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FILIPE STARLING
@NAO_MONOGAMIA_RESPONSAVEL
WWW.NAOMONOGAMIARESPONSAVEL.COM
INTRODUÇÃO
ASPECTOS HISTÓRICOS E CONTEXTUAIS
HISTÓRIA DA MONOGAMIA
O DECLÍNIO DO MODELO TRADICIONAL DE CASAMENTO E DA MONOGAMIA
HISTÓRIA DAS RELAÇÕES NÃO-MONOGÂMICAS
HISTÓRIA DA REPRESSÃO SEXUAL
HISTÓRIA DAS MENTALIDADES E COSTUMES
NÃO-MONOGAMIA POLÍTICA E OPRESSÕES ESTRUTURAIS
MITOS SOBRE A NÃO MONOGAMIA
NÃO-MONOGAMA É O MESMO QUE POLIGAMIA
“SE QUER SER NÃO-MONOGÂMICO, ENTÃO É MELHOR FICAR SOLTEIRO”
“SE AMASSEM O PARCEIRO DE VERDADE NÃO CONSEGUIRIAM VÊ-LOS COM OUTRA PESSOA.”
PESSOAS EM RELACIONAMENTO NÃO-MONOGÂMICOS NÃO SE AMAM DE VERDADE
PESSOAS EM RELACIONAMENTOS ABERTOS TÊM PROBLEMAS PSICOLÓGICOS
PESSOAS EM RELACIONAMENTOS ABERTOS TÊM DIFICULDADE PARA SE COMPROMETER OU
DIFICULDADE COM INTIMIDADE
NÃO MONOGAMIA É PARA PESSOAS CONFUSAS QUE NÃO SABEM O QUE QUEREM
RELACIONAMENTO ABERTO É UM NOME CHIQUE PARA PROMISCUIDADE
RELACIONAMENTO ABERTO É PERIGOSO PARA A SAÚDE
CASAMENTO ABERTO É UM AMBIENTE RUIM PARA A CRIAÇÃO DE CRIANÇAS
É SÓ UMA FASE DO RELACIONAMENTO
É UMA TENTATIVA DESESPERADA DE SALVAR A RELAÇÃO
NÃO MONOGAMIA É O MESMO QUE INFIDELIDADE
OS DIFERENTES TIPOS DE RELAÇÕES NÃO-MONOGÂMICAS
COMO ESCOLHER ENTRE AS DIFERENTES FORMAS DE RELACIONAMENTO NÃO MONOGÂMICO?
RELACIONAMENTO ABERTO É PARA VOCÊ?
MOTIVAÇÕES INADEQUADAS PARA SE ABRIR A RELAÇÃO
COMO SABER SE O RELACIONAMENTO ABERTO É PARA VOCÊ?
O QUE FAZ UM RELACIONAMENTO NÃO-MONOGÂMICO FUNCIONAR
AUTOCONFIANÇA E BOA AUTOESTIMA
CONSENTIMENTO
SABER BEM NO QUE ESTÁ SE METENDO
CAPACIDADE DE AUTORREFLEXÃO E AUTOCONHECIMENTO
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
ABERTURA PARA SER HONESTO E VERDADEIRO EM RELAÇÃO A TUDO
CONSCIÊNCIA DOS PRÓPRIOS LIMITES
CAPACIDADE DE LIDAR COM CONFLITOS
BOA CAPACIDADE DE COMUNICAÇÃO
TER CLAREZA SOBRE O QUE ESTÁ SENDO ACORDADO
ESTABELECENDO REGRAS E COMBINADOS
REGRAS X COMUNICAÇÃO
REABRINDO A RELAÇÃO
PROBLEMAS COMUNS, ARMADILHAS E DESAFIOS DAS RELAÇÕES ABERTAS
MANEJO DO TEMPO E NEGLIGÊNCIA DO RELACIONAMENTO PRINCIPAL
USAR A ABERTURA PARA FUGIR DA RELAÇÃO
USAR A ABERTURA PARA ATINGIR O OUTRO
QUANDO UM SENTE QUE ESTÁ APROVEITANDO MENOS QUE O OUTRO
PROBLEMAS DE COMUNICAÇÃO
QUEBRA DE COMBINADOS
QUANDO UM DOS PARCEIROS SE APAIXONA POR ALGUÉM
DESAPROVAÇÃO DE AMIGOS, FAMÍLIA E SOCIEDADE
LIDANDO COM O CIÚME E OUTROS SENTIMENTOS DIFÍCEIS
COMPERSÃO: ANTÍTESE DO CIÚME?
ABRINDO A RELAÇÃO COM O CUIDADO QUE ELA MERECE
PROPONDO A ABERTURA DA RELAÇÃO
QUANDO NÃO SE CHEGA A UM ACORDO
INTELIGÊNCIA ERÓTICA: CULTIVANDO A INDIVIDUALIDADE NAS RELAÇÕES
CUIDANDO CADA UM DA PRÓPRIA SEXUALIDADE
RECURSOS TECNOLÓGICOS PARA NAVEGAR NO UNIVERSO DA NÃO-MONOGAMIA
FONTES DE INFORMAÇÃO DE QUALIDADE ONLINE
FILMES E SÉRIES DO NETFLIX
RECADOS FINAIS
REFERÊNCIAS
LIVROS
ARTIGOS CIENTÍFICOS
SITES, MATÉRIAS E ARTIGOS DA INTERNET
INTRODUÇÃO
Há muito tempo o casamento vem trazendo como sua cláusula pétrea a exigência de
monogamia compulsória e vitalícia, o que implica numa apropriação da sexualidade
do parceiro, remetendo a uma lógica semelhante à da propriedade privada aplicada
aos relacionamentos amorosos: assim como o carro é meu e só eu posso dirigi-lo,
também a pessoa é minha e só eu posso transar com ela.
O eminente filósofo Immanuel Kant, em seu livro “Metafísica dos Costumes” de 1797,
já definia o casamento como a “união de duas pessoas de sexos diferentes para a
posse mútua e vitalícia de suas qualidades sexuais”, evidenciando claramente essa
lógica da apropriação do outro.
Vemos então que a ideia de posse já está atrelada ao casamento há milhares de anos,
mas é fato que neste século isso vem se modificando rapidamente e os casais têm
optado por abrir suas relações com cada vez mais frequência por diversos motivos,
seja porque estão buscando diversificar sua vida sexual ou simplesmente para
quebrar a monotonia e a rotina do relacionamento. Porém, ao mesmo tempo em que
abrir o relacionamento pode trazer inúmeros benefícios, também traz consigo
enormes desafios e riscos para a relação. É exatamente por essa razão que é muito
importante que o processo seja conduzido de forma responsável e cuidadosa para
não correr o risco de prejudicar o relacionamento ao invés de aprimorá-lo.
Para alguns, a simples ideia de ver o seu parceiro com outra pessoa pode disparar
emoções muito perturbadoras de medo e traição ou até mesmo ativar feridas antigas
relacionadas ao abandono e rejeição. Ao mesmo tempo em que somos seres adultos
e racionais, também trazemos dentro de nós o que os psicólogos clínicos costumam
chamar de “criança emocional”. Essa parte de nós pode reagir de forma bem
irracional ao se sentir ameaçada e não adianta querer passar por cima dela com
argumentos racionais de que ciúme é bobagem ou coisas do gênero!
Todos nós fomos condicionados a acreditar piamente que a monogamia é uma prova
de amor. Sendo assim, abrir mão dessa exigência pode facilmente nos fazer sentir
preteridos ou não amados. A ideia de abrir a relação e de dar liberdade para o outro
pode até fazer muito sentido do ponto de vista racional, mas do ponto de vista
emocional nossa experiência pode ser muito diferente.
Devemos lembrar que o ser humano não tem apenas ideias e conceitos, ele também
experimenta emoções e sentimentos que muitas vezes podem ser experimentados
de forma bastante contraditória em relação aos pensamentos. Em outras palavras,
podemos concordar racionalmente com a ideia de liberar o outro, mas ainda assim,
do ponto de vista emocional, nos sentirmos magoados com isso ou sentirmos muito
ciúme.
Por isso mesmo, todo o processo deve ser feito com muita calma e respeito pelas
emoções e sentimentos de ambos os parceiros. Só podemos dizer que se trata de
uma não-monogamia RESPONSÁVEL quando este processo é conduzido de forma
conversada, consensual e amorosa, levando em consideração os sentimentos
e percepções de todos os envolvidos, a partir de uma ética do cuidado e da
autonomia. É importante lembrar que quando optamos por renunciar à exclusividade
afetivo-sexual em nosso relacionamento estamos fazendo isso para melhorar a
relação e não o contrário. Fazemos para aumentar as possibilidades de prazer, gozo
e alegria, ou seja, é para somar e não subtrair!
Logo, se por algum motivo optarmos por renunciar à tradição de tomar posse da
sexualidade e do afeto da outra pessoa e seguir pelo caminho do relacionamento não-
monogâmico consensual, é absolutamente crucial que esse processo seja feito de
forma cuidadosa para não gerar sofrimento desnecessário e colocar em risco nosso
relacionamento, que muitas vezes é o que temos de mais precioso na vida.
1
FREIRE, R. (1987). Sem Tesão Não Há Solução. Ed. Guanabara
beneficiar ao máximo o relacionamento e minimizar os possíveis percalços que
possam surgir nessa caminhada.
Boa leitura!
ASPECTOS HISTÓRICOS E CONTEXTUAIS
2
Citado em NAVARRO, Regina (2012). O Livro do Amor (Vol 1). Ed. Best Seller.
entrou pra valer no casamento a partir de 1940, como analisa o sociólogo Túlio Cunha
Rossi em sua pesquisa de doutorado publicada no livro “Uma sociologia do amor
romântico no cinema”. Neste livro, o autor revela como
Uma das características deste modelo de amor romântico tão propagado pela
indústria cultural de Hollywood é que nele a derivação de todas as necessidades do
indivíduo passa a vir do casamento. Como explica Esther Perel em seu livro “Sexo no
cativeiro: Como manter a paixão nos relacionamentos”:
3
Uma versão resumida do texto pode ser encontrada aqui: https://associacaoportuguesasociologia.pt/ix_congresso
/docs/final/COM0037.pdf
amado é a única fonte de interesse do outro e que não é possível
amar duas pessoas ao mesmo tempo.4
É justamente por isso que a exclusividade sexual é tão importante neste modelo do
amor romântico, porque ela confirma que o outro pode satisfazer todas as nossas
necessidades, não sendo necessário mais ninguém de fora. E quando alguém
demonstra interesse por outro, isso abala os alicerces dessa idealização, pois implica
que o parceiro ou a parceira não são tudo na vida um do outro.
Neste contexto, quando nos pegamos atraídos por outras pessoas, sentimo-nos
culpados porque entendemos que não deveríamos estar sentindo aquilo. Alguns vão
negar o desejo e acabar alimentando um ressentimento por negarem algo que era
importante para si. Já outros vão para o lado da indulgência, cedendo ao impulso pela
via da traição; enquanto outros vão terminar o relacionamento e iniciar um novo,
levando ao que se convencionou chamar de monogamia serial.
Olhando de fora, pode parecer que esses casais estão abrindo mão da segurança da
monogamia, mas isso não é necessariamente verdade. Em primeiro lugar porque
sabemos que a traição é uma das coisas mais comuns nos relacionamentos ditos
monogâmicos. Em segundo lugar porque quando deixamos o outro livre, passamos a
4
Essa entrevista com Regina Navarro pode ser encontrada aqui: https://veja.abril.com.br/cultura/o-fim-do-amor-
romantico-por-regina-navarro-lins/
entender que ele está com a gente porque está a fim e não porque está sendo
obrigado. Afinal de contas, de que adianta a pessoa ficar só comigo apenas porque
está proibida de ficar com outras pessoas? Ou como expressou poeticamente Richard
Bach: “Se você ama alguém, deixe-o livre. Se ele voltar, é seu. Se não, nunca foi”.
HISTÓRIA DA MONOGAMIA
De onde vem essa exigência cultural da monogamia? Será que a humanidade sempre
viveu assim? Certamente não! A monogamia surgiu em um contexto muito específico
para atender a uma demanda muito pragmática do período neolítico.
A humanidade existe há cerca de 200.000 anos, mas somente nos últimos 10.000
anos, na passagem do período paleolítico para o neolítico, é que surgiu a exigência da
monogamia. Com a revolução agrícola e pecuária, as famílias passaram a se
estabelecer em uma terra fixa, surgindo com isso a propriedade privada ou o que se
convencionou chamar de “minha terra, meu rebanho”. A partir do momento em que
temos a propriedade das terras bem estabelecidas, surge a necessidade de se passar
a herança da posse para os legítimos herdeiros - os filhos do dono.
Por essa razão, Engels afirma que a derrota histórica do gênero feminino ocorreu com
o advento da propriedade privada:
5
GOMES, Amanda. Monogamia: princípio ou delírio coletivo? Este texto pode ser encontrado aqui:
https://amandagomes75.jusbrasil.com.br/artigos/663607728/monogamia-principio-ou-delirio-coletivo?ref=feed
6
VERSALLES, L.; VIANA, G.; ZANARDO, L. C. (2018). Nas Grades do Estado. Ed. Clube de Autores.
7
Idem.
8
Ibidem.
Enquanto existíamos como caçadores e coletores, por quase 200.000 anos, as
relações sexuais eram vistas como expressão de um intercâmbio generalizado, não
havendo nenhuma exigência de exclusividade. Um exemplo desse regime é registrado
por um cronista jesuíta entre os índios do Canadá, no século XVIII, quando ao tentar
convencer um indígena a abdicar dessa “promiscuidade” na qual sua esposa
frequentava diversos outros homens, argumentou-lhe que ele, assim, não poderia
nem sequer ter a certeza da paternidade sobre seus filhos, ao que o indígena
respondeu que isso “não lhe importava, pois se entre os brancos um homem ama
apenas seus filhos, na sua tribo os homens amavam igualmente todas as crianças.”9
Uma vez estabelecida como prática social recorrente, torna-se um fato jurídico
relevante a passa a ser normatizada nos termos da lei. No Código Civil brasileiro de
2002, por exemplo, a fidelidade recíproca aprece no rol de deveres de ambos os
cônjuges no matrimônio, devendo estes se relacionarem sexual e afetivamente
apenas entre si. Para se ter uma ideia, ainda em 2015, o adultério era considerado
crime em 21 estados dos Estados Unidos, com penas variando entre uma multa de 10
dólares no estado de Maryland até quatro anos de prisão em Michigan.11
Vemos então que essa cultura da monogamia compulsória e vitalícia que herdamos é
fruto de um alinhamento ideológico entre Sociedade, Estado e Religião, sendo que
em muitos lugares essa exigência se faz cumprir pela lei. Não é de se estranhar, então,
que quando tentamos sair deste modelo imposto culturalmente sintamos tanto
receio. Afinal, é muito difícil ir no contrafluxo das tradições estabelecidas, sendo algo
que gera muita insegurança e medo de reprovação social.
10
Este texto pode ser encontrado aqui: https://amandagomes75.jusbrasil.com.br/artigos/663607728/monogamia-
principio-ou-delirio-coletivo
11
Citado na matéria jornalística “Traição pode ser mais do que fim da relação. É um crime”:
https://www.dn.pt/globo/traicao-pode-ser-mais-do-que-fim-da-relacao-e-um-crime-4748116.html
Além disso, mais e mais casais optam por construir suas relações em outras bases,
com menos idealização e mais liberdade. Em grande parte, essas mudanças estão
acontecendo como fruto das revoluções culturais que experimentamos na segunda
metade do século XX, incluindo aí o movimento feminista que libertou as mulheres
de sua escravidão doméstica, o movimento de contracultura que passou a questionar
seriamente os valores das gerações anteriores e a revolução sexual que se consolidou
em 1960 com o desenvolvimento da pílula anticoncepcional.
Segundo a escritora Laura Kipnis, quando as expectativas oferecidas por este modelo
não se cumprem, tendemos a ficar muito frustrados, achando que a culpa foi nossa
ou que talvez não tenhamos realmente encontrado a pessoa certa... Mas talvez o
12
Essa entrevista com Regina Navarro pode ser encontrada aqui: https://veja.abril.com.br/cultura/o-fim-do-amor-
romantico-por-regina-navarro-lins/
problema seja do próprio modelo de relacionamento que adotamos, que é calcado
nos ideais inalcançáveis do amor romântico:
O resultado de toda essa dinâmica é uma enorme frustração. E quando nos sentimos
frustrados, sempre procuramos um culpado para responsabilizar. Só pode ser o
parceiro com quem estamos que não está oferecendo o que eu preciso. Ou mudo de
parceiro ou então eu tento mudar o parceiro:
13
KIPNIS, L. (2005). Contra o amor - uma polêmica. Ed. Record.
14
Idem.
milhões de usuários no mundo todo que buscam formas mais eficientes de pular a
cerca.
Hoje sabemos que esse alto número de pessoas traindo não é meramente um desvio
moral ou uma falha de caráter, como afirmam David Barash e Judith Eve Lipton em
seu livro seminal “O mito da monogamia – Fidelidade e infidelidade entre pessoas e
animais”:
Aqui cabe uma ressalva muito importante! O fato de apontarmos que a monogamia
não tem nada de natural - antes pelo contrário - não quer dizer que as pessoas não
possam optar por ela. Algumas pessoas se identificam sim com a monogamia, se
sentem monogâmicas e provavelmente vivem melhor assim.
Se esse amor
Ficar entre nós dois
Vai ser tão pobre amor
Vai se gastar
Se eu te amo e tu me amas
Um amor a dois profana
O amor de todos os mortais
Porque quem gosta de maçã
Irá gostar de todas
Porque todas são iguais
Se eu te amo e tu me amas
E outro vem quando tu chamas
Como poderei te condenar
Infinita é tua beleza
Como podes ficar presa
Que nem santa num altar?
Quando eu te escolhi
Para morar junto de mim
Eu quis ser tua alma
Ter seu corpo, tudo enfim
Mas compreendi
Que além de dois, existem mais
Amor só dura em liberdade
O ciúme é só vaidade
Sofro, mas eu vou te libertar
O que é que eu quero
Se eu te privo do que eu mais venero
Que é a beleza de deitar
Quando eu te escolhi
Para morar junto de mim
Eu quis ser tua alma
Ter seu corpo, tudo enfim
Mas compreendi
Que além de dois, existem mais
Amor só dura em liberdade
O ciúme é só vaidade
Sofro, mas eu vou te libertar
O que é que eu quero
Se eu te privo do que eu mais venero
Que é a beleza de deitar
Já em 1972 foi publicado o primeiro livro sobre casamento aberto que se tem notícia.
Com o título de “Open Marriage: A New Life Style for Couples” (Casamento aberto:
um novo estilo de vida para casais), o livro de Nena e George O´neill vendeu 1,5
milhões de cópias. O modelo de casamento proposto pelos autores enfatiza a
comunicação honesta e aberta, além da liberdade compartilhada. Eles enxergam o
casamento aberto como uma ferramenta para o crescimento pessoal onde um dá
suporte para o desenvolvimento do outro, focado no fortalecimento da
individualidade de ambos. Segundo estes autores,
Em 1984 surgiu uma revista chamada “Loving More”, dedicada a explorar relações
consensuais multi-amorosas (poliamor). As primeiras comunidades poliamorosas
começaram a surgir em 1990. Ainda na década de 90 foram publicados 5 livros sobre
o tema, sendo o mais influente de todos o livro publicado em 1997: “The Ethical Slut:
15
Citado no artigo de Nana Miranda, Newton Jr e Simone Bispo: “Por que não-monogamia política?”. Pode ser
acessado aqui: https://naomonoemfoco.com.br/por-que-nao-monogamia-politica/
A Practical Guide to Polyamory” (A Vagabunda Ética: Um Guia Prático para o
Poliamorismo), considerada por muitos a bíblia do poliamorismo e atualmente em
sua terceira edição.
