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Gray Queen
Copyright © Gray Queen, 2021
Anos antes
Dias atuais
Gael muitas vezes me tirava do sério. Eu não sou como ele,
não sou como Apollo. Sempre fui na minha, e talvez tenha ficado
ainda pior depois daquele acidente. Meus pais me falaram para eu
não me culpar, mas era impossível, mesmo que fingisse que não me
afetava para não preocupá-los. Acidente ou não, eu matei alguém.
Uma pessoa cheia de vida que nunca mais sorriria ou sofreria. Isso
matou algo em mim.
Tentei seguir com a minha vida, juro que tentei. Até me
apaixonei pela primeira vez, o que foi uma grande decepção. A
garota era fácil demais, ao ponto de ser pega transando com meu
primo, filho da mulher que matei. Zeen me odiava e imagino que
tenha feito aquilo só para me machucar. Estava no seu direito. Mas
isso também mexeu comigo. Eu era um adolescente, tinha perdido a
minha virgindade com ela. E por causa desse incidente fechei o meu
coração e todas as mulheres com as quais sai eram profissionais ou
interesseiras. E eu sempre deixei claro que elas nunca seriam nada
para mim, somente uma fonte de prazer descartável. Feio, não é?
Eu devo ser um monstro. Ou não. Elas não são obrigadas a nada.
Elas nem eram as que mais me irritava. Gael estava em
primeiro lugar. Não leve a mal, eu amo o meu irmão, mas quando
ele me olha tentando me decifrar tenho vontade de socar o seu
rosto. Por ser alguns míseros minutos mais velho, acha que está no
direito de cuidar de cada passo dos seus irmãos. Estou pensando
seriamente em seguir o exemplo de Apollo e sair pelo mundo me
divertindo e me encontrando. Tenho certeza que meu irmão mais
“velho” dará conta de tocar a Dvorak sem nenhum problema.
Como acordei de péssimo humor, mal terminei o café da
manhã e me levantei. Estava saindo da sala de jantar quando me
lembrei das novas contratações.
— Você vai querer que eu esteja ao seu lado quando for
receber os novos contratados? — perguntei.
Eu já sabia a resposta, mas fiz questão de perguntar:
— Óbvio! Mesmo que você não diga nem cinco palavras,
acho essencial.
Só balancei a cabeça concordando e sai. Queria passar na
banca e comprar jornais antes de ir para a empresa. Era trabalho da
minha secretária, só que estávamos em transição para uma nova. A
última teve que sair por exigência da família — marido que queria a
esposa em casa depois do casamento — e a provisória não parecia
ter esperança de efetivar. Só podia ser isso, porque ela não fazia
nada direito.
Quando cheguei na empresa, não demorou e Gael e eu
tivemos que receber os novos membros da família Dvorak.
Enquanto meu irmão fez um pequeno discurso, apenas dei as
boas-vindas quando me passou a palavra. Sei que ele ficou com
raiva, mas preferi evitar falar, pois não era muito bom com as
palavras quando acordava de mal humor.
Logo saímos do saguão em direção às nossas salas. Foi só
quando entrei na minha sala que percebi que levei comigo o
sentimento de que algo estava faltando. Demorou alguns segundos
para eu perceber que o problema era a mesa da minha secretária...
vazia.
— Droga! — resmunguei batendo o punho fechado na mesa
onde a minha secretária nova deveria estar.
Entendi a merda que fiz, afinal não sou tão monstro assim.
Podia esperar que alguém a trouxesse, mas resolvi voltar e
buscá-la. Seria péssimo deixar a pessoa que praticamente seria a
minha sombra na empresa chegar no primeiro dia e ficar jogada
esperando alguém disposto a orientá-la a onde ir. Era esperar
demais que ela andasse com uma foto minha e adivinhasse o andar
onde trabalharia. Merda!
Quando sai do elevador, a vi. Só podia ser ela porque não
havia mais ninguém com ar de novato.
Ela estava encolhida no canto e a Juliet ia em sua direção,
mas desistiu ao me ver. Acho que queria saber o que eu faria antes.
Diferente da mulher na foto do currículo que vi alguns dias
atrás, Ayla Garcia parecia magra e tímida demais. Vê-la encostada
na parede com um olhar perdido em direção a Juliet, o jeito como
torcia as mãos uma na outra... Não sei. Ela despertou o meu lado
protetor.
Ela viu que Juliet me encarava e desviou para mim o seu
olhar cheio de expectativa. Um olhar assustado e meigo.
— Senhorita Garcia, desculpe deixá-la para trás. Foi um erro
causado pela minha distração — disse parando perto dela e
indicando com um gesto da mão para caminharmos em direção ao
elevador. Era nosso trabalho orientarmos nossas secretárias, afinal
assim elas aprenderiam nosso jeito de trabalhar bem mais
facilmente.
Ela começou a caminhar na direção indicada. Não me passou
despercebido o fato de que suas mãos tremiam, muito menos que o
seu vestido social cinza e preto era muito maior que o seu número.
Ela parecia perdida dentro daquele tecido.
Apesar de tudo, era uma bela mulher. Seus cabelos loiros e
lisos iam até os ombros em um corte repicado e seus olhos eram de
um verde que se assemelhava a uma esmeralda bem lapidada.
Devia ficar um arraso se cuidasse mais da beleza que possuía.
— Não tem que pedir desculpas, senhor Dvorak. — Sua bela
voz, baixa e suave, me tirou da análise.
— Me chame de Matteo, é a principal regra para trabalhar
comigo — comentei tentando melhorar o clima de primeiro dia.
— Sim senhor — respondeu simplesmente.
— Me acompanhe. Vamos ao trabalho — disse assim que a
porta do elevador se abriu.
Esperava sinceramente que o jeito tímido dela não
atrapalhasse no trabalho. Os poucos dias com uma secretária ruim
já foram suficientes. E se ela fosse realmente um bichinho
assustado, fugiria na primeira conversa de corredor que escutasse.
Afinal, meu jeito introspectivo causa muitos comentários, sei bem o
que falam por ai. Segundo dizem; eu sou o irmão sombrio, Apollo o
bon vivant e Gael o poderoso chefão.
Capítulo III
No passado
Atualmente
Antes