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O namorado da minha irmã

“BORBOLETAS NÃO CONSEGUEM VER AS PRÓPRIAS ASAS. ELAS NÃO


CONSEGUEM VER O QUANTO SÃO VERDADEIRAMENTE LINDAS, MAS TODOS OS

OUTROS PODEM VER. AS PESSOAS TAMBÉM SÃO ASSIM.”

— DESCONHECIDO

GENÉTICA MALUCA!

Eu deveria ser perfeita. Ter belas pernas, olhos azuis, cabelos loiros brilhantes
e compridos, um nariz empinadinho e um corpo escultural de dar inveja. Mas,
não! Não herdei essas características, quem as herdou foi a sortuda da minha
irmã, Lila.

Eu sou o projeto que deu errado, aquela que nenhum garoto ousa
convidar para o baile. A estranha, nerd e feia. Sim, eu me acho feia. E,
acredite: os meus pais são lindos! Eu deveria herdar a beleza deles, mas não
sei o que aconteceu. O que deu errado? Por que sou baixinha, magrela, cheia
de sardas e, ainda por cima, meus cabelos loiros têm uma cor estranha?

Sério, eu não sei o que deu errado em mim!


Capítulo 1

“Algum dia, de alguma forma, tudo ficará bem.”

— Nickelback

— Karine Reynolds, acorde agora antes que eu entre com um balde de


água e derrame em você! — Mamãe está gritando quando entra no quarto.
Sinceramente, essa maneira de me acordar é tão doce…

— Já vou. — Estou ainda meio grogue de sono.

Levanto-me da minha deliciosa cama e me arrasto com muita


dificuldade para o banheiro. Olho no espelho. ARGH! Estou horrível. Volto
para o quarto e pego uma toalha para tomar banho. Amarro o meu cabelo em
um coque para não molhar. Demoro um pouco no banho, deixando a água
quente cair em minhas costas.

Quando termino, vou para o meu guarda-roupa com a toalha enrolada


no corpo. Escolho qualquer roupa: uma calça jeans e uma blusa simples. Nos
pés, os meu Vans. Ajeito o cabelo com as mãos, afinal ele não vai ficar
melhor do que isso mesmo. Desço antes que mamãe entre no quarto de novo,
dessa vez ameaçando me matar.

Assim que chego na sala, dou de cara com Daniel, o namorado da


minha irmã.
— E aí, pirralha? — Esse é seu ilustre cumprimento.

Tenho que admitir que ele é oficialmente o namorado mais gostoso que
ela já teve. Reviro os olhos e vou direto para a cozinha, onde pego um
sanduíche e um suco de caixinha. Lila entra no recinto.
— Ei, Karine, você viu onde eu coloquei meus pompons?
Sei que Lila não olhou em um lugar e sempre estão lá.
— Você já olhou no carro de Daniel?

Vidente, eu? Claro que não, só minha capacidade de saber algumas


coisas.

Lila sai da cozinha sem ao menos me agradecer. Depois de alguns


minutos, volta com seus pompons cor-de-rosa, pula em cima de mim e me dá
um beijo melequento, cheio de gloss (ECA!), na minha bochecha esquerda.
— O que seria de mim sem você, maninha? — Lila pergunta enquanto
faz biquinho para mim.
Queria ter os lábios carnudos e rosados dela, ao invés dos meus, finos e
sem graça. Passo a mão em minha bochecha e lhe mostro a língua. Se ela está
pensando que a perdoei por ontem, está muito enganada.

Só para vocês ficarem sabendo, Lila foi a uma festa de madrugada e eu,
a besta otária, ajudei com tudo, dando opinião sobre com que roupa ela
deveria ir, maquiagem, perfume, penteado… Afinal, Lila é líder de torcida e
tem que chegar chegando, como ela mesma costuma dizer. Porém, a minha
intenção era ir junto e no final de tudo o que ela me diz? “Me acoberta,
maninha?”
Eu fiquei tipo “O quê? Como assim?”

E, sim, eu aceitei acobertá-la.


Fiquei triste, mas me lembrei de que, apesar de Lila ser minha irmã, nós
somos de mundos totalmente diferentes. Então, como sempre, vesti a minha
armadura invisível e fingi que estava tudo bem.

Mamãe entra na cozinha.


— Está pronta, Karine? Pois não vou permitir atrasos novamente.

— Sim. — Bebo o restante do meu suco de caixinha, jogo a caixa no


lixo e pego a minha bolsa.
— Tenha uma boa aula. — Ouço mamãe dizer a Lila enquanto saio da
cozinha.
Não sei por que mamãe me trata tão diferente da minha irmã. Ela não
me deseja boa aula e muito menos deixa um beijo na minha testa, como
sempre faz com Lila.

Quando saio de casa para entrar no carro da minha mãe, vejo Daniel já
dentro do carro dele: um Civic cinza. Ouvi dizer que ele mesmo comprou
com a economia que fez e com a ajuda dos pais. E agora vem buscar Lila
todos os dias.

*****

— O baile de máscaras vai ser daqui a uma semana e eu ainda não


tenho um par! — Jenifer, minha melhor amiga, a única que tenho nesta
escola, fala para mim.

— Jenny — Reviro os olhos enquanto pego o livro de matemática do


meu armário. — É só um baile, OK?

— Karine, presta atenção! É o último baile! Ouvi dizer que eles irão
cancelar os bailes e festas anuais.
— E você acreditou?
Jenny coloca suas mãos em meus ombros, me forçando a ficar de frente
para ela.
— Foca aqui em mim, guria. Esta é a minha chance de conquistar o
Ramon e eu não vou perdê-la de jeito nenhum. Você vai a esse baile comigo,
nem que seja arrastada!

Balançando a cabeça positivamente, tiro suas mãos do meu ombro. Se


Jenny está pensado que vou a esse baile, está muito enganada. Mas não falo
nada, vou deixar para resolver o assunto na última hora.
O sinal toca e nós vamos juntas para a nossa sala.
Capítulo 2

“Isso não é um conto de fadas e aqui não tem sapatinho de cristal, nem
um príncipe encantado, muito menos uma fada madrinha.”

— Thalyta JDs

É sempre assim.

A líder de torcida passa desfilando com seu namorado quarterback no


refeitório do colégio… Não que eu me importe. Olho mal-humorada, já que a
líder de torcida é minha irmã e o cara é aquele por quem definitivamente
tenho uma queda. Uma queda, não. Um barranco, na verdade. Afinal, quem
inventou a regra de que os dois deveriam, sei lá… namorar? Só porque
pertencem ao mesmo grupinho?

A mesma coisa é com a separação das pessoas. Quando estamos no


refeitório, podemos ver isso claramente. Do lado esquerdo, encostada na
parede, fica a mesa do grupo de nerds; mais para a frente, a dos roqueiros. A
das patricinhas fica do lado direito, a das líderes de torcida no meio — até
porque elas têm que ser o centro das atenções — e, junto das suas mesas, fica
a dos jogadores de futebol. A dos badboys fica mais ao fundo, num ambiente
mais isolado. Ah, sim, é neste grupo que se encaixa Ramon. Tenho que
admitir que ele é um badboy da pesada, daqueles que usam bota e jaqueta de
couro. Seu braço direto é coberto de tatuagens, ele tem um piercing na boca e
seu cabelo é raspado. Se Jenny quer conquistá-lo tenho que dizer que ela terá
um bom trabalho pela frente. Jenny é apaixonada por Ramon desde que ele se
matriculou neste colégio, no ano passado. Ninguém sabe muito sobre a vida
dele, a não ser que seu pai foi preso recentemente e sua mãe o abandonou
assim que nasceu.

E se você agora está se perguntando em que grupo eu e Jenny estamos


encaixadas, a resposta será no gramado do lado de fora. É lá que todos que
não têm grupos almoçam. E é aqui que estamos agora.

— Já sei o que vamos fazer amanhã — diz Jenny enquanto mastiga seu
chiclete rosa.

— O quê? — pergunto, já sabendo da resposta.

— Vamos sair para comprar os nossos vestidos. — ela diz, batendo


palmas e sorrindo largamente, como se isso fosse maravilhoso. Pode até ser,
mas para ela, não para mim.

— Aiin, Jenny, não tenho paciência para isso.

— Deixa de ser desanimada, mulher! Vai ser legal.

— OK, vamos fazer assim: eu te ajudo com o vestido, porém não vou
ao baile de máscara.

O sorriso do rosto de Jenny se desmancha e sei que agora ela vai partir
para chantagem emocional e dramática, como apelidei.

1,2,3… Jenny começa a chorar e a implorar a minha presença, dizendo


que vai ser legal e tal… e, caso eu vá, diz que ficaria me devendo uma. Não
aguento tanto chororô e acabo cedendo.

*****

Dois dias passaram voando… foi uma correria danada e não havia outro
assunto mais importante nos corredores do colégio, a não ser o baile de
máscaras. Até eu, que estava desanimada, comecei a ficar ansiosa.

Jenny e eu fomos comprar os nossos vestidos na Imperial & Stilo na


quinta-feira. Enquanto ela estava mais para vilã, eu estava mais para princesa.
Para ser sincera, mesmo que eu ainda não tivesse nenhum par — porque
nenhum garoto me convidou —, isso não foi motivo para me desanimar.
Quando coloquei o vestido, ele caiu perfeitamente em meu corpo. Ajustava-se
até a cintura e se abria no comprimento. Sua cor branca realçou os meus
olhos, o problema todo foi a máscara. Até então, eu não tinha encontrado
nenhuma perfeita. Porém, como me devia uma, Jenny disse que no dia do
baile iria me arranjar. Eu não mostrei o meu vestido para ninguém. Minha
mãe só se importou em ver o vestido de Lila, que eu até agora não tinha visto,
mas ouvi os comentários da minha mãe sobre ele. Ela disse que Lila tinha
ficado muito bonita e que sentia muito orgulho em ser sua mãe. Então, a única
que viu e super elogiou o meu vestido foi a Jenny.

Na mesma quinta-feira, ficamos sabendo que Ramon também iria ao


baile sem par. Eu até tentei incentivar a Jenny a convidá-lo, então planejamos
que na hora da entrada ela faria o convite, só que Ramon faltou ao colégio no
dia e na sexta também. A única coisa que nos resta é esperar que ele vá
realmente ao baile sozinho.

E aqui estou eu, com as mãos tremendo, tirando o vestido da caixa com
total cuidado para não estragar. Deixo-o estendido na cama e vou direto tomar
banho. Coloco uma touca na cabeça antes, até porque me atrevi a usar o
babyliss e, adivinhem: ficou super lindo! Quero ver a cara de Jenny quando
me vir.
Nós combinamos que ela passaria aqui em casa às sete horas da noite
com o pai dela, que nos daria carona até o colégio.

A água quente cai em minhas costas me fazendo relaxar, demorou mais


que o necessário. Quando acabo, enrolo-me na toalha e vou direto me vestir.
Até parece que estou em um conto de fadas. Depois de vestida, rodopio
no centro do meu quarto pequeno. O quarto mais espaçoso é o da Lila, pois
como sempre as melhores coisas são para ela, mas hoje eu prometi a mim
mesma que nada nem ninguém estragará esta noite. Sem par ou não, eu vou
conseguir me divertir
Ouço um carro buzinando. Vou até a janela espiar e vejo Daniel saindo
do carro em um terno preto. De longe, vejo seus olhos azuis incríveis e seu
cabelo loiro, que parece estar sempre perfeito, mesmo quando é levantado
pelo vento ou bagunçado pelo capacete de futebol. Ele é o garoto por quem
todas as meninas têm uma paixonite. O quarterback a que garota nenhuma
pode resistir, nem mesmo eu…

Foco, Karine! Foco, não perca o foco, ele namora a sua irmã!

— Eu cheeeeeeguei! — Jenny bate na porta do meu quarto.

— Está aberta! — eu grito.

E respiro enquanto ela faz mistério, abrindo a porta devagar. Preciso da


opinião de Jenny sobre como estou e, por mais que ache que estou linda,
qualquer comentário negativo é capaz de me fazer pensar o contrário.

Chacoalho as mãos, que estão suando com o nervosismo. Enfim a porta


inteira é aberta e eu me deparo com uma Jenny vampira à minha frente, de
boca aberta. Tenho que admitir: Jenny está sexy com esse vestido vermelho
grudado em seu corpo e seu cabelo preto super brilhante. Sua máscara é preta
e vermelha e tem três penas na lateral direita.
— Quem é você? O que fez com a minha amiga? — Jenny coloca a
mão no peito, fazendo cara de horror.

— Não está bom? — pergunto, já temendo a resposta.


— Não, amiga… Sinto muito dizer, mas não está bom.

Resolvo sentar-me na beirada da minha cama, totalmente desanimada e


triste. Ela ri.
— Está mais que bom. Você está incrivelmente linda! Abalou agora,
hein?

— Ai, meu Deus! O que eu fiz para merecer uma amiga como você? —
digo, aliviada.
— Eu também não sei, mas sorte a sua ter uma melhor amiga como eu.
Sabe, nem todos são sortudos.

Mostro a língua para ela.


— Ei, eu trouxe a sua máscara — Jenny fala, sacando alguma coisa da
sacola que está em suas mãos.

Então, eu vi a máscara mais linda, coberta de brilhinhos e tudo mais.


Viro de costas para Jenny poder colocá-la em mim. Quando vou no espelho,
não me aguento e dou um grito com direito a pulinhos de felicidade. Ficou
perfeita! Na verdade, mais que perfeita.

— JENIIIFER! — O pai dela grita — Desse jeito vocês duas vão


chegar lá quando já tiver acabado.

— Já estamos indo! — Jenny grita de volta, pegando a minha mão e me


puxando para fora do quarto.
Capítulo 3

“Cuidado onde você lança sua âncora, nem todo porto é seguro.”

Iasmin Cândido

Assim que saí do carro do pai da Jenny, minhas pernas começaram a tremer
tanto que eu não estava conseguindo me equilibrar em cima dos saltos altos.
Quase tombei para o lado direito, mas Jenny me pegou.

— Ei, vai com calma aí, guria…

Dou um sorriso fraco para ela e ordeno mentalmente para o meu


coração bater mais devagar. Como nunca fui a uma festa de colégio antes,
apenas estou com medo. Eu não sei como me comportar, pois sempre vivi nas
sombras de Lila e, para dizer a verdade, acabei me acostumando.

— Se comportem, meninas. Volto para pegar vocês à meia-noite — o


pai de Jenny fala da janela do motorista.

— Mas…
— Sem mas, Jenifer — ele diz em um tom autoritário, fazendo Jenny se
calar. Com mais uma despedida, ele se vai.

Olho para o colégio à minha frente e sinto minhas mãos tremerem. A


festa vai ser no salão da escola. Daqui de fora, consigo escutar a música alta.
— Bem… bora lá — Jenny diz, toda confiante.

Queria ter nesse momento a confiança que ela esbanja, ao invés da


minha insegurança. Caminhado uma ao lado da outra, entramos no colégio.
Assim que chegamos ao salão me senti em um filme. Estava enfeitado
com balões coloridos no teto e algumas bexigas no chão. As luzes, piscando
em uma sequência rápida. Os alunos estavam irreconhecíveis, todos com
máscara, sorrindo largamente. Somente alguns alunos sem par estavam
encostados na parede, tomando alguma bebida vermelha. Acho que deve ser
ponche, como chamam nos filmes. Eu nunca tomei um e estou curiosa para
saber o gosto.

Olhando assim, não consigo definir quem é quem, já que estão todos de
máscara. A voz do DJ em cima do palco chama a atenção de todos.

— Essa não é para ser uma noite comum. E a próxima música é para
fazer vocês dançarem, não importa quem sejam. Hoje, deixem-se ser levados
pelo momento — ele diz.

Jenny solta um grito feito uma louca ao meu lado e me puxa para o
centro da pista. O DJ libera a música e eu me sinto tímida no meio da
multidão.
— Jenny! — grito sobre a música alta. — Vou tomar um ponche.

— Um o quê? — Jenny grita de volta.

— Uma bebida.

— OK, vai lá — Jenny responde enquanto joga as mãos para cima,


balançando a cabeça de um lado para o outro. Onde será que ela aprendeu a
dançar?

Tentei abrir caminho no meio de todos e finalmente consegui chegar à


mesa dos ponches. Vi bebidas soltando fumaça. Peguei um copo e uma
concha e derramei um pouco daquilo no meu copo. Então, de repente, sinto
braços fortes me rodeando e uma respiração quente em minha orelha.
Meu coração gela.

O dono dos braços fortes me gira para ficar de frente para ele e, mesmo
de máscara, eu reconheceria aqueles olhos em qualquer lugar.
Aqueles olhos azuis.

— Estava te procurando — Daniel diz.


Eu fico muda. Tipo, oi?
Como eu não disse nada, ele prosseguiu.

— Agora você é todinha minha? — ele pergunta.

Abro a boca para falar algo, porém Daniel sorri e eu vejo uma covinha
em sua bochecha esquerda. Como eu nunca percebi essa covinha antes? Seu
sorriso se desmancha quando seu olhar pausa em minha mão, que está
segurando o ponche vermelho.
— Eu pensei que você não gostasse disso — ele diz, com as
sobrancelhas erguidas.
Como, se nunca provei?

Quando vou abrir a boca pela segunda vez, outra voz surge antes que eu
pudesse falar.
— Agora, essa — O DJ fala, pausando a música de antes, eletrônica —
é para todos os apaixonados. Aproveitem e chamem aquela pessoa que você
tanto gosta para dançar.

Daniel tira o copo da minha mão e o coloca em cima da mesa. Feito


isso, segura firme em minha cintura e me conduz até o meio do salão. E eu
fico com minha cara de: “O que está acontecendo aqui?”
Não estou entendendo nada, tipo: por acaso ele e Lila terminaram? Até
porque, mesmo que eles tivessem terminado, não é nada legal eu sair já dando
mole para o meu ex-cunhado. Ainda mais porque Daniel nunca ligou para
mim. Por que está tão diferente comigo hoje?

Quando chegamos no centro do salão, tento me desvencilhar de seus


braços, mas eles me seguram com força e me puxam para mais perto de seu
peito, onde fico colada. Juro que quero ordenar aos meus braços que o
empurrem para longe e dar meia-volta, mas não o faço. Nenhum menino
nunca chegou tão perto de mim antes e, confesso, estou sem saber o que fazer.

— Eu sei que você não sabe dançar música lenta, mas dance essa por
mim.
Como ele sabe disso? Esse tempo todo eu pensando que ele não
reparava em mim quando, afinal, ouço essa revelação bombástica. Então, a
música começa. Daniel coloca uma mão na minha cintura e com a outra
segura a minha mão. Parece um conto de fadas. Fico apenas encarando seus
olhos azuis, que resolveram brilhar mais que o normal esta noite.
Quebro a ligação do olhar e espio ao redor, percebendo que todos estão
nos olhando. Somente nós estamos no meio do salão. Ai, meu Deus! Eu só
posso estar em um sonho. Daniel começa a se movimentar devagar e eu o
acompanho com cuidado para não pisar no seu pé. Sua boca chega mais perto
do meu ouvido e ele sussurra:

— Eu já disse como você está linda hoje?

Pisco os olhos freneticamente, absorvendo aquelas palavras que, para


mim, ficaram apenas no ar.

Linda! Ele disse linda?

Daniel me rodopia. No meio do giro, eu tropeço no meu próprio pé e,


quando penso que vou cair para trás, ele me pega. Seus braços agarram forte a
minha cintura enquanto eu o olho, totalmente assustada. Vejo o olhar de
Daniel abaixar para meus lábios secos. Subitamente, eu molho meus lábios
com a língua e Daniel se aproxima e sinto seus lábios macios colarem nos
meus.

Fecho os olhos e desejo que esse momento se eternize, mas não só na


minha memória. Todos à nossa volta aplaudem e assobiam. Daniel me puxa
para a frente.
— Viu? Não foi tão ruim assim. — Sua mão alisa delicadamente minha
bochecha e eu inclino meu rosto na direção de sua mão.

— Não — digo baixinho, pela primeira vez respondendo e ele… ele


sorri para mim, para mim.
Outra música domina o ambiente, dessa vez agitada, e todos começam a
dançar. Jenny aparece, do nada, no meio de Daniel e de mim.
— Preciso que venha ao banheiro comigo. — Dito isso, ela me empurra
na direção dos banheiros.
Irritada, eu grito com Jenny.

— Você não sabe ir sozinha? — pergunto.

Jenny tinha que estragar o meu momento, sabe? Tipo assim, ter um boy
lindo dançando com você, isso não acontece todo dia, ainda mais se no final
ele te beija.

Sua respiração está ofegante quando ela aponta para a entrada do salão
e eu vejo uma garota praticamente igual a mim. Com o mesmo vestido. Tudo
bem que o cabelo dela está mais brilhante, porém a minha máscara é mais
bonita. Ha-ha!

— É sua irmã, Karine! Daniel pensou que estava dançando com Lila!

Então, minha boca se abre em formato de O.

— Como…? — pergunto a Jenny.


— Não sei. — Jenny joga as mãos para o alto. — Eu pensei que ela
fosse você, mas sua máscara é diferente da dela. E, por mais que vocês não
sejam irmãs gêmeas e tal, tenho que admitir: vocês estão idênticas.

Capítulo 4

Baile - Parte 2
“Eu chorei como ele tivesse morrido. E, de certa forma, morreu.
— Sorry, I don’t care anymore.”

Uma vez me disserem que nada nas nossas vidas é em vão, que nada é por
caso, que tudo tem um motivo e uma razão. Quem me disse isso? Meu pai.
Quando ele morreu, eu tinha apenas nove anos, Lila tinha dez. Nós não
conseguimos nos lembrar muito do rosto dele, nem da voz. Mesmo que haja
fotos dele na sala e uma colada no meu fichário, eu apenas não consigo
lembrar. A única memória que o tempo não se encarregou de levar — como
eu agradeço aos céus por isso —, é sobre a frase que um dia ele me disse.

Mamãe se manteve na caminhada sozinha, mesmo que os caras deem


em cima dela, sua resposta continua mesma para todos “não”.

— Karine. — A voz de Jenny me desperta do meu transe e ergo minha


olhando-a em seus olhos.

— Está tudo bem com você? — Jenny pergunta, alisando minhas


costas, como se isso fosse me consolar de alguma maneira.

— Sim. — Respiro fundo e levanto-me do banco em que estava


sentada.
— Quer que eu te traga um copo de água?

Depois de descobrir que Daniel me confundiu com a minha irmã, eu


apenas fiquei abalada. Foi então que me lembrei que, antes de sair daquele
quarto, prometi a mim mesmo que nada me faria ficar triste, não hoje e não
aqui. Tudo bem que eu apenas me iludi pensando que Daniel reparava mesmo
em mim, mas a culpa não foi dele, correto? Correto. Foi minha! Eu não
deveria ter deixado as coisas acontecerem como aconteceram, e agora Daniel
traiu a sua namorada sem saber. Fico imaginando quando ele souber que a
traiu com a nerd do colégio, ou a pirralha, como ele me chama.
Balançando a cabeça negativamente, eu digo a Jenny:
— Eu realmente estou bem. E… nós até agora não vimos o Ramon. Ou,
por acaso, você viu?
— É mesmo, Ramon! — Jenny arregala os olhos com as mãos na boca
— Eu tinha me esquecido dele.

— Sim, sim, eu sei. Bem, vamos logo procurá-lo porque daqui a pouco
é meia-noite, Cinderela — digo sorrindo, e percebo que Jenny está mais
animada agora.

Depois de uns quinze minutos, o encontramos encostado na parede


perto da mesa dos ponches.

— OK, eu estou apenas nervosa — Jenny fala.

Estamos observando Ramon de longe a uma distância que dá para vê-lo


perfeitamente. A música está alta, e, com os alunos dançando, atrapalha um
pouco, pois Jenny e eu temos que gritar uma com a outra para podemos
conversar.

— Tenha calma, o nervosismo só vai te atrapalhar. Aliás, você está de


máscara, se der algo errado, ele não saberá que é você — aconselho, como
seu eu tivesse experiência no assunto.

— Obrigada, Karine, por me avisar que isso pode dar errado.


— Estou só te preparando.

Jenny revira os olhos para mim.


— OK, vai lá. — Eu a empurro.
Jenny fica paralisada no lugar, como um poste.

— Eu preciso de mais tempo. — Ela sacude as mãos devido ao


nervosismo.
Uma garota com um vestido mega hiper curto justo preto se aproxima
de Ramon. Eu fico observando a cena, quando vejo a garota falar alguma
coisa que o faz fechar a cara para ela. Então, quando a garota dá as costas
para ele, Ramon a puxa pelo braço e sussurra algo no ouvido dela, que faz
cara de tédio enquanto escuta.

— Quem é aquela? — Jenny me pergunta.

— Não sei, seja quem for acho melhor você se apressar.

— Ai, OK! Mas o que eu falo?


— Hum… que tal “Oi, meu nome é Jenny”?

Jenny cai na risada, coloca a mão na barriga e eu fico vendo-a rir por
alguns segundos, até que se recompõe.

— OK, OK. Já vi que você não leva jeito para isso. Por mais que te
julgue, eu levei a sério o papo sobre não dar certo. Então, eu não vou falar
meu nome de jeito nenhum. E, caso eu falasse, acho que ele me olharia e diria
algo como “E daí que seu nome é Jenny?” ou “Te perguntei alguma coisa?”
Ouvi as meninas do terceiro ano falarem que ele é meio grosso.

Jenny está me olhando, esperando que eu diga algo sobre isso.

— Tudo bem, você tem razão. Então, nada de ensaios, chegue lá e o que
vier na tua cabeça você fala, beleza?

— Karine, isto é uma péssima ideia!


— Você tem outra? — pergunto. Jenny balança a cabeça negativamente.
— Então, pronto. Afinal, esse era o objetivo de nós duas termos vindo até este
baile, né? O Ramon. Então vai lá, amiga, que aquela garota misteriosa já saiu
de perto dele.
Jenny lança mais uma olhada para mim e outra para Ramon.

— Boa sorte! — Eu digo, com toda sinceridade.


— Obrigada. Eu vou precisar.
Jenny respira fundo e vai em direção a Ramon. Eu fico de tocaia,
observando tudo de longe. Quando Jenny chega perto dele, eu a vejo falar
algo que faz Ramon cair na risada.
Ain, senhores cupidos, façam seu trabalho. Please!

Jenny olha para trás e… Sabe como são melhores amigas, né? Qualquer
olhar somos capazes de decifrar e o da Jenny, nesses momentos, é de socorro.
Então, quando vou começar a minha caminhada até eles, alguém pega o meu
braço. Eu me viro para trás e avisto um cara alto, com cabelo castanho-
escuros iguais aos seus olhos. Sua boca esboça um sorriso travesso e eu não
faço a mínima ideia de quem ele seja. Sua máscara preta esconde sua
identidade. Assim que arranco o meu braço do aperto suave de sua mão, ele
me solta.

— Desculpe — o desconhecido agarrador de braços diz.

Assinto.

— Sou Henrique.

— Ah — digo, suspendendo uma sobrancelha. E ficamos assim: um


olhando para o outro.

— Qual é o seu nome? — Henrique pergunta.

— Karine.

— Você é linda, Karine.


Outra vez em uma noite essa palavra. Bem, eu não sou boa com elogios,
afinal só os recebo dos meus professores e não de garotos. O que torna difícil
de acreditar, ainda mais que da última vez em que recebi um, foi por engano
de identidade.
Pegando a minha franja e colocando-a atrás da orelha, eu digo:

— Obrigada! — Fico olhando em seus olhos, tentando obter algum


sinal de mentira neles, mas Henrique fica quieto e sorrindo para mim.
— Olha, Henrique, eu gostaria muito de conversar com você e tal… —
digo, com cara de desinteressada. —, porém eu realmente tenho que ir. Quem
sabe uma próxima? — Acabo o meu discurso soando sarcástica e com a mão
sobre o peito, como se eu me importasse de verdade.
— Espere só um momento — Henrique pede. Ele mexe em seu bolso e
saca alguma coisa de lá, que percebo ser o seu celular. — Me passa o seu
número — Henrique pede, pronto para digitar.

Eu pisco.

Então, pisco outra vez.


Esta noite está muito estranha para o meu gosto. Quer saber? Não vou
ficar pensando nisso, tenho uma amiga em perigo para salvar. Passo o meu
número rapidamente para Henrique e parto na minha missão. Porém, quando
chego lá, encontro somente Ramon encostado na parede, sozinho, com as
mãos no bolso e um pé apoiado na parede.

— Oi — digo sem graça, me aproximando.

Ramon me olha sério e entorta a cabeça para o lado.

— Uau! Uma Reynolds falando comigo… — ele diz em tom de ironia.

— Uma amiga minha estava há pouco aqui, conversando com você e…


por acaso sabe aonde ela foi?

— Por acaso eu tenho cara de adivinho?


Minha boca se abre. OK, isso foi o suficiente. Ramon me encara e me
perfura com seu olhar como se me esperasse dizer mais alguma coisa para ele
poder revidar, como uma cobra pronta para o bote.

— Obrigada. Por nada. — Dou as costas e me vou antes que Ramon


diga algo mais.
Procuro Jenny por tudo quanto é lado. Pergunto a algumas pessoas se a
viram e nada, então, começo a me preocupar. Cutuco o cara do meu lado, que
está em uma rodinha de garotos.
— Com licença — interrompo, sem graça: — Poderia me dizer a hora?
— Como me odeio agora por ter esquecido o meu celular. Caso contrário,
poderia me comunicar com Jenny e saber onde ela está neste exato momento.
— Claro — o garoto me responde. — São meia-noite e catorze.
Oh não! O pai de Jenny vai nos matar.

— Obrigada! — agradeço.

Olho para a frente e vejo Daniel e Lila rindo juntos. Eles parecem que
foram feitos um para o outro. Sinto um desconforto observando a cena.
Daniel se inclina e encosta Lila na parede enquanto sussurra algo no ouvido
dela, que a faz rir ainda mais. Eu tento me esconder um pouco entre os alunos
para que Lila não veja que estou com o mesmo vestido que ela. Não quero
nem pensar se ela souber. Com certeza, dirá que fiquei com inveja e tal.

Ai, meu Deus, por que isso foi acontecer logo comigo?

E admito: olhando assim para eles, sinto ciúmes. Balanço a cabeça


como se o gesto fosse parar os sentimentos que estão borbulhando dentro de
mim. Meu estômago se contorce e surge bile em minha garganta. Corro em
direção ao banheiro. Quando chego lá, vejo que está lotado. Algumas meninas
estão somente em frente ao espelho se maquiando e fofocando, enquanto
outras estão esperando desocupar para poderem usar os sanitários. Batendo
meu pé impacientemente no chão, coloco minhas duas mãos no estômago,
que se contorce ainda mais forte. Quando a porta do segundo banheiro se
abre, eu vejo Jenny saindo dele com os olhos vermelhos.
— Jenny — eu a chamo.
— Foi horrível — ela diz chorando e vindo em minha direção,
enxugando as lágrimas que rolam em seu rosto com um papel higiênico todo
despedaçado. — Karine, me abraça — Ela pede. E eu faço.
Capítulo 5 - Desconfiança

“Que besteira é essa? Eu sei que eu não tenho muita autoestima, mas eu não
sou louco ao ponto de dizer que não consigo viver sem você. E, aliás, mentir
nunca foi o meu forte.”

Aleff Tauã

Jogo-me em minha cama, com o vestido e tudo. Quando cheguei em casa,


mamãe não estava, graças a Deus. Se ela me visse com este vestido…

Esfrego os olhos com força e tento não pensar nos acontecimentos de


hoje à noite. Fico me perguntado se todos os primeiros bailes de alguém são
assim… horríveis.

— Karine — Lila bate na porta do quarto. Rapidamente me levanto.


Como a porta está trancada ela não entrou.
Meu coração está a mil por hora.

— Diga — eu falo, temendo o pior.


Com certeza, ela já sabe de tudo.
— Você sabe onde mamãe está? — Lila pergunta.

Solto a respiração, que percebi que estava presa só agora.


— Não. Quando cheguei ela não estava.

— OK.
Pego minha toalha e vou tomar banho. Tudo de que eu preciso é de um
bom banho, daqueles capazes de levar más memórias para o ralo. Eu sei que
isso não é possível e tal, mas como queria que fosse…

*****

— KARINE! — O grito de mamãe me acorda. Abro os olhos e os fecho


novamente por causa da claridade.

— Meu Deus! Parece que entrou em coma nessa cama.

Mais um dia como os outros, eu já deveria ter me acostumado com essa


maneira doce da mamãe me acordar, eu sei. Mas é que…

— O que você está esperando para levantar? — mamãe pergunta, me


observando encostada no batente da porta.

— Nada… já estou me levantando.

— Ótimo — mamãe diz e bate na porta do quarto quando se vai.

Às vezes, essa maneira arrogante dela me estressa!

Quando já estou arrumada e desço para o andar de baixo escuto as


vozes de Daniel e de Lila vindo da cozinha.
— …e eu continuo achando que você bebeu demais — Lila diz.
Vou até o armário e o abro, tento parecer não me importar com a
conversa deles, mas não consigo quando sinto pela voz de Daniel uma
irritação ao dizer:
— Eu já disse que não bebi!

— Então, alguém está mentindo aqui — Lila diz séria, olhando para ele.
Foi então que Daniel percebeu minha presença na cozinha.
— Ô pirralha, você foi ao baile ontem? — Daniel pergunta.

Abro meu suco de caixinha e respondo um “u-hum“ enquanto o bebo


sem olhar para nenhum dos dois.
— Então, com certeza você viu Lila e eu dançando a música lenta de
ontem.
Abro a geladeira para evitar olhar para ele e pego meu sanduíche.

— Eu estou com pressa, que tal conversamos sobre isso amanhã? —


pergunto.
E antes que ele possa responder caio fora da cozinha, pego minha
mochila de cima do sofá e vou para o carro da mamãe.

Capítulo 7 – Ajudante estudantil

“Não crie expectativas, ouvi falar que elas borram sorrisos.”

— Gratificar/Tumblr

Quando cheguei no colégio não vi Jenny, imagino que ela deve estar de
castigo pelo fato de nós temos nos atrasado ontem. Ou ela deve estar triste por
causa de tudo que aconteceu com Ramon. Os assuntos nos corredores
envolviam o campeonato que estava chegando. O time de futebol ia jogar com
os Diamond, o colégio vizinho com o qual a nossa escola tem uma rixa, e isso
esse ano só vai piorar, já que o time que vencer ganhará uma bolsa para
estudar fora e esse é o sonho desses garotos. As líderes de torcidas estavam
animadas. Lila não podia estar diferente, já que é a mais invejada do colégio
por causa de sua beleza e seu namorado quartback que todas babam.
Hoje o dia foi um saco e para piorar o diretor pediu para a inspetora me
chamar. Dou três toques de leve na porta da sala do diretor Emerson.

— Entre. — Sua voz soa do lado de dentro.


— Com licença — digo, abrindo a porta e já entrando.

Nunca me sentei nas famosos cadeiras da diretoria. Bem… eu nem


sabia qual era a cor delas. Agora sei que são xadrez em um tom azul e
desconfortável.
Reparo o quadro imenso que está atrás do diretor Emerson. Sua imensa
mesa marrom só tem um notebook em cima. Como sempre, ele está de paletó
preto com a gravata vermelha. O diretor Emerson tira os óculos, esfrega os
olhos, recoloca-os e olha para mim enquanto coça a barba.

— Sente-se — ele pediu, apontando para a cadeira azul xadrez em


frente à sua mesa.

Arrasto a cadeira para trás e me sento, sentindo um leve desconforto por


causa do seu olhar penetrante sobre mim.

— Karine Reynolds, certo?

— Sim — respondo, sentindo a boca seca.

— Irmã de Lila Reynolds, a capitã das líderes de torcida, e é ajudante


estudantil, correto?
— Sim.

— Como ajudante… — Só então percebi que o diretor disse ajudante


estudantil, tipo oi? Desde quando me candidatei a isso?
— Perdão, diretor — digo-lhe. — O senhor disse ajudante estudantil?

— Sim — ele confirma.


— Bem… acho que teve um erro porque… bem, eu não sou ajudante
estudantil.

— A partir de agora é.
— O quê? — pergunto, com os olhos arregalados
— Senhorita Karine, eu tenho visto suas notas e considerei a hipótese
de você fazer parte dos ajudantes estudantis. Seria uma honra tê-la nesse
grupo.

— Mas…

Ele me corta enquanto dobra as mãos em cima da mesa.


— Claro que, se a senhorita aceitar, terá ótimas oportunidades para
conseguir uma bolsa de estudos em Yale.

Ai, minha nossa senhora dos futuros dos nerds! Eu abro a boca para
dizer algo a respeito, mas não consigo. Só consigo pensar nessa possibilidade
de entrar em Yale.

— Então, preciso da sua resposta agora. — Ele se recosta em sua


imensa cadeira, que mais parece uma poltrona.

— Sim — digo com um grande sorriso.

— Que bom, senhorita Karine, fico muito feliz que tenha aceitado. Vou
te dar uma folha com algumas informações sobre o aluno que você irá ajudar
em seus estudos. Aliás, esse aluno precisa muito de ajuda, se ele não melhorar
as notas, perderá a chance de participar do campeonato.
O diretor Emerson abre uma gaveta, pega uma folha, endireita os
óculos, depois pega uma caneta preta e assina. Ele arrasta a cadeira para trás,
se levanta e percebo que é hora de me levantar também.

— Aqui estão as informações, fico muito feliz — ele diz, me


entregando a folha e indo em direção à porta, um sinal bem claro de que a
conversa já acabou e que já estou dispensada.
— Tenha um bom dia.

