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Anjo Sombrio

Irmãos Dvorak - Livro II

Gray Queen
Copyright © Gray Queen, 2021

Todos os direitos reservados a autora. É proibida a reprodução de parte ou


totalidade da obra sem a autorização prévia da autora. Todos os personagens
desta obra são fictícios e qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas
terá sido mera coincidência. Texto revisado conforme o Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa.
Aviso
Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capitulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IX
Capítulo X
Capítulo XI
Capítulo XII
Capítulo XIII
Capítulo XIV
Capítulo XV
Capítulo XVI
Capítulo XVII
Capítulo XVIII
Epílogo
Aviso
É necessário ler o primeiro livro para entender algumas
partes desta história.
Dedicado aos meus amados leitores que me acompanham. Escrevo
por vocês, para vocês.
Capítulo I

— Você enlouqueceu, minha filha? O que pensa em fazer se


deixá-lo? O que vai comer? Onde vai morar? O seu pai não vai
permitir que volte para casa e ...
— Mãe, eu não estou feliz. Ele me bate por qualquer motivo.
— Isso é normal. Acha que é a única? Os homens são assim,
precisam extravasar a tensão do dia de...
— Eu não acredito que estou ouvindo isso. — Levantei
indignada. Estávamos sentadas no sofá da sala da casa dos meus
pais.
— Seu pai fez isso várias vezes e nem por isso o deixei.
Somos felizes.
— Não são não. — Fiquei abismada. Como nunca percebi
que algo assim acontecia. Enquanto andava de um lado para o
outro na sua frente, recordei vários momentos que sugeriam os
maus-tratos; as constantes marcas no rosto e corpo dela que
geralmente aparecia e era associadas a tombos. Imaginar que
minha mãe suportava a dor de uma agressão constante doeu muito.
— Isso não é normal e não vou agir como se fosse. Eu posso
trabalhar, não sou nenhuma inútil.
— Quem você acha que vai te dar emprego nessa cidade?
Você vai ser considerada uma adultera. Ninguém vai querer sequer
estar perto. Estamos em uma cidade pequena, com pensamentos
ultrapassados.
— Então eu vou embora. Posso conseguir trabalho na casa
de alguma família longe daqui, pelo menos até conseguir algo
melhor.
— Você não está pensando direito, filha, só volte para sua
casa e seja uma boa esposa.

Acordei com a sensação do ônibus parando. Agradeci


mentalmente por acordar e estar longe daquele pesadelo. Naquele
dia, eu saí da casa dela aos prantos. Isso aconteceu muito depois
da primeira vez que Roberto me agrediu. Eu esperava que não
fosse acontecer novamente, mas depois da terceira vez, decidi dar
um basta e visitei a casa dos meus pais e contei para minha mãe o
que vinha acontecendo. Naquele dia me perguntei se realmente era
algo comum, com o qual eu teria que me acostumar. Demorou para
“cair a ficha” que minha mãe estava errada, não só em aceitar aquilo
como normal, como ao me deixar literalmente viver as mesmas
dores que viveu. Se morar com um homem significava se entregar a
todo tipo de tortura eu poderia muito bem viver sozinha, não existia
sexo que valesse a minha paz de espirito, muito menos minha
saúde física. Se não era possível trabalhar e refazer minha vida na
cidade onde nasci, faria em outra. Lutaria com todas as minhas
forças. E seria feliz. Eu não seria como minha mãe.
A pessoa ao meu lado se levantou e começou a pegar suas
coisas no bagageiro sobre nossas cabeças. Foi só assim que
percebi que o ônibus havia não só parado, mas que chegamos em
algum lugar de desembarque.
— Já estamos em São Paulo? — perguntei para a moça que
viajou ao meu lado.
— Sim. Estamos no Terminal Rodoviário Tietê.
— Obrigada. — Era exatamente o meu ponto final. Pelo
menos pelos próximos minutos, pois ainda faltava muito para chegar
à casa de Helena.
Levantei também e peguei minha única mala, pequena o
bastante para viajar comigo. Vez ou outra olhava ao meu redor,
como se alguém pudesse aparecer de repente e me levar de volta.
Só de pensar nisso meu corpo doía onde estava ferido. Segurei as
lágrimas e peguei os transportes necessários para chegar até onde
minha amiga de colégio morava.
Ela me esperava no ponto de ônibus. Não havia mudado
muito apesar de ter passado tantos anos. Seus cabelos ainda era
longos e negros, sua pele morena, desde a primeira vez que a vi
que a comparo com as figuras de índias nos livros de história. Vê-la
me fez recordar da nossa infância, de como éramos felizes e
inocentes. Meus olhos se encheram de lágrimas com a saudade.
Ela veio correndo e me abraçou com força. Até tentei
disfarçar a dor que seu abraço causou, mas ela percebeu.
— Não acredito que aquele miserável teve coragem de te
machucar — falou indignada.
Lembrei da nossa conversa por telefone, onde expus
brevemente o pesadelo que se tornou a minha vida com o meu
companheiro.
— Eu tenho medo de te prejudicar vindo para a sua casa —
confessei. Não tinha ideia se Roberto era louco o bastante para
tentar me encontrar, mas no fundo sentia que essa possibilidade
não era infundada. Alguém como ele poderia ser capaz de qualquer
coisa.
— Gata, meu marido é policial e está louco para colocar
aquele crápula atrás das grades. Ele odeia homem que machuca
mulheres, crianças, idosos, qualquer um mais fraco. — Sua voz
demostrava todo o orgulho que sentia do marido e todo o asco que
dedicava a pessoas como Roberto.
— Fico que feliz que esteja casada com alguém assim. —
Suspirei lembrando que os primeiros meses com Roberto foram
incríveis, ele me tratava com rainha. Foi só um ano após
começarmos a morar juntos que ele começou a se mostrar. Bebia
demais e reclamava demais, e reclamar se tornou pouco, só se
acalmava depois de descontar sua frustração em mim. E eu, idiota,
nunca pensei em revidar. Afinal, a bebida o deixava assim, e ele
passava os dias seguintes se desculpando e me mimando.
— E logo você também vai encontrar um homem de verdade
que vai te fazer esquecer tudo aquilo.
“Obrigada” era uma palavra muito fraca diante do que Helena
fazia por mim, então simplesmente a fiz parar de andar, coloquei a
mala no chão e a abracei com força, ignorando qualquer dor. Se não
fosse o apoio dela, acho que estaria morta nas mãos de Roberto.
Ela foi a pessoa que me estendeu a mão, que me ofereceu refúgio.

A casa de Helena era um pequeno sobrado pintado de azul.


Nos aproximamos e vi o homem baixo e corpulento com um
menininho de uns dois anos tentando saltar do seu colo.
— Amiga, esse é o meu marido Michael e o nosso filhotinho
Gabriel. Amor, essa é a minha amiga Ayla.
— Seja bem-vinda, Ayla. — Sua voz era grave. Devia impor
respeito diante dos marginais que prendia. Isso devia compensar o
fato de que era quase da minha altura.
— Obrigada! — respondi timidamente. Preferia que a primeira
vez que visse o marido da minha amiga fosse em uma situação
diferente.
Entramos e Helena me instalou em um quarto com uma cama
de solteiro e um guarda-roupa. O quarto tinha a parede pintada com
ilustrações de desenhos animados, foi o que me fez perceber que
estava usurpando o quarto do pequeno Gabriel.
Apesar da boa vontade deles, eu não podia abusar e, no
mesmo dia em que cheguei, pedi a Helena para me emprestar o
computador. Precisava de trabalho urgente.
Ela falava o tempo todo que eu precisava descansar, que
podia procurar um trabalho depois que estivesse menos dolorida,
mas insisti. Já tinha um mês desde a última vez que Roberto me
feriu. Ele devia estar esperando o meu corpo se recuperar para
começar novamente. Pois morrerá esperando, desgraçado!
Quando encontramos o anúncio das vagas na Dvorak, ela me
contou sobre a fama deles em tratar os funcionários com um
membro da família e me mostrou várias reportagens sobre eles em
sites importantes. Me inscrevi em uma das vagas de secretária, pois
tinha experiencia em carteira, trabalhei dos dezoito até os vinte e
cinco como secretária do único dentista da cidade. Só sai porque
Roberto me obrigou dizendo que eu estava tendo um caso com o
meu chefe. Foi aquela a primeira vez que ele me bateu. Eu devia ter
dado um basta naquele dia, mas achei que a culpa foi minha — por
sei lá qual motivo — e continuei achando que a culpa era minha
todas as vezes. E quanto mais me esforçava para não atiçar sua ira,
algo sempre acontecia.
A todo momento meus pensamentos se desviavam para tudo
o que vivi nesses quatro anos em que estive com Roberto. Perdi o
perdi o emprego, perdi o dom de sorrir com sinceridade, perdi peso,
perdi a paz de espirito... e assim vai uma imensa lista de perdas que
será difícil de recuperar, mas que estou disposta a tentar. Pelo
menos eu ainda estava viva, teria uma segunda chance.
Deus, eu te imploro que me conceda essa chance. Pedi
enquanto aguardava a primeira entrevista para o processo seletivo
na Dvorak.

Apesar de estar suando frio e com as mãos tremulas de


nervosismo, fiz um boa entrevista. A pessoa que me entrevistou se
chamava Juliet e foi muito gentil. Perguntou sobre a minha
experiencia e motivo de estar em uma cidade como São Paulo. Fui
sincera contando sobre o que fazia no consultório e contei que
estava na cidade em busca de uma vida melhor. Ela também me
perguntou se eu tinha filhos ou algo que me impedisse de viajar com
o CEO caso fosse necessário. E respondi que estava a disposição.
Pretendia fazer alguns cursos para aperfeiçoar meus
conhecimentos, mas sempre encaixaria com meus horários na
empresa. Por fim, ela agradeceu e me pediu para aguardar um
telefonema. Eu já tinha um celular, Helena me emprestou um dos
dela, pois o marido tinha dado um novo modelo no último natal e ela
estava com três. Segundo ela, guardando para quando fosse no
interior levar para alguns primos que não poderiam comprar.
Quando o telefonema aconteceu quase tive um treco de
alegria. Fui contratada. Começaria na próxima segunda-feira. Meu
novo ano começaria oficialmente no dia vinte e cinco de fevereiro.
Deus ouviu as minhas preces e me ajudou a ser escolhida entre
tantas pessoas tão experientes quanto eu, ou talvez até mais.
Eu já respirava mais aliviada depois de alguns dias. Já não
olhava mais para todos os lados como se Roberto fosse aparecer do
nada. Só os pesadelos que eram constantes. As lembranças dos
piores momentos.
A segunda chegou rápido. Helena me ajudou a me arrumar
com uma das roupas que trouxe comigo, da época em que
trabalhava no consultório, e seguimos juntas para o ponto de
ônibus. Ela dava aulas em um bairro vizinho e seu marido ficava
com o pequeno Gabriel até a mãe dela chegar. Sua mãe cuidava da
casa e da criança e era paga por isso. Segundo ela, não tinha
sentido pagar a estranhos por algo que ela podia fazer.
O meu ônibus chegou primeiro. Depois dele pegaria trem e
metrô até chegar a Dvorak, no centro da capital. De Franco da
Rocha até lá era uma pequena viagem.
O medo que senti de me atrasar e perder a vaga antes
mesmo de começar passou assim que entrei no imponente edifício
da empresa. Em pensamento, prometi a mim mesma que sairia
mais cedo nos próximos dias e que assim que tivesse condições
devolveria o quarto do Gabriel e alugaria um lugar mais próximo à
empresa.
A recepcionista simpática me mostrou um grupo de pessoas
e me orientou a aguardar com eles. Me aproximei do lugar, ficando
um pouco afastada. Até que vi uma mulher chegando e se
aproximando do grupo. Ela foi ousada e cumprimentou a bela
morena que também esperava. Quando vi aquilo me recriminei por
me esconder quando deveria conhecer pessoas e começar uma
nova vida. Em um rompante — antes de perder a coragem —, me
aproximei delas e me apresentei. Foi um alivio perceber que eram
pessoas boas e logo estávamos conversando com mais pessoas do
grupo. Até que a mesma mulher que me entrevistou apareceu e
apresentou dois homens que pareciam saídos de novelas. Eram tão
belos que nem pareciam reais. Os olhos deles... Eu nunca
esqueceria olhos tão lindos e singulares. Nem sabia que era
possível ter olhos cinzas.
Apesar do susto inicial, a impressão sobre a beleza passou
rápido. Eu estava tão intimidada com tudo que mal prestei atenção
nos dois homens que falavam. Eu queria absorver as palavras deles
e não ver se eram bonitos ou não. Já sabia que homens de novelas
só namoravam mulheres de novelas. As fofoqueiras do salão de
beleza na minha cidade sempre falavam sobre isso. Então para que
sonhar que um daqueles homens poderia ofuscar o pesadelo que
estava em meu coração?
Depois das poucas semanas morando em Franco da Rocha,
também fui capaz de entender como tudo é diferente, mais rápido,
com menos sentimento. Não que eu estivesse acostumada a
qualquer sentimento além de dor e tristeza, há anos não tinha nada
além disso. E a cidade nem era grande, comparado a capital onde
ficava a Dvorak, mas comparado de onde vim parecia gigante.
Por poucos segundos recordei da minha vida na minha
pequena cidade e cheguei a sentir saudade. Foi por poucos
segundos. Logo a imagem de Roberto se formou na minha mente
levando a saudade da minha antiga vida.
Quando vi os dois homens se afastando, me senti perdida.
Eu não seria a secretária de um deles?
Fiquei parada em um canto esperando enquanto via os
outros seguirem seus rumos, com medo de que a minha contratação
tivesse sido um engano e eles me mandassem embora.
E agora, o que faço?
Capítulo II

Anos antes

— Vamos trocar de lugar, agora você vai dirigir. — A voz do


meu tio saiu mole por causa do excesso de álcool.
— Não. Amanhã. Já está escuro — aleguei sentindo o medo
de errar ser mais forte que o de arriscar.
— Só uma volta — disse já parando o carro e tirando o cinto.
— Não tenho sobrinho covarde.
Ele saiu do carro. Ainda tentei insistir, mas me vi no volante
com meu tio ao lado ditando o que eu tinha que fazer para dirigir.
Apesar dele dar mais atenção a garrafa de cerveja que bebia,
estava tudo indo bem até que vi Maria atravessando a rua. Era para
eu diminuir a velocidade, mas o carro acelerou de uma vez.
Olhei para baixo e pisei no freio.
— Olha para frente! — meu tio gritou nervoso.
Apavorado olhei para frente ao mesmo tempo em que ele
gritava para eu colocar o pé no freio e empurrava o meu pé. E o
carro acelerou outra vez... e aconteceu. Foi tudo rápido, quando dei
conta o corpo voava sobre o carro.

Dias atuais
Gael muitas vezes me tirava do sério. Eu não sou como ele,
não sou como Apollo. Sempre fui na minha, e talvez tenha ficado
ainda pior depois daquele acidente. Meus pais me falaram para eu
não me culpar, mas era impossível, mesmo que fingisse que não me
afetava para não preocupá-los. Acidente ou não, eu matei alguém.
Uma pessoa cheia de vida que nunca mais sorriria ou sofreria. Isso
matou algo em mim.
Tentei seguir com a minha vida, juro que tentei. Até me
apaixonei pela primeira vez, o que foi uma grande decepção. A
garota era fácil demais, ao ponto de ser pega transando com meu
primo, filho da mulher que matei. Zeen me odiava e imagino que
tenha feito aquilo só para me machucar. Estava no seu direito. Mas
isso também mexeu comigo. Eu era um adolescente, tinha perdido a
minha virgindade com ela. E por causa desse incidente fechei o meu
coração e todas as mulheres com as quais sai eram profissionais ou
interesseiras. E eu sempre deixei claro que elas nunca seriam nada
para mim, somente uma fonte de prazer descartável. Feio, não é?
Eu devo ser um monstro. Ou não. Elas não são obrigadas a nada.
Elas nem eram as que mais me irritava. Gael estava em
primeiro lugar. Não leve a mal, eu amo o meu irmão, mas quando
ele me olha tentando me decifrar tenho vontade de socar o seu
rosto. Por ser alguns míseros minutos mais velho, acha que está no
direito de cuidar de cada passo dos seus irmãos. Estou pensando
seriamente em seguir o exemplo de Apollo e sair pelo mundo me
divertindo e me encontrando. Tenho certeza que meu irmão mais
“velho” dará conta de tocar a Dvorak sem nenhum problema.
Como acordei de péssimo humor, mal terminei o café da
manhã e me levantei. Estava saindo da sala de jantar quando me
lembrei das novas contratações.
— Você vai querer que eu esteja ao seu lado quando for
receber os novos contratados? — perguntei.
Eu já sabia a resposta, mas fiz questão de perguntar:
— Óbvio! Mesmo que você não diga nem cinco palavras,
acho essencial.
Só balancei a cabeça concordando e sai. Queria passar na
banca e comprar jornais antes de ir para a empresa. Era trabalho da
minha secretária, só que estávamos em transição para uma nova. A
última teve que sair por exigência da família — marido que queria a
esposa em casa depois do casamento — e a provisória não parecia
ter esperança de efetivar. Só podia ser isso, porque ela não fazia
nada direito.
Quando cheguei na empresa, não demorou e Gael e eu
tivemos que receber os novos membros da família Dvorak.
Enquanto meu irmão fez um pequeno discurso, apenas dei as
boas-vindas quando me passou a palavra. Sei que ele ficou com
raiva, mas preferi evitar falar, pois não era muito bom com as
palavras quando acordava de mal humor.
Logo saímos do saguão em direção às nossas salas. Foi só
quando entrei na minha sala que percebi que levei comigo o
sentimento de que algo estava faltando. Demorou alguns segundos
para eu perceber que o problema era a mesa da minha secretária...
vazia.
— Droga! — resmunguei batendo o punho fechado na mesa
onde a minha secretária nova deveria estar.
Entendi a merda que fiz, afinal não sou tão monstro assim.
Podia esperar que alguém a trouxesse, mas resolvi voltar e
buscá-la. Seria péssimo deixar a pessoa que praticamente seria a
minha sombra na empresa chegar no primeiro dia e ficar jogada
esperando alguém disposto a orientá-la a onde ir. Era esperar
demais que ela andasse com uma foto minha e adivinhasse o andar
onde trabalharia. Merda!
Quando sai do elevador, a vi. Só podia ser ela porque não
havia mais ninguém com ar de novato.
Ela estava encolhida no canto e a Juliet ia em sua direção,
mas desistiu ao me ver. Acho que queria saber o que eu faria antes.
Diferente da mulher na foto do currículo que vi alguns dias
atrás, Ayla Garcia parecia magra e tímida demais. Vê-la encostada
na parede com um olhar perdido em direção a Juliet, o jeito como
torcia as mãos uma na outra... Não sei. Ela despertou o meu lado
protetor.
Ela viu que Juliet me encarava e desviou para mim o seu
olhar cheio de expectativa. Um olhar assustado e meigo.
— Senhorita Garcia, desculpe deixá-la para trás. Foi um erro
causado pela minha distração — disse parando perto dela e
indicando com um gesto da mão para caminharmos em direção ao
elevador. Era nosso trabalho orientarmos nossas secretárias, afinal
assim elas aprenderiam nosso jeito de trabalhar bem mais
facilmente.
Ela começou a caminhar na direção indicada. Não me passou
despercebido o fato de que suas mãos tremiam, muito menos que o
seu vestido social cinza e preto era muito maior que o seu número.
Ela parecia perdida dentro daquele tecido.
Apesar de tudo, era uma bela mulher. Seus cabelos loiros e
lisos iam até os ombros em um corte repicado e seus olhos eram de
um verde que se assemelhava a uma esmeralda bem lapidada.
Devia ficar um arraso se cuidasse mais da beleza que possuía.
— Não tem que pedir desculpas, senhor Dvorak. — Sua bela
voz, baixa e suave, me tirou da análise.
— Me chame de Matteo, é a principal regra para trabalhar
comigo — comentei tentando melhorar o clima de primeiro dia.
— Sim senhor — respondeu simplesmente.
— Me acompanhe. Vamos ao trabalho — disse assim que a
porta do elevador se abriu.
Esperava sinceramente que o jeito tímido dela não
atrapalhasse no trabalho. Os poucos dias com uma secretária ruim
já foram suficientes. E se ela fosse realmente um bichinho
assustado, fugiria na primeira conversa de corredor que escutasse.
Afinal, meu jeito introspectivo causa muitos comentários, sei bem o
que falam por ai. Segundo dizem; eu sou o irmão sombrio, Apollo o
bon vivant e Gael o poderoso chefão.
Capítulo III

O dia foi bem longo e tenso. Matteo Dvorak mexia comigo de


um jeito estranho. Ele me deixava nervosa. Nunca tinha visto olhos
como os dos irmãos Dvorak, e ele era muito grande, fazia eu me
sentir um criança ao seu lado. E ainda tinha que lidar com o fato de
que vez ou outra me pegava imaginando como seria beijá-lo. Um
pensamento idiota para alguém que acaba de literalmente fugir de
um relacionamento.
Eu tentava agir profissionalmente e sorrir sempre que podia.
O bom de o dia ter sido tenso é que nem parei para pensar no meu
passado.
No fim da tarde, ele passou pela minha mesa, desejou um
bom descanso e se foi.
Desliguei o computador, peguei as minhas coisas e suspirei
enquanto me dirigia ao elevador.
Foi no elevador que encontrei Rubia. Conversamos um pouco
e na saída também encontramos Dominique. Rubia se foi com o seu
namorado, depois de nos avisar para não perdermos nosso
emprego porque queria continuar nos encontrando. Helena me falou
tudo que sabia sobre a empresa e eu já sabia que não podia errar
ou a minha vaga estaria nas mãos de um dos muitos desesperados
por uma.
Dominique foi comigo até a estação e seguimos em direção
diferentes.
Enquanto seguia até a casa de Helena, meu coração se
mostrou mais leve. Algo me dizia que minha vida seguiria por
melhores caminhos e que Rubia e Dominique seriam importantes
em minha vida. Havia me sentido ligada a elas desde o primeiro
momento. Era isso que estava faltando em minha vida, amizade,
liberdade, amor-próprio, e mais algumas coisinhas. Eu conquistaria
tudo com esforço e dedicação. E não fugiria de amar outra vez.
Deixar Roberto ser a única lembrança do que é um relacionamento
amoroso estava bem longe dos meus planos. Se eu tinha medo de
viver aquilo tudo novamente? Claro. As feridas não estavam
completamente cicatrizadas, nem no meu corpo nem na minha
alma. Mas eu tinha mais medo de perder as esperanças e mais
medo ainda de nunca ter a família que sempre sonhei.
Suspirando, olhei para o teto do metrô. E agradeci.
“Deus, obrigada por me trazer até aqui.”

