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CAPÍTULO II

Com certeza, de todas as noites em que ela estava ali, aquela estava sendo a mais louca.
Diante dela, aquele estranho chorava inconsolavelmente e por mais que seu instinto gritasse
para que corresse pra longe dele, sua primeira atitude foi abraça-lo. Ele matara o próprio filho!
E me contou isso, simples assim! Ao perceber sua aproximação para abraça-lo, o estranho abriu
os braços e literalmente se derramou em seus braços.
- Calma, calma – foi a única coisa que em sã consciência ela conseguiu pronunciar ao vê-
lo naquele estado. Sem parar pra pensar, o arrastou para seu esconderijo: nada mais que uma
barraca próximo ao lago. Ambos desceram por um caminho estreito. Ela, com os pés firmes
segurando o peso de um homem adulto. Ele, em prantos apoiado em seus braços numa posição
que só um velho de 90 anos conseguiria fazer.
Ao chegar à entrada, ela o alojou numa pedra logo ali, enquanto se dirigia ao interior da
sua moradia improvisada. Não demorou muito voltando com um vasilhame de água que o
ofereceu gentilmente. Ele bebeu ainda aos soluços embora mais calmo.
- Obrigado. – sussurrou o homem, tão baixo que a menina só conseguiu entender por
estar prestando atenção aos seus lábios.
- Não há de quê. – Silêncio. Ela encarando ele, ele encarando o chão. Depois de um
tempo, a garota decide quebra-lo. – E então, quer me contar o que realmente aconteceu?
Seguido destas palavras, vieram a cara de choro novamente e a promessa de mais
lágrimas derramadas. Antes disso acontecer, ela jogou um pouco de água na cara dele e falou:
- Agora chega. Sei que você está triste e tudo mas precisa se acalmar! Já está me dando
nos nervos toda essa história.
Assustado, ele a encarou e pareceu um pouco perturbado pela a sua forma de falar.
Depois de algum tempo encarando-a, falou:
- Isso aconteceu a cinco anos atrás. Hoje ele completaria dez anos caso eu... se eu
tivesse... o dia de seu nascimento se tornou também o aniversário de sua morte. Não há nada
que pudesse ter feito em relação a isso. Simplesmente não escolhi que assim fosse. Foi apenas
mais uma armadilha do maldito acaso que me persegue e me relembra desse dia terrível em
minha vida.
- O que você fez com ele? Tipo, atirou nele ou algo assim?
- Você tá louca? – E levantou-se bruscamente como se o que ela tivesse acabado de
insinuar, representasse uma gravíssima ofensa contra a sua pessoa. – Eu não atirei no meu filho,
se é isso que quer saber.
- Então o que fez? Afogou, esfaqueou, sufocou... – a cada sugestão, ele abria mais e mais
o seus olhos, aparentando total perplexidade.
- Pera garota, pera! Quando eu disse que matei meu filho, quis dizer figuradamente e não
literalmente. Eu não o matei com as minhas próprias mãos.
- Mandou alguém matar?
- Não!
- Então explica essa droga, cara. Primeiro você fala que matou o moleque e agora tá
dizendo que fez isso figuradamente. Ah, qual é!
- NÃO O CHAME DE MOLEQUE! - Ao grito dele, ela se encolheu como se um trovão tivesse
rebombado os céus. Encarou-o assustada, meio aflita. Percebendo a impressão que tinha
causado, ele logo se recompôs.
- Desculpe-me... seu nome era Alex. E como não nos apresentamos ainda, o meu é Josh.
– Estendeu a mão em sua direção esperando que ela o cumprimentasse também. Entretanto,
ela apenas disse:
- O meu é Lexa. – E cruzou os braços, enquanto sacudia a perna e só parava pra arrumar
uma mecha de cabelo que insistia em cair no seu rosto.
Josh recolheu sua mão e a encarou durante um espaço de tempo, vendo-a como era.
Como antes, tinha reparado que ela não tinha mais que 16 anos e embora demonstrasse uma
aparência suja, percebeu que afinal de contas era bem cuidada. Branca, cabelos ruivos caindo
aos ombros e com roupas que embora estivessem sujas, pareciam seguir o último estilo. Se
perguntou como uma garota como aquela acabou nas ruas e principalmente num lugar como
aquele.
Enquanto Josh a olhava, Lexa encarava o chão e refletia se aquele estranho era realmente
um perigo ou se era apenas mais um perdido, como ela. A sua situação não estava muito boa
nos últimos tempos e se aproximar daquele cara, fez com que ela pensasse em usá-lo como uma
ferramenta para conseguir um pouco mais de comida e dinheiro. Pelo menos o suficiente até o
fim da semana. Até aquele momento, tinha sobrevivido da ajuda de estranhos, vendendo seus
desenhos por aí. Já se fazia um mês que estava nessa, mas as coisas tinham começado a apertar
e até a ideia de vender o próprio corpo tinha lhe passado pela a cabeça. Eu me mato antes desse
dia chegar, pensou. Mas por mais que assim prometesse, o fato era que as coisas estavam se
complicando e ela precisava de um extra, pelo menos pra poder ir a um lugar melhor.
- Então... – começou ela – você quer me contar o que realmente houve?
Ele se aproximou da pedra e voltou a sentar.
- Claro – Lexa sentou numa parte elevada ao lado dele e esperou – Tudo começou no
natal de 2007. Alex completara 4 anos e como toda criança, gostava de explorar o mundo através
de perguntas. Acho que por dia, ele fazia umas 50 perguntas, desde um simples “por que?” até
questões mais elaboradas como “De onde vieram os bebês?”. Veja, pra uma criança de 4 anos,
essas perguntas são um tanto complicadas. Observamos que de fato o nosso filho era especial
quando vendo uma reportagem na TV sobre o mercado de 2008, ele previu com o máximo de
certeza que uma criança pode ter, que a economia mundial sofreria um pequeno choque graças
a uma crise que reverberaria no bolso de boa parte dos cidadãos americanos.
Josh fez uma breve pausa pra tomar fôlego. Encarou-a pra ter certeza de que ela de fato
estava acompanhando e continuou: - é óbvio que não demos o merecido crédito ao garoto
embora a articulação da qual ele se utilizou pra justificar tal profecia foi muito boa. Na verdade,
foi excelente! Confesso que não tinha metade do conhecimento que ele demonstrou ter. Eu e
minha mulher ficamos abismados e....
- Pera, você é casado? – perguntou Lexa num tom surpreso.
- Não. Não mais. – seus olhos marejaram novamente, prestes a derramar mais um round
de lágrimas. – Bem, continuando, ficamos chocados mais ainda quando a profecia do garoto
realmente se concretizou algum tempo depois. Não sabíamos o que dizer.
- Você tá querendo dizer que o garoto, meio que adivinhou toda aquela porqueira?
- Mais ou menos. De fato não parou apenas nessa profecia. Certa madrugada, quando
sua mãe estava de plantão no hospital, ele veio a minha cama e me acordou com um sussurro.