— Obrigada — digo, sorrindo largamente e pegando a folha de sua


mão.
Já do lado de fora da sala do diretor não consiga parar de pensar na
faculdade e como isso vai ser bom para mim. Imagino o que papai pensaria,
caso soubesse. Então, pego a folha que está cheia de blá e vejo os dias em que
o aluno estará disponível — somente às segundas quartas e sextas, as matérias
que ele precisa estudar são Matemática e História. Hum… analiso um pouco
mais embaixo e… Não, não pode ser! Verifico mais uma vez, esfrego os
olhos, aproximo a folha bem perto e não estou acreditando no nome que estou
vendo.
Daniel Concelhos Reys.

*****

— Aí está ela — Daniel diz, apontando os braços em minha direção.

Ele está acompanhado de seu time de futebol, e os caras riem. Daniel


puxa uma cadeira da mesa do refeitório em que estou sentada sozinha e vira-a
na direção contrária. Ele se senta olhando para mim com seu sorriso radiante
enquanto mastiga chiclete. A jaqueta do time lhe cai bem. Um amarelo
misturado com azul e o mascote do urso do lado direito.

— O que você quer? — pergunto, desviando o olhar.

— Nada — Daniel diz, suspendendo as mãos em rendição. — Apenas


queria ver quem iria me dar um reforço nos meus estudos.
Reviro os olhos para ele.

— Deu sorte, hein Daniel? Duas Reynolds para você! — Um cara alto
que está ao seu lado fala.
— Cala a boca, Johnny — Daniel diz sério, perfurando-o com o olhar.

— Calma aí, man, só estava brincando. — Johnny se desculpa.


— Então — Daniel desvia o olhar de Johnny para cair de novo em mim
—, estava pensando… — Ele prossegue enquanto pega meu suco e toma um
longo gole — Você poderia, sei lá, fazer meus trabalhos por fora sem eu ter
que estudar realmente com você porque, cá entre nós, isso é um saco e no
final nós dois saímos ganhando.

Reconsidero a ideia. Afinal, ele tem razão. Como vou conseguir ensinar
alguma coisa para esse deus grego aqui na minha frente? É óbvio que não
conseguirei me concentrar. Mas é a minha bolsa de estudos que está em risco
e, nesse caso, não quero correr o risco de perdê-la.
— Não — digo, curta e reta.

— Como?

— Eu disse não. — Pego meu suco de caixinha e é quando meus dedos


encostam nos dele.

Eu levanto o olhar para encontrar seus olhos azuis. Meu coração erra
uma batida e prendo a respiração. Será mesmo que ele não percebeu que na
noite passada era eu? E se ele soubesse? Será que sentiria vergonha de mim?
É disso que tenho medo. Daniel se levanta rápido, mas sem tirar os olhos dos
meus. Então, quando ele está prestes a me dar as costas e ir, eu falo:

— Espera.

— O quê?

— Como amanhã é sexta, nós podemos começar a estudar.


Daniel se aproxima e se abaixa até está na mesma altura que eu.
Ele apoia uma mão na mesa e diz:

— Você está pensando mesmo que vou fazer isso, pirralha?


— Você precisa fazer isso.

— E se eu não fizer? — Daniel pergunta, suspendendo uma


sobrancelha.
— Perderá a oportunidade de competir no campeonato e você sabe que
vai ter olheiros e tudo mais — digo-lhe com um sorriso triunfante.

Daniel se recompõe e cruza os braços em frente ao seu corpo esguio.


— Depois do colégio, na sua casa — ele fala e depois se vai.

Capítulo 8 - Só que não

“Geralmente é assim que funciona; você conhece uma pessoa, ela te diz
coisas que você nunca escutou e te faz sorrir como nenhuma outra pessoa fez,
cria planos que você nunca imaginou. Te faz sonhar com o que você nunca
viveu, depois a pessoa vai embora, e te faz sentir saudades do que nunca foi
seu. “
— Sean Wilhelm

Depois que Daniel e sua turma foram embora, meu apetite foi junto. Fiquei
pensando no que os dias a seguir guardariam para mim. Óbvio que coisas
boas não seriam. Vejam bem: como Daniel é o principal do time, todos
esperam mais dele, ou seja, há uma cobrança maior. E se ele não for bem nos
estudos, ficará de fora. Feito isso todos me culparão, tenho certeza que até ele
mesmo. Não sei bem se a bolsa de estudos está valendo mesmo o risco. Já sou
a menos popular vinculada a nerd, agora imagine acrescentar mais uma coisa
inferior ao meu currículo escolar — Destruidora de sonhos. — Tenho certeza
de que é isto que vai acontecer caso eu não consiga dar uma ajuda extra ao
Daniel.
Meu celular vibra em meu bolso, quando percebo ser uma mensagem de
um número estranho. Clico no texto da mensagem:

“Ei, sou Henrique. Lembra de mim?”


Sorrio ao ler a massagem. Pensei que Henrique se esqueceria de mim,
igual eu fiz com ele. Claro que eu nem me lembrava dele, depois de todos os
acontecimentos que se seguiram naquela noite. Minha mente não teve tempo
para lembrar dele. E aqui está ele, com uma mensagem…

Digito uma resposta rapidamente:

” Claro. E aí, você está bem?”

Fiquei olhando para aquelas palavras até que decidi apagar. Não, desse
jeito pareço desesperada demais.
“Sim.”

Resolvi apenas escrever um “sim”.

*****

Assim que cheguei em casa joguei minha bolsa no sofá e corri para o
telefone da cozinha, precisava ligar para Jenny, saber se tudo estava bem.

— Alô. — A voz do pai de Jenny soa na linha.

— Senhor Edílson, aqui é a Karine.

— Boa-tarde Karine, tudo bem com você?


— Sim, e com o senhor?

— Ótimo.
— Que bom — digo com uma risada sem graça. — Gostaria de saber se
Jenny está aí.

— Ah sim, com certeza. Aguarde um momento enquanto a chamo.


— OK. Obrigada.

Depois de uns cinco minutos a voz de Jenny soa na linha.


— Oi, guria. — Pelo tom de voz percebi que nada está bem.
— Por que você faltou ao colégio hoje?
— Não estava muito bem. Eu… preferi ficar em casa.

— Por causa de Ramon? — pergunto, enquanto enrolo o fio do telefone


no meu dedo.

— Sim. Ele foi ao colégio hoje?

— Não percebi.

— Tenho certeza que ele me zoou com os amigos.

OK, preciso confessar uma coisa: me sinto culpada com a história da


Jenny e do Ramon. Aliás, eu que dei a ideia de o que vier na cabeça dela, ela
falar. Então, Jenny disse que não conseguiu se concentrar e tudo o que disse
foi: “Gosta de batatinhas fritas?” Jenny disse que todo mundo ao redor riu e
zombou. Eu me sinto culpada.
— Jenny, me desculpa, a culpa foi minha — falo, quase chorando.

— Deixa de ser boba Karine, isso não tem nada a ver com você.

— Tem sim, fui eu que…. — Jenny me corta.

— Vamos esquecer, OK? Quero esquecer o Ramon — Jenny diz com


uma voz tão determinada que até me dá arrepio. — Vamos mudar de assunto.
— Ela prossegue: — Novidades?

— Não. Nenhuma — digo, enquanto tiro uma lasca de esmalte velho da


unha.
Então, me lembrei.

— Tem, tem sim.


— Conte logo então guria, não gosto de mistérios.

— OK — digo, dando pulinhos animada. — Vou ser ajudante estudantil


de Daniel.
— O quê? Por quê?
— Ele está com notas péssimas, e você sabe que o campeonato é
semana que vem. Caso ele continue com essas notas, não participará.

— Quem te escolheu como Ajudante Estudantil dele?


— O Diretor. Ha!

— Orra, aí sim, hein? Então Karine, ele não se lembra de nada?

— Lembrar ele lembra, hoje de manhã ele estava conversado com a


Lila, eles estavam quase brigando porque ela não lembrava de ter dançado
com ele.

— Sério?

— Sim, tenho medo, caso ele ou Lila fiquem sabendo a verdade —


digo, sacudindo as mãos.

— Que verdade? — Uma voz que eu conheço bem diz.

Viro para trás e lá está Lila com seu uniforme de cheerleaders e


pompons nas mãos.

Capítulo 9 - Uma nova mentira

“Você quer um conselho? Não pense demais, isso enlouquece qualquer um.”
— Kelvy Rodrigues

Eu não sei como algumas pessoas conseguem inventar uma mentira tão
rápido. OK. Queria saber mentir assim tão bem, mas o que acontece aqui é
totalmente diferente. Lila está me olhando, esperando eu dizer algo enquanto
estou roendo as unhas, vasculhando meu cérebro à procura de uma mentira
convincente.

— Karine, estou esperando você me responder — Lila fala impaciente,


chegando mais perto, cruzando os braços na frente no corpo, gesto que eu
conheço bem. Lila quer me intimidar, porém eu faço cara de tanto faz, tanto
fez e digo:

— Que me tornei ajudante estudantil de Daniel.

Lila revira seus olhos.


— Ah — ela diz, jogando seus pompons no chão e indo até o armário.
— Isso eu já sabia. Daniel me contou hoje. Aliás, ele já está te esperando na
sala. Ele preferiu estudar hoje, que é quinta, e deixar amanhã, que é sexta para
treinar para o campeonato.

Dito isso, Lila pega um copo no armário, enche de água e bebe.

Pego o telefone de volta e escuto Jenny rindo no outro lado da linha,


parecendo uma hiena cometendo suicídio.

— Jenny… — digo com a voz meio falha por causa do medo.

— Oi —Jenny diz, entre risadas.

— Do que você está rindo? — pergunto.


— Você! Consegui sentir seu desespero daqui.

— Então, você escutou tudo?


— Sim — Jenny responde tentando controlar o riso.

— Pelo menos você riu hoje. Então Jenny, já estou indo, me deseje
sorte.
— Boa sorte, guria.

Coloco o telefone de volta no gancho e respiro fundo. Minhas mãos


estão tremendo!
Então, aqui vai o que aconteceu a seguir. Depois de encontrar o Daniel
na sala, pedi para ele me esperar enquanto subia no meu quarto para pegar
meus materiais. Quando desci, organizei tudo em cima da mesinha da sala e
tudo terminou bem. Daniel entendeu tudo e até me surpreendeu.

Não… Mas é claro que isto não aconteceu.


Essa é a décima sexta vez que o Daniel fala:

— Mas por que o “x” quer que eu encontre seu valor?

— Porque sim!

Daniel suspira como se estivesse sem paciência. E eu cubro meu rosto


com as mãos. Pelo jeito, isso vai ser mais difícil do que eu pensava.

Capítulo 10 – O treino

“Quanto maior o amor, maior a tragédia quando acaba.”

— Nicholas Sparks

A quinta-feira passou voando. Depois de passar a tarde toda tentando ensinar


a Daniel, eu finalmente decidi deixar um pouco para depois. Acho que se eu
forçar muito posso estourar o cérebro do garoto, coisa de que a mãe dele não
gostaria muito.
Quando chegou a noite, recebi uma mensagem do Henrique
perguntando se eu estava bem. Daí em diante nossa conversa desenrolou e
ficamos em um papo bom a madrugada toda. Descobri que Henrique também
joga futebol no seu colégio e tal. Ele disse que queria muito me ver outra vez,
eu fiquei feliz ao ler isso, porém com medo e insegura. Fiquei pensando o que
Henrique acharia de mim quando me conhecesse de verdade, sem máscara,
sem vestido, somente na minha calça jeans, moletom e vans. Com certeza,
Henrique não iria saber disfarçar a decepção. Então, eu disse a ele que esses
dias têm sido corridos para mim, cheia de tarefas e a semana de provas estava
chegando — o que de fato não é uma mentira — e que assim que eu tivesse
um tempo o informaria. Henrique foi muito compreensivo e aceitou de boa.

Na sexta, acordei cedo. Antes de mamãe entrar berrando no meu quarto,


eu já estava na cozinha bebendo meu suco de caixinha, como de costume.
Mesmo morrendo de sono eu consegui acordar bem mais cedo. Daniel trocou
o meu apelido: de pirralha para nerd.

Jenny tinha ido para o colégio, o que foi bom. Ela estava tentando
disfarçar a tristeza, mas eu percebi em seu olhar. Finalmente as aulas tinha
acabado, e cá estou eu, na arquibancada, assistindo ao treino do Daniel.

O que eu estou fazendo aqui?

Hoje à tarde mamãe resolveu fazer faxina em casa. Eu queria ficar e


ajudar, mas ela esnobou a minha ajuda e disse que era só para chegarmos em
casa depois das três da tarde. Eu pedi a Jenny para ficar comigo nesse tempo
vago. Ela me convidou para ir à casa dela, mas eu não queria, estava muito
calor e preferiria ficar em um lugar ao ar livre. Então, resolvemos assistir ao
treino dos garotos.

*****

— TENHA MAIS ATENÇÃO, FELIPE! — o treinador Carlos grita. —


Desse jeito, esse jogo vai ser um fracasso — ele disse, tirando o boné da
cabeça e esfregando a testa.

— Eu não consigo entender muito de futebol americano — Jenny diz ao


meu lado, franzido a testa.
— É fácil. Tudo se baseia em defesa e touchdown — eu digo.

Eu entendo sobre futebol por causa do meu pai. Ele era fã dos Arizona
Cardinals, na época eu ficava ao lado dele no sofá enquanto papai berrava
com os jogadores, como se eles pudessem ouvir.

Jenny suspira alto ao meu lado. Então, eu a olho e acompanho seu olhar.
Ramon está sentado no outro lado da arquibancada, com os joelhos junto ao
peito e os braços cruzados sobre eles. Seu olhar paralisa em nós e Ramon nos
fita quando sua cabeça dá uma leve inclinação para o lado. Eu desvio minha
atenção dele quando os gritos das cheerleaders invadem o espaço.

— Eles vão vencer, eles vão provar. — Elas se organizam em formato


de triângulo, abrem as pernas, colocam a mão na cintura e a outra aponta para
o alto. Todas sorrindo de orelha a orelha. — Fortes, destemidos, sempre
prontos para ganhar. Nada nem ninguém pode nos atrapalhar. — Então, elas
começam a fazer aquela muralha, tentando se equilibrar. Lila, como capitã,
sobe em cima de todas com facilidade até chegar ao topo e erguer as duas
mãos. — Se entrar em campo comece a rezar, com nosso adversário nós
vamos arrasar. — Elas finalizam chacoalhando os pompons, que hoje são
vermelhos. Lila cai de costas e os garotos que fazem parte da equipe a pegam.

Levo um susto quando a mão de Jenny agarra o meu braço forte.

— Eu acho que ele lembra — Jenny me diz.

— Ahn… Jenny? — digo, confusa.


— Ramon… Ele não para de olhar para cá. Você disse que, como eu
estaria de máscara, ele não me reconheceria.

Foi então que me lembrei. Bato a mão com força na minha testa.
Quando fui falar com Ramon no baile foi para perguntar se ele sabia
onde uma amiga que tinha ido falar com ele estava. Mas é claro que eu não
falei isso para Jenny, eu esqueci. Além do mais, que importância isso tinha?
Agora, eu tenho certeza de que a cabecinha de Ramon está raciocinando, é
como se eu conseguisse ver no cérebro dele as peças se encaixando.

— Vamos sair daqui — eu digo a Jenny, já me levantando. Ela faz o


mesmo e seguimos para a saída
Capítulo 11 – A sorveteria

“A despedida dói tanto que o verbo partir só deveria ser conjugado

se o sujeito voltar.”

— Eu me chamo Antônio

Já faz mais ou menos meia hora que Jenny está comendo seu sorvete quieta,
sem falar nada. OK, para vocês isso não é nada demais, mas para mim é
preocupante. Jenny é faladeira, gosta sempre de estar interagindo e por ela
não estar assim agora imagino que deve estar pensando.

— Está pensando no quê? — pergunto, dando uma imensa lambida no


meu sorvete de amendoim, meu favorito.

— Quero mudar de colégio — Jenny fala baixo, sem olhar para mim.

Sinto meu coração parar. Entro em desespero porque só quem tem uma
amiga sabe o que é se sentir abandonada quando ela muda de colégio. Não,
não vou permitir que isso aconteça. Tudo bem que eu até poderia me mudar
para o mesmo colégio que Jenny pensa em ir, mas mamãe não permitiria.

— Jenny — falo, tentando chamar sua atenção para que foque em mim
—, você não pode fazer isso.
— Eu não sei, Karine — ela responde.

O sino da porta da sorveteria soa, avisando que alguém está entrando.


Quando eu olho, avisto um grupo de jovens entrando. Eu os conheço, são os
nossos adversários, os Diamond. A jaqueta deles do time é azul e branco, o
símbolo é uma águia como mascote.
Eles se sentam na mesa grande ao nosso lado e começam a conversar. O
sino soa outras vez e desta vez são as cheerleaders do time deles. São cerca
de 27 meninas, todas barbies, chacoalhando os pompons brancos. Fala sério,
eu não sei como elas aguentam levar esses pompons e carregá-los para tudo
quanto é canto.

— Olha… — eu falo a Jenny — …eu não quero que você mude de


colégio, talvez eu esteja sendo um pouco egoísta, pensando só em mim. Mas
se isso for fazer você se sentir melhor, então eu te apoio.

Jenny assente, silenciosamente.

Capítulo 12 – Então, é isso

“Você é a minha notificação preferida.”

— Desconhecido.

O fim de semana tinha chegado e, como em qualquer outro, passei a tarde


toda estudando. A única coisa diferente foram as mensagens trocadas com
Henrique. Eu não sei por que, mas toda vez que meu celular vibrava meu
coração batia mais forte, e toda vez que ia responder eu pensava bem nas
palavras, com medo de dizer algo errado. Eu contei sobre ele a Jenny, que
disse que tudo isso era destino. Eu não queria acreditar nela, mas agora
confesso que estou achando mesmo.
Descobri mais algumas coisas sobre Henrique: em breve ele irá morar
sozinho e, além do mais, ele trabalha na empresa do pai.
No domingo à noite, Lila pediu para acobertá-la de novo em uma festa
que ia ter na casa de uma amiga dela, acho que o nome da garota era Lissa,
ela também fazia parte das cheerleaders.

Enfim, a segunda tinha chegado. Como eu cheguei cedo, tinha sentado


no gramado em frente ao colégio, esperando Jenny chegar. Abro minha bolsa
e pego meu livro que estou lendo esses dias, Química perfeita, quando
alguém se senta ao meu lado. Sem tirar os olhos do livro digo:

— Está bem?

— Sim e você? — uma voz meio rouca diz. Olho para esse ser sentado
ao meu lado. Eu pensei que era Jenny, mas não… É Ramon.

Ramon me olha com seus imensos olhos pretos.

— Então — ele me diz —, cadê sua amiguinha?

— O que você quer com ela? — pergunto, temendo o pior.

Ah, meu Deus!

— Conversar, apenas.
— A humilhação que você fez ela passar não foi o suficiente? —
pergunto.
— Ei, eu estou aqui na paz — Ramon diz.

— Jenny não quer mais saber de você.


— Então, o nome dela é Jenny… Interessante — Ramon diz, coçando o
queixo.

Ai, carambola verdes, por que eu disse o nome dela?


Levanto-me do gramado já limpando meu bumbum e pegando minha
bolsa enquanto Ramon continua sentado, olhando para a frente. Quando eu
vou dar as costas Ramon me diz…
Capítulo 13 — Ramon

“Só eu sei que foi melhor assim,


às vezes é mais saudável chegar ao ‘fim’.”

— Tiê

— Diz para ela que eu sinto muito.

Eu fico parada olhando, sem reação alguma, quando o sinal bate


avisando que é hora da entrada. Quando chego na sala, ajeito minhas coisas
na mesa e vejo Jenny entrar e se sentar no seu lugar de sempre… à minha
frente.

— Jenny — chamo. Jenny vira para trás. — Adivinha quem veio falar
comigo hoje na hora da entrada?

Jenny franze a testa.

— Daniel.

— Não.

— O diretor?
— Por que o diretor iria falar comigo? — pergunto, confusa.

Jenny dá de ombros. Resolvo acabar logo com o mistério.


— Ramon. — A cara que Jenny fez foi indescritível. Ela arregalou tanto
os olhos que até pensei que iriam sair das órbitas.

— O que ele queria? — Jenny pergunta, agarrando meus braços.


— Te pedir desculpa.

— O quê?
— É.
— Guria, me explica isso direto.
Então, o professor Sebastian entra na sala fechando a porta.

— Não quero saber de conversa hoje na minha sala. Qualquer um que


se atreva, vou mandar conversar na sala do diretor — professor Sebastian diz
e um silêncio mortal cai sobre a sala.

Meu celular vibra em meu bolso. Henrique me dando bom-dia. Sorrio,


como sempre olhando a mensagem.

Depois de contar a Jenny tudo o que aconteceu na hora do intervalo, ela


teve uma reação contrária ao que eu esperava. Realmente, eu esperava que
Jenny ficasse feliz, mas não. Ela disse que quer distância de Ramon, e eu
fiquei assim, sem entender.

E hoje é segunda, dia de dar aula ao Daniel.

Capítulo 14 – Confissão

“Ele não fazia a menor ideia de que ela acabaria sendo a única mulher que ele
amaria na vida.”

— Nicholas Sparks.

Aqui vai uma confissão: estou desesperada! E isso realmente não é exagero
meu. Ah, qual é? Eu nunca pensei que isso pudesse ser difícil. Quer dizer…
pensei sim, mas não desse jeito como está sendo.
— Daniel, se você não largar o celular fica difícil.
— Calma — Daniel pede, sem largar os olhos do seu celular. — Só uma
mensagem.

Jogo meu caderno na mesinha à frente. Sinto uma leve vontade de


puxar meus cabelos, mas me concentro.

Começo a contar mentalmente: 1,2,3,4,5…

— Pronto — Daniel fala, interrompendo minha contagem.


— Cadê o seu celular?

Daniel o pega e coloca no bolso.

— Não vou mexer mais — ele diz, colocando as mãos para o alto como
se dissesse “Ei, eu sou inocente”.

— Me dá o celular — eu peço, estendendo a mão.

— O quê? — Daniel pergunta, franzindo a testa.

— O celular — falo mais uma vez, séria, para que Daniel saiba que não
estou brincando. Afinal, é minha faculdade que está em jogo.

Daniel se recosta no sofá enquanto solta uma risada debochada. Eu o


encaro.

— Desde quando eu te dei o direito de mandar em mim?


— Assim não dá! Você fica mexendo a cada cinco minutos — eu digo
com a voz um pouco alterada.

— Eu já disse, foi a última mensagem.


— Sim. Você disse isso também na outra que enviou antes dessa.
— Mas agora é sério.

— O celular? — Peço mais uma vez, levantando-me do sofá e ficando


na frente dele.
Daniel está me observando e pisca lentamente. Então, pisca mais uma
vez.
— Não.
Então eu parto para cima de Daniel, ele se levanta também do sofá,
porém ele é mais rápido e assim que minha mão vai em seu bolso ele segura
meus braços. Eu tento me desvencilhar, me soltar do seu aperto, mas ele não
solta.

Eu puxo o braço de novo com mais força. Então, Daniel vem para a
frente pelo solavanco e ficamos muito próximos um do outro, tão próximos
que consigo sentir sua respiração no meu rosto. Seus olhos azuis me encaram.
Eu não consigo decifrar o que se passa através deles.

— Amor, cheguei — Lila fala, entrando na sala com uma sacola nas
mãos.

Daniel me solta e se afasta, coçando a nuca ele se senta novamente no


sofá.

— Por que vocês estão com essa cara? — Lila pergunta. Eu olho para
ela e dou de ombros, me sentando de novo no sofá.

— Nada não — Daniel fala.

— OK. Vou estar no meu quarto, assim que acabar dá um pulinho lá em


cima — Lila diz para Daniel, já subindo as escadas.

O celular de Daniel cai em meu colo.


— Aí está — ele diz para mim.

Bem, dessa vez eu tentei ensinar história para o Daniel, que entendeu
tudo perfeitamente e isso não é nenhuma mentira. A única coisa que eu
percebi foi que Daniel estava meio sem graça, ele ficou estranho depois do
que aconteceu.
Capítulo 15 – Vaguinha em aberto

“Se te faz bem, desistir para quê?”


— Tati Bernardi

— Então… Eu estava pensando e achei melhor não me mudar de


colégio — Jenny diz ao meu lado, com as costas encostadas no seu armário,
que é do lado do meu.

Abro meu armário e noto a bagunça imensa que ele está. Tem duas
jaquetas xadrez, livros mal colocados, fotos dos meus artistas preferidos
amassados no meio da bagunça e, para fechar com chave de ouro, tem o meu
suco de caixinha da semana passada, que não tomei todo e resolvi guardar. O
cheiro que vem dele não é nada agradável.

— Sei — digo a Jenny, pegando meu suco de caixinha azedo e jogando-


o no lixo à minha esquerda.

— É sério, e outra… Eu não iria aguentar ficar longe de você.

— Por que será que eu não consigo acreditar?


Jenny encosta seu ombro no armário, virada para mim.

— Besta.
— Isto está me cheirando a Ramon.

— Não, Karine é sério — Jenny fala, cruzando os braços. — Eu não


quero mais saber dele.
— Se você diz

O sinal bate. Droga, eu odeio quando ele bate e eu ainda estou no meu
armário. O sino é aqui em cima da minha cabeça, praticamente.
— Guria, eu vou na frente, porque ainda preciso ir ao banheiro.
Assenti.
Pego meus livros de Geografia e Matemática, que serão as próximas
aulas, e tento dar uma organizada rápida no meu armário.
— Precisando de ajuda?

Olho para o lado e está Ramon com a mão apoiada no armário, onde
minutos atrás estava Jenny.
— Não — digo, enquanto tento não deixar o livro de Geografia cair no
chão. — O que você quer?

— Conversar apenas.

— Hum…

— Você falou com a Jenny?

— Sobre o quê? — pergunto por debaixo do olho.

— Sobre o meu pedido de desculpas.

— Uh-huh…

— E ela…?

— Aonde você quer chegar?


Ramon dá uma breve olhada para trás e percebo sua roupa de hoje. Uma
jaqueta de couro com uma camisa branca por dentro, calça pretas e All Star.
Esse não parece o Ramon.

— Eu me senti mal por ela… só isso — Ramon diz, colocando as mãos


no bolso e dando de ombros.
Pisco.

— Legal… você sentir ressentimento depois do estrago.


— Ah, qual é? Vai me dizer que você nunca errou?

— Talvez — digo, já fechando o meu armário.


— Eu gostei dela — Ramon diz, me encarando.
Ergo minhas duas sobrancelhas tão altas que tenho certeza de que elas
se encontraram com meu couro cabeludo.

— Certo — digo, equilibrando meu peso para a frente e para trás. —


Talvez eu te ajude a concertar as coisas — falo.

— Obrigado.

Dou um pequeno sorriso e me retiro, indo para a sala de aula.


Isso para mim é super estranho, tipo Ramon mudar de ideia de um dia
para o outro. Eu não sei se realmente devo ajudá-lo, e também nem sei por
que ofereci ajuda. Vejamos bem: Ramon foi grosso comigo no baile, zombou
de mim ainda por cima e magoou minha melhor amiga. Agora ele volta, todo
arrependido… Ah, vai saber, talvez ele tenha se arrependido mesmo, ou não.

*****

Depois das aulas chatas de Geografia e Matemática, finalmente chegou


Educação Física.

— Vamos lá, meninas — a professora Claire diz.


Estamos correndo a quadra já faz quinze minutos.

— Quero todas sentadas aqui na arquibancada para um aviso.


Passo o braço na minha testa, que está suando horrores.

Jenny se senta ao meu lado.


— Como vocês sabem, o campeonato está chegando. As líderes de
torcida precisam estar completas, e duas sofreram acidentes essa semana, ou
seja, ficarão de fora. Temos duas vagas em aberto, a seleção será feita amanhã
depois da aula. Quem tiver interesse é só comparecer. Alguém está com
alguma dúvida? — Todas nós balançamos a cabeça negativamente. —
Perfeito. A aula já acabou. Estão dispensadas.
— Ei guria, vamos participar? — Jenny me pergunta batendo palmas,
animada.

— Não.
— Ah, qual é Karine? Essa é a nossa chance.

— Chance de quê?

— De nos tornamos populares. Eu quero ser lembrada e reconhecida


também, sabe?

— Desde quando? — pergunto, assustada. Jenny nunca me falou sobre


esse lado dela.

— Essa é sua chance também de sair da sombra da Lila.

— Eu não me importo com isso.

— Mas deveria.

Sento-me no banco do vestiário e pego a toalha para secar minha nuca.

— Em…?

— Em o que, Jenny?

— Vai participar?
— Não, de jeito nenhum, e não adianta fazer birra ou bater o pé, a
minha resposta será a mesma. Não vai ser igual o baile, não.

Jenny revira os olhos para mim e vai para a pia lavar o rosto.

Capítulo 16 – Aquele momento silencioso

“Aquele abraço, era onde eu queria estar, onde eu queria morar.”


— Michele Valentim

Tic- tac, tic-tac, tic-tac… É o som que vem do relógio em cima da cômoda ao
lado da minha cama. De dia eu não consigo escutá-lo, mas à noite eu não
necessito nem chegar perto, basta prestar atenção. Assim é o coração. Só
conseguimos senti-lo se prestarmos atenção, se pararmos por um momento.

Eu consigo senti-lo aqui dento de mim batendo, tum-tum-tum.


Na vida, às vezes é necessário pararmos por um momento para dar
valor às coisas que ainda possuímos. Às vezes, nos ocupamos tanto com
outras coisas, outros problemas, que ignoramos essa parte de dar valor.
Quando vemos… já foi, o tempo levou e não deu tempo nem de ao menos
dizer adeus!

Foi assim com papai, eu não me canso de lembrar dele e do seu


semblante embasado, que aparece na minha mente. Isso é tão injusto… As
pessoas partirem e deixarem um vazio dentro da gente. Parece uma cratera,
que cresce a cada dia.
Hoje é o dia de finados. Eu não sei se concordo com este dia ou se
reclamo sobre isso.
Poxa, já não basta sofrermos quando alguém parte e agora lembrá-lo
todos os anos? Não que eu não me lembre de papai todos os dias, mas parece
que nesse piora. Até o dia colabora.

Vejam só… Hoje está frio, garoando e nublado.


Mamãe não veio me acordar hoje, tenho certeza de que ela está em seu
quarto chorando baixinho, como sempre.

Uma vez, nesse mesmo dia eu fui ao quarto dela. Como a porta estava
entreaberta, eu espiei. Eu queria entrar, mas o choro da minha mãe me fez
paralisar na hora. Quando olhei, a vi sentada na cama com as mãos no rosto,
enquanto seus ombros balançavam freneticamente. Eu queria correr na
direção dela, abraçá-la, dizer que em mim também dói, dizer que com o
passar dos dias as coisas melhoram, porque é isso que as pessoas fazem…
entregam seus problemas para o coitado do tempo.

Mas, não. Eu fiquei lá, quietinha, sentindo lágrimas quentes descerem


silenciosamente em meu rosto também. Afinal, não é a mim que ela quer ver,
não é o meu consolo que ela quer receber e pensei comigo que, se eu fosse
pioraria as coisas e tudo que menos queríamos naquele dia era mais
sofrimento.

Suspiro fundo e resolvo ficar um pouco na sala.

Ontem foi o teste das cheerleaders. Jenny participou como queria. Eu


fui para dar apoio, porém não participei. Não quero fazer parte. Carregar
pompons para lá e para cá, com uma miniblusa e uma minissaia… não faz o
meu tipo. Prefiro passar nos corredores carregando meus livros.

Sento-me no sofá e ligo a TV.

— O que houve? — Daniel pergunta, sentando-se ao meu lado no sofá.

Cruzo as pernas e mudo de canal.

— Nada não. — Dou de ombros.

— Não é isso que a sua cara diz — Daniel prossegue. Continuo


mudando de canal quando lhe digo:
— Legal…
— Vai me ensinar hoje?

Suspiro alto.
— Não… Vamos deixar para amanhã? — pergunto, olhando para ele.

— Como você quiser.


— Obrigada — digo e desligo a TV. Não encontrei nada que me
agradasse.

— Se serve de consolo, hoje para mim também não é um dia legal —


Daniel diz.
Reviro os olhos para ele. Quem a face da terra acha esse dia legal? Sinto
uma vontade imensa de dizer isso para ele…

— Perdi meu primo em um acidente de moto — Daniel diz, mais rápido


do que eu.

Eu paraliso assim: com um dedo levantado, pronto para atacar e a boca


aberta pronta para falar. Porém paraliso. Como se congelasse no tempo.

Daniel fica mudo depois do comentário e mexe na almofada laranja do


sofá, tirando os pelinhos.

— Eu sinto muito. — Essas três palavras foram as únicas que consegui


dizer e, poxa, me sinto horrível agora.

— Todos nos sentimos, não é mesmo… Talvez, esse seja o problema…


Sentir muito.

— Eu não sabia… — digo.

— Tudo bem, a única que sabia era Lila.

Abaixo o olhar para fitar o chão. Não. Para falar a verdade, não era para
fitar o chão. Era para esconder uma lágrima que estava descendo em meu
rosto. Não gosto que ninguém me veja chorar. É um momento fraco, que não
me permito compartilhar com ninguém. Vejo como eu sou egoísta agora, me
importando somente com a minha dor, quando há pessoas no mundo sofrendo
muito mais.
Daniel vem para mais perto de mim e passa seu braço em meus ombros,
me puxando para perto de si.

Eu encostei a cabeça em seu peito, sentindo as batidas do seu coração, e


sequei-lhe as lágrimas.
Suas mãos alisam minhas costas de um modo que me faz sentir
tranquila e segura.

— Faz quanto tempo? — pergunto, me referindo à morte do primo dele.


— Três anos atrás.
Meu Deus, tão recente.
Desencosto minha cabeça do seu peito para olhar em seus olhos.

— A gente se acostuma com a dor — eu digo.

Daniel esboça um sorriso fraco e eu o abraço.

*****

Eu nunca tinha conhecido esse lado dele antes, esse lado sensível e
carinhoso. Para mim, ele sempre foi metido e orgulhoso. Talvez, seja por isso
que Lila o namora, porque ele está sempre lá e não por apenas ser o quartback
do time. Depois que o abracei, nos mantivermos assim por alguns minutos até
Daniel se afastar, mas continuar perto. Ficamos olhando um nos olhos do
outro. Como eu queria saber o que se passava atrás daqueles olhos azuis! Vi
seus olhos baixarem para meus lábios secos e subir novamente para encontrar
meu olhar. Àquela altura meu coração pulava, era como se compartilhávamos
algo mágico, alguma corrente. Até Daniel quebrar a energia dizendo para
mim que iria subir no quarto de Lila. Ele disse baixo, num sussurro duvidoso.
Eu queria implorar para ele ficar mais um pouquinho, mas fiquei quieta e
assenti. Afinal, Lila também estava muito triste. Daniel demorou um pouco
para se levantar e ir, foi como se ele quisesse ficar mais um pouco ou se
esperasse eu pedir para ficar. Então, depois que ele se foi, fiquei pensando e
imaginando Daniel entrando no quarto de Lila, sentando-se em sua cama e
puxando-a para si como fez comigo. Imagino que agora ela também deve
estar se sentindo segura naqueles braços fortes que a rodeiam. Agora eu sinto
ciúmes, por não ter ninguém para sentar-se ao meu lado, emprestar o seu
ombro ou sua camisa branca para eu chorar como um dia ele fez com Lila
quando ela machucou o joelho no ensaio das cheerleaders. Lembro que Lila
sujou a camiseta branca de Daniel de maquiagem e catarro, e ele nem ao
menos sentiu nojo, pelo contrário.
Sinto uma solidão e uma leve inveja no peito. Por que Lila tem que ser
melhor, tem que ter o melhor?

Quando paro para ver, já estou brincando com a água que as lágrimas
formaram na minha perna.

Meu celular vibra no sofá. Olho no visor. É Jenny. Respiro fundo para
que ela não perceba nada de diferente em minha voz.

— Alô — digo.
— Já preparei tudo e já estou chegando — Jenny diz com uma
respiração pesada.
— Ahn… Jenny? Como assim já preparou tudo?

— Comprei filmes legais e uns chocolates, ouvi dizer que contêm uma
coisa na fórmula capaz de deixar a pessoa feliz.
— OK — digo, sorrindo.

— Já já estou aí.

Pelo menos eu tenho Jenny e saber que ela comprou filmes e chocolates
para mim é muito bom. Todo ano, desde que conheço Jenny, ela tem sido a
única a me dar apoio nesses dias difíceis.

Capítulo 17 – Jenny, você é demais!

“Algumas amizades passam rápido, num piscar de olhos. Outras são feitas
para durar até que você pisque pela última vez.”

— Pedro Bial

Jenny e eu saímos em disparada assim que foram liberados os dois nomes que
conseguiram a classificação para participar do grupo das líderes de torcida.
Certo que a minha ansiedade era grande, mas a da Jenny parecia ser imensa.
Ela está uns vinte passos à minha frente.

— Anda, Karine. Você anda muito devagar — Jenny reclama, me


apressando.

Endireito minha mochila no ombro e tento alcançá-la. Os resultados


saíram hoje, na hora da entrada do colégio. Subimos as escadas sem fôlego.
Jenny não para de sacudir as mãos.

Quando enfim chegamos ao pátio principal onde estaria o resultado, já


tinha um monte de meninas ao redor.