Os dias passavam e eu estava cada vez mais acostumada


com o trabalho. Quase sempre via a Rubia, que me ajudava a fazer
o meu trabalho. Ela se sentia inútil sendo secretária de alguém que
não vinha trabalhar.
No fim de semana Helena me levou para uma volta no
Parque Municipal Benedito Bueno de Morais. Foi um sábado
maravilhoso. Helena e seu marido pareciam muito felizes, era a
típica família de comercial enquanto brincavam com o pequeno
Gabriel. Olhá-los me faziam lembrar do filho que perdi. Doía pensar
que uma vida foi ceifada por causa da maldade e ciúmes de
Roberto, mas imaginar que uma criança poderia sofrer o mesmo
que eu me faz agradecer a Deus por levar o meu anjinho ao céu
logo nas primeiras semanas. Se é um pensamento cruel... Não sei.
O que sei é que uma criança poderia morrer se tivesse passado
pela metade do que sofri. As palavras de Roberto sobre o que faria
com um filho que tivéssemos me congelava.
“Eu me casei com você para ter uma mulher para fazer
comida e ser comida, não para sustentar nenhum catarrento.
Engravida para você ver o que faço com “a coisa”. Meus cães
adoram carne.”
Lembrar daquilo era mais assustador do que lembrar da surra
que levei naquele dia, por simplesmente dizer a ele que poderia
estar grávida.

Na segunda feira fui trabalhar com um animo a mais. Queria


ver Rubia e Dominique. E qual não foi a minha surpresa quando
Rubia chegou na minha mesa quando eu estava saindo para o
almoço.
— A Dominique foi demitida — disse triste.
— O que? Por que? — perguntei incrédula. De nós três,
Dominique era a que tinha o melhor cargo e se mostrava tão feliz ao
falar do seu trabalho.
— Segundo as fofocas dos corredores, ela chegou atrasada
sem justificativa válida.
— Você tem algum telefone, e-mail, endereço dela? Não
queria perder o contato.
— Não tenho nada, mas pode deixar que dou um jeitinho e
consigo com alguém do setor dela ou do RH. Agora vamos almoçar
que estou faminta. Com um belo bife na minha frente consigo
raciocinar melhor. — Colocou a mão na barriga para ilustrar o
quanto estava com fome. Rubia era linda até fazendo careta.
Fomos almoçar e acabamos não tendo a chance do nos falar
mais naquele dia.
Fui para casa pensando se realmente perderia o contato com
Dominique. Ficaria muito triste. Já sentia que éramos amigas.
Para meu alivio, antes que Rubia conseguisse os contatos de
Dominique, ela reapareceu na quarta-feira com a novidade que seria
readmitida. Uma novidade maravilhosa. Almoçamos juntas e
marcamos de ir a um bar. Seria a primeira vez que eu sairia desde
que cheguei em São Paulo. Liguei para Helena e ela ficou muito
empolgada.
O namorado de Rubia nos levou e nos deixou no bar. Isso
depois de se despedir com um beijo de cinema prometendo que
voltaria após terminássemos nossa reunião de meninas.
Rubia e eu estávamos curiosas para saber o que aconteceu
com nossa amiga, então quase cai quando a ouvi dizer:
— Eu caí na lábia do Dono do mundo... Foi isso. Cai na lábia
dele e por causa de um mal-entendido besta me atrasei e fui
demitida, mas ele resolveu.
Claro que exigimos maiores explicações e detalhes. Saber
que nossa amiga estava envolvida com um dos trigêmeos mais
desejados da América Latina era uma novidade e tanto. Nem
preciso dizer que pesquisei tudo que podia sobre a família e a
empresa depois que comecei a trabalhar na Dvorak.
Nos divertimos naquela noite. E no fim, o namorado de Rubia
voltou e nos levou para casa.
No dia seguinte, voltamos a rotina nos nossos trabalhos.
Sendo que na minha rotina estava inserido ser tola e sonhar
com meu chefe. Ele era muito surrealmente lindo e sua gentileza
para comigo me fazia viajar. A imaginação não teria nada de
perigoso, enquanto não saísse da minha mente.
Capitulo IV

Liguei para Gael de madrugada, logo depois de chegar na


casa dos meus pais e ver que não era exagero de mamãe o alarde
quando me ligou dizendo que papai havia sumido.
Logo todos na minha família estavam apreensivos com o
desaparecimento dele, mesmo que só tivesse passado algumas
horas. A doença dele deixava tudo imprevisível. Por sorte o
encontramos dormindo em uma praça perto de casa.
Achei estranho o jeito que meu irmão saiu praticamente
correndo depois que encontramos nosso pai. E a frase “Espero que
ela esteja me esperando.” deixou claro que alguma mulher estava
mexendo com ele de um jeito que não me recordo de nenhuma
outra ter mexido. Afinal, o sentimento teria que ser muito forte para
ele não esperar o médico da família que vinha ver papai depois da
crise. Eu dava conta do recado, pois tudo parecia ter sido
passageiro, mas isso nunca foi suficiente para o Dono do mundo.
Sempre que me lembrava que ouvi Ayla se referindo a ele
assim no telefone, eu sorria e desejava que ela também me
apelidasse. De preferência com um nome bem sexy. É, eu estava
interessado na minha secretária. Acho que começou no exato
momento em que a vi esperando para começar o trabalho. Naquele
dia apenas quis cuidar dela, mas quanto mais os dias passavam
mais meu olhar mudava. Via seus lábios pequenos como um convite
a beijos quentes e outras coisinhas mais. Sentimentos e
pensamentos que escolhi guardar para mim. É difícil saber o limite
do assédio quando se é o chefe, então era melhor não testar meus
limites. Além disso, Ayla não tinha nenhum traço em sua
personalidade ou forma de vestir que indicasse que era o tipo que
curtia um sexo casual, como os que eu estava acostumado a ter.
Eu estava tentando desesperadamente fugir dos sentimentos
que ela causava em mim nos dias que se passavam, mas eles cada
vez se intensificavam mais. Eu a desejava desesperadamente, esse
era o fato. Desejava cobrir seu corpo de prazer e cuidados,
desejava me afundar em seu corpo com força e também lento,
possui-la de todas as formas possíveis e impossíveis. E tentava
apagar esse sentimento porque além de ser minha secretária, ela
era delicada demais, tímida demais. Eu não sabia como chegar até
ela, pelo menos não sem assustá-la. Não havia nenhuma regra que
impedisse envolvimento entre funcionários da empresa quando o
interesse era mútuo. Mas era mútuo entre nós? E onde estava o
meu medo de que ela ache que a estou assediando? Caralho, estou
ferrado!

Estávamos chegando ao momento de um novo lançamento e,


depois do sucesso do batom que lançamos recentemente,
precisávamos nos esforçar muito para ultrapassar as vendas.
Faltava pouco tempo para o lançamento do comercial e Gael
não ficou nada feliz com a mudança que pedi para fazer no tema,
nem os responsáveis pela criação. Eles acharam a ideia
interessante, mas queriam usar em um próximo produto, porém
insisti.
— Eu acho que vai atingir um público bem maior se tirarmos o
tema fragilidade e colocarmos força feminina nesse momento. Foi a
ideia de uma pessoa que entende bem mais de mulheres que eu e
você — argumentei para Gael antes que os envolvidos chegassem
para a reunião final sobre as tais mudanças.
— Para quem não fala quase nada você está usando muito
português para defender essa ideia. — Me olhou desconfiado.
— Você reclama quando não opino, agora vai reclamar se eu
opinar? É difícil te entender, irmão.
— Claro que não vou reclamar. Seja qual for o milagre que te
deixou assim, é melhor continuar.
Não respondi. O pessoal chegou na sala, foi definido que
usaríamos a ideia que dei e passamos os minutos seguintes
explicando como seria as mudanças no comercial. Gael me apoiou
o tempo todo. Certo, o meu irmão é mais amado que odiado.
Quando eu lembrava de onde saiu tal ideia, algo em mim
criava vida, e não era só o meu desejo. Cada vez estava mais certo
disso.

Eu não esperava fazer amigos tão facilmente quando cheguei


na Dvorak, mas quando estava com Rubia e Dominique, me sentia
tão bem. Ela não cobravam saber do meu passado, ouviam
interessadas o que eu tinha a dizer, mesmo que fosse um
comentário sobre o clima. Foram elas que abordei no primeiro dia.
Uma morena linda e uma negra de parar o transito, comigo — loira e
branquela — formávamos um trio bem diversificado. Era engraçado
que muitas vezes Dominique e eu nos fingíamos de ofendidas
dizendo que Rubia roubou toda a beleza que devia ser dividida.
estávamos cada vez mais unidas. Assim como aconteceu com
Helena, essas duas se tornaram parte essencial na minha vida.
Quanto ao meu chefe, esse passava muito tempo na sala dele.
E eu tentava fazer o possível para não incomodá-lo com dúvidas do
trabalho. Só quando era algo muito difícil que não tinha jeito. E ele
se mostrava atencioso e paciente.
Certa vez ele me fez uma pergunta estranha enquanto me
explicava uma planilha complicada.
— Ayla, se tivesse que escolher entre dinheiro e amor, qual
seria a sua escolha? — Me olhava com a sobrancelha levantada
demostrando realmente ter interesse na resposta.
— Eu não acredito em amor, não para mim. — Assim que
terminei de falar me arrependi. Mas que droga eu estava fazendo?
Mal pensei antes de responder. Esse homem tinha algum poder de
acabar com o filtro entre minha mente e minha boca. Eu teria que ter
bastante cuidado.
— Então escolheria o dinheiro?
Eu não podia me deixar pelo mistério que emanava do meu
chefe, ou pelos seus olhos hipnotizantes, como se fosse uma
adolescente.
— Não sei o propósito da pergunta, mas pessoalmente, no
momento, se escolher o dinheiro significa priorizar o meu trabalho
antes de um romance, a resposta é sim.
Ele levantou e se sentou na mesa antes de colocar a
pergunta de outra forma.
— Suponhamos que um homem rico que você não ama te
peça em casamento e um pobre que você ama também, qual
escolheria?
— Nenhum. Não existe homens nos meus planos futuros. —
Novamente respondi sem pensar. Acho que Matteo tem realmente
esse efeito em mim.
— Desculpe, não quis ser invasivo quanto a sua sexualidade.
Acabei rindo.
— Foi uma pergunta estranha, mas não tem problema. Eu
sou hetero.
— Se não quiser responder, tudo bem. Esse vai ser o tema
de uma propaganda de um dos nossos novos produtos. Está me
incomodando um pouco, por isso quis saber o que acha.
— Ahh! Sou o público errado. É capaz de eu furar o olho se
tentar passar um lápis de maquiagem. — Tentei controlar o sorriso,
mas foi impossível.
— Isso se aprende. — Ele sorriu de canto de um jeito que me
fazia querer tocá-lo para saber se realmente estava ali. — Na sua
opinião, a mulher deveria escolher o amor o dinheiro no comercial?
— Posso sugerir uma terceira opção?
— Claro.
— Ela deveria escolher a liberdade.
— Liberdade... Gostei disso.
— Sim. Ela deveria poder escolher se sentir segura consigo
mesma e não precisar de apoio do dinheiro ou de um homem para
ter essa segurança — expliquei. Naquele momento pensava em
quantas mulheres passavam pelo mesmo pesadelo que eu, seja por
amor ou por não conseguir seu próprio sustento.
— Excelente. Eu sabia que você daria uma ideia boa. — Ele
bateu uma mão na mesa.
— Como sabia? — Ayla, para de fazer pergunta
desnecessária! Briguei comigo mesma.
— Pressentimento.
Depois dessa resposta, minha mente fantasiosa começou a
me levar a imaginar Matteo pensando em mim, ligando para mim,
me convidando para um jantar romântico.
Só que ele me tirou desses pensamentos fazendo perguntas
sobre o cenário de liberdade que caberia ao novo produto da marca
Dvorak. Acabamos passando horas falando sobre isso.
Capítulo V

Quando olhei o meu contracheque quase tive um treco.


Nunca tinha visto tantos zeros assim na vida quando o assunto era
dinheiro. Nem quando trabalhava no consultório. Olhei no aplicativo
do celular e vi que todo aquele dinheiro estava na conta que a
empresa exigiu que eu abrisse.
Era quase fim de expediente. Eu tinha que ir logo ao RH para
resolver o mal entendido. Claro que esse dinheiro não era meu. Me
contaram que a empresa paga um bônus de Natal, mas não
estamos em dezembro e duvido que o bônus seja tão exorbitante.
Sem esperar, fui até a sala de Matteo e bati.
— Entre.
— Senhor, precisa de mim? Posso ir até o RH por um
instante?
— Por que? Algum problema? Não está pensando em me
abandonar, está? — brincou usando aquele raro sorriso que parecia
ser exclusivo para mim. Tá, eu pensava assim porque era uma boba
iludida. Talvez eu devesse ter fechado o meu coração depois de
Roberto, mas parece que ele estava mais que aberto.
— Nenhum problema. — Sorri também. Era engraçado como
sempre sentia vontade de sorrir perto desse homem de olhar
sombrio. — Só preciso informar que houve um depósito incorreto no
meu salário. Está escrito “bônus criativo”. Certamente estou com o
dinheiro de alguém...
— É seu. Pela ideia que usamos no comercial. Por falar nisso
você precisa assinar um contrato. Quero ter exclusividade sobre
suas ideias brilhantes.
— Mas... Mas isso é muito. Quase dá para comprar uma
casa.
Ele sorriu novamente.
— Isso é uma pequena porcentagem do que a sua ideia nos
proporcionou. No contrato está tudo explicado. Vamos ler juntos e
ajustar se for necessário.
— Isso tudo é meu? Jura? — Acho que minha expressão de
descrente devia estar cômica demais porque seu sorriso virou uma
breve risada.
— Juro. — Se levantou e encostou na mesa, daquele jeito
displicente que me tirava a capacidade de respirar. — Pode gastar
como quiser.
— Obrigada, senhor! — Não sei como cheguei ali, mas me vi
agarrada ao seu pescoço, em um abraço desajeitado. — Desculpe.
Me deixei levar pela minha euforia. Sinto muito mesmo. — Me
afastei rapidamente ao perceber o que tinha feito.
— Não tem que se desculpar. E nem agradecer, esse sorriso
de contentamento é tudo. — O encarei com dúvida e ele passou o
dedo indicador na minha testa como já fez em alguns momentos.
— Por que faz isso? — perguntei curiosa.
— Você franze a testa. Faz uma bela careta. — Sorriu. — É
tentador demais. Tenho que desfazer para evitar possíveis
processos se ... — ele não terminou de falar. A porta de sua sala se
abriu revelando um Gael Dvorak apressado. Por mais que Gael
nunca se anunciasse, me incomodava um pouco, era como se eu
não estivesse fazendo o meu trabalho direito, e foi muito
constrangedor saber que ele poderia ter me pego abraçando seu
irmão ou ele com a mão em meu rosto. Mas confesso que fiquei
muito curiosa para saber o que Matteo diria. Processos?
— Irmão, tem um tempo para conversar sobre a próxima
viagem?
Não sei porque, mas senti que Matteo estava prestes a
dispensar o irmão.
— Vou deixá-los conversar e voltar ao trabalho. — Resolvi
falar antes dele. — Novamente obrigada pela oportunidade, senhor.
— Não foi nada. Você já está dispensada. Nos vemos
amanhã.
Sorri agradecida e parti.
Não caminhei até a estação, flutuei. Cheguei na casa de
Helena saltitante e ela surtou quando viu o meu contracheque.
— Meu Deus! Tudo isso por uma opinião? Quero uma vaga
nessa empresa.
— Eu surtei quando o meu chefe confirmou que realmente o
dinheiro era meu. Pior, que vou poder dar mais ideias. Cheguei a
literalmente pular no pescoço do meu chefe. — Contei animada e
envergonhada com tudo aquilo.
— E como foi pular naquele pescoço gostoso? Pelo que já vi
nas fotos das revistas, os três são deuses saídos do Olimpo.
— Me deixou muito envergonhada. Tive medo de perder o
emprego logo após ter recebido tal proposta. Por sorte ele
entendeu.
— E o que vai fazer com esse dinheiro? Conta.
— Vou procurar um lugar para morar e devolver o quarto do
Gabriel.
— Tem certeza que quer ficar sozinha?
— Sim. Vou continuar seguindo em frente. Eu preciso. —
Segurei a mão dela. — Uma parte quero dar para você. Você foi a
minha salvadora.
— Não, querida. Fui a sua amiga e não quero que me dê o
seu dinheiro. Você faria o mesmo por mim.
— Posso pelo menos te dar um presente? — insisti. —
Aquela estação de trabalho com computador e impressora para te
ajudar nas aulas, por favor.
— Negaria se não oferecesse isso. — Sorriu alegre. — Nem
acredito. Posso colocar em prática algumas ideias que vão me
permitir trabalhar mais em casa e ficar mais com meu filhote.
— Então vamos logo comprar. O shopping fica aberto até
mais tarde mesmo.

No dia seguinte, quando fui mencionar que me mudaria para


as minhas amigas, Rubia fez uma proposta.
— O meu apartamento é imenso e moro sozinha. Vai ser
vantajoso para nós duas dividirmos. Claro que se você não estiver
em busca de morar totalmente sozinha.
Sendo sincera, gostei da ideia. Eu queria liberar o quarto de
Gabriel, mas não fui completamente honesta quando falei que
queria ficar sozinha. Sempre quando ficava só na casa de Helena,
acabava deixando minha mente vagar e me imaginava em casa,
esperando Roberto chegar do trabalho, sem saber se seria um dia
de paz ou de violência.
Espantei o pensamento e perguntei:
— E o seu namorado? — A última coisa que eu precisava era
sair de uma casa para atrapalhar em outra.
— Credo! — Ela fez uma careta. — Ele não mora comigo.
Não estou pronta para esse tipo de coisa. Na verdade, ele nem vai
muito lá em casa porque não quero que comece a levar escova de
dentes e acabe ficando. Você morando comigo vai ser a desculpa
perfeita, sem contar que dividir as despesas é sempre bom.
— Então eu aceito. Mas vamos dividir todas as despesas
igualmente. Nada de aliviar para mim. — Coloquei essa condição,
pois ainda estava incomodada. Ela tinha pago pelo nosso presente
de aniversário para a Dominique e não aceitou o reembolso.
— Sim senhorita.
— Ah, eu também quero... — Dominique brincou fazendo
uma expressão de cachorro que caiu da mudança.
— Ah, cale a boca, senhora Dvorak — Rubia a imitou em sua
expressão e rimos. Dominique já morava na casa de Gael.
Nenhuma de nós acreditava que ela deixaria a cama dele para
dividir um apartamento. Era muito bom ver como minha amiga
estava feliz. Depois do que o tal de Zeen fez com ela. Não gosto
nem de pensar no que poderia ter acontecido.
Mesmo que Dominique não fosse morar conosco, eu já nos
imaginei fazendo festas do pijama no apartamento da Rubia. Ou
melhor, nosso apartamento. Dividir despesas ia ser perfeito. Poderia
deixar grande parte do dinheiro guardado para futuramente ter a
minha casa. Vai que Rubia decidi se casar com o “deus de ébano”,
era assim que chamávamos seu namorado Lucca.