- Pai?
- O que houve filho? – respondi um tanto assustado.
- Porque a Sra. Margareth, nossa vizinha, precisa morrer?
Ainda meio sonolento, não tinha registrado com clareza aquilo que Alex estava querendo
me dizer:
- Não entendi filho, quem vai morrer?
- A Sra. Margareth. Eu tive um sonho, e nele eu vi ela se chocando com um carro prateado.
- Ah filho, foi só um sonho. Você não tem nada com o que se preocupar. – E o abracei.
Lexa o encarou perplexa e antes dele prosseguir, perguntou:
- Cara, se você me falar que essa tal de Sra. Margareth realmente morreu...
- Foi isso mesmo o que aconteceu. Não pode imaginar a cara que eu fiz na manhã seguinte
quando recebi a notícia de que a nossa vizinha havia falecido num acidente de carro. Um carro
que era prateado, veja bem. Eu simplesmente fiquei apavorado!
Ela calou. De fato aquilo poderia ser apenas uma grande mentira, mas mesmo que
pensasse nisso, não conseguia ver onde aquele cara queria chegar. Ele estava prestes a se matar
e provavelmente não parou só pra contar a sua última piada antes de morrer. Portanto, por mais
que pensasse que ele talvez fosse perigoso, seus instintos a mantinham atenta, pois sentia que
algo naquela história a interessaria.
- O que houve depois?
- Bem, a primeira coisa que fiz foi contar para Sarah o que Alex tinha me dito na noite
anterior e lhe dar a notícia de que realmente o que ele me falou, aconteceu.
- Caraca! E ela?
- Bem, a primeira atitude dela foi rir na minha cara. Eu estava com tanto medo e ela lá,
rindo de se acabar como se o que eu tivesse dito, não fizesse sentido nenhum.
- Mas tu tem que concordar man. Isso realmente não faz porra de sentido nenhum!
- E você não está me vendo negar isso. Ela não ligou para as minhas queixas e continuou
a fazer as coisas, como se nunca tivéssemos tido aquela conversa. Mas uma noite, ela realmente
entendeu o que eu queria dizer.
- O que houve?
- Estávamos na sala assistindo TV.

- Mamãe?
- Pois não, filho?
- Você não irá ligar para o hospital?
Ela se virou pra ele, intrigada. Eu já imaginava que dali não viria boa coisa.
- O que quer dizer filho? Por que a mamãe tem que ligar para o hospital? – perguntei.
- Sabe aquele senhor, mamãe? Que a senhora costuma contar histórias à ele? Aquele que
disse que seus cabelos lembram os da filha dele. Bem, ele morreu a cinco minutos atrás.
Os olhos de Sarah ficaram maior que os pratos da cozinha. Ela tentou elaborar algo mas
naquele exato momento, o telefone da cozinha toca. Ela corre em sua direção, o agarra e depois
de alguns instantes cai no chão, aos berros. Pelo o senhor que falecera, pelo o filho que
predissera sua morte e pelo o desespero que tudo aquilo emanava. Era impossível,
humanamente impossível.
Fui ao seu socorro e a abracei forte. Enquanto isso, ela sussurrou pra mim e apenas pra
mim:
- Quem é este garoto e o que fez com o nosso pequeno Alex?

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