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Copyright © Flávia Padula 2023

1ª EDIÇÃO DIGITAL

REVISÃO: JULIA LOLLO

CAPA E DIAGRAMAÇÃO: FLÁVIA PADULA

LEITURA FINAL: REBECA RABELO

Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.

Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido
pelo artigo 184 do Código Penal.

Todos os direitos reservados. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança
com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Proibida a reprodução, total ou parcial,
desta publicação, seja qual for o meio, eletrônico ou mecânico, sem a permissão expressa da autora
Flávia Padula. Proibido para menores de 18 anos.
Kate Lynch acaba de se divorciar da pior forma possível. Arrasada, ela
precisa recomeçar e sobreviver por causa de seu filho de quatro anos,
Caleb. Ela é capaz de tudo por ele, inclusive de aderir ao Clube das Mães
Solteiras. Um lugar onde ela encontrs um bom emprego, apoio psicólogico
e social e uma forma de recomeçar.
E um certo CEO babaca.
Michael Scott Rhodes Junior é o típico homem que nasceu para os
negócios. Dono da maior emissora de esportes do país, ele não tem tempo
para frivolidades e sequer paciência para isso.
Mas uma jornalista atrevida cruza seu caminho e eles entram em
combustão, literalmente. Eles se detestam. E o fogo é tão intenso que uma
paixão inesperada surge em meio ao desprezo.
Kate não vai ceder. Michael também não.
Quem vai vencer: o amor? Ou o ódio?
Prontas para essa história de cão e gato?
Outros Livros da Autora
Nota
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Epílogo
Capítulo Bônus
Outros Livros da Autora

Jornalístico:
Quisisana, uma história, uma vida

Romance Histórico
O Duque
O Yankee
O Plebeu

Danior
Vladimir
Xavier
Gustav
Heron
Fúria Cigana

A Casa da Colina
De Volta à Casa da Colina
O Cavalheiro de Shetwood
Meu Querido Primo
O Último Beijo de Um Duque
O Natal do Libertino
Um Caminho de Amor

O Pirata e a Prisioneira
A Carta
Conde de Denbigh
A Noiva e o Russo
Como Sequestrar um Duque
Cartas para o Conde
O Desafio do Duque

A Preferida do Duque
A Preferida do Marquês
A Preferida do Conde
A Preferida do Lorde

Um Amor Inesquecível
Um Amor Irresistível

A Tentação do Marquês
A Perdição do Conde
O Pecado do Duque
O Conde Bastardo

A Dama de Vermelho
A Dama das Pérolas
A Dama dos Lírios
A Dama dos Segredos

Um Acordo com o Duque


Um Acordo com o Conde
Um Acordo com o Marquês
Um Acordo com o Coronel
Um Acordo com o Libertino

Romance Histórico Lésbico


Sublime

Medieval/Fantasia
A Maldição do Rei
O Feitiço da Princesa

Selo Damas do Romance:


Caçada de Mestre
O Destino de Sarah
Desejo
Paixão
Coragem
Solidão
A Farsante
A Princesa de Taranis
Uma Paixão Indecente

Western / Cowboy
A Força do Amor
O Poder do Amor
A Glória do Amor
O Fora da Lei
O Vingador
O Justiceiro
O Renegado
Contemporâneo:
O Amante Espanhol
Escolhas
O Segredo do CEO
A Última Conquista
Ralph
Duplamente CEO
Egor
Clube de Swing
Quero Me Casar
365 Dias com o CEO
1001 Noites com o CEO
Guto
Uma Noite Para Sempre
Um Bebê para Ítalo Russo
Um Herdeiro para o CEO
Otto Millani
O Meu Carnaval com o Cowboy

Uma Segunda Chance


O Falcão do Deserto

O Pescador
O Vira-Lata
O Playboy

O Baile de Carnaval
Fim de Semana com o Chefe
Prazeres de Uma Noite

O Primeiro CEO a gente nunca esquece


O Primeiro CEO é para sempre

Desarmado pelo Amor


Desesperado pelo Amor

O CEO e a Garota de Um milhão de dólares


A Assistente Grávida do CEO

Atraída pelo Chefe Arrogante


Apaixonada pelo Playboy Sexy e Arrogante
Grávida do Cowboy Arrogante
Fascinada pelo Viúvo Arrogante
Destinada para o Cowboy

A Paixão do Mafioso
Uma Tentação para o Bad Boy
O Desejo do Mafioso

Grávida do CEO Arrogante


Grávida do Bombeiro Arrogante
O Desejo Secreto do Coronel
Grávida do Quarterback Irresistível
O Desejo Secreto do Sargento
Uma Família para o Solteiro Arrogante
Uma Família para o Solteiro Sedutor

Contemporâneo/Fantasia Paranormal:
Áthila
Falcon
Damon
Athena
Voughan
Seven
Suther
Osman
Nota

Este livro trata sobre assuntos como alienação parental. Então


se você tem alguma sensibilidade quanto a isso, não leia. Este livro é
hot, então se você é sensível quanto a este tipo de assunto, não leia.

E lá vamos nós para mais uma série. Essa é continuação do livro


GRÁVIDA DO QUARTERBACK IRRESISTÍVEL. Para escrevermos a
segunda geração das Amigas Poderosas, eu precisei dar à vida aos Irmãos
Scott Rhodes.

Eu sou mãe e sei dos perrengues que todas passamos. É para você
que é mãe que eu escrevi esse livro com muito carinho. Dedico às mães
solos, sejam dentro ou fora de um relacionamento. Desejo a vocês toda a
sorte e força para criar seus filhos com amor, respeito e dedicação.

Kate e Michael são um presente. Aqui tem muitas experiências


pessoais minhas como mãe. Escrever esses livros tem sido uma terapia.
Desejo a vocês uma ótima leitura.

Gratidão pelo carinho, apoio e incentivo para continuar escrevendo.

Gratidão a Deus pela honra de me dar criatividade suficiente para


criar novos mundos, histórias que deixam o coração quentinho.

Boa Leitura.

Com Amor,

Flávia Padula.
Capítulo 1

Semanas antes...

Eu me sento na frente do aparelho de televisão. Essa noite, meu


marido, Liam Flechter está sendo premiado por seu trabalho no último ano
como âncora do jornal principal da mídia norte-americana, na WTW TV.
Quando penso em tudo que passamos para ele chegar onde está, sinto
orgulho por nossa parceria. Uma pena não poder estar com ele essa noite,
nosso filho Caleb de três anos está com febre de trinta e nove graus e muito
doente. O prêmio será entregue aqui mesmo em Los Angeles, aos melhores
do país.
E pensar que Liam teve um sucesso rápido. Ele começou como
repórter ao vivo e, em questão de meses, fez o teste para âncora do jornal e
conseguiu a vaga depois que o antigo apresentador se aposentou. Meu
marido é bonito, tenho que admitir, ele é loiro, alto, daqueles de parar o
trânsito. Não foi apenas seu talento que o colocou como âncora do jornal,
mas sua beleza também contribuiu bastante.
Olho para Caleb adormecido ao meu lado no sofá e passo a mão por
seus cabelos dourados. Suspiro pesadamente. Eu e Liam nos conhecemos
no curso de jornalismo e nos apaixonamos à primeira vista. Namoramos
todo o período da faculdade e então, descobri que estava grávida de forma
inesperada. Foi um susto. Passei a formatura toda enjoada, e decidimos nos
casar e ter nosso filho.
Para isso, Liam saiu para o mercado profissional e eu decidi ficar
em casa e cuidar do bebê. Como Liam tinha que trabalhar dobrado para
conquistar seu espaço, me dediquei a cuidar do nosso filho vinte e quatro
horas. Fizemos um pacto de que até que Caleb estivesse pronto para ir à
escola, eu ficaria em casa. O que são só alguns anos da minha vida? Não
sou muito fã de ser apenas dona de casa, mas participar do crescimento do
meu filho tem me feito bem.
Claro, há certas frustrações, mas o amor do meu filho compensa
qualquer coisa. Sinto falta de sair de casa todos os dias para trabalhar, mas
agora que ele vai fazer quatro anos, vai para a escola e posso voltar ao
mercado de trabalho. Liam diz que não devo me preocupar com isso,
contudo odeio ter que pedir dinheiro para ele toda vez que preciso de
alguma coisa, até mesmo para comprar absorvente íntimo.
Nos últimos meses, temos brigado muito. Liam anda estressado com
o trabalho, muita pressão, querem colocar outro âncora no lugar dele, os
telespectadores não têm se simpatizado com suas críticas sobre alguns
temas e pedem por alguém mais velho e mais experiente. E infelizmente,
ele tem descontado sua frustração em mim e em Caleb. Tento compreender,
entretanto, isso nos afastou e sequer temos transado. Tenho lido muito sobre
relacionamentos na internet e vejo que isso é normal, casais passam por
problemas depois que têm filhos.
Homens têm fases difíceis que temos que compreender. Além disso,
tenho certeza que depois que eu voltar a trabalhar e Caleb for para a escola
tudo vai dar certo. Voltaremos a ser como nos velhos tempos quando nossa
maior preocupação era sonhar com a ascensão profissional.
A transmissão da entrega começa e dou um sorriso quando a atriz
Sara Scott Rhodes surge diante da TV. Ela é tão bonita, foi indicada ao
Oscar de melhor atriz e isso é um feito já que ela é bem jovem, está no auge
dos vinte e seis anos. Aliás, a família dela toda é poderosa, quem não
conhece a fama da família Scott Rhodes? Parece que eles nasceram com a
bunda virada para a lua. Meu passatempo é ficar na internet, não tenho
muita coisa para fazer além de cuidar da casa, então, li que a mãe dela,
Glenda Fortson, uma famosa diretora de cinema, fundou uma ONG que
ajuda mães em condições de necessidade.
Ela foi mãe solteira e se solidariza com mães que precisam de ajuda.
Achei isso muito legal. Embora eu seja casada, muitas vezes me senti uma
mãe solteira por Liam trabalhar demais e nunca ter tempo de ficar com
Caleb ou até mesmo levá-lo ao médico ou fazer tarefas básicas com o filho.
Tudo fica nas minhas costas, desde olhá-lo à noite, brincar, educar. Esse é
um dos motivos da nossa briga, Liam sai cedo de casa para trabalhar
quando Caleb está dormindo e volta só à noite, quando meu filho já dormiu
novamente. Ele mal vê o filho e quando vê, está cansado demais para dar
atenção a ele.
De qualquer forma, ele está conosco e é isso que importa. Tenho
esperança que quando eu começar a trabalhar tudo vai mudar para melhor.
Sei que a culpa é minha porque estou frustrada com a vida que levo hoje e
fico fazendo cobranças, querendo que Liam nos dê mais atenção. Ele vive
dizendo que tenho que compreender que esse é o momento dele, e acredito
que estou sendo egoísta e preciso melhorar. Reclamar menos e agradecer
mais. Quantas mulheres gostariam de ter uma casa e um marido? E Liam
me ama e trabalha para nos dar uma vida melhor, então, não posso pedir
mais do que tenho.
Caleb geme ao meu lado. Olho para ele e levo a mão à sua testa. Ele
ainda está febril, acabei de dar o remédio, então vai levar um tempo para
fazer efeito. Volto a atenção para a TV e sorrio quando os prêmios
começam a ser anunciados. Caleb reclama e acabo pegando-o no colo e
abraçando para ele se sentir mais seguro por causa do incômodo da febre.
Fico com o rosto encostado em sua testa torcendo para sua temperatura
abaixar enquanto observo a TV, atenta. Demora um pouco até que Sara faz
o anúncio dos indicados a profissional revelação do ano. Meu coração
acelera, a vitória do meu marido também é minha. Significa que tudo que
fiz até agora não foi em vão, que todo meu esforço tem valido a pena.
— E quem leva o prêmio esta noite é... – ela faz aquela pausa
horrível e abre o envelope —, Liam Fletcher.
Vibro e Caleb reclama porque acabo por apertá-lo.
— Desculpe-me, amor – sussurro e olho para a TV, emocionada.
Liam conseguiu! Conseguiu! Sinto como se tudo pelo que lutamos,
todas as brigas, frustrações, tudo tenha valido cada segundo porque ele
venceu. Seu talento foi reconhecido. A câmera focaliza meu marido que se
ergue, caminha até o palco e sobe. Ele se aproxima de Sara que lhe entrega
a estatueta. Enxugo a lágrima teimosa quando ele para diante do microfone
para fazer o discurso.
— Boa noite a todos – ele começa a falar com sua voz grave.
Caleb é muito parecido com ele, os mesmos cabelos dourados, os
olhos castanhos. Estou tão orgulhosa que sequer tenho palavras para definir
o que sinto. Seu reconhecimento também é meu. Nada do que passei, as
humilhações, nada foi em vão.
— Fico sem palavras para dizer o quanto estou grato por esse
prêmio. É o reconhecimento de muito esforço e dedicação. Não cheguei
aqui sozinho, foi necessário que muitas pessoas reconhecessem meu valor e
talento. Quero agradecer aos meus pais pelo apoio de sempre. Mas tem
uma pessoa que desde o início me apoiou, me disse para não desistir,
sempre mandou mensagens quando eu estava a ponto de chutar o balde –
ele diz e o público ri —, e sempre fez diferença no meu trabalho, na
verdade, sempre foi um exemplo de dedicação, esforço e ser humano.
Obrigado, Hannah Watson. Sem seu apoio, eu não estaria onde estou.
O quê?
Eles focalizam a herdeira da WTW TV. A filha de Jenkins Watson, o
CEO da empresa. Ela é jovem, bonita e eu não sabia que ela fazia parte da
vida do meu marido. Sinto como se tivesse levado um tapa na cara. Quem é
essa mulher? E por que Liam agradeceu a ela e não a mim?
Não pode ser... estou em choque. Não sei o que sentir ou pensar.
Em meio ao sono, Caleb acorda chorando e reclama de dor na
barriga e vomita no chão da sala. Não tenho tempo de pensar no que Liam
acabou de fazer, preciso levar meu filho para o hospital, ele não está nada
bem. Pego a minha bolsa e vou até o hospital mais próximo. O pediatra de
plantão indica que ele deve ficar sob observação por algumas horas
tomando soro, é uma virose e também está com faringite aguda. Fico
sentada ao lado do meu filho, pensando no que ouvi antes de sair de casa.
A felicidade de Hannah quando Liam agradeceu a ela, só uma idiota
não entenderia que há algo entre eles. Do contrário, por que ele faria tal
agradecimento? Ele nunca falou sobre ela dentro de casa, jamais comentou
que a herdeira da emissora é sua amiga e o estava apoiando nos momentos
difíceis.
Sinto dor no estômago só de pensar que eles estão tendo um caso
enquanto a idiota aqui se sacrifica para que ele possa trabalhar e nos dar
uma vida melhor. Pela primeira vez, tomo coragem de pegar meu celular e
digitar: Liam Fletcher e Hannah Watson. Meu coração quase para quando
aparece a pesquisa sobre os dois nomes juntos. Há tantas fotos deles, que
parece que estão juntos há anos.
Nada confirmado, mas parece que Liam Fletcher é o novo amor de
Hannah Watson.
É um site de fofoca que tem estampado a foto dos dois, saindo de
um restaurante. Um dos jantares de negócios do meu marido, aquele que
ele dizia que precisava ir porque tinham uma proposta importante para ele.
Um nó se forma na minha garganta e me sinto um lixo. Enquanto Hannah
está linda em seu vestido impecável, o cabelo arrumado, eu sou uma
mistura de mulher desleixada com qualquer outra coisa que não sei definir.
Meu cabelo está preso para cima, e não tenho tempo de me cuidar.
Minha vida é acordar arrumando a casa e dormir da mesma forma. Sempre
estou cansada demais olhando meu filho, fazendo de tudo para que ele fique
bem, para que o Liam não precise se preocupar com nada. Pago as contas
da casa, faço o supermercado, a comida está sempre pronta, embora
ultimamente meu marido não estivesse comendo mais em casa. Agora sei
onde ele está comendo nos últimos seis meses. E com certeza não é em
casa, e não sou eu.
Olho para as minhas unhas cortadas de qualquer jeito, não me
lembro a última vez que ele ficou com Caleb para eu poder ir ao salão até
mesmo cortar o cabelo. Acredito que quando fiz isso estava grávida do meu
filho. Depois que ele nasceu, não banquei mais nada para mim, meu marido
estava ocupado trabalhando e não tenho quem me ajude a ficar com ele.
Minha mãe foi embora quando eu era criança e fui criada pelo meu pai que
hoje está internado em um asilo porque Liam não se dá bem com ele.
Deus... sinto meu mundo cair sobre a minha cabeça e a dor é tão
forte que dói o peito. Desligo o celular e olho para o meu filho. Não consigo
conter as lágrimas e as deixo escorrerem pelo meu rosto, preciso colocar
para fora ou vou enlouquecer. Uma enfermeira vem ver Caleb e nota que
não estou bem. Ela não diz nada, apenas se aproxima e estende um cartão.
— Elas podem te ajudar – diz e olho para sua mão.
Pego o cartão e apenas assinto, enquanto uso a outra mão para
enxugar as lágrimas. É um cartão da ONG: Clube das Mães Solteiras. Por
que ela acha que preciso disso?
E não preciso? Talvez Deus tenha enviado um anjo para me ajudar,
afinal, fui traída, meu casamento está por um fio de acabar e não tenho a
quem recorrer. Guardo o cartão no bolso das calças. Não possuo nada,
sequer um dólar para começar uma vida sozinha, e ficar com Liam depois
do que acabei de descobrir é impossível.
Acabou. Traição é algo imperdoável.
Como vou recomeçar? Não faço ideia. Ou talvez esse cartão do
Clube das Mães Solteiras venha a calhar. Tenho que pensar em Caleb, em
seu bem-estar, mas também não posso ficar, não mais.
Deus! Como dói ser traída!
Capítulo 2

Entro no prédio da ONG com meu filho no colo. Não tenho com
quem deixá-lo e preciso de ajuda. Liam foi embora e deixou algum
dinheiro, mas agora que deu entrada no divórcio e assumiu publicamente
seu relacionamento com Hannah, ele já avisou que não vai mais ajudar e
que tenho que sair da casa que pertence aos pais dele.
Não quero que o Caleb passe fome ou tenhamos que dormir na rua
ou dentro do carro. Não tenho nada. Não tenho para aonde ir ou para quem
pedir ajuda. Mas quando olho para esse cartão do Clube das Mães Solteiras,
uma esperança surge em mim. Tenho medo, estou apavorada, mas sequer
consigo falar com Liam depois do que aconteceu.
E ele não se importa.
Chegou bêbado em casa às cinco da manhã após passar a madrugada
na festa da entrega do prêmio. Pela primeira vez, desde que nos casamos,
cheirei a roupa dele e senti perfume de mulher. Até então, estava tão
ocupada com meu filho, a casa e em sobreviver, que não me atentei para os
sinais da traição. Ao confrontá-lo na manhã seguinte, ele assumiu seu caso,
fez as malas e foi embora sem sequer se despedir do próprio filho.
— Em que posso ajudá-la? – uma mulher simpática me pergunta.
Caleb está dormindo no meu ombro e eu não sei o que fazer. E se
não der certo? E se eles não puderem me ajudar? Como vou sobreviver?
— Não sei... – E começo a chorar na frente daquela recepcionista.
Abraço mais Caleb e ela dá a volta pelo balcão para tocar minhas
costas e dizer.
— Vem comigo, vou te ajudar. Meu nome é Úrsula...
Apenas assinto, estou morta de vergonha de chorar na frente de
todas aquelas pessoas estranhas. Embora a maioria seja mulheres e estejam
ali em busca de ajuda tanto quanto eu estou. Úrsula me leva até uma sala
reservada e me diz:
— Qual é o seu nome? – ela pergunta com calma enquanto vai pegar
um copo de água para mim.
— Kate... – não sei se digo o sobrenome de casado ou solteira, então
decido dizer o de solteira —, Lynch.
Tenho vergonha que ela saiba quem é o Liam e também conclua que
sou uma esposa traída.
— Você está segura aqui, Kate – ela me entrega um copo com água
—, fique calma, vai dar tudo certo.
Ouvir essa frase não me deixa mais feliz, mas me faz relaxar.
— Ele é o seu filho? – ela pergunta e passa a mão nos cabelos de
Caleb.
— Sim, seu nome é Caleb – respondo devolvendo o copo a ela —,
ele tem três anos, faz quatro na próxima semana.
— Ele é um menino lindo... – Úrsula diz depois de jogar o copo
descartável no lixo.
— Obrigada – agradeço e ela se senta de frente para mim.
— Bem, vamos esperar que ele acorde – ela aconselha com cuidado
—, há uma sala aqui com monitoras para olharem seu filho enquanto você
faz seu cadastro e nos conta sua história. Você sabe como o Clube funciona?
Faço que não com a cabeça.
— Aqui, oferecemos suporte jurídico e social. Se por acaso, você
não pode voltar para casa, se sofre algum tipo de abuso, nós vamos fazer de
tudo para que você e seu filho fiquem seguros. Temos uma assistente social
para auxiliá-la que vai direcioná-la para um novo lar e contar com
segurança também. O advogado a auxiliará desde a observação sobre um
boletim de ocorrência se for necessário até um divórcio. Como eu disse,
você não está mais sozinha...
É tão vergonhosa essa situação, mas pior, é a humilhação de estar ao
lado de um homem que não me valoriza. Quando recordo o que ele fez,
quando agradeceu àquela mulher sobre tê-lo ajudado depois de tudo o que
sacrifiquei e ainda agiu como se nada tivesse acontecido, como alguém
pode ser tão frio e mau?
— Obrigada...
— Se acalme, deixe seu filho acordar e então vemos o que fazer.
Não tenho pressa, ninguém vai entrar aqui e tentar tirá-la ou cometer a
besteira de expô-la. Aqui você está protegida...
— Ninguém sabe que estou aqui... – comento.
— Alguém a agrediu? Você quer que eu chame a advogada para
ajudar com o processo? Para que fique mais calma?
— Não é necessário – confirmo mais tranquila —, estou sozinha.
Meu marido saiu de casa há semanas.
— Certo – ela assente —, e o que você quer, Kate?
É a primeira vez que ouço essa frase desde que descobri que estava
grávida. É a primeira vez que alguém se interessa pelo que eu quero. Chega
a ser engraçado, porque não é uma pessoa que eu ame, é uma estranha.
— Meu ex-marido disse que não vai mais ajudar, mas não tenho
para aonde ir. Não tenho condições financeiras de sair de casa, entende?
Dependia dele financeiramente. Mas eu não posso ficar mais. – Lágrimas
escorrem pelo meu rosto novamente e trato de enxugar.
— Mamãe? – Caleb acorda e me olha franzindo o cenho. — Está
chorando?
— Não – sorrio —, estou conversando com a Úrsula, minha nova
amiga.
Ele olha ao redor, ainda perdido.
— Onde estamos? – Ele fica preocupado.
— Estamos num lugar legal, a mamãe está tentando achar um
emprego – explico como posso —, para você poder ir para a escolinha.
Ele sorri e olha para a Úrsula.
— Meu nome é Úrsula, qual é o seu?
— Caleb...
— Quantos anos você tem, Caleb?
Ele mostra os três dedos da mão.
— Como você já é grande – ela brinca com ele —, o que você acha
de deixar a mamãe ver um trabalho novo enquanto eu te levo para a sala de
brinquedo?
Ele a fita com desconfiança e Úrsula pisca para ele.
— A mamãe vai com você – ela avisa —, e então se você gostar,
pode ficar um pouquinho brincando.
Ele assente para o meu alívio. Caleb não fica com outra pessoa que
não seja eu desde que nasceu. Os pais de Liam moram em Chicago e o
veem apenas no Natal e por ligações em datas especiais. Costumam enviar
presentes, mas não são interessados na vida dele. Meu filho não sabe o que
é ter um avô, já que vamos ver meu pai só de vez em quando, Liam não
gosta que eu o visite com muita frequência. E eu, como uma idiota
submissa, sempre o obedeci.
Meu pai vai rir quando lhe contar que estou saindo do casamento,
ele nunca gostou do Liam, dizia que ele não era homem suficiente para
mim. Por que nunca ouvimos nossos pais? Evitaria tantos problemas... tarde
demais para lamentar, agora é encontrar uma forma de sair desse pesadelo
sem fim.
— Vamos? – Úrsula nos chama.
Faço que sim com a cabeça e me levanto com Caleb ainda no colo.
Ela me conduz até um corredor e abre uma porta que dá para uma sala de
recreação repleta de brinquedos e crianças. Em uma das paredes há uma
televisão ligada em um desenho educativo e crianças estão assistindo,
sentadas sobre o tatame colorido.
Uma garota por volta dos dezoito anos se aproxima.
— Essa é a Mary – Úrsula a apresenta —, esse é o Caleb e a mãe
dele, Kate.
— Oi, Caleb – a jovem diz com simpatia —, quer vir comigo e
conhecer as outras crianças?
Meu filho olha por cima do ombro e fica observando sem dizer
nada.
— Enquanto você fica brincando aqui com a Mary, eu vou com a
Úrsula ver um novo emprego, está bem? – pergunto a ele.
Caleb me abraça mais.
— Quero ficar com você...
É normal que esteja inseguro, como eu disse, ele nunca ficou com
ninguém além de mim.
— Por que não tentamos a cama elástica? – Mary propõe. — A
mamãe vem junto e fica te olhando brincar, está bem?
Ela segue por entre os brinquedos e tiro o tênis de Caleb para que
ele possa entrar na cama elástica com outras crianças. No começo, ele
parece tímido, olha para trás para ver se estou ali e então começa a pular
devagar. Quando ele cai sentado, penso que vai chorar, mas aí uma das
crianças se aproxima e o ajuda a ficar de pé e eles riem juntos. Então a
mágica acontece e meu filho esquece de onde está e não olhar mais para ter
certeza que estou ali.
— Se quiser, podemos ir agora – Úrsula me avisa —, qualquer
coisa, a Mary nos avisa.
— Está bem – concordo e vou com ela.
Mas ainda olho para trás para me certificar que ele está bem. É a
primeira vez que vou ficar longe do meu filho e a sensação é estranha.
Acompanho Úrsula até o salão da recepção que parece estar cheio a cada
momento. Nunca imaginei que tivessem tantas mães precisando de ajuda
em Los Angeles. Parece que a cada dia nós mulheres temos que enfrentar
sozinhas a vida familiar.
— Sente-se em uma daquelas cadeiras e responda a essa ficha –
Úrsula me entrega uma prancheta e caneta —, não se apresse.
— Obrigada...
Estou sentada e começo a responder quando uma mulher loira e
simpática se senta ao meu lado. Sorrimos uma para a outra e resolvo me
apresentar.
— Oi, eu sou a Kate. – Estendo a mão.
— Oi, eu sou a Ashley.
— Procurando emprego? – pergunto tentando aliviar a minha
tensão.
— É mais ou menos isso – ela afirma.
— Estou à procura, tenho um filho de três anos, ele faz quatro na
próxima semana, a grana está ficando curta... – é uma mentira. Mas não vou
contar para uma estranha que meu marido me traiu e chorar no ombro dela.
Embora não falte vontade. Está doendo tanto que quero gritar para o
mundo o que Liam fez até parar de doer. Mas certas coisas só se curam com
o tempo.
— O que você faz? – ela indaga mantendo a conversa.
— Sou jornalista, formei no mesmo dia que descobri que estava
grávida – conto e começo a rir de nervoso.
— Sei bem como é isso, surpresinhas – brinca e rimos juntos.
Só uma mulher pode compreender o susto ao ver o teste positivo de
uma gravidez inesperada.
— Nem me fale – volto a atenção para a ficha que está preenchendo
—, espero que dê certo, eu preciso muito.
— Eu também espero que dê certo para você...
Aproveito e pego o celular e abro a tela para lhe mostrar a foto do
Caleb. É isso que as mães fazem. É quase que uma obrigação mostrar a foto
do seu filho e falar o quanto ele é bonito e inteligente.
— Esse é o Caleb. – Mostro para ela.
Ela pega o celular na bolsa e desbloqueia para me mostrar a tela de
proteção. É a foto de uma garotinha por volta dos seis anos, no parque de
diversões. Ela está de pé segurando um balão da Frozen.
— Sua filha é linda, ela tem quantos anos? – pergunto.
— Seis anos...
Sorrimos uma para a outra e volto a responder a ficha.
— Pare com isso, Ashley! – ela fala sozinha
— O que disse? – pergunto.
— Só pensei alto. – Ela respira fundo.
Sei bem como é isso. Depois que me casei com Liam, me afastei
tanto das minhas amigas que a única conversa que mantenho ao longo do
dia é comigo mesma. Cansei de me pegar falando sozinha o dia todo.
Logo, ela é chamada. Termino de preencher a ficha e entrego para
Úrsula. Ela dá uma olhada e diz:
— Espere um minutinho que eu já vou te passar para outra pessoa –
ela avisa.
— Obrigada. – Respiro fundo e olho ao redor.
Tanta gente ali em busca de uma oportunidade.
— Kate – Úrsula me chama.
— Sim?
— Então, temos a vaga de repórter aqui, isso interessa a você?
Repórter? Meu coração dispara e sou tomada de uma ansiedade
comum. Pensei que eles teriam qualquer coisa, mas na minha área e algo
que amo fazer é bom demais. Não posso acreditar!
— Claro... – respondo e minhas mãos tremem diante da expectativa.
— Você vai precisar de mais alguma ajuda nossa? – ela pergunta de
modo significativo.
— É... – gaguejo enquanto penso.
Consegui o emprego. Eu só preciso de um lugar para ficar com
Caleb. Se a ONG pode me ajudar dessa forma, não vou hesitar mais. E o
pior é pensar que eu tinha esperanças de que Liam tivesse se arrependido do
que fez. Idiota que fui, não sei como não percebi o canalha sem coração que
ele é. Tudo é aprendizado e estou tendo o meu.
— Vou precisar sim – falo no impulso e mordo o lábio inferior.
Está na hora de seguir...
— Então, vou te passar para o serviço social – Úrsula avisa.
— Obrigada.
Capítulo 3

Acabo de estacionar o carro. Quando desço, vejo meu irmão mais


velho, Stuart, e sua nova assistente, Ashley, entrando no carro dele e
partindo. Ontem à noite, ela deu um fora nele em seu apartamento na frente
de toda a família e ficou óbvio que meu irmão está de quatro pela mulher.
Ele finge que não, mas eu o conheço o suficiente para saber que ele a quer.
Embora no Grupo Scott Rhodes exista a política de nunca sairmos com
nossas funcionárias.
Eu nunca saí.
Vou para dentro da ONG onde minha mãe trabalha e aceno para
Úrsula, seu braço direito que está atendendo aquele grupo enorme de
mulheres que buscam ajuda todos os dias. Olho por cima do ombro e me
certifico de que são tantas mulheres assim. O que está acontecendo com os
homens? Por que eles fazem filhos e não se importam com eles? Fico
impressionado com isso... se o cara não quer fazer filhos, por que não usa a
porra da camisinha? Estou com trinta e quatro anos, sempre usei e não fiz
filhos em ninguém.
Bato na porta da sala de Glenda e ela diz entre. Abro e entro. Minha
mãe está sentada atrás da mesa e se levanta quando me vê. Ela usa os
cabelos ruivos tingidos, é que estão ficando brancos agora que ela está com
mais de cinquenta anos, mas minha mãe poderia passar por minha irmã
facilmente. Tenho muito orgulho dela e do empreendimento que fez aqui.
— Olha, se não é o meu segundo filho! – Ela se levanta para dar a
volta na mesa e me abraçar.
— Até parece que não me viu ontem no apartamento do Stuart! –
Observo sério.
— Mas eu não te abracei ontem! – Ela se afasta. — O que veio fazer
aqui hoje?
— Estava passando e vim convidá-la para almoçar comigo, além
disso, preciso comprar algo para a Sara, não dei nada de presente a ela –
comento e me sento na cadeira —, não sei o que dar, ela parece ter tudo.
Foi a festa de aniversário da minha irmã outro dia e eu sequer levei
um presente.
— Ela realmente tem tudo – minha mãe concorda voltando para o
seu lugar atrás da mesa —, acredito que sua presença no almoço de
domingo fará bem a ela. Sara está arrasada com o fim do relacionamento.
Minha irmã namorava um babaca que a deixou de forma abrupta e a
trocou por uma cantora popstar e isso a deixou arrasada. Acredito que Sara
esperava que dessa vez fosse para sempre.
— Ela não deveria ter esperado tanto dele – comento.
Minha mãe me encara como se eu fosse um idiota:
— Querido, eles estavam juntos há anos, que mulher não cria
esperanças de ter uma família dessa forma?
— Não faço ideia – admito —, parece que a maioria.
— Uma mulher não entra em um relacionamento sério sem a
expectativa dos felizes para sempre – ela argumenta.
— Pois é, por isso ter um relacionamento longo não faz parte da
minha lista de prioridades – garanto —, eu não iludo ninguém e as mulheres
sabem que não sonho em ter filhos e família.
— Odeio quando meus filhos vêm com esse discurso anti-família. –
Ela faz uma careta de desgosto e passa os dedos pelo colar de pérolas
verdadeiro. Foi presente do meu pai, Michael Scott Rhodes.
Eles são apaixonados um pelo outro. Minha mãe o conheceu quando
trabalhava na cozinha do centro de treinamento do Madison Lions[1]. Estava
com dezoito anos, tinha um filho, Stuart com dois anos. E nada disso
impediu que meu pai ficasse louco e apaixonado por ela. Casaram-se um
tempo depois e eu nasci. O casamento para eles é perfeito, eles se amam,
estão apaixonados como há trinta anos e agora, meu pai se aposentou da
diretoria do time de futebol para o Stuart assumir.
Ele e minha mãe pretendem viajar o mundo em uma lua de mel.
Acho bonito e admiro, mas não é para mim. Prefiro a segurança do meu
trabalho, dos casos amorosos que tenho e fim. Ter uma única pessoa na
minha vida não é um objetivo simplesmente porque tenho outras
prioridades. Vivo para o trabalho, gosto disso. Eu e meus irmãos temos a
mesma linha de pensamento, a não ser o Luke que foi casado por dez anos
com a mesma mulher que o traiu uma vida toda e agora se divorciou,
levando metade da fortuna dele.
— Não tenho nada contra a família – respondo sério —, só não
planejo, ou é um objetivo de vida.
— Ter uma esposa e filhos faz bem a um homem!
— Quando ele a ama e a trata bem, mãe! Olha a quantidade de
mulheres na recepção deste prédio! Isso significa que querer ter uma família
é sempre a melhor resposta para a vida de alguém.
— Ah, meu querido – ela me olha enquanto apoia a mão no queixo
—, pensar que o número de divórcios aumenta porque as pessoas fazem
péssimas escolhas soa tão infantil.
— Então, o que é? – preciso questionar.
Ela me encara com aqueles olhos azuis que herdamos dela:
— Pode apostar que as pessoas entram no relacionamento com as
expectativas erradas. Elas querem uma vida perfeita, conto de fadas. Não
querem contas para pagar, diferenças para serem ultrapassadas e
principalmente: responsabilidade. Ah, e eu ia me esquecendo, sacrifícios...
sempre tem um dentro da relação que não quer nada disso... Não tem como
adivinhar como o outro vai agir depois que se casa com você...
— Tem razão, mas ainda assim, as pessoas estão tão desesperadas
pelo sonho de casamento, que esquecem de escolher direito – insisto.
— Essas coisas a gente não escolhe, querido. A vida te dá. Não tem
como escolher por quem seu coração vai se apaixonar...
— Discordo, acredito que tem como escolher... – consulto o relógio,
não posso ficar discutindo coisas fúteis o resto da vida —, tenho que ir ao
banco, na volta passo aqui para...
— Claro – ela concorda com um sorriso.
Levanto e abro a porta e sou atacado por algo que bate no meio da
minha testa. Dou um passo para trás e levo a mão à testa para puxar seja lá
o que for. Olho para a minha mão e me deparo com o que seria um dardo...
— Essa é minha flecha! – soa a voz infantil.
Olho para a minha mão e depois para o garotinho loiro parado à
minha frente. Ele segura um arco de plástico nas mãos e agradeço por não
ser um estilingue ou o estrago teria sido maior.
— Ele não deveria estar na sala de recreação? – pergunto para a
minha mãe que para ao meu lado.
— Devolve a minha flecha! – o menino exige.
Nunca me dei bem com crianças. Não é culpa minha, meus irmãos
não têm filhos e minha paciência é zero com qualquer coisa que me cerque.
— E onde ficam as palavras por favor? – pergunto ainda segurando
a flecha.
Ele faz um beiço enorme e em segundos está chorando. Abre a boca
e o som ecoa pelo corredor como um alarme. Tudo isso por causa de um
brinquedo?
Quando aprendi a dirigir, meu pai dizia: sempre que enxergar uma
bola, pare. Com certeza virá uma criança correndo para pegá-la. O mesmo
cabia para aquele momento: sempre que ouvir uma criança chorar, não faça
nenhuma besteira, pare. Com certeza virá uma mãe correndo para socorrê-
la.
— Mamãe! – ele chama.
E sobressaindo meu lado paranormal, uma mulher surge, como se
saída do próprio inferno das mães para socorrer sua cria. O problema não é
o que está por vir, mas o quanto ela é bonita com aqueles cabelos ondulados
e ruivos. Seus olhos focam apenas na criança, a mãe corre e o pega no colo,
o protegendo, como qualquer mãe faria.
— Mamãe... – ele murmura por entre as lágrimas e soluça
profundamente.
Quem vê a cena parece que tentei arrancar um braço dele. Criança
dramática!
— O que foi, meu amor? – ela pergunta o embalando no colo.
— Ele pegou a minha flecha... – E aponta para mim.
Minha mãe sempre dizia que não existe nada pior para uma mãe do
que ver seu filho sofrendo ou chorando seja por qual motivo for. Glenda
sempre nos protegeu como uma leoa, meu pai nunca teve voz para nos
educar, sempre foi ela. Então, quando aqueles olhos azuis voam para mim,
furiosos, noto que arranjei uma grande complicação. Aquela linda
desconhecida quer saber quem feriu o pequeno coração de seu filho. E está
tudo contra mim, porque estou segurando a flecha.
— Você pegou a flecha dele? – ela questiona com indignação.
Dizer que não peguei seria mentira. Eu só não a tirei dele, ele a
jogou contra mim.
— Que tipo de adulto é você? – Ela estica o braço na minha direção
e pega a flecha da minha mão com um puxão. — Quantos anos você tem?
Meu queixo cai. Absolutamente ninguém fora do meu círculo
familiar e íntimo fala assim comigo.
— Espera aí! – retruco depois de alguns segundos em choque. —
Ele jogou a flecha em mim!
Ela devolve a flecha para o filho e sorri com enorme carinho. Dá
para sentir o amor que ela tem por essa criança.
— Aqui está a sua flecha – ela diz a ele. Seu sorriso desaparece
quando ela é obrigada a me fitar novamente —, e o que ia fazer? Bater nele
com a flecha? Quebrar a flecha? Ou ia demonstrar o quanto você pode ser
ignorante e assustá-lo como fez? Não sabe distinguir uma criança brincando
de um adulto estúpido?
Não o assustei, só segurei a flecha e pedi para que ele falasse por
favor quando a pediu. O menino não tem educação, é tão mal-educado
quanto a mãe. Ela me chamou de adulto estúpido?
— Eu não ia bater nele... – justifico perplexo com a agressividade
dela.
— Não interessa o que ia fazer, você o fez chorar... – ela me acusa
severa —, típico do macho escroto babaca! – Suas últimas palavras são
sussurradas para o garoto não ouvir.
— O quê? – Por que eu estava sendo atacado? Eu não joguei a
flecha em ninguém!
Ela dá as costas e sai andando. Não suporto isso. Poderia ficar
quieto e deixá-la ir, mas simplesmente não posso admitir que ela me acuse
de algo que não fiz.
— Ei! – eu a chamo quando ela faz menção de se afastar e ela me
fita por cima do ombro. — Eu só queria que ele pedisse por favor para que
eu devolvesse a flecha...
A mulher me fita com desprezo, como se eu fosse o maior idiota do
planeta.
— Dá para ver como você é bom nisso! – ironiza e se afasta, me
dando as costas. — Deve ter pedido com a delicadeza de um elefante. Não
sei se reparou, mas ele só tem três anos! – fala enquanto anda e desaparece
pelo corredor.
Não quis que a criança chorasse. Mas correr atrás da mãe protetora
não vai adiantar, ela não vai me ouvir.
— Isso é uma brincadeira? – pergunto mais para mim do que para
ela que não dá mais importância ao que eu falo. Olho para a minha mãe que
está sorrindo. — Qual é a graça?
Ela encolhe os ombros.
— Foi divertido vê-lo perder o traquejo – ela admite.
— Não perdi – volto para perto dela —, ela não me deixou explicar.
Mulher maluca!
— Ela só estava defendendo o filho dela, Michael – diz a defensora
das mulheres.
Minha mãe sempre fica ao lado das mulheres. Sempre. Elas podem
estar erradas que Glenda sempre as defende. Chega a ser engraçado. Ela
não fundou aquela ONG sem um motivo real. Essas mulheres jamais
estarão desamparadas.
— Eu sei – admito —, de qualquer forma, não me interessa. É só
mais uma dessas pessoas malucas e estressadas que atravessam meu
caminho – justifico —, ela deve estar num péssimo dia. Por favor, não a
contrate para trabalhar na minha empresa, eu a demitiria assim que pudesse!
– ameaço.
Minha mãe dá um sorriso e encosta no batente da porta.
— Talvez você precise de alguém que não se curve às suas vontades
e lhe diga verdades maravilhosas! – minha mãe retorque —, espero você
para o almoço e não se atrase, tenho compromissos à tarde!
Ela entra no escritório e fecha a porta. Assinto para o nada e vou em
direção à recepção. Vejo a mãe maluca e seu filho de pé, conversando com
uma das assistentes. Ela não me olha quando cumprimento a advogada, a
Taylor. Então, ao invés de um simples aceno, a cumprimento em voz alta só
para chamar a atenção da mulher que discutiu comigo há alguns minutos.
Fico surpreso, porque ela não olha para mim, mas a criança sim e ele
mostra a língua segurando com firmeza seu arco e sua flecha.
Monstrinho...
Capítulo 4

