre com
medo de tempestades. Por isso, levantou-se da
cama, vestiu um penhoar por cima da camisola e
foi até o quarto da menina, mas não a encontrou.
Ao ver a cama vazia, desfeita, Karen
começou a entrar em pânico. Aquela reação já era
uma velha conhecida, mas com o tempo, aprendera
a controlar os sintomas. Nada que respirar bem
fundo e contar até dez não resolvesse. Mas, daquela
vez, a ameaça era real: Anne poderia ter
desaparecido.
A primeira coisa que fez foi verificar o
armário onde ela guardara suas roupas, mas, para
seu alívio, todas estavam lá, o que significava que
ela não tinha fugido. Verificou banheiro, corredor,
debaixo de sua cama, dentro de armários, até nos

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lugares mais absurdos ‒ pois nunca se sabia onde


uma pessoa poderia se esconder, por medo de uma
tempestade ‒, mas nenhum sinal da menina.
Pegando a chave do quarto para não ficar
presa do lado de fora, Karen decidiu procurá-la pela
pousada. Já passava de meia-noite, mas acreditava
‒ ou queria acreditar ‒ que ela ainda estaria ali.
Desceu as escadas correndo, quase
tropeçando ao chegar no último degrau, e começou
a caminhar pelo corredor do primeiro andar e
depois pelo hall. Estava tudo vazio, escuro e
silencioso. Por um momento, começou a sentir um
pouco de medo e frio, então, fechou ainda mais o
penhoar, segurando-o contra o corpo. Chamou o
nome de Anne, tentando não elevar muito a voz
para não acordar ninguém. Mas nada, nenhuma
resposta.
Ainda lhe restava um lugar para procurar: o
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quintal, onde ficava a piscina e o jardim. Porém,


antes que pudesse cruzar a porta dos fundos da
casa, ouviu alguém bater na da frente, com pressa e
urgência.
Karen deveria simplesmente ignorar aquilo
e continuar sua busca pela irmã, afinal, era uma
hóspede e não tinha obrigação de atender à porta,
contudo, conforme a pessoa do lado de fora
começava a insistir, ela penalizou-se, pois podia ser
alguém precisando de abrigo para aquela noite fria.
E a recepção estava momentaneamente vazia.
Praguejou, amaldiçoando sua própria
generosidade, mas foi até a porta, cumprir com sua
ideia. Ao menos estaria realizando sua boa ação do
dia; quem sabe não ganhava algo em troca dos céus
e sua irmã simplesmente aparecesse.
Com um pouco de dificuldade, ela girou o
trinco da porta, em seguida fez o mesmo com a
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chave, que estava presa à fechadura, e, com a mão


na maçaneta, abriu a pesada porta de madeira.
Contudo, o que viu do lado de fora não era nem um
pouco o que esperara a princípio.
Do lado de fora daquela pousada, estava um
homem. Um homem perigosamente,
tentadoramente bonito.
Ele estava encharcado de chuva, que
pingava de seus cabelos escuros, levemente
compridos, de suas roupas e de suas mãos. Sua
mochila estava arruinada, o mesmo acontecia com
a capa de couro de um instrumento musical que ele
carregava nas costas. Ela também imaginava que
tudo que ele trazia consigo devia estar um pouco
comprometido.
Aquele era o momento em que ela deveria
simplesmente fechar a porta, voltar a procurar por
Anne, e quando a encontrasse, deveria retornar ao
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quarto e esperar que qualquer funcionário da


pousada fosse recebê-lo, mas não foi o que ela fez.
Por um momento nenhum dos dois disse
nada. Ele também não esperava ser recebido àquela
hora da madrugada por uma linda e jovem mulher
vestindo apenas uma camisola coberta por um
penhoar. Esperava menos ainda ver aqueles
adoráveis olhos verdes completamente assustados,
como se ele fosse uma espécie de bicho papão.
─ Boa noite! ─ foi ele que falou primeiro. ─
Será que eu posso entrar?
─ Ah, me desculpe! ─ exclamou sem jeito e
em seguida abriu a porta, permitindo que ele
passasse.
Karen o observou enquanto ele
inspecionava a pousada com os olhos. Bem, na
verdade ela também o inspecionava e ao olhar para
ele, tudo que sua mente gritava era: problemas.
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Tudo nele inspirava encrenca, desde o casaco de


couro que caía perfeitamente em seu corpo
visivelmente musculoso, sua altura imponente, que
a fazia parecer ainda menor ao lado dele, os óculos
escuros pendurados na gola da camiseta até o tom
da voz arrastado e levemente rouco. Porém, o que
mais demonstrava que deveria se manter afastada
de um tipo como aquele era uma pequena cicatriz
que ele tinha no queixo, bem ao lado da covinha
charmosa, que parecia razoavelmente recente; sinal
de que ele estivera envolvido em alguma briga.
E quando ele olhou para ela de volta,
fazendo seus olhares se cruzarem, foi que ela
percebeu que aquilo estava errado, muito errado.
─ Eu queria um quarto. ─ Claro que ele
queria um quarto, era algo óbvio, mas Karen ainda
demorou para conseguir pensar com clareza e
tomar uma atitude.

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─ Desculpe, mas eu não trabalho aqui...


Vou procurar alguém que possa ajudá-lo.
O mais rápido que pôde, ela lhe deu as
costas, tentando evitar aquele contato visual, pronta
para ir chamar alguém, esperando que houvesse
algum funcionário acordado ou disposto a atender
um hóspede inesperado e inconveniente. Porém,
antes de qualquer coisa, ela se virou de volta para
ele, não conseguindo evitar uma pergunta crucial:
─ Quanto tempo pretende ficar? ─ A
pergunta poderia ter soado pessoal ou denotar
algum interesse da parte de Karen, mas não da
forma indiferente com a qual ela falou. Na verdade,
ele reparou uma espécie de medo da parte dela,
como se esperasse que ele ficasse o mínimo de
tempo possível. Aquilo o deixou confuso.
─ Não sei ainda. Acredito que uma semana
ou um pouco mais.
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Karen apenas balançou a cabeça de forma


positiva e seguiu, finalmente, seu caminho,
deixando aquele homem misterioso sozinho.
Ela foi direto à administração e bateu à
porta. Esperou alguns minutos, mas ninguém se
manifestou. Tentou girar a maçaneta, mas estava
trancada. Não havia ninguém ali, como ela já
imaginava. Lembrou-se então de Sérgio e acreditou
que ele fosse atendê-la, apesar do horário
impróprio. Tentou, então, sua porta, e depois de
alguns minutos, foi atendida.
Sérgio a recebeu com os cabelos
desgrenhados, vestindo uma bermuda e uma
camiseta que, com certeza, fora vestida às pressas,
pois estava do lado avesso. Seu rosto estava
amassado e os olhos quase fechados.
─ Acho que o acordei, me desculpe ─ ela
disse envergonhada.
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─ Não tem problema. Está tudo bem com


você? ─ ele perguntou sem maldade, e Karen ficou
feliz em perceber que ele não estava interpretando
aquela visita inesperada de forma maliciosa.
─ Você não deveria ter atendido à porta
sozinha a essa hora. Poderia ter me chamado.
─ Eu sei, eu sei... eu só imaginei que fosse
uma pessoa precisando se abrigar da chuva. Espero
não ter trazido problemas à pousada. ─ Lá estava
ela novamente se desculpando, falando como se
fosse ser punida ou repreendida por algum ato que
pudesse ser considerado errado. Sérgio começava a
perceber que havia realmente algo de errado com
aquela moça... Algo que realmente a tornava frágil
e amedrontada.
─ Fique tranquila. Sua intenção foi boa.
Vou lá ver quem é ─ ele falou com doçura, tocando
em seu braço, o que a fez se afastar um pouco.
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Bem, ele teria que evitar contatos físicos se


quisesse conquistar a amizade daquela moça. ─ De
qualquer forma, vá para seu quarto. Não sabemos
de quem se trata.
─ Eu estava procurando pela minha irmã.
Não consigo encontrá-la em lugar algum.
Sérgio suspirou. Já tinha percebido que a
adolescente traria alguns problemas para a irmã
mais velha, mas não imaginava que seria tão
rápido. Não fazia ideia de qual era o problema entre
elas, mas sabia que havia um.
─ Bem, vamos fazer o seguinte então,
venha até a sala comigo; assim que eu atender ao
homem que chegou, vou ajudá-la a procurar sua
irmã. Ela levou alguma coisa com ela?
─ Não. Suas roupas estão todas no armário
ainda.

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─ É um bom sinal. Ela ainda deve estar na


pousada. ─ Ele fez uma pausa. ─ Vou colocar uma
calça e já volto. Quer esperar aqui dentro? ─
ofereceu sem maldade, mas percebeu que ela se
sentiu acuada.
─ Não... ─ respondeu rápido, sem nem
pensar. ─ Não, é melhor que eu espere aqui fora.
─ Tudo bem, não vou demorar... ─ Ele já ia
entrando e fechando a porta para poder ter mais
privacidade, quando ouviu seu nome, sendo
chamado por ela. ─ Sim? ─ atendeu ao chamado
tímido daquela voz doce e melodiosa.
─ Acho que além de colocar uma calça,
você deveria ajeitar sua blusa, ela está do avesso. ─
Finalmente ela tinha um sorriso no rosto, e ele
conseguia quase escutar um resquício de um tom
divertido em sua voz. O que era uma boa surpresa.
─ Pode deixar ─ ele também respondeu
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sorrindo, indo finalmente trocar de roupa, deixando


Karen a esperá-lo no corredor.
Quando retornou, ainda ajeitava a blusa, e
Karen não pôde deixar de reparar no abdômen
musculoso e esguio, que ele logo cobriu novamente
com o tecido. Enquanto caminhavam, Sérgio
explicava:
— Durante a semana, não temos pessoal
suficiente para cobrir o turno da noite, então,
deixamos as portas fechadas. Já perdemos hóspedes
por isso, mas não vale a pena pagar um funcionário
só para a recepção. Fechamos a cozinha às dez, e
eu fico às vezes até mais tarde para receber um ou
outro, mas temos nossas regras.
— Claro, eu entendo.
Sérgio continuou falando, explicando
alguns detalhes do método de trabalho do local,
mas Karen já nem prestava mais atenção. O homem
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na recepção não lhe saía da cabeça. Havia algo de


estranho nele, embora ela preferisse nem pensar
nisso.

***

Ele andava de um lado para o outro, ansioso


como sempre. Não estava buscando uma pousada
com ares acolhedores, mas fora o melhor que
encontrou. Ao menos estava longe o suficiente de
todas as terríveis lembranças... esperava apenas que
não lhe fizessem muitas perguntas, especialmente
aquelas que não estava disposto a responder.
Além de perguntas, ele também odiava
surpresas. Odiava não saber o que o esperava,
odiava ser surpreendido, mas fora exatamente o que
acontecera quando a porta daquele lugar foi aberta.

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Não esperava ser recebido, àquela hora, em uma


noite tão fria, por uma mulher tão jovem. E, céus,
como ela era bonita! Tinha uma expressão
assustada, vulnerável e inocente, em um rosto
angelical e delicado. Parecia uma daquelas
mulheres de filmes antigos que sua mãe gostava de
assistir quando ele era pequeno.
Aquela mulher conseguira deixá-lo nervoso.
Ele não costumava dar atenção a hóspedes nos
hotéis onde se acomodava ou clientes dos locais
que frequentava, porque nunca sabia quando iria
encontrar um fã obcecado querendo fazer amizade
e descobrir coisas indiscretas. Tudo bem que seu
rosto não era o mais famoso da banda, na maioria
das vezes passava despercebido, mas algumas
pessoas que os acompanhavam o conheciam. Além
disso, mulheres bonitas não faltavam em sua vida,
embora desejasse apenas uma. A pior de todas, não

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apenas por tê-lo traído da pior forma possível, mas


porque não podia odiá-la. Não depois do que
acontecera.
A ruiva assustada era apenas mais uma
garota bonita que cruzava seu caminho. Ou assim
deveria ser, porém, em apenas um primeiro contato
com aquela atraente mulher ela já o tinha feito
revelar por quanto tempo pretendia ficar naquela
pousada. Pelo menos não lhe dera um tempo exato,
fora vago; mas por pura sorte. Com aquela voz tão
doce e a expressão inocente, ela seria capaz de
descobrir até mesmo o nome de seu tataravó, se ele
soubesse qual era. Seria capaz de descobrir muitas
coisas que ele preferia manter em segredo.
Portanto, estava decidido a se manter afastado. O
bom era que ela parecia ter o mesmo desejo.
Não deixou, porém, de ficar curioso pelos
motivos que ela poderia ter para tanta reserva.

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Estava estampado em seu rosto que havia uma


espécie de dor, causada por um passado traumático.
Tinha experiência suficiente com pessoas
maltratadas para saber que ela era uma delas.
Normalmente não possuía muito tato para lidar com
essas pessoas, portanto, preferia imaginar que
aquela linda ruiva que o recebera fora
simplesmente magoada por um homem, traída ou
trocada por outra. Era melhor que não ficasse
tentando imaginar coisas piores ou acabaria
curioso. E a curiosidade era um sentimento
perigoso, especialmente para uma pessoa como ele.
Estava quase desistindo de se hospedar
naquele lugar, uma vez que ninguém mais viera
atendê-lo. Era bem provável que todos estivessem
dormindo, o que a fizera desistir. Quase podia
imaginar que ela já estava em seu quarto, debaixo
das cobertas, e que ele ficaria ali, naquele hall,

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esperando por toda a noite, até que tivesse que se


acomodar no pequeno sofá que não sustentaria com
conforto nem metade de seus um metro e noventa e
três de altura. E tudo que ele queria naquele
momento era um bom banho quente, um colchão
macio e um edredom que o esquentasse. Queria
também alguma coisa gostosa para comer, levando
em consideração que não pudera almoçar, mas até
não se importava se tivesse que abdicar daquela
parte, já que estava muito tarde, se pudesse ao
menos ter uma boa noite de sono.
Mas, quando já estava quase desistindo de
esperar, ele viu uma coisa que chamou sua atenção.
Havia uma menina, vestida de forma quase
masculina ─ com uma calça jeans desbotada e
muito larga e uma camiseta de botão quadriculada,
além de usar tênis All Star nos pés ─ sentada na
borda da piscina. Ela parecia fitar a água com

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atenção e quase fascínio, enquanto os últimos e


finos pingos de chuva ainda caiam do céu e a
movimentavam, formando pequenas ondas, que
mais pareciam um balé melancólico. Ele podia
perceber que ela movimentava os lábios como se
falasse sozinha... Não. Ela estava cantando.
Ele poderia simplesmente ter ignorado
aquela menina e ido embora, para algum lugar que
o atendesse com mais rapidez, mas outra coisa lhe
chamou a atenção na adolescente que observava:
ela era uma versão mais jovem, menos feminina e
morena da linda ruiva que lhe abrira a porta. Com
certeza era de sua família, mas com uma diferença
de idade muito pequena para serem mãe e filha. Só
podiam ser irmãs.
Mas o que aquela menina fazia ali, tão tarde
da noite, naquele frio, parecendo tão triste e
solitária? Era como se ela tivesse procurado aquela

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solidão. Realmente havia algo de errado nas moças


daquela família, mas ele achava melhor nem saber
o que era, antes que começasse a se sentir
envolvido ou interessado em ajudar.
Foi então que passos interromperam seu
momento. Mesmo de longe ele podia sentir que se
tratavam de duas pessoas que se aproximavam ‒ a
ruiva bonita e um homem loiro que era pouca coisa
mais baixo do que ele mesmo.
─ É você que está interessado em se
hospedar na pousada? ─ Sérgio começou falando,
com um ar um pouco desconfiado.
─ Sim. Desculpe pela hora.
Karen percebeu que o belo homem parecia
um pouco inquieto, mantendo as mãos nos bolsos,
diferente de quando chegara. E, quando o olhar
dele parou sobre ela novamente, teve a certeza de
que aquela estranha atitude tinha a ver com sua
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pessoa.
─ Tem algum quarto disponível por aqui?
─ Temos alguns, sim. Alguma preferência
de vista ou número? ─ Sérgio perguntou, enquanto
começava a caminhar na direção da mesa da
recepção e ligava o computador.
─ Preferência de número? ─ estranhou.
─ Bem, o senhor não sabe o tipo de pessoas
que aparecem por aqui com essa história de
numerologia e feng shui. Nunca se sabe.
─ Não, não. Nada disso, quero apenas um
quarto confortável.
─ Temos dois tipos de acomodação.
Quartos que são projetados como
miniapartamentos, com dois quartos, saleta e...
─ Quero um mais simples, por favor —
interrompeu.
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Uma resposta curta, quase grosseira e


impaciente.
Sérgio apressou-se em verificar as
disponibilidades e quando anunciou em que quarto
o estranho ficaria, Karen estremeceu. Ele se
hospedaria no 203, ao lado do dela. De acordo com
Sérgio, era o único disponível nas condições que
ele solicitou.
─ Seu nome, por favor, senhor... ─ Sérgio
perguntou, assim que ele concordou com o quarto
que lhe foi oferecido.
A pergunta era a mais simples possível, mas
o homem hesitou antes de responder. Como se
tivesse algo a esconder.
─ Marcos... Marcos Guimarães ─
respondeu, mas não parecendo muito satisfeito em
fazê-lo.

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Sérgio, por sua vez, não reparou o mesmo,


apenas escreveu o nome que lhe foi informado no
computador.
─ Preciso de seus documentos e do número
de seu cartão de crédito como garantia ─
complementou Sérgio.
Marcos apenas assentiu, cumprindo com as
exigências, demonstrando ainda mais nervosismo
ao entregar o RG ao rapaz, mas relaxou quando o
documento foi devolvido. A verdade era que sendo
principal guitarrista de uma banda famosa, não era
difícil ser reconhecido por seu sobrenome artístico
— Vandreoli. Por isso, sempre fornecia o nome de
sua mãe, que era comum e anônimo.
─ Isso é tudo que você precisa?
─ Sim. Obrigado.
Todos os dados foram preenchidos no

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software utilizado pela pousada para registro de


hóspedes. Não havia mais nada que Sérgio
precisasse indagar, mas ele, sentindo-se intrigado e
zelando pela segurança do local, ainda fez mais
uma pergunta:
─ Está em Vilamares a trabalho ou a lazer,
senhor Guimarães? ─ Claro que a pergunta foi feita
com um sorriso, como se ele quisesse soar casual.
— Nem um, nem outro — Marcos
respondeu seco, dando a entender que aquele tipo
de pergunta não era muito bem-vinda. Sérgio olhou
para Karen muito desconfiado, com o cenho
franzido, mas deu de ombros, enquanto tirava a
chave do claviculário e a entregava a Marcos. ─
Obrigado. ─ Sem nem esperar qualquer orientação
ou boas vindas, o homem misterioso virou-se na
direção das escadas, pronto para ir para seu quarto,
mas antes que pudesse começar a subi-las, voltou-

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se diretamente para Karen e disse: ─ Há uma


mocinha à beira da piscina que eu acho que é sua...
ela parece muito sozinha.
Em uma reação instantânea, Karen olhou na
direção informada por Marcos e caminhou até lá. Já
tinha olhado para a piscina e não a tinha visto, mas
exatamente como ele dissera, lá estava ela, o que a
fez suspirar de alívio.
Estava encolhida, parecendo mais perdida
do que nunca. Seu coração se derretia e sofria
tentando imaginar o que tanto assolava aquela
cabecinha. Porém, ainda tinha medo de se
aproximar, pois simplesmente não sabia o que
dizer.
─ Acho que ela parece capaz de passar a
noite inteira ali se você não for falar com ela. ─
Uma voz masculina surgiu de detrás de Karen. Ela
sabia que se tratava de Sérgio, mas mesmo assim
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ele conseguiu surpreendê-la por um breve segundo.


Karen não soube o que responder,
especialmente porque Sérgio não fazia ideia do que
acontecia entre elas. Não fazia ideia de todo o
passado violento que compartilharam, muito menos
sabia sobre o tempo em que passaram separadas, o
tempo em que Karen tivera que abandonar a irmã
até ter condições suficientes para resgatá-la.
Ninguém sabia de suas histórias, talvez nem elas
mesmas.
Por isso, Karen não respondeu nada ao
rapaz, e foi se aproximando de Anne com cautela.
Sabia que qualquer movimento brusco ou
comentário errado que fizesse poderia desencadear
uma reação completamente indesejada.
─ Anne? ─ chamou baixinho, com toda a
doçura que pôde encontrar em sua alma. Estava
cansada, e sua nova vida sequer tinha começado.
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A menina a olhou com um estranho


sentimento em seus olhos; era algo entre mágoa e
esperança. Ela parecia muito inocente, muito
próxima à criança que Karen conhecera há algum
tempo. Seus olhos brilhavam com as lágrimas que
ainda insistiam em cair, mas que ela tanto tentava
esconder e disfarçar.
─ O que você quer? ─ falou cheia de
ressentimento, limpando o rosto com as costas de
sua mão.
─ Volte para o quarto, querida. Está frio
aqui. Vai acabar ficando resfriada.
─ Não. ─ Sua resposta foi ríspida e rápida
demais, e o que ela disse em seguida soou como um
arrependimento. ─ Por favor, deixe-me ficar...
Ao ouvi-la falando daquela forma, nenhuma
pessoa seria capaz de lhe negar qualquer coisa.
Então, em uma segunda tentativa, Karen se sentou
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ao lado dela, retirando seus chinelos para poder


colocar os pés na água, que parecia um pouco
gelada, mas gostosa. A chuva já havia parado, mas
o tempo não parecia querer esquentar; ainda assim,
aquela era uma oportunidade de se aproximar de
Anne, que era tudo que ela queria.
─ Eu posso ficar um pouco também, então?
─ indagou, e Anne respondeu com um dar de
ombros, que dizia que, para ela, tanto fazia se
Karen lhe fizesse companhia ou não.
De início, Karen ficou em silêncio. Não que
procurasse o que deveria dizer, pois não queria
ensaiar ou preparar nada, apenas deixar que seu
coração falasse.
─ Você se lembra das noites de tempestade,
quando você corria para o meu quarto assustada?
Anne não disse nada a principio.
Permaneceu olhando para o chão, com a mesma
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expressão concentrada e ferida. Karen sabia que ela


não iria dar o braço a torcer, não deixaria seu
orgulho de lado, então, teria que ser ela a induzir os
primeiros contatos.
— Talvez você não se lembre, mas houve
uma noite em que entrou no meu quarto gritando e
correndo, como se tivesse visto um fantasma. Seu
rosto estava todo retorcido de medo e quem ficou
assustada fui eu. No final das contas, ficaram as
duas gritando, e mamãe apareceu desesperada. —
Karen ria, mas ao mencionar a mãe, ficou séria e
em silêncio. Ela mesma sabia que jamais iria
superar a perda, porém, acreditava que para Anne
era ainda pior. Mas a resposta que ela deu foi
surpreendente.
— Sim, eu me lembro. — Riu a garota, mas
logo mudou sua expressão, quando se recordou que
era melhor não abrir o coração para a irmã. Pelo

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menos não tão cedo. — Mas já faz muito tempo; eu


não sou mais aquela menininha medrosa — falou
com a mesma rispidez de antes.
— Nós duas mudamos, querida — suavizou
o tom de voz. — É parte do crescimento, do
amadurecimento. Tanto eu quanto você passamos
por dias difíceis, mas não podemos deixar que isso
molde nosso caráter. Sobrevivemos, e é isso que
importa.
— Você acha mesmo? — Havia dúvida e
até um pouco de sarcasmo na voz da mais nova. —
Então por que demorou tanto para ir me buscar?
— Anne, eu tentei te visitar várias vezes,
durante anos. Você nunca quis me ver. Disse que só
queria que eu voltasse quando fosse para te buscar.
E mesmo assim eu continuei voltando, recebendo
sempre um não como resposta.
— Era difícil para mim. Mas depois ficou
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mais fácil... Não te ver. — Karen ia dizer mais


alguma coisa, mas Anne a impediu. — Agora não
importa mais. Sei o que veio fazer aqui na piscina...
quer que eu volte para o quarto, não é? Pode ficar
tranquila que não vou ficar te dando trabalho.
E Anne se virou e foi para o quarto, sem
dizer mais nada. Karen respirou bem fundo, sem
saber o que fazer. Aquilo era uma guerra que ela
teria que vencer a cada batalha, dia após dia. O
problema era que não fazia ideia se sairia vitoriosa
no fim.

***

Ele só podia estar ficando louco. Louco!


Estava ali naquela cidade para se curar, para reunir
os pedaços de seu coração partido e colá-lo outra

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vez. Já era sua segunda parada naquela estranha e


[1]
solitária road trip de férias, e esperava não levar
muito mais tempo para resolver aquele problema. A
mamata não poderia durar para sempre.
Sendo assim, não conseguia compreender
por que se preocupara com a garota, muito menos
com a irmã. Elas não eram problema seu. Não eram
sua responsabilidade. A única pessoa de quem
deveria ter cuidado, protegido, traíra sua confiança
e estava agora no fundo do poço.
Passara a sentir-se um pouco solitário nos
últimos meses, mas talvez fosse melhor assim.
Quanto menos pessoas entrassem em seu coração,
menos riscos correria de se magoar ou decepcionar.
Era uma regra básica que deveria ter aprendido há
muito tempo.
Decidiu, então, refrescar as ideias em um

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banho demorado. Sentia o estômago roncar, mas


teria que deixar para se alimentar no dia seguinte
ou precisaria descer e encarar a mulher novamente.
Então, depois do banho, decidiu deitar na cama e
ligar seu laptop para checar seus e-mails.
Havia alguns na caixa de entrada, a maioria
SPAMS, mas um em particular chamou a sua
atenção. Era do baixista de sua banda, um de seus
melhores amigos pedindo que ele entrasse em
contato. Estavam todos muito preocupados e
precisando fazer uma reunião para delinearem o
futuro da carreira.
Mas Marcos não conseguia decidir o que ele
próprio iria fazer no dia seguinte, como definir o
destino de mais três pessoas?

***

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Com a luz do sol batendo em seus olhos,


Karen acordou. Ao olhar o relógio digital ao lado
de sua cama, constatou que já eram oito da manhã.
Era estranho, pois podia jurar que fechara a janela
antes de ir deitar. Mas não demorou muito para
constatar que fora Anne quem abrira todas as
cortinas do quarto e agora estava trancada no
banheiro, com o chuveiro ligado.
Decidida a não se indispor com a irmã, ela
preferiu ignorar aquela demonstração de rebeldia e
simplesmente arrumar a cama, esperando que Anne
liberasse o banheiro para que ela também pudesse
usá-lo. Enquanto isso, tentava organizar algumas
coisas no quarto e percebeu que tudo estava muito
mais bagunçado do que deveria. As roupas que
Anne usara na noite anterior estavam espalhadas
pelo chão; e o mesmo acontecia com algumas das

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roupas de Karen, que ainda estavam dentro da


mala. Só de olhar para aquilo, Karen já sentiu
vontade de chorar. Não deveria fraquejar em tão
pouco tempo, mas jamais imaginara que seria tão
difícil. Todas as vezes que sonhara em reencontrar
a irmã, acreditava que ela lhe receberia com
carinho, que se abraçariam e conversariam sobre
todo aquele tempo que passaram separadas.
Imaginara que logo ficariam amigas, que ela jamais
estaria sozinha novamente. Mas fora apenas mais
um sonho que não conseguira realizar.
Mesmo se sentindo mentalmente cansada,
ela limpou e organizou tudo que estava bagunçado
e sujo, e sentou-se na cama, lutando contra as
lágrimas e contra a raiva, preparando-se para o
momento em que Anne sairia do banheiro. Estava
decidida a ter uma séria conversa com ela, mas
assim que a viu, com os olhos vermelhos, usando

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uma blusa curta, que deixava seus hematomas


visíveis, não teve coragem de confrontá-la, pelo
menos não daquela vez.
Enquanto se perguntava o que viria a seguir,
Karen viu Anne se jogar sobre sua cama, sem
sequer tirar o tênis, e abrir uma revista, começando
a lê-la, demonstrando muita atenção. Bem, ela, com
certeza, não deveria estar nem um pouco
interessada no que lia, apenas o fazia para que
Karen não puxasse assunto, pois se tratava de uma
publicação sobre museus e mostras de cultura da
cidade, o que não parecia exatamente o gosto de
uma jovem daquela idade.
Mas mesmo não notando qualquer simpatia
na expressão ‒ pseudo ‒ concentrada de Anne,
Karen tentou:
— Você vai descer para o café da manhã?
— Não estou com fome. — A resposta foi
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seca, sem nenhum tipo de emoção na voz.


— Tudo bem. Eles o servem até as onze;
espero que mude de ideia até lá. — E saiu porta
afora, na intenção não apenas de comer, mas
também de dar um pouco de privacidade à menina,
que parecia ser exatamente o que ela queria.
Contudo, Karen sabia que Anne não iria
mudar de ideia. Ela poderia se revirar na cama de
fome, sentir o estômago doer, roncar, mas não daria
o braço a torcer. Ela era, infelizmente, muito
parecida com o pai, ao menos naquele aspecto.
Quando queria uma coisa, insistia até o fim, não
importavam as consequências. E ela sabia,
conhecia na pele a teimosia daquele homem.
Assim que cruzou a soleira da porta, viu a
dona da pousada em seu corredor, passando um
pano em um quadro na parede do corredor,
distraidamente e cantarolando. Poderia ser uma
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cena completamente natural, se Karen não tivesse a


impressão de que ela estava constrangida, como se
tivesse passado algum tempo atrás de sua porta,
tentando escutar o que acontecia dentro do quarto.
Seria possível?
Aquele instinto desconfiado e um pouco
paranoico que ainda insistia em assombrar sua
mente a fizeram especular se a mulher não a estaria
vigiando. O que, claro, afastou imediatamente da
cabeça. Era apenas uma senhora, completamente
inofensiva, tentando ser simpática.
— Bom dia. É Amália, não é? — Karen
tentou uma aproximação.
— Olá, querida! Está um dia lindo lá fora
— Amália comentou, sorrindo. — Onde está sua
miniatura?
Karen não pôde deixar de sorrir.

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— Ela se atrasou um pouco. Deve descer


mais tarde — uma mentirinha, é claro. Mas não
precisava ficar se abrindo para todo mundo naquela
pousada. Já bastava a conversa breve com o neto
dela.
— Espero que esteja tudo do seu agrado.
Passou uma boa noite?
— Sim. Está tudo ótimo. Sua pousada é
encantadora.
Amália sorriu, orgulhosa.
— Bem, vou descer... Eu a vejo por aí.
— Claro. — Karen deu-lhe as costas e já ia
começar a descer a escada, mas foi interrompida.
— Querida... se precisar de qualquer coisa...
qualquer coisa mesmo, é só chamar.
O coração de Karen encolheu-se dentro do
peito, cheio de ternura. Era tão raro que uma pessoa
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completamente desconhecida se oferecesse daquela


forma, de corpo e alma, para ajudar, principalmente
porque Karen encontrara muito poucas tão
altruístas assim, que precisou segurar as lágrimas.
Andava muito emocional naqueles dias e seria bem
melhor se controlar, ou ela seria a chata do local.
— Muito obrigada, vou me lembrar disso.
Finalmente, então, seguiu seu caminho,
tendo a certeza de que tinha feito a escolha certa
em se hospedar naquele lugar.

***

Anne ouviu a porta da frente batendo e


levantou-se da cama de um pulo. Deu uma olhada
em suas coisas e ficou feliz por vê-las intactas.
Temia que Karen pudesse mexer em sua mochila e
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encontrar exatamente o que estava procurando


naquele momento ‒ o celular que lhe fora dado de
presente.
Havia sentimentos dúbios em seu coração
em relação à pessoa que lhe dera aquele aparelho.
Encontrara-o uma única vez, pouco depois de
Karen aparecer para buscá-la em definitivo.
Deveria ter recusado sua visita, assim como fizera
com as da irmã depois de um tempo, mas por
motivos diferentes. Karen fora vê-la muitas vezes
depois que foram separadas, e no início Anne a
recebia, mas era tão doloroso se separar, que
passou a não querer mais vê-la.
Só que, por algum motivo mórbido, sentira
a necessidade de olhar para o pai uma única vez e
constatar se o odiava.
E odiou a conclusão. Por mais que ele fosse
o homem mais terrível do mundo; por mais que ele
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tivesse lhe tirado tudo, era seu pai. Sangue do seu


sangue.
Portanto, quando ele lhe deu um celular,
Anne acreditou que as coisas mudariam, que ele
estava disposto a ser o pai que nunca foi. Depois de
tantos anos na cadeia, um pouco de arrependimento
não faria mal a ninguém.
Sendo assim, ela buscou o número nos
contatos, que estava gravado com outro nome.
— Oi, sou eu... — Nem sequer precisou
anunciar seu nome. Ela sabia que ele reconheceria a
sua voz. — Não, eu estou bem. É só para avisar que
não estou mais no orfanato. Estou com Karen. —
Ela fez uma pausa. — Já disse que estou bem.
Estou em uma pousada. — Pausa. — Não, não vou
te dizer o nome da cidade e nem da pousada. Acho
melhor não aparecer. — Preciso desligar. Depois
nos falamos. — E Anne sequer deu tempo para
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qualquer resposta, pois foi logo desligando o


telefone.
Assim que a ligação foi terminada, ela
guardou o celular novamente na bolsa, bem
escondido.
Depois de desligar, ficou andando de um
lado para o outro, sentindo-se um pouco perdida.
Não estava acostumada àquele pequeno luxo nem
com liberdade. A vida no orfanato era difícil, e era
como se a qualquer momento alguém fosse
aparecer para repreendê-la. Aprendera a não temer
mais, e até mesmo quando desobedecia, os golpes
que levava de cinto já não a amedrontavam mais.
O problema era que a sensação que tinha
naquele momento também lhe era muito conhecida
‒ fome. Quantas vezes não fora enviada para cama
sem comer, porque fizera mal criações? Quantas
vezes não perdia o almoço, porque um dos
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valentões do lugar decidia que iria roubar sua


comida? E, claro, ninguém intervinha.
No dia anterior, almoçara com Karen no
caminho até Vilamares, parando em um restaurante
da estrada, mas não quisera comer muito para não
satisfazer a irmã; e naquela manhã o sentimento era
o mesmo. Sabia que estava fazendo pirraça, e que,
com aquilo, a única prejudicada seria ela mesma,
mas não podia evitar.
Porém, conforme o tempo passava, a dor só
aumentava, e ela decidiu que poderia descer e fazer
amizade com algum outro hóspede, podendo assim
comer um pouco, mas sem dar atenção a Karen.
Abriu a porta, portanto, sem nem voltar ao
banheiro para pentear o cabelo ou vestir uma roupa
melhor, e saiu. Ao mesmo tempo, no quarto ao
lado, outra porta bateu, e Anne viu um homem sair
dela. Na verdade ela já o tinha visto chegando na
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pousada no dia anterior e podia jurar que era o


homem mais lindo do mundo. Especialmente
naquele instante, ele estava ainda mais atraente,
mesmo para uma jovem que deveria ter metade de
sua idade.
E ele também a viu. Quando aquele belo par
de olhos azuis começou a fitá-la, instintivamente,
Anne ajeitou os cabelos para dentro do rabo de
cavalo, esperando que ele não percebesse aquele
gesto de menininha. Ele, por sua vez, ao contrário
dela, parecia estar elegantemente desarrumado. Em
uma mão, cheia de anéis de prata, segurava uma
jaqueta de couro, que parecia ser cara, enquanto a
outra trancava o quarto, com duas voltas na chave.
Ele parecia disposto a passar por ela sem
sequer lhe dar um bom dia, mas Anne não deixaria
que isso acontecesse.
— Oi... — Ela se aproximou, o que o
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deixou um pouco desconcertado. Com certeza não


esperava aquela reação, muito menos tanta ousadia.
— Oi?! — respondeu confuso.
— Eu sou a Anne.
— Olá, Anne. — ao cumprimentar, sem
muito entusiasmo, tentou continuar a seguir seu
caminho, mas ela insistiu.
— Você não vai me dizer o seu nome?
— Deveria? — Marcos sabia que estava
soando um pouco grosseiro demais, mas era melhor
assim. Talvez ela desistisse de fazer amizade e o
deixasse em paz.
— Bem, seria educado. — Ela cruzou os
braços na altura do peito, como se estivesse
indignada. Foi então que tomou coragem e o
encarou com mais atenção. Ele não lhe era
estranho. Conhecia-o de algum lugar, mas tinha
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certeza que se já tivesse visto um homem como


aquele pessoalmente, sem dúvidas não esqueceria.
Só podia ser da televisão. Rapidamente tentou
vasculhar dentro da memória e lembrou-se: —
Caramba, você não é o guitarrista da Castelos de
Areia! Eu amo essa banda.
Marcos ergueu uma sobrancelha. Imaginou
que acabaria sendo reconhecido em um momento
ou outro, mas nunca suspeitou que seria uma
adolescente a chegar àquela conclusão. Os fãs de
sua banda costumavam ser um pouco mais velhos,
os órfãos do bom rock dos anos 80, já que seu
estilo era mais voltado para Titãs e Engenheiros do
Hawaii.
— Não foi o vocalista que morreu
recentemente? Puxa vida, eu sinto muito. O cara
era super bom.
Ah, merda! Ser reconhecido, tudo bem, mas
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ela precisava estar tão bem informada? Odiava


tratar mal uma fã, mas queria distância daquela
história. Fora por isso que decidira se refugiar ali,
não fora? Então, fugir seria a opção mais segura.
— Olha, Anne, eu estou com um pouco de
pressa agora, mas depois conversamos, tudo bem?
— E com isso, ele lhe deu as costas, mas ainda a
ouviu chamá-lo atrás, parecendo segui-lo:
— Não vai nem tomar café da manhã?
Marcos preferiu não responder, mas
apressou seu passo, descendo a escada de dois em
dois degraus.
Fugir de uma adolescente. Que patético ele
estava se tornando!

***

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Havia vozes animadas conversando, o


tilintar de copos, pratos e xícaras encostando uns
nos outros, havia risadas e um cheiro delicioso de
pão fresquinho no ar. Karen estava no paraíso.
Era bem verdade que preferia que Anne
estivesse ali com ela, sentada à mesa, comendo
com vontade e começando a se abrir; ou pelo
menos apenas conversando sobre qualquer coisa.
De fato, estava tão preocupada por ela não comer
que nem se importaria se ficasse somente em
silêncio. Já havia descido há pelo menos quinze
minutos e estava ansiosa, sempre olhando para a
entrada do pequeno salão que servia como
restaurante, ainda acreditando que ela iria aparecer.
Contudo, um rosto familiar apareceu no
lugar da adolescente. Era Sérgio, parecendo muito
bonito com sua blusa polo branca e as calças pretas,
impecavelmente passadas e que lhe caíam muito

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bem. Os cabelos loiros e lisos estavam molhados,


jogados para trás. Quem o visse, poderia jurar que
estava preparado para uma partida de golfe em
algum clube caro, acompanhado por pessoas de
prestígio.
Entrava no salão, sorrindo para os hóspedes
com simpatia e dando-lhes a devida atenção.
Porém, apesar de tentar ser igualmente cortês com
todos, seu olhar logo se voltou para a direção de
Karen, começando a caminhar até ela, puxando
uma cadeira e se sentando a seu lado.
— Posso te acompanhar no café?
— Claro. Só não quero que os outros
hóspedes fiquem com ciúmes de mim — brincou
ela. Sérgio, por sua vez, gostou de vê-la sorrindo,
um pouco mais à vontade perto dele.
— Ah, quanto a isso não se preocupe! A
maioria deles já teve o prazer da minha companhia
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em vários cafés da manhã.


— Vários? Há quanto tempo estão aqui? —
surpreendeu-se.
Sérgio riu com vontade de sua expressão
assustada.
— Ei, fique calma, não somos o Hotel
[2]
California , que prende os passageiros por uma
maldição e tudo mais...
— Eu sempre achei que a letra de Hotel
California tinha a ver com dependência química —
ela provocou, como se aquela discussão tivesse
alguma relevância.
— Bem... não vem ao caso. Você entendeu
a comparação. — Ele riu, e ela o imitou. — O que
acontece conosco é que oferecemos um bom
serviço, e as pessoas costumam voltar. Como o
caso daquela família ali... — Sérgio apontou para
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uma mesa à esquerda de onde eles estavam, onde


um casal de meia idade e um jovem adolescente,
um pouco mais velho que Anne, também tomavam
seu desjejum. — Já é a terceira vez que passam
suas férias aqui. Ficam normalmente um mês
inteiro. Quando vão embora, sempre juram que no
ano seguinte conhecerão outro lugar, mas estão
sempre aqui. — Apesar do tom de fofoca, ele
falava com carinho daquela família. — Já aquele
casal, a moça é cliente antiga, vinha sempre com
uma amiga. Agora que se casou, nos escolheu para
passar a lua de mel — ele falou, mostrando um
lindo casal jovem, que parecia apaixonado e feliz.
— E ainda tem aquele senhor ali. Ele praticamente
fixou residência. Dizem que tem muito dinheiro,
mas fala pouco e parece rabugento. Menos comigo,
é claro. — Karen olhou para o homem sentado na
mesa da frente, e ficou encabulada quando ele
olhou de volta, percebendo que estavam falando
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dele. Na verdade, ele a olhou com um pouco de


malícia nos olhos, o que a deixou também
encabulada. — Pelo visto ele também é simpático
com moças bonitas e muito mais jovens do que ele.
O último comentário de Sérgio foi um
pouco protetor, mas não deixou Karen incomodada.
Cuidava de si mesma há um bom tempo e era novo
ter pessoas ao seu redor querendo conversar ou
saber como ela estava. Podia ser estranho, mas não
era ruim. De forma alguma. Chegava a ser
confortador.
Então, após aquele relato de Sérgio sobre os
hóspedes, ambos se levantaram e foram se servir na
farta mesa. Tudo parecia saboroso, então, ela
escolheu algumas coisinhas. Ele, por sua vez,
parecia ter um apetite voraz, em contraste com o
corpo forte e definido, que podia ser reconhecido
mesmo por baixo da blusa grossa.

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Voltaram, portanto, à mesa, depois de


poucos minutos, começando a conversar
despretensiosamente. O que Karen apreciou em
Sérgio foi que ele soube conduzir a conversa de
forma agradável sem fazer muitas perguntas
indelicadas ou sem constrangê-la. Pouco
mencionou Anne, pois percebeu que ela não tinha
aparecido, evitou falar sobre passado e focou o
assunto em coisas triviais como cinema, música,
sobre a cidade de Vilamares e a faculdade dele de
Hotelaria, concluída na mesma época em que ele
foi morar lá, para cuidar da avó e da pousada que
tanto amava. Estava claro que ele adorava o que
fazia e que tinha planos de expandir a pousada,
talvez criar filiais, mas jamais permitindo que
perdesse aquele encanto de aconchego e aquele
aspecto de lar. Ele enfatizou que preferia ter um
lugar pequeno, com poucas acomodações, mas que
permitisse uma interação entre os hóspedes, pois
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ele adorava conhecer pessoas novas e achava que


todos deveriam ter a mesma experiência.
Era gostoso ouvi-lo falar, pois ele parecia
alegre, fazendo com que tudo parecesse muito
simples. Karen começava a se soltar com ele, o que
era raro. Isso fez com que acreditasse que poderiam
ser amigos, e a ideia parecia muito boa. Fazia
tempo que não tinha um amigo, com exceção do
senhor Olavo e da falecida senhora Marieta, para
quem trabalhara antes de terminar naquele lugar
lindo, mas nenhum deles estava em sua faixa etária.
Sempre conversavam muito, especialmente com
sua ex-patroa, mas não era a mesma coisa. Pensar
que sua vida estava mudando para melhor era uma
esperança e tanto.
Mas toda a alegria de Karen durou muito
pouco. Anne, que ela tanto esperara, estava
descendo as escadas, porém, não estava sozinha.

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Na verdade, ela praticamente corria atrás de


Marcos, o hóspede misterioso da noite anterior,
parecendo suplicar por atenção, enquanto ele
simplesmente a ignorava, seguindo seu caminho.
Que tipo de homem era aquele que virava as
costas para uma garotinha e a deixava falando
sozinha? E por que será que Anne tinha que se
meter exatamente com a pessoa mais errada da
pousada?
Da posição em que Karen estava no
restaurante, cujas janelas eram grandes, ela
conseguiu seguir o caminho de Marcos até que ele
chegasse a uma moto ‒ é claro que ele só poderia
dirigir algo daquela espécie ‒, que parecia muito
cara, apesar de Karen não entender nada delas. De
uma forma extremamente sensual, quase ensaiada,
ele colocou cada uma de suas longas pernas de um
lado da moto, e quando estava começando a colocar

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o capacete, olhou na direção dela, fazendo seus


olhos se encontrarem por um momento.
Havia algo de muito primitivo na forma
como ele a olhou. Seus olhos estavam
semicerrados, em uma expressão sedutora e
possessiva, o que podia assustá-la facilmente, mas
não foi o que aconteceu. Apesar de toda a luxúria
intrínseca naquele olhar, Karen sentiu também um
pouco de solidão. Não que ela achasse que podia
ler a alma de um homem como aquele, mas podia
jurar que ele a olhava com interesse, apesar de ter a
certeza de que nunca poderia tê-la, e que nem
tentaria. Aquilo a deixava mais tranquila, e
enquanto ele se mantivesse longe de sua irmã,
mereceria um voto de confiança. O que era mais do
que ela tinha dado para muita gente.
— Estranho ele, você não acha? — Sérgio
perguntou, também olhando para Marcos, conforme

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ele partia com a moto.


