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Copyright © 2017 Sara Ester

Capa: Barbara Dameto – ArtLivre Designer


Revisão: Sara Ester
Diagramação Digital: Sara Ester

Esta é uma obra ficcional.


Qualquer semelhança entre nomes, locais ou fatos da vida real é
mera coincidência.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser
utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem a autorização
por escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do código penal.
Capítulo 1
Millie Evans
Relembrar dos meses anteriores não era algo que eu gostava de fazer,
contudo fazia com frequência. Minha mente sadomasoquista teimava em me
ferir com as lembranças daqueles acontecimentos horrendos que culminou em
minha fuga, sim, minha fuga.
Eu não conseguia me orgulhar daquela atitude, sempre me vi capaz de
enfrentar os meus dragões. Mas como enfrentaria o Nathan e suas loucuras?
Como apagar da memória as dores, medos e contradições no qual aquela
relação me submetia constantemente?
Desde o primeiro momento em que me vi em Nova York, houve o
pânico, a escuridão do medo quis me consumir. Eu estava praticamente
sozinha e com meu pai em coma, além de tudo. No primeiro momento eu sentia
nojo de mim mesma a cada vez que me recordava da descoberta de Nathan e
eu. Céus! Éramos irmãos, realmente? Me negava a aceitar aquele trágico fim,
não por ainda amá-lo, mas por não querer carregar aquele fardo pesado de
pecado diante de Deus.
Deixei um longo suspiro escapar através dos meus lábios e me inclinei
sobre a cama do meu pai. A situação dele não havia tido melhora. Seu estado
avançou para o vegetativo e eram raras as vezes em que ele abria os olhos
para mim ou produzia algumas expressões faciais sem motivo aparente.
Carinhosamente segurei uma de suas mãos e acariciei-a antes de levar
aos meus lábios. O calor de sua pele era tão reconfortante, pois me confirmava
que ele ainda continuava ali, comigo...
- Eu estou aqui, pai – sussurrei. – Nunca vou abandoná-lo. – Prometi
com convicção.
No estado em que ele se encontrava, era possível que fosse tratado em
casa, entretanto como poderia cuidar dele sendo que eu precisava trabalhar?
Eu poderia deixá-lo aos cuidados de Elisabeth, mas aquilo não era justo, não
quando ela já fazia tanto por mim.
Ergui os olhos e fixei-os na janela semiaberta do quarto. Os custos do
tratamento dele eram altos, mas eu não me arrependia. Apesar de todo o
distanciamento emocional ele continuava sendo o meu pai e, eu o amava
demais. Nunca o abandonaria.
Meu celular vibrou na bolsa despertando-me de meu martírio interno.
- Oi, Leslie. – Atendi, em tom baixo. – Cheguei tão cansada ontem que
sequer consegui pensar em te ligar.
Leslie trabalhava comigo na boate.
- Eu percebi – disse ela em tom de censura, fazendo-me soltar um
sorrisinho. – Fiquei preocupada com você.
- Eu sei, me desculpe. – Eu disse culposa. – Esse ritmo constante dos
últimos dias está me consumindo e ainda preciso estar ao lado do meu pai...
- A sua força é invejável, sabia? Confesso que gostaria de ter um
terço da sua coragem, Millie.
Eu sorri, enquanto acariciava o rosto do meu pai.
- Não fale besteiras, Leslie. Você é uma fortaleza. – Brinquei. – Mas,
então? Alguma novidade aí?
- Argh! Simon não ligou para você ainda?
- Não.
Simon era o nosso chefe, dono da Casa Noturna Night Star.
- Ele está cheio de ideias naquele mente perturbada dele – falou,
fazendo-me rir. – Pretende agitar a noite do dia dos namorados.
- Ai, não – reclamei, cansada. – Resumindo: Casa cheia. Mais clientes.
Mais trabalho.
Leslie soltou uma risada alta do outro lado da linha, sendo seguida por
mim.
- É isso aí garota! Conseguiu pegar a linha de raciocínio.
- Droga! – resmunguei, olhando no relógio. – Daqui a pouco estarei aí,
estou no hospital com o meu pai.
- Está bem – disse ela. – Vou avisar ao Simon.
- Obrigada amiga. Até daqui a pouco.
- Até.
Desligamos.
Guardei o aparelho de celular na bolsa novamente e voltei a me inclinar
sobre o meu pai. Apesar da gravidade do que aconteceu com ele e do
diagnóstico do médico no qual afirmava que, aquele estágio poderia se
prolongar por anos, eu continuava tendo fé. Acreditava veemente que meu pai
voltaria para mim.
Minutos mais tarde eu me despedi dele com a rotineira dor no peito.
Sentia-me sufocada sempre que tinha que deixá-lo naquele hospital, sozinho.
Éramos somente eu e ele. Éramos a família um do outro.
Aquela constatação me fazia lembrar do quanto a vida podia ser ingrata.
Um tempo atrás o meu pai era o grande Joseph, um homem respeitado e
requisitado por tantos. Onde essas mesmas pessoas estavam? O abandonaram
impiedosamente duas vezes. A primeira quando Nathan o traiu e agora, com
ele fragilizado.
Lembrar-me daquilo fazia com que minha irritação se elevasse ao
extremo. Minhas frustrações se sobressaíam e eu me via de mãos atadas diante
de tamanha injustiça conosco. O presente em que eu estava vivendo não era e
nem nunca foi o que eu almejei para mim. Eu queria mais. Queria ser feliz.
Amar e ser amada...
“Mas eu quero que saiba que agora que a encontrei, mesmo que se
negue a aceitar minha ajuda, continuarei a seduzi-la. Eu sou um homem que
consegue o que quer. E eu quero você, Millie. Eu a amo.”
Aquela voz outra vez...
Busquei uma respiração profunda e lutei para reorganizar meus
pensamentos e minhas emoções confusas. Joguei a cabeça para trás conforme
me ajeitava no banco do carro. Meus olhos estavam fechados e eu lutava com
todas as minhas forças para apagar da minha mente, os traços daquele infeliz.
Não fazia muito tempo desde a última vez em que nos vimos. Nathan havia me
enganado se passando por Paolo naquela maldita reunião algumas semanas
atrás, mas nada daquilo resultou em meu declínio por ele. Eu não o queria
mais.
Depois que estabilizei as minhas emoções, liguei o carro e rumei em
direção à Casa noturna. O trabalho constante tinha o dom de me anestesiar.
§
- Demorou – disse Leslie, assim que pôs os olhos em mim. O lugar
estava uma completa bagunça. – Como pode notar, deu a louca no Simon. –
Revirei os olhos antes de abraça-la. – E o estado do seu pai?
- Está igual – respondi em um fiapo de voz. – Mas, continuo acreditando
na melhora dele. – Sorri para ela.
- É claro que sim – disse, apertando minhas mãos. – Logo ele sairá
dessa.
Caminhei com ela em direção a área dos funcionários, onde poderíamos
ter mais privacidade enquanto eu guardava meus pertences e me preparava
para iniciar o meu expediente.
- E então, o que está acontecendo? – perguntei.
Leslie resmungou enquanto se sentava em um banco e me observava.
- Simon e suas cismas – respondeu ela. – Ele não se contenta em nos ver
trabalhando, quer nos escravizar.
Joguei a cabeça para trás em uma gargalhada alta e gostosa.
- Você e seus dramas, Leslie – falei entre risos. – O que ele pretende,
afinal?
- Vai fazer uma noite especial para o dia dos namorados – respondeu
desanimada. – Algo para apimentar os eternos amantes apaixonados. – A voz
dela tornou-se engraçada na última frase. – Quem suporta isso, Millie?
Eu ri.
- Você que não, né? Não com esse mal humor constante – respondi em
tom brincalhão. – Eu já falei que você precisa namorar?
Ela resmungou enquanto retornávamos ao salão principal.
- Estou sem paciência e sem tempo para isso – disse. – E você? Ainda
não me contou sobre o seu reencontro com aquele seu amor antigo – comentou
ela, fazendo arrepios percorrerem minha pele.
Leslie em pouco tempo havia conseguido conquistar minha amizade,
consecutivamente a minha confiança em me abrir com ela, embora sem muitos
detalhes. Na verdade, eu sequer suportava ter de relembrar de tudo o que
passei com Nathan em Londres.
- Não há nada que valha a pena contar. – Eu disse, engolindo em seco. –
Nathan é um cretino que não conhece limites.
- Talvez ele acredite que o limite dele seja você – falou em um sussurro.
Encarei-a com a testa franzida. – Não me olhe assim... Afinal, eu estou de fora.
Quem está de fora da situação, tende a enxergá-la de vários ângulos.
Revirei os olhos, porém decidi não falar nada.
Nos juntamos aos outros funcionários e ali começamos a auxiliá-los na
organização da Casa Noturna. Simon andava de um lado para o outro, ora
dando ordens, ora falando ao telefone. No fundo eu o considerava um bom
chefe, mesmo com todas aquelas loucuras e decisões de última hora.
- Millie, querida? – chamou-me.
- Sim?
- Preciso que organize o estoque de bebidas para mim.
- Claro – falei sorrindo.