— Olá, Kate – Doly me cumprimenta quando entro no quarto do


meu pai —, que bom que veio, como está?
— Oi, Doly – sorrio para ela e observo David sentado no sofá
olhando para a TV —, não vai me falar um oi, pai?
Ele está usando seu pijama cinza e o cheiro de sabonete no quarto
denota que ele tomou banho há pouco tempo, por isso seus cabelos
grisalhos nas têmporas estão penteados para trás. Meu pai perdeu bastante
cabelo nos últimos anos e está ficando cada vez mais calvo.
— Você trouxe o Caleb? – ele pergunta bravo.
Meu filho sai de trás de mim e corre para assustar o avô.
— Booh! – ele grita.
Meu pai finge se assustar.
— Pensei que fosse um monstro! – David brinca.
Caleb ri e sobe no colo do avô.
— Sou eu, vovô, o Caleb! Era brincadeira...
— Não o reconheci! – meu pai devolve e eles riem juntos.
É uma delícia ver o amor que avô e neto têm um pelo outro. Meu
pai faz mais pelo meu filho, preso naquele lugar, do que Liam já fez a vida
toda. Tenho que parar com isso. De ficar querendo que Liam seja o pai que
ele nunca foi. Ele não era quando estávamos casados, e agora que sua vida
mudou, faz parte da alta sociedade de Los Angeles e está em um
relacionamento firme como uma herdeira rica, Liam não vai ter tempo para
o filho. Felizmente, consegui um lugar para morar. A ONG providenciou
uma quitinete e me mudei ao mesmo tempo que Caleb começou a
frequentar a escola infantil. As últimas semanas foram intensas em
mudanças, recomeços.
E o trabalho...
Estou recebendo uma ajuda temporária do governo até me
estabilizar financeiramente e a advogada já entrou com o pedido de pensão.
Enquanto isso, estou trabalhando na emissora, mas não para o que fui
designada. A vaga era para repórter esportivo, mas quando me apresentei, a
responsável pelo RH, a tal Suellen Reynolds, me informou que a vaga tinha
sido preenchida e havia o cargo de assistente de direção. Apesar da
frustração, estou trabalhando na área e é melhor que permanecer
desempregada.
Sou assistente do diretor, Jason Jordan. Ele é responsável pelo
principal programa de esporte da American Sports, a emissora que pertence
ao grupo Scott Rhodes. Minha principal função é trazer água e café quando
ele precisa e sou um tipo faz tudo. Outro dia, ele me pediu para sair e
comprar um presente para sua namorada, a atriz Mary Foster. Ela é
protagonista de uma série famosa teen. Sempre que não quer falar com a
ex-mulher, ele me dá o celular e me manda encontrar uma desculpa para
que ela pare de ligar. Também sou obrigada a manter sua agenda em dia e
acabo fazendo um pouco do trabalho de secretária. Enfim, quando o
programa é transmitido ao vivo, estou lá, observando e aprendendo.
— Como estão as coisas, Kate? – Meu pai quer saber.
— Está tudo bem, depois que nos mudamos, Caleb está na escola
infantil e ele está feliz – comento me sentando na cadeira perto da janela.
Ele me dá aquele sorriso de quem quer me mandar à merda porque
não foi isso que perguntou. Cruzo os braços e espero Doly sair. Então me
sinto à vontade para suspirar, cansada.
— Abra a primeira gaveta – ele pede apontando para a cômoda.
Vou até lá e quando abro, vejo um pequeno pacote de presente.
— Pai... – eu o reprovo.
— Foi aniversário do meu neto e eu não lhe dei nada – ele observa
sério —, entregue a ele, por favor.
Assinto. Sei que a aposentadoria dele não é muito alta. Desde que
me separei de Liam, ele não pagou mais sua parte nas despesas com o asilo,
então meu pai está pagando tudo, sei que não sobra quase nada. Entrego
para Caleb que sorri feliz.
— O que é vovô? – ele balança a pequena caixa com os olhos
brilhando de felicidade.
— Uma surpresa nossa. – E pisca para ele.
Caleb dá uma risada gostosa e destrói o papel de carrinhos
vermelhos e então uma caixa do Hot Wheels surge diante dos olhos dele.
— É o carro do Batman! – Caleb diz animado.
Meu filho tem uma coleção enorme de carrinhos do Hot Wheels e
meu pai compartilha da mesma paixão.
— Você gostou? Aposto que não tem esse... – meu pai diz orgulhoso
de si mesmo.
— Não tenho, vai ficar no meio dos carros pretos – meu filho avisa
e pula para o chão.
Caleb termina de rasgar a caixa e desliza o carrinho sobre o carpete.
Meu pai sorri feliz, como se quem ganhou o presente foi ele. Seu olhar sobe
para mim, mas finjo não notar.
— Tem certeza que está tudo bem? – ele insiste.
Dou um sorriso amargo e puxo a cadeira para me sentar ao lado
dele.
— Estamos aprendendo a viver só eu e o Caleb – comento triste.
— Encare esse divórcio como um livramento, Liam nunca foi
homem para você! Não sei por que insistiu nesse merda!
— Merda! – Caleb repete e aponta o dedo para o avô. — Vovô falou
palavrão!
Reprovo meu pai com o olhar, que encolhe os ombros. A única coisa
que herdei dele foram os olhos azuis, o resto é parecido com ela. A megera.
É como chamamos minha mãe desde que ela foi embora com o encanador,
sem olhar para trás, me deixando com o meu pai. Durante muito tempo,
senti sua falta, entretanto, me acostumei e quando ela retornou para a minha
vida, já não me importava, conversamos, mas não somos amigas ou
próximas. Eu a tolero. E não sei dizer o motivo, talvez aquele amor de
criança que ainda acredita em finais felizes.
— Vovô terá que pagar uma multa de dez dólares porque falou
palavrão – o reprovo —, o seu presente de Natal será bem caro esse ano,
Caleb.
Meu pai faz uma careta de desgosto quando estico a mão, esperando
os dez dólares. Ele sabe que isso é uma regra nossa desde que sou criança e
não podemos quebrar com Caleb.
— Na primeira gaveta – ele avisa.
Levanto outra vez para pegar o dinheiro. Não vou gastar com
qualquer coisa, ele sabe que conservarei na caixinha dos palavrões. Guardo
no bolso sob o olhar atento do meu filho e depois me sento de novo ao lado
do meu pai.
— Estou trabalhando na emissora – continuo a conversa —, passo o
dia todo fora e pego Caleb na escola no fim da tarde e vamos para a casa. É
uma quitinete, uma pena você não poder ir morar com a gente. Ainda.
Assim que eu me estabilizasse e tivesse uma casa maior e meios de
pagar uma enfermeira, levaria meu pai para morar comigo.
— Sei disso, querida. Não se preocupe...
Meu pai foi um dos maiores jogadores de baseball da sua época. Ele
ganhou muito dinheiro, chegamos a morar em um grande apartamento na
Sunset Boulevard[2], estudei nos melhores colégios com filhos de famosos.
Tínhamos motorista particular. Lembro de frequentar os melhores lugares,
ter sempre pessoas em nosso apartamento, meu pai desfilava com suas
namoradas bonitas e que traziam presentes para me agradar.
A vida foi boa até quase o fim da faculdade, quando meu pai já
aposentado do baseball, sofreu um acidente de carro gravíssimo e ficou
meses em coma. Meu tio Ted ficou como responsável por administrar tudo,
então, do dia para a noite, ele fugiu com o dinheiro e desapareceu. A nossa
sorte, foi os bens que havia no meu nome, e foram usados para pagar as
dívidas que meu tio deixou devido à falta de manutenção dos negócios que
meu pai investia além de sua aposentadoria.
Foi um escândalo, uma série sem fim de processos trabalhistas entre
outras coisas. Quando meu pai voltou a si, estava sem nada, nos restou
apenas um carro que tive que vender para pagar parte as despesas do
hospital. Foi nessa época que descobri que estava grávida. Hoje, pensando
friamente, o medo de ver meu bebê passando fome foi um dos motivos que
me levou a aceitar o pedido de casamento de Liam.
Por não ter como cuidar de David, meu pai foi internado em um
asilo aos cinquenta anos, sua falta de mobilidade devido à paraplegia fez
com que ele precisasse de mais cuidados do que eu poderia dar. E como eu
disse, ele e Liam não se davam muito bem. Meu pai o odiava.
— As coisas vão melhorar – digo esperançosa.
Sei que se não fosse o Clube das Mães Solteiras, não sei o que teria
sido de mim. Liam e os pais já colocaram a casa à venda. Eu passei em
frente outro dia. É óbvio que ele não moraria com Hannah em uma casa no
subúrbio. Quando penso no meu relacionamento, acredito que Liam gostava
de mim porque eu era a filha de um jogador famoso e isso lhe dava status
na faculdade. Ele se acostumou a ver a minha casa lotada de gente famosa,
pessoas que nunca olhariam em sua direção uma segunda vez se passasse
por elas na rua. Contudo, quando minha vida mágica e perfeita se desfez,
me tornei um peso. E então, ele procurou outra que servisse melhor aos seus
propósitos.
— Já estão melhores, você saiu de um casamento me... – ele para e
olha para Caleb que está usando o pneu da cadeira de rodas dele para fazer
de caminho para o carrinho —, saiu daquele inferno para o paraíso. Pode
não parecer agora, você vai se sentir sozinha, vai se perguntar como vai dar
conta, vai chorar no silêncio do seu quarto, mas quando tudo passar, será
libertador...
— Foi o que a psicóloga disse. – Sorrio para ele.
— Psicóloga?
— Sim, estou fazendo terapia no centro do Clube das Mães Solteiras
– respondo.
Eu já contei a ele. Desde que me separei e saí de casa, eu o tenho
visitado todas as semanas e me sinto mais feliz por poder ver o meu pai sem
Liam reclamar na minha cabeça.
— Isso é bom, vai te fazer muito bem. – Ele segura a minha mão
com carinho.
— Foi essa sua positividade que o fez sobreviver quando a megera
foi embora?
Ele sorri e assente.
— Eu mergulhei de cabeça no trabalho. Acredito que o abandono foi
o que me fez o profissional que eu fui. Talvez, se a megera não tivesse ido
embora, eu nunca teria me tornado o grande jogador que consegui ser...
— Minha psicóloga diz que o divórcio pode ser a porta do paraíso
para muitas mulheres, e que esse é o meu caso – comento pensativa —, ela
disse que eu vivia submissa a Liam por causa da dependência financeira,
mas não era amor. Era uma espécie de submissão permissiva.
— É bem a sua natureza – ele observa e me encara —, sua
flexibilidade permitiu que a megera se aproximasse de novo.
Ele nunca vai me perdoar por tê-la deixando entrar na minha vida
outra vez. Já tentei explicar, mas é como se David se sentisse traído depois
de todos os sacrifícios que fez para me dar uma vida boa, enquanto minha
mãe fugia pelo mundo sem olhar para trás.
— Aproximar não é tê-la na minha vida – explico pela milésima vez
—, nós não almoçamos juntas ou nos falamos ao telefone. Somos como
duas conhecidas que de vez em quando se lembram uma da outra e enviam
mensagens. Mais da parte dela do que da minha, pode apostar.
— Sei disso – ele admite —, é que às vezes, gostaria de ver a sua
mãe queimando no fogo do inferno.
Dou uma risada alta.
— Inferno! – Caleb repete e levanta o olhar para nós enquanto
segura o carrinho. — O que é inferno?
Reviro os olhos e levanto para pegar mais dez dólares dentro da
gaveta.
— Pode explicar, Senhor Lynch, a culpa é sua...
Meu pai estende os braços para Caleb que sobe novamente sobre ele
e fica esperando com os olhos bem atentos o que meu pai vai responder.
— Bem, filho, inferno é viver na mesma casa que o seu pai...
— Pai! – eu o reprovo.
— O que foi? – ele pergunta fingindo inocência.
Balanço a cabeça, desolada. Meu pai é a pessoa mais louca e mais
adorável que já conheci. Impossível não amá-lo, até mesmo seu senso de
humor ácido.
Capítulo 5

Eu me afastei de todas as minhas amigas por causa do Liam, do meu


casamento porque me tornei dona de casa vinte e quatro horas. Enquanto eu
me tornava mãe do Caleb aos vinte e dois anos, minhas amigas estavam
começando a carreira profissional e agora que cheguei aos vinte e sete anos,
elas estão se preparando para casar, estão em um ritmo diferente do meu.
Todas disseram: com certeza vamos combinar alguma coisa, sinto por você
e pelo Liam, precisamos colocar a fofoca em dia. Ou seja, não vai ter nada.
A vida de divorciada não é fácil, ainda estou um pouco perdida, me sinto
solitária como se tivesse perdido um braço ou uma perna.
O pior é que depois que pesquisei sobre o Liam e a Hannah na
internet, as redes sociais vivem me atualizando sobre o assunto. E ainda dói.
Vai levar um tempo até me acostumar com a ideia de que tudo acabou e ele
seguiu, que perdi meu tempo, embora tenha saído com o melhor do
casamento: Caleb. Meu filho é meu maior e melhor perfeito motivo para
levantar todos os dias da cama e seguir.
— Kate! – Jason grita sentado em sua cadeira de frente para o
estúdio do jornal esportivo do meio-dia. — Já pegou o meu café?
Posso mais que pegar um café para um idiota. Do fundo do meu
coração, eu queria estar do outro lado do palco, fazendo externas, falando
com os jogadores e treinadores do esporte. Sempre gostei de jornalismo
esportivo, está no meu sangue, sei mais sobre baseball do que qualquer
outro repórter ali. Entendo mais que qualquer outro esporte, vivi no meio de
tudo isso, sei cada detalhe. Mas o dono da emissora, o tal Michael Scott
Rhodes escolheu um jornalista de Utah para assumir o cargo e fiquei a ver
navios. Sei que não tenho experiência, mas posso provar que sou boa nisso.
— Já vou pegar! – respondo e dou meia volta para sair do estúdio.
Como vou provar alguma coisa enquanto só pego café e pago as
contas da namorada de Jason? Não faço ideia...
Atravesso os corredores e desço até o segundo andar onde tem uma
máquina de café expresso. Faço o bendito café e coloco na xícara especial
de Jason que tem escrito: simplesmente o melhor. Quando me viro, minha
mão se depara com um peito masculino no meio do caminho. Deixo a
xícara cair, que quebra em vários pedaços enquanto a minha mão e a roupa
do distraído ficam queimadas com café.
— Por que não olha por onde anda? – a voz masculina soa
autoritária.
No mesmo segundo, reconheço essa voz. Ergo o olhar para o babaca
que roubou a flecha de Caleb outro dia no Clube das Mães Solteiras. De
novo?
— Você! – digo indignada.
Ele me encara e me reconhece. Seus olhos azuis estreitam ao notar
que sou eu, é o típico macho que não está acostumado a ser confrontado.
Deve ser daqueles que grita e todo mundo abaixa a cabeça, ainda mais as
mulheres que o cercam.
— Por que não estou surpreso? – Ele segura a camisa azul escura e
afasta do peito para não queimar. — Você fez de propósito! Ou você tem
algum problema?
Não pode estar falando sério!
— Eu? – pergunto indignada.
Ele não tem ideia do quanto me irrita. Uma estagiária está passando
por nós segurando seu copo com água, distraída no celular. Impulsiva e
louca como eu sou, estico o braço e pego o copo da mão dela.
— Se fosse de propósito eu teria feito isso... – e despejo o conteúdo
do copo sobre a cabeça dele —, isso é para aprender a não tirar brinquedo
de criança!
E me viro para me afastar.
— O quê? Você ficou louca? – ouço a voz dele atrás de mim.
— Ainda não – respondo por cima do ombro e vejo que ele vem
atrás de mim.
— O que está fazendo aqui na emissora? – pergunta como um touro
bravo.
— Eu trabalho aqui...
— Pois não trabalha mais! – ele vocifera.
O quê? Paro de andar e me volto para ele:
— O que foi que disse? – pergunto erguendo uma sobrancelha e o
encarando.
— Você está demitida! – avisa com o dedo em riste enquanto tira o
paletó do terno caro. — Aliás, avisei que não a queria aqui!
Quem ele pensa que é?
— E você é o dono disso tudo? – Giro a mão no ar para mostrar ao
redor.
— Sou – ele dá alguns passos para mim enquanto desata a gravata.
Seu cabelo está molhado e parte da camisa é uma mistura de água e café —,
deveria se informar melhor, senhorita... – ele olha no meu crachá —,
Fletcher.
Ainda consta o meu nome de casado, meus documentos estavam
todos com o sobrenome do Liam quando consegui o emprego, ainda não
tive tempo de mudá-los. Esse emprego toma as horas do dia como uma
draga.
— Pode passar no RH e assinar sua demissão – ele manda com
arrogância —, você não fica mais um minuto dentro desta empresa!
E me dá as costas caminhando pelo corredor sob o olhar atento de
alguns funcionários que pararam para ver a confusão. A estagiária se
aproxima de mim e me fita com perplexidade.
— Você está bem? – Ela toca o meu braço me tirando do choque.
Fui demitida?
— Estou – respondo ainda perplexa. — Quem é ele?
— Realmente você não sabe? – ela me questiona com surpresa. —
Ele é Michael Scott Rhodes Junior, dono da emissora. Você não sabia?
Ai, que merda. Como eu podia imaginar? Bem que meu pai sempre
disse: trate as pessoas com cuidado, você não sabe quem está do outro
lado. Nunca sua frase fez tanto sentido. Mordo o lábio inferior, vendo o
babaca dobrar o corredor e desaparecer sem olhar para trás. Bufo sem poder
acreditar que fui demitida. Mas também, mesmo que ele fosse um
funcionário comum, não podia ter jogado água na cabeça dele. Porém, foi
mais forte do que eu, quando percebi, já tinha feito.
O que vou fazer agora? Ficar desempregada não é uma opção e se
descobrirem no Clube das Mães Solteiras que derramei água na cabeça do
meu patrão, filho de Glenda Rhodes, como vão confiar em me dar outro
emprego? Recobro a razão e balanço a cabeça, vou levar o café de Jason ao
menos e depois vou ao RH. Aproximo da máquina e com as mãos tremendo
pego um dos copos de papelão e preparo o café. Volto para o estúdio e noto
um burburinho, Jason me vê e parece aliviado. Tudo isso por causa de um
café? O cara é viciado mesmo...
— Você sabe dirigir? – ele me pergunta aflito.
— Sei, claro que sei...
Ele tira a chave da mão da assistente de produção, Hunter, e coloca
na minha mão.
— Nosso motorista, Kirk, está com intoxicação alimentar e foi
levado às pressas para o hospital – ele explica depressa —, preciso que leve
Oliver Brooken até o centro de treinamento dos Topeka Rogers[3] para uma
entrevista com Alan Graison. Pode fazer isso?
É neste momento que conto que fui demitida pelo próprio Michael
Scott Rhodes Junior? Penso com ironia. E explico como tudo aconteceu?
Abro a boca para falar, mas a voz não sai, não posso dizer a ele a verdade.
Não agora.
— Claro que posso. – Seguro a chave com firmeza.
— Ótimo, o carro está no estacionamento e Oliver está esperando
por você... – ele se afasta e volta para frente do estúdio para dar ordens.
Que mal tem trabalhar mais algumas horas antes de ir ao RH? O tal
Michael não vai ficar sabendo, duvido que neste momento ele esteja
preocupado comigo, ele tem preocupações mais importantes do que uma
funcionária que jogou água na sua cabeça de forma proposital. Esse tipo de
homem não se importa com reles mortais que trabalham para ele.
Determinada, corro pelos corredores até chegar ao estacionamento.
Vejo Oliver e ele acena quando me vê.
— É você que vai me levar para o centro de treinamento? – pergunta
já abrindo a porta do passageiro.
— Sim – afirmo e entro também, antes que alguém grite que não
posso porque fui demitida.
— Temos pressa, estamos atrasados... – Ele observa e faz uma
careta.
— Está tudo bem? – questiono.
— Está – ele balança a cabeça —, só cansaço de uma noite mal
dormida.
— Imagino – respondo e ligo o carro.
Saímos pelas ruas de Los Angeles e dirijo o mais rápido que posso,
cortando os carros, para chegarmos a tempo. Vejo que Oliver leva a mão
várias vezes à barriga e faz careta, mas como ele disse que está tudo bem,
não o questiono mais, talvez sejam só gases. Quarenta minutos depois, paro
o carro no centro de treinamento e imediatamente Oliver abre a porta e
vomita do lado de fora. Desço do carro, preocupada, e me aproximo dele.
— Você está bem? – pergunto aflita.
Ele se ergue e me encara, está pálido como um papel.
— Estou – ele respira fundo e fica de pé —, só um mal-estar.
Olho ao redor e vejo que o furgão da emissora já está lá e o câmera
está aguardando.
— Você consegue ir até lá? – Aponto para o outro lado. — Já estão
esperando por você...
— Sim, eu consigo.
Fecho a porta do carro e começamos a caminhar. É quando ele se
inclina e vomita de novo. Oh, meu Deus! Isso é horrível. Faço uma careta
de nojo, mas meu estômago aguenta, depois que me tornei mãe, ficar com
repúdio de cenas de vômito não é mais normal. De longe o câmera acena, e
eu apenas encolho os ombros.
— Oliver, você quer que eu busque um remédio ou algo assim?
Água talvez – ofereço.
— Não precisa. – Ele se ergue e respira fundo.
— Você está suando. Você não está bem – falo realmente
preocupada.
Ele cambaleia um pouco e se escora em mim.
— Acredito que foi o peixe ontem à noite... – reclama levando a
mão ao estômago —, ai, meu Deus! Agora todo mundo vai saber sobre mim
e o Kirk! – lamenta.
Kirk é o motorista que também está passando mal. E pelo tom dele,
não foi um jantar entre amigos, e sim algo mais pessoal.
— Ninguém liga – eu o consolo —, é só você não dizer nada a
ninguém. Comentários sempre vão existir mesmo que você não tenha feito
nada.
Ele me fita com surpresa.
— Você é legal, Kate – ele diz e faz uma careta levando a mão à
barriga.
De repente, ele solta um pum alto que o faz ficar vermelho de
vergonha. Levo a mão à boca para segurar o riso.
— Ah, meu Deus! Preciso de um banheiro. – E dispara em uma
corrida em direção ao prédio.
— O que está acontecendo? – O câmera se aproxima.
— Ele está passando mal... – respondo preocupada.
— Alan Graison está esperando, o que vamos fazer? – Ele aponta
para o quiosque mais à frente.
Os equipamentos estão a postos e o jogador mais famoso para a
próxima temporada está aguardando.
— Vai ser ao vivo, entramos em três minutos – ele lamenta.
Meu coração dispara e minha boca seca. É a minha oportunidade. A
desgraça de Oliver é a minha chance de mostrar que posso mais do que
pegar café e ser motorista. Além disso, já estou demitida mesmo, o máximo
que podem fazer é me demitir de novo. Pelo menos, vou sair dali me
sentindo realizada de alguma forma.
— Eu faço! – aviso com determinação.
Olho para o crachá dele.
— Posso fazer o ao vivo, Terrel!
— Tem certeza? Posso ligar para o Jason e desmarcar...
— De jeito nenhum, ou faço isso ou perdemos a grande chance de
entrevistar Alan, ele não fará isso de novo!
Terrel concorda comigo, Alan Graison é a estrela do baseball na
atualidade. Ele não dá entrevistas, a não ser que esteja de muito bom humor.
— Vamos lá...
Minhas mãos tremem e meu estômago revira. Calma, Kate, quantas
vezes você fez um ao vivo? Nunca. A não ser as gravações da faculdade.
Mas é como andar de bicicleta, uma vez que você aprendeu, não esquece
nunca mais. Além disso, brincar de jornalista ao vivo foi minha principal
atividade na infância, sou uma especialista no assunto, ironizo.
— Olá, eu Kate Fletcher – digo quando paro diante de Alan e
estendo a mão para cumprimentá-lo —, infelizmente, Oliver teve um
contratempo, e vou entrevistá-lo, algum problema para você?
O jogador jovem de vinte e poucos anos, lindo e charmoso, sorri.
— Problema nenhum, gata. – E pisca para mim.
Eu e Terrel nos entreolhamos, e ele me entrega o microfone.
É tudo ou nada agora.
Capítulo 6

Quem ela pensa que é? Sabia que minha mãe aprontaria comigo!
Glenda tem um senso de humor atípico. Se eu não tivesse dito nada não
teria despertado nela o desejo de me afrontar e enviar essa mulher para a
emissora. Tantos cargos e enviou a maldita ruiva para arruinar minha
camisa. Pego o telefone e disco para minha secretária, Tabhita. Pode parecer
o nome de uma jovem de dezesseis anos, mas Tabhita tem o dobro da minha
idade e é a assistente mais eficiente que um CEO poderia ter.
— Bom dia – ela cumprimenta enquanto ligo a TV que fica do outro
lado da sala para assistir ao programa de esporte da hora do almoço.
Sem dúvida nosso carro chefe, o que nos dá mais dinheiro com
publicidade sem contar a transmissão dos jogos.
— Bom dia – respondo sério tirando a gravata —, preciso de uma
camisa nova, a minha foi arruinada por uma funcionária impertinente!
Jogo a gravata na mesa e ela me observa por cima dos óculos. Passa
as mãos pelos cabelos grisalhos cortados na altura dos ombros e me estuda
por um instante.
— Ela derrubou café em você ou lhe deu banho? – há humor em sua
voz.
— Os dois – me jogo na cadeira e a encaro —, e a demiti. É uma
mulher insuportável! Outro dia me acusou de roubar uma flecha de plástico
de uma criança!
Tabhita meneia a cabeça:
— Então foi ela...
Estreito o olhar.
— Como sabe?
— Eu o ouvi contando para seu irmão Luke ao telefone – ela
responde —, você parecia bastante indignado porque ela o chamou... do que
foi mesmo? – Pensa por um instante. — Ah, sim... abre aspas “macho
escroto babaca”, fecha aspas – há deboche em sua voz.
O problema de trabalhar muito tempo com uma pessoa, é a
intimidade que pegamos ao longo do tempo. O pior é que eu não posso
sequer xingar minha assistente.
— Ela acabou com seu ego – o sarcasmo me irrita profundamente.
— Não acabou, não ligo para o que ela diz...
— Então, não deveria estar tão bravo...
— Como não? Ela jogou café em mim! – acuso.
— Ela jogou? – Estreita o olhar. — Deve ter sido um acidente. Ela
não seria tão louca...
— O café foi um acidente – admito —, mas ela jogou a água na
minha cabeça, me dizendo que se fosse de propósito seria daquela forma...
A risada de Tabhita se estende pelo ar como um veneno aumentando
a minha raiva. Se ela está rindo dessa forma, imagina os outros funcionários
que estavam ao redor e também os seguranças que ficam por trás das
câmeras de vigilância. Tenho certeza que não sou o chefe mais amado do
país.
— Eu preciso conhecê-la, ela é corajosa – elogia.
— Deveria ter mais amor ao seu emprego, Tabhita – digo sério
apoiando os braços sobre a mesa.
— Ah, eu tenho, Michael – ela garante —, mas ver alguém o
enfrentar sem medo de uma demissão é louvável. Pode apostar que ela
representa muitos dos seus funcionários.
Não sou um chefe ruim, apenas exigente. Não foi por acaso que
cheguei ao patamar em que a emissora está e em tão pouco tempo. São dez
anos, e batemos os recordes de audiência que muitos canais de esporte não
conseguiram em décadas. Tenho orgulho do que faço e aprendi que não
posso ser amado por todos para chegar aonde quero.
— Imagino que sim – admito —, consegue a camisa para mim?
— Sim, vou pedir para trazerem uma. – Ela pisca e sai da sala.
Aproveito para tirar a camisa e ligar o ar condicionado. Estou com
uma camiseta regata por baixo que também molhou. Recebo uma ligação de
Dean James, o dono do San Francisco Stars. O segundo maior time de
baseball da liga nacional. Ele quer que eu faça um especial sobre a história
do time já que no próximo mês completa sessenta anos de existência.
— Vamos negociar – respondo a proposta que ele me faz —, claro
que é do interesse da American Sports ter um documentário sobre o time,
mas preciso reunir uma equipe para fazer isso, temos apenas um mês e
envolve um trabalho sério. Não vamos entregar aos telespectadores algo de
baixa qualidade e mal feito. Vou falar com Jason Jordan, ele é muito bom
nisso. Foi ele que fez o documentário sobre o Madison Lions e que acabou
virando uma série para a TV.
As pessoas pagam para ver como é a vida das celebridades e minha
família tem várias. O documentário não contava apenas a vida do time, mas
a história da nossa família, focando também em pequenos escândalos
vividos pelos meus irmãos. Ou melhor, por Luke e por Sara. Eu sou mais
discreto, não tenho redes sociais, e se digitar meu nome no Google, o
número de fotos é ínfimo.
— Também tem a Glenda, posso ver se ela está disposta a assumir o
projeto, já que é algo rápido – comento.
Ele responde satisfeito.
— Espero você no jantar em minha casa – comenta —, que tal esse
fim de semana?
— Vou passar para a minha secretária.
— Será algo para os mais chegados, alguns membros do time,
amigos, será interessante que venha. Podemos discutir o patrocínio para o
documentário.
Isso me interessa e muito.
— Claro – concordo sem demonstrar o entusiasmo.
Quando desligo, sorrio com satisfação. Eu sempre soube que queria
ser jornalista, desde criança. Então, quando fiz a faculdade, sonhei com
coisas maiores. Ainda mais depois que estagiei em uma emissora que o
dono me disse que era mais fácil treinar um macaco do que eu ser um
jornalista de verdade. Trabalhei fundo, aprendi tudo que era necessário e
aos vinte e três anos fundei a American Sports. Claro que tive o apoio
financeiro dos meus pais, sem isso teria sido impossível, eles haviam me
dado um apartamento, e trabalhei para ter dinheiro para começar.
O que era apenas um estúdio simples, se tornou algo maior. As
coisas foram acontecendo e hoje posso dizer que valeu a pena cada
sacrifício. Abri mão de uma vida social intensa para acompanhar de perto o
crescimento da empresa. Diferente dos meus irmãos, nunca sonhei em ser
jogador de futebol americano. Gosto dos bastidores, da emoção de estar em
uma partida. E meu sonho sempre foi o baseball. Se um dia eu fosse
obrigado a escolher, seria lançador.
Sorrio diante dessa lembrança quando Tabhita entra em minha sala
com a camisa.
— Obrigado – agradeço e a visto rapidamente.
— Ora, vocês têm uma jornalista nova?
— Jornalista nova? – Franzo o cenho enquanto a encaro e ela move
o queixo em direção à TV.
Olho na mesma direção e fico lívido quando noto a ruiva maluca na
TV, segurando um microfone da American Sports e diante do maior jogador
de baseball da atualidade.
— É ela – aponto para a TV e me aproximo ainda com a camisa
aberta —, o que ela faz ali? – explodo.
Escuto a risada de Tabhita. Aumento o volume.
— Estamos aqui diretamente do centro de treinamento do Topeka
Rogers, um time que já conquistou recordes com os maiores nomes do
baseball ao longo de setenta anos de história – ela se volta para Alan —, e
aqui está o jogador mais bem pago da atualidade, Alan Graison. Oi, Alan,
como vai?
— Melhor agora, Kate. – Ele sorri para ela e dá uma piscada.
— Nós sabemos que você está se preparando para o Spring
Training[4], no Arizona. O que você espera para esse tempo de treinamento
até a temporada em julho?
— Então, Kate, como você sabe, os lançadores começam o
treinamento um pouco antes que os outros jogadores, e posso garantir que
estou me dedicando cem por cento – ele fala.
O cara é um chato, sempre é grosseiro nas entrevistas, deixa os
jornalistas desconcertados com suas respostas curtas.
— E esperamos que esteja mesmo, Alan, não apenas os torcedores
do Topeka Rogers, mas também todos os amantes do baseball esperam ver
suas jogadas de efeito – ela comenta e olha para a câmera com um sorriso
charmoso.
Fico excitado. Ela parece que nasceu para fazer isso, e é nítido como
Alan está encantado por ela, totalmente, ele não tira os olhos dela um
segundo, sequer nota a câmera que está à sua frente.
— Você está há seis jogos de bater o recorde de vitórias de David
Lynch, como se sente?
— David sem dúvida foi o maior astro do baseball e passá-lo será
uma honra, quando eu era garoto e assistia aos jogos, queria ser como ele.
Então se eu ficar no mesmo patamar que o cara será um presente...

— David também tem o maior número de strikeouts[5], e a mídia


teima em dizer que você está obcecado por ultrapassá-lo. É verdade?
Ela pegou o cara, é neste momento que tenho certeza que ele vai
xingá-la e sair de cena, mas ao invés disso, ele ri e balança a cabeça em
negativa.
— Você me pegou, Kate. Quero deixar meu nome na história, gata.
E não tem outro jeito...
Ela acena e concorda com ele.
— E agora que a gente sabe que você vai se esforçar ao máximo
para entrar para o rol dos melhores do baseball e para a história, diz
aquilo que suas fãs querem saber, como anda o coração?
Ele ri alto.
— O que ela está fazendo? – pergunto em voz alta. — É um
programa de esportes, e não de fofoca!
— Posso responder isso daqui alguns dias se você passar o número
do seu telefone para mim, Kate – ele a canta na frente das câmeras.
Kate sorri e balança a cabeça em negativa.
— Bata os recordes e posso pensar no seu caso, campeão – ela olha
para a câmera —, aqui é Kate Fletcher direto do centro de treinamento do
Topeka Rogers e você acabou de ouvir que Alan Graison vai explodir nessa
temporada. É com vocês do estúdio.
A imagem passa para o apresentador do programa. Começo a fechar
o botão da minha camisa com raiva.
— Eu demiti essa mulher! – me volto e Tabhita ainda está ali.
— Mas ela arrasou – minha secretária a defende.
Eu a fito de soslaio, não gostando da conversa.
— É um programa de esportes, e não fofoca – retruco com raiva.
— Mas tem que admitir que ela é bonita e o flerte deixou tudo mais
quente – Tabhita comenta antes de sair da minha sala.
Vou cortar a cabeça de alguém além dela. Não sabia que a havíamos
contratado para ser repórter. No lugar dela deveria estar o Oliver. Onde ele
se meteu?
Termino de arrumar minha roupa e saio da minha sala, determinado,
indo em direção ao estúdio. Pelo canto do olho observo os funcionários
pegando o telefone para avisar que estou chegando. Isso é tão patético, mas
já me acostumei. Só estou de mau-humor e irritado com tudo isso. Por essa
coisinha ruiva não estar no olho da rua.
Entro no estúdio quando o programa chega ao fim. Jason se ergue da
cadeira e me fita esperando pela bronca.
— Acabo de ver uma desconhecida no programa principal –
reclamo gesticulando as mãos —, pode me explicar?
Ele encolhe os grandes ombros e afasta o microfone do rosto, aliás o
tira e entrega para uma das funcionárias.
— Era para ser o Oliver, mas ele também passou mal...
— Também?
— Sim, pedi para a Kate levá-lo até o centro de treinamento do
Topeka Rogers porque nosso motorista teve uma intoxicação alimentar e
estávamos em cima da hora. Parece que Oliver também não estava nada
bem e como Alan Graison estava esperando, não teve outro jeito. Ou ela
entrava ao vivo, ou perderíamos a oportunidade e você sabe que o cara é
chato... deixá-lo esperando faria com que nunca mais nos concedesse uma
entrevista...
— Que merda! Pareceu mais um programa de fofoca! – fico bravo.
— Por que ela perguntou da vida pessoal dele?
— Estava na cara que ele estava interessado e ela também. – Ele ri.
A assistente se aproxima de novo:
— É melhor ver isso, Jason – a moça diz e entrega o tablet a ele.
— Puta merda!
— O que foi? – Espero pelo pior.
— Pode parecer mentira, mas nossa audiência dobrou quando a Kate
fez a entrevista e, no momento, seu nome é o mais twitado...
— O quê? – Pego o tablet da mão dele sem poder acreditar.
Até que enfim uma mulher num programa só de homens.
Ela é linda e divertida.
Adorei a cor do cabelo dela.
O Graison ficou apaixonado. Quem não ficaria?
Eu também quero o telefone da gata.
Quantos campeonatos são necessários para conquistar Kate
Fletcher?
Eles fazem um casal e tanto...
Apaixonada na garota, ela arrasou.
A melhor repórter da American Sports.
Só vou assistir ao programa do almoço por causa dela.
Por mais Kates para alegrar nosso dia. Ela é divertida e bonita.
Devolvo o tablet para Jason sem poder acreditar.
E não é que a funcionária impertinente fez sucesso? Isso é
inacreditável... Todavia isso não diminui o quanto a detesto. Dou as costas
para Jason e saio do estúdio com vontade de matar alguém.
Capítulo 7

Thousand Miles, da Vanessa Carlton está tocando no som do carro


enquanto dirijo de volta à emissora. Adoro essa música e mesmo sabendo
que vou ser demitida depois do que fiz, amei a entrevista. Provei a mim
mesma que consigo, que posso, que nasci para ser repórter. Deixei Oliver
no hospital, ele mal conseguia ficar de pé e liguei para alguém da família ir
vê-lo.
Quando chego ao estacionamento da emissora, minha alegria vai se
esvaindo conforme vou em direção ao prédio principal. Respiro fundo, fugir
não vai adiantar. Quando entro na recepção sou aplaudida. Isso mesmo. As
pessoas me aplaudem e observo ao redor sem entender. O que é isso? Uma
brincadeira? Sou aplaudida e depois ganho a demissão do ano? Aquela
estagiária de quem roubei o copo de água, se aproxima de mim com um
sorriso largo.
— Menina, você arrasou! – Ela segura a minha mão e me puxa em
direção aos elevadores.
— Arrasei? – pergunto sem entender nada.
Ela me fita com desconfiança:
— Você já viu as redes sociais? Só falam de você e da sua aparição
no programa – ela me conta —, você virou a estrela da vez!
Ela mostra a tela do seu celular e está escrito: precisamos de mais
repórteres como Kate Fletcher.
— O quê?
Não pode ser! Pego meu celular no bolso das calças e digito o meu
nome. Chove de mensagens positivas falando sobre a minha aparição no
programa. Levo a mão à boca e começo a rir de nervoso.
— Senhorita Fletcher! – a voz arrogante de Suellen Reynolds soa no
meio do saguão. — Pode me acompanhar, por favor?
Ela sai andando sem me esperar e olho para a estagiária que ainda
não sei o nome e encolho os ombros. Será que eles vão me dar uma chance
ou me demitir? Preciso que digam logo, a ansiedade está me matando. Eu a
sigo até uma sala e quando olho ao redor, além dela há Jason Jordan e
também o dono da porra toda, Michael Scott Rhodes Junior. Gosto de falar
o nome dele, parece tão ridículo quanto a de uma realeza britânica. Nossos
olhares se esbarram e desvio para Jason que acena para mim.
— Pode se sentar, Senhorita Fletcher – Suellen pede.
Sento-me à mesa de reuniões pequena e fico tensa. Começo a bater
o pé no chão e o barulho é chato, mas não consigo controlar.
— É Senhorita Lynch, corrijo, Fletcher é o sobrenome do meu ex-
marido – explico para Suellen que me fita como se eu fosse uma idiota.
Estou tão nervosa que devo estar agindo como uma.
— Acredito que saiba que está aqui, senhorita... – Michael não sabe
como me chamar.
— Pode me chamar de Kate – eu peço.
— Kate – ele repete como se eu tivesse pedido para ele dizer o
nome de uma merda bem grande.
Michael não gosta de mim, isso é bem evidente. Não é minha culpa
e como uma garota de cinco anos que não sou mais, posso dizer que foi ele
que começou.
Ficar na presença dele me deixa nervosa.
— Não faço ideia por que estou aqui – minto descaradamente.
E ele sabe disso porque me fita com incredulidade, um sorriso
irônico surge nos lábios bonitos. Na verdade, o que Michael Rhodes tem de
atraente, tem de insuportável, então, ele é bonito mesmo.
— Claro – ele finge concordar —, é sobre seu desempenho hoje no
programa de esporte.
— Sim – finjo me lembrar de repente.
— Sabe que tomou o lugar de outro repórter sem a autorização do
diretor do programa? – Michael me questiona.
— Sim – admito e o encaro —, era isso ou perder a entrevista com
Alan e todos nós sabemos que ele não concede entrevistas.
Fica calma, Kate. Tento respirar. Ele não pode te engolir na frente
dessas pessoas, não vai te xingar. Só está colocando pressão porque você
derrubou café na camisa cara e não pediu desculpas.
E não vou pedir, foi sem querer e ele mereceu a água na cabeça.
Outro lado meu diz: pense no seu filho e se controle.
Você precisa do emprego, então não banque a louca.
— Foi o que eu disse a Michael – Jason me defende.
Controlo para não sorrir para ele como uma boba e agradecer.
— Mas ela não pode tomar decisões sem falar com o responsável! –
Michael repreende. — Foi um golpe de sorte...
— Golpe de sorte? – pergunto indignada. — Quatro anos em uma
das melhores universidades de comunicação não é golpe de sorte!
Sou assim, quando vi, já falei e pronto.
— É formada? – ele pergunta surpreso.
— Na Universidade de Washington, em Seattle – Suellen responde
em meu lugar —, ela foi a melhor aluna da sua turma.
— Se é tão boa aluna – ele me encara sério —, por que não estava
trabalhando no ramo até agora?
Esse homem consegue irritar até a mais santa das mulheres.
— Porque engravidei no último mês da faculdade e dediquei os anos
seguintes a cuidar do meu filho e da minha família! – respondo devolvendo
o olhar de desprezo.
Tenho a impressão que se ele pudesse me enxotava daqui. Não sei o
que acontece que não gostamos um do outro. A vida é assim: não nos
simpatizamos com todas as pessoas do mundo e eu não gosto de Michael
Rhodes. Sempre ouvi falar que ele era um babaca como seus irmãos e a
mídia não está errada. Tudo o que dizem dele é verdade. Ele se acha o dono
do mundo. Não conseguiria ficar perto dele mais que meia hora. Cinco
minutos é o suficiente para me irritar.
— O fato é que deu certo – Jason toma à frente da conversa e noto
que Michael passa a mão pelo rosto, impaciente —, e você caiu no gosto do
público inesperadamente. Eles amaram suas perguntas e o flerte que houve
entre você e Graison.
— Não houve flerte – corto de imediato —, só estava fazendo meu
trabalho e um jornalista deve fazer o entrevistado se sentir à vontade a
ponto de dizer tudo o que pensa. E foi o que aconteceu...
— Então você não deu o número do seu telefone para ele? –
Michael escarnece.
Eu o fito sem qualquer paciência:
— A verdade é que esse detalhe não é problema seu. O que faço
fora da empresa não diz respeito aos meus empregadores...
Jason olha para baixo. Michael sabe que mereceu isso. Ele pode
estar puto da vida porque derrubei café em sua camisa ou simplesmente
porque me detesta. Porém não pode mais desfazer da minha capacidade
profissional. Suellen lhe entrega alguns papéis e ele observa antes de
estender e colocar diante de mim.
— Essa é a nossa proposta de contrato por seis meses. Se conseguir
manter a média de audiência que bateu hoje, dobramos o seu salário e
estendemos o contrato por cinco anos.
Tento me manter séria e não demonstrar o quanto estou eufórica.
Mantenho o olhar neutro quando puxo os papéis e procuro pelas cifras. Oh,
meu Deus! Somente o salário inicial é cem vezes mais do que ganho agora.
Continuo observando as folhas como se estivesse entediada. Não quero dar
o gostinho a esse homem de que ele está me oferecendo a grande
oportunidade da minha vida, tanto de fazer o que amo, como de ajudar
quem está ao meu redor.
Já posso sonhar com uma casa nova, meu pai morando comigo, uma
enfermeira cuidando dele enquanto estou fora trabalhando como repórter
esportivo, David não vai acreditar que consegui!
— Vou ler com calma e trago assinado amanhã – aviso pegando os
papéis.
Todos ficam perplexos.
— Não vai assinar agora? – Michael pergunta surpreso.
— Eu não vou assinar documentos sem ler. Você pode estar me
obrigando a vender meu órgãos... – faço uma piada.
Jason ri, mas Suellen, a chata, e meu chefe não acham graça.
— Estou brincando – pigarreio ficando séria —, preciso de um
tempo para ler a proposta.
Eu me levanto tomando as rédeas da situação. Se eles querem
realmente que eu trabalhe para eles, podem esperar até o dia seguinte.
A porta é aberta e um homem alto, bonito e sedutor entra. Seus
cabelos são de um castanho-avermelhado e ele sorri como um canalha faria,
contudo, ainda assim, me simpatizo com ele.
— Olá. – Ele avança na direção da mesa.
— O que está fazendo aqui, Luke? – Michael pergunta direto.
Dá para ver que Michael Rhodes não tem paciência com nada na
vida.
— Como vai, Michael? – Luke pergunta com ironia. — Estou ótimo
por sinal.
— Estamos no meio de uma reunião.
— Ah, não quero atrapalhar – ele garante —, só vim conhecer a joia
da American Sports. – E olha na minha direção.
Ele se aproxima, se inclina para pegar a minha mão e levar aos
lábios para beijar.
— Você é muito mais bonita ao vivo – ele me encara sem pudor —,
agora entendo por que Graison ficou apaixonado. Aliás, a América toda está
arrebatada por você...
— Exagero. – Sorrio sem graça e tiro minha mão da dele.
— Ela é humilde – Luke parece impressionado —, o que acha de me
dar seu telefone? – pergunta e começa a rir como se fosse uma grande
piada.
— Luke! – Michael se levanta e bate a mão na mesa. — Chega!
— Deus! O que há com você? Só estou tendo uma conversa adulta
com sua repórter! – ele fala como se suas intenções fossem puras.
Todavia, conheço homens como Luke Scott Rhodes. Ele só quer se
divertir e depois jogar fora. Também sei que ele é dono de uma grande
marca de materiais esportivos e acabou de passar por um divórcio
escandaloso. Nessa parte, me solidarizo com ele, também fui traída. Sei
como dói, mesmo que você não goste tanto da pessoa. A falta de respeito
dói mais do que não ser amada.
— Você se importa que eu demonstre meus mais profundos
sentimentos, Kate? – Luke me pergunta.
Começo a rir. Ele é ridículo. Fala como se eu fosse a mulher da sua
vida. Eu me pergunto se ele não quer provocar o irmão de alguma forma,
dando em cima da sua funcionária bem no meio de uma reunião importante.
Casos de família...
— Acredito que já terminamos – digo e olho para Jason e depois
para Michael —, podemos continuar amanhã?
Eles assentem, a chegada de Luke foi boa, afinal, não me obrigou a
dar uma resposta de imediato. Pego os papéis e saio da sala bem depressa.
A ideia de que fui contratada e recebi uma proposta maravilhosa me deixa
eufórica. O pior é que não tenho para quem ligar e dividir a minha
felicidade. Meu pai não gosta de celulares e não tem um. Para falar com ele,
tenho que ir até o asilo.
Neste momento, tenho a noção de quanto estou sozinha, sem
amigos, sem alguém com quem contar. E esse sentimento de frustração é
ruim.
— Você conseguiu...
Levo um susto quando vejo Michael atrás de mim. Não notei que ele
me seguiu quando saí da sala de reuniões. Eu me volto para ele e cruzo os
braços, já pronta para brigar.
— Uma questão de sorte! – ironizo.
Ele coloca as mãos no bolso das calças e vejo que a camisa está
limpa, sinal que foi obrigado a trocar. Seu sorriso é de puro escárnio.
— Só concordei com a sua contratação para benefício do programa
– ele deixa claro.
Como se a vontade dele pudesse me ofender.
— Claro. Então torce para nenhuma outra emissora me oferecer o
dobro do que está me pagando! – Dou um passo para ele. — O jogo pode
virar, docinho...
— Você é muito mal-educada! – ele solta as palavras com
indiferença.
— Trato da mesma forma que sou tratada – rebato e coloco o dedo
em riste —, e foi você que começou!
— Eu? Foi seu filho quando atirou aquela flecha na minha testa! –
ele devolve.
Fico surpresa, afinal, o tempo todo pensei que ele tivesse tirado a
flecha da mão de Caleb. Finjo não notar minha falha. Esse homem desperta
o meu orgulho em um nível atroz.
— Ele fez pouco – respondo —, como vê, nem as crianças o
suportam, Senhor Rhodes! Até mais ver!
Eu me viro e afasto com as pernas tremendo. Não acredito que disse
essas coisas. No entanto, se ele pensou que eu me calaria enquanto ele me
xingava, se enganou. Preciso do emprego, claro, tenho que sustentar meu
filho, mas não vou deixar que ninguém me faça sentir um verme. Não mais.
Capítulo 8