— Sim, também achei.
— Espero que não cause problemas. —
Assim que terminou a frase, com uma expressão
preocupada no rosto, ele prosseguiu, olhando nos
olhos dela, suavizando o tom de voz. —
Especialmente para você.
— Não acredito que ele esteja disposto a
causar problemas para ninguém. Acho que está
muito mais interessado em ficar sozinho e não se
envolver com nada.
— Bem, sua irmã parece ser a única que
gostou dele — Sérgio disse, olhando para Anne,
que parecia bastante decepcionada pelo fato de
Marcos ter lhe tratado com tanta indiferença.
Karen havia reparado aquilo também. E
claro que não gostara nem um pouco da

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constatação. Por praticamente desconhecer aquela


jovem que era sua irmã, não sabia como lidar com
ela. Estava falhando... Falhando em seu único
objetivo na vida: dar um futuro seguro para Anne.
Pensar em tal coisa fazia com que seu coração se
despedaçasse em mil cacos, e pela expressão triste
que se manifestou em seu rosto, Sérgio percebeu
que algo a estava incomodando.
— Falei alguma coisa errada? — indagou
preocupado.
— Não... de forma alguma. Pode apenas me
dar licença? Acho melhor eu ir falar com ela.
Sérgio assentiu com a cabeça e viu Karen se
levantar, começando a caminhar na direção da
irmã. Lamentava ter perdido sua companhia tão
cedo, mas era bom que ela pudesse conversar com
a irmã, embora acreditasse que aquela conversa não
seria lá muito produtiva.
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Durante o breve caminho até a mesa em que


Anne resolvera se sentar ‒ sozinha ‒ para tomar seu
desjejum, Karen tentava articular as palavras que
deveria falar para alertar a irmã sobre não confiar
naquele homem, mas buscava uma forma de fazê-lo
para que não soasse como um sermão, e, sim, como
um conselho de uma amiga.
Assim que chegou a seu destino, puxou uma
cadeira para si mesma, sem nem pedir permissão a
Anne. A caçula, no entanto, não tardou em
reclamar:
— Não estou a fim de companhia...
— E nem eu estou a fim de incomodá-la. Só
quero conversar sobre uma coisa. — Karen
enfatizou a expressão “a fim”, de uma maneira
irônica. Percebeu, em seguida, que Anne realmente
não estava disposta a cooperar, pois fingiu-se de
muito concentrada em seu sanduíche de presunto.
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Mesmo assim, Karen não iria deixar a conversa


para depois. — Anne, o que você sabe sobre aquele
homem?
— Que homem?
— Nosso vizinho de quarto, o tal de
Marcos.
— Ah, isso! Esse é o nome dele! Agora
lembrei.
— Lembrou? Você já o conhece?
— Ele é guitarrista de uma banda que eu
gosto. Além de ser lindo...
— Ele até pode ser bonito, mas é muito
velho para você. Além disso, não parece muito
confiável. Se é famoso, pior ainda. A gente não
sabe com que tipo de coisas pode estar envolvido.
— Ai, que preconceito! Você nem sabe
nada sobre ele... — A rebeldia estava lá,
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impregnada em sua voz. Por um momento, Karen


se amaldiçoou por ter iniciado aquele discurso, pois
já imaginava que só acabaria tornando Marcos
ainda mais interessante aos olhos de Anne. Nem
que fosse apenas por provocação.
— É apenas uma intuição, Anne —
suspirou, sentindo que aquilo não a levaria a lugar
algum.
— Ah... uma intuição? — debochou. — E
por que essa intuição não funcionou para lhe avisar
que sua irmã precisava que você demorasse menos
a ir me buscar? — Ao dizer aquilo, Anne já ia se
levantando, pronta para fugir novamente, mas
Karen segurou seu braço, impedindo-a de sair dali.
— Você não sabe do que está falando. Você
me repeliu. Você que não quis me ver. Eu passei
esses anos todos lutando por você. Se acha que eu
tive a vida perfeita depois que nos separamos, está
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completamente enganada. — Ao final da frase, a


voz da mais velha começou a embargar um pouco,
sinal de que estava a ponto de chorar.
— Não quero saber! — elevou o tom de
voz, o que fez com que todos ao redor olhassem
para a mesa das duas, assustados. Envergonhada,
Anne falou mais baixo, prosseguindo com sua
indiferença: — Não me interessa. Não quero ser
sua amiga, Karen. Entenda isso e me deixe em paz.
Daquela vez, Karen não teve coragem de
segurar Anne ali por mais tempo, então, a deixou
partir, sentindo o último sopro de esperança, que
ainda sustentava sua alma de pé, evanescer. O que
sua mãe estaria pensando se as visse naquele
momento? Se as estivesse observando lá do céu,
com certeza estaria decepcionada; mas com qual
das duas? Sabia que estava fazendo sua parte, sabia
que lutaria com todas as suas forças para defender a

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irmã, para fazê-la enxergar que jamais a deixara


para trás, que jamais a esquecera, mas como
convencê-la, se mal conseguiam manter uma
conversa? A vida se encarregara de ser dura demais
para elas, e não seria Karen quem iria destruir ainda
mais sua inocência. Se é que Anne ainda tinha uma.

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Capítulo Três

Anne não voltara para o quarto, porém, Karen


não estava preocupada, porque conseguia enxergá-
la na piscina, tomando sol. Usava um maiô um
pouco gasto, mas que com certeza fora escolhido
estrategicamente para esconder seus hematomas,
cuja origem ela ainda desconhecia.
Enquanto a menina estivesse ali, tudo
estaria bem, e ela precisava concordar que aquele
quarto, talvez, fosse pequeno demais para elas. O
silêncio entre duas pessoas podia ser ainda mais
sufocante do que a solidão, mais torturante do que
os gritos e as discussões. E cada vez que Anne lhe
dirigia um olhar indiferente ou que lhe cuspia uma
de suas palavras ríspidas, Karen sentia-se morrer
um pouco. Não era uma morte de corpo, era seu

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espírito que morria lentamente. Seu único propósito


na vida sempre fora recuperar a irmã, cumprir a
promessa que fizera para a mãe de sempre cuidar
da mais nova, mas ao realizar seu sonho e vê-lo ruir
diante de seus olhos, concluía que não restara mais
nada.
A melancolia chegara de súbito e tomara
sua mente, provocando-lhe lágrimas. Mas Karen
não queria chorar. Aquilo não era o fim. Tinha que
pensar naquele desastroso reencontro como um
começo, por pior que pudesse parecer. Tinha fé que
o tempo lhe diria a melhor forma de se aproximar e
curaria todas as feridas de ambas. Naquele
momento, porém, precisava ser forte e não se
deixar abater. E ficar trancafiada dentro do quarto,
com certeza não era a melhor forma de se
fortalecer.
Abriu, portanto, sua mala e retirou de lá um

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livro que começara a ler há algum tempo, mas que


desde a morte da Sr. Marieta, não conseguira
terminar. Tratava-se de um belíssimo exemplar de
capa dura, apesar de um pouco empoeirado e velho,
já que pertencera à sua ex-patroa, do livro “Jane
Eyre”. Sendo assim, trocou de roupa, optando por
um short mais confortável e uma blusa sem
mangas, uma vez que o dia estava quente lá fora, e
desceu. Normalmente não usava roupas que
mostrassem tanto de seu corpo, mas sequer pensou
em consequências; sentia-se segura ali, mais do que
já se sentira em qualquer lugar.
Não pretendia ficar à beira da piscina, pois
não queria que Anne pensasse que a estava
seguindo ou vigiando. Havia, então, outro lugar
igualmente agradável, de onde ela poderia enxergar
a irmã e ainda desfrutar de um agradável momento
com sua leitura. O jardim. Era isolado, mas

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aconchegante.
Aquele era um belo lugar para se ficar,
enquanto tentava se curar de uma tristeza. As flores
exalavam um aroma agradável, havia um simpático
banquinho de madeira sob uma árvore que
proporcionava uma sombra fresca, e, ainda por
cima, conseguia ouvir uma música que vinha de
dentro da pousada, que costumava tocar na
recepção para os hóspedes que chegavam e para os
que apenas passavam por ali. O ambiente perfeito.
Satisfeita, sentou-se e aproveitou sua
solidão. Em certos momentos, tinha que admitir
que ter apenas sua própria companhia era algo
abençoado, especialmente quando se sentia tão
confusa.
Em poucos minutos já estava envolvida na
história da governanta que se apaixona por seu
patrão, suspirando por aquele belo romance, escrito
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de forma tão magistral. Sempre fora a literatura que


permitira que Karen escapasse de seu mundo feio e
cruel, proporcionando-lhe momentos de libertação
e romantismo.
— Por que tão sozinha? — perguntou-lhe
uma voz feminina, que lhe era familiar. Quando
Karen olhou para o lado, viu que se tratava de
Amália.
Teve que abrir um sorriso. Por mais que não
quisesse companhia, aquela senhora era agradável
demais para lhe importunar.
— Não estou sozinha. Estou com Jane Eyre
— brincou, mostrando a capa do livro para a
mulher, que se sentou ao seu lado, sem cerimônias.
— Ah, então está muito bem acompanhada.
Este é um livro que vale a pena ser lido. — Karen
apenas balançou a cabeça em concordância,
enquanto sua mão inconscientemente acariciava o
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livro. — Este aqui é o meu local preferido da


pousada. Tão calmo... gosto de vir até aqui para
refletir.
— Entendo o porquê.
As duas se pegaram olhando para o lindo
céu de verão e para a paisagem ao seu redor, mas
Amália ainda estava muito decidida a descobrir
algo sobre aquelas duas.
— Você e sua irmã estão gostando daqui?
— Bem, eu posso falar por mim. Estou
adorando. Já Anne... não sei.
— Ela parece uma mocinha muito
complicada...
Tinha seus motivos; Karen poderia ter
acrescentado, mas apenas assentiu e voltou seu
olhar para outra direção por breves instantes. Logo
encontrou olhos cravados nela, observando-a.
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Olhos que pareciam atraí-la, como imãs, como uma


maldição. Como o pecado.
Assim que olhou para a entrada dos fundos
da pousada, viu Marcos, parado, olhando para ela.
Com certeza tinha acabado de chegar, pois seus
cabelos estavam bagunçados e havia um pouco de
areia na sua calça preta. Mas ela pouco se
importava de onde ele estava voltando ou para onde
ainda iria, ela apenas queria que ele parasse de
encará-la daquela forma... Como se quisesse
devorá-la.
Ao perceber que fora pego em flagrante, o
homem simplesmente deu-lhe as costas e entrou na
pousada. Karen apenas respirou fundo e voltou-se
para sua companhia.
— Viu o cartaz no quadro de avisos? —
Amália perguntou, reiniciando a conversa.
— Acho que não. Do que se trata?
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— Tem uma família hospedada aqui, e um


dos membros está fazendo aniversário. Como o pai
dele é meu amigo há muitos anos, vamos fazer uma
festa. Coisa simples, mas queremos que todos os
hóspedes participem — Amália falou e deu uma
risadinha.
— Ah, que ótimo. Mas isso quer dizer que
eu e Anne estamos convidadas? — indagou com
um sorriso.
— Claro. Todos são bem-vindos. Talvez
isso anime um pouco à sua irmã.
— Bem, eu com certeza vou, mas Anne...
Ah, ela é uma incógnita. — Karen suspirou
derrotada. Não queria começar a desabafar naquele
momento, mas aquela mulher era tão acolhedora
que não teve coragem de ficar calada.
— Ela está te dando muito trabalho, não é?
Desculpa perguntar, mas vocês não parecem ser
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muito íntimas. Aconteceu alguma coisa?


Karen suspirou derrotada, buscando uma
forma de resumir a história:
— Fomos separadas depois que nossa mãe
morreu. Eu já era maior de idade, então, precisei
arrumar um emprego antes de buscá-la. Agora que
consegui me estabilizar, mas acho que demorei
demais. Não queria que ela passasse por
dificuldades. Eu trabalhava como acompanhante de
uma idosa muito doente, morava na casa dela,
praticamente de favor, e não poderia cuidar de
Anne como ela merecia. E antes de conhecer esta
senhora, que foi meu anjo da guarda, eu era
garçonete. O que ganhava mal dava para me
manter. Não podia pegar Anne e não lhe dar a
devida dignidade.
— Você passou por muitas dificuldades?
Mesmo não querendo chorar, uma vez que
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sua situação fora um pouco menos pior do que a de


muita gente, foi inevitável não verter algumas
lágrimas.
— Menos do que poderia ter passado. Uma
pessoa me ajudou. Um amigo da minha mãe. Ele
me conseguiu um emprego em um restaurante,
onde fiquei por um ano. Depois disso, infelizmente,
o dono adoeceu, e eu tive que me virar. — Karen
respirou fundo. — Fiquei pulando de lugar em
lugar, principalmente como garçonete, e em muitos
deles passei por algumas situações complicadas.
— Assédio? — Amália concluiu, já que se
tratava de uma jovem tão bonita. Karen assentiu. —
Sinto muito, querida.
— Bem, em uma dessas ocasiões, conheci o
advogado da mulher que me acolheu. Ele
presenciou uma cena um pouco desagradável e me
defendeu. Então, me indicou à sua cliente, que
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estava precisando de uma cuidadora. Trabalhei para


D. Marieta por dois anos, e ela me deixou toda a
sua herança. Não é um milagre? — Karen sorriu
por entre as lágrimas.
— Milagres acontecem para quem merece,
menina. Você é uma guerreira. — Amália colheu
uma das lágrimas que deslizaram pelo rosto de
Karen. — Anne sabe da sua história?
— Não, e eu nem quero que saiba. Ela já
viu muitas coisas feias no mundo. Não quero que
perca a fé nele. Aparentemente, o orfanato onde ela
ficou não era muito boa coisa.
Amália sorriu. Que mocinha corajosa era
aquela. Seu coração se aqueceu ainda mais por ela.
— Mas vocês ficaram todos esses anos sem
se falar?
— Assim que fomos separadas, eu mantive

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as visitas. Sempre ia procurá-la nas minhas folgas.


Mas depois de um ano, ela pediu que eu parasse de
ir vê-la. Sempre chorávamos muito quando era a
hora de nos despedirmos. — Karen abaixou a
cabeça e começou a olhar para as próprias mãos,
que não parava de retorcer sobre o colo. — Eu não
acatei o pedido, só que ela começou a parar de me
receber. Acho que perdeu as esperanças de que um
dia eu iria buscá-la. Continuei aparecendo, só para
que ela soubesse que eu não tinha desistido, mas
nunca a via e nunca tinha notícias. Foi tão
angustiante. Eu só sabia que ela estava viva.
A história daquelas duas era muito mais
terrível do que Amália imaginara.
— Você não deve se culpar por isso. Tenho
certeza que fez o que pôde.
— Eu acho que sim... Não sei. A verdade é
que não me culpo... — Ela suspirou pesadamente,
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corrigindo-se: — Ou talvez culpe, mas só queria


que ela entendesse.
— Dê tempo ao tempo. Vai tudo se acertar.
— Amália colocou a mão sobre a de Karen, que
ainda estava no colo, e moça tentou sorrir por entre
as lágrimas. Esperava que aquelas palavras fossem
como profecias.
Ainda bem que Deus sempre colocava boas
pessoas em seu caminho.

***

Já que tinha uma festa para ir, Karen


decidiu que seria uma boa hora para comprar algo
novo para vestir. Para si mesma e para Anne.
Odiava fazer gastos desnecessários, mas sabia que
se revirasse sua mala de cima a baixo não
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encontraria nada legal para uma festa. E o mesmo


aconteceria com a irmã.
Pediu que Sérgio e Amália ficassem de olho
na garota por algumas horinhas e partiu para o
centro de Vilamares, pronta para comprar algo que
fosse charmoso e fresco ao mesmo tempo, já que o
tempo parecia começar a esquentar.
Vasculhou as lojas em busca de algo ideal e
encontrou para si um lindo floral acinturado, em
tons de azul e branco, com uma saia delicada e
rodada, frente única. Possuía uma sandália não
muito nova de salto alto, preta, que combinaria
perfeitamente. Para Anne, encontrou um lindíssimo
tomara que caia, também acinturado, lilás, que
ficaria lindo no corpinho esguio da adolescente.
Comprou também uma sandália prata, com um
salto bem pequeno, mas que a deixaria elegante,
moderna e jovem.

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Voltou para a pousada sorridente e ficou


ainda mais satisfeita quando Sérgio lhe avisou que
Anne estava no quarto.
Assim que entrou, tentando demonstrar toda
a sua animação, parou diante da irmã, com o
vestido lilás na mão, estendido, para que ela
pudesse ver. A primeira e instintiva reação de Anne
foi arregalar os olhos, que brilharam ao olhar para a
roupa. Logo em seguida, porém, ficou séria,
tentando disfarçar.
— O que é isso? — perguntou com o mau
humor de sempre.
— Um vestido para você ir à festa hoje à
noite.
— Eu não vou a essa festa de velhos! —
falou, levantando-se do sofá e começando a se
afastar da irmã.

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— Ah, e ficar no quarto trancada vai ser


muito mais divertido, sem dúvidas.
— Estamos em Vilamares, garanto que deve
ter alguma coisa bem mais divertida para fazer
nessa cidade. Uns gatinhos para azarar.
— Anne, você não vai sair dessa pousada
sozinha! — Karen foi atrás dela, marchando.
— E você não vai me dar ordens. —
Dizendo isso, a garota se trancou no banheiro,
fechando a porta bem na cara da irmã.
Jogando o vestido sobre a cama, Karen
deixou os dois braços caírem na lateral do corpo,
sentindo-se derrotada. O que mais poderia fazer? A
convivência com a irmã mal começara, e ela já se
sentia exausta.

***
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Anne passou um bom tempo no banheiro, e


quando saiu, trancou-se em seu quarto. Karen teve
boa parte do dia para lamentar por seu
comportamento, até chegar ao estágio da raiva.
Estava fazendo o seu melhor e iria parar de se
culpar por isso. Iria à festa e ficaria de olho na
irmã; se tentasse sair, poderia impedi-la.
Assim que se viu pronta, vestida, penteada e
maquiada, ficou feliz com o resultado. Jamais se
atentara para sua própria aparência, porque,
honestamente, não queria ser bonita, não queria
chamar a atenção do sexo oposto, pois tinha medo
que eles a machucassem, que tentassem seduzi-la,
que se interessassem por ela. Não estava pronta
para se entregar, e talvez jamais estivesse.
Aproximou-se, depois, da porta do local
onde Anne estava trancada, de onde um rock
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pesado soava — provavelmente da tal banda da


qual Marcos fazia parte — tocava, e avisou a Anne
que estava descendo. Não obteve nenhuma
resposta, mas novamente decidiu não permitir que
isso estragasse a sua noite. Era jovem ainda,
também precisava se divertir.
O salão que era utilizado como restaurante
estava enfeitado com muito bom gosto, uma
iluminação baixa e discreta, as mesas estavam
cobertas por uma toalha cor de pérola e arranjos
baixos na cor vermelha; uma música de fundo
suave embalava o ambiente, proporcionando um ar
de tranquilidade e harmonia. Logo que entrou,
Karen já conseguiu reconhecer alguns rostos, como
o da família feliz de quem Sérgio lhe falara mais
cedo, tomando seu tempo para parabenizar o
aniversariante, reconheceu também o casal de lua
de mel, e, em um canto mais afastado, viu dois

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idosos que eram inspiradores.


Amália estava sozinha ao balcão, e Karen se
juntou a ela, sendo muito bem recebida.
Enquanto conversava, observava o salão e
verificava que quase todos os convidados já
estavam presentes, porém, uma pessoa não estava
ali — além de Anne, é claro. Marcos ainda não
tinha aparecido, e Karen desconfiava que nem iria
comparecer.
Quase uma hora se passou, e finalmente
Anne surgiu. Karen não pôde conter um sorriso
quando a viu. Acostumada a vê-la vestida com
roupas largas, desbotadas e sem nenhuma
feminilidade, ficou deslumbrada ao reparar o
quanto ela era bonita. Deixara os cabelos soltos,
com apenas uma presilha prateada enfeitando-os,
caindo em cascata até o ombro. A tonalidade lilás
do vestido esvoaçante lhe dava um ar de menina,
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mas sem deixar de contornar seu corpo em


formação, que já demonstrava algumas curvas
discretas.
Por um momento, temeu que ela fosse sair
porta afora, para cumprir com a ameaça de sair sem
rumo por Vilamares, mas ela escolheu uma mesa
vazia e se acomodou. Isso deixou Karen muito
aliviada. Enquanto observava a irmã, seu olhar se
encontrou com o de Sérgio, que lhe sorriu,
erguendo uma taça em cumprimento. Já o tinha
visto antes, embora não o tivesse cumprimentado
ainda, mas, sem dúvidas, valia a pena ser admirado,
com seu jeans novo e a blusa social preta, com dois
botões abertos e as mangas enroladas, deixando os
punhos musculosos de fora.
Foi então que percebeu pela primeira vez
que ele tinha uma aliança na mão direita. Sérgio era
noivo.

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Para sua surpresa, não chegou nem a ficar


decepcionada. Não haviam flertado um com o outro
e, por mais bonito que ele fosse, não chegara a
atraí-la. Era bom que um cara tão legal fosse feliz.
Lamentava apenas que a tal noiva não estivesse ali
para que pudesse conhecê-la. Era uma moça de
sorte.
Virando-se novamente na direção da irmã,
deu-se conta de que ela era muito admirada pelo
filho do aniversariante. O rapazinho de,
provavelmente, dezesseis, dezessete anos, parecia
muito encantado.
A ideia de ver sua irmã sendo paquerada
por um rapaz de sua faixa etária e que parecia ser
de boa família a deixava um pouco mais tranquila.
A ideia de uma paixãozinha passageira, um namoro
de verão, ainda seria muito mais proveitosa do que
uma atração perigosa por um homem que tinha

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mais cara de vilão do que de mocinho, como era o


caso de Marcos, por quem Anne parecia muito
interessada. Aliás, ela não tirava os olhos da
escada, como se estivesse esperando alguém.
Provavelmente o tal guitarrista misterioso em quem
Karen não confiava.
Porém, aquela noite fora feita para que ela
pudesse de divertir, então, tentou rir e enturmar-se
o máximo que pôde, chegando a ir na direção de
Sérgio para que conversassem, assim que Amália
precisou atender a uma exigência do Buffet.
Anne, por sua vez, estava começando a se
sentir inquieta e entediada. Já tamborilava os dedos
sobre a mesa, cruzava e descruzava as pernas,
enquanto seus pés balançavam sem parar,
mostrando todo o seu nervosismo. Não deveria
sequer ter descido para aquele jantar. Todas as
pessoas eram muito velhas, pareciam chatas e a

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música era deprimente, de uns vinte anos atrás, o


que estava começando a deixá-la com sono. Além
disso, aquele garoto não parava de olhar para ela,
parecendo um bobo. E, quando ela menos esperava,
o viu levantando e começando a caminhar em sua
direção.
Meu Deus! Ele ia sentar à sua mesa! Aquilo
ia ser a parte mais insuportável da festa.
— Olá! Você é a Anne, não é? — ele
perguntou, mostrando um pouco de timidez.
— Quem foi que te falou meu nome? —
respondeu com rispidez.
— O Sérgio. Perguntei sobre você mais
cedo. — sorriu. — Vai ficar aqui na pousada por
quanto tempo?
— Por que eu te diria?
— Ah, desculpe, só estou tentando
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conversar.
— Mas eu não estou a fim. Aliás, não tenho
paciência para garotinhos da sua idade. Não sou
para o seu bico, ok? — E ao falar aquilo, Anne
tentou ser o mais teatral possível ao sair da mesa e,
consequentemente, do salão. Não havia nada que
lhe interessasse naquela festa e não queria se tornar
a musa inspiradora de nenhum moleque que mal
devia saber beijar.
Bem, não que ela soubesse também. Na
verdade, Anne jamais beijara ou tocara em um
menino de forma mais apaixonada. Ela costumava
ser da turma deles no orfanato, mas apenas para
jogar bola e soltar pipa, já que odiava bonecas.
Bonecas a faziam se lembrar de Karen, que sempre
encontrava um tempo para brincar com a irmã
quando mais novas. E por lidar com eles de igual
para igual, era assim que eles a enxergavam

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também, como um menino em um corpo de


menina.
Enquanto vagava pelo salão, viu Karen
sorrir, feliz, enquanto conversava com Sérgio. Este
também era um cara legal e bonito, não tanto
quanto Marcos, mas, ainda assim, um gato. Apesar
de quase sorrir, satisfeita por no fundo saber que
ela também merecia ser feliz, sentiu-se
imensamente sozinha. Já deveria estar acostumada
com isso também, mas a presença da irmã em sua
vida novamente começava a lhe trazer estranhos
sentimentos. Coisa que ela não podia permitir. Não
podia se tornar vulnerável outra vez.
Por isso, foi se sentar à piscina, sozinha,
olhando as estrelas.
O som da água se movimentando de leve
com o vento, além da pequena cascatinha que
decorava a piscina, era quase calmante. E precisava
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admitir, em silêncio, é claro, que aquele lugar era


lindo. Nunca tivera oportunidade de viajar, muito
menos de se hospedar em uma pousada tão legal,
mas a verdade era que ela sequer havia começado a
viver. Não queria pensar que sua irmã fora
responsável por qualquer coisa boa, porém,
precisava admitir que aquele era um momento
especial. Queria guardar aquela imagem em sua
memória para o caso de precisar recorrer a ela
algum dia, quando a vida voltasse a ser feia e cruel.
Porque tinha certeza que isso aconteceria mais cedo
ou mais tarde, quando Karen se enjoasse de brincar
de irmã mais velha e a devolvesse para o orfanato.
Exatamente por isso, não queria se apegar.
O que ela não sabia era que uma pessoa a
observava. Via os lindos e finos fios de cabelo
castanho voarem com a brisa, que começava a
esfriar a noite. Aquilo a fez pensar que a menina ─

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tão magrinha como era ─ acabaria ficando resfriada


pegando aquele sereno, ainda mais sem um casaco.
Pensamentos de uma mulher que era mãe e avó, é
claro.
Amália queria se aproximar. Depois de
ouvir o relato da doce Karen mais cedo, a vontade
de ajudar aquelas duas a se reconectarem tornou-se
ainda mais latente. Porém, não sabia se isso
acabaria afugentando ainda mais a menina. Será
que ainda sabia conversar com uma adolescente?
Tentou a sorte, portanto, colocando-se ao
lado dela, que estava sentada em uma das
espreguiçadeiras, tocando seu ombro, fazendo-a
pular de susto.
─ Desculpe, eu não queria assustá-la. ─
Amália falou com a voz doce, não querendo
afugentá-la.
─ Tudo bem. ─ ela deu de ombros.
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─ Posso me sentar ao seu lado?


─ A pousada é sua... — mais uma vez a
garota demonstrou um total desinteresse na
aproximação.
─ Por que você está aqui sozinha? Tem uma
festa acontecendo lá dentro...
─ Eu estava mesmo querendo ficar sozinha.
E, tipo... tia... ─ Anne olhou Amália de cima a
baixo, com um pouco de desdém ─ só porque está
sentada aqui do meu lado não quer dizer que somos
amigas e que pode me passar sermões.
─ Nossa... desculpa. Não queria ser
intrometida. Só que tenho idade para ser sua mãe,
então, não consigo evitar em ficar preocupada.
─ Idade para ser minha mãe? Você tem
idade para ser minha avó ─ Anne brincou, o que
fez a senhora gargalhar com vontade.

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─ É verdade, querida, é verdade ─ Amália


teve que concordar.
As duas ficaram caladas por um tempo, até
que Amália decidiu tentar mais uma vez.
─ Eu já sei que não é da minha conta, mas
não custa insistir... O que faz aqui sozinha? Não
gosta de festas?
Em qualquer ocasião, Anne daria uma de
suas respostas mal criadas e sairia de perto, afinal,
odiava que tentassem se intrometer em sua vida,
mas não conseguia não sentir uma empatia com
aquela senhorinha com cara de avó. Anne nunca
tivera uma avó, então, não conseguia evitar sentir
certa carência.
─ Eu queria pensar...
─ Pensar? E precisava ficar assim tão
sozinha? Esses pensamentos devem ser mesmo

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muito profundos ─ zombou Amália, mas de forma


simpática para que Anne não se tornasse arredia de
novo.
─ Claro que são. ─ ela não pareceu se
importar com o comentário zombeteiro. ─ E, além
do mais, aquela festa não era para mim.
─ Não, não era... Era para o aniversariante
─ brincou Amália, mas ao perceber que a menina
estava séria demais para alguém daquela idade,
decidiu deixar o bom humor de lado e funcionar
como a conselheira que deveria ser. ─ E por que
você acha isso?
─ Às vezes acho que não pertenço a lugar
nenhum...
─ É uma frase um pouco injusta para uma
menina tão jovem. Já pensou que talvez nenhum de
nós pertença a lugar algum?

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─ Como assim? ─ Anne virou aqueles


lindos e confusos olhos em sua direção.
─ Ah, não sei... talvez seja uma filosofia
barata de uma velha que não tem mais o que fazer.
─ Amália se remexeu na cadeira, para ficar mais
confortável e tentando parecer mais à vontade.
Além disso, voltou seus olhos para o céu,
observando as estrelas, buscando inspiração. ─ Ou
talvez eu esteja querendo dizer que pode ser que
nossa missão nesta terra não seja encontrar nosso
lugar, mas fazer com que o lugar onde estamos nos
pertença.
─ Ih, agora é que eu não entendi nada
mesmo.
Amália riu.
─ Um dia vai entender, mas posso adiantar
que você não tem que se esforçar tanto para provar
alguma coisa. Agir com o coração e aceitar o que a
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vida nos oferece também pode ser muito


gratificante.
Aquelas palavras atingiram em cheio o
coração de Anne. Era exatamente isso que ela
estava tentando fazer: provar para Karen que não
precisava dela e provar para si mesma que não
precisava de ninguém. Sobrevivera até ali, em meio
a dores, violência, abandono, morte, perdas e
dificuldades, mas sentia-se forte, e não se entregara
como muitos que conhecia fizeram. Muitos foram
arrastados ao mundo das drogas, do crime ou
acabaram morrendo cedo demais. Mas ela estava
ali. Era uma sobrevivente.
Apesar disso, sentia-se incompleta. Talvez
não fosse assim tão madura quanto pensava, pois
pensar em Karen sempre a tornava frágil. Pensar no
quanto a amava, mesmo querendo odiá-la, era
doloroso demais. Não era justo que aquela senhora

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chegasse e dissesse tudo que ela não queria ouvir.


Tudo que lhe dava vergonha.
─ Ouça, menina... hoje as coisas parecem
mais intensas, é tudo ou nada, seu coração e sua
mente vivem em conflito e você acha que tudo é
uma guerra. Uma guerra que precisa vencer agora,
como se não houvesse amanhã. Mas o tempo vai
lhe ensinar que não é bem assim. As coisas que
mais queremos precisam ser conquistadas aos
poucos, precisam ser cultivadas. Mais que isso...
um dia você vai aprender que são as pessoas que
importam. Não o orgulho ou o passado. Então,
onde você está, no final das contas, não importa,
desde que esteja com quem ama e saiba para onde
quer ir.
─ Como você pode saber tanto de mim? ─
havia um certo tom de indignação na voz de Anne.
Aquela indignação dos adolescentes, tão

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perturbadora e divertida.
─ Ora, querida, eu não sei nada sobre você,
sei algumas poucas coisas da vida. E isso me basta.
Ousada, Amália depositou um beijo na testa
de Anne e a deixou sozinha, como ela tanto
afirmara que queria ficar.
Só que as palavras daquela senhorinha tão
sábia ficaram pulsando dentro da mente de Anne,
mexendo com as emoções da menina. Ela não
queria chorar. Não queria se fragilizar. Mas parecia
inevitável. A solução, então, foi levantar-se e fugir.
Queria ir o mais longe possível. Longe de Amália e
seus conselhos, longe de Karen e seu carinho, longe
daquele lugar que começava a lhe despertar
sentimentos tão contraditórios.

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Capítulo Quatro

Já era quase meia-noite, e Karen olhava de


um lado para o outro, procurando por Anne.
Perguntara para algumas pessoas, inclusive para
Tauan, o menino que estivera conversando com ela
horas atrás, mas ele também não a vira desde que o
deixara praticamente falando sozinho.
Karen também presenciara a cena, mas
pensara que Anne iria para o quarto, porém,
estivera lá e nada. Estava vazio.
Decidida a procurá-la, começou a sair da
pousada, mas Sérgio veio correndo em sua direção
e a chamou.
— Ei, está na hora de partir o bolo. — Ele
aproximou-se, sorrindo.

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— Eu sei, mas a Anne desapareceu. Outra


vez — mostrou-se desanimada.
— Quer que eu te ajude a procurá-la?
— Não, você precisa ficar por causa da
festa. Vou dar uma olhada melhor na pousada. Ela
ainda deve estar aqui.
Por mais que Sérgio conhecesse a pousada e
a cidade, não queria envolvê-lo em seus problemas.
Precisava resolvê-los sozinha.
Antes que Karen conseguisse se afastar,
Amália também apareceu.
— O que houve? — perguntou, percebendo
o clima pesado.
— Anne desapareceu...
— Ora, mas eu estava com ela uma hora
atrás, ali na piscina... — Todos olharam para o
local para onde Amália estava apontando, mas
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estava vazio.
— Você falou com ela, vó? — Amália
assentiu, preocupada. — Sobre o quê?
— Eu tentei lhe dar alguns conselhos.
Acreditei que conseguiria fazê-la pensar um pouco
melhor, ainda mais que ela pareceu me ouvir... —
Suspirou, levando a mão à cabeça. — Ah, querida,
espero que não tenha estragado ainda mais as
coisas.
Karen colocou a mão no ombro da mulher
mais velha.
— Não, D. Amália... a senhora teve boa
intenção. Tenho certeza que Anne faria isso com ou
sem esta conversa. Vou dar mais uma olhada na
pousada.
Ela já ia se afastando dos dois, mas Sérgio a
segurou pelo braço.

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— Karen... não saia da pousada sem falar


comigo. Você não conhece bem a cidade, pode ser
perigoso.
Assentindo, ela se afastou, mas não estava
disposta a importuná-lo. Por mais que Sérgio
conhecesse a pousada e a cidade, não queria
envolvê-lo em seus problemas. Precisava resolvê-
los sozinha.
Subiu, então, as escadas da pousada até o
seu quarto, na intenção de pegar um casaco, pois a
noite estava começando a esfriar. Não sabia por
quanto tempo e por onde teria que procurá-la, por
isso, agasalhar-se seria uma boa opção. Também
trocou a sandália, optando por uma sapatilha
confortável, embora não combinasse tanto com o
vestido.
Saiu do quarto, trancou a porta e preparou-
se para descer, porém, antes que pudesse começar a
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colocar os pés no primeiro degrau, colidiu com


alguém. Na verdade, poderia jurar que tinha
colidido com uma muralha intransponível, e quase
perdeu o equilíbrio, mas dois braços fortes a
seguraram, impedindo que ela pudesse cair.
O dono daquele contato era exatamente a
última pessoa que Karen gostaria de permitir que a
tocasse. Era Marcos.
Claro, só poderia ser ele, com toda a sorte
que tinha.
E ele a olhava da mesma forma penetrante
de sempre. Ela quase não conseguia compreender
se ele a desejava ou se tentava decifrá-la. Ou talvez
se tratasse das duas coisas. O fato é que seus braços
pareciam apertá-la com mais firmeza do que o
necessário, como se não quisesse permitir que ela
fugisse, mas, ao mesmo tempo, parecia estar em
uma espécie de transe. Talvez ele fosse louco, era a
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única explicação.
— Você está bem? — sua voz rouca e
misteriosa indagou.
— Sim, estou — ela afirmou com
veemência, mas ele não a soltou. — Já disse que
estou bem, não precisa mais me segurar.
Como se fosse libertado de uma hipnose,
Marcos retirou o braço de sua cintura, mas não
deixando de ampará-la enquanto ela se estabilizava
sozinha.
— Você parecia um pouco transtornada e
com pressa...
Karen não achava que devia satisfações a
ele, e também pensava que quanto menos ele
soubesse, melhor. Contudo, quem sabe ele não
poderia ter visto Anne?
— Estou procurando minha irmã, você a
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viu?
— Não, não a vi.
Assim que ele respondeu, Karen demonstrou
um imenso desapontamento, enquanto seus olhos
deixavam transparecer todo o seu cansaço.
Maldição! Marcos não deveria estar se deixando
aproximar tanto, mas era quase impossível — por
mais duro que fosse seu coração — não se
sensibilizar com aquele rosto incrivelmente bonito,
tão desesperado e expressando tanta dor. Então,
mesmo contra a vontade de sua razão, deixou a
emoção proferir a próxima frase:
— Se quiser posso ajudá-la. Conheço
Vilamares há muito tempo...
Karen mordeu o lábio inferior, tentando
abrandar seu nervosismo. Ela precisava admitir que
uma ajuda viria bem a calhar, já que não fazia ideia
de por onde deveria começar sua busca, entretanto,
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não confiava naquele homem de maneira alguma.


— Eu agradeço, mas prefiro ir sozinha. — Já ia
novamente descendo as escadas, mas ele agarrou
sem braço e a trouxe de volta. — Ei, o que pensa
que está fazendo?
— Acho que você ficou louca. Sabe que horas
são? Quase meia-noite! Pode ser perigoso.
Provavelmente vai ser mais perigoso se eu
for com você, ela pensou, mas não falou em voz
alta, é claro.
— Sei cuidar de mim mesma — afirmou
com convicção.
— Deve saber mesmo, mas não posso
deixar que saia sozinha a uma hora dessas. Faço
questão de te acompanhar.
Marcos parecia decidido, como um homem
que sempre consegue o que quer, não importavam
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os meios que usados. Por pensar nisso, Karen tinha


quase certeza que ele realmente não a deixaria
sozinha. Então, sem ter escolha, acabou
assentindo.
— Tudo bem... vamos, então. A propósito,
meu nome é Karen.
Ele assentiu, sem tirar a mão de seu braço,
como se tivesse medo que ela fugisse de repente, e
a acompanhou na descida das escadas, até chegar
ao primeiro andar, onde se encaminhou para o local
onde sua moto estava estacionada.
Karen não pôde evitar dar graças a Deus por
Sérgio não tê-la visto, ou insistiria para
acompanhá-la. Talvez, no final das contas, fosse
uma opção melhor, mas seria injusto tirá-lo da
festa.
— Você tem alguma ideia de para onde sua
irmã pode ter ido? Algo que ela goste de fazer? —
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ele perguntou depois de alguns instantes de


silêncio.
— Não... — suspirou, envergonhada por
não saber nada sobre a irmã. — Não sei.
Mas para sua surpresa, Marcos não fez
perguntas, não a recriminou nem se mostrou
indignado com tanta negligência, apenas
permaneceu calado e começou a subir em sua moto.
Quando fez menção de entregar o capacete para
Karen, ela não o pegou de sua mão. Pelo menos
não em um primeiro momento.
— Desculpe, mas eu não vou subir nesta
coisa.
— Você tem um carro?
— Tenho — respondeu. Mais uma vez,
graças à sua antiga patroa que lhe deixara também
o carro de herança e que pagara para que tirasse a

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carteira de motorista, para que pudesse levá-la a


compromissos.
— Então vai me deixar dirigir. Você está
muito nervosa para isso.
Realmente não havia opção. Estava
completamente sem saída, perdida em suas
limitações, dependendo de um homem em quem
não confiava. Mas faria qualquer coisa por Anne,
para vê-la em segurança naquele momento. Não
queria nem pensar que alguma coisa poderia ter lhe
acontecido, pois não poderia perdoar-se se a visse
ferida de alguma forma.
Pensando na irmã, acreditando que ela
precisava de ajuda, entregou as chaves que estavam
na bolsa para ele, informando qual era seu carro ‒
um Sandero simples, mas que lhe servia muito
bem.
Ambos entraram no carro, e Marcos deu a
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partida, saindo da pousada. Enquanto ele guiava,


Karen não conseguia parar de pensar que aquilo
não teria boas consequências.

***

Embora não conhecesse nada de Vilamares,


ela podia acreditar que eles já tinham percorrido a
cidade inteira e todas as praias da região. Marcos
acreditava que a menina deveria ter ido a uma
delas, já que Karen suspeitava que Anne nunca
tinha visto o mar.
Era estranho ela simplesmente suspeitar
coisas sobre a irmã que deveria conhecer muito
bem. Quando Anne nascera e que Karen tivera a
oportunidade de contemplar aquele bebezinho
pequeno e delicado, jurou para si mesma que

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jamais permitiria que alguém lhe fizesse mal.


Prometera que estaria ao seu lado a cada choro, a
cada riso, que a aconselharia e a guiaria para o
caminho correto, mas o destino quis que tudo
acontecesse de uma forma diferente. Agora, depois
de tanto tempo, ela esperava que ainda tivesse
tempo suficiente para reparar os erros do passado.
— Karen — Marcos chamou, enquanto
ainda davam uma olhada na praia daquela vez,
depois de terem percorrido toda a sua extensão de
carro. Tinham saltado, pois enxergaram uma pessoa
na areia, mas não era Karen. Era uma mulher mais
velha, provavelmente muito bêbada. Karen virou-se
na direção dele, sentindo-se cada vez mais
desolada, atendendo ao chamado. — Tem uma
praia meio isolada, chamada Praia Verde. Quase
ninguém vai lá. Quer tentar?
─ Bem, acho que vale a pena. Solidão é

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exatamente o que Anne estava procurando.


─ Bem, a uma hora dessas, ela conseguiria
solidão em qualquer praia que fosse, em qualquer
lugar do mundo.
─ Não importa. Não custa tentar...
Marcos assentiu e ambos entraram
novamente no carro, partindo logo em seguida.
Exatamente como Marcos afirmara, a praia
era bem pequena, mas extremamente bonita. Havia
uma descida íngreme até chegar à faixa de areia, e
todo o contorno do caminho era rodeado por uma
mata densa. Aquilo a deixou um pouco assustada.
Todas as lições que poderia ter aprendido sobre não
dar chance ao azar estavam completamente
perdidas. Estava em um local escuro, vazio, com
um homem que parecia não ser confiável, mas a
verdade era que, naquele momento, ela poderia
considerá-lo como seu melhor amigo, já que era a
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única ajuda que tinha ao seu alcance.


Sem nem hesitar, Karen o seguiu, com
muita dificuldade, começando a descer a pequena
ladeira enlameada e cheia de pequenas pedras que
machucavam seu pé, especialmente por ter tirado a
sapatilha escorregadia, ficando descalça. Por várias
vezes acabou escorregando, mas Marcos conseguiu
ampará-la com rapidez antes que pudesse cair e se
machucar. Quando estavam quase chegando à
areia, ela pisou em um caco de vidro, que cortou
seu pé, mas preferiu não alardear nem demonstrar
que havia se ferido para não atrasar a busca.
Principalmente porque assim que atingiu a
areia, viu Marcos apontando em uma direção, onde
uma jovem moça estava sentada, de frente para o
mar.
Sem nem pensar no que fazia, Karen
afastou-se de Marcos e saiu correndo na direção da
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garota, começando a cada vez mais enxergar o


vestido lilás que lhe dera de presente, o que
preenchera seu coração de alivio. Enquanto corria,
com o pé machucado afundando na areia e
impedindo-a de ir mais rápido, agradecia aos céus
por sua menina estar ali, sã, salva e intacta.
Assim que chegou perto de Anne, jogou-se
na areia, tomando-a em seus braços. Por alguns
instantes, a menina nem sequer se mexeu,
parecendo completamente atordoada com aquele
gesto, como se não soubesse mais como reagir a
um abraço. Marcos, que apressou-se em seguir
Karen, colocou-se distante das duas, dando-lhes
espaço, mas não pôde deixar de reparar na trilha de
sangue deixada pelos pés de Karen na areia. Merda,
ela estava machucada mas não ia dar a mão à
palmatória.
— Ei, sai daqui! — Parecendo libertada de

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um transe hipnótico, Anne deu um empurrão na


irmã, fazendo-a cair sentada na areia, libertando-se
do abraço. — Por que veio atrás de mim? Por que
não me deixa em paz? — ela gritou, com a voz
embargada de choro.
Como Karen ficou estática no chão, Marcos
aproximou-se para ajudá-la a se levantar,
oferecendo a mão. O rosto da moça mais velha
estava transfigurado de dor pela rejeição, e isso o
enfureceu de tal forma que ele seria capaz de pegar
aquela fedelha pelos pés e colocá-la de cabeça para
baixo só para ensiná-la boas maneiras. Porém,
controlou-se, porque suspeitava que aquela menina
tinha sofrido coisas muito sérias.
— Você não deveria falar assim com a sua
irmã... — ele falou com uma voz baixa, grave e
quase ameaçadora, embora não houvesse nenhum
resquício de rispidez em seu tom.

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— Eu falo com ela como eu quiser. E você


não tem nada que se meter nisso. Quem pensa que
é? O cavaleiro andante dela? Então acho bom que
saiba que ela estava me falando mal de você até
hoje mais cedo, me repreendendo por ter te dado
confiança.
— E você não acha que ela está certa? Você
mal me conhece, não deveria ficar falando com
estranhos por aí — Marcos insistiu.
— Mas por que, então, ela pode falar com
você? Não sabia que eram amigos. — A garota
estava tão irritada que parecia demonstrar ciúme.
Marcos só não sabia de quem, se da irmã, ou se
dele, por mais estranho que pudesse parecer.
— Não somos — Karen apressou-se em
responder, finalmente saindo da inércia. Marcos
mal queria olhar para ela, pois seus lindos olhos
estavam cheios de lágrimas. — Ele só foi gentil em
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me ajudar a te procurar. Não deveria ter saído da


pousada, Anne.
Gentil. Marcos não pôde deixar de reparar
na palavra que ela usara para defini-lo, muito
menos refletir sobre ela. Poucas pessoas o
considerariam dessa forma, tendo em conta a vida
que estava acostumado a viver. A fama
proporcionava as coisas de uma maneira muito
fácil, assim como o dinheiro. Não ter que batalhar
muito para conseguir o que queria, fossem objetos
materiais, mulheres ou amigos, poderia facilmente
tornar qualquer um uma porra de um babaca. Podia
até se considerar um, mas sabia que não
ultrapassava muito os limites.
— E você não deveria ter me encontrado.
Nunca. Não quero viver com você! — ela berrou
novamente e já estava prestes a se afastar dos dois
quando Marcos a segurou pelo braço.

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— Vai voltar conosco, garota, nem que eu


tenha que te carregar nos ombros.
Irritada, ela forçou o braço para soltar-se
dele e quando conseguiu, saiu correndo, mas logo
foi impedida por um grupo de três homens que se
colocaram na sua frente, bloqueando a passagem.
Três homens que visivelmente não significavam
boa coisa.
— Ei, bonitinha... o que temos aqui? — Um
dos caras colocou a mão no cordão de Anne. Karen
conhecia muito bem aquele colar. Era de ouro,
presente de sua mãe quando ainda estava viva.
Muito apavorada, Anne virou-se para
Marcos e para a irmã em busca de ajuda. As mãos
do homem desconhecido estavam em seus braços.
— Não vamos te fazer mal, não, bonitinha.
Só queremos o cordão e o que mais os outros dois
ali puderem nos dar. Vamos pegar a grana e vamos
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embora.
— Que nada. A garotinha é bonitinha, e a
irmã mais ainda. — Um outro homem falou e
partiu para cima de Karen, agarrando-a com força,
deixando-a apavorada.
Marcos poderia esperar um bom momento
para traçar uma estratégia, afinal, não sabia se os
caras estavam armados. Mas se estivessem, já
teriam mostrado, não é mesmo? Odiava o fato das
duas mulheres estarem sendo tocadas contra sua
vontade, e ele sabia que não poderia demorar a
ajudá-las, antes que acabassem sofrendo ainda mais
violência. Três contra um? Ele daria conta fácil.
Partindo para cima deles, Marcos ficou feliz
quando as duas mulheres foram soltas, e os homens
tentaram revidar. Contudo, ele lutou como um
demônio, e era muito bom nisso. Era bem maior do
que todos eles, tanto de altura quanto de músculos,
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por isso, foi apenas uma questão de alguns socos


bem dados para que os três zarpassem dali correndo
como covardes.
Imediatamente, assim que percebeu que
estavam livres daqueles três, Marcos virou-se para
Karen, tocando-a no braço involuntariamente, mas
ela logo recuou. Quando olhou em seus olhos,
cheia de pânico, ele percebeu que muito
provavelmente ela já tinha passado por alguma
situação de abuso daquela espécie.
— Vocês estão bem? — ele perguntou,
ainda preocupado.
Anne logo respondeu que sim, balançando a
cabeça com veemência, mas Karen ainda o olhava
muito assustada.
— Onde você aprendeu a fazer aquilo? —
foi tudo o que ela perguntou, olhando para Marcos
como se ele fosse uma assombração.
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— Fiz aulas de alguns tipos de luta quando


era mais novo. Mas agora eu acho melhor deixar as
perguntas para depois e voltarmos para a pousada,
antes que aqueles três voltem com mais dez.
Provavelmente eu não vou dar conta. — Anne ia
abrir a boca para protestar, mas Marcos olhou-a
com uma expressão ameaçadora, e ela apenas
seguiu com eles.
Karen, por sua vez, tentava não focar seu
pensamento na mão enorme que pousara na curva
de suas costas, guiando-a e praticamente
amparando-a. O pé começava a doer de forma
quase insuportável, mas não iria ceder. Poderia
andar até o carro, por mais longe que estivesse.
E realmente conseguiu. Quando chegaram
ao automóvel, Karen estava quase chorando de dor,
mas manteve-se firme. Coisa que Marcos não
deixou de reparar. Aquela mulher tão pequena era

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muito mais corajosa do que ele poderia imaginar. E


também era muito silenciosa, mas isso ele até
achou preferível, pois não tinham muito o que
dizer, especialmente com a adolescente rebelde no
banco de trás.
Assim que chegaram à pousada, Anne
saltou do carro furiosa e disparou escadas acima,
abandonando Karen e Marcos sozinhos.
— Ela é bem difícil mesmo — Marcos
comentou, completamente sem paciência.
— Não sei mais o que fazer... — Karen
levou ambas as mãos ao rosto, mas não estava
chorando, apenas passou-as pelos lindos cabelos
ruivos e respirou bem fundo, demonstrando todo o
seu cansaço.
— Talvez você esteja se esforçando demais.
Deixa acontecer. — Marcos deu de ombros, e
Karen finalmente olhou para ele, em um misto de
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indignação e revolta, como se ele não tivesse


direito de lhe dar nenhum conselho. Provavelmente
não tinha mesmo, mas simplesmente escapou. E ele
não iria pedir desculpas por isso.
— Deixar acontecer? Você viu o que houve
hoje. Ela fugiu.
— Ela não fugiu. Muito provavelmente iria
voltar, já que não tem para onde ir.
— E se não tivéssemos chegado a tempo?
Como ela iria enfrentar aqueles caras sozinha? —
Karen estava um pouco alterada, mas a menção aos
bandidos que Marcos afugentou fez com que se
acalmasse e mudasse de tom: — A propósito,
obrigada. Se não fosse você, eu nem sei o que teria
acontecido.
​ Não foi nada. — Novamente Marcos

falou com indiferença. Ele também parecia se
esforçar muito para não demonstrar interesse em
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nada nem ninguém.