— Estou nervosa — Jenny diz. — E se eu não passei? — ela completa,


roendo a unha do dedão.

Arranco sua mão da boca e a puxo para abrir caminho comigo em meio
àquelas meninas todas.

O papel estava grudado no quadro de avisos:

” Sabemos que todas as garotas foram bem, se esforçaram e mereciam


passar. Porém, infelizmente não podemos aceitar todas e decidimos que Susan
Silva Albuquerque e Jenifer W. Guzmán foram as que mais se dedicaram. Eu,
Giuliani Sandran, treinadora das líderes de torcida, quero agradecer a todas
que participaram do teste e parabenizar as duas que passaram.

Ass.: Giuliani Sandran

— Ai, meu Deus, ai, meu Deus! — Jenny começa a pular ao meu lado,
tapando a boca com a mão para não gritar alto demais.
Puxo-a para um abraço apertado e não podia estar mais feliz por ela.

— Parabéns, Jenny — digo, quase chorando de emoção.


— Guria, eu não estou conseguindo acreditar nisso… tipo — Jenny
balança a cabeça negativamente como se tentasse encontrar as palavras certas
para dizer, mas não encontrasse.
O sinal bate, avisando que é hora da entrada. Algumas meninas ao
nosso redor estavam chorando abaladas por não terem sido aceitas, outras
estavam falando que Jenny só passou porque era amiga da irmã da líder de
torcida. E teve outras ainda que, por conta de não terem passado, estavam
falando mal da treinadora.
Ainda bem que Jenny estava muito feliz e não ligou para os
comentários maldosos.

— Dá licença — uma voz fina e chata diz.

Olho e vejo uma menina morena de cabelos negros brilhantes, baixinha


e magrinha abrindo caminho com as mãos entre as meninas.

— Ai… — uma garota de cabelos vermelhos curto diz, senão me


engano seu nome é Caroline. — Você pisou no meu pé de propósito.

— Claro! — a menina de voz chata diz. — Você fica no caminho feito


um poste!

A garota de cabelos vermelhos lança um olhar furioso e sai pisando


fundo pelo pátio.

— Deixa eu ver — a garota de voz chata diz tirando óculos gigantes da


bolsa e se aproximando do papel.
Eu nunca tinha visto essa garota por aqui antes. Jenny puxa a minha
blusa para que eu incline meu ouvido em sua direção.

— Quem é essa? — Jenny me pergunta.


— A-há! Sabia que iria passar…— a garota diz, tirando os óculos e
guardando na bolsa novamente.

— Acho que ela mesma já respondeu sua pergunta — falo, limpando a


garganta. — Vamos — completo, já me afastando daquele local, onde ficaram
ainda poucas meninas se lamentando por não terem passado.
— Karine, eu não vi aquela menina no dia do teste — Jenny diz,
enrugado a testa, confusa.
— Eu também não.

— Ela tinha aparência de ser irritante e fresca. Você viu o jeito como ela
olhou para Carolina depois de pisar no pé dela?

Paramos em frente aos nossos armários.

— Sim, um olhar de nojo.

— Deixa eu ver — Jenny diz, imitando a maneira como Susan abriu a


bolsa para pegar os óculos e eu rio.

— Só você mesmo, Jenny — digo, dando um tapa em seu ombro.

— Uh-hu! Temos arte hoje — Jenny comemora fazendo uma dancinha.

— Graças a Deus! — Jogo as mãos para o alto, agradecendo.

Capítulo 18 – Azuis

“Você merece um cara que moveria montanhas para estar com você se fosse
preciso.”
— A última carta de amor

— Quero todos sentados em trio — diz a professora Renata, de Artes,


enquanto se encosta na lousa.

Nada melhor do que trabalho em dupla ou trio, sinceramente isso


facilita a vida dos alunos, mas a dos professores também, é óbvio. Eles são
muitos espertinhos, porque em vez de 42 atividades para corrigir e dar nota,
serão apenas 14! Nada bobos.
— Karine — Jenny vira para trás —, vem aqui na frente.
— Ah, não Jenny…vem você aqui para atrás.

— É a sua vez!

— Não. — Solto uma risada baixa. — É a sua vez, espertinha. Me


lembro bem, a última foi a minha na aula de Física lembra? — Suspendo uma
sobrancelha.
— Ah, é. — Jenny coça a nuca. — É mesmo.

Arrumo meu material na mesa enquanto Jenny a arrasta para colocá-la


ao lado da minha.

— Ei, meninas… posso fazer com vocês? — Christina pergunta.

— Claro — falo.

Christina é uma garota aparentemente legal, nada contra ela. Porém


(porque sempre tem que ter um porém), ela é a maior puxa-saco de Alice
Freitas, a substituta e BFF de Lila.

Óbvio que Alice não dá a mínima para ela. Christina participou do teste
das cheerleaders, eu a vi toda animada tentando conversar com Alice, que
enrolava uma mecha de cabelo loiro no dedo indicador e mascava chiclete
sem dar muita atenção. Christina é amiga de três meninas aqui na sala:
Anabel, Carla e Amanda. As três estão sentadas juntas, e dá para entender
perfeitamente o porquê de deixarem a Christina de fora.

Recebo um chute por debaixo da mesa vindo do pé de Jenny. Ela me


lança um olhar do tipo: “O que ela está fazendo aqui?” Olho para o outro lado
tentando disfarçar para que Christina não veja e dou de ombros.
— Não quero saber de conversas na hora da atividade — a professora
diz, distribuindo as folhas para cada trio. — Quero que vocês façam uma
caricatura de qualquer pessoa do colégio. Mas atenção — a professora
adverte, prestes a colocar a folha de atividade na mesa de Christina, que está
ao lado de Jenny —, o trio deve fazer a atividade junto, cada um ajudando de
uma forma. Isso é uma atividade em trio, porém de nota individual.
A professora Renata molha o dedo indicador na língua, pega uma folha
no meio de várias e coloca na mesa de Christina.
— OK — Jenny diz, pegando a folha da mesa de Christina. — Quem
vamos desenhar? — ela pergunta olhando para mim. Christina responde:

— Susan Albuquerque, a nova cheerleaders.


Jenny revira os olhos.

— Ela é linda — Christina fala, listando cada detalhe no dedo: —


invejada e rica — ela finaliza, nos mostrando o número três em seus dedos.

Jenny suspira alto.

— Conhece ela? — pergunto.

— Sim, é minha nova vizinha — responde, sorrindo e animada.

— Por que ela mudou para esse colégio? — Jenny pergunta.

— Ah! Deve ser por causa do Daniel… — Christina faz gesto com as
mãos para que Jenny eu nos aproximarmos mais dela. — Ouvi dizer que ela
tem uma queda por ele — Christina diz em um sussurro.

Volto para a minha posição normal e encosto minhas costas na cadeira.


Meu estômago se contorce.
— Desculpa, Karine — Christina diz —, mas eu acho que até a Lila
sabe disso.

— Eu acho que a Lila não conhece ela.


— Todo mundo conhece Susan Albuquerque. Ela até já passou na TV.

— OK — Jenny diz. — Essa Susan está parecendo é com a Regina


George.
Christina ri.

— Quem vamos desenhar?— pergunto, já querendo encerrar a conversa


anterior. Seja quem for essa Susan, tenho certeza de que não trará coisas boas
para o colégio.

— Sem chances de ser Susan — Jenny diz.


— Daniel, então? — Christina pergunta.

— É, pode ser — Jenny responde. — Tudo bem para você, Karine?

— Sim — digo e repito: — Sim.

Começamos a desenhar a cabeça do Daniel dentro de um capacete do


futebol, para ficar mais fácil. Quem desenhou foi Christina. Jenny desenhou o
corpo e eu fiquei com os retoques finais, até porque a cabeça que Christina
desenhou estava torta e muito grande, nada a ver com a realidade. Tudo bem
que não tem como fazer perfeito, afinal não somos profissionais, mas uma
coisa que eu não admito são coisas malfeitas!

Eu pintei através do capacete seus olhos azuis, sua boca rosinha, um


pedaço do seu cabelo escapando do capacete na nuca e uma parte da franja
caindo em sua testa. A ideia do pedaço de cabelo foi de Jenny, que desenhou
uns braços fortes, como são na realidade, mas as pernas finas eu tive que
refazer.

Seu corpo com o uniforme do time ficou legal. Eu gostei.

— Já pode entregar o desenho? — Christina perguntou ao meu lado.


— Sim, sim — digo sem graça, até porque eu estava alisando a cara de
Daniel com o dedo indicador perdida em pensamentos, lembrando da noite do
baile, da dança e do beijo…

— Obrigado! — Christina diz, já pegando a folha.


O sino bate avisando que é intervalo. Jenny e Christina colocam suas
mesas em seus devidos lugares, eu somente guardo meus lápis de cor no
estojo e fecho.

— Seu primeiro ensaio é amanhã — digo a Jenny enquanto andamos


nos corredores lotados, indo em direção ao refeitório.
— Estou tão ansiosa… — Jenny diz.
E eu com medo, digo em pensamentos. Estou com muito medo da
Jenny me abandonar, dela começar a se enturmar mais e parar de sentar
comigo para sentar-se no meio deles!

— Que foi, guria? — Jenny pergunta.

— Nada — minto.
Chegando no refeitório, vejo Susan se sentando à mesa das
cheerleaders. Daniel está com o braço ao redor de Lila enquanto ela conversa
com Alice.
— Eu posso até fazer parte das cheerleaders, mas me sentar com elas…
jamais! — Jenny diz e ela não sabe o quanto isso me deixa mais tranquila e
feliz.

Já sentadas no gramado do colégio do lado de fora, comendo nossos


lanches, meu celular vibra.

— Hum… — Jenny fala. — Mensagem de quem? — Ela suspende as


sobrancelhas, supondo algo.

— Henrique — digo, olhando o retrovisor.

— É só você receber uma mensagem dele para ficar feliz.


— Claro que não.

— Magina… — Jenny diz. — Olha esse sorriso no seu rosto.


Só então eu percebo que estou sorrindo largamente.

— Nada a ver, Jenny.


— Uhhuh! — ela diz, como se fingisse acreditar.

Mas é a pura verdade. Certo que Henrique e eu conversamos e toda vez


que o meu celular vibra desejo que seja uma mensagem dele, mas… eu sei
que nada passará de uma amizade.
“Estou bem sim. E você?”, respondo a mensagem de Henrique me
dando bom-dia e perguntando se eu estava bem.
Imediatamente meu celular vibra com outra mensagem.

“Que bom :)”

Fico observando o sorrisinho que ele colocou quando sobe outra


notificação de mensagem.

“Quando vou poder te ver novamente?”

Ai, meu Deus! O que eu faço?

Encosto minhas costas no muro do colégio.

— Que foi? — Jenny pergunta.

— Ele que me ver de novo.

— Ai, que legal!


— É.

— Qual o problema?

— Ele não vai gostar de mim.

— Ah não, Karine, para! — Jenny diz, irritada. — Por que não


gostaria?

— Porque eu sou feia — digo e começo a listar nos meus dedos, igual à
Christina, uma série de razões: — Porque sou nerd. Porque sou magrela.
Porque tenho sardas. Porque sou baixinha. Porque uso aparelho. Porque não
sou nada popular. Porque… porque não tenho razões para ser amada! — digo
um pouco alto demais.
Jenny está com apenas uma sobrancelha levantada.

— Legal — ela diz. — Não vi nenhum motivo convincente.


— Eu também não — uma voz diz. Olho para a frente e lá está Daniel.

Jenny e eu estamos olhando para ele e eu tenho certeza de que meu


rosto está pegando fogo. Com certeza não é porque hoje está fazendo um sol
de rachar ou por eu ter uma pele branca, não. É porque Daniel ouviu tudo
isso.

— A única parte com que concordo, no meio desses motivos


inexistente, é a parte de ser nerd — Daniel diz, com as mãos no bolso de sua
calça.

Eu fico muda.

— Viu? — Jenny diz apontando para ele e já se levantando. — Vou ali


lavar minha mão — ela diz para mim. — Estão gordurosas por causa desse
pão cheio de manteiga.

— Jenny! — A chamo, já me levantando do chão, mas ela já está longe


demais.

Típico de amigas fazer isso. Para que fazer isso? Parecem que gostam
de ver a outra com vergonha.

Daniel está me olhando e eu não sei o que fazer. Então, olho minhas
mãos e mexo na pelinha que está saindo do lado da minha unha.

— Prometa para mim uma coisa? — Daniel fala. Tiro minha atenção da
mão e olho para ele.

— O quê? — pergunto, curiosa.


— Que nunca mais na sua vida você irá pensar essas coisas de você
mesma — Daniel diz, sério. Seu olhar me penetra como se estivesse
atravessando a minha alma. — Eu sei que te chamo de pirralha e agora de
nerd, mas… — Daniel desvia o olhar como se as palavras sumissem de sua
boca e ele as procurasse, então é como se as encontrasse e ele volta a olhar
para mim. — Você não sabe o qual adorável você é. Apesar de grossa às
vezes, é só uma característica de quão forte você é.
Como uma criança com vergonha eu coro. Como já disse, não sei como
reagir a elogios.
Capítulo 19 – Aproxime-se

“Estar apaixonado é legal, o que não é legal é esse descontrole emocional.


Feliz com um ‘oi’, triste com um ‘tchau’, tédio quando você não tá aqui. Ah,
não dá. Assim não dá.”
— Aleff Tauã

— Estava te procurando — Lila fala, aparecendo do nada.

Lila abraça Daniel enquanto ele continua quieto com as mãos no bolso,
até ele resolver retirá-las e colocar um braço em volta da cintura de Lila.

Viro para o lado. Não sei por que, mas não aguento ver isso.

— Vamos… — Lila fala puxando Daniel. — Os caras estavam te


procurando.

Daniel me lança um último olhar, acena a cabeça como se fosse uma


despedida e se vai… Eu fico olhando eles caminharem juntos quando Lila
olha para trás, para mim. Eu desvio o olhar, mas não rápido o bastante para
não ser pega no flagra.
Eu não sei por que, mas meu coração bate rápido em meu peito. Respiro
fundo e me sento no chão novamente.

“Um dia desses aí” — respondo a Henrique.

*****

— Amanhã eu trarei visita em casa — mamãe diz enquanto jogo minha


bolsa no sofá e me sento em seguida. — Então, como chegarei um pouco
tarde, não quero encontrar a casa bagunçada quando chegar — ela finaliza,
olhando sério para mim. Assenti.

Daniel e Lila até agora não chegaram e eu apenas aproveito para poder
descansar, já que era para ensinar a ele ontem, mas troquei para hoje.

Mamãe vai até a cozinha e mexe na panela, de onde está saindo uma
fumaça cheirosa. Meu estômago ronca.

Mamãe me encara da cozinha. Finjo não perceber seu olhar penetrante


em mim e ligo a TV.

— Como foi a aula hoje? — Mamãe me pergunta, me fazendo tirar os


olhos da TV.

Tenho que admitir que a pergunta me pegou de surpresa. Mamãe nunca


me fez essa pergunta. OK, um exagero de leve aqui. Talvez ela tenha feito há
muito tempo, mas agora essa pergunta só é dirigida a Lila.

— Normal — digo com um olhar confuso no rosto que, tenho certeza,


mamãe percebeu.

— E como está sendo ensinar Daniel?

Olho para a TV novamente, escutando o jornalista falando sobre um tal


de terremoto que aconteceu na China.
— Interessante.

— Hum… — Mamãe diz pegando uma colher. Coloca-a dentro da


panela e depois na palma da mão para provar o caldo.
— Vou subir — digo.

Mamãe apenas assente. Pego minha bolsa do sofá e vou para o meu
quarto.
Escolho qualquer roupa do meu guarda-roupa, uma camiseta branca
simples onde está escrito “Have faith” e uma calça preta jeans surrada, que
amo. Pego minha toalha em cima da cadeira do computador e vou para o
banheiro. Enrolo meu cabelo em um coque e ligo o chuveiro.

*****

Depois de tomar banho e me vestir, eu me jogo na minha cama. Ela


range com o meu peso. Meu celular vibra em cima da cômoda.

“Por que sinto que está me enrolando?” — Henrique.

Ai, meu Deus. O que respondo? Pensa. Pensa. Pensa.

Como Henrique percebeu? Esfrego meu rosto com força.

“Não estou te enrolando. Apenas estou sem tempo ultimamente” —


respondo.

A resposta vem rapidamente.

“Tenho treino amanhã… Que tal me dar a honra de sua presença na


arquibancada?” — Henrique.

Seria estranho dizer que meu coração está levemente acelerado? Porque
nesse momento estou confusa. Tipo, o cara nunca me chamou para sair e
agora me aparece o Henrique fazendo questão da minha companhia.
Mas paraliso com a mãos no teclado do meu celular. Eu não quero me
machucar. Eu não conheço o Henrique direito. E se ele apenas quiser brincar
comigo? Porque sinceramente eu não me lembro muito bem de suas feições e,
além do mais, sua máscara preta dificultou. Mas o que deu para ver foi um
cara bastante atraente e bonito, com imensos olhos marrons, totalmente
merecedores de elogios. Então, o que ele faz perdendo o tempo dele com uma
Karine da vida?
Isso só pode ser um sonho.
“Semanas de provas. Que tal deixarmos para o mês que vem?”

Escrevi e mandei. Deixando para o mês que vem eu ganho mais tempo.
Mais tempo de enrolar um pouco mais.
“Beleza. Você que manda :)” — Henrique.

Três toques soam na minha porta me fazendo levar um susto.

— ENTRA! — grito.

Daniel coloca a cabeça para dentro, esboçando um sorriso tímido.


— Ocupada?

— Não… pode entrar.

Pego os livros de Matemática e jogo em cima da minha cama.


— Pode sentar. — Aponto para a minha cama.

Daniel nunca entrou no meu quarto antes. E tenho certeza de que é por
isso que ele está observando tudo. Olhando para cima, para os lados…
— Eu sei que o meu quarto não é tão bonito quanto o da Lila, mas é
aconchegante — digo.

Daniel assente.
— Como você tem mais dificuldade em Matemática e temos apenas
hoje e amanhã, então resolvi deixar hoje apenas para Matemática e amanhã
lhe ensinarei os dois… Tudo bem para você?
— Sim.

— OK, vamos lá.

*****

Depois de duas horas ensinando Matemática para Daniel, finalmente


resolvemos encerrar.
— Cansei — digo, me deitando na minha cama de barriga para cima.
— Obrigado.
— Pelo quê?

— Por me ensinar… Sabe, você tem talento para seguir a carreira de


professora.

— Não, não. Deus me livre! — digo, balançando minhas mãos no ar. —


Está ansioso para o jogo?
— Mais ou menos — Daniel responde, abaixando a cabeça e coçando a
nuca.

— Deve ser bom, né? Tipo assim, ser popular e até ter um fã clube no
colégio como você.

— Nem tanto — Daniel fala, enquanto olha para mim sorrindo. — Às


vezes eu queria ser invisível. Sabe, passar nos corredores do colégio sem
ouvir ninguém dizer “E aí?” ou melhor, sem ter meu nome na boca das
meninas.

Agora eu me levanto e me sento na beirada da cama, próxima a Daniel.

— Eu pensei que você gostasse…

— Posso te contar uma coisa? — Daniel pede.


— Mas é claro.

— Estou com medo desse jogo… — ele me diz, esfregando o rosto e


assim deixando sua pele vermelha.
— Não precisa se preocupar. — Coloco a mão em seu braço para
demostrar apoio. — Você vai conseguir.

Daniel me encara e borboletas no meu estômago acordam. Elas


deveriam voltar a dormir, só acho.
— Como você pode acreditar em mim?

— Por que você não consegue acreditar em si mesmo?


— Estou com medo apenas de decepcionar. Decepcionar meus pais, que
vão estar lá na arquibancada, meu treinador e a todos que torcem e esperam
ansiando a vitória.

— Daniel, não precisa ter medo. Você é o melhor!

Capítulo 20 – Mais estranho que isso


impossível!

“Quando você foca numa estrela durante muito tempo, acaba esquecendo de
admirar todas as outras milhares.”

— Gabito Nunes

Se eu pudesse comentar sobre um dia estranho, com certeza seria hoje. Tudo
bem que com base na hora marcada no micro-ondas, são ainda quatro e meia
da madrugada. Ou seja, ainda tem tempo para as coisas ficarem mais
estranhas, temos um dia inteiro pela frente.

Daniel não para de olhar para mim e o estranho disso tudo é que não
consigo desgrudar meus olhos dele também.
Daniel e Lila estão sentados no sofá enquanto estou na cozinha em uma
zona de visão que dê para ver eles dois.

Então, Lila pede a Daniel:


— Vamos amanhã ao cinema?

— Uh-huh — ele responde, olhando para mim.


Hoje de manhã mamãe foi um pouco diferente na hora de me acordar.
Ela disse “Karine acorde, não é bom dormir demais, o suficiente são oito
horas e não oito e um.” OK. Na hora eu fiquei normal, mas agora encostada
no balcão da cozinha dá vontade de rir lembrando disso.

Pego meu celular e envio uma mensagem de “bom-dia” para Henrique.


As pisadas duras da mamãe a denunciam descendo a escada.

— Vamos — ela me diz.

Pego minha bolsa de cima do sofá sem olhar para Lila ou Daniel, mas,
antes de atravessar a porta de casa, eu juro que senti seu olhar perfurando
minha nuca. Uma sensação de que Daniel está me observando.

Entro no carro de mamãe, fecho a porta e coloco meu cinto de


segurança.

Mamãe entra do outro lado, faz o mesmo e dá partida

*****

Eu disse… Mas eu disse que as coisas estavam estranhas e que


tínhamos um dia inteiro pela frente e veja só: estou vendo Jenny e Ramon
conversando no gramado do colégio.

Vou me aproximando devagar e pera aí… Jenny está rindo. Sim! Rindo,
colocando a mão na boca e outra na barriga, enquanto se contorce para a
frente.
— Oi — digo tímida olhando para os dois.

— Karine — Jenny diz entre risadas —, Ramon é muito bom em


piadas.
— Hum — digo, me sentando na grama ao lado de Jenny.

Ramon olha para mim e suspende uma sobrancelha enquanto sorri.


Tenho que admitir, olhando-o assim de lado: Ramon é muito bonito.
Seus cabelos pretos hoje estão diferentes, é como se perdessem a cor,
estão ficando levemente marrons. Sem contar que antes seus cabelos eram
raspados, agora Ramon está deixando crescer.

Até suas roupas hoje estão diferentes. Uma calça jeans clara com uma
camisa simples cinza.

— Olá — Ramon diz para mim.

Aceno minha cabeça para ele.


— Então — digo —, vocês dois…

— Karine — Jenny me repreende corando e jogando uma parte do seu


cabelo na frente do rosto para que Ramon não perceba.

Ramon ri enquanto se levanta.

— Vou deixar vocês conversarem — ele diz e se vai.

— Meu Deus, Karine — Jenny fala.

— O que houve entre vocês?

— Aí cara, por onde começo?

— Que tal do começo?

Jenny revira os olhos.


— Besta. — Ela mostra a língua para mim.

— Jenny… conta logo!


— OK. OK. Eu estava aqui sentada no gramado esperando você,
quando Ramon se sentou do meu lado. Eu ia me levantar, mas ele pegou na
minha mão na hora e me pediu para ficar… Aiiiin, Karine.

— Prossiga — digo, impaciente.


— Então, eu olhei naqueles olhos, não aguentei e me sentei de novo.
Ramon me pediu desculpas. Ele me disse que naquela noite estava estressado
por causa da irmã dele…

— Ramon tem irmã? — digo, cortando Jenny. — Desde quando?


— Desde quando ela nasceu, né Karine? — Jenny fala socando a testa
de leve e fazenda uma careta

— Jenny, eu vou te bater!


— OK. Parei. Continuando… eu também não sei desde quando. — Ela
ri. — Mas enfim, sabe aquela menina que nos viu conversando com ele na
noite do baile?

— Sim. Uma garota com vestido preto curto?


— Essa mesma… Então, é ela.

Está aí uma revelação bombástica. Eu não sabia que estava com a boca
aberta até Jenny colocar uma mão no meu queixo e fechar.

O baile do nosso colégio foi aberto, ou seja, para qualquer aluno de


qualquer colégio participar, então foi por isso que ela (irmã de Ramon ) estava
ali, já que nunca a vi no colégio.

As aulas passaram voando, a única coisa que não passou voando foi o
intervalo. Primeiro, porque Jenny e Ramon não pararam de conversar e
segundo porque eu presenciei uma briga de Daniel e Lila no refeitório do
colégio.

♕ Flashback on ♕

Jenny e eu estávamos na fila para pegar nosso lanche, quando Lila


atravessou as portas para entrar no refeitório pisando fundo. Logo em seguida
veio Daniel. Ele pegou no braço de Lila para que ela virasse em sua direção.

— O QUE ESTÁ ACONTECENDO, DANIEL? — Lila perguntou aos


berros, atraindo a atenção de todos no refeitório.
— Nada — ele respondeu.

— COMO NADA? DE QUEM VOCÊS ESTAVAM FALANDO?


— De ninguém…
— QUEM É ELA?

— Vem. — Daniel pegou na mão de Lila, puxando-a para fora do


refeitório.

— Vixe… — Jenny disse ao meu lado.

— Problemas no paraíso. — Uma voz feminina atrás de Jenny.

♕ Flashback of ♕

E sério. Eu nunca vi Lila e Daniel brigarem daquele jeito e me senti mal


por Lila, pois seus olhos e rosto estavam vermelhos. Depois daquela cena
toda na hora do refeitório havia boatos de que Daniel estava traindo Lila.

O que realmente aconteceu? Talvez eu saiba hoje, na hora de ensinar


Daniel.

E para ser sincera eu não vejo a hora de ensinar a ele. Só de pensar,


borboletas no meu estômago acordam. Eu fiquei pensando nele ontem antes
de dormir. Pensando naqueles olhos azuis.

Capítulo 21 – Uma mudança

“Manter um relacionamento é como ter um pássaro. Se segurar forte, ele


sufoca e morre. Se deixar livre, ele voa e vai embora. Mas se você segurar
com cuidado, ele se apega e fica para sempre.”
— Caio Fernando Abreu
— Semana que vem é prova — Daniel me diz.
— Sim.

— Você acha que conseguirei passar?

— Óbvio. Dentro de mim não restam dúvidas.

Estamos dentro do meu quarto. Depois de quatro horas ensinado


Matemática e História para ele, finalmente resolvemos dar uma pausa.

OK, eu estou um pouco com medo do Daniel não conseguir passar, mas
é claro que não vou dizer isso…

— Sabe o que é engraçado? — Daniel me pergunta.

— Não.

— Eu confiar em uma pirralha como você.

Minha única resposta é o sorriso.

Só para esclarecer uma pequena dúvida… Até agora eu não fiquei


sabendo o que rolou entre Daniel e Lila. Simplesmente, Daniel chegou aqui
no meu quarto, comentando sobre uma visita de mamãe a uma tal de Shirley,
dizendo que elas estavam na cozinha bebendo e falando mal dos homens. Eu
apenas ri. Quando cheguei do colégio, a visita não tinha chegado, com certeza
chegou pouco tempo atrás.

— Você não vai dizer nada? — ele pergunta.


— O que você quer que eu diga?

— Qualquer coisa. — Daniel fala baixo, como se estivesse


compartilhado um segredo comigo. — Ou talvez, não qualquer coisa — ele
completa e eu entendo o motivo do seu tom de voz ser baixo agora. É porque
ele está falando mais para si mesmo do que para mim.
— Eu preciso ir, Karine — Daniel diz dando passos para trás e olhando
para mim. Então, ele se vira e se vai.

Sento-me na beirada da minha cama e encaro o chão. Como as coisas


podem mudar tão rápido? Seria egoísta da minha parte desejar que Daniel se
apaixonasse por mim? Porque ultimamente eu admito que minha mente só
tem pensando nele. Tudo bem que antes eu tinha uma queda por Daniel, mas
era uma paixonite, nada que pudesse causar sonolência e friozinhos na barriga
como agora, ou ciúmes.

— Karine — Lila me chama com a cabeça dentro do meu quarto e o


corpo fora. — Está ocupada?

— Não.

— OK — Lila diz entrando e sentando-se ao meu lado.

— Aconteceu alguma coisa? — pergunto.

— Muitas — Lila diz com a voz fraca, como se estivesse prestes a


chorar.

— Quer desabafar?

— Sim.

— Tudo bem, pode começar.


— Eu perdi meu posto como capitã das líderes de torcida.

— Por quê?

— Isso não vem ao caso.


— Então, o que vem?

— Acho que estou perdendo o Daniel por causa disso.

Capítulo 22 – Como chuva de verão

“A coisa mais difícil de fazer é assistir a pessoa que você ama amar alguém.”
— The Vampire Diaries

— Lila —

Eu viro meu rosto para o lado e finjo que a janela do quarto de Karine,
pintada de azul-escuro, é mais Interessante do que esse assunto que estamos
conversando.

O vento forte que vem de fora balança a janela fazendo-a estremecer


com força, com certeza Karine já se acostumou com esse som irritante.

Sentada na cama da minha irmã eu tento saber por que Daniel está tão
diferente comigo. E sim, eu já perguntei a ele o que está acontecendo, mas a
resposta é sempre a mesma — não é nada, estou normal e isso é coisa da sua
cabeça —, mas eu sei que não é! Tenho certeza. E minha maior certeza foi
que ele mudou comigo depois que perdi meu posto como capitã…

Tudo culpa de Sierra. Ela me disse que, como o jogo estava próximo,
deveríamos fazer algo sensacional para animar as torcidas, que como haveria
olheiros para o time dos garotos, com certeza haveria outros interessados na
gente. Então, ela disse para ensaiarmos o aviãozinho, eu achei arriscado
demais e capaz de machucar algumas das garotas que se arriscariam a fazer
isso. Mas não, Sierra insistiu o bastante para me irritar e me fazer mudar de
ideia.

No ensaio depois das aulas resolvermos, então, treinar o tal aviãozinho,


que acabou machucando duas cheerleaders: Chloe e Tiffany.
A treinadora Giuliani ficou nervosa comigo e me tirou do cargo como
capitã. Disse que agora teria que pegar uma líder de outro colégio e eleger
alguma menina do nosso colégio como a nova cheerleader para ocupar o
lugar das meninas.
Então, veio Susan. Eu definitivamente não gosto dela. Só a suporto.
E tudo que quero nesse momento é saber por que Daniel está assim
comigo. Bem, aqui eu tento chegar no fundo desta questão. Como Karine está
passando mais tempo com ele, tenho certeza que deve saber de alguma coisa.

Estou esperando Karine dizer algo, mas seu silêncio me incômoda


profundamente. Ela pega sua franja e coloca atrás da orelha enquanto fita o
chão.
— Lila — enfim Karine diz algo. — Por mais que você e Daniel
namorem e todos achem que é porque você é líder de torcida e ele o
quartback do time e por causa disso todos esperam que vocês deveriam
namorar e levar uma vida juntos, eu não acho que Daniel está com você
apenas por isso…

— Eu também quero acreditar nisso, mas ele tem mudado comigo desde
que perdi meu posto.
— Daniel não seria capaz disso — Karine diz e nesse momento eu
quero acreditar nessas palavras que saíram com tanta certeza, mas eu fracasso
nessa tentativa.

— A gente tem brigado muito ultimamente, quase todos os dias —


confesso.

— Deve ser o estresse. Você sabe que em breve será o jogo, semana que
vem tem provas. Se ele não passar, não jogará. Aliás, Daniel tem passado por
muita pressão. Não é só o treinador que espera mais dele, somos todos nós.

— Isso não é um motivo, Karine.


— Para você — Karine diz, já se levantado da cama. Tomo isso como o
fim da conversa e me levanto também.

— Tudo ficará bem — Karine diz. — Você vai ver — completa.


— Como você sabe?
— Porque com você sempre fica.

— E se não ficar?
— Vai ficar.

*****

Na manhã de segunda feira eu estava na calçada do lado de fora da


minha casa esperando, com a esperança em Deus, que Alice chegaria aqui
antes de Daniel vir me buscar. Eu não queria vê-lo depois do que havia
acontecido conosco na sexta. Eu estava furiosa, totalmente confusa e
estremecida por dentro.
Eu não avisei ao Daniel que Alice iria vir me buscar hoje, pelo simples
fato de não querer ouvir a voz dele do outro lado da linha e muito menos
enviei alguma mensagem. Já que ele não vai me dizer o real motivo de tudo
ultimamente estar bagunçado entre a gente, então não quero saber de nada.
Mas admito… eu tenho um medo imenso de perdê-lo. Já perdi meu pai e foi
doloroso demais, não suportarei perder Daniel também.

Houve um estalo e olhei em volta para ver Alice estacionando ao meu


lado. Senti-me aliviada. Subi e trocamos um abraço rápido antes que ela
começasse a descer a rua.
— Você está pronta para um segundo treino como Susan, capitã? — ela
perguntou cobrindo um bocejo com a mão.

Senti um friozinho na barriga. Não. Eu não estava pronta. E sim. Toda


vez que eu vejo Susan em meu lugar eu tenho vontade de pegar naquele rabo
de cavalo dela e puxá-la, como os homens das cavernas faziam com as
mulheres antigamente, e expulsá-la de lá.

— Sim… mas é claro. — Viro meu rosto para o lado. Eu espero que
minha voz pareça confiante porque realmente eu não me sinto assim.
Satisfeita com a minha resposta, Alice mudou de assunto.
— Então… O que você fez esse fim de semana?
— Nada demais — menti. — Eu apenas estudei Matemática repassei
algumas rotinas de hoje.

A verdade é que não estudei nada. Eu vi Karine trancada em seu quarto


minúsculo, rodeada de livros e com óculos imensos na cara.

Eu apenas me tranquei no meu quarto também e chorei um pouquinho.


OK, uma mentira aqui. Um pouquinho não… Apenas o suficiente para borrar
minha maquiagem e molhar meu travesseiro. Chorei por culpa de Daniel.
Chorei lembrando da cena no refeitório. Chorei porque aquelas palavras “será
que é coisa da minha cabeça também quando senti uma vontade imensa de
beijá-la?” Não paravam de soar em minha cabeça. Eram como se fossem
passarinhos que eu tentava afastar, mas não conseguia.

♕ Flashback on ♕

O sinal do intervalo soou.

— Tivemos um grande azar — Alice reclama enquanto arruma seus


materiais na mesa antes de irmos para o refeitório. — Não sei como Chloe e
Tiffany foram se machucar no ensaio… Agora teremos que ensinar tudo o que
sabemos para a novata. Uma grande perda de tempo — ela finaliza, bufando.

— Alice, eu vou na sala de Daniel, preciso entregar esses papéis para


ele antes que esqueça.
— Tudo bem, vou guardar seu lugar ao meu lado.

— Obrigada.
Pego os papéis que Daniel tinha esquecido no meu quarto ontem e sigo
em direção à sua sala.

Eu sinto os olhares dos caras em mim. Sei que todos me desejam e


todas as meninas me invejam. Eu somente antes de caminhar pelos corredores
do colégio sempre tomo uma respiração profunda e levanto meu busto.
Quando chego na sala de Daniel, ela está vazia, a não ser por Kevin e
Daniel que estão conversando sentados em cima da mesa, de costas para mim.

Kevin é o melhor amigo de Daniel e meu também. Foi através dele que
Daniel e eu nos conhecemos.

Eles não sentem a minha presença e eu me aproveito, me aproximando


devagar para surpreender Daniel com um abraço.

— …eu não sei, eu nunca senti isso — Daniel diz, bagunçado seus
cabelos dourados.

— Cara — Kevin diz —, você está precisando tirar um dia para pensar.
— Eu sei, o pior disso tudo foi que hoje eu não consegui tirar os olhos
dela.

Paraliso bem perto de Daniel. Eles ainda não perceberam minha


presença.

— Na última vez que estivemos bem próximos eu poderia te jurar que


aqueles olhos me eram familiares… aqueles lábios também.

— Talvez isso seja coisa da sua cabeça — Kevin repreende Daniel.

— Será que é coisa da minha cabeça também quando senti uma vontade
imensa de beijá-la?
Meu coração bate forte em meu peito quando percebo que o assunto é
outra garota e que meu namorado estava pensando em beijar outra.

— Beijar quem? — pergunto com a voz trêmula.


Os meninos tomam um susto com minha presença.

— Lila — Daniel diz virando-se para trás e se levantando. — O que


você está fazendo aqui? — ele pergunta.
— De quem vocês estavam falando? — Quero saber.

— Nada importante — Daniel diz vindo em minha direção.


Eu dou um passo para trás.
— Kevin — digo, olhando para ele — De quem vocês estavam
falando?

Kevin esboça um sorriso amarelo e seus olhos verdes olham para


Daniel como se pedissem ajuda.

Saio da sala correndo. Daniel me segue. Os corredores já estão vazios e


a voz de Daniel me gritando cria eco no corredor. Meus pulmões fecham e eu
tento não chorar enquanto minhas mãos tremem.

— LILA! — ele me chama, mas eu quero distância.

Como ele pôde fazer isso comigo?


Como pôde pensar em outra?

Como pôde pensar em beijar outra?

Eu apenas pensei que eu bastaria para ele, como ele basta para mim.

Quase tropeço no meu próprio pé. Meu cabelo longo atrapalha minha
visão e quando vou ver estou de frente para a porta do refeitório, que está
fechada.
— LILA… — sua voz me chama mais uma vez.