E quanto mais meu desprezo cresce por nossa mais nova repórter,
mais ela faz sucesso. As pessoas a amam. A audiência subiu de forma
expressiva e agora temos marcas se engalfinhando por minutos em nossa
grade de horário. Tudo porque, muito rapidamente, Kate Fletcher se tornou
a queridinha da América. Nunca, em todo o tempo, o mundo do esporte se
ofereceu para aparecer na TV. Times de todos os níveis e modalidades têm
procurado pela emissora para pedir um espaço no horário em que Kate
aparece.
Ela realmente se tornou algo atrativo e todos a querem por perto.
E tenho que engolir meu orgulho e admitir que a mulher é boa no
que faz. Ela conhece sobre o esporte nos mínimos detalhes, principalmente
o baseball. Sabe tudo, não perde um comentário e quando tentam derrubá-la
com comentários ácidos, seu jogo de cintura com respostas inteligentes,
torna tudo mais divertido.
Eu me peguei rindo em algumas das suas alfinetadas nos jogadores,
ainda mais quando dão em cima dela ao vivo. Infelizmente, por ser dono da
emissora, sou obrigado a assistir aos programas diariamente e garantir que
não está saindo da linha. Quer dizer, estou de olho nela e qualquer deslize a
quero fora. Não nos encontramos mais desde a reunião, tenho andado
ocupado demais para ser a babá de uma jornalista arrogante e de língua
afiada.
No fim, o que importa é que ela me dê dinheiro suficiente e atraia
publicidade.
Caminho pelos corredores da emissora depois de uma reunião com
os novos clientes. Cumprimento alguns funcionários e sei que novamente
estão avisando um ao outro que estou passando. Como isso é irritante.
Aproximo da sala de reuniões de pauta onde os funcionários que fazem
parte do programa do meio-dia se reúnem. Com certeza Jason está dizendo
a eles sobre os próximos programas e que vão passar para um estúdio
maior...
Quando sinto algo bater contra a minha testa.
Puxo aquela coisa e então vejo a flecha de borracha. Conheço essa
história. Ouço a risada infantil e olho para baixo com cara de poucos
amigos. De novo não. Aquele monstrinho está bem diante de mim,
segurando seu arco, rindo como se eu fosse um palhaço.
— Você! – Aponto o dedo para ele.
Ele sai correndo e se esconde atrás das caixas de som empilhadas
num canto. Ele é pequeno e conseguiu entrar ali com facilidade.
— Seu pestinha! – xingo e vou atrás dele segurando sua flecha. —
Não adianta se esconder, eu vi você!
Crianças devem ter algum tipo de treinamento militar na escola,
porque esse em especial é um ninja. Ele sai de baixo das caixas, chuta a
minha canela e corre para o outro lado. Dou um salto para trás e falo um
palavrão antes de sair ao seu encalço. Quando dobro a esquina do corredor
me deparo com ela. A mãe daquela fera que deveria estar enjaulada, esse
menino é terrível e, com certeza, vai ser um criminoso procurado quando
chegar à vida adulta.
Tenho que parar de uma vez para não trombar em Kate Fletcher. Ela
está de pé, com os braços cruzados e a sobrancelha erguida. É tão bonita
usando a camiseta da emissora que tenho que admitir o motivo pelo qual
todos estão fascinados por ela. Kate tem algo que chama a atenção, mesmo
quando está parada me olhando como se eu fosse um monstro. E a criança
rebelde e perigosa se esconde atrás das pernas da mãe.
Covarde!
— Por que não estou surpreso – ergo a flecha —, disso ter ido parar
na minha testa?
Ela tira a flecha da minha mão de forma abrupta.
— Uma pena que não foi uma pedra! – ela não lamenta ou pede
desculpas em nome do filho, ao contrário, ela me ataca.
— É a segunda vez que seu filho me ataca...
— Não exagera! – ela entrega a flecha ao menino e se volta para
mim —, ele fez quatro anos, o que acha que ele pode fazer? Arrancar suas
tripas?
A risada do menino me irrita ainda mais. Na verdade, o que me
deixa aborrecido é o fato de que essa coisinha faz o que quer e ela o apoia.
— Aqui não é lugar para crianças! Ele pode se machucar!
Pela primeira vez, a vejo ficar sem graça.
— A creche onde ele fica teve que ser dedetizada e não tenho com
quem deixá-lo – ela explica completamente desconsertada.
Isso me deixa surpreso, embora não seja problema meu. Vivo tão
fora da realidade das mães que trabalharam para mim, que esqueço que
muitas delas não têm a chamada rede de apoio. Durante a reunião, Kate
disse que era divorciada, então, não deve ter uma boa relação com o ex-
marido ou ela pediria a ajuda dele. O pior é a chama de compreensão que
me toma naquele momento e sinto raiva de mim por isso. Não devo me
importar, mas tenho o exemplo de mãe solo em casa. Bufo e tiro meu
celular do bolso.
Kate apenas observa meus movimentos enquanto morde o lábio
inferior bonito que pode ser beijado facilmente. Por algum tolo, não por
mim. Realmente não a suporto e com o filho chato por perto, torna tudo
mais irritante.
— Tabhita, preciso que contrate auxiliares para ficarem com os
filhos das funcionárias que não têm uma rede de apoio – digo sério sem
tirar meus olhos dela.
Vejo como Kate deixa de morder os lábios e os entreabre, com
surpresa. Gosto do efeito que causo nela, mesmo que eu não aceite esse
súbito interesse no que ela sente quando faço algo.
— Para agora – respondo quando Tabhita pergunta para quando.
— O senhor sabe que isso é impossível – ela retruca brava.
— Pegue duas estagiárias e organize em uma sala. Mande um dos
motoristas buscar brinquedos para uma criança de... – tiro o celular do rosto
e encaro Kate —, quantos anos mesmo o monstrinho tem?
Ela faz uma careta de desgosto:
— Quatro anos – ela coloca o dedo em riste —, e monstrinho é o
seu...
Dou as costas para ela e respondo para Tabhita:
— Quatro anos, obrigado – olho por cima do ombro e digo a ela —,
venha comigo e traga o índio Cherokee com você – ironizo.
Não espero resposta porque sei que estou certo. Ando pelo corredor
e quando olho para trás, eu a vejo me seguir, puxando o menino pela mão.
Ele me observa com raiva e estreita o olhar, sinto que uma guerra começou
entre nós e ele não vai se deixar intimidar. Volto a atenção para frente certo
de que ele é um monstro em crescimento e teve para quem puxar, a mãe
também não é muito certa da cabeça.
Voltamos para a minha sala e aponto para Tabhita:
— Tabhita, você já deve conhecer a Kate – comento.
Tabhita se ergue e assente.
— Preciso que as estagiárias cuidem do filho dela enquanto Kate
trabalha – aviso —, e providencie para que tenhamos espaço infantil para as
funcionárias que têm contratempo – aviso. — Com certeza, ela não é a
única.
Tabhita sorri para mim, como se o que eu estivesse fazendo fosse
algo maravilhoso.
— Claro, Michael – ela se aproxima do pirralho —, qual é o seu
nome, meu bem?
Ele fica todo tímido, sequer parece o delinquente que me ataca toda
vez que me encontra.
— Caleb – ele responde e dá um sorriso fazendo covinhas
aparecerem em seu rostinho infantil.
Eu acharia encantador se não conhecesse o seu lado mau.
— Que nome lindo! Eu me chamo Tabhita – ela fala com carinho e
experiência de quem deu a vida a cinco filhos e tem uma dezena de netos
—, e tenho uma caneta especial que desenha colorido, quer ver?
Ele olha para Kate que assente e depois se volta para Tabhita.
— Quelo! – Ele dá a mão para a minha secretária que o leva para a
sua mesa.
— Seu filho vai estar em boas mãos até terminar seu expediente –
falo para Kate —, Tabhita é da minha plena confiança.
E sem vontade de ficar admirando o quanto ela é bonita, me viro e
vou em direção à minha sala. Terminando assim o assunto. Kate trabalha e
traz lucros para a empresa e o monstrinho fica longe do meu caminho.
— Senhor Rhodes – ouço a voz feminina quando entro na minha
sala.
Eu me viro para ela e a vejo entrar atrás de mim.
— Obrigada, o senhor não é tão babaca como eu pensava que
fosse...
Que ótima maneira de agradecer, penso sem paciência.
— Sou um babaca, Senhorita Fletcher – respondo sem qualquer
humor na voz —, aliás, só fiz isso pensando no seu trabalho e no lucro que
ele me traz. Não pense que faço isso porque sou uma pessoa boa, porque eu
não sou.
Ela fica chocada com a minha resposta e então, aproveito e bato a
porta na cara dela. Ouço um xingamento vindo de fora e sorrio satisfeito.
Irritá-la me causa um prazer infantil e inexplicável. Faria tudo de novo
apenas para ouvi-la me chamar de canalha. Pigarreio quando percebo que
estou rindo como um bobo e ajeito a postura antes de ir para a minha mesa.
Um tempo depois, Luke me liga me chamando para tomar uma
cerveja.
— Luke, é terça-feira! – reclamo como se fosse impossível alguém
se divertir na terça.
— Vou chamar alguns amigos no meu apartamento e pensei em
convidar a Kate – ele comenta.
— O quê? – Eu quase caio da cadeira. — Você deve estar de
brincadeira!
— Não estou – ele garante —, ela é a sensação do momento,
Michael. Todos os homens batem punheta pensando em Kate Fletcher, no
quanto ela é gostosa e divertida! Meus amigos estão loucos para conhecê-
la...
— Ela não vai! – respondo de imediato.
— Você nem gosta dela, como pode saber? – ele me desafia.
— Ela tem um filho para cuidar, Luke. Deixe-a em paz!
— Mas ela pode ficar em paz ao meu lado, não acha?
Que merda do caralho, que irmão chato! O que deu no Luke? Ele
parece que está no cio, não pode ver uma mulher solteira que quer comer.
— Acho que você deveria deixá-la quieta, antes que quebre seu
coração e eu perca a melhor repórter do momento – aviso —, não quero ter
que quebrar o seu nariz!
Ele dá uma risada do outro lado como se eu tivesse dito algo
engraçado.
— O que foi? – pergunto bravo.
— Não é nada, só que eu não vou quebrar o coração dela, só vou
chamá-la para sair e você não pode me impedir... – e desliga na minha cara.
— Seu merda! – xingo.
Levanto da minha mesa e saio da minha sala. É quando levo uma
flechada no meio da testa outra vez. A risada infantil ressoa e respiro fundo
quando puxo a flecha da minha testa.
— Ele é um menino esperto – Tabhita diz se aproximando para
pegar a flecha.
— Por que esse monstrinho ainda está aqui? – pergunto.
— As estagiárias não estão disponíveis e o motorista não chegou
com o brinquedo – responde como se fosse normal.
Ouço a risada infantil e tenho que admitir que ele é esperto, parece
que o monstrinho adivinha quando vou aparecer. Deve existir algum carma
que nos une. Não é possível.
— Precisa de alguma coisa, Michael?
— Preciso falar com a Senhorita Fletcher – aviso —, pode chamá-la
aqui?
— Sim – Tabhita continua no meu caminho, de modo que eu não
possa ver Caleb.
— Melhor, vou descer e falar com ela – aviso.
— Como quiser – Tabhita fala de um jeito que parece saber de algo
que eu não sei.
Balanço a cabeça em negativa e quando olho para Caleb, ele mostra
a língua para mim. Eu aponto dois dedos para os meus olhos e depois para
ele para avisar que estou de olho nele. Desço pelo elevador até o estúdio
onde geralmente a equipe fica reunida e pergunto pela Senhorita Fletcher.
— Ela está no camarim – uma assistente me avisa.
— Obrigado...
Agradeço e vou direto para o camarim que fica em um corredor
estreito, quase claustrofóbico. Bato na porta e escuto risadas lá dentro e
mais algumas conversas íntimas.
— Bem aí, Kate! – a voz masculina sussurra. — Isso, Kate, não
pare...
O quê? Ela está transando com alguém no camarim? Só pode ser
brincadeira...
— Mas que porra é essa? – pergunto e abro a porta de uma vez
fazendo um barulho estrondoso.
Capítulo 9

— Consegui! – solto um gemido de alívio quando finalmente e me


levanto, encarando meu chefe.
Ele também sorri e, de repente, ouvimos a porta ser aberta com
violência atrás de nós. Eu me viro lentamente segurando o alicate na mão e
encaro Michael.
— Mas que porra é essa? – ele esbraveja como se eu estivesse
fazendo algo errado.
Olho para Jason sem entender nada e ele se levanta e geme de dor.
— Não é o que está pensando, Michael! – ele garante sério.
E o que ele está pensando? Pergunto, olhando de um para o outro.
Michael Scott Rhodes leva as mãos aos quadris ao afastar o paletó e
nos encara.
— O que pensam que estão fazendo? – ele nos questiona.
— Estava tirando o prego que Jason pisou, ele não quis ir ao
hospital já que tem uma reunião em meia hora e me ofereci para tirar...
A explicação, apesar óbvia, parece absurda para o maluco do meu
chefe. Assinto enquanto ele se aproxima e fixa o olhar na ponta do alicate.
Jason geme de novo quando firma o pé no chão e o observo com
preocupação:
— Você vai ter que tomar um antinflamatório, isso pode piorar...
— Um prego? – Michael pergunta como se estivéssemos loucos.
— Os rapazes da manutenção esqueceram alguns para trás, Jason
pisou e se machucou, por sorte, eu não tenho pavor de sangue e tirei para
ele...
Michael olha para o chão e vê os pingos de sangue.
— Você tem que cuidar disso, cara... – Michael diz a ele —, deixe a
reunião para depois, antes que inflame e você seja obrigado a se afastar do
trabalho de forma obrigatória.
Jason encolhe os ombros, indeciso. Já percebi que ele não tem o
costume de faltar ao trabalho. É sempre o primeiro a chegar e o último a
sair. Nessas últimas semanas trabalhando juntos, vi que ele não é tão chato,
é só focado no trabalho, na verdade, viciado no que faz e morre de medo de
ser substituído, por isso essa obsessão louca que o faz ferir o pé com um
prego em um acidente e não querer ir ao médico.
— Obrigado, Michael, mas eu vou ao hospital depois da reunião –
ele afirma, sério, e olha para mim —, obrigado, Kate.
Sorrio de volta.
— Não fique bravo com Rachel, ela é uma boa assistente, mas tem
pavor de sangue.
Ele faz uma careta de desagrado. Rachel foi contratada para ficar no
meu lugar, e ela não gosta de fazer uma série de coisas. E isso deixa meu
chefe bastante irritado. Jason sai do camarim mancando, ficando
marquinhas de sangue onde ele pisa. Então, olho para o chefe babaca. O
que ele está fazendo aqui?
— Posso ajudar em alguma coisa?
— Pode – ele se volta para mim, sério —, vai ter uma festa na casa
do meu irmão esta noite e ele quer que você participe.
— Irmão?
— O Luke, você conheceu no dia da reunião...
Faço que sim ao me lembrar do conquistador barato que chega a ser
divertido. É como um personagem, e não o que ele é realmente.
— Claro, eu me lembro dele. – Sorrio outra vez, mas ele continua
sério.
— A festa é hoje e você não vai...
— O quê? – Fico chocada e abro a boca sem saber o que dizer.
— O que quero dizer – ele tenta se explicar —, é que meu irmão
tem más intenções ao convidá-la para essa festa!
— Que tipo de más intenções? – finjo não entender.
Por que Michael estaria preocupado com a minha reputação?
Ele bufa como quem procura as palavras certas.
— Do tipo quando um homem está interessado em uma mulher...
Cruzo os braços e ergo uma sobrancelha.
— Posso estar interessada... já pensou nisso? Sou divorciada, por
que não?
Não estou interessada, mas disse apenas para afrontá-lo. Quem ele
pensa que é para entrar no camarim e me dizer o que fazer?
— Há uma política de não existirem relações entre funcionários e
patrões – ele me alerta.
Eu sei. Mas não vou deixar isso por menos.
— Luke não é meu patrão. Você é...
— Ele faz parte do grupo Scott Rhodes para o qual você trabalha! –
ele me alerta.
— Mas nós não temos contato profissional... – argumento esperando
que ele exploda.
Eu me sinto com cinco anos, na pré-escola, querendo que ele fique
irritado comigo. Sinto até prazer nisso. Deve ser o excesso de trabalho nas
últimas semanas que me faz enxergar Michael Scott Rhodes como um
homem charmoso quando fica nervoso e seus olhos azuis brilham
perigosamente. E tenho trabalhado tanto que quando deito a cabeça no
travesseiro, pareço acordar logo em seguida. Como se não descansasse.
Meu celular toca de imediato e está em cima do balcão. Aproximo e
deixo o alicate para pegá-lo. O número é desconhecido.
— Um minuto, por favor. – Pode ser do asilo, meu pai vai para casa
esta noite.
É claro que não vou contar para o meu patrão. Ele não tem que saber
o que acontece na minha vida pessoal. E não precisa saber que meu
primeiro salário como repórter me ajudou a alugar uma excelente casa em
um condomínio fechado e que posso contratar uma enfermeira para ficar
com meu pai enquanto estou trabalhando.
— Kate, falando – eu atendo.
— Oi, Kate – a voz inconfundível de Luke Scott Rhodes soa do
outro lado.
— Quem está falando? – me faço de desentendida e olho para
Michael.
— É o Luke...
Faço uma expressão de impressionada.
— Oi, Luke...
Quando digo o nome dele, a expressão de Michael fica tensa e ele
me fulmina com o olhar. O que ele vai fazer? Proibir-me de falar com o
irmão dele? Michael dá um passo para mim e comprime os lábios, mas não
diz nada.
— Então, gata, eu querto te convidar para vir ao meu apartamento,
vou dar uma festa e gostaria que você fosse a convidada principal...
— Convidada principal? – minha voz soa com interesse. — E vai ter
cachê ou não?
Michael estreita o olhar como se eu fosse uma mercenária, tenho
que segurar para não rir.
— Cachê? – Luke pergunta do outro lado.
— Claro, você quer me exibir para os seus amigos, então tenho que
saber por quanto tempo e o valor, afinal, meu tempo é dinheiro, baby –
ironizo.
Vejo um grau de satisfação no olhar de Michael. Esse homem é
louco. Eu lhe dou as costas, está me deixando confusa. Como se estivesse
gostando do corte que estou dando no irmão dele. Já notei uma certa
competição entre eles e, definitivamente, não vou ser pivô de merda
nenhuma só para adular o ego de dois homens acostumados a terem a
mulher que quiser aos seus pés.
— Meu Deus! Pensei num encontro, e não em trabalho – Luke é
direto.
— Sinto muito, Luke, mas eu acabei de divorciar e não estou
disponível, então, ou vou a trabalho, ou não vou. Me mande mensagem com
a proposta e conversaremos sobre o cachê. – E desligo sem remorso algum.
Sei que estou famosa e não vou dar o ar da graça para playboy
babaca ter o que comentar com seus amigos, inclusive que está me
comendo quando não está. Quando me viro, Michael está mais perto e seu
olhar sobre o meu. Engulo em seco e apoio as mãos para trás no balcão,
tentando fugir daquela aproximação perturbadora. Não consigo ter reação
alguma e fico surpresa, geralmente, sou tão eloquente.
— Você deu o fora nele – ele comenta como se tivesse ganhado um
prêmio.
— Fiz isso na reunião há semanas se não percebeu, Senhor Rhodes
– respondo séria —, agora, se me dá licença...
E faço a besteira de colocar a mão em seu peito largo. E tão firme
que me faz pensar na montanha de músculos que há por baixo da camisa
branca. Geralmente, ele usa camisas de cores variadas e sempre me chama a
atenção a azul royal, a cor de seus olhos ficam mais intensas, como água
cristalina, como mar num dia de verão. Só que naquele momento, a cor da
camisa não faz a mínima diferença, mas o calor que sinto através do tecido
macio. Michael é quente e meus dedos se atrevem a deslizar até sentir as
batidas fortes do coração.
É forte como ele. As batidas são determinadas assim como ele é.
Minha razão diz: dê um passo para trás. Porém, não obedeço. Minha
razão grita: não olhe nos olhos dele, não se atreva! Contudo, ergo a cabeça e
mergulho naquela imensidão de um oceano de pura tentação. É isso que
Michael Scott Rhodes é: tentador, babaca e... sedutor...
Seu olhar passeia pelo meu rosto até atingir meus lábios e ficam ali
como se fosse algo inestimável. Quando um homem me olhou desse jeito?
Várias vezes nas últimas semanas, eu me tornei popular entre o sexo
masculino do mundo do esporte. Todavia, nenhum deles despertou aquele
torpor em mim como se eu fosse um poço dos desejos mais intensos e
sombrios.
Ele entreabre os lábios e se aproxima. Meus dedos apertam o tecido
da camisa e fico na ponta dos pés, erguendo o corpo para ir ao encontro
dele. É como se eu estivesse hipnotizada, tomada por uma força superior
que me conduz até o Michael. Posso sentir seu perfume forte e amadeirado,
o hálito quente contra o meu e...
— Kate – a voz de Rachel me assusta e me afasto depressa.
Quando ela entra, Michael está de um lado do camarim e eu do
outro. Não é muito grande, por isso foi fácil me apartar. Contudo, dizer que
não havia um clima pesado ali seria mentira.
— Oh, desculpe-me! – Rachel diz envergonhada ao ver o patrão. —
Não sabia que estavam em reunião.
— Já terminamos – Michael responde impassível.
E agradeço, porque minha garganta está seca e duvido que não fosse
gaguejar. O que foi que aconteceu? Balanço a cabeça quando o vejo sair
sem me dar uma segunda olhada, como se estivesse puto da vida com o que
aconteceu. Não o culpo. Esse não é o tipo de atitude que se espera do chefe
e da funcionária, ainda mais de nós dois. E eu o detesto, em todos os
sentidos. O que aconteceu foi apenas um lampejo de carência. Normal.
Passou, a vida continua. Tenho certeza que não vamos nos lembrar disso
amanhã e sequer tocar no assunto.
— Desculpa de verdade, Kate – Rachel repete constrangida.
Começo a ficar sem graça, porque parece que estávamos fazendo
algo errado.
— Não se preocupe, ele estava acabando com o meu dia – reclamo e
me aproximo dela que sorri em compreensão.
A maioria dos funcionários tem pavor de Michael. Outros o adoram.
Estou no grupo que o despreza. Talvez eu venha a ser a presidente do grupo,
porque não vejo futuro entre nós que não seja a indiferença.
— Jason pediu para avisar que amanhã você tem que estar cedo no
centro de treinamento do Madison Lions, parece que Trevor Scott Rhodes
vai voltar ao campo... – ela comenta.
— Mas ele não rompeu o ligamento do joelho na última temporada?
– pergunto e ela assente. — Como ele conseguiu voltar tão depressa?
— É o que ele vai responder para você amanhã, pelo menos, é o que
se espera desse gato quarterback – ela diz entusiasmada —, o Senhor
Rhodes é bonito, mas o Trevor é o mais bonito deles.
Tenho minhas dúvidas. Talvez porque não sinto atração por homens
mais novos, mas Michael tem aquele porte de homem viril. Trevor apesar
de seus vinte e oito anos, ainda assim, tem um aspecto mais jovem de quem
recém saiu da faculdade. Michael é...
Pare com isso, agora, Kate! Eu me repreendo.
Ele só é um homem arrogante que trata seu filho muito mal. Não há
motivo para admirá-lo. Mesmo que ele tenha montado uma creche de
última hora na empresa por sua causa. O que não posso negar que foi
admirável.
— Eu estarei no centro de treinamento do Madison... – prometo.
— Vamos entrar ao vivo para uma chamada, Jason pediu para estar
preparada. E então às onze da manhã será a entrevista – ela me informa
direitinho.
— Tudo bem, qualquer informação nova, pode me mandar
mensagem – peço.
— Ok – ela concorda e sai do camarim fechando a porta.
Meu celular começa a tocar de novo e procuro por ele. Não notei
que caiu no chão. Abaixo para pegar e vejo que é do asilo.
— Senhorita Lynch – ela diz para o meu alívio. Alguém me
chamando pelo sobrenome de solteira.
Optei pelo Fletcher porque não queria que as pessoas pensassem que
consegui o emprego por causa do parentesco com o meu pai. E até agora,
ninguém me ligou ao Liam, então está tudo bem. Tenho certeza que ele e a
namorada famosa estão cuidando para que o escândalo da traição não vaze,
isso acabaria com a carreira dele em tempos que as mulheres estão
aprendendo a se defender. Não seria muito bom para a emissora do pai dela.
— David está pronto para ir para casa – a enfermeira me avisa.
— Estarei aí em uma hora – aviso.
Não acredito que finalmente meu pai vai para casa e voltaremos a
ser a família que sempre fomos.
Capítulo 10

Estou saindo da empresa quando vejo a maluca dos cabelos cor de


fogo saindo da empresa, dirigindo rápido. A assistente que entrou no
camarim há pouco e impediu que eu cometesse a maior besteira da minha
vida, passa correndo por mim e para ao perceber que Kate já se foi.
— Merda! – ela xinga sem perceber que estou ali.
— O que foi? – pergunto ao me aproximar.
Ela se volta para mim e, nervosa e toda atrapalhada, deixa tudo cair
no chão.
— Se.. Senhor Rhodes... – ela diz meu nome nervosa e se abaixa
para pegar o que derrubou.
Também me abaixo e a ajudo até que ficamos de pé.
— É impressão minha ou lamentou a partida da Senhorita Fletcher?
– questiono com curiosidade.
De repente, contra a minha vontade, tudo o que diz respeito a essa
mulher me interessa.
— Senhora Fletcher – ela me corrige e estreito o olhar levemente, o
que a deixa desconsertada. Então pigarreia e procura alguma coisa entre os
seus papeis —, esqueci de entregar a ela o crachá para que ela possa entrar
no centro de treinamento do Madison Lions, amanhã...
Olho para o crachá com a foto dela e, sem explicação plausível para
um ato impulsivo, eu tiro da mão dela.
— Deixe comigo, farei chegar nas mãos dela – aviso e saio andando
sem acreditar ser necessário dar mais explicações.
Afinal, sou o chefe.
Vou para o meu carro e ligo para Tabhita.
— Consiga o novo endereço de Kate Fletcher – digo assim que ela
atende —, é para ontem, por favor.
— Gosto dessa urgência – ela debocha com malícia.
Não respondo a provocação e desligo. Somente quero saber mais
sobre essa mulher que quase me fez quebrar regras. Curiosidade me define
neste momento. Como posso detestá-la tanto e ainda assim ter sentido um
súbito desejo? Que pergunta idiota. Se eu posso desejar uma atriz pornô que
não para de gemer num vídeo, posso também desejar a repórter sensual do
programa do meio-dia. Simples assim. O desejo é algo carnal, não tem nada
a ver com intimidade ou interesse. Tem a ver com instinto. E o meu está em
alerta. Ela não quis o Luke, embora tenha dito para mim que estava livre
para paquerar.
O que ela quer, afinal?
Pediu cachê. Qual é jogo que ela está fazendo?
Já estou no trânsito quando recebo a localização enviada por
Tabhita, fico surpreso ao constatar que somos quase vizinhos. Ela mora em
Santa Mônica na rua 06 e eu moro na rua 23. No total são nove minutos de
carro. Não sabia que éramos praticamente vizinhos, apenas quatro
quilômetros nos separavam. Dirijo para a casa dela e fico surpreso com a
mansão que ela alugou e é perto da praia. O carro dela está estacionado na
garagem aberta e paro o meu veículo rente à calçada. Então, olho mais uma
vez, antes de descer e colocar o crachá no meu bolso. Caminho com
determinação e fico surpreso quando subo as escadas e encontro a porta da
casa aberta. Olho ao redor, desconfiado, e me certifico que não tem
ninguém ali.
— Alguém em casa? – pergunto.
Minha voz ecoa pela sala vazia, pelo visto ela ainda não mobiliou
tudo. Avanço para dentro, meus sapatos batendo contra o carpete de
madeira que brilha como se tivesse sido lustrado à mão. Avanço mais e o
esperado acontece, sou atingido por uma flecha na testa. Só pode ser
brincadeira...
A risada infantil ecoa pela sala e Caleb sai correndo quando faço
cara feia para ele.
— Mamãe! O homem mau está aqui! – ele grita enquanto corre.
Avanço pelo pequeno corredor e saio em uma sala maior e mais
ampla que dá vista para um jardim interno com piscina. Há apenas uma
televisão grande e um sofá perdidos no meio daquele espaço todo. Kate
surge apressada, o cenho franzido para descobrir quem é o intruso que
assustou seu filho:
— Você! – ela me acusa como se eu fosse um ladrão.
— A porta estava aberta – argumento —, eu chamei, mas ninguém
atendeu.
Ela bufa:
— Brigite deve ter esquecido aberta quando saiu – ela fala séria.
Caleb surge e se esconde atrás das pernas da mãe. Aproximo mais e
estico o braço para devolver a flecha. Ela olha aquele objeto e dá um
sorriso, é a primeira vez que a vejo sorrir perto de mim e sinto novamente
aquele gosto amargo do desejo inesperado. Amargo porque não existe a
menor possibilidade de que venha a se realizar. Transo com o país todo,
menos com essa bruxa. Gosto do meu pau e não vou me afundar no vale
perdido do desespero. E quebrar regras da empresa não faz parte do meu
repertório.
— Isso está se tornando um hábito entre vocês. – me encara e cruza
os braços na defensiva. Ela fica sempre na defensiva quando está perto de
mim.
Observo os lábios que eu quis beijar dentro daquele camarim. Quase
caí em tentação, mas fui mais esperto e salvo pela assistente insegura e
intrometida.
— Infelizmente – garanto.
Ela revira os olhos e me encara outra vez:
— O que veio fazer aqui? Aposto que não foi para ver a minha casa
nova – ela é irônica.
E linda. E insuportável.
— Vim trazer isso – tiro o crachá do bolso —, seu crachá para entrar
amanhã no centro de treinamento do Madison Lions.
Ela o pega.
— Obrigada.
— A assistente esqueceu de entregar...
— Não precisava ter se dado ao trabalho, eu...
— Não foi nada – a corto —, não podia correr o risco de que
perdesse a entrevista amanhã com Trevor. É muito importante para ele.
Não posso ser mais claro do que isso. Ou seja, nada do que
aconteceu dentro daquele camarim significa algo para mim. Ela assente
devagar e quando abre a boca para falar, ouço o som vindo do corredor.
Franzo o cenho quando vejo um homem se aproximar dirigindo uma
cadeira de rodas. Foco meu olhar nele, os cabelos brancos, aqueles olhos
azuis, apesar de estar mais velho, eu o conheço.
Fico em choque.
Da mesma forma que fiquei há vinte e quatro anos quando o vi pela
primeira vez no centro de treinamento do Topeka Rogers. Eu tinha dez anos
quando encontrei David Lynch e realizei meu sonho. Para desespero do
meu pai, eu nunca nutri a paixão pelo futebol americano, mas pelo baseball.
E esse cara na cadeira de rodas sempre foi o meu herói, o melhor. A criança
que ainda habita no meu interior, vibra ao vê-lo e fico boquiaberto, não vejo
mais nada além dele. Passo por Kate e Caleb e fico diante dele que para a
cadeira de rodas quando me aproximo.
— David Lynch? – pergunto tão chocado que parece que sou
remetido para aquele centro de treinamento e sou um garoto de novo.
— Eu o conheço rapaz? – ele me pergunta estreitando o olhar.
— Não sei se vai se lembrar de mim, sou eu, Michael Scott Rhodes
Júnior – falo entusiasmado apontando para mim mesmo —, você assinou
minha bola de baseball há vinte e quatro anos, no centro de treinamento
do...
— Topeka Rogers – ele completa para minha satisfação e sorrio.
— Você se lembra... – minha voz treme.
Há muito tempo não me sentia tão bem com algo. De verdade.
— Pensei que estivessse morto ou algo assim, nenhum jornalista
conseguiu encontrá-lo depois do acidente! – conto.
— Eu me mantive escondido – ele comenta e sorri com amargura
—, não queria que meus fãs me vissem assim.
Finalmente, observo a cadeira de rodas.
— Isso não faz a menor diferença, cara. Você é David Lynch!
Qualquer garoto que goste de baseball, um dia quis ser como você –
discurso com paixão —, essa cadeira não tira a sua história.
Ele parece emocionado e pigarreia.
— Vocês se conhecem? – Kate pergunta às minhas costas.
Somente então me recordo que ela e o monstrinho estão ali. Viro me
refazendo daquele reencontro inesperado.
— Conheci David quando eu era criança – comento.
— Michael Júnior tinha sofrido um acidente e os médicos disseram
que ele não poderia mais andar, não foi isso, Michael?
Fico constrangido por ele tocar no assunto mais delicado da minha
vida, uma fase que não gosto de lembrar. Ainda mais na frente de Kate, uma
pessoa em quem não confio.
— Foi, mas passou – finalizo o assunto.
— Ele queria me conhecer e o pai dele arranjou nosso encontro para
depois do jogo. Michael veio na cadeira de rodas empurrada pelo pai, não
foi? – ele me pergunta.
Sorrio para ele e assinto.
— Foi exatamente assim e você assinou a bola que peguei durante
um lance seu – olho para Kate —, não houve lançador melhor do que esse
cara. E nunca vai existir. Por mais que eles tentem – afirmo com convicção
e encaro David —, e você me disse que a cadeira não era o fim para mim.
Sinto um nó na garganta, foram as palavras dele que me motivaram
a seguir. Cada segundo que me esforcei na fisioterapia para voltar a andar
foi por causa das palavras do David. Da forma como ele me incentivou a
me mover e não dar ouvido aos médicos. Agora estávamos em lugares
opostos, embora fossem os mesmos. Ele estava em uma cadeira de rodas
depois de um grave acidente automobilístico. Não sobrou nada do carro,
acompanhei tudo de perto e então, David desapareceu depois que saiu do
coma. E isso já tem uns cinco anos.
Reencontrá-lo é como rever um velho amigo querido.
— Eu disse – ele admite e assente.
— E o que está fazendo aqui? Onde estava? – pergunto tentando
compreender.
— Kate é minha filha – ele me conta.
Fico boquiaberto. Embora, eu tenha que admitir que só não liguei o
nome à pessoa. Ela disse que seu nome de solteiro é Lynch. Não imaginei
que fosse filha de David. Por isso ela sabe tanto sobre o esporte, conhece
cada detalhe e na sua primeira entrevista matou Alan Graison com aquelas
perguntas, comparando-o ao seu pai.
— Seu pai?
— É – ela assente e leva as mãos à cintura.
— Por que não disse nada?
— Porque ela é uma burra – David a corta, não a deixando se
explicar —, ela não queria que as pessoas pensassem que ela chegou onde
está por causa do meu nome.
Nego com a cabeça.
— Sinto muito em lhe dizer, mas as pessoas vão falar de qualquer
jeito – afirmo —, sei disso por experiência própria. Não importa o quanto
você faça e o que você faça, se perder, vão te comparar à glória do seu pai.
Se ganhar, vão dizer que só conseguiu por causa dele. Não tem como
escapar.
É assim comigo e com os meus irmãos. É como se ter um pai rico
ou famoso anulasse seu poder de conseguir alguma coisa na vida. Mas
como diz Glenda: quem não tem competência, não se estabelece. Não
adianta ter nome e facilidades se não tiver talento para seguir seu próprio
caminho.
Ela encolhe os ombros.
— Só queria que me olhassem sem ser a filha de um grande jogador,
então tanto faz, consegui.
Sim, ela conseguiu. E há muita coisa que não se encaixa na minha
cabeça. Como a filha de um dos grandes jogadores da história foi pedir
ajuda financeira no Clube das Mães Solteiras? E tudo o que ele conquistou
ao longo da vida? Os contratos? David ganhou muito dinheiro com
patrocinadores, com marcas que o bancavam. Não era apenas o contrato
com o Topeka Rogers e sua gorda aposentadoria. O cara jogou por mais de
vinte anos, foi um fenômeno na história do esporte. Onde tudo isso se
perdeu?
— Conseguiu – admito e a encaro sem querer.
Caleb se move e sai de trás das pernas da mãe e vai para o colo do
avô. David o pega no colo e o monstrinho aponta para mim:
— Ele é lobo mau! – Caleb diz ao avô.
— Não é mais, Michael é nosso amigo! – E olha para mim e para
Kate que está ao meu lado. — O que acham de pedirmos uma pizza?
— Papai! – ela o repreende. — Sua diabete.
— Para o inferno com ela. É meu primeiro dia longe daquele asilo,
então, por favor, deixe esse velho comer uma pizza.
Asilo? A história vai ficando cada vez mais cheia de detalhes e isso
me deixa curioso.
— Tudo bem – ela aceita a mão estendida do pai e se aproxima da
cadeira até ficar ao lado dele —, mas só hoje! Amanhã volta para a dieta!
— Vai comer conosco, Michael?
Não deveria, afinal, estou em terreno inimigo. Mãe e filho me
detestam. Mas por ser David, posso abrir uma exceção. Sou fã do cara e
tenho tanto para falar com ele.
— Claro que sim...
Acredito que Kate dá um suspiro pesado por ter que conviver
comigo mais algumas horas. E gosto de vê-la aborrecida, sem ter o que
fazer, ela não vai me colocar para fora dali. Não quando pai dela gosta de
mim.
— Gosto de pepperoni – David avisa.
— Eu também! – Caleb garante e um ri para o outro em
cumplicidade.
É nítido que David adora o neto. Talvez, ele não conheço o lado
sombrio do garotinho, que eu conheço bem.
— Pode ser, Senhor Rhodes? – Kate me provoca.
— Pode me chamar de Michael – peço —, aqui não há motivos para
sermos formais. Ou há?
Não consigo tirar os olhos dos lábios dela. É como se eu ainda
estivesse esperando para descobrir o sabor que eles têm. Ela também me
encara do mesmo jeito que fez dentro do camarim, quando estava propensa
a fazer o que não deveríamos. Kate desvia o olhar para o filho que diz algo
e eu me controlo.
Ela pode ser bonita, cheirosa e charmosa. E filha do cara que eu
mais admiro na vida depois do meu pai. Contudo, não é para mim, sem
dúvida. Só preciso afogar essa onda de desejo que estou sentindo e vai ficar
tudo bem. Não preciso me preocupar com nada.
Capítulo 11

Ver Michael sentado na sala da minha casa conversando com meu


pai como se fossem velhos amigos chega a ser trágico. É como um pesadelo
depois de quase tê-lo beijado dentro do camarim. Pensei que ele estivesse
me perseguindo, mas o homem só foi gentil por causa da entrevista com o
irmão e depois reencontrou meu pai, que ele parece gostar de verdade.
Posso ouvir os dois conversando e rindo. Michael toma uma cerveja
enquanto eles assistem à TV, claro, ligada no canal de esportes, meu chefe
está contando para o meu pai sobre os programas e como tudo funciona.
Eles só falam de esportes, não disseram nada diferente. E meu pai
encontrou uma pessoa para discutir baseball que realmente sabe sobre o
assunto, nos últimos anos, ele passou mais raiva do que falou algo
interessante sobre o esporte que mais amava.
Michael sabe data de jogos, nomes de jogadores, recordes. Ele
também tem conhecimento de momentos importantes do baseball, ele
realmente é um verdadeiro fã e estou surpresa. Nunca pensei que seria
possível vê-lo tão descontraído. Corto um queijo e um salame e levo até a
sala para eles beliscarem enquanto a pizza não chega. Ainda estou
constrangida com a presença de Michael, mas ele parece bem à vontade.
Já tirou o paletó e a gravata, desabotoou os primeiros botões da
camisa. Dali posso ver perfeitamente o início do peito bem feito, desvio o
olhar para os braços bem definidos, ele dobrou a manga até os cotovelos.
— Nunca mais o Topeka Rogers conseguiu bater os recordes que
você bateu – Michael garante.
— Mas o tal Alan Graison é promissor – meu pai comenta.
— Ele não passa de uma tentativa fracassada de ser uma estrela. Ele
busca o estrelato, e não jogar com garra. É o que acontece com as novas
gerações, ser o melhor é uma consequência de um esforço, eles pensam que
é a consequência de um bom marketing – Michael discursa.
Noto que meu pai está me observando. E sim, estou inclinada para
frente, segurando a bandeja de frios, olhando para Michael como uma boba.
David ergue uma sobrancelha para mim, de forma interrogativa. Antes que
ele tire conclusões precipitadas, eu deixo a bandeja ali e saio depressa para
a cozinha. Pego água gelada e encho o copo tomando de uma vez. Depois
coloco o copo gelado contra o meu rosto para diminuir a temperatura. Estou
pegando fogo.
Isso não é bom.
Nada sobre Michael é bom e estar na minha sala como se fosse um
grande amigo e bom vizinho não é um sinal de que as coisas vão melhorar
entre nós. E a ideia de que vai piorar provoca em mim arrepios pelo corpo.
— Seu pai pediu mais cerveja – a voz grave soa atrás de mim.
Viro de uma vez e deixo o copo cair no chão.
— Ah, meu Deus! Como sou desastrada...
Na verdade, eu não sou. Porém, Michael provoca isso em mim:
derrubar café quente, quebrar copos. Pensar no calor, em um peito másculo
e viril... em lábios tentadores...
Ele se abaixa para me ajudar. Começo a catar os cacos e então para
ajudar na situação corto meu dedo.
— Ai que merda! – xingo quando vejo o sangue pingar.
Deixo os cacos no chão e levanto depressa. Michael termina de
pegá-los e joga no cesto do lixo. Ele volta para perto de mim.
— Acho que entrou um filete de vidro no meu dedo – reclamo.
— Deixa eu ver – ele manda e pega a minha mão com a sua,
poderosa, forte.
E quente. Daí é natural que eu sinta o calor de novo. Ele ergue a
minha mão na altura dos olhos e força a vista.
— Tem uma coisinha aqui – diz —, quer que eu tire?
Não. Quero que você me solte logo. Essa aproximação toda faz com
que eu me sinta doente.
— Posso fazer isso – digo tirando minha mão da dele.
Observo o dedo, mas não consigo enxergar, além disso, quando
mexe dói. Não vou ao hospital para cuidar disso. Agora entendo o que
Jason sentiu, uma coisa tão frágil e estúpida tem que ser resolvida em casa,
não vou gastar meu plano médico com um cortezinho no dedo indicador.
— Não consigo ver – reclamo tentando focar em meio ao sangue a
merda transparente que entrou no meu dedo.
— Deixa que eu faço isso – ele segura minha mão com impaciência
—, vou ser rápido.
Ele tenta com a ponta dos dedos, mas não consegue.
— Assim não sai...
— Talvez uma pinça – pontuo tentando me lembrar se tenho uma
pinça em casa —, eu não tenho uma pinça.
— Tem só um jeito – ele diz sério.
— Qual?
— Esse... – E leva meu dedo entre os lábios.
Não sei explicar o que estou sentindo exatamente. Mas não consigo
pensar com clareza. É algo insano e áspero. É como saber que a piscina está
gelada, mas mesmo assim, mergulhar e se deliciar. Entreabro os lábios para
puxar o ar bem devagar enquanto sinto a firmeza da boca masculina contra
a minha pele. Meu corpo parece gelatina quando ele passa a língua devagar
e então usa os dentes para tirar o vidro.
Não é higiênico e muito menos recomendado. Todavia, o tesão que
sinto é inexplicável. Começa na ponta do dedo e irradia por todo o corpo,
como choques. No começo, acredito que ele não tem consciência do que
está fazendo, sua preocupação é só tirar o pedacinho de vidro, mas quando
consegue seu intento, abre aqueles olhos e me encara, tudo se perde. E já
não consigo pensar direito.
Eu já não estava pensando antes. Agora sou um bolo de sensações
inesperadas.
E pelo homem mais errado da face da terra. Ele solta o pedacinho
sobre a mão livre e me mostra.
— Era maior – comenta me tirando do torpor.
Só que tem um detalhe: Michael ainda não soltou a minha mão.
Ele vê o filete de sangue que escorre e me puxa até a pia para ligar a
torneira e deixar a água corrente gelada cair em cima. Não sinto a água, só a
presença de Michael e sua mão segurando a minha. Olho para ele e recebo o
olhar de volta. Não algo carregado de desprezo e aversão. Mas o mesmo
que vi naqueles minutos dentro do camarim. E pareceu uma eternidade,
como agora. E se eu for sincera, e sei que sou, não quero que ele tire a mão.
E ele não está se esforçando para tirar.
— Mamãe, a pizza chegou...
A voz de Caleb me desperta daquele torpor maluco. Michael solta a
minha mão e dá um passo para trás, e eu fecho a torneira. Quando olhamos
em direção à porta, Caleb está parado ao lado da cadeira de rodas do meu
pai. E David tem três pizzas em seu colo. Há um sorriso malicioso em seus
lábios e eu não gosto disso.
— Que bom! – finjo que Michael não está ali e que nada de mais
está acontecendo. — Vamos comer, estou morta de fome...
Com as pernas trêmulas como uma adolescente inexperiente, me
aproximo do meu pai e pego as pizzas para colocá-las em cima da mesa do
outro lado da cozinha planejada em preto e prata. Eu me apaixonei por essa
cozinha no primeiro segundo que a vi e sabia que é o melhor lugar para o
meu pai viver. Perto da praia, o aluguel é razoável e posso pagar por
enquanto. Se eu continuar nesse flerte indesejável com o meu patrão, logo
vou estar no olho da rua e toda essa sorte que estou tendo deixa de existir.
No meu contrato de trabalho há uma cláusula sobre se envolver com
alguém do trabalho. Posso ser demitida por justa causa. E não quero isso. E
tenho certeza que Michael também não. Ele só quis me ajudar e minha
carência falou mais alto e ele como é um homem viril, correspondeu.
Simples assim. Não vou fazer uma tempestade no copo d’água, afinal
somos todos adultos.
— O cheiro parece bom, não é, Michael? – meu pai pergunta a ele.
— Delicioso – Michael responde ainda parado perto da pia.
Sinto um arrepio dos pés à cabeça quando ele diz delicioso. Sento na
mesa e meu pai observa minhas mãos tremendo.
— Eu ajudo você, minha filha. – Meu pai me salva enquanto
Michael se senta à mesa, ao lado de Caleb.
Meu filho olha para ele de lado, desconfiado. Eles nunca vão dar
certo, como nós não damos certo. Essas coisas que venho sentindo são
apenas reflexo do fora que levei do meu ex-marido, aliado à carência que se
abriu como um rombo em meu peito. Nada de mais. Vai passar.
— Pizza! – Caleb declara feliz quando meu pai coloca o pedaço em
seu prato.
— Coma devagar! – mando com o dedo em riste.
Ele assente e, com suas mãozinhas, pega aquele pedaço enorme de
pizza. Com o olhar tento ajudá-lo a não derrubar, não quero ser a chata que
não deixa o filho ter suas próprias escolhas e experiências. Escolher como
quer seu próprio pedaço de pizza é o início de uma vida independente.
Caleb desequilibra o pedaço que está pronto para cair, mas Michael
intervém e segura antes que caia tudo. Fico tensa. Se ele xingar meu filho
ou debochar da sua falta de jeito, juro que vou fazê-lo tomar um banho de
refrigerante que ele nunca vai esquecer, vou virar o conteúdo da garrafa
toda na cabeça dele.
— Deixa que eu te ajudo – Michael diz a ele com cuidado
devolvendo a pizza e arrumando entre as duas mãos pequenas.
Estou de queixo caído pela atitude dele e meu filho também. Caleb
fica olhando para ele e depois para mim, como se um milagre tivesse
ocorrido. Finjo não ter notado a gentileza e pego meu pedaço de pizza com
a mão.
— Como diz ao Michael, Caleb? – meu pai indaga de forma
significativa.
Caleb já conhece essa frase. É o que eu deveria ter dito se não
estivesse tão ocupada em parecer indiferente.
— Bigado – ele agradece sem graça, olhando para sua pizza.
— Por nada. – Michael estica a mão grande e pega um pedaço de
pizza.
Pensei que ele só comia com garfos de ouro com diamantes
encrustados na ponta. Sou uma preconceituosa que acredita que a maioria
dos homens ricos são fúteis. Cresci no meio deles e sei do que são capazes.
Michael está nessa lista de playboy bacaca.
— Oh, Deus! – meu pai geme quando dá a primeira mordida —,
passei os últimos cinco anos comendo sopa e comida sem sal. Como isso é
bom...
Dou um sorriso quando o vejo tão satisfeito. Ele dá outra mordida e
olha para mim.
— Coloca um pouco de refrigerante, quero sentir as bolhas na
minha boca. – Meu pai pega o copo e mostra para mim.
Pego o refrigerante e sirvo para ele. David toma e geme outra vez.
— Isso é bom, mereço mais que isso também...
— Sem exageros – eu o repreendo —, ou vai acabar passando mal.
Já tomou até cerveja...
— Querida, mereço uma bela pu...
— Pai! – eu o repreendo e movo o olhar na direção de Caleb.
— Desculpe-me – ele sorri malicioso —, me empolguei.
— O que é pu, vovô? – Caleb quer saber.
Meu pai fica sem saber o que responder e eu também. Não me vem
nada à mente.
— É o nome do cachorro que ele tinha, precisamos pensar em um
cachorro novo para o seu avô – Michael dá a desculpa perfeita.
Não pensaria em nada parecido, entrei em pânico. Quando percebo
estou sorrindo para o babaca como se ele merecesse minha atenção. Caleb
sorri para ele.
— Gosto de cachorro – meu filho comenta.
— Eu também, e seu avô do mesmo modo – Michael garante —, e
quando escolher o cachorro certo, então vocês terão um nesta casa.
Não gosto de fazer falsas promessas, mas ter um cachorro não
parece uma má ideia.
— Meu pai não gosta de cachorro – Caleb fala triste e olha para o
seu pedaço de pizza.
— Por isso, ele não mora aqui – meu pai responde atravessado.
Fico constrangida por Caleb dizer tal coisa na frente de Michael,
mas é verdade, Liam odeia cães. Não sei como ele está lidando com os
inúmeros cães de raça de Hannah. Por dinheiro, acredito que ele é capaz de
cultuar cães. Isso o mantém como âncora do jornal principal.
— Pai! – falo sem graça.
— É verdade, um bom pai não abandona os seus, Kate. Já deveria
ter aprendido a lição... – David me repreende.
Não vou discutir na frente de Michael. Fico sem graça e como o
pedaço de pizza forçando a engolir. Falar de Liam ainda me embrulha o
estômago. Terminamos de jantar e então Michael anuncia que vai embora.
Não consigo esconder o alívio que sinto. Empurro a cadeira do meu pai até
a porta enquanto o acompanhamos.
— Obrigado pela visita, Michael – meu pai agradece depois que
Caleb corre na frente e abre a porta.
— Eu que tenho que agradecer, David. Realmente esse reencontro
me fez bem...
Fico surpresa por ele se sentir assim, então o senhor babaca de gelo
tem coração? E está ligado ao meu pai e ao baseball? Que mundo
pequeno...
— Espero que volte mais vezes – meu pai e ele trocam um aperto de
mão.
— Com certeza, temos que muito que conversar, pode apostar –
avisa.
Michael leva a mão à cabeça de Caleb e desarruma seu cabelo. Meu
filho empurra a mão e reclama.
— Tchau, monstrinho! – ele diz de uma forma mais carinhosa dessa
vez que faz meu pai e Caleb rirem.
Caleb está rindo para ele...
Seu olhar vem para mim e meu coração dá uma batida mais rápida.
Traidor.
— Até mais, Kate.
— Até mais.
Não consigo dizer o nome dele, porque se eu fizer isso sairá mais
como um gemido do que qualquer outra coisa.
Capítulo 12

Missão evitar Kate Lynch. É assim que ordenei que a chamassem a


partir de agora. Ela tem que se orgulhar de suas origens, ela é filha da maior
estrela do baseball, e David merece essa homenagem. Então, eu a tenho
evitado desde aquela noite da pizza em sua casa. Porém, evitar não significa
que a esqueci. Não sai da minha cabeça, o gosto da pele dela, chega a ser
tentador.
Porém, nenhum de nós quer isso.
Ela fez uma excelente entrevista com Trevor, meu irmão ainda está
machucado, fazendo um tratamento severo para voltar antes da temporada
em setembro. Ele tem se esforçado e a entrevista lhe deu o reconhecimento
que merece.
Meu celular toca e não reconheço o número. Olho para o aparelho
em cima da mesa e recuso a chamada. Em seguida, começa a tocar de novo.
E depois de três tentativas, resolvo atender para descobrir quem é que está
me perturbando.
— O que foi? – pergunto bravo.
— Michael? Sou eu, David.
A voz do pai de Kate soa do outro lado. Fico surpreso.
— David, como vai?
— Espero não estar atrapalhando – ele observa com certo humor.
Com certeza por causa da maneira estúpida que atendi.
— Não está. – Eu me levanto da mesa e caminho até a janela para
olhar o dia ensolarado em Los Angeles.
— Que bom. Eu preciso que me faça um favor. Sei que você é um
homem ocupado, mas a verdade é que eu não tenho para quem pedir.
— Claro, o que você precisar, David – garanto.
Fico feliz por ele me procurar. Dá até um certo prazer em saber que
ele procurou por mim e não pela Kate. Ela vai morrer de raiva quando
souber.
— Eu preciso ir no puteiro, Michael – ele é direto.
— O quê?
— É, você me entendeu? Preciso de uma noite com uma mulher
bem gostosa, eu não trepo com ninguém tem cinco anos, estou seco,
morto...
— Por mim, tudo bem – observo surpreso. Não esperava que ele
fosse pedir isso, pensei que fosse pedir dinheiro ou até mesmo um carro,
qualquer coisa —, mas e a sua filha?
— A Kate não precisa saber, se formos cedo e voltarmos logo, ela
não saberá...
Por que tenho a sensação que se ela souber que levei o pai dela a um
puteiro, a senhora chata do caralho vai comer meu fígado e ficar muito
brava?
— Tudo bem – eu sorrio com maldade —, quer que eu passe aí
agora?
— Sim...
Consulto o relógio. É três da tarde, dá tempo de David trepar e
voltarmos sem sermos pegos. Embora não estejamos fazendo nada de
errado. O que tem demais em dois homens solteiros que vão se divertir com
prostitutas? Kate pode até ficar brava, mas o pai dela tem o direito de
renascer das cinzas depois de tanto tempo enclausurado.
— Estou indo. – Desligo o celular e vou até a minha cadeira pegar
meu paletó para vestir.
Guardo o aparelho no bolso e saio da minha sala. Tabhita ergue o
olhar para mim:
— Desmarque todos os meus compromissos, eu não volto hoje –
aviso e vou em direção ao elevador.
Quando chego na porta da casa de Kate, David está me esperando
do lado de fora, ansioso. A enfermeira está com ele.
— Essa é a Jane – David nos apresenta —, esse é o meu melhor
amigo, Michael.
Sorrio quando ele diz que somos melhores amigos.
Abro a porta do carro e vou para perto da cadeira para segurar David
por debaixo dos braços. Jane apoia a cadeira para que ela não se mova
enquanto eu estiver o suspendendo. Não tenho prática, mas meu pai fez isso
comigo tantas vezes quando sofri acidente, que imitá-lo se tornou prático.
Coloco David sentado no banco da frente sem qualquer dificuldade
enquanto Jane fecha a cadeira.
— Está bem assim? – Passo o cinto na frente dele e fecho.
— Perfeito, vamos logo – ele me acelera.
Dou uma risada e balanço a cabeça, ele parece um garoto de dezoito
anos ansioso por perder a virgindade. Fecho a porta do carro e abro o porta-
malas para colocar a cadeira de rodas. Aceno com a cabeça para a Jane e
entro no carro.
— Tem certeza que ela não vai dar com a língua nos dentes? –
questiono.
Não que eu me importe com a opinião de Kate. Quanto mais ela
estiver irritada, melhor, me dá prazer. Chega a ser patológico essa
necessidade de vê-la fora de si.
— Dei cem dólares para ela, além disso, ela vai se encontrar com o
namorado agora. Não vai contar nunca que fui comer alguém, vai dizer que
lhe dei o dia de folga e ela não sabe o motivo. – Ele pisca para mim.
Assinto e noto rapidamente que Kate tem o jeito do pai, embora não
se pareça tanto com ele. Dá para perceber a influência que ele tem no jeito
dela de falar e se mover. Até mesmo a forma como ela o observa é
carregada de orgulho.
— Conhece a casa da Madame Butterfly? – ele pergunta enquanto
mexe no som do carro e o liga.
— Conheço – respondo.
Quem não conhece, é a casa mais cara de prostitutas da Califórnia.
Só a nata da sociedade frequenta o lugar. As meninas que trabalham na casa
falam no mínimo três idiomas diferentes e oferecem do bom e do melhor.
— Vamos para lá, eu preciso de uma mulher maravilhosa – ele fala
ansioso —, preciso de óculos escuro.
— Tem um dentro do porta-luvas – aviso —, pode usar. Não tem
grau.
Atualmente, o que eu uso tem. Ele abre o porta-luvas e tira a
caixinha dos óculos e a abre. Ele assovia.
— Deve valer uma fortuna... puta merda!
— Ganhei do patrocinador, pode ficar. – Dou de presente.
Ele coloca no rosto e olha para o retrovisor.
— Estou jovem de novo – ele debocha de si mesmo.
— Por que ficou tanto tempo no asilo? – preciso perguntar.
Desde a noite da pizza, estou curioso para saber.
— A Kate não te contou? – ele questiona com surpresa.
— Eu e sua filha não somos amigos, David – respondo sem tirar os
olhos do trânsito intenso quando saio pela avenida principal de Santa
Mônica.
— Devia ter imaginado que não. Kate gosta de homens chatos e
massantes – ele comenta amargo —, você é gente boa demais para ela!
Minha filha não enxergaria isso mesmo se alguém a torturasse!
Dou uma risada. A ideia de me ver ao lado de Kate é ridícula.
Somos como água e óleo, impossível de misturar. E ainda existe a aversão,
tal sentimento é impossível de esconder. Tabhita comentou outra dia que a
fofoca no corredor é que Kate é a única na emissora que prefere dormir com
um porco a dormir comigo. Ela que durma com um porco, então. Ela não
faz o meu tipo...
— Bem – a voz de David me traz de volta à realidade —, quanto à
minha história. Você deve saber do acidente, imagino.
— Sim, você bateu a sua Ferrari – eu observo me recordando.
— Exato, eu estava a cento e oitenta por hora. Fiquei seis meses em
coma, sobrevivi por um milagre. Foi bem na época que Kate estava
terminando a faculdade e descobriu que estava grávida do perdedor. Você o
conhece? Liam Fletcher?
Forço a memória. Já ouvi esse nome em algum lugar, mas não faço
ideia de onde.
— Não.
— Não perdeu nada, ele é um bosta – fala e dou uma risada. — O
dia que você vê-lo vai me dar razão! Sempre fui contra o relacionamento,
mas como eu disse, minha filha tem dedo podre para homens, sempre teve...
– ele suspira pesado —, quem tomava conta de tudo era meu irmão, Ted.
Ele simplesmente sumiu com tudo da noite para o dia. Deixou as dívidas,
empregados sem salário e despareceu no mundo com o meu dinheiro.
— Puta merda! – Não posso acreditar. — Você não conseguiu
encontrá-lo?
— Quando acordei do coma, era tarde demais, não tinha muito que
fazer. Eu não mexia as pernas, tinha uma aposentadoria miserável, o
governo ainda tirou parte dela para pagar algumas coisas. Não sobrou nada
– ele bufa —, meu irmão sumiu no mundo e eu não tinha meios de
encontrá-lo.
— Que raiva, cara! – lamento por ele.
— Até hoje tento não o odiar tanto, mas sempre que penso nele fico
ressentido. Não tem outro jeito. Às vezes, penso que Kate casou com o
perdedor porque ficou sem nada e precisava de ajuda... quando acordei, ela
já estava casada e meu neto a caminho...
— Sinto muito, de verdade.
— Não mais do que eu – ele garante —, fui obrigado a ir para o
asilo e fiquei nesses últimos cinco anos. Eu e meu genro mal nos falávamos
e ele não deixava Kate me visitar. E ela com medo de perdê-lo, não ia. Sei
que ela não fez isso por mal, estava apenas protegendo Caleb de ficar na
rua...
Fico tocado por isso. Como uma relação com uma pessoa tóxica
pode destruir a segurança de uma mulher. Essa esposa submissa não se
parece com a Kate que eu conheço: forte, esperta e segura de si. Pelo
menos, é o que ela aparenta ser em frente às câmeras. Ou ela é uma boa
atriz, ou se encontrou após o divórcio.
— Mas ele foi embora de qualquer jeito. A submissão dela não o
segurou – observo segurando o volante com raiva do idiota.
— Você realmente não sabe quem ele é?
— Não, sério... – admito.
— Ele é âncora da WTW TV. E na premiação dos melhores, no fim
do ano passado, ele se declarou para a filha do dono da emissora, uma tal de
Hanna – ele me conta.
Claro que conheço Watson, o dono da emissora. Como não vou
conhecer? Mas não me recordo desse tal de Fletcher, é uma surpresa que
Watson deixe a filha namorar alguém que não seja de seu nível social. Ela
deve estar muito apaixonada para que seu pai lhe conceda esse desejo.
— Que filho da puta! – eu xingo sem perceber.
Todavia, a ideia de que ele humilhou Kate em rede nacional não me
agrada. Só eu posso torturá-la, ninguém mais.
— Coloca desgraçado nisso! – David concorda comigo. — Queria
ter cortado o pau dele fora. No dia seguinte, ele saiu de casa como se minha
filha fosse a errada e a deixou à deriva até que pediu a casa e disse que não
ia mais ajudá-la. Se não fosse a ONG que a sua mãe criou, não sei o que
teria sido da Kate, já que a minha aposentadoria ficava toda naquele asilo.
Vejo a tristeza em sua voz e compreendo sua frustração. Ele não
criou a filha para sofrer na mão de um idiota, e o fato de estar em uma
cadeira de rodas o impedia de quebrar a cara desse tal de Fletcher. Sinto
uma onda de raiva me tomar e é compreensível, posso não gostar de Kate,
mas não gosto de injustiças, e o marido dela foi um canalha.
E eu não gosto de canalhas.
— O importante é que ela está bem agora – observo sério e entro na
rua que dá para a casa de Madame Butterfly, uma mansão em meio a tantas,
discreta e que ninguém nunca diria se tratar de um puteiro de luxo —, e
você vai se divertir.
Ele sorri, entusiasmado, e esfrega as mãos. Dou uma risada e paro
diante da porta. O manobrista abre a porta do carro para mim e vou até o
porta-malas pegar a cadeira de rodas. Depois tiro David do carro e empurro
a cadeira para a entrada. Somos recebidos por uma linda jovem sexy e bem-
vestida que nos cumprimenta. Sou cliente VIP, então somos levados para o
salão onde alguns homens transitam e mulheres de todo o tipo estão ali para
servir os clientes.
— O que vão beber? – uma linda garçonete pergunta.
— Eu quero um uísque – digo a ela e olho para David.
— Não quero nada – ele fala com certa ansiedade —, quero estar
bem e pronto. Nada vai me atrapalhar para me divertir...
Assinto e vejo que ele observa uma garota de cabelos castanhos. Ela
sorri para ele e se aproxima segurando uma taça de champanhe nas mãos.
— Oi, eu sou a Grace, posso me sentar com vocês? – ela pergunta
com educação.
— Eu prefiro ir para um lugar mais discreto – David diz direto.
Ela fica surpresa. Geralmente, os homens conversam primeiro, mas
David está afoito e eu o entendo. Cinco anos sem sexo é muito tempo.
— Claro – ela concorda e deixa o champanhe sobre a mesa antes de
empurrar a cadeira de rodas em direção ao fundo que dá para um corredor
longo que leva para os quartos.
A música é lenta e a garçonete traz o uísque. De imediato, uma
mulher se aproxima de mim, por volta dos seus vinte e poucos anos. É
linda, cabelos e olhos castanhos, sorriso devastador. Acredito que já a vi ali
antes, mas nunca havia se aproximado.
— Posso me sentar com você? – ela pergunta e toca o meu braço.
Encolho os ombros sem qualquer interesse.
— Pode – respondo.
Ela se senta e sorri charmosa. Mas não tem efeito algum sobre mim,
ao contrário, não acho a mínima graça. Ela pode ser bonita e estar montada
para me agradar, mas é que ultimamente prefiro algo mais natural, com
menos maquiagem, um batom rosa talvez ao invés daquele vermelho
sedutor. Ela sorri afetada, tentado chamar minha atenção, o que não me
agrada, prefiro uma mulher que sorria apenas quando é sincera. Nada de
tentar me agradar.
Aliás, desagradável parece ser a palavra do momento para o meu
pau funcionar.
Nada de unhas vermelhas, talvez algo mais discreto. Nada de uma
roupa sensual, mas algo como o uniforme esportivo de trabalho. Tênis no
lugar de sandálias sensuais. Nada contra, eu sempre gostei de uma mulher
bonita, mas é que ultimamente a dinâmica para o desejo tem sido diferente.
E nada de mulheres solteiras, uma certa divorciada tem ocupado os meus
pensamentos.
Até mais do que espero...
E se eu confessar em voz alta meu tormento, tenho que dizer que
quando me masturbo deitado na escuridão do meu quarto, é naqueles
cabelos ruivos que penso, naquela boca bonita, no gosto da pele de Kate
Lynch. Não é nada que tenha explicação, ou seja, racional, mas eu parei de
querer entender o que está acontecendo.
— O que você gosta? – ela me pergunta e passa sua mão sobre a
minha.
— Gosto de ficar sozinho – respondo seco e tiro a minha mão da
dela —, desculpe-me – tiro uma nota de cem dólares e lhe entrego por cima
do tampo da mesa —, não quis tomar o seu tempo.
Ela pega a nota e guarda discretamente no decote.
— Não tomou, querido. – Pisca para mim e se levanta.
Não olho para sua bunda quando ela se afasta. Vai ser uma perda de
tempo, meu pau não vai subir. Ele somente sobe quando vejo a bunda de
Kate naquela maldita calças jeans apertada. E ela tem quadris tão redondos.
Que merda! Ergo a mão para a garçonete que se aproxima da mesa:
— Traz a garrafa – peço apontando para o copo.
Preciso me divertir de alguma forma. Essa coisa toda de desejar uma
mulher que detesto ainda vai me levar à loucura.
Capítulo 13

— Senhorita Lynch, nós não podemos procurar seu pai enquanto


não der às vinte e quatro horas do desaparecimento – o policial me explica
ao telefone —, sinto muito.
— Mas... – tento argumentar, mas ele desliga o telefone.
Frustrada, olho para o celular sem ligação e xingo baixinho. Caleb já
está dormindo e desde que cheguei por volta das seis da tarde, não há sinal
do meu pai. São dez da noite! A enfermeira, Jane, me disse que ele a
dispensou no meio da tarde e lhe deu folga sem nenhuma explicação.
Quando indaguei por que ela não me ligou, Jane respondeu:
— Seu pai disse que a senhorita estava ciente de sua saída...
— E com quem ele saiu, Jane?
— Não faço ideia, acho que foi de táxi, não me lembro...
Sinto que ela está mentindo para mim, contudo, não é isso que me
preocupa agora, ou quanto meu pai a subornou para conseguir ficar sozinho.
Estou preocupada para onde ele foi e se está bem. O celular dele está dando
fora de área. E se ele se machucou? Ou caiu? Ou alguém lhe fez mal?
Escuto o som de carro na garagem. Franzo o cenho e atravesso a
cozinha em direção ao corredor. Escuto portas batendo, risadas. O que está
acontecendo? Apresso o passo e vou até a porta da frente, quando abro, me
deparo com Michael Rhodes empurrando a cadeira do meu pai. Quando
eles me notam, começam a rir como dois bobos.
— O que está acontecendo? – Olho de um para o outro.
É nítido que estão bêbados, suas feições caídas não negam o estado
em que se encontram. E Michael dirigiu desse jeito?
— Nada – meu pai fala e leva a mão à boca para rir como uma
criança —, dá licença, Kate. Nós precisamos entrar.
Dou um passo para o lado e eles entram. Sinto o cheiro forte de
bebida.
— Vocês estavam bebendo? – pergunto indignada.
— Opa! – meu pai diz por cima do ombro enquanto Michael
continua empurrando sua cadeira. — Acredito que sou o mais velho aqui...
Michael empurra até a sala e se senta no sofá, como se estivesse
cansado e tivesse corrido uma maratona. Ele está sem o paletó e a gravata, e
a camisa está semiaberta de um jeito sexy que é inevitável olhar.
— Você precisa de um banho, pai. – Aproximo dele e me afasto de
Michael.
Ficar olhando para o chefe gostoso e tendo fantasias sexuais não vai
me ajudar a ser uma pessoa melhor e ficar longe dele, embora eu tenha feito
um esforço sobre-humano para me manter à distância. Evito ficar nos
lugares onde ele está e quando alguém fala dele na emissora, não fico perto.
Porque não quero saber. Desde a noite da pizza pensar nele tem se tornado
algo muito comum e me incomoda. Não sou dessas de ter paixonites,
sempre fui bastante racional e não é uma chupadinha no meu dedo que vai
me fazer arder em desejo.
Inclino sobre o meu pai e sinto o cheiro de perfume feminino:
— Você estava com uma mulher! – falo indignada.
E sei que isso não tem nada a ver com o meu pai. E admito somente
para mim que é a ideia de que Michael Rhodes estava rodeado por lindas
mulheres que me deixa irritada.
— Não faça perguntas difíceis de responder – meu pai fala daquele
jeito mole de quem está bêbado.
Olho para Michael:
— O que você fez? – eu o questiono, irritada.
Ele ergue uma mão no ar:
— Culpado – admite.
E não preciso jogar na cara dele que estava com meu pai,
provavelmente, em um puteiro e bebendo com mulheres lindas ao redor.
Michael não é o tipo de homem que frequenta lugares baratos e o perfume
do meu pai não é ruim, é bom. Daqueles caros que eu compro com dó ou
nunca compro por não ter coragem de jogar meu dinheiro fora desse jeito.
Mesmo ganhando bem, eu ainda vivo como uma mãe de família que tem
que contar os dólares para pagar contas.
— Não acredito! Levou meu pai para a gandaia? – explodo.
Ele ri alto.
— É o que os homens solteiros fazem, Kate, bem-vinda ao mundo
real – Michael diz, também com aquela voz lenta de quem bebeu mais do
que devia.
Contudo, ele não é problema meu. Meu pai é. Seguro sua cadeira e
empurro:
— Vou levá-lo para o seu quarto e lhe dar um banho!
Ele puxa o freio da cadeira e levo um solavanco.
— Pai! – eu o repreendo.
— Olha, Kate – ele fala amargo —, hoje foi o dia mais feliz da
minha vida em cinco anos. Vê se não estraga tudo, sua chata! E posso ir
para o meu quarto sozinho, não sou um bebê! Sou seu pai...
E sai com a cadeira. Ele bate num móvel. Volta de ré e depois bate
em outro. E depois em outro. Balanço a cabeça em negativa e decido insistir
em ajudá-lo.
— Deixa eu te guiar – peço —, prometo ficar de boca fechada.
Ele para de puxar o freio e me deixa levá-lo até o quarto. Escolhi
aquela casa por ser térrea e ter quartos suficientes para nós três. Tem até um
de hóspedes com banheira de hidromassagem. O dono é um magnata do
petróleo que coleciona casas pelo mundo. E essa, ele nunca esteve aqui,
apenas comprou e aluga. O valor é razoável e meu salário pode pagar. E é
perto da praia, posso passear, embora trabalhe tanto que me falta tempo.
Entro no quarto do meu pai.
— Quer tomar um banho? – pergunto.
— Só me ajuda a subir na cama – ele manda.
Não posso obrigar um homem do tamanho dele a tomar banho. E
como ele mesmo disse, não é um bebê, é o meu pai e tenho que respeitar
suas decisões. E se eu pensar friamente, ele não fez nada de mais, só foi se
divertir com seu mais novo amigo. Estou tão maluca com essas emoções
que Michael me desperta que acabei confundindo tudo e tratando meu pai
mal. Claro que estava preocupada com meu pai e vê-lo bêbado me deixou
irritada, contudo, o problema é outro.
Seguro meu pai por debaixo do braço e o puxo para cima para
ajudá-lo a sentar na cama. Tiro seus sapatos e ele se deita imediatamente. E
apaga. É quase que imediato, dou uma risada diante da situação. Coloco
suas pernas para cima da cama e o cubro com o edredom. Na manhã
seguinte, ele vai acordar com uma ressaca horrível. Mas é merecido depois
de quase me deixar louca de preocupação.
Pelo menos podia ter dito que ia sair com um amigo, não teria
ficado preocupada. Até porque Michael Rhodes é... como é difícil admitir
isso, mas é verdade. Vou repetir para poder completar a frase. Michael Scott
Rhodes Júnior é confiável.
Não vai chover, eu sei que é. Ele não contou a ninguém sobre eu ser
filha de David Lynch, mas me obrigou a assumir o sobrenome do meu pai
para honrar sua história. Ele não contou onde meu pai esteve nos últimos
anos ou fez qualquer piada sobre o assunto. Ao contrário, o fato de ele
admirar meu pai, me deixou surpresa. Essa é a verdade. Fiquei pensando no
menino paralítico que queria conhecer meu pai e como as palavras de David
o ajudaram a se recuperar.
Vou confessar que pesquisei na internet sobre um acidente com
Michael, mas não há nada. Nenhuma menção sobre a paralisia. Nada. E não
tive coragem de especular na emissora, duvido que as pessoas saibam sobre
isso. Talvez Jason, eles são amigos, mas é algo muito pessoal e poderia
erguer fofocas sobre o assunto.
Saio do quarto do meu pai e fecho a porta. Passo pelo quarto de
Caleb e verifico através da porta aberta que ele continua dormindo. Suspiro
e sigo para a sala. Michael já deve ter ido embora, mas ao contrário disso,
eu o encontro deitado sobre o sofá, dormindo, apagado. Ele se esparramou e
tenho certeza que nem um bonde o tira dali.
Eu deveria tirar uma foto e chantageá-lo depois: Michael Scott
Rhodes completamente bêbado no meu sofá. Aproximo e o observo. O pior
é que o cara é bonito pra caralho. De todos os jeitos. Ele é perfumado,
bonito, inteligente e mal-humorado. E eu sempre tive queda por homens
impacientes, com um jeito determinado que só eles têm. O que é irônico,
porque Liam é muito diferente disso. Ele não tem nada de obstinado, meu
ex-marido é ganancioso. É bem diferente do homem deitado no meu sofá.
Apesar de ter nascido rico, Michael conquistou seu império com a
emissora. Claro que o nome de sua família abriu as portas com mais
facilidade, mas ele não tem culpa, só sorte. Ou destino, não sei explicar qual
é o desígnio de cada um nesse mundo.
Abro o baú ao lado do sofá, pego uma manta e coloco sobre ele. De
madrugada pode esfriar e não quero ser mal-educada. Embora ele mereça
um banho de água fria por ter trazido meu pai bêbado para casa e ainda ter
dirigido desse jeito. Maluco! Vou para o meu quarto e o deixo ali. Deito na
cama e fico olhando para o teto, pensando no homem que está na minha
sala.
Como posso me sentir atraída por um homem que detesto tanto?
Durmo pensando nisso e fico virando na cama. Acordo e durmo de
novo e isso me deixa de péssimo humor quando meu celular desperta. Hora
de pular da cama, fazer minha corrida e começar meu dia. Estou mais
cansada do que quando deitei. Visto minha roupa de ginástica e me preparo
para sair de casa. Logo a enfermeira e a ajudante chegam para começar o
dia. Ainda tenho que levar Caleb para a escolinha e ir para o trabalho.
Fico surpresa quando sinto o cheiro de café no ar. Franzo o cenho e
me aproximo devagar da cozinha para ver Michael Rhodes segurando uma
caneca de café como se estivesse na casa dele. Pelo cabelo molhado, ele
tomou banho... ele tomou banho na minha casa? E está com a mesma
roupa?
— O que está fazendo aqui? – pergunto quando entro na cozinha.
Ele se volta para mim, impassível. Ninguém pode ser tão bonito às
seis da manhã. Eu pareço uma pedra velha quando acordo.
— Bom dia, Kate. Quer café?
Estreito o olhar e cruzo os braços.
— Você é muito cara de pau – o ataque é a melhor resposta para
espantar o desejo que sinto —, saiu com o meu pai ontem, não avisaram
onde estavam e eu fiquei aqui preocupada! – Aproximo mais enquanto
gesticulo. — E voltam bêbados! Você dirigiu bêbado com o meu pai, seu
irresponsável!
Ele me fita como se eu fosse uma formiga. Como pode eu estar
louca da vida, querendo matá-lo e Michael agir como se não fosse grave?
— Nós viemos de táxi – ele responde como se eu fosse a maluca da
história.
— O quê?
— Deixei meu carro no local e pedi um táxi – ele responde me
deixando atônita —, não sou tão irresponsável como pode ver. Tem certeza
que não quer café?
Seguro para não bater a mão na xícara e jogar aquele café longe.
Michael sabe como estar a minha paciência.
— Você não pode levar meu pai para um puteiro e depois me olhar
com essa cara lavada como se nada tivesse acontecido! – explodo.
Não era para dizer isso, aliás, não era esse o script que criei na
minha cabeça. Eu só ignoraria sua existência, não falaria com ele e pronto.
Mas vê-lo na minha cozinha, tranquilo, dono do mundo depois de transar
por horas com várias mulheres enquanto eu estava frustrada, me deixou
louca.
— Seu pai me pediu – argumenta sério —, somos amigos. Não
podia lhe dizer não, Kate. Ele não esteve com uma mulher nos últimos
cinco anos. Tem ideia do que é isso?
Ele me dá as costas e vai pegar mais café.
Sim, tenho ideia do que é se sentir sozinha por cinco anos. Foi assim
que me senti ao lado de Liam. Transávamos raramente e ele nunca me dava
carinho e atenção. E Michael me despertou de forma ávida para essa
necessidade absurda de desejar alguém e se sentir desejada.
— Sim, Michael – digo seu nome pela primeira vez —, sei como é
se sentir sozinha por cinco anos...
Não acredito que disse isso.
Ele deixa a xícara em cima do balcão. Michael se volta para mim,
ele está furioso, parece que quer me matar. Seus olhos brilham
perigosamente quando ele se aproxima, tanto que posso sentir aquele calor
gostoso do corpo dele contra o meu. Seu olhar me consome, ele segura meu
rosto entre as mãos. Não consigo fugir ou impedi-lo de fazer o que quer.
Porque, no fim, quero a mesma coisa.
— Você não precisa mais se sentir assim, Kate.
E sua boca finalmente desce sobre a minha.
Capítulo 14

Preciso disso.
Sou um homem atormentado pelo desejo que sinto por essa mulher.
Ontem à noite bebi como um gambá por não conseguir trepar com qualquer
garota de programa porque eu só pensava em Kate, em como deveria ser
bom beijar aquela boca bonita sempre pintada de rosa. E não estava
enganado. Quando meus lábios tocam os dela, é como uma explosão de
emoções. Ela não resiste e isso me deixa com um tesão louco, meu pau fica
duro na hora. Ontem à noite não subiu nem vendo uma garota seminua
rebolando no pole dance. Não sou assim, eu sou viril nas vinte e quatro
horas do dia... ou era até essa maldita bruxa aparecer e acabar com a minha
libido social.
Deslizo minha língua por sua boca e toco a dela com pressa, com
ânsia de sentir tudo o que ela pode me oferecer. Nós não queremos viver
esse momento, não gostamos um do outro, mas é preciso e ela sabe disso.
Enquanto sua boca se move contra a minha, sinto que ela também esteve
atormentada, esperando por esse momento.
Minhas mãos descem por seus ombros e braços até alcançar sua
cintura e a puxar contra mim. Empurro seu corpo contra o balcão e me
esfrego nela, mostrando o que faz comigo, o quanto me perturba.
Geralmente, controlo minhas emoções facilmente, mas neste momento sou
uma cascata de sensações, e isso é bom.
O beijo arrebatador nos consome, as roupas são uma barreira
desagradável entre nós e só beijar não é o suficiente. Somos adultos,
ninguém aqui é virgem e inexperiente, ninguém aqui dá um beijo tão
carregado de luxúria esperando se apartar e seguir a vida em frente. Eu
quero mais e ela também. Ou Kate já teria me dado uma joelhada no saco,
ou quebrado algo na minha cabeça, é bem típico dela agir como uma
maluca agressiva quando está irritada.
O gemido contra os meus lábios é tudo que preciso para agarrar o
top que ela está usando e puxar para cima. Meu pau pulsa quando me afasto
e ela ergue os braços de forma voluntária para tirar a peça. Jogo no chão e
admiro os seios pequenos e redondinhos, salivo e sinto uma vontade insana
de senti-los na minha boca e é o que faço. Desço a boca para sugar um
enquanto puxo o bico eriçado com o polegar e indicador. Ela geme entre a
dor e o prazer e chupo com mais intensidade.
Como ela é gostosa. Não consigo parar, é como se fosse uma droga
potente que preciso dela. Chupo o outro seio e ela arqueia o corpo para trás,
agarrando meus cabelos e puxando meu rosto contra o seu corpo. Seu
gemido ecoa pela cozinha, é uma melodia do caralho para mim. Quero tudo,
não vou parar.
Tomo sua boca de novo e quem geme sou eu, e como uma
tempestade de fogo entre nós, ela começa a abrir os botões da minha camisa
com pressa e empurra pelos meus ombros. Tiro as mãos dela para tirar a
peça e deixar cair no chão e a abraço, sinto os seios macios contra o meu
peito e toda a razão se esvai. É melhor que fantasiei, ficar com Kate é o
paraíso.
Ela tira o tênis o chuta de lado, minhas mãos agarram o cós das suas
calças e empurro para baixo, ela move os quadris para ajudar na descida e
agarro a calcinha junto para levar tudo de uma vez. Não podemos perder
tempo, não queremos perder tempo. Temos um mundo para ganhar e pouco
tempo para isso. Não estamos sozinhos na casa e qualquer um pode nos
atrapalhar e sou capaz de matar quem nos interromper. Preciso me enterrar
nela com urgência.
Afasto para descer as calças de ginástica até os pés dela e me coloco
de joelhos. Ela ergue uma perna e depois a outra para tirar as calças e jogo a
peça de lado e dou de cara com uma boceta toda depilada. Não que eu ligue,
mas me dá uma visão perfeita do quanto ela é linda e gostosa. Novamente
sinto a boca salivar e quero descobrir seu gosto, saber como é ter minha
boca enterrada bem ali. Ergo uma perna e coloco em meu ombro. Olho para
cima e admiro o corpo feito para mim, ela tem marcas da gravidez pelo
corpo e isso me deixa excitado, ela é madura, sabe o que quer.
Nossos olhares se encontram e ela agarra a bancada da cozinha
quando desço os lábios sobre a boceta meladinha. Ela está excitada tanto
quanto eu.
— Deus! – ela geme alto.
Primeiro eu beijo, depois passo a língua por toda a sua fenda até
alcançar o clitóris. Posso morrer fazendo isso, é delicioso. Ela projeta seu
quadril contra a minha boca e passo a língua pelo botão inchado. Levo uma
das mãos para abri-la mais e observo como o clitóris está redondinho e
pronto para mim. Olho para cima e passo a língua pelos lábios, sentindo o
sabor dela e vendo sua necessidade por mais.
— Você quer que eu te chupe, Kate? – pergunto num sussurro.
— Por favor – ela quase implora.
Meu pau pulsa de novo ao ouvir o tom de sua voz e caio de boca.
Ela geme um pouco mais alto e me mantenho ali, chupando, passando a
língua em círculos. Meus dedos alcançam a entrada da sua boceta e a sinto
pulsar, pronta para mim. Tenho que me controlar para não me erguer e me
afundar nela sem pensar duas vezes. Eu sou um animal no cio perto de
Kate, incontrolável.
— Michael – ela geme quando o seu corpo começa a tremer.
Intensifico a carícia, passo a língua no clitóris sem parar, como se a
estivesse possuindo e ela estremece toda, meus dedos a roçam com mais
força, mas não a penetro, só a sinto tremer inteira e latejar contra mim, Kate
está tendo um orgasmo e isso é arrebatador. Sou eu o motivo de ela estar
gozando, ninguém mais. Sinto-me um herói, um campeão de baseball.
Eu me levanto e nos encontramos no meio do caminho para um
beijo selvagem. Abro minhas calças e empurro para baixo. Não me lembro
que necessitamos de proteção, só consigo pensar em fodê-la gostoso. Ela
acaba comigo quando leva a mão entre nós e acaricia meu pau ereto. Sua
mão pequena o circula e ela move para cima e para baixo, tenho que me
segurar para não gozar na mão dela.
Sem esperar mais, eu a seguro pela bunda e a ergo. Ela me abraça
com as pernas e a cabeça do meu pau toca sua entrada molhada enquanto
nos beijamos. Kate morde meu lábio inferior quando a penetro com força.
De uma vez, sem piedade. Sinto o gosto de sangue na minha boca, mas não
paro. Não posso parar. Ela é tão quente e apertada. Beijo seu queixo e seu
pescoço enquanto a abraço e me movo dentro dela. Apoio seu corpo na base
da bancada para sair de dentro dela e entrar de novo, com paixão.
Ela geme contra o meu ouvido e me perco. Tantas mulheres no
mundo e fui me perder dentro da mais insuportável e complicada que
conheci. Não há nada em Kate que eu não deteste tanto e que não deseje na
mesma proporção. Deve ser algum tipo de traço psicológico doentio que
possuo, odiar e desejar ao mesmo tempo. Sinto suas unhas nas minhas
costas quando penetro mais fundo, com tanta força que parece que meu
intuito é marcá-la de alguma forma.
Embora nenhum de nós será o mesmo depois desse momento. Pode
apostar.
Volto a beijar sua boca de forma frenética. Aperto sua pele e meu
corpo vai se entregando, ela também. Sua boceta comprime meu pau
quando ela está prestes a gozar de novo e tenho a sensação que esperei por
isso uma vida toda. Fecho os olhos e mordo seu ombro e seu pescoço
quando o orgasmo me consome. Nossos gemidos se perdendo no ar cada
vez mais depressa e de forma incoerente.
— Caralho... – solto antes de gemer de prazer e gozar.
Aos poucos vamos voltando ao mundo real. Meu corpo cede e o
dela também. Saio de dentro dela devagar, como se quisesse registrar cada
segundo e não perder nada. Tudo em Kate é perfeito e gostoso. Ela desce as
pernas e, relutante, solto sua bunda, afasto ainda ofegante e ela está de
olhos fechados, ainda perdida no prazer.
Ela solta um suspiro longo e abre os olhos e me encara. É neste
momento que vejo o desespero em seu olhar e que ela está prestes a ficar
histérica. Voltamos àquela realidade em que a indiferença é o que nos move.
Ela me odeia. Eu não a suporto. Dou um passo para trás e abaixo para
suspender minhas calças e a cueca.
Kate se abaixa para pegar as roupas e tampar o próprio corpo.
— Preciso de um banho! – ela fala brava. — E sozinha! – avisa com
o dedo em riste.
Não passou pela minha cabeça me oferecer. Mentira. Eu iria como
um bobo se ela me chamasse. Não adianta mentir, eu ainda a quero e a
desejo e isso está estampado na minha cara de quem acabou de gozar
gostoso e quer mais. Ela sai correndo da cozinha. Isso mesmo, ela corre nua
para fora da cozinha e tenho tempo de admirar a bunda redondinha e sorrio
com malícia ao sentir prazer nisso.
Estou vivo. Ontem à noite foi só um lapso, nada de mais. Meu pau
ainda funciona e sou um homem viril. Mesmo que a mulher que me causou
tamanha vivacidade seja a mais insuportável que conheci. Pego minha
camisa no chão e me visto. Preciso de um café.
A porta da cozinha é aberta sem aviso e Jane entra. Parece até que
foi combinado, ela chegou minutos depois de eu foder gostoso com a patroa
dela. Uma mulher a segue e me cumprimenta.
— Bom dia, Michael – Jane me cumprimenta como se fosse normal
me encontrar na cozinha da casa dos Lynch.
— Bom dia, Jane.
— Essa é a Brigite – ela me apresenta a senhora —, ela é quem faz
tudo na casa.
— Bom dia – eu a cumprimento com um sorriso bobo.
Alguém mais está sentindo o cheiro de sexo gostoso no ar. Eu me
viro e abro a janela em cima da pia para ventilar.
— Bom dia, senhor – ela diz educada.
— Hoje é um belo dia – admiro o céu azul —, não acham?
As duas assentem não entendendo o motivo de tanta energia
positiva. Um homem deve acordar todas as manhãs e transar gostoso desse
jeito. Faz bem para a alma, e o dia vai ser melhor. Tenho certeza.
— Vou ver como o David está – Jane avisa Brigite que coloca sua
bolsa debaixo do balcão.
— Já fiz café – eu a aviso.
Ela sorri sem graça.
— O senhor quer que eu faça ovos mexidos? – oferece.
— Como qualquer coisa – respondo pensativo.
Não é bem assim e a resposta não é ambígua. Estou falando da
comida. Kate definitivamente não é qualquer uma. Ela é tesão, um vulcão
em erupção e a quero de novo. E quando almejo uma mulher, nada me
impede de conseguir. Nada. Aliás, eu já a tive e é só uma questão de tempo
até torná-la minha amante, vale a pena cada segundo. Eu me sinto vivo,
caralho!
— Vou fazer para o senhor, então. – Ela sorri simpática.
Assinto e fico encostado no balcão tomando meu café. Até me sinto
como se estivesse na minha casa. Deveria ir para a minha, tomar um banho
e me preparar para o trabalho, mas quero falar com David antes de ir, tive
uma ideia para ele ontem à noite. Quem sabe ele aceita.
Brigite faz os ovos mexidos e coloca sobre o balcão.
— Não quer se sentar na sala de jantar? – ela pergunta.
— Aqui está bom – aviso e começo a comer com vontade, estou
morto de fome.
Sexo é a melhor atividade física para começar o dia, ainda mais com
uma mulher gostosa como companhia. Será que Kate toparia acordar assim
nos próximos dias? Provavelmente, Kate vai dizer não e esse pensamento
rouba um sorriso. Convencê-la de que precisamos disso vai ser uma bela
provocação. E que homem não gosta de bons desafios?
Capítulo 15

Quando entro na cozinha, a tentação do demônio ainda está aqui.


Pensei que depois de cair de boca e se lambuzar ele partiria sem
olhar para trás, mas ele está sentado no balcão conversando com o meu pai.
Sabe quando dois meninos se conhecem e se tornam amigos para o resto da
vida? Acredito que a amizade entre Michael e David vai ser assim. Juntou a
fome com a vontade de comer.
Preciso vestir minha capa da indiferença e fingir que nada do que
aconteceu importou, afinal, esse homem tem a cara de quem destrói fácil o
coração de uma mulher. E com certeza, não vou deixar minha carência falar
mais alto. Não sou mais aquela menina boba em busca de amor. Eu quero
estabilidade e segurança, e Michael Rhodes nunca poderá me dar isso.
— Bom dia, Cinderela – meu pai diz com ironia.
Evito olhar para Michael, mas sei que ele está me observando. Sinto
aquele calor na base do estômago. Ele despertou em mim uma tempestade
de emoções. E que pegada. Tive só dois parceiros sexuais, meu primeiro
namorado que tirou minha virgindade como se fosse um robo e Liam. E
tenho certeza que Michael supera os dois facilmente, meu ex-marido nunca
me chupou, ele só acariciava lá embaixo sem saber exatamente o que estava
fazendo. Não é bom comparar, eu sei. Mas é inevitável, ainda mais quando
superou minhas expectativas.
— Cinderela? – pergunto sem entender.
Meu pai aponta para o chão e mostra meu tênis.
— Você esqueceu o sapatinho para trás – ele debocha.
Sinto meu rosto queimar de vergonha. Quem esquece um par de
tênis no meio da cozinha? Michael poderia ter escondido para mim, mas
talvez ele também não tenha se atentado para esse detalhe.
— E você esqueceu o bom senso em casa ontem à noite! – ataco.
O ataque é a melhor defesa para quem quer esconder seus pecados.
Eu pequei e foi bom. Esse é o problema da tentação, ela nunca é ruim, ao
contrário. O problema está em querer se afundar na perdição outra vez. E
não devemos fazer isso se queremos manter o respeito no trabalho.
— Pode apostar que não. – Meu pai sorri com malícia antes de levar
a xícara de café aos lábios.
Isso me faz lembrar que Michael estava com ele e também se
esbaldou na companhia de prostitutas. O que me deixa ciumenta e louca de
raiva.
— Vocês dois me dão nojo! – digo com raiva e vou para o balcão
me servir de café. — Bom dia, Brigite.
— Bom dia, Kate. – Ela sorri para mim.
— Você viu se poderá ficar com Caleb amanhã para eu levar o papai
ao médico? – pergunto.
— Não poderei – ela faz que não com a cabeça —, minha filha vai
precisar de mim amanhã, sinto muito.
Mordo o lábio inferior. Meu pai tem que fazer uns exames no
hospital e não posso levar Caleb. Não posso pedir para Jane, ela tem outro
plantão depois de ficar com o papai o dia todo. Ela tem dois empregos.
— Qual é o problema, Kate? – meu pai pergunta.
— Preciso de alguém para ficar com Caleb amanhã, quando eu o
levar ao hospital para fazer os exames... – explico me aproximando do
balcão.
Fico ao lado do meu pai e bem de frente para o gostosão.
Novamente, eu não o fito, estou constrangida ainda. Acredito que não vai
ser fácil passar toda a emoção do momento. Foi bom, fazer o quê? Ainda
sinto a boca dele entre as minhas pernas e, só de pensar nisso, tenho que
controlar para não gemer.
— Quer que eu leve seu pai para fazer os exames? – Michael se
oferece.
Sou obrigada a olhar para ele. A boca maravilhosa que faz
maravilhas no corpo de uma mulher. Agora entendo porque as mulheres
suspiram por ele. Sua fama de amante gostoso não é mentira. Ele sabe o que
faz, tem um jeito maravilhoso de demonstrar o desejo e satisfazer uma
mulher. A nota é dez.
— Tem que ser alguém da família – respondo e levo a xícara de café
aos lábios que ficaram secos de repente.
— Posso ficar com Caleb, então...
Engasgo quando ele diz isso. Meu pai bate nas minhas costas e faço
que não com a cabeça.
— Ele não ficaria, Caleb não fica com pessoas estranhas e a sua
relação com ele não é das melhores.
Michael cruza os braços e me encara como se eu o tivesse desafiado.
— Posso levá-lo até o shopping para se distrair, tenho certeza que
ele vai amar – solta.
— Ele não vai – digo séria.
— Não confia em mim para ficar com o seu filho?
Bom, ele acaba de me colocar contra a parede.
— Não é isso... – fico sem graça —, é que ele sempre ficou comigo
– balanço a cabeça sem saber o que dizer sem parecer sincera e grosseira
—, ele vai estranhar.
Michael desfaz o laço dos braços e se inclina para frente. Seus olhos
brilham perigosos para mim e fico excitada. É o mesmo jeito que ele me
olhou quando estava me chupando.
— Quer apostar que ele vai adorar?
— Sou a prova viva que Michael é um ótimo parceiro para
diversão... – meu pai o defende.
Não poderia esperar outra coisa e encaro o meu pai.
— Aposto que sim, mas Michael não vai levar meu filho de quatro
anos a um puteiro! – falo brava.
— O que é um puteiro? – a voz de Caleb soa na cozinha.
Escuto a risada de Brigite. Ou seja, estou ferrada para explicar o que
disse. Como sempre, as palavras me fogem e fico mais irritada quando meu
pai ri da situação.
— Você está encrencada – David diz para me tirar do sério.
Eu o reprovo com o olhar enquanto meu filho se aproxima de nós, já
arrumado para ir para a escola. Jane é um amor mesmo, me ajudando desse
jeito.
— Sua mãe disse confeiteiro – Michael me salva mais uma vez, ele
é bom com as palavras —, ela não quer que eu te leve ao shopping em uma
loja de doces.
Caleb para ao lado de Michael.
— Doces? Eu gosto de doces...
E que criança não gosta? É a tentação para a diabete.
— Não disse...
— Gostaria de ir comigo amanhã? – Michael me interrompe
passando na minha frente e tomando decisões sem me perguntar nada.
— Sim! – Caleb responde feliz.
O quê?
— Tem certeza? – pergunto preocupada. — Porque a mamãe vai ao
hospital com o vovô. E vai só você e o Michael.
— Tá – o menino responde como se fosse algo natural ele e Michael
juntos.
— Então está combinado... – Michael sentencia contra a minha
vontade —, você leva seu pai ao hospital para os exames e eu vou com
Caleb ao shopping. Quando terminarem, você me liga e eu o levo para casa
são e salvo. Pode ficar tranquila, eu não vou sequestrá-lo ou enterrá-lo na
piscina de bolinhas...
Tenho vontade de rir quando ele fala assim. E mordo meu lábio
inferior para não parecer uma boba que gostou de gozar com ele e o acha
divertido, de repente. Michael Rhodes não é divertido, ele é meu inimigo,
nos detestamos e trocamos fluídos corporais como dois adultos. Fim. Não
tem continuação, não vai acontecer de novo. Embora seu olhar intenso
sobre mim me diga outra coisa.
— E tenho uma novidade – Michael diz enquanto Brigite coloca
Caleb sobre o banco ao lado do meu chefe.
Ela serve seu cereal e meu filho come participando da conversa.
— Novidade? – meu pai pergunta interessado. — Mais algum
passeio especial?
Michael ri quando ele diz isso. Ele tem rido mais ultimamente e isso
o faz ficar mais bonito do que já é. Estou pensando como uma adolescente
apaixonada. Se eu começar a achar lindo tudo o que Michael faz, estarei
perdida. Dou as costas e vou pegar mais café. Preciso acordar desse
pesadelo colorido do prazer. Que merda! Tantos homens querendo uma
noite comigo, me desejando, fazendo convites tentadores e eu fui escolher o
mais complicado? O meu chefe?
Só então me lembro da cláusula de demissão por justa causa no meu
contrato de trabalho e quase derrubo café enquanto o coloco na xícara.
Como fui me esquecer disso? Se ele quiser pode me demitir, mas não
acredito que vá fazer isso. Não correndo o risco de quebrar sua reputação
também. E pelo que sei através dos comentários da rádio fofoca da
emissora, ele nunca se envolveu com ninguém da emissora. Devo ficar feliz
ou triste com isso? Sinto uma pontada de felicidade me invadir ao saber que
o fiz quebrar regras.
— O que acha de ser um dos comentaristas dessa temporada de
baseball? – Michael o convida.
Deixo a xícara sobre o balcão e me volto para o meu pai que está
boquiaberto. Eu também estou.
— O quê? – Meu pai precisa ouvir a proposta outra vez.
E eu também.
— Quero que seja um dos comentaristas dos jogos de baseball –
Michael repete —, quem melhor do que você para dizer como as coisas
estão nos jogos?
— Sério, Michael? – minha voz soa trêmula.
Ele assente para mim e um sorriso se forma no canto esquerdo de
seus lábios, deixando-o mais charmoso do que já é. Ele parece satisfeito por
ver minha surpresa.
— Sim, pensei sobre isso ontem à noite enquanto estava sozinho
bebendo e esperando seu pai – ele diz de forma significativa e fico sem
graça.
Quer dizer que ele ficou sozinho enquanto esperava o meu pai?
— É o primeiro homem que vai a um... – meu pai olha para Caleb
—, confeiteiro e não come doces!
— Não é sobre isso que estamos falando – eu corto meu pai —, e
sim sobre sua chance de voltar para o esporte, como sempre quis.
Meu pai assente, os olhos carregados de lágrimas, completamente
emocionado.
O problema é que fico emocionada também. Seria ótimo para ele,
teria o que fazer, não ficaria em casa o dia todo lamentando suas perdas.
— Eu não sei se consigo – meu pai diz em sua eterna humildade. —
Olha para mim, estou inválido!
Mesmo sendo o melhor de todos os tempos, ele ainda tem esse jeito
simples de ser, por isso o amo tanto, é meu exemplo de vida.
— Como um cara me disse um dia: a cadeira de rodas não deve ser
o seu limite – Michael o faz lembrar —, se não fosse por ele, eu não seria o
que sou hoje e talvez sequer tivesse voltado a andar. Não me tornei o
lançador que queria, mas sou foda.
Meu pai ri entre lágrimas. Enxugo as minhas e sinto uma vontade
insana de beijar Michael e agradecer.
— Aceita ou não? – Michael insiste.
Meu pai encolhe os ombros magros.
— Claro que aceito, cara – David responde emocionado de verdade
—, o resto da minha vida não vai ser suficiente para agradecer a
oportunidade que está me dando, Michael.
— Você merece, David. Não faço isso porque está na cadeira, mas,
porque você ainda é o melhor, as pessoas precisam saber disso, as novas
gerações e os jogadores. Você existe, cara. Você existe...
Michael se levanta e faz algo inesperado. Ele dá a volta pelo balcão
e abraça o meu pai que chora. Enxugo de novo as lágrimas e Michael bate
nos ombros dele quando se afasta. O meu chefe gostoso também está
emocionado.
— Preciso ir para casa, tem trabalho me esperando — ele se despede
—, minha secretária entrará em contato com você. Faremos uma reunião
com o diretor da emissora o mais breve possível.
— Obrigado, cara – meu pai se limita a dizer quando seca suas
próprias lágrimas.
Michael passa por Caleb e atrapalha os cabelos dele.
— Até amanhã, monstrinho...
Detesto o jeito que ele se refere a Caleb, mas parece que meu filho
gosta, porque ele ri e acena para Michael.
— Vou levá-lo até a porta – aviso a todos e o sigo.
Olho para as costas largas e quando chegamos à porta, ele a abre e
hesita. Então se volta para mim e sem que eu espere me dá um beijo
apaixonado na minha boca. Meu coração dispara e meu corpo todo queima
de calor e desejo. Realmente, não esperava por isso. Ele se afasta o
suficiente para dizer contra os meus lábios, minha respiração pesada contra
a sua.
— Ontem à noite não estive com ninguém por sua culpa, Kate – ele
fala bravo —, e nós ainda não terminamos...
Ele se afasta e sai pelo jardim, caminhando pela calçada e
desaparecendo das minhas vistas. Mas não do meu tolo coração que
continua batendo rápido.
Capítulo 16

Não encontro com Kate até a tarde seguinte. O trabalho consome


minha atenção e fico entre reuniões e acertar tudo para a chegada de David
em nossa equipe. O diretor da emissora, Douglas Paine, adorou a ideia e
acredita que temos que fazer algo grande. David Lynch é um ícone e ele
acredita que devemos anunciar a chegada de David na equipe no programa
do meio-dia junto de Kate. As pessoas vão explodir de entusiasmo e
admiração quando confirmarem que são pai e filha e que David está de
volta ao esporte.
Tiro metade da tarde de folga e aviso Tabhita que não volto para
nada. Ela me olha surpresa, afinal é a segunda vez na mesma semana.
— O que foi? – pergunto enquanto vou em direção à porta e paro
diante da mesa dela. — Algum problema?
Ela me olha por cima de seus óculos:
— Nada, só estou feliz que sua vida não esteja mais monótona...
— Minha vida não é monótona – defendo.
— Certo – ela finge concordar —, de casa para o trabalho e do
trabalho para casa é muito divertido e saudável! – ironiza.
Balanço a cabeça, desolado.
— Deveria ter te demitido quando a contratei – lamento com bom
humor.
— Você está sorrindo, Michael. Você não vai me demitir...
Eu estava sorrindo? Não notei. Embora tenha que admitir que meu
humor está melhor. Não gritei com ninguém e sequer pensei em matar um
dos meus funcionários. Parece que tudo está mais leve.
— Pode ser... – Encolho os ombros e vou em direção ao elevador.
Uma hora depois, paro diante da casa de Kate. Ela já está com
David no carro e esperando por mim.
— Você se atrasou – ela me acusa segurando a mão do filho
enquanto atravesso a grama verde em sua direção.
Ela está linda com aquelas calças jeans e a blusa branca. Os cabelos
estão soltos ao redor do rosto e ela parece ansiosa.
— Vai dar tudo certo, Kate. Pense positivo...
Primeiro, ela fica desconcertada com a minha resposta, depois bufa.
— Esse exame vai determinar se ele pode voltar a andar um dia ou
não – ela comenta.
— Sei como é – limito a dizer.
Passei exatamente por isso há mais de vinte anos.
— Vou lhe dizer o que meu pai me disse quando fomos fazer esse
exame.
— E o que foi?
— Independente do resultado, David é um vencedor...
Ela sorri e assente.
— Obrigada, Michael – ela agradece sincera e olha para Caleb
interrompendo o fluxo de desejo entre nós —, você tem que obedecer o
Michael, está bem?
— Sim – o menino responde bonzinho.
Entretanto, eu sei que ele não é esse anjo de candura. Pode ser na
frente da mãe dele, mas estou preparado para o pior. Ele vai aprontar, está
escrito em sua testa de meliante do jardim de infância. Uma flecha de
plástico, um brinquedo no meio do caminho para eu cair, uma arma de
água, tudo para me irritar.
— Qualquer coisa me ligue – ela estende a mão dele para mim.
Caleb me dá a mão como o bom menino da mamãe que é. Nós
sabemos que isso vai mudar no momento em que ele entrar no meu carro.
— Você precisa de uma cadeirinha – ela avisa.
— Pedi para Tabhita comprar uma, está instalada no meu carro –
respondo prático —, está tudo bem.
Ela assente tentando ficar tranquila, porém, é visível que se separar
de Caleb é quase uma morte para ela, uma espécie de tortura sem fim. Kate
precisa de mais um filho para relaxar, penso de repente. O que me leva a
pensar que no dia anterior não usamos preservativo e eu gozei dentro dela
como um louco. Talvez um filho esteja a caminho, só de pensar nisso fico
em choque. Como seria ter um filho com uma mulher que me despreza?
Uma guerra sem fim? Provavelmente. Se Kate já é louca normalmente,
grávida deve ser uma panela de pressão pronta para explodir todo o tempo.
— Certo – ela concorda.
— Vamos, Caleb.
Eu o puxo em direção ao carro e o instalo na cadeirinha sem
qualquer dificuldade, sinto como se tivesse feito isso a vida toda. Quando
olho para trás, Kate ainda está esperando a gente sair. Mães... só mudam de
endereço. Aceno com o movimento da cabeça e entro no carro.
Saio e quando olho pelo retrovisor, Caleb está me fitando.
— Não gosto de você – ele diz.
— Também não gosto de você – respondo e ele arregala os olhos
castanhos. Deve se parecer com o pai dele, não tem nada da Kate —, mas
vamos gostar um do outro só hoje para não deixar sua mãe preocupada, o
que acha?
Ele comprime os lábios e vira o olhar pela janela. Maldito orgulho
dos Lynch.
— Vamos ao shopping e vamos fazer o que você quiser, mas sem
brigas e falta de educação – condiciono.
Ele me olha.
— Vai fazer isso pela sua mãe? Vai obedecer?
— Sim... – mas sinto que não vai ser tão fácil assim.
Tenho que manter essa mente perigosa ocupada, ou ele vai me
deixar louco. Por isso, a primeira coisa que faço quando chegamos ao
shopping é levá-lo aos brinquedos. Compro um dinossauro de pelúcia para
ele e um balão do Sonic. Ele parece adorar os dois. Deixo Caleb ir em todos
os brinquedos, ele não para um segundo enquanto eu seguro o dinossauro e
o balão.
— Seu filho é lindo – uma mãe cuja filha está no mesmo brinquedo
que Caleb comenta.
— Eu sei – afirmo sem dar explicações.
— Ele está se divertindo com a minha filha, aquela é a Susy. – Ela
aponta para a menina maluca das tranças que pula de um lado para o outro
como uma pipoca.
Meninas são malucas desde que nascem e só pioram com o tempo.
— Pai solo? – ela pergunta interessada.
— Não – limito a responder e ela fica sem graça.
E eu não menti, mas ela entendeu o recado que não estou
interessado. Ela se afasta e volto a atenção para Caleb que pula de um lado
para o outro. Fico cansado por ele, mas o menino não se cansa, quanto mais
se move, mas louco fica, até que depois de duas horas, ele se aproxima e
diz:
— Estou com fome, tio Michael!
Gosto do som dessas duas palavras juntas: tio Michael. A filha de
Ashley, a Rain, me chama assim. Desde que eu fiz as pazes com Stuart,
meu irmão mais velho, a convivência voltou ao normal. Eu fui um babaca
com Ashley, admito. Mas pedi desculpas e seguimos em frente. E agora que
ela e meu irmão assumiram que estão juntos, Rain se tornou minha sobrinha
querida. Mas ela tem seis anos, é mais fácil de lidar do que um menino de
quatro anos que me odeia.
— O que você quer comer? – pergunto.
— Hambúrguer – ele responde de imediato.
— Então vamos comer hambúrguer...
— Oba!
Tios servem para isso, para estragar a criança. Se eu fosse pai dele,
provavelmente diria para comermos algo mais saudável e salvar minha
consciência no futuro de que meu filho tem problema de saúde por minha
culpa. É isso que os pais fazem, cuidam bem dos seus filhos para aliviarem
suas consciências no futuro e por amá-los, claro.
A praça de alimentação está lotada. Paramos diante da lanchonete e
faço o pedido. Pago e quando me volto não há sinal de Caleb.
— Caleb...
Eu me distraí por um segundo. Meu coração dispara quando olho ao
redor e não vejo sinal dele. Kate vai me matar. Eu vou me matar. Mas mato
Caleb antes.
— Caleb! – chamo olhando ao redor.
Ele pode ter ido para qualquer lugar. E se uma pessoa o levou? Já
penso em milhões de coisas, quando ouço.
— Estou aqui, tio Michael!
Olho para o lado e o vejo escondido debaixo do balcão, bem abaixo
de onde eu estava. Ajoelho ali, sem me importar se estou atrapalhando as
pessoas a se aproximarem do caixa.
— Por que está aí? – minha voz sai mais branda do que espero.
Geralmente eu grito, xingo, mas não consigo fazer isso com Caleb.
Ele está sentado abraçando os joelhos e seu dinossauro, segurando o balão
na pontinha dos dedos. Ele não está tentando se esconder para me punir, ele
está com medo.
— O que aconteceu?
— Eu vi o papai – ele me conta.
Caleb está com medo do pai dele? Sinto a raiva me consumir. Onde
o tal idiota está?
— Você o viu aqui?
Caleb faz que sim e aponta para a multidão que estão ao redor da
praça de alimentação. Porém, não é difícil distinguir o casal. A mulher alta
e loira bem vestida e o homem de terno e gravata. Eles são um contraste
diferente em meio àquelas pessoas comuns, mas estão ali, sorrindo um para
o outro, procurando o que comer. Ela é loira e ele também. E eu os odeio.
— Você quer ir embora? Ou quer falar com o seu pai?
— Quero ir embora – ele responde de imediato.
Assinto.
— Vou pedir para embrulharem nosso lanche e comemos na minha
casa, está bem?
Ele faz que sim com a cabeça.
— Não saia daqui – peço.
Ele não vai sair, está apavorado, não quer que o pai o veja, e deve
ter seus motivos para isso. E só de tentar entender os motivos, sinto a minha
raiva aumentar. Peço para a funcionária da lanchonete tudo para a viagem.
— Meu filho quer ir embora – justifico e ela compreende.
Então olho por cima do ombro e encaro o casal. Hannah me conhece
e é a primeira a me ver. Ela sorri e acena, mas não aceno de volta. É por
causa dela que Kate sofreu. Embora tenha sido uma dádiva que Kate tenha
largado de um idiota como aquele e tenha que agradecer à Hannah por ter
aberto seus olhos, ainda assim, uma mulher que sai com um homem casado
tem um lugar especial no inferno. Ela não tem ideia de como dói ser traída,
por isso não se importa de fazer o mesmo com as outras mulheres. Hannah
pensa mesmo que esse tal Liam não vai fazer o mesmo com ela? É um
tola... um homem que trai uma, trai duas, três. Para mim, não existe perdão
para a traição.
Liam olha para mim e me encara. Ergo o queixo e meu olhar é
mordaz, deixando claro que não gosto dele e Hannah fica sem graça. Eles
não entendem por que estou encarando os dois.
— Aqui está senhor. – A moça coloca os dois pacotes de papelão na
minha frente.
— Obrigado – agradeço e me abaixo para pegar Caleb.
Eu o pego no colo e ele esconde o rosto no meu ombro, com certeza,
para que o pai não o veja. Dinossauro e Caleb ocupam o meu colo e os
equilibro. Pego os pacotes com a outra mão e me viro para encará-los outra
vez. Liam está lívido e Hannah também, agora eles entendem o motivo do
meu desprezo. Juro que se esse cara se aproximar, vou esfregar a cara dele
no piso do shopping até ele se arrepender de qualquer coisa que tenha feito
ao menino. E ninguém vai me segurar.
Todavia, para salvação de todos e sem constrangimento para Caleb,
Liam não se aproxima de eu saio pelo outro lado, para não passar por eles.
Já deixei claro quem eu sou e que faço parte da vida de Kate e isso me dá
uma satisfação incomum. Quero proteger a ela e Caleb daquele porco
traidor. Vamos para a minha casa e Caleb fica em silêncio o tempo todo,
abraçado no dinossauro.
Fico preocupado porque quando chegamos em casa, ele não quer
comer.
Puta merda! Esse Liam merece uma surra daquelas. Escroto do
caralho! Não posso perguntar ao Caleb o que o aflige, porque nessa idade,
talvez nem ele saiba dizer ao certo.
— Prometo que se comer, vamos assistir ao filme que quiser – tento
ganhá-lo.
— Eu quero a mamãe – ele diz sentido.
Não aguento e o pego no colo e o abraço, o colocando contra o meu
peito.
— A mamãe já vem e ela vai ficar preocupada se você não comer.
Então vamos comer, assistir um filme e então eu te levo para casa...
Não sei quanto tempo ainda vai demorar.
— Tá – ele concorda para o meu alívio.
Percebo que ser tio também não é fácil. E minha maior descoberta é
que a dor de Caleb também me pertence.
Capítulo 17

Saímos do hospital um pouco mais tarde do que eu esperava. Havia


outras pessoas para fazer o exame e meu pai foi o último. Pego meu celular
na bolsa para avisar que estamos indo para casa e vejo inúmeras ligações de
Liam. O que ele quer agora? Não vê o próprio filho há meses e sequer
manda mensagem perguntando como Caleb está. Desde o aniversário do
menino em que ele ficou apenas cinco minutos antes de desaparecer da vida
dele.
Ex-marido devia ser proibido de encher o saco. E ter uma lei para
que fiquem de boca fechada, ainda mais quando não ajudam e acham que
com aquela ínfima pensão, nós mulheres nos aproveitamos deles. Liam
sequer me dava dinheiro para fazer as minhas coisas pessoais quando
éramos casados, por que eu ia querer o dinheiro dele agora? Não sei se os
homens sabem, mas as mulheres têm um orgulho fodido e somos
especialistas em dar a volta por cima.
No fundo, eu gostaria de saber como ele está se sentindo agora que
eu sou foda, e até mais popular que ele. Deve ser para isso que está me
ligando, para fazer algum comentário desprezível e me colocar para baixo
como sempre fez. Homens não mudam, por isso, voltar com o ex tóxico é
burrice. É sentar na própria merda e achar que está confortável.
Ao invés de ligar para Michael, eu envio mensagem quando me
sento na direção do carro:
Eu: estamos indo para casa.
Michael: nos encontramos lá.
Sorrio diante do fato de que vamos nos ver de novo.
— Para com isso, Kate – digo em voz alta.
— O que foi? – meu pai perguntada sentado no banco do passageiro.
Esqueci que ele está comigo.
— Espero que o passeio de Michael e Caleb não tenha sido um
desastre – comento e dou partida no carro.
— Não exija tanto, Michael é um cara incrível. Ele cuidaria de
Caleb como se fosse filho dele – meu pai o defende e reviro os olhos.
— Ele não tem filhos, pai...
— Mas pode vir a ter, ele é jovem e viril pelo que sei. Acredito que
tudo funciona direito, o que você acha?
Olho para o meu pai rapidamente, antes de voltar a atenção para o
trânsito.
— Não acho nada. Por que deveria achar?
Um silêncio pesado cai sobre nós e quando olho para o meu pai, ele
está me encarando como se eu tivesse dito algo absurdo.
— O que foi?
— Eu a criei, esqueceu? – David pergunta indignado. — Acredita,
que na minha idade, não sei notar o interesse genuíno entre duas pessoas?
— Não sei do que está falando – nego de imediato e sem hesitar.
Uma pessoa não é obrigada a produzir provas contra ela mesma.
— Tudo bem – ele concorda —, se não quer falar sobre isso, não
vou obrigá-la. Mas não adianta esconder nada do seu pai – ele dá uma
risada —, vocês gemeram tão alto que dava para ouvir do quarto. Sou
paralítico, e não surdo, Kate...
Eu olho para ele sem saber o que dizer e quando me volto para o
trânsito, sou obrigada a frear de uma vez para não bater o carro na traseira
de outro. O carro atrás de mim também freia cantando pneus e buzina num
sinal de raiva.
— Como assim? – olho para o meu pai e volto a dirigir normal.
— Você quer que eu diga o horário?
— Não! – Fico sem graça sem saber o que dizer. Não é possível que
fizemos tanto barulho, pensei que tivesse sido discreta o suficiente para
ninguém mais ouvir. — Não precisa...
— Não se culpe, você é jovem, ele também. Que mal há? E eu gosto
do Michael...
O problema é esse, eu não gosto. E desejo não tem nada a ver com
afeição.
— Pai – tento encontrar as palavras certas —, não é o que está
pensando, não se iluda.
— Não estou iludido – ele garante sério —, mas estou feliz que
tenha sido o Michael e não o idiota do Liam. Michael é muito melhor que
ele, não tem comparação.
Começo a rir e balanço a cabeça. Michael. Michael e Michael. Meu
pai não sabe falar em outra coisa, mas não posso culpá-lo. Meu chefe trouxe
vida para os dias do meu pai outra vez. E esse mérito, não posso tirar dele.
É real e palpável. Ele até me fez chorar de emoção. E quase chorei por
causa de outras coisas também... como gozar gostoso a ponto de ser
insuportável. Sempre ouvi mulheres falando sobre orgasmos desse tipo, e eu
não fazia ideia do que era até agora. Deve ser por isso que meu pai ouviu os
gemidos no quarto dele, foi intenso.
— Sabe, Kate – meu pai prossegue —, fico feliz que seja o Michael.
— Não é o Michael, pai – corrijo.
— Então por que você esqueceu seu tênis na cozinha?
— O que isso tem a ver?
— Tudo. Uma pessoa não esquece o próprio sapato depois de trepar
se não estiver fora de si – meu pai pontua.
— Não vou discutir isso com você! É constrangedor! Você é o meu
pai... – peço —, não pode fingir que não ouviu e eu fingir que não sei que
você sabe?
— Tudo bem – ele concorda daquele jeito amigável —, mas posso
dar um conselho?
— Tenho certeza que se eu disser que não, você vai falar mesmo
assim... – afirmo e ele ri alto.
— Sou seu pai, fui feito para dar conselhos a você. A quem mais
daria?
— Tem razão – admito.
— Olha, se por acaso vocês se apaixonarem, promete que vai dar
uma chance para ele?
A pergunta do meu pai me deixa surpresa. É tão carinhosa e
verdadeira que me faz sorrir. Ele gosta do Michael e está preocupado com a
minha felicidade.
— Não tem como prometer essas coisas, pai – eu garanto —, mas se
for mútuo, o que eu duvido que vá acontecer, mas se acontecer, eu não vou
estragar tudo. Prometo.
— Tomara que você cumpra sua promessa, porque você gosta de
complicar as coisas, Kate. Eu sempre lhe disse isso...
Não posso negar. Tenho uma forte tendência a me autossabotar. Por
isso estou fazendo terapia no Clube das Mães Solteiras, está me ajudando
muito a entender como sou e por que preciso mudar algumas coisas para
encontrar a verdadeira felicidade.
— Sim, eu sei.
Contudo, essa história por si só já é complicada. Michael é dono da
emissora em que trabalho, tem uma cláusula no meu contrato que diz que
qualquer envolvimento, posso ser demitida. Não é assim tão fácil, tenho um
preço a pagar. Ele vai continuar sendo dono e eu uma desempregada.
Quando chegamos em casa, o carro de Michael está estacionado na
porta. O shopping é longe, até mais do que o hospital que eu estava com o
meu pai e ele chegou rápido. Já devia estar a caminho. Quando ele desce do
carro, sua expressão não é boa, e o meu coração de mãe se encolhe.
Estaciono na garagem e ele abre a porta para mim.
— Boa noite, Kate – diz sério —, deixa que eu ajudo o David. Caleb
dormiu, está na cadeirinha, pode tirá-lo?
— Claro – respondo e o encaro por mais alguns segundos tentando
entender o que está acontecendo.
Espero que nada grave. Será que Caleb fez algo desagradável e
Michael perdeu a paciência? Tento não me desesperar como uma mãe
maluca e insegura. Abro a porta do carro chique e pego meu filho. Ele está
abraçado a um enorme dinossauro azul e um balão do Sonic está preso em
seu dedo. Caleb adora azul e, pelo visto, Michael satisfez a vontade dele.
Meu filho não nota quando o pego no colo e o levo para dentro de casa.
Eu o coloco sobre a cama e tiro suas sandálias. Ele precisa de uma
banho, mas é uma judiação acordá-lo. Ele vai dormir assim e amanhã cedo,
eu lhe dou um banho. Caleb abraça mais seu dinossauro e se ajeita. Eu o
cubro com o edredom e beijo sua cabeça. Meu amor, minha vida, meu tudo.
Achava que sabia tudo sobre o amor, até Caleb nascer, é como se ele fosse
uma parte de mim andando por aí. Se ele está feliz, eu fico feliz. Se ele está
triste, eu fico triste.
Quando saio do quarto, escuto a risada do meu pai.
— Vai querer trocar a minha fralda, Michael? – meu pai debocha
dele.
— Você está usando fralda? – Michael debocha como se não
soubesse.
— Quer dar uma olhadinha? – meu pai o provoca em uma risada.
— Se fez merda eu vou esfregar na sua cara, seu velho trapaceiro...
Meu pai ri outra vez. Há quanto tempo não vejo meu pai rir desse
jeito? Desde o acidente, ele se manteve positivo, mas sei o quanto isso
custou seu orgulho, ainda mais depois de perder toda sua fortuna. E não foi
pouco dinheiro. Porém, acredito que o pior foi perder sua credibilidade,
marcas romperam com ele contratos milionários e ele ficou sem nada.
Ninguém queria sua marca ligada a um homem que perdeu tudo e não
pagava sequer seu próprio tratamento de saúde.
Bato na porta e entro. Michael está ajudando meu pai a vestir o
pijama. Isso me deixa chocada, afinal, meu pai sempre foi chato em ser
auxiliado e não se importa que Michael faça isso? Ele gosta mesmo dele, o
vê como um filho. E fico com ciúme. É inevitável, sempre foi eu e David,
ninguém mais e agora tem mais uma pessoa com quem tenho que dividir
sua atenção, é só estranho.
Michael o ajuda a se deitar e me fita. Seu olhar é morno e carregado
de uma intensidade que me faz ficar sem graça.
— Você está bem, papai? Não quer comer?
— Eles me fizeram comer no hospital para fazer os exames, estou
cheio daquela sopa sem graça – ele move a mão no ar —, mas você deve
comer alguma coisa, Kate. Está pálida, qual foi a última vez que comeu?
Não me lembro, talvez no almoço.
— Faça-a comer, Michael – meu pai pede a ele —, e pode usar da
chantagem se ela resistir. Kate é teimosa e só consegui vencê-la a vida toda
através da chantagem.
Michael ri.
— Boa noite, David.
— Boa noite, Michael.
Ele sai do quarto e meu pai faz sinal para que eu o siga. Reviro os
olhos e saio do quarto, apagando a luz. Sei que meu pai está com a luz
acesa do abajur e vai ler. Ele gosta de ler e muito, foi com ele que peguei o
gosto pela leitura. Em suas folgas, nossa principal diversão era ir à livraria
comprar livros novos e comentar sobre eles. E gostamos de livros sobre
documentários, fatos. Não é por acaso que me formei em jornalismo. Fui
completamente influenciada pela leitura.
— Quer um café? – ofereço.
Não quero que ele vá embora sem antes me contar como foi o
passeio. Somente por isso.
— Pode ser, mas como seu pai disse, você vai comer alguma coisa –
ele me faz lembrar.
— Tudo bem – concordo.
Vamos para a cozinha e sem dizer nada, ele vai até à cafeteira que
parece já saber como funcionar na presença dele. É como se Michael já
fizesse parte da paisagem mesmo em tão pouco tempo de convivência.
Desde que meu pai veio para casa, a figura do meu chefe faz parte do
cenário.
Abro a geladeira e vejo que Brigite deixou prontos alguns
sanduíches com pasta de amendoim. Pego e vou me sentar à mesa redonda
que fica no canto.
— Como foi o passeio? – pergunto como quem não quer nada e está
desesperada para saber tudo.
— Bom – ele diz sério —, e ruim.
— O quê? – franzo o cenho, preocupada. — O que você fez com o
Caleb?
— Eu o deixei amarrado no carro enquanto passeava no shopping –
ele responde de mau-humor —, depois, eu comprei o dinossauro e o balão
para disfarçar.
Mereci essa resposta.
— Desculpa, é força do hábito. E não pode me culpar, você o chama
de monstrinho – me defendo.
Michael vai até o armário e pega duas xícaras para colocar café.
Depois se aproxima da mesa. Só então noto que ele não está usando o terno,
e sim uma camisa polo azul e calças jeans. Quando ele mudou de roupa?
Ele se senta na minha frente e solta a bomba:
— Nós encontramos o pai de Caleb – ele conta.
Agora entendo por que Liam estava me ligando. Que merda!
Capítulo 18

Meu estômago até embrulha. Não há nada sobre Liam que possa me
deixar feliz. Deixo o sanduíche no prato e engulo o resto com dificuldade,
preciso tomar café quente para descer.
— O que aconteceu? – indago não querendo ouvir a resposta, mas,
ao mesmo tempo querendo.
— Nós nos divertimos, Caleb ficou por horas nos brinquedos – ele
começa a falar a parte boa —, daí ele sentiu fome e fomos comer.
— E?
— Fiz os pedidos e por um instante pensei que tivesse perdido o
Caleb de vista...
— Você perdeu meu filho de vista?
— Não – ele franze o cenho e me encara —, ele estava embaixo do
balcão se escondendo – explica me deixando mais calma —, e quando
perguntei o que era, ele falou que tinha visto o pai. E como senti que ele
estava com medo e não queria encontrar o idiota – fala como o meu pai —,
pedi para embrulhar nosso lanche para a viagem.
— Liam fez alguma coisa?
— Não, sequer se aproximou.
— Ele viu Caleb com você?
— Claro que viu – encolhe os ombros —, não tinha como esconder.
Então fomos para a minha casa, ele comeu e dormiu enquanto assistia
Sonic.
Não sei se fico aliviada ou se penso no problema que vou ter a partir
de agora com meu ex-marido me enchendo o saco porque viu nosso filho na
companhia de um homem que ele não conhece. Não posso culpar Liam. Eu
ficaria louca se visse Caleb nos braços de uma desconhecida, eu o
arrancaria dos braços dela sem hesitar. Até mesmo se fosse Hannah, sou
uma mãe ciumenta e possessiva. E por mais madura que eu seja, me dói ver
meu filho ter contato com a mulher que foi amante do meu ex-marido. Uma
espécie de orgulho e ódio unidos em uma só emoção.
— Entendi – bufo —, ele me ligou e não atendi. Com certeza era
para falar sobre isso.
— Sinto muito – Michael fala sincero.
— A culpa não é sua se Liam não vê Caleb desde o aniversário de
quatro anos – desabafo —, ele não é um exemplo de pai do ano e sabe como
encher meu saco!
Passo as mãos pelos cabelos.
— Ele não vai fazer nada...
— O problema não é fazer alguma coisa, Michael! É a discussão, é a
forma como ele encontra para me diminuir! – estouro sem perceber. Na
verdade, o cansaço é tão grande que preciso falar com alguém que não seja
a terapeuta. E meu rol de amigas está quase zero. — Isso é cansativo...
— Não o deixe fazer isso... – ele diz simplesmente.
— E como você acha que devo fazer isso?
— Jogando café quente nele ou o mandando à merda – ele responde
prático —, exatamente como fez comigo. Você dá muito poder ao seu ex-
marido.
A última frase mexe com o meu ego.
— Foi anos de relacionamento...
— E acabou?
— Sim...
— Então o sofrimento também. Não sei se a advogada do Clube das
Mães Solteiras lhe disse, mas você pode denunciá-lo se ele faltar com
respeito e isso pode impedi-lo de ver o próprio filho! Ele é o pai do Caleb, e
não o seu marido. Se ele ficar ofendido porque me viu com o menino, vocês
vão conversar, se ele te ameaçar – Michael coloca o dedo em riste —, quero
que me conte. Vamos fazer um boletim de ocorrência e representar.
Fico surpresa com sua determinação.
— Ele tem que saber que você não está mais sozinha...
Abro a boca e minha voz demora um pouco para sair.
— Sei me cuidar sozinha, Michael – falo de forma significativa.
— Sei disso, senhorita orgulhosa, mas seu ex-marido precisa de
limites e se você não der, eu vou dar...
— O quê? – eu começo a rir.
— Você ficou louco? Isso não é problema seu...
Ele puxa a minha cadeira que bate na sua e meu corpo se choca
contra o dele.
— Passou a ser quando vi seu filho sofrendo. Comprei a briga de
Caleb e ninguém vai me impedir de defendê-lo. Nem você...
Se há algo que derrete o coração de uma mãe é ver seu filho sendo
querido por alguém. A atitude de Michael rouba meu coração, assim, num
estalar de dedos.
— Michael – tento argumentar —, sei que...
— Não sabe de nada – ele me corta —, a única coisa que você sabe
é se defender de mim quando, na verdade, eu não sou seu inimigo!
E de novo voltamos ao ponto em que o desejo explode de forma
descontrolada dentro de mim. Ele não é meu inimigo? Então o que ele é?
Por que não somos amigos? Ele toca meu queixo devagar e me obriga a
encará-lo.
— Eu detesto Liam Fletcher e juro que ele não vai mais chatear
você ou o seu filho!
Sempre quis escutar essa frase. Porém, não esperava do homem
mais improvável, de Michael Rhodes. Tem horas que não dá para ser forte o
tempo todo. Eu posso me defender sem Michael? Sim. Mas ter alguém para
zelar por mim não tem preço. Gosto de me sentir segura e nos últimos cinco
anos, eu só me senti sozinha, então quando ouço essas palavras algo se
quebra dentro de mim.
Afasto dele e me levanto. Não consigo conter as lágrimas e vou para
perto da janela, para bem longe dele. Não demora e Michael se levanta e
vem atrás de mim.
— Kate...
— Não! – Eu me volto para ele. — Não fala nada, por favor. Só... –
mordo o lábio inferior enquanto as lágrimas rolam —, só me beija,
Michael...
Por essa, ele não esperava. Mas ainda bem que ele não hesita, ele
me puxa pela nuca e beija a minha boca com um ímpeto que faz as minhas
pernas tremerem. Um beijo esmagador, gostoso e que me faz sentir viva. É
só disso que preciso, só disso. Não penso nas consequências, em nada, só
que preciso estar com ele depois de dizer as coisas que disse e ter defendido
o meu filho.
— Não vamos transar na cozinha, Kate – ele diz contra a minha
boca —, e não vou embora depois que gozar.
Minha respiração fica acelerada e assinto depressa.
— Meu pai nos ouviu ontem – digo contra a sua boca enquanto ele
me agarra pela cintura e se esfrega em mim, me fazendo sentir seu pau
ereto.
— O quê? – Ele ri contra a minha boca e a beija de novo.
— Sim – eu o empurro —, meu quarto é mais seguro... e sem
fazermos muito barulho...
Ele assente e no instante seguinte, se inclina para me jogar sobre o
seu ombro.
— Michael! – eu o reprovo sem me alterar. — Isso é maneira de me
carregar?
Ele dá um tapa na minha bunda.
— Ah! – falo indignada.
— Quieta! O que David vai pensar de nós? – em sua voz há deboche
e sei que ele não se importa.
— Babaca! – xingo. — É a última porta no fim do corredor – aviso.
Ele caminha para lá enquanto enxergo tudo de cabeça para baixo,
inclusive sua bunda bonita nas calças jeans. Michael entra no quarto e chuta
a porta antes de me colocar no chão e então nos encontramos para um beijo
apaixonado. Não sei dizer exatamente o que nos une, mas é bom e não
quero que pare. Afasto para tirar a minha blusa e Michael também tira a
dele. Abro a minhas calças e empurro para baixo e ele faz o mesmo,
chutando os sapatos para o lado, ele fica completamente nu, exibindo o
corpo perfeito e bonito. Meus olhos descem na tatuagem que atravessa
desde o quadril até o calcanhar.
Fico fascinada, acho tatuagens lindas, mas não tenho coragem de
fazer. Aproximo e toco. Michael olha para baixo:
— Eu fiz para esconder a cicatriz da cirurgia da perna – ele conta.
— É linda – elogia e sorrio para ele.
Ele também sorri e em seguida, me agarra. Seu beijo me domina.
Sinto sua língua contra a minha, roubando meu fôlego, provocando em mim
um prazer sem fim. Michael me abraça e me sinto rodeada por seu corpo
todo quente, sua coxa abre as minhas pernas e ele roça a coxa contra a
minha boceta, isso é tão gostoso.
— Você é maravilhosa, Kate – sussurra contra a minha boca.
Meu sangue ferve de luxúria quando nossos lábios se encontram
novamente. Estávamos tão afoitos que roço sua coxa e solto um gemido
alto. Michael me empurra contra a cama e eu caio de costas. Afasto para ele
subir sobre mim e beijar minha boca. Ele abaixa as alças do meu sutiã bem
devagar enquanto morde meu pescoço com prazer.
Arqueio o corpo lhe oferecendo tudo. Sinto a cabeça do pau contra a
minha calcinha e o abraço com as pernas, enquanto ele se esfrega em mim.
Sinto seu beijo no meu colo e depois descendo até os seios enquanto ele
abaixa o bojo do sutiã.
— Michael – eu imploro.
Mas ele me tortura com sua carícia, beijando meu seio, lambendo e
chupando de forma alternada. Enquanto me esfrego contra ele.
— Você tem os seios mais gostosos que já experimentei – ele diz e
chupa com mais paixão.
— Gosto disso – sussurro agarrando seus cabelos.
A língua úmida brinca com o mamilo, antes de chupá-lo como se
estivesse entre as minhas pernas.
— Essa calcinha está atrapalhando – ele murmura e a puxa de uma
vez.
— Ai! – gemo de dor, mas é tão gostoso ao mesmo tempo.
Michael agarra meus quadris e sua boca desce mais, ele beija a
curva dos meus seios e minha costela. Ele fica em cima de uma das minhas
pernas e afasta a outra, me deixando completamente à mostra. Tento fechar,
mas ele faz que não com a cabeça.
— Fica quietinha e só sente – ele manda.
Fico tensa quando ele lambe o polegar e leva até o meu clitóris.
— Ah...
Ele o acaricia bem devagar, eu sinto minha vagina pulsar e fico
zonza quando ele mantém o ritmo lento, girando em círculos numa tortura
deliciosa. Puxo o ar com mais força quando ele segura meu clitóris entre o
indicador e o polegar, e o gira.
— O que é isso? – Eu fecho os olhos e tento agarrar os lençóis.
Michael se inclina e chupa o meu seio, ainda fazendo aquele
movimento em círculos, mantendo meu clitóris bem firme entre os seus
dedos. Sinto que vou explodir. Sinto prazer da ponta dos dedos dos pés até
minha cabeça. Não consigo parar de gemer e ele beija minha boca quando
estou prestes a gozar e abafa o meu grito. Meu corpo todo estremece e
reviro os olhos sem parar, perdida no prazer que ele acaba de me dar.
Quando volto a mim, eu o beijo de forma selvagem. Michael me
vira de bruços como se eu fosse uma boneca. Ergue os meus quadris,
empinando a minha bunda e seu pau sonda a entrada da minha boceta e
então ele me penetra com força. Com o rosto de lado e agarrando os
travesseiros acima de mim, eu o olho por cima do ombro, e o vejo
remetendo sem parar, fundo.
Lascívia, luxúria, poder, está tudo ali e nós dois sabemos disso
porque gostamos do caminho que tomamos. Ele se move forte, marcando o
meu corpo com a sua paixão.
— Michael – digo seu nome de novo.
— Isso, meu bem, sinta o que faz comigo...
A cada metida, ficamos nos olhando e sentimos o orgasmo nos
varrer, e minha boceta se contrai ao redor do seu pau quando o orgasmo me
toma outra vez. Como é bom, eu preciso disso.
Michael cai sobre mim, ofegante. Segundos depois, ele deita ao meu
lado e beija as minhas costas. Viro o rosto para ele e sorrio.
— O que estamos fazendo, Michael?
— Sexo? – ele pergunta e ri.
— Eu sei, mas...
— Sem mas, Kate.
— Mas e a ética da emissora? Estou quebrando uma cláusula do
meu contrato – falo preocupada —, e você tem uma reputação a zelar.
— Não vou contar para ninguém, sei que você também não. E
duvido que David abra a boca, então, por que não?
A resposta fica entalada na minha garganta, não tenho coragem de
dizer: porque não gosto de você. Essa verdade se tornou uma mentira, eu
até me simpatizo com ele, agora. Ele tem o coração bom. Não posso evitar
perceber isso.
— Vamos deixar acontecer, somos adultos e sabemos dos riscos...
O maior risco é que eu me apaixone por você, Michael. Mas você
não pode entender isso. Você não é do tipo que se apaixona, não é?
— Está bem – eu finjo ser segura e moderna —, somos aquilo que
hoje as pessoas chamam de amigos com vantagens?
Ele meneia a cabeça e concorda.
— Chame como quiser, eu só sei que não vai parar aqui – ele avisa.
Ele gosta de deixar isso claro e não posso negar que gosto de saber
que ele me quer de novo. É loucura? Sim. Mas qual a graça da vida se não
tiver um pouco de aventura? Sim, Michael Rhodes é minha atual aventura e
gosto disso. Não posso negar.
Michael se inclina para roubar um beijo.
— Vem, vamos tomar um banho – ele diz e se senta na cama —,
você toma remédio, Kate?
A pergunta não me ofende, nós fizemos sexo sem preservativo.
— Eu uso DIU, Michael, fique tranquilo.
Ele fica aliviado e eu também. Nenhum de nós quer problemas, não
é? E está tudo bem em só curtir sem pensar no futuro. Como ele disse,
somos adultos e juro a mim mesma que não vou fazer uma tempestade no
copo d’água.
Capítulo 19

Tento ser o mais indiferente que posso quando encontro Kate no


estúdio. Preciso falar com Jason e não sabia que ela estava aqui, ou teria
evitado. Pensei que estivesse fora do estúdio fazendo algum ao vivo, mas
ela está ali, rindo com Daniel, o rapaz do som. Ele diz algo para ela e Kate
ri como se não houvesse amanhã, até leva a mão à barriga.
Nossa, como ele é divertido! Penso com ironia e olho para os dois.
Daniel é o primeiro a me ver e quando me nota, ele fica sério e
cutuca Kate com o cotovelo. Não sabia que eles tinham tanta intimidade
para isso. Ela olha para trás e quando me vê, seus olhos se carregam de
desprezo, antes de voltar a conversar com ele como se eu não estivesse
aqui. Sei que ela está fazendo isso para que ninguém saiba o que está
acontecendo entre nós, mas cerro o punho e tenho vontade de quebrar o
nariz de Daniel quando ele a pega pelo braço e eles vão em direção ao
corredor e Kate ri de novo.
— Precisa de alguma coisa, Michael?
Jason me obriga a tirar os olhos do casalzinho que não para de rir.
— Teremos uma reunião amanhã – aviso —, e preciso que esteja
presente. Douglas quer discutir algo importante com você.
— Pode me adiantar alguma coisa?
— Não, é surpresa e vamos manter o sigilo até a reunião de amanhã.
É sobre David e não quero que ninguém saiba. Quero pegar os
concorrentes de surpresa, sem a chance de fazer uma oferta mais vantajosa
antes que ele assine o contrato conosco. E negócios são negócios, não posso
culpá-lo se ele receber outras ofertas. Porém, quando isso acontecer, ele já
terá fechado comigo.
— Tudo bem – Jason acata —, amanhã estarei lá. Deve ser
importante para você ter vindo até aqui.
— É muito importante, vamos quebrar em audiência, pode apostar.
— Mais do que com a Kate? – ele questiona sabendo que ela segue
na liderança quando surge na TV.
— Mais – garanto.
Ele se mostra surpreso. Aceno com a cabeça e vou à direção que
Kate e Daniel foram. O que eu quero? Pergunto enquanto ando depressa no
intuito de alcançá-los. Pegá-la aos beijos com outro homem? Ela não faria
isso. Kate não é o tipo de mulher que sai com dois homens ao mesmo
tempo. Eu me sinto um idiota e paro onde estou. É quando escuto alguém
chorando. Franzo o cenho e me aproximo da porta de uma das salas. Fico
atento para ouvir.
— Desculpa, Kate – Daniel diz a ela enquanto lamenta —, mas eu
precisava desabafar.
— Tudo bem – ela fala com carinho —, pode falar quando quiser,
Daniel. Eu sei como é difícil uma separação.
— O Robert me deixou assim – ele parece estalar os dedos —, e
nem ligou. Levou tudo do dia para a noite e já mudou a foto do perfil. Tirou
todas as nossas fotos das redes sociais e um amigo em comum me disse que
ele está com outra pessoa.
— Você acredita que ele já estava com outra pessoa, não é? – ela
indaga.
— É tão óbvio assim?
— A maioria dos homens não se separa sem ter outra pessoa na vida
dele. Pelo menos os imaturos são assim – ela diz.
— Você ainda gosta do seu ex-marido?
Até eu estou curioso para saber.
— Não – ela responde para o meu alívio —, eu já não gostava do
Liam há muito tempo, mas insisti por causa do Caleb. Claro que na época
da separação eu pensava que era amor, mas depois vi que foi a dependência
emocional. Ser traída dói como uma facada na alma, Daniel, eu sei
exatamente o que está sentindo. A gente se sente sem valor, pequena, um
lixo.
Como eu gostaria de matar Liam Fletcher com as minhas próprias
mãos. Ele é um mal que o mundo não precisa. Tenho certeza, ele não faz
diferença na vida de ninguém, só atrapalha e eu não acredito em evolução
espiritual para um verme do tipo dele.
— Estou me sentindo exatamente assim – Daniel garante.
— Mas vai passar, tudo passa, sabe, uma hora a dor não está mais
ali. Aquela solidão vai passando...
— Você já conheceu alguém? Digo, depois do divórcio...
Ela fica alguns segundos em silêncio antes de responder.
— Claro que não – ela mente e sorrio sem perceber —, eu estou
focada no trabalho e não tenho tempo para mais nada que não seja cuidar do
meu filho.
Exatamente como combinamos. Ninguém sabe e nos divertimos.
Volto para a minha sala, mais tranquilo, mas meu sorriso desaparece quando
encontro Luke esperando por mim. O que ele está fazendo aqui?
— O que está fazendo aqui?
— Bom te ver, Michael – ele me cumprimenta.
Luke nunca vem ao meu trabalho. E desde que a Kate começou a
trabalhar aqui é a segunda vez.
— Estava passando e resolvi fazer uma visita...
— Você não faz visitas por acaso, Luke – pontuo e olho para Tabhita
que está sorrindo com deboche para nós.
Sigo para a minha sala e ele vem atrás, fechando a porta.
— Diga de uma vez, eu tenho muito trabalho para fazer – aviso e
vou para trás da minha mesa e tiro o paletó antes de me sentar.
— Qual o motivo de seu mau-humor? Há quanto tempo você não
transa?
Desde hoje cedo quando acordei ao lado de Kate e a chupei gostoso
antes de fodê-la. Só por me recordar, meu pau está duro de novo. Meu pau
tem funcionado direitinho desde que começamos essa aventura.
— Sexo não é tudo – respondo e apoio os cotovelos na mesa —, diz
de uma vez.
— É meu aniversário – ele para diante da minha mesa —, vou fazer
uma festa só para a família. Nada de amigos. Até Aria e aquela coisa com
quem ela se casou vão vir.
— Sério? – Eu começo a rir. — Você está aceitando Cash como um
membro da família?
— Não posso matá-lo sem ser condenado ao corredor da morte
depois, então vou fazer esse esforço por Aria, ela merece – ironiza.
— É uma boa escolha – admito.
— Poderia pedir uma coisa?
— Se eu não tiver que vender meu rim – aviso.
— Pode trazer a Kate?
Não quero demonstrar o quanto isso me incomoda, então engulo
meu orgulho e digo:
— Está mesmo interessado nela – observo, sério.
— Não sei como você não se interessou – ele meneia a cabeça —,
ah, claro. A ética profissional que o impede de sair com as funcionárias.
Sabe o que é melhor? Ela não trabalha para mim...
Comprimo os lábios para não xingar e trazer suspeitas.
— Não sei se ela vai poder ir – comento —, mas se ela estiver
disponível, vou convidá-la.
— Fico feliz, quero ter a oportunidade de conhecê-la melhor...
E quero quebrar a cara do meu irmão bem no meio. Essa atitude de
Luke está provocando em mim algo que eu desconhecia, além de ciumento,
sou possessivo. Desde quando sou assim?
— Sara também confirmou a presença, e o Trevor. Stuart vai com a
Ashley, então só faltava você e a Kate – ele fala com um bom humor que
chega a ser um deboche.
— Do que está rindo?
— Nada, irmão – ele faz que não com a cabeça e olha ao redor —,
só tentando me encontrar depois do meu divórcio, você sabe. Estou carente,
ainda não fiquei com ninguém...
— E tem que ser a Kate?
— Você acha que não? – Ele me olha com atenção. — Tem algo
contra ela que eu não saiba? Se for mau hálito, nada que uma bala de menta
não resolva. Eu não ligo para defeitos no corpo feminino e também não ligo
se ela gosta de conversar ou não, na cama, quem precisa falar, não é?
— Já chega! – perco a paciência.
Luke me fita intrigado.
— Disse algo errado? – ele me questiona.
— Não, eu só estou estressado e preciso trabalhar, Luke! Podemos
conversar outra hora?
— Claro – ele assente —, então espero você e a Kate no meu
apartamento na sexta – pisca e sai da minha sala. Segura a porta —, você
não se importa se eu andar pela emissora para encontrá-la, não é?
E fecha a porta na minha cara.
— Filho da puta!
O pior é que não posso ir atrás e descobrir se ele vai conseguir
encontrá-la ou não. Olho para a porta fechada com raiva e fico onde estou.
Tenho que me controlar, eu prometi que faria. Horas mais tarde, deixo a
emissora e vou até em casa tomar um banho. Passo na floricultura para
pegar flores para dar de presente à Kate e então vejo jovens doando cães
mais à frente. São todos filhotes vira-latas com fitinhas vermelhas no
pescoço.
— Quer aproveitar hoje, tio, e fazer uma boa ação? Estamos doando
esses filhotes...
Olho e escolho um entre tantos.
— Quero o menor – aponto para aquele que está deixado de lado
num canto.
A garota pega e o entrega para mim.
— Obrigado – agradeço e levo o cão comigo.
Abro a porta do carro e o coloco sobre o banco de couro com a
orquídea que comprei para Kate. Em minutos estou na casa dela e vejo um
carro diferente na porta. Algo me diz que o idiota resolveu aparecer depois
que me viu com Caleb no shopping. Pego o cão e a flor e saio do meu carro.
Atravesso a grama e aperto a campainha. Não demora, e Kate surge. Ela
não está com uma boa cara quando me vê.
— Michael?
— Ele está aqui, não é? – pergunto de forma discreta.
Ela assente.
— Trouxe para você. – E lhe entrego a flor.
— É linda – ela força um sorriso —, eu gosto de orquídeas,
obrigada.
Mas o sorriso não chega aos seus olhos. Sei que o idiota deve ter
dito algo que a magoou. Sem esperar convite, eu entro e passo por ela.
— Onde está o Caleb? – pergunto em voz alta.
Ela não me impede e eu avanço até a sala. Caleb está atrás da
cadeira do avô, escondido e Liam está de pé diante de David. Os dois se
encaram em silêncio.
— Caleb, o tio Michael chegou – digo e todos se voltam para mim
—, e tenho uma surpresa para você!
Caleb mostra o rostinho e sorri quando vê o cachorrinho.
— Surpresa? – Ele sai correndo detrás da cadeira e corre na minha
direção.
Eu me ajoelho e mostro a ele o cão.
— Esse é o Pu, lembra?
— Pu – ele repete e passa a mão em sua cabeça.
O cachorro de pelagem amarela com manchas escuras está quieto,
ele não parece ser do tipo bagunceiro.
— Quer pegá-lo?
— Eu quelo – Caleb responde e dá uma risada nervosa.
Olho para Kate que para ao meu lado segurando sua flor. Ela
também sorri quando entrego o cão para o menino que o acaricia com
cuidado.
— Ele é fofinho... – elogia feliz.
— Muito, não é? – concordo.
— Pu – Caleb repete —, olha, vovô, eu ganhei um cachorrinho.
David se afasta de Liam e vai para perto do neto.
— Deixe-me vê-lo – ele estica o braço para pegá-lo do colo do neto
—, Pu é um cachorro muito bonito, não acha?
— Eu acho... – Caleb leva as mãos ao rosto e ri.
— O que acha de o levarmos ao quintal? – David propõe. — Para
ele passear um pouco em volta da piscina.
— Eu quelo.
David deixa o cachorro sobre o colo e me fita de forma significativa
no estilo: acabe com ele. Nós nos entendemos com o olhar. Espero que ele e
o menino saiam pela porta da varanda e me volto para Liam que está parado
ali, me fitando como se eu fosse um intruso.
— Acho que não fomos apresentados – Liam diz. Ele estende a mão
—, Liam Fletcher.
Olho para a mão estendida com desprezo.
— Eu sei que tipo de verme você é...
— Michael – Kate pede receosa.
— O quê? – Liam fica chocado e abaixa a mão.
— Vou deixar uma coisa bem clara aqui, Liam. Eu odeio traidores!
Não suporto. Acho a pior espécie de homem! Se você não consegue ser fiel
à sua família, você não é fiel a mais nada, não é confiável! Não posso
impedir que veja seu filho, mas se fizer Caleb chorar ou machucá-lo, ou
feri-lo com palavras duras, vou cuidar para que nunca mais o veja, nem a
vinte quilômetros de distância...
Dou um passo para ele e ele dá outro para trás.
— Você gosta do seu emprego de merda, não é? Então me deixe
irritado, porque eu juro que não vai conseguir emprego nem como
apresentador de bingo – deixo claro —, você pode crescer para cima de
uma mulher, mas não para cima de mim. Acredito que Hannah contou quem
eu sou e vou ficar muito feliz de contar a Watson a minha versão da
história.
Ele olha para mim e depois para Kate.
— Não olhe para ela – eu mando e ele abaixa o olhar —, você não
tem mais esse direito, sequer de falar com ela se ela não quiser.
— Vocês estão juntos?
— Isso não é da sua conta. Você é só pai do Caleb, então se atenha a
isso para que nosso acordo de paz fique de pé, fui claro?
Ele assente devagar. Está vermelho de raiva, mas não pode contra
mim. Canalha, filho da puta. Vejo quando coloca seu rabo entre as pernas e
vai embora sem olhar para trás. Quando ouvimos a porta bater, Kate diz:
— Quer um café?
— Prefiro uísque se você tiver...
— Não tenho, mas tenho vinho...
— Serve...
Ela assente e vai para a cozinha e eu a sigo me sentindo o cara mais
foda do mundo por tê-la protegido.
Capítulo 20

Paro o carro na garagem de casa e Caleb salta do carro assim que o


solto da cadeirinha. Ele corre para o meu pai que está na calçada
conversando com uma pessoa. Tiro as compras do supermercado do carro,
sorrio para o meu pai e sua mais nova amiga e vou para dentro de casa.
Nos últimos dias, meu pai tem conversado bastante com Beatrice,
nossa vizinha do lado esquerdo. Ela é viúva, aposentada e seus filhos
moram fora e ela parece ser uma boa pessoa. O marido era investidor e teve
um ataque do coração e morreu em seguida há alguns anos e ela vivia
sozinha. Meu pai a viu cuidando do jardim ao lado e começaram a
conversar e eu podia observar que uma amizade grande crescia entre eles.
Quando entro na cozinha, encontro o impensável: Michael está
ensinando Brigite e Jane a fazer algo no fogão. Mas o cheiro é bom. Ele
realmente faz parte da minha casa agora. Nada do que eu fizer pode tirá-lo
dali. Já fui grosseira o suficiente no começo perguntando se ele não saiba
onde era a casa dele. Agora, simplesmente, quero que ele fique.
É como se da porta para dentro, fosse nosso paraíso particular. Nada
nos atinge, é só o Michael e a Kate. Dois seres humanos em busca de
satisfação sexual e carinho. Não posso negar que eu lhe dei um voto de
confiança e gosto dele, da sua presença. Até mesmo quando Caleb joga a
flecha em sua testa, ao invés de ficar bravo, ele corre atrás dele e quando o
pega o enche de cócegas.
— Vejam – Michael diz a elas e derrama algo na frigideira.
As duas olham atentas e ficam surpresas.
— Uau – Brigite diz e sorri feliz. Olha para Jane que devolve o
olhar de cumplicidade.
— Vocês nunca vão comer nada melhor! – ele garante.
— O que estão fazendo? – indago ao deixar os pacotes sobre a
mesa.
— Michael está ensinando a gente a fazer panqueca francesa – Jane
responde.
— Panqueca francesa? – pergunto sem entender. — Panqueca não é
panqueca em qualquer lugar do mundo?
— Dá para notar que você não entende nada de panquecas – ele fala
sério.
— Tudo bem. – Saio de perto.
Não quero estragar a aula do chefe de cozinha. Começo a guardar as
coisas que comprei nos armários, enquanto Michael segue ensinando. Acho
engraçado quando noto que ele está usando um avental e está compenetrado
no que faz. Mais uma peripécia de Michael Scott Rhodes, ele cozinha. Liam
não sabia fritar um ovo.
Termino de guardar tudo e jogo os pacotes no lixo. Michael entrega
um prato às duas e Jane e Brigite dividem a panqueca, experimentando e
gemendo de prazer.
— Ficou perfeito! – Jane elogia e Brigite acena com a cabeça de
forma afirmativa.
— O que ficou perfeito? – a voz do meu pai chama a atenção de
todos.
Ele entra na cozinha, acompanhado de Beatrice que empurra sua
cadeira.
— Experimenta, David – Jane pega o prato e corta um pedaço e dá
na boca do meu pai.
É outra que já foi adotada pela família.
— Experimenta, Beatrice. – Ela enfia o garfo na boca da mulher
também.
Os dois se entreolham surpresos.
— Maravilhoso! – meu pai elogia. — Você que fez?
— Não, foi o Michael – ela fala surpreendida.
Todos fazem uma careta de surpresa.
— Eu também quelo – Caleb pede.
Jane corta um pedaço para ele. Meu filho mastiga e faz o sinal de
joia com o polegar. Todos sorriem e fico esperando meu pedaço, mas nunca
vem. Por quê?
— Vou fazer mais – Michael avisa e se volta para o fogão.
Todos começam a conversar e Brigite o auxilia no fogão. Já havia
passado do horário delas, mas pelo visto, enquanto Michael não terminasse
as panquecas, ninguém parecia disposto a ir embora. Jane se senta à mesa
com Beatrice e meu pai e eles conversam sobre o tratamento do meu pai.
Coloco Caleb sentado em uma cadeira ao lado do avô e depois me
aproximo de Michael enquanto Brigite leva os primeiros pratos para a
mesa.
— Você gosta de cozinhar? – pergunto.
Ele me olha e sorri.
— Gosto, é bom para passar o tempo – comenta.
— Hoje foi um dia estressante? – Coloco a mão em seu ombro.
E esqueço que estamos na frente de outras pessoas. Tocá-lo parece
algo tão natural e já que não posso sequer fitá-lo na emissora, dentro da
minha casa, posso o que eu quiser. Neste recinto, sou livre. E gosto da
liberdade que sinto quando estou ao lado dele.
Michael beija a minha mão em seu ombro e pisca para mim.
— Já passou, olhar para você e cozinhar salva o meu dia. – Ele
observa com afeição.
Fico sem graça e quando olho por cima do ombro, meu pai está nos
observando. Ele pisca para mim e fico sem graça. Tiro a mão do ombro de
Michael e observo a forma prática como ele faz cada panqueca francesa.
— Você não esqueceu que temos o jantar no apartamento do Luke
esta noite, não é? – ele me questiona.
Esqueci. Ele comentou algo há algumas noites, mas eu estava tão
excitada com ele na minha cama que esqueci por completo.
— Claro – eu o encaro —, esqueci – admito e olho para Jane e para
Brigite —, estão com a noite livre para trabalhar?
As duas fazem não com a cabeça.
— Tenho plantão – Jane avisa.
— Eu vou trabalhar na lanchonete da minha filha – Brigite me avisa.
Olho para Michael que está virando a panqueca na panela com uma
habilidade incrível.
— Não vou poder ir...
— Pode ir, Kate – Beatrice diz chamando a minha atenção —, posso
ficar com o Caleb se você quiser.
— Não precisa – fico sem graça —, com certeza, você tem suas
coisas para fazer... Não pediria tanto.
— Imagina, o que eu vou fazer? Assistir série? – Ela ri de si mesma.
— Posso fazer isso aqui, na companhia do David. Soube que ele também
gosta de histórias macabras. Tipo terror.
— Gosto – meu pai admite.
— Se não for atrapalhar...
— Ela já disse que não vai atrapalhar – Michael me repreende.
Eu o fito de lado.
— Obrigada, Beatrice.
— Não precisa agradecer – ela move a mão no ar —, meus filhos
cresceram e cheguei na idade da solidão. Qualquer coisa me diverte. Não é,
David?
— Sim – meu pai concorda com ela. — Na nossa idade, qualquer
coisa é boa...
Os dois riem um para o outro e Brigite coloca o prato na minha
frente. O cheiro bom me domina e sinto a boca salivar de vontade de
experimentar.
— Não comprei presente para o Luke – aviso Michael enquanto
corto o pedaço da panqueca.
— Tabhita comprou – ele fala sem qualquer vergonha.
— O que ela comprou?
Ele se volta para mim depois de desligar o fogo e segurar o próprio
prato com a sua panqueca:
— Não faço ideia...
Começo a rir e ele também.
— Deus! Como está gostoso...
— Receita de família – pisca —, agora Jane e Brigite sabem como
fazer.
— Você tem irmãos, Michael? – Jane pergunta sem qualquer
vergonha. — Estou precisando me casar!
Todos riem, inclusive Michael.
— Tenho dois ainda solteiros. Trevor e Luke – ele responde com
atenção.
— E eles são ricos e bonitos como você? – Jane quer saber e me
encara. — Com todo respeito, Kate.
— Eles são ricos. Se já são bonitos, não tenho como opinar – ele
brinca —, geralmente dizem que eu sou o mais bonito da família.
— Como ele é humilde! – debocho.
Porém, sou obrigada a concordar que Michael é o mais bonito,
atraente, sedutor. Não sei dizer como do dia para a noite, deixei de
desprezá-lo para admirá-lo. A forma como ele conduz tudo é tão... tão...
— Quero mais... – Caleb pede batendo o garfo sobre a mesa.
Todos riem enquanto eu o repreendo.
— Olha os modos, pede por favor...
— Quero mais, por favor. – E estende o prato para Michael.
Ele deixa o seu prato de lado e vai pegar o de Caleb.
— E Pu quer também. – Ele aponta para o cachorro debaixo da
mesa.
— Vou fazer. – Michael volta para perto do fogão e acende a trempe
do fogão outra vez.
— Vou tomar meu banho e me arrumar – aviso deixando meu prato
de lado quando termino de comer.
— Vou em casa me trocar e volto aqui para te buscar – ele avisa.
— Tudo bem – concordo e fico da ponta dos pés para beijar seus
lábios rapidamente.
Juro que foi automático. Fiz sem ver.
— Beijo na boca! – Caleb aponta e começa a rir.
Preciso tomar cuidado ou vou fazer isso na frente de estranhos e
colocar nosso segredo em risco. Ninguém ali dentro falaria sobre o assunto.
Beatrice é uma mulher discreta e está longe de ser a fofoqueira do bairro.
Mas se eu esquecer e fizer na frente dos outros?
Levo a mãos aos lábios e saio da cozinha, depressa. Entro no meu
quarto e vou para o closet. Preciso de algo sóbrio e bonito para esta noite.
Não é uma festa de gala, é só um jantar de família, mas eles são os Scott
Rhodes. Uma família rica e tradicional de Los Angeles. Todos são ricos e
poderosos e eu quero estar ao menos bem-vestida.
Começo a afastar os cabides para olhar:
— Roupa de mãe, roupa de mãe – afasto mais um e vejo um vestido
verde que não uso desde a minha formatura —, isso lembra Liam, tenho que
dar esse vestido. Roupa de mãe, roupa de mãe. Que merda! Não tenho nada
para vestir! O que eu vou fazer?
Passo as mãos pelos cabelos e ando de um lado para o outro. Preciso
comprar alguma coisa. Há algumas lojas na rua três. Se eu for rápida, ainda
encontro alguma coisa aberta. Sem que me vejam, saio correndo, pego a
chave do carro em cima do móvel e saio de casa. Dirijo como uma louca e
estaciono em local proibido. Não tenho tempo a perder.
Procuro por uma loja de vestidos e entro na primeira que vejo.
— Em que posso ajudá-la? – a vendedora simpática me atende.
— Preciso de um vestido básico, mas bonito, chique o suficiente
para me deixar com cara de rica – observo.
Ela ri do comentário.
— Qual número você usa? O quarenta e dois?
— Sim, como sabe?
— Anos de trabalho – ela caminha até a arara repleta de vestidos —,
você vai ficar linda de vermelho, o que acha desse?
Ela tira da arara e me mostra. É um vestido decote canoa que vai até
à altura das coxas. Parece perfeito.
— Acho que sim.
— Você tem sandálias?
— Não. A última vez que comprei sandálias, eu estava na faculdade
– conto e ela assente.
— Sei como é? Você é mãe?
— Sim, eu sou. Como sabe?
— Eu também sou – ela mostra o bóton do Clube das Mães Solteiras
preso em sua blusa por baixo do blazer preto —, já te vi lá.
— Mesmo? – Fico surpresa. — Não me lembro das pessoas com
facilidade.
— Não tem problema. – Ela move a mão no ar.
— Qual é o seu nome?
— Adele – ela responde e me estende o vestido —, vai e
experimenta e vê se gosta.
— Obrigada, Adele.
Experimento o vestido e cai como uma luva. Quando saio do
provador, ela já está esperando com uma sandália sobre o balcão que me faz
cair o queixo.
— É perfeita... – elogio notando os detalhes e o trançado da sandália
sobre o peito do pé. Parece cetim.
— E combina com o vestido. Você tem uma carteira de mão?
— Não tenho...
Ela assente e pega uma para me mostrar. Também é linda, preta
básica.
— Vou levar – digo satisfeita pelo atendimento.
— E lingerie?
— Você diz calcinha e sutiã?
— Isso...
— Eu tenho umas lá em casa – falo balançando a cabeça em
negativa.
— Não é como essas do dia a dia – ela explica e caminha até uma
arara e pega para colocar diante de mim —, é uma para um dia especial,
como hoje...
O conjunto é vermelho. O sutiã é renda transparente revelando tudo.
A calcinha tem a mesa anatomia, mas rio quando noto que é fio dental.
— Nunca usei algo tão sensual... – comento.
— O que acha de começar hoje?
Dou uma risada alta.
— Seu homem vai adorar, nenhum homem resiste a uma calcinha
fio dental e saltos finos. – Ela pisca de forma maliciosa.
Sinto um calor pelo corpo ao pensar em surgir vestida assim para
Michael. Qual seria a reação dele? Liam riu o dia que tentei parecer sensual,
disse que eu parecia uma lombriga magra e sem graça e que ficou cômico.
Michael riria de mim? Não parece combinar com um homem tão viril, rir de
uma mulher vestida com uma calcinha vermelha fio dental.
— Vou levar também – falo sem pensar.
Ou não levo.
Não por pudor, mas vergonha mesmo. Não tenho o costume de
vestir uma lingerie tão sexy e tenho medo de parecer ridícula ao invés de
bonita. Adele também me vendeu um perfume importado e uma echarpe
para combinar. Se ela vendesse mais alguma coisa, eu compraria, de tão
bom que é o seu atendimento. Essa realmente nasceu para vender e ganhar
dinheiro. Em uma venda de um vestido comprei mais coisas do que
precisava. Na verdade, a mulher que habita em mim precisa, a mãe do
Caleb que não necessitava de tanto. Volto para casa e vou direto para o meu
quarto. O carro de Michael não está mais ali e Beatrice e meu pai estão no
quintal com Caleb e Pu. Brigite e Jane já se foram também.
Tomo meu banho e seco meus cabelos com a escova no secador. Eu
me maquio, como há anos não faço. É verdade quando digo que a última
vez que tive uma noite de gala foi na minha formatura de faculdade, depois
que me casei com Liam, ele nunca me levou sequer para jantar, quanto mais
em uma festa e agora sei o motivo. Ele já tinha companhia.
Coloco a roupa que comprei, inclusive a lingerie. Meu pai me deu
um conjunto de joias, um brinco pequeno de diamantes e um colar de ouro
com um pingente também de diamante. Eu o coloco e me olho no espelho,
acredito que estou melhor, espero não matar ninguém de rir ao me arrumar
dessa forma.
Então, com coragem, saio do meu quarto com o coração batendo
rápido. Espero não me arrepender de estar saindo do casulo em que vivi nos
últimos cinco anos. Lá era confortável e gostoso, mas não era a verdadeira
Kate Lynch.
Capítulo 21

A floricultura fica a caminho da casa de Kate. Não precisava passar


lá para comprar nada, mas a ideia de que aquele momento vai ser tipo um
encontro, me faz agir de forma impulsiva. Paro o carro e desço rapidamente
para comprar um buquê de rosas vermelhas, abertas e lindas. A moça ainda
passa uma fita vermelha na base deixando ainda mais bonito. Quando chego
à casa de Kate, sinto a adrenalina percorrer meu corpo. Sei que quando
minha família a vir, vão saber que estamos juntos, é impossível que não
notem, eles me conhecem e nunca levo mulheres para as festas da minha
família, sempre vou sozinho.
Toco a campainha e Beatrice atende.
— Uau... – ela elogia e sorri —, as flores são para mim? – brinca.
— Kate já está pronta?
— Sim, ela está na sala esperando por você...
— Obrigado – agradeço e atravesso o corredor.
Caleb está no chão da sala sobre o tapete, brincando com seu
dinossauro e Pu. E David está conversando com uma mulher vestida de
forma... não sei dizer ao certo... ela está... magnífica?
— Kate? – eu a chamo.
Ela se volta para mim. Tão bonita que faz meu coração disparar.
Quando ela sorri ao notar o buquê, é nesse momento frívolo e sem qualquer
motivo que sei que estou apaixonado por ela. É como se o tempo parasse, e
eu apenas a enxergasse, nada além dela existisse. Como se um raio tivesse
acabado de cair sobre mim e não tenho como fugir ou escapar. Estou
ferrado.
— Michael... – ela fala meu nome parando diante de mim e me
trazendo de volta à realidade.
Há certas coisas na vida que um homem não tem como fugir, e a
paixão é uma delas. Quando bate, nos deixa de joelhos. E eu estou agora.
Completamente entregue.
— São lindas – ela elogia quando entrego o buquê de forma
mecânica.
Não consigo parar de fitá-la e o desejo me consome. Quero Kate só
para mim e não a dividir com mais ninguém.
— Quer que eu coloque no vaso para você? – Beatrice oferece.
— Claro, obrigada. – Kate lhe entrega as flores.
Então, ela se volta para mim e me encara.
— Está tudo bem?
Não está. Estou apaixonado por Kate Lynch. É tudo novo para mim.
Não que eu nunca tenha me apaixonado em trinte e quatro anos de vida,
porém nunca foi de forma tão especial e estranha ao mesmo tempo. Não sei
definir. Kate ainda é uma incógnita para mim. É a única mulher que conheci
e não faço ideia do que está se passando pela sua cabeça, ela é um mistério
para mim.
— Está – afirmo e assinto. Olho para David que está com um sorriso
bobo nos lábios —, boa noite, David. Beatrice.
— Boa noite, pai – ela se despede dele e acena pra Beatrice.
Olha para Caleb, mas aproveita que ele está distraído para sair sem
que ele perceba.
Abro a porta da casa para que ela saia e depois a do carro. Posso
sentir seu perfume gostoso e quando me acomodo dentro do carro, eu a
seguro pela nuca e a beijo. Ela ri contra os meus lábios e me empurra.
— Vamos nos atrasar. – Ela limpa o batom nos meus lábios.
— Quem liga?
— Sua família – Kate fica sem graça.
Eu a fito com desejo.
— Pode resistir o quanto quiser, depois você não me escapa –
ameaço e ela ri alto.
Coloco o carro em movimento e ela liga o som. Está tocando A
Thousand Miles, da Vanessa Carton. Essa música se tornou icônica quando
Latrell[6] cantou. Kate abre o vidro do carro e deixa o ar gostoso da noite
fresca entrar.
— Não parece uma noite maravilhosa? – ela pergunta olhando para
fora.
— Sim – sou obrigado a concordar.
É a primeira vez que ficamos juntos longe da casa dela. E gosto
dessa sensação de ser eu e ela apenas. Kate começa a cantar a música bem
baixinho e move a cabeça de um lado para o outro quando chega o refrão.
Sorrio ao vê-la fazer isso. A maioria das mulheres com quem saí até agora
estão preocupadas em me impressionar e nunca fazem nada ridículo e
engraçado. Kate não se importa de ser ela mesma.
Luke mora em uma casa na encosta em Hollywood. Por sorte, ele
cumpriu o que prometeu e somente minha família está presente. Aria não
veio para o aniversário, infelizmente, ela se sentiu mal por causa da
gravidez e Cash achou arriscado viajar de avião. Mas apresento Kate a
todos da família. Meus pais, Michael e Glenda. Depois para Sara, Trevor,
Stuart. Ela já conhece Luke, claro. E também Ashley.
— De onde vocês se conhecem, eu pergunto com curiosidade?
— Do Clube das Mães Solteiras – Kate explica sorrindo feliz por
ver alguém conhecido —, nos conhecemos no dia em que fui contratada
para ser jornalista na sua emissora.
Franzo o cenho.
— Você não foi contratada para ser jornalista – ele afirma com
convicção.
— Eu fui, mas quando cheguei lá, você já tinha dado o cargo ao
Matthew. E então sobrou o de assistente e eu peguei – conta para minha
surpresa.
— Então era seu de qualquer forma – Ashley comenta.
— Com certeza – Kate confirma —, acredito no poder no universo e
o que está guardado para você, seja bom ou ruim, encontra uma forma de
chegar até você...
— Superstição – Sara diz sentada no sofá.
Nós nos voltamos para ela.
— Crendo ou não, cada um colhe o que planta – Stuart se volta para
ela e diz sério.
— Eu não plantei ser deixada por outra mulher – ela fala amarga e
se levanta para se aproximar de nós.
Meu pai aproveita para se sentar ao lado de Trevor e falar com ele.
— Não somos responsáveis pela atitude dos outros, só pelas nossas
– Ashley garante.
— Então eu quis ser traída? – Sara pergunta amarga segurando sua
taça de champanhe.
— Ela não disse isso – Kate sai em defesa da amiga —, ela disse
que você plantou o bem e o universo tirou um cara de merda do seu
caminho. Entendeu?
Sorrio para Kate e depois para Sara.
— Acredito que entendi – Sara responde sem graça.
— É bem isso – Ashley concorda.
— Sobre o que estão falando? – Glenda se aproxima da roda.
Abro espaço para ela ficar entre mim e Stuart.
— Sobre relacionamentos e como o universo conspira a nosso favor
– Sara diz com certo deboche.
Minha irmã está insuportável desde que o namorado a abandonou.
Compreendo sua dor, mas estamos em família e não precisa ser tão
agressiva.
— E não conspira? – Glenda ergue a sobrancelha para ela. — Você
ganhou o Oscar esse ano de melhor atriz. O que mais você quer? Não era o
seu sonho?
Sara fica sem graça.
— Quantas vezes, eu digo para não deixar que um homem tenha
poder sobre o seu humor, Sara? – minha mãe a repreende na frente de todos.
— Mãe...
— Não venha com mãe, não criei seis filhos para sofrerem como
tolos. Lamentar a perda de alguém que só te fez mal é burrice... – Glenda dá
a facada final.
Sara olha para Kate, sem graça e sai sem dizer nada.
— Não acha que exagerou com ela? – eu pergunto.
— Ela não é mais criança, Michael – minha mãe responde —, ela
tem vinte e seis anos, está na hora de parar de atacar as pessoas só porque
ela não está contente.
— Ela ficou sem graça por estar na nossa frente – Ashley olha na
direção de Kate.
— Oh, meu Deus, vocês são da família. Não são?
E olha para mim e para Kate.
Kate me fita sem saber o que responder.
— Claro que são da família – respondo.
— Quer dizer que mais um casal se formou na família? – Luke
surge como vindo do inferno. — Perdi a Kate para você, Michael?
O silêncio cai pesado sobre a sala. Todos estão esperando uma
resposta. Encaro Kate, prometi não expor nosso relacionamento, mas na
frente da minha família é outra coisa.
— Sim, você perdeu – afirmo.
Ela fica surpresa, e Luke a abraça e lhe dá um beijo estalado na
bochecha.
— Bem-vinda à família, cunhadinha – ele se afasta —, mais uma!
— O que disse? – pergunto.
— Eu disse que precisamos de mais uma rodada de bebidas antes do
jantar para comemorar o amor. – Ele ergue o copo com uísque e brinda
sozinho antes de beber tudo.
Kate está séria e não me encara, ao contrário, ela evita olhar para
mim e conversa com Ashley como se eu não estivesse aqui. Odeio ser
ignorado, mas não faço uma cena, não tem motivo para isso. Combinamos
de não dizer nada a ninguém, mas eu falei e, pelo visto, ela não gostou. O
que queria que eu fizesse? Que mentisse para a minha família?
O jantar transcorre num clima pesado entre nós. Ela não fala mais
comigo e fica grudada em Ashley. Mesmo quando sentamos lado a lado na
mesa durante o jantar, ela conversa com Trevor ao seu lado, mas não fala
comigo. Quando tento puxar assunto, ela dá uma reposta monossilábica.
Sinto a raiva ferver dentro de mim.
Quando vamos embora, Stuart e Ashley decidem ir também e as
mulheres descem conversando. Abro a porta do carro para que ela entre
depois de me despedir do meu irmão e da minha cunhada. Entro no carro e
ligo o motor, acelero e dirijo pelas ruas de Los Angeles sentindo que
fracassei no nosso primeiro encontro.
— Vai me ignorar o resto da noite? Não vai dizer nada?
Ela cruza os braços e me olha enquanto dirijo:
— Babaca, serve?
Ela está brava.
— Eu sei que disse que não contaria a ninguém, Kate – vou direto
ao assunto —, mas eles são a minha família.
— Eles são meus patrões. São acionistas do grupo Scott Rhodes e eu
sou sua funcionária que tem uma cláusula no contrato sobre sair com outros
funcionários – ela argumenta brava.
Kate apoia o cotovelo na porta e passa os dedos na testa enrugada.
— Não sou um funcionário, sou seu chefe...
— O que piora a situação – gesticula enquanto fala —, não percebe
a gravidade dessa condição?
— Não – sou sincero —, eu quero estar com você e é recíproco, o
que pode ter de errado nisso?
Vejo pelo canto do olho que ela se vira na minha direção:
— Você não tem nada a perder, Michael, eu tenho! – diz com a voz
alterada. — Se as pessoas souberem que estamos transando, vão dizer que
fiz isso para chegar ao cargo de jornalista, que nada do que consegui foi
merecido! Porque é isso que a sociedade faz com as mulheres que trepam!
Se fosse ao contrário, você seria louvado como o garanhão que pegou a
chefe! Mas quando a mulher é a funcionária, ela é a puta, a interesseira!
Ela respira fundo e volta a se sentar de frente. Ela tem razão, não
posso deixar de admitir que é bem assim que funciona. Mas não é minha
intenção que ela seja taxada dessa forma.
— Não quero que pensem isso de você – digo sério.
Abro a janela do meu carro e deixo o vento entrar. Estou irritado
pelo que ela disse, contudo tem razão. Sei que se descobrirem, ela será
cancelada, como costumam dizer hoje em dia. Ninguém perdoa a liberdade
de uma mulher.
— Mas é o que vão dizer...
— E o que quer que eu faça?
— Fique de boca fechada! – ela diz brava. — E é melhor a gente se
afastar, se isso vazar, pelo menos, não estaremos mais juntos!
Ela rompe comigo com uma facilidade espantosa. E bem no
momento em que descobri que estou apaixonado por ela. Parece uma
brincadeira do destino. Porém, a última coisa que farei é obrigá-la a ficar
comigo. Meu orgulho fala mais alto, estou envolvido emocionalmente e não
vou fazer papel de bobo na mão dela.
— Como quiser – acato sua decisão e ela se cala.
Um pesado silêncio cai sobre nós. Não há mais nada a dizer. O que
era para ser uma noite maravilhosa acabou em algo desagradável. Paro
diante da casa dela e espero que ela desça. Ela hesita, entretanto quando não
respondo, ela abre a porta e sai. E o que Kate espera? Que eu corra atrás
dela? Tenho feito isso nas últimas semanas, estou mais na casa dela do que
na minha, dormimos juntos a maioria das noites, exceto vez o outra que
trabalhei até tarde, todavia, temos vivido como um casal e o que ela quer
mais?
O que ela deixou claro é que não quer nada.
Saio dali e não olho pelo retrovisor. Não vou lamentar. Não mesmo.
Capítulo 22

— O que foi que fez, Kate? – a voz do meu pai retumba atrás de
mim como um trovão.
Sei sobre o que ele está falando, entretanto, me faço de
desentendida. Acabei de chegar da corrida e só quero tomar um banho e
começar meu dia sem pensar em Michael Scott Rhodes, será que é pedir
demais?
— O que foi? – Continuo procurando minhas coisas no closet.
— Você brigou com o Michael? – a pergunta é direta.
E a irritação do meu pai me deixa frustrada.
— A resposta é sim, eu terminei com ele...
— Merda, Kate!
— Não sou obrigada a sair com ele para vocês serem amigos! –
devolvo e me viro para ele. — Vá até a case dele, ligue para ele...
Meu pai gira as rodas da cadeira e me encara com raiva:
— Tem hora que eu não entendo você!
— Também estou frustrada, pai! Passei o fim de semana pensando
nele, querendo estar com ele e estou morrendo sufocada por causa disso!
Mas meu orgulho não permite que eu admita que exagerei e que estou
muito arrependida! – confesso e passo pela cadeira para me sentar na cama
e levar as mãos aos cabelos.
Ele vira a cadeira para mim.
— O que aconteceu?
— Depois de me xingar é que você quer saber? – indago chateada.
Apoio o cotovelo no joelho e a cabeça na mão.
Ele para ao meu lado.
— Sim, quero saber o que aconteceu. Vocês saíram daqui tão felizes
e...
— Ele contou à família dele que estamos tendo um caso! – eu solto.
Meu pai move a cabeça sem entender.
— Mas combinamos de não contar para ninguém, pai! E os Scott
Rhodes são meus patrões!
— Kate, ouça-me com atenção! Eles são a família dele também.
Antes de serem seus patrões. E talvez fosse importante para ele que
soubessem... um homem não leva uma mulher para conhecer sua família,
principalmente a sua mãe, se não for respeitável para ele...
Encaro meu pai e deixo a respiração sair devagar.
— Talvez porque eu sei, Beatrice, Jane e Brigite, ele pensou que não
teria problemas que a família dele soubesse, já parou para pensar assim?
Faço que não com a cabeça e me sinto a pessoa mais injusta do
planeta.
— E três dessas pessoas que sabem sobre vocês daqui de dentro de
casa, sequer são da sua família...
— Mas elas são confiáveis...
— E por que a família dele anunciaria aos quatro ventos que o dono
da emissora está trepando com a jornalista principal?
A pergunta do meu pai me faz sentir ridícula e pequena.
— Não fala desse jeito...
— Que jeito?
— Trepar...
— Ah! – Ele gira as rodas da cadeira de forma impaciente. — É o
que vocês faziam todas as noites neste quarto. E gostavam. Ou você não
estaria aí com essa cara de cachorro pidão – ele me xinga.
— Foi melhor, assim ninguém se machuca quando descobrirem...
— Esse seu medo de ser feliz me assusta – ele balança a cabeça,
desolado —, fico impressionado como você não consegue enxergar mesmo
quando a felicidade está bem diante dos seus olhos.
Ele sai do meu quarto e me jogo na minha cama. Olho para o teto e
penso no que devo fazer. A separação dói, mas será que realmente não é
melhor para nós dois? Seguir como se nada tivesse acontecido? Meu celular
toca e vejo que é Ashley. Penso em não atender, mas ela não tem nada a ver
com a minha briga com Michael.
— Oi, Ashley – faço uma voz de quem está muito feliz.
— Oi, Kate – ela responde —, eu e Stuart decidimos fazer um
almoço aqui no apartamento. Gostaríamos que você e Michael viessem.
Stuart tentou falar no celular dele, mas só dá desligado.
Fico tensa quando ela diz isso. Como vou dizer que não estamos
juntos? Também mentir e falar que está tudo bem não vai colar.
— Ashley, eu...
— Espere um minuto, Kate – ela pede —, o que foi, amor?
Ouço a voz de um homem ao fundo.
— Que bom! – ela diz e volta o celular no rosto. — Não sabia que
vocês estavam em São Francisco, Stuart acabou de falar com Michael...
Ela ri do outro lado. Então, ele viajou. Sinto meu coração apertar.
— Eu não estou em São Francisco, Ashley – conto a ela —, eu não
fui com o Michael.
Ela faz uma pequena pausa.
— Mais um motivo para você vir. Ele disse ao Stuart que não
voltará até segunda, então você pode vir tranquila. Só convidamos o Luke e
o Trevor. A Sara foi para Nova Iorque e os pais deles estão na casa de
amigos. Seria ótimo não ser a única mulher e ter com quem conversar.
Gosto de Kate e se Michael não vai estar lá, não tem motivo para
não ir.
— Está bem – acabo cedendo.
Eu me sento na cama e olho ao redor. Já posso ouvir a voz de
Beatrice falando com o meu pai. Provavelmente posso abusar da boa
vontade dela mais uma vez para que fique com Caleb por algumas horas.
Não vou demorar. É bom que me distraio um pouco, tenho certeza que Luke
vai ser um bom entretenimento, ele é sempre divertido e faz qualquer um
rir. Mesmo que seja a família dele. Talvez, esse também seja o motivo de eu
estar indo. Eu fiquei louca, eu sei.
— Então aguardo você, não demore – ela pede.
Despedimos e desligo. Corro para o chuveiro e tomo um banho
rápido. Quando o puxo a toalha, uma cueca de Michael cai do suporte.
Abaixo para pegar e jogo no cesto de roupas sujas. Tem coisas dele na
minha pia e também no closet. Brigite separou as roupas dele em uma pilha.
Pego uma camisa para sentir o cheiro e respiro fundo. Como sinto a falta
dele. Talvez eu devesse mandar uma mensagem pedindo desculpas, mas
parece covardia, essas coisas têm que ser ditas cara a cara.
Escolho um vestido fresquinho para usar. Apesar de ser primavera,
está quente. Deve chover mais tarde. Beatrice concorda em ficar com o
Caleb, claro, e vejo a troca de olhares entre ela e o meu pai. Infelizmente,
Caleb ainda está dormindo e não quero acordá-lo já que não vou levá-lo
comigo.
— Posso saber aonde vai? – meu pai pergunta acariciando o pelo de
Pu em seu colo.
— Vou na casa do irmão de Michael, Stuart. A esposa dele me
convidou para um almoço...
— Michael vai estar lá?
Prefiro não dizer que Michael viajou.
— Não sei. Até mais tarde, não vou demorar – minto e me afasto
depressa, sem vontade de responder a mais nada.
Enquanto dirijo, noto que Ashley e Stuart moram perto da minha
casa. Fica há doze minutos da minha casa. Passo pelas ruas arborizadas
procurando pelo número que Ashley me passou. É uma bela casa branca de
dois andares escondida por muros altos cobertos por trepadeiras. Estaciono
na porta e saio do carro, olhando para a rua linda e quieta. Quase não passa
carros por aqui. Toco o interfone e ele faz um barulho agudo, um homem
atende.
— Sou eu, Kate – aviso.
Demora um tempo até que abram o portão e eu entre. Entro e fecho
o portão, eu me deparo com uma linda mansão e dois carros estacionados
em uma garagem imensa na parte debaixo. Tem também uma moto.
Imagino que devam estar no quintal, não ouço vozes, ou eu cheguei cedo
demais. Fico sem graça por não ter trazido nada. Aproximo das portas de
vidro e então uma delas se abre. O reflexo do vidro desaparece e dá lugar a
Michael. Ele está sem camisa, usando apenas um short e também está
descaço como se tivesse acabado de acordar.
Ashley mentiu para mim, ele não está em São Francisco.
Como eu fui idiota, aquela é a casa do Michael, e não do Stuart.
— Entre – ele diz com o cenho franzido e um olho fechado —,
preciso de um café.
Ele me dá as costas e volta para dentro da casa. Penso em ir embora,
mas fechei o portão e teria que pedir para ele abrir de qualquer jeito e pular
o muro é impossível. Mordo o lábio inferior e o sigo, resignada. O que mais
posso fazer? Estou aqui...
Subo as escadas de madeira que fazem barulho quando piso e
quando chego ao primeiro piso, a casa não tem paredes internas, é um
imenso salão com ambientes interligados. Passo pela sala sofisticada onde
tem um gato. Não sabia que Michael tem um gato preto que continua
deitado no sofá sem se importar com a minha presença. Tem um telão
enorme na parede e vários videogames embaixo em um dos ambientes com
duas poltronas do papai. Olho para frente e vejo Michael no outro extremo
mexendo em sua cafeteira que mais parece um robô de última geração. Em
segundos, ele coloca o café para fazer. Aproximo devagar, sem fazer
barulho, constrangida. Enquanto ele procura algo no armário, pego meu
celular e digito para Ashley.
Eu: você mentiu.
Ashley: É por uma boa causa.
Eu: Não acredito.
Ashley: boa sorte.
— Você também quer café?
— Por favor – peço. Não coloquei nada no estômago desde que
acordei.
E ficar longe de Michael tem me tirado o apetite. Ele enche as
xícaras e vem para perto de mim, aqueles músculos se movendo em uma
cadência perfeita. Michael deixa a xícara na minha frente e se senta no
banco. Não estava preparada para esse encontro, então não sei o que falar.
Nos meus planos, eu o encontraria na emissora e, casualmente. Quando ele
fosse à minha casa, eu ficaria fora do seu caminho e tudo bem. O tempo me
ajudaria a esquecê-lo.
Contudo, quando o observo com aquela cara amassada de quem
dormiu mal a noite, sei que não é tão fácil quanto imaginei. Eu gosto dele.
Os olhos azuis não me devolvem nada além de intenso cansaço. Fico puta
de pensar que ele passou a noite na gandaia com outras mulheres. O que
posso cobrar dele? Nada. Nós não somos nada um para o outro.
— Como tem passado? – preciso quebrar o silêncio antes de ficar
louca.
— Veio aqui perguntar se eu estou bem? – ele zomba da minha
pergunta.
— Na verdade, eu não vim aqui por sua causa. Ashley me disse que
teria um almoço na casa dela e de Stuart e me deu esse endereço – conto
irritada —, também disse que você estava em São Francisco. E a lerda aqui
esqueceu que você morava em Santa Mônica. Você nunca me falou o
endereço e a ficha só caiu quando você abriu aquela porta lá embaixo.
Então respondendo a sua pergunta, eu não vi aqui por você...
Deixo a xícara do balcão e levanto daquele banco idiota.
— Pode abrir o portão para eu sair?
Ele não responde. Continuo andando e desço as escadas,
caminhando pelo gramado até atingir o portão que não está aberto. Forço a
maçaneta, mas ele não se move. Olho por cima do ombro e não há nenhum
sinal dele.
— Michael, seu desgraçado! – volto para a casa e subo as escadas
correndo.
Ele está de pé na cozinha quando eu digo.
— Mandei abrir o portão! – falo brava com o dedo em riste.
— Eu ouvi, Kate – diz tranquilo —, não sou surdo!
Ele se volta para mim. Quero tanto atravessar aquele cômodo e o
abraçar até me perder em seus braços como se não houvesse amanhã.
— Então abre! – Ignoro minhas necessidades.
— Eu vou nadar, você vem comigo? – E sem esperar resposta ele
abre as portas de vidro duplas e que dão para uma enorme varanda nos
fundos.
Fico indignada e quando me aproximo, vejo a piscina de água
cristalina que atravessa a varanda. Sem qualquer vergonha, ele tira o short e
nu mergulha na piscina. Estou excitada só de vê-lo nu. Saio para a varanda
e o acompanho nadando por debaixo d’água. Ele praticamente atravessa a
piscina por debaixo e se ergue e procura por mim.
— A água está uma delícia, não sabe o que está perdendo...
Reviro os olhos e entro na casa. Procuro pelo interfone. Ficar ali não
é uma boa ideia. Paro no meio do caminho. Tem uma garrafa de uísque em
cima do móvel e por baixo dela uma foto minha. Fico surpresa ao ver a
minha foto trabalhando, não sabia que alguém havia me fotografado, mas
estou bonita.
Olho para a garrafa vazia e entendo o motivo da cara amassada.
Michael bebeu pensando em mim, sentindo a minha falta. Agora entendo
porque Ashley resolveu se meter. Porque a idiota aqui é orgulhosa demais
para admitir para si mesma que está loucamente apaixonada por seu chefe.
Solto um suspiro dolorido quando coloco a foto no lugar.
Liam me magoou.
Michael é outro homem, ele seria incapaz de me trair, não é o tipo
dele. Ele se afastaria se estivesse com outra pessoa. Ao invés disso, ele me
impediu de sair daquela casa, esperando que eu tome a decisão certa.
Capítulo 23

