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NOTA DA AUTORA
SINOPSE
INTRODUÇÃO
PRÓLOGO
Desastre, Encontro e Ilusão.
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 1
Seu amor é uma mentira que teimosamente acreditei.
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 2
Um circo e na corda bamba quem vai caminhar sou eu.
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 3
As oscilações do destino que me guiaram até você.
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 4
Ela não está bem. E tudo bem.
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 5
Doce tentação X Amarga consciência
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 6
Sonho x vingança x encontro inesperado
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 7
Entre revelações, exposição e providências.
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA 1
A vida de um CEO nem tão interessante assim...
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 8
Despertar de um sonho
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 9
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 10
“Qualquer coisa que possa ocorrer mal, ocorrerá mal, no pior momento possível." Lei de
Murphy
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 11
“Montanha-russa de emoções.”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 12
“Entre Desejos&Negócios”
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA 2
Siga seus instintos, nenhuma desconfiança é infundada…
KATHERINE • Katherine Collins
CAPÍTULO 13
“As vidas baseadas no ‘ter’ são menos livres do que as baseadas ou em ‘fazer’ ou em ‘ser’.” -
William James
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 14
“ Uma realidade a parte ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 15
“ Habilidade de se adaptar X Má, mas de um jeito fofo ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 16
“ Qualquer um pode amar uma rosa, mas é preciso um grande coração para incluir seus
espinhos. ” - Clarice Lispector
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA - Fã Service aos leitores de “Vendida ao sultão”
EXTRA 3
E se... o lado ruim não for “Domesticado pela índole e moral?
RICHARD • Richard Johnson
CAPÍTULO 17
“ Operação: Pegue o Richard...? ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 18
“ Instinto, alma gêmea ou apenas... amor? ”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
KAYLA • KAYLA JOHNSON
CAPÍTULO 19
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 20
“ 5 minutos para o caos ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 21
“ Penso, logo existo.” - René Descartes
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 22
“ Hoje só quero me perder se for nas curvas do seu corpo ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 23
“ Existem deuses gregos... mas definitivamente existe, pelo menos, um Deus espanhol. Ele
se chama Alejandro ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 24
“ Mais uma história triste que não se contou”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 25
“ Preocupação x Julgamento x Conflito ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 26
“ Tão prto e tão longe... ”
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA 4
“ As outras perspectivas... Segredos, mentiras, omissões... medo. ”
IRMÃ LIZZIE • Lillian Lee
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 27
“ Verdade aterradora... ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 28
“ Na teia da viúva negra... ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 29
“ Segundos de terror, tornam-se horas para quem o vive. ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 30
“Emoções à flor da pele: do amor a raiva...”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 31
“O lado escuro da lua.”
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA 5
“Jogando no ventilador. ”
SEBASTIAN • Sebastian Collins
CAPÍTULO 32
“Um respiro após o caos”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 33
“Plano em ação: Não existem planos perfeitos.”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 34
“Plano em ação²: por milésimos de segundos.”
KAYLA • Kayla Johnson
EPÍLOGO
“Do anoitecer até o amanhecer, só saberei amar você!”
KAYLA • Kayla Johnson
BÔNUS
“Apenas um a irmã mais velha...”
HARLEY • Harley Johnson
BÔNUS & FÃ SERVICE
“Reclamações a fazer X Desejo X Sonho X Bebê ”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CURIOSIDADES
GRADECIMENTOS
SINOPSE
INTRODUÇÃO
PRÓLOGO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
 
Copyright © 2022 por Mellody Ryu
Contrato com um (Des)conhecido | 1ª Edição
Todos os direitos | Reservados
Livro digital | Brasil
 
Esta é uma obra de ficção.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos aqui são produtos
da imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
 
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, distribuída ou
transmitida por qualquer forma ou por qualquer meio, incluindo fotocópia,
gravação ou outros métodos eletrônicos ou mecânicos, sem a prévia autorização
por escrito do autor, exceto no caso de breves citações incluídas em revisões
críticas e alguns outros usos não-comerciais permitidos pela lei de direitos
autorais.
 
Capa: Mellody Ryu
Revisão: Nay Sartor
Nina Cavalcante
Leitura crítica: Amélia
Taciane Albonico
Diagramação: Mellody Ryu
 
O artigo 184 do Código Penal tipificava como crime, apenado com detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa, a
violação de direito de autor que não tivesse como intuito a obtenção de lucro com a reprodução da obra intelectual
protegida.
 
Sumário
NOTA DA AUTORA
SINOPSE
INTRODUÇÃO
PRÓLOGO
Desastre, Encontro e Ilusão.
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 1
Seu amor é uma mentira que teimosamente acreditei.
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 2
Um circo e na corda bamba quem vai caminhar sou eu.
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 3
As oscilações do destino que me guiaram até você.
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 4
Ela não está bem. E tudo bem.
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 5
Doce tentação X Amarga consciência
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 6
Sonho x vingança x encontro inesperado
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 7
Entre revelações, exposição e providências.
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA 1
A vida de um CEO nem tão interessante assim...
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 8
Despertar de um sonho
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 9
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 10
“Qualquer coisa que possa ocorrer mal, ocorrerá mal, no pior momento possível."
Lei de Murphy
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 11
“Montanha-russa de emoções.”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 12
“Entre Desejos&Negócios”
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA 2
Siga seus instintos, nenhuma desconfiança é infundada…
KATHERINE • Katherine Collins
CAPÍTULO 13
“As vidas baseadas no ‘ter’ são menos livres do que as baseadas ou em ‘fazer’ ou
em ‘ser’.”  - William James
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 14
“ Uma realidade a parte ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 15
“ Habilidade de se adaptar X Má, mas de um jeito fofo  ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 16
“ Qualquer um pode amar uma rosa, mas é preciso um grande coração para incluir
seus espinhos.  ” - Clarice Lispector
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA - Fã Service aos leitores de “Vendida ao sultão”
EXTRA 3
E se... o lado ruim não for “Domesticado pela índole e moral?
RICHARD • Richard Johnson
CAPÍTULO 17
“ Operação: Pegue o Richard...? ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 18
“ Instinto, alma gêmea ou apenas... amor? ”
ALEJANDRO  • Alejandro Kaleo Ward
KAYLA • KAYLA JOHNSON
CAPÍTULO 19
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 20
“ 5 minutos para o caos  ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 21
“ Penso, logo existo.” - René Descartes
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 22
“ Hoje só quero me perder se for nas curvas do seu corpo   ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 23
“ Existem deuses gregos... mas definitivamente existe, pelo menos, um Deus
espanhol. Ele se chama Alejandro ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 24
“ Mais uma história triste que não se contou”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 25
“ Preocupação x Julgamento x Conflito ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 26
“ Tão prto e tão longe... ”
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA 4
“ As outras perspectivas... Segredos, mentiras, omissões... medo.   ”
IRMÃ LIZZIE • Lillian Lee
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 27
“ Verdade aterradora...  ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 28
“ Na teia da viúva negra...  ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 29
“ Segundos de terror, tornam-se horas para quem o vive.  ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 30
“Emoções à flor da pele: do amor a raiva...”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 31
“O lado escuro da lua.”
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA 5
“Jogando no ventilador.  ”
SEBASTIAN • Sebastian Collins
CAPÍTULO 32
“Um respiro após o caos”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 33
“Plano em ação: Não existem planos perfeitos.”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 34
“Plano em ação²: por milésimos de segundos.”
KAYLA • Kayla Johnson
EPÍLOGO
“Do anoitecer até o amanhecer, só saberei amar você!”
KAYLA • Kayla Johnson
BÔNUS
“Apenas um a irmã mais velha...”
HARLEY • Harley Johnson
BÔNUS & FÃ SERVICE
“Reclamações a fazer X Desejo X Sonho X Bebê ”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CURIOSIDADES
GRADECIMENTOS
SINOPSE
INTRODUÇÃO
PRÓLOGO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
 
NOTA DA AUTORA

 
Uma história que “se contou”, vindo através de um sonho, ideias súbitas ao longo da
própria escrita. E a história que inicialmente, seria tão fofa e leve quanto uma sessão da
tarde, se converteu em uma história nem tão fofa assim...
Espero que se apaixonem por este casal, tanto quanto eu me apaixonei.
Aliás, uma curiosidade que não interfere em nada, mas, para quem acredita, é legal.
Para quem acredita em “amores além da vida” e Karma: Nesta história, Kayla e
Alejandro são a reencarnação da Ayla e Khalid do meu outro livro "Vendida ao
Sultão". Para quem não acredita: REAFIRMO, não tem o menor problema no
entendimento.
 
Coloquei o subtítulo de “A regra era não me apaixonar”, mas acredito que o ideal seria:
“O destino tende a brincar com os nossos corações.”
 
Uma boa leitura. ❤️
Att: Mellody Ryu
https://www.instagram.com/mellody.ryu/
 
 
 
SINOPSE

Uma jornalista e um milionário, uma proposta e um desejo insano; porém, com uma
regra: não se apaixonar. Mas o destino tende a brincar e subjugar nossos corações.
 
Kayla foi traída pelo seu noivo em meio a uma enorme festa de gala e sua carreira de anos,
agora parecia estar por um fio. Ela fugiu não querendo ter que lidar com tudo que envolvia
o casamento, porém, o que ela não poderia imaginar é que encontraria em Alejandro Kaleo
Ward, o famoso milionário, uma atração avassaladora.
 
Alejandro, que até então não queria se casar, encontrou em uma pequena jornalista um
fascínio jamais sentido. Ao entregar-se ao desejo num momento de vulnerabilidade, seus
destinos foram entrelaçados.
 
Escândalos e perigos os uniam e eles eram notícia por todo lugar.
Tudo parecia terrível… ou não.
 
Alejandro teve uma brilhante ideia e propôs um acordo: ele a ajudaria a resolver seus
problemas e ela o ajudaria nos seus. Além disso, o milionário esperava conseguir o que
mais ansiava desde que colocou os olhos na bela mulher: tê-la em sua cama.
 
Assim ela não teria que cancelar o casamento,
apenas trocar de par.
 
No entanto, nada seria tão simples assim.
 
(+18) ESTE LIVRO CONTÉM SEXO, VIOLÊNCIA E MORTE.
 
INTRODUÇÃO

LONDON EXPRESS
Saturday, December 18, 2021
The Gossip Mail
EXTRA! EXTRA! EXTRA!
“O milionário Alejandro Ward, defende jornalista!”
O famoso e misterioso milionário foi visto após o rompimento do seu noivado com a
modelo Katherine Collins, no baile de gala de inverno, anual beneficente dos Valiants. Mas
não o bastante da sua súbita aparição, ele se envolveu em uma situação no mínimo
constrangedora. A jornalista Kayla Johnson, que estava lá para entrevistar algum
antissocial da vez, pegou seu noivo a traindo com Victória Mcgregor. A mulher que acabou
de enterrar o seu terceiro marido.
Em meio a toda confusão e farpas trocadas, Richard Johnson passou dos limites e Alejandro
tomou as dores da jovem jornalista. Ele foi à sua defesa e partiu para a agressão!
 
Agora a pergunta é:
O que levou o misterioso homem a tomar a defesa da jornalista?
Seria empatia? Ou alguma outra emoção? Quem sabe...
Troca de chifre?
 
PRÓLOGO
Desastre, Encontro e Ilusão.

KAYLA • Kayla Johnson


 
| Doze anos antes… Kayla com 15 anos. |
 
Lá estava eu no carro, de braços cruzados, olhando através da janela. Minha animosidade
era tão palpável, que todos os outros no veículo fingiam que eu não existia. 
E isso parece mais uma história clichê como tantas por aí?
Sim! E talvez seja.
Após meses mal os vendo,  meus pais, estes que eram famosos advogados, donos da sua
própria empresa “Themis Advocacia” – o que não diminuía o fluxo de trabalho deles –,
estavam finalmente de férias; mas graças a minha irmã Harley, estávamos indo para a
Espanha, nos aventurar em meio a Granada. Todos estavam animados…, ou melhor, …
quase todos.
Veja bem, eu não queria viajar para a Espanha, nem ver as maravilhas de Granada.
Tampouco queria ver arquitetura da Dinastia Nazarí. Harley que era louca por isso.
Independente da minha cara de "quem comeu e não gostou", ela falava animada de
Alhambra e da Sierra Nevada. 
Logo Harley terminaria o ensino médio e não me surpreenderia se cursasse história. Era
uma velha no corpo de uma pessoa jovem. Ela obviamente foi quem encontrou o panfleto
sobre o turismo daquele lugar, foi estudar sobre ele e quem fez a cabeça dos nossos pais. 
Em meio aos meus devaneios, àquela altura, já estávamos chegando ao hotel.  E quando dei
por mim, as malas estavam sendo colocadas no canto do quarto pelo funcionário do lugar.
Passei o olhar ao redor, observando o quarto que dividiria com a minha irmã. Grande e
espaçoso, bem iluminado, com uma janela que tinha uma vista que se assemelhava a um
quadro, duas camas, frigobar e uma televisão enorme.
 O nosso pai não me deu chance sequer de pensar o que faria primeiro, quando escancarou
a porta que estava quase terminando de ser fechada pelo funcionário, que o olhou
espantado, mas meu pai estava totalmente alheio e com um largo sorriso, se aproximou
dizendo que já queria ir esticar as pernas pelos pontos turísticos.
O funcionário bufou saindo de fininho enquanto  eu bufei, me jogando na cama desanimada
e me fiz de morta. Pois, para falar a verdade, só queria ficar no meu celular,
confortavelmente descansando o corpo após a viagem. 
— Eu não vou a lugar algum! — exclamei cansada.
— Aí! Essa idade da adolescência… — suspirou meu pai e,  brincalhona, mostrei a língua, o
que o fez rir. Ele me fez um sinal de silêncio e falou um pouco mais alto   — Puxou a mãe,
tão preguiçosa! 
Ao longe pude ouvir minha mãe falando um "Ei!"
Minha irmã se apressou para o lado do nosso pai, mas pouco antes de sair, virou-se para
mim e disse:
— Pirralha chata! — exclamou também de bom humor, me mostrando a língua. Embora
fosse a mais velha, naquelas horas invertíamos os papéis. 
— Ridícula entusiasta! — respondi no mesmo tom dela, fazendo careta. 
(...)
Por fim, me deixaram no hotel. E é claro que não iria reclamar de ficar no quarto, com uma
grande televisão apenas para mim. 
Se não estivesse tudo em espanhol! 
— Ao menos tem legenda em inglês… — resmunguei.
Quando terminei de assistir o primeiro filme e estava pronta para colocar outro, uma
grande chuva começou. Tentei aumentar o volume e naquele momento me dei conta que a
pilha do controle remoto tinha acabado.
Droga! 
Lá fui eu, na recepção levando o controle comigo para pedir pilhas, mas devido à chuva,
tudo estava muito agitado e já tinha um casal sendo atendido na recepção.
Me virei para observar as coisas ao redor, curiosa como era. Vi no grande salão, uma
televisão enorme onde estava passando as notícias locais de emergência... E foi naquela
mesma tela, que vi um acidente de carro não muito longe dali. O carro derrapou na volta do
Sierra Nevada.
— Meu Deus... — murmurei preocupada com os meus pais, querendo que não estivessem
fora do hotel. 
Rapidamente peguei o celular e tentei ligar para eles. Queria ter a certeza de que estavam
bem, chamei primeiro o pai, mas ele não atendeu. Meu coração apertou. Tentei a mãe e
nada. Minha garganta já fechou querendo chorar. Por fim, minha irmã e sem resposta. Meu
coração pareceu ficar pesado como uma pedra e o ar tão tenso que me faltava forças para
respirar.
Nas imagens, revelava um carro que ficou todo amassado após derrapar e capotar, ninguém
acreditaria que alguém teria sobrevivido a um acidente daqueles. Implorei a Deus: se
realmente existisse, que minha família entrasse pelo Hall falando que o tempo estava ruim
e por isso, voltaram.
Mas isso não aconteceu.
Engoli em seco quando claramente, vi o corpo de bombeiros no local retirando os corpos e
dentre eles, pude ver um pedaço da roupa que minha mãe saiu mais cedo.
— Não… não!!! — exclamei correndo em direção à  televisão como se pudesse entrar nela. 
Me negava a acreditar, não podia ser verdade.  As lágrimas atrapalhavam minha visão e
desesperadamente, esfreguei meus olhos com as mãos, pouco antes de sentir minhas
pernas falharem ao ver a mão do meu pai com os anéis que ele nunca tirava: de formado
em advocacia e o de casamento.
O sorriso do meu pai, ele brincando e a voz dele ecoando na minha cabeça me causaram
uma dor dilacerante. A voz da minha mãe falando "Ei", e a minha irmã implicando comigo. 
O grito de dor foi abafado quando,  por um segundo,  pensei que poderiam apenas estar
desacordados. 
Gritei pedindo que aumentassem o volume e naquele exato instante escutei o nome dos
meus pais e concluí serem as possíveis vítimas, mas veio a mais terrível palavra que não
precisava de tradução ou muito estudo para entender: "Muertos". 
Meu corpo inteiro congelou, matando as minhas esperanças. O controle caiu da minha mão
e foi o som dele batendo contra o tapete fino, que me fez soluçar um choro silencioso, de
lágrimas quentes correndo pelo meu rosto. Eu deveria estar com eles, deveria estar lá! Um
sentimento de culpa por estar viva  me consumiu em conjunto com o sentimento de perda. 
Alguém se aproximou e tocou meu ombro, saí em um rompante do choque, meu corpo
tremia em uma dor pulsante e o ar me faltava conforme gritava e me debatia. "Não! Não!
Não!". Só queria acreditar que tudo era mentira, que eles estavam errados, que não
poderiam ser eles. Que meus pais voltariam para mim. 
A última lembrança deles comigo, era eu sendo uma mimada egoísta e implicante. Não os
veria nunca mais, assim como eu nunca mais poderia me perdoar. Oh! Deus! Por quê?! Num
surto de fúria peguei um pequeno banco que tinha perto de mim e joguei contra a televisão
querendo que a repórter se calasse. 
Não podia ser verdade, não podia!
A atendente do Hall veio ao meu socorro, em algum momento vi formas turvas de várias
pessoas ao redor que tentavam me conter. Estava fora de mim, eram muitas pessoas e não
conseguia distinguir os rostos delas ou o que falavam.
Cansei-me e pensei que cairia sobre minhas pernas, quando alguém inesperadamente me
segurou e impediu a queda. Acomodou-me em seus braços como uma criança e levou um
copo aos meus lábios. Recusei-me a beber qualquer coisa, mas ele insistiu e fez com que eu
bebesse um pouco de água.
Ao longe, pude ouvir a voz de um homem falando baixo para me acalmar, em minha língua.
A única voz, em meio a todo aquele turbilhão,  que parecia fazer algum sentido. Ela era
baixa, agradável e aconchegante, me passando uma sensação que nunca senti antes.
Agarrei-me às suas roupas e apenas chorei enquanto parava de me debater. Ele me abraçou
forte e ficou ao meu lado.
Alguns minutos se passaram e no mundo só parecia existir ele, minha dor e o seu calor.
Gradualmente, fui me acalmando, embora o choro fosse persistente. As suas mãos fortes,
me pegaram nos braços e me levaram para um sofá. Colocou-me sentada cuidadosamente e
se sentou ao meu lado, segurou  minha mão e disse:
— Se acalme, minha pequena. Vai ficar tudo bem — sua mão pousou no topo da minha
cabeça e quase podia acreditar que tudo realmente ficaria bem.
“Minha pequena”, parecia algo estranhamente familiar e consolador, mas sabia que não
conhecia aquele homem e tampouco saberia quem ele era. Na verdade, naquele momento
apenas queria me focar na sensação  que ele me passava apesar da imagem dos meus pais
na televisão me atormentando, repetindo em um looping de dor.
— Meus pais… — disse entre o choro mais fraco. E apenas isso, pois o meu vocabulário
subitamente diminuiu. — Pais e irmã…, mortos. Não quero...
E ao falar sobre eles as lágrimas retornaram com força e ele voltou a me abraçar. 
— Eu sei… Eu sei… Estou aqui com você. Vai ficar tudo bem, pequena  —  insistia ele, me
envolvendo mais com o seu calor e carinho. Eu não era mais uma criança, tinha quinze
anos. 
No entanto, naquele momento, aquele desconhecido foi o meu maior salvador em meio ao
caos enquanto me puxava quase para o colo dele e calmamente acariciava-me confortando
e tranquilizando com toda paciência. 
Quando me acalmei, afastei minha cabeça do seu peito um pouco e pude ver um homem
jovem de cabelos negros, sobrancelhas espessas, assim como seus cílios que emoldurava
um olhar escuro. Ele me deu um gentil sorriso, retribuindo o meu olhar e passou a mão
pelos meus cabelos os ajeitando.
Ele tinha um cheiro bom, fresco, cítrico e de alguma forma, amadeirado. No entanto, seu
cheiro foi deixado para trás quando me soltou delicadamente e se levantou, pois, foi
chamado por alguém. O desconhecido se afastou enquanto falava algo, numa língua que eu
não conseguia entender,  para algumas pessoas agitadas.
Ao sentir frio do lado do corpo em que antes me apoiava, me senti sozinha. Mesmo que
àquela altura, já conseguisse escutar com clareza as pessoas ao meu redor.
 
Alguns momentos depois, alguém veio correndo em minha direção como um borrão. 
Demorei um pouco para reconhecer, era a recepcionista do hotel. Ela segurou minha mão e
me puxou de um solavanco do sofá.
— Menina, sua irmã! — disse ela em um inglês difícil de compreender — A sua irmã está
viva! Vamos ao hospital!
  Como se uma luz chegasse a mim em forma de milagre, a esperança de que meus pais, de
alguma forma, também estivessem sobrevividos e tudo não tivesse passado de um
pesadelo. Apressei meus passos sendo guiada pela mulher e já estava na porta do hall,
quase saindo, quando tive a sensação de estar sendo observada, olhei para trás e vi um
jovem homem nas sombras me olhando.
Ele parecia estar sentindo uma dor tão grande quanto a que eu estava sentindo a pouco, me
separar dele, era tão doloroso que quase fez com que eu desse meia volta para ir até ele.
Sabia que era ele, o meu “desconhecido”, que havia me consolado. Queria agradecer. Queria
perguntar por quê ele estava com aquele olhar triste, mas não tinha tempo e a
recepcionista tampouco me deixou ficar parada por mais que alguns segundos. 
Deixei para agradecer e perguntar em outro momento – momento este que nunca chegou –,
e antes que pudesse pensar, estava no carro do segurança do hotel que se prontificou a me
dar uma carona para o hospital. 
Ao chegar no hospital, realmente me deparei com a verdade, novamente a morte da minha
esperança, porque apenas minha irmã sobreviveu. Senti que eu também deveria estar
morta e minhas lágrimas vieram fortes novamente, mas ao vê-la  com os olhos vazios e toda
suja,  sabia que fiz de alguma forma bem em continuar viva ainda que meu coração doesse
como inferno. Como um bebê  ainda aprendendo  a andar, caminhei cambaleante até ela de
braços levantados e abracei tudo que me sobrou na vida. 
Ela ainda estava viva e era tudo que eu tinha. 
Nem sequer pensei muito quando sua voz parecia repleta de culpa, pedindo desculpa.
Afastei-me para tentar vê-la direito, ao mesmo tempo, que limpava os olhos. Harley estava
em choque, parada como pedra, enquanto se abraçava. Ela estava machucada…, e havia
sangue seco em seus cabelos.
— Mamãe e papai me protegeram…, me desculpa… — então o rosto dela foi se fechando em
uma expressão de pura dor e o meu não foi muito diferente. 
Pelo menos alguém estava vivo, era o que meu coração gritava, mas, no fundo da minha
mente, me perguntava porquê só ela sobreviveu. Porque eles tinham que tê-la salvo e me
deixado. Me senti mal por isso, balancei a cabeça deixando para lá, os meus pensamentos
mais feios que nunca deveriam ser pensados.
Como se Harley pudesse ter escutado meu pensamento egoísta,  ficou ainda mais pálida e
me abraçou chorando, me implorando perdão novamente.
— Você não queria vir, eu que quis. Por minha culpa, por minha culpa. Me perdoe, Kayla!
Me perdoa!!! A mãe… E o pai! 
E foi tanto perdão, por tantas coisas, até mesmo por indicar o lugar, por gostar de viajar e
por sobreviver. Me senti tão  terrivelmente mal  que por um longo tempo nos agarramos
uma à outra, apenas pedindo perdão de forma incoerente.

 
Como fomos levadas pelas pessoas do hotel ao hospital, não muito tempo depois,   Joel
chegou a Espanha, o irmão adotivo e melhor amigo do nosso pai, com não mais que uma
maleta com o básico e a roupa do corpo e assinou a documentação para ser nosso
representante legal temporário. Organizou todos os trâmites de enterro e traslado dos
corpos.
No cemitério, pouco tempo depois, encontramo-nos órfãs, vestidas de preto e com uma
pulsante dor no peito. Ao mesmo tempo, que o sentimento de “apatia” nos dominava para
as demais coisas, lentamente, ao ponto em que não chorávamos mais. Sentia que algo em
nós estava morrendo a cada jogada de terra sobre seus caixões. Ao olhar ao redor, vimos
pessoas familiares, mas nenhum deles quis nos acolher. Éramos menores de idade, mas
entendemos que família e familiares eram coisas diferentes, da pior maneira possível
Falavam que não podiam ou que não queriam.
Joel, sentindo-se revoltado, tomou a frente e nos disse que retribuiria o favor que lhe fora
feito na infância. Prometeu ajudar e cuidar de nós até que pudéssemos andar com nossos
próprios pés.
 Minha irmã me colocou atrás de si naquela época e perguntou porquê ele faria isso por
duas adolescentes que ninguém queria. Paciente, Joel respondeu sorrindo após expirar
lentamente e colocou as mãos nos bolsos:
— Conheci o seu pai quando não passava de um garoto abandonado, que se negava a ficar
dentro do orfanato e que fugia com frequência. Além disso, era terrivelmente rebelde e
mesmo assim os seus avós me acolheram, deram amor e educação. 
Seu sorriso foi amargo, mas seu olhar foi sincero quando encontrou o nosso.
— Além disso, você tem algum outro lugar para ir? Não precisa ficar receosa, não pedirei
para me chamarem de pai ou algo do gênero. Daqui há poucos anos, vocês serão maiores.
Seja sábia por você e pela sua irmã. Estudem, tenham um lar, uma base no agora para
poderem ter um bom futuro — explicou calmo, com a sabedoria de um ancião.
Minha irmã continuou insegura, mas ele falava a verdade. Por mais dor e sentimento de
traição que sentíamos devido a "família'', havia realmente muita verdade nas palavras dele.
Minha irmã só não podia ver isso e eu sabia o porquê. Ela se culpava e queria me proteger.
Mas eu não era uma criança, tinha quinze anos e sabia pensar.
Ademais, por mais estranho que fosse pensar no "Tio Joel" como algum tipo de pai ou
responsável por nós, não era ruim, naquele momento era simplesmente tudo que tínhamos.
Não era um total desconhecido, era o melhor amigo do meu pai, o víamos eventualmente,
ou escutávamos o nosso pai no telefone com ele..., e no final seria ele ou um orfanato.
Dentre as opções, ele era a melhor.
Sai de trás de minha irmã, tomei a frente dela e o olhei dentro dos  olhos:
— Você sempre foi nosso tio Joel, nosso pai sempre falou de você com muito carinho e
sempre nos tratou bem. Sei que não temos para onde ir,  por isso, prometo não ficar muito
tempo na sua casa o incomodando  — falei com o máximo orgulho que pude  manter.
Ele sorriu e estendeu a mão para mim. Minha irmã e eu nos entreolhamos, e então, fomos
em sua direção... Daquele dia em diante, por algum motivo, não choramos. Por mais tristes
que estivéssemos  ou mesmo no aniversário de morte.  
Os dias passaram e não fomos maltratadas, na verdade, Joel se provou um bondoso homem.
Trabalhador e de índole impecável, um médico com uma clínica pequena.  Não tinha
esposa, pois ela faleceu de câncer logo após ter se tornado mãe do único filho dele, segundo
nos informou. 
Nos preocupamos se estávamos incomodando, uma vez que demos conta que não tínhamos
o visto. Porém, Joel nos surpreendeu entrando na sala enquanto comentávamos e nos
tranquilizou. Informando que Richard era maior de idade e que foi para longe estudar. E, de
fato, tivemos um tempo razoável para viver o nosso luto, sem sequer uma visita do tal filho.
O tempo passou e nos mostrou que de fato, nossos pais tinham bons olhos para as pessoas,
fosse o Joel ou os seus funcionários/amigos mantinham-se leais e nos visitaram para
informar todos nossos ganhos, saber se estávamos bem e nos dar algum presente nos
feriados especiais. Comunicaram que, até que tivéssemos idade para tomar a frente, eles
tomariam conta da empresa da forma mais limpa possível e deixariam todos os arquivos
disponíveis se fosse da nossa vontade saber se não havia algum desvio. E se caso não
quiséssemos trabalhar naquele ramo, continuariam mantendo e separando o dinheiro que
agora, nós era de direito. 
Por aquele motivo, Harley e eu tínhamos contas gordas de dinheiro. Joel tirava apenas
quando necessário para algo que precisávamos e apenas se caso não conseguisse cobrir.
Tínhamos uma caderneta onde anotávamos  nossos gastos e ele nos ensinou sobre
economia. Aprendemos mais de uma língua e a primeira que escolhi aprender foi espanhol
– pois lembrava daquele homem que falava inglês para me acalmar –, enquanto Harley quis
aprender francês. Segundo Joel, nenhum estudo era demais e nunca se sabia quando
poderia se fazer necessário tê-lo. 
Joel era um bom "pai", mesmo em meio ao monte de trabalho e turnos cansativos, tinha que
admitir que ele era um pai mais cuidadoso que o meu falecido pai foi. Minha irmã se tornou
a "super irmã" e por muitas vezes, estudando muito, se empenhando em cobrir o papel dos
nossos pais. Inclusive, por consequência, na ausência. Me senti solitária  e descontei a
solidão nos estudos e atividades da escola. Mas algo na minha vida mudou, quando
conheci… Richard.
Eu estava no último ano, voltando da escola, quando vi o filho de Joel. 
Richard estava falando com  seu pai na frente da casa. Ele era alto, bonito, charmoso e
estava bem-vestido, tinha cabelos um pouco mais longos que os homens normalmente
tinham. Cabelos castanhos-claros que possuíam  uma bonita luz sob o sol, olhos expressivos
esverdeados e que eram incrivelmente lindos. 
Fiquei imediatamente encantada pelo carinha mais velho bonito.
Para piorar, meu coração errou a batida assim que ele se deu conta da minha presença e se
virou em minha direção. A força do olhar dele sobre mim, me fez arrepiar, não conseguia
fazer nada além de encará-lo como uma idiota e assim que me dei conta,   fiquei tão nervosa
e constrangida, que apenas lhe dei as costas me afastando. Mesmo com o som da voz do Joel
me chamando preocupado, não parei. Refiz todo o caminho e acabei esbarrando com
Harley. Ela estava chegando do trabalho de meio período.
Ela me segurou pelos braços e me perguntou o que aconteceu.  Estava preocupada, além
disso, tinha certeza de que eu deveria estar vermelha até a ponta dos meus cabelos. Não
conseguia esconder nada dela, nem se quisesse, ela sempre pareceu muito com a mamãe
neste aspecto, com aqueles olhos astutos.
Contei e por fim, ela riu de mim e disse:
— Menina besta! E eu pensando que era algo sério. Vamos voltar — disse, colocando as
mãos em meus ombros e me virando.
— Mas Harley, como vou olhar para cara deles agora?! —  argumentei,   lutando para não
deixá-la me empurrar, mas sem êxito.
— Como você vai olhar? Com os olhos, oras.
— Eu me sinto… — falei  a contragosto  — Espera… Você entendeu o que eu quis dizer…
Não seja idiota. Como vou olhar para eles? Fui uma completa idiota.
— Não sei também irmãzinha, mas você tem outro lugar para ir? — indagou ela sagaz com
uma ponta de humor.
—  Não… — tive que admitir.
— Então vamos — reafirmou ela, voltando a me empurrar e me dei  conta de que algumas
pessoas da vizinhança nos olhavam, e quis morrer.  
Por que eu tinha que ser tão estupida?!
— Então vou andando, não precisa me empurrar… — tentei ao menos manter um fiapinho
de orgulho dentro de mim, o que fez uma risada baixa da Harley chegar aos meus ouvidos.
— Certo, certo! Muito engraçado a pessoa que chamou atenção para princípio de conversa,
agora fica constrangida por chamar atenção…— respondeu me soltando e vindo ao meu
lado —  Mas não nego, essa sua reação a homens bonitos é muito interessante. 
Ela me aporrinhou por todo o caminho com coisas como:
“Como fará para arrumar um namorado?” e “Se bem que, sempre falam que vale mais a
pena um feio empenhado em mãos do que um bonito que não serve para nada.”
Ela me constrangeu tanto, que simplesmente cheguei em casa irritada. Olhei para cara de
Joel e de seu filho Richard, dei "boa noite" completamente seca e fui para o meu quarto.
A cada vez que via Harley, ela me provocava da mesma forma. Inesperadamente, com a
presença frequente de Richard em casa depois daquele dia, fui me habituando. Contudo,
uma semana depois, quando cheguei ao meu quarto, lá estava ele com a sua irritante
camisa xadrez. Ele que já não era um estranho, mas sim, um grande abusado lindo de
morrer. 
Richard estava tranquilamente sentado na cadeira da minha escrivaninha brincando com a
minha caneta favorita.
—  O que você faz no meu quarto? Você sabia que não deve invadir o quarto dos outros? —
perguntei numa voz impertinente. Afinal, por vezes o ataque é a melhor defesa.
— Bom… Sim, mas você não é os “outros”,  certo? Me desculpe, minha dama —  disse ele
com tanto sarcasmo que fez o meu encanto por ele desfazer. Em sequência, ele levantou
largando minha caneta e caminhou em minha direção, com seus olhos verdes fixos nos
meus, passos firmes e um sorriso charmoso. Meu corpo todo enrijeceu supondo que ele me
beijaria, mas passou direto por mim, zombando do meu rosto vermelho.
Não nos dávamos bem, mas, ao mesmo tempo, Richard sempre fazia coisas que me faziam
seguir com ele  em pensamento, e para evitar tristeza ao Joel que ficava preocupado com
nossas brigas, na frente dele ao menos tentávamos ser mais educados. Entretanto, em
algum momento nestas idas e vindas de Richard, pouco depois que completei 18 anos, no
final de um evento da cidade, nos vimos sozinhos… e aconteceu...
O nosso primeiro beijo.
E achei…
Eu realmente acreditei que tinha encontrado o amor da minha vida. Que com ele poderia
formar uma família, ter a estabilidade de um lar.
E não poderia estar mais errada…
CAPÍTULO 1
 Seu amor é uma mentira que teimosamente acreditei.

KAYLA • Kayla Johnson


 
| Atualmente • Londres |
 
Na palma das minhas mãos tinha um par de pesadas abotoaduras douradas, geladas,
elegantes e masculinas. Fechei minhas mãos em volta dos pequenos objetos, levantei o
olhar para a atendente diante de mim e agradeci com um largo sorriso.
— Gostou, senhorita?
—  Sim, estão perfeitas — respondi com uma voz tão sedosa quanto a minha felicidade.
— Nós ficamos muito felizes, ansiamos sempre a satisfação do cliente. Pode me entregar
para poder embalar? — A atendente estendeu a mão na minha direção.
Concordei com a cabeça e entreguei, em sequência, ela se afastou para polir um pouco mais
antes de colocar na caixa. Como já havia pago pela encomenda, apenas aguardei o seu
retorno.
Nunca fui uma pessoa dada a muitos luxos. Joel foi um bom homem ao ensinar Harley e eu,
nos fez boas adultas conscientes e responsáveis. Assim, mesmo com a herança dos meus
pais no banco, era o mesmo que nada. Pois, entramos em comum acordo de separarmos em
duas contas o valor e não movermos o dinheiro de lá, se não tivesse extrema necessidade e
devolveríamos posteriormente.
Comprei estas duas abotoaduras com o dinheiro do meu trabalho e as daria ao meu noivo,
isso me enchia de orgulho. Foi uma pequena fortuna e, de alguma maneira, pensei que onde
quer que estivessem, meus pais estavam orgulhosos de mim também.
A atendente me entregou a sacolinha, agradeci e virei-me para sair da loja. Uma vez que
passei pela porta, o som do sino chegou aos meus ouvidos, em conjunto com o vento suave
e gélido, que parecia uma carícia refrescante, me dando a sensação de liberdade.
Ainda eram as primeiras horas do dia, estava de folga e agora não sabia o que fazer até o
meio-dia. Quanto tempo fazia que eu não tinha um tempo sem nada para fazer assim? Nem
sequer lembrava. Suspirei e relaxei os ombros, como se tirasse um enorme peso deles.
Guardei o embrulho na bolsa enquanto pensava no que fazer até ir ao encontro com
Richard. Com um sorriso bobo no rosto, fiquei fantasiando com o nosso casamento tão
esperado depois de nove anos juntos.
Recordei com doçura, assim como nos nossos primeiros anos trabalhando, que mal
olhávamos um para o outro, devido à correria em direção aos nossos sonhos. Na nossa vida
íntima, ele sempre insistia em esperarmos até o casamento, para me respeitar e sermos
fiéis à tradição do vestido branco... Tão cafona, mas fofo. Segundo ele, a maior prova que um
ex-mulherengo estava apaixonado, era o quanto valorizava aquela que tinha seu coração.
Claro que por vezes nos agarrávamos, mãos passearam, mas jamais passamos do limite.
Mesmo quando pedia para ele continuar, insistia em negar. No íntimo, não me importava
com a minha virgindade. Ansiava pelas nossas noites, já não era uma jovem adolescente,
tinha desejos. Entretanto, me sentia romântica, não podia negar...
Meu celular tocou e vibrou, me fazendo sobressaltar e tirando-me à força dos devaneios. E
para minha total infelicidade, assim que o tirei do bolso e virei a tela para cima, vi o número
do meu chefe.
—  Sim? — disse assim que levei o aparelho ao ouvido.
— Kayla, sei que te dei folga, mas preciso de você!
Revirei os olhos e se tinha um momento em que queria simplesmente amarrá-lo na cadeira,
jogar gasolina e atear fogo, era este. Ele sempre falava isso em tom de emergência, como se
fosse a única que trabalhava para ele.
Coisa que não era verdade!
— Mas senhor, estou na minha folga depois de três anos sem parar… — tentei ser educada
antes de mandá-lo à merda.
Recusei diversos trabalhos em outros lugares, pois embora seus defeitos - este cara chato
para caramba -, valorizava minha opinião, assim como o caráter. Ele nunca ultrapassava o
senso de certo e errado dos funcionários. Por isso “Daily News” tinha dos mais diversos
tipos, inclusive, os que gostavam de escândalos.
— Mas só você conseguirá esse feito. Por favor, Kayla… — insistiu ele.
Suspirei cansada, mas quase podia ver a cara dele, pedindo para a Sofia. Não sabia o que ele
queria me pedir, mas tinha certeza de uma coisa: se Sofia fizesse algo errado, - como por
exemplo, em vez de conseguir uma entrevista parar na cama de algum outro cara - eu seria a
culpada e teria que arrumar a bagunça.
Desenganada, senti meus ombros caírem.
—  Que favor é este, Evans? —  Perguntei, nem um pouco satisfeita.
— Você estará na festa de gala anual que a esposa do famoso milionário John Valiant
organizará para arrecadação de fundos. Segundo minhas fontes, nesta noite em especial,
Alejandro Ward estará lá.
—  Espera um minuto. Este evento, fiquei sabendo, é no hotel mais luxuoso de Londres, o
Luxor Hotel?! E você está falando daquele Alejandro? O cara que não dá uma entrevista a
nenhum jornalista, que é extremamente fechado e conhecido por ser rude com qualquer
pessoa que trabalha NO MEU RAMO?
— Este mesmo! — disse empolgado.
— Genial — exclamei com sarcasmo — E se ninguém conseguiu o feito, o que faz você
pensar que EU conseguirei? Fora que você acredita que sou o quê? A Santa de Calcutá? Que
ele vai me tratar mal e aceitarei?
— Bom, você sempre consegue a simpatia, seja pela sua personalidade ou pela sua beleza.  
Afinal, você é a beleza da nossa sede, lembra?
Quase pude ver meu cérebro de tanto que revirei os olhos.
— Olha, nem comece com a bajulação — reclamei, já indo até à beira da rua para chamar
um carro — Sabe que odeio essa droga de votação que fizeram.
— Você odiar, não altera os resultados. E se tem alguém que pode roubar o fôlego de
Alejandro e quem sabe, conseguir uma entrevista com ele, é você  — afirmou e eu revirei os
olhos novamente. O carro tinha acabado de parar à minha frente, quando ele continuou: —
Estou mandando um carro onde você está, só mandar o endereço. Ele te levará ao salão e
você também tem uma roupa de gala te esperando na alfaiataria. Teremos certeza de que
você parecerá uma deusa. Aproveite e tire fotos para sua rede social, hoje em dia, tudo isso
é muito importante.
Bufei, extremamente irritada. Abaixei-me e pedi desculpas ao motorista, este que foi
embora chateado, e com razão, antes de voltar a colocar o telefone no ouvido.
— Você já tinha tudo pronto… bastardo.
— Eu sabia que poderia confiar em você. Estou esperando o seu endereço, boneca — então,
Noah Evans, meu chefe diabo, desligou na minha cara.
Inferno! O amaldiçoei, mas enviei meu endereço a contragosto e mandei uma mensagem
para Richard:
“Hoje não poderei te encontrar, surgiu um trabalho importante. Amanhã sem falta. Me
desculpe mesmo.
Com amor, Kayla.”
Mandei a mensagem já sabendo que ficaria puto novamente, afinal Richard sempre
reclamava que eu estava trabalhando demais e que quase não tinha uma vida  ou lhe dava
atenção. Sabia estar o colocando de lado, mas o dinheiro que fazia não era apenas para
mim. A carreira não se faria sozinha e ele mais do que ninguém sabia disso.
Como advogado, dependia de clientes o contratando, não era sempre que tinha, às vezes o
mesmo caso durava meses ou não havia nenhum.
A cada matéria, recebia uma porcentagem. Por isso, era muito comum ter mais dinheiro na
mão do que ele. Como morávamos juntos praticamente, fiz até um cartão dependente do
meu, para que assim, mesmo se ele estivesse sem dinheiro na rua, não ficasse em maus
lençóis. A vida era dura, mas podíamos ajudar um ao outro.
O som de uma mensagem chegou aos meus ouvidos e assim que levantei o celular, pude ver
na tela ainda bloqueada:
“Não é uma novidade.”
Sua sinceridade tão direta quanto uma flecha, doía na minha consciência. Eu conseguia
entender, estaria da mesma forma. Suspirei e deixei minha mão cair ao lado do corpo,
pouco antes de um elegante carro preto parar à minha frente.
— Bom, o que foi feito não pode ser desfeito — disse a mim mesma — Fiz minha escolha e
é hora de ir adiante.

 
 

 
Horas mais tarde…
Já era fim da tarde quando terminei todo o processo de ser transformada em “Cinderela” e
as fotos para as redes sociais. Já estava a caminho da festa, confortavelmente sentada, em
um elegante estofado branco, dentro de uma limusine. O vestido longo de seda perolado
que usava, realçava cada curva do meu corpo e destacava meus cabelos negros. Graças a
isso, recebi muitas “curtidas”, inclusive de Richard. Que provavelmente curtiu por desaforo.
Como acalmaria este homem?
Francamente, não sabia.
Bom, ao menos me sentia livre para aproveitar pequenas regalias. Como, por exemplo,
bebericar o champanhe. Ademais, tinha que estar no mínimo, um pouco alta. Sempre era
muito incômodo estar entre tantas pessoas, sob tanta atenção e também sob tanto ódio.
A princípio queria ser jornalista freelancer, mas coisas inesperadas aconteceram… Dado
dia, Evans precisava de alguém para um evento. Alguém que fosse à festa e conseguisse
uma entrevista com Harrison Grand.
Ninguém menos que um velho empresário dono da joalheria mais cara de Londres, a Jewel
Soul. - Aliás, o dono da loja em que sai mais cedo, com as abotoaduras de Richard. - Após mais
de quinze anos apegado ao tradicional, estava abrindo as portas para ideias novas.
 
Lembrava-me que por sorte, encontrei sua esposa, Scarlet Grand. Era de conhecimento
comum, como ele era muito devotado a ela. Então, tinha que chegar a ela, para conseguir
chegar a ele e, quem sabe, conseguir uma exclusiva. No entanto, quando a encontrei, era
baixa, com alguns fios grisalhos em meio aos seus cabelos e se fosse chutar,   sua idade seria
entre os quarenta ou cinquenta anos. Porém, o que me chamou atenção foi que estava abatida
e parecia estar cansada em meio àquela festa. Olhei ao redor e estava sem cadeiras
disponíveis, deveria estar sendo penoso.
Chamei um garçom, pedi para providenciar mais uma cadeira e me aproximei com
delicadeza. Pedindo desculpa pela minha intromissão e possível inconveniência. Inventei que
meus avós tinham muitas dores nas pernas quando ficavam em pé por muito tempo. Afinal,
ela poderia ser uma daquelas mulheres orgulhosas que não assumiam que a idade tinha
consequências.
 Uma grata surpresa foi quando me sorriu e ficou muito grata por ter reparado. Pediu para
conseguirem mais uma cadeira para mim. Algumas esposas de outros empresários foram se
aproximando. Tudo ia bem, até que perguntaram o meu trabalho. Tinha orgulho do meu
trabalho, então não menti. 
A amizade acabou e uma a uma, elas foram embora. Obviamente desconfiadas, refletindo se
não falaram demais. Voltando a ficar apenas a senhora e eu.
— É sempre assim? — questionou.
— Sempre, ou creio que seja assim. Nunca estive em uma festa de gala como esta, mas, em
geral, é… Sempre  — afirmei dando de ombros — Tenho que fazer o meu trabalho.
— Quem você veio entrevistar ou saber algo sobre? —  sua voz era serena e foi absolutamente
sincera, então respondi de acordo.
— Vim tentar agendar uma entrevista, e para ser franca, com seu marido. Eu a encontrei
antes de achá-lo, pensei que logo apareceria. Mas a senhora parecia cansada e ninguém
estava dando a mínima, então tinha que fazer algo a respeito — dei de ombros suavemente
para manter a elegância. Estava principalmente nervosa naquele dia, nunca estive entre
tantas pessoas influentes antes.
Ela sorriu apreciando minha sinceridade e algum tempo depois, seu marido  surgiu
preocupado e assim me viu ficou mal-humorado. Mas sua senhora o convenceu a me dar uma
entrevista devido ao meu bom coração.
 
Depois daquele dia, meu chefe sempre me enviou em "missões impossíveis" e com a benção
de Deus, de uma forma ou outra, consegui concluí-las. Mas nem sempre como queria, pois,
às vezes pegava pessoas ricas fazendo o que não deveria.  No final, a "missão impossível"
era abortada e no lugar vinha outra companheira de trabalho, Sofia. E esta sim, se envolvia
nos casos de traição e fofoca.
Desde então, meus trabalhos eram uma mescla de pesquisas e descobrir as verdades que os
famosos escondiam sobre seus negócios. Furos, entrevistas casuais, encaminhar coisas para
a “companheira” … E festas. Segurei com carinho a minha bolsa que estava em meu colo
com as abotoaduras, pouco antes do carro parar. Pensando no tempo em que vinha
magoando Richard.
—  Chegamos, senhorita — anunciou o motorista  — Em um momento abrirei a porta.
— Sim, obrigada.
Ele saiu do carro, deu a volta rapidamente e abriu a porta, tão logo que o fez, fui banhada
pela luz que vinha de fora. Os flashs dos fotógrafos eram fortes e atrapalhavam um pouco a
minha visão. Dei o melhor sorriso e sai do carro, equilibrando-me perfeitamente em meus
saltos muito finos. Só o fato de estar ali, fazia muitos me perguntarem quem iria entrevistar
daquela vez. O celular na minha bolsa começou a apitar frenético com as notificações das
redes sociais. O que era totalmente esperado, ao descobrirem qual era o evento que eu
estava.
Parte da publicidade, era descobrirem onde estaria quando desse as caras. Afinal, me fazia
de sonsa para não revelar o alvo da entrevista, pois não tinha certeza de conseguir uma
exclusiva.
Parte do mal de estar sempre em lugares como aquele, era que inevitavelmente, me tornei
uma pessoa pública também. Segundo meu chefe,  isso era maravilhoso, pois me tornei um
“marketing vivo” do jornal onde quer que fosse. Enquanto atravessava o caminho até a
porta do salão, relembrei sobre o homem que iria tentar me aproximar:
Alejandro Ward, 38 anos, 2 metros, porte Atlético. Um homem realmente alto, forte e que,  
segundo as fotos tiradas por “paparazzis”,  possuía um olhar severo, que por vezes me parecia
familiar de alguma forma. Atual dono de uma cadeia de hotéis Royale,  assumiu a posse logo
após se formar na faculdade devido ao falecimento de seu pai.
Possuía dois irmãos, sendo eles uma irmã mais velha não mencionada na mídia, que sempre
foi muito reservada e  um irmão mais novo, igualmente reservado.   Mostrando que toda a
família não tinha interesse em tabloides. Alejandro surpreendentemente estava noivo da filha
do contador do seu tio, que era muito ativa nas redes sociais, seu total oposto. Alejandro 
residia  em Granada, Espanha. Embora, constantemente estivesse em viagem.
 
Era apenas isso que encontrávamos sobre ele.
Suspirei, virei meu olhar aos céus e senti o vento frio da noite acariciar minha face. Ao
pensar em Granada, recordava de meus falecidos pais. Questionei-me se naquela época nós
nos hospedamos em um hotel da família dele. A imagem do gentil desconhecido se passou
pela minha mente, porém, não importava o quanto tentasse, não conseguia me lembrar do
seu rosto. Voltei minha atenção para frente e entrei no famoso hotel com o pensamento de
que ainda queria reencontrá-lo e agradecer.
Antes que desse por mim, já estava no grande salão onde estava ocorrendo o baile. O
espaço era lindo, numa temática que lembrava a realeza francesa. Mas, embora a decoração
mudasse de uma festa para outra, era sempre a mesma coisa no final, pessoas gananciosas,
viciadas em trabalho e na própria imagem. E francamente, de certo modo, eu não era tão
diferente deles. Por isso era natural que entrasse no meu modo "automático" de sorriso
polido e cortês, humor apático e cumprimentos vazios. Na festa, havia vários rostos
familiares, alguns que gostavam de mim e outros que não me suportavam.
Eu não era o tipo que deliberadamente causava ódio nas pessoas, mas uma vez que
desmascarei alguns… Era claro o motivo de me odiarem, especialmente  se o sentimento
era recíproco. Bom, em todo caso, sempre tentei ser gentil. Contudo, o simples fato de ser
quem era, fazia com que eles mudassem de assunto conforme atravessava o salão.
Temiam muitas coisas, em geral, serem expostos em suas mentiras e traições. Além de
furos, afinal, muitos deles fechavam negócios nestas festas e não anunciavam de imediato,
pelo bem do marketing. Além disso, em um rápido passar de olhos pelo salão, pude ver que
muitos estavam com as amantes no lugar das esposas. Meu sorriso tremeu por meio
segundo, por não poder fazer nada a respeito, pois, ao que me recordava, alguns deles
poderíamos chamar de “criminosos”, mas se tinha alguém que poderia era a Sofia.
Mentalmente, listei seus nomes e descrição de suas companheiras, para se caso fizessem
algo contra mim.
Peguei uma taça de vinho tinto que um garçom ofereceu ao longo do meu percurso
enquanto procurava o hoteleiro,  Alejandro. Fracamente, era em cada roubada que o meu
chefe me colocava....
Mas foi fácil encontrá-lo em meio à multidão, devido à sua altura e  mais que isso, pois, ao
meu olhar repousar sobre o homem, senti um formigar percorrer o meu corpo. Alejandro
era alguém que simplesmente não poderia ser ignorado.
O fitei com apreciação, seus ombros largos, seu quadril estreito que fazia minha mente
vagar em pensamentos luxuriosos de um corpo malhado…  Além disto, Alejandro possuía
um traseiro arredondado que atraía o meu olhar. As fotos não faziam justiça à sua presença
marcante, mesmo de costas para mim. Através dos olhares voltados a ele das mulheres ao
seu redor, podia ver seu fascínio, o que denotava um rosto igualmente atraente.
Instigada pela vontade de fitar  seu rosto, caminhei um pouco mais para perto dele. E
conforme ia dando a volta por ele, reparei em seus cabelos negros e espeços, seu maxilar
definido e a barba aparada. Seu perfil sério deixava claro que se deveria evitar irritá-lo.
Com sua postura perfeita, ele não deixava nenhuma brecha para usar como base para me
aproximar. Aparentemente, teria que ir diretamente a ele  Sem rodeios...
Respirei fundo e fui.
No entanto, para a minha surpresa, uma voz familiar chegou aos meus ouvidos. Nos
primeiros passos que dei em direção ao homem. Virei minha cabeça em direção à varanda  
a poucos metros de mim e era a voz de… Richard! Mas ele não conseguiria vir a esta festa,
conseguiria? Questionei mentalmente, me aproximando.
— Oh, querido!  Fico tão feliz que pode vir… —  disse uma voz enjoada.
— Eu já planejava vir. Estava com tudo pronto, pois sabia que novamente ela iria trabalhar  
—  disse Richard com desdém  enquanto passeava de braços dados com uma mulher uns
bons vinte anos mais velha que ele.
— Oh, tadinho!  sempre sendo colocado de lado. Fique comigo, serei sua melhor companhia
— sua voz estava carregada de malícia e eu sentia a bile subindo à minha garganta, ao
mesmo tempo que uma fisgada de dor dilacerante golpeava meu peito.
 Richard estava me traindo.
Queria fazer um escândalo, gritar, xingar e explodir. Mas posso mesmo dizer que não tenho
culpa nisso? Pensei, buscando alguma justificativa. Queria chorar, mas a mágoa no meu
peito era tanta, que até mesmo as lágrimas que se formavam em meus olhos pareciam
arder como fogo, negando-se a rolar.
Não poderia apenas fingir que não vi, virar as costas e tudo bem. Fui atrás deles, mesmo
com meu coração doendo como um inferno. Até que pude escutar da porta mais uma parte
da conversa distraída dos dois: — … Ela sequer desconfia.
Engoli em seco.
— Você tem que tomar cuidado, querido. Que tipo de mulher acredita em um homem que
não dorme com ela? Não quero que ninguém te faça mal. Além disso, e se ela descobre que
você tem pego o dinheiro dela? O que te dou não é mesmo o suficiente?
Meu dinheiro?! Puxei minha bolsa para pegar o celular, mas não precisei confirmar quando
ele respondeu:
— Ela é uma idiota e eu garanti que confiaria cegamente em mim, já te falei. Estamos juntos
há anos, é natural que se preocupe com meu bem-estar. Ela  até deixou um cartão comigo,
que mal uso. Além do que, trabalha com tanto afinco que nem sequer verifica o banco.
Imagine se um banco,  que ela manteve em segredo de mim,  iria verificar uma conta gorda,
que ela desperdiça por sequer mexer naquele dinheiro. Além do mais, ela está tão
empenhada com o casamento… —  disse ele com um humor maldoso — O seu sonho
romântico e idiota. É tão trouxa, chega a dar pena. Cega de amor, é o que digo.
— Sei… Toda vez fala isso, mas aposto que dorme com ela sim. São quantos anos juntos
mesmo?
— Acho que uns nove... Só lhe dei atenção, porque quero a empresa dos pais dela. Cômico,
se não fosse deprimente. Ela pega furos dos outros e não da própria vida. Se dormisse com
ela, rapidamente saberia que você toma tudo de mim… — falou com um tom malicioso e
com um brilho no olhar para a senhora, que fez o meu estômago revirar.
Cada palavra dele era uma facada no meu coração e senti minhas pernas vacilarem. Para
conter a dor que sentia, que ameaçava sair em forma de um grito frustrado, levei a mão à
boca. Maldito. Como pude ser tão burra?! E ainda o dinheiro dos meus pais! Desgraçado!
— Ah! Mas tomo tudo com muito prazer… No entanto, não te emprestarei mais meu
cartão… Nem te darei meu coração, irá quebrá-lo — disse encenando falsamente com
sarcasmo —  Além disso, exigirei que não me toque, para que assim prove o seu amor para
mim.
— Mesmo? —  perguntou com um sorriso sacana se aproximando dela, para falar algo no
seu ouvido, que a fez morder o lábio inferior.
— Bom… Com esse argumento,  darei sim a senha… — disse ela levantando a mão para
passar a ponta dos dedos da lapela até o queixo  —  do meu quarto.
Eles pareciam estar juntos fazia um bom tempo, além da intimidade dos dois. A sensação de
traição era terrível,  estava sem palavras ou reação para o que via e escutava.
Engoli a mágoa,  com o sabor amargo do ódio, que se formava em minha boca. Meu coração
sangrava, mas não destruiria minha carreira em nome do meu rancor. Contudo, era
inevitável  pensar nas coisas boas do nosso relacionamento no passado, todos os últimos
anos, toda mentira… Recordar aumentava a dor e a fúria, fazendo-me tremer internamente.
Com todo o meu orgulho restante, me virei para partir em passos apressados, resolveria
isso no privado.  Estava tão abalada, sem ver direito o caminho que seguia, tudo ao meu
redor parecia um grande borrão. Minha mão tremendo, meu corpo todo estava agitado e
acabei esbarrando em um homem.
Desacreditada no meu azar, levantei meu olhar levemente, mas ao ver a roupa de um preto
azulado familiar, não tive coragem de terminar de levantar o olhar. Alejandro. Mordi o lábio
inferior ao ver que a taça derrubou o vinho sobre nós dois, manchando as costas dele e a
frente do meu vestido. E como se todo problema fosse pouco, além da taça cair no chão e
fazer barulho chamando a atenção das pessoas ao redor, o som de murmúrios chegou
facilmente aos meus ouvidos, pois notaram rapidamente o momento mais humilhante da
minha vida.
Alguém que estava falando com Alejandro, saiu do lugar e me viu, reconhecendo-me.
— Kayla? Minha jovem, ouvi falar que estava na festa, que prazer revê-la — disse e não tive
força o suficiente para olhá-lo também.
— Des...— comecei a me desculpar, balbuciando em um tom baixo para o homem que
esbarrei e o senhor que me cumprimentava. Não queria chamar atenção, mas minha
intenção pouco importou quando escutei outra pessoa chamando meu nome.
— Kayla...? — era Richard logo atrás de mim e o imbecil não falava baixo. O que me deixou
irritada, muito irritada.
 
CAPÍTULO 2
 Um circo e na corda bamba quem vai caminhar sou eu.

KAYLA • Kayla Johnson


 
Merda! Pensei, com meu emocional já abalado, me segurando numa fina corda. Torci
levemente a cabeça para o lado. Era inacreditável como Richard poderia perder aquela
oportunidade de ficar quieto. Não bastava toda a mágoa que estava sentindo… Mágoa esta
que foi perdendo o lugar para a mais pura e genuína raiva.
Puxei o ar com força e fechei os punhos, mas ao escutar o sibilar das pessoas ao redor,
recordei que este não era um lugar para um show. Fechei os olhos e deixei um suspiro
escapar pelos lábios, corrigindo a minha postura. Me virei para encará-lo, magoada,
ressentida e rancorosa, porém, contive todas estas emoções:
—  Sim, Richard? —  Respondi pontualmente com frieza.
— O que faz aqui, querida? —  Indagou ele, soltando a mão da mulher e vindo em minha
direção, para tentar apanhar a minha, mas desvencilhei-me do toque com um tapa. Ele me
olhou fixamente com aqueles olhos esverdeados que sempre me encantaram, mas que
naquele momento só me causavam nojo e repulsa.
Querida? Como você ousa?! Pensei, mas me restringi.
—  O mesmo de sempre... Trabalhando. Bom... Suponho que você também esteja fazendo o
mesmo de sempre… — sorri venenosa, ao mesmo tempo que levei uma mão a face
avaliando-o de cima a baixo — Foi uma indelicadeza minha atrapalhar o casal. Ah! E por
falar em casal, creio que isso aqui não me pertence mais.
— Kayla… — começou ele — Não fale assim…
 Tentou novamente alcançar a minha mão e voltei a bater na dele, lhe lançando um olhar
gélido.  Retirei o anel de noivado, este que me recordava vividamente do dia em que ele me
entregou. Estava em meio a um buquê de flores… E a recordação disso, me deixou curiosa e
o pensamento acabou escapando pelos meus lábios:
— Não me surpreenderia que um ladrão como você, tivesse usado o MEU dinheiro para
comprar este anel. O dinheiro dos meus pais que nem mesmo eu mexo... — algumas
pessoas exclamaram ao redor, não queria isso, mas já que a merda estava feita, iria até o
final. Antes que ele se defendesse, mantive o sorriso polido, ao passar por ele lhe dando um
olhar de soslaio — Mas não se preocupe, fica como um presente.
Caminhei até sua amante e parei a poucos passos dela. Ela me fitou assustada e ficou com
uma cor esverdeada de medo. Levantei a mão, mas a mulher acreditava que a golpearia,
então se encolheu no mesmo instante que pediu socorro com o olhar para Richard. Como se
ele fosse defendê-la... Ele não defenderia ninguém. Naquele momento senti pena dela, tão
iludida que me fez ter que segurar uma gargalhada.
— Minha senhora… — disse calma, mas com ênfase no "senhora" uma vez que
infantilmente, queria causar alguma dor nela, como a que eu estava sentindo —  Creio que
isso agora lhe pertence. 
Com a minha mão ainda erguida, joguei o anel de noivado dentro do enorme decote dela.
— Faça bom uso… — falei e continuei olhando-a nos olhos.
Porém, não sai do lugar, logo após a minha fala. Cruzei lentamente meus braços, fitando-a
de forma analítica. Não que realmente me importasse com o que ela vestia ou como ela
parecia, mas tudo na composição da mulher era apelativo, me senti em um clichê, só que no
lugar de chorar como uma pobre donzela, o desejo que me tomou foi de irritá-la.
Na sombra de um sorriso de puro sarcasmo, debochei em silêncio da mulher.
— O-O que foi?!
— Nada em particular, só que nunca havia visto uma… Qual é mesmo o nome que se dá hoje
em dia? Sugar Mommy? Olhando mais de perto, lembro-me quem é a senhora. Sua fama faz
justiça ao que presenciei aqui. Parece que a lei do retorno realmente chega, assim como
iludiu os outros... É a iludida da vez. 
Me virei para ir embora, deixando a mulher perplexa para trás. Consegui dar alguns passos,
passando por Richard, sem olhar-lhe na cara, porém o infeliz insistiu em segurar meu
braço. Maldição!
— Kay, deixa explicar. Como você pode fazer isso frente aos anos que estivemos juntos?
Você sempre me deixa de lado para trabalhar, me senti tão sozinho e então...  —  Começou
ele a se justificar e o meu sorriso morreu — Aconteceu... Eu sinto muito. Me perdoe, não
voltará a acontecer.
Meu olhar deslizou para sua mão me tocando, até o seu rosto. Minha expressão vacilou e
por um segundo minha raiva transpareceu, fazendo-o tirar a mão de mim e dar um passo
para trás, como se não me reconhecesse. O vi engolir em seco, vi um brilho de ódio em seus
olhos, mas sua atitude a seguir foi oposta, como se fosse a vítima injustiçada.
“Aconteceu” ele disse. Roubar meu dinheiro e todas as palavras asquerosas, também foram
apenas um surto de loucura da minha cabeça, aposto.  Pensei amarga. Um sorriso
maquiavélico nasceu de vez em meus lábios, ao mesmo tempo que me movi bruscamente
estendendo a mão em direção ao seu pescoço.
— Entendo… é aquela coisa de homens… todos aqui podem entender. Acho que se eu,
estando descontrolada, magoada e louca, te matasse esganado, também seria muito
compreensível, não acha?! Aquela coisa de hormônios! — falei com um ar maníaco e
psicótico, que o fez ficar pálido e dar um passo para trás.
— Você não faria isso! — exclamou ele com descrença.
— Está certo... Não mesmo — concordei com um sorriso cortês, ao mesmo tempo que
fechava minha mão em punhos e as descia. Parei por um momento, reflexiva. Então, repeti
suas palavras num tom um pouco mais grave: — “Como você pôde fazer isso frente aos
anos que estivemos juntos?" Acredito que deveria ser “eu” a dizer isso. Mas não importa, a
resposta não mudará o resultado. É o nosso fim.
Conclui minha frase de uma forma que me fez parecer realmente o coração de gelo que
tanto me chamavam. Me virei em direção aos convidados que assistiram tudo e curvei
educadamente minha cabeça:
— Desculpem-me por todo o inconveniente e transtorno. Sinceramente, sinto muitíssimo.
Por favor, esqueçam o que aconteceu e aproveitem o restante da festa... As crianças
necessitadas agradecem — corrigi  minha postura, virando-me para me desculpar com os
outros dois envolvidos. Evitei olhar em seus rostos, pois a vergonha me consumia de forma
avassaladora. Eles ainda estavam próximos, silenciosos, observando a situação. Levei a mão
à  minha bolsa, peguei meu cartão de visitas e estendi a eles.
— Peço que me mande a conta da tinturaria... Sinto muito pelo ocorrido.  Aos dois... — no
entanto, para a minha surpresa, mantive a mão parada no ar por segundos de tensão e
silêncio, pois ele não pegou o cartão. No lugar disto, Alejandro segurou o meu pulso com
firmeza e puxou-me para perto de si. Arfei de surpresa e pude sentir o cheiro de seu
perfume, estranhamente, no fundo da minha mente, pude escutar o meu próprio choro e
algumas palavras de consolo.
O quê?
Mesmo que ele tenha me surpreendido, não tive muito tempo para tentar adivinhar o que
havia acontecido. Ele se abaixou à altura do meu ouvido e pude sentir o seu respirar contra
minha pele quando disse:
— Está bein? — perguntou ele em espanhol, mas no meu nervoso apenas levantei o olhar
para ele. Seus olhos negros profundos e intensos encontraram os meus e toda aquela
muralha de força que eu tinha erguido, quase se desfez por completo. Sorri amarga para o
homem, mas não consegui responder. Quem afinal, estaria bem?
Como não o respondi, ele voltou a perguntar, desta vez em inglês:
— Está bem?
— Me solte... — foi tudo que eu disse, após afastar meu olhar do dele. Estava faltando pouco
para que a máscara da indiferença se quebrasse e minha dor transparecesse para todos ali.
Ele ficou por algum tempo em silêncio, antes de me soltar. Apressei-me a sair de perto dele,
mas estava a poucos passos de distância do Alejandro quando pude ouvir a voz da amante
de Richard:
— Mulher fria… não é à toa que ele me procurou. Sem coração, seca e indiferente.
Finalmente entendo por que me buscava... — exclamou em alto e bom-tom, causando ainda
mais burburinho.
— Kayla sempre foi assim... Sempre pensou apenas em trabalho e na sua imagem perfeita…
Uma vadia…— Richard estava completando a fala dela num murmúrio, mas nunca consegui
terminar de ouvir o que disse, pois alguém se aproximou de mim rapidamente e tapou
meus ouvidos com as duas mãos.
Surpreendi-me e virei minha cabeça, encontrando os bonitos olhos da senhora Scarlet
Grand. Vi o alvoroço atrás dela e tentei virar o olhar para trás, para tentar saber o que
estava acontecendo, mas ela meneou a cabeça. E sinceramente, eu que já passei por tanta
coisa em um curto tempo, de verdade, não queria realmente saber.
Há um limite do quanto conseguia me conter. 
(...)
Ela me acompanhou até o grande hall do hotel e soltou-me apenas para falar com alguns
funcionários, entretanto não demorou a voltar. No seu retorno, segurou o meu braço
levando-me consigo para longe do hall, entrando por um longo corredor. Sentia o meu
coração pesado, mas tinha que me manter firme, tinha que ser forte, embora quisesse
apenas esquecer tudo, sumir da face da terra por algum tempo... Podia ouvir pessoas
passando por nós, falando coisas que eu não poderia me importar menos.
Ao chegar em uma sala isolada, Scarlet parou de andar e soltou meu braço gentilmente, foi
até a minha frente, parou, me fitou com seus olhos bondosos e levou a mão até minha face,
a acariciou e disse:
— Pronto... Estamos longe de todos... Ninguém te verá aqui.
Sua voz era doce, era visível a sinceridade nos seus olhos e antes que desse por mim, a
primeira lágrima rolou e depois dela outra e outra, incontrolavelmente. Tentei contê-las,
mas não consegui. Suspirando, Scarlet me puxou em um abraço. Meu choro era desolado e
silencioso, de modo que momentos depois o senhor Harrison Grand estava entrando na
sala com o celular no ouvido, sem saber o que se passava.
Senti vergonha do meu estado lastimável. Senti a necessidade desesperada de retomar o
controle, então puxei o ar enchendo meus pulmões com força e soltei calmamente, uma,
duas, três vezes… A senhora Grand colocou a mão em meu ombro e murmurou palavras
gentis, e quando enfim me acalmei, sorri de todo meu coração, agradecendo.
O senhor Harrison, que estava absorto em suas discussões e ordens pelo celular, demorou
um pouco para perceber o clima e assim que o fez, creio que por meio segundo, vi sua face
se desfigurando de bravo para penoso, o  que alfinetou o meu orgulho. Ele que estava com o
celular, o desligou subitamente e ainda calado passou nervosamente a mão pelos seus fios
de cabelo prateados. 
— Maldição! Desculpe... — disse sem jeito, caminhando até mim e colocando a mão sobre
meu ombro livre — Consegui uma saída pelos fundos e já chamei o carro. Confie em mim,
menina... Tudo ficará bem. 
Eles estavam cuidando de mim e não sabia o que falar sobre isso. Meu racional dizia
"gratidão", mas parecia tão pouco…  E ao mesmo tempo me sentia como um pedaço de
madeira flutuando no mar. Não me sentia capaz de transmitir a gratidão desejada e
lamentava verdadeiramente por isso.
Estava frágil e qualquer um poderia ver isso... Não gostava disto. Mas deveria verbalizar ao
menos o que eu sentia de alguma forma, então murmurei: — Obrigada…
CAPÍTULO 3
 As oscilações do destino que me guiaram até você.

ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward


 
Duas semanas antes…
 O cheiro da terra era fúnebre.
O cemitério tinha suas peculiaridades trazidas no seu silêncio mortal, uma solidão dolorosa
e memórias quase esquecidas. Recordava-me do meu pai trabalhando em seu escritório…
Ou em meio ao campo e ao seu lado, sua esposa, a minha mãe. Por mais de trinta anos, eles
foram inseparáveis, pois ela era além de sua esposa, sua secretária.
Podia lembrar vividamente dos meus irmãos e eu, um implicando com o outro... Causando
problemas... enlouquecendo os nossos pais. Correndo por toda a fazenda, escalando árvores
e arrumando brigas... Crescemos tendo professores particulares, pois nossos pais estavam
sempre viajando e não tinham com quem nos deixar… Entretanto, no “fim do dia”, a
fazenda era o nosso lar. 
Recordava saudoso da casa sempre cheia, dos muitos funcionários que se tornaram amigos.
Do cheiro forte de grama após a chuva, de trabalhar ao lado dos funcionários, cuidando do
gado ou das plantações, até mesmo recolhendo o esterco, além de tantas outras funções. 
Meu pai falava que isso nos ensinaria o valor da vida, pois não importava o quão alto
poderíamos chegar a nos tornar, fortes ou ricos, ainda seríamos responsáveis até pelas
fezes dos nossos animais. Um pai rígido e de muitos valores, uma mãe inteligente, por vezes
feroz, mas com um ar gentil. Em todo caso, éramos como uma grande família feliz... Até
aquele maldito dia. 
Senti meu rosto se contrair de dor ao lembrar de como foi duro ver aquele homem, que
mesmo velho, ainda parecia inabalável, sofrendo após ter um AVC... Era visível toda a
fragilidade da vida humana ao olhar aquele homem em sua cama, a sua perda de peso, a
vida no brilho dos seus olhos se esvaindo. Sem que muitos funcionários dos hotéis
soubessem, tomei a frente no trabalho, mesmo ainda estando na faculdade, para que meu
velho pai não precisasse se preocupar, nem sequer a mídia fizesse alarde da sua saúde e
causasse ainda mais estresse. 
Não demorou para o falecimento do meu pai e mesmo com todos esperando o inevitável,
aquilo nos desestabilizou. A minha mãe, que ficou ao lado dele até o último momento, foi
fazer companhia a ele, onde quer que seja nos pós vida, apenas poucas semanas depois
enquanto eu estava trabalhando no hotel. 
De forma surreal, no mesmo instante em que soube da notícia, um grito cortou todo o hall
do hotel, um grito de dor e desespero alucinante. Uma adolescente que estava hospedada
no hotel teve um surto, pois tinha acabado de receber a notícia através do plantão de
emergência sobre a morte de seus pais. No choro dela, vi a minha dor que não conseguia
expressar. Sem pensar muito sobre ou sem realmente vê-la, fui até ela e a consolei, ao
mesmo tempo que tentava apaziguar a minha própria dor. 
Uma suave brisa tocou o meu rosto trazendo consigo o cheiro de pinheiros. Afastando os
meus pensamentos e me trazendo a recordação de onde estava, que diante de mim havia
duas lápides e que nada mais poderia ser feito... Com um sorriso fraco, antes de me levantar
e ir embora, deixei um buquê das rosas que minha mãe cultivava. 
(...)
Logo após dar o primeiro passo para fora do cemitério, vi o meu carro a uma distância
razoável e caminhei em sua direção. O motorista me esperava do lado de fora e estava com
a expressão culpada. Por um milésimo de segundo me perguntei o que poderia estar
errado, mas assim que ele abriu a porta do carro, pude entender o que aconteceu.
Katherine, minha noiva, estava lá.
Linda e de corpo bem delineado, rosto pequeno, lábios fartos, cabelos ruivos naturais,
bonitos olhos azuis brilhantes que estavam sob cílios tão falsos quanto ela mesma. Seu
olhar repousou sobre mim e um sorriso nasceu em seus lábios. Sorriso este que poderia
fazer muitos homens se renderem, mas quando ela abria a boca, sabíamos com qual
demônio estávamos lidando.
— O que faz aqui? — indaguei, crispando os lábios.
Ela levou a mão aos seus cabelos, pegando uma mecha que estava para frente, o levou para
trás da orelha e estreitou os olhos fitando-me satisfeita.
— Oras, não é óbvio?! Vim te encontrar, querido... — disse Katherine com uma voz sedosa e
astuta. 
A mulher se inclinou sedutoramente sobre o banco do carro, ao ponto de ficar de quatro e
engatinhar até a beira do assento. E mesmo sobre a roupa, tocou-me na altura do abdômen
e com a ponta de suas unhas, deslizou até a borda da minha calça e brincou com o meu
cinto.
— Eu estava com saudades...
Desci o olhar, erguendo uma sobrancelha para sua mão que descia ainda mais. Evitá-la não
iria resolver absolutamente nada, tampouco expulsá-la do carro. Bufei, cansado de seus
jogos baratos, e inabalável a empurrei para o lado, para conseguir algum espaço para me
sentar. No processo, a fiz cambalear para trás e se sentar sobre suas pernas.
— Estúpido e grosso! —  resmungou ela, antes de morder os próprios lábios — … Mas
admito, eu gosto.
— Não tenho tempo para você, Katherine. Tenho que resolver alguns problemas no hotel.
Caso se encontre carente, indico que procure outra pessoa — seu brilho de sedução se
desfez e o seu olhar, transformou-se da água para o vinho em um segundo, conforme se
ajeitava no banco sem se importar menos comigo. 
— Bom... Com você é sempre assim, não é? Só queria passar um tempo com você... Mas sou
uma boa garota e não me importo em esperar na área do SPA do hotel. Aliás, fiquei sabendo
que agora possuem novas especialidades para tratamento de pele, estou louca para
experimentar — comentou ela, puxando  seu celular e começando a ver as publicações mais
recentes. Por um momento, fiquei aliviado, pensei que tinha resolvido, mas ela não tinha
desistido e então retornou seu olhar para mim, apoiando o aparelho em seu rosto fazendo
charme — Mas me magoa  que apenas me manda procurar outros. Sou sua noiva, sabia?
A olhei com pouco caso, afinal, não me deixava esquecer. 
Peguei o celular do bolso para verificar meus e-mails. Ao longe podia ouvir as reclamações
da mulher, insistentes e incansáveis. Porém, quase tudo que se resumia nas preocupações
dela eram futilidades e manhas. Não tinha paciência, no entanto, segundo meu tio, eu já
estava na idade de casar e ter filhos.
Ele chegou até mesmo a me chantagear, dizendo que sua morte não tardaria… E em busca
de paz para nós dois, resolvi aceitar, mas escolhi alguém que poderia apenas fazer o papel
de noiva, em troca de dinheiro e status.
Alguém sem moral… 
Katherine foi a premiada.
—  Certo — concordei simplesmente, antes de mandar uma mensagem à minha secretária,
para que ela providenciasse a vaga de Katherine. Aproveitei o aparelho na mão, para
responder as demais mensagens que me foram enviadas. Entre elas, estava uma foto de um
potro, enviada pelo veterinário.
Era todo branco e bonito assim como sua mãe, no entanto, segundo a mensagem, era
macho. Katherine se esticou para ver o meu celular e viu o potro, pareceu animada olhando.
Porém, isso me fez virar a tela do celular. A conhecia, ela não tinha nenhum apego à
fazenda. A falsidade de interesse pelas coisas importantes para mim, me deixava com um
amargor na boca. Visto que ela não pararia de incomodar, virei-me e a encarei, a fim de
esclarecer logo as coisas:
— O que aconteceu de verdade para vir?
Como se estivesse esperando que perguntasse, Katherine colocou o celular de lado.
— É o aniversário de casamento dos seus falecidos pais, Alejandro… 
Estreitei meus olhos deixando-a saber que não acreditava. Então ela se rendeu, revelando a
verdadeira face:
— Minhas amigas já estão se casando, tendo filhos… Acredito que essa época também está
chegando para mim — falou num tom sério de negócios e ficou em silêncio, esperando a
minha resposta. O que me fez entender rapidamente seu intuito de me ameaçar, se não
fizesse as suas vontades.
Em sequência, ela levou sua mão à parte interna da minha coxa deslizando-a em direção à
minha virilha.
— Posso garantir que lhe darei os filhos mais lindos que um dia já se viu.
Pude recordar do último evento anual que fiz para doação de dinheiro e presentes para os
órfãos e como ela fugiu das crianças como se tivessem lepra. E agora me falava sobre casar
e tentava me seduzir para ter filhos. A minha aversão à simples existência desta mulher, só
aumentava.  Teria me desfeito de qualquer ligação com ela, se não fosse justamente por ela
ser assim, daquelas que aceitava o meu dinheiro e calava a boca.
 — … Não pretendo ter filhos.
Com você, completei meu pensamento.
— Mas já não sou mais tão nova… E nem você!
— Algumas pessoas não vieram ao mundo com o propósito de ser pais — intervi no
pequeno surto de raiva dela. Tirei meus olhos dela e voltei a abrir a tela do celular para
verificar agora os endereços eletrônicos.
Contrariada pelo tratamento de silêncio, com o rosto todo púrpura, se afastou de mim e se
silenciou também. Sentou-se corretamente, o mais longe possível de mim. Aproveitei para
fazer algumas ligações.
No entanto, aparentemente este assunto estava resolvido apenas para mim.  Aqueles
minutos no carro em silêncio, foram os últimos momentos de paz que tive. Por uma
semana, ficou no meu pé. Fez posts sobre bebês em suas redes sociais, ao ponto de que os
acionistas me ligassem para parabenizar!
Neguei, mas não pareciam me ouvir. Ela ia a hospitais próprios para fertilidade, tirava fotos
e entregava à mídia. O fim da minha paciência foi quando comecei a receber presentes e
roupas de crianças vindos do estrangeiro.
A chamei ao escritório para mandar parar com aquelas publicações, no entanto, Katherine
decidiu chegar no momento mais conveniente - para ela, é claro - em meio a uma reunião,
com a minha secretária logo atrás, tentando impedi-la:
 — Ah! Querido, desculpa… Cheguei num mau momento?
—  Oh não, senhorita Katherine! Já estávamos terminando… — disse sorridente um cliente
idoso.
Furioso, fechei os olhos para tentar conter a minha raiva. Ela sabia que não poderia
maltratá-la, fosse sendo grosso ou fazendo o que no meu íntimo mais queria:  esganá-la.
— Desculpem-me o inconveniente, se pudermos retomar a nossa reunião dentro de um
curto tempo.... —  comecei, ignorando-a.
— Ah rapaz, não deveria deixar sua noiva te esperando. Irei tomar um café e comer algo, já
não sou tão jovem e tenho que comer pequenas quantias de hora em hora. Tomem seu
tempo —  disse ele sorrindo enquanto se levantava e saia da sala com sua secretária.
Uma vez que o homem saiu da sala e a porta se fechou atrás dele, me virei focando toda a
minha irritação sobre ela. 
 — Primeiro, o que você quer, Katherine? Agindo infantilmente dessa forma degradante e
ridícula só porque falei que não vou te dar um filho. Além disso, tenho sido forçado a olhar
as redes sociais. Você? Frágil? Desastrada? Sonho de mãe? Apaixonada por roupas de
bebês? Dificuldade de engravidar? Malditos posts nas redes sociais e toda essa merda! —
exclamei puxando um bolo de papéis impressos de uma gaveta e jogando-os na mesa —
Além de invadir meu escritório como se fosse a sua casa... Você não tem vergonha?
Ela abriu muito os olhos, assim como ergueu as sobrancelhas fazendo uma falsa cara de
surpresa antes de dar um baixo riso maldoso.
—  Te disse o que quero e enquanto não concordar… Bom… Todos me veem como a
adorável noiva do frio homem de negócios que a trata como uma bonequinha de luxo… Não
tem direito de me negar o sonho!
 — Sonho? — falei sarcástico — Sério que irá mentir descaradamente assim? Logo para
mim? Me faz rir, Katherine. Como pai desta criança, que não irá existir, já deixei claro a
minha resposta. Tenho todo o direito. 
Pude ver seus olhos brilharem faiscantes de fúria antes de começar a caminhar em minha
direção. Sentou-se no meu colo de frente para mim e passou os braços pelos meus ombros.
Katherine parecia corajosa, confiante de sua sensualidade... Fui obrigado a sorrir
sarcasticamente frente à sua ousadia, contudo a minha expressão se fechou rapidamente.
—  Katherine, nós acabamos aqui. Lembra da cláusula do contrato? O contrato poderá ser
cancelado assim que o contratante determinasse? Pois bem, acabou. Se quiser fique com
tudo que te dei, referente a joias e toda essa merda, não me fará falta. Apenas... Suma da
minha frente e tire esse seu rabo de cima de mim.
— Você é gay?
— É o que? — questionei indignado erguendo friamente uma sobrancelha para ela.
— Muitos homens me querem, você não.
— Tenho bom gosto e você não vale nem uma foda, Katherine — respondi mal-humorado.
—  Olha, se você for gay, eu entendo. Só precisamos de uma noite. Tenho o que eu quero, Al.
Ser sua noiva apenas não é mais o que eu quero... —  falou num raro momento de
sinceridade, ignorando as minhas palavras —  Quero ser sua mulher e ter um filho seu.
Preciso dessa estabilidade, como disse: já não sou mais tão nova. Estaria casado e seria pai.
Seu tio nunca mais reclamaria, não é?
— Você é repulsiva — afirmei, levando as mãos aos seus braços para segurá-la com firmeza
e  tirá-la do  meu colo — O único motivo que me fez a propor, foi em nome da minha paz. O
que, aparentemente você esqueceu disso, mas vou te lembrar e ser bem claro: nem mesmo
minha afeição pelo meu tio, vai me fazer continuar com você!
— Você não faria nada que o magoasse —  insistiu ela com um sorriso confiante.
— Ele me quer com uma companheira, poderia pagar uma prostituta para te substituir e
alegar que amo. Ele seguiria feliz —  cortei, fazendo-a perder o sorriso —  No máximo,
chateado pelo seu pai, já que é amigo dele.
— Está me comparando com uma puta? —  indagou ela ignorando o resto.
— Não faria isso com uma profissional do sexo. Elas sabem obedecer às regras simples —  
respondi  —  Agora saia e me dê paz.
 — Nestes últimos anos, você não se apaixonou por mim? — insistiu ela fazendo algum
charme, embora seus olhos chamejassem seu ódio. 
— Me apaixonaria pelo quê? — indaguei, levando o olhar lentamente ao seu rosto,
passando pelo corpo até seus pés, em saltos absurdamente caros.  Então voltei ao rosto
dela — Pensou que ficaríamos juntos para sempre? Nunca menti para você, assim como
você não mentiu para mim, dizendo querer a posição que eu poderia te dar. O que mudou?
— Insensível… — disse ela com um amargor na boca — Estou envelhecendo, meu relógio
biológico está gritando, Alejandro.
— E o que tenho com isso? —  rebati tranquilamente — Você escolheu o dinheiro, status e
posição confortável em troca de ficar na minha vida como adorno. Este foi o acordo. Você
nunca se importou sequer com meus casos casuais, nem eu com os seus.
— Meu pai ficará sabendo disso!
— Do quê? Que sua adorada filha  não passa de uma vadia? Que se vendeu por dinheiro e
luxo? Ele ficará muito orgulhoso de você.
— Bastardo! — respondeu ela desferindo-me um tapa forte e certeiro no rosto.
Meu rosto virou com o golpe e ardeu, deixando a pele sensível, no entanto, isso era um
pequeno preço para me livrar dela. Voltei lentamente para a posição inicial, para encará-la
friamente.
— Satisfeita? Agora saia. Ou temos mais algum assunto que devemos pôr um fim,
Katherine?
Irritada de uma forma que ela mal conseguia se conter, se virou e caminhou em direção à
porta, mas parou e olhou para trás como se deixasse um aviso de que aquela não seria a
última vez que a veria.
Tudo o que poderia ser-me útil em tê-la na minha vida, ela conseguiu desfazer em uma
semana. Levantei-me da cadeira e fui até as grandes janelas, olhei a cidade através dos
vidros ao mesmo tempo que pensava no que fazer a seguir.
Subitamente, meu celular pessoal começou a vibrar.
Até que a Katherine foi rápida, provavelmente era meu tio ou o pai dela. Pensei. Porém, para
o meu total espanto, o nome que estava na chamada era outro, "Scarlet", a minha irmã mais
velha.
Chamando-me para sua casa na próxima semana, afinal, fazia seis meses que não a via,
além disso, ia numa festa de gala que os fundos iriam para os necessitados no Natal e
queria que eu fosse também.
“Certo.” 
Respondi a mensagem facilmente. Teria algum incômodo na festa, mas poderia ter um
pouco de tranquilidade na casa dela.
(...)
Ao chegar em sua residência em Londres, perguntou-me o que ia vestir e respondi
corriqueiramente: “terno”. Ela me olhou feio, falando: “Terno? Não, nem em sonho! Sabia
que você seria relaxado assim! O que mamãe falaria?! Por Deus!”
Ela se levantou, apressou os passos e foi para algum cômodo, quando retornou, estava com
um “smoking” em mãos, cuidadosamente feito e do meu tamanho.
Entendendo tudo, estreitei os olhos para ela.
— Mulher velha e manipuladora… —  resmunguei  —  Que festa será essa?
— De gala, a maior de Londres, no Hotel Luxor — respondeu com um sorriso de canto — E
sou uma jovem senhora muito esperta, tenho apenas 45 anos, não me venha com
resmungos, pivete.
— Jovem senhora? 45 anos?! Pelo que me lembre você está com 49 e  já com quase meio
século batendo na sua janela — provoquei achando graça observando-a ficar brava e
estapear meu braço — E pivete? Daqui há dois anos farei quarenta, onde está o pivete?
— Para mim, uma vez pivete irritante, sempre pivete irritante. Vamos, caso contrário o seu
histórico impecável de pontualidade será arruinado e chegaremos atrasados.
 
 
Assim como supunha, logo após cumprimentar os organizadores da festa e fazer a doação,
muitos convidados e suas companheiras vieram marcar reuniões comigo. Me recusei,
alegando que naquela noite não estava como o homem de negócios da festa, apenas como
um convidado que veio acompanhando alguns amigos.
Meu cunhado e a minha irmã tinham seus próprios assuntos e se separaram de mim. Logo a
seguir, vendo a oportunidade, mulheres começaram a me cercar. Após alguns longos
minutos de conversas incômodas e entediantes, finalmente encontrei um pouco de paz.
Meu olhar percorreu a festa e como era razoavelmente mais alto que a maioria dos demais,
foi fácil ter uma boa visão do lugar. Porém, em determinado momento, algo me chamou a
atenção.
Diversas pessoas murmuravam e olhavam para um ponto em específico no canto do salão, 
atraindo a minha curiosidade e atenção. E naquele momento senti algo que jamais senti
antes. Como se nada mais importasse, meu olhar se focou apenas na mulher que todos
olhavam.
Uma mulher de uma beleza ímpar, que seria capaz de fazer flores desabrochar, havia
acabado de chegar e estava andando pelo salão. Seu longo vestido era perfeito em cada uma
de suas curvas. Sua face era doce e delicada, cabelos longos e negros, assim como seus
cílios. Sua visão estava para baixo em sua bolsa, instigando ainda mais a curiosidade do que
lhe tomava a atenção.
Sua postura impecável, mostrava sua personalidade controlada. Ela parecia familiar de
algum modo e então estreitei os olhos, para tentar fitá-la melhor. No entanto, um velho
sócio encontrou-me e cumprimentou-me, fazendo-me voltar a atenção para ele
obrigatoriamente. Mas tão logo que ele se foi, busquei-a com o olhar, porém, já não estava
mais no mesmo lugar, como se fosse uma miragem. Com um pequeno afobamento, a
busquei com o olhar e caminhei através das pessoas, até que novamente a vi.
Estava de costas para mim, diante da porta que dava para a sacada. Os cabelos eram
realmente muito longos e de costas eu pude ver melhor. Cascatas onduladas bonitas e
brilhosas, sensuais, passeando pelas curvas do seu corpo, realçando o traseiro curvilíneo. O
vestido era de um profundo decote em "V" nas costas, que revelava quase mais do que
deveria, fazendo-me ter a certeza de que não usava roupa íntima.
Meu pau deu sinal de vida ao imaginar o que o fino tecido escondia, imaginar minhas mãos
percorrendo sua cintura fina e a trazendo contra mim ao mesmo tempo que afundava a
mão entre o tecido e a pele. Ou então, me encaixando por detrás dela enquanto perguntava
o seu nome ao pé do ouvido e fazia alguma proposta indecente.
Um sorriso nasceu em meus lábios enquanto a olhava. Há muito tempo uma mulher não me
fazia sentir um pervertido com a libido de um adolescente.
Tesão, fascínio, encanto… Eram as palavras-chave frente à sensação que ela me causava.
Aquela desconhecida tinha uma pureza que me fazia sentir sujo, mas sedento pela sua pele
leitada contra a minha boca. 
Porém, algo me despertou da minha mente maliciosa. Sua postura, já não estava mais tão
confiante, mas sim, enrijecida.  Em busca da causa, vi um grupo de mulheres atrás dela, com
olhares maliciosos para a mesma e  o meu cunhado, ali próximo totalmente alheio ao que
estava acontecendo.
Antes que pudesse me dar conta, meus pés me levaram rápido até ela. Num instinto
protetor assombroso, tomei a frente do campo de visão das mulheres maldosas, estas que
ficaram pálidas sob meu olhar severo e  cruzei os braços servindo de escudo humano para
a mulher. 
Pensei logo depois: por que me importava o que acontecia com ela? Nem a conhecia e
independente do quê, não era um homem de tomar partido de algo que não me cabia.
 Porém, logo que parei ali, meu cunhado me avistou e se aproximou. Mal começou a me
perguntar o que estava achando da festa, quando alguém esbarrou em mim, molhando
minhas costas e pernas com algum líquido. Ao me virar e ver o bonito vestido dela… Soube
ser vinho.
Ela começou a levantar o olhar, o que me deixou com alguma expectativa. Contudo, não se
refreou, tensionando o corpo e estremecendo, aflita. A mulher parecia prestes a cair no
choro, mas estava aguentando firmemente. Tive o instinto de protegê-la e  abrigá-la ainda
mais forte. Levantei minha mão em direção a ela, para tocar-lhe o ombro e consolá-la,
quando Harrison falou:
— Kayla? Ouvi falar que estava na festa, que prazer revê-la.
Diante do seu nome e da sua descrição... Reavivou a minha memória.
Ela era Kayla Johnson, uma jornalista conhecida pela mídia e próxima de minha irmã e
cunhado. Sempre mandada para a "missão impossível" de conseguir entrevistas. De alguma
maneira, talvez até mesmo sem ela saber, havia se tornado da família, porque tinha
cativado os dois. Harrison passou a comprar o jornal Daily News em que ela publicava as
suas matérias, para acompanhá-la em cada novo passo da carreira dela. Assim acabava por
ser um assunto nos jantares, como se fosse uma filha que mal ia para casa.
Ademais, fazia sentido ela ser familiar para mim. Procurei saber sobre ela, afinal, poderia
ser só mais uma manipuladora que faria, cedo ou tarde, mal a eles. Contratei um detetive de
confiança e descobri que embora tivesse amadurecido... Ela era aquela garota... A garota
que anos atrás perdeu os pais num acidente, no mesmo dia em que minha mãe foi para o
lado do meu pai. Nunca a esqueci, principalmente do último olhar que ela deu para trás
antes de ir embora.
Kayla não tinha crescido muito desde então, mas seu corpo sim, amadureceu. Assim como
sua beleza parecia ter desabrochado com uma sensualidade arrebatadora.
— Des... — ela começou a se desculpar, mas não conseguiu terminar, pois um homem atrás
dela, vindo da sacada, a chamou.
Levantei o meu olhar e vi um homem ao lado da senhora Mcgregor, uma senhora conhecida
pelos seus casos com homens ricos na juventude e que aparentemente após o terceiro
marido enterrado, decidiu se envolver com os mais jovens. 
— Kayla...?
Desci meu olhar, para tentar entender a ligação dela com aquele homem. A dor, raiva e
humilhação, estavam gravadas em sua face. Um namorado? Noivo? Ex? Um sentimento de
ciúme me corroeu por dentro, mesmo que não devesse sentir. Pude vê-la lutando contra si,
antes de se virar e com muita elegância e dignidade, enfrentá-lo. Mesmo quando fez um
pequeno teatro falando com a amante e fingiu que o estrangulava.
A um olho atento, era nítida a sua dor. Por dentro de mim, queimava de ira, era
inadmissível. Ela não merecia. Já havia sofrido muito na adolescência, não julgava que
deveria passar por mais dores. Ergui o olhar ao redor, as pessoas a olhavam com pena, mas
outras com raiva e algumas com satisfação ao puxar seus celulares para filmar.
Frente à sua dor, repudiei todos eles.
O desejo de protegê-la e defendê-la, continuava crescendo ferozmente de maneira
incontrolável. Queria apenas tirá-la do caminho, jogar o homem pela sacada e  ter a certeza
de que ele não voltaria para incomodar novamente Depois levá-la embora e lhe dar algum
consolo apropriado.
No entanto, a mulher mantinha-se firme em sua dignidade tão bravamente, que não ousaria
intervir.
 — Desculpem-me por todo o inconveniente e transtorno. Sinceramente, sinto muitíssimo.
Por favor, esqueçam o que aconteceu e aproveitem o restante da festa... As crianças
necessitadas agradecem — No fim da frase, por um segundo a voz dela vacilou, o que serviu
de fisgada para o meu senso de justiça. De sua bolsa, ela pegou um cartão de visitas e me
ofereceu. Sem me olhar nos olhos disse:
 — Peço que me mande a conta da tinturaria... Sinto muito o ocorrido. Aos dois...
Contudo, no lugar de pegar o cartão, segurei o seu pulso com algum cuidado, pois,  parecia
que quebraria como uma boneca de porcelana, assim que tirasse os olhos dela.
— Esta bien? —  perguntei, mas estava tão imerso aos meus pensamentos que demorei
algum tempo para me dar conta de que o fiz em espanhol, então retornei a perguntar em
inglês: —  Está bem?
Ficou em silêncio e tentou se soltar, com relutância o fiz, mas antes que me respondesse, a
voz amargurada da McGregor chamou a nossa atenção:
— Mulher fria… Não é à toa que ele me procurou. Sem coração, seca e indiferente.
Finalmente entendo por que me buscava... — exclamou em alto e bom-tom.
No entanto, o imbecil do ex não pôde ficar com a língua na boca e disse:
— Kayla sempre foi assim... Sempre pensou apenas em trabalho e na sua imagem perfeita…
Uma vadia…
Vi tudo em vermelho e avancei sobre ele em poucos passos de forma extremamente feroz.
Socando-o no meio do rosto, tendo a certeza de que, já no primeiro golpe, lhe quebraria o
nariz. Mas para ter certeza de que não voltaria para  assombrá-la, puxei a mão e golpeei no
mesmo lugar mais algumas vezes.
Uma… Duas… Três… Quatro vezes. 
Exclamações vinham ao redor, algumas escandalizadas, outras satisfeitas. Porém, não era o
suficiente. Assim que se curvou, o chutei para que caísse para trás. Um lado
surpreendentemente animal  aflorou em mim, mas antes que voltasse a golpeá-lo, os
seguranças e Harrison me trouxeram à luz novamente. 
Respirei fundo, com o coração batendo rapidamente devido à adrenalina. Soltei-me das
suas mãos e arrumei o meu smoking, com meus punhos molhados pelo sangue do homem e
feridos nas juntas, puxei um lenço para limpar minha mão e encarei o infeliz. 
Ainda estava desnorteado, lançando-me olhares de terror. Seu olhar não parecia estar
focado exclusivamente em mim, mas tampouco parecia estar recebendo algum apoio das
pessoas ao redor, mesmo de quem esteve satisfeito com a humilhação de Kayla
anteriormente. Isso me deixava infantilmente satisfeito. 
Novamente, levei minha mão à parte interna da minha roupa com calma, peguei um cartão
de visitas e joguei um pouco diante dos seus pés. 
— Espero o seu advogado para o processo segunda-feira pela manhã. Isso é, se tiver
coragem… Pedaço de lixo!
CAPÍTULO 4
 Ela não está bem. E tudo bem.

KAYLA • Kayla Johnson


 
No lugar do meu coração, parecia haver um buraco, apenas meu corpo e as funções básicas
existiam. A sensação de traição que um dia senti através da empatia pelos outros, não era
nada se comparado à sensação que me tomava agora. Vergonha era uma palavra pequena
para o que eu sentia de mim mesma. E também, palavras não podiam mensurar a dor que
me rasgava por dentro. 
O mau-caratismo daquele que eu dedicava meu coração me fez pensar:
Aquela sempre foi a personalidade do Richard? 
A resposta era simples e clara: foi, eu só fingia não ver e esta era a parte mais dolorosa. 
Scarlet, Harrison e eu saímos pela saída dos funcionários, sob a escolta de alguns
seguranças. Scarlet tentava me tranquilizar por todo o caminho da viela escura, mas sem
sucesso.  Na minha mente havia ecos das palavras de Richard e as lembranças que um dia
foram felizes, estas que por sua vez, transformaram-se em estacas no meu coração. Por fim,
senti-me uma masoquista, recordando e relembrando.
Era algo involuntário e inevitável. Por anos, estive com ele, sabia disto. Principalmente
possuindo poucos amigos e poucas ligações significativas. Sabia ser natural o impacto da
perda de Richard, ainda mais frente a tudo que aconteceu. Minha mente, ou melhor, a
minha consciência, flutuava dentro de mim. Algo como assistir as coisas ao redor a uma
distância segura.
O senhor Harrison exclamava para si mesmo, como desejaria ser mais jovem e como
homens de verdade, na época dele, resolviam essas coisas. E quando parou frente ao carro,
debaixo da luz vinda de um poste pude ver o seu olhar rancoroso, havia realmente tomado
minhas dores. O seu apreço por mim era doce. Assim como a mão quente de Scarlet, que
segurava a minha mão e murmurava palavras tranquilizadoras.
Aquele casal, que se eu fosse sincera, mal os conhecia, traziam-me um conforto tão surreal
e inexplicável que com apenas um dos cantos dos lábios, se formou um sorriso tímido e
meus olhos marejaram. Mas apenas um pouco, nada que algumas piscadas não pudessem
disfarçar. 
— Bastardo repugnante! — exclamou o senhor Harrison Grand mais uma vez, pouco antes
de abrir a porta de um elegante carro preto estacionado em frente à viela  — Como alguém
tão inteligente, foi cair nos braços de um homem desprezível desta forma? O amor é lindo,
mas tão burro!
Ele parecia desabafar para si mesmo, assim como eu deveria me sentir insultada, mas não
aconteceu. Na verdade, teve o efeito oposto, com todo o afeto deles, por alguns momentos
me senti mais leve e menos infeliz, ao ponto de um riso baixo me escapar.
 — Parece que… Mirei no amor da minha vida, mas acertei na terapia! — gracejei, ao fazer
alguma piada, frente à minha desgraça ao entrar logo atrás dele no carro. 
— Menina! — exclamou baixo Scarlet. Ao mesmo tempo  que tossiu, engasgando-se com um
riso baixo e contido. 
Seu marido me olhava como um bobo desacreditado, não consegui evitar abrir um sorriso
largo e sincero. Sonhei com algo como isso, esta normalidade, o humor e as brincadeiras.
Recordei daquele dia, anos atrás, na viagem. A recordação seguinte, me causou arrepios e
apagou o meu sorriso. Dei de ombros fazendo pouco caso da brincadeira, disfarçando o
sentimento que me incomodava.
— Você é idiota? — indagou o senhor Grand — brincando em um momento como este…
Demorei alguns segundos para responder com meu peito apertado e um nó na garganta:
— Talvez…. —  respondi sincera.
Scarlet já havia entrado no carro e sentou-se ao meu lado, fechando a porta logo atrás de si.
Com cada um dos dois de um lado, dando a sensação de proteção. Eles mereciam mais que
apenas a polida Jornalista Kayla, então, com alguma coragem, me permiti ser apenas eu
mesma, mas só um pouco.
— Talvez seja pouco, quase nulo comparado com o que sinto,  mas… Muito obrigada pela
generosidade e pela ajuda, por tomar minhas dores. Eu nunca esperaria isso. Vocês me
salvaram mais do que podem imaginar.  Obrigada de  todo meu coração — suspirei e então
continuei:  —  Mas não quero  envolvê-los em tudo isso, vocês não têm mais idade para
tanto estresse. E nem acredito que ele mereça a atenção de vo…
— Você está me chamando de velho?! — interrompeu-me o senhor Harrison.
Não pensei naquela perspectiva e isso fez o canto dos meus lábios subirem com humor,
descaracterizando-me todinha da postura séria e grata que estava.
— Bom… Não posso dizer que o senhor é jovem  — brinquei com um sorriso travesso
olhando-o de soslaio  enquanto erguia apenas uma sobrancelha.
— Que petulante! Sabia! Esta carinha de anjo nunca me enganou! Deveria te jogar para fora
do meu carro! — resmungou ele, o que fez Scarlet se unir a mim em uma risada gostosa.
O clima que estava extremamente pesado, ficou mais suave. A ira que fazia as veias do
homem idoso saltarem, se acalmaram. E então,  ele suspirou e tomou minha mão entre a
sua: 
— Kayla, não somos mais que conhecidos  que por acaso fizeram algum nível de amizade
nos breves momentos em que se  encontraram em festas ocasionais, mas  saiba: tudo que
estiver dentro do meu poder, farei para ajudar. Você não merecia nada do que aconteceu
hoje.
— Muito obrigada, senhor Grand…
Mas será que não mereci mesmo? Muito negligenciei meu relacionamento…
— Obrigada pelo carinho. Novamente peço desculpas, mas a vida sempre nos dá
dificuldades. Cabe a nós saber como lidar com elas…  — expliquei, engolindo em seco —
Vou dar ao motorista o endereço da minha casa, se puderem me deixar lá...
Harrison me olhou soando ofendido e um pouco magoado,  o  que me deixou confusa,
porém, Scarlet tomou a frente para explicar:
— Menina, não seja teimosa. Você virá conosco, para a nossa casa. Não existe necessidade
de passar por tudo isso sozinha  — sua voz era suave e a fitei, me contendo para não voltar
a chorar. Talvez fosse seus olhos gentis ou a forma como ela parecia ver através de mim.
Sem se dar conta dos meus pensamentos, Scarlet continuou:
 —  Temos muito apreço por você. Você é determinada e independente, mas desta vez,
confie em nós, pois a  ajudaremos com tudo  — falou ela com sua voz aveludada e em
seguida olhou para o seu marido.
Ele se acomodou sentado e corrigiu sua postura para então me fitar sério:
— Não sei que vida você levou até agora, menina. Tampouco me importa. Não faz sentido, ir
para uma casa apenas para sofrer e lamentar.
— Querido, não seja grosso com ela… — Scarlet o repreendeu.
— Carinho nunca sarou ferida alguma — insistiu ele —  Kayla é uma mulher adulta,
inteligente e sagaz, mas  se ela se entregar à queda, estarei muito enganado. 
Confiança, era a palavra-chave que aquele  homem tinha em mim. Um sentimento estranho
e crescente, desejo de ser merecedora das expectativas dele se apoderou de mim. Puxei o ar
com alguma força e então suspirei.
— No mais doloroso tapa, podemos perceber a profundidade do ódio ou da afeição. Lá na
festa, recebi o ódio. E agora,  dentro deste carro, posso dizer que sinto com força o carinho
que me oferecem. Sei diferenciar isso, por isso aceitarei a ajuda e irei para a casa de vocês. 
E então por fim, eles pareceram satisfeitos.
(...)
Ao chegarmos na propriedade, fui surpreendida. No lugar de uma casa, era uma mansão no
estilo clássico de ducado medieval, enorme e muito bem conservada. Paredes de pedras
escurecidas, um bonito jardim e um chafariz. Mas para completar a “viagem no tempo” que
parecia ter me acometido, havia duas pessoas esperando por nós que descobri momentos
depois serem dois funcionários: A governanta e o mordomo. 
— Judi, por favor, guie nossa convidada ao quarto de visitas e então venha ao meu quarto,
procurarei por uma muda de roupas que possa servir nela temporariamente.
— Sim, minha senhora — respondeu prontamente. 
A governanta se aproximou de mim e antes de  segui-la  me virei aos dois:
— Novamente muito obrigada aos dois. Não sei como seria… Voltar para casa com tantas
emoções ainda hoje — um pensamento me passou pela mente quando levei o meu olhar à
porta da mansão deles e me senti empalidecer —  Se não for abuso, posso pedir para
alguém ir à minha casa? É apenas para pegar algumas coisas que Richard pode pegar na
minha ausência, afinal…  Ele também tem a chave de casa e…
Eu estava no mínimo constrangida em pedir mais qualquer coisa a eles, já que estavam me
ajudando tanto, mas não tinha outra forma. O cartão, as contas, os documentos… No
entanto, enquanto me perdia internamente em preocupações, o sorriso do senhor Grand
me refreou. 
— Não precisa se preocupar, tomei a liberdade de mandar um chaveiro para sua residência
e um segurança. A nova chave deverá chegar aqui em breve e lhe será entregue — disse ele
satisfeito, mas de tudo que poderia falar, não pensei que ele já tinha se antecipado. Não era
um segredo que com dinheiro você descobriria o endereço de alguém facilmente, mas ele
foi realmente rápido — Amanhã uma empresa irá pegar suas coisas e empacotá-las, só
precisa avisar quais coisas não são suas. Aquele bastardo não conseguirá colocar mais a
mão em nada seu.
O homem parecia satisfeito e a praticidade e velocidade do raciocínio dele me fez sentir
ainda mais grata.
— Muito obrigada! — agradeci de todo o coração e então minha mente parecia continuar
maquinando no que faria a seguir. Afinal, não eram poucas coisas a serem reajustadas —
Resta então, amanhã ir atrás da delegacia abrir um boletim e ir ao banco, ver o que posso
fazer…
A senhora Grand se aproximou de mim e tocou com delicadeza o meu braço. 
— Chamaremos nosso advogado. Se você confiar em nós e assinar uma procuração
permitindo que ele faça todo o processo para você.  Não é bom que saia por algum tempo,
mesmo que todas estas medidas tenham sido tomadas — por alguns segundos ela ficou em
silêncio antes de voltar a falar mortificada — Você deve preservar… O que restou da sua
imagem por ora. 
Voltei o meu olhar para a senhora Grand, ela era uma boa mulher. Não era preciso pensar
muito sobre isso, assim como o caráter íntegro do senhor Grand. Ambos carregavam uma
expressão preocupada.
— Sei que você é prática, mas ao menos por um tempo, se permita sentir sua dor, para que
quando a ferida se cure, faça isso completamente. Enquanto isso, você também pode pensar
no que fará a seguir com calma. 
Eu sabia que ela queria evitar me lembrar que a minha carreira estava na linha do
problema causado por Richard, impotente era a descrição da emoção que me arrebatou.
Por isso, contra minha vontade, apenas concordei com a cabeça e cabisbaixa segui a
governanta.