— Como você acha que ela chegou naquela
praia sem dinheiro? É bem distante para se ir
caminhando.
— Sim, mas deve ter pegado carona com
alguém.
— Meu Deus! — Karen exclamou, levando
a mão ao rosto, aturdida. Depois, suspirou,
inclinando a cabeça contra o encosto do banco com
os olhos fechados. Assim que os abriu, levou a mão
à maçaneta da porta, abrindo-a. — Obrigada por
tudo, Marcos.
Ele assentiu e também saltou, pronto para
entregar a chave a ela, mas assim que Karen se
colocou de pé, cambaleou e precisou se escorar no
carro. Seu pé deveria estar em frangalhos.
Marcos apressou-se em ampará-la e, sem

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nem pedir licença, ergueu-a no colo.


— O que está fazendo? — ela perguntou
assustada.
— Vou te ajudar a entrar. Eu vi quando
machucou o pé e já o forçou demais. Eles devem
ter algum kit de primeiros socorros na pousada. Se
estiver muito feio, posso te levar ao hospital.
Karen decidiu não protestar, afinal, já
estavam quase no hall de entrada. Para a sua sorte,
a festa já tinha terminado, e o local estava vazio.
Com toda a delicadeza, Marcos a depositou no sofá
e sentou-se na mesinha de centro, tomando o pé
dela nas suas mãos e pousando-o em sua coxa.
Ela não pôde evitar sentir-se um pouco
constrangida com o contato, mas tentou relaxar,
pois ele parecia saber o que estava fazendo.
— Não foi um corte muito feio, mas deve

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estar doendo pra burro. Não deveria ter tentado se


fazer de forte.
— Não estava... Só não queria... dar
trabalho.
Marcos não falou nada. Na verdade, ele
imaginava que não fora exatamente isso o que a
fizera ficar calada quando, na verdade, deveria estar
sentindo bastante dor. Se tivesse que ser carregada,
ela sabia muito bem que não pesava muita coisa,
ainda mais para um homem do tamanho dele; o
problema era que sentira como Karen ficara rígida
em seus braços. Juntando isso à forma como reagiu
ao bandido na praia, não era difícil imaginar que
tinha passado por algum trauma relacionado a
homens. Talvez tivesse sido agredida sexualmente
de alguma forma, o que o deixava com o sangue
fervendo. Podia ser um baita de um filho da puta
em vários aspectos, mas não conseguia

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compreender como um homem tinha coragem de


machucar uma mulher.
— Tem um kit de primeiros socorros dentro
do porta-luvas do meu carro. Acho que você vai
encontrar tudo que preciso.
Assentindo novamente, Marcos levantou-se
e já estava prestes a sair até o estacionamento da
pousada quando Sérgio apareceu.
— Ei, o que aconteceu? — ele disse
enquanto ainda descia as escadas, porém, quando
aproximou-se de Karen e a viu com o pé
sangrando, seus olhos se voltaram imediatamente
para Marcos, cheios de proteção. — Você está
machucada? O que houve?
Pegando o lugar onde Marcos estivera
sentado minutos atrás, ele fez a mesma coisa que o
outro homem, avaliando o machucado.

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— Marcos foi me ajudar a procurar Anne,


porque ela tinha sumido. Nós a encontramos em
uma praia bem isolada, e eu acabei pisando em um
caco de vidro.
Sérgio novamente voltou-se para Marcos,
que ainda não tinha saído da pousada, apenas
esperava o desfecho daquela conversa, parado
diante da porta, com os braços cruzados.
— Você precisa desinfetar esse ferimento.
Temos kits de primeiros socorros bem completos
aqui na pousada. Vou pegar um deles e te ajudar.
— Sérgio falou, levantando-se, e Karen sentiu-se
confusa. Não queria parecer ingrata a Marcos, que
prometera ajudá-la, mas sentia-se muito mais à
vontade com Sérgio. Ainda mais quando o moreno
a olhava da forma como estava olhando naquele
momento, com o cenho franzido e uma expressão
muito misteriosa, impossível de se ler.

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Contudo, nem precisou se indispor ou


mostrar sua preferência, pois Marcos finalmente
saiu da inércia.
— Bem, então, acho que você tem alguém
aqui que irá cuidar de você muito melhor do que
eu. Boa noite, Karen — dizendo isso, ele se virou
de costas para a moça, indo na direção das escadas,
mas parou quando a ouviu chamá-lo.
— Marcos... obrigada.
Havia um esboço de um sorriso em seu
lindo rosto, e Marcos quase sentiu o coração se
derreter por ela, principalmente por aqueles olhos.
Tão lindos e tão melancólicos ao mesmo tempo. Se
fosse sincero consigo mesmo, diria que estava se
controlando muito para não agarrar aquele
almofadinha pela gola e arrancá-lo de perto dela
para que pudesse ter a chance de ficar um pouco
mais com Karen. Mas ele apenas assentiu de forma
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quase solene e subiu, direto para seu quarto.


Assim que Marcos ficou fora de vista,
Sérgio anunciou que iria até a despensa pegar o que
iriam precisar. E foi o que fez.
Enquanto foi deixada sozinha, Karen não
conseguiu ficar imune às lembranças dos recentes
acontecimentos. Primeiro o desaparecimento da
irmã, depois Marcos segurando-a antes que caísse
escada abaixo, depois sua oferta de ajuda e seu ato
de cavalheirismo, salvando-as de bandidos na praia.
A forma como ele lutara contra aqueles três
homens demonstrava o quanto de violência ele
guardava dentro de si. Karen deveria sentir medo
dele, tentar manter-se afastada ao máximo, porém,
por mais que tentasse incutir essa certeza dentro de
sua mente, seu coração dizia que havia algo em
Marcos que lhe inspirava confiança. Ele também
parecia uma alma ferida pelo destino, alguém a

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quem a vida machucara de forma profunda


recentemente.
Ainda desenhava conjecturas em sua cabeça
quando Sérgio retornou com a maletinha nas mãos,
sentando-se novamente na mesa e começando a
trabalhar.
— Vou ter que limpar o machucado e deve
arder um pouco, tudo bem?
— Eu não sou criança. Não precisa me
avisar esse tipo de coisa — ela falou sorrindo.
— É o que eu sempre digo à minha avó,
mas até hoje ela insiste em me tratar como criança
— Sérgio disse, sorrindo.
— Você a ama muito, não é?
— Muito. Mas é muito difícil não amá-la.
Ela sempre tem um bom conselho, além da risada
mais gostosa. — Ele começou a trabalhar no
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machucado e manteve a conversa, com certeza para


distraí-la. — Quando ela perdeu meu avô, há cinco
anos, um pouco dessa risada desapareceu. Eu
estava fora de Vilamares, embora tenha crescido
aqui, mas vim para cá, morar e trabalhar com ela
para que não ficasse sozinha.
— Foi um gesto muito nobre.
— Eu sabia que se não fizesse isso, acabaria
perdendo-a também. Ela e meu avô se amavam
muito. Ela não iria suportar muito tempo sozinha.
— Entendo. Não conheci meus avós... —
Karen falou. Embora não gostasse de abrir sua vida
pessoal, acabou soltando mais aquela informação.
— É uma pena. Mas acho que D. Amália já
adotou vocês.
Karen apenas sorriu, mas logo soltou um
leve gemido de dor e fez uma careta quando o

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álcool atingiu uma parte mais sensível da ferida,


causando uma ardência quase insuportável.
— Desculpa — Sérgio disse, constrangido.
— Não tem problema. Dores passageiras
não me assustam. — Ela abriu um sorriso
desanimado, o que fez com que Sérgio olhasse em
seus olhos de forma muito profunda, como se
pudesse ler tudo o que havia em sua alma.
Naquele momento, ele compreendeu — embora
já tivesse suspeitado muito antes — que a dor que
Karen levava no coração era muito mais profunda
do que ele poderia ter imaginado. Isso o incomodou
de tal forma, que ele precisou de alguns minutos
para recomeçar seu trabalho, contudo, não disse
nada, apenas voltou à tarefa.
Com muito esmero, ele limpou o ferimento e
selou-o com gaze.

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— Prontinho, senhorita, está tudo em ordem.


Pela minha experiência com primeiros socorros,
não foi nada profundo, apenas um corte, então,
acho que não tem necessidade de hospital.
— Obrigada, Sérgio.
Ele sorriu e levou a mão à nuca, coçando a cabeça,
demonstrando que queria entrar em algum assunto,
mas parecia constrangido para tal. Porém, depois de
esperar um pouco, acabou abrindo a boca.
— Olha, Karen, eu sei que não sou ninguém
para tentar te dar conselhos, principalmente porque
você me parece uma mulher muito sensata, mas
aquele cara não me cheira bem. Dei uma
pesquisada e descobri que é um guitarrista de uma
banda de rock, e você sabe como esses caras são.
Pelo que li, o vocalista morreu há pouco tempo e...
— Sérgio — Karen o interrompeu —, eu
não sou amiga dele. Marcos me ofereceu ajuda, e
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eu aceitei. Estava desesperada para encontrar


Anne...
— Deveria ter falado comigo...
— Mas você estava cuidando da festa, eu
não poderia te tirar daqui.
— Claro que poderia. E... Ah, que droga,
Karen. Na pior das hipóteses, eu enviaria alguém
de confiança para te acompanhar.
— Mas deu tudo certo, não deu? — Karen
colocou a mão no ombro de Sérgio, tentando
acalmá-lo, já que parecia tão agitado.
— Poderia não ter dado. Além do mais,
você chegou machucada.
— E não por culpa dele. Foi um acidente.
— Karen poderia contar a história de como Marcos
defendera ela e Anne na praia, mas não estava nem
um pouco disposta a reviver aquelas más
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lembranças.
— Tudo bem. De qualquer forma, fique de
olho. Não estou dizendo que não é uma boa ideia
ser amiga dele, até porque eu não conheço o cara,
mas não custar ter um pé atrás.
— Eu sei disso.
Ambos sorriram, até que Sérgio levantou-se
e já foi se inclinando para pegar Karen no colo.
— Ah, Sérgio, não precisa se incomodar.
Eu posso andar — ela protestou, mas ele a ergueu
nos braços mesmo assim.
— Pode, mas não precisa, já que tem um
cara forte aqui para te carregar — ele brincou,
fazendo-a gargalhar.
— Assim eu me sinto como uma
exploradora — ela falou, mas ele já começava a
subir as escadas, com uma grande facilidade,
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mesmo tendo o peso dela nos braços.


— Que nada. Aqui na pousada, os hóspedes
recebem todos os tipos de tratamento VIP.
Karen não pôde deixar de rir, e ainda se
sentia divertida quando chegaram ao seu quarto,
onde ela mesma abriu a porta e onde foi depositada
no sofá da antessala com muito cuidado. A porta do
quarto onde Anne dormia estava trancada, o que a
fez desanimar.
— Dê tempo a ela. Adolescentes são
difíceis.
— Eu sei. Só espero que essa fase passe.
— Vai passar. — Sérgio se afastou,
começando a caminhar na direção da porta de
costas. — Bem, se precisar de alguma coisa, é só
me ligar.
— Obrigada, Sérgio.
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Sem parecer engrandecido pelo


agradecimento, ele saiu do quarto, fechando a porta
atrás de si, com um sorriso no rosto bonito.
Era impressionante pensar que em apenas
uma noite fora ajudada por dois homens
completamente diferentes entre si, mas ambos
atraentes como o inferno. Um, comprometido, e o
outro, misterioso e levemente sombrio.
Apesar disso, não podia negar o quanto
Marcos a intrigava. Ao mesmo tempo em que
parecia disposto a repeli-la e querer afastá-la,
tratava-a com gentileza. Era um homem estranho, e
o melhor que Karen tinha a fazer era ficar longe
dele ao máximo.

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Capítulo Cinco

Anne nem sequer pregara o olho. Trancara-


se no quarto, porque tudo o que queria era chorar,
mas sem que Karen a visse. Não queria demonstrar
fragilidade.
Abriu a porta, decidida a usar o único
banheiro do quarto, depois de passar a noite inteira
segurando o xixi só para não sair de seu refúgio, e a
primeira coisa que viu foi uma trilha de pequenas
gotas sangue que percorria uma boa parte do chão
marfim do quarto, parando no banheiro. Não era
nada absurdo, longe de uma hemorragia, mas na
visão de uma adolescente assustada, mais parecia
que alguém tinha sido esfaqueado.
A menina ficou apavorada, certa de que
alguma coisa muito ruim tinha acontecido com sua

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irmã. Deixando o orgulho de lado, correu na


direção do banheiro e começou a esmurrar a porta,
chamando Karen e proferindo o nome dela como se
fosse um gemido.
— Karen... v-você está b-bem? —
gaguejou, temendo que a irmã estivesse muito
ferida. O que faria? Tinha apenas quinze anos, não
entendia nada de machucados e primeiros socorros,
teria que sair gritando pela pousada e pedindo
ajuda. Bateria na porta de Marcos, ao menos ele era
forte o suficiente para arrombar a porta do
banheiro.
— Anne? — Assim que ouviu Karen
responder, a garota suspirou aliviada, mas ainda se
assustou um pouco quando a outra abriu a porta, e
ela pôde vê-la sentada na banheira de
hidromassagem, tentando fazer um curativo em um
pé machucado.

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— V-você... se feriu? — indagou ainda um


pouco trêmula.
— Não foi nada de mais. Eu me cortei
ontem na praia, quando fomos te encontrar. Foi um
caco de vidro... mas estou bem. Só que agora de
manhã, eu acordei e pisei errado no chão, soltando
o curativo que Sérgio fez.
— Mas e todo aquele sangue no chão? —
Nem era tanto assim, na verdade, mas, assustada,
Anne acabou exagerando.
— Ah, eu sujei o chão? Droga! Voltou a
sangrar um pouquinho, mas não precisa se
preocupar. — Karen abriu um sorriso ao olhar para
a irmã, enquanto falava com aquela voz doce que
chegava a causar arrepios no coração da Anne.
Merda! Ela ainda tinha a mesma voz de quando
eram pequenas, apenas com um tom um pouco
mais maduro. A mesma voz que a confortara
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naquele dia horroroso, do qual a menina se


lembrava com detalhes.
No momento em que sua mente projetou a
imagem do dia da morte de sua mãe, Anne
empertigou-se e tentou manter a dignidade. Não
podia fraquejar.
— Não estou preocupada — falou, tentando
soar firme. — Preciso usar o banheiro, acho que
vou ter que usar o da pousada mesmo. — Dizendo
isso, Anne simplesmente deu as costas e saiu do
quarto, batendo a porta atrás de si.
Karen ficou parada por alguns segundos,
observando a irmã sair e depois olhando para a
porta fechada sem entender o que havia acontecido.
Podia jurar que tinha visto um brilho de
preocupação no rosto da garota, o que a deixara
muito satisfeita. Porém, lá estava de novo a
petulância, a revolta. Tentou reprimir a vontade de
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chorar e voltou à sua tarefa de refazer o curativo no


pé, até que ouviu uma batida na porta.
Sabia que não era Anne, pois a menina tinha
a cópia da chave do quarto. Podia ser Sérgio,
preocupado, então, não poderia deixá-lo esperando.
Não depois de ele ter sido tão gentil na noite
anterior.
Mancando, Karen começou a se dirigir à
porta do quarto, enquanto elevava a voz, pedindo
que a pessoa esperasse um pouco.
Não pôde conter uma expressão de surpresa
ao ver que se tratava de Marcos.
— Desculpa ter te feito caminhar para
atender. — Ele coçou a cabeça, parecendo um
pouco envergonhado.
— Não, tudo bem. Estou um pouco melhor
hoje. — Parecendo um pouco constrangida

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também, Karen abriu espaço para que ele passasse.


— Quer entrar? — Não gostava da ideia de ter um
homem como ele dentro de seu quarto, mas, assim
como Sérgio, ele também fora gentil, não poderia
tratá-lo com indiferença.
— Tudo bem. — Ele passou por ela,
entrando no quarto, e Karen não pôde deixar de
reparar que ele parecia preencher o local inteiro
com sua presença imponente. — Eu queria saber
como você está.
— Melhor, obrigada.
Marcos apenas balançou a cabeça, ainda de
pé, e o clima ficou totalmente pesado, já que
nenhum dos dois se sentia à vontade um com o
outro. Não sabiam o que dizer, como agir. Eram
dois estranhos.
Dando alguns passos na direção da janela,
Marcos contemplou o que havia lá fora.
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— A vista daqui é ótima. — Parecia mais


um papo de elevador, o que deixou Karen ainda
mais constrangida.
Não era muito comum em sua vida ter
aquela proximidade com um homem — ainda mais
um tão bonito —, muito menos ter um dentro de
seu quarto. Normalmente ela não conseguia se abrir
para pessoas do sexo masculino, embora tivesse
feito alguns bons amigos ao longo dos anos. Todos
eles, porém, eram mais velhos e pareciam tratá-la
como a uma filha; ou eram bem casados com
mulheres que também acabavam se tornando suas
amigas. Todas as vezes em que um rapaz tentava
chegar um pouco mais longe, ela se afastava. Não
se sentia pronta para se deixar ser tocada ou sequer
beijada.
Contudo, estando tão próxima, não pôde
deixar de reparar no quanto Marcos era muito mais

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bonito do que vira a princípio. Os cabelos estavam


molhados naquela manhã, caindo até a base do
pescoço e exalavam um cheiro gostoso de xampu.
Eram lisos e muito escuros, quase pretos, o que lhe
davam a aparência de um mosqueteiro. O maxilar
proeminente, combinado com a barba cerrada,
daquelas que pareciam crescer em apenas algumas
horas, lhe forneciam um ar muito masculino. Os
olhos azuis, em contrapartida, suavizavam as
feições brutas, pois guardavam sua cota de dor e
sofrimento. Ele era alto. Muito alto, passando de
um metro e noventa. E musculoso também. Não de
uma forma exagerada, mas ao ponto de fazer as
mangas de sua camiseta preta, com gola V,
parecerem muito apertadas nos braços.
Um homem como ele poderia facilmente
dominá-la. Não podia esquecer da facilidade com
que a carregara na noite anterior, do carro até o hall

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de entrada do hotel, como se ela não pesasse


absolutamente nada.
Porém, não queria pensar nisso. Marcos não era
uma ameaça. Ao menos não aparentemente. Por
mais misterioso que pudesse parecer, não tinha
demonstrado nenhum interesse em lhe fazer mal.
— Você não quer se sentar? — perguntou, já se
sentindo incomodada com o fato de ele estar ali em
pé, não sabendo nem mesmo como movimentar as
mãos.
— Não, obrigado. Na verdade, eu vim... — ele
hesitou, não fazendo ideia de como continuar a
falar. O que tinha ido fazer ali, afinal? — Eu vim só
saber se você está bem e se quer ajuda para descer
para o café. Posso te carregar, se for preciso.
— Não precisa. Não estou com fome. Acho que
vou tirar o dia para descansar. — Karen tentou
abrir um sorriso e ficou esperando enquanto
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Marcos apenas balançava a cabeça, embora ela não


soubesse se ele estava assentindo em relação ao que
ela tinha acabado de dizer ou se estava apenas se
movimentando, pois ficar parado era ainda mais
constrangedor.
Novamente, um silêncio sepulcral recaiu sobre
eles, até que Marcos coçou a cabeça e respirou
fundo. Queria falar mais alguma coisa, manter a
conversa, ou até mesmo encontrar algo que servisse
como desculpa para ficar ali por mais algum tempo,
mas sabia que estava na hora de ir. Na verdade, era
mais seguro simplesmente sair naquele momento,
antes que começasse a gostar dela, mais do que
apenas sentir empatia.
— Bem, então acho melhor eu te deixar
descansar. Se precisar de alguma coisa... — Ele
tirou um cartão de visitas do bolso da calça. Sendo
um guitarrista, Marcos com certeza não precisava

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de uma apresentação como aquelas, portanto, o


cartão não lhe pertencia. Era o telefone de uma
advogada muito bonita que conhecera em um bar
na noite antes de ir para Vilamares. Ela se esforçara
muito para conseguir algo mais do que apenas uma
conversa, mas Marcos apenas prometera ligar,
deixando-a escapar sem um beijo sequer. Talvez
estivesse enferrujado para isso.
Provavelmente não era uma boa ideia passar
seu telefone para uma garota no cartão de outra,
mas não tinha intenções românticas com Karen,
então, isso não importava muito. Ao menos era o
que acreditava.
Anotou seu celular com uma caneta que
encontrou sobre a escrivaninha do quarto e o
entregou a ela, que pegou hesitante.
— Obrigada — ela disse desconfiada, que
parecia ser o seu estado natural.
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Era quase estranho ver uma garota tão bonita


tão acuada para lidar com homens, especialmente
em sua idade. Os caras deveriam se jogar em cima
dela, mas Karen não parecia nem um pouco
acostumada a isso.
Ela começou a acompanhá-lo até a porta, mas
depois de alguns passos acabou sentindo dor e
soltou um murmúrio incomodado, desequilibrando-
se. Marcos foi rápido em ampará-la nos braços, o
que fez com que ficassem perigosamente perto.
O rosto pálido e delicado de Karen corou
imediatamente, o que fez Marcos se derreter. Não
era comum que mulheres provocassem tal reação
em seu corpo. Normalmente, moças bonitas
mexiam com sua libido, não com seu coração, mas
o aperto que sentiu no peito não foi ignorado.
Havia algo de muito perigoso naquela garota
simples e desconfiada. Tê-la assim tão próximo era

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um risco que não deveria correr. Portanto, foi


rápido em erguê-la no colo, antes que começasse a
protestar, e a levá-la até a cama, colocando-a lá
com delicadeza.
— Pode deixar que eu fecho a porta. E tente
não se esforçar demais. Não foi um machucado dos
mais feios, mas deve estar doendo à beça. —
Chegava a ser patética a forma como ele evitava até
mesmo falar palavrões ao lado dela, como se fosse
recatada demais para isso. Ah, merda, ela parecia
decente, o que definitivamente não combinava com
ele nem com a vida que costumava levar. Por mais
que tivesse amigos muito, muito piores.
— Obrigada. Vou tomar mais cuidado —
ela disse e sorriu, embora fosse fácil ver o quanto
se sentia desconfortável. Sem dizer mais nada,
Marcos apenas deu-lhe as costas e saiu, como quem
foge de uma assombração, fechando a porta atrás

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de si.

***

Mas seria possível que não iam parar de


bater naquela porta? Desde quando se tornara assim
tão popular?
O pé latejava bastante ainda, e pisar no chão
era ainda mais doloroso, principalmente levando
em consideração que estava extremamente bem
acomodada sobre a cama macia e os lençóis
limpinhos da pousada. Contudo, não podia deixar a
pessoa esperando. Poderia até ser Anne, que
poderia ter perdido a chave. Típico de meninas da
sua idade.
Demorou um pouco mais do que o normal
para chegar à porta, porém, quando a abriu, quem
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viu do outro lado foi Sérgio, segurando uma


enorme cesta cheia de guloseimas em seus braços.
No momento em que viu tantas coisas gostosas e
sentiu o cheiro de omelete fresquinho, o estômago
de Karen começou a roncar, e ela nem tinha
reparado o quanto estava com fome.
— Isso tudo é para mim? — ela indagou
com um enorme sorriso no rosto, agradecida.
— Não vai dividir comigo? Não sabia que
você era uma mulher egoísta, Karen — brincou,
enquanto ia entrando e pousando a cesta sobre a
mesa.
— Meu Deus, Sérgio. Não acredito que está
fazendo isso... — Sérgio aproximou-se de Karen,
amparando-a até que a colocou confortavelmente
sentada à pequena mesinha de jantar do quarto. —
Você tem outros hóspedes, não precisa ficar
cuidando assim de mim.
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— Talvez você seja a minha preferida.


A forma como ele falou isso, por mais que
tenha soado extremamente inocente, fez com que
Karen subitamente ficasse tensa. Não era difícil
perceber que Sérgio vinha lhe dedicando um tipo
especial de atenção desde que chegara. Ele parecia
muito amável com todos os hóspedes, mas tratava-
os a todos da mesma maneira. Com ela, parecia
diferente. Podia jurar que ele não iria se preocupar
em levar o almoço pessoalmente para nenhum
deles.
Percebendo isso, ele foi rápido em
acrescentar.
— Tudo bem, não vou levar os créditos
sozinho. Minha avó deu a ideia. Ela deve vir te ver
mais tarde.
Deixando Karen sentada, Sérgio foi novamente
até a cesta e começou a retirar algumas embalagens
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térmicas de lá de dentro, como se fossem pratos


para viagem.
— Preferi deixar tudo bem embalado, pois não
sabia se era um bom garçom. Seria um desastre se
deixasse tudo cair pelo caminho. Além do mais,
queria que tudo chegasse bem quentinho para você.
— É muita gentileza, mas eu não quero
incomodar. Você deve ter tantas coisas para fazer.
— É meu horário de almoço agora. Queria te
fazer companhia. — Ele se virou para mim de
súbito, com as sobrancelhas erguidas. — Espero
não estar atrapalhando nada.
— De forma alguma. É muito bem-vindo —
respondeu, sorrindo. Enquanto ele preparava tudo
em pratos, Karen se lembrou de uma coisa
importante. — Sérgio, você viu Anne? Estou
preocupada. Ela saiu de manhã e ainda não voltou.
Com meu pé desse jeito, não vou conseguir ficar de
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olho nela.
— Fica tranquila. Eu a vigiei a manhã inteira.
Está na piscina. Ela parou para almoçar, mas voltou
logo em seguida. Parece feliz. Agora que eu subi,
minha avó vai me render em vigiá-la.
— Vocês são maravilhosos — Karen falou, um
pouco emocionada.
Sérgio colocou os pratos sobre a mesa, assim
como os talheres e copos. Depois espalhou as
embalagens, demonstrando que tinham omeletes,
panquecas, arroz e salada. Tudo parecia ótimo. Para
beber, suco de laranja.
— Espero que esteja com fome e que a comida
te agrade.
— Já agradou.
Serviram-se e começaram a comer, enquanto
engatavam uma conversa trivial, sobre a pousada, o
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dia lá fora, a festa da noite anterior e coisas


corriqueiras.
Todas as vezes em que Sério erguia a mão
direta, a aliança de noivado parecia reluzir, e em
cada um desses momentos, Karen precisava segurar
a língua para evitar a pergunta que tanto queria
fazer. Não podia ser intrometida, mas sentia-se na
obrigação de saber alguma coisa sobre alguma
mulher que pudesse existir na vida daquele homem.
Sentia-o cada vez mais próximo, e suas atitudes
revelavam que poderia haver um interesse maior do
que apenas uma amizade. Isso a preocupava. Se
houvesse mesmo uma outra moça envolvida,
precisava desencorajá-lo o mais rápido possível.
Não tinha a menor intenção de prejudicar um
relacionamento.
Controlou-se o quanto pôde, até que entraram
no assunto romance, para falarem sobre Anne e

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Tauan.
— Acho que é um bom garoto — ele
comentou. — A família é rigorosa e exigente, e ele
não tem problemas em acompanhá-los. Só acho que
Anne pode encarar isso como algo careta. Hoje de
manhã conversei muito rápido com ela, tentei
arrancar alguma coisa de forma sutil, mas ela é
escorregadia.
— Eu bem sei disso — Karen revirou os olhos.
— Tentei entrar no assunto, mas ela desviou. A
única coisa que me disse é que não curte “esse
tipo” de pirralho. Acho que quis dizer que os
rapazes mais certinhos não fazem sua cabeça.
— Gostaria muito de saber que tipo de rapazes
a atraem — Karen falou com desdém e
preocupação.
— Provavelmente tipos como Marcos, que

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parecem perigosos e cheios de mistério — Sérgio


disse, o que fez Karen abaixar a cabeça, olhando
diretamente para seu prato, quase vazio.
Brincando com o resto da comida, evitou
responder qualquer coisa, uma vez que apenas a
menção de Marcos já a fez engolir em seco. Havia
algo naquele homem que a intrigava. O que não
deveria ser uma grande coisa, já que ele parecia
exercer esse efeito em muita gente. Contudo, Karen
sentia-se ainda mais estranha em relação a ele pela
forma como a tratava. Conseguia ser indiferente em
um momento e no seguinte se mostrava cheio de
cuidados, como naquela manhã, quando fora visitá-
la para saber se estava bem. Não podia negar que
tudo isso mexia com seu imaginário de uma forma
muito perigosa. Sem contar que era um homem
extremamente atraente. Porém, conhecera alguns
em sua vida, e nunca nenhum lhe provocou aquele

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tipo de reação tão conflitante.


Pensar nisso fez com que novamente chegasse
ao assunto que tanto hesitava em mencionar a
Sérgio. A aliança. Mas estava na hora, antes que a
amizade deles chegasse mais longe.
— Então você é noivo? — tentou soar
despretensiosa, já que sabia que seria uma pergunta
muito íntima.
Como se despertado de um transe, Sérgio
ergueu a mão direita, cerrando o punho e olhando
para o anel que parecia se destacar em seu dedo.
— Sim — respondeu balançando a cabeça,
embora não tenha parecido muito animado ao fazê-
lo. — Há dois anos, mais cinco de namoro.
— Uau! É bastante sério — Karen falou
sorrindo, embora ainda estivesse curiosa para saber
por que ele nunca mencionara nada, se era um

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relacionamento tão longo. — Já marcaram a data?


Foi então que ela percebeu que poderia estar
entrando demais em sua intimidade, pois Sérgio
respirou fundo, parecendo um pouco triste.
— Me desculpa por fazer perguntas tão
pessoais. Acho que exagerei — ela disse
envergonhada.
— Não se preocupe, não está sendo indiscreta.
Mas a verdade é que ainda não conseguimos
marcar uma data, porque Patrícia não tem tempo
para nada.
Ah, então Patrícia era o nome dela.
Karen decidiu não perguntar mais nada, apenas
esperou que Sérgio continuasse falando, se
quisesse.
— Ela é modelo. Tem uma carreira sólida, por
isso está sempre viajando. Só nos vemos muito
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poucas vezes ao ano.


— E como mantêm o relacionamento dessa
forma? — ela perguntou, mas imediatamente se
arrependeu. — Me desculpa outra vez.
— Não, estamos conversando e somos amigos.
Pode me perguntar o que quiser. — Ele fez uma
pausa. — A verdade é que isso muito me desanima.
Eu a adoro, Karen. Sou louco por ela, mas está
começando a ficar difícil. Quero me casar com ela,
mas ao mesmo tempo não quero viver assim, sem
saber quando terei minha esposa comigo. Quero
constituir família, ter filhos... mas será que vamos
conseguir?
— Talvez vocês possam conversar, entrar em
um acordo...
— Já tentamos. Patrícia também me ama e quer
ficar comigo, mas lutou muito para chegar aonde
chegou. Ela é realmente boa, e eu não tenho
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coragem de criar uma situação onde ela tenha que


escolher.
Era muito nobre da parte dele, mas Karen o
sentia realmente muito deprimido. Até mesmo o
sorriso que ele abriu, enquanto remexia no celular,
não foi nada animado.
Estendendo o aparelho na direção dela, Sérgio
mostrou-lhe uma foto de Patrícia. Era uma adorável
foto de casal, onde os dois estavam na praia, ali
mesmo em Búzios. Ela, de biquíni, ele, de
bermuda, sem camisa. Ambos lindos, sorridentes e
felizes. Patrícia era uma mulher lindíssima, loira,
de corpo escultural, como uma daquelas modelos
da Victoria’s Secret. Apesar de ser tão
deslumbrante, Sérgio não ficava para trás, com toda
a sua altura e o corpo torneado. Formavam um
casal digno de estar protagonizando uma novela.
— Ela é linda.
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— Ah, claro que é! A mais linda de todas... —


ele respondeu sonhador, pegando o aparelho de
volta. — Mas você, sem dúvidas, é a segunda mais
bonita para mim. — Sérgio não falou com nenhuma
intenção de flerte, mas Karen sentiu-se um pouco
desconfortável. Percebendo isso, ele pigarreou. —
Desculpa, eu não queria ser indelicado.
— Não foi. Eu é que sou péssima ouvindo
elogios.
Ele sorriu e não disse mais nada, mas seu olhar
fixo em Karen parecia falar muito mais do que
qualquer palavra. Havia algum sentimento em
Sérgio em relação a ela. Fosse um interesse muito
passageiro ou uma carência, ela não saberia dizer.
Apostava bem mais na segunda opção. Ele estava
com o coração partido. Amava a noiva, o que era
visível, mas o relacionamento não andava bem das
pernas. Isso o torturava, e Karen sentiu-se muito

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mal por ele.


— Karen... — ele começou a falar, quase
solene. Karen logo soube que o assunto entraria em
um campo que ela não queria, algo com o qual não
saberia lidar. — Não posso negar que você me
desperta interesse. — Ela ia falar alguma coisa,
mas ele estendeu a mão, impedindo. — Por favor,
me deixa falar. — Ela assentiu. — Não quero que
se sinta desconfortável comigo por causa disso,
porque nunca vou fazer nada que possa prejudicar
nossa amizade, e nem ousaria trair a Patrícia. Só
acho que você tem o direito de saber o que eu sinto,
não quero que haja segredos entre nós. Você é uma
garota linda, gentil e muito meiga, e não posso ficar
indiferente a isso. Meu coração pertence a uma
única mulher, mas também viu algo em você.
— Eu não estou em busca de nada que não sejam
amizades, Sérgio. Não encare isso como um fora,

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mas é algo que também preciso deixar claro.


Aconteceram... — ela hesitou, mas respirou fundo e
encontrou forças para continuar — coisas comigo.
Coisas que me deixaram muito reticente em relação
ao amor. Gosto demais de você para magoá-lo de
alguma forma.
— Não vai. Como eu disse, só senti a
necessidade de te contar. Somos amigos, e eu
também não quero perder isso. — Sérgio levou a
mão ao rosto de Karen, tocando-o muito de leve,
com carinho.
Era bom ter um amigo, e ela ficou feliz com
sua sinceridade. Não permitiria que nada
atrapalhasse aquele relacionamento e se pudesse,
faria de tudo para ajudá-lo com sua noiva. Sérgio
merecia ser feliz.

***
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Foram mais dois dias de molho, totalizando


três trancada naquele quarto. Dias lindos nasciam
do lado de fora da janela, e por mais que estivesse
desesperada para sair, e que Sérgio tivesse insistido
muito que poderia carregá-la, brincando que era
forte o suficiente para mantê-la no colo o dia inteiro
se preciso, ela preferiu não lhe dar trabalho,
inventando que estava gostando do descanso.
Recebia visitas constantes de Amália, com quem
conversava e a quem começava a ficar cada vez
mais próxima. Ela e Sérgio se revezavam para
cuidar de Anne, enquanto Karen não podia
perambular pela pousada.
Não podia negar que depois de tantos anos
de trabalho, aquelas férias estavam vindo bem a
calhar. Contudo, assim que pudesse voltar à rotina
normal, começaria a enviar currículos. Mal tinha

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tirado o notebook da mochila, mas estava mais do


que na hora de começar a se mexer. Ainda tinha
bastante dinheiro, e seus planos de permanecer um
mês na pousada poderiam seguir sem nenhum
problema. Mesmo com essa extravagância, ainda
teria uma boa soma na poupança, que lhe permitiria
viver por um bom tempo em conforto. Sua antiga
patroa fora bem generosa, principalmente por não
ter nenhum outro herdeiro.
Outra pequena vantagem de estar
machucada era ter Anne paparicando-a. Ou quase
isso, já que a menina tentava de todas as maneiras
disfarçar a preocupação. Apesar disso, levava-lhe o
café da manhã, o almoço e o jantar na cama,
demonstrando cuidado. Por mais que deixasse a
bandeja sobre a cama sem nem olhar para a irmã,
sempre parecendo de mau humor, cada pequeno
gesto fazia o coração de Karen amolecer.

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Marcos, por sua vez, não a tinha procurado


mais. E provavelmente fosse melhor assim, já que
ele lhe despertava tantos sentimentos conflitantes.
Na verdade, nem sabia se ele já tinha deixado a
pousada, porque não tinha coragem de perguntar
nem a Sérgio nem a Amália.
Por mais que tivessem sido apenas três dias,
Karen sentia-se prestes a enlouquecer sem nada
para fazer, principalmente estando em uma cidade
como aquela. Portanto, assim que sentiu-se pronta a
colocar o pé no chão e que se sentiu capaz de
andar, colocou um biquíni por baixo da saída de
praia e aprontou-se para a piscina, já que Anne
tinha lhe levado algo para comer uma hora atrás.
Ela, aliás, já tinha descido outra vez, já que
sua cama parecia ter pregos de tão inquieta que era.
Pelo que Amália lhe contara, ela finalmente estava
começando uma amizade com Tauan.

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Assim que abriu a porta do quarto, levou


um tempo hesitando em um pensamento que se
formava em sua cabeça. Queria ver Marcos, se ele
ainda estivesse ali.
Droga, fazia três dias que não o via, e isso a
estava consumindo. Era a coisa mais idiota
possível, porque o certo seria se manter o máximo
possível afastada, mas não podia lutar com a forma
como seu coração palpitava de ansiedade só com a
possibilidade de se deparar com ele no corredor ou
lá embaixo.
Antes de avançar até as escadas, reuniu
coragem e virou-se na direção da porta do quarto
dele. Poderia usar um agradecimento pela ajuda no
outro dia como desculpa, embora já tivesse
demonstrado sua gratidão.
Bateu à porta, quase torcendo para que não
atendesse. Conforme esperava qualquer
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movimentação, sentia o peito sendo martelado por


uma bomba cardíaca e seus nervos à flor da pele.
Odiava sentir-se assim tão vulnerável, por isso,
quase comemorou quando ninguém veio para
recebê-la.
Porém, quando já estava prestes a virar-se
para descer, ouviu o barulho da madeira da porta
rangendo.
Ao virar-se... Por Deus! O que viu deveria,
certamente, ser proibido.
Marcos tinha atendido à porta só com uma
toalha enrolada na cintura. Os cabelos molhados
soltavam suaves pingos d’água, que escorriam por
seu tórax, descendo pelas ondas de seu peitoral e
pelos gominhos de seu abdômen. Nem mesmo nos
sonhos mais imaginativos de Karen ela poderia
imaginar que ele seria tão musculoso. Sabia que era
grande, que era forte, mas não pensava que seu
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corpo seria tão esculpido.


Sabia que deveria estar fazendo papel de
boba ali, olhando para ele boquiaberta, mas tentou
ao máximo se recompor.
Erguer os olhos também não fez muita
diferença, já que o rosto era igualmente
maravilhoso, ainda mais com os cabelos longos
para trás, molhados. Os olhos extremamente azuis a
olhavam com curiosidade e até certo divertimento.
Era a primeira vez que não pareciam tão sombrios.
Mas essa magia durou apenas até ela
pigarrear, arrancando os dois do momento de
sedução.
— Me desculpa bater assim, mas eu queria
agradecer toda a ajuda que me deu naquele dia. Sei
que já fiz isso, mas agora que estou melhor... bem...
obrigada — ela se atrapalhou nas palavras, mas
tentou não demonstrar o quanto estava nervosa.
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— Eu não fiz nada de mais. — Ele deu de


ombros, retornando ao modo indiferente, que era
sua característica mais peculiar.
— Muitos nem sequer se mexeriam se
estivessem na mesma situação. Você foi comigo
procurar por Anne, sem nem mesmo me conhecer
direito, e depois... bem... me ajudou com meu pé.
— Novamente atrapalhou-se.
— De nada — foi tudo o que ele disse.
Droga, ele também era difícil! Não dava sequer
uma abertura para uma amizade.
Mas talvez fosse melhor assim. Não podia
ser nada bom se envolver com um cara como ele,
fosse como amigo ou...
Ah, como nada mais. Não deveria nem
sequer haver uma segunda opção. Karen ainda não
estava pronta para um relacionamento,
principalmente com um guitarrista misterioso. O
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que teria para lhe oferecer? Homens como ele


pensavam primeiro em sexo, se é que pensavam em
outra coisa. Isso, com certeza, ela não lhe daria.
Não quando estava completamente estragada para
entregas desse tipo. Só de pensar em ser tocada
intimamente, sentia-se estremecer de medo.
Principalmente por um homem enorme como
Marcos, que poderia dominá-la e conseguir coisas à
força com muita facilidade.
Buscava uma forma de terminar aquela
estranha conversa, mas foi salva pelo toque do
celular de Marcos.
— Vou te deixar em paz. Mais uma vez,
obrigada.
— Não há de quê. — Assim que terminou
de falar, ele simplesmente entrou e fechou a porta,
deixando Karen do lado de fora, com uma
expressão totalmente surpresa.
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Que homem mais antipático! Estava


chocada com a forma como foi completamente
ignorada.
Descendo as escadas o mais rápido que seu
pé em recuperação podia lhe permitir, Karen tentou
fugir daquele homem tão estranho, que acabou
quase conseguindo estragar a sua manhã.

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Capítulo Seis

Apressando-se para atender ao telefone,


Marcos jogou a toalha com a qual secava o cabelo
sobre a cama, por mais que odiasse fazer isso.
Contudo, odiava o som do celular tocando sem
parar.
Embora odiasse ainda mais a forma como
tinha acabado de falar com Karen. Merda, como
aquela mulher mexia com ele!
— Alô! — atendeu quase ofegante, mais
pela situação que acabara de vivenciar do que por
qualquer outra coisa
— Ih, liguei em má hora? Nem pensei que
você poderia estar acompanhado... — Era o
empresário de sua banda. O cara era legal, um bom
amigo, mas exatamente uma das pessoas com quem
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Marcos não queria falar.


— Do que está falando?
— Porra, está tão ofegante que só poderia
estar fazendo sexo.
— Não fale besteiras. Só corri para atender
ao telefone.
— E desde quando está assim tão fora de
forma que uma corridinha já te deixa sem ar?
Pensei que estava em um quarto de hotel e não no
Maracanã. Não pode ser um cômodo tão grande
assim.
— Cala a boca e fala logo para quê ligou.
— Assim que Marcos proferiu a frase, arrependeu-
se. Não precisava ser grosseiro com Cléber. Ele só
era... assim mesmo. Empolgado demais com coisas
que não devia.
— Nossa, que mau humor. Logo se vê que
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não estava com mulher alguma. — Ele riu. — Mas


eu só liguei para saber como você está. Depois de
tudo que aconteceu...
Marcos respirou fundo, usando a mão livre
para apoiar-se em uma cadeira. Aquele não era um
assunto que lhe agradasse. Não era algo que lhe
descia bem, principalmente àquela hora da manhã,
depois de ter rolado na cama quase a noite inteira
pensando exatamente na mesma coisa. Só que
devia explicações à pessoa que estivera ao seu lado
quando tudo começou a desmoronar.
— Estou vivo, Cléber. Acho que isso
responde sua pergunta, não responde?
— Nem começa a responder, cara. Estar
vivo não significa estar bem. Pensei que essas
férias te ajudariam a se recuperar...
— Estão ajudando. Se tivesse ficado no Rio,
naquele apartamento... tudo seria um desastre ainda
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maior.
Ambos ficaram em silêncio. Incapaz de
permanecer parado, Marcos começou a andar pelo
quarto até chegar à janela. O sol se apresentava em
toda a sua plenitude no céu azul, e o dia prometia
ser muito bonito.
— Você sabe que vai ter que voltar um dia,
não sabe? Não pode fugir para sempre.
Sim, ele sabia. Era uma porra de uma
maldição, mas ele sabia.
— Sei. Vou voltar, mas ainda não estou
pronto.
— Claro. Entendo. — Cléber respirou bem
fundo do outro lado da linha. — Enquanto isso,
tente se divertir. Sei que não é fácil, mas é a melhor
forma de começar a se curar. Deve ter um monte de
mulheres bonitas por aí, porque não sai com uma?

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Pode ser interessante para esquecer... com o perdão


da palavra... aquela vagabunda.
Com um timing perfeito, no exato momento
em que Cléber mencionou a palavra “mulher
bonita”, Marcos avistou Karen chegando ao deck
da piscina. Odiava parecer um voyeur, e
provavelmente a melhor opção fosse sair de perto o
quanto antes, mas foi inevitável. Cheia de pudor,
ela tirava a saída de praia, revelando um biquíni
muito comportado, em um verde musgo que
combinava de forma quase sobrenatural com o tom
de sua pele e de seus cabelos, fazendo-a parecer
uma irlandesa. Não havia nada mostrando demais,
como as roupas de banho das mulheres que ele
estava acostumado a conhecer, mas aquele corpo...
Puta merda! O que ela escondia por baixo de tantas
roupas recatadas? Uma cintura finíssima, seios
fartos e quadris arredondados. Não havia nada fora

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do lugar ali, sem contar aquela pele aveludada, que


parecia macia e perfeita.
Era impossível não continuar a olhá-la.
— Marcos? Ouviu o que eu disse? —
Cléber chamou sua atenção, mas tudo o que Marcos
conseguia ver era Karen deitando na
espreguiçadeira para pegar sol.
— Preciso desligar — falou de forma
abrupta.
— O quê? Espera, cara... ainda tenho que te
falar sobre...
— Até mais, Cléber. Nos falamos. — E
desligou. Não queria saber de falar com ninguém
naquele momento além de Karen. Fora um babaca
com ela há alguns minutos e queria muito
compensar o erro.
Fazia dias que queria vê-la, saber como
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estava, mas agora que tinha a oportunidade de tê-la


por perto, tudo o que queria era se aproximar. Por
mais que fosse errado. Cléber provavelmente estava
certo — deveria se engraçar com alguma garota
para esquecer o que tinha acontecido, mas aquela
ali, sem dúvida, era a mais errada de todas, a que
lhe traria problemas. Não era o tipo de mulher para
se envolver daquela forma, para servir de muleta ou
de remédio para uma dor profunda. Ela merecia...
mais. Embora não a conhecesse, podia jurar que
Karen poderia penetrar algumas barreiras que tinha
construído. Era doce, gentil, preocupada com as
pessoas... e linda. Não gata, não sexy, não atraente,
embora fosse tudo isso. Linda era a palavra que a
descrevia, no sentido mais etéreo possível.
Vestiu um short confortável, jogou uma
camisa qualquer e simplesmente desceu, sem nem
levar celular ou carteira, só a chave do quarto e

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uma toalha. Não queria ser incomodado.