Forço a porta do refeitório para que abra, e para ser sincera estou quase
desmoronando por dentro. Sinto a mão de Daniel pegar em meu braço, então
eu viro e lhe digo:

— O QUE ESTÁ ACONTECENDO, DANIEL? — gritei, não me


importando se estava atraindo a atenção de todos no refeitório.
— Nada. — ele respondeu tentando pegar em minhas mãos, porém eu
não deixo.

Minha cabeça começa a doer.


— COMO NADA? DE QUEM VOCÊS ESTAVAM FALANDO? —
rebati. Minhas pernas tremem e tento me controlar. Sinto meu rosto molhado,
meu cabelo cola em meu rosto e então o afasto.
— De ninguém…
— QUEM É ELA? — pergunto mais uma vez. Eu tenho direto de saber,
e eu quero saber.
Ai, meu Deus, Daniel não pode fazer isso comigo… não hoje… Não
agora…

— Vem — Daniel pegou na minha mão me puxando para fora do


refeitório. Como estava quase desmoronando, cedi.

♕ Flashback off ♕

Estou arrependida. Não era para eu ter forçado as portas do refeitório,


porém me vi sem saída e não pensei em meus atos, agora os boatos são que
Daniel está me traindo. Eu apenas espero que seja mentira. Ou talvez seja
apenas eu que quero acreditar nesta mentira.

— Lila, você está me ouvindo? — Alice interrompeu meus


pensamentos e eu me virei para ela.

— Sim, claro — desculpei-me, dando toda atenção à minha melhor


amiga. Alice revirou os olhos e entrou na rua do nosso colégio.
— Eu estava dizendo que Megan disse a Ashton que ela tem uma queda
por Daniel. Você pode acreditar nisso?— Eu comecei a rir enquanto
imaginava a gordinha Megan namorando com o quartback do colégio. Daniel
é lindo, eu não podia culpá-la por gostar dele.
— Você só pode estar brincando. Ela ganhou algo como vinte quilos a
mais nesse verão. Ninguém vai querer namorar essa menina.

Alice parou em uma vaga vazia do estacionamento ao lado do nosso


colégio.
— Você sabe o que eu ouvi? — Ela desafivelou seu cinto e virou em
seu assento de frente para mim, com os olhos brilhando — Que Susan
chatonilda! — Nessa parte eu ri. Eu apenas não tinha ainda me acostumado
com o novo apelido que Alice e eu demos à Susan. — Vai dar uma festa na
casa dela na sexta à noite.

Droga! Logo sexta. Eu não gosto de Susan, isso é certo, e não preciso
repetir. Não hesito em responder, mas se tem uma coisa de que gosto é de
festas. E como mamãe não gosta que eu participe de festas na casa de amigos,
eu sempre vou escondida e peço para Karine me acobertar.

— Bem… você vai, né? — Alice pergunta suspendendo uma


sobrancelha.

— Sim.

— É só pedir à sua irmã para ajudar, como das últimas vezes, e vai dar
tudo certo.

— Claro.— digo, já abrindo a porta do carro.

Meus olhos me levam na direção do carro de Daniel chegando do outro


lado do estacionamento. Há há! Quero só ver a cara dele quando vir que fui
hoje com Alice. Ele desce do carro e a rodeia, seu sorriso imenso na cara foi
tudo que não pensei que veria hoje. Até ele abrir a porta do passageiro do
carro e eu ver Karine. Sim, Karine! Descendo toda tímida e corada.

Capítulo 23 – Como chuva de verão parte 2

“Vai lá boba, manda mais uma mensagem, como se ele não tivesse recebido
todas as últimas. Enche a caixa de entrada do celular dele, como se isso fosse
fazê-lo sentir algo por você além de enjoo. Enjoo do teu exagero, enjoo de
quem insiste em dançar sem música, sem ritmo, sem dança, sem pista, sem
par. Que tal se valorizar?”
— Tati Bernardi

Sinto-me desnorteada como se viesse alguém e me desse um soco no


estômago.

Pisco uma centena de vezes, em seguida tenho certeza de que pareço


uma retardada com problema nos olhos, mas tudo isso é porque não estou
acreditando nessa cena que meus olhos estão vendo.

— Ei, Lila — Alice diz parando ao meu lado. — Se você fosse um


dragão com certeza estaria saindo fumaça agora do seu nariz.

Todos os alunos estão olhando essa cena ridícula que Daniel está
causando, mas com certeza é para me atingir e eu não sei se vou lá agora e
grito com ele ou se finjo que não vi isso.

Decido escolher a primeira opção.

— Segura a minha bolsa .— Dou a minha bolsa à Alice.


Vou pisando fundo até chegar neles.

— Daniel, que palhaçada é essa? — pergunto e ele se vira para olhar


para mim.

— Você queria que eu fizesse o quê? — responde dando de ombros.


Queria que você chegasse nesse estacionamento e me desse uma bronca
por não ter te avisado. Queria te ver nervoso comigo, mas que não reagisse,
assim como não se importasse, porque eu me importo e se fiz tudo isso foi
porque eu queria também te atingir de alguma forma. Talvez por pensar que
isso chamaria sua atenção ou que quando você chegasse na minha casa para
me buscar como de costume e não me encontrasse, iria se preocupar comigo,
coisa que você não fez!
Mas é claro que eu não disse isso. Apenas cruzei meus braços na frente
do corpo enquanto meu pé direito batia no chão ligeiramente e meus lábios
fecharam formando uma linha fina.
Olhei para Karine ao seu lado e percebi o olhar de espanto em sua cara.
Ela desviou o olhar como se eu não estivesse ali na sua frente.
Daniel se aproxima mais de mim e sussurra em meu ouvido:

— Depois conversamos sobre isso.

Joguei meus cabelos dourados para trás e saí andando. No mínimo eu


esperava que Daniel viesse atrás de mim, mas não foi isso o que ele fez.
Daniel me deixou ir e isso doeu e muito.

Alice vem correndo atrás de mim enquanto os olhos dos alunos nos
acompanhavam como se fossem urubus em cima de carniça.

— Será que ela acha que tem alguma chance com ele? — Alice me
pergunta quando entramos no pátio dos veteranos. O pátio era grande o
suficiente para todos os veteranos, mas nem tudo estava disponível para
todos.

Alguns bancos e mesas posicionados ao redor do pátio eram


reivindicados apenas para os atletas e cheerleaders, os outros alunos
poderiam ficar com o restante.

— Megan? Claro que não! — respondi irritada. Minha mente pensava


em mil possibilidades ao mesmo tempo, realmente eu não estava conseguindo
raciocinar. Droga!
Pegamos um lugar na nossa mesa esperando o sino tocar para o
primeiro período. Alice pegou um pó compacto da bolsa e começou a retocar
a maquiagem.

— Estou falando de Karine.


Lanço um olhar confuso no rosto. E eu pensando que quem não estava
raciocinando aqui era eu.

— Ou por acaso você não percebe o olhar da sua irmã em Daniel?


— Eles não se dão bem — digo sem paciência, me lembrando do
apelido que Daniel chama Karine e dos desentendimentos deles.
— Mas foi ela que foi a professora dele esses dias — Alice fala
pegando um batom rosa choque e passando nos lábios.
— E daí? — pergunto sem entender.

— Amiga — Alice interrompe o passamento do batom no lábio inferior


e me encara —, eu pensei que você fosse mais inteligente que isso —
completa, me fazendo revirar os olhos.
— Vá logo ao ponto — eu peço.

— Eles podem muito bem ter se aproximando esses dias e sei lá, talvez
ela seja aquela garota. — Alice dá de ombros enquanto limpa uma mancha do
batom. — Que Daniel está te traindo.

— Daniel não está me traindo! — falo com raiva. Eu realmente não


aguento mais esse assunto.

— Como você sabe?

— Eu apenas sei… afinal ele não teria coragem.


— Eu acho que ela deveria ser colocada em seu lugar — Alice fala
guardando a maquiagem e olhando ao redor.
Uma raiva cresce dentro de mim e mordo o lábio. Eu não vou fazer
nada contra Karine, sei que ela não está envolvida nisso. Tenho 100% de
certeza que foi Daniel que a obrigou a entrar no carro para me irritar. Eu
apenas não vou cair em seu jogo. Karine seria muito ingênua se pensasse que
tem alguma chance com Daniel.
— Desfaz essa carranca, os meninos estão vindo — Alice me alerta.
Seguindo seu olhar eu notei os caras do futebol vindo em direção à nossa
mesa.

Os caras chegaram e se sentaram, algumas cheerleaders também se


juntaram a nós em seguida.
E é claro que a capitã do time não poderia estar de fora, sarcasticamente
dizendo:
— E aí, Lila? O que houve com Daniel que chegou hoje com a pirralha
da sua irmã?
Dou de ombros como se não me importasse e lhe entrego uma resposta
mentirosa:

— Mamãe não iria dar para levar Karine hoje, e eu pedi esse favor ao
Daniel.
— E por que você não foi junto? — Susan me interroga mais uma vez,
fazendo todos na mesa ficarem em silêncio, prestando atenção em nosso
assunto.

— Eu não queria ocupar o mesmo lugar que Karine. Preferi pedir à


Alice uma carona.

Os olhos de Susan me encaram de uma forma como se dissessem por


trás deles que ela sabe bem que estou mentindo, porém não vou me deixar
intimidar.

— Se eu fosse você não confiaria — Susan fala, amarrando seus


cabelos negros em um rabo de cavalo alto.

— É um perigo ter que deixar aquela tentação com outra garota, mesmo
que seja a pirralha da sua irmã.
Eu vejo Alice suspender uma sobrancelha. Um clima tenso cai sobre
nós. Todos estão esperando eu dizer algo a respeito disso.

— Sabe o que é engraçado? — pergunto a Susan esperando ela dizer


“não”.
Então ela diz:

— Não.
— O namorado ser meu, e quem está preocupada é você.

— Wow! — Os caras dizem em uma vaia.


Como Susan não disse nada eu prossegui:
— Incrível como algumas pessoas em particular gostam de cuidar das
nossas vidas, né Susan? — pergunto a ela sarcasticamente.
Susan solta uma risada baixa e debochada.

— Sim Lila, você tem total razão. Algumas pessoas cuidam tanto da
nossa vida que esquecem que o mundo — Susan levanta seu dedo indicador
— não gira ao redor do seu umbigo. E querida — ela se aproxima mais da
mesa —, eu tenho coisas mais interessantes para fazer do que cuidar da sua
vida.

Susan estala a língua no céu da boca e se recompõe em seu lugar. Os


caras riem novamente tirando sarro da minha cara.

— E por acaso alguma dessas coisas seria roubar o meu posto?

— Eu tenho mais talento do que você, Lila!

— Tanto talento que só conseguiu ser capitã depois que eu saí.

— “Saí” não querida — Susan fala fazendo sinal de aspas com as mãos.
— Foi decretada fora pela treinadora.

Quando vou partir em minha defesa, Alice fala primeiro.


— Ei meninas, vamos parar de brigar que tem coisa muita mais
interessante.

— Ah não! — Peter reclama. — Tava legal ver a rixa entre garotas.


— Como Courtney aguenta comer tanto? — Alice pergunta.

Seguimos seu olhar e vimos Courtney comendo um x-burguer. Ela


estava na mesa do lado, e partes de sua boca estavam melecadas de ketchup.
Courtney é aquele tipo de garota que só pensa em comida, suas roupas
bregas e seu andar sem jeito a deixam ridícula.

Alice treme de horror enquanto faz uma careta.


— Quantos quilos será que ela tem? — Mackenzie pergunta.
— Oitenta e cinco — Luka fala.
— Aposto que é mais — Susan diz.

— Noventa — falo, analisando o corpo gordo de Courtney.

— PIMMMMMMM!

O sino bate.

*****

Estou mexendo no meu armário depois das aulas quando minhas amigas
Lori, Madison e Sheila se aproximam.

— Graças a Deus as aulas já acabaram, eu não aguentava mais tantas


provas — Madison diz jogando as mãos para o alto.

— Nem me fale, eu malmente estudei — digo.

— E Daniel? Você acha que ele conseguiu? — ela pergunta para mim.
— Sim. Ele se esforçou bastante.

— As meninas falaram que você e Susan estavam se alfinetando na


hora da entrada — Sheila fala e se afasta um pouco para me observar.

— Nada de mais aconteceu — eu respondo. Na hora do intervalo,


Daniel estava comigo como sempre, mas nós não comentamos sobre o
ocorrido na hora da entrada. Ele somente passou o braço sobre meu ombro e
me puxou para ele. De vez em quando eu o via olhar na direção de Karine,
que resolveu sentar-se hoje no refeitório junto com um cara estranho, já que
ela e Jenifer comem do lado de fora.

O que só me fez acreditar no que Alice disse sobre eles.


— Ei, garotas, não vão se atrasar para o ensaio — grita Sierra, do final
do corredor, e desaparece tão rápido quanto chegou. Sheila abre seu armário,
que fica perto do meu, e pega seus pompons: — Detesto o jeito como Sierra
puxa o saco de Susan e da treinadora Giuliani — ela resmunga.
Fecho meu armário e, junto com elas, caminho em direção à quadra.

— Ah, nem me fale, o campeonato está chegando e grande sorte a


minha perder meu posto para ela.

— Calma Lila, tenho certeza que você vai recuperar de volta. Aliás,
ninguém anima tão bem quanto você! — Lori tenta me encorajar.
Sheila suspira.

— Sei lá! Minha nota para ela é zero em simpatia.

— Também não sinto a menor simpatia por ela — diz Madison.

— A festa de Susan é essa sexta né? — pergunto às meninas.

—Sim — Madison diz.

— Que foi, Lila? — Lori pergunta para mim. — Conheço bem esse
olhar… peraí — Lori para no meio do corredor ficando na minha frente, as
meninas param também. — Você não vai aprontar nada, né? — pergunta,
preocupada.

— Não vou fazer nada que ela não mereça, Lori.

— Ai, meu Deus — Lori diz coçando a cabeça.


— Seja o que você pensar em fazer, saiba que pode contar comigo —
Madison diz.

— Você ainda apoia? — Lori pergunta indignada à Madison.


Lori sempre foi a mais responsável entre nós, além de mais responsável
é mais estudiosa também.

— Óbvio.
— Comigo também! — Sheila fala — Iria adorar fazer alguma
pegadinha ou sabotar Susan.

— Meninas, não vamos esquecer da Sierra, né? Afinal, ela também tem
culpa — Madison diz e todas nós concordamos.
Ao chegar à quadra, encontramos toda a nossa turma sentada no chão,
esperando pela Susan, que só chega atrasada para os ensaios. Bela impressão,
capitã.

— Fala sério! Vai ser todo dia isso?— Alice me diz, baixinho e nervosa,
enquanto me acomodo no lugar vago, ao lado dela.

— Pelo jeito, sim.


— Estamos aqui há mais de meia hora!

Olho para a treinadora e a vejo estressada andando em círculos e


mexendo no celular.

— Cheguei — grita Susan vindo correndo em direção ao círculo.

— Até que enfim — a treinadora diz.

Susan coloca sua bolsa na arquibancada e se aproxima, com seu CD


player, reclamando que alguém tirou o aparelho do lugar… E foi por isso que
ela se atrasou. Quando a treinadora nos orientou a começar com o
alongamento.

— Treinadora, podemos começar a partir da posição Broken T, em vez


da posição T, como fazíamos antes? — pergunto. — A partir daí vamos para o
V, Low e High, com Morgan, Isabel e Caitlin avançando para a frente. Acho
que assim ficará melhor. A treinadora sorri, obviamente encantada com a
minha sugestão. — Boa ideia, Lila. Vamos tentar.

Olho sorrindo triunfante para Susan e a vejo me olhar com desdém.


A treinadora fala:

— Começaremos com a posição com os cotovelos dobrados. Durante a


transição, quero Morgan, Isabel e Caitlin na primeira fileira. Lembrem-se de
manter os ombros relaxados. Sierra, por favor, não dobre os pulsos… Eles
devem ser uma extensão, uma continuidade dos braços.
— Sim, professora — diz Sierra, atrás de mim. A treinadora coloca a
música novamente, O ritmo, a letra, os instrumentos… tudo penetra em
minhas veias e me ergue.

Enquanto danço, em sincronia com as outras garotas, esqueço tudo. A


música termina muito rápido. A treinadora Giuliani desliga o CD player, mas
eu bem que gostaria de continuar treinando. Na segunda vez que repetimos, a
coreografia sai melhor, mas há vários movimentos que ainda precisam ser
trabalhados. E algumas meninas estão tendo dificuldade em aprender os
passos, principalmente Jenifer, melhor amiga da minha irmã.

— Lila, ensine os movimentos básicos para Jenifer e então tentaremos


repassar, uma vez mais a coreografia inteira — diz a treinadora, entregando-
me o CD player. — Madison, revise os passos mais difíceis com o resto da
turma.

Jenifer está no meu grupo. E se ajoelha para tomar um gole de sua


garrafa de água.

— Poxa, vocês fazendo parece tão fácil.

— É tudo questão de tempo Jenifer, já já você pega o ritmo.


*****

— Então, vamos conversar sobre o que aconteceu hoje na hora da


entrada ou você prefere fingir que isso nunca aconteceu? — Daniel me
pergunta dando ré no carro e saindo do estacionamento do nosso colégio.
— Vou fingir que esqueci.

— Ótimo. Porque você sabe que está errada.


Levanto uma sobrancelha enquanto lhe olho.

— Eu escutei certo?
— Tenho certeza que sim.

— Há boatos sobre isso nos corredores Daniel, há boatos sobre mim!


— Droga! — Daniel fala batendo no volante com força. — Por que
você tem que se importar tanto com a sua reputação? Boatos são só boatos!

Eu m encolho no banco de tão assustada que fiquei. Paramos no sinal


vermelho.

— É porque não é você que está saindo como corno na história.

— Quer terminar? — ele pergunta sério para mim.


Eu o encaro.

— Não.

Depois dessa conversa o clima no carro ficou tenso. Daniel me deixou


na minha casa e seguiu para a dele. Com todo esse clima eu esqueci de
perguntar a ele como foi sua prova.

— Mãe, cheguei — digo, indo para a cozinha onde mamãe está.

— Está tudo bem? — ela pergunta.

— Sim — respondo desviando o olhar.

— Te conheço Lila, sei que não está bem. Por que você não me conta o
que aconteceu hoje de manhã?

Suspirando, eu me sento na cadeira da cozinha e lhe conto tudo.


Depois disso subi para o meu quarto e tomei um banho quente para me
fazer relaxar. A noite chegou rápido e, como sempre, eu e as meninas (Alice,
Madison, Lori e Sheila) fazemos uma ligação para fofocar e tudo mais.

Fiquei sabendo que Sierra está namorando com Tyler do colégio. Tyler
faz parte do time dos garotos.
Que Zack terminou com Giovanna, uma das cheerleaders.

E Morgan está de intimidade com o professor Louis, de Química.


Até o sono vir e me dominar.
Capítulo 24 – Deus queira

** Narrativa normal de Karine**

“Em outra vida, em outra época, eu a teria beijado em seguida, mas, ainda que
o quisesse, não o fiz. Em vez disso, apenas olhei nos olhos dela.”
— Nicholas Sparks

Hoje é o dia de saber se Daniel conseguiu passar no teste.

Dentro de mim estão borbulhando sentimentos de ansiedade misturados


com medo. Estou tão ansiosa que não paro de andar em círculos no meu
quarto.

Uma almofada rosa acerta minha cara

— Você está me deixando tonta.

— Será que ele conseguiu?

— Mas é óbvio que ele conseguiu — Jenny diz revirando os olhos para
mim.
— Vem… senta aqui — Jenny pede apontando para o espaço ao lado
dela.
Sento-me na cama agarrando a almofada rosa.
— Guria, relaxa tá?

— Estou tentando.
O diretor disse que ligaria para Daniel e lhe daria uma resposta
adiantada sobre o resultado do teste. Então, eu pedi a Daniel que me avisasse
assim que soubesse o resultado.
— Eu acho que vou descer…
— Por quê? — pergunto a Jenny, confusa.

— Porque te ver assim tão ansiosa me preocupa. Qual o melhor: chá de


camomila ou suco de maracujá? — ela pergunta, já com a mão na fechadura
da porta.

— Jenny, eu não preciso de calmante.


— Precisa sim, daqui a pouco você surta aí e não! Não quero ser
culpada.

— Maracujá — digo, revirando os olhos para que Jenny perceba.

Ela me mostra a língua e se vai. Deito-me atravessada na cama.

Ai, Deus! Falo em pensamentos. Por favorzinho permita que Daniel


tenha conseguido. O senhor sabe que eu tentei, eu juro que dei o melhor de
mim. Eu só entrei nessa por causa da minha faculdade e eu não posso perder
minha chance. Se por acaso ele não conseguir passar, todos vão me culpar e
eu não vou aguentar isso, eu…

Eu ouço o barulho da porta meu quarto sendo aberta.

— Cara, você fez esse suco rápido demais. Ainda bem que você teve
essa ideia, porque acho mesmo que estou surtando — digo, esfregando meus
olhos com força.
— Como assim, surtando? Você ainda tem que me dar a honra da sua
presença na arquibancada porque é para você que quero dedicar minha
vitória. — Eu sinto as laterais da cama onde está minha cabeça sendo
afundada. Então, eu abro os olhos e encaro o dono dessa voz me encarando
logo acima de mim, com as mãos apoiando na cama de cada lado da minha
cabeça
— Daniel.

— Eu consegui… quer dizer, você conseguiu.


Seus olhos penetram nos meus, mas, para falar a verdade, os olhos de
Daniel não estão expressando nesse momento felicidade ou algo do tipo. É
algo mais profundo e intenso, algo parecido com desejo

Ficamos nos encarando por alguns segundos em silêncio enquanto meu


coração bate em uma frequência totalmente doida em meu peito.

Eu vejo Daniel engolir fundo e se aproximar mais do meu rosto, ele vai
um pouco mais para a frente enquanto estou paralisada.

— Você me acharia louca se eu te dissesse que esqueci qual dos dois


sucos você escolheu? — Jenny diz, já entrando no quarto e nos assustando.

Quando vou levantar minha testa bate com a dele.


— Ai! — dizemos juntos.

— Opa! Eu não tinha te visto — Jenny aponta para Daniel. — Já estou


de saída. — E se vai batendo a porta. Eu iria dizer “não”, mas não deu tempo.
Daniel se senta ao meu lado.

— Essa doeu — ele diz para mim.

— Sim. — Solto uma risada sem graça. — Então, você conseguiu?

— Sim, está menos surtado agora?

— Deu uma grande aliviada, confesso.


Rimos juntos até Lila entrar no quarto e chamar Daniel dizendo que era
algo importante e ele me agradecer novamente e ir.

Ontem Daniel me levou para o colégio.


Eu não soube bem o que tinha acontecido, só sei que, quando desci de
manhã para a cozinha, encontrei Daniel na sala sozinho. Ele já estava de
saída, mas quando me viu perguntou se eu queria uma carona para ir para o
colégio.

Eu perguntei por que ele estava me oferecendo uma carona e ele disse
que Lila tinha ido com Alice, que minha mãe a viu entrando no carro pela
janela. Mas era óbvio! Só podia ser. Caso contrário nunca ele iria se oferecer
para me levar
Eu disse que iria com mamãe, mas Daniel insistiu tanto que cedi.
Mamãe não gostou nada disso, eu percebi pela cara que ela estava me
olhando.

No trajeto até o colégio conversamos sobre as provas, Daniel estava


muito nervoso, mas tentei acalmá-lo. Também conversamos sobre o jogo e
planos futuro. Daniel disse que queria cursar Medicina, a mesma área que
também quero estudar.

Quando chegamos no estacionamento do colégio eu estava um pouco


nervosa, e enquanto arrumava minha bolsa não percebi que Daniel já tinha
saído do carro e estava abrindo minha porta.

Eu me senti como uma celebridade com tantos olhares em cima de


mim.

Daniel estava sorrindo como se isso fosse normal, quando Lila apareceu
do nada.

Eu fiquei em choque, senti que poderia dar um treco ali.

Lila estava vermelha de tão brava e eu pude ver seus olhos fumegando
quando me olhou, me senti tão ameaçada que desviei o olhar na hora. Até
Daniel cochichar algo no ouvido de Lila, que a fez ir embora.

Eu perguntei para ele se tudo estava bem, Daniel disse que sim, que a
raiva de Lila era momentânea e afinal ela não tinha o direito de ficar brava.
Depois disso, eu fui procurar Jenny e Daniel seus amigos, porém na hora do
refeitório eu percebia que Daniel estava olhando demais para mim.
— Eu estou me odiando agora — Jenny fala, entrando no meu quarto
com um copo azul na mão.
— Por quê?
— Por atrapalhar teu beijo.

— Daniel não iria me beijar, Jenny.


— Karine — ela fala um pouco alto demais —, faltava isso para vocês
se beijarem — Jenny faz sinal com os dedos apontador diminuindo.

— Ele não seria capaz.


— Não foi o que me pareceu.

— Hum.

— Mas, e aí? Ele conseguiu?

— Ai, Jenny, sim! — digo, animada.

— Wow, meu Deus, eu sabia! — Ela me entrega o copo.

— Sabia nada! — Pego o copo percebendo a quentura que ele está.


Olho para dentro e respiro o cheiro bom que vem dele.

— Era esse?

— Não… Mas OK.

— Aff, eu jurava que era de camomila.

— Ramon está mexendo com a sua cabeça — digo, bebendo um gole


desse delicioso chá.

— Não está, não — Jenny fala me dando um tapa de leve no ombro.


— Está sim, aliás, vocês combinam.

— Sério? — Jenny pergunta com cara de preocupada.


— Sim. Hoje no refeitório tive certeza disso.

— Hoje, na hora da entrada, eu vi Ramon no fundo do colégio com um


grupinho.
— E o que que tem?

— Eu o vi fumando e…
— E?

— Ele estava estranho… — Jenny se deita na minha cama encarando o


teto.
— Jenny, você está me deixando confusa.

— Acho que Ramon vende droga.

— Como é que é? — pergunto, espantada.

— Ai, Karine, é só um palpite, mas tenho quase cem por cento de


certeza — ela diz com voz embargada.

Capítulo 25 – Amiga do inimigo

“Mais autoestima, guria! Grava na mente: tu só vai ser linda para os outros
quando for linda para você.”

— Maria Clara

Uma roda de alunos se forma no lado de fora do colégio. Como não aguentei
de curiosidade corri para ver.
Empurrei umas pessoas até que consegui enxergar.

— Eu tenho pena de você. — Um cara alto, com cabelos castanhos


disse, cuspindo as palavras como se fosse veneno saindo da boca dele.
Reparei que ele usava uma jaqueta de futebol dos Diamond, nossos inimigos,
o time rival, o qual vamos jogar contra.

— Há-há! — Daniel solta uma risada debochada. — Você tem é inveja!


Então, o cara parte para cima de Daniel com o punho fechado, pronto
para socar sua cara, mas Daniel foi rápido o bastante e desvia não dando
tempo do cara se recompor, e o acerta no queixo em cheio.

O cara vai para trás meio tonto, porém Daniel não dá tempo para ele se
recuperar e lhe acerta de novo no mesmo lugar.

O cara cai de joelho pelo baque. E eu corro em direção a ele.

Eu não sei o que deu em mim, mas não vou deixar Daniel encostar mais
nenhum dedo nesse cara. Quando mais precisamos do diretor ele não aparece,
e ninguém separa a briga, estão todos olhando com celulares nas mãos
filmando e cochichando. E por mais que ele seja o nosso adversário, não
permitirei isso.

Eu pego o rosto do cara com as mãos, me ajoelhando junto a ele


também, porém ele geme de dor apertando os olhos com força e se afasta.

— O que você está fazendo aqui? — Daniel pergunta com desdém para
mim.

Eu lhe olho nos olhos sem dizer nada.

Somente encaro essa criatura.

— Saia daí, pirralha, antes que este verme te contamine.

Eu lhe envio o olhar mais nojento que posso e volto a dar atenção ao
cara, ignorando Daniel completamente.

— Vamos para a enfermaria comigo — eu digo pegando em suas mãos


e ajudando-o a se levantar.
— Isso não vai ficar assim, Daniel — O cara diz, fuzilando-o com o
olhar.

— Cala a boca, não tenho medo de você! — Depois de falar isso Daniel
abre caminho em meio à multidão e se vai. Um pouco da multidão
acompanha Daniel.

O cara cospe no chão o sangue que se acumulou na sua boca e passa o


braço limpando.
— Acho melhor você ir à enfermaria — aviso mais uma vez.

O cara me olha. Pisca. Pisca mais uma vez.


— Por que está me ajudando? — ele pergunta, desconfiado.
— Eu não poderia ver algo assim e permitir.

— Hum… — Ele estreita os olhos. — Qual o seu nome?

— Karine Reynolds

Então, ele arregala os olhos e tapa a boca, que se abriu. Eu me pergunto


se há algo de errado em meu nome.

O cara aponta para o seu peito.

— Karine sou eu… o Henrique das mensagens.

*****

Gente, deu para entender o capítulo?

Se não deu, vou resumir:

O cara com quem o Daniel estava brigando era o Henrique, o carinha


com quem a Ka conversa por mensagens e, enfim, o Henrique é do colégio
inimigo e do time Diamond, ou seja, eles são rivais não só no jogo. Nesse
capítulo postado aqui dá para perceber que fora do jogo também.

Lembram que Daniel precisava passar na prova e tal para participar do


jogo? Então, o time de Daniel vai jogar contra o time do Henrique
Todo mundo entendeu?

Senão é só ler o comecinho do capítulo 7 — Ajudante Estudantil, que lá


explica também.
Capítulo 27 – Henrique

“Única. É assim que você deveria se sentir a vida toda.”

— Cidades de Papel

Seus imensos olhos castanhos me encaravam profundamente, me deixando


desconfortável.

Equilibro meu peso de um lado para o outro e desvio o olhar… eu não


consigo olhar para Henrique se ele continuar a me olhar desse jeito.

Mil possibilidades passam pela minha cabeça:

1— Ele deve estar decepcionado.

2— Assustado.

Ou
3 — Envergonhado.

OK. Apenas listei três entre as mil. Eu não aguento continuar nesse
silêncio e eu apenas lhe dou uma breve olhada e lhe digo:
— Então, quer dizer que você é do time Diamond… Nossos inimigos
— Dou uma risada sem graça.

— Sim, — Acho que Henrique também acha graça porque ele ri baixo,
um sorriso perfeito se forma em seus lábios me fazendo tremer por dentro —
E isso é um problema?
— Só se você quiser que seja. — Agora quem está sorrindo feito uma
boba sou eu.
— Então, eu não quero que seja. — O sorriso da boca de Henrique se
desmancha, e ele está sério, olhando para mim.

O sangue em seus lábios se acumula e os cortes em sua face ficam mais


visíveis.

— Ele não para de olhar para cá — Henrique me diz, desviando o olhar.

Olho ao redor e vejo Daniel olhando em nossa direção. Até ele dar ré e
ir.
— É o namorado da minha irmã — digo.

— Você é a irmã de Lila? — Sua cara incrédula me deixou espantada.

— Sim… Lila Reynolds.

— Nossa! Como não percebi isso?

Fico sem graça. Olho para o chão, para os lados, menos para Henrique.
Depois que ele disse isso me senti pequena, bem pequena. Sei que entre Lila e
eu tem uma grande diferença, mas… OK, já está na hora de eu me acostumar
com isso.
— Mas é claro. Vocês duas tem o mesmo sobrenome! Que burro que eu
sou — Henrique diz, balançando a cabeça negativamente como se não
pudessem acreditar.
— Eu… vou indo — falo apontando com o dedão atrás de mim. Depois
desse comentário de Henrique perdi a graça de conversar com ele.

— Quer carona?
— Não… Não precisa.

— Eu faço questão.
— Minha mãe vai vir me buscar.

— Já que você está rejeitando a minha carona…


Eu corto Henrique lhe dizendo:
— Eu não estou rejeitando. — Porém, no meio da minha explicação sua
voz aumenta.

— Eu não vou aceitar outro não.


— Ahn,,, — Estou confusa. — Outro não?

— É… amanhã às 19 horas te pego na sua casa — Henrique começa, dá


pequenos passos para trás, ainda olhando para mim.
— Mas você nem sabe onde moro.

— Está esperando o que para me dar o endereço?

— Coronel Sidney, 35 — digo, sufocando uma risada.

O sorriso em seu rosto cresce.

— Eu também não disse que aceito — digo.

Ele balança a cabeça negativamente tentando não rir. Coloca as mãos


em volta da boca e grita bem alto por causa da distância que ficou entre nós.

— KARINE REYNOLDS, VOCÊ ACEITA SAIR COMIGO?

—SIM! — grito de volta.

— ATE AMANHÃ — ele diz já bem distante, se vira e se vai.

*****

Assim que cheguei em casa corri para o telefone da cozinha.


— Alô. — A voz de Jenny soa.

— Tenho um encontro amanhã — digo, abafando um grito.


— Oh, my God! Como assim? Você vai sair com o Daniel? Tipo assim,
guria e Lila?

— O que, Jenny?
Só então percebo a confusão.
— Não, Jenny… É com o Henrique.

— Finalmente aceitou! Louvado seja Deus.

— Eu o vi. — Meu coração está disparado em meu peito.

— Guria, eu estou confusa … Você o viu onde? Oxi, você já saiu com
ele e não me disse?! Sua baixinha sem-vergonha! Que você acorde com frio
no pé!

Eu rio com os xingamentos sem noção de Jenny.

— Não, não. — Seco as lágrimas que estão descendo de tanto rir. —


Sua dramática, como se eu não fosse te dizer, né?

— Bom mesmo.

Então, eu conto para Jenny tudo que aconteceu, e ela volta a dizer para
mim que tudo isso é destino.

Depois da ligação e de ter almoçado bati na porta do quarto de Lila.

— ENTRA! — ela grita de dentro.

— Oi — digo entrando.

Lila me encara sentada na sua cama. Ultimamente Lila tem me tratado


tão fria que até mamãe estranhou.
Ontem eu pedi a ela de manhã para me passar o leite e ela disse “Pega
você. Para isso Deus te deu mão.” Mas então Daniel pegou e passou o leite
para mim. Eu agradeci enquanto reparava Lila olhando com raiva para o
Daniel.
— O que você quer?

— Sua ajuda.
— Para o quê?

— Tenho um encontro amanhã — digo, tímida.


Lila se levanta da cama.
— Hoje eu não estou com humor para brincar, Karine.

— Eu não estou brincando.

— Hum… vai sair com quem? Com o Yan? — Lila fala debochando.

Reviro os olhos. Yan é o cara mais feio e solitário do colégio. Ele é


magrelo, alto e desajeitado.

— Não. O cara com quem vou sair não estuda no nosso colégio.

— Uau!

— Então, vai me ajudar?

— Posso até te ajudar com roupa, maquiagem e tudo mais, só que com
uma única condição — Lila fala cruzando os braços na frente do corpo.

— Qual?

Lila começa a andar pelo seu quarto enquanto fala:

— Susan vai dar uma festa essa sexta.


— OK, eu te acoberto — eu digo e completo baixinho: — Como
sempre.
— Não — Lila fala parando de andar no meio do quarto e me
encarando. — Eu quero é que você vá a essa festa comigo.

Capítulo 26 – Um encontro e duas confusões

“Entre nós dois a conversa sempre fluía espontânea. Ela falava um pouco, eu
prestava atenção, e depois chegava a minha vez. Nosso diálogo era sempre
assim, simples, sem esforço nenhum. Parecia que tínhamos segredos em
comum.”

— Bukowski

— Eu? Ir a uma festa com os populares, com você? — pergunto a Lila


chegando um pouco mais perto dela, talvez a distância me tenha feito escutar
errado.
— Sim — Lila confirma.

— Mas por quê?

Lila suspira alto e volta a se sentar na cama.

— Então, eu estou pensando em sabotar a festa que Susan vai dar nessa
sexta.

— Lila, você está louca? — pergunto indignada.

— Não! De jeito nenhum.

— Não é o que parece.

— Olha só, a vaquinha da Susan tomou o meu posto, então pronto, vai
ser somente uma pequena vingança.

— Ai, meu Deus — falo preocupada. Agora quem está andando em


círculos no quarto de Lila sou eu. — E como você vai fazer isso?
— Nós vamos fazer isso. — Ela aponta dela para mim e vice-versa.

— Como? — Coloco as mãos na cintura e encaro Lila, enquanto ela


pega uma lixa em cima da cômoda ao lado da cama e começa a lixar as unhas.
— Olha… eu estava assistindo ontem à noite uns filmes de garotas e
tais e achei umas ideias bem legais.
— Do tipo?
— Colocar alguma coisa na comida para todo mundo passar mal, ou se
passar por ela e cancelar todas as encomendas. Ah sei lá, coisas desse tipo.
Sinceramente Lila se superou agora, pensava que ela era mais
inteligente do que isso. Que ideias mais toscas!

Sento-me na cama do lado oposto de Lila.


— Que é? — ela pergunta para mim. — Se você tem ideia melhor,
então é só falar.

— E se alguma coisa der errado?


— Não vai dar Karine, relaxa.

Eu não estou acreditando que vou realmente fazer isso. Mas eu preciso.
Não tenho roupas boas como as de Lila e nem maquiagens, mamãe só compra
coisas boas para ela, e se eu vou me encontrar com Henrique preciso estar
digna, pelo menos.

— Só um minuto — eu peço à Lila. — Já volto.


Corro para o telefone da cozinha e faço uma ligação rápida para Jenny.

— Alô — Jenny fala.

— Jenny, preciso te contar algo.

— Manda.

