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— DESCONHECIDO
GENÉTICA MALUCA!
Eu deveria ser perfeita. Ter belas pernas, olhos azuis, cabelos loiros brilhantes
e compridos, um nariz empinadinho e um corpo escultural de dar inveja. Mas,
não! Não herdei essas características, quem as herdou foi a sortuda da minha
irmã, Lila.
Eu sou o projeto que deu errado, aquela que nenhum garoto ousa
convidar para o baile. A estranha, nerd e feia. Sim, eu me acho feia. E,
acredite: os meus pais são lindos! Eu deveria herdar a beleza deles, mas não
sei o que aconteceu. O que deu errado? Por que sou baixinha, magrela, cheia
de sardas e, ainda por cima, meus cabelos loiros têm uma cor estranha?
— Nickelback
Tenho que admitir que ele é oficialmente o namorado mais gostoso que
ela já teve. Reviro os olhos e vou direto para a cozinha, onde pego um
sanduíche e um suco de caixinha. Lila entra no recinto.
— Ei, Karine, você viu onde eu coloquei meus pompons?
Sei que Lila não olhou em um lugar e sempre estão lá.
— Você já olhou no carro de Daniel?
Só para vocês ficarem sabendo, Lila foi a uma festa de madrugada e eu,
a besta otária, ajudei com tudo, dando opinião sobre com que roupa ela
deveria ir, maquiagem, perfume, penteado… Afinal, Lila é líder de torcida e
tem que chegar chegando, como ela mesma costuma dizer. Porém, a minha
intenção era ir junto e no final de tudo o que ela me diz? “Me acoberta,
maninha?”
Eu fiquei tipo “O quê? Como assim?”
Quando saio de casa para entrar no carro da minha mãe, vejo Daniel já
dentro do carro dele: um Civic cinza. Ouvi dizer que ele mesmo comprou
com a economia que fez e com a ajuda dos pais. E agora vem buscar Lila
todos os dias.
*****
— Karine, presta atenção! É o último baile! Ouvi dizer que eles irão
cancelar os bailes e festas anuais.
— E você acreditou?
Jenny coloca suas mãos em meus ombros, me forçando a ficar de frente
para ela.
— Foca aqui em mim, guria. Esta é a minha chance de conquistar o
Ramon e eu não vou perdê-la de jeito nenhum. Você vai a esse baile comigo,
nem que seja arrastada!
“Isso não é um conto de fadas e aqui não tem sapatinho de cristal, nem
um príncipe encantado, muito menos uma fada madrinha.”
— Thalyta JDs
É sempre assim.
— Já sei o que vamos fazer amanhã — diz Jenny enquanto mastiga seu
chiclete rosa.
— OK, vamos fazer assim: eu te ajudo com o vestido, porém não vou
ao baile de máscara.
O sorriso do rosto de Jenny se desmancha e sei que agora ela vai partir
para chantagem emocional e dramática, como apelidei.
*****
Dois dias passaram voando… foi uma correria danada e não havia outro
assunto mais importante nos corredores do colégio, a não ser o baile de
máscaras. Até eu, que estava desanimada, comecei a ficar ansiosa.
E aqui estou eu, com as mãos tremendo, tirando o vestido da caixa com
total cuidado para não estragar. Deixo-o estendido na cama e vou direto tomar
banho. Coloco uma touca na cabeça antes, até porque me atrevi a usar o
babyliss e, adivinhem: ficou super lindo! Quero ver a cara de Jenny quando
me vir.
Nós combinamos que ela passaria aqui em casa às sete horas da noite
com o pai dela, que nos daria carona até o colégio.
Foco, Karine! Foco, não perca o foco, ele namora a sua irmã!
— Ai, meu Deus! O que eu fiz para merecer uma amiga como você? —
digo, aliviada.
— Eu também não sei, mas sorte a sua ter uma melhor amiga como eu.
Sabe, nem todos são sortudos.
“Cuidado onde você lança sua âncora, nem todo porto é seguro.”
Iasmin Cândido
Assim que saí do carro do pai da Jenny, minhas pernas começaram a tremer
tanto que eu não estava conseguindo me equilibrar em cima dos saltos altos.
Quase tombei para o lado direito, mas Jenny me pegou.
— Mas…
— Sem mas, Jenifer — ele diz em um tom autoritário, fazendo Jenny se
calar. Com mais uma despedida, ele se vai.
Olhando assim, não consigo definir quem é quem, já que estão todos de
máscara. A voz do DJ em cima do palco chama a atenção de todos.
— Essa não é para ser uma noite comum. E a próxima música é para
fazer vocês dançarem, não importa quem sejam. Hoje, deixem-se ser levados
pelo momento — ele diz.
Jenny solta um grito feito uma louca ao meu lado e me puxa para o
centro da pista. O DJ libera a música e eu me sinto tímida no meio da
multidão.
— Jenny! — grito sobre a música alta. — Vou tomar um ponche.
— Uma bebida.
O dono dos braços fortes me gira para ficar de frente para ele e, mesmo
de máscara, eu reconheceria aqueles olhos em qualquer lugar.
Aqueles olhos azuis.
Abro a boca para falar algo, porém Daniel sorri e eu vejo uma covinha
em sua bochecha esquerda. Como eu nunca percebi essa covinha antes? Seu
sorriso se desmancha quando seu olhar pausa em minha mão, que está
segurando o ponche vermelho.
— Eu pensei que você não gostasse disso — ele diz, com as
sobrancelhas erguidas.
Como, se nunca provei?
Quando vou abrir a boca pela segunda vez, outra voz surge antes que eu
pudesse falar.
— Agora, essa — O DJ fala, pausando a música de antes, eletrônica —
é para todos os apaixonados. Aproveitem e chamem aquela pessoa que você
tanto gosta para dançar.
— Eu sei que você não sabe dançar música lenta, mas dance essa por
mim.
Como ele sabe disso? Esse tempo todo eu pensando que ele não
reparava em mim quando, afinal, ouço essa revelação bombástica. Então, a
música começa. Daniel coloca uma mão na minha cintura e com a outra
segura a minha mão. Parece um conto de fadas. Fico apenas encarando seus
olhos azuis, que resolveram brilhar mais que o normal esta noite.
Quebro a ligação do olhar e espio ao redor, percebendo que todos estão
nos olhando. Somente nós estamos no meio do salão. Ai, meu Deus! Eu só
posso estar em um sonho. Daniel começa a se movimentar devagar e eu o
acompanho com cuidado para não pisar no seu pé. Sua boca chega mais perto
do meu ouvido e ele sussurra:
Jenny tinha que estragar o meu momento, sabe? Tipo assim, ter um boy
lindo dançando com você, isso não acontece todo dia, ainda mais se no final
ele te beija.
Sua respiração está ofegante quando ela aponta para a entrada do salão
e eu vejo uma garota praticamente igual a mim. Com o mesmo vestido. Tudo
bem que o cabelo dela está mais brilhante, porém a minha máscara é mais
bonita. Ha-ha!
— É sua irmã, Karine! Daniel pensou que estava dançando com Lila!
Capítulo 4
Baile - Parte 2
“Eu chorei como ele tivesse morrido. E, de certa forma, morreu.
— Sorry, I don’t care anymore.”
Uma vez me disserem que nada nas nossas vidas é em vão, que nada é por
caso, que tudo tem um motivo e uma razão. Quem me disse isso? Meu pai.
Quando ele morreu, eu tinha apenas nove anos, Lila tinha dez. Nós não
conseguimos nos lembrar muito do rosto dele, nem da voz. Mesmo que haja
fotos dele na sala e uma colada no meu fichário, eu apenas não consigo
lembrar. A única memória que o tempo não se encarregou de levar — como
eu agradeço aos céus por isso —, é sobre a frase que um dia ele me disse.
— Sim, sim, eu sei. Bem, vamos logo procurá-lo porque daqui a pouco
é meia-noite, Cinderela — digo sorrindo, e percebo que Jenny está mais
animada agora.
Jenny cai na risada, coloca a mão na barriga e eu fico vendo-a rir por
alguns segundos, até que se recompõe.
— OK, OK. Já vi que você não leva jeito para isso. Por mais que te
julgue, eu levei a sério o papo sobre não dar certo. Então, eu não vou falar
meu nome de jeito nenhum. E, caso eu falasse, acho que ele me olharia e diria
algo como “E daí que seu nome é Jenny?” ou “Te perguntei alguma coisa?”
Ouvi as meninas do terceiro ano falarem que ele é meio grosso.
— Tudo bem, você tem razão. Então, nada de ensaios, chegue lá e o que
vier na tua cabeça você fala, beleza?
Jenny olha para trás e… Sabe como são melhores amigas, né? Qualquer
olhar somos capazes de decifrar e o da Jenny, nesses momentos, é de socorro.
Então, quando vou começar a minha caminhada até eles, alguém pega o meu
braço. Eu me viro para trás e avisto um cara alto, com cabelo castanho-
escuros iguais aos seus olhos. Sua boca esboça um sorriso travesso e eu não
faço a mínima ideia de quem ele seja. Sua máscara preta esconde sua
identidade. Assim que arranco o meu braço do aperto suave de sua mão, ele
me solta.
Assinto.
— Sou Henrique.
— Karine.
Eu pisco.
— Obrigada! — agradeço.
Olho para a frente e vejo Daniel e Lila rindo juntos. Eles parecem que
foram feitos um para o outro. Sinto um desconforto observando a cena.
Daniel se inclina e encosta Lila na parede enquanto sussurra algo no ouvido
dela, que a faz rir ainda mais. Eu tento me esconder um pouco entre os alunos
para que Lila não veja que estou com o mesmo vestido que ela. Não quero
nem pensar se ela souber. Com certeza, dirá que fiquei com inveja e tal.
Ai, meu Deus, por que isso foi acontecer logo comigo?
“Que besteira é essa? Eu sei que eu não tenho muita autoestima, mas eu não
sou louco ao ponto de dizer que não consigo viver sem você. E, aliás, mentir
nunca foi o meu forte.”
Aleff Tauã
— OK.
Pego minha toalha e vou tomar banho. Tudo de que eu preciso é de um
bom banho, daqueles capazes de levar más memórias para o ralo. Eu sei que
isso não é possível e tal, mas como queria que fosse…
*****
— Então, alguém está mentindo aqui — Lila diz séria, olhando para ele.
Foi então que Daniel percebeu minha presença na cozinha.
— Ô pirralha, você foi ao baile ontem? — Daniel pergunta.
— Gratificar/Tumblr
Quando cheguei no colégio não vi Jenny, imagino que ela deve estar de
castigo pelo fato de nós temos nos atrasado ontem. Ou ela deve estar triste por
causa de tudo que aconteceu com Ramon. Os assuntos nos corredores
envolviam o campeonato que estava chegando. O time de futebol ia jogar com
os Diamond, o colégio vizinho com o qual a nossa escola tem uma rixa, e isso
esse ano só vai piorar, já que o time que vencer ganhará uma bolsa para
estudar fora e esse é o sonho desses garotos. As líderes de torcidas estavam
animadas. Lila não podia estar diferente, já que é a mais invejada do colégio
por causa de sua beleza e seu namorado quartback que todas babam.
Hoje o dia foi um saco e para piorar o diretor pediu para a inspetora me
chamar. Dou três toques de leve na porta da sala do diretor Emerson.
— A partir de agora é.
— O quê? — pergunto, com os olhos arregalados
— Senhorita Karine, eu tenho visto suas notas e considerei a hipótese
de você fazer parte dos ajudantes estudantis. Seria uma honra tê-la nesse
grupo.
— Mas…
Ai, minha nossa senhora dos futuros dos nerds! Eu abro a boca para
dizer algo a respeito, mas não consigo. Só consigo pensar nessa possibilidade
de entrar em Yale.
— Que bom, senhorita Karine, fico muito feliz que tenha aceitado. Vou
te dar uma folha com algumas informações sobre o aluno que você irá ajudar
em seus estudos. Aliás, esse aluno precisa muito de ajuda, se ele não melhorar
as notas, perderá a chance de participar do campeonato.
O diretor Emerson abre uma gaveta, pega uma folha, endireita os
óculos, depois pega uma caneta preta e assina. Ele arrasta a cadeira para trás,
se levanta e percebo que é hora de me levantar também.
*****
— Deu sorte, hein Daniel? Duas Reynolds para você! — Um cara alto
que está ao seu lado fala.