Menos de uma semana depois eu já estava instalada na casa


da minha amiga. Ainda me acostumaria a chamar de nossa. Precisei
comprar poucas coisas porque Rubia tinha manias e não conseguiu
deixar um quarto vazio em seu apartamento. Mesmo que não
usasse, havia cama e guarda-roupa. O apartamento dela era um
imóvel com dois quartos, banheiro espaçoso, sala e cozinha
conjugada, mas grande o bastante para uma pequena festa, além
de uma varanda que dava para uma praça calma. O lugar era muito
parecido com o estilo da minha amiga; muita coisa que remetia a
música enfeitavam os cômodos e o sofá era de um vermelho intenso
que deveria ficar sombrio com as almofadas e o tapete preto, porém
não ficava. Era um lugar onde me senti em paz no momento em que
entrei.
Na primeira noite bebemos vinho e conversamos sobre nossa
vida desde que entramos na Dvorak. Dominique passou a noite
conosco e no dia seguinte seguimos as três para o trabalho. Foi
muto bom. Elas sabiam que já fui casada, só não sabiam dos
detalhes sórdidos. Um dia eu contaria, mas ainda não estava pronta.
O namorado de Rubia só apareceu no fim de semana para
levá-la para a própria casa. Ele era um amor. E pude perceber que,
diferente dela, estava louco para que ela levasse a escova de
dentes para a casa dele.
Capítulo VI

O olhar de Matteo Dvorak em minha direção parecia conter


algo além da aura de mistério que o envolvia. Era um olhar
demoníaco, hipnótico.
Ele agia profissionalmente, mas muitas vezes o peguei
olhando em minha direção com a mesma intensidade que eu o
olhava escondido.
Não sou de ferro. E não decidi viver celibatária só por ter me
casado com um crápula. Para mim os olhos de Matteo não dizia
nada sobre a sua personalidade, pois Roberto tinha um olhar
tranquilo que escondia o monstro que realmente era. E o meu
coração dizia que esse Dvorak escondia dor não crueldade.
Meses se passaram desde que comecei como sua secretária
e eu já havia desenvolvido um amor platônico pelo meu chefe, jogue
a primeira pedra quem se achar no direito. Meu corpo, minha alma e
meu coração estavam destroçados e talvez nunca voltassem a se
recuperar, mas ainda existia uma pequena fagulha, aquela que me
proporcionavam sonhos lindos onde meu chefe era o anjo que me
amava e me fazia esquecer toda dor.
E eu seguia cada vez mais apaixonada.
Olhei para o relógio e percebi que estava na hora de ir e
Matteo ainda estava fechado na sala dele. A regra era clara, a
secretária só pode ir depois do chefe, ou quando fosse dispensada
antes.
Ouvi o barulho do elevador e logo o rosto sorridente de Rubia
apareceu. A nossa amizade continuava firme, mesmo que
Dominique tenha se afastado um pouco depois de ser demitida,
readmitida e ficado noiva. Costumávamos conversar pelas redes
sociais e pelo menos uma vez por mês saímos para um cinema ou
algo assim. Isso foi decidido quando soubemos da saída da
Dominique, não queríamos perder o contato ou deixar a amizade
esfriar. Não mudou quando ela foi readmitida ou quando soubemos
do seu namoro com o chefe dos irmãos.
— Fazendo hora extra? — Rubia perguntou ao se aproximar.
— Esperando o senhor Dvorak terminar — disse com um
suspiro. Estava louca para chegar em casa, tomar um banho e me
jogar no sofá com um bom romance de banca.
— E o que o seu Anjo Sombrio ainda está fazendo?
— Shiiii! — quase cobri a boca de Rubia com as minhas
mãos. Maldita hora que dei esse apelido ao meu chefe! Tudo por
causa de uma brincadeira onde Dominique deu o nome de Dono do
Mundo ao Gael. Por que entrei na brincadeira? Eu só podia estar
maluca. — Não o chame assim aqui, sua doida.
— Tá bom! Calma! — ela ria. — Vou nessa então. Hoje é dia
de virar cantora.
— Boa sorte! E lembre-se de me avisar o próximo sábado em
que vai se apresentar porque preciso conhecer mais sobre esse seu
lado. Estamos morando juntas e só te vi cantando pela casa.
Ela riu.
— Combinado. Até amanhã, gata!
Respondi apenas com um sorriso.
Depois que ela saiu o telefone tocou. Era o ramal da sala de
Matteo Dvorak.
— Pois não? — atendi rapidamente.
— Compre outra garrafa de uísque — a voz ao telefone
ordenou e a ligação foi encerrada.
Ele está bêbado? Sua voz parecia afetada. Precisava
confirmar que ordem foi aquela em pleno final de expediente, então
fui até a porta e bati.
— Pode entrar.
Ao entrar na sala, senti um forte cheiro de uísque como se
tivesse sido derramado e vi uma garrafa vazia sobre a mesa de
Matteo. Ele estava com a cabeça apoiada na mesa.
— Trouxe a bebida? — questionou sem levantar a cabeça.
— Senhor Dvorak, o senhor está bem?
Ele levantou a cabeça e me olhou antes de dar uma risada
meio sombria.
— Você é virgem, senhorita Ayla?
O que? Que pergunta fora de hora é essa, meu Deus?
O encarei com a boca aberta. Ele realmente parecia querer
uma resposta.
— Não. Fui casada por quatro anos — respondi com
sinceridade. Não tem problema, ele vai esquecer tudo por causa do
porre.
Cambaleante, ele veio em minha direção e parou na minha
frente.
— Você parece um anjo. Devia ser virgem.
Certo, esse foi o elogio mais estranho que recebi, mas eu
amei ouvir.
Fiquei calada enquanto ele me olhava com toda intensidade
possível diante da sua embriagues.
— É pecado desejá-la, meu anjo?
Por que ele está dizendo tanta coisa sem sentido? Por que
meu coração parece pronto para sair pela minha boca?
— Eu quero tanto beijá-la que chega doer.
— Então me beije.
Antes que eu pudesse pensar sobre a loucura que acabei de
ouvir e dizer, uma mão dele puxou-me pela cintura e quando me dei
conta já estava me embriagando no beijo de Matteo Dvorak. Tinha
um leve gosto de uísque. E ele estranhamente me segurava com
firmeza. Não parecia tão bêbado. Posso dizer porque já beijei
Roberto bêbado e não era nada parecido com o que acontecia
nesse momento. Droga, Ayla! Para de comparar. Suas mãos me
apertavam como se quisesse fundir seu corpo ao meu enquanto
seus lábios me mostravam o paraíso que podia ser um beijo. Tudo
isso mexia comigo, mas o que me deixava de pernas bambas era
sentir sua ereção contra a minha barriga. Ele era alto demais, em
relação a mim, tinha que se curvar para me manter em seu beijo.
Eu já estava começando a sentir certa falta de ar... Quando
por fim ele se afastou. Me vi sem palavras. Como se eu pudesse ao
menos raciocinar! Ele começou a dizer alguma coisa, mas eu já saia
da sala, completamente fora de órbita, tentando me equilibrar em
minhas pernas de gelatina.
Apenas peguei a minha bolsa e segui o caminho que fazia
todos os dias depois do trabalho, direto para casa. Nem sei porque
fugi. Talvez tenha sido o medo do beijo nos levar a algo mais, ou de
ele me dizer que foi um engano.
Meu Deus! Meus dedos insistiam em ir em direção a minha
boca, como se pudessem trazer de volta a sensação dos lábios de
Matteo. Enquanto isso meu corpo ainda sofria com os efeitos que
aquele homem causava. Apesar de tudo, eu sabia que aquilo foi
errado. Não tínhamos um relacionamento que não fosse de
trabalho, mal nos conhecíamos. Se alguém descobrisse o que
aconteceu naquela sala diria que Matteo abusou do seu poder... Ou
diriam que eu me aproveitei de um homem bêbedo? O que
aconteceu naquela sala?
Me fiz essa pergunta várias vezes durante os dias que se
passaram. Não tive resposta. Ele não mencionou o incidente. Foi
como se o excesso de álcool realmente tivesse levado embora as
lembranças daquela tarde.
Só que ele ainda me encarava com seu olhar de demônio
sedutor, o que me enchia de perguntas. Por que ele me beijou?
Devo perguntar? Devo esquecer? Devo enlouquecer?
Capítulo VII

No passado

— Comprou a floricultura toda? — A voz de Apollo me fez


revirar os olhos. Mas também me fez pensar se estava exagerando
com o imenso buquê de rosas vermelhas.
— Exagerei? — perguntei inseguro.
— Relaxa, meu filho. Mulheres adoram essas coisas, quanto
mais exageradas, mais gostamos. — Mamãe apareceu puxando de
leve a orelha de Apollo para que ele não me perturbasse.
Meu irmão a abraçou, dizendo:
— Ouça a voz de quem sabe mais.
Suspirei aliviado e entrei no carro onde o motorista já
esperava. Desde aquele incidente que não tinha a mínima vontade
de sentar na frente de um volante.
Livia morava em um apartamento, sozinha. Os pais permitiam
para que ficasse próxima a faculdade que ela iniciou recentemente,
enquanto eles permaneciam morando em um sitio em uma cidade
do interior de São Paulo.
Com a minha cópia da chave, abri a porta. Como não
encontrei Livia na sala, então fui direto ao quarto. Seria ótimo se a
encontrasse dormindo. Porque assim poderia despertá-la com beijos
e rosas.
A porta do quarto estava entreaberta. Espiei antes de entrar e
a cena que vi fez as flores caírem aos meus pés e minhas mãos
escancararem a porta. Livia estava nua subindo e descendo os
quadris sobre o corpo de alguém. Exatamente como ela gostava de
fazer quando transávamos.
— Livia?! — minha voz saiu baixa, mas foi o suficiente para
que escutassem. Eu ainda tinha dúvidas se o que via era real. Mas
quando pararam e pude ver os olhos de Zeen me encarando com ar
vitorioso, soube que desci mais um degrau para o inferno.
Sai do apartamento com Livia me chamando e dizendo que
tínhamos que conversar. Mas ela não me alcançou. Primeiro teria
que sair do pau de Zeen e se vestir.
Eu só falei com ela duas vezes depois daquilo. Na primeira
ouvi todo o seu discurso idiota sobre ter se apaixonado pelo meu
primo e que poderíamos ser amigos. E dias depois outro regado a
mais lágrimas que o primeiro, onde ela contou que Zeen a usou
para atingir a mim. Ela me culpou por ser incluída em nossa
“briguinha” e eu a culpei por abrir as pernas para outro seja qual
fosse o motivo.
E eu nunca mais a vi. Nunca mais passei pela rua da sua
faculdade ou do seu prédio.
Eu estava me recuperando quando Zeen apareceu em uma
das nossas famosas ceias de Natal.
— Gostou do presente que te dei antecipado? — se
aproximou quando me afastei um pouco dos outros convidados e da
minha família.
Não respondi.
— Deveria me agradecer. Afinal te livrei de uma interesseira.
Sabe o que a fez transar comigo? — ele provocava e minha mão
coçava desejando pelo menos um soco. — Eu disse a ela que
herdaria tudo e que você teria que dividir com seus irmãos. Acho
que ela fez as contas e escolheu. — Ele riu. — Uma escolha de
merda. A idiota ficou sem nada. Mas até que era gostosa...
Parece que ele ia falar algo mais. Só que seu lábio estava
sangrando demais para isso.
E um soco acabou com a ceia de Natal.
Eu não queria acabar com a festa, mas adorei o presente de
poder finalmente socar a cara de merda desse meu primo.

Era o aniversário de morte daquela mulher. Todos em nossa


família planejavam visitar o seu tumulo, menos eu. Eu não era digno
de sequer falar o seu nome, como seria de visitar sua lápide? Pelo
menos ninguém insistiu dessa vez. Nem questionou o fato de eu ter
saltado o café da manhã.
Antes de chegar no trabalho passei em uma loja de
conveniência e comprei uma garrafa de uísque. Eu não ficaria
bêbedo com ela, mas já me ajudaria a chegar em casa com menos
dor na consciência, e terminar de beber até desmaiar. Certamente
teria que repor o estoque de álcool. Ri com meus pensamentos.
Quando cheguei ao trabalho, Ayla já estava no seu posto.
Olhar para ela me fez perceber que eu não era digno daquele anjo.
Era certo que a machucaria se me envolvesse. Ela não era o tipo
para algumas noites e se machucaria nas mãos dos meus inimigos
se eu a amasse como merecia, assim como a minha primeira
namorada. Livia nunca superou a forma como foi usada e me culpa.
E apesar de saber que foi tudo para me atingir, eu também a culpo,
afinal ela foi conquistada não obrigada.
Fiquei na sala tentando me perder em trabalho, mesmo na
hora do almoço. Minha mente vagava pelo meu passado e pela
imagem de Ayla sorrindo. É errado ficar de pau duro sempre que
suas covinhas apareciam? Deve ser porque não é normal ficar tão
cheio de tesão por algo tão simples... tão lindo.
Sorri sozinho na sala. Aquela benditas covinhas que
apareciam a qualquer menção de sorriso seria mesmo a minha
perdição. Seus sorrisos tinham um poder incrível sobre mim.
Era quase fim de expediente quando resolvi abrir a garrafa.
Talvez por não ter comido nada o dia todo, assim que coloquei o
último copo minha mente começou a ter ideias estranhas, e para
seguir com elas eu precisava de mais bebida. Liguei para Ayla e
pedi que comprasse.
Eu não estava tão bêbado, vi que ela veio me procurar rápido
demais. Não daria tempo de ter ido comprar, nem se vendesse no
prédio.
Olhar para ela me fez imaginá-la com lindas asas brancas e
um vestido da mesma cor no lugar daquela roupa social. E me fez
falar algumas bobagens com certas verdades.
“Então me beije.”
Foi impossível resistir quando ela pronunciou as palavras que
me permitiriam provar de algo que há muito queria. Minhas mãos
foram direto para a sua cintura fina e meus lábios esmagaram os
seus. Ela era tão pequenina que eu precisava me curvar para beijá-
la. Se eu estava bêbado... Claro que não. E fiquei mais lucido ainda
quando suguei sua língua. Endureci na hora. Queria sentar na mesa
e colocá-la no meu colo, e beijá-la até nossos lábios doerem. Eu
precisava senti-la por completo. Precisava senti-la minha, como
nenhuma mulher já foi. Estava apaixonado como jamais pensei que
voltaria a acontecer. Como lidar com isso?
Esse pensamento me fez afastar um pouco de Ayla. Foi o
bastante para ela recuperar uma lucidez que eu não tinha e sair
rapidamente da sala, antes que eu conseguisse formular algo para
dizer. E o que eu diria? Envolvê-la nos meus problemas não era
uma opção. O momento de enfrentar Zeen chegou, tudo por causa
de uma pequena loira que eu queria só para mim.
Talvez eu seja condenado por fingir estar bêbado e beijar
minha secretária, mas não me arrependo. Eu não a beijei por luxúria
ou nada assim, a beijei porque a desejo e eu sou o tolo que quando
se apaixona entrega o coração sem pensar. Ah, pequena Ayla,
sabia que agora sou todo seu?
Porra, estou ferrado ao quadrado!

No dia seguinte, agi normalmente, como se nada tivesse


acontecido. Ainda não era o momento de colocar as cartas na mesa.
Claro que quis chamar ela na sala e me desculpar pelo que fiz, mas
a oportunidade não surgia ou talvez fosse a coragem. Como dizer
que menti e que desejo mais daquela mentira? Talvez ela até me
aceitasse, mas se descobrisse que causei tanto mal vai sair
correndo. Sei bem que me ver feliz ao lado de uma mulher fará
Zeen se ressentir e tentar destruir a minha felicidade como destruí a
dele. Maldita hora que aceitei aquele volante! Não passo de um
assassino, e assassinos não tem direito de ser feliz.
Capítulo VIII

Alguns anos antes

— Bem-vinda à nossa casa! — As mãos de Roberto estavam


na minha cintura de forma suave. Ele nunca me apertava, era como
se tivesse medo de me quebrar. Mesmo nas horas mais intimas ele
ainda era cuidadoso, ainda que eu dissesse que estava tudo bem ir
mais forte.
Apenas sorri em resposta. Já estive nessa casa várias vezes.
Já fiz amor com ele no único quarto no imóvel de três cômodos. Só
que agora era diferente. Eu oficialmente estava indo morar com o
homem que amava, o primeiro a quem me entreguei e o que seria
meu para sempre, mesmo sem a benção de um padre e um papel
assinado por testemunhas. Roberto não tem interesse em
casamento e eu não ligo. Só quero ser feliz com o meu amor.