 
Segui a mulher por vários corredores, com a mente dispersa em pensamentos de tal
maneira, que mal notei o quanto havíamos andado ou qual caminho tínhamos feito. Pude
reparar, somente ao me dar conta disto, em poucas coisas, como algumas portas abertas.
Entre elas, uma pude supor ser  um grande escritório, pois podia jurar que vi algumas
estantes de livro e uma mesa central pesada de madeira.
Até que, subitamente a governanta parou frente a uma porta dupla e alta. Virou-se para
mim e com a mesma voz calma de antes, informou-me que o quarto do senhor e senhora
Grand não ficava perto, mas bastaria um toque no telefone em caso de alguma necessidade.
Em sequência, sem me dar tempo de falar qualquer coisa, a mulher me deu as costas e se
prontificou em abrir a porta do quarto para podermos entrar. 
Logo de cara, vi grandes janelas de vidro e cortinas pesadas com a luz da lua entrando
magnificamente por elas. Móveis de madeira maciça, um quarto enorme com uma pequena
sala de um lado e a cama do outro. 
Sem nenhuma brincadeira, apenas o quarto em que estaria esta noite era quase do tamanho
da minha casa… pensei chocada. Segui embasbacada, até ver a cama com dossel, parecendo
ser tirada de alguma história de conto de fadas. Seguindo meu olhar, a governanta foi até a
janela e a abriu um pouco para ventilar o ar pelo aposento. 
Isso me fez recordar que,  em meio aos meus estudos sobre o senhor Harrison Grand,
descobri que ele era um nobre, por isso era tão ligado à tradição e demorou tanto tempo a
ceder às novidades. Um Duque para ser exata, embora não recorresse ao título. A sensação
era de que a cada passo, estava sendo transportada a um passado que não vivi. 
 — Caso queira tomar banho, o banheiro fica à sua direita — frente ao meu silêncio, por
estar admirando o quarto, ela pareceu ler os meus pensamentos e por quase um segundo
pude ver pela minha visão periférica a sombra de um sorriso — Se me permite, senhorita,
por ora, irei ao encontro da minha senhora e então, retornarei com alguma muda de roupa. 
— Muito obrigada, pode me chamar apenas de Kayla. Não sou… hum… “nobre” ou
“importante” como eles. Apenas uma jornalista que deu sorte de fazer bons amigos  — pedi
com gentileza e naquele momento, pude ver nitidamente um sorriso amistoso no rosto da
mulher. Ela concordou com a cabeça e saiu silenciosamente. 
Assim que escutei o som da porta se fechando, andei até a cama e toquei com a ponta dos
dedos o relevo da madeira. Era robusto, bonito e, ao mesmo tempo, delicado. Não fazia o
meu estilo, mas se eu herdasse esta propriedade, também me recusaria a mudar qualquer
coisa aqui. 
Tudo parecia ser uma história viva…
Falar em história… Meu dia de hoje, parecia uma longa e confusa história de conto de fadas. 
No começo do dia: um sonho  cheio de fantasia, a fada madrinha –  meio filha da puta –,
vulgo meu chefe, me mandando para um baile de gala, atrás de um príncipe de outro país.
Ao longo do dia, a transformação em Cinderela. À noite o “meu” príncipe encantado,
resolveu virar um sapo e ficar com a velha bruxa. Minha carreira virou uma abóbora
enquanto eu derramava vinho nas vestes do tal príncipe estrangeiro. E enquanto estava em
frangalhos, fui adotada por nobres e vim parar no palácio.
Que enredo absurdo! E plot inesperado, realmente... Se não fosse a minha história, eu já
estaria empolgada com a próxima pergunta:
Qual seria a continuação desta louca história?
Mas como a história era minha, mas  não sabia se queria saber.
Ri  amarga daqueles pensamentos loucos e me permiti sentar na cama, então, senti os meus
ombros caírem pesadamente. Sempre fui fiel aos meus instintos, eles nunca me traíram…
Como pude estar tão enganada por tanto tempo sobre Richard?
Foi mesmo porque trabalhei demais? Ou só pelo dinheiro?
O peso do dia finalmente recaiu sobre mim. Frustrada, joguei a bolsa ao meu lado na cama,
levei a mão ao rosto e deixei o ar retido dentro de mim, sair em um longo suspiro de
lamento.
Por um longo minuto, fiquei em silêncio de luto pelo meu coração.
Tirei os saltos altos que estava em meus pés sem usar as minhas mãos, um hábito que
adquiri pelos anos usando-os. Realmente, moldei minha vida, fazendo isso. Trabalhando,
me empenhando e pensando nele… Num círculo vicioso de dependência daquela rotina
singela, atrás de um sonho de ter a minha própria família. 
— E aí estava tão dependente dele! Não pensei, sequer imaginei, que seria ele a me golpear
pelas costas! Essa maldito Richard! — falei baixo jogando a cabeça para trás, voltando o
meu olhar para a bolsa e desejando  jogá-la longe enquanto meus lábios tremiam pela
vontade de chorar   — Em pensar que gastei uma fortuna por um maldito par de
abotoaduras! Eu sorri como uma idiota… Que ódio! Se ele tinha a cara de pau  de
comparecer em festas assim com aquela mulher, todos deveriam já estar sabendo da
traição e rindo pelas minhas costas.
Mordi meus lábios com força, até sentir o gosto de ferrugem do sangue.
Havia apenas duas prioridades nos meus dias, o trabalho e ele. Talvez devesse ter colocado
todo meu empenho no trabalho. É, seria melhor,  pois… O preço de amar um idiota sempre
seria alto. 
Levantei-me e tirei a roupa com alguma pressa, como se ela me queimasse. Apenas queria
afastar aqueles pensamentos do dia horroroso, por mais que eles me assombrassem. Por
hoje nada mais daria para ser feito, no máximo chorar. Ainda teria que pagar a lavanderia
do vestido ou pagar um novo. No entanto, a ironia de toda a situação era cômica se não
fosse deprimente. Afinal, Richard estava certo. 
Ainda que fosse uma jornalista, quase uma detetive, uma pessoa que buscasse a verdade e
fatos, não pude evitar ser enganada pela pessoa que estava bem do meu lado. Perdida de
vergonha caminhei até o banheiro. As recordações boas e ruins, serviam de tortura para a
minha mente já cansada. Não queria pensar, mas quanto mais fugia mais me atormentava. 
Abri o chuveiro e deixei que a água me banhasse. Pensamentos idiotas me vinham à mente,
assim como perguntas clichês:
"Por que fez isso?" A resposta já foi dada: Pela empresa dos meus pais. 
" Você um dia me amou?" A resposta também já foi dada: Não. 
" E se eu tivesse trabalhado menos… Isso teria mudado alguma coisa?" Minha mente me
respondeu de imediato: Pelo amor de Deus, deixa de ser besta!
Lembrei-me da primeira reação que tive ao vê-lo quando era uma adolescente. Fui
apressada para o lado oposto, meu instinto já estava avisando-me que era um mau 
negócio.
Mas droga, por quê tem que doer tanto... Para piorar,  teria que cancelar tudo do casamento,
falar com os convidados… Tudo tão desgastante. Os olhares de pena, deboche ou falsa
simpatia. 
Bati contra a parede do banheiro, extravasando minha raiva. Nada disso vale a pena…
Pensei cabisbaixa. Terminei meu banho e saí, mas ao sair do banho me deparei com o meu
reflexo no espelho.  Estava com os olhos vermelhos e pele arranhada de tanto esfregar.
Caminhei para mais perto do espelho e olhei atenta, estava nua, mais do que nunca. Sem a
máscara da força, do sorriso, da apatia, da educação, da imagem… E estava um caos. A
vontade de chorar estava presente, no entanto, nenhuma lágrima escorria.
Como minha própria amiga mais próxima, me olhei como se olhasse outra pessoa.
— Dane-se o Richard. Não vai ficar se lamentando, não vai mesmo! — disse convicta
encarando-me — Trabalhou dignamente, fez o seu melhor, ainda que tenha fracassado no
interesse amoroso. Fez muito mais por Richard do que ele merecia! E daí que você não tem
muitos amigos? Ou que não confia em ninguém?! Por todos esses anos, você confiou na sua
capacidade e fez todas  suas escolhas de acordo com as suas prioridades, não foi? 
Mas ninguém é bom sozinho… A minha consciência ecoou recordando-me. 
— Por ora é o que temos! — respondi passando a mão no rosto, secando as lágrimas
invisíveis — E temos a ajuda do senhor e senhora Grand, que entraram em sua vida como
anjos.
Verdade… No momento certo, quando mais precisava. Pensei com um sorriso fraco e gentil.
Vesti um roupão que encontrei próximo de mim e retornei ao quarto, pensando no que
faria a seguir. Tinha muita coisa dentro e fora de mim para colocar em ordem. 
Escutei ao longe, a vibração do meu celular.  Aproximei-me da bolsa, o peguei de dentro
dela e de relance mensagens do meu chefe, do Richard, minha irmã e mais algumas. Não me
sentia pronta para isso, por isso, simplesmente o desliguei. Ao voltar a jogá-lo na cama, vi
algumas roupas embaladas como novas. Pensei em  vesti-las, mas não tinha ânimo.
Não agora.
Queria algo forte para beber, forte o suficiente para me fazer dormir sem sonhar, então, 
numa vã esperança, olhei ao redor em busca de uma garrafa perdida naquele quarto
enorme.  Nada.
Recordei que vi a caminho do quarto, um aposento com a porta entreaberta que parecia um
escritório. Provavelmente teria algo lá. Embora sentisse estar abusando da hospitalidade
deles, parecia tentador demais algo que pudesse anestesiar minha mente pensante. Era
tarde, olhei no relógio e me assustei com o tempo que havia passado no banheiro ao ver
que já era quase uma hora da manhã. Vesti a roupa e sai na ponta dos pés do quarto,
andando sorrateira pelo corredor vazio.
Caminhei e caminhei, por algum momento me arrependi de ter saído do quarto. A sensação
de estar perdida em um lugar que não conhecia, não era nada agradável. Até que reconheci
a porta entreaberta, suspirei aliviada.
A que pontos chegamos, Kayla? Mas já que chegamos aqui...
Apressei-me a entrar no aposento, então vi sofás de couro. Estantes de livros em todas as
paredes disponíveis, no canto, mesmo ao longe pude ver uma variedade de bebidas em uma
mesa. Não sabia o que era, mas qualquer coisa alcoólica seria o suficiente. 
Caminhei até lá e me servi da bebida que estava na maior garrafa. Ao sorver o primeiro
gole, a bebida desceu queimando. Era forte, meus olhos lacrimejavam, meu estômago
parecia estar pegando fogo. Visto que o plano era dormir sem sonhar, pensei no alto da
minha incompetência naquele momento que aquela seria a melhor bebida.
 Precisava de mais, até que me anestesiasse. E assim bebi mais algumas doses. Até que
comecei a sentir o corpo mais leve, as coisas ao redor pareciam mais engraçadas. A dor
tinha passado do meu coração. No entanto, o calor era insuportável. Olhei para as portas de
vidro que davam a uma varanda e,  embriagada como estava, acreditei ser uma boa solução
para o calor.
Cambaleando, caminhei como conseguia. Ao mesmo tempo  que o riso frouxo me arrebatou
ao imaginar uma visão de fora; a louca, otária e corna.
Depois de alguma dificuldade para abrir as portas, já que o fecho não estava querendo
colaborar comigo, o vento gelado e refrescante me alcançou  tão deliciosamente que me fez
gemer. Um arrepio me tomou devido ao frio do lado de fora, trazendo-me um pouco de
lucidez, o  que definitivamente não era algo que eu queria naquele momento. Levei o copo
de bebida à boca e dei o último gole que tinha nele, entristecida. Já que foi tão difícil chegar
ali, quanto mais voltar e encher o copo.
Abaixei-me, coloquei o copo no chão e quando fui me levantar, o corpo não obedeceu,
fazendo-me cair sentada no chão. Assim, acabei encontrando um céu tão bonito acima de
mim. Limpo e sem nuvens, cheio de estrelas. Me apoiei no chão e me levantei, rumando
para o parapeito. Apoiei-me nele e chorei. Chorei baixinho, pelos meus sonhos, pelo meu
coração, pelos meus planos, apenas... Chorei.
Em algum lugar dentro de mim, dizia: “Chore tudo que tem que chorar, mas chore hoje.
Antes que o novo dia chegue e perceba que você ainda estará aqui… Mesmo sem ele.
Mesmo sem você ligar para ele como em todas as noites em que ele não estava na sua casa e
falar: Boa noite, amor. Como foi o seu dia?”
Um soluço sofrido escapou sem que eu quisesse.
— Eu te amei… Como você pode fazer isso comigo? Eu me empenhei tanto em ser perfeita e
boa o suficiente para você. Dediquei-me tanto para tentar fazer as coisas certas e me culpei
tanto cada vez que falhei… —  reclamei em uma linguagem distorcida de bêbados e então
comecei a rir, nervosamente. Gargalhando de todo o meu infortúnio e de como tentei me
passar por uma elegante mulher da sociedade na festa, apenas para acabar bêbada em uma
sacada. Uma sacada? É uma saca... O que me fez rir histericamente e me mover forçadamente
como uma atriz de teatro — Oh! Romeu, onde estás tu, meu Romeu…
Pensei em Romeu e Julieta, a trágica história de amor de uma semana. Quem sabe, se
tivessem vivido o romance por mais tempo, Romeu trairia Julieta e então nada teria valido
a pena. 
Inclinei-me um pouco mais no parapeito, pois me senti enjoada. Estranhamente, escutei
passos vindo atrás de mim. Tentei me virar para ver, mas me senti tontear. Minha visão
estava desfocada e tudo parecia um sonho.
Das sombras do escritório vi o homem que pensei que nunca mais encontraria. Ele parecia
mais velho, mas não menos impressionante caminhando em minha direção em passos
firmes. Seus olhos negros sombreados por pestanas densas e escuras, barba para fazer e
cabelos levemente caídos para frente.
Ele era tão lindo e eu deveria ter um grande fraco por homens bonitos, pois me vi sorrindo
para ele  pouco antes do mesmo enlaçar a minha cintura e me prender firmemente contra
ele  encostando-me no parapeito, travando-me completamente colada a ele.
— Nossa… —  falei num misto de surpresa e espanto, sorrindo bobamente. Mas para o meu
total espanto, ele não sorriu de volta, apenas disse com uma voz carregada e tensa:
— Pare de sorrir, você não está feliz. 
— Se parar de sorrir, não sei se conseguirei parar de chorar... — respondi sinceramente e a
certeza de que nada de mal aconteceria me acometeu, assim como uma confiança que
nunca senti antes.
Fiquei na ponta dos pés, mantendo meu olhar fixo no dele. Abri lentamente os lábios e
passei a ponta da língua em seus lábios. Sorri vendo a sua expressão, antes de morder seu
lábio inferior e puxar para entre meus lábios e gemer lentamente, pois uma onda de tesão
alucinante me tomou ao sentir o seu gosto. Eu não tinha mais um coração para perder, já
que ele estava quebrado, mas ainda tinha um desejo voraz não saciado.
Um beijo não seria o suficiente para pará-lo.
CAPÍTULO 5
 Doce tentação X Amarga consciência

ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward


 
Kayla ficou na ponta dos pés, com os seus olhos azulados me fitando profundamente, tão
lindos, sedutores e os mais sinceros dos quais um dia já vi. Quando um lufar de vento frio
da noite nos envolveu, trazendo com ele um aroma de flores que invadiu o meu olfato,
quase roubando o meu fôlego… 
Mas de onde? Vinha dela? Inalei aquele aroma profundamente, em busca de sentir um pouco
mais daquele perfume e prolongar a sensação que me causava.
Contudo, a minha mente se perdeu no espaço-tempo no exato momento em que o mundo
oscilou em ser só nós dois naquela varanda. Sentindo a aproximação dos lábios dela, meu
corpo vibrou em expectativa. No entanto, me surpreendi quando senti o calor úmido da
ponta de sua língua, em uma carícia suave que me fez entreabrir meus lábios e inclinar meu
rosto lentamente para frente num instinto de beijá-la. Mas Kayla não me permitiu, ao
contrário, vi naquele instante em seu olhar, um brilho travesso que aumentou a expectativa
dentro de mim. 
Ela voltou a se aproximar, mordeu de leve o meu lábio inferior ao puxá-lo devagar e gemeu
provocativa em deleite, elevando a tensão do meu corpo. Engoli em seco, sabendo que não
resistiria a doce tentação que era aquela garota. 
— Posso fazer outra coisa além de rir, para extravasar as emoções…  — disse ela contra os
meus lábios, num sussurro provocador de palavras arrastadas. Então, fechou lentamente os
olhos e manteve uma carícia convidativa.
Envolto pelas emoções, me deixei levar pela maré de desejo e correspondi aos seus
próximos movimentos. Nossos lábios se resvalavam demoradamente, causando ondas de
excitação por todo o corpo. Meu corpo tinha o impulso de querer beijá-la, mas me contive.
Caso contrário, não teria graça. Queria escutá-la  pedindo por mais. Kayla claramente
esperava um beijo, por isso, envolveu suas mãos em meu pescoço, se aproximando de mim
com seus olhos fechados. Sorri, mas não lhe beijei, o que a fez suspirar frustrada, voltando a
abrir os olhos para me olhar chateada. 
— Vingativo… — murmurou ela manhosa. 
Afastei-me o suficiente para olhar-lhe nos olhos e sorrir. 
— Não sabe o quanto… — respondi gatuno — Mas vai descobrir…
Aproximei-me novamente da garota, esta que quando foi sedenta para me beijar, desviei da
sua boca no último momento. Escutei o seu suspirar, para então retornar à provocação.
Repetindo os movimentos de instigar o beijo e  negá-lo.  Kayla murmurou uma maldição,
irritada, que me fez rir, entretendo-me naquele jogo de gato e rato. Era divertido vê-la
assim, despertando o meu “diabo” interior.
 Outra lufada de ar frio da noite nos golpeou e senti novamente o aroma de flores. Então a
curiosidade se juntou ao desejo de levá-la à loucura. Levei meu nariz até a ponta de sua
orelha, em busca da fonte do perfume. Inalei demoradamente, envolvido pela doce
fragrância. Virei o rosto em sua direção e deixei meus lábios resvalar em sua pele, causando
arrepios visíveis. 
— Calma, pequena — sussurrei, mas em contrapartida, deslizei a mão que estava em sua
cintura até o seu traseiro, onde a espalmei e a puxei mais contra mim, conforme apertava. 
A cada segundo estava mais excitado e antes que me desse conta do que estava fazendo,
esqueci o jogo de provocação. Levei a mão livre à sua nuca, envolvendo os fios dos seus
cabelos entre os dedos e puxei, para ter mais acesso ao seu corpo. Aproximei sem demora a
minha boca do seu pescoço e o abocanhei, em uma mordida. Em resposta, Kayla cravou as
unhas nos meus ombros enquanto escutei seus sons de deleite. Antes de afastar a minha
boca dela, chupei sua pele sensível e dei um último beijo ardente no local.
— Isso é tão bom… — murmurou ela com uma voz sedosa, entregue às sensações.
Incitado pela sua voz, um desejo de observar a sua expressão me arrebatou. Afastei-me e ao
fitá-la, vi uma visão pecaminosa. Com o rosto corado, os lábios entreabertos levemente
inchados e rosados, marcas suaves de dentes e um olhar nublado pela excitação. Kayla
afastou a mão do meu pescoço, deslizando até o meu rosto com delicadeza e com o polegar
acariciou o meu lábio inferior. Ela retomou a mordida nos próprios lábios, enquanto o
fazia. 
Embebecido pela excitação, segurei com mais força seus cabelos e inclinei a cabeça
sutilmente antes de capturar seus lábios. Quando nossos lábios se tocaram, a senti se
arquear contra mim, entregue à paixão. A maciez da sua boca quase me levou à loucura, a
forma receptiva com que ela aceitou a minha língua e acompanhou o seu ritmo com
perfeição, foi eletrizante. Ela gemia e se movia contra mim, matando qualquer controle que
eu pudesse ter. Meu pau que desejava libertação, me fez gemer sofregamente contra a sua
boca e apertar o seu traseiro com mais força. Ela arfou e murmurou “mais” e o som chegou
doce aos meus ouvidos. 
Mais… me deixe ouvir mais… pensava freneticamente enquanto minha mente já me levava à
minha cama com ela se entregando a mim.
Em algum lugar entre a dor e o prazer, perdi a cabeça e soltei seus cabelos. Levei esta mão
ao seu traseiro e com ambas as mãos a levantei em um rompante. Kayla arfou em surpresa,
mas prontamente abraçou o meu quadril com as suas pernas e se segurou em meus
ombros. Quando nossos corpos se chocaram, meu pau respondeu num maldito pulsar
doloroso. 
Só tinha um pensamento em minha cabeça naquele instante: queria ouvi-la gritando o meu
nome. Sem controle ou juízo, a segurei com força e virei contra a parede mais próxima para
apoiá-la. Voltei a beijar, mas por algum motivo seu beijo desta vez estava salgado. Surpreso,
rompi o beijo  e graças a lua que estava iluminando bem aquela noite, pude ver seu rosto
triste.
Atordoado e sem entender, fiquei perdido e em choque por um breve momento.
— Não pare… Me faz esquecer… —  disse ela mordendo o lábio, claramente tentando
conter suas emoções. Me puxando de volta para si, tentando forçar o beijo, mas não
consegui corresponder.  As lágrimas teimosas dela, insistiram em rolar, me fazendo sentir
um imenso canalha —  Me faz esquecer tudo e pensar somente em você. Não pare… Não me
deixe também…
Um chute nas bolas teria doído menos. 
Aquilo foi um grande balde de água fria. A realidade me esmurrou a cara em cheio. Mas
porra! O que eu estava fazendo?! Minha atração por ela fez com que ignorasse o resto.
Maldição, me tornei um animal por causa dessa mulher?! Pensei sentindo-me um lixo, mais
ainda por continuar louco por ela. 
Se tivesse vergonha, a colocaria no chão imediatamente e a mandaria para seu quarto. Se
quisesse virar um filho da puta de vez, jogava a moral no inferno e a levava para o meu
quarto. Faria tudo que imaginei… E pelo menos por aquela noite, garantiria que iria ser o
único homem em  quem  ela  pensaria. E afinal, o que aquele cara tem demais para mesmo
agora ela pensar nele?
Respirei fundo em puro lamento, deixando minha moral falar mais alto, para não me
arrepender depois. A segurei com mais firmeza, já que estava apoiando parte do seu peso
na parede e tentei me afastar para fazê-la descer do meu colo. No entanto, uma vez que ela
percebeu o que eu estava fazendo, fechou as pernas com mais força ao redor do meu
quadril e me abraçou com força.
— Não quero sua pena! Não quero que pare. Não quero seu abraço de consolo! —
exclamou, com raiva. 
Tentou desesperada beijar o meu pescoço e não pude evitar a sensação elétrica que me
percorreu ou a tensão que me consumia, mas me mantive parado. 
— Quero sua boca na minha e ela entre minhas pernas! Quero por todo lado. Eu quero que
você… 
Maldição, escutá-la dizendo aquelas coisas, me fazia imaginar, o que fazia ser ainda mais
difícil ser o cara “legal”. Ela estava sem filtro devido à bebida, precisava interrompê-la e
com as mãos ocupadas, tive a ideia de  surpreendê-la. E assim fiz, inclinando-me para frente
e encostando minha testa na dela. 
— Silêncio! — ordenei com a voz carregada de frustração, mas consolado, já que ao menos
ela se calou.  
Seu olhar estremeceu, então mais lágrimas caíram e ela simplesmente ficou ali, mas não
exatamente quieta. Embora incompreensível pelo seu choro, tinha a certeza de que ela
murmurava algumas ofensas. A desencostei da parede, para tentar  tirá-la  do meu colo
novamente, mas  mudei de ideia, ela estava frágil e eu  queria compensar o que fiz. 
Me virei para me encostar na parede e a ajeitei da melhor forma possível, sem soltá-la, já
que ela não queria descer dos meus braços.  Encostei minha cabeça na sua e fiquei ali
escutando seus lamentos enquanto olhava adiante a noite de Londres.
Como estava bêbada, não demorou muito para dormir. Não sabia qual era o seu quarto,
tinham tantos, então decidi procurar o quarto mais próximo para colocá-la na cama.
Desencostei da parede com alguma dificuldade, já que agora ela estava dormindo e eu
estava integralmente segurando o seu peso. Me virei para ir para dentro do escritório e
naquele instante me deparei com a minha irmã, me sobressaltando pelo susto. 
(...)
A garota nos meus braços resmungou, nada que eu pudesse compreender, devo tê-la
acordado do seu sono pesado por uns instantes devido ao susto com a mulher parada à 
minha frente. Quanto ela teria visto? Segurei com mais firmeza o corpo delicado de Kayla
por instinto. Scarlet, minha irmã, estava de camisola até os pés e encarava severa com os
olhos estreitos, cruzando os braços.
— O que está fazendo aqui? Virou voyeur nessa idade, irmã? — perguntei irritado,
esperando que falasse logo.
— Não seja ridículo… — respondeu ela e então ignorou meu mau-humor. 
Caminhando até mim, deu a volta para poder ver a garota no meu colo.
— Como ela está? — indagou aflita. 
Fiquei um momento em silêncio, engoli em seco, devido à minha culpa da situação e minha
falta de controle. Mas respondi com sinceridade, ao mesmo tempo em que ajeitava Kayla.
As pernas envoltas no meu quadril estavam escorregando e dificultando que a mantivesse
na mesma posição apenas segurando-a pelo traseiro,  mesmo que ela se mantivesse me
abraçando com os braços.
— Como ela poderia estar? — respondi à pergunta óbvia. 
Desistindo de segurar a garota naquela posição, deixei suas pernas terminarem de
escorregar pelas laterais do meu corpo, a mantive apoiada até que seus pés tocassem o
chão e a coloquei de lado, para que assim pudesse me inclinar e pegar as suas pernas, antes
de voltar a erguê-la nos braços de forma segura. 
Assim que seu rosto se apoiou em mim, pude ver seu rosto entristecido enquanto dormia.
Senti-me bem e confuso com ela ali, nunca me senti da mesma forma com outra mulher nos
braços. Vê-la triste em seus sonhos, me fez ansiar por consolá-la, então apertei suavemente
seu corpo em meu colo e murmurei contra o topo da sua cabeça “Está tudo bem, pequena.
Vai passar. Eu estou aqui.”.
Scarlet afastou o olhar de Kayla para me olhar e como sempre era muito astuta, pude ver
sua mente trabalhando, conforme afastei minha boca do topo da cabeça da garota e olhei
para o escritório fugindo do seu olhar.
 Minha irmã não era imprudente, sempre paciente e controlada. Senti-me como há muito
tempo não sentia. Um jovem adolescente sendo pego com as mãos na massa.
Desconfortável porque não queria continuar naquela situação, limpei a garganta e mudei
de assunto:
— Em que quarto você a colocou? —  questionei.
A sombra de um sorriso se formou e vi um brilho zombeteiro no olhar dela.
— Eu mostro o caminho, pivete. Já estava mesmo a caminho do quarto dela, ia ver como ela
estava e se estava dormindo bem… Mas escutei vozes vindas daqui do escritório… — disse
como quem não queria nada. Scarlet deixou o mistério no ar, sobre o quanto ela tinha visto
e se virou e caminhou até a porta do escritório, sem olhar para trás para saber se a seguia.
Ela nos conduziu pelos corredores, ficando em silêncio no processo. Inquieto perguntei:
— O quanto você viu?
— Eu? Vi tudo que tinha que ser visto… Apenas o suficiente — disse ela despreocupada,
mas podia jurar que a escutei dando um riso baixo. 
A segui mergulhado no silêncio, apenas com o som de nossos passos leves e o respirar
tranquilo de Kayla. 
Aquela garota imprudente que ainda me deixava preocupado, estava longe de ser a mulher
controlada que eu vi na festa. Mas quem poderia julgar? Dado a situação que me fez
recordar da festa, logo após socar o rosto do ex dela.

 
Horas antes…
Em um lugar em que não se pode mostrar falhas, não foi estranho que após socar o lixo
humano, lembrei de Kayla e  olhei ao redor, buscando-a.
Fui recebido com olhares avaliativos, alguns recriminativos, outros pensativos, mas
certamente, de alguns ali, valeria a pena tirar proveito ou não. Afinal, a grande maioria a
odiava e  em contrapartida, queriam uma oportunidade de fazer negócios comigo. Aquela
seria uma oportunidade. Meu olhar passou friamente por todos, para cortar qualquer
aproximação.
Passei por eles, sem me importar com os seus olhares ou julgamentos, buscando-a com um
pensamento apenas:
Não queria deixá-la sozinha daquela forma…
Lembrei dos olhares que recebia por ser apenas quem era, uma jornalista. Novamente, não
podia dizer que não compactuava com o sentimento de aversão a jornalistas, sempre tão
invasivos... No entanto, a imagem dela,  forte lidando com tudo de forma perfeita, mas com a
dor transpassando o seu olhar, invadiu  minha mente. O que falaria a ela? "Você está bem?"
De novo? Esperaria um "Obrigada" por socar o imbecil do Richard? Porque provavelmente
enfrentaria no mínimo um processo por agressão… 
Naquele instante, por coincidência, vi meu cunhado a alguns metros, ele disse que estava indo
ao encontro de Scarlet que estava com a menina. Decidido em ajudar como poderia, formei
um plano rápido de ação. Disse que iria para frente do hotel, chamar atenção da impressa e
que ele, Scarlet e a Jornalista, deveriam sair pelos fundos.
— Mas e você, Alejandro?
— Posso ir para casa de outras formas. 
O homem puxou o celular e começou a falar apressadamente com alguém, me dando as costas
e indo para uma sala afastada. 

 
Fui puxado de volta ao momento presente quando Scarlet abriu as portas do quarto, sem
olhar para trás,  caminhou apressada até a cama e puxou os lençóis para  colocá-la lá. Por
algum motivo, não queria soltá-la, mas sabia o que deveria ser feito. Caminhei até a cama,
com cuidado e a coloquei no colchão. Vi uma lágrima no canto de seus olhos, pronta para
escorrer e com delicadeza a sequei com o polegar. Afastei-me o suficiente para poder pegar
o lençol e  a cobrir. Sentei-me ao seu lado, a fitei demoradamente com um suspiro e pensei
em tudo que sabia sobre ela, o que não era muito, mas,  ao mesmo tempo, era no mínimo
complicado. Parecia que toda vez que a via, estava fadada a chorar.
Me virei para levantar e dei de cara com minha irmã intrometida.
—  Não tem nada melhor para fazer, Scarlet? — indaguei. 
— Parece que se apegou bem a você e você a ela — afirmou Scarlet, voltando seu olhar para
minha mão, que agora, mesmo no sono, Kayla segurava. 
— Realmente…
— O que você fará a seguir? — indagou como uma mãe coruja — Se você magoar ainda
mais essa garota, Alejandro,  olha, não sei…
Senti-me ofendido, mas me dei conta do tanto que me preocupava com ela. Por quê teria
que me preocupar tanto com alguém que mal conheço? Encarei minha irmã que parecia ter
grandes expectativas. Como poderia explicar a ela, o que eu não conseguia explicar nem a
mim mesmo? 
— Alejandro… Ela não é uma menina qualquer…
Cansado, especialmente após todo o estresse dos últimos dias, tinha o desejo de exclamar
ser apenas tesão, sim, mas não era um grande imbecil. Ou era? Embora não com a mesma
intensidade, meu corpo ainda doía de desejo de ter Kayla.
— Eu sei, Scarlet — A interrompi irritado — Respondendo você: Não sei o que farei a
seguir. Mal a conheço, fiz coisas sob impulso. Erro meu, concordo. Sinto-me protetor, até
porque foi feio o que aconteceu hoje…
Comecei a justificar, mas Scarlet me olhava como se dissesse em letras garrafais: “Para de
arrumar desculpa.”
 —  Maldição! Sim, sinto atração por ela. No entanto, não sei de mais nada.
A expressão preocupada de Scarlet se converteu em uma carranca.
— Olhe como fala. Em todo caso, se quer falar algo confuso assim, vá ao espelho e fale com
ele. Enquanto não descobrir o que quer, o que fará ou se fingirá que não sente nada por ela.
Saia daqui  — ordenou ela firme, mas como não sai do lugar,   ela continuou — Você não me
escutou, Alejandro Kaleo? 
A contragosto, mesmo em meio aos resmungos e choro da mulher bêbada enquanto soltava
sua mão, levantei-me e saí do quarto, mas não sai rápido o suficiente, assim ouvi Scarlet
falando: 
— Pivete… Francamente! Querida, parece que você tem um ímã para problemas.
Meu celular vibrou no bolso e então, enquanto fechava a porta atrás de mim com a outra
mão, tirei o aparelho do bolso. Ao virar a tela, mesmo antes de abrir li: Alejandro, você socou
um homem na sua folga?!
 Merda! Era a minha secretária. Por que o mundo está tão tecnológico?!
CAPÍTULO 6
 Sonho x vingança x encontro inesperado

KAYLA • Kayla Johnson


 
O local onde me encontrava era o meu refúgio, mas era também o local que despertava em
mim uma nostalgia perversa … O meu quarto na casa de Joel.
Um quarto comum e com tanto de mim… E estava revirado do avesso, era como se um
tornado tivesse passado por ali. Assustada, perguntando-me como aquilo aconteceu. Vi a
minha velha cama de madeira aos pedaços, era apenas uma lembrança do que já foi um dia. O
cobertor azul que me acompanhou por toda a vida, estava sujo e rasgado. Seguindo o olhar,
vi, próximo a parede, a estátua de cavalo branco que eu tanto adorava e que comprei
orgulhosa com o dinheiro do meu primeiro trabalho... Estava caída e quebrada aos pedaços.
Me senti como aquele cavalo em cacos, sem reparação.
Havia apenas caos e destruição de tudo que um dia já foi importante para mim.
Dei passos para trás, meneando a cabeça, negando para mim mesma o que via. Até que pisei
em algo macio. Surpresa, olhei para baixo e vi a camisa xadrez de Richard. Uma lágrima
solitária caiu e um sorriso sarcástico nasceu. As vezes que o encontrei usando quando não nos
dávamos bem, como quando começamos a namorar e passei a “roubar” ela para dormir pois
queria sentir seu cheiro….  Em pensar em tudo que ele disse sobre mim, como ria e achava
graça do meu amor. Era tudo culpa dele... Ele que fez aquilo comigo e a cada vez que pensava
mais sobre isso, mais rancor nascia em meu peito.
As minhas fotos também estavam espalhadas pelo chão, como se não fossem nada… As minhas
preciosas recordações. Me abaixei para recolhê-las... Fotos com meus pais na minha festa de
quinze anos, que foi minha última festa ao lado deles. Da formatura do ensino médio, quando
já era apenas Joel, Harley e eu, ao fundo também estava aquele bastardo. Assim como na foto
da formatura da faculdade… Desejei arrancá-lo das fotos, mas ele não estava em lugares que
apenas poderia  fazê-lo. Senti tantas emoções, que apenas deixei as fotos caírem dos meus
braços.
Respirei fundo, tentando parar de tremer de nervoso e comecei a colocar tudo no lugar.
Recolhendo cada uma das coisas, organizando e limpando enquanto, desesperadamente,
tentava controlar cada emoção obscura que ameaçava transbordar quando encontrava algo
dele.
Porém, quanto mais arrumava, maior era a desordem. Era frustrante e angustiante. Aquela
sombra de ira maligna estava cada vez mais perto de mim, como se fosse me consumir. Me
abracei numa vã tentativa de evitar aquilo de alguma forma.
Parecendo ler as minhas emoções, a porta do quarto começou a se abrir sozinha, trazendo
uma lufada de ar gélido, chamando a minha atenção. Engoli em seco, ao ver no vão nada além
de escuridão através daquela porta... Senti medo como nunca, meu coração vacilou na
expectativa de algo sair de lá. Um suor frio começou a brotar em minha testa e mãos.
O som do ranger da porta estava ecoando dentro da minha cabeça e um arrepio de puro
terror me tomou de assalto, fazendo-me arfar. E quando a porta finalmente terminou de
abrir, não consegui ver nada e nem ninguém. Mantinha-se apenas a lufada de ar tórrido,
havia e tão só, um escuro sinistro.
Contudo, algo pareceu sair de lá, então afastei-me por instinto e desviei o olhar. Até que algo
tocou a minha perna e gritei aterrorizada, mas para a minha surpresa, não era mais do que
um punhado de pétalas. Confusa, me aproximei delas e escutei um estalo, um que me fez
desviar o olhar para o alto. No teto havia rachaduras, estava ruindo e já demonstrava sinais
de que logo desmoronaria...
A quantidade de pó que caía ao meu redor aumentava. Olhei para a porta de onde veio as
pétalas com receio, até que um pedaço do teto caiu atrás de mim e, no susto e em um impulso
desesperado por sobrevivência, corri em direção à porta, mergulhando na escuridão...
Mas ao atravessar o batente, me vi saindo em um jardim, cai de joelhos na terra sem acreditar
e me agarrei a ela tão aliviada que não tinha palavras para mensurar. Escutei um estalo de
galho quebrando e surpresa, me levantei batendo a sujeira dos joelhos. Tinha que me
esconder, olhei ao redor e fiquei embasbacada pelo lugar mais bonito que já havia visto.
Cuidadosamente feito, com flores azuis e algumas grandes pedras.
Era acolhedor, confortável e apagou todo o terror que a pouco experimentei.
Surpreendentemente, no centro, havia um homem alto com um longo manto... Pensei em me
desculpar pela invasão, mas ele não parecia irritado com a minha presença. Porque ele se
virou e sorriu para mim, abrindo lentamente os seus braços, convidando-me para eles num
pedido silencioso.
Meu coração bateu mais forte, numa saudade incomum. E antes que desse conta do que
estava fazendo, corri em sua direção. Quando o alcancei, sem pensar o abracei e ele
respondeu ao carinho enquanto encostava a cabeça no topo da minha e murmurava:
 — Está tudo bem, pequena. Vai passar. Eu estou aqui.
O homem desconhecido apertou mais o abraço e me levantou do chão. Ao ponto que consegui
encaixar o meu rosto no vão do seu pescoço e sentir o seu cheiro. Mas no instante em que
levantei o olhar, logo atrás dele, vi um rosto maldoso e perverso que sorria.
Agitei-me em seus braços, com os olhos marejados em desespero e tentei alertar o homem que
me abraçava...  mas…  
Naquele instante, abri os olhos, de verdade, ofegante e banhada em suor. Tinha acordado...
Perdida entre a realidade e o sonho, com a minha visão embaçada que foi se normalizando
gradualmente.
Acordei sentindo-me completamente aturdida e suada dos pés à cabeça. Sentia a boca
amarga e um enjoo terrível. O amargo parecia escalar meu esôfago, aumentando a sensação
ruim de algo que não lembrava ter ingerido. Sem reconhecer o teto forrado sobre minha
cabeça, questionava-me internamente: Onde estou? Como vim parar aqui?  
Tentei levantar, entender onde estava... Porém, como um raio, um pulsar atravessou a
minha cabeça, fazendo-me cair para trás na cama gemendo de dor. O quarto girou à minha
volta e cobri a minha boca, na intenção de impedir a bile de subir. Naquele insistente pulsar
de dor e enjoo, me virei para o lado e vi os móveis elegantes talhados em madeira, com
detalhes em ouro e de muito bom gosto... Para um nobre de algum século atrás.
Um luxo exclusivo para herdeiros, colecionadores ou os mais ricos do mundo atual. Luxo...
Num rompante, lembrei do evento da festa, as roupas, as pessoas, Alejandro... Richard!
Maldito Richard! E o bom coração do senhor e senhora Grand… De como fui atrás de algo
forte para beber para tentar dormir...
Mas, depois disso, não me recordava de mais nada... Era um lapso perturbador na minha
linha temporal. Agitada, sentei-me na cama, com o corpo cansado. Vi sobre a cabeceira da
cama, um copo de água com um remédio ao lado e um bilhete escrito:
“Será bom para aliviar a ressaca. — Scarlet.” 
 Sorri agradecida ao mesmo tempo que estava envergonhada. Afinal, não bastava ficar
bêbada, tinha que ser pega pela dona da casa! Pensei com sarcasmo. Me estiquei para pegar
o remédio e sem demora o tomei. Deslizei o olhar ao redor e vi através das enormes janelas
que o dia ainda estava nascendo. O sol ameaçava nascer, mudando lentamente a tonalidade
escura da noite para tons mais claros, num degradê bonito de se ver. Mas fora o céu, nada
parecia estar sendo iluminado ainda. Por isso deitei, querendo voltar a dormir e deixar o
remédio fazer efeito.
Quanto tempo fazia que não bebia?
Bom... Já não importava pois não planejava beber novamente tão cedo!
(...)
O sono não vinha, o sol não nascia. Os pensamentos depressivos e todas as suposições de
problemas que enfrentaria assim que abrisse o celular... E mesmo assim, o tempo parecia
estagnado, talvez fosse meu tédio ou a falta de hábito de ficar sem fazer nada.
Inquieta, resolvi me levantar e alongar, o que levou apenas alguns minutos. Em seguida,
decidi que talvez uma boa ducha pudesse aliviar o mal-estar que sentia.  Fui me banhar e de
fato ajudou, mas nem por isso trazia as recordações que faltavam. Sai devagar do chuveiro,
me encarei no espelho e como um déjà-vu vi apenas uma mulher destruída no reflexo do
espelho sobre a pia.
Era cruel a minha imagem exibida por ele. “A bebida antes de matar, humilha”, como diria a
Sofia. Desisti de me encarar, então voltei ao quarto, passando a toalha nos meus cabelos os
secando, depois voltei o meu olhar para a janela e adivinha? O sol não tinha terminado de
nascer...
 Argh!! Quantos minutos poderiam caber até o dia terminar de nascer? Pois olha! Parecia
aqueles meses que, no lugar de trinta dias, parecia existirem uns dez anos dentro dele!
Passei pelo sofá, deslisando a mão no seu estofado macio, quando vi uma mesinha com um
bloquinho de folhas e canetas sobre ele. Como uma pessoa pública, teria que dar um parecer a
eles. Pensei. Claro, todos já sabiam o que aconteceu, mas se não aparecesse e falasse algo,
seria pior.
 Peguei o bloco e me apoiei no sofá para começar a fazer um rascunho, mas nada me
satisfez e a pilha de bolinhas amassadas crescia assustadoramente. Não podia dizer
simplesmente: “O que vocês viram é o que aconteceu. Meu noivo me traiu, terminamos.
Fim.” 
 Isso era realmente o queria dizer, mas que não podia. Pois, para cada um, a fofoca chegaria
como num telefone sem fio, distorcendo tudo. Até que me lembrei subitamente: Não
cancelei o cartão!
Corri em direção ao celular e o liguei. Assim que começou a carregar milhares de
mensagens, apenas as ignorei colocando no modo “Não perturbe”. Mesmo que tivessem
muitas do meu chefe, irmã, Joel e até o desgraçado do Richard. Ainda não era a minha atual
prioridade, apenas fui direto no aplicativo do banco e fui bloquear o cartão. 
Aproveitei para verificar o quanto de dinheiro o meu ex havia roubado e para o meu total
espanto, olhando o total e o quanto por mês recebia, o desfalque estava quase batendo
meio milhão de dólares. [1]

 Senti minhas pernas fraquejarem pelo tamanho do golpe que aquela traição promoveu. Me
sentei no sofá, enquanto rolava o extrato na tela. Fui vendo por quanto tempo já estava
retirando o dinheiro e não era uma questão de dias, isso eram meses. O celular mostrava
apenas seis meses. Saques com valores aleatórios. Teria que ir ao banco para poder
verificar se estava fazendo aquilo a mais tempo. Mandei uma mensagem a eles, pedindo
todo o extrato da conta possível. Enquanto isso, ainda chocada, me perdi brevemente em
pensamentos.
 Será que já estava quase completando um ano? Será que estava a mais tempo? O fato de não
mexer na conta, me fez sentir ainda mais idiota do que fui feita e a vontade de matar
Richard apenas crescia. 
Como não era hábito ficar conferindo o extrato bancário daquele cartão, todas as retiradas
dos últimos meses foram feitas por ele. A última vez que mexi no dinheiro, em uma grande
quantidade, foi quando vim para Londres, precisava do dinheiro da entrada da casa e
depois para o meu próprio carro. Que foi quando falei ao Richard da conta...Tinha que
explicar de onde havia tirado dinheiro, pelo menos na época me senti no dever de fazer
isso... Ele era a pessoa que eu mais confiava.
Mas como pude ser tão burra?! Burra! Burra! Por quê eu não olhava essa conta e não
cuidava direito deste dinheiro?! Repreendia-me mentalmente enquanto abria outro banco e
bloqueava o cartão que dividia com ele.
Já que o imposto de renda e todos os outros trâmites deixava a cargo dos sócios dos meus
pais, que sempre foram extremamente corretos, nem sequer olhava o quanto estava
valendo a empresa ou quanto de dinheiro estava fazendo anualmente. Na verdade, fugia
daquela empresa, pois recordava dos meus pais, lembrar deles era, mesmo hoje, doloroso
demais. Sentia falta deles, assim como alguma culpa que não saberia explicar em palavras.
Ademais, não me sentia digna de gastar livremente o dinheiro...
Mas a pergunta era: se somente eu poderia retirar o dinheiro com o cartão - que estava
escondido, aliás - ou pessoalmente no banco com o gerente. Como ele roubou? Alguém o
ajudou? Quem está envolvido?
Não poderia mais confiar em ninguém... Chamaria uma auditoria para investigar todos os
que poderiam estar envolvidos. Mesmo o encarregado de depositar o dinheiro, mesmo que
ele fosse o braço direito do meu pai... E um dos seus melhores amigos. Ainda tinha um
grande montante de dinheiro, afinal, todo dinheiro dos últimos anos desde a morte dos
meus pais dificilmente era retirado e quando o fazia cedo ou tarde o repunha. 
Porém, o que mais me deixava indignada era que Richard admitiu, com todas as palavras
descaradas, que me roubou.
Atualmente, não sabia se conseguiria me controlar e não  esganá-lo. Se tivesse o áudio dele
com aquela mulher, isso seria tão rápido,  tão fácil... O veria sendo preso mesmo que todos
vissem o meu maior pecado que foi confiar nele... Entretanto, ficar pensando não me levaria
a lugar algum. Optei por mudar os meus pensamentos para coisas mais objetivas, como…
Resolver os meus problemas.
Baixei no e-mail todo o extrato das retiradas que consegui, mas ainda assim, esperava
ansiosa a resposta do banco com o resto. Mandei um e-mail igualmente para os meus
outros bancos, por desencargo de consciência. Tinha que descobrir como ele conseguiu
retirar o meu dinheiro, de onde e se tirou mais.
Após fazer todo o possível sobre os bancos naquele momento, comecei a mandar
mensagem para aqueles que de fato valiam a pena:  meu chefe, irmã e Joel. Expliquei os
reais acontecimentos, onde estava e que estava bem.
O primeiro retorno, foi do meu chefe, que provavelmente, sequer tinha dormido ainda.
Dizendo que era imprescindível um advogado. Minha irmã que acordava cedo foi a segunda
e mesmo com toda as explicações estava muito preocupada enquanto me xingava pela
demora em mandar notícias. Não resisti e ri da bronca dela, porém, me surpreendi ao
escutar alguém batendo na porta. Voltei minha atenção para ela e então para janela, apenas
para perceber que o dia tinha finalmente nascido, mas quem seria tão cedo? Algo mais tinha
acontecido?
— Sim?
 — Senhorita, aqui é a governanta, Judi. A senhora e o senhor Grand lhe aguardam para o
café da manhã. Pediram que lhe acordasse e lhe guiasse.
 Visto que teria que falar com eles para passar as informações que recolhi além de ter que
fazer uma procuração para poderem me dar o suporte que haviam prometido, peguei o
meu celular e levantei. 
 — Sim, pode entrar! Já estou acordada há um tempo, só terminar de reunir minhas coisas
— informei enquanto recolhia os papéis amassados que espalhei.
 Contudo, assim que ela me viu recolhendo as coisas, Judi se apressou a me impedir.
Dizendo haver empregados para isso. Bobagem se quer saber a minha opinião. A ignorei e
continuei recolhendo mesmo frente aos seus protestos. Joguei no lixo após terminar, bati
na minha roupa ajeitando-a e então satisfeita comigo mesma, me senti mais tranquila para
poder ir encontrar o casal Grand.
(...)
Em um silêncio pesado, a governanta me guiou claramente chateada por não  tê-la
escutado. A vida dos Ward poderia ser assim, mas não era a minha. Judi teria que entender
cedo ou tarde. Refleti, olhando as costas dela perfeitamente alinhada. Poucos minutos se
passaram da saída do meu quarto até descermos algumas escadas e entrarmos na primeira
porta à direita. Vi o senhor e a senhora Grade sentados frente à mesa centralizada em uma
enorme sala de jantar  e havia mais uma pessoa... Uma que jamais pensei que iria encontrar
naquele lugar. 
 Alejandro Ward. 
 Senti meu corpo ficar rígido devido à surpresa, olhando-o embasbacada.
O que ele estava fazendo aqui?
Visto que eu o encarava em choque, ele levantou uma mão e sorriu polido.
— Olá... 
 
CAPÍTULO 7
 Entre revelações, exposição e providências.

KAYLA • Kayla Johnson


 
Hesitante com a presença de Alejandro, eu senti meu corpo enrijecer  apesar de uma súbita
curiosidade que atravessou a minha mente. O que ele estava fazendo aqui? Por quê estava?
Entretanto, mediante ao silêncio que tomava o ambiente, contive os meus
questionamentos. Sorri e ergui a mão, dando-lhes um aceno singelo. Sorria e acene... Sorria
e acene. Repetia para mim mesma, imitando as falas do pinguim de “Madagascar”.
— Bom dia... — falei ao mesmo tempo que dei um passo em sua direção, mas meu segundo
passo foi refreado, quando todos responderam o meu cumprimento, menos Alejandro.
Minha presença no final das contas estava “sobrando”? Questionei mentalmente, porém a
minha pergunta foi respondida quando Harrison Grand chamou-me para sentar e Scarlet
gesticulou para a cadeira diante de si. Fora o grande cômodo, a louça requintada e a
composição da mesa farta, parecia ser um café da manhã corriqueiro.
— Alejandro, se apresente à menina. Não seja malcriado... — repreendeu Scarlet entre os
dentes o olhando feio, ao notar que ele seguia em silêncio. Dei mais um passo conforme
dizia a senhora Grand que não era necessário, mas Alejandro respondeu:
— Sim, perdão — respondeu ele prontamente com sua voz grave e forte que fez meus pelos
da nuca se arrepiarem.
Observei suas grandes mãos se espalmarem sobre a mesa conforme apoiava para levantar-
se e os seus dois metros de altura nunca me pareceram mais evidentes do que naquele
instante...  Alejandro deu a volta na mesa,  porém, o que me abalou, foi o impacto do seu
olhar. Antes ele me olhava em silêncio, mas nada comparado com a sensação de seus olhos
fixos em mim enquanto caminhava em minha direção, deixando-me totalmente consciente
dele em cada poro do meu corpo. Seus olhos naturalmente estreitos, como um predador
estavam fixos em mim. Ansiei por ele na mesma medida em que o temi. Por reflexo, engoli
em seco e mordi a parte interna da boca.
Tentei prestar atenção em qualquer outro aspecto dele, para não ficar encarando-o feito
uma idiota. Como seu cabelo, por exemplo, que anteriormente estava cuidadosamente
penteado para trás, e naquele momento, estava caído para frente, no seu aspecto mais
natural. Dando ao homem uma aparência mais jovial.
Sem os costumeiros ternos, mas com calças jeans e uma camisa branca, Alejandro se
tornava o sonho molhado de todas as idades. Retornei o meu olhar ao seu rosto, olhando da
curva dos seus lábios bem desenhados até seu maxilar bem-marcado e quando os nossos
olhares se encontraram novamente, ele sorriu de canto e senti uma corrente elétrica me
percorrer. Sentia que deveria tomar cuidado com este homem, ele poderia roubar o meu
coração.
Os poucos segundos em que nos entreolhamos, pareceram se converter em longos minutos
e isso desencadeou imagens quentes em  muito vívidas em minha mente. Olhares
fascinantes, seu perfume natural, sua voz rouca e um tesão palpável. Era quase possível
sentir o toque de seus lábios nos meus... Como se fosse real. O pensamento me fez sentir
uma forte excitação, entretanto, nada daquilo era mais que um devaneio. Ademais, até
então, não havia conversado com ele propriamente, recriminei-me enquanto mantinha a
máscara de “menina inabalável” por fora.
Vacilei por meio segundo, querendo fugir do seu olhar, mas me mantive firme, parada, no
mesmo lugar. Alejandro estendeu a mão para mim formalmente enquanto seguia
eliminando a pouca distância entre nós. Sem escolha, estendi a minha mão para ele e dei
um passo em sua direção..., contudo, entre todas as coisas que reparei, deixei de lado o que
me cercava e não percebi que o cômodo ficava um degrau abaixo do nível em que eu estava
naquele instante... Como resultado, tropecei naquele único passo e perdi o equilíbrio.
Senti um arrepio gélido pela espinha de puro medo da queda, causando-me uma paralisia
momentânea. Fechei os olhos e..., a queda jamais chegou.
O homem à minha frente segurou com força a mão que eu ofereci para o cumprimento e em
seguida, me puxou contra si com alguma brusquidão. Nossos corpos se colidiram, não
obstante, com a outra mão, segurou a minha cintura, dando alguma estabilidade a nós dois.
Arfei surpresa e nossos corpos se encaixavam perfeitamente. E outra vez uma sensação
familiar me tomou, como se já estivesse estado nos braços dele antes.
Por um breve segundo outra imagem me veio à cabeça, nessa mesma situação, mas em
outro lugar. Mas era impossível... não? De toda forma, sentia como se houvesse algo errado
em minha mente desde a noite anterior. Nunca nada parecido com isso ocorreu comigo
antes.
— Opa... Foi quase  — comentou Alejandro, com a sombra de um sorriso matreiro no rosto.
Embora  seus olhos estivessem atentos a cada movimento meu, passando a sensação de 
que estava em busca de algo.
Constrangida e ainda um pouco pálida devido ao susto, lhe dei um sorriso meio torto, sem
revelar os dentes. Ainda estava totalmente aturdida, mas me preparei para agradecer.
Entretanto, o cheiro do seu perfume me remeteu fortemente às lembranças de uma noite
triste, muito distante, que fazia ecoar o som do meu próprio choro na minha mente. Um
perfume que não consegui descobrir qual era, mas que me trazia um enorme conforto.
— O-Obrigada... Seu perfume...
Ele pareceu curioso, mas a conversa não continuou, quando a senhora Grand se aproximou
de nós sem disfarçar a sua risadinha travessa, cortando a minha linha de raciocínio.
— Que susto você nos deu, menina! Você está bem?
Alejandro me soltou calmamente e foi para o meu lado, para que assim pudesse encontrar o
olhar da senhora Grand. Mas não tirou totalmente suas mãos de mim, mantendo uma mão
firme na base da minha coluna em um apoio silencioso.
— Ah! Sim... Acho que ainda estou com sono... Não vi o degrau, senhora Grand — respondi
num sorriso amarelo à senhora.
— Me chame apenas de Scarlet… — repreendeu-me ela. 
— Sim, senhora… Digo, Scarlet.
Ela me olhou com cuidado, verificando se realmente estava bem e então suspirou levando a
mão ao peito.
— Que bom que meu irmão estava aqui e ele conseguiu evitar o acidente... — comentou
abrindo um largo sorriso enquanto seu olhar intercalava entre nós dois — Vez e outra, esse
pivete tem lá suas utilidades...
Pivete? Se bem me lembro, ele tinha trinta e oito anos. Pensei, mas dei conta da frase e meu
corpo se enrijeceu ao receber a nova informação. Virei-me lentamente para ele e o fitei
numa incógnita explícita na minha face.
— Irmão?
O tempo de silêncio foi curto, mas certamente aqueles presentes quase poderiam escutar o
"maquinário" do meu cérebro funcionando. Alejandro me olhou, tirou a mão de mim e
parou  à minha frente.
— Prazer em conhecê-la pessoalmente, senhorita Johnson. Sou Alejandro Ward, irmão mais
novo da Scarlet. Embora peço que mantenha a discrição... Sei que em sua carreira isso seria
interessante, mas Scarlet decidiu ser uma Grand ao lado do seu marido e não a primogênita
dos Ward.
Tudo fazia sentido e, naquele momento, não havia mais espaço para uma versão
adolescente embasbacada de mim, perdida em devaneios. O casal me protegeu, mas 
Alejandro ainda suspeitava de mim  e não poderia julgá-lo, ainda que não faria algo que
fizesse qualquer mal aos meus “guardiões”. Assim, respirei fundo e entrei em meu modo
profissional:
— Prazer em conhecê-lo também, senhor Ward —  respondi receptiva como só as pessoas
que trabalham com o público aprendiam a ser e  estendi a mão para cumprimentá-lo —  Eu
entendo, pode contar com a minha discrição. Mas admito que estava curiosa sobre o que
um homem famoso como o senhor, estava fazendo aqui... Bom, agora não importa. Neste
momento, tudo fez sentido. Sinto muito invadir a privacidade do café da manhã em família.
Ele me olhou atento e então pude ver o sorriso mais tranquilo nascer em seus lábios
conforme segurava a minha mão retornando o cumprimento.
— Não se preocupe, não atrapalhou. Talvez você não saiba, mas estes dois são muito
afeiçoados a você  — comentou muito educado, mas ainda com um olhar avaliativo de
deixar qualquer um inquieto.
Talvez ele não confiasse em mim ou apenas fosse um hábito. Questionei-me se não deveria
arrumar uma desculpa para sair da sala de jantar, quando reparei que Alejandro olhava
firmemente para o meu nariz. Perguntei a mim mesma se tinha algo errado com o meu
nariz ou se estava sujo... Disfarçadamente, com a outra mão toquei a ponta do meu nariz e o
esfreguei com delicadeza, mas seu olhar se manteve fixo.
— Hum... É?
— Unhum... — respondeu ele e meu constrangimento aumentou, até que resolvi dar um fim
aquele mistério.
— Desculpe, mas... — disse em um tom mais baixo e constrangido, enquanto me inclinava
um pouco para frente —  Há algo errado com o meu nariz?
Ele se inclinou um pouco, preocupado e num tom cúmplice respondeu:
— Não… Por quê? — indagou entre surpreso e curioso.
— Estava com o olhar fixo nele, então sem querer, presumi que... — mas refreei minha fala,
me sentindo uma completa idiota.
Ele se surpreendeu um pouco, então relaxou visivelmente, abrindo um sorriso amplo,
revelando seus dentes bonitos, com caninos que lhe davam um ar travesso.
— Não se preocupe... Apenas achei curioso, já que quando você está constrangida, a ponta
do seu nariz é a primeira coisa a ganhar um tom rosado.
Se tinha um momento para me sentir mais constrangida ainda, o momento era aquele. Mas
nunca pensei que um homem como ele ficasse curioso com algo tão bobo e chegasse a se
perder em pensamentos. Senti-me mais próxima dele e relaxada. Sem conseguir evitar um
sorriso em resposta enquanto retomava à minha postura. 
— Bom, melhor assim. Então, se tiver algo errado, não deixe de me avisar... — falei e em
meio ao meu sorriso travesso, lhe dei uma leve piscadela bem-humorada que ele recebeu
bem. Entretanto, assim que nós nos viramos, encontramos uma Scarlet de braços cruzados
e olhos semicerrados.
— Bonito, muito bonito... Mal se conheceram e já estão de segredinhos? — gracejou ela.
Tinha certeza de que o meu rosto estava completamente vermelho e entre risos
constrangidos, realmente não esperava me sentir num ambiente tão receptivo e familiar
como agora. Não quando a pouco me senti uma intrusa...  Estava pronta para contar o
motivo que nos levou a conversar em sussurros, quando ele tomou a frente e olhou para a
irmã:
— Não seja uma velha enxerida, irmã... Se falamos baixo, tivemos nossos motivos — suas
palavras poderiam ser duras em outro momento, mas naquele trazia apenas mais
naturalidade, numa implicância insistente de irmãos. Ademais, nos olhos de Alejandro e
Scarlet, havia afeição pura e sincera.
— Menino… Volte para o seu lugar e tome o seu café. Quanto mais tempo teremos que fazer
nossa convidada ficar em pé na entrada da cozinha? Xô... Xô... — gesticulou ela, claramente
tratando-o como um cachorro em retaliação do “velha”.
Ele me deu um segundo olhar e de forma tranquila correspondi. Se ainda havia dúvida nele,
parecia ter encontrado sua resposta. Então, ambos me acompanharam à mesa. Sentei-me
de frente para Alejandro. Porém, no exato instante em que ele estava prestes a se sentar, o
som do seu celular vibrando ecoou pelo cômodo e o homem fez uma careta.
— Alejandro, quantas vezes tenho que te falar  para não trazer o celular à mesa quando
vem comer? — repreendeu Scarlet e então olhou para Harrison — Querido, fale algo!
— Vou falar o que? — disse ele se fazendo de bobo.
— Harrison… — falou o seu nome amargurada e então seu olhar voltou-se para mim —
Você, Kayla. Concorda comigo, não é?
— Hum… Sim… Claro — aproveitei a minha deixa e guardei o meu celular no bolso. Scarlet
não parou de ralhar, enquanto o celular não parava de tocar.
— Bom, eu sei que não gosta, Scarlet, mas não há muito o que fazer... — replicou ele tirando
o celular do bolso e o levando à orelha  — Sim? Estou na minha irmã. Certo, já estou a
caminho. Encaminhe as coisas para o meu e-mail secundário. Certo. Ok.
Assim, com curtas palavras desligou a ligação, levantou-se da cadeira e virou-se para a
irmã.
— Sinto muito, o meu tempo acabou. Foi bom te ver, irmã... — disse enquanto ajeitava a
roupa.
—  Mas já vai mesmo? —  reclamou Scarlet, deixando de lado a implicância, para tomar
uma postura mais maternal. Ele se aproximou dela e se abaixou o suficiente para depositar
um beijo em sua testa, já que ela estava sentada. 
— Sim, devido a ontem... Bom, as minhas férias encurtaram um pouco  — ele se virou para
mim e fez um comprimento leve com a cabeça  — Foi bom conhecê-la, Kayla... Nos vemos,
cunhado.
Por fim, se virou e se apressou para sair. Todos o seguiram com o olhar, com uma
expressão de pena. No mais, uma pergunta ficou em minha mente sem passar
despercebida:
O que aconteceu ontem?
Contudo, não tive que esperar muito tempo para descobrir o que aconteceu. No silêncio
triste da senhora Grand, pude ouvir uma televisão no canal de notícias com o som baixo,
logo atrás de mim. E ao escutar o meu nome, virei e vi o noticiário matinal. 
— Aí, não… — disse Scarlet — Eu te falei que temos visita, que deveria parar com esse
hábito. 
— Mas você sabe que tenho ele a anos, mesmo contra a etiqueta…— resmungava o senhor
Grand.
As vozes deles iam ficando mais distantes e na minha mente, apenas uma coisa a preenchia:
A imagem do meu rosto e em seguida a imagem de Alejandro socando o rosto de Richard. 
“Alejandro Ward agrediu o ex-noivo da jornalista Kayla Johnson.”
Meus olhos se abriram muito, assim como a minha boca, conforme levava a mão para  tapá-
la  O sangue me fugiu por completo da face, conforme sentia minha pressão cair. Me senti
grata, por ter amigos ricos com hábitos mais comuns, pelo menos alguns deles, pois receber
aquela notícia em qualquer outro lugar me faria ter parado no chão. 
— Ai, meu Deus!
Por que ele socou o Richard? Em que momento foi isso? Questionei em um grito interno, me
virando na direção que o Alejandro havia saído. Queria correr em sua direção, agarrar o seu
braço e perguntar, mas não tinha forças para levantar, sentia minhas pernas fracas. 
Peguei o meu celular do bolso, tirei do “Não perturbe” e a quantidade de mensagens, e-
mails, fora as ligações, era surreal. Abri o navegador para ver as notícias e o chão pareceu
sumir sob meus pés.
 
 
LONDON EXPRESS
Saturday, December18, 2021
The Gossip Mail
Extra! Extra! Extra!
“O milionário Alejandro Ward, defende jornalista!”
O famoso e misterioso milionário foi visto após o rompimento do seu noivado, com a modelo
Katherine Collins, no baile de gala de inverno anual beneficente dos Valiants. Mas não o
bastante da sua súbita aparição, ele se envolveu em uma situação no mínimo constrangedora.
A jornalista Kayla Johnson, que estava lá para entrevistar algum antissocial da vez, pegou seu
noivo a traindo com Victória McGregor,  a  mulher que acabou de enterrar o seu terceiro
marido.
Em meio a toda confusão e farpas trocadas, Richard Johnson passou dos limites e Alejandro
tomou as dores da jovem jornalista. Ele foi à sua defesa e partiu para a agressão!
 
Agora a pergunta é:
O que levou o misterioso homem a tomar a defesa da jornalista?
Seria empatia? Ou alguma outra emoção? Quem sabe...
Troca de chifre?
 
Revirei outras matérias, eram uma mais absurda que a outra. Em algumas me colocavam de
vítima, outros encontravam graça na situação e outros aproveitavam para atacar-me ainda
mais como se eu fosse a culpada. Alguns conservadores extremos falavam: “É por isso que
lugar de mulher é em casa, dedicando-se ao filho e marido.” Afirmando que já deveria ter
um caso com Alejandro, pois ele terminou o noivado a pouco tempo para supostamente
ficar comigo.
Havia alguns mais maldosos, afirmando que eu tive vários casos entre os poderosos e que
não poderia julgar Richard por devolver na mesma moeda. Algumas pessoas me defendiam,
outras apoiavam, mas, naturalmente, as opiniões negativas causavam mais impacto em
minha mente. E as pessoas não tinham limites! Esses desgraçados! Xinguei mentalmente.
Minha raiva era tamanha, que comecei a tremer e suar frio... Lágrimas de puro ódio
marcavam meu rosto enquanto enfurecida, segurava o celular com força. Respirava
entrecortado, desejando apenas apagar o dia anterior do calendário da existência humana
na Terra. Eliminar a existência de Richard da minha vida. Maldição! Não imaginava que
alcançaria essa proporção... Estava tão envolvida nas minhas emoções que me sobressaltei
quando senti a mão de Scarlet no meu ombro.
Nem sequer havia visto quando ela se aproximou ou quando o senhor Grand havia
desligado a televisão, mas Harrison colocou a mão em meu outro ombro e tirou de minha
mão o celular.
— Calma, menina. As coisas vão se ajeitar… — murmurou Scarlet.
Levantei o olhar para ela, sem conseguir evitar o meu amargor:
— Como? Me diz? Matando Richard? Porque eu gostaria. Minha carreira? Oh céus... Aqueles
que não gostavam de mim, estão se aproveitando... Acabam com a minha moral e tiraram
de mim o meu trabalho! Tudo que eu trabalhei por anos... No lixo! — exclamei chateada e
me arrependi em seguida. Lembrei do sonho que me deixou tão angustiada e de fato, meu
mundo, tudo que era importante para mim, estava um caos.
Scarlet não conseguiu me responder. Ela ficou pensativa, apenas evitando meus olhos. Sem
conseguir evitar, fechei a minha mão em punhos e bati na mesa, frustrada. Alguns copos
sacudiram, alguns talheres tilintaram nas xícaras. A mão de Scarlet apertava o meu ombro
silenciosamente e eu abaixei minha cabeça, com as lágrimas caindo. 
Eu só queria a droga de uma entrevista. Por quê minha vida tinha que ter se transformado
neste inferno de um momento para o outro? O que eu fiz de errado para merecer este castigo,
meu Deus?
— Kayla vou ligar para o meu advogado e o procurador virá ainda hoje. Prometi te ajudar e
usarei a influência da minha família para isso — reafirmou o senhor Grand — Ainda existe
justiça neste mundo... Eu não ficarei calado.
Não tinha palavras para dizer àquele senhor que era grata de tantas formas... Então apenas
concordei com a cabeça.
(...)
Algumas horas depois, quase no fim de tarde, fui chamada à sala para encontrar as visitas.
Um homem se apresentou primeiro, embora já o conhecesse, o sócio dos meus pais. Me
perguntei o que ele fazia ali, como me encontrou e como conhecia os Grand.
— Olá, senhorita Kayla. Faz anos que não a vejo. Gostaria de ter lhe encontrado em outra
situação... Lamento.
— Olá, Louis. Também preferiria que fosse em outro momento. Então você é o advogado do
senhor e senhora Grand? — perguntei sem dar voltas, ainda desconfiada sobre como
Richard havia me roubado tanto e se Louis tinha ligação com isso.
— Sim, sou. No entanto, devido a nossa ligação, não poderei ser seu advogado. Segundo o
senhor Grand, a senhorita foi roubada pelo seu ex-noivo. Por isso, estou aqui apenas para
entregar os recibos dos depósitos que fiz desde o início, mais algumas coisas que a
procuradoria irá precisar. Também para te apresentar alguém... Fui atrás do meu velho
professor na faculdade, o mais rígido com seu pai e eu na nossa época. E pedi indicação da
melhor aluna recém-formada dele...
Ela deu um passo à frente, era morena e tinha olhos escuros. Uma expressão séria e por um
segundo, me lembrou aquelas delegadas barra pesada de filmes de ação. Com sua calça
social preta, um sapato bonito, mas não de salto agulha e  uma camisa branca com um
blazer por cima,  ela exalava uma confiança em si mesma que era de se admirar e causar
inveja.
— Prazer em conhecê-la, senhorita Johnson. Me chamo Samille Wood e serei a sua
advogada — disse enquanto estendia a mão.
— Prazer em conhecê-la, senhorita Wood — A cumprimentei segurando sua mão. Samille
carregava o ar que todo recém-formado carregava, o de sede de justiça. 
Escutei o senhor Harrison murmurando que gostou da “garota de atitude” e percebi que
compactuávamos do mesmo pensamento. 
— Acredito que devemos ir para o escritório… — disse Harrison se virando para nos guiar
ao escritório. Entretanto, ao chegar, Louis apenas colocou a maleta sobre sua mesa e se
retirou.
— Peço que vocês também se retirem, para que a minha cliente esteja o mais confortável
possível para me contar tudo com riqueza de detalhes. E assim conseguirmos o máximo de
antecedentes do senhor Richard.
Por um segundo, tanto eu, quanto o Harrison e Scarlet ponderamos, mas no fim, todos
concordamos. A mulher me escutou com cuidado nos minutos que se seguiram, sempre
olhando nos meus olhos, pontuando algum comentário vez e outra, anotando informações
em seu caderno. Em outro cenário, pensaríamos em uma psicóloga, mas Samille estava
colhendo provas e claramente estava buscando até mesmo em mim, se tinha algum
esqueleto no armário.
— Entendo… Temos muitas coisas a seu favor, sim. Você foi manipulada desde quando
ainda estava frágil pela perda dos seus pais entre outras coisas. Mas também foi inocente
em simplesmente deixar o dinheiro lá sem uma verificação pelo menos mensal, quando o
correto é ao menos a cada quinze dias. Foi ingênua e irresponsável com a sua herança por
motivos emocionais... E com toda certeza, usarão esse fato contra você. Te aviso que tudo
que te falei agora, podem ser palavras pesadas, mas acredite, elas podem ser ainda piores
em um tribunal. A senhorita terá que ter sua mente esclarecida sobre isso, que não é tão
bonito como nos filmes, mesmo se você for a vítima... 
Ponderei, olhando para baixo, sentindo-me realmente arrependida da minha imprudência.
Meu coração parecia pesar uma tonelada, devido às recordações e o tamanho da mágoa, o
quanto ainda poderia me magoar, mas…
— Ainda assim, quero a justiça. Quero que ele pague, mesmo se todo o dinheiro de volta for
algo impossível de reaver. Eu quero vê-lo sendo preso, quero escutá-lo pedindo desculpas
desesperado antes de ser levado ou quero que ele me mostre o seu pior lado neste mesmo
momento e a verdade seja revelada...
— Certo, agora te pergunto, Kayla. Você pretende ser a vítima ou vai ser a caçadora? —
perguntou ela encostando-se na parte de trás do sofá, deixando o caderno com suas notas
em seu colo. Devido à forma como ela falou, parecia quase uma ameaça de quão longe eu
poderia ir. Não queria me tornar alguém ruim como ele, tinha consciência de que não tinha
estômago para isso. Então respondi:
— Não sei se tenho pulso firme o suficiente para ser uma “caçadora” sem limites...
Chegando a fazer algo contra a minha moral, em nome da vingança por mais ódio que eu
possa ter.  No entanto, quero justiça e sinceramente quero vê-lo pagar pelos erros que
cometeu. O que você tem em mente?
Vi o sorriso satisfeito nascer nos lábios da mulher e ela colocou ambas as mãos espalmadas
sobre o caderno e disse:
— O que faremos aqui, senhorita Kayla, é atingir o ego.  Homens como ele se sentem
superiores pelo domínio das mulheres, possuem egos inflados e gostam de mostrar ao
mundo do que são capazes. Receber dinheiro de uma mulher “boba”, não é uma humilhação
para o tipo de homem que é o seu ex, mas sim, uma demonstração de que por se ver mais
esperto e inteligente, tem o direito “natural” sobre o outro e muitas pessoas pensam como
ele.  A decisão de ser a vítima ou a caçadora, é determinante para saber se continuará a ser
boazinha, perdoará e não quer ir tão longe. Ou irá até o fim... — Samille era uma mulher não
apenas de postura dominante e altiva, sua personalidade condizia muito com tudo nela. Ela
seria uma pessoa assustadora como inimiga, uma versão feminina de advogada do diabo 
— Ir até o fim, não é sujar suas mãos. Entenda: isso não será necessário, o que faremos é
atingir o ego. A maior arma de uma mulher contra um homem como ele, é o seu ego. No
caso do Richard, senhorita Kayla, é a dominância sobre você e a ganância pelo seu dinheiro.
Podemos começar por aí. Ele estava com um ego inflado do quanto você era manipulada
por ele e tenha certeza, mesmo em meio a tudo isso, Richard ainda acredita que você
pertence a ele. E o próprio juiz irá fazer um pré-julgamento sobre você devido aos seus
erros. Mas é aí que eu entro, mesmo se você estivesse errada eu estou aqui para provar a
todos do contrário.
— Como fará isso?
— Eu reunirei tudo que eu conseguir para provar a sua inocência, até mesmo o que ainda
vai acontecer. 
— Não entendi…
— Como eu disse, ele ainda se sente seu dono, quando ele sentir que realmente está te
perdendo, ele ficará louco. E nos dará mais provas concretas e irrefutáveis, para processá-
lo de vários lados. Mesmo que você perca o caso sobre o roubo, por exemplo, ainda existe a
humilhação e como ele afetou sua imagem, logo, o seu trabalho. No entanto, estou confiante
que iremos fazer a justiça que você almeja. 
— Certo, e o que faremos primeiro? — perguntei sem saber por onde começar.
— Eu? Irei fazer o meu trabalho. Você? Pode começar com um texto nas suas redes sociais
de como foi traída e humilhada, como é injusto o fato de que mesmo assim, acreditem que
você é a errada. Já que isso foi parar na mídia, usaremos a mídia a nosso favor. Use o seu
conhecimento de jornalista, fale da melhor forma possível. Mas não fale sobre o roubo
ainda, ainda não. É cedo para isso...
Ela abriu a sua própria maleta, tirou alguns papéis de lá e me entregou. Peguei e entre eles,
estava a procuração de plenos poderes. O li com calma antes de assinar. Ela disse que
poderíamos ir na segunda-feira ao cartório pela manhã, para timbrar e registrar a
procuração. O outro papel era o seu contrato pessoal, contratando os serviços dela. Outro
documento que também li com calma, no entanto, o que chamou atenção foi que ela não
usava uma assinatura apenas, mas também um carimbo. Molhou seu anel com cuidado em
uma almofada vermelha e em seguida o colocou sobre a sua assinatura, dando ainda mais a
sensação que estava fazendo um acordo com o diabo.
Ela era excêntrica, mas ao contrário do que era suposto, me fez sentir leve. Samille era
intensa, meio maquiavélica, porém franca e totalmente aberta. Não mentia para mim, sua
sinceridade havia me tocado. Até porque ela não me bajulou em momento algum, apenas
foi direta e objetiva.
Um sorriso começou a nascer em mim, quando um lufar de ar gelado me atingiu e me fez
arrepiar de frio. Me virei em sentido à sua origem e vi portas de vidro abertas, dando para
uma sacada. Olhei para a advogada que estava organizando seus papéis  que pareciam
querer voar a qualquer momento e caminhei em direção às portas, olhando o céu e a
tempestade que estava se formando. Então, quando desci o olhar, vi a varanda... todas as
lembranças da noite anterior me vieram de um rompante que me deixou aturdida.
Assim como quando meus olhos encontraram os de Alejandro, senti minhas pernas
fraquejarem.
Oh! Meu Deus!
— Senhorita Kayla... Aconteceu algo? — perguntou Samille após terminar de reunir suas
coisas.
Virei rapidamente após fechar a porta e disse-lhe:
— Nada... Nada não...
A mulher me observou com seus olhos felinos, como se estivesse lendo minha alma. Eu
tinha a absoluta certeza de que ela sabia que eu mentia descaradamente e ponderou por
segundos se era algo útil ou não, então, por fim, resolveu simplesmente ignorar.
Merda! Pior que me oferecer a um completo desconhecido, era querer transar com ele na
varanda da biblioteca da minha salvadora. E se não fosse o bastante, ele era o irmão mais
novo dela…  Porém, algo ainda estava me incomodando, não me lembrava até onde
tínhamos ido.
EXTRA 1
 A vida de um CEO nem tão interessante assim...

ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward


Domingo, 19 de dezembro de 2021
 
Após receber a ligação da minha secretária, saí da casa da minha irmã e fui ao seu encontro
o mais rápido possível. Não tinha muito o que fazer, principalmente porque eu causei
problemas e as consequências vieram no primeiro voo da manhã.
Ao chegar ao meu destino, a mensagem autoritária chegou antes mesmo que eu pudesse
sair do carro:
Quarto 981, estou te esperando. Você tem cinco minutos, Alejandro.
Essa mulher é um terror, pensei enquanto olhava involuntariamente para o meu relógio de
pulso. Qualquer pessoa que simplesmente batesse o olhar na tela do meu celular pensaria
em alguma segunda intenção, mas somente quem trabalhava em contato com ela, sabia que
aquilo estava mais para uma ameaça do que para qualquer outra coisa. Sabendo o que era
melhor para a boa convivência entre nós, fui sem demora ao seu encontro. Assim que me
apresentei no Hall, disseram que ela estava à minha espera e me entregaram o cartão
magnético. 
Pude ver nos olhos da recepcionista a mensagem de “boa sorte” e realmente, eu precisaria...
Os minutos subindo no elevador  foram tensos e ainda que tivesse o cartão, bati na porta.
Se o silêncio pudesse ecoar, certamente seria naquele momento. E apesar da porta estar
fechada, comecei a escutar o barulho dos seus saltos caminhando em minha direção, até
que ela abriu a porta em um único rompante.
Surpreendentemente, a mulher estava com um vestido preto elegante, justo ao corpo e
cabelos soltos sobre os ombros. Quase como uma mulher bonita comum, se não fosse seus
óculos, sobrancelhas franzidas e um olhar mortal. Ela não disse nada, apenas manteve o
olhar severo sobre mim, antes de dar espaço para que eu pudesse entrar no quarto.
Entrei, afinal, não havia o que pudesse ser feito para evitar... Mas deveria saber que o
inferno logo viria, pois sua mala estava próxima à porta, encostada na parede. Atento,
observei adiante e vi uma pequena sala, nela duas poltronas e um pequeno sofá com uma
mesinha central. Na mesa, havia uma pilha de papéis e pastas. O que era um bom sinal, se
fosse se despedir teria apenas sua carta de demissão.
Caminhei até o sofá e me sentei. Sentado diante da mesa, vi mais do que anteriormente,
pois havia também  jornais e em meio a eles, uma carta que reconheci como uma de
demissão. Falei cedo demais...
— Alejandro… — falou o meu nome em um profundo tom de desgosto após um muxoxo.
Cruzou os braços frente ao peito, parada a alguns passos de mim, com o maxilar marcado
devido à força que fazia nele  tentando conter sua ira  — Me diga... Que anda passando pela
sua cabeça?! Espero uma resposta plausível, mas se não for, no mínimo, satisfatória... A
minha carta de demissão está aí e da mesma forma que cheguei neste hotel, sairei. 
— Fora o que suponho que você já viu nos jornais, não tem muito o que dizer, Alessandra 
— respondi e continuei:— E não me julgue, não é como se você fosse ter uma atitude
diferente da minha se estivesse lá. 
— Eu não sou dona de uma rede de hotéis, tampouco minha imagem é a cara da empresa!
— cortou-me secamente. 
— Em todo caso… — continuei e a ignorei — Kayla é uma pessoa que conheci quase na
mesma época que te conheci...
— Certo… E daí? — questionou furiosa. Sua visão ali, diante de mim era como se tivesse
voltado à época da faculdade, em que eu era calouro e ela a minha veterana encarregada.
— Ah… — suspirei cansado, passando a mão pelos cabelos — A conheci no exato dia em
que perdi a minha mãe... Ela é aquela garota...
— A que perdeu os pais no acidente de carro?!... Você está brincando? — isso a fez ficar tão
chocada que precisou se sentar na poltrona diante de mim. 
— Não — respondi deixando o peso do meu corpo cair para frente e apoiei meus
antebraços nas pernas.
Seu olhar me analisava e julgava atentamente, procurando qualquer vestígio de
brincadeira, mas uma vez que viu que eu realmente falava sério, ficou em silêncio e jogou o
seu corpo para trás, exasperada e encostando-se no estofado da poltrona.
— Qual é a probabilidade disso acontecer? — questionou com um sorriso matreiro.
Alessandra era uma boa e verdadeira amiga, talvez não existissem muitas pessoas como
ela, que realmente me entenderiam — Quando dizem que o destino não brinca… 
A fuzilei com o olhar, mal-humorado. 
— Você sabe que não acredito nisto e, mesmo se acreditasse, não sou sequer o homem para
este tipo de história. Eu tinha a Katherine justamente por este motivo.
Ela ergueu as duas mãos fingindo se defender, mas em seguida, se inclinou para frente,
apoiando os cotovelos em suas pernas e apoiou o seu rosto em uma das mãos.
— Isso é o que você diz, talvez seja a hora de passar a acreditar. Porque já ouvi falar de
coincidências, mas de longe essa... Foi arquitetada cuidadosamente pelo Altíssimo.
Na minha falta de resposta, Alessandra fez uma expressão de pura desilusão, murmurando:
"É um caso perdido".
— Então, vamos trabalhar. Vou ser franca com você, Alejandro — Alessandra tomou uma
postura mais profissional, longe de ser aquela mulher despojada que a segundos atrás me
provocava — As coisas não estão boas. Na verdade, estão tão ruins que assim que a matéria
saiu, tive que correr para fazer minhas malas e vir,  nem sequer tive tempo de trocar a
roupa. Desde que cheguei aqui em Londres, devo ter envelhecido uns dez anos! E isso vai
repercutir no seu bolso, pode acreditar! 
Concordei em um movimento com a cabeça, afinal, não se colocava preço em um excelente
profissional.
— De todo modo, já estou com todas as equipes a um toque de chamá-los. Todos estão
cientes do ocorrido. No monte à sua esquerda, estão alguns jornais que te difamam e os que
tiveram algum elogio. Aparentemente, a massa aprovou seu comportamento. Porém, em
contramão,  os sócios e acionistas, neste monte à sua direita, desaprovam completamente e
apresentaram propostas de solução. Alejandro, suas atitudes levianas evidenciaram um
comportamento agressivo aos nossos principais acionistas, assim como investidores atuais
e futuros. Além disso, vi pela filmagem que você entregou um cartão de visitas ao senhor
Johnson. Este que ainda não entrou em contato, mas acionei o seu advogado pessoal.
Duvido que aquele pedaço de lixo fará algo... Divaguei, mas não interferi e continuei a
escutando em silêncio.
— A partir de hoje, senhor Alejandro Kaleo Ward, você tem antecedentes por agressão.
Parabéns! — pontuou sarcástica  — Independente do motivo, no futuro, isso retornará para
assombrá-lo. O seu comportamento já está refletindo nas ações da empresa, de modo que
de ontem para hoje, já caiu uma porcentagem considerável. Sugiro que discuta com a
assessoria de marketing para inverter a má imagem da empresa o mais rápido possível.
Não fiz nada realmente criminoso, golpeei alguém que merecia muito mais do que apenas
alguns socos. Contudo, o que mais me irritava era que me empenhava em ser “perfeito” o
tempo todo, mas bastou sair a primeira vez da linha… 
— Entendo e concordo. Agende uma reunião com a equipe de marketing para daqui a duas
horas, precisamos priorizar os problemas. Sobre os jornais, como estou sendo abertamente
difamado, acione o departamento jurídico para uma reunião ainda hoje. Quero que amanhã
as medidas para reverter este problema já estejam em ação.
Enquanto dava as instruções para Alessandra, ela ia agilizando no iPad rapidamente. Puxei
o meu celular do bolso e comecei a olhar as ações e investimentos da empresa,
arquitetando mentalmente o que fazer a seguir e avaliando o reflexo dos próximos meses.
Tão logo, a mulher me deu o retorno sobre reunião com a assessoria de marketing e o
jurídico. Cada uma das reuniões tomaria duas horas por videoconferência, para as
primeiras discussões e propostas de solução.
Começamos pela pauta de reverter a imagem negativa, ressaltando as coisas boas da
empresa ao longo dos anos, assim como os projetos beneficentes que mantinhamos e os
que planejávamos há meses em participar. O Natal era uma data próxima e era uma boa
oportunidade para usar em nosso  favor. Teríamos que ser rápidos, e enquanto pensava no
que poderia ser preparado tão rapidamente, recordei que teria que ir à casa do meu tio
para poder ajudá-lo em alguma ação beneficente.
Assim como já era algo programado, não teria que mudar os planos e reuniria o útil ao
necessário. Principalmente, sem parecer algo forçado e atípico. Ao informá-los, todos foram
muito favoráveis a isso. Com a equipe jurídica, a reunião foi ainda mais intensa e cansativa.
Planos de defesa em caso de processo, assim como o levantamento de dossiês sobre jornais
sensacionalistas caso insistissem na propaganda negativa. Fora o agendamento de
entrevista neutra, explicando o término com Katherine, que também estava sendo
frequentemente mencionada na mídia. Mais tantas outras reuniões com acionistas,
esclarecimento e prestação de contas com os sócios.
Empresarialmente falando, minha vida se tornou um caos. E não entendia como as pessoas
poderiam romancear sobre isso. Porém, era verdade que a minha popularidade pessoal
tivera um aumento significativo com o público geral, sendo o assunto mais falado em “tags”
do dia.
E assim as horas passaram sem que eu percebesse.
(...)
Cansado e especialmente pouco amigável para pessoas no momento, desejando apenas a
exclusão social depois de um longo dia cansativo e sabendo que não terminaria tão cedo a
consequência das minhas ações, Alessandra,  antes de sair para buscar algo para
comermos, me mandou assistir todos os vídeos publicados da mesma cena em ângulos
diferentes.
— Sim, fui impulsivo em defender alguém que estava sendo humilhado,  havia outras
formas de lidar com isso... Apenas não suportei aquela situação e tomei as dores da mulher.
Ela não se expressava, mas a sua dor era quase palpável — resmunguei para o quarto vazio
e joguei o celular sobre o sofá, inclinei meu corpo para trás e deixei minha cabeça
descansar no encosto.
O meu nariz por um segundo incomodou, levei a mão a ele e acabei percebendo que ainda
havia vestígios do cheiro de Kayla. Provavelmente devido ao momento em que a segurei e
mantive próxima a mim naquela manhã. Um cheiro doce, e por um segundo, me peguei
sorrindo sozinho. Ao recordar que ela pensou haver algo em seu nariz, um riso baixo
escapou pelos meus lábios involuntariamente. Tão fofa… 
Ponderei retornar  à casa da minha irmã, em busca de reencontrá-la e desta vez tomá-la em
meus braços, mas refreei meus pensamentos sobre, pois enquanto não conseguisse
solucionar os problemas da minha empresa, tudo apenas se transformaria em uma enorme
bola de neve.
Entretanto, não podia negar, bastava fechar os olhos que podia ver o seu bonito rosto e
seus olhos expressivos me fitando diretamente. Sem perceber, com o rosto dela em minha
mente, adormeci. Sonolento, acordei assim que escutei um trinco sendo aberto, olhando o
teto com dor no pescoço. Me acomodei no sofá e peguei o meu celular, vi as horas e fui ver
os e-mails vindos da fazenda em busca de mudar meus pensamentos. Meus relatórios.
Mensagens da Katherine... E do meu tio. Porra! Meu tio.
Esqueci de  contatá-lo... Ou era a mentira que dizia a mim mesmo.
Sabia ter que explicar-lhe como a filha do seu amigo e contador, não era boa o suficiente
para ser minha futura mulher. Fingi demência sobre o assunto e confirmei minha presença
anual no seu evento de Natal, que este ano seria  novamente com as crianças órfãs da
creche. Já éramos ativamente um dos patrocinadores, então seria de fato perfeito para
mim. 
Em algum lugar, escutava a voz dela, mas quanto mais pensava em problemas, mais Kayla
vinha à minha mente. 
Quando a conheci, era só uma adolescente sofrendo em um país estrangeiro. Eu era só um
jovem adulto que começou a carregar mais peso nas costas do que suportava. Piorou
quando descobri ser filho ilegítimo do meu pai, pouco tempo depois de sua morte…
Também não podia imaginar a dor que minha mãe sentiu ao me criar, sabendo que não era
de fato  filho dela;  mas inegavelmente foram pais muito bons para os meus irmãos e para
mim. 
Quando a vi no baile… Foi como algo que me envolveu e me levou a ela como uma mariposa
à chama. Mesmo agora, minha mente buscava por aquela mulher, a queria. Não sabia como,
mas a faria minha.
— Alejandro! — exclamou Alessandra, tirando o celular da minha mão — Cara! Que ódio!
Francamente! Eu poderia estar com a minha mulher agora, como aliás, estava. Já que era
sua folga, consecutivamente, a minha também, porém estou aqui após um dia cansativo, te
chamando para comer e você nem sequer escuta.
Fiquei em silêncio, sem saber exatamente o que falar. Pois, ao olhar de soslaio a mulher à
minha frente o “Desculpe” viria de volta com outra reclamação. Mas vendo a minha falta de
reação, ela se sentou na mesinha central e cruzou as pernas me olhando.
— Está pensando nela, né? — indagou ela astuta, com um olhar semelhante ao de Scarlet. 
— Também... 
Ela se levantou e se aproximou de mim, colocou a mão em meu ombro.
— Olha, em todo caso, como sua secretária executiva, agradeço se não sair mais da linha.
Sua reputação influencia muito isso tudo... Como amiga, se for voltar a socar alguém ou
fazer alguma coisa do tipo. Por favor, faça isso onde não tenha câmeras. Isso já nos poupará
uma boa dose de trabalho. E sobre a garota, bom… é a primeira vez que te vejo assim, seus
olhos brilham e você sorri de um jeito que nunca vi antes. Queria dizer, siga seu coração,
mas…  Acho que ela é problema. Porém, o que eu acho não importa. Você não vai me
escutar mesmo. 
CAPÍTULO 8
 Despertar de um sonho

KAYLA • Kayla Johnson


Sábado, 18 de dezembro de 2021
 
Eu ainda estava chocada, perto da porta que dava para a varanda. As imagens insistiam em
aparecer fragmentadas em minha mente, porém, isso não significava que eu sabia o que
fazer com elas. Eram como uma grande bomba jogada em meu colo.
Meu rosto estava em chamas, o coração acelerado, meu corpo queimava, incandescente de
desejo mesmo apenas com as memórias. Podia sentir os lábios daquele homem, podia
sentir suas mãos fortes em mim… E um desejo de sorrir quase incontrolável. Uma “eu”
adolescente em um misto de querer morrer de vergonha e gritinhos de euforia, como se
gritasse “É ele!”. E, por outro lado, havia outra “eu”, uma muito velha, dizendo o quão
imprudente fui e estava sendo, afinal, acabara de sair de um relacionamento ruim e já
estava me jogando nos braços de outro.  
Mas… Um pensamento veio-me forte: O que senti por Richard, não chegava nem perto da
euforia que senti por Alejandro. O quanto realmente amei Richard? O quê era isso que sentia
por Alejandro? Não podia ser amor… Era paixão? Talvez. Mas isso significava que nunca
estive apaixonada por Richard? Pelo que lutei por todo este tempo?
Minha cabeça coçava de nervoso e meu corpo todo respondia pela confusão que se fazia em
meu coração. Algumas amigas sofriam por dias após o término e ainda amavam o ex por
vários meses, antes de se envolver de qualquer forma com outro. Imaginava que, por
alguma razão, o pensamento de perdoá-lo, deveria ter passado pela minha mente. Pois
“preferiria morrer a viver sem o amor da minha vida” ... Mas não passou. Será que
romanceei muito o que era um relacionamento? Levei a mão à boca, mordendo a unha do
polegar, num ato nervoso. 
Sentia raiva, rancor e mágoa pela traição... Porém, sentia que nada daquilo valia a pena. 
A minha advogada se aproximou e tocou o meu ombro. Sobressaltei-me, devido à minha
atenção estar distante e foquei meu olhar a ela, conforme vestia minha máscara de sorriso
formal. Samille me olhou atenta, querendo ver minha alma como antes, mas me mantive
inabalável, fazendo justiça à pessoa que, na verdade, eu era conhecida: "coração de gelo”. A
acompanhei até a porta de saída, onde encontramos Harrison e Scarlet, ansiosos para saber
do desenrolar.
Francamente, aqueles dois eram tão fofos que acabei sorrindo de verdade.  Minha mente
estava distante, pois, por aquele momento, quase pude ver meus pais neles, uma forte
saudade me abateu e uma velha ferida sangrou dentro do meu peito. Uma lágrima ameaçou
rolar pela minha face, mas a contive, contendo também as minhas emoções. De tal modo
que mal prestei atenção na curta conversa entre eles, apenas mantive a expressão contida.
Era estranho como a vida funcionava… Ela tirou os meus pais, meu coração fora do corpo.
Deu-me um lugar a pertencer no trabalho e justamente o meu “amor” destruiu tudo o que
eu demorei anos para construir... Como em um castelo de cartas, ele apenas pegou as
primeiras cartas que eu montei. Depois, a vida simplesmente me deu novos pais e seria
cômico se não fosse trágico, pois dentre todas as situações possíveis e imagináveis… Fui
parar nos braços de Alejandro Ward, que era irmão mais novo da Scarlet. 
Nunca aprontei, mas quando fazia merda, realmente era para valer! 
(...)
No jantar, minha mente estava igualmente flutuante entre interagir com as pessoas e estar
absorta demais aos meus próprios pensamentos. Comi, sorri, respondi o que falavam
comigo, mas nada muito marcante. Apenas no caminho de volta para o meu quarto, me
permiti relaxar o rosto e a minha verdadeira expressão apareceu.
Parei no meio do corredor e olhei pela janela, a lua estava grande e bem iluminada,
carregando com ela algum conforto e, ao mesmo tempo, solidão, que era exatamente como
me sentia. Quando finalmente cheguei ao quarto, caminhei despretensiosa até a cama e
sobre ela achei um confortável pijama de algodão com gatinhos pretos fofos. Me sentia
extremamente querida pelas pessoas daquele lugar por estes pequenos gestos. Entretanto,
era estranho, pois dentro de mim, em algum ponto não me julgava merecedora.
Amanhã seria um novo dia e eu estava muito melancólica... Não deveria ter lembrado dos
meus pais, foi um grande erro. Peguei o pijama e me troquei rapidamente, me deitei na
cama..., mas antes de cair no sono, envolta as cobertas, lembrei de Alejandro… Quando
caminhou até mim, olhando-me fixamente... Lamentava tê-lo envolvido em meus
problemas... 
Em meio à noite, senti o meu estômago doer, reclamando do vazio da fome. Olhei o teto
chateada, tentando entender porquê bem no meio da madrugada, não poderia esperar ao
menos o alvorecer? Olhei ao redor, o quarto com ares de princesa definitivamente não
combinava comigo, nem com a fome que me tomava de forma absurda naquele instante.
Indignada, suspirei pesadamente e joguei as cobertas para longe. Quase podia sentir o gosto
de um gostoso lanche feito com o que tinha na geladeira… Daqueles que tinham um pouco de
tudo: queijo, presunto, salada, tomate, quem sabe até mesmo um ovo frito, para deixá-lo mais
completo. 
Com a fome que estava, quase salivei.
Levantei-me com os olhos ainda pesados pelo sono e nublados pelo cansaço que vinha
acumulando da sobrecarga de todos os eventos ocorridos, descalça sai da cama e meu corpo
se arrepiou por completo no contato com o chão frio. Coloquei os chinelos e fui caminhando
em direção à porta, olhei para ambos os lados do corredor, a luz da lua era a única coisa que
iluminava o local, mas não havia uma alma viva. Com passos leves pelo corredor, bocejei,
passando pelo escritório que seguia com sua porta entreaberta. Esfreguei os olhos, tentando
clarear a visão e não tropeçar nos degraus até descer ao térreo e chegar à cozinha.
Quando passei pela enorme sala de jantar, onde havia feito as refeições anteriormente…
Passei o olhar e quase senti a alma sair do corpo, ao ver uma sombra que se assemelhava à
figura humana, próximo à janela depois da mesa. Pisquei os olhos inúmeras vezes para ter a
certeza de que não era uma ilusão, quem sabe era somente uma peça que a minha mente
sonolenta pregava. Não conseguia identificar quem estava ali, mas tinha certeza, era real.
Engoli em seco, sentindo um arrepio me percorrer a espinha, mas, ao mesmo tempo que era
assustador, transmitia uma familiaridade. Muito alto e de postura impecável. Um homem.
Quem era? Muito alto para ser o Richard, tampouco ele conseguiria invadir e caso
conseguisse, não pararia frente à janela, olhando para fora reflexivo. Nem o senhor Grand…
Ele era idoso e teria a forma levemente curvada.
Tomei coragem, dei um passo adiante e estreitei os olhos. 
— Quem está aí? 
Sem resposta e com meu coração batendo forte, dei mais alguns passos em sua direção.
Percebi no processo, que por algum motivo misterioso, a mesa estava com todas as louças
prontas para um glamouroso jantar.
Passei a mão pela mesa e peguei uma das facas. Entretanto, existia um perfume no ar que me
chamou atenção, ressaltava lembranças de uma voz macia e um cheiro amadeirado. Mesmo
assim, não me deixei guiar por elas e em posse da arma, perguntei novamente quem era.
Nada.
Engoli em seco e o silêncio me soava como um aviso para seguir alerta. A adrenalina estava
presente em cada centímetro da minha pele fazendo-a sensível até mesmo ao mais leve relar
do tecido da minha própria roupa. Ouvi um riso baixo vindo da figura à minha frente. 
— Fale, quem é você!? — deixei a faca em uma altura que pudesse ser vista.
Como resposta, desta vez a sombra misteriosa se virou, ficando de frente para mim. Com
metade do seu rosto sendo iluminado pela luz suave da lua que adentrava pelas cortinas
semiabertas e a outra mergulhada na penumbra, um estremecer me tomou de assalto,
principalmente quando ouvi sua voz rouca:
 — Sou eu, pequena.
Alejandro…
— O que está fazendo aqui?
— Estava esperando você… —  falou de forma misteriosa, dando a volta na mesa para chegar
até onde eu estava.
Segurei com mais força a faca em mãos, chateada pelo susto. Depois me senti uma idiota e a
coloquei devagar sobre a mesa.
Seus passos, que  eram leves e decididos, o fizeram se aproximar rápido demais. E quando
retornei meu olhar a ele, devido a luz que entrava mais forte pela janela daquele lado, o seu
rosto ficou claro e o seu olhar  me fez dar um passo para trás e estender a mão para a faca
novamente. Apesar daquele belo sorriso, havia uma certa "fome" expressa em seu olhar.   E eu
tinha certeza, não era pelo provável jantar a ser servido. 
Meu corpo todo foi tomado instintivamente em outra onda de forte adrenalina e em um
rompante, não sabia ao certo ainda se era uma ilusão ou se era algum outro ser que
representasse perigo. Meu instinto de proteção falou mais alto e quando me virei para
correr…
Ele foi mais rápido, pegando-me pela cintura e me puxando contra si. Sua pegada fora tão
forte que o som da faca, esta que caiu de minha mão ao chão, ecoou aos meus ouvidos.
— O que está fazendo? O que você quer comigo?
Meu corpo aflito colado ao seu exigia resposta. No entanto, podia sentir seu calor me
aquecendo. Meu corpo que desde antes ansiava por ele, reconhecia seu toque e como se isso
não bastasse…
— Você… —  murmurou ele, antes de descer a cabeça e com o nariz afastar os meus cabelos
da minha nuca depois pousou um beijo em meu pescoço —  Não te farei mal, pequena. 
Todo medo que outrora senti, se transformou em luxúria.  Em conjunto com as lembranças da
outra noite, minha boca ficou seca pela vontade de beijá-lo e sentir o seu sabor, mas como
estava de costas, não era possível, pois isso mordi os lábios. Conforme as suas mãos
começaram a percorrer o meu corpo em carícias carregadas de desejo, uma corrente elétrica
de desejo que percorria meu corpo ascendia todos os poros da minha pele, até que sua mão
direita desceu invadindo o meu short do pijama e bem devagar adentrar a minha calcinha. 
O ar se prendeu nos meus pulmões, a garganta secou ao ponto de me impedir dizer qualquer
coisa e ao chegar ao meio das minhas pernas e se posicionar sobre o clítoris…
Um gemido, alto e manhoso, escapou de meus lábios cheio de expectativas. Podia escutar a
respiração pesada dele, ofegante e cheia de desejos ao pé do meu ouvido, assim como sua
excitação contra a minha bunda, me deixando ainda mais excitada.
Com a sua outra mão ele subiu lentamente pelo meu corpo indo ao meu seio esquerdo e sobre
a roupa mesmo o preencheu com seus longos dedos segurando-o com força. Seu toque era
quente, de uma forma que me deixou em chamas. Os beijos em meu pescoço, delineando uma
estrada perigosa até o meu ombro direito atiçando a libido e mastigando o meu juízo.
Deixei meu corpo roçar no dele, provocá-lo, ouvindo seus gemidos baixos em meus ouvidos,
então, fez o caminho inverso de beijos. Movi as minhas pernas uma contra a outra em
necessidade de mais atrito e ele moveu seus dedos, acentuando o toque enquanto falava
sedutoramente:
— Quero te deitar nesta mesa, me livrar dessas suas malditas roupas, e lamber entre suas
coxas, estas que estarão bem abertas para mim. Farei com que você implore para eu te
tomar… — sua voz estava tão carregada que quase podia jurar que o vi passando a língua
pelos seus lábios, antes de continuar: — Te viraria, fazendo ficar curvada e empinada para
mim, então afundaria o meu pau em sua fenda até esquecer onde você está e quem você é.
Basta falar “sim” para mim, pequena. 
Meu corpo todo tremia com a sedução imposta até ali e mal encontrava a minha voz
enquanto ele pressionava com um pouco mais de força o vale entre minhas pernas. 
Como resposta, já que não encontrava a minha voz, levei a mão mesmo tremula, sobre a sua e
o fiz mover seus dedos. Contudo, ele se negou a obedecer ao meu pedido silencioso e deslizou a
mão mais para baixo até a entrada. 
Ele brincava ali com seus dedos com a umidade que encontrou e fez um som gradual de
aprovação contra a minha pele, parecendo gostar muito do quanto estava excitada por ele.
Seu toque ora suave, outro um tanto mais pesado, provocando ondas de prazer que estavam
me levando à loucura.
— Fale… Basta falar “sim...” — A voz cheia de desejos quase implorava.
Estava aflita e ansiosa, não queria falar nada, só sentir… Sentir seu toque, seu desejo por meu
corpo, o fogo que nos consumia…
E então, ele penetrou apenas a ponta do seu dedo sutilmente enquanto com a palma da mão
pressionou o clitóris, sem controle outro gemido escapou pelos meus lábios enquanto tentava
mover o quadril contra a sua mão, num pedido silencioso, por mais.
Quando, por fim, extasiada pela paixão abri a boca para dizer: 
Sim…
Acordei de rompante… Com a sensação de estar caindo embora estivesse deitada no meio
da cama de casal. 
Era só um sonho… Pensei, desacreditada.
Estava suada, ofegante e frustrada. O corpo reclamava em seu desejo não realizado. Mordi
os lábios, ainda parcialmente ligada ao sonho e à sensação das mãos de Alejandro em mim.
Fiquei olhando para o teto da cama com dossel, com os olhos marejados desejando ter
sonhado ao menos um pouco mais. 
O desejo era tamanho, que os meus seios entumecidos machucavam contra o tecido da
roupa que usava. Molhada e pulsante entre as pernas, estava cedendo à tentação de
deslizar a mão pelo meu corpo até o limite das roupas de baixo… Enquanto a outra envolvia
o seio, exatamente como ele fez. Era um ato desesperado de libertação, pois estava louca de
desejo de fazer exatamente o que Alejandro havia dito que faria comigo.
Porém, alguém bateu na porta. Sobressaltando-me em um susto violento, afastei
abruptamente as mãos do trajeto que estavam fazendo tão rápido quanto me sentei na
cama. O corpo reclamou, mas agora estava totalmente acordada.
— S-Sim…? — falei tentando esconder o constrangimento, fechando bem as pernas.
— Senhorita Kayla, os senhores estão lhe esperando para o café da manhã — disse Judi, a
governanta. 
O meu rosto estava em chamas ao pensar que iria tomar café da manhã no lugar que foi o
cenário do sonho erótico. Que diabos, estou sendo assombrada por Alejandro? Quem raios é
assombrado por uma pessoa viva? Entretanto, tinha que admitir que nunca tive um contato
com um homem como tive com ele, Richard foi o único homem com  quem me relacionei... E
não era grande coisa.
Um pensamento horripilante me fez refrear qualquer outro pensamento. E se ele estivesse
como no dia anterior, tomando café em família? Ontem não recordava, mas hoje era uma
coisa totalmente diferente. 
— Senhorita? Está bem? Não escuto som algum… Precisa de ajuda?
Fiz uma expressão de arrependimento amargo, respirei fundo e levantei da cama
apressada. 
— Não é nada de mais, estou somente sonolenta! Já estarei pronta, só um momento!
Corri ao banheiro, depois voltei e tirei a roupa e procurei uma muda como no dia anterior,
mas encontrei uma mala. Quando trouxeram? Não lembrava de nada, talvez já estivesse ali
ontem à noite. Em todo caso, sem pensar muito, abri e vi um vestido leve, não fazia muito
meu gênero, mas dane-se seria ele mesmo. O vesti e ao lado da mala, vi alguns sapatos.
Peguei a sandália mais baixa e confortável e a coloquei. Fiz um coque improvisado em meus
cabelos e corri para a porta. Assim que a abri vi Judi, sorri como se nada tivesse acontecido.
— Bom dia, Judi!
(...)
Ao chegarmos na sala de jantar, vi rapidamente apenas o senhor e a senhora Grand. Fiquei...
triste? Não, não seria este nome, talvez… frustrada. Embora temesse encontrar Alejandro,
ansiava por revê-lo. Recriminei-me novamente, não podia perder meu foco. Não podia
simplesmente me deixar levar por um homem que mal conhecia.
Se eu acreditaria na minha mentira? Não sabia.
Tomei café da manhã com o casal, desta vez com a televisão desligada,  e pude  reparar que
o senhor Grand estava entristecido. Tadinho, pensei. Comi apenas o suficiente e pedi
licença, não queria que ele ficasse triste de alguma forma devido à minha presença. Além
do que, tinha a desculpa de ter que fazer o texto nas redes sociais, no entanto, pela primeira
vez estava com medo, não queria cometer qualquer erro. Ser jornalista não era um sonho
de vida, daqueles de que se tem desde menina, mas me apeguei à profissão e com tanto
esforço, me moldei e me tornei até uma mentirosa de cara sorridente para estar nela.
 Com o coração agitado, optei por rezar, pedir a Deus para me iluminar e então fui
escrever. 
Fui objetiva, deixando claro, sem me alongar e sem muitas explicações, seguindo pautas
que chamariam atenção de alguns nichos no processo. Até revelei em meio ao texto de
forma suave e sem grande destaque, mas presente, que fui à festa a trabalho, pois estava
tentando entrevistar o famoso Alejandro Ward. Por coincidência, ele acabou escutando as
barbaridades faladas e veio em minha defesa, graças à sua excepcional índole moral.
Anunciei também as minhas primeiras férias em tempos, que a princípio seria pelo
casamento e naquele momento, era para encontrar paz ao coração… Falei de perdas e
recomeços aconteciam para um bem maior e que não estava desistindo do meu trabalho.
Assim, ficaria com a consciência um pouco mais leve sobre o ocorrido. Acreditando que
assim ajudaria Alejandro, mesmo que não tivesse sido algo que a advogada mandou fazer.
Reli o texto, ajustei, mexi e remexi. E após alguns poucos minutos, perdi a paciência e falei a
mim mesma que não ia me estressar. Fui a um lugar bem iluminado do quarto, arrumei
meu cabelo, coloquei algum filtro suave de maquiagem e tirei uma bonita foto de rosto
olhando o horizonte com o sol batendo. “O sol sempre nascerá num novo amanhã, por mais
tempestuosa que a noite seja .”, acrescentei no final.
Apertei enviar na publicação, fechei o aplicativo e fui ligar para os poucos que realmente se
importavam comigo. Fiz videoconferência com meu chefe, Joel e Harley. Expliquei com mais
calma, tudo que estava acontecendo, tudo que aconteceu e o que faria. 
Surpreendentemente, meu chefe foi mais meu amigo que propriamente meu chefe,
informou que em compensação aos problemas, de forma surreal as matérias antigas que
fiz, assim como algumas notas e coisas do tipo, estavam tendo muito mais visualizações.
Passamos alguns minutos falando sobre trabalho, anunciou em um rompante que mandaria
Sofia fazer algumas entrevistas com pessoas que me conheciam, para falarem que tipo de
pessoa era, e o que achavam do Richard. Também entraria em contato com alguns amigos
para fazer o mesmo. 
— Se eles querem coisas sobre você, vamos dar. E converteremos isso em coisas boas,
boneca. Acredite em você mesma, você sempre foi extremamente correta e faremos todos
verem isso. 
Noah Evans era um homem e tanto. Sorri, agradecida por tê-lo como meu chefe e ele
desligou.
Então, respirei fundo sabendo que seria mais tenso e liguei para Joel. Ele estava mais
abatido que qualquer um, pedia desculpas pelo seu filho inútil. Informou em um tom firme
que não permitiria que Richard voltasse a pisar em casa, que por isso, poderia voltar
quando quisesse. Seria uma mentira se falasse que não, mas partiu o meu coração. Joel era
pai acima de tudo, ele criou aquele garoto. No fundo, sabia que Richard sempre seria o
garotinho dele e eu era responsável por fazê-lo virar as costas para o filho. 
— Você não deve pedir desculpas, pois o erro não foi seu. Algumas pessoas são assim, não
importa quanto amor receberam, elas continuam sendo ruins… Joel, você sempre será meu
tio. Aquele que acolheu minha irmã e eu quando mais ninguém nos quis, você nos ensinou
valores e nos deu amor. Eu nunca vou virar minhas costas para você. Sou eu que deveria
pedir desculpas… Perdão. 
E admito, que depois disso  fui covarde. Desliguei a ligação, não queria ouvi-lo dizer que
não tinha que pedir desculpas, ele que tinha… pois, vendo o estado em que ele estava, sabia
que isso aconteceria.
Harley foi como sempre, irmã mais velha, mas também meio mãe. Xingou Richard de todos
os nomes possíveis e imagináveis, que deveria ter feito terminar logo quando começou.
Além disso, informou que no dia seguinte estaria em Londres e que não teria paz enquanto
não me encontrasse pessoalmente. Ela era fria com todos, menos com a família, o que me
lembrou Alejandro.  Com  sua irmã ele era uma pessoa totalmente diferente de todas as
impressões que  causava às pessoas…
— Kayla? —  chamou ela —  Kayla, estou falando com as paredes?
— Não, estou te ouvindo…
— Sério? O que acabei de falar? —  indagou fazendo um olhar que se matasse…
 Evitei seu olhar na chamada e então conclui: — Touché…
— O que está acontecendo que não está me falando, Kayla?  — disse ela se aproximando da
câmera como se pudesse me olhar mais de perto se fizesse isso, ficando com seu rosto
enorme na tela.
Parei, pensei um pouco e optei por ser parcialmente sincera. 
— Estou louca... Num momento estou triste, depois anestesiada, noutro, raivosa e no
seguinte… — excitada, meio obcecada querendo um homem que agarrei bêbada e morrendo
de remorsos por me comportar como uma doida carente… Mas eu não diria isso —  Eu nem
sei…
— Parece que mirou no amor e acertou a terapia... — comentou ela depois de um momento
de silêncio, achando graça. 
Ri baixo, lembrando que falei algo do tipo para o senhor Grand. 
— Acho que somos mesmo irmãs! —  mas antes que pudesse explicar, escutei batidas na
porta, chamando a minha atenção  —  Harley, vou desligar.
 — Certo, não esqueça que amanhã vamos nos encontrar! Promete?
 — Sim, sim… Tchau.
Desliguei e joguei o celular sobre a cama, antes de ir apressada abrir a porta. Scarlet estava
na porta do meu quarto, com várias sacolas. Perguntei-me o que era tudo aquilo e então,
dei espaço para ela entrar. Perucas, mais roupas, óculos e maquiagem. Não lembrava se
Scarlet tinha uma filha mulher, mas supunha que ela estivesse se realizando naquele
momento.
 — Minha querida, não posso evitar que você saia e vá ao cartório  — disse ela e então
mostrou as sacolas  — Eu pensei e repensei, então mandei que fossem buscar isso aqui
para você. Nada como roupas pretas e óculos escuros, que chamam ainda mais atenção. 
Não sei nem como as pessoas acreditam que estão discretas com aquilo.  Pedi roupas
comuns, para conseguir se misturar com as pessoas. Assim como algumas perucas, de
outras cores e tamanhos de cabelo. Você não é de carregar na maquiagem, o que significa
que se você deixar um pouco mais marcado, é possível que ninguém te reconheça. Os
primeiros dias provavelmente serão incômodos, mas com o tempo poderá se livrar de tudo
isso. Porém, no momento, isso pode ajudar.
Surpresa eu a fitava, admirada pela animação dela. Era quase como se fosse um misto de
“Vestir sua boneca” com algo relacionado a espiões. Mas isso só fazia  Scarlet parecer ainda
mais doce aos meus olhos, queria ter aquela  senhora na minha vida para sempre, como  a
amiga que eu nunca tive e finalmente encontrei.  Então, meu coração ficou pesado
novamente… Uma pessoa tão boa e que gosta tanto de mim… Nem sabia o que fiz para
merecer tanto. 
 — Querida, o que houve?  — questionou ela, deixando de sorrir e vindo para o meu lado 
— Você tem mantido esse sorriso o dia todo, não precisa sorrir para mim se não estiver
feliz. Você não tem que ser perfeita o tempo inteiro... 
 Sabia que isso era verdade, mas me sentia incomodada em parecer desagradável. 
 — É sobre seu ex? Olha querida, ninguém se conhece em vão. A vida nos dá lições, lições
boas e outras nem tanto. Mas todas com o propósito de nos ensinar algo. Richard foi uma
dura lição que você precisou enfrentar para poder melhorar, no entanto, não precisa ser
um fantasma que te impeça de viver. Foi só uma lição onde você deve tirar o melhor
proveito disso. Não está sozinha! Já te dissemos isso, acredite, é de coração. Por isso, te
peço, não se culpe, nem condene, apenas aprenda: se errar, caia e levante. A vida vai
continuar e você deve continuar crescendo lindamente para ser cada vez melhor do que
você pode ser!
Sinceramente, eu não sabia o que aquela mulher tinha, mas ela possuia uma habilidade de
me fazer sorrir, chorar e me jogar nos seus braços. E foi isso que fiz, abracei-a com força.
Fiquei tão emocionada que nem sequer encontrava palavras para dizer obrigada.

Segunda-feira, 20 de dezembro de 2021


No dia seguinte, no cartório com a advogada… Toda “disfarçada”!
Samille havia me apresentado a alguns conhecidos pelo caminho que andávamos. Parecia
conhecer nem que fosse um funcionário por setor. O que instigou minha curiosidade, mas
logo em seguida entendi o porquê e isso me fez ver como ela pensava mais adiante. Ela já
tinha quase tudo pronto, logo que fomos ao setor correto,  disfarçadamente passaram o
meu o meu documento para frente e entregaram-no rapidamente. 
Meu lado jornalístico fez uma nota mental, olhando as costas da garota, que em um futuro
não muito distante, teria que entrevistá-la. Suspeitava que se ela seguisse fazendo ligações
e amizades específicas, seria grande. Não muito depois, estávamos saindo do cartório,
enquanto me passava os próximos passos que ela tomaria e que eu deveria tomar.
Entregou-me um relógio digital, me explicou para sempre deixá-lo ligado e comigo, pois
havia um rastreador e depois me pediu que ligasse a gravação de voz. Assim, caso alguém
falasse algo ruim para mim, teria a gravação como prova. 
Contudo, em determinado momento, os meus cabelos falsos me incomodaram e roubaram
a minha atenção, dispersando a pergunta do “o que você pensa que irá acontecer”. Para
completar, minha irmã tomou este momento exato, para mandar uma mensagem
perguntando se já sai do cartório. Respondi em um áudio, que acabei de sair e que
deveríamos nos encontrar  no lugar que fomos da última vez. 
Informei à advogada que iria me separar naquele momento e que agradecia o trabalho dela,
então a mesma me olhou com curiosidade e por fim concordou. 
Iria encontrar Harley em uma cafeteria não muito longe daquele local. Então, rumei em
direção ao meu destino e não demorei a encontrar minha irmã, em meio à calçada me
procurando. Esqueci de informá-la que eu estava “diferente”, mas já que ela não tinha me
reconhecido, mesmo passando diante dela, o pequeno “diabinho” que habitava em mim
resolveu aprontar com ela. 
Em passos leves, parei ao seu lado, apoiando na parede, como os cafajestes geralmente
faziam e abaixei os meus óculos.  
 — Oi, linda…  — disse casualmente de forma natural e abri um sorriso largo para ela —
Vem sempre aqui? 
 Ela me olhou espantada, ia se afastar, mas parou no meio do caminho estreitando os olhos.
Pude ver o exato momento em que entendeu tardiamente que era eu e sua mudança de
expressão de surpresa, nojo, dúvida, curiosidade e descrença, foi de longe a coisa mais
engraçada do dia.
 — Você é idiota? Eu estava preocupada de que não estávamos nos encontrando…  — 
esbravejou ela me dando um tapa na lateral da cabeça. 
Entre broncas e provocações, demos os braços e caminhamos para a cafeteria. Estávamos
sorrindo e brincando, quando entramos no café e assim que nos sentamos… Sabia que ela
não era de muitas voltas, mas desta vez havia se superado:
— Vamos para casa… Os senhores Grand não são sua família. Joel e eu sim. Ademais, Joel
está pensando que você não gosta dele ou que nunca voltará para casa, por causa do Ri… —
começou ela e então seu olhar passou rápido pelo meu rosto, se contraiu e então concluiu:
— Daquele cara.
— É bobagem dele, já falei que uma coisa não interfere com a outra. 
— Logo será Natal… O certo  é passar em família — insistiu ela.
— Richard é filho do Joel, Harley… Não me importo com o Richard, mas Joel vai passar o
Natal seja sentindo falta do Richard ou me olhando e se culpando por não ter educado o
cara direito… O que posso fazer? 
Suspirei, pensando em Joel. Ele realmente não merecia passar o Natal com este clima
pesado.  Quando Harley ia responder, o meu celular tocou.
— Um momento — puxei o aparelho e o atendi. 
Era o motorista que me trouxe ao cartório, ele era o sobrinho do motorista oficial dos
Grand. Ele me informou que o carro estava fazendo um barulho estranho, por isso achou
mais seguro levar à mecânica. Assim o seu tio já estava a caminho de vir me buscar. Carros
pareciam sempre algo tão complicado… Cada hora é um problema. Pensei. Concordei e
desliguei, após informar onde estava. Olhei ao redor, vendo celulares nas mãos das pessoas
e me sentia incomodada recordando do dia do baile, com eles virados para mim. 
Inclinei para frente e falei discretamente a minha irmã:
 — Vamos pagar a conta, parece que o motorista teve um problema e outro está vindo para
me buscar. Assim você vem comigo e não chama muita atenção — expliquei já cansada
daquela vida de fugir da mídia, mesmo que tivesse acabado de começar. 
Pagamos a conta e saímos sem muitos problemas, mas, a poucos metros da porta de saída
do café, vi um carrinho de amendoins caramelizados com alguns balões presos a eles.  
Nostálgica, convidei  minha irmã para comer amendoins comigo, como fazíamos quando
éramos mais novas. Ela sorriu e concordou. Começamos a caminhar em direção ao carro,
porém esbarrei sem querer em uma mulher e o “meu” cabelo saiu levemente do lugar,
revelando um pouco da minha verdadeira raiz. Arrumei apressada, antes de levantar o meu
olhar à bonita mulher ruiva, que estava muito bem-vestida e de óculos escuros muito
elegantes. A rua estava cheia e pensei que ela não se importaria, mesmo assim pedi
desculpas. 
Contudo, assim que nossos olhos realmente se encontraram, uma corrente elétrica de
pavor causou um arrepio que me percorreu de forma aterrorizante. Os olhos dela eram
rápidos e clínicos, então deslizou para a minha irmã, antes de retornar para mim. Então, a
mulher ergueu a cabeça levemente e começou a dar um sorriso lento, este  que começou
pelo canto dos lábios e conforme o sorriso ia aumentando, parecia satisfeito.

 
CAPÍTULO 9
“Acautela-te das mulheres, pois nenhuma das armadilhas que montei para
as criaturas é tão eficiente quanto elas." -  Declaração de Iblis, o demônio.

KAYLA • Kayla Johnson


Segunda-feira, 20 de dezembro de 2021
 
Meu corpo enrijeceu dando-me a sensação incômoda de que ela havia me descoberto sob a
peruca. Minha respiração foi parando no peito e o terror me tomando; não sabia porque a
temia daquela forma, no entanto, sentia no mais profundo do meu ser, que deveria ficar o
mais distante possível dela. Ela era silenciosa e mortal como de uma cascavel.
— Não é nada, minha linda… Tome cuidado! — respondeu. 
Ela tinha uma voz doce e um sorriso radiante. A ruiva se despediu, quase me fazendo
acreditar que todo o terror que senti a pouco era totalmente infundado, mas  algo me
causou desconforto… Quando a poucos passos de mim, a vi levando a mão à bolsa e
puxando um celular. De relance, vi o seu sorriso mudando para algo sombrio quando me
direcionou um último olhar.
Um arrepio percorreu meu corpo em alerta, virei para a minha irmã, para falar para irmos
embora, mas encontrei seu olhar fixo nas costas da ruiva. Um olhar que refletia seu total
desprezo. Agarrei o braço da minha irmã, a trazendo para a realidade. Despertando de seus
pensamentos, virou-se para mim como se acordando de um transe terrível. 
— Conhece? — indaguei, cuidadosa. 
Harley ficou em silêncio por um curto período, fitando-me reflexiva e colocou a mão sobre
a minha. 
— Sim… E você também. Te indico ficar longe dela, Kay... — disse em um misto de
preocupação, raiva e medo — Ela é a Katherine Collins, a mulher mais falsa e manipuladora
que conheço. E a ex noiva do seu salvador, Alejandro.
Senti meu rosto empalidecer. Sim! É mesmo, com tantas coisas acontecendo em minha vida,
havia esquecido dela. Senti outro arrepio me percorrer. Merda! 
Num ato involuntário, levei o meu olhar ao redor. As pessoas andando de um lado para o
outro, com seus pesados casacos de inverno. O cenário era cinzento e ninguém parecia
estar no clima natalino. Com celulares em mãos, absortas demais no que tinha na tela para
reparar em nós duas paradas em meio à calçada. Alguém esbarrou em nós e sem graça,
voltamos a caminhar em direção ao carrinho de amendoins caramelados.
Em busca de pensar em outra coisa para não estragar o momento com minha irmã, foquei a
atenção no carrinho. E próximo ao carrinho, estava uma jovem mãe com duas crianças, uma
criança de uns três anos… Bom, era, na verdade, uma menininha, de cabelos bem
encaracolados e bochechas vermelhas sentada em seu carrinho, deliciando-se comendo
seus amendoins. A doce imagem daquela menina, realmente me afastou dos pensamentos
preocupados sobre a ruiva. Observei com ternura enquanto sua mãozinha gorducha se
movia para pegar o amendoim. Conforme me aproximava mais, vi preso em seu dedo, uma
argolinha frouxa, que dava a um balão colorido que estava flutuando pouco acima de sua
cabeça.
Ao seu lado, estava seu pequeno irmão, de uns seis anos, segurando o seu balão
orgulhosamente. O som da gostosa risada da menina me fez voltar o olhar em sua direção e
pude notar que o saquinho de papel dela estava se rasgando, não tardou a terminar de
rasgar e em sequência, o doce caiu espalhando pelo seu colo e chão. De imediato, ela
começou a chorar, chamando a atenção de sua mãe, que estava desatenta com o seu celular.
O guardou apressada e deu a volta no carrinho para poder limpar a criança. 
Em sua afobação, a criança soltou o balão que saiu flutuando em direção à rua
movimentada… O meu sangue gelou nas veias, quando vi o menino indo de imediato tentar
pegá-lo antes que o vento o levasse ainda para mais longe. 
O garotinho desatento, não percebeu que um ônibus vermelho de turismo acabava de virar
a esquina. O motorista, que estava distraído com alguma coisa, com a sua cabeça voltada
para o lado, não viu o pequeno entrar no seu caminho e antes que desse por mim, soltei o
braço de minha irmã de rompante e sai em um impulso em direção à criança tentando
alcançá-la com as mãos estendidas para alcançá-lo desesperadamente.
Meu coração batia loucamente, não pensei em mim. Uma imagem terrível se formava em
minha mente, antevendo o pior cenário, me afligindo ainda mais, causando real desespero.
Não importava o que aquele ato insano provocaria ou as suas consequências futuras…, nem
mesmo a minha segurança. O propósito ali era salvar o pequeno anjo. Apenas isso.
A peruca que estava mal presa em minha cabeça foi a primeira a me abandonar, em seguida
os óculos escuros,  enquanto corria em direção à criança a minha identidade foi revelada a
quem quer que fosse. Nenhum som chegava aos ouvidos, tamanho era o desespero com o
desfecho que poderia acontecer. Gritei e acenei ao motorista enquanto alongava o corpo à
minha frente na vã esperança de alcançar a criança mais rápido.
Por um segundo, pensei que não chegaria a tempo, que não conseguiria evitar, meus olhos
encheram-se de lágrimas, mas… Com a benção de Deus, me vi abraçando a criança pela
cintura e a puxando para trás, caindo ambas de traseiro no chão, ofegantes no momento
que o ônibus cruzou a nossa frente. Foi por um triz! 
Àquela altura, o menino chorava pelo susto…, ou pela perda do balão…, talvez pela pegada
mais forte que tive que lhe dar. Não sabia dizer, mas meu coração se compadeceu por ele.
Mesmo trêmula pelo nervoso e adrenalina, o abracei e coloquei a mão sobre sua cabeça, fiz
com ele o que há anos um desconhecido havia feito comigo. O embalei e num sussurro
perto do seu ouvido, disse:
— Está tudo bem. Estou aqui com você, pequeno... 
 As pessoas ao nosso redor exclamavam surpresas, sendo que o motorista seguiu sua
viagem sem perceber de fato o que aconteceu, ou quase, pelo seu descuido. Já que o ônibus
continuou no seu trajeto sem parar para prestar ajuda alguma. O meu coração ainda batia
tão forte, que fazia zunido em meus ouvidos. Tentei entender como consegui realizar
tamanha proeza, já que não era muito atlética. Mas agradecia a Deus  por ter conseguido.
A mãe da criança veio correndo em nossa direção, trazendo a menininha do carrinho
consigo, se jogou no chão de joelhos ao meu lado, puxando a criança dos meus braços e a
apertando com muito desespero, em meio às lágrimas abundantes e me agradecia.
Harley, veio rapidamente até onde eu estava e segurou o meu braço para me ajudar a
levantar enquanto com a outra mão verificava se eu estava machucada em algum lugar. No
entanto, como se a desgraça ainda fosse pouca, pude escutar o som dos flashes de câmeras
profissionais sendo direcionados ao ponto onde estávamos. 
Um outro clique após outro, algumas pessoas aproveitaram para sacar dos seus celulares e
quando olhei ao redor, mordi o lábio balançando a cabeça em negativa enquanto cobria
com uma mão meu rosto parcialmente, tentando inutilmente proteger o meu rosto.
Merda… Ri baixo de puro nervoso, eles foram surpreendentemente rápidos… Novos sons
de cliques de fotos chegavam aos meus ouvidos. Pessoas narravam o acontecimento e
faziam até postagens ao vivo nos seus blogs pessoais através da maldita tecnologia
presente no nosso dia a dia.
O burburinho das pessoas falando ao redor parecia aumentar a cada instante e isso fazia
meu coração disparar com a tensão que só aumentava. Tudo parecia estar se
transformando em um terrível pesadelo claustrofóbico. Pessoas de vários pontos da praça,
vieram em minha direção e começaram a falar comigo agitadas, atropeladamente, e em
alguns casos, detestáveis com pequenos gravadores apontados em minha direção. 
Meu corpo estremeceu em desespero e agonia, quando algo pareceu subir de entre minhas
entranhas e entalou em minha garganta, o ar parecia escasso. Como se estivesse debaixo da
água, sem ar e a desesperança ameaçava me subjugar. Precisava de ajuda, mas não sabia a
quem recorrer. Não tinha ninguém. Em questão de minutos, apareceram ainda mais
pessoas, formando uma pequena multidão à minha volta, me espremendo e apertando. 
Senti-me engolida por aquele mar de gente, mais celulares e seus gravadores, microfones,
flashes e mais flashes. Vozes e perguntas intermináveis. Corpos se apertando à minha volta,
aumentando  minha aflição e a falta de ar. Lágrimas umedeceram meus olhos, me deixando
próxima do choro.
— Saiam…, parem. Por favor, saiam… Não tenho nada a declarar… — murmurei ofegante,
eles não me escutavam. E se sim, pareciam não se importar. Sentindo o suor frio escorrer
pelo meu rosto, passei a mão nervosamente tirando os meus cabelos que se colavam em
minha pele e comecei a  afastá-los com minhas próprias mãos. 
Calafrios, dores, agonia e desespero pulsavam por todo meu corpo como se fosse o meu
próprio sangue. O estremecer das  extremidades do meu corpo aumentavam. Eles falavam
cada vez mais alto e mais rápido, desesperada sabia que não adiantava mais, não tinha para
onde ir. Solucei com o choro começando a transbordar dos meus olhos como reflexo da
situação. 
Eu seria a capa principal de vários tabloides, seria vista como uma louca chorando. E por
um segundo apenas odiei todos os repórteres, blogueiros, jornais e tudo que pudesse
representar tamanho mal pelo qual eu estava passando. Considerei abandonar de vez o
meu trabalho e pedi internamente, perdão pelos meus pecados, implorando a Deus sua
misericórdia, para que me tirasse daquele lugar.
Até que mãos mergulharam naquela massa humana e me seguraram com força, impedindo
que eu me soltasse. A dona delas me puxou com força para perto de si e falou ao pé do meu
ouvido para que mantivesse a calma. Reconheci de imediato a voz de Sofia, que naquele
momento me pareceu como a verdadeira luz em meio ao caos. Pensei em agradecer, falar
qualquer coisa, mas ela me interrompeu:
— Não discuta, precisamos sair daqui agora! — ordenou. 
Sofia me abraçou com força pelos braços e como uma guerreira, usou o seu corpo para
tentar me afastar dali e me proteger ao mesmo tempo que a multidão perguntava
insistente: O que iria fazer? Se planejava continuar escondida? Processaria o ex? Fingiria que
nada aconteceu? Se conhecia Alejandro e teria algum envolvimento com ele? 
Mesmo com a ajuda de Sofia e suas nadas discretas cotoveladas e empurrões, ainda era
difícil de andar, Harley começou a imitar, vindo do outro lado, mas muitas pessoas estavam
percebendo nossa tentativa de fuga e como consequência, estavam apertando o cerco à
nossa volta, deixando cada vez mais difícil e pior de atravessar aquela multidão. 
A agonia parecia mudar dentro de mim em um desejo desesperador de silenciá-los, a ira
crescia em mim absurdamente com uma força feroz, pronta para parar, puxar o ar e
simplesmente gritar um: “Calem a porra da boca e me deixem em paz!”. Quando uma voz
mais forte chegou aos meus ouvidos:
— Afastem-se! Saiam! Agora! — exclamou uma voz forte que não me recordava ter
escutado antes. 
 Surpresa, me virei para olhar na sua direção e vi o chofer oficial do senhor Grand. Um
homem que com o seu corpo forte e robusto, estava atravessando a multidão, como um
salva-vidas que entra no mar. Empurrando as pessoas com uma facilidade ímpar, livrando
o caminho até chegar em nós. 
Alguns reconheceram o chofer, escutei falarem o nome dos Grand e isso gerou mais
algumas perguntas indiscretas dos jornalistas ao redor. Ele estendeu a mão em nossa
direção e sem pensar duas vezes,  estendi a mão para ele e segurei a sua. Sofia e Harley se
agarraram em mim, sendo puxadas junto comigo.
Conseguimos, a base de muita luta, chegar ao carro. O homem rapidamente abriu a porta
traseira e nos jogamos para dentro do carro sem pensar duas vezes. Caímos quase uma por
cima da outra. Ele contornou o carro passando por cima do capô, entrou sentando-se no
seu lugar e travou as portas. Pessoas loucas batiam no vidro tentando uma última pergunta,
uma última palavra, quem sabe uma última foto... 
Era perturbador olhar para todas as janelas do carro e ver pessoas ao redor, levei a mão
aos ouvidos num ato desesperado por  um pouco de silêncio para me acalmar. Respirei
fundo, puxando o ar e então o soltei. Repeti o processo até que a tremedeira do meu corpo
todo se acalmasse. 
Quando abri os olhos, me senti agradecida, por ver um guarda de trânsito, afastando a
multidão. Desejava que Deus o abençoasse. Pois, graças à sua distração, finalmente o carro
estava livre para seguir seu caminho e pude me sentir mais calma. 
Nunca na minha vida vivenciei algo do tipo e desejava não viver algo assim novamente, pois
parecia de fato uma pequena “prova” do inferno. Todos nós no carro estávamos cansados e
em um alto nível de estresse.
— Irei para a igreja confessar meus pecados… Porque…, por Deus! O que foi isso que
aconteceu?
— Me faço a mesma pergunta —  falou Harley tentando prender nervosamente seu cabelo
que estava parecendo um ninho de rato àquela altura.
— Eu... Posso responder isso! —  disse Sofia ainda ofegante, se ajeitando para sentar —
Uma mensagem anônima foi o estopim de tudo. Aparentemente foi mandada para todos os
repórteres da região. Eu estava com um cara... De uma outra sede… Enfim… Eles devem ter
recebido a mesma mensagem que ele e eu. Que informava que você estava por ali
escondida... Então todos os jornalistas da área vieram correndo para a localização anexada.
Com um pensamento rápido, eu me lembrei da ruiva. Merda! Sim, foi ela! 
— Esbarrei  com uma ruiva um pouco antes, ela me deu um sorriso muito macabro,
provavelmente foi ela! Katherine Collins, a ex do Alejandro!
Harley concordou com a cabeça.
—  O que vai fazer?  Eles reconheceram seu chofer, te ligarão diretamente aos Grand, não
tenha nem dúvidas — alertou-me  Sofia.
Acomodei-me no banco do carro e senti meu corpo cansado demais para pensar em manter
qualquer compostura. 
— Suponho que não dá mais para ficar por lá, vou ter que ir para casa de Joel… — olhei
para Harley  — Me convidou para voltar para casa para passar o Natal, né? Agora acredito
que não tenho o que pensar, só ir… Já dei muito trabalho aos dois. Mas de alguma forma
vou pedir que ainda finjam que eu estou por lá, para eu poder viajar até em casa. Não
enganará muito tempo, mas pelo menos terei algum tempo para organizar meus
pensamentos.
Harley afirmou com a cabeça e Sofia fez o mesmo, deixando o corpo deslizar pelo banco até
que pareceu ter um estalo em sua mente e se sentou direito no banco me olhando atenta,
com um sorriso de canto. 
— Que babado foi esse, né? — disse Sofia, achando graça, mas claramente curiosa — Para
aquela garota sempre certinha trabalhando... Se meteu em uma bela roubada!
Voltei meu olhar para ela, que sempre me lembrou uma raposa. Com seus olhos estreitos e
sorriso com um ar perverso sempre nos lábios, mesmo naquele momento que falava
comigo. Porém, em meio àquela confusão, ela parecia tão forte, confiante e séria.
Entretanto, eu não poderia elogiá-la, pois isso a  faria ficar ainda mais convencida.
— Uma vez colunista de fofocas, sempre uma, né —  falei após fazer um muxoxo para ela,
mal contendo um sorriso — Mas o que motivou tudo isso, não vejo graça… As pessoas
ficaram loucas.
— Você está certa, não, não tem graça — concordou e então deu de ombros, voltando a se
sentar normalmente  — Mas sinceramente, ao menos está parecendo um pouco mais
humana.
Perguntei-me que tipo de imagem eu passava às pessoas, para que uma confusão daquelas
e essa minha desordem emocional me tornasse humana.