— Cala a boca, Johnny — Daniel diz sério, perfurando-o com o olhar.
Reconsidero a ideia. Afinal, ele tem razão. Como vou conseguir ensinar
alguma coisa para esse deus grego aqui na minha frente? É óbvio que não
conseguirei me concentrar. Mas é a minha bolsa de estudos que está em risco
e, nesse caso, não quero correr o risco de perdê-la.
— Não — digo, curta e reta.
— Como?
Eu levanto o olhar para encontrar seus olhos azuis. Meu coração erra
uma batida e prendo a respiração. Será mesmo que ele não percebeu que na
noite passada era eu? E se ele soubesse? Será que sentiria vergonha de mim?
É disso que tenho medo. Daniel se levanta rápido, mas sem tirar os olhos dos
meus. Então, quando ele está prestes a me dar as costas e ir, eu falo:
— Espera.
— O quê?
“Geralmente é assim que funciona; você conhece uma pessoa, ela te diz
coisas que você nunca escutou e te faz sorrir como nenhuma outra pessoa fez,
cria planos que você nunca imaginou. Te faz sonhar com o que você nunca
viveu, depois a pessoa vai embora, e te faz sentir saudades do que nunca foi
seu. “
— Sean Wilhelm
Depois que Daniel e sua turma foram embora, meu apetite foi junto. Fiquei
pensando no que os dias a seguir guardariam para mim. Óbvio que coisas
boas não seriam. Vejam bem: como Daniel é o principal do time, todos
esperam mais dele, ou seja, há uma cobrança maior. E se ele não for bem nos
estudos, ficará de fora. Feito isso todos me culparão, tenho certeza que até ele
mesmo. Não sei bem se a bolsa de estudos está valendo mesmo o risco. Já sou
a menos popular vinculada a nerd, agora imagine acrescentar mais uma coisa
inferior ao meu currículo escolar — Destruidora de sonhos. — Tenho certeza
de que é isto que vai acontecer caso eu não consiga dar uma ajuda extra ao
Daniel.
Meu celular vibra em meu bolso, quando percebo ser uma mensagem de
um número estranho. Clico no texto da mensagem:
Fiquei olhando para aquelas palavras até que decidi apagar. Não, desse
jeito pareço desesperada demais.
“Sim.”
*****
Assim que cheguei em casa joguei minha bolsa no sofá e corri para o
telefone da cozinha, precisava ligar para Jenny, saber se tudo estava bem.
— Ótimo.
— Que bom — digo com uma risada sem graça. — Gostaria de saber se
Jenny está aí.
— Não percebi.
— Deixa de ser boba Karine, isso não tem nada a ver com você.
— Sério?
“Você quer um conselho? Não pense demais, isso enlouquece qualquer um.”
— Kelvy Rodrigues
Eu não sei como algumas pessoas conseguem inventar uma mentira tão
rápido. OK. Queria saber mentir assim tão bem, mas o que acontece aqui é
totalmente diferente. Lila está me olhando, esperando eu dizer algo enquanto
estou roendo as unhas, vasculhando meu cérebro à procura de uma mentira
convincente.
— Pelo menos você riu hoje. Então Jenny, já estou indo, me deseje
sorte.
— Boa sorte, guria.
— Porque sim!
Capítulo 10 – O treino
— Nicholas Sparks
Jenny tinha ido para o colégio, o que foi bom. Ela estava tentando
disfarçar a tristeza, mas eu percebi em seu olhar. Finalmente as aulas tinha
acabado, e cá estou eu, na arquibancada, assistindo ao treino do Daniel.
*****
Eu entendo sobre futebol por causa do meu pai. Ele era fã dos Arizona
Cardinals, na época eu ficava ao lado dele no sofá enquanto papai berrava
com os jogadores, como se eles pudessem ouvir.
Jenny suspira alto ao meu lado. Então, eu a olho e acompanho seu olhar.
Ramon está sentado no outro lado da arquibancada, com os joelhos junto ao
peito e os braços cruzados sobre eles. Seu olhar paralisa em nós e Ramon nos
fita quando sua cabeça dá uma leve inclinação para o lado. Eu desvio minha
atenção dele quando os gritos das cheerleaders invadem o espaço.
Foi então que me lembrei. Bato a mão com força na minha testa.
Quando fui falar com Ramon no baile foi para perguntar se ele sabia
onde uma amiga que tinha ido falar com ele estava. Mas é claro que eu não
falei isso para Jenny, eu esqueci. Além do mais, que importância isso tinha?
Agora, eu tenho certeza de que a cabecinha de Ramon está raciocinando, é
como se eu conseguisse ver no cérebro dele as peças se encaixando.
se o sujeito voltar.”
— Eu me chamo Antônio
Já faz mais ou menos meia hora que Jenny está comendo seu sorvete quieta,
sem falar nada. OK, para vocês isso não é nada demais, mas para mim é
preocupante. Jenny é faladeira, gosta sempre de estar interagindo e por ela
não estar assim agora imagino que deve estar pensando.
— Quero mudar de colégio — Jenny fala baixo, sem olhar para mim.
Sinto meu coração parar. Entro em desespero porque só quem tem uma
amiga sabe o que é se sentir abandonada quando ela muda de colégio. Não,
não vou permitir que isso aconteça. Tudo bem que eu até poderia me mudar
para o mesmo colégio que Jenny pensa em ir, mas mamãe não permitiria.
— Jenny — falo, tentando chamar sua atenção para que foque em mim
—, você não pode fazer isso.
— Eu não sei, Karine — ela responde.
— Desconhecido.
— Está bem?
— Sim e você? — uma voz meio rouca diz. Olho para esse ser sentado
ao meu lado. Eu pensei que era Jenny, mas não… É Ramon.
— Conversar, apenas.
— A humilhação que você fez ela passar não foi o suficiente? —
pergunto.
— Ei, eu estou aqui na paz — Ramon diz.
— Tiê
— Jenny — chamo. Jenny vira para trás. — Adivinha quem veio falar
comigo hoje na hora da entrada?
— Daniel.
— Não.
— O diretor?
— Por que o diretor iria falar comigo? — pergunto, confusa.
— O quê?
— É.
— Guria, me explica isso direto.
Então, o professor Sebastian entra na sala fechando a porta.
Capítulo 14 – Confissão
“Ele não fazia a menor ideia de que ela acabaria sendo a única mulher que ele
amaria na vida.”
— Nicholas Sparks.
Aqui vai uma confissão: estou desesperada! E isso realmente não é exagero
meu. Ah, qual é? Eu nunca pensei que isso pudesse ser difícil. Quer dizer…
pensei sim, mas não desse jeito como está sendo.
— Daniel, se você não largar o celular fica difícil.
— Calma — Daniel pede, sem largar os olhos do seu celular. — Só uma
mensagem.
— Não vou mexer mais — ele diz, colocando as mãos para o alto como
se dissesse “Ei, eu sou inocente”.
— O celular — falo mais uma vez, séria, para que Daniel saiba que não
estou brincando. Afinal, é minha faculdade que está em jogo.
Eu puxo o braço de novo com mais força. Então, Daniel vem para a
frente pelo solavanco e ficamos muito próximos um do outro, tão próximos
que consigo sentir sua respiração no meu rosto. Seus olhos azuis me encaram.
Eu não consigo decifrar o que se passa através deles.
— Amor, cheguei — Lila fala, entrando na sala com uma sacola nas
mãos.
— Por que vocês estão com essa cara? — Lila pergunta. Eu olho para
ela e dou de ombros, me sentando de novo no sofá.
Bem, dessa vez eu tentei ensinar história para o Daniel, que entendeu
tudo perfeitamente e isso não é nenhuma mentira. A única coisa que eu
percebi foi que Daniel estava meio sem graça, ele ficou estranho depois do
que aconteceu.
Capítulo 15 – Vaguinha em aberto
Abro meu armário e noto a bagunça imensa que ele está. Tem duas
jaquetas xadrez, livros mal colocados, fotos dos meus artistas preferidos
amassados no meio da bagunça e, para fechar com chave de ouro, tem o meu
suco de caixinha da semana passada, que não tomei todo e resolvi guardar. O
cheiro que vem dele não é nada agradável.
— Besta.
— Isto está me cheirando a Ramon.
O sinal bate. Droga, eu odeio quando ele bate e eu ainda estou no meu
armário. O sino é aqui em cima da minha cabeça, praticamente.
— Guria, eu vou na frente, porque ainda preciso ir ao banheiro.
Assenti.
Pego meus livros de Geografia e Matemática, que serão as próximas
aulas, e tento dar uma organizada rápida no meu armário.
— Precisando de ajuda?
Olho para o lado e está Ramon com a mão apoiada no armário, onde
minutos atrás estava Jenny.
— Não — digo, enquanto tento não deixar o livro de Geografia cair no
chão. — O que você quer?
— Conversar apenas.
— Hum…
— Uh-huh…
— E ela…?
— Obrigado.
*****
— Não.
— Ah, qual é Karine? Essa é a nossa chance.
— Chance de quê?
— Mas deveria.
— Em…?
— Em o que, Jenny?
— Vai participar?
— Não, de jeito nenhum, e não adianta fazer birra ou bater o pé, a
minha resposta será a mesma. Não vai ser igual o baile, não.
Jenny revira os olhos para mim e vai para a pia lavar o rosto.
Tic- tac, tic-tac, tic-tac… É o som que vem do relógio em cima da cômoda ao
lado da minha cama. De dia eu não consigo escutá-lo, mas à noite eu não
necessito nem chegar perto, basta prestar atenção. Assim é o coração. Só
conseguimos senti-lo se prestarmos atenção, se pararmos por um momento.
Uma vez, nesse mesmo dia eu fui ao quarto dela. Como a porta estava
entreaberta, eu espiei. Eu queria entrar, mas o choro da minha mãe me fez
paralisar na hora. Quando olhei, a vi sentada na cama com as mãos no rosto,
enquanto seus ombros balançavam freneticamente. Eu queria correr na
direção dela, abraçá-la, dizer que em mim também dói, dizer que com o
passar dos dias as coisas melhoram, porque é isso que as pessoas fazem…
entregam seus problemas para o coitado do tempo.
Suspiro alto.
— Não… Vamos deixar para amanhã? — pergunto, olhando para ele.
Abaixo o olhar para fitar o chão. Não. Para falar a verdade, não era para
fitar o chão. Era para esconder uma lágrima que estava descendo em meu
rosto. Não gosto que ninguém me veja chorar. É um momento fraco, que não
me permito compartilhar com ninguém. Vejo como eu sou egoísta agora, me
importando somente com a minha dor, quando há pessoas no mundo sofrendo
muito mais.
Daniel vem para mais perto de mim e passa seu braço em meus ombros,
me puxando para perto de si.
*****
Eu nunca tinha conhecido esse lado dele antes, esse lado sensível e
carinhoso. Para mim, ele sempre foi metido e orgulhoso. Talvez, seja por isso
que Lila o namora, porque ele está sempre lá e não por apenas ser o quartback
do time. Depois que o abracei, nos mantivermos assim por alguns minutos até
Daniel se afastar, mas continuar perto. Ficamos olhando um nos olhos do
outro. Como eu queria saber o que se passava atrás daqueles olhos azuis! Vi
seus olhos baixarem para meus lábios secos e subir novamente para encontrar
meu olhar. Àquela altura meu coração pulava, era como se compartilhávamos
algo mágico, alguma corrente. Até Daniel quebrar a energia dizendo para
mim que iria subir no quarto de Lila. Ele disse baixo, num sussurro duvidoso.
Eu queria implorar para ele ficar mais um pouquinho, mas fiquei quieta e
assenti. Afinal, Lila também estava muito triste. Daniel demorou um pouco
para se levantar e ir, foi como se ele quisesse ficar mais um pouco ou se
esperasse eu pedir para ficar. Então, depois que ele se foi, fiquei pensando e
imaginando Daniel entrando no quarto de Lila, sentando-se em sua cama e
puxando-a para si como fez comigo. Imagino que agora ela também deve
estar se sentindo segura naqueles braços fortes que a rodeiam. Agora eu sinto
ciúmes, por não ter ninguém para sentar-se ao meu lado, emprestar o seu
ombro ou sua camisa branca para eu chorar como um dia ele fez com Lila
quando ela machucou o joelho no ensaio das cheerleaders. Lembro que Lila
sujou a camiseta branca de Daniel de maquiagem e catarro, e ele nem ao
menos sentiu nojo, pelo contrário.