Atualmente

O tempo passou e outra sugestão minha foi aceita pelo setor


de marketing e propaganda.
Estávamos na sala do setor em uma reunião sobre a ideia
que tive para a propaganda do novo produto.
— Matteo, acho que está na hora de procurar uma nova
secretária... — Quando Gael disse isso, o encarei apavorada que
pudesse ser demitida. — O novo processo seletivo está chegando e
todos nós sabemos que a sua secretária se encaixa bem mais
auxiliando nas propagandas. — Depois que ele completou, suspirei
de alivio, mas só até entender que mudar de cargo seria me afastar
de Matteo, e eu não queria isso. Ele não falou do beijo, nem tentou
me beijar novamente, mas não sei como meu coração reagiria sem
o seu olhar intenso ou sua voz grave. Era a presença dele que me
fazia esquecer o meu passado, pois sempre que me via sozinha,
sem ele ou minhas amigas, a dor e o medo voltavam com força
total, trazendo pesadelos que infelizmente eram lembranças.
— Já pensei nisso. — Matteo respondeu. — Mas meu lado
egoísta ainda não me deixou libertá-la. Me dê mais um tempo. Já
posso me arrepender de ter deixado minha melhor secretária ser
roubada de mim?
O pessoal riu discretamente. E terminamos a reunião.
Matteo me dispensou assim que chegamos ao andar de sua
sala. Ele tinha um compromisso com os irmãos e sabia que eu tinha
um compromisso parecido com as minhas amigas. Era aniversário
deles e coincidentemente, fazíamos um ano trabalhando na Dvorak.
Eu soube que os irmãos tinham um ritual de aniversário e por isso
Dominique estaria livre para comemorarmos nosso aniversário de
trabalho.
Eu disse que estou perdida de amores pelo meu chefe?
Então... Como uma adolescente bobinha que eu estava me
tornando depois de estar perto dos trinta, passei no shopping e
comprei uma caixinha de presente. Uma vez eu precisei visitar a sua
casa e vi que ele tinha uma coleção de moedas. E por incrível que
pareça, “esbarrei” em uma moeda antiga na rua, uma que não vi na
sua coleção. Estava esperando um momento de coragem para
entregá-la e seria hoje.
Com a moeda limpa na caixinha, bati em sua porta e entrei,
após ser autorizada.
Me aproximei literalmente tremendo e estendi a caixa.
— Feliz aniversário!
Ele me encarou surpreso por alguns poucos segundos, antes
de sorrir daquele jeito que considero só meu e pegar a caixinha das
minhas mãos.
— Por um momento, imaginei que estivesse me pedindo em
casamento — brincou enquanto abria.
— Seria muita loucura. — Minha voz saiu estranha e me
peguei imaginando a cena onde eu o pedia em casamento
ajoelhada na sua sala. Na verdade, se minhas pernas não parassem
de tremer, eu certamente acabaria de joelhos.
Deus, valeu muito a pena enfrentar o meu medo e entregar o
presente. Os olhos de Matteo brilharam ao ver a moeda.
— Eu não tenho essa.
— Eu achei e me fez lembrar da sua coleção.
— Obrigado, Ayla! Realmente faltava essa.
É burrice ficar decepcionada por ele não me abraçar?
Tentei manter o sorriso. Afinal, era um presente, não devia
ser dado pensando em ter algo em troca. Mas eu queria tanto sentir
o seu abraço, talvez até seu beijo.
— Vai ser um pedacinho seu na minha casa. Nunca mais vou
olhar aquela coleção sem lembrar de você.
Está bem, suas palavras valeram tanto quanto beijos ou
abraços. Sem resposta, apenas sorri, desejei feliz aniversário
novamente e me fui.
Sai da empresa apressada. Louca para chegar em casa e me
arrumar para a nossa comemoração. Ia ser uma noite das meninas.
Quando coloquei o pé fora da empresa, uma mão masculina
me segurou com força pelo pulso.
Me virei bruscamente e dei de cara com a pessoa que menos
queria ver: Roberto. Depois de mais de um ano, esperava que ele já
tivesse me esquecido. Assim como esperava que nunca mais
encontrasse outra mulher que acreditasse nas suas mentiras.
Sem querer fazer um escândalo, disse baixo:
— O que faz aqui? — ele parecia não ter mudado em nada,
até as roupas que usava era da época que estávamos juntos.
Camisa regata branca e jeans.
— Deveria ser mais gentil comigo, passei um tempão te
procurando. Estou cansado, devia me convidar para a sua casa,
temos muito que conversar...
— Eu não tenho nada para conversar com você. Como me
encontrou?
— Demorou um pouco. Mas quando soube que você tinha
essa amiga por aqui ficou mais fácil. — Ele sorriu me olhando dos
pés a cabeça com malicia. — Você ficou mais bonita. Sabia que o
pessoal da nossa cidade acha que fugiu com um amante?
— Com quem eu poderia ter fugido com o corpo devorado
por seus malditos animais? É melhor você me deixar em paz, não
temos mais nada e duvido muito que minha amiga tenha te dito
onde eu trabalhava.
— Nem vi a idiota. Os vizinhos me foram úteis, todos
orgulhosos da mulher que veio do interior e conseguiu trabalhar na
famosa Dvorak. — Ele olhou o prédio com inveja no olhar. —
Precisou dormir com quantos para chegar aqui?
— Não te devo explicação. — Tentei puxar o braço
novamente. Ficaria uma marca, pois ele não me soltou em momento
algum e apertava cada vez mais forte quando eu tentava puxar.
— Vim buscar a minha mulher e vou levá-la — declarou alto
sem nenhuma questão de passar despercebido. Algumas pessoas
passavam e olhavam com curiosidade. Nenhuma dela parou para
ver o que acontecia. Tive vontade de gritar por socorro.
— Não sou mais sua mulher. Me solta ou chamarei a polícia.
— Boa ideia! Vamos na polícia para contar que você me
roubou e fugiu. — Ele desdenhou.
— Se foi isso que veio buscar, me passe sua conta que vou
depositar o dinheiro. Não preciso de nada seu.
— Você vai me pagar agora – senti o aperto em meu pulso se
intensificar ainda mais. Roberto estava me arrastando para o seu
carro. E eu sabia o que aconteceria se entrasse naquele veículo.
— Me solta, Roberto! — comecei a me apavorar. Não ia
deixar de jeito nenhum que ele me machucasse outra vez. — Se
você não me soltar, eu vou gritar!
— Solte-a! — uma voz grave fez Roberto e eu virarmos na
direção da entrada da empresa onde Matteo estava parado nos
encarando com o seu olhar mais demoníaco.
Roberto ficou sem ação por alguns segundos, mas não me
soltou e logo aceitou o desafio.
— Isso não é problema seu.
— Está acontecendo na porta da minha empresa, então é
problema meu — enquanto ele falava, dois seguranças se
aproximaram e ele ordenou. — Levem o senhor até o carro dele.
Com as garras de Roberto no braço, eu só conseguia pensar:
E eu?
Como se para responder a minha pergunta, Matteo se
aproximou antes dos seguranças e apertou o pulso de Roberto até
ele me soltar. Roberto tentou revidar, mas os seguranças não
permitiram e garantiram que ele se fosse.
Eu estava tremula e com medo. Agora que Roberto sabia
onde eu trabalhava poderia aparecer sempre e nem sempre haveria
um Matteo para me salvar. Terei que fugir novamente? Não queria
deixar essa vida tão boa para trás.
Matteo me encarava com uma expressão indecifrável. Tive
que engolir o meu medo e falar:
— Obrigada, senhor Dvorak, e desculpe pelo escândalo na
porta da empresa.
— Quem era aquele? — perguntou ignorando as minhas
desculpas.
— O meu ex-companheiro. Temos algumas contas para
acertar, mas garanto que algo assim não irá mais acontecer. —
Garante? Minha consciência gritava que era mentira. Eu não estava
em condições de garantir nada.
Matteo também não parecia convencido.
— Vamos. Vou levá-la até a sua casa.
— Não precisa. — Apesar das minhas palavras, não sai do
lugar. Era difícil convencer minhas pernas.
— Não discuta. — Ele olhou o meu pulso avermelhado e
segurou a outra mão sem apertar, me puxando em direção ao seu
carro que o manobrista já tinha estacionado.
Sem querer mais escândalo, e grata por sua preocupação,
entrei no veículo luxuoso e informei a rua e número do imóvel.
— Você mora com quem? Em casa ou apartamento? —
perguntou enquanto dirigia.
— Com a Rubia que é secretária do seu irmão Apollo. Em
apartamento — respondi automaticamente. Nem parei para reparar
no carro. A presença de Roberto na minha vida novamente me
deixou muito abalada.
— Aquele cara não parece uma boa pessoa. Avise ao
porteiro para não permitir a entrada dele e mantenha a porta
trancada. — Ele ditou assim que estacionou na frente do meu
prédio, me fazendo lembrar do marido de Helena.
Agradeci e entrei, porém não fiquei em casa sozinha como
disse. As minhas amigas estariam me esperando no bar, então tratei
de me acalmar, tomei um banho e me arrumei, depois pedi um carro
no aplicativo e fiquei do lado de dentro do prédio até ele chegar.
Entrei quase correndo no carro.
A noite com minhas amigas foi ótima. Não contei nada sobre
o recente acontecimento, pois estragaria a nossa comemoração. Só
que fui obrigada a contar sobre o beijo de Matteo, Rubia nunca me
deixaria guardar segredo. Mas a culpa era minha por ter aberto o
jogo com ela.
Durante alguns momentos até me esqueci que havia um
canalha por ai disposto a acabar com a minha vida novamente.

Sábado foi dia de ficar em casa com Rubia. Nós curamos


nossa ressaca com sopa e maratonamos uma série de heróis.
Fomos dormir não era nem nove da noite.
Domingo acordei bem cedo e fiz um café reforçado para nós.
Tinha planos de visitar a minha amiga Helena. Sei que o marido
dela era um policial, mas meu coração me pedia para ver como ela
estava e pedir para ter cuidado com aquele monstro do Roberto. Se
algo acontecesse com ela ou com Gabriel eu nunca me perdoaria.
Esperei Rubia levantar para tomarmos café juntas e
conversarmos sobre o Roberto. Ela também não podia ficar no
escuro.
Contei sobre o motivo que me levou até São Paulo e a
presença de Roberto me rondando. Ela escutou tudo em silêncio,
sua expressão era uma mistura de tristeza e raiva. Em uma parte da
história até deixou de comer. E eu nem revelei detalhes.
— Enfim, por favor, tome cuidado. Talvez seja paranoia
minha, mas fico apavorada com a possibilidade de algo acontecer.
— Calma, minha amiga — senti seu aperto em minhas mãos
assim como senti as lágrimas rolando. Droga! Eu não queria chorar.
— Você é que deve se cuidar. Se esse tipo veio até aqui atrás de
você, ele é mais perigoso do que somente um marido violento.
— Eu sei. Vou ser mais cuidadosa, nada de transporte
público por enquanto. Ainda bem que foi em um momento em que
posso me dar a esse luxo.
— A mulher das propagandas mais cobiçadas — Rubia
brincou, mas seu sorriso ainda não era o mesmo. Demoraria um
pouco para ela parar de me olhar como se eu pudesse ser atacada
na rua a qualquer momento. — E vou procurar a polícia para saber
como agir nesse caso.
— Eu vou com você. Não precisa mais guardar isso só para
si.
— Tudo bem. Agora a senhorita por favor, espere que vou
contar para a Dominique na segunda. Vê se não se adianta.
— Prometo.
— Vou me arrumar. Preciso contar para a minha amiga
Helena que aquele “ser” está rondando sua casa.
— Eu vou com você. — Se ofereceu.
— Não precisa. Nada vai acontecer. Vou de Uber e o marido
da minha amiga é policial, esqueceu? Vou aproveitar e conversar
com ele antes de procurar uma delegacia.
— Tudo bem! Mas manda mensagem quando chegar lá.
Como resposta, a abracei. Amigos são tesouros e eu tenho
os melhores.
Rubia desceu comigo e esperou até que eu entrasse no carro
e fechasse a porta.
Assim que cheguei na casa da minha amiga e percebi que
estava vazia, decidi sentar no banco de madeira que tinha na frente
e esperar. Fazia mais de quatro meses que não a visitava, mas
sempre estávamos conversando por mensagem ou ligação.
Mal sentei e uma confusão chamou a minha atenção. Uma
mulher saiu correndo de uma das casas próximas e foi alcançada
por um homem que começou a espancá-la no meio da rua.
As pessoas olhavam e nada faziam. Alguns até riam e
filmavam. Eu não estava acreditando naquele cenário.
Foi por lembrar o quanto doía apanhar de homem que me vi
puxando o cara pela camisa. Nem percebi quando levantei ou me
senti caminhando até eles.
Ele mal se moveu, mas me viu. Talvez depois eu me
arrependesse... ou não. Só que naquele momento não pude ficar
parada, só observando, como aquelas pessoas.
— O que pensa que está fazendo? — ele me olhou como se
visse um ser de outro mundo.
— Eu chamei a polícia — menti. Nem tinha pensado em
chamar a polícia.
A mulher aproveitou a distração do homem e correu de volta
para a casa de onde saiu.
Não era uma boa ideia. Ela precisava de ajuda e entre quatro
paredes é bem mais difícil de ser ouvida ou socorrida.
Acompanhando o meu olhar, o homem desistiu de mim indo
em direção a mulher.
— Ei! — gritei e ele fingiu não ouvir. Continuou andando.
Peguei a primeira pedra que encontrei no chão e joguei na sua
cabeça. Certamente eu iria apanhar no lugar dela, mas não
conseguia parar, não conseguia simplesmente deixar aquele homem
entrar e espancar aquela mulher. Simplesmente não dava.
Ele deixou escapar um palavrão e se virou para mim.
— Ficou maluca, sua puta?!
Não respondi. Meu coração disparou ainda mais e minhas
pernas travaram quando o encarei e vi a face de Roberto.
Ele voltou. Ele sabia onde eu estava. Ele me machucaria e
nenhuma louca na rua iria se intrometer. Como ninguém fez nada
para ajudar aquela mulher.
Ele estava se aproximando cada vez mais, e quando chegou
perto o bastante, uma força desconhecida despertou dentro de mim.
Não deixaria que me machucassem sem lutar, nunca mais.
Com as duas mãos abertas, o empurrei pela barriga. Talvez
por não esperar esse tipo de reação, ele desequilibrou e caiu
sentado no chão sem asfalto.
— A polícia já...
Não consegui terminar a frase, ele me puxou pelas pernas
me fazendo cair na sua frente. Minhas mãos e minhas pernas
ralaram nas pedras da rua.
O que eu estava fazendo lutando com um cara no meio da
rua mesmo? Tenho certeza que esse não era o melhor jeito de
resolver aquele problema. E por que ninguém intervinha?
Rapidamente ele se levantou e levou as mãos aos meus
cabelos. Fechei os olhos antecipando a dor do puxão. Mas ela não
veio. O urro de dor que se seguiu não era meu... Era dele.
Capítulo IX

Depois de beber todas no nosso aniversário, passei o sábado


em casa, de ressaca. Porém no domingo foi diferente. Não resisti e
fui parar na frente do prédio de Ayla. Eu não conseguia deixar de
lado a preocupação. Sei que devia ir para minha casa e cuidar da
minha própria vida, mas não consegui. Estacionei em um lugar
estratégico e fiquei observando para ver se aquele cara aparecia.
Algo em mim dizia que ele não deixaria barato o que aconteceu na
frente da empresa.
Aproximadamente uma hora depois, vi Ayla sair do prédio em
um vestido lilás na altura dos joelhos e de mangas curtas. Os
cabelos loiros estavam soltos. Ela realmente parecia um anjo.
Ela entrou em um carro que parecia ser de aplicativo. Assim
que o veículo saiu o carro daquele canalha o seguiu e eu o segui.
Soube que era ele assim que vi aquela picape vermelha com pintura
descascada, a mesma na qual ele foi embora naquele dia em que o
vi na frente da empresa.
Se ele ousasse machucar aquela mulher, eu o mataria sem
pensar duas vezes.
Segui ele e o carro onde Ayla estava até um lugar chamado
Franco da Rocha. O carro dela parou na porta de uma casa e o
daquele homem parou um pouco afastado.
Vi quando ela se sentou em um banco de madeira. Foi no
exato momento em que o seu ex recebeu uma ligação e foi embora.
Eu também devia ir. Afinal, longe dele ela estava segura, mas
não quis. Fiquei estacionado observando-a até que a confusão
começou.
Demorei um pouco para entender o que acontecia. Quando
eu poderia imaginar que alguém seria espancado no meio da rua?
Coisas assim não aconteciam no meu mundo. E eu esperava que as
pessoas fizessem mais do que apenas se divertir com a desgraça
dos outros.
Meu queixo caiu ao ver a minha pequena Ayla enfrentando
aquele homem muito maior e mais forte que ela.
Sai do carro feito louco ao ver ele voltando em sua direção.
Aquilo não era bom sinal. Eu devia ter estacionado mais perto. Corri,
mas não cheguei a tempo de impedir que ele a derrubasse. Apenas
consegui segurar seu braço quando ele tentou puxar o cabelo dela.
Sem nenhuma piedade, torci o braço dele até quebrar. Os
anos dedicados a minha academia particular serviam de alguma
coisa. E o empurrei para longe de nós.
— Você está bem? — perguntei ajudando Ayla a levantar.
Antes que ela pudesse responder ouvimos uma viatura se
aproximando. Parece que alguém resolveu fazer algo certo.
Foram alguns minutos de confusão até que buscaram a
mulher e ela se dispôs a denunciar o homem que era seu marido há
dez anos. E sempre batia nela. Pelo que ouvi todos ali estavam
cientes da situação dela. Pior, estavam cansados de tentar ajudar e
ela sempre voltava para o marido.
Testemunhei, assim como Ayla. O imbecil tentou me acusar
de quebrar o seu braço, mas o pessoal que olhava a cena mentiu
por mim, dizendo que só o puxei de cima de Ayla e que ele deve ter
caído de mal jeito.
Só quando chegou outra viatura foi que as coisas se
acalmaram de verdade. Soube que era dirigida pelo marido de uma
amiga de Ayla.
Ele nos levou até a casa deles. A mesma em que ela sentou
na frente antes de começar a confusão.
— Onde está Helena? — ela perguntou assim que entramos.
— Foi levar o Gabriel para ver a minha mãe, eles só voltam
amanhã.
— Eu devia ter ligado antes de vir.
— Tem kit de primeiros socorros? Precisamos limpar esses
ferimentos. — Fiquei um pouco irritado que eles agissem como se
ela não estivesse toda arranhada por cair nas pedras.
— Tudo bem. Vou cuidar disso quando chegar em casa. —
Ela me disse e se voltou para o policial. — Por favor, diga a Helena
que o Roberto me encontrou e está aqui em São Paulo. Eu não sei
o que ele pretende.
— Você precisa de uma medida restritiva o mais rápido
possível. Fica esperta. Ele sabe que as chances de você voltar para
ele não existem e isso pode deixá-lo mais violento. — Ouvi o
homem a orientar.
— Eu já marquei de conversar com um advogado amanhã. A
Rubia me indicou. Vamos conversar com ele e entender como agir.
— O que precisar pode ligar.
— Obrigada! Agora estou indo. — Durante a conversa, ela
nem se sentou. E eu fiquei esses poucos minutos olhando de um
para o outro com raiva por não poder cuidar de Ayla.
— Eu levo você. — Me prontifiquei. Ela que se atrevesse a
negar.
O policial me olhou como se quisesse entender a minha
presença ali ou na vida de Ayla, mas não disse nada.
Depois de nos despedirmos do homem, caminhamos em
silêncio até o meu carro. Abri a porta, Ayla entrou e colocou o cinto.
— Você está bem? — perguntei antes de ligar o veículo.
— Sim. Foram apenas alguns arranhões. Como o senhor
chegou aqui? Não sabia que tinha contato por esses lados.
— Eu te segui — confessei. — Não era minha intenção. Eu
fui ao seu prédio para saber como você estava e quando vi que ele
seguia o seu carro, acabei o seguindo também.
— Roberto me seguiu?
— Sim, mas foi embora antes de começar aquela confusão.
— Obrigada! Acho que se você não tivesse aparecido eu
poderia ter me dado mal. — Sorriu sem graça. E suspirou algumas
vezes. Nossos meses juntos na Dvorak me fez conhecer algumas
de suas manias e suspirar várias vezes significava que ela queria
falar algo, mas não sabia como.
— Quer me dizer algo? — incentivei.
— E que... hoje é domingo. E você foi até a minha casa. Por
que é tão gentil comigo? — perguntou sem me olhar, encarando as
mãos sobre as pernas.
Direto ao ponto. Sorri. Dane-se Zeen e suas ameaças! Essa
mulher vai ser minha.
— Eu gosto de você. De um jeito quase tarado — brinquei
tentando aliviar a tensão no carro. Nunca imaginei que revelaria o
que sentia em uma situação assim. — Tem alguma chance de você
sentir o mesmo por mim?
Ayla me olhou como se tentasse ter certeza que eu estava
ali. Ainda estávamos parados, e eu só colocaria o carro em
movimento depois de beijá-la outra vez.
E se ela dissesse não?
De repente, ela encarou as próprias mãos sobre o colo
novamente e sorriu. Depois me olhou.
— Eu gosto de você. Talvez seja de uma forma tarada
também porque andei torcendo para que bebesse e me beijasse
novamente. — Novamente olhou as mãos. — Você não se lembra
daquele dia, né?
Porra! É muito ela querer que eu responda agora. Mal
consigo raciocinar de vontade de beijá-la.
A fiz me encarar segurando o seu rosto com uma mão e
coloquei uma mecha do seu cabelo atrás da orelha.
— Eu me lembro e quero muito fazer de novo. — Consegui
responder.
Para meu deleite, Ayla fechou os olhos em uma permissão
muda a qual atendi prontamente. Meus lábios tocaram os seus com
suavidade, mas logo nossas línguas começaram uma disputa de
quem provocava mais e me vi desesperado por sentir aquela mulher
por inteiro.
— Eu quero tanto você. — Sua voz saiu afetada pelo tesão,
quando finalmente separamos nossos lábios e colamos nossas
testas.
— Ei, essa fala é minha! — brinquei, apesar de estar tão
afetado quanto ela. — Vamos fazer isso direito. — Beijei sua testa e
me afastei o bastante para pelo menos tentar resistir a tentação.
Depois de ter sido filmado durante aquela confusão, certamente
sairia algo no jornal, e Gael vai surtar. Se fosse acrescentado que
um dos Dvorak transava com a secretária em um carro estacionado
na rua, com certeza meu irmão morreria antes de subir ao altar com
Dominique. — Vamos ter um belo jantar e a noite toda para foder
até a exaustão.
Ela sorriu. Parecia em expectativa.
— Ei, mulher! Dá pra parar de me surpreender? Essa sua
carinha de anjo é só fachada. Bem que desconfiei.
Dessa vez ela riu abertamente. Aproveitei o clima menos
tenso e coloquei o carro em movimento.
Durante o caminho conversamos sobre aquele beijo. E eu
contei que não ficava bêbado tão facilmente. Também conversamos
sobre como nos afetávamos desde o primeiro dia. Foi péssimo
saber que nos sentíamos da mesma forma em relação ao outro e
perdemos tanto tempo. Pelo menos agora estávamos juntos.
Quando estacionei na frente da casa de Ayla, tentamos nos
despedir com um beijo. O que não deu muito certo, porque meus
lábios atrevidos desceram pelos seu pescoço e quando ela gemeu,
minha mão desceu se insinuando para entre suas pernas. Se eu
não esbarrasse na buzina acho que nenhum de nós pararia.
Rindo da situação, nos despedimos.
Seria uma longa semana até o nosso jantar.
Capítulo X

Como previ, foi uma semana muito intensa e cheia de tesão


se acumulando.
Depois dos dois primeiros dias, Ayla já nem entrava na minha
sala, pois sempre acabávamos com botões abertos, mãos dentro de
roupas, ofegantes, pulsantes. Foi uma tortura. Ela passava todos os
recados e informações por telefone. E eu a levava para casa me
controlando ao extremo. Apesar de nossa preocupação com o
nosso recente relacionamento, não havíamos esquecido do maldito
ex. Por isso eu só ia embora quando ela estava dentro do prédio.
Se podíamos transar antes do tal jantar? Claro que
podíamos, mas por algum motivo queríamos esperar. Coisa boba,
coisa nossa. Para Ayla eu não era o homem sombrio, eu era o
apaixonado bobo.
E depois de longos dias, finalmente a sexta-feira chegou.
Saímos da Dvorak no horário de sempre e deixei Ayla em seu
apartamento para se arrumar. Por mim ela podia jantar com seu
tradicional traje de secretária que me deixava duro todos os dias,
mas ela queria se arrumar. Aproveitei para fazer o mesmo. Judith
estava tomando conta de tudo para o nosso jantar, inclusive
auxiliando a cozinheira. Com ela no comando eu não tinha dúvidas
de que tudo sairia perfeito.
Estava cheirando o conteúdo de uma panela quando Ayla me
mandou uma mensagem dizendo que estava pronta.
Dispensei todos os empregados, com muitos agradecimentos
e fui buscá-la.
Porra, ela estava linda de enlouquecer! Usava um vestido
longo num tom rosa quase vermelho, tinha mangas e nenhuma
fenda ou decote, só mostrava um pouco a pele do seu pescoço que
ficou evidente devido ao coque em seus cabelos. E mesmo sem
decotes, estava deliciosa.
Fiquei encarando seus passos até que ela parou na minha
frente.
— Não vai dizer nada? — Seu sorriso demonstrava que ela
estava bastante satisfeita com o que via em meu olhar.
— É melhor irmos de uma vez, antes que eu te deixe com
fome e coma você.
Ela só balançou a cabeça rindo.