Soltei um beijo no ar para a Leslie e me encaminhei por entre as mesas
em direção à sala de estoque.
Meses atrás tudo ali era uma incógnita para mim e mesmo com toda a
minha inexperiência, Simon me estendeu a mão. Eu seria grata à ele
infinitamente.
Meu telefone vibrou no bolso e ao pegá-lo me deparei com uma
mensagem de texto:
“Saudades de você, minha pequena fênix...”
- Benson...
Capítulo 2
Millie Evans
Uma enxurrada de lembranças me abateu naquele momento e me peguei
mordendo os lábios apreensivamente. Quando eu decidi sair de Londres,
acreditei estar deixando tudo para trás, inclusive minhas relações.
Droga! Benson sempre foi uma boa companhia para mim, fazia-me
sentir-se livre. Mas, o que eu poderia fazer naquela época? A pressão tornou-
se insuportável e eu não vi alternativa, senão fugir de tudo o que me fazia mal.
A fuga nem sempre era o melhor caminho, mas foi minha melhor saída na
ocasião apesar de tudo.
Prestes a responder à mensagem, fui interrompida por Dominique:
- Acredito que saiba que está em horário de expediente, não é mesmo
querida? Sendo assim, trabalhe e pare de ficar no telefone.
Semicerrei os olhos e a encarei com raiva.
- Acredito que você não saiba a diferença entre um visual sexy e um de
completa piranha, não é mesmo? – perguntei analisando-a por inteiro com os
lábios tortos. – Sendo assim, cuide da sua vida e me deixe em paz sua
vagabunda.
Os olhos dela chisparam fogo em minha direção. Eu podia sentir as
fagulhas de ira entre nós duas enquanto nos encarávamos.
- Não ouse me insultar. – Rosnou. – O meu visual nada têm a ver com a
sua falta de profissionalismo. – Ela apontou o dedo para mim, irritando-me
ainda mais. Revirei os olhos e decidi ignorá-la virando-me de costas. – Isso
vadia, ignore-me.
- É melhor para você que eu a ignore, Dominique – falei entredentes. –
A minha paciência não está nos melhores dias, então, deixe-me em paz, garota!
Dito isto, entrei na sala do estoque de bebidas e mordi os lábios com
força na intenção de evitar os gritos de frustração diante daquela situação.
Dominique era a funcionária mais antiga da Casa Noturna, porém desde
o início implicava comigo sem motivo aparente. Ela sempre deixou claro o
seu desagrado por Simon me contratar sem eu ao menos saber fazer um drink.
Aquela tensão entre nós duas me desgastava tremendamente.
Suspirando, concentrei-me em finalizar a minha tarefa, isolando da
minha mente quaisquer pensamento desagradável sobre o presente,
consecutivamente do meu passado aterrador.

A diversidade de luzes escuras e suaves, o pulsar vibrante da música


remixada pelo DJ da noite, penetrava em meu sangue. A Night Star possuía
algo que me excitava de uma forma única, toda aquela agitação tinha o poder
de acelerar minha adrenalina. Quando eu estava lá – trabalhando no bar,
auxiliando os garçons ou servindo as mesas -, eu me sentia mais livre do que
em qualquer outro momento do meu dia. Aquela casa noturna me fazia viver.
Por conta de todo o meu histórico de decepções, estar em meio à toda
aquela vibração e vida noturna era um porto seguro para mim. Era um lugar
onde eu poderia me libertar de meus pesadelos sem a preocupação de
julgamentos posteriores. Ninguém ia me intimidar ali, no meu trabalho.
- Millie. – Cindy, a garçonete que trabalhava no andar de cima, tirou-me
dos meus devaneios. – Preciso de um Cosmopolitan Coktail, um Apple
Martini e dois Long Island Ice Tea.
- Deixa comigo. – Peguei a garrafa de vodka atrás de mim, seguido das
outras bebidas nas quais eu precisaria para a preparação dos tais drinks.
- Não consigo acreditar no quanto a casa está cheia hoje – disse ela,
enquanto eu preparava o seu pedido. – Quase não descansei do ritmo pesado
de ontem, minhas pernas estão me matando – queixou-se.
- Arrisco em dizer que a causa é o verão. Muitos turistas. Simon oferece
sempre o melhor e é adepto à um marketing forte, atraindo assim, novos
clientes para a Casa Noturna.
- E você tem razão, Millie... – Peter Lindt, o gerente, juntou-se à nossa
conversa. – No verão é quando as coisas tornam-se mais divertidas. – Um
brilho sucinto tomou seus olhos quando os observei.
- Divertidas de verdade – disse Cindy, dando um sorriso rasgado ao
Peter e piscando logo em seguida enquanto eu colocava as bebidas na bandeja
dela.
Ele respondeu a piscadela com uma outra, fazendo-me sorrir assim que
ela se afastou.
- Mais uma admiradora?
- Se eu confirmar, você vai ficar com ciúmes? – replicou ele, em tom
brincalhão e eu dei risada.
- Deixa de palhaçada, Peter – falei enquanto registrava o pedido de
Cindy. – Somos amigos e assim está perfeito.
- Me desculpe, mas creio que desconheça o verdadeiro significado da
perfeição, querida. Pelo menos nesse caso, entre nós – disse ele, em tom
sedutor enquanto enchia os shots. Acreditei que fosse o pedido feito por
Francis, outro garçom que estava esperando outrora ao lado de Cindy.
Novamente sorri diante de seu galanteio.
- Bobo.
Sedutoramente ele me encarou com um olhar desejoso e piscou
marotamente.
Peter era um homem maravilhoso, mas não fazia o meu coração
disparar, nem mesmo uma fagulha. Meu interesse estava em aprender mais e
evoluir em meu trabalho, tornar-me subgerente talvez. Peter parecia querer
compartilhar seu conhecimento comigo e, mesmo que eu soubesse que todas as
sessões em que ficávamos até tarde com ele explicando-me as atividades da
Casa Noturna, o seu desejo era terminar comigo embaixo dele completamente
nua, ele sempre me respeitou acima de tudo. O cabelo loiro encaracolado,
olhos azuis e estatura mediana não me geravam quaisquer emoção. Contudo, o
seu senso de negócios e seu estilo de gestão eram qualidades que me
agradava.
Disfarçadamente o observei de soslaio. Peter, raramente, ficava atrás do
balcão, mas, sempre em noite de maior movimento ele vinha dar uma mão.
Especialmente nos últimos dias, quando as coisas estavam começando a ficar
agitadas. Um cliente usual da casa estava apoiado no balcão com seus amigos,
esperando ser atendido por mim e, com o canto dos olhos busquei encontrar
aquele caloroso olhar. Era assim todas as noites. Eu sentia que alguém me
observava, entretanto não conseguia descobrir quem era.
Obviamente que naquela altura dos recentes acontecimentos, eu já tinha
plena certeza de que se tratava do Nathan e sequer desejava parar para
raciocinar sobre o real significado daquilo.
Ter na consciência novamente a possibilidade de tê-lo em minha vida
outra vez era... assustador.
Ciente de que a multidão ao redor do bar estava ficando impaciente,
voltei minha atenção ao meu trabalho. Atendi o cliente de sempre. Ele se
inclinou para me dar um abraço, o qual eu retribuí. Gostava de ganhar minhas
gorjetas.
- Me dê quatro chopes – disse ele, em tom alto por conta da música. –
Onde está a Leslie?
Eu lhe entreguei as duas primeiras canecas e comecei a encher as
próximas duas.
- Deve estar auxiliando no andar de cima – respondi sorrindo. Esse cara
normalmente flertava com ela, apesar de ela sequer lhe dar moral.
- Hmm – resmungou. – E então, o que pretende fazer em sua folga? –
Com o seu alvo de desejo longe, ele decidiu voltar o seu charme para mim.
Seus olhos viajaram para meus seios. Meu decote estava bem acentuado
naquela noite.
- Absolutamente nada – respondi. Eu esperava que aquela resposta
passasse a impressão de que eu estava ansiando por um momento de descanso,
mas na verdade eu sempre me sentia vazia. Trabalhar era a minha válvula de
escape.
De todo o modo, consegui me esquivar dele. Terminei de atendê-lo e
deslizei pelo bar para cuidar de outro cara no final do balcão. Ele estava de
terno, mas não fui capaz de enxergar seu rosto.
- Bem, o que posso lhe... servir...? – Minhas palavras sumiram quando
nossos olhos se encontraram. E o ar escapou dos meus pulmões, de repente
sugados para fora, com a visão que tive. O homem... Ele era... o Nathan.
Capítulo 3
Millie Evans
Uma onda de pânico inundou o meu peito.
- Aceito um Macallan, por favor – pediu ele, usando um tom neutro.
Enquanto eu lhe entregava o uísque, seus dedos roçaram os meus de leve
e eu tremi. Visivelmente. Suas sobrancelhas subiram rapidamente, como se ele
estivesse satisfeito com minha reação à presença dele. Droga!
Puxei a minha mão de volta, metendo-a contra a bainha do corpete do
meu vestido, como se o tecido fosse capaz de aplacar o calor feroz que já
viajara desde o local onde ele tinha tocado até o centro necessitado dentro de
minhas pernas.
Por que eu tinha de tocá-lo?