Sinto uma solidão e uma leve inveja no peito. Por que Lila tem que ser
melhor, tem que ter o melhor?
Quando paro para ver, já estou brincando com a água que as lágrimas
formaram na minha perna.
Meu celular vibra no sofá. Olho no visor. É Jenny. Respiro fundo para
que ela não perceba nada de diferente em minha voz.
— Alô — digo.
— Já preparei tudo e já estou chegando — Jenny diz com uma
respiração pesada.
— Ahn… Jenny? Como assim já preparou tudo?
— Comprei filmes legais e uns chocolates, ouvi dizer que contêm uma
coisa na fórmula capaz de deixar a pessoa feliz.
— OK — digo, sorrindo.
— Já já estou aí.
Pelo menos eu tenho Jenny e saber que ela comprou filmes e chocolates
para mim é muito bom. Todo ano, desde que conheço Jenny, ela tem sido a
única a me dar apoio nesses dias difíceis.
“Algumas amizades passam rápido, num piscar de olhos. Outras são feitas
para durar até que você pisque pela última vez.”
— Pedro Bial
Jenny e eu saímos em disparada assim que foram liberados os dois nomes que
conseguiram a classificação para participar do grupo das líderes de torcida.
Certo que a minha ansiedade era grande, mas a da Jenny parecia ser imensa.
Ela está uns vinte passos à minha frente.
Arranco sua mão da boca e a puxo para abrir caminho comigo em meio
àquelas meninas todas.
— Ai, meu Deus, ai, meu Deus! — Jenny começa a pular ao meu lado,
tapando a boca com a mão para não gritar alto demais.
Puxo-a para um abraço apertado e não podia estar mais feliz por ela.
— Ela tinha aparência de ser irritante e fresca. Você viu o jeito como ela
olhou para Carolina depois de pisar no pé dela?
Capítulo 18 – Azuis
“Você merece um cara que moveria montanhas para estar com você se fosse
preciso.”
— A última carta de amor
— É a sua vez!
— Claro — falo.
Óbvio que Alice não dá a mínima para ela. Christina participou do teste
das cheerleaders, eu a vi toda animada tentando conversar com Alice, que
enrolava uma mecha de cabelo loiro no dedo indicador e mascava chiclete
sem dar muita atenção. Christina é amiga de três meninas aqui na sala:
Anabel, Carla e Amanda. As três estão sentadas juntas, e dá para entender
perfeitamente o porquê de deixarem a Christina de fora.
— Ah! Deve ser por causa do Daniel… — Christina faz gesto com as
mãos para que Jenny eu nos aproximarmos mais dela. — Ouvi dizer que ela
tem uma queda por ele — Christina diz em um sussurro.
— Nada — minto.
Chegando no refeitório, vejo Susan se sentando à mesa das
cheerleaders. Daniel está com o braço ao redor de Lila enquanto ela conversa
com Alice.
— Eu posso até fazer parte das cheerleaders, mas me sentar com elas…
jamais! — Jenny diz e ela não sabe o quanto isso me deixa mais tranquila e
feliz.
— Qual o problema?
— Porque eu sou feia — digo e começo a listar nos meus dedos, igual à
Christina, uma série de razões: — Porque sou nerd. Porque sou magrela.
Porque tenho sardas. Porque sou baixinha. Porque uso aparelho. Porque não
sou nada popular. Porque… porque não tenho razões para ser amada! — digo
um pouco alto demais.
Jenny está com apenas uma sobrancelha levantada.
Eu fico muda.
Típico de amigas fazer isso. Para que fazer isso? Parecem que gostam
de ver a outra com vergonha.
Daniel está me olhando e eu não sei o que fazer. Então, olho minhas
mãos e mexo na pelinha que está saindo do lado da minha unha.
— Prometa para mim uma coisa? — Daniel fala. Tiro minha atenção da
mão e olho para ele.
Lila abraça Daniel enquanto ele continua quieto com as mãos no bolso,
até ele resolver retirá-las e colocar um braço em volta da cintura de Lila.
Viro para o lado. Não sei por que, mas não aguento ver isso.
*****
Daniel e Lila até agora não chegaram e eu apenas aproveito para poder
descansar, já que era para ensinar a ele ontem, mas troquei para hoje.
Mamãe vai até a cozinha e mexe na panela, de onde está saindo uma
fumaça cheirosa. Meu estômago ronca.
Mamãe apenas assente. Pego minha bolsa do sofá e vou para o meu
quarto.
Escolho qualquer roupa do meu guarda-roupa, uma camiseta branca
simples onde está escrito “Have faith” e uma calça preta jeans surrada, que
amo. Pego minha toalha em cima da cadeira do computador e vou para o
banheiro. Enrolo meu cabelo em um coque e ligo o chuveiro.
*****
Seria estranho dizer que meu coração está levemente acelerado? Porque
nesse momento estou confusa. Tipo, o cara nunca me chamou para sair e
agora me aparece o Henrique fazendo questão da minha companhia.
Mas paraliso com a mãos no teclado do meu celular. Eu não quero me
machucar. Eu não conheço o Henrique direito. E se ele apenas quiser brincar
comigo? Porque sinceramente eu não me lembro muito bem de suas feições e,
além do mais, sua máscara preta dificultou. Mas o que deu para ver foi um
cara bastante atraente e bonito, com imensos olhos marrons, totalmente
merecedores de elogios. Então, o que ele faz perdendo o tempo dele com uma
Karine da vida?
Isso só pode ser um sonho.
“Semanas de provas. Que tal deixarmos para o mês que vem?”
Escrevi e mandei. Deixando para o mês que vem eu ganho mais tempo.
Mais tempo de enrolar um pouco mais.
“Beleza. Você que manda :)” — Henrique.
— ENTRA! — grito.
Daniel nunca entrou no meu quarto antes. E tenho certeza de que é por
isso que ele está observando tudo. Olhando para cima, para os lados…
— Eu sei que o meu quarto não é tão bonito quanto o da Lila, mas é
aconchegante — digo.
Daniel assente.
— Como você tem mais dificuldade em Matemática e temos apenas
hoje e amanhã, então resolvi deixar hoje apenas para Matemática e amanhã
lhe ensinarei os dois… Tudo bem para você?
— Sim.
*****
— Deve ser bom, né? Tipo assim, ser popular e até ter um fã clube no
colégio como você.
“Quando você foca numa estrela durante muito tempo, acaba esquecendo de
admirar todas as outras milhares.”
— Gabito Nunes
Se eu pudesse comentar sobre um dia estranho, com certeza seria hoje. Tudo
bem que com base na hora marcada no micro-ondas, são ainda quatro e meia
da madrugada. Ou seja, ainda tem tempo para as coisas ficarem mais
estranhas, temos um dia inteiro pela frente.
Daniel não para de olhar para mim e o estranho disso tudo é que não
consigo desgrudar meus olhos dele também.
Daniel e Lila estão sentados no sofá enquanto estou na cozinha em uma
zona de visão que dê para ver eles dois.
Pego minha bolsa de cima do sofá sem olhar para Lila ou Daniel, mas,
antes de atravessar a porta de casa, eu juro que senti seu olhar perfurando
minha nuca. Uma sensação de que Daniel está me observando.
*****
Vou me aproximando devagar e pera aí… Jenny está rindo. Sim! Rindo,
colocando a mão na boca e outra na barriga, enquanto se contorce para a
frente.
— Oi — digo tímida olhando para os dois.
Até suas roupas hoje estão diferentes. Uma calça jeans clara com uma
camisa simples cinza.
Está aí uma revelação bombástica. Eu não sabia que estava com a boca
aberta até Jenny colocar uma mão no meu queixo e fechar.
As aulas passaram voando, a única coisa que não passou voando foi o
intervalo. Primeiro, porque Jenny e Ramon não pararam de conversar e
segundo porque eu presenciei uma briga de Daniel e Lila no refeitório do
colégio.
♕ Flashback on ♕
♕ Flashback of ♕
OK, eu estou um pouco com medo do Daniel não conseguir passar, mas
é claro que não vou dizer isso…
— Não.
— Não.
— Quer desabafar?
— Sim.
— Por quê?
“A coisa mais difícil de fazer é assistir a pessoa que você ama amar alguém.”
— The Vampire Diaries
— Lila —
Eu viro meu rosto para o lado e finjo que a janela do quarto de Karine,
pintada de azul-escuro, é mais Interessante do que esse assunto que estamos
conversando.
Sentada na cama da minha irmã eu tento saber por que Daniel está tão
diferente comigo. E sim, eu já perguntei a ele o que está acontecendo, mas a
resposta é sempre a mesma — não é nada, estou normal e isso é coisa da sua
cabeça —, mas eu sei que não é! Tenho certeza. E minha maior certeza foi
que ele mudou comigo depois que perdi meu posto como capitã…
Tudo culpa de Sierra. Ela me disse que, como o jogo estava próximo,
deveríamos fazer algo sensacional para animar as torcidas, que como haveria
olheiros para o time dos garotos, com certeza haveria outros interessados na
gente. Então, ela disse para ensaiarmos o aviãozinho, eu achei arriscado
demais e capaz de machucar algumas das garotas que se arriscariam a fazer
isso. Mas não, Sierra insistiu o bastante para me irritar e me fazer mudar de
ideia.
— Eu também quero acreditar nisso, mas ele tem mudado comigo desde
que perdi meu posto.
— Daniel não seria capaz disso — Karine diz e nesse momento eu
quero acreditar nessas palavras que saíram com tanta certeza, mas eu fracasso
nessa tentativa.
— Deve ser o estresse. Você sabe que em breve será o jogo, semana que
vem tem provas. Se ele não passar, não jogará. Aliás, Daniel tem passado por
muita pressão. Não é só o treinador que espera mais dele, somos todos nós.
— E se não ficar?
— Vai ficar.
*****
— Sim… mas é claro. — Viro meu rosto para o lado. Eu espero que
minha voz pareça confiante porque realmente eu não me sinto assim.
Satisfeita com a minha resposta, Alice mudou de assunto.
— Então… O que você fez esse fim de semana?
— Nada demais — menti. — Eu apenas estudei Matemática repassei
algumas rotinas de hoje.
♕ Flashback on ♕
— Obrigada.
Pego os papéis que Daniel tinha esquecido no meu quarto ontem e sigo
em direção à sua sala.
Kevin é o melhor amigo de Daniel e meu também. Foi através dele que
Daniel e eu nos conhecemos.
— …eu não sei, eu nunca senti isso — Daniel diz, bagunçado seus
cabelos dourados.
— Cara — Kevin diz —, você está precisando tirar um dia para pensar.
— Eu sei, o pior disso tudo foi que hoje eu não consegui tirar os olhos
dela.
— Será que é coisa da minha cabeça também quando senti uma vontade
imensa de beijá-la?
Meu coração bate forte em meu peito quando percebo que o assunto é
outra garota e que meu namorado estava pensando em beijar outra.
Eu apenas pensei que eu bastaria para ele, como ele basta para mim.
Quase tropeço no meu próprio pé. Meu cabelo longo atrapalha minha
visão e quando vou ver estou de frente para a porta do refeitório, que está
fechada.
— LILA… — sua voz me chama mais uma vez.
Forço a porta do refeitório para que abra, e para ser sincera estou quase
desmoronando por dentro. Sinto a mão de Daniel pegar em meu braço, então
eu viro e lhe digo:
♕ Flashback off ♕
Droga! Logo sexta. Eu não gosto de Susan, isso é certo, e não preciso
repetir. Não hesito em responder, mas se tem uma coisa de que gosto é de
festas. E como mamãe não gosta que eu participe de festas na casa de amigos,
eu sempre vou escondida e peço para Karine me acobertar.
— Sim.
— É só pedir à sua irmã para ajudar, como das últimas vezes, e vai dar
tudo certo.
“Vai lá boba, manda mais uma mensagem, como se ele não tivesse recebido
todas as últimas. Enche a caixa de entrada do celular dele, como se isso fosse
fazê-lo sentir algo por você além de enjoo. Enjoo do teu exagero, enjoo de
quem insiste em dançar sem música, sem ritmo, sem dança, sem pista, sem
par. Que tal se valorizar?”
— Tati Bernardi
Todos os alunos estão olhando essa cena ridícula que Daniel está
causando, mas com certeza é para me atingir e eu não sei se vou lá agora e
grito com ele ou se finjo que não vi isso.