Durante todo o jantar, Ayla parecia nervosa. Eu não entendia


muito bem uma vez que ela já foi casada e como quase transamos
em mais de um momento. Estávamos transbordando tesão, era
natural que déssemos esse passo. Esperamos por esse passo a
semana toda.
Conversamos sobre o novo comercial que ela contribuiu com
a ideia. Achei que o assunto ajudaria a quebrar o clima, mas ela
continuava nervosa, podia ver no jeito que sorria, suas covinhas se
recusavam a sorrir com ela. Droga! Se eu soubesse que haveria
tanta pressão nesse jantar, teria cedido aos nossos desejos desde o
primeiro dia. Ela até podia dizer não no início, mas duvido que
resistiria a um pedido mais intenso.
— A minha cozinheira deixou um mousse de maracujá
delicioso. Espere aqui que vou buscar — disse assim que ela
anunciou que estava satisfeita. Sendo que não comeu quase nada.
Só não a obriguei a se empanturrar porque poderia fazer mal
durante a execução dos meus planos.
Comemos a sobremesa em silêncio. Eu não ia insistir em
uma conversa. O tempo de conversar passou.
Quando terminamos, perguntei:
— O que acha de vermos um filme?
Ela me olhou confusa. Tão lindamente curiosa.
— Mas nós viemos aqui para fazer... você sabe...
— Você está nervosa, minha linda. Não vamos fazer nada
enquanto não respirar e se acalmar.
— Ficar nervosa é natural. Eu nunca estive com alguém além
daquele homem. — Ela sorriu e começou a andar para a sala de
estar até parar perto do sofá, e pediu: — Chegue mais perto do
sofá.
A olhei com a sobrancelha levantada, mas obedeci. Estava
curioso para saber suas intenções.
Quando fiquei bem perto do sofá, ela tirou as sandálias de
salto e subiu no móvel, ficando com o rosto na “altura do meu”.
Sorri abertamente. E ela tocou o meu rosto, desenhando o
meu sorriso.
Não resisti, segurei suas mãos e beijei seus lábios devagar. E
foi como cortar o fio errado de uma bomba. Não éramos mais nada
além de corpo em chamas. Minhas mãos e meus lábios passeavam
pelo corpo de Ayla enquanto ela também buscava sentir cada vez
mais de mim. Sem nenhum medo ela jogou seu corpo prendendo as
pernas ao redor da minha cintura. Aproveitei a posição e me sentei
no sofá com ela no meu colo. Meus lábios desceram para o seu
pescoço, estava doido para fazer isso desde que a vi saindo do seu
prédio.
Preciso livrá-la desse vestido. Pensava enquanto uma de
minhas mãos procuravam um jeito de abri-lo sem que eu precisasse
parar o que minha outra mão fazia que era ajudar minha boca a
explorar a sua pele e seus lábios.
Quando desci o zíper do seu vestido e me afastei para
finalmente ver um pouco mais do seu corpo, vi marcas recentes em
seus ombros. Pareciam mordidas de animais. Não percebi que
fiquei muito tempo parado encarando aquelas marcas, até que ouvi
a voz de Ayla um pouco incomodada:
— Foi um ataque de cães.
Sem saber o que dizer, simplesmente beijei lentamente as
marcas. E a despi do vestido.
Havia outras marcas pelo seu corpo. Meus dedos doeram
com a força com que apertei o punho fechado. Só podia ser coisa
daquele canalha, se fosse apenas um acidente com animais ela
teria contado. Podia ver no olhar dela enquanto se deixava observar.
Não era nada que ofuscasse sua beleza, nem de longe. Mas
era uma amostra do que ela sofreu no passado.
Minha vontade era de sair e espancar o imbecil do ex dela;
mas havia alguém mais importante em meus braços. Prometi a mim
mesmo que minha missão seria não deixar que ninguém mais a
machucasse e usar cada um dos meus dias para fazê-la feliz.
Antes que o clima acabasse de vez, envolvi meus braços ao
redor da sua cintura e beijei o seu pescoço lentamente. Ela suspirou
com o carinho e segurou as minhas mãos virando para receber o
beijo que não neguei. Jamais deixaria a nossa tão esperada noite
ser ofuscada com lembranças ruins. Conversaríamos sobre isso,
mas depois... bem depois.
Naquele momento esqueci os meus segredos obscuros e
deixei de lado a vontade de matar o tal Roberto. Era só Ayla e eu.
Capítulo XI

Antes

O engradado de cerveja caiu no chão ao mesmo tempo em


que meu coração parou e a porta abriu.
— Que bagunça é essa, querida? — seu tom era zombeteiro,
mas o brilho em seus olhos me afirmavam que eu pagaria caro por
cada garrafa quebrada.
— A dona Ayla começou a festa sem os convidados. — Um
de seus amigos brincou enquanto entrava.
Roberto entrou na brincadeira enquanto um dos convidados
se disponibilizava a buscar mais bebida para garantir a festa de fim
de ano.
Algumas das nossas conhecidas me ajudaram a limpar a
bagunça e servir bebidas e petiscos.
A festa seguia normal. Mas os meus sorrisos eram falsos e
os abraços de Roberto mais apertado que de costume, como um
aviso sobre o que estava por vir. Ele mal bebia. Na verdade, era um
sádico que não queria esquecer nada da dor que me afligia em seus
castigos injustos.
Ao contrário dele, eu bebia desesperadamente. Queria estar
apagada quando os convidados se fossem.
Só não sabia que estava dando uma justificativa para os seus
atos.
Quando o último convidado se foi, eu estava jogada no sofá,
quase desmaiada. Minha mente ia e vinha. O senti me pegar nos
braços e apaguei com sua voz prometendo “vai me pagar por isso
também”.
Quando acordei o sol batia no meu rosto sem piedade,
dificultando minha visão. Somando isso ao fato de que estava com
dor de cabeça e vontade de vomitar por causa da ressaca, demorei
para entender onde estava.... no cercado dos cães.
Confusa olhei para o lados até que meus olhos pararam na
direção onde Roberto estava entre os dois monstros que chama de
cachorros. Ele acariciava a cabeça dos animais e me encarava com
decepção no olhar.
— Por que você sempre me obriga a castigá-la?
Engoli em seco. Não adiantava responder. Na verdade até
poderia ser pior.
— Acha bonito uma mulher comprometida se embebedar e
faze vexame na frente dos outros?
Mal me lembrava de metade da festa.
— Dessa vez terei que ser mais duro com você. Não quero,
mas terei. Você precisa entender que eu te amo e não quero que
falem mal de você. Só quero que sejamos o casal perfeito.
Enquanto ele falava, eu olhava para os cães.
E ele os soltou....

Acordei sentindo uma mão me puxando contra um corpo


masculino. Já estava acostumada com esse tipo de
pesadelo/lembrança. E as lembranças da noite anterior era bem
mais intensa e ficou agradavelmente impregnada em mim.
A voz rouca no meu ouvido me fez sorrir.
— Isso foi bem melhor que ver filme.
Ainda sorrindo, virei para o homem lindo que me encarava.
— Depende do filme — brinquei. Ele me deixava assim: leve,
com uma sensação de segurança.
— Ei, mocinha, está me desafiando. — Antes, que eu
pudesse responder, ele se colocou sobre mim fazendo com que sua
ereção matinal ficasse evidente sobre minha pele despida. Iriamos
recomeçar de onde paramos se um som vergonhoso não acabasse
com o clima. Meu estômago não queria saber de atividade e sim de
comida. — Viu, sua pequena mentirosa, está faminta depois de
gastar toda a sua energia. — Saiu de cima de mim e rolou para fora
da cama. — Venha, vamos cuidar do seu estômago reclamão.
Sua mão estendida em minha direção, seu sorriso iluminando
o meu dia, por um momento me perguntei por que Matteo não
deixava que as pessoas vissem esse seu lado, sempre carrancudo,
de poucas palavras, um mistério ao ponto de ser apelidado de
sombrio.
Segurei sua mão, saindo da cama nua. Claro que eu estava
com vergonha, afinal era a primeira vez que dormíamos juntos, mas
eu não pretendia estragar esse momento com algo tão bobo.
— Vamos tomar um banho primeiro — sugeri.
— E você aguenta esperar?
— Aguento, sim senhor. — Comecei a arrastá-lo para o
banheiro que conheci na noite anterior. Arrastá-lo é modo de falar,
eu puxei e ele me seguiu, pois se ficasse parado eu não o moveria
nem um centímetro.
Tive que ser muito persuasiva para conseguir que ele se
demorasse no banho comigo. Ele estava preocupado em me
alimentar. Enquanto eu tinha mais fome se senti-lo um pouco mais.
Saímos do banheiro meia hora depois, saciados outra vez e
prontos para saciar nossa fome de alimentos. Vesti uma de suas
camisas e ele se limitou a vestir um moletom, ficando com o glorioso
peito nu. Se a minha barriga não roncasse outra vez eu certamente
gastaria alguns minutos lambendo seu peitoral. E devo ter
demonstrado isso na expressão porque ele riu.
— Controle-se, sua safada! — brincou e saiu do quarto,
acompanhado por mim.
Quando chegamos na cozinha, encontramos uma mesa farta
e com uma mistura de cheiros tão boa que fez meu estômago dar
sinal de vida novamente.
A sorridente senhora que estava parada ao lado da mesa,
depois de colocar uma jarra de suco, nos cumprimentou.
— Ayla, essa é a Judith, a mulher que não me deixa morrer
de fome. Minha segunda mãe. — Suas palavras fizeram o sorriso da
mulher se alargar. — Judith, essa é Ayla, minha namorada.
Namorada? Ai, meu Deus! Não tínhamos conversado sobre
isso, mas era obvio que entre nós não caberia o tal sexo casual.
Nem sei porque, mas não caberia.
— É um prazer conhecê-la. — Sorri cordialmente para a
mulher que nos olhava com uma expressão de satisfação.
A mulher parecia ser uma pessoa maravilhosa. Depois que
nos sentamos, e Matteo fez questão que ela sentasse conosco, ela
contou um pouco sobre sua vida e sobre o seu relacionamento com
a família Dvorak. Soube que trabalhou na casa da família e que
aceitou com muito prazer quando o jovem Dvorak a convidou para
cuidar da sua casa assim que ele decidiu se mudar. Ela se retirou
pouco depois alegando que já havia tomado café e que queria
orientar a faxineira.
Fiquei sozinha com Matteo, em uma cena que desejei viver
até o meu último dia.
A tarde, fizemos o que deixamos de lado na noite anterior,
providenciamos pipoca e colocamos um filme.
— Me conte como conseguiu essas marcas. — Ele pediu
enquanto acariciava meus cabelos. Estávamos deitados no tapete,
usando grandes almofadas para nos apoiar. Sei que fiquei rígida nos
braços de Matteo ao ouvir essas palavras.
— Não sei se devo falar sobre isso. Mesmo dividindo a
mesma cama de forma intima ainda somos meio que
desconhecidos.
— Eu sei, mas vamos mudar isso. Teremos muito tempo.
Estava prestes a perguntar como ele pretendia que
mudássemos isso, quando o telefone dele começou a tocar. Ele
ignorou um pouco, mas a pessoa insistiu.
— Não fuja — disse e pegou o aparelho atendendo. — Fala!
— Fez uma pausa. — Eu vou chegar ai na hora, não precisa me
irritar. — Fez outra pausa. — Vá se ferrar! — desligou.
Me levantei ao perceber que ele precisava sair, mas não fui
muito longe. Ele me puxou de volta pela cintura e passou a beijar
meu pescoço, transformando minhas pernas em gelatina.
— Disse para não fugir.
— Você tem compromissos. É melhor eu ir. — Apesar de
dizer isso, me virei e agarrei sua cintura apoiando o meu rosto em
seu peito, aproveitando para beijar e lamber como desejei mais
cedo.
— Não, senhora. — Levantou o meu rosto, me fazendo
encará-lo. — Não quero que fique naquele apartamento. Não é
seguro.
— É a minha casa, Matteo. E eu nem moro sozinha.
— Então vou apelar e pedir para que pense na sua amiga.
Deus livre que aconteça algo, mas aquele homem está rondando o
prédio e pode usar ela para te atingir. Estando comigo é outra coisa.
— Ao ver que eu tentaria argumentar, ele me roubou um beijo e
continuou. — Por favor, só hoje, fique aqui. Eu não vou demorar. Só
preciso resolver alguns problemas sobre a contratação de mais um
profissional para acompanhar papai e volto para você. Depois
dessas lambidas gostosas, tudo que quero é te foder todinha.
Sorri com o comentário. Era muito bom ouvir que eu o
afetava tanto quanto ele a mim.
— Quer que eu espere você aqui? Sozinha, na sua casa?
— Exato. — Com um sorriso, ele apertou o meu queixo. —
Você é minha namorada, logo vou te intimar a ter uma chave. É fim
de semana. Podemos ver um filme de verdade e foder muito. Não
necessariamente nessa ordem.
— Você vai muito rápido nesse tal namoro. Que aliás nem me
comunicou. — Por que eu não conseguia parar de sorrir?
— Já perdi muito na minha vida com medo. Não perderei
mais nada, não quando encontrei algo tão precioso.
— E um dia vai me contar o que perdeu?
— Sim, meu pequeno anjo, revelarei até os meus segredos
mais obscuros. E espero que ainda me queira eu seu lado.
— Eu vou querer. — Minhas palavras foram sinceras. Eu
simplesmente duvidava muito que ele pudesse ter feito algo obscuro
de verdade. Matteo tinha um coração bom. Esse tempo trabalhando
tão perto dele me mostrou isso.
— Certo, sua feiticeira, agora para de me seduzir. Eu tenho
que ir. Se meus irmãos descobrem que esqueci nosso compromisso
estou ferrado.
Ele me beijou e se foi, me deixando meio perdida em uma
casa tão grande. Decidi visitar os outros cômodos da casa. E
quando encontrei a biblioteca, perdi a noção de hora, fome, sede ou
qualquer coisa. Só sai de lá quando Matteo me encontrou ao
retornar do compromisso.
Capítulo XII

Antes do almoço decidimos que papai teria três


acompanhantes, uma para a manhã, uma para a tarde e um para a
noite. Não ficaria nem um segundo sequer sem alguém com ele.
Depois da última fuga percebemos que os seguranças eram inúteis.
Não entendiam que o foco era o nosso pai, por ele se mostrar,
quase sempre, lúcido.
Tentei recusar o almoço em família, mas o fato de Apollo estar
presente me impediu. Mamãe gostava da família unida o máximo
possível. Eu estava feliz, porém não conseguia parar de pensar em
Ayla sozinha na minha casa. Eu queria muito estar com ela, de
preferência dentro dela, ou chupando-a ou sendo chupado. Pronto,
de pau duro no almoço em família
Logo que saímos da sala de jantar, onde era servido o
almoço, anunciei:
— Se não precisam mais de mim, vou me retirar.
— Que pressa é essa, maninho? Percebi que ficou o tempo
todo olhando o relógio. Algum compromisso? Alguma mulher te
esperando? — Apollo me alfinetou, enquanto Gael só me olhou.
— Cuida da sua vida bon vivant! — revirei os olhos para ele.
Pretendia contar para todos o mais breve possível, mas seria em
uma ocasião especial, onde Zeen estaria presente para eu deixar
bem claro o que faria com ele se sequer tocasse em Ayla. Não
poderia contar agora, mesmo que minha língua coçasse, pois ela
não estava presente e Dominique estava.
— Tem algo para nos contar? — mamãe se empolgou toda. E
Dominique levantou a sobrancelha. Me perguntei se ela já sabia.
— Vocês são tão curiosos assim ou é só comigo?
— Não sabe de nada, seu inocente. Essa senhora aqui pediu
a mão da minha namorada por mim e ainda me ameaçou dizendo
que tem outros filhos para ocupar o meu lugar com ela, acredita?
Ri abertamente, eu andava fazendo isso bastante depois que
Ayla entrou em minha vida.
— Até mais, família!
Sai assobiando. Nem precisava olhar para trás para saber
que as expressões iam de assustadas, passando por curiosas, até
esperançosas.

Cheguei em casa e encontrei Ayla sentada em uma poltrona


na biblioteca.
— Você fica linda com a minha camisa — falei comendo-a
com os olhos sem nenhum pudor. Ela devia saber que colocar uma
das minhas camisas e deixar suas belas pernas totalmente expostas
me transformaria em um tarado.
Antes que ela pudesse reagir, eu já estava de joelhos na
frente da poltrona, levantando o tecido da camisa e surtando por
perceber que ainda estava sem calcinha. E beijando cada
centímetro de suas pernas alcancei sua intimidade com os lábios,
lambendo e sugando o seu clitóris. Ouvia seus gemidos
desesperados por mais. A poltrona era pequena demais para cabê-
la da forma como se contorcia. Mas não parei. Jamais. Ao contrário,
penetrei dois dedos em sua cavidade molhada de desejo e comecei
um movimento de vai e vem gostoso sem parar o que fazia antes
com a boca.
Ayla enlouqueceu. Agarrou os meus cabelos. Estava à beira
do precipício e queria cair nos braços da satisfação. Não a
decepcionei, pressionei ainda mais seu ponto mais sensível até que
ela gritou o meu nome e se entregou a languidez do orgasmo.
A peguei no colo, deixamos o livro no chão, onde caiu
quando tudo começou, e a levei para o quarto.
Ayla escondia o rosto no meu ombro.
— Está com vergonha de quem, senhorita? — perguntei
achando graça da sua atitude.
— Judith pode ter ouvido o escândalo que fiz. Ai, que
vergonha! Nunca mais vou conseguir olhar para ela.
— Ela realmente deve ter ficado escandalizada. Nunca trago
uma mulher em casa e quando finalmente decido trazer, é uma
escandalosa pornográfica — provoquei, me divertindo com o seu
embaraço.
— Ai, que merda! — Ela se afundou ainda mais no meu peito.
— Vou me controlar, prometo. É que não estou acostumada a sentir
tantas coisas assim.
— Não se bobinha, meu anjo. Judith é mãe de cinco filhos e
nenhum foi adotado. Somos todos adultos aqui.
— Eu sei, mas é embaraçoso saber que as pessoas sabem o
que estamos fazendo entre quatro paredes.
— Eles vão especular de qualquer forma. Alguns até vão se
excitar.
— Não está melhorando as coisas.
Já estávamos no quarto. A coloquei na cama.
— Eu vou melhorar as coisas agora.
Me desfiz das minhas roupas rapidamente e subi na cama
levantando novamente a sua blusa. Só que dessa vez o meu foco
eram os seus seios. E para o meu deleite, ela não conseguiu
cumprir o voto de silêncio por muito tempo. Logo estava me
implorando para meter com tudo em seu interior convidativo. Ao que
atendi prontamente. Entrando em seu corpo em um movimento lento
e torturante para nós dois. Uma suavidade que não durou muito,
logo estávamos nos movendo loucamente. E quando Ayla ficou de
quatro na minha frente, a sanidade passou bem longe.
Foi uma tarde onde transamos de várias formas, até de pé
sobre a cama.
Talvez, só talvez, eu possa precisar de uma cama um pouco
mais reforçada.