Por ser um dia de semana, a pousada estava
mais vazia, diminuindo o fluxo de hóspedes. Sendo
assim, a piscina seria só deles.
Karen estava tão entretida com seu
bronzeado que nem o viu chegar. Seus lábios
convidativos estavam entreabertos, diferente de
seus olhos que estavam completamente fechados,
protegidos da luz solar que poderia incomodá-los.
Sentia-se um stalker ao ficar observando-a
daquela forma, mas era inevitável, principalmente
quando todos os seus sentidos alertavam que
deveria sair correndo.
Mas, merda!, ela era tão bonita... tão
desesperadamente desejável, que Marcos sentia-se
impotente diante da força de seu desejo.
A piscina estava vazia, embora o dia

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estivesse muito bonito, mas provavelmente tinha


muito mais a ver com o horário. Não eram nem
nove da manhã, e isso era madrugada para pessoas
de férias.
Ainda sentindo-se abobado pela visão de
Karen de biquíni na sua frente — como se fosse um
maldito adolescente virgem —, deixou a chave do
quarto que tinha na mão cair no chão, chamando a
atenção dela. Pronto, se ela tinha suas hesitações
em relação a ele, agora mesmo que não iria nem
sequer se aproximar, com a certeza de que era um
completo louco.
Ela tomou um pequeno susto e levantou o
corpo da cadeira, ficando realmente sentada.
— Desculpa, eu não queria te assustar... —
ele falou envergonhado.
— Não, tudo bem. Eu que estava distraída
demais. — Karen ajeitou-se na cadeira, sentando-se
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mais ereta e cruzando as pernas sobre a cadeira.


Marcos não pôde deixar de perceber que ela
também apressou-se em cobrir suas coxas com a
canga. Ele não soube dizer se era uma questão de
recato ou se o problema era sua insegurança em
relação a ele. — O dia está lindo. Achei que a
piscina estaria cheia.
— Acho que a essa hora as pessoas vão
mais à praia. E a pousada está quase vazia. Baixa
temporada e dia de semana. Muita gente foi embora
enquanto você estava com o pé machucado.
Ela assentiu e ficou em silêncio. Com razão,
é claro. Exceto por essas conversas mais bobas e
triviais não havia assunto entre eles. Porém, a visão
dela ali sentada, tão linda e delicada, estava
mexendo com os instintos de Marcos, que
precisava urgentemente encontrar uma forma de
esfriar a cabeça. E com uma piscina à sua frente,

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não havia maneira melhor.


Karen, por sua vez, odiava-se por não saber
o que dizer ou comportar-se na frente daquele
homem. Era bonito demais, perigoso demais e
misterioso demais para seu gosto. Sabia, ao mesmo
tempo, pouco e muito sobre homens daquele tipo,
porque fora machucada o suficiente para se manter
afastada. No entanto, quando ele tirou a camisa,
ficando apenas de short e pulando na piscina, ela
jurou que poderia ter derretido sob os raios de sol
fortes diante de tamanha beleza.
Ele deu um mergulho perfeito na piscina e
começou a nadar vigorosamente através das águas
azuis e cristalinas, dando braçadas fortes que o
levavam de um lado a outro com rapidez. Deveria
desviar os olhos, antes que passasse algum tipo de
vergonha, mas era quase impossível. Era uma cena
extremamente instigante.

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Parecendo satisfeito com as voltas que deu


na piscina, Marcos aproximou-se da borda, ficando
de frente para ela, jogando os cabelos longos para
trás e apoiando-se no chão de mármore.
— Não gosta de nadar? — ele perguntou,
com aqueles lindos olhos voltados para ela, todo
molhado, esforçando-se muito para se mostrar
despreocupado, embora fosse visível o quanto
estava pisando em ovos com ela.
— Gosto, mas não sou tão boa quanto você.
— Tentou sorrir e deu de ombros.
— Eu fui do time de natação da escola.
Ganhei algumas competições. — Karen não pôde
deixar de sorrir ao perceber que ele estava falando
como um garotinho orgulhoso de seu feito. —
Meus pais adorariam que eu tivesse seguido por
esse lado, mas a música falou mais alto. E de
música, você gosta?
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— Claro. Mas nunca ouvi a sua, me


desculpe.
— Não precisa pedir desculpas por isso. É
uma barulheira, confesso. Mas é boa para esquecer
os problemas. Quando estou em estúdio, esqueço a
porra toda. O som é tão alto que parece sobrepor a
todo o resto.
Havia uma profunda melancolia na forma
como ele falava, e Karen quase se reconheceu
naquela dor. Talvez se tivesse se rendido ao rock
quando era mais nova, tivesse salvado algum
pedaço da sua alma. Mas não tinha o menor talento
para música. Além disso, Marcos não parecia
exatamente... curado. Se é que havia mesmo algum
problema, como dava a impressão de ter.
— Está de férias agora? — Karen
perguntou, com a certeza de que enquanto
continuassem a conversar, não haveria desconforto,
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embora ela ainda não se sentisse cem por cento à


vontade perto dele. Contudo, o silêncio seria muito
mais assustador.
— Quase isso. Férias forçadas, talvez. Tive
problemas e decidi escapar por alguns dias —
Marcos respondeu dando de ombros. Era estranho
estar tocando no assunto tão facilmente. Talvez
Karen fosse o tipo de pessoa que incitava os outros
a falarem por ser uma boa ouvinte. Ou porque ela
também parecia ter muito a dizer. — E você?
Ela provavelmente não esperava ser
questionada em retorno, porque ergueu a cabeça
quase em um sobressalto e olhou para ele com
aqueles olhos verdes profundos e intensos.
— Férias. — A resposta curta parecia uma
forma de proteger-se, e Marcos logo compreendeu
que não deveria fazer mais perguntas, embora
quisesse saber muito mais sobre ela.
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E então o silêncio que ela tanto temera


recaiu sobre eles. Karen sabia que Marcos a estava
observando, mas preferia não corresponder ao olhar
para não ficar constrangida. Até porque ele tinha
aquele tipo de olhar... aquele que é capaz de deixar
uma mulher de pernas bambas. Olhos
semicerrados, que poderiam desnudar sua alma e
fazê-la derreter em poucos segundos.
Marcos, por sua vez, sentia uma confusão
de palavras presas em sua garganta, prontas para
escaparem. Tanto que mal conseguiu se conter.
— Você é linda.
Novamente ele a fez fitá-lo de forma súbita,
mas daquela vez seus olhos estavam levemente
arregalados, porque não esperava o elogio.
— Não precisa ficar tão assustada — ele
comentou com um sorriso, e achou extremamente
adorável a forma como ela corou. — Não estou te
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passando uma cantada barata. Não faria isso. Não


com você...
— Por que não comigo? — Apesar de
tímida, a moça era do tipo inquiridora. Além de
intensos, seus olhos eram espertos. Provavelmente
não deixava nada passar.
Contudo, Marcos também não era o tipo de
homem que se intimidava facilmente. Por mais
bonita que aquela garota fosse ou por mais que o
deixasse um pouco atordoado, ela merecia uma
resposta.
— Porque você é diferente — respondeu em
um rompante, mas logo se arrependeu e
acrescentou: — Olha, não me leva a mal. Não sou
do tipo de cara que acha que uma mulher merece
ser tratada como uma qualquer só porque tem um
comportamento mais liberal. Mas acho que é mais
fácil lidar com elas. Eu teria muito medo de te
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magoar de alguma forma. Não sou o mais


cavalheiro para dar em cima de uma garota.
— Está dando em cima de mim? — ela
indagou, ainda surpresa, como se fosse algo muito
fora do comum que um homem estivesse flertando
com ela. Se isso não acontecia com frequência,
devia haver alguma porra de problema com todos
eles, porque aquela mulher era a mais desejável que
ele conhecera em muito, muito tempo.
— Devo, então, estar fazendo um péssimo
trabalho, já que você não tinha percebido até agora.
— Oh... — ela deixou escapar a pequena
interjeição, e novamente seus olhos expressivos
deixaram transparecer toda a confusão que ela
levava no peito. Karen, por sua vez, nem sabia
como reagir àquela situação. Claro que outros
homens já haviam demonstrado interesse por ela,
mas não daquela forma direta. Não um com quem
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ela se sentisse tão intimidada.


— Você ficaria muito surpresa se eu te
chamasse para sair hoje à noite? Nada muito
extravagante, só um jantar...
Constrangida, Karen abaixou a cabeça e
colocou uma mecha de seu cabelo avermelhado
atrás da orelha. Era lindo o contraste que os fios
faziam com as leves sardas em seu rosto e mais
ainda a forma como ela parecia iluminada quando o
sol incidia sobre eles.
— Marcos, eu...
— Desculpa se eu fui muito ousado. Você
nunca demonstrou o menor interesse em mim, e eu
quis tentar a sorte, mas acho que estou fazendo
papel de idiota aqui. — Qual era o problema dele
com aquela garota? O que havia nela que o fazia
falar pelos cotovelos? Sempre fora um homem
calado, discreto, mas Karen fazia com que se
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sentisse como um jovenzinho de treze anos dando


sua primeira cantada na garota mais bonita do
colégio.
— Não é isso... Eu... Eu estou muito
lisonjeada. — Karen ainda não tivera coragem de
erguer os olhos para fitá-lo, mas também não queria
que ele pensasse que não havia nenhum interesse
da parte dela. — É só que eu nem te conheço
direito. Não sei se...
— Se é certo? — Marcos perguntou,
soltando uma risadinha cheia de desdém, mas
Karen sabia que não tinha nada a ver com ela, mas,
sim, com toda a situação. Ele não parecia ser um
cara muito ligado a convicções e a se preocupar
com o que os outros achavam. Karen apreciava
isso, porque também não dava a mínima para
opiniões alheias. Era com seu coração que se
preocupava. Antes de prosseguir, ele saiu da

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piscina, impulsionando-se na borda com a força de


seus braços, e pegou a toalha que tinha levado
consigo, enxugando-se para sentar-se na
espreguiçadeira ao lado da dela. — Não sou muito
bom com essa coisa de certo e errado, Karen. Faço
o que me convém e o que me dá na telha sem me
importar muito com as consequências.
— Não se importa nem mesmo em acabar
machucado?
Ele olhou para ela muito profundamente,
como se a estudasse. Inclinou a cabeça para o lado,
como que para avaliar o que ela tinha acabado de
dizer.
— Posso me machucar de uma forma ou de
outra. Mas costumo me arrepender muito mais
quando não chego nem a tentar.
Poderia ser uma frase elaborada para
convencê-la, mas Karen ficou tentada — tentada
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demais até — a dizer que sim, que queria sair com


ele naquela noite, nem que fosse para fazer algo
diferente. Porém, algo ainda a impedia.
— Ainda assim, ainda não estou pronta para
isso. Além do mais, tem a Anne.
— Sua irmã... Acha que ela não poderia
ficar sozinha? Já tem quinze anos...
— Você viu o que ela fez durante a festa,
mesmo estando sob supervisão. Imagina o que não
poderia fazer estando sozinha. E eu não posso
trancá-la no quarto.
— Claro que não — ele assentiu. — Aliás,
onde ela está agora?
— Perguntei a Sérgio, e ela está no salão de
jogos com o menino que fez aniversário ontem. Ele
prometeu ficar de olho nela para mim.
— Será que ele não poderia ficar de olho
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nela esta noite? — perguntou de forma displicente,


como se não quisesse demonstrar o quanto estava
interessado em que a resposta fosse sim.
— Não teria coragem de pedir, ainda mais...
— Karen interrompeu a si mesma, condenando-se
por falar demais.
— Ainda mais que ele também está a fim de
você, não é? — Marcos completou a frase com o
cenho franzido, levemente incomodado.
— Ele é noivo.
— Isso não impede que ele tenha interesse
em você. O que vai fazer a respeito disso é que o
tornará um cara legal ou não.
— Olha, Marcos, não tem nada a ver com o
fato de ele possivelmente estar interessado em
mim. O que eu ia dizer é que eu não teria coragem
de pedir ainda mais que Anne tem uma paixonite

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por você.
— Por mim? — ele gargalhou. — Karen,
pelo amor de Deus, espero que você não esteja
preocupada em atrapalhar alguma coisa entre mim
e ela, porque... — Marcos levou a mão à cabeça. —
Céus, eu não consigo nem cogitar a ideia. Ela é
uma menina. Eu sou um homem.
— É claro que eu não pensei nisso! —
Karen exclamou indignada. — Mas o fato de eu
sair com você certamente iria prejudicar o meu
relacionamento com ela. Com certeza Anne ficaria
muito chateada.
— É sério isso?
— Muito sério. — Karen fez uma pausa. —
Vamos combinar o seguinte? Não estou
descartando a ideia. Só me deixa conversar com ela
ou entender melhor o que ela sente. Anne passou
por muita coisa, e eu não quero magoá-la.
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— Você também passou por muita coisa,


não passou, Karen?
Ela poderia não responder. Poderia apenas
negar e fingir que nada nunca tinha acontecido, mas
a forma como ele perguntou e como olhou para ela
poderia extrair qualquer coisa de sua alma se não
conseguisse se controlar. Por sorte, freou o desejo
de se abrir a tempo, deixando escapar apenas uma
parte de todo o problema.
— Passei. Você não faz ideia. Mas acho que
cada um carrega a sua dor, não é mesmo? Você
parece ter a sua, Anne tem a dela, e eu tenho a
minha. Para sofrer, só se precisa estar vivo...
— É uma forma bem dura de se ver a vida.
— É uma forma realista — respondeu muito
séria, mas logo abriu um sorriso e deu de ombros,
tentando aliviar o clima. — Mas não pense que eu
sou melancólica assim o tempo todo. Na maioria do
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tempo, sou bastante otimista. E como não seria?


Apesar de tudo, ainda acho que a vida é um
presente.
Marcos sabia muito bem que aquele era o
tipo de conversa de uma sobrevivente. A cada
momento que passava, ele queria saber mais e mais
sobre ela, mas não ousaria perguntar, já que
imaginava que era uma história dolorosa.
— Bem, Marcos, acho que vou dar uma
olhada na Anne. Obrigada pela companhia.
Ele poderia deixá-la ir... poderia
simplesmente dizer adeus e observá-la partir sem
ter a chance de...
Ah, porra, ele nem sabia o que queria.
Aquele era o tipo de mulher que poderia ser
capaz de virar sua cabeça. O tipo que ele teria todo
o prazer em tratar como uma princesa, de cuidar e

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proteger como algo precioso e valioso. Naquele


momento, tudo o que queria fazer era beijá-la.
Tanto que antes que ela pudesse sair da área da
piscina, agarrou-a pelo braço e a puxou para si,
fazendo-a bater de encontro ao seu peito. Ouvira
um não para um encontro, mas... Meu Deus... ele
mal conseguia pensar tendo-a assim tão perto.
Apesar disso, a forma desamparada como
ela o olhou, meio que sem saber o que estava
acontecendo, não fez o seu desejo abrandar, mas
concedeu-lhe a noção de que não era daquela forma
que deveria agir com ela. Karen fora machucada de
alguma forma muito profunda e não merecia que
um babaca como ele se impusesse ou tentasse
roubar-lhe um beijo usando de força.
— Você deveria sorrir mais. Combina com
você... — Sabia que estava parecendo um panaca
falando algo assim, mas ela merecia o elogio.

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— Obrigada. — Assim que ele a soltou,


Karen deu-lhe as costas, muito envergonhada, e
seguiu seu caminho, deixando-o sozinho, olhando
em sua direção, pensando que tinha feito tudo
errado.
Enquanto isso, do lado de dentro da
pousada, Amália observava os dois, e novamente
sobressaltou-se quando Sérgio colocou-se ao seu
lado.
— Você nunca vai parar de bisbilhotar os
hóspedes, não é, D. Amália? — ele perguntou com
um sorriso, mas assim que viu para quem ela estava
olhando, esse sorriso desapareceu.
— Você vai perdê-la — Amália apenas
disse isso.
— Perder como, vó? Ela nunca foi minha...
Além do mais... quantas vezes preciso dizer que eu
já tenho uma pessoa? Que amo Patrícia e que não
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tenho a intenção de trocá-la?


— Ah, aquela garota não te dá o devido
valor. Aquela ali — Amália apontou para Karen —
seria uma mulher boa para você. E você seria bom
para ela.
— Acho que ela já tem uma preferência...
— Sérgio apontou para Marcos com a cabeça,
enquanto ele voltava para dentro da piscina para
dar mais algumas braçadas.
— É um homão, não posso negar...
— D. Amália! — Sérgio repreendeu, mas
não pôde deixar de rir.
— Ué, eu estou velha, mas não sou cega. Só
que você é um homão também, meu filho. —
Amália deu de ombros. — Bem, seja como for,
precisamos cuidar daquela moça. Vou ficar de olho
nesse... guitarrista... para saber se ele é bom o

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suficiente para ela.


Dizendo isso, Amália afastou-se, deixando
Sérgio sozinho com seus pensamentos.

***

Karen subiu as escadas correndo, como se


estivesse fugindo de uma assombração. Entrou no
quarto com ainda mais pressa e fechou a porta
como se aquele pedaço de madeira pudesse lhe
proteger de seus próprios sentimentos.
Levou a mão ao coração e sentiu-o bater em
um ritmo acelerado, e ela sabia que não tinha nada
a ver com o esforço físico. Tinha a ver com a forma
como Marcos a fazia sentir. Ele a provocava de
formas que jamais poderiam ser explicadas em
palavras. Claro que era um homem e tanto, mas
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tudo nele inspirava um certo perigo: sua voz


arrastada, seu corpo musculoso, seu sorriso
malicioso e aqueles olhos... Deus, Karen poderia se
perder neles facilmente.
Sentia seu corpo queimar, não apenas pela
exposição ao sol, mas por uma atração
incontrolável, como jamais sentira. Era tudo tão...
inexplicável...
Precisava entrar imediatamente debaixo do
chuveiro para acalmar-se, e pretendia fazer isso
imediatamente, mas foi interrompida pela voz de
Anne.
Por um minuto acreditou que a irmã estava
falando com ela, mas tratava-se de uma conversa
trivial demais, que com certeza estava acontecendo
pelo telefone. A porta do quarto de Anne estava
trancada, por isso, a voz soava abafada.
— Não, está tudo bem. Tenho me divertido,
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sim. O lugar é bonito. Fiz um amigo. Não... só


amigo mesmo. Não se preocupe, estou realmente
bem...
A pessoa que falava com Anne parecia
muito preocupada com o estado e a segurança dela,
pois a menina precisou repetir várias vezes que
estava mesmo bem e se adaptando à nova realidade.
Karen sentiu-se curiosa para saber de quem se
tratava, mas imaginou que poderia ser algum dos
funcionários do orfanato, e isso chegou a amolecer
seu coração. Era bom saber que alguém naquele
lugar tinha cuidado e amado Anne como ela
merecia.
Depois de desligar a ligação, a menina saiu
do quarto e ao deparar-se com a irmã, arregalou os
olhos assustada, como se tivesse feito algo de muito
errado.
— Karen, você estava aí o tempo todo? —
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indagou muito apreensiva.


— Não, acabei de chegar — mentiu,
tentando não deixar Anne ainda mais
desconfortável, mas a verdade era que tanto
nervosismo conseguira deixá-la curiosa. — Estava
no telefone?
Anne respirou fundo e ergueu a cabeça,
altiva, com uma expressão de desdém.
— Sim, mas não é da sua conta.
Com isso, a garota saiu porta afora,
marchando decidida, deixando Karen para trás,
com sua enorme dúvida. Qual poderia ser o segredo
que Anne guardava?

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Capítulo Sete

O planejado era dar uma espiada em Anne,


descobrir onde ela estava e voltar para o quarto
para descansar um pouco. Ao ver a irmã com
Tauan, entretida na piscina — assim como estivera
com Marcos algumas horas atrás —, achou que não
faria nenhum mal se tirasse um cochilo de pelo
menos uma horinha. Contudo, a lembrança do
telefonema misterioso não saiu de sua cabeça.
Odiava desconfiar de Anne assim, e de
forma alguma queria começar a invadir sua
privacidade, mas garotas de quinze anos poderiam
ter muito a esconder, não poderiam? Por isso, a
ideia de dar uma olhada em suas coisas lhe parecia
cada vez mais correta e atraente.
A mochila jazia jogada no chão, com várias

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roupas amassadas entulhadas dentro, além de outras


espalhadas, em uma completa desordem. Seria fácil
tentar descobrir alguma coisa, se alguém não
tivesse batido na porta bem no momento que iria
começar a tarefa.
Praguejou, ainda sentada sobre a cama de
Anne, mas levantou-se e foi atender. Hesitou um
pouco antes de destrancar, pensando que poderia
ser Marcos. Respirou fundo, tentando lidar com a
possibilidade, mas deparou-se com Sérgio.
— Atrapalho alguma coisa? — ele indagou
assim que a viu.
— Claro que não. Quer entrar?
— Não. Estou passando aqui bem rápido.
Só queria avisar que Anne ainda está com Tauan.
Eles parecem estar se dando bem.
— É verdade. Mas ele parece ser um bom

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garoto.
— É, sim. De boa família. Só acho que
Anne pode partir o coração dele. O menino está
bem apaixonado.
— Como você sabe? — Karen indagou
sorrindo.
— Digamos que ele meio que me tem como
confidente.
Karen não pôde evitar uma gargalhada.
— Que gracinha. Espero que ela não o
magoe.
— Eu também. — Sem graça, por não saber
mais o que dizer, Sérgio coçou a nuca, sorriu e
decidiu que era melhor sair. — Bem, Karen, foi só
isso que eu vim dizer. Não quero atrapalhar o seu
descanso. Se precisar de alguma coisa, me liga.
Ela poderia dizer que não estava
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atrapalhando nada, nem que fosse por educação,


mas estava realmente cansada. E queria ficar
sozinha, mais do que tudo.
— Obrigada, Sérgio. Se vir Anne saindo ou
causando problemas, me avise, por favor.
— Pode deixar. Estou de olho nela.
Com um sorriso agradecido, Karen ficou na
ponta do pé e deu um beijo no rosto de Sérgio, que
saiu logo em seguida.
Enquanto sentia um leve aperto no coração
pelo beijo, Sérgio saía de perto da porta de Karen,
antes que ficasse olhando para ela que nem um
idiota. Porém, logo percebeu que não estava
sozinho. Marcos o observava levemente intrigado.
O roqueiro voltava da piscina. Estivera lá
desde o momento em que fora se encontrar com
Karen, dando braçadas de um lado para o outro,

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esperando que as futuras dores musculares que teria


por conta do exercício contínuo o fizessem
esquecer dos pensamentos a respeito da ruiva. Um
banho gelado de chuveiro e uma boa dose de
uísque, que esperava tomar naquela tarde, sentado
em algum barzinho à beira da praia, iriam ajudar a
tirá-la da cabeça.
Porém, não esperava voltar ao seu andar e
ver o gerente da pousada saindo exatamente do
quarto dela.
Uma dose cavalar de ciúme surgiu,
esmagando seu coração e deixando seu cérebro
levemente em alerta. Sabia que ela tinha falado que
ele era comprometido, mas era fácil perceber a
forma como olhava para Karen, da mesma forma
como Marcos, provavelmente, também olhava.
Cheio de desejo, mas não apenas isso. Ela inspirava
carinho, proteção e gentileza.

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— Boa tarde, Marcos — ele cumprimentou,


muito educado, mas hesitante.
— Boa tarde — respondeu. — Algum
problema com Karen? — Foi uma pergunta muito
idiota e quase possessiva. Como se insinuasse que
ele só poderia ir ajudá-la se a moça estivesse
precisando de ajuda.
— Não. Vim dizer que Anne está bem.
Estou de olho na menina. Ela é complicada.
Marcos assentiu e cruzou os braços, ainda
sustentando uma expressão sisuda no rosto.
Provavelmente não havia mais nada a dizer, mas
nenhum dos dois tinha a intenção de ceder. Até que
Sérgio pareceu tomar coragem de dizer:
— Olha, eu não conheço você e pouco
conheço a ela também, mas Karen não merece que
a magoem. Ela me parece ter um coração já bem
partido.
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— Não pretendo partir o coração de


ninguém.
— Nunca pretendemos. Mas dependendo de
quais forem suas intenções, é melhor se afastar —
falou em tom de aviso, e Marcos franziu o cenho.
— E as suas intenções com ela, são boas?
— Claro que são. Somos apenas amigos.
Marcos assentiu, balançando a cabeça.
— Digo o mesmo.
Sérgio sorriu de forma quase irônica, o que
demonstrava que não acreditava em nada do que
Marcos dizia. Estava escrito no rosto dele o
interesse e o desejo que sentia pela moça. Claro que
era uma coisa que deveria dizer respeito apenas a
eles dois, mas não podia permitir que Karen saísse
magoada, não enquanto estivesse hospedada em sua
pousada. Sentia que, de alguma forma, era
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responsável por ela.


— Espero que esteja falando a verdade. E se
não estiver, que pelo menos seja homem o
suficiente para saber valorizar uma mulher como
ela.
Depois de dizer isso, Sérgio afastou-se,
deixando Marcos sozinho e pensativo, parado no
mesmo lugar.

***

Karen acordou com a impressão de que


tinha dormido por uma eternidade. Sentia-se
descansada e satisfeita por aquele cochilo. Quando
olhou no relógio do celular, ficou surpresa ao
constatar que não tinha dormido nem por duas
horas. O que era bom. Ainda não passava das
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quatro da tarde. Ainda teria boa parte do dia para


fazer alguma coisa produtiva.
Principalmente algo que vinha desejando há
muito tempo.
Sempre gostara de ler. Uma das atividades
mais prazerosas de cuidar de idosos era a parte de
ler livros. Às vezes arriscava-se a escrever
pequenos contos, lendo-os para sua patroa, que
sempre elogiava, com conselhos construtivos. Essas
pequenas falhas que ela sabia que tinha ainda a
impediam de tomar a coragem para escrever um
romance.
Tinha ideias na cabeça. Boas ideias.
Anotava-as sempre que tinha oportunidade,
sonhando que um dia iria desenvolvê-las. Na
verdade, sua viagem para Vilamares tinha
exatamente esse intento: uma linda paisagem que
pudesse abrir sua imaginação para uma história de
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amor ambientada naquela cidade paradisíaca.


Não pensava em nada muito mirabolante
para começar. Talvez misturaria um pouco de sua
própria história com doses de romance, já que era
seu estilo favorito. Já imaginava um herói bem
bonito, super sedutor e com um leve toque de
mistério a seu respeito. Inevitavelmente a imagem
de Marcos surgiu em sua cabeça, como uma
lembrança cautelosa.
Não podia negar que se precisasse descrever
um mocinho sexy de romances, ele seria a melhor
escolha. Moreno, alto, cabelos compridos, com ares
de perigo, levemente sombrio e misterioso. Se não
era a mais perfeita definição, ela não tinha mais
certeza de nada.
Afastando tais pensamentos, levantou-se
para ir até o armário, pegar um pedaço de papel
para rabiscar algumas ideias que tinham surgido
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durante o sonho, mas antes deu uma olhada pela


janela e sorriu ao ver a irmã lá embaixo, na piscina,
conversando com Tauan. Era bom vê-la divertindo-
se, finalmente se entendendo com alguém de sua
idade. Queria apenas que ela fosse feliz. Faria
qualquer coisa por isso.
Interrompendo seu momento, ouviu o
barulho de um telefone tocando. Não era o seu
celular, e o som vinha exatamente da mochila de
Anne. Ao mesmo tempo, como se fosse
cronometrado, alguém bateu à porta.
Sentindo-se um pouco perdida, ela ficou
parada no mesmo lugar, tentando decidir o que
deveria fazer primeiro — se atender ao telefone
para avisar que Anne não estava podendo atender
ou se recebia o visitante. Estava se tornando
popular demais naquela pousada, porque a cada
hora uma pessoa decidia procurá-la.

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— Quem é? — ela perguntou com um tom


de voz elevado, para que a pessoa do outro lado da
porta pudesse ouvi-la.
— Marcos.
Isso era inesperado. Já era a segunda vez
que se viam naquele dia, tinham passado a manhã
quase inteira juntos, e agora ele a procurava? O que
poderia querer?
— Espere um minuto — ela avisou e
adiantou-se para atender ao celular. Precisava
confessar que estava muito curiosa para saber quem
poderia estar ligando para Anne, ainda mais depois
de tê-la visto conversar mais cedo ao celular de
forma muito íntima com alguém. Odiava
bisbilhotar sua vida, mas, pelo amor de Deus, a
menina tinha quinze anos, precisava ser monitorada
de alguma forma.
O celular ainda vibrava e ela o pegou nas
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mãos. Na tela, uma única palavra fez seu coração


parar — PAPAI.
Não era possível. Será que havia outra
pessoa no mundo que Anne chamava de pai?
Alguma outra figura paterna que ela conhecera no
orfanato e que suprira essa falta? Poderia ser, não
poderia? Era algo bem mais coerente do que a outra
opção.
Bem, Karen precisava atender para ter a
prova.
— Alô? — ela cumprimentou, com a voz
trêmula. Enquanto pronunciava a palavra com
cuidado, torcia para que fosse apenas um mal
entendido.
— Anne? Filha? Desculpa ligar de novo,
mas eu queria te fazer uma pergunta... Você não vai
mesmo me dizer em qual cidade está?

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Karen jamais esqueceria aquela voz.


Jamais.
Ela fazia parte de seus pesadelos. Todos os
dias.
Menina bonita, cheguei!
As lembranças começaram a criar um caos
dentro da sua cabeça, e ela não conseguiu reagir em
um primeiro momento. Sangue, dor, humilhação...
Aquele homem lhe tirara muito mais do que apenas
a virgindade e a inocência. Ele lhe tirara anos de
sua vida, roubara sua paz.
Sentia-se paralisada, enquanto o silêncio
ecoava do outro lado da linha.
Um soluço abafado escapou de seus lábios,
e ela ouviu a respiração alterada de seu interlocutor.
— Karen?

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Fazia muito tempo que não o ouvia dizer o


seu nome, mas foi como se tivesse sido tragada
para o passado. Para um passado que a assombrava
até aquele momento.
Querendo afastar-se ao máximo daquela
voz, Karen jogou o aparelho de celular bem longe,
espatifando-o. Anne provavelmente iria ficar
possessa, mas mal conseguia pensar naquele
momento. Seus neurônios estavam dando nó.
Talvez tivesse soltado um grito também, levemente
estrangulado, mas não conseguia exercer controle
de sua própria voz ou de seu discernimento.
Ouvia uma voz masculina chamar seu
nome, mas seu cérebro não conseguia processar
absolutamente nada com coerência. Também não
encontrava forças para falar e responder ao
chamado. Tudo o que conseguia fazer era
permanecer parada no mesmo lugar, como se o ato

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de movimentar-se pudesse fazer o mundo ao redor


explodir.
Conhecia aquela sensação de pânico. Não
era a primeira vez que ela a acompanhava. Por
muito tempo, esse fora um sentimento muito
presente em sua vida, um companheiro indesejado
que a acometia principalmente à noite, depois de
pesadelos terríveis. Acordava suando frio, com a
testa empapada e a respiração ofegante, temendo
que a ausência de Elias na sua vida não fosse real, e
que ele entraria por sua porta com aquela fala mole,
o cheiro podre de álcool e as mãos indecentes.
Quando isso acontecia, quase podia sentir suas
partes íntimas doerem com as tristes e assustadoras
lembranças que nenhuma mulher deveria ter.
Lá estava ela novamente, como uma criança
amedrontada, em uma pesada crise de pânico. Sabia
que acabaria desmoronando a qualquer momento,

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levando em consideração o quanto estava


hiperventilando, sentindo o corpo falhar aos
poucos. Só não sabia o que fazer.
E esse sentimento era muito semelhante ao
de Marcos, do outro lado da porta, depois de ouvir
o som de algo se espatifando no chão e um grito.
Sabia que Karen deveria estar sozinha ali, o que lhe
indicava que estava com algum problema.
Fora até o quarto dela para... para...
Para...
Deus, ele nem conseguia formular uma
desculpa coerente para o fato de estar batendo na
porta do quarto de uma mulher. Só queria... vê-la.
Estava ficando obcecado por ela, por seus doces
mistérios, por seu jeito delicado e gentil... por
aquele corpo que vira, tão recatadamente exibido
no biquíni pela manhã. Passara o dia inteiro
pensando nela, mas só não esperava sentir-se tão
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desesperado, temendo o pior.


A única solução era arrombar a porta. Era
uma situação de emergência, não era? Poderia
chamar um marceneiro depois, sem problemas.
Agora, sua missão era chegar até Karen.
Tomou distância, então, e deu um chute na
porta, conseguindo abri-la, quebrando-a um pouco.
Assim que entrou, a primeira coisa que viu
foi Karen em um canto, com o corpo apoiado em
uma parede e as mãos trêmulas cobrindo a boca,
enquanto parecia abafar um grito ou um gemido.
— Karen? — ele chamou enquanto tentava
se aproximar, cauteloso, como se ela fosse um
bichinho assustado. Com a mão estendida,
continuou avançando, temendo tocá-la, porque não
sabia qual seria sua reação. Marcos sabia muito
bem que Karen estava em pânico. Algo tinha
acontecido para deixá-la assim. — Querida, fique
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calma. O que aconteceu?


Como ela não respondeu, permanecendo
com os olhos vidrados em um ponto específico do
cenário, Marcos seguiu a direção para onde ela
estava olhando e viu um celular espatifado no chão.
Ali, sem dúvidas, estava a causa do seu medo.
— Karen, me deixa te ajudar. O que houve?
Você recebeu alguma notícia ruim?
A voz de Marcos finalmente causou alguma
reação na moça, que virou-se para ele, ainda com
os olhos arregalados, e falou, com uma voz fraca,
quase inaudível:
— Ele voltou... ele...
— Ele quem? — perguntou confuso, porém
não obteve resposta. Os olhos de Karen reviraram-
se nas órbitas, e ela despencou, perdendo os
sentidos.

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Marcos foi rápido em ampará-la,


segurando-a em seus braços antes que caísse no
chão, e sem pensar muito no que fazia, ergueu-a e
começou a carregá-la para a cama, onde a deitou
com cuidado, sentindo o coração disparar de
preocupação.
Não fazia ideia do que deveria fazer.
Precisava acordá-la, mas também não conseguia
sair de perto.
Ao lado da cama, com a mão em sua testa,
ele sentia o coração se apertar, comprimir,
pensando no quão vulnerável ela parecia, tão
pequena, tão frágil... Tudo isso deveriam ser
indicativos para que chamasse alguém para ajudá-
la, para que pudesse se afastar. Não era certo. Não
era o homem para ela.
Mas era tarde demais... Já havia algum
sentimento em seu coração — ternura. Algo que
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não sentia por ninguém há muito tempo.


Finalmente voltando a si, fechou a porta do
quarto como pôde, uma vez que estava quebrada,
correu ao banheiro e umedeceu uma toalha. Mesmo
na pressa, conseguiu encontrar um vidro de
perfume sobre a pia e também levou consigo.
Derramou algumas gotas no mesmo tecido da
toalha e levou-a ao rosto de Karen, colocando-a sob
seu nariz.
Ela ainda demorou para responder, mas ao
primeiro sinal de que estava despertando, Marcos
sentiu o coração se afundar de alívio no peito.
Primeiro ela emitiu alguns sons baixinhos, depois
balançou a cabeça e, finalmente, abriu os olhos,
com o cenho franzido por conta do cheiro forte.
Apesar de estar com os olhos abertos, ela
ainda demorou a se situar de onde estava e o que
tinha acontecido. Ao ver Marcos, chegou a
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sobressaltar-se, e isso deve ter lhe remetido ao


motivo de seu pânico, pois tentou
desesperadamente se levantar, sendo impedida por
Marcos, que a imobilizou.
— Você não está em condições de sair desta
cama — ele alertou, mas o fato de está-la
segurando contribuiu ainda mais para seu medo.
— Me solta, por favor — pediu com olhos
suplicantes e aquele pavor em sua expressão fez
Marcos recuar. Então, Karen aproveitou o espaço
para levantar-se.
Cambaleante, ela foi direto no celular que
estava espatifado no chão, abaixando-se e tomando-
o na mão. Paralisada, ficou olhando para o
aparelho, sem acreditar no que tinha acabado de
acontecer. Só podia ser um produto cruel do seu
inconsciente.
Marcos decidiu conceder-lhe algum tempo,
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mas no exato momento em que a viu jogar-se no


chão, sentada, em um choro compulsivo, não
suportou mais ficar parado e foi acudi-la. Colocou-
se ao lado dela, também sentado no piso, e a puxou
para seus braços. Pensou que encontraria
resistência, mas Karen apenas se deixou ser
conduzida, como uma boneca de pano sem vida.
Ele temeu que ela estivesse inconsciente ou
paralisada de pânico, mas, não. Respirava e
choramingava de uma forma dolorosa, deixando-o
ainda mais preocupado.
Permitiu que chorasse contra seu peito por
alguns instantes, desabafando qualquer que fosse a
sua dor, e chegou a acreditar que seria apenas isso;
que ela não lhe diria nada... Mas foi a própria
Karen que começou a falar. Marcos chegou a
duvidar que ela pudesse ter alguma noção de com
quem estava conversando, presa em uma espécie de

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transe, mas apenas deixou que colocasse em


palavras todo o seu sofrimento.
— Ele voltou... — ela repetiu.
— Quem voltou, querida? — sussurrou com
uma ternura que nem sabia que possuía.
— Meu padrasto... pai de Anne... ele... —
Karen estremeceu nos braços de Marcos, cobrindo
o rosto com as mãos e novamente intensificando
seu pranto.
— Era ele no telefone?
Karen balançou a cabeça, assentindo.
— Ele não pode me encontrar... Não pode!
Eu o coloquei na cadeia... Ele vai me matar...
Marcos a apertou contra si com mais força.
— Não, não vai. Ninguém vai fazer nada
contra você. Não enquanto eu estiver por perto... —

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E era uma merda pensar nisso, mas ele queria estar


por perto por muito tempo ainda, embora soubesse
que aquelas férias teriam fim. — Olha, Karen... eu
sei que não nos conhecemos direito, mas estou
aqui. Se quiser desabafar... costumam dizer que sou
um bom ouvinte.
Ela respirou bem fundo e hesitou por um
tempo. Marcos ficou em silêncio, apenas
segurando-a em seus braços e esperando poder
passar-lhe algum conforto.
Quando sentiu-se preparada, Karen
começou a falar:
— Eu tinha sete anos quando minha mãe se
casou de novo, depois que meu pai morreu. De
início, Elias não me importunava. Não era um
padrasto amoroso, longe disso, mas não me
machucava. Ele só... me ignorava. — Ela fez uma
pausa. — Mas então minha irmã nasceu, e eu
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comecei a crescer, ganhar corpo... e ele começou a


prestar mais atenção em mim. Sempre encontrava
um jeito de me tocar, de encostar aquelas mãos
nojentas em mim.
Marcos já imaginava que ela deveria ter
sofrido algum tipo de abuso, pela forma como se
comportava, mas o fato de ela ter passado por isso
dentro de sua própria casa o apavorava.
— Isso foi seguindo até um dia em que ele
chegou bêbado em casa e entrou no meu quarto. —
Ela novamente estremeceu e tentou se desvencilhar
dos braços de Marcos, mas ele a segurou mais
forte.
— Fica aqui. Não precisa contar olhando
nos meus olhos... — Ele sabia o quão difícil
deveria ser falar sobre aquelas coisas, ainda mais
com um homem que era pouco mais do que um
estranho, mas sentia-se grato por ela ter lhe
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escolhido para aquela missão.


— Eu não quero derramar tudo isso em
cima de você. Não quero... Você não precisa de
uma garota chorando no seu peito.
— Eu preciso que esta garota esteja
exatamente onde está agora. Você desmaiou nos
meus braços, Karen... não sabe o quanto fiquei
desnorteado com isso. Então, também quero que
fique aqui. Que fale comigo. Que me conte o que
quiser contar.
Karen ficou em silêncio outra vez, imóvel,
mas continuou, parecendo ter ganhando forças
extra com o discurso de Marcos:
— Ele entrou no meu quarto de madrugada
e começou a subir na cama. Tentei fugir, mas ele
me bateu, e eu fiquei meio desorientada. Foi
quando ele aproveitou para começar a tirar a minha
roupa. E... bem... você já deve imaginar o que
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aconteceu depois.
Claro que ele imaginava. E o fato de
imaginar o deixou com o corpo retesado, e seu
punho automaticamente se cerrou, enquanto ainda o
mantinha nas costas de Karen, apertando-a contra
si.
— Quantos anos você tinha?
— Quatorze.
Meu Deus! Quatorze anos! Era nada mais
do que uma menina. Não era de se admirar que ela
tivesse comentado sobre a paixonite de Anne por
ele, já que deveria ter uma péssima imagem de
adultos em relação a mocinhas muito jovens. O
homem que deveria tê-la protegido a feriu da forma
mais profunda.
— E durou por quanto tempo?
— Até os dezoito. Quando minha mãe
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tentou me defender, e ele a matou.


Puta que pariu! Que porra de história
terrível. Como é que aquela mulher conseguia se
manter tão forte, ainda com aquela personalidade
gentil e delicada, depois de tudo pelo que tinha
passado?
— Elias acabou sendo preso, e eu e Anne
fomos separadas. Ela foi para um orfanato, e eu
fiquei por uns tempos na casa de um policial,
amigo da minha mãe, até ele me encontrar trabalho.
Passei por alguns empregos bem ruins, até que
conheci uma senhora solitária, de quem cuidei até
sua morte, e ela me deixou uma herança
considerável. Estou longe de ser rica, mas pude
proporcionar esta viagem de tentativa de
reconciliação com minha irmã.
— Reconciliação? — Marcos indagou sem
entender.
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— É que a Anna meio que me culpa por ter


passado tantos anos no orfanato.
— Ela te culpa? — Marcos afastou Karen
um pouco para olhar em seus olhos. Não era
possível que estivesse falando sério. — Como isso
é possível? Você fez e faz tudo por aquela garota.
— Por favor, Marcos, não a veja como uma
ingrata. É só uma menina.
— Você também era quando um filho da
puta colocou as mãos em você. — A expressão no
rosto de Karen murchou ainda mais do que já
estava tristonha, e Marcos arrependeu-se
imediatamente da forma como falou. — Me
desculpa. Eu não queria...
— Não, tudo bem. Só não quero que você
pense mal de Anne. Ela está confusa, mas é uma
boa menina. Está só se adaptando a uma irmã que
não via há muitos anos.
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— Uma irmã que eu tenho certeza que lutou


muito por ela.
— Sim, lutei. E continuarei lutando. Por
isso estão tão apavorada com a ligação de Elias.
Não sei há quanto tempo eles estão se falando; e se
ele tem acesso a um telefone tão facilmente é
porque está fora da cadeia. Se ele nos encontrar, vai
querer tirar Anne de mim.
— Karen, um cara como ele nunca vai
conseguir a guarda de uma garota de quinze anos.
Ele tem passagem pela polícia, é um doente...
— Não estou falando legalmente, Marcos!
Elias é inescrupuloso o suficiente para pegá-la e
levá-la sem se importar com a lei.
Sim, fazia sentido. Karen, sozinha, não
poderia dar conta de um cara louco, ainda mais
levando em consideração o estado de pânico que
ela ficava ao simplesmente falar com ele por
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telefone.
Ele novamente a puxou para si, abraçando-
a. Era estranha aquela intimidade súbita que surgira
entre eles. Antes daquele momento mal a tinha
tocado, somente para carregá-la quando estivera
com o pé ferido, mas agora a tinha dentro de seus
braços, aconchegada e entregue. Mas Marcos sabia
que situações extremas aproximavam as pessoas. E
a verdade era que ele se sentia muito apegado a ela.
Não mentira quando dissera que se sentira
desnorteado ao vê-la desacordada, sem saber o
motivo. Jamais se sentira tão impotente, na
verdade. Só quando encontrara seu melhor amigo
morto. De overdose.
Além disso, um sentimento desesperador de
proteção o inundou. Porra, ele pouco a conhecia,
mas só de saber que ela não tinha ninguém que a
defendesse ou que a amparasse em um momento

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como aquele, principalmente depois de tudo pelo


que tinha passado, fazia com que praticamente
decidisse que a partir daquele momento ela era sua
responsabilidade. Ao mesmo tempo, tinha uma
imensa vontade de fugir. Se permitisse que Karen
entrasse na sua vida daquela forma, jamais
conseguiria deixá-la sair.
Permaneceram abraçados daquela forma por
algum tempo, enquanto ele a embalava com
carinho. Talvez tivesse se passado meia hora ou
qualquer coisa assim, mas Marcos logo percebeu
que Karen tinha dormido. Ainda bem, porque ela
bem que precisava depois das emoções que vivera.
Mantendo-a nos braços, ele se levantou e a
ergueu no colo, carregando-a para a cama. Ainda
estava se aproximando da cama quando a porta do
quarto se abriu, e Anne entrou.
— O que houve com essa porta? — ela
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falou, ainda sem ver o que estava acontecendo e


quando olhou para eles, ainda teve tempo de ver
Marcos levando Karen adormecida para a cama e
depositando-a lá gentilmente. — O que você está
fazendo com a minha irmã? Por que a estava
carregando no colo?
Com os braços livres, Marcos fez sinal de
silêncio para Anne.
Sem se apressar — já que a garota poderia
esperar um pouquinho —, ele tirou os sapatos da
ruiva e a cobriu. Só depois aproximou-se de Anne.
— Sua irmã passou mal agora há pouco e
por sorte eu estava aqui para acudi-la...
— Ah, meu Deus! O que ela tem? — A
preocupação era genuína, ao menos. Com uma
expressão desesperada, a menina aproximou-se da
cama.

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— Calma. Ela está melhor agora, está só


dormindo. Mas acho melhor você perguntar a ela o
que aconteceu quando Karen acordar.
Dizendo isso, ele se dirigiu à salinha em
anexo, sentando-se no sofá, pegando o livro que
estava na mesinha de cabeceira.
— O que está fazendo? — Anne perguntou,
olhando para ele indignada.
— Não vou sair daqui até ela acordar.
— Você está invadindo nossa privacidade!
— alterou-se a garota.
— Não, não estou. Acho que você e sua
irmã precisarão ter uma conversa um pouco séria, e
eu quero estar aqui para o caso de ela precisar de
mim. Se a própria Karen quiser que eu vá embora,
aí eu vou.
Ele deu a conversa por encerrada e estava
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disposto a ficar em silêncio até que Anne viu seu


aparelho de celular no chão.
— O que aconteceu com meu telefone? —
indignou-se.
— É mais uma coisa que vai ter que
descobrir com a sua irmã quando ela acordar.

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Capítulo Oito

A dor de cabeça a impedia de abrir os olhos.