 
Em meio ao trajeto para a casa da família Grand, Sofia recebeu uma mensagem urgente do
nosso chefe. Ela leu e rapidamente retornou a mensagem animada. Por um curto período a
garota ficou apenas digitando com um sorriso de orelha a orelha e então, subitamente, seu
olhar pousou sobre mim e quase pude ver a mente dela maquinando aceleradamente. Olhei
desconfiada, mas ela sorriu e voltou sua atenção ao celular escrevendo mais rápido ainda
do que antes. 
Sem conter a curiosidade, inclinei para o seu lado, para poder observar o que ela tanto
escrevia e a senhorita “fifi” estava fofocando ao nosso chefe o que aconteceu. Por um
tempinho segui espiando, ao ponto dela tirar sarro de mim quando o chefe mandou: 
“Sofia, após ir para a coletiva de imprensa, redija o ocorrido sobre a Kayla. Irá ajudar a sua
popularidade, assim como o assunto será intercalado.”
Intercalados? Aquela sentença não me passou despercebida. Não entendia porquê ou o que
estaria intercalado, por isso não me contive e perguntei diretamente à Sofia sobre o
significado de tudo aquilo.
Ela sorriu matreira. 
— Alejandro, ou melhor, a assessoria de imprensa dele… Está fazendo uma “reuniãozinha”,
suponho que irá se pronunciar sobre o que aconteceu no dia que ele socou o babaca do seu
ex… — O sorriso dela se ampliou de uma forma maldosa, quase me permitindo ver um par
de chifres nascendo em sua cabeça. Não sabia se sua felicidade era pela oportunidade de
participar de uma conferência com o Alejandro ou por ele socar o rosto de Richard. Mas de
toda forma, meu estômago pareceu afundar. 
Contudo, não tive tempo para perguntar mais detalhes,  pois ela pediu apressada ao
motorista para  deixá-la na esquina mais próxima. Virou-se em seguida para mim, agitada
como só ela. Disse estar no aguardo da minha narração do feito heróico e assim que o carro
parou, Sofia saiu, mandou-me um beijo e foi embora. 
 — Ela parece um furacão... — comentou Harley achando graça e eu só pude concordar com
a cabeça.
(...)
Quando chegamos enfim à casa dos Grand, a própria Scarlet veio receber minha irmã e a
mim, apressada. Abraçou-me forte, de forma que tive certeza de que ela sabia o que
aconteceu àquela altura. Guiou-nos para dentro enquanto perguntava insistente se estava
machucada em algum lugar e como uma mulher de traços maternais fortes, acabou fazendo
o mesmo com Harley, ao mesmo tempo que se apresentava. 
 Após explicarmos tudo que aconteceu, fosse ela ou o senhor Grand, pareciam cabisbaixos,
mas concordaram ter razão em não deixar Joel sozinho. “Quem sabe após alguns dias,
conseguiria voltar…” Disse ela com aquele seu tom maternal esperançoso, e pontualmente
confirmei que logo estaria de volta. 
Tinha me afeiçoado a eles e aquela enorme casa não me era mais estranha, não contanto
que eu andasse pelos corredores, descesse para cozinha e os encontrasse lá.
O senhor Grand se levantou dizendo que iria organizar as coisas para mim. Sorri grata, sem
poder fazer muito mais que isso, pois via nos olhos dele a relutância. Scarlet convidou
minha irmã para ficar aquela noite para que descansasse, mas minha irmã disse que como
trabalhava para o prefeito da cidade em que morava, com as festividades de Natal, seria
corrido demais, por isso, deixava para uma próxima vez.
Tão logo que Harley se foi acompanhada da Scarlet, fui para o meu quarto. Estava muito
cansada, física e mentalmente. Quase parecia que até mesmo a minha alma foi atropelada
por um elefante. Carinhosa, Scarlet me empurrou para o banho e ficou no quarto,
arrumando as minhas coisas. O que me fez sentir um aperto no peito, pois minha mãe
jamais fizera isso por mim. Tanto ela como meu pai, estavam sempre ocupados demais
trabalhando. 
Ao sair do banho, a vi sentada na beira da cama, segurando as abotoaduras que eu comprei
para o Richard. Engoli em seco e dei um sorriso fraco. Ela me olhou atenta e deu tapinhas
de leve sobre a cama ao seu lado. 
—  Engraçado o destino, não é? —  disse ela com sua voz calma e serena —  Esta
abotoadura foi feita sob o molde de uma das primeiras que Harrison fez  e tive a honra de
observar o primeiro “design” sendo feito por ele…
— Sério? —  perguntei sentindo uma onda de curiosidade me percorrer. 
Uma visão encantadora surgiu em minha mente criativa, um jovem se empenhando para
fazer a sua arte. Uma jovem Scarlet, apaixonada pelo artista… Isso inspirava em mim o meu
lado mais “menina” e também me lembrou o porquê quis me tornar jornalista. Gostava das
histórias que só podiam ser contadas por quem as viveu. Para alguns poderia não ser nada,
mas para mim sempre foi algo inspirador.
— Conheci o Harrison há muitos anos. Eu tinha vindo visitar meu tio aqui em Londres. Na
época, eu já não era tão nova. Devia ter mais ou menos a sua idade... Ou um pouco mais
nova talvez. Não estava mais na idade de ser irresponsável, já estava atrasada para casar e
ter filhos. Na época eu fugia disso… — ela deu uma risadinha saudosa e eu a acompanhei —
Então, enquanto passeava por aqui, vi um homem numa lojinha pequena. Ele me chamou a
atenção, era bonito, de longos cabelos amarrados em um baixo rabo de cavalo, seus olhos
bem-marcados e rosto sujo do trabalho árduo. 
A forma como ela me contava, fazia as imagens nascerem em minha mente como se estivesse
assistindo a um filme de romance. 
— O mais surpreendente é que ele estava manipulando ouro. Fazendo joias à mão, na porta
de sua lojinha. Ao meu ver, em uma cidade cheia de ladrões isso era loucura ou muita
coragem. Somente descobri o porquê dele fazer aquilo, quando sem pudores, caminhei até
ele e perguntei. 
Podia vê-la como uma mocinha à frente do seu tempo, despregada à regras impostas a ela. 
— Ele acreditava que se outras pessoas o vissem e  vissem como ele trabalhava, poderia
inspirá-las a seguir o mesmo ramo… Seus pais viviam apenas do luxo, não produziam de
fato há muito tempo. Diferente dele, produzir aquelas joias era a sua vida.  Começou a
montar a sua própria loja, sem o nome dos pais dele. Claro,  usava o dinheiro dos pais para
poder comprar o ouro, ele por si só, não tinha onde cair morto. De toda forma, me chamou
atenção…, e eu fiquei lá assistindo, fascinada, como ele gostava de trabalhar. Logo, virou um
hábito, passar por lá todos os dias, só para ver como ele estava e se não havia sido
roubado…— Scarlet não aguentou e riu perversa — No último dia em que eu estaria aqui
em Londres, fui lá vê-lo de novo. Porém, ele não estava lá, a lojinha estava fechada…
— Ah! Que pena, vocês se desencontraram… —  comentei lamentando. 
— Naquela época, sim. Tive que ir embora, voltar para Granada. Mas sabe…, nunca esqueci
aquele cara. Após um ano e meio, tive que ir a uma festa e adivinha quem eu reencontrei?
— meus olhos se encheram de expectativa observando-a — Sim, o Harrison.  Entretanto,
dessa vez, ele estava arrumado e perfeitamente alinhado. Fui até ele e o enchi de perguntas,
mas dentre todas, acho que a mais importante foi: você me cortejaria?
— Ow! Que ousada! — eu falei dando uma gargalhada gostosa que ela me acompanhou em
seguida.
— Não é?! Eu fui uma moça esperta e que não queria ficar ali esperando o homem, que
francamente… — ela se abaixou e se aproximou de mim, sussurrando — Era um lerdo!
Por um segundo, não pude acreditar no que meus ouvidos escutaram e então dei outra
sonora gargalhada. Scarlet parecia satisfeita com a minha reação e então, quando meu riso
se acalmou, ela continuou:
— Menina, a vida é muito engraçada, o destino tende a brincar com os nossos corações. Não
vou lhe mandar jogar fora essas abotoaduras, mas quero que você as dê a alguém que você
sinta, de todo seu coração, que merece seu esforço, seu amor e te complete. Principalmente,
que seja recíproco...
Scarlet e sua habilidade de sempre de me emocionar, me fez abraçá-la ainda de roupão.  Ela
me mostrou onde estavam as roupas que separou e então me deu um beijo na testa, um boa
noite e saiu do quarto. 

No dia seguinte, o senhor Harrison me chamou ao seu escritório e percebi seus olhos
levemente avermelhados como se não tivesse dormido. Em meio à sua mesa bagunçada de
papéis, ele me passou o seu plano cuidadosamente feito para que eu saísse com os
funcionários. Informou-me que entre eles, teriam seguranças e ficariam sempre a uma
distância segura de mim, por precaução. 
Eu ainda estava digerindo todas as informações que ele havia me dado, quando percebi que
ele me olhava atento, perdido em pensamentos, considerando algo muito importante.
Através do brilho dos seus olhos, pude perceber o exato momento em que ele se decidiu.
Então se virou e foi até uma das prateleiras, puxou um livro e de dentro dele tirou uma
pequena arma. 
— Menina, não acredito que aquele rapaz seria louco o suficiente, contudo, aquele que se
previne, é o último a ser pego distraído. Coloque isso em sua bolsa, carregue sempre com
você. 
Olhei para ele com os olhos muito abertos e então me recusei a pegar a arma. 
— Senhor, se a polícia me pegar… Além disso, não sei usar isso. 
— Não seja boba, menina  — disse ele pegando minha mão e colocando a arma nela — Se
aquele rapaz aparecer e ameaçar sua vida… Use-a!
Eu podia entender a preocupação do homem, mas me sentia segurando uma bomba, no
lugar de uma arma.
CAPÍTULO 10
“Qualquer coisa que possa ocorrer mal, ocorrerá mal, no pior momento
possível." Lei de Murphy

KAYLA • Kayla Johnson


Quarta-feira, 22 de dezembro de 2021
 
Ainda estava sem reação, diante do inusitado presente. Um arrepio me percorreu e engoli
em seco. A arma era fria, sabia que era óbvio, mas realmente era muito fria, assim como
relativamente…, leve se comparado ao tamanho do mal e o estrago que conseguia fazer.
Além disso, o meu coração parecia querer compensar o peso da arma, pois naquele
instante, parecia pesar uma tonelada. Senti minha boca seca, passei a língua nervosamente
pelos lábios e puxei o ar com força. Era a minha primeira vez segurando algo daquele tipo e
estava consciente que só havia uma função para uma arma de fogo: matar.
Estremeci diante do meu pensamento,  meu olhar deslizou em direção ao senhor Grand.
Este, assim que os nossos olhares se cruzaram, suspirou pesadamente.
— Menina…, não estou te mandando matar ninguém... Veja — começou ele pegando a arma
de minha mão e abrindo habilmente o tambor revelando a ausência de balas. E assim o ar
preso em meus pulmões  saíram num grande suspiro de alívio —, sabia que teria medo,
mas ainda maior é o meu medo do que poderia acontecer se o Richard invadisse a casa de
Joel, pois querendo ou não, também é dele. Kayla, entenda, não é que eu esteja te mandando
matá-lo, mas se ele ameaçar a sua vida... Garanta que não seja você a morrer.
Queria argumentar contra isso, mas era verdade. Estava me pondo em risco, Richard
poderia não ser um cara que poderia de fato ser um risco para minha vida, no entanto..., eu
poderia realmente dizer que conhecia ele? Pensei que o conhecia e no final, ele me traiu da
forma mais vil.
— Enfim, ponderei muito e achei melhor te entregá-la. É um revólver calibre ponto trinta e
oito, pequeno e fácil de carregar, e como deve ter percebido... é leve —  explicava com ela
em mãos — Na verdade, não é difícil usar uma arma. O básico que todo mundo sabe... Mira
e atira. Na prática, não posso fantasiar, é exatamente isso. Contudo, como é evidente que
você não tem o menor conhecimento sobre… Muitos estragos podem acontecer, nesta
“básica” e pontual explicação. Então...
Com cuidado e sempre atento a mim para verificar que eu prestava total atenção, me
aconselhou a sempre manter desmuniciada. Mostrou onde tinha que apertar para abrir o
tambor, assim como onde deveria empurrar para que os cartuchos usados saíssem. Ele
explicou que eles poderiam estar quentes, então deveria virar a ponta da arma para cima e
longe da minha cabeça, conforme empurrava o pino. 
— Esta elevação aqui é a mira, assim como esta outra parte aqui. As duas em conjunto
quando você apontar para um lugar, ou alguém, terão que estar alinhadas. Coloque o
polegar da mão livre, neste lugar aqui —  mostrou ele no espaço entre o cão e a armação —
… sem estar com o dedo no gatilho.  Com o polegar da mão que empunha a arma, segure o
cão pelo seu dedal serrilhado.  Acione o gatilho para liberar o cão e assim você terá atirado,
sem mistérios! Neste momento, você sentirá o tranco da arma e é normal. Solte o gatilho,
puxe o cão novamente e fique alerta, não abaixe a arma e nem tire os olhos do seu inimigo,
pois pode haver a necessidade de disparar novamente. Além disso… 
Ele me fez corrigir a postura e mostrou como segurar a arma na posição correta. 
— Você deverá corrigir sua postura e a maneira como que segura a arma, para não
machucar seu pulso  — ele colocou a arma na minha mão e me fez repetir tudo o que ele
havia explicado — Certo… Agora aperte o gatilho com cuidado e deixe  a  mira alinhada
com o alvo. Mantenha a mão firme! Embora duvide que numa situação de estresse você
consiga se manter calma…
Ele parecia pensativo e eu olhei ele como se tivesse descoberto algo óbvio.
— Não me olhe assim, menina! Me respeite! — esbravejou com leve humor — Em todo
caso, faça o seu melhor para manter a arma firme. Se o alvo sair da mira ao puxar o gatilho,
terá perdido a sua oportunidade e errado o tiro. Certo? 
 — Sim… — respondi, e embora a leve brincadeira e as instruções precisas, o meu coração
batia forte, afastando qualquer hipótese de confiança.
— Kayla, fale com confiança! Estamos fazendo isso aqui para uma situação de risco em que
você esteja encurralada e sem opções! A sua vida estaria em risco! Imagine... Richard com
uma arma, qualquer uma, e que você esteja acuada... Na mão você não se equipara a força
natural dele. E você sabe disso, então irá ficar no canto tremendo enquanto espera o que
vai acontecer?
Imaginando a situação, seria mentira dizer que não sentiria um medo aterrador. Mas
entendia onde ele queria chegar e, mesmo com medo, teria que fazer tudo ao meu alcance
para sobreviver... Segurei com mais firmeza a arma, puxei o ar e então soltei ele lentamente,
imaginando o Richard diante de mim, também me apontando uma arma.
Ele que tomou anos da minha vida, tomou meus sonhos, planos e o meu coração. Agora
queria tirar também a minha vida...
— Isso, muito bem. Agora... puxe o gatilho — Harrison disse ao meu ouvido.
E assim o fiz, o som ecoou em minha mente e em todo meu corpo. Diferente das vezes
anteriores. Mesmo tremendo, segui fazendo o que instruiu mais uma vez e segui mantendo-
me firme na mesma posição e em completo silêncio.
Um longo silêncio ecoou após o estalo e se o “silêncio” pudesse ecoar, aquele seria o
momento.
— Muito bem... Agora, por fim,  se você decidir não disparar após já tê-lo engatilhado,
aponte para uma direção segura e desengatilhe — explicou mostrando sobre a minha mão,
mas eu me mantive imóvel por alguns segundos ainda.
Harrisson ficou me olhando silenciosamente após eu abaixar a arma desengatilhada... E
calmamente tirou a arma da minha mão, se afastou de mim, levando-a consigo.
Estranhando, o segui com o olhar. Não sabia o que estava pensando, mas ele parecia
cabisbaixo. 
Ele caminhou até a mesa que deixou o livro, o abriu e colocou a arma dentro, se virou para
mim com o olhar escuro enquanto fechava o livro em um som oco. O segurou e caminhou
até mim.
— Menina, você me lembra muito a minha Scarlet... Sua forma de olhar e avaliar as pessoas.
O seu bom coração... Sua personalidade por vezes muito calma e outras, mais explosiva...
Gostaria que se atentasse no que este velho aqui tem a te dizer. Embora eu esteja lhe dando
uma arma, se você tiver a oportunidade de simplesmente correr e fugir... Faça! Corra como
nunca! Corra com desespero! Até a sua última gota de energia... e NÃO pegue essa arma! —  
sua voz estava embargada quando claramente ele me olhava e em sua mente, via-me
vivendo em uma situação apavorante. O homem sério, que conheci já com um
temperamento “brigão” estava com o seu queixo tremendo. E aquilo acabou comigo  —  O
que importa é a sua vida! Nunca se esqueça disso! Saiba que no final do dia você pode
voltar para nós…
Fiquei muda por um momento, admirada, emocionada, embasbacada olhando-o, e então,
um daqueles sorrisos sinceros que somente os Grand conseguiam tirar de mim, nasceu,
afastando grande parte dos meus medos.
—  Sabe..., não sei se falei alguma vez em voz alta, mas…, não sei o que fiz de tão bom para
merecer o carinho de vocês... Porém, sou muito grata.
Vi o rosto do homem ruborizar ao me entregar o livro silenciosamente. Então ele se virou e
caminhou até uma estante. Perguntei-me o que ele estava fazendo e temi que tirasse mais
uma arma de dentro de outro livro, mas algo mais importante aconteceu... Quando ele
puxou um livro, esse se mostrou ser falso  assim como os outros ao lado dele,  revelando
um cofre. Em seguida, o  abriu e pegou a munição. Ainda de costas para mim, ele
respondeu:
— Na verdade, não é o que você fez... É quem você é. Após te conhecer…— começou ele com
um tom constrangido —  Admito, não fomos tão bons assim, ficamos te acompanhando
para ver se em  algum momento, sua boa índole, ou caráter, se corrompia como os outros.
Você sempre mantém uma expressão sorridente e se comporta de forma apática em
grandes lugares, mas, ao mesmo tempo, mantém o seu bom coração. Assim como foi boa
com a minha Scarlet... E quando vimos, estávamos gostando de você e te apoiando como se
fosse alguém da nossa família. Entre conhecidos, ficamos sabendo que sem ver classe, você
se preocupou com eles. Assim como você salvou aquela criança de ser atropelada... Não é
sobre o que você fez para merecer...
Não sabia se ficava indignada ou se dava risada, nunca esperei que seria "vítima" daquele
tipo de especulação e acabaria conquistando alguém sem saber. Principalmente de um
homem como aquele à minha frente agora. No entanto, no final fazia muito sentido e
consegui a minha resposta do “porquê” eles eram bons comigo.
Já não me sentia mais tão perdida, confusa ou insegura. Na verdade, me encheu de
confiança e uma sensação de orgulho de mim mesma.
— Não importa como começou, mas fico feliz com o resultado  — falei e ele se virou para
mim, surpreso. Recolhi o meu sorriso e fiz uma expressão séria — Bom... Agora tenho algo
sério para falar ... Desde quando entrei aqui, percebi que o senhor não parece ter dormido
muito... Irei para o meu quarto e aconselho que o senhor vá para o seu descansar.
Aquecendo o meu coração, vi a expressão do senhor Grand mudar, conforme ele abria um
sorriso, o rejuvenescendo alguns anos e pude imaginar o jovem Harrison por quem Scarlet
se apaixonou.
(...)
Assim que a porta fechou atrás de mim, encontrei os olhares dos empregados  que estavam
limpando os vitrais. Senti-me desconfortável quando o olhar deles pousou no que eu estava
segurando, dando a sensação de que eles sabiam exatamente o que estava carregando e que
eu era uma “bomba” ambulante. 
Minutos depois, “transformada em outra pessoa”, portando a “bomba” dentro da minha
mochila, me despedi de Judi e Harrison na cozinha. Harrison me entregou a chave do carro
usado no plano e mais algumas instruções. E então, chegou a vez de Scarlet, que por um
momento me fez pensar em Alejandro... Principalmente quando me deparei com aquele
olhar maternal preocupado. Aquilo me apertou o coração e o meu sorriso vacilou. Alejandro
passava por aquilo toda vez? Forte.
Dei um beijo na testa dela e prometi voltar, antes de me virar e sair, dei uma última olhada
para trás e a vi acenando um “tchau” com os olhos marejados e o Harrison com a mão sobre
o ombro dela. Me senti um passarinho saindo do ninho...
Um dos prestadores falou comigo, sem me reconhecer, perguntando se eu era nova.
Respondi prontamente que sim e fui conversando com ele pelo curto trajeto que fizemos
conforme passamos pelos repórteres que tentavam tirar alguma informação de nós.
Senti meu coração errar a batida quando um homem à minha frente afirmou que “Kayla”
estava na casa, mas apenas no seu quarto a maior parte das vezes... O funcionário que
estava falando comigo, aproveitou os seus cinco segundos de “importância” querendo falar
algo mais, mas não fiquei ali para escutar.
Uma vez que me pegassem ali, teríamos uma grande desordem, assim como da última vez.
E só de pensar nisso, relembrar brevemente... Meu corpo todo estremecia.
Em alguns metros de distância, olhei para trás e parecia que nenhum deles me seguia.
Caminhei por mais dois quarteirões, com nada além de uma mochila. Encontrei o carro e
entrei, sentando-me  atrás do volante e jogando a mochila no banco do carona. Quando um
calafrio me percorreu recordando da arma. Apressei-me para abrir a mochila e ver se a
arma não teria saído de dentro do livro e com imensa satisfação me dei conta que não. 
Suspirei aliviada e meu olhar foi ao chão do carro, onde vi uma cesta com alguns lanches e
uma blusa de frio. Sorri, sabendo haver sido enviado por Scarlet e Judi. Levantei o olhar e
observei pelo espelho retrovisor a minha mala no banco de trás. O senhor Grand disse que
seguranças me seguiriam e olhei ao redor, procurando-os, mas sem encontrar. Talvez
estivessem um pouco mais afastados, pensei.  
Em todo caso, era bom ficar em alerta, ponderei. Liguei o carro e iniciei a viagem.
(...)
Todo o percurso até a pequena cidade onde passei a adolescência foi tranquilo e nunca
esperei que aquele fosse o meu problema. Pois estava tão tranquilo que alimentava a
suspeita de que algo terrível iria acontecer a seguir. Minutos pareceram horas naquela
etapa final da viagem, devido ao percurso entediante. Dando espaço para  minha mente
paranoica maquinar possíveis situações e tentar resolvê-las. Contudo, para o meu grande
alívio, consegui ver no horizonte a grande e familiar árvore que tinha na praça central da
prefeitura, como já era noite, ela parecia um farol com a sua decoração de Natal.
Logo estaria em casa, bastava passar pela parte comercial da cidade. Conforme dirigia,
fiquei de olho ao redor, vi muitas pessoas que nunca vi por ali, poderiam ser novos
moradores ou familiares visitando parentes..., assim como também poderiam ser
jornalistas.
Sentia-me com síndrome de perseguição... Embora quando parei no sinal, tive a certeza de
que alguns eram sim, jornalistas e curiosos de plantão, devido à forma sutil como olhavam
ao redor em busca de algo no rosto das pessoas.
Voltei a atenção ao meu caminho, para chegar logo em casa. Quando enfim cheguei na área
residencial da cidade, me senti mais tranquila. As ruas estavam com pouca iluminação, mas
mostravam que as pessoas não estavam fora de suas casas. Assim não me veriam chegar.
No entanto, por segurança achei melhor estacionar na rua traseira da casa de Joel.
Poucas ruas depois, estacionei na parte traseira da casa de Joel e fiquei parada ali, de olho
por alguns minutos. Tentei me acostumar com a pouca luz, pois, no fundo, ainda estava
sofrendo com uma ansiedade irracional de que algo desse errado.
Nem sequer parecia ser a minha “nova” vida regida pela lei de Murphy. E este simples
pensamento me fez considerar realmente procurar um psicólogo…
Estava frio, então arrumei o cabelo, me inclinei para puxar a blusa de frio que Scarlet me
mandou com a cesta e a vesti, puxando a touca. Senti-me pronta para sair do carro e virei
num rompante para abrir a porta, mas dei de cara com um rosto se aproximando da janela.
Envelhecido, pálido e macabro... Iluminado apenas pela luz que vinha de dentro do carro.
Meu coração quase saltou pela boca e o sangue fugiu do meu rosto ao mesmo tempo  que
senti todo o corpo petrificar, no maior susto que tomei na vida. Mas, uma vez que me
recuperei minimamente, conclui que não era maior que a sensação de derrota e de
“desgosto” ao encontrar com a pior pessoa que poderia ver naquele instante:
A odiável e detestável, senhora Liza.
Merda… A Senhora Liza era aquela vizinha, que ao menos uma vez na vida, você gostaria de
apenas amarrar numa camisa de força e mandá-la para o Polo Norte com uma âncora
amarrada nos pés, somente para nunca mais ter o desprazer de vê-la.
Coloquei as coisas sobre o banco, ainda trêmula pelo susto e me virei na direção dela,
pigarreando para poder tentar mudar a minha voz, enquanto abaixava o vidro.
— Boa noite, senhora?! — perguntei afinando um pouco a voz.
Ela estreitou os olhos e nunca agradeci tanto a miopia daquela mulher. 
— Senhorita! Mas quem é você? O que está fazendo aqui?
— Apenas visitando familiares, Natal… — falei o óbvio. 
— Quem é seu familiar?
— Meu primo de segundo grau, Joel. 
—  Joel? Mas a casa dele é na outra rua… Você…— disse ela estreitando os olhos e engoli em
seco — Oh, meu Deus! É uma ladra, irei chamar a polícia!
Maldição!
— Que tipo de ladra iria vir de mala e tudo? Minha senhora, pelo amor de Deus!  —
repliquei.
— Uma ladra precavida, oras! — berrava ela enquanto escutava a sinfonia nada agradável
dos cachorros e algumas luzes se acendendo.
Droga! Droga! Não! Não! 
Quando o meu olhar retornou à senhora Liza meu mau-humor explodiu:
— Inferno! Sua velha bruxa… — comecei a falar irritada, mas fui interrompida quando
outra pessoa bateu na janela no sentido da rua, virei o meu olhar em sua direção e nunca
me senti tão aliviada. Abaixado com o rosto próximo ao vidro, Joel parecia um milagre.
Pelo controle automático do carro, abri o vidro da outra janela. 
— O que diabos está acontecendo aqui?! Podia ouvir lá do meu quarto… — reclamava ele,
mas assim que me viu se calou, talvez tivesse me reconhecido, parecia confuso. Pensei em
dar mais algum sinal que era eu, quando a senhora Liza disse:
— Esta ladra, está dizendo ser sua prima, Joel! — berrava ela, acusadora — Com que
tipinho de gente você tem andado? É tudo culpa daquelas meninas que você adotou! Desde
o início sabia que elas não prestavam, sabia…
Levei a mão à cabeça, inclinando o rosto em direção a Joel. A mulher sempre foi
insuportável, mas parecia estar ficando pior. Tirei a touca da cabeça e dei um sorriso
amarelo para ele. Ainda apoiando a cabeça na mão, ergui a outra mão fazendo sinal de
silêncio e murmurei com a voz normal “ME A-JU-DA”.
Entendendo e já sem paciência com Liza, ele se afastou da janela e se levantou, corrigindo a
sua postura e escutei o som dele batendo no teto do carro. Isso me fez sobressaltar e Liza se
calar imediatamente. 
— Liza, por Deus! Se disse ser minha prima, é porque é minha prima!  — exclamou alto e
forte —  Você não tem vergonha? Atormentando as visitas próximo ao Natal? 
Eu tinha certeza que se pudesse ver o rosto dela, naquele momento ele estava lívido. 
— Como você pode explicar que ela está na rua errada? — insistiu ela após se recuperar. 
— Eu só errei a rua, senhora... — tentei ser razoável. Droga, por quê não fui logo para porta
de casa? Danem-se os jornalistas! Pensei arrependida.
— O que aconteceu não importa — disse Joel mal-humorado, colocando um ponto final —
Prima, venha. As ruas são parecidas, normal que tenha se confundido. Dê a volta no
quarteirão e coloque seu carro lá na frente, já te encontro lá.
Fiz como Joel instruiu e quando parei, ele já estava à minha espera. Abri a porta, peguei a
minha mochila e a cesta, pensei em deixar para pegar a mala em outro momento, mas ele
tomou a liberdade de abrir a porta e pegar a minha bagagem. Cansada como se tivesse feito
mil viagens, entrei em casa com os ombros caídos. Em sequência, apenas escutei o barulho
da mala contra o chão e me virei ao sentir uma mão pegando meu braço. 
— Kayla, sei que já pedi desculpas. Mas olha você, pálida, cansada e tendo que se esconder
para simplesmente voltar para casa... Sinto muito…
Meu coração afundou no peito ao ver Joel se culpando daquela forma. Quantas vezes teria de
falar que não deveria se responsabilizar pela má índole do filho? Infelizmente, educação é
uma coisa que se ensina, mas caráter é algo pessoal. 
(...)
Após conversar com Joel, era hora de ir dormir. E para falar a verdade, não queria ir para o
meu quarto. Nele tinha muitas memórias, por isso deixei a mochila no hall, subi as escadas
e fui para o quarto de Harley. Abri a porta deixando a luz do corredor entrar e a vi
dormindo, mas..., como a “boa” irmã que era, não me importei. Apenas me esgueirei na sua
cama e me deitei ao seu lado. Cansada demais, apenas apaguei de cansaço assim que minha
cabeça encostou na cama.
Quando acordei, estava sozinha na cama. Meu telefone vibrava sem parar. Sonolenta,
levantei a cabeça, com a peruca cobrindo metade do meu rosto. Sinceramente, eu esperava
que fosse um motivo muito bom, se não, a pessoa do outro lado da linha escutaria poucas e
boas de mim, resmunguei. Sem qualquer cuidado, estiquei minha mão na cabeceira e
peguei o celular, levando-o ao ouvido logo após aceitar a ligação.
— Sim?
— É urgente! Preciso de você agora! — exclamou Harley, que logo reconheci a voz.
— Unhum… — concordei sem nem prestar atenção no que ela estava falando, quase
voltando a dormir. 
— Kayla! Acorda! Droga! Isso que dá depender de irmãs mais novas… — resmungava Harley. 
— Hm… O que é, Harley? Não enche... Tô com sono — respondi preguiçosa.
— Kayla, presta atenção! Senão você vai se arrepender de ter nascido! — disse ela numa voz 
muito séria, que fez meu sono se esvair. Pois, embora implicássemos uma com a outra..., tinha
aquela voz, que ela fazia somente quando estava falando sério — Eu estou do lado de fora de
uma reunião importante! Esqueci uma das pastas sobre a mesa da cozinha, eu acho, talvez
tenha caído no chão! Em todo caso, preciso dela agora!
— Certo… Mas cara... — disse me levantando, tentando arrumar a peruca e falhando
miseravelmente  — E onde você está?! 
— Na casa do prefeito, vou avisar a portaria e a segurança que você está vindo… —
repentinamente ela parou de falar e vozes abafadas chegaram aos meus ouvidos,
provavelmente Harley tapou o celular. E então voltou apenas para falar: — Rápido! 
E então  desligou na minha cara. 
Inferno, pensei amargurada. Pensei que teria um pouco de paz… Mas já que fui acordada
desse jeito, não quero nem pensar no que me espera  pelo resto do dia!
(...)
A peruca não ficava certa de forma alguma, então, iria sem ela mesmo. Arranquei a roupa e
peguei um dos vestidos sociais na arara de Harley, me vesti apressada, quase rasgando o
vestido muito justo. Peguei o primeiro par de sapatos de salto que vi e, por fim, amarrei
meus cabelos muito bem presos. Meus novos melhores amigos: meus óculos escuros. 
Passei um dos batons da minha irmã e pronto. Se eu me parecesse mais como uma
secretária, chamaria menos atenção do que como uma pessoa de moletom... Bom, segundo
a lógica da senhora Grand.
Desci as escadas descalça e desajeitada devido à pressa, fui à cozinha, onde encontrei as
pastas caídas abaixo da mesa, as peguei e corri para a minha mochila perto do hall de
entrada. Peguei a chave do carro e sai de casa em direção ao carro... O desespero era
tamanho, que todo o percurso foi no modo automático..., apenas dirigi o mais rápido que
poderia – dentro da lei - pedindo a Deus que me ajudasse e que nenhum policial me parasse.
A casa do prefeito era enorme, facilmente reconhecida mesmo de longe e tinha um jardim
igualmente grande, que fazia o portão até a casa em si um caminho que deveria ser feito de
carro, preferencialmente. Suspirei e parei próximo ao portão, esperando o porteiro me
identificar e assim que o fez, ele disse estarem à minha espera.
Ele abriu o portão com um sorriso, me dando as boas-vindas.
A casa do Prefeito Henry era tradicional e passada por muitas gerações, mas era tão bem
preservada que parecia nova. Estacionei o carro próximo a alguns outros, coloquei os saltos
nos pés e sai do carro, focada unicamente em levar aqueles documentos até minha irmã.
Esta que quase lendo a minha mente apareceu saindo pela porta da frente vindo apressada
em minha direção.
— Ai, meu Deus! Graças a Deus você chegou! Cadê?
Espantada, entreguei os documentos para a apavorada Harley, nunca tinha a visto perder
tanto a compostura. Com os documentos em mãos, me pediu para entrar e descansar um
pouco, mas antes que eu pudesse responder, ela se virou e voltou para dentro da casa,
fazendo-me apenas a seguir.
Na casa, havia muitas coisas de madeira, quadros e esculturas... Era tudo muito lindo… Mas
passava uma grande sensação de “Não toque!”. Procurei algum lugar para “descansar”
como minha irmã disse, então deslizei o olhar pelo hall e vi que à esquerda e à direita, havia
portas duplas fechadas. Na frente, uma escada que levava ao segundo andar, mas ao lado da
escada um corredor curto que parava um ambiente bem iluminado. Onde vi a sombra de
Harley passando apressada, preocupada, fiz como a “Alice” seguindo o coelho branco e fui
atrás.  
Ao sair pela porta, escutei a voz da minha irmã e virei em sua direção, onde a vi
conversando com um senhor, que logo conclui ser o prefeito. No entanto, como se sentisse
o meu olhar, ele olhou-me. Ele parecia ser um homem sério, principalmente observando
como minha irmã pedia desculpas. O homem gesticulou para me aproximar e minha irmã
logo foi me apresentando.
— Esta é a minha irmã mais nova, senhor. Seu nome é Kayla Johnson. Ela que trouxe os
documentos… Venha, Kayla.
No entanto, um sorriso que não esperava ver nasceu nos lábios dele, um sorriso genuíno. A
não ser que ele fosse um grande ator.
— Prazer em conhecê-la, senhorita Johnson… — começou ele e então se refreou — É muito
estranho te chamar assim, uma vez que também chamo a sua irmã desta forma. Posso te
chamar pelo nome?
Ele era muito elegante e controlado, mas sincero e charmoso, mesmo já sendo um homem
de idade. Não dava a impressão frágil dos homens de sua idade, parando para pensar...
Harrison também não passava este ar. Contudo, este homem que estava diante de mim, era
outro assunto.
Ele era o que faria Sofia dizer: Às vezes, nem é pela lancha! Terno bem cortado, boa
postura, cabelos brancos, mas sem nenhum traço de calvície. Seus ombros eram largos e
seus olhos marcantes, pareciam até um pouco familiares...
Mas de onde?
— Prazer é todo meu, claro que pode. Me chame de Kayla.
— Certo, Kayla — disse se aproximando, tomando a minha mão e levando-a à boca —Vejo
que a beleza é genética, se me permite dizer. 
Senti meu rosto ganhar cor e sorri.
— Que galante! — falei o que o fez abrir mais o sorriso.
— Fique e sente-se, iremos resolver isso rapidamente agora que finalmente estes
documentos chegaram. Se voltar apenas alguns passos e ir à direita, tenho certeza de que
encontrará a sala de visitas. Sinta-se livre para pedir o que desejar aos empregados. 
— Muito grata — respondi e aguardei que ambos se fossem, para poder voltar os passos e
ir à sala. 
Pelo caminho encontrei o mordomo, que parecia confuso. Expliquei a situação, então ele me
guiou até a sala. Serviu alguns aperitivos e se retirou. O que me restava era esperar, 
sentada em meio a espaçosa sala. Porém, como alguém acostumada a estar em constante
movimento, me levantei e fui andar pela sala, observando os detalhes requintados para me
distrair.
Mas escutei uma voz familiar e o meu corpo todo estremeceu:
— Você?
Surpresa, me virei e me deparei com a última pessoa que esperava ver ali. 
— Você? — repeti, ao encarar a mulher ruiva que vi na rua.
Katherine Collins. 
Katherine estava com joias delicadas de diamantes e a sua roupa era justa, ressaltando suas
curvas. Seus cabelos estavam cuidadosamente presos e ornamentados para realçar sua
aparência. Seu semblante era analítico, ponderado e calculado. Como sempre, bonita, mas
com o ar mortal de uma víbora.
— Parece que estamos fadadas a nos encontrar... — comentou ela, sorrindo como da vez
anterior, fazendo-a parecer quase outra pessoa — Vamos, sente-se. Estou mesmo
esperando para encontrar o meu pai. Desculpa ser direta, mas vi pelas matérias que logo
após nos encontrarmos, você salvou uma criança! Tão admirável! Se machucou? Está bem?
Não deveria estar em pé, vamos, sente-se.
Falava como se fosse a dona da casa! Ou pior, como se não tivesse sido ela que chamou a
mídia! Cobra! Guiou-me ao sofá e se sentou ao meu lado, assim como também me olhava
disfarçadamente ou, nem tanto, se eu havia furtado algo. Agora além de tudo sou ladra?
Pensei enquanto a minha antipatia por ela crescia.
Contudo, nem ela ou até mesmo eu, tivemos a chance de falar mais nada, pois o prefeito, a
minha irmã e um homem que não conhecia, chegaram à sala naquele instante. Olhei com
um sorriso tímido ao prefeito  e minha irmã estava com uma expressão plastificada de
Barbie, enquanto fitava Katherine. O negócio entre as duas era feio mesmo..., considerei. 
Entretanto, assim que meu olhar repousou no homem ao lado dela, me tirou o fôlego, e  não
de uma forma boa! 
Ele era realmente muito bonito e estava perfeitamente alinhado, quase de forma surreal,
com alguns papéis em mãos. Seus olhos eram negros, sem brilho e  sua expressão era
severa, de superioridade... Mas não era isso que me incomodava, e sim que ele se parecia
muito com o homem do meu sonho. O homem que estava atrás do homem que eu
abraçava... A lembrança do sonho veio vívida a mim e senti uma forte pontada de dor na
cabeça ao mesmo tempo  que uma onda de puro pavor me percorria. Era um sinal! Ele, de
todas as formas, não era boa coisa.
Tive que me esforçar para não fazer careta e recorri à minha melhor “máscara social”.
A ruiva ao meu lado se levantou tirando toda  minha atenção do homem, correu em sua
direção, pendurando-se em seu pescoço  depositando um beijo em sua face e em seguida se
virou animada cumprimentar o prefeito, que correspondeu gentilmente.
— Veio ver o seu pai, menina? — indagou ele.
Então, ele é o pai dela... Parece que a natureza ruim é genética, afinal.
— Sim! Estava com saudades dele, e também, depois de tudo, tenho apenas ele… — E seu
tom de voz animado foi se convertendo teatralmente em um tom melancólico. 
— Sim, entendo. Mas não tem apenas ele, tem a mim também... — confortou-a, então 
Katherine de forma juvenil abriu um largo sorriso — Assim que ver o meu sobrinho terei
uma boa conversa com ele. 
Sobrinho?
— Por favor! — pediu ela e então se afastou do homem, depois virou-se para mim e deu um
pequeno “tchauzinho”  — Nos vemos em outra hora, Kayla Johnson. 
A forma como ela disse meu nome me causou náusea, ainda mais que ela se fazia tão
madura a pouco e na frente deles, se fazia tão infantil e pura. Ademais, também havia, no
fundo de sua frase uma ameaça velada. Algo como: 
Eu sei quem é você e não entre no meu caminho.
— Até mais ver, Katherine Collins  — respondi na mesma medida audaciosa e ainda acenei.
Assim que ela se foi, olhei minha irmã que parecia a personificação de Monalisa de Da Vinci.
Seu rosto parecia agradável, seu comportamento impecável, mas você jamais conseguiria
imaginar o que se passava em sua mente. 
Ela e o prefeito se aproximaram e tão logo um delicioso chá com biscoitos foi servido,
fazendo mudar totalmente a minha linha de pensamento. O prefeito, que não conseguia
evitar ser qualquer coisa além de direto, logo que se sentou perto de mim, disse estar
ciente dos meus problemas e lamentava. Se pudesse fazer qualquer coisa para me ajudar,
faria sem pensar duas vezes. 
Agradeci, claro. E ele naquele momento, teve estalo em sua mente e me propôs:
— Não quer fazer um trabalho beneficente? Os documentos que você trouxe, eram sobre
isso. Seria bom para sua reputação, as pessoas já têm uma boa visão de você por salvar o
menino na rua. Já que as pessoas ultimamente estão falando de você, procurando algum
erro no seu currículo para defenderem Richard, que tal dar mais motivos para eles serem
obrigados a falar bem?
— Não sei…, embora as pessoas apenas estejam querendo saber das coisas, estão sendo
muito sufocantes — falei considerando a última vez que sai.
Antes mesmo que pudesse responder, o prefeito silenciou-se e olhou para algo atrás de
mim. Seus olhos brilharam com alguma felicidade sem igual. Senti outro arrepio percorrer
toda a minha coluna e me perguntei: qual seria o problema agora?
Receosa, me virei para ver quem havia chegado, entretanto, mal pude ver, porque o
prefeito se levantou tomando todo meu campo de visão do recém-chegado, se apressando
para alcançá-lo. Somente quando ele se afastou, foi que pude ver direito; o homem alto,
moreno e o protagonista do meu último sonho erótico... 
Alejandro!
CAPÍTULO 11
“Montanha-russa de emoções.”

ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward


 
Ontem foi cansativo. Como planejado, fiz a coletiva de imprensa, um verdadeiro inferno,
como era de se esperar. Precisava determinar para minha equipe não fazer outra tão cedo.
Sentia-me exausto até agora, pois aproveitaram naquele único momento para perguntar
tudo que não puderam durante todos esses anos em que os evitei. Todavia, dispersando
esses pensamentos, no instante em que o meu tio saiu do meu campo de visão, após me
cumprimentar entusiasmado, os meus olhos se encontraram com os de Kayla. 
Jamais imaginei chegar à casa do meu tio e encontrar Kayla. O que ela estava fazendo aqui?!
Foi o meu primeiro pensamento, porém, ao ver seu sorriso de sempre desmoronar e o seu
rosto perder a cor, me perguntei o porquê da sua reação. Entretanto, para minha surpresa,
logo em seguida ela corou e fugiu por um momento do meu olhar. 
Curioso… 
Aquela era a reação que esperava naquele café da manhã, mas não aconteceu como previ.
Desconfiado, pude ver que ela engolia em seco e voltou a forçar o sorriso, naquela sua
maldita máscara polida, quase apática. Uma perfeita boneca de porcelana. Eu sabia que ela
estava nervosa e tentava esconder a todo custo, mas para mim era nítido assim como o azul
cristalino dos seus olhos. E de alguma forma, isso me instigava a bagunçar seu falso
controle para trazer a verdadeira pessoa para fora.
A vi respirar fundo e se levantar com sua expressão profissional… Mas para falar a verdade,
meus olhos percorreram por ela inteira. Era uma mulher linda, mas tinha a incrível
habilidade de se mesclar ao ambiente. Com a roupa social justa, evidenciando seus seios
que cabiam perfeitamente em minhas mãos, sua cintura curvilínea… Ela era uma visão
espetacular! A lembrança de deslizar a minha mão até a base da sua coluna e apertar o
monte macio do seu traseiro, fazendo com que seu corpo se pressionasse mais contra o
meu pau, veio forte. Assim como a lembrança do seu perfume e o som dos seus gemidos.
Subi o meu olhar antes que o volume em minhas calças se evidenciasse e percebi que,
diferente das vezes anteriores que a vi, seu cabelo estava bem preso, num penteado severo
e a sua maquiagem estava mais forte. Por um momento um sentimento inexplicável me
tomou e desejei tirar o que quer que fosse de seus cabelos e aquela maquiagem.
Completamente alheia aos meus pensamentos, ela ofereceu a mão para um cumprimento
formal.
— É um prazer encontrá-lo, senhor Ward  — Kayla disse educada e a forma com que me
chamou pelo sobrenome, deixava claro o que ela queria omitir.  Queria fingir que não me
conhecia… 
Meu orgulho recebeu um golpe severo e não deixaria assim, não quando aquela pequena
me tirou o foco do trabalho e mesmo agora me deixava louco por ela, mesmo sem ter feito
nada. Ou mesmo naquele instante em que a olhava com sede. Maldição, novamente estava
parecendo um garoto na puberdade. Precisava tê-la em minha cama, matar o desejo de vê-la
se contorcer sob meu corpo enquanto me perdia em sua carne. Só assim deixaria de ser
uma novidade instigante e tudo voltaria ao normal… ou isso era o que falava a mim mesmo.
— É sempre um prazer revê-la — provoquei e estendi a mão, pegando a sua para
cumprimentá-la.  
A senti se sobressaltar levemente sob o meu toque. O que me fez conter um sorriso, o olhar
dela vacilou e petrificou. Um silêncio de não mais que alguns segundos se formou, sua
surpresa converteu-se em um olhar escurecido, transformando aquele bonito azul de suas
íris em um azul-escuro como do mar revolto anunciando uma tempestade. Ela apertou com
mais força a minha mão, antes de voltar a erguer os cantos da boca. Era curioso que embora
ela fosse bem diferente internamente, sempre ficava usando aquele irritante sorriso e não
expressava metade do que seus olhos revelavam.
Quase podia ouvir suas ofensas mentais.
— Vocês já se conhecem há muito tempo? — perguntou curioso e nada discreto o meu tio,
fazendo com que nós dois soltássemos nossas mãos e nos afastássemos.  
— Não… — falamos ao mesmo tempo, embora Kayla tenha falado um pouco mais exaltada
do que eu, e dessa vez, não consegui me conter. 
Girei minha cabeça levemente na direção dela, a olhando de soslaio com um sorriso
petulante e provocativo. Touché...  
— Me pergunto… talvez poderíamos relembrar nossos bons momentos? 
Para os demais presentes, era uma frase vaga e contraditória, mas para ela era algo
diferente. Vi o seu rosto ganhar tons ainda mais vivos de vermelho, espalhando-se desde
seu pescoço até o colo dos seus seios, e então, poderia jurar que ganharia um tapa naquele
momento, mas ela contraiu o maxilar e tossiu brevemente, se recompondo. Devido à nossa
aproximação, pude ouvir sua respiração forte ao puxar o ar e o farfalhar de sua roupa,
conforme corrigia sua postura. Tive a impressão de ouvir o som do maquinário em sua
mente funcionando para sair desta. 
A sensação de provocá-la era mais do que divertida, sentia-me rejuvenescido em
desconcertá-la. Suas reações eram curiosas, ainda que ela estivesse bravamente se
reprimindo. Sabia que estava errado em fazer isso diante de tantos problemas, mas era
maior que eu. Mal passei tempo com ela, apenas sabia que, de alguma forma, já gostava
dela. Assim como subitamente estávamos aos cochichos durante o café na casa de minha
irmã, com uma intimidade sem precedentes.
Meu tio Henry se manteve olhando para nós dois, fazendo-me recordar que não estávamos
sozinhos. Ele e a sua secretária pareciam curiosos.
— Meu querido sobrinho, o conheço desde criança, não tente me enganar. Parecem se
conhecer há tempos… — disse tio Henry já com um sorriso cheio de conclusões também
encarando a menina.
Kayla tossiu chamando a atenção do meu tio.
— Em verdade, efetivamente conheci o senhor Ward durante minha breve estada na casa
da senhora Scarlet, o encontrei lá... — explicou ela, a contragosto, alternando o seu olhar
entre meu tio e sua secretária — Graças aos senhores Grand, pude sair do baile em
segurança. O senhor Alejandro tinha um assunto pendente com o senhor Harrison e por
este motivo acabei o encontrando brevemente…
Seu olhar se voltou para mim, num soslaio como uma lâmina cortante, exigindo que eu
concordasse e apenas o fiz em um movimento com a cabeça, decidindo não alongar aquela
provocação. Pude ver um brilho astuto no olhar de meu tio, porém, o celular de sua
secretária começou a tocar, chamando a atenção de todos nós. 
Ela pediu licença e então se distanciou um pouco. 
— …Quem diria que a jovem Kayla viria ao socorro da irmã e vocês se encontrariam
novamente…  — Comentou, mas rapidamente foi interrompido por sua secretária:
— Senhor, desculpe-me, mas o senhor Golden está chegando dentro de três minutos para a
reunião. 
Surpreso, ele olhou o próprio relógio em seu pulso e então, apressado, voltou-se para Kayla.
— Senhorita, caso concorde com o meu convite, meu sobrinho participa todos os anos, ele
será perfeito para te instruir. Alejandro, ainda temos alguns assuntos a tratar. — Em seu
recado a mim, foi deixado muito claro que a conversa não seria nada agradável. 
Em todo caso, Harley era irmã de Kayla? Fazia sentido sua presença na casa do meu tio e
recordei que,  na época, pesquisei sobre ela. Li o nome dos seus familiares, mas nunca dei
muita atenção, pois se bem me lembrava, sua irmã trabalhava em uma pequena empresa e
o seu tutor era médico em uma pequena clínica. Sabia ser nesta cidade, mas não liguei os
pontos.
Meu tio saiu da sala, levando Harley com ele, nos deixando a sós. Um curto silêncio se
estendeu, até perdê-los de vista. Porém, Kayla voltou-se para mim, estendendo a mão
novamente e falando algo sobre ir embora. 
Não segurei sua mão em um primeiro momento, olhando-a sem acreditar que a garota
estava decidida a simplesmente ir embora. Constrangida, ela abaixou a mão e então deu a
volta por mim… E antes que me desse conta do que estava fazendo, segurei sua mão a
impedindo de ir. 
— Então vai fugir? — questionei, dando voz aos pensamentos.
Ela se sobressaltou, virando-se para mim.
— Não é isso… — seus olhos surpresos ficaram fixos nos meus e então sua voz morreu. 
E no silêncio outra voz chegou aos meus ouvidos há uma certa distância, a voz irritante de
Katherine. Merda! Se ela me vir aqui com a Kayla, fará da vida da garota um inferno e a
minha também! Já segurando a mão de Kayla, a puxei para fora da sala de visitas, que era a
única saída daquele lugar, indo em direção ao salão de entrada. A guiei o mais rápido que
pude enquanto ela perguntava o que eu estava fazendo. Em um pensamento rápido, decidi
irmos até o único lugar onde Katherine não iria me procurar: O sótão.
Andei em direção às escadas, apenas curvando o caminho, quase a arrastando comigo, pois
não andava tão rápido assim com aqueles irritantes saltos altos. 
Kayla, entre os resmungos, lutou devido à sua confusão, aumentando a minha pressa.
Conforme já estávamos no meio das escadas, ela refreou seus passos e, no último degrau,
impaciente me virei e a abracei com apenas um braço. Ia falar algo, no entanto, escutei a
voz de Katherine mais próxima e para piorar, pude escutar também a do seu pai. 
Ergui Kayla o suficiente para tirá-la do chão, dei alguns passos para trás e com a minha mão
livre, tapei sua boca. Ela resmungou contra a minha mão com um olhar nervoso, por isso,
fui com o rosto perto do seu ouvido e sussurrei:
— Não teime comigo agora, garota! — A repreendi e firme segui falando: — Sei que mal me
conhece, mas preciso que confie em mim. Você não vai querer ficar aqui agora. 
Não gostava da sensação de fugir de Katherine, mas estava farto daquela mulher, não
queria lidar com seu pai ou qualquer merda que a envolvesse. A ruiva odiava perder. Pior
que isso, era o quão mau-perdedora podia ser, além disso, estava furiosa, tinha suspeitas
sobre ela e eu sabia do que ela era capaz, além do motivo óbvio de estar aqui no meu tio. 
Quando senti a fria parede contra as minhas costas, refreei os meus passos. Olhando para
as duas extremidades da casa no andar superior, soltei Kayla. Ela se afastou de mim,
inalando profundamente, a vi com olhos amedrontados, perguntando “Por Deus! O quê
estava acontecendo?”. Amaldiçoei baixo. Sibilei um “Desculpa, mas não tenho tempo para
explicar”. 
Apressado, peguei sua mão novamente e voltei a andar para o nosso destino a levando
comigo em busca de tentar tranquilizá-la, o que, no fundo, não era grande coisa para aliviar
a tensão. Em uma rápida olhada para trás, com um sorriso eu disse:
—  Quem sabe você descobre algo e terá o grande furo da sua vida? 
Porém, logo quando voltei a atenção para frente, vi o mordomo saindo de uma porta a
poucos metros, ele era facilmente reconhecido pela visível ponta dos seus sapatos
perfeitamente lustrados. 
“Merda” Em um pensamento rápido, abri a primeira porta à minha direita e entrei,
puxando-a. A envolvi com um abraço e assim que me encostei na parede, fechei a porta com
o pé, a soltando apenas para levar a mão ao trinco para trancá-lo. Suspirei pesadamente,
conforme meu coração batia rápido e olhei ao redor, era um dos quartos de visitas que, por
sorte, estava vazio.
(...)
Após escutar o som dos passos do mordomo se afastando, senti poder voltar a respirar
mais aliviado. Os sons que chegavam a mim, estavam distantes e isso me tranquilizou,
todavia, o som de uma risada baixa me surpreendeu. Desci o meu olhar para a mulher nos
meus braços, ela estava tremendo. 
Senti alguns leves socos no meu peito e franzi o cenho.
— Kayla? — indaguei num tom baixo.
— Você! Você… me acusou de fugir, mas qual é o nome do que fizemos agora? — perguntou
com a voz carregada. 
Ela não parava de tremer, então acariciei suas costas, tentando acalmá-la. 
— O mais engraçado é que não sei do que estou fugindo… — disse Kayla entre outra risada
amarga — Parecia estar fugindo de um Serial Killer… 
— Me desculpe… — comecei.
Seu olhar levantou em direção a mim. Devido à vermelhidão espalhada pelo seu rosto, seu
olhar marejado… O azul de suas íris se destacavam ainda mais, fazendo-me sentir errado
por tê-la assustado, mesmo que de alguma forma não fosse a minha intenção.
— Me desculpe? É-é isso que tem a me falar? — interrompeu ela irritada, dando mais
alguns socos no meu peito. — Você está de brincadeira comigo? Francamente…
Fiquei apenas parado, olhando-a sem saber como acalmá-la. Seus lábios tremiam e havia
um oscilar em sua expressão, entre seu olhar de raiva e desgosto e, por vezes, um sorriso
descabido. Ela parecia estar presa em sua própria mente, até aparecerem os soluços e as
suas lágrimas começaram a cair. 
Kayla tentou desesperadamente pará-las e era nítido o nível de estresse que estava, ela
havia chegado ao seu limite. O que aconteceu com ela neste curto tempo sem vê-la?
— Pequena… — comecei novamente, levantando a mão para tocar o seu rosto, mas sem
saber como ajudá-la.
Entretanto, para meu espanto, a mulher apenas parou como se tivesse chegado a uma
conclusão em um rompante. Olhou-me fixamente, observou a minha mão e desviou do meu
toque com alguma estranheza e voltou o seu olhar para mim. Engoliu em seco e respirou
fundo. 
— O que estou fazendo? — murmurou Kayla.
Ela levou a mão sobre o meu peito, usando-o de base para se afastar, então soltou o ar
quando o fez. Repetiu o processo de inspirar e expirar com os olhos fechados e então abriu
seus olhos novamente para mim.
— Certo… Me desculpe…  — Começou e eu franzi o cenho sem entender — Mas o que está
acontecendo? Por quê fugimos? O quê você quer de mim? Não posso ficar supondo mil
coisas…
Fiquei estático, era simplesmente chocante, quase surreal a forma como ela reprimia suas
emoções. Via pessoas reprimindo-as diariamente, mas não frente a um surto como ela
estava. Impaciente, ela cruzou os braços e encostou na parede oposta a mim. Fora as
marcas das lágrimas no rosto de Kayla, mais nenhuma nova lágrima descia.
— Quem é você que não conheço? — pensei em voz alta.
O corpo dela petrificou e o seu olhar vagou pelo ambiente com o cenho franzido, confusa.
Então voltou para mim, mas desta vez de uma forma lenta com uma grande incógnita e o
pensamento claro: Você está louco?
E talvez eu estivesse mesmo. Abaixei minha mão e a vi abrindo um sorriso nervoso de puro
escárnio.
— Você está brincando comigo? “Quem é você?” Quem sou eu?! Sério?
Desencostei da parede e arrumei minha roupa desalinhada ao mesmo tempo que corrigi
minha postura. Elucidei de forma objetiva o resumo das minhas ações em minha mente
antes de começar a falar.
— Queria falar com você, porém escutei a voz da minha ex e sei como ela pode ser
infernal… — resumi, mas ao ver a expressão dela, soube que não era o suficiente — Decidi
evitá-la e não queria te abandonar. Porém, você falava alto, se negava a andar e por isso, a
calei. Fui grosso? Sim… desculpe. Enquanto estávamos no corredor, evitei o mordomo, que
faria perguntas que provavelmente chegariam ao meu tio…, em todo caso, seria complicado
demais dar explicações. Não queria te fazer chorar… Te assustei, então espero que aceite as
minhas sinceras desculpas.
E estava realmente arrependido, pensando com mais calma, refleti que teria sido melhor
apenas levá-la para o meu carro e sair de lá. Fui imprudente e ela, que não estava nos seus
melhores dias, ficou ainda pior. Kayla se manteve em silêncio, me fuzilando com o olhar,
então voltou a sorrir com aquele maldito sorriso falso. 
— Não acredito que toda esta confusão foi por este motivo… — falou com uma voz que
dizia claramente que não esganou Richard, mas estava tentada a fazer comigo — Mas sim,
concordo que aquela mulher parece um demônio…
— Devo concordar. Além disso, quando estou com você, as coisas parecem tomar
proporções maiores do que esperávamos… — comentei em um tom de resmungo, levando
as mãos ao meu cabelo o colocando para trás — O que será que terá na próxima vez em que
nós nos vermos?
Ela parecia que iria falar algo, mas se refreou e seus lábios formaram uma linha reta.
Conforme pensava ou relembrava as coisas, começou a rir. Porém, desta vez não era de
nervoso ou raiva, ela realmente estava rindo e aquilo fez algo dentro de mim vibrar.
— É… tem algo bom, pelo menos. Definitivamente não tenho problemas cardíacos,
principalmente você que já tem trinta e oito anos… — comentou ela enquanto
descaradamente me chamava de velho — Será que deveríamos nos evitar, simplesmente?
A primeiro momento, me incomodou e exclamei um “Ei”, mas ao ver o seu rosto livre de
toda aquela tensão anterior, me acalmei conforme era preenchido pela sensação de alívio.
Preferia o seu sorriso e se para isso tinha que virar um velho, não fazia mal. 
— O velho aqui não foi nada mal naquela varanda e que isso fique claro… — inspirado pelo
seu bom humor, curvei o lado direito da boca em um sorriso matreiro — Sem contar que
você estava querendo me usar. Nunca pensei que seria usado na minha vida… Ao menos
não assim, depois de todos estes anos…
O sorriso dela se ampliou com as minhas observações, marcando bem a maçã de seu rosto
avermelhado.
— Olha… Eu estava bêbada… Não vale! — interveio reclamando — Errei e isso é um fato,
mas quem é você para me julgar? Até onde lembro, você não estava reclamando… então,
pare de usar isso para me provocar.
—  Ah! Então agora você lembra... — comentei em um falso descaso. A vi mordendo os
lábios e fugindo do meu olhar.
Involuntariamente, passei a ponta da língua pelos meus lábios e dei de ombros. 
— Sou homem e estava com uma mulher gostosa querendo transar... — alfinetei? Sim. Eu
preferia essa pessoa mais impulsiva e bem-humorada do que aquela versão retraída. No
entanto, parece que a fala “Sou homem” engatilhou algo nela, mais do que eu queria. Na
verdade, algo que eu não queria. 
Ela parou e seu bom humor se foi deixando o clima que estava agradável entre nós,
carregado. Bosta… Suponho que pisei em um campo minado?
— Qual é o problema com vocês, “Homens”? “Sou homem”, que infernos quer dizer isso?!
— reclamou ela, virando os olhos irritada — Tsc.. Tsc..  Isso é uma justificativa para todas
as coisas erradas que vocês fazem? Se sim, vou começar a imitar. Talvez me livre de metade
dos problemas que estou enfrentando com a mídia…
Ela levantou a mão gesticulando. 
— Oh! Não sou eu! Eu sou mulher, foram os hormônios… — falou de uma forma enjoada e
dramática, que acabou saindo cômica — Fala sério!
Fiquei em silêncio, apenas vendo-a reclamar. Aquela era a verdadeira Kayla, a que ela
tentava esconder a todo custo e eu particularmente gostei dela tanto bem-humorada
quanto na sua versão irritada. Não tinha segundas intenções, jogos de palavras, era direta e
sincera. Assim como o seu senso de humor. 
Porém, achei muito mais graça na ironia, pois conforme ela reclamava, lembrei de quando
ela estava ameaçando Richard, dizendo que iria colocar a culpa nos hormônios. Quis rir,
mas ela ficaria muito mais brava e não me escutaria, por isso, mantive minha expressão
neutra e a chamei:
— Kayla…
— Vai me chamar de louca agora? Ah! É que é biologicamente comprovado que os homens
são movidos pelo tesão? — ironizou ela, com uma expressão de pouco caso.
Suspirei com dificuldade em me manter neutro.
— Na verdade, você não é homem, mas já fez isso… — falei em um tom displicente e a
alfinetei:  — Qual é o nome disso? Ahhh! É….  Hipocrisia!
Conforme a palavra “hipocrisia” escapava pelos meus lábios, a sua expressão era de
indignação, o meu sorriso, que com tanto esforço contive, escapou abertamente.
— Eu não fiz isso… Fiz? — tentou se defender, mas em seguida fez uma expressão de
dúvida vendo o meu sorriso.
— Olha… Não é por nada… Mas muito provavelmente têm filmagens na internet e deve ter
até virado “meme”… Como foi? Ah! Sim… — respirei fundo e tentei imitar a expressão dela
e o seu tom de voz: — “Magoada e louca, te matar esganado, seria muito compreensível!
Aquela coisa de hormônios.”
Kayla claramente se lembrou e o seu rosto ficou muito vermelho, mas antes que eu pudesse
ver qualquer coisa a mais, ela cobriu o rosto com as mãos e encostou-se na parede,
deslizando até parar sentada no chão. 
— Ai… Eu fiz mesmo… — confirmou choramingando entre as mãos — Que vergonha!
Não consegui evitar dar uma gargalhada, mas me contive o suficiente para que não fosse
alta, afinal, estávamos “escondidos”. Em todo caso, observando-a mais cuidadosamente,
Kayla parecia melhor,  sem a sombra daquela dor dilacerante, fosse do dia do baile ou na
varanda. Um desejo de acariciar sua cabeça e falar: “Vai ficar tudo bem”, me veio à mente,
mas deixei para lá. Enquanto ela estava remoendo sua vergonha, refleti e cheguei à
conclusão de que eu teria que fazê-la falar mais. Aquele era o momento onde talvez
conseguiria esse feito.
— O que aconteceu neste meio tempo em que não te vi?
Ela não pareceu pensar muito, apenas relaxou os ombros e tirou as mãos do rosto.
— Um verdadeiro inferno… — disse suspirando e sem se preocupar com a sua postura de
boa moça, tirou o salto dos pés e colocou ao lado dela. A vi massageando o calcanhar e
fazendo uma careta, então sorriu quando levou o olhar em minha direção — Mas se te
contar, talvez tenha que te matar… 
Ergui uma sobrancelha e confirmei com a cabeça. 
—  Aceito correr este risco — falei teatralmente — Bom, vamos lá, desde o início. Adoro
ouvir histórias, faz tempo que não escuto. 
Era surpreendente como conseguíamos nos dar bem de forma tão natural. A conversa
simplesmente fluiu, parecia que já nos conhecíamos há tempos, exatamente como a raposa
velha do meu tio havia sugerido. Ademais, ela era uma ótima contadora de histórias.
Fazendo-me rir sem querer rir, sentir raiva, ódio e poderia jurar que senti também sua dor.
Reparei mais uma vez que quando ficava nervosa, dava uma risada e quando estava tímida,
seu rosto corava começando do seu nariz.
Sabia que ela omitiu algumas coisas constrangedoras, entretanto não importava. Pois algo
em mim sentia-se satisfeito e o ego ferido não estava mais lá, pois ela assumindo ou não,
estava pensando em mim, tanto quanto eu nela.
Porém, uma coisa que eu reparei e que me deixou involuntariamente… triste foi que eu me
lembrava dela quando era adolescente e daquele dia, mas ela não se recordava de mim.
Entretanto, sabia não ser aquele o melhor momento para falar sobre isso. 

 Ao chegar na parte do seu tio, comecei a me incomodar. Imaginava o medo dela, todos seus
receios. Consegui ver o ponto em que ela começou a se retrair e até fazia sentido. Foram
emoções fortes, em um curto tempo… Ok, mas não se pode mudar sua vida por completo
por conta dos repórteres e paparazzis. 
Gostava dela, mexia com algo dentro de mim, entretanto, odiava pessoas fracas, era algo
que instintivamente tinha aversão. Kayla não era fraca, porém era isso que estava sendo
naquele momento. Infelizmente ela estava se entregando. Sendo assim, decidi fazer algo a
respeito. Algo que talvez tivesse bons resultados, ou terríveis. Porém, tinha que arriscar. 
— Certo, deixa eu ver se entendi... — ponderei frente suas explicações —  Em vez de
considerar, arrumar seguranças que objetivamente iriam te auxiliar a ter ao menos uma
vida mais normal, protegendo você dos ataques…. Você ficou se comportando como uma
criminosa? 
Ela parou e me olhou ofendida.
— Não sou uma criminosa!
Acomodei-me sentado, ergui as sobrancelhas e cruzei meus braços, olhando-a sério. 
— Você acha? Vejamos… Você usa roupas para se misturar na multidão, perucas, óculos e
lentes… Se transforma em outra pessoa… Anda por aí olhando para os lados, com medo da
própria sombra, como se estivesse devendo dinheiro para algum agiota. Verdade… Uma
criminosa talvez não, mas alguém que está devendo, tenho certeza. 
Kayla fechou sua expressão, contrariada. 
— Acredita que depois de tudo que aconteceu, eu iria sair cantando na chuva pela cidade?
— indagou sarcástica, fazendo referência ao famoso filme de 1952.
— Entendo, isso pode ser traumático… — concordei e ela fez uma expressão de ironia —
Mas hoje, sem pensar, se vestiu querendo bancar a “espiã” se adaptando ao cenário… E
sentiu medo olhando para os lados? 
— Não… Na verdade, era como se já tivesse me acostumado com a nova realidade, só
segui…  Não pensei muito sobre…  — refletiu subitamente ela, refreando brevemente sua
raiva. 
Sorri com a sua expressão pensativa, mas ainda não era o suficiente, então a provoquei
mais: 
— É… Você é uma daquelas pessoas que se adaptam rápido, porém o caminho covarde,
sempre é mais cômodo e confortável, não é? — pontuei de forma dura e sua reação foi
imediata. 
Vi sua expressão ficar realmente irritada e parecia ter finalmente pisado em seu calo,
entretanto, ela cerrou os dentes e se segurou, pouco após ameaçar se levantar. Mantive
meu olhar firme no seu esperando a sua resposta:
— Não sou covarde! — exclamou ela. 
— Não é o que está parecendo… — fiz pouco caso, aumentando sua raiva e fui além,
arriscando passar o limite, pois ela ainda estava conseguindo se controlar — Aos olhos de
todos ao redor, parece que GOSTOU do papel de corna, usada, roubada, acolhida e protegida
pelos outros… Uma coisa é conseguir alcançar seus meios com o apoio dos outros, e outra é
depender deles. O que fará agora? Procurará alguma outra pessoa para seguir cegamente?
Criará outra fantasia? Irá lutar pelos dois, assim como amar também? E por dentro, no seu
íntimo, vai desejar que um belo dia ele acorde, como um milagre divino, te amando na
mesma proporção que você? Então, todo conto de fadas seria real, enfim a recompensa
depois de todo trabalho duro? 
Kayla estava pálida e sem palavras, claro que ninguém foi realmente duro com ela neste
ponto. Além do que, estava claramente arrependida de ter desabafado comigo. Ela
precisava de um empurrão… Não, era teimosa, precisava de uma sacudida… Ela perdeu o
seu Norte, passou tanto tempo seguindo o mesmo caminho, seguindo Richard. Agora só
estava seguindo em frente, melindrosa, fingindo estar bem, com medo de cair, mesmo no
caminho que lhe mandavam. 
—  Mas a verdade é que você sabe, sabe que nada disso importa. Que todo seu empenho
não é garantia de retorno. E sobre o Richard, no fundo, você sabia…, sempre sabemos. Não
importava quanto você quisesse e tentasse… Ele não iria te amar. Mas aí está você,
paralisada, chocada com a verdade óbvia.
A raiva costumava ser um bom motivador e estopim para mudanças, mas como todos ao
redor estavam a protegendo… Talvez ela nunca saísse do lugar. E como prova do que falei,
ela se levantou e de joelhos se inclinou em minha direção, com seus olhos faiscando sua ira,
pegou-me pelo colarinho e disse com a sua voz que saiu carregada, completamente furiosa:
— Tem menos de uma maldita semana que minha vida virou o inferno! Acha que pode me
julgar? Quem é você? Eu fui para aquela festa só para tentar me aproximar de você! Tinha
que entrevistar você… — falou ela quase rosnando, então seguiu sarcástica — Conseguir
uma entrevista com o misterioso homem que não dava entrevistas a ninguém…, na minha
folga! Mas como parece que a lei de Murphy reina sobre a minha vida, deu tudo errado!
Seus lábios começaram a tremer de puro ódio.
— Eu perdi minha família, eu pensei…, não, eu sonhei por anos em casar com aquele cara!
Construir uma família como a que eu tive um dia, um futuro, um lar para chamar de meu.
Trabalhei incansavelmente! E para falar a verdade, não me acho tão boa. Só uma pessoa
que teve sorte e agarrou a chance! Mas maldição! Comprei abotoaduras de ouro para ele
naquela manhã… Ele me traiu, traiu!!! Sabe quantas vezes eu tive a oportunidade de
encontrar pessoas melhores que ele e fui fiel? Ele me roubou, destruiu minha vida pública e
pessoal. E agora tenho raiva dele, de mim, de tudo e de nada… — ela riu em meio ao seu
discurso e a primeira lágrima caiu — Só resta tentar recuperar a dignidade que perdi…
Fazer ele pagar, ter alguma justiça nesse mundo! Mas você pode entender isso? Não! Pois o
senhor perfeito, jamais saberia o que é estar no meu lugar. Vá à merda com o seu
“covarde”! Eu-não-sou-covarde!
Depois do desabafo, ela não se moveu da posição que estava, me desafiando a ofendê-la de
alguma maneira mais. Olhando nos meus olhos, firmemente. Então bufei com humor e
sorri, meneando a cabeça suavemente, pouco antes de focar meu olhar no dela. Ergui a mão
à altura do seu rosto e sequei as suas lágrimas com o polegar.
— Melhor? — perguntei calmo — Agora, em algum momento da sua vida, você colocou na
cabeça que não poderia colocar seus pensamentos para fora, é fácil perceber isso. Mas você
não precisa mais estar presa a isso… Tenho certeza que foi libertador, não é, pequena?
Colocar para fora é bom. Você falou o tempo todo “eu”, você fez isso e aquilo. O Richard
nunca foi  o amor da sua vida, pode tirar este peso do seu coração… Você deu-lhe um título
e um cargo em sua vida. E entender isso irá tirar parte deste peso de seu coração. Já vi o
amor de um casal de perto. Não era “eu”, era sempre sobre “nós”. 
Olhei aquela garota que estava confusa. Dei um tempo a ela para se acalmar da raiva e
entender onde eu queria chegar. Novamente, tive o instinto de acariciá-la um pouco mais,
era tão linda... Naquele instante, uma ideia me passou pela cabeça. Eu poderia ajudar com
mais do que algumas palavras. Embora o silêncio mortal dela e não saber se ela iria sorrir
entendendo o intuito ou não, continuei meu pensamento em voz alta:
— Quer saber? Vou te dar uma motivação…
— Motivação? — perguntou, me soltando e se sentando calmamente, parecendo
desconfiada sobre o que eu diria a seguir.
— Sim, tenho uma proposta para você. Você ainda pode casar, ter uma família como
sonhou, se este for o seu desejo… Você pode ter sua vida de volta e todo apoio necessário
para fazer aquele bastardo pagar. Eu te ajudarei, e bom, você também poderá me ajudar.
— Que proposta? — perguntou ela em um fio de voz. 
— Muito simples: Case-se comigo!
CAPÍTULO 12
“Entre Desejos&Negócios”

KAYLA • Kayla Johnson


 
Ele está falando sério quando disse isso? Está doido? Perdeu o juízo? Bateu a cabeça em
algum lugar?! Pensei rapidamente, encarando-o, incrédula. Franzi o cenho e o ar parecia
tão pesado quanto minha indignação. Simplesmente soltou as palavras sem imaginar o
impacto que elas causavam, foi inacreditável!  Alejandro me propôs casamento…, como quem
pergunta se eu queria ir à papelaria com ele! 
E o pior, não posso nem dizer que suas palavras anteriores eram mentira! Droga! Havia
muito do que ele me falou, que fazia sentido! Mas me pedir em casamento? Simplesmente
não se encaixava no contexto! 
— Você está completamente louco… — falei tão baixo que se assemelhava um sibilar. 
Senti meus lábios secos, então passei a ponta da minha língua sobre eles e voltei meu olhar
para Alejandro, este que olhava os meus movimentos com interesse. Instintivamente,
recordei os lábios dele contra os meus e senti o calor tomando a minha face ao mesmo
tempo que engolia em seco.
— Kayla? —  ele me chamou esperando a resposta, mas às palavras ainda me fugiam.
O que dizer a ele? Sim? Não? Você perdeu a cabeça, homem?!... Não sei!
Era inacreditável, como este homem poderia me causar tantas emoções, em um período tão
curto. Há pouco menos de dois minutos, o meu desejo era estrangulá-lo. Porém, este
manipulador de primeira, foi doce logo em seguida e me tomou as palavras… E então,
novamente, me deixou incrédula. No momento, senti-me aturdida, tentando entender como
ele acreditava que a solução para os nossos problemas seria um casamento.
Ele com certeza sabia o poder que tinha e pelo jeito, tinha o hábito de fazê-lo com frequência!
Em todo caso, não me sentia preparada para me apaixonar…, não tão cedo, não por alguém
tão intenso como ele… Tinha medo. Na verdade, nem sei porque estava pensando nessas
coisas, eu não o amava! Amor, eu já senti, não era avassalador como o desejo que Alejandro
me provocava, pelo menos com Richard não foi assim. Suspirei pesadamente, deixando o
meu ombro cair pesado enquanto inclinava a cabeça e olhava avaliativa o homem à minha
frente. 
Alejandro olhou para si mesmo como se tivesse algo de errado nele e então me olhou em
seguida como se tivesse algo errado comigo. E realmente deveria ter, ele era rico, bonito,
gostoso, não se interessaria pelo dinheiro da minha família. Na verdade, seria mais fácil eu
viver às custas dele do que ele às minhas. Ele era perfeito… Nada poderia ser tão perfeito.
Não! Eu não estava vivendo um romance, isso existia apenas em livros…, apenas me sentia
atraída por Alejandro. Não poderia me converter na “princesa iludida” como ele mesmo
disse, esperando que me amasse em algum momento, porque isso não aconteceria… Não
com um homem que passou anos noivo e aparentemente, nunca amou aquela mulher. Por
um momento até cheguei a me perguntar se um dia ele amou alguém.
— Kayla? Está bem? —  voltou a me chamar.
Entretanto, não poderia negar que ele era um bom homem, afinal. Ainda que fosse sincero
como uma faca super afiada… , isso me deixava ainda mais confusa. Senti a aproximação de
sua mão, mas estava perturbada com meus próprios pensamentos e inconscientemente
afastei-me do seu toque. No entanto, quando ele insistiu, eu bati em sua mão com o dorso
da minha.
O olhei como se fosse um estranho, e, no fundo, realmente era, este era um dos motivos
pelos quais me encontrava tão transtornada. Entretanto, a maior estranheza era a de mim
mesma. Não me sentia dona de mim, principalmente depois de tudo que ele falou e   estava
certo, ao mesmo tempo, sentia-me envolvida por ele como uma mariposa à chama. 
Algo me fazia querer dizer sim, apesar do receio, somente ir sem pensar no amanhã, ou no
porquê daquela proposta insana. Que ele era a pessoa com quem eu deveria estar. Mas
como? Como poderia ir assim… Algo apenas gritava "Vai" em mim, mas meu cérebro ficava
“Por quê eu devo ir? Nem sequer sei quem é”. 
Da última vez segui meu coração e…
Acredito que já passou da hora de dar mais atenção ao meu cérebro. 
Mesmo que ele fosse tão gentil e atencioso comigo eu não o faria… Não se tivesse alguma
vergonha e orgulho remanescente em mim. Me negava a viver com a sensação de  que
estava colocando Alejandro no lugar vazio que Richard deixou…
— Ainda não estou tão desesperada para me casar com alguém que é praticamente um
desconhecido e está com pena de mim  — disse decidida, ao concluir meus pensamentos
em palavras. 
Pude ver a expressão surpresa de Alejandro, quase ofendido. Aproveitei a onda de coragem
e levantei, arrumando a minha roupa amarrotada.
— Se me der licença… — disse antes de me levantar e procurar o meu reflexo em algum
canto de cômodo para me recompor, e lá estava ele, na parede oposta. Em um lindo e bem
decorado espelho vitoriano, sobre uma cômoda igualmente antiga e um bonito vaso com
flores. A visão de nós refletidos no espelho quase parecia um quadro, se a minha
maquiagem não estivesse completamente borrada, claro.
— Kayla, eu nunca… — disse Alejandro em uma voz lá no fundo da minha mente.
Minha aparência estava refletindo o meu interior, isso me incomodava… Causava grande
desconforto, chegando a doer o peito. Em uma sensação aflita e quase desesperada de me
alinhar, em passos firmes, caminhei em sua direção, dando as costas ao homem que
mastigava minha mente e juízo. Ele falava algo, mas não dava atenção. Estava perdida
naquela necessidade enquanto ia passando a mão abaixo dos meus olhos onde a
maquiagem estava borrada.
Porém, antes mesmo que me desse conta, ele estava vindo atrás de mim. Por um milésimo
de segundo, minha mente imaginou que ele pegaria a minha mão…, mas não aconteceu. Por
quê não me deixava em paz? Para falar a verdade, queria…, silêncio, um pouco de solidão. 
Quase senti a falta de Richard, que sequer olhava para mim, independente do meu estado
de humor.
— Não tenho pena de você! Me escute, inferno!  — Afirmou e em sequência como uma
ordem disse: — Kayla, olhe para mim! 
Meu corpo todo se retraiu, borbulhando a ira e frustração que sentia. Ele me deu uma
ordem? E “inferno”, é? Para o inferno é ele! Ele estava pensando que eu era uma empregada
dele? Pois sentia muito, não era. Lhe dei o silêncio como resposta e segui até o espelho que
estava mais longe do que supus quando bati o olho nele.
Parei em frente ao espelho com as mãos agitadas, vasculhando os estragos e tentando
arrumá-los. Entretanto, a imagem dele atrás de mim não tardou a aparecer, não só o vi, mas
também senti sua mão em meu ombro e estremeci.
Maldito corpo que respondia aos toques dele!
— Mas que porra! Você entende por quê estou atrás de você? É que me preocupo com
você… sabe quantas malditas pessoas eu vou atrás? Nenhuma! Mas… — disse irritado, me
virou de rompante de frente para si, segurou minha cintura com firmeza e me colocou
sentada sobre a cômoda — Para! Para de tirar a porra das suas conclusões precipitadas e
seguir elas como se fossem uma verdade absoluta!
Droga, homem! Não me interessa saber de quantas pessoas você foi atrás ou com quem você
se preocupa! Não quero que se importe comigo… Não quero te manter na minha mente, nem
sequer quero ficar louca por você. Implorei mentalmente. Vamos! Quero brigar! B-R-I-G-A-R!
Foi o que eu pensei naqueles segundos encarando-o, mas no final disse:
— E não fale como se pudesse ler a minha mente. — Respondi seca.
— Kayla… — então ele bufou e passou a mão pelos cabelos frustrado, me olhando como se
eu fosse um problema que ele tinha que resolver. 
Ele parecia arrependido, por isso eu acabei engolindo em seco. 
“Simples: case-se comigo”, ecoou novamente em minha mente e uma dor como uma
punhalada me veio ao peito. Ele não me amava, nem teria como me amar.  Isso era um
absurdo sem precedentes! Mas, ao mesmo tempo, o simples pensamento de que ele falasse
agora que não queria mais casar comigo, me causava outra fisgada no coração. Porra! 
— Olha, eu agradeço muito a sua boa intenção… — disse, porém, antes que eu me desse
conta, ele deu um passo à frente, encaixou-se entre as minhas pernas, envolveu a minha
cintura com seus braços fortes e me tomou os lábios numa ferocidade e fome descomunal.
Arfei em surpresa, meu corpo todo parecia se deliciar do meu calor contra ele. Sua língua
era quente e invadiu a minha boca com facilidade, minha mente foi perdendo o foco e
qualquer traço de raciocínio, apenas retribuía o beijo com igual fome antes que me desse
conta. 
O beijo se aprofundou de forma alucinante e entre o beijo, uma de suas mãos deslizaram
pelas minhas costas até alcançarem os meus cabelos. Alejandro entrelaçou os dedos entre
os fios, os puxando. Arfei contra a sua boca, ele se afastou e ficou com os lábios a poucos
centímetros dos meus, curiosa do porquê ele tinha parado, abri os olhos e pude vê-lo com
os seus olhos nublados e um sorriso malicioso. 
Era lindo e sensual, desde os toques até as suas expressões… Aquele homem era fogo e a
cada toque me transformava em gasolina. 
Instintivamente, desisti de lutar, o queria. Minhas mãos deslizaram pelo seu peitoral, era
forte e pude sentir os seus músculos contraindo-se  sob  meu toque. Sua respiração estava
pesada, me deixando mais excitada a cada segundo. Ele afastou seu rosto do meu, puxou
meus cabelos com um pouco mais de força fazendo-me inclinar a cabeça para trás e
correntes elétricas me percorreram no roçar da sua barba em meu pescoço. Ele murmurou
o meu nome, pouco antes de enfim seus lábios tocarem a minha pele. Meu corpo todo
estremeceu e um gemido escapou pelos meus lábios.
Porém, nada me preparou para a nova onda de prazer quando ele mordiscou o vão do meu
pescoço e desceu as suas mãos para o meu quadril, puxando-me mais para frente, na beira
da cômoda. Pude sentir sua ereção encaixando-se entre as minhas pernas, mas não o
bastante. Ele moveu o quadril e a fricção me fez arfar.
Ele seguiu se movimentando, ao ponto do vaso de flores que estava sobre a cômoda, virar,
rolar e cair no chão, quebrando-se em vários pedaços. Surpresos, nós nos afastamos,
ofegantes, buscando o causador do susto. Ao vermos o vaso quebrado no chão ao mesmo
tempo, voltamos o olhar um para o outro.
Não era o momento, nem mesmo o lugar, mas um riso divertido me veio aos lábios.
— Está vendo? Você me deixa louca... Uma bagunça! E as coisas ao redor também...
Ele não resistiu e abriu um largo sorriso.
— Pode ser porque te desafio, te tiro da trilha e coloco de novo... Ou porque sempre que a
encontro, já está uma bagunça...
Refletiu e era verdade. De diversas formas, não poderia negar. Por isso, não sabia dizer se
amava ou odiava a sinceridade dele. Para ser honesta, nunca conheci ninguém tão genuíno
quanto Alejandro. Mesmo que a verdade fosse dura, ele sempre foi tão..., ele mesmo. Fosse
com a sua opinião ou desejos. Naquele instante, sua obstinação e luxúria eram vistas a
olhos nus. Ele não me amava, mas me queria e disto eu não tinha dúvidas.
A outra mão de Alejandro envolveu minha cintura, mantendo-me de forma possessiva com
o meu corpo junto ao dele. Levou uma das suas mãos ao meu rosto e acariciou a minha
bochecha.
— Kayla, veja, somos bons juntos... — disse com um tom rouco, ainda carregado de
excitação.
Senti o meu corpo vibrar e engoli em seco, seria mentira negar o que ele disse. No entanto,
ele não só estava me convencendo apenas para ir à cama com ele, estava determinado em
me fazer casar com ele. E podia ser errado, quebrando todo o tesão que estava entre nós,
mas a palavra casamento, me fazia pensar em tudo que atualmente me deixava triste… Meu
desejo por uma família feliz, um lar para chamar de meu, amar e ser amada... Amor não
existia ali. Era sexo, apenas isso... Então, num rompante, o empurrei para longe de mim e
desci da cômoda.
— Eu não amo você! Isso... — falei meneando com a cabeça — "nós", não pode acontecer.
Ele me fitou atordoado, entretanto, mantive-me firme e ele sorriu. Alejandro era obstinado,
por isso ele não ficou em silêncio e eu deveria ter esperado por isso.
— É, realmente não estamos falando de amor aqui — seu sorriso era assassino — Mas
adoro você, te considero linda, gostosa, e, sobretudo, te respeito. Admita, você também
sente atração por mim, seu beijo demonstrou isso muito bem —  mediante o seu
comentário o olhei, erguendo uma sobrancelha — E sim, eu manipulo o seu coração
algumas vezes...
— Oras! E ainda admite? — questionei interrompendo-o.
Ele deu de ombros.
— Acho atraente como o seu rosto muda de cor... E como seus olhos brilham mais quando
está excitada, como é excitante ouvir perto do meu ouvido os seus gemidos. Mas…, não é
nada realmente ruim, é? — disse em sinal de pouco caso e voltou se aproximar, curvando-
se à minha altura com nossos lábios quase se tocando, porém, como um ato de tortura
libidinoso, apenas acariciou meu nariz com o seu.
— Eu sou sincero, Kayla. E isso é muito mais do que seu ex-noivo era.
Minha respiração prendeu e uma onda de tristeza transpassou por mim. Virei meu rosto
fugindo do seu olhar. Ele falava a verdade... Mas era casamento... Eu era tão infantil, por
querer casar com quem eu amava?
— Nem sequer te conheço, Alejandro! Não sei muito mais sobre você do que qualquer outra
pessoa — desabafei — Não posso casar sem amor. É uma vida, uma família, um futuro...
Ele ficou em silêncio por um tempo, em um silêncio mortal, mas quando eu pensei em dizer
" Vou embora" ele disse:
— Não seja por isso, pode me conhecer a partir de agora... — sussurrou conforme levava
sua boca até o meu lóbulo direito e o mordiscava, um arrepio forte percorreu todo meu
corpo e o pude escutar rir baixo. Imediatamente virei o rosto em sua direção para olhá-lo,
surpresa. Ao mesmo tempo que, com uma mão, tapava a minha orelha — Além disso, acabei
de perceber que eu era tão contra a casar, mas não me importo se for você…
Meu coração pareceu ter perdido a batida e nenhuma palavra me vinha como resposta.
Atordoada, apenas o fitei. "Mas não me importo se for você"? Eu poderia pensar nisso como
algo romântico e me iludir, mas também poderia lembrar que ele era um empresário e
estava pensando muito mais do que ele dizia.  Senti como se estivesse fazendo um negócio,
com ganhos sexuais de fundo.
Não gostei nada de como me senti frente a isso. 
— Não brinque comigo, Alejandro. E por favor, comece tirando suas mãos de mim e ficando
pelo menos a dois metros de distância — declarei.
Ele se surpreendeu, pareceu confuso, mas concordou. O olhei chateada e ele me fitou como
se pensasse "O que será que se passa na cabeça dessa maluca?"
Eu deveria ser uma piada para ele, pois além de deliberadamente me manipular... Não, não
permitiria isso, se ele queria mesmo falar de negócios, irei ouvir. Mas se a única forma de
me convencer era me seduzindo e, se não tivesse uma proposta decente, iria realmente
chutar suas bolas! Entendia que tínhamos alguma coisa quando estávamos e a excitação
falava mais alto, mas isso não se resumia a tudo. Se ele não tivesse a dignidade de me
apresentar uma proposta boa, nunca mais o veria!
Respirei fundo, cruzei os braços e me apoiei na cômoda.
— Certo, fazemos assim. Você me diz a sua proposta e me dá tempo para considerá-la... —
estreitei os olhos, mas isso o fez rir — Mas sem tentar me seduzir, porque se você me
considera algo que você apenas quer ter na cama, nossa conversa acabou aqui.
— A seduzi porque te quero na minha cama, sim, até porque me faz voltar a ser um
adolescente cheio de tesão. Mas..., isso não importa agora. Você está certa — explicou com
sua sinceridade que como sempre me chocava — Vamos falar de coisas sérias.
Alejandro passou a mão nos cabelos, penteando-os para trás. Seu olhar deslizou pelo
cômodo e, assim que encontrou a cama, se encaminhou até ela e se sentou. E, talvez por
hábito, assim que se sentou, sua postura foi perfeita. Assim como seu olhar, que outrora era
quente e agora se tornou tão frio quanto o polo ártico.
Aparentemente entrando em seu modo "operante de trabalho", me inspirou a fazer o
mesmo, uma vez que decidi ouvi-lo.
— Kayla, você está tendo dificuldades. Todos sabem disso, mas o que ninguém te disse é
que mesmo que você vá ao tribunal com um plano de ação, como uma pessoa pública, não
será o suficiente. "Ah! Mas meu advogado me disse para fazer isso e aquilo." Aqueles que
trabalham em relações-públicas, marketing pessoal e assim por diante, são treinados para
isso. Então, sim, o que seu advogado sugere pode estar correto, mas não irá resolver tudo.
Existem várias maneiras de burlar seus problemas; porém, uma delas é muito mais simples
e prática... 
— Me casando com você... — conclui.
Ele confirmou com a cabeça e eu ergui uma das sobrancelhas, não confiando muito na
possibilidade daquilo de fato ajudar. Pois, desde que o vi naquela festa, a repercussão
envolvendo-nos, não foi positiva, na verdade, foi cheia de especulação maliciosa. Parecendo
ler meus pensamentos, ele continuou:
— Como pode saber, tenho equipes excelentes no que fazem. De acordo com a minha
secretária, as ações da minha empresa caíram por causa da minha postura agressiva.
Porém, a minha aceitação geral pelo público, ou melhor, pelo público em massa, foi bem-
visto, porque eles projetaram uma imagem sobre mim de algo parecido com "um cavalheiro
defendendo a honra de uma dama "... Em todo o caso, se uma história fosse criada
corresponde à imagem que eles formaram de nós,  seria muito produtivo e positivo.
Obviamente, esta é uma proposta muito benéfica para você e para mim.
Ponderei e o olhei com atenção. O que ele dizia era real, mesmo que Richard fosse preso,
talvez nunca mais poderia ser jornalista. Já que estava insegura de voltar a me apaixonar,
um relacionamento com base na parceria, não no amor, parecia mais sensato. Todavia, ele
parecia ter pensado tudo, quão longe haviam ido os seus planos? Ou era algo manipulado
desde o início?
— Para quem acabou de ter esta ideia, vejo que considerou muitas coisas... — soltei de
forma acusatória.
Seu olhar brilhou e o canto da sua boca se contraiu formando um sorriso suave, mas
satisfeito.
— Na realidade, houve alguns problemas desde antes da festa — admitiu, então inclinou-se
para frente e apoiou os antebraços sobre as pernas, sem tirar o olhar de mim — Porém, não
tinha uma solução em definitivo. Mas aí está você, uma pessoa que entenderia a minha
demanda de trabalho, com quem me sinto confortável em confiar.  Temos conversas
francas, estamos sexualmente atraídos, a sinceridade flui entre nós... Você precisa de apoio
e suporte, o  que posso facilmente lhe proporcionar. Preciso de uma companheira e uma
esposa. Serei seu amigo, companheiro, lhe serei fiel e darei o meu melhor para não faltar
com as minhas responsabilidades de marido.
Dei uma risada baixa e amarga, caminhei até ele calmamente e parei à sua frente.
— Tudo parece perfeito demais segundo os seus planos... Quais são os contras?
Para falar a verdade, sabia que ele não era parecido com o Richard. Nem um pouco, mas
ficaria com a pulga atrás da orelha até descobrir se era infundada ou não.
— E dizem que eu sou direto... — comentou ele achando graça, entretanto, continuou: —
Como senhora Ward, teria suas responsabilidades como tal. A vida de "socialite" não é tão
boa quanto os romances fazem parecer. Tenho um tio que possui muito apego por mim,
que está louco por um sobrinho neto, uma ex-noiva fútil e irritante... Ademais, nosso
relacionamento seria real, em todos os sentidos. Além disso, os Ward não são conhecidos
pelo divórcio.
E como eu pensei, nada seria flores. Teria que me tornar uma "socialite e independente do
terror que ultimamente me causaram, teria mais um zilhão de situações assim para reviver.
Teria que ir para cama com Alejandro..., que bom, não parecia ser uma coisa ruim mesmo
eu sendo virgem. Teria que ter um filho dele, aguentar uma ex chata e maligna. E se depois
disso tudo eu quisesse o divórcio, eu não teria? Que belo acordo...
Mas ele deu continuidade à sua proposta:
— Entretanto, devido aos problemas atuais, teríamos que orquestrar nosso
relacionamento, aparecer eventualmente na mídia, bem gradualmente, antes de chegar a
anunciar. Não terá como fugir da atenção da mídia e tabloides, mesmo que o assunto se
acalme... Contudo, se após um ano se sentir infeliz ao meu lado, estará no seu direito de
querer ir embora. Assim como estarei no meu direito de tentar convencê-la a não me
deixar..., embora a decisão final seja sua — concluiu a contragosto.
Um relacionamento real, com tudo o que o envolve... Menos o amor. Puxei o ar com força e
o soltei lentamente. Senti como se estivesse colocando toda a minha vida em jogo  em Las
Vegas, no qual,  em um jogo da roleta, nervosa com a possibilidade da bolinha cair no
número errado, mas também, e na mesma proporção, se caso caísse no certo...
— Seu sonho é ter um lar… um companheiro fiel, alguém que você possa confiar, sincero e
verdadeiro. Alguém que a entende, e compartilha de pensamentos similares, certo? Posso
dar tudo isso a você — insistiu ele
Mas Alejandro também estava sendo impulsivo...
— Você não se pergunta o porquê Richard me traiu? Talvez tivesse uma boa razão.
— Não, tão pouco importa. Estou confiante que posso lidar com seus defeitos — disse
convicto.
— Não sou boa em relacionamentos... — insisti.
— Aparentemente, eu também não. Você ainda não disse sim e está vestida… — então
daquela vez o sorriso dele foi sacana e  me fez ter que me esforçar para não sorrir. Cretino!
Suspirei, levei a mão à testa e caminhei um pouco mais para o lado para sentar ao seu lado
da cama. Sentia-me derrotada pelos argumentos dele, embora algo em mim lutava contra.
— Não acredito que estou ponderando isso... — comentei, me surpreendo ao me pegar
falando o pensamento em voz alta.
— É vantajoso, muitos casais começam seus relacionamentos com mentiras e promessas
vazias, eu te dou a verdade e sinceridade. Respeito e lealdade.
ESTE ERA UM BOM PONTO… O que até agora não era novidade, vindo dele.
— E se  eu disser "sim"? — perguntei curiosa.
— Então, depois que sairmos daqui... — disse ele dando um ar de mistério —
arquitetaremos nosso plano, faremos até mesmo um contrato, para se sentir mais
confortável.
Sim, um contrato..., se concordasse, seria um casamento por conveniência. Troca de favores,
apenas isso... E isso seria um lembrete para não me apaixonar por ele.
— Se eu disser não? — indaguei desafiadoramente.
— Então terei que te convencer a dizer sim... — disse Alejandro se virando e sobrepondo
sua mão sobre a minha. Em seu olhar, havia uma promessa libertina.
— Que prepotente... — respondi sincera com um sorriso de canto. Embora soubesse que
sim, se determinado, Alejandro era um homem implacável. Ninguém chegava ao cargo e
poder dele, sendo diferente. Além disso, ele conduziu tudo, desde o momento que nossos
olhares se encantaram na sala de visitas, até aqui. Um controlador nato.
— Confiante — corrigiu ele tranquilamente.
— Se tratando de você, faz diferença? — indaguei audaciosa.
— Tudo faz diferença quando se trata daquilo que eu quero... — decretou ele. Engoli em
seco, ele afastou sua mão que estava sobre a minha e a encaminhou até a minha face. Meu
coração bateu frenético e a respiração se tornou mais pesada, mas ele apenas limpou os
cantos dos meus lábios com o polegar. Ele não dizia em palavras, mas seu olhar dizia por
ele: Quero você, seja minha.
Ergui uma sobrancelha e logo fechei os olhos, envolvida pelo charme que ele exalava.  Senti
minha respiração falhar, porém, uma vez que me entregasse, não conseguiria pensar no
que estava me metendo. Então virei o rosto fugindo do seu toque e olhar.
— Embora seja um acordo benéfico para ambos, ainda preciso pensar, então, por favor, me
dê um tempo...
Alejandro confirmou e levou sua mão aos meus cabelos, até a parte de trás do penteado e
então senti meu cabelo caindo sobre os meus ombros. Virei para olhá-lo sem entender.
— Leve o tempo que precisar, embora, tenho certeza de que dirá sim... E você fica muito
mais bonita de cabelos soltos... — afirmou após revelar o elástico em suas mãos e colocá-lo
em seu pulso.
— Ei! — reclamei.
— Uma recordação, quando tiver uma resposta, e se for satisfatória, devolverei.
Surpreendida, o fitei em silêncio. Um sequestro? Conclui com humor. Balancei a cabeça em
negativa, no mesmo instante que um sorriso bobo se formou. Sabia que mais tarde pensaria
em prender o cabelo e lembraria que o elástico estaria com ele. Levantei-me e dei alguns
passos concordando.  Embora toda a tensão que estava em minha vida, após aqueles
minutos com Alejandro, senti tudo mais leve.
Pela visão periférica, vi o espelho e decidi terminar de corrigir a maquiagem borrada, então
caminhei até ele. Me vi sem aquela maquiagem escura e eu não parecia mais estar devendo
a um agiota. Senti vergonha de mim mesma, por tudo que fiz e bufei, tendo que virar o meu
rosto para Alejandro sentado na cama, em um olhar de “Obrigada.” 
Porém, é claro que ele não sabia o que eu estava pensando, então ele apenas perguntou:
— Posso te acompanhar até sua casa?
Sorri.
— Não é necessário. Vivi nesta cidade por muito tempo e você estava certo, não posso viver
escondida. Afinal, não sou uma criminosa.
— Então me deixe te levar até a porta…? — insistiu ele. 
Ele era tão intenso, por vezes sincero demais, mas ao mesmo tempo era tão gentil que cedi. 
— Claro.
(...)
Ele me acompanhou até o portão como um perfeito cavalheiro, por hábito fui prender o
cabelo antes de dirigir, mas lembrei do “sequestro” e novamente um sorriso bobo veio aos
meus lábios. Somente quando eu já estava a alguns metros do portão, vi pelo retrovisor
uma mulher bem elegante correndo em sua direção com um punhado de papéis. 
Com humor pensei: É, o trabalho não acaba nunca.
Diminui um pouco a velocidade, pois o cabelo começou a me incomodar, por isso parei o
carro, peguei um elástico qualquer na bolsa e o prendi. Porém, a voz dele me veio à mente
enquanto eu terminava de amarrar: “Você fica muito mais bonita de cabelos soltos…''. A
recordação fez nascer um sorriso teimoso e bobo nos meus lábios que simplesmente não
consegui conter. 
Contudo, um arrepio me percorreu e o meu sorriso morreu. Uma estranha sensação de
estar sendo observada me fez olhar para todos os lados, incomodada. Até que, do  outro
lado da rua, vi alguém com um celular. Será que estava me fotografando? Ou era algo da
minha cabeça? Afinal, todos andavam com seus celulares em mãos hoje em dia.
Precisava de seguranças pessoais..., e de uma psicóloga urgente!
Talvez ninguém estivesse atrás de mim e fosse tudo da minha cabeça. A fim de resolver isso
logo, puxei o celular e liguei para uma velha amiga, deixando no viva voz. Tinha quase
certeza de que ela havia se formado em psicologia. Eu precisava de ajuda, pois estava
ficando neurótica.
Sem demora, ela me pediu para ir até o seu consultório e como estava no caminho de casa,
não vi mal. Fui até lá e estacionei na calçada, com a cara, coragem e..., o medo também.
Olhei o suficiente para os lados, antes de atravessar a rua para o consultório dela e deixei o
aparelho celular no carro com a minha bolsa, levando nada além da chave. Conversamos
um pouco, agendamos a consulta, mas nossa conversa chegou ao fim quando uma cliente
chegou. Despedimo-nos e, para a minha infelicidade, na saída do consultório encontrei duas
das meninas que estudaram comigo no ensino médio.
Uma estava no segundo casamento, grávida. A outra poderia estar grávida ou não, segundo
o tamanho da sua barriga, mas não seria eu a perguntar.
— Kayla! É realmente você! — disse Liv.
— Ouvimos dizer que Richard terminou com você… — disse Judith.
Ele terminou comigo, pensei. É isso que virou, no fim das contas?
— É uma pena, um bom advogado, bonito, responsável e muito educado. Ele será fisgado
por uma mulher inteligente num piscar de olhos — comentou Liv.
Inteligente? Pensei, mas não respondi, não ia conseguir fazer isso sem descontar raiva
gratuita, mesmo que as duas sempre fossem insuportáveis.
— Me pergunto o porquê isso aconteceu, tão triste. Vocês estavam juntos há muito tempo…
— completou Judith.
— Ele a traiu, menina. Não ficou sabendo? Com uma velha rica... — disse Liv, como se eu
não estivesse presente.
Judith olhou para mim com pena e disse:
— Kayla, não se importe em eu ser sincera com você… Mas não se pode negar o que
homens querem, entende? Seja na cozinha ou no quarto.
Oh! Merda..., elas cutucam mesmo, mas se elas querem sinceridade...
— Então Liv… É por isso que já está no que...? Na sexta criança, quando seu marido mal tem
dinheiro para sustentar vocês dois? — falei olhando nos olhos dela sem esconder meu mal
humor e então voltei à outra que ficou pálida — E você Judith, não me deixe te atrasar! Por
favor, não queremos que o seu marido procure a senhora gostosa do 976 e te troque por
ela que está mais disponível, já que o marido dela vive viajando.
— Que? Ele não faria isso! — respondeu trêmula — Não depois de todos esses anos, não
depois de tudo que fiz por ele...
Dei de ombros e parei pensativa, antes de sorrir só com o canto dos lábios.
— Será? — Ao terminar de falar, me virei para ir embora, contudo escutei o barulho de um
flash. Meu corpo todo se retesou por um breve momento, no entanto, continuei andando e
entrei no meu carro.
A primeira coisa que pensei ao fechar a porta, onde me senti um pouco mais segura, foi na
proposta de Alejandro… Não para me livrar das “preocupações” deste tipo de pessoa, mas
pela frase dele quando disse: muitos casais começam seus relacionamentos com mentiras e
promessas vazias, eu te dou a verdade e sinceridade. Respeito e lealdade.
Parecia realmente vantajoso em comparação, mas era claro que ainda possuía muitas
coisas a perder..., como a mim mesma ou talvez..., meu coração. Entretanto, se eu quisesse
ficar bem e não sofrer em busca de um amor que não teria, tinha que me impor uma única
regra:
Não me apaixonar.
Continuei ponderando tudo que Alejandro me falou. Imersa em pensamentos, mas poucos
minutos após estar dirigindo atravessando a cidade, parei no semáforo. Minha mente ficou
em branco, quando vi Richard atravessando a rua e colocando o celular no bolso. Como se
me percebesse, seu olhar se voltou para mim. 
Por um segundo senti um ódio mortal, uma raiva que borbulhava ferozmente, como lava
incandescente, o pensamento de acelerar e seguir com o carro sobre ele me veio à cabeça
fortemente. Como ele ousava voltar aqui? Contudo, havia algo confiante em seu olhar,
confiante demais, que me deixou com medo. Uma promessa, uma certeza de que me faria
mal tanto quanto eu desejava causar a ele.
E como se todo medo fosse pouco, meu celular tocou bem quando o semáforo abriu e
Richard voltou a andar.
Quem é que estava me ligando àquela hora?!
EXTRA 2
Siga seus instintos, nenhuma desconfiança é infundada…

KATHERINE • Katherine Collins


 
Enquanto isso, horas antes…
O sol estava longe de nascer, mas o meu celular não parava de apitar com mensagens.
Sonolenta, estiquei o braço em busca do aparelho. Como de costume, ignorei boa parte
delas e olhei as matérias da atualidade e minhas redes sociais. Porém, uma em especial me
chamou a atenção, um conhecido me mandou a reportagem da pequena “bagunça” que
provoquei e o resultado me fez sentar na cama, conforme sentia a raiva crescer dentro de
mim.
Em uma explosão de raiva, atirei o aparelho longe, com uma clara expressão de
insatisfação.  
Nas matérias, a “jornalistazinha” no centro das fofocas da mídia atual, salvando a porra de
uma criança de ser atropelada! E na minha opinião, só poderia ser piada. O “anjo da guarda”
…  Tsc… Pensei fazendo um muxoxo. 
O único anjo da guarda em alerta era o dela! Havia ligado para os meus contatos, pois queria
vê-la em pânico… Aquela sua doce expressão angelical, deveria ser o que as pessoas
gostavam nela, e em um instinto oposto desejei observar seu rosto se contorcer de medo e
pavor em meio a todos aqueles repórteres.
Resmunguei palavras desconexas de maldição, além do mais, ela estava frequentemente
ligada a Alejandro nas teorias conspiratórias dos tabloides. Idiotas! Na verdade, aquilo foi
simplesmente um ato claro do seu mais puro complexo de herói, nada demais. 
Tão ridículos… Fazendo uma tempestade por causa de uma gota, mas… bem-feito para ele.
Teria muito trabalho para resolver e limpar sua imagem. Se estivesse comigo, isso não teria
acontecido… Em meio aos meus pensamentos, a pessoa ao meu lado na cama resmungou.
Olhei para seus cabelos negros espalhados no travesseiro e suspirei. Meu plano B… Sorri
satisfeita. Não deveria acordá-lo, não estava no humor para atuar e bancar a apaixonada.
— Durma um pouco mais, ainda é muito cedo, meu amor… —  disse acariciando o topo de
sua cabeça e ele apenas resmungou novamente em resposta.
Levantei-me sem me preocupar com a minha nudez, deixando-o em seu sono profundo. 
Caminhei em direção ao banheiro que não se localizava muito longe da cama e logo em
frente à porta, o sensor de movimento fez com que a luz acendesse. Observei o meu reflexo
no espelho. Linda…, meus cabelos soltos, bagunçados após uma foda bem-feita. Cabelos
longos o suficiente para cobrir as minhas auréolas, marcas de beijos eram a única coisa que
maculava meu corpo perfeito, este que foi feito minuciosamente pelas mãos de um bom
cirurgião.
A personificação de Lilith. Bela, sensual e perigosa.
Toquei meu rosto com a ponta dos dedos e sorri, satisfeita. Porém, o sorriso se foi por não
conseguir encontrar lógica, ou melhor, o porquê do Alejandro não me querer. Das mil
hipóteses que criei, nenhuma delas parecia válida. A não ser que ele soubesse, de fato, a
minha “verdadeira cara”, o que achava difícil. Com sua índole, ele sequer ficaria no mesmo
cômodo que eu.
Inclinei-me em direção ao espelho, espalmando a mão sobre o balcão frio de granito,
aproximando o meu rosto perigosamente perto do reflexo, quase o beijando.
— Sou divina..., e ele, um imbecil— sibilei na minha ira. 
Rumores dos mais diversos tipos, que ele preferia aquela garota no meu lugar por ser mais
bonita, ou, porque ela o havia seduzido… Como se ela fosse melhor que eu de alguma forma.
Até hoje não conheci uma mulher melhor que eu, Alejandro seria meu. Ou melhor, ele já
era. Porém, era teimoso demais. 
Mas isso seria por pouco tempo…
Do banheiro, pude ouvir o meu celular apitar. A contragosto, me afastei do espelho e fui em
sua direção. Seguindo o som, acabei por encontrá-lo  perto da mancha de vinho tinto que fiz
com o meu convidado na noite anterior. Porém, assim que peguei o aparelho e virei a tela
para cima, havia várias mensagens.
Mas uma em especial com o remetente que me trouxe uma terrível sensação de medo, ao
ponto de me arrepiar. Absolutamente não existia uma mulher como eu, mas definitivamente
havia um homem pior... Meu pai. As outras me fizeram suspirar e revirar os olhos, devido ao
cansaço de ter que lidar com lixo: Mcgregor.
“O que você está fazendo?” 
Aquela mensagem era do meu pai. Ele poderia até mesmo transparecer a imagem de um pai
presente, em uma mensagem corriqueira, se não fosse cinco horas da manhã. Porém, a
verdade era que ele queria saber o porquê de estar perdendo tempo… Na realidade, estava
me xingando de inútil, no mínimo, com aquela mensagem. Desbloqueei a tela e respondi a
mensagem: “Apenas arrumando as coisas, papai. Saudades!” 
Saudades… Que piada! Maldito personagem tosco que eu tinha que desempenhar o papel.
Em todo caso, queria distância. Podia ser uma cadela manipuladora, mas o maldito
bastardo poderia ser cruel e assustador de muitas formas… Entretanto, antes que seguisse
meu pensamento, mais duas mensagens chegaram.  Impaciente, novamente dei prioridade
a do meu pai, nesta ele estava sendo claro e objetivo: 
“Espero você aqui logo, não faça nada errado.” 
E só de  pensar em ir para lá, todo o meu corpo estremecia. Aquelas mulheres, aqueles
homens e…, o meu pai. Era tudo malditamente podre...
Por fim, para mudar os pensamentos, resolvi ver a segunda mensagem ignorando as
primeiras dela. Mcgregor pedia ajuda de forma insistente e para o atual caso amoroso dela. 
Uma ideia me veio à cabeça. Richard era o ex daquela garota, certo? Poderia conseguir ao
menos uma pequena vingança e alguma diversão enquanto não conseguia trazer Alejandro
de volta para o meu lado. 
Respondi-lhe: “Estou com um tapete manchado, está disposta?”
Não muito tempo depois, a mensagem de “Claro”, chegou. 
Enviei meu atual endereço e me encaminhei ao banheiro novamente, onde liguei o chuveiro
e entrei debaixo da água sem pensar duas vezes.
E para quem tem curiosidade, claro que nenhuma mensagem minha ou daqueles que
conhecia, falavam abertamente sobre qualquer coisa. Não importava quão alto ou quão
baixo estivesse, sempre havia a chance de um bostinha roubar o aparelho e dar algum tipo
de problema posterior. Entretanto, estava cansada de pensar demais e aparentemente ao
escutar o som do chuveiro, minha visita havia acordado, pois pude ouvir a agitação e o
movimento na cama.
Resolvi chamá-lo. Saí da água com o corpo todo molhado e parei na porta do banheiro,
convidando-o a se unir a mim no banho, assim como uma sereia com o seu marinheiro…
Estou estressada e preciso mesmo relaxar até aquela mulherzinha chegar. Além disso, teria
tempo, então, por quê não brincar mais um pouco? 
(...) 
Após uma rodada de sexo quente debaixo da água, fazendo todo o proveito da bela ereção
matinal do homem, o dispensei, dizendo ter muitas coisas a fazer, mas lamentava
imensamente não poder ficar com ele o resto do dia. O que não era totalmente mentira,
estar com ele me abria o leque de possibilidades de não pensar em nada muito profundo, 
desde que estivesse disposta a manter meu personagem romântico, é claro. 
Não muito tempo após sua partida e terminar de secar meus cabelos, Mcgregor chegou. Fui
recebê-la e assim que abri a porta e a vi no corredor do prédio vestida de empregada, um
sorriso maquiavélico surgiu em meus lábios, mas disfarcei com um sorriso gentil, devido ao
olhar do porteiro pouco atrás da mulher, ajudando-a  com a sacola. 
— Oiê, muito obrigada por vir! Estava desesperada, sabe? — disse intercalando meu olhar
entre os dois  — Meu tapete branco… Um  descuido…, ai! Desculpe o transtorno… Parece
uma sacola pesada, né? Me deixe ajudar. Afinal, a culpa é minha. Senhor, pode voltar a
portaria, eu a ajudo. 
Minha voz era suave e simpática, por isso, o porteiro nem percebeu a expressão de "entrar
na toca do Leão" que estava em McGregor. Logo após ela terminar de entrar, fechei a porta
atrás de mim, ficando apenas nós duas no meu apartamento que era à prova de som. Não
me contive mais,  jogando a sacola no chão e desfazendo o tom de simpatia.
— Bom… Então… — disse dando alguns passos atrás de McGregor e falei perto do seu
ouvido: — Você precisa da minha ajuda…, devo ter cara de instituição de caridade?
A mulher claramente estremeceu e fechou as mãos em punhos.
— Eu já disse que sua verdadeira cara é… — comentou ela e estreitei os olhos, desafiando-a
a continuar — Katherine... Me perdoe, porém, só posso pedir ajuda a você ou ao seu pai.
Revirei os olhos, não pensando que ela seria tão direta. Tedioso…
— Mas como meu pai não gosta de pessoas inconvenientes, me tornei sua única opção.
A mulher não parecia estar feliz em estar ali, mas como poderia culpá-la? O sangue ruim do
meu pai seguia livre dentro de mim e isso era uma verdade. Dei a volta por ela, peguei o seu
rosto com uma das mãos e o canto dos meus lábios subiram,  determinada em me divertir
de alguma forma. Contudo, um fato era que ela seria uma boa peça naquele jogo, tinha
atenção sobre si o suficiente para levar a culpa e, ainda que dissesse a verdade, ninguém
acreditaria.
— Você ficará me devendo…, você sabe, não é? — comentei, soltando seu rosto e
caminhando até o pequeno sofá de dois lugares que tinha mais adiante para sentar-me  em
seu braço. 
Vi a mulher encolher-se um pouco, antes de voltar a recuperar sua compostura orgulhosa. 
— Sim! Você tem amizade com muitos dos homens do seu pai, pode…
Ergui a mão e exigi silêncio. Sim, isso é verdade. Tinha mais do que amizade com eles.
Homens gostavam de transar e eu gostava da segurança que poderiam me dar, acreditando
que eu sentia algo por eles, mesmo que fosse proibido. Ou fosse apenas uma troca de favor. 
— Em sinal da minha boa-fé… Te darei uma ideia simples de como ajudar o seu brinquedo
atual... — disse analisando bem  sua reação e achando graça, ela realmente se apaixonou
pelo idiota — Me diga qual o problema todo e te darei a ideia. 
Após me contar do processo judicial, o roubo e manipulação, duvidava que conseguiria se
safar, mesmo que sua vida dependesse disso. Poderia dizer para sumirem, usar
documentos falsos, mudar suas aparências e viver em algum lugar distante que não seriam
pegos… Mas, isso não seria útil para mim. Sabendo que uma mulher apaixonada poderia
cometer muitos erros, fui até meu celular e mandei uma mensagem a um conhecido, que
tive retorno rápido. 
— Sua filha está na Grécia, não é? — comentei.
Vi o olhar de McGregor petrificar e meu sorriso ampliou.
— Independente da tortura que você passe ou da ameaça que você sofra, não estou
envolvida, nem sequer te conheço,  certo? Caso contrário, entregarei a sua filha ao meu pai,
assim como você foi entregue antes de encontrar seu primeiro marido. 
A mulher não tinha uma gota de sangue em seu rosto, mas ainda assim, respondeu: 
— Você é exatamente como seu pai…
— Acredite, ele é pior — disse tranquilamente — Então, temos um acordo? 
— Sim… — disse ela, quase arrependida de ter me procurado. 
— Então  você fará o seguinte… 
E então, a conversa durou longos minutos. Após a partida da McGregor, lembrei que
Alejandro sempre ia para casa do Tio nesta época do ano… Talvez fosse um bom momento
para ir realmente visitar meu pai…
CAPÍTULO 13
“As vidas baseadas no ‘ter’ são menos livres do que as baseadas ou em
‘fazer’ ou em ‘ser’.”  - William James