— Me ajuda a sabotar uma festa? Sei que nessa sua cabecinha existe
algo chamado criatividade, algo que falta na minha cabeça e na cabeça de Lila
— falo baixinho perto do telefone, vai que mamãe chega aqui na cozinha do
nada, né. É melhor prevenir do que remediar.
— Como é que é?

— Olha Jenny, eu sei que é uma total furada, mas diz que me ajuda.
— Que festa, guria?

— Uma da Susan, que vai acontecer nessa sexta?


— Guria, me explica isso direito… por que você quer sabotar a festa da
Susan?
— Eu não. A Lila, só vou ajudar porque eu preciso.
— Precisa por quê?

— Meu encontro com o Henrique amiga, preciso de ajuda com tudo.

— Ah saquei. OK eu te ajudo, por você em…

— Obrigado, Jenny. Te amo.


— Ah sua boba, eu também te amo.

— Fui, beijos.

— Outros.
Coloco o telefone de volta no gancho e corro de volta para o quarto de
Lila.

— Antes de sexta eu te falo uma ideia melhor — eu digo.


— OK.

*****

O dia seguinte finalmente tinha chegado e eu não podia estar mais


nervosa.
No colégio eu não consegui me concentrar em nenhuma das aulas, nem
na de Física, que é a minha preferida. Eu não sei o que havia de errado
naquela fórmula que o professor Michel escreveu na lousa, que não entrava na
minha cabeça de jeito nenhum. Mas eu sabia muito bem onde minha cabeça
estava.

Eu estava tão fora de mim, que não reparei que o Ramon hoje não
passou o intervalo dele sentado na mesa comigo e com Jenny. Só fui reparar
isso na hora em que o sinal soou avisando que era hora da saída, quando
Jenny virou para trás em sua cadeira e disse:
— Agora, Ramon está estranho comigo. Depois que eu o vi lá no
fundinho do colégio, fazendo o que Deus sabe.

— Eu não acho que Ramon está estranho.


— Karine, ele nem se sentou conosco.

Foi então que eu voltei mentalmente à hora do intervalo e notei que


realmente Ramon não estava conosco.
Jenny e eu mal tínhamos conversado na hora do intervalo. Eu estava tão
nervosa que mal consegui comer e Jenny estava tão pensativa que preferiu
ficar calada.
Eu também mal e mal falei com Henrique por meio de mensagens, só
demos “bom-dia” e pronto, e como a Lila prometeu que me ajudaria, trouxe
todas as suas coisas aqui para o meu quarto.

— Aí — eu falo.

— Calma, Karine eu já estou terminando.

Lila dá outro puxão no meu cabelo e eu me levanto da cadeira.


— Senta aqui de novo.

— De jeito nenhum! Só depois de verificar que meus cabelos ainda


estão na minha cabeça.

Vou até o banheiro, pois o único espelho que tenho fica lá.
Na última meia hora Lila tem arrumado meu cabelo, ou melhor puxado,
está doendo tanto que tenho certeza de que o meu couro cabeludo está
vermelho.

— KARINE, NÃO MEXA NO CABELO! — Ela grita assim que entro


no banheiro e me deparo com o espelho.
Imediatamente tomo um susto.
— Oh, my God… — falo baixinho, me aproximando mais e encarando
a criatura do outro lado.

Lila fez um coque em forma de trança no meu cabelo e deixou alguns


fios soltos. Tenho que admitir… os puxões realmente valeram a pena.

— KARINE, VOLTA AQUI COM ESSA BUNDA SECA!

OK, OK, OK, digo em pensamento correndo de volta para o banquinho


que está no meio do meu quarto.

— Pelo sorriso na sua cara já vi que gostou do que viu…

— Sim — falo, soltando uma respiração pesada.

Lila vai até sua maleta de maquiagem em cima da minha cama e volta
com uns trecos na mão.

— Segura isso aqui. — Lila coloca os trecos no meu colo. — E fecha os


olhos, eu preciso destacar esses olhos azuis mortos.

Fecho os olhos e sinto o dedo da minha irmã tocando suavemente


minha pálpebra.

— Que horas ele vai vir?


— Às 19 horas.
— Hum… e qual o nome dele?

— Henrique.
— Abre os olhos agora para eu ver como ficou? Hum… agora fecha de
novo.

Eu queria perguntar a Lila como me comportar no primeiro encontro.


Sabe como é, nunca tive um, e primeiras coisas me assustam. Porém desisti,
apesar de estar nervosa, quero guardar somente para mim.
*****

— KARINE, O HENRIQUE CHEGOU! — Lila grita do andar de


baixo.

Olho uma última vez no espelho e respiro fundo. Lila me emprestou um


vestido preto, marcado na cintura com alças finas, ele não é muito curto, mas
fica acima dos meus joelhos.
Pego meu perfume de sempre e dou uma leve espirrada no pescoço.

A cada degrau que eu desço minhas pernas tremem feito gelatina.

Henrique está parado em frente à porta de entrada sorrindo para mim e


eu juro que meu coração errou uma batida. Ele está com uma camiseta branca,
que agarra todos os músculos do seu braço, com uma calça jeans escura.
— Espera só um pouquinho — eu peço à Henrique. — Só vou na
cozinha. Já volto — Ele acena positivamente. Eu preciso beber água, senão é
capaz de eu dar um treco.

Daniel e Lila estão no sofá assistindo TV.

Entro na cozinha já indo em direção ao armário. Pego um copo e encho


de água. Cara, será que todos primeiros encontros são assim? Minha mão
treme tanto que quase deixei a água cair no vestido enquanto tomava um
longo gole.

— Nervosa? — Daniel pergunta aparecendo do nada ao meu lado, me


dando um susto e me fazendo quase engasgar com a água.
— Sim.

— Aonde vocês vão?


— Passear só.
— Hum.

Coloco o copo já vazio na pia.


— Vocês vão ficar?
Olho para ele suspendendo uma sobrancelha.

— Não sei… por quê? — Meu Deus, eu nem pensei nisso! Agora estou
o dobro de nervosa.

Daniel dá de ombros.

— Vê se vigia lá. E toma cuidado. Não gosto desse cara.

— Eu sei me cuidar sozinha.

— Se soubesse, não sairia com esse cara.

— Ah é… Já que você sabe tanto sobre com quem devo sair me diz:
com quem deveria, então?

Daniel fica mudo, em um silêncio que se estica, e quanto mais cresce,


mais anseio pela resposta.

— Faz o que você quiser! — Daniel fala saindo da cozinha pisando


fundo.

Apoio minhas mãos na pia.

Isso foi ciúmes? Não. Não pode ser. Rio. Com certeza não. Daniel com
ciúmes da pirralha aqui?!
— …estou de olho em você — Daniel diz ao Henrique assim que chego
na sala.

— Legal — Henrique fala com cara de tédio e revira os, olhos.


Daniel se senta no sofá ao lado de Lila novamente, que está observando
tudo calada, quando Daniel diz:

— Se ele fizer alguma coisa com você… É só me dizer.


— Não sabia que você tinha um segurança — Henrique diz.
— Nem eu! — Lila se pronuncia pela primeira vez, se levantando do
sofá
— O que está acontecendo aqui?
— Nada — digo indo em direção ao Henrique, que entrelaça sua mão
na minha fazendo minha mão formigar com seu toque.

*****

— Então, quer dizer que você curte um sorvete de amendoim? —


Henrique pergunta para mim.

Estamos dentro de uma sorveteria, sentados no último banco do fundo.


Henrique que escolheu o lugar, eu nunca tinha vindo aqui antes. A noite
calorosa colaborou perfeito.

— Ah, não! Para você falar isso é porque nunca provou um.

— Há ha. Não me atrevo.

— Te desafio a provar — digo, lhe entregando o meu sorvete.

Henrique deixa seu sorvete de chocolate em cima da mesa para pegar o


meu. Ele come um pedaço fazendo suspense e o encaro.

Sua expressão é neutra até ele dizer:


— Perdeu! Já era! É meu.
— Não — digo entre risadas. — De jeito nenhum. Me devolve! — Eu
exijo, tentando pegar o sorvete da mão dele, mas Henrique se desvia.
— Deixa que eu te sirvo, senhorita — ele pede, enchendo a colher de
sorvete.

Assenti sem graça. Abro a boca para que Henrique me dê o sorvete.


Seus olhos castanhos brilham em uma intensidade absurda.
Engulo profundo. Henrique deixa o meu sorvete na mesa e dá uma
breve olhada para o lado. Aproxima-se mais da mesa, já que ele está sentado à
minha frente, quando diz:
— Não olhe agora, mas estou vendo a garota mais bonita que já vi em
toda minha vida.

— Onde?
— Disfarça um pouco, porque ela é tímida e pode corar. Ela está à sua
esquerda.

Tomo mais um pouco do meu sorvete e disfarçadamente olho para a


minha esquerda.
Deparo com uma garota com olhos arregalados, que parecem assustados
e tímidos, me olhando de volta.
É eu mesma me olhando no imenso espelho que não tinha reparado até
agora. Lila fez uma maquiagem em mim tão linda que, se eu não tivesse me
olhado no espelho antes de sair de casa, não me reconheceria nesse.

— Você tem que concordar comigo… Ela é linda.

Ele falou essas palavras de um jeito que me faria acreditar, caso tudo
isso não fosse uma grande mentira.

Henrique se levanta do seu lugar para sentar-se ao meu lado e ficamos


encostados um no outro, até ele passar o braço ao redor de mim.

— Por que você e Daniel estavam brigando ontem?


Henrique beija o topo da minha cabeça e diz:

— É meio complicado… É uma longa história.


— Eu não estou com pressa. — Eu estava era curiosa.

Henrique levanta meu queixo fazendo meus olhos encontrarem os seus.


— Tem coisas mais interessante para fazemos agora, não acha?

Eu fico sem reação.


— Posso? — Ele pede permissão para me beijar.

— Sim — falei em um sussurro baixo, com medo de gaguejar por causa


do doido do meu coração, que estava descontrolado em meu peito, enquanto
me perdia no oceano de seus olhos, até sentir seus lábios macios colarem-se
nos meus.

Capítulo 28 – O jogo

Só para relembrar… Time Diamond Henrique x Time Seattle Daniel

“Dê uma chance, nunca se sabe.”

— Arctic Monkeys

Nós estávamos saindo normalmente da sorveteria de mãos dadas como se


fôssemos um verdadeiro casal, quando Henrique soltou minha mão e correu,
ele parou em uma distância média. Então, olhou para trás e gritou:

— PODE PULAR, EU TE PEGO!

— NAS SUAS COSTAS?


— NÃO KA, NA MINHA CABEÇA…. MAS É CLARO QUE É NAS
MINHAS COSTAS… ANDE. — Henrique disse sem paciência, fazendo
gestos com as mãos. Ele virou de costas e se curvou.
— PRA QUE VOCÊ QUER QUE EU PULE NAS SUAS COSTAS?

— KARINE, SE VOCÊ NÃO PULAR AGORA EU VOU ATÉ AÍ E


TE JOGO POR CONTA PRÓPRIA! VOCÊ DECIDE.
Eu olhei para os lados, sem alternativa alguma corri e pulei em suas
costas. Bem…. eu já sabia que Henrique era alto, só que agora ele parece o
dobro ou apenas seja eu que pulei alto demais, o cheiro do seu perfume
levemente amadeirado mexeu com meus sentidos.
— Wow, até que você é um pouco pesadinha.
— Henrique, pelo amor de Deus não me derruba! — Eu praticamente
berrei em seus ouvidos, me agarrando nele o máximo que podia.
—E se eu for um pouco para cá? — ele disse se inclinando, me fazendo
gritar seu nome desesperadamente.

— Acho melhor ir para cá. — Ele inclinou para o lado oposto.


— Para!

— OK. Vamos apenas sentir o vento, então.

— O quê? — eu perguntei, confusa.

Henrique começou a correr pelo estacionamento e eu juro que meu


coração galopeava em meu peito. Ai, meu Deus, por que fui aceitar essa ideia
louca dele? E como eu me odeio agora por isso. Pensamento do tipo “e se ele
tropeçar em uma pedra e nós cairmos?” atormentavam minha mente e eu não
conseguia descartar essa possibilidade de jeito nenhum.

— HENRIQUE… — eu choraminguei alto. — ME PÕE NO CHÃO,


POR FAVOR. EU… — Um bolo de cabelo entrou na minha boca no meio do
meu discurso dramático e desesperado.

— Olha lá. — Ele parou ofegante em frente ao carro, me soltando e


apontando na direção de umas meninas que estavam passando e rindo.
Sinceramente, parecia que era eu quem tinha corrido com alguém nas
costas pois a minha respiração estava mais acelerada do que a dele.
— Enquanto você estava chorando elas acharam engraçado.
Eu me recompus e disse, cruzando os braços:

— Eu não estava chorando.


Ele chegou um pouco mais perto e sorriu de um jeito que me fez
esquecer essa palhaçada que ele aprontou comigo.

— Você fica tão bonitinha quando se sente a dona da razão…


— Besta. — Revirei os olhos.
— Bem… deixa eu te levar logo para casa porque tenho que causar boa
impressão para minha sogra.
— Sogra? — perguntei rindo e entrei no carro.

Henrique deu a volta entrou, colocou o cinto de segurança e, enquanto


colocava a chave na ignição, ele disse:
— É, ué. Apesar de que até agora você nem me apresentou a ela, mas
tudo bem… eu te entendo. Você deve estar um pouco nervosa, até porque
todas as apresentações geram nervosismo mesmo.
Ele piscou para mim. Eu o encarei. Eu estava confusa e feliz ao mesmo
tempo. Confusa pelo que Henrique acabou de dizer, porque eu não sei se foi
apenas uma brincadeira ou uma indireta. Feliz por essa noite que tive, tenho
certeza de que nunca terei outra igual. Eu pensei que ficaria com vergonha a
maior parte do tempo, porém não. Ao lado dele pude ser quem realmente sou.

*****

Eu me despedi de Henrique, que tinha deixado um selinho em meus


lábios e, puxa vida, como era bom sentir seus lábios contra os meus. Eu fechei
a porta e fiquei de costas nela, soltei um suspiro longo e partes daquele
encontro vieram do nada em minha mente. A forma como a nossa risada junta
fazia uma melodia tão perfeita me fez viajar em pensamentos.

Fecho os olhos e sinto as laterais dos meus lábios subirem formando um


sorriso bobo.
— Eu ainda não estou acreditando nisso. — Uma voz irritada que eu
conhecia bem disse, me dando um susto e me fazendo recompor.

— O que você ainda está fazendo aqui? — eu perguntei espantada a


Daniel, que estava na minha frente me olhando de uma forma incrédula.
— Alguém tinha que se certificar de que você iria chegar bem. — Ele
disse isso como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, foi como se eu tivesse
perguntando “quanto é 1+1?”

— Daniel, eu não sei o que está acontecendo aqui — eu disse chegando


um pouco mais perto —, mas não preciso da sua proteção — falei um pouco
mais alto. — E NEM QUERO.
Daniel olhou para trás, voltou a olhar para mim como se estivesse
procurando alguma coisa, olhou para os lados também e disse:

— Mas quem disse que você tem que querer algo?

— Você está ficando louco?

— Não! Karine, ele é um mau sujeito, você não o conhece!

— Por que ele é mau sujeito?


Daniel soltou um suspiro sem paciência e me encarou.

— Me escuta vai… eu… droga! Não quero que ele te machuque.

— Vá se preocupar com a Lila, não comigo! Afinal, você nunca se


importou, agora do nada começa a dar chiliques.

Ele arregalou os olhos.

—Meu Deus, como você é teimosa!


Balancei a cabeça para os lados sem paciência alguma e disse:

— Chega! Eu vou subir para o meu quarto, pois minha noite foi perfeita
demais e não é você que vai estragar o restante dela.
— Eu? — Daniel apontou para o peito.

— Sim. — Eu virei meu rosto do jeito que Lila faz e joguei meus
cabelos para trás. Só que a cena não ficou igual à de Lila… talvez seja porque
o cabelo enroscou entre meus dedos me fazendo quebrar alguns fios.
Argh! Que droga!
—Depois não diz que eu não avisei — eu escutei Daniel falar atrás de
mim, seguido de um bater de porta.

Virei-me no meio da escada e encarei agora o lugar vazio onde antes


Daniel estava.

Mas eu estou dizendo… Quem ele pensa que é para bater à porta da
minha casa desse jeito? E isso agora de esperar eu chegar? Nem mamãe fez
isso!

Entrei no meu quarto, peguei meu celular e dei um toque a cobrar no


celular de Jenny. Sim, eu estava sem crédito. Eu poderia muito bem descer lá
na cozinha, mas não queria, a preguiça que está no meu corpo agora é muito
maior do que a importância de um aumento na conta telefônica de Jenny.

Dei três toques e esperei Jenny retornar.

— Oh, meu Deus. Estava tão ansiosa por esse momento, que até já roí
todas as minhas unhas.

— Hahahah! Boba.

— Fala logo….

— Eu amei tudo!

Escutei um grito bem agudo de Jenny do outro lado da linha, me joguei


em minha cama e comecei a contar tudo, detalhe por detalhe.

*****

— Quem aí está ansioso? — Tia Mary grita e sacode os pompons


vermelhos de Lila no ar.
Hoje de manhã eu não fui acordada pela mamãe e nem pela claridade
que entrava pelo meu quarto de manhã. Fui acordada pela zoada que o povo
estava fazendo lá embaixo.
Como todo mundo da minha família de parte de mãe conhece Daniel,
até porque Lila e ele namoram há dois anos, então todos ficaram sabendo
desse jogo e resolveram fazer presença para apoiá-lo.

A família de Daniel ligou antecipadamente e pediu para esperarmos por


eles, pois viriam para cá e assim todo mundo ia junto.

Eu arrasto a cadeira e me sento no balcão apoiando meu queixo com a


mão, o celular vibra em meu bolso e eu o pego para verificar, quando sobe a
notificação de uma mensagem de Henrique.

— Quanta animação, hein Karine? — tia Clarke critica chegando mais


perto de mim e batucando seus dedos no balcão enquanto me encara. Eu iria
abrir a mensagem para ler, mas guardei meu celular de volta no bolso e fiz
uma cara de tédio para tia Clarke.

A verdade era que eu não estava com a mínima vontade de assistir a


esse jogo. Talvez seja porque meu coração ansiava que a vitória seja de
Henrique e ao mesmo tempo de Daniel. Apesar do que aconteceu ontem, eu
não quero ficar mal com ele. E só de pensar que me sentarei na arquibancada
do time de Daniel, minha cabeça lateja. Se eu apenas pudesse impedir esse
jogo…

— Deixa minha neta em paz! — minha vó Valdete fala e bate de leve a


bengala na perna de tia Clarke.
— É impressão minha ou minha neta está ficando peituda?

Tia Clarke ri e eu pego o jornal em cima do balcão rapidamente para


cobrir meus peitos pela vergonha.
— Vó… — falo sem graça.

O som da campainha chama a nossa atenção.


— Eu atendo — minha prima Lana, que estava assistindo TV em cima
do sofá fala.

Lila desce as escadas correndo, alisando seu cabelo, que está mais
perfeito do que em outros dias.
— Ei maninha, dá uma olhada aqui? — Lila gira. — Está tudo OK? Tá
legal? Tô apresentável?
— Sim. Sim. Sim.

— Tia Mary, passe meus pompons para cá.

Tia Mary revira os olhos e passa os pompons para Lila. Assim que ela
dá as costas, Mary lhe mostra a língua.

— Gente eu estou indo, porque ainda precisamos ensaiar uma última


vez. Espero vocês lá. — Lila se despede e sai correndo pela porta. Eu me
inclino um pouco para olhar a janela da cozinha e vejo o carro de Alice já
estacionado, esperando dar partida.

— Sua vez, Karine — tia Beth fala chegando mais perto de mim, com
dois potinhos de tinta vermelha e branca nas mãos e os dedos sujos.

— Minha vez do quê?

— De pintar a cara… todo mundo pintou, só falta você.


Esqueci desse detalhe. Eu pulo fora do banquinho me afastando de tia
Beth, que se aproxima mais.
— Mas Lila não pintou o rosto — dou uma desculpa.

— Lila é cheerleader do time, nem precisa, né Karine?


— Mamãe também não. — Mamãe, que estava abrindo a geladeira, se
virou e me olhou:

— Daqui a pouco eu vou pintar.


— Ah… — eu disse sem graça.

— Vamos, vem, senta. — Tia Beth puxa meu braço me fazendo sentar
no banquinho novamente.
— Gente, a família do Danny chegou — Minha prima Lana fala
entrando na cozinha e, atrás dela, a família de Daniel: mãe, pai, e o sobrinho
Alessandro vem logo atrás.
No primeiro dia que vi Alessandro eu poderia jurar de pés juntos que
ele e Daniel eram irmãos gêmeos, mas uma única característica mudava tudo:
a cor dos olhos. Enquanto os de Daniel eram azuis e impactantes, os de
Alessandro eram verdes como esmeraldas.

— E aí? — ele me cumprimentou com um gesto de mãos.

— Tudo bem? — perguntei.


— Sim e você?

— Estou ótima, quer pintar o rosto? — Peguei a tinta da mão de Tia


Beth, que nesse momento estava muito ocupada conversando com a mãe de
Daniel.

— Pode ser….você sabe pintar, né? Vai fazer cagada não, hein…
— Não. Relaxa. — Eu provavelmente gostava de Alessandro. Ele é
legal e simpático, a gente sempre se deu muito bem, desde o início.

— Bem… como você quer?


— Faz uma estrela meio a meio de cada cor.

— Beleza.

*****

A arquibancada estava lotada, o barulho das torcidas era ensurdecedor,


mas era bonito de se ver. Aquela energia toda, a vibração, tudo contagia.
Tinha pessoas que estavam com o rosto pintado igual à gente, menos eu…
Consegui me livrar dessa, outras com camisas tinham aquelas mãos gigantes
também e clarineta.

— Onde vamos nos sentar? — tia Beth pergunta.


— Ali ó — Alessandro disse apontando para quatro lugares vazios na
arquibancada.
— Mas só tem quatro lugares — eu disse.

— Não se preocupe, vão vocês — Octávio pai de Daniel falou. —


Procuraremos outro.

Vovó pegou no meu braço para se apoiar e disse:

— Vamos logo, antes que alguém ocupe aquele lugar por nós.

— Com esses passos lentos da senhora é bem capaz mesmo, viu… —


Alessandro disse debochadamente.

— Então, o que está esperando para correr até lá e reservar aquele lugar
para nós em vez de só reclamar? — vovó rebateu Alessandro e eu contive
uma risada dentro de mim.

Depois de nos acomodarmos (vovó, Alessandro, tia Beth e eu) disse a


eles que iria na barraca do lado de fora perto dos vestiários dos garotos para
comprar uma garrafa de água, estava morrendo de sede.

Desci da arquibancada rapidinho, até porque o jogo iria começar em


instantes e corri para o tiozinho da barraca. Por sorte, tinha só uma pessoa na
minha frente.

Então, eu senti braços me rodearem e me girarem para que eu ficasse de


frente para o dono deles.
— Oi.

— Eu sei que você está torcendo para o time do seu colégio, não… Não
estou bravo.
— Na verdade, eu não estou torcendo para ninguém — eu disse a
Henrique.
— Então, por que está sentada na arquibancada do seu time?
— Você me viu?

— Mas é claro que eu te vi.


— Estou com a minha família.
— Se eu ganhar, você ficará triste?

— Não. — Saiu em um tom de sussurro da minha boca.

Henrique me puxou para um abraço apertado e eu senti o cheiro do seu


perfume levemente amadeirado.

— Ei, casal… é a vez de vocês… Se vocês não forem, vou passar na


frente. — Uma garota disse atrás.

— Uma garrafa de água — eu pedi.

Henrique pegou alguma coisa do bolso e deu ao tiozinho.

— Não era para você pagar! Eu ia pagar.

— Já era.

Eu peguei minha garrafa de água e saí da fila logo porque a menina


atrás já estava bufando de raiva.

— Henrique, venha logo se vestir! — Um cara que parecia ser o


treinador do time Diamond disse, estressado.

— Bem… eu vou lá. — Ele deixou um beijo em meus lábios e correu


para o vestiário.
— OMG, não me diga que aquele é o Henrique! — Jenny fala,
aparecendo do nada meu lado.

— Sim. — Solto um suspiro.


— Você não me disse que ele era tão gato assim.
Eu ri.

— Está nervosa?
— Muito! Sua irmã me fez treinar umas trocentas vezes um único
passo.

— Você está tão bonita Jenny, vestida de cheerleaders…


— Oun, você gostou?
— Sim.

— Bem, deixa-me ir… Beijos.

— Outro.

Corri para a arquibancada em meu lugar novamente e a tia Beth pediu


um pouco da minha água.

Eu vi as cheerleaders do nosso colégio já entrando animando e as do


time Diamond entrou no outro lado do campo animando a torcida adversária
também por alguns minutos, até os jogadores dos dois times entrarem e o meu
olhar encontrar com o Henrique no campo que piscou para mim.

As cheerleaders ficaram na lateral do campo chacoalhando os pompons


e os jogadores se organizaram em suas posições esperando o juiz, até ele
chegar e apitar o início do jogo.

Capítulo 29 – Que jogo!

“Só queria terminar dizendo isso: da próxima vez que você encontrar alguém
que fique na chuva por você, se molhe.”

— Gabito Nunes

Assim que o juiz apitou o início do jogo, eu esperava que um silêncio mortal
caísse nesse campo… OK… Talvez tenha caído, mas não acertado em tia
Beth, pois ela não parava de gritar ao meu lado coisas do tipo “Vai Daniel”.
“Vamos ganhar essa parada.”
Eu estava tensa sentada nesse banco e não conseguia disfarçar a minha
cara, quando vi os caras do time Seattle simplesmente fazerem uma jogada
perfeita passando por todos do time Diamond e fazer o famoso touchdown.

A arquibancada do meu lado foi à loucura, as cheerleaders começaram


a gritar também de felicidade e soltaram coreografias seguidas de gritos de
guerra.

— VOE SEATTLE, PÕE O QUARTERBACK NO CHÃO. VAI


SEATTLE BOTA PRA QUEBRAR, PORQUE O NOSSO ATAQUE
NINGUÉM VAI SEGURAR! — elas cantavam.

O cara que fez o touchdown correu para uma das cheerleaders e deixou
um beijo em seus lábios arrancando um suspiro de tia Beth. Só assim para ela
sossegar um pouco, então o juiz pediu para todos os jogadores voltarem às
suas posições.

Alguns longos minutos de tensão se passaram até o time Diamond


conseguir praticamente quebrar a barreira do Seattle e conseguir também
deixar o touchdown deles.

— Yeaaaaaah! — eu praticamente gritei, me levantando do banco, não


conseguindo conter minha alegria.
— Karine! — tia Beth disse ao meu lado pegando no meu braço e me
fazendo sentar novamente, porém eu parecia uma criança que não conseguia
ficar quieta no banco, porque eu simplesmente queria me levantar e gritar
mais um pouco.
— Você está fazendo todos nós passar vergonha — ela disse baixinho.

Então, eu parei por um momento e percebi que somente eu tinha gritado


daquele jeito, não somente eu… porque é óbvio que a arquibancada do outro
lado do time Diamond estava vibrando, mas somente eu nessa arquibancada.
Eu abri a boca para dizer algo, porém não consegui. Talvez seja porque
algumas pessoas estavam me encarando de forma estranha ou porque tia Beth
ainda estava segurando meu braço em um aperto suave, mas preciso, até ela
soltar e eu escutar as cheerleaders do Diamond ganhando sua vez de soltar
seu grito de guerra.

— CADÊ A TORCIDA DO DIAMOND? CANTE COMIGO!


TORCIDA DO DIAMOND, CANTE COMIGO!

VAAAAAAAAAAI DIAMOND.

*****

Depois de um longo intervalo de jogo e algumas zoações de Alessandro


contra a minha pessoa, o jogo tinha começado de novo.

O time Seattle estava para trás por um touchdown no primeiro tempo,


até o treinador trocar alguns jogadores em campo e eles conseguirem o
empate.

Estavam faltando apenas uns dois minutos restantes de jogo.


Então, eu vi o Daniel correr pela linha, quebrar o passe daquele
arremessador enorme e sair correndo pelos quarenta metros do campo. Ele
estava fazendo com que todos corressem atrás dele, porém Daniel continuava
se esquivando para fora de seus braços. Foi uma corrida incrível, e todos nós
pensamos que ele iria marcar, até que vimos o zagueiro do outro lado do
campo pronto para acertá-lo na linha das cinco jardas, mas não foi suficiente
para parar Daniel. Ele se esquivou por baixo do cara e foi parar na linha de
fundo.

Touchdown!
O juiz apitou o fim do jogo dando a vitória para o Seattle, que acabou
ganhando com seis de diferença, e Daniel ganhou o jogo praticamente
sozinho.

Eu estava paralisada, não sei muito bem o que aconteceu comigo, mas
não consegui comemorar junto com os outros a vitória. Então, eu percebi que
no fundo eu queria que o time Diamond ganhasse pelo simples fato de
Henrique fazer parte dele.

— Karine — tia Beth disse ao meu lado enquanto sorria, e percebi o


quanto tia Beth envelheceu nesses últimos tempos sem vê-la —, vamos descer
para o campo — ela disse.
Uma gota vinda do céu caiu em minha testa, um sinal bem claro de que
iria chover.

— Licença — eu pedi à tia Beth passando em sua frente e na de todos.

— Calma, Karine… Todo nós vamos descer. — Eu escutei a voz de


Alessandro atrás de mim, porém não me importei.

Eu olhei uma última vez para o campo e percebi o quanto o time


Diamond estava desolado. Alguns jogadores se ajoelharam no chão e
enterraram a cabeça na grama, enquanto outros balançavam a cabeça
negativamente como se não pudessem acreditar na derrota. Eu vi Henrique
com as mãos na cintura olhando para o céu, até parecia que ele estava
procurando alguma explicação.
Eu empurrei algumas pessoas e escutei elas me xingarem. O portão que
dava acesso ao campo estava amontoado, então resolvi pular a cerca que o
separava.

Eu vi Daniel sendo jogado para cima pelos seus parceiros e o sorriso em


seu rosto foi o maior que já vi, até ele ser colocado no chão e me avistar.
Eu desviei meu olhar e olhei para a frente em uma distância longa, pois
o campo realmente era grande onde se encontrava Henrique. Ele agora estava
olhando para o chão, até levantar a cabeça e olhar para mim.
Eu respirei fundo e corri em sua direção o mais rápido que pude. Eu
tinha que senti-lo em meus braços.
Até que consegui. Henrique me abraçou forte como se quisesse de
alguma forma fundir seu corpo com o meu. Eu o senti enterrar o rosto em
meu pescoço e me arrepiei quando senti sua respiração.

Henrique se afastou um pouco para me olhar e perguntou:

— Karine, por que está me abraçando em vez de comemorar a vitória


do seu time? — Sua cara de confuso me fez ter vontade de rir, porém só sorri
e lhe disse:

— Era para os teus braços que eu queria correr.

Ele me puxou para si e me beijou tão ferozmente que deixei escapar um


gemido, até que senti uma cortina de chuva cair sobre nós.

Capítulo 30 - Perfeito demais!

“Você já fez isso? Pensa em todos os momentos que teve com aquela pessoa e
dá replay na sua cabeça, de novo e de novo. São os primeiros sinais de que
você está com problemas.”
— 500 dias com ela

Olhamos para o céu, que estava sendo colorido pela cor do time Seattle —
vermelho e branco — pelo efeito das bombas enquanto sentimos a chuva nos
molhar.

A verdade era que tudo estava perfeito demais! Eu estava feliz apesar
dos pesares como há muito tempo eu não me sentia. Eu estava me sentindo
tão bem que mal consegui falar quando Henrique virou para mim ainda
sorrindo e perguntou:

— Por que está me olhando assim?

— N… nada é que… estou tão feliz!

— E por acaso a razão dessa felicidade sou eu?

— Ahn?! Claro que não, seu metido! — Dei um tapa nele rindo.
— Vixe! Demorou demais pensando, sinal que é.

Eu abri a boca para contestar mais uma vez quando de repente alguém
chamou seu nome.

Nós dois olhamos na direção do chamado.

— Henrique! — Era um cara alto, forte, do time Diamond.

— O quê?
— Nós vamos para casa, você vai ficar aí?

— Mas já?

— Vamos ficar aqui fazendo o quê? — O cara perguntou jogando os


braços ao lado do corpo. — Vendo o adversário comemorar a vitória?!

Henrique olhou para mim e me encarou por alguns instantes.

— Se você quiser, pode ir — eu disse.

— Te vejo amanhã? — ele perguntou para mim.


— Claro.
Henrique me beijou mais uma vez e se despediu. Eu senti uma leve
vontade de correr atrás dele e implorar para que ficasse mais um pouco
comigo, mas guardei essa vontade só para mim.
Eu virei para trás e vi Jenny pulando de felicidade sozinha. Ri vendo
essa cena. Eu procurei Daniel pelo campo, mas não encontrei. Com certeza
ele deve estar em algum lugar com Lila, já que ela também não está. Queria
deixar meus parabéns e dizer que ele fez um belo jogo, mas pelo jeito não
será possível entregar essas palavras hoje. Então, saí caminhando em direção
de tia Beth e vó Valdete, que estavam conversando sozinhas perto da
arquibancada, em um lugar coberto.

A chuva estava já diminuindo, ficando assim uma garoa fina.

— Cadê mamãe, tia Beth? — perguntei assim que cheguei perto delas.

— Ela saiu para procurar Lila.


— Ah.

*****

Depois das premiações, nós fomos para casa. Porém, que fique bem
claro que o único que não recebeu medalha foi o Daniel. Simplesmente,
depois do sumiço, disseram Lila e mamãe que ele foi embora, pois não estava
muito bem.
Tia Beth, Mary e Clarke junto com vó Valdete voltaram para casa
também, o único que ficou foi Alessandro. Ele disse que iria ficar uns três
dias na minha casa.
— Preciso falar com você — Lila fala, já entrando no meu quarto e
fechando a porta atrás de si.

— Fale. — Eu me sentei na minha cama sentindo agora o quão cansado


meu corpo estava.
— Meu aniversário é depois de amanhã e eu não quero que você lembre
Daniel disso! — ela disse apontando seu dedo indicador magrelo no meu
rosto.
— Para que eu iria fazer isso? Aliás, nem me lembrava que seu
aniversário é amanhã.
— Novidade, Karine… Novidade.
— É só isso? — perguntei, com esperança em Deus que fosse.

Lila olhou ao redor como se estivesse procurando alguma coisa no meu


quarto e respondeu:

— Não.

Que decepção!

Ela foi até a porta e a trancou. Depois subiu na minha cama e, como se
fôssemos grandes amigas, começou a falar:

— Sabe a festa de Susan nessa sexta?

— Ai, Deus — suspirei preocupada. — Sim.

— Não vai mais rolar porque a minha vai rolar primeiro e não pode
rolar duas festas na mesma semana.

— Por que não?

— Vai contra as regras — Lila disse, sem paciência.

— Quem ditou essas regras?

— Ah! Sei lá… Mas então, você ainda me deve uma.


— Lá vem…

— Karine, não reclama! Esse foi o nosso acordo, lembra?!


— Infelizmente sim… prossiga logo. O que você quer?

— Eu quero que você sirva os salgados para mim, na minha festa de


aniversário.
— O QUÊ?! — Eu praticamente gritei me levantando da cama.

— Ah, Karine — Lila levantou da cama também e me encarou. —


Mamãe não tem dinheiro suficiente para pagar os garçons… E… eu preciso
que essa festa seja o máximo!
— A festa vai ser aqui em casa?
— Infelizmente, sim.
Logo veio à minha mente a imagem de um monte de gente suada e
louca, dançando juntas. (ECA!)
— OK — eu disse. — Como é acordo, né? Bem, é apenas isso?

— Sim.

Aleluia!

Lila ficou paralisada uns segundos até se virar e ir.

Droga, agora vou virar garçonete! OK. É apenas por uma noite Karine,
você consegue!

*****

Dois dias depois.

Minha mente não parava de pensar naqueles olhos castanhos.


Viro-me na cama e suspiro alto, enquanto sinto um leve friozinho na
barriga.
Ontem à noite Henrique e eu ficamos deitados no capô do carro quando
ele virou para mim e perguntou qual estrela do céu eu achava mais bonita.

Eu encarei o céu acima de nós e o fitei, por um momento analisando


cada estrela, quando uma em particular chamou minha atenção.
Ela estava sozinha, distante das outras, porém era a que mais chamava
atenção, talvez por ser a mais brilhante ou apenas por ser a única a ser isolada.

Eu apontei para o céu e disse:


— Aquela… se eu pudesse, pegaria aquela para mim.

Henrique se apoiou nos cotovelos e encarou a estrela solitária que eu


havia dito.
Quando eu já ia perguntar qual estrela Henrique achava mais bonita
também, ele se virou para mim e disse:

— Se me pedir aquela estrela, eu busco para você toda a constelação.


Fecho os olhos com força tentando afastar esses pensamentos., mas eles
me torturam e me fazem ter náusea.

Depois que Henrique se despediu de mim, ele me envolveu em um


abraço tão aconchegante que deu vontade de não largá-lo mais. Seu cheiro
levemente amadeirado mexeu com meus sentidos.

Aperto meu travesseiro para mais perto de mim e me encolho na minha


cama, mas a minha mente me leva a outro momento, em outro lugar, com
outra pessoa com olhos azuis fascinantes.

Daniel.

Afasto o travesseiro de mim.