Alice vem correndo atrás de mim enquanto os olhos dos alunos nos
acompanhavam como se fossem urubus em cima de carniça.
— Será que ela acha que tem alguma chance com ele? — Alice me
pergunta quando entramos no pátio dos veteranos. O pátio era grande o
suficiente para todos os veteranos, mas nem tudo estava disponível para
todos.
— Eles podem muito bem ter se aproximando esses dias e sei lá, talvez
ela seja aquela garota. — Alice dá de ombros enquanto limpa uma mancha do
batom. — Que Daniel está te traindo.
— Mamãe não iria dar para levar Karine hoje, e eu pedi esse favor ao
Daniel.
— E por que você não foi junto? — Susan me interroga mais uma vez,
fazendo todos na mesa ficarem em silêncio, prestando atenção em nosso
assunto.
— É um perigo ter que deixar aquela tentação com outra garota, mesmo
que seja a pirralha da sua irmã.
Eu vejo Alice suspender uma sobrancelha. Um clima tenso cai sobre
nós. Todos estão esperando eu dizer algo a respeito disso.
— Não.
— O namorado ser meu, e quem está preocupada é você.
— Sim Lila, você tem total razão. Algumas pessoas cuidam tanto da
nossa vida que esquecem que o mundo — Susan levanta seu dedo indicador
— não gira ao redor do seu umbigo. E querida — ela se aproxima mais da
mesa —, eu tenho coisas mais interessantes para fazer do que cuidar da sua
vida.
— “Saí” não querida — Susan fala fazendo sinal de aspas com as mãos.
— Foi decretada fora pela treinadora.
— PIMMMMMMM!
O sino bate.
*****
Estou mexendo no meu armário depois das aulas quando minhas amigas
Lori, Madison e Sheila se aproximam.
— E Daniel? Você acha que ele conseguiu? — ela pergunta para mim.
— Sim. Ele se esforçou bastante.
— Calma Lila, tenho certeza que você vai recuperar de volta. Aliás,
ninguém anima tão bem quanto você! — Lori tenta me encorajar.
Sheila suspira.
— Que foi, Lila? — Lori pergunta para mim. — Conheço bem esse
olhar… peraí — Lori para no meio do corredor ficando na minha frente, as
meninas param também. — Você não vai aprontar nada, né? — pergunta,
preocupada.
— Óbvio.
— Comigo também! — Sheila fala — Iria adorar fazer alguma
pegadinha ou sabotar Susan.
— Meninas, não vamos esquecer da Sierra, né? Afinal, ela também tem
culpa — Madison diz e todas nós concordamos.
Ao chegar à quadra, encontramos toda a nossa turma sentada no chão,
esperando pela Susan, que só chega atrasada para os ensaios. Bela impressão,
capitã.
— Fala sério! Vai ser todo dia isso?— Alice me diz, baixinho e nervosa,
enquanto me acomodo no lugar vago, ao lado dela.
— Eu escutei certo?
— Tenho certeza que sim.
— Não.
— Te conheço Lila, sei que não está bem. Por que você não me conta o
que aconteceu hoje de manhã?
Fiquei sabendo que Sierra está namorando com Tyler do colégio. Tyler
faz parte do time dos garotos.
Que Zack terminou com Giovanna, uma das cheerleaders.
“Em outra vida, em outra época, eu a teria beijado em seguida, mas, ainda que
o quisesse, não o fiz. Em vez disso, apenas olhei nos olhos dela.”
— Nicholas Sparks
— Mas é óbvio que ele conseguiu — Jenny diz revirando os olhos para
mim.
— Vem… senta aqui — Jenny pede apontando para o espaço ao lado
dela.
Sento-me na cama agarrando a almofada rosa.
— Guria, relaxa tá?
— Estou tentando.
O diretor disse que ligaria para Daniel e lhe daria uma resposta
adiantada sobre o resultado do teste. Então, eu pedi a Daniel que me avisasse
assim que soubesse o resultado.
— Eu acho que vou descer…
— Por quê? — pergunto a Jenny, confusa.
— Cara, você fez esse suco rápido demais. Ainda bem que você teve
essa ideia, porque acho mesmo que estou surtando — digo, esfregando meus
olhos com força.
— Como assim, surtando? Você ainda tem que me dar a honra da sua
presença na arquibancada porque é para você que quero dedicar minha
vitória. — Eu sinto as laterais da cama onde está minha cabeça sendo
afundada. Então, eu abro os olhos e encaro o dono dessa voz me encarando
logo acima de mim, com as mãos apoiando na cama de cada lado da minha
cabeça
— Daniel.
Eu vejo Daniel engolir fundo e se aproximar mais do meu rosto, ele vai
um pouco mais para a frente enquanto estou paralisada.
Eu perguntei por que ele estava me oferecendo uma carona e ele disse
que Lila tinha ido com Alice, que minha mãe a viu entrando no carro pela
janela. Mas era óbvio! Só podia ser. Caso contrário nunca ele iria se oferecer
para me levar
Eu disse que iria com mamãe, mas Daniel insistiu tanto que cedi.
Mamãe não gostou nada disso, eu percebi pela cara que ela estava me
olhando.
Daniel estava sorrindo como se isso fosse normal, quando Lila apareceu
do nada.
Lila estava vermelha de tão brava e eu pude ver seus olhos fumegando
quando me olhou, me senti tão ameaçada que desviei o olhar na hora. Até
Daniel cochichar algo no ouvido de Lila, que a fez ir embora.
Eu perguntei para ele se tudo estava bem, Daniel disse que sim, que a
raiva de Lila era momentânea e afinal ela não tinha o direito de ficar brava.
Depois disso, eu fui procurar Jenny e Daniel seus amigos, porém na hora do
refeitório eu percebia que Daniel estava olhando demais para mim.
— Eu estou me odiando agora — Jenny fala, entrando no meu quarto
com um copo azul na mão.
— Por quê?
— Por atrapalhar teu beijo.
— Hum.
— Era esse?
— Eu o vi fumando e…
— E?
“Mais autoestima, guria! Grava na mente: tu só vai ser linda para os outros
quando for linda para você.”
— Maria Clara
Uma roda de alunos se forma no lado de fora do colégio. Como não aguentei
de curiosidade corri para ver.
Empurrei umas pessoas até que consegui enxergar.
O cara vai para trás meio tonto, porém Daniel não dá tempo para ele se
recuperar e lhe acerta de novo no mesmo lugar.
Eu não sei o que deu em mim, mas não vou deixar Daniel encostar mais
nenhum dedo nesse cara. Quando mais precisamos do diretor ele não aparece,
e ninguém separa a briga, estão todos olhando com celulares nas mãos
filmando e cochichando. E por mais que ele seja o nosso adversário, não
permitirei isso.
— O que você está fazendo aqui? — Daniel pergunta com desdém para
mim.
Eu lhe envio o olhar mais nojento que posso e volto a dar atenção ao
cara, ignorando Daniel completamente.
— Cala a boca, não tenho medo de você! — Depois de falar isso Daniel
abre caminho em meio à multidão e se vai. Um pouco da multidão
acompanha Daniel.
— Karine Reynolds
*****
— Cidades de Papel
2— Assustado.
Ou
3 — Envergonhado.
OK. Apenas listei três entre as mil. Eu não aguento continuar nesse
silêncio e eu apenas lhe dou uma breve olhada e lhe digo:
— Então, quer dizer que você é do time Diamond… Nossos inimigos
— Dou uma risada sem graça.
— Sim, — Acho que Henrique também acha graça porque ele ri baixo,
um sorriso perfeito se forma em seus lábios me fazendo tremer por dentro —
E isso é um problema?
— Só se você quiser que seja. — Agora quem está sorrindo feito uma
boba sou eu.
— Então, eu não quero que seja. — O sorriso da boca de Henrique se
desmancha, e ele está sério, olhando para mim.
Olho ao redor e vejo Daniel olhando em nossa direção. Até ele dar ré e
ir.
— É o namorado da minha irmã — digo.
Fico sem graça. Olho para o chão, para os lados, menos para Henrique.
Depois que ele disse isso me senti pequena, bem pequena. Sei que entre Lila e
eu tem uma grande diferença, mas… OK, já está na hora de eu me acostumar
com isso.
— Mas é claro. Vocês duas tem o mesmo sobrenome! Que burro que eu
sou — Henrique diz, balançando a cabeça negativamente como se não
pudessem acreditar.
— Eu… vou indo — falo apontando com o dedão atrás de mim. Depois
desse comentário de Henrique perdi a graça de conversar com ele.
— Quer carona?
— Não… Não precisa.
— Eu faço questão.
— Minha mãe vai vir me buscar.
*****
— O que, Jenny?
Só então percebo a confusão.
— Não, Jenny… É com o Henrique.
— Guria, eu estou confusa … Você o viu onde? Oxi, você já saiu com
ele e não me disse?! Sua baixinha sem-vergonha! Que você acorde com frio
no pé!
— Bom mesmo.
Então, eu conto para Jenny tudo que aconteceu, e ela volta a dizer para
mim que tudo isso é destino.
— Oi — digo entrando.
— Sua ajuda.
— Para o quê?
— Hum… vai sair com quem? Com o Yan? — Lila fala debochando.
— Não. O cara com quem vou sair não estuda no nosso colégio.
— Uau!
— Posso até te ajudar com roupa, maquiagem e tudo mais, só que com
uma única condição — Lila fala cruzando os braços na frente do corpo.
— Qual?
“Entre nós dois a conversa sempre fluía espontânea. Ela falava um pouco, eu
prestava atenção, e depois chegava a minha vez. Nosso diálogo era sempre
assim, simples, sem esforço nenhum. Parecia que tínhamos segredos em
comum.”
— Bukowski
— Então, eu estou pensando em sabotar a festa que Susan vai dar nessa
sexta.
— Olha só, a vaquinha da Susan tomou o meu posto, então pronto, vai
ser somente uma pequena vingança.
Eu não estou acreditando que vou realmente fazer isso. Mas eu preciso.
Não tenho roupas boas como as de Lila e nem maquiagens, mamãe só compra
coisas boas para ela, e se eu vou me encontrar com Henrique preciso estar
digna, pelo menos.
— Manda.
— Me ajuda a sabotar uma festa? Sei que nessa sua cabecinha existe
algo chamado criatividade, algo que falta na minha cabeça e na cabeça de Lila
— falo baixinho perto do telefone, vai que mamãe chega aqui na cozinha do
nada, né. É melhor prevenir do que remediar.
— Como é que é?
— Olha Jenny, eu sei que é uma total furada, mas diz que me ajuda.
— Que festa, guria?
— Fui, beijos.
— Outros.
Coloco o telefone de volta no gancho e corro de volta para o quarto de
Lila.
*****
Eu estava tão fora de mim, que não reparei que o Ramon hoje não
passou o intervalo dele sentado na mesa comigo e com Jenny. Só fui reparar
isso na hora em que o sinal soou avisando que era hora da saída, quando
Jenny virou para trás em sua cadeira e disse:
— Agora, Ramon está estranho comigo. Depois que eu o vi lá no
fundinho do colégio, fazendo o que Deus sabe.
— Aí — eu falo.
Vou até o banheiro, pois o único espelho que tenho fica lá.
Na última meia hora Lila tem arrumado meu cabelo, ou melhor puxado,
está doendo tanto que tenho certeza de que o meu couro cabeludo está
vermelho.
Lila vai até sua maleta de maquiagem em cima da minha cama e volta
com uns trecos na mão.
— Henrique.
— Abre os olhos agora para eu ver como ficou? Hum… agora fecha de
novo.
— Não sei… por quê? — Meu Deus, eu nem pensei nisso! Agora estou
o dobro de nervosa.
Daniel dá de ombros.
— Ah é… Já que você sabe tanto sobre com quem devo sair me diz:
com quem deveria, então?
Isso foi ciúmes? Não. Não pode ser. Rio. Com certeza não. Daniel com
ciúmes da pirralha aqui?!
— …estou de olho em você — Daniel diz ao Henrique assim que chego
na sala.
*****
— Ah, não! Para você falar isso é porque nunca provou um.
— Onde?
— Disfarça um pouco, porque ela é tímida e pode corar. Ela está à sua
esquerda.
Ele falou essas palavras de um jeito que me faria acreditar, caso tudo
isso não fosse uma grande mentira.