Assim como a angústia que sentia no peito. O sono
a protegia da realidade, então, se pudesse,
permaneceria dentro dele por mais tempo.
Continuaria dormindo por horas, dias, semanas,
meses... para sempre.
Porém, logo afastou este pensamento,
enquanto sentia uma mão pequena tocar sua testa.
Sabia que era Anne, e isso fez com que seu coração
se enchesse de alegria. Sua irmãzinha deveria estar
preocupada, o que significava que se importava, ao
menos um pouco. Já dera sinais disso há pouco
tempo, quando a vira sangrando, mas logo fingira
indiferença. Daquela vez ela não fugiria,
principalmente porque a sensação cálida logo se

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transformou em mágoa quando lembrou-se do que


ela andava escondendo.
Para que Anne não pudesse escapar da
conversa, antes de abrir os olhos, Karen segurou
em seu punho, com força, prendendo-a consigo.
Odiava usar daquele tipo de abordagem com a
irmã, sabendo tudo o que ela tinha sofrido, mas não
podia adiar aquela discussão, embora também não
fosse de seu total agrado.
— Por que você está se comunicando com
ele? — Pela ênfase dada no pronome, não restava
nenhuma dúvida sobre quem Karen estava falando.
Do pior pesadelo de sua própria vida; aquele que
deveria ser o pesadelo de Anne também, embora
ela parecesse ter esquecido tudo o que acontecera.
— Karen, eu não sei do que está falando...
— respondeu com os olhos arregalados.
— Não me venha com desculpas, garota...
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— Ainda segurando o punho da menina, Karen


levantou-se da cama. Tentava manter o tom de voz
baixo para que ninguém na pousada as ouvisse,
contudo, sua fala saía por entre dentes. Estava
irada. Temia perder o controle. — Eu atendi ao
telefone e era ele! ELE, Anne! Aquele maldito...
aquele demônio! — Karen queria controlar as
lágrimas, mas não conseguia. — O homem que
destruiu a nossa vida! Como pode se comunicar
com ele?
— Karen, por favor... ele é meu pai!
— Quantas vezes ele foi um pai para você,
Anne? Eu morria de medo que ele tocasse em você
da forma como tocava em mim. Que te estuprasse
como fazia comigo!
Era a primeira vez que Karen tocava
naquele assunto tão abertamente com a irmã. Sem
dúvidas Anne compreendia o que tinha se passado
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naquela casa. Provavelmente não compreendera


quando pequena, mas agora já deveria ter uma
ideia, por isso, medir palavras em uma conversa
como aquela não as ajudaria em nada.
— Você não se importa? Não consegue
imaginar a dor que eu sinto todas as vezes que me
lembro dele?
— É claro que eu me importo, mas...
— Mas o quê? Você não pode tê-lo
perdoado por ter matado nossa mãe. Não pode!
Pela forma como Anne abaixou a cabeça,
Karen compreendeu a verdade. Sim, a menina tinha
perdoado o pai. E isso a atingiu de uma forma tão
dolorosa no coração, que chegou a fazê-la
cambalear, precisando recuar, afastar-se da irmã,
soltando-a, simplesmente porque não conseguia
ficar tão próxima.

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— Você o perdoou. É claro... — A mágoa


era evidente em sua fala e em seu rosto. Nervosa,
passou a mão pelos cabelos ruivos, enquanto a
outra pousava em sua cintura, simplesmente porque
não sabia o que fazer com elas. Temia dar uma
bofetada em Anne e se arrepender depois. —
Perdoou o pai assassino e estuprador, mas não
perdoa a irmã que lutou por anos para te ter de
volta. Eu seria capaz de mover o mundo inteiro por
você, Anne! Seria capaz até de me prostituir se não
tivesse encontrado uma boa alma para me ajudar, se
disso dependesse o nosso reencontro! — Karen
precisou fazer uma pausa, porque as palavras
começavam a ficar embargadas de tão profundo
que era seu pranto. Respirou fundo, tentando
encher os pulmões de ar, mas parecia que nada
adiantava. A dor era intensa demais.
— Não... isso não é verdade. Eu... eu já... —

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Anne hesitou.
— Já o quê? Me perdoou? Pois não parece!
Só me tratou com desprezo até agora. Só falou
comigo de forma grosseira. Estou fazendo tudo o
que posso! Tudo! Mas aquele desgraçado tem o seu
carinho. Eu, não.
— Karen... por favor — Anne também
chorava.
— O que você fez é imperdoável. Ao menos
para mim. Não vou te julgar, mas se eu souber que
deu detalhes para ele do local onde estamos, vamos
ter que ir embora, e eu sei que você não quer isso,
por mais que tente com todas as forças fingir que
não gosta daqui.
Depois de dizer isso, Karen afastou-se da
irmã e caminhou em direção à porta, pegando sua
bolsinha sobre a escrivaninha do quarto.

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— Onde você vai? — Anne indagou, no


momento em que a mais velha colocou a mão na
maçaneta da porta.
— Andar um pouco. Quero ficar longe de
você antes que minha mágoa se torne ainda maior.
Passando pela saleta do quarto, finalmente
viu Marcos, percebendo que ele estivera ali o
tempo inteiro. Ainda assim, não estava muito
disposta a lhe dar atenção naquele momento.
Com isso, finalmente saiu, batendo a porta.
Precisava mesmo de um tempo longe de
Anne. Não sabia exatamente o que iria fazer, mas
desceu aquelas escadas correndo como uma
tempestade, ignorando Amália, que estava na
recepção. Não estava a fim de conversa, não queria
dar explicações a ninguém.
Porém, de uma pessoa não conseguiu fugir.

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Antes que ela pudesse cruzar a porta de saída da


pousada, alguém chegou correndo por trás e
agarrou seu braço, impedindo-a de sair.
— Onde você vai? — Marcos indagou, no
momento em que a virou para si, fazendo-a olhar
em seus olhos.
— Até onde eu me lembro, não te devo
satisfações. — Assim que terminou de falar, Karen
já se arrependeu. Fechou, portanto, os olhos,
respirou fundo e acrescentou: — Me desculpa. Não
é a você quem eu quero atacar.
— Mas eu estou disponível, não é? — ele
ironizou. Ainda bem que não tinha se ofendido com
o fora. — De qualquer forma, você está certa. Não
me deve satisfações, mas, infelizmente, não posso
deixar que saia daqui no estado em que está.
— Não pode deixar?

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Ele revirou os olhos. Ela estava difícil ali.


— Olha, Karen... pode me chamar do que
quiser, mas não posso ficar aqui de braços cruzados
enquanto te vejo sair sozinha, por uma cidade que
nem conhece direito, prestes a anoitecer, depois do
que aconteceu naquele quarto. A partir do momento
que desmaiou nos meus braços, é minha
responsabilidade.
— Eu te livro desta responsabilidade. Você
não precisa ficar com a consciência pesada por
nada.
— Consciência pesada? Do que você está
falando? Não tem nada a ver com isso. O fato é que
eu gosto de você — falou em tom de confissão. Era
a primeira vez que admitia, tanto para ela quanto
para si mesmo. Ao menos dessa forma tão enfática.
Karen ficou em silêncio, porque não
esperava aquela revelação. Pela forma como ele se
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dedicava a ela, imaginava uma atração física ou


algo assim, mas nunca que houvesse outro
sentimento além do desejo. Bem, isso se é que
havia mesmo, já que ele parecia tão confuso quanto
ela ao confessar.
— Marcos, é melhor que não diga coisas
das quais vai se arrepender depois...
Ele levou a mão ao rosto dela, em um gesto
de ternura. Deus, fazia muito tempo que não
acariciava uma mulher daquela forma. Não com
tanto significado.
— Estou dizendo o que está no meu
coração. Não sou um homem de promessas nem de
mentiras neste quesito. Nunca falei algo assim para
uma mulher sem que realmente sentisse.
— Mas nós nos conhecemos há pouco
tempo.

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— Sim, é verdade, mas às vezes a gente


encontra o que nem sabia que estava procurando —
ele falou muito baixo, quase em um sussurro, mas
Karen ouviu. Aquela frase entrou em seu peito,
quebrando a barreira que fora tão arduamente
construída. Não queria que Marcos entrasse em seu
coração, mas se continuasse daquela forma, seria
impossível resistir. — Deixa eu ir com você. Te
fazer companhia. Podemos dar uma volta na praia,
e eu prometo que não vou te pressionar a nada. Só
vou ficar do seu lado.
Era uma oferta mais do que tentadora. Não
apenas porque a ideia de tê-lo por perto não era
nada desagradável, mas porque, bem lá no fundo,
sabia que se ficasse sozinha, as lembranças mais
terríveis que viviam nos cantos escondidos de sua
mente viriam à tona. Não estava preparada para
lidar com elas. Não sem surtar ou entrar em pânico,

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como acontecera horas atrás. Horas em que ele


estivera ao seu lado também, amparando-a e
ouvindo-a. Era algo para se dar valor.
— Tudo bem, você venceu.
Ele pareceu aliviado, e um sorriso frágil
desenhou-se em seu rosto perfeito. Ainda tinha
mais esse agravante: olhar para ele deveria ser um
dos pecados capitais. O homem era uma verdadeira
tentação. Karen sabia que aquele passeio não
acabaria em apenas uma conversa inocente.
Mas será que estava preparada para isso?
Saíram caminhando, em direção à praia em
anexo à pousada, seguindo em silêncio a princípio.
Karen tirou as sandálias, passando a segurá-las na
mão, enquanto Marcos preferiu manter-se de tênis.
Avançaram na direção do mar, e no exato
instante em que os pés descalços de Karen entraram

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em contato com o oceano e que o vento bagunçou


seus cabelos, sentiu-se melhor. Porém, um
pensamento ainda martelava em sua cabeça.
— Marcos... — ela chamou, e ele virou-se
em sua direção imediatamente. — Aquilo tudo que
eu te contei... Sobre meu padrasto... — Um nó se
formou em sua garganta, e ela não conseguiu
terminar a frase de imediato. Precisou tomar um
pouco mais de coragem para prosseguir: — Isso
não me afeta tanto quanto pareceu. Eu...
normalmente nem penso nele. Foi só...
— Uma reação normal diante das
circunstâncias — ele apressou-se em responder,
completando o pensamento de uma forma que
achava mais coerente do que aquela que ele
imaginava que seria a dela.
— Eu não consigo entender por que ele
voltaria... — Esse era um dos motivos pelos quais
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Karen não queria que Marcos a acompanhasse.


Odiava desabafar com ele, que não tinha nada a ver
com a história, mas era difícil se controlar. Desde
sua antiga patroa, ninguém conhecera sua história,
então, era bom ter alguém com quem contar, por
mais que fosse pouco mais do que um
desconhecido. — Não consigo imaginar que haja
um único propósito bom naquela cabeça doente.
— Não acha que pode ter se arrependido?
— Depois de eu tê-lo colocado na cadeia
por vários anos? Acho difícil... O que me preocupa
também é como ele teve acesso a Anne. Ele estar
solto, é fácil de imaginar... Era réu primário, e aqui
no Brasil, as coisas funcionam assim.
— Sim. Mas sobre Anne, eu vi que ela não
te respondeu nada...
— Não. Ficou só na defensiva. — Karen
respirou fundo, sentindo um aperto no peito. — Eu
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também não lhe dei muita chance de falar. Acho


que fui muito agressiva.
— Agressiva? Você? — Ele soltou uma
gargalhada. — Por Deus, Karen... não tem uma
célula no seu corpo que seja agressiva. Você é pura
doçura. E eu ouvi tudo, esqueceu? Não foi
grosseira, foi enfática, é diferente.
Karen corou sob a luz do sol do entardecer.
Ela não era apenas pura doçura, mas também a
visão mais adorável que Marcos poderia ter naquele
momento. Falara a verdade quando dissera a ela
que, muitas vezes, a alma reconhece quando
encontra o que vinha buscando há muito tempo.
Havia algo em Karen que lhe oferecia respostas
para perguntas que ele nem sabia que vinha
fazendo. Dúvidas que assolavam seu coração em
silêncio, mas que o tornavam mais duro e sombrio.
Aquela bela mulher à sua frente, mesmo com todos

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os seus fantasmas e temores, era o mais próximo de


uma promessa de redenção que ele poderia desejar.
Embora a conhecesse muito pouco, ele sabia. Sabia
que havia algo de diferente no que sentia, por mais
que ainda o sentimento ainda funcionasse apenas
como uma leve e insistente comichão dentro de seu
peito.
Sentindo os batimentos acelerados, ele
parou a caminhada subitamente, segurando-a e
virando-a para si. Aqueles olhos o fitaram com um
misto de sentimentos — curiosidade, expectativa
e... desejo. Sim. Karen também o desejava, ao
menos era o que fazia parecer, porém, não queria
precipitar as coisas e interpretá-la de forma errônea.
Odiaria forçá-la a qualquer coisa ou beijá-la sem
que fosse um desejo recíproco, principalmente
depois de saber as provações pelas quais tinha
passado.

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Mas ele queria beijá-la. Queria de uma


forma tão avassaladora que o estava afetando em
um nível físico. As mãos formigavam, o coração
martelava pesadamente contra o peito e a
respiração falhava. Sentia-se como a porra de um
adolescente.
— Karen... — sussurrou. A voz rouca e
cheia de desejo não escondia seus sentimentos.
Provavelmente nem a forma como a olhava, como
se ela fosse a coisa mais preciosa que tinha
encontrado naquele mundo. E talvez fosse isso
mesmo.
Esperava que Karen dissesse alguma coisa;
algo que o impedisse ou que o travasse antes
mesmo que revelasse suas intenções. Queria muito
que ela lhe desse um daqueles foras educados, que
o fariam entender o quão absurda era aquela
situação. Porra, ela tinha acabado de sofrer um

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enorme baque. Ele não podia ser assim tão idiota.


Pensando nisso, ele a soltou e abaixou a
cabeça. Acabara de perder a coragem de beijar uma
garota? O que estava acontecendo?
— Marcos? — ela sussurrou também. Dessa
forma ficava muito difícil resistir... — Não hesite.
Me beije...
Ele realmente não esperava por isso. Não
esperava que Karen fosse lhe fazer aquele pedido e,
sinceramente, não estava preparado. Tanto que
chegou a perder o ar.
Não apenas pela surpresa, mas pelo desejo
que sentia. Queria agarrá-la e puxá-la para si,
devorá-la, senti-la, reivindicá-la com seus lábios.
Queria tomar posse daquela boca delicada de todas
as formas possíveis, como se estivesse fazendo
amor com ela. Contudo, precisava ser gentil.

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Por isso, inclinou-se para frente, passando o


braço por sua cintura com cuidado, como se ela
fosse um objeto de porcelana. Puxou-a para si,
trazendo-a de encontro ao seu peito. Deus, só de
senti-la tão perto, de segurá-la daquela forma, seu
corpo já se incendiava.
Quando seus lábios tocaram os dela, ele o
fez, a princípio, com cautela, hesitante ainda, mas
eram tão macios, quentes e convidativos, que
Marcos não demorou a querer mais. A precisar de
mais.
Sua mão livre foi parar na nuca de Karen, e
ela o encorajou, colocando-se na ponta dos pés para
se equivalerem de altura. Ele poderia permanecer
inclinado ou, como sem dúvidas preferiria, poderia
erguê-la um pouco do chão para ambos ficarem
mais confortáveis, contudo, não queria que se
sentisse dominada de forma alguma. Queria que

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mantivesse seus pés no chão — ou, no caso, na


areia —, que tivesse a opção de se afastar no
momento em que se sentisse acuada.
Mas Karen não fez isso. Ela correspondeu
ao seu beijo com paixão, embora hesitante. Era
fácil sentir que não possuía muita experiência no
assunto, pois no momento em que Marcos invadiu
sua boca com a língua, ela arfou de surpresa, mas
não recuou. Permitiu que ele a explorasse
lentamente, saboreando-a pouco a pouco.
E ela tinha exatamente o gosto que
imaginava que teria. Ou ainda melhor, pois era real.
Por mais que Karen tivesse sabor de sonho, a
mulher dócil e receptiva em seus braços era de
verdade. Era uma nova e bem-vinda realidade, que
Marcos não pedira, mas que chegara em sua vida
em um momento de desesperança, preenchendo-a
com cores e um novo tipo de emoção, para a qual

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ele achara que não teria mais espaço em sua vida.


Não aprofundou demais o beijo, porque
queria ir com calma com ela. Não queria exigir
mais do que Karen poderia dar em um primeiro
contato. Era algo completamente novo para ele, que
estava acostumado a correr contra o tempo quando
o assunto era mulheres, mas ela merecia a paciência
e a espera.
Assim que se afastaram, ele a viu abaixar a
cabeça, envergonhada. Marcos colocou a mão sob
seu queixo, erguendo-o, fazendo-a olhar em seus
olhos.
— O que foi? Está arrependida? — indagou
preocupado.
— Não! — ela exclamou com veemência,
fazendo-o respirar aliviado. — É só que... bem... —
Karen também respirou profundamente, como
quem está prestes a fazer uma confissão. — Você
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foi o primeiro homem que beijei, Marcos.


Aquela era outra revelação que poderia tê-lo
feito cambalear de tão atordoado que o deixou.
Claro que foi fácil perceber que ela não possuía
experiência, embora isso não tivesse diminuído em
nada o seu desejo nem atrapalhado o beijo que fora
maravilhoso. Mas a verdade era que fazia todo
sentido. Karen só conhecia a violência, jamais fora
tocada da forma como realmente merecia, com
reverência, como a mulher maravilhosa que era.
— Espero que tenha gostado, porque
pretendo fazer mais vezes. — Dizendo isso, ele
segurou o rosto dela com as duas mãos e a beijou
outra vez, com um pouco mais de ímpeto, embora
ainda não da forma desesperada como desejava.
Quando novamente se afastou, pegou a mão
dela e recomeçou a caminhar, como não fazia há
muito tempo com uma mulher... como dois
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namorados.
Porém, embora a sensação fosse boa,
Marcos sabia que ela tinha entregado demais de si
mesma para ele. Contara seus segredos, então, nada
mais justo do que fazer o mesmo. Principalmente
porque eram confissões bem menos assustadoras,
embora lhe fizessem muito mal.
— Karen, eu preciso lhe contar algumas
coisas. Você abriu seu coração para mim, acho que
é minha vez de fazer o mesmo...
Ela não respondeu nada, apenas balançou a
cabeça, assentindo, esperando que ele desse o
primeiro passo. Marcos, por sua vez, puxou-a mais
para cima na praia, afastando-se do mar e
convidando-a a sentar-se na areia.
Quando ambos já estavam acomodados, ele
precisou de algum tempo observando o horizonte
antes de começar a falar. De início, as palavras
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pareceram presas em sua garganta, mas não podia


vacilar. Precisava tomar coragem e seguir em
frente.
— Eu vim para Vilamares depois de um
divórcio conturbado. — Assim que terminou aquela
frase, olhou para ela, esperando alguma reação. No
entanto, logo acrescentou: — Mas talvez você já
saiba disso, porque saiu em vários jornais.
— Não, eu não presto atenção nessas coisas.
— Bem, então, agora você sabe. Fui casado
com uma atriz. Não vem ao caso dizer o nome dela
aqui agora, mas já foi bem famosa. Quando nos
casamos, ela ainda estava em evidência, mas em
poucos anos, deteriorou-se. Começou a se drogar e
entrou em várias polêmicas. Uma delas foi seu caso
com o vocalista da minha banda.
Karen arregalou os olhos, mas não disse
nada. Estava lhe dando espaço, o que ele apreciava.
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— Isso era o que diziam as fofocas, mas eu


demorei a acreditar, porque realmente era
apaixonado por ela. Ou achava que era... Não sei
mais. Só que foi difícil continuar negando quando
peguei os dois na cama, durante uma turnê.
— Meu Deus, Marcos... — Daquela vez ela
não conseguiu ficar calada.
— Pois é... Mas o pior não foi vê-los
transando. Foi ver o estado em que estavam.
Completamente drogados, coisa que eu sempre
abominei.
— O que você fez?
— Ah, na hora eu fiz a pior coisa possível...
quebrei o nariz do cara que acreditava ser o meu
melhor amigo.
— E ela? — Karen perguntou assustada.
— Não! Eu nem toquei nela... O que pensa
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que eu sou, Karen? — indagou indignado.


— Eu não pensei em nada, só fiz uma
pergunta.
Marcos sabia que era mentira, pela
expressão preocupada que ela demonstrou quando
indagou, mas decidiu deixar para lá. Precisava abrir
algumas concessões quando o assunto era Karen,
porque — com toda a razão — ela não podia
entregar sua confiança com tanta facilidade. Era
compreensível depois de tudo pelo que tinha
passado, e, afinal, não se conheciam tão bem assim
para que ela colocasse a mão no fogo por ele.
— Tudo bem, me desculpe — falou,
pegando a mão dela na dele e beijando-a. Em
seguida, prosseguiu: — Continuando... Apesar de
estar saindo com o meu vocalista há muito tempo,
ela implorou para que não terminássemos, mas eu
não podia mais continuar. Não depois de toda a
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exposição que recebemos e da banda estar em


hiato, provavelmente prestes a se romper por causa
dessa traição. Para ser sincero, eu me sentia mais
traído por ele do que por ela.
— É compreensível. A gente tende a se
entregar mais a amizades.
— Exatamente. — Marcos balançou a
cabeça. — Só que eu nem tive tempo de perdoá-lo.
Lauro ficou desnorteado com a possibilidade de a
banda se desfazer e tomou uma overdose algumas
semanas atrás, pouco antes do meu divórcio sair
efetivamente. Foi por isso que eu vim para cá. Para
tentar espairecer, já que esquecer vai ser
impossível.
Uau! Karen não esperava uma história tão
pesada. Sabia que Marcos havia sofrido alguma
decepção muito profunda, porque seus olhos
gritavam isso, assim como aquele comportamento
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frio, aquela indiferença latente. Era de se admirar


que não tivesse fechado seu coração por completo e
que ainda decidisse tentar, iniciando um romance
com uma mulher, principalmente uma tão
complicada.
Se é que o que tinha acabado de acontecer
poderia ser considerado como um princípio de um
romance. Karen estava confusa, não saberia dizer o
que queria que acontecesse. O beijo de Marcos
mexera não apenas com seus sentimentos, mas com
seu corpo. Eram sensações novas, que ela sempre
afastou por considerá-las impróprias e impuras,
uma vez que tudo relacionado a desejo e sexo lhe
parecia sujo. Com ele, no entanto, sentia-se segura,
sentia-se... levemente apaixonada. Ainda não era
nada muito profundo, mas acreditava que tinha
muito mais a ver com seus próprios bloqueios do
que outra coisa. Se abrisse seu coração, ele entraria

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sem nenhuma dificuldade.


Aquela confissão, sem dúvidas, contribuía
para essa breve invasão. Porém, ainda preferia
manter-se hesitante, já que a convivência entre eles
seria temporária. Por mais que ambos fossem do
Rio de Janeiro, a possibilidade de nunca mais se
verem depois que saíssem de Vilamares era imensa.
Não queria acabar magoada.
— Acho que não é a história mais
interessante para se contar para uma garota depois
de beijá-la — ele disse sem graça, com um sorriso
melancólico no rosto. — Talvez eu esteja perdendo
o jeito.
— Você é charmoso até quando não quer
ser, Marcos... — Karen falou depois de tomar
coragem, e Marcos ampliou o sorriso.
— Estou me segurando com você, Karen...
— confessou finalmente. — Estou me controlando
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como um louco para não te beijar do jeito que


quero beijar... Quero ir devagar para não te
assustar, mas você mexe demais comigo.
Karen engoliu em seco. Como ele tinha
mudado de assunto tão rápido? Como fora de uma
confissão pesada e sombria para entrar novamente
no âmbito da sedução, onde — ela precisava
admitir — ele era muito, muito bom? A única
explicação plausível era que queria esquecer o que
tinha acabado de contar; e se era isso, ela saberia
entrar no jogo. Não iria alimentar um assunto que
lhe fazia mal só para escapar de suas promessas
sensuais.
Além do mais... se estava se abrindo para a
possibilidade de um relacionamento, mesmo que
um com prazo de validade para terminar, precisava
se entregar de corpo e alma. Teria Marcos como
uma cura. Tentaria usá-lo — no melhor sentido da

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palavra — para colar os pedaços de seu coração


partido, buscando não se ligar a ele em um nível
pessoal, mas deixando-o tocá-la, beijá-la até que
essas sensações se tornassem normais e simples. Se
fosse o caso, iria mais longe também. Afinal, era
uma mulher adulta e sem compromissos. Sem
dúvidas ele seria uma excelente escolha. Era gentil,
experiente e muito sexy, uma combinação perigosa.
Só esperava que não fosse tarde demais e que não
estivesse envolvida demais para isso.
Tomou coragem, portanto, respirou fundo e
deixou escapar o que tinha em mente:
— Não precisa se controlar. Não é isso que
eu quero. Quero experimentar as coisas por
completo. Sei que devo ser uma decepção para
você, porque não tenho experiência, mas se me
deseja de verdade, não precisa se conter. Não vou
quebrar ao meio.

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Marcos ouviu aquele discurso sentindo-se


cada vez mais maravilhado. Não apenas pelas
palavras que ela falava, mas também pelo
movimento de seus lábios doces e perfeitos,
enquanto as proferia devagar, calmamente, como
tudo que fazia. Aquela mulher era a personificação
de uma princesa, de uma fada. E ele estava de
quatro por ela.
Quando, então, tomou-a nos braços
novamente, colando os lábios aos dela para mais
um beijo, tentou ser menos cauteloso, embora ainda
se esforçasse para manter a delicadeza, porque
temia machucá-la.
Daquela vez, porém, a língua de Marcos a
invadiu sem pudor, e ela pôde sentir o gosto dele de
forma mais profunda. Era complicado perceber que
ele tinha sabor de perigo. Um verdadeiro bad boy
de casaco de couro, guitarra nas costas e moto. O

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tipo de cara do qual ela sempre fugiu, mas estava


bem ali, sentada de frente para o mar, sendo beijada
por um deles, sentindo-se como uma mulher de
verdade pela primeira vez na vida.
Depois do beijo, Marcos apenas puxou
Karen para si, e eles permaneceram ali, abraçados,
observando enquanto o sol se despedia do céu,
adormecendo sobre a linha do horizonte.

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Capítulo Nove

Já passava das dez quando Karen e Marcos


retornaram à pousada, abraçados. Ela fingiu não
perceber a expressão decepcionada no rosto de
Sérgio quando a viu naquele clima de intimidade
com o roqueiro. Claro que havia aquele interesse da
parte dele por ela, mas também havia um pouco de
preocupação, o que era fofo. Porém, Karen estava
decidida a cuidar de si mesma. Não iria negar a
atração que sentia por Marcos, mas não iria
permitir que se tornasse algo mais profundo. Seria
uma questão de pele, de beijos quentes e... quem
sabe... algo mais? Não sabia se estava pronta para
aquele passo, mas precisava tentar.
Subiram as escadas juntos, entrelaçados, e
ela chegou a cogitar que ele a convidaria para

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entrar em seu quarto. Por mais que tivesse tomado


aquela decisão radical de experimentar coisas
novas, tomando Marcos como um professor, sabia
que naquela noite em específico ainda não estava
pronta para se entregar por inteiro. Odiaria negar o
convite, mas precisaria fazê-lo.
Porém, para sua surpresa, ele não disse
nada. Apenas lhe deu mais um daqueles seus beijos
avassaladores e entrou em seu próprio quarto, como
se fossem um casal de jovens namorados. O que
não era o caso, definitivamente. Não havia nada de
menino em Marcos. Ele era um homem no sentido
mais cru da palavra. E Karen sabia que não
demoraria muito ou para ele enjoar dela ou pedir
mais. Teria que realmente se preparar para o
momento. Para uma coisa ou outra.
Karen também entrou no quarto,
começando a se arrepender de ter deixado Anne

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sozinha por tanto tempo. Estivera tão irada com ela,


tão estressada com seu comportamento que nem
sequer pensara que poderia ter fugido novamente,
como acontecera algumas noites atrás. No entanto,
a menina estava dormindo sobre sua própria cama,
com o rosto inchado — de choro, provavelmente
—, encolhida e abraçada ao travesseiro. Parecia tão
pequena como quando fora arrancada de seus
braços, depois da morte da mãe de ambas.
Com o coração apertado, Karen pegou o
edredom e a cobriu, deixando um beijo na testa da
menina, fazendo-a remexer-se na cama. Não queria
que ela acordasse, porque não estava muito
disposta a continuar a conversa que começaram
anteriormente, não depois das horas maravilhosas
que passara com Marcos na praia. Podia ser uma
atitude covarde, mas dificilmente pensava em si
mesma. Anne a traíra. Profundamente, então,

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merecia um pouco mais de gelo.


Para a sua sorte, a garota não acordou,
apenas se virou, aconchegando-se mais à coberta
que lhe fora oferecida.
Karen, por sua vez, estava completamente
sem sono. Sabia que se deitasse na cama naquele
momento, dificilmente adormeceria e ficaria
virando de um lado para o outro sem parar, apenas
pensando. Por isso, pegou o notebook e decidiu
descer, para a piscina, para escrever um pouco.
Estava mais do que na hora de colocar seu projeto
em andamento.
Assim que passou pela recepção, parou para
cumprimentar Sérgio. Este estava ao telefone e
apenas sorriu para ela, que lhe indicou para onde
iria. Era provável que ele fosse até lá lhe fazer
companhia depois, mas isso não a desagradava.
E ele realmente não demorou a surgir.
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— Sem sono? — perguntou aproximando-


se e sentando-se na espreguiçadeira ao lado daquela
onde Karen estava.
— Totalmente.
— Tarde agitada, hein? A Anne me chamou
para ajudá-la a consertar a porta. Chamei um
marceneiro...
— Coloca na minha conta, por favor. —
Karen abaixou a cabeça, envergonhada.
— Karen... — Sérgio segurou o queixo
dela, fazendo-a olhar para ele. — Estou pouco me
lixando para os gastos com a porta. O que me
deixou preocupado foi que Anne me contou que foi
Marcos quem arrombou a porta. Ou melhor, ela
imagina que tenha sido isso, já que o encontrou
com você quando chegou no quarto. — Ele fez uma
pausa. — Foi ele mesmo?

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— Sérgio, ele teve um motivo.


— Um motivo para agir com uma violência
deste tamanho? O que poderia ter sido?
— O fato de ter me ouvido gritar no meio
de um ataque de pânico e de chegar para me acudir
quando eu estava passando mal? — respondeu com
calma, embora odiasse revelar o que tinha
acontecido. Não queria que Marcos levasse algum
tipo de fama por culpa dela, quando nada fizera
além de ajudá-la.
— Ah, merda! — Sem dizer mais nada,
Sérgio puxou Karen para si, abraçando-a. — Eu
não... eu não sabia. Me desculpe.
— Não, tudo bem. Olha, Sérgio... sei que
você não vai com a cara dele, mas eu gosto do
Marcos. Estamos nos entendendo...
— Eu percebi quando vi vocês dois

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chegando abraçados. E eu juro que não estou


tentando bancar o desmancha prazeres, mas tenho
medo de aquele cara te machucar.
— Eu não sou quebrável. Não sou assim tão
ingênua também. Não vou me apaixonar por ele
assim tão fácil... Só quero... bem... um pouco de
carinho... uma companhia enquanto estiver aqui.
Não estava sendo cem por cento sincera,
porque a verdade era que já havia algum
sentimento envolvido. Nada muito profundo, mas
as chances de que terminasse apaixonada eram
muito grandes. Só não diria isso a Sérgio.
— Você tem todo o direito de se envolver
com quem quiser, Karen, mas eu me preocupo com
você. De alguma forma, ganhou meu coração como
se fôssemos amigos há anos. Sei que tem alguma
coisa muito pesada no seu passado e tudo isso me
dá vontade de cuidar de você. Então, se ele te
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magoar ou qualquer coisa... só fala comigo.


Karen deu uma risada.
​— O que vai fazer? Defender a minha honra
com os punhos?
Sérgio deu de ombros.
— Se for preciso... o cara é grande, mas eu
não sou assim tão ruim de briga. Sei dar uns socos
bem dados. — Sérgio fez Karen rir ainda mais.
Depois disso, ele se levantou. — Bem, eu vou me
deitar agora que chegaram para me render no turno
da noite. Vai ficar aí?
— Sim, estou escrevendo...
— Escrevendo? Temos uma escritora aqui
na Refúgio?
— Futura... quem sabe?
— Que honra! — Abaixando-se novamente,

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ele beijou-a no rosto. — Boa noite, Karen.


— Boa noite, querido...
E ele se afastou com um sorriso. Ali estava
um homem que valia a pena. Sorte a de sua noiva.
Karen esperava que a tal Patrícia soubesse valorizá-
lo mais do que andava valorizando ultimamente.
Seria uma idiota se o perdesse.
Mas não era hora de pensar nisso. Um céu
lindo e cheio de estrelas desenhava-se sobre a sua
cabeça, e era uma visão inspiradora. Hora de
escrever o romance que há dias vinha invadindo
sua mente.
Os personagens eram bem óbvios — a moça
de coração partido e o bad boy. Não queria que
ficasse assim tão parecido com sua vida, porque a
ideia surgira até mesmo antes de ir para Vilamares,
mas não poderia negar que andava muito mais
inspirada para aquela história depois de conhecer
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Marcos. Mais ainda depois de provar seus beijos.


Os dedos começaram a digitar no teclado
um pouco tímidos, quase temerosos, mas logo
foram ganhando velocidade, conforme sua mente se
perdia naquele mundo imaginário que pertencia
apenas a ela. Pegou-se sorrindo várias vezes,
conforme a história ia avançando e ganhando
palavras e páginas. Já podia imaginar ganhando
leitores, recebendo comentários... Tinha planos de
postá-la online, na Amazon, que fora uma dica de
sua patroa antes de morrer. Ela era viciada em e-
books, mesmo em sua idade avançada, e lhe
contara que muitos autores começavam sua carreira
assim. Era uma porta de entrada para uma carreira,
que era com o que Karen sonhava desde muito
novinha.
Quando deu por si, o livro já estava com
mais de quinze páginas e já passava da uma da

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manhã. O primeiro bocejo foi o que a fez desligar o


notebook e fechá-lo. Porém, ainda não estava
pronta para voltar ao quarto. Não com uma noite
tão linda, com um clima tão agradável.
Sabia que estava com medo de dormir. Que
temia que no momento em que fechasse os olhos,
seus pensamentos positivos esmorecessem, e ela se
lembrasse da ligação de Elias e do ataque de
pânico. Estava mascarando muito bem suas
emoções e qualquer um que a visse quase poderia
jurar que tinha finalmente superado o trauma. Mas
sabia que era apenas uma questão de tempo para
que seu coração novamente fosse comprimido pelo
pânico. Marcos era responsável pelas sensações
boas, mas ele não estaria com ela vinte e quatro
horas por dia. Não iria dormir entre seus braços
sentindo-se protegida. Estaria sozinha. E isso a
apavorava.

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Portanto, permaneceu ali na área da piscina,


encolhida sobre uma espreguiçadeira. Pretendia
ficar acordada o máximo de tempo possível, mas
acabou se sentindo profundamente sonolenta uns
vinte minutos depois. Pegou no sono, então, com o
canto de um grilo ao longe e os sons da noite a
rodeá-la.

***

A cama e Marcos tinham seus momentos.


Por vezes eram melhores amigos, como quando
capotava depois de um show eletrizante, ou como
quando a preenchia com uma mulher, para transar
loucamente pela madrugada inteira. Sofia, sua ex-
esposa, era muito boa de cama, aliás, e ele passara
bons momentos com ela sobre uma. Mas às vezes
travavam batalhas ferrenhas quando a insônia o
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consumia. Desde a traição e depois da morte de


Lauro, noites em claro passaram a fazer parte de
sua rotina.
Daquela vez, porém, os pensamentos que o
preenchiam não eram tão dolorosos. Uma ruiva
belíssima os tomava por inteiro, não dando espaço
para mais nada. Portanto, quando decidiu levantar-
se, correu para debaixo do chuveiro, para tomar um
banho de água fria e aplacar sua necessidade de
outra forma, porque simplesmente não conseguia
tirar a imagem dela de sua cabeça, muito menos o
gosto de seus beijos dos lábios.
Aquela inocência e a meiguice quase
podiam destruí-lo. Em toda a sua vida nunca saíra
com uma mulher como ela, tão preciosa, que ele
tanto temesse magoar. E foi exatamente isso que o
deixou ainda mais inquieto.
Marcos não valia grande coisa. Não era o
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príncipe encantado que uma princesa como ela


merecia. Era um vagabundo, sem muitos
escrúpulos, que não se prendia a nada e nem a
ninguém. Quando decidira realmente se apaixonar,
fora ferido e enganado, mas se fosse bastante
sincero, diria que não sofrera tanto quanto poderia
sofrer se realmente amasse Sofia. Ela era um troféu
para ele, uma mulher linda e desejável, que todos
queriam ter em sua cama. Marcos tinha por ela um
sentimento de posse, algo desprezível, quase uma
doença. Quando a viu com Lauro, não foi
exatamente uma surpresa, e podia dizer que sofrera
bem mais pelo amigo perdido do que pela
dissolução do casamento.
E o que isso o tornava? Um desalmado, sem
dúvidas. Sabia que Sofia estava em uma situação
complicada, que mesmo o dinheiro que dera a ela
— embora não tivesse obrigação, já que ela fora

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pega em flagrante traindo-o — já estava acabando,


mas não pretendia oferecer-lhe mais nenhuma
ajuda. O que o colocava na categoria dos seres
humanos mais desprezíveis que conhecia. Aquela
mulher fizera parte de sua vida por dois anos, e
mesmo assim não sentia remorso por deixá-la na
sarjeta.
Não... isso era uma mentira. Marcos
lamentava e pensava nela todos os dias. Não mais
com desejo ou paixão, mas com piedade.
Telefonara para a irmã dela mais de uma vez para
oferecer algum dinheiro, mesmo que anônimo, mas
fora negado. A família de Sofia ainda acreditava
que fora ele o culpado por levá-la para aquele
mundo. Mal sabiam eles que quando se
conheceram ela já gostava de usar algumas drogas,
mesmo esporadicamente. Marcos, no entanto,
nunca se drogou, com exceção de cigarros e um

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pouco de álcool.
Mas a verdade era que, enquanto saía do
banho, com uma toalha enrolada na cintura e os
cabelos pingando, era Karen que começava a
preocupá-lo.
Deus, ela nunca sequer fora beijada. Ele
fora o primeiro. Assim como sabia que seria o
primeiro, caso ela permitisse que chegassem mais
longe, ao menos em um nível consensual. Não era
mais virgem, mas jamais tivera um amante, apenas
um louco a agredi-la. Era uma responsabilidade
imensa, especialmente com uma mulher que fora
tão profundamente magoada. Ele não queria ser
mais motivo de tristeza em seu coração ferido.
Queria lembrar dela como estivera naquela praia,
durante o entardecer — linda, sensual, sorridente e
esperançosa. Era assim que ela deveria sempre
permanecer.

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Sentando-se na cama, levando as mãos à


cabeça, ele começou a refletir. Precisava afastar-se
enquanto ainda era tempo. Sabia que ambos
estavam envolvidos, mas que ainda não havia um
apego mais sério. Ainda não iria machucá-la se
desaparecesse. Iria apenas protegê-la de si mesmo.
Não era o tipo de homem que ela merecia. Não
depois do que tinha acontecido. Além disso, mal
sabia o que iria acontecer com sua vida dali em
diante. O que faria para se manter — embora seu
patrimônio já fosse suficiente para mantê-lo por
muitos anos ainda com algum conforto —, se sua
banda iria retornar, com a procura de um novo
vocalista... Ainda havia muitas lacunas para
preencher, e um romance não caberia, de forma
alguma.
Exatamente por isso, precisou tomar a
decisão: teria que deixar Vilamares ainda naquela

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madrugada e, consequentemente, deixar Karen


também.
Vestiu uma roupa com pressa e saiu
jogando suas coisas na mochila de qualquer jeito.
Colocou a jaqueta de couro, pegou o violão, que
mal tinha tocado durante aquela viagem, e saiu do
quarto, pronto para fazer o check-out.
Ao passar pela porta do quarto dela, sentiu o
coração apertar-se. Seria ridículo sair no meio da
madrugada, sem nem se despedir, mas sabia que se
a visse mais uma única vez, fraquejaria e tudo o
que iria pensar seria em beijá-la novamente. Por
isso, deu-lhe as costas e virou-se para as escadas,
indo direto para a recepção. Para a sua sorte, não
era Sérgio que estava ali ou teria que suportar
gracinhas sobre ele estar abandonando Karen. O
cara era comprometido, pelo amor de Deus... por
que diabos estava dando em cima dela?

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E isso deixava Marcos morrendo de ciúme,


embora preferisse não admitir para si mesmo.
A recepcionista o atendeu cheia de
gracinhas, dizendo que ainda não tinha tido a sorte
de vê-lo por ali. Pediu uma foto, o que era raro
acontecer, já que Lauro era a estrela da banda.
Marcos tentava ao máximo se manter incógnito, o
que normalmente dava certo. Em Vilamares era a
primeira pessoa que o reconhecia, com exceção de
Anne.
Ela lamentou quando ele avisou que iria
embora e que queria realizar o check-out, porém,
logo pôs-se a finalizar sua estadia com eficiência.
Marcos, então, fez exatamente o que não deveria
fazer — olhou para a área da piscina.
Dali da recepção, tudo o que ele conseguia
enxergar era uma sombra de uma pessoa pequena
deitada na espreguiçadeira, dormindo. Ele poderia
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ignorar. Aliás, seria o certo a fazer, já que não


pretendia demorar muito mais tempo ali. Contudo,
imaginou que poderia ser Anne. E se pudesse fazer
uma coisa por Karen, seria isso — cuidar de sua
irmã pela última vez.
Pediu um minuto para a moça da recepção e
foi até lá, decidido a simplesmente acordar a
menina e pedir que fosse para o quarto. Só não
esperava encontrar Karen.
Aproximando-se pé ante pé, ele no início
duvidou que estivesse realmente dormindo, mas ela
sequer se movimentou quando tocou seu ombro
com delicadeza para tentar despertá-la. Além disso,
tudo o que pôde sentir foi sua pele gelada e ver a
posição ingrata na qual dormia, encolhida, algo que
iria lhe causar dores pela manhã.
Novamente... tudo o que ele deveria fazer
era ir embora e deixá-la ali. Fora apenas mais uma
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garota que passara em sua vida, uma um pouco


mais especial, mas que ele deveria esquecer. Só que
as coisas não funcionavam desta maneira. Ela não
era como as outras.
Deu uma olhada ao redor e encontrou um
notebook na espreguiçadeira ao lado. Pegou-o e
levou até a recepção, pedindo que a moça o
guardasse por alguns minutos. Ela prontamente
concordou, colocando-o em uma gaveta.
Voltou, portanto, para a área da piscina e
novamente a encontrou, na mesma posição,
dormindo profundamente. Quase torceu, durante
aquele breve momento, que tivesse acordado e que
fosse plenamente capaz de retornar ao seu próprio
quarto sem ajuda. Ainda assim, Marcos sabia que já
estava contaminado. Desde o início de sua fuga
covarde soubera que no instante em que a visse
novamente, perderia a coragem de afastar-se. Para

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dizer a verdade, tudo o que ele queria naquele


instante era levá-la para seu próprio quarto, onde
poderia cuidar dela e não se afastar, ao menos
naquela noite.
Porém, ao menos, teria que tirá-la dali.
Levantando-a no colo com todo o cuidado
para não acordá-la, ele a tirou da área da piscina,
parando na recepção, onde a atendente olhou
assustada para Karen.
— O que aconteceu com ela? — indagou de
olhos arregalados.
— Não foi nada. Está só dormindo, mas vou
levá-la para o quarto dela. Somos... amigos. — Era
estranho referir-se a Karen daquela forma, depois
de ter passado boa parte da noite beijando-a na
praia. Além disso, queria mais com ela. Contudo,
ainda não sabia se era recíproco.

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Ainda assim, a moça suspirou sorridente ao


vê-lo em um ato de cavalheirismo.
— E seu check-out?
Era uma boa pergunta. E o check-out?
— Segure um pouco. Quando eu voltar,
decido. Pode dar uma olhada na minha mochila? —
Apontou com a cabeça para a mochila sobre o
balcão, e ela fez que sim com a cabeça. Com isso,
levou Karen pelas escadas até o segundo andar da
pousada.
Parou diante do quarto dela e a porta estava
trancada. Não se lembrava de ter visto nenhuma
chave lá embaixo, junto com o notebook.
Ele poderia ir até a recepção e pedir alguma
chave sobressalente; poderia voltar lá embaixo para
procurar melhor, mas apenas uma coisa preenchia a
sua mente. Uma coisa bem errada, porém, melhor

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do que deixar Karen dormindo lá embaixo, ao


relento e numa posição ingrata. Seu próprio quarto.
Sua própria cama.
O quarto que usava era menor do que os das
irmãs, que possuía dois quartos e uma sala — quase
um miniapartamento. Pedira um de solteiro, com
apenas uma cama de casal, porque não imaginava
que acabaria levando uma mulher adormecida para
sua cama, ficando sem ter onde dormir. Por isso,
quando a deitou sobre o colchão e a cobriu, já
imaginou que teria que se acomodar no sofá,
embora não fosse o local mais confortável para um
homem de um metro e noventa de altura.
Como se ele fosse conseguir dormir.
Exatamente como pensara quando a vira na
espreguiçadeira, seu pedido fora realizado. Ela
estava em sua cama. E tudo no que ele pensava era
em velar seu sono e observá-la, cuidando para que

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nada a perturbasse durante a madrugada. Ela


merecia uma noite tranquila depois de tantas
emoções.
Também tinha que pegar suas coisas e o
notebook lá embaixo, mas isso poderia esperar.
Sabia que estariam bem cuidados pela moça
solícita. E seu check-out?
Ele estava muito tentado a não ir embora,
mas permitiria a si mesmo algumas horas de
dúvidas.

***

Eram pouco mais de sete da manhã quando


Marcos saiu de seu quarto, sem trancar a porta para
não prender Karen lá dentro, já que ainda estava
dormindo, para ir à recepção buscar as coisas que
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deixara lá.
Ainda era a moça simpática, que lhe
entregou tudo jurando que cuidara perfeitamente
dos pertences, mas, é claro, não deixou de
perguntar do check-out, algo que Marcos passara a
noite inteira pensando.
Não seria justo com Karen nem com ele
mesmo sair de fininho como um gatuno. Por mais
que não tivessem uma história juntos, ela não era
do tipo de garota que beijava um cara só por pura
atração. Não que Marcos fosse presunçoso ao ponto
de imaginar que havia sentimentos da parte dela —
não, ele não tinha tanta sorte assim —, mas queria
acreditar que ela o beijara porque ao menos gostava
dele. Havia um princípio de amizade ali. E ele
podia ser o que fosse, mas não abandonava seus
amigos.
— Não, eu vou ficar mais alguns dias. Tem
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como cancelar?
— Claro. Será um prazer tê-lo conosco.
Sorriu em retorno à moça, colocou a
mochila nos ombros e o notebook de Karen sob o
braço, preparando-se para subir. Quando estava ao
pé da escada, encontrou Anne correndo
desesperada pelos degraus, com uma expressão de
choro. Isso logo o colocou em alerta.
A garota ia passar por ele direto, mas
Marcos segurou seu braço.
— Anne, o que foi? — ele indagou
desesperado.
— A Karen... ela desapareceu! Desde ontem
de tarde não a vejo. Estou preocupada... se
aconteceu alguma coisa...
— Anne... calma! — ele se inclinou, ainda
segurando-a, mantendo a voz calma. — A Karen
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está no meu quarto.


Logo que viu os olhos arregalados da
garota, arrependeu-se do que disse, lembrando-se
do que Karen lhe contara sobre a paixonite que
Anne sentia por ele. Parecia indignada, quase
traída.
— O que ela está fazendo no seu quarto a
essa hora da manhã?
— Você está entendendo tudo errado...
— Ah, claro. Não pense que sou uma idiota.
Sei muito bem que ela não passou a noite em casa...
pensei que fosse menos vadia.
— Vadia? — Ele teria rido se a situação não
fosse tão escrota e se não estivesse tão irritado com
a delinquentezinha que tinha em mãos. — Sua
irmã? Garota, limpe a boca para falar dela, porque
não tem o direito. Não dá o menor valor para o que

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ela faz por você, não é? — disse, em um tom


severo.
— Eu dou. Mas falei sem pensar. É que do
lugar onde venho vadia não é um termo
pejorativo... é só uma palavra.
Sim, ele compreendia. A menina passara
por limitações e conhecera todo tipo de pessoas;
não poderia julgá-la pelo linguajar.
— Bem, seja como for, não aconteceu nada
entre mim e Karen esta noite. Eu a levei para o meu
quarto de madrugada, porque a encontrei dormindo
aqui embaixo. Estava sem a chave do de vocês.
Aliás... — ele se lembrou e voltou para o balcão,
dirigindo-se à atendente: — Por acaso vocês
encontraram a cópia da chave do quarto 202?
— Ah, sim, é verdade! Me desculpe! Eu fui
ao banheiro há umas duas horas e a encontrei em
cima do balcão. O Seu Cícero, da limpeza, disse
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que estava caída debaixo de uma espreguiçadeira.