Na hora do jantar, Ayla estava mais vermelha que um


pimentão. Olhava para Judith como se esperasse um sermão.
Judith, por sua vez, agia tranquilamente, talvez nem tivesse ouvido
nossos gritos alucinados.
— O que acha de fazermos alguma coisa para anunciar o
nosso namoro para nossos amigos e família? Pensei em algo como
um churrasco, sem muito alarde e nem discursos — perguntei
tentando fazer com que ela parasse de pensar na vergonha. Eu sei
que ela logo se acostumaria com Judith, quando nos casarmos elas
serão grandes amigas, não há dúvidas. O que? Espera ai, quem
falou em casamento? Meu coração disparou com esse pensamento.
Eu realmente queria me casar com ela. A queria acordando ao meu
lado todos os dias.
— Podemos contar e esse churrasco vai ser para oficializar, o
que acha? É que estou tão ansiosa para contar para minhas
amigas. — Ela sorriu. Me desarmando. É claro que eu me casaria
com ela, por aquelas covinhas eu faria qualquer coisa.
— Confesso que quase contei quando estava com a minha
família, só não o fiz porque sua amiga Dominique estava lá e não
quis passar na sua frente.
— Obrigada por isso! Você é incrível.
— Eu sei — brinquei. — Combinado então. Vou ver como
está a agenda lá em casa e você verifica com suas amigas.
— Ok.

A noite ia alta. Estávamos na cama, abraçados, mas, por


incrível que pareça, vestidos. Chegamos ali aos beijos, mas
sentíamos que precisávamos conversar e acabamos apenas em um
silêncio de abertura para o que viria.
— Eu começo. — Aconcheguei Ayla ainda mais em meus
braços de forma que ela poderia ter acesso total as minhas
expressões sempre que quisesse, e eu as suas. — Quando eu era
adolescente, atropelei a mãe de um amigo nosso, na verdade primo.
— Ela me encarou atenta. — Não foi de propósito. Foi a porra de
um acidente causado pela negligência do meu tio bêbado que me
colocou no volante. Mas também não foi só culpa dele, eu fui tolo,
quis me mostrar apto para um traste bêbado e deu no que deu. Meu
tio e meus pais acabaram decidindo revelar quem estava no volante
apenas para o meu outro tio, Vitor, marido dela, e para a polícia não
contamos que o meu tio bêbado estava comigo.
— Você se sente culpado?
— Não queria. Porque eu amava aquela mulher quase como
a minha mãe. Maria era uma de nossas tias favoritas e eu jamais
faria algo para machucá-la de propósito. Só que não adiantou ter
consciência disso, algo dentro de mim se quebrou ao me ver como o
responsável pelo fim da vida de alguém.
— Acho que te entendo. — Ela levou os dedos até o meu
rosto desfazendo as rugas na minha testa assim como eu
costumava fazer na sua.
— Você mudou isso em mim. Antes eu achava que não tinha
direito a felicidade e por isso sabotava qualquer possibilidade de
relacionamento. Agora não, eu quero a felicidade que sinto quando
te vejo, beijo, quando te tenho toda minha. E nenhuma culpa é
capaz de tirar isso de mim.
— Já conversou sobre isso com alguém? Já tentou pedir
perdão para as pessoas mais afetadas pela morte dela?
— Na verdade, não. O meu tio disse que nenhuma desculpa
ou explicação traria Maria de volta, então apenas me encolhi dentro
de mim. E depois que Zeen começou a se vingar, passei a acreditar
que merecia mesmo. Acho que me tornar adulto não amenizou em
nada as coisas para mim. — Sorri sem graça.
— Acho que devia ter uma conversa franca com esse Zeen e
com as pessoas mais afetadas com aquele acidente. — Ela me
apertou com força. — Desculpe se passar dos limites, mas você
passou tanto tempo se culpando que acabou não parando para
pensar no que eles sabem ou pensam. Pelo que me contou acredito
que deixou que seu tio contasse as coisas do jeito dele.
— Realmente. Meu primo acabou descobrindo que um de
nós era o culpado, mas ninguém nunca confirmou quem. — Suas
palavras me fizeram pensar em como Zeen também estaria louco de
raiva e sem ter todas as informações nunca conseguiria descansar
sem fazer com que o culpado pagasse. Fui burro em não entender
que eu estava piorando as coisas ao me esconder atrás da culpa e
não aceitar as consequências dos meus atos.
— As pessoas que você ama precisam saber a verdade. Já
parou para pensar que esse Zeen possa estar pensando que não foi
um acidente? Ele pode estar se torturando todos esses anos por
não saber o que realmente aconteceu com a mãe. É muito errado
deixá-lo no escuro como se houvesse um grande mistério por trás
do que foi um acidente.
Fiquei parado e mudo pensando em suas palavras. Mas por
que merda deixamos as coisas seguir por esse caminho?
Acho que eu estava com uma expressão péssima porque ela
completou com um tom de brincadeira:
— Vocês, riquinhos, complicam muito as coisas.
— Somos mimados! — brinquei antes de passar a beijá-la
por todo seu rosto e pescoço. Sua respiração ficou acelerada e ela
soltava suspiros e gemidos baixos. Sua mão atrevida seguia para
dentro da minha calça, e a segurei impedindo. — Nem pense nisso,
minha pequena. Você ouviu minhas dores, agora quero ouvir as
suas.
Ela afastou a mão e suspirou.
— Nem sei por onde começar.
— Comece por essas marcas de mordidas. Mesmo que não
tenha nada a ver com seu ex, elas me intrigam.
Ela passou a mão no ombro, onde havia a maior marca.
— Essas mordidas de cães não foi um acidente. Foi o que
me fez decidir fugir dele.
— Como assim?
— Aquele monstro me prendeu na casa dos dois cães que
ele cria. Os animais são violentos e me atacaram ao seu comando.
Quase morri. Ele me levou para o hospital fazendo o papel de
marido preocupado com a mulher que foi atacada. Todos
acreditaram que entrei na casa dos animais devido a embriagues,
porque na noite anterior era réveillon e eu bebi desesperadamente...
— Por que bebeu? Você não me parece que já teve
problemas com vícios.
— Quebrei algumas garrafas de cerveja antes da festa, e
sabia que ele me castigaria, por isso cometi a burrice de achar que
se estivesse bêbada, não lembraria, não sentiria. Grande erro.
A apertei com força excessiva como se meu abraço pudesse
apagar suas lembranças.
Ela continuou contando:
— Quando sai do hospital, fingi que estava tomando remédio
para dormir por alguns dias. Ele agia como se estivesse arrependido
e me culpasse. Mas era sempre assim. Eu não acreditava mais que
se fosse uma boa esposa e não desse motivos, não me castigaria.
— Uma lágrima desceu pelo seu rosto e a enxuguei com meus
dedos. — Quando ele baixou a guarda e foi beber com seus amigos,
roubei o pouco de dinheiro que achei em casa e fugi no primeiro
ônibus que encontrei. Antes disso havia conversado com minha
amiga Helena por e-mail e pedido abrigo.
A apertei com mais força em meu abraço.
— Eu estava me acostumando a ser castigada por qualquer
coisa, tive que usar meu último sopro de desejo de liberdade. Tive
que me lembrar que não era aquilo que eu queria, que meu
companheiro deveria me amar e não me machucar. Tive que me
lembrar como era me amar. Algo que estava sendo esquecido em
meio a tanta tortura física e psicológica. — Ela me olhou com um
sorriso sincero, apesar dos olhos marejados. — Agora que conheci
o senhor, faça o favor de me fazer a mulher mais feliz do mundo,
ouviu?
— Pode deixar, pequena! Eu vou fazer com que seja a mais
feliz, a mais amada, a mais satisfeita... — a cada item, a beijava em
uma parte diferente do seu corpo, até que estava entre suas pernas.
Antes de fazer o que pretendia, a provoquei:
— A mais prazerosamente fodida.
Pude sentir seu corpo se contrair com minhas palavras. O
que foi o estimulo perfeito para eu cair de boca entre suas pernas,
onde sua intimidade já pulsava e estava encharcada. Tão gostosa!
Capítulo XIII

Roberto odiava quando eu fazia algo errado perto de alguém.


Para ele tínhamos que ser o casal perfeito.
Naquele dia, eu estava feliz porque havia passado meses
sem que ele me machucasse. Era o nosso aniversário de dois anos
morando juntos e ele me levou para jantar no único restaurante
chique da nossa cidade.
Eu mal conseguia esconder o sorriso. Estava com uma
lingerie azul que comprei especialmente para essa noite, era a cor
favorita dele, por ser a cor da bandeira do seu time de futebol.
Havia um casal amigo nosso no lugar, que cumprimentamos
quando estávamos saindo e eles também. Nosso amigo foi me
cumprimentar com um beijo no rosto e a merda toda aconteceu. Nos
atrapalhamos e beijo pegou no canto da minha boca. Na hora a
mulher dele fez uma piada e todos levamos na brincadeira. Pelo
menos foi o que nossos amigos pensaram, pois eu sabia que tinha
acabado o clima de festa, tinha acabado as minhas férias das
surras.
Foi uma noite tão horrível. Ele me acusou de estar “dando em
cima de outros homens” e me bateu. E não foi o pior, pela primeira
vez, ele me violentou. Foi uma dor pior que qualquer outra, me senti
invadida por alguém que tinha todo o acesso ao meu corpo.
E percebi, enquanto chorava de madrugada no banheiro, que
aquela relação não tinha mais nada de sonho, sequer era saudável,
mas eu não sabia como simplesmente deixá-lo.

Acordei suada. De todos os pesadelos que vinha tendo, esse


foi o pior. Senti falta da minha mãe. O sonho me fez questionar
como ela estaria e me fez me recriminar por não ter dado a mão que
ela tanto precisava. Eu não tinha condições quando era criança ou
quando estava com Roberto, mas agora tinha recursos financeiros
para salvá-la como Helena me salvou, e faria isso.
Suspirei levantando da cama e peguei o celular. Minha mãe
não tinha telefone e eu tinha poucos gravados na mente, então rezei
para que atendessem quando disquei o número do meu antigo
trabalho.
— Alô! — uma voz feminina atendeu. Eu conhecia aquela
voz, mas ainda não consegui associá-la a uma pessoa.
— Bom dia! Aqui quem fala é a Ayla, eu gostaria...
— Ayla, meu Deus! — a pessoa me interrompeu. — Há
quanto tempo, mulher. Todo mundo aqui diz que você fugiu com um
amante, mas sua mãe me contou a verdade. Aquele desgraçado do
Roberto...
Ela começou a falar tudo que Roberto merecia. E não
precisei de mais nada para saber que se tratava de Daniela, uma
prima por parte da minha mãe.
— Dani, esquece aquele traste e me diz como está a mamãe.
— A interrompi.
— Ela está morando lá em casa faz uns dias. Não me leve a
mal, mas o seu pai é outro desgraçado. Deveria estar atrás das
grades.
Antes que ela começasse a me deixar ainda pior contando o
que acontecia com a minha mãe, pedi:
— Tem alguma forma de eu falar com ela? Eu estou muito
bem em São Paulo e queria trazê-la para ficar comigo.
— Anota ai meu telefone. Eu tenho celular agora. Só vou
chegar em casa depois das 18hs porque esse senhor de escravos
não me deixa sair mais cedo...
Apesar de tudo, ainda consegui rir do jeito exagerado da
minha prima. Anotei o telefone e desligamos depois de
conversamos um pouco mais até ela levar uma bronca do chefe.

Estranhamente sentia que esses sonhos que estava tendo


vinham como se para me fazer enfrentar meu passado e construir
meu futuro. Um futuro que em poucas horas estaria me
apresentando para seus familiares como sua namorada. Depois de
conversar com minha prima, desejei ainda mais que minha mãe
estivesse presente nesse momento. O que me alegrava era que em
breve conversaríamos e eu a convenceria a ficar comigo e deixar a
dor para trás. Meu pai ou não, ninguém tem o direito de machucar
os outros.
Pensar que minha mãe em breve estaria comigo me deixou
de ótimo humor.
Andava sorridente pelo quarto até que uma batida na porta se
fez ouvir e a voz de Rubia me tirou dos pensamentos que eram
todos voltados a Matteo e mamãe.
— Acorda, dorminhoca! Você tem que estar na casa do seu
boy antes dos convidados.
— Já estou acordada! — gritei de volta. — Me apronto
rapidinho.
— Estou fazendo café. Assim que terminar, venha para a
cozinha.
— Sim senhora.
Depois de um café reforçado, Matteo me buscou em casa.
Ele não confiava nem em carro de aplicativo ou táxi com Roberto
por ai. Reclamar não estava nos meus planos.
Enquanto ele dirigia, comentei:
— Eu quero trazer a minha mãe para São Paulo.
— Isso é bom! Eu estava mesmo querendo conhecer minha
sogra.
— Eu acho que ela vai gostar de você. Vai achar que saiu da
TV na hora de uma novela.
— Está dizendo que pareço um galã de novela?
— Parece. E vê se não fica convencido. — Coloquei a mão
na sua perna. — Você é lindo, por dentro e por fora.
— Ayla, Ayla... está mexendo com fogo me tocando assim,
falando assim...
Tirei a mão e levantei para cima, sorrindo abertamente.
— Vamos mudar de assunto então.
— Sabe, não sei se vai gostar da ideia, mas a minha mãe
precisa de uma presença feminina em casa que não seja de
funcionários. Dominique sempre a visita, mas ela não tem tanto
tempo assim. O que acha de sua mãe se hospedar com ela?
— Não sei. Mamãe é uma pessoa simples...
— Faz o seguinte, avalie o caso com carinho durante esse
churrasco. Vai ter tempo para conhecer minha mãe e saber que ela
é uma ótima companhia... e simples também.
— Está bem. — Parado no sinal vermelho, voltei a colocar a
mão na sua perna e ele me encarou com seu olhar mais demoníaco,
aquele cheio de promessas.
Involuntariamente, engoli em seco e esfreguei uma perna na
outra. Ele riu. E antes que pudéssemos perder o controle, o sinal
abriu. Só depois do churrasco, ou talvez antes se conseguirmos
fugir um pouco.

Algum tempo depois...

— Ayla, esse é o meu tio Vitor, um excelente médico. Esse


homem é um ser incrível. — Matteo me apresentou um senhor estilo
Richard Gere. O homem devia arrasar corações.
— É um prazer, senhor Vitor.
— O prazer é meu e pode esquecer o senhor. Me trate como
tio.
Apenas sorri, fiquei encabulada pensando se conseguiria
tratá-lo assim.
— E o Zeen, ele não vem? — Matteo perguntou.
— Não. Eu o despachei para o sitio depois do que aconteceu
com a noiva do seu irmão e acho que alguma coisa o está
prendendo lá porque parou de reclamar de tudo e de todos. Meus
informantes me disseram que é mulher. — Vitor respondeu com
uma expressão travessa.
— Queria conversar com ele, mas fico feliz que tenha
encontrado alguém. — Matteo me puxou para mais perto. Será que
ele percebeu que eu achava seu tio um homem lindo? — A melhor
coisa do mundo é encontrar aquela pessoa especial, nossa outra
metade.
— Ai, que romântico esse meu filho! — Uma mulher muito
elegante se aproximava de nós.
— Essa senhora de sorriso contagiante é a minha mãe. Tente
não cair nos seus encantos. E não aceite se te pedir em casamento.
Levantei a sobrancelha intrigada com suas recomendações,
até que a mulher me agarrou em um abraço apertado.
— É maravilhoso finalmente conhecer a mulher que tirou
esse meu filho da toca. Não leve a sério as brincadeiras, só saiba
que tenho o costume de me adiantar quando acho que os meus
filhos estão muito lerdos.
— Ela fala isso porque pediu a Dominique em casamento por
mim. — Gael que respondeu. Ele estava chegando de braços dados
com a Dominique. Formavam um lindo casal.
— Ah, eu soube disso. — Sorri, finalmente entendendo toda
aquela adorável bagunça.
— Gael você já conhece. Gente, vão se sentindo em casa....
— Espera ai, não vai me apresentar? — olhei na direção da
voz e vi Apollo Dvorak vindo em nossa direção. Apesar de terem
nascido com apenas minutos de diferença, ele parecia mais jovem
que os outros. Deve ser por ser o que menos tem
responsabilidades.
Matteo fez as apresentações e percebi a chegada da minha
amiga Rubia, que por algum motivo passou estrategicamente longe
de nós. Só que seu olhar estava quase que fixo em nossa direção.
Qual será o problema?

Depois de quase uma hora de festa, pude ter um tempo só


para minhas amigas. Fui até onde Rubia e Dominique estavam em
um canto perto da piscina.
— Isso no seu cabelo é suor ou alguém teve que tomar uma
ducha rápida antes de receber os convidados? — Dominique falou
ao meu ouvido, mas nada baixo. Senti meu rosto esquentar de tal
forma que nem precisei responder.
As risadas das minhas amigas não foram discretas. Tive que
contar que o banho foi para evitar ficarmos cheirando a sexo entre
os convidados. Porque depois daquele olhar no carro, transamos na
garagem mesmo, sem ligar para hora ou convidados. Naquele
momento só existia nós dois. Nem tiramos as roupas, mas já que
tinha mais de um banheiro na casa, preferimos aderir ao banho
rápido.
Para tirar o foco de mim e saciar uma curiosidade que estava
me matando, me virei para Rubia.
— Amiga, está acontecendo alguma coisa entre você e o
Apollo? Ele não para de olhar para você e você não fica atrás.
— Também percebi. — Dominique completou.
— Não digam bobagens. Eu tenho um namorado e o amo.
— Deve ser impressão mesmo. Com um deus de ébano
como o Lucca, não dá nem para pensar em outro, mesmo que esse
outro seja um Dvorak — Dominique falou. E instintivamente,
olhamos para o belo homem conversando com Vitor e depois para o
rapaz de olhos cinza que conversava com outros dois com mesmos
olhos. Rubia não traria o namorado se estivesse rolando algo entre
ela e Apollo. — Queria conhecer a família do Lucca, pois se
comparar com os Dvorak, todos devem ser lindos também.
— E são. Ele tem cinco irmão, e nem é o mais bonito deles —
brincou e mudou o assunto para a família do namorado.
Capítulo XIV

— Filho, podemos conversar por um instante? — mamãe


tocou em meu braço quando eu estava me despedindo do tio Vitor.
— Claro, mãe, aconteceu alguma coisa? — a guiei para
dentro da casa. E nos sentamos no sofá da sala.
— Eu queria te dar isso. — Ela tirou um cordão do pescoço
onde um anel estava como pingente. — Foi da minha mãe e ela deu
para mim pouco depois que me casei.
O anel era um solitário de ouro branco e diamantes. Desde
que me entendo por gente ela o levava no pescoço.
— Por que? — imaginei que se ela fosse dá-lo a um de nós
seria para Gael, que é o mais velho.
— Para você dar a sua namorada quando for pedi-la em
casamento. — Ela sorriu, daquele jeito de quem via muito além. —
Não deve demorar muito pelo jeito como se olham. Pare de
questionar e aceite. Eu amo meus filhos igualmente, mas tive que
escolher um para dar esse anel e escolhi você.
— É só que pensei que daria a Gael, por ele ser mais velho e
por Dominique ser tão sua amiga... — Eu mesmo interrompi minhas
justificativas e a abracei. — Obrigado, mamãe.
Voltei para perto dos convidados me sentindo diferente.
Desde que Ayla entrou na minha vida que eu me sentia assim, como
se o peso das minhas dúvidas e erros sumissem cada dia mais. Ver
o quanto ela se divertia no churrasco me deixou cheio de alegria.
Vez ou outra ela olhava o celular em busca da ligação que sua
prima faria para que ela pudesse retornar. Apesar da ansiedade, sua
alegria não diminuía e foi por isso que decidi que um pouco de
vergonha não faz mal a ninguém.
— Peço a atenção de todos, por favor. — Me levantei e pedi
quando estávamos sentamos a mesa, para o almoço entre o
churrasco.
— Você prometeu — Ayla reclamou me lembrando que
garanti que não haveria discursos vergonhosos. Ela devia adivinhar
minhas intenções.
— Mas não vou cumprir — respondi sorrindo meio cínico e
meio bobo apaixonado. E voltei ao meu discurso. — Família e
amigos, esse churrasco era para anunciar o meu namoro com essa
mulher incrível — ouvi alguns suspiros —, mas decidi dar um passo
a mais e arriscar ouvir um não... por favor, não diga não... — dessa
vez ouvi alguns “o que?”. Peguei o anel no bolso e me ajoelhei perto
da cadeira de Ayla. — Meu pequeno anjo, me faça o homem mais
completo do mundo, diga que aceita se casar comigo.
Houve um silêncio cheio de expectativa. Ayla me olhava
como se não acreditasse no que ouviu. Sorrindo, levei a mão ao seu
rosto e desfiz as rugas de dúvida. Ela segurou minha mão.
— Sim.
Antes que eu pudesse reagir a pequena palavra, Ayla se
curvou e selou nossos lábios. E todos sumiram. Passei minha mão
pelo seu pescoço aprofundando o beijo. Nenhum de nós lembrava
que tinha uma mesa cheia de pessoas ali. Até que um raspar de
garganta conseguiu nos alcançar.
Mal nos afastamos ou terminei de colocar o anel que mamãe
me deu no dedo dela e começou uma chuva de felicitações.