Você já parou para pensar no porquê que todo palavrão que usamos está de uma
forma ou de outra relacionada a sexo? Por exemplo, quando chamamos alguém de
"pentelho" ou de "escroto", por que será que usamos essas palavras? E por que que
elas acabam tendo um significado pejorativo?
Tem até uma piadinha com isso que diz assim: “o pior inquilino é o espermatozoide,
pois ele mora na casa do caralho, o prédio é um saco e os vizinhos da frente são um
pentelho”.
16
Citado no livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open Relationships.
Ed. Cleis Press.
Em inglês, por exemplo, é comum se utilizar a expressão "he is such a dick". Neste
caso a palavra dick, cuja tradução oficial seria pênis, acaba ganhando o significado de
"idiota" ou "babaca”.
No português nós vemos essa mesma lógica quando mandamos alguém "tomar no
c..." ou quando mandamos alguém "se fud..." ou mesmo quando chamamos alguém
de "filho da pu...." ou mandamos pra “pu.... que pariu”, novamente tudo associado a
sexo. O mesmo vale para a expressão super popular que virou até título de livro:
“foda-se”.
E a lista não para por aí... o elemento sexual aparece também em xingamentos como
piranha, corno, veado, arrombado, boiola, vagabunda, etc. Mesmo os termos que
costumamos utilizar para nos referirmos aos órgãos genitais acabaram virando
palavrão. É comum usarmos os termos caralho ou buceta quando alguma coisa de
ruim acontece, como por exemplo, quando uma pessoa tropeça e diz: “ai caralho” ou
então “ai buceta”. Inclusive, é comum em alguns lugares do Brasil se utilizar a
expressão “embucetada” para se referir a um estado de aborrecimento, raiva ou estar
de mal com a vida, como podemos ver neste dicionário online:
Os exemplos são inúmeros e praticamente todos os palavrões que utilizamos estão
em algum nível atrelados à sexualidade. E por que será que é assim? Se todo mundo
veio ao mundo através de uma atividade sexual, por que então que essa função
biológica, que deveria ser tão honrada, acabou se convertendo em algo tão
depreciativo como um palavrão?
Nossa origem sexual pode ser constatada, por exemplo, no termo genital, que vem
do latim genitale, ou “aquilo que gera”. Neste caso, aquilo que gerou a vida de cada
ser humano neste planeta! A palavra sêmen, por exemplo, tem a mesma origem da
palavra semente e curiosamente, na linguagem popular, se converteu no termo
“porra", mais um palavrão!
E por que tudo isso é importante? Porque a linguagem reflete diretamente o universo
psíquico das pessoas. Esses termos que citamos aqui representam o inconsciente
coletivo da nossa sociedade e demonstram a relação negativa que sem perceber
carregamos em relação ao sexo.
A gente sabe que a criancinha não nasce com nenhum antagonismo em relação ao
seu corpo ou à sua sexualidade. Tanto é que ela espontaneamente aprende a se
masturbar e faz isso sem nenhum constrangimento. Em que momento será que a
situação muda e ela passa a enxergar o sexo como algo hostil e depreciativo? E afinal
de contas, de onde será que veio esse gritante rebaixamento da sexualidade na
história humana?
É muito fácil demonstrar essa relação entre cristianismo e repressão sexual. Por
exemplo, quando pensamos na pessoa de Jesus Cristo, costumamos atribuir a ele
todas as qualidades possíveis, como amor, bondade, caridade, compaixão, paz,
pureza, verdade, santidade, justiça, etc., não é mesmo?
Mas qual é a única coisa que nunca iremos associar à figura de Jesus? Isso mesmo...
sexo! Chega até a ser uma heresia pensar na vida sexual de Jesus, heresia digna de
fogueira! Mas por que seria tanta heresia assim? Ora, porque uma pessoa tão
iluminada quanto Jesus não poderia ter nenhuma relação com algo tão mundano
como o sexo!
Como é possível engravidar sem o ato sexual? Isso contraria todas as normas da
biologia, mas a mensagem subliminar não poderia ser mais clara: um ser tão divino
não poderia vir ao mundo através de um ato tão obsceno como o sexo. Não, ele veio
ao mundo através de uma mãe virgem e imaculada. E por que IMACULADA?
Justamente porque concebeu sem a mácula do pecado original, ou seja, sem o sexo!
Esse é o motivo pelo qual ainda hoje é difícil para nós associarmos maternidade com
sexualidade. No nosso psiquismo isso vem como uma contradição, pois uma coisa é
pura e a outra é obscena - o que na verdade é um grande paradoxo porque não
existiria maternidade se não houvesse sexo! A não ser no caso de Jesus...
17
RIBEIRO, L. F. (2007). Sexualidade cristã primitiva nos catálogos de vícios: história e arqueologia de uma interdição.
O texto completo pode ser encontrado aqui: https://www.metodista.br/revistas/revistas-
metodista/index.php/oracula/article/view/5888
O fato é que há claramente aí nessa visão de mundo uma ideologia de menosprezo
por esse aspecto tão vital da existência que acabou sendo apresentado ao mundo
pelo cristianismo como algo sujo, vergonhoso e pecaminoso, que deve ser evitado ao
máximo, a não ser para procriação, mas nunca por prazer!
São Paulo, por exemplo, estipulou que o ideal de conduta era o celibato: “Bom seria
que o homem não tocasse em mulher.” (1 Corintios 7)
Mas para aqueles que não conseguem se controlar, devem pelo menos se casar, como
ensina o Apóstolo: “Mas, se não podem conter-se, casem-se. Porque é melhor casar
do que se abrasar.”
Aliás, até mesmo o sexo marital com a finalidade única de procriação já foi
considerado pecaminoso, pois, segundo escreveu o teólogo Huguccio no século 12:
“Sempre ocorre com excitação e prazer, que não existem sem pecado”.18
18
Citado na matéria da Revista Super Interessante "O prazer em suas mãos": https://super.abril.com.br/ciencia/o-
prazer-em-suas-maos/
19
https://www.vatican.va/content/vatican/pt.html
Não é à toa que muitos pais se sentem angustiados com o comportamento de
masturbação dos seus filhos, afinal, criança é pura e o sexo é “ilícito”, como explicou
o Vaticano.
Nos livros penitenciais que serviam como guia para orientar os padres nas confissões,
“os pecados sexuais possuíam vários itens e punições muito severas”, como explica a
pesquisadora Valéria Melki:
20
BUSIN, V. M. (2012) Juventude, religião e ética sexual. Pode ser encontrado aqui:
http://www.bibliotecadigital.abong.org.br/bitstream/handle/11465/312/CDD-
BR_juventude_religiao_etica_sexual.pdf?sequence=1&isAllowed=y
sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de encobrir ou de mostrar suas
vergonhas”21
Chama atenção o fato do escrivão se referir aos órgãos genitais como “vergonhas”,
mas esse foi o legado deixado pela ideologia cristã a respeito do corpo nu: algo
vergonhoso que deve ser escondido. Ainda hoje alguns pais ensinam os filhos que se
dormirem pelados o anjo da guarda não irá visitá-los à noite, como se houvesse algo
intrinsecamente errado com nosso próprio corpo.
Por incrível que pareça, os resquícios dessa vergonha permanecem até hoje. Em 2019
a UNESCO obrigou o artista plástico a cobrir suas estátuas com calcinha para não
ofender o pudor dos visitantes.
21
A carta pode ser acessada aqui: https://pt.wikipedia.org/wiki/Carta_de_Pero_Vaz_de_Caminha
O que importa é perceber que essas ideologias, de uma forma ou de outra, acabam
tendo um efeito muito opressor sobre as pessoas, gerando culpa, medo e vergonha.
Muitas pessoas sofrem com isso, em especial porque o cristianismo também traz a
concepção de um Deus punitivo e onisciente, que sabe tudo o que fazemos e
escrutina cada pensamento nosso, mesmo quando estamos sozinhos - e ai de quem
desobedecer, pois pode ser condenado ao fogo eterno do inferno.
Para aumentar ainda mais o controle dos fiéis, a Igreja instaurou o mecanismo da
confissão que obriga os cristãos a revelarem qualquer deslize no controle dos
impulsos, até mesmo no nível do pensamento, como explicou o pensador Michel
Foucault no seu livro a “História da Sexualidade – A vontade de saber”:
É difícil conhecer o sofrimento das pessoas com toda essa repressão sexual religiosa
porque em geral as pessoas vivem isso no seu íntimo e não costumam compartilhar
essas dores. Porém, o Big Brother Brasil acaba fornecendo uma oportunidade única
para conhecermos as pessoas em sua intimidade e na 21ª edição pudemos
testemunhar o sofrimento da maquiadora Juliette Freire, que expôs abertamente os
problemas que teve durante muitos anos com sua sexualidade por conta da religião
cristã:
Por muito tempo eu associei a sexualidade e a relação sexual, eu
misturava com o conceito da moralidade cristã. A vida cristã tem um
conceito de virtude que eu não concordo e isso me ocasionou graves
problemas sexuais. Por exemplo: eu vim me masturbar adulta. Eu
me culpava o tempo inteiro. Tanto é que, para eu perder a
virgindade de 20 para 21 anos de idade, mesmo em um
relacionamento sério com uma pessoa, eu não conseguia. Tinha crise
de pânico. Me sentia suja. Sentia que estava fazendo algo contra
minha família e contra Deus. Eu não tinha uma relação sexual
normal e não foram meus pais que me botaram isso. Eu lia a Bíblia e
queria ser fiel ao que ela prega, mas eu não sabia separar as coisas.
Eu perdi minha virgindade praticamente sem querer.
Quantos milhões de pessoas será que passam pelos mesmos conflitos da Juliette e
nunca ficaremos sabendo? Outro participante do BBB 21, o Gil do Vigor, também
explicitou seu sofrimento por conta da condenação religiosa à sua orientação sexual:
Ai, é muito chato você ficar se podando o tempo inteiro (...) tudo que
eu passei, até minha sexualidade dentro da igreja tendo que
esconder. Então como é que você vive sabendo, olhando na escritura
que você é amaldiçoado? Porque na bíblia fala: maldito é o homem
que se deita com outro. Eu não fiz mal a ninguém. Aí eu fico me
culpando pedindo desculpas se eu não fiz nenhum mal a ninguém,
entendeu? É muito chato ficar me sentindo errado o tempo inteiro.
O jovem gay Yago Oliveira foi uma dessas vítimas, não aguentou a pressão da família
extremamente religiosa e preconceituosa que não o aceitava e acabou se matando.
Em seu último post nas redes sociais Yago fez o seguinte desabafo: “A vergonha da
minha família sou eu pelo simples fato de ser gay, afinal, como eles dizem, ser gay é
pecado”. A mãe de Yago, muito cristã, se disse aliviada com o suicídio do filho gay
afirmando o seguinte: “antes morto do que em pecado!”
Muitos outros homossexuais e transexuais morrem a cada dia no mundo em função
do preconceito inspirado por esses dogmas sectários que condenam tudo que não
segue um modelo estrito do que seria determinado por Deus.
Outro elemento da cultura cristã que gera muito sofrimento é a obsessão com a
virgindade e a abstinência sexual antes do casamento. Essa obsessão cristã com a
exigência de se casar virgem leva inúmeras pessoas a se casarem de forma prematura,
apenas para terem o “direito” a fazer sexo sem pecar.
O pior de tudo é que toda essa proibição em cima da sexualidade só fez gerar uma
gigantesca obsessão com sexo. Essa é uma lei psíquica básica, tudo que é proibido é
desejado, toda repressão gera obsessão.
Não é nenhum pouco à toa que 30% de todo o tráfico mundial de dados da internet
gira em torno da pornografia. Cerca de 29 petabytes de dados são transferidos pelos
internautas todo mês, quase 50 gigabytes por segundo. Apenas um único site de
pornografia, o xvideos, tem mais de 350 milhões de visitantes por mês e o vício em
pornografia só cresce no mundo.
Reich acreditava também que quando nos voltamos contra a sexualidade, sem
perceber acabamos nos voltando contra tudo que ela representa, como o prazer, a
potência, a conexão e o amor! O pensador inglês Bertrand Russel, em um de seus
livros, seguiu nessa mesma linha de raciocínio afirmando que:
Freud, em 1908, já havia apontado essa relação entre distúrbio sexual e desequilíbrio
psicológico. Segundo ele, “Podemos, portanto, considerar o fator sexual como o fator
básico na causação das neuroses propriamente ditas (...)”. Em sua concepção, essas
neuroses
Mas no final das contas, a pergunta que não quer calar é: por que é que o cristianismo
investiu tanta energia em controlar o comportamento sexual das pessoas, punindo e
condenando quem ousasse agir diferente? Segundo a pesquisadora Bruna Suruagy do
Amaral Dantas, a motivação seria a ampliação do poder político da igreja:
22
Citado no artigo de Regina Navarro “Abstinência como política: por que achamos que sexo é sujo e perigoso?”,
que pode ser encontrado aqui: https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2020/02/01/sobre-a-abstinencia-sexual/
23
FREUD, S. (1908). Moral sexual 'civilizada' e doença nervosa moderna. Pode ser encontrado aqui:
https://docplayer.com.br/131159840-Moral-sexual-civilizada-e-doenca-nervosa-moderna.html
sob sua tutela com o propósito de ampliar seus dispositivos de poder.
(...) Por intermédio das confissões, o clero adquiriu um tipo específico
de saber que ampliou o poder de dominação e controle da Igreja. As
estratégias eclesiásticas consistiam em utilizar o saber obtido nas
práticas confessionais para dominar o corpo e o desejo dos fiéis,
tornando-o dócil e obediente, com o propósito de consolidar a
autoridade moral e o poder político da Igreja cristã.24
Segundo o psiquiatra Wilhelm Reich, toda essa luta contra a sexualidade teria uma
razão muito objetiva, enfraquecer as pessoas para que elas fossem mais facilmente
dominadas:
24
DANTAS, B. S. A. (2010). Sexualidade, cristianismo e poder. Estudos e Pesquisas em Psicologia. Pode ser encontrado
aqui: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/view/8909/6790
25
REICH, W. (1975). A Função do Orgasmo. Ed. Brasiliense. (Original publicado em 1942)
Para domesticar um touro e deixá-lo dócil e submisso é preciso primeiro castrá-lo,
assim ele fica manso e subserviente, fazendo todo tipo de serviço pesado sem se
rebelar.
Mesmo antes de Reich, Freud já chamava atenção para o fato de que a castração da
sexualidade tendia a produzir indivíduos fracos e submissos à autoridade:
Os fazendeiros sabem que para controlar um animal é preciso suprimir seus instintos
selvagens desde cedo. Em visita a uma fazenda pude observar esse processo de
amansamento sendo feito com uma bezerrinha que havia acabado de nascer. Logo
26
Citado em: REICH, W. (1975). A Função do Orgasmo. Ed. Brasiliense. (Original publicado em 1942)
em seguida ela foi amarrada ao mourão do curral e após muito se debater, ela acabou
desistindo e ficou colapsada sem reação.
O dono da fazenda explicou que “Todo bezerro que nasce deve passar um mês
amarrado para amansar, caso contrário, depois que cresce não vai querer nem entrar
no curral”. Segundo o fazendeiro, isto só funciona se for feito logo no início da vida,
já que depois que crescem se torna bem difícil amansá-los.
Freud explicou muito bem como esse processo acontece da mesma forma com o ser
humano através do controle da sexualidade. Segundo ele,
Cabe salientar que nem toda religião se opôs tanto à sexualidade quanto a religião
judaico-cristã. Nas religiões africanas, como o candomblé e a umbanda, existe o orixá
EXU que está ligado à sexualidade e fertilidade masculinas e costuma ser
representado com seu ogó, um bastão de madeira em formato fálico, simbolizando
o poder de criar e perpetuar a vida.
27
Idem.
Também são bem conhecidos os templos de Khajuraho na Índia com diversas
escultura eróticas - que são um belo exemplo da ligação possível entre erotismo e
religião.
[[
Na tradição hindu se utilizam os termos yoni e lingan para se referir aos órgãos sexuais
femininos e masculinos, respectivamente. Yoni é uma palavra do sânscrito que
significa "passagem divina", "lugar de nascimento", "fonte de vida" e "templo
sagrado" e também representa o órgão sexual feminino. Costuma-se dizer que a
vagina é o portal mais sagrado entre o céu e a terra, é a ligação de Deus com o ser
humano, a ligação com o invisível e o tangível.
Por que essa diferença tão grande na forma de denominação dos mesmos órgãos
genitais? Porque a linguagem é um reflexo do psiquismo humano e como no ocidente
a principal matriz de formação cultural é judaico-cristã, naturalmente desenvolvemos
termos linguísticos que refletem o desgosto que sentimos pelo sexo e tudo que está
associado a ele.
Foi para se contrapor a essa tendência de desqualificação da sexualidade que surgiu
o movimento global chamado sex-positivity (sexopositividade), que luta pelo
desenvolvimento de uma cultura sexual positiva no mundo. Segundo a ativista Allena
Gabosch, sexpositivity é “uma atitude em relação à sexualidade humana que
considera todas as atividades sexuais consensuais como fundamentalmente
saudáveis e prazerosas, encorajando o prazer sexual e a experimentação”. 28
Já a escritora Carol Queen define sexpositivity como "uma filosofia cultural que
entende a sexualidade como uma força potencialmente positiva na vida de alguém e
pode, é claro, ser contrastada com a cultura sexual negativa, que vê o sexo como
problemático, perturbador e perigoso.” 29
E que relação será que existe entre a repressão sexual e a tradição de monogamia
compulsória no casamento?
28
O discurso original de Allena Gabosch no Southplains Leatherfest Festival pode ser encontrado em
https://allenagabosch.wordpress.com/2014/12/08/a-sex-positive-renaissance/
29
QUEEN, C. (1997). Real Live Nude Girl: Chronicles of Sex-Positive Culture. Ed. Cleis Press
Mas o homem que comete adultério não tem juízo; todo aquele que
assim procede a si mesmo se destrói. (Provérbios 6:32)
A própria ideia cristã de que o sexo deveria servir apenas à reprodução vai contra os
estudos desenvolvidos pelo psiquiatra Wilhelm Reich. Em sua vasta obra, este autor
defende a ideia de que a sexualidade saudável é aquela que é “regulada pela
satisfação dos impulsos sexuais e não por normas morais.”30 Ou seja, a sexualidade
deveria ser regida em função da satisfação e prazer que ela proporciona ao sujeito e
não por normas morais criadas pela cultura. A sexualidade saudável seria, então,
aquela regulada pelas necessidades do indivíduo e não pela necessidade de atender
às demandas de instituições sociais como o casamento e a religião.
30
REICH, W. (1975). A Função do Orgasmo. Ed. Brasiliense. (Original publicado em 1942)
Reich considerava tão importante que as pessoas pudessem explorar livremente sua
sexualidade que ele advogava que deveria haver leis para “salvaguardar a felicidade
sexual das pessoas”.31 Segundo ele, cada indivíduo deveria experimentar em torno
de 3.000 a 4.000 orgasmos ao longo da vida para se manter saudável.