Naquele mesmo dia à tarde Daniel veio falar comigo no colégio, na


hora da saída. Eu estava sozinha na frente do colégio, Jenny já tinha ido
embora e metade do colégio também. Eu apenas estava esperando Henrique
chegar, pois ele havia me mandado uma mensagem dizendo que iria me
buscar. Então, liguei para mamãe e falei que não precisa ela vir. Mamãe não
procurou saber por que, apenas disse “OK”. Então, Daniel apareceu do nada
ao meu lado. Ele parecia sem graça, meio desconcertado.

• Flashback on •

— Oi — Daniel disse.

— Oi. — Essa é a primeira vez que estamos conversando desde o jogo.


Apesar de que Daniel se mantém indo em minha casa para buscar Lila de
manhã para levá-la ao colégio, mas nós nunca temos tempo para conversar.
— Você está bem?
Eu o encarei enquanto colocava minha franja atrás da orelha e digeri
essas palavras que pairaram no ar.

— Sim, e você?
— Eu queria conversar com você sobre outra coisa, mas nunca dá, e só
agora tive a oportunidade de te encontrar.

Soltei uma risada sem graça e sorri amarelo.


— Verdade.

— Eu não sei o que está acontecendo, mas ….

Uma voz atrapalha o que Daniel tinha a falar.

— Ei, Karine — Henrique diz se aproximando enquanto joga a chave


do seu carro no ar, e a pega. — Vamos? — Ele passa o braço ao redor dos
meus ombros.

— Ah… — Olho para Daniel e o vejo cerrar os punhos e o maxilar.


Seus olhos perfuram Henrique de uma tal maneira que era como se ele
sentisse ódio.
— É que o Daniel ia me falar uma coisa — eu digo.

— Pode ir, até… — Daniel diz em um tom frio.

Henrique me puxa para que possamos dar meio volta e ir. Eu olho para
trás e aceno em despedida à Daniel, que sorri para mim. Não um sorriso largo,
mas um meia boca, um sorriso que fez borboletas no meu estômago
acordarem.

• Flashback off •

— Karine. — A voz de Jenny soa do outro lado da porta do meu quarto,


que está encostada.
— Entra.
— Você está quietinha aí… Alguma coisa aconteceu?
Como hoje é aniversário de Lila eu pedi a Jenny para me ajudar e tudo
mais, e aqui está ela, como sempre… sempre ao meu lado. Eu não consigo
lembrar de alguma vez que Jenny me disse “não”, sou eu que sempre digo
essa palavra a ela. Como na noite do baile, que eu não queria ir, como para
participar do teste das cheerleaders, e como outras mil vezes. Agora Jenny,
não. Ela sempre me diz “sim”, sempre está lá para mim, me ajudando, me
apoiando, me aconselhando. Jenny é a minha melhor amiga, não por eu não
ter outra, mas sim por tudo que ela faz por mim. Eu espero do fundo do meu
coração que a nossa amizade dure eternamente, que possamos estar velhinhas
e ainda sermos amigas.

Ela e Ramon estão se dando muito bem ultimamente. E aquilo de Jenny


achar que ele vendia droga era apenas um mal-entendido. E sim, Ramon tem
outra irmãzinha pequena de apenas dois anos que mora com ele. A cada dia
que passa, é uma novidade sobre Ramon. Ele convidou Jenny para sair esse
fim de semana e é óbvio que ela aceitou de boa.

— Sim, só estou um pouco pensativa hoje.

— E isso tem a ver com Henrique? — Jenny pergunta, deixando a porta


do meu quarto entreaberta e se sentando na minha cama.

— Com os dois! — falo, deitando e tapando a minha cara com o


travesseiro.
— Os dois? Guria, como assim? Você tem amante? — A voz de Jenny
parece desesperada e curiosa ao mesmo tempo.

— Não… é só… o Daniel.


— Tira esse travesseiro da cara que fica impossível entender assim. —
Ela arranca o travesseiro de mim.

— O que tem o Daniel?


— Aí é que está. Eu não sei.
— Eu pensei que você gostasse de Henrique, aliás você parece tão feliz
perto dele.

— Sim, eu sei, mas é que… eu não consigo esquecer Daniel — falo


dramaticamente, quase chorando.

— Talvez seja porque você o beijou no baile e tal…

— Não acho que seja por causa disso.


— Então, é por quê? — Ela tira os sapatos e se deita ao meu lado.

— Ah Jenny, você sabe que antes mesmo do baile acontecer ele me


confundiu com a Lila e me beijou. Eu já tinha uma queda por ele, e como não
ter? Porém, eu guardava isso para mim, mas agora o Daniel tem estado
estranho comigo, como se me notasse, como se ele se importasse comigo. Eu
tenho tentado esquecer ele, mas toda vez que eu estou no meio do progresso
ele vem, com aquele jeitinho falando comigo, e estraga tudo! E quem se ferra
sou eu, que tenho que começar desde o zero.

— Então, você não gosta do Henrique?

— Eu gosto dele, mas eu também gosto de Daniel, mas eu não posso


gostar dele, porque além de Daniel namorar a minha irmã, ele não gosta de
mim. Então, eu estou me odiando ultimamente por isso.

— Eu não queria admitir, mas… você está em maus lençóis.


— Conselhos?

— Eu não acho que agora verdadeiramente você goste de Henrique,


porque senão você não pensaria no Daniel.
— Vontade de chorar… — eu digo e deito a cabeça no peito de Jenny,
que começa a fazer carinho no meu cabelo.

— Mas tudo vai ficar bem, guria, você vai ver. Se bem que às vezes
parece que Daniel gosta de você, sabia?
Eu levanto a cabeça para encará-la.
— Realmente? — Eu sinto meu coração palpitar mais forte e tudo o que
eu quero ouvir é ” sim . Por mais que seja uma mentira eu quero acreditar
nela, talvez porque isso vá me confortar, eu não sei, apenas quero acreditar.

— Sim — Jenny fala.

Agarro-me a essa palavra como se ela fosse uma corda e me enrolo


nela, como se fosse meu cobertor. Por que diabos meu coração tinha que bater
forte justo por ele? Se eu apenas pudesse impedir esses sentimentos que
transbordam dentro de mim… Mas eu não consigo e, quando tento, falho.

— Meninas? — Lila fala aparecendo na brecha da porta — Estão


ocupadas?

— Não, pode entrar — falo.

Lila entra e percebo o quão linda ela está.

Seu vestido rosa claro caiu perfeitamente bem em seu corpo,


valorizando cada curva. Sua maquiagem está bem leve, somente o necessário.

— As pessoas já estão chegando. Se puderem já descer para servir os


salgados, já estão podendo. E, Karine… Mamãe depois quer falar com você
sobre seu namoradinho — Lila fala e se vai.

— Você ainda não falou para a sua mãe sobre o Henrique?


— Não. Afinal, não estamos namorando, ele não me pediu em namoro
até agora.

— Por falar em namoro, o bofe que está aqui na sua casa namora?
— Que bofe? — Então, lembro: — Alessandro? Não que eu saiba….
Vou até meu armário e coloco um vestido soltinho no meu corpo
também. Não é porque vou ser garçonete que tenho que estar feia. Passo um
gloss de leve nos meus lábios e amarro meu cabelo em um coque alto.
— Amiga, não se esquece que você está com Ramon, hein? — alerto
Jenny enquanto coloco minhas sandálias de tirinhas.
— Ele também não me pediu em namoro até agora. Me passa esse gloss
que você estava passando — Jenny pede. Vou até a cômoda onde o deixei e
lhe entrego.

— Karine, desde que você conheceu Henrique, você tem se importado


mais, digo, com a aparência, sabia?

— É. — Solto uma risada baixa e dou uma última olhada no espelho. —


Eu sei, afinal agora eu tenho um motivo para estar bonita, tenho alguém para
o qual devo me arrumar.

— Na verdade, você sempre teve, guria. Você mesma é o motivo, e não


um cara.

Capítulo 31 – Feliz aniversário, Lila!

“Eu juro, eu te faço feliz, eu te faço mulher, eu te faço princesa, eu entro com
todo meu amor, você entra com toda sua beleza.”

— Banda Ego/Juro.

Estava tudo indo bem, “bem” perceberam o sarcasmo? Apesar dos meus
sentimentos mútuos estava tudo em seu devido lugar. Quem diria que em uma
noite de aniversário da minha irmã, as coisas iriam dar uma reviravolta?! Mas
a culpa é minha! Minha que não o afastei, que não resisti! Minha, que fui
fraca demais.

OK, vocês devem estar confusos então vou contar desde o começo.
Lá no comecinho, quando Lila falou para Jenny que se quiséssemos
servir os salgados já estávamos podendo.

• Flashback on •

Então, eu tranquei o meu quarto e escondi a chave no vaso de planta


que tinha no corredor.

— Por que você está trancando o quarto? Você nunca o tranca — Jenny
disse.

— Ah, vai saber, Jenny, se algum engraçadinho inventa de entrar aqui e


aprontar… Tenho certeza que você já assistiu aqueles filmes de festas dentro
de casa, onde os jovens estão bêbados, loucos e cheios de hormônios!

— Vai ter bebida?

— Acho que sim, com certeza mamãe comprou. Se não comprou, Lila
pegou as garrafas que ela esconde atrás da pia da cozinha.

Assim que chegamos no alto da escada para a sala, eu percebi o quão


lotada minha casa estava.

Tenho certeza de que todo mundo do colégio está aqui. Claro, somente
os populares, porque quem organizou a lista de convidados foi a Lila e a Alice
e tenho certeza de que essas duas não convidaram os menosprezados.

Na sala retiraram o sofá e a estante deixando-a assim mais espaçosa e


colocaram uns instrumentos e um palco improvisado. Tenho que admitir, até
que ficou legal.
Tinha algumas pessoas dançando a música lenta que estava tocando. Na
sala, enquanto conversavam e sorriam com seus parceiros e outros encostados
na parede ou na escada que dava para o andar de cima, Jenny e eu descemos e
uma música eletrônica começou.
Eu estava olhando ao redor quando meus olhos encontram-se com os de
Daniel, que estava atravessando a porta da entrada.
Eu olhei para o lado e vi Lila saltitando, sorrindo em sua direção. Ela o
abraçou e deixou um selinho demorado em seus lábios. Meu estômago se
contorce e eu contenho uma careta.

Lila pegou em suas mãos e o arrastou para o palco improvisado. Daniel


pareceu que não queria subir, eu o vi de longe contestando, enquanto Lila só
sorria e entregava um violão em suas mãos.
Depois, ela correu até onde Jenny e eu estávamos.

— Daniel fez uma música para mim, então eu não quero que vocês
sirvam os salgados nesse instante, só depois que ele acabar, OK?

— Por quê? O que isso tem a ver? — Jenny pergunta.

— Tudo né, Jenifer. Quero todos prestando atenção na música que ele
vai cantar. — Lila solta um gritinho — E se vocês passaram servindo os
salgados agora, vão tirar a atenção do pessoal.

— Entendo — Jenny fala.

— Olha lá. — Lila aponta para o palco improvisado, onde Daniel está
ajeitando o violão.

— Vou chamar mamãe — ela fala e se vai.

Jenny e eu nos entreolhamos.


— Eu não sabia que ele cantava — Jenny fala para mim.

— Nem eu.
Depois de alguns longos minutos, Lila pediu ao pessoal para que fizesse
silêncio e todos se concentraram a atenção no palco.

Daniel olhou uma última vez para o violão e se aproximou do


microfone. Seus olhos azuis descansaram em mim durante alguns segundos,
que pareceram horas.
— Essa é uma música que compus apenas algumas horas atrás… Bem,
eu não tive muito tempo de fazer algumas correções nela — Daniel diz, sua
voz escoando por toda a sala em um tom suave e harmonioso.
Olhei para o lado, onde agora se encontra Lila. Ela está enxugando uma
lágrima que desce em seu rosto enquanto mamãe a abraça alisando seu braço.
Então, os acordes do violão tomam conta do lugar, alguns assovios
foram soltos e algumas das luzes coloridas foram apagadas. Ficando somente
uma branca fraca, iluminando Daniel no centro.

Abracei meu corpo e o fitei em cima daquele palco improvisado. Sua


voz suave me fez fechar os olhos e prestar atenção em cada palavra, que eu
sabia bem que não eram dirigidas a mim.

— No meio daquela dança de passos lentos o tempo se eternizou. Eu te


girei e te peguei — ele cantou lentamente. — Vou te fazer segura em meus
braços, onde ninguém nunca irá te machucar. Você pode confiar seu coração
a mim, e eu confiarei o meu a você

Os acordes do violão ganham velocidade.

— Eu nunca pensei que seria você, e confesso, eu tento te apagar da


memória, tento fingir que te ver em outros braços em mim não dói. Mas à
noite minha mente me leva até você. Então, por favor, diga que você irá
permitir que eu toque seus lábios de novo, então deixe-me tocar sua pele
macia como seda, deixe-me tocar em seus cabelos sedosos.
Eu te prometo que cuidarei de você e a manterei segura em meus
braços, você só precisa confiar em mim.

Eu abri os olhos e Daniel agora estava com os olhos fechados, cantando


com sua voz um pouco rouca, mas perfeita. A cada acorde, meu coração
martelava mais forte em meu peito. Senti meus olhos pinicarem e a figura de
Daniel embaçar.

— E quando eu te beijei eu juro… nunca provei beijo melhor.


Eu quero me afogar naquela memória.

Eu quero voltar naquele instante, em que estivemos tão perto, mas na


verdade você está longe e cada dia voa para mais longe de mim.
— Eu quero dançar com você outra vez. — Daniel finaliza a música
com um último acorde me fitando e palmas tomam conta do lugar juntos com
gritos e assovios.

— Ô mamãe, Daniel é tão talentoso — escutei Lila dizer.

Jenny me cutuca ao meu lado.


— Por que essa música me parece tão familiar? — ela diz com a testa
franzida.

— Jenny, e… eu… — gaguejo. — Vou para cozinha, já vou servir os


salgados, OK? — falo e saio o mais rápido possível da sala, abrindo caminho
entre as pessoas.

— Com licença — digo para as meninas que empatavam meu caminho.


Eu não estava mais aguentando presenciar aquela cena. Alguma coisa mexeu
profundamente comigo.

A cozinha estava escura, até eu acender a luz e me deparar com caixas e


mais caixas em cima da mesa. Organizei algumas e peguei a que eu colocaria
na bandeja, a qual iria levar para a sala, para servir.

Eu demorei alguns minutos fazendo tudo sozinha porque Jenny até


agora não apareceu, enquanto meus pensamentos me torturavam.
— Quer ajuda? — uma voz perguntou. Eu olhei para trás e o fulminei
com meu olhar.

— Não precisa. — Peguei a bandeja de salgados que tinha organizado e


me virei.
— Eu faço questão. — Daniel se aproximou e tentou pegar a bandeja de
salgados da minha mão, mas eu me desviei. Bem na hora a bandeja inclinou
para o lado fazendo todos caírem no chão.

— Droga! — suspirei, irritada.


Daniel se abaixou no chão e começou a catar os salgados.
— O que você tem? — ele perguntou olhando para cima, para encontrar
meu olhar.

— Nada — menti.
Abaixei no chão e comecei a catar os salgados também.

A verdade era que eu estava nervosa com ele. Talvez por ele ter cantado
uma música para Lila, talvez por eu não ter gostado de vê-la beijando-o.
Afinal, por que estou me importando? Eu já vi cenas como essas e nunca me
importei. OK… deve ser porque confessei a Jenny que estava confusa por
Daniel.

É por isso que não gosto de falar sobre meus sentimentos com ninguém!
Pelo simples fato deles aumentarem depois. Eu não sei como isso funciona,
mas quando compartilho parece que o sentimento fica mais intenso. Eu sei
que a culpa não é de Jenny, é minha! Totalmente minha por ser uma confusão
em pessoa.

— Posso te falar uma coisa? — Daniel interrompe meus pensamentos.

— Claro — disse, enquanto colocava os salgados de volta na bandeja.


O que não mata, engorda! pensei. Ninguém viu nada, então não vão se
importar, aliás não iria jogar toda essa quantidade de salgados fora. Se fossem
os meus amigos nessa festa, até que jogaria, mas não! São os de Lila, e como
uma vingança idiota, não estou nem aí se eles vão comer!
Depois de pegar todos me levantei do chão. Daniel também.

— Eu não aguento te ver perto dele… eu não sei por que, mas eu não
suporto. — Ele não precisou falar o nome, porém eu sabia de quem ele estava
falando.

Henrique.
— Não posso fazer nada — disse sem paciência. Afinal, o que poderia
fazer? Me afastar de Henrique só porque Daniel quer? Não. De jeito nenhum!
Ele não se afasta de Lila, tudo bem que ele nem sabe do meu sentimento por
ele, mas mesmo assim.
Ele esfrega seus cabelos bagunçados de uma forma que me fez ter
vontade de passar as mãos naqueles fios sedosos. Afastei esses pensamentos
da cabeça. Você está brava com ele lembra?

— Eu sei, mas é que…

Coloco a bandeja de salgados em cima da mesa para poder lavar minhas


mãos, que ficaram oleosas. Mas antes eu me viro para ficar de frente com
Daniel, eu preciso falar isso olhando em seus olhos:

— Daniel, talvez você só esteja com inveja — digo dando de ombros,


eu não sei se ele percebeu, mas eu falei grossa.

— De quê? — Daniel veio andando e se aproximando de mim, como


ele é bem mais alto eu tive que olhar para cima.

— Eu escutei uma conversa sua e da Jenifer.

— Que conversa? — Revirei os olhos

— Sobre o baile.

— O que tem ele? — perguntei, curiosa.


— Foi você esse tempo todo…

Meu coração saltou em meu peito.

— Ahn? — De repente a cozinha ficou pequena e abafada demais.


— Não foi Lila, foi você! — Ele falou de forma acusatória para mim.

Era muita informação para uma noite só. Eu não fazia ideia do que falar
a respeito, porque nunca passou pela minha cabeça a possibilidade de alguém
saber sobre isso. Então, gaguejei minhas palavras seguintes:
— Vo… você está me deixando confusa — disse, indo para trás e me
fazendo de desentendida.

— Eu já sei de tudo, Karine. — Ele veio mais para a frente me


encurralando, eu já estava encostada na pia.
Daniel fechou o pouco espaço que havia entre nós, e me senti sendo
pega na cena do crime.
— Por que você não me disse?

Meus olhos se estreitaram em sua direção e uma imensa raiva tomou


conta de mim. Então, eu saí de perto dele.

— Para que? — disse, jogando meus braços para o lado do corpo. —


Para você zoar de mim? Para você ter vergonha? Vergonha de ter beijado a
pirralha? Ah não…— falei ironicamente. — A nerd, esqueci que você mudou
meu apelido — finalizei com um sorriso fingido em meu rosto. Era muita cara
de pau dele me fazer uma pergunta como essa.

Daniel me olhou como se não tivesse entendendo nada, ou como se


estivesse um pouco assustado pela minha explicação.

Então, sua expressão mudou. Seus olhos enfureceram e percebi o


surgimento de uma veia em sua têmpora.

— Eu não seria capaz disso, Karine!

— Você nunca ligou para mim, Daniel! Agora, de uma hora para outra,
você age como se fosse meu irmão mais velho, se preocupando com quem eu
saio, e me inventa essa que não suporta me ver perto dele? Que palhaçada é
essa?

— Eu gosto de você — ele falou um pouco arrasado e desesperado.— A


música…. Era para você.
Pisquei. Eu realmente não sabia o que falar… Talvez, eu devesse dizer:
“Ei, eu também gosto se você, mas estou dividida.” Peraí… Até onde será que
ele ouviu a conversa de hoje?

Eu me encostei na pia novamente.


Estava encarando o chão até escutar Daniel dizer: “Oh Droga!” Ele
puxou seus cabelos de uma forma que parecia que iria arrancá-los pela força.

Daniel me puxou para ele, rápido demais para eu poder raciocinar


direto. Em questão de segundos seus lábios estavam esmagando os meus, suas
mãos se enredaram no meu cabelo. Sua língua áspera e quente mergulhou em
minha boca quando abri.

Ele segurou firme em minha cintura, me arrastando para longe da pia,


me pressionando na parede. Eu escutei o barulho de algo cair no chão, mas
não me importei em abrir meus olhou para ver o que era.

Ele mudou o ângulo do beijo, me beijou mais profundamente. O


contraste de textura explodiu em minha mente — duro e firme contra os meus
quadris, suave e sensual em minha boca.

Sei que a qualquer momento alguém pode entrar aqui na cozinha e nos
ver assim, mas parece que o Daniel não está se importando muito com esse
detalhe. E tampouco eu.

Sua boca era quente, macia e escorregadia. A sua língua passeava pela
minha com urgência, mas ao mesmo tempo gentil.

Daniel apertou mais seu corpo no meu e eu estava consciente de todas


as partes do meu corpo que tocavam o seu. Minhas mãos partiram para sua
nuca, meu rosto sentindo o quão rápido sua respiração estava. Queria poder
afastá-lo, mas eu também queria mais. Mais do seu toque. Mais da sua boca.
Mais do seu corpo perverso pressionando o meu, que formigava onde a mão
de Daniel passeava: meus ombros, braços e cintura.
Seus deliciosos lábios percorreram a linha do queixo, me arrancando
um gemido. Eu enfiei as mãos em seus cabelos, os fios loiros e sedosos
envolveram em torno dos meus dedos quando sua boca voltou para a minha.

O beijo, que no início estava tão feroz, foi ficando lento e eu realmente
esqueci. Esqueci que estava na cozinha. Esqueci que estava beijando o
namorado da minha irmã. Esqueci o quão brava estava com ele. Esqueci a
música alta. Esqueci tudo. Foi como se tudo ficasse em silêncio, só para nós.
— O QUE É ISSO? — uma voz exclamou.

Empurrei Daniel para longe e encarei Lila na frente da entrada da


cozinha, olhando horrorizada.
Capítulo 32 – A briga

“É claro que tinha uma parte de mim que queria voltar atrás e mudar as
coisas. Mas não é assim que a vida funciona. Você não pode voltar atrás.
Escolhas foram feitas e coisas acontecem por causa delas.”

— Desconhecido

— Vo… vocês — Lila balança a cabeça para os lados, sem conseguir


nos olhar.

Daniel e eu estamos encostados na parede a centímetros um do outro e


Lila está à nossa frente.

— Lila… — Daniel fala devagar.

— Não! Eu não quero te ouvir. — Ela aponta o dedo indicador para ele,
e eu sinto a raiva em suas palavras. — E… eu… — Percebo que minha irmã
está fazendo um grande esforço para não chorar na nossa frente. — Eu não
estou acreditando nisso… — ela fala baixinho.
Um calafrio atinge minha espinha e estremeço.

Quando de repente Alice entra na cozinha e, sem perceber o clima


tenso, começa a falar:
— Ei, Lila, o pessoal está te esperando. Vamos cantar parabéns! — ela
diz, animada.

É como se Lila não percebesse a presença de Alice e nem tivesse


escutado as palavras que ela falou, pois seu olhar continua concentrado na
gente, mais especificadamente em Daniel.
Alice olha de Lila para Daniel, e depois para mim, até seu olhar voltar
para Lila novamente.

— Por que vocês estão assim? — ela pergunta.


Mas ninguém responde. Lila ignora Alice e volta a falar:

— Então, era verdade… — Ela abraça o próprio corpo como se


estivesse com frio. — Você estava me traindo… ainda por cima com a minha
irmã.
— Lila, eu não estava te traindo….

Lila parte para cima de Daniel, não o deixando terminar sua explicação,
o enchendo de tapas, enquanto ele tenta se defender.

Eu me afastei com medo, enquanto olhava essa cena.

—Seu idiota! Seu babaca! Como pôde fazer isso comigo?! — ela grita
no meio do tapa que acertou a cara dele.

Alice, sozinha, tenta tirar Lila de cima de Daniel, mas fracassa e eu


tento ajudar. Eu peguei no braço direito e Alice no esquerdo e a puxamos para
trás. Ela resistiu um pouco, e realmente estava difícil segurá-la, mas depois
Lila cedeu nos deixando levá-la para trás.

No rosto de Daniel havia uma marca vermelha que a mão de Lila


deixou e seus braços estavam completamente arranhados. O pouco tempo que
ela teve para bater nele, eu tenho que admitir, ela não desperdiçou nem um
segundo sequer.

Eu sinto pena de Daniel, sinto pena de Lila, sinto pena de mim. Eu não
consigo pensar em nada direito, só fico observando tudo calada.
Ouço burburinhos e olho para os lados, me dando conta de que o
pessoal da festa agora estava na cozinha, se amontoando. Com certeza, a
gritaria chamou atenção, os atraindo para cá.

Eu vi Alessandro abrindo caminho entre o povo e encarando a cena.


— Como eu te odeio! — Lila gritou novamente tentando se
desvencilhar de Alice e de mim, porém nós a seguramos com um pouco mais
de força… A verdade é que eu estava com medo. Medo de Lila se virar para
mim e me atacar também, mas permaneci. Afinal, eu merecia qualquer coisa
vindo dela

— Vamos conversar por favor, sem ser aqui — Daniel pediu em uma
súplica.
— Cala a boca! Eu não quero ouvir sua voz! Sai daqui — Lila apontou
para fora da cozinha.

Mas Daniel continuou intacto, somente olhando para ela.

— SAI! — Lila gritou mais uma vez, me dando um susto, me fazendo


soltar seu braço e me afastar.

Daniel abaixou a cabeça e saiu abrindo passagem entre os curiosos, eu


fui em seguida.

Não.

Definitivamente, não fui atrás dele, mas para o banheiro. Eu estava em


pânico, tremendo e assustada. Eu não poderia ficar ali na cozinha. Mesmo que
eu mereça toda a ira de Lila contra mim, eu estava com medo.

Com certeza, Lila iria se virar contra mim e quem sabe até me matar ali
na cozinha mesmo. Eu não confio de jeito nenhum, até porque Alice não iria
aguentar segurá-la sozinha.
Eu resolvi ir para o banheiro porque era o caminho mais curto e estava
necessitando me esconder. Precisava de um tempo, canto, espaço para me
odiar, me odiar por não tê-lo afastado, me odiar por estragar a festa de
aniversário da minha irmã, que estava tão feliz.

Os cochichos me seguiam por toda a extensão do corredor até eu


finalmente conseguir chegar lá.
Tranquei a porta o mais rápido que consegui e fingi que aqui onde eu
estava estaria segura, que o que está acontecendo lá fora não pode me atingir
aqui dentro.
Engoli o choro que insistia em sair e me encarei no espelho. Encarei a
menina com os olhos vermelhos e inchados. Um sinal bem claro de que
estava preste a chorar. Encarei a menina que estava apoiando as mãos na pia
tremendo, uma imagem bem clara que dizia que dentro dela tudo estava
desmoronando.
Liguei a torneira o mais potente que ela podia jorrar e juntei as mãos
debaixo dela para juntar um pouco de água e lavar meu rosto.

É claro que tinha uma parte de mim que queria voltar atrás e mudar as
coisas, mas não é assim que a vida funciona. Você não pode voltar atrás.
Escolhas foram feitas e coisas acontecem por causa delas. E agora sou
responsável por tudo que plantei. Por tudo que permiti que acontecesse.

— Karine — Jenny fala do outro lado da porta, dando três toquinhos e


me assustando. — Está tudo bem?— Ela fala baixo como se estivesse
encostada o máximo possível na porta proferindo as palavras para que só eu
as ouça.

Respirei fundo e tentei falar sem que a minha voz falhasse:

— S… sim… e… eu… — Não consegui terminar e senti meus olhos


pinicarem.
— Deixe-me entrar — Jenny pediu.

Eu sabia que se eu deixasse Jenny entrar eu não iria aguentar e iria


desmoronar assim que nossos olhos se encontrassem, mas pelo menos eu não
choraria sozinha. Se fosse o caso, Jenny choraria comigo, ela me consolaria e
isso era o que eu estava precisando naquele momento. Ser consolada.

Abri a porta devagar ouvindo-a ranger.


Jenny entrou rapidamente e a trancou, depois partiu em um gesto
desesperado para me abraçar.

Eu me encolhi ali, dentro do abraço dela, e chorei. Chorei tanto que


estava sentido minha respiração ficar acelerada e meus pulmões doerem,
travando a minha garganta.

— Guria, o que houve?


— Daniel Jenny… Daniel… — Eu consegui falar sem gaguejar em
meio ao choro.

— Então, é verdade o que estão dizendo aí?


Eu saí dos braços de Jenny e lhe olhei, mas não consegui sustentar por
muito tempo seu olhar.

— Sim…

— Quer desabafar?

Eu me sentei no chão, encostada na parede, e Jenny fez o mesmo.


Encostei minha cabeça no seu ombro e respirei fundo tentando acalmar a
tempestade que estava acontecendo dentro de mim.

— OK, eu vou falar.

Então, eu contei tudo a Jenny, desde a parte em que disse que iria na
cozinha servir os salgados. Ela ficou muda, escutando tudo enquanto fazia
carinho no meu cabelo.
— Eu me sinto tão culpada… por que isso tinha que acontecer logo
agora?!

— Ei, a culpa não foi sua.


— Foi sim, foi minha, minha que não o afastei, minha! Minha! Minha!

— A culpa não foi sua… e também não foi dele. A gente não manda no
coração, Karine.
— Eu sei, mas….

— Sem mas.
— E mamãe? Ela vai me odiar agora — eu disse, desesperada.
Jenny morde o lábio inferior.
— Seja forte! Você conseguiu ser forte e passar por cima de muitas
coisas. Esse vai ser o obstáculo mais difícil até agora. Mas você consegue.
— Como?

— Da mesma forma que conseguiu esse tempo todo.

Jenny e eu permanecemos no banheiro por mais meia hora talvez, até


não escutarmos mais barulho algum.

— Seu pai ligou, dizendo que estava vindo buscá-la.

Eu estava com medo de sair do banheiro, por mim eu dormiria ali essa
noite, mas depois de muita insistência de Jenny eu acabei saindo com o
coração na boca.

Para minha sorte, a casa estava vazia, Somente ainda havia os móveis
que estavam fora do lugar e o palco improvisado, onde Daniel horas antes
estava cantando aquela música para mim… Meu Deus, a música era para
mim, eu nem consegui raciocinar sobre isso direito. Imagino se a Lila souber.

Também havia um pouco de desorganização, mas tirando isso a casa


estava em total silêncio.

Acompanhei Jenny até a porta e subi correndo para o meu quarto. Eu


não sabia onde estava mamãe e muito menos Lila. Estava com medo de
encontrar uma das duas, mas quando eu estava prestes a fechar a porta do meu
quarto Lila entrou…

Eu fui para trás.


O rosto da minha irmã estava vermelho, seus cabelos em uma total
bagunça e seu olhar era de puro ódio.

— Confessa! Eu sei de tudo, você sempre teve inveja de mim, Karine!


— Lila grita e lágrimas correm em seu rosto. Alguns fios de cabelo grudam
em sua bochecha e Lila passa a mão com força para afastá-los.
— Ele era a única coisa boa em mim! — ela prossegue, enquanto
contínuo muda, somente observando. Afinal, eu não sei o que falar e sei que,
se eu tentar algo, só vou gaguejar em minhas palavras. Aliás, tenho certeza de
que ela não acreditará pelo simples fato de que, se eu estivesse em seu lugar,
também reagiria dessa forma, também gritaria e apontaria na cara dela
perguntando o porquê.

Meu coração martela com força em meu peito e eu imploro em minha


mente para que ele se acalme. Então, eu sinto algo leve e quente molhar
minhas bochechas. Limpo rapidamente para que Lila não veja esse momento
fraco da minha parte. Eu me mantive forte por muito tempo e não vai ser aqui,
na frente dela, que vou desabar.
— Eu não quero nunca mais olhar na cara de vocês dois! Eu… — Lila
pisca de um modo frenético e mais lágrimas saem dos seus olhos, que
também estão vermelhos e inchados.

Por mais que ela pense que a única ferida nessa situação toda é somente
ela, eu provo o contrário. Posso provar que sofro desde o momento em que
mamãe deu mais atenção a ela do que a mim. Por acaso Lila sabe o que é se
sentir rejeitada pela própria mãe? Por acaso Lila sabe o que é passar as noites
chorando silenciosamente, implorando que tudo seja só um pesadelo ruim e
que com o tempo vai passar? Não! Ela não sabe porque sempre teve tudo o
que queria e se tornou egoísta quando se tratava de mim! Eu não escolhi
gostar de Daniel, na verdade eu ainda não sei o que sinto por ele, mas seja o
que for, eu não escolhi isso. Nós não escolhemos isso. Simplesmente
aconteceu e se eu apenas pudesse…

— Respira, Karine, você não pode desabar agora, pelo menos não
aqui…
Lila sai do quarto com as mãos no rosto abafando o choro, deixando a
frase incompleta pairando no ar. Então, vou até a porta e a fecho. Depois, viro
de costas e escorrego até me sentar no chão.

Agora sim, eu posso desabar. Agora sim, eu posso retirar minha


armadura invisível. Agora sim, eu posso deixar as lágrimas rolarem em meu
rosto como elas queriam. E é o que eu faço.
Eu não tenho a mínima ideia de quanto tempo se passou, só sei que o
sono chegou depois de muito tempo chorando e eu rastejei até a minha cama,
fechei os olhos e dormi.

*****

— Karine, acorde! — Minha mãe grita de forma arrogante.


Imediatamente desperto e me sento na cama todo encolhida. Há algo na
mamãe hoje que me faz ter medo.

Seu corpo está rígido, com os braços cruzados na frente do corpo, ela
está me encarando com um olhar tão frio que chega a congelar minha alma.
Engulo fundo.

— Eu até agora não estou acreditado no que você fez — Mamãe diz
cada palavra devagar, como se estivesse calculando o efeito que elas causam
em mim.

Meu coração acelera em meu peito, e cada batida descontrolada é uma


ameaça de que a qualquer momento meus olhos vão encharcar e derramar as
lágrimas que estou tentado segurar.
Oh, meu Deus, eu preciso aprender a não ser tão chorona e sensível.

— Karine, se você queria alguém para ferir, que fira a mim, mas não à
Lila! Não a minha filha!
— Mãe — eu finalmente digo com a voz trêmula e a garganta travada
—, eu não estou tentado ferir ninguém.
— Como não? — Mamãe joga os braços para os lados. — Você sabia o
quanto ela o amava!

Junto os joelhos para cima do meu corpo e os abraço.


— Desculpa, eu… nunca mais vou chegar perto dele.
— Não interessa mais, você quebrou o que não dá para voltar.

Um ódio iminente cresce em mim. Estou cansada de ser tratada


diferente! Estou cansada de mamãe apenas ver o lado de Lila. Estou cansada
de tudo.

Então, eu encho meus pulmões de ar e coragem e aproveito essa


bagunça toda que está para colocar minha mãe na parede.
— Você não me ama, né mãe?! Apenas me fazia o básico, enquanto
para Lila sempre foi o melhor, agora lhe pergunto mãe… — Afasto os lenços
para longe e saio da cama. Chego bem perto da minha mãe até que consiga
olhar em seus olhos. Tenho que admitir: olhando assim me sinto muito
pequena, mas eu preciso chegar lá, porque eu preciso saber a verdade. — O
que há de errado em mim, que tanto me rejeitas? — A essa altura meu rosto
está todo molhado por causa das lágrimas que não param de cair. As lágrimas
que não consegui mais segurar.

Percebo que mamãe toma uma respiração profunda enquanto encara os


meus olhos.

Então, ela fala…

Capítulo 33 – A lua, o sol e a verdade

“Todos falam que, quando você cai, você precisa aprender a se levantar, mas
nunca me disseram que depois de se levantar você precisa andar como se não
sentisse nenhuma dor.”
— Gossip Girl
— Você está louca, Karine! Está surtando! Desde quando eu te rejeito?
Tudo que Lila tem, você tem!
Balancei a cabeça para os lados.

Como assim estou surtando? Isso não é coisa da minha cabeça, isso não
é paranoia que eu mesma estou inventado. Não é nenhuma mentira! Dá para
perceber, para ver, ou sei lá, mas tenho certeza que dá.
— Você sabe do que estou falando mãe, não finja de desentendida por
favor — eu pedi.
Tudo que eu queria era conversar, sentar e resolver. Saber o “porquê”.
Se o problema tem a ver comigo, eu vou tentar melhorar, eu prometo que vou.

Eu só quero me sentir amada pela minha mãe… apenas.


— OK — ela disse para mim. — Cite um momento em que te tratei
diferente.

Eu paraliso. Minha mente ficou em branco.


Comecei a dar voltas e mais voltas no meu cérebro à procura de um
momento, de um detalhe que poderia me salvar agora e mostrar que não estou
ficando louca, que estou dizendo a verdade. Mas eu não estava conseguindo
racionar, eu precisava de um tempo. Eu não quero parecer a errada dessa
situação. Eu somente quero que mamãe veja o meu lado, que me compreenda.
Apesar dos meus defeitos eu só quero que ela enxergue com os meus olhos e
sinta o que sinto.

— Ande… fale — Mamãe me apressa.


Eu não queria falar. Se eu falasse poderia chorar. Não queria chorar
mais do que já estou.

— Você não me abraça, não me deseja boa aula como faz com a Lila e
muito menos se importa em perguntar como foi o meu dia — eu disse,
tentando não parecer fraca. Para falar a verdade, eu não queria mais falar
nada. Queria pegar essas palavras e trazê-las de volta para a minha boca.
Queria voltar no tempo. Rebobinar tudo e me deitar na minha cama, me
enrolar feito uma bola e chorar até dormir.
Mamãe revira os olhos.