No início da noite, todos já haviam partido.


Ayla estava andando pela casa com uma das minhas
camisas, segurando o celular como se fosse uma ancora. Era
preciso muito esforço para não pular sobre ela como um animal
faminto, só não fazia isso por sentir sua ansiedade. Ela só ficaria
tranquila depois de falar com a mãe.
Meu olhar vez ou outra ia em direção ao anel em seu dedo.
Eu podia esperar para foder minha noiva sem pressa. Eu a queria
presente. Nada de preocupações.
Quando o telefone finalmente tocou, ela deu um pulinho de
susto e me olhou.
— Atenda. — Precisei dizer para que saísse do transe.
Ela atendeu e se sentou ao meu lado.
Os minutos seguintes foram de sorrisos e lágrimas para
minha Ayla. Por fim ela combinou que iriamos visitar sua mãe no
próximo fim de semana e que ela viria morar com a minha família,
como acompanhante da minha mãe. Foi o único jeito de a
convencer, pois ela alegou que não queria ser um peso na vida da
filha e de pessoas que não conhecia.
Depois eu teria que ligar para minha mãe e explicar a
situação. Com certeza a senhora Garcia teria uma surpresa ao
encontrar uma casa repleta de empregados que não deixariam ela
fazer nada.
Ayla deu um longo suspiro depois que encerrou a ligação.
— Depois desse dia tão cheio de emoções, acho que minha
noiva precisa de champanhe, banheira, morangos e, claro, de mim.
— Preciso mesmo, mas não nessa ordem. — Ela sentou no
meu colo e acariciou meu queixo com as pontas dos dedos. — Que
tal começarmos por você?
Minha resposta foi um beijo que desceu para o seu pescoço e
foi descendo pelas partes que expunha ao abrir os botões da
camisa.
Ayla se curvou quando abocanhei seu seio, faminto por seus
gemidos que logo vieram. Aproveitando que suas mãos estava
segurando o meu pescoço, usei uma mão para provocar o bico
intumescido do outro seio, enquanto a outra desceu para entre suas
pernas, me deliciando com o fato de que estava sem calcinha, como
suspeitei.
— Matteo — gemeu meu nome, perdendo o controle
rapidamente, arranhando meu pescoço.
— Hum? — murmurei contra sua pele, indo abocanhar o
outro seio.
— Me fode, amor! — implorou dengosa. — Me come!
Eu adorava como o meu anjo se transformava na hora de
sexo. Quanto mais louca de desejo, mais sua boca ficava suja.
Fode, come, ainda era pouco. Não estava alucinada o suficiente. Me
esforcei um pouco mais nas investidas dos meus dedos entre suas
pernas.
— Caralho, Matteo, você vai me matar! Me come, porra!
Soltei uma risada, alucinado. Como adorava essa mulher!
Fui mais rápido e mais forte até a sentir se contrair e seus
gemidos virar um grito. Beijei sua pele com carinho a sentindo
languida depois de gozar.
Só quando sua respiração começava a normalizar que disse:
— É só pegar o que é seu, pequena. — Afastei-a da tortura
deixando que ela abrisse minha calça e se colocasse no comando,
se encaixando em mim e cavalgando loucamente.
Meu pequeno anjo estava pronta para outro orgasmo e dessa
vez cavalgando no meu pau.

Sonolentos, já no quarto, Ayla me abraçou.


— Eu te amo muito — disse.
— Também te amo demais — confessei com toda minha
sinceridade.
Foram nossas últimas palavras antes de dormirmos trocando
carinhos.
Capítulo XV

Seria uma semana longa. A expectativa em ver mamãe me


deixava meio aérea. Sem contar que agora eu estava noiva de
Matteo. Se me perguntassem como seria o meu futuro quando
cheguei em SP, eu jamais o descreveria assim.
Em breve estaria com minha mãe, me casaria com o melhor
homem do mundo em uma cerimônia dupla com uma das minhas
melhores amigas, tinha um emprego onde meus superiores
valorizavam minhas opiniões. Só faltava mesmo Roberto sumir
definitivamente da minha vida para ficar tudo perfeito.
E como o ser humano nunca está satisfeito, coloquei na
minha lista do que faltava o acerto de contas entre Matteo e o primo.
Afinal seriamos um em breve e a felicidade do meu amor era a
minha.
Como se meus pensamentos o chamassem, recebi um
telefonema de um número estranho.
— Alô!
— Ayla Garcia? — uma voz masculina perguntou.
— Sim, quem fala?
— Aqui é Zeen, acho que já ouviu falar sobre mim.
Precisamos conversar.
— Eu sei quem você é e não temos nada para conversar...
— É de seu total interesse, então te espero no restaurante
Babel ás 12hs, não se atrase — disse e desligou, me deixando
confusa sobre como reagir.
Quase na hora de sair para o almoço, minhas amigas
informaram que não poderiam almoçar comigo e Matteo informou
que também não poderia por ter ficado preso em uma reunião.
Entendi isso como um sinal de que eu deveria ir ao encontro desse
Zeen para saber o que ele pretendia. Por isso ignorei as
recomendações para comer no restaurante da empresa.
Assim que cheguei ao Babel, parei por alguns instantes
buscando com o olhar pelo rapaz que vi em fotos no dia em que tive
a minha primeira conversa esclarecedora com Matteo.
Um funcionário veio me oferecer auxilio, porém antes que
pudesse informar o que procurava, o vi. Ele estava em uma mesa
perto da janela, levantou e acenou para mim. Não gostei nada do
seu sorriso, mas agradeci a gentileza do funcionário e fui até ele,
parando perto da mesa e avaliando a situação.
Ele levantou e puxou a cadeira para mim, sem em nenhum
momento perder o sorriso cínico do rosto.
Simplesmente me sentei, ele não me assustava. Se
soubesse por tudo que passei entenderia que mostrar frieza era
“fichinha”.
— Estou aqui, como vê, o que gostaria de dizer? — fui direto
ao ponto.
Ele me olhou surpreso e levantou a sobrancelha.
Me enchi de coragem e decidir me adiantar.
— Nada do que fizer vai me afastar de Matteo. Seja uma
armadilha doce ou amarga. Você devia aceitar a conversa que
precisam ter.
— Você é uma mulher pequena demais para caber tanto
atrevimento — comentou debochado e tomou um gole de algo que
parecia vinho.
— E o que esperava que acontecesse me chamando para
esse almoço?
— Só queria te conhecer pessoalmente, saber das
possibilidades. E na verdade está sendo muito esclarecedor. Sua
proteção exagerada me faz confirmar qual o Dvorak que merece a
minha ira.
— Você está tão enganado. Nenhum deles merece a sua ira.
— E como sabe? Acha que foder com um deles te torna
especialista?
— Não vou responder a isso. Não merece resposta. E
também não vou almoçar com você, me causaria indigestão. — Ele
riu sem abandonar o deboche da expressão que parecia fixa em sua
face e continuei. — Nem posso imaginar a dor que tenha sentido e
ainda sinta, porque apesar de escolher não estar comigo nesse
momento, ainda seria devastador perder a minha mãe. — Ele
pareceu surpreso com minhas palavras, como se quisesse
perguntar por que eu não estava com minha mãe. Nem me dei ao
trabalho de esclarecer. — Apenas conversem, se depois disso ainda
quiser se vingar, tudo bem, mas vingança é uma coisa muito séria
para que seja feita com dúvidas, jogada ao vento. Você está
machucando muitas pessoas inocentes e dando a elas uma fagulha
de desejo de vingança contra você. Vai acabar sozinho e isso eu
descobri bem antes de começar a foder com ele.
Ele me olhava pasmo, mais ainda com minha última frase.
Enfim conseguir tirar sua expressão de deboche.
Sem conseguir mais ficar na sua presença, me levantei e sai
do restaurante, ainda sem entender bem o que sentia em relação ao
desejo de vingança de Zeen.
Só que não era o meu dia. Mal passei pela porta e dei de
cara com Roberto. Dele sim eu tinha medo. Mentir que não tinha era
besteira.
Meus olhos arregalaram ao vê-lo me encarando. Ele havia
seguido o meu carro de aplicativo e nem percebi.
Matteo não sabia onde eu estava. E eu não deixaria Roberto
me machucar. Me preparei para gritar quando ele veio na minha
direção.
— É melhor vir comigo. Não vai querer que nada aconteça
com aquela criança linda — disse olhando para o carro, para onde
desviei o olhar e apavorei ao ver uma cadeirinha de criança com
Gabriel dentro.
— Como? — foi a única coisa que consegui pronunciar.
Como ele conseguiu tirar Gabriel dos pais?
— Percebeu agora o que os seus erros causam? É sua
última chance de voltar comigo. Como vê, sou capaz de qualquer
coisa por nós.
Apavorada, olhava dele para o carro. Até que me decidi, só
havia a criança ali. Eu precisava segurá-lo e gritar para alguém.
Porque sabia que se fosse com ele, poderia acontecer qualquer
coisa com Gabriel. Afinal ele matou o próprio filho quando soube da
minha gravidez.
Sem parar para pensar direito me joguei sobre e ele o
derrubei, mais por causa da surpresa que da força.
— Você está louca? — tentava me tirar de cima dele.
— Socorro! Socorroooo — gritei sem parar, mal respirava. Eu
não conseguiria segurá-lo por muito tempo.
As pessoas se aproximaram perguntando o que acontecia,
mas foi Zeen que imobilizou Roberto.
Sem tempo para explicar, procurei nos bolsos dele até
encontrar as chaves e correr para o carro.
Quando voltei, com Gabriel chorando nos meus braços, Zeen
ainda segurava Roberto de um jeito que por mais que se movesse
só conseguiria sentir dor.
— O que está acontecendo? — Zeen perguntou. Se eu
tivesse algum humor, acharia engraçado como terminou seu almoço
de intimidação.
— Não o solte, por favor, eu vou chamar a polícia. — Minhas
palavras fizeram Roberto ficar irado e precisou um outro cliente do
restaurante ajudar Zeen a não deixá-lo escapar.
Peguei meu celular e vi que havia várias ligações de Helena
e Michael. Liguei para ele primeiro.
— Graças a Deus, Ayla! Onde você está? Roberto te
procurou? Ele levou o meu filho. — Sua voz era puro desespero.
— Ele está aqui e consegui pegar o Gabriel. Pode mandar
um policial mais próximo vir prendê-lo? Estou no restaurante Babel.
— Sim. Farei isso e vou buscar Helena. Nos espere ai, por
favor.
— Tudo bem.
—Obrigado, Ayla!
Não respondi e encerei a ligação. Como ele poderia me
agradecer se a culpa era minha?
Menos de três minutos depois, uma viatura parou na frente
do restaurante. E depois de pegar os depoimentos e dados para
intimações para depor futuramente, se foram levando Roberto.
Mal vi quando fui levada para uma área reservada do
restaurante. Depois de muito chorar Gabriel dormiu.
Coloquei ele no sofá de três lugares onde estava e encarei
Zeen parado na minha frente com uma caixa de primeiros socorros.
— Pra que isso?
— Se não percebeu, você está machucada.
— E se essa for uma tática pra me fazer agir como a primeira
namorada de Matteo, pode desistir.
Ele riu.
— Você realmente não existe. — Colocou a caixa no meu
colo. — O gerente disse que tem um pequeno espelho ai, pode usar
para o corte no rosto. Acredito que os arranhões nas pernas e
braços você possa ver.
Finalmente olhei para o meu corpo e vi os arranhões. Depois
olhei no espelhinho quadrado e vi o pequeno corte na minha testa.
Eu bati a testa em algo? Nem lembrava.
Ele me olhava de uma forma diferente.
— O que foi? Vai desistir de me usar na sua vingança? Acha
que sou “pobre coitada” demais? — reclamei irritada por pensar em
como Matteo ficaria quando me encontrasse e visse o resultado da
minha aventura.
— Na verdade te achei bem corajosa. De dentro do
restaurante vi a hora em que você foi para cima daquele cara igual
uma leoa. Se eu não estivesse de quatro por uma garota
complicada, estaria por você.
Sorri e revirei os olhos. De alguma forma suas palavras me
fizeram perceber que finalmente estaria livre de Roberto. Ele ficaria
muito tempo preso. Sequestrar o filho de um policial foi o seu maior
erro. E isso ainda seria somado a agressão de hoje e do passado.
— Acho que vou acabar gostando de você. Mesmo com o
que fez com meu namorado e com minha amiga. Isso é terrível! —
fingi lamentar.
— Sei como é.
— Obrigada por hoje. Nem sei o que aconteceria se ele
tivesse levado esse pequeno.
— Foi um prazer...
Ele ia dizer algo mais, porém foi interrompido pelo alvoroço
de Michael e Helena entrando na sala. Dai tudo virou um monte de
“obrigados”, “sinto muito” e “graças a Deus”, além dos choros.
Helena me contou que Roberto tomou o Gabriel dos braços da mãe
dela na rua e fugiu no carro de onde ela tinha acabado de sair com
ele. Ninguém viu e até que ela controlasse o choro e explicasse o
que aconteceu ele já estava longe.
Nem vi quando Zeen saiu.
Depois de um tempo, agradeci muito ao gerente do
restaurante e pedi milhões de desculpas por ter feito aquela
confusão. Ele foi bem compreensivo e me alertou que alguns
clientes filmaram e poderia sair na internet. Sair na internet rolando
com um homem na frente de um restaurante era um pequeno preço
a pagar para livrar de vez de Roberto.
Michael e Helena me deixaram em casa. Onde finalmente vi
as vinte e sete ligações de Matteo e as várias mensagens de texto e
no WhatsApp. Mandei uma mensagem para ele.
Amor, desculpa por não ter atendido antes e por não ter
retornado para a empresa. Estou em casa e bem. Vou tomar um
banho e posso voltar para a empresa se precisar de mim.
Te amo
Tomei um banho, e voltei enrolada na toalha para ver a
resposta de Matteo. Me vestiria de acordo com ela.
Ele tinha respondido menos de um minuto depois que
recebeu.
Não precisa vir. Estou indo para a sua casa.
Eu achava muito lindo o jeito como eram as suas mensagens.
Até as mais eróticas eram bem escritas, nada de vc, pq ou coisas
assim.
Já que não precisaria sair, vesti um baby-doll e fiquei
esperando por ele, quando lembrei que ainda estava sem almoçar.
Peguei um pedaço de torta de frango na geladeira e um pouco de
suco de acerola.
Quando Matteo chegou, quinze minutos depois, eu estava
com força renovada para contar tudo que aconteceu na minha
aventura da tarde. Ou quase... me bateu um sono.
Capítulo XVI