A conclusão que tiramos de toda essa reflexão é que para ter uma vida sexual
saudável e satisfatória é crucial se libertar dessa moralidade repressora que
herdamos da cultura judaico cristã. Definitivamente sexo e moral não combinam.
Toda ação humana deve sim ser conduzida por princípios éticos, mas isso é muito
diferente de uma moralidade repressora que normatiza o que é certo e errado, o que
é aceitável e o que não é, deixando um saldo psicológico de frustração, culpa e medo,
além de vergonha e sentimento de inadequação.
Ética é muito diferente de moral. A moral dita o que é certo e errado, de fora para
dentro, sem considerar a vivência interna de cada um. A moralidade insufla a patrulha
ideológica dos costumes, que fica pronta para julgar e recriminar qualquer um que
saia da linha. Já a ética se refere a princípios universais de respeito e cuidado com o
próximo e a si mesmo.
31
REICH, W. (1975). A Função do Orgasmo. Ed. Brasiliense. (Original publicado em 1942)
Sexo é uma necessidade biológica, assim como dormir e se alimentar. Não precisamos
de moralidade na hora das refeições, basta fazer escolhas inteligentes e saudáveis. O
mesmo vale para o sexo - a regra é explorar e descobrir o que nos faz bem, sem neura
e sem culpa. Simples assim!
Vejamos, a título de exemplo, diversas mudanças que ocorreram nas últimas décadas
e que ilustram como os costumes são circunstanciais e servem aos propósitos de cada
época, propósitos estes que nem sempre estamos cientes.
Há poucas décadas a virgindade era um grande valor, uma moça que não a
preservasse teria muita dificuldade em se casar. Algumas décadas depois, a vergonha,
para muitas pessoas, é chegar à idade adulta ainda virgem.
O divórcio era vivido de forma dramática, representando uma grande vergonha para
a família, a ponto de alguns colégios não permitirem a matrícula de filhos de pais
separados. Algumas décadas depois, a vergonha é não se separar quando se encontra
em um relacionamento fracassado. Aliás, a lei do divórcio no Brasil só foi promulgada
em 1977 e enfrentou enorme resistência dos conservadores que alegavam que isso
iria acabar com a família, como se vê nessa foto da época.
32
Citado nessa matéria da Revista Galileu: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2020/06/como-ciencia-
contribuiu-com-machismo-e-racismo-ao-longo-da-historia.html
Há algumas décadas o homem tinha de ser machão, não podia chorar, não podia ser
delicado nem vaidoso. Hoje já se enaltece o homem sensível e se critica o macho tosco
e a masculinidade tóxica. Até pouco tempo atrás não se admitia que um homem
usasse cabelo comprido e muito menos brinco. Mulheres nem sonhavam em dirigir
ou usar calça jeans. A homossexualidade era um pecado, uma doença.
A medicina, travestida de ciência, até o século XIX defendia que a masturbação gerava
graves doenças, inclusive deixar a mão cabeluda. E esse era um dos “efeitos
colaterais” mais brandos que se atribuíam ao sexo solitário. A lista de doenças
masturbatórias era imensa: tuberculose, loucura, cegueira, anemia, envelhecimento
precoce, calvície e epilepsia são apenas algumas delas, como demonstra o livro
“Solitairy Sex – A Cultural History of Masturbation” (Sexo solitário – Uma História
Cultural da Masturbação), do historiador americano Thomas Laqueur. Hoje em dia
não conseguimos nem imaginar qualquer cientista afirmando uma coisa dessas!
Foi nesse contexto que surgiu a prática da pederastia na Grécia, onde um homem
mais velho iniciava sexualmente um adolescente para que fosse inserido na
sociedade. As relações pederásticas eram realizadas pelo erasta - normalmente um
homem com mais de 30 anos, denominado amante – e pelo eromeno – um jovem de
idade entre 12 e 18 anos, denominado amado.
33
Esta citação pode ser encontrada neste versículo da Wikipedia:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Homossexualidade_na_Gr%C3%A9cia_Antiga
experiências de cunho sexual que não visam a reprodução e por isso foram
fortemente condenadas.
Em alguns momentos da história o sexo foi visto como algo abominável. Qualquer
coisa que tornasse o corpo mais atraente era entendida como um incentivo ao
pecado. Evitavam-se banhos e a sujeira se tornou virtude. Os piolhos eram chamados
de pérolas de Deus e estar sempre cobertos por eles era marca indispensável à
santidade. Há registros de freiras que ficaram 53 anos sem tomar banho, um motivo
de extremo orgulho para elas.34
Com tanta variação de costumes morais ao longo da história podemos nos perguntar:
afinal de contas, qual é o comportamento correto? É certo se divorciar? É certo se
masturbar? É correto fazer sexo apenas por prazer? É correto o sexo homossexual? É
certo o adultério? O certo é se casar virgem? É correto a não-monogamia?
A conclusão inevitável é que não existe nada que seja naturalmente certo ou
naturalmente errado, são sempre construções culturais. A moral é uma construção
cultural que está em permanente mutação.
Então quer dizer que tudo pode? Sim, desde que não prejudique outras pessoas nem
a si mesmo, pois se a moral é relativa, a ética não é. Ética se refere a princípios
universais de respeito à vida, respeito ao outro, respeito à liberdade, respeito às
diferenças. São esses princípios gerais que devem governar nosso comportamento e
não a moral cultural que é extremamente circunstancial e em geral só serve para
manter o status quo, reforçar o establishment, defendendo os interesses de um
pequeno grupo e ignorando as necessidades e singularidades da vasta maioria dos
indivíduos.
Nessa perspectiva, podemos dizer até que a moralidade pode ser muito antiética pois
toda vez que desconsideramos a experiência interna do indivíduo estamos sendo
antiéticos na medida em que não respeitamos a singularidade de cada um. Imagine
34
NAVARRO, Regina. O livro do Amor (Vol. 1) – Da pré-história à renascença. Ed. Best Seller.
uma pessoa com orientação homossexual sendo obrigado a transar com pessoas do
sexo oposto simplesmente por conta dos costumes morais. Isso é uma violência
brutal, assim como seria uma violência coagir uma pessoa heterossexual a se
relacionar sexualmente com pessoas do mesmo sexo contra a sua vontade.
E por que nos apegamos tanto aos valores morais de uma época se eles são tão
relativos? Porque eles nos dão um caminho a seguir, uma referência sobre como se
portar e isso facilita muito a vida! É muito mais fácil alguém nos dizer como temos
que nos comportar do que se nós mesmos tivermos que decidir por conta própria. Dá
muito trabalho seguir o nosso próprio caminho, é muito mais fácil seguir um rebanho.
35
Enciclopédia Columbia, 5ª edição, 1994, página 1.215
de um grupo sobre outro. Em outras palavras, o grupo dominante define o que seria
o correto - a norma cultural - de acordo com o que vai beneficiá-lo. Um belo exemplo
desse mecanismo em ação é a forma pela qual representamos a figura de Jesus Cristo:
um homem branco, loiro, alto e de olhos azuis. É óbvio que Jesus nunca poderia ter
tido esta aparência nascendo no Oriente Médio. Aliás, diversos empreendimentos
científicos buscaram reconstruir como seria aproximadamente o rosto de Jesus. Um
deles utilizou como base três crânios do século 1, lançando mão de softwares de
modelagem 3D para determinar qual seria o formato do nariz, dos olhos, da boca…
enfim, do rosto de um adulto típico da época e o resultado foi que Jesus deve ter tido
uma aparência mais ou menos como a seguinte:36
36
https://super.abril.com.br/historia/jesus-era-moreno-baixinho-e-invocado/
O próprio fato de Deus ser representado como homem já faz parte de um processo
de hegemonização cultural, pois coloca o homem acima da mulher. Aliás, pai, filho e
espírito santo, estão todos no masculino; Eva veio da costela de Adão e assim por
diante... Já as religiões da Grécia antiga, por exemplo, eram politeístas e continham
diversas Deusas em seu panteão. O mesmo ocorre com o Hinduísmo. As religiões
politeístas tendem a aceitar melhor a diversidade cultural, já as monoteístas tendem
a querer impor uma verdade única sobre todos os povos.
No dia 12 de agosto de 2008, por exemplo, o “São Paulo”, jornal semanal editado
pela Arquidiocese de São Paulo, trouxe a seguinte manchete: “Igreja alerta sobre
lei da família”, com matéria de página inteira. O alerta dizia respeito à votação, que
deveria acontecer em breve pelo Congresso Nacional, do Estatuto da Família,
criticado pela Igreja católica nos seguintes termos:
37
BUSIN, Valéria Melki. (2011). Religião, sexualidades e gênero. Revista Rever, Ano 11, Nº 01.
Ou seja, a Igreja estava criticando a noção de “entidades familiares”, pois a lei estaria
atribuindo a todas elas a “mesma dignidade”. Para a Igreja, somente um modelo de
família pode existir e todos os outros (união estável, união homoafetiva, união
parental, monoparental, polifidelidade, etc...) devem ser considerados
hierarquicamente inferiores e não dignos. Isso é hegemonia cultural, colocar uma
forma como superior a todas as outras a fim de auferir algum benefício particular -
neste caso, a garantia da propagação dos valores cristãos para as futuras gerações.
A Igreja sempre precisou estimular a valorização família tradicional pois ela serve
como um local privilegiado para transmissão e reprodução dos valores cristãos, como
explica a pesquisadora Valéria Melki Busin:
Por isso, tudo que atenta contra essa estrutura familiar é tido como errado,
indesejável e pecaminoso, como por exemplo a homossexualidade, o adultério, o
divórcio, etc.
Recentemente ocorreu outro exemplo que ilustra essa tentativa, por parte de alguns
grupos que estão no poder, de imposição autoritária de um único modelo cultural
sobre as pessoas. No dia 12 de julho de 2021 diversas mídias repercutiram a decisão
da Funarte de reprovar o pedido de apoio do Festival de Jazz do Capão, negando o
financiamento ao festival realizado na região da Chapada da Diamantina sob o
argumento de que “a música deveria servir à Deus” e isso não ocorreria no evento.
Vemos então que as pessoas que estão no poder querem determinar até a música
38
BUSIN, Valéria Melki. (2011). Religião, sexualidades e gênero. Revista Rever, Ano 11, Nº 01.
que merece ou não ser ouvida, de acordo com os critérios deles. Isso considerando
que nosso Estado é laico!
Além de sermos acusados pelo nosso “juiz interior”, existe toda uma patrulha dos
costumes do lado de fora pronta para nos recriminar, repreender e difamar... assim
corremos um sério risco de isolamento caso não voltemos para linha. Em ambos os
casos, seja a acusação vindo de dentro ou de fora, o resultado é sempre o mesmo:
ficamos com medo e inseguros e preferimos obedecer!
Existe um grande rolo compressor cultural que não permite que as pessoas
descubram sua própria verdade. Nós mesmos nos controlamos mutuamente para ter
certeza de que ninguém sairá da linha! E uma pessoa com medo e insegura irá
facilmente seguir os outros como uma ovelhinha, afinal, somos muito carentes para
correr o risco de perder a aprovação das pessoas significativas em nossas vidas. Quem
vai querer arriscar seguir no contrafluxo?
Porque vivemos fazendo isso uns com os outros — nos vigiando e nos
obrigando — todos contra todos — a ficarmos bonzinhos dentro das
regrinhas do bem-comportado — pequenos, pequenos. Sofremos de
Megalomania porque no palco social nos obrigamos a ser todos
anões. Nós nos obrigamos a ser, todos, pequenos e insignificantes
É muito mais fácil viver em um mundo onde tudo já está previamente definido. Como
ser homem, como ser mulher, como ser um marido, como ser uma esposa, como fazer
sexo, como não fazer sexo, o que pode e o que não pode. Abrir mão dessas referências
é como seguir a vida sem um manual de instruções! Dá trabalho descobrir por conta
própria o que é de fato bom para VOCÊ, qual é de fato a SUA necessidade, a SUA
verdade.
O convite que fazemos então, leitor, é para que você descubra qual modelo de
relacionamento atende melhor às suas necessidades ao invés de se encaixar em um
modelo pré-estabelecido de relacionamento que nos foi imposto sem levar em conta
as nossas singularidades. Não tem como um só modelo servir para milhões de pessoas
diferentes, cada qual vai ter que criar uma forma que se encaixe bem com seus
valores, com as suas características de personalidade, sua história de vida, seu
momento atual, seus desafios, etc.
39
Trecho do artigo As Carícias e o Iluminado, de José Ângelo Gaiarsa. Pode ser encontrado aqui:
https://letraefilosofia.com.br/as-caricias-e-o-iluminado-jose-a-gaiarsa/
NÃO-MONOGAMIA POLÍTICA E OPRESSÕES ESTRUTURAIS
Então, de partida vemos algo de muito negativo na tradição monogâmica, ela coisifica
as pessoas, transforma as pessoas em objetos que servem ao interesse de outrem. No
passado o interesse era o controle do corpo feminino para geração de herdeiros
legítimos. Com a expansão do cristianismo, essa exigência se generalizou para os
homens também e o controle do comportamento sexual de todos passou a servir
como um mecanismo de dominação política da igreja.
Sendo assim, mesmo sendo solteiro, ainda é possível ser não-monogâmico, no sentido
de buscar se relacionar sem controlar a afetividade/sexualidade das outras pessoas. A
luta não-monogâmica é para permitir que as pessoas sejam livres para escolherem
como querem se relacionar, sem nenhuma coerção. Da mesma forma que as pessoas
devem ser livres para manifestarem a sua orientação sexual sem preconceito. Da
mesma forma que a expressão de gênero deve ser livre, sem preconceito. Da mesma
forma que os homens devem ser livres para chorar e expressarem seus afetos sem
40
Não-monogamia e as opressões estruturais - Reflexões anticoloniais. Artigo de autoria de Geni Núñez, publicado
em: https://medium.com/naomonoemfoco/n%C3%A3o-monogamia-e-as-opress%C3%B5es-estruturais-
7c8d7241b552
41
Idem.
42
A não-monogamia como identidade política. Artigo de Nana Miranda, publicado em:
https://medium.com/naomonoemfoco/a-n%C3%A3o-monogamia-como-identidade-pol%C3%ADtica-d132bcf15e45
julgamento. Da mesma forma que os meninos devem ser livres para usarem cor de
rosa e as meninas devem poder jogar futebol e assim por diante!
Toda normatização é opressiva e coercitiva pois não dá para um modelo só valer para
todas as pessoas. Há quem goste de ser monogâmico e há quem goste de ser não-
monogâmico - não deveríamos definir a priori qual é a norma e sim deixar as pessoas
livres para manifestarem sua verdade, sua singularidade, sem terem seu valor e sua
dignidade diminuídos por isso.
Nossos desejos e afetos foram invadidos e colonizados. Nos foi imposto uma única
forma de amar e se relacionar. A monogamia é uma imposição social, jurídica e
religiosa/cristã. A Não-monogamia Política é a construção coletiva de um projeto de
43
Reprodução de trechos do “Manifesto por uma não-monogamia política” do coletivo NM em Foco:
https://naomonoemfoco.com.br/manifesto-por-uma-nao-monogamia-politica/
emancipação dessa invasão, além do reconhecimento do sistema monogâmico como
mais uma forma de violência a qual somos submetidos.
Mesmo com grandes mudanças culturais, ainda assim a ideia da não-monogamia não
costuma ser bem recebida pelas pessoas, que criticam ferozmente essa possibilidade
relacional, como podemos ver através das críticas recebidas em nosso perfil do
instagram @não_monogamia_responsavel:
Linguaecogitandi: Então... Isso soa tipo: quero a segurança do casamento, mas sem
abdicar de umas aventurazinhas. E isso independe de ser homem ou mulher, sem essa!
pacismateus: Fruto de uma sociedade cada vez mais fluída, promíscua e rala. É a nova moda.
wolfgangschlogel: Somente quem não sabe o que é o amor verdadeiro aceitaria isso.
flavio_srf: A poligamia acaba quando o cara vê ou descobre que a mulher que ama está
dando pra outro. Ou quando o homem amado é flagrado com outra. É impossível saber que
a mulher que vc ama chupa o pau de outros caras. Desculpe a sinceridade, mas é isso!
A atriz Fernanda Nobre, quando decidiu revelar que estava em um casamento aberto,
também recebeu inúmeras críticas em seu perfil do instagram:
marialuciateixeira99: eu te admirava como atriz e acho vc mt linda mais tô chocada com
esta sua escolha de relação. Mulher de pouco cérebro, sem amor próprio.
goulart5781: não aceito um relacionamento assim, se fosse minha mulher não dividiria com
mais ninguém. Imaginem outro homem possuindo minha mulher. De jeito algum... isso é
levar piruca de touro...
perigoso_4.0. Uma forma elaborada pra dizer que adora uma putaria.
Essa é uma confusão bastante comum, mas na verdade, trata-se de coisas muito
distintas. Poligamia é um termo de origem grega, que significa muitos casamentos. É
um sistema onde o homem tem mais de uma mulher ao mesmo tempo (poliginia) ou
até mesmo onde a mulher tem mais de um marido simultaneamente (poliandria) –
sendo que esta é bem menos comum que a poliginia.
A poligamia está presente em vários países, mas tem caído em desuso com o passar
do tempo. No islamismo ela é praticada há séculos, inclusive pelo profeta Maomé, e
até hoje é adotado em países muçulmanos, regulado pelo Alcorão - o livro sagrado
dos muçulmanos - que permite que o homem tenha, no máximo, quatro esposas.
Vemos que em nossa sociedade existe essa crença muito arraigada de que nós sempre
temos que escolher entre sermos solteiros e continuarmos livres OU nos casarmos e
ficarmos presos. É como se tivéssemos que optar entre ter um amor OU ser livres,
numa visão bem maniqueísta da realidade: ou isto ou aquilo.
Se optarmos por sermos solteiros podemos ficar com várias pessoas, mas se optarmos
por um relacionamento só poderemos ficar com uma pessoa e fim de papo! Ora, as
pessoas não mudam só porque iniciaram um relacionamento. Se elas gostavam de ser
livres para conhecer outras pessoas enquanto estavam solteiras, não é só porque elas
entram em um relacionamento que vão deixar de curtir essa liberdade. Afinal de
contas, elas continuam sendo as mesmas pessoas e tendo as mesmas necessidades!
A grande verdade é que nós sempre vamos ter essas duas necessidades na vida: amar
E ser livres. Temos necessidade de nos sentirmos vinculados, de sentirmos segurança,
previsibilidade e estabilidade – todas essas coisas que um relacionamento oferece -
mas também temos necessidade de aventura, novidade, adrenalina e frio na barriga.
Como bem explica a psicoterapeuta de casal Esther Perel:
44
Artigo de Newton Jr, Nana Miranda e Simone Bispo. Mas afinal, o que é não-monogamia. Pode ser encontrado em:
https://naomonoemfoco.com.br/mas-afinal-o-que-nm/
que o anseio pela novidade não deixa de existir só porque entramos em um
relacionamento! Por isso, faz todo sentido que queiramos ter as duas coisas ao
mesmo tempo como ocorre na não-monogamia: amar E ser livre. Nada poderia ser
mais natural que isso...
O pressuposto aqui é de que amar implica em querer possuir o outro só pra si. Esse é
um tipo de raciocínio de quem enxerga o amado como propriedade, acaba sendo uma
coisificação da outra pessoa. Essa forma de pensar está muito alinhada com a
definição de casamento que apresentamos no início do livro, proposta pelo filósofo
Immanuel Kant, que o definiu como a “união de duas pessoas de sexos diferentes para
a posse mútua e vitalícia de suas qualidades sexuais”.45
Amar é querer ver o outro feliz, é querer ver o outro se realizando, se expandindo, se
descobrindo, tendo alegria, prazer, etc. Quando amamos alguém desejamos tudo de
melhor para essa pessoa, incluindo aí a liberdade e a oportunidade de ter experiências
significativas caso elas assim desejem. As pessoas que fazem esse tipo de crítica na
verdade amam mais a própria sensação de segurança do que a outra pessoa.
45
KANT, I. (1797). Metafísica dos Costumes.
46
PHILLIPS, A. (1999) Monogamy. Ed. Vintage.
Preferem privar o outro de uma alegria genuína do que enfrentarem seus próprios
medos.
O mito da alma gêmea foi apresentado por Platão em seu livro “O Banquete”. Um dos
momentos mais fascinantes do texto é quando toma a palavra o comediógrafo
Aristófanes. Ele faz um discurso belo e que se imortalizou como a teoria da alma
gêmea.
Aristófanes começa dizendo que no início dos tempos os homens eram seres
completos, de duas cabeças, quatro pernas, quatro braços, o que permitia a eles um
movimento circular muito rápido para se deslocarem. Porém, considerando-se seres
tão bem desenvolvidos, os homens resolveram subir aos céus e lutar contra os
deuses, destronando-os e ocupando seus lugares. Todavia, os deuses venceram a
batalha e Zeus resolveu castigar os homens por sua rebeldia. Tomou na mão uma
espada e cindiu todos os homens, dividindo-os ao meio.
É preciso entendermos que ninguém completa ninguém. Não é saudável exigir que
alguém satisfaça todas as nossas necessidades e anseios. O outro nos acompanha em
nosso processo de desenvolvimento, mas esse processo é individual e cada indivíduo
tem as suas próprias necessidades de acordo com seu processo pessoal e sua história
de vida. Idealizar que alguém possa satisfazer todas as nossas necessidades pode
gerar muita frustração e um jogo de cobranças e acusações muito perverso. Podemos
sim amar e desejar outras pessoas e está tudo certo com isso.
Outro estudo mostrou que o indivíduo em um relacionamento aberto tende a ser "um
realizador acadêmico, criativo, inconformado, estimulado pela complexidade e pelo
caos, inventivo, relativamente não convencional e indiferente ao que os outros dizem,
preocupado com os seus próprios valores e sistemas éticos, e disposto a correr riscos
para explorar possibilidades”.49 Segundo este mesmo estudo, como os
relacionamentos abertos requerem habilidades relacionais bem desenvolvidas, essas
47
Citado no texto de João Francisco P. Cabral “O mito da alma gêmea”: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/mito-
alma-gemea.htm
48
PEABODY, S. A. (1982). Alternative Life Styles to Monogamous Marriage: Variants of Normal Behavior in
Psychotherapy Clients. Revista Family Relations, Vol. 31, No. 3, pp. 425-434. Ed. National Council on Family Relations.
49
Citado em TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open Relationships. Ed.
Cleis Press.
pessoas tendem a ter mais autoconsciência, melhores habilidades de comunicação e
um melhor senso de identidade.
O pressuposto aqui é que a intimidade só pode ser experimentada com uma pessoa
apenas e que o amor é algo quantificável, então se estiver com mais de uma pessoa
ele acaba se diluindo. Porém, sabemos que os pais amam vários filhos e o fato de
amar um não implica em reduzir o amor que sente pelo outro, muito menos o
compromisso.
NÃO MONOGAMIA É PARA PESSOAS CONFUSAS QUE NÃO SABEM O QUE QUEREM
Em verdade, parece ser justamente o oposto: a maioria das pessoas não
monogâmicas tem muita clareza sobre o que querem e precisam de seus
relacionamentos e do porquê estão optando pela não-monogamia. E não é que elas
não consigam escolher entre os diferentes parceiros, é que elas não querem e
acreditam firmemente que não precisem escolher um só.
É preciso saber muito bem o que se quer quanto se opta por seguir um caminho
diferente do tradicional pois certamente é muito mais fácil seguir o rebanho do que
se arriscar desbravando uma nova rota.
Além disso, vale frisar que relacionamento aberto não é somente uma questão de
sexo. É um estilo de vida que pode envolver questões muito mais profundas como
liberdade, transparência e respeito à individualidade. Algumas formas de não-
monogamia podem incluir, inclusive, liberdade afetiva além de sexual, como é o caso
do poliamor e das relações livres.
Vale ressaltar que, em geral, o combinado mais prevalente nas relações abertas é a
obrigatoriedade de se fazer sexo seguro. Já nas relações monogâmicas, onde o sexo
extraconjugal acontece de forma não combinada via traição, não existe essa regra
explícita de se fazer apenas sexo seguro fora da relação - até mesmo porque nem se
cogita essa possibilidade. Por mais frequente que possa ser a traição em nossa
50
Citado em: LINSSEN, L. & WIK, S. (2012). Amor sem barreiras: As Alegrias e os Desafios dos Relacionamentos
Abertos e Poliamorosos nos Dias de Hoje. Ed. Pensamento.
sociedade, nenhum casal irá discutir como deve-se agir nessas situações, o que
impede a implementação de um combinado como este, afinal, não dá para se planejar
para uma situação que nem está sendo considerada.
Sendo assim, consideramos que todas as pessoas que têm uma vida sexual ativa
devem se preocupar com sua saúde sexual, independentemente do tipo de relação
que estiverem tendo. Quem está em um relacionamento aberto tem a vantagem de
poder discutir o sexo extraconjugal abertamente, se antecipando à ocorrência dele.
Cabe lembrar também que o termo DSTs (doenças sexualmente transmissíveis) caiu
em desuso e hoje os infectologistas falam em ISTs (Infecções Sexualmente
Transmissíveis) e o motivo para essa mudança na nomenclatura é bem concreto:
muitas pessoas podem estar infectadas sem manifestar nenhum sintoma de doença.
Esse é mais um motivo para todos se cuidarem, independente da forma de
relacionamento que optarem.
Casais em relações abertas escutam essa pergunta com frequência: “A relação ainda
é aberta?”, como se fosse um estágio. Em geral as pessoas falam isso por não levar o
relacionamento aberto a sério, como se a única forma de relacionamento que é digna
de respeito fosse o relacionamento fechado, monogâmico. Pode até ser que o casal,
em algum momento, decida se tornar monogâmico, mas isso não significa que houve
uma evolução no caráter da relação, significa apenas que era aberto e aí ficou
fechado. Simples assim.
A abertura da relação para que se possa sair com outras pessoas também costuma
ser vista como uma forma de salvar a relação, mas não é necessariamente o caso.
Pode até ser que algum casal opte pela relação aberta numa última tentativa de salvar
a relação (embora essa não seja uma boa ideia), mas não é a regra. Da mesma forma
que para alguns a exclusividade sexual pode ter um fim em si mesma, também a
liberdade sexual pode. Ou seja, não necessariamente a relação aberta é um meio para
algum fim específico, pode ser simplesmente mais coerente com o modo de pensar
dos sujeitos.
Caso 1
Esther, uma professora de inglês de 35 anos que parou de trabalhar quando se casou
com Rui. Logo tiveram dois filhos e a partir daí seu dia passou a se dividir entre a
administração da casa, aulas de ginástica, encontro com as amigas e compras no
shopping. Após 8 anos de casamento não sente mais desejo algum de fazer sexo com
51
Citado no curso de especialização da Regina Navarro Lins: “Relações Amorosas – Um novo olhar”:
https://hotmart.com/product/especializacao-regina-navarro-lins/N38215289O
o marido. Tem o hábito de criticá-lo, sempre o desvaloriza e ridiculariza o marido para
as amigas. Impotente por não poder se separar porque o marido a sustenta e ela não
consegue se bancar sozinha, o seu ódio cresce a cada dia. Mas a Esther nunca teve
um relacionamento com outra pessoa, nenhuma relação extraconjugal.
Caso 2
Ângela, uma jornalista de 34 anos, está casada com Mauro há 7. Além de trabalhar
numa revista ela participa de outras atividades culturais que ela gosta muito.
Considera sua relação com o marido ótima. Além de serem grandes amigos, têm uma
vida sexual intensa. Viajam nos fins de semana, vão ao cinema, teatro, tem grupo de
amigos, etc. Cada um convive com os amigos em comum e amigos em separados.
Respeitam-se sem que um tente controlar a vida do outro. A obrigação de fidelidade
nunca foi discutida entre eles, nunca tocaram nesse assunto. Ângela considera essa
uma questão menor e define assim a visão que tem do seu casamento:
Amo muito meu marido e sinto muito tesão por ele. Acho que foi a
pessoa que mais me satisfez no sexo até hoje. Eventualmente sinto
desejo por outro homem e quando isso acontece não vejo razão para
me reprimir. Desde que casamos tive 4 relações extraconjugais que
não abalaram em nada o que vivo com Mauro. Suponho que ele
também deva ter tido alguns romances. Ano passado, acho até que
andou meio apaixonado. Chegava em casa calado, ficava pensativo,
parecia estar em outro mundo, mas eu não perguntei nada. Após
algumas semanas ele voltou ao normal, foi um alívio para mim.
Mauro é a pessoa que mais amo no mundo, admiro e respeito. É com
ele que prefiro conviver, fazer sexo, viajar, passar o réveillon. Quando
fico doente, quero ser cuidada por ele e também cuidar dele. Mas não
vejo por que não deva transar com outro homem por causa disso.
Se fizermos uma análise superficial desses dois casos vamos dizer que a Esther é
considerada uma mulher fiel ao marido, mesmo que ela o odeie, esteja com ele só
porque a sustenta e seja desleal falando mal pelas suas costas. Já Ângela é o que se
considera uma mulher infiel ao marido, mesmo tendo uma vida maravilhosa com o
marido e sendo muito leal a ele.
Vemos então que fidelidade não tem nada a ver com sexo. Ser fiel tem a ver com
lealdade e honestidade – é honrar o compromisso afetivo. Fidelidade é também
respeitar os acordos que regem a relação. Infidelidade envolve mentira, decepção e
a quebra de um compromisso previamente estabelecido, mesmo que não exista
relacionamento extraconjugal. Na não-monogamia consensual, ética e responsável
deve haver lealdade, transparência e comunicação aberta, além de que todos os
combinados devem ser respeitados pelos envolvidos – por isso não se trata de uma
forma de infidelidade.
53
Citado no artigo de Regina Navarro Lins “Quem ama também trai”:
https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2019/10/05/quem-ama-tambem-trai/
54
Citado no texto de Regina Navarro: https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2019/03/11/amo-meu-marido-
mas-tenho-um-caso-estou-com-medo-das-consequencias-disso/
OS DIFERENTES TIPOS DE RELAÇÕES NÃO-MONOGÂMICAS
Swing
Tenho enorme prazer quando vejo meu marido transando com outra
mulher e, claro, também gosto de experimentar outros parceiros,
mas morro de ciúmes se ele atende o celular e eu não sei quem é56.
Os swingers costumam ter suas próprias casas noturnas para frequentar ou então
organizam eventos privados. Existe, inclusive, toda uma indústria girando em torno
do swing, como agências de turismo, cruzeiros, hotéis, etc.
Uma coisa que se percebe no meio swinger é que os casais tendem a ser, em geral,
mais conservadores. A bissexualidade masculina é bem mais rara neste meio. Já a
bissexualidade feminina é quase que uma unanimidade.
Poliamorismo
55
Citado na matéria de Simone Demolinari “Vale a pena experimentar um swing?”:
https://www.hojeemdia.com.br/horizontes/vale-a-pena-experimentar-um-swing-1.369268
56
Idem
possibilidade de envolvimento afetivo com outras pessoas fora do relacionamento,
podendo ser desde um breve romance até um relacionamento amoroso de longo
prazo mesmo. Daí advém o termo poli amor, ou seja, múltiplos amores, múltiplos
relacionamentos amorosos ao mesmo tempo. O poliamorismo é indicado para
pessoas que sentem que têm a capacidade e o desejo de amar e se comprometer
afetivamente com mais de uma pessoa ao mesmo tempo.
Neste caso, a relação pode ser a principal pelo fato de o casal viver juntos ou por
terem filhos juntos, ou simplesmente por estarem juntos há mais tempo. Cada
parceiro pode ter outras relações secundárias ou terciárias e assim por diante. A
grande vantagem deste tipo de poliamorismo é que existe uma clareza de qual
relação é a prioritária e isso ajuda a organizar a questão do tempo, da dedicação, etc.
Quando não existe uma relação principal ou uma que seja mais importante do que as
outras, isso é chamado de poliamorismo não hierárquico. Neste caso, não existe uma
relação que seja prioritária sobre as outras. Este modelo costuma estar associado a
uma visão de mundo que rejeita a hierarquização entre as pessoas, como por exemplo
a filosofia chamada de “anarquia relacional”. Vejamos o depoimento de Beth, que
ilustra um caso de poliamorismo não-hierárquico:
Relações livres
57
Depoimento extraído do livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
58
RODRIGUES, Marcos et al. Relações livres – uma introdução. Ed. Coleção RLI
59
Artigo de Newton Jr, Nana Miranda e Simone Bispo “Mas afinal, o que é não-monogamia”. Pode ser encontrado
em: https://naomonoemfoco.com.br/mas-afinal-o-que-nm/
Nas relações livres também não se determinam relações primárias e secundárias
como pode ocorrer no poliamorismo:
Rlis também não fazem contratos sobre acontecimentos afetivos futuros, por isso a
ideia de se casar não cabe dentro dessa modalidade. Idealmente, na concepção Rli,
cada qual deveria ter um espaço habitacional próprio, do indivíduo, onde a pessoa
possa exercitar sua personalidade e tomar suas próprias decisões.
60
RODRIGUES, Marcos et al. Relações livres – uma introdução. Ed. Coleção RLI
61
Idem.
Neste livro vamos utilizar o termo relações abertas para se referir genericamente a
todos os tipos de relações não-monogâmicas, pois todas elas são abertas para
experimentação sexual e/ou afetiva com parceiros de fora.
Algumas decisões têm que ser tomadas quando se decide prescindir da exclusividade
afetivo e/ou sexual em um relacionamento e isso varia de acordo com as
necessidades dos membros do casal. A primeira importante decisão a se tomar é se
essa liberdade será restrita apenas à esfera sexual ou se também haverá liberdade de
envolvimento amoroso com pessoas de fora da relação. O segundo passo é definir se
essa liberdade poderá ser vivida separadamente ou apenas quando ambos estiverem
juntos.
A resposta para essas duas perguntas já dá mais ou menos uma noção de qual rumo
esse contrato não-monogâmico pode levar. Se o casal optar por ampliar a liberdade
para a esfera afetiva além da sexual, isso tende a caracterizar um contrato
poliamoroso que permite o envolvimento afetivo com mais de uma pessoa ao mesmo
tempo. Neste caso, ainda assim é necessário definir se será uma relação poliamorosa
hierárquica (onde existe uma relação principal e as outras são consideradas
secundárias ou terciárias) ou não hierárquica (onde nenhum parceiro terá um status
especial em relação aos outros).
Caso a ausência de exclusividade se refira apenas à esfera sexual, isso pode caminhar
para um casamento aberto (onde cada um pode viver sua liberdade de forma
separada) ou pode também caminhar para uma relação do tipo swing, onde as
experiências extraconjugais acontecem com ambos os parceiros presentes. É o que
vemos por exemplo, na experiência do ménage ou quando ocorre troca de casais. O
que caracteriza este caminho é que ambos realizam suas fantasias juntos,
diferenciando da relação aberta, onde os parceiros podem sair sozinhos com outras
pessoas.
Muitas pessoas que podem até prescindir da exclusividade sexual nunca admitiriam
a ideia de ver o companheiro envolvido afetivamente com outra pessoa, já que isso
pode gerar muita insegurança quanto ao futuro da relação. É preciso muita confiança
na solidez da relação e no amor dos cônjuges para tolerar esse nível de liberdade
afetiva. Por isso mesmo, o poliamorismo acaba não sendo para todos, já que envolve
um desprendimento muito grande. Além disso, exige muita autoestima e
autoconfiança do parceiro que vê seu amado envolvido com outra pessoa.
Os casamentos abertos com liberdade apenas sexual seriam um meio termo mais
facilmente digerível, pois cada um pode sair sozinho com outras pessoas, porém com
um foco estritamente sexual, sem perspectiva de continuidade ou aprofundamento
do vínculo extraconjugal. Ainda assim, algumas pessoas não se sentem confortável
porque não estão acompanhando o que se passa no encontro que o parceiro está
tendo fora da relação. Essa experiência de não saber como está sendo o encontro
pode fazer com que algumas pessoas fiquem bastante inseguras, podendo levar à
uma sensação de não estar no controle.
Vemos então que cada modalidade traz benefícios e desafios distintos e apenas a
partir de muito diálogo e autoconhecimento é que se pode chegar a uma definição de
qual seria o melhor arranjo para cada casal. O importante é que ambos se sintam
confortáveis e contemplados com o arranjo definido após a conversa. O formato da
sua relação deve refletir seus valores, seus desejos, suas necessidades e seus
objetivos de vida, lembrando sempre de ser muito cuidadoso com os sentimentos e
o tempo de cada parceiro.
Monogamia às vezes combina com monotonia. Muitos casais reclamam que a vida de
casal, após algum tempo, acaba caindo na mesmice, numa rotina monótona e
previsível. Abrir a relação pode trazer novos ares para a relação, tornando-a mais
dinâmica e imprevisível, trazendo uma excitação há muito tempo esquecida.
O casamento fechado tal como conhecemos costuma atender à primeira dessas duas
necessidades, trazendo muita segurança e previsibilidade, o que preenche somente a
62
Extraído do TED Talk de Esther Perel “O Segredo do Desejo em um Relacionamento Duradouto”:
https://www.ted.com/talks/esther_perel_the_secret_to_desire_in_a_long_term_relationship/transcript?language=pt
-br
um dos nossos anseios fundamentais. Abrir a relação pode ajudar a trazer o elemento
da aventura e da novidade para dentro da relação, contribuindo para satisfazer ambas
as necessidades que todo ser humano anseia.
Será que podemos desejar o que já temos? Como problematiza Esther Perel, “em todo
lugar onde o romantismo entrou, parece existir uma crise do desejo, uma crise de já
se possuir o que se quer.” No centro deste problema da sustentação do desejo a longo
prazo em um relacionamento monogâmico está a questão de se conciliar essas duas
necessidades humanas fundamentais que comentamos no tópico anterior além do
fato de existir um certo paradoxo na relação entre amor e desejo:
A própria idealização do outro que vem embutida no amor romântico já é algo que
desfavorece a manutenção do desejo. A idealização pressupõe que o outro seja
responsável por atender a todas as nossas expectativas e, por isso mesmo, muitas
vezes não permite que os parceiros sejam completamente autênticos para não correr
o risco de decepcionar o outro. Para nos adaptarmos ao que esperam de nós,
renunciamos ao impulso de transgressão que alimenta o desejo:
63
Extraído do TED Talk de Esther Perel “O Segredo do Desejo em um Relacionamento Duradouto”:
https://www.ted.com/talks/esther_perel_the_secret_to_desire_in_a_long_term_relationship/transcript?language=pt
-br
sabemos como dizer à pessoa que amamos, porque achamos que
amor vem com abnegação e na verdade o desejo vem com uma dose
de egoísmo no melhor sentido da palavra: a habilidade de estar
conectado consigo mesmo na presença do outro.64
Temos que poder ser verdadeiros com o nosso desejo se queremos que ele se
fortaleça. Não dá pra exigir do outro que sinta um forte desejo desde que seja
somente por você. O desejo por definição é algo indômito, não pode ser
domesticado. Assim como um passarinho selvagem que quando é colocado na gaiola
perde muito do seu encanto, também o desejo perde muito da sua potência quando
passa a ser domesticado pelo casamento.