Bebi igual a um gambá na noite anterior. Simplesmente passar duas


noites longe de Kate me deixaram perturbado como se faltasse um pedaço
de mim. A cama que nunca usamos estava vazia e eu senti falta não apenas
dela, mas de Caleb e de David. Não tinha mais graça ficar na minha casa,
sozinho. Devo ter ligado para Stuart, ainda bêbado para desabafar, por isso,
Ashley se meteu.
Contudo, todo seu esforço foi em vão, penso enquanto atravesso a
piscina a nado. Kate vai embora, ela vai fugir do que sente por mim. Está
tão apavorada quanto eu. O que sinto por ela é forte e palpável e não sei
lidar com isso. Escuto o som de alguém mergulhando na piscina e olho para
trás. Encosto na parede da piscina e aguardo. Meu sangue corre mais forte
quando ela vem à tona e nada na minha direção. Vou ao encontro dela e nos
abraçamos antes de nos beijar.
Kate me abraça com seus braços e pernas, e beija a minha boca com
luxúria.
— Senti sua falta, Michael – ela sussurra contra os meus lábios.
— Sua maldita gostosa! – praticamente a xingo quando agarro seus
cabelos e volto a beijá-la.
A água quente da piscina faz meu pau funcionar perfeitamente. Ele
está duro e pronto para ela. Giro com ela na água até encostá-la na parede e
poder penetrá-la. Kate joga o corpo para trás e geme alto, ela abre os braços
e agarra a borda da piscina e eu entro e saio dela, bem gostoso. Desço os
lábios sobre os seios que surgem acima da água, assopro o bico duro, antes
de passar os dentes e chupar. Afasto os lábios e agarro seus quadris para
afundar mais, a água se movendo ao redor de nós. Eu a olho e a vejo corada
sob o sol, os seios balançando a cada estocada, seus lábios abertos enquanto
ela respira cada vez mais depressa.
O ritmo erótico me faz gozar antes que ela goze. Sei disso, fui
rápido demais.
Saio de dentro dela e a puxo até as escadas. Eu me sento e a coloco
sobre mim.
— Agora é a sua vez – digo e passo a língua no mamilo.
Ela apoia as mãos nos meus ombros quando sente meus dois dedos
em sua boceta. Kate ofega, fechando os olhos.
— Quero que goze para mim – exijo.
— Sim...
Sinto sua boceta comprimir meus dedos quando ela começa a se
mover para cima e para baixo. Beijo seu pescoço, arranho os dentes em sua
pele e agarro seus cabelos para inclinar sua cabeça para trás e tocar sua pele
com mais paixão. Passo os dentes na pequena orelha e beijo seu pescoço e
ombro de forma apaixonada. Ela se move cada vez mais rápido... para baixo
e para cima... É quase hipnótico a forma como seus seios entram e saem da
água. Quero guardar essa imagem para os meus momentos de solidão,
quando ela não estiver por perto.
Ela gira os quadris mais rápido e então goza.
É algo tão sincero que ela choraminga quando descanso o polegar
em seu clitóris.
Apaixonada, e ainda perdida no prazer, ela beija a minha boca,
morde meu lábio inferior.
— Quer que eu te chupe? – pergunto com a voz embargada.
— Não consigo gozar de novo – ela garante.
Eu a encaro, seus olhos recuperando o azul intenso.
— Não consegue, ou nunca tentou?
No primeiro instante, ela fica sem resposta. Abre os lábios, mas não
diz nada. Ela respira fundo e declara:
— Nunca tentei, Michael – fala sincera.
Seguro seu rosto entre as minhas mãos e a obrigo a me encarar.
— Não tem que ter vergonha de nada, Kate – digo com carinho —,
isso não é um erro ou um defeito.
Ela assente. Eu a tiro do meu colo e ergo para sair da piscina.
Saímos de mãos dadas e a levo até a espreguiçadeira.
— Aqui? – ela pergunta olhando ao redor.
— Não tem ninguém para espiar – asseguro a empurrando até que
caia sentada —, e estamos pelados se não percebeu...
Vou para a ponta da espreguiçadeira e me ajoelho. Ela mantém as
pernas fechadas, ainda constrangida por ter percebido que transamos na
piscina ao ar livre. Não é público. Eu jamais a exporia dessa forma. Não
apenas ela, mas qualquer outra mulher, não é o tipo de fetiche que me
agrada. Seguro seus pés e abro suas pernas até elas penderem para fora da
cadeira.
Eu a sinto tensa, mas sei que isso vai passar logo. Subo beijando sua
perna, a parte interna da coxa até alcançar aquele lugar mágico. Kate fecha
os olhos e joga os braços para cima da cabeça. Dou uma lambida na sua
boceta e mantenho suas pernas bem abertas, ela relaxa de imediato e sei que
estou no caminho certo. Subo a língua até o clitóris e o agito até que surja
para mim, inchado, pronto para ser torturado. Como um pequeno
botãozinho pode dar tanto prazer a uma mulher?
Levo a mão no alto de sua virilha para puxar a pele para o lado e me
dar livre acesso àquela joia. Eu o tomo com a ponta da língua, dando voltas
curtinhas e lentas. Ela abre mais as pernas, de forma instintiva e aumento o
ritmo, mas não a deixo gozar. Não ainda.
Sinto seu corpo todo estremecer quando o tomo entre os lábios e
começo a chupar. Dou uma lambida e chupo e permaneço assim até que ela
convulsiona de prazer. É nesse momento que enfio meus dedos dentro dela
e bato fundo, chupando o clitóris ao mesmo tempo, agora com mais
intensidade e sem parar.
— Michael, pare! – ela pede sem fôlego.
Mas eu não paro.
— Vou morrer desse jeito! – ela ofega desesperada.
Ela tenta afastar minha cabeça, mas me mantenho firme e seu corpo
treme todo debaixo de mim. Olho para cima para vê-la revirando os olhos e
tentando se afastar, mas eu não deixo. Kate não consegue me afastar e se
entrega mais uma vez ao orgasmo, ela se perde, e quando percebo, está
choramingando, experimentando o auge do prazer. Tiro os dedos de dentro
dela e sigo chupando mais um pouco.
Ela está muito melada e quando atinge o orgasmo, eu a sinto jorrar
de dentro de sua boceta aquele líquido viscoso de quem está gozando e
perdendo o controle.
— Michael... – ela geme meu nome muito alto antes de chorar e
revirar os olhos de novo.
— Isso, meu bem – digo enquanto o corpo dela se entrega —, você
nunca mais vai esquecer isso.
Vou parando devagar, fazendo com que volte ao normal. O corpo
dela relaxa e Kate abre os olhos para me encarar.
— Gostou?
— Você é um grande babaca! – xinga e começamos a rir.
Senti falta disso, até mesmo de seu mau-humor. Como pode uma
pessoa fazer tanta diferença na minha vida da noite para o dia? Ontem ela
não era ninguém e hoje não consigo pensar em outra mulher, querer estar
com outra. É somente ela que domina meus pensamentos e desejos.
Ficamos abraçados ali por um longo tempo. Apoio minha cabeça em
sua barriga e ela segue acariciando minhas costas. Nenhum dos dois se
move até que escuto meu gato miar. Olho para o lado e ela também.
— Esse é o Cat – conto.
Ela dá uma risada alta.
— Seu gato chama Cat? – pergunta com perplexidade.
— Tem que admitir que é bem original – argumento e saio de cima
dela.
Eu me levanto e estendo a mão para ela. Kate aceita e a puxo,
quando faço isso, seu corpo se choca ao meu e aproveito para beijá-la mais
uma vez. Cat mia de novo, ele está com fome.
— Preciso colocar comida para ele ou não vai me deixar em paz! –
E a puxo para dentro da casa.
Coloco comida para Cat na área e quando volto para a casa, Kate
está olhando minha estante de livros. Aproximo e dou um belo tapa no
traseiro virado para mim. Ela ainda está nua e bem à vontade na minha
casa.
— O que está procurando?
— Nada, só vendo o que você gosta de ler.
— Gosta de livros?
— O passatempo preferido meu e do David era comprar livros para
ler. Ele é viciado. Tenho que culpá-lo pela minha decisão de ser jornalista.
— Ele fez bem então em cometer esse delito – debocho —, você
não cansa de me surpreender.
Toco seu rosto e acaricio sua bochecha com o polegar. Ela fica sem
graça e se afasta.
— Peguei o gosto por ler por causa do acidente, fiquei dois anos em
uma cadeira de rodas – comento.
Ela pega um livro da estante e me observa antes de folheá-lo.
— Como aconteceu? – Ela quer saber.
— O acidente? – questiono e ela assente.
Kate vai se sentar na poltrona e eu me sento ao lado dela.
— Foi uma estupidez de crianças – conto —, eu tinha oito anos,
estava na casa da árvore e um amigo de infância me empurrou. Ele não
tinha intenção em me jogar lá de cima, era só uma brincadeira e eu caí.
— Santo Deus! – Ela faz uma careta de dor.
— Caí seis metros e além de fraturar a coluna, tive a fratura exposta
do fêmur, e o osso da perna se quebrou em três lugares diferentes...
— Ai, Michael! – ela fala angustiada e segura a minha mão. — Você
era um menino!
— Mas acidentes acontecem com crianças, é inevitável – observo
—, e ninguém teve culpa, foi um acidente. Passei por diversas cirurgias e os
médicos diziam que eu jamais voltaria a andar. Eu acreditava nisso até
encontrar David naquele jogo...
Ela sorri com orgulho.
— Mudou sua vida, não é?
— Completamente, eu me dediquei mais à fisioterapia, recuperei o
ânimo. Palavras podem destruir, Kate, mas podem salvar uma vida...
— E quanto tempo levou para voltar a andar?
— Um ano – respondo —, no meu aniversário de onze anos, eu dei
meu primeiro passo fora da cadeira...
Ela fica emocionada e acaricia meu rosto com carinho.
— Deve ter sido incrível, eu gostaria de estar lá para ver...
— Eu era só um menino franzino e sem graça...
Ela ri e balança a cabeça.
— Não estou falando disso – me repreende.
— Mas eu estou. Gostaria de ter te conhecido antes, Kate. Não
deixaria homens como Liam quebrarem seu coração...
Ela afasta a mão do meu rosto.
— E talvez, eu não seria a mulher que sou hoje, não teria o Caleb. E
por ele, eu passaria tudo de novo, apenas para poder amá-lo outra vez.
Como não admirar essa mulher que é louca pelo próprio filho?
— Ele tem sorte de ter você...
Eu tenho sorte de ter você, Kate. As palavras travam na garganta e
não consigo dizer. Ainda é cedo.
— Quero pedir desculpas pela outra noite – ela se desculpa —, eu
pirei e fiquei chateada.
— Você teve suas razões...
— Da mesma forma que você teve as suas para me apresentar para a
sua família e não compreendi – admite e me encara, seus olhos nos meus
—, sei que você não quer me prejudicar.
— Fico feliz que tenha entendido...
— Agradeça ao meu pai, ele ficou louco de raiva quando disse que
terminei com você – ela conta e ri —, acredito que se depender dele, nós
dois vamos...
Ela para de falar de repente.
— O quê?
— Vamos ser eternos, ele adora você como a um filho – completa.
Não é isso que ela ia dizer, mas tudo bem. Só o fato de ela estar aqui
e comigo, já é suficiente para me fazer sentir melhor outra vez. Brigar com
Kate me fez mal. Deveria ficar preocupado com essa súbita necessidade de
estar ao lado dela, porém, não estou com vontade de ficar divagando sobre
isso. Eu a quero e pronto. Nada mais importa.
— Eu também gosto do seu pai.
Sorrimos um para o outro e ela mostra o livro.
— Hum, Kafka...
E abre em uma das páginas. Observo seu perfil bonito e coloco o
seu cabelo atrás da orelha. Ela sorri para mim e continua sua leitura.
Como uma pessoa que um dia foi completamente estranha, pode
acordar um dia e se tornar especial? Tiro o livro da sua mão, ela reclama,
mas quando a beijo tudo é esquecido. Só não conseguimos esquecer do
desejo que mais uma vez nos consome.
Capítulo 24

Qual mãe não se sente culpada por deixar o filho em casa para sair e
se divertir? Quando chego na manhã seguinte, recordo que pela primeira
vez fiquei vinte e quatro horas sem ver Caleb. Fico mal e sento na cama
para chorar. A sociedade cobra tanto que a culpa me toma e me sinto uma
ordinária. Quando conto isso para a minha psicóloga, ela diz:
— Calma, Kate! É realmente difícil para a mulher separar a mãe da
mulher ativa que ela é. Você se acostumou a ser somente mãe e não tem
nada de errado. Caleb estava bem, cuidado por pessoas da sua confiança...
você não foi irresponsável, não largou seu filho sozinho trancado em casa,
ele estava alimentado, brincando e ao lado de pessoas que ele ama e
confia. Não tem problema algum você ter momentos como esse, é
necessário ou você enlouquece...
Como é difícil.
— Está tudo bem? – a voz de Beatrice me desperta para a realidade.
Estamos preparando um jantar especial. Hoje foi a reunião de
apresentação do meu pai na emissora e ele está oficialmente contratado. No
domingo à noite, eu e David vamos participar de um talk show importante
da costa oeste para falar sobre isso, trabalharmos na mesma emissora e a
volta dele para o estrelato.
— Está – encolho um dos ombros —, só tentando entender a
dinâmica de ser mãe e ter um namorado.
Olho por cima do ombro. Michael e meu pai estão ao redor da
piscina rindo e conversando enquanto tomam cerveja. Caleb está dentro da
piscina nadando como um peixinho com sua boia do Sonic nos braços.
Michael comenta algo com o meu pai e eles explodem em uma risada.
— Você é uma canalha, Michael! – meu pai diz e continuam rindo.
Beatrice olha na mesma direção e depois se volta para mim.
— Você está naquela crise entre ser mãe do Caleb e ter tempo para
si mesma – ela comenta compreensiva.
— Tenho certeza que você não passou por isso...
— Como não?
— Você era casada com o pai dos seus filhos, não é?
— Sim, mas acontece do mesmo jeito. Parece que nossa libido
evapora depois que os filhos nascem. Cuidar da casa, dos filhos e do marido
é uma maratona – ela suspira pesadamente —, eu e Antony nos separamos
uma vez. Não conseguia fazer nada além de cuidar das crianças e quando
ele me tocava à noite, eu sentia raiva. Ele estava ávido por sexo e eu só
queria dormir. Tempos sombrios. Parei de tomar banho só para ter uma
desculpa para não transar – ela confessa e ri alto.
— Sério?
— Você não tem ideia das desculpas que comecei a criar, ficamos
seis meses sem sexo...
— Passei por isso com Liam. Ficamos meses sem transar, eu
também não tinha ânimo... e ele não me procurava, já tinha outra...
— E agora que você tem um cara legal, se sente culpada? É normal,
mas não deixe isso entrar na sua mente. Ter alguém na sua vida para
compartilhar o lado bom e ruim da vida é ótimo. E nós mulheres fomos
treinadas para não sentir prazer e nem termos vida própria... Não faça isso...
ou você vai ser infeliz...
Assinto e suspiro devagar.
— É que deixar o Caleb com vocês para ficar com o Michael parece
errado – confesso.
— Só se você for irresponsável – ela declara séria —, você pode se
dividir em mil mulheres e dar atenção a todos. Mas dar atenção só ao seu
filho, vai te frustrar. Além disso, ele está ótimo, olhe para ele... já faz alguns
dias que ele não atira uma flecha no Michael quando ele chega, ao
contrário...
É verdade. Sorrio ao me recordar que Caleb não ataca mais o
Michael. Ontem à noite, estávamos assistindo um filme e Caleb dormiu
encostado no Michael que depois o levou para a cama, antes de irmos para
o meu quarto. Depois da reconciliação e quando pedi desculpas, as coisas
melhoraram entre nós. Há mais confiança e respeito. Michael realmente é
um cara incrível e que me faz bem. Tirá-lo da minha vida por insegurança,
ou por achar que não posso tê-lo e também dar atenção ao meu filho, seria
um pecado.
— O almoço está pronto! – Beatrice anuncia e leva a salada para a
mesa que arrumamos do lado de fora.
Aos poucos a minha casa tem tomado vida, comprei mais móveis e
está ficando com cara de lar de verdade. Meu pai vai até à mesa, e ele
Beatrice trocam uma conversa num tom bem baixinho que não consigo
ouvir. Aproximo da piscina e estendo a mão para Caleb:
— Está na hora de sair, meu bem...
— Ah, mamãe! Quelo nadar mais!
— Hora de sair... – insisto —, vamos almoçar agora e mais tarde eu
deixo você nadar mais.
— Não vou!
— Caleb! – eu o repreendo.
— Ouviu o que sua mãe disse, Caleb! Para fora da piscina, agora! –
Michael manda parando ao meu lado.
Um único comando e Caleb faz cara feia, mas nada em direção às
escadas para sair. Não posso acreditar que meu filho obedeceu meu
namorado, mas não a mim.
— Sério? – Olho para ele, indignada.
Caleb sai da piscina e corre na direção do meu pai, Beatrice o ajuda
a tirar a boia do braço enquanto eu tenho uma discussão com Michael.
— O que eu fiz agora? – pergunta sem entender.
Eles nunca sabem o que fazem de errado, porque sempre está tudo
certo.
— Você tirou a minha autoridade!
— Não tirei, só reforcei sua ordem! – ele se defende.
— Ele obedeceu a você e não a mim! – discuto brava.
— E eu deveria deixar você por uma hora gritando na borda da
piscina se podemos resolver isso de forma mais prática?
— Você não é o pai dele!
Michael estreita o olhar. Para minha surpresa, ele me segura pela
cintura e me puxa de uma vez e caímos na piscina. Afundamos e eu me
solto dele para nadar para cima. A água está gelada.
— Seu maluco! – xingo enquanto ele ri sem parar. — Agora vou ter
que trocar de roupa!
Michael me puxa contra ele e me mantém contra o seu corpo.
Pressiono a mão em seus braços fortes e o empurro, mas faço força à toa.
— Me solta!
— Não até você se acalmar! – ele diz tranquilo.
Reviro os olhos e desisto de fazer força.
— Não quero atrapalhar, Kate – ele fica sério quando me encara. As
gotículas de água escorrendo por seu rosto bonito —, quero somar em sua
vida e ser o pai que Caleb precisa...
As palavras dele me deixam chocada. Desde o dia que Michael
colocou Liam para fora, ele não ligou mais ou quis ver Caleb. Só mostrou o
verdadeiro covarde que é. Não sei o que dizer. Abro a boca para falar...
— Ninguém atende a porta dessa casa? – a voz feminina nos
interrompe.
Amanda Owen está parada na porta da varanda com seus cabelos
ruivos compridos e sua roupa vulgar.
— Ah, meu Deus! – gemo e olho para o outro lado.
— Quem é ela? – Michael quer saber.
Eu o encaro.
— Minha mãe...
Ele me solta e nado para sair da piscina. Não acredito que ela
apareceu sem avisar. Meu pai a detesta e toda vez que se encontram a briga
é certa. Pense em duas pessoas que nunca deveriam ter se envolvido: meus
pais. São inimigos mortais. Ela o abandonou e ele jamais a perdoou por
isso. Michael sai logo atrás de mim.
Estou envergonhada, minha mãe não presta e sabe como ser
desagradável.
Olho para Michael e ele assente como se compreendesse o que está
acontecendo. Talvez David tenha contado a ele seu lado da história e fico
mais tranquila. Ele deve estar preparado para o pior.
— Olá! – minha mãe ignora meu pai e Beatrice e se aproxima de
mim.
— Oi, mãe!
— Que recepção mais calorosa! – ela ironiza. — Não mereço um
abraço?
— Estou molhada, preciso me trocar... – E a encaro.
— Não vai me apresentar seu amigo? – Ela olha para Michael com
interesse enquanto mastiga seu irritante chiclete no canto da boca.
Sempre odiei isso. Tanto quanto o cigarro que ela nunca solta. É
difícil dizer o que realmente gosto nela.
— Esse é o Michael – falo sem dar sobrenomes —, essa é minha
mãe, Amanda Owen.
— Olá, Michael – ela se aproxima para lhe dar um beijo no rosto —,
fico feliz em conhecer meu genro finalmente.
Eu a fito com desconfiança. Genro? Ela sabe que eu era casada com
Liam. A primeira vez que ela ressurgiu na minha vida, eu já estava casada.
— Ele não é...
— Ah, meu Deus! – Ela me ignora e se vira para os ocupantes da
mesa. — Se não é meu neto lindo! Vem aqui dar um beijo na vovó!
Caleb se esconde atrás da cadeira do meu pai.
Minha mãe faz uma careta de desgosto.
— Você precisa dar mais educação ao seu filho, Kate!
— Ele só a viu duas vezes, mãe, é normal que estranhe...
— Como vai, David? – minha mãe o cumprimenta.
— Perdi o apetite – meu pai diz sério —, vou para o meu quarto.
Quando essa mulher for embora, me avisem.
— Ainda continua amargo e rancoroso – minha mãe provoca
enquanto Beatrice empurra a cadeira dele para dentro da casa. Caleb o
segue olhando para a minha mãe de lado.
A energia dela é muito negativa, até uma criança pode sentir e não
querer ficar perto dela. Ela tira o cigarro da bolsa verde que combina
perfeitamente com sua minissaia de couro. Aproximo e tiro o cigarro da
mão dela, jogo no chão e piso.
— Na minha casa, você não vai fumar, mãe!
— Careta! – Ela me fita, indignada. — Você é igualzinho ao seu pai,
por isso eu fui embora.
Essa conversa de novo. Ela sempre tem que jogar a culpa em mim e
David por seus erros. Quando eu era jovem aceitava, mas agora não. Eu sei
que foi escolha dela e não tenho poder sobre o que ela faz da própria vida.
— O que você quer, mãe? – Cruzo os braços e sou direta.
Vejo Michael entrar na casa e olho para ele, depois me volto para
ela.
— Um Scott Rhodes? – ela debocha. — Foi assim que conseguiu
seu emprego e do seu pai?
— Se você veio aqui para ser uma filha da puta, pode ir embora –
aponto para a porta da varanda —, não sou obrigada a aceitar seu mau-
humor, só porque sua vida é uma merda!
Ela entende o recado. Michael volta segurando uma toalha e a
coloca sobre os meus ombros e fica ao meu lado.
— Estou precisando de dinheiro – minha mãe é direta. — Meu
trailer pegou fogo há algumas semanas e não tenho onde morar. Estou em
um albergue em Las Vegas. Gastei meu último dinheiro para vir aqui depois
que a vi na TV e foi anunciado que seu pai voltou ao esporte. Vocês estão
ricos e eu não tenho nada. Isso não é justo! Você é minha filha, tem que
cuidar de mim!
Não tenho palavras para tamanho absurdo.
— Não tenho obrigações com você! Você foi embora quando eu
tinha cinco anos, mãe! Meu pai já era rico e nem o dinheiro a fez ficar! Por
que eu ficaria preocupada com você agora?
— Porque é sua obrigação! – ela insiste. — Posso processá-la,
sabia?
Agora, ela foi longe demais.
— Então me processe, porque eu dei certo e estou ganhando bem –
não vou aceitar sua chantagem —, quero ver o juiz que vai me obrigar a dar
dinheiro a uma mãe que me abandonou e só voltou para a minha vida para
pedir dinheiro vinte anos depois...
Nós nos enfrentamos com o olhar e eu lamento muito que ela seja
assim. Podíamos ser uma família feliz, mas ela não deu conta. E a culpa não
é minha.
— Você é uma ingrata, Kate. Sempre preferiu o seu pai. Vou acabar
com você, pode apostar! Vou fazer todo mundo saber quem é Kate Lynch de
verdade...
E sai andando, batendo sua bota velha no piso da casa.
Começo a tremer sem parar e Michael me abraça pelas costas. Ele
beija meus cabelos.
— Vai ficar tudo bem... – ele me consola.
Porém, eu sei que não vai. Minha mãe vai dar um jeito de fazer da
minha vida um inferno. Só espero que ninguém dê ouvido a ela.
Capítulo 25

— Está nervoso? – pergunto para David enquanto a assistente do


programa termina de ajeitar o microfone em sua camisa polo com o logo da
emissora.
— Um pouco – ele admite —, mas é como andar de bicicleta, depois
que aprende, não tem erro.
Sorrio, Kate tem o mesmo bordão, ela vive dizendo isso.
— Vamos entrar no ar em dois minutos – Jason avisa da sala de som
e vídeo.
— Boa sorte! – digo a ele.
Quando me viro, vejo Kate nos bastidores. Não apenas ela, mas uma
legião de fãs que trabalham na emissora. O retorno de David nos rendeu
milhões de dólares em publicidade. Toda a América quer assistir ao melhor
lançador de todos os tempos renascendo das cinzas. Ela permanece olhando
para o pai e me ignora.
Como isso me incomoda. Não poder me aproximar dela, sorrir,
trocar olhares. Não gosto dessa situação e tenho que dar um jeito nisso.
Pego meu celular e envio uma mensagem para Simon Conolly, o advogado
do Grupo Scott Rhodes.
Eu: preciso de uma reunião urgente para tirar algumas dúvidas.
Simon: quando quiser.
Eu: Hoje mesmo, vou pedir para Tabhita encaixá-lo na minha
agenda.
Subo para a sala de som e fico junto de Jason e também Douglas
que está ansioso pela estreia de David. Quem não está? Sento na cadeira ao
fundo para não interferir no trabalho deles e então os comerciais acabam e a
câmera aponta para o apresentador, John Draifus.
O silêncio impera em toda a parte.
— Oi, eu sou John Draifus e esse é o jornal do esporte do meio-dia.
Vamos trazer muitas novidades, mas hoje temos um convidado especial, é a
estreia dele na American Sports TV. Deem as boas-vindas ao meu
companheiro de trabalho, David Lynch.
A câmera pega David e o vejo perdido por um instante, tenso.
Então, David move a mão no ar e diz:
— Obrigado, Draifus, é um prazer estar aqui com vocês...
Yes! Fico feliz que ele conseguiu.
— Conta pra gente, David. Onde você estava esse tempo todo? –
John pergunta.
— Estava me preparando para ser o comentarista na temporada de
baseball desse ano – ele olha para a câmera —, vou dizer a vocês fãs do
baseball a verdade sobre cada jogador e cada jogada, não vou deixar nada
passar.
— Vejo que vai ser um show de comentários!
— Pode ter certeza, vou ser exigente com os rapazes da liga, nós
precisamos do melhor e queremos ver jogadas espetaculares, então me
impressionem...
John sorri satisfeito e todos ao redor também.
— É isso aí, David, vamos agora falar do primeiro jogo que vai ser
na próxima semana quando se inicia a pré-temporada de primavera.
A reportagem entra no ar e Jason olha para mim.
— Deu certo!
Assinto, eu sabia que daria.
— Quero ver os números! – digo e me levanto.
A porta é aberta e a assistente entra, eufórica.
— Batemos o recorde de audiência, Jason – ela fala e quando me vê
sorri também —, somos os líderes de audiência no país todo!
— Isso! – Fico feliz e saio da sala.
Desço as escadas e David está conversando com Kate, os dois estão
se abraçando e falando ao mesmo tempo. Não posso perder isso. Sou o
dono dessa porra e Kate é minha namorada. Não falamos exatamente sobre
rótulos, mas o fato de que durmo na casa dela todos os dias e estamos
transando continuamente deve significar alguma coisa.
— Parabéns! – eu chamo a atenção dos dois. — Você foi ótimo,
David.
— Obrigado, Michael – ele aperta a minha mão —, se não fosse
você, isso não seria possível.
Fico sem graça.
— Ele tem razão, Senhor Rhodes – Kate fala de um jeito mais
formal por ter pessoas ao redor —, somos gratos de verdade.
Eu quero beijar aquela boca gostosa e esquecer da maldita ética e
regras idiotas que foram criadas há anos. Começo a me colocar no lugar dos
meus funcionários e compreender que é impossível esconder o que se sente
quando se envolve com alguém do trabalho. Parece uma tentação. Acredito
que tive que passar por isso para mudar essa regra idiota.
Eu a encaro e não consigo desviar o olhar, ela também não.
— Tenho certeza que mais tarde podemos comemorar – a voz de
David nos tirar daquele torpor gostoso.
— Claro – Kate concorda.
Ela sabe que irei para a casa dela mais tarde. Não tem como fugir.
Eu iria a qualquer lugar do mundo só para ficar com ela.
— Tenho que ir – ela fala, me olha mais uma vez e se afasta.
Eu a observo se afastar.
— Você precisa se controlar, Michael – David chama a minha
atenção —, você não está mais escondendo seu interesse por Kate.
— Sei disso... – fico sério —, talvez, eu não queira esconder mais,
David.
Um sorriso se forma nos lábios dele e chega até os olhos.
— Eu fico satisfeito por saber que um cara como você gosta da
minha filha – ele confessa —, você tem o coração bom e Kate precisa de
alguém assim.
Não respondo. Não esperava sentir o que sinto. Não desejei me
apaixonar por Kate a ponto da vida dela entrar na minha e dar outro sentido.
Aconteceu e não quero que ela se afaste. Não mais.
— Mas tem que tomar cuidado. Ela tem mais a perder do que você...
— Já discutimos isso e compreendi o lado dela – observo —, sei que
não vão perdoá-la por se envolver com o dono da emissora.
— Exato – ele concorda comigo —, e Kate odeia ser exposta.
— Não vou deixar isso acontecer – falo seguro.
— Eu sei que não. – Ele confia em mim.
E isso não tem preço. Nunca imaginei que eu seria namorado da
filha do cara que era meu ídolo. Chega a ser engraçado. De fã, a amigo e
agora genro. Essa palavra não me assusta mais. Nunca idealizei um
relacionamento, mas agora que encontrei Kate, estou começando a pensar
sobre o assunto.
— Pode me acompanhar até o carro? – David me pede.
— Pediu um táxi? O motorista da empresa pode levá-lo.
— Não. Eu comprei um carro adaptado – ele pisca para mim
enquanto seguimos lado a lado —, tenho um bom salário e um contrato
milionário com uma certa emissora. Beatrice está me esperando em casa.
— Vocês têm se dado bem, não é?
— Ela é uma mulher inteligente, fogosa e sábia, o que mais eu posso
querer?
Rimos juntos e eu o levo até o estacionamento. Eu o ajudo a entrar
no carro e coloco sua cadeira no porta-malas.
— Vai jantar conosco hoje? – Ele quer saber.
— Claro, ainda duvida?
Ele sorri e parte. Volto para a minha sala e quando chego à recepção,
Tabhita me fita daquele jeito que está impaciente. Ela gira o olhar na outra
direção e o sigo. Tem uma mulher sentada me esperando. É Amanda, a mãe
de Kate. Como essa maluca conseguiu entrar aqui?
— A Senhorita Owen está aguardando por você – Tabhita me diz
sem qualquer humor.
Só Deus sabe o que essa mulher disse para a minha secretária para
deixá-la com esse péssimo humor. Amanda se ergue com seu vestido de
couro. Parece uma daquelas prostitutas da noite em Hollywood Boulevard.
Ela está mastigando aquele chiclete e fazendo barulho. Tudo nessa mulher é
desprezível e não é pela forma como ela se veste, é por ter abandonado a
filha de cinco anos para se divertir e agora voltar porque Kate está famosa.
— Oi, Michael – ela diz com intimidade —, será que tem um
minuto para mim?
E se eu disser que não?
— Não tenho – respondo sério e passo por Tabhita —, encaixe o
Simon para hoje à tarde, preciso falar com ele urgente! E chame os
seguranças para acompanhar a Senhorita Owen até a porta!
E vou para a minha sala. Amanda me segue com seu perfume
barato, batendo o salto no chão. Ela fede a cigarro, tenho a impressão que
não toma banho há dias. Ela bate a porta e quando me volto para ela, está
com o dedo em riste.
— Eu não vou embora até me ouvir!
— Posso facilmente chamar os seguranças e a colocar para fora –
aviso sem qualquer intimidação.
— Se fizer isso, todo mundo vai saber sobre você e a Kate! – ela
fala nervosa.
— Não fale o nome dela assim, você não merece! – Sento na cadeira
e espero que venha mais merda.
— Você não sabe toda a história...
— E não quero saber – a corto e ela fica surpresa —, só me interessa
a felicidade de Kate.
— Então, se não quer que ela perca seu precioso emprego, você vai
me dar o que eu quero!
Por que não estou surpreso? O que mais essa mulher pode pedir?
— Ela não vai ser demitida, Amanda, porque eu sou o chefe,
esqueceu?
Ela ergue o queixo.
— Mas eu sei da cláusula no contrato que a faz perder o emprego de
imediato.
Estreito o olhar.
— Como sabe disso?
— Não interessa – ela se sente triunfante —, quero quinhentos mil
dólares em dinheiro e saio da vida dela para sempre.
Dou uma risada alta, como se ela tivesse contado uma piada muito
engraçada.
— O que foi? Acha que eu não tenho coragem de foder com a vida
da Kate?
— Você já fez isso quando a abandonou, sua covardia só mostra o
quanto você é pequena e ridícula. Tem inveja da própria filha, típica
narcisista do caralho. Você deveria fazer terapia e se tratar...
— Olha como fala comigo, mocinho, eu posso ferrar com a sua vida
também...
— Chega! – Perco a paciência e me levanto. — Vai embora, eu não
vou te dar nada. Nem o meu tempo.
— Você não sabe com quem mexeu, tem gente muito grande por
trás de mim! – Ela sabe de algo que eu não sei.
Porém, vou descobrir. Sinto cheiro de traição no ar. Alguém deu
com a língua nos dentes e está usando essa vagabunda contra Kate.
— Volta para o inferno de onde você veio – aviso —, não vai ter
dinheiro meu ou da Kate. Não vou patrocinar sua vida medíocre. Entendeu?
— Você é muito petulante – ela fala com desprezo —, quero ver
como vai reagir quando a vida de Kate for exposta aos quatro ventos, ela
nunca vai perdoar você. Igual não me perdoou.
A porta é aberta e dois seguranças surgem.
— Mike e Taylor vão acompanhá-la até a saída – digo sem me
intimidar.
Ela escarra e cospe no chão antes de sair. Que nojo!
Tabhita surge na porta e sente ânsia de vômito quando vê aquilo no
chão.
— Peça para alguém limpar e pague um extra, ninguém merece ter
que limpar excremento dessa maluca!
— Está bem. – Ela fecha a porta e sai da minha sala.
Levanto e vou até à janela. Vejo quando Taylor e Mike a escoltam
até a saída do estacionamento. Ela se vira para eles e mostra o dedo do
meio. Olha na minha direção e faz a mesma coisa.
— Você vai pagar, Rhodes! – ela grita antes de correr e passar pela
portaria.
A porta do meu escritório é aberta e a moça da limpeza faz seu
trabalho. Quando ela sai, Tabhita entra e fecha a porta.
— Quem é ela, Michael? – pergunta preocupada.
Sei que posso confiar em minha secretária.
— Ela é a mãe de Kate Lynch – conto.
— Oh! – Ela parece surpresa. — E agora que a filha está famosa, ela
quer dinheiro.
Até Caleb pode concluir isso sem problema algum.
— Exato – encaro —, preciso que marque com o Simon o mais
depressa possível. Sinto que vamos ter problemas com essa mulher, ainda.
— Não vai fazer nada?
— Estou fazendo, cuidando de tudo, mas sem alarde. Tenho um
inimigo se movendo por debaixo dos panos contra mim, Tabhita, e vou
deixar que ele dê o bote para que eu possa cortar sua cabeça fora...
Ela sorri diante da minha resposta.
— Sabe que eu sempre o admirei, não é? Tenho orgulho de trabalhar
para você, Michael.
Fico sem graça.
— Não vou te dar aumento!
— Vai para o inferno! – Ela ri. — Torço por você e pela Kate.
Franzo o cenho.
— Kate? – finjo não saber sobre o que ela fala.
— Só um tolo não percebe o que está acontecendo entre vocês...
— Mas somos discretos – argumento.
— Sim e não há fofoca sobre isso se quer saber. Mas eu sou sua
secretária e seu humor melhorou cem por cento depois que ela entrou em
sua vida – ela sorri —, e eu sei que o K que você escreve nas folhas de
rascunho é sobre ela.
Fico sem graça. Às vezes, quando estou ansioso e pensando nela,
escrevo K. Não é nada especial, só uma mania. Uma forma de colocar o
pensamento para fora.
— Você merece um aumento...
— Mando flores para a Kate?
Dou uma risada.
— Mande uma dúzia de buquês de rosas vermelhas, ela merece...
Tabhita sorri satisfeita e sai da minha sala. Preciso agir rápido, sinto
que algo ruim se aproxima de nós e não terei controle sobre isso. Aprendi
há muito tempo que não posso controlar tudo, mas posso estar tranquilo e
seguro quando a tempestade cair. E proteger Kate como ela merece.
Capítulo 26

Estou saindo do Sofi Stadium com a equipe da TV quando um


homem para diante de mim. Levo um susto e desvio a atenção do meu
celular para ele.
— Liam? – pergunto e dou um passo para trás.
— Oi, Kate... – ele fala tenso usando seu inseparável terno.
Agora que ele é namorado de Hannah Watson, ele só usa ternos
caros. Não os compra mais nas promoções de um bairro qualquer,
parcelados no cartão.
— O que você quer?
— Precisamos conversar – ele diz sério.
— Se for para ver o Caleb, você pode me ligar e combinamos. –
Tento passar por ele, mas Liam se coloca na minha frente.
— Não é sobre Caleb, é sobre o seu namorado.
Michael? Olho ao redor para ver o quanto a equipe está longe. Eles
estão no furgão guardando os equipamentos.
— Não tenho namorado – fecho a cara —, é melhor você sair da
minha frente, eu tenho muito trabalho a fazer. Tenho que buscar nosso filho
na escola, aquele que você nunca vê...
Passo por ele finalmente, porém, Liam segura o meu braço. Como
eu sinto nojo quando ele me toca.
— Não me toca! – quase grito e ele não me solta e me dá um beijo
na boca. Eu o empurro. — O que pensa que está fazendo? – xingo e limpo a
boca com as costas da mão. — Ficou louco?
— Michael Rhodes não te merece, Kate! – ele me avisa com o dedo
em riste.
— E você merece? O que está fazendo aqui e por que tentou me
beijar? É nojento!
— Não era assim que você pensava quando éramos casados!
— Pelo amor de Deus! Só para! Para agora mesmo com esse ataque
de ex-marido arrependido. Você seguiu com a sua vida, Liam! Eu segui com
a minha...
— Mas você é mãe, não pode fazer isso!
— Sério? – Dou uma risada sarcástica. — Então o homem pode
trair, mas a mulher não pode namorar após o divórcio?
— Uma mãe de verdade se dá ao respeito.
— Cala a boca!
— Apesar que sendo filha de quem é, é bem capaz de você imitar a
sua mãe...
— Chega! Acabou para você. Michael tem razão, você não merece
sequer que eu perca meu tempo lembrando de você e do que fez comigo!
Você é um verme! Não chega aos pés dele!
Também sei fazer doer e sinto que o tiro é certeiro, Liam fica pálido.
— Michael vai te usar e jogar fora! Ele é rico, acha mesmo que ele
vai achar graça em você? Ele pode ter a mulher que quiser... você tem
estrias, celulite, é nojenta! Engordou depois da gravidez! Como ele te come,
no escuro?
Isso é cruel.
— Vai para o inferno, Liam! Você é um idiota! Não sei como pude
gostar de você um dia!
— Não falava assim quando meu pau estava enterrado na sua
boceta! – ele apela.
— Está acontecendo alguma coisa, Kate? – Terrel surge ao meu
lado.
— Não é nada, Terrel, está tudo bem! – asseguro. — Eu já vou...
Meu colega de trabalho se afasta e olho para Liam.
— Nós não temos nada para conversar – afirmo e dou as costas. —
Nunca mais quero olhar nesta sua cara nojenta!
Estou tremendo de raiva, como eu pude dizer um dia que amava um
homem tão desprezível e sem coração? Tenho pavor dele.
— Tem certeza que pode confiar sem por cento no seu namorado? –
ele fala alto às minhas costas.
Algo me diz para não dar atenção, ele só quer palco, só quer chamar
a atenção e me diminuir como sempre fez. Não há nada que Michael não
faça que eu não saiba. Estamos juntos há mais de um mês e ele passa a
maior parte do tempo na minha casa, ou está trabalhando. Sua vida é
comigo. Nada do que Liam disser pode ser verdade, a não ser fofoca de um
homem recalcado.
— Nunca pensei que seria a puta dos Scott Rhodes! – ele grita para
todos ouvirem.
Não preciso suportar isso. Eu volto para perto dele e lhe dou um
soco bem dado no nariz.
— Sua cadela! Puta! – Ele vem para cima de mim, mas Terrel e os
outros caras da equipe entram na minha frente e o empurram.
— Ficou louco, cara? – Terrel grita com ele. — Sai daqui ou vamos
chamar a polícia, idiota!
Liam sai caminhando com o nariz sangrando e Terrel se volta para
mim.
— Está tudo bem, Kate? Quem é esse cara?
— Meu ex-marido – estou tremendo da cabeça aos pés —, tem água
aí?
Outro rapaz me entrega uma garrafa e eu tomo de uma vez. Não
posso acreditar que passei por isso. Quando diziam que a maioria dos ex-
maridos surta quando a mulher segue com a vida, pensei que fosse lenda.
Mas senti na pele o quanto pode ser cruel. Terrel oferece o braço para eu me
apoiar e voltamos para o furgão.
— Quer ir até a delegacia prestar queixa? – Terrel oferece.
Agora sou uma pessoa famosa, meu pai voltou à cena. Se eu fizer
um boletim de ocorrência, em horas a mídia de Los Angeles fica sabendo e
não quero meu nome ligado a Liam. Não anseio dar mais motivos para ele
me procurar.
— Não, só vamos para a emissora, eu preciso pegar meu filho na
escola.
Terrel assente. Ele entra no furgão e fecha a porta e se senta ao meu
lado.
— Deveria fazer o boletim de ocorrência para ele não poder mais se
aproximar de você – Terrel me aconselha.
Se as ameaças de Michael não o seguraram, uma ordem judicial não
adiantaria muita coisa. Só quero esquecer esse episódio e seguir. Duvido
que ele vá se aproximar de mim de novo sabendo que não vou hesitar em
quebrar seu nariz. Queria tanto poder ligar para Michael e contar o que
aconteceu, mas ele só vai ficar furioso e não quero estragar seu dia. À noite
conversamos e lhe conto tudo.
Sequer entro na emissora, desço do furgão e vou direto para o meu
carro.
— Senhorita Lynch! – Suellen do RH me chama.
Olho para o lado e a vejo atravessando o estacionamento correndo.
Desligo o carro e espero. Ela para ao lado do meu carro e respira
fundo.
— Meu Deus! Estou enferrujada...
Sorrio diante de sua simpatia. Quase nunca ela é assim.
— Correr de salto não é fácil – observo.
— Claro, mas é mais chique – ela mostra a prancheta com o papel
—, pode assinar? É um adendo do contrato com todos os funcionários.
— Sim. – Pego a caneta e assino.
— Obrigada.
— Eu que agradeço. – Aceno e ligo o carro para sair.
Pego Caleb na escola e vou para casa. Encontro meu pai na sala
conversando com Beatrice e Caleb corre para cumprimentá-los com beijos e
abraços.
— O que estão assistindo? – pergunto e olho para a TV.
— Seu pai quer que eu assista seus melhores momentos quando era
jogador – ela responde com orgulho na voz.
— Sério? – Deixo minha bolsa em uma das poltronas. — Onde
conseguiu, pai?
— Michael me deu, eles fizeram um compilado dos meus melhores
momentos para o documentário.
— Documentário?
— Sim, Michael fechou com uma produtora, vão contar a minha
história...
— Não sabia...
Fico decepcionada por ele não ter me contado.
— Ele estava na reunião com o pessoal da produtora quando me
ligou. Provável que não quis falar com você na frente de pessoas
desconhecidas e levantar suspeitas...
Essa história de termos que ser discretos está me matando. Só
podemos trocar mensagens, nada de telefonar ou ficarmos de conversa em
público. Eu me sinto em uma prisão sem grades. É horrível, mas fui a
criadora das regras, então, não posso reclamar. Ele só está jogando
conforme pedi que fizesse. E depois do que Liam fez hoje, não sei se vale à
pena ficar escondendo algo tão importante na minha vida.
Vai custar meu emprego? Mas eu tenho recebido outras propostas de
emissoras, talvez possa pedir demissão da American Sports e assumir nosso
relacionamento. Tenho que pensar com cuidado, meu custo de vida é alto
agora e ficar sem emprego não é uma opção. Estou de cabeça cheia que não
percebo que meu pai está falando comigo.
— Kate? – ele me chama. — Está tudo bem?
— Está, eu só estou cansada, vou tomar um banho e descansar até o
Michael chegar...
Levo Caleb para o quarto dele, dou banho e o arrumo. Depois vou
tomar meu banho e quando termino, deito no quarto do meu filho e acabo
dormindo ao invés de brincar com ele. Quando acordo já está anoitecendo.
Michael está sentado na beirada da cama, olhando para mim.
— Onde está o Caleb?
— Com seu pai e Beatrice na sala – ele responde.
— Deitei aqui para descansar e acabei pegando no sono. – Dou um
sorriso.
Ele acaricia meu rosto. Sentir seu carinho é tudo o que eu preciso
agora. Sento na cama e lhe dou um beijo casto nos lábios.
— Como foi seu dia? – pergunto tocando seu braço.
Ele já está sem o terno, usando uma roupa informal, sinal de que
passou em casa antes de vir para cá.
— Foi cansativo, um dia todo de reuniões e resolvendo problemas –
ele fala o de sempre.
— E você?
É nesse momento que eu conto o que aconteceu com o Liam. Caleb
entra correndo no quarto segurando o dinossauro em uma das mãos.
— Michael, você quer assistir o desenho do Sonic?
Mil vezes. É um trauma de qualquer pai e mãe. Os filhos sempre
assistem a mesma coisa até o personagem ficar rouco.
— Claro...
Beatrice surge na porta do quarto.
— O que acham de pedirmos uma pizza hoje? – propõe. — Foi ideia
do seu pai. Para nos dar uma folga essa noite.
— Ótima ideia – concordo e me levanto da cama.
— Eu quero peperoni! – Caleb grita.
— Sem gritar! – eu o repreendo e saio do quarto.
— Kate! Kate!
Ouço a voz do meu pai e atravesso o corredor. Ele está na sala,
sentado de frente para a TV. Tenho certeza que ele quer me mostrar uma das
suas jogadas.
— O que foi?
— É melhor você ver isso – sua voz não é agradável.
Fico ao lado dele e olho para a tela. Lá está Amanda Owen, em um
daqueles programas sensacionalistas de fofoca.
— Meu Deus! – Levo a mão aos lábios.
— Essa desgraçada! – meu pai xinga.
— O que é desgraçada? – Caleb pergunta.
— É uma pessoa feia – Beatrice explica e o pega no colo.
Michael se apressa a ficar ao meu lado. Minha mãe está sentada em
uma cadeira, vestida de um jeito que não é ela. Está sem suas roupas
vulgares, usa uma bata branca, sem maquiagem o que a deixa parecendo
que tem oitenta anos ao invés de cinquenta. Quem a vê, pensa que é uma
mulher idônea, uma coitada.
— Preciso me sentar – eu digo e me sento no sofá.
Michael senta ao meu lado e segura a minha mão. Começo a tremer
quando ouço aquela apresentadora preconceituosa e de má fama, dizer:
— Amanda conta para a gente a sua história...
— Ela não vai fazer isso... – falo aflita.
— Bem, eu estou com cinquenta e cinco anos – quando ela diz isso a
plateia murmura chocada por causa de sua aparência mais velha —, mas os
problemas da vida me destruíram. Estou sozinha, sem dinheiro e sem ter
para aonde ir. Meu trailer pegou fogo há algumas semanas e eu perdi tudo.
Ela leva o lenço aos olhos e chora.
— Quem vai acreditar nessa perturbada? – meu pai xinga.
— O que é perturbada? – Caleb quer saber.
Ele encara Beatrice em busca de uma resposta.
— Acho melhor a gente ir até o seu quarto brincar. – E sai com o
meu filho dali.
— E onde está a sua família? – a apresentadora questiona com uma
angústia teatral.
— Eles me abandonaram...
— Filha da puta! – meu pai xinga. — É mentira! Ela nos
abandonou! Ela foi embora sem olhar para trás!
— Calma, pai – peço com cuidado.
Porque sei que o pior está por vir. Ela prometeu que acabaria
comigo, que me exporia, e está fazendo. Quem merece ter isso como mãe?
— Calma nada! Eu devia ter mandado matar essa desgraçada! – ele
fala bravo.
— A verdade é que agora que minha filha é famosa, ela me virou as
costas e se recusa a me ajudar depois de tudo que fiz por ela...
— E quem é a sua filha, Amanda?
— Tenho medo de falar – ela finge chorar —, o namorado dela é
uma pessoa perigosa.
— Diga o nome desse monstro, nós vamos proteger você...
Amanda olha para a TV. Sinto como se ela estivesse me encarando
com aqueles olhos azuis perturbados de uma pessoa sem escrúpulos.
— Minha filha é a famosa jornalista Kate Lynch e seu namorado é o
empresário Michael Scott Rhodes...
Capítulo 27

E a bomba não termina por aí...