Quase surtei de desespero enquanto ligava e Ayla não


respondia. Passou o horário do almoço e ela não voltou e não tinha
saído com suas amigas. Eu estava prestes a enlouquecer. Pensar
que o ex dela era violento e estava solto pela cidade me fazia
pensar em coisas assustadoras.
Quando finalmente recebi uma mensagem sua, não pensei
em mais nada. Larguei tudo e corri para o seu apartamento.
O porteiro do prédio já estava avisado da minha chegada e
me deixou entrar. Eu tinha feito Ayla me prometer que nunca
receberia ninguém sem avisar, nem mesmo eu. Quando cheguei ao
apartamento, estava tão ansioso que esqueci da campainha e bati
na porta. Me surpreendeu que ela se afastasse, estava aberta.
— Estou no quarto. — A ouvi gritar.
Ayla, Ayla, quando vai cuidar da sua segurança? Balancei a
cabeça, indignado por ela ter deixado a porta aberta.
Entrei no quarto e a encontrei deitada na cama.
— Oi — disse sonolenta. — Quase dormi e não consegui te
esperar.
— Por que deixou a por... Ayla, o que acontteu? — mudei a
pergunta ao ver o pequeno corte em seu rosto.
— O confronto final. — Tentou brincar, mas não consegui
achar graça. — Sente-se aqui pertinho de mim que te conto tudo.
Obedeci e acariciei seu rosto suavemente.
Insatisfeita, ela me fez deitar ao seu lado e começou a contar
uma história louca sobre ter confrontado Zeen e brigado fisicamente
com o ex que sequestrou o filho de um policial.
— Amor, você se arriscou tanto. — A apertei em meus
braços.
— Eu sei, mas agora me sinto livre. Aquele monstro vai pagar
pelos seus crimes. E tudo isso graças ao Zeen. Se ele não tivesse
segurado Roberto, acho que seria o fim para mim, e para Gabriel.
— Eu prometo que nunca vou te considerar frágil e vou deixar
que lute suas lutas, mas quero estar lutando ao seu lado, por favor
me permita isso, não me deixe no escuro. — Imaginá-la passando
por tudo aquilo sozinha era assustador.
— Eu prometo e quero estar ao seu lado também. Prometo
que vou te contar quando for almoçar com seus inimigos
declarados. — Sua tentativa de brincadeira foi interrompida por um
bocejo.
— Você está exausta. Durma.
— Só vou fechar os olhos um pouco.
— Sei. — Sorri ao perceber que ela mal falou e já dormiu.
Depois de um tempo velando o seu sono, fui para a sala,
exatamente quando Rubia chegou. Contei para ela sobre o que
aconteceu e que estava ali para cuidar de sua amiga. Rubia me
ajudou a preparar uma sopa para quando Ayla acordasse, me pediu
para cuidar da amiga e disse que precisava sair, deixando escapar
que também precisava resolver seu problemas. Fingi que não ouvi
porque ela não parecia querer conversar sobre o assunto.
Eu estava com Ayla, mimando minha namorada, quando
recebi um telefonema da minha mãe.
— Filho, pode vir até aqui em casa amanhã às 09hs?
— Aconteceu alguma coisa? A senhora parece abalada.
— Seu tio Miguel faleceu ontem e foi encontrado hoje em seu
apartamento, dizem que foi overdose. — A ouvi fungar. Apesar dos
pesares ele era da família e mamãe sofria a perda. Eu não. Pode
ser cruel da minha parte, mas saber que ele morreu não mudou
nada em mim. — O corpo chegará só amanhã à tarde, mas ele
deixou algumas orientações por seu amigo advogado e necessita da
sua presença.
— Iria para casa hoje ainda.
— Obrigada!
Assim que encerrei, me virei para Ayla.
— Meu amor, aquele meu tio Miguel morreu e preciso ir para
casa ficar com minha família. Vem comigo?
— Mas é um momento familiar e eu sou só sua namorada...
— Eu preciso de você. E é minha noiva, não namorada.
O sorriso lindo que nasceu no seu rosto aqueceu meu
coração.
— Então vai ser um prazer te acompanhar, meu noivo. Só
preciso de um banho. — Estendeu a mão. — Vem comigo?
— Claro. — Deixei sua mão de lado e a peguei no colo
carregando em direção ao banheiro.
Riamos como duas crianças. Ayla me deixou mais leve ao
entrar na minha vida e sinto que também fui responsável por deixá-
la mais realizada e feliz. Nos completávamos até transbordar.
Passamos a noite no meu quarto na casa dos meus pais,
porém mal dormimos, passamos grande parte da noite conversando
em família. Dominique e Gael tiveram a mesma ideia de passar a
noite com nossa mãe, e Apollo também estava lá. Ele andava muito
estranho nos últimos dias, mas em breve teríamos uma noite de
irmãos, sugerida por Gael e tiraríamos dele tudo que o angustiava.
Se fosse por sentir falta da sua liberdade e viagens, talvez fosse
melhor não exigir que ficasse na empresa. Poderíamos dar conta do
recado e deixar nosso irmão curtir sua amada liberdade.
De manhã, tomamos café juntos e pouco depois, tio Vitor
chegou com Zeen. Eu realmente precisava conversar com meu
primo e esclarecer de uma vez por todas o que aconteceu com sua
mãe, isso de não contar a ele quem estava no volante devia torturá-
lo e eu devia ter entendido isso antes. Devia ter saído da minha
concha de remorso e feito algo para resolver a situação. Graças a
Ayla abri meus olhos para isso. E era bem possível que graças a
ele, ela estava viva e a criança também.
Precisava agradecer e pedir perdão.
— Por que estamos aqui? Que eu saiba aquele traste morreu
cheio de dividas. Não me diga que a dívida será dividida entre nós.
— Zeen reclamou cheio de deboche. Era esse tipo de atitude dele
que nos fazia esquecer que era um ser humano. Mas dessa vez não
me afetaria. Se ele fosse o monstro vingador que queria pintar, não
teria ajudado Ayla, teria aproveitado a chance para me fazer sofrer.
— Cale-se, Zeen! — tio Vitor ralhou como se o filho fosse um
menino birrento.
— Eu tenho coisas muito mais importantes para resolver. Isso
aqui é perda de tempo. É melhor que seja feito rápido.
— Eu pedi para que todos estivessem presentes. E a sua
presença é importante. O meu irmão não deixou apenas dividas, ele
deixou revelações aterradoras... — Mamãe disse algo que me
preocupou e vi que não foi só a mim, pois meus irmãos a encararam
também. Pela expressão do meu pai, ele sabia.
— Quando o advogado vai chegar?
— Chega, Zeen!
— Não terá a presença de advogados. Eu vou ler a carta que
ele deixou — meu pai disse, pegou um papel no bolso e começou a
ler um pedido de desculpas que mais parecia uma lista de atitudes
macabras. Meu tio não era humano, nenhum humano podia ser tão
monstruoso.
Estava meio tonto com todas as coisas erradas que o meu tio
fez. Abandonar mulher grávida, roubar da nossa empresa, outras
coisas terríveis... Mas o pior ainda estava por vir. Meu coração errou
todas as batidas quando ouvi:
“Mat, eu realmente espero que tenha esquecido aquele
incidente, mas independente do mal que causei a você, quero
confessar que não foi um acidente. Eu pisei no acelerador. Me
aproveitei do seu desespero ao frear e garanti que o carro
batesse nela. No dia anterior ela tinha me dispensado por causa
do sem sal do Vitor. Disse que era fiel ao marido, que o amava.
Quando a vi naquele momento perdi a cabeça e aproveitei a
chance para assustá-la, mas deu no que deu. E foi por isso que
sai de perto de vocês. Acho que foi quando a minha
consciência começou a dar sinal de vida. Eu menti dizendo que
você pisou no acelerador e eu no freio, mas foi o contrário. É
isso. Eu a matei. Era para ser um susto, mas acelerei demais e
o impacto foi forte. Sinto muito. Sei que nada vai mudar o
passado e trazê-la de volta. Então só posso sentir muito e
aceitar a punição divina porque sou covarde demais para me
entregar. Eu devo morrer em breve se continuar com essa vida,
por isso decidi pelo menos confessar depois da minha morte,
quando não precisarei encarar o desprezo de vocês.”
Assim que meu pai terminou de ler, me encarou. E eu desviei
meu olhar para Vitor e Zeen. Os dois estavam paralisados e sem
expressão. Não havia mais deboche na expressão de Zeen.
— Você sabia disso? — Zeen foi o primeiro a se manifestar.
Sua voz fria era dirigida ao pai.
— Acha que eu deixaria esse verme viver todos esses anos
se soubesse? Ele colocou a culpa no garoto. Chamou de acidente.
— Sem forças, ele se deixou cair na poltrona.
— Matteo? — ouvi minha mãe me chamando, mas sua voz
parecia distante. — Matteo, diga alguma coisa.
Olhei para cada um naquela sala, me esforçando loucamente
para não derramar nenhuma lágrima. Meu rosto até doía no
esforço... E simplesmente sai sala, da casa, peguei meu carro e
dirigi sem sentir. Estava tão atordoado que só percebi que Ayla me
seguiu quando estava ligando o carro. Ela só entrou e colocou o
cinto.
Quando dei por mim estava na porta do apartamento que ela
dividia com Rubia. Ela abriu a porta e me deixou entrar. Eu não fazia
ideia de porque estava ali. Olhei para ela, ainda na porta e
simplesmente as comportas se abriram e minhas lágrimas
desceram.
— Não fui eu — disse emocionado. — Não fui eu — repeti
pegando-a nos braços e girando antes de beijá-la entre lágrimas. O
alivio era tão grande que eu nem sabia como administrar. Eu não
matei ninguém. — Quero tanto te amar agora. Preciso tanto dividir
essa emoção com você.
O olhar meigo e intenso de Ayla era capaz de me levar do
inferno ao paraíso em segundos.
Ela tocou o meu rosto carinhosamente, mexendo com cada
fibra do meu ser. Meu coração sambava loucamente no meu peito.
O alivio por não ser responsável pela morte de alguém se misturava
com o amor que essa pequenina mulher desperta em meu peito.
— Não foi você — ela repetiu feliz com o que via em minha
expressão. Suas mãos continuavam em meu rosto. A impulsionei e
suas pernas foram parar na minha cintura.
— Não fui eu — repeti.
Ela desceu o rosto depositando um beijo suave em meus
lábios.
Caminhei com ela até o seu quarto e me sentei na cama com
ela ainda em meus braços. Meus lábios sedentos cobriram os seus
enquanto minhas mãos passeavam por dentro da sua blusa
causando arrepios em sua pele.
Eu precisava estar dentro dela desesperadamente. Nos
livramos das roupas com pressa e a possui com desespero e
paixão, me entregando de corpo e alma a mulher incrível que
aceitou lutar comigo, vencer comigo. Alguém que fez com que eu
me aceitasse antes de saber que eu não era culpado.
Capítulo XVII

Depois de várias horas comemorando a liberdade do meu


espirito e do de Matteo, era hora dele voltar para casa.
— Eu não quero que você vá! — minha voz saiu fogosa,
praticamente ronronei quando ele disse que precisava ir.
— Vem comigo. Podemos continuar comemorando lá em
casa. Está cada dia mais difícil ficar longe de você, mesmo que seja
poucas horas por dia. Não vejo a hora de casarmos para eu poder
ter você ao meu lado todo santo dia.
Abri a boca para contar sobre os pesadelos que vinha tendo,
mas desisti. Contar que tinha medo de viver novamente o que vivi
com Roberto apenas o magoaria. O que eu precisava mesmo era
me casar e viver ao lado do homem que me amava tanto quanto eu
o amava, só essa convivência convenceria meu coração de que não
era necessário medo.
— O que foi? O que te deixou triste de repente? — perguntou
preocupado.
— Também pensei sobre o quanto é ruim ficar longe de você.
— Fiz a minha melhor “cara” doce e completei: — Decidimos morar
na sua casa depois do casamento... então pensei que poderíamos
antecipar a minha mudança. Acha que estou indo rápido demais?
— Não. Acho que deve se levantar agora e fazer as malas. —
Seu sorriso me deixou super feliz.
— Amanhã eu vou. Você acabou comigo. Preciso descansar.
— Me esparramei na cama.
— Acho que serei obrigado a aproveitar meus últimos
momentos de liberdade.
— Aproveite. Logo logo estarei coladinha a você.
— Não vejo a hora.

Depois que Matteo se foi, Rubia, Dominique e eu nos


reunimos para falar sobre o casamento. Dominique literalmente me
intimou a um casamento duplo desde quando soube do meu
namoro.
Eles adiaram por dois meses. Matteo e eu não tínhamos
direito de pedir que adiassem mais. E nem queríamos. Estávamos
certo sobre o que sentíamos e grande parte das coisas já estavam
adiantadas com Dominique e a senhora Dvorak no comando. Ela
era outra pessoa super empolgada com o casamento duplo. Percebi
que a amizade dela com Dominique era muito forte. E que ela era
do tipo cupido.
Rubia estava um pouco aérea durante nossa conversa, ao
questionarmos ela disse que era problemas com seu namoro.
Aproveitei e expus para Rubia meu desejo de morar com
Matteo. Questionei se minha mudança atrapalharia alguma coisa e
ela garantiu que não.
Aproveitamos a noite e fizemos uma festa do pijama.
A semana passou rápido. Morar com Matteo era praticamente
uma lua de mel. Nas primeiras noites acordei de madrugada por
causa dos pesadelos. E meu noivo simplesmente me abraçava e
sussurrava palavras carinhosas em meu ouvido até que eu voltasse
a dormir.
Saímos no sábado de madrugada para irmos buscar minha
mãe. Com uma mala de presentes no porta-malas, segui ao lado de
Matteo as mais de seis horas que levava até a cidadezinha de onde
vim.
Assim que estacionamos na frente da casa de cerca de
madeira, bati palmas e minha prima apareceu na porta.
— Meu Deus! Tia, venha ver quem chegou. — Ela correu na
direção do portão.
Não consegui conter as lágrimas ao abraçá-la. E ela não
conseguiu controlar a curiosidade sobre a presença de Matteo.
— Prima, esse é o meu noivo Matteo. Matteo essa é minha
prima Daniela. — Os apresentei.
— É um prazer conhecê-la. — Ele estendeu a mão para ela.
Enquanto eles se cumprimentavam, uma senhora magra, de
cabelos grisalhos, apareceu na porta. Ela sorriu ao me ver, e logo
cobriu o sorriso com uma mão, mas não foi rápida o bastante para
impedir que eu visse. Ela estava sem um dos dentes da frente.
Senti meu peito apartar com tanta força e sorri em sua
direção, a abraçando com força, chorando, sorrindo e dizendo
coisas que nem eu entendia.
Foi um fim de semana de muita emoção e cômico já que
todos olhavam Matteo como se ele fosse de outro planeta. Eu não
os culpava. Quando o vi pela primeira vez também pensei que não
fosse real.
Mamãe estava muito envergonhada por causa do dente,
então fingi não notar. Conversaríamos sobre isso quando estivesse
pronta. E assim que chegássemos em São Paulo, providenciaria
uma consulta com um dentista.
Como se adivinhasse meus pensamentos, ela me chamou
em um canto.
— Filha, acha que vai ter problema eu ser acompanhante de
uma senhora rica sem um dente.
— Isso não é problema, mamãe, mas nem pense que vamos
deixar assim. A sua filha agora tem um trabalho muito bom e vamos
cuidar disso assim que estiver instalada.
— Desculpe por não ser a mãe que você merecia. Por ser tão
covarde — disse com olhos marejados.
— A senhora é a melhor mãe do mundo. — A abracei,
sentindo as lágrimas ameaçarem novamente.
— Ayla, venha logo que Daniela está tentando tomar o seu
noivo. — Ouvi a voz da minha tia. Pelo tom pude ver que ela só
queria irritar a filha.
— Eu não. Só falei que fui eu quem fiz o bolo de cenoura.
Credo!
Voltamos para perto de todos e tratei de tentar fazer mamãe
só pensar em coisas boas.

Voltamos para São Paulo no domingo depois do almoço. Eu


não vi meu pai durante a visita. E não me fez falta alguma. Pelo que
soube, ele levou outra mulher para dentro de casa quando mamãe
se recusou a voltar.
Mamãe ficou intimidada com a casa da mãe de Matteo. Ela
até argumentou que preferia ficar em outro lugar, mas a senhora
Dvorak chegou com todo seu carisma característico e logo minha
mãe já estava caída de amores por ela. Quando soube que minha
mãe precisava de um dentista, ela comentou que tinha uma consulta
de rotina com o seu e convenceu mamãe a ir com ela.
Vendo as duas interagindo, me senti em paz. Uma nova fase
iniciava para a minha mãe também.
Capítulo XVIII

No dia que seria minha última noite longe de Ayla, eu estava


muito animado e ansioso. Eu já sabia da minha dificuldade de ficar
longe dela. Voltei para casa pensativo sobre tudo que aconteceu na
minha vida desde que ela chegou na empresa. Também pensava
em todos os lugares que poderíamos transar.
De longe vi um carro estacionado na porta da minha casa e
uma pessoa encostada nele. Antes de acionar o portão encarei o
meu visitante “inesperado”. Enfim teríamos a nossa conversa.
Passei pelo portão e deixei aberto para que ele entrasse com
o carro dele.
Pelo retrovisor vi Zeen entrando no veículo e me seguindo.
— Bebe alguma coisa? — ofereci quando já estávamos na
sala.
— Não. Estou com pressa e tenho que dirigir de volta ao sitio.
— Imagino que veio aqui por causa daquela carta.
— Não vou pedir perdão pelo que fiz contra vocês. A culpa de
tudo isso foi da sua covardia.
— Eu sei. Sinto muito pelo tempo que perdemos. Sinto muito
pela escolha idiota que fiz. — Zeen apenas me olhava então
aproveitei para colocar tudo em prato limpos. — Eu não consigo
sequer imaginar como você sofreu e ainda está sofrendo, pois só de
imaginar perder a minha mãe eu sangro. Tia Maria sempre foi muito
amada por todos. Eu só queria poder voltar no tempo e nunca ter
aceitado aquele volante.
— Assim como eu quis voltar no tempo quando vi Dominique
quase morta por minha causa. Foi naquele momento que entendi
que precisava da verdade, não de vingança.
— Algum dia você vai conseguir me perdoar?
— Não sei. Mas posso dizer que não estou mais atrás de
vingança. E o que eu fizer é para o bem da pessoa que amo.
Lembre-se disso quando chegar a hora.
Seu comentário foi muito estranho. Como se ele soubesse de
algo importante que aconteceria.
Apenas assenti e apertei sua mão em despedida. Um ponto
final estava posto nessa parte da minha vida.

Depois disso, levei Ayla até a cidade onde nasceu. Conheci


algumas pessoas da sua família e trouxemos sua mãe para São
Paulo. Fiz certo em indicar que ela ficasse com a minha mãe, as
duas se deram bem muito rápido.
Além disso eu tinha Ayla todos os dias e todas as noites. Nos
faltava controle no quesito tesão. Eu a queria só de olhá-la e ela me
desejava apenas ao ouvir minha voz. Éramos um casal de tarados,
isso sim.
Os pesadelos dos primeiros dias logo se tornaram escassos,
até que não existiam mais. Eu a entendia. Ela estava dividindo o
mesmo teto com um homem depois de tudo que sofreu. Claro que
teria dúvidas e medos. E eu estaria ao seu lado para mostrar que
amar é cuidar.
Epílogo

Duas conversas de bar

— Você parece triste para alguém que está comemorando a


liberdade da amiga de um ex violento — comentei deixando a
cerveja de lado e encarando Rubia.
— Desculpa, eu estou péssima e nem consigo disfarçar.
Desculpa mesmo por estragar a sua comemoração.
Os olhos dela brilharam como se estivesse se esforçando
para não chorar.
— O que aconteceu, amiga? Se abre — Dominique
questionou tão preocupada quanto eu e cada uma de nós segurou
uma mão da nossa amiga.
— Eu trai o Lucca. Não sei o que fazer. — Ela desabou,
deixando as lágrimas descerem livremente. Era a primeira vez que a
via tão arrasada. Rubia era de sorrisos e não de lágrimas.
— Calma, amiga, e nos conte o que aconteceu.
— A merda de um Dvorak entrou no meu caminho, isso que
aconteceu. Não posso mais trabalhar naquela empresa.
— Você e Apollo...
— Estou com ódio de mim. Com ódio por não me arrepender.
Com ódio por ter gostado e querer mais. Lucca não merece isso.
— Qual dos dois pesa mais em seu coração?
Ela balançou a cabeça e Dominique e eu soubemos o que
significava.
— Eu vou terminar com o Lucca e sair da Dvorak. Talvez uma
temporada na casa dos meus pais ajude.
— Fugir nunca é a resposta.
— Só no meu caso — brinquei. — Mas depois acabou que
precisei enfrentar.
— Acho que prefiro fugir. Estou me sentindo covarde — ela
tentou brincar.
— Quer saber, vamos beber até desmaiar. É isso.
— Aqueles irmãos têm algum feitiço que deixa a gente
maluquinha — comentei já pensando em um casamento triplo.
— Ao nosso feitiço! — Dominique brindou. — Afinal abalamos
as estruturas desses homens.
— Ao nosso feitiço! — levantei meu copo.
— Ao nosso feitiço! — Rubia limpou as lágrimas e brindou
também. — Que aquele canalha esteja sofrendo
desesperadamente.
— Amém! — falamos juntas.
— Fala sério, não gostei de adiar o meu casamento. — Gael
resmungou depois de virar metade da cerveja. Pela sua expressão
eu soube que ele não estava nada irritado. Sem contar que Ayla e
Dominique eram melhores amigas e estavam animadíssimas com o
casamento duplo.
— Eu é que não gostei de saber que vou dividir meu
casamento com você — rebati.
— E você, Apollo, é melhor encontrar uma noiva logo se
pretende que isso seja triplo. Não espere ter que atrasar meus
planos como essa peste.
Apollo não riu da brincadeira, parecia nem estar ouvindo, o
que fez Gael e eu dizermos juntos:
— Abra o bico!
Rimos do uníssono e Apollo revirou os olhos.
— Estou ferrado, caras, e a culpa é toda sua. — Apontou
para Gael.
— Eu?
— Você me fez trabalhar quando eu estava me divertindo
viajando. E você contratou aquele ser humano perfeito para ser
minha secretária. Por que alguém tão gostosa seria comprometida?
Que inferno!
— Está apaixonado pela Rubia? — perguntei pasmo.
— Já passei da fase de apaixonado. Já passei da fase de “de
quatro”. Estou literalmente ferrado.
— É sério, o que tinha na água daquele processo seletivo?
Nós três caídos por três das selecionadas. — Gael comentou
fingindo estar pensativo.
— Pelo menos vocês estão com as suas garotas, enquanto
eu fico pensando o que a Rubia pode estar fazendo. E imagino que
seja as piores coisas com aquele namorado... As piores coisas que
eu deveria fazer com ela. — Riu sem humor. Nós o encarávamos
sem saber o que dizer. — Eu disse, sou a merda de um ferrado.
— Ela é realmente uma gata. A Mini fala isso toda hora. Acho
que se não fossem heteros, ela pegaria a amiga.
— Cala a boca, Gael! Nos deixar de pau duro é covardia. —
Ele zoou.
— E rolou algo entre vocês? — perguntei para tirar o foco da
imagem das amigas se pegando.
Ele suspirou e olhou para Gael.
— Naquele dia que te liguei para pegar o telefone dela e você
me passou o endereço, eu fui lá para pedir desculpas por ter
ultrapassado alguns limites. — Sorriu como se lembrasse de algo.
— E o pedido de desculpas virou mais um limite ultrapassado. —
Sorriu ainda mais. — Foi a transa mais gostosa entre as transas
mais gostosas. Só que ela disse que foi um erro. Ela ficou péssima
por ter se deixado levar e traído o namorado. Ela mal me olha
depois disso. E tudo que eu quero é repetir a dose.
— Mas se rolou é porque ela também está atraída.
— Sei lá, maninhos! Acho que estou forçando a barra.
— Para um cara que viaja para retiros todo ano, você está
muito sem controle. Vamos beber. — Gael encerrou a conversa para
tentar encerrar o sofrimento do nosso irmão, pelo menos
momentâneo.
— É o melhor. E vamos comemorar antecipado o casamento
triplo — comentei realmente animado que casássemos juntos.
— Se a Rubia me dissesse sim me casaria com ela na
mesma hora.
— Beba, irmão! Amanhã é outro dia. — Enchi o copo de
Apollo com cerveja.
Meu irmão estava sofrendo, eu podia sentir isso e era certo
que Gael também. Eu planejaria algo para acabar com seu
sofrimento. Mamãe me ajudaria com certeza. Se dependesse de
mim teríamos um casamento triplo.
Muitoooo obrigada por ter lido esta história!
Se gostou dela, peço que a indique para uma amiga ou amigo e a
avalie na Amazon e Skoob. Também ficarei imensamente feliz se
puder compartilhar algo sobre a leitura em suas redes sociais e mais
ainda se me marcar.
Será um prazer saber o que você achou!
Até a próxima!
Beijos,
Gray
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