— Você não parece se importar com isso, Karine. Você nunca se abre
comigo. Você não me conta nada da sua vida. Por exemplo: esse cara com
quem você saiu esses dias, eu nem ao menos fiquei sabendo que você iria sair
com alguém. Já pensou se alguma coisa acontece com você? Até parece que
você não tem mãe. Me senti tão… tão insignificante… porque, que eu saiba,
era o seu primeiro encontro, eu queria fazer parte desse momento da sua vida,
queria te dar aqueles tipos de conselhos… não beba nada sem se certificar, ou
vá em um ambiente público, mas…

Eu fiquei muda, escutando esses argumentos na versão de mamãe. Uma


culpa cai sobre mim.

— Lila sempre foi mais aberta comigo, desde pequena, e você sempre
foi com o seu pai, eu até cheguei a pensar que você não gostava de mim.
— Eu nunca faria isso.

— Você não me disse que iria ao baile.

— Você não perguntou.


— Eu queria sair com vocês duas para comprar os vestidos.

— Você não se importou!


— Porque você nunca compartilha nada comigo!
— As melhores coisas sempre são para Lila, eu pensava que a filha
mais mimada era a caçula e não a mais velha.
— Porque Lila pede! Você não! Você sempre está andando como se não
se importasse com sua aparência, agora que você está mudando um pouco, e
isto tem me deixado feliz — ela disse sorrindo em meio às lágrimas que
caíam em sua bochecha.
— Eu me senti feliz quando te vi bonita ontem no aniversário da Lila,
eu queria te abraçar e dizer o quanto você estava perfeita, mas eu não o fiz…
Sabe por quê? Porque você não abre espaço para eu me aproximar.

— Porque você sempre é rude comigo.

— Sou! Sou sim! Para ver se isso faz você se abrir mais, ou sei lá…

Eu me sinto envergonhada pelas minhas atitudes. Mamãe tem razão, eu


não me abro com ela, e quando tenho oportunidade me afasto. Mas que fique
bem claro que era por medo.

Afinal, como eu iria saber que mamãe se importa com isso? E saber
agora que ela se importa enche meu coração de alegria, me sinto mais
tranquila, eu não sei explicar a sensação, mas sinto um alívio imenso.

Então, mamãe fala mais uma vez:

— Karine, eu já perguntei sim, como foi seu dia, mas você se esquiva,
como se não quisesse conversar comigo. Eu já cheguei a sentir inveja da sua
amiga Jenifer, por ela estar sempre lá, por fazer parte dos melhores momentos
da sua vida, como eu nunca fiz.

Mamãe faz uma pausa como se esperasse eu dizer algo, mas não sei o
que dizer, male consigo pensar. Essa nossa conversa está me deixando sem
ação.

Mamãe me puxa para um abraço suavemente apertado e agora vejo,


como é bom abraçá-la, deitar a cabeça no seu ombro e fechar os olhos com
força. Sentir o seu cheiro e sua quentura, poder sentir seu coração batendo
contra o meu. Eu poderia ficar dentro desse abraço por horas sem me importar
com o cansaço ou com o tempo.

— Eu te amo — ela me diz. — Você é fruto do meu ventre, é minha


filha, e se eu estou errando com você… me perdoa, eu… eu não quero te
machucar.
— Eu também te amo.
— Vamos fazer o seguinte — Mamãe se afasta para me olhar. — Vamos
compartilhar as novidades mais frequentes?

Balancei a cabeça positivamente.


— OK, vamos nos sentar primeiro.

Eu passo o meu braço em meu rosto, para tirar as lágrimas, e


acompanho mamãe até a minha cama.
— Vamos começar com esse cara, com quem você está saindo.

Eu solto uma risada sem graça e me sinto tímida. Como conversar sobre
um cara com mamãe? Eu olho para o lado, porque me sinto desconfortável de
conversar olhando em seus olhos e falo:

— Henrique… bem… Eu não sei por onde começar, mas ele me faz
sentir bem. — Eu rio. —Ele te chamou de sogra.
Mamãe faz uma careta.

— Estão namorando?

— Oh! Não. — Eu rio mais um pouco, me sentindo tão feliz por


compartilhar essas novidades com ela.

— O que aconteceu ontem, com Daniel?

Meu sorriso desmancha e meu coração acelera.


— Eu não sei.

— Vocês sabem que cometeram um grande erro, né?


— Sim.
— Lila está arrasada, Karine, ela não quer sair do quarto.

— Desculpa.
— Não é para mim que você tem que pedir desculpa.

—A culpa não foi minha mãe, eu juro!


— Mas você correspondeu.
Abaixo a cabeça.
— E agora?

Mamãe chega mais perto e me abraça, acariciando meu braço com


movimentos de vai e vem.

— Um dia as coisas vão melhorar… Um dia.

— Mãe, me promete uma coisa?

— Sim.

— Me acorde da mesma forma que a senhora acorda Lila?

Mamãe solta uma risada que nos faz balançar juntas e me diz:

— Sim… Prometo.

Nos duas suspiramos juntas.


— Você gosta de quem na verdade… Daniel ou Henrique?

— Eu não sei, eu também queria saber.

— Está dividida, é horrível.

— Não está mais brava comigo?

— Não eu… eu quero que essa situação se resolva. — Mamãe olha para
o chão. — Vamos no quarto de Lila conversar?
Eu faço uma careta. Lila falou que não queria mais ver a minha cara,
tenho certeza de que ela não vai me receber com um sorriso no rosto.

— Não sei se é uma boa ideia.


— Não custa nada tentar.

— OK — eu disse, me levantando. Eu preciso ser corajosa e arcar com


as consequências. Aliás, mamãe está aqui do meu lado, o que me faz sentir
segura.
Nós saímos do meu quarto e seguimos pelo corredor para o quarto de
Lila, andando lado a lado. Foi um pouco estranho, admito, porque ficávamos
encostando o ombro toda a hora enquanto eu sentia um friozinho nada
agradável na barriga.

— Lila — mamãe chamou, verificando se a porta estava trancada. —


Abre a porta por favor.

— Me deixa sozinha, mãe! — Lila gritou e houve um barulho como se


Lila tivesse jogado algo na porta.

Mamãe se afastou.
— Lila, sou sua mãe, deixe-me entrar!

— Não quero conversar.

— Lila… por favor!

Passaram-se alguns minutos quando escutamos a fechadura da porta se


mexer e ficar entreaberta. Mamãe pegou em minhas mãos e empurrou a porta.

Quando entramos, Lila estava de costas, já se deitando na cama quando


se virou e me viu.

— O que ela está fazendo aqui?!

— Vim pedir desculpa — eu disse.

— Vai pedir pra vaca!


— Lila eu… eu não planejei aquilo, eu também não sei como explicar a
você para que possa me entender.

— Ótimo! Porque nem precisa. Aproveita, dá meia-volta e cai fora.


— Lila, estamos aqui para conversar e resolver — Mamãe disse, calma.
— Resolver o que, mãe?! Resolver que a Karine dava dando uns pegas
no meu namorado, no dia do meu aniversário… Quer dizer… ex namorado!
Aliás, por que está defendendo ela?
— Não estou defendendo ninguém.

— Você está do lado dela, então está sim. Olha só, estão até de mãos
dadas.
— Chega! — mamãe gritou e estremeci. — Você não é obrigada a
perdoar ninguém, e eu não posso fazer com que você faça isso. A Karine já
me explicou tudo, da mesma forma que vejo o lado dela, eu vejo o seu. Eu só
quero que vocês sentem e conversem. Tentem se entender, OK?

— Você sabe que amanhã tenho aula. Todos os meus amigos vão rir de
mim e fofocar por trás. E a Karine? Ah, vai ficar bem na fita…. Aliás ela
pegou o namorado da irmã, né?!

— Lila, eu não quero saber mais do Daniel, você sabe que estou ficando
com o Henrique.

Lila ficou em silêncio como se tivesse digerindo as palavras que acabei


de falar até quebrar o silêncio:

— Tá legal, Karine. — Ela estreitou seus olhos na minha direção. —


Você está perdoada. — Ela se levantou da cama e caminhou até nós. — E
para mamãe ver que estou falando a verdade, eu até te abraço agora. — Lila
me puxou para um abraço apertado. Eu sabia que ela estava fingindo. Talvez,
porque quer que eu e mamãe estejamos fora do seu quarto logo para poder
ficar sozinha, ou talvez porque sabe que vai se vigar de mim lá na frente. E
eu? Só quero estar preparada para esse momento.

Capítulo 34 - Deixe tudo em seu devido


lugar

“O vento que te trouxe para cá, espero que não volte jamais! Porque se ele
perceber que deixou você, vai querer correr atrás.”

— Projota/O vento
Depois do abraço de Lila, mamãe eu nos retiramos do quarto. Enquanto
mamãe foi para a cozinha alegando que iria fazer almoço eu fui para o meu
quarto. Alessandro já havia indo para a casa dele, sem ao menos se despedir
de mim. Bela consideração, aposto que ele está do lado de Lila. Não o culpo
também.
Porém, era sábado, e eu não poderia estar me sentindo mais feliz. Claro,
havia essa confusão toda ainda, mas isso não era páreo para acabar com a
minha felicidade.

Joguei-me na minha cama sentindo o sorriso em meu rosto ganhar


espaço. Peguei meu travesseiro e o abracei contra o meu corpo, lembrando
das palavras que mamãe falou.

Eu quero guardá-las comigo como pérolas preciosas. Eu quero me


lembrar delas todas as noites antes de dormir. Se possível, vou escrevê-las na
capa do meu caderno e fazer delas a minha maior herança.

Meu celular vibra em minha cômoda me tirando do transe. Eu me estico


até pegá-lo e vejo uma notificação de três mensagens de Henrique:

Henrique — Saudades (às 7:47 pm)

Henrique — Esqueceu de mim? (às 08:03 pm)


Henrique — ?? (às 09:10 pm)

Digito uma resposta rápida.

Eu — Também estou.

Afinal, eu também estava.

Estava ansiosa para contar a novidade sobre mamãe e eu para ele. OK.
Eu nunca contei nada para Henrique sobre a nossa relação, mas agora sinto
que posso compartilhar, desabafar com ele. E, para falar a verdade, não vejo a
hora.

Vou até a tela inicial e procuro o atalho que criei para ligar para Jenny.
Ela atende no segundo toque.

— Ai, meu Deus, você está viva! — Consegui sentir seu alívio e um
soltar de respiração como se estivesse prendendo-a por um bom tempo.

— Mas é claro que estou viva — falo sem conseguir conter o sorriso em
meu rosto. Então, eu mordo meu lábio inferior só para que ele não se alargue
mais.

— Menina, eu realmente estava preocupada e só de ouvir a sua voz….

— Jenny — eu falo devagar —, está tudo bem — a tranquilizo.

— Você está estranha… Ah, já sei… elas te drogaram não foi? Ah não,
como sou burra! Você está em cárcere privado e te obrigaram a fazer está
ligação para mim, para fingir que está tudo OK. — Sua voz diminui o volume
e ganha um chiado maior com as próximas palavras: — Caso seja isso me dê
um sinal diga “uhum”, eu prometo que vou te ajudar…

Eu simplesmente não deixei Jenny terminar e a interrompi.

— Jenny, realmente está tudo bem!


Houve uma pausa até que sua voz soasse do outro lado da linha
novamente.

— Vou discar 190.


— Jenny meu amor, se você quiser vim até a minha casa para conferir
com seus próprios olhos que está tudo bem… pode vim.

— Manda logo a real… o que está acontecendo?


— Bem… mamãe e eu conversamos hoje e posso afirmar que estamos
resolvidas. Tivemos uma pequena conversa entre mãe e filha e nos
entendemos melhor.
— Vou querer saber dessa conversa depois, porque a minha curiosidade
está em Lila. Diz para mim… ela não tentou invadir teu quatro no meio da
madrugada para te matar nenhuma vez?

— Nenhuma vez. Pelo menos, não que eu saiba, né? — Faço uma
careta. — Ela está brava comigo até agora e com razão, eu admito, mas eu
quero esquecer isso.
— E nada melhor para ajudar a esquecer do que ir tomar um sorvete
nesse calor para refrescar! Topa?!

— Só se for agora.

*****

Depois de ter tomado um sorvete na companhia de Jenny e contado


tudo nos mínimos detalhes para ela, eu estava indo no parque perto da praça
dos cânticos. Como era pertinho eu resolvo ir a pé.

O que eu estava fazendo indo lá? Ver Henrique. Ele havia me mandado
mais mensagens perguntando se podíamos nos ver hoje, e é claro que eu
aceitei. Afinal, além de estar com saudades precisava seguir minha vida e
colocar tudo no lugar. E quando digo seguir minha vida eu me refiro a tentar
realmente ter algo sério com Henrique e esquecer Daniel. Por falar nele,
desde o episódio de sexta — aniversário de Lila — que não tenho notícias
dele, com certeza só o verei segunda, no colégio. Minha reação ao meio disso
tudo é fingir que nada aconteceu. Claro que vai ser difícil por causa das
fofocas e tais, mas creio eu que neste momento nada é capaz de tirar esse
sorriso lindo que está tomando conta do meu rosto. Não vou negar… tenho
curiosidade em saber sim, como Daniel está. Se ele pensa em “nós”, óbvio
entre aspas, porque verdadeiramente esse “nós” não existe, é que eu não sei
que palavra usar para definir o que temos. Se é que temos algo.

Eu paro embaixo de uma árvore grande e velha que dá sombra ao seu


redor, a uma distância mediana de onde Henrique se encontra.
O sol está sobre seus cabelos marrons dando-lhes um leve reflexo
dourado. Seu rosto virado numa direção oposta em que me encontro. Seu
braço apoiado na parte superior do banco velho e cinza da praça.

Eu aproveitei esse momento para observá-lo, já que ele ainda nem


notou a minha presença aqui.

Sua camiseta azul-escura até os cotovelos e sua calça jeans o deixam


tão sexy que não percebi minha cabeça dando uma leve inclinação para o
lado.

Até Henrique, como se estivesse sentindo a minha presença ali, vira seu
rosto e descansa os olhos de longe em mim.

Eu vi um sorriso tímido tomar conta de sua face e me senti tão


envergonhada por estar observando-o às escondidas, que ruborizei. Para
minha sorte, como estava calor eu poderia muito bem jogar a culpa no sol.

Saí caminhando a passos lentos, sentindo meus chinelos afundarem na


grama verde e macia a cada passo. Seus olhos não deixaram os meus nem por
um segundo, até me acomodar ao seu lado no banco e seu braço cair em meus
ombros, me puxando para mais perto de si
— Como é bom te ver! — ele disse baixo, sua voz sendo abafada pelo
meu cabelo. Henrique parecia que estava cheirando-os quando disse isso.

— Digo o mesmo. — Passei meus braços ao seu redor e encostei


minha cabeça em seu peito. — Guarda meu celular em seu bolso, por favor?
Henrique pega o meu celular e o guarda.

— Minha pequena, me prometa que não ficaremos tanto tempo assim


sem nos vermos.
Eu levantei minha cabeça encontrando seu olhar e lhe disse, tentando
conter o sorriso:

— Prometo.
Henrique deixou um selinho demorado em meus lábios até se afastar e
me perguntar:

— É impressão minha ou hoje você está mais carinhosa comigo?


— Hahahahha, estou normal — Mostrei a língua.

Henrique fez um sinal de tesoura com os dedos:

— Vou cortar ela.

Fechei a cara, brincando, fingindo que estava brava.

— Se bem que ela fica melhor dentro da sua boca.

— Para de ser besta.

Ele bagunça meus cabelos me fazendo gritar para parar. Eu sinto que
estamos chamando a atenção das pessoas para nós, mas não me importo.
Importo-me somente com meu cabelo, que está ficando uma zona por causa
da mão de Henrique.

Afasto-me dele e tento ajeitar a juba.

— Vem, senta de volta aqui.

— Não — falo. — Só se você parar.

Henrique levanta as mãos em rendição.


— Segunda tem teste.

— Que teste? — Sento-me ao seu lado e o olho, esperando-o responder.


Henrique solta uma respiração pesada.

— Teste de futebol. Sabe, eu amo jogar.


— Imagino.

— Queria tanto ter ganhado aquele jogo! Não curti muito quando
percebi que a garota de quem gosto estava vendo a minha derrota.
Suspendo uma sobrancelha.
— Eu torci por você, e não me importo com o resultado, você fez um
belo jogo.

— Sim, eu sei que torceu. — Henrique coloca a mão na boca, como se


quisesse abafar o riso. — Eu ouvi seu grito no campo quando fizemos o
primeiro touchdown.

Minha cara ficou no chão.

Henrique começa rir enquanto bate a mão no joelho.


— Idiota. Eu fiquei empolgada… apenas.

— E foi tão bonitinho.

Revirei os olhos.

Nós ficamos conversando por um longo tempo, até a minha barriga


começar a roncar e me lembrar que eu ainda não tinha almoçado.

Henrique fez questão de me levar até a porta de casa. Eu fiquei tentada


a apresentá-lo a mamãe, mas Henrique ficou desconfortável, dizendo que não
estava apresentável e tudo mais.
— Ela nem vai ligar para isso.

— A primeira impressão é a que fica.

— OK, OK, senhor frescura.


Henrique beija minha testa e me abraça.

Por mais que tudo isso pareça normal, eu ainda sinto que posso estar
sonhando. Não estou acostumada com tanto carinho assim, mas eu gosto
disso. Gosto do jeito que ele se preocupa comigo, gosto do jeito como seus
olhos me fitam, como me trata. Como se eu fosse a única garota do mundo.
Às vezes eu penso que um dia ele vai desencantar de mim, vai se
interessar por outra e me esquecer no fundo da gaveta. É disso que tenho
medo. Não quero que nada mais estrague isso, ou que tire Henrique de mim.

— Se cuida — ele pede.


Assinto, sorrindo.
Fico observando Henrique ir embora, até que ele desaparece na virada
da esquina para eu poder entrar.
A casa está silenciosa, como se não houvesse ninguém. Vou direto para
a cozinha lembrando da solitária que se encontra na minha barriga e dou uma
olhada nas panelas… Hm… frango frito… purê… feijão…. Arroz… Ai, que
delícia!

Coloco tudo no prato e subo para o meu quarto, tagarelando uma


música antiga da Rihanna:

— Want you to make me feel, like I’m the only girl in the world, like
I’m the only one that you’ll ever love, like I’m the only one who knows your
heart. Only girl in the world…

Dou um giro de trezentos e sessenta graus no meio do corredor e


contínuo a música, só que agora assobiando.

Abro a porta do meu quarto ainda no transe quando dou de cara com
Daniel parado, sentando-se na minha cama, apoiando os cotovelos nos joelhos
e as mãos juntas como se estivesse fazendo uma súplica.

Eu sinto meu coração ganhar um ritmo rápido em meu peito quando


Daniel se levanta e esboça um sorriso triste em seu rosto.

— Estava te esperando — ele diz.


— O… o que você está fazendo aqui? Quem te deixou entrar?

— A porta estava aberta. — Ele faz um gesto com as mãos indicando o


andar de baixo. — Eu chamei seu nome, mas percebi que a casa estava vazia,
então resolvi esperar no seu quarto.
Olho para os lados não sabendo o que fazer. Então, coloco meu prato
em cima da cômoda, mas mantendo numa distância segura de Daniel.

— O que você quer? — Tento não deixar transparecer meu medo.


OK. Talvez para vocês seja um exagero, mas para mim não. Estar
sozinha com o ex da minha irmã e ainda mais depois daquela confusão toda,
me deixa preocupada.

— Eu queria conversar com você… — Daniel passa as mãos em seus


cabelos e se senta novamente na beirada da minha cama. — E depois com a
Lila.

— Hm… não quero conversar.

Ele se levanta e vem na minha direção. Eu recuo mais para trás, um


pouco tensa.

— Por que está se afastando de mim? — Sua testa enruga. — Você está
com medo? Realmente, acha que eu seria capaz de fazer alguma coisa com
você?

— Daniel, eu não quero conversar, seja o que aconteceu entre a gente,


eu quero esquecer — digo, tentando deixar minha voz firme, porém olhá-lo
assim me deixa triste. A tristeza está estampada em sua face.

Os olhos dele estão vermelhos e há olheiras roxas debaixo de suas


pálpebras, como se estivesse há longos dias sem dormir.

Meu coração se aperta.

Eu queria tanto saber o que sinto por Daniel, mas acontece que não sei.
Somente sei que mantê-lo por perto trará problemas para mim e tudo que eu
quero é me manter longe.
Eu respiro fundo e digo o mais rápido possível para que não haja
possibilidade de desistir de falar:

—Eu estou com Henrique, e eu não quero saber de você. Eu não gosto
de você!
Eu vejo seu olhar escurecer por alguns segundos até ele dizer:

— Você não saber mentir, Karine. Dá para ver no seu olhar… sabe o
que você está fazendo? Fugindo! Fugindo de mim. Eu sei que você está com
Henrique. — Daniel eleva a voz. — Eu os vi daqui da janela.
— Você estava nos espionando? — falei, irritada. Droga! Por que ele
tinha que ficar nos observando?

— Sim, eu fiquei, algum problema? — Ele coloca as mãos no bolso da


calça e me encara, sério.

— Claro!

— Eu te disse para não se envolver com ele Karine, ele é um mau


sujeito, já disse.
— É. — Cruzei os braços — Por quê?

— Porque… — Daniel abaixa a cabeça.

Eu estava curiosa para saber o que tem entre esses meninos para eles
brigarem tanto assim.

— Eu não vou com a cara dele Karine, eu não gosto dele. Não gosto de
saber dessa probabilidade de te ver com ele.

— Por quê?

— PORQUE A FAMÍLIA DELE É DE IDIOTAS! — Ele gritou alto


demais me pegando de surpresa. — A mãe dele vivia dando em cima do meu
pai, até que ela conseguiu finalmente estragar o casamento deles.
— Mas o Henrique não tem culpa — eu tentei fazer Daniel entender. —
Isso foi o pai dele… não ele.

— Ele é outro — ele diz sem paciência, revirando os olhos.


— Por acaso Henrique já fez alguma coisa contra você? — perguntei,
preocupada.

Daniel me olha como se eu estivesse zoando com a sua cara.


— Ele está fazendo.

— O que ele está fazendo? — Ai, meu Deus.


— Na verdade, ele já fez. Te roubou de mim!
Olhei para ele com raiva.
— Eu não estou boa para gracinhas.

— Muito menos eu. — Ele vem para mais perto e pega em minhas
mãos, que tento desvencilhar, mas Daniel não deixa. — Você me fez gostar de
você…

— Daniel…
— Não… Olha, me escuta… — Ele diz pegando em meu rosto e me
fazendo olhar para ele. — Se o seu medo de ficar comigo é por causa de Lila,
eu resolvo isso. Se é sua mãe, passaremos por isso juntos. Eu só quero você
do meu lado!

Eu fiquei olhando naqueles olhos azuis que, por algum motivo, estavam
arregalados e não consegui pensar. Eu não sabia o que falar.

Sim, pensar que ficaria com Daniel me deixava feliz, mas e o Henrique?
E se eu me arrepender lá na frente?

— Por que, Karine?— Ele me tira do transe. — Por que tem que ser tão
difícil assim?

— Eu… — Daniel não me deixa terminar.

Ele me beija.
Eu não queria corresponder, porém eu o puxei para mais perto com uma
urgência de tê-lo para mim.

A saudades que eu sentia daqueles lábios macios era grande demais!


Suas mãos navegaram pelo meu corpo enquanto eu pensava como era bom tê-
lo por perto.

Daniel me faz sentir tão segura, como se nada e nem ninguém pudesse
me machucar. Ele é como um muro capaz de me esconder e me proteger. Sim,
ele é como um escudo forte, que me protege.
E, mesmo que eu não queira, aqui, bem aqui junto a Daniel é o melhor
lugar para se estar, onde braços firmes me seguram me impedindo de cair ou
tropeçar.
— Karine… — uma voz fraca diz.

Daniel e eu viramos na direção daquela voz e meu coração parou.

Eu fiquei muda. Talvez por alguns segundos ou minutos, eu não sei,


porque perdi a noção do tempo. Meu coração batia em meu peito,
desesperado como se gritasse dizendo que está com medo.
Sua cara de incredulidade em frente à porta do meu quarto, como se não
pudesse acreditar no que seus olhos estão vendo, me deixou sem palavras.

— Eu já deveria saber… Mas é claro… — Henrique fala, balançando a


cabeça para os lados.

Eu abro a boca para falar algo, mas não consigo. De dentro dela não sai
nenhum som.
Eu vejo seu olhar desesperado querendo chorar e sua voz agora fica
embargada quando fala mais uma vez:

— E… eu não quero mais te ver, Karine. — Henrique sai do meu quarto


numa pressa irreconhecível.

E meu próximo passo não pensado foi ir atrás dele. Fui quase
automaticamente. Afinal, não poderia deixá-lo ir sem nem ao menos me
explicar. Sem ao menos me ouvir. Por um momento, esqueci Daniel.
— Henrique, por favor — eu imploro enquanto desço as escadas —,
vamos conversar.
Em frente à rua de casa eu o alcanço e puxo seu braço para que olhe
para mim. Esse foi o único jeito que encontrei para fazê-lo parar e me escutar.

Seus olhos estão vermelhos e cansados.


— Conversar sobre o quê? — Ele estreita os olhos em minha direção.
— Sobre o quanto eu fui otário? Sobre o quanto você prefere ele? O quanto
você o quer? Mas eu tenho uma péssima notícia para te dar: eu não sou ele! E
não, Karine, eu não quero conversar.
— Desculpa, eu… — Sinto as lágrimas escorrerem em meu rosto e
minha garganta arder. Então, faço uma pausa para recuperar o fôlego e
prosseguir mais rápido. — Não vai embora, não faz isso comigo — falei,
desesperadamente.

— Não, Karine! Essa foi a gota d’água! Eu te amei, porra! Amei,


não… — Henrique balança a mão na frente do meu rosto. — Eu te amo, e o
que você faz?

— Me perdoa, eu errei… — Coloquei a mão em seu rosto fazendo com


que seus olhos encontrassem os meus na esperança de que pudesse enxergar a
verdade por trás deles.

Henrique afasta minhas mãos do seu rosto delicadamente e as abaixa


junto com as suas, mas continua segurando-as. Eu sinto o calor que irradiam
delas, aquecendo as minhas que estão tão geladas.
Seus olhos não têm mais aquele castanho porque, além de estarem
vermelhos, expressam decepção.

Henrique me encara profundamente e eu só espero que ele não jogue


tudo que temos fora, como se não fosse nada.

— Eu odeio amar você… — Ele cospe as palavras como se tivesse nojo


de mim. — Eu odeio o dia em que te conheci. O dia em te vi e peguei seu
número achando que poderia nunca mais te encontrar, e assim te perder. Mal
eu sabia que estava cavando meu túmulo! Gostaria de nunca ter te conhecido.
Gostaria de nunca ter te tocado, porque agora eu vejo que eu era o único que
estava tentando nos manter juntos, quando todos os sinais diziam que eu
deveria buscar te esquecer. — Eu abro a boca para protestar, mas então ele
fala novamente me fazendo calar. — Eu tinha tanto medo de te perder, sabe?
Irônico, né?! — Ele solta uma risada debochada e lágrimas molham seu rosto.
Eu queria levantar minhas mãos e enxugar uma por uma, mas tenho medo de
fazer isso pelo simples fato dele recuar e não segurar mais minhas mãos. —
Eu estava com medo de perder o que nunca tive, e só agora percebi. Enquanto
eu estava fazendo planos para esse fim de semana para nós dois, você estava
se agarrando com ele. E não me venha com essa, Karine, que você não teve
culpa, que você não queria, porque se ele estava lá no seu quarto foi porque
você abriu espaço para ele entrar… Isso não deveria ter acontecido, mas você
deixou.

Essas palavras me atingem como um soco no estômago, junto com um


tapa na cara como brinde. Só agora percebo a burrada que fiz. Magoei a
pessoa que mais se importava comigo. A pessoa que estava lá para mim. A
pessoa que me enxergou quando eu estava invisível e me amou quando pensei
que não havia razões para ser amada.

Uma parte de mim se quebra.

— Me perdoa, isso não vai acontecer novamente…

— Estou me sentindo estúpido porque eu sei que não existe mais eu e


você.

Seus olhos continuam perfurando os meus, a decepção que irradia deles


é tão grande que não posso suportar ficar olhando de volta. Então, abaixo a
cabeça e vejo suas mãos ainda segurando as minhas.
Eu as aperto de leve querendo de algum modo senti-lo, porém Henrique
as solta e eu ergo a cabeça para olhá-lo.
— Vai lá com ele — ele diz.

Eu fico paralisada.

Capítulo 35 – Vá e leve meu coração junto


com você

“Já é doloroso demais perder alguém da família que amamos, agora imagine
perder um amor… Ou melhor… Seu amor e não poder fazer nada para
impedir.”

— Thalyta JDs

Não. Eu não quero ir lá com ele.

Droga! Por que tive que fazer isso?

Por que tenho que ser tão confusa? Alguém, por favor, me explica o que
eu sinto?

Quando Henrique vai dar-lhe as costas ele volta:

— Já ia me esquecendo… — ele diz, baixo. — Coloca a mão no bolso e


tira de lá algo preto e meio quadrado que percebo ser o meu celular. Ele
demora alguns segundos a mais para continuar, o que eu acharia normal, e sua
voz parece estranha. — Aqui… o seu celular.

— Você está bem? — pergunto, mas não recebo nenhuma resposta. Ele
mal levanta a cabeça para me olhar.

— Henrique? — Meu coração está batendo cada vez mais rápido,


embora eu não saiba por quê. Aproximo-me dele e ponho a mão no seu braço.
Ele levanta a cabeça e me olha lentamente. — Henrique…

Numa espécie de câmera lenta cruel, as pernas de Henrique se dobram e


seu corpo desaba no chão de cimento da minha rua. O celular que ele
segurava cai junto com ele, se espatifando no chão. Tento segurá-lo, mas não
consigo mantê-lo de pé. Tudo ainda está se movendo em câmera lenta: meu
grito, minhas mãos segurando seus ombros, sua cabeça batendo no assoalho.
Então, quando todo seu corpo começa a tremer incontrolavelmente em
convulsão, a ação se acelera e fica apavorante.

— HENRIQUE! MEU DEUS, HENRIQUE!— Quero ajudá-lo, mas seu


corpo não para de se agitar. Vejo o branco dos seus olhos e seu maxilar
crispado num esgar horripilante. Seus membros estão imóveis e rijos. Grito de
novo, com lágrimas chovendo dos meus olhos. — ALGUÉM ME AJUDA! —
E então volto a mim e me lembro do celular, mas o meu está desmontando no
chão, mexo no seu bolso e encontro o celular dele.

Digito 911 e, nos dois segundos que levam para atender, grito o nome
de Daniel o mais alto que posso pedindo ajuda.
— Por favor! Ele está em convulsão! Por favor, alguém me ajuda! —
falo desesperada.

— Moça, antes de mais nada, se acalme. Ele ainda está em convulsão?

— Sim! — Olho horrorizada para o corpo de Henrique se agitando no


chão. Estou tão apavorada que sinto vontade de vomitar.

Num piscar de olhos Daniel aparece ao meu lado, com um olhar


confuso no rosto.

Passo o braço no meu nariz e olhos para tirar as lágrimas que estão
embaraçando e não me deixando ver direito.

— Moça, quero que você tire de perto dele qualquer coisa com que ele
possa se machucar. Ele está usando óculos? Sua cabeça pode bater em algum
móvel ou objeto?

— Não! M… mas ele bateu a cabeça quando caiu!


— Tudo bem, ache alguma coisa para pôr debaixo da cabeça dele, uma
almofada, algo para evitar que ele bata de novo. — A calma que a voz do
outro lado transmite é tão marcante que, de algum modo, consegue me
acalmar um pouco.

Olho para o Daniel, que corre para dentro da minha casa e volta com
uma almofadinha do sofá.
Solto o telefone tempo suficiente para enfiar a almofada por baixo de
sua cabeça agitada. Oh, não… Meu Deus, o que está acontecendo com ele?!
Encosto o telefone no ouvido de novo.
—Tá, já pus uma almofada debaixo da cabeça dele!
— Certo, moça — a atendente do serviço de emergência diz
calmamente. — Há quanto tempo ele está em convulsão? Você sabe de algum
problema que ele tem que possa causar convulsões?

—Eu… eu n… não sei, uns… dois minutos, talvez, três no… máximo.
E não, nunca vi nada assim acontecendo com ele. Ele nunca me contou de
nenhum… — A gente nunca teve um tempo para conversar sobre isso, o que
está me fazendo apenas perder a calma de novo. — Por favor, manda uma
ambulância! Por favor! Depressa! — Estou me engasgando com as lágrimas.
O corpo de Henrique para de se agitar. Antes que a atendente possa responder,
digo: — Ele parou! O… o que é que eu faço?

— Moça, quero que você vire o corpo dele de lado. Vamos mandar uma
ambulância. Qual o endereço? — Minha mente fica em branco.
Eu não estou acreditando que ela ficou em branco! Logo agora!

— Eu… eu não sei o… — Antes que possa completar uma mão


arranca o celular de mim.
Percebo então que foi a mão de Daniel. Eu o escuto dizer algo como
Coronel Sidney sei lá o que, não sei bem o que ele está dizendo, na verdade
eu estou em pânico. Não consigo tirar os olhos de Henrique deitado
inconsciente no chão.
— Ele está inconsciente! Meu Deus, por que ele não acorda?! — Minha
mão desocupada está sobre meus lábios porque a outra está segurando a mão
dele.
Eu ouço Daniel passar essa informação para a atendente. Não consigo
respirar. Não consigo pensar. Não consigo falar. Só consigo olhar para ele.
Tenho medo até de me sentar no chão ao seu lado, ele ter outra convulsão e eu
estar no caminho. Minutos depois, ouço uma sirene uivando na rua.

—Acho que chegaram — digo ao Daniel com voz distante. Ainda não
consigo olhar para nada, a não ser para Henrique. Por que isso está
acontecendo?
A ambulância para diante de nós. Eles abrem a porta e finalmente me
levanto. Vejo os paramédicos se aproximarem, nem me lembro de ter largado
o celular de Henrique no chão. Quando dou por mim, Henrique está sendo
colocado numa maca e amarrado.

— Qual o nome dele? — uma voz pergunta, e tenho certeza de que é de


um dos paramédicos, mas não consigo ver o rosto dele. Só o que vejo é o de
Henrique, enquanto o empurram porta afora na maca.

— Henrique e… eu não me lembro o sobrenome — respondo baixinho.

Ouço vagamente o paramédico dizer o nome do hospital para onde ele


será levado. Quando eles saem, fico parada ali, olhando para onde o vi pela
última vez. Levo vários longos minutos para voltar a mim, e a primeira coisa
que faço é pegar o celular dele e procurar o telefone de sua mãe. Ouço-a
chorar do outro lado quando conto o que aconteceu, e acho que ela derruba o
telefone.

— Senhora? — Sinto as lágrimas queimando meus olhos. — Senhora?


— Mas ela não responde mais.

Eu sinto Daniel me abraçar e escondo meu rosto em seu pescoço.


— Ô meu Deus… O que está acontecendo? — Ouço uma voz familiar
dizer.

Quando me afasto vejo que é mamãe, Lila está logo atrás nos olhando
com olhos estreitos.
— Mãe… — Abraço-a forte, chorando mais ainda.

— O que aconteceu, Karine?


— O… o Henrique ele e… está no hospital. Ele caiu a… aqui no chão!

— Vamos entrar para beber um pouco de água com açúcar.


Eu entro dentro de casa e me sento no sofá. Não consigo ter noção de
mais nada, a não ser daquela cena que não para de se repetir em minha mente.
— Quero vê-lo — digo à mamãe. — Daniel e Lila estão em pé na
minha frente, me olhando com um olhar de pena estampado no rosto.

— Em que hospital ele está?


— Eu não lembro. Daniel você lembra?

— Não — ele diz, baixo.

— OK, vou ligar para a emergência e verificar se eles podem me passar


essa informação. Só um momento.

Assinto.

Eu me encolho no sofá e sinto as lágrimas descendo silenciosamente em


minha face. Depois de alguns minutos que pareceram eternidade minha mãe
chega na sala e se senta ao meu lado.

— Não conseguiu a informação?

— Sim eu… consegui?

— Então, vamos mãe! — Levanto-me em um pulo do sofá e a puxo


pelo braço.

— Karine… — Ela diz devagar.

— Que foi? — Volto a desmoronar. Algo dentro de mim diz que tudo
está mal.
— Senta aqui.

— Não mãe! — eu grito. — O que eles te falaram?


— Senta aqui.
— Me diz que ele está vivo. Por favor! por favor! Por favor — Eu
continuo falando e falando.
Eu vejo mamãe virar o rosto para o lado e caio no chão chorando mais e
mais.
Capítulo 36 – Consequência

“Você se foi, e tudo que eu tinha era uma mente cheia de lembranças, um
coração amassado, e olhos cheios d’água.”

— Coração de papel

Mamãe disse que Henrique tinha pouca chance de vida e eu juro que, naquela
hora, meu coração parou. Mas obviamente parou apenas por uns breves
segundos, só para continuar mais forte e feroz depois.