Capítulo 28 – O jogo
— Arctic Monkeys
*****
— Chega! Eu vou subir para o meu quarto, pois minha noite foi perfeita
demais e não é você que vai estragar o restante dela.
— Eu? — Daniel apontou para o peito.
— Sim. — Eu virei meu rosto do jeito que Lila faz e joguei meus
cabelos para trás. Só que a cena não ficou igual à de Lila… talvez seja porque
o cabelo enroscou entre meus dedos me fazendo quebrar alguns fios.
Argh! Que droga!
—Depois não diz que eu não avisei — eu escutei Daniel falar atrás de
mim, seguido de um bater de porta.
Mas eu estou dizendo… Quem ele pensa que é para bater à porta da
minha casa desse jeito? E isso agora de esperar eu chegar? Nem mamãe fez
isso!
— Oh, meu Deus. Estava tão ansiosa por esse momento, que até já roí
todas as minhas unhas.
— Hahahah! Boba.
— Fala logo….
— Eu amei tudo!
*****
Lila desce as escadas correndo, alisando seu cabelo, que está mais
perfeito do que em outros dias.
— Ei maninha, dá uma olhada aqui? — Lila gira. — Está tudo OK? Tá
legal? Tô apresentável?
— Sim. Sim. Sim.
Tia Mary revira os olhos e passa os pompons para Lila. Assim que ela
dá as costas, Mary lhe mostra a língua.
— Sua vez, Karine — tia Beth fala chegando mais perto de mim, com
dois potinhos de tinta vermelha e branca nas mãos e os dedos sujos.
— Vamos, vem, senta. — Tia Beth puxa meu braço me fazendo sentar
no banquinho novamente.
— Gente, a família do Danny chegou — Minha prima Lana fala
entrando na cozinha e, atrás dela, a família de Daniel: mãe, pai, e o sobrinho
Alessandro vem logo atrás.
No primeiro dia que vi Alessandro eu poderia jurar de pés juntos que
ele e Daniel eram irmãos gêmeos, mas uma única característica mudava tudo:
a cor dos olhos. Enquanto os de Daniel eram azuis e impactantes, os de
Alessandro eram verdes como esmeraldas.
— Pode ser….você sabe pintar, né? Vai fazer cagada não, hein…
— Não. Relaxa. — Eu provavelmente gostava de Alessandro. Ele é
legal e simpático, a gente sempre se deu muito bem, desde o início.
— Beleza.
*****
— Vamos logo, antes que alguém ocupe aquele lugar por nós.
— Então, o que está esperando para correr até lá e reservar aquele lugar
para nós em vez de só reclamar? — vovó rebateu Alessandro e eu contive
uma risada dentro de mim.
— Eu sei que você está torcendo para o time do seu colégio, não… Não
estou bravo.
— Na verdade, eu não estou torcendo para ninguém — eu disse a
Henrique.
— Então, por que está sentada na arquibancada do seu time?
— Você me viu?
— Já era.
— Está nervosa?
— Muito! Sua irmã me fez treinar umas trocentas vezes um único
passo.
— Outro.
“Só queria terminar dizendo isso: da próxima vez que você encontrar alguém
que fique na chuva por você, se molhe.”
— Gabito Nunes
Assim que o juiz apitou o início do jogo, eu esperava que um silêncio mortal
caísse nesse campo… OK… Talvez tenha caído, mas não acertado em tia
Beth, pois ela não parava de gritar ao meu lado coisas do tipo “Vai Daniel”.
“Vamos ganhar essa parada.”
Eu estava tensa sentada nesse banco e não conseguia disfarçar a minha
cara, quando vi os caras do time Seattle simplesmente fazerem uma jogada
perfeita passando por todos do time Diamond e fazer o famoso touchdown.
O cara que fez o touchdown correu para uma das cheerleaders e deixou
um beijo em seus lábios arrancando um suspiro de tia Beth. Só assim para ela
sossegar um pouco, então o juiz pediu para todos os jogadores voltarem às
suas posições.
VAAAAAAAAAAI DIAMOND.
*****
Touchdown!
O juiz apitou o fim do jogo dando a vitória para o Seattle, que acabou
ganhando com seis de diferença, e Daniel ganhou o jogo praticamente
sozinho.
Eu estava paralisada, não sei muito bem o que aconteceu comigo, mas
não consegui comemorar junto com os outros a vitória. Então, eu percebi que
no fundo eu queria que o time Diamond ganhasse pelo simples fato de
Henrique fazer parte dele.
“Você já fez isso? Pensa em todos os momentos que teve com aquela pessoa e
dá replay na sua cabeça, de novo e de novo. São os primeiros sinais de que
você está com problemas.”
— 500 dias com ela
Olhamos para o céu, que estava sendo colorido pela cor do time Seattle —
vermelho e branco — pelo efeito das bombas enquanto sentimos a chuva nos
molhar.
A verdade era que tudo estava perfeito demais! Eu estava feliz apesar
dos pesares como há muito tempo eu não me sentia. Eu estava me sentindo
tão bem que mal consegui falar quando Henrique virou para mim ainda
sorrindo e perguntou:
— Ahn?! Claro que não, seu metido! — Dei um tapa nele rindo.
— Vixe! Demorou demais pensando, sinal que é.
Eu abri a boca para contestar mais uma vez quando de repente alguém
chamou seu nome.
— O quê?
— Nós vamos para casa, você vai ficar aí?
— Mas já?
— Cadê mamãe, tia Beth? — perguntei assim que cheguei perto delas.
*****
Depois das premiações, nós fomos para casa. Porém, que fique bem
claro que o único que não recebeu medalha foi o Daniel. Simplesmente,
depois do sumiço, disseram Lila e mamãe que ele foi embora, pois não estava
muito bem.
Tia Beth, Mary e Clarke junto com vó Valdete voltaram para casa
também, o único que ficou foi Alessandro. Ele disse que iria ficar uns três
dias na minha casa.
— Preciso falar com você — Lila fala, já entrando no meu quarto e
fechando a porta atrás de si.
— Não.
Que decepção!
Ela foi até a porta e a trancou. Depois subiu na minha cama e, como se
fôssemos grandes amigas, começou a falar:
— Não vai mais rolar porque a minha vai rolar primeiro e não pode
rolar duas festas na mesma semana.
— Sim.
Aleluia!
Droga, agora vou virar garçonete! OK. É apenas por uma noite Karine,
você consegue!
*****
Daniel.
• Flashback on •
— Oi — Daniel disse.
— Sim, e você?
— Eu queria conversar com você sobre outra coisa, mas nunca dá, e só
agora tive a oportunidade de te encontrar.
Henrique me puxa para que possamos dar meio volta e ir. Eu olho para
trás e aceno em despedida à Daniel, que sorri para mim. Não um sorriso largo,
mas um meia boca, um sorriso que fez borboletas no meu estômago
acordarem.
• Flashback off •
— Mas tudo vai ficar bem, guria, você vai ver. Se bem que às vezes
parece que Daniel gosta de você, sabia?
Eu levanto a cabeça para encará-la.
— Realmente? — Eu sinto meu coração palpitar mais forte e tudo o que
eu quero ouvir é ” sim . Por mais que seja uma mentira eu quero acreditar
nela, talvez porque isso vá me confortar, eu não sei, apenas quero acreditar.
— Por falar em namoro, o bofe que está aqui na sua casa namora?
— Que bofe? — Então, lembro: — Alessandro? Não que eu saiba….
Vou até meu armário e coloco um vestido soltinho no meu corpo
também. Não é porque vou ser garçonete que tenho que estar feia. Passo um
gloss de leve nos meus lábios e amarro meu cabelo em um coque alto.
— Amiga, não se esquece que você está com Ramon, hein? — alerto
Jenny enquanto coloco minhas sandálias de tirinhas.
— Ele também não me pediu em namoro até agora. Me passa esse gloss
que você estava passando — Jenny pede. Vou até a cômoda onde o deixei e
lhe entrego.
“Eu juro, eu te faço feliz, eu te faço mulher, eu te faço princesa, eu entro com
todo meu amor, você entra com toda sua beleza.”
— Banda Ego/Juro.
Estava tudo indo bem, “bem” perceberam o sarcasmo? Apesar dos meus
sentimentos mútuos estava tudo em seu devido lugar. Quem diria que em uma
noite de aniversário da minha irmã, as coisas iriam dar uma reviravolta?! Mas
a culpa é minha! Minha que não o afastei, que não resisti! Minha, que fui
fraca demais.
OK, vocês devem estar confusos então vou contar desde o começo.
Lá no comecinho, quando Lila falou para Jenny que se quiséssemos
servir os salgados já estávamos podendo.
• Flashback on •
— Por que você está trancando o quarto? Você nunca o tranca — Jenny
disse.
— Acho que sim, com certeza mamãe comprou. Se não comprou, Lila
pegou as garrafas que ela esconde atrás da pia da cozinha.
Tenho certeza de que todo mundo do colégio está aqui. Claro, somente
os populares, porque quem organizou a lista de convidados foi a Lila e a Alice
e tenho certeza de que essas duas não convidaram os menosprezados.
— Daniel fez uma música para mim, então eu não quero que vocês
sirvam os salgados nesse instante, só depois que ele acabar, OK?
— Tudo né, Jenifer. Quero todos prestando atenção na música que ele
vai cantar. — Lila solta um gritinho — E se vocês passaram servindo os
salgados agora, vão tirar a atenção do pessoal.
— Olha lá. — Lila aponta para o palco improvisado, onde Daniel está
ajeitando o violão.
— Nem eu.
Depois de alguns longos minutos, Lila pediu ao pessoal para que fizesse
silêncio e todos se concentraram a atenção no palco.
— Nada — menti.
Abaixei no chão e comecei a catar os salgados também.
A verdade era que eu estava nervosa com ele. Talvez por ele ter cantado
uma música para Lila, talvez por eu não ter gostado de vê-la beijando-o.
Afinal, por que estou me importando? Eu já vi cenas como essas e nunca me
importei. OK… deve ser porque confessei a Jenny que estava confusa por
Daniel.
É por isso que não gosto de falar sobre meus sentimentos com ninguém!
Pelo simples fato deles aumentarem depois. Eu não sei como isso funciona,
mas quando compartilho parece que o sentimento fica mais intenso. Eu sei
que a culpa não é de Jenny, é minha! Totalmente minha por ser uma confusão
em pessoa.
— Eu não aguento te ver perto dele… eu não sei por que, mas eu não
suporto. — Ele não precisou falar o nome, porém eu sabia de quem ele estava
falando.
Henrique.
— Não posso fazer nada — disse sem paciência. Afinal, o que poderia
fazer? Me afastar de Henrique só porque Daniel quer? Não. De jeito nenhum!
Ele não se afasta de Lila, tudo bem que ele nem sabe do meu sentimento por
ele, mas mesmo assim.
Ele esfrega seus cabelos bagunçados de uma forma que me fez ter
vontade de passar as mãos naqueles fios sedosos. Afastei esses pensamentos
da cabeça. Você está brava com ele lembra?
— Sobre o baile.
Era muita informação para uma noite só. Eu não fazia ideia do que falar
a respeito, porque nunca passou pela minha cabeça a possibilidade de alguém
saber sobre isso. Então, gaguejei minhas palavras seguintes:
— Vo… você está me deixando confusa — disse, indo para trás e me
fazendo de desentendida.
— Você nunca ligou para mim, Daniel! Agora, de uma hora para outra,
você age como se fosse meu irmão mais velho, se preocupando com quem eu
saio, e me inventa essa que não suporta me ver perto dele? Que palhaçada é
essa?
Sei que a qualquer momento alguém pode entrar aqui na cozinha e nos
ver assim, mas parece que o Daniel não está se importando muito com esse
detalhe. E tampouco eu.
Sua boca era quente, macia e escorregadia. A sua língua passeava pela
minha com urgência, mas ao mesmo tempo gentil.
O beijo, que no início estava tão feroz, foi ficando lento e eu realmente
esqueci. Esqueci que estava na cozinha. Esqueci que estava beijando o
namorado da minha irmã. Esqueci o quão brava estava com ele. Esqueci a
música alta. Esqueci tudo. Foi como se tudo ficasse em silêncio, só para nós.
— O QUE É ISSO? — uma voz exclamou.
“É claro que tinha uma parte de mim que queria voltar atrás e mudar as
coisas. Mas não é assim que a vida funciona. Você não pode voltar atrás.
Escolhas foram feitas e coisas acontecem por causa delas.”