Mesmo que o casal esteja satisfeito com sua vida sexual, ainda assim pode haver
diversas fantasias que simplesmente não podem ser realizadas apenas entre o casal.
É o caso, por exemplo, da fantasia de ménage, onde um quer transar com duas
pessoas ao mesmo tempo - aliás, a fantasia sexual mais comum segundo alguns
levantamentos. É simplesmente impossível explorar essa fantasia dentro de uma
estrutura estritamente monogâmica.
Vivemos em uma época onde cada vez mais existe liberdade e encorajamento para
se explorar a própria sexualidade, sem tabus nem julgamentos. Durante muito tempo
a cultura e a religião nos desencorajaram e nos dissuadiram de explorar e viver todas
as infinitas possibilidades que a sexualidade pode nos oferecer. Felizmente estamos
64
PEREL, E. (2018). Sexo no cativeiro: Como manter a paixão nos relacionamentos. Ed. Objetiva.
vivendo novos tempos em que nos sentimos no direito de explorar nosso corpo como
nos convém.
Para alguns casais, poder revelar as próprias fantasias sexuais, por exemplo, pode
trazer muita aproximação. A intimidade cresce muito quando podemos nos revelar
por inteiro. Nos casamentos monogâmicos tradicionais, em geral nossos desejos e
fantasias acabam tendo que ficar em segredo e essas partes escondidas nunca são
reveladas, o que inevitavelmente cria uma barreira entre o casal. Além disso, viver
experiências significativas junto com o parceiro aumenta a intimidade e a conexão,
como ilustra os seguintes depoimentos de praticantes da não-monogamia
consensual:
Fazer sexo com outros casais nos torna mais íntimos um do outro.
Isso me ajuda a me comunicar abertamente com meu parceiro e a
mergulhar fundo em meus sentimentos, o que é algo difícil de fazer.
Depois de ir a uma festa de swing e fazer sexo com outras pessoas, o
sexo que fazemos um com o outro é íntimo e incrível.65
Janice
João
Eu amo a liberdade de poder ser tão sexual com outras pessoas e não
ter que mentir sobre esse meu aspecto para ter um companheiro que
me ama pelo que eu sou. É brilhante que ele me ame por este aspecto
65
Depoimento extraído do livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
66
Depoimento extraído do livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
da minha sexualidade, ao invés de apesar dele. Cada um de nós
precisava de um parceiro que realmente não fosse possessivo ou
ciumento. Eu amo o vínculo incrível que surge com o bom sexo, e ser
capaz de espalhar alegria, diversão e prazer. Adoro saber que meu
marido está se divertindo com outras pessoas; nosso sexo é sempre
melhor quando estamos sozinhos novamente. Quanto mais homens
eu transo, mais amo meu marido. 67
Alice
Quando um dos parceiros têm fantasias que o outro não curte ou não quer
participar
Alguns casais optam por um caminho diferente, eles abrem a relação para que se
possa experimentar com um parceiro externo aquela dimensão da sexualidade que
não está encaixando bem no seu relacionamento. Digamos, por exemplo, que um dos
dois queira explorar uma dinâmica de dominação/submissão, mas o outro não está
disponível para acompanhá-lo nisso. Estes são casos em que uma relação aberta pode
ajudar a preencher a lacuna, como podemos ver no seguinte depoimento verídico de
um casal que optou pela não-monogamia consensual:
67
Idem.
“Foi muito difícil no início, mas assim que ele percebeu que era uma
necessidade minha e que ele não conseguia ou não queria me
acompanhar, então ele disse: você vai ter que realizar esse seu desejo
em outro lugar”.68
Cada vez mais se vem descobrindo que a bissexualidade humana é um fenômeno bem
mais comum do que se imaginava antigamente. As estatísticas mostram que grande
parte das pessoas já sentiu, de alguma forma, desejo por ambos os sexos. Pesquisas
indicam que nos Estados Unidos em torno de 40% dos homens se envolveram em
sexo com outros homens. A respeitada antropóloga Margaret Mead declarou o
seguinte:
68
Depoimento extraído do livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
69
Citago no artigo de Regina Navarro Lins “A bissexualidade no futuro”:
https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2014/05/27/a-bissexualidade-no-futuro/
70
Depoimento extraído do livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
elaborou uma classificação da sexualidade que contempla todo o espectro de
possibilidades de orientação sexual, incluindo as seguintes possibilidades:
• Exclusivamente heterossexual.
• Predominantemente heterossexual, apenas incidentalmente homossexual.
• Predominantemente heterossexual, mais do que eventualmente homossexual.
• Igualmente heterossexual e homossexual.
• Predominantemente homossexual, mais do que eventualmente heterossexual.
• Predominantemente homossexual, apenas incidentalmente heterossexual.
• Exclusivamente homossexual.
Shari
É muito raro que ambos os parceiros numa relação tenham exatamente o mesmo
apetite e disposição sexual. É muito mais comum que um ou outro tenha uma libido
maior e isso pode causar grande desgaste na relação pois ambos acabam se
frustrando - um porque não teve o tanto de sexo que desejaria e o outro por estar
sempre se sentindo pressionado e cobrado a fazer mais sexo do que gostaria. Achar
uma solução satisfatória para este dilema vem sendo um importante desafio para
grande parte dos casais.
Uma das possíveis maneiras de se contornar este desgaste é dar liberdade para o
parceiro que tem mais libido fazer sexo com outras pessoas, para que não tenha que
colocar toda sua expectativa e demanda em cima de uma pessoa apenas. Isso pode
evitar muito sofrimento e desgaste para a relação, pois um não é obrigado a satisfazer
todas as expectativas e demandas do outro e não faz sentido acabar com uma relação
que está dando certo em vários aspectos apenas por essa diferença de ritmos sexuais.
Mesmo que haja total compatibilidade sexual entre o casal, pode ser que um dos dois
ainda assim sinta um anseio por explorar experiências eróticas e emocionais com
outros parceiros pelo simples desejo de variar mesmo. Afinal de contas, costumamos
gostar de variação em toda as esferas da vida, não é mesmo? Os casais gostam de
variar o destino de viagem e também gostam de variar de restaurante de vez em
quando, por que não haveriam de gostar de variar de corpos eventualmente? Como
bem ilustrou a socióloga Catherine Hakim: “Gostar de comer em casa diariamente não
nos impede de ir ao restaurante de vez em quando.”71
A sociedade quer que acreditemos que uma pessoa só pode satisfazer todas as nossas
necessidades e desejos: físico, emocional, financeiro, espiritual e sexual. Para isso
bastaria encontrar a nossa cara-metade, a alma gêmea ou o príncipe encantado. Os
que optam pela não-monogamia consensual reconhecem que o outro não PODE nem
DEVERIA ser responsável por dar conta de nos satisfazer totalmente e está tudo bem
com isso. Isso permite que o casal crie relações únicas que nutram e contemplem os
anseios de cada um dos parceiros, como relata Caio: “O relacionamento aberto me
71
Extraído do artigo “O amante... Outra vez.”: http://tmetade.blogspot.com/2012/10/o-amante-outra-vez.html
ajuda a não me sentir frustrado ou ressentido com um parceiro se ele não for tudo
para mim.”72
Aliás, sempre achei curiosa essa metáfora da “pulada de cerca”. Em geral utilizamos
cercas em presídios ou nos parquinhos infantis. Por que estamos utilizando essa
metáfora da cerca para relações entre adultos?
O fato é que, enquanto houver prisioneiros, sempre haverá tentativas de fuga, isso é
óbvio. Afinal de contas, a proibição nunca resolveu nada, só torna o proibido mais
desejável. É incrível que apesar de todas as punições que a sociedade já criou para o
adultério - incluindo a pena de morte por apedrejamento que até hoje existe em
alguns países - ainda assim, homens e mulheres de todas as épocas e lugares se
envolveram e ainda se envolvem em relações extraconjugais. Não existe cultura em
que o adultério não seja conhecido e parece não haver nada capaz de fazê-lo deixar
de existir. Como explicita a antropóloga Helen Fisher:
72
Depoimento extraído do livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
apaixonem-se e se casem, eles também tendem a ser sexualmente
infiéis a seus cônjuges.73
As pessoas não-monogâmicas reconhecem e aceitam que durante toda uma vida você
poderá e irá inevitavelmente se atrair por outras pessoas, mesmo que esteja em um
relacionamento maravilhoso. Elas optam, então, por abrir espaço para isso ao invés
de permitir que essa questão cause ansiedade, ciúmes e fantasias destrutivas, como
podemos ver no depoimento de Carla:
Casais que se conheceram muito cedo na vida e tiveram poucas experiências sexuais
podem optar por abrir a relação para buscarem experiências que não tiveram
Essa é uma situação que acontece com certa frequência. Casais que se casam com o
primeiro parceiro e depois se lamentam por não terem podido viver experiências
diferentes. Alguns até se separam simplesmente para poderem viver o que não
tiveram a oportunidade de viver antes. Num arranjo não-monogâmico, isso pode ser
facilmente realizado sem que a relação amorosa seja desfeita. Mas, como explica a
73
Citado no artigo de Regina Navarro “A fidelidade não é natural”:
https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2013/02/16/a-fidelidade-nao-e-natural/
74
Depoimento extraído do livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
psicoterapeuta de casais Esther Perel, alguns casais às vezes preferem matar a relação
do que flexibilizarem essa exigência da exclusividade monogâmica:
Não há nada de errado em querermos realizar nossos desejos. O desejo nos remete à
nossa singularidade e é um caminho para o autoconhecimento. O filósofo Spinoza do
século XVII afirmava que “o desejo é a própria essência do homem”. Já o
psicoterapeuta Reichiano Ângelo Gaiarsa explica que a palavra desejo
75
Extraído do artigo publicado por Regina Navarro Lins “Por que é difícil falar contra a exclusividade sexual
obrigatória?”: https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2018/09/27/por-que-e-dificil-falar-contra-a-exclusividade-
sexual-obrigatoria/
76
Trecho do artigo As Carícias e o Iluminado, de José Ângelo Gaiarsa. Pode ser encontrado aqui:
https://letraefilosofia.com.br/as-caricias-e-o-iluminado-jose-a-gaiarsa/
força a ficar no momento e alerta emocionalmente, a me comunicar
melhor e enfrentar o medo diariamente.77
Alguns acreditam que se abrir para múltiplos relacionamentos faz parte de sua
identidade e prática espiritual, como vemos no relato de Kathleen:
É muito importante saber o que nos move antes de tomarmos uma decisão dessa
magnitude como a de abrir a relação. As motivações que descrevemos a seguir podem
ser bem problemáticas e prejudiciais, podendo levar a consequências desastrosas
para o relacionamento.
Abrir a relação pode fortalecer ainda mais uma relação que já está forte, mas
dificilmente vai consertar uma relação que já está fragilizada. Se você está passando
por dificuldades no relacionamento, abrir a relação só vai realçar ainda mais essas
dificuldades. É como querer apagar incêndio com gasolina! O ideal é que o casal esteja
vivendo um momento estável e harmônico antes de buscar essa transição para um
modelo de relacionamento não-monogâmico.
77
Depoimento extraído do livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
A motivação para abrir a relação deve ser muito intrínseca. Tem que ser algo que você
realmente acredite que faça sentido pra você, não deve ser apenas para seguir o
rebanho. Abrir a relação sem esse lastro na sua compreensão e convicção pode
colocar em sério risco o seu relacionamento.
Abrir a relação acreditando que é só uma fase do seu parceiro e logo isso vai passar
Este processo tem que ser feito com muita transparência. Motivações secretas
implicam que ainda não há honestidade suficiente na relação e isso deve ser resolvido
antes de se optar pela transição para algum tipo de relacionamento não-
monogâmico.
Algumas pessoas querem abrir o relacionamento porque não estão gostando muito
do parceiro, então abrem a relação para conhecerem outras pessoas até acharem
uma companhia melhor que a atual. Isso é uma forma cruel de usar as pessoas, seria
melhor que a pessoa fosse honesta e assumisse que não está satisfeita. Não-
monogamia responsável necessariamente envolve transparência, honestidade e
responsabilidade afetiva.
Se você se reconheceu em algumas das motivações descritas acima, pode ser que
você tenha motivos para querer abrir a relação. Porém, não adianta ter motivos sem
ter um perfil adequado. O autoconhecimento é fundamental neste processo,
precisamos saber exatamente o que queremos e por que queremos, bem como quais
são nossos valores e no que acreditamos.
Abaixo estão algumas perguntas que você deveria se fazer ao considerar abrir a
relação. Essas perguntas vão ajudar a nortear algumas reflexões que podem ser bem
úteis neste processo. É importante que você consiga responder as seguintes questões
antes de seguir pelo caminho do relacionamento aberto. Você pode respondê-las em
um caderno ou discutir com o parceiro, um amigo ou até mesmo um terapeuta. O
fato é que quanto mais você refletir sobre os fundamentos da sua decisão, mais fácil
será trilhar essa jornada desafiante da não-monogamia responsável.
Um forte senso de valor pessoal pode ajudar bastante a minimizar esses conflitos, daí
a importância de ambos estarem em dia com seu processo de desenvolvimento
pessoal. Além disso, é importante deixar para trás os condicionamentos da nossa
bagagem histórica monogâmica, que nos faz acreditar que quem ama não deseja mais
ninguém e que deveríamos dar conta de satisfazer todos os nossos desejos e
necessidades apenas com uma pessoa.
Numa relação aberta, se torna ainda mais importante que o outro nos assegure de
estar comprometido com a relação. O relacionamento aberto não pode ser uma
desculpa pra fugir de uma relação que não está boa. Aliás, se o relacionamento não
está bom ou se não valorizamos nosso relacionamento, isso é um bom indicativo para
não se abrir a relação. Abrir o relacionamento é uma forma de melhorar um
relacionamento que já está bom, em que ambos se amam e se admiram. É para se
aprofundar e não para se esquivar da relação.
CONSENTIMENTO
Para consentir não basta apenas não dizer não, deve-se esperar por um sim
categórico e explícito. O processo de abrir um relacionamento tem que ser uma
construção conjunta, ambos têm que estar no mesmo barco. Não pode haver
coerção, nem pressão de nenhum tipo. Lembrando que para o sim ter valor, o não
tem que ser realmente uma possibilidade. Ou seja, tem que haver real opção para
que a escolha tenha sentido.
A pessoa que está propondo ao parceiro deve dar espaço para o outro assimilar,
processar e decidir, sem pressa. Quem está recebendo a proposta deve ter o direito
de discutir e tirar todas as dúvidas antes de se comprometer com qualquer mudança
no formato da relação. É importante ter clareza quanto ao que de fato está sendo
consentido e lembrar-se que não é uma boa ceder simplesmente para manter a
relação ou para agradar o parceiro. Mais cedo ou mais tarde essa concessão vai se
transformar em ressentimento e essa conta vai ser cobrada do outro, mesmo que
inconscientemente.
SABER BEM NO QUE ESTÁ SE METENDO
É importante estudar e refletir seriamente sobre o assunto antes de optar por essa
modalidade de relacionamento. Apesar dos benefícios evidentes deste arranjo
relacional, nem tudo são flores. Junto com os benefícios vêm os desafios e quanto
mais conhecimento e reflexão houver antes de se abrir a relação, maiores as chances
de dar certo. Hoje há muita literatura sobre o tema, cursos, workshops, séries, filmes,
grupos de discussão, enfim, todo tipo de material disponível a um clique de distância.
Pode ser muito útil também conversar com outras pessoas que vivem
relacionamentos não-monogâmicos consensuais e esclarecer todas as suas dúvidas e
discutir seus anseios e receios.
É muito importante saber de que lugar você está partindo, saber bem o que você
quer, o que é importante para você, como você pensa e quais são seus objetivos com
a abertura da relação. Relacionamentos em geral exigem maturidade,
relacionamentos não-monogâmicos mais ainda pois os desafios podem se tornar mais
complexos quando se envolve outras pessoas.
É muito importante saber como você funciona emocionalmente, quais são suas
fragilidades e seus limites. Se uma pessoa tiver sérios problemas de autoestima ou
insegurança crônica, por exemplo, ela precisa estar ciente de que isso poderá se
tornar um grande empecilho nessa jornada não-monogâmica. Neste caso, pode ser
importante trabalhar essa questão previamente, seja em terapia ou outro processo
de autodesenvolvimento, como meditação, retiros espirituais, ou qualquer outra
forma que funcione para a pessoa. É fato que quanto mais você se trabalhar mais bem
equipado estará para lidar com os desafios advindos dessa escolha pela não-
monogamia consciente.
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
Perceber bem suas emoções e saber comunicá-las com clareza é uma habilidade
importante em qualquer relacionamento, porém ainda mais relevante quando se
trata de um relacionamento não-monogâmico. Quando não expressamos nossos
sentimentos para nosso parceiro, isso acaba criando um afastamento emocional, uma
desconexão afetiva.
Outra coisa que não aprendemos em nossa cultura é como sermos honestos,
verdadeiros e transparentes. De forma geral sempre somos incentivados a usar
máscaras e agir como os outros esperam que nós ajamos. A própria exigência de
monogamia compulsória estimula as pessoas a esconderem o que sentem, suas
fantasias e seus desejos. É lamentável, mas até compreensível que a principal forma
de não-monogamia existente no mundo seja não consensual e desonesta.
A sociedade nos ensinou desde a mais tenra idade sobre como devemos nos
relacionar, haja vista, por exemplo, os contos de fadas. Esses valores são reforçados
continuamente através de filmes, novelas, cerimônias de casamento, etc. Leva-se um
tempo para se descondicionar de toda essa bagagem e aprender a ser realmente
verdadeiro e transparente.
CONSCIÊNCIA DOS PRÓPRIOS LIMITES
É muito importante estar em contato com o que nos agrada e o que nos desagrada.
Conhecer os próprios limites é saber defender o próprio espaço, é não deixar ninguém
te invadir ou impor coisas sobre você que você não queira. Em última instância, é uma
questão de clareza quanto ao que você necessita e quanto aos seus valores, quanto
ao que você quer e o que você não quer. Conhecer bem seus limites e saber comunicá-
los pode ajudar muito a evitar mágoas e ressentimentos em um relacionamento
aberto. Às vezes não colocamos limites adequados em função do medo da rejeição
ou medo de confrontar o outro e às vezes até por culpa mesmo, por não termos
aprendido que é nosso direito colocar limite na ação dos outros.
Estudos de psicologia clínica com casais já atestaram que um dos fatores mais
importantes para a resolução de conflitos entre casais é a aceitação das diferenças.
Aceitação, neste caso, não quer dizer submissão ou resignação, mas uma escolha
intencional de tolerar o comportamento que gera algum tipo de aversão porque você
enxerga esse comportamento como parte de um contexto maior de quem seu
parceiro é, ou seja, você não o reduz àquela característica que te incomoda. Como
explica o psicoterapeuta de casal Stelios Sant´Anna Sdoukos:
78
O papel da aceitação na Terapia Comportamental Integrativa de Casal (IBCT), publicado em:
https://comportese.com/2019/06/25/o-papel-da-aceitacao-na-terapia-comportamental-integrativa-de-casal-ibct
O objetivo no trabalho com a aceitação é diminuir o apego às idealizações e as
tentativas de transformar a outra pessoa, é
É claro que muitas coisas podem ser modificadas também e para isso é fundamental
uma conexão empática em torno dos problemas, visando encontrar soluções
conjuntas para lidar com as diferenças naturais que existem entre duas pessoas.