. Pronto, lá estava a explicação.
— Tudo bem, então... — Colocando a mão
nas costas de Anne, conduziu-a até as escadas para
subirem, mas logo deparou-se com Amália, que
arregalou os olhos ao ver a expressão de Anne.
— Está tudo bem com Karen? — ela
indagou a Marcos.
Todo mundo naquela pousada parecia ter
colocado Karen sob suas asas, e Marcos não
poderia culpá-los.
— Está, sim, senhora. — Dizendo isso,
Marcos apressou-se em subir sem ter que dar mais
explicações.
Quando chegaram à porta do quarto,
Marcos virou-se para Anne e perguntou:
— Você quer que eu traga sua irmã para o
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quarto de vocês? Ela estava dormindo quando


desci.
Anne abaixou a cabeça, muito
envergonhada.
— Não, tudo bem. Só cuida dela, tá? A
gente brigou ontem, e eu ainda não a vi depois
disso. Acho que deve estar chateada, então, é
melhor nem nos encontrarmos para não gerar um
climão.
— Tudo bem...
Ambos já iam entrando em seus respectivos
quartos, quando Anne novamente chamou Marcos.
— Marcos... — Quando ele se virou na
direção dela, ela acrescentou: — Você gosta da
Karen? Vocês estão namorando?
A pergunta de um milhão de dólares.
— Não, não estamos. Mas se eu tiver a sorte
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de ser aceito por uma mulher como Karen, não vou


deixá-la escapar... — era quase uma confissão, mas
a maior verdade que já tinha dito em muito tempo.
Dizendo isso e vendo que a menina tinha
entendido, já que estava balançando a cabeça em
concordância, Marcos abriu a porta e entrou,
sentindo que dali em diante muitas coisas
mudariam em sua vida.

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Capítulo Dez

Ela se lembrava de ter dormido à beira da


piscina, por isso, a sensação de um colchão macio
sob seu corpo era algo que não conseguia
compreender. Estava na cama, mas não fazia ideia
de como tinha ido parar ali.
não fazia ideia de como tinha ido parar ali.
Foi abrindo os olhos devagar e não
reconheceu o quarto onde estava imediatamente.
Precisou de um momento para se situar até que viu
Marcos de pé, em frente à escrivaninha, arrumando
alguma coisa. Por que diabos estava no quarto
dele? O que estava acontecendo?
Não tinha bebido para não se lembrar,
então, começou a ficar apavorada. Tanto que
levantou-se com pressa da cama, esbarrando no
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abajur sobre o criado mundo, que cambaleou,


fazendo um barulho suficiente para que o homem à
sua frente virasse na sua direção.
— Ah, a Bela Adormecida acordou! — ele
falou, descontraído.
— O que eu estou fazendo no seu quarto?
— indagou um pouco assustada.
— Eu te encontrei ontem na espreguiçadeira
da piscina, dormindo numa posição ingrata. Te
trouxe para cima, mas a porta do seu quarto estava
trancada. Não tinha encontrado a chave...
Fazia sentido. E fora bem cavalheiresco da
parte dele, embora Karen ainda não se sentisse cem
por cento segura.
— Não precisa ficar com medo de mim,
Karen. Eu jamais te tocaria contra a sua vontade —
ele afirmou sem encará-la, o que fez com que ela

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pensasse que estava um pouco indignado.


— Eu sei — ela afirmou com convicção,
sentando-se novamente na cama e tentando
acalmar-se. Quando olhou novamente para a
escrivaninha, percebeu que estava cheia de
guloseimas, além de um buquê de flores discreto,
de margaridas, que eram uma escolha segura,
porque eram doces e delicadas.
Marcos pegou as flores e levou até ela,
entregando-as e inclinando-se para beijá-la nos
lábios com gentileza. Karen correspondeu, ainda
um pouco envergonhada, apesar de terem passado
várias horas da noite anterior um nos braços do
outro.
— Eu não sabia o que você gostava e o que
você não gostava, então, fui à padaria aqui perto e
comprei um pouco de tudo.
— Por que não vamos tomar o café da
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pousada? — As duas refeições, café e almoço,


estavam inclusas na tarifa do quarto.
— Porque eu quero ter você só para mim
por mais um tempo... — ele respondeu, enquanto
começava a levar as coisas para cima da cama,
arrumando-as sobre uma bandeja.
— Onde conseguiu a bandeja? — perguntou
brincalhona, começando a descontrair.
— No mesmo lugar onde consegui todo o
resto. — Ele parecia animado enquanto executava
sua tarefa, mais relaxado, como se tivesse tirado
algum peso dos ombros. Karen gostava desta nova
versão de Marcos, então, decidiu também se deixar
levar, abrindo um sorriso e experimentando um
minicroissant, que derreteu em sua boca.
— Meu Deus, isto aqui está maravilhoso...
— É mesmo? Posso provar? — E ele se

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inclinou sobre ela, tomando seus lábios e beijando-


a de verdade desta vez. Karen concluiu que o beijo
era muito mais saboroso do que o croissant.
Sentaram-se juntos na cama, deliciando-se
com as guloseimas escolhidas por Marcos e
trocando beijos inocentes enquanto riam e
conversavam. Era o primeiro diálogo descontraído
entre eles, e Marcos descobriu-se gostando muito
mais daquela versão relaxada de Karen. Seus
sorrisos, seu bom humor e sua inteligência se
sobressaíam, e ele se via ainda mais encantado,
quase hipnotizado. Era difícil estar em cima de uma
cama com ela e não pensar em sexo, mas iria
caminhar bem devagar, avançando apenas quando
ela lhe desse os sinais.
Porém, acima de tudo isso, o que mais lhe
causava incômodo era pensar que por muito pouco
não a abandonara e não se privara de mais

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momentos com ela. Ainda não sabia o que o futuro


iria lhes reservar, mas esperava viver um dia após o
outro ao lado daquela mulher. Não tinha muita
certeza de seus sentimentos, mas todos eles
estavam desabrochando em seu coração de pedra,
ganhando força. Sabia que não demoraria muito
para admitir a si mesmo que estava apaixonado.
Embora ainda não soubesse se era uma paixão
duradoura ou apenas um daqueles tipos de amor de
verão que deixam saudades, mas não cicatrizes.
Depois de passarem quase a manhã inteira
juntos , Karen acreditou que era hora de voltar para
seu quarto. Sabia que Anne não saíra de lá, pois
ficaram com ouvidos atentos a qualquer
movimentação, por isso, Karen queria conversar
com a irmã.
Marcos a acompanhou até a porta,
esperando-a, enquanto a abria. Assim que entraram,

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foram recebidos por uma melodia vinda do


quartinho de Anne, cuja porta estava entreaberta.
Tratava-se de uma música da Pitty, uma um pouco
mais antiga, que Karen conhecia muito bem. Anne
cantava junto, com uma vozinha muito afinada e
cheia de atitude.
Apesar de ainda estar um pouco magoada
com ela, Karen não pôde deixar de sorrir,
especialmente quando viu Marcos arregalando os
olhos em uma expressão de agradável surpresa.
— É Anne que está cantando? — ele
perguntou com um sorriso, sussurrando.
— Parece que sim — Karen respondeu no
mesmo tom de voz e foi se esgueirando bem
devagar até o quarto da menina, até ficarem os dois
parados à soleira da porta, observando-a. De costas,
ela continuou cantando a plenos pulmões, enquanto
penteava o cabelo.
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Marcos, em uma atitude divertida,


pigarreou, fazendo com que Anne deixasse a
escova cair no chão, virando-se para eles com os
olhos arregalados.
— Vocês estão aí há muito tempo? —
indagou apavorada.
— Há tempo suficiente para ouvir o quanto
você canta bem — Marcos falou, deixando a
menina boquiaberta.
— Eu? Eu... não... eu só...
— Olha... — Marcos se aproximou,
colocando-se ao lado dela. — Se você quiser, posso
te ensinar alguns acordes no violão. O que você
acha? Já pensou em começar um canal no YouTube
cantando? Tem gente ganhando uma grana com
isso e não tem metade do seu talento.
Anne começou a olhar de um lado para o

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outro, encarando Karen e Marcos, parecendo não


saber o que dizer.
— Você está falando sério? Marcos
Vandreoli vai me dar aula de violão?
— Sim, Marcos Vandreoli vai fazer isso —
ele afirmou em um tom brincalhão.
— Ah, meu Deus! Se o pessoal do orfanato
ficar sabendo... tinha uma galera lá que era sua fã...
ouvíamos sua música juntos...
Karen sentiu o coração se encher de ternura
por aquela menina outra vez. Ouvir a palavra
orfanato e saber que ela passara tantos anos em um
local como aquele fazia com que se sentisse muito
culpada, embora fosse pouco mais do que uma
menina também quando tudo acontecera. Também
era difícil esquecer as marcas que ela guardava no
corpo, que eram uma prova de que sofrera algum
tipo de violência durante aquele período. Porém,
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vê-la ali, com Marcos, tão esperançosa por uma


coisa simples como aprender a tocar violão, trazia
novas emoções ao seu peito. Tanto que quando
Marcos virou-se em sua direção, murmurou um
“obrigada” a ele, com os olhos começando a se
encherem de lágrimas.
​ — Bem, podemos começar hoje mais tarde,
se você quiser... — ele ofereceu.
— Claro que eu quero! — Sem nem pensar
no que fazia, Anne deu um abraço em Marcos, que
retribuiu, um pouco hesitante no início, mas
sorrindo logo depois.
— Vou deixar vocês sozinhas agora... —
Com isso, ele colocou-se de frente para Karen. —
Se precisar de alguma coisa, me procure. — E sem
pedir autorização, ele deixou um beijo no rosto
dela, casto e inocente. Contudo, Karen segurou seu
rosto e o beija nos lábios. Apenas um selinho, mas
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o suficiente para demonstrar a ele que não se


importava que Anne soubesse que estavam juntos.
Era apenas um beijo, pelo amor de Deus!
Então, por que diabos ele estava se sentindo como
se tivesse acabado de ganhar na Mega Sena? Sem
nem compreender, considerara aquele pequeno
contato como um presente; uma forma de Karen lhe
dizer que estavam juntos e que nada mais
importava. Ele gostava disso. Gostava da
perspectiva de estar com ela, naquele
relacionamento que ainda não tinha nome, mas que
lhe era muito importante.
Assim que ele saiu, fechando a porta atrás
de si, e Karen viu-se sozinha com Anne, o sorriso
em seu rosto desapareceu. Não que não tivesse
vontade de sorrir para a irmã, mas o assunto ali
seria sério. Precisavam conversar sobre o que tinha
acontecido no dia anterior. Era uma pendência que

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não poderia se estender por muito mais tempo.


— Anne, acho que precisamos conversar.
Mas quero que você seja completamente sincera
comigo. Não importa o que aconteceu ou o que
vinha acontecendo pelas minhas costas, eu preciso
saber. Podemos estar em perigo...
— Karen, eu não colocaria a gente em
perigo se achasse que ele...
— Você não tem como saber quais são as
intenções de Elias! Embora ele seja seu pai, é um
homem louco. — Mesmo mantendo o tom de voz
sereno, paciente, Karen não podia medir suas
palavras. Era importante que Anne compreendesse
de uma vez por todas a gravidade da situação. —
Anne... ele matou a nossa mãe. Uma pessoa assim
não se redime nunca!
A menina se encolheu um pouco, e Karen
quase se arrependeu do que tinha acabado de falar.
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Porém, era uma verdade que ela já conhecia, não


havia nada de novo na informação, só que ela
parecia ter se esquecido, o que nunca poderia
acontecer. Era imperativo que Anne sempre se
lembrasse do quanto aquele homem era um
monstro e nunca o colocasse de novo em suas
vidas.
— O quanto você falou para ele? Ele sabe
onde estamos? — Karen chegou a estremecer com
a pergunta.
— Não! — a resposta foi dada rápido
demais.
— Eu o ouvi perguntando qual era o nome
da cidade onde estamos. Anne, isso é muito sério.
Se você mencionou a ele que estamos em
Vilamares, precisaremos sair daqui o quanto antes.
— Não, eu não disse. Falei que estávamos
em uma cidade de praia, mas não cheguei a dizer o
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nome.
Por algum motivo, Karen não acreditava em
Anne. Porém, não queria sair de Vilamares como
uma louca sem ter a certeza. Ali estavam seguras.
Havia muitas pessoas ao redor delas duas que
podiam protegê-las.
— Tudo bem. Mas vamos precisar evitar
perambular pela cidade sozinhas, ok? Sempre que
quiser sair me avise para onde vai que vou te
acompanhar. Ou se quiser ir com o Tauan... ele
pode cuidar de você.
Anne corou. Karen decidiu, então, que era
hora de mudar o assunto. Não que fosse esquecer
aquele problema tão cedo, mas não queria ficar
mantendo Elias na vida delas por muito mais
tempo.
— E então... o que há entre vocês?

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— Nada... mas ele me chamou para ir ao


cinema hoje mais tarde. Já sei que não vou poder,
né?
O tom de voz tristonho de Anne fez o
estômago de Karen se remexer. Se ela podia ficar
de namorico com Marcos, a irmã também tinha o
direito de se entender com um bom rapaz.
— Pode, sim. Mas vamos à cidade comprar
outro celular para você, com um novo chip. Não
quero que fique incomunicável.
— Ah, obrigada! — Sem nem pensar no
que fazia, Anne jogou-se nos braços da irmã,
abraçando-a, e ambas se deram conta de que era a
primeira vez que fazia isso involuntariamente, por
conta própria. Quando a menina percebeu, afastou-
se rapidamente. — Você não está mais chateada
comigo, está?
— Não, querida. Não estou. Mas vou ficar
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se nos colocar em perigo outra vez.


— Prometo que não vou fazer mais isso.
Não vou falar com ele nunca mais.
Karen respirou fundo percebendo o quão
grave era aquela afirmação.
— Olha, Anne... ele é seu pai. Eu não posso
te proibir de ter contato com ele. Mas ele está solto,
não está? — Anne assentiu, com a cabeça baixa, e
Karen sentiu as pernas bambearem, precisando se
apoiar discretamente no criado mudo para não cair
no chão. Precisava ser forte pela irmã. — Eu ainda
prefiro que você mantenha distância dele. Só que
você vai crescer e ser independente. Se algum dia
quiser falar com ele ou encontrá-lo, é seu direito,
mas nunca se esqueça de quem ele é e do que pode
fazer.
— Não vou esquecer...

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— Ótimo. Agora vamos ao centro comprar


esse celular e uma roupa legal para você sair com o
seu gatinho... — Karen sorriu e entrou no banheiro
para se trocar, fingindo não perceber o olhar
sonhador e esperançoso de Anne.

***

Rodopiando em frente ao espelho, com o


vestido novo, penteada e maquiada bem
discretamente, Anne sorria como Karen ainda não
tivera a oportunidade de ver. Precisou segurar as
lágrimas emocionadas, não apenas porque sua
irmãzinha desabrochava diante de seus olhos, mas
principalmente porque vê-la feliz sempre foi sua
meta de vida, e finalmente achava que estava
começando a fazer um trabalho decente.

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A sombra daquele telefonema maldito ainda


a perseguia, e ela sabia que não seria capaz de
esquecer aquela voz macabra que soara em seus
ouvidos e que recuperara todos os medos que ela
acreditara ter enterrado bem no fundo da sua mente.
Tanto que quando se viu sozinha, depois que Anne
desceu para ir encontrar-se com Tauan, jogou-se na
cama, apavorada.
Odiava aquela sensação de vulnerabilidade.
Queria ter coragem suficiente para simplesmente
esquecer, mas nem mesmo a televisão ligada, em
um canal a cabo, no qual passava um seriado de
comédia do qual gostava muito, parecia ser capaz
de mantê-la entretida o suficiente para distrair a
cabeça. E quando memórias desagradáveis
começaram a fazer frente diante de seus
pensamentos, decidiu que não poderia ficar ali
sozinha.

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Desligou a televisão e foi tomar um bom


banho. Escolheu um dos vestidos que ainda não
havia usado, preto, nada ousado, mas um dos mais
bonitos que tinha, que se colava ao seu corpo,
evidenciando suas curvas e com um decote quase
acentuado, que valorizava seus seios pequenos,
inchando-os e dando-lhes volume. Penteou os
cabelos, deixando-os soltos e caindo em ondas
sobre seus ombros, e maquiou-se discretamente,
esfumando os olhos com uma sombra preta e
passando um batom nude nos lábios. Sabia que
estava bonita. E sabia que era para Marcos.
Poderia ter descido e ido jantar no
restaurante da pousada, ou até mesmo saído.
Poderia fazer muitas coisas, mas foi parar em frente
ao quarto de Marcos, batendo em sua porta.
Chegou a acreditar que ele poderia ter
saído, mas o barulho baixinho de um violão lhe deu

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as respostas suficientes sobre a presença dele no


quarto. Mas quando ele atendeu à porta... Céus, ela
nunca se sentia preparada para o quão bonito ele
era.
Todo de preto, com uma calça Black jeans e
uma blusa de malha que se aderia ao seu corpo
musculoso perfeitamente, descalço e com os
cabelos desgrenhados, era uma visão e tanto.
Mas Marcos poderia dizer o mesmo, se
conseguisse simplesmente falar alguma coisa.
Parecia que todas as palavras tinham ficado presas
em sua garganta, porque aquela mulher à sua
frente, em toda a sua beleza, tinha roubado todo o
seu ar.
Não era apenas a forma como estava vestida
— o que já seria suficiente para deixá-lo
completamente fascinado —, mas era a atitude de
ela mesmo ter batido em sua porta, à noite, embora
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o rubor em suas faces e a forma como retorcia uma


mão na outra dissessem o quanto estava
constrangida por isso.
— Karen... uau! Você está tão... tão...
linda...
Ele queria fazer muito mais do que apenas
elogiar. Queria demonstrar com seu corpo o quanto
ela estava maravilhosa. Queria agarrá-la ali mesmo
e beijá-la até deixá-la sem fôlego. Não podia negar
que a ideia de carregá-la para sua cama também
passava por sua cabeça, mas precisava se controlar.
Aquela mulher era capaz de atiçar todos os seus
instintos mais primitivos, mas tinha que ser
paciente e compreensivo. Ela tinha passado por
coisas demais para ainda ter que lidar com um
pervertido.
— Obrigada. Desculpa bater aqui assim, do
nada, mas é que eu estava sozinha e...
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— Você não precisa pedir desculpas por


isso. Ver você agora nesta porta salvou a minha
noite... — Passando o braço pela cintura de Karen,
Marcos a beijos nos lábios e a conduziu para dentro
do quarto. Enquanto fechava a porta, falou: — Eu
estava aqui me controlando para não ir te ver
também.
— E por que não foi?
— Porque achei que talvez você precisasse
de um tempo com Anne. Imaginei que teriam muito
o que conversar.
— E tínhamos mesmo. Mas a conversa
terminou pela manhã. Depois fomos passear, e
agora ela saiu com aquele menino.
— Aquele que parece estar de quatro por
ela? — Marcos perguntou com um sorriso,
enquanto se aproximava de Karen. Ela estava
sentada na cadeira da escrivaninha, de rodinhas, e
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ele sentou-se na cama, de frente para ela.


— Você acha que ele está assim por ela?
— Acho. As mulheres desta família devem
ter algum tipo de magnetismo, porque eu também
estou de quatro por você. — Marcos colocou as
mãos nos braços da cadeira e puxou Karen para si,
tomando seus lábios e beijando-a decentemente.
Não prolongou demais o beijo, porque
queria também aproveitar da companhia dela.
Queria... Ah, droga! Ele realmente queria namorá-
la, queria conversar e admirá-la. Estava se tornando
um cara muito piegas.
— Você quer fazer alguma coisa esta noite?
Sair para jantar, passear... O que você quiser...
Karen sorriu docemente.
— Não. Acho que podemos ficar por aqui,
se você não se incomodar...
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A verdade era que ele se incomodava, sim,


mas não porque não quisesse a companhia dela em
um lugar mais sossegado. O problema era que ele
queria muito exatamente isso. De todas as formas.
— Claro que não. Podemos pedir algo para
comermos e ficarmos juntos...
— Sim. E eu vou adorar ouvir você tocar
para mim... se puder, é claro.
— Sério? Pensei que você não gostasse do
tipo de música que eu toco...
— Vou passar a gostar porque será você
tocando... — De onde isso tinha saído? Logo
depois de dizê-lo, Karen arrependeu-se, mas o
arrependimento durou muito pouco tempo, porque
o sorriso que Marcos abriu valeu a pena.
— Seu pedido é uma ordem, baby.
Pegando o violão, que estava sobre a cama,
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Marcos ajeitou-o sobre o colo e começou a dedilhar


algumas coisas. Escolheu uma música que
imaginava que ela devia conhecer – Stairway to
Heaven. Por mais que não fosse a escolha mais
alegre, tinha uma introdução famosa, e ela pareceu
apreciar a escolha. Mais ainda quando ele começou
a arranhar a letra, cantando com uma voz rouca e
sensual, que ele não costumava mostrar para
qualquer um.
Marcos era afinado. Bastante, até. Por ser
um improviso, claro que houveram alguns deslizes,
mas ele era plenamente capaz de continuar sua
carreira sem um vocalista. E foi isso que Karen
sugeriu assim que ele terminou a primeira música.
— Por que você não tenta uma carreira
solo?
— O quê? Eu??? — Marcos indagou com
visível surpresa.
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— Nunca pensou nisso? Você canta muito


bem.
— Mas não o suficiente para ser um
cantor... — Ele sorriu envergonhado, colocando o
violão de lado.
— Para mim está bom o suficiente. Pelo que
Anne me falou esta tarde, você é o principal
compositor da banda. Pode fazer algumas músicas
que caibam melhor na sua voz.
— Quer dizer então que você e Anne
ficaram falando sobre mim esta tarde? — Era uma
clara estratégia para mudar de assunto. Karen
poderia não cair nela, se não pensasse que o outro
tema era muito invasivo. Dar uma opinião era uma
coisa, insistir nela era algo completamente
diferente.
— Não fique tão convencido, pensando que
você é o único assunto que tenho em mente...
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— Ah, que pena! Por que você, sem


dúvidas, é o meu pensamento mais constante desde
que te conheci...
Dizendo isso, Marcos levantou-se da cama,
estendendo a mão para Karen fazer o mesmo.
Quando ambos estavam de pé, ele a conduziu
gentilmente na direção da escrivaninha, que estava
pouco atrás deles dois. Colocando ambas as mãos
enormes na pequena cintura de Karen, ele a ergueu
do chão sem esforço e a colocou sentada sobre a
mesa.
Essa atitude a desconsertou um pouco. Em
princípio, acreditou que estava com medo, mas
quando decidiu que confiava nele, deixou-se ser
conduzida. Pelo brilho sombrio nos olhos azuis de
Marcos, ele estava interessado em beijos mais
intensos. E Karen precisava admitir que era o que
queria também.

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Quando, portanto, ele a segurou pela nuca e


tomou seus lábios, ela sentiu que estava perdida. O
beijo tomou quase tudo dela — sua sanidade, sua
paixão e sua alma por inteiro. Ainda bem que ele a
tinha colocado sentada sobre a mesa ou teria,
certamente, se sentido incapaz de manter-se de pé.
Os lábios experientes de Marcos a devoravam
lentamente, sem pressa, como se tivessem o tempo
todo do mundo para se perderem naquela dança
sensual e inebriante.
E ele não se satisfez apenas com seus
lábios. Traçou uma linha de beijos cálidos também
por seu pescoço, chegando aos seus ombros,
fazendo-a suspirar profundamente soltando quase
um gemido, que ela tentou com todas as forças
reprimir. As mãos dele ainda se mantinham firmes
em sua cintura, agarrando-a, como se precisasse
fazer isso para prendê-las ali. No entanto, chegou

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um momento em que ele não conseguiu mais se


conter. Um grunhido baixo e rouco escapou de sua
garganta, e ele a enlaçou de forma ávida, puxando-
a ainda mais para si, como se quisesse fundi-la ao
seu próprio corpo, embora estivessem
completamente vestidos e não houvesse qualquer
contato mais sexual.
A outra mão livre começou a arrastar-se
pelo corpo dela, chegando às coxas. Erguendo a
saia de seu vestido, ele começou a buscar mais e
mais pele, não conseguindo satisfazer-se com o que
lhe era concedido. Ele queria tocá-la de todas as
formas, queria reivindicá-la como sua.
Sem nem pensar no que fazia, a mesma mão
de Marcos começou a dirigir-se à parte mais íntima
do corpo de Karen, e isso a fez travar
imediatamente.
Percebendo a reação, Marcos para de beijá-
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la.
— Marcos...
— Karen, eu... me desculpe... eu não
queria...
Mas o pedido de desculpas pareceu deixá-la
ainda pior. Lágrimas inundaram os olhos de Karen.
Não um choro copioso, mas algo mais discreto,
pungente.
— Ah, querida... não! Não chore! —
Marcos tomou o rosto de Karen nas mãos, tocando
seus lábios com delicadeza. — Por favor, me
desculpe. Eu sei... Eu sei que você não está pronta,
e eu juro que não queria forçar a barra. Eu só... não
consegui me controlar. Você é tão linda, tão
maravilhosa...
— Por favor, não se culpe. Eu quero você,
Marcos! Quero me libertar desse passado, desse

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medo... mas não consigo.


— E não precisa agora. Você está se
redescobrindo... eu não quero apressar nada.
— Obrigada...
— Obrigada? Não! Você não precisa
agradecer por nada disso... — Ele suspirou e a
puxou para seus braços em um abraço. — Não
precisa...
Karen aproveitou o abraço de Marcos por
mais algum tempo, mas afastou-o de si com
delicadeza, enquanto secava as lágrimas.
— Você vai ficar chateado se eu for
embora?
Claro que ia. Tencionava passar horas com
ela, dormir com ela se tivesse sorte, embora não
pretendesse tentar nada a mais. Se não fosse um
imbecil, se não tivesse tentado colocar a carroça na
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frente dos bois, ela não estaria pensando em ir


embora.
— Eu queria que você ficasse comigo. Juro
que não vou mais te tocar dessa forma.
Ela ainda estava de cabeça baixa, olhando
para o chão. Isso deixava o coração de Marcos em
frangalhos.
— Você não precisa se prender a uma
mulher como eu. Você é tão bonito, Marcos... tão
gentil... pode ter a mulher que quiser.
— Posso. E eu quero você. — Ele foi
direto, chegando a soar um pouco impaciente. — A
não ser que queira se livrar de mim, não pretendo a
ir a lugar algum. Você é minha, Karen. No melhor
dos sentidos, é claro... mas não vou deixar que
ninguém descubra o que eu descobri, a não ser que
você queira.

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— Descobrir o quê?
— Que você é a mulher mais fascinante de
todas. E se o destino quis que nós nos
conhecêssemos aqui, neste lugar, eu não vou deixar
que nada nos atrapalhe. Se eu tiver que te esperar,
vou esperar...
O que ele estava querendo dizer com
aquilo? Será que tinha alguma pretensão de
prolongar aquele romance por mais do que apenas
as estadias dos dois em Vilamares? Sim, porque
aquele sonho precisava acabar em algum momento.
Karen precisava voltar para o Rio de Janeiro,
matricular Anne em um colégio e começar com sua
vida. Procurar um emprego, tentar a carreira de
escritora e tudo o mais. Eram muitos planos feitos
antes daquela viagem e nenhum deles incluía
Marcos, porque ela não sabia o que aconteceria dali
em diante. A partir do momento que voltasse para a

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cidade grande, o relacionamento entre eles seria


uma incógnita. Porém, ele dava a entender ali que
queria mais do que apenas uma paixão temporária.
Fosse como fosse, ela não queria fazer
perguntas, pois poderia estar equivocada.
De qualquer forma, toda a sua resignação
em ir embora acabou caindo por terra, e ela se viu
novamente nos braços dele, quando ela mesma o
puxou para outro beijo. Um igualmente intenso,
mas sem surpresas, sem hesitações.
E depois passaram horas e horas juntos,
conversando e jantando ali mesmo no quarto, até a
hora que Karen ouviu Anne chegando com Tauan.
Então, deixou-o sozinho, voltando para seu quarto,
sentindo ainda o gosto dele em sua boca.

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Capítulo Onze

O dia amanheceu cheio de novas nuances.


Karen tinha dormido muito pouco, mas não se
sentia cansada. Na verdade, sentia-se renovada.
Muitas decisões foram tomadas naquelas horas
insones, e todas elas tinham a ver com Marcos.
Não parara de pensar nele um só segundo,
principalmente em sua reação quando ela reagiu às
suas investidas de forma amedrontada. Já tinha
entendido que era um cavalheiro, apesar da
aparência mais selvagem, mas tudo o que
conhecera na vida relacionado a sexo era violência
e tomado à força. Ele poderia ter feito isso na noite
anterior. Poderia tê-la pressionado, continuado a
tentar seduzi-la, e Karen tinha quase certeza de que
acabaria cedendo, porque também o desejava. Mas

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ele preferira escolher o caminho mais honrado, e


com isso, chegou definitivamente ao seu coração.
Depois da pequena discussão, eles se
mantiveram juntos, apenas curtindo a presença um
do outro, e foi tão reconfortante que Karen não
queria, de forma alguma, que aquela noite
terminasse. Mas precisou terminar. E agora ela
estava com um enorme arrependimento.
Não por ele. Marcos não se mostrara nem
um pouco decepcionado por ela não ter se
entregado depois de seus beijos sensuais. Parecia
resignado, paciente e ainda mais afetuoso, como se
quisesse lhe transmitir confiança. Mas ela queria
mais.
Sabia que aquele relacionamento poderia
ter dias contados, que em breve estariam separados,
não importavam as promessas dele, mas isso não
queria dizer nada. Queria que a primeira vez que
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fizesse sexo consensual fosse com ele. Com aquele


homem que fazia todo o seu corpo responder ao
mais simples toque.
Decidida, levantou-se da cama e abriu a
janela, pois o dia lá fora estava ensolarado. Assim
que fez isso, deparou-se com uma cena adorável,
que lhe deu ainda mais certeza do que tinha
acabado de pensar. Lá embaixo, na área da piscina,
estavam Marcos e Anne. Ela tinha o violão dele no
colo, enquanto ele lhe ensinava alguns acordes.
Pelos sons da risada, sua menininha estava se
divertindo muito.
Deus, ela não queria se apaixonar assim.
Porém, quando ele olhou para cima, como se um
magnetismo os atraísse em qualquer lugar, e sorriu
daquele jeito sedutor que só ele parecia saber sorrir,
Karen soube que estava perdida.
Anne acenou animada e fez um sinal para
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que a irmã também descesse. Karen assentiu e saiu


da janela, pronta para se arrumar. Colocou roupa de
banho por baixo do short e da camiseta, pois estava
ansiosa para dar um mergulho, e partiu para
encontrá-los.
Ao chegar na piscina, logo deparou-se com
sua irmã e Marcos. Ele parecia muito concentrado
em ensiná-la, até que percebeu a presença de uma
terceira pessoa e ergueu os olhos. Estes, novamente
adquiriram um tom mais escuro ao vê-la, aquele
cheio de luxúria que faria as pernas de qualquer
mulher se derreterem como gelo dentro de uma
fogueira.
— Bom dia — ela os cumprimentou,
enquanto colocava uma mecha de cabelo ruiva atrás
da orelha. — Por que não me acordou, mocinha? —
dirigiu-se à irmã, fingindo repreensão.
— Você estava dormindo tão calminha que
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não quis te atrapalhar.


— Você nunca me atrapalha — Karen
afirmou, bagunçando o cabelo de Anne e jogou
suas coisas na mesinha ao lado da espreguiçadeira
onde a menina estava deitada, começando a tirar
sua roupa.
Sim, talvez ela tenha feito exatamente isso
para analisar a reação de Marcos. E foi muito mais
do que ela poderia esperar.
Ele fixou os olhos azuis nela, profundos e
cheios de desejo, avaliando cada um dos seus
movimentos. Os lábios se entreabriram
involuntariamente, e ele temeu que acabasse
salivando diante de tal visão. Daquela vez ela
optara por um maiô preto, decotado e com alguns
recortes na cintura, dando-lhe um aspecto de ser
ainda mais fina do que já era. Era elegante e
deixava muito mais pele coberta, contribuindo para
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a imaginação. Ela tinha pernas belíssimas e pés


perfeitos, pequenos e delicados. Pela primeira vez
ele percebeu que suas unhas estavam pintadas em
um tom de vermelho muito sensual.
— Marcos, fecha a boca... — Anne
comentou em um tom de brincadeira, rindo, e
Marcos sentiu-se envergonhado, mas não pôde
deixar de sorrir.
— Quando a gente vê uma coisa muito
bonita não tem outra escolha a não ser se sentir um
pouco abobalhado — ele disse isso sem tirar os
olhos de Karen, emanando toda a intensidade de
seus sentimentos naquele momento.
— Uau! Depois dessa eu me sinto até
sobrando! — Anne foi se levantando da
espreguiçadeira, pronta para ir embora, mas Karen
a segurou.
— Não faça isso, Anne! Pode ficar com a
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gente...
— Ah, relaxa, Karen! O Tauan já deve
estar descendo também. Vamos ficar no salão de
jogos, como combinamos. — Ao dizer isso, virou-
se para Marcos: — Posso levar o violão para
mostrar a ele o que aprendi? Prometo cuidar bem
dele.
— Pode, é claro.
— Obrigada. — Ao dizer isso, portanto, a
menina simplesmente saiu correndo, com o
instrumento na mão, indo em direção ao salão de
jogos, deixando o casal sozinho, afinal, a pousada
ainda estava praticamente vazia e não havia
ninguém na piscina.
Marcos poderia ter dado um tempo a Karen.
Poderia ficar hesitante em relação a ela, cauteloso
sobre qual o próximo passo a tomar, mas decidiu
que não queria ter aquele tipo de relacionamento
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com ela. Se iam tentar viver o que estavam


querendo viver, não seria pela metade ou cheio de
barreiras. Por isso, tirou a camisa, levantou-se da
cadeira, indo em direção à dela e simplesmente
tirou-a de lá no colo.
— Marcos! O que vai fazer? — ela
exclamou assustada, encolhendo-se e agarrando-se
a ele quando o viu aproximar-se da beirada da
piscina.
— Algo que estou querendo fazer há
tempos. Te beijar dentro desta piscina.
Ao dizer isso, ele simplesmente pulou
dentro d’água, levando Karen consigo.
Ambos emergiram rapidamente, e Marcos
deu tempo apenas para que ela se recuperasse do
susto, pois logo a puxou para si, tomando sua boca
em um beijo de lábios molhados.

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Ela estava escorregadia em suas mãos, por


isso ele a apertava com força, e embora fosse
apenas uma forma de mantê-la por perto, pareceu
também provocar uma reação muito intensa nos
dois. Era para ser um beijo apenas romântico e
breve, mas nenhum deles parecia pronto para se
afastar.
Era quase impressionante a forma como ela
o enlouquecia, como o deixava rapidamente
envolvido sem muito esforço.
Foi Karen quem se afastou primeiro, mas
ela não parecia nem um pouco incomodada com o
que tinha acabado de acontecer. Pelo contrário,
seus lindos olhos também exalavam o mesmo
desejo que ele sentia, embora ela estivesse prestes a
fazer alguma declaração importante, já que tanto
hesitava e engolia em seco.
— Quero fazer amor com você, Marcos.
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Quero ser sua.


— Agora? — ele perguntou em um
impulso. Sentia-se um pouco atordoado com as
informações que tinha acabado de receber. Parecia
um garotinho para quem prometeram o melhor
presente de Natal possível.
Karen não pôde deixar de sorrir.
— Não agora. À noite. Se você quiser, é
claro — Karen falava tão envergonhada, tão
adoravelmente constrangida, que Marcos sentiu
vontade de tirá-la daquela piscina naquele mesmo
instante e levá-la para o quarto imediatamente e
aproveitar a oportunidade antes que ela mudasse de
ideia.
— Se eu quiser? Karen, pelo amor de Deus,
o que você acha?
— Sei que esse é o tipo de coisa que não se

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deve marcar horário, mas preciso ver se Anne tem


planos e...
Sem deixar que Karen terminasse a frase,
Marcos a beijou suavemente.
— Nem que eu precise pagar para aquele
garoto levá-la para sair, teremos nossa noite juntos.
E eu estou afirmando que farei isso, mesmo que
decida mudar de ideia e que prefira ficar comigo
apenas como ficamos ontem. Quero você, Karen,
desesperadamente... — ele sussurrou essa parte,
encostando a testa na dela, ambas molhadas, mas,
ainda assim, Marcos sentia-a quente. — Só que
também quero sua companhia, sua amizade, seus
lábios... — Para provar o que dizia, ele colou os
lábios aos dela, beijando-a docemente. — Quero
tudo de você e com você...
Karen precisou respirar fundo para
conseguir absorver todas aquelas palavras com
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cuidado. Marcos estava começando a adentrar um


terreno muito perigoso dentro de seu coração, e ela
ainda não sabia o quão seguro poderia ser deixá-lo
entrar. Mas estava disposta a dar uma chance.
Para a sorte do casal, portanto, Anne e
Tauan realmente tinham marcado de irem tomar um
sorvete, contudo, diferente da noite anterior, a
menina não parecia tão animada. Karen não pôde
deixar de reparar no quanto ela parecia nervosa, e
por mais que tivesse tentado evitar tocar no
assunto, porque não queria invadir a privacidade
dela, segurou-a pela mão e a fez sentar-se na cama
um pouco antes do rapazinho chegar para chamá-la.
— Qual o problema, Anne? Você não
parece feliz. Não está gostando do Tauan?
— Estou. Bastante... — ela respondeu de
cabeça baixa, como se estivesse envergonhada por
aquela confissão.
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— Então, por que sinto como se você


estivesse prestes a ir a um velório e não a um
encontro?
Ela hesitou. Continuou com a cabeça baixa,
olhando para as próprias unhas, como se houvesse
algo ali de muito interessante. Parecia tomar
coragem para alguma coisa até que finalmente
confessou:
— É que ontem ele tentou me beijar... E eu
recuei. Mas é que eu nunca beijei ninguém, fiquei
nervosa.
O coração de Karen se encheu de amor
naquele exato momento. Por mais que tentasse
demonstrar-se madura, Anne era apenas uma
garotinha. Bem mais infantil do que muitas da sua
idade, o que era explicável pela vida horrível que
tivera. Saber não apenas que o motivo de sua
hesitação era algo tão adorável, mas também que
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ela confiara na irmã para contar, deixava-a muito


satisfeita.
— Não precisa ter medo de algo assim.
Você sabia que Marcos também foi o primeiro
homem que beijei? — Neste momento, Anne
arregalou os olhos.
— Você está falando sério?
— Levando em consideração tudo o que
aconteceu, eu não quis... Bem... não quis me
envolver com ninguém.
Novamente Anne abaixou a cabeça, porque
ambas sabiam ao quê ela estava se referindo.
Tratava-se do próprio pai, o homem com quem ela
se comunicara há poucos dias.
Percebendo isso, Karen colocou a mão sob
o queixo da irmã e o ergueu, fazendo-a olhar em
seus olhos.

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— Não se sinta mal pelas coisas que


aconteceram comigo. Vamos focar no seu
problema...
— Ah, não é grande coisa, Karen! Eu só
estou um pouco nervosa. Você ficou assim com o
Marcos? Até porque... bem... ele é um homão, deve
ter muito mais experiência do que o Tauan.
Karen não pôde deixar de rir.
— Claro que fiquei. Mas eu queria muito,
então, tentei segurar o medo. Você quer ser beijada
pelo Tauan? — Anne balançou a cabeça em
concordância. — Se é assim, aproveite. Vai ser o
primeiro de muitos outros beijos, mas sempre será
especial, de alguma forma.
— E se for horrível?
— Se você gosta dele, não vai ser. Vai ser
maravilhoso só pelo fato de ser com a pessoa certa,

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ao menos naquele momento.


Anne balançou a cabeça, demonstrando que
entendia.
— Você está apaixonada pelo Marcos?
Era a primeira vez que a pergunta era feita
daquela maneira, sem rodeios, direta, de uma forma
da qual Karen não podia se esquivar. E ela nem
sabia se queria perder-se em evasivas. Anne abrira-
se com ela, confessara suas inseguranças e
vulnerabilidades, era a hora de Karen fazer o
mesmo. De abrir seu coração, não apenas para a
irmã mais nova, mas para si mesma.
— Sim, querida. Estou apaixonada por ele.
Temia a reação da jovem, embora ela já
tivesse demonstrado não se importar com a ideia de
ver os dois juntos. Ainda assim, quando Anne abriu
um sorriso, Karen sentiu-se muito aliviada.

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— Vocês formam um casal lindo — foi o


que ela disse.
— Assim como você e Tauan.
— Não somos um casal.
— Ainda. — Fez uma pausa. — Posso te
fazer uma pergunta, Anne? — A menina respondeu
que sim com a cabeça. — Se eu passar a noite no
quarto do Marcos, você vai achar ruim?
— Não. Vou ficar feliz por você.
Karen entrelaçou as mãos nas de Anne, com
um sorriso satisfeito no rosto.
Com um timing perfeito, as duas escutaram
uma batida na porta, e Anne deu um pulo da cama,
demonstrando que ainda não tinha deixado o
nervosismo de lado.
— Vá terminar de se arrumar. Eu atendo.

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— Mas eu já terminei.
— Então retoque o batom ou qualquer coisa
assim. Deixe-o na expectativa. — Karen deu uma
piscadinha para a irmã, enquanto ambas
sussurravam para não serem ouvidas. Anne
balançou a cabeça, demonstrando que havia
compreendido a teoria da irmã, e correu para o
banheiro, para acatar a ideia.
Karen recebeu Tauan e o mandou entrar de
forma simpática. O menino também parecia
nervoso, o que ela achou uma gracinha. E quando
Anne finalmente surgiu, ele olhou para ela como se
fosse a garota mais linda do mundo. Bem, na
opinião de Karen ela era mesmo, mas era bom
saber que sua caçulinha era tão admirada. Ela
merecia depois de tudo pelo que tinha passado.
Os dois saíram de mãos dadas, quase sem
dizer nada, muito corados e tímidos.
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Observando-os descer as escadas, Karen,


por um momento, sentiu-se um pouco melancólica
por não ter podido ter aquela experiência na
adolescência. Toda a sua juventude fora turbulenta
demais para que tivesse tempo e desejos normais
para uma garota de sua idade. Sua inocência fora
roubada cedo demais, mas ela só podia agradecer
por não terem sobrado sequelas mais profundas e
irreversíveis. Agora era uma mulher e estava
prestes a se entregar ao amor pela primeira vez, nas
mãos de um homem a quem desejava
desesperadamente e que era capaz de deixá-la
lânguida com apenas um beijo. A sorte, afinal,
tinha lhe sorrido.
Ficou ali por mais um tempo, olhando para
o nada, até que a imagem de Elias subitamente
surgiu em sua mente. Será que estava fazendo o
certo deixando a menina sair sem a supervisão de

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um adulto? E se aquele desgraçado acabasse


descobrindo onde elas estavam e fosse até lá para
pegá-la?
Apavorada e sentindo-se em pânico
novamente, Karen levou a mão ao coração,
tentando respirar fundo e se concentrar para que
não tivesse outra crise. Escorou-se na porta quando
se sentiu cambaleante. Não se lembrava de ter
emitido qualquer som, mas a porta do quarto ao
lado se abriu e fechou abruptamente, e Marcos
surgiu na sua frente, sem camisa, com um
semblante apavorado.
— Karen? O que foi? — indagou,
segurando seus braços. Ela precisou de alguns
minutos para se recuperar totalmente, e quando viu
já estava sendo praticamente empurrada para dentro
de seu quarto e sendo sentada na poltrona mais
próxima. — Fala comigo... foi aquele cara de

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novo?
Ela finalmente focou os olhos em Marcos.
— Me desculpa. Eu... — hesitou. — Não é
nada. Foi só um medo. Anne saiu com Tauan, e eu
meio que entrei em pânico, pensando na
possibilidade de Elias nos encontrar.
Marcos pegou a cadeira da escrivaninha e a
aproximou da poltrona, sentando-se de frente para
onde ela estava.
— Não fique assim, linda. Você mesma
disse que Anne afirmou que não falou onde vocês
estavam.
— Mas e se ele descobrir? — Depois de
dizer isso, Karen levou a mão ao rosto e balançou a
cabeça. — Desculpa se eu te assustei. Foi só uma
reação exagerada. Estou um pouco nervosa... —
confessou de forma completamente involuntária.

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— Por quê? — Marcos indagou com a voz


suave, já sabendo exatamente o motivo. Queria,
porém, que ela se abrisse com ele, que desabafasse.
Queria que, além de amantes, pudessem se tornar
amigos.
Contudo, Karen respirou fundo e levantou-
se sem dizer nada. Marcos temia que tivesse
desistido, mas iria compreender se fosse o caso. No
entanto, ela deu um passo, que era a distância que
os separava e parou na frente dele, de pé. Seus
dedos delicados e hesitantes foram estendidos, e ela
pousou a mão espalmada no peito musculoso, bem
na altura do coração. Era um contato simples,
inocente, mas Marcos o achou extremamente
erótico e estimulante, principalmente pela forma
como ela o olhava, como se estivesse pronta para
seduzi-lo até deixá-lo de joelhos. Apesar da
inexperiência, ele sabia que Karen era capaz de

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levá-lo à loucura muito rápido.


— Não quero falar sobre isso agora. Só
quero você...
Marcos pousou a mão grande sobre a dela, e
ambos começaram a sentir as pulsações aceleradas
de seu coração. Ele esperava que esta fosse uma
prova mais do que suficiente da forma como ele se
sentia quando a tinha por perto.
— Esta será a primeira vez que sou amada
por um homem de forma consensual, Marcos. Eu
escolhi você por um motivo, mas não quero que
tome isso como uma responsabilidade. Não quero
que me trate como se eu fosse feita de cristal.
Quero que me ame como pedirem seus instintos e
seus desejos...
— Se eu fizer isso, Karen, vou ser bruto. E
não quero. Porque eu a desejo de uma forma
selvagem, impensável. Você merece ser tratada
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como uma princesa...


— Eu me sentirei assim nos seus braços,
seja como for. Seja honesto comigo e com você
mesmo. Será especial de qualquer forma. Por
favor... eu não estou quebrada, não me trate como
se eu fosse uma peça com defeito.
Marcos nem se dignou a dizer que jamais a
veria desta forma. Que o fato de querer amá-la com
cuidado e gentileza não a tornava menos desejável
ou menos mulher.
Ainda assim, não seria louco de negar-lhe o
que lhe pedia. Precisaria refrear seus instintos ou
acabaria assustando-a.
Ainda assim, fechou os olhos para afastar
todas as imagens que o perseguiam de todas as
coisas que gostaria de fazer com ela naquele
momento. Sua imaginação era infinita, e ele sabia
que poderia encontrar formas de dar prazer a ela
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durante a noite inteira, por horas afora.