— Desconhecido
— Não! Eu não quero te ouvir. — Ela aponta o dedo indicador para ele,
e eu sinto a raiva em suas palavras. — E… eu… — Percebo que minha irmã
está fazendo um grande esforço para não chorar na nossa frente. — Eu não
estou acreditando nisso… — ela fala baixinho.
Um calafrio atinge minha espinha e estremeço.
Lila parte para cima de Daniel, não o deixando terminar sua explicação,
o enchendo de tapas, enquanto ele tenta se defender.
—Seu idiota! Seu babaca! Como pôde fazer isso comigo?! — ela grita
no meio do tapa que acertou a cara dele.
Eu sinto pena de Daniel, sinto pena de Lila, sinto pena de mim. Eu não
consigo pensar em nada direito, só fico observando tudo calada.
Ouço burburinhos e olho para os lados, me dando conta de que o
pessoal da festa agora estava na cozinha, se amontoando. Com certeza, a
gritaria chamou atenção, os atraindo para cá.
— Vamos conversar por favor, sem ser aqui — Daniel pediu em uma
súplica.
— Cala a boca! Eu não quero ouvir sua voz! Sai daqui — Lila apontou
para fora da cozinha.
Não.
Com certeza, Lila iria se virar contra mim e quem sabe até me matar ali
na cozinha mesmo. Eu não confio de jeito nenhum, até porque Alice não iria
aguentar segurá-la sozinha.
Eu resolvi ir para o banheiro porque era o caminho mais curto e estava
necessitando me esconder. Precisava de um tempo, canto, espaço para me
odiar, me odiar por não tê-lo afastado, me odiar por estragar a festa de
aniversário da minha irmã, que estava tão feliz.
É claro que tinha uma parte de mim que queria voltar atrás e mudar as
coisas, mas não é assim que a vida funciona. Você não pode voltar atrás.
Escolhas foram feitas e coisas acontecem por causa delas. E agora sou
responsável por tudo que plantei. Por tudo que permiti que acontecesse.
— Sim…
— Quer desabafar?
Então, eu contei tudo a Jenny, desde a parte em que disse que iria na
cozinha servir os salgados. Ela ficou muda, escutando tudo enquanto fazia
carinho no meu cabelo.
— Eu me sinto tão culpada… por que isso tinha que acontecer logo
agora?!
— A culpa não foi sua… e também não foi dele. A gente não manda no
coração, Karine.
— Eu sei, mas….
— Sem mas.
— E mamãe? Ela vai me odiar agora — eu disse, desesperada.
Jenny morde o lábio inferior.
— Seja forte! Você conseguiu ser forte e passar por cima de muitas
coisas. Esse vai ser o obstáculo mais difícil até agora. Mas você consegue.
— Como?
Eu estava com medo de sair do banheiro, por mim eu dormiria ali essa
noite, mas depois de muita insistência de Jenny eu acabei saindo com o
coração na boca.
Para minha sorte, a casa estava vazia, Somente ainda havia os móveis
que estavam fora do lugar e o palco improvisado, onde Daniel horas antes
estava cantando aquela música para mim… Meu Deus, a música era para
mim, eu nem consegui raciocinar sobre isso direito. Imagino se a Lila souber.
Por mais que ela pense que a única ferida nessa situação toda é somente
ela, eu provo o contrário. Posso provar que sofro desde o momento em que
mamãe deu mais atenção a ela do que a mim. Por acaso Lila sabe o que é se
sentir rejeitada pela própria mãe? Por acaso Lila sabe o que é passar as noites
chorando silenciosamente, implorando que tudo seja só um pesadelo ruim e
que com o tempo vai passar? Não! Ela não sabe porque sempre teve tudo o
que queria e se tornou egoísta quando se tratava de mim! Eu não escolhi
gostar de Daniel, na verdade eu ainda não sei o que sinto por ele, mas seja o
que for, eu não escolhi isso. Nós não escolhemos isso. Simplesmente
aconteceu e se eu apenas pudesse…
— Respira, Karine, você não pode desabar agora, pelo menos não
aqui…
Lila sai do quarto com as mãos no rosto abafando o choro, deixando a
frase incompleta pairando no ar. Então, vou até a porta e a fecho. Depois, viro
de costas e escorrego até me sentar no chão.
*****
Seu corpo está rígido, com os braços cruzados na frente do corpo, ela
está me encarando com um olhar tão frio que chega a congelar minha alma.
Engulo fundo.
— Eu até agora não estou acreditado no que você fez — Mamãe diz
cada palavra devagar, como se estivesse calculando o efeito que elas causam
em mim.
— Karine, se você queria alguém para ferir, que fira a mim, mas não à
Lila! Não a minha filha!
— Mãe — eu finalmente digo com a voz trêmula e a garganta travada
—, eu não estou tentado ferir ninguém.
— Como não? — Mamãe joga os braços para os lados. — Você sabia o
quanto ela o amava!
“Todos falam que, quando você cai, você precisa aprender a se levantar, mas
nunca me disseram que depois de se levantar você precisa andar como se não
sentisse nenhuma dor.”
— Gossip Girl
— Você está louca, Karine! Está surtando! Desde quando eu te rejeito?
Tudo que Lila tem, você tem!
Balancei a cabeça para os lados.
Como assim estou surtando? Isso não é coisa da minha cabeça, isso não
é paranoia que eu mesma estou inventado. Não é nenhuma mentira! Dá para
perceber, para ver, ou sei lá, mas tenho certeza que dá.
— Você sabe do que estou falando mãe, não finja de desentendida por
favor — eu pedi.
Tudo que eu queria era conversar, sentar e resolver. Saber o “porquê”.
Se o problema tem a ver comigo, eu vou tentar melhorar, eu prometo que vou.
— Você não me abraça, não me deseja boa aula como faz com a Lila e
muito menos se importa em perguntar como foi o meu dia — eu disse,
tentando não parecer fraca. Para falar a verdade, eu não queria mais falar
nada. Queria pegar essas palavras e trazê-las de volta para a minha boca.
Queria voltar no tempo. Rebobinar tudo e me deitar na minha cama, me
enrolar feito uma bola e chorar até dormir.
Mamãe revira os olhos.
— Você não parece se importar com isso, Karine. Você nunca se abre
comigo. Você não me conta nada da sua vida. Por exemplo: esse cara com
quem você saiu esses dias, eu nem ao menos fiquei sabendo que você iria sair
com alguém. Já pensou se alguma coisa acontece com você? Até parece que
você não tem mãe. Me senti tão… tão insignificante… porque, que eu saiba,
era o seu primeiro encontro, eu queria fazer parte desse momento da sua vida,
queria te dar aqueles tipos de conselhos… não beba nada sem se certificar, ou
vá em um ambiente público, mas…
— Lila sempre foi mais aberta comigo, desde pequena, e você sempre
foi com o seu pai, eu até cheguei a pensar que você não gostava de mim.
— Eu nunca faria isso.
— Sou! Sou sim! Para ver se isso faz você se abrir mais, ou sei lá…
Afinal, como eu iria saber que mamãe se importa com isso? E saber
agora que ela se importa enche meu coração de alegria, me sinto mais
tranquila, eu não sei explicar a sensação, mas sinto um alívio imenso.
— Karine, eu já perguntei sim, como foi seu dia, mas você se esquiva,
como se não quisesse conversar comigo. Eu já cheguei a sentir inveja da sua
amiga Jenifer, por ela estar sempre lá, por fazer parte dos melhores momentos
da sua vida, como eu nunca fiz.
Mamãe faz uma pausa como se esperasse eu dizer algo, mas não sei o
que dizer, male consigo pensar. Essa nossa conversa está me deixando sem
ação.
Eu solto uma risada sem graça e me sinto tímida. Como conversar sobre
um cara com mamãe? Eu olho para o lado, porque me sinto desconfortável de
conversar olhando em seus olhos e falo:
— Henrique… bem… Eu não sei por onde começar, mas ele me faz
sentir bem. — Eu rio. —Ele te chamou de sogra.
Mamãe faz uma careta.
— Estão namorando?
— Desculpa.
— Não é para mim que você tem que pedir desculpa.
— Sim.
Mamãe solta uma risada que nos faz balançar juntas e me diz:
— Sim… Prometo.
— Não eu… eu quero que essa situação se resolva. — Mamãe olha para
o chão. — Vamos no quarto de Lila conversar?
Eu faço uma careta. Lila falou que não queria mais ver a minha cara,
tenho certeza de que ela não vai me receber com um sorriso no rosto.
Mamãe se afastou.
— Lila, sou sua mãe, deixe-me entrar!
— Você está do lado dela, então está sim. Olha só, estão até de mãos
dadas.
— Chega! — mamãe gritou e estremeci. — Você não é obrigada a
perdoar ninguém, e eu não posso fazer com que você faça isso. A Karine já
me explicou tudo, da mesma forma que vejo o lado dela, eu vejo o seu. Eu só
quero que vocês sentem e conversem. Tentem se entender, OK?
— Você sabe que amanhã tenho aula. Todos os meus amigos vão rir de
mim e fofocar por trás. E a Karine? Ah, vai ficar bem na fita…. Aliás ela
pegou o namorado da irmã, né?!
— Lila, eu não quero saber mais do Daniel, você sabe que estou ficando
com o Henrique.
“O vento que te trouxe para cá, espero que não volte jamais! Porque se ele
perceber que deixou você, vai querer correr atrás.”
— Projota/O vento
Depois do abraço de Lila, mamãe eu nos retiramos do quarto. Enquanto
mamãe foi para a cozinha alegando que iria fazer almoço eu fui para o meu
quarto. Alessandro já havia indo para a casa dele, sem ao menos se despedir
de mim. Bela consideração, aposto que ele está do lado de Lila. Não o culpo
também.
Porém, era sábado, e eu não poderia estar me sentindo mais feliz. Claro,
havia essa confusão toda ainda, mas isso não era páreo para acabar com a
minha felicidade.
Eu — Também estou.
Estava ansiosa para contar a novidade sobre mamãe e eu para ele. OK.
Eu nunca contei nada para Henrique sobre a nossa relação, mas agora sinto
que posso compartilhar, desabafar com ele. E, para falar a verdade, não vejo a
hora.
Vou até a tela inicial e procuro o atalho que criei para ligar para Jenny.
Ela atende no segundo toque.
— Ai, meu Deus, você está viva! — Consegui sentir seu alívio e um
soltar de respiração como se estivesse prendendo-a por um bom tempo.
— Mas é claro que estou viva — falo sem conseguir conter o sorriso em
meu rosto. Então, eu mordo meu lábio inferior só para que ele não se alargue
mais.
— Você está estranha… Ah, já sei… elas te drogaram não foi? Ah não,
como sou burra! Você está em cárcere privado e te obrigaram a fazer está
ligação para mim, para fingir que está tudo OK. — Sua voz diminui o volume
e ganha um chiado maior com as próximas palavras: — Caso seja isso me dê
um sinal diga “uhum”, eu prometo que vou te ajudar…
— Nenhuma vez. Pelo menos, não que eu saiba, né? — Faço uma
careta. — Ela está brava comigo até agora e com razão, eu admito, mas eu
quero esquecer isso.
— E nada melhor para ajudar a esquecer do que ir tomar um sorvete
nesse calor para refrescar! Topa?!
— Só se for agora.
*****
O que eu estava fazendo indo lá? Ver Henrique. Ele havia me mandado
mais mensagens perguntando se podíamos nos ver hoje, e é claro que eu
aceitei. Afinal, além de estar com saudades precisava seguir minha vida e
colocar tudo no lugar. E quando digo seguir minha vida eu me refiro a tentar
realmente ter algo sério com Henrique e esquecer Daniel. Por falar nele,
desde o episódio de sexta — aniversário de Lila — que não tenho notícias
dele, com certeza só o verei segunda, no colégio. Minha reação ao meio disso
tudo é fingir que nada aconteceu. Claro que vai ser difícil por causa das
fofocas e tais, mas creio eu que neste momento nada é capaz de tirar esse
sorriso lindo que está tomando conta do meu rosto. Não vou negar… tenho
curiosidade em saber sim, como Daniel está. Se ele pensa em “nós”, óbvio
entre aspas, porque verdadeiramente esse “nós” não existe, é que eu não sei
que palavra usar para definir o que temos. Se é que temos algo.
Até Henrique, como se estivesse sentindo a minha presença ali, vira seu
rosto e descansa os olhos de longe em mim.