79
O papel da aceitação na Terapia Comportamental Integrativa de Casal (IBCT), publicado em:
https://comportese.com/2019/06/25/o-papel-da-aceitacao-na-terapia-comportamental-integrativa-de-casal-ibct
80
Texto adaptado de “Os dez mandamentos para lidar com um conflito no relacionamento”:
https://amenteemaravilhosa.com.br/dez-mandamentos-conflito-no-relacionamento/
Costumamos ter muita certeza sobre o que pensamos e isso pode parecer uma coisa
boa. Porém, a dúvida também pode ser muito saudável e construtiva. A dúvida abre
espaço para a escuta sincera. Quando temos certeza prévia de tudo, quando achamos
que somos o dono da razão, não vemos sentido em escutar verdadeiramente o outro,
antes de ouvi-lo já temos a resposta pronta em nossa cabeça. Deixe a outra pessoa
expor suas razões, suas ideias e emoções. Abra a mente para compreender outros
pontos de vista. Isso é a base da empatia. Se abrir para compreender
verdadeiramente a experiência do outro pode ser um investimento com retorno
muito alto para seu relacionamento.
Temos a tendência de buscar a resposta para nossas ações e emoções nos atos de
outras pessoas. “Você me tirou do sério”, dizemos, como se o outro pudesse controlar
o que sentimos. A atitude mais madura é sempre começar qualquer análise da
situação determinando primeiramente a sua responsabilidade no que aconteceu,
evitando a todo custo entrar no papel da vítima. Tentar culpar o outro não resolve o
conflito no relacionamento, muito pelo contrário, só o coloca numa posição ainda
mais defensiva e acusatória.
Ouça em silêncio
Focar em soluções
Evite ficar voltando ao passado se não for para usá-lo de forma construtiva, como
uma referência do que deve ser modificado no futuro. Ficar voltando ao passado
apenas para jogar na cara do outro só ajuda a criar um clima de hostilidade e
ressentimento.
Muitas vezes quando iniciamos uma discussão fazemos de tudo para provar que
somos nós quem temos razão. Mas é importante lembrar que não basta ter razão, ter
razão por si só não resolve o problema. Lembre-se de que vocês estão no mesmo time
e ninguém quer ganhar do outro e sim resolver a situação. Não deixe o amor virar
rivalidade e competição. Evite ficar defendendo muito a sua posição ou
argumentando para tentar ganhar a discussão, o importante é que vocês fiquem bem
e entrem em um acordo.
Não deixe acumular mágoas pois elas podem acabar virando uma bomba-relógio
É importante que o casal dialogue com frequência para não deixar as mágoas
acumularem. Tenha o hábito de resolver os problemas logo quando estes aparecem,
como uma forma de higiene relacional.
Comunicação pode ser a habilidade mais relevante para quem quer estabelecer um
relacionamento não-monogâmico. Se você é uma pessoa que não está aberta para
conversar e discutir aspectos relevantes da sua relação, pode ter certeza que você
não tem o perfil adequado para um relacionamento não-monogâmico.
A CNV parte da premissa básica de que fomos educados para julgar e de que
pensamos e nos comunicamos em termos de certo ou errado. Além disso,
costumamos pedir o que queremos fazendo demandas e expressamos nossos
sentimentos em função do que a outra pessoa fez com a gente.
Para evitar cair no jogo da acusação, deve-se sempre utilizar a linguagem do EU. Isso
também ajuda muito na auto-responsabilização. Por exemplo, ao invés de dizer: “você
me magoou muito quando decidiu sair com alguém mesmo quando eu estava
doente”, pode-se dizer assim: “eu fiquei muito triste quando você saiu porque eu
realmente gostaria que você tivesse ficado em casa cuidando de mim”.
Revelação suave: “Quando você age assim eu fico muito triste porque parece que
meus sentimentos não estão sendo valorizados”
Não pode haver coerção ou ameaça, deve ser sempre uma negociação amorosa.
Ambos têm que sentir que suas necessidades e limites foram levadas em
consideração. O timing também é importante, dê preferência para iniciar essa
negociação quando o casal estiver bem e equilibrado. Lembre-se que o melhor é
sempre ir devagar neste processo, avançando gradativamente, sem pressa.
O ideal é que nenhum desses combinados fiquem implícitos, quanto mais explícito
melhor, podendo até serem feitos por escrito. Mas é claro que mesmo com o máximo
de explicitação possível, ainda assim vão surgir questões que não foram antecipadas
e tem que haver espaço para acomodar novas situações, rediscutindo os combinados
se for o caso. Por isso mesmo, esses combinados devem ser dinâmicos, assim como
são as pessoas e a vida. Logo, deve haver espaço para que os combinados possam ser
revistos e renegociados caso alguém não esteja se sentindo confortável com o acordo
estabelecido.
Vejamos a seguir as principais questões que podem ser definidas na hora de elaborar
os combinados que vão reger o contrato de relação não-monogâmica do casal.
Com quem pretendemos sair? Só com desconhecidos? Pode sair com amigos? E
pessoas do trabalho, tá valendo? Pode sair com homem e mulher? E com casais?
Quando e com que frequência pretendermos sair com outras pessoas? Pode sair
sempre que quiser ou está limitado a alguns dias da semana ou do mês? Só quando
estiver fora da cidade, por exemplo? Só quando o outro já tiver algum compromisso?
Só pode sair quando a relação estiver boa, sem conflitos?
Para onde pode ir? Somente a lugares públicos? Só em casas noturnas? Pode trazer
alguém para casa? Pode transar com alguém na cama do casal? Pode dormir fora de
casa?
Outros detalhes importantes: Pode sair mais de uma vez com a mesma pessoa?
Deve-se compartilhar as experiências com o parceiro ou guarda pra si? Tem que avisar
o parceiro previamente? O outro vai ter poder de veto? Um pode ter acesso à
comunicação do parceiro com as pessoas que ele sai? Pode fazer perfil em aplicativos
de paqueras?
Os seguintes depoimentos ajudam a ilustrar como os casais vêm elaborando estes
combinados em suas relações não-monogâmicas:
Beth
Ricardo e Samantha
81
Depoimento extraído do livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
82
Idem.
83
Ibidem.
Paulo e Receba
Sexo em nossa cama está bem, mas sexo na sala de meditação está
completamente proibido. Meu quarto é meu. Ele não tem permissão
para fazer sexo lá. Da mesma forma comigo em seu quarto. 84
Ronaldo e Camila
Por mais que combinados e regras sejam relevantes, é preciso também deixar espaço
para a experiência ir se descortinando naturalmente e cada um descobrir o que faz
sentido para si à medida que as vivências acontecem. O modelo de combinados e
regras, dependendo de como é conduzido, pode acabar enrijecendo a experiência,
pois como mencionamos anteriormente, a realidade é muito dinâmica e não sabemos
como vamos nos sentir quando estivermos em contato com a experiência concreta.
É muito difícil prever como as coisas vão se desenrolar quando adentramos o universo
das relações não-monogâmicas. Então, talvez mais importante do que estabelecer
regras e combinados rígidos, seja a capacidade de manter uma comunicação aberta
e continuada sobre tudo o que for emergindo. Dessa forma, fica mais fácil de
acompanhar a vivência de cada um enquanto o casal se mantém aberto para aprender
com a evolução dessas experiências. Ao invés de reduzir os combinados a uma lista
de permissões e proibições do que se pode ou não fazer, talvez faça mais sentido
pensar nos combinados como diretrizes, como uma direção para onde o casal quer
caminhar, como um alinhamento de intenções, entendimentos e expectativas sobre
o que cada um deseja e anseia, bem como o que vislumbra ser melhor para si e para
o casal.
84
Depoimento extraído do livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
Por exemplo, “queremos abrir a relação, mas não pretendemos nos envolver com
outras pessoas afetivamente.” Essa é uma intenção, o casal quer seguir nessa direção.
Mas pode ser que aconteça algum envolvimento afetivo, já que nem sempre
controlamos isso. Neste caso, deve haver espaço para conversar a respeito, mesmo
que isso não estivesse previamente no combinado, porque muitas vezes a experiência
se sobrepõe às teorizações e isso não é necessariamente ruim, desde que tenhamos
flexibilidade para acolher o que ocorre e processar essas experiências on the fly, ou
seja, na medida em que elas vão acontecendo.
Quando pensamos em termos de regras rígidas, o risco é não haver espaço para
contemplar as experiências que forem emergindo ao longo do percurso e também
não haver espaço para cada um ir descobrindo o que faz bem para si e que tipo de
experiências anseia viver. Regras rígidas tendem a enrijecer o processo e roubar um
pouco da autonomia e espontaneidade dos sujeitos.
Na prática, o que vemos ocorrer com os casais é iniciarem a relação aberta com
muitas regras rígidas e depois, gradativamente, se moverem para um modelo mais
fluido, com menos regras e mais diálogo constante. Nesta evolução natural, a
tendência é que cada parceiro tenha cada vez mais autonomia para escolher que
experiências gostaria de ter e a negociação passa a recair mais sobre como se conduzir
na prática essas vivências e não tanto sobre o que se está autorizado ou não a fazer.
Deste modo, a relação favorece com que cada sujeito tenha autonomia de escolha
sobre seu desejo e os combinados vão servir mais para definir a melhor forma de
realizar essas experiências. Mesmo que muitos casais não estejam prontos ainda para
dar total autonomia de escolha a seus parceiros essa pode ser uma perspectiva boa
no horizonte.
O fato é que apenas aprendemos a sentir segurança através do controle mas essa é
uma segurança um tanto precária. O controle e a proibição são uma espécie de
paliativo. A verdadeira segurança é aquela que emerge da força do vínculo do casal.
Quando mais sólido é o vínculo e a conexão do casal e mais transparente é a
comunicação, maiores são as chances de o casal permanecer juntos ao longo do
tempo. É a conexão e a intimidade que fortalecem a relação e não as regras e normas.
REABRINDO A RELAÇÃO
Como tudo na vida, as relações também evoluem e os acordos que foram feitos no
início do processo podem não ser mais válidos agora, então é preciso estar sempre
disposto a rever os combinados. Devemos ter flexibilidade e espaço interno para
repactuar a relação quando for necessário, sem rigidez excessiva.
Pode ser que um parceiro descubra um novo desejo que não tinha antes e queira
espaço pra realizá-lo na relação. Pode ser que vocês dois começaram saindo sempre
juntos, mas agora um dos dois sente vontade de poder sair sozinho também. Pode
ser que um se descubra bissexual e queira explorar essa possibilidade. Enfim, assim
como as pessoas, as relações também evoluem. O importante é que se vocês
conseguiram chegar a um acordo uma vez, certamente têm condição se repactuar e
encontrar um novo equilíbrio nessa negociação.
PROBLEMAS COMUNS, ARMADILHAS E DESAFIOS DAS RELAÇÕES ABERTAS
Se a opção for por um relacionamento poliamoroso ou uma relação livre, você poderá
desfrutar ainda de alguns benefícios adicionais, como:
Porém, como tudo na vida, existe o outro lado da moeda e os relacionamentos não-
monogâmicos também podem trazer inúmeros desafios e armadilhas que vamos
analisar agora.
MANEJO DO TEMPO E NEGLIGÊNCIA DO RELACIONAMENTO PRINCIPAL
Quando alguma não vai bem na relação, podemos nos sentir impelidos a querer nos
afastar dela para evitar entrar em contato com a dificuldade que está se
manifestando. Algumas pessoas fazem isso mergulhando no trabalho, por exemplo.
Quando se está em um relacionamento aberto, a própria abertura que a relação
proporciona pode acabar se convertendo em uma possibilidade de fuga. Somente o
autoconhecimento pode ajudar a reconhecer qual está sendo a motivação para
buscar algo fora. É para fugir da relação ou é simplesmente para enriquecer a vida do
casal? É importante identificar e sermos honestos com nós mesmos e nossos
parceiros, pois os problemas não somem simplesmente porque não damos atenção a
eles - pelo contrário, eles tendem a ficar maiores quando os evitamos.
Toda ferramenta pode ser mal ou bem utilizada. Com o relacionamento aberto é a
mesma coisa. Ao mesmo tempo em que abrir a relação traz a possibilidade de crescer
juntos e enriquecer o relacionamento, se utilizado sem consciência, pode ser uma
forma de atingir o outro, de magoar.
Digamos que vocês façam um combinado de que não se pode fazer programas
românticos com os parceiros extraconjugais. Mas pode ser que cada um tenha uma
concepção diferente do que é um programa romântico. Por exemplo, almoçar juntos
é um programa romântico? Por isso, quanto mais específicos e explícitos forem os
combinados, melhor.
Às vezes pressupomos que sabemos como o outro vai se sentir ou como irá reagir e
por isso não nos damos o trabalho de consultar e confirmar nossas suposições.
Podemos criar muitos conflitos quando agimos com base na nossa perspectiva sem
considerar que a do outro pode ser diferente. Por exemplo, um dos parceiros pode
pensar assim: “ah, eu não me importaria com isso, então acho que ele também não
vai se importar”.
A zona cinzenta aparece quando ocorre uma situação que não foi totalmente
especificada na negociação. Isso é mais comum do que se imagina. Digamos que vocês
combinam que não é para ter casos com pessoas do trabalho. Aí em uma determinada
festa você encontra o irmão de um amigo do trabalho. Neste caso, você poderia ficar
com ele ou não? Essa é uma zona cinzenta porque está além do que foi definido, mas
ao mesmo tempo está próximo. O ideal seria perguntar para o seu parceiro como se
comportar neste caso, mas nem sempre vocês vão conseguir se comunicar
imediatamente. Então, vale ter como regra a seguinte máxima: na dúvida, abstenha-
se até que a questão possa ser mais bem discutida.
QUEBRA DE COMBINADOS
A pessoa que falha tem que assumir a responsabilidade pelo que fez e se desculpar
sinceramente e não só da boca pra fora. É preciso fazer empatia com a dor provocada
no outro e saber que leva um tempo pra confiança se reestabelecer. Porém, nem toda
quebra de combinado tem o mesmo peso. Fazer sexo sem camisinha é mais grave do
que combinar de ligar quando estiver voltando para casa e não ligar. O ideal é que
nossa reação à quebra do combinado seja proporcional à gravidade do ato.
Quando ocorre uma quebra no acordo, é importante buscar entender o que causou
isso. Pode ser que alguém tenha aceitado algum aspecto do combinado sem estar
realmente convencido dele, mas apenas para agradar o outro. Por isso é importante
que as pessoas tenham de fato autonomia para escolherem o que querem ou não
fazer, porque assim elas tendem a ficar mais comprometidas com o acordo.
QUANDO UM DOS PARCEIROS SE APAIXONA POR ALGUÉM
Em último caso, se um dos parceiros se apaixonar por alguém, isso pode ser
conversado e se chegar a um acordo sobre a melhor forma de lidar com a situação.
Em uma relação monogâmica tradicional quando um se apaixona não tem muita
opção a não ser terminar tudo ou desistir do novo afeto. Os relacionamentos não-
monogâmicos permitem uma terceira opção, que seria incluir a possibilidade de um
relacionamento paralelo, mesmo que sendo secundário. Nesta situação teríamos um
caso de poliamorismo hierárquico.
Veja que nem sempre se apaixonar por outra pessoa é necessariamente ruim e nem
sempre isso é a tragédia que se imagina. Muitas vezes a paixão é passageira e
paradoxalmente, dar espaço para ela pode até ajudar a passar mais rapidamente,
mesmo porque sempre existe um quê de fantasia nos apaixonamentos e o contato
com a realidade pode até ajudar a ressignificar esse sentimento.
Até que ponto vale a pena contar para as outras pessoas que você está em um
relacionamento não-monogâmico? Essa é uma questão delicada que exige bastante
reflexão. Como toda decisão, existem prós e contras. Existe o risco de você ser alvo
de fofocas ou até mesmo ser muito criticado pelos amigos, colegas de trabalho e até
mesmo pela família. As principais críticas que as pessoas costumam fazer são:
Natalia
Renato
No capítulo seguinte vamos falar de um desafio quase que universal para as pessoas
que optam por relacionamentos não-monogâmicos: o ciúme.
85
Depoimento extraído do livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
86
Idem.
LIDANDO COM O CIÚME E OUTROS SENTIMENTOS DIFÍCEIS
A citação acima é do livro “Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships”87 e se mostra muito pertinente para a discussão sobre o ciúme.
Relacionamentos são desafiadores porque podem ativar intensas emoções e o fato é
que ao longo da vida não aprendemos a lidar bem com as emoções. Passamos mais
de uma década na escola e muito provavelmente a maioria das pessoas não teve
nenhuma única aula voltada ao manejo saudável das emoções ou a uma verdadeira
alfabetização emocional. Relacionamentos dependem de autoconhecimento e
também nunca fomos incentivados em nossa educação a olharmos para dentro, o
foco sempre foi e ainda é conquistar alguma coisa fora.
87
TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open Relationships. Ed. Cleis Press.
crianças aprendemos o contrário, aprendemos a sentir segurança apenas no controle
do outro.
É melhor pensar nos sentimentos negativos como um sinal de que algo não está bem
e depois tentar chegar ao que está por trás do que sentimos, como ensina Leonie,
coaching de relacionamentos:
A inveja, por exemplo, pode aparecer quando um parceiro está tendo mais sucesso
que o outro em conseguir parceiros fora do relacionamento. Isso pode ser percebido
como ciúme, mas na verdade é uma inveja disfarçada de ciúmes, até mesmo porque
88
LINSSEN, L. & WIK, S. (2012). Amor sem barreiras: As Alegrias e os Desafios dos Relacionamentos Abertos e
Poliamorosos nos Dias de Hoje. Ed. Pensamento.
é mais fácil assumir ciúme do que inveja - que é uma emoção que denota certa
fraqueza.
A insegurança pode se manifestar pela comparação. Por exemplo: “a mulher que ele
está saindo é muito mais bonita que eu, é mais gostosa, é mais nova, ou é melhor de
cama, tem mais tesão, é mais safada, etc.” Aqui o ciúme se apresenta mascarando
uma insegurança, uma sensação de menos valia, uma baixa autoestima.
O ciúme pode significar que estamos nos sentindo excluídos. Às vezes isso pode ser
resolvido combinando de se fazer programas juntos ao invés dos parceiros saírem
separadamente (por exemplo, fazer um ménage ou swing). Uma outra opção quando
nos sentimos excluídos é arranjar um programa para fazer quando o parceiro estiver
saindo com outra pessoa (caso também não tenhamos ninguém para sair naquele
dia). Pode-se também combinar com o parceiro de agendar suas saídas para um dia
que já estaríamos ocupados mesmo, por exemplo, assistindo a uma aula na faculdade
ou saindo com os amigos.
O ciúme também pode representar resquícios de experiências infantis que não foram
totalmente elaboradas, temores mal resolvidos da infância que trazemos para a vida
adulta. Quando nascemos, logo nos primeiros meses de vida após o nascimento,
ainda nos percebemos muitos ligados à mãe, num estado de completa
indiferenciação.