KAYLA • Kayla Johnson


 
De volta ao momento presente. 
Virei rapidamente a minha cabeça em direção ao celular, este que estava jogado sobre o
banco do carona. O meu coração batia forte e olhei o aparelho como se fosse o meu maior
inimigo… Puxei o ar com força e contrai o maxilar, antecipando alguma notícia ruim… O que
estava faltando acontecer?! 
A recordação do olhar de Richard me veio à mente e um calafrio me percorreu. Questionei
se poderia ser ele… Olhei ao redor, vi que ele não estava seguindo o cruzamento da
esquerda, então o procurei e olhei pelo espelho retrovisor, após ajustá-lo, o encontrei.
Richard parecia alheio às pessoas, irritado ao ponto de esbarrar nos outros enquanto
caminhava com as mãos nos bolsos na direção oposta a mim. 
Suspirei, relaxando meus ombros tensos e estiquei a mão para pegar o aparelho que ainda
tocava… Entretanto, um carro atrás de mim, buzinou impaciente, fazendo com que eu
voltasse à realidade no susto: estava parada em meio à rua, em frente a um semáforo
aberto. 
Francamente, Kayla… Pensei, enquanto mudava a marcha e dava a partida rapidamente. 
O toque do celular silenciou, só para então voltar a tocar em seguida e desta vez atendi sem
mais enrolação, seria pior se ficasse especulando o que seria. Assim que apertei para
atender, coloquei a chamada no alto-falante:
— Sim? 
— Kayla, sou eu a Michelly! 
Levei uma das mãos ao peito enquanto a outra se manteve no volante. Que susto do inferno,
mulher de Deus! Exclamei em pensamento, mas no fim achei graça no susto que ela me deu,
sem sequer fazer ideia. 
— Ahhh! Então era você… 
— Hum… Estava esperando a ligação de outra pessoa? Danadinha… Sinto muito por
atrapalhar ... — riu baixo — Apenas senti que deveria falar com você… Então, correndo o
risco de não ser muito profissional, te liguei. 
— Não, não esperava ligação de outra pessoa… Mas, espere um momento. Não havia uma
paciente? — questionei causalmente, tentando passar naturalidade enquanto as minhas
mãos ainda estavam molhadas de suor frio.
— Ela apenas veio me informar que hoje não poderia fazer a sessão. Então, como eu estava
preocupada com a sua expressão abatida depois de tantos anos sem te ver… — começou
cautelosa — Olha, lembrei da época da escola e o seu olhar está como naquela época. Sabe,
Kayla, como sua amiga de anos atrás, acredito que você precisa se perdoar antes de tudo e
qualquer coisa. Caso contrário, nunca conseguirá de fato, seguir adiante… Por isso,
começaremos pelo começo. Reconheça o tipo de pessoa que seus pais eram. O que eles iriam
querer pra você?
A resposta era simples, meus pais sempre quiseram a felicidade da minha irmã e a minha
também. Eram nossos pais, afinal, que tipo de pais desejariam algo diferente aos seus
filhos? Como eu poderia ser mimada como era, se eles não me dessem espaço para isso?
Mas claro, ela não conheceu aquela versão minha… Em todo caso, ela acreditava que eu
estava mal pelos meus pais? Certo que ultimamente tenho pensado muito neles, mas não
era nem a ponta do “iceberg”. Coloquei um sorriso no rosto e decidi mudar o foco dos meus
pensamentos.
— Nossa, sem preparação antes?! Só a pancada mesmo? — gracejei e escutei a risada dela
do outro lado da linha quando parei em outro semáforo. 
— Pancadas fazem bem para as pessoas, principalmente para as teimosas como você... —
com aquela frase, lembrei do senhor Grand e deixei de lado o riso falso, dando lugar a um
genuíno — Como psicóloga, vou te dar uma lição de casa", descubra: O momento em que você
começou a se anular. E por quê você virou jornalista? Por quê você está tão sem rumo, ao
ponto de engolir seu orgulho e procurar a minha ajuda? 
— Bom, a segunda pergunta é bem fácil! Estou ficando maluca! Só me faltam os tiques! 
— Você é muito engraçadinha… fale isso para o seu riso nervoso! — rebateu ela e eu ri de
verdade — Bom, agora vou desligar. Nos veremos na sua consulta! 
Assim que o silêncio reinou no carro após desligar a chamada, meu sorriso morreu e o meu
humor sarcástico, também. Uma sensação tensa dominou o meu corpo. Procurei a primeira
vaga que encontrei e estacionei. 
Apoiei a cabeça no volante exausta. Por quê eu virei jornalista? Hein…
(...)
Recordo que estava em uma nova escola… 
O luto ainda estava fortemente enraizado em meu coração e em cada memória feliz que tinha
dos meus pais, logo após do meu egoísmo que tinha sido o motivo de ter continuado viva. Não
sentia propósito na minha vida, porque não me sentia merecedora de estar nela. 
Eu não tinha amigos, os que um dia já tive, estavam longe. Eu estava morando em uma casa
que me causava uma eterna sensação de estranheza, me sentia perdida  entre pessoas
desconhecidas.
Minha irmã não parecia se importar com nada daquilo, estudando como se sua vida
dependesse daquilo… Ela tinha seu próprio jeito de lidar com o luto e era colocando todas as
responsabilidades nas costas. Lembro de escutar às escondidas Joel falando sozinho enquanto
estava olhando para a lareira, que cada um lidava com o luto de forma diferente, mas
lamentava que duas garotas estivessem passando por isso tão precocemente… 
Lembrava-me que na escola, no meu almoço, apenas tinha a companhia dela. E ela fazia as
mesmas perguntas que a mamãe e o papai faziam, não sabia se era de propósito ou não, mas
sabia que ela estava tentando preencher a lacuna que nossos pais deixaram. Ela se
empenhava em parecer bem o tempo todo… uma super irmã, meio mãe. 
No entanto, quando seus olhos ficavam fixos nos meus por muito tempo, podia ver que estava
triste, terrível e dolorosamente triste, mesmo que os seus lábios sorrissem. Sabia que ela se
sentia culpada e eu fingia não perceber, assim como dei o meu melhor para ser uma boa irmã
mais nova que estava bem também.
Em um desses almoços, minha irmã foi chamada por um professor e fiquei sozinha por alguns
minutos… Então, as pessoas do comitê de jornalismo vieram até mim e perguntaram se eu não
queria participar, pois eles estavam sem pessoal e precisavam de alguém…, estranhamente,
na minha cabeça, entendi: " precisavam de mim."
Ponderei: eu poderia fazer algo diferente… Harley não precisaria passar tanto tempo comigo,
seria melhor para ela e quem sabe seria divertido.  Concordei, mesmo que no fundo soubesse
que eles apenas precisavam de alguém, qualquer um… Mas contanto que tivesse um lugar em
que pudesse ser útil e necessária, não me importava.
Meus dias ganharam uma nova rotina, novas cores e novos rostos. Aprendi coisas novas e
gostei daquilo. Todos estavam dispostos a me ensinar, tentei aprender da melhor forma
possível, além disso, era divertido organizar as coisas, saber sobre as pessoas, contar suas
histórias para os outros através dos textos…  Não me interessava por fofocas, mas foi quando
um professor novo chegou na escola e me pediram para entrevistá-lo porque era bonitão,
acabei descobrindo que ele foi  terrível nos estudos quando mais novo. Porém, um dia, uma
professora acreditaram nele e lhe deu aulas extras… Para alguns foi apenas umas aulas
extras, mas para aquele homem foi motivação, um propósito, uma necessidade e um lugar
para estar. Seus olhos brilharam quando ele me disse que decidiu que queria ser a pessoa que
poderia ser o apoio de alguém, assim como aquela professora foi. Ele também confessou que
ela foi o seu primeiro amor e que obviamente foi recusado. E estava tudo bem.
Eu realmente não gostava de fofocas, mas queria que todo mundo soubesse como uma
pequena ação poderia mudar a vida de alguém… Ele era muito mais que um professor novo,
um cara bonitão ou qualquer coisa assim. Ele era alguém com um propósito e queria dar
propósito à outras pessoas… E eu realmente gostei de fazer com que as pessoas ganhassem
um novo olhar sobre ele, dando respostas para as perguntas que eles não fizeram, mas que
eram as que realmente importavam. 
Fiz amigos…, se é que poderia chamar assim. Certo, eu não era do tipo que gostava de ficar
indo à sorveteria com eles, ou que conversava sobre qualquer assunto… Não era boa em
piadas, mas tinha a habilidade de encontrar algum tipo de humor nas piores horas possíveis.
Além disso, era melhor ouvindo e observando do que iniciando uma conversa. Todos nós nos
divertimos e, bom, ao nosso próprio modo, éramos bons amigos. Michelly era uma daquelas
pessoas.  
Não me sentia triste de não ter o biotipo de “amiga inseparável”, mas seria mentira falar que
não havia momentos em que me sentia deslocada. Acho que eu tinha problemas em lidar com
as pessoas…, tinha medo de perdê-las? Talvez. Afinal, antes de perder meus pais, não era tão
fechada. 
De tão empenhada em trabalhar no jornal, me tornei insubstituível. Conseguia fazer quase
tudo que todos ali faziam, embora fosse melhor em uma e outra coisa. Os professores
elogiavam minhas entrevistas e eram queridos por mim. O irônico era que embora eu não
fosse boa em iniciar conversas, conseguia deixar as pessoas confortáveis facilmente para
falarem comigo… 
Sem dar voltas, a verdade é que eu adorava aquilo. Algumas pessoas querem ser jornalistas
para serem populares e um dia se tornarem repórteres na televisão, por exemplo… Ou querem
ser jornalistas investigativos e saber cada podre que as pessoas escondiam para as expor. Mas
não era isso que queria para mim, era sobre: "Quem é você? E como você chegou aqui?"
Queria olhar nos olhos das pessoas e ver o brilho apaixonado enquanto falavam.
 Contudo… no verão, tudo mudou. Me senti incomodada por não ter o que fazer nas férias e
graças à indicação de um dos rapazes, consegui um trabalho no jornal local entregando-os
pela cidade. E fiquei feliz quando recebi o meu primeiro salário…, meu dinheiro! Meu! Não era
dos meus pais, não era do Joel. Era Meu! Meu peito inflou de orgulho de mim mesma.
Queria ir para casa de bom humor e mostrar para minha irmã e implicar um pouco com ela…
Porém, conforme andava pelas ruas da cidade indo para casa, passei em frente a uma loja de
objetos decorativos e entre eles vi uma estátua de cavalo tão bonita que aos meus olhos
parecia brilhar. Era tão detalhada que conforme a olhava, quase como se fosse uma
lembrança, via um homem lindo de longos cabelos sobre ele cavalgando e parando à minha
frente e estendendo a mão, num convite silencioso para ir me aventurar na liberdade com ele. 
A minha fantasia foi tão real que quase parecia ser uma recordação. E, no fundo, pensava que
seria incrível, se fosse uma lembrança de alguma vida passada cheia de aventuras e liberdade.
Por minutos, não consegui tirar os olhos dela, imersa na minha fantasia, quando o dono da
loja veio até mim e disse que realmente era uma linda estátua de um cavalo árabe. Ele a
ofereceu, mas não aceitei. Perguntei o valor e era o meu salário inteiro. 
Fiquei cabisbaixa, entretanto, no final comprei com orgulho a minha estátua enquanto
prometia a mim mesma que o meu próximo salário seria um dinheiro que eu não mexeria, que
compraria apenas coisas que fossem necessárias e valiosas… Mas me dei conta de que o meu
próximo verão, seria o meu último naquela escola. Teria que dizer adeus aos amigos, ao
jornal…, a tudo que fui me apegando pouco a pouco. A minha amizade com aquelas pessoas,
tinha data de validade. A escola não seria eterna, aqueles meus dias felizes chegariam ao
fim…
Um vazio descomunal me tomou no caminho de casa enquanto abraçava a estátua. Contudo,
logo que as aulas voltaram, Richard apareceu em minha vida…, nos odiávamos, mas de
alguma forma não conseguia tirá-lo da cabeça. Ele estava lá nos piores momentos, e
inesperadamente, sem importar o quanto eu o odiava, era ele quem me estendia a mão para
levantar de novo… 
E aquele ódio virou amor, um amor obsessivo e passei a me dedicar a ele… Não queria perdê-
lo, assim como perdi o resto. Não desisti do jornalismo, tentava alimentar e insistir no
sentimento que encontrei naquele clube de jornalismo da escola.
(...)
E naquela lembrança percebi que nos dias atuais eu não estava sendo aquilo que eu queria,
estava sendo só mais uma colunista…, e também meu amor nunca foi real, apenas me
agarrei a ele como um bote salva-vidas. 
Meu sonho não era sobre ser jornalista em si, nunca foi. Não, não era apenas sobre histórias
de vida de famosos. Fofocar, respondendo às perguntas fúteis que as pessoas queriam
saber. Gostava das histórias que os faziam humanos. Gostava da companhia, gostava de me
sentir útil e ganhar o meu dinheiro… E, por mais que eu odiasse admitir, odiava a solidão.
Odiava me apegar e ter que dizer adeus.
Um sorriso leve, muito mais leve, nasceu em mim quando entendi que nada disso
significava que eu deveria ficar correndo desesperada atrás de um jornal. Que deveria ter
medo do que falavam de mim, eles não iriam encontrar nada ruim sobre mim. E mesmo
sem merecer, encontrei pessoas fantásticas e maravilhosas: Meu chefe; Sofia, mesmo com
seu jeito maluco; os Grand; e até mesmo Alejandro; Michelly…, tinha Joel e Harley que
sempre estiveram lá.
 Tinham tantas formas de fazer o que eu gostava…
Hoje em dia tem aqueles…  Qual o nome? Podcast. 
Parecia que um enorme peso tinha saído de cima de mim, tudo bem que não desistiria de
ser jornalista, era  boa no que fazia e por anos este foi o meu trabalho, desistir sem lutar
não fazia sentido. Mas caso não fosse possível, estava tudo bem também.
Quanto ao  Richard, sem peso nenhum na consciência, queria  vê-lo sendo preso. Se ele
voltasse a se aproximar de mim, usaria todas as brechas dele contra ele! Fui uma idiota   por
tempo demais, eu  saí do meu “roteiro” por ele e isso nunca mais iria acontecer!
 
 
Mais confiante, minutos depois, logo que estacionei na porta de casa, a rua estava calma,
calma até demais…, e a última vez em que esteve tão calma, tomei um susto de morte com a
maldita vizinha.  Procurei a Liza enquanto saia do carro, mas sem sinal. Já estava com a
mochila em mãos, trancando o carro, quando escutei o som de um carro em alta velocidade.
Voltei em sua direção surpresa, tudo foi rápido demais, para conseguir entender o que de
fato tinha acontecido. Um carro preto vinha em direção ao meu carro, não consegui ver
quem dirigia, mas ele pisou no freio bruscamente, o que fez o carro derrapar. E pior, estava
a ponto de bater na parte traseira do meu carro. 
Por um segundo, vi minha vida diante dos meus olhos e gritei enquanto tentava me afastar
do choque dos carros. Contudo, o dono do carro preto conseguiu. Ele conseguiu parar com
o carro no meio fio, todo torto. Eu já estava o chamando de louco, ofegante e com a
adrenalina falando por mim, o quanto ele era irresponsável e um maldito bastardo,
dirigindo assim num bairro residencial. Porém, de dentro do carro saiu Alejandro, ele
parecia consternado, apoiou-se no carro e quando seus olhos encontraram os meus, pude
ver a sua expressão se misturando com um claro alívio. 
Ele ficou parado no mesmo lugar por segundos, antes de dar o primeiro passo em minha
direção, e outro, e outro…, até que estava andando rápido. Rapidamente, me senti sendo
envolvida por seus braços fortes num abraço que parecia que iria me absorver para dentro
de si. Ele ofegava e ria, parecia estar ficando completamente insano. Ele tremia e eu me
debatia surpresa, perguntando o porquê disso. A última vez que o vi estávamos nos
despedindo tranquilamente. Entretanto, Alejandro não me respondia, apenas ficava
repetindo “Aqui está você… de todos os lugares… Francamente… Chega a ser cômico!" 
Sua falta de resposta coerente e o abraço ficando cada vez mais apertado, me deixava mais
inquieta a cada momento. 
 — Alejandro!! O que faz aqui? Qual é o seu problema?! — exclamei preocupada.
— Por que porra você não atendeu a minha ligação?! — exclamou ele, sem responder
nenhuma das minhas perguntas, parecendo estar com raiva, mas sem me soltar por nem
um milímetro do seu abraço. 
Parei de lutar contra o seu abraço. Ligação? Pensei em pegar o celular na minha bolsa, mas
não conseguia fazê-lo em meio ao seu abraço. Ia pedir para me soltar, mas algo tomou a
minha atenção.  Devido as minhas mãos estarem em seu peitoral, sentir o seu coração
batendo freneticamente. Por este motivo, me acalmei puxando o ar e respirando
calmamente antes de voltar a falar:
— Que ligação? Primeiro, Alejandro…— falei mansamente perto do seu ouvido para
acalmá-lo — Está tudo bem… Me solte, veja com seus próprios olhos, estou bem! Confusa,
sim…, mas bem.
Ele me soltou relutante, o que me permitiu ver com mais clareza. Ele estava descabelado e
o seu rosto úmido de suor. Estranhando tamanho desespero, o olhei com estranheza,
porém me abaixei mesmo assim, peguei a bolsa e de dentro dela, o celular. Entre várias
chamadas, entretanto, vi uma única diferente com " desconhecido"... O que demônios estava
acontecendo? Até meu chefe me ligou!
Voltei o meu olhar para Alejandro, e retornei ao celular buscando compreensão.
 — Imagino que este aqui deve ser você. Mas, Alejandro… — comecei ao mesmo tempo que
pensava. Quem atende uma chamada de um desconhecido? 
— Você sequer sabe quanto me preocupei… Inferno! Não tenho idade para isso!  — Estava
frustrado e eu ia debater, mas escutei sua voz falhar e uma fisgada de culpa me atingiu. Pois
sim, havia muitas chamadas e realmente deveria ter um bom motivo para isso. Todavia,
Alejandro parou por aí e me surpreendeu, ao se aproximar e levar a mão ao meu rosto. Ele
acariciou a minha face com um polegar, lentamente, me olhando tão docemente que meu
coração deu cambalhotas. Como se não fosse o bastante, sua mão caiu em meu ombro e se
inclinou em minha direção. Por um momento, petrifiquei, pensando que iria me beijar,
chegando cada vez mais perto do meu rosto ao ponto de prender a respiração…, porém ele
desviou do meu rosto e encostou a testa no meu ombro — Mas estou aliviado que você
esteja bem… 
Meu coração vibrou sob as suas palavras, não sabia o que estava acontecendo, tampouco
tinha palavras. Todo medo que senti antes, toda insegurança e agitação se foi por completo.
Era como se no mundo existisse apenas ele e eu. Engoli em seco e com direito a borboletas
no estômago, inclinei a cabeça para o lado encostando na sua. 
— Grandão… não sei o que te deixou assim, mas estou bem aqui diante de você… — falei
com gentileza. 
Alejandro podia ser um "desconhecido", mas era como se o seu lugar fosse bem ali, comigo.
Era ainda mais estranha a afinidade que sentíamos e estava verdadeiramente feliz por ter
sido mandada àquela festa, pois foi ela que proporcionou a oportunidade de nos
aproximarmos. Entretanto, o problema não havia acabado…, e embora o momento fosse
confortável, problemas não poderiam ser ignorados. Lamentando o fim da curta paz que
encontrei naquele momento com ele, joguei a isca:
— Será que estamos com aquela ruiva perigosa atrás de nós novamente…?
Seu corpo todo retraiu e eu soube que tinha pego no pulo. Bingo.
Ele se afastou de mim e parecia muito sério.
— Vamos entrar…, tenho algumas coisas para te contar, mas acredite em mim…, vai ficar
tudo bem, pequena — afirmou ele quase como se prometesse mais para ele do que para
mim. 
Controlado e confiante, deslizou sua mão do meu ombro até a minha mão e guiou-me até a
porta de casa…, onde o vi tirando um cartão magnético da roupa e passando-a em uma
fechadura que não tinha antes na porta.
— Alejandro! O que… 
— Medida de segurança contra seu ex… — explicou, entregando-me a chave e gesticulando
para entrar primeiro — O delegado também foi chamado, é bom deixá-lo de sobreaviso. 
Delegado? Sobreaviso? Entrei em casa, mas não demorei em me virar de frente para ele.
— Isso não é demais?! Meu Deus, parece que presenciei um assassinato e estou sob
proteção do governo.
Alejandro apenas me olhou solene e fechou a porta atrás de si, reflexivo. Suspirou e
procurou com o olhar a sala de visitas, que obviamente não foi difícil de encontrar, uma vez
que era uma casa infinitamente mais humilde e menor que a de seu tio.
— Vamos para sala… 
Em silêncio, caminhamos e quando eu pisei no tapete no meio da sala, ele começou a falar
atrás de mim:
— Um: A porta estava com o trinco frágil, não importa quão pacífica essa cidade seja, existe
um limite para o descuido… — me virei imediatamente para ele revoltada. Sério que depois
de me apavorar ia me dar uma lição de moral de novo? —  Dois: seu ex, que é um estorvo,
invadiu o escritório do pai dele, exigindo que desse suporte e o permitisse voltar para cá.
Quando Joel se negou, ele ficou agressivo, quebrando e ameaçando tudo e todos, furioso.
Três: como aposto que já viu a televisão, seu nome está intercalado com o meu. Por isso, o
“ataque” que você sofreu com a perseguição dos jornalistas foi tão forte.
— Meu Deus! Como isso tudo aconteceu?! E Richard? Agressivo? Não faz sentido… Richard
é um babaca, mas ele nunca foi agressivo! Pelo menos nunca o vi assim. Não pensei que
seria uma amea... — pensei e me dei conta que sim, ele era uma ameaça e o olhar que ele
me deu era uma prova disso. 
— Não procure justificativas para ele, Kayla! — disse ele me interrompendo em um tom
irritado.
— Não era essa a minha intenção… — falei em defesa, então suspirei e me joguei sentada
no sofá enquanto passava nervosamente a mão na cabeça — É só que… É surreal como
alguém pode mudar em tão pouco tempo. 
— Ele não mudou, Kayla. A máscara apenas caiu. 
— Realmente, parece que hoje foi dia de revelações… — concordei, mas foquei meu olhar
no dele firmemente — Mas Alejandro, ainda acho que você não está me contando tudo.
CAPÍTULO 14
“ Uma realidade a parte ”

KAYLA • Kayla Johnson


 
 
— Revelações? — questionou ele calmamente.
Quando Alejandro mudou de assunto tão drasticamente, uma onda de raiva me tomou.
Fechei os olhos e os punhos, em busca de controlar a ansiedade de saber logo de uma vez
do que se tratava tudo isso. Respirei fundo e contei até três.
— Não mude de assun… to — comecei a criticá-lo, mas parei quando encontrei com o seu
rosto perto do meu.  Perdi a linha de raciocínio devido à surpresa. Ele estava sentado ao
meu lado, virado de frente para mim e com o braço no apoio do sofá, quando inclinou mais
o corpo perigosamente em minha direção. 
Alejandro tinha plena consciência de todo charme que ele tinha e fazia muito bom uso dele,
enquanto   ocupava todo o meu campo de visão. E antes de me dar conta, estava fascinada
pelos seus olhos, havia fogo e teimosia…, havia força e, ao mesmo tempo, alguma outra
coisa que me intrigava. Um olhar enigmático emoldurado por grossas pestanas, além do seu
tom de voz especialmente gentil…, falando:  Se acalme, pequena… 
Memórias me tomaram de rompante ao ponto de me deixar atordoada, conforme lembrava
de um dia específico há muitos anos…
(...) 
— Eu sei… Eu sei… Estou aqui com você. Vai ficar tudo bem, pequena  —  insistia ele me
envolvendo mais com o seu calor e carinho. Eu não era mais uma criança, tinha quinze anos.
No entanto, naquele momento, aquele desconhecido foi o meu maior salvador em meio ao
caos enquanto me puxava quase para o colo dele e calmamente acariciava-me, confortando e
tranquilizando com toda paciência. 
Quando me acalmei, afastei minha cabeça do seu peito um pouco e pude ver um homem jovem
de cabelos negros e sobrancelhas espessas, assim como seus cílios que emoldurava um olhar
escuro. Ele me deu um gentil sorriso, retribuindo o meu olhar e passou a mão pelos meus
cabelos,  ajeitando-os.
Ele tinha um cheiro bom, fresco, cítrico e de alguma forma, amadeirado. No entanto, seu
cheiro foi deixado para trás quando me soltou delicadamente e se levantou, pois foi chamado
por alguém.
(...)
A lembrança se foi, inconscientemente me aproximei de Alejandro e, após uma relutância
breve, toquei o seu rosto delicadamente. Atenta a cada detalhe do seu rosto, acariciei a
curvatura do seu maxilar, o contorno da sua boca… Alejandro estava surpreso, mas eu
estava tão absorta nos meus pensamentos que em algum lugar na minha mente desejava
que ele fosse aquele homem.
— Você…  — murmurei.
— Kayla? — Alejandro me chamou de volta à realidade, me afastando dos pensamentos. 
Meu rosto estava a pouquíssimos centímetros do dele e agora podia sentir o calor da sua
respiração contra meus lábios e senti um enorme desejo de beijá-lo. Mas engoli em seco,
sentindo o sangue fugir da minha face ao perceber o quão próxima dele estava agora, em
como aquilo não era uma alucinação, sonho ou o que for. Pisquei várias vezes me dando
conta do que eu fiz, eu realmente estava avançando no homem! O meu rosto todo começou
a queimar e me afastei levando a mão à boca, chocada. 
O que caralhos foi isso?! Estou ficando louca!
— Foi mal… Sei que foi estranho, sinto muito… — mordi os lábios mortificada — Argh…
Desculpa. 
Alejandro estava parado na mesma posição, surpreso como se perguntasse “O que se passa
pela sua cabeça?” e antes que eu conseguisse falar qualquer coisa, ele sorriu maldoso. 
Tirou a mão do encosto do sofá e levou-a para o meu ombro me puxando contra si, de
forma que nossos corpos se chocaram. Ainda com um sorriso no rosto, ele levou a mão livre
ao meu queixo e o ergueu para que pudesse ver bem o meu rosto. Minha respiração travou
e meu coração disparou como louco, conforme Alejandro ia de zero a cem em segundos. 
— Kayla… O que se passa por essa cabeça? Me diga. 
E eu sei? resmunguei em pensamento. Além disso, o que eu poderia responder? “Ah!
Involuntariamente desejei que você fosse um cara que me pegou no colo e me consolou
quando os meus pais morreram? E que, aliás, criei uma paixonite por esse desconhecido,
mesmo que achasse que nunca mais fosse encontrá-lo”? Nem sob decreto de morte!
— Não era nada… você só me lembrou alguém — falei por fim, sem conseguir inventar
nada para aquele momento constrangedor. Entretanto, com a minha resposta, o corpo de
Alejandro ficou rígido e podia jurar que escutei o seu maxilar ranger. 
—... Eu lembrei o Richard? — sua voz saiu num tom irritado e grave e sua mão, que estava
suave em meu queixo, o pegou com firmeza.
… Oi?
— Richard?! Por quê você me lembraria ele? — indaguei inconformada, de como ele chegou
a essa conclusão.
— Vejamos… — começou ele muito severo — Você se aproximou de mim, me tocou e havia
um olhar de fascínio. A não ser que você tenha um amante, só poderia ser Richard.
Como alguém pode ser tão direto? Isso sempre me choca. Questionei-o mentalmente,
estreitando os olhos e sendo desta vez eu a perguntar o que se passava na cabeça dele.
Entretanto, isso estava parecendo muito com… Nãooo…, ciúmes? Inferno…, sério?! Alejandro
estava com ciúmes do Richard?! Havia alguma graça em toda aquela situação ou eu estava
ficando maluca de vez. Um riso baixo escapou pelos meus lábios pela ironia de toda a
situação.
— Isso parece ciúmes, grandão. 
— Kayla… 
— Ok… certo. Não sei o que me deu, mas se é para sermos sinceros, na verdade, Richard e
eu começamos muito mal, por isso não acho que o olhei desta forma que você falou. Pode
relaxar… — E sem querer acabei lembrando dos momentos de ódio de Richard e eu.  
Ele era bonito, mas fora isso era insuportável ficar no mesmo ambiente que ele, e o
sentimento era recíproco. Se um dia abriu alguma porta para um relacionamento, foi
porquê, um belo dia, ele ofereceu paz em nome do Joel. É claro que estranhei, já que sempre
foi um egoísta e achava que Joel e tudo mais, pertencia a ele. Na verdade, era assim com
tudo que acreditava ser dele. Contudo, o tempo foi passando e fui conhecendo outro lado
dele graças àquela trégua. Ainda brigávamos? Sim, mas era como se fosse um tempero no
amor que só nós entendíamos.
Francamente, eu deveria ter mandado ele à merda quando pediu paz... Sem perceber que me
perdi em pensamentos e que não cheguei a responder Alejandro, por fim, resolvi acabar
com aquele mal-entendido antes que se prolongasse. Afinal, Alejandro era um cara legal e
merecia mais que meias respostas. Ele já me ajudou tantas vezes nos últimos tempos,
inclusive mesmo agora. 
—  Olha… Eu apenas te confundi com um homem que há muitos anos me consolou quando
meus pais morreram. Ele era gentil, eu queria muito conseguir lembrar do seu rosto para
poder agradecer. Mas…, não lembro — falei cheia de remorso — Por um momento, te achei
parecido e como se fosse uma alucinação, apenas queria memorizar o rosto daquele que
esqueci… Eu errei e sinto muito por ter avançado em você. 
Sua expressão relaxou e vi a oportunidade de me afastar dele, mas então ele falou:
— E se eu fosse ele? 
Ahn?! Coloquei uma mão em seu peito e me apoiei para me afastar completamente dele.
— Como você pode ser ele?! — perguntei atordoada. 
— Por que não poderia ser? — questionou Alejandro abrindo o seu sorriso matador de
corações.
— Oras! Porque não faz sentido!
O homem me olhou ainda com ar de graça.
— Como não? Tenho um hotel em Granada, na verdade…— disse ele dando de ombros — A
minha casa fica lá.
— Mas Granada… — disse passando a mão apressada pela cabeça, agitada — Espera, você
me investigou, não é?! Alejandro! Não brinque comigo!
Ele ergueu uma das sobrancelhas e uma sonora gargalhada ecoou pela sala. 
— Fazia anos que alguém não falava meu nome assim... Minha mãe foi a última que falou…
— comentou ele para então puxar o ar e o seu sorriso foi morrendo, dando lugar a uma
expressão de pura tristeza. 
Lembrei-me do último olhar que dei para trás quando estava sendo levada ao hospital e o
vi.
— Pequena, eu estava lá…, você estava desolada na sala de recepção depois de quebrar a
televisão…
— É você… — senti o sangue fugir de minha face, mas ainda sem conseguir crer, continuei
me sentindo uma idiota — Dentre todas as pessoas do mundo…, você?
Ele pareceu em dúvida por um segundo, vendo a minha reação, mas por fim disse:
— Sim…, parece algo ruim para você, desculpa se eu não sou o que você esperava. Mas você
estava com uma expressão de quem realmente queria me encontrar… 
O chão poderia sumir debaixo dos meus pés naquele exato momento que eu não ficaria tão
desnorteada. Alejandro Kaleo Ward é o homem que me ajudou naquele dia… O destino é
realmente alguma coisa.
— Desculpe... Não é ruim, é que eu não estava esperando por essa revelação… 
— Entendo…  —  disse ele concordando e ficou em silêncio. Será que ele sabia por todo
aquele tempo? Por isso foi tão bom comigo? Será que os Grand também sabiam? Eu tinha
tantas perguntas sem respostas… Mas tudo ao mesmo tempo fazia tanto sentido.
Engoli em seco e tentei da melhor forma organizar os meus pensamentos.
— Alejandro, muito obrigada… — por anos pensei em mil formas de agradecer, mas
chegado o momento, minha mente estava em completo branco, mas insisti mesmo assim —
Dentre tantas pessoas naquele dia, por algum motivo, sua voz chegou a mim… Parecia a luz
em meio ao caos, me senti tão perdida aquele dia… 
— Não tem porque agradece, Kayla… Não sou um herói como você faz parecer… Naquele
dia vi em você o reflexo de como eu estava por dentro. Você não deve saber, mas perdi a
minha mãe naquele mesmo dia… E eu tinha trabalho a fazer, não poderia apenas chorar e
gritar, por maior que fosse o meu desejo… — ele parecia que falaria mais alguma coisa, mas
se refreou. 
— Meus pêsames… 
— Obrigado… — sua voz soava distante, como se o seu olhar morresse um pouco, perdendo
o brilho. Porém, de alguma forma ele logo se recuperou:  — É, de fato hoje foi um dia de
muitas revelações. Além desta, sobre nós, quer me falar sobre o que você descobriu
também? Por quê não atendeu a minha chamada…
Gente… pensa em um homem focado em descobrir as coisas. 
— Fui a uma amiga psicóloga…, buscar ajuda, ok? Venho me sentindo paranoica... — admiti,
querendo acabar com aquilo de uma vez — Em todo caso, depois ela acabou me ligando…, e
perdi a noção do tempo.
— Bom, vejamos. Você tem motivos para se sentir assim, digo, paranoica e fez bem ir a uma
psicóloga. Você é bonita, admirada pelas entrevistas que conseguiu, é determinada e
inteligente.  Apenas…, se apegou a alguém que não valia nada. Apenas dê um passo de cada
vez que tudo dará certo — desde o nosso primeiro encontro, aquela foi a primeira vez que
realmente senti a nossa diferença de idade e o pensamento mais lúcido que somente a
idade ensinava.
Ademais, não tinha certeza, mas acho que era a primeira vez que ele me elogiava
abertamente assim e isso fez um sentimento de satisfação crescer dentro de mim, então
abri um sorriso para ele, sorriso este que foi correspondido. 
— Estou certa de que sim… obrigada pelas palavras de apoio, Grandão.
Ele deu um daqueles sorrisos charmosos de canto de boca. 
— Este é realmente um novo apelido para mim? 
— Por que não? Você me chama de pequena porque sou, tenho meus direitos. 
—  Justo…
Nosso relacionamento era assim, simples de se entender, gostava de como era fácil de
resolver e nos dávamos tão bem e tão naturalmente. A sinceridade e cumplicidade que nos
envolvia, passava a sensação de que não importava o que fosse que eu dissesse naquela
sala, ele sempre estaria do meu lado. Em toda a minha vida eu nunca tinha me sentido
daquela maneira, então, absorta e motivada por este sentimento, falei antes que me desse
conta:
— Alejandro, não tenho muitos amigos. Você me ouviria? Descobri coisas hoje… —
perguntei, mas no meio do percurso notei que me deixei levar e fui impulsiva — Hm…
deixa. Não é nada.
 Droga, odiava o fato de que quando estava com ele, falava sem pensar. Mas ele voltou a se
aproximar de mim e buscou o meu olhar, se inclinando para que nossos rostos ficassem um
pouco mais nivelados.
— Kayla, eu estou aqui com você… E até te pedi em casamento, lembra? — seu tom
carregava um humor, era como se ele mesmo não acreditasse que tinha feito aquilo — É
claro que posso te ouvir, minha pequena.  
— É que é estranho… — então fiz uma meia careta para ele — Tive amigos, mas acho que
nunca fui realmente próxima de alguém, para este tipo de situação… Sinto que estou
fazendo algo errado e, ao mesmo tempo, quando estamos juntos, parece ser o certo a se
fazer. Acho que voltei à adolescência…
— Hm… continue — disse encorajando-me e rindo da minha última observação. 
Comecei a partir do meu encontro com Richard, afinal, era melhor ele saber. Sobre o quão
nervosa fiquei quando recebi a ligação, coisa que reforçava que estava ficando paranoica. E
então a ligação da minha amiga Michelly. Ele me ouvia atento, interessado, como se tudo
que eu falava fosse a coisa mais importante do mundo. E isso, de algum modo, me fez ir
falando mais do que eu pretendia. As minhas paixões, meus medos, minhas descobertas e
principalmente, a minha conclusão. No final, me senti liberta de correntes que não havia
percebido que tinham em mim.
Era assim que as pessoas se sentiam com amigos e pessoas próximas? Naquele instante,
não olhei para Alejandro como alguém que me salvou quando mais nova, nem como alguém
por quem me senti atraída sexualmente. Naquele momento, eu sabia que Alejandro tinha
conseguido entrar em meu coração, mesmo que eu não estivesse no dele da mesma forma.
De algum jeito fiquei, grata por ter passado por situações tão ruins e poder chegar aqui
hoje, para viver este momento. 
— Agradeço por ter me ouvido…—  comecei, mas aquela voz maldita no fundo da minha
cabeça também parecia ter algo a dizer, não era tão profundo ou longamente reflexivo, era
simples: “ Se este homem trair sua confiança, vai machucar muito mais do que o que
Richard te fez sentir.” O meu coração apertou dolorosamente com um medo atroz e
inconscientemente minhas sobrancelhas franziram.
Porém, ele me surpreendeu quando levou a mão ao centro das minhas sobrancelhas e
encostou o indicador pressionando-o levemente, conforme abria um sorriso lento.  
— Não tem de quê. Não franza assim a testa, vai ficar marcado e irá envelhecer seu rosto  
— comentou e seguiu falando mais para si mesmo do que para mim: — Entendo que após a
ligação da sua amiga, você estaria imersa demais nos seus pensamentos para ouvir as
ligações… Mas aconselho a não se desligar do mundo assim novamente, as pessoas se
importam com você, muito mais do que você pensa. Quase tivemos infartos coletivos atrás
de você. 
— Sim, eu vejo… —  falei vendo em suas expressões a verdade, mas não podia passar o que
precisava saber —  Mas agora é a sua vez sem mudar de assunto como se não fosse nada. O
que aconteceu para me procurarem tão desesperadamente? Grandão, eu me abri com você,
espero no mínimo o mesmo.
Em uma troca de olhares, entendemos que ambos teriam que falar sério e sem voltas. Por
mais agradável que fosse o clima de entendimento, problemas não poderiam ser evitados. E
pude vê-lo corrigindo sua postura, como era o seu hábito ao falar sério:
— Logo que você saiu, recebi a ligação de Harrison. Fui informado de que ele havia
contratado seguranças para a sua escolta, porém não havia retorno deles e a empresa
tampouco tinha notícias.
Recordei-me do momento em que eu estava no escritório do senhor Grand e ele me falou
sobre os seguranças, e então, recordei também que estranhei não ter ninguém perto do
carro que eu viajaria. 
— Em um primeiro momento, mandei ele ligar para eles e mandar o meu número para
entrarem em contato, para que assim eu pudesse saber as informações de segurança. E no
final, quando me ligaram em seguida, era pior do que supunha, pois os seguranças sumiram
na metade do caminho. Eles estavam em contato com a polícia, mas aparentemente não
havia nenhum vestígio deles.  Nunca sequer chegaram aqui. Acionei o detetive que tenho
contato e o coloquei a par e também, contratei uma nova equipe da mesma empresa que a
minha para você e deverão chegar em breve. Porém, não o bastante de estresse em poucos
minutos, a sua irmã veio correndo de encontro comigo e estava em sua busca. A informei
de  que você já havia partido, mas, com ela nervosa como estava, não achei prudente falar
do problema com a segurança. Assim, de toda forma, fui informado de que você não estava
atendendo o celular e que Richard estava na cidade. 
Levei a mão à boca, imaginando o estado de nervos que todos ficaram. Tinha que ligar para
todos e falar que eu estava bem… 
— Richard, como você sabe, está na cidade e ele também bateu em Joel… Mas não precisa
se preocupar, Joel não está gravemente ferido ou algo assim, sua irmã foi ao encontro dele.
Foi mais o choque e a surpresa. Por isso ele ainda não voltou para casa — mordi os lábios
sentindo uma fúria crescer de forma descontrolada dentro de mim, junto com um forte
arrependimento por  não tê-lo atropelado quando tive a chance  — Ele ligou para você logo
que Richard saiu, não conseguiu e então ligou para sua irmã.
Aquele bastardo desgraçado! 
— Qualquer pessoa com mais de dois neurônios, ficaria muito preocupado pensando o pior
— concordei, furiosa. 
Era verdade, não era difícil entender a profundidade do susto que eles tomaram,
principalmente Alejandro, que tinha informações… Qualquer um em seu lugar, imaginaria o
pior cenário possível com muito mais propriedade. Seu estado quando saiu do carro era
agora, justificável, pois era certo que começou a me procurar pela cidade e no final me
encontrou na porta de casa tranquilamente. Realmente ele estava certo em rir, eu também
riria com a ironia.
Foi um teste e tanto para o coração de todos. Porém, era um fato que Richard não era
ninguém com influência ou contatos para sumir com seguranças e me atacar…, era? Teria
outra pessoa o ajudando? Quem? McGregor? Em todo caso, a pista era que ele estava sendo
agressivo, algo que ele não era. Estava certa de que estava sendo influenciado por algo.
— Sobre os seguranças, não sei o que aconteceu… para falar a verdade, nem sequer
recordava disso… — menti, embora o meu corpo por dentro tremesse, calculando
possibilidades que podem ter acontecido e nenhuma delas tinham um final realmente bom
para eles. Talvez estivesse vendo séries policiais demais  — Em todo caso, não acho que o
Richard seria responsável por isso. Sequer faz sentido, talvez apenas uma coincidência. 
— Você está sendo descuidada.   Francamente… não acho que tenha sido ele, mas nenhum
segurança some assim — Alejandro me repreendeu e em seguida, apontou para a chave
que usou para abrir a porta — Sua nova chave de casa… Só você tem até agora, mas…
Ele tirou mais dois cartões do casaco de sua roupa.
— São de Joel e da senhorita Johnson, assim que ela me disse que seu ex estava na cidade,
mandei trocar as fechaduras. Neste meio tempo, te procurei pela cidade. Quando eles
terminaram a troca e me avisaram, fui ao encontro deles e por acaso vi o seu carro ao
longe… Peguei as chaves e corri para te encontrar, antes que a perdesse de novo…
Eu já não o escutava mais, a cena se construiu em minha mente, por toda perspectiva deles
em um cenário de caos e perigo. E se algo acontecesse com ele querendo bancar o meu
herói? Era lindo, era emocionante tudo isso… EM FILME. Mas o sentimento de alguém se
ferindo de alguma forma para me proteger, não era algo que queria vivenciar, pois apenas
pensar nisso me causava uma dor dilacerante no peito. Isso me causou um medo no mais
profundo âmago do meu ser, estremecendo até vir à superfície, principalmente porque era
ele, aquele que conquistou um pedaço do meu coração. Aquela voz na minha mente estava
certa, e não seria apenas me traindo que ele me machucaria muito mais do que Richard…
— Alejandro… Você não é nada meu! Não aceitei seu pedido de casamento — falei
duramente o surpreendendo, mesmo que soubesse que deveria ser um traço de família,
pois Scarlet e Harrison agiram comigo da mesma forma, tomando a frente de tudo. Não
sabia o que estava acontecendo, mas era perigoso e o queria longe disso — E você pensa
que é um herói? Alejandro, se eu estivesse realmente em perigo, você chegando como você
chegou aqui, seria apenas mais uma vítima de quem quer que seja!  
Levei a mão ao seu rosto e segurei com força. 
— Graças a Deus, duvido que o perigo que eu corra seja tão grande quanto todo este
estardalhaço que vocês fizeram! Porém, você também foi muito descuidado! Acha que
porque é grande é dois? Eu entendo que quando me olha, lembra daquela menina
chorando… talvez faça você se sentir responsável por mim, mas você não é, e eu não sou
mais aquela menina. Eu agradeço imensamente por tudo de bom que fez por mim, de todo
o coração. Entretanto, não quero viver com o peso na consciência se algo porventura
acontecer contigo.
Ele ficou um momento em silêncio, levou sua mão até o meu pulso e o segurou com firmeza
até que eu soltasse o seu rosto. Ele estava verdadeiramente irritado. 
—Talvez… — concordou ele — Não, minto. Tudo o que você disse, é verdade. O “CEO frio e
calculista” não estava aqui por nenhum momento e fui impulsivo, sentimental. Entretanto,
que tipo de pessoa você quer que eu seja, para deixar alguém que estava com problemas na
minha frente? Você pode até querer me afastar, Kayla, você pode criar mil merdas na sua
cabeça para justificar o porquê você está fazendo isso, mas você esqueceu de algo muito
importante: eu não pretendo desistir de você tão fácil.
Consternada por não entender o porquê fui escolhida por ele, fiquei frustrada. Eu tinha
muitos motivos para me interessar por ele, mas por quê ele queria a mim?!
— Por que eu?! — esbravejei. 
Ele suspirou cansado.
— Por que um dia, meu pai me disse que o instinto me daria respostas que o meu racional
jamais alcançaria. O meu instinto me levou até você em todas as vezes que nos
encontramos. Dentre todos os motivos que já te dei quando te pedi em casamento.
— Isso é ridículo! Disposto a tudo isso, em nome do instinto?! — objetei descrente.
— Ridículo? Ridículo é você ter um homem disposto a te dar tudo no mundo ao alcance
dele e por mais que claramente você também o queira, você foge. Você busca motivos para
me manter longe, Kayla. Ao menos eu sou sincero com os meus sentimentos, seja apatia,
simpatia, amor ou ódio! — esbravejou ele, ainda me segurando pelo pulso.  Furioso, me
puxou para perto e me tomou os lábios em um beijo arrebatador que fez uma corrente
elétrica percorrer cada célula do meu corpo enquanto reivindicava minha boca e subjugava
os meus sentidos com a sua língua perversa. Quando ele afastou sua boca da minha, eu
estava ofegante e ele sorria, vitorioso — Ademais, senhorita Johnson, você mexe comigo
como ninguém nunca o fez. Não estou disposto a tudo por causa do instinto, mas porque
simplesmente é você. 
Meu rosto foi tomado por uma cor escarlate vibrante e nenhuma palavra parecia querer
sair da minha boca. Por sorte, a campainha tocou e nos afastamos. Me apressei para ir
atender a porta e ele veio atrás de mim como uma sombra.
— Então, vamos marcar a data? — murmurou ele, divertido como um adolescente travesso.
— Eu ainda não falei sim, convencido prepotente — retruquei quando coloquei a mão na
maçaneta.  
— Que mulher teimosa! Vou te fazer mudar de ideia… — ele estava se aproximando para
voltar a me beijar quando a campainha tocou novamente.
CAPÍTULO 15
“ Habilidade de se adaptar X Má, mas de um jeito fofo  ”

KAYLA • Kayla Johnson


 
Segurando o riso vaidoso das investidas descaradas de Alejandro, demorei uns segundos
antes de abrir a porta. Afinal, que mulher não se sentiria assim mediante um homem
daqueles? Fora que era ainda mais divertido pensar que ele não havia se dado conta de que
eu não havia dito sim, mas tampouco disse não. Não seria ruim passar a minha vida ao lado
dele, se nossos momentos juntos fossem assim: leves, descontraídos e divertidos.
Todavia, quando abri a porta e os meus olhos encontraram com os de um velho conhecido,
o meu sorriso morreu devido à surpresa. Não era ninguém mais se não o rapaz que
trabalhava entregando jornal comigo, Ethan. 
Vê-lo me remeteu a uma sensação nostálgica, de um menino magro, pequeno para a sua
idade e muito esforçado... Contudo, hoje as suas roupas mostravam o resultado de seu
trabalho árduo, qual era o seu novo cargo na cidade e não tinha nada a ver com jornais. 
Um sentimento de orgulho me preencheu e voltei a sorrir. Ele também pareceu surpreso
por meio segundo, e retribuiu o sorriso.
— Kayla! Você não mudou! Faz muitos anos que não a vejo… Continua bonita — disse
gentil, Ethan. O seu olhar deslizou para Alejandro logo atrás de mim e não tardou a
cumprimentá-lo com não mais que um acenar de cabeça. E então, retornou sua atenção
para mim — Lamento que tenhamos que voltar a nos ver neste tipo de situação, se me
permitir, posso entrar?
Na verdade, Alejandro tinha dito que havia chamado o delegado para deixá-lo informado da
situação, mas eu tinha esquecido.
— Oh! Sim, claro. Estou surpresa, você se tornou o delegado! Parabéns! Entre, por favor —
falei dando espaço a ele e senti a mão de Alejandro na base da minha coluna de forma
possessiva, não deixando que eu esquecesse por um segundo da sua presença.
Pela minha visão periférica, vi Alejandro com uma expressão severa, bem longe da
despojada e sorridente que mostrava momentos antes. Senti meu corpo arrepiar pela
energia opressiva que ele emanava. O que me lembrou da festa ou das fotos tiradas pelos
paparazzis, sempre muito sério, autoritário: “O tipo de homem que não se quer irritar.”
Tinha esquecido por um momento quem era de fato aquele homem. Me esforcei para sair
do mundo de fantasias que estava, fechei a porta e os guiei para a sala.  Ethan se sentou em
uma poltrona de frente para o sofá em que Alejandro e eu estávamos sentados. Um silêncio
percorreu a sala, sem saber como iniciar aquela conversa. 
— Bom… creio que devo iniciar essa conversa desmistificando as fofocas? — comentei.
— Prossiga.
Expliquei o que seria pertinente, como tentar entrevistar Alejandro, que foi o motivo de ir
àquele lugar, o infortúnio com Richard, que resultou em muito mais coisas que esperava,
trazendo coisas ruins e boas. 
— Por fim, a família Grand e o senhor Ward se sensibilizaram com a minha situação e são
ativamente pessoas que tomaram a frente em me ajudar, por este motivo foi Alejandro que
o contatou a primeiro instante. Inclusive, graças a eles, estou tendo suporte de todo o
necessário. Posso inclusive dar o número da minha advogada que está à frente no caso… —
fiz uma nota mental de entrar em contato com ela — Referente ao Richard, creio que já
sabe o que ele fez hoje. Alejandro achou prudente te deixar sob aviso, pois algo poderia
acontecer devido a mudança de comportamento do Richard. 
— Joel já foi à delegacia e fez uma queixa, dizendo que se o filho tivesse decidido se tornar
um criminoso, teria que lidar com isso. Em todo caso, fico satisfeito que alguém sensato
esteja a auxiliando em meio a toda esta situação. Iremos averiguar e ficar de olho em
qualquer coisa fora do lugar — disse calmamente Ethan, mas ao seu olhar recair sobre
Alejandro continuou: — Senhor Ward, vejo pela sua expressão, que ela está “esquecendo”
de falar algo. 
Ethan não era uma pessoa tola, pelo contrário, sempre foi muito perspicaz. Mesmo na
escola, a parte investigativa ficava em seu encargo no jornal. Voltei o meu olhar para
Alejandro, que concordou com a cabeça.
— Sim, iremos por pontos principais. Não sei se está ligado ao Richard, porém, a segurança
que o senhor Grand forneceu a Kayla, sequer chegou à cidade — Ethan ia falar algo sobre,
mas Alejandro levantou a mão — Não foi na sua área de ação. Já tomei as devidas
providências legais e contratei seguranças de minha total confiança, estes que logo deverão
chegar. Se desejar, mandarei as fichas para a delegacia. Não obstante, em breve, Kayla será
ainda mais alvo da mídia, pois meu tio pediu para que ela trabalhasse comigo na ação de
caridade, na creche do orfanato. Nossos nomes entrelaçados como pessoas públicas
encherá a cidade de urubus. 
Ethan concordava com a cabeça cruzando os braços. E embora eu estivesse presente e fosse
o principal assunto, me via em meio a dois homens irritantemente sérios e diretos. 
 — Não tenho dúvidas quanto a isso — seguiu Ethan após refletir, e então voltar a sua
atenção a mim —  Abrirá uma grande margem para o perigo, você deve voltar atrás. Se
abrigar em casa…
Ele estava firme enquanto avaliava não somente a situação, mas como me olhava com
atenção. Também seguia o seu olhar a Alejandro. Conforme tomava as suas próprias
conclusões, sua postura ficava mais firme, provando que era de fato, o que ele realmente
acreditava ser o melhor.
Encostei no sofá já sem escutar uma única palavra do que ele falava, cruzei as pernas e
ergui uma sobrancelha, me sentindo irritada. Ainda que fosse para minha própria
segurança, estava frustrada e inquieta. Richard voltaria a fazer algo com Joel ou ir atrás de
Harley? O que esperar? Não tinha mesmo algo que eu pudesse fazer? Segundo Ethan,
deveria ficar em casa, mas e se algo acontecesse? Tudo por dinheiro, maldito dinheiro. 
Além disso, queria Richard atrás das grades o mais rápido possível. Não queria mais ninguém
em perigo… Mas como? 
— … E se manter longe da visão — Vendo a minha postura, ele suspirou  — Sou policial,
estou fazendo o meu trabalho... Alguém em risco deve ficar em segurança. Não dificulte,
Kayla.
— Não falei nada.
— Precisa? — indagou Ethan. 
Tinha esquecido por um momento, que o motivo de Ethan ter me ajudado na época da
escola foi porque éramos do “mesmo tipo”, logo não era necessário verbalizar nossos
pensamentos na maior parte das vezes. O que trazia de mim uma parte fundamental que eu
estava esquecendo.
A Kayla coração de gelo.
— Ethan, apenas esqueça por um segundo que é o jovem delegado. Pense numa forma
prática e rápida de como pegar Richard, frente aos seus atos. Especialmente falando, neste
momento estou muito preocupada que possamos nos arrepender futuramente por não
tomar medidas logo no início.
Ethan abaixou o olhar reflexivo e eu também olhei para Alejandro, como se o convidasse a
falar uma ideia se caso tivesse alguma. Contudo, antes que pudesse dizer qualquer coisa,
Ethan voltou a falar:
— Vejo que você tem aqueles relógios smart, sempre os use. Grave conversas, deixe o GPS
ligado. Richard não tinha nenhum antecedente, mas agora tem e tem dois. Supondo que sua
advogada já começou a agir, entretanto, nenhum dos dois antecedentes o tira de circulação.
A cidade estará cheia, se ele conseguir chegar a você e você tiver um áudio, você poderá
pedir uma medida protetiva. Se ele se mostrar agressivo… 
— … É isso! — exclamei, ao ter uma ideia súbita.
Levantei-me em um rompante e andei pela sala de um lado para o outro, mordendo a unha
do polegar enquanto ponderava e arquitetava os meus planos. Estava tão eufórica, que
esqueci de ter medo, ademais, tudo parecia ser realmente perfeito. Um sorriso abriu em
meus lábios, maligno e satisfeito. Faria Richard ser preso e conseguiria olhar nos seus olhos
enquanto ele fosse levado embora pela polícia. Meu peito se enchia de satisfação de
imaginar isso. Corri para pegar o meu celular e abri a rede social, porém, ao olhar os dois
homens presentes, lembrei que eles provavelmente não concordariam com meu plano.
Era perfeito, mas tinha dois obstáculos com mais de um metro e noventa de altura cada um.
— Kayla… Que ideia você teve? — questionou Alejandro abertamente. — Espero que não
esteja tramando algo impulsivo e irresponsável.
Como há muitos anos eu não fazia, me vi de volta à adolescência, sorrindo com a certeza
que armaria uma grande encrenca aos dois.
— Não é nada… venham aqui os dois rapidinho — os convidei para a parte mais aberta da
sala, sem o sofá. E, prontamente, os dois homens pararam de frente para mim e estiquei a
mão livre para frente — Coloquem as mãos aqui, sobre a minha. Rapidinho, coisa boba.
Logo que eles fizeram, antes que viessem a pensar profundamente no porquê eu estava
fazendo aquilo, abri a câmera do celular e tirei uma foto das nossas mãos e parte dos pés.
Cantarolando abri minha rede social e postei a foto com a legenda: 
De volta ao lar! Novas parcerias, novos amigos e novos projetos! O que podemos esperar desta
aliança?!
Sob o olhar especulativo dos dois homens, eu abri um sorriso polido e mostrei o celular. 
— Que porra… O que você está fazendo? — exclamou Alejandro tentando pegar o aparelho
da minha mão, mas abaixei o aparelho e coloquei atrás de mim.
— Eu já fiz, Alejandro. Não vou deixar ninguém sofrer por muito mais tempo devido às
minhas escolhas. Mas, por ora, acho que terei que te deixar de cabelos brancos um pouco…
sobre sua proposta, talvez você deva repensar se vai querer mesmo ou não, depois disto —
Sim, pensei, fui impulsiva. E serei um tanto mais. Tomarei a frente. Nenhum destes dois
querem me pôr em risco. Mas eu sou a melhor isca para fazer o Richard cair em uma
armadilha — Por ora, você vai ter que confiar em mim.
Ele segurou o meu braço firmemente me puxando firmemente, quase fazendo nossos
corpos se chocarem.
— Como posso confiar em você, Kayla, se não fala nada e apenas faz?!
A minha máscara de sorriso polido tremeu, mas consegui de alguma forma mantê-la. 
— Se você quiser algum dia casar comigo, terá que confiar em mim, mesmo que eu não diga
nada. Veja isso como um teste do que você realmente quer. Uma mulher na sua cama ou a
Kayla por completo — falei em um tom gentil, como quem explica a uma criança que “B”
com o “A” virava “BA”. Mas, por dentro, cada uma daquelas palavras parecia uma agulhada
em meu coração e não sabia dizer o porquê, se cada uma daquelas palavras eram verdade.
(...)
Ethan, que eu tinha esquecido que estava ali, tossiu depois do Alejandro soltar o meu braço
extremamente irritado e se manter no mais profundo silêncio de ódio. Ele pediu o número
da advogada, pois pretendia voltar à delegacia e logo ligaria para ela. Passei por Alejandro,
que continuava parado no mesmo lugar, peguei um pedaço de papel para começar a anotar
o número, pedi que a informasse do que aconteceu hoje e passasse uma mensagem: Decidi
ir até o fim e não acho que vá demorar. Conto com você.
Concordando mesmo sem entender, ele pegou o pedaço de papel no qual  anotei o número
e saiu me deixando sozinha com Alejandro. 
— Para quem não quer casar comigo, falou bem facilmente na frente do seu amigo.
Me virei para ele e antes que eu pudesse me controlar, o olhei de cima a baixo. Ele estava de
braços cruzados, uma expressão de poucos amigos, mas continuava tão absurdamente
lindo como da primeira vez que o vi. 
— Você não disse que ia me convencer a todo custo? — respondi, antes de controlar a
língua e racionalizar o que estava falando. Mas ao me dar conta do que eu falei, senti meu
rosto todo queimado e vi Alejandro erguendo uma sobrancelha para mim. 
Droga… Sobre ser pega pelas garras do leão? Vou além: vou lá, abro a boca dele e entro
dentro.
— Não mude de assunto, Kayla. Não sei quais são seus planos, mas não concordo. Não
preciso ser um gênio para saber que é algo que te colocará em risco. Por que tirou aquela
foto?
— Eu te disse, você terá que confiar em mim. 
Impaciente, Alejandro se aproximou a passos rápidos de mim e segurou meus dois braços. 
— Por que você é tão teimosa? — desabafou ele, irado.
Porém, eu via que tudo aquilo era preocupação. Eu poderia sim, ficar brava, muito brava.
Mas…, não estava. Apenas levantei a mão e acariciei o seu rosto, até a palma da minha mão
se encaixar perfeitamente no seu maxilar. 
— Para combinar com a sua persistência… — falei calmamente e justo aquela calma parecia
deixá-lo ainda mais frustrado. 
— Você fala como se já estivesse conformada com qualquer coisa que pudesse acontecer…
A paz de alguém que aceitou o pior. 
Não é exatamente isso, pensei. Mas eu fui implicante e não fui com meus pais naquele dia,
não pude fazer nada para tentar evitar…, tão pouco teria como. Porém, hoje era diferente.
Eu podia fazer algo pela minha família, e se isso me pôr em risco, estava tudo bem. Não
teria qualquer arrependimento. 
— Olha, vou ser boazinha… Minha ideia tem a ver com a mídia. Ela tem dois lados,  pode te
destruir ou mudar a sua vida para melhor… E Alejandro, não serei eu a ser destruída. 
— Kayla, não se coloque em mais risco do que você já entra sem querer… — desta vez o
pedido foi quase uma súplica e eu não pude evitar de sorrir e me sentir emocionada.
Para quem me disse que não precisava de amor, apenas sinceridade, fidelidade e bla bla
blá… Alejandro se importava muito. Naquele momento, eu soube que sim, a resposta era
sim. E era uma loucura, visto que ele ainda era quase um desconhecido. O que eu sabia
sobre ele? Mas sim, para a proposta dele, seria o sim mais louco da minha vida. No entanto, 
primeiro eu queria deixar o passado lá no passado, até tudo se resolver e nós dois
assumirmos em voz alta, a resposta que sairia da minha boca seria não. 
Fiquei na ponta dos pés, apoiei  minhas mãos no seu peitoral e lhe dei um suave beijo no
canto de sua boca. Por ora, grandão, continue se iludindo dessa maneira fofa. 
— Nem parece a garota que estava sendo uma covarde… Você é assustadora na habilidade
de se habituar… — resmungou ele. 
Ele tinha que me pirraçar… bufei, olhando para ele como se dissesse “Não poderia perder a
oportunidade, não é?”
— Mas se quer brincar com meu juízo… — falou Alejandro, subindo sua mão direita pela
minha face, passando o polegar sobre meus lábios, fazendo-me arrepiar pela expectativa
criada e sem ser frustrada.  Antes mesmo do arrepio terminar, senti os seus lábios nos
meus num beijo profundo e intenso que apenas Alejandro poderia me dar. Para só então,
quando eu nem sequer lembrava mais quem era, ele parar abruptamente o beijo e encostar
a testa na minha —  … brinque direito, um beijo no canto da boca nunca será o suficiente.
Demorei um pouco para entender o que ele tinha dito, atordoada. E então, murmurei:
— Playboy sem vergonha…

 
 
Não demorou muito tempo para Joel e Harley chegarem da rua juntos, devido à falta de
hábito com portas magnéticas, a chegada deles foi até um tanto barulhenta, dando tempo
de Alejandro e eu nos separarmos. Sentia-me uma adolescente e pelo que pude ver na
forma como sorria, ele também. 
Porém, não havia riso que perdurasse quando Joel entrou no nosso campo de visão. Ele
estava com o olho roxo, o lábio cortado e isso era o que eu pude ver de primeira. O desejo
de estrangular Richard cresceu mentalmente ao fazer a comparação do Joel que eu vi sem
um machucado sequer e a forma como ele estava agora. Mordi o lábio e caminhei até ele,
pedindo desculpas. Falei que eu iria dar um jeito de ir a um hotel…, mas ele me calou ao
segurar minhas mãos. 
— Richard fez as suas escolhas e todas elas vão contra o que eu ensinei. Não tenho
obrigação alguma de aceitá-lo na minha casa — desci meu olhar para as mãos dele que
estavam geladas e vi os curativos em sua mão — Além disso, você está vendo os meus
machucados… É por que você não viu os dele. 
Levantei o olhar e ele estava sorrindo travesso, o que me fez sorrir junto. Antes que me
desse conta, pela primeira vez Joel me abraçou. O que eu não estava preparada era para a
forma como as emoções transbordaram. Joel, após a morte dos meus pais, era o mais
próximo que eu tinha de um. Ele era alguém quieto e falava pontualmente…, pela primeira
vez reparei que ele não era mais tão jovem e um sentimento estranho me tomou. Uma dor e
ódio lancinante, um sentimento forte de desejo de proteção dos meus, que me fez ter mais
certeza ainda de que faria Richard ser preso. Que não importaria o risco, isso não se
repetiria. 
— Mas o que aconteceu? Ninguém tinha conseguido te encontrar. 
Não tinha como evitar, expliquei sobre a Michelly e as neuras que eu estava tendo. E como
foi que Alejandro tinha ido parar ali. Minha irmã, obviamente ficou muito irritada, pois
Alejandro tinha informações que ela não tinha, tampouco ele fez questão de compartilhá-
las. Tentei tranquilizá-la, atentando ao fato de que ela não poderia fazer nada a respeito, se
não se preocupar mais e se desesperar. A contragosto ela concordou e Alejandro informou
que já estava na hora dele ir, que teria coisas a resolver antes do dia dar por encerrado.
Além do mais, ele informou que teria que se encontrar comigo no dia seguinte bem cedo,
pois os preparativos para o Natal do orfanato já haviam começado. 
Concordei e o levei até a porta, onde ele caminhou até o carro e antes de entrar nele, olhou
para mim e deu um leve sorriso. 
(...)
— Hmmmm… — fez a minha irmã bem atrás de mim enquanto eu olhava o carro sumindo
de vista na rua. Meu corpo todo estremeceu pelo susto e me virei para ela com a mão sobre
o peito, que doía descompensado devido aos batimentos fortes. 
— Inferno de assombração! — exclamei reclamando, entrando e fechando a porta. 
— Acho que você tem coisas a esclarecer que ainda não fez… — comentou ela como quem
não queria nada, mas querendo tudo nos menores e mais sórdidos detalhes. 
Ela estava com uma expressão felina, como quem já estava adivinhando por si mesma tudo
e mais um pouco. Então retribuí de igual maneira, pois a vi conversando com o tio de
Alejandro. Se me casasse com Alejandro, teria que chamar a minha irmã de tia? Pensei
infantilmente querendo verbalizar o pensamento só para constrangê-la, porém, eu teria
que explicar muito mais.  Então, sem conseguir conter aquele desejo incontrolável de irritar
e provocá-la, respondi apenas antes de subir as escadas apressada:
— Tudo tem o seu tempo e agora não é o seu!
— Mas… Kayla! — exclamou ela indignada e veio apressadamente atrás de mim, esticando
a mão para me alcançar, longe de ser aquela secretaria perfeita e imaculada. 
Porém, o som das nossas passadas no chão de madeira eram fortes, o que assustou Joel e
ele veio ver o que estava acontecendo. Entretanto, por quase dois segundos o vi como uma
velha com Bob na cabeça enquanto nos olhava de forma severa.
— Vocês são mulheres adultas e vão ficar correndo pela casa agora?! Irmãs sempre serão
irmãs, pelo jeito.
(...) 
Mais tarde, eu estava limpando o meu quarto, decidida a não ficar postergando mais nada,
inclusive o meu plano. Irritaria Richard até ele fazer uma coisa errada atrás da outra, pois
sabia que ele faria, o conhecia melhor que ninguém!
Por isso, peguei o celular e gravei um vídeo curto, de tudo que jogaria fora, todo lixo que
um dia foi dele ou me lembrava que ele foi importante na minha vida um dia. Escrevi: O
adeus pode ser libertador; coloquei uma música de uma cantora que até condizia com a
situação. Falava que aprendeu a se amar quando deixou o namorado partir. 
Isso causaria empatia nos jovens que faziam barulho, repercutindo…, e claro, eu queria que
chegasse a Richard. Mesmo a contragosto, sabia que ele me seguia em todas as redes
sociais. Ele ficaria irritado por jogar as coisas dele fora, além do simples fato de me ver
tranquilamente no meu quarto, enquanto ele não podia entrar na casa. 
 Quando ia clicar em postar, alguém bateu na porta do quarto e simplesmente falei para
entrar. Vi Joel entrando com um livro antigo. 
— Olá, Kayla. 
— Olá, Joel. Aconteceu algo? Lembrou de algo para me contar? 
— Na verdade, sim. Enquanto eu tentava encontrar a resposta de onde errei na criação do
meu filho, ponderei que você deveria saber do passado dele.  Não acho que seja
justificativa, mas dizem que um fruto não cai longe do pé. 
Joel me contou que antes de ser adotado pela família do meu pai, era um órfão do orfanato
em que eu iria no dia seguinte. Confidenciou que foi apaixonado por uma garota, ela era
doce, calma e gentil a maior parte do tempo, mas por ser bonita, a beleza aos poucos subiu
a sua cabeça, pois conseguia as coisas com facilidade. Ele sorriu triste.  
— Ela era só uma jovem que vivia de forma intensa…, porém um dia sumiu. 
Anos depois, quando a encontrou, ela estava mudada, muito magra, como um esqueleto
vivo, a maior parte de sua beleza tinha ido embora, ficando apenas aqueles olhos verdes
brilhantes que um dia o encantaram, mas havia algo especial: estava com uma grande
barriga. Confidenciou estar com câncer e viciada em drogas, sem ter para onde ir.  Então
disse que ela se deu conta que o amava. Ele não sabia se era ainda amor ou pena, mas se
casou com ela e assumiu o filho. 
Aquela era a maior verdade…, na verdade, Joel nunca teve filhos. Richard, não era filho dele.
— Veja bem, por anos eu dei tudo a ele.  Acreditava que se lhe desse tudo, se me
empenhasse em ser o melhor pai que alguém poderia ter, ele se tornaria alguém bom. Mas
ele se tornou egoísta, narcisista…, entre tantas coisas — ele abriu o livro e tirou uma foto —
Veja bem, não estou justificando o comportamento dele, na verdade, estou justificando o
meu. Tudo o que eu quis desde a infância, era uma família para chamar de minha. E fiz tudo
errado. 
— Você não fez nada de errado, como o Alejandro me falou hoje, ele apenas mostrou a
verdadeira face. 
Joel ficou em silêncio, parecendo escolher suas palavras:
— Você e esse rapaz estão bem próximos… 
— É verdade… — concordei sorrindo ao ver Joel como todo homem com uma filha,
encabulado de ter que perguntar certas coisas — Joel, você acredita em destino? 
— Não saberia te responder…, mas acredito em Deus. 
— Bom, para ser franca eu não acreditava muito não, mas sabe, estou mudando de ideia. 
— Por causa dele? 
— Sim. Ele é um homem que aparece diante de mim quando menos espero, quando mais
preciso, fora que é surreal como nos damos bem, desde o princípio… Mas duvido que
queira ouvir sobre isso. 
Ele colocou o livro de lado e sorriu. 
— Não se preocupe, na verdade. Lembra que eu falei que gostei da mãe de Richard? Foi
naquela idade em que comecei a tomar consciência do outro sexo. Li um livro sobre almas
destinadas, que todos os seres vivos foram feitos em par, para que nunca ficassem
sozinhos…, achei que aquela garota seria o meu par, entretanto, não era. Porém, hoje,
vendo a forma como seus olhos brilharam, acho que vou ter que concordar.
Sorri e desci o olhar para sua mão, vi a foto que ele segurava, envelhecida, com muitas
crianças em frente ao orfanato.
— Qual deles era você? — perguntei. 
— Nenhum deles. 
— Mas…
— Quando fiquei adulto, o orfanato pegou fogo. Quase nada foi salvo, mas em meio aos
destroços, encontrei essa foto e guardei…, na época, achei que poderia fingir que um deles
era eu. 
A voz de Joel deu uma leve estremecida, hoje realmente estava sendo um dia doloroso para
ele, a solidão insistente em seu coração se fazia presente, o que me fez perceber o quanto as
marcas de dor estavam dentro de todos nós. Às vezes, para sempre. 
CAPÍTULO 16
“ Qualquer um pode amar uma rosa, mas é preciso um grande coração para
incluir seus espinhos.  ” - Clarice Lispector

KAYLA • Kayla Johnson


 
Quinta-feira, 23 de dezembro de 2021.
 
Após Joel sair do quarto, fiquei olhando para a porta que ele acabou de passar, reflexiva
imaginando um menino em meio ao orfanato e o homem que se tornou, anos depois.
Suspirei e olhei para o teto do quarto com extremo pesar. Queria de todo meu coração, ter o
poder de tirar as dores do seu coração. Afinal, ele era um bom homem. 
Em compensação…
Deslizei o olhar para as coisas de Richard dentro da caixa e todo o pesar se foi dando vazão
a um sorriso maquiavélico. Eu estava confiante em vê-lo se afogando nas próprias ações.
Me permitiria ser ruim hoje, desceria ao inferno dele para vê-lo queimar, pensei. Neste
momento, senti algo dentro de mim mudar, abstendo-me de qualquer sentimento de culpa
ou remorso. Peguei o aparelho celular e publiquei a foto que estava prestes a postar antes
do Joel me interromper. Já ia fechar a tela do aparelho e colocá-lo de lado, quando o celular
começou a tocar. Me sobressaltei, porém, a surpresa maior foi quando vi o nome na tela. 
" Noah Evans (Chefe.) "
Levada pela curiosidade, atendi sem pensar. Afinal, o que faria o meu chefe ligar àquela
hora?:
— Sim…?
— Como tem passado, Boneca? — falou ele fazendo sua voz macia e bajuladora, que mais
parecia "sarcástica e provocativa" para mim — Ao que parece, muito bem, não é mesmo?
Afinal, "O adeus pode ser libertador.". Tão libertador, que te faz desaparecer e não atender
chamadas…, ao ponto de nem sequer RETORNAR às chamadas não atendidas... 
Ressentido ele? Não, imagina! Poxa! Mirei no amor, acertei na terapia. Mirei na terapia,
acertei no caos em um único dia.
— Evans, não é bem assim… — comecei com a voz cansada — O dia hoje foi turbulento e…
— Ah! Já o vejo… — retorquiu me interrompendo, deixando claro que ele estava pouco se
importando se meu dia foi turbulento, pois o dele também foi. Entretanto, seguiu falando: 
— Ademais, imagino que não precise de mim…, ou das informações que reuni. 
Com um chefe destes quem precisa de inimigos?! Conclui  Mas, como um peixe mordendo a
isca, minha curiosidade foi instigada pelo homem. Que informações será que ele tem para
mim?
Bufei pouco antes de amaciar a minha voz, imitando o seu jeito de falar:
— Vamos, Noah… Não seja assim, eu te adoro. Você sabe que é o melhor chefe que já tive…
E é claro, toda e qualquer informação para mim é de grande valia, ainda mais vindo do
senhor, o meu chefe, incrível e maravilhoso! Que um dia já foi o melhor jornalista que
Londres já viu! 
O silêncio foi mortal e tive dificuldade de conter o meu riso travesso, que ameaçava querer
escapar. Sabia que estava alfinetando o ego do homem.
Escutei o estalar de sua língua em sinal de irritação e meu sorriso ampliou.
— Tsc… "Já foi" — disse mordaz — Você é terrível bajulando os outros, sabia? 
— Só quando é proposital — respondi dando de ombros — Vamos, Evans, fale de uma vez.
Após poucos segundos, ouvi o riso dele e mais alguns sons de farfalhar, como se estivesse
se acomodando melhor em sua cadeira.  Em seguida, ouvi o som de papéis e ele começou a
dizer sem delongas:  
— Olha, é o seguinte: O motivo pelo qual liguei anteriormente é sobre o seu ex. Segundo
fontes, ele está sem dinheiro, tentou ter o suporte de sua amante McGregor, mas os filhos
do falecido marido dela, o jogaram para fora da casa antes que ela pudesse fazer qualquer
coisa. Então, sem dúvidas ele irá atrás de Joel... Saia daí, boneca, não é seguro.
Sua voz não era mais de um chefe e sim de um amigo.
— Sinto lhe informar, a sua informação está atrasada, Evans. Já aconteceu toda merda que
poderia ter acontecido…  — Informei-o e me joguei para trás, caindo na cama. 
— O quê?! — exclamou e novamente me vi relatando o ocorrido, que por bem ou mal,
estaria gravado em minha mente. Ao fim de toda narrativa, escutei o som de Evans batendo
na mesa irritadíssimo — Bastardo miserável! Irei pessoalmente redigir isso e publicar,
falarei com alguns conhecidos também. Ele será conhecido exatamente como o desgraçado
que é… 
Naquele ponto, assim como aconteceu quando Ethan estava falando, eu já não ouvia mais o
meu chefe. Com ideias borbulhando, e então, do nada o interrompi falando: 
— Calma aí, vingador… Tive uma ideia. E sim, ele será conhecido exatamente pelo que é...
— falei me sentando na cama, agitada — Evans, não quer mostrar a todos que você ainda é,
de fato, um jornalista incrível, mesmo aposentado das atividades?
Evans ficou em silêncio por um momento, ponderando e então respondeu:
— O que tem em mente?
Bingo!
— Venha para cá após pegar sua melhor fantasia para se disfarçar… Se quiser eu tenho
algumas perucas também — falei bem-humorada — Mas, para dar tempo, você tem que vir
imediatamente.  Logo pela manhã, vou encontrar Alejandro e passaremos o dia em um
orfanato que está ligado a uma escola aqui da cidade. Eu não tenho nenhuma dúvida que
Richard vai tentar chegar a mim…, e o meu plano é deixar.
— Você está louca, Kayla?! Ele é um homem! Biologicamente falando, já nasceu mais forte
que você e até onde lembro, você não é do tipo atlética… Inclusive, lembro que, da última
vez que usou uma calça baixa, a sua barriga… — completou ele em sua vingança de ferir
meu ego também e eu já estava pronta para mandá-lo  à merda, mas respirei fundo. 
— Noah Evans, foco! Então, segue o meu plano. Você se veste de mulher… — parei para
pensar por um segundo, não podia ser qualquer mulher, mas uma que pudesse transitar
pelo lugar — Já sei!  Consiga uma roupa de funcionária da limpeza. Tente se manter
próximo a mim, sempre! Eu vou tentar ao longo do dia, arrumar oportunidades para ficar
longe da segurança e dos repórteres.  Tenho certeza de que vou encontrar o filho da puta
do Richard. 
— Kayla, isso é arriscado, ele pode te machucar… Vamos tentar outro plano.
— Esta é a ideia! Eu QUERO que ele me machuque! Vou deixar  o GPS do meu relógio
ativado e o gravador de voz, assim conseguirá me encontrar… 
Evans ficou em silêncio e não podia dizer que não o entendia.
— Evans, se eu me mantiver em segurança, ninguém ao meu redor estará. O melhor jeito de
tirar o Richard de circulação é esse! — fiz uma breve pausa, obstinada em convencê-lo  —
Noah…, se você quiser me ajudar, me siga e grave tudo o que você conseguir. Mas te peço,
por favor, não interfira. Mesmo que você queira, não faça isso. 
Escutei um som de lamento e então um suspiro com um riso pesaroso.
— Mulheres são seres adoráveis, lindos e sedutores. Mas Deus me proteja do rancor de
vocês… — comentou ele, desistindo de tentar me fazer mudar de ideia — Certo, estou indo.
Pense nisso como uma compensação por todas as horas extras que já fiz você fazer. E você
terá que falar que ainda sou o melhor jornalista de Londres.
— Certo… Estarei te esperando. 

 
Sexta-feira, 24 de dezembro de 2021.
 
Na manhã seguinte, logo cedo, desci as escadas descalça me sentindo sonolenta, porém,
escutei alguns murmúrios vindos da sala e fui espiar, vi minha irmã sozinha perfeitamente
arrumada, mas muito tensa ao falar ao telefone. Falava baixo, me chamando a atenção e me
fazendo ter que me aproximar com passos leves, foram algumas falas suspeitas, porém, só
consegui pescar algumas frases:
" Senhor, tenho percebido algumas coisas suspeitas. Não confie… "
" Sim, senhor. Mas algo não está cheirando bem." 
" Não estou sendo paranoica, amigos de longa data também podem mudar… "
" Não tenho provas, mas isso não significa que eu não tenha razão. "
" Henry… " murmurou quase em um sibilar. A sua voz estava menos profissional, mais
íntima e ao mesmo tempo cansada. "... Certo, nos veremos logo. " 
Percebendo que ela iria desligar e se virar, me apressei em ir para a cozinha e me sentar à
mesa, Começando a preparar o meu café da manhã e fingindo estar despreocupada. Joel,
por coincidência, entrou em seguida pela porta dos fundos, trazendo com ele uma caixa
com algumas maçãs. Sorri dividindo o olhar entre as maçãs e ele. Em sua defesa e com o
rosto um pouco corado, Joel disse que a tia da vizinha havia mandado muitas, por isso ela
repartiu. Eu estava o provocando um pouco mais, quando Harley finalmente entrou na
cozinha com uma expressão sombria. 
— O que foi, Harley? — perguntei despretensiosamente. 
— Hum… hã? — O olhar dela se levantou para mim como se despertando dos seus
pensamentos e forçando o sorriso  — Nada. Apenas estou pensando demais…,
aparentemente. Hoje vou comer só uma torrada e tomar suco, tenho que me apressar para
ir. Aliás, Kayla, você deveria ir se trocar logo…, seu querido Alejandro logo deve chegar,
não?
Ela mudou o assunto para uma provocação barata, o que me deixou ainda mais aflita. Mas
tentei fingir demência sobre isso, então peguei uma torrada e joguei contra ela. 
— Ele não é “meu querido Alejandro”, Harley. E mesmo se caso vier a ser, não é da sua
conta. Vê se me erra! — respondi malcriada, entrando no seu jogo. 
Com um sorriso, ela pegou uma torrada na mesa e fingiu que ia jogar em mim, mas a
colocou na boca. Se aproximou de Joel e roubou uma maçã e foi até a geladeira, onde pegou
uma caixinha de suco de soja. A partir daquele momento, seus movimentos foram firmes,
rápidos e estava mais presa a ela mesma, com sua expressão sombria delatando no exato
momento em que sua atenção já não estava mais em nós, deixando até mesmo de dar um
simples "tchau" antes de sair.
O meu sorriso morreu e apoiei meus braços na mesa, reflexiva, olhando na direção que ela
estava indo. 
— O que foi? — questionou Joel já sem sorrir e um pouco mais mal-humorado, colocando a
caixa sobre a mesa  — Vocês duas estão tramando, omitindo, arquitetando…, está na cara.
Mas parece que cada uma está planejando uma coisa. Devo me preocupar? 
— Você é nosso pai, sempre deverá se preocupar — falei abrindo um largo sorriso para ele
e me levantei da mesa, já sem fome. 
— Depois de uma adolescência tranquila, tenho que me preocupar com vocês adultas,
quando já não posso mandar em vocês… — murmurou Joel em um meio sorriso amargo,
quando a campainha tocou. 
— Ficaremos bem… Eu acho. Mas independente de tudo, você não tem culpa nenhuma das
nossas escolhas e decisões,  Joel. Exatamente por sermos adultas, fazemos aquilo que
sentimos que devemos fazer, certo? Só continue sendo o nosso lar para voltar — A
campainha voltou a tocar insistente, me aproximei de Joel e lhe dei um beijo na testa, assim
como fiz com Scarlet —  Oh! Deve ser o Alejandro, para ser tão insistente. 
Logo me apressei em sair da cozinha, indo para a porta da frente. Quando enfim abri a
porta e vi Alejandro, instintivamente meu olhar desceu pelo seu corpo. Ele estava de calças
jeans que modelavam bem as suas pernas, uma camisa simples sem estampa que ressaltava
seu porte atlético e um blazer por cima. Tão lindo…
— Bom dia, Kayla — falou e antes mesmo que eu levantasse o olhar, sabia que ele estava
sorrindo. 
Mordi o lábio inferior, buscando uma desculpa qualquer, quando lembrei que íamos passar
o dia com crianças. 
— Está bem-produzido para quem irá cuidar de crianças, grandão… — comentei,
levantando um olhar despreocupado e me encostando no batente da porta.
O olhar astuto de Alejandro sobre mim, me fez ter a sensação de que ele quase poderia ler a
minha mente com facilidade e sabia que falei apenas a primeira coisa que me veio à mente.
Então ele passou a mão pelo blazer, chamando a minha atenção involuntária. 
— Ao chegar lá, tirarei o blazer e ficarei mais confortável, não precisa se preocupar,
pequena — respondeu casualmente, mas tirou a mão de si mesmo e se aproximou de mim,
para pegar a barra da minha camisa — Mas admito, em questão de ir confortável, nunca
pensei que você iria de pijama. Você sempre supera as minhas expectativas. 
Parei e olhei bem minhas roupas, antes de fechar os olhos com força. Droga…
— Certo, senhor engraçadinho, touché! Por favor, entre. Vou me trocar… — falei dando
espaço para que ele pudesse passar.  
(...) 
Me trocar não foi o problema, tampouco me olhar no espelho e saber que hoje voltaria toda
machucada para casa. Estava decidida como há muito tempo não estava. O problema foi
quando Alejandro me viu devidamente arrumada, com uma calça preta, uma camisa branca
de manga longa, dando um ar mais social e uma bolsa grande de couro. Ele lembrou que eu
estava indo lá a trabalho e tinha mais planos do que apenas ajudar as crianças, plano este,
que ele não estava de acordo.
Logo após me despedir de Joel e entrar no carro do Alejandro, este tentou descobrir o meu
plano. Mas, vendo como eu me negava veementemente a falar, ele entendeu o nível de
perigo no qual eu pretendia me colocar e por isso começou a tentar me fazer mudar de
ideia e planejar outro plano, um mais seguro. No entanto, na sua falta de paciência, ele
ameaçou colocar seguranças grudados em mim para que estes me impedissem de fazer o
que quer que fosse. Resultado, chegamos ao orfanato brigados. Mas não me importei,
mesmo se ele resolvesse não falar mais comigo, não mudaria nada do meu dia. Já estava
pronta, as mangas eram largas perto dos bolsos, cobrindo totalmente meu relógio. A camisa
era clara, assim, se por acaso sangrasse, teria mais destaque.
Porém, não tive tempo para ficar pensando ou não. Mesmo tendo chegado cedo, podíamos
ver ao longe nos jardins, uma equipe montando brinquedos como pula pula, algumas
barracas do lado de fora para o público comprar coisas e ajudar na arrecadação de
dinheiro. Assim como vários jornalistas, que embora estivessem com sono, tomando seus
cafés, não estavam alheios à nossa chegada. Alejandro tentou  evitá-los, mas como uma boa
menina que hoje aparentemente eu não era, segurei o braço dele e o mantive parado no
mesmo lugar. 
— Kayla Johnson e Alejandro Ward, chegando juntos ao evento beneficente! Tem algo que
deveríamos saber, senhorita? — começou um deles enquanto outros fotografavam. 
— Bom dia! Vocês já devem ter visto a última publicação na minha rede social, aquela
referente à parcerias… — comecei com um sorriso polido e o olhar apático de sempre — Na
foto havia Alejandro, que é sobrinho do prefeito da cidade, e a outra mão era do delegado
Ethan, que é o responsável pela segurança policial do evento. Resolvemos nos unir para
poder ajudar este ano e conseguir mais doações para estas crianças que carecem de tantas
coisas…
— Mas por quê decidiu fazer isso? Não é como se você participasse de muitos eventos
abertos assim… — questionou outro ávido por tentar me fazer parecer mal. 
— Após o último evento infeliz, vim para casa… — falei fazendo algum drama, levando a
mão livre ao rosto — E acabei tendo um encontro inesperado com o prefeito da cidade.
Este que por puro acaso, descobri ser o chefe de minha irmã mais velha. Casualmente, ouvi
sobre o evento de caridade e pensei "Porquê não?!". Afinal, ultimamente meu nome tem
estado na boca de vocês, em conjunto com o do senhor Ward… Poderíamos fazer um dia
ruim, prover coisas boas aos demais, não acham? 
A mentira e a verdade são definidas por uma linha tênue e quanto mais perto da verdade,
mais sólida é a mentira. Por isso, os melhores mentirosos só são pegos em pequenos deslizes.
Ponderei enquanto refletia nas minhas palavras com um fundo ácido. 
— E você, o famoso Alejandro Kaleo Ward, não tem nada a acrescentar? — perguntou um
dos jornalistas com um olhar afiado.
Alejandro, que expressava claramente em seu rosto o seu desgosto pela mídia, fitou o
homem com o seu olhar quase o perfurando. 
— Depende do que você quer que eu diga. Se for o que estamos fazendo aqui e o que nos
motivou, ela já os informou. Algo mais que isso, seria apenas mais alguma frase para
desencadear alguma especulação para alimentar as suas fofocas.
Por um segundo travei, pois o seu tom firme e incontestável, fazia parecer que ele estava
chamando o homem para briga. Porém, o assombro de todos com as palavras dele, não
durou por muito mais tempo. Por este motivo, apertei com firmeza o braço dele e falei,
tomando a frente:
— Agora devemos ir, as crianças nos esperam! Aproveitem o evento! Espero que vocês
tenham um bom dia — falei mantendo o sorriso enquanto o guiava ao orfanato.
(...) 
Já dentro do orfanato, tudo estava uma grande agitação. As crianças, pequenas e grandes,
mal viram a nossa entrada. Demos alguns passos adiante e percebi que entramos e fomos
direto ao pátio onde era servida a alimentação de todas as crianças e  que, aparentemente,
todas estavam reunidas no mesmo lugar. As mais novas primeiro e em ordem crescente,
com as demais ao fundo. Algumas freiras tentavam apaziguar os mais agitados.
Como as menores estavam mais perto, permitindo-nos reparar com mais atenção os seus
detalhes, de banho tomado, roupas bem alinhadas, cabelos penteados e com gel… Recordei
por um momento, como minha mãe também era apegada à nossa aparência em datas assim
e quase pude  escutá-la falando: “Nada de sujar a roupa nova, meninas!”
Entre as conversas paralelas das crianças, uma me chamou atenção tirando-me dos
pensamentos. Era sobre o Papai Noel.
Um deles falou que ficaria escondido para vê-lo e a outra criança, uma menininha do cabelo
preso em um rabo de cavalo, colocou a mão no quadril e disse brava: " Não seja burro,
Tristan! Enquanto você estiver acordado, ele não vai aparecer! E se ele não aparecer
porque você não dormiu… Vou por uma rã na sua cama!".
Tive que me segurar para não rir, mas aparentemente Tristan não queria que os outros
soubessem que tinha medo de rãs, então, mesmo com o rosto esverdeado, respondeu: "E
eu…, chamarei o homem da capa preta para você!" 
Homem da capa preta? Tinha algo assim na minha época?
Naquele instante, uma mulher idosa chegou apressada segurando a barra de sua roupa
para não tropeçar. 
— Tristan, deixe a Beatriz! Crianças, por favor, se comportem! Temos convidados! — falou
a "Irmã Lizzie", segundo seu crachá — Me desculpem por não estar lá fora para recebê-los, 
eles ficam tão empolgados que é difícil controlá-los. Mas,  em todo caso, estamos
imensamente felizes com a participação de vocês. Senhor Ward, é um prazer tê-lo
novamente por aqui. Senhorita Johnson, é um prazer  conhecê-la, seja bem-vinda. 
Contudo, a irmã Lizzie não pôde falar muito mais, pois algumas crianças curiosas vieram ao
nosso encontro. As que conheciam Alejandro, se agarraram às suas pernas e ele se abaixou
sorridente para brincar com eles, desmontando-se completamente do homem frio e grosso.
Enquanto outras, me olhavam com muita curiosidade paradas à minha frente. 
Engoli em seco. Ai, meu Deus! Tinha esquecido de um detalhe importante…, não sei lidar com
crianças! 
Não tinha muita experiência com crianças e não sabia sequer por onde começar. Contudo,
aparentemente, para elas isso não era um problema,  pois uma chuva de perguntas viera
em minha direção, como: "Quem é você?", "Qual seu nome?", "Quantos anos você tem?"... Até
alguns minis galanteadores que definitivamente roubaram meu coração como: "Você é
muito bonita, sabia?”, “Você namora?". 
Claro, também algumas perguntas problemáticas como: "Você é namorada do tio Alejandro?",
"Você veio aqui só para tirar foto?" e o golpe final: "Não gosto de você, sou eu que vou casar
com o tio Alejandro!" e “ Você vai adotar algum de nós?!”
Gente… Minha cabeça parecia ter dado uma volta de 360° graus, eu  simplesmente  não
sabia por onde começar. Me senti agitada e dei um passo para trás, chamando a atenção de
Alejandro. Por sorte, ou devido a minha expressão,  fui salva por ele, que levantou e tomou
uma postura estranha, como se fosse um monstro e disse: 
— Se continuarem assustando a moça, vou anotar o nome de cada um de vocês e…, vou
mandar para o Papai Noel! E todos vocês irão ganhar carvão!!! — exclamou apontando
lentamente para eles e então, deu uma gargalhada maligna no final.
Vi as crianças paralisadas olhando o grande homem com os olhos arregalados e então
quase fiquei surda:
— Nãooo!!! — gritaram todas elas, empalidecendo assustadas e saíram correndo pelo
corredor com o Alejandro indo atrás delas. 
A visão me assustou e então sorri, Alejandro seria um bom pai algum dia. No entanto,
algumas crianças mais retraídas apenas observavam e nem sequer saiam de suas mesas.
Elas eram um pouco mais velhas e não pareciam prestar atenção nas coisas ao redor. Vi as
irmãs as chamando uma por uma e numa sensação de inutilidade, tentei fazer o mesmo que
elas para não ficar apenas olhando. 
Todos estavam acostumados e apenas eu estava ali deslocada…, até que vi uma menina
andando mais lentamente, ficando para trás e senti alguma familiaridade, ou achei que
sentia. Pois, ao chegar nela, percebi que tremia. Ao longe, escutei a irmã chamando o nome
de duas crianças e percebi que uma delas era aquela, quando escutei: "Ana, achei. Está com
a senhorita Johnson”, e então ela seguiu procurando a outra criança.
Me aproximei da Ana um pouco mais e coloquei a mão em seu ombro, o que a fez se
sobressaltar. 
— Ana...? O que foi, minha linda? Está muito assustada… — perguntei com calma e me
abaixei à sua altura. 
— Tem muita gente aqui…, gente que não conheço, estou com medo — confessou ela,
mesmo que eu fosse uma daquelas pessoas. Antes que me desse conta, me vi pegando-a nos
braços e me levantando com ela no colo. 
— Vai ficar tudo bem, a tia Kayla está aqui. Eu também estou com medo, mas eu vou te falar
um segredo: Tem alguns moços estranhos de terno em algum lugar perto, eles são
seguranças. Vão nos manter bem!
— Mas eu tenho medo é do homem da capa preta… — murmurou ela. 
De novo este homem da capa preta, engraçado como falavam dele como se realmente
existisse e aparecesse por ali.
— Homem da capa preta? — tentei tirar a informação dela.
— Sim, é o homem que pega as crianças malvadas e as leva embora para algum lugar que
nunca mais serão felizes! — explicou ela, gesticulando muito séria. 
Certo, é um personagem para assustar as crianças para se comportarem… 
— Sério?! Nossa, que homem perigoso! Por isso temos que ser boazinhas! — falei para ela
fingindo medo. 
— Sim…, mas ele leva…
— Ana, senhorita Johnson, venham! A sala da história é por aqui! — exclamou mais à frente
a irmã Lizzie, interrompendo a menina. Acariciando as costas da menina para acalmá-la,
caminhei em direção à tal sala. E o que lá encontrei, não era nada do que esperava. 
Um Alejandro sorridente, sendo atacado por alguns meninos enquanto as meninas
tentavam salvá-lo. Todos pareciam muito felizes, alegres e brincalhões. Por isso, coloquei
Ana no chão, esperando que ela fosse brincar também. Contudo, ela decidiu agarrar-se em
mim, mais precisamente em minhas pernas e ficou comigo na porta apenas olhando por
algum tempo.
Enquanto eu estava embasbacada olhando a cena, senti alguém passando a mão pelas
minhas costas. Me virei em rompante, buscando quem foi que o fez e vi uma mulher idosa,
vestida como funcionária de limpeza... Ela estava caminhando pelo corredor, puxando um
carrinho pequeno com o esfregão e como se sentisse o meu olhar, se virou levemente em
minha direção, apenas o suficiente para que eu pudesse ver o seu rosto. 
Um sorriso de pura graça, veio antes que eu pudesse conter. Era o meu chefe! E ele estava
parecendo a Senhora Euphegenia do filme "Mrs. Doubtfire"! Mordi meus lábios e virei o meu
olhar para frente novamente. Bom, ao menos sei que deu tempo dele chegar aqui. Pensei
entre os tantos risos internos. 

 
 
EXTRA - Fã Service aos leitores de “Vendida ao sultão”
 
“Nosso próprio campo eliseo."
As próximas horas foram bem divertidas, uma vez que tomei coragem de entrar na sala.
Alejandro ficou contando algumas histórias para as crianças mais agitadas e eu fiquei
responsável pelas outras que estavam mais tímidas. Alguns fotógrafos foram permitidos na
sala, contanto que não atrapalhassem.
Li histórias clássicas famosas conforme eles pegavam os livros na prateleira e me
entregavam. Eram crianças na verdade silenciosas e observadoras, em determinado ponto
entendi que não tinha nada a ver com timidez, apenas não estavam mais na leve e divertida
superfície visão infantil. Eles já tinham uma maior consciência do mundo. O que era triste,
eles deveriam apenas ser crianças. 
Já no décimo livro, depois de Ali babá e os quarenta ladrões, foi Ana quem escolheu a
história. No caso ela pegou um livro que só tinha uma flor na capa, o que achei curioso. 
— Senhorita Kayla, lê para nós! Na verdade, eu gosto muito desta história…, mas elas já
leram muitas vezes e falaram que não leriam mais.   
Então li, era uma história diferente das infantis comuns. Passava entre as areias do deserto
onde uma menina foi prometida a um príncipe, no entanto, homens cruéis a levaram de sua
família e destruíram tudo e por isso a menina não pôde se casar com o príncipe. Por anos
ela sofreu e o príncipe também, ambos achando que estavam sozinhos no mundo.
Entretanto, mesmo com muitos percalços, eles conseguiram se tornar adultos  fortes,
inteligentes e corajosos. Queriam se vingar da pessoa cruel que lhes fez mal.
Esta parte da história até foi engraçada, pois vi a empolgação daqueles que nem sequer se
expressavam muito. Não que eles quisessem vingança, mas tinham esperança de serem
adultos fortes e destemidos também, mesmo sozinhos. O que admito, me emocionou. 
Em parte da história, mostrou um grande deserto ilustrado nas folhas que mostrei a elas,
abaixando o livro. Um homem todo de preto de um lado e uma menina toda de branco do
outro lado se olhando. A leitura seguiu sendo rápida, como se eu estivesse recordando,
como se estivesse vivendo conforme contava a elas, - embora sentisse que muitos detalhes
não eram contados, o  que era normal, uma vez que era um livro infantil - o reencontro com o
príncipe, a queda dos vilões, as amizades que eles fizeram, os desafios que venceram juntos
para no fim, estarem juntos sentados em meio a um jardim, rodeados de crianças, assim
como eu estava naquele momento. Havia uma ilustração no final da história, dos
personagens. 
Por algum motivo, o sentimento nostálgico que eu sentia, não me deixou, aquele jardim era
familiar. Talvez eu tenha o visto em algum sonho, é isso… Tenho certeza. Afirmei me
lembrando que no sonho abracei alguém e quase estava conseguindo me lembrar com mais
detalhes, quando senti a mão de alguém em meu ombro. Me virei em direção à pessoa que
tocou meu ombro e vi uma mistura de rostos, o homem dos meus sonhos e Alejandro, até
que ficou apenas o Alejandro. 
— Kayla? A hora das histórias terminou, as crianças já foram para o jardim para brincar
nos brinquedos que meu tio preparou. Você ficou um bom tempo acariciando essa
ilustração. Está bem, pequena?
— Oh! Desculpe, acho que sonhei acordada — admiti me sentindo boba, mas, ainda envolta
pelo sentimento que me tomou com ela, continuei: — Gostei desta história para falar a
verdade, o protagonista me lembrou um pouco você.
Ele parou e olhou bem a história, então sorriu. 
— Oh! É esta história é baseada em um casal que existiu. As crianças gostam bastante dela,
a primeira vez que li, cheguei a sonhar como se eu fosse o tal príncipe.  — falou rindo e
estendeu a mão para mim — Mas isso é provavelmente porque me fizeram reler algumas
vezes, repetidamente apenas.
— Mas se foram um casal real, já pensou se você fosse ele mesmo? — argumentei sem
pensar, mas decidi não voltar atrás no que disse.
— Acredita em reencarnação? — perguntou curioso.
— Não sei, foi só um pensamento que me passou pela mente. 
— Hum… — refletiu sério e me respondeu em igual tom — Bom, se eu fosse a reencarnação
do príncipe desta história, acreditaria pela lógica que você é a princesa, se bem me lembro,
ela também tinha olhos surpreendentes. 
Coloquei o livro em uma mesa próxima, sorrindo.
— Então, Alejandro, talvez você deva começar a pensar num jardim de flores azuis. 
EXTRA 3
E se... o lado ruim não for “Domesticado pela índole e moral?

RICHARD • Richard Johnson


 
 
Ainda conseguia lembrar das minhas aventuras na pré-escola e como tudo isso começou…
 
Era dia de levar os nossos brinquedos, mas entre um dos alunos, havia um garoto que levou
um brinquedo incrível. Um avião perfeito, que ainda podia voar! E é claro que todos nós
deixamos de lado os nossos próprios para ficar admirando o tal brinquedo. Entretanto, a
professora disse que não deveríamos soltar os nossos brinquedos e/ou fazer pouco caso deles.
Afinal, cada brinquedo era uma emoção importante, por isso, ele era o nosso favorito, pela
mesma razão, os escolhemos para levar à escola.
Ela nos fez sentar em nossas mesas e, um a um, falamos o porquê aquele brinquedo era
especial. Pouco a pouco, todos foram lembrando o porquê gostavam dos seus brinquedos,
mesmo que não fossem tão incríveis. O menino do avião, por exemplo, amava aquele avião,
não porque ele podia voar, mas porque ele foi feito idêntico ao avião que seu avô pilotava e
que ele faleceu no ano anterior. 
Todos pareciam bem emocionados, mas e eu? Só tinha uma coisa em mente: Era um avião tão
legal e ele podia voar tão alto, mas o menino simplesmente mantinha-o em seu abraço quase
todo tempo. Eu faria muito melhor uso… Brincaria muito mais e cheguei à conclusão de que
aquele avião seria melhor se fosse meu. 
Mas não era… 
Na hora do recreio, todos foram brincar de bola e deixaram seus brinquedos na sala. E, sem
que os adultos me vissem, voltei à sala de aula e brinquei com o avião. Entretanto, no
momento em que alguém abriu a porta eu deixei que o avião acertasse a lousa e caísse
quebrado no chão. Assustado e desesperado, olhei em direção à porta e vi um dos meninos
mais pobres olhando com os olhos arregalados. 
— Eu vim bu-buscar a-a minha bola… — disse ele como se se defendesse. E sim, uma bola era
o brinquedo favorito dele. 
Olhei para o controle em minha mão e para ele, pálido. Mas mesmo assustado ele veio até
mim e tentou me ajudar, arrumando o avião. E para falar a verdade, estava conseguindo,
ficaria apenas o arranhão como prova. Mas…, o sinal tocou e as pessoas estavam voltando,
comecei a tremer e a chorar. Senti um enorme medo me tomar, não queria falar para todos
que peguei o avião e o quebrei. Por isso, no momento em que a professora chegou e abriu a
porta, me levantei e corri para ela, menti, dizendo que o menino era quem havia quebrado o
avião, não eu. 
Ele me olhou assustado e  olhou a professora, ainda com o avião na mão. Ele tentou se
defender, mas no final, quando o menino dono do avião chegou e viu seu avião, ele partiu aos
socos para o garoto que segurava seu avião, exclamando sua raiva. A briga foi tão grande,
que esqueceram de mim. 
 
E acho que foi assim que tudo começou, o hábito de delegar as minhas culpas, afinal,
sempre, por algum motivo, tinham idiotas que ainda tentavam me ajudar. 
(...) 
Anos depois, quando já estava na faculdade, no entanto, as coisas mudaram. Meus tios
morreram e mandaram as minhas primas para casa. Fui contra, mas meu pai não quis me
escutar. E como previa, elas se tornaram o mundo daquele velho solitário.
Tudo que era meu por direito, foi tomado, um a um. Antes, eu era o mundo dele, afinal, não
tinha mãe.  Nos olhos dele sempre havia culpa, então, nunca me negou nada e entendi a sua
obrigação comigo. Fosse em presentes, desenhos, dinheiro… 
Aquelas garotas o fizeram me deixar de lado, não havia mais dinheiro do que o necessário
para o básico e o velho ainda teve a coragem de dizer:
— Sempre estive aqui por você, hoje elas precisam de mim. Richard, você é um adulto, você
pode entender que elas precisam do mesmo suporte que eu dou para você. Então luxos
serão desnecessários e o justo será o suficiente para vocês três. 
Se ele não tivesse acolhido elas, somente o “justo” não seria necessário! E quando havia
completado um ano com elas na casa dele, ele simplesmente não enviou dinheiro nenhum.
Meus amigos sumiram um a um, até a vadia da minha namorada me deixou. Aproveitei que
seria as minhas férias e voltei para casa, foi quando vi Kayla. Ela me deu as costas e
simplesmente correu. 
Era essa menina estranha que fazia uso do MEU DINHEIRO?
O sentimento de ódio perpetuava por todos os lados. Odiava-as, assim como a todos ao meu
redor. O que era para ser meu, fora tomado facilmente…  E foi aí que eu soube, era isso. Eu
deveria ser ainda pior... Iria acabar com aquele pedacinho do céu deles, assim como
acabaram com o meu.
Fiz aquela pirralha maldita pensar em mim, mesmo quando não queria,  fosse por ódio ou
simpatia. Me permiti ser um idiota falhando na frente dela e pedi que ela não contasse a
ninguém. Mostrei meu empenho em ser melhor a cada falha, fiz ela ver como Joel não
cuidava das minhas “feridas” como das dela. Até que a vi discutindo com meu pai, dizendo 
que ele estava sendo um péssimo pai para mim e que se o problema era dinheiro, mesmo
que ela não gostasse, usasse o dinheiro dos seus pais. 
— A empresa de  advocacia dos seus pais é o que restou vivo deles, além de vocês, não está
faltando nada para ninguém. Não precisa se preocupar, Richard é adulto e problemas fazem
parte da vida de um adulto, não sou um péssimo pai por isso. Além do mais, pensei que
vocês se odiavam. Fico feliz que começaram a se dar bem — ele falou na época, bancando o
velho sábio. Mas tudo que eu escutei foi  que elas tinham dinheiro, muito dinheiro, uma
empresa de advocacia. E quem perdeu foi apenas eu. 
Tomado pela raiva, seria impossível simpatizar com aquela garota, mas se ela queria tirar
tudo que era meu, eu iria tirar tudo que era dela. Aliás, ficaria melhor mesmo comigo do
que com uma idiota como ela. Afinal, logo eu me formaria.
Usei a desculpa de agradar ao Joel, para ficar ainda mais perto dela. Aos poucos a ensinei
como amar, e amar apenas a mim. Um processo lento e sem toques, apenas deixando-a com
a expectativa. Assim ela pensaria com mais força em mim… Sempre fui bom com as garotas,
elas gostavam de mentiras, mesmo que não admitissem. Queriam  um cara que dissesse
tudo que elas queriam ouvir, gostavam do que sentiam que não poderiam ter, elas
gostavam de objetos longe do seu alcance. Toda aquela expectativa que criavam foi o que
me fez ser irresistível para Kayla quando finalmente a beijei. Em algum momento a amei?
Não. Sempre a odiei e  dormia com outras pessoas. Sempre foi um grande jogo de interesse,
mas admitia que sempre foi como se eu criasse um rato de laboratório no qual o seu mundo
inteiro estava em mim, quem lhe provia suas necessidades.
No entanto, não demorou muito tempo para outras pessoas quererem ela. Inegavelmente
era sim bonita e chamava a atenção onde quer que estivesse. Era malditamente boa em
tudo que fazia, ainda que fosse fria como um bloco de gelo. Nos estudos, nas provas, nos
concursos. Ela dizia me amar, mas sempre estava cercada de pessoas ao seu redor
dispostas a ajudar…, fazer mundos e fundos por ela. Por uma benção de Deus, ela sempre
foi idiota demais para perceber isso. Correndo apenas para mim, para suprir a sua
necessidade de afeição. 
(...)
Em uma noite, conheci McGregor. 
Linda apesar da idade, viúva e um bom alvo... Ela estava sempre entre as pessoas da elite.
Em uma outra festa, a encontrei, mas desta vez eu que fui atrás dela com aquela conversa
de: Lembra de mim? Nos conhecemos em outra festa. Perdi a oportunidade na outra noite,
mas desta vez não deixarei de dizer: Você está impressionantemente linda. 
Após conversas banais, naquela mesma noite, estávamos rolando entre os lençóis,
enquanto Kayla estava trabalhando. Porém, no dia seguinte eu soube que trabalho era este.
Parecia quase um debute na sociedade, usando um longo vestido nos tapetes vermelhos de
uma festa dos mais altos níveis da elite. Ela disse que foi à festa entrevistar um senhor dono
de uma joalheria, mas que acabou ficando mais tempo com a sua esposa. E é claro que eu
não acreditei.
Sua carreira estava no auge, todos falavam dela e era cada vez mais requisitada. Aquilo me
irritou de tal forma, que me descontrolei, bebi e usei drogas pela primeira vez.
Por coincidência, encontrei McGregor de novo e, sob efeito das drogas, acabei desabafando
com ela todas as minhas frustrações. Naquele dia, ela se tornou minha amante e cúmplice,
pois ela me deu uma ideia de como roubar tudo que era da Kayla e me levar ao topo. 
Por um bom tempo, fiquei bem, sentia-me com o mundo nas mãos,   cada vez mais
confiante... Até aquela maldita festa em que fui pego por Kayla com a McGregor. Já estava
alterado pela bebida, porém, voltei a mim, somente quando recebi golpes de um
desconhecido que posteriormente descobri ser Alejandro Ward, um dos homens mais
misteriosos e ricos de toda aquela maldita festa.
 A pior humilhação foi nos dias seguintes, pois fui perseguido, culpado, contratos
quebrados, todos meus planos pareciam se desfazer diante de mim. 
Para completar, quando não fui aceito pela família da McGregor ou por meu pai, me senti
traído, mas logo pela manhã, quando pensei em entrar na casa, sem ser notado… Vi os dois,
Kayla e Alejandro. 
Pareciam bem juntos e Kayla tinha "aquele" brilho no olhar…, enquanto tinha uma
conversa agradável com aquele desgraçado. Não sabia o que eles falavam, mas eles estavam
tão amigos que não seria possível ter toda aquela intimidade em breves encontros desde
aquela festa. 
Essa maldita vagabunda estava me traindo o tempo todo e ainda quer se fazer de injustiçada!
Você está pastando no pasto do vizinho, mas você vai voltar para casa!
CAPÍTULO 17
“ Operação: Pegue o Richard...? ”

KAYLA • Kayla Johnson


 
•Atenção: Neste capítulo contém violência física, possível gatilho.
 
Sexta-feira, 24 de dezembro de 2021
 
Mais tarde, após a hora das histórias... 
 