Meu coração batia tão forte em meu peito, que eu o sentia por todo meu
corpo. Minha visão já embaçada me fez ter náusea. Eu me dobrei no chão e
me encolhi sentindo as lágrimas quentes escorrendo pela minha face. Por
mais que eu estivesse consciente de tudo à minha volta — mamãe, Daniel e
Lila se abaixando para me consolar —, era como se estivesse desligada.
Eu não conseguia me movimentar. Não conseguia falar. Não conseguia
pensar em nada além de Henrique.

Mamãe estava falando alguma coisa, porém eu não fazia mínima


questão de saber o que.
Senti alguém pegar a minha mão e apertar suavemente. A mão da
pessoa estava tão quente, diferente da minha que estava gelada.
Meus cílios pesaram em meu olho e me dei conta que não só meus
cílios estavam pesando… minha consciência também estava.

Soltei um gemido frustrante e apertei os olhos com força, desejando que


no fundo tudo não passasse de um sonho… Um sonho, não. Um pesadelo,
para ser mais correta. Mas é óbvio que nada disso mudou. Eu continuava no
chão. Henrique continuava no hospital. A mão continuava segurando a minha.
As lágrimas continuavam caindo… E eu continuava arrependida.

*****

Os corredores do hospital estavam quase vazios. Eu vi uma família


pequena, composta por pai, mãe e filha, que acredito ser, sentados no banco
em frente à uma porta branca, que era o quarto onde Henrique estava.
A mulher levantou o olhar assim quando me aproximei e me senti
ameaçada por ela.

Seus olhos estavam vermelhos e inchados. Seus cabelos castanho-


escuros, uma bagunça total, usava chinelos, calça surrada e uma blusa branca
simples. Ela se levantou com o queixo erguido, me olhando de cima a baixo.

Eu tomei uma longa respiração e tentei me concentrar nas palavras


seguintes:

— Oi — Ouvi a mim mesma falar tão fraco.

— Você que é a tal de Karine — a moça perguntou, enrugando o nariz


para o lado.
Olhei para baixo desconcertada, encarando o piso do chão branco
encardido do hospital, para depois então tomar coragem e erguer meu olhar.
Os três estavam me olhando de forma grosseira, como se dissessem por
trás daqueles olhares que a culpada sou eu.

Eu não podia sequer pensar diferente ou protestar em minha defesa.


Eles tinham razão e ponto final.
Lila, mamãe e Daniel ficaram no andar de baixo, a recepcionista só
deixou um subir, que no caso fui eu, alegando que o número máximo de
visitantes são quatro.
— Sim… sou eu. — Eu me surpreendi quando minha voz não
gaguejou.

Certo.
O medo transparece na minha voz, mas está sendo pelas minhas mãos
que não param de tremer. Eu tentei apertar uma na outra numa tentativa falha,
pensando que ficariam intactas, mas tenho certeza de que esse gesto só as
evidenciou mais.

— Como você pode fazer algo assim com o meu filho? — A moça
perguntou em tom firme e frio para mim. O homem ao seu lado levantou-se e
segurou em seu braço. Um gesto que pedia paciência, mas a moça ignorou
totalmente esse significado. Ela estava olhando para mim como alguém olha
com repulsa, nojo, raiva e tudo mais.

— E… eu… — Não aguentei manter a posse de durona e gaguejei,


imediatamente senti as lágrimas sendo expulsas pelos cantos dos meus olhos.
— Me perdoa, eu não — Não consegui terminar de dizer. A verdade era que
eu não sabia o que falar, que argumentos usar.

A porta do nosso lado foi aberta e saiu uma doutora com uma prancheta
nas mãos. Nós quatro viramo-nos para ela, esperando alguma notícia ou
permissão para entrar.
Ela nos analisou e perguntou:
— A visita está liberada. Quem é o primeiro?

— Eu — disse, desesperada. Eu precisava vê-lo urgentemente. Não


aguentava mais ficar distante.
— OK — a doutora disse, devagar. — O paciente não está acordado e o
limite máximo de tempo na sala é de dez minutos. Peço que vocês sejam
rápidos, pois o horário de visita está acabando. Com licença — ela disse e se
foi.
Eu dei um passo ficando de frente para a porta branca, sentindo os
olhares da família de Henrique perfurando minha nuca e coloquei minha mão
trêmula na fechadura gelada. Girei-a, abri-a e tomei uma longa respiração me
preparando para esse momento que tanto queria.

Entrei e fechei a porta atrás de mim. O quarto simples estava bem


iluminado.

Aproximei-me devagar da cama, enquanto minhas pernas tremiam feito


gelatina e observei Henrique dormindo. Seu rosto tão angelical, fez um
sorriso pequeno surgir em meus lábios.

Tinha um curativo na testa por causa da queda e seu cabelo estava todo
bagunçado, os fios amassados e espetados em todas as direções.

Havia um lençol azul fino que o cobria até a barriga e um tubo na sua
boca.

Ao lado da cama, tinha um aparelho que não parava de fazer pim pim, e
perto da janela grande com cortinas transparente à minha direita havia flores,
carros de brinquedo balões coloridos e desenhos.

Meu estômago revirou e voltei a olhar para Henrique.

Ordenei aos meus olhos não transbordar, afinal eu tinha que aproveitar
esse momento o máximo possível.

Eu sabia que estava vendo-o pela última vez, algo dentro mim dizia
isso. Fiz questão de decorar cada movimento, cada detalhe, memorizar cada
pintinha em seu rosto, mas não quis interpretar seus gestos, seria doloroso
demais. Então, só aproveitei o momento, sabendo que seria o último.
Aproximei-me mais e disse:

— Está doendo tanto… você não faz ideia. Se apenas houvesse alguma
probabilidade de mudar de lugar com você, eu o faria. — Toquei sua mão,
segurando-a firme na minha e levei-a até meus lábios, deixando ali um longo
beijo.
— Eu gosto de você porque você me faz gostar de mim. Porque,
quando eu estou com você, sinto como se tudo fosse possível. Como se não
houvesse nada errado ou fora do lugar. Você me faz tão bem, me faz sentir
confiante e me faz completa. Eu gosto de você porque você está mais presente
em mim.

Olhei para sua mão, que se encaixava tão perfeitamente na minha, como
se fosse feita para mim e a levei até meu coração:

— Cada batida, saiba que diz desesperadamente, fora do compasso: eu


também te amo. Te amo desde o momento que me fez sorrir pela primeira
vez. Te amo desde que você entrou em minha vida para me fazer enxergar que
nada e nem ninguém vai se comparar a você!

Deixei sua mão em cima da cama cuidadosamente e pedi baixinho.


Mesmo sabendo que Henrique dormia e estava em outra dimensão, eu
precisava acreditar que ele se lembrará dessas palavras quando acordar, como
um sonho qualquer:
— Por favor, não me esqueça, não me apague da memória. Não tenha
ódio de mim. Eu quero dizer que, mesmo que você, em um dia qualquer ache
outra pessoa, eu vou estar aqui. Pode ser amizade, namoro ou qualquer outra
coisa, eu só quero construir alguma coisa contigo, entende? Por favor, por
favor — repeti, sem me cansar. — Porque há algo dentro de mim que diz que
não vai haver nada disso, que você vai me esquecer, não vai me perdoar e que
tudo vai doer o dobro em mim. Eu só preciso saber que você me perdoa e
ainda me ama, mesmo que seja pouco, menos do que antes; eu só preciso
saber que ainda assim, depois de tudo, você ainda estará aqui.

Eu queria tanto arrancar essa dor que estou sentindo… Arrancar para
fora do peito e jogá-la para longe como se fosse uma dinamite prestes a
explodir. Mas eu não podia. Eu colhi o que plantei, agora sou responsável
pelos meus atos inconstantes e não pensados.

Cerro meu maxilar de raiva. Com raiva de mim mesma, quando meu
olhar sem querer localizar um relógio na parede, dizendo que pelas minhas
contas, eu tinha apenas mais quatro minutos.
Então, peguei a carta escondida nas minhas costas, embaixo da blusa,
presa na minha calça jeans e corri para perto da janela onde tinha os
presentes.

Segurei a carta um pouco amassada em minhas mãos e a deixei perto


dos balões flutuantes presos no gancho da janela.

A carta, escrevi nos poucos minutos que me sobraram, enquanto mamãe


pegava referência do hospital.

Eu tinha pegado meu caderno e vi que ali eu poderia escrever o que


mais doía o meu coração. Eu tive a chance de colocar tudo que sentia naquela
folha. Eu me vi em pedaços, mas preferi me juntar, refazer, montar, remontar,
para poder desabafar ali.

Como se aquela folha em branco fosse a minha vida, como se eu tivesse


que começar tudo outra vez e pensar numa história diferente. Tomei cuidado
para as lágrimas não mancharem a escrita à caneta que eu fazia. Eu não podia
errar dessa vez.

Espero continuar assim, sem me matar por dentro, lutando por algo que
não tem retorno. A vida sempre me prega peças sem graça, ou sou apenas eu
que caio em suas armadilhas? Eu só espero que ela me recompense, que me
traga sorrisos que façam doer a bochecha, que me traga motivos e
sentimentos, que não me perca por aí. Que me traga você de volta.
Eu já estava no meio da página e a saudade me pedia para falar dela…
Que aperto no coração, que vontade de chorar, que nó na garganta que nunca
desata, que rumo que tudo tomou… É diferente para mim escrever sentindo o
que no fundo ainda existe, ainda corrói, ainda maltrata. Saber que preciso me
conformar com sua ausência e com essa saudade, essa falta que tudo faz,
saudade de como já foi um dia, sem me arrepender de sentir.

Meu Deus! Isso aconteceu hoje, e parece que não. Estou apenas há
algumas horas sem te ver, e parecem anos! Talvez, seja porque eu não quero
aceitar que tudo isso aconteceu.

É triste admitir um fim, lembrar-se de que não era para ser escrito
assim, é triste ter momentos que tinham tudo para me fazer feliz. Ter certas
lembranças que me fazem esquecer do motivo delas serem só isso. É triste ter
que matar um amor, como se ele estivesse naqueles últimos segundos em que
se tem lembranças boas, e tivesse alguém ali tentando reanimar, tentando
fazer o sentimento continuar vivo. E eu não posso fazer nada para explicar
que talvez já esteja tudo perdido, que já tivesse tido o tempo para conseguir
fazer os batimentos voltar.
A última folha do caderno ainda fala de você, ainda tem textos
românticos, ilusões descritas e detalhadas, tem marca de lágrima, mas têm
borrados de sorrisos que foram tirados enquanto eu me lembrava do quanto
era bom. Era. E não é um começo de um conto de fadas, não é o: era uma vez.
Dessa vez, não. É só um verbo que martela na minha cabeça que o lugar de
tudo isso não é o agora. Não vai ter os abraços inesperados vividos em
sonhos, nem beijos, nem risadas compartilhadas, não vai ter de volta o que já
tivemos, porque simplesmente não é para ser, não é para ter. E não tem choro,
não tem promessas, não tem mais essa coisa de que “nós fomos feitos um para
o outro”, isso não vai colar. Isso de destino pode até existir, mas não é como
você diz ser, ou dizia.

A gente não tem que sofrer para ter de volta, não tem que lutar tanto,
uma hora os ventos cooperam, a vida coopera, uma ajudinha aqui, outra ali,
mesmo que a mão a segurar tenha que ser a sua, devia ser assim, mas não vai
ser mais. Não é para ser, e eu estou me convencendo disso a cada vez que
penso em nós. E é isso que me arranca tantas lágrimas, como se a dor
estivesse sendo estancada, mas que nunca fosse o suficiente para ela sair
totalmente dali. Parece que nunca vai sair.
A folha está cheia, o coração está cheio, a mágoa cessou o caminho da
saída, o sentimento toma conta, a saudade dói no peito, sobe até a garganta,
escorre pelos olhos e nada de contar para ninguém… Porque é assim que tem
que ser, eu me entendendo comigo mesma que tem que acabar. Mesmo que o
máximo que eu consiga é deixar essa carta com você, na esperança de que
entenda que o meu plano nunca foi te ferir, e me dói saber que te machuquei.
Chego a me odiar por dentro. Eu não quero mais te magoar, eu vou te deixar
livre, vou sumir da sua vida. Afinal, deixar ir também é uma prova de amor.

A porta se abre me fazendo dar um pulinho de susto.


— Seu tempo acabou. — A garota que me desdenha é irmã de
Henrique, tem os mesmos traços que ele.

Eu deixo a carta lá e vou até Henrique, deixando um beijo de leve em


sua bochecha. Passo a mão em seu cabelo e sussurro um adeus fraco,
parecendo um gemido.

Meu tempo acabou. Vejo isso com aqueles relógios antigos feito de
areia, o último grão cai. Vejo isso como The End nos filmes. Game over nos
videogames.

Meus lábios tremem pelo choro que estou segurando. Então, saio do
quarto o mais devagar possível, querendo adiar esse momento ou só apenas
prolongá-lo até sair completamente e encarar que aqui é o fim. Ou apenas o
começo do fim.

Capítulo 36 - The end

“Para todos que já tiveram um momento de fraqueza, não vai doer para
sempre. Então, não deixe isso afetar o que há de melhor em você!”

— Dedicatória.

Talvez tivesse que ser assim… Uma felicidade temporária, com tempo exato
para acabar.
O pior disso tudo é que parece que nunca vou superar o fim, que, na
verdade, com o passar do tempo, as coisas só vão piorar. A dor com que
deveria me acostumar ficará intensa. Como uma ferida que jorra sangue, que
não tem capacidade para se fechar sozinha. Assim eu vejo a minha situação.

Encosto minha cabeça na janela do carro de mamãe enquanto estamos a


caminho de casa. Meus pensamentos em uma só pessoa, quando uma mão
aperta a minha suavemente. Eu olho para o lado, encontrando a dona dessa
mão.

Lila sorri para mim quando nossos olhos se encontram. Não um sorriso
largo, maldoso. Não um sorriso pequeno, triste, mas neutro. O tipo de sorriso
que diz que ela estará lá para quando eu precisar. Que não importam as
circunstâncias passadas… ela estará do meu lado.

Eu aceno a cabeça positivamente e me sinto melhor por dentro, como se


agora eu levasse uma anestesia para essa dor.
Mamãe solta um suspiro pesado no banco do motorista. Assim que ela
para o carro em frente à garagem de casa, vira-se para trás, me olhando por
um instante, e diz:

— Eu não te disse nada ainda em relação a isso, por achar que não
precisa. Porém nesse trajeto de volta, eu pensei, e achei melhor dizer que…
não importa, nós estaremos aqui por você. Ou melhor, com você.
— Eu sei, mamãe — digo, com a voz trêmula.
— Que bom que você sabe… caso não consiga dormir à noite, você
sabe que na minha cama sempre haverá espaço para mais um.
Eu não tenho palavras para agradecer tamanho gesto de amor. Saber que
nessa situação não estarei sozinha já é um grande conforto.

— Na minha cama também — Lila diz ao meu lado.


— Eu queria te oferecer a minha cama, mas isso soaria ridículo vindo
de mim, aliás eu nem moro aqui — Daniel fala e se estica para a frente, me
olhando, já que ele está ao lado de Lila, encostado na outra janela. — Mas eu
te ofereço meu ombro se você quiser chorar. Meu tempo, se quiser desabafar e
qualquer outra coisa que você quiser.
Lila se mexe no banco desconfortavelmente e vejo seu olhar cair para o
chão do carro.
Mamãe, percebendo o clima tenso, fala:

— Vamos entrar? Faço um chá gostoso para todos nós!

Eu abro a porta do carro e vejo Jenny e Ramon parados em frente à


entrada de casa, se abraçando, por causa do frio que está fazendo.

— Jenny, o que você faz aqui? — pergunto, assim que me aproximo.

Jenny me puxa para um abraço apertado, daqueles que não importam o


frio que esteja, aquece até a alma. Ela se aproxima para me olhar e diz:

— Lila me ligou e disse o que tinha acontecido. Fiquei preocupada com


você e vim te ver.

— Ah, Jenny, não precisava…

— Como não?!

Olhei para Ramon ao seu lado, parado com as mãos no bolso e sua
típica jaqueta de couro.

— Você trouxe até o Ramon.


Ele me sorri de lado. Dá um passo à frente só para bagunçar meu
cabelo.

— Ei, sei que não somos muito íntimos, mas eu me importo com você,
OK?
Mamãe, Lila e Daniel se aproximam devagar da gente.

— Vamos entrar pessoal, garanto que minha casa é bem mais quente do
que aqui fora. — Mamãe esfrega uma mão na outra numa forma de aquecê-
las e acena para a entrada de casa.
Quando todos estão entrando eu esbarro em Daniel. Esperamos todos
entrar e ficamos do lado de fora.
— Eu conheço esse olhar — Daniel diz.
— É? E o que ele diz?

— Está brava comigo? — Ele ousa um palpite.

— Claro que não! Eu apenas queria te falar para que tome cuidado com
as palavras na frente da minha irmã, por favor — eu peço a ele, sinceramente.

— Ela me disse que está tudo bem. — Daniel olha para chão e depois
volta seu olhar para mim. — Disse que não se importará caso aconteça algo a
mais entre nós.

Eu vejo por um momento seus olhos brilharem. Seus gestos dizem que
ele acredita firmemente nessa probabilidade.

Equilíbrio meu peso para frente e para trás, pensando nas palavras.
Pensando em nós. Pensando nesses sentimentos que estão em jogo.
— Nós temos alguma conexão Karine, não tem como você mentir para
mim.

— Eu não disse nada.


— Dá para ver no seu olhar.

Eu respiro fundo, levando ar aos meus pulmões. Talvez não seja ar que
eu quero levar e sim, coragem.

— Você fala como se tivéssemos uma história linda, um passado longo


e inesquecível sendo que não é isso. Não tô dizendo que a gente não tinha
nada, mas também não é como se tivéssemos.
— O que você quer dizer com isso, Karine? — Sua voz, com um leve
desapontamento, me faz perder a metade da coragem que tinha.

Vamos lá, você consegue, ouço meu consciente dizer.


— Que eu apenas quero a sua amizade.

Daniel me encara em silêncio e isso me deixa em total agonia. Eu quero


acabar logo com essa conversa. Quero pôr um fim nesse assunto. Um ponto
final.
Tenho certeza de que as minhas palavras tiveram um efeito ruim nele,
pois Daniel abre a boca várias vezes e a fecha sem falar nada. Ele coça a
nuca. Vai para um lado, vai para o outro, quando finalmente para em minha
frente e diz:

— Eu queria muito te falar que aceito a sua amizade. Que só ela, se for
só isso que irá me oferecer, então me basta. Mas não dá.

Esse é o problema. Não vou continuar tendo uma meia-coisa com você.
Não é suficiente para mim.

— E… eu sei, mas não posso te oferecer nada além disso.

— Por quê? Por que, Karine?

— Porque meu coração já tem dono.


Seus olhos expressam total surpresa e angústia e isso de algum modo
fere meu coração. Mas eu não posso adiar mais as coisas e deixá-las tomarem
um rumo que eu não sei, e do qual tenho medo.

— Daniel, não importa se agora você não está mais com a Lila. Não
importa se agora vocês são ex, não importa nada! Porque para mim… você
sempre será o namorado da minha irmã. E ficar ao seu lado me traria grande
tristeza. Eu acordaria todos os dias pensando em como ela deve estar se
sentindo quando me vê ao se lado.
— Ela disse que não se importa!

Eu solto uma risada debochada. Como ele pôde ser tornar tão insensível
assim de uma hora para outra?
— Sentimentos não são fáceis de matar, Daniel! — eu berro para ele,
nervosa.

— Igualmente, Karine! Não são fáceis de matar.


— Você está sendo egoísta!
— Desde quando lutar por quem se ama passou a ser “egoísmo”?
— Você está pensando apenas em si. Não vê que estando com você, eu
sofrerei?
Daniel abre a boca em um “o”.

— Eu pensei que você me amasse!

— E amo — eu confirmo. — Mas não como deveria. Eu não o amo,


como amo Henrique. O que sinto por ele é diferente.

— Você está ressentida, apenas isso. Está se sentindo culpada, e é por


isso que está dizendo essas coisas.

— Não, Daniel. Você não entendeu.

Eu me aproximei mais dele. Olhei para cima, dentro dos seus olhos
azuis e falei:

— Tudo isso serviu apenas para abrir meus olhos e perceber o quanto o
amo.

— Você mal o conhece. Trocaram o quê? No máximo umas vinte


mensagens e já está aí, achando que o ama!

Essas palavras me pegaram de surpresa. Como Daniel sabe que


trocamos mensagens? Quem ousou lhe dar essa informação?

Eu estava completamente de boca aberta. Estava frustrada e confusa.


Cadê aquele Daniel que conheci há pouco tempo atrás? Como ele pode achar
que conhece meus sentimentos mais do que eu?! Como pode saber o que é
melhor para mim, quando eu mesma já sei? E isso só me dá a certeza de que
estou tomando a decisão certa.

— Sim, Daniel! Eram apenas uma troca de mensagens bobas… — eu


digo, tremendo. — E, mesmo assim, me apaixonei.
Eu vejo seus olhos querendo transbordar. Imagino a força que ele deve
estar reunindo agora para não deixá-las sair.
— Desculpa — eu me ouço dizer. Talvez, eu tenha sido um pouco dura.
Eu não quero magoá-lo, porém não vejo outra alternativa. Eu só quero
que ele entenda que eu amo Henrique e o quero.
— Você não precisa me pedir desculpas. Saiba que eu vou sempre estar
aqui — Daniel diz, neutro. — Em qualquer horário, em qualquer lugar…

Olho para minhas mãos porque vê-lo assim me dói por dentro. Sinto
uma imensa vontade de abraçá-lo e assim eu faço. Encosto minha cabeça em
seu ombro e fecho os olhos. Seus braços se envolvam em minha cintura e
ficamos assim por um tempo que não consigo determinar. Talvez segundos?
Minutos? Horas? Eu não sei. Estava ocupada demais para poder raciocinar
essa parte.

Depois de um tempo Daniel quebra o silêncio:

— Me enviaram uma proposta, para jogar nos Cardinals… e aceitei.

Eu me afasto para olhar para ele.

— Quando vai?

— Daqui a dois meses.

— Ah, eu…
A porta se abre de repente revelando Ramon, que está contendo uma
risada.

— Desculpa atrapalhar — ele diz —, mas a sua mãe pediu para vocês
entrarem, disse que está muito frio, não é bom ficarem na cerração.
Eu sacudo a cabeça para os lados pelo constrangimento e me afasto de
Daniel que, por algum motivo desconhecido, ignorou completamente a
presença de Ramon e continuou intacto, olhando para mim.
— Ah, sim, com certeza. Vamos, Daniel?
Daniel se mantém calado, como se eu não tivesse feito nenhuma
pergunta. Encaro seus olhos tentando de algum modo saber o que se passa por
trás deles, porém ele não me deixa pista de nada.
Eu o vejo suspirar pesado e soltar o ar, que parecia estar preso por
muito tempo. Então, ele finalmente diz:
— Eu…vou para a casa. Realmente, espero que você melhore e, se não
for muito ousado da minha parte, posso te abraçar… de novo?

— Você não precisa pedir. — Abraço-o com força e ele retorna na


mesma intensidade. Eu ia insistir para que ficasse, mas pensei bem e achei
melhor não.

— Eu queria que ficasse por mais tempo — eu disse.


— Não aguento te olhar e não poder te tocar, isso é demais para mim.

Nós nos afastamos, deixando um último olhar e Daniel se vai… aos


poucos desaparecendo na neblina, que o engole.
— Aham… — Ramon faz um barulho com a garganta, chamando
minha atenção.

Eu entro em casa e encontro todos na cozinha me esperando para o chá.

*****

Nove meses depois

Caixas e mais caixas. Era assim que se encontrava meu novo quarto em
Constantine Place, atualmente a uma hora e quarenta minutos da minha antiga
casa.
Mamãe resolveu que deveríamos mudar, depois de nove meses. Ela
estava enjoada de casa e conseguiu uma promoção no trabalho, que lhe deu o
direito de subir de cargo e ter condições de se mudar.
Lila e eu ajudamos a escolher a nossa nova casa, que é imensa!
Também mudamos de colégio. Agora estudamos na Filipinas Courp’s, a duas
quadras daqui.

Estou no meio do quarto, pensando na decoração que farei. Com


certeza, sem sombra de dúvida, este quarto é maior do que o antigo. E Lila
dessa vez não ficou com o maior, o que foi muito estranho, para variar.
A relação entre minha irmã e eu tem estado ótima, e eu agradeço a Deus
por ter me dado Lila como irmã.

Nós nos sentamos todo dia juntas no refeitório, eu a ajudo em inglês,


ela me ajuda nos gestos de passos de cheerleaders.

Sim, eu entrei para o time. Coisa louca eu sei, quem diria?

Jenny… Bem… a Jenny ainda está com Ramon e eu tenho que dizer:
eles são fofos! Porém, Jenny ainda estuda no meu antigo colégio. Ela também
mudou, está mais linda e confiante. Susan não é mais a líder de torcida e
Jenny entrou em seu lugar.

Contam os boatos que Susan estava trapaceado em uma prova e por


conta disso teve como bronca sua expulsão.

Alice está mais gordinha. Sim. Vocês não lerem errado: G O R D I N H


A.

Numa aula de sexta feira Alice foi pega no banheiro vomitando. Então,
descobriram que ela era anoréxica. Os pais dela a obrigaram ir a um
psicólogo, e o tratamento realmente tem surtido efeito. Alice também está no
mesmo colégio que Lila e eu.
— Ei, mana — Lila diz encostada no batente da porta do quarto —, tem
encomenda para você lá embaixo.
— Ah, sim? — digo — Deve ser uma compra que fiz pela internet.
Você pode pegar para mim?

Lila arregala os olhos e dá uma breve olhada para trás.


— Eu não sei se posso pegar.
— Por que não? É só assinar.

— Ele disse que precisava entregar nas mãos da dona.

Revirei os olhos impacientes e agradeci a Lila de qualquer jeito.

Desci as escadas rapidamente enquanto enrolava meus cabelos em um


coque alto e desajeitado. Abri a porta. O entregador de encomendas —
correio — estava de cabeça baixa, de boné preto, roupas simples e um arranjo
de flores vermelhas lindas nas mãos.

— Olá — disse, tentando chamar a minha atenção.

Lila disse que a encomenda era para mim, mas creio que ela se
enganou. Não comprei flores e não tenho admiradores no colégio. Quer
dizer… Até tenho… muitos, para variar. Mas tenho certeza de que não são de
nenhum deles.

— Eu não comprei nenhuma flor, deve haver algum…

Eu parei de falar imediatamente quando ele o — o carteiro —


suspendeu a cabeça e olhou para mim.

Meu coração bateu com força, me dizendo que não era possível. Que
era tudo um sonho, distorção da minha visão, talvez.
— Henrique… — eu disse bem baixo, quase em um sussurro.

— Certamente não é nenhum engano, senhorita…. — Ele pegou o


papel pequeno no meio das flores verificando e disse: — Aqui diz… Karine.
— O… o que você está fazendo a… aqui? — gaguejei.

— Não está claro? — ele disse em uma normalidade fora do comum. —


Vim te ver.
— Eu pensei que não queria mais me ver.

— Eu? — perguntou, indignado — Você me abandonou! Quando abri


meus olhos, a primeira pessoa de quem perguntei foi você! Toda vez que
aquela porta se abria, eu pedia a Deus para que fosse você me visitando, mas
não era….

— Sua mãe me proibiu de vê-lo — eu disse, me lembrando das palavras


ameaçadoras dela para mim. Eu não contei nada a ninguém, com medo do que
podia acontecer. Aliás, eu que causei tudo aquilo. A culpa caia tão
dolorosamente em cima de mim.
— Minha mãe não sabe de nada, Karine!

— O que te trouxe aqui?

Henrique mexeu no bolso traseiro de sua calça jeans escura e me deu


um papel. Uma carta, necessariamente falando. A minha carta. Com fundo
rosado e corações vermelhos. A carta que deixei no seu quarto do hospital.

— Quando li sua carta, eu…. eu precisava te ver. Não aguentava ficar


longe. Nem por mais um instante.

Henrique passa as mãos em seus cabelos e pisca milhares de vezes


rápido.

— Eu não consigo esquecer aquele beijo que você deu em Daniel, mas
decidi te perdoar. Perdoei, mas não esqueci. Eu queria esquecer, juro. É
difícil. Porque todas as vezes que fecho os olhos eu lembro disso. Aquela
cena se passa por debaixo das minhas pálpebras como um filme.

— Eu também tenho sofrido. Todas as noites tenho ido dormir


esperando que no outro dia você tivesse mudado de ideia sobre nós. Era o que
eu mais queria: ter você de volta. Eu só queria uma chance; um recomeço,
talvez.
— Sim, Karine — ele diz —, mas para isso seria necessário que
houvesse um consenso entre as duas partes e, nesse caso, a parte afirmativa só
vinha de mim. Eu chorei tantas e tantas vezes depois que saí daquele
hospital… Me acabei por você. Você desistiu de mim tão rápido. Quase deixei
de existir, quase me destruí. Então, eu jurei que iria te esquecer! Afoguei
todas as mágoas que pude ao som de Tove Lo, na maioria das vezes, ouvindo
Stay high. E tudo, tudo sempre me levava de volta até você. Confesso que até
hoje não consigo ver Querido John, tudo isso por sua causa. Nem Cartas para
Julieta. P.S.: Eu te amo então, nem se fale. O problema é comigo? Todas
essas lembranças martelam por horas e horas na minha cabeça. E eu nunca
sei. Eu não sei de nada. Aquela sua carta… nem sequer tive coragem de jogar
fora. E olha que eu tentei. Tentei me livrar dela diversas vezes, só para evitar
ler mais uma vez todas aquelas palavras cobertas de …eu não sei… que você
fez questão de escrever tão bem. Deixa para lá. Já passou. É sério. Eu perdoei,
já disse. Só não pretendo esquecer.

— Isso significa que… me aceita de volta?


Henrique me encara silenciosamente e talvez eu já sei por que ele veio.
Para mostrar que me superou, que está bem.

— Não. — Essa confirmação parte o meu coração.


Eu não vou chorar, digo em pensamentos. Eu vou ser forte.

— Eu vim aqui porque todo esse tempo longe de você me fez ver que
não encontrarei alguém igual a ti em nenhum canto desta terra. Eu estou aqui
porque quero construir minha vida contigo. Eu não só te quero de volta.
Quero mais que isso.

Henrique se ajoelhou na minha frente, olhando no fundo dos meus


olhos. A verdade era que eu nem tinha conseguido absorver aquelas palavras
direito. Não estava acreditando nisso. Eu tinha total certeza de que o tinha
perdido, e aqui está ele, ajoelhado aos meus pés com uma caixinha vermelha
nas mãos e o arranjo de flores no chão ao seu lado

— Karine Reynolds, você me aceita de volta, como namorado?


Eu o puxei do chão, minha mão trêmula passou em seu rosto, minha
respiração pesada, meus olhos embaçados.

— Sim, sim, sim, sim — disse repetidamente, com a voz rouca, pelo
choro de felicidade entalado na garganta.
Senti a mão dele entrelaçando a minha devagar, quando ergui meu olhar
para encontrar o seu. Um pequeno sorriso se esboçou em seus lábios e eu…
eu apenas deitei minha cabeça em seu ombro pois eu sabia que dali para a
frente tudo seria diferente, mas eu não me importaria, desde que Henrique
estivesse comigo.

Sua mão quente pegou o meu queixo levantando-o e encontrei seus


olhos castanhos mais uma vez. Os olhos castanhos, vou viver o resto da
minha vida vendo e eu juro que nunca enjoarei de olhar para eles.

Seus lábios encostam nos meus, pressionando-os numa leveza


indescritível e fecho os meus olhos.

Eu sei que tudo ficou uma bagunça, mas eu tenho que admitir eu gostei
dela. Quem diria que encontraria o amor da minha vida em um baile de
máscara do colégio? Quem diria que me apaixonaria perdidamente pelo cara
do time adversário? Quem diria que o meu coração iria bater mais forte logo
por Henrique?

Epílogo

Nove anos, cinco meses e três dias depois…

Beijos são dados em meu pescoço e perto da minha clavícula, me fazendo


despertar.
— Bom-dia — Henrique sussurra com a voz rouca em meu ouvido.

Eu só espero que esse jeito dele, de me acordar, se torne rotina.


— Bom-dia — disse, esfregando os olhos por causa da claridade.
— Hoje, eu vou trabalhar um pouco mais cedo… tudo bem?
— Sim, sim.

Henrique se sentou na beirada da cama e me fitou. Seus cabelos


bagunçados e sua cara um pouco amassada me fizeram ter vontade de rir,
então mordi o lábio inferior para conter o riso.

— Que foi? — ele me perguntou, confuso.


— Nada. — Desviei o olhar.

— Você está tentando não rir… O que há de errado comigo?

— Absolutamente nada. Está perfeito, do jeito que é.

— Perfeito é? — Henrique suspendeu uma sobrancelha.

— Sim.

Ele aproximou as mãos no meu pé fazendo cosquinhas.

— Para! — pedi, rindo.

— E aqui pode? — Ele começou a fazer cosquinha na minha barriga,


me fazendo contorce-me feito uma minhoca na cama de tanto rir.

— Para, para… Por… — Hahahah — Por favor, eu não aguento…


A porta do quarto range e paramos para encarar Dylan nos olhando com
um toque de diversão no rosto.

Eu enxugo uma lágrima que saiu de tanto rir e digo:


— Filho, você acordou cedo…

— Mamãe, são nove horas da manhã, vocês que acordaram tarde.


Ele caminha a passos rápidos com seu pijama do Superman —
Henrique insistiu que comprássemos de DeadPool, mas eu não gostei. Ele
pula em cima do colo de Henrique, abraçando-o.

— Já tomou café da manhã?


— Não, Shelei disse que o meu Sucrilhos acabou.
Shelei, que no caso é Shirley (porém, Dylan não consegue dizer seu
nome) é a nossa cozinheira e empregada.

Meu celular vibra em cima da escrivaninha, exibindo no visor uma foto


de Jenny mostrando a língua ao lado de Ramon.

— Alô.

— É menina! — É Jenny. Finalmente, ela ficou sabendo o resultado.


Depois de quatro anos que Henrique e eu nos casamos, Jenny também
se casou, mudou-se para Nova Orleans e está grávida agora. Ela soube há
pouco tempo… na verdade, foi Ramon que desconfiou.
— Oh my God, Jenny!

— Estou tão feliz!

— Amor, quem é? — Henrique pergunta

— Jenny, ela disse que é menina — falo, sorrindo.

Escuto a voz de Jenny me chamando de volta e encosto meu ouvido no


celular novamente:

— Eu vou ter que desligar porque estou morrendo de vontade de comer


pasta de amendoim, mas amanhã te ligo para você me ajudar a decidir o nome
dela, OK? Já que Ramon não está ajudando nessa parte.

— OK, beijos sua linda. Se cuida.


— O mesmo, guria!

Coloco o celular de volta na escrivaninha e me viro na direção de


Henrique e Dylan, que parecem estar brincando de guerrinha com os MEUS
TRAVESSEIROS CARÍSSIMOS!
— HENRIQUE!

— Acho melhor eu ir tomar banho — ele fala, se retirando do quarto.


Dylan estende seus braços para mim. Um hábito dele, para que eu o
pegue no colo.
— Mamãe, vamos no parque? — ele pergunta, com os olhos brilhando
de emoção.
— Vamos deitar um pouquinho? — Mudo de assunto.

Há dois anos eu estava grávida. Minha barriga ficou imensa. Mamãe


queria ter uma neta, porém Henrique um filho, e eu simplesmente ficaria
contente com o que Deus achasse melhor para nós. Então, Ele me deu Dylan.
Dylan é tão fofo, obediente, e ama futebol igual ao pai. Meu pequeno
tem os cabelos castanhos iguais aos de Henrique e os olhos azuis que ele
insiste em dizer que tem o mesmo tom dos meus.

Atualmente, Henrique herdou a empresa de seu pai, que veio a falecer


quatro anos atrás. Como ele é mais velho do que a irmã, está liderando a
empresa.

Depois que terminei o colégio eu ganhei minha bolsa de estudos como o


diretor Emerson prometeu, me formei em Medicina e agora temos uma casa
imensa!

Mamãe sempre vem me visitar nos fins de semana com seu novo
marido, Ben. Eu gosto de Ben, ele faz mamãe feliz e se ela está feliz, eu
também estou!

Lila está cursando faculdade de Arquitetura junto com Alice em uma


nova cidade.
Daniel… bem… eu não tenho tido notícias dele desde que acabei os
estudos. A última notícia foi que ele conseguiu uma bolsa fora do país e foi
contratado por um time de futebol americano, os Cardinals.

— Mamãe, estou ficando com sono — Dylan diz assim que nos
deitamos, lado a lado.
— Oun, meu amor. — Eu pego em sua mão pequena e macia.

Dylan pega a chupeta que estava escondida no bolso do seu pijama e a


põe na boca. Eu viro meu rosto em sua direção, encarando seus olhos imensos
e brilhantes, que me trazem paz.

Sua mão pequena começa a fazer carinho em meu rosto. Dylan ama
fazer isso em mim. Às vezes ele faz carinho em meu cabelo, e é tão suave que
me faz ter vontade de dormir. É engraçado, eu sei…. Eu que deveria lhe fazer
cafuné, porém é ele que faz em mim.
— Eu te amo, mamãe — ele diz baixinho. Sua voz sendo abafada e
alterada pela chupeta.

— Eu também te amo — digo, deixando que a felicidade seja


demonstrada em meus olhos.

Dylan solta um suspiro cansado e vejo seus lindos olhos azuis fecharem
e, em seguida, eu faço o mesmo.

FIM

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