A criança tem ciúmes da mãe porque se a mãe desaparecer ela morre. É uma questão
de sobrevivência. Na vida adulta, se a dependência infantil que se tinha da mãe na
infância não tiver sido bem elaborada, ao se entrar em uma relação amorosa, esta
89
Citado no curso de especialização da Regina Navarro Lins: “Relações Amorosas – Um novo olhar”:
https://hotmart.com/product/especializacao-regina-navarro-lins/N38215289O
dependência pode reaparecer com bastante força e nesses casos o ciúme tende a ser
muito intenso. O reaparecimento da insegurança infantil leva a pessoa a exigir
exclusividade total no amor e sentir um medo terrível de perder a pessoa da qual
sente que depende para sobreviver.
Assim como o fogo precisa do ar, o amor também precisa da liberdade pra fluir, tem
que ser um fenômeno espontâneo, tem que poder circular livremente pois ele ganha
força na medida que pode pulsar livremente, sem as fronteiras rígidas e artificiais que
a cultura monogâmica criou.
Acreditamos que essas fronteiras vão nos proteger da perda ou da reedição da perda
primária experimentada lá atrás na infância. Por isso, o medo da perda leva ao reflexo
defensivo de exclusão dos outros, que passam a ser vistos como fontes de ameaça.
Isso é o ciúme, a disputa pelas pessoas, a demarcação de um território. Porém, como
explica Brigitte Vasallo em seu ensaio “Abrir amores, fechar fronteiras?”:
(...) um sistema que nos diz que a chegada do “outro” nunca é uma
notícia boa, que nunca nos trará novas energias, novos
conhecimentos, novos pontos de vista, novos laços, que nunca nos
fará melhores, nem mais felizes, nem mais reais, nem mais
luminosos, nem mais alegres. Um sistema que nos diz que o outro
não tem direito de existir.90
Não existe uma receita de bolo para aprendermos a lidar com o ciúme ou com os
sentimentos difíceis em geral, porém algumas indicações podem ajudar no
processo:
• Não se critique por sentir ciúmes. Sentir ciúme é compreensível; agir conforme
manda o ciúme não.
• Permita-se sentir o ciúme, não resista nem fuja dele. Mesmo que você entenda
que ele não é racional, ainda assim ele é real e deve ser validado e legitimado.
• Quanto mais você abrir espaço para acolher o que está sentindo, menos
sobrecarregado você fica com a emoção. Respire fundo, sinta seu corpo e
perceba que você não se resume a essa emoção.
• Pode ser que seu ciúme seja uma reação aprendida, reforçada culturalmente,
então vale a pena refletir se você não está simplesmente reproduzindo algo
que aprendeu mas que não realmente reflete seus valores pessoais.
• Quando você sentir ciúmes se pergunte o que pode estar por baixo desse
sentimento. Você está se sentindo deixado de fora? É inveja porque o outro
está fazendo algo que você não está conseguindo fazer? É uma necessidade de
90
VASALLO, Brigitte (2020). Abrir amores, fechar fronteiras? Edições Chão da Freira.
controle? Você está se comparando com alguém e se sentindo diminuído por
causa disso? Você está se sentindo ameaçado ou desrespeitado? Aconteceu
alguma coisa específica que ativou seu ciúme?
• Pode ser útil conversar com seu parceiro, com um amigo, um parente ou até
mesmo com um terapeuta. Alguém de fora poderá ajudar você a entender se
sua percepção da situação está correta ou exagerada.
• Pense no que você precisa para se sentir melhor. Talvez seja fazer algum
programa que você goste, talvez seja passar mais tempo com seu parceiro ou
então talvez você tenha necessidade que seu parceiro demonstre mais que
valoriza e está comprometido com a relação. A resposta para essas perguntas
depende de uma auto investigação sincera.
• O autocuidado nessa hora é muito importante, fazer algo que gosta, ler um
livro, assistir uma série, exercício físico, sair com amigos.
• Já outros precisam desabafar com alguém ou com o parceiro, lembrando-se
sempre de falar na primeira pessoa para se responsabilizar pelo sentimento.
Depois de desabafar diga o que necessita para se sentir bem.
• O ciúme pode estar relacionado a experiências do passado que nada tem a ver
com seu relacionamento atual. Às vezes apenas ter consciência dessa relação
causal já pode atenuar a intensidade da emoção, outras vezes precisaremos de
um trabalho mais profundo para desfazer os danos causados ao nosso sistema
emocional.
Já quando é o nosso parceiro que diz que está se sentindo enciumado, nosso trabalho
é validar o sentimento dele mesmo que não entendamos ou concordemos. Nosso
primeiro objetivo será sempre ouvir e tranquilizar a outra pessoa sobre nosso
compromisso com o relacionamento.
Pedro
91
Depoimento extraído do livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
porque está me incomodando eu posso falar assim: "querido, você
poderia parar de dizer para mim o quão maravilhoso fulano é? Ou se
você fizer isso, será que poderia intercalar com um elogio semelhante
para mim também?”
Coralina
Clarice
Raul
Luís
Quando estou com ciúme, me pergunto: “será que tenho tão pouca
fé em mim mesma e em meu valor como pessoa que acho que
poderia ser facilmente substituída?” Mais uma vez, trata-se de me
forçar a cuidar de mim mesmo. Quando eu acredito firmemente em
meu valor como pessoa, há espaço para outras pessoas na vida de
meus parceiros.
Elizabeth
Fernando
92
Depoimento extraído do livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
Gosto de ver meus outros parceiros felizes com outra pessoa. Fico
feliz em vê-los felizes e felizes por alguém. Também fortalece nosso
relacionamento porque eles trazem esse amor e felicidade de volta
para nós.
Joana
A compersão erótica acontece quando você tem prazer em ver seu parceiro se
relacionando sexualmente com outros. Vejamos alguns depoimentos93 reais de
compersão erótica em relacionamento não-monogâmicos:
Quando essa pessoa estava fazendo sexo anal com meu parceiro,
deitei-me na outra cama e comecei a me masturbar com a Varinha
Mágica. Fiquei tão excitada em ver meu esposo sendo fodido que tive
um dos orgasmos mais poderosos que já experimentei.
Patrícia
Mariana
93
Depoimento extraído do livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
ABRINDO A RELAÇÃO COM O CUIDADO QUE ELA MERECE
Para que esse movimento de abertura da relação tenha coerência, é necessário que
o casal esteja sinceramente buscando melhorar a relação, esteja sinceramente
querendo aprofundar a relação e investir no amor entre o casal. A base do amor é a
cumplicidade, é se importar com o outro, é gostar de ouvir, gostar de conversar,
gostar de estar com o outro. Além disso, amar também é uma ação, um ato de
vontade, é uma escolha por se dedicar a alguém. A não-monogamia responsável deve
surgir nesse contexto e ser coerente com esses princípios. O objetivo não é usar o
outro pra se satisfazer, o objetivo é enriquecer o vínculo, aumentando a intimidade,
a cumplicidade e a proximidade. Se usarmos a possibilidade de relação aberta para
nos distanciarmos do outro, contrariaremos esses princípios básicos de qualquer
relacionamento amoroso de longo prazo e não seria uma relação não-monogâmica
responsável como estamos propondo neste livro.
Lucas
94
Depoimento extraído do livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
A ideia da relação aberta é favorecer com que cada um possa ser o que
verdadeiramente é. A ideia é encorajar a expressão do nosso ser mais autêntico, com
o objetivo de fortalecer a nossa individualidade. Essa foi a proposta original de
casamento aberto publicada no livro e 1972 com o título de “Open Marriage: A New
Life Style for Couples” (Casamento aberto: um novo estilo de vida para casais). O
modelo de casamento proposto pelos autores enfatiza a comunicação honesta e
aberta, além da liberdade compartilhada. Eles enxergam o casamento aberto como
uma ferramenta para o crescimento pessoal onde um dá suporte para o
desenvolvimento do outro, focado no fortalecimento da individualidade de ambos.
Segundo estes autores,
A verdade é que a sociedade prefere seres frágeis, que se conformam e muitas vezes
os relacionamentos amorosos acabam reproduzindo essa lógica de submissão dos
indivíduos, supostamente em prol da relação. Em geral, nos relacionamentos, a
identidade do casal é priorizada em detrimento das identidades individuais, como se
pudesse haver uma relação forte com indivíduos fragilizados. Abrimos mão do que
somos para cabermos na relação, ou seja, nos conformamos novamente, assim como
fomos ensinados a vida toda!
A abertura deve, então, começar pela transparência, para que possamos revelar
nosso mundo interior e acolher as revelações do outro. Precisamos reaprender essa
lógica da permissão interna para sermos o que nós somos ao invés do que
deveríamos ser, ao invés do que o outro precisa que eu seja. O convite deve ser para
o outro se apresentar como é e não como eu gostaria que ele fosse!
95
Citado em PERCHES, Tatiana (2009) Plantão psicológico: o processo de mudança psicológica sob a perspectiva da
psicologia humanista. Pode ser encontrado aqui: https://www.passeidireto.com/arquivo/50387037/doc-0
e não o que deveríamos ser. Essa parceria cria a atmosfera propícia para
concretização da relação aberta.
Vejamos algumas outras dicas que podem ajudar a minimizar os percalços nessa
caminhada de abertura da relação.
Se tem uma coisa para a qual não devemos ter pressa é na hora de abrir a relação.
Nosso relacionamento é muitas vezes o que temos de mais precioso na vida e merece
todo cuidado do mundo. Mesmo que o processo de abertura leve mais tempo, às
vezes meses ou até anos, ainda assim é importante optarmos pelo caminho do
cuidado, porque amar é isso, é cuidar, é se importar com o outro, é considerar suas
necessidades e seus sentimentos. Leonie Linssen, coaching de relacionamento, atenta
para o fato de que:
96
LINSSEN, L. & WIK, S. (2012). Amor sem barreiras: As Alegrias e os Desafios dos Relacionamentos Abertos e
Poliamorosos nos Dias de Hoje. Ed. Pensamento.
acham que tem de ruim? Quais os receios e anseios de cada um com relação a essa
questão?”
Essa reflexão pode começar também com a leitura de livros, assistindo a séries e
filmes sobre o assunto, ouvindo podcasts, etc. (ver indicações mais à frente). À
medida que vocês vão lendo e assistindo, vários temas vão surgir para aprofundar a
reflexão.
Depois deve-se partir para o nível das emoções. “O que é que essas ideias causam em
mim? Como eu me sinto ouvindo meu companheiro falar sobre o assunto? Que medos
me vêm à cabeça? Como será que eu me sentiria vendo meu parceiro com outra
pessoa?” É preciso que as emoções estejam assentadas antes de partir para a ação.
Em geral, existe muita tensão envolvendo este tema e é importante conseguir ficar à
vontade emocionalmente antes de partir para concretização, para que ninguém se
sinta atropelado emocionalmente com a experiência.
Depois vem o nível do planejamento estratégico. “Então, afinal, o que vamos fazer
com tudo isso? Como vamos organizar esse processo de abertura da relação? Como
podemos ir começando aos poucos? Qual seria um bom primeiro passo? Que
combinados vamos estabelecer?”
E por último, depois de passar por todas essas etapas, aí pode-se começar a colocar
alguma coisa em prática, pouco a pouco, respeitando o planejamento e os
combinados estabelecidos.
Não tenham receio de dar alguns passos para trás caso sintam que alguma coisa não
está dando certo
Não hesitem em dar alguns passos para trás caso surja algum conflito ou algum
incômodo com a relação aberta. Se algo de ruim acontecer parem tudo e fiquem um
tempo sem sair com ninguém de fora até a harmonia entre vocês se reestabelecer. É
muito comum essas idas e vindas no início do processo porque é um aprendizado
mesmo. Aos poucos vocês vão encontrando um equilíbrio ideal entre segurança e
liberdade na relação de vocês, através de tentativas e erros mesmo. Não se
desanimem caso sintam dificuldade no início, afinal de contas, nunca aprendemos a
nos relacionar assim, nem tivemos modelos para servir como referência.
Uma regra de ouro é só sair com outras pessoas quando a relação estiver boa, quando
ambos estiverem bem, quando o casal estiver equilibrado. Quando um dos parceiros
está mal, essa pessoa fica muito mais suscetível a sentir ciúmes ou a se sentir
preterida, então nessa hora é importante a tônica se mover da liberdade individual
para o cuidado com a relação.
Por exemplo, quando um dos parceiros está doente, faz todo sentido que o outro
cancele seus compromissos para dar mais atenção ao parceiro que está precisando
de uma atenção especial. Outro exemplo seria quando um dos dois está passando por
dificuldades no trabalho ou está se sentindo fragilizado por um motivo qualquer.
Assim se pratica a responsabilidade afetiva.
Voltando temporariamente à monogamia
Quando meu parceiro se mudou para o outro lado do país para morar
comigo, decidimos ser monogâmicos por seis meses enquanto ele se
mudava para uma nova cidade, um novo emprego, basicamente
uma vida totalmente nova. Com tanta coisa para ele se ajustar, eu
queria dar a ele uma sensação de segurança e deixá-lo saber que ele
seria minha prioridade.97
Fernanda
Lembre-se sempre que a prioridade é o casal. Ambos têm que estar se sentindo
valorizados, tem que sentir que a relação está em primeiro lugar, senão não se pode
falar em não-monogamia RESPONSÁVEL. Queremos aumentar as possibilidades de
gratificação, mas sem reduzir a qualidade do vínculo. O depoimento de Beatriz ilustra
bem essa priorização do relacionamento principal:
97
Depoimento extraído do livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
considerável, mas temos que cortar a relação se ela se tornar
invasiva.98
Vale a pena de vez em quando deixar um tempo só para o casal. Por exemplo, um
final de semana por mês é só do casal. Ou talvez combinar que durante as férias ficam
temporariamente suspensos os encontros extraconjugais. Ou o contrário,
relacionamentos extraconjugais são permitidos apenas nas férias. Há que se dedicar
tempo de qualidade para o relacionamento regularmente pois sem isso nenhum
relacionamento amoroso pode prosperar.
O cuidado com a relação é o alicerce sólido que permite uma maior liberdade
individual. É justamente porque sentimos que a relação está sólida que permitimos
que o outro seja livre. Caso contrário, se existe uma fragilidade do vínculo, a tendência
é querermos nos sentir seguros através do controle e aí fica difícil dar liberdade para
o outro. Quando estamos com medo, nossa tendência é contrair e segurar o outro.
Infelizmente todos nós aprendemos a sentir segurança no controle e o que estamos
propondo aqui é a possibilidade de criar segurança através do fortalecimento do
vínculo e da cumplicidade e não através do controle e da castração.
É muito raro que ambos os parceiros tenham a ideia de abrir a relação no mesmo
momento. Em geral a iniciativa parte de um dos parceiros que faz a proposta para o
outro. Como fomos condicionados a acreditar que deveríamos realizar todas as
nossas necessidades com uma só pessoa, a simples proposta de abertura pode
precipitar mágoas no parceiro que a recebe, pois essas idealizações têm muita força
no nosso psiquismo.
98
Depoimento extraído do livro de TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
tempo para o outro assimilar e ressignificar as crenças que traz sobre o que seria um
relacionamento ideal. O parceiro que for propor inicialmente a abertura da relação
deve fazer isso de forma suave e não confrontativa, sondando a disponibilidade do
outro aos poucos. Por exemplo: “você viu aquela matéria que saiu na revista sobre
relacionamentos abertos? O que você achou?”
A pessoa que estiver ouvindo a proposta deve manter a mente aberta e evitar críticas
e julgamentos. Evite cair na armadilha de acreditar que existe algum problema com
você. Lembre-se que a sociedade quer que acreditemos que uma pessoa deve dar
conta de satisfazer todas as necessidades do parceiro, mas isso é algo irreal, um mito.
Procure manter a mente aberta para considerar novas possibilidades, pois se o outro
está fazendo a demanda, é porque de algum modo isso é importante para ele. Deve-
se evitar ao máximo julgar e condenar o outro por estar sendo transparente e honesto
na relação, já que isso é muito melhor do que trair pelas costas como a maioria das
pessoas fazem.
Quem faz a proposta deve escolher um bom momento para levantar a questão da
abertura da relação. Além disso, deve evitar pressionar o outro para tomar uma
decisão logo pois esta é uma decisão que tem vastas implicações para a dinâmica do
casal. Lembre-se que a abertura da relação tende a realçar as dificuldades do
relacionamento, como explica a terapeuta Joy Davidson:
99
Citado no curso de especialização da Regina Navarro Lins: “Relações Amorosas – Um novo olhar”:
https://hotmart.com/product/especializacao-regina-navarro-lins/N38215289O
e questões importantes para se chegar a um equilíbrio no relacionamento antes de
se abrir a relação. Do contrário, é provável que as coisas e desestruturem muito
rapidamente.
Na medida em que a não monogamia consensual se torna cada vez mais comum,
muitas pessoas que antes presumiam que os relacionamentos deveriam ser
necessariamente exclusivos agora estão se perguntando se não valeria a pena abrir a
relação. Isso significa que não é incomum encontrar pessoas que entraram em um
relacionamento monogâmico pensando que era o que elas queriam e depois
resolvem mudar de ideia. Até aí tudo bem, porque todos têm o direito de mudar de
ideia. A questão é que não necessariamente o parceiro vai gostar da novidade.
Propor abertamente para seu parceiro seu interesse em abrir a relação mesmo sem
saber o que ele pode pensar a respeito é um ato de integridade, pois é melhor ser
honesto do que trair pelas costas. Mas assim como você tem o direito de expressar
sua preferência pela não-monogamia, seu parceiro também tem o direito de declarar
sua preferência pela monogamia. Então o que fazer se o casal tiver preferências
diferentes neste quesito?
Explique suas motivações e o que está te levando a fazer tal proposta. Esclareça que
não tem nada a ver com seu amor por ele e que não é nada pessoal contra ele. Ao
mesmo tempo, se o parceiro se mostrar resistente, é importante compreender qual
é a motivação para ele não querer abrir a relação. É medo de ser abandonado? Será
que a pessoa tem um histórico de ter sido traída?
Saber o motivo pelo qual o outro não concorda com a abertura da relação por si só já
pode ajudar a saber como abordar a questão. A partir da explicação da outra pessoa,
você pode propor alguma forma de contornar a objeção que ela está fazendo. Muitas
das dificuldades podem ser contornadas com os combinados estabelecidos. Por
exemplo, se o medo é de ser abandonado, vocês podem combinar de somente saírem
juntos. O importante é buscar uma abordagem criativa, de modo que as necessidades
de todos sejam contempladas e atendidas.
De todo modo, não cobre uma decisão imediata do seu parceiro. Talvez você já venha
pensando sobre o assunto há muito tempo, mas para seu parceiro pode ser a primeira
vez que ele está refletindo sobre essa questão. Se seu parceiro se mostrar disposto a
manter uma conversa com a mente aberta e refletir mais sobre o assunto, já é um
bom começo.
Entenda também que é possível que seu parceiro fique com o ego machucado ao
saber que você tem interesse em ficar com outras pessoas. Está tudo bem com isso.
Como todos viemos de uma tradição monogâmica - que tem como dogma central a
ideia de que quem ama não deseja mais ninguém - isso pode afetar a percepção que
seu parceiro tem do seu amor por ele. É absolutamente necessário não ter pressa
nessa hora. Dê bastante tempo para o outro digerir.
Aprendam a fazer concessões e busquem soluções criativas que sejam boas para
ambos
Quando um casal realmente quer ficar juntos, é importante que ambos estejam
dispostos a fazer alguma concessão de modo a contemplar a necessidade de todos os
envolvidos, buscando uma abordagem criativa para solucionar as divergências e
chegar em um lugar que fique confortável para ambos. Se importar com as
necessidades e anseios do seu parceiro também é uma forma de amor.