Tiramos algumas fotos fazendo pose e demos alguma atenção aos jornalistas, para a
divulgação. Logo após isso, fomos para o jardim. Mas naquele instante, descobri que o
senhor perfeito, vulgo Alejandro, fez algo terrivelmente errado. Pois, aparentemente ao
mesmo tempo em que eu estava distraída entre meus pensamentos, as crianças insistiram
ao "tio Alejandro" para deixá-las ir para o jardim brincar. 
E  claro, ele esqueceu que elas fariam apresentações hoje e permitiu. Homens costumavam 
ser mais relaxados com detalhes deste tipo, o que tornava tudo ainda mais engraçado. E a
vista do jardim estava "linda". 
Vi as irmãs passando entre os moradores da cidade com esforço, em busca de alcançar
algumas das crianças. Enquanto isso, outras irmãs estavam tentando convencê-las a sair
dos brinquedos.  E o maior problema nem sequer era o fato delas estarem espalhadas por
todos os lados brincando, mas sim que elas estavam uma completa bagunça.
Completamente sujas, brincando como se não houvesse amanhã… Assim como o tio
Alejandro, esqueceram de seus deveres completamente.
Naquele instante, quase escutei a mente do Alejandro em um lamento de "fiz merda", mas
só o pensamento mesmo, pois ele apenas estava parado observando o tamanho do estrago.
Contudo, alguém que realmente parecia estar com uma expressão pior do que a dele era a
Irmã Lizzie que vinha até nós quase faiscando  sua ira. 
 — Vocês dois…, eu entendo que estão querendo fazer os gostos das crianças. Mas sério que
permitiram que eles fossem brincar antes da hora?! Olhe só o estado de desordem que eles
estão…, como se apresentarão? — por mais dez minutos escutamos as suas reclamações,
em completo silêncio de culpa. 
Não tínhamos direito à defesa, mas poderíamos tentar remediar. 
— Eu posso tentar pegar eles… — falei tentando ser solícita, mas a irmã me lançou um
olhar com tanto desdém que apenas me fez murmurar: — Desculpe…
Alejandro tomou a frente, protegendo-me com seu corpo e disse: 
— Irei ligar para o…. 
A irmã interrompeu Alejandro, este que já puxava seu aparelho celular:
— O dono das lojas de roupas infantis? — completou ela — Ele está aqui, me siga, por
favor. 
Assim, agitados, saíram rapidamente. Eu não tinha muito o que fazer naquela situação,
então não os segui e continuei parada no mesmo lugar. 
Me sentia deslocada naquele evento, parecia ser algo habitual para os demais e estava
convicta de que encontraria conhecidos, mas não tinha vontade para estar ali, nem sequer
me sentia confortável entre aquelas pessoas. 
Ademais, aquela multidão à minha volta, estava ao ponto de causar uma agitação forte
dentro de mim, com o coração batendo em disparada no peito, desejando me afastar delas
logo. E foi exatamente isso que fiz, quando dei meia volta e voltei para dentro do orfanato.
Havia funcionários caminhando apressados pelos corredores, alguns patrocinadores
discutindo coisas referentes ao evento, justamente por isso, o ambiente ali estava muito
mais calmo do que lá fora. 
Uma moça ali próxima, tomou a liberdade de se aproximar e informar que o meu batom
estava precisando ser retocado. Após a surpresa do primeiro momento, agradeci com o
olhar e fui em busca de um banheiro. 
Eu estava quase esquecendo do que realmente fui fazer lá, quando um carrinho de limpeza
passou sobre o meu pé me fazendo gemer de dor. 
— Oh! Desculpe, querida — disse falsamente Noah. 
Ao olhar o rosto dele, recordei o plano. E me dei conta de  que a ida ao banheiro parecia
uma boa oportunidade, se o Richard estivesse me vigiando de algum lugar lá dentro, era
certo que iria atrás de mim. 
— Tudo bem…, acontece. Sabe, minha senhora, poderia, por favor, me informar a direção
do banheiro feminino? Preciso retocar minha maquiagem.
Demorou alguns segundos para Noah me responder e quando o fez, parecia uma boa
senhora, radiante. 
— Ah! Claro que sim! Te guiarei…
— Obrigada… 
(...)
Sem muita demora, conseguimos chegar ao banheiro. Já estava próximo à hora do almoço,
então as pessoas já estavam se reunindo no refeitório, o que deixava o corredor com pouco
movimento.
— Kayla, ainda não vi o Richard, tem certeza de que ele virá? —  sussurrou ele.
—  Tenho absoluta… — respondi no mesmo tom, apenas para voltar a falar em seguida: — 
Muito obrigada, senhora. Eu estava completamente perdida, não sei o que faria sem você.
—  Ah! Não foi nada, querida! —  concordou com a cabeça e seguiu andando calmamente. 
Quando enfim entrei no banheiro, me deparei com algumas colegas da mesma profissão e
assim que me viram, guardaram suas maquiagens e vieram me cumprimentar. 
—  Kayla! Sua sortuda, este tempo todo perto do bonitão do Alejandro! Que inveja! —  
comentou uma delas. 
—  Quase vale a pena ser traída para todo mundo saber, não é? —  falei na mesma falsa
amizade que elas.
—  Olha…, foi você que falou, não eu. Mas é sim! —  falou ela bem-humorada. 
— Vamos indo almoçar, até… — disse a outra pegando o braço da amiga e a guiando para
fora do banheiro.
Elas foram embora e eu pude enfim, tirar aquele sorriso do meu rosto. Minha bochecha
estava dolorida, e ao ver o meu reflexo no espelho, a expressão de antipatia estava
estampada. Em todo caso, liguei o gravador de voz no relógio e o escondi novamente com a
manga da camisa. Porém, quando apoiei a mão sobre o balcão, agora um pouco nervosa e
trêmula, respirei fundo. Mas ao descer o olhar, vi um pequeno Papai Noel de decoração. 
Era véspera de Natal. Não era qualquer evento…, pela primeira vez desde o início daquele
meu plano, me senti mal. Realmente mal. Recordei dos olhos brilhantes das crianças, dos
seus sorrisos resplandecentes… Elas queriam um lar, uma família e estavam dando o seu
melhor para isso. 
Culpa e pesar, cresceram dentro de mim rapidamente. Respirar parecia um fardo pesado,
naquele momento. Cheguei à conclusão de que era melhor cancelar o plano… Avisaria meu
chefe e então manteria o dia delas perfeito, como deveria ser.
No entanto, pela minha visão periférica, vi uma grande sombra entrando no banheiro e o
som da porta trancando dava a certeza de quem era. Me virei em sua direção em um
rompante, surpresa. Ou nem tanto. 
Richard…,  pensei com grande pesar no coração, sabendo que já não era mais possível
cancelar nada. 
Ele estava todo de preto e de capuz, seu rosto hoje estava mais pálido e a sua expressão
estava mais raivosa do que da última vez em que o vi.
— O que foi, Kayla? Parece assustada — disse ele dando um sorriso de canto ao mesmo
tempo  que baixava o capuz do moletom. 
Engoli em seco. 
— Richard, o que faz aqui? — me afastei um passo para o lado enquanto ele deu um passo
em minha direção. 
Me via como um animal coagido pelo predador e isso, claramente, lhe dava segurança. Seus
olhos demonstravam sua satisfação em um brilho enigmático.
— O que eu faço aqui? — retorquiu ele com a voz grave — A pergunta Kayla, é o que você
faz aqui? 
Richard deu outro passo em minha direção. 
Se aproximava aos poucos e a minha respiração ficava mais rápida a cada passo seu,
fazendo a adrenalina acentuar o compasso em minhas veias. Isso era bom por um lado, me
dava coragem de seguir com aquela estupidez… Mas por outro, despertava o mais profundo
medo. Sentimento que poderia pôr tudo a perder.
— Richard, eu vim apenas para participar de um evento de caridade. Por favor, saia. É o
banheiro feminino… — falei tentando me manter controlada  embora a voz estivesse já
estremecida, antecipando mentalmente as agressões e dores que sentiria.
Ele deu uma risada amarga, parecia que antevia o meu jogo, o que me deixou preocupada.
Será que era mais inteligente do que eu pensei? Tentei me afastar dele, porém, fiquei presa
na junção da parede com o balcão e a lateral que terminava em uma cabine. Isso não era um
bom sinal, estava encurralada.
— Kayla, não minta para mim. Está me achando com cara de idiota? Eu sei que você está
tendo um caso com o Alejandro.
De tudo que ele poderia falar, de longe, aquilo não era  o que eu esperava. 
— Você está louco?!
— Louco? Talvez, a minha mulher estava nos braços de outro esse tempo todo.  Kayla, você
tem que entender, você é minha! Sempre foi! Tive que fazer milagres para garantir que
você só visse a mim, te esperar ficar adulta... — ele levou as mãos à boca fingindo pesar —
E para quê? Para vir um qualquer e tomá-la de mim? Está brincando comigo? — rosnou ele
quase no fim da frase, alucinado e mergulhado em ira.
— Eu? Sua? — indaguei inconformada — Richard, você está esquecendo que você me traiu
e roubou? 
Ele sorriu friamente como um bom predador e esticou os seus braços em um rompante, me
puxando contra si. Tentou forçar um beijo, segurando minha nuca, mas, para me
desvencilhar do seu rosto,  dei-lhe um tapa. Colocando todo o pavor que sentia, comecei a
me debater em seus braços. Seu abraço ficou mais apertado, machucando a minha pele.
Deixando a certeza de  que se saísse dali com vida, as marcas seriam visíveis.
— Qual o problema de pegar e usar o que é meu como eu quero? O que foi? Agora você me
odeia? — disse ele rindo de forma que fez o meu estômago revirar. 
— Você não quer saber o que penso de você… — parei um segundo o encarando com um
sorriso de puro nervoso.
— Você mudou…  — ele se afastou o suficiente para pegar o meu rosto e me fazer olhá-lo
nos olhos — Você acha que aquele homem realmente quer você?
— Richard, você conheceu a Kayla que te amou. A que está diante de você, não te ama. É aí a
diferença!  — exclamei e cuspi em seu rosto — Conheci Alejandro na festa em que você me
traiu, se não lembra… Mas se eu vier a ter algo com ele, não se preocupe. Vou ser a primeira
a te agradecer. 
Eu esperei o arder do tapa no rosto. Fechei até os olhos antevendo a ação, mas não foi isso
que aconteceu. Vislumbrei apenas um Richard me olhando como se eu fosse a coisa mais
asquerosa que um dia ele colocou os olhos. Ele se afastou de mim com um pequeno espaço
entre nós, como se me tocar fosse a pior coisa que alguém poderia fazer enfatizando sua
expressão.
— É apenas comigo que você pode ficar, Kayla — afirmou ele ao voltar a se aproximar e me
segurar com força pelos braços  —  Você sempre foi minha e sempre vai ser… 
— Nunca fui uma mulher aos seus olhos, por isso que você nunca me tocou — comentei
indignada. Enquanto pensava em que ponto eu era a mulher dele, sempre fui nada além de
uma fonte de renda. 
Ele tirou as mãos dos meus braços e incrédulo me olhou antes de rir. 
— É esse o problema, Kayla? Eu não te vi como uma mulher... — disse sorrindo
perversamente — Por isso tem andado com aquele homem? Quer ser fodida?! 
Seu olhar desceu pelo meu corpo e me senti coberta de chorume de lixo enquanto o meu
corpo estremecia em repulsa. 
— Faz sentido, afinal, estava disposta a casar comigo para me ter em sua cama… — ele
voltou a aproximar-se de mim. Tentei fugir, contudo,  ele me pegou no ato e jogou meu
corpo contra a parede, prendendo seu corpo contra o meu — Agora não importa mais casar
de branco não é? 
Ele estava sendo sarcástico, tirando sarro de mim. Debochando da pessoa que almejava um
casamento perfeito. Tirava sarro do que,  por muito tempo, foi o meu sonho. Senti o ódio
crescer ainda mais dentro de mim. Richard levou sua mão à minha coxa, seu toque era algo
que acertava meu orgulho, minha honra e que enegrecia ainda mais meu coração. 
Ele levou as mãos ao meu traseiro, começou a se esfregar e se pressionar contra mim, a sua
ereção começou a me cutucar. Antes que desse por mim, irada, o empurrei com toda a força
e antes de pensar, voei em sua direção, socando-o. O imbecil cambaleou dois passos para
trás.
— Imundo! — exclamei e vi a saída atrás dele. Tentei ir em direção à porta, dando a volta
nele, quando o mesmo me empurrou com força para dentro de um dos boxes. 
 — Vadia! 
Cai sentada no vaso e antes que pudesse me recuperar, ele socou o meu rosto com
violência. Minha cabeça ficou tonta e antes que desse por mim, Richard segurava o meu
cabelo e me erguia.
— Vá para o inferno! — berrei com todas as minhas forças. 
Juntei uma coragem que desconhecia e acertei as suas bolas com uma bela joelhada. O urro
dele ecoou pelo banheiro,  o fazendo dobrar-se e sair da cabine batendo as costas no balcão
da pia atrás dele. As mãos passaram sobre seu órgão atingido, aproveitei aquele momento
para me levantar, apoiar na porta do box e gritar por socorro com todo ar que tinha em
meus pulmões.
Ele se recuperou o suficiente para me dar um tapa violento no rosto, que me fez cair no
chão. Naquele momento ele chutou minha barriga e costelas. Uma, duas, três vezes. Eu
arfava de dor e as lágrimas travaram a minha visão. 
— Se eles me pegarem, juro que você estará morta antes que eu seja condenado.
Condenado…, refleti enquanto cuspia sangue. Tentei levantar e senti dor em minhas
costelas, vi minha bolsa e, caído perto dela, o meu estojo de maquiagem com as coisas
esparramadas pelo chão. Entre eles, minha navalha de sobrancelha. Tudo doía muito, mas
eu precisava de mais provas para o gravador de voz.
— Por que Richard, o que eu te fiz de tão grave? — dei voz à pergunta que me atormentava
enquanto choramingava. O que para ele poderia ter entendido como mágoa, na verdade,
era de dor. Me arrastei para trás, em direção à bolsa, para pegar a navalha disfarçadamente 
— O que fiz para merecer isso? 
— Quer saber? Eu te odeio, Kayla. Sua mera existência me incomoda. Você não tem desejos
próprios ou ambições, mas o mundo faz tudo ao seu favor. Assim como tem uma fortuna
que nem sequer mexia, uma empresa de advocacia que você nem sequer se envolve. Por
quê não deveria tomar para mim? Eu sempre soube que meu futuro era grande, Kayla, e é
por isso, que tudo que é seu me pertence…
Seu olhar era psicótico, ele estava muito longe da pessoa que eu conhecia. Se aquela
realmente fosse sua verdadeira face, não havia nada para pensar sobre o passado, apenas
destruí-lo. 
— Você… — falei ofegante devido a dor —... Só pode ter algo que fez por merecer. Se você
toma algo de alguém…, isso só te torna um ladrão, um rato da pior espécie.
— Te matarei! — exclamou irritado, com seu rosto vermelho de ira e veio rapidamente em
minha direção para me enforcar. Usei a navalha para  golpeá-lo e me defender ao mesmo
tempo em que gritava um estridente: "Não!".
O urro de dor dele veio quando percebi que o tinha acertado. O vi com um grande corte no
rosto, da sua bochecha ao maxilar. Ele estava com a mão no rosto e  essa logo começou a
sangrar.  Me virei em direção à porta, pronta para me levantar em um rompante e ir em sua
direção, quando ele resmungou um: "Não vai não…", enquanto se esticava para pegar meu
pé. 
Senti por um momento que não teria salvação, pois até o presente instante, mesmo com
todo aquele barulho, ninguém chegou. Lágrimas rolaram pela minha face, contudo, um  um
sorriso nasceu trêmulo quando ele me puxou e eu tentei me segurar no chão liso.
 Espero que, ao menos, o peguem por homicídio…, entretanto, pela primeira vez em minha
vida,  pensei: Eu quero poder viver, por favor, Deus!
Como se Deus tivesse escutado meus pensamentos, a porta diante de mim foi aberta num
estouro forte. Luzes vieram de fora, flashes e muitas pessoas. Vi os seguranças entrando e
avançando sobre o Richard, fazendo com que ele me soltasse. Alejandro, que entrou logo
atrás deles, veio em minha direção, pálido. 
Respirei fundo, aliviada, ao mesmo tempo  que me desmanchei em lágrimas.
— Grandão…

 
CAPÍTULO 18
“ Instinto, alma gêmea ou apenas... amor? ”

ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward


 
Assim que terminei de discutir os trâmites com o principal fornecedor de roupas infantis
da cidade, o homem partiu com alguns de seus amigos, encaminhando-se para lidar com as
roupas e trazê-las o mais rápido possível. A irmã Lizzie, que outra hora estava soltando
faíscas de puro ódio, estava mais tranquila ao meu lado. Satisfeito, segui o olhar para trás,
buscando Kayla… Porém, ela não estava lá.
Minha satisfação morreu, dando lugar ao terror. Meus batimentos estavam mais fortes e
pesados, como se meu sangue tivesse coagulado e fosse mais difícil pulsá-lo, causando dor.
Levei a mão ao peito e engoli em seco. Com o olhar percorri a área ao redor, tentando me
manter calmo e fazendo um uso favorável da minha altura. Entretanto, não a vi.
Aumentando a apreensão. 
Com a respiração pesada, antes que desse por mim, meus pés começaram a avançar, passo
ante passo, com o meu olhar vagando para todos os lados em busca dela. A cada passo, me
sentia cada vez mais inquieto. Em algum momento, comecei a tirar as pessoas do meu
caminho  empurrando-as com os braços, como se estivesse nadando entre  elas. Meu olhar
era veloz e  não respondia quem quer que fosse que me chamasse, focado demais no meu
propósito. 
Kayla! Pensei, vendo uma mulher parecida com ela de costas. Apressei meus passos para
alcançá-la, mas assim que toquei seu ombro e ela se virou, vi que não era  quem eu
procurava.
— Desculpa… — sibilei e me virei, a garota segurou o meu braço, mas me desvencilhei dela,
não tinha tempo a perder.
Voltei a andar, em minha busca incessante pela mulher desmiolada que tomava meus
pensamentos, emoções e ações descontroladas. Lembranças dos nossos momentos, eram o
que mais me deixava consternado ao pensar no que poderia ocorrer de alguma forma…, o
risco de não voltar a vê-la como antes ou que algo houvesse lhe acometido. Tudo devido à
sua teimosia insistente! Não bastava o alvo em suas costas, acentuado por um ex violento à
solta, Kayla ainda potencializava tudo com essa maldita teimosia.
Na recordação do perigo e irresponsabilidade, lembrei do plano que ela tinha e se negou a
me dizer. Ainda sem vê-la em lugar algum, parei ao lado da parede do orfanato, um tanto
ofegante e soquei a parede, querendo urrar a minha frustração.
Porra!! Kayla… Inferno!! Cadê você?! 
Voltei a andar com meus pensamentos pessimistas começando a tomar o controle, quando
meus seguranças, com alguma dificuldade, pareceram finalmente chegar a mim. Apenas me
virei furioso e quase descontrolado,  pegando um deles pelo colarinho da roupa e rosnando
em meio à minha fala:
— Seu rádio… — sem entender, o homem pegou o rádio e me entregou. Tentei mexer nele e
chamar os demais, mas eu não sabia mexer naquela bosta, o que me deixou mais irritado
ainda quase o jogando contra a parede tamanha a minha frustração. 
— Senhor? O que houve?! Senhor?! — perguntou um deles receoso. 
Joguei o rádio em suas mãos e voltei minha mão a ele, mas desta vez a coloquei em seu
ombro.
— Kayla desapareceu, chame os seguranças dela… I-me-di-a-ta-men-te!
Agitados, eles se apressaram em chamar pelos seus rádios, porém, eu não poderia ficar ali
esperando a resposta deles pacientemente. Então voltei a olhar ao redor. 
Kayla, maldição. Cadê você? Pensei, mas naquele momento, vi em um espaço um pouco mais
aberto, a garotinha que anteriormente estava agarrada à Kayla. Ela estava branca como
papel e parecia precisar de ajuda, olhando para os lados, embora aparentemente não
conseguisse chamar ninguém ao seu redor. Será que ela sabia de algo? 
Deixei os seguranças para trás e fui ver o que havia acontecido. Inesperadamente, assim
que me viu, seus olhos se encheram de lágrimas. A garotinha correu para mim ao mesmo
tempo em que chorava inconsolavelmente. Me abaixei à sua altura recebendo um abraço.
— O que houve? — perguntei, tentando controlar a minha voz para não assustá-la.
— Um homem de preto… — balbuciou gesticulando e então veio outra onda de choro —
Banheiro…, a porta fechada…, as mulheres… Ajuda a Kayla! 
A menina mal conseguia falar algo compreensível, mas agarrava  minha roupa, me
sacudindo de forma desesperada. Ela era firme e estava obstinada. Os seguranças chegaram
atrás de mim, mas naquele momento eu estava tão focado na menina que por um instante
esqueci deles. 
— Respira, devagar… 3… Inspira…2… Respira…1… Inspira... — instruí — Agora me diga. 
— A Kayla foi para o banheiro e fui atrás dela, mas umas moças saíram e me mandaram
voltar para comer. Mas quando elas me mandavam voltar, um homem de roupa preta
entrou lá… — ela soluçou, mas bravamente segurou o choro e continuou rápido: — Tentei
abrir a porta, mas estava fechada!  Eu não sabia para quem pedir ajuda…,  sou criança!
Ninguém acredita em nós! Tio, por favor, acredite em mim! Por favor…
A menina, com suas mãos pequenas, segurou com mais força ainda a minha roupa, me
fazendo olhar em seus olhos.  Imediatamente a peguei no colo, me levantando. 
— Me mostre o caminho desse banheiro que ela entrou! — declarei muito alto enquanto
era tomado pela agitação. Em seguida, corri para dentro no orfanato, guiado pela garotinha.
No exato momento em que meu pé alcançou o assoalho do orfanato, meu sangue congelou
nas veias. O grito de Kayla ecoou, se assimilando muito a um grito de algum filme
horripilante de terror ao ponto de ecoar em minha mente.
Não tive tempo de parar e refletir nada, apenas corri em direção ao grito, e mesmo se
quisesse parar de correr, havia chamado a atenção de tantas pessoas que havia uma
pequena multidão atrás de mim. Quando cheguei em frente ao tal banheiro, os dois
seguranças de Kayla já estavam lá, tentando abrir a porta. Entreguei a menininha para uma
das mulheres próximas e ia tomar a frente quando os seguranças o fizeram primeiro.
Ambos em um único golpe chutaram a porta, estourando a fechadura.
Eles foram rápidos, dentro de poucos segundos entraram ocupando o meu campo de visão,
indo em direção ao Richard, o derrubando e imobilizando-o no chão. Porém, logo que eles
saíram do meu campo de visão, o pior cenário possível me atingiu e eu não via mais nada
além da Kayla. Ela que estava caída no chão, com os braços esticados em direção à porta, o
rosto machucado e banhado em lágrimas. Seus olhos estavam muito abertos,
demonstrando surpresa, mas alívio se espalhou por todo o seu rosto e ela se permitiu
chorar livremente.
— Grandão… — ela disse com sua voz embargada. 
Não vi em que momento aconteceu, mas estava ajoelhado no chão, a puxando para um
abraço…, entretanto, me refreei quando ela gemeu de dor. Ira me tomou e meu olhar foi em
direção ao Richard, mas Kayla segurou a minha roupa.
— Não vá atrás dele… — murmurou ela enquanto os policiais finalmente chegavam e
começavam a afastar as pessoas, para levar Richard embora algemado.
— Kayla… — comecei, mas ela me interrompeu. 
— Fique comigo, grandão…, eu consegui. Eu pensei que não conseguiria… — disse
fracamente devido à dor. 
Porém, quando Richard estava sendo levado, já passando pela porta, o olhar dela se
levantou em direção ao homem e sorriu satisfeita. Os xingamentos de Richard ficaram mais
altos, mais sujos e repugnantes, ecoando por todo o corredor. Eu sabia que ela tinha se
vingado do ex e naquele instante ele também  soube  que caiu em uma armadilha. Me senti
irritado com ela, muito irritado, queria eu mesmo descer suas calças e bater em sua bunda
até que me desse por satisfeito e toda a raiva passasse. Porém, não era o momento para
brigar com ela, não quando ela voltou seu olhar para mim e disse: — Ele não fará mais mal
a ninguém, posso dizer adeus ao passado...
— Sua pequena…  — comecei, porém, ela simplesmente desmaiou em meus braços e eu não
soube fazer mais nada senão chamar uma ambulância.
 
KAYLA • KAYLA JOHNSON
 
Sábado, 25 de dezembro de 2021
 
Acordei escutando o barulho da porta sendo aberta e fechada,  abri os olhos vendo um teto
tão branco que chegava a me causar incômodo e ardência nos olhos. Levantei a mão  para
tentar me proteger subitamente. Onde estava? O que houve?
Tentei me levantar, mas senti um terrível pulsar de dor nas costelas e braços que fez meu
braço de apoio fraquejar. Me vi caindo e fechei os olhos, mas mãos fortes me seguraram
antes de fato eu cair. Abri os olhos e vi pernas diante de mim, notei que tinha alguém
sentado em uma cadeira ao meu lado. Levantei o olhar e encontrei Alejandro dormindo
com os braços cruzados. E uma vez que entendi que não poderia ser ele a me segurar,
assustada, busquei o dono daquelas mãos e encontrei Joel quase caindo sobre Alejandro
para poder me segurar. 
Ele estava com uma expressão de alívio por ter impedido que me machucasse, então sorriu
e me empurrou de volta para trás, me ajeitando na cama. Verificou a minha pressão com os
dedos e me mandou seguir seus dedos, entre tantos outros procedimentos na sua calmaria
natural. 
— Oi, que susto você me deu. No check-up deste ano, nem sequer precisarei fazer teste do
coração. Você garantiu que ele está em pleno funcionamento — gracejou ele e então
continuou: —  Estamos no hospital, como você se sente? 
— Às vezes esqueço que você é médico, Joel… Hospital? O que estamos fazendo em um? 
— Apenas um humilde médico de um pequeno consultório — corrigiu ele humildemente —
Esqueceu o que aconteceu ontem? 
— Ontem? — questionei confusa. Porém, no instante em que meus olhos alcançaram a
maçã do rosto de Joel,  reconheci o inchaço e ferimento feito por Richard, automaticamente
lembrando de tudo que havia acontecido. Recordei das ameaças, dos golpes, do medo e da
dor... E estremeci. Lembrei também do meu relógio, me movimentei bruscamente na cama 
em busca dele, mas caí na cama devido à dor que irradiou pelo meu corpo ao ponto de
quase me fazer gritar.
Lágrimas brotaram em meus olhos e eu estava soluçando de dor, quando Alejandro
acordou. Se levantando em um rompante, perguntando onde doía. Ele verificou meu corpo,
checou a minha testa, apertou o botão chamando as enfermeiras. Nem sequer dando
atenção ao Joel, - na verdade, ao meu ver, talvez nem tivesse se dado conta da presença dele
- e tive a minha confirmação quando ele segurou minha mão e a levou aos lábios, beijando-
a. 
— Pequena, estou aqui com você — disse docemente, olhando tão profundamente nos
meus olhos e de uma forma tão intensa que me deixou sem reação — Fala comigo… Me
responde,  o que você está sentindo?
Alejandro levou minha mão à sua boca a beijando com carinho, então com a mão livre tirou
uma mecha do meu cabelo do caminho e manteve seu olhar fixo sobre mim enquanto
aguardava a resposta. Meu coração perdeu o compasso com sua gentileza e cuidado, um
sorriso brotou em meus lábios antes que pudesse controlar. Queria tocar seu rosto, queria
passar os dedos por seus olhos avermelhados de quem dormiu pouco. Dizer obrigada. Eu
podia ver que tamanha era a preocupação dele. Eu sou mais amada do que imaginava,
conclui em pensamento e uma felicidade me invadiu de uma forma tão absurda que um riso
baixo escapou conforme o fitava de volta no mais pleno silêncio.
Bom, eu acho que vou ter que casar com você, grandão… Porque, se tem alguém que ganha na
persistência…, este alguém é você! Fracamente, sinto pena daqueles que fazem negócios
contigo e dizem “não”. Pensei achando graça e outra risada me escapou ao ponto de minhas
costelas doerem e eu levar a mão à elas, percebendo que estavam enfaixadas. 
— Por que está rindo? O que diabos você está sentindo? A pancada na sua cabeça foi assim
tão forte? — ele parecia agitado e ainda mais preocupado a cada momento. Uma vozinha
endiabrada em minha mente me falava para continuar em silêncio. 
Ele, angustiado, olhou ao redor. Provavelmente procurando as enfermeiras que ainda não
haviam chegado. Naquele instante, se deu conta da presença de Joel e se assustou, o que fez
aumentar ainda mais o meu riso. Eu não conseguia parar de rir, ao ponto de me faltar o ar. 
Alejandro fez uma expressão ainda mais confusa, como se eu estivesse louca. Sua expressão
era cômica enquanto Joel já me olhava meneando a cabeça. Eu também não entendia  o
porquê achava tanta graça, mas era fofo e eu estava tão feliz… 
As enfermeiras chegaram apressadas, mas, uma vez que entraram e me viram rindo, quase
pude ler seus pensamentos inconformados. Pedi desculpas e tentei explicar, mas não
consegui.
— O que vocês colocaram no remédio dela? — questionou ele, indo até elas e segurando o
braço da mais próxima.
— Analgésico, senhor Ward — informou uma delas — Apenas isso... O que aconteceu?
— Não seja exagerado, grandão… Apenas estava rindo, não significa que fiquei louca —
falei me acomodando na cama, sem perder o sorriso — Venha aqui.
Por um momento o quarto caiu em silêncio quando ele se virou para mim, irritado. 
— Tenho minhas dúvidas se não ficou… Sou uma piada para você? Valeu a pena tudo isso?
Olhe para você… — começou a reclamar, porém, fez exatamente o que eu pedi. Vindo em
minha direção, passou as mãos no cabelo, coçando a cabeça, ainda irritado. Mas ao chegar
perto da cadeira, se sentou e cruzou os braços  — De tudo que poderia fazer…  Sabe quão
louco fiquei quando percebi que não estava comigo, como me senti quando ouvi seu grito?
— Eu imagino…, mas Alejandro, o que você quer que eu diga? Quanto perigo todos ao meu
redor estariam correndo enquanto eu ficasse protegida atrás de você…  — falei em um fio
de voz, mas nem um pouco arrependida. 
— Sua… — exclamou.
— Senhor, não deve estressar a paciente… — repreendeu uma das enfermeiras, embora ela
não estivesse com uma expressão nada boa para mim. Entretanto, a mulher foi
interrompida por  Joel, que já estava  empurrando-as gentilmente para fora ao mesmo
tempo em que saia do quarto. 
— Eles precisam conversar por um momento… — disse Joel astuto, conforme saía levando
a plateia. 
Agradeci internamente ao Joel, e voltei meu olhar ao Alejandro, que estava em um silêncio
mortal com o maxilar bem-marcado me fuzilando com seus olhos. Realmente lamentava
pelo que fiz ele sentir, mas eu não poderia apenas ficar olhando…, mesmo agora, aquele
ímpeto de fazer acontecer me atingiu e o provoquei um pouco mais:
— Parece que nossos onze anos de diferença chegaram… — comentei — Falo “Venha aqui”
e você senta? Venha mais perto de mim, levantar e falar alto dói…, não tem pena de mim? 
Tive certeza de que ele ia me mandar à merda, mas no final Alejandro apenas disse:
— Pena… Tsc. Não parecia doer tanto quando estava rindo… — retrucou ele a contragosto,
apoiando-se na cadeira para se levantar, deixando claro o seu desgosto. Ficou de pé e se
inclinou para frente, de modo que mesmo se eu murmurasse iria me escutar — Melhor
assim, senhorita?
— Muito… — E esta foi a última coisa que eu disse, antes de segurar o colarinho de sua
camisa e  puxá-lo  ao mesmo tempo que me erguia o suficiente para tomar os seus lábios
em um beijo. 
Uma corrente de eletricidade percorreu todo o meu corpo, assim como toda a euforia fazia
borboletas festejarem em minha barriga. Ele me afastou, surpreso.
— O que dia… — começou ele.
— Quer se casar comigo? — perguntei o interrompendo. 
Os olhos dele se abriram muito, e então, se estreitaram, perigosos, conforme se apoiava na
cama com uma das mãos e se aproximava de mim novamente.
—  Não brinque comigo… — disse em um tom carregado.
— Eu pareço estar brincando? — perguntei ainda o segurando e olhando nos seus olhos,
entretanto, uma súbita insegurança me tomou e desviei o olhar. E se ele falar que mudou de
ideia? — Tudo bem, não vim com uma proposta irrecusável e talvez já quebrei algumas
regras daquele contrato… Mas ainda quero você. 
Ele riu baixo,  levou a mão livre ao meu queixo e me fez voltar a olhá-lo. 
— Nunca pensei que seria pedido em casamento, mas… — respondeu ele sorrindo e
resvalando os lábios nos meus, causando pequenos choques — Eu aceito.
Aliviada, sorri e estávamos voltando a nos beijar quando alguém entrou no quarto. Agitado,
abrindo a porta de uma só vez, surpreendendo a nós dois, nos fazendo afastar rapidamente.
Alejandro protetoramente ficou com seu corpo como escudo, bloqueando minha visão.
Contudo, logo vi seu corpo tenso relaxar e ele saiu da frente.
E então vi Ana, a pequena menina que havia se agarrado a mim, ela estava com os olhos
inchados e vermelhos como se tivesse chorado muito. A menina correu em direção à cama,
pisou na pequena escada e se jogou em meus braços, Joel veio logo atrás querendo impedir.
Doeu como o inferno na terra, mas contive o meu urro de dor e a abracei de volta,
impedindo que Joel a afastasse.
— Você está bem…, que bom! Eu pensei que não poderia mais te ver … — ela deslizou o
abraço mais para baixo e enfiou seu rosto em minha barriga chorando, aliviada. Passei a
mão na cabeça dela, tentando consolá-la. 
Alejandro se aproximou do meu ouvido e disse:
— Essa menininha foi a responsável por chegarmos a você a tempo. 
Comovida pela força e garra da menina, voltei o meu olhar para ela,  surpresa e grata. Seus
braços envolvendo minha barriga e seus cabelos espalharam-se pelo meu colo. Passei a
mão pela sua cabeça carinhosamente.
— Que menina corajosa você foi, Ana! Foi tão perigoso…  — por algum motivo, estava me
sentindo muito emocional e me senti à beira das lágrimas — Mas muito obrigada! Você me
salvou!
Ela levantou o olhar para mim, com seus olhos brilhantes encharcados pelas lágrimas e
sorriu. Por outro lado, aproveitando a porta aberta e sem nenhuma enfermeira por perto,
Harley e o prefeito Henry também entraram no quarto. 
— Logo Scarlett e Harrison provavelmente estarão aqui também… — comentou Alejandro
e meu olhar recaiu sobre ele. Visto como eram protetores, eu não duvidava. Porém, como
quem não quer nada, ele continuou com um sorriso gatuno: — Bom…, assim é mais fácil
para informar a todo mundo sobre o noivado. Afinal, você pediu minha mão, não é, Kayla?
CAPÍTULO 19
“ De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento. ”
– Vinicius de Moraes

KAYLA • Kayla Johnson


 
Em uma fração de segundos, senti o sangue fugir do rosto conforme o silêncio no quarto
começava a se intensificar. Não queria que as pessoas soubessem assim, ainda mais Joel.
Por Deus! Um mês atrás, estava noiva do filho dele, pensei. Alejandro também não ficava
muito atrás, estava noivo da filha do contador de Henry. Ainda tinha a minha irmã e Ana…,
por um momento, senti que a terra poderia me engolir e olhei para Alejandro com um
imenso desejo de lhe dar alguns tapas. Entretanto, ele  voltou a falar: 
— Claro que eu pedi primeiro... — admitiu ele e o olhei com uma clara expressão de: " Está
tentando arrumar agora, né? Ele por sua vez, deu um dar de ombros discreto e continuou
com um sorriso: — Mas como ela nunca me respondeu, acho que não conta…
— Eu sabia que algo estava acontecendo entre vocês! — exclamou Henry, animado.
— Mas já vão ficar noivos? Quanto tempo faz que vocês se conhecem? O quanto você sabe
sobre ele? — perguntou Joel preocupado — Não acusando ninguém, mas visto os últimos
acontecimentos…  Eu criei Richard e mesmo assim… Bom, é isso.
— Você está falando que meu sobrinho não é bom o suficiente para a sua filha? —
questionou Henry — Ou que ele se parece de alguma forma com Richard?
— Não estou afirmando nada, senhor prefeito. Mas convenhamos… 
Harley resmungou algo, chamando a minha atenção e eu pude ver o momento em que ela
revirou os olhos para os dois senhores e os deixou debatendo, quando se aproximou de
nós. 
— Não se importem com esses corujas. Claro, não estou surpresa, qualquer pessoa que
tivesse olhos, saberia que vocês estão atraídos um pelo outro. Contudo, vocês têm certeza
que irão anunciar isso assim? A mídia não dará paz a vocês… Kayla, lembra do nosso último
evento na rua e a forma como nos cercaram. Aliás… Pequena Ana, não conte a ninguém… —
falou Harley com uma expressão de preocupação e colocou a mão delicadamente nas costas
da menina. Esta que não respondeu e então, percebemos que a garotinha tinha caído no
sono — Oh! Que bom. Ela dormiu… O cansaço deve ter vencido. Ela não dormiu até ter a
certeza de que você estava bem, até mesmo se negou a ganhar qualquer presente de Natal…
Ela realmente se apegou muito a você.
Sorri para a menina adormecida nos meus braços, acariciei o topo de sua cabeça e voltei o
meu olhar ao Alejandro, em uma promessa silenciosa. Ele entendeu e concordou com a
cabeça.
Porém, nosso momento de paz chegou ao fim devido à discussão dos dois homens-corujas,
estes que fizeram com que o médico responsável  entrasse irritado com a bagunça dentro
do quarto.  Ordenou que todos saíssem imediatamente, pois se nem sequer poderiam
encontrar seus bons modos, deveriam sair. Henry não pareceu satisfeito e o médico
estreitou os olhos para ele. O médico o encarou de volta e, vendo que estava errado, Henry
saiu. 
Harley se abaixou, pegou Ana adormecida do meu colo e a ajeitou em seus próprios braços.
Enquanto ela fazia isso, me virei para o Alejandro e falei:
— Grandão, você fica… — pedi, pois havia verdade no que Joel e Harley falaram. Teríamos
que discutir isto.
— Não planejava ir a lugar algum, pequena — concordou ele e como sempre me fez sorrir
sinceramente. 
Harley estava se afastando da cama quando Alejandro a chamou e ela olhou para trás. 
— Harley, diga a eles que não há nenhum engano na nossa decisão.
Ela parou, me olhou por longos segundos antes da sua expressão suavizar e disse:
— Cuide bem da minha pirralha…
— Sempre. 
(...)
Não muito tempo depois, Ethan, o delegado, entrou no quarto. Ele parecia muito cansado e
abaixo da linha dos seus olhos, havia círculos escuros evidenciando isso. Ethan nos
cumprimentou com um gesto de cabeça, já que estava com as mãos ocupadas segurando
uma pasta. Como um hábito que ele parecia estar fazendo com frequência, pegou a caneta
no bolso da sua camisa e abriu a pasta, depois me olhou e voltou a sua atenção para separar
uma folha. 
Suspirou e então disse: 
— Kayla, primeiro irei te informar como seu amigo e em seguida, falarei como o
profissional da segurança pública, certo? 
— Sim, diga  — vendo como ele estava sério, me perguntei se algo havia acontecido.
— Você é louca! Se você fizer isso de novo, vou pedir para  interná-la no hospício mais
próximo. Está me entendendo? — falou irritado.
— Sim, senhor. 
— Bom… O Richard foi detido, fizemos todo o nosso protocolo de investigação e coletamos
todas as informações das testemunhas, inclusive as fotos e filmagens dos repórteres
presentes. Agora pegarei o seu depoimento e o testemunho do senhor Ward, para anexar
junto com as demais informações no inquérito. E necessito saber, devido ao processo
judicial que já está correndo do roubo, você conseguiu alguma prova que coliga a agressão
ao roubo? 
— Sim… O relógio, mas… — comecei a falar, porém alguém bateu na porta me silenciando.
— Senhorita Johnson? — perguntou a pessoa do outro lado da porta, mas já a abrindo.  
Contudo, refreou seus passos ao reparar que eu não estava sozinha. Samille Wood, muito
observadora e astuta, sorriu dizendo "bom dia" conforme entrava no quarto e avaliava os
dois homens antes de focar  sua atenção em mim — Vejo que está acompanhada. 
— Sim, este é Alejandro Ward.  Suponho que já tenha falado com ele pelo menos uma vez,
através de algum meio. Ele sendo controlador como é… — falei e confirmando, a advogada
sorriu e estendeu a mão para  cumprimentá-lo. 
— Prazer em conhecê-lo pessoalmente — disse conforme apertavam as mãos. 
— O prazer é meu — respondeu-lhe Alejandro, sem se preocupar em corrigir o que falei. 
Dando sequência, segui para o outro. 
— Este é Ethan, o…
— Delegado — completou ela sorrindo — falamos pelo telefone algumas vezes também.
Prazer em conhecê-lo pessoalmente. Bom, não vejo motivo para mais demora..., vamos lá,
Kayla. Preciso saber tudo.
    Comecei a narrar os acontecimentos detalhadamente a partir do momento em que me
separei do Alejandro, inclusive explicando sobre o relógio porém, omitindo o real motivo
de portá-lo; alegando mantê-lo com o gravador de voz ligado para minha defesa em caso de
agressão verbal vinda do público ou mídia. Contei também que pedi ajuda ao meu chefe,
que por acaso também era meu amigo, para que ele pudesse pegar bons momentos meus
no evento, assim como das crianças, garantindo assim uma matéria positiva, uma vez que
não confiava nos outros jornalistas. O “ruim’’ sempre chamava mais atenção.
— Bom, com tudo que aconteceu ontem, definitivamente estarei chamando atenção de
muitas formas... Em todo caso, entre as agressões de Richard, ele admitiu seus crimes e
parte de suas motivações. Mas, que por algum motivo, quando despertei não estava mais
utilizando o relógio.
Samille andou pelo quarto, pensativa. Meus olhos seguiam a mulher conforme ela seus
pensamentos em voz alta:
— Vamos ver, você estava com o relógio quando perdeu a consciência? 
— Acredito que sim… — respondi, buscando na memória os momentos antes de desmaiar.
— Devem ter retirado quando foram fazer a ressonância, a fazem para verificar se algum
osso estava quebrado. Deve estar com a equipe médica para entregar a algum familiar. Se
não está com eles…, espera!— disse ela parando sua linha de raciocínio em um rompante
Inclusive, parou para me encarar — Você falou que chamou o seu chefe e ele estava
disfarçado? 
— Sim… Para contextualizar, ele já foi um jornalista muito famoso, chamaria muita atenção
se não viesse disfarçado. Além disso, o motivo dele ter se tornado famoso foi justamente a
sua forma peculiar de descobrir as coisas, antes mesmo de estar frente a frente com as
pessoas — falei, mas quando terminei de explicar, meus olhos se abriram muito e entendi
onde ela queria chegar. Em um estalo, busquei o meu aparelho celular.
Uma fisgada de dor me tomou e gemi. Alejandro me segurou no lugar, me mandando ficar
quieta. Comecei a reclamar, mas ele se abaixou e pegou ao lado da cama, a minha bolsa.
Olhei surpresa e minha expressão deve ter falado por mim, pois ele falou:
— Todos seus pertences foram recolhidos e entregues ao Joel que colocou em sua bolsa.
Além disso, você não deve fazer movimentos bruscos, você já foi negligente com si mesma o
suficiente, não acha, pequena? — informou e repreendeu no seu tom habitual severo.
— Sim, sim… — falei pegando a bolsa e vasculhando até encontrar o celular. Uma vez com
ele em mãos, liguei imediatamente para Evans. Ele estava demorando para atender,
aumentando a minha ansiedade, entretanto, atendeu no terceiro toque:
— Noah!
— Sim? — respondeu após alguns segundos, com a voz lenta e rouca. 
— Evans, você pegou o meu relógio?
— Kayla, boneca. Quem você pensa que sou? — falou ele dando uma pausa que deixou minha
respiração travada na garganta, levantei o olhar para Samille, engolindo em seco — É claro
que eu peguei, não combinamos isso? Digo, expor o Richard? Eu não correria o risco de
deixar alguém pegar ele. Ainda mais com tanta gente ao redor, porém, por quê está me
procurando essa hora, Kayla? O áudio está salvo numa nuvem on-line para você poder
entregar à polícia… — bocejou — Você já quer o relógio de volta? Mais tarde entrego, tem
que ser agora? … Boneca? Está aí?
Eu estava sem palavras, deixando o Noah falando praticamente sozinho. Nunca na minha
vida fui tão grata ao excesso de cuidado dele como naquele momento e comecei a rir.
— O quanto Richard te bateu? Foi na cabeça? — questionou ele parecendo um pouco mais
acordado. 
— Estou bem. Por favor, me envie o link da nuvem e muito obrigada por tudo… — disse
ignorando a gracinha dele. 
— Não é isso que eu quero ouvir de você — disse ele e eu quase pude   vê-lo sorrindo
travesso, com os olhos quase fechados, ao lembrar o que tínhamos combinado. 
— Certo… Você foi e ainda é o melhor jornalista de todos os tempos, Noah Evans — falei
rindo. 
— Boa garota.  Agora me deixe dormir,  passei a noite toda redigindo tudo e organizando as
coisas. Aliás, eu cortei o final em que você assume que fez tudo de caso pensado, sua louca…
Fique bem, logo te visito.
Assim que desliguei a chamada, recebi o link. Encaminhei-o para Samille e tive que pedir o
e-mail de Ethan, já que era a prova de crime. 
(...) 
Após coletar meu depoimento, o de Alejandro e confirmar o arquivo do áudio, Ethan
levantou e se despediu de todos nós. Contudo, Samille não o acompanhou, pelo contrário,
ficou no quarto. Puxou a cadeira para si e se sentou, cruzando as pernas e colocando a bolsa
sobre o colo. Deu um tempo de silêncio, se certificando de  que Ethan estaria longe o
suficiente antes de voltar a falar:
—  Bom, visto que o senhor Ward não saiu do seu lado, quase como se fosse a sua sombra,
imagino que não se importará se você me contar tudo que omitiu do delegado, senhorita
Johnson — naquele momento ela sorriu, sorriu como quando assinamos o contrato… Lá
estava a advogada do diabo. 
— E eu tenho escolha? 
— Sua única escolha é pedir para o senhor Ward sair ou não. Fora isso, necessito da sua
total sinceridade. Devo estar ciente de todos os detalhes para quaisquer variáveis —
respondeu impiedosamente. 
— Certo… — contei todo o meu plano e todos os últimos acontecimentos, por vezes senti
que Alejandro iria me estrangular a qualquer momento  conforme escutava, mas fui até o
fim  — No fim, foi isso. Veja bem, o Richard solto era um imenso perigo e depois de tudo
que ele me falou naquele banheiro, acredito ainda mais que foi a melhor escolha que eu
poderia ter feito. Mesmo que tenha sido imensamente arriscado… e, pouco antes do final,
realmente acreditei que seria morta. 
— Não espere minha bronca, Kayla, não sou sua mãe. De toda forma, entendo as suas
motivações, devo falar que você foi muito corajosa, forte e destemida. Não aprovo, mas não
posso negar. Porém, lhe informo que se vier a público que você  de fato planejou e
orquestrou tudo, não será bom… Richard vai te acusar disso. Por sorte, sem provas, suas
alegações não serão levadas em conta dado que demonstrou certo grau de insanidade.
Além disso, tenho mais algumas coisas para lhe informar — disse ela abrindo sua bolsa,
tirando alguns papéis e os balançando — Você não pensou que estava parada por todo este
tempo, não é? 
Informou sobre Richard ter feito uma procuração falsa com a ajuda de alguns possíveis
aliados e disse ainda que, embora a investigação ainda não estivesse sendo feita, uma das
suspeitas era a amante Victória McGregor e a outra era o gerente do banco, Levi Davies.
— inevitavelmente serão chamados em júri, uma vez que ela era amante dele por todo este
tempo e o gerente foi quem o atendeu. O que tudo indica possuir uma ligação com o crime
organizado.
Fazia sentido Richard ter mudado tanto. Ele estava aterrorizado, envolvendo-se com coisas
muito maiores que ele devido ao seu ego e sua inveja. Quando ele falava que eu não sabia
até onde tinha ido, o quanto ele tinha feito… 
— Por agora, temos certeza da fraude, falsidade ideológica, além dos agravantes de
agressão e perseguição... — me senti abatida depois de tantas informações e senti meu
ombro pesar, não queria ser eu a falar ao Joel sobre tudo isso, porém, seria melhor do que
esperar o julgamento. Alejandro levou sua mão à minha e a segurou, me passando algum
conforto. Vendo a minha expressão chocada, Samille sorriu — Não se preocupe tanto, este
homem é do tipo que quanto mais mexemos mais fede…, não terminará bem para ele por
bem ou mal.
Não é com Richard que estou preocupada neste momento, pensei. 

 
 
Depois de discutir tudo que deveríamos, Samille se foi e ficamos Alejandro e eu. As paredes
e cortinas, nunca foram mais interessantes, principalmente depois de tudo que aconteceu,
tudo que eu fiz, tudo que foi falado. Estávamos definitivamente reflexivos por tantas coisas
diferentes que teríamos que listar e organizar o que resolver primeiro. O que me fez
lembrar um dos motivos que pedi para ele ficar. 
— Temos que pensar no que falar para a mídia…  — falei levando uma mão à cabeça, o que
fez alguns dos meus machucados repuxarem e dar uma fisgada de dor  — Não somos
pessoas invisíveis. 
Alejandro abaixou a trava lateral e se sentou na beira da cama, ao meu lado, passando o
braço pela minha cabeça e me levando para mais perto dele. Levantei a cabeça e coloquei
ela apoiada em seu corpo, ele voltou a segurar a minha mão entrelaçando os nossos dedos e
levou ao peito.
Me sentia abrigada, porém, aquele silêncio não era bom. 
— Por que não falamos a verdade? — comentou subitamente.
— Como assim? — indaguei surpresa querendo virar de frente para ele, mas meu corpo
dolorido me impediu e ele me voltou para a posição de antes. 
— Veja bem, pequena. Se colocarmos no lápis, me interessei por você como mulher naquela
festa, mesmo antes de saber quem você era. Vi a forma como as pessoas te olhavam e um
sentimento de proteção forte me atingiu… Sem me dar conta, já estava perto de você, o que
coincidiu com o momento em que você estava sendo atacada verbalmente. Não muito
tempo depois, quando ele passou a linha, minha mão já estava fechada em punho batendo
no rosto dele… Nossos destinos se entrelaçam aí. A mídia adora coisas do gênero, então
falamos que nós encontramos na casa de minha irmã…
— Mas sua irmã esconde o fato de ter nascido uma Ward. 
— Ela sempre será uma Ward e ao que vi, ela lhe tem como uma filha. Não a vejo se
negando a assumir ser uma Ward. Além disso, hoje não tem importância, já sou eu que lido
com toda a parte burocrática da família — comentou fazendo pouco caso — De toda forma,
nos reencontramos aqui, porque o seu responsável legal mora aqui. A mesma cidade que
meu tio é prefeito. 
— As pessoas falariam que era impossível não nos conhecermos frente a tantas
coincidências…
— Primeiro eles devem provar que já nos conhecíamos antes.  Passo mais tempo em
Granada ou viajando que qualquer outra coisa, você passava mais tempo trabalhando onde
você era muito vista. Eles iriam gastar mais tempo procurando nosso encontro em algum
lugar para tentar solidificar as suas alegações, do que indo atrás de nós por algum tempo e
seria obviamente, em vão. Somos muito visíveis. E como você mesma falou uma vez, isso é
bom e mau.
— Verdade… Mas e sobre o dia em que ficamos órfãos?
— Seria de muito mau-caratismo alguém tirar uma foto sua naquele momento e mesmo
assim, já faz muitos anos — não tinha mais nada na minha mente para refutar — Os
problemas nos uniram e isso também foi para a mídia… Mesmo se não houvesse tantos
percalços, por quê não poderíamos nos apresentar como um casal que acabou se
apaixonando? Outros casais acabaram se apaixonando e se casando por muito menos. 
Um pensamento me passou pela mente e virei meu olhar para olhar em seu rosto. 
— Você está realmente determinado a deixar todos saberem do nosso relacionamento, não
é mesmo?
— Por que não estaria? — seu olhar encontrou o meu e com o seu polegar acariciou a
minha mão — Não posso mostrar ao mundo que você é minha?
Senti meu rosto esquentar frente a frase direta dele e fugi do seu olhar sentindo uma súbita
timidez me tomar.
— Então… Poderíamos falar para os sensacionalistas que ao ganhar consciência que a vida
é um sopro, o medo de perder falou mais alto do que tudo. Não querendo correr o risco de
não ter vivido essa paixão por medo, resolvemos ficar juntos… Sei lá, só uma ideia. As
pessoas nos julgariam um pouco menos…
Escutei sua risada baixa.
— Não que eu me importe tanto assim com o que as pessoas falam, mas foi por isso que me
pediu em casamento? 
Pegou no ar… Droga!
— Pode ser isso também… — falei num tom baixo, tímido.  Fingi sono e bocejei — Estou me
sentindo cansada, me deixe dormir um pouquinho assim? 
— Claro… — concordou ele tremendo enquanto ria.

 
 
Após receber a liberação do médico para ir para casa com a ordem de repouso e uso
frequente de colete por dois meses, Alejandro recebeu uma chamada da sua secretária e
teve que sair, se desculpando e prometendo visitar-me em casa. Então, Joel, que ainda
estava no hospital, ficou comigo durante o período da saída. Além de Joel, os seguranças
também estavam lá comigo, estes que não ficaram mais de dois metros de distância de mim
desde o momento que saí do quarto.
Da recepção do hospital, pude ver do lado de fora das portas de vidro os repórteres que
estavam à espera. Além deles, pude ver ao fundo um carro grande preto, que supus ser
quem me levaria para casa. Respirei fundo, ajeitei os óculos escuros que me trouxeram
para cobrir o rosto ferido e continuei andando. Eles me cercaram assim que saí porta a fora
e os "meus" seguranças já estavam tentando mantê-lo afastados quando os seguranças do
hospital vieram ao nosso socorro.  Naquele momento, a porta do carro foi aberta e de
dentro dele saíram Scarlet e Harrison.
Por meio segundo fiquei surpresa, antes de um sorriso nascer em meus lábios. Scarlet
levantou os braços para mim e em uma rápida leitura labial, entendi ela falando: "Oh!
Minha menina…"
Caminhei até ela me importando menos com a mídia ao redor e assim que me envolvi em
meio aos seus braços, a abracei com cuidado. Harrison nos abraçou por cima e parecíamos
uma família reunida após um longo tempo. Estava feliz em voltar a encontrá-los, mas em
um estalo, lembrei de Joel e sabia que ele estaria deslocado. Me desfiz do abraço deles para
virar para ele e dizer:
— Scarlet e Harrison, este é Joel Johnson. É o meu pai! — E para dar uma pequena
provocada em Harrison, continuei: — A pessoa que provavelmente é o responsável pelas
características que fizeram vocês gostar de mim. 
 (...)
 
Quando já estávamos dentro do carro eles nos informaram que Henry, de alguma forma,
naquele curto período de tempo, conseguiu organizar um jantar especial para comemorar o
noivado. O caminho até a casa de Henry foi agitado com os Grand me enchendo de
perguntas, além, claro, de falarem que eu  deveria voltar para a casa deles. Quando enfim
chegamos à casa, fui encaminhada a um quarto, onde tomei um banho e tinha um vestido
de manga comprida me esperando. Me arrumei da melhor forma que poderia e desci para a
sala de jantar. 
Mas ao chegar lá, olhei rosto por rosto e não encontrei Alejandro.  Meu coração deu uma
leve fisgada de solidão, me dando conta que ele havia me feito criar um péssimo hábito de
procurá-lo. 
Não importava onde fosse, sem ele ao meu lado, não parecia certo.
Francamente, às vezes penso que perdi a cabeça… Pensei ao mesmo tempo que suspirei, já
me sentando à mesa. Contudo, uma vez acomodada na cadeira, escutei passos firmes de
alguém chegando e virei meu olhar em sua direção com o coração cheio de expectativa.
— Demorei? — perguntou ele passando pelo batente da porta, aliando com os dedos os
seus cabelos desalinhados.
— Nossa, demais. Já comemos tudo, íamos tomar chá para ajudar na digestão… — Scarlet
falou, me olhando e dando uma piscadela.
Ri em pensamento ao chegar à conclusão de que irmãos sempre seriam irmãos, apenas
mudando o endereço. Em uma implicância infantil, como demonstração de amor. 
— Tudo isso? — indagou ele surpreso, buscando o meu olhar para confirmação. 
— Onde você estava, pirralho? — perguntou Scarlet dando voz aos meus pensamentos, que
não conseguia expressar naquele momento.
Seu olhar me procurou e apressadamente, veio até mim. Sorriu e estendeu a mão.
— Desculpe o meu atraso… — disse ele conforme me levantava da cadeira, segurando a
minha mão. 
— Não está tão atrasado assim… — disse abrindo um sorriso e ao perceber que ele suava,
senti uma fisgada de curiosidade.
— Menos mal… — disse ao mesmo tempo em que se ajoelhava, pude ver o seu rosto
ganhando cor à medida que sentia o meu esquentar também. 
Mesmo antes dele continuar a falar, o meu coração perdeu o compasso, já supondo o que
ele faria a seguir:
— Não começamos como outros casais, tanta coisa aconteceu em pouco tempo e a maioria,
não foi boa. Mas sou um homem à moda antiga, que acredita que mesmo que o destino
tenha brincado conosco colocando pedras em nosso caminho, o que mais importa é que
todos os caminhos me levaram a você. O risco de te perder me fez entender que não posso
perder um único minuto para estar ao seu lado — ele levou a mão à parte interna do seu
blazer e tirou uma flor azul com um solitário preso em uma fita — Quer se casar comigo?
O choque passou dando lugar a um sorriso bobo e lágrimas vieram, assim como o meu riso,
por ele ter usado parte do que eu falei em seu pedido. Um terrível cara de pau, muito sério,
muito direto, e…, tão maravilhoso! 
— Aceito… — falei com a voz embargada — Mas só se for verdade aquilo que me disse, dos
Ward não serem conhecidos pelo divórcio… 
— Não sou um homem de voltar atrás na palavra — disse se levantando e me envolvendo
em seus braços, para então sussurrar em meu ouvido: — Nem nas minhas escolhas. Não
vou deixar que ninguém me impeça de estar ao seu lado, nem mesmo as suas inseguranças.

 
CAPÍTULO 20
“ 5 minutos para o caos  ”

KAYLA • Kayla Johnson


 
Um sorriso emocionado nasceu em meus lábios, assim como as borboletas pareciam estar
fazendo uma grande festa em minha barriga. Alejandro era assim, trazendo luz à minha
vida, mexendo com lugares em meu coração que nem sequer sabia existirem, apagando os
problemas dos meus pensamentos conforme me envolvia com seu charme, manipulando
meu coração de uma forma doce e única. Nunca verbalizamos o que nossos corações
sentiam… Mas aquelas três palavras, pareciam não fazer diferença entre nós. 
Ele se afastou o suficiente para tirar a aliança presa na fita da flor e a colocou em meu dedo
anelar. O frio do toque metálico, me fez arrepiar e era estranho em minha mão…, depois de
tudo. E por um segundo interminável de silêncio, ficamos olhando o seu feito, assimilando o
quão real era. Alejandro se inclinou para frente e encostou sua cabeça na minha. 
— Agora não tem para onde fugir — provocou-me com humor e continuou: — Posso pegar
o contrato agora? 
Recordei da sua proposta irrecusável com doçura.
— Mas podemos começar um contrato já quebrando algumas regras, grandão? — respondi
em igual tom — E além disso, você esqueceu do jardim… 
— O contrato ainda não foi escrito… — respondeu soltando a minha mão para levá-la até
minha cintura e me puxar com gentileza, fazendo com que os nossos corpos se
encontrassem. Simultaneamente, Alejandro levou a outra ao meu queixo, erguendo-o para
que os nossos olhares se encontrassem e acariciou o meu nariz com o seu — E
definitivamente não me esquecerei desse jardim, minha pequena prometida. 
"Minha pequena prometida…" ecoou em minha mente e parecia ressoar por todo meu
corpo, embora soubesse que Alejandro estava apenas seguindo a ideia da história que havia
lido tantas vezes. Contudo, não pude evitar  me ver envolta da sensação de estar vivendo
um doce sonho e disse:
— Deste dia em diante, da raiz de meus cabelos negros até a ponta dos dedos dos pés, te
pertencerei… — murmurei contra sua boca e ele riu pouco antes dos meus lábios tocar os
dele.
Entretanto, estávamos tão fortemente entretidos um com o outro, com falar que somente
nós entenderíamos, que esquecemos totalmente das pessoas presentes no recinto. Somente
nos demos conta quando a tosse do Joel, discreta, mas audível, chegou a nós e nos
afastamos. 
— Er… É que, é bom ser jovem… Mas é melhor sentar, porque os remédios de dor são bons,
porém, não durarão para sempre… — comentou como quem nada queria, sem graça ao nos
"atrapalhar".
Senti meu rosto pegar fogo e mordi os lábios conforme dava um sorriso constrangido. E
quando finalmente voltei o meu olhar para as pessoas ao redor, percebi como pareciam
estar se divertindo com a nossa reação. Com uma tranquilidade sem-vergonha, Alejandro
me ajudou a voltar a sentar, sem falar nada, apenas pegou uma cadeira e se sentou ao meu
lado. Levando a mão para minha perna, sem se importar menos que todos nos olhavam.
— O que foi? — perguntou ele conforme eu o olhava espantada.
— É que… 
— Você assusta a menina, Alejandro! — disse uma mulher sorrindo, já chegando perto de
nós, me surpreendendo. Ela era linda, exalando confiança e beleza em um terno feminino e
longas calças — Olá a todos, é sempre bom reencontrar vocês, senhor e senhora Grand…
Senhor Prefeito, obrigada por ceder a sala de segurança… E é um prazer conhecê-la
pessoalmente, senhorita Kayla. Me chamo Alessandra, sou a secretária executiva do
Alejandro e uma amiga. 
Ameacei  me levantar para  cumprimentá-la, mas ela meneou a cabeça, apenas parando ao
lado da cadeira do Alejandro e se inclinando levemente quase sobre ele, já que o homem
estava quase colado à minha cadeira, forçando-o a se encostar na cadeira e resmungar.
Senti-me incomodada com aquela tranquilidade e aparente intimidade entre os dois,
instigando a minha insegurança. Antes que eu pudesse me controlar, meu olhar foi entre
ela e Alejandro, buscando respostas. 
Sendo astuta e mais rápida, ela sorriu ainda segurando minha mão e disse:
— Não se preocupe, sou muito bem acompanhada de uma linda mulher, de cabelos
cacheados e pele bronzeada, definitivamente este pirralho não faz o meu tipo — concluiu
dando risada com um resmungo incompreensível do Alejandro — Ah! E ele está
acostumado a mulheres mais velhas ao redor dele, reclamando e o tratando como criança,
pois é assim que fora do papel de chefe ele se parece para nós… E este menino está
tentando ser perfeito para você, então, menina, não seja boba… Apenas aceite. Não é,
Scarlet?
— Sim! 
— Eu sou tão facilmente desmoralizado por essas duas cada vez que as encontro, nem sei
porque ainda me surpreendo! — resmungou Alejandro e me fez rir.
— Homem feliz, é homem que escuta calado, Alejandro. Fomos… abençoados com mulheres
doceis… — falou Harrison com toda sua sabedoria dos últimos anos de casado com a
Scarlet, mas mesmo assim levou um beliscão nada disfarçado da esposa, que fez até mesmo
Joel rir.
— Sente-se e fique conosco! — convidou Henry. 
— Desculpe, mas minha morena está me esperando — respondeu prontamente ela,
entregando um cartão de memória ao Alejandro — Tudo foi gravado, esta é uma cópia.
Outra já foi enviada para a equipe de edição.
— Certo, muito obrigado — respondeu ele pegando o chip. 
— Nada é de graça, Alejandro — disse séria erguendo uma das sobrancelhas e então sorriu
— Mas fica como um presente, só desta vez. Afinal, não é todo dia que se vê um primeiro
amor aos trinta e oito anos de um homem. 
Virou as costas e foi embora, absolutamente plena e serena. Quase parecia de alma lavada,
o que me fez focar o olhar no rosto dele e ver a sua orelha ficando vermelha.
— Primeiro amor… 
— Cof, cof… É — confirmou ele sem graça, sem olhar para mim.
Estiquei a mão e encostei em sua orelha que estava muito quente. 
— Curioso, como fica tímido e é as orelhas que ganham cor… — comentei, numa pequena
revanche do café da manhã que ele reparou a ponta do meu nariz.
— Hoje é dia de vingança? — ele virou para mim, pegando a minha mão.
— Talvez… — falei abrindo um largo sorriso e de novo parecia que no mundo só existia a
nós dois conforme ele prometia o retorno daquelas provocações. 
A comida foi servida e todos comiam e conversavam empolgados quando Scarlet soltou:
— Desde o início eles são assim, lembro do café da manhã na minha casa, eles entram no
próprio mundo e nos deixam de fora… 
— Café da manhã na sua casa? — indagou Henry, o tio do Alejandro, parecendo muito
divertido e interessado. Joel se juntou à conversa e minha irmã também enquanto Scarlet
contava a "fofoca" sobre o casal que acabou de se formar.
— Vocês poderiam fofocar sobre nós quando não estivermos presentes… — comentei
rindo.
— E qual a graça disso, Kayla? — disse Harley me provocando e eu apenas dei de ombros,
derrotada.
— Desde o primeiro olhar, estava na cara… — dizia Harrison — Além disso, ele foi dar
atenção à mídia para podermos fugir naquele dia do baile, me pergunto há quanto tempo
nosso garoto estava de olho nela. 
Hum… E não é que essas fofocas são boas, afinal? Pensei. Com a informação que eu não tinha,
a conversa deles se animou e olhei de soslaio para Alejandro, este que apenas deu de
ombros sem falar nada, pegou um pedaço de carne e levou à boca.
— E a Kayla, que ficou bêbada recitando Romeu e Julieta da sacada? — comentou Scarlet —
Eu estava lá, lendo meu livro de romance favorito, quando escutei alguém na sacada.
— Então, foi desde este momento que você estava lá? — indagou Alejandro.
— Quando eu falo que a bebida antes de te matar, humilha… — resmunguei cobrindo meu
rosto com uma das mãos.
— Ops… Mas não seja por isso. Vamos desta vez, beber todos juntos e passar vergonha
juntos? — sugeriu Scarlet pegando a taça de vinho e levando à boca. 
Claro que ficamos sem graça, mas entre as provocações, falamos coisas que conhecíamos
deles, para que ficassem igualmente constrangidos e no final todos estavam rindo. Era fácil
aceitar as provocações uns dos outros, pois não  ultrapassava  um certo limite e todos
sabiam que ninguém naquela mesa, estava mal-intencionado. Todos amavam e se
importavam conosco e agora, éramos uma grande família.
(...)
Mais tarde, todos tinham comido bem e também exagerado um pouco na bebida, menos
Alejandro e eu.
— Nós esquecemos que tínhamos plateia, mas no final, parece que tudo acabou bem. Todos
se deram muito bem — comentei, cobrindo a mão do Alejandro que ainda estava na minha
perna.
— Não é como se estivéssemos fazendo algo errado… Em todo caso, o que importa é que
todos estão felizes… — comentou observando-os com carinho. Alejandro parecia  estar
nostálgico e melancólico — Fazia tempo que não via uma sala de jantar animada assim. 
Questionei-me sobre o passado dele. Poderia eu dizer que Alejandro tinha realmente
deixado de ser um desconhecido? Tinha se tornado mais que um conhecido... Eu confiava,
acreditava e sabia da sua índole, mas e o resto? Tinha mais…, eu sentia ter muito mais.
Principalmente ao ver seus olhos escuros brilhando conforme sorria e respondia ao tio e a
irmã, que falavam empolgados com Joel e Harley. Ele era um homem muito ligado à família,
poderia dizer que isso era mais importante que a si mesmo. 
— Afinal, não esperarei anos para te fazer minha esposa — comentou ele e me dei conta
que mal o escutei, imersa em meus pensamentos — Estou disposto a usar a vaga na igreja,
salão e tudo mais que você já havia organizado. 
Fingindo que tinha ouvido tudo, segui a conversa:
— Mas dá uma sensação ruim apenas falar "Oi, troquei de noivo. Pode mudar os convites?”
— reclamei fazendo uma careta.
— Não sou apegado ao processo, pequena. Tenho trinta e oito anos, o casamento em uma
grande igreja, salão, etc., é um processo formal, que no meu caso é algo mais sobre
empresa... — disse dando de ombros, mas ao ver a minha expressão, acredito que ele se viu
compelido a se explicar: — Não estou fazendo pouco caso, não fique irritada. Por mim,
casaria em uma pequena capela, para jurar diante de Deus minha lealdade a você. Kayla,
estou na idade em que valorizo o que realmente importa, seja trabalho ou coração.
Entretanto, não posso ignorar meus deveres como empresário totalmente.
 — Nada foi normal entre nós…, por quê ter um casamento formal comum? Casamos numa
capela e fazemos uma festa para assuntos de empresa. 
— Perfeito… — disse ele segurando a minha mão e a lavando à sua boca, depositando um
beijo.
(...) 
Após o jantar, fomos convidados para passar a noite, já que era tarde e eu deveria repousar
o máximo possível. Na realidade, todos ficaram extremamente protetores comigo e não
consegui mais sair da casa do prefeito. 
Os dias passaram e recebi muitas visitas, fosse do Noah, Michelly, Samille, Ana e até mesmo
Sofia. Pedi a ela para investigar o mito do homem da capa preta que assustava as crianças,
pois sempre me vinha à mente quando via a Ana. Embora Sofia não tenha entendido bem,
concordou falando que eu ficaria devendo uma a ela. Em seguida, conheci a mulher da
secretária executiva do Alejandro. Descobri por acaso que aquele chip era onde gravaram o
pedido de casamento às escondidas. Alessandra e a sua mulher me trouxeram presentes e
me falaram um pouco mais sobre o passado do meu grandão. Quando ela me disse que tipo
de pessoa ele era na faculdade e que como veterana de Alejandro foi divertido dificultar a
vida dele. 
— Porém, se eu soubesse todo o trabalho que teria ao ser secretária dele, teria dificultado
ainda mais! — reclamou ela. E eu não pude evitar rir, mas a esposa dela disse antes de ir
embora em tom de segredo que Alessandra realmente valorizava a amizade do Alejandro,
pois ela já tinha ações, dinheiro e poder suficiente para ser CEO da própria empresa,
porém, preferia estar exatamente onde estava. Não podia dizer que não a compreendia,
pois sentia algo similar ao meu chefe. 
Namorei Alejandro, como uma adolescente. Caminhamos, assistimos filmes e
conversávamos sobre várias coisas, sendo surreal como nos dávamos bem em todos os
assuntos. Mas sem passar dos beijos, pois toda vez que esquecíamos as minhas costelas,
elas faziam questão de serem lembradas.
 Tive chás da tarde das meninas com Scarlet e Harley, enquanto fazíamos skin care.
Cancelei tudo referente ao casamento com Richard e iniciei o processo do planejamento de
casamento com Alejandro. Enfrentei as redes sociais e descobri que diversas pessoas
compraram o meu lado, meus seguidores aumentaram e apenas uma pessoa insistia em ser
desagradável, o que me deixou mais tranquila em relação à mídia.
Descobri algumas fanfics sobre Alejandro e eu, e como precisava ficar muito tempo em
repouso, li algumas delas e nossa! Que imaginação as pessoas tinham! Se eu tivesse metade
da performance com Alejandro quando finalmente fôssemos para o quarto, estava feliz.

 
 
 
NA NOITE DE ANO NOVO.
Antes da meia-noite…
 
Após dias felizes e amor incondicional, cheguei à conclusão de que o ser humano tinha uma
terrível habilidade de se acostumar, se habituar e principalmente esquecer a dor. Em um
resumo, éramos burros! Por quê dizia isso? Bom, alguém bateu em minha porta, logo
quando eu estava terminando de me arrumar, faltando apenas os sapatos. Imaginei ser
alguém  preocupado com a minha insistência em independência de novo.  Provavelmente o
meu grandão. Por isso, sorrindo, fui até a porta e a abri sem medo. 
— Já falei que… — comecei, mas me calei em seguida.
Do outro lado da porta, estava alguém que há muito tempo não via: Katherine. O sangue
abandonou a minha face e o meu sorriso morreu. Ela usava um vestido bonito que como
sempre valorizava suas curvas, seus olhos me fitavam com ar de descaso. Contudo, ao ver
as marcas de ferimento no rosto, sorriu quase gentilmente e ergueu a mão  para tocar a
ferida. 
— Lamentável o que aquele homem fez, não é mesmo? É bom usar uma pomada para
cicatriz. As mulheres deveriam tomar cuidado com seus rostos — afastei a mão dela de
mim e dei um passo para trás — Por quê o espanto, Kayla? Vim apenas desejar  melhoras.
— O que faz aqui, Katherine? — questionei com o coração batendo desenfreado, com
aquela velha sensação de perigo que sentia cada vez que estava diante dela. 
— Você é surda? Vim desejar melhoras — disse impaciente colocando a mão na cintura,
olhando-me de cima a baixo.
— Então já pode ir. — cortei secamente.
Ela parou o seu olhar e ficou atenta a mim.
— Você está realmente mais confiante desde que tem estado aqui. Inclusive, vi que trouxe
sua família para cá…
— Vejo que o meu casamento com Alejandro chegou aos seus ouvidos… — comentei
ignorando as palavras dela. 
— Garota… — comentou ela parecendo impaciente — Vou te dar um conselho e indico  que
você preste muita atenção. Ao viver movida pelos sentimentos, você abre uma grande
margem para o seu coração cair em meio ao vão do desespero. O conselho é: coloque seus
pés no chão. 
Fiz um breve silêncio, não querendo dar mais assunto, entretanto,   acabei me vendo
fazendo a pergunta que me veio à mente, já que ela ainda estava parada na porta do quarto:
— Por que você mudou o seu caminho para vir até aqui me dar este conselho? —
questionei, tentando entender aquela mulher que da última vez que vi, parecia me odiar. 
— Perguntei-me o que falaria mais alto. Afinal, nem tudo é o que se vê, todos tem
esqueletos no armário — ela cruzou os braços e me olhou com uma frieza aterrorizante —
Até mesmo a perfeita família do Alejandro, já que o próprio não é filho legítimo dos Ward.
Será que se essa informação for revelada à mídia em seu nome… O seu relacionamento
seguirá intocado? Ele acreditaria em uma jornalista? Alejandro sempre odiou a mídia, você
sabe. 
 — Você…— comecei irritada levantando o dedo para ela, mas a mesma segurou o meu
dedo e o abaixou lentamente.
— Não, Kayla. Eu que falo: Você. O que irá escolher? Se quiser salvar a reputação da família,
deve se afastar dela e definitivamente sair do meu caminho. Se não sair por bem, será
odiada ainda mais por eles… A escolha é sua. Veja bem, não tenho nada contra você
especificamente, mas você está no meu caminho — falou como se nada pudesse ser
feito.
— Eu não sabia disso até você me contar, como você espera que eles acreditem que eu
descobri isso? — questionei indignada.
O sorriso dela foi mortal e senti o sangue do meu rosto fugir. Fui pega em uma armadilha.
— Oh! É mesmo…, parece que você anda vivendo uma mentira. Ele nem mesmo te contou
isso, o que mais será que ele está escondendo de você? O que tem atrás daqueles sorrisos? 
Ela apenas queria plantar a semente da discórdia, agora eu sabia um segredo que eu não
poderia ir até ele e simplesmente perguntar, pois,  se fosse verdade, poderia magoar o
Alejandro caso ele não soubesse. Se fosse mentira, a semente da discórdia também poderia
ser plantada na mente dele, pois acreditei na ruiva. Além disso, se uma matéria em meu
nome realmente vazasse, ele poderia acreditar que eu deixei vazar, já que ele poderia
pensar que a minha paixão por jornalismo tinha falado mais alto.
Fechei meus olhos, puxando o ar com força enquanto via a mulher ruiva parecendo o
demônio encarnado, se afastando pelo corredor tranquilamente. Enquanto eu sentia meu
mundo colorido dos últimos dias, se quebrar. Dependeria dele, apenas dele resolver me
falar. E se ele falasse, seria ainda pior se mesmo assim ela soltasse a matéria.
Meu coração batia forte e desenfreado com a sensação de ter tomado um tapa no rosto sem
poder revidar. Ela disse: “Você abre uma grande margem para o seu coração cair em meio ao
vão do desespero”, e infelizmente, odiava concordar.
Eu não abriria mão dele, além disso, existia a chance de a Katherine apenas ter mentido.
Ah!!! Minha cabeça está para explodir! Pensei exasperada.  Voltei para dentro do quarto
cabisbaixa e me sentei na cama. Meu celular tocou e era Sofia numa mensagem: 
Não existe mito de nenhum homem da capa preta por aqui, onde você ouviu sobre ele?
Tinha que sentar, esfriar a mente e pensar, tinha muito o que pensar. Porém, não
conseguiria fazer isso agora, não quando meu pensamento estava dando voltas pelas
perguntas:
O quão longe essa mulher poderia ir, para alcançar seus objetivos? Por quê estava aqui? Ela
não teria vindo apenas para me ameaçar…, certo?
Mas por ora, devia colocar um sorriso no rosto, sapato em meus pés e ir comemorar o ano
novo com todos. Tinha que ir ao orfanato para “Enfrentar meus medos”, uma vez que menti
ser uma vítima para pegar o Richard, tinha que fazer a minha recuperação.  Queria voltar lá,
ainda me perguntava sobre o homem da capa preta que, segundo Sofia, não existia, mas que
era o maior terror das crianças.
O problema é que ainda estou usando o colete, pensei passando a mão na altura das minhas
costelas que estavam doloridas. Eu tinha pelo menos seis pessoas superprotetoras na
minha cola e naquele momento, tinha mais uma preocupação a pensar devido à ruiva. E eu
simplesmente tinha vontade de resolver tudo de uma vez, pois sentia que todos eles
pareciam uma bola de neve. 
CAPÍTULO 21
“ Penso, logo existo.” - René Descartes

KAYLA • Kayla Johnson


 
 
— Argh! O que essa mulher louca ganha com isso?  — pensei em voz alta enquanto levava a
mão aos cabelos, tirando-os do rosto. Suspirando, deslizei a mão até a nuca, movi a cabeça
até ouvir o estalar do pescoço, mas com ele, me veio a compreensão — É isso… O que essa
louca ganha com isso? Nada! Merda… Contudo, isso em vez de facilitar, apenas piora tudo! 
Levantei-me da cama agitada, andando pelo quarto. Mesmo que Katherine quisesse me
prejudicar naquela matéria que supostamente faria em meu nome para prejudicar o
Alejandro – a pessoa que ela almejava –, ela se prejudicaria junto no processo. A ruiva não
era idiota, na verdade, era o oposto, uma mulher inteligente e muito sagaz. Não iria cair no
jogo que criou. Além do mais, o Alejandro não parecia estar sofrendo nem um pouco pelo
fim do relacionamento, quanto mais querer voltar para ela. 
Vamos, Kayla. Pense! 
Naquele momento, senti um vento frio,  fazendo-me arrepiar. Agitada como estava e com a
mente a mil, me virei rapidamente em sua direção. Isso! O vento frio faria minha mente
trabalhar com mais clareza. Aproximei-me da janela e tentei me lembrar atentamente de
tudo o que ela disse, afinal poderia ser uma boa pista. 
Ademais, como ela teria conseguido aquela informação? Mesmo SE, por acaso, a informação
fosse real, o que mais ela disse além daquele jogo de ameaça? 
"Veja bem, não tenho nada contra você especificamente, mas você está no meu caminho.”
Ela não tem nada contra mim, mas veio me ameaçar…, isso significa que foi mandada?! Por
quem? Porém, não tive que pensar profundamente sobre isso, pois só poderia ser uma
pessoa: O pai dela! Dentre todas as pessoas que já conheci, meus instintos gritavam de uma
forma perturbadora quando era algo relacionado a ele, e só de lembrar do homem, meu
corpo todo parecia ficar em alerta. Entretanto, por que ele, o contador de Henry, iria fazer
isso?
 Mas se bem que parando para pensar, ela também falou:
“Ao viver movida pelos sentimentos, você abre uma grande margem para o seu coração cair
em meio ao vão do desespero. O conselho é: coloque seus pés no chão.” 
Dizia isso por experiência própria? Parecia realmente algo pessoal. E tinha mais: “ Afinal, nem
tudo é o que se vê, todos têm esqueletos no armário. ”
Eram frases duras e severas, embora verdadeiras, com o intuito de alertar alguém. Mas
Katherine  não era uma pessoa confiável… Tudo poderia ser apenas e não mais que um jogo
psicológico. Contudo, não conseguia ignorá-la. Bufei e encostei na janela, por acaso, vi um
pequeno floco de neve cair lentamente diante dos meus olhos. Sem perceber, fui
acompanhando  sua queda até o jardim no andar inferior… E  naquele instante, vi Harley e
Henry saindo para o jardim. 
Sabia ter algo entre eles, desde que eu vi a forma como ela mudava perto dele. Sorri e
cruzei os braços ao observar o casal, imaginando que logo um estaria nos braços do outro.
Contudo, o que aconteceu não foi isso. Na verdade, pareciam estar brigando. Harley parecia
muito irritada, porém, não falava alto, o que me fez ter a certeza de que estavam ali
esperando que ninguém os visse. 
Henry colocou a mão sobre o ombro de Harley, tentando acalmá-la, mas imediatamente ela
afastou a mão dele e o segurou pela gola de sua roupa, como se estivesse o ameaçando
seriamente. Inclinei-me um pouco mais para frente, tentando de alguma forma entender o
que estava acontecendo ali, quando mãos fortes passaram pela minha cintura, causando
alguma dor devido à pressão e olhei para trás. 
— Aí… — choraminguei.
— Está lou…
— Como entrou por aqui? — indaguei interrompendo-o — Bom, no momento não
importa… Fique quieto. 
Ele parecia que iria falar mesmo assim e, com medo dele chamar atenção, apenas ignorei a
dor e levei a mão à boca dele para  calá-lo  e virei de novo para a janela. Mas somente a
tempo de ver Harley esbofeteando o rosto do prefeito e dando-lhe as costas. Ao mesmo
tempo, senti a mão de Alejandro em minha cintura enquanto se colocava ao meu lado em
silêncio. 
Quando eu pensei que tinha acabado, Henry segurou Harley pelo braço, impedindo-a de se
afastar e a abraçou por trás. Ele parecia falar algo bem baixo e Harley chorou. Ambos
pareciam muito tristes, ao ponto de partir meu coração apenas de vê-los. 
Alejandro, atrás de mim, murmurou:
— Provavelmente é porque a senhorita Harley lembra ela... — me virei para ele, curiosa e
perguntei com o olhar "Ela quem?". Os lábios dele tremeram antes de se virar para mim e
sorrir triste — Isso é um assunto para quando você estiver melhor, e definitivamente, não
no ano novo.
Ele levantou o braço e com as costas da mão, acariciou calmamente a minha bochecha.
Alejandro parecia tão triste quanto os dois lá embaixo, por este motivo, não tive sequer
coragem de insistir no assunto. 
— Por que tudo tem que ser sempre tão complicado? — murmurei enquanto segurava a
mão dele, mantendo-a em meu rosto. 
— Porque o amor pode ser responsável pela sua maior felicidade ou seu maior inferno. E,
às vezes, sua maior felicidade se torna seu mais devastador inferno. Por isso evitei este
sentimento por toda minha vida, salvo o amor pela família — Alejandro disse calmo, tão
calmo, que, na verdade, parecia absolutamente conformado.  Contudo, ao dar conta do que
estava falando, se aproximou e beijou minha testa — Isso, claro, até te conhecer. E
definitivamente, serei sempre sincero com você. 
— Mesmo eu sendo uma jornalista? Mesmo daquelas insuportáveis que você odeia? —
perguntei em tom de graça, mas na realidade a pergunta era muito séria. Seria mentira
dizer que eu não sentia medo de que aquele meu frágil castelo de cartas se desfizesse
diante dos meus olhos.
Ele pareceu preocupado e levou suas mãos aos meus ombros, sacudindo de leve.
— Kayla, você ainda… 
No entanto, ele foi interrompido quando alguém bateu na porta, nos viramos em sua
direção e o senti ficar tenso. Sua mão em mim, pareceu ficar mais firme. Era alguém que eu
não conhecia, mas que parecia estranhamente familiar. Um homem, alguns tons mais claros
que o Alejandro, que por sua vez tinha uma pele mais morena. Seus cabelos eram longos e
ondulados até os ombros, não usava barba, mas tinha os mesmos olhos sérios, embora
fossem de outra cor. A sua beleza rivalizava com a do meu grandão.
Estava com uma camisa social meio aberta, sem gravata, dando-lhe um ar mais despojado.
Sua postura era relaxada, não era nem de perto como a do Alejandro e seu tio, o prefeito,
que era mais rígida. Estava mais para alguém que andava em passarelas de moda. 
— Harry — falou sem pestanejar Alejandro. 
— O que foi, Alejandro? Não está feliz em ver o seu irmão? 
 Irmão?! Este é Harry Ward, o filho mais novo da família Ward?! 
Os dois se encararam por algum tempo, formando um clima pesado no quarto. Até que todo
pesar se desfez subitamente, Alejandro se afastou de mim e se aproximou do irmão. Eles
falaram amenidades rápidas como "O que faz aqui? Resolveu parar de viver essa vida de
quem não quer nada com nada?" e "Quem é que não quer nada com nada?". Alejandro me
apresentou e eu sorri, tentando entender o que aconteceu entre os dois, pois era difícil
ignorar o climão que fez até eles fingirem que nada aconteceu.
— Prazer em conhecê-la, será uma honra ter uma mulher tão bonita quanto você em nossa
família. O dia que cansar deste homem irritante, chato e viciado em trabalho, me procure —
disse com um largo sorriso e uma piscadela descarada.
 — Como se ela fosse deixar de ter bom gosto de um momento para o outro… — provocou
Alejandro.
A conversa foi animada, após eu calçar meus sapatos rapidamente e  acompanhá-los até o
andar inferior. Não via o porquê do clima pesado que se instalou. Tantas coisas estavam
acontecendo em simultâneo com as pessoas que, para mim, eram importantes que  aquela
sensação de bola de neve seguia aumentando.
Até a bola encontrar uma parede e eu descobrir pelo menos parte do porquê disto. Ao nos
reunir com os demais, chegamos à sala a tempo de ver Scarlet esbofeteando Katherine.
Katherine, que por sua vez, fez uma expressão chocada, levou o olhar a nós. Ela veio em
passos apressados em nossa direção, o que me fez sentir o sangue gelar nas veias.
Alejandro, em alerta, passou a mão pela minha cintura, me puxou para ele em um
rompante. Porém, não era para mim que ela estava indo. E sim, para o Harry, se jogando em
seus braços. 
— Eu disse que eles não me aceitariam, que não entenderiam…  — disse ela chorosa.
Ele a abraçou protetor e passou a mão em suas costas, a consolando. 
— Scarlet! Ficou louca? — exclamou ele tão alto, ao ponto de fazer o prefeito e a minha
irmã virem correndo do jardim, Joel descer do quarto e até mesmo Sebastian, o pai de
Katherine, surgir do corredor. 
— Louca?! Seu menino burro! Louco está você! Como você se envolve com ela?! —
exclamou ela de volta, indo em sua direção, mas Harrison conteve a sua esposa. 
— Por que não deveria? Meu irmão e ela não têm mais nada.
— Eu não aceitarei! — disse ela firme. 
— Não é você que tem que aceitar qualquer coisa, Scarlet — disse Sebastian friamente —
Porém, concordo que não foi conveniente que minha filha aparecesse aqui tão cedo. Disse-
me que daria feliz ano novo a mim e a Henry, então, iria embora. 
— Harry queria dizer “olá” ao irmão… — respondeu ela sem olhar o próprio pai. 
— Então suponho que tenha merecido o tapa — disse sem mais — Agora, retire-se. Mais
tarde falaremos.
Pela primeira vez, seu olhar se voltou ao pai e eu pude ver por uma fração de segundos o
olhar de terror real dela, antes de morder os lábios e se separar de Harry. Ela me olhou com
olhos mortos e levantou-os a Alejandro queimando de raiva, então se retirou. Harry foi em
direção ao pai de Katherine e o pegou pela roupa ameaçadoramente:
— Por que? Por quê você é assim com ela? Ela é sua filha! Por quê como qualquer outro pai
não a defende?! — Harry parecia completamente furioso, longe daquele homem tranquilo e
relaxado.
— Por que eu defenderia alguém que está se comportando mal? É justamente por ser pai,
que faço isso — Sebastian não alterou a sua expressão apática e olhos mortos. Porém, meu
sangue congelou de medo, no momento em que ele abriu um pequeno sorriso — Ou você
está dizendo para eu retribuir o tratamento que minha filha recebeu, para a sua irmã?
Harry deu um passo para trás. 
— Doente… 
— É claro que não gostaria de fazer isso com sua irmã, não seja ridículo, garoto — disse
deixando de sorrir e voltando o seu olhar para Scarlet — Entretanto, preferia que minha
filha não recebesse mais este tratamento, afinal, sou um pai, aquela ainda é a minha
garotinha. 
— Tsc… tanto faz — disse conforme se virava e partiu na mesma direção que Katherine foi.
— Sinto muito o transtorno… Irei me retirar — falou Sebastian, se virando e partindo sem
dar a  oportunidade de ninguém dizer mais nada. 
Scarlet se sentou no sofá nervosa e tremula, finalmente me desfiz dos braços de Alejandro,
quando a vi pálida como papel. Harley correu para a cozinha e em seguida voltou com um
copo d’água. Ficamos ao redor dela, tentando acalmá-la quando ela falou o que aconteceu. 
— Katherine estava aqui na sala quando eu desci e assim que a vi, perguntei o que estava
fazendo aqui. Ela disse, com um sorriso, que estava porque foi convidada por Harry… Falou
que ele era doce e dócil… Ao contrário do Alejandro. Que ele a consolou cada uma das vezes
que Alejandro a magoou e que ele pediu para ela dar uma chance a ele, e que ela deu. Ela
praticamente assumiu trair Alejandro com o irmão dele! Meu Deus, o meu irmão! — ela
disse ofegante, lágrimas molhavam o seu rosto de raiva — Harry sempre foi muito intenso,
se ele gosta dela… Oh! Meu Deus, ela vai quebrar o seu coração…
(...)
O restante do ano novo foi fúnebre. Não vi Katherine ou Harry. Todos os dias, vasculhava a
internet para saber o que estavam falando sobre o Alejandro, porém, encontrei apenas
algumas “fanfics” e algumas matérias que se perguntavam se estávamos juntos. Vasculhei
em jornais antigos informações sobre o orfanato, mas nada muito fora do normal. Scarlet
parecia triste como se alguém houvesse falecido. Tentei fazer brincadeiras ao longo dos
dias, mas ela parecia cabisbaixa logo em seguida. Nem Harrison sabia o que fazer, apenas
estava ao lado dela o tempo inteiro.
Alejandro estava fazendo home office, não tinha muitos momentos livres nos últimos dias.
Joel e Harley me deixaram na casa do prefeito, Joel vindo me visitar dia sim, dia não. E
Harley, como sempre acompanhava Henry, vinha me ver nos tempos livres. Quando dei por
mim, faltava apenas uma semana para terminar janeiro. 
Pensando em como resolver as coisas, mas sem saber por onde começar, comecei por quem
estava mais perto. Na hora do chá, convidei Scarlet para ir comigo ao orfanato. Uma vez que
estava sentindo falta de Ana, inclusive, disse-lhe a ideia de adotar a garotinha logo após o
casamento. O sorriso dela pareceu perder toda escuridão e ganhou uma nova vida, animada
com a ideia. 
Mais tarde, resolvi ir ao quarto do Alejandro, como tinha feito na última semana para 
cobrí-lo, pois geralmente pegava-o dormindo no sofá entre muitos papéis, notebook,
celular e tablet. Seu quarto era maior que o dos outros, tendo a cama, mas também uma
pequena sala com uma mesa de centro, que era onde ele trabalhava. Naquela noite, não era
diferente. Entrei na ponta  dos pés, ele estava de terno, a gravata frouxa e a camisa meio
aberta. 
Eu estava tirando os papéis de cima dele, os juntando e colocando sobre a mesa, quando a
sua mão agarrou o meu braço, fazendo-me assustar, derrubar os papéis e arrepiar por
completo. 
— Aí, meu Deus! — exclamei virando-me em sua direção. Alejandro estava parcialmente
levantado, se apoiando no outro braço, com a camisa agora ainda mais aberta, os cabelos,
que geralmente estavam para trás, caído para frente, fazendo-o ainda mais bonito e
charmoso. 
Como podia um homem sonolento ser tão lindo?
— Ayla… — questionou com a voz muito rouca. Ele parecia estar mais dentro do mundo
dos sonhos do que ali comigo, mas mesmo assim tentei explicar o que estava fazendo:
— Ayla? Eu estava… — mas ele não me deixou continuar falando, pois me puxou, fazendo
com que eu caísse sentada em seu colo. Surpresa, virei o rosto para ele e lhe perguntei o
que estava fazendo, mas ele terminou de sentar-se e levou uma de suas mãos ao meu rosto,
numa mistura de doçura com pecado, passou o polegar pelos meus lábios e por um
momento esqueci como respirar. No momento seguinte, a sua boca estava colada à minha.
Fechei os olhos e desfrutei dos suaves lábios dele tocando os meus, que faziam uma
corrente elétrica percorrer as minhas veias até as extremidades do meu corpo. Assim que
se afastou, observou-me com atenção e saudade, ao mesmo tempo em que sorria. Eu sabia
que ele ainda estava sonolento, talvez, nem soubesse que eu estava de fato ali. E algo me fez
vaidosa ao pensar que, de alguma forma, iria invadir seus sonhos.
Entretanto, não conseguia evitar notar aquela boca tão atraente e convidativa que o
Alejandro tinha. Convidativa demais para que eu pudesse controlar, apenas me inclinei
para frente e o beijei de volta, encostando os lábios nos dele, em selinhos molhados e
lentos, saboreando a maciez e o calor dele, já que os meus lábios estavam mais frios que os
seus. Ele entreabriu os lábios um pouco e quando dei por mim, estava mordendo o seu
lábio inferior, matando a minha vontade. Mas ao dar conta do que eu estava fazendo, abri
os olhos e encontrei o olhar dele nublado me fitando. Por uma fração de segundos, me senti
constrangida, mesmo que já fossemos um casal.
No entanto, o homem não me deu mais um segundo sequer para pensar e de um momento
para o outro, sua mão gentil que estava em meu rosto, deslizou para a minha nuca
entrelaçando os dedos entre meus cabelos e segurando-me de forma exigente. Alejandro
abriu a boca e forçou a entrada de sua língua em minha boca, voraz, sedento… A onda de
prazer quando nossas línguas se tocaram foi tão intensa que apenas gemi contra a sua boca
e o senti sorrir. O beijo seguiu por um longo tempo, lento e provocativo, intercalando entre
carícias entre as línguas, mordidas recíprocas nos lábios e mãos bobas, percorrendo nossos
corpos. 
 Ao me dar conta, já estava sentada de frente para ele e seus beijos estavam descendo pelo
meu pescoço até o colo dos meus seios. A cada beijo sob minha pele, meus sentidos
pareciam ficar ainda mais aguçados, prestando atenção em cada uma das sensações que ele
me provocava, em conjunto com a sua ereção pressionando e pulsando entre as minhas
pernas. Minha mente estava em algum lugar entre "quero mais" e "não pare".
Quando ele desceu minha camisa, expondo o seio direito, o ar frio o fez arrepiar e sem
titubear, Alejandro o tomou com a boca. Tive que prender o ar e morder os lábios com
vontade para não gemer, no entanto, movida pelo desejo, me apoiei e comecei a mexer o
quadril contra o dele, quase indo à loucura conforme os meus movimentos pareciam seguir
toda a extensão da sua ereção. 
Ele estremeceu, parando de chupar por um momento e nada parecia mais satisfatório do
que isso, um desejo ardente de  assistí-lo sentindo prazer cresceu em mim. O observando,
continuei movimentando o quadril, esperando mais de suas reações, querendo muito mais
delas enquanto as minhas próprias também não podiam ser evitadas. Suas mãos deixaram
meus quadris e deslizaram para o meu traseiro, segurando-o e apertando, tentando me
parar por um momento. 
— Se você continuar fazendo isso, vou gozar…— falou ofegante  — Gozar ainda vestido e… 
Meu clitóris estava muito sensível, não conseguia me concentrar em mais nada, era a
sensação mais poderosa que já tinha experimentado. Por isso, naquele momento, não podia
me importar menos com o que ele estava dizendo. Meu olhar recaiu entre seus lábios
úmidos que por momentos atrás estavam em meus seios, e a recordação disso me excitou
ainda mais, quase fazendo meu corpo todo reclamar em protesto. Além disso, seu peitoral,
subindo e descendo, parecia pedir para ser tocado, seus músculos contraídos pareciam
pedir para que eu os tocasse. 
Me sentia louca, como se todo desejo reprimido em mim, diante do Alejandro viesse à tona.
Peguei seu rosto e o calei com um beijo que foi imediatamente retribuído enquanto   minha
outra mão foi para parte de baixo de sua camisa, puxando-a para cima para poder enfiar a
mão sob ela, vindo da sua barriga, sentindo meus músculos contrair sob o meu toque até o
seu peitoral, e voltar para baixo deixando as unhas arranharem suavemente a pele e  sentí-
lo  arrepiar sob meu toque. 
Parei o beijo por debaixo da camisa,  o abracei,  levei o rosto até a lateral da sua cabeça e
chupei o lóbulo de sua orelha suavemente. Senti o homem estremecer e em um sentimento
de poder, apenas verbalizei o meu atual desejo:
— E se eu quiser que você goze?
CAPÍTULO 22
“ Hoje só quero me perder se for nas curvas do seu corpo  ”

KAYLA • Kayla Johnson


 
 
  Alejandro parou por um momento, surpreso com a minha ousadia inesperada e pouco
usual, e para ser franca, eu também fiquei. No entanto, não me arrependeria, tampouco
voltaria atrás. Não era como se sentisse qualquer hesitação, não me importava com uma
noite especial, cuidadosamente programada… 
Contanto que fosse com ele, sabia que aquele desejo desenfreado poderia ser saciado em
seus braços. 
Minutos antes, quando tomei a iniciativa de  beijá-lo, sabia estar pronta para onde quer que
aqueles beijos me levassem. E descobrir um lado novo meu, um lado que se sentia excitada
e realizada ao perceber o tanto de poder que tinha sobre a excitação dele, foi um bônus.
— Você está brincando com fogo… — respondeu ele com a respiração pesada. O ar quente
que saia de sua boca, resvalava a pele do meu pescoço em uma deliciosa carícia que me fez
arrepiar.
— Eu não estou brincando — afirmei, decidida. 
— Então, pequena, vou te fazer queimar no mesmo fogo que eu…  — suas mãos, que já
estavam em meu traseiro, seguraram-no com mais força e começaram a ditar o movimento
do meu quadril, fazendo-me rebolar devagar, intercalando os movimentos com um vai e
vem mais forte.  
A fricção era uma tormenta gostosa que me fez estremecer e gemer baixo. O desejo de me
perder em seu corpo crescia, assim como a vontade de sentir o gosto de sua pele.
Aproveitei a posição em que estávamos para abaixar um pouco mais a cabeça e passar a
língua em seu pescoço, vagarosamente, sentindo o sabor suave do seu suor; e então, mordi
lentamente com deleite e selei com um beijo sobre o lugar da mordida. 
Como ele controlava meus movimentos, pude focar em apenas sentir as sensações e em
repetir o feito da mordida, sobre uma veia dilatada que me chamou a atenção, pulsando em
seu pescoço. O arrepiar do seu corpo pôde ser sentido em minha boca e mãos que o
tocavam.
Ocasionalmente, entre os movimentos dos nossos quadris, Alejandro encontrava uma
posição em que eu reagia mais e se focava nela. Sentia que conseguiria derreter em seus
braços a qualquer momento. Porém, perversamente ele diminuía o movimento novamente,
afastando a chegada do clímax.
Isso porque estamos vestidos… Pensei e a imagem de nós dois, nus, tomou a minha mente.
Como seria a sensação de ter sua pele tocando a minha, meu corpo colado ao seu e o seu
membro se perdendo dentro de mim? Se apenas senti-lo já era bom, imaginar a sequência
do que fazíamos, me fazia criar expectativas - Mesmo que a princípio doesse como muitas
diziam  - Ansiosa por mais e mais que pudesse sentir, me afastei o suficiente para nossos
olhos se encontrarem e encontrar sua fome absoluta. Apoiei-me em seus ombros, indo no
ritmo que ele ditava, mas aumentando a velocidade dos movimentos. Ele gemeu rouco e
baixo, mordendo o próprio lábio.
O nosso contato visual, fazia tudo ainda mais intenso e uma bola de prazer inquieto, crescia
mais a cada segundo dentro de mim. E como se estivesse sendo controlada por este prazer,
levei a mão até a nuca de Alejandro, o puxei em direção ao meu seio ainda desnudo e pedi
baixo:
— Me faça queimar mais… 
Sem demora ele abocanhou o seio sensível e chupou com força, brincou com ele em seguida
usando a língua e, aparentemente cedendo ao seu próprio desejo, mordeu apenas o
suficiente para me fazer arquear para trás, em um gemido que mesclava entre uma leve dor
e deleite. 
A sensação gostosa de mergulhar no abismo do prazer. Sensação esta que tomou conta de
cada célula do meu corpo e a cegueira do orgasmo me possuiu tão forte que por um
momento não senti mais o meu corpo. Não obstante, Alejandro continuou seus movimentos
em um ritmo cadenciado. 
A fricção contra o sexo sensível, me fez estremecer e gemer tremulamente,  prolongando a
sensação do orgasmo, levando-me à completa loucura. 
Alejandro não demorou a encontrar o seu próprio clímax, aumentando o ritmo, quase
fazendo ser impossível conter os meus gemidos. Ele parou e ficou estático por um
momento, apertando-me forte enquanto afundava seu rosto em meus seios, gemendo rouco
e pesadamente. 
As batidas dos nossos corações destoavam e era o único som além das nossas respirações
entrecortadas. A intensidade do orgasmo que chegou a nós, de igual maneira, me deu a
sensação de plenitude. O sentimento parecia recíproco, pois ele levantou a cabeça o
suficiente para olhar-me nos olhos e tomar os meus lábios num beijo suave.
Mesmo que ainda estivéssemos vestidos… Ah… malditos tecidos! Mas desta vez deixaria
passar. Pensei, conforme o abraçava  e levava a cabeça até o seu ombro, descansando ali um
pouco. 
Inalei mais do seu cheiro, a mistura do seu perfume, que era inesquecível, com o seu suor e
o cheiro de sexo, me levou para outra dimensão, uma que se dependesse de mim não queria
mais sair.
As batidas dos nossos corações começaram a se acalmar e entrar numa sinfonia de paz.
Senti o meu corpo relaxar, até que, de repente, senti uma leve movimentação do homem
embaixo de mim. Busquei aqueles olhos que tanto me hipnotizavam e os encarei, em
retribuição o vi me encarando em um misto de desafio e travessura.
— Ah! Pequena, desta vez você foi longe demais… — um sorriso brindou seus lábios em
uma promessa explícita — Vou te mostrar como é que se faz. Chegou o MEU momento de
querer que VOCÊ GOZE! E vou fazer com que as suas paredes não se esqueçam de mim. 
Queria dizer que já gozei e perguntar que paredes eram, mas ele girou o corpo para suas
pernas saírem do sofá e se levantou comigo em seus braços, como se não tivesse nenhum
esforço naquela ação. Então, levou-me consigo para o banheiro anexo ao quarto, em meio
às minhas exclamações de surpresa no processo.  Apertei mais firmemente minhas pernas
em seu quadril e então tive um estalo sobre aquelas tais "paredes" que ele havia
mencionado.  São as paredes da… Gente! 
Uma vez que passamos pela porta do banheiro, como havia prometido, iniciou seu processo
de tortura do prazer. Desceu-me dos seus braços e no mesmo processo, segurou a minha
camisa e a puxou, fazendo-a passar rapidamente pela minha cabeça. O ar gelado do
banheiro fez com que meus bicos dos seios ficassem duros. Por instinto, tentei cobri-los
com os braços, porém,  suas mãos impediram. 
Alejandro não parecia querer perder nada de vista, tampouco queria que eu mesma
perdesse qualquer detalhe, porque me virou de costas para si e de frente para o balcão
duplo, onde havia um grande espelho. Pude ver meus lábios inchados, os cabelos
bagunçados e meu seio marcado…  Com a forma da boca dele. 
Sorri por uma fração de segundos, antes de sentir o corpo grande e forte de Alejandro
colando-se no meu. O homem se abaixou o suficiente para levar seu rosto até meu ombro,
onde depositou um beijo e se rendeu à vontade de me morder. Simultaneamente, deslizou
as suas mãos no vão entre minha cintura e braço. A mão esquerda, envolveu o meu seio
enquanto a outra o fazia inclinar ainda mais, deslizando pela minha barriga e entrando pela
minha calça.
— Você gosta de observar... — murmurou ele contra a minha pele e ofeguei  — Te darei
uma bela visão, então.
Engoli em seco quando nossos olhares se encontraram no reflexo do espelho e senti uma
onda elétrica me percorrer. Sua expressão era voraz enquanto a minha era desconcertante,
uma vez que nunca imaginei como seria o meu olhar em uma mescla de excitação e
atordoamento.
— Me diga, você se diverte com isso, não? — falei em um fio de voz.
— Divertir não é a palavra certa, pequena… — falou enquanto sua mão alcançava o meu
monte de vênus e eu estremeci, mordendo a parte interna da minha boca.
Abri minhas pernas para que ele pudesse prosseguir e, sem perder tempo, a sua mão foi
ágil em alcançar o meu clitóris intumescido, acariciando-o e dedilhando vagarosamente de
forma experiente com ele entre seus dedos. Em resposta, apenas arqueei meu corpo e
joguei a cabeça para trás, gemendo.
Ele ainda permaneceu ali, estimulando-me nos dois pontos, porém, Alejandro murmurou
ao pé do meu ouvido:
— Não tire seus olhos do espelho, quero que veja como eu a vejo. Pecaminosamente… linda
— sua voz carregada, chegava a mim como mais um estímulo enlouquecedor. Quando meus
olhos retornaram ao espelho assim como ele mandou, as sensações se intensificaram ainda
mais. 
Alejandro gostava de jogar e visto a minha reação, pressionou com um pouco mais de força
o meu clítoris e lá estava eu quase me desfazendo em seus dedos.
— Alejandro… — consegui exclamar de forma arrastada, sentindo o meu corpo fraquejar
de prazer. Contudo, o homem estava decidido a não me fazer esquecer, de todas as
maneiras, o dia de hoje, então disse: 
— Se apoie na pia… — ordenou ele, conforme soltava o meu seio e tirava a sua mão dentre
as minhas pernas, levando-as para a lateral do meu corpo. 
Sem pensar muito bem, apenas obedeci, inclinando-me para frente o suficiente para me
apoiar. Senti suas mãos descerem pelo meu corpo, causando arrepios pelo percurso. O
ajudei, levantando um pé por vez, para ajudá-lo a tirar minha calça e a calcinha. Alejandro
ficou de joelhos atrás de mim, subindo suas mãos pelas minhas pernas, até chegar ao meu
traseiro. Ele separou os grandes montes que estavam arrebitados devido a minha posição,
ganhando não somente acesso ao meu sexo, como visão o suficiente para vê-me por
completo. Senti meu rosto aquecer fortemente, ainda mais pelo ângulo em que estava.
— Ale…? — foi o que eu disse, pouco antes de sentir sua boca tomando o meu sexo com
fome. Sua língua chegou a invadir-me, sem piedade, após deslizar do meu clitóris até a
entrada — Ah… 
Beirava à crueldade, a forma com que ele me beijava ali. Via-me indo do céu ao inferno, em
suas oscilações de movimento;  entre longas passadas de língua, criando a expectativa de
penetração, mas sem chegar a fazê-lo, e a forma seguinte, conforme realizava o feito. Suas
mãos me mantinham firmes no lugar, totalmente acessível ao seu bel-prazer, em
simultâneo, apertava com força, ao ponto de me fazer saber que ficariam marcas no dia
seguinte. 
A bola de prazer que se formava dentro de mim, parecia converter-se em lava em minhas
veias. Sabia que se ele continuasse com isso, eu enlouqueceria… E para ser franca, nada
parecia melhor naquele momento, ainda mais sob a perspectiva de gozar em sua boca. Meu
corpo se contraiu frente à minha imaginação e novamente, quando começava a querer me
desfazer, o homem cruel, vulgo Alejandro, se afastou. Ódio…
Resmunguei, frustrada, abaixei a cabeça em derrota e ele riu, conforme se levantava
parando atrás de mim. 
— Malvado…
Porém, ele não me respondeu, apenas levou suas mãos aos meus braços, corrigindo minha
postura e me virando de frente a ele. No processo e devido à aproximação de nossos
corpos, fez com que meus seios resvalassem no tecido de sua camisa. Levantei o olhar em
busca do seu rosto e pude ver os seus lábios se curvarem nos cantos levemente ao mesmo
tempo que me empurrava gentilmente para trás. Senti o frio do mármore do balcão e me
apoiei nele, fitando-o confusa e curiosa.
— Aconselho você a se segurar bem neste balcão da pia, pequena — disse ele obstinado,
dando um passo à frente, com uma mão envolvendo a minha cintura e a outra voltando ao
meu sexo, em movimentos habilidosos. Sua boca buscou a minha em um beijo febril e
frenético que me deixou enlouquecida.
Em meio às suas carícias, seu dedo deslizou para dentro da minha fenda e a palma da sua
mão pressionou o clitóris. Todas aquelas sensações em conjunto eram inebriantes, porém,
um frio temeroso de expectativa percorreu a minha coluna conforme ele ia mais fundo com
o seu dedo, acrescentando outro.
Ele se refreou por um momento, rompendo o beijo, pensei que ficaria bravo, mas com um
suspiro sôfrego ele disse: 
— Você é tão apertada… 
Não disse que ele soube que eu era virgem, tampouco disse o contrário. Porém, seus
movimentos retornaram em um tortuoso vai e vem ritmado que me fizeram ofegar e pouco
a pouco esquecer até mesmo qual era o meu nome. 
Em meio ao prazer, me vi levantando a perna para lhe dar ainda mais acesso, então  acabei
subindo na pia e o envolvendo com ambas as pernas, num pedido silencioso por mais. Não
queria mais sua boca, queria ele, pura e desesperadamente.
Levei minhas mãos à sua camisa, em busca de abri-la e  tirá-la do caminho. E,  uma vez que
consegui me desfazer daqueles malditos botões, deslizei minhas mãos pela sua pele, que se
arrepiava sob a palma da minha mão. Meus toques em seu dorso foram de baixo para cima,
sentindo seus músculos um por um, até chegar no peitoral. Nele salivei, na vontade de me
aproximar e tomar o seu mamilo com a boca, chupá-lo da mesma forma que fez comigo, e
não me contive. 
Fiz exatamente o que queria, a sensação macia de sua carne em minha boca era
sensacional, além de me causar uma imensa vontade de morder. E estava pronta para
mordê-lo, quando Alejandro me segurou pelos cabelos e me afastou. 
Droga… Pensei frustrada. 
Entretanto, ele não parecia ter se incomodado com o feito, na verdade, o efeito foi o oposto.
Ou ao menos, era isso que o seu beijo, cheio de tesão, me dizia. Eu ainda estava decidida a
tirar toda a sua roupa, então, conforme ele me beijava desajeitadamente, levei a mão à sua
barriga e a desci até encontrar sua calça. Desfivelei o cinto e abri minhas pernas, apenas o
suficiente para que a calça caísse pelas suas pernas.
— Quero você e o quero agora… Por favor — pedi contra sua boca.
Ele me fitou com aqueles olhos  negros bonitos e concordou com a cabeça, afastando-se  o
suficiente para tirar adequadamente as peças de roupas restantes. E vocês podem pensar:
Kayla, por quê você ainda não disse ser virgem a ele? Vai doer! Eu pergunto a vocês, vai
anular a dor inevitável? Isso ignorando o fato, claro, que talvez ele já tenha descoberto.
(...)
Assim que ele terminou de se despir, corrigiu sua postura, fitou-me de forma ardente de
cima a baixo e inclinou-se para frente para dar um passo. Porém, Alejandro se refreou,
fechando a mão em punhos. Pude, naquele instante, admirar o conjunto da obra.
O seu torso trabalhado por músculos definidos, seu peito levemente coberto com pelos
escuros assim como os seus cabelos... E conforme desci o olhar, passando pela barriga, vi a
sua ereção. Era maior e mais grosso do que supunha, com sua ponta rosada apontando
diretamente para mim. Passei a língua pelos lábios e os mordi, chegando a questionar se
realmente caberia.
Engoli em seco refletindo o quanto doeria e o quanto queria senti-lo com minhas mãos.
Tocá-lo e explorar, ver suas reações enquanto o fazia. Estendi a mão em sua direção
involuntariamente e Alejandro, vendo isso como um incentivo, deu enfim o primeiro passo
em minha direção. Ao estar perto o suficiente de mim, o tomei com minhas mãos,
acariciando e seguindo a língua de sua veia pulsante até a sua base com a ponta dos dedos.
Era quente, macio ao toque e estava muito duro.
Era extremamente fascinante ver cada um dos seus arrepios e estremecer diante do meu
toque, quase me sentia uma adoradora de seu corpo. Alejandro gemia e arfava, até que
afastou as minhas mãos, apenas para que posicionasse sua ereção pulsante na fenda entre
as minhas pernas. Seu olhar era de uma súplica animal para que não mais o torturasse. 
Ele segurou o seu pau e esfregou-o contra o meu sexo, lambuzando-o com a minha
excitação antes de realocá-lo e começar gradualmente a forçar sua entrada. Senti-me
imediatamente tensa e poderia jurar sentir cada milímetro de sua invasão dolorosa. Vendo
a minha expressão e em busca de tirar a minha atenção da dor, ele levou a mão livre ao meu
clitóris, voltando a dedilhar-lo da melhor forma que sabia.
Fechei os olhos, sentindo o suor brotar em meu corpo e escorrer pelo vão dos meus seios
em uma mescla de prazer e agonia, enquanto todos meus sentidos pareciam estar em
alerta. Sua respiração pesada parecia ser ao pé do meu ouvido e o cheiro de sexo entre nós,
parecia mais forte… O calor que emanava da sua pele parecia febril. E eu queria sentir
todas  aquelas coisas, mas sem qualquer traço de dor. Por isso, tão impaciente quanto
possível, achei melhor acabar logo com a parte ruim.
Apoiei as mãos para trás no balcão, abri um pouco mais as minhas pernas e após respirar
fundo, disse:
— Faça, apenas… Faça — pedi.
Alejandro atendeu ao meu pedido, levou uma mão ao meu quadril e a outra ele passou pela
minha cintura, deslizando pela pele e fazendo uma trilha quente, até chegar à base de
minha coluna. Consegui ouvir um pedido de desculpas, em um tom quase inaudível, pouco
antes de me puxar com firmeza. O movimento foi rápido e preciso, sua boca foi de encontro
a minha e o seu pau invadiu-me sem piedade.  
A dor parecia começar em meu sexo e como uma onda, uma forte onda, bater contra as
rochas, indo até minha cabeça e voltando para todo resto do meu corpo, até a ponta dos
dedos dos meus pés.  Arfei, sentindo todo o meu corpo tenso. Alejandro gemia
pesadamente de dor enquanto minhas paredes, que segundo ele, jamais se esqueceriam
dele, pressionavam o seu pau de forma tortuosa. 
— Relaxe, Kayla. Senão você irá estrangular o meu pau, se é que isso é possível… Só me
moverei quando você permitir… Tenha calma e respire. 
Um sorriso nasceu em minha boca, convertendo-se em um riso espontâneo. De todos os
momentos para a sua sinceridade dar as caras, aquele foi o momento mais inédito.
Alejandro novamente me olhou como se eu fosse louca e em meio ao meu riso, meu corpo
relaxou, embora a ardência ainda estivesse lá. Senti-me pronta para tentar e permitir que
ele se movesse, antes que eu “estrangulasse o seu pau”. Comecei a mover o meu quadril em
pequenos e curtos movimentos, testando o quanto aguentava. 
E conforme o prazer começava a tomar o lugar da dor, gradativamente fui testando novas
coisas, como rebolar, contrair e soltar.  Alejandro tirava de mim um lado perverso, pois vê-
lo tentando se conter bravamente para não se entregar aos seus impulsos dominantes, me
fazia querer testar até onde ele poderia aguentar. 
Porém, tudo neste mundo tinha limite e o limite do Alejandro foi quando comecei a apertar
e soltar. Suas mãos firmes, que me mantinham no lugar, serviram de apoio para ele afastar-
se o bastante para quase sair todo de dentro de mim e então voltar em uma só estocada, ar
me faltou quando quase gritei. O homem não parou, movendo o seu quadril em
movimentos circulares antes de sair e voltar a entrar novamente, repetindo o processo de
maneira que qualquer lembrança de dor e lucidez se foi. 
 Ele me puxou para mais na beirada do balcão e o ritmo das estocadas ficaram mais
ritmadas e firmes. Enlouquecida e subjugada pela excitação, tentei  fazê-lo aumentar o
ritmo, porém a disciplina do Alejandro era absoluta. Ele repetiu os movimentos até que eu
estivesse à beira da loucura. E aquele, sim, foi o momento em que ele perdeu o seu controle,
vindo com estocadas curtas, porém fortes contra mim. Meu corpo inteiro vibrava de prazer
e o de Alejandro não parecia diferente do meu. Quando ele tomou uma distância certa e
voltou a se enterrar dentro de mim, o nosso clímax veio forte e violento, me fazendo tremer
por inteira em meio à cegueira do auge do orgasmo.  
Ofegantes e atordoados, Alejandro me abraçou, negando-se a separar nossos corpos. Estava
feliz e saciada. Realmente não era mais virgem, me senti plena e tinha feito tudo isso com
um homem tão incrível... Lentamente ele saiu de dentro de mim, pegou uma toalha de rosto
em silêncio, abriu a torneira de água quente atrás de mim e a molhou  para, em seguida,
cuidadosamente me limpar. Fiquei subitamente emocionada ao refletir que com qualquer
outra pessoa, seria algo perto do inferno e que, realmente, as coisas tinham o seu próprio
tempo e pessoa certa. 
Ao terminar, ele colocou a toalha ao meu lado, colocou-se  novamente entre as minhas
pernas e depositou um beijo suave em meus lábios. 
— Segure-se em mim, minha pequena. Vamos tomar um banho e então dormir. 
— Certo, meu grandão — respondi sorrindo enquanto passava os meus braços pelos seus
ombros e minhas pernas voltaram a enlaçá-lo no quadril. 
CAPÍTULO 23
“ Existem deuses gregos... mas definitivamente existe, pelo menos, um Deus
espanhol. Ele se chama Alejandro ”

KAYLA • Kayla Johnson


 
 
  Quente e confortável, envolta de uma sensação de segurança sem igual. Conforme meu
corpo despertava, à força, para o novo dia devido ao corpo ter se acostumado a acordar
naquele horário, eu me sentia letárgica e com a sensação de ter viajado a uma longa
distância, pois sentia o corpo pesado e cansado. No meu raciocínio lento, me fez ter alguma
resistência antes de tentar levar a mão ao rosto e me proteger daquela luz. Contudo,
parecia ter algo pesado sobre mim que dificultava a minha movimentação. 
Finalmente abri os olhos e os senti arder, mas, uma vez que se acostumaram à luz vinda da
grande janela, pude ver o braço forte masculino sobre mim. Percebi que nós dois ainda
estávamos nus e tinha me esquecido daquilo. Subitamente, senti minhas bochechas
esquentarem.
Porém, lembrei do seu rosto dormindo no sofá à luz da lua e um desejo se alojou em meu
coração… Queria ver o seu rosto dormindo sob a luz do dia também. Tentei me mover sem
acordá-lo, entretanto, por um momento, pensei ter falhado em minha empreitada, pois ele
resmungou e retirou o braço sobre mim.
 Fiquei parada, segurando até mesmo a minha respiração e fechei os olhos. Porém, visto
que ele não se moveu mais, segurei a coberta, cobrindo meus seios e me levantei
cuidadosamente pouco antes de me virar para ele.
Ao fundo escutei o som do canto dos pássaros. O silêncio reinava no aposento, podendo
trazer paz e serenidade a quem prestasse atenção a isso. No entanto, uma vez que meus
olhos entenderam o que estavam vendo, tive a certeza de que meu coração foi um dos sons
que poderiam ser escutados pelo quarto, ecoando... 
Alejandro estava nu, porém, como segurei a coberta para me cobrir, ele ficou quase que
completamente descoberto quando me levantei. Ele estava de barriga para cima, seu braço
esticado para o lado oposto da cama, uma expressão relaxada, longe do seu ar mal-
humorado… No entanto, o pecado estava em seu peitoral completamente descoberto em
um subir e descer calmo.  Devido ao ar frio, o bico de seu peito estava duro e tive a vontade
de tocar. Além disso, ao descer um pouco mais e ver sua barriga com as marcações dos
músculos suavemente definidos, quase imediatamente senti os meus dedos formigarem no
desejo de tocá-lo…
Não obstante, a coberta que cobria seu sexo havia formado uma cabana, devido ao seu pau
estar duro. A lembrança de tê-lo em mãos na noite anterior, me voltou à  mente e mordi o
lábio,  excitada. Olhei para o seu rosto dormindo sereno e então voltei para todo o conjunto
da obra. Era lindo e tentador… O meu grandão queria que eu me visse no espelho, mas
talvez ele também devesse se ver pelo meu olhar. 
Travessa e subitamente libertina, me vi levando os dedos em uma suave carícia pelo corpo
dele. Como consequência, Alejandro gemeu e seu corpo todo se contraiu, revelando mais
dos seus músculos junto com o arrepiar dos pelos. Aquele sentimento de ter mais dele me
tomou, então segui do peitoral até a linha da coberta, puxando-a lentamente, onde liberto, o
membro pulsou exigindo atenção.
Passei o indicador pela veia dilatada vagarosamente. Sua extensão até a ponta rosada e
inchada era tão fascinante que meu rosto se aproximou antes que minha mente percebesse
o que estava fazendo… Passei a língua por toda  sua extensão até tomar a ponta com a boca
e chupar. Levei mais para dentro da boca e senti  sua textura com a língua. O seu pau pulsou
cada vez mais forte em minha boca e  naquele momento, Alejandro despertou, contraindo
todo o corpo em surpresa, chamando-me pelo nome em meio a um gemido rouco. 
— O quê… ? — na minha surpresa, fechei um pouco mais a boca e ele gemeu um pouco
mais alto, sem controle — Ahh… Kayla…
Voltei o meu olhar para ele e para sua expressão de surpresa e prazer, aquilo me divertiu. O
tomei com mais profundidade na boca e voltei chupando, fazendo-o se contorcer e
estremecer, ofegante. Ele tentou levar a mão a mim, mas seu corpo todo parecia cada vez
mais tenso, fazendo-o ter dificuldade de se movimentar a cada um dos meus movimentos.
Passei a mão pela perna dele, que se levantou para poder erguer mais o quadril contra a
minha boca, mas a segurei para não me atrapalhar enfiando a unha em sua pele na parte
interna.
Voltei a boca à ponta, onde passei a língua lentamente e pude fitar aquele homem
enlouquecido, olhando-me com fogo nos olhos.  
Entendia o porquê mulheres, inclusive eu, sofriam na mão dos homens que se divertiam
observando enquanto estávamos entorpecidas de prazer. Dar prazer, era tão prazeroso
quanto receber e talvez até um pouco mais, pois, quando a mão do Alejandro finalmente
encontrou o meu quadril e deslizou facilmente ao meu já muito molhado sexo, meu corpo
todo respondeu ansioso ao simples toque. Seus dedos invadiram-me com facilidade e me
fizeram  arfar, empinando-me para ele e quase me fez esquecer o que eu estava fazendo.
— Não pare — ordenou ele, conforme aumentava o vai e vem dos seus dedos. 
Sem assimilar muito, apenas voltei a me movimentar no mesmo ritmo que o dele, no vai e
vem em minha boca, fechando-a para sentir em meus lábios o pulsar do seu prazer. Até que
ele parou os movimentos com a mão e a levou ao meu ombro, dando tapinhas pedindo para
me afastar, pois ia gozar. Contudo, eu queria levar aquilo até o fim e assim o fiz, indo uma e
duas vezes ainda mais fundo em minha boca e então voltando a fechá-la com um pouco
mais de força. Não demorou muito para que ele gozasse em minha boca e acabei engolindo
quase imediatamente, seus espasmos de prazer ainda estavam saindo quando comecei a
tirá-lo da boca.
Alejandro estava ofegante e engolindo em seco, levou  a mão aos próprios cabelos, trêmulo,
e então focou o seu olhar em mim, como se dissesse "O que faço com você?". Então guiou a
sua mão ao canto da minha boca passando o polegar. 
— É um novo fetiche me atacar dormindo? — perguntou após soltar um longo suspiro.
— Isso é uma reclamação? — questionei erguendo uma das sobrancelhas. 
— Jamais reclamaria… Faça sempre que quiser! — O sorriso que ele deu ao me responder
com duas levantadinhas da sobrancelha me fez rir por um momento. 
— Safado… — falei em meio ao riso.
— Se eu fosse o único, não teria uma mulher invadindo meus sonhos e trazendo eles para a
realidade por duas vezes consecutivas… Venha aqui — disse ele pegando o meu braço e me
puxando para cima dele. Então ontem ele realmente não soube em que momento começamos
a nos envolver, acordou no meio do caminho… Talvez eu volte a pegá-lo sonolento. Refleti,
devido à satisfação de ter a certeza de que estava sonhando comigo. Alejandro me fez soltar
as cobertas, me colocou sentada sobre sua barriga, me fez inclinar para frente e deitar
sobre ele, para nos cobrir  — Você está sentindo alguma dor? 
Ele não deixaria aquele assunto de lado e eu sabia disso… Suspirei e deixei meu corpo
relaxar sobre o dele enquanto tinha meus joelhos apoiados na cama. 
— Nada comparado ao que pensei que sentiria… — admiti, tímida — Desculpa por não ter
contado…
— Hum… — comentou ele acariciando o meu traseiro com ambas as mãos —  Já te disse
que não sou um homem que volta atrás no que quer… Mas talvez eu pudesse ser mais
delicado e não teria acontecido em um balcão de banheiro…
— Ahh… Não tem problema! Não, digo, você foi perfeito… — E a cada frase meu rosto
começava a esquentar mais, então o  escondi no vão do seu pescoço. Aquele lado libertino,
parecia ter dito adeus, frente a vergonha que era falar sobre isso abertamente.
Senti o corpo dele vibrar conforme ria.
— Kayla, olhe para mim…
E eu obedeci.
— Não tenha vergonha, fale claramente o que te vem à mente. Não vou me importar, seja a
Kayla boazinha ou a perversa atormentadora do meu juízo. Dentro do nosso quarto, eu
quero saber o que você gosta, o que não… — disse pausadamente, conforme suas mãos
deslizavam passando pelo vão do meu traseiro e chegando em meu centro úmido —
Porque eu não esconderei o que quero, o que gosto…
— Sim… — concordei, sentindo arrepios conforme ele passava a ponta do dedo de forma
circular sobre o meu sexo. 
— E o que você quer agora? — perguntou ele matreiro, aproximando o rosto do meu quase
me beijando. 
— Você. 
— Eu? — questionou. 
— Sim… 
— Hum… Eu o que? — ele estava sendo malvado. 
— Maldição, Alejandro! — reclamei dando um tapa nele.
Rindo, ele apenas fechou o abraço que ainda me segurava, com mais firmeza para evitar
meus tapas. 
— Eu preciso saber o que você quer, pequena — disse ao pé do meu ouvido — Quer o meu
pau? Meus dedos? Minha boca? 
Miserável… É assim? Você vai ver! Pensei rancorosa, sentindo o seu pau voltar a ter vida e
resvalar em meu traseiro.
— Quero o combo, mas você vai ter que me soltar… — falei tentando esconder minhas
intenções. 
— Vou? — indagou como se tivesse lido a minha mente e tirou a mão do meu sexo.  Levou
ambas as mãos aos meus ombros e os segurou com firmeza, pouco antes de virar seu corpo,
levando-me com ele. Fechei os olhos no percurso e quando os abri, o vi sobre mim, com um
brilho malicioso em seus olhos, assim como seu sorriso gatuno. 
Por um instante, cheguei a acreditar que ele havia mudado de ideia em relação àquela
brincadeira sensual, pois, quando soltou finalmente meus ombros, se levantou
parcialmente ficando de joelhos. Todavia, ele não tinha mudado de intenção, apenas se
levantou para ter apoio o suficiente para pegar as minhas duas mãos e voltar a se inclinar
sobre mim, levando-as para o alto da minha cabeça. Surpresa, movi minhas pernas, mas ele
abriu as próprias e me fez ficar ainda mais exposta ao ar frio do quarto.
— O quê?! — indaguei. 
— Você pediu o combo, certo? — disse, ao mesmo tempo que prendia meus pulsos com
apenas uma mão.
Fitei seu rosto em um misto de excitação e curiosidade, tornei-me refém de uma tortura
perversa e deliciosa. 
Sua mão desceu pelo meu corpo, resvalando pelo meu seio e barriga, causando pequenos
arrepios a cada toque, enchendo-me de expectativa no processo, até chegar ao meio de
minhas pernas. Porém, como se conhecesse meu corpo melhor que eu mesma, seus dedos
trabalharam em meu sexo, acariciaram-me por cada ponto sensível e terminação nervosa,
evitando o clitóris deliberadamente por longos minutos até que arquejei pedindo por
mais… 
Quando finalmente parecia que iria atender ao meu pedido, minha respiração se tornou
mais pesada e tentei me soltar da sua mão que ainda me mantinha presa. No entanto,
Alejandro se colocou entre as minhas pernas e direcionou a cabeça inchada do seu pau à
minha entrada. 
Mas eu estava impaciente demais, o queria mais do que conseguiria suportar por qualquer
segundo mais sem ser ele dentro de mim. Por este motivo, o envolvi com minhas pernas,
enlaçando-o com elas, tomando-o por completo dentro de mim naquele movimento.
Alejandro ofegou por um momento como eu, segurando-me com um pouco mais de força.  
Ele respirou fundo, antes de começar a se mover e me fitou com uma paixão que eu não
conseguiria colocar em palavras. 
— Me beije… Por favor — pedi.
E ele o fez. Tomou minha boca com uma fome desenfreada, abafando o som dos meus
gemidos, conforme começou a se movimentar dentro de mim com suas estocadas rápidas e
fortes, sem controle, como se não conseguisse pensar em mais nada, se não no prazer e
sensações. Segui nos mesmos sentimentos, movimentando o meu quadril no seu ritmo até
que juntos encontramos o clímax.
(...)
Mais tarde…
 — Alejandro, tem certeza de que não estou estranha usando uma camisa sua com um
cinto? — perguntei me olhando no espelho após tomar banho. 
— Sim, Kayla. Está parecendo um vestido. Não se preocupe, vamos logo. Uma vez olhando
superficialmente o celular da Katherine… — começou ele, mas como percebeu que poderia
ser incômodo para mim, se corrigiu: — Digo, olhando as redes sociais vi as mulheres
pagando para usar algo assim.
Katherine… Pensei enquanto o via ir até à porta do quarto e abri-la  para mim todo
cavalheiro. Mas o meu sorriso morreu quando recordei da ameaça, lembrei de tudo… Tudo
que ainda não falei ao Alejandro… Era, no mínimo, desconfortável falar sobre isso. Porém,
logo desceríamos e ao encontrar Scarlet eu não teria uma nova oportunidade tão cedo.
 Mortificada, mordi o lábio e me virei. 
— É por quê eu mencionei algo sobre a Katherine? — perguntou ele imediatamente,
conforme fechava a porta — Não tinha com ela uma relação como eu tenho com você.
Eu não consegui responder, então me abracei enquanto reunia coragem de falar sobre ele
não ter ligação sanguínea com aquela amável família… Ele se aproximou de mim e me
abraçou por trás, cobrindo os meus braços com os dele.
— O que foi? Kayla, você tem que me contar as coisas para que eu possa fazer algo a
respeito.
— Mesmo que seja algo que vá te fazer mal? Mesmo que não seja algo que você aprove? —
disse num fio de voz.
— Kayla, não me enrole… — começou ele, me desvencilhei dos seus braços e me virei de
frente para ele.
Inquieta, mexi os dedos listando mentalmente por onde começar.
— Acho… Acho que terei que ir por partes. 
Ele me fitou longamente e suspirou. 
— Pelo visto é muita coisa… O lado jornalista investigou a fundo alguma coisa.
Fiz uma careta desconfortável e concordei. 
— Hum… Sim e não. 
— Bom, vamos sentar no sofá… — enquanto me guiava para o sofá, ele continuou: — Sobre
os nossos familiares, podemos só falar que somos um casal apaixonado e isso bastará. Se
não quiser falar para as pessoas lá de fora… Respeitarei.
O meu grandão era claramente contra meus planos loucos, mas resolveu me ouvir e apoiar,
independente do que. E isso era e é muito importante para mim de tantas formas que me
senti reconfortada. Ele se sentou de frente para mim, assim como fizemos em outro
momento na casa de Joel.
— Katherine veio ao meu quarto antes mesmo de ter a briga com a Scarlet… —  contei
objetivamente a ele, tudo que ela falou. Não somente e tão só a ameaça, quanto às
conclusões que cheguei. As frases enigmáticas da ruiva e as minhas desconfianças por
detrás disto  — Mas claro, que considerando o amor entre a sua família e você, não
acreditei... 
— Kayla… — começou ele. 
— No entanto, na dúvida de ser e acabar te magoando ou colocando a sementinha do mal
em sua mente, não sabia como contar... — estava tão presa nas vozes da minha mente
tentando justificar, que não o ouvi. Além das teorias que ainda dançavam em minha mente. 
— Kayla, pequena! Me ouça!
Parei de falar e apenas o olharei:
— É verdade… Não sou filho de Fabian Ward e Aria Ward, entretanto, sim, sou e sempre
serei um Ward.
CAPÍTULO 24
“ Mais uma história triste que não se contou”

ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward


 
 
Kayla me olhava obviamente sem conseguir colocar em palavras sua confusão, abrindo e
fechando a boca algumas vezes. Sorri por um momento quando ela me lembrou uma
criança curiosa, com seus olhos cristalinos tão atentos aos meus movimentos e expressões,
como se isso, por si só, lhe desse respostas.
— Pequena, não queria que ficasse sabendo sobre isso dessa forma… Não — comecei, mas
me refreei. Mesmo que “isso” especificamente fosse a única coisa que me deixasse
desconfortável, deveria seguir sendo sincero: — Na verdade, se dependesse de mim, essa
verdade iria ser levada ao túmulo. 
— Você sempre é absurdamente sincero… Por quê… Iria tão longe para esconder isso? —
questionou, preocupada, se aproximando de mim e colocando a mão sobre a minha. 
— É complicado de explicar. De forma objetiva, não sou filho de sangue dos pais, embora
desejasse. E sim, Katherine estava plantando a semente da discórdia, no entanto, não
mentiu. Na realidade, estava comigo no dia em que descobri… — pude ver um traço de
ciúmes passando rapidamente pela sua expressão enquanto tentava ler a verdade que eu
omitia. Então, a puxei para um abraço, encostei minha boca no topo da sua cabeça e ri baixo
— Vou te contar tudo, assim não precisa se esforçar tanto em me ler. 
Ela resmungou algo incompreensível, porém, me abraçou. Então, supus estar tudo bem.
— Lembro-me com riqueza de detalhes, pois foi algo que revivi mentalmente incontáveis
vezes, até encontrar aceitação — naquele momento, Kayla pareceu estar surpresa e em
seguida, seus ombros relaxaram —  Sim, encontrei e estou bem com tudo isso.  Tudo
aconteceu após o falecimento do meu pai, um pouco antes ao da minha mãe... Scarlet estava
acamada desde o falecimento do nosso pai, mas devido ao choque de saber que nossa mãe
estava tão fraca… Ela piorou.
Fechei os olhos e então olhei adiante no quarto, olhando para a parede. A lembrança
parecia abrir uma ferida que não estava totalmente cicatrizada.
— Essa é a verdade não contada para a mídia. Scarlet não abriu simplesmente mão de tudo,
ela só não conseguiu lidar com seus sentimentos, saúde e trabalho. Tomei a frente
totalmente, pois era a única opção… Mesmo que tivéssemos Harry, ele nunca lidou muito
bem com pressão. 
 