Mas precisava começar de algum lugar, e
ela lhe pedira para agir por instinto. Então, seria o
que faria.
Mas precisava começar de algum lugar, e
ela lhe pedira para agir por instinto. Então, seria o
que faria.
Ela ainda estava de pé à sua frente, mais
linda do que seus olhos podiam suportar. Suas
mãos encaixaram-se em sua cintura fina, e ele
começou a deslizá-las por seus quadris, sem tirar os
olhos dos dela, passando pelas nádegas firmes, mal
cobertas pelo short fino de algodão, chegando às
coxas. Estas ele enlaçou com ímpeto, usando-as
para sentá-la em seu colo, com ambas as pernas
pendendo de cada lado da cadeira, ambos frente a
frente.
Ele a sentiu estremecer, com uma expressão
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de nervosismo visível, sobre a qual ele não queria


comentar, pois não alimentaria suas inseguranças.
Tudo o que queria era fazê-la esquecer do passado;
queria esvaziar sua mente para qualquer coisa que
não fosse o prazer que pretendia lhe proporcionar.
Começou com um beijo. Lento, suave,
cadenciado, porque não apressaria nada. Tinha
algumas surpresas nas mangas e queria apenas
aproveitar aqueles momentos com ela. Ainda
assim, beijá-la era sempre incrível, e ele se deixou
perder nas sensações que seus lábios macios lhe
provocavam, enquanto sua ereção começava a
tornar-se visível sob o jeans.
Segurando-a firmemente, ele levantou-se da
cadeira, levando-a consigo e depositando-a no chão
logo em seguida, sem dizer nada. Pegou sua mão e
começou a guiá-la porta afora, ultrapassando-a e
parando diante da porta do quarto que lhe pertencia.

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— Espere aqui um minuto. Eu tinha planos


para nós...
— E eu os estraguei? — ela indagou
docemente. Marcos sorriu.
— Você jamais seria capaz de estragar coisa
alguma. — Beijou-a com suavidade e entrou no
quarto, tomando o cuidado de fechar a porta.
Karen ficou do lado de fora, na expectativa,
até que Marcos retornou com alguma coisa nas
mãos. Quando ela viu o que era, tratava-se de uma
bandana preta.
— Confia em mim? — ele perguntou.
— Confio. — A própria Karen surpreendeu-
se com sua resposta. Não esperava entregar sua
confiança daquela forma para um homem que
conhecia tão pouco, mas era verdade. Sabia que
Marcos não faria nada para magoá-la. Não sabia

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como, mas acreditava totalmente nisso.


Colocando-se atrás dela, Marcos levou a
bandana aos seus olhos, vendando-a.
— Só tire quando eu mandar, tudo bem?
Quero que seja uma forma de você se soltar... de
não sentir vergonha de nada, como se estivéssemos
com todas as luzes apagadas.
Karen mal conseguia falar. Não esperava
sentir-se tão excitada com algo daquela natureza,
mas a verdade era que seu coração estava batendo
muito mais forte.
Quando ele abriu a porta, ela pôde ouvir
música vinda de lá de dentro; uma balada de rock
bem sensual, cantada por um vocalista de voz
rouca. As mãos de Marcos pousaram em seus
braços, conduzindo-a para que não esbarrasse em
nada ou acabasse tropeçando.

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Exatamente como fizera no quarto dela, ele


a segurou pelas coxas e a ergueu, colocando-a
sentada sobre a cômoda. Com ela suspensa,
começou a despi-la bem devagar, como se pedisse
permissão para tirar cada pedaço de roupa.
Ele a deixou completamente nua e precisou
de um minuto para contemplar seus seios lindos e
firmes, a curva da cintura, a barriga lisa, todos os
contornos que ele tanto desejava tocar e beijar.
— Você é perfeita — ele sussurrou. Karen
apenas arfou, principalmente porque ele tomou um
de seus seios na mão, em concha.
Começou a massageá-lo devagar, sentindo o
peso delicado em sua mão, a maciez, a textura.
Logo ocupou-se do bico, esfregando o polegar,
friccionando-o, e a respiração de Karen ficou um
pouco mais pesada, embora ela ainda parecesse
conter-se. Percebendo isso, Marcos inclinou-se para
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sussurrar em seu ouvido:


— Solte-se, Karen. Não pediu que eu a
amasse sem tratá-la como um cristal? Então meu
pedido é que não se contenha. Se não fizer o que
estou pedindo, vou torturá-la desta forma por horas.
Posso fazer bem mais do que isso, mas só farei se
sentir que está se entregando ao seu próprio prazer.
As palavras dele eram tão eróticas quanto
seu toque; tanto que Karen sentiu-se quase zonza,
principalmente porque Marcos acrescentou mais
um dedo à suave tortura, massageando o mamilo
com o polegar e o indicador, enquanto a enlaçava
pela cintura e devorava sua boca com a dele, em
um beijo muito mais exigente do que o que
trocaram minutos atrás no quarto dela.
Ela mal conseguia corresponder ao beijo de
uma forma que considerasse decente, porque... Meu
Deus! As sensações que ele provocava com aquele
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toque em seus seios eram inexplicáveis. E tudo era


ainda mais intenso por estar privada de um sentido.
Quando, então, usou as duas mãos, provocando
ambos os mamilos, Karen achou que poderia
desmaiar ali mesmo, desfalecendo sobre o móvel
no qual estava sentada.
Mas Marcos não parecia disposto a terminar
aquela sessão de sedução tão cedo.
Karen literalmente gritou quando ele
introduziu um dedo dentro de sua vagina úmida e
começou a masturbá-la. Precisou agarrar os cabelos
dele com avidez, enrolando os dedos nas mechas
lisas e macias, que estavam levemente úmidas de
um banho recente.
— Marcos... — choramingou, e mal
conseguiu imaginar como tinha conseguido proferir
aquelas palavras, porque tudo parecia preso e difícil
demais de passar por sua garganta. Apenas os
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suspiros e gemidos eram corajosos o suficiente para


desbravar o caminho e chegarem à sua boca.
— O que foi, amor? Quer mais?
— S-sim... — ela sussurrou
inconscientemente.
E ele lhe deu mais.
Marcos continuou a masturbá-la, usando
agora dois dedos ao invés de um. Além disso, usou
a mão livre para voltar a torturar seu seio, enquanto
a boca se ocupava do outro.
Karen jurou que não iria suportar. As ondas
de prazer a deixavam completamente tonta, de uma
forma que não conseguia pensar em mais nada
além dos movimentos de Marcos em seu corpo e na
forma como seu sangue e seu coração pareciam
acelerados. Ela não conhecia muito de sexo, mas
imaginava que estava próxima de um orgasmo, por

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tudo o que tinha lido e conversado com outras


pessoas.
E quando ele veio, Karen mal conteve o
grito. Era não apenas uma demonstração do prazer
incrível que estava experimentando, mas um berro
de libertação. Estava se tornando mulher
finalmente, embora, na prática, já não fosse virgem
há algum tempo.
Mal percebeu quando Marcos tirou a venda
de seus olhos, pois encontrava-se abandonada em
seus braços, apoiada em seus ombros, sentindo-se
plena de uma forma como nunca sentira antes.
Quando finalmente conseguiu abrir os
olhos, outra surpresa: ele tinha preenchido toda a
cama com pétalas de rosas vermelhas. Havia
algumas também espalhadas pelo chão, e este gesto
quase a fez chorar.
— Você fez tudo isso... por mim? — ela
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perguntou com a voz carregada de emoção.


— Bem, eu não pretendia trazer mais
ninguém para este quarto, e eu certamente não
acordei hoje com vontade de dormir sobre pétalas...
— brincou, com um sorriso levemente
envergonhado. — Achou exagerado?
Exagerado? Não... definitivamente esta não
era a palavra.
— Achei romântico. Sensível. Atencioso. E
sensual...
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Sensual, é? — Com um movimento ágil,
Marcos a tomou no colo, carregando-a para a cama.
Deitada sobre a colcha branca coberta por
pétalas de rosas, com aqueles cabelos escarlate
espalhados pelo travesseiro, ela era a coisa mais
linda na qual já tinha posto os olhos. Uma deusa
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nórdica, de uma beleza tão delicada e sutil, que ele


sentia que poderia ficar olhando para ela por horas,
meses, anos, sem nunca se cansar. Era como se
encontrasse coisas novas naquele rosto a cada vez
que olhava para ele.
Marcos tirou a própria calça jeans antes de
se juntar a ela na cama. Não usava cuecas, por isso,
revelou-se rapidamente a Karen em sua nudez.
Ela já sabia que era um homem muito
bonito, mas contemplá-lo daquela forma tão íntima
era completamente diferente. Estavam ambos nus,
vulneráveis, compartilhando um momento íntimo.
E ela sentia-se sortuda por tê-lo escolhido. Por ele
ser o primeiro homem com quem verdadeiramente
faria amor. Jamais o esqueceria, não importava o
que iria acontecer.
Ele se posicionou sobre ela com
cuidado, apoiando o peso de seu corpo nos
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cotovelos, evitando comprimi-la com seu peso.


Recomeçou, portanto, a suave e doce tortura,
beijando seus seios e tocando-a com mãos
experientes.
— Me diga o que fazer para também te dar
prazer... — ela falou bem baixinho, ainda
envergonhada, embora estivesse se esforçando para
se soltar.
Marcos só pôde sorrir, erguendo-se para
beijá-la nos lábios.
— Pode apostar que eu estou amando cada
minuto. Não sabe o quanto eu queria te tocar desta
forma. O quanto queria te ver desmanchar de prazer
nesta cama...
Novamente, as palavras de Marcos fizeram
Karen estremecer, especialmente saídas daquela
voz rouca e sussurrante.

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Então, deslizando ainda mais e baixando o


corpo, ele chegou ao ponto máximo de sua
intimidade, substituindo seus dedos pelos lábios e a
língua. Karen jamais experimentara sensação
semelhante, e jurou que poderia explodir de luxúria
naquele instante.
Marcos foi insistente, atiçando seu clitóris e
deixando-a preparada para o momento. Daquela
vez, não permitiu que ela atingisse o orgasmo, pois
a penetrou, logo depois de colocar um preservativo,
aproveitando o quanto estava molhada, mas o fez
com cuidado, por saber que, apesar de não ser mais
virgem, aquele ato nunca fora prazeroso e nem
indolor. Queria que todas as suas lembranças
fossem positivas.
De início ela sentiu um desconforto,
principalmente por lembrar-se do passado, mas
rapidamente focou no homem que a amava naquele

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momento. Não era um abusador pedófilo, era


Marcos, o sedutor roqueiro que enchera seu
coração e seu corpo de novas sensações. O homem
que a deixava sem ar de tão bonito e sexy. Era
quem ela escolhera para dividir aquele momento. E
estava maravilhoso.
Agarrou os cabelos longos de Marcos,
entrelaçando os dedos nos fios macios, permitindo
que ele continuasse investindo com ímpeto. Seus
suspiros foram substituídos por gemidos, cada vez
mais descontrolados, e isso foi incentivando-o
ainda mais, embora continuasse agindo com cautela
e ternura. Ele não parava de beijá-la e acariciá-la,
enquanto também soltava grunhidos de prazer.
Quando chegaram ao clímax, juntos, Karen
sentiu como se tivesse finalmente sido libertada de
uma maldição. Lembranças ruins a haviam feito
prisioneira de um medo profundo, que agora fora

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extinto. Não havia mais barreiras para enclausurá-


la. Era uma mulher completa.

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Capítulo Doze

Melhor do que ser amada de forma


reverente a noite inteira, só mesmo acordar ao lado
do homem por quem estava apaixonada. Aquela era
mais uma sensação completamente nova, de se
sentir protegida e querida, e ela a apreciava
imensamente. Os braços de Marcos eram como um
refúgio onde ela desejava se perder e se encontrar
várias vezes.
Depois da primeira vez, os dois não
conseguiram mais tirar as mãos um do outro.
Amaram-se sobre a cama, no chuveiro, na banheira
e encostados na parede. Dormiram por poucas
horas, exaustos, mas os olhares diziam que estavam
felizes.
Ainda assim, Karen sabia que precisava

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voltar para o seu quarto e dar atenção para Anne,


que deveria estar cheia de coisas para contar. Na
noite anterior, quando chegara na pousada de sua
aventura com Tauan, ela batera na porta de Marcos,
avisando que havia retornado, deixando a irmã
mais aliviada.
Sendo assim, tentou esgueirar-se da cama,
mas o braço possessivo de Marcos a enlaçou com
ainda mais força, mantendo-a ali.
— Que história é essa de sair da cama desta
forma, mocinha? — ele sussurrou em seu ouvido,
com a voz rouca de sono.
— Está na hora de acordar. Preciso ir ver
Anne antes que ela desapareça com o Tauan por aí.
— Se ela desaparecer com o Tauan, eu
desapareço com você... Ou melhor, te amarro nesta
cama e não te deixo sair de jeito nenhum —
brincou, fazendo-a rir.
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— É um fetiche?
— Com você, qualquer coisa me excita...
Dizendo isso, Marcos colocou-se sobre ela,
beijando-a lentamente e segurando seu seio em
concha, atiçando seu mamilo. Não foi preciso
muito para que ela se sentisse novamente pronta
para ele.
Percebendo isso, ele colocou um
preservativo e a penetrou outra vez, amando-a bem
lentamente, no ritmo de uma balada melodiosa e
romântica.
Daquela vez, diferente das outras, tudo foi
suave, até mesmo o orgasmo, embora tenha sido
tão incrível quanto os outros. Marcos sabia o jeito
certo de despertar seu corpo de todas as formas.
Depois de encontrarem coragem para se
levantarem, ela tomou um banho e voltou para seu

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quarto, sentindo um aperto no peito por deixá-lo.


Contudo, combinaram de se encontrar novamente
mais tarde. Naquele dia, Marcos decidira fazer uma
reunião via Skype com seu empresário para contar
sobre a ideia de investir em uma carreira solo. Já
sabia que seria uma conversa demorada, então,
combinou de encontrá-la mais à noite, para
jantarem.
Karen abriu a porta de seu quarto e foi
recebida por um som de soluço, um choro bem
discreto, que muito a preocupou. Dirigiu-se ao
quarto de Anne e encontrou a porta aberta. A
menina ainda estava de pijama, deitada na cama
encolhida e chorando bem baixinho.
Aproximou-se, então, sentando-se ao lado
dela e afagando sua cabeça.
— O que houve, querida?
Ela hesitou um pouco, limpou as lágrimas
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dos olhos e encarou a irmã.


— É o Tauan...
— Ele te magoou de alguma forma? —
Karen indagou preocupada, embora achasse
imprevisível que aquele menino tão doce pudesse
ter feito algo para machucar Anne.
— Não... ou melhor... sim. Ele vai embora
depois de amanhã.
— E ele te contou isso ontem?
— Não, eu já sabia. Mas acho que não me
dei conta de que teríamos tão pouco tempo. — Ela
soluçou ainda mais. — Poxa, Karen... ele me beijou
ontem, e foi tão bom, tão especial. Por que temos
que nos separar?
— Bem, ele é do Rio também, não é?
— Sim, mas de Niterói. — Anne fez
beicinho.
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— Vocês podem se falar sempre e podemos


dar um jeito de vocês se encontrarem. Não fique
assim. Aproveite os últimos dias com ele...
— É, eu sei, mas os pais dele vão passar o
dia em Arraial do Cabo e dormir por lá. Só vão
voltar amanhã de manhã. Eles me convidaram, mas
não sabia se você ia deixar...
Karen viu-se em um dilema. Não queria se
separar de Anne por tanto tempo, e só a ideia de
não tê-la por perto já a deixava preocupada, com
aquele medo bobo de que novamente a tirassem de
seus cuidados.
Mas, exatamente como mencionara, era um
medo estúpido. Os pais de Tauan eram
responsáveis e saberiam manter sua menina segura.
— Se você quiser ir, eu não vou me opor.
Anne olhou para a irmã com os olhos

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arregalados.
— Você vai mesmo deixar? Está falando
sério? — Karen conseguiu apenas assentir,
balançando a cabeça, porque Anne se jogou nos
braços dela, abraçando-a feliz e satisfeita. — Ah,
meu Deus! Eu vou ter que avisar a ele... Será que já
saíram?
Anne apressou-se em pegar o celular novo e
ligar para Tauan. Pelo que Karen pôde ouvir da
conversa, eles ainda não tinham partido, e a menina
pôde juntar-se a eles meia hora depois, com os
olhos mais brilhantes que Karen já tinha visto. A
irmã mais velha encheu-a de recomendações sobre
como se portar, e a mais jovem apenas saiu,
abraçando-a e beijando-a no rosto.
Karen viu-se sozinha, sem a possibilidade
de ir ver Marcos, então, decidiu que era a
oportunidade perfeita para dedicar-se ao seu livro.
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Sentou-se na cama com o notebook no colo e um


caderninho do lado para anotações importantes.
Estava decidida a perder horas e horas na tarefa,
mas alguma força superior parecia impedi-la.
Sentia-se inquieta e não conseguiu se concentrar
como deveria. Muitas coisas haviam mudado em
sua vida em um espaço muito curto de tempo, e
talvez estivesse precisando de alguns momentos
sozinha.
Sendo assim, levantou-se e aprontou-se,
descendo para tomar café da manhã. Ainda dava
tempo e subitamente começou a sentir um pouco de
fome. Havia mais um casal na pousada, além de um
grupo de amigos jovens, que não estavam lá antes.
Deveriam ter chegado naquela manhã.
Encontrou, como sempre, Sérgio e Amália
sentados, comendo juntos.
— Você está com uma cara ótima, querida
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— Amália comentou com um ar levemente


malicioso, enquanto Sérgio apenas sorriu, ainda
preocupado.
— Estou feliz... — dizendo apenas isso,
Karen foi em direção ao Buffet para se servir.
Sérgio continuou olhando para ela,
enquanto Amália o cutucava.
— Ela fez sexo! — a senhora idosa
sussurrou baixinho.
— Vó! — Sérgio repreendeu. — Mas que
mania de cochichar da vida dos outros!
— Ah, para com isso! Está escrito na cara
dela. Está corada, com um sorriso de orelha a
orelha. E o sexo foi bom. Também, com um
homem daqueles... — Amália falou com um ar
sonhador.
— Vó! — Sérgio repreendeu novamente.
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— Se eu tivesse uns quarenta anos a


menos...
Sérgio levou a mão à cabeça, constrangido.
— Mas isso só prova uma coisa, meu
filho... Você perdeu sua chance. Agora já era. Não
é assim que vocês falam?
— Vó, eu nunca tive chances com Karen e
nunca quis ter.
— Já sei... por causa daquela insossa da
Patrícia — falou com desdém.
— Você sempre gostou dela...
— Gostava quando não fazia meu menino
sofrer. — Ela deu de ombros. — Seja como for, eu
andei pesquisando umas coisas desse Marcos na
Internet. — Quando Sérgio a olhou com espanto,
ela acrescentou: — Ora, por que essa cara?
Precisamos cuidar da nossa menina. Mas olha...
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tem uma história meio barra pesada sobre ele na


mídia. Só que eu liguei para uma amiga minha que
tem uma filha que já trabalhou com a banda dele.
Ela me disse que ele é um cara legal, apesar da cara
de bad boy.
— Você descobriu tudo isso? — indagou
surpreso.
— Claro. E pretendo descobrir mais coisas.
Conversei muito rápido com a moça, mas ela
prometeu que me ligaria mais tarde. Mas disse que
só tinha coisas boas a dizer a respeito dele.
— Vovó, você é terrível. Sherlock Holmes
não teria nenhuma chance.
Antes que Sérgio pudesse continuar
falando, Amália o cutucou, porque Karen estava
retornando.
Conversaram, então, durante toda a

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refeição, e Karen pôde falar de Anne, sobre o


quanto a menina parecia mais feliz e o quanto elas
estavam se entendendo.
A conversa a animou um pouco, mas
mesmo assim, ela decidiu sair para caminhar e
espairecer. Não pretendia ir muito longe, só queria
respirar ar puro, então, escolheu a praia em anexo à
pousada, por onde caminhara com Marcos, e onde
trocaram seu primeiro beijo.
Os dias estavam sendo cheios, repletos de
reviravoltas e acontecimentos inesperados, mas a
maioria das surpresas eram agradáveis. Em poucos
dias tinha reencontrado a irmã, praticamente
tornando-se mãe dela, fizera novos amigos,
apaixonara-se e entregara-se de corpo e alma a esta
paixão, sem nem se preocupar com as
consequências.
Talvez aquela fosse uma cidade mágica.
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Talvez aquele mar à sua frente fosse tão inspirador


que até o destino se sentia compelido a conspirar a
favor. Claro que nem tudo eram flores, mas Karen
precisava concordar que a sorte parecia andar do
seu lado.
Ficou observando algumas crianças
soltando pipa e sorriu quando um cachorrinho
peludo e pequeno começou a roçar em suas pernas.
Abaixou-se para coçar sua cabecinha e deu de cara
com um casal de homens muito simpático,
abraçados, com quem trocou algumas palavras
agradáveis.
Avançou um pouco mais e comprou um
picolé em um ambulante que passava. Queria
aproveitar todas as coisas doces da vida, e estava
decidida a deixar seu coração mais leve a partir
daquele momento. Era um dia lindo para se
começar a viver.

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Mas a sorte, na maioria das vezes, é


passageira. E Karen teve esta prova quando uma
mão pesada pousou em seu ombro, enquanto
caminhava pela praia, vazia por conta de um dia
nublado.
Poderia ser qualquer um. Um homem
tentando a sorte com uma mulher bonita e sozinha,
um mendigo, alguém para avisar que ela tinha
deixado cair alguma coisa, Marcos, Sérgio... as
opções eram vastas. Mas Karen nem precisou se
virar para saber que quem a chamava era seu pior
pesadelo.
— Karen...
Aquela voz. Aquela maldita voz que
atormentava sua cabeça há anos manifestava-se
naquele momento de forma muito mais assustadora
do que a assombração que pairava dentro da
pousada. Elias estava ali, perto dela, e tudo o que
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Karen conseguiu pensar em fazer, em uma atitude


impulsiva, foi correr desesperada.
Contudo, a mesma mão que estivera em seu
ombro minutos antes fechou-se em seu braço,
impedindo-a de escapar.
— Você não vai a lugar nenhum antes de
falar comigo.
Ele a virou para si, e ela pôde finalmente
vê-lo. Estava magro, com o rosto encovado coberto
por uma barba mal feita, falhada e cheia de fios
brancos, assim como sua cabeça. Parecia ter
envelhecido muitos anos, muitos mais do que os
que ficara preso. Contudo, uma coisa não havia
mudado: aquele olhar assustador, cheio de ódio e
malícia. Karen não pôde, inclusive, deixar de
reparar na forma como ele observava seus seios.
Era repugnante.
— O que quer? Como nos achou? Foi
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Anne? — Karen finalmente encontrou voz


suficiente para falar, e todas as perguntas
pareceram sair ao mesmo tempo.
— Não. Ela não quis me dizer onde vocês
estavam, mas eu outro dia, quando falei com ela,
ouvi alguém dizer o nome desta praia. Não foi
muito difícil encontrar na Internet à qual cidade
pertencia. Está hospedada onde, princesa?
Ele ainda a segurava pelo braço, e Karen,
desesperada, começou a olhar ao redor em busca de
alguém para quem pudesse gritar. Havia alguns
ambulantes e crianças. Se fosse preciso, apelaria
para qualquer um.
— Você acha mesmo que eu vou te dizer?
Elias a segurou com ainda mais força.
— O que pensa que eu vou fazer? Te
agarrar? Entrar no seu quarto à noite e continuar

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nosso relacionamento? — Relacionamento? Era


assim que ele chamava as sessões de tortura que
infligia a ela todas as noites? — Você não faz mais
o meu tipo, ruivinha. Está velha para o meu gosto.
— Porco! Imundo! Não vai encostar um
único dedo na Anne...
— Acha que eu teria coragem de tocar na
minha própria filha com segundas intenções? — A
forma como ele falou isso, com um sorriso
malicioso no rosto, era a resposta suficiente para
aquela pergunta.
— Não duvido de nada. — Karen debateu-
se para tentar soltar-se dos braços de Elias, mas ele
não permitiu.
— Não diga que não tem saudades de
mim... Sei que ainda pensa em mim de vez em
quando.

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— É claro. Você me traumatizou. Todas as


vezes que surge na minha cabeça é só para me
atormentar. Eu só penso em você com ódio! —
Karen cuspiu as palavras, mas Elias abriu uma
gargalhada.
— O que importa é que eu nunca vou sair
da sua cabeça, ruivinha. Isso já me deixa feliz.
Depois de dizer isso, Elias simplesmente a
soltou e afastou-se, deixando Karen atordoada,
parada no meio da praia, sentindo que suas pernas
poderiam falhar a qualquer momento.
E foi o que aconteceu. Vendo-se sem forças,
jogou-se na areia, caindo de joelhos de forma
violenta, mas sem nem sentir dor. A sensação em
seu coração era pesada demais e sobrepunha-se a
qualquer outra.
Sentiu que duas pessoas a ajudavam a
levantar, percebendo seu estado de pânico.
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Também falavam com ela, mas não conseguia


ouvi-las. Seu ouvido parecia tapado, captando
apenas um som insistente, um zumbido incômodo,
como se a pressão de sua cabeça estivesse prestes a
fazê-la desmaiar.
Mas não podia se entregar. Precisava ser
forte para voltar para a pousada, arrumar suas
coisas e fugir com Anne.
Sem nem saber como, empurrou as pessoas
que a cercavam e saiu andando, chegando ao
calçadão cambaleante. Por sorte a pousada ficava a
poucos metros da praia, e ela pôde ir andando sem
incidentes, embora de forma completamente
inconsciente.
Entrou sem nem cumprimentar Sérgio, que
estava na recepção, e subiu para seu quarto em
modo automático, como se estivesse hipnotizada.
Começou a agarrar suas coisas, esbarrando
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ao passar por mesas, deixando um vidro de perfume


cair no chão, espatifando-se. Por sorte estava quase
vazio, ou o cheiro iria empestear o ambiente
fechado inteiro.
Jogou suas roupas na mala de qualquer jeito
e fez o mesmo com as de Anne. Assim que a
menina chegasse do passeio com a família de
Tauan, elas iriam embora. Para qualquer lugar. De
preferência bem longe de Vilamares, onde aquele
homem odioso nunca mais pudesse encontrá-las.
A porta de seu quarto foi aberta
abruptamente, e Karen soltou um grito apavorado,
pensando que poderia ser Elias. Mas era Marcos.
Sem nem hesitar, ela correu em direção a
ele, jogando-se em seus braços.
— Eu ouvi a barulheira e vim correndo. O
que aconteceu? — ele indagou, estreitando-a contra
si e sentindo-a estremecer.
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— Elias... ele... ele...


Marcos já conhecia o nome, e este lhe
provocava as reações mais iradas que seu corpo
poderia produzir.
— Ele telefonou de novo? — perguntou, já
que, gaguejante, Karen mal conseguir terminar a
frase.
— Não... ele está em Vilamares. Acabei de
encontrá-lo na praia.
Afastando-a um pouco de si, Marcos apenas
segurou-a pelos braços, fazendo-a olhar em seus
olhos.
— Você o encontrou? Ele te machucou?
Está tudo bem? — perguntou apavorado.
— Ele não me machucou, mas me deixou
apavorada. Eu preciso ir embora de Vilamares
agora... — dizendo isso, ela se soltou dos braços de
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Marcos, pronta para recomeçar sua tarefa.


— Ir embora? Karen...
— Sim. Ele não pode chegar perto de Anne.
Sei que vai tirá-la de mim e vai lhe fazer mal. Não
posso... — Ela não conseguiu, novamente, terminar
a frase, pois precisou apoiar-se na escrivaninha
antes que despencasse no chão como um soldado
abatido em batalha.
Marcos decidiu aproximar-se. Sem dizer
nada, pegou-a novamente pelos braços,
praticamente arrastando-a na direção da cama e
fazendo-a sentar-se. Colocou-se de frente para ela,
ajoelhando-se no chão, mas mantendo-a segura
com suas mãos.
— Eu não quero e não posso me sentar.
Preciso arrumar as coisas... Precisa estar tudo
pronto para quando Anne chegar — ela falava de
uma forma vidrada, completamente em pânico.
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— Você não vai a lugar algum.


Ao ouvir isso, ela finalmente olhou para
Marcos.
— Não é uma opção. Não vou pagar para
ver.
— É claro que não. Mas não está mais
sozinha. Não vou deixar que nada aconteça a você
ou a Anne. Vou protegê-las.
— Não posso jogar esta responsabilidade
nos seus ombros, Marcos. Nós mal nos
conhecemos...
— Porra, Karen! Eu não estou te
comparando a um fardo. Estamos juntos, mesmo
que de uma forma peculiar. Não vou fugir da
situação só porque você tem um problema...
— Um problema? — ela soltou uma
risadinha maliciosa. — Problema é uma forma bem
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leve de se referir a isso. Elias é uma catástrofe. Um


caos completo.
— Catástrofes e caos podem ser
combatidos. Você era muito jovem para lidar com
ele, por isso o vê como um ser invencível. Só que,
como eu já disse, não está mais sozinha. Está
segura agora.
— Não posso ficar presa na pousada e
muito menos exigir que Anne faça o mesmo.
Estamos aqui de férias e não em um esconderijo —
disse, indignada.
— Mas sair fugindo, com a cabeça quente,
não é a solução. Quanto tempo mais vai demorar
para que ele as encontre outra vez, já que agora está
solto? E se achá-las em outra cidade, onde estarão
sozinhas? Vamos pegá-lo, Karen! Ele não sabe que
você tem a mim, e eu tenho recursos para prendê-
lo, para descobrir onde ele está na cidade. Podemos
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mandar a polícia procurá-lo.


— Ele foi solto, Marcos! Não temos como
acusá-lo de mais nada. Por mais que tenha me
assustado na praia, não cometeu nenhum crime.
— Ainda assim... esse tipo de gente não
demora a voltar às origens. Pode apostar que logo
saberemos algo sobre ele. Enquanto isso, fique
aqui. Vamos pegá-lo. — A voz de Marcos era tão
reconfortante e confiante que Karen ficou tentada a
dizer logo que sim. Porém, ainda não conseguia
enxergar uma saída para o problema que não fosse
sair de Vilamares.
— Eu vou pensar. Hoje é a última noite de
Anne com Tauan, e eu vou dar uma chance para
que ela fique com ele. Mas amanhã de manhã, vou
decidir se fico ou se desapareço. Por enquanto,
Marcos, a ideia de ir embora ainda me parece a
mais segura.
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— Não é. Eu prometo que ninguém vai te


fazer mal aqui dentro. — Enquanto dizia isso,
Marcos a enlaçava com os braços e a trazia para
perto, fazendo Karen se perguntar se o “dentro” ao
qual ele se referia era a pousada em si ou àquele
abraço, que realmente lhe parecia muito mais com
um refúgio do que qualquer outra coisa.

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Capítulo Treze

As risadas das pessoas ao redor ecoavam


dentro de seu coração e reverberavam sem causar
nenhuma reação. Queria juntar-se a todos e tentar
se animar, mas por mais que se esforçasse para
esquecer o que tinha acontecido naquela tarde, a
imagem de Elias simplesmente não saía de sua
cabeça. Não conseguia não sentir a pele formigar
onde ele a havia tocado, muito menos a sensação de
bile e náusea que a acometia todas as vezes em que
se lembrava dos dias de tormenta que passou nas
mãos daquele homem durante a adolescência.
Fora uma tola ao pensar que estaria livre
dele. Chegara a imaginar que agora, uma adulta,
nem sentiria medo do monstro que a ferira quando
menina. Mas nada mudara. Ele ainda a apavorava

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de uma forma paralisante, o que fazia com que se


sentisse ainda mais vulnerável.
Apesar de estar conversando com os pais de
Tauan — aparentemente o pai do rapaz era um
grande fã de rock —, parado do outro lado do
salão, Marcos não tirava os olhos dela. Ao mesmo
tempo em que isso a reconfortava, também a
deixava um pouco intimidada. Volta e meia
conseguia enxergar uma certa tensão nos ombros
do rapaz, além de sentir uma diferente intensidade
em seu olhar. Ele estava não apenas preocupado,
mas também muito irritado. Karen sabia o quanto
aquela história mexia com ele, embora mal
conseguisse compreender o motivo. Ele parecia
nutrir um sentimento de proteção por ela, embora
não houvesse nada entre eles além de um
relacionamento casual. Ao menos era o que ela
pensava, por mais que secretamente começasse a

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desejar algo mais.


Temia que seu guardião tivesse uma reação
intempestiva ou que acabasse se arriscando para
ajudá-la. Não queria colocar este peso nas costas de
uma pessoa que não tinha nada a ver com a história.
Em sua mente, a opção de sair de Vilamares o mais
rápido possível era a melhor. Por mais que odiasse
pensar em deixar aquele paraíso mais cedo do que o
previsto.
Seu olhar buscou Anne no meio das
pessoas, e encontrou-a com Tauan. A festinha que
estava acontecendo era meio que um bota fora da
família. Eram animados e gostavam de
confraternizar. O casal parecia encantado com
Anne, tratando-a com carinho e incentivando o
romance com o filho. Vê-los tão ligados
preocupava Karen. Odiava pensar que sua
irmãzinha poderia ter a primeira decepção amorosa

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sendo tão jovem, mas algo lhe dizia que aquele


namorico não terminaria ali. Os pombinhos não se
desgrudavam, e era lindo de se ver. Aparentemente,
aliás, o primeiro beijo tinha sido um sucesso, já que
eles não paravam de se beijar.
Karen não pôde deixar de sorrir,
principalmente quando Anne virou-se na direção
dela, também com um sorriso terno no rosto. Lá
estava seu sonho se realizando: ter a irmã consigo,
fazê-la feliz de alguma forma e lhe dar a
adolescência que a própria Karen nunca pôde ter.
Queria ter podido estar presente na infância e criá-
la, mas não seria justo reclamar do destino. Afinal
de contas, ele as reunira mais uma vez.
Exatamente por isso, não podia permitir que
aquele filho da mãe a levasse. Não apenas porque
queria ter a irmã por perto, mas porque ele
significava perigo. Não podia acreditar que ele

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jamais a tocaria, como afirmara. Não podia confiar.


Distraída, quase assustou-se com o telefone
vibrando dentro do bolso. Quase apavorou-se com
a possibilidade de Elias ter descoberto seu número,
mas sentiu o coração se encher de esperança
quando viu o nome na tela: Olavo.
— Menina... estou ligando para te alertar de
uma coisa — ele alertou, mas Karen já sabia
exatamente o que era.
— Acho que já sei o que é, Sr. Olavo. Elias
foi solto...
— Ele te procurou? — indagou aflito.
— Sim. Ele está na mesma cidade que eu.
— Ah, meu Deus! Mas isso é um absurdo.
Aquele monstro deveria apodrecer na cadeia! Ele já
foi solto há alguns meses, mas não fui avisado.
Quando fui procurar notícias, me deparei com esta
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tragédia.
— Eu também não sabia, mas ele procurou
por Anne. Acho que deu um celular para ela.
— Você quer que eu vá encontrá-la?
Olavo já estava aposentado há dois anos,
depois de levar um tiro na perna que deixou
sequelas, mas Karen sabia que ele a ajudaria sem
nem pensar duas vezes, no momento em que ela
precisasse. Sempre deixara claro que ela só
precisaria telefonar para que ele saísse de onde quer
que estava para acudi-la. Era um homem
maravilhoso.
Em meio a todas aquelas tempestades,
aquele gesto tão singelo, uma oferta tão sincera de
ajuda, fez Karen sorrir, mesmo que parecesse não
haver motivos para isso.
— Não precisa. O senhor já fez muito por

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mim.
— Eu gostava muito da sua mãe, querida...
Você sabe disso. — Sim, Karen sabia. E suspeitava
que ele gostava dela de uma forma ainda mais
profunda do que costumava admitir, tanto que
nunca mais se casara novamente.
— Sei. Ela gostava do senhor também.
Um momento de silêncio se fez, e Karen o
ouviu fungar do outro lado da linha, o que sempre
partia seu coração e lhe fornecia provas suficientes
de que a hipótese de ele ter amado sua mãe era real.
— Olha, não importa o que você disse... eu
vou para Vilamares. Você sabe que eu moro perto.
Posso estar aí em quarenta minutos. Não vou te
deixar sozinha.
— Seu Olavo, eu não estou sozinha. Estou
com... alguém aqui na pousada. — Karen ousou

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abrir um sorriso.
Olavo soltou uma risadinha.
— Ao menos uma notícia boa. Se esse cara
souber cuidar de você, já vai ganhar alguns pontos
comigo. Mas se magoá-la, vou ter prazer em usar
meu velho cassetete na cabeça dele.
Karen novamente riu.
— Pode deixar que te mantenho informado.
— Por favor, querida. Não me deixe sem
notícias. Vou alertar alguns velhos conhecidos
meus daí desta cidade para que tentem encontrá-lo.
— Obrigada.
— Boa noite, menina. Cuide-se.
Ambos desligaram o telefone, e Karen se
pegou sorrindo sozinha até que alguém se
aproximou. Ao erguer o rosto, deparou-se com

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Sérgio, acompanhado por uma lindíssima mulher,


cujo sorriso parecia iluminá-la por inteiro. Não
precisou nem sequer remexer a memória para
concluir que se tratava de Patrícia, especialmente
pela forma radiante com que seu amigo a enlaçava
pela cintura.
— Olha quem acabou de me fazer uma
surpresa — ela falou, tão feliz que parecia
contagiar a todos ao redor.
— Ah, você é a tão falada Patrícia? —
Karen levantou-se, colocando-se de frente para a
linda mulher e percebendo que ela deveria ser pelo
menos dez centímetros mais alta. Os olhos
absurdamente azuis tinham um olhar simpático, e
quando Karen se inclinou para frente, colocando-se
na ponta dos pés para dar dois beijinhos na modelo,
esta a abraçou com entusiasmo.
— E você é a famosa Karen, a moça bonita
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que ganhou o coração de Sérgio...


Karen travou dentro dos braços calorosos de
Patrícia, sentindo-se um pouco incomodada com
aquela descrição. Sentindo seu embaraço, a moça a
soltou e abriu uma gargalhada.
— Fica tranquila, Karen. Eu e Sérgio não
temos segredos um com o outro. Nem poderíamos
ter, com a distância. Ele me contou tudo sobre
você, e isso me fez ver o quanto eu estava deixando
este homem maravilhoso solto. Tirei umas férias
forçadas e corri para cá.
Karen tentou analisar na expressão daquela
mulher para, talvez, encontrar algum resquício de
ciúme ou animosidade, mas não achou nada. Ela
estava sendo sincera.
— Agora o trabalho de convencê-la a ficar é
meu...

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Patrícia olhou para Sérgio com uma


expressão repreensiva, demonstrando que ele
deveria saber muito bem que eram apenas férias.
— Eu tenho uma carreira. Você sabe disso...
— Não estou pedindo que desista de tudo.
Principalmente porque você já falou várias vezes
que está cansada. A ideia de abrir sua própria
agência de modelos não me pareceu ruim.
— É um projeto. Mas ainda não quero ficar
pensando nisso. Hoje é meu primeiro dia de férias,
e eu quero aproveitá-lo...
Sem nem ser convidada, Patrícia sentou-se
ao lado de Karen.
— Vá entreter seus hóspedes. Já tenho
companhia...
Apesar do pouquíssimo tempo de
convivência, Karen já podia dizer com segurança
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que Patrícia era um furacão. Tanto que Sérgio


parecia um pouco atordoado com suas decisões e
com a forma como falava. Ainda assim, o olhar
apaixonado nunca deixava seu rosto.
Obedecendo à decisão de sua amada, ele
afastou-se das duas, deixando que começassem
uma conversa animada. A presença e a alegria de
Patrícia eram tão contagiantes que Karen começou
a se sentir um pouco melhor. Falaram sobre várias
coisas, principalmente porque a mulher tinha uma
capacidade quase desconcertante de mudar de
assunto.
Isso, é claro, até ela pousar os olhos em
Marcos e cumprimentá-lo com a cabeça.
— Vocês se conhecem? — Karen
perguntou.
Patrícia deu de ombros, perdendo um pouco
de sua animação característica.
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— Muito pouco, só de vista, na verdade. Eu


conheço a ex-mulher dele. — Patrícia fez uma
careta. — Fomos modelos da mesma agência no
início de nossas carreiras. — Karen respirou fundo.
Dava para perceber na expressão de sua mais nova
amiga que Sofia não era sua pessoa preferida no
mundo. — O Sérgio me falou que você e Marcos
estão saindo ou qualquer coisa assim. Não é muito
simpático da minha parte falar da ex dele...
— Não tem problema. Não temos nada
sério. Estamos apenas nos conhecendo.
Daquela vez, Patrícia abriu um sorriso
malicioso.
— Você tem essa carinha de boa moça, mas
fisgou logo um partidão. Marcos é um cara muito
legal, Karen. Sofia é que foi a errada da história.
Não sei se você já sabe o que aconteceu.
— Sei. Ele me contou.
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— Eu nunca fui com a cara dela. A garota


fazia de tudo para subir na carreira. Tudo mesmo.
Não importava se precisava passar por cima de
alguém. O que ela queria, ela conseguia. Tanto que
chegou à TV.
— Você sabe se Marcos a amava? — Era
uma pergunta que Karen não queria fazer, mas que
acabou saindo sem que ela sequer percebesse.
— Acho que o relacionamento deles era
uma coisa mais doentia, sabe? Aquela paixão
inveterada, que tem muita luxúria, mas pouco
sentimento. Eles, provavelmente, acreditavam que
era amor. Ao menos, eu acho que Marcos
acreditava, porque era realmente devotado. Até que
Sofia estragou tudo e começou a se afundar. —
Patrícia fez uma pausa. — Ela não o traiu só com o
vocalista da banda, mas com muitos outros. Estava
sempre muito drogada, e eu a vi várias vezes saindo

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de baladas muito chapada, agarrada a alguém. As


carreiras dos dois eram muito doidas, e eles quase
nunca ficavam juntos.
— Entendo...
— Mas olha... — Patrícia apontou para
Marcos com a cabeça, aproveitando um momento
em que ele estava de costas, dando atenção ao pai
de Tauan. — O jeito como ele olha para você...
Nossa! É intenso. Acho que ele está apaixonado.
— Não! — Karen exclamou com
veemência. Não queria ficar pensando nessas
coisas. — Como eu disse, nosso relacionamento é
muito recente, ainda nem sabemos o que vai
acontecer daqui em diante.
— E alguma vez a gente sabe? Não é
porque vocês começaram alguma coisa em uma
cidadezinha diferente, quase um amor de
primavera, que não pode dar certo. Quando
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iniciamos um relacionamento com alguém, sempre


estamos no escuro. Não há como saber o futuro. E é
isso que torna tudo tão fascinante, você não acha?
Karen assentiu. O que Patrícia dizia fazia
todo o sentido.
Já estavam conversando há pelo menos uma
hora quando a modelo levantou-se.
— Karen, foi um prazer conversar com
você, mas agora quero dar atenção ao meu gatinho.
O seu, aliás, não para de olhar para cá. Você
deveria ir lá fisgá-lo também. — Dizendo isso, ela
deu uma piscadinha e se afastou. Sim, aquela
mulher era inquieta, mas Karen gostara muito dela.
Fazendo exatamente o que lhe foi sugerido,
Karen também se levantou e foi na direção de
Marcos. Percebendo isso, ele encerrou
imediatamente sua conversa com o pai de Tauan e
começou a esperá-la. Antes, porém, de aproximar-
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se a ruiva cochichou algo no ouvido da irmã.


A forma como Marcos a olhava realmente
era de fazer qualquer um perder completamente as
forças. Com um copo de cerveja na mão e
observando-a por cima da borda do mesmo, parecia
analisar cada um de seus movimentos como um
predador. Contudo, apesar de toda aquela
intensidade, Karen sabia que ele era doce, gentil e
muito cavalheiro. E tudo isso tornava-se uma
mistura perigosa. Tanto que sentia que seu coração
atormentado precisava dele desesperadamente.
Vendo-o sozinho, aproximou-se o suficiente
para estender-lhe a mão. Marcos aceitou-a sem nem
hesitar. Em silêncio, Karen começou, então, a
conduzi-lo até as escadas, onde eles subiram
calados, entendendo apenas em trocas de olhares
quais eram seus desejos.
Ainda sem dizer nada, Karen conduziu
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Marcos até o quarto dele, parando diante da porta e


esperando que ele a abrisse. Assim que a barreira
foi eliminada, Marcos a agarrou sem nem pedir
permissão ou hesitar. Fechando a porta com o pé,
ele a enlaçou pela cintura e a encurralou contra uma
parede com força, mas sem machucá-la.
Karen só teve tempo de tomar ar antes de
ser literalmente devorada pelos ávidos e
experientes lábios de Marcos, que assaltaram sua
boca como se daquele beijo dependesse sua vida
inteira.
Uma mão desesperada fechou-se em concha
sobre um seio, e um polegar roçou seu mamilo,
sendo friccionado através do tecido da camisa.
Karen arfou, sentindo que sua cabeça ficava mais e
mais leve, a cada toque e cada investida da língua
dominadora de Marcos dentro de sua boca.
Nenhum de seus problemas tinha espaço dentro

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daquele quarto. Era a magia da paixão que fazia


com que tudo parecesse pequeno perto dos desejos
e da vontade de estarem juntos.
Ela mal se deu conta do movimento feito
por Marcos para tirá-la do chão e levá-la para a
cama, mas logo viu-se deitada sobre o colchão,
com os cabelos espalhados pelos lençóis.
Igualmente rápido, ele a despiu, praticamente
arrancando seu vestido e deixando apenas de
lingerie. Porém, aquelas peças ele não tirou, e
Karen gostou da forma maliciosa como seus lábios
se curvaram ao observá-la. Escolhera um conjunto
novo, na cor lilás, de renda, e por mais que não
estivesse se sentindo muito bem ao descer para a
festa, decidiu colocá-lo, porque não sabia qual seria
sua decisão. Aquela poderia ser, então, a última vez
que fazia amor com Marcos. Queria que fosse
especial.

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— Você é tão maravilhosa... — ele


comentou com a voz rouca de luxúria, de uma
forma tão sensual que fazia com que o sangue de
Karen corresse mais rápido, bombeando seu
coração com força.
Para provar o que tinha acabado de dizer,
ele se levantou, colocando-se aos pés da cama, bem
na beirada. Inclinando-se para frente, agarrou-a
pelos tornozelos e puxou-a, aproximando-a de seu
corpo. Então, ajoelhou-se no chão, posicionando
cada uma das pernas de Karen em seus ombros,
abertas, deixando o caminho livre para que pudesse
beijá-la no ponto mais íntimo de seu corpo.
Assim que a língua quente de Marcos tocou
seu clitóris, Karen sentiu-se arquejar. Suas mãos se
fecharam em garras, agarrando o lençol, e ela
precisou reprimir um gemido alto. Por mais que
imaginasse que as pessoas da pousada já deveriam

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saber sobre seu romance com o roqueiro famoso,


não queria que a intimidade deles se tornasse um
espetáculo para que todos ouvissem.
Contudo, Marcos não parecia pronto para
facilitar sua vida, pois empenhou-se diabolicamente
em fazê-la perder a cabeça. Tanto que quando
chegou ao clímax, nem sequer se lembrou de onde
estavam e até onde poderia ir. Não havia limites
para a forma como se sentia.
Sem perder tempo, Marcos nem permitiu
que Karen se recuperasse do orgasmo e foi logo
mergulhando dentro dela, depois de pegar e colocar
um preservativo que já estava dentro de seu bolso.
A sensação de tê-lo a preenchê-la era tão
plena que Karen sentia como se voasse. Ele investia
com um pouco mais de ímpeto do que das
primeiras vezes, e ela mal conseguia respirar nem
pensar. Tudo o que fazia era obedecer seu corpo,
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que se arqueava para encontrar-se com o dele.


Karen novamente gozou, acompanhada de
Marcos que também se permitiu atingir o orgasmo,
ambos ofegantes e saciados.
Ele despencou na cama, tomando o cuidado
para não cair sobre ela e esmagá-la com seu peso.
Assim que deitou-se, puxou-a para seus braços,
abraçando-a e encostando sua cabeça no peito
musculoso.
Karen relaxou, sentindo-se segura,
embalada pelas batidas constantes do coração de
Marcos, que iam diminuindo a velocidade aos
poucos. Permitiu-se até adormecer por algum
tempo, aninhada na proteção e na ternura que ele
emitia.
Acordou uma hora depois, sentindo-se
relaxada e encontrando-se ainda na mesma posição.
Marcos estava acordado, observando-a com olhos
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apaixonados. Por mais que Karen não quisesse


enxergar qualquer sentimento deste tipo nele, era
inevitável. Poderia enganar-se, e isso iria magoá-la,
mas talvez fosse apenas mais uma tola crédula.
— Vai dormir aqui comigo esta noite
novamente? Vi você falando com Anne na festa...
— ele perguntou assim que a viu abrir os olhos e
retomar a consciência completa.
— Hoje infelizmente não posso. Preciso
conversar com Anne sobre o que aconteceu e
decidirmos, juntas, o que fazer.
— Karen... — A expressão dele mudou,
tornando-se mais séria, uma vez que o assunto
pedia aquele tipo de atenção.
— É o certo a fazer, Marcos. Eu voto em
irmos embora, mas preciso ouvir a opinião de
Anne, embora eu saiba que ela vai querer ficar.

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— Queria ter a coragem de te prender aqui


comigo. De não deixar que vá embora,
principalmente por causa daquele homem odioso
que tanto já te fez sofrer… — Marcos falou,
enquanto lhe acariciava o rosto. Karen fechou os
olhos e inclinou a cabeça na direção da mão dele,
para senti-lo ainda mais.
Ainda de olhos fechados, sentiu os lábios de
Marcos nos dela, em um beijo muito mais suave do
que o que tinham compartilhado uma hora atrás,
antes de se entregarem à paixão. Era quase um
beijo de despedida, por mais que ainda fossem se
ver, mesmo que Karen decidisse partir na manhã
seguinte.
Foi com muito custo que ela se levantou
daquela cama. Vestiu-se e deu mais um beijo em
Marcos, que a levou até a porta.
Colocou a chave na fechadura de sua
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acomodação, abrindo-o e entrando, tateando a


parede em busca do interruptor. Acendeu a luz e
entrou na saleta, já tirando os brincos e colocando-
os sobre a escrivaninha.
Tirou as sapatilhas com calma e perdeu
alguns minutos sentada na poltrona da saleta, com a
mão na cabeça, pensativa. Não queria ir embora.
Não queria deixar toda a felicidade que conhecera
ali naquele lugar, mas era perigoso ficar.
Dez minutos depois, mais ou menos,
dirigiu-se ao quarto, onde também acendeu a luz e
sobressaltou-se ao ver que não estava sozinha.
Deitado em sua cama estava Elias, com uma
arma apontada para ela.

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Capítulo Quatorze

Um sorriso malicioso característico se


desenhava em seu rosto, enquanto olhava para a
enteada de cima a baixo.
— Oi, ruivinha! Espero que não esteja
muito cansada de trepar com o bonitão do quarto ao
lado, porque quero pegar um pouquinho para mim
também. Disse que não estava interessado em uma
mulher tão velha, mas até que você ainda está
bonita. Te ver hoje mais cedo me deu um tesão
danado. Ainda mais cheia de medo. Você sabe que
eu gosto assim. — Por um momento, Karen se viu
paralisada de pavor, e chegou a emitir um grito,
porém, foi interrompida por Elias, que balançou a
arma, ainda apontada em sua direção. — Acho
melhor você ficar caladinha, boneca, ou vou ser

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obrigado a te machucar.
Ela sentiu lágrimas arderem no canto de
seus olhos.
— Por que não me deixa em paz, Elias?
Agora que está solto, deveria tentar recomeçar sua
vida…
— Vida? — ele falou em um tom alterado.
— Você roubou a minha vida quando me colocou
na cadeia. E agora quer me manter afastado da
minha filha. Imagina o quanto eu estou puto por
causa de todas essas coisas… Então, ruivinha… eu
vou te comer, aproveitar desse corpinho bonito e te
matar depois. E se você gritar… BANG! Eu atiro.
— Você roubou a minha vida também,
Elias. Deveríamos estar quites — Karen falou com
a voz trêmula, demonstrando todo o medo que ele
lhe causava.

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— Eu fui o primeiro homem da sua vida,


ruivinha. O primeiro a tocar esse corpinho. Aquele
cara lá está pegando meus restos. — Enquanto
falava isso, ele se levantava, começando a
aproximar-se lentamente de Karen. Esta, começou
a tentar recuar, chegando à porta e abrindo-a, em
uma atitude impensada.
Queria ter a coragem para gritar, sem se
importar com aquela arma que ele segurava na
mão, tentando apostar que ele não iria atirar,
estando em uma pousada cheia de gente. Ainda
assim, se ninguém a ouvisse — o que poderia
acontecer —, ele poderia realmente mostrar que
estava blefando, mas usar algum outro método para
feri-la. Talvez não devesse importar-se consigo
mesma, mas havia Anne. Tudo bem que estava
protegida lá embaixo, com a família de Tauan,
Sérgio, Amália e os outros hóspedes, mas e depois?

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Quando voltasse para o quarto, aquele homem


desprezível estaria esperando por ela, e Anne ainda
teria que se deparar com a imagem da irmã morta.
Não, Karen não queria isso.
Para a sua sorte, Amália estava do lado de
fora de seu quarto, e Karen conseguiu murmurar
um SOCORRO com uma expressão apavorada. A
mulher paralisou por um segundo, sem entender.
— Fecha essa porta, vadia!
Amália deve ter ouvido a voz de Elias, pois
arregalou os olhos e saiu em direção ao quarto de
Marcos. Esperava que conseguisse chamá-lo.
Com muito custo, fez o que ele ordenou.
— Tranque.
Novamente, obedeceu.
— O que vai fazer, Elias? Quer ir para a
cadeia de novo? — Era apenas uma tentativa de
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atrasá-lo. Quem sabe naquele meio tempo Karen


não conseguia pensar em algo para se salvar?
— Eu vou te foder primeiro e depois vou te
matar. Então vou pegar minha filha e dar o fora
daqui. Vou para bem longe.
— Não... — Karen lamentou baixinho,
apavorada com aquela possibilidade. Precisava
encontrar um jeito de alertar alguém, de se safar
daquela situação.
Porém, quando Elias aproximou-se o
suficiente para agarrar seu braço, ela sentiu toda a
sua coragem esvair-se. Mais ainda quando foi
jogada sobre a cama com violência.
Com aquele sorriso desprezível no rosto,
sem soltar a arma, Elias agarrou-lhe os dois braços
e colocou-os sobre a cabeça, usando uma corda
para amarrá-la ao encosto de madeira da cama. O
mesmo fez com os tornozelos, abertos, deixando-a
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completamente indefesa. Também usou um pano


rasgado para amordaçá-la, e Karen nem sequer
pôde reagir, pois estava ainda sob a mira do
revólver.
As lágrimas inundaram seus olhos,
pensando em tudo que conquistara e estava prestes
a perder, por culpa daquele que trouxera todos os
pesadelos que mais temia. Seria possível que o
destino fosse tão cruel ao ponto de lhe devolver sua
irmã, fazê-la apaixonar-se e até ter coragem de se
entregar, para, no final das contas, levá-la ao
mesmo lugar de antes, como se fechasse um ciclo.
Amália era sua única esperança naquele
momento.

***

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Marcos sentia que estava ficando louco.


Vira-se andando de um lado para o outro no quarto,
inquieto, mal conseguindo controlar sua ânsia de ir
procurar por Karen. Odiava este comportamento,
porque não queria se sentir tão dependente de uma
mulher. Não queria se sentir tão… apaixonado.
Porque esta era realmente a explicação. Não
era um covarde para esconder suas verdadeiras
emoções, também não queria ter medo. Não com
Karen. Não com uma mulher que qualquer um teria
orgulho em chamar de sua. Mas ela não lhe
pertencia. Não ainda. Sentia-se sortudo por ela ter
lhe escolhido para se entregar depois de um trauma
tão grande, mas ainda não sabia como ela se sentia.
Ela tinha acabado de sair de seu quarto. Se
olhasse no relógio, veria que tinham se separado a
apenas três minutos. Três malditos minutos que
pareciam uma eternidade.

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Andando de um lado para o outro, ainda


mais impaciente, Marcos estava a um passo de
bater na porta de Karen, agarrá-la ali mesmo, pegá-
la no colo e levá-la raptada para seu quarto. Poderia
deixar um bilhete para Anne e mantê-la refém
consigo a noite inteira. Só de pensar em tê-la em
sua cama novamente, em seus braços, já fazia com
que seu corpo inteiro respondesse, deixando-o
desesperado de desejo. Era um vício. Não
conseguia parar de pensar em todas as coisas que
gostaria de fazer com ela, de mostrar a ela, todas as
maneiras como gostaria de lhe dar prazer.
Passou a mão pelos cabelos, jogando-os
para trás para segurar as próprias mãos, e decidiu
que o melhor que tinha a fazer era descer
novamente para a festa, só para não ficar ali sem
fazer nada. Encontrou com Amália enquanto subias
as escadas e a cumprimentou com um sorriso, que

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foi correspondido.
Serviu-se de uma cerveja ao chegar lá
embaixo e ficou parado diante da varanda, olhando
para a piscina. Mas, ainda assim, sentiu-se inquieto.
Encontrou Sérgio sozinho em um canto,
organizando algumas coisas, e foi na direção dele.
Não dava para dizer que eram amigos, mas Marcos
não poderia ser hipócrita e dizer que não ia com a
cara dele. Conhecia seu interesse por Karen,
percebera seus olhares para ela desde o principio,
mas o vira com uma mulher muito bonita naquela
noite e dera-se conta do quanto era apaixonado por
ela. E, fosse como fosse, Karen não era sua para ter
ciúme.
— Sozinho por aqui? — comentou ao se
aproximar, deixando Sérgio um pouco surpreso
com aquela abordagem. Nunca tinham parado para
conversar de forma amigável, não pareciam ter
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nenhum assunto em comum além de Karen.


— Patrícia subiu para tomar um banho e
deixar suas coisas. Vamos sair assim que a festa
acabar. — E ela já parecia estar acabando. Não
estava muito tarde, mas por ser apenas uma
comemoração pequena, as pessoas já começavam a
se recolher. Só restavam Anne e Tauan ali
embaixo, além da família dele. — Pensei que
Karen estaria com você.
— Não, ela foi descansar um pouco no
quarto dela.
Sérgio balançou a cabeça em concordância
e um silêncio desconfortável se formou entre eles.
Marcos estava debruçado no balcão, enquanto
Sérgio remexia em uns folders que estavam sobre
ele. Provavelmente, a melhor opção seria sair dali,
e Marcos teria feito isso se não tivesse avistado
uma Amália muito aflita, chegando correndo,
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ofegante.
— Marcos! Acabei de ir bater na sua
porta!!!
— Mas nós nos encontramos na escada. O
que aconteceu?
— Assim que eu subi, depois de te
encontrar, vi Karen... ela parecia aflita. Acho que
tem algo errado com ela... Ouvi a voz de um
homem em seu quarto... Por favor, vão ajudá-la!
Sergio pegou os braços da avó e deixou-a
sentada, pedindo que descansasse um pouco.
Marcos nem esperou pelo outro, pois foi
logo saindo correndo, na direção das escadas, para
ir ao quarto dela.
Subiu as escadas de dois em dois degraus e
logo se colocou à frente da porta do quarto de
Karen.
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— Karen? — chamou, enquanto socava a


porta. Se estivesse tudo bem e fosse apenas um
engano, ele certamente pareceria um louco pela
atitude desesperada, mas não se importava. Seu
coração batia forte no peito temendo que ela
pudesse estar em apuros de alguma forma.
Nenhuma resposta, porém, um som de algo
quebrando dentro do quarto o deixou em alerta.
Logo em seguida, um grito abafado. Feminino. De
Karen.
Marcos e Sérgio se entreolharam, e Marcos
nem sequer esperou. Como em uma sensação de
dejà vú, tomou distância e meteu o pé na porta,
arrombando-a com a aprovação de seu
companheiro.
Entrou na acomodação apressado, partindo
para o quartinho de Karen, e a cena que viu à sua
frente o apavorou. Karen estava deitada na cama,
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com punhos e tornozelos amarrados, e um homem


apontava uma arma para sua cabeça. Pela expressão
apavorada em seu olhar, Marcos rapidamente
compreendeu que se tratava do maldito padrasto
que a estuprava quando menina.
Marcos e Sérgio pararam no mesmo lugar, e
Sérgio apenas estendeu um braço na direção do
outro, tentando impedi-lo de dar mais um passo à
frente, só que Marcos não pretendia avançar mais
do que aquilo. Não com a vida de Karen ameaçada
daquela forma.
Mas não podia evitar que seus punhos se
cerrassem, desesperados para colidirem com aquela
cara de bêbado nojenta daquele homem,
principalmente ao olhar para Karen e vê-la com a
roupa rasgada, um seio exposto e aquela expressão
apavorada. Vê-la ali, presa, indefesa, também fazia
com que seu sangue se remexesse dentro das veias,

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despertava todos os demônios dentro de sua mente.


Temia perder o controle, por isso, agradecia por
Sérgio, uma pessoa bem mais racional, estar ao seu
lado.
— Solta ela, cara. Você não tem para onde
fugir — Sérgio falou, tentando manter a calma.
— E vocês não vão fazer nada comigo,
enquanto ela estiver na mira da minha arma —
Elias anunciou, com um sorriso malicioso. Sua mão
livre começou a percorrer o colo de Karen, quase
chegando ao seio, mas parou pouco antes. Ainda
assim, isso foi demais para Marcos, que quase foi
na direção dele. Só foi impedido quando a arma foi
pressionada um pouco mais na têmpora de Karen,
fazendo-a emitir um gemido amedrontado, abafado
pela mordaça.
— Filho da puta! — Marcos vociferou, sua
voz soando como um grunhido estrangulado.
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— Você é o namoradinho dela, não é? —


Ele gargalhou. — Só quero que tenha em mente
que todas as vezes que for comê-la, estará pegando
meus restos. Não tem nada como uma virgem. Elas
nunca te esquecem.
Daquela vez, Marcos não conseguiria ficar
quieto. Porém, mais uma pessoa chegou para
intervir.
Um tiro ressoou dentro do quarto, deixando
todos aflitos. Um barulho de lâmpada explodindo
anunciou que alguém havia atirado na luminária
sobre o criado mudo, e os dois homens olharam
para trás, deparando-se com um terceiro; um
homem grande, de meia idade, e cabelos grisalhos.
Não o conheciam, mas sua atitude foi
suficiente para assustar Elias, que pulou da cama,
afastando-se de Karen.
Aproveitando a deixa, Marcos voou para
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cima dele, sem nem se preocupar que o homem


estava armado. Foi com toda a sua força,
arrancando a arma da mão dele e socando-o no
rosto uma vez, fazendo-o cair. Assim que o viu
despencado sobre o piso, como um saco de batatas
atordoado, montou sobre ele enchendo-o de
porrada. A imagem de Karen sob a mira de sua
arma e indefesa, presa sobre aquela cama, com os
seios à mostra, jamais sairia de sua mente, mas
queria, ao menos, vingá-la.
Não teve muita noção de quanto tempo se
passou, até que sentiu braços fortes puxando-o por
trás.
— Chega, Marcos, ou vai matá-lo! —
Sérgio gritou, e tudo o que Marcos pensava era que
queria mesmo matar aquele filho da puta. — Sei
que está puto, eu também estou, mas vai se
arrepender se for para a cadeia por causa deste

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verme. — Marcos teria se soltado dos braços de


Sérgio facilmente, embora ele o segurasse com
força, principalmente porque ele ainda se mantinha
praticamente em transe, olhando fixamente para o
homem ensanguentando que jazia no chão, imóvel
e inconsciente. Mas respirando ainda, o que era
uma pena. Um lixo daqueles merecia a morte. Só
que a próxima coisa que Sérgio disse tocou fundo o
coração de Marcos, e ele se viu desarmado. —
Karen precisa de você.
Parou de se movimentar, soltando o ar que
parecia preso, e olhou na direção da cama. Karen já
estava desamarrada, mas permanecia sobre a cama,
com a jaqueta do homem misterioso a cobri-la, e
ela era abraçada fortemente pelo este, que lhe
sussurrava palavras confortadoras e muito ternas.
— Calma, querida. Está a salvo agora.
Marcos correu até ela, depois de recompor-
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se, e o homem a entregou a ele, deixando que a


confortasse em seu lugar, enquanto ele ia cuidar do
padrasto de Karen.
Marcos sentou-se na cama à sua frente e
passou a mão por seu rosto.
— Linda... por favor, fala comigo. Ele te
machucou? Precisa ir ao hospital?
— Não! — ela falou em desespero,
arregalando os olhos. — Por favor, só fique
comigo. Só me abrace e me tira daqui — dizendo
isso, ela se jogou nos braços de Marcos.
Ele a apertou contra si por alguns minutos e
a ajeitou nos braços, levantando-a da cama.
— O que vai fazer? — Sérgio perguntou,
virando-se para ele.
— Vou tirá-la daqui. Ela me pediu. Vou
levá-la ao meu quarto.
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Sérgio assentiu e apontou com a cabeça


para o homem que eles ainda não sabiam quem era.
— Este homem aqui está dizendo que é da
polícia.
— Ele é... — Karen praticamente gemeu,
ainda no colo de Marcos. — Ele é... meu amigo...
Seu Olavo... Obrigada...
— Fiquem tranquilos, vou cuidar desse
merda aqui. Do jeito que você o deixou, rapaz, ele
só vai acordar na cadeia. — Olavo falou, voltando-
se para Marcos. — Agora tire-a daqui e cuide dela.
Assentindo, Marcos já ia deixando o quarto
de Karen, mas voltou-se para Sérgio mais uma vez.
— Você avisa Anne e Amália?
— Claro. Vou dar uma ligada para a
recepção e pedir para falar com Tauan para que ele
a segure Anne lá embaixo. Não seria bom que ela
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visse o pai assim.


— Claro. Obrigado. — Finalmente ele saiu,
cruzando a porta com Karen nos braços,
carregando-a com todo cuidado. Ela nem se mexia,
apenas mantinha os braços firmes ao redor do
pescoço dele, como se não quisesse que a soltasse.
Mas ele não pretendia soltá-la tão cedo.

***

Tudo o que aconteceu depois tornou-se uma


sucessão de memórias dolorosas. Karen lembrava-
se de Marcos colocando-a em sua cama com
cuidado e deitando-se ao seu lado para abraçá-la.
Ela chegou a adormecer por uma meia-hora, mas
foi acordada com a mesma gentileza, pois
precisaria dar depoimento. Olavo tinha chamado
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reforços, e eles queriam que ela falasse. Então,


vestindo uma camiseta de Marcos por cima da
calça jeans que usava, desceu para o hall da
pousada, já vazio, para conversar com a polícia,
com Marcos, Sérgio, Amália e Patrícia ao seu lado.
A um pedido de Sérgio, Tauan estava mantendo
Anne em seu quarto, embora ela já estivesse ciente
do que tinha acontecido.
A conversa de Karen com os policiais foi
longa, e ela se viu obrigada a contar coisas de seu
passado que não queria contar, porém, se fosse
necessário para deixar Elias para sempre na cadeia
e livrar Marcos de uma acusação, ela o faria. Por
isso, relatou tudo o que passou nas mãos daquele
louco, tanto no passado quanto naquela noite
infernal.
Quando os policiais foram embora, Sérgio
avisou a Tauan, que levou Anne para ver a irmã.

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A menina se aproximou com cautela, como


se Karen fosse um animal ferido em uma floresta.
Ela tinha os olhos marejados de lágrimas e hesitou
um pouco ao se colocar na frente da irmã. Esta, em
contrapartida, puxou-a para seus braços, agarrando-
se à pequena figura da mais jovem como se
precisasse de um bote salva-vidas.
— Me desculpa! Por favor... eu não queria...
Eu não falei para ele onde estava, mas eu fiz umas
postagens no Instagram, e acho que ele viu. Fiz
uma anteontem na porta da pousada, mostrando o
nome daqui. — Anne soluçava em desespero,
arrependida.
— Não, querida. Não se culpe. Você tem o
direito de viver, de ser uma garota da sua idade.
Aquele homem não podia se aproveitar disso.
Anne se afastou um pouco de Karen para
poder olhá-la nos olhos.
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— Ele machucou você outra vez?


Karen respirou fundo. Não poderia dizer
que não, que tinha saído ilesa daquela agressão, por
mais que Elias não tivesse chegado a tocá-la de
forma mais traumática. Só que aquele tipo de coisa
ficava gravado na pele como uma cicatriz, seria
mais uma memória obscura dentro de sua cabeça.
Uma que retornaria nos momentos mais difíceis,
quando sonhos sombrios invadissem sua noite.
Ainda assim, ela iria sobreviver novamente.
— Estou bem. Vou ficar bem.
Anne novamente a abraçou. Algum tempo
depois, elas subiram juntas para seu quarto. Karen
despediu-se de Marcos com um beijo, e ele a
abraçou bem forte.
— Tem certeza que não quer ficar comigo
esta noite? Talvez seja difícil dormir naquele quarto
— ele ofereceu com ela ainda em seus braços.
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— Preciso enfrentar.
— Você é muito corajosa — ele disse,
beijando-a no topo da cabeça. — Sobre ir embora,
ainda vai pensar sobre isso? Ou vai ficar?
Karen afastou-se de Marcos e abriu um
sorriso desanimado.
— Vou ficar mais alguns dias. Mas não
muito mais. Preciso começar a procurar emprego.
— Por que não manda alguns currículos
daqui mesmo? Também posso ajudar de alguma
forma. Conheço muita gente.
— Não quero usar sua influência para isso.
— Não vai. Só quero ajudar. — Ele deu de
ombros.
— Tudo bem. Conversamos sobre isso
amanhã.

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Com mais um beijo, eles se afastaram, e


Karen entrou no quarto.
Não podia negar que olhar para aquela cama
foi muito difícil. Sérgio se encarregara de tirar o
tapete onde Elias fora espancado por Marcos dali, e
os lençóis foram trocados, mas, ainda assim, era
como se o cheiro do medo estivesse impregnado
em cada parede. A porta ainda estava quebrada ‒
novamente ‒, mas isso era o de menos.
Anne estava trancada no banheiro, tomando
um banho para dormir, mas imaginava que
nenhuma das duas conseguiria pegar no sono tão
cedo. Quando ela retornou, Karen deu uma boa
olhada nela. Os cabelos estavam presos em um
coque frouxo, o rosto lavado, sem maquiagem,
fazendo-a parecer muito mais menina do que
realmente era. Só de olhá-la, seu coração começou
a disparar no peito com um amor tão puro e

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protetor que Karen sentia que poderia fazê-lo


explodir a qualquer momento.
Anne deitou-se na própria cama, ligando a
TV. Era fácil perceber que ainda estava abalada
também por saber o que a mais velha tinha sofrido,
tanto que nem sequer a olhava nos olhos.
Exatamente por isso, Karen foi até ela e jogou-se
ao seu lado, agarrando-a em um abraço de urso.
— Você lembra quando se refugiava na
minha cama em noites de tempestade?
— Ou quando mamãe e papai estavam
brigando, né? — ela falou com tristeza na voz.
— Também, mas isso podemos esquecer.
Vamos pensar só nas tempestades, que são bem
menos assustadoras. — Karen tentou manter a voz
firme e o mais animada possível. — Você lembra?
— Claro que sim.

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— Então hoje eu é que preciso dormir na


sua cama, porque estou com medo. Você deixa?
Anne olhou bem fundo nos olhos da irmã, e
novamente começou a chorar. Daquela vez, Karen
não ia pedir para ela parar de chorar, porque sabia
que as duas tinham muito a desabafar.
— Claro que deixo.
Então, ela também passou os braços ao
redor da irmã, e as duas ficaram assim, abraçadas,
por algum tempo, em silêncio, apenas transmitindo
conforto uma para a outra, esperando que o sono
chegasse.

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Capítulo Quinze
ALGUNS DIAS DEPOIS

Há alguns dias ela vinha esperando uma


ligação ou um e-mail que lhe desse uma boa
notícia. Não que não estivesse feliz da forma como
estava. Para ser sincera, sair de Vilamares seria
extremamente doloroso, mas era parte da vida real
despedir-se e recomeçar. Além do mais, precisava
de um emprego. Não poderia mais ficar gastando
dinheiro de forma desmedida, principalmente sendo
jovem e tendo força para trabalhar. E ela queria
trabalhar. Queria fazer algo útil com seu tempo.
Bem, na verdade, ela estava fazendo.
Enquanto passava tardes deliciosas na pousada com
Anne, passeando por Vilamares e as noites fazendo
amor com Marcos, continuava escrevendo seu

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livro. Tudo estava indo tão bem, que ela tinha a


previsão de terminar no máximo em um mês. Já
sabia mais ou menos o que iria fazer com ele, pois
Patrícia conhecia alguns escritores que publicavam
online, pela Amazon. A ideia de ter leitores e
ganhar dinheiro com seu próprio trabalho muito a
agradava, então, Karen decidiu acatar a ideia de sua
mais nova amiga.
Aliás, Patrícia tinha mesmo tirado umas
férias longas do trabalho para ficar com Sérgio,
que, diga-se de passagem, estava radiante com a
presença da amada. Ela havia confidenciado a
Karen que estava mesmo começando a pensar em
parar. Já tinha vinte e oito anos, e embora ainda
fosse muito jovem, para o mundo da moda, ela já se
encontrava em idade de guardar as chuteiras. Vinha
pensando em montar uma agência ou um curso para
modelos, o que ela poderia fazer ali mesmo em

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Vilamares. Mas como era apenas um projeto, ela


ainda não queria contar para Sérgio, pois não queria
iludi-lo.
A influência de Marcos em sua busca por
um emprego realmente foi proveitosa. Ele
realmente tinha muitos contatos e acabou
descobrindo que um diretor de cinema, que dirigira
um de seus clipes no início de carreira, tinha uma
mãe que precisava de uma acompanhante. Estava
disposto a pagar uma grana preta se encontrasse a
pessoa certa. E claro que com uma conversa por
Skype, Karen foi a escolhida. Ela precisaria
começar em um mês, o que daria um bom tempo
para procurar um apartamento no Rio, além de ser
o período perfeito para Anne ser matriculada no
colégio e iniciar as aulas normalmente junto do
período letivo.
Desde este dia da reunião já tinha se

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passado uma semana, e Karen estava com tudo


pronto para partir no dia seguinte, pela manhã.
Anne estava triste, mas animada ao mesmo tempo,
para começar sua nova vida. O novo patrão de
Karen tinha um apartamento pequeno em
Jacarepaguá para alugar, e ele descontaria do
salário dela ‒ mas a quantia pedida estava bem
abaixo do mercado, e pelas fotos era um local bem
agradável. Não era grande, mas seria perfeito para
ela e para Anne.
Tudo estava caminhando muito bem. A
única coisa que lhe doía o coração era deixar
Marcos para trás. Eles tinham passado momentos
maravilhosos juntos, fizeram amor incontáveis
vezes, e ela sabia que estava apaixonada. Ele
também. Não precisavam dizer as palavras para que
soubessem o que sentiam. Só que também não
tinham feito promessas. Aquela noite seria sua

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última, e havia uma grande chance de se


encontrarem no Rio de Janeiro, mas Karen não
queria pressioná-lo a procurá-la, e nem ele tinha
feito o mesmo. Ela deixara seu endereço novo, e ele
também informara o dele, mas nada mais do que
isso.
Naquele momento, Karen estava no quarto
dele, observando-o fazer as malas, já que também
iria embora no dia seguinte, alegando que nada
mais o prendia a Vilamares. Fizera algumas
reuniões com seu empresário, que se empolgara
com a ideia da carreira solo. Durante aquele
período de dias, Marcos tinha composto duas
músicas ‒ uma com a ajuda de Anne ‒, e queria
gravá-las para mostrá-las. A ideia era iniciar um
canal no YouTube para que as pessoas se
acostumassem com a ideia de que ele agora era um
cantor. Pensava em dar algumas aulas de guitarra,

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fazer uns covers e ir apresentando as músicas


inéditas aos poucos. Então, quando estivesse com
muitos seguidores, poderia introduzir um clipe,
colocar alguma coisa no Spotify e tentar.
Marcos estava animado com isso, mas sabia
que só daria certo com sua ida para o Rio, o que
significava separar-se de Karen.
Haviam muitas palavras engasgadas, presas
em sua garganta, coisas que ele gostaria de dizer a
ela, mas que ainda não tinha coragem. Coisas que
ele sabia que se dissesse poderiam assustá-la, uma
vez que a dimensão de seus sentimentos também
assustava a ele.
Fosse como fosse, nenhum dos dois estava
muito disposto a pensar no amanhã. Não quando
tinham poucas horas para se amarem.
Karen estava nos braços de Marcos,
deitados na cama, e ele jamais fora tão terno.
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Colocado sobre o corpo dela, com os cotovelos


apoiados no colchão, olhava-a como se fosse a mais
bela pintura em uma galeria. Com as costas da mão,
acariciava-lhe o rosto cheio de doçura. Karen
também não conseguia desviar o olhar dele. Queria
decorar cada expressão daqueles lindos olhos azuis
que faziam seu coração bater tão forte e tão
descompassado. Queria lembrar-se do rosto do
homem que a salvara de tantas maneiras que ela
mal poderia contar.
Quando ele abaixou-se e colou os lábios nos
dela, o sabor daquele beijo misturava paixão e
desespero. Saudade antecipada. Marcos devorou-a
sem delicadeza, torturando-a com aquela língua
experiente. E esta mesma língua, ao sair de sua
boca, começou a explorar seu corpo, demorando-se
em seus seios, criando uma trilha por seu ventre e
chegando à sua intimidade, onde ele a fez gritar de

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prazer e chegar ao primeiro clímax da noite.


Quando ele a penetrou, pouco depois, em
seus olhos havia a promessa de que ela ainda seria
dele naquela noite muitas vezes. Ele a desejava
desesperadamente, queria marcar seu corpo, assim
como ela havia marcado seu coração
irremediavelmente.
Acordaram juntos, fizeram amor mais uma
vez, e Karen retornou ao seu quarto com o coração
partido em mil pedaços. Marcos ainda a segurou
contra si com força, beijando-a apaixonadamente
mais uma vez, mas a despedida era necessária.
Encontraram-se novamente duas horas
depois, Karen já com Anne ao seu lado, e Marcos
ajudou-as a levar as malas para o carro. Sérgio,
Amália e Patrícia já as estavam esperando.
Amália foi a primeira a receber seu carinho.

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Abraçou a mulher mais velha com força e


beijou-a várias vezes no rosto.
— Nunca vou esquecê-la. Se não fosse por
você...
— Não diga isso. Foram esses dois rapazes
fortes que a salvaram e aquele moço que era amigo
da sua mãe. Eu fui só a mensageira.
— Que fez toda a diferença...
— Você é uma mulher forte, Karen. Tem
muita coragem. — Depois de dizer isso, ela lançou
um olhar para Anne. — E aquela mocinha ali
também. Vocês ainda serão muito felizes!
— É uma premonição? — brincou Karen.
— Não. Mas é uma certeza. Porque sei que
quem merece, no final das contas, acaba tendo seu
final feliz.
Anne também abraçou a mulher, e depois
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ambas se ocuparam dos amigos. Sérgio e Patrícia


prometeram que iriam visitá-la no Rio, mas
provavelmente ainda iria demorar, pois Patrícia
ainda estava tentando se decidir sobre sua carreira,
mas todos esperavam ter notícias em breve.
Anne despediu-se de Marcos com um
abraço, e ele a surpreendeu presenteando-a com seu
violão. Ela ficou extasiada e pediu que ele o
autografasse, o que foi feito com muito carinho,
com a dedicatória: “Para minha parceira de
composições”. Certamente ela iria guardá-lo como
um tesouro.
A menina, então, entrou no carro e todos os
outros voltaram à pousada, na intenção de darem
privacidade ao casal.
Marcos enlaçou Karen pela cintura,
puxando-a para si com vontade. Nem hesitou em
beijá-la, porque precisava aproveitar cada um dos
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últimos segundos que tinham juntos.


— Promete que vai me ligar? Que vai me
atender? Me receber? Sei lá... Promete que não vai
me esquecer? — Eram muitas perguntas. Na
verdade, Marcos queria dizer muito mais. Ele
queria dizer que iria visitá-la naquela mesma noite,
se fosse da vontade dela; queria convidá-la para
sair no dia seguinte, e no próximo, e no próximo,
mas ainda não sabia se Karen estava na mesma
vibe. Ela era carinhosa sempre, mas nunca
demonstrara interesse em manter um
relacionamento com ele.
— Não será o nosso fim aqui. Se você ainda
me quiser quando chegar no Rio, estarei lá. Sabe
meu endereço.
Lá estava um sinal de que ela não o
procuraria. Marcos não sabia como interpretar isso.
Seria um fora? Seria um término? Ou seria mesmo
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apenas uma insegurança de que ao voltar para sua


vida de shows, ensaios e fama, ela acabaria sendo
deixada de lado.
Para ser sincero, Marcos realmente queria
chegar no Rio de Janeiro para ver como sua vida
seria dali em diante. Não que tivesse alguma dúvida
de seus sentimentos por Karen ou que ainda
quisesse testar alguma coisa antes de ficar para
valer com ela, mas precisava se encontrar para ser
um homem inteiro para a mulher mais especial que
conhecia. Então, aquele tempo seria bom para os
dois. O relacionamento começara como um
furacão, mas havia muito ainda a descobrir.
Então eles se beijaram novamente. Ao se
afastarem, ambos sentindo o coração doer por
antecipação, Karen entrou no carro. Marcos iria
logo em seguida. Queria ter sugerido que fossem
juntos, com elas a segui-lo ou vice-versa, mas

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acreditara que poderia ser intrusivo demais.


Odiava isso. Odiava precisar ficar cheio de
dedos com a mulher por quem estava perdidamente
apaixonado. Odiava mais ainda vê-la indo embora.
Mas conforme o carro de Karen ia se
afastando e desaparecendo diante de seus olhos,
mais ele tinha certeza que fora um idiota em não
dizer que a amava.

***

QUINZE DIAS DEPOIS

— Se eu tivesse apostado... — Karen


comentou para Anne, enquanto esta via televisão. A
mais velha estava escrevendo seu livro quando uma

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mensagem acusou um novo e-mail, e ela foi


correndo ver ao perceber que o remetente era
Sérgio.
— O que foi? — Anne virou-se para ela,
desviando a atenção da TV.
— Sérgio e Patrícia vão se casar. Amália
acabou de me mandar um e-mail. Ela disse que eles
queriam fazer surpresa, mas ela queria ser a
primeira a me contar — Karen disse com uma
risadinha. — Ela parece muito feliz. Já está falando
até em ser bisavó. Vê se pode!
— Que legal! — A menina levantou-se e
colocou-se atrás da irmã, na mesa de jantar, para
ver o que eles diziam.
— Eu sabia que não ia demorar para a
Patrícia tomar a decisão dela, e que assim que
Sérgio descobrisse que não iria mais perdê-la, eles
marcariam a data.
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— Estou feliz por eles. Formam um casal


lindo...
Karen sorriu maliciosamente.
— Sabe quem também forma um casal
lindo? Você e aquele seu colega do curso de inglês.
— Karen! Eu comecei o curso semana
passada! Você não pode achar que só porque
viemos caminhando juntos ele...
— E ele não te interessa nem um
pouquinho? Não acha gatinho? — Karen não queria
pressioná-la, mas sabia que a menina tinha chorado
um pouco por Tauan, embora ele já tivesse sido
esquecido, e seria bom vê-la empolgada
novamente. Ah, a adolescência... Se ao menos
Karen também tivesse conseguido esquecer o seu
amor de verão...
— Acho... mas... — Ela corou. Era hora de

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Karen parar de insistir. Principalmente porque a


brincadeira tinha um fundo de verdade.
— Seja como for, quero que saiba que pode
conversar comigo sobre tudo. Se acabar se
apaixonando por alguém... E se começar a sentir
vontade de fazer outras coisas...
— Pode deixar, mamãe... Tá parecendo uma
idosa, Karen. — Dizendo isso, ela voltou para o
sofá. — É minha irmã mais velha, mas não quero
ter uma conversa sobre educação sexual com você.
Indignada, Karen ficou boquiaberta, mas
não pôde reprimir uma risada ao perceber que Anne
já não a estava mais olhando.
Voltou, então, ao seu trabalho, imaginando
que a garota continuaria entretida com seu filme.
Só que ela soltou, do nada:
— Mas ele toca violão, sabe?

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— Ah é? — Karen demonstrou interesse. —


Uma coisa em comum...
— Temos várias. O nome dele é Pedro.
Karen abriu um sorriso.
— Você me parece bem encantada,
maninha.
— É... quem sabe? — Anne respondeu
enigmática, e Karen decidiu que era melhor não
falar mais nada. Se a menina quisesse contar
qualquer coisa, acabaria contando no momento
certo. — E o trabalho?
— Ah, está ótimo. A Dona Maria de
Lourdes é uma figura. Divertida, adora ver filmes e
adorou minha escolha de livro para ler para ela.
— O que você escolheu?
— O Iluminado.

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— Terror, Karen? Para uma velhinha? —


Anne gargalhou.
— Bem, ela disse que queria alguma coisa
bem tensa para mantê-la acordada. Não consegui
pensar em nada melhor. Mas ela está gostando.
E Karen também. Estava trabalhando há
apenas três dias com sua nova patroa, mas estava
adorando.
Sem saber se deveria voltar ao seu trabalho,
já que Anne parecia falante, Karen fechou o
notebook e decidiu ir à cozinha pegar um copo
d’água. Planejava sentar-se ao lado da irmã e
assistir ao filme com ela, mas a campainha tocou.
Deu uma olhada no relógio, mas já passava
das oito. Não fazia ideia de quem poderia ser
àquela hora, e Anne parecia fazer menos ideia
ainda.

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Quando olhou pelo olho mágico, porém, seu


coração quase saiu pela boca. Precisou afastar-se da
porta por um momento, com a mão no peito, o que
assustou Anne.
— Karen, o que houve?
Gesticulando para a irmã, Karen pediu que
Anne se aproximasse da porta e também olhasse
pelo olho mágico. Ao fazer isso, a menina
simplesmente arregalou os olhos e ficou
boquiaberta.
— Um momento — Karen falou e puxou a
garota para um canto, para poderem cochichar. —
Pelo amor de Deus, Anne, o que eu faço?
— Tá maluca? Abre a porta, é lógico. Você
está há dias remoendo a vontade de ligar para ele!
— Aquela linha de pensamento era tão simples,
porque as pessoas precisavam complicar tanto?

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— Mas eu estou horrorosa.


Anne revirou os olhos.
— Você nunca está horrorosa. Pelo amor de
Deus, Karen! Você é a mulher mais bonita que eu
já vi na vida. Deixa de ser chata.
Com isso, Anne dirigiu-se à porta, e ela
mesma a abriu, deixando Karen atordoada.
— Marcos! — Com muito entusiasmo, a
menina jogou os braços ao redor da cintura do
guitarrista, que retribuiu o cumprimento com o
mesmo carinho.
— Ei, gatinha, tudo bem? Trouxe flores
para você. — Marcos tinha dois buquês nas mãos.
Um menor, de margaridas, muito singelo e
delicado; e outro maior, de rosas colombianas cor-
de-rosa, na outra. Entregou o menor à garota.
— Obrigada! — Ela cheirou o buquê. —
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Ainda estou tocando violão. Se mais tarde, depois


de conversar com Karen, quiser ouvir... Fiz uma
música nova.
— Vou adorar — ele afirmou com genuíno
interesse.
— Vou deixar vocês a sós — a menina
disse e se retirou.
Assim que ficaram sozinhos, Karen deu-se
conta de que Marcos ainda estava de pé bem na
entrada do apartamento.
— Me desculpa. Entre... sou uma péssima
anfitriã.
Enquanto fazia o que ela pediu, ele estendeu
o outro buquê. Ela o pegou com um sorriso.
— São lindas. Obrigada.
Marcos, então, entrou e, com as mãos nos
bolsos do jeans, parecendo igualmente
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constrangido, começou a olhar ao redor.


— Ficou uma graça o apartamento. Tem a
sua cara e de Anne.
— Obrigada. Ainda estamos encaixando
algumas coisas, mas acho que em breve estará
perfeito. — Ela fez uma pausa, enquanto abria o
armário e tirava de lá um vaso. — Pode se sentar,
se quiser. — Ele sentou-se, mostrando que não se
tratava de uma visita rápida.
Karen não sabia o que pensar sobre isso.
Não sabia se era seguro ter Marcos por ali sem
saber quais eram suas intenções com aquela visita.
Passaram dias maravilhosos juntos, mas já estavam
há quase o mesmo tempo separados, e lá estava de
volta o desconforto, que deixara de existir com a
convivência na pousada.
Fosse como fosse, ele ainda era uma
presença intimidadora, mas de um jeito bom.
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Estava ainda mais bonito do que antes, e Karen já


conseguia sentir suas pernas falharem só pela forma
como ele a olhava, cheio de intensidade e
promessas naqueles olhos azuis tão expressivos.
No momento em que terminou de colocar as
flores na água e posicioná-las em um local vazio na
estante, virou-se para ele e pegou-o passando a mão
pelo cabelo, com a cabeça baixa e um sorriso
constrangido nos lábios.
— O que foi? — perguntou curiosa.
— Nada... — ele soltou uma risadinha
irônica. — É que você está tão bonita... Eu ensaiei
várias coisas para dizer... pensei em mil assuntos
para que isso parecesse apenas uma visita social,
mas... Meu Deus, Karen... eu senti saudade...
Karen precisou prender a respiração. A
verdade era que tudo naquele reencontro era mais
do que inesperado. Pensara que depois de todos
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aquele dias, não o veria nunca mais. Porém, tê-lo


ali, em seu apartamento pequeno, sentado em seu
sofá, dizendo-lhe aquelas coisas, era mais do que
poderia esperar. Precisava controlar-se ao máximo
para não correr a ele e jogar-se em seu colo.
Mas ele foi mais rápido e levantou-se,
começando a aproximar-se lentamente.
— Eu quis te dar espaço. Juro que quis.
Pensei que se você realmente quisesse me
encontrar, tinha meu telefone e poderia ter me
ligado... Mas aí achei que estava agindo como um
covarde, e eu não sou um. Meu pai sempre me
disse que um dia a mulher certa surgiria na minha
vida, e que eu deveria lutar por ela. Por isso estou
aqui, Karen... quero lutar por você. Por nós. Se
você ainda me quiser...
Ela engoliu em seco, sem saber o que falar.
Será que ele estava mesmo dizendo o que ela
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imaginava que estava? Que iriam ficar juntos a


partir daquele momento?
Marcos colocou-se próximo demais, a
pouquíssimos centímetros de distância, e Karen
sentiu-se ainda mais fraca e vulnerável. Ela sabia,
porque já o conhecia ‒ ao menos o suficiente para
saber ‒, que nada do que fazia era para deixá-la
acuada. Na verdade, ele parecia estar apenas
tentando uma abordagem, quase desajeitado, se é
que isso era possível para um homem tão confiante.
— Diga alguma coisa, por favor... estou
desesperado aqui.
— Eu... eu não sei o que dizer... Não sei...
Marcos murchou um pouco, mas Karen
arrependeu-se de suas palavras. Não queria que ele
a interpretasse mal. Não queria que acreditasse que
ela não queria vê-lo, que não sentia o mesmo. A
verdade era que estava tão atordoada que mal sabia
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como se manifestar.
Apesar disso, esforçou-se ao máximo para
dizer alguma coisa e tirar a má impressão.
— Eu também estava com saudade... — Só
essas palavras, poder libertá-las, já fizeram seu
coração se derreter. — Oh, Marcos, eu senti muito
a sua falta.
E, provavelmente, algo em seus olhos deve
ter oferecido a resposta que ele tanto queria, porque
Marcos simplesmente a enlaçou pela cintura com
um braço firme e a puxou para si quase com
urgência, roubando-lhe um beijo que parecia dizer
muito mais do que qualquer outra palavra que
surgisse.
Marcos a segurava com força contra si,
como se temesse que ela pudesse fugir a qualquer
momento. Deus! Ele desejara tanto aquele beijo...
Por dias remoera a vontade de ir procurá-la,
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controlara a ânsia de quebrar sua própria promessa


de deixá-la dar o primeiro passo. Temia reencontrá-
la e descobrir que tudo não passara de um romance
passageiro para ela. Então, tê-la nos braços,
beijando-o com a mesma paixão, trazia um enorme
alívio para dentro de seu peito.
— Eu amo você, Karen — falou assim que
conseguiu forças para se afastar dela. Apesar disso,
não foi capaz de soltá-la. As mãos permaneceram
em concha no rosto delicado de Karen, precisando
que ela o olhasse nos olhos enquanto confessava
seus sentimentos. — Sei que é louco e que parece
precipitado, mas conheço o suficiente da vida e de
sentimentos para saber o que se passa comigo. Não
houve um único dia, desde que nos separamos, que
eu não tenha desejado estar com você. Por isso,
quero que fique comigo. Para valer.
Uma lágrima surgiu no canto do olho de

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Karen, deslizando logo em seguida pelo rosto alvo


que ele tanto amava.
— Eu também não consegui parar de pensar
em você. Coloquei todas as músicas da sua banda
na minha Playlist, até.
Marcos gargalhou.
— Teve coragem de fazer isso?
— São boas. Mas as suas, solo, são
melhores.
— Graças a Deus por isso... Aliás, vou
gravar a primeira semana que vem, no sábado.
Gostaria que estivesse lá comigo. Você e Anne.
Talvez eu possa apresentá-la a algumas pessoas...
— Ah, Marcos! Seria incrível, e ela iria
adorar — Karen falou, emocionada.
— E você? Iria adorar também? — ele falou
em um sussurro, com aquela voz sexy, rouca, que
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seria capaz de fazer misérias com os pensamentos


de qualquer uma.
— Com certeza. Vou adorar fazer qualquer
coisa, contanto que você esteja comigo.
Aquela resposta teve uma consequência, e
Karen sentiu-se sendo abraçada pela cintura com
força e erguida do chão, para ficar a uma altura
mais equivalente à de Marcos, que novamente a
beijou.
Ainda mantendo-a naquela posição, ele
afastou-se de sua boca e aproximou-se de seu
ouvido, sussurrando novamente:
— É uma pena que Anne esteja em casa,
porque eu adoraria fazer amor com você em cima
daquela mesa.
Karen gargalhou, jogando a cabeça para
trás, sentindo-se feliz como há dias não se sentia.

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— Tenho uma cama bem confortável no


meu quarto, serve?
Marcos nem respondeu, apenas ajeitou-a
nos braços, erguendo-a no colo como se fosse uma
noiva.
— Por enquanto vai servir...
Gargalhando, radiantes, os dois seguiram na
direção do quarto, onde fecharam-se em um mundo
só deles, onde não havia mais nada além de
promessas de um futuro feliz.

FIM

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[1]
Viagem de carro pela estrada.
[2]
Hotel California é uma música de sucesso dos anos 70,
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composta pela banda Eagles.

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