Uma análise que pode ajudar a identificar as concessões que podem ser feitas é ter
clareza do quão custoso seria para cada um abrir mão de sua preferência. Ou seja, o
quão custoso seria para a pessoa que quer abrir a relação desistir deste anseio? E o
quão custoso seria para a pessoa que prefere manter a relação fechada abrir mão da
monogamia?
Lembrando que toda concessão deve ser feita com muita consciência, porque quando
cedemos em algo que é absolutamente fundamental para nós, isso pode deixar um
saldo grande em termos de ressentimento, fazendo com que a pessoa que renunciou
ao que era fundamental para si acabe se vingando inconscientemente do outro mais
pra frente, como explica o psicoterapeuta José Ângelo Gaiarsa:
É importante considerar que nem tudo nessa esfera é uma questão de mera escolha.
Para alguns a questão da orientação monogâmica ou não-monogâmica é quase uma
questão identitária mesmo, sendo melhor entendida como uma questão de
orientação sexual, ou seja, algo que não escolhemos, mas que simplesmente
reconhecemos em nós. Uma pessoa heterossexual simplesmente reconhece que se
sente atraída por pessoas do sexo oposto, não é uma escolha. O mesmo vale para o
homossexual que simplesmente percebe-se sentindo atração por pessoas do mesmo
sexo. Sabemos também que algumas pessoas se sentem atraídas por pessoas de
ambos os sexos, o que tampouco é uma escolha.
100
Citado no curso de especialização da Regina Navarro Lins: “Relações Amorosas – Um novo olhar”:
https://hotmart.com/product/especializacao-regina-navarro-lins/N38215289O
101
SHEFF, Elisabeth. (2016). Is Polyamory a Form of Sexual Orientation? Publicado em:
https://www.psychologytoday.com/intl/blog/the-polyamorists-next-door/201610/is-polyamory-form-sexual-
orientation?fbclid=IwAR0lkDBUbOgFL9JQp2zbCKbDrVvGCtpHDdZn9PBv9BL_ps_-VmBLBww82Jg
entrevistou um participante que resumiu suas relações monogâmicas da seguinte
forma:
Quando não existe nem disposição para explorar o assunto e refletir e buscar soluções
conjuntas para que ambos se sintam confortável na relação, então talvez seja hora de
reavaliar o relacionamento. Mas se ambos têm certeza de que valorizam a relação e
querem ficar juntos e ainda assim não estão conseguindo lidar com esse conflito de
interesses, não se desesperem. Tenham paciência um com outro e saibam que vocês
podem sim chegar a um acordo que contemple as necessidades de ambos.
102
Idem.
sua vontade também é bem cruel obrigar uma pessoa não-monogâmica a se abster
de se relacionar com várias pessoas contra sua vontade.
Mas caso o casal não esteja conseguindo alcançar um consenso, buscar uma ajuda
especializada pode ser de grande valia, por exemplo com um psicoterapeuta de casal.
O importante é que esse profissional esteja familiarizado com as questões
relacionadas às relações não-monogâmicas.
INTELIGÊNCIA ERÓTICA: CULTIVANDO A INDIVIDUALIDADE NAS RELAÇÕES
É necessário, então, saber manter uma certa distância na relação, como explica a
autora:
103
Citado no artigo de Regina Navarro Lins “Amo meu marido mas não consigo sentir desejo por ele”:
https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2019/05/20/amo-meu-marido-mas-nao-consigo-sentir-desejo-por-
ele/#:~:text=A%20terapeuta%20de%20casal%20belga,uma%20diminui%C3%A7%C3%A3o%20do%20desejo%20sexual.
qualquer preço os casais talvez possam estar em situação melhor
cultivando suas individualidades.104
Isso não quer dizer que não deva haver intimidade na relação do casal, mas sim que
essa intimidade não deve acontecer às custas das individualidades dos parceiros.
Como explica Esther Perel, “A individualidade é vital para o desejo (...) Para isso, é
necessário haver egoísmo, no melhor sentido da palavra: a habilidade de estar
conectado consigo mesmo na presença do outro”.105 Muitos casais, porém,
confundem intimidade com simbiose, o que tende a levar a uma anulação das
diferenças individuais.
A intimidade saudável é aquela que não anula as diferenças. Para isso é necessário
haver um forte senso de autonomia individual, como explica a psicanalista Regina
Navarro:
Ter uma relação de intimidade quer dizer entrar na vida do outro sem
perder o sentido da própria identidade. Para isso é necessário haver
uma forte autonomia individual. (...) Ao contrário da simbiose, a
intimidade precisa da manutenção de um forte sentido de
individualidade: só a pessoa que confia em si própria pode soltar as
amarras e enfrentar o mar aberto de uma relação envolvente com o
outro106.
104
Citado no artigo de Regina Navarro Lins “O que é inteligência erótica e como podemos desenvolvê-la”:
https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2018/05/10/o-que-e-inteligencia-erotica-e-como-podemos-desenvolve-
la/#:~:text=Desejamos%20criar%20intimidade%20em%20nossas,fizemos%20tanto%20esfor%C3%A7o%20para%20pre
encher.
105
Citado na matéria do portal Metrópoles “Guru de relacionamentos, Esther Perel convida casais a repensarem a
traição”: https://www.metropoles.com/colunas/claudia-meireles/guru-de-relacionamentos-esther-perel-convida-
casais-a-repensarem-a-traicao
106
Citado no curso de especialização da Regina Navarro Lins: “Relações Amorosas – Um novo olhar”:
https://hotmart.com/product/especializacao-regina-navarro-lins/N38215289O
A dependência emocional entre um casal é encarada por todos com naturalidade
porque se confunde com amor e é reforçada pelo modelo do amor romântico que
pressupõe que um vai satisfazer todas as necessidades do outro. Isso favorece com
que reeditemos experiências muito primitivas da infância, quando dependíamos
totalmente da mãe para sobrevivermos, como explica a psicanalista Regina Navarro:
No parceiro é depositada a certeza de ser cuidado e de não ficar só. A distância faz
sentir o desamparo, da mesma forma que se sentia quando a mãe se ausentava. A
dependência emocional que se estabelece torna comum depositar no outro a
garantia de não ficar só. O medo da solidão e do desamparo leva à exigência de que
o parceiro não tenha olhos para mais ninguém. O receio de ser abandonado ou
trocado por outra pessoa leva a se exigir do parceiro que não tenha interesse nem
ache graça em nada fora da vida a dois, longe da pessoa amada.
Se o marido ou a mulher for tomar um chope com os colegas ao sair do trabalho, isso
já pode causar uma grande dor no outro, que entende essa atitude como desinteresse
e uma ameaça à estabilidade da relação. Nenhum tipo de prazer individual é admitido
quando se espera ser a única fonte de interesse do outro. O psicoterapeuta Paulo
Lemos, em seu livro “Educação Afetiva – Por que as pessoas sofrem no amor?”, explica
que:
107
Citado no artigo de Regina Navarro “Por que a maioria deseja se casar”:
https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2015/12/01/por-que-a-maioria-deseja-se-casar/
grudado, quando intuitivamente um dos pares começa a reivindicar
espaço maior para si parece que algo estranho está acontecendo.
Surgem as fantasias de abandono, surge o ciúme.
Uma boa forma de visualizar esse espaço próprio tão necessário de ser cultivado pelos
membros da relação é através de uma representação gráfica. O que caracterizaria
uma intimidade saudável seria a existência de espaços distintos: a vida própria de A,
a vida própria de B e a vida em comum de ambos, que pode ser representado da
seguinte forma:
108
Extraído do TED Talk de Esther Perel “O Segredo do Desejo em um Relacionamento Duradouto”:
https://www.ted.com/talks/esther_perel_the_secret_to_desire_in_a_long_term_relationship/transcript?language=pt
-br
VIDA EM COMUM DO CASAL
AeB
VIDA PRÓPRIA DO PARCEIRO A VIDA PRÓPRIA DO PARCEIRO B
Para Esther Perel, precisar é desestimulante: “Já procurei, mas ainda não encontrei
uma pessoa que se excite por alguém que precisa dela.”110 O desejo vem quando o
outro é visto como independente. A autora, que viajou por dezenas de países
promovendo seu livro e realizando pesquisas sobre o sexo no relacionamento,
observa que onde o romantismo entrou, instalou-se uma crise do desejo. Ela resolveu,
então, fazer a pergunta: quando você sente mais atração pelo seu parceiro? Apesar
de proverem de culturas, religiões e gêneros diferentes, as respostas foram bastante
semelhantes e permitiram ser reunidas em três grupos:
Primeiro grupo: “sinto mais atração pelo meu parceiro quando estamos longe e nos
reencontramos.”
Segundo grupo: “sinto mais atraída pelo meu parceiro quando o vejo se destacando
em seu ambiente ou fazendo algo que gosta muito, quando é o centro das atenções,
109
Citado no artigo de Regina Navarro Lins “Dependência emocional e amor se confundem: é seu caso?”:
https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2018/10/18/dependencia-emocional-e-amor-se-confundem-e-o-seu-
caso/
110
Citado no artigo de Letícia Iolandi “Relação aberta ou inteligência erótica: existe uma resposta única para os
dilemas atuais do casamento?”: https://www.uai.com.br/app/noticia/saude/2013/06/28/noticias-
saude,194361/relacao-aberta-ou-inteligencia-erotica-existe-uma-resposta-unica-para.shtml
por exemplo, quando minha mulher faz uma apresentação de trabalho para centenas
de pessoas sem nem perceber que estou ali na plateia.”
Terceiro grupo: “sinto mais atração pela minha parceira quando estou surpreso,
quando rimos juntos, quando há alguma novidade.”
Vemos então que para o desejo surgir, não existe a necessidade obrigatória de uma
nova pessoa, bastam novos comportamentos e novas iniciativas. É um esforço, um
trabalho contínuo de renovação. A inteligência erótica “está vinculada ao impulso de
manter-se vivo, à conexão com a força energética vital”, explica Esther. A autora
esclarece que, no Ocidente, o erotismo é automaticamente associado ao sexo, mas a
inteligência erótica não é necessariamente uma habilidade sexual.
Uma grande frustração que muitos casais têm, segundo Esther, é acreditar que o sexo
entre o casal deve ser igual ao do início do relacionamento. O desejo, com o tempo,
passa a vir de forma mais calma, mas nem todos aceitam isso pois o casamento
inspirado pelo amor romântico traz expectativas irreais e acaba virando um motor de
insatisfações. Uma vez que o desejo deixa de ser espontâneo, ele passa a ser
premeditado, planejado mesmo, e está tudo bem com isso.
Outros aspectos que dificultam o sexo no casamento, segundo Esther Perel, são: o
egoísmo do parceiro, a dificuldade em comunicar suas preferências sexuais, o
desapontamento com as preferências do outro, a rotina, a idade avançada, o sexo
focado apenas na parte genital do corpo, a falta de orgasmo para alguns e o foco
apenas no orgasmo para outros. E temos ainda o fato de não gostar do próprio corpo.
“Se você não gosta do próprio corpo, como vai convidar alguém para desfrutá-lo junto
111
Citado no artigo de Letícia Iolandi “Relação aberta ou inteligência erótica: existe uma resposta única para os
dilemas atuais do casamento?”: https://www.uai.com.br/app/noticia/saude/2013/06/28/noticias-
saude,194361/relacao-aberta-ou-inteligencia-erotica-existe-uma-resposta-unica-para.shtml
112
Idem.
com você? A tirania do corpo que existe em vários países, inclusive no Brasil, exacerba
essa frustração”.113
Neste capítulo estamos abordando alguns aspectos relacionais que favorecem a vida
sexual do casal, porém, existem diversos aspectos relacionados ao próprio indivíduo
que também podem favorecer ou atrapalhar uma vida sexual mais plena.
O manejo do estresse também deve entrar nessa equação, pois se sabe hoje em dia
que a resposta biológica do estresse crônico envolve desligar determinados
mecanismos corporais, sendo um deles a função reprodutiva e sexual. Ou seja, quanto
maior o nosso estresse, menos libido e menos desejo sexual.
113
Citado no artigo de Letícia Iolandi “Relação aberta ou inteligência erótica: existe uma resposta única para os
dilemas atuais do casamento?”: https://www.uai.com.br/app/noticia/saude/2013/06/28/noticias-
saude,194361/relacao-aberta-ou-inteligencia-erotica-existe-uma-resposta-unica-para.shtml
Mas até mesmo para que seja possível comunicar ao parceiro o que nos dá prazer, é
preciso primeiro se conhecer bem, explorar o próprio corpo a sós. Nesse sentido a
masturbação é um grande aliado do autoconhecimento sexual. Quanto mais você se
toca e se experimenta mais saberá o que ajuda seu prazer.
Nos tempos atuais a internet vem ocupando um espaço cada vez maior em todos os
aspectos das nossas vidas. Cada vez mais questões são solucionadas através da
internet e não seria diferente com o universo das relações não-monogâmicas.
Existem, por exemplo, redes sociais e aplicativos que auxiliam muito a navegar por
essa experiência.
Como temos advogado ao longo deste livro, o processo de abertura da relação deve
ser gradual, progressivo e cuidadoso. Quanto mais lento for o processo, mais fácil fica
digerir emocionalmente esse novo paradigma relacional. Umas das formas de ir se
aproximando gradativamente deste campo de relações não-monogâmicas pode ser
justamente através de algum aplicativo ou rede social voltada para este fim.
Uma boa opção para conhecer melhor o universo do swing é através do Sexlog, a
maior rede social de sexo e swing do brasil. Em seu site consta a seguinte descrição:
Ao navegar pelas páginas do site você poderá encontrar diversos perfis de pessoas
interessadas em sexo, podendo restringir a busca por casais ou solteiros, homo ou
heterossexuais. Mesmo que seja só para conversar, já é uma grande opção para ir aos
poucos adentrando este universo.
Outra ferramenta que ajuda bastante a adentrar o universo das relações abertas é o
aplicativo Ysos115, que funciona ao modo de um Tinder liberal, voltado para casais que
querem se aventurar pelo universo das relações não-monogâmicas, em especial o
114
https://sexlog.com
115
https://ysosapp.com.br/
swing. Também é possível encontrar solteiros ou solteiras para experiências de
ménage.
https://www.uol.com.br/play/universa/podcast/sexoterapia/
A série Eu, Tu e Ela, do Netflix, ilustra bem uma experiência poliamorista no formato
do trisal. Já a série Wanderlust mostra um casal que após muito tempo de casado
passou a ter dificuldades sexuais e optaram por abrir a relação para que pudessem
transar com outras pessoas e acabaram evoluindo para um poliamorismo.
Vale a pena conferir também a série Easy, do Netflix, cujo episódio 6 (Utopia) ilustra
uma experiência de ménage. Para quem quer entender um pouco mais sobre as
origens da monogamia existe uma série do Netflix chamada Explicando que tem um
episódio sobre a origem da monogamia
Uma lista mais completa de filmes com a temática não-monogâmica pode ser
encontrada aqui: https://contosdeantheia.com/2018/10/03/17-filmes-nao-
monogamicos/
RECADOS FINAIS
Estamos cada vez mais livres para escolhermos como queremos viver e com mais
liberdade vem mais responsabilidade. Por isso falamos em não-monogamia
RESPONSÁVEL. A não-monogamia sempre ocorreu em toda história humana, a
questão é que ela sempre ocorreu por debaixo dos panos, de forma não consensual.
Agora estamos tendo a possibilidade de experimentarmos uma não-monogamia
consciente, ética, responsável e cuidadosa. Ainda assim, quem não tiver nenhuma
inclinação para a não-monogamia, poderá continuar tranquilamente se relacionando
de forma monogâmica, conscientemente e não mais por imposição.
LIVROS
BUSIN, V. M. (2012) Juventude, religião e ética sexual. Ed. Católicas pelo direito de
decidir.
FISHER, H. (2006). Por que nós amamos: a natureza e a química do amor romântico.
Ed. Record.
LEMOS, P. (1994). Educação Afetiva – Por que as pessoas sofrem no amor? Ed. Lemos
Editorial.
LINSSEN, L. & WIK, S. (2012). Amor sem barreiras: As Alegrias e os Desafios dos
Relacionamentos Abertos e Poliamorosos nos Dias de Hoje. Ed. Pensamento.
NAVARRO, R. (2017). Novas Formas de Amar: Nada vai ser como antes: Grandes
Transformações nos Relacionamentos Amorosos. Ed. Planeta.
O´NEILL, N. & J. (1984). Open Marriage: A New Life Style for Couples. Ed. M. Evans &
Company.
PEREL, E. (2018). Sexo no cativeiro: Como manter a paixão nos relacionamentos. Ed.
Objetiva.
RODRIGUES, M. et al. (2017). Relações livres – uma introdução. Ed. Coleção RLI
TAORMINO, Tristan (2008). Opening Up: A Guide to Creating and Sustaining Open
Relationships. Ed. Cleis Press.
VASALLO, Brigitte (2020). Abrir amores, fechar fronteiras? Edições Chão da Feira.
VERSALLES, L.; VIANA, G.; ZANARDO, L. C. (2018). Nas Grades do Estado. Ed. Clube de
Autores.
ARTIGOS CIENTÍFICOS
https://associacaoportuguesasociologia.pt/ix_congresso/docs/final/COM0037.pdf
IOLANDI, Letícia. Relação aberta ou inteligência erótica: existe uma resposta única
para os dilemas atuais do casamento? Publicado em:
https://www.uai.com.br/app/noticia/saude/2013/06/28/noticias-
saude,194361/relacao-aberta-ou-inteligencia-erotica-existe-uma-resposta-unica-
para.shtml
NAVARRO, Regina Lins (2020). Abstinência como política: por que achamos que sexo
é sujo e perigoso? (https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2020/02/01/sobre-
a-abstinencia-sexual)
NAVARRO, Regina Lins (2013). O declínio do amor romântico. Publicado em: Citado
no artigo de Regina Navarro “O declínio do amor romântico”, que pode ser
encontrado aqui: https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2013/11/19/o-
declinio-do-amor-romantico/
NAVARRO, Regina Lins (2020). Abstinência como política: por que achamos que sexo
é sujo e perigoso?”. Publicado em: que pode ser encontrado aqui:
https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2020/02/01/sobre-a-abstinencia-
sexual/
NAVARRO, Regina Lins (2019). Amo meu marido, mas não consigo sentir desejo por
ele. Publicado em: https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2019/05/20/amo-
meu-marido-mas-nao-consigo-sentir-desejo-por-
ele/#:~:text=A%20terapeuta%20de%20casal%20belga,uma%20diminui%C3%A7%C3
%A3o%20do%20desejo%20sexual.
NAVARRO, Regina Lins (2018). Dependência emocional e amor se confundem: é seu
caso? Publicado em:
https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2018/10/18/dependencia-emocional-
e-amor-se-confundem-e-o-seu-caso/
NAVARRO, Regina Lins (2018). Por que é difícil falar contra a exclusividade sexual
obrigatória? Publicado em:
https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2018/09/27/por-que-e-dificil-falar-
contra-a-exclusividade-sexual-obrigatoria/
NAVARRO, Regina Lins (2019). Quem ama também trai. Publicado em:
https://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2019/10/05/quem-ama-tambem-trai/
ORLANDI, Letícia. Relação aberta ou inteligência erótica: existe uma resposta única
para os dilemas atuais do casamento? Publicado em:
https://www.uai.com.br/app/noticia/saude/2013/06/28/noticias-
saude,194361/relacao-aberta-ou-inteligencia-erotica-existe-uma-resposta-unica-
para.shtml