Essa mulher cumpriu a promessa de ferrar com a reputação de Kate
e está cumprindo. A apresentadora se levanta e diz para a câmera:
— Então a famosa e queridinha Kate Lynch é uma mentirosa que
não cuida da própria mãe. Ela é namorada do poderoso Michael Scott
Rhodes que hoje foi capaz de colocar a pobre Amanda para fora da
emissora, mesmo ela implorando por ajuda...
Deveria ter imaginado que sobraria para mim.
— Isso é mentira! – David xinga.
— Em partes – sou obrigado a dizer.
Kate me fita com desconfiança:
— Como assim, em partes?
— Sua mãe esteve na emissora mais cedo...
— Quando?
— Logo após a apresentação do seu pai no jornal do meio-dia –
conto.
— E porque não me contou?
— Eu ia contar, mas nós mal tivemos tempo para conversar...
Kate se levanta, brava.
— E o que ela disse para você?
— Ela pediu dinheiro para não ir à TV e eu neguei como pode ver...
— Ah, Deus! – Kate anda de um lado para o outro com a mão na
testa e outra na cintura. — Você devia ter me contato!
— E o que você ia fazer, Kate? – Me levanto também. — Dar
dinheiro a ela?
— Michael tem razão, querida – David intervém —, você não
deveria dar dinheiro a ela! Amanda sempre pediria mais até tirar tudo o que
você tem e acabar nisso! – Aponta para a TV.
Kate só balança a cabeça e cruza os braços.
— E ainda temos mais um escândalo! – a apresentadora fala
mostrando o dedo indicador.
A plateia finge choque e vaia.
— Vocês vão descobrir que Kate Lynch não é a mãe de família santa
que pensam que é...
— Não quero mais assistir isso – Kate fala aflita e dá as costas, indo
em direção à porta da varanda.
— Essa foto prova sua falta de caráter. Ela diz ser namorada de
Michael Scott Rhodes, mas vive de beijos com outros homens.
E na tela aparece Kate beijando Liam. É nítida a foto, foi tirada de
perto ou por uma câmera muito boa. Poderia pensar que é uma foto antiga
dos dois, usada pelo programa. Mas reconheço a camisa polo branca com o
logo da American Sports. Está em frente ao SoFi Stadium e dá para ver o
furgão da equipe da TV logo atrás.
Ela volta para frente da TV.
— Kate? – David pergunta chocado. — O que foi isso?
— Ai que merda! – ela xinga e olha para mim. — Não é o que está
pensando Michael...
— E o que você quer que eu pense? – pergunto sem poder acreditar.
— Posso explicar – ela diz outra fala clichê.
Olho para a foto ainda estampada na tela.
— Por que você estava beijando seu ex-marido no horário de
trabalho? – preciso perguntar.
Sinto-me mal com aquela foto. Pego o controle remoto ao lado de
David e desligo a TV.
— Vou deixar vocês dois a sós – ele avisa.
Ele sai da sala e Kate me encara.
— Liam apareceu na porta do estádio hoje, queria discutir e ele me
beijou à força...
— Sei. – Ando de lado para o outro.
— É verdade, ele me ofendeu tanto que eu quebrei o nariz dele,
pode perguntar a qualquer um da equipe...
Eu a encaro, sei que ela está dizendo a verdade, mas tem outra coisa
que me incomoda mais do que vê-la beijando outro homem à força.
— E por que não me ligou para contar? Eu a teria levado a uma
delegacia para prestar queixa!
— Achei melhor deixar quieto e esquecer. Não o provocar mais...
— Está protegendo esse desgraçado? – Fico impaciente.
— Eu só queria ficar em paz e não ter confusão, Michael! Por isso
eu achei melhor não prestar queixa e deixar tudo quieto...
Balanço a cabeça sem entender.
— E que paz você sente ao deixar esse filho da puta te xingar sem
pagar por isso? – Dou um passo para ela. — Você não ia me contar, Kate!
Você sabia que eu jurei destruí-lo se ele se aproximasse de você de novo! Se
essa maldita foto não tivesse aparecido na TV, você não teria contado.
Ela não retruca. Somente balança a cabeça de um lado para o outro e
depois se afasta.
— Você me cobrou que não contei sobre a sua mãe ter ido à
emissora, mas não é verdadeira comigo...
Ela se volta com o dedo em riste:
— Não ouse me chamar de falsa, Michael! Tenho sido a mais
sincera que posso e me perdoe se eu não sou submissa a você vinte e quatro
horas por dia e não acho importante te contar tudo para você controlar a
minha vida!
— O quê?
— Não preciso de você para me defender, posso fazer isso sozinha...
Não preciso de homem para nada! Para me bancar ou me amar! Posso fazer
isso sozinha! – repete com raiva.
Sinto como se ela me desse um murro no estômago. Estou puto por
causa daquela foto e por ela não ter me contado, pedido a minha ajuda. Ela
me traiu, está claro. Eu me sinto deixado de lado.
— Parece que eu só faço parte da sua vida quando você precisa de
alguém na sua cama...
— Está me cobrando o comportamento que vocês homens sempre
têm com as mulheres? – ela pergunta incrédula.
— Pensei que te conhecesse, Kate, que estivéssemos construindo
algo, juntos. Eu imaginei que essa nossa discrição fosse por respeito ao
nosso trabalho, não considerava que suas perspectivas sobre nós, eram tão
baixas...
— Você fala como se estivesse louco para casar comigo, Michael! –
ela ironiza. — Vai me dizer que entrou nesse relacionamento querendo mais
do que sexo?
— Não vou mentir, eu só queria sexo no começo, não sou um
homem romântico e nunca acreditei em relacionamentos. Mas me apaixonei
por você – levo a mão ao bolso das minhas calças e tiro a caixinha de
veludo —, e sim, eu queria mais do que sexo! – E abro a caixa.
Ela leva a mãos aos lábios, chocada. Fecho a caixa e guardo no
bolso outra vez. Pensei em pedi-la em casamento essa noite, de forma
inesperada, enquanto estivéssemos na cama, me declarando e abrindo meu
coração, mas foi uma péssima decisão.
— Você pode rir e debochar da situação, mas eu acreditei em nós,
Kate. Vejo que você não tem a mesma perspectiva...
Viro as costas e caminho pelo corredor. Quando saio da casa, bato a
porta.
Estou puto e preciso descontar a minha raiva na pessoa certa. Sinto a
raiva me consumir e a deixo crescer enquanto dirijo para Bervely Hills, para
a casa dos Watson. Quando paro diante da mansão, está tocando no som do
carro Wolves, do Sam Tinnesz. Salto e bato à porta. O mordomo me atende
e me identifico. Sou logo recebido e para minha sorte, eles estão jantando.
— Michael – Watson estende a mão para me cumprimentar, mas
passo direto por ele.
Sequer o enxergo. Meus olhos estão presos no homem de
esparadrapo no nariz. Liam percebe e tenta fugir, mas corro e o pego pelo
paletó e logo de cara dou um soco em seu rosto. Ele dá um passo para trás e
dou outro soco com a mão esquerda, enquanto Hannah grita para eu parar.
Liam não tem a menor chance contra mim e lhe dou uma cabeçada e ele cai
no chão. Hannah corre para ele:
— Seu monstro!
— A próxima vez que ele beijar a minha mulher à força, eu vou
matá-lo...
— Michael Rhodes! – Watson se aproxima bravo. — O que está
acontecendo aqui? Por que agrediu o noivo da minha filha?
Eu me volto para ele flexionando o punho.
— Não temos mais negócio, Watson, estou retirando a publicidade
do grupo Scott Rhodes da sua emissora...
— O quê? Mas... por quê?
Sua voz treme, afinal, gastamos milhões de dólares com publicidade
e ele sabe disso.
— Por quê? Não posso confiar em você. Deixou Hannah ser amante
de um homem casado!
— O quê?
— Vai dizer que não sabia que Liam Fletcher era casado quando
saía com sua filha...
— É mentira! – Hannah grita.
— Cala a boca! – Watson manda e ela se cala.
Ele tem muito em jogo agora.
— Vamos conversar como dois homens civilizados e aponta para a
porta que dá para o corredor.
Eu já estive ali, sei onde é o escritório.
— Não – faço que não —, eu avisei esse verme que se ele se
aproximasse de Kate de novo, acabaria com ele! – Aponto para Liam que
tenta acordar. — Hoje ele a beijou à força e não vou admitir isso! – Dou
uma passo para Watson. — Se você tem traidores dentro da sua casa, como
posso confiar em você? Como posso confiar quando você permite que o
noivo de Hannah não procure o próprio filho?
Watson fica lívido.
— Eu não sabia que ele era casado, Michael, dou a minha palavra se
ela vale algo para você!
Olho dele para Liam e depois para Hannah.
— Sua filha sabia, ela foi certa vez na casa de Kate quando Liam
ainda era casado, buscar as coisas dele, estou mentindo Hannah?
Ela abaixa a cabeça e morde o lábio inferior.
— Como pôde fazer isso? – Watson a questiona.
— Eu o amo!
— Está certo – Watson assente —, então pegue suas coisas e saia
dessa casa com esse qualquer coisa imediatamente!
— O quê? – Hannah se ergue depressa.
— Querido... – a esposa dele tenta intervir, mas Watson ergue um
dedo e a mulher se cala.
Ele olha para Hannah:
— Michael tem razão. Um homem que não tem respeito dentro da
sua casa, não tem nada. Se quiser ficar com ele, pode ficar. Mas não terá
mais um centavo meu, viverá do que ele te der daqui para frente. É pegar ou
largar. E se eu desconfiar que está saindo com ele nas minhas costas... eu a
coloco para fora e a deserdo!
Hannah abre a boca, mas fecha em seguida. Ela foi vencida, claro
que foi. Estava divertido enquanto ela podia usufruir do dinheiro do pai que
a protege. Ela não vai ficar sem o luxo por causa de Liam.
— Acredito que tomou sua decisão – ele olha por cima do ombro
para o mordomo —, peça para os seguranças tirarem essa coisa da minha
casa.
— Sim, senhor.
Ele me encara.
— Peço perdão que a atitude impensada de minha filha tenha
refletido sobre sua família – ele fala sério —, espero que continuemos com
nossos acordos tal como são.
— Se me prometer que Liam Fletcher não conseguirá emprego
como jornalista em qualquer emissora do país, nosso acordo continua –
proponho.
Ele estende a mão.
— No que depender de mim, ele não vai sequer mais respirar o
mesmo ar que nós – ele diz satisfeito pelo acordo.
Saio da casa me sentindo vingado. Sou um homem que promete e
cumpre. Preciso ficar sozinho e pensar um pouco antes de tomar qualquer
decisão. A casa dos meus pais não é muito longe e dirijo até lá. Já é tarde e
minha mãe abre a porta vestida com seu roupão estampado de onça.
— Michael? – Ela fica preocupada e franze o cenho.
— Meu quarto ainda está intacto? Gostaria de passar a noite aqui...
— Claro, meu amor. Entre. – Ela dá espaço para que eu passe.
Ela fecha a porta e meu pai surge.
— Junior veio nos visitar – ela diz ao meu pai.
— Espero que não tenha matado ninguém depois do escândalo dessa
noite – meu pai debocha.
Mostro o punho machucado.
— Só uns ossos quebrados...
— Esse é meu garoto! – Meu pai bate no meu ombro.
— Michael! – minha mãe o repreende.
— Não faça isso mais – meu pai finge me repreender e rimos.
— Então vocês já sabem?
— Luke ligou para contar, está em todos os jornais, aquela coisa que
você sabe... – minha mãe conta.
— Fico preocupado com a Kate. Nada vai acontecer comigo...
— Vai ficar tudo bem, querido. Ela tem você, agora... – minha mãe
me consola.
Porém, ela não quer do jeito que a quero. Ironia ou não, o babaca
acaba de levar um fora. E dos grandes.
— Vou subir para o meu quarto...
Eles assentem e subo as escadas em caracol de tapete vermelho.
Atravesso o corredor e entro na segunda porta. Meu quarto tem pôsteres de
David Lynch e outros jogadores de baseball. Eu sempre fui fissurado nesse
esporte. Sorrio quando vejo meu computador ainda ali intacto. Fazia tanto
tempo que eu não vinha em casa. É até estranho, parece outro mundo, outra
vida.
Sento na minha cama com edredom de baseball e me deito em
seguida. Chuto os sapatos e fico olhando para o teto. Nunca imaginei que
amar uma pessoa podia ser tão complicado.
Capítulo 28

Passo a noite em claro, andando de um lado para o outro da casa. Eu


me sinto péssima depois de toda aquela confusão. Até desliguei meu celular
de tanta gente me ligando, querendo saber a minha versão da história. Sei
que devo estar sendo massacrada nas redes sociais. Como vou trabalhar
daqui a pouco e encarar todo mundo? Tenho medo de sair de casa se ser
atacada por gente maluca que acredita na história da minha mãe.
— Vai furar o chão e não resolver nada – meu pai diz quando passo
na porta de seu quarto.
Paro e volto alguns passos, para empurrar a porta e o fitar. Ele está
sentado contra os travesseiros, usando seus óculos e lendo um livro.
— Vem aqui, meu bem...
Respiro fundo e entro no quarto. É como se eu tivesse cinco anos de
novo e minha mãe tivesse ido embora outra vez. Lembro direitinho de como
foi. Acordei com o barulho e saí da minha cama. Ela e meu pai estavam
discutindo no quarto, minha mãe abriu a porta, puxando sua mala de
rodinhas e atravessou o corredor sem olhar para trás. Eu chamei mamãe,
mas ela sequer se deu ao trabalho de se virar e responder.
Aproximei da porta do quarto e meu pai estava sentado na cama,
daquele mesmo jeito, vinte e dois anos mais novo, chorando. Quando me
viu, ele secou as lágrimas e disse: vem aqui, meu bem. Eu corri e subi no
colchão. Deitei minha cabeça em seu ombro e ele me cobriu com o
edredom.
Como agora.
— Agora é apenas nós dois – ele disse na época.
Compreendi que a minha mãe não estaria com a gente, mas a dor do
abandono só veio com o passar dos dias. Ele nunca falou nada sobre o
assunto até que completei treze anos e ele a chamou de megera pela
primeira vez. E então, ele me contou o motivo real dela ter partido: ela se
apaixonou por outro homem e quis viver essa paixão. Por isso, quando me
apaixonei por Michael fui tão resistente, eu só não queria ser como a minha
mãe.
Porém, nunca vamos ser parecidas.
Eu amo Caleb e jamais o abandonaria por homem nenhum. Ou por
qualquer outra coisa. Só mães de verdade podem entender isso. As que
abandonam seus filhos por causa de macho, não sei que nome dar a elas.
— Não se importe tanto – meu pai diz e beija os meus cabelos —,
ela está desesperada e conseguiu seus cinco minutos de fama. Logo vão
esquecê-la e nós estaremos de pé.
Suspiro pesadamente e deixo as lágrimas escorrerem.
— Por que ela nunca foi uma mãe normal? – pergunto magoada.
— Não sei, querida. Ela deve ter seus monstros e fantasmas que a
deixaram desumana – ele me consola —, algumas pessoas se tornam más
porque se perdem dentro de si mesmas.
— Ela sempre foi assim?
— Não. Sua mãe era uma mulher cheia de vida, linda, apaixonante.
Quando olho para você – ele ergue meu queixo e me obriga a encará-lo —,
eu me recordo da mulher que amei. Não é esse trapo de gente que desfaz da
filha e mente, cria histórias. É outra pessoa, não a reconheço.
— Sabe que vão todos me crucificar, não é?
— Ninguém pode te magoar mais do que você mesma – ele olha nos
meus olhos —, sei que é constrangedor, você não gosta de ficar exposta.
Mas você não fez nada de errado, Kate. E Michael também não.
Dou uma risada nervosa.
— Você sempre vai defendê-lo?
— Sempre – ele garante e rimos —, ele é um bom rapaz, e estou
feliz por ele ter se apaixonado por você...
Assinto e encosto a cabeça em seu ombro outra vez.
— Ele ia me pedir em casamento ontem, pai...
— Sério?
Faço que sim com a cabeça.
— Ele me mostrou a aliança... eu falei tanta merda para ele ontem –
lamento —, sempre falo demais, perco a cabeça quando estou nervosa.
— Isso você conserta com um pedido de desculpas e aprende que
quando estamos de cabeça cheia, não devemos discutir, porque falamos
coisas que não acreditamos só para nos defender...
Tenho que concordar com ele.
— É horrível errar, ainda mais com o Michael.
— Você gosta dele?
— Sim, muito – admito.
— Então, toma um banho e vai lá acertar as coisas... – ele me
aconselha como uma fada madrinha.
— Não sei se ele vai me perdoar, eu fui muito...
— Nada que o amor não perdoe...
Sento na cama e o encaro.
— Pai... Michael não é o tipo de homem que...
— Ama? – ele pergunta e assinto. — Então, se ele não a ama, por
que comprou aliança para te pedir em casamento?
Não havia pensado nisso e forço para não sorrir. Michael me ama?
— Pode pedir à Beatrice para ficar com o Caleb, hoje? – pergunto e
fico sem graça. — Prometo que é a última vez que peço.
— Ela vai adorar ficar com o seu filho... vá logo...
Levanto da cama correndo e vou tomar um banho. Com toda a
coragem que não tenho, eu visto meu uniforme de trabalho, minhas calças
jeans e a blusa da emissora e vou enfrentar o dragão. Quando paro o carro
no estacionamento, minhas mãos estão tremendo. Estou apavorada. Tenho
medo pela forma como as pessoas vão me tratar e sinto até falta de ar. Mas
fugir não vai resolver nada. Vejo o carro de Michael do outro lado. Aposto
que está pleno e indiferente, como só ele consegue ser. Nunca conheci um
homem tão frio.
Saio do carro e bato a porta. Respiro fundo e vou em direção ao
prédio. É óbvio que as pessoas me olham quando passo. Algumas me
cumprimentam, outras não. Porém, eu já sabia que isso ia acontecer. Subo
até o segundo andar onde fica a sala do Michael e Tabhita sorri quando me
vê.
— Bom dia, Kate.
— Bom dia. O Michael está?
— Ele está em uma reunião, você quer esperar?
Não posso esperar. Se eu fizer isso, vou desistir. Sou medrosa e ou
faço isso agora, ou nunca mais. Impulsividade é outro defeito.
— Vou falar com ele agora – decido e vou em direção à sala dele.
Tabhita sequer tenta me impedir. Com a mão tremendo, abro a porta
e dou um passo para dentro. Todos se voltam para mim, meu coração
dispara e minha boca seca. Olho para eles e depois para Michael que está
surpreso com a minha repentina interrupção.
— Preciso falar com você... – minha voz treme.
Se ele disser que não e me colocar para fora, eu vou morrer. Michael
se mantém impassível por alguns instantes e então olha para os homens.
— Senhores, podem me dar licença um instante?
Eles assentem e se retiram. Quando o último sai, eu fecho a porta.
Michael fica de pé, sua expressão é impassível.
— O que você precisa, Kate?
— De você... – respondo e dou um passo para ele —, é horrível
passar a noite longe de você.
— Entendi – ele coça a testa —, só isso?
Tem mais? Ele não vai facilitar para mim, não é?
— Eu amo você, Michael – bufo depois de dizer —, não sei como
aconteceu, mas descobri que minha vida tem mais graça quando você está
comigo. Posso viver sozinha? Sim. Mas eu também gostaria de envelhecer e
viver mais tempo ao seu lado, se você ainda quiser...
Ele assente e vai até a janela. Aperta um botão e as cortinas
começam a ser fechadas.
— Kate – ele anda na minha direção —, você acha que pode entrar
na minha sala, dizer tudo isso e pronto?
O que ele quer mais? Eu disse tudo. Abri meu coração, expus meus
sentimentos.
— Acho que sim – respondo insegura.
Ele para diante de mim.
— Você está errada, Kate – ele balança a cabeça em negativa —,
você não pode dizer que ama um homem que também a ama sem arcar com
as consequências disso...
Consequências? Do que ele está falando?
Michael me beija. Ele me enlaça pela cintura e domina a minha boca
de uma forma que me faz derreter por dentro. Deixo minha bolsa cair no
chão e o abraço. Pensei que ele fosse me xingar, me colocar para fora, mas
então ele diz que me ama e me beija? Ah, meu Deus...
Michael me agarra pela bunda e me empurra até a mesa. Nosso beijo
se torna selvagem quando ele abre a minhas calças jeans e empurra para
baixo. Tem algo tão primitivo nisso que estou excitada e quero senti-lo
dentro de mim. Tiro uma perna das calças e chuto o tênis para longe. Ele
então me vira contra a mesa e empurra meu peito contra o tampo.
Escuto quando ele abre a braguilha das calças. Olho por cima do
ombro para vê-lo lamber a mão e passar no próprio pau. E então me toma
de uma vez. Mordo o lábio com força para não gemer alto. Há pessoas ali
fora esperando por nós.
— É isso que você merece, Kate...
Se ele pensa que é um castigo, espero que ele me castigue mais
vezes. Seus dedos apertam ao redor dos meus quadris, enquanto ele soca
fundo. Forte. Não acredito que estamos transando dentro do escritório,
parece surreal. Nunca imaginei que faríamos aqui. Sinto calor por todo
corpo e estremeço quando sinto o orgasmo me tomar.
— Isso, meu bem, goze no meu pau...
Eu rebolo contra ele e seus dedos me apertam mais e escuto seus
gemidos baixos quando ele goza também. Michael sai de dentro de mim, e
me vira para ele para beijar a minha boca.
— Adoro começar o dia te fodendo gostoso – ele diz contra os meus
lábios.
— Eu também...
Seu beijo se aprofunda e ele aperta o meu seio sobre a blusa.
— Preciso terminar essa reunião – ele ofega e se afasta —, e você
tem trabalho.
— O quê? – Faço que não com a cabeça. — Perdi meu emprego,
lembra? Todo mundo sabe que somos amantes, a cláusula no contrato...
— Você assinou o documento que Suellen pediu?
— Assinei ontem, mas...
— Era um termo que quebra essa cláusula ridícula, não demitimos
mais ninguém – ele fecha as calças —, fiz isso por você...
— Michael... – tento falar.
— Kate – ele me imita.
— Não vai ter mais clima para trabalhar aqui, as pessoas vão falar.
— Vão falar até mesmo se você for para outra emissora. E se
quebrar o contrato, você me deve dois milhões de dólares – ele avisa.
— O quê?
Eu abaixo para arrumar as calças e vesti-la de novo.
Ele vai para trás da sua enorme mesa enquanto procuro pelo meu
tênis.
— Você não ousaria... – Eu coloco o dedo em riste.
— Está no contrato. Se você pedir demissão, você deve à American
Sports o equivalente a dois milhões de dólares, meu amor – ele pisca —,
então não vai sair de perto de mim tão facilmente. Enfrente seus
fantasmas...
Termino de colocar o tênis e me aproximo dele.
— Mas Michael, é também sobre o que minha mãe disse...
— Nesse momento, meus funcionários soltaram na internet o vídeo
em que sua mãe me pede dinheiro e faz chantagem – ele conta para minha
surpresa —, você vai acabar recebendo na sua caixa de mensagens, mas não
se preocupe. Todos vão saber que ela foi àquele programa de má-fé.
Meu queixo cai.
— Eu sei, eu sou foda, Kate. Pensei em tudo. Nada como um bom
vídeo para destruir a imagem de alguém...
Ele vai até a janela e aciona as cortinas.
— Nós fomos filmados aqui?
— Acabo de dizer que destruí a sua mãe e você está preocupada se
fomos filmados?
— Claro que sim!
— Não fomos – ele garante e se senta em sua cadeira e mostra o
botão debaixo da mesa —, controlo o que é filmado na minha sala, Kate.
— Você tem tudo sobre controle, sempre?
— Sempre.
Aproximo dele balançando a cabeça devagar.
— Você me deve um pedido de casamento decente – aviso com o
dedo em riste —, com direito a tudo.
Ele sorri finalmente e me puxa para mais perto.
— O que por exemplo?
— Jantar, música, estrelas e quero flores – peço.
Ele dá uma risada.
— Tudo o que você quiser...
Inclino para beijar seus lábios. Ele passa língua devagar pelo meu
lábio inferior e estremeço toda.
— Temos muito que conversar ainda – aviso.
— Prefiro sexo... – debocha.
— Está comigo só pelo sexo, Senhor Rhodes?
Nós nos beijamos e ele me puxa para o seu colo. Acho que podemos
demorar mais uns cinco minutinhos.
Capítulo 29

— O que é isso, Michael? – David pergunta quando lhe entrego o


envelope pardo.
— Abra – peço.
É domingo e estamos reunidos para ao almoço. Depois que eu e
Kate assumimos o relacionamento em público, me mudei para a casa dela.
E David está morando com Beatrice. Mas as reuniões de domingo são
sagradas. Ele me fita desconfiado antes de abrir o envelope e tirar os papéis
que o detetive me entregou.
— O que é isso? – Kate pergunta curiosa.
— Você o encontrou? – David me questiona.
— Eu não, quem o encontrou foi o detetive – encosto na cadeira e
tomo meu drinque —, seu irmão foi preso essa semana. Ele vivia no Brasil,
em uma cidade chamada Pirapora do Sul, em Minas Gerais, sob um nome
bem diferente. Entregamos tudo ao FBI e eles efetuaram a prisão junto à
polícia federal brasileira.
— Sério? – Kate dá uma risada alta. — E o dinheiro do meu pai?
— Bem, Simon vai ter que entrar com um processo pedindo a
devolução do dinheiro, mas nada que seja complicado.
— Não posso acreditar, Michael! – David sorri. — Você é o cara!
— Só fiz o meu trabalho, ajudar vocês...
Kate segura a minha mão. Observo nossas mãos unidas e sinto meu
coração bater mais rápido. Esse efeito que ela tem sobre mim, é como uma
droga, quanto mais tenho, mais quero.
— Tio Michael – Caleb me chama.
— Oi. – Olho para ele.
— Pode me ajudar a pegar um brinquedo no meu quarto?
— Claro que posso...
Levanto e vou até o quarto dele.
— Tá lá em cima – ele aponta.
Estico o braço e pego uma caixa.
— O que é isso?
— Brinquedo – ele pega da minha mão e leva para a sua cama.
Aproximo para vê-lo abrir e exibe uma centena de carrinhos da Hot
Wheels.
— Você gosta?
— Eu gosto – ele coloca mais um carrinho dentro —, o vovô
também gosta.
— Eu também gosto, quer ver?
Ele faz que sim com a cabeça.
— Vem comigo – estendo a mão e vamos para o quarto que ocupo
com Kate —, senta na cama – mando.
Ele obedece e vou até o closet pegar uma caixa preta. Volto para o
quarto e coloco a caixa entre nós. Quando abro, seus olhos brilham.
— Uau!
— Quer para você?
— Para mim? Tudo? – ele grita empolgado.
— Meu tempo de colecionador já passou e você pode fazer isso...
— Tá. – Ele tenta pegar a caixa, mas é pesada.
— Eu levo para você até o seu quarto...
Caleb se levanta e me abraça. É a primeira vez que ele faz isso de
forma voluntária e fico surpreso. Relaxo o corpo e o abraço de volta,
sentindo um amor enorme dentro de mim. Caleb é como um filho, fico
preocupado com ele quando fica doente ou se machuca e também fico
bravo quando precisa. Ele e Kate conquistaram meu coração sem que eu
pudesse perceber. E agora são a minha família. Ainda não oficializamos o
casamento, mas faremos isso logo. Estamos esperando passar o casamento
de Aria, não quero tirar o foco da minha irmã mais nova.
— Vamos fazer um caminho e brincar, tio Michael? – Caleb propõe.
— Vamos...
Criamos obstáculos com as caixas e as tampas e separamos os carros
por cor para que um pudesse correr contra o outro. Sequer me lembro que
estávamos almoçando, eu me perco sentado ali no chão brincando com
Caleb.
— Então você está aqui – a voz de Kate chama a minha atenção.
— Mamãe, o tio Michael me deu os carrinhos dele! – Caleb conta.
— Fiz coleção por muito tempo, mas deixei de me interessar...
— Meu pai e Beatrice disseram tchau – ela se aproxima e se senta
ao meu lado —, ele ficou muito feliz com o que fez.
— Era o mínimo que poderia fazer por ele. Não podia deixar que
seu tio continuasse solto sem pagar pelo que fez – comento —, ele quase
destruiu a vida de vocês!
— Obrigada. – Ela ergue o corpo e me dá um beijo rápido.
— Você quer brincar, mamãe? O tio Michael está com os carrinhos
pretos e eu com os vermelhos. Você pode ser o azul, o que acha?
— Pode ser – ela concorda.
O tempo ali passa rápido, quando percebemos, Caleb está com fome
e Kate vai fazer o nosso lanche. Aproveito para verificar os e-mails de
trabalho. Não consigo me desligar e Kate sempre fica brava comigo. Nós
continuamos discutindo, ela é muito teimosa e eu também sempre acredito
que estou certo, então decidimos nos aceitar e seguir. Nos amamos e
decidimos dar certo.
Nunca mais ouvimos falar da mãe de Kate. Através do detetive,
descobri que ela voltou para Las Vegas e trabalha como prostituta. Kate não
toca no nome dela, então não falo sobre o assunto. Liam Fletcher se mudou
para Nova Iorque e trabalha em um jornal sensacionalista que mal consegue
se manter aberto. Jane continua sendo a enfermeira de David e Brigite ainda
trabalha conosco.
— Por que não programamos o casamento para o ano que vem? –
Kate fala de repente enquanto estamos nos preparando para dormir.
— Do que está falando? – pergunto sem entender.
— Vou estar de férias e poderíamos viajar para o exterior. Eu
sempre quis conhecer a Europa.
— Pode ser – concordo com o que ela diz.
Descobri que concordar é mais fácil do que dizer que já fui para a
Europa centena de vezes. Não quero estragar o sonho dela.
— Podemos levar Caleb? – ela pergunta.
— Claro que sim. Contratamos uma babá para viajar conosco, para
termos tempo um para o outro – declaro.
Ela sorri satisfeita e se deita ao meu lado.
— E podíamos adotar mais um cachorro. Pu está tão sozinho.
Kate adora fazer planos, ela não se cansa.
— Lembra de como a gente se conheceu? – ela pergunta do nada.
— Claro que me lembro. Caleb jogou uma flecha na minha testa.
Ela ri ao se recordar.
— Nunca poderia imaginar que tanta coisa aconteceria desde
então...
E as pessoas tiveram que engolir nosso relacionamento. Claro que
os fofoqueiros deixaram claro que eu abri mão da cláusula de
relacionamento na empresa nos contratos por causa da Kate. É verdade,
então não me importo que falem. Também falam que ela trepou comigo
para conseguir o emprego e a vaga do pai. Mas como eu disse a ela:
— Não procure fora do nosso mundo por pessoas que falam mal de
você, porque vai encontrar...
Sempre vai ter um que discorda, um que não gosta e gente para
criticar.
É só ignorar. Fiz isso minha vida toda e tem dado certo.
Na primeira reunião da minha família depois de todos os
acontecimentos, minha mãe está feliz com os dois netos postiços: Rain e
Caleb. Eles grudam nela e Glenda passeia com eles pela propriedade em
Bervely Hills. Minha mãe é toda coração e ama crianças, então não vê a
hora da família crescer, logo o bebê de Aria nasce.
— Agora só falta Luke e Trevor para ajeitar a vida – Sara comenta e
bebe sua batida colorida enquanto estamos sentados ao redor da piscina.
— Isso aqui é uma competição? – Trevor pergunta sério. —
Realmente não estou a fim de me apegar a ninguém. Minha meta agora é
voltar a ser o quarterback do Madison Lions.
— Você também não vai escapar, pode apostar – Luke avisa.
— Parece praga – Trevor reclama.
— Você não tem ideia do poder da praga – Luke ironiza.
— Casar não é ruim – Stuart comenta e toca a mão de Ashley em
cima da mesa.
Eles se entreolham com carinho. Eles também estão há pouco
tempo, juntos, algum tempo antes que eu e Kate começássemos a nos
apaixonar. Realmente a bruxa está solta e o amor está no ar em nossa
família.
— Deve ser por isso que vocês me mandaram para a casa de
Michael naquele domingo? – Kate comenta.
Os dois riem em cumplicidade.
— No sábado à noite, Michael me ligou completamente bêbado,
dizendo que estava apaixonado e não vivia sem você...
Começo a rir sem graça e balanço a cabeça.
— Não se tem mais segredos nessa família...
— E para que segredos? – Sara questiona e olha para o nosso pai. —
Temos algum segredo de família escondido, pai?
— Não que eu saiba – meu pai garante.
— Eu adoro uma fofoca sobre os meus irmãos! – Sara comenta e ri
de si mesma. — Aria engravida de Cash Maverick e se casa. Stuart se
envolve com a secretária. Michael quebra as regras de conduta da empresa
por causa de Kate – ela ri —, essa família é muito divertida.
— E você, Sara? O que ainda não nos contou?
Ela fica pálida de repente e sei que minha irmã está escondendo algo
de nós.
— E o que eu poderia esconder, pelo amor de Deus. Minha vida é
um livro aberto, e se eu tentar ocultar, os paparazzi encontram...
Todos riem. Mas sei que desde o fim do seu último relacionamento,
ela não anda bem. Fico preocupado, entretanto, não posso insistir no
assunto. Até porque falam de outra coisa.
— Ágatha está trabalhando no centro de treinamento – Stuart
comenta.
— Quem é Ágatha? – Kate quer saber.
— Ágatha Charles, é a filha do treinador do Madison Lions –
explico —, ela está com dezenove anos, vai fazer vinte, mas parece que tem
cinco. Dá mais trabalho que Rain e Caleb soltos em um supermercado.
Todos riem da comparação.
— Ela está tentando mudar – meu pai a defende.
— Depois do susto que levou – Luke comenta e encolhe os ombros.
Eu estava lá no dia em que William Masterson quase a forçou a
manter relações. Trevor os flagrou e apagou o cara com uma cabeçada.
Depois disso, ela abaixou um pouco a bola, mas ainda é rebelde. Preferi não
contar isso para Kate, faria isso depois.
— Enfim, espero que ela se encontre – Stuart comenta. — Já passou
da hora de não dar mais preocupações ao pai.
— É o que todos esperamos – Trevor concorda.
Cheguei a pensar que meu irmão mais novo tinha algum interesse
nela e depois da noite que a salvou a coisa fosse fluir entre eles, mas não
aconteceu. Acredito que foi só impressão. Todos conhecemos Ágatha desde
que ela nasceu e temos por ela um carinho de irmã.
Quando chegamos em casa, horas mais tarde, Caleb já está apagado.
Eu o levo para cama e ele sequer se move quando tiro suas sandálias e o
cubro com edredom. Pu se deita no fim da cama e se acomoda. Acredito
que ele vai ficar do tamanho médio, está crescendo bem devagar desde que
chegou à nossa casa. Cat surge do nada, ele mia alto e salta sobre a cama,
Pu assusta e pula para o chão. Cat então se acomoda aos pés de Caleb e o
cachorro é obrigado a dormir no chão. Vai entender esses dois... desde que
chegamos aqui, Cat tem sido o dono do pedaço.
Escuto o barulho lá fora e aproximo da varanda da sala. Kate está
nadando. Ela atravessa a piscina e sai do outro lado. Fico encostado no
batente da porta apenas a observando, apaixonado.
Olho para o lado e vejo sua roupa caída no chão, ela está nua.
Cadela gostosa.
Tiro minha blusa, o short com a cueca e mergulho logo atrás. Nado
até ela que tenta fugir, mas seguro sua perna e a puxo para perto. Beijo sua
boca e ela devolve com paixão. Giramos na água e ela me abraça com as
pernas. A sensação é tão boa, sinto um desejo tão avassalador que não
quero me afastar.
Por causa de Caleb, temos a maior parte do tempo livre somente à
noite, depois que ele dorme. Tirando a noite que ele teve febre e dormiu na
cama com Kate para que ela pudesse vigiá-lo. Às vezes me pergunto se
vamos ter um filho só nosso, desde que começamos a transar, nunca usei
preservativo. Kate disse que tem DIU, então não me preocupo. Mas
conviver com Caleb me faz perceber o quanto é preocupante ter um filho,
eles parecem que vão quebrar a qualquer momento se não vigiarmos. Ver
uma criança sofrer, por qualquer motivo que seja, pode ser devastador.
Estou feliz com Caleb, se vier outro, não vou reclamar, eu só não
faço planos.
Um tempo depois, estamos deitados nus do lado de fora da piscina,
olhando o céu estrelado.
— Sabe o que estava pensando, Michael? – Kate me pergunta.
— Ainda não evolui com o dom da adivinhação – respondo e ela
empurra meu ombro.
— Estava pensando sobre...
Ter um filho, quer apostar?
— Estava pensando em investir meu dinheiro...
— O quê? – Apoio no cotovelo para encará-la.
— O que achou que fosse?
Filhos, Kate.
— Nada. – Deito de novo.
— O que você acha? Meu dinheiro fica parado na conta...
Começo a achar que eu sou o iludido da relação.
— Não é bom que fique parado. Vamos contratar alguém para te
ajudar com isso...
— Obrigada...
Ficamos mais alguns minutos em silêncio.
— Michael?
— O que foi, amor?
— Não tem um modo diferente de dizer isso, mas é que... estou
grávida, querido...
Ah, não. Acho que vou enfartar.
Epílogo

Alguns meses depois...

— Faça força Kate! – a obstetra diz manda como se eu não tivesse


feito força o suficiente.

Só quem tem um parto normal sabe como é. Não tem como


mensurar a dor, o esforço e a coragem de ser mãe. É como se a gente
esquecesse o que passou no primeiro e somente se lembrasse quando chega
a vez do segundo filho. Doze horas de contrações e vontade de morrer até
essa dor passar para finalmente ouvir o som que nos faz esquecer do que
acabamos de passar.
O choro da minha bebê ecoa no ar, estou acabada, mas quando a
médica a ergue no ar e a traz até o meu colo, já foi. Sei que faria tudo de
novo apenas para tê-la nos meus braços. Minha pequena Sophia. Foi esse o
nome que eu e Michael escolhemos. Ela tem os cabelos do pai, castanhos
bem clarinhos e já reconheço o nariz dele, determinada. Sorrio emocionada
quando ela fica quietinha contra o meu peito. O segundo ser mais
importante da minha vida.
Finalmente, a enfermeira abre a porta e deixa o Michael entrar. Seus
olhos buscam os meus e ele está ansioso. A fúria passa e sua expressão se
abranda. A médica não o deixou assistir ao parto, ele estava nervoso e só ia
me deixar mais doida do que estava com aquela dor toda. Ele ficou bravo, e
por sorte a família dele está lá fora esperando para ver a nova integrante da
família. A quarta neta dos Scott Rhodes. Tem a Rain, o Caleb. A pequena
Anna, filha de Aria. E agora, a nossa Sophia.

Sorrio emocionada e ele se aproxima devagar, se apaixonando aos


poucos por aquela pessoinha no meu colo.

— Ei! – Ele murmura e se inclina para beijar os meus cabelos


suados —, Deus! – está emocionado —, como ela é pequenina... linda, se
parece comigo.

Começo a rir por causa da provocação. Porém, ela parece mesmo.

— Olá, Sophia, eu sou o papai...

Ela move os lábios em uma quase quando ouve a voz dele. Michael
conversou com ela durante toda aquela gravidez inesperada. Fiquei grávida
usando DIU, é impressionante, mas acontece e eu fui sorteada, é como
ganhar na loteria, uma em um milhão. Não tínhamos planos de ter filhos e
eu sequer pensava nisso. Contudo, essa é a consequência quando não se usa
preservativo. Pode acontecer...

A enfermeira se aproxima.

— Vamos leva-la para pesá-la e limpá-la – ela a pega do meu colo.

— Posso ir junto? – Michael fecha a cara quando vê uma pessoa a


levando de nós.
— Não – a enfermeira responde e ele comprime os lábios para não
xingar.
Ele simplesmente comprou briga com as enfermeiras quando ficou
bravo por não o deixarem assistir o parto. Ela se afasta levando a pequena
Sophia. Toco a mão dele e digo:

— Está tudo bem – falo para acalmá-lo.


Michael me fita com carinho e assente.

— Ela é linda, Kate. Obrigado – então leva a minha mão nos lábios
e a beija.

Eu amo esse homem com todo o meu coração. Esses meses ao seu
lado tem sido intensos e verdadeiros. Não pensei que uma relação madura
fosse possível, mas aconteceu. Pensei que ele fosse ficar furioso por causa
da gravidez, porém, ao invés disso, ele ficou radiante, como se eu tivesse
lhe dado um prêmio.

Logo em seguida a notícia, o resultado dos exames do meu pai ficou


prontos e mais uma vez, ele recebeu a resposta negativa de que uma nova
cirurgia não o faria andar outra vez. David ficou arrasado, claro. Mas ele
compreendeu que sua missão estava cumprida. Ele foi o maior jogador de
baseball de todos os tempos, agora, tinha a oportunidade de dar
continuidade ao seu brilho no esporte como comentarista esportivo, não
tinha porque se ressentir. E ele e Beatrice estão felizes, a vida deu uma
segunda chance para ele, quando não havia mais perspectivas de nada.
Também, nesse período, com a vinda do Michael para a nossa vida,
resolvemos levar Caleb em um psicólogo e descobrimos que o medo que
ele tinha do pai provinha da forma como Liam o tratava. Caleb odeia gritos
porque era assim que o pai o tratava. Então, compreendemos que aquele dia
no shopping, quando ele estava com Michael e se escondeu debaixo do
balcão, foi porque ele só se sentia seguro comigo e não queria estar perto de
Liam que não tinha paciência com ele. Crianças são sensíveis.

Ainda bem que Michael entrou na vida dele e mudou seu conceito
sobre a figura do pai. Nunca proibi Liam de ver o filho, mas depois que ele
foi para Nova Iorque, nunca mais procurou saber, sequer um telefonema.
Vejo que aos poucos, Caleb não nota mais a falta que o pai faz na vida dele.

Quando vamos para casa no fim da tarde, os Scott Rhodes e meu pai
e Beatrice estão esperando por nós com a faixa: Bem-vinda Sophia. Glenda
tira a neta do colo de Michael e a mostra para o marido.

— Ela tem o meu nariz... – ela diz orgulhosa.

Todos querem vê-la e então Caleb corre para Michael que o pega no
colo.
— Papai, eu quero ver a Sophia – e aponta para a irmã. Ele não fala
mais quelo.

O silêncio toma conta do lugar.

— O que foi que disse? – Michael é pego de surpresa tanto quanto


eu.

— Quero ver a minha irmãzinha...


— Você disse papai – Michael o faz notar.

Caleb sorri para ele.

— Mas você é o meu papai – e deita a cabeça no ombro dele.


Um homem de um metro e noventa emocionado é lindo de se ver.
Meu coração bate mais rápido quando todos ao redor também estão
emocionados, eles sabiam o quanto Michael queria ser pai de verdade do
Caleb, e até mesmo dar seu nome a ele se um dia ele quisesse. Agora temos
certeza que é o certo a fazer. Liam nunca vai deixar de ser o pai biológico
dele, e vai ser bem-vindo se um dia quiser estar conosco, mas com amor, o
que eu duvido. Meu ex-marido não é o tipo de homem que tem coração.
Michael me fita de lado, vejo o quanto está feliz. Glenda se
aproxima com Sophia no colo e a mostra para Caleb que começa a chorar.

— O que foi? – Michael pergunta surpresa.

— Ela é bonita – Caleb diz emocionado e abraça o pai.

Pai. Nunca pensei que meu filho cederia ao amor de Michael,


contudo, aconteceu.
Depois, foi a vez do meu pai pegá-la antes de eu ir para o quarto
descansar com a minha pequena.

— Ela vai ser uma grande jogadora de baseball – meu pai disse
também emocionado.

Quando finalmente deitei na minha cama, peguei no sono, estava


exausta e precisava descansar. Acordei três horas depois para amamentar,
meu peito estava doendo de tanto leite. Michael a trouxe para mim.

— Minha mãe trocou a fralda dela – ele me conta enquanto me


levanto da cama para sentar na poltrona —, achei bastante complicado o
método de tiras de uma fralda.
Começo a rir e me sento. Ele me entrega Sophia e abro minha
camisa para lhe dar o peito. Ela suga com fome, estava choramingando,
tadinha. Eu a abraço com carinho e acaricio seu rostinho.
— Na verdade, eu até tentei, mas estraguei duas fraldas e Glenda
perdeu a paciência – ele conta e puxa um banco para se sentar ao meu lado.

— Você vai dar conta... – pisco para ele.

— Não sei o que dizer, hoje foi um dia de grandes emoções. A


chegada da Sophia, Caleb me chamando de pai... Fui pai duas vezes...
— Também fiquei muito feliz, querido. Foi um presente duplo...

— Vou colocar comida para o Cat e para o Pu. Minha mãe levou o
Caleb para dormir na casa dela essa noite, disse que vai ser intenso...
— Você não viu nada... – digo com deboche.

— Não me assuste...
— As cólicas nem começaram...

Ele faz uma careta de desespero.


— Minha filha vai sofrer? – pergunta angustiado.

— Sim, Michael. Muitas vezes ainda, e você vai ter que ser um
paizão e estar preparado para isso...

Ele suspira pesadamente.

— Já envelheci dez anos com essa notícia.

Começo a rir e faço que não com a cabeça.

— Mas os dias felizes vão compensar tudo...

— Eu sei que sim...


Escutamos um miado alto e latidos.
— Cat e Pu estão brigando de novo – ele reclama e se levanta —,
esses dois parecem conosco quando nos conhecemos.

Ele sai do quarto, xingando e começo a rir.

Nunca pensei que a felicidade viria dessa forma. Nos braços de um


solteiro tão sedutor que mudou minha vida completamente e para melhor.
Capítulo Bônus

— Pronto, mais um filho casado e feliz – Luke diz.

Estou sentada no meu escritório na ONG enquanto faço o cheque


para ele. Eu lhe entrego e ele sorri feliz.

— Agora, estou contente – ele admite e guarda o chegue no bolso de


sua jaqueta jeans. — Obrigado.

— Espera – eu mando e ele se volta.

— O que?

— Ainda preciso de mais um favor.

— E qual seria? – Ele não faz ideia.

— Ainda temos o Trevor...

— Ah, não, mãe! Chega! Vou acabar apanhando de um dos meus


irmãos! Essa coisa de ficar dando em cima de cunhada dá rolo. Eles vão
pensar que sou um tarado traíra.

— Você está sendo muito bem recompensado!

Ele passa a mão na testa enrugada.

— Quem é a vítima agora?

Sorrio e me encosto na cadeira para o encarar.

— Agatha Charles...
— Ah, não! – Ele faz que não com a cabeça e com as mãos —, ela é
como uma irmã. Sou doze anos mais velho. Ela acabou de completar vinte
anos! Isso é pedofilia!
Dou uma risada alta.

— Você não precisa dar em cima dela, mas quero que faça Trevor
abrir seu coração para ela.
— Ele tem vinte e oito, mãe! Por que ia querer uma ninfeta?

— Porque ele gosta dela, eu sei. Desde o ano passado, Trevor tem
nutrido algo diferente por Agatha, porque acha que ele a salvou de
Masterson?

— Altruísmo?

— Não, Luke. Proteção. Ele estava vigiando os dois naquela noite e


acabou dando um jeito de separá-los. O destino só ajudou...

Ele bufa.

— Então, eu quero o dobro. Agatha vai ser um serviço duro, afinal,


vou ter que apelar para a minha falta de bom senso e fingir que estou dando
em cima dela...

Meu filho como sempre, dramático.

— Como quiser, eu pago o dobro.

— Tudo isso para casar seus filhos? O que deu em você? Que vírus
do matrimônio é esse, bruxa?

— Só quero ver todos felizes.

— Ainda bem que não vai fazer o isso comigo! Já saquei seu jogo,
Glenda Rhodes! – pisca para mim e sai da sala.
Quando ele fecha a porta, dou um sorriso mal.

Claro que vou fazer Luke encontrar a pessoa certa. Sou mais esperta
que ele e sei jogar as cartas para que ele caia direitinho no meu jogo. Eu
adoro ser mãe e ver meus filhos felizes. Já foi o Stuart, o Michael. Também
tem a Aria que já se arranjou. Vamos de Trevor agora. Depois tem o Luke.

Porém tem uma pessoa que escorrega por entre os meus dedos, mas
se Sara pensa que ela está fora da minha lista, está muito enganada. Eu não
vou descansar enquanto não ver todos os meus filhos felizes em seus
relacionamentos.
Ou não me chamo Glenda Scott Rhodes.
Flávia Padula é mineira e formada em jornalismo, paixão que deixou de
lado por muito tempo para cuidar dos filhos e da família. Escreveu o
primeiro livro aos 12 anos, e continuou sua trajetória com publicações
acadêmicas, artigos de filosofia e relacionamentos em blogs especializados.
O primeiro romance publicado em e-book veio apenas em 2015, com o
livro O Duque que foi abraçado pelos leitores e tornou-se Best Seller pela
Amazon Brasil. Hoje, Flávia tem mais de 100 trabalhos publicados, entre
romances, novelas e contos. É uma leitora ávida, e não tem preferências, lê
de tudo e acredita na diversidade da literatura.
[1]
Time de futebol fictício.
[2]
É uma via importante de Beverly Hills e West Hollywood, bem como de vários distritos das
regiões Oeste de Los Angeles.
[3]
Nome de time de baseball fictício da costa Oeste.
[4]
Pré Temporada de Baseball.
[5]
Bola fora após o rebatedor perder o lançamento.
[6]
Interpretado pelo ator Terry Crews.

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