(...)
 
Na época eu estava andando pelo hotel de Granada, nunca gostei de ficar apenas trancado
no escritório, principalmente nesta época. Estava voltando ao escritório, quando Katherine
veio correndo em minha direção, agitada. Informou-me que uma mulher havia forçado  sua
entrada na casa de meus pais e exigiu falar com minha mãe. 
Como se o demônio estivesse atrás de mim, corri para casa. 
Não queria perdê-la também… 
Eu tinha vinte e seis anos e estava desesperado, porém, quando cheguei à porta do quarto
dela, vi Harry com uma expressão sombria e rancorosa, que me fez parar subitamente e
aproximar cauteloso. Ele não era aquele tipo de pessoa. Eu não tinha percebido, mas
Katherine estava bem atrás de mim e seu corpo se chocou ao meu, quase me fazendo
empurrar Harry.
— Me perdoe, eu não estava bem!! — escutei uma mulher falando em meio ao choro, com sua
voz carregada, chamando a atenção de nós três — Pensei que seria amada por ele… Pensei
que a criança nos uniria. No fim, fui descartada e ele me mandou levá-la para sua casa com a
carta.
Escutei o fungar da mulher e me inclinei para frente, para tentar ver algo. Minha mãe
estava tranquila, sentada, fitando inexpressiva a mulher diante dela, em um banco de
costas para a porta.  
— Eu não conseguia cuidar da criança, meus pais me jogariam na rua… Eu estava perdida! —
ela insistiu, tentando se justificar. 
O quarto caiu um pesado silêncio, antes da mulher por fim admitir:
 — Certo, isso é somente uma desculpa… Te odiei! Odiei a mulher que ele amou, a única que
ele quis! Queria te fazer tão infeliz quanto me sentia! Sim! Usei uma criança, usei-a como uma
ferramenta que arruinaria seu casamento. Eu li a carta do Henry e sabia das consequências,
mesmo assim fiz. Não existe perdão… Eu sei… Sei que não passo de uma barriga que carregou
o Alejandro com segundas intenções e que o descartou quando perdeu a utilidade.  Mas ainda
deveria pedir perdão ao menos uma vez… Por isso vim. 
Eu ainda estava processando a informação de  que Henry era meu pai e aquela
desconhecida era minha mãe biológica, quando a minha mãe, Aria, respondeu: 
— Não acredito ser digna de te perdoar — finalmente respondeu  — Tampouco acredito que
seja para mim que você deva pedir perdão… Entretanto, prefiro que você apenas vá embora
silenciosamente. Aquele garoto não merece sofrer pelas suas escolhas ou ver o seu rosto
choroso de piedade, não, não merece quando foi ELE o abandonado… Por sorte, eu soube a
verdade mesmo que Fabian me escondesse e segui o pedido de Henry. Tenho pena de você,
pois perdeu a dádiva de ser mãe daquele garoto incrível e adorável que sempre possuiu um
lindo coração. Se queria apenas saber se morrerei com ou sem ódio de você, pode ir.
— Você realmente sabia de tudo? — perguntou a mulher soluçando.
— Sim, ninguém conhecia melhor meu marido e o seu irmão do que eu — respondeu
pacientemente  — Sabia que ele não seria capaz de me trair, mesmo assim mentiu pelo bem
da paz de espírito do seu irmão. Homens, às vezes, são idiotas e mulheres devem ser astutas
demais para o seu próprio bem. 
(...)
— E foi assim, que eu soube que não era filho de Aria e Fabian… — falei como se fosse um
ponto final, porém, Kayla era teimosa e determinada. Colocou a mão sobre o meu peito e
tomou distância o suficiente para me olhar nos olhos.
— Grandão, você começou, agora tenha a dignidade de contar tudo… 
— Devo concordar com minha mãe, às vezes as mulheres são astutas demais para o seu
próprio bem — reclamei em um tom de lamento. — O motivo de não gostar de falar tudo é
porque não é só sobre mim, muitas vidas e corações estão envolvidos, mas se deseja tanto
saber…
(...)
Desnorteada, minha mãe biológica, agradeceu a oportunidade de encontro e falar tudo o
que atormentava seu coração durante os últimos anos, com a promessa de que não faria
mais nada para me fazer mal. Apressada, saiu do quarto e acabou esbarrando com nós três:
Harry, Katherine e eu. 
Seu olhar se fixou nos meus e foi estranho ver o seu rosto, era minha mãe biológica, via
traços dela presente em mim, mas, não senti nada. Tristeza, dor, mágoa, anseio… Nada. 
A mulher, atordoada, se encolheu e correu assim que me reconheceu. Quis ir até minha
mãe, Aria, mas  Harry não deixou, me olhou irritado e falou:
— Ela é minha mãe, PRIMO. Você não causará problemas a ela… 
Ele poderia desejar falar qualquer coisa mais, porém, não teve oportunidade, pois fechei a
mão e o soquei. 
— Hoje, amanhã e sempre  serei seu irmão, não me importa o que você acha! — exclamei. 
É claro que nossa confusão não passou despercebida por nossa mãe, que nos mandou
entrar. Passou um longo sermão para Katherine, pois estava se metendo onde não foi
chamada e a dispensou, sem mais. O próximo foi Harry, que também escutou um sermão
duro e só não levou um tapa no rosto, pois nossa mãe não estava bem de saúde. O
dispensou igualmente e ficamos apenas nós dois no quarto e sua primeira fala foi:
— Você é meu filho, em qualquer contexto, você sempre seria o meu filho, Alejandro.
— Me diga a verdade, mãe… — perguntei sentando-me à beira da sua cama e peguei sua
mão. 
Ela sorriu. 
— Meu adorável garoto… Mais fácil do que te contar é te mostrar. Por favor, vá à estante de
livros do seu pai e pegue o livro "Jardim secreto".
Soltei sua mão e obedeci ao seu comando, fui à estante e procurei pelo livro. Não foi rápido,
na estante havia muitos livros. Após alguns minutos e reclamações típicas de mãe como: 
“Alejandro, se eu tiver que me levantar da cama, procurar e achar só de bater o olho, não vou
me importar que é um homem adulto e você ficará de castigo!”.
Por sorte, encontrei o livro e o levei para ela, esta que me mandou sentar na beira da cama
novamente e abrir o livro. Assim que o fiz vi duas cartas e ela me mandou as ler.  
Na primeira:
 
"Fabian, serei franco. 
Tenho uma doença incurável no coração, é genético, desde já, procure ajuda médica, nossa
família também tem tendência ao câncer. Não marque bobeira, irmãozinho. No meu caso,
descobri tarde. Já passei por muitos médicos em busca de uma solução, mas parece ser
inevitável. Apenas em uma cirurgia de transplante de órgão e… Meu sangue é raro. 
Por este motivo, abri mão da empresa… E de Aria. Sei que é cruel falar isso, ainda mais que
você está casado com ela, mas eu a amo até mesmo hoje e tenho um pedido egoísta para te
fazer. 
Pegue este bebê, é meu filho… Não o assumirei, mas ainda assim, desejo que ele tenha um lar
amoroso… E pessoalmente, nunca vi outra pessoa para ser mãe de algum filho meu, se não,
Aria. Como não estarei aqui, a criança precisará de um pai e você é a melhor pessoa para isso.
Sei que isso pode te colocar em problemas, mas conhecendo ela… Ela não te deixará. Ela te
ama, confie nisto. Sempre e nunca a traia…
Diga o que achar melhor, só não fale da minha morte iminente ou doença. Peço que perdoe
seu irmão egoísta, e por mais que possamos contar nos dedos às vezes que falei isso…, eu te
amo irmão.  
Henry Ward ”
 
De alguma forma, senti a dor do meu tio e cada pingo do seu egoísmo, porém, me sentia
confuso. Afinal, meu tio estava vivo. O relacionamento entre os três parecia tão
problemático, que me faltava coragem de perguntar os detalhes, para fazer lógica. Levantei
meu olhar para a minha mãe. Ela que  sempre foi uma mulher incrível, pareceu muito
abatida:
— Filho, te falarei a verdade… — falou dando uma breve risada amarga — Talvez falar isso
em voz alta seja errado, mas… Eu amei os dois irmãos Ward  de todo meu coração e fui
igualmente retribuída, cada um ao seu modo. 
Voltei a minha atenção à carta em minhas mãos e retornei o olhar para ela. 
— Conheci Henry na empresa em que trabalhamos, ele era meu supervisor. Fabian era um
pouco mais jovem e ainda estava apenas na faculdade. Naquela época, era sempre tão
sorridente… Um era o extremo oposto do outro. Você parece o Henry, sempre leva tudo muito
a sério e toma todas as responsabilidades do mundo e de quem ama para si, essa era sua
forma de amar. Henry e eu, quando namorávamos, estávamos apaixonados e era tudo um
sonho lindo… Mas o sonho acabou quando os pais deles, os seus avós, faleceram. 
Minha mãe suspirou pesadamente, lamentando.
— Henry, era o irmão mais velho, herdou a empresa e muitas responsabilidades… Assim como
você, tinha muito trabalho e cada vez menos tempo para mim. No entanto, eu entendia e
ainda entendo. O problema foi que um dia ele simplesmente mudou, me traiu não uma, mas
tantas vezes que sequer consigo contar. Terminamos muito mal e Fabian, com seu doce jeito
de ser…, conquistou meu coração e me tirou da dor.
O olhar dela fugiu de mim e uma expressão dolorosa de culpa a abateu.
—  Eu não sabia que Henry tinha feito tudo aquilo por causa da doença… Para piorar, no
casamento, já que os pais deles tinham falecido,  ele foi… Sorriu o tempo todo e nos desejou
felicidade. Ele trabalhou firme, arrumou tudo que tinha de errado na empresa, fez coisas
incríveis em dois anos, fez a empresa crescer absurdamente e então, renunciou a tudo para ir
viver em uma pequena cidade nos arredores de Londres. Nunca mais tive notícias dele, até a
chegada de um pequeno bebê na porta de nossa casa. A esta altura Fabian amadureceu e já
não era tão animado, tínhamos Scarlet e ele já tinha assumido o papel de pai. Ele me disse que
teve um relacionamento fora do casamento, um caso, e que não daria as costas a um filho. Eu
sabia que ele não faria isso comigo, mas ainda assim, briguei com ele como se tivesse
acreditado, antes de aceitar me tornar sua mãe. Não muito tempo depois achei a carta e me
culpei por tudo… Justamente porque eu, mais que todos, conhecia aqueles dois muito bem e
deveria ter percebido.
Ela ficou em silêncio, com as lágrimas rolando pelo seu rosto, me dando tempo para digerir
as informações, então disse: 
— Agora, querido, você pode estar se perguntando sobre seu pai biológico estar vivo e isso
aconteceu porquê, quando Harry nasceu, apareceu alguém compatível com ele para realizar o
transplante… No final, era tarde demais para voltar.  Se você quiser nos julgar, culpar ou o
que for, compreenderei, mas primeiro, leia a carta que ele fez para você. Com ela você saberá
tudo o que eu sei — disse enquanto gesticulava para a outra carta. 
Peguei a segunda carta, a desdobrei e tão logo, vi uma letra que, inicialmente, estava limpa
e organizada como sempre. Mas, conforme a carta evoluía, a letra passou a mudar, talvez
devido às suas emoções. 
Assim que comecei a ler, comprovei minha teoria.
 
“Alejandro, não sei quando estará lendo esta carta e se um dia chegará a você. Estou
escrevendo depois de mais uma noite em claro de insônia com peso na consciência.
Agora, você é apenas um bebê. É um bebê tão parecido comigo… E é por isso que tenho muito
medo. Não tome as mesmas escolhas que eu tomei. O trabalho não vale tanto a pena assim…
Pode soar estranho, ainda mais vindo de mim que até hoje me agarro a única coisa que me
restou enquanto vida eu tiver. Mas escute esse velho homem… O trabalho é um companheiro
estável, sim, mas solitário.
Encontre um amor, uma paixão… Viva ela intensamente! Esqueça a razão, ao menos um
pouco. O instinto, às vezes, te dá respostas que o  racional jamais alcançaria. Não deixe o
medo te impedir de ser feliz. Porque eu fiz isso, a mandei embora por medo, por mais
desculpas que eu arrumasse… Foi medo. 
Não seja como eu, cresça, se torne um homem que pode controlar uma grande empresa, mas
também se torne um homem que sabe amar de todo o coração. 
Me perdoe por ser este pai miserável, Henry. “
 
Visto que eu tinha terminado de ler, minha mãe tirou a carta das  minhas mãos  assim como
o livro.
— O ser humano é falho, meu filho, cheio de defeitos, pecados e culpas. E a vida é realmente
um sopro como dizem. Essa carta foi enviada ao seu pai  quando Henry estava prestes a
entrar na sala de cirurgia. Ele a manteve guardada por um longo tempo, assim como seus
sentimentos. Se não perdoar, ao menos, reflita e tente não nos odiar…
(...)
— É claro que nunca consegui odiar minha mãe, meu pai ou mesmo o meu tio — falei
enquanto Kayla chorava me olhando — A minha família sempre foi tudo de mais precioso,
mas entendi o quão cruel ele poderia ser também. Por isso te disse, não faz muito tempo,
que evitei com todas as minhas forças não me deixar levar, mas você apareceu e o tal
instinto gritou… Não precisa chorar,  porque eu nunca tive que perdoá-los, não tinha nada o
que perdoar, odiar ou qualquer coisa do tipo.  
— Mas é tão triste… — falou ela em meio aos seus soluços — Acho que nunca mais verei o
Henry da mesma forma. Entendo agora o porquê ele pegou tanto no seu pé para se casar.
Ergui a mão e toquei seu rosto.
— Existem milhões de histórias tristes no mundo, minha pequena jornalista. Esta ainda
teve um final feliz para mim, pois me trouxe até você... Vamos, pare de chorar. Temos que
descer… Seria terrível se todos achassem que te fiz mal. Scarlet arrancaria minhas bolas e
esse Henry bonzinho se tornará uma fera comigo — falei tentando  animá-la.
Porém, ao falar o nome da minha irmã, o rosto dela mudou, como se tivesse lembrado de
mais alguma coisa.
— Kayla… Além da Katherine, tinha mais alguma coisa para me falar? — questionei.
As bochechas dela coraram, como se pega em flagrante. 
— É que…  Sabe o que é… Combinei de ir ao orfanato com a sua irmã — então ela deu um
sorriso amarelo, claramente omitindo mais coisas de mim. O entendimento de que ela
estava aprontando me chegou e o meu sangue gelou.
— Ahhh! Mas não vai a lugar algum! — exclamei.
CAPÍTULO 25
“ Preocupação x Julgamento x Conflito ”

KAYLA • Kayla Johnson


 
 
Meu corpo todo estremeceu, aquela foi a primeira vez que Alejandro pareceu irritado
comigo, mas não poderia retroceder. Precisava fazer isso, pela segurança das crianças e a
minha paz de espírito… Ao mesmo tempo que o observava em silêncio, quase podia ouvir o
maquinar da mente do homem, tentando especular o que eu estaria tramando.
— Mesmo que você fique bravo… Não é nada demais… Aliás, já combinei com sua irmã,
Grandão — respondi em tom apaziguador — Scarlet está terrivelmente triste e cabisbaixa,
ver as crianças, passar algum tempo com elas, sorrir e brincar um pouco, será bom… Tanto
para as crianças, quanto para ela mesma. E poderei ver a Ana…
E não era mentira, realmente sentia falta daquela pequena menina linda e cativante. Pensar
em chegar no orfanato e ela não estar lá, me dava arrepios. Alejandro ficou com os seus
lábios em uma linha fina,  ergueu uma sobrancelha e disse:
— E você quer que eu acredite? Você apenas quer ver as crianças e levar a minha irmã para
consolar ela?  — perguntou ele como se tivesse lido a minha mente — Se for mentir para
mim, minta melhor, Kayla.
Suas palavras duras, sinceras e doloridas, me acertaram firme como um tapa no rosto. E
pior, ele estava certo. Acabou de me contar algo extremamente delicado, sinceramente, e lá
estava eu tentando esconder algo dele. 
Suspirei e me ajeitei no sofá, me afastando dele.
— Alejandro… Eu sei que você não vai concordar, aprovar ou o que for. Aquelas crianças
estão em perigo! Elas realmente temem um homem de capa preta — falei convicta — Não é
um simples medo, eu sinto. É real! Ana, sem querer, deixou várias pistas. Não só ela, mas
várias crianças. Alegaram que as outras crianças sumiram, levadas pelo homem de capa
preta... Sim, eu sei que acreditar em coisa que criança diz pode ser um erro…
Falei rápido e sem parar. Não queria dar margem para Alejandro falar que era só um mito. 
— Mas e se elas não estiverem sendo adotadas? As crianças que lidei naquele dia, eram as
crianças mais conscientes sobre o mundo. E adivinha? Não confiam em adultos! —
Alejandro parecia ter tido um estalo, mas não verbalizou seu pensamento — Pedi para uma
amiga investigar. Não existe nenhum mito regional sobre homem de capa preta. Algo está
terrivelmente errado e, infelizmente, sem provas… A polícia não pode fazer nada a
respeito! Temos que salvar aquelas crianças!
— E você, a heroína da pátria, conseguirá tudo sozinha… — acusou severo — Mais um
motivo para você não se envolver, se não sabe e não quer trabalhar em conjunto, não está
apta a fazer qualquer coisa, pois se a verdade for por acaso que elas apenas têm traumas
por serem abandonadas, você, aparentemente, não irá aceitar esta verdade. Se apenas quer
um desencargo de consciência, chamaremos um detetive, se houver pistas ele conseguirá e
enviará à polícia. Com toda certeza, fará um trabalho melhor que o seu. 
Ele era duro e sincero demais, às vezes, ogro demais. Olhei para ele me sentindo ferida, mas
sabia que meu discurso estava sendo muito emocional e que, talvez sim, era isso que
parecia ser. Mas, ao fechar os olhos com força, a imagem daquelas crianças ao meu redor
ouvindo histórias, da Ana se jogando em meus braços e dormindo somente quando viu que
eu estava bem…  Eu sabia que não poderia apenas ficar sentada. 
— Aquelas crianças não vão falar nada para ele. Você me ouviu? — questionei tão séria
quanto ele — Elas não confiam em adultos, mas eu consegui a confiança delas. Quem
estiver levando as crianças, não fará nada quando tem visitas. Além disso, Scarlet precisa da
leveza que as outras crianças trazem ao coração. Você deve sentir isso também, quando
elas se jogam em seus braços… Não seja mesquinho. Elas ganhariam o amor de volta de
igual maneira da sua irmã, você sabe que sua irmã é amorosa. Por quê não consolar o vazio
das crianças, da sua irmã e ainda  protegê-las de alguma forma?
Após uma longa discussão, entramos em um consenso, concordei em agendar a visita com
um detetive e seguranças, além é claro, dele me acompanhar. Pois, se tinha algo que aquele
homem demonstrava, era ser um controlador nato. No entanto, quanto mais tempo passava
ao seu lado, mais percebia que… Isso era mais força de hábito do que qualquer outra coisa. 
"Se quer algo bem-feito, faça você mesmo.", nunca foi tão real até conhecê-lo.
(...)
Após alguns dias…
No dia seguinte, seria o dia programado para ir visitar as crianças no orfanato e todos
estávamos  empolgados. Lanches, brinquedos e roupas foram reunidos para levar de
presente. Porém, Samille me ligou logo pela manhã com uma entonação de voz impositiva
tão característica dela:
— Chegou o dia do julgamento do Richard, amanhã você terá um compromisso de
comparecer ao fórum e encarar um tribunal — pela minha expressão, todos que estavam
sorrindo ao meu redor, foram perdendo o seu sorriso.
Um gélido mal-estar se apossou do meu corpo  ao ponto de me encolher um pouco e
abraçar meus próprios braços. Desde a última vez que vi aquele homem, o tempo se fazia
parecer distante, mas o ódio destilado em seus olhos naquele dia do banheiro ainda  estava
vivo nas minhas lembranças. Não tinha arrependimento algum e faria tudo de novo, mas
era como se a ideia de vê-lo causasse aversão ao meu corpo inteiro.
Alejandro, vendo a minha mudança de expressão após desligar o aparelho, veio até mim e
me abraçou,  passando os seus braços ao redor de mim e sua cabeça se apoiou sobre a
minha.
— O que houve para deixá-la assim? — perguntou baixo.
— Chegou a hora do julgamento — falei em um fio de voz.
— Certo, vamos dar um ponto final.

 
 
Já na ida ao Julgamento,  não foi fácil. A advogada me falou uma enxurrada de informações,
conselhos e o andamento até então, para me lembrar e informar os últimos
acontecimentos, que me deixaram atordoada. A primeira audiência, devido à minha saúde,
foi adiada. Até porque ela rendera novas provas que ainda não haviam sido atestadas pelos
especialistas e juiz. Mas, ao sair do carro, foi uma surpresa ao mesmo tempo em que não.
Havia tantas pessoas quanto possível ter; não parecia uma audiência de julgamento, e sim,
um grande show.
Os seguranças tentavam abrir caminho para nós, mas estava muito difícil, não tinham
apenas repórteres, como civis também. Todos fazendo muito tumulto e falando alto, de
uma forma tão intensa que uma agitação começou incomodamente a nascer dentro de mim,
de modo que a falta de ar e tontura, não demorou muito para que viesse a me atormentar.
No entanto, isso não fez diminuir o tumulto.  Conforme me encolhia brevemente, evitando o
olhar, mais intensos eles ficavam. 
Samille, Joel e Harley, mesmo com toda a segurança, tomaram seus lugares ao meu redor,
para tentar me proteger visualmente dos demais, o que me deixou imensamente grata. O
som de flashes vinha de todos os lados, parecendo uma tormenta, sabia que seria assim até
que chegássemos à porta de entrada do local, porém, parecia infinitamente mais longe do
que realmente era.
Alejandro, Scarlet e Harrison, decidiram ir em outro carro, não estavam longe e chegaram
em seguida. Alejandro foi o primeiro a sair, percebi isso pela agitação e exclamação das
pessoas ao meu redor que se suavizaram. 
Pude escutar quando perguntarem sobre o nosso relacionamento e ele apenas respondeu:
— Falaremos sobre isso em outro momento. 
Após passar pelas portas, olhei para trás por um momento e consegui vê-lo vindo em
minha direção, confiante, de óculos escuros e como sempre mais alto que os demais. Assim
que nossos olhos se encontraram, ele me deu um meio sorriso que me passou a sensação
reconfortante de que,  independente de tudo, ele  estaria comigo. 
Seguimos andando e fui levada a uma sala de espera à parte, onde Samille me alertou:
— Apesar das provas e testemunhas que temos, ele virá com um advogado preparado para
o caso, tentando distorcer os fatos já evidenciados nos autos do processo. Você não deve, de
forma alguma, se entregar a uma emoção exaltada quando ele fizer isso.  Como já informei
outras vezes, sim, você também receberá críticas sobre ter confiado cegamente em seu ex,
eu mesma levantarei o assunto. Você terá que ser forte, Kayla. Além de ser estressante, é
exaustivo.
(...)
Minutos mais tarde, fomos convocadas ao tribunal para tomarmos os nossos lugares. Um
ambiente amplo, mas que estava particularmente cheio. Havia vários jurados e seus olhares
recaíram sobre mim enquanto caminhava ao meu lugar, guiada pela advogada. Em seguida,
Richard entrou no tribunal, preso com algemas e com policiais ao seu redor. Ele me
desferiu um olhar gélido que me fez recordar da sua promessa de me matar antes de ser
condenado. 
Engoli em seco, principalmente  porque Richard não demonstrava nenhuma expressão,
muito diferente da pessoa que conhecia. Em seus olhos vi um vazio oco, que me fez arrepiar
com o seu nível de frieza.  Como um dia pude achar que amei aquele homem?
O Juiz chegou e tomou o seu lugar, fez a abertura do processo formalmente e em seguida,
leu todas as acusações que recaíram sobre Richard.
— Acusação, por favor. 
— Sim, meritíssimo — disse Samille, levantando-se e indo para o meio do tribunal —
Venho em nome da minha cliente, Kayla Johnson, a vítima de Richard Johnson…
Primeiramente, desejo deixar claro a todos que o que houve aqui, foi um ataque. Um ataque
moral e público ao bem-estar de uma mulher que errou em confiar naquele que amava.
— Protesto! — exclamou o advogado de Richard.
— Negado, senhor William — disse em tom firme o Juiz — Prossiga…
— Uma mulher que apenas estava fazendo o seu trabalho jornalístico, mas, ao chegar na
festa de caridade da família Valiants no hotel Luxor, viu seu noivo com outra nos braços.
Não obstante, o ouviu debochar do seu amor e confiança. Afirmando para  Victoria
Mcgregor, sua amante, que seguiria roubando, pois ela era uma tola por amor. Quando
questionado sobre, porque, sim, ele se deu conta de que Kayla estava ali e que ouviu tudo, a
acusou de descaso ao relacionamento dos dois. E sem pausa, falou para quem quisesse
ouvir, que ela dava muito valor ao trabalho e ele se sentia de lado. Como justificativa para a
infidelidade, meritíssimo. 
— Protesto, meritíssimo! Meu cliente não estava em seu estado psicológico normal. 
Meu olhar foi ao advogado de Richard devido à sua súbita exclamação. 
—  Negado, senhor William. Mas senhorita Wood, por favor, vá direto ao ponto.  —  disse
calmamente o juiz.
— Sim, meritíssimo. Minha cliente, humilhada, mesmo com seu coração partido, tinha na
bolsa dela naquele dia, as abotoaduras de ouro que comprou, ênfase que ela comprou com
o dinheiro do seu próprio esforço, para dar ao noivo de presente para usar no casamento.
Como prova de que ela, orgulhosamente, vive do seu próprio trabalho… Aceitou a
infidelidade, sentindo-se culpada por deixá-lo de lado, como ele a levou a acreditar naquele
instante. Entregou à amante a aliança de noivado dela, como mostra no vídeo que veio ao
público, porém, não pôde aceitar a humilhação em que foi exposta ou o roubo de sua
herança. 
Samille andava pelo ambiente, olhando diretamente nos olhos de todos, e fez uma pausa
dramática antes de gesticular em minha direção. 
— Mesmo madura em sua atitude, seu coração estava em pedaços. Graças a bondade da
família Grand, conseguiu sair da festa sem mais danos emocionais. Onde, aliás, muitas
pessoas que a filmaram sem sua permissão, divulgaram os vídeos, viralizando sua
humilhação. Quando verificou pelo aplicativo do celular o banco no qual  tinha conta
conjunta, com o seu agora, ex-noivo, estava como sempre… Baixos saques em lugares
corriqueiros. Acentuando que ele, há tempos, arquitetava o seu plano maquiavélico!
O júri comentava entre si e o público que assistia também, e inconscientemente levei meu
olhar ao Richard que não parecia confiante ou frio como anteriormente, mas pela sua
expressão, parecia que ele era a vítima enquanto Samille continuava alegando que fui
levada ao erro quando ele aproveitou da relação de confiança para tirar vantagem de forma
ilícita e enriquecer. Além de mencionar que as provas da fraude já foram atestadas nos
autos. 
— Protesto, a requerente Kayla Johnson pode ter retirado o dinheiro. A fatura dos meses
prévios, não confirma qualquer fraude! — exclamou o advogado de Richard.
— Tenho comigo os históricos de depósitos e saques, meritíssimo — falou Samille
balançando as folhas em suas mãos, essas que pegou na mesa diante de mim e a levou ao
juiz, lhe entregando — É claramente visto a diferença dos históricos mais antigos e os mais
recentes. Minha cliente, só usava o dinheiro da herança pontualmente e recolocava o
dinheiro na conta, devido a um sentimento de culpa ao usar o dinheiro que veio dos seus
pais. Nos últimos saques, não houve sequer uma devolução do dinheiro, sendo frequente
apenas o saque. O réu, reafirmo, aproveitando-se da confiança e sentimentos da minha
cliente que jamais pensou que ele seria capaz de fazer isso, roubou não apenas o dinheiro,
mas a autoestima e confiança da reclamante.
— Protesto, meritíssimo, não é prova o suficiente! Meu cliente era um noivo exemplar, fora
a traição com a Senhora Mcgregor. Ela fez uma conta conjunta, por quê não faria uma
procuração e o mandaria retirar apenas para posteriormente acusá-lo?
— Protesto aceito, senhorita, tem alguma prova de sua alegação? 
— Sim, senhor — ela revelou fotos em papel A4, tiradas da câmera de segurança do banco
onde ocorreu o último saque. Acompanhado de Mcgregor, entrando e sendo atendido por
um gerente — Para um saque deste porte, seria, sim, necessária uma procuração e também
a notificação do banco à minha cliente. Esta notificação jamais ocorreu, fazendo-me
acreditar que o gerente está envolvido na fraude. Inclusive, minha cliente me deu uma
procuração para lidar com a investigação, auditoria e afins. Segunda-feira fomos ao
cartório, para timbrar e registrar a procuração. Peço ao senhor, meritíssimo, que o
documento de ambos seja avaliado  por um profissional. Este que verifique a legitimidade
do documento, assinatura e a data em que foi registrado, como prova que houve ou não,
falsidade ideológica. 
O pedido foi aprovado pelo juiz, mas, mesmo assim, quando o advogado de Richard pediu
que o permitisse depor, o verdadeiro teste para o meu limite de controle foi posto à prova.
Ele fez o juramento e me olhou como se estivesse extremamente ferido.
— Meritíssimo, sou uma vítima da vida e da entrada desta mulher em minha vida! Todos os
dias, sou comparado a ela, é claro, fui me apaixonar por uma mulher que foi sempre bem-
vista por todos e querida por todos, por mim não seria diferente. No entanto, vivi à
margem, à sombra e com restos. Até mesmo, me foi negado um nome, muitas vezes, sem
jamais ser reconhecido por tal, apenas como o namorado/noivo da famosa jornalista, Kayla
Johnson. Entre as festas e idas dela em meio às pessoas de alto escalão, faziam as pessoas
afirmarem sobre casos dela em meio à alta sociedade, veja o senhor, hoje o atual amante
dela está presente... 
Afirmou, referindo-se ao Alejandro. 
— Protesto, meritíssimo!  — falou Samille e o juiz negou, o que me deixou mais aflita.
— Veja só, no falecimento dos meus tios, os pais de Kayla, meu pai, que era o filho adotivo
da família Johnson,  foi o único a tomar a guarda das duas meninas. Perdi tudo, meu pai
deixou de me apoiar para dedicar-se a apenas e exclusivamente a elas. Mesmo em minhas
ocasionais visitas, tudo se resumia a elas e suponho que ele acreditasse estar pagando por
todo apoio que a família lhe deu quando o adotou ainda criança…
Richard abaixou a cabeça e parecia estar chorando. Sua atuação me causava repulsa e uma
ira fervente, conforme ele distorcia tudo pela sua visão doente. Demandou muito
autocontrole para não proferir uma lista de ofensas àquele bastardo.
— Fui negligenciado por todos que deveriam me amar e respeitar. Pelo meu pai, pela
minha noiva… Seduzido por ela, sem saber que, em seu coração, eu jamais teria lugar. Eu
ignorava as piadas de traição, mas a cada dia, ela estava mais e mais ocupada, a cada dia
prosperava mais em seu trabalho e mais inferiorizado eu era por todos. Cheguei a pedi-la 
em casamento, na vã esperança de mudança, mas ao conhecer o carinho nos braços de
McGregor, percebi que isso nunca aconteceria. 
Eu estava pronta para levantar, mesmo que estivesse tentando firmemente me conter,
quando a mão da Samille cobriu a minha e ela apertou no microfone.
— Meritíssimo, com a sua permissão.
— Vá em frente, senhorita Wood.
— Senhor Richard, embora seu relato afirme que você é uma vítima, alguns fatos narrados
não condizem. A minha cliente, assim que engatou o namoro, deixou tudo para trás para vir
para Londres contigo, trabalhou e estudou para criar uma vida ao seu lado de bom grado.
Assim como ela dividiu uma conta bancária que tinha acesso ao seu próprio salário,
deixando claro que a conta não era a mesma da poupança. O senhor afirma que ela nunca o
amou, mesmo que segundo estes papéis, era ela quem  estava custeando o casamento que o
senhor pediu a mão dela. Se não existia amor da parte dela, me pergunto o que era, afinal,
do relacionamento de vocês, ela não tinha ganhos monetários. 
— Protesto, meritíssimo, a advogada Wood está deliberadamente provocando o meu
cliente.
— Negado, vá direto ao ponto. 
— Sim, meritíssimo. Nada desse emocionante relato, contesta ou justifica a fraude,
falsidade ideológica ou a agressão. E sobre o estado do cliente do senhor Williams, o senhor
pode ver, que nos autos já havia sido previamente convocada a análise de um psicólogo
renomado, tanto sobre o comportamento da vítima, como do réu. Novamente, peço que
recolha a prova psicológica para avaliação, junto com algumas filmagens de câmeras
públicas que consegui.
O julgamento foi pausado para a averiguação das provas apresentadas por Samille. 

 
 
 
A mídia foi à loucura com o julgamento que estava acontecendo,  não deixando nenhum
detalhe de fora. Em qualquer lugar que visse, era possível ver notícias e especulações sobre,
estava um caos.
(...)
No retorno ao tribunal, eu não estava menos nervosa do que na primeira vez, na verdade,
era o  contrário. O foco foi os depoimentos das testemunhas: senhor e senhora Valiant,
alguns funcionários do hotel da festa, mesmo o senhor e a senhora Grand. Mcgregor foi
chamada, mas estava desaparecida. Meu chefe, Ethan, o delegado e até mesmo Luiz
Edwards, o encarregado dos depósitos da herança e sócio da “Themis” a advocacia dos
meus pais… Parecia que não teria fim, mas dentre elas, a mais chocante e surpreendente,
foi a vizinha insuportável: Liza. 
— Senhorita Elizabeth, por favor, nos diga o que viu — incentivou Samille.
A mulher, sempre tão valente, parecia nervosa entre tantas pessoas, mas se aproximou e
disse:
— Enquanto eu regava as flores do meu jardim como toda manhã, vi Richard, escondido,
olhando para a casa de Joel,  na  qual  a menina Kayla estava recebendo o senhor Alejandro.
Nessa época do ano ele sempre vem à cidade para a  caridade do orfanato… Mas, após ficar
sabendo que Joel havia sido agredido por seu próprio filho, chamei a polícia com medo do
que pudesse acontecer.
— Meritíssimo, me permita — pediu o advogado de Richard.
— Permito, pode falar.
— Até o presente momento, apenas a integridade do meu cliente, como alguém que traiu a
noiva, foi pontuada repetidas vezes, porém, o que leva ao senhor Ward à casa da srta. Kayla
pela manhã? Peço que Alejandro Kaleo Ward, se presente, meritíssimo.
Aquela era a terceira vez  que ele puxava Alejandro para a conversa, sendo a segunda vez
que os funcionários testemunharam a agressão de Alejandro contra Richard. Senti-me
ainda mais aflita, quando o juiz concordou. Alejandro confirmou ter sido impulsivo, mas
que foi mediante ao choque e ataque deliberado  a mim. 
A advogada Samille, pediu permissão para falar e com a autorização do juiz, interveio se
levantando e informando a todos:
— Meritíssimo, quero deixar claro perante todos que o senhor Alejandro Ward, já se
pronunciou em outra instância, oferecendo-se a cobrir todos os custos médicos, assim
como as indenizações apresentadas e consideradas necessárias ao encerramento do caso. 
Esclareço ainda que a testemunha agiu em legítima defesa de terceiros, portanto, esse
assunto é irrelevante ao caso em questão, ao qual se refere a fraude, extorsão e agressão
verbal à minha cliente Kayla.
O advogado de Richard a olhou com desdém e sorriu.
— Meritíssimo… Um homem não iria tão longe por alguém que não conhece.
— Meritíssimo, talvez não um homem como nosso advogado William... — respondeu ela,
desta vez com desdém — Mas homens de caráter cavalheiresco ainda existem,
principalmente quando uma mulher está sendo atacada em público.
O juiz pediu ordem e,  visto ser tão importante assim ao advogado de Richard, perguntou ao
Alejandro:
— Senhor Ward, já conhecia a senhorita Kayla antes da festa em questão?
— Fora o que sei dos jornalistas de destaque, meritíssimo? Não. Aquela foi a primeira vez
que encontrei pessoalmente a jornalista Kayla Johnson.
— Ela é uma jornalista famosa, uma semi-celebridade! Quantas festas vocês já foram... —
falou Richard amargo. 
O Advogado, se virou ao seu cliente, murmurando algo que provavelmente era uma
reprimenda. 
— Peço que o advogado William mantenha o seu cliente sob controle ou serei obrigado a
pedir que se retire do tribunal — bateu  o martelo — Sobre a manhã que a testemunha
alegou, o que fazia lá?
— Meritíssimo, meu tio Henry Ward, com quem sempre participo como suporte da ação
beneficente, deu a ideia da senhorita Kayla e eu, que estávamos sendo notícia na mídia,
usássemos esse destaque por um bem maior: as crianças — declarou calmamente  —
Incluo, que sou alguém muito apegado à família, da mesma forma em que estive presente
na  festa onde houve o primeiro ataque à vítima, a pedido da minha irmã, que muito
preocupada com o meu excesso de trabalho… 
— E quem é a sua irmã?
— Meritíssimo, Scarlet Grand.
Todo o lugar ficou muito agitado e o juiz pediu ordem, como era esperado, uma vez que
aquele fato era um enorme segredo da família. Alejandro teve que explicar tudo, desde que
sua irmã renegou ser cabeça dos Ward, até como eles me conheceram e se apegaram a
mim. Mas que não teria como eu saber, já que era um segredo de todos até o presente
momento. 

 
 
Novamente a mídia foi à loucura, fotos de Alejandro e de Scarlet estavam para todos os
lados nos jornais. Entre as audiências, tudo era tão cansativo quanto elas mesmas. Semanas
iam e vinham, a cada audiência, um novo show, mais notícias espalhadas em todas as
mídias, ao ponto de me fazer pensar se valia mesmo a pena todo aquele desgaste e
exposição. Mas,  ao pensar no que ele poderia fazer solto, o roubo e até onde ele poderia ser
capaz de ir, retomava a minha vontade de mantê-lo longe e preso, de preferência. 
Por fim, a alegação da agressão chegou e com ele o meu laudo médico, fotos dos hematomas
e por fim, o áudio do relógio, onde, sim, Richard não tinha como refutar, mas mesmo assim,
o advogado Williams tentou, em vão. 
O dia pareceu especialmente mais longo, durante aquela sessão. Ao fim dela, quando o juiz
anunciou que a próxima audiência seria a finalização do caso, me senti aliviada e
extremamente cansada. Teria sete dias para descansar, mas naquele momento, só
conseguia pensar em como queria um pouco de paz, como sentar na frente daquelas
crianças do orfanato, com Ana em meu colo e passar algumas horas contando mil vezes as
histórias favoritas delas. 
CAPÍTULO 26
“ Tão prto e tão longe... ”

KAYLA • Kayla Johnson


 
 
Tudo parecia tão próximo, mas, ao mesmo tempo, tão distante, que eu queria que o
julgamento apenas chegasse ao seu fim e aquele assunto se tornasse menos um motivo de
discussão entre as pessoas. Ao mesmo tempo, sentia-me constrangida e sem inspiração,
totalmente frustrada. Eu poderia, é claro, revisar coisas, estudar outras, mas realmente
fazê-las estava fora de questão.
O que quer que eu fizesse, antes do bater de martelo do juiz, poderia ser usado contra mim,
mesmo sendo EU, a vítima. Sentia-me presa em uma gaiola cuidadosamente adornada que
eu mesma fiz. Vendo o meu sofrimento, Alejandro teve a ideia de me acrescentar em seus
afazeres, que não eram poucos, e em fazer exercícios com ele. Outra coisa que descobri
sobre aquele homem era que ele não tinha uma aparência juvenil e em forma atoa. 
Ocasionalmente tinha sim seus momentos de preguiça comigo, mas era tradicionalmente
um homem que acordava cedo, fazia exercícios, que, quando aparecia para o café da manhã,
já fazia boa parte dos seus assuntos. Por isso aparentava ser tão perfeito. Na verdade, ele
não era perfeito, só um homem proativo, muito organizado e empenhado.
O que me fazia mais frustrada, pois perto dele, mesmo sendo acostumada a fazer tantas
coisas, não era nem metade. E na atual situação, eu podia fazer menos ainda…
Meu corpo protestou e "morreu" assim que a cabeça encostou no travesseiro, no primeiro
dia. No segundo dia e terceiro, não foi muito diferente. Mas no quarto, meu corpo
conseguiu, embora o cansaço de ficar me mantendo acordada, devido a minha mente
agitada. Tantas coisas para pensar e considerar, fora a preocupação e o pesar. 
Tinha passado da meia-noite, quando finalmente consegui fechar os olhos após horas
olhando o teto. Porém, eu não imaginava que o sono que tanto quis, viessem com um
tenebroso e assustador pesadelo…
 
Abri os olhos e me encontrei sentada em meio a um enorme jardim que parecia durar para
sempre. À minha frente, as crianças brincavam livremente e corriam por todos os lados. Eu
não tinha ideia de quem eles eram, mas senti como se os conhecesse, pois a alegria que eles
me traziam era incalculável. 
Olhei ao redor e vi um tapete de flores de todas as cores nos cercando. Tudo estava
perfeito: O cheiro suave das flores, o dia estava agradável e quente, e o meu sorriso
combinava com o das crianças, repleto de paz e alegria. 
Algo me fez cócegas nos pés e percebi ser uma pequena flor azul. Notei em meu pé,
ornamentos de ouro que me deixaram surpresa. Passei a mão pelo material gelado do meu
calcanhar e então percebi que a flor parecia com a do livro que li para Ana e a acariciei. 
No entanto, de um momento para o outro, quando virei para fitar novamente as crianças,
aqueles sorrisos começaram a perder seu doce fascínio para mim. Do canto de suas bocas,
embora o sorriso ainda estivesse ali, sangue começou a escorrer, seus olhos se arregalaram
e em algum momento suas órbitas sumiram, ficando com um terrível aspecto. Suas peles
empalideceram e o cenário próximo ao paraíso, converteu-se em algo próximo ao inferno.
O ar fugiu dos meus pulmões e meu coração pareceu pesar uma tonelada.
Chocada e tão surpresa quanto era possível estar, nem sequer tinha voz para expressar em
um grito o meu horror. Paralisada, os fitei por mais algum tempo, ainda correndo e
brincando.
Um deles pegou uma flor e veio correndo em minha direção entregar, senti meu corpo todo
estremecer quando ele finalmente parou diante de mim. Os músculos muito tensos
protestaram conforme o terror se espalhou mais forte. Com a respiração entrecortada, não
consegui segurar a flor, mas levantei com esforço e dei dois passos para trás. Esbarrei com
alguém, causando-me outra surpresa e voltei-me a ela, por um segundo, senti minha alma
se descolar do corpo. 
O menino era tão horripilante quanto as outras crianças, porém, a sua expressão não era
feliz como as das demais. Sua feição mostrava medo, suas órbitas retornaram, mas com
elas, lágrimas de sangue começaram a correr pela sua face, tingindo-a de vermelho. Ele
movimentou lentamente os lábios, pedindo um socorro silencioso.
Com os olhos muito abertos, o oxigênio começou a me faltar, fraqueza parecia se espalhar
pelo meu corpo e a minha visão nublar. Tremia como se estivesse nua e exposta a uma
temperatura extremamente baixa, mas mesmo entre tudo isso…
— O que está acontecendo?! POR QUÊ ESTÃO ASSIM?! — indaguei, mas um silêncio
ensurdecedor varreu todo o ambiente. 
Lentamente me virei e olhei ao redor, as crianças já haviam se transfigurado ao aspecto
normal, todas me olhando curiosas, como se eu estivesse ficando louca. 
Meneando a cabeça em negativa, dei dois passos para trás, levando as mãos à cabeça, quase
acreditando, estar de fato, ficando louca. Senti um bolo formado em minha garganta, o
choro e o grito de horror... Travados. Meus lábios tremiam e senti minha mão suando. Até
que uma menina que estava ao longe, perto das flores, correu em minha direção e ao chegar
próxima a mim, segurou a barra da minha roupa,  eu a reconheci de imediato, era Ana!
 O que ela está fazendo aqui?! Questionei. Tenho que  salvá-la,  protegê-la…  Segurei
firmemente sua mão e saí correndo junto a ela, em busca de fugir daquela cena esquisita. 
Louca ou não, havia algo errado.
Quando já estávamos longe, quase perdendo de vista as outras crianças, vi um alicerce de
pedra de uma construção antiga e corri em sua direção. A escondi atrás da pedra,
estávamos ofegantes, me apoiei em seu ombro, mas deslizei as mãos até às suas, dizendo
que agora tudo ficaria bem. 
Contudo, lamentavelmente, o terror voltou a dominar o ambiente. Quando seu olhar
encontrou o meu,  as lágrimas escarlates rolaram pela sua face. 
— Tentei te avisar… — falou num murmúrio que arrepiou cada pequeno pelo do meu
corpo. 
Segurei com mais firmeza a pequena menina e tentei dizer que tudo ficaria bem, em um
movimento rápido, porém, lentamente  sua imagem começava ficar transparente diante de
mim, escapando entre meus dedos.  Tentei voltar a segurar, mas em vão, até que, por fim,
desapareceu.
— Não, não, não...!!!
 
Acordei agitada e atordoada, debatendo-me na cama, com um grito estridente: 
— Annnnaaaa!!! 
Alejandro me surpreendeu ao passar os braços pelo meu corpo em uma tentativa de me
acalmar, mas isso só serviu para me deixar ainda mais agitada. Pedi socorro,
desesperadamente. Ele tentou me trazer à realidade, mas meus sonhos ainda estavam
muito claros em minha mente e eu ainda não havia me dado conta de que era ele quem
estava me segurando. Porém, naquele instante, ele conseguiu me travar os braços e as
pernas completamente. 
— Kayla, acorda! Você não está mais sonhando! Estou aqui com você! — falou em tom
firme perto do meu ouvido. 
Dei-me conta de que realmente era apenas um sonho e não estava mais nele, parei de me
debater imediatamente, reconhecendo o quarto do Alejandro, assim como o seu cheiro e
calor. Porém, com os sentimentos ainda vivos, trêmula, me peguei chorando
silenciosamente mordendo os lábios.  Deslizei a mão em busca de tocar a mão dele.
— Me desculpa… Estava com tanto medo… — murmurei vacilando.
— Shiii… Não tem pelo que pedir desculpa — respondeu murmurando também, mas em
um tom mais gentil.
Porém, fomos pegos de surpresa quando a porta do quarto foi aberta em um rompante. O
baque da porta foi estrondoso, de forma que apenas não tive outra crise, pois Alejandro me
abraçou mais forte, protegendo-me com o seu próprio corpo. 
A voz de Scarlet foi a primeira que ouvi vindo em nossa direção, falando para que ele
tirasse as mãos de mim imediatamente, junto com alguns outros xingamentos que eu
pessoalmente não conhecia em espanhol. Quando chegou perto o suficiente, vendo que seu
irmão não havia me soltado, entre tapas, ela foi afastando-o de mim. Ele reclamou e se
afastou o suficiente para ela se sentar na beira da cama, segurar a minha mão e,
preocupada, olhar o mais profundamente possível nos meus olhos. 
 — Kayla, minha menina. O que houve? Me conte, se não contar, como posso te ajudar? Foi
esse pirralho aqui? Foi uma crise? Alguém entrou aqui dentro de alguma forma? Harrison,
mande a segurança revirar cada canto dessa casa! — disse virando-se para o marido e
então, como um estalo, ela voltou sua atenção para mim  — O acompanhamento com a
médica não está te ajudando com seus traumas? Você não está fugindo dos remédios, não
é? Minha menina, não faz bem guardar… Vamos, me diga. 
A mão dela estava gelada e tão trêmula como a minha, ela me olhava tão preocupada, seu
tom era tão maternal… Ela fazia uma pergunta atrás da outra, de forma que quase me fez
rir. Porém, meu sorriso morreu quando não consegui evitar de compará-la com a minha
mãe e meu pai… E, por algum motivo, ou todos, me vi muito emocionada. 
Involuntariamente me vi como uma criança, tentando explicar algo aos seus pais, sem saber
por onde começar a explicar o problema. 
— Ana… As crianças… O orfanato… Preciso salvá-las!
Ninguém entendeu nada no primeiro momento, mas nós nos acalmamos, sentamo-nos na
pequena sala do Alejandro no quarto mesmo e consegui explicar o sonho.
Disse que sentia com todo meu ser, que foi um aviso. Não podia esperar, nem adiar. Mesmo
antes da conclusão do julgamento, se tinha um lugar que eu deveria estar, era naquele
orfanato. Harrison, Henry, que eu nem vi quando entrou ali, e  Scarlet se entreolharam e
lançaram um olhar significativo ao Alejandro, que, àquela altura, já tinha se acomodado ao
meu lado, com o braço esquerdo ao redor de mim de forma protetora. Involuntariamente,
levei o meu olhar a ele também, o encontrei com uma clara expressão de poucos amigos,
porém, suspirou e acariciou a minha mão com a sua mão livre e concordou com a cabeça. 
— Tudo bem, NÓS vamos. Os seguranças também, e sem reclamações. 
Me surpreendi e estava pronta para falar algo, quando Scarlet me interrompeu:
— Também irei! — disse Scarlet tomando a frente, voltando a nossa atenção para ela, mas
precisou ser contida por Harrison, pois assim que deu um passo adiante, empalideceu.
Levantamo-nos, mas ela levantou a mão nos impedindo enquanto seu marido a fazia voltar
a se sentar  — … Mas, por ora,  é melhor todos voltarmos a dormir, ainda é início de
madrugada.
Preocupada, me aproximei mais dela e estava pensando em como dizer para ela tomar
algum remédio para o coração, procurar um médico, pois ao vê-la mal, imediatamente
lembrei do problema de saúde de Henry e sua hereditariedade. 
— Irmã, é melhor ficar… Você já não é mais tão nova, fortes emoções não te caem bem —
argumentou Alejandro, com todos concordando, inclusive eu, aliviada com a sinceridade
dele. 
— Não pedi sua opinião, pirralho,  irei — disse ela genuinamente ofendida e teimosa, o  que
serviu como tapa para todos nós  — Eu não sou tão velha assim, só estou com o coração um
pouco agitado devido ao nervoso, logo passa. 
— Sobrinha… — disse Henry, não muito distante e com um ar penoso.
— Não preciso disso, tio. 
Pude ouvir Alejandro engolir em seco e podia jurar que Henry também. Claro que ambos
lembravam do problema de coração genético, mas ninguém tinha coragem de falar em voz
alta sobre. Senti meu coração apertar, com o medo de perder Scarlet. Olhei para seu corpo,
que estava bem para a idade, mas o destino poderia ser cruel e ela era o mais próximo de
uma mãe que eu tinha e poderia perdê-la. Uma lágrima cismou em descer pelo meu rosto. 
 Pensando em como meu chefe,  Noah, era terrivelmente manipulador, achei sensato
recorrer ao que aprendi com ele, tinha que  protegê-la dela mesma de alguma maneira.
Levantei-me de vez e fui de encontro a Scarlet, sentei-me no chão, próximo aos seus pés e
coloquei a cabeça em seu colo. 
— Sei que me vê como sua filha, sinto seu amor até os meus ossos… E sou a mulher mais
feliz do mundo por isto. Mas me escute, fique aqui. 
— Mas minha menina… Se é perigoso…
— Não é perigoso, mas  pode ser estressante, então, sem mais — apelando para o
emocional, segui falando e descendo o olhar: — já perdi meus pais no passado, não poderia
levantar o rosto com a mínima dignidade, se alguma escolha minha, fizesse mal aos pais
que a vida me trouxe… Vou ver se as crianças estão bem e irei atrás de pistas de algo
errado, só isso, para que possa entregar aos policiais e eles poderão investigar. 
 
Mas admito ter medo de descobrir o que aquele lugar realmente esconde, pensei.

 
 
No dia seguinte, após o café…
 
Logo após entrar no carro e a porta ser fechada, tive a sensação de estar sendo observada.
Pensei ser alguém indesejado e insegura, busquei quem era e encontrei Harrison e Scarlet
na porta da casa, acenando. Eles pareciam um retrato de família tradicional incompleto, ela
estava com a mão em seu peito e um olhar preocupado, ele com a mão em seu ombro,
olhando firmemente para mim, como se fala-se: confio em você, garota. 
Sorri, abaixei o vidro e acenei enquanto sentia uma sensação de déjà-vu. 
Henry entrou no automóvel com cara de poucos amigos e Harley entrou logo em seguida.
Pareciam ter discutido… E em falar em discutir, Alejandro entrou no carro por último, pois
estava brigando com Alessandra pelo celular. 
Por um breve momento, me senti culpada por atrapalhá-lo, mas, ao fechar os olhos por um
breve instante, o rosto da Ana me surgiu  na mente falando: Tentei avisar.
Minha culpa ou não, aquele seria o preço para fazer o que tinha que fazer, pelo bem das
crianças.
(...)
Pouco antes do carro parar, Alejandro desligou o celular no qual ainda estava finalizando
alguns ajustes com sua secretária e segurou a minha mão, passando o polegar pelo relógio
smart que já estava no esquema de gravador de voz. Ele levantou o olhar para o meu em
seguida, buscando a certeza do que eu queria fazer.
Engoli em seco, ao me sentir o centro de sua atenção naquele instante e ruborizei. Ainda
que estivesse tensa, era impossível negar ou ignorar a intensidade sedutora do homem.
Principalmente quando, mesmo preocupado que eu estivesse me colocando em perigo
novamente, não estivesse me impedindo de fazer nada, apenas decidira ir comigo para o
perigo.
— Vamos? — disse ele com um suave sorriso.
Concordei com a cabeça e ele saiu primeiro, dando a volta no carro para abrir a porta para
mim. O que me fez rir, lembrando das palavras dele mesmo dizendo que era um homem à
moda antiga. Porém, mesmo por detrás do seu sorriso, devido a sua sinceridade, era
notável que seus olhos escuros estavam sem brilho e sua expressão se tornou  fria ao se
virar de frente para o orfanato. 
 Henry e Harley saíram não muito depois. As freiras não sabiam que iríamos vir, então
demoram um pouco para surgir à porta e vir em nossa direção.  Quem o fez foi a irmã
Lizzie. Ela abriu a porta e correu para nos encontrar na metade do percurso, para nos
receber. Ela sorria agitada, secando as mãos na própria roupa. 
Usei a máscara que a muito não usava, do sorriso formal e polido,  enquanto avaliava cada
traço da mulher que, embora secasse a mão apressada, sua mão nem sequer estava
molhada. Assim como sua roupa parecia cuidadosamente impecável.
— Não esperávamos a visita de vocês hoje! — disse ela. 
Não tive a oportunidade de falar nada, pois Henry tomou a frente e sorriu. Nesses
momentos, víamos como Alejandro puxou o seu pai, com um grande instinto protetor.
Refleti achando naquele pensamento um motivo para manter o meu sorriso um pouco mais
genuíno.
— Kayla estava muito estressada e morrendo de saudades das crianças, disse ela que se
sente imensamente feliz quando está com elas ao redor — pronunciou o prefeito Henry. 
Como um bom político, ele sorria de forma que nem mesmo eu sequer desconfiaria que
estava tão antipático até momentos antes  enquanto minha irmã parecia uma sombra
apática à sua cola.
— Especificamente Ana, a qual Kayla deve a vida... — completou Harley e então, olhou de
soslaio ao prefeito e deu um sorriso perfeito de igual maneira. 
Eles conversavam pelo olhar e sabia que tinha algo mais ali, olhei para Alejandro que
observava  ambos com os olhos estreitos. Sabia que ele também havia reparado, a pergunta
era se a freira também… Se ela desconfiasse, tudo seria um caso perdido.
— Sinto muito falta dela… com tudo acontecendo, o julgamento referente ao meu ex… Aí,
irmã Lizzie, eu só sei sentir falta da paz de sentar e contar histórias para as crianças com
seus olhares e sorrisos resplandecentes… Você deve entender, certo? — falei
apaixonadamente.
A freira pareceu curiosa e um pouco mais agitada, segurando a própria roupa, concordando
com a cabeça e um sorriso rígido. Alejandro e eu seguimos observando a mulher que nos
guiava em passos curtos para dentro do orfanato.
— Oh! Sim! As crianças são anjos de Deus.  Vamos, estávamos preparando o café da manhã
para elas. Já tomaram café? — perguntou solícita — Sempre demoramos algum tempo para
o café, pois devemos fazer todas acordarem, tomar seus banhos e se vestirem. Com tantas
crianças, é um processo demorado… 
Não passou despercebido por nós, como ela evitou seguir o assunto sobre Ana, o que fez o
meu coração apertar. Antes de passarmos pela entrada e chegar à área de refeição, olhamos
um ao outro, numa troca de olhares de puro entendimento. Para ver o quão ela ficava
agitada, nós nos aproximamos bem dela, quase como uma sombra, que se ela parasse
subitamente, pisaríamos em seus calcanhares. 
E como esperado, ela começou a gesticular para as irmãs e sua fala se tornou mais rápida.
Vimos alguns dos órfãos mais velhos em seu desjejum. Esperei alguma agitação ou
resmungos de sono, mas estranhamente, todos estavam sombrios e silenciosos. As demais
irmãs, também não estavam com a mesma expressão feliz do dia do evento.
Não sei o que aconteceu, mas sei que é de conhecimento de todos. Pensei e senti a mão de
Alejandro segurando a minha com um pouco mais de firmeza e o fitei, percebi que ele
estava muito sério, beirando o assustador. Por sorte, pensei rápido em como suavizar a
tensão.
— Azedo… Está assim, pois ainda não tomou o café da manhã, não é? Vá, senta-se com os
meninos, não acho que irão se incomodar — falei enquanto guiava minha outra mão ao seu
rosto, o fazendo sorrir — Se continuar com essa expressão, irá assustar a todos, credo! 
Ele pareceu confuso ao erguer uma das sobrancelhas, como se estivesse sendo desperto de
seus pensamentos e por um milésimo de segundo pensei que brigaria comigo. Porém, ele
entrelaçou  seus dedos nos meus,  levou um dedo meu à sua boca e mordeu. 
— Grandão?!?! — surpresa, puxei a minha mão em vão, porque ele não a soltou, sorrindo
genuinamente. Éramos o centro das atenções, fosse das irmãs, ou dos adolescentes que
achavam sempre muito interessante coisas "adultas". 
— É, vou me sentar para comer. Tenho um terrível mau-humor antes de comer e se não
comer logo, terei que te fazer a minha refeição — murmurou para mim, meu rosto corou
violentamente e uma freira próxima vendo aquilo, deu uma risadinha parecendo relaxar
um pouco, mas logo voltou a se controlar sob o olhar de Lizzie.
A tensão da nossa chegada havia sido quebrada.
— Vocês devem se controlar na frente dos jovens — disse a irmã Lizzie numa reprimenda. 
Concordamos e assim algumas das outras irmãs assistiram Alejandro tomar o seu lugar à
mesa, ao lado dos adolescentes, que pareciam surpreendentemente pequenos perto dele.
Elas estavam tão focadas nele que eu sabia que tinham esquecido de mim, ou era o que
achava,  pois uma delas se aproximou. 
— Sente-se também, Kayla — convidou uma das freiras — Colocarei mais pratos à mesa. 
— Já já, quero muito ver Ana primeiro!  — falei passando a mão pelo ombro de Alejandro e
lhe dei um olhar de soslaio, para tentar sinalizar que estava bem. Antes que ele pudesse
falar algo, minha irmã segurou o meu braço e tomou a frente.
— Irei com você, estou com saudades daquela pequena travessa. Se bem me lembro, o
caminho para os quartos das crianças menores é por aqui. Vamos irmã! — disse Harley
animada, me guiando ao corredor  — Quero ver minha futura sobrinha!
Nunca fui tão grata como agora pela minha irmã ser do tipo impaciente e direta. Com seu
apoio, simplesmente saímos andando pelo corredor da direita, com a irmã Lizzie nos
seguindo.
— Ah! N-não precisam ir, ela logo estará aqui! Está tudo tão bagunçado que sinto vergonha!
— disse a irmã tentando nos parar. 
Virei minha cabeça para a mulher enquanto ainda estava sendo guiada pela minha irmã em
um sorriso gentil.
— Irmã Lizzie… A garotinha me salvou! Eu sou muito apegada a ela e ela a mim, você sabe.
Para ser franca, pretendo adotá-la, como a minha irmã deixou claro. Tenho certeza de que
ficará feliz se eu aparecer na porta de seu quarto — argumentei.
A mulher continuou nos seguindo e falando o porquê as pessoas não deveriam ir, sobre a
rotina de segurança e mais algumas coisas que eu sinceramente não me importava… O
corredor era surpreendentemente longo, até chegarmos à área dos quartos, onde havia
algumas crianças ainda em seus pijamas, saindo deles. 
— Ana? — chamei sobre a cabeça delas, em passos rápidos.
— Senhoritas Johnson… —  Lizzie tentava nos acompanhar.
— Ana! — chamou Harley também.
Mas nenhuma das meninas que levantou o olhar era ela, então paramos apenas para
perguntar qual o quarto da menina Ana que era apaixonada pela história turca, que as
irmãs já não queriam mais ler para ela. Uma delas apontou o próximo quarto, porém, não
demorou muito para sabermos que tinha algo errado.
A irmã Lizzie segurou meu braço, olhei para ela e em um movimento rápido me desfiz da
sua pegada. E ao chegar na porta do quarto, vimos algumas crianças saírem apressadas. 
Dentro dele, vimos uma irmã com dificuldade para lidar com uma menina. Salvo engano,
parecia a menina que me divertiu ao ameaçar colocar a rã na cama do outro garoto, se
ficasse acordado e o papai Noel não aparecesse. 
— Levaram o Tristan! Acredita em mim… Por favor! Por favor!!! — exclamou ela,
chorando. 
— Ele foi adotado, Beatriz…— tentou apaziguar a irmã que não parecia ter se dado conta
de que estávamos ali. 
Lizzie, que não parava de falar, ficou subitamente calada. Voltei meu olhar para ela e a 
mulher parecia até mesmo pálida. Escutei o estalar do tapa e voltei minha atenção à
garotinha.
— Pare de mentir! — exclamou impaciente — Menina malcriada! Deus vai te castigar!
A menina levou a sua pequena mão ao rosto, banhado em lágrimas, mas dava para ver, que
estava com a marca dos cinco dedos da mulher.  Senti meu sangue ferver e dei um passo
adiante, mas ela seguiu falando corajosamente:
— Eu vi, eu vi. O homem da capa preta pegou ele! Não estou mentindo, não estou! — gritou
ela na cara da irmã, juntando toda a sua coragem. A freira se preparava para dar outro tapa,
quando tomei a frente e segurei a mão da mulher com uma força que eu não sabia possuir.
A empurrei sem a menor piedade e descobri que aquela mulher me era familiar... Uma
pessoa que eu me perguntava o que é que estava fazendo ali. 
 Victoria Mcgregor.
A mulher me olhou tão surpresa quanto eu estava. Ainda estava atordoada quando, 
naquele instante, a irmã Lizzie pareceu acordar do torpor. Tomou a frente, passando pelas
crianças e segurando o braço da menina ameaçadoramente.
— Beatriz, o que te falei sobre contar mentiras? E você, irmã Victória, você pediu para viver
aqui, ser acolhida por Deus, para agredir a menina? — falou irritada.
Fiquei confusa, mas a menina parecia muito aterrorizada com a Irmã Lizzie.
— O que demônios está acontecendo aqui? — questionei antes que pudesse conter a minha
própria língua. 
 Beatriz, que estava quase azul de tanto medo da freira, mas assim que me viu, se debateu,  
fugiu da pegada da freira e se agarrou à minha roupa.
— Senhorita Kaya, Ana! Ana também foi levada. Ela viu comigo ontem, quando Tristan foi  
levado à força e os seguiu! Acredite em mim! Ana falava que você e o tio Alejandro, que
vocês são os únicos que acreditam em nós, por favor! Salve eles!
No entanto, vi o inacreditável. A irmã, pegando um objeto que não consegui identificar,
golpeou a garota. Chocada demais para acreditar nos meus próprios olhos, busquei a minha
irmã. Porém, atrás dela, vi a sombra de um homem grande. Em menos de um segundo senti
todo o sangue fugir do meu corpo quando ele chegou próximo o suficiente para  se fazer
reconhecer, o horror se instalou. 
Sebastian, o pai da Katherine. 
Porém, não tive mais qualquer visão posterior. Pois, em seguida, levei um golpe forte em
minha nuca e minha visão escureceu. 
EXTRA 4
“ As outras perspectivas... Segredos, mentiras, omissões... medo.  ”

IRMÃ LIZZIE • Lillian Lee


 
 
Algum tempo antes da chegada do casal ao orfanato…
 
Diante de mim, tinha um pequeno bebê chorando muito, eu o tinha colocado sobre a maca,
para poder trocá-lo, mas sua fralda estava seca. Passei a mão em sua barriguinha, fazendo
massagem enquanto refletia. 
Ele tinha bonitos olhos claros, cabelo branco. Era albino.  Chegou apenas algumas semanas
atrás e, ao contrário dos outros que pareciam estar chorando por alguma cólica ou algo do
tipo, ele simplesmente chorava com uma dor que eu quase podia jurar ser de solidão e
tristeza. Como se entendesse que foi abandonado. 
O vesti e tentei lhe dar mamadeira, embora ele se negou.  Ele não estava com fome,
aparentemente não estava com cólica, nem qualquer outra dor, em qualquer outro lugar.
Parecia que apenas seu coração sangrava. 
O embalei andando pelo quarto, tentando acalmar o seu choro. No entanto, se fosse sincera,
o bebê combinava com todo lugar naquela manhã, aquele dia estava cinzento para todos
nós, lamentando pelo que éramos forçados a fazer por um bem maior. 
Abracei o bebê, buscando um consolo que não teria, enquanto pedia misericórdia a Deus. 
Ninguém tinha culpa, não tínhamos outra escolha…
(...)
Anos atrás, Sebastian apareceu, era um ex-órfão que morou aqui antes do grande incêndio
e um dos poucos que foi adotado. Ele era um homem de poderes e muitas promessas. A sua
proposta era fornecer comida, roupa, suportes e mais patrocinadores, incluindo o novo
prefeito.
As crianças choravam de fome e tremiam de frio atrás de mim, então, não pensei e aceitei
como uma benção de Deus. Porém, mais tarde descobri ter feito um contrato com um
desconhecido, pois aquele homem não era mais a criança que conheci. Era o verdadeiro
demônio fazendo-se de cordeiro. Um homem cruel, invejoso e vingativo… E essas eram as
únicas coisas humanas que haviam restado nele. 
 Muito longe do menino estudioso e esforçado que era quando mais novo. 
Mas, em todo caso, a conta chegou… A ajuda tinha um preço, um preço muito alto. Um
preço terrível que me destinaria ao inferno. 
Chorando, recordei de ter tentado refutar:
— Você, mais do que ninguém, deveria saber, irmã Lizzie, ou melhor, Lílian, este é o nome
que você deixou para trás quando chegou aqui, não é? Que, para sermos absolvidos de
nossos pecados, Jesus foi o cordeiro.   Para a salvação de todas essas crianças com um
futuro duvidoso, um cordeiro será necessário — ele teve a ousadia de sorrir, mas seu
sorriso me causou ainda mais terror — No entanto, é claro que um só não será o
suficiente… Mas mandarei buscar um por vez, dada a necessidade. 
— Deus tenha misericórdia, você é o demônio… — falei chocada. 
— Não, veja bem. Você me conhece! Sou uma das crianças com futuro incerto… 
Engoli em seco. 
— Eu cheguei a algum lugar, tomei o lugar do homem que me adotou, criei minha
autonomia. Eu sou um resultado que deu certo… Para você pode ser odioso, mas na minha
perspectiva, se eu sou um resultado bom, imagine um ruim… 
Após aceitar sem qualquer outra escolha, me chicoteei todos os dias, jejuei. Pedi perdão a
Deus e no dia em que ele foi buscar uma das crianças, descobri que o grande incêndio foi
causado por ele, para construir uma passagem secreta que levava a um túnel subterrâneo. 
— Qual o destino desta criança? — perguntei em um murmúrio. 
— Eu sou a loja, não pergunto o que os clientes irão fazer com a compra. Mas, se eu fosse
você, não faria perguntas. 
Lágrimas brotaram dos meus olhos aos montes, tentei correr em direção à criança para 
tomá-la de volta, mas fui espancada por um dos seus capangas de forma que não consegui
me levantar por dias e quase perdi a vida. E foi assim que todas as outras irmãs se
tornaram coniventes e tão pecadoras quanto eu. 
Tentamos buscar ajuda, mas a delegacia também estava envolvida. E, sob aviso do que iria
acontecer conosco, eles levaram uma das meninas que estava quase chegando à sua maior
idade. Que em sua nova vida ganhou o nome de Victoria Mcgregor. 
(...)
Anos se passaram naquela tormenta, mas a noite passada foi de longe, algo que
simplesmente não poderia mais voltar atrás.  Tristan, um dos meninos mais doces que já
conheci, foi escolhido para ser levado. Vi pelas câmeras de segurança, que ele, Ana e Beatriz
estavam andando pelos corredores em direção à cozinha, quando deram de cara com um
dos seus capangas. Beatriz correu, Tristan foi pego pelo braço, Ana tentou salvá-lo… Mas   o
homem bateu em seu pequeno rosto. Beatriz,  com o grito, se virou e viu Ana sendo levada
junto. 
A menina abriu muito os olhos e fez a coisa mais corajosa que poderia fazer: gritou que o
homem da capa preta estava lá. 
Eu estava indo ao seu encontro quando, surpreendentemente, vi pela minha visão
periférica a movimentação. Voltei a olhar as telas e vi os adolescentes fechando-se ao redor
dela. Corri o mais rápido que pude, tinha medo que, de alguma forma, mais alguma coisa
terrível acontecesse. 
Mas ao chegar no corredor, todos estavam sentados no chão a abraçando, cobrindo
qualquer visão da menina enquanto choravam em silêncio, em luto. Eles evitaram meu
olhar ou de qualquer irmã que apareceu em seguida…
Eles sabiam… 
Senti vergonha de mim mesma, dei-lhes as costas e fui para a sala de penitência…
(...)
Não obstante, após o pequeno bebê albino finalmente dormir de exaustão após uma noite
terrível de muitas formas, quando andei pelo corredor, em meio as crianças sendo
arrumadas para o café da manhã, vi carros parando em frente ao orfanato e um casal
saindo de dentro de um deles: Alejandro e Kayla. 

 
 
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
 
Na noite anterior, assim que Kayla dormiu, peguei o celular na cabeceira, liguei, esperei
chamar e desliguei. Mandei mensagem para o meu advogado, - este que estava na cidade
desde o início do julgamento de Kayla -, pedi desculpas pelo horário, falei o bônus do salário
e pedi que conseguisse um mandado para averiguação no orfanato.
“O que usarei como base para este pedido, Alejandro?”
Pensei um pouco, observando os fios negros dos cabelos de Kayla espalhados pelo
travesseiro, antes de retornar a mensagem:
“Para ser franco, meu amigo, seremos muito clichês. Relatos das crianças apavoradas, as
freiras estavam querendo calá-las a todo custo... Como patrocinador, isso me deixou em
alerta e muito preocupado com o bem-estar delas…  Reafirme que por vias de segurança e
bem-estar das crianças, uma averiguação se faz necessário.
Também deve acionar o conselho responsável pelas crianças e adolescentes desta área. 
Ah! E fale com o delegado Ethan e passe a mensagem:
Talvez você tenha que mandar a Kayla “para o Hospício mais próximo”, amanhã pela
manhã estaremos no orfanato. Para mais informações, contate a Alessandra, a minha
secretária.”
O meu funcionário sem dúvidas deveria pensar que eu estava ficando louco, mas deveria
ter muitas coisas preparadas para o dia seguinte e o tempo era curto. 
“... Certo, Alejandro. Até amanhã... ”
Poderia dizer ser um terrível chefe, sem o menor senso, abusando do poder… Mas
acreditem vocês ou não, isto sempre foi uma via de mão dupla. Informei Alessandra por
mensagem e liguei para ela três vezes, para que assim, mesmo que estivesse dormindo,
despertasse.
Como esperado, ela me respondeu em mensagem não muito depois com alguns
xingamentos, observações, broncas, reclamações que pulei, para, enfim, falar que iria
chamar a segurança e planejaria o plano de ação…
Satisfeito, estava pronto para deixar o aparelho quando mandou outra mensagem:
"Francamente, para um homem que evitava problemas, agora ME dá trabalho dez vezes
mais. E eu pensando que com a idade viria a sabedoria… Até, Alejandro. PS: Prepare seu
dinheiro, usarei e tomarei sem piedade. ”
Não consegui evitar sorrir e agradecer por ela ser minha aliada.
Assim que o sol nasceu, os seguranças que já haviam sido mandados por Alessandra para
fazer vigília, informaram que pouco após chegarem, escutaram choros. 
Pela manhã, além do leiteiro, apenas o contador do prefeito fez uma visita e não havia
partido até o momento.
(...)
Esperei que Kayla saísse do meu campo de visão, para que o meu sorriso gentil, se
transformasse em uma expressão acusadora. Analisei todos por quem meus olhos
passaram, ao ficarem ainda mais tensos. Segredos, mentiras, omissões… E o principal, medo.
Era isso que via em seus olhos e gestos involuntários. 
Me via similar a eles enquanto me tornava um duas caras com a Kayla. Contudo, não sabia
como ela lidaria com aquele meu lado opressor, muito mais controlador do que ela estava
habituada. Ela precisava de um suporte, neste ponto o teria, agora se fosse apenas um rosto
sorridente que buscasse, se frustraria. 
Minha pequena era uma pessoa de coração doce, inteligente e dada a um senso heroico,
sem se importar em estar na linha de fogo, caso acreditasse que seria por um bem maior.
Mesmo que isso a destruísse ou a matasse… O problema era que a história não terminava
bem para heróis de coração puro, os heróis que sobreviviam, possuíam uma veia latente
tão cruel quanto a dos seus inimigos…
Ou você era a caça, ou o caçador. Se me perguntar sobre a bondade… Bom, diria que ela
estava lá, o preço dela era que sempre foi discutível. 
Claro, a força que meu poder monetário exercia tinha grande influência no que eu fazia, no
entanto, perante aquela mulher… Esquecia o motivo do meu empenho, a minha família e
quem dependia dela. Mas sentia naquele instante que aquele poder, só era realmente útil,
se fosse o suficiente para protegê-la.
Sua boca me perguntava trêmula uma coisa e seus olhos me perguntavam e desafiavam
outra:
"Você vem comigo ou vou sozinha?" 
Nestas horas, tinha certeza,  e me sentia terrivelmente velho. Fechei os olhos, buscando
controle e foco.
— Prontos para começar a falar? Ou terei que usar outros meios?
Um breve silêncio e então abri os olhos ao escutar:
— Eu sabia que, no fundo, você era tão ruim quanto todos os outros… — murmurou um dos
adolescentes — Por que seriam bons com pessoas sem futuro como nós?
— Todos os outros… Hum. Que outros, garoto? — O menino parecia ter sido pego no erro e
evitou meu olhar — Por anos, vocês me viram…  viram meu tio também… Mas claro  que
isso não seria uma desculpa para confiar em nós, não é? Já que o Sebastian também vem
aqui a anos…
Todos os corpos presentes ficaram tensos, tamanho era o nervoso que quase ri de escárnio.
Odiava concordar, mas algo realmente deveria ser feito e  Kayla estava certa. Se as vítimas
não se pronunciassem, a polícia não poderia fazer nada.
O meu celular tocou e o atendi, tirando da tela do GPS.
— Sim? — era o meu advogado, dizendo estar na porta com o mandado e a polícia.
Satisfeito, desliguei o celular — Irmã, pode abrir a porta da frente? 
Porém, a mulher relutou em ir até a porta, me olhando temerosa… Impaciente, estava
prestes a tomar o molho de chaves de sua mão, quando os gritos de crianças chegaram aos
meus ouvidos como se fosse uivos do inferno. Uma pequena menina de cabelos soltos e
rosto vermelho com a marca de cinco dedos, veio correndo em minha direção e agarrou
minhas pernas. 
— Tio Alejandro…— falou quase sem voz, mas, uma vez que retomou o fôlego, começou a
falar atropeladamente: — Tio Alejandro! Tia Kayla também foi levada pelo homem da capa
preta!! 
Ela olhou ao redor, assustada, e então, com seus grandes olhos marejados, me fitou.
— Por favor… — implorou trêmula  — Me desculpa, eu contei para a tia que ontem levaram
Ana e o Tristan! Mas Deus manda falar a verdade, né? Não pode mentir… Tio… Eles
bateram nelas e levaram! É culpa minha! Minha! Por favor, salva elas!!! 
Puxei o GPS novamente, de alguma forma, Kayla estava fora do orfanato, senti meu sangue
congelar ao sentir ela me escapando pelos dedos… Senti o demônio se apossar do meu
corpo enquanto toda minha paciência se esvaia, entretanto, ainda havia um pouco da
consciência, esta que dizia que não poderia apenas sair correndo.
— Menina, não fale besteiras… —  Falou a freira enquanto me sentia em um dilema, mas
notei a mão da mulher com a minha visão periférica, tentando alcançar a garotinha.  Em um
movimento rápido, coloquei a mão entre ela e a criança, e lhe lancei um olhar medonho e
mortal. 
— Eu acho melhor você ir abrir aquele portão imediatamente... — falei quase em um
rosnado e pausadamente, tentando conter a minha raiva.
Empalidecida de medo, a freira se apressou abrindo as portas e assim que a porta se abriu,
quase foi atropelada pelo meu advogado acompanhado dos policiais, seguranças e até
fiscais. Rapidamente, entreguei a pequena menina machucada para o meu advogado. 
— Proteja-a, é a única disposta a abrir a boca neste lugar.
Ethan, o delegado, se aproximou de mim.
— Ethan, você está atrasado. Ordene aos seus homens para revirarem o orfanato, ontem à
noite, tivemos o sequestro de duas crianças… E agora… — engoli em seco mostrando a tela
do celular — acabaram de levar a Kayla…
O homem entendeu imediatamente a minha expressão, deu um passo à frente, colocou a
mão em meu ombro e murmurou: pegue seus homens e vá atrás dela. Concordei com a
cabeça e gesticulei para os meus homens me acompanharem. Eu tinha que ir achar a minha
mulher. 
 

 
CAPÍTULO 27
“ Verdade aterradora...  ”

KAYLA • Kayla Johnson

 
 
Senti-me perdida em um limbo, assim como Alice perdida no País das Maravilhas, seguindo
o coelho… Mas, no meu caso, não existia o País das Maravilhas, tampouco, um coelho para
seguir. Olhei ao redor e não vi nada além de escuridão, dei um passo à frente, que não
pareceu causar qualquer sensação de movimento... ofegante devido ao medo, apressei
meus passos até se transformar em uma corrida, indo para onde quer que fosse o lugar à
minha frente. Tentei gritar pedindo socorro e nenhum som ecoou.
Engoli em seco devido à sensação inquietante de ter deixado de existir... Perturbada, meus
passos diminuíram e me abaixei, buscando tocar ao menos o chão sob meus pés para me
assegurar de que era real, porém, como por milagre, escutei vozes distantes e quase
inaudíveis, que me deram esperança de sair.
Levantei e segui o som, andando apressada, e conforme ia me aproximando das vozes, mas
elas não vinham sozinhas… Uma dor insistente incomodava na boca do meu estômago, até
se tornar insuportável. As extremidades do meu corpo estavam dormentes. O ar parecia
mais difícil e a minha cabeça pulsava de dor, mas era a minha única esperança de saída…
Corri, mas novamente senti que não estava me movendo, estiquei-me como pude, mas não
funcionou. Como se toda a desgraça fosse pouca, senti meu corpo ser jogado para o alto e o
terror da queda, me fez despertar daquele estranho sonho e em sequência um golpe me
acertou a área já dolorida do estômago. 
Arfei de dor, confusa e assustada. Com os olhos muito abertos, vi o chão branco, pés e
pernas… Que não eram meus. Além disso, vi meus braços esticados entre meus cabelos
balançando, fazendo-me entender que estava sendo carregada como um saco de batatas.
Confusa, minha respiração ficou mais agitada e uma mão esbarrou na minha. Virei minha
cabeça e vi Harley, sendo carregada pela mesma pessoa.
Ela também estava acordada, mas estava fingindo estar desacordada. Abri a boca para falar
algo idiota como: "O que aconteceu?", mas me recordei do que houve: O sonho, o orfanato, a
busca pela Ana, ter encontrado Beatriz, o desaparecimento de Tristan e a freira que, na
verdade, era Mcgregor e então… 
Fomos golpeadas! Todo meu torpor de ter sido acordada à força se foi. Fui novamente
jogada um pouco para o alto, para ser ajustada no ombro de um homem de casaco preto... 
Seria este o homem responsável pelo terror das crianças?
Por um lado, me sentia aterrorizada, pensando no que poderia ser de nós duas e se em
breve seríamos mortas... Mas por outro me sentia aliviada por saber que estava sendo
levada de alguma forma para o mesmo lugar que Ana estava... Ao menos eu imagino que
seremos levadas para lá. Aquele pensamento me trazia uma sensação de conforto. Era
estranho pensar isso, eu sei. E talvez era ainda mais estranho que toda aquela sensação   de
medo e pavor que eu sentia, se suavizasse, uma vez que validei aquela opção.
Seria esse o instinto materno?
 — Carregue-a corretamente — ordenou uma voz fria em um quase sibilar. 
A voz era funesta, causava-me arrepios. Fria, mas estranhamente controlada, causando por
si só, uma sensação de alerta e perigo por todo o meu corpo. Busquei lucidez o suficiente
para definir de onde a voz havia vindo… E suspeitei que havia vindo de alguns passos à
frente do homem que me carregava.  
Não era difícil saber a quem pertencia aquela voz, uma vez que apenas ele e a sua filha me
causavam mal-estar apenas por existir.
Sebastian! E ele realmente estava por trás de tudo!
— Estou carregando duas mulheres, uma em cada ombro, senhor. Estou fazendo o meu
melhor… — lamentou.
Tentei analisar um pouco mais o cenário ao nosso redor para ver se poderia ter uma pista
de como poderíamos fugir posteriormente ou, pelo menos, saber onde estávamos. Seria
difícil e o meu campo de visão era relativamente limitado, porém, eu podia ver um
ambiente todo claro, iluminado como se tivessem muitas lâmpadas fluorescentes de
hospital... Parecia estar vazio e abandonado visto os sons de passos ecoando.
A morte parecia estar a alguns centímetros sorrindo, esperando apenas um erro. Assim
minha audição ficou em extremo alerta a qualquer ruído e escutei três ritmos de passos,
embora andassem juntos. Dois deles já haviam se revelado, mas ainda restava um… Além
disso, eu também precisava encontrar ou esperar a oportunidade para Harley fugir, antes
de chegarmos aonde as crianças estavam. No entanto, temia a retaliação que viria a seguir,
se ela não conseguisse. Me questionava se eles mudariam de ideia e resolveriam apenas nos
matar.
— Apenas imagine serem duas das suas putas… — declarou Sebastian, em um tom
monótono.
Sem ter muito para onde olhar, acabei reparando que ainda estava usando meu relógio e
sorri.
Que deslize…
— Faça seu trabalho direito, Cal — reclamou uma voz feminina familiar, esta que me fez
congelar.
 Mcgregor! Pelo som de seus passos, estava caminhando do lado oposto a mim, próxima a
Harley. Eu precisava ser discreta, então virei o braço um pouco e vi que o GPS ainda estava
ligado, mandando sinal ao Alejandro, o que era um bom sinal e me dava mais esperança de
sermos salvas. 
— Victoria, se eu fosse você, calava a merda da boca. Não está muito melhor que eu! —
grunhiu ele e escutei passos mais acelerados se afastando um pouco.
— Olha como você fala comigo… quem… — começou Mcgregor, ela estava irritada, parecia
ter alguma inimizade com o capanga que nos carregava. Então, o que fazemos se a vida nos
dá limões? Fazemos uma limonada!
Disfarçadamente liguei a gravação de voz, afinal, pessoas de cabeça quente tinham o hábito
de falar mais do que deveriam.
— Se fizessem seus trabalhos corretamente, não estaríamos aqui — vociferou Sebastian,
em um tom que me fez sentir o seu instinto assassino reverberando. Olhei de soslaio a
minha irmã que também pareceu ficar pálida.
Após um breve silêncio, como uma criança, o tal capanga tentou argumentar:
— Mas, senhor… Não tem como tudo isso ser culpa minha… — lamentou.
— Cal, você só tinha que pegar um menino que não teria ninguém para sentir falta.
Contudo, você capturou outra criança junto, que sim, teriam pessoas com muito dinheiro
para investigar onde ela foi parar… — frisou Mcgregor. 
Isso, falem mais. Implorei mentalmente.
— Como se você estivesse fazendo bem seu trabalho! — retorquiu ele, irritado — Você só
tinha que ser a amante do advogadozinho até ele tomar controle da advocacia para nosso
chefe ter mais um lugar onde poderia lavar dinheiro, além de outros benefícios. Tinha que
se livrar dela… —  destacou erguendo-me um pouco, levantando o ombro —...
Silenciosamente e ficar com ele tempos depois.  Além disso, até onde eu tinha escutado,
você, enfim, poderia se aposentar. Se tivesse feito tudo direito, agora não estaria escondida
num orfanato, fingindo ser uma freira que nem de longe você poderia ser.  Mas até nisso
você errou, foi pega em flagrante batendo em uma menina. 
Puta que pariu! Pensei horrorizada, a ponto de não conseguir fazer nada a não ser ficar
chocada enquanto assimilava a profundidade do plano. Querendo ou não, tudo estava
interligado. Ponderei:  Fosse o orfanato, o sequestro das crianças, ou  a traição de Richard.
Tudo! Suponho que o casamento de Katherine e Alejandro, tivesse a mesma função. Por isso
também que Sebastian era o contador de Henry, meu Deus!  Conclui escandalizada. 
— Você… Se você tivesse feito o seu trabalho direito, não teria perdido a cabeça com a
menina!  — começou ela parecendo que ia explodir, mas se conteve e rosnou: — Existem
tantas advocacias por aí, era só focarmos em outra. 
— Idiota, você sabe que o chefe queria aquela por causa que ele odeia a família que adotou
o Joel e não ele. Assim como ele odeia o prefeito. 
O quê? Tem mais? Pensei. 
— Calem-se! Vocês dois falam demais! — esbravejou Sebastian para os dois, estes que se
calaram imediatamente e ele então reclamou: — A incompetência de vocês nos trouxe até
aqui justo quando eu fui ajustar o pagamento… Eu deveria matar os dois, mas… Tenho
planos mais úteis para vocês.
Os tais planos pareciam ter mais efeito de medo do que a ameaça de morte clara.   Com toda
a certeza, o homem diante dos dois, era capaz das coisas mais repulsivas e hediondas
possíveis, pois o terror de todos se tornou palpável.  
— O que faremos agora? — perguntou temeroso, o capanga. 
— O que “eu” farei? — questionou ele com um humor maquiavélico —  Nada, mas vocês…
Podia jurar que senti o sangue do tal Cal, congelar. Pois a expectativa de terror enunciada
pelo Sebastian deixava subentendido que, talvez, a morte seria algo mais piedoso,
confirmando o meu pensamento anterior.
Ouvi o farfalhar de roupas e senti o estremecer do homem que me carregava, assim como
também ouvi o tamborilar do meu próprio batimento cardíaco, tamanho o suspense em
meio ao silêncio. Em seguida, escutei um som baixo de chamada telefônica e então:
— Sou eu, pegue a garota… — falou e então, após alguns segundos, falou novamente —
Certo…
Novamente ouvi o farfalhar de roupas e um suspiro. 
 — Bom, lamento Victoria… Sua filha… 
Oh! Meu Deus, não… Pensei, entendendo o que ele tinha acabado de mandar pegar. Poucos
segundos depois, escutei o som de algo pesado chocando-se contra o chão. Podia imaginar a
mulher se jogando de joelhos ao chão, diante do homem implorando por misericórdia,
facilmente. 
Os passos do capanga que nos carregava se refrearam e a dor em meu estômago pontou,
devido à parada brusca.
— Senhor?! Não!… Por favor! — Implorou a mulher com voz chorosa — Não, diga que não
mandou pegarem a minha filha! Diga que entendi errado! Tenho sido tão fiel ao senhor! Por
favor, faço qualquer coisa!
Soluços, choro e fungos eram facilmente compreensíveis e nunca pensei que chegaria a ter
pena de Mcgregor.
— Ah! Você fará… — falou se Sebastian, pausadamente com divertimento — Mas temo
fazer necessário, ter a sua filha como uma garantia de que você o  fará.
— Senhor… Até então, nunca falhei em suas ordens… — E então escutei apenas o seu
choro. 
— Você, Victoria Mcgregor, planejou sequestrar a criança que seria adotada, como uma
infantil vingança — anunciou — Mas, gananciosa, viu a possibilidade de sequestrar a ex
noiva do seu amante! Uma tragédia, no entanto, acontece.  Neste seu surto psicótico, você
não só sequestrou a Kayla, mas também  sua irmã e a criança. Desesperada, acabou por
matar a criança, a garota e a irmã dela... E num momento de lucidez, em meio a um enorme
sentimento de culpa… Você se suicidou! 
Escutei o som de horror da mulher e com dificuldade, também tive que me conter para não
reagir à barbaridade que escutei. Meus olhos se encheram de lágrimas e sinceramente, não
sabia o que era pior, a ordem dele ou seu tom de voz casual e indiferente.
— Cal, venha aqui — disse Sebastian ignorando o choro de Mcgregor — Logo essas garotas
acordarão. Tenho comigo sedativos, durarão em torno de três a quatro horas. Espero que
consigam fazer seu trabalho corretamente desta vez. 
— O senhor está falando no plural… — comentou Cal, inseguro, como se estivesse se dando
conta. 
Escutei um som de passos se aproximando, minha respiração oscilou e tive medo de que
aquele homem cruel soubesse que, de fato, não estava apagada. Então, sem o menor
cuidado, o senti enfiando uma agulha em minha pele e o calmante era surpreendentemente
rápido, mas  não antes de poder escutar:
— Ora, ora… um parente distante do Sherlock Holmes… — comentou sarcástico — Você
deverá levar as duas mulheres ao lugar indicado. 
(...)
Quando acordei, meu estômago estava doendo e embrulhado. Meus olhos estavam
embaçados, a respiração pesada e o meu corpo não estava obedecendo ao meu comando.
Demorei um momento para recordar o que havia acontecido, minha mente e raciocínio não
estavam ao meu favor.
O que houve?
Letárgica, sentia que poderia voltar a dormir, mas, ao lembrar de Sebastian e a dor em meu
traseiro onde teve a aplicação do sedativo, o culpei e temi saber onde estava. Levantei o
rosto e senti a parede fria em minhas costas, apoiei a cabeça nela para conseguir me mover
com aquele suporte. Tentei mover os braços e precisei de muito mais força que o normal,
tudo parecia estar em câmera lenta. 
Onde estou?
Meus olhos começaram a se habituar ao ambiente e ter mais foco, estava um pouco mais
lúcida, o suficiente para me sentir em um cenário esquecido de mil e uma noites. Tecidos
presos ao teto pareciam decorar o local pouco iluminado, meu coração bateu mais agitado e
afastando ainda mais a letargia.
Ofegante, observei com custo, a base de alguns vitrais, responsáveis pela pouca e única
iluminação. O quarto, se é que poderia chamá-lo assim, parecia ser grande e estava
abandonado por muito tempo, visto que o ar estava denso e o cheiro predominante era de
"coisa velha". Senti-me deixada à própria sorte.
Então, lembrei de Harley, que também foi carregada pelo homem.
Meu Deus, onde está a minha irmã?!  Pensei desesperada virando minha cabeça
abruptamente para os lados.
— Harley? Harley? Está aqui?! — murmurei.
Consegui ver, não tão distante assim de mim, no centro do cômodo, alguns pilares.  Estreitei
os olhos para tentar definir o que tinha ali, entretanto, escutei um farfalhar à minha
direita… Devido à falta de resposta quando chamei minha irmã, pensei estar sozinha, mas
não estava, por um momento pensei que pudesse ser ela… Mas a pergunta que ficava no ar
era: E se não fosse?
Meu coração disparou ainda mais forte, não obstante, escutei um gemido abafado que fez
os pelos da minha nuca arrepiarem. De imediato, meu corpo e a minha alma, saíram em
desacordo, quando tentei me afastar e apenas consegui me arrastar pelo chão. Na direção
que vinha o som de gemido, vi um tipo de silhueta. 
Amedrontada, não queria olhar em direção ao gemido, mas ele era insistente e, conforme
foi perdendo o seu quê de terror, pareceu mais com o de uma pessoa… Alguém que talvez
precisasse de ajuda. Eu não deveria ser curiosa, afinal, em situações similares em filmes de
terror, a curiosidade “matou o gato”.
No entanto, parecia que o gato da vez era eu.  De engatinhas, virei em sua direção
totalmente, engatinhando em direção à silhueta. No chão havia muito pó e conforme
engatinhava, o pó parecia subir ao ponto de incomodar meu nariz e olhos. A cada
movimento meu via-me mais próxima de quem quer que fosse e sentia a tensão se
intensificar ainda mais…
Contudo, mesmo sob a penumbra da pouca iluminação, pude ver quando encostei em
pernas com cordas  mantendo-as dobradas. Levantei o olhar e vi o rosto da minha irmã
apavorada com uma mordaça em sua boca. Senti alívio por saber que era ela, mas também
um desespero imensurável para soltá-la o mais rápido possível. 
No entanto, minhas mãos tremiam e os dedos pareciam não ter força e coordenação
suficientes para  libertá-la. Notei que seus braços estavam para trás e constatei que
também deveria estar amarrada lá. Levantei-me e dei a volta em seu corpo em uma meia
lua para chegar às suas costas e vi um pequeno corpo contra o dela apoiado e
aparentemente, também estava amarrada e apavorada. 
Me abaixei mais, aproximei meu rosto do seu e consegui ver seu rosto, meu coração voltou
a ter aquela sensação de alívio e aflição. Era a Ana, e ela estava apavorada, porém, parecia
estar muito fraca. 
Eu tinha que soltá-las o mais rápido possível… Agitada, olhei para os lados e não via nada
que pudesse usar. Eu precisava me afastar mais e aparentemente estávamos sozinhas
dentro daquele quarto, então não faria mal se eu me levantasse.
— Preciso achar algo e… Cortar essas malditas cordas —  pensei em voz alta com a voz
fraca.
Apoiei a mão no chão para me levantar,  mas fui frustrada pelo meu corpo que não me
obedecia. Persistente, insisti e consegui levantar uma perna e  usá-la de apoio para
conseguir me erguer e ficar de pé. Com passos arrastados, andei pelo cômodo, em busca de
algo pontiagudo ou cortante. Vamos, Deus, qualquer coisa que corte já é o suficiente, implorei
mentalmente.
Caminhando insegura devido à pouca visibilidade, notei que o ambiente não parecia ter
móveis. Se ao menos tivesse uma mesa, um jarro de água, qualquer coisa que eu pudesse
quebrar e pudesse usar para cortar… Entretanto, antes de encontrar qualquer tipo de mesa,
cheguei ao centro do quarto, onde minha mão encostou no pilar.
Olhei para trás para ver se eu ainda conseguia ver a minha irmã e a Ana e elas não
passavam de um tipo de sombra, uma silhueta fraca. Tirei proveito de que onde me
encontrava era mais iluminado, para ver com mais detalhes tudo ao meu redor. Contornei o
pilar, mas  não reparei que havia uma diferença de nível do piso e, antes que me desse
conta do motivo da queda, me vi com a mão doendo devido ao reflexo de me proteger. 
— Aí… — gemi e senti um ar gelado percorrer minhas costas. Senti meu corpo todo
petrificar, mas eu precisava ser fria, precisava de controle, não era hora de enlouquecer. 
Coloquei minhas duas mãos no chão, me preparando para levantar, quando subitamente
um pensamento me veio à mente… E se tivessem pessoas no corredor ou atrás de alguma
porta? 
Eles teriam me escutado… 
Eles logo estariam aqui! 
Ofegante de nervoso, levantei a minha cabeça e olhei o que tinha diante de mim, mas, ao
fazer isso, dei de cara com um crânio humano! O sangue fugiu da minha face e o meu corpo
todo petrificou por um momento antes de se entregar ao pavor. Em um só impulso,  com as
mãos fui para trás ao mesmo tempo que meneei a cabeça em negação. Me arrastei tentando
me afastar a todo custo e cai novamente na diferença do nível do chão, mas sem conseguir
tirar os olhos do esqueleto… 
Era como se me hipnotiza-se… Era horripilante e as sombras definiram as curvas dos ossos
enquanto o lugar onde seriam seus orbes, parecia estar me fitando, me prometendo o
mesmo destino.
Meus lábios tremiam, calafrios se espalharam pelo meu corpo e percebi algo ainda mais
perturbador:  em meio àqueles ossos, na altura do peito, havia uma faca… Desacreditada e
revoltada com a vida, reclamei:
— Oh,  Merda… 
A faca poderia ser a salvação de Harley e Ana!  Como se para realçar a necessidade, ouvi o
gemido de preocupação das meninas e me forcei a engolir o medo, pois precisava daquela
faca.  Reuni uma força que não tinha, para me convencer de que um esqueleto não era
motivo para se apavorar, que deveria ter sim, medo  dos vivos.
 Prendi a respiração, me forçando a ficar de pé. Caminhei em sua direção, até estar próxima
o suficiente para poder me abaixar e estender a minha mão em direção à faca, mas
involuntariamente, a cada milímetro que minha mão aproximava, sentia a sensação
perturbadora de que o esqueleto tomaria vida e me seguraria.
Tensa, uma vez que segurei o cabo e puxei, fiquei estática por uns três segundos e me senti
uma idiota, pois nada havia acontecido. Senti meu corpo todo relaxar, me virei em direção
às garotas, levantando a faca e a mostrando, como se fosse a chave da salvação, quando a
porta à minha esquerda abriu subitamente.
Meus músculos protestaram frente ao susto e por instinto, e uma coragem que não sabia
possuir, corri para ficar entre as meninas e quem quer que fosse que abriu a porta. Não
consegui de imediato, definir quem estava parado à porta, apenas vi duas silhuetas devido
à luz externa. Eles deram alguns passos à frente, saindo da área iluminada.
— Vocês…  — falei  empalidecida ao ver Katherine e Harry. A surpresa nem foi pela
Katherine, mas pelo Harry — Por quê?!
— Oh! Querido, ela pegou a faca. Estava demorando tanto para achar… Pensei que não
conseguiria ou que, no mínimo, não teria coragem… — satirizou, encostando-se no homem. 
— Não provoque a minha cunhada, Kath — disse ele passando a mão pela cintura de
Katherine, dando uma risada baixa.
— Pensou que não saberia se eu pegaria a faca? Como demônios você sabe…?!  —
questionei, confusa e raivosa. 
Porém, a minha fala foi interrompida quando ela apontou para o teto, à minha esquerda,  vi
o ponto vermelho de uma câmera. Enquanto meu queixo caiu, ela fez um gesto e a luz se
apagou.
Ela estava assistindo tudo?! Que filha da puta! Irritada, dei um passo em sua direção e ela
levantou uma mão.
— Certo, certo… — cantarolou com um sorriso de canto  — Agora que foi esclarecido, 
Kayla, não vai soltar a sua irmã e futura filha? 
—  O…quê? —  questionei confusa por um momento,  mas decidi não pensar muito.
Katherine sempre fazia jogos de palavras, então, apenas me mantive em uma posição de
defesa, olhando firmemente a mulher e o seu amante — Por quê vocês estão aqui? Nos
deixem em paz! 
Após um breve momento de silêncio, o olhar vivo e debochado de Katherine ficou tão
gélido como o polo ártico e sua voz pareceu reverberar em minha mente da mesma forma
fria que a  de seu pai.  Por instinto, dei um passo para trás.
— O que foi? — perguntou num tom similar a um rosnado de um animal antes de atacar,
dando um passo em minha direção — Está louca? Espero que não, pois se estiver, será
completamente inútil para mim… E odeio desperdício de tempo.
Katherine era absurdamente semelhante ao pai, embora Sebastian  apenas fosse objetivo
ou não falasse. Devido a isso, não compreendi nada do que ela estava falando, tampouco
onde queria chegar. Mas senti em meus ossos o seu instinto assassino, quando ela eliminou
a distância entre nós e tomou a faca da minha mão numa velocidade extraordinária que
aumentou ainda mais a minha confusão e medo. 
Raivosa e incrédula, ela apontou a faca na altura do meu pescoço, encostando a ponta em
minha garganta. Ofeguei e meus olhos se arregalaram com o entendimento que não teria
sequer esperança de defesa contra ela.
— Sei que me odeia, mas elas são inocentes… — falei enquanto sentia uma lágrima quente
rolar pela minha face e lembrava das pessoas que amava.
Harry se aproximou calmamente, com o seu ar relaxado e malandro, enlaçando a mulher
novamente pela cintura e a afastando de mim.
— Querida, ponha-se no lugar dela, nunca imaginaria o porquê estamos aqui. Tampouco ela
faz ideia de onde se meteu, olha o rosto dela. Ela não sabe sobreviver no seu mundo.
A ruiva virou o olhar em direção a ele, refletiu e, por fim, concordou:
— Estamos aqui para salvar você, senhorita jornalista  — falou enquanto como um sinal de
boa fé, soltou a faca e a deixou cair no chão  — Mas se não quiser acreditar, pode ficar aqui
e descobrir algo pior que a morte.
Eu deveria estar ouvindo coisas, pois o que ela dizia simplesmente não fazia sentido depois
de todo terror e perseguição imposta… 
 — Você… salvar? — questionei totalmente incrédula  — Que tipo de jogo é este?
— Eu falei… — disse Harry achando graça e Katherine fechou a cara. 
—  Não temos muito tempo, não é um jogo, mas um acordo. Falarei da proposta inicial e de
acordo com a sua resposta, sairemos daqui o mais rápido possível. A proposta é simples,
você se torna a minha aliada, te ajudo a sair daqui em segurança com elas e você ganha a
matéria da sua vida. 
— Você está louca? — indaguei sinceramente. 
— Devo estar, estou te propondo um acordo quando claramente poderia estar em Paris   —
ironizou ela.
Ignorando o que ela disse, tentei assimilar a ideia da proposta.
— O que você ganha com isso? 
— Sendo minha aliada, concretizarei meu plano contra meu pai, é claro. Garanto que não
envolve o Alejandro… Bom, não diretamente. Terei você como cúmplice e não poderá me
entregar às autoridades, nem voltar atrás. Parece simples e realmente é. Ah! Só para deixar
claro, se não for com minha ajuda, provavelmente não conseguirá sair daqui com vida. 
A forma dela falar me lembrava o Alejandro, mas, ao contrário de todos os motivos para
confiar nele, não tinha sequer um para justificar a estranha sensação de que deveria confiar
nela desta vez. 
— Por que está fazendo isso? Indo contra seu pai … — eu precisava daquela resposta para
tomar a minha decisão — Se não fizer entender o sentido disso tudo, não vou concordar
com nada.
— Querendo barganhar? — debochou — Não é tão idiota quanto pensei. 
Ela parou por um momento e seu olhar deslizou até o esqueleto no centro do cômodo. 
— É uma boa pergunta, senhorita jornalista. Simplificando, aquela é a minha mãe. Ela não
tinha feito nada errado, era uma mulher azarada que foi trazida de outro país para o tráfico
humano. Ia ser vendida, mas se parecia com uma obsessão doentia, vulgo amor, do meu pai.
Ele a tomou para si e trepou com ela todas as vezes que quis até o psicológico dela quebrar.
Eventualmente a engravidou e após me dar à luz, começou a definhar. Cresci aqui, apenas
com a minha mãe. Porém, não queria viver minha vida sob essa prisão, o sentimento de
eliminá-lo crescia em mim a cada dia que compreendia mais o que estava acontecendo e ter
a merecida liberdade do qual fui privada era uma necessidade.
Eu estava chocada demais para falar qualquer coisa, ela falava casualmente algo tão tenso e
pesado, como se não fosse nada demais. Então Katherine se abaixou e pegou a faca, passou
o dedo pela lâmina com uma expressão reflexiva.
— Minha mãe tornou-se inútil para ele e um empecilho, uma corrente com o seu passado
vergonhoso. Frustrado, um dia ele atravessou a porta furioso, a estuprou uma vez mais e
ele bateu tanto nela, que considerei a possibilidade da sua morte. Ele já tinha feito isso
outras vezes, mas nunca tinha sido tão brutal. Em algum momento, lembro que ele se
cansou e foi em busca de bebidas, saindo daqui do quarto e a deixando nua caída no chão.
Naquele dia, pela primeira vez, a vi chorar e eu, que estava exatamente onde você estava
quando acordou, assisti ela pegando a faca que não sei como conseguiu e a enfiando no
próprio peito. 
— Aí, meu Deus… — exclamei sem pensar, horrorizada pela criança que ela foi vendo tudo
isso e pelo ato desesperado da mulher.
— Relaxa, o fruto não cai longe do pé — falou ainda com seus olhos sem vida  — Não
chorei, até me senti aliviada em não ver mais aquele rosto deprimente me olhando… No
entanto, odiava ser subjugada por aquele homem, a ideia de ter um futuro similar, causava-
me repulsa e ódio. Ele mais parecia um idiota frustrado com mais poder do que merecia,
me irritava estar à mercê dele. Jurei a mim mesma, no dia da morte dela, que não teria o
mesmo fim… Isso é motivo o suficiente para você, jornalista?
 