— Prometo.
Henrique deixou um selinho demorado em meus lábios até se afastar e
me perguntar:
Ele bagunça meus cabelos me fazendo gritar para parar. Eu sinto que
estamos chamando a atenção das pessoas para nós, mas não me importo.
Importo-me somente com meu cabelo, que está ficando uma zona por causa
da mão de Henrique.
— Queria tanto ter ganhado aquele jogo! Não curti muito quando
percebi que a garota de quem gosto estava vendo a minha derrota.
Suspendo uma sobrancelha.
— Eu torci por você, e não me importo com o resultado, você fez um
belo jogo.
Revirei os olhos.
Por mais que tudo isso pareça normal, eu ainda sinto que posso estar
sonhando. Não estou acostumada com tanto carinho assim, mas eu gosto
disso. Gosto do jeito que ele se preocupa comigo, gosto do jeito como seus
olhos me fitam, como me trata. Como se eu fosse a única garota do mundo.
Às vezes eu penso que um dia ele vai desencantar de mim, vai se
interessar por outra e me esquecer no fundo da gaveta. É disso que tenho
medo. Não quero que nada mais estrague isso, ou que tire Henrique de mim.
— Want you to make me feel, like I’m the only girl in the world, like
I’m the only one that you’ll ever love, like I’m the only one who knows your
heart. Only girl in the world…
Abro a porta do meu quarto ainda no transe quando dou de cara com
Daniel parado, sentando-se na minha cama, apoiando os cotovelos nos joelhos
e as mãos juntas como se estivesse fazendo uma súplica.
— Por que está se afastando de mim? — Sua testa enruga. — Você está
com medo? Realmente, acha que eu seria capaz de fazer alguma coisa com
você?
Eu queria tanto saber o que sinto por Daniel, mas acontece que não sei.
Somente sei que mantê-lo por perto trará problemas para mim e tudo que eu
quero é me manter longe.
Eu respiro fundo e digo o mais rápido possível para que não haja
possibilidade de desistir de falar:
—Eu estou com Henrique, e eu não quero saber de você. Eu não gosto
de você!
Eu vejo seu olhar escurecer por alguns segundos até ele dizer:
— Você não saber mentir, Karine. Dá para ver no seu olhar… sabe o
que você está fazendo? Fugindo! Fugindo de mim. Eu sei que você está com
Henrique. — Daniel eleva a voz. — Eu os vi daqui da janela.
— Você estava nos espionando? — falei, irritada. Droga! Por que ele
tinha que ficar nos observando?
— Claro!
Eu estava curiosa para saber o que tem entre esses meninos para eles
brigarem tanto assim.
— Eu não vou com a cara dele Karine, eu não gosto dele. Não gosto de
saber dessa probabilidade de te ver com ele.
— Por quê?
— Muito menos eu. — Ele vem para mais perto e pega em minhas
mãos, que tento desvencilhar, mas Daniel não deixa. — Você me fez gostar de
você…
— Daniel…
— Não… Olha, me escuta… — Ele diz pegando em meu rosto e me
fazendo olhar para ele. — Se o seu medo de ficar comigo é por causa de Lila,
eu resolvo isso. Se é sua mãe, passaremos por isso juntos. Eu só quero você
do meu lado!
Eu fiquei olhando naqueles olhos azuis que, por algum motivo, estavam
arregalados e não consegui pensar. Eu não sabia o que falar.
Sim, pensar que ficaria com Daniel me deixava feliz, mas e o Henrique?
E se eu me arrepender lá na frente?
— Por que, Karine?— Ele me tira do transe. — Por que tem que ser tão
difícil assim?
Ele me beija.
Eu não queria corresponder, porém eu o puxei para mais perto com uma
urgência de tê-lo para mim.
Daniel me faz sentir tão segura, como se nada e nem ninguém pudesse
me machucar. Ele é como um muro capaz de me esconder e me proteger. Sim,
ele é como um escudo forte, que me protege.
E, mesmo que eu não queira, aqui, bem aqui junto a Daniel é o melhor
lugar para se estar, onde braços firmes me seguram me impedindo de cair ou
tropeçar.
— Karine… — uma voz fraca diz.
Eu abro a boca para falar algo, mas não consigo. De dentro dela não sai
nenhum som.
Eu vejo seu olhar desesperado querendo chorar e sua voz agora fica
embargada quando fala mais uma vez:
E meu próximo passo não pensado foi ir atrás dele. Fui quase
automaticamente. Afinal, não poderia deixá-lo ir sem nem ao menos me
explicar. Sem ao menos me ouvir. Por um momento, esqueci Daniel.
— Henrique, por favor — eu imploro enquanto desço as escadas —,
vamos conversar.
Em frente à rua de casa eu o alcanço e puxo seu braço para que olhe
para mim. Esse foi o único jeito que encontrei para fazê-lo parar e me escutar.
Eu fico paralisada.
“Já é doloroso demais perder alguém da família que amamos, agora imagine
perder um amor… Ou melhor… Seu amor e não poder fazer nada para
impedir.”
— Thalyta JDs
Por que tenho que ser tão confusa? Alguém, por favor, me explica o que
eu sinto?
— Você está bem? — pergunto, mas não recebo nenhuma resposta. Ele
mal levanta a cabeça para me olhar.
Digito 911 e, nos dois segundos que levam para atender, grito o nome
de Daniel o mais alto que posso pedindo ajuda.
— Por favor! Ele está em convulsão! Por favor, alguém me ajuda! —
falo desesperada.
Passo o braço no meu nariz e olhos para tirar as lágrimas que estão
embaraçando e não me deixando ver direito.
— Moça, quero que você tire de perto dele qualquer coisa com que ele
possa se machucar. Ele está usando óculos? Sua cabeça pode bater em algum
móvel ou objeto?
Olho para o Daniel, que corre para dentro da minha casa e volta com
uma almofadinha do sofá.
Solto o telefone tempo suficiente para enfiar a almofada por baixo de
sua cabeça agitada. Oh, não… Meu Deus, o que está acontecendo com ele?!
Encosto o telefone no ouvido de novo.
—Tá, já pus uma almofada debaixo da cabeça dele!
— Certo, moça — a atendente do serviço de emergência diz
calmamente. — Há quanto tempo ele está em convulsão? Você sabe de algum
problema que ele tem que possa causar convulsões?
—Eu… eu n… não sei, uns… dois minutos, talvez, três no… máximo.
E não, nunca vi nada assim acontecendo com ele. Ele nunca me contou de
nenhum… — A gente nunca teve um tempo para conversar sobre isso, o que
está me fazendo apenas perder a calma de novo. — Por favor, manda uma
ambulância! Por favor! Depressa! — Estou me engasgando com as lágrimas.
O corpo de Henrique para de se agitar. Antes que a atendente possa responder,
digo: — Ele parou! O… o que é que eu faço?
— Moça, quero que você vire o corpo dele de lado. Vamos mandar uma
ambulância. Qual o endereço? — Minha mente fica em branco.
Eu não estou acreditando que ela ficou em branco! Logo agora!
—Acho que chegaram — digo ao Daniel com voz distante. Ainda não
consigo olhar para nada, a não ser para Henrique. Por que isso está
acontecendo?
A ambulância para diante de nós. Eles abrem a porta e finalmente me
levanto. Vejo os paramédicos se aproximarem, nem me lembro de ter largado
o celular de Henrique no chão. Quando dou por mim, Henrique está sendo
colocado numa maca e amarrado.
Quando me afasto vejo que é mamãe, Lila está logo atrás nos olhando
com olhos estreitos.
— Mãe… — Abraço-a forte, chorando mais ainda.
Assinto.
— Que foi? — Volto a desmoronar. Algo dentro de mim diz que tudo
está mal.
— Senta aqui.
“Você se foi, e tudo que eu tinha era uma mente cheia de lembranças, um
coração amassado, e olhos cheios d’água.”
— Coração de papel
Mamãe disse que Henrique tinha pouca chance de vida e eu juro que, naquela
hora, meu coração parou. Mas obviamente parou apenas por uns breves
segundos, só para continuar mais forte e feroz depois.
Meu coração batia tão forte em meu peito, que eu o sentia por todo meu
corpo. Minha visão já embaçada me fez ter náusea. Eu me dobrei no chão e
me encolhi sentindo as lágrimas quentes escorrendo pela minha face. Por
mais que eu estivesse consciente de tudo à minha volta — mamãe, Daniel e
Lila se abaixando para me consolar —, era como se estivesse desligada.
Eu não conseguia me movimentar. Não conseguia falar. Não conseguia
pensar em nada além de Henrique.
*****
Certo.
O medo transparece na minha voz, mas está sendo pelas minhas mãos
que não param de tremer. Eu tentei apertar uma na outra numa tentativa falha,
pensando que ficariam intactas, mas tenho certeza de que esse gesto só as
evidenciou mais.
— Como você pode fazer algo assim com o meu filho? — A moça
perguntou em tom firme e frio para mim. O homem ao seu lado levantou-se e
segurou em seu braço. Um gesto que pedia paciência, mas a moça ignorou
totalmente esse significado. Ela estava olhando para mim como alguém olha
com repulsa, nojo, raiva e tudo mais.
A porta do nosso lado foi aberta e saiu uma doutora com uma prancheta
nas mãos. Nós quatro viramo-nos para ela, esperando alguma notícia ou
permissão para entrar.
Ela nos analisou e perguntou:
— A visita está liberada. Quem é o primeiro?
Tinha um curativo na testa por causa da queda e seu cabelo estava todo
bagunçado, os fios amassados e espetados em todas as direções.
Havia um lençol azul fino que o cobria até a barriga e um tubo na sua
boca.
Ao lado da cama, tinha um aparelho que não parava de fazer pim pim, e
perto da janela grande com cortinas transparente à minha direita havia flores,
carros de brinquedo balões coloridos e desenhos.
Ordenei aos meus olhos não transbordar, afinal eu tinha que aproveitar
esse momento o máximo possível.
Eu sabia que estava vendo-o pela última vez, algo dentro mim dizia
isso. Fiz questão de decorar cada movimento, cada detalhe, memorizar cada
pintinha em seu rosto, mas não quis interpretar seus gestos, seria doloroso
demais. Então, só aproveitei o momento, sabendo que seria o último.
Aproximei-me mais e disse:
— Está doendo tanto… você não faz ideia. Se apenas houvesse alguma
probabilidade de mudar de lugar com você, eu o faria. — Toquei sua mão,
segurando-a firme na minha e levei-a até meus lábios, deixando ali um longo
beijo.
— Eu gosto de você porque você me faz gostar de mim. Porque,
quando eu estou com você, sinto como se tudo fosse possível. Como se não
houvesse nada errado ou fora do lugar. Você me faz tão bem, me faz sentir
confiante e me faz completa. Eu gosto de você porque você está mais presente
em mim.
Olhei para sua mão, que se encaixava tão perfeitamente na minha, como
se fosse feita para mim e a levei até meu coração:
Eu queria tanto arrancar essa dor que estou sentindo… Arrancar para
fora do peito e jogá-la para longe como se fosse uma dinamite prestes a
explodir. Mas eu não podia. Eu colhi o que plantei, agora sou responsável
pelos meus atos inconstantes e não pensados.
Cerro meu maxilar de raiva. Com raiva de mim mesma, quando meu
olhar sem querer localizar um relógio na parede, dizendo que pelas minhas
contas, eu tinha apenas mais quatro minutos.
Então, peguei a carta escondida nas minhas costas, embaixo da blusa,
presa na minha calça jeans e corri para perto da janela onde tinha os
presentes.
Espero continuar assim, sem me matar por dentro, lutando por algo que
não tem retorno. A vida sempre me prega peças sem graça, ou sou apenas eu
que caio em suas armadilhas? Eu só espero que ela me recompense, que me
traga sorrisos que façam doer a bochecha, que me traga motivos e
sentimentos, que não me perca por aí. Que me traga você de volta.
Eu já estava no meio da página e a saudade me pedia para falar dela…
Que aperto no coração, que vontade de chorar, que nó na garganta que nunca
desata, que rumo que tudo tomou… É diferente para mim escrever sentindo o
que no fundo ainda existe, ainda corrói, ainda maltrata. Saber que preciso me
conformar com sua ausência e com essa saudade, essa falta que tudo faz,
saudade de como já foi um dia, sem me arrepender de sentir.
Meu Deus! Isso aconteceu hoje, e parece que não. Estou apenas há
algumas horas sem te ver, e parecem anos! Talvez, seja porque eu não quero
aceitar que tudo isso aconteceu.
É triste admitir um fim, lembrar-se de que não era para ser escrito
assim, é triste ter momentos que tinham tudo para me fazer feliz. Ter certas
lembranças que me fazem esquecer do motivo delas serem só isso. É triste ter
que matar um amor, como se ele estivesse naqueles últimos segundos em que
se tem lembranças boas, e tivesse alguém ali tentando reanimar, tentando
fazer o sentimento continuar vivo. E eu não posso fazer nada para explicar
que talvez já esteja tudo perdido, que já tivesse tido o tempo para conseguir
fazer os batimentos voltar.
A última folha do caderno ainda fala de você, ainda tem textos
românticos, ilusões descritas e detalhadas, tem marca de lágrima, mas têm
borrados de sorrisos que foram tirados enquanto eu me lembrava do quanto
era bom. Era. E não é um começo de um conto de fadas, não é o: era uma vez.
Dessa vez, não. É só um verbo que martela na minha cabeça que o lugar de
tudo isso não é o agora. Não vai ter os abraços inesperados vividos em
sonhos, nem beijos, nem risadas compartilhadas, não vai ter de volta o que já
tivemos, porque simplesmente não é para ser, não é para ter. E não tem choro,
não tem promessas, não tem mais essa coisa de que “nós fomos feitos um para
o outro”, isso não vai colar. Isso de destino pode até existir, mas não é como
você diz ser, ou dizia.
A gente não tem que sofrer para ter de volta, não tem que lutar tanto,
uma hora os ventos cooperam, a vida coopera, uma ajudinha aqui, outra ali,
mesmo que a mão a segurar tenha que ser a sua, devia ser assim, mas não vai
ser mais. Não é para ser, e eu estou me convencendo disso a cada vez que
penso em nós. E é isso que me arranca tantas lágrimas, como se a dor
estivesse sendo estancada, mas que nunca fosse o suficiente para ela sair
totalmente dali. Parece que nunca vai sair.
A folha está cheia, o coração está cheio, a mágoa cessou o caminho da
saída, o sentimento toma conta, a saudade dói no peito, sobe até a garganta,
escorre pelos olhos e nada de contar para ninguém… Porque é assim que tem
que ser, eu me entendendo comigo mesma que tem que acabar. Mesmo que o
máximo que eu consiga é deixar essa carta com você, na esperança de que
entenda que o meu plano nunca foi te ferir, e me dói saber que te machuquei.
Chego a me odiar por dentro. Eu não quero mais te magoar, eu vou te deixar
livre, vou sumir da sua vida. Afinal, deixar ir também é uma prova de amor.
Meu tempo acabou. Vejo isso com aqueles relógios antigos feito de
areia, o último grão cai. Vejo isso como The End nos filmes. Game over nos
videogames.
Meus lábios tremem pelo choro que estou segurando. Então, saio do
quarto o mais devagar possível, querendo adiar esse momento ou só apenas
prolongá-lo até sair completamente e encarar que aqui é o fim. Ou apenas o
começo do fim.
“Para todos que já tiveram um momento de fraqueza, não vai doer para
sempre. Então, não deixe isso afetar o que há de melhor em você!”
— Dedicatória.
Talvez tivesse que ser assim… Uma felicidade temporária, com tempo exato
para acabar.
O pior disso tudo é que parece que nunca vou superar o fim, que, na
verdade, com o passar do tempo, as coisas só vão piorar. A dor com que
deveria me acostumar ficará intensa. Como uma ferida que jorra sangue, que
não tem capacidade para se fechar sozinha. Assim eu vejo a minha situação.
Lila sorri para mim quando nossos olhos se encontram. Não um sorriso
largo, maldoso. Não um sorriso pequeno, triste, mas neutro. O tipo de sorriso
que diz que ela estará lá para quando eu precisar. Que não importam as
circunstâncias passadas… ela estará do meu lado.
— Eu não te disse nada ainda em relação a isso, por achar que não
precisa. Porém nesse trajeto de volta, eu pensei, e achei melhor dizer que…
não importa, nós estaremos aqui por você. Ou melhor, com você.
— Eu sei, mamãe — digo, com a voz trêmula.
— Que bom que você sabe… caso não consiga dormir à noite, você
sabe que na minha cama sempre haverá espaço para mais um.
Eu não tenho palavras para agradecer tamanho gesto de amor. Saber que
nessa situação não estarei sozinha já é um grande conforto.
— Como não?!
Olhei para Ramon ao seu lado, parado com as mãos no bolso e sua
típica jaqueta de couro.
— Ei, sei que não somos muito íntimos, mas eu me importo com você,
OK?
Mamãe, Lila e Daniel se aproximam devagar da gente.
— Vamos entrar pessoal, garanto que minha casa é bem mais quente do
que aqui fora. — Mamãe esfrega uma mão na outra numa forma de aquecê-
las e acena para a entrada de casa.
Quando todos estão entrando eu esbarro em Daniel. Esperamos todos
entrar e ficamos do lado de fora.
— Eu conheço esse olhar — Daniel diz.
— É? E o que ele diz?
— Claro que não! Eu apenas queria te falar para que tome cuidado com
as palavras na frente da minha irmã, por favor — eu peço a ele, sinceramente.
— Ela me disse que está tudo bem. — Daniel olha para chão e depois
volta seu olhar para mim. — Disse que não se importará caso aconteça algo a
mais entre nós.
Eu vejo por um momento seus olhos brilharem. Seus gestos dizem que
ele acredita firmemente nessa probabilidade.
Equilíbrio meu peso para frente e para trás, pensando nas palavras.
Pensando em nós. Pensando nesses sentimentos que estão em jogo.
— Nós temos alguma conexão Karine, não tem como você mentir para
mim.
Eu respiro fundo, levando ar aos meus pulmões. Talvez não seja ar que
eu quero levar e sim, coragem.
— Eu queria muito te falar que aceito a sua amizade. Que só ela, se for
só isso que irá me oferecer, então me basta. Mas não dá.
Esse é o problema. Não vou continuar tendo uma meia-coisa com você.
Não é suficiente para mim.
— Daniel, não importa se agora você não está mais com a Lila. Não
importa se agora vocês são ex, não importa nada! Porque para mim… você
sempre será o namorado da minha irmã. E ficar ao seu lado me traria grande
tristeza. Eu acordaria todos os dias pensando em como ela deve estar se
sentindo quando me vê ao se lado.
— Ela disse que não se importa!
Eu solto uma risada debochada. Como ele pôde ser tornar tão insensível
assim de uma hora para outra?
— Sentimentos não são fáceis de matar, Daniel! — eu berro para ele,
nervosa.
Eu me aproximei mais dele. Olhei para cima, dentro dos seus olhos
azuis e falei:
— Tudo isso serviu apenas para abrir meus olhos e perceber o quanto o
amo.
Olho para minhas mãos porque vê-lo assim me dói por dentro. Sinto
uma imensa vontade de abraçá-lo e assim eu faço. Encosto minha cabeça em
seu ombro e fecho os olhos. Seus braços se envolvam em minha cintura e
ficamos assim por um tempo que não consigo determinar. Talvez segundos?
Minutos? Horas? Eu não sei. Estava ocupada demais para poder raciocinar
essa parte.
— Quando vai?
— Ah, eu…
A porta se abre de repente revelando Ramon, que está contendo uma
risada.
— Desculpa atrapalhar — ele diz —, mas a sua mãe pediu para vocês
entrarem, disse que está muito frio, não é bom ficarem na cerração.
Eu sacudo a cabeça para os lados pelo constrangimento e me afasto de
Daniel que, por algum motivo desconhecido, ignorou completamente a
presença de Ramon e continuou intacto, olhando para mim.
— Ah, sim, com certeza. Vamos, Daniel?
Daniel se mantém calado, como se eu não tivesse feito nenhuma
pergunta. Encaro seus olhos tentando de algum modo saber o que se passa por
trás deles, porém ele não me deixa pista de nada.
Eu o vejo suspirar pesado e soltar o ar, que parecia estar preso por
muito tempo. Então, ele finalmente diz:
— Eu…vou para a casa. Realmente, espero que você melhore e, se não
for muito ousado da minha parte, posso te abraçar… de novo?
*****
Caixas e mais caixas. Era assim que se encontrava meu novo quarto em
Constantine Place, atualmente a uma hora e quarenta minutos da minha antiga
casa.
Mamãe resolveu que deveríamos mudar, depois de nove meses. Ela
estava enjoada de casa e conseguiu uma promoção no trabalho, que lhe deu o
direito de subir de cargo e ter condições de se mudar.
Lila e eu ajudamos a escolher a nossa nova casa, que é imensa!
Também mudamos de colégio. Agora estudamos na Filipinas Courp’s, a duas
quadras daqui.
Jenny… Bem… a Jenny ainda está com Ramon e eu tenho que dizer:
eles são fofos! Porém, Jenny ainda estuda no meu antigo colégio. Ela também
mudou, está mais linda e confiante. Susan não é mais a líder de torcida e
Jenny entrou em seu lugar.
Numa aula de sexta feira Alice foi pega no banheiro vomitando. Então,
descobriram que ela era anoréxica. Os pais dela a obrigaram ir a um
psicólogo, e o tratamento realmente tem surtido efeito. Alice também está no
mesmo colégio que Lila e eu.
— Ei, mana — Lila diz encostada no batente da porta do quarto —, tem
encomenda para você lá embaixo.
— Ah, sim? — digo — Deve ser uma compra que fiz pela internet.
Você pode pegar para mim?
Lila disse que a encomenda era para mim, mas creio que ela se
enganou. Não comprei flores e não tenho admiradores no colégio. Quer
dizer… Até tenho… muitos, para variar. Mas tenho certeza de que não são de
nenhum deles.
Meu coração bateu com força, me dizendo que não era possível. Que
era tudo um sonho, distorção da minha visão, talvez.
— Henrique… — eu disse bem baixo, quase em um sussurro.
— Eu não consigo esquecer aquele beijo que você deu em Daniel, mas
decidi te perdoar. Perdoei, mas não esqueci. Eu queria esquecer, juro. É
difícil. Porque todas as vezes que fecho os olhos eu lembro disso. Aquela
cena se passa por debaixo das minhas pálpebras como um filme.
— Eu vim aqui porque todo esse tempo longe de você me fez ver que
não encontrarei alguém igual a ti em nenhum canto desta terra. Eu estou aqui
porque quero construir minha vida contigo. Eu não só te quero de volta.
Quero mais que isso.
— Sim, sim, sim, sim — disse repetidamente, com a voz rouca, pelo
choro de felicidade entalado na garganta.
Senti a mão dele entrelaçando a minha devagar, quando ergui meu olhar
para encontrar o seu. Um pequeno sorriso se esboçou em seus lábios e eu…
eu apenas deitei minha cabeça em seu ombro pois eu sabia que dali para a
frente tudo seria diferente, mas eu não me importaria, desde que Henrique
estivesse comigo.
Eu sei que tudo ficou uma bagunça, mas eu tenho que admitir eu gostei
dela. Quem diria que encontraria o amor da minha vida em um baile de
máscara do colégio? Quem diria que me apaixonaria perdidamente pelo cara
do time adversário? Quem diria que o meu coração iria bater mais forte logo
por Henrique?
Epílogo
— Sim.
— Alô.
Mamãe sempre vem me visitar nos fins de semana com seu novo
marido, Ben. Eu gosto de Ben, ele faz mamãe feliz e se ela está feliz, eu
também estou!
— Mamãe, estou ficando com sono — Dylan diz assim que nos
deitamos, lado a lado.
— Oun, meu amor. — Eu pego em sua mão pequena e macia.
Sua mão pequena começa a fazer carinho em meu rosto. Dylan ama
fazer isso em mim. Às vezes ele faz carinho em meu cabelo, e é tão suave que
me faz ter vontade de dormir. É engraçado, eu sei…. Eu que deveria lhe fazer
cafuné, porém é ele que faz em mim.
— Eu te amo, mamãe — ele diz baixinho. Sua voz sendo abafada e
alterada pela chupeta.
Dylan solta um suspiro cansado e vejo seus lindos olhos azuis fecharem
e, em seguida, eu faço o mesmo.
FIM
Livros:
Entre a mente e o coração
Supremo Alpha
Amor invisível