Não, isso não, de novo. Agora não. Nem nunca.
Eu me afastei dele. Para longe e bem rapidamente. Peter poderia servi-
lo uma próxima vez. Eu precisava ficar bem longe dele.
E, então, Cindy surgiu para o meu azar e se queixou com Peter:
- Há um grupo de rapazes que insistem em assediar a uma garçonete.
- Eu cuido disso – disse ele, virando-se para mim. – Você consegue dar
conta de tudo aqui por um minuto?
- Claro que sim. – Eu falei completamente gelada com a ideia de ter de
atender Nathan novamente.
Peter se convenceu com a minha resposta e se virou, deixando-me
sozinha no balcão. Até mesmo o cliente com o grupo de amigos haviam se
afastado, juntando-se a um grupo de garotas em uma mesa próxima.
Respirei profundamente enquanto passava um pano no balcão e
corajosamente arrisquei uma olhadela na direção do Nathan. Notei que seu
uísque estava quase no fim.
E também notei seus olhos em mim. Aquele olhar penetrante que tinha o
dom de me desconcertar, mesmo eu não querendo. Irritada, obriguei-me a me
aproximar.
- Outro? – perguntei entre dentes.
- Não, estou bem. – E me entregou uma nota de cem.
Busquei não me atentar ao seu olhar a cada movimento meu, enquanto eu
levava o dinheiro que ele tinha me dado e registrava o pedido.
- Fiquei sabendo que você trabalha aqui há bastante tempo.
- Sim. E daí?
- Como conseguiu ocupar esse cargo sem referências e, ou experiências
na função?
- Quem sabe? – Dei de ombros e lambi os lábios que estavam secos. –
Perseverança? Sorte? Passando aqui em frente tantas vezes até que Simon
tivesse pena de mim?
Os lábios dele delinearam um sorriso.
- Certo. Simon teve pena de você e a contratou a despeito de sua
aparente falta de experiência. – Ele pausou, a acusação tão clara como se ele
tivesse gritado.
- Por que você supõe que ele teve pena?
- Perguntei. Simon alega que decidiu arriscar. E se orgulha bastante
disso.
- O que você pretende com tudo isso, Nathan? – Senti meu corpo
esquentar e depois esfriar.
- Eu não sei do que você está falando minha criança – sussurrou as
últimas palavras arrepiando-me. – Estou apenas curtindo a minha noite em um
excelente ambiente noturno.
- Deixe de ser cínico! – acusei. – Não me sinto confortável em contar
sobre o meu passado com meu chefe e menos ainda em saber que você anda
buscando informações com ele sobre mim.
A expressão dele era de desafio.
- Não estou surpreso. E suponho que você gostaria de fingir que não nos
conhecemos também, certo?
- Perfeitamente – Eu disse tentando um tom calmo, apesar da pulsação
acelerada. – Já se passaram pouco mais de seis meses. Temos vivido em
cidades diferentes, levado vidas separadas. Penso que é seguro afirmar que
ambos seguimos em frente.
- E mesmo assim, cá estamos. Juntos novamente.
- Não estamos juntos – corrigi. – Somos apenas cliente e funcionária
aqui. Nada mais. Não vejo razão para admitir que tenhamos tido qualquer
história juntos.
O olhar dele caiu sobre meu corpo e inclinou-se para mais perto,
próximo o suficiente para causar um calor indesejável em meu interior.
- Então você fica... confortável... ao fingir que nunca tivemos um caso?
Debilitada demais para responder, simplesmente olhei para as belas
feições dele, lutando para encontrar sentido naquela repentina aparição dele
em minha vida. Por que ele não estava em Londres?
- Sim – finalmente consegui responder. – Nosso envolvimento não é
algo de que me orgulhe, e discuti-lo agora não fará diferença alguma sobre o
que eu penso sobre você.
A expressão dele, dura como granito, não mudou quando me olhou por
um longo e tenso momento.
- Levei meses para encontrá-la, Millie. Saiba que pretendo escavar nem
que seja uma fina casca dessa sua concha.
Eu senti o peito arder e engoli em seco numa tentativa de recuperar a
compostura, de dominar a reação do meu corpo à proximidade dele.
- Eu baixei a guarda para você um vez, quando jamais deveria tê-lo feito
– falei, pigarreando. – O que tivemos era temporário... você mesmo insistia
em me lembrar disso. Uma viagem desenfreada para o nada.
- E você certificou-se de que não havia retorno ao longo do caminho,
certo?
Eu detestei a acusação no tom de voz dele, a indesejável ponta de
acusação nas palavras.
- Como ousa me acusar? Como ousa retirar a enorme culpa dos seus
ombros e lança-la sobre os meus?
Minha adrenalina estava a mil por hora e eu temia não conseguir
controlar as minhas emoções.
- Eu não tive a chance de me retratar...
- Não diga absurdos.
- Não estou dizendo nada absurdo – disse ele com o mesmo tom
caloroso do passado que me causava medo.
Determinei-me a esquecer a lembrança de sua voz acariciando-me no
escuro.
- Você sequer merece o direito de tentar, Nathan. – Eu disse com toda a
indignação no qual eu fui capaz de transmitir na voz. – O deixei de fora da
minha vida e assim espero que você permaneça.
Ele sorriu enigmático.
- Você continua teimosa. Reticente. Confiante de que pode controlar
tudo.
- Não há nada de errado em querer controlar a própria vida. Longe do
que causa mal.
- Você não pode controlar o mundo. Outras vidas interceptarão a sua por
mais que não queira.
- Não se eu não permitir – insisti.
- Vejo que aprendeu a afastar as pessoas...
- Sim – respondi com altivez.
- Imagino quanto tempo vai levar para você descobrir que eu sempre
retorno.
Encarei o único homem para o qual eu já havia baixado a guarda, o
único homem que rompera as minhas barreiras.
- Você precisa de algo mais que eu possa lhe servir? – Entreguei-lhe o
troco, impedindo que nossos dedos se tocassem de novo.
Um sorriso sádico surgiu no canto dos lábios dele.
- Sempre.
Corei violentamente e busquei respirar. Alguns clientes estavam
aguardando pelo meu atendimento, o que me foi um alívio.
- Dê-me licença, por favor.
- Diga-me, Millie... – A voz dele me fez parar. – Diga-me qual foi o
impulso que a fez fugir de mim? As coisas ficaram desconfortáveis, um pouco
pessoais demais e, em vez de encarar, você fugiu.
- Não fugi – protestei irritada. – Eu parti. Há uma diferença.
- Então me explique. Explique como deixar tudo... Sua vida, seus
amigos... E deixar a cidade sem rastro algum não é fugir.
- Eu avisei a quem era importante para mim. Isso basta.
Ele obviamente se sentiu ofendido devido ao seu semblante enegrecido.
- É você que quer esquecer, Millie.
- Você me culpa? – perguntei sem negar o sarcasmo.
- Percebe que as lembranças da nossa paixão aparecerão entre nós
querendo ou não, não é? Todas aquelas noites, aqueles dias, àquelas horas
passadas adorando ao corpo um do outro não desaparecerão porque você quer.
Umedeci os lábios enquanto o coração acelerava.
- Não significa que eu deva admiti-las.
- Você acha? – perguntou ele, descendo vagarosamente do banquinho no
qual estava sentado, ficando de pé. Abotoou o paletó.
Fiquei observando-o por um bom tempo enquanto se afastava, mais
entristecida com a sua saída abrupta do que eu gostaria de admitir.
- Droga! – suspirei.
Capítulo 4
Millie Evans
Eu acordei um pouco antes do meio-dia, no dia seguinte, quando ouvi o
meu celular zumbir com o alerta de uma mensagem. Ele estava com a tela
acesa na mesa da cabeceira, ao meu lado, mas tive que fazer um esforço
sobrenatural para que minha mente acordasse, considerando que tinha ido
dormir depois das seis da manhã.
Deitada com os olhos fechados, fiquei completamente tensa
relembrando dos acontecimentos da noite anterior. As coisas que Nathan havia
me dito, a maneira abrupta com que ele retornou ao meu caminho... Meu
coração acelerou com a lembrança. Tudo aquilo estava realmente
acontecendo? Meu subconsciente gritava com um alerta. Muitas coisas podiam
ter acontecido, mas eu não poderia ser hipócrita em dizer que Nathan não me
transmitia reações indesejáveis. Agora, será que eu seria capaz de sobreviver
àquele massacre outra vez?
Não, aquilo não aconteceria. Nada aconteceria. Mesmo que minha mente
insana persistisse em me relembrar dos beijos... dos toques... Sim,
secretamente eu ansiava mais daquelas carícias.
Mas, pela manhã, com a mente descansada e longe de todo aquele agito,
eu pude enxergar aquela situação com outros olhos. Na verdade sequer
conseguia encontrar uma razão que tivesse nexo naquilo tudo. Eu me
perguntava por que ele queria ficar comigo. Nathan tinha status de
celebridade. Ele poderia ficar com supermodelos e mulheres de sangue nobre,
por que ele continuava me infernizando? A falta de uma resposta me fez
duvidar do que realmente tinha acontecido entre nós.
Imediatamente fui levada ao nosso momento nas indústrias ACCO e em
sua oferta ridícula em quitar minhas dívidas e consecutivamente me ajudar
com os tratamentos do meu pai. Como ele ousava agir com tamanha frieza? O
que ele queria? Me exibir como um troféu, depois de tudo?
Felizmente, o dinheiro não me atraía mais do que eu necessitava para a
minha sobrevivência.
Suspirei e estiquei os braços acima da cabeça. Estava evidente que não
voltaria a dormir e que a ideia do surgimento do Nathan em minha vida estava
estritamente certa e clara. Eu me virei e peguei o celular para ver a mensagem.
Era da Lauren.
“Estarei lá em vinte minutos.”
Eu me sentei e entrei em pânico. Tinha me esquecido de uma visita
dela?
Fechando os olhos e buscando recordar de todo o meu histórico
semanal, mordi os lábios em frustração pelo esquecimento.
Joguei meu celular na cama, ao meu lado, e gemi. Sendo como uma irmã
para mim, eu amava Lauren profundamente. Mesmo com todos os
acontecimentos que trilharam o nosso destino, continuávamos tendo contato,
ignorando o desconfortável distanciamento de cidade. Lauren desempenhava
um importante papel em minha vida quando se transformou em uma espécie de
guardiã desde o momento em que nos conhecemos, depois da enorme rasteira
do Nathan, e, num esforço para tentar aplacar tudo o que tinha me acontecido,
ela tinha me alienado de muitas maneiras.
Ela também tinha me fortalecido, eu seria eternamente grata por isso.
Além do mais, Lauren raramente saía de Londres. Então, se ela decidira
me visitar em pleno dia de semana para almoçar, era melhor ficar pronta e
esperando. Algo me dizia que aquilo poderia significar um momento tenso.
Respirei fundo e pulei da cama. Não tinha tempo para um banho. Vesti
uma calça cinza e uma blusa creme. Distribuí uma generosa quantidade de
spray corporal antes de arrumar o meu longo cabelo castanho em um coque
bagunçado. Eu tinha acabado de localizar as chaves do carro e minha bolsa,
quando o telefone tocou.
Fechei a porta do quarto atrás de mim e dei um passo em direção ao
corredor enquanto atendia:
- Estou aqui no restaurante – disse Lauren.
- Bom-dia para você também.
- Que seja, engraçadinha. Temos reservas para daqui a quinze minutos
no Union Square Café. Você está pronta?
Eu revirei meus olhos por seu estado ranzinza. Não descartava a
hipótese de ela e Paolo terem brigado.
- Estou descendo. – Eu disse, assim que cheguei na sala e me encontrei
com Elisabeth. – Vejo você daqui a pouco, Lauren.
Desliguei sem deixá-la argumentar.
- Já vai sair? – questionou-me Elisabeth, sua testa franzida. – Estava
agora mesmo indo acordá-la para o almoço – argumentou.
- Acredita que eu tinha marcado de me encontrar com a Lauren hoje? –
falei enquanto a abraçava. – Estou exausta, mas preciso encontrá-la. Afinal de
contas, ela se deslocou de Londres até aqui apenas para me ver – expliquei
sorrindo.
Elisabeth repousou os lábios em minhas bochechas de modo carinhoso.
Tê-la em meus dias era primordial. Ela preenchia os meus momentos de
angústia e fortalecia-me em ocasiões de extrema fraqueza.
- Então vá, querida – disse ela. – Depois conversamos.
- Está tudo bem? – Eu quis saber, em tom preocupado.
- Nada demais. – Ela disse, sorrindo. – Apenas estou com saudades de
conversar com você. Seus últimos dias estão sempre muito corridos.
Uma pontada de culpa me abateu de repente. Eu mal tinha tempo
ultimamente e sequer estava ajudando-a no processo de encontrar sua filha.
Elisabeth também precisava de auxílio psicológico, de vez em quando ela
parecia ter lapsos de memória e não falava coisas coerentes.
- Na próxima segunda será a minha folga. – Eu falei animada. –
Passaremos juntinhas.
Saí de lá com a visão do seu sorriso acalorado.

- Aí está ela – disse Lauren quando eu me juntei à ela alguns minutos


depois. Ela estava me esperando perto do restaurante com o seu visual
esplendido.
- Oi, Lauren – disse eu, jogando meus braços ao redor dela. – É bom ver
você de novo amiga, depois de longas semanas.
- Você também. – Ela se afastou e me olhou de cima abaixo. – Mas está
com uma aparência terrível, Millie. Você precisa dormir mais.
- Poxa, valeu pela sinceridade. – Começamos a andar em direção à
entrada do restaurante. – Só saí do trabalho às cinco. Sim, estou extremamente
exausta.
- Você poderia estar trabalhando em um emprego mais normal, Millie.
Algo como das nove às cinco por exemplo.
- Mas eu trabalho das nove às cinco. – Brinquei, fazendo-a sorrir.
- Você sabe o que quero dizer.
Suspirei frustrada. Eu poderia mudar toda a minha rotina sim, mas isso
acarretaria em milhares de problemas e um deles seria o meu pai. Como
poderia pagar os custos do seu tratamento? A Casa Noturna me desgastava,
porém mantinha-me segura em relação às minhas contas mais importantes.
- Eu entendo, Lauren. Mas, infelizmente não posso me dar ao luxo de
priorizar o que é melhor para mim, não quando tenho pessoas que dependem
desse meu trabalho.
- Argh! Não consigo me conformar com isso – reclamou ela. – Você
tendo que se sacrificar por...
- Não é sacrifício algum – cortei-a. – Meu pai faria o mesmo por mim.
Ela revirou os olhos e mordeu os lábios.
- Paolo também está aqui? – perguntei.
- Não – respondeu ela, usando um tom neutro.
Estranhei um pouco, mas decidi me calar momentaneamente. No
restaurante fomos levadas à mesa imediatamente.
- O que há com você? – perguntei, enquanto fazia a minha escolha no
cardápio. Lauren já sabia o que queria imediatamente. Quando o ritmo de sua
perna sacudindo acelerou, eu decidi por uma salada da casa. Céus! Ela estava
nervosa. – Desembucha logo – intimei, impaciente.
- Briguei com Paolo e saí de casa – respondeu ela, em um fôlego só.
- O quê?
Pisquei atônita.
- Andei descobrindo umas coisas estranhas dele e não aguentei.
- Lauren! – Busquei segurar suas mãos por cima da mesa. – Ele sabe que
você está aqui? Aliás, desde quando isto está acontecendo sem você ter me
contado?
- Ah, Millie... – Choramingou. – Você já têm os seus problemas, jamais
acarretá-la-ia com os meus.
- Mas, Lauren...
- Já chega! – interrompeu-me. – Conte-me as novidades.
Respirei profundamente. O pensamento em Nathan trouxe calor ao meu
corpo e um sulco à minha testa.
- Nathan apareceu na Casa Noturna ontem.
Os olhos dela se arregalaram.
- Você o viu? Lembro-me que quando conversamos sobre o assunto,
você me disse que apenas desconfiava que ele a espionava.
- Isso mesmo – confirmei. – Na ocasião em que ele e Paolo me
enganaram semanas atrás, Nathan me confidenciou cinicamente que me
observava todas as noites enquanto eu trabalhava. Contudo, ele nunca se
mostrou para mim.
- Nathan parece desesperado – disse ela, com semblante abismado.
- Estou pouco me importando com o que ele está sentindo. Apenas quero
que ele me deixe em paz de uma vez, aliás, foi para isso que saí de Londres.
- Eu sei. – Ela suspirou. – Mas, Nathan não entendeu isso ainda.
Revirei os olhos.
- Ao menos não somos irmãos – comentei em tom aliviado. – Esse peso
eu não preciso carregar.
- Nathan não seria tão baixo à esse ponto – disse. – Acredito que você
deveria deixá-lo explicar a respeito desse assunto.
Senti-me sufocar diante daquela ideia.
- Eu quero distância dele Lauren, e de qualquer relacionamento na
verdade. Estou lutando para me reerguer emocionalmente, sabe? Está muito
difícil esquecer de tudo o que me aconteceu, mas eu preciso continuar
tentando...
- Mas você não acha melhor se o ouvisse, Millie? Escutasse seus reais
motivos? – insistiu ela.
- Não. – Eu disse taxativa. – Ele já teve chances o suficiente.
Lauren compreendeu o meu ponto, ou pelo menos foi isso que deu a
entender. Conversamos casualmente outros assuntos. Ela rapidamente me
contou sobre as pequenas mudanças que aconteceu naquele meio tempo, com
ela e Paolo, com nossos amigos... as notícias e, ou boatos sobre a empresa que
um dia foi do meu pai...
Quando terminei de comer uma porção decente da minha refeição,
limpei a garganta para falar, entretanto fui silenciada pelo toque do meu
celular.
- O que foi? Algum problema? – Lauren indagou, ao ver o meu
semblante enquanto eu olhava fixamente para a tela do telefone.
- Ainda não consegui decidir se isso é ou não um problema – respondi e
mostrei o visor para que ela pudesse ler a mensagem de texto recebida.
“Estarei em Nova York por esses dias. Gostaria de ver você, minha
pequena fênix...”
- Esse é o...
- Benson. – Eu disse.
Capítulo 5
Millie Evans
Passei a hora seguinte com Lauren, matando as saudades e fofocando,
buscando formas de fazê-la se distrair dos pensamentos em Paolo.
Obviamente que aquilo estava sendo uma via de mão dupla, pois a
minha mente encontrava-se mais bagunçada do que antes. Não era uma má
estratégia. A Millie de antes já teria cedido aos desejos de Nathan, aceitando-
o em minha vida e passando por cima de todos os meus princípios.
Felizmente, eu tinha outra opção.
- Você tem certeza disso? – perguntou Lauren, empoleirada ao meu lado
no sofá. Estávamos em seu quarto de hotel.
Dei um sorrisinho travesso. Respirando fundo, peguei meu celular e
pressionei sobre um dos números da lista. Deus, eu estava realmente fazendo
aquilo? Sim, estava. E, para ser bem honesta, estava pouco me lixando para as
minhas contradições.
O número tocou apenas uma vez antes de ele atender:
- Millie. – Sua voz era suave e sexy. Não sexy como se ele estivesse
dando em cima de mim, mas como a sedução que ele exalava naturalmente.
- Eu... hã... Oi, Benson.
Fiz uma pausa.
- Estou feliz que você tenha me ligado. – Eu senti que ele havia
percebido a minha incerteza. Por que eu estava nervosa?
- Como você me encontrou?
Ouvi um estalo e imaginei-o se recostando em uma cadeira de couro
atrás de uma mesa executiva.
- Tenho contatos pequena fênix, e um deles conhece o Simon. Seu
chefe. Por que me ligou? Por acaso aceitará se reencontrar comigo?
Corei, contente que ele não pudesse me ver.
- Eu não sei... Passaram-se tantos meses...
- Não foi minha ideia o nosso afastamento, Millie – queixou-se ele. –
Eu queria ficar com você.
Soltei um suspiro e olhei para minhas pernas dobradas.
- Aconteceu tanta coisa... – insisti.
- Recebi um convite para a noite especial que acontecerá na Casa
Noturna em que você trabalha. Será uma comemoração do dia dos
namorados, é isso?
Um arrepio atravessou minha espinha.
- Sim. – Fechei os olhos e agarrei uma almofada em busca de apoio.
- Podemos nos reencontrar lá?
Um surto de emoção me abateu, uma densa onda de eletricidade. Meu
olhar encontrou com o de Lauren, ela exalava curiosidade e expectativa.
- Eu aceito, Benson. Eu estou dizendo sim. – E, lembrando-me da
intensidade de trabalho, esclareci: - Não poderei lhe dar muita atenção, ao
menos não enquanto eu estiver em expediente.
A poltrona dele rangeu novamente e eu o imaginei em pé, com a mão
enfiada no bolso de um dos seus ternos caríssimos.
- Parece legal. Quero dizer, bom. Parece bom para mim.
Eu ri.
- Até mais, Benson.
- Até.
Fiquei segurando o telefone por alguns segundos depois que ele
desligou, hipnotizada por me sentir tão mexida com aquela ligação. Benson
havia marcado o meu passado de alguma forma.
Sacudi a cabeça na intenção de refrescar meus pensamentos e
reorganizar minhas emoções. Pelo bem da minha sanidade.
- E então? – Lauren quis saber, agoniada.
Sorri da curiosidade óbvia dela.
- Exatamente o que você acabou de ouvir – falei. – Ele pretende me
visitar na Casa Noturna no final de semana.
Mordendo os lábios, Lauren me encarou safadamente.
- E onde ficou todo aquele discurso de não se envolver com ninguém? –
perguntou ela, segurando-se para não rir.
Revirei os olhos e me recusei a responder. Na verdade nem eu estava
me entendendo naquele momento. Levantei do sofá abruptamente, passando as
mãos nos vincos da calça.
- Preciso ir – falei. – Quantos dias você pretende ficar em Nova York?
Quer ficar lá em casa?
- Não faço a menor ideia – respondeu cabisbaixa. – Paolo deve estar
atrás de mim e, apesar de eu não ter deixado rastros, ele me encontrará com
facilidade. – Revirou os olhos enquanto se levantava do sofá também. –
Aquele italiano é obstinado quando quer.
- Amiga, pelo o que você me contou, é muito provável que ele esteja
quase louco para te encontrar e se explicar. Por que não o deixa fazer isso? Dê
essa chance à ele.
- Sinto sarcasmo em suas palavras, Millie.
Soltei uma risada e peguei minha bolsa.
- Deveríamos nos unir para acabar com esses homens, isso sim. –
Brinquei. – Estarei com meu celular para qualquer coisa, viu? E se de repente
decidir aparecer na Night Star. Leslie iria adorar conhecer você.
Lauren soltou um muxoxo atrás de mim. Seu semblante cansado e
entristecido quando a abracei.
- Hoje vou ficar aninhada nas cobertas. Amanhã é um novo dia. – Ela
tentou sorrir, falhando miseravelmente.
- Não ouse se deixar abater, hein? Você é a pessoa mais forte que
conheço e eu preciso de você. – Apertei suas mãos. – Mas, agora eu tenho que
ir. Qualquer coisa não hesite em me ligar.
- Eu ligo.
- É sério, Lauren – reafirmei com veemência.
Ela sorriu e assentiu com a cabeça em seguida.
Nos despedimos.
§
Assim que o fim de semana chegou, me vi extremamente ansiosa.
Acordei no sábado com Benson na cabeça. De novo. Não era como se
tivéssemos agendado para fazer sexo ou coisa parecida, mas saber que
voltaria a vê-lo deixava-me nervosa. Benson traria à tona diversas lembranças
de um passado não muito distante e que de uma forma abrupta eu quis destruir,
me isolar. Abandonei-o, juntamente com pessoas boas que conheci. Adam,
Franklin, senhor John...
Eu estava consciente de que o meu passado já havia se chocado com o
meu presente no momento em que Nathan me encontrou. Lembrar-me daquela
constatação fazia minha barriga se apertar. E com repetição constante na minha
cabeça das palavras que ele tinha dito, das ações que ele tinha feito, minha
bandeira de pânico começava a tremular. E perguntei-me, como muitas outras
vezes, se eu estava condenada a conviver com a sombra de um homem
obcecado.
Três horas antes de ficar pronta e ir para a Casa Noturna, ainda
precisava lidar com minha ansiedade, caso contrário, estaria muito tensa na
hora em que me reencontrasse com Benson, e na verdade eu duvidava que até
todo o encanto mágico da Nigth Star com o evento que Simon proporcionaria
aos clientes naquela noite, pudesse me descontrair.
Decidi dar uma corrida na intenção de acalmar o nervosismo.
No meio do caminho do trajeto planejado, desisti de correr e
desacelerei para uma caminhada. Nada parecia ajudar a aliviar o turbilhão em
minha mente, nem o calor e nem o exercício. Ainda não conseguia parar de
pensar em Nathan, no que ele estava tramando. Em Benson, em meu pai e no
estado em que se encontrava.
Por uma coincidência ou por um esforço subconsciente, eu me encontrei
vagando até um prédio antigo de fachada pitoresca, onde reunia-se um grupo
para ajuda mútua. Costumeiramente se encontravam ali, viciados e
compulsivos. Pessoas que precisavam de doações de qualquer espécie, ajuda
com entes queridos doentes ou que estavam desaparecidos, como era o caso
de Elisabeth.
Eu o tinha descoberto no início da minha chegada à Nova York, era um
lugar repleto de pessoas acolhedoras e na época foi extremamente importante
para nós. Eu deixara de frequentá-lo havia algum tempo, já que não estava
tendo descanso ultimamente. Meus dias eram sempre muito corridos. Mas, não
seria uma má ideia se eu entrasse para dar uma checagem no processo de
Elisabeth.
Entrei no edifício e desci até as salas, passei de uma em uma até me
encontrar com Mary, uma das mediadoras do lugar.
- Ora, ora, aí está alguém que não tenho visto faz algum tempo – disse
ela, jogando os braços em volta de mim em um abraço amigável. – Confesso
que fiquei com saudades. Onde está a Beth?
- Eu também estava com saudades. Você tem algum tempo para
conversar?
- Um pouco. Aceita tomar um café na esquina?
- Vamos.
Enquanto caminhávamos, fui atualizando-a sobre as novidades, assim
como a agonia constante de Elisabeth em encontrar sua filha desaparecida.
Mary tinha me aconselhado em muitos dos meus problemas familiares e com
toda a certeza conhecia a complexidade do que havia me acontecido e ainda
acontecia.
- O seu pai ainda continua internado? – perguntou ela quando estávamos
sentadas do lado de fora de um pequeno estabelecimento, cada uma com um
café gelado.
- Infelizmente – respondi em um suspiro. – Mas ele continua comigo, é
isso o que importa para mim.
- Ah, é? Isso é ótimo. Estou sentindo um “mas”, apesar de tudo.
- É que tem um cara.
- Que cara? Aquele cara? – Mordi os lábios e assenti com a cabeça.
Mary se recostou na sua cadeira, com os braços cruzados sobre o peito. –
Continue.
Fiz uma pausa, sem saber realmente como explicar minha relação com
Nathan, querendo dar detalhes e sabendo que não podia fazer isso. Mary sabia
apenas detalhes superficiais. Eu tentei então identificar exatamente o que me
preocupava e expressar isso da forma mais simples possível.
- Ele veio atrás de mim. Está me perseguindo até no meu trabalho.
- Vocês chegaram a conversar? Houve alguma ameaça da parte dele?
- Nathan nunca foi agressivo comigo – falei com sinceridade. – Nosso
único problema foram as mentiras, o engano... – Soltei um longo suspiro
frustrado. – Acontece que, agora que pensei ter me estabilizado
emocionalmente, ele retornou.
- Entendi. Você não está conseguindo lidar com a volta dele na sua vida.
- Não é isso, eu... – pausei, sem saber ao certo o que dizer. – Estou
confusa. Em alguns momentos eu penso em quanto o odeio, porém em outros,
eu... – Baixei meu rosto para esconder o rubor. – O desejo com intensidade.
- Você por acaso chegou a conversar com ele depois de tudo o que
houve?
- Meu amado pai está em estado vegetativo em decorrência do enorme
golpe que Nathan deu nele, Mary. Toda a fortuna da minha família está em
posse dele, enquanto eu tenho que trabalhar incansavelmente para cuidar de
mim, do meu pai e da Elisabeth. Você acha justo que eu ainda dê à ele a
oportunidade de conversar?
Mary balançou a cabeça.
- Na verdade eu não tenho o direito de achar nada, Millie. Quando você
e Elisabeth vieram até mim, nos concentramos em auxiliar ambas em suas
questões, priorizando o desaparecimento da filha de Beth. Na época você não
me deu muitos detalhes desse seu relacionamento, assim como agora – pausou
ela, para tomar seu café. – Lembro-me vagamente de ter visto o caso do seu
pai nos noticiários. Ele era um homem com bastante influência.
- Sim. Foi um escândalo enorme e um choque para todos nós.
- Tenho certeza de que sim. Acredito que pensar nesse homem dessa
forma, esteja sendo uma tortura para você, não?
- Eu me sinto horrível por isso.
- Mas são somente pensamentos libidinosos?
- Ora sim, ora não. Eu fico recordando das palavras que outrora
trocamos, das nossas carícias... Fico imaginando o que ele está pensando ou
fazendo.
- E se você ainda amá-lo, Millie? Já considerou isso?
Tomei um gole do meu café. Considerar aquilo feria imensamente o meu
ego. Saber que ele me afetava sexualmente era uma coisa, contudo ainda me
imaginar amando-o... Não podia.
- Mary, eu não posso gostar dele – gemi. – Nós... Não há nenhuma
chance com ele.
- Tem certeza?
- Sim. Ele foi um completo canalha, sequer ama outra pessoa senão à ele
mesmo.
- É natural sentir tesão por homens inatingíveis, Millie. Continue
pensando de forma realista, sem pressionar a si mesma. – Mary me observou
cuidadosamente e depois encolheu os ombros. – Na verdade, eu não tenho
como lhe dizer o que fazer, Millie. E não posso lhe dizer se ficar ou não com
esse cara vai fazer alguma diferença, ou fará você cair em depressão. O que
posso fazer é estar presente para você e sugerir que volte a participar das
reuniões novamente para obter um apoio adicional.
Apoio adicional? Era uma ótima ideia. Antes de nos despedirmos,
garanti à ela que voltaria a participar das reuniões semanais. Traria Elisabeth
comigo também.
Corri para casa e fui me preparar para a noite, porque, afinal, eu não
teria como fugir do meu trabalho. Muito menos do encontro com Benson...
Capítulo 6
Millie Evans
Em um dos intervalos da noite especial Valentine’s Day na Nigth Star,
encontrei-me com Leslie no andar de cima da Casa Noturna.
- Você está maravilhosa, garota!
- Que exagero...
- Sério! Aposto que está sendo uma tentação à todos os homens, devem
estar todos malucos. – Ela não pôde conter o riso. – Esse vestido é novo? Não
me lembro de tê-lo visto antes.
- E você não o viu.
Na verdade, eu tinha adquirido naquele mesmo dia. Fazia tanto tempo
que eu não gastava comigo, mas aquela ocasião era diferente e assim o fiz.
Comprei o vestido mais bonito e sensual que encontrei.
Meus cabelos estavam soltos sobre os ombros, e a maquiagem era forte
para combinar com o ambiente de trabalho. Usava meus antigos brincos de
prata, em conjunto com um colar que Lauren havia me presenteado tempos
atrás.
- Comprou em homenagem ao evento da noite? – Ela quis saber,
sorrindo maliciosamente para mim.
Devolvi o sorriso para ela.
- Possivelmente – falei, analisando o movimento ao nosso redor. A casa
Noturna estava lotada e a decoração maravilhosamente libidinosa. – Mas,
você sabe que prezo pela minha elegância, independente da ocasião. –
Brinquei.
- Sei disso – falou, piscando um olho para mim de modo divertido. –
Vou descer. Peter está berrando aqui no meu ouvido. – Revirou os olhos ao
apontar para ambas as escutas nos ouvidos.
Fiquei observando-a se afastar e sorri de sua rebolada forçada. Leslie
odiava ter que sensualizar.
Respirei profundamente e me forcei a retomar o meu posto. Como a
noite era especial, todo o atendimento tornou-se diferenciado e eu juntamente
com outras garotas, estávamos auxiliando os clientes em suas mesas ou no que
fosse possível.
Simon não era adepto em trazer o sexo para a Night Star, apesar de
ambientá-lo muito bem na Casa Noturna. Entretanto naquele evento, ele
preparou pequenas salas, mais parecidas como pequenos casulos espalhados
pelos salões. Assim, os casais poderiam se divertir tranquilamente e com certa
privacidade.
No alto da escada me deparei com Dominique e seus olhos me
analisaram automaticamente com ar de despeito.
- Há clientes que precisam de atendimento no andar de baixo. – Ela
disse entre dentes. – Observei que você e Leslie estavam de bate-papo –
ironizou, irritando-me.
- Sério? Isso não me surpreende, sabia? – indaguei em tom sarcástico. –
Já que tudo o que faz é me infernizar e reparar em todos os meus passos.
O rosto dela tornou-se rubro, porém eu não soube dizer se de raiva ou
constrangimento. Fiquei parada a encarando e sem nada a dizer, ela passou por
mim batendo os pés.
Balancei a cabeça dando uma risadinha.

- Millie, estão precisando de atendimento no casulo 4. – Peter avisou-


me no momento em que eu registrava um pedido. Assenti com a cabeça e antes
de passar por ele, o mesmo me segurou pelo braço. – E a propósito, você está
esplêndida.
Abri um sorriso agradecido e em seguida beijei-lhe a bochecha com
carinho.
- Você também está ótimo. – Pisquei um olho antes de deixá-lo.
Passeando por entre as mesas e alguns clientes, não fui capaz de deixar
de admirar as maravilhosas pinturas que adornavam as paredes do ambiente
espaçoso, antes de chegar até o casulo 4.
Dentro do espaço, eu acendi a luz de ocupado pelo lado de fora.
Não era o que eu fazia habitualmente, mas como naquela noite nós meio
que tínhamos ignorado todas as formalidades, eu mesma o fiz. E eu tinha que
fazer alguma coisa com a minha energia nervosa. Continuando o trabalho,
peguei o cardápio da parede e me encaminhei na direção do lado oposto. O
toque de uma música fez-me parar imediatamente. Fiquei ao lado da mesa e
encontrei um pequeno bilhete, ao lado de uma venda para os olhos.
“Por favor, coloque a venda nos olhos para me atender.”
Franzi a testa em completo estranhamento por aquele pedido. Busquei
respirar profundamente e lembrei-me de agir com profissionalismo. Eu estava
ali para servir da melhor maneira possível.
Fiz conforme pedido e aguardei pacientemente. Instantes depois, senti a
presença de alguém ao meu redor. Uma aura sensual deixou-me desequilibrada
por um momento. Eu me obriguei a apoiar uma das mãos sobre a mesa para
conseguir me manter de pé.
- Como poderei servi-lo se não puder enxergar? – questionei segundos
depois. – Aliás, estou diante de um homem ou de uma mulher?
O toque alto da música me forçou a alterar o volume de minha voz.
- Há diversas formas de servir – respondeu-me uma voz masculina,
porém não consegui distinguir sua voz muito bem por causa da música alta.
Ele se aproximou de mim intoxicando-me com seu perfume pungente e
másculo. Retirou o cardápio de minhas mãos. – Eu não preciso disso. Você
precisa?
Droga. O que estava acontecendo, afinal?
Engoli em seco e cocei a garganta:
- Confesso que não estou entendendo o seu propósito com tudo isso
senhor... – Pausei esperando que ele me falasse o seu nome.
- Único. Chame-me de único.
Novamente me vi franzindo o cenho. Aquilo estava ficando ridículo
demais.
- Ok... Como posso servi-lo, então? Eu tenho outros clientes para
atender. – Não consegui deixar a grosseria de lado. Estava ficando impaciente
e incomodada com toda a situação estranha.
- Na verdade, Millie... – Arregalei um pouco os olhos quando ele
mencionou o meu nome. Será que era o Benson, ali? Meu coração acelerou
com a possibilidade. – Eu quem gostaria de servi-la.
Virei-me de costas contra a mesa no momento em que senti um toque de
suas mãos em meu braço. Lambi meus lábios pensando mais sobre o homem
diante de mim, perguntando-me o que eu ainda estava fazendo ali.
Agindo no automático, estendi a mão para arrancar a venda dos olhos,
mas ele foi mais rápido, e os nossos dedos colidiram. Eu me mexi para puxar
a minha mão, mas ele foi mais rápido de novo, fechando-a na sua, impedindo-
me de libertar meus olhos. Inalei bruscamente com a sensação de sua pele
contra a minha.
- Não quero assustá-la – disse ele.
- Detesto decepcioná-lo, mas isso não está funcionando.
Ele riu, e o simples ato arrepiou-me estranhamente. Será que era o
Benson? Aquela expectativa estava excitando-me.
- Diga-me então o que está sentindo agora, Millie...
Sua voz suave pairou próxima aos meus ouvidos.
- Estranheza e medo – respondi. – O meu trabalho aqui é servi-lo com
os produtos que a Casa Noturna dispõe, entretanto isso não me inclui no
pacote. – Deixei claro.
- Você acha que estou tentando seduzi-la?
Uma tontura ridícula fluiu através de me corpo. Franzi minhas
sobrancelhas em concentração.
- Eu... eu não sei como reagir quando algum cliente age dessa forma,
aliás, isso nunca aconteceu.
- E isso está te incomodando?
- De certa forma. – Eu me atrapalhei na tentativa de me afastar da mesa.
- Devo estar deixando de perceber alguma coisa. – A respiração dele
pairou sobre meus lábios. Aquele sussurro era tão... excitante. Cruzei as
pernas tentando aliviar o desejo entre elas. – É possível que apesar de todo o
incômodo, você esteja excitada...
Meu coração se acelerou. Aquilo estava sendo demais e muito rápido.
Talvez eu acabasse cometendo uma loucura com um completo estranho, e me
arrependeria inteiramente.
Ali era a boate. Não que fizesse parte do meu cotidiano, mas misturar
sexo com trabalho nunca foi uma boa ideia.
- Eu... hã... estou me sentindo realmente muito incomodada com tudo
isso. Preciso ir. Chamarei alguma garçonete para continuar a atendê-lo.
Forcei um passo à frente, porém me deparei com uma parede de
músculos sobre minhas mãos espalmadas.
- Preferia que você ficasse. Mas se você precisa ir... – Então desceu a
cabeça até a minha orelha. – Peço desculpas se a assustei com isso. Essa não
foi a minha intenção. Eu apenas precisava tê-la novamente perto de mim, nem
que fosse por alguns segundos...
Uau! Depois daquilo, tive certeza de que era o Benson.
E então a sua boca estava em minha orelha, mordiscando-a. Respirei
fundo. Involuntariamente, deixei a cabeça pender para o lado.
Instantes depois, o senti beliscando uma trilha pelo pescoço abaixo,
enviando ondas de desejo pela minha barriga. Agarrei-o pelos braços em
busca de equilíbrio. Fazia tanto tempo que meu corpo não sentia aquelas
sensações. Ele enrolou um braço em volta de mim, sua mão pousando sobre o
meu seio. Engasguei com o contato, inclinando-me para mais perto dele.
Ele amassou o meu seio enquanto esfregava o rosto em meus cabelos.
Apertando-se contra mim, eu pude sentir sua ereção provocando-me.
Possessivamente e habilmente, sua boca colou na minha em um beijo
exigente e confiante. Seus lábios firmes controlavam o ritmo, roubando a
minha respiração e mandando um firme alvoroço entre minhas pernas.
Mexi o corpo, me ajustando, querendo mais contato, e, instintivamente
levei a mão ao meu rosto e arranquei a venda dos olhos.
Estávamos face a face. Empurrei-o. Minha boca parecia vazia e fria,
enquanto eu lutava para controlar a respiração. Meu cérebro voltava de um
estado pleno de felicidade para um de completo terror ao estar diante de
Nathan.
A respiração dele estava igualmente irregular, e ele ofegava no mesmo
ritmo que eu. A princípio me vi inquieta, incapaz de compreender o que havia
acabado de acontecer ali.
- Millie...
- Cala a boca – cortei-o com a voz estrangulada.
Como se percebesse o meu completo pânico, Nathan me abraçou em
preocupação.
- Ainda não percebeu o quanto a amo? – Sua mão enrolou-se no meu
pescoço e ele apertou a testa contra a minha. – Sinto sua falta. Quero devorar
você quando estiver debaixo de mim. Em uma cama. Onde eu possa adorar
você como você merece.
Aquela declaração foi uma promessa. Uma ameaça sensual que fez-me
desejar por um momento que aquilo realmente acontecesse.
Mas eu tinha que focar no que era real. E Nathan havia deixado de ser
real na minha vida a muito tempo atrás. E estava longe de ser o cara certo.
- Isso nunca vai acontecer. – Afastei-me dele completamente. Dirigi-me
para a porta e coloquei a mão na maçaneta. – Saiba que você é um cretino que
eu pretendo manter distância.
- Pena que isso não é o suficiente para me impedir de continuar tentando
seduzi-la.
Fechei meus olhos absorvendo suas palavras. Céus! Eu estava ferrada!
Capítulo 7
Nathan Backer
Naquela bela manhã de primavera, o céu azul e sem nuvens,
proporcionava uma visão gloriosa de Nova York para além do horizonte.
Eu tinha finalmente conquistado o que tanto almejei, mas a tristeza
marcava o meu rosto desde o abandono de Millie, longos meses atrás.
Apesar de todas as merdas que fiz, eu possuía uma característica no
qual eu me orgulhava: os meus vinham em primeiro lugar. E aqueles
sentimentos haviam rasgado o meu coração por causa de atitudes impensadas.
Eu me considerava um homem forte, orgulhoso e bem sucedido, aquela era
uma verdade amarga que abalava as minhas estruturas.
Eu havia seguido o desejo da vingança ao invés do coração, quando
desprezei ao doce amor de Millie. Um erro caro e pelo qual eu ainda estava
pagando.
Paolo, tinha conseguido o paradeiro dela em Nova York. Alívio tomou o
meu peito no momento em que eu a vi pela primeira vez em longos dias.
Aquela situação não era a que eu almejava para ela, aliás, nunca quis feri-la.
Ou quis?
Por um tempo apenas a observei de longe, temendo assustá-la e com
isso afastá-la ainda mais de mim. Era óbvio que ela não me perdoaria tão cedo
e me ver diante dela naquele momento onde as coisas ainda estavam recentes,
apenas pioraria a minha situação.
Deixei Mark supervisionando os negócios em Londres e me dediquei a
observar os passos de Millie através das sombras. Aquilo era patético até
para mim. Mas o amor possui esse poder sobre as pessoas, não? Ele
praticamente nos desarma, derruba todas as barreiras construídas ao redor do
coração e toma conta de tudo. Preenchendo. Absorvendo.
Desde o momento em que Millie abandonou Londres eu sabia que não
haveria mais espaço em seu coração para o perdão. Apenas o desejo de se ver
livre de mim, do homem que a traiu, desprezou, sua confiança e amor. Mas eu
não conseguia aceitar aquele fim. Eu não poderia aceitar.
Em meu coração fervilhava a vontade de reconquistá-la. O desejo
persistia, mesmo com os avisos do meu brilhante intelecto, que sabia ser
praticamente inútil aquela insistência quando Millie havia sido enfática ao me
dizer que jamais me perdoaria.
Meu celular tocou naquele instante e interrompeu um dos raros
momentos em que eu conseguia me isolar do mundo para ter um pouco de paz.
Minhas sobrancelhas espessas e escuras se ergueram ao ouvir de Mark
que eu deveria retornar imediatamente à Londres para resolver alguns
problemas urgentes na empresa.
— Estarei aí na primeira hora de amanhã – murmurei enquanto
caminhava lentamente pelo recinto no qual eu tanto observava minutos atrás. –
Mas estou com o celular para quaisquer urgência de maior importância,
Mark. Até.
Encerrei a ligação sem me dar ao trabalho de escutar seus argumentos.
O homem de negócios em mim, havia sido recluso do meu interior e naquele
momento existia apenas o homem apaixonado e obstinado.
— Senhor Nathan. – Uma voz masculina se fez presente. – Eu quase não
acreditei quando você me convocou para uma pequena reunião nesta manhã. –
disse, oferecendo a sua mão em cumprimento. – Espero que não seja algo
relacionado a qualidade do atendimento – acrescentou de forma nervosa. –
Clientes assíduos como você em minha boate são como tesouros que gosto de
preservar.
— Tenho certeza que sim. – Eu disse, trincando um pouco a mandíbula.
— Sente-se, por favor – pediu ele.
— Você possui um excelente empreendimento aqui, Simon. – Minha voz
soou interessada. – Eu gosto disso. – Apontei ao redor. – Mas penso que
poderia estar muito melhor.
— Como? – questionou com um sorriso que não cabia no rosto.
Recostei-me na poltrona e o encarei com arrogância.
— Se estiver sob minha supervisão e administração.
A porta foi aberta abruptamente. Era uma funcionária, na qual eu via
quase todas as noites. Ela se desculpou pela intromissão e posicionou-se ao
lado da Millie, justamente no momento em que ela me lançava um comentário
cruel:
— Não ouse me perseguir no meu trabalho seu bastardo! Você não têm o
direito de se intrometer na minha vida dessa maneira. Não mais.
Horrorizado com tamanha afronta, Simon se levantou e me olhou
penalizado, e apressou-se em oferecer uma bebida, esforçando-se para desviar
a atenção do assunto.
Eu sabia da fama do homem diante de mim, calmo e ponderado. Seria
capaz de sentar no sofá e falar sobre o tempo, enquanto eu, mais explosivo,
estava ao ponto de agarrar Millie e arrastá-la para um canto isolado e fazê-la
finalmente enxergar que sua teimosia de nada adiantaria comigo. Eu a queria
para mim e pronto!
— Eu poderia conversar alguns minutos com a senhorita à sós? – Eu
pedi, olhando diretamente nos olhos encantadores. – Podem nos dar licença,
por favor? – Voltei a atenção para Simon e a garota assustada ao lado de
Millie.
— É-e... – Simon coçou a garganta.
— Peço para que prepare os documentos com as finanças da casa
noturna, Simon. Pretendo dar uma analisada e garanto que lhe farei uma
proposta tentadora – garanti, ignorando as reações negativas de Millie.
Instantes depois nos vi sozinhos naquela sala. Levantei e lentamente
comecei a me aproximar dela que continuava parada na porta, arredia. Arisca.
— Millie...
Ela fechou os olhos brevemente e quando os abriu eles estavam
avassaladores. O cabelo escuro evidenciava o nariz retilíneo e as linhas
suaves do seu rosto. Arrogante e vingativa, ela parecia transpirar sensualidade
por cada poro. O vestido justo e de cor escura combinava com seus olhos
incrivelmente azuis. Millie sempre se apresentava de maneira impecável, e na
cama era ainda melhor, recordei nostálgico. Ela costumava desarrumar meus
cabelos e depois correr as unhas pela extensão das minhas costas.
— Acredito que já deixei mais do que claro que não o quero mais. –
Decretou ela de forma dura. – Assim como recusei a sua oferta naquela
maldita reunião no qual você me enganou se fazendo passar por Paolo. Eu não
faço questão alguma de estar com você. Estar perto de você.
Enquanto eu me aproximava notei que ela se recostou no batente da
porta, esperando. Observei quando um gemido quase inaudível escapou por
seus lábios ao mesmo tempo em que seus mamilos se enrijeceram por sob o
tecido fino do vestido. Ela endireitou o corpo, entretanto já não era possível
esconder de mim o efeito que eu causava sobre ela. Sorri arrogante.
— Está nervosa?
— É o que pareço? – revidou ela, querendo soar sarcástica. E para
desviar a atenção dos meus olhos, ela baixou o olhar e notou o volume extra
nas linhas perfeitas da calça que eu vestia. Vi que suas bochechas
ruborizaram-se. Eu havia reagido da mesma maneira ao nosso encontro.
— O que você pretende estando aqui? – Ela insistiu.
— Eu pretendo fazer negócios com Simon e esse foi o melhor horário
que consegui para falar com ele. – Baixando o tom de voz , eu questionei. – A
maneira como você está agindo configura uma atitude egoísta e imatura.
Confesso que ver você é um colírio para os meus olhos minha criança, porém
possuo outras prioridades...
Ela soltou uma risada debochada, porém com um resquício de
nervosismo.
— Então quer dizer que essa palhaçada nada têm a ver com a sua
pequena perseguição à mim em todos esses meses? – perguntou ela frustrada. –
Eu trabalho aqui, Nathan. Estou bem com a vida que estou construindo em
Nova York.
— Não minta! – falei de maneira seca. – Ontem mesmo eu vi você sendo
assediada por um bêbado enquanto servia bebidas para ele – rosnei indignado
com a lembrança odiosa. – Isso faz parte do seu cotidiano, mas se você me
disser que gosta desse tipo de assédio, eu a deixarei em paz.
— Você precisa se tratar Nathan – disse ela, sem fôlego. – Estou
vivendo com você como minha sombra agora? O que houve com o seu
discurso de: Eu posso ter todas as bocetas que eu quiser? – Ela fez uma
imitação barata da minha voz que em outras circunstâncias, eu até acharia
graça.
Travei o maxilar, engolindo em seco. Endireitei os ombros, ergui os
olhos e finalmente declarei:
— Eu detesto ter que repetir tudo outra vez, mas a verdade é que eu me
arrependi de tê-la ferido da maneira que fiz. Não medi esforços e sequer
pensei nas consequências dos meus atos diante da vingança que planejei por
tantos anos contra o seu pai.
Millie me fuzilou com o olhar e atestou:
— Pelo menos, você tem coragem de não negar sua canalhice.
— Ah... certo. Mas eu não me lembro de ter mentido para você.
— Ocultar informações é uma maneira eficaz de ferir, Nathan. Usar e
brincar com os sentimentos das pessoas é uma forma cruel de agir. Em que
momento de seus grandiosos planos você descobriu que me ama? Enquanto
estava retirando o dinheiro do meu pai? Ou enquanto estava fodendo aquela
vagabunda da Verônica?
— Millie...
Ela riu.
— Sabe de uma coisa, Nathan? Você sabe muito pouco a respeito das
mulheres. Eu antes estava mais interessada em saber o motivo de você ter ido
para a cama com a Verônica, a razão de ter sentido essa necessidade.
Em poucas palavras, ela me confrontou com a realidade de suas
convicções e foi direto ao ponto que a incomodava.
— Esqueça o que eu fiz, Millie. Eu...
— Esquecer? Meu pai está em uma cama de hospital por consequência
de suas atitudes para com ele. Eu me obriguei a praticamente sair fugida de
Londres, e você quer que eu esqueça?
Intimidado pela reação agressiva, eu quis recuar alguns passos.
Ultimamente Millie estava demonstrando uma força feroz em sua aura.
Notando a fúria estampada no rosto dela, eu temia provocá-la ainda
mais se afirmasse o fato com veemência. Era o que eu já havia feito, porém a
machuquei ainda mais com todo aquele sarcasmo pós vitória.
— Quero apenas me redimir com você. – Espalmei as mãos ao seu
redor na porta, deixando-a presa. – Estar ao seu lado todos os dias, sentir o
perfume dos seus cabelos ao acordar com seu corpo colado ao meu... enterrar-
me selvagemente em você, ou com delicadeza... – Ela arquejou fracamente. –
Eu só quero você, Millie.
— Não – admitiu ela com sinceridade. – Por que eu permitiria isso? Eu
signifiquei apenas um capricho para a sua vaidade e uma arma letal para
destruir ao meu pai.
— Você está delirando. – Eu devolvi cheio de fadiga. – Eu sempre fui
sincero com você à respeito das minhas convicções de relacionamentos,
Millie. Sequer me lembro de ter prometido amor...
— Então por que permitiu que Verônica o tocasse? Não pensou no
quanto me magoaria quando eu soubesse que vocês transavam às escondidas?
Ela o satisfazia mais do que eu?
— Pare com isso!
— Por quê? Não quer aceitar a verdade de que te abandonei por eu ter
descoberto que você era infiel e mentiroso? Por ter tido a crueldade de me
fazer acreditar que éramos irmãos? Você é que precisa parar de fazer essa cara
de espanto. Eu não vou cair outra vez nessa história do charmoso galanteador.
Eu sei muito bem do que você é capaz!
Chocado demais diante daquelas palavras, eu me afastei. Assisti quando
ela abriu a porta.
— Eu nunca pensei que chegaríamos à esse ponto, Millie. Não foi o que
planejei durante esses anos todos. O seu pai... ele...
— Não ouse falar dele! – cortou-me com ainda mais fúria na voz. – Se
afaste de mim e dos que me rodeiam. Deixe-me em paz – frisou com
veemência.
Mordi os lábios.
— Eu não posso fazer isso – afirmei colocando as mãos nos bolsos. A
vontade de tocá-la estava insuportável. – E não farei isso.
— O que espera com essa perseguição toda? Ter-me em sua cama
novamente? – Ela estava de costas para mim quando perguntou.
— Não. – Eu disse com força na voz, fazendo-a voltar os olhos
novamente para mim. – Eu quero fazê-la me conhecer verdadeiramente.
— E quem é você?
— Sou aquele que destruiu o seu coração, mas que pretende reunir cada
pedaço e uni-los novamente. Sou quem pisou no seu amor, porém agora me
vejo completamente apaixonado por você. Não sou mais aquele cara seguro de
si diante de você, sinto-me vulnerável e enfraquecido emocionalmente. Fiz
muitas burradas e confesso que posso cometer outras... mas, porque eu te amo.
Millie me olhou com total desprezo, mas não disse nada.
— Sinto em te dizer, porém eu pretendo negociar com Simon. Nas
próximas semanas eu serei um dos seus chefes. – Ela parou e me encarou.
— Saiba que o odeio ainda mais por isso.

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