CAPÍTULO 28
“ Na teia da viúva negra...  ”

KAYLA • Kayla Johnson


 
Finalmente tudo fazia sentido e engoli em seco, pois esperava muitas coisas da Katherine e
nenhuma delas, era aquele passado. Ela sempre pareceu ter um ar esnobe, elegante e
mimado… Mas agora eu só conseguia ver a garota que se apegou firmemente a todas as
chances que a vida lhe deu para mudar o seu futuro e conseguir a sua vingança. A menina
que cresceu naquele quarto escuro, até se tornar alguém com traços de psicopatia. Afinal,
quando criou consciência do mundo, todo seu mundo já era distorcido. 
Ela estava em outro nível de ser humano, um que eu ainda não conseguia definir. Mas, ao
mesmo tempo, o pensamento que me vinha à mente era: “Que bom que ela se inspirou no
pai…” e este era provavelmente o pensamento mais perturbador que um dia já tive. A
mulher era forte, confiante em cada pequeno traço do seu corpo, inteligência, gestos e até
mesmo no seu tom de voz.  
E… eu quase sentia orgulho dela por isso. Talvez até admiração…
Porém, por ela ser quem era, ainda sentia uma ponta de desconfiança, que não dava para
ignorar. O meu olhar deslizou para Harry, que estava ao lado dela e sorria despreocupado,
como se estivesse em um encontro no meio da tarde. Era absurdo, a naturalidade dele em
meio a todo aquele ambiente sinistro e perigoso que a envolvia. Eu não sabia dizer se
Katherine amava-o e eu achava que não… embora fosse nítido o quanto confiava nele.
Harry a amava, sem dúvidas… Tão nítido quanto a confiança dela. Em um estalo de
pensamento, como se encontrasse a solução de uma pergunta não respondida, minha
mente trabalhou ágil.  
Os Ward não amavam pela metade, tampouco temem ir ao inferno se necessário. Henry
pensou que ia morrer e aquele foi o único motivo de abrir mão da mulher que amava.
Fabian, pai de criação do Alejandro, amou a sua mulher e irmão, sendo fiel a eles até o
último momento… Alejandro, com meus planos loucos, estava se colocando em risco e
muitas das coisas que passou anos construindo entrava em jogo. E Harry… Entrou de
cabeça no mundo obscuro de Katherine sem se importar com o preço que teria que pagar,
mesmo se fosse sua alma. 
Por isso não se separavam e por este motivo, Scarlet se descontrolou e entrou em tamanha
depressão após o anúncio do relacionamento dos dois. Todos eram muito intensos em suas
escolhas e nada poderia ser feito, ninguém poderia voltar atrás… Até mesmo Katherine e
eu. 
— Kayla, não sei dizer se você é interessante ou ingênua… Mas, neste momento, é muito
transparente — comentou Katherine, achando graça como se lesse meus pensamentos —
Mas não sou sua amiga, não precisa ter empatia por mim.  
Ela estava certa, definitivamente não era, e o mais importante, na verdade, não era sobre o
passado dela, era como sair dali…  Como salvar as garotas e como se livrar do Sebastian.
Não era hora de ser emocional. 
— Certo, irei lembrar disso. O que você quer que eu faça? — disse buscando a objetividade
que usava no trabalho não muito tempo atrás. 
— Ora, Ora… Kayla. Mas também não seja tão formal assim, estamos do mesmo lado… No
entanto, se quer minha opinião, indico você a abandonar a ideia de salvar o garoto. Pegue
as duas garotas e vá pela saída de emergência até o térreo. Graças a este seu relógio, o
Alejandro logo chegará e poderá se jogar em seus braços. Ser egoísta salvará sua vida na
maior parte das vezes — disse dando de ombros —  Foi isso que fiz na minha vez. 
— Meu relógio? — perguntei, me fazendo de desentendida. 
— Ah! Você pensa que somos idiotas? Bom, meu pai odeia tecnologia… Em todo caso, você
ainda está com ele graças a mim. De nada. 
 Embora a personalidade dela fosse duvidosa, era impossível evitar acreditar em cada uma
das suas palavras, eram muito reais, naturais e aparentemente sinceras.
— Mas e se eu quiser salvar o Tristan?
— Se você quiser salvá-lo, o que EU acho burrice, já que os heróis sempre morrem fazendo
o que não devem… Bom, vocês terão que descer dois andares da escada que se encontra no
fim do corredor e abrir a segunda porta à direita. É a sala das câmeras, verifique se tem
alguém mais no prédio. Ele não é mais o principal do meu pai, porém, eventualmente, ele
permite o seu uso — ela parou, pensou um pouco sobre e sorriu perversa — Tente não
vomitar ou ficar muito assombrada, jornalista... Aliás, é melhor que não abra nenhuma
outra porta.
Não sabia se ela estava me provocando, querendo me deixar assustada ou apenas falando a
verdade. Katherine usava tantos jogos que parecia estar sempre nos testando.
— Você está brincando com a minha cara? — A interrompi. 
— Pareço estar brincando? Além disso…  — disse revirando os olhos e me fitou fazendo
pouco caso — Estou fazendo por você, o que ninguém fez por mim, ingrata… De toda forma,
vá pelas escadas novamente até o segundo andar, onde o garoto está. 
O som de uma notificação cortou o ambiente, Harry pegou o celular do bolso, desbloqueou
a tela e, enquanto estava sob o olhar de nós duas, avisou:
 — Garotas, logo meu irmão deverá chegar. É bom sermos rápidos, ao que parece, ele está
vindo como se estivesse acompanhado de demônios. 
Após olhar a tela do aparelho celular, Katherine fez uma expressão preocupada e confirmou
com a cabeça.
— Do segundo andar vá logo ao térreo pelo elevador de carga... — dito isso, começou a se
afastar de mim, indo para a porta — Sobre os policiais... Se estiverem com ele, fale apenas
parte do que aconteceu… Finja-se de assustada, não fale sobre a Mcgregor, o meu pai ou eu. 
— Por que? Ela é uma das pessoas que me sequestrou. 
— E também responsável por você ainda estar viva… Já te chamei de ingrata? Então. De
toda forma, fiz um acordo com ela também — disse como se fosse óbvio, porém,   Katherine
parou a meio passo da porta e olhou para a própria mão. Aparentemente  percebendo que
ainda estava com a faca.
Voltou a se aproximar de mim tão rapidamente que dei dois passos para trás, pensando que
ela havia mudado de ideia e me mataria. No entanto, apenas segurou meu braço, depositou
a parte do cabo na palma da minha mão e ordenou:
— Segure firme.
Seu tom autoritário foi tão forte que, sem pensar, apenas obedeci. Katherine segurou com
firmeza a minha mão e a guiou até a lateral da sua barriga, se cortando com agilidade. De
alguma forma, foi tão surreal e fora de contexto, que mal consegui assimilar o que ela fez,
no entanto, uma vez que entendi, tentei soltar a faca e me afastar dela. Porém, sua pegada
era firme em minha mão.
 — Está louca?! O que é isso? Me solta!
— Sempre tenha um plano B… C… ou D. Em meio às variáveis, o corte é um preço pequeno
— disse ela misteriosa e com um sorriso macabro, mas seu sorriso morreu em câmera
lenta, até a expressão dela se converter em algo próximo ao psicótico  — Todavia, querida
Jornalista… Quero te alertar que se pensar em me trair... Dentro de vinte e quatro horas,
você será encontrada morta onde quer que você esteja. 
Após um silêncio ensurdecedor de alguns segundos entre ela me olhar nos olhos e meus
pensamentos sobre quem me mataria, ela ou o pai,  vi a sua expressão suavizar.
— Mas, por ora, não pense sobre isso…— disse, contendo sua expressão de dor enquanto
me soltava e levava a própria mão ao ferimento para  contê-lo — Apenas… Sobreviva para
contar a sua história.
 Ela se afastou de mim indo de encontro a Harry, que prontamente veio ao seu socorro.
Com cuidado o vi a ajudando e murmurando algo para ela, preocupado.
Olhando aquilo, cheguei à conclusão de que aquela era a segunda vez que ela me assustava,
ameaçava e aconselhava, simultaneamente. Eu poderia jurar que…
— Você simpatiza comigo — acabei concluindo o pensamento em voz alta, antes que ela
saísse totalmente do meu campo de visão. Apenas vi Harry levantando o olhar para mim
por um milésimo de segundo.
(...)
Minutos se passaram até conseguir soltar Harley das cordas. A faca não estava muito afiada,
na verdade, estava em um péssimo estado, persisti insistentemente até conseguir
finalmente livrar as duas das cordas. Porém, Harley não parou de ralhar um minuto e senti
falta da mordaça…
Me acusou de ser burra, por fazer uma aliança com a Katherine. Que a ruiva não valia nada,
que ela era uma víbora, que deveria estar mentindo e que se não estivesse, qual seria o
preço que teríamos que pagar… Ela não estava errada, mas quando você estava tentando
salvar a sua irmã e uma menina usando uma faca com pouco corte e de quebra precisava
ficar escutando reclamações, não era fácil evitar o mau-humor.
— Bem, Harley e você, tem uma ideia melhor? Se tiver, é bom que você fale! — enfim a
respondi, quando trouxe Ana para o meu colo e facilitei a nossa locomoção.  Terminando de
ajustar a menina, me virei de frente para Harley esperando sua resposta.
Harley se calou por meio segundo, o suficiente para a minha impaciência falar mais alto, lhe
dar as costas e ir na direção da porta ainda aberta. 
— Vamos logo.
Ela veio atrás de mim, não muito contente, quando voltou a falar:
— Kayla, pensa! Seguiremos todas as palavras que essa mulher falou, sairemos
supostamente daqui são e salvas, denunciaremos um crime... Ou melhor, uma organização
criminosa, e ficará por tudo isso mesmo?! 
— O que não podemos fazer agora, irmã,  é ficar aqui esperando a morte — falei espiando o
corredor para ver se tinha alguém e voltei — Acredite, é tão perturbador para mim, quanto
para você, acreditar na Katherine.  Mas,  no momento, quero sair daqui e sair com vocês.
Além disso, hoje temos um dos monstros ao nosso favor... Então faremos isso.
Dito aquilo, saí para o corredor, não que não estivesse com tanto medo quanto minha irmã,
mas… Não fazer nada era pior. Prestei atenção em tudo ao redor, para não me entregar às
incertezas. O corredor era bem iluminado por causa das janelas e não parecia assustador
como em histórias de terror. Até o seu final, havia apenas mais duas portas.
Perguntei-me se pôr detrás daquelas portas, também existiam outros esqueletos, no
entanto, o pensamento não se estendeu, pois Ana gemeu de dor… Desci o meu olhar e
percebi estar pressionando um dos hematomas enquanto a ajustava nos meus braços e
pude ver melhor a gravidade dos seus machucados.
A menina estava com o rosto machucado, os lábios inchados e vários hematomas no braço.
Meu coração pesou uma tonelada, mortificada por ela estar daquela forma. A pobre menina,
sempre ativa, não estava falando ou levantando o olhar para mim. Dei um beijo no topo da
sua cabeça e murmurei que faria ela sair dali e ter uma vida boa, um bom lar, um quarto,
brinquedos, irmãos e principalmente… Proteção. 
— Uma vida tão boa que este dia ficará apenas como um dia ruim… 
(...)
Enquanto andava pelo corredor, permiti que minha mente trabalhasse nos detalhes, tanto
para me manter controlada, quanto para buscar uma solução em meio a toda aquela
situação. 
A câmera, a ruiva gesticulou para desligarem, ou seja, a pessoa na sala de câmeras era
aliado dela. Sendo um prédio grande e se ele fosse antigo… Existiria uma saída de
emergência lateral, as escadas comuns, elevador social e elevador de carga. Na curva para
descer ao segundo andar, entreguei Ana para Harley, apressei meus passos e ao chegar no
segundo andar, abri lentamente a porta e olhei discretamente o corredor para verificar
qualquer movimentação, mas  estava tão silencioso quanto o andar superior.
Fechei a porta, observei Harley terminando de descer as escadas com Ana e tive uma ideia
de  mantê-las  em segurança. Até porque, por motivos óbvios, íamos devagar com a
pequena nos braços. Em caso de necessidade de correr, isso não ajudaria.
— Tenho um plano… Vamos para a sala das câmeras ver a gravidade das coisas, sim… Mas
como? — falei controlando as minhas emoções externas ao mesmo tempo, que toquei
carinhosamente a cabeça de Ana — A Katherine falou sobre a saída de emergência. Após
vermos as câmeras, vocês duas devem ir na frente, pelo caminho menos perigoso… Quanto
mais tempo continuarmos nos corredores indo de um andar para o outro, quer tenha
alguém aqui ou não, maior a chance de algo ruim acontecer…
— Como você pode confiar tanto nela? E como está tão tranquila? — resmungou minha
irmã, ajustando a menina nos braços.
— Porque a Katherine manipula a verdade, mas ela sempre está lá… Nos detalhes —
expliquei com um sorriso fraco e sem graça — E, na verdade, estou apavorada, eu só estou
tentando me convencer do contrário.
 Dito aquilo, mesmo suando frio, virei para a porta e sai de mansinho com Harley logo atrás.
Com os ouvidos em alerta, tentei ouvir qualquer traço de alguém, e assustadoramente, não
escutava nada. Conforme meus passos avançavam, a sensação de ansiedade aumentava,
pois tinha a impressão de que todos os quartos estavam ocupados por assassinos,
torturadores, etc. Estavam ali, todos igualmente atentos a mim.
Balancei a cabeça, tentando ignorar a minha mente falante demais. 
O percurso até a segunda porta, parecia muito mais distante do que realmente era. Para
piorar, um cheiro ruim invadiu as minhas narinas, um cheiro pútrido, ainda que não fosse
muito forte ao ponto de ser insuportável, mas era, obviamente, o cheiro de morte. Senti um
arrepio percorrer minha coluna e meu corpo involuntariamente começou a tremer.
Ao chegar na primeira porta, o cheiro parecia mais forte, me fazendo entender que fosse o
que fosse, estava atrás dela. Eu não queria imaginar o que era que tinha atrás daquela
porta, mas meus pensamentos não paravam de sabotar as minhas tentativas de
autocontrole. Me sentia à borda de surtar e eu definitivamente não podia fazer isso.
Foco, Kayla. Foco em sair daqui viva e com elas. Você não vai virar um pedaço de carne
apodrecendo aqui, não vai! 
Prendi a respiração, sem parar os passos um atrás do outro, até chegar à porta que tinha
como alvo. Quando, finalmente, cheguei à porta indicada pela ruiva, pensei que sentiria
alívio, mas fiquei ainda mais nervosa, pois a porta do quarto seguinte, estava entreaberta.
Engoli em seco, passei a língua nos lábios secos e sequei a mão suada na roupa.
A porta aberta não estava mais que a dois metros de mim e eu sabia que poderia entrar na
sala das câmeras sem ser notada se não fizesse barulho. Porém, minha mente não parecia
querer facilitar, criando a imagem de alguém saindo da porta e correndo em nossa direção
a qualquer instante.  
Engoli em seco, esticando meus braços para as duas atrás de mim e as guiei calmamente
para mais perto da parede, com meu coração batendo como louco, doendo no peito. Assim
que minha mão alcançou a maçaneta, girei lentamente, até ouvir o estalo baixo. Meu
coração batia forte ao ponto de zunir em meus ouvidos. Empurrei a porta aliviada por esta
não ranger e entrei rapidamente, deixando a porta aberta para Harley. 
Esperei apenas o suficiente para elas entrarem, então fechei a porta com pressa fechando o
trinco. Me apoiei na porta e suspirei aliviada por meio segundo, tendo a certeza de que não
serviria para qualquer papel de herói como nos filmes…  Minha mente seria a primeira a
me sabotar.
Escutei passos do lado de fora do quarto e mordi os lábios, segurando, à força, minha
respiração. Mas Harley tropeçou em mim e me fez bater a testa na porta de leve. Escutei o
som dos passos pararem, embora estivessem a uma distância razoável. Espalmei a mão na
porta para tentar mantê-la fechada, mesmo se o homem tentasse forçar por algum tempo. 
No entanto, voltei a escutar o som de passos e, bem fraco, ouvi o som do elevador.
Uma vez que o silêncio voltou a imperar, me virei irritada para Harley. Porém, o que me
calou de qualquer reclamação, foi que a encontrei pálida, tremendo fortemente enquanto
chorava em silêncio, abraçando Ana com força. Achando estranho, virei meu olhar na
mesma direção que o dela e senti minha pressão cair e minha perna fraquejar. 
Vi um homem, razoavelmente grande, sentado na cadeira em frente aos monitores, com
parte do corpo caído sobre a mesa baixa e o pescoço degolado. A bile me subiu, logo que vi
os olhos e boca abertos, com a expressão de terror. A poça de sangue pingava da mesa, me
chamando atenção e antes que desse por mim, me virei para o lado, vomitando tudo que
tinha no estômago. 
Todas as lágrimas que eu contive nos últimos minutos, o pavor e desespero, pareceram me
atingir em um só golpe.
— Meu Deus… — falei quase sem voz entre o choro, levando as mãos à cabeça.
Harley se encolheu ao meu lado, compartilhando do mesmo choro aflito. Porém, isso me
lembrou que eu não estava sozinha. Cuspi o último resquício do vômito da boca e a limpei 
com as costas da mão, naquele momento, acabei vendo meu relógio de pulso quebrado. Em
busca de controle, foquei minha visão no relógio, analisando-o, seu formato, sua cor, seus
detalhes. Ele parecia estar ligado, funcionando, mesmo com a tela trincada. Gradualmente
minha respiração estava se normalizando e consegui voltar a ser um pouco mais dona de
mim mesma. 
Eu precisava ao menos cobrir o homem, se não o visse, ao menos, de alguma forma, talvez
aliviasse a sensação de pavor.  Agitada, com o olhar, busquei qualquer coisa que pudesse
servir para cobrí-lo.  Até que vi, do lado da porta, um casaco preto pendurado. Reunindo
coragem, prendi novamente a respiração, peguei o casaco, o abri  bem e, em passos
apressados, sem me permitir pensar muito, eliminei minha distância com o homem morto e
o cobri. 
Era estranho, mas de alguma forma, logo que não estava o vendo mais e estava de frente
para as câmeras, me senti um pouco mais aliviada e cheguei à conclusão que, de fato, tinha
alguma verdade na frase: O que os olhos não veem, o coração não sente. 
Ao prestar atenção nas telas, fui pega de surpresa. As primeiras coisas que vi, não eram
nada do que eu imaginei. Quartos até que muito comuns, alguns similares aos quartos de
BDSM, mas sem a atmosfera sensual forrada de vermelho. Alguns temáticos, como o quarto
em que Katherine cresceu e não tão abandonados assim. Vi algumas pessoas que eu não
saberia dizer se estavam dormindo ou vivas. Alguns deles estavam vazios, parecendo um
grande cômodo azulejado nas paredes e teto com algumas correntes penduradas nas
paredes.
Entretanto, três bem específicos, estavam com as luzes acesas. Um deles parecia ser uma
sala cirúrgica, mas com muitos armários em suas paredes, no entanto, a maca não estava no
centro dela, mesmo que a mesa de instrumentos estivesse no seu devido lugar. A outra sala
era como uma sala similar ao necrotério de um hospital, com gavetas metálicas. Vi um
homem abrindo uma gaveta e desviei o olhar. A terceira parecia ser um enorme cômodo
com algo que parecia um grande forno.
 Senti um arrepio me percorrer, mas meneei a cabeça e tentei ver se tinha algum lugar
escrito em que andar era aquilo para tentarmos evitar e no canto da tela li: subterrâneo. 
Ao pensar em evitar, pensei nos sons de passos no corredor. Puxei o teclado e o mouse,
além de fazer o meu melhor para tentar ignorar o sangue e a bile que ameaçava novamente.
Voltei as imagens e vi um homem todo de preto, dos pés à cabeça saindo do quarto e
passando pela porta, antes de simplesmente descer os andares. Procurei nas outras
câmeras e o vi indo para o quarto andar e entrando em um quarto. 
Com sorte, alguém era realmente detalhista e tive apenas que procurar o quarto indicado
nas outras telas. Vi o homem sentado em um sofá, bebendo algo tranquilamente.
Estranhando, voltei mais a imagem do corredor do meu andar. 
Vi Katherine, Harry e o tal homem de preto saindo do quarto com a porta totalmente
aberta. Então ele era aliado dela, talvez o responsável pela morte do homem ao meu lado.
Confusa, refleti sobre e cheguei à conclusão de que ele ainda estava aqui, por algum motivo
ou ordem dela… Em um estalo, entendi. A polícia! Exatamente como eu estava vendo-a ali,
isso era uma prova, a polícia também veria. 
O caminho mais lógico é que ele está esperando só para apagar as filmagens! 
Tentei me convencer de que ele não era uma ameaça e com a filmagem ainda rolando, vi
Katherine saindo do local, provavelmente indo se encontrar comigo e então indo embora
pela saída de emergência. Ela não tinha mentido. 
Na mesma linha de raciocínio, busquei Tristan. Precisava ver como ele estava e se
realmente estava lá. Não tinha muito mais tempo para ficar procurando, então olhei as
outras câmeras de novo, no tempo real, mas não vi movimentação alguma. Senti meu
coração se apertar, me negando a pensar no pior. Por fim, resolvi voltar a filmagem daquele
quarto e vi Ana e Tristan jogados lá. Aparentemente, o homem que os jogou lá, estava
furioso e resolveu pegar Ana para descontar sua raiva. 
Tristan tentou intervir, mas foi jogado longe, bateu a cabeça na parede e ficou desacordado.
O homem, vendo que fez uma péssima escolha, apenas deu as costas e foi embora. Ana,
machucada, andou mancando até Tristan e tentou acordar ele, mas, por fim, o colocou
sentado e se sentou ao seu lado. Horas depois, outra pessoa entrou lá dentro, esta que
percebi ser uma mulher, devido aos seus cabelos longos. Então ela pegou apenas Ana e a
levou de lá. Tristan tentou impedir, mas a mulher falou algo que eu não  consegui entender
e ele se calou,  indo ao canto mais escuro da sala e se encolhendo. 
Olhei na direção  de Ana:
— O que a mulher disse, Ana? O que ela disse ao Tristan?
— Ela perguntou… — disse quase em um fio de voz — Se achava que alguém iria salvar ele
porque, caso contrário, eu ia ter o mesmo destino que ele…
Harley e eu ofegamos, horrorizadas. Por isso ela estava quieta e não tinha coragem de
levantar a cabeça. Pobre menina, pobre menino que ainda estava lá naquele quarto frio.
— Kayla… vamos salvar o Tristan, né? — ela perguntou e meu coração se desfez olhando
aquela pequena menina. 
— Sim, iremos. 
(...)
Olhei as câmeras por mais um tempo, tentando evitar sempre que via algum traço de algo
que poderia me arrepender. O homem no subsolo continuou o que estava fazendo, o do
terceiro andar também. Vi nas câmeras externas, uma boa quantidade de homens tentando
invadir o prédio. Sorri, esperançosa. Alejandro. É ele, sem dúvidas. Pensei. 
Mais confiante, saímos da sala das câmeras e fomos apressadas pelo corredor, para a
escada. Se um dos homens no prédio resolvesse sair de seus respectivos lugares, iriam pelo
elevador.
— Alejandro está aqui! — falei tentando animar as meninas — Quero que vocês vão para o
térreo e se ele ainda não tiver entrado, tentem aguardá-lo. Mas fiquem alerta, tem um
homem que não tenho certeza se é aliado no terceiro andar e outro trabalhando no subsolo,
não deem bobeira. Vou para o segundo andar buscar o Tristan. Logo me encontrarei com
vocês, certo?
Ana estendeu sua pequena mão para mim e segurou a manga da minha roupa. 
— Você vai vir logo atrás de nós, né? — perguntou em um fio de voz. 
— Sim, minha linda. Logo estaremos com vocês, o Tristan e eu. 
CAPÍTULO 29
“ Segundos de terror, tornam-se horas para quem o vive.  ”

KAYLA • Kayla Johnson


 
Descemos as escadas o mais rápido que pudemos. Eu sorria esperançosa, achando que tudo
aquilo acabaria logo. Assim poderia me jogar nos braços do Alejandro, encontrar a paz no
seu afago e saber que todos estavam a salvo. Contudo, no penúltimo degrau para chegar ao
segundo andar, Harley tropeçou. 
As exclamações de surpresa chegaram aos meus ouvidos a tempo de me virar de frente
para elas, mas nada pôde evitar a queda. Ana gritou de dor e desmaiou, afinal seu corpo já
estava bem machucado e, por sorte, ao menos visualmente, elas não se feriram. Afinal, a
queda não foi alta e eu amorteci boa parte do impacto. 
Harley, mortificada ao se levantar, pediu desculpas, porém, enquanto ela falava, tentei me
levantar e senti meu tornozelo doer.
— Não tem que se preocupar…  — falei sabendo que faria ela se sentir mais culpada caso
soubesse, fiz o meu melhor para não expressar o incômodo. 
Apenas forcei a outra perna para me levantar. No entanto, a expressão que não consegui
evitar veio logo em seguida, quando o som metálico da porta no andar superior ecoou. 
Minha respiração prendeu na garganta enquanto eu estava empalidecida e o meu corpo
todo estremeceu em alerta. Virei a minha cabeça em direção ao som o mais rápido que
pude e aguardei, esperando ouvir os passos… Precisava saber se estava vindo em nossa
direção ou não. Porém, os sons que esperava não chegaram. O único som que reverberou
pelas escadas foi o som de um isqueiro sendo aceso. 
Orei pedindo ao Pai por misericórdia, proteção e livramento. Porém, logo em seguida a
culpa me consumiu, relembrando os meus erros que nos levaram até ali… Fui relapsa, não
observei atentamente cada detalhe, cada quarto, cada canto, apenas fui buscando onde
havia movimentos.
A verdade é que eu tive medo! Medo de ver coisas nas quais pudesse me arrepender pelo resto
da vida… Refleti.  Uma lágrima solitária escorreu pela minha face e tive vergonha de rezar a
Deus por misericórdia. Eu tinha aquilo que merecia, mas minha irmã e Ana não. 
Mordi os lábios e olhei para os lados, já não tínhamos tempo para fazer um novo plano. 
Voltei-me para Harley, segurei  seu braço com firmeza e a guiei para a escada que daria ao
primeiro andar. “Elas tinham que fugir, tinham que ficar em segurança!” Era o que a minha
mente gritava insistentemente.
Infelizmente, o homem no andar acima, decidiu começar a andar. O som dos seus passos
tomou toda a escadaria… Seus passos eram pesados e enchiam todo o meu corpo de tensão.
Senti o ímpeto de fugir com as meninas, mas não poderia deixar um inocente para trás. Não
obstante, temia que o usassem como refém e o menino já tinha sofrido demais. 
Felizmente, enquanto tentava conter o surto interno, notei que ele não estava indo em
nossa direção, ao contrário, parecia subir. Em meio àquela oportunidade, não me permiti
perder tempo.
— Harley, estou deixando com você a sua futura sobrinha. Proteja-a… Vocês precisam ir… 
— sussurrei, mas ela continuou no mesmo lugar, por isso usei um tom mais firme: — Vai,
agora!
Contrariada, triste e visivelmente preocupada, Harley foi segurando com cuidado, Ana. 
Apressada, retornei para o segundo andar. Rápida e silenciosa, embora fisgadas de dor em
meu calcanhar me fizessem mancar. Encaminhei a minha mão à maçaneta e ao abrir a
porta, ela rangeu, os passos pararam e o terror foi tamanho que senti até mesmo minha
alma petrificar. 
Nervosa e ansiosa, engoli em seco. Reunindo coragem o suficiente para, então, terminar de
abrir a porta e sair correndo. Sentindo meu corpo todo impulsionado pela adrenalina,  não
demorei muito para chegar à porta onde estaria o Tristan. Abri, entrei e a encostei de volta. 
Eu estava ofegante, mas prendi a minha respiração por um momento enquanto escutei as
passadas pesadas e apressadas do homem que chegou ao corredor. Sabia que ele viria atrás
de mim, me sentia feliz, pois me confortava saber que ele não foi atrás da Harley e Ana. 
Temendo que ele pudesse, de alguma forma, ouvir a minha respiração, levei a mão ao nariz
e à boca, os tampando. O problema era que eu não possuía muito fôlego e ele já não corria,
fazendo com que se afastasse muito lentamente da porta do quarto. Fazendo suas passadas
parecerem uma contagem regressiva para a minha morte.
Tentei não focar nele, assim como fazia para controlar a minha ansiedade, fui em busca de
distração. Passei o olhar pelo quarto e não vi Tristan. O problema era que o lugar não tinha
a melhor das iluminações… Vi que as paredes e o chão eram azulejados e, assim como vi na
câmera,  havia correntes penduradas na parede. Isso era tudo que eu conseguia ver, mesmo
estreitando os olhos… A luz da janela iluminava apenas metade do quarto e os cantos eram
especialmente escuros. 
Eu teria que esperar os meus olhos se habituarem um pouco mais…
Escutei os seus passos mais distantes e fui para a parte de trás da porta. Segundo a minha
lógica, caso ele voltasse e abrisse a porta, não me veria de imediato… Porém, quando dei
poucos passos para o lado, encostei em algo e este "algo'' se mexeu. 
Me sobressaltei, surpresa, sentindo o terror e o  assombro pulsarem ferozmente por todo
meu corpo. Acabei me afastando de mal jeito e tropecei nos meus próprios pés. Este "algo"
se mostrou ser "alguém'', quando segurou o meu braço esquerdo e impediu a minha queda. 
— Olá, Kayla… — disse uma voz baixa e maquiavélica, arrepiando cada pelo do meu corpo
—  Surpresa em me ver aqui? 
No primeiro momento não reconheci, mas quando voltou a falar soube imediatamente
quem era: Victoria Mcgregor. 
Recordei que Katherine havia feito um acordo com a mulher, então, supus que seria uma
aliada. Assim senti que poderia respirar um pouco mais aliviada, mesmo que não gostasse
dela. 
— Mcgregor… O que demônios você faz aqui? Me deu um susto de morte… — reclamei em
um tom muito baixo — Literalmente.
— Fique quieta… — me advertiu ela.
— O que faz aqui? —  questionei persistente. Pergunta esta que não precisou ser
respondida, afinal, àquela altura meus olhos já se habituaram com a escuridão, mesmo que
parcialmente. 
Mcgregor  portava uma arma e a estava apontando para mim enquanto sua outra mão
segurava o meu braço. Os seus cabelos estavam bagunçados, sua maquiagem borrada de
choro e o sorriso, sim…  Um sorriso  completamente psicótico se formou em seus lábios ao
me ver empalidecer.
— Não é óbvio? — indagou com algum grau de humor — Estava esperando você…
— O que quer de mim? — perguntei já em um fio de voz, tentando não me render à
sensação horrível que era estar sob a mira de uma arma — Cadê o Tristan?
Ela se inclinou e encostou a arma na minha bochecha, o cano metálico e gélido fez meu
coração apertar. Satisfeita observando o meu terror, a mulher empurrou a arma contra o
meu rosto com um pouco mais de força, fazendo-me virar a cabeça para a direita.
— É claro que é a sua morte… — respondeu impaciente — Já o menino, está bem ali… Não
sou um monstro, Kayla.
Com a cabeça voltada para a direita, vi com mais atenção um vaso sanitário de metal. Algo
se moveu atrás dele e percebi naquele instante ser o Tristan. Encolhido, escondido e
acuado como um animal.
— Você quer a mim… deixe ele ir... — pedi com a voz trêmula — Por favor… 
— Que lindo, está na porta do inferno e preocupada com os outros? Talvez você vá para o
paraíso…  — riu baixo — Que pena, alguém como você não apareceu para salvar a minha
filha. A Katherine…
Mcgregor começou, mas foi interrompida, deixando a dúvida no ar, quando um som
ensurdecedor de uma sirene tomou todo o ambiente. No susto, me encolhi tapando meus
ouvidos, por sorte, ficando abaixo da linha do cano da arma. Ela reagiu levando as mãos
para os ouvidos e acabou disparando no teto no percurso. Alguns pedaços pequenos do
teto caíram sobre as nossas cabeças, causando incômodo em nossos olhos.
A sirene tocava insistentemente e  a mulher tentava, aturdida, tapar os ouvidos, mas sem
soltar a arma. Em meio à confusão, percebi que ela tinha esquecido de mim. Tomei
proveito, usei minhas pernas dobradas para tomar impulso e  empurrá-la  em uma breve
corrida até fazê-la colidir contra a parede lateral do quarto. 
No baque contra a parede, ela abriu os braços e eu  foquei a minha atenção na sua mão
armada. Com a minha mão esquerda, a segurei para  mantê-la no lugar e com a direita,
agarrei o seu pulso com firmeza, para em seguida batê-lo contra a parede. A mulher lutava
e tentava me empurrar, exclamava e brigava, me arranhando e batendo, mas persistente,
segui batendo sua mão contra a parede. 
Disparos escaparam e acertaram o teto e a parede e, pelo som de vidros quebrando, até
mesmo a janela. 
Quando, enfim, a arma caiu no chão, desci meu olhar  buscando-a e a sirene silenciou.
Apenas tive a chance de ver pela visão periférica, o pé dela dando um passo à frente. Sabia
que provavelmente me golpearia e busquei me afastar, no entanto, meu pé dolorido não
pareceu concordar e voltou a torcer, fazendo-me cair sentada no chão. 
Que inferno de vida! Pensei revoltada enquanto sentia as mãos da mulher envolvendo meus
cabelos para me levantar. Mcgregor me golpeou com tudo que tinha, fosse socos, chutes ou 
tapas e até distribuiu alguns arranhões em meus braços, este que usei para proteger o
rosto. 
No entanto, na minha vida carente de sorte, o inesperado aconteceu… O som de um disparo
chegou aos meus ouvidos, senti meus cabelos serem soltos e vi a mulher cambalear,
urrando de dor.
Atordoada, confusa e assustada, me arrastei para trás de costas, olhando em todas as
direções, buscando de onde havia vindo o tiro e vi Tristan, sentado no chão, tremendo
enquanto segurava a arma, completamente apavorado. 
— Desgraçado!!! — exclamou Mcgregor, urrando com a mão na perna sangrando.
Ela tentou ir em direção a ele, mas sua perna fraquejou e ela caiu de rosto voltado para o
chão. Descabelada e assustadora, ela buscou se levantar ainda mais furiosa. Quando o seu
olhar encontrou o do menino, ele se arrastou para trás e estava quase soltando a arma.
Tentei me levantar para ir ajudá-lo, mas havia algo no chão que cortou a palma da minha
mão. 
Desci o olhar rapidamente e vi os cacos de vidro, olhei um pouco mais para trás e vi a
grande e baixa janela com seus vidros quebrados. Numa súbita ideia, me virei para o
menino e gritei:
— Não solte a arma, Tristan! — ordenei — Mesmo se seus braços doerem, mire nela. Mire
até conseguir chegar à porta para sair daqui!
— M-mas e você? — perguntou ele com a voz estremecida pelo medo e insegurança,
enquanto voltava a levantar a arma.
— Você não vai a lugar algum! — urrou Mcgregor fora de si. 
Tateando, procurei um caco de vidro maior, precisava de um pouco de tempo, então, falei a
primeira coisa que me passou à cabeça:
— Seja egoísta, não se importe comigo e vai embora! — gritei quase as mesmas palavras de
Katherine, quando, enfim, alcancei um pedaço de vidro grande o suficiente. 
Não sabia se meu plano daria certo e reconhecia a grande chance de dar terrivelmente
errado, mas queria viver até que Sebastian estivesse preso ou morto por todas as maldades
que fez. Até… Richard estar atrás das grades.  Queria, ao menos, ver aquelas crianças em
segurança… Ver aqueles que amava sorrindo uma vez mais e, principalmente, poder ver
Alejandro uma última vez.
Vi Mcgregor àquela indo em direção do menino, passo antepasso… Segurei firme o pedaço
de vidro como se fosse uma faca e escondi sua ponta para trás. Finalmente me levantei,
sentindo uma lufada de ar frio nas costas, que vinha da janela.
— Mcgregor! — exclamei, chamando sua atenção para mim e assim que seu olhar se fixou
raivoso no meu, abri um largo sorriso e ri desdenhosa, imitando uma voz de vadia — Você
sabia? Eu estava acordada enquanto me carregavam nos ombros. Escutei tudo o que
falaram e gravei numa nuvem! Porém, no fundo, acho que tenho que concordar com aquele
capanga e Sebastian. Você é uma inútil e imprestável que não sabe fazer nada direito! Para
piorar, está envelhecendo! Logo perderá sua utilidade e será descartada…
No seu olhar eu podia ver faíscas de rancor, mas fiquei aliviada por ver, de relance, Tristan
se apressando para sair do quarto.
— O que você sabe de ser descartada, garota?! — rosnou ela — Nada.  Mas sabe, você
deveria ser grata a mim, pois vou te matar antes de saber o que é... 
— Você está fora de si! — respondi. 
— E você não passa de uma peça de xadrez. Além disso, vejo que está muito confiante, não
é? Aposto que ela te contou a triste história de vida dela… — disse em um tom que era
similar a uma bruxa maquiavélica, e então, cambaleando, veio em minha direção com uma
expressão amarga — Por mais que seja verdade, não significa que seja a única com uma
história triste…
— Vocês tinham feito um acordo, não é? Ela me disse para não falar sobre você para
polícia… — falei tentando seguir a conversa enquanto seguia indo mais para o fundo do
quarto, perto da janela. 
A mulher parecia pronta para explodir de raiva quando falei a palavra "acordo". 
— Acordo… — repetiu e em seguida gargalhou — Tudo já deu errado! Sabe como sei? Ela,
que tinha que proteger minha filha, falhou. Logo também serei morta, mas antes de mim,
estragarei os planos da Katherine!
Ela estava em um estado tão desesperado que não omitia a sua falta de confiança, mas
tentava fingir tê-la. O seu sorriso murchou, quando os sons de muitos passos no corredor se
fizeram presentes. A tensão nos seus movimentos ficou evidente, fazendo-a se apressar nas
suas decisões:
 — Tenho que matar antes de ser pega… — ela murmurou mais para si mesma do que para
mim. 
Logo seu olhar se voltou para mim e em um rompante, se apressou em minha direção,
gritando com uma mescla de dor e ódio.
Por impulso, consegui erguer a mão no tempo certo de fincar o vidro em seu ombro e com a
outra mão livre, me agarrar às suas roupas. 
Ela exclamou a sua dor e me empurrou com força, o que me fez cambalear para trás e
acabar apoiada no peitoril da janela. Mcgregor deu uns passos para trás, o suficiente para
levar uma das mãos ao pedaço de vidro em sua carne,  prendeu a respiração e o tirou
enquanto urrava de dor. Seu olhar delatava estar mais furiosa e enlouquecida ainda. E
naquele momento, de posse da minha arma, avançou para cima de mim. 
Não tive para onde ir, tudo foi muito rápido, a mão dela alcançou o meu pescoço e me fez
inclinar perigosamente para o lado de fora da janela, com o vidro apontando na minha
jugular. 
A porta foi aberta em um rompante, fazendo-a bater na parede com um som estrondoso
que a fez virar-se e dar de cara com homens mascarados. Ela riu, psicótica, e voltou o seu
olhar para mim enquanto executava seu plano de vingança. 
Eu não queria morrer ali, não assim. Me agarrei à sua mão presa em meu pescoço, tentando
inutilmente me libertar. Minhas mãos feridas de sangue faziam minha pegada ficar
escorregadia. 
— Kayla! — escutei o grito do Alejandro e senti as lágrimas quentes descerem pelo meu
rosto. Meu grandão… Pensei. Ele estava ali por mim… Finalmente, mas eu estava realmente
perto da morte e não via como sair daquela situação — Não faça isso!
— Seu amado veio te salvar, Kayla… Não está emocionada? — disse Mcgregor apertando
mais sua mão em meu pescoço. 
Vi sobre o ombro de Mcgregor, um homem tentando se aproximar, tirando a máscara e
revelando o seu rosto. Eu sorri quando nossos olhos se encontraram,  ele empalideceu ao
ver o meu sorriso e estendeu a mão em minha direção.
Desculpa… Eu deveria ter dito que te amo… 
— Não tem como me impedir! — exclamou Mcgregor, tomando impulso com a mão para
fincar o pedaço de vidro em mim 
Sim, não tinha, mas ainda tinha algo que eu poderia fazer…
— Não!! — escutei Alejandro gritar e simultaneamente, em câmera lenta, agarrei o braço
dela com a outra mão e usei este apoio para me puxar um pouco mais para perto dela,
então me curvei para o lado e a empurrei, fazendo um tipo de “L” invertido, assim
desviando do seu golpe.
Ao errar o alvo, no impulso que ela estava, Mcgregor se desequilibrou e o seu corpo colidiu
parcialmente com o meu, levando-me a perder o equilíbrio e ser levada com ela para a
queda iminente…
Senti meu corpo pendendo para trás e o frio na barriga me tomando, soltei a mulher e
tentei me agarrar em algo, mas nada evitou a queda. Vi o teto do quarto e o então o céu,
fechei os olhos para evitar ver o meu próprio fim. 
Mas fosse por uma forte garra ou força do destino, não encontrei minha morte, pois um par
de mãos firmes me seguraram pelos pés, dando um solavanco em todo meu corpo.   Na
surpresa, abri os olhos a tempo  suficiente de ver Mcgregor encontrando o seu fim contra o
chão de concreto.
Estática pela surpresa, demorei alguns segundos para subir o meu olhar e ver Alejandro de
cabeça para baixo, com mais da metade do corpo para fora da janela enquanto homens de
preto o seguravam um pouco mais atrás.
— Grandão! — falei em um fio de voz com os olhos marejados, agradecida por ele ter salvo
a minha vida. 
— Desculpa a demora, pequena — pediu arfante e cansado, com o suor gotejando pela sua
face — Kayla, eu vou te puxar! Aguenta firme! 
Em seguida ordenou que os homens começassem a puxar e assim, lentamente, fui puxada
em segurança para cima. Eu gritei com a dor que irradiava do meu pé, esta que até então,
tinha ignorado. 
— Não te soltarei! — disse com o rosto muito vermelho e veias destacadas em sua testa. —
Aguente um pouco mais! 
Confirmei com a cabeça ao segurar a minha respiração, como se isso fizesse mais fácil
tolerar a dor. 
Uma vez que eu finalmente fui puxada para o lado de dentro do prédio e pisei no chão, senti
o ar escapando dos meus pulmões. Arfei com o peito doendo, na verdade, tudo parecia
doer. Mas sentir o cheiro do Alejandro, o calor de suas mãos e sentir o chão sob meus pés,
era tão reconfortante que um choro aflito escapou e fui envolvida pelos braços fortes e
protetores dele.
— Você demorou… — murmurei tão baixo que quase poderia se tornar um sibilar, as
emoções transbordavam dentro de mim no instante em que abri a boca para falar, ao ponto
das minhas pernas fraquejarem e me agarrei à sua roupa por instinto — Eu pensei que
morreria sem te dizer… Eu te amo, Alejandro.
CAPÍTULO 30
“Emoções à flor da pele: do amor a raiva...”

ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward


 
Mediante sua declaração, esqueci tudo ao nosso redor. Uma alegria me envolveu com uma
força tão intensa, que o sorriso nasceu nos meus lábios, o ar preencheu meus pulmões
revigorando cada célula do meu corpo e eu estava pronto para respondê-la, mas me calei ao
sentir o seu corpo tremendo em meus braços…
Na mesma intensidade que a felicidade veio, a culpa me arrebatou e o meu sorriso se
desfez. 
Eu sabia que após toda aquela adrenalina, todos meus sentidos e emoções estariam à flor
da pele. Sabia que sim, a minha pequena me amava. Kayla não precisava falar para que eu
soubesse. No entanto, o simples fato dela verbalizar, foi algo excepcional. Temi que depois
de Richard, se negasse a falar novamente para alguém aquelas famosas três palavrinhas.
Sentia-me privilegiado com ela se agarrando a mim, chorando, como se eu fosse um porto-
seguro, capaz de eliminar todas as suas dores e estava feliz por sê-lo…  Contudo, em
momentos como aquele, era doloroso amá-la.
Ela tinha o timing perfeito para testar minha fé, a saúde física, mental e, principalmente, o
meu coração. Recordei da noite em que a tive nos braços, naquela sacada e a coloquei na
cama após Scarlet aparecer... Ela se agarrou em mim, mesmo dormindo… Sua dor desde o
primeiro momento foi a minha Kryptonita. 
A envolvi com mais força dentro do meu abraço, a apertando contra mim, pedindo a Deus
para que me desse a capacidade de realmente tirar todas as dores dela… Apoiei o queixo no
topo da sua cabeça e fechei os meus olhos com força. 
Porém, lembrei que eu precisava me policiar, pois a mulher que estava em meus braços
tremendo e chorando, era a mesma mulher que normalmente escondia de todos, seus
sentimentos, mantendo-os presos no caos da sua mente. Ela estava além do seu limite, para
externalizá-los dessa forma. E, justamente por isso, eu precisava tirar o seu foco, antes que
se perdesse em desespero.
Arquitetei em velocidade recorde como resolver isso e sorri amargo, devido à velocidade e
facilidade com que consegui pensar em como manipular a pessoa que eu amava... Quase
ouvi a voz rancorosa dos meus sócios, reclamando da minha manipulação nata e minha
obsessão por controle ao ponto de passar por cima de qualquer um para impor a minha
vontade. 
Porém, dada à circunstância, era a melhor solução para ela… principalmente naquela sala…
Para reconstruir suas memórias. 
Kayla, não sou um mocinho das suas histórias de romance… Nunca serei, mas por você farei
sempre o melhor para ser, ao menos para você... E isso era o que gostaria de falar, mas o que
eu disse foi:
— Quando foi que você começou a ter essas ideias tão absurdas?
E escutei o som dos passos dos demais homens saindo do local enquanto eu,
propositalmente, a deixava confusa.
— Como? — perguntou em um tom de voz fraco e abafado.
— Kayla, você é tão cruel… — falei com a voz grave e falha enquanto suspirava, afastando-a
de mim e descendo meu olhar, notando somente então, a sua mão ferida.
Quis abortar toda a ideia, mas sentia que não deveria. Por isso, tentei não demonstrar o
meu alarde, peguei um canivete que fazia parte do "kit" de segurança, rasguei a manga do
meu casaco e envolvi seu ferimento.
— C-cruel? — murmurou com a voz falhando de dor — Não entendo…
— Tentei me controlar tanto, tentei ser paciente… Seu suporte — falei amargo  — Eu tento
estar a par de tudo, te manter num ambiente seguro… Mas você me leva à loucura em cada
uma das vezes,  achando cada uma das brechas para se meter num perigo pior que o
outro…  Eu acho que você gosta de testar meu coração.
A boca dela abriu e fechou algumas vezes, como se quisesse se justificar, mas visto que não
conseguiu pensar em nada, se rendeu, deixando seus ombros caírem e abaixando o olhar.
Ela é tão fofa quanto um coelho que me desperta  uma grande vontade de devorá-la, mas eu
não posso desviar a atenção do plano de ter toda  sua atenção para mim. Pensei. 
Mantive o olhar sério sobre ela, desafiando-a a me responder, já que ela não tinha falado
nada.
— Desculpa… — murmurou ela por fim, fechando sua mão ferida contra o peito, refletindo. 
Com  a voz carregada, por fim, reagiu: — Mas… Você queria mesmo que eu ficasse parada?
Que eu fingisse não ver nada? Deixasse as crianças serem levadas à sabe lá Deus que
destino? Isso me mataria por dentro!
— Mas quase morreu por fora também… — A recordei.
— Você… — ela começou a ficar brava.
Tive que conter um sorriso e desci minha cabeça o suficiente para encostar a testa na sua,
ela tentou se afastar, mas a mantive parada e suspirei, cansado.
— Argh… Viu como você é cruel? Sou imprudente quando estou com você… — reclamei e
toquei o seu nariz com o meu — Kayla, já não é segredo que sou controlador, obsessivo…
— Manipulador, às vezes egocêntrico, com uma autoconfiança além do limite aceitável
socialmente, safado, playboy…  — concordou e continuou, aparentemente aproveitando a
oportunidade para listar meus atributos. 
Eu não aguentei e por fim gargalhei. A Kayla era tão… Kayla. Me perguntei se havia alguma
possibilidade de que eu não me apaixonasse por ela.
Envolvi sua cintura com as minhas mãos e a puxei mais contra mim, aproximei a minha
boca da sua e estava a poucos centímetros de beijá-la.
— É… tudo isso. Eu me sinto feliz ao seu lado, mas também louco… — admiti e rocei meus
lábios nos seus — No entanto, se tem algo que não posso evitar, é te amar.
Vi seus olhos tremerem emocionados, ela tentou evitar, mas  seus lábios acabaram
curvando-se em um sorriso e suas bochechas ganharam a cor avermelhada. Era tão linda
que esqueci de tudo, eliminei a distância e tomei os seus lábios em um beijo.
— Cof, cof… Senhor? — chamou um dos seguranças à porta, nos interrompendo. Virei
minha cabeça para ele,  mal-humorado — Desculpa, mas a polícia e a ambulância já
chegaram… 
Concordei com a cabeça, sabendo que o nosso tempo havia esgotado,  e o homem foi na
frente. 
— Vamos? Minha cunhada e nossa futura filha nos esperam lá embaixo. Além disso, tem um
garotinho que também deve querer te ver, certo? 
(...)
Visto que ela estava mancando um pouco quando tentou andar em direção à porta, a peguei
no colo e sai com ela. E quando já estávamos no elevador, Kayla me perguntou sobre a
máscara e me dei conta de que esqueci de  colocá-la no lugar. Suspirei e abaixei o rosto,
pedindo que ela a arrumasse para mim.
— Mas por quê? — indagou enquanto obedecia e cobria metade do meu rosto.
Olhei para seu rosto sempre tão curioso, que sempre parecia procurar respostas em cada
detalhe. Seria trabalhoso explicar, principalmente porque eu simplesmente ignorei o
padrão de segurança e passei na frente de todos, atrapalhando o trabalho dos seguranças,
impulsivamente e desesperadamente para tentar chegar a ela, então, tentei resumir o
máximo que podia:
— Sou espanhol e civil, pequena… Estou portando uma arma, pode dar alguns problemas…
— falei dando de ombros levemente. Eu não diria a ela que atirei em dois homens, não
agora. 
Ela se surpreendeu, então concordou com a cabeça, mas parou e estreitou seus olhos
inquisitivos. Achei alguma graça, mas respondi:
— Sim, só não a usei, pois quando cheguei, você estava numa situação muito crítica…
Novamente, ela confirmou com a cabeça e ficou em silêncio, pensativa. Observando suas
expressões, supus que relembrou toda a cena em mente, como sempre, quase podia escutar
as engrenagens. Eu estava buscando algo para falar e tirá-la daqueles pensamentos
obscuros, quando a escutei dar uma risadinha meneando a cabeça em negativa.
— Ai, ai…
Hum? 
— O que foi? — perguntei. 
— Nunca pensei que você iria falar tudo isso para terminar com o "eu te amo" — seus olhos
brilhavam, me fitando com pura diversão — Tão doce… 
Parei e refleti um pouco, por fim, concordei:
— É porque nunca senti necessidade de falar... Pensei que fosse óbvio — respondi com
honestidade — Te pedi em casamento, já estamos vivendo como um casal nesses últimos
dias, nos damos muito bem, transamos com alguma frequência, as nossas famílias estão
juntas…
Por um momento, ela parou de rir e me fitou de um jeito estranho enquanto puxava o ar e
soltava lentamente,  revirando os olhos. Eu não soube bem definir os seus pensamentos,
mas subitamente foi a minha vez de querer rir, porque a indignação era evidente.
— Parece que voltou ao normal e a sua sinceridade também, mas sério,  deveria ter um
limite para ela, grandão. S-É-R-I-O! — A minha gargalhada não pôde ser evitada e ela
começou a dar tapas em mim com a mão boa — Você faz isso de propósito para implicar
comigo!
Ao chegarmos perto do elevador, parei e falei rapidamente para alfinetá-la: 
— Você acha que EU implicaria com você? Mas,  falando em pôr um limite… Você deveria
parar de se meter em confusão… S-É-R-I-O — Rebati, a imitando. 
Ela me fuzilou com o olhar e eu fiquei esperando a retranca, mas não chegou, apenas um:
— Não entro em todas porque quero… — resmungou ela.
A porta do elevador abriu, interrompendo-a. Com  os sons das crianças a chamando, toda
nossa atenção foi tomada.  Tristan chegou primeiro e o jovem rapaz, afoito, me fez colocar 
Kayla no chão para que ele pudesse ver com seus próprios olhos que ela estava bem. Ana,
por sua vez, estava machucada, então não conseguia se mover tão rápido sem fazer uma
expressão de dor. Kayla se ajoelhou no chão e estendeu os braços para a menina. 
Foi bonito ver, a menina que se assemelhava naquele instante a um "bebê aprendendo a
andar", mas não porque ela tinha exatamente uma dificuldade para caminhar e sim pelo
fato de ser emocionante observar Ana chegando até Kayla e sendo envolvida por um abraço
cuidadoso.
Kayla sorriu e puxou Tristan para o mesmo abraço, era nítido o seu alívio.
A minha garota tinha uma força extraordinária que ela mesma não via, porque se
autocriticava em demasia.  Seu doce coração, a fazia ter um forte sentimento de empatia.
Além disso, era visível a olhos nus, que ela não se arrependia de ter se posto em tamanho
perigo. 
Mesmo morrendo de medo, mesmo chorando como chorou logo ao ser salva, mesmo que
tudo aquilo tirasse o sono e a atormentasse no seu íntimo. 
Ela era uma heroína ao seu modo. 

 
O processo seguinte, aconteceu rapidamente, sendo a irmã de Kayla vindo em sua direção
muito apressada, jogando-se no chão ajoelhada, envolvendo as crianças e Kayla em um
abraço apertado. Os prontos socorristas, ao se aproximarem e tirarem todos de cima da
Kayla, a levantaram e a guiaram até a ambulância, não me dando sequer espaço para me
manter próximo a ela. 
Não obstante, os policiais me detiveram pelo caminho, para me fazer perguntas. Suspirei
com uma expressão de poucos amigos, respondi às perguntas deles e dei o meu
testemunho. Quando voltei minha atenção para Kayla, ela já estava sentada na ambulância,
sorrindo e passando a mão na cabeça das duas crianças. Embora evitasse olhar para sua
irmã, que estava muito irritada. 
Quando, próximo o suficiente, escutei Harley ralhar sobre a irresponsabilidade e loucura da
irmã mais nova. 
E eu não poderia falar o contrário.
Os prontos socorristas invadiram o meu campo de visão para perguntar quem eu era,
quando disse quem era e pedi sigilo, me informaram que a Kayla precisaria de pontos em
sua mão e faria alguns exames no hospital, assim como teria que dar o seu depoimento aos
policiais… Concordei com a cabeça, fui ao grupo de policiais e pedi que nos acompanhasse
ao hospital. Entretanto, mal havia terminado a frase quando me foi avisado que não poderia
ir na ambulância e que deveria ir em um carro à parte, pois não havia mais espaço. 
Chateado, fui até a Kayla, lhe dei um beijo na testa e ia avisar sobre o que fui informado,
quando senti os olhares penetrantes das duas crianças. Eu ri e me vi compelido a beijar a
testa dos dois também, revelando quem eu era e em seguida abriram largos e bonitos
sorrisos. 
— Nos veremos logo… Terei que ir em um carro à parte, mas não demorarei muito para
encontrá-los no hospital.
Me afastei e tendo em vista que não tinha mais opções, fiz o que sabia fazer de melhor.  Fui
ao mesmo policial que a pouco colheu o meu testemunho, pedi que fizesse uma cópia e
enviasse em anexo para a advogada da vítima, pois já havia um caso em andamento.
Enquanto caminhava em direção ao meu carro, puxei o telefone e entrei em contato com a
advogada e o delegado. 
Ainda estava em chamada, quando cheguei ao meu carro e entrei no mesmo, fui informado
pelo chefe de segurança, que ambos os homens que atirei, estavam vivos e já estavam sob
custódia da polícia. Pude ouvir do delegado:
— Armado, Ward?
— Se você fosse noivo da Kayla, não estaria? — respondi descaradamente.
—... Você está certo, farei vista grossa com o code: Garota problema. — confirmou Ethan.
— Obrigado.

 
O carro havia virado a esquina, quando vi uma grande movimentação em frente ao hospital,
percebi serem jornalistas tentando entrar ou buscar alguma informação. Uma vez que
viram o meu carro e os meus homens, eles ficaram tentando descobrir quem era. Sai do
carro acompanhado de mais dois homens, mas,  como eu estava vestido como eles e usava
máscara, eles ficaram esperando a tal pessoa protegida por seguranças sair.
Naquele instante vi alguma vantagem em usar máscaras e talvez passasse a fazer uso delas
com mais frequência. Entrei no hospital, fiz todo o processo burocrático e quando iria
procurar a Kayla, vi meu tio vindo pelo corredor. A primeiro momento, ele não me
reconheceu, mas assim que parei diante dele, me fiz ser reconhecido.
— Sobrinho? — murmurou ele perto de mim. 
— Tio, imagino que veio atrás da Harley. Onde ela está com as crianças e a Kayla? — fui
direto ao ponto. 
Ele me fitou e confirmou com a cabeça.
— As crianças estão sendo acompanhadas por enfermeiras —  informou — O menino,
Tristan, não se separa de Ana, que está fazendo vários exames. Harley está no raio-x com a
Kayla, logo ela deve ir receber os pontos e com certeza irá  atrás das crianças. Venha
comigo,  embora não vá me aproximar, Harley está furiosa comigo.
Explicou Henry ao mesmo tempo que já me guiava. 
—  Tio, o que você fez? 
Andamos alguns passos pelo corredor, em um completo silêncio, quando enfim, ele parou,
olhou para os lados para ver se estávamos ou não, sozinhos.
— Não é o que eu fiz… É o que não fiz —  admitiu ele,  cabisbaixo —  Há alguns meses,
Harley dizia que eu não deveria confiar no Sebastian e que ele era sinistro… Mas ele era
meu amigo e esteve comigo na época mais difícil, me ajudou quando pensei que morreria
sozinho… Ele é estranho, mas teve uma vida difícil… De toda forma, agora ela me culpa e diz
que a irmã dela quase morreu e a culpa é minha.
—  Realmente, tio, falta de aviso  não foi... — falei impiedoso — Mas até então eu não tinha
me metido no assunto, então parte da culpa também recai sobre mim.
— Sim, por isso vim apenas para saber como estavam e já vou. Tenho que cuidar do
orfanato, reparar o mal de alguma forma… Uma equipe já está lá, todas as freiras foram
detidas, as crianças estão sob a tutela do governo. E infelizmente, muitas delas serão
separadas — anunciou, culpado.
Meu olhar foi para o vazio, pouco ao lado da cabeça do meu tio. Lembrei das crianças, das
vezes em  que as visitei e da forma como sempre me receberam com amor. Seus sorrisos e
as formas assustadas que os jovens me olharam quando os pressionei…  Naquele momento,
tive uma ideia.
— Podemos custear os educadores realmente capazes e uma vigilância com segurança para
garantir que nada volte a acontecer, inclusive mesmo com o apoio do governo. A família
poderia ficar responsável, conseguir suporte de apoiadores e patrocinadores… 
— Sim… Os jovens adultos teriam seu ensino superior como um investimento para
futuramente trabalhar para nossa empresa ou em um dos patrocinadores… — completou
ele a minha linha de raciocínio. 
Mas não tenho tempo para isso, pensei. E então, meu olhar focou em meu tio e sorri. 
— Tio, está muito enferrujado para trabalhar comigo? 
O homem me olhou e sorriu com seus olhos brilhando.
—  Não, garoto. Não estou velho demais!

 
Quando enfim chegamos ao corredor do raio-X, ele se separou de mim e saiu apressado.
Harley parecia nervosa, tentando falar com alguém no celular e estava xingando as paredes.
Enquanto Kayla estava sentada em uma cadeira, com o olhar vago para baixo e segurando o
relógio em mãos.
Estava tão focada, que nem sequer percebeu a minha aproximação, nem mesmo quando me
sentei ao seu lado. Harley também não viu a minha chegada. O que está acontecendo com
essas mulheres? Pensei curioso.
Levei minha mão sobre a da Kayla e enfim, ela se sobressaltou e voltou seu olhar assustado
para mim. 
— O que houve, pequena? — perguntei calmamente. 
— Grandão… O que eu posso fazer? — disse mostrando o relógio com a tela quebrada.
— Como assim?
— Quando nos sequestraram, eu acordei no ombro do capanga… — ela falou afoita, me
agarrando pela roupa — Eu gravei tudo, Alejandro! Tudo! O Sebastian falou, Mcgregor
falou… Eles assumiram tudo que fizeram! Tudo que deu errado nos planos deles… Tudo…
Mas… 
Ela desanimou e deixou seus ombros caírem, desiludida de uma forma que sua voz já não
tinha emoções. Pensei que fosse pelo relógio quebrado e então, respondi:
— Mas vai direto para a nuvem… 
— Sim, mas… Vale a pena? — murmurou — Enquanto estava tirando o raio-x, comecei a
pensar… Realmente vai ser a solução dos nossos problemas? Valerá mesmo a pena? Mesmo
que falemos apenas do Sebastian e seus capangas… Fiz um acordo com a Katherine, mas a
filha da Mcgregor morreu, o plano já deu errado… 
Ela falava as coisas de acordo com a sua cabeça, sem muito nexo. Não entendia o que a
Katherine estava fazendo no meio daquela conversa. Ela estava com seu pai no sequestro?
Sua respiração estava ficando um pouco mais acelerada e ela levou a mão à própria cabeça,
como se isso ajudasse a se controlar e encontrar uma solução para o que quer que fosse.
— Kayla… Não entendo…  — comentei confuso.
— Você não entende? — indagou ela levantando o olhar, como se eu não estivesse falando
coisa com coisa — A minha irmã me contou, antes do evento de Natal, a discussão que
escutei dela com alguém no telefone, era com o Henry. Ela já desconfiava do Sebastian e
quando fomos sequestradas, ele estava lá e friamente planejou a minha morte, da minha
irmã, Ana e da Mcgregor, rapidamente. 
Senti meu sangue fugir, meu tio tinha falado sobre Sebastian, mas ele sabia do resto? Por
quê não me contou?!
— Kayla, fala com calma. Explica.
— Quando estávamos no túnel, Alejandro! Por Deus! 
— Que túnel, Kayla?! — A mulher estava enlouquecendo de vez.
— AH! Isso não importa mais! — exclamou ela, impaciente — O que importa é que eu tenho
a faca, o queijo e o pão na mão enquanto estou com uma corda no pescoço!
Olhei para a mulher à minha frente, querendo saber o que inferno estava passando na
cabeça dela, mas cheguei à conclusão de que era inútil falar com ela. Estava muito agitada,
tremia e estava ofegante, o seu desespero era tão palpável que estava começando a mexer
comigo. 
Respirei fundo e contei até cinco.
 — Kayla, logo vamos para casa, após você receber os pontos na sua mão. Deixarei todos os
meus seguranças com as crianças. Por agora, se acalme. Assim que você se acalmar, você
me contará detalhadamente tudo que aconteceu, para eu poder entender seu raciocínio.
Então daremos um jeito de prender o Sebastian e ele nunca mais ser um perigo para nós!
— Não! Não podem prender o Sebastian! — ela disse me interrompendo, tão agitada que
me surpreendeu — Fiz um acordo com a Katherine… Sendo que não sei como ele ficará
agora… Mcgregor,  em meio ao seu surto, disse que o plano já tinha sido arruinado! 
Fiquei em silêncio,  ela não estava fazendo sentido. Tentei entender, juro que tentei,
busquei algum sentido, racionalidade… Mas estava recebendo tanta informação picada e
desencontrada que sentia que uma bomba tinha sido jogada no meu colo, e o tal acordo da
Katherine, foi a cereja do bolo. 
— O que diabos… ?! — exclamei mandando a minha calma às favas — Porra! Você foi
sequestrada, quase morta, agora está falando várias coisas sem sentido e ainda fala que não
podemos prender o culpado? Que diabos você quer, mulher?!
Kayla se encolheu, Harley também interveio, tentando me acalmar e colocou a mão em
mim. 
— Calma, Alejandro — tentou intervir, Harley — Eu posso explicar.
— Calma?! — falei irritado, afastando o seu toque.
O som de saltos altos chamou a minha atenção, por instinto me virei em sua direção e vi o
demônio ruivo. Katherine. 
— Oras… Crianças, não sabem que não podem fazer escândalo no hospital? — disse ela
sorrindo e seu olhar encontrou o da Kayla  — Não te disse? A melhor escolha é ser egoísta…
Teria sido menos traumático, tadinha... 
— Katherine, o que faz aqui? — falei quase rosnando. 
Ela fez uma falsa expressão de surpresa e então sorriu, perversa.
— Alejandro? É lindo ver você em sua verdadeira natureza… — disse com diversão — O
homem sempre controlado, em sua versão mais natural e selvagem. Hum… É sexy! 
— Pelo jeito, você também resolveu parar de se fazer de burra, responda logo a porra da
minha pergunta! — exigi me levantando e ficando entre a Kayla e ela. 
— Pelo nível do seu estresse, acho que ela já te disse, bobinho. Nós temos um acordo.
CAPÍTULO 31
“O lado escuro da lua.”

KAYLA • Kayla Johnson


 
 Essa mulher é o que, um demônio?! Pensei indignada, tamanha surpresa com a sua súbita
chegada. Suspirei vendo Alejandro entre mim e ela, cobrindo todo o meu campo de visão.  
— Katherine… Não tenho saco para os seus jogos — disse Alejandro, irritado.
— Hum… Tão nervoso… — escutei a resposta debochada dela, provocando-o.
— Ei! Vocês dois, parem! — falei enquanto colocava a minha mão no banco para poder me
levantar, sentia o meu corpo muito cansado e pesado, por causa dos medicamentos que me
deram para dor. Harley segurou-me pelo braço e me ajudou a levantar.
— Escute a minha irmã, Alejandro… — aconselhou Harley.
Alejandro se virou de frente para mim e quando nossos olhares se encontraram, confirmei
com a cabeça. 
— É isso que eu estava falando… É verdade, Alejandro! Fizemos um acordo — não
obstante, contextualizei superficialmente o acordo: — Ela odeia o pai, que a subjugou por
anos, mantendo-a com sua mãe em cárcere. Katherine assistiu sua mãe se matar e passou
anos esperando a sua chance para se vingar e… Eu sou a chave para a conclusão dos seus
planos.
— Por que você…? — começou ele, franzindo o cenho.
— Oh! E não esqueça a matéria jornalística que alavancará a sua carreira… — acrescentou a
ruiva em um sorriso divertido, interrompendo-o de propósito.
Eis um dos assuntos que eu não poderia mais fugir, a minha carreira. Longos anos fazendo
todo tipo de trabalho… Para ser suja por um babaca sem escrúpulos que entrou de gaiato
nos planos de uma organização criminosa. Os caminhos tortuosos do destino, envolvendo a
minha vida e a do Alejandro, pareciam uma brincadeira cruel e impiedosa. 
Uma brincadeira que poderia levar outras vidas como as nossas, fosse família, amigos ou
pessoas próximas que simplesmente se importam… Todas elas poderiam ser afetadas de
maneira lastimável. Eu tinha que agir, colocar os pingos nos “is” e decidir o que fazer a
seguir. Não podia apenas confiar no que as vozes intuitivas da minha cabeça me diziam.
— Katherine… Tive uma pequena visão do inferno e isso me ajudou a decidir o que quero e
o que não quero. Já não me interessa a matéria… Não vale a pena — declarei com as
pessoas que amava em mente, até mesmo Mcgregor com a sua expressão de dor e
desespero por perder a filha — O preço é alto demais. Eu abdico… Eu abdico a minha
carreira, até mesmo do dinheiro que herdei dos meus pais, se isso for suficiente para poder
ter paz!
Katherine levantou uma sobrancelha, parecendo um tanto surpresa e chocada. Então, não
muito tempo depois, seus lábios se fecharam em uma fina linha de desgosto.
— É incrível como você oscila da pessoa medrosa para alguém confiante — comentou, mas
em seguida, deu um passo em minha direção de forma ameaçadora que fez Alejandro reagir
e também dar um passo para frente, mas ela nem sequer olhou para ele. Seus olhos
estavam frios, perversos e me causaram um terrível estremecer devido a toda sua intenção
assassina emanando — Mas jornalista…,  você não pode retroceder, não agora. Até mesmo
a sua matéria, faz parte do meu plano e você não vai querer quebrar o seu acordo comigo. 
Engoli em seco, como se tivesse diante de uma cascavel, olhando em seus olhos enquanto
me mantinha parada no exato lugar. No entanto, aquela cascavel precisava de algo de mim.
— O que você quer dizer com isso? — questionei, confiante no quanto ela precisava de mim
— O plano que já deu errado? Este plano? Katherine, sabe o porquê Mcgregor no fim te
traiu e queria me matar? Porque você não cumpriu o seu acordo com ela, a filha dela
morreu. 
O olhar de Katherine percorreu meu corpo de cima a baixo, demoradamente. Senti como se
estivesse sendo julgada por um monstro, como se ele estivesse decidindo se eu valeria
como uma refeição ou se apenas deveria me matar. Era estranho, entretanto, quanto mais
eu a olhava, mais calafrios eu tinha, contudo, sentia uma necessidade de me aproximar.
Não muito tempo atrás, sentia uma certa familiaridade com ela, admiração e simpatia. Mas,
assim como ela mesma não me permitia esquecer, ela causava terror, uma sensação
desconfortável de estar diante da morte que me causava arrepios. E Katherine ainda
continuava me causando essa estranha mescla de emoções. Assim me dei conta de que, de
alguma maneira, não conseguia odiá-la por completo. 
Talvez por sentir que de alguma forma bizarra, ela também tinha simpatia por mim.
— Katherine… — falei completamente impaciente — Não temos tempo, você precisa
esclarecer as coisas, se quer que eu obedientemente te ajude.
A contragosto, ela entortou a boca, relaxou a sua postura e expressão.
— Certo... — disse ao mesmo tempo que me dava as costas — Venham, vamos conversar
melhor em outro lugar.
Com a minha irmã ainda me segurando pelo braço, ofereci a minha mão ao Alejandro e pedi
baixinho:
— Vamos?
Seu olhar caiu sobre mim, tentando ler a minha mente e então segurou a minha mão para
começarmos a andar.
— Não confio nela, Kayla — disse Alejandro sem medo de ser ouvido. 
— Eu também não — concordei com a cabeça. 
— Nem deveriam… — afirmou, casualmente, Katherine virando o corredor à esquerda.
— Pelo menos é algo que todos concordamos… — disse Harley.
(...)
Logo que chegamos a uma porta no final de um corredor mais tranquilo, Katherine apenas
a abriu e entrou, com a mão direita acendeu a luz, revelando uma sala de descanso. O som
do seu salto reverberou pelo cômodo de poucos móveis. Assim que chegou a uma poltrona
mais distante, se sentou comodamente, gesticulou para que nos sentássemos nas mais
próximas e puxou seu aparelho celular simultaneamente com a outra mão. Apertou um
botão e ligou para alguém desconhecido. 
— Estamos na sala indicada, pode vir com ela e… traz o material dos pontos — desligou o
aparelho olhando para a minha mão, então relaxou sua expressão e cruzou as pernas. 
— Enquanto não chegam, concordo que para ganhar também deve dar algo. Principalmente
para duas pessoas que direta ou indiretamente já me investigaram. 
Alejandro e Harley ficaram mais tensos ao meu lado, mantendo o olhar fixo na  Katherine
como se ela fosse uma abominação. Katherine, por sua vez, estava tranquila. Já não soava
mais ameaçadora, seus gestos corporais estavam mais relaxados e casualmente, ergueu
uma sobrancelha para nós, suspirando: 
— Vocês acreditando ou não, estarei sendo sincera  — disse ela — Mas aviso, tenho muito a
falar, ficar em pé apenas cansará as pernas de vocês. Primeiro, a filha da McGregor já não
estava mais sob a tutela do meu pai. Ela descobriu o que a mãe fazia e mentia para a mãe
fazia um tempo… A mãe dela não sabia que a menina me procurou, conseguiu outro nome e
largou a faculdade que fazia para fazer enfermagem.
O estalo de compreensão veio rápido em nossa mente, Katherine não veio justamente ao
hospital por acaso, cuidadosamente e friamente, ela meio para revelar a filha da Mcgregor e
consolidar o que ela era capaz de fazer. Como ela sabia que iríamos vir para aquele
hospital? Ela era uma mulher monstruosa. 
— Decidiu não ser um motivo para a mãe fazer coisas ruins, então pediu minha ajuda —
Katherine sorriu como se fosse o próprio demônio — Claro que dei todo meu apoio e os
meus aliados também, porém, não tínhamos que enganar apenas a Mcgregor, mas o meu
pai também. Além disso, é sempre muito bom ter uma enfermeira como aliada…
O sorriso dela morreu, seus olhos se tornaram sem brilho ao notar que ainda estávamos de
pé, olhando-a desconfiados. A sua irritação por causa da nossa pouca boa vontade, em
contraste com o dela que amaciava seu ego ao contar sobre seus feitos, era nítida a olhos
nus, assim como também o momento em que decidiu que não era problema dela e deu de
ombros.
— Bom, em todo caso, significa que meu pai mentiu, ele só queria causar desespero. Ele
sabia que ela ia mostrar a sua verdadeira cara… Além, claro, dos seus aliados. O que
significa  que agora ele sabe que eu o traí.
Alejandro deu uma risada de desdém enquanto caminhava até a poltrona mais próxima e se
sentava. Sem pensar muito, minha irmã e eu apenas o seguimos e nos sentamos ao seu
lado. 
— Agora você não pode voltar atrás. E se a Kayla não fizer o que combinaram, você irá se
dar mal — frisou ele quanto se inclinou para frente, apoiando os antebraços nas pernas  —
Sabe, Katherine… Se você tem tantos aliados, por quê precisa da Kayla? Talvez eles não
sejam tão aliados assim… 
— Alejandro, você passou anos ao meu lado, mas, no fundo, não me conhece. Sempre tenho
planos ajustáveis de acordo a necessidade, porém, admito que Kayla abre uma grande
margem… Ela vai fazer o meu pai cair no erro. Na verdade, vocês dois vão. Afinal, Kayla é
alguém de fora, mas está tão dentro quanto a própria Mcgregor — respondeu enigmática
ao Alejandro. 
Infelizmente, eu tinha que concordar. Sim, indiretamente eu estava tão ou mais envolvida
com tudo aquilo e ele precisava saber. Por isso, minha mão cobriu a do Alejandro,
chamando a sua atenção, assim que o seu olhar recaiu sobre mim. Dei um daqueles sorrisos
forçados que ele tanto odiava, mas Katherine, como o demônio que era, não deu descanso e
concluiu: 
— Você nunca pensou, o porquê de tanta coisa ruim está acontecendo? Assim que o plano
começou a ser colocado em prática, todos os envolvidos começaram a ser afetados…
Tentei ignorá-la um pouco e tentei ser objetiva e simples. Pedi o celular do Alejandro, pois
queria mostrar a ele tudo que falaram quando minha irmã e eu fomos sequestradas. Se
juntasse corretamente todos os pontos, ele veria que tudo estava tão malditamente ligado,
que não tínhamos para onde correr. Assim que ele me passou o aparelho, abri a conta que
estava com o arquivo e coloquei para tocar. Fiquei no mais completo silêncio, Harley
também e Katherine pareciam estar assistindo um filme. 
Se ele ficou surpreso, eu não saberia dizer. Seu rosto ficou rígido, sério e tão sem expressão
que não delatava seus pensamentos. Ele ouviu até o final e fez um minuto de silêncio
enquanto sugeria tudo. Katherine descruzou as pernas apenas para cruzar a outra no
sentido oposto e se apoiar nela, para voltar a provocar Alejandro:
— Nem tudo está sob seu total controle, Alejandro — disse ela abrindo um largo sorriso  —
Mas cuidado para não surtar… Você pode perder o controle.
Alejandro arrastou o seu olhar lentamente e frio para Katherine. 
— Desde quando você era muito mais jovem e levou a minha mãe para conhecer Aria,   a
sua insistência em ter um filho,  seu relacionamento com meu irmão…  Tudo seguia quase o
mesmo propósito… — afirmou hostil, eu quase podia sentir sua raiva emanando dele  —
Você, em algum momento da sua vida, não foi uma maldita vadia, Katherine? 
— Acredito que nasci vadia, Alejandro. É isso que você quer escutar? Não irei negar. Sou
uma maldita vadia que só pode sair de um quarto podre de cativeiro, quando passei a ser
útil e tinha que ter você… — disse ela casualmente para terminar o restante com uma voz
fria e gélida: — Mas você nunca me quis, o  que me rendeu alguns sofrimentos… Porém, a
vida é feita de oportunidades e se adaptar ao problema para encontrar uma solução é uma
delas.  Quando você não quis me dar um filho, inesperadamente, conheci alguém que eu
não esperava encontrar tão fácil, no seu escritório. 
— No meu escritório? O dia em que terminamos? 
Ela sorriu parecendo feliz, um pouco parecida com a visão mimada que vi dela quando pisei
a primeira vez na casa do Henry, como se o Deus da sorte e do sucesso estivessem ao seu
favor. Alejandro, por sua vez, ficou com o corpo todo tenso.
— Sim! Não é maravilhoso? Naquele dia, conheci o "grande chefe", a cabeça da cobra da
organização. Lembra que eu comecei a ir em hospitais de fertilidade? Eu sabia que ele
eventualmente iria aparecer, afinal, ele foi muito amigo do seu pai e sempre pareceu gostar
de você nas poucas festas que fomos juntos…
Katherine continuou a falar empolgada dos seus feitos cuidadosamente planejados, e como
pretendia aparecer lá todos os dias, enquanto Alejandro a escutava e reclamava. Os dois
viviam em uma clara relação de ódio… Mas, de alguma forma, era como se eles vivessem em
um mundo totalmente à parte do meu. 
— Como infernos você conseguiu falar com ele depois? Eu mandei te expulsar — continuou
Alejandro. 
— Não foi difícil, quem quer, cria a oportunidade  — O sorriso dela veio felino e sugestivo 
—... O mundo pode parecer pequeno, mas não é. Tudo foi planejado, no entanto, te
conhecendo, ao menos na parte em que revelei que ele era mafioso, você já sabia.  
Me senti uma completa inútil, perto dos dois. Por ser uma jornalista que estava apenas
fazendo alguns trabalhos de colunista entrevistando famosos, de alguma forma, me sentia
amarga por nunca ter sequer chegado perto desse mundo em que eles viviam…
Quando Alejandro corrigiu sua postura, tomando uma postura involuntariamente mais
profissional, cruzou os braços.  
— Não é como se tivesse algum sócio da minha empresa que eu não investiguei — afirmou
— Mas com a Royale, ele apenas faz negócios legais, é uma das especificações do contrato
com todos os sócios.  Apenas envolvimentos dentro da legalidade, com rastreio da fonte
serão permitidos em associação com a Royale.  Qualquer coisa fora da lei, anula nosso
contrato e sociedade imediatamente e será resolvido legalmente. Por isso minha equipe é
realmente bem grande e tem muito trabalho, da mesma forma que não tiro por muito
tempo os olhos do que eles fazem.
— Você não é tão diferente de mim assim, se tivesse tanto escrúpulo e caráter como diz ter,
no momento em que soube que é um mafioso, acabaria com a sociedade. — disse divertida. 
No fundo eu concordei com ela, mesmo contra minha vontade. Pensar que Alejandro
colocaria o capital e poder em frente à sua moral, me causava algum desconforto. 
— Sou dono de uma multinacional, Katherine. Não tenho uma empresa pequena e invisível
ao mundo. Como um cliente, não preciso saber tudo em que está envolvido, imagine o
tempo para investigação de cada um dos clientes pelo mundo, antes de permitir se
hospedarem em algum hotel — respondeu seco — Além disso, a demanda judicial que isso
causaria na invasão de privacidade, seria descomunal. Como sócio, o assunto já é diferente,
tenho que saber o suficiente para ter a certeza de que não será prejudicial para a empresa.
Sim, este momento seria o de me afastar, contudo, a minha rede de hotéis e resorts, é
famosa. Todo tipo de pessoa do alto escalão, frequenta eles. E como você bem sabe, os
maiores criminosos dificilmente podem ser barrados em algum lugar.  
O tom de Alejandro era tão frio, eu sentia como se ele não se importasse com o que o cliente
faz desde que gerasse capital e não sujasse o seu nome. Era este o lado feio de todos os
empresários, que não muito tempo atrás eu estava olhando com desdém e até julgando-os
através do olhar. Os empresários que me odiavam e me filmaram…
Como se pudesse ler a minha mente Alejandro voltou seu olhar para mim e segurou a
minha mão:
— O mundo real é assim, pequena — reafirmou ele —  Em geral, eles querem desfrutar de
uma vida de luxo… Contanto que eu tenha uma relação pacífica, posso acordar em evitarem
reuniões de negócios e afins. Além de uma proteção, neutralizando-nos para as suas
disputas.  Por isso Sebastian quis que Katherine e eu nos casássemos, eu estaria perdendo
para um lado e supostamente, favorecendo. 
 Entendi, sob aquela perspectiva, que ele não tinha opção, aquela era a forma mais segura.
Ao estar no cargo que ele estava, não era mais uma opção manter totalmente sua
integridade sem ceder. As grandes fortunas te obrigavam a entrar no submundo, mesmo
que parcialmente.
— Porém, não era do meu conhecimento o envolvimento com tráfico humano — alegou
Alejandro, parecendo perturbado. 
— Ao que sei, até meu pai ser patrocinado por eles, não era tão feio. Claro, sequestro,
tráfico para prostituição era algo que já acontecia. Patrocínio de jovens talentos como meu
pai para trabalhar para eles quando adultos, também. Mas sequestro de crianças, venda
para diversão de terceiros… Foi algo do meu pai. Por isso, assim que me conheceu o chefe
quis matar imediatamente Sebastian, pois acreditem ou não, ele achou isso monstruoso.
Mas eu não deixei, falei que era melhor deixá-lo se enforcar e levar com ele todos os
traidores. E aqui estamos!
Era difícil digerir tudo, era realmente, muito difícil. Mas Harley não se calou por muito
tempo: 
— Por que tudo estava tão interligado? Nós, Victoria, o orfanato, Henry, seu pai… — meu
olhar se voltou para minha irmã e me lembrei que ela estava investigando.
— Vejamos, meu pai, como já disse, foi patrocinado porque sua inteligência se destacou.
Mas nunca teve um lar, nunca foi adotado. Joel, seu "tio”, foi adotado pelos seus avós, pois
Joel fez amizade com seu pai. Joel, um cara retraído, "bom para nada" era amado e ele não.
Não parece, mas o velho é emocional. Victoria foi a primeira criança a ser levada do
orfanato sob o nome do meu pai e foi decidido que seria criada para ser uma "viúva negra",
eventualmente ela engravidou e se tornou refém do seu amor... Sim, temos muitas "vítimas"
corrompidas — disse Katherine achando graça, depois pareceu pensativa por um momento
e então pareceu ter se lembrado. Parecia estar se divertindo ao ter alguém para poder
compartilhar aquelas coisas — Ah! Sobre a rede de amores não correspondidos… Sobre o
Henry Ward, o pai biológico de Alejandro, suponho que você já saiba. Se não sabia então…
Os  dois irmãos Ward amavam a mesma mulher, um achava que ia morrer, desistiu da
garota, esta que ficou com o outro irmão, quando um bastardo apareceu, mandou para o
irmão criar. Meu pai acompanhou Henry toda vez que, mesmo doente, viajava para olhar de
longe a mulher que amava. Porém, o que não foi dito, é que meu pai também se apaixonou
pela tal mulher! Henry conseguiu um doador e não morreu… Ele nunca chegou perto de
Aria, mas, graças ao Henry, ele criou uma loucura por ela, desejando tê-la. Por isso minha
mãe foi pega e feita de "escape" e então, para a infelicidade geral, eu nasci. Uma versão
feminina do meu pai. Creio que agora tudo se juntou, não restou nada. 
— E o que você ganha ao nos contar tudo? — indaguei. 
— Hum… Alguém para fofocar! E claro, a sua empatia e apoio para o meu plano —
respondeu descaradamente, me surpreendendo e chocando ao mesmo tempo — Já que o
que vocês podem fazer com essas informações? Falar para a polícia? Acha que apenas isso é
suficiente para derrubar meu pai ou o chefão? Se eles fossem derrubados só com isso, eles
não seriam tão perigosos. Mas me diga, Kayla Johnson. Sabendo disso tudo, você acha que
uma prisão, ou até mesmo a morte, é o suficiente para que meu pai pague todos seus
pecados?
Alguém bateu à porta e Katherine mandou entrar. Uma jovem de cabelos loiros, muito
bonita com traços similares aos de Mcgregor, apareceu acompanhada de Harry, que
imediatamente foi para Katherine lhe cumprimentar com um beijo e tomar o seu lugar de
costume ao lado dela. 
— Você realmente meteu meu irmão nisto tudo… — reclamou Alejandro. 
— Não, grandão — foi eu quem interviu — Ele estava lá quando eu fiz o acordo com a
Katherine, mas não como refém. Ele está ao lado dela, porque ele quer. 
— Obrigada por explicar por mim, cunhada. Temos que nos encontrar para tomar um chá,
quando você não estiver em problemas — disse ele sorrindo como sempre, sem se
importar com o clima do lugar ou situação.
A garota continuou de pé, perto da porta com uma maleta, até que seus olhos me
encontraram e ela sorriu fracamente.
— Você deve ser a Kayla — disse gentil — Prazer em conhecê-la, pela sua expressão, sabe
quem sou. 
Ela era bem direta, ainda que doce, por isso respondi de igual maneira: 
— A filha da Mcgregor… — disse e senti um alívio me percorrer. Embora toda a conversa,
vê-la, realmente fosse outra coisa — Está viva. 
— Eu disse… — reclamou Katherine. — Qual o problema das pessoas? 
Harry deu risada e tentou consolar sua amante:
— Sim, a filha da mulher que tentou te matar  — concluiu a garota pesadamente, 
abaixando a cabeça  — Sinto muito por nos conhecermos assim. Assim como sinto muito
pela  demora… Faço estágio em outro hospital. 
A garota era muito calma, parecia ter a paz de um dia calmo do mar na praia, embora
abaixo dos seus olhos estivesse  inchado, provavelmente por ter chorado. Seus gestos, sua
fala, tudo nela me passava muita tranquilidade. No momento em que ela pegou minha mão
e viu o ferimento, o limpou e tratou com as coisas que carregava em uma maleta, eu não
senti qualquer sinal de alerta vindo dela. Ela verificou meus outros curativos, refez alguns,
me deu habilmente alguns remédios e sorriu. 
— Prontinho… Mas suponho que ficará com cicatriz em sua mão.
A garota à minha frente, não queria que sua mãe fizesse mais coisas ruins, isso me partiu o
coração, ao lembrar da dor que sua mãe sentiu ao pensar que ela estava morta. Ambas se
amavam muito, uma onda de culpa forte me tomou. 
— Sinto muito pela sua mãe… — me vi dizendo. 
Ela parou e ficou em silêncio, antes de me olhar nos olhos, triste. 
— Você vê, querido? O porquê eu nunca serei como eles? A mulher se desculpando com a
filha da mulher que tentou matá-la e causou a experiência mais terrível da vida dela! —
Katherine exclamou, indignada. 
— Katherine… — ralhou Alejandro e Harley, a ruiva apenas virou a cara para eles. 
— Eu… Vou embora agora — disse a garota se afastando, mas parou perto da porta com a
mão já na maçaneta — Kayla, só quero te pedir e nem sei se tenho direito a isso… Mas
escute a Katherine, ela promete um destino pior que a morte para o Sebastian. Não sei
como é este plano, mas… Por favor, escute-a. 
A menina engoliu em seco, seu queixo tremeu e antes que ela começasse a chorar, falou:
"Faz ele pagar!" E então me virou as costas e foi embora, me deixando sem palavras para
trás. 
— Isso também é uma manipulação, Katherine? — indagou Harley partindo em minha
defesa. 
— Sim e não. Realmente sou insensível, eu contei tudo para vocês, mas assim… Não é como
se eu fosse uma pessoa empática. Isso não é um segredo, então eu trouxe alguém
igualmente empática como a Kayla — disse casualmente. — Matei dois coelhos de uma
vez… Então, pergunto de novo: Kayla, você acha que a morte é o suficiente para o meu pai
pagar os pecados dele? 
— Não — falei por fim, depois de um breve silêncio. Afinal era inegável, porém, era
inegável da mesma forma que Katherine contou tudo, mas não garantiu o mais importante
— Mas Katherine, ainda não me provou a segurança de quem amo. Ao contrário dessa
garota, você quer que eu coloque a minha cara na mídia para acusar o Sebastian.
Inevitavelmente isso chegará à organização e eles irão atrás de mim e daqueles ligados a
mim. 
— Kayla, não que me importe mesmo com seu bem-estar físico e emocional… — disse a
ruiva — Mas não mandei a Mcgregor te levar àquele hotel sem um motivo, tampouco
mandei um dos meus homens ficar por lá se teimosamente você resolvesse ir para outros
quartos ou chamasse atenção de alguém que pudesse estar lá. A organização já está
sabendo do meu plano, não farão nada a você. Pode ter sido traumatizante,  jornalista…
Mas você está viva e como prometi no acordo, vai continuar. 
— O que você quer que eu faça? — por fim falei sem ter mais como evitar. 
— Você vai lá fora com os jornalistas que chamei e eu vou junto, todos nós vamos. Vai falar
tudo que aconteceu… Que investigou o orfanato, seguindo os relatos estranhos das
crianças  e o  comportamento duvidoso das irmãs, que, no fim, foi sequestrada…  Que eu
tentei te ajudar a escapar, pois descobri entre os papéis do escritório do meu pai o
endereço de um prédio abandonado e vi uma mensagem no celular dele… — Katherine
narrou sua versão da história tranquilamente, me fazendo estreitar os olhos para ela,
pensando como alguém podia manipular a versão de uma história tão descaradamente e
ela piscou para mim achando graça da minha expressão. Víbora! — Mas um dos homens do
meu pai me deu uma facada e acabei me perdendo de você. Depois que encontrou a criança
que procurava, a amante do seu ex-noivo tentou te matar em um prédio macabro, com tudo
levando a crer ser mantido à base do tráfico humano… faz o seu trabalho e chame a
atenção. Reconquiste a sua carreira, cobrindo o escândalo com um maior! Ah! Claro,
anuncie daqui poucos dias, seu casamento com o Alejandro. 
 Sua última frase me pegou de surpresa, mas Alejandro falou antes de mim:
— Por que? — perguntou ele com uma cara de poucos amigos, do seu casamento ser usado
para isso. 
— Por que? Bom, o nome disso é manter o "engajamento" e manter seu nome em todos os
lados. francamente Alejandro, isso vai deixar meu pai louco e vai fazê-lo cair no erro. Ele vai
ter que se esconder, terá que buscar ajuda, mas antes de fazê-lo, com toda certeza, vai
tentar se vingar de quem destruiu o seu castelinho de cartas. Provavelmente vai seguir a
ordem… Kayla, você e por último eu. Porque ele não é idiota, já deve saber que eu tenho
aliados, só não sabe quem. 
— O que você fará, Katherine? Estou vendo bem seu plano todo, mas sua participação real…
— perguntei. 
— Kayla, você é a luz que atrai a mariposa, mas eu sou o fogo que vai queimar ela. Faz a sua
parte que eu farei a minha.
EXTRA 5
“Jogando no ventilador.  ”

SEBASTIAN • Sebastian Collins


 
 Antes…
 Tinha acabado de chegar e fui imediatamente para o meu escritório, joguei o casaco no
cabideiro e fui recebido por Jocelyn, vestida com nada mais que um leve vestido branco.
Como o animal que era, estava empolgada com a minha chegada. Sorridente, me adulou e
acompanhou até a minha mesa de trabalho. Sentou-se aos meus pés esperando,
obedientemente, a ordem que fosse dar a ela. Dentre todas as mulheres que possuía, de
longe aquela era a mais bem adestrada. 
Queria que Victoria fosse obediente assim, mas segundo as informações, não havia me
obedecido e tinha mudado seu curso de viagem com as duas irmãs Johnson. 
Para ela criar coragem de fazer algo contra mim, alguém deveria estar a ajudando. Sendo
assim, faria uma "pescaria". Abri a gaveta da escrivaninha e peguei a foto de um dedo
decepado, tirei foto sobre foto e mandei para ela. Assim, o "peixe" que estava ajudando-a
iria aparecer eventualmente.
“O resultado da desobediência.”
Por fim, restava esperar a colheita.
Pedi café à Jocelyn e fui mexer em alguns papéis, no entanto, a colheita não demorou mais
de quarenta minutos. Quando meu aparelho vibrou, supus muitas coisas, porém, a ligação
de Yurik, não foi uma delas.
— Estamos sendo invadidos! Escutei o som de vidros sendo quebrados… — falou num russo
carregado e demorei alguns segundos para entender o que estava acontecendo. Afastei o
aparelho e o fitei como se isso me trouxesse respostas, então, novamente, o trouxe para
minha orelha.
Yurik era um cirurgião de alto nível, que assim como uma ninfomaníaca, ao virar uma
prostituta, juntou o útil ao agradável. A princípio, foi difícil recrutá-lo como aliado, mas
uma vez que descobri o seu segredo mais mórbido… Ele não viu opção. 
Até onde sabia, ele estava na antiga sede. Apertei o botão da equipe de segurança no
aparelho residencial, mas apenas chamava e ninguém atendia. Yurik estava muito agitado e
percebi que não tive novas notícias da pessoa que seguia Victoria. Ela não iria levar as duas
meninas lá, iria? Victoria tinha muito medo daquele lugar, já que foi onde foi treinada por
anos a fio.
— Como? — Indaguei, mas o botão de emergência foi acionado e um som ensurdecedor da
sirene me fez afastar o aparelho do ouvido.
Mesmo em meio àquele som, escutava superficialmente os xingamentos do homem. 
— Você afirmou ser seguro, desgraçado! — exclamou ele ofegante e agitado, tentando se
fazer ser ouvido colando a boca no microfone. 
Olhei minha xícara e vi estar vazia. Deslizei meu olhar para Jocelyn e ordenei que me
servisse mais café. Tão logo, ela veio me servir mais, contudo, fui surpreendido, devido ao
súbito som de um alto e forte impacto, além de uma exclamação de Yurik, fazendo com que
algumas gotas de café caíssem sobre alguns documentos importantes. 
Irritado, arrastei meu olhar à mulher que ficou azul de medo e joguei o café sobre ela para
que sentisse dor equivalente à raiva que eu estava sentindo. A mulher tentou gritar a sua
dor pela queimadura, mas não tinha cordas vocais. 
Isso me divertiu e aliviou minha irritação. Mais calmo, voltei a atenção à chamada:
— O que aconteceu? 
Yurik por um momento ficou em silêncio, mas logo murmurou chocado e atordoado:
— Estava subindo as escadas, mas um homem quase caiu sobre mim, vindo dos andares
acima — disse assustado, então fez um som estrangulado de surpresa e sua voz tremeu — 
Oh, merda! Tem um homem de preto ali! Não, espera... Porra! É um dos amantes da
Katherine… 
Minha mão se fechou em um punho. 
O que aquela pirralha estava fazendo… Um dos seus amantes? Pensei realmente furioso,
quando entendi o que estava acontecendo. Lógico que seria ela por trás da Victoria! Pensei
que a Katherine tinha finalmente amadurecido… Sempre soube que mais ou menos dia,
aquela cadela tentaria me morder.
Recordei que quando nasceu, aquela criança não chorou, nem mesmo quando a tomei à
força dos braços de sua mãe para saber se era um menino. E, ainda assim, o bebê não
chorou. Apenas me olhava fixamente, como se soubesse exatamente o que era, como se
quisesse gravar o meu rosto para nunca mais esquecer. Fui para matá-la, mas sua mãe não
deixou, colocando-se entre nós.
Após a morte da mãe, ela não chorou, apenas parecia que tinha decidido mostrar o seu
valor para poder sair daquele quarto. Até mesmo fez um acordo a longo prazo de liberdade
aos trinta anos. Estudou, se comportou, parecia a ferramenta perfeita, um reflexo de mim.
Contudo, era justamente aquele o perigo, sabia o quão inteligente, fria e calculista ela era. 
Bufei, passando a mão em meus cabelos e me levantei. Comecei a reunir meus documentos
e a guardá-los no cofre à prova de fogo. Deixei o celular no alto-falante, para ouvir o que se
passava lá. Mas, pelo som do farfalhar, parecia estar correndo e murmurando algo em
russo. Reconheci uma porta sendo aberta devido ao seu rangido.
O momento seguinte, foi algo que caberia em menos de dez segundos, se fosse
cronometrado. Alguns passos, seguido de alguns gritos de surpresa, alguns disparos… O
som do impacto do aparelho celular e de um corpo contra o chão. Não duvidei, a utilidade
do Yurik havia chegado ao fim.
Estava a ponto de desligar a chamada, quando ouvi a voz de Alejandro e mantive o aparelho
ligado: 
— É um médico? — questionou alguém.
Bando de inútil com complexo de herói.
— Não… — começou Alejandro, quando foi interrompido por uma voz feminina familiar,
que eu tão bem conhecia e tão pouco suportava. 
Harley, a enxerida da secretária do Henry.
— VÁ LOGO ATRÁS DELA! — exclamou desesperada. 
De tantas pessoas que matei, estas se assemelhavam à baratas, que pareciam voltar à vida
de alguma forma. Peguei dinheiro, uma arma, um aparelho celular novo e estava saindo da
casa, quando Jocelyn veio se arrastando atrás de mim, chorando.
Gostava dela, mas era inútil… Quando suas mãos me alcançaram, me abaixei e dei um beijo
em sua boca, ela sorriu e sem pensar duas vezes me afastei para apoiar a arma em sua
testa. Ela tentou se afastar e caiu assustada sentada no chão, me olhando surpreendida.
Tentou falar, mas som algum saia. 
Em um comando de voz, mandei ligarem os sprinklers. Não era a favor da tecnologia, mas
para aquele plano de ação, havia de fato ser útil. Um líquido transparente, similar à água
molhava a casa toda, mas tinha um cheiro forte e que dava a certeza do futuro que ela teria.
Passei meu último olhar pelo corpo delicioso da mulher que melhor me serviu. 
— Se te servir de consolo, você foi o melhor animal que tive  — falei, então erguia a arma e
atirava sem pensar duas vezes, atirei na altura do seu coração e então em sua cabeça.
Em seguida, peguei um isqueiro do bolso da minha roupa e acendi, jogando sobre o corpo
dela. O fogo se alastrou facilmente e ri, achando a vista do caos surpreendentemente bela.

 
No dia seguinte, escondido em uma pousada tradicional de velhos conhecidos… 
Logo no café da manhã, me senti sendo humilhado por todos os lados, com minha falha e
erro escancarado, para que todos pudessem ver. 
Não tinha nenhuma outra notícia, que não fosse a jovem e coitada, jornalista, que estava
sendo notícia nos últimos meses. O seu depoimento público na porta do hospital, com seu
rosto ainda machucado, contando as dificuldades que havia passado e quão perto da morte
esteve. 
Com um grau de sensacionalismo, contou como achou estranhas as histórias das crianças
sobre um homem de capa preta, um tal medo descomunal que tinham. Como
inevitavelmente acabou sendo agredida no orfanato pelo seu ex e, posteriormente, quando
voltou por causa das crianças, então acabou sendo sequestrada.
Conforme ela contava, nos momentos mais emocionantes ela olhava diretamente para a
câmera, revelando seus olhos muito marejados, incitando ainda mais a minha fúria, então
joguei a caneca de café longe.
— Nunca imaginei esta resolução do caso, afinal, minha sequestradora, Victoria Mcgregor.
A amante do meu ex-noivo! — disse ela em alto e bom som — Me pergunto se não tivesse
descoberto a traição... Se eu não tivesse dado ouvidos às crianças… 
Astuta, pensei extremamente irritado. Ela ficou muito emocionada e agitada, dizendo que
não poderia falar mais nada no momento. Foi protegida por um grande segurança, que não
restavam dúvidas que era o maldito Alejandro. Malditos, os dois. Eu os faria pagar. Os
trancaria em um quarto, sem água ou comida até que um dos dois cometesse canibalismo e
morresse com a culpa do que fez…
No entanto, minha vingança não se resumiria aos dois, afinal não foi apenas Kayla a dar o
seu depoimento à mídia que estava me irritando. A bastarda estava envolta do abraço de
Harry, o mais novo dos Ward. Emocionadíssima, fazendo o seu teatro espalhafatoso ao
contar que encontrou documentos de um prédio em meu escritório que a deixaram
apavorada. 
— Então, uma noite, ouvi a conversa dele com alguém… Escutei tudo e eu tentei avisar
Alejandro e a Kayla, mas, devido o fim do meu relacionamento ao fato de ter dado uma
chance ao único homem que sempre cuidou de mim em silêncio, Harry — disse chorosa —
Não tive oportunidade de me aproximar… Então, Kayla foi sequestrada e eu sabia que não
poderia ficar parada, no meio da minha tentativa de salvá-la, fui esfaqueada e nós duas nos
separamos. 
Mataria Katherine mais rápido, já que para uma cobra como ela, não poderia dar chance ao
azar. Então, viraria ferro fundido em sua boca e assistiria à sua morte.
Os policiais anunciaram com emergência que finalmente, após muitas explosões e
desabamentos, tinham extinguido o incêndio em minha casa e poderiam averiguar se
encontrariam o meu corpo ou não. Além do estranho incêndio ter começado enquanto as
duas vítimas estavam em perigo. Sendo assim, com aquele álibi eles não tinham como
provar o meu envolvimento com o sequestro.
CAPÍTULO 32
“Um respiro após o caos”

KAYLA • Kayla Johnson


 
 
Após um depoimento dramático e sensacionalista, meu corpo todo estava tenso e
dolorido, devido estar há muito tempo tendo que controlar a minha ansiedade.
Não obstante, a afobação dos jornalistas se amontoando à minha frente, não
ajudava em nada. Minha mão estava suando frio, e em um ato nervoso, fiquei
fechando e abrindo-a enquanto tentava não demonstrar mais sinais da crise me
tomando. Alejandro tomou a minha frente e se abaixou para me falar
calmamente:
— Pequena, aguente só um pouco mais. Sei que você consegue. Os rapazes irão
abrir caminho para o carro, peço que você e sua irmã, se encaminhem para ele e
se sentem no banco de trás. Não se preocupe em me procurar, pois eu vou estar
bem atrás de você.
E assim o fiz, uma vez que o caminho foi aberto, segurei o braço da minha irmã e
pedi que fosse para o carro. Um dos seguranças abriu a porta rapidamente e
pediu para que ela entrasse primeiro, já que o ritmo das minhas passadas estava
mais lento. Algumas pessoas ainda me faziam perguntas, se esticando sobre os
seguranças, tiravam fotos e me chamavam.
Já estava no meu limite, virei meu rosto para pedir que me deixassem em paz,
mas Alejandro, para a minha surpresa, tomou a frente e cobriu meu campo de
visão. 
Disfarçadamente, disse para que somente eu escutasse:
— Se jornalista não der certo, sempre pode se tornar atriz…  — falou zombeteiro
e eu podia jurar que vi o seu sorriso, mesmo sob a máscara — Vai dar outro olhar
marejado para as câmeras?
Me surpreendi por meio segundo, mas relaxei, sabendo que ele estava me
provocando, para me fazer mudar de foco. Suspirei, me deixando levar,
suavizando a minha expressão… E claro, respondi de acordo, lhe lançando um
olhar travesso.
— Beija a minha bunda, grandão — retruquei enquanto entrava no carro. Afinal,
estava dando o meu melhor, não só por mim. 
— Depois que der uns tapas, com certeza — respondeu ele prontamente, assim
que coloquei minhas pernas para dentro do carro e com um sorriso, fechou a
porta. Por um segundo a imagem se formou em minha mente e senti meu rosto
corar.
Ele tomou seu lugar no banco do carona à minha frente, puxou, sem demora, seu
celular e fez o que melhor sabia fazer, administrar a situação.   Buscou soluções
de forma rápida, ligando para várias pessoas e distribuindo ordens. Uma vez
chefe, sempre chefe…
Voltei a atenção para a minha irmã, que desde que discutimos o plano com
Katherine, estava no mais completo silêncio. Me aproximei dela, deslizando no
banco e me inclinei para olhar em seu rosto, me surpreendendo ao encontrar o
seu olhar vazio e a sua expressão perturbada, por fim, a puxei para um abraço
consolador. 
Os dias estavam sendo bem difíceis… Pensei. 
— Harley, estou aqui com você … — murmurei. 
Como se aquilo fosse a última gota que bastava para transbordar, minha irmã
desabou a chorar, levou as mãos aos olhos, tentando tapar o rosto, pediu
desculpas, perdão, e tudo mais que conseguisse pedir. Seu olhar se voltou para
mim com tanta dor, que tive a sensação de ter levado um golpe no rosto. Ela se
virou,  me abraçou com força e me envolveu em seus braços escondendo o rosto
contra mim.
— Me desculpe… — pedi num fio de voz.  
—  Não aguento mais, estou tão cansada, Kayla. E parece que nós nadamos,
nadamos, para no final, precisamos confiar em quem não confiamos?! Isso parece
uma piada de mal gosto! 
Parando para pensar, mesmo em meio a tudo, ela tinha conseguido se manter, ao
seu modo. Mesmo tentando me proteger, amando o prefeito, preocupada e cheia
de desconfianças… 
Se eu não tivesse conhecido os Grand e o Alejandro,  talvez, frente a uma situação
dessa, eu teria agido da mesma forma, fazendo diversas cicatrizes internas no
processo que, talvez, nunca fossem curadas. Com Scarlet e Harrison, aprendi
muito, aprendi a dar voz ao meu coração e sentimentos… Por isso, repliquei os
cuidados amorosos que recebi:
—  Estarei muito enganada, se você jogar a carta-branca agora, Harley. Mal
parece a minha irmã que sempre foi meio mãe. Confiante e forte, fazendo o seu
melhor. Estamos chegando na praia, não morreremos ao tocar a areia… Não
estamos mais sozinhas.
Ela se afastou um pouco e me olhou esperançosa como uma criança. A criança
que ainda morava dentro de todos nós, insegura e cheia de medos, que apenas
precisava ser protegida e amada. Era tão intenso e visível através da sua
expressão, que de alguma forma, compreendi o porquê Scarlet sempre sorria
para mim. Puxei a minha irmã para o abraço de novo e acariciei o topo da sua
cabeça. 
— Vai ficar tudo bem… 
(...)
Em algum momento, apenas cai no sono com ela nos braços. Não sonhei, apenas
tive a sensação de um piscar de olhos e quando os abri, me deparei com um teto
que não conhecia. 
Meu coração acelerou, meu corpo pareceu congelar, afastando de uma só vez o
meu sono e letargia. Me levantei e percebi estar em uma cama, com o corpo
parcialmente coberto pelo edredom, mas vestida com nada mais que calcinha e
sutiã. 
Empalideci e puxei a coberta, tentando me cobrir o máximo que podia,
desesperada. Olhei ao redor freneticamente, buscando algum sinal de quem me
trouxe para aquele lugar. No entanto, encontrei somente e não muito longe da
janela do quarto, uma calça preta e uma jaqueta em uma cadeira. Ouvi água
caindo do chuveiro, e meu corpo todo estremeceu em antecipação do pior
cenário possível. Visto que tantas coisas aconteceram comigo recentemente,
considerei que poderia ser qualquer um, já que tudo parecia acontecer debaixo
do meu nariz sem que eu desconfiasse. 
O fato de não estar sozinha, aumentava o meu senso de perigo. Eu não sabia
quem era ou o que queria ao me levar para aquele quarto, tampouco o porquê
sumir com as minhas roupas. Mas, em todo caso, sai da cama na ponta dos pés,
enrolada pela coberta e estava indo roubar as roupas, quando a porta do
banheiro foi aberta. 
No susto, tropecei em meus próprios pés e quase caí no chão. Por sorte, consegui
me apoiar em um móvel. 
Dela, surgiu um homem muito alto. Procurando a origem do súbito barulho ao ter
aberto a porta. Eu estava pronta para gritar, mas por sorte percebi rápido que
era o Alejandro. Da mesma forma que a sobrancelha dele se levantou, confuso
com o que estava acontecendo. Senti alívio  e o ar fugiu dos meus pulmões em
prova disso, já que eu nem sequer sabia que tinha prendido a respiração. 
Voltei meu olhar para ele, um pouco tonta e Alejandro estava usando nada mais
que uma toalha muito baixa, envolta do seu quadril, destacando seus músculos e
veias que iam para o seu membro. Outra toalha estava pendurada em seu
pescoço enquanto ele secava os cabelos que estavam pingando. 
Ele parecia a personificação de um deus grego com seus olhos sobre mim
enquanto sua mente parecia trabalhar para entender a cena. 
Meu Deus, meu coração não aguenta! Se não morro de medo, morro de tesão… E,
por sorte, este homem é meu. 
— Oi, pequena. O que houve? Por quê está fora da cama? Você está bem?  —
perguntou calmamente, enquanto dava alguns passos em minha direção. Meu
coração bateu mais rápido, sorri polidamente, em um velho ato nervoso. No
entanto, desta vez, eu tinha certeza de que não era de medo. 
— Alejandro… Que susto você me deu… — acabei falando em um riso nervoso
enquanto levava a mão ao meu próprio coração. 
— O que houve? Você está bem?! — perguntou agitado — Quer que eu chame um
médico?
— Não, não, não precisa de médico. Estou bem  — falei enquanto tentava voltar à
linha de raciocínio   — Onde estamos? Me assustei quando acordei seminua num
lugar que não conheço.
Alejandro pareceu finalmente entender o que houve, por isso relaxou e eliminou
o espaço que faltava entre nós, então levou sua mão à minha testa, tentando
aparentemente, verificar a minha temperatura. 
— Relaxa, estamos em um hotel. Como Harley e você caíram no sono dentro do
carro, achamos prudente arranjar algum lugar para que vocês pudessem dormir
direito  — explicou —  Como está se sentindo? Enquanto dormia, seu corpo
estava bem quente e você suou muito. 
Nem sequer sonhei, não fazia ideia do porquê meu corpo tinha reagido daquela
forma. Por isso apenas levei minha mão a dele e a tirei da minha testa. 
— Eu me sinto bem, estou desperta devido a ter acordado no susto, com o
coração ainda agitado — respondi sincera — E os lugares machucados, estão
latejando um pouco... Mas os remédios que me deram no hospital, ainda estão
fazendo efeito, então estou bem. 
Alejandro confirmou com a cabeça, pensativo e silencioso. Pensei por um
momento que ele se afastaria para ir se vestir, no entanto, no lugar disso e sem
aviso prévio, me pegou nos braços. Carregou-me como uma princesa e até na
cama e me colocou sentada na beira dela. Tirou a toalha do pescoço e se sentou
também, mas com seu corpo virado para mim. 
Fitou-me por inteiro em silêncio de forma que fez o meu corpo queimar. No
primeiro momento, não parecia ser um olhar sedutor, mas falando daquela
beleza masculina, sua expressão séria era tão atraente quanto. Porém, contra
todos meus pensamentos fossem puros – se é que tinha algum, talvez estivesse
no período fértil – ou os impuros, ele disse:
 — Já que está acordada, quer tomar um banho? Só não temos uma muda de
roupa para você, estou esperando elas chegarem nos próximos minutos — O
olhar dele recaiu sobre minha mão enfaixada onde recebi os pontos, ficou em
silêncio e então continuou, matreiro com um sorriso de canto: — Se precisar de
ajuda  para tomar o banho, não me oponho, minhas mãos são hábeis e conhecem
bem o seu corpo… 
Alejandro era um manipulador astuto, falava em tom de ajuda, mas seu sorriso
charmoso delatava sua outra intenção. Era engraçado, como mesmo sabendo
disso, me via sorrindo para ele com as bochechas rosadas e um olhar totalmente
apaixonado. Simplesmente porque Alejandro não se assemelhava a um anjo,
tampouco a um demônio. No entanto, parecia ter características de ambos,
dependendo da situação. 
— Você me ajuda a tomar banho? Duvido que eu realmente tome um,  grandão. E
quem vai receber minha muda de roupa?
— Não me importo que fique sem… — disse ele em um dar de ombros com um
sorriso que brincava com a minha libido, passando a língua por aqueles seus
dentes com caninos pontiagudos. Esse homem não está me ajudando… Parece até
que o sexy appel dele elevou a quarta potência. Pensei. 
— Você não presta… — falei rindo, mas Alejandro me interrompeu quando,
subitamente, se aproximou e tomou minha boca em um beijo ardente e molhado.
Naquele beijo com gosto de pecado, senti cada fio do meu corpo ficar eriçado,
quase me fazendo gemer de imediato. Havia urgência, necessidade, até um pouco
de desespero. Sua mão foi à minha nuca, dominando e guiando a movimentação
da minha cabeça,  enquanto ele se levantou e começou a se inclinar sobre mim.
Instintivamente, fui seguindo seus movimentos, até que me deitei na cama e o
tive sobre mim. Absorta nas sensações e nos prazeres, abri minhas pernas para
recebê-lo por completo sobre meu corpo. 
No entanto, a sua necessidade, ansiando por mim, estava mais quente e fugaz do
que das demais vezes que transamos, ele estava quase me enlouquecendo, mas
de uma estranha forma me deixou receosa. Confiava nele, mas algo não estava
normal. Tentei interromper o beijo, mas ele não parou. Tentei chamá-lo a si e não
parecia ter nada que eu pudesse fazer para mudar o seu comportamento. Tentei
afastá-lo, mas ele pegou minhas mãos e as esticou para segurá-las sobre a minha
cabeça. Eu estava começando a me assustar, ele estava muito feroz. 
Minha voz estava em um tom desesperado, quando falei:
— Alejandro… Por favor, pare! Por favor, estou com medo de você!
Ele pareceu, naquele instante, paralisar, estático, mesmo suas mãos que me
seguraram firmes afrouxaram. Ele me soltou, mas não saiu de cima de mim.
Apenas se deitou, me abraçou e girou nossos corpos para que eu ficasse sobre
ele. 
— Alejandro? Você está bem? — perguntei tentando me levantar, mas ele ainda
não soltou. Me manteve firme no abraço e não me deixou olhar em seus olhos. 
— Minha pequena causadora de problemas… — murmurou — Acho que irei te
enjaular. Para o seu próprio bem e para a minha sanidade… Prometo te dar
banho, limpar, alimentar, cuidar… E amar para sempre. Me deixe te manter longe
de todos que podem te tirar de mim.
Minha respiração vacilou, isso soava ruim.  De alguma forma, embora obsessivas
e possessivas, aquelas palavras eram um pedido de socorro. Ele estava tão
temeroso e desesperado… Parecia  um apelo de quem já não estava bem.
Mas eu poderia culpá-lo? Não, eu fui cruel com ele. Desde o primeiro instante,
pedi que transasse comigo, para esquecer outro. Ele teve que passar em um
período tão curto, por muitas provações por minha causa. Ao contrário de
Richard, Alejandro era um homem bom, ligado à família, responsável e
absurdamente leal.  Em algum momento, suas frustrações iriam subjugá-lo. 
— Tem certeza de que quer se casar comigo? Ainda dá tempo de voltar atrás  —
tentei, por mais que me rasgasse o peito e dilacerasse cada pequeno pedaço
remanescente do meu coração, fazer aquela pergunta. Não queria perdê-lo, não
me importava mais com um futuro que não fosse com este homem. 
— Não fale merda, Kayla! — reclamou ele em seu tom de sempre, dolorosamente
sincero — Eu já disse que ninguém vai me impedir de estar com você… Nem você
mesma! 
— Tão teimoso, não valho tudo isso de esforço… — insisti, torcendo que ele
insistisse por mim.  
— Apenas me deixe assim um pouco, nesse respiro de paz. Tendo a certeza de
que não te perdi…
Não pude evitar um sorriso torto, emocionado e o abracei. Encaixei meu rosto no
vão de seu pescoço, fechando os olhos e ele fez o mesmo, enquanto fechava mais
firme o abraço ao redor de mim. Com nossos corpos perfeitamente encaixados,
senti com cada fibra do meu ser que ele era a minha alma gêmea. 

 
Uma semana se passou desde que fomos para a casa preparada pelo Alejandro,
coberta de câmeras de segurança e vigilância constante.
Era uma casa com câmeras em todos os cantos, mais do que as penitenciárias,  as
rondas dos vigilantes eram mais frequentes na mesma proporção. Eu segui o
passo a passo dos planos, aparecendo na rede social, abrindo um canal no
YouTube para falar sobre, dei até mesmo uma exclusiva para Noah e entrevistas
on-line. 
Ana e Tristan, ainda estavam no hospital. Por Ana ser criança, eles acharam
melhor mantê-la totalmente sob supervisão e Tristan não quis sair um momento
sequer do lado dela. Considerei pedir a Alejandro adotar o menino, mas se a
ligação destes dois crescesse e eles se apaixonassem, seria um problema. Por isso
pedi que abrisse um orfanato perto de onde iría ficar nossa residência e o
transferissem para lá. Quando fui visitá-los, ficaram tão felizes que sem querer o
acesso da Ana saiu do lugar e a enfermeira ralhou comigo. 
Scarlett e Harrison, não demoraram a vir para aquela casa também, como bons
pais de coração, não pouparam esforços para estar conosco, assim como Joel e
Henry. Parecia que aonde um ia todos iam atrás,  o que era muito fofo e
engraçado. Talvez devêssemos todos morar em um grande casarão. 
Samille me ligou para falar que Richard foi condenado com os agravantes, mas a
interrompi:
— Já não me importo com detalhes… Apenas queria saber se havia chances de ele
sair e se pagaria por tudo que fez. E o dinheiro ganho no caso,  decidi que doaria
uma grande porcentagem para o projeto dos Ward de cuidar e investir no
orfanato. 
No fundo, só queria justiça, já não me restava ódio como outrora, devido à
traição, pois já não havia qualquer traço de amor. Tinha raiva pelo que fez a
quem eu amava, isso sim. Não me ressenti da Mcgregor, não mais. A justiça foi
feita, ela morreu mergulhada em seu desespero e ele pagaria pela língua e suas
escolhas. 
Alejandro estava parecendo mais uma pessoa morta, do que viva. Trabalhando
muito mais intensamente do que antes, às vezes, fazendo chamadas de vídeo
simultâneas em aparelhos diferentes. Ele estava até mesmo sem acordar cedo e
praticar exercício, pois, uma vez que dormia, simplesmente não acordava por
nada neste mundo, antes de no mínimo oito horas de sono. 
Mas se querem saber uma curiosidade fofa, aqui vai: 
Lembram aquele elástico de cabelo? Aquele que ele roubou de mim, por que
preferia meu cabelo solto e só me devolveria quando eu aceitasse o contrato que
ele me propôs? Ele nunca tirou, nem um dia sequer. Este detalhe saiu até em
algumas revistas de fofocas, com as pessoas se perguntando:
“Por que ele passou a usar um elástico no pulso? Teria algum motivo especial ou
seria uma nova moda?”
Tudo parecia estar indo bem, mesmo sob o fantasma do Sebastian, que sabíamos
que não tardaria a vir nos encontrar, em busca de vingança.
 
CAPÍTULO 33
“Plano em ação: Não existem planos perfeitos.”

KAYLA • Kayla Johnson


 
 
Assim como foi planejado para ser, eu estava em meu quarto. Em frente ao
espelho, com uma maleta de maquiagem profissional que eu nem sequer sabia o
que fazer com metade das coisas que tinha lá. Porém, não tinha o que fazer, havia
chegado o dia de fazer as gravações para postar nas redes sociais. 
A ansiedade estava quase batendo à minha porta, devido todo o estresse das
reuniões com assessores e a equipe de marketing que o Alejandro tinha
providenciado. Cada pequeno aspecto foi discutido, me senti muito mais
pressionada do que supunha que ficaria. O interessante é que a equipe
providenciada, não fazia ideia do meu plano com a Katherine. Afinal, assim como
a ruiva demônio disse quando me propôs o acordo, nossos propósitos se
encontravam. 
Deste modo, sem saber, eles fizeram um planejamento que se tornava perfeito
para os nossos propósitos. Tendo em foco garantir a viralização dos vídeos, com
o assunto sendo tratado direto da fonte, tendo menções confiáveis das demais
vítimas e assim credibilizar a profissional que era. Em paralelo, mostrar-me
humana e conseguir a simpatia das pessoas para que no instante em que
anunciarmos o nosso relacionamento na coletiva de imprensa, ele fosse
totalmente aceito e plausível, frente a todos os acontecimentos.
 Em paralelo, o cerco de Sebastian ia se apertando. Afinal, corpos estavam sendo
encontrados e a notícia deles estava bombando. Após a perícia, foi revelado que
alguns deles eram criminosos procurados e outros profissionais famosos. O
escândalo deixou a população da região apavorada, supondo que poderia ser
algum assassino em série, em relação aos famosos e disputa de gangues ativas,
entre criminosos. 
Porém, não tinha sequer dúvida, que tudo estava relacionado à Katherine.
Segundo o seu comportamento, ela sentia um prazer doentio em atormentá-lo,
brincando de gato e rato. Tirando todo suporte que poderia ter e como cereja do
bolo, me manter em destaque pelo máximo de tempo possível e causar a
sensação de falha em Sebastian, atormentando-o para onde quer que fosse com a
lembrança viva do seu erro.
A mulher era absurdamente fria e calculista. Até porque, o desejo de vingança
contra o pai, não era pela morte da mãe, era por ele tê-la subjugado desde que
nasceu.
Suspirei com o sentimento de ter feito um pacto com um demônio e logo após
terminar de passar o batom, bateram na porta.
— Pequena, está na hora. Está pronta? — indagou Alejandro do outro lado da
porta — A equipe está aqui comigo. 
— Podem entrar, grandão — respondi — Estou pronta. 
Me disseram onde sentar e para que lado virar, buscando o meu melhor lado e
iluminação enquanto outros instalavam o tripé com o meu celular. Isso não era
muito diferente de qualquer outra vez que ia para alguma festa entrevistar
alguém… Dessa forma, uma vez que estava no meu devido lugar, apenas cruzei as
pernas e fiquei esperando enquanto eles faziam o seu trabalho. 
— Nervosa, minha pequena? — perguntou Alejandro parando ao meu lado.
Voltei o meu olhar para ele, refleti sinceramente e então respondi:
— Estou medicada… Nem se eu quisesse!  — falei achando graça, como sempre, 
da minha desgraça. No entanto, não fugi da resposta: — Estou sim, com as
consequências. Não consigo deixar de pensar no que virá a seguir… Contudo,
independentemente, ainda sou uma jornalista que já passou por estas coisas
antes… — gesticulei para a arrumação da equipe — Toda vez que ia a uma festa
ou evento. Francamente, não me sentia muito mais que uma boneca grande…
Bom, ao menos ficava bonita e tomava bons champanhes. 
— Quer beber algo? Posso providenciar…  — indagou ele achando graça. 
— Desta vez não, talvez no dia da coletiva de imprensa… — respondi fazendo
uma careta.
— Certo — confirmou ele com a cabeça, rindo moderadamente.
Naquelas horas, Alejandro era apenas meu amigo, alguém que me lia com
facilidade, um companheiro que me fazia sentir menos nervosa. Agradeci
internamente por Deus ter feito aquey homem para mim.
— Pronta, senhorita Johnson? — perguntou um dos homens e instruiu: —
Senhor Ward, por favor, se afaste um pouco.
Confirmei com a cabeça e a gravação começou:
— Olá, pessoal! Queria estar aqui para contar coisas boas, porém, com tudo que
aconteceu, não é possível… Vocês ficarão chocados! Acreditem ou não, tudo
começou antes daquele dia que a máscara do meu ex caiu. No entanto, para dar
maiores detalhes, começarei a partir daquele momento… Todo o caos conforme o
vivi e também, contarei como Deus nos traz anjos, mesmo em meio ao caos.
Acompanhem tudo que irei contar agora…
Falei de forma resumida, o primeiro arco de problemas e descobertas,
desconfianças e novas amizades. Então, disse que, por ser muitas as coisas que
aconteceram, continuaria contando tudo no dia seguinte.
Me fizeram mudar de roupa, mudaram um pouco a minha maquiagem, fomos
para outra parte da casa, gravamos o segundo vídeo e assim foi até a parte final.
Todo processo após isso, foi deixado nas mãos dos profissionais, que deixei como
gestores das minhas redes sociais. Pois, além de tudo, o jogo tinha virado e eu
tinha que dar entrevistas.  
 Tirei algumas fotos e tinha que me preparar para a coletiva de imprensa que já
havia sido anunciada.

 
Dias depois, a coletiva de imprensa, onde tudo começou: no “Luxor Hotel”. 
Estava me sentindo muito tensa e agitada, já tinha comido todos os petiscos que
me trouxeram e bebi meu champanhe que o Alejandro tinha prometido, os
minutos pareciam estar demorando demais. O colete à prova de balas por baixo
da minha roupa pesava e incomodava. 
Ao falar no grandão, ele estava em uma sala ao lado, discutindo com alguns
sócios e me questionei se “aquele sócio” estava presente.  Tive vontade de ir
verificar, mas no fim, não o fiz. Esperaria ele retornar e iria perguntar, visto que
no momento já tinha muito o que me preocupar.
Mordi os lábios e suspirei, mas, no fim, queria mesmo era arrancar os meus
cabelos de pura frustração. 
Era suposto que Sebastian tomasse proveito daquele evento para me atacar, me
usar contra Alejandro e por fim, ir atrás da Katherine. No entanto, como diabos
ele faria isso?  Até então, todo o trabalho sujo havia sido feito por seus capangas.
Nem sequer conseguia supor se surgiria do nada distribuindo tiros - já que não
tinha mais nada a perder - ou se esperaria um momento em que eu estivesse
sozinha. Se me mataria agora, me sequestraria novamente ou esperaria o
momento certo para me envenenar… Talvez  explodisse o meu carro na saída. 
Isso é! Se ele viria mesmo para este evento.
A única pessoa mais “próxima” dele que poderia me falar, não disse nada
específico. Apenas falou que faria o que ela melhor sabia fazer. O que infernos isso
queria dizer? Não faço a mínima ideia! 
Já tinha tomado um chá, mas seguia nervosa, tinha que me acalmar para
encontrar o controle de mim mesma. Dessa vez tudo era pensado e de propósito,
uma armadilha. Não tinha que "me virar" no susto, certo? 
Puxei na memória, coisas que aprendi para retomar o controle de mim quando
estava agitada. Sentei-me perto o suficiente da janela  para sentir o frescor do
vento gelado contra o meu rosto. Ritmei minha respiração, mas antes mesmo que
eu conseguisse começar a me acalmar, alguém bateu na porta. 
Toc… toc…
Meu corpo todo gelou imediatamente. Virei-me em direção à porta e esperei
ouvir a voz de quem quer que fosse do outro lado, mas visto que ninguém disse
nada, me levantei, peguei a minha bolsa e uma vez que a abri, enfiei a mão lá
dentro já pegando a arma que havia escondido dentro dela e a destravando ao
puxar o cão para trás.
Dessa vez as coisas são diferentes, pensei reafirmando para mim mesma.
Toc… Toc… 
Novamente esperei escutar alguma voz e daquela vez, ela finalmente veio. 
— Boneca, está aí? Me falaram que estaria aqui…  Vocês me falaram que ela
estava… —  escutei a voz do Noah e enfim, senti que podia voltar a respirar. Fui
uma idiota em achar que Sebastian iria bater na minha porta, assim
simplesmente.
Antes que eu falasse para Noah entrar, fui surpreendida pelos seguranças que
abriram a porta em um rompante, invadindo o quarto com as armas em mãos. No
entanto, eles também foram surpreendidos, ao me ver parada segurando minha
bolsa e olhando para eles totalmente bem. 
Eles olharam ao redor, procuraram uma ameaça, mas quando não encontraram
nada, voltaram a sua atenção para mim. 
 — Senhorita? —  perguntou um dos seguranças, confuso. 
—  Hum… Fiquei esperando quem bateu na porta falar, como não se identificou…
Me perdoem,  rapazes.
Eles se entreolharam, então confirmaram com a cabeça e tiraram a mão de suas
armas.
— Se precisar apenas nos chame — disse antes de voltar aos seus postos. 
Assim que a porta foi parcialmente fechada, meu olhar recaiu sobre Noah. Senti a
vergonha me tomar, eu que por muito tempo da minha vida, fiz de tudo para me
manter no controle de mim mesma… E agora estava naquele estado. 
— Kayla… —  Noah disse cauteloso ao se aproximar.
— Estou bem, Evans… —  falei, fazendo uma careta para ele. Só quase atirei em
você… Completei em pensamento, me repreendendo. 
Ele me fitou sério e demoradamente, depois deu de ombros e ergueu as suas
sobrancelhas.
— Não é o que parece… —  comentou ao terminar de se aproximar e colocou a
mão em meu ombro —  Por quê ainda está segurando o que quer que seja que
está dentro da sua bolsa?
Desci meu olhar para a bolsa e me dei conta de que ainda segurava firmemente a
arma. Quis provar que estava bem, sob controle e desarmá-la, contudo, para a
minha vergonha e infelicidade, me deu um branco, tentei forçar a memória, mas
não consegui lembrar da instrução de como desarmar a arma…
O meu velho sorriso retomou o seu lugar no meu rosto, com um riso trêmulo
enquanto sentia o sangue fugir do meu rosto. Virei meu olhar para o Noah em um
claro pedido de socorro, quando meus olhos se encheram de lágrimas.
— O que foi…? Ah… Merda! — perguntou preocupado, mas como sempre, astuto
como era, não demorou para ele entender a merda que me meti.
Cuidadosamente, colocou a mão na bolsa e a puxou o suficiente,  para olhar
dentro dela e suspirou ao confirmar as suas suspeitas:
— Boneca… Preste muita atenção, respire com calma e me escute. Mantenha
firme o cão no lugar com o polegar.  Com o indicador, puxe o gatilho para trás…
Sem soltar o cão… Apenas puxe até sentir um clique… — instruiu ele com calma. 
Após engolir em seco e afastar a ponta da arma o máximo possível de nós,
obedeci. 
— Sentiu o clique?
Confirmei com a cabeça.
— Então, agora você tira o dedo indicador completamente do gatilho e solta o
cão, exatamente nessa ordem. 
O fiz e a arma desarmou. 
Meu Deus… Eu prometo, após tudo isso vou fazer academia, treinar artes marciais e
irei fazer aulas de tiro! Pensei freneticamente. 
Mas os meus pensamentos foram interrompidos pelo olhar fulminante que meu
chefe estava me dando. Levei meu olhar a ele, em um pedido de desculpas. 
— É… Está certo, estou um pouco ansiosa  — falei e quase levei um tapa na
orelha. Ele levou a mão ao rosto, perturbado. A represália que ouvi, foi algo que
dispensou explicações em muitos níveis. Tanto que até tinha me esquecido do
grau de nervoso que estava sentindo antes. 
— Kayla, e se eu não tivesse servido o exército na minha juventude e não
soubesse desarmar isso? Como você esquece algo assim?!
— Desculpa, você está certo — admiti a derrota, sentindo meus ombros caírem
— Eu errei, desejei ter algo para poder me defender… Fiquei pensando tanto na
coragem que precisava reunir para puxar o gatilho e acabar ferindo, ou matando
alguém, que esqueci como desarmar.
O clima entre nós ficou tenso, ele se calou completamente e, para a minha
surpresa, ele levou a mão até o hematoma que ainda estava visível no meu braço. 
— Garota… Eu entendo o que te motivou, por Deus! Acho que todos entenderiam,
mas e se no lugar de  ajudar, tivesse eliminado a sua chance de sobrevivência?  
O silêncio ficou pesado, mas apesar disso ainda não consegui me arrepender. 
— O que veio me falar? — perguntei mudando de assunto descaradamente. 
O homem me fitou em silêncio, tentando me ler, mas aparentemente desistiu e
passou a mão em seus cabelos grisalhos.
—  Só… vim ver como você estava. Eu estava preocupado… —  Noah era um
homem de personalidade singular, mas era um bom chefe e amigo. Ele colocou a
mão sobre o topo da minha cabeça e fez carinho  — Você é forte, boneca. Não sei
o que está me escondendo, mas sei que passará por isso de alguma forma.
Tive um pouco de estranheza, mas acabei me sentindo confortada.
— Você não vai mesmo me contar, não é? — tentou ele e meneei a cabeça em
negativa — Bom, não posso forçar, mas ninguém me proibiu de tentar. 
— Tentar o que? — questionou uma voz familiar pouco amistosa vindo da porta,
Noah e eu nos viramos e vimos Alejandro. Como sempre, perfeitamente alinhado,
com uma expressão de poucos amigos e com uma mão no bolso, fitando-nos de
cima a baixo — Estou atrapalhando?
Seu ciúmes era disparado, o que me fez subitamente sorrir, já que Noah nunca
seria uma ameaça ao lugar do Alejandro no meu coração.
— Não é nada demais, grandão. O Evans apenas veio ver como eu estava e queria
descobrir o que estava tramando dessa vez  — respondi objetivamente.
— Aliás, parabéns, senhor Ward, por se tornar noivo da nossa jornalista favorita,
o senhor é um homem de sorte. Ao menos, boa parte das horas… Menos quando
ela se mete em confusão. 
— Evans! — ralhei e ele não podia se importar menos. 
— Bom, isso devo concordar — admitiu Alejandro. 
Meu olhar incrédulo deslizou entre os dois e se fincou no Alejandro, meu
digníssimo noivo. 
— E você vai concordar com ele?! — questionei erguendo uma sobrancelha. 
— Verdades não podem ser refutadas… — falou dando de ombros e o canto dos
lábios dele se levantaram lentamente, mostrando seu lado travesso.  
Então, como se não fosse nada, ele desencostou da porta, tirou a mão do bolso e a
estendeu para mim. 
— Vim chamá-la, pois está na hora de descermos… Vamos, minha problemática.
Iremos anunciar para todo mundo que você é minha. 
Senti meu rosto esquentar e meneei a cabeça, sabendo que ele tinha me dobrado,
principalmente ao fitá-lo tão satisfeito ao dizer aquilo.
— Aí… Esses jovens… — suspirou Noah — É tanto mel que a minha diabetes
sobe.
Dei um riso contido, ajeitei a minha bolsa e fui até o Alejandro, pisando no pé do
Noah de propósito pelo caminho. 

 
O processo de segurança foi algo que eu nunca vivi antes, por um momento, me
perguntei se não estava carregando algo de valor para um cofre. Fomos
escoltados pelos seguranças no elevador, que era o que eu esperava, mas ao
chegarmos no térreo, mais seguranças se uniram a nós, quase fazendo impossível
de ver para onde eu estava indo. 
Todo aquele cuidado me fez voltar a pensar em Sebastian. Com toda essa proteção,
como ele iria agir? O que está passando na cabeça do Alejandro? Como seriam as
coisas a seguir? Ele decidiu ir contra o plano da Katherine e não me disse?
Não poderia discutir isso com ele, pelo menos não agora e não naquele lugar.
Apenas poderia "ligar o maquinário" da minha cabeça novamente e tentar
encontrar uma lógica para suas ações. 
Em todo caso, somente quando chegamos à entrada da sala onde aconteceria a
conferência, os seguranças só me deram uma margem de visão melhor, quando
entraram primeiro e foram tomando seus lugares ao longo do corredor da sala. 
Vozes iam chegando aos meus ouvidos em murmúrios e assim que pisei dentro
da sala, passei o meu olhar pelo ambiente.  Havia cerca de cinquenta pessoas
sentadas nas cadeiras em frente à plataforma. Entre eles,  pude reconhecer
alguns rostos específicos de jornais concorrentes.
No meio do corredor, Noah foi para o seu lugar entre eles e pude perceber que se
sentou ao lado da Sophia que acenou para mim. Meu olhar deslizou em direção
ao lugar que ficaríamos e encontrei Alessandra, a secretária executiva do
Alejandro parada e segurando algumas pastas, ao lado da tribuna. 
Seguimos todos os protocolos iniciais, logo que subimos na plataforma. Para
somente então, Alejandro dar um golpe quase mortal em todos os jornalistas ali
presentes, indo sem rodeios ao ponto: 
— Visto a necessidade, Kayla e eu organizamos este encontro com vocês, para
anunciar o nosso noivado e tirarmos as dúvidas de vocês, já que ela está envolta
de vários assuntos nos últimos meses e a nossa união daria margem para
comentários capciosos… — ao dizer capcioso, Alejandro olhou tão friamente para
todos que não havia dúvida de que entenderam a mensagem dele de não
passarem da linha. 
Em meio a uma pequena agitação das pessoas, Alejandro levantou a mão pedindo
para que se contivessem. Seu olhar se arrastou para mim, suavizando tão
drasticamente que quase parecia mentira.
— Como vocês sabem, conheci essa mulher em um momento não muito
conveniente ou de forma convencional. Em primeiro impulso, fiz o que achei
certo, como antes já me pronunciei — esclareceu  — Mas, entre os entrelaços do
destino, acabamos nos encontrando mais vezes… E nos aproximamos. 
Ele segurou a minha mão com mais força, entrelaçou nossos dedos e levou a
minha mão à sua boca, onde depositou um beijo cálido, próximo à aliança de
noivado. O que tirou exclamações de surpresa de várias das pessoas presentes,
visto que, de fato, ele não era o tipo de homem conhecido na mídia por ser
romântico.
Os flashes vieram rápidos para pegar a cena inédita e incomodou um pouco meus
olhos. 
— Ela estava muito insegura e tentou fugir… Eu que sempre tive outras
prioridades na minha vida, não me comportei diferente…— admitiu — No
entanto, embora negasse o sentimento, inevitavelmente me peguei pensando
nela mais vezes do que era sensato — senti o meu rosto esquentar mais, frente
àquela declaração — Intensificando tudo, frente a todos os perigos e situações
que ela passou, me vi quase perdendo-a sem ter admitido o que sentia… Por isso,
sem pensar duas vezes, a pedi em casamento.
Uma mão se levantou e ele deu a vez de fala: 
 — Vocês não acreditam estarem sendo impulsivos? — questionou um deles,
fazendo meu olhar percorrer os rostos presentes até encontrar o autor da
pergunta.
— Somente quem vê sua vida passando em um minuto, vê quantas coisas poderia
ter feito, se não fosse o medo  — desta vez foi a minha hora de falar, tomando o
meu lugar ao lado do Alejandro frente aos microfones — Todos os dias em que
tive a honra de estar na companhia desse homem incrível, tive provas de que o
Alejandro é um homem excepcional. De caráter, índole e moral impecáveis… Um
homem carinhoso, divertido, charmoso, por vezes, super protetor… Além de
mandão. Ah! Mas essa parte, acredito ser força do hábito, uma vez chefe dando
ordens nas pessoas, sempre um chefe, certo?  — falei com humor e pisquei, o que
fez algumas pessoas rirem — Assim como ele disse, negamos nossos sentimentos
até certo ponto, eu cheguei a chamá-lo de ridículo. Mas inabalável, me falou que o
instinto nos dava respostas que a razão jamais entenderia. Assim como ele,
quando olhei a morte nos olhos, mergulhei em dor e arrependimento… Então  vi
que a ridícula era eu, por ter perdido a chance de dizer que o amava. 
Outra mão se ergueu e dei a voz de fala: 
— Que linda relação de vocês! Que bom que não foi o seu fim e um pôde se
declarar ao outro. Entendo completamente o que os fez se apaixonarem, no
entanto, ficarem noivos é um passo e tanto — disse Andrey Harper, minha
principal concorrente — Quero dizer, vocês são desconhecidos, acabaram de se
conhecer… Será que podemos esperar um novo herdeiro dos Ward em breve? 
Astuta e tendenciosa, que ela não perderia a oportunidade de fazer aquela
pergunta. Passei o meu olhar pelas pessoas presentes e respondi com calma:
— Todos são desconhecidos, até que você os conheça. Como jornalista, sei disso
melhor que ninguém, não é mesmo? De toda forma, não sabemos quando a vida
pode nos surpreender, então devemos viver o hoje. Por isso, nos casaremos com
a benção de Deus — disse e olhei aos céus — E sobre um bebê, senhorita Harper.
Não, ainda não é a hora de um bebê. Como você mesma disse, é muito cedo.
E assim foi se desenvolvendo as perguntas e respostas, algumas com naturezas
curiosas, outras maliciosas. Nosso olhar seguia atendendo a cada um deles.
Aproveitei para memorizar seus rostos e me certificar de que não havia ninguém
que não deveria estar ali. Estranhamente, todos ali me pareciam familiares, fosse
de uma festa, um evento ou algum trabalho em comum. Cheguei a acreditar que
tudo estava bem, mas aquele pensamento foi precoce demais. 
Eu não poderia estar mais enganada…
Um dos jornalistas ergueu a mão e recebeu a sua vez de falar, mas quando se
levantou, apenas ergueu com ele uma arma e antes que alguém pudesse impedir,
começou a disparar contra nós.
O tempo pareceu parar para mim, não tive reação rápida o suficiente para nada
além de sentir o frio causado pelo terror percorrendo meu corpo. O grito das
pessoas chegou aos meus ouvidos, assim como o barulho delas se jogando no
chão e derrubando suas cadeiras. Em simultâneo, o braço forte do Alejandro me
envolveu e ele me derrubou no chão, usando seu próprio corpo para cobrir o
meu. 
Mais sons de disparos chegaram aos meus ouvidos,  alguns pedaços da tribuna
caíram no chão ao nosso redor, mas eu não consegui ver mais nada, pois
Alejandro se arrastou e contorceu até cobrir completamente o meu corpo com o
seu. 
Então um súbito grito masculino tomou toda a sala e os disparos finalmente
cessaram. 
  
 
CAPÍTULO 34
“Plano em ação²: por milésimos de segundos.”

KAYLA • Kayla Johnson

 
 
Me sentia atordoada, pois havia batido a cabeça quando Alejandro havia me
derrubado no chão… No entanto, não era isso que me preocupava. Alejandro
estava pesado sobre mim, ao ponto de começar a me causar uma sensação de
falta de ar. Me perguntei se algo havia acontecido com ele. Preocupada, tentei 
chamá-lo, mas minha voz estava fraca frente a todo o barulho ao nosso redor. 
Ele não se moveu até que escutamos ao longe, os homens gritando que haviam
acertado o atirador e que ele foi contido. De um momento para o outro, o
Alejandro pareceu retomar à vida, se apoiou nos braços e nas pernas, começou a
se levantar e assim que estava parcialmente de pé, segurou a minha mão e me fez
levantar em um rompante, dando um puxão. Ele passou o olhar sobre meu corpo,
procurando machucados e então virou  para procurar uma saída, mas pareceu se
surpreender com algo que viu.
— Alessandra? — chamou ele e vi a mulher se levantando, meio desengonçada
com sangue escorrendo pela testa.
Meu corpo todo tensionou nervosa, conforme meus olhos iam se abrindo em
surpresa. Tentei me aproximar dela, mas ela deu um passo para trás levantando
a mão.
— Estou bem, não se preocupem. Só machuquei o braço quando me joguei no
chão e… — Alessandra levou a mão à cabeça e sentiu o sangue, então sorriu
fazendo careta — Tem isso aqui também... De toda forma, não temos tempo,
sigam-me rápido! 
Ela se virou, encaminhando-se em passos rápidos para a parte de trás da
estrutura de fundo que fizeram para a coletiva. Alejandro e eu fomos atrás dela e
alguns seguranças que viram a nossa movimentação, nos seguiram, falando que
fariam a guarda das nossas costas. Ela abriu uma porta, esta que deu a um
corredor mais estreito e não tão elegante...
Mas a surpresa não foi o corredor “secreto” e sim, que enquanto corríamos
apressados pelo corredor, uma das portas a alguns metros de nós foi aberta e de
dentro dela saiu a última pessoa do mundo que eu esperava encontrar. O homem
que estava todo de preto, no prédio do Sebastian e ele não estava sozinho, com
ele, vi uma mulher de corpo pequeno e cabelos bonitos, que reconheci ser a filha
da Mcgregor. 
— O que fazem aqui? — no susto, fui a primeira a perguntar, dando voz aos meus
pensamentos — Foram mandados pela Katherine?
O silêncio que ele fez, aumentou mais a tensão e os seguranças que nos seguiram,
se dividiram e alguns tomaram a nossa frente, a garota que estava com ele o
beliscou e somente então, ele respondeu:— Vim garantir a vida de vocês, mas
quem me mandou vir, foi ela aí...
Então  ele apontou a Alessandra, esta que bufou e meneou a cabeça. 
— É, foi por minha causa… — admitiu a secretária — Ele é meu irmão mais novo,
mas não é hora de muitas explicações... Ele é o meu plano B…
Alessandra estava ligada à máfia?! Alejandro sabia disso? No entanto, não tive
sequer tempo de digerir a informação, quando o irmão dela se aproximou
rapidamente, falando:
— Não temos tempo — alertou o irmão da secretária e em um tom controlado,
ele se voltou para a garota loira e ordenou: — Você ficará com ele, para tratar o
ferimento, e com alguns seguranças enquanto eu subirei no elevador…
Ferimento? De quem? Pensei e ignorei todo o restante da fala dele. Olhei
rapidamente os seguranças, mas nenhum deles parecia ferido. Tampouco fazia
sentido, por isso o meu olhar se virou para Alejandro, este que nem sequer me
dirigiu o olhar. Me soltei da sua mão e fui apressada procurar ferimentos nele,
encontrando sem demora a sua mão esquerda pingando sangue. 
— Ah, meu Deus! Alejandro! 
Senti o sangue me deixar e corri para ver a ferida. Mesmo o terno sendo escuro, o
brilho vermelho do sangue delatava que o tiro havia acertado o braço dele. Meus
olhos encheram de lágrimas e desesperada, fiz o meu melhor para tirar o blazer,
mesmo com ele reclamando. Iria usar o blazer para tentar estancar o ferimento,
mas o irmão mais novo da Alessandra simplesmente me segurou e me afastou do
Alejandro, me jogando em direção aos seguranças como se eu não pesasse nada.
— Ahhh  — exclamei surpresa. — O que você…
— Ouviu o que eu disse? — reclamou ele, mas Alejandro reagiu antes de todos,
até mesmo dos seguranças que estavam confusos, sem saber se afastava o
homem ou não do seu cliente, já que este tinha sido chamado pela sua secretária.
Mesmo estando ferido, Alejandro avançou ferozmente, pegando-o pelas vestes e
o jogando contra a parede próxima, com uma pancada forte. Usando o seu braço
bom, travou o rapaz pressionando o seu pescoço com o seu antebraço. 
— Maldito!! — exclamou em um rosnado.
— Não tenho tempo para essa merda… — disse o irmão de Alessandra,
empurrando Alejandro o suficiente para falar — Ele pode ter mais aliados, se
quiser sua boa sorte para jogo, boa sorte. Eu pego as minhas coisas e vou
embora. 
Temendo que a situação ficasse pior e os dois homens brigassem, me afastei dos
seguranças e corri para o Alejandro, segurei no braço dele e usei meu peso para
tentar afastá-lo do homem.
— Alejandro, solta ele! De todos os momentos, agora você precisa se controlar!
Vamos acabar logo com isso para conseguirmos nossa paz!
O som de palmas ecoou pelo corredor, o que chamou subitamente a nossa
atenção, fazendo com que nossos olhares procurassem a sua origem. Dessa
maneira, encontramos um homem, um senhor idoso que parecia estar na casa
dos seus setenta anos. Ele andava calmamente e estava sozinho.  
— Este é um bom argumento, senhorita… — disse ele com uma aparência gentil e
simpática — Simples e objetivo... Respirem fundo, crianças. O hotel está
fechado… Por isso, se ele estiver aqui, não sairá facilmente. Porém, não é hora de
sentar e relaxar, se quisermos pegar o rato, o queijo precisa ficar exposto…
— Pai?! — exclamaram Alessandra e o rapaz — O que faz aqui?!
E então tudo fez sentido, ele só poderia ser o sócio do Alejandro, o  chefe da
organização e o aliado da Katherine. O cerco ao redor do Alejandro sempre
esteve fechado dessa forma? Voltei meu olhar ao meu noivo, ele não parecia
surpreso, mas ele ainda se negava a olhar para mim, porém, visto o descuido do
irmão mais novo da Alessandra, o vi se movimentar rapidamente e antes que eu
me desse conta de como fez isso, ele havia tomado a sua arma e estava
apontando para o mafioso.
— Desgraçado! — vociferou Alejandro — Vocês podem pegar o Sebastian
sozinhos, mas estão fazendo todo esse circo pela vontade da Katherine…
O rapaz de preto não ficou parado e puxou outra arma, apontando para
Alejandro.
— O problema é que mesmo no mundo do crime, existem leis... Estou impedido
de fazer muita coisa, devido a isso. Por isso preciso de vocês — seu olhar fechou
no braço do Alejandro — Mas você... Qual o seu plano? Entendo o seu desejo de
proteger a mulher amada, mas você é um ótimo empresário, você tem talento
para isso. Porém, você entende, que quanto maior a dificuldade que você impõe,
mais drástico será o retorno do seu inimigo? Alejandro, você ainda é humano,
você pode esquecer, mas também está fadado ao erro.
Meu coração afundou no peito, não é que acreditasse que Alejandro fosse
perfeito,  mas tudo piorou pelo seu excesso de proteção. Ele iria até o extremo, se
eu não fizesse nada. Engoli em seco, não era hora para orgulho ou medo. E talvez
eu estivesse me acostumando àquele papel na história, mas não mudava o que
precisava ser feito.
— Eu vou! — falei dando um passo à frente, com a imagem do Alejandro sorrindo
e estendendo a mão para mim, reverberando em minha mente.
Fitei o mafioso enquanto tencionava meu maxilar com ódio. Independente se a
organização podia mesmo lidar com o Sebastian ou não, eles não estavam
dispostos a fazer mais do que já fizeram.
—  Kayla, eles estão apenas nos usando... — exclamou ele e eu sorri tão triste
quanto alguém poderia sorrir, confirmando que eu sabia disso. Porém, de tanto
observar eles discutindo, eu tive um plano.
Entretanto, por mais cruel que pudesse ser, por mais que me odiasse e a culpa
me consumisse, caminhei até o Alejandro, o abracei, inalei profundamente o
cheiro do seu perfume e sussurrei: — Dividir é conquistar.
Me afastei, toquei seu braço machucado, expressando o quanto aquela ferida doía
em mim e impiedosamente, no momento certo, fechei a mão sobre a ferida e
apertei com toda força que tinha. Ele urrou com muita potência a sua dor,
soltando a arma que tinha roubado. Seu rosto ficou de uma cor vermelha forte,
com todas as veias dilatadas para, no fim, ficar um tom branco pálido. Mordi
meus lábios para conter as minhas emoções, pedindo perdão através do olhar.
— Você quer tanto assim morrer? — questionou ele rouco, revelando a sua
mágoa em seu olhar e indagando, em simultâneo, o porquê havia feito aquilo com
ele.
— Pelo contrário… — respondi com o sorriso polido que ele tanto odiava, tentei
tocar seu rosto, mas ele se afastou do meu toque. Insisti e depositei um beijo no
canto da sua boca — Vendo você tão disposto a passar pelo inferno para me
proteger, me faz ter o mesmo desejo.
Murmurei um "iremos para o inferno juntos" e então, virei para os seguranças.
Respirei fundo, torcendo  para que ao menos ele entendesse a ideia do plano e
falei:
 — Aproveitem que ele está enfraquecido pela dor e o levem  rápido!
O irmão da Alessandra, que estava perto, se abaixou, pegou a arma, travou e
colocou na cintura do Alejandro.
— Escutem, antes de ir, peguem isso — disse o irmão de Alessandra, jogando
uma chave para a loira — Dois dos seguranças vão com ele e a loira. Vocês irão
fazer o percurso do elevador interno. Vão até o meu quarto, é no mesmo andar
dos pombinhos. Lá tem umas três garrafas de Vodka, façam bom uso para aliviar
a dor. Vocês chegarão muito mais rápidos que nós, tomem cuidado. Alessandra,
vamos com ela pelo corredor da frente no elevador principal.
— Certo — respondeu ela, pontualmente passando pelo pai como se ele não
fosse nada.
Eu não sai do lugar de imediato, me vi olhando Alejandro sendo levado,
caminhando no sentido oposto a mim. Se depois de hoje ele quisesse me deixar,
não poderia condená-lo por isso. 
— Ele é forte, ficará bem  — disse o senhor.
— Não tenho dúvidas, confio nele — respondi seca e voltei a minha atenção para
o que teria que fazer.
Vi Alessandra voltando com a minha bolsa apressadamente, enquanto o irmão
dela, de costas, tirou a jaqueta, revelando um colete e uma camisa social por
baixo. Ele tirou a touca e a máscara e se virou para mim.
— Irei fingir ser um funcionário — me informou e virou para os seguranças
remanescentes — Vocês me seguem.
Alessandra chegou a mim e me entregou a bolsa, como se soubesse o que estava
dentro. Olhei-a inquisitiva e ela deu de ombros, como se fosse óbvio.
— Você segurava a bolsa com muita força, delatou o que tinha dentro dela.
Todos tinham tomado seus lugares, quando ouvi o mafioso me chamar:
— O que quer de presente de casamento?
Que você e o Sebastian explodam? Pensei para comigo e não o respondi.
Quando já estávamos no fim do corredor, abrindo a porta para onde tudo
aconteceu, vi o irmão da Alessandra me lançar um olhar, como se pudesse ler a
minha mente e me  retrai Ele voltou a olhar para a frente e começou a falar como
um funcionário faria.
— Senhores, por segurança é melhor que venham por aqui, me sigam, por favor...
Passamos pela sala onde houve a coletiva, ainda havia pessoas por lá, algumas
assustadas, outras recebendo tratamento médico e outras tentando se encontrar
em meio à confusão.  Mas não tínhamos tempo a perder, então aceleramos
nossos passos, saímos para o corredor e antes que víssemos, estávamos no
grande hall.  Os seguranças contratados pelo Alejandro estavam divididos entre
dar respostas aos policiais, ter que responder outros hóspedes que estavam
agitados e com medo, e por fim, irem atrás de nós, nos procurando.
E, devido ao que o chefe da organização disse, pedi para quem estava ao meu
redor, apressar mais os passos. Afinal, não queria que o Sebastian tivesse mais
motivos para ser drástico. Mas não seria o suficiente e Alessandra percebeu. Ela
tocou sutilmente o meu braço e sussurrou: — Vão, vou ganhar tempo.
Logo ela diminuiu os passos e fingiu desmaiar no meio do salão.
Tomamos proveito da atenção que ela chamou, para podermos chegar rápido aos
elevadores e uma vez que entramos neles, pude respirar um pouco mais
tranquilamente. Me virei e antes das portas se fecharem, vi de relance um pai
com uma filha ao seu lado. Eles estavam inclinados na mesma posição para ver o
que estava acontecendo no novo tumulto.
O elevador começou a subir e o meu olhar involuntariamente correu para o
irmão da Alessandra que já sacava a sua arma e a destravava.  Ele parecia ter a
minha idade, mas era muito mais rígido. Tanto ele quanto Alessandra, eram
objetivos e tinham pensamentos rápidos. Assim como a sua forma de se
comunicar também... será que era de família?
Família... Família... A palavra ficou ecoando em minha cabeça, conforme o
elevador subia. Até que tive um estalo  e ofeguei, inclinando-me para frente,
nervosa. Me virei para o rapaz, com os olhos já marejados e agarrei o seu colete.
— Katherine, não aprendeu tudo que sabe, tirando tudo da própria cabeça! —
falei totalmente pálida.
— O quê? — questionou ele, confuso. 
— A Katherine passou anos observando o pai, tentando aprender tudo que
pôde... Involuntariamente, ela replicará as ações e planos de ações dele —
lágrimas começaram a correr pelo meu rosto — Na antiga base do pai dela, qual
foi o primeiro passo que ela deu?
O homem, subitamente, pareceu ter entendido e ficou tão branco quanto eu. Os
seguranças ao redor, não entenderam e me pediram para esclarecer.
— O primeiro lugar que ela foi e que me mandou ir, foi a sala de câmeras  — falei
com a voz embargada — Sebastian sabe que eu não sou mais o ponto mais
vulnerável... É o Alejandro! Ele está ou estava na sala de câmeras!
— Merda! — exclamaram eles se virando e automaticamente, começaram a bater
na porta do elevador e apertar os botões.
Por azar do destino, o elevador parou um andar abaixo e desesperados, todos nós
tentamos sair ao mesmo tempo, fazendo com que trombássemos fortemente um
no outro. Como eu era relativamente menor que eles, consegui escapar do
tumulto de corpos primeiro e sai correndo para as escadas. Os saltos
incomodavam meus pés e por isso, na volta da escada, apenas parei tempo o
suficiente para passar o dedo no calcanhar e os tirar. O rapaz, treinado,
conseguiu passar correndo por mim e não muito tempo depois, ouvi sons de
tiros.
Meus passos dobraram de velocidade, visto o desespero e ao chegar no corredor
de cima, corri com tanta pressa, que mal sentia mais o peso do meu próprio
corpo e tampouco sabia como iria parar de correr. Mais à frente, no fim do
corredor, vi o irmão da secretária mirando em uma porta, disparando nela e
entrando em seguida.
Tentei parar antes de chegar à porta, mas não consegui e acabei tropeçando em
meus próprios pés. Cai derrapando, passando direto pela porta onde era possível
ouvir a luta entre os homens. Dolorida, tentei me levantar e procurei
automaticamente a minha bolsa, mas ela tinha escapado das minhas mãos ao
longo da queda e por coincidência, tinha parado muito perto da porta.
Toda ralada e dolorida, engatinhei o mais rápido que pude até a bolsa e vi os
demais seguranças vindo pelo corredor, quase chegando a mim. Gesticulei que o
menino tinha entrado e eles confirmaram com a cabeça, com suas armas em
mãos, eles espiaram o que estava acontecendo e entraram no quarto. Sons de
mais alguns disparos ecoaram e eu não tinha ouvido até então o som da voz do
Alejandro.
Merda! O meu plano era ir para o meu quarto, ser pega pelo Sebastian e então o
Alejandro, com os seguranças que já estavam no corredor, apareceriam pelas
costas. Era para ser tão mais fácil, então por quê?! Deus! Pensei revoltada e com o
coração apertado. Trêmula, segurei a arma e a destravei.
Abaixada e ofegante, me aproximei o suficiente para tentar ver como as coisas
estavam lá dentro. Vi, logo de cara, o pé de um homem que estava provavelmente
morto. Os tiros tinham cessado um pouco e aproveitei aquela chance para chegar
mais perto. Vi o irmão da Alessandra gritar para se renderem de uma vez e então
um longo silêncio se estendeu.
Para surpresa de todos, a filha da Mcgregor falou:
— Sã-são vocês...? Por quê estão aqui e atirando em nós? O que está
acontecendo?!
Era isso que eu queria perguntar quando comecei a me levantar, mas senti uma
mão forte vindo das minhas costas, me agarrando o braço brutalmente e me
fazendo levantar de uma só vez como se eu fosse uma boneca. Eu não posso
acreditar nisso... Pensei amargurada. 
Não demorou para que o toque metálico de uma arma fosse apoiado em minha
têmpora e ele me empurrasse para frente enquanto me mandava abaixar a arma.
— Parece que vocês tentaram fazer uma armadilha para mim... —  disse
Sebastian, irônico —  Para o azar de vocês, soube pelo rapaz da sala de câmeras
que se separaram após encontrar o Thomas... Realmente foram inteligentes,
fizeram aliança com o meu chefe. Porém, decidi esperar e ver o que fariam.
Ele fez uma pausa e,  segundo a reação das pessoas à minha frente, soube que ele
tinha fitado cada um deles.
—  Foi divertido ver vocês se matarem, antes que eu nem sequer fizesse algo.
— Solte a Kayla — disse Alejandro saindo de trás da parede que o protegia,
colocando a arma que tinha no chão e a chutando para longe dele. Então veio
mais para frente, até ficar frente a frente conosco.
— Alejandro! Não! — gritei, tentando me desfazer da pegada do Sebastian, mas
sem sucesso.
— Garoto, sabe qual é o destino dos heróis? A morte — escutei seu riso baixo e
Sebastian encostou a arma com mais força na minha cabeça —  E se esta é a sua
vontade, pode morrer pelas mãos da mulher que ama. Você, garota,  erga a sua
arma!
Relutei, mas ele apertou com mais força o meu braço e levou a ponta da arma até
minha bochecha.
— Vamos, levante as suas mãos, aponte a arma para ele e atire.
Meu corpo todo estava tenso, o pânico começou a se alastrar em mim. Eu tinha
que ganhar tempo, não podia atirar no Alejandro. Meu corpo todo começou a
tremer incontrolavelmente.
— Kayla … — chamou Alejandro e ergui o olhar, com os olhos já marejados —
Vamos para o inferno juntos, pequena? 
Alejandro repetiu o que eu tinha falado a ele? Isso significava que ele tinha um
plano e estava me dizendo para atirar nele? Isso me deu esperança, mas também
me deixou ainda mais sobrecarregada, não podia fazer isso.
—  Se você não atirar, estouro seus miolos! — anunciou Sebastian, colando seus
lábios na minha orelha, fazendo-me estremecer de todo asco e medo  — E se você
não acredita, posso te dar uma prova… Como, por exemplo, atirando nos
figurantes!
O homem apenas tirou a arma da minha bochecha, mirou nos seguranças e como
em uma barraca de tiro ao alvo, puxou o gatinho. Atirando rapidamente na
cabeça de um e depois se voltando para o outro, me usando de escudo quando o
homem apontou sua arma para nós. 
— Olha, vai matar ela… — disse divertido e psicótico.
O homem se retraiu por meio segundo e Sebastian tirou proveito, rindo e atirou
no homem. Realmente, não havia escrúpulos no homem que me segurava, mas eu
soube que ainda havia lucidez e que não estava louco, quando mirou no filho do
chefe da organização, este que sim atirou em nossa direção, mas para minha
surpresa, pegou de raspão apenas. 
Pegou no meu braço que Sebastian segurava e acertou o braço do próprio
também. Ele ofegou de dor brevemente, se retraindo um pouco. A sensação de
ardor em meu braço, não foi tão dolorosa quanto pensei que seria ou quanto o
susto que tomei, pensando que morreria.
— Solte a garota! — exclamou ele. 
Mas Sebastian não respondeu com palavras, apenas começou a disparar diversos
tiros no rapaz, este que se jogou no chão, procurando um lugar para se proteger e
foi para trás de um móvel. Sebastian me puxou para trás, para ficar com a parede
do pequeno hall de entrada do quarto como proteção. 
— Você, te manterei vivo para poder te matar diante do seu pai… Não se
preocupe — anunciou Sebastian. 
Olhando para o Alejandro, vi ele olhar um pouco atrás do Sebastian e então, ele
moveu a mão disfarçadamente, apontando para o chão. Segui o seu olhar e vi o pé
de Sebastian, apoiado um pouco ao lado do meu. Entendendo finalmente o plano,
movi meus lábios, fazendo uma contagem regressiva de três, dois, um e  puxei o
cão da arma e o gatilho em sequência, atirando em seu pé. Involuntariamente,
Sebastian me empurrou para frente e eu caí de cara no chão.
Assim tudo se desenvolveu mais rápido do que eu pude acompanhar com os
olhos. Alejandro  gritou me mandando rolar para o lado e eu obedeci, mas por
pouco Sebastian quase acertou um tiro em mim, acertando o chão exatamente
onde eu estava. O irmão da Alessandra, saiu de onde estava com o outro
segurança que eu havia esquecido de estar ali, ambos vieram desferindo tiros no
peito do Sebastian, o que o fez ir para trás soltando a arma e tomando os
impactos dos disparos. 
Eu levei a mão aos ouvidos, me encolhendo no chão, tentando sair do caminho,
quando vi Alejandro se abaixando e pegando a arma que tinha chutado no chão,
da posição que ele estava mesmo e disparando em seguida.  
Involuntariamente, voltei meu olhar ao Sebastian. O tiro acertou o seu ombro, na
altura da clavícula. Ele  cambaleou com o pé e o ombro ferido para fora do
quarto, ainda que bravamente, estivesse se sustentando de pé. Ele  cuspiu sangue
e os homens pararam de atirar. No entanto, toda a cena surreal não tinha
acabado, pois, para a minha surpresa, vi de relance uma mão feminina segurando
algo preto, que posteriormente reconheci como uma arma de choque.  Em um
movimento rápido, a pressionou contra a lateral do corpo de Sebastian. 
O homem ficou com o corpo todo tenso por alguns segundos e então caiu no
chão.
Katherine se revelou, dando um passo à frente, se agachando ao lado do pai e
balançando o apetrecho de choque com o seu humor malicioso natural.
— Olá, papai… —  cantarolou Katherine, abrindo  a roupa do pai com cuidado e
revelando o colete — Sabia que não morreria fácil,  mas te prometi um destino
pior que a morte… Vim cumprir a minha promessa.
Ele abriu muito os olhos, encarando-a ainda paralisado, pelo choque que levou. E
escutei as ordens da Katherine, para alguém que estava com ela:
— Amarrem-no como um porco e façam um curativo nele… Não queremos que
ele sangre até a morte. — como se parecesse lembrar que nós estávamos lá, o
olhar dela se voltou para dentro do quarto — Oh! Olá, pessoal! Nossa, vocês estão
um lixo…
— Vai para o inferno, Katherine!  — por coincidência falamos juntos, Alejandro,
eu e o irmão da Alessandra.
Ela fez um breve silêncio, nos fitando enquanto, ao fundo, alguns homens
estavam amarrando Sebastian.
— Parece que viraram amigos — comentou mais para si mesma do que para nós.
Ela se levantou, com uma expressão de pouco caso, após dar de ombros. Olhou
adiante e parecia que alguém havia chegado, então sorriu. 
Voltei meu olhar ao Alejandro, preocupada se ele estava bem. Virei minha cabeça
em sua direção, vi estar a poucos metros de mim e ameacei ir até ele, mas me
retrai, lembrando do olhar de traição e mágoa que ele me fitou quando apertei
seu braço machucado. Eu não tinha o direito, tinha? Questionei. Afinal, eu fiz
aquilo sabendo que poderia perdê-lo. Contudo, sem se importar menos, ele foi
rápido e veio até mim,  envolvendo-me em um abraço apertado com seu braço
bom.
Por um momento, meu corpo todo ficou tenso e não me movi. Ele me abraçou
mais apertado, pressionando meu rosto contra o seu peito e seu queixo sobre a
minha cabeça. O som forte do bater do seu coração contra a minha orelha, em
conjunto com o seu cheiro tão familiar e confortável fizeram com que as lágrimas
corressem soltas pelo meu rosto.
— Me perdoe… — falei em um fio de voz — Eu entenderei se não me quiser mais,
mas, ao menos, por favor, me dê o seu perdão… Mesmo que eu não mereça.
Ele não me respondeu, apenas se afastou o suficiente para olhar em meu rosto e
tocá-lo gentilmente com as pontas dos dedos.
— Você, como sempre, brincando com o meu coração… Como você disse, minha
pequena problemática, eu estava disposto a ir ao inferno por você e você provou
que estaria disposta ao mesmo... O que importa agora é que tudo acabou... Certo?
— Tudo acabou… — falei enfim, me dando conta. E um sorriso foi nascendo em
meus lábios trêmulos pela emoção — É, é mesmo… Tudo acabou, não é? 
— Sim, pequena. Acabou… 
EPÍLOGO
“Do anoitecer até o amanhecer, só saberei amar você!”

KAYLA • Kayla Johnson


 
LONDON EXPRESS
Saturday, June 04, 2022
The Gossip Mail
Extra! Extra! Extra!
“ Há males que vem para o bem? ”
 
Um casal improvável, um amor nascido entre o caos!
 
Em março, logo após tantos percalços contra a vida da jornalista Kayla
Johnson, ela e o milionário Alejandro Ward anunciaram ao público o seu
relacionamento. Desde então, ficaram longe dos holofotes como medida
protetiva, já que o pai da ex-noiva de Alejandro, Sebastian Collins, se
provou ser o chefe de uma organização criminosa e era o mandante dos
atentados à jovem jornalista. (Para mais, pág 3  )
 
Mas não se enganem, o casal não ficou parado! Decididos a fazer a diferença
no mundo, fizeram uma aliança entre empresas, conseguiram grandes
patrocínios e deram início ao projeto de fazer uma rede de orfanatos com
apoio do governo. Orfanatos que darão o suporte completo, envolvendo o
estudo de qualidade, moradia, médicos e até mesmo custeando os estudos
para terem o suporte para o mercado de trabalho. (Para mais, pág 5).
 
Agora, neste sábado, ocorrerá em Granada, Espanha, um casamento
simples, apenas para a família e os mais próximos, nas terras da família
Ward. Incluindo, a nova integrante da família, a jovem Ana Ward, que foi
adotada pelo casal.
 
A pergunta que não quer calar é:
Este amor nasceu fora de hora ou na hora certa?
Se eles tivessem se conhecido de outra forma, as coisas poderiam ser
diferentes?
 
 
Ao terminar de ler, com um sorriso no rosto, dobrei com cuidado o jornal e o
coloquei sobre a mesa, deslizei minha mão para a minha barriga que ainda não
tinha volume e a acariciei. 
— Bebê, eles não deixam passar nada, não é?! — falei afetuosamente, deixando
escapar uma risada baixa— Imagina quando eles souberem de você, o escândalo
que estes “urubus” irão fazer! Talvez só não irão ganhar do escândalo que os seus
tios farão! Olha… Você será muito mimado! Mas por enquanto, fingiremos que
não sabemos de nada, certo? Senão eles não deixarão sua mãe sequer levantar da
cama e virarei uma bola!
Tinha acabado de falar, quando alguém bateu na porta. Senti meu sangue gelar,
pensando se já tinha acabado com a surpresa. Minha irmã Harley não esperou a
minha resposta, – não, minto, devo me corrigir. Agora ela era a minha
irmã/tia/sogra, já que se casou no civil com Henry – apenas entrou no quarto
parecendo um furacão, olhando para todos os lados.
— Kayla, com quem está falando? Está atrasada, aconteceu algo? O Alejandro
logo matará alguém se você demorar mais… — disse ainda agitada, mas assim
que o olhar dela encontrou o meu, desceu pelo meu longo vestido de noiva e
então, voltou ao meu rosto emocionado levando a mão à boca — Você está tão
linda! Parece uma rainha! A mamãe e o papai chorariam de felicidade ao te ver
assim… Foi por isso que não deixou que eu a acompanhasse enquanto estava
sendo arrumada? 
— Nossa, você acertou de primeira! — falei rindo e me virei de frente para ela,
ajeitando com alguma dificuldade o vestido, que embora não fosse o clássico com
suas anáguas fazendo volume, tinha muito tecido — Hoje você representa você
mesma, é claro. Mas também os nossos pais, a minha mais nova tia/sogra… É
"muita gente" perdendo a surpresa de me ver vestida de noiva. Aí não terá graça!
Harley estreitou os olhos para mim com um meio sorriso e bufou, antes de
revirar os olhos.
— Vamos logo, senão não teremos casamento, pois o noivo surtou e foi à caça da
noiva,  uma vez que a noiva é problemática e tem tendências a procurar
problemas… 
— Que absurdo! — reclamei, indo até à cômoda em que estava o meu buquê e o
pegando.  Olhei de relance para o relógio na parede atrás da Harley e meneei a
cabeça — Não tenho sequer me metido em problemas…
— Isso é o que você diz, mas o seu noivo parece estar bem ansioso…— comentou,
indo para trás de mim para pegar a barra do meu véu, este que arrastava no chão
— Na verdade, por quê você está tão atrasada? Quando cheguei aqui, você já
estava pronta.
Por um momento, tive que me empenhar para conter a gargalhada, afinal, o
Alejandro impaciente sempre foi algo extremamente engraçado e fofo, mas
aparentemente só para mim. 
— Harley, me diga, quanto tempo estou atrasada? — indaguei  com um enorme
sorriso no rosto enquanto saia do quarto. 
Harley soltou meu véu e puxou o celular dela, viu a hora na tela de bloqueio e
então ficou em um profundo silêncio constrangedor. Parei de andar e virei para
ela, sabendo a resposta. Ela também foi obrigada a contorcer o rosto para evitar
uma risada. 
— Intermináveis, terríveis e tortuosos, longos e penosos… Dez minutos! — eu
não aguentei mais e gargalhei, mas ela tentou se justificar — Não faça pouco caso,
Kayla! São dez minutos de puro inferno sob o olhar penetrante daquele homem! 
— Unhum… — respondi, mas a risada só ficou mais forte, afinal ela se casou com
o Henry… Por isso, dei voz aos meus pensamentos: — Só para te recordar, o
Henry é uma versão mais velha do Alejandro.
— Mas é diferente, o Henry é fofo… — se defendeu ela, fazendo uma careta.  
— Para mim o Alejandro também é… — rebati dando de ombros. Nós duas
ficamos nos fitando em silêncio, chegando em comum acordo que éramos casos
perdidos. 
— Vamos logo para este casamento… — falou ela, guardando o celular e voltando
a pegar o meu véu. 
— Vamos… 
(...) 
Logo que chegamos à escada, pude ver, distraídos lá embaixo, Joel, vestido em
seu terno, aparentemente deslocado ao lado de Harrison.  De toda forma, eram
meus dois pais, meus pais de coração e eu sabia que meu pai, aquele homem
maravilhoso e bem-humorado com quem tive o prazer de conviver por  quinze
anos de vida, também estava lá de alguma forma. 
Apoiei uma mão no corrimão e com a outra segurei o vestido, erguendo-o um
pouco, comecei a descer as escadas, o som dos meus saltos chamou a atenção dos
homens que se viraram em minha direção de imediato. Eles eram homens
distintos, que passaram por tantas coisas em suas vidas. Porém, a expressão de
surpresa, emoção e orgulho expresso em suas feições mexeram profundamente
comigo Talvez fosse a gravidez, mas tive o desejo de correr até eles,  abraçá-los e
apenas agradecer por tudo. 
Eles tomaram os seus lugares e me ofereceram as mãos quando eu já estava nos
últimos degraus. Tomei a mão deles e fui guiada em direção à porta que daria ao
jardim, que era onde iria acontecer o casamento. Logo que a porta foi aberta, tive
a sensação de que após ela seria outro mundo, um mundo belo, lindo e
maravilhoso, devido à visão dos campos esverdeados a se perder de vista na
propriedade dos Ward. 
Eu estava tranquila com o casamento até aquele momento, pois só nele,
realmente senti ser real. Que realmente estaria me casando com a benção de
Deus e de todas as pessoas que eu mais amava e respeitava no mundo ao redor.
Se isso não era realmente o paraíso, eu não sabia o que seria. 
 Logo que passei pela porta dupla para o jardim, ouvi o grito de Ana me
chamando e assim que me virei em direção ao som, a vi tão linda, pequena e
parecendo uma princesa com seu vestidinho de noiva branco, enquanto
carregava a cesta das alianças. Meu sorriso se ampliou e me abaixei para poder
recebê-la em um abraço. 
Logo que estava perto o suficiente de mim, ela se jogou em meus braços me
dando um abraço apertado e se afastou apenas o suficiente para falar:
— Você está tão linda!!! Parece a moça daquele livro de histórias! — Os olhos
dela cintilavam de pura alegria. 
— Sério? Nossa, estou lisonjeada! — falei rindo — Você também está linda! Como
uma magnífica princesa!
Só então, ouvi o som da voz da Scarlet, vindo cansada atrás de Ana. 
— Ana, não seja assim… — disse ofegante — Você vai desarrumar a noiva!
Lembra que hoje é um dia muito especial para a sua mãe e seu pai….
É, realmente era real. Ana era nossa filha, claro que nos casamos no civil para
poder resolver os trâmites muito antes do casamento religioso, além disso, logo
quando a adoção saiu foi quando decidimos organizar o casamento para
recebermos a benção de Deus em família. 
— Está bem… — falou ela amuada em meus braços. 
— Não se preocupe, depois você vai poder pular todos os dias nos meus braços…
— murmurei perto do ouvido dela e o seu sorriso  se ampliou. 
— Sério?! — indagou com os olhos cintilando de alegria. 
— Kayla, você está mimando a menina… Ela tem que saber que tem horas que
tem que se comportar! — disse Joel em seu tom imponente de pai responsável
que foi para Harley e eu. 
Concordei e olhei para Ana, indicando que ouvisse ele, pois Joel estava certo. 
— Tá bom… Desculpa — pediu ela. 
Eu a coloquei no chão contra a vontade, já que demorou meses para que Ana
viesse a se comportar mais livremente como uma criança, sem medo de que algo
de ruim pudesse vir a acontecer subitamente. 
O olhar de Scarlet nos fitando, tinha tanta doçura que me senti sendo envolvida
em um caloroso abraço. Eu nunca poderia agradecer mais a existência de alguém
a Deus do que a dela. Sem pensar muito, apenas falei:
— Obrigada por existir… Deus me abençoou com muitos anjos para me salvar em
meio ao caos. E irei preservar por cada momento da minha vida, a gratidão por
conhecer cada um de vocês. 
Surpreso, o olhar de Scarlet marejou, olhei para os lados e os dois homens
passaram a evitar o meu olhar. Ana correu para ver o rosto que eles estavam
tentando esconder e a cada rosto que ela via, seu sorriso se ampliava.
— Tia Kayla, digo, mãe! Os dois tios estão com os narizes parecendo morangos!
Você tem que ver! 
Ela pulava, sorria e apontava. Não tinha maldade, apenas parecia tão feliz que
não sabia como expressar e eu meio que entendia ela... 
Porém, o momento divertido foi interrompido drasticamente quando ouvimos
uma tosse mal-humorada. Voltamos a nossa atenção para o som, quase
sincronizados. E encontramos Alessandra com uma expressão de poucos amigos
segurando o celular. 
— Vejo que todos estão se divertido, porém, vocês deveriam ter consideração
com os demais… — repreendeu-nos Alessandra, a ainda secretária do Alejandro
com uma expressão muito séria, mostrando o celular — Temos um noivo que
está prestes a mandar espalhar seguranças por toda a propriedade em busca da
noiva desaparecida. 
Na verdade, Harley tinha dito que Alejandro estava agitado e nervoso. Eu me
emocionei e me diverti com eles ao ponto de esquecer meu pobre noivo no altar. 
Senti a culpa cair sobre meus ombros e pedi desculpas: 
— Desculpe, já vamos… — falei sem graça, então, para a minha surpresa,
Alessandra me olhou com atenção, sorriu e piscou para mim. 
— Mas se quiser fazer ele sofrer um pouco mais, não me incomodo, ele me enche
de trabalho com tanta frequência que posso me tornar cúmplice de você  num
complô contra o Alejandro facilmente — meu queixo só não caiu porque eu não
esperava nada diferente dela, visto como ela o tratava como um incômodo, mas
não deixava de trabalhar para Alejandro. 
Era nítido que ela tinha nele a visão de um problemático irmão mais novo, que
embora a irritasse, jamais o deixaria de lado. 
— E no dia que se cansar do Alejandro, você me procura que…
— O que dia que cansar do Alejandro, o quê, Alessandra? — questionou a esposa
dela aparecendo logo atrás, surpreendendo a todos nós. 
A morena cruzou os braços com uma expressão de poucos amigos e pela
primeira vez, deixei de ver a secretária supereficiente do Alejandro para ver
apenas a Alessandra. 
— Eu a ajudarei a conseguir o papel de divórcio… Você sabe, os Ward não
costumam se separar… — respondeu Alessandra tentando se justificar enquanto
seguia a esposa que lhe deu as costas e estava voltando para a área onde
aconteceria o casamento. 
O silêncio se espalhou entre todos nós,  não tivemos coragem de rir, embora o
desejo fosse grande entre os adultos, até que senti a mão da Ana puxando de leve
minha roupa. 
— Por que ela ficou brava? — questionou curiosa. 
— Bom… Ela pegou a conversa pela metade e não entendeu direito. Escute-me,
sempre procure saber a história toda, não só uma parte  — falei em um tom sábio
e ela confirmou com a cabeça apressadamente — Bom, vamos antes que o
grandão surte. 
(...)
Quando estávamos chegando ao jardim preparado para o casamento, a primeira
coisa que vi foi a quantidade de flores azuis, espalhadas ao redor. Eram tantas
que realmente pareciam ter saído do livro que li para Ana. Meu coração se
aqueceu, pois ele tinha lembrado e um sorriso que não cabia em mim, brindou os
meus lábios.  
Harley soltou meu véu logo que chegamos perto o suficiente. O casal Grand foi na
frente passando pelo corredor, logo depois Harley foi de encontro ao seu marido
e entraram tomando seus lugares, uma vez que eram nossos padrinhos e
madrinhas. Ana tomou seu lugar logo adiante de mim, que estava um pouco atrás
do arco de flores. Uma vez que Harley e Henry saíram do meu campo de visão, eu
pude ver Alejandro, parado em pé, me esperando. 
Ana começou sua caminhada pelo corredor e eu não conseguia sequer tirar os
olhos do Alejandro, tampouco, parecia que ele poderia tirar os olhos de mim.
Hipnotizados um pelo outro, em nosso próprio mundo, dei o primeiro passo em
direção a ele e tudo que passamos juntos, nos poucos meses até àquele instante,
me tomou a mente. 
O início do caos no calor dos seus abraços, quando perdi meus pais e como ele,
sem nem ao menos eu  saber quem era, se tornou meu mundo naquele instante.
Como somente ele conseguiu chegar a mim, todas às vezes, mesmo após o nosso
reencontro, anos depois… Até nos momentos de extremo perigo. 
Além disso, ele não veio sozinho, com ele trouxe a família, amigos e até mesmo
sua ex havia ganhado um lugar especial em minhas memórias. Aliás, naquele dia,
há três meses, até o último segundo ele deu tudo de si por mim. 

 
A três meses atrás…
— Você como sempre, brincando com o meu coração… Como você disse, minha
pequena problemática, eu estava disposto a ir ao inferno por você e você provou
que estaria disposta ao mesmo por mim... O que importa agora é que tudo acabou...
Certo?
— Tudo acabou… — falei enfim, me dando conta. E um sorriso foi nascendo em
meus lábios trêmulos pela emoção — É, é mesmo… Tudo acabou, não é? 
— Sim, pequena. Acabou… 
— Será que acabou? — A voz feminina e endiabrada da Katherine se sobrepôs ao
nosso momento, o interrompendo — Eu deveria matar todos vocês e fazer queima
de arquivo? 
Voltei a minha cabeça para ela e a mesma estava com um sorriso em seus lábios,
segurando a minha arma e a engatilhado.  Alejandro não pensou, apenas virou
nossos corpos, fazendo-se de escudo humano. Eu gritei, me debati assustada,
pensando que ele iria morrer. Fiquei revoltada por pensar que após tudo aquilo, as
coisas terminaria assim… Nós dois lutando pela vida para morrer na praia. 
Gritei a plenos pulmões um forte "Não!", mas, mesmo assim, ele não se movia, até
que ouvi o som do disparo…
Paralisada, vi Alejandro fechando os olhos com força, então chorei pensando que o
perderia, levando minha mão ao seu rosto. Porém, naquele instante ele abriu os
olhos, mostrando-se surpreso e confuso, me deixando em seguida, de igual
maneira. 
— Kayla, caso você se meta em um momento assim, não se distraia, não entre no
seu mundo e deixe sua arma caída no chão… O mundo é muito traiçoeiro para
confiar em alguém. Eles estavam certos em não confiar em mim. Mesmo após eu
pegar meu pai, você deveria continuar em alerta até que todos nós fôssemos
embora… — O tom de voz da Katherine era mais sério e livre de todo o deboche que
geralmente ela empregava — Um dia, você chegou à conclusão que eu sentia
simpatia por você e estava certa. Somos tão opostas que chega a ser ridículo, nunca
se esqueça, não sou sua amiga, jamais serei… Mas foi bom ter feito negócios com
você. 
Antes que o Alejandro saísse de cima de mim e eu pudesse olhar para Katherine,
ouvi o som da arma sendo posta no chão. Eu não tive oportunidade de responder,
pois ela foi embora  levando consigo, Sebastian, a filha da Mcgregor e o irmão da
Alessandra. 
Passaram-se mais alguns segundos e o Alejandro ainda não havia saído de cima de
mim. Então o chamei:
— Alejandro? Você está bem? Já pode sair de cima de mim… 
— O meu braço não me permite me mover… Além disso, estou sentindo tontura… —
E então ele desmaiou sobre mim, se não fosse Alessandra chegando com mais
seguranças e logo depois a polícia, talvez Alessandro, com seu peso mais o colete,
teria me deixado asfixiada. 

 
De volta ao casamento…
Ainda não estávamos cem por cento, depois de tantos problemas e ferimentos.
Ainda havia alguns hematomas, cicatrizes, mas o que ainda seguia forte era nosso
amor e dedicação um ao outro, além dos nossos propósitos.  Agora ajudamos
todas aquelas crianças, tínhamos nossa casa em Londres e na Espanha, tínhamos
nossa filha e um bebê a caminho, o que mais eu poderia desejar? Pensei, mas tive
um estalo de memória. 
Ah! Sim, tem mais uma coisa, sim! 
Assim que finalmente segurei a sua mão para a cerimônia começar, tentei me
lembrar, onde havia guardado aquilo. O padre falava e eu tentava recordar,
minutos se passaram comigo fazendo as coisas no automático enquanto
mantinha o sorriso. Então chegou o momento dos votos e finalmente lembrei
onde eu havia colocado, ou melhor, com quem eu havia confiado. 
—  A noiva, por favor, os seus votos… — disse o padre. 
— Um momento… — falei e me virei aos convidados.  Meu olhar passou por
todos, a Michelly, minha psicóloga, Noah, o meu chefe, Sophia e por fim, cheguei à
Samille  — Samille, me traga aquilo. 
Samille se levantou e veio em minha direção com uma pasta em mãos e me
entregou. 
— Agora sim. Nestes votos, falarei toda verdade não dita, o obscuro segredo
entre mim e Alejandro. Éramos desconhecidos quando não nos apaixonamos de
primeira, mas tivemos uma conexão. Na segunda, também não posso chamar de
amor, o nome daquilo era Te… Perdão,  padre. Na terceira vez, foi algo
turbulento, complicado… E foi feito uma proposta de casamento por contrato,
que eu não aceitei, é claro. Ainda era um desconhecido… Não, um quase
conhecido? Talvez… Bom, isso foi naquele momento ao menos, mas depois sim,
aceitei um contrato que nunca sequer cheguei a assinar. Por acaso, enquanto
arranjávamos toda organização do casamento, decidi fazer o tal contato. 
Abri a pasta que Samille me deu e comecei a ler o contrato:
— O senhor Alejandro Kaleo Ward, terá como dever proteger a senhora Kayla
Ward todas as vezes em que ela estiver prestes a desabar. Incluindo em sacadas,
quando ela estiver bêbada, recitando Romeu e Julieta. Também deverá ser
persistente e lembrar à sua senhora o porquê ela deve ser uma Ward e o porquê
os Ward não são conhecidos pelo divórcio. Deverá ouvir atentamente a sua
esposa, embarcar nas suas loucuras e tentar ser a razão em meio a toda sua
bagunça (...) A senhora Kayla Ward deverá tolerar a extrema confiança do marido
em horas impróprias, entender que não se vive um CEO de sucesso, sem
trabalhar como um cão. Mas também, trazê-lo ao pé no chão sempre que
necessário, pois ele não é insubstituível. Ademais, em questão de tolerância, ao
seu alto nível de sinceridade brutal e direta, deverá ter momentos em que terá
que contar até mil para conseguir lidar (...) Dormir em sofás estará proibido,
então ambos terão que resolver suas diferenças antes de se deitar… 
Parei para retomar o ar, mas subitamente a pasta foi tirada da minha mão e o vi 
sorrindo, virando a pasta com o contrato para si.  Além disto, vi Alessandra se
aproximando rapidamente, jogando uma caneta nos braços dele e voltando para
o seu lugar. 
— Ei...  Não quer terminar de ler? — indaguei com humor — Tem certeza de que
já quer assinar? Olha, eu posso ter colocado algumas coisas em letras miúdas…
 — Este contrato está perfeito… sobre as possíveis letras miúdas, acredito que
sejam exigências que valerão a pena…  — respondeu ele abrindo um sorriso. 
— Será? — indaguei misteriosa — Leia a última parte. 
Ele estreitou os olhos e eu revirei os meus. 
— Estou dizendo, depois será tarde para voltar atrás. 
Ele levantou a pasta e começou a ler:
— Por último e não menos importante, o senhor e senhora Ward, deverão ser
bons pais, para a menina Ana Ward que foi adotada e para o bebê… — naquele
momento ele se calou, ficando sem reação, me olhou e então voltou o olhar ao
papel e terminou a leitura: — O bebê que faz morada atualmente no ventre da
senhora Kayla Ward. 
Alejandro mordeu os lábios e vi seus olhos marejarem, ele soltou o contrato, este
que caiu no chão, se aproximou de mim em um rompante e me beijou como
nunca. 
E se o padre tivesse algo mais para falar, acredito que seria: "Eu os declaro
marido e mulher.”
BÔNUS
“Apenas um a irmã mais velha...”

HARLEY • Harley Johnson


 
 
Vendo a minha irmã dançando nos braços do seu noivo em sua festa de
casamento, recordei de tudo que passamos ao longo dos anos. 
Eu estava terminando o ensino médio, quando perdi meus pais. Vi-me com a
minha irmã, na casa de um homem que conhecíamos como tio, que sempre foi
legal, mas que não tinha nosso sangue. Eu não me sentia confortável, mas não
tínhamos nenhuma outra opção. Joel, com o tempo, se provou maravilhoso e
confiável.
Porém, minhas preocupações não cessaram, já que cada vez que olhava a minha
irmã, via o rosto da minha mãe ou do meu pai. Por meses isso me atormentou.
Naquela época, chegamos a ir em psicólogos e disseram ser um transtorno de
estresse pós-traumático. Mas nunca deixei minha irmã sonhar com isso. Afinal,
cada vez que via como Kayla se tornava terrivelmente retraída com seus próprios
desejos, me sentia ainda mais culpada. 
Antes ela era mimada, egoísta, implicante…  E a vi parando de fazer qualquer
pedido egoísta, colocando sempre os outros à frente. A incapacidade de dizer
“não” a alguém, segundo a psicóloga dela - que escutei atrás da porta - , foi
porque antes de os pais saírem ela disse que não iria.
Joel se sentou e conversou com a Kayla e com o tempo, ela passou a sorrir mais, o
que nos animou. Porém, não sabíamos o que se passava na mente dela, já que não
se abria…
Mas isso mudou parcialmente quando, em um dia, em um café da manhã, Kayla
veio dizer que a convidaram para ser do comitê jornalístico na escola e que ela
concordou. 
Assistimos ela se dedicar com afinco, sem reclamar, mesmo quando ela tinha que
ficar até mais tarde na escola ou deixar de participar dos eventos mais populares
entre os alunos. A vi realmente empolgada, claramente se sentia importante e
necessária. A parabenizei, pedi a Joel o dinheiro dos meus pais e comprei um
gravador, mas senti como se não tivesse lhe dado nada e sim nossos pais… Me
senti desconfortável. 
Queria ajudar e comprar coisas, mas com o meu dinheiro, por isso, logo que pude,
encontrei um trabalho em um escritório.
Já no meu primeiro dia, não poderia ter sido pior. Tudo que me ensinavam, eu ia
terrivelmente mal. Consegui inclusive, cortar o meu dedo em uma folha de papel.
Frustrada, querendo chorar de raiva, pedi licença e fui para o banheiro. Dentro
do box, chorei por alguns minutos e quando deu o horário, fui lavar o rosto e me
recompor. 
Eu estava saindo do banheiro, quando esbarrei em um homem mais velho. Alto,
moreno, com alguns poucos cabelos mais claros ao lado da cabeça, e ele tinha
olhos profundos que me observavam  atentos. 
— Desculpa… — disse levantando as mãos e me afastando, mas, para o meu azar,
quase cai, tropeçando no salto que usava e não estava acostumada. 
Lembrava que ele me segurou pelo braço e meu rosto ruborizou
automaticamente enquanto sentia um arrepio percorrer por todo o meu corpo. 
— Não tem com o que se preocupar, eu entendo — ele tinha uma expressão séria
e severa, mas abriu um sorriso tão bonito que o meu coração quase parou de
bater.
— Senhor prefeito, precisamos ir — disse uma pessoa ao lado dele, esta que o fez
parar de sorrir de imediato e ele confirmou com a cabeça. 
Ele me ajudou a levantar, segurando-me firme, mas, uma vez que eu estava de pé,
sua mão deslizou pelo meu braço assim como o seu olhar, até pousar em minha
mão. Tentei retraí-la ao lembrar do machucado, mas o prefeito levou uma mão ao
blazer e tirou um lenço, colocando-o na palma da minha mão machucada. 
 — Enrole seu dedo, ainda está sangrando. Tenha cuidado — E sem mais, ele me
soltou e foi embora. 
Foi algo simples, mas foi isso que me motivou a querer saber tudo sobre ele.
Descobri que era um homem bom, digno, sempre sério com seu trabalho, que
seus colegas o provocavam dizendo que não o achavam humano, já que nunca
tirava férias… 
Mesmo nos dias atuais, ainda segue a mesma rotina, pensei com humor.
Em todo caso, na época eu apenas queria chegar em um lugar onde poderia estar
ao lado dele, seja como for… Queria ser uma pessoa incrível como ele. E quanto
mais tempo me dedicava à minha meta, comecei a não pensar tanto nos meus
pais e comecei a conseguir ficar mais tempo perto da Kayla. Infelizmente,
naquela mesma época, minha irmã tinha se encantado por Richard… 
Para falar a verdade, não ia com a cara dele, mas a expressão dela quando o viu
pela primeira vez, me fez ter esperanças de que ela também pudesse  ir voltando
ao que era antes.
Nós duas não poderíamos estar mais erradas sobre isso, mas ao menos, no final,
todas as verdades vieram à tona, eu me tornei secretária do meu amado prefeito
e mais que isso, a sua esposa. E a Kayla, encontrou o seu verdadeiro amor e agora
estava verdadeiramente caminhando para a sua nova vida enquanto esperava
uma criança.
BÔNUS & FÃ SERVICE
“Reclamações a fazer X Desejo X Sonho X Bebê ”

ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward


 

Londres • um mês para o Natal


 
Kayla estava sendo muito paparicada e eu estava quase sendo expulso da minha
própria família! Ou eu poderia estar exagerando... 
 Scarlet nos obrigou, fazendo chantagem emocional, a ficarmos em sua casa e
assim poder cuidar da Kayla, enquanto eu trabalhava. Não o bastante, Joel fechou
a sua clínica por um tempo, dizendo que se dedicaria a cuidar da saúde da Kayla e
da bebê, já que nos últimos meses não estava atendendo a tantos pacientes,
apenas repórteres tentando conseguir alguma informação da Kayla. 
Podem pensar, mas você trabalha muito, é normal eles quererem ficar com ela. E
eu concordo com vocês! É claro que eu tinha trabalho, a Alessandra jamais me
permitiria esquecer isso! Ou os meus sócios, ou os problemas que me perseguiam
onde quer que eu fosse… 
— Alejandro…
No entanto, mal me deixavam ficar ao redor da minha esposa. Toda vez que eu
me aproximava para falar algo, a intrometida da velha xereta da minha irmã
tomava a frente, chegando até a roubar o meu celular da minha mão. Quando eu
conseguia nem que fosse abraçar ou tocar a barriga da Kayla, estava na hora de
dormir… 
— Alejandro…
A minha pobre pequena, já não estava mais tão pequena assim, pois  estava com a
barriga muito grande, afinal, já estava com oito meses e o nosso momento mais
próximo como um casal, era quando eu fazia massagem em seu quadril para
aliviar as suas dores ou na hora dos exercícios para ajudar no parto. 
Sei que podia estar parecendo um velho resmungão, mas eu seria pai! Não
deveria ser o meu momento também? Bom, não tinha o que fazer e eu sabia que
teria o resto da vida para ter a Kayla e a nossa filha para monopolizar. 
Então, em um rompante, fui tirado dos meus pensamentos quando uma caneta
voadora acertou o meu rosto e sai do meu devaneio. 
— Olha, eu não queria estar aqui hoje tanto quanto você… — reclamou
Alessandra, muito irritada — Talvez você se esqueça, mas eu também tenho uma
vida! No entanto, logo será natal e você assumiu toda a responsabilidade do
evento de natal para os órfãos “sozinho”, já que a Kayla está no último mês de
gestação. O último evento foi aquele caos e olha que ele já havia sido realizado lá
antes. Agora estamos em um lugar novo…
Sem muita opção, apenas concordei com a cabeça e terminei os últimos detalhes
do evento junto com Alessandra.
(...) 
Quando cheguei ao quarto, escutei a voz da Kayla que estava tomando banho na
banheira. Ela estava reclamando da lombar, mas agora gemia de satisfação com o
alívio que a água quente proporcionava, o que me fez sorrir enternecido com seu
prazer. Animado e louco para estar com ela, tirei o blazer, a gravata e os sapatos
e fui para dentro do banheiro, já tirando também a minha camisa. 
— Olá, pequena! Vejo que está se divertindo… —  falei uma vez que meu olhar a
encontrou. O seu sorriso se abriu lindamente para mim. 
—  Olá, grandão. Quer entrar aqui também?  — perguntou, inocente como uma
pequena coelha  — Parece cansado, podemos tomar banho juntos para relaxar.
Está cansado do trabalho, não é?
Aquela mulher às vezes esquecia que se eu fosse ser um animal, seria um
carnívoro... 
— Se eu entrar nessa banheira, pode ter certeza que não será tomar banho que
farei, pequena… —  falei sinceramente e a vi ficando surpresa por meio segundo,
para então dar uma sonora gargalhada.
—  Gorda e enorme como estou? Quase acreditei —   debochou ela, duvidando da
minha atração  — Além disso, com o peso que estou, não tenho nem coluna para
isso…
Meu olhar percorreu o seu rosto até descer pelo seu pescoço e chegar aos seus
seios, estes que estavam maiores e mais cheios. Os mamilos escurecidos pela
gravidez eram excitantes. Meu pau doía só de me imaginar passando as mãos em
seus seios e tomando-os com a boca em fortes chupadas enquanto estaria o mais
fundo possível dentro dela. Meneei a cabeça para ela enquanto abria um sorriso
gatuno. 
— Se você soubesse a frequência com que penso em transar com você, não estava
falando uma coisa assim para mim, pequena —  falei calmamente, jogando a
minha camisa de lado para em seguida tirar a minha calça e cueca junto,
revelando o meu pau já semi ereto. 
—  Alejandro… —  falou em tom de aviso enquanto me olhava faminta de cima a
baixo, mudando de “não” para “quero com toda certeza” bem rápido —  Não
brinque comigo…
—  Aliás, acho que li em algum lugar que uma vida sexual ativa durante a
gestação ajuda na hora do parto… — falei com a voz já grave de tesão, erguendo
uma sobrancelha.
Kayla deu um sorriso maroto, umedecendo os lábios enquanto seu olhar estava
concentrado em meu pau cada vez mais dilatado. Percebi nela um desejo tão
intenso quanto o meu.  Sempre tão receptiva e perfeita para mim. 
Assim eliminei a distância entre nós e entrei na água devagar, afastando com
delicadeza o corpo de Kayla para frente para que eu pudesse me sentar atrás
dela. Fui me sentando lentamente na banheira, encaixando seu corpo morno
contra o meu, deliciado com a visão da sua pele clara e leitada, que sempre me
fazia desejar saborear cada pequeno pedaço seu com a boca.
Kayla suspirou quando sentiu meus braços envolvendo o seu corpo, encaixei o
meu rosto no vão do seu pescoço, aspirando o seu cheiro delicioso e a vi se
arrepiar. Ela se acomodou, deixando sua cabeça pender para trás, me dando
liberdade para fazer o que quisesse ali, além de me permitir ter a bela visão do
seu corpo. Enquanto eu beijava seu pescoço, minhas mãos começavam a vagar
por seus antebraços em uma lenta carícia, até que deslizei a minha mão até seu
ventre volumoso.
Kayla roçava as unhas de leve em minhas pernas, causando-me um estremecer
de tesão. Ela era fogo, estava nos meus braços e era tão minha, que sabia
exatamente o que fazer para me deixar louco… Fazia algum tempo que não
transavamos e estava ansioso, mas estava em um dilema, tinha medo de
machucá-la, não iria fazer nada não fosse confortável para ela.
No entanto, o meu pau roçando em suas costas, estava me deixando fora de mim.
Faminto, agarrei seus seios fartos com as mãos e brinquei com o bico dos seus
seios endurecidos. Kayla ofegou de prazer, em um gemido tão longo de deleite
que me fez prender a respiração.
— Juro que foi uma péssima ideia tomarmos banho assim... — grunhi, mordendo
em seguida sua orelha, apertando-a mais contra o meu pau —  Maldição… Eu
quero muito te foder.
Kayla em resposta moveu o quadril, pegou uma das minhas mãos e a guiou para
o vale de suas pernas.
— Então me foda, grandão… — gemeu, mordendo o lábio inferior.
Sem demora, comecei a brincar com seu clítoris apenas para observar a sua
resposta corporal, que como sempre era tão sensível ao meu toque, conforme se
contorcia e gemia pedindo por mais. Sorri gatunamente e com a mão que ainda
estava em seu seio, o apertei com alguma brusquidão. Ela gemeu alto, falando o
meu nome, totalmente entregue à sensação inebriante entre a dor e o prazer.
— Não brinque comigo, Kayla… 
— Pareço estar brincando?  — respondeu com sua voz embargada pelo desejo
conforme erguia o quadril para me dar ainda mais acesso ao seu sexo.
— Estou com medo de machucar você… Mas você é tão gostosa… — admiti com
voz baixa, engolindo em seco, fazendo um esforço heroico para não  levantá-la
um pouco mais, empinar a sua bunda para mim e  penetrá-la com uma só
estocada, para matar a minha vontade desesperada de estar o mais fundo
possível na minha mulher.
— Não vai… Leve-me para a cama — pediu, ofegante e necessitada.
Contive um gemido dolorido, visto o efeito da sua resposta em meu pau,
trincando os dentes. Ergui-me, em seguida a ajudei a levantar e sair da banheira
em segurança. Peguei a toalha que estava mais próxima e a envolvi no seu corpo,
secando-a um pouco, mas sem perder a chance de provocá-la e levá-la um pouco
mais à loucura. Afinal, era justo que ela sofresse tanto quanto eu… 
Tomei Kayla em meus braços com cuidado, erguendo-a do chão. Caminhei de
volta para o quarto e coloquei-a na cama, assim que corrigi minha postura, me vi
apreciando sua beleza... 
O coque em seus cabelos se desfez e eles  se esparramaram sobre o travesseiro,
seus seios intumescidos exigiam atenção, tanto quanto sua boca inchada pelas
mordidas que ela mesma deu.
— Linda... — murmurei  — Como você é linda, Kayla… E toda minha. 
Seu olhar segurava o meu, febril e apaixonado. Kayla ergueu-se o suficiente para
o seu braço alcançar e acariciar meu peito, provocando-me com suas unhas,
explorando cada ponto que me excitava... 
Me abaixei, tomando a sua boca em um beijo, fazendo-a voltar a se deitar,
conforme cuidadosamente eu me deitava ao lado do seu corpo, para não me
deitar sobre ela. Murmurei para que tivesse calma, embora eu mesmo estivesse
no meu limite e provavelmente já estivesse ficando com as minhas bolas roxas. 
No entanto, não poderia ser um maldito bastardo com ela e transar como se não
houvesse um amanhã. 
Kayla, por outro lado, não parecia estar de acordo com os meus planos e
emaranhou suas mãos em meus cabelos, puxando-os, ofegante, me pedindo em
uma voz carregada pelo desejo que eu jogasse a calma no inferno, dizendo que
me queria dentro dela, que ansiava meus toques, meus beijos e o meu pau
entrando e saindo, em minhas estocadas ritmadas. Sua sinceridade junto à sua
descrição incitando a minha imaginação, me deixaram completamente maluco. 
Nosso beijo se aprofundou e trouxe seu quadril para mim, apertando seu
traseiro. Acariciei seu corpo com sensualidade, tomando posse de tudo o que era
meu. Deslizei a palma por seu ventre proeminente, até chegar no seu sexo úmido
e quente.  Kayla abriu as pernas para mim e passei a brincar com sua fenda
molhada, provocando-a conforme a abria mais para mim usando os meus dedos
para poder alcançar cada uma das suas terminações nervosas. 
Seus gemidos agudos encheram meus ouvidos enquanto eu enfiava meu dedo em
sua abertura úmida. Esfomeado, a fiz voltar a se deitar de barriga para cima e
levei minha boca até seus seios. Comecei a chupar seus mamilos tesos e escuros,
que endureciam em minha boca.
Kayla quase gritou. Percebi que então ela agarrou meu pau. E Deus, eu achei que
iria explodir de prazer ao sentir sua mão safada, deslizar por sua extensão até a
base e então voltar até à cabeça. Seus movimentos repetidos, me faziam gemer
contra seu seio que passei a chupar com mais e mais força, feroz, enquanto ela
começava a me bombear com a mão.
Notei então, desesperado, que Kayla havia parado de me masturbar. Levantei
meu olhar rapidamente para ela, em busca de resposta ou se algo havia
acontecido, com a minha respiração áspera, vendo-a com o rosto afogueado.
Nossos olhares se encontraram e  Kayla me surpreendeu. Devagar, ela se
levantou, forçando-me a deitar na cama. Sua expressão estava densa e sensual.
— Não vamos terminar com você gozando na minha mão… Você vai é gozar
dentro de mim… Acho que não tenho como ficar grávida duas vezes… — ela disse
com humor. 
Sorri e não seria eu que diria o contrário, até porque estava enlouquecido de
desejo.  Vi Kayla subir sobre mim, me montando. Posicionei-me melhor,
ajudando-a a se acomodar entre minhas pernas, arrumando o seu quadril contra
o meu.
A visão dela sobre mim, com seu ventre proeminente e os seios grandes com
bicos escuros era inacreditavelmente deliciosa. A expressão dominadora em seu
rosto despertava o animal em mim, no entanto, o lado humano ainda se fazia
presente e perguntei:
— Tem certeza? — perguntei com a voz rouca e a respiração entrecortada.
Ela não me respondeu com palavras, sua resposta foi erguer o seu quadril,
segurando o meu pau pela base e a senti descendo devagar em mim. Meu corpo
todo estremeceu com a sensação deliciosa e inebriante, conforme ela tomava
cada centímetro do meu pau. 
Kayla tirou a mão do meu pau e se apoiou em minha barriga, fazendo uma
expressão de puro deleite, conforme empinava o quadril para que no movimento,
tivesse ainda mais prazer. 
Puta que pariu! Pensei, sentindo-me vítima de uma tortura. A sua expressão em
conjunto com a sensação deliciosa de sentir sua boceta apertada me tomar, quase
me fez gozar ali mesmo.  Não o bastante, ela começou a mover o seu quadril, em
movimentos lentos e circulares. Levei a minha mão aos seus quadris sustentando
o seu peso e em um gesto automático, comecei a bombear dentro dela,
assumindo a missão de penetrar.
Conforme entrava e saia dela, minha mente foi ficando em branco, pensando
apenas no prazer e na visão dela se entregando ao prazer totalmente. Nossos
corpos suavam enquanto gemíamos juntos de prazer.
Em dado momento, a vi quase gritar e jogar sua cabeça para trás, com sua boceta
se apertando forte contra meu pau, enquanto gozava. Naquele momento, 
bombeei mais forte e não muito depois grunhi alto, estremecendo, em um gozo
forte. Preenchendo o seu interior com meu gozo, mantendo-nos na mesma
posição, até que os nossos espasmos de prazer cessassem. 
Exaustos e cansados, começamos a rir em seguida, como se tivéssemos
aprontado algo. Kayla se desencaixou de mim e se deitou ao meu lado. Abracei-a,
beijando o topo da sua cabeça e acariciando seu corpo.
— Falei que se eu entrasse naquele banho, eu não iria tomar banho algum…  —
falei, rindo travesso.
— Te juro que a princípio foi inocente… Mas aí você veio tirando a roupa, me
dando bons motivos para mudar de ideia…  — respondeu no mesmo tom que o
meu. 
(...)
Eventualmente, embora satisfeitos, estávamos cansados e acabamos caindo no
sono, com os nossos corpos entrelaçados. Porém, dado momento, o meu corpo
pareceu muito pesado, cansado… Estranhando, já que apesar da minha idade,
tinha muita estamina. Abri os olhos e vi o teto de um quarto que não se parecia
em nada com o meu, mas era familiar o suficiente para não me pôr em alerta.
Meu corpo não reagiu rápido, então não consegui apenas me levantar. Pela visão
periférica, vi muitas pessoas ao meu redor… Pessoas que eu não lembrava de ter
encontrado antes, mas que eu sabia exatamente quem eram.
A minha família… Ou eu achava que era. Acreditei estar em algum tipo de sonho,
mas tudo parecia real demais para ser um. 
Eles pareciam tristes, mas eu só conseguia pensar na vida que vivi, nas pessoas
que amei e em tudo que conquistei, completamente satisfeito e sem nenhum
arrependimento.
Meus filhos e filhas já não eram crianças que corriam pelos campos, já não
precisavam da minha proteção. Eram homens e mulheres feitos, alguns já tinham
até me dado netos e bisnetos. Alguns deles, de mim, só herdaram a
personalidade, outros nada… E uma das minhas conquistas que mais me
orgulhava cada vez que os via, era a anulação da regra dos irmãos se matarem
para o mais forte ou inteligente herdar o trono.
Eu estava velho, vivi mais do que qualquer um dos meus antecessores… Mas,
assim como para todos os humanos, a morte um dia viria me alcançar… Sabia que
seria logo e estava bem com isso. Alguém pegou a minha mão e arrumei forças
para levantar a cabeça, encontrando aqueles lindos olhos que poderiam roubar o
coração de qualquer um.
—  Khalid, meu sultão… Não se esforce, estamos todos com você…  —  ela sorriu e
embora eu visse dor no fundo dos seus olhos, o sorriso mantinha-se intacto em
seus lábios. 
— Minha pequena prometida, te juro, se houver uma vida depois dessa, não
importa o preço que eu tenha que vir a pagar, eu  irei te encontrar… 
Seus olhos se encheram de ternura, marejados e uma lágrima rolou pela sua face
enquanto ela levava a minha mão aos seus lábios. 
—  Eu irei te esperar, meu amor… O tempo que for necessário. Pode descansar, o
que é seu lhe pertence e ninguém jamais irá roubar.
A minha hora estava próxima, minha visão começou a escurecer, sentia poder dar
seu último suspiro e assim aconteceu… Enquanto me perdia no azul dos olhos da
minha doce flor do deserto. 
(...)
Meu coração  estava em paz, até que senti mãos quentes me tocarem o peito e me
empurraram, surpreso, me vi novamente abrindo os olhos. 
A primeira coisa que vi, foram os mesmos olhos que vi antes de partir do meu
sonho tão distante. Estava letárgico, vi o rosto da Kayla se formando, mas não
conseguia entender o que ela dizia, no entanto, sabia que eu já não estava mais
sonhando e diante de mim, estava a minha Kayla. A minha doce jornalista que
tinha especial talento para encontrar problemas e testar a minha sanidade… 
— Alejandro, acorda! Anda! — As pequenas mãos dela deslizaram para os meus
ombros e chegou a me sacudir um pouco.
—  Kayla…? —  indaguei com o corpo muito pesado como se tivesse exagerado
nos exercícios. Mas, conforme a letargia ia me deixando e ficava mais desperto, a
lembrança do sonho se perdia em minha mente, como se eu não tivesse sonhado
nada. 
—  A bolsa! —  exclamou ela agitada e eu não entendi que demônios era que
aconteceu com a tal bolsa. 
— Que bolsa, mulher? — falei bocejando.
Ela parou impaciente e me olhou séria, como se eu tivesse algum problema na
cabeça, além de completamente revoltada. Kayla mantinha aquela mania de se
perder em sua própria mente e me deixar de lado para,  no final, agir como se eu
tivesse poderes psíquicos.
—  A bolsa, Alejandro. A bebê… VAI NASCER!
Meus olhos se abriram muito e sem qualquer sinal de sono, me levantei em um
rompante da cama,  corri para a porta do quarto e gritei para o Joel.
— Alejandro, estamos nus! Como você chama os outros?! — disse ela, indignada.
Meu olhar recaiu sobre o corpo dela e então para o meu, agitado e num
pensamento rápido, olhei ao redor e por sorte, vi uma camisa minha sobre o
braço de uma cadeira. Corri em sua direção e a peguei, fui em seguida para
Kayla,  a fim de vesti-la e uma vez que consegui, a porta do quarto terminou de
ser aberta completamente, dando uma bela visão do meu traseiro para quem a
abriu.
—  Mas o que diabos…!!! — escutei a minha irmã exclamando e na surpresa, me
virei em sentido à porta. Vi Scarlet ao lado de Joel, Harrison e até a governanta e
o mordomo ao fundo com suas roupas de dormir. Todos parecendo querer
entender o que estava acontecendo. Sem me importar menos, me virei para eles e
disse:
— A bolsa dela estourou e começou a ter contrações. A bebê vai nascer!
Ana veio correndo não muito tempo depois, mas a governanta não deixou que a
menina visse o que estava acontecendo. 
— Mas por quê você está nu? — perguntou Joel entrando para poder verificar
como estavam as coisas com a Kayla, abrindo a sua maleta. Contudo, antes de
colocar o estetoscópio na barriga dela, ele mesmo respondeu — Ignore a minha
pergunta, rapaz. Apenas vá se vestir.  
Uma forte contração atingiu a Kayla, assim que o metal tocou a sua barriga e ela
ficou pálida e então a sua boca abriu muito, enquanto nitidamente víamos a onda
de contração evoluindo até o auge da sua dor. Fiquei pálido com ela e me
apressei em vestir alguma roupa e ir atrás da chave do carro, derrubando tudo 
que me atrapalhasse pelo caminho. Joel a examinou e nos informou, que se
fôssemos para o hospital tínhamos que ir imediatamente, pois estava faltando
muito pouco para ter dilatação o suficiente para que a bebê nascesse. Isso foi o
suficiente para mim, joguei a chave do carro para o meu cunhado e fui em direção
à Kayla. Sem qualquer cerimônia, a peguei nos braços e me apressei a sair do
quarto com ela, andando em passos apressados pelo corredor.
Ao sair porta afora da casa, Harrison praticamente se jogou no banco do
motorista do meu carro. Minha irmã pegou as bolsas e as jogou no porta-malas.
Eu entrei no banco de trás com a Kayla e o Joel foi no banco do carona. No final
não tinha espaço para a minha irmã ou mais ninguém, no fim, ela olhou ao redor
como se buscasse solução e então, apenas fechou a porta, disse pela janela que ia
logo atrás de nós, que o motorista da família já estava vindo.
No percurso para o hospital, segurei a mão dela e com a outra tentei massagear
as suas costas. Os intervalos entre as contrações evoluíram muito rápido,
chegando ao ponto da Kayla, como sempre, com seu humor peculiar, dizer:
— Parece que foi só o Joel falar e na hora, o corpo resolveu reagir e falou: Vamos
sentir tudo que tiver para sentir!  — E então veio outra contração com ela
apertando a minha mão com toda força. — Aaaah!!
Quando, finalmente, após intermináveis minutos, chegamos ao hospital,
suspiramos de alívio. Joel pulou para fora do carro e foi na frente, para chamar os
enfermeiros, porém, uma vez que eles chegaram com uma cadeira de rodas e
abriam a porta do carro, perceberam que eles mesmos teriam que fazer o parto,
pois já era possível ver a cabeça do bebê. Como tudo que envolvia a Kayla, o seu
parto também foi incomum e a nossa filha veio ao mundo no meio de uma
madrugada, no banco atrás do meu carro, na porta do hospital; nem sequer quis
esperar entrarmos nele. 
Será que eu devo me preocupar? Pensei enquanto via minha filha ser entregue aos
braços da mãe, tão pequena e linda… E o meu peito se encheu de alegria,
sentindo que tudo valeu a pena.
CURIOSIDADES

 
O que a Katherine estava fazendo, indo a hospitais de fertilização?
 
Ela soube por um de seus amantes que uma das mulheres de Thomas, o chefe da
organização, estava tentando engravidar, já que corriam rumores de que a filha
mais velha dele lhe virou as costas quando jovem e ele nunca superou isso. (Aliás,
foi com base nesta “carência” que ela conquistou a confiança do chefe da
organização, se tornando a sua filha adotiva).
•••
Henry ia morrer. O órgão que ele recebeu foi do tráfico humano que o Sebastian
conseguiu, mas obviamente Henry nunca soube disso.
•••
O elástico que  Alejandro roubou da Kayla, virou um acessório que ele, desde
então, não tirou mais do braço.
•••
Ethan, na juventude,  teve sim uma paixonite pela jovem Kayla e a observou
em segredo por muito tempo e  quando ela precisou de trabalho,  ele viu
oportunidade de se aproximar mais, mas esta também foi sua primeira desilusão
amorosa, pois ela nem sequer tinha olhos para ele.  
•••
Com o que o Alejandro estava sonhando no capítulo 21?
Era um fim de tarde e ele se viu procurando-a desesperadamente. Até que ela
apareceu diante de si, estava machucada e chorosa. Seu coração perdeu o
compasso ao vê-la daquela forma, ao mesmo tempo  que era um alívio encontrá-
la viva… O terror se instalava em suas veias, pois como era fim do dia, o sol
revelou uma sombra que não deveria existir na altura dos muros ao redor. Viu
um arqueiro, mirando-a com seu arco e flecha.  Não havia tempo para sequer
ordená-la se esconder, sendo assim, sem pensar muito mais, apenas fez o seu
cavalo correr em sua direção e me jogou sobre ela, cobrindo-a com seu corpo.
Não se importava em morrer, desde que ela ficasse bem. 
Ela era o amor de sua vida…
 
E então, quando Alejandro acordou e viu seu rosto são e salvo, sem pensar a
beijou aliviado, mas  ainda estava sonolento. Somente acordou quando ela se
aproximou e o beijou. 
(Recordação da vida passada de Vendida ao Sultão.)
•••
O fato da Kayla ainda estar com o seu relógio no capítulo 27, não foi um
deslize ou por acaso. No dia em que Mcgregor foi pedir ajuda em nome do
Richard (Extra 2),  Katherine fez uma contra proposta:
— Você poderá se ver livre das minhas ameaças, das do meu pai e irá viver sua
vida pacata com a sua filha em qualquer buraco que quiser no mundo, desde que
se alie a mim — disse Katherine.
— Você está me pedindo para me aliar a você? — questionou surpreendida,
Mcgregor.
— Você é surda? O mundo é feito de variáveis, ou você lida com elas, ou elas te
destruirão — disse dando de ombros — Não importa o percurso, desde que eu
chegue ao meu objetivo, Mcgregor. 
— O que devo fazer?
— Primeiro, você deverá servir o meu pai por mais um tempo, seguir suas
instruções, acatar suas ordens. Virar as costas ao Richard e esperar o momento
certo. 
Dias se passaram e na chegada do Natal, a notícia de Kayla e Alejandro no
orfanato, serviu a Katherine como uma luva para pôr todo o seu plano novo em
prática. Kayla ligou para Harry e não muito depois para Mcgregor.
— Chegou o momento de você sumir, peça a ajuda do meu pai, visto essa época
do ano, ele te colocará naquele orfanato amaldiçoado e conhecendo a Kayla, ela
pegará alguma coisa no ar e não largará o osso. 
— Você confia muito nessa garota… — comentou Mcgregor do outro lado da
linha.
— Não é que eu confie nela, apenas sei que pessoas como ela, não se fazem de
cegas — respondeu com tranquilidade — Neste momento, a leve para mim.
— Pensei que a visse como sua inimiga…
— Parece que está bem falante hoje, mas apenas obedeça às ordens.  ao contrário
dela, que pessoalmente não me incomodo com a existência, você faz parte do
meu plano até o momento, espero que você não se torne uma variável
descartável, Mcgregor.
•••
Noah Evans já foi o melhor jornalista da sua época. 
Por que ele se mantinha tão tranquilo em meio às diversidades e as objeções de
Kayla para algumas coisas? 
Quando ele era jornalista investigativo, ele encontrou coisas das quais se
arrependeu. “Quando você olha para o abismo, ele olha de volta para você.” É a
frase que melhor resume a situação em que ele se envolveu.  Sua esposa foi
sequestrada conforme ele descobria as coisas e graças a isso, algumas coisas
aconteceram e ela nunca pôde ter filhos. 
Devido  ao quão longe ele havia ido, se viu sendo obrigado a entrar naquele
mundo obscuro fora dos olhos da sociedade. Por sorte, ele fez algumas amizades
e conseguiu se manter neutro posteriormente, desde que não fosse fundo
demais. 
•••
Eles não adotaram o Tristan?
Não, embora Ana e Tristan fossem ainda crianças,  havia um elo muito forte entre
os dois, este que Kayla e Alejandro não quiseram colocar algum empecilho no
futuro, se caso viesse a ser amor. 
Eles não separaram os dois definitivamente.
Como boa parte das crianças do orfanato estavam muito traumatizadas,
Alejandro entrou em um processo para poder transferi-los para a Espanha, nas
suas terras em Granada. Iniciou a construção de uma grande casa para que eles
pudessem morar, tutores, professores, psicólogos e afins. Tornando-se o
responsável  por aquelas crianças, para que pudessem desfrutar de uma vida de
paz e tranquilidade. Ter acesso a animais, campos verdes e afins. Eles apenas
estavam esperando o alvará da justiça para que pudessem ser transferidos. 
Futuramente, se eles quisessem continuar em suas terras quando adultos, os
contrataria como funcionários.
•••
O  Natal no orfanato que todos estavam  esperando ansiosos?
Kayla ganhou a pequena Hope um mês antes do esperado. Por isso, com a bebê
muito nova, ela não pôde sair de casa. Mas Alejandro e a pequena Ana, vendo que
Kayla estava triste, montaram  um plano. Foram ao evento e fizeram uma
chamada de vídeo com a Kayla, colocando-a em uma televisão. Assim todas as
crianças puderam vê-la e também conheceram a nova membro da família. 
•••
A carreira da Kayla?
Ela abriu um canal no youtube com Noah onde fazia entrevistas.  Como esposa do
Alejandro, teve que se enquadrar na vida de socialite, dessa forma uniu uma
coisa à outra, além de fazer o que realmente gostava: entrevistar pessoas e fazê-
las   contar sua trajetória de vida, sonhos e motivações.
GRADECIMENTOS

Um agradecimento em especial ao meu filho, que é a recordação diária do por que devo
trabalhar e dar o meu melhor todos os dias, mesmo que, as vezes, ele me deixe louca.
Esta história, me fez estudar um bocado, deu um grande trabalho para ser realizada, e tive
ajuda das betas e de profissionais ao longo do processo.
 Betas: Amélia, Taci, Samuel. Gratidão por embarcar nas minhas loucuras e aguentar meu
mau-humor.
Betas ocasionais: Meu marido, Jéssica Larissa, Christine King, Hellen, Mayara Andrade,
Dany, Carol, Dinny, Guilherme e Viviane. Vocês aguentaram meus surtos quando achei que
tudo estava errado, ou que faltava algo e minha paranoia. Vocês são guerreiros.
Betagens de profissionais: Samille ( Advogada ) Michelly ( Psicóloga ). Trabalhei coisas
muito importantes e reais nessa história, acredito que sem ajuda de vocês não teria
conseguido as montar.
Revisoras: Nay Sartor e Nina Cavalcante. Que trabalharam maravilhosamente bem, em
especial a Nina que estava o tempo todo comigo e aguentando meus surtos.
Leitoras que me acompanharam bem perto, dando todo o apoio moral, tendo a fé em
mim e na minha escrita, pacientes, amorosas e compreensivas comigo: Kátia Keiko Saito,
Amanda Braz, Cleudenia, Ramone Franciele, Barbara (Baby literária), Gerusa
(gerusasilva_geh), Maah, Ana Clara Diniz, Raquel Freitas, Carina Timm, Andrea Almendra,
Leyde Leonardo, Mila Paziol, Débora Pereira,Fernanda Débora, Magali Cortacio, Juliana
Ferreira e Mandy Baía.
Leitoras que me acompanham no Wattpad, um especial agradecimento a vocês! Durante
todo o processo de escrita do livro, capítulo a capítulo, me acompanham e incentivam.
Sem todos vocês, eu não teria conseguido!
Amo vocês!
 
 
Leia também:
 

SINOPSE
ELA SE TORNOU A PROMETIDA DE UM PRÍNCIPE.
Ayla era muito nova para saber sobre o amor, muito nova para entender muitas coisas, mas o
olhar e o sorriso de Khalid, o príncipe de Anatólia, ficariam gravados em sua mente, mesmo
que ela não quisesse.
Entretanto, o primogênito do sultão Fahir teve o sorriso arrancado de seus lábios e passou a
desejar vingança, disposto a qualquer coisa para alcançar seus objetivos, mesmo que para
isso, ele tivesse que começar uma rebelião.
Contudo, ele jamais esqueceu o olhar tímido e desafiador daquela linda jovem.
Ayla, por sua vez, tivera a sua vida virada ao avesso. Seu pai fora morto em uma disputa de
poder e ela se tornou uma escrava sem esperanças para o futuro, até ser vendida ao Sultão e
se ver em um contrato de casamento.
 
+18 - Este livro contém violência física e psicológica.

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INTRODUÇÃO

Em um tempo não tão distante, na Ásia menor, conhecida como Anatólia, Turquia. Um lugar
rico em água, banhado pelo mar Negro ao norte, mar Mediterrâneo, ao Sul Mar Egeu a
oeste e o mar de Mármara a noroeste. Imperava-se um sultanato, mas não qualquer um.
Neste tempo este lugar fazia morada do homem que comandava todo o Império Otomano.
 O império Turco otomano no noroeste da Anatólia na vizinhança de Bilecik e de Söğüt. Foi
fundado por tribos turcas nômades se fazia comum o casamento entre povos para poder
favorecer o império.
Haréns eram comuns, destinados às mulheres que serviam ao sultão. Entre elas, estavam
suas esposas, mãe, filhas e escravas, ou concubinas, que eram responsáveis por cuidar das
tarefas domésticas do palácio. Por isso, o harém não era algo similar a um “mundo das
maravilhas” que todo homem almeja, com mulheres nuas ofertando-se a ele em uma
grande balbúrdia, havia uma rígida hierarquia. No topo sendo a mãe do Sultão, a Valide
Sultana. Então suas esposas legais, geralmente eram três, concubinas e as odaliscas. 
Nesta história que vou lhes contar, falaremos sobre um jovem príncipe e a sua prometida,
que foram destinados um ao outro antes mesmo do nascimento.
Um príncipe que com imensa dificuldade, anos e planos, tornou-se o sultão em busca de sua
vingança expurgando o mal do palácio. E a sua prometida, que sobreviveu a anos de
tormenta, igualmente pela promessa de vingança aos seus malfeitores, tornando-se a “flor
do deserto” quase uma lenda viva, da mulher mais bela do império.
Eles realizarão suas vinganças, resistirão aos desafios e eles se amarão tanto a ponto de
serem capazes de abdicar de tudo se preciso for, em nome do amor.
Um romance inspirado em “Mil e uma noites” lhes espera em: Vendida ao sultão
PRÓLOGO

A EMOÇÃO MAIS PURA.


 

Em algum lugar em meio ao deserto, próximo à Bagdá, a poligamia era reconhecida e neste
país, assim como em vários próximos, muitos homens exibiam o seu poder e fortuna ao
manter um grande harém. Assim, mulheres eram vistas como itens valiosos, sendo usadas
muitas vezes como mercadoria de troca.

Ayla em seus dez anos, era muito nova para entender, já que sempre fora criada com muito
zelo. A pequena flor do deserto, que como dizia seu pai: Nascera para trazer esperança a
todos que se perdem no caminho. Contudo, independente da estima pela filha, o seu
destino estava selado desde que nasceu. Casaria com o príncipe herdeiro de Anatólia para
[2]

firmar um acordo de paz. Talvez nunca viesse a se tornar sua esposa legal, quem sabe não
mais que uma simples concubina, mas algumas pessoas tinham certeza que a pequena
menina viria se tornar a esposa legal do príncipe e assim se tornaria a mulher mais
influente do seu povo, trazendo assim, prosperidade.

Ela fitava o horizonte com grande expectativa e não via nada além de areia. No entanto,
seguia esperançosa para que o seu prometido surgisse logo, pois o falcão real já tinha sido
enviado no nascer do dia, anunciando que ele logo chegaria.

Após a ave chegar, a correria fora sem tamanho. Arrancaram-na de sua cama e começaram
a arrumá-la para recebê-lo. Além disto, disseram-na para se comportar, pois era de suma
importância para toda a tribo que este casamento acontecesse.

O sol já estava a pino no pior horário possível para ficar esperando alguém, mesmo sob
uma tenda. Seu pai comentava preocupado, que talvez algo pudesse ter acontecido com o
príncipe Khalid. Já estavam esperando há horas e ele não aparecia em lugar algum. Irritada
e entediada, Ayla não pensou que dar uma pequena escapulida seria um problema, pois se
ele não havia chegado até aquele instante, provavelmente não chegaria no momento
seguinte, durante sua ausência. 

Esgueirou-se sem que fosse notada por entre os adultos e fugiu para dentro do oásis, onde
fora em busca de água fresca e quem sabe, se desse sorte, encontraria algo para comer e
amaciar o estômago que lhe incomodava insistentemente. Uma Tâmara, quem sabe. Pensou.
Sentia-se chateada devido às regras tolas que a oprimiam de comer antes do príncipe, em
um gesto de educação.

E este tal príncipe que não chega nunca! Pensou, irritada.

Os adultos esperavam pelo príncipe com extrema ansiedade, ao ponto de não notarem sua
ausência. Ao chegar onde desejava, Ayla abaixou-se tranquilamente para pegar um pouco
de água com as mãos e refrescar-se, no entanto, para a sua completa surpresa e horror, viu
uma grande sombra se fazer atrás dela. Seu espanto  foi tamanho que se desequilibrou e
caiu dentro da água.

No primeiro instante pensou que sua vida deveria chegar ao fim naquele momento, então
nem se dera ao trabalho de virar e olhar nos olhos de seu assassino. No entanto, como o
golpe mortal jamais chegou, e com a sua curiosidade que, como sempre, imperava, Ayla
tomou coragem de se virar para olhar o responsável pelo susto, mas ao olhar não
encontrou alguém de outra tribo ou do harém… Deparou-se com um culpado inesperado e
quando se deu conta de quem poderia ser, julgou muito pior que qualquer inimigo pronto
para matá-la. O sangue fugiu da sua face, algo dentro dela estremeceu e então engoliu em
seco.

Todos menos ele, por favor! Ayla implorava internamente, lembrando-se das ordens que
recebeu sobre não se desarrumar. Mas tudo batia com o que as meninas disseram: “de uma
beleza esplendorosa, com os traços fortes da sultana Honde". Os cabelos eram negros como
a noite, porém brilhantes e longos, absolutamente lisos. Alto para idade e com o corpo forte
como o do pai em sua juventude. Diziam, no entanto, que embora fosse o príncipe, era
alguém que gostava de se vestir de maneira mais simples, a única coisa que o delatava era o
tecido de uma qualidade superior e as joias de rubi em suas orelhas.

Não poderia ser mais ninguém além do príncipe Khalid! Ayla concluiu, apavorada e
autoconsciente do seu estado atual, preocupada com o que seu pai falaria.

Todavia, ao mesmo tempo em que os olhares estavam fixos um no outro, ela pode ver a
profundidade dos seus olhos negros. Ele não deveria ser tão mais velho que ela, além disso,
talvez mesmo em roupas rasgadas, tudo nele delataria quem é. Concluiu ela.

Contudo, o encanto que Ayla sentiu por ele se desfez quando o mesmo abriu um lento, mas
maldoso sorriso, divertindo-se ao ver o estado dela. Causando um grande abalo ao ego da
pequena, além do encanto ser esquecido, a antipatia fora criada. Molhada e caída, seus
cabelos desarrumados agora com algumas mechas coladas em seu rosto. A menina tinha a
certeza de que estava em um péssimo estado, mas nunca aceitaria ser tratada com deboche,
nem mesmo pelo príncipe de Anatólia.

Cortez, Khalid estendeu sua mão para ajudá-la a levantar, entretanto, o sorriso ainda estava
lá e ela não poderia confiar nele.
— Pequena prometida, sabe que não deveria brincar na água, não é?

— Meu nome é A-y-l-a! — exclamou, mesmo assim pegou a mão dele. Um tanto truculenta
como um garoto, mas autêntica.  Isso agradava e divertia o príncipe, fazendo-o sorrir ainda 
mais por causa do temperamento da garota. No entanto, enquanto o rapaz tinha esses
pensamentos, Ayla estava planejando o que fazer, pois a mesma não deixaria isso passar,
não pegaria sua mão sem a intenção de ferir o ego dele como fez com o dela. A pequena
vingativa tentou cair de novo na água levando-o com ela, mas seu plano fora em vão, pois
ele passou a mão pela sua cintura e a trouxe mais próxima de seu corpo.

Ele ainda tinha o sorriso nos lábios e devido  a forma como a segurou, seus olhos ficaram
fixos um no outro. O coração da pequena menina batia fortemente contra o peito, era a
primeira vez que um menino ficava tão perto dela e não tirava os olhos dos seus. Ayla sabia
que seu rosto estava em chamas e que ele tinha percebido isso. O sorriso dele foi crescendo
em seus lábios, enquanto ele ameaçava se aproximar mais, a constrangendo.

— Cuidado, pequena prometida... — começou ele, porém levantou o olhar por meio
segundo, e pouco atrás dela, Khalid viu uma movimentação, estreitando os olhos, viu a
ponta de uma zarabatana .[3]

Por impulso o jovem rapaz a jogou no chão sem qualquer zelo e puxou o sabre que portava
[4]

em sua cintura, indo em direção ao inimigo sem olhar para trás. Valente, desferiu um golpe
na arma e a jogou longe.

Ayla, que por sua vez não entendia nada o que estava acontecendo, apenas viu o príncipe
jogando-a de volta na água e pulando por cima, indo atrás de alguém. Pouco tempo depois,
é pega de surpresa quando um instrumento que ela desconhecia cai ao seu lado.
Sem compreender quem ou que o deixaria em tamanho alerta, a menina arrastou o seu
olhar na direção do alvo de Khalid e o seu coração errou a batida.

Khalid via-se tomado pelo mais forte instinto de proteção que um dia já sentiu. Quando viu
a menina dos olhos azulados mais bonitos que já vira em risco, seu corpo moveu-se por
puro impulso, jogando-a para o lado e indo em sua defesa. Desarmou o homem que a
colocava em perigo, com facilidade. No entanto, o homem era rápido e rodopiou o sabre em
sua mão para num segundo golpe o acertar em cheio. O oponente se mostrou mais rápido,
pois já tinha desembainhado seu sabre e defendeu-se. Como se não fosse o bastante, outro
homem surgiu logo atrás dele vindo também em sua direção.
Não tendo outra opção senão apenas defender-se dos golpes desferidos pelos dois, por
impulso, Khalid olhou em direção à menina em um rápido movimento, para saber se ela já
tinha saído dali. Contudo, a pequena amedrontada não havia movido-se  e pior que isso,
percebendo  a brecha impensada que o príncipe deu, um de seus inimigos viu a
oportunidade de desferir um golpe na altura do seu rosto e por sorte, o príncipe conseguiu
safar-se do mesmo, desviando, mas não a tempo de evitar fazer uma fina linha em seu rosto
com o corte do sabre de seu inimigo.

Um fino grito de horror ecoou, vindo de sua prometida, este que causou certa diversão em
seus adversários. Vangloriando-se entre si, ambos sorrindo em pura vaidade. E neste
momento de vulnerabilidade pelo ego deles, Khalid rodopiou em seu lugar, abaixando-se ao
mesmo tempo em que erguia a sua perna, acertando com a parte traseira do pé, as mãos de
seus oponentes. Aliviando a pressão deles ao segurar seus sabres, não obstante para
desarmá-los, mas o suficiente para que tivesse brecha para no fim do rodopio usar a força
do impulso do giro para desferir um corte profundo na altura do peito de ambos. Seus
corpos penderam para trás, devido à dor, um deles caiu sentado no chão.

O som do tilintar de seus sabres chamou atenção daqueles que estavam nas proximidades,
o príncipe escutou sons de passos aproximando-se, todavia, não era o único a ouvir. O
primeiro atacante que havia caído no chão, covardemente apanha um pouco de areia e joga
na direção do jovem herdeiro. Este que não teve tempo de cobrir o rosto, acaba com seus
olhos e a ferida feita em sua face anteriormente, ardendo. Os oponentes aproveitam a
oportunidade para fugir.

Khalid, que era um príncipe valente na mesma medida em que era teimoso, deu um passo
em direção a eles, mas foi impedido quando sentiu uma mão em meu ombro. Por instinto,
virou-se erguendo o seu sabre, com a visão ainda um pouco afetada, não conseguiu
identificar de imediato quem era, no entanto viu-se com o sabre parado, encostado
suavemente no pescoço de sua jovem prometida, fazendo um corte superficial no mesmo,
uma pequena gota de sangue brotou ali.

Arrependido, o príncipe tira o sabre de perto dela, enquanto Ayla, petrificada, nem sequer
falara algo e apenas engolira em seco, ao mesmo tempo em que algumas lágrimas surgiam
em seus olhos. Khalid deixa o sabre cair no chão, e ao perceber que as pernas dela
fraquejaram, ele a segura, impedindo que a mesma caísse.

— Perdoe-me por assustá-la, pequena. Mas não deveria tocar em um homem quando este
empunha um sabre... — disse o jovem rapaz com a voz contida para acalmá-la.

Como se sua fala a trouxesse de volta a si, Ayla ergueu-se nas pontas dos pés, ao mesmo
tempo, em que levantava a mão à altura do rosto dele, usando um pedaço de suas vestes
para limpar o fino risco de sangue ainda úmido na face do príncipe.
— Eu que devo desculpar-me, vossa alteza... — então a fala dela é cortada quando as
pessoas chegam, mas não apenas isso.

Khalid percebe que ela novamente se petrifica e quando a observa de cima abaixo, nota
uma cobra passando sobre os pés de sua prometida.

Sem muita preocupação, até de forma descuidada, o rapaz a solta, se abaixa, pega a cobra
pela cauda e rapidamente a arremessa o mais longe que pode. Ayla fica em absoluto choque
e ele sorri.

— Me parece pequena prometida, que me dará algum trabalho — disse ele achando graça,
ao vê-la corar novamente. Despreocupadamente, o rapaz encantado pela inocência dela,
ergueu uma mão e pegou uma madeixa de seus cabelos longos e levou próximo ao rosto
para cheirá-lo.

— Príncipe! — exclamou ofegante, o conselheiro do sultão Fahir, que fora o encarregado de


acompanhá-lo naquele encontro — O que aconteceu? Não o encontrávamos...

— Ayla... Onde você estava? Estávamos... — sua mãe veio falando, mas parou levando a mão
à boca.

Diversas pessoas estavam com eles e tiveram a mesma reação. Então um silêncio reinou.
Todos abismados olhando os dois tão próximos. Ayla molhada e coberta de areia, com o
rosto corado em meio a toda sujeira, enquanto o príncipe herdeiro, se encontrava sujo, mas
apenas nas suas vestes, na parte da frente, onde manteve sua prometida em seus braços
anteriormente, ademais possuía um risco de corte em face, como prova da luta travada. Ao
mesmo tempo, mantinha-se  segurando uma mecha de cabelo da menina com um sorriso
em face.

Certamente não era algo que se via todos os dias. Nem Ayla ou Khalid sabiam exatamente
como começar a se explicar, tão pouco tiveram a oportunidade. Assim que o torpor de
surpresa de todos passou, foram separados para terem os devidos cuidados e voltarem a
ficar apresentáveis. Os responsáveis de Ayla obviamente perguntaram o que houvera e fora
chamada a atenção por ter escapulido e que talvez isso não tivesse acontecido se ela apenas
obedecesse às ordens. Nada pior aconteceu, pois o próprio príncipe interveio em um
pedido de desculpas por atrair assassinos a tribo.

Mesmo que ele não tivesse certeza sobre por quem foram mandados, Khalid não podia
deixar fazerem mal à frágil menina que agora estava sentada obedientemente em seu lugar
cabisbaixa.

— De alguma forma descobriram sobre minha visita hoje, por isso seria imperdoável que
ela sofresse quaisquer males por minha culpa.
Era de domínio público o conhecimento de que o jovem príncipe era bravo e valente, que
tinha muito interesse em lutas com sabres, honra e glória. Inclusive, uma de suas metas era
se tornar o melhor com espadas do império. Dado a pequenas aventuras heroicas, por onde
passava, o rapaz fez uma fama sobre si. O que fez os mais velhos suspirarem e aceitarem as
suas ações em conjunto de sua prometida.

— Vossa alteza, será um grande sultão. Não há dúvidas — disse amistoso o pai de Ayla,
tentando desfazer a tensão formada.

Entre todas as regras da oficialização do noivado e formalidades, Khalid não conseguia tirar
da mente o brilho do claro olhar de Ayla. Ansiando que ela olhasse em sua direção, suas
preces pareciam ter sido atendidas, pois a menina virou o seu olhar ao príncipe no mesmo
instante e o rubor doce que cobria sua delicada face o fazia acreditar que casar-se com ela
não seria tão mal. Tirou um de seus brincos e mandou um de seus homens entregar de
presente a ela. Ele pode ver os olhares, enquanto seu presente fora recebido com surpresa,
não apenas por ela, mas por todos.

Talvez estivesse sendo sincero demais diante de tantas pessoas, mas já não se importava.
Sentia-se docemente cativo pela jovem menina que seria sua esposa, companheira e... Por
que não, sua diversão e dor de cabeça, enquanto se envolvia em situações perigosas.
Ponderou, bem-humorado.

Infelizmente, para o nosso casal, a paz durará um curto tempo, fazendo-os acreditar que
talvez este dia turbulento não passasse de um sonho agradável, doce e surreal. Suas vidas
mudariam drasticamente e eles não faziam ideia do quanto.

 
CAPÍTULO 01

INFORTÚNIO: O DESTINO POR VEZES PODE SER CRUEL

Dias depois…

A yla estava encontrando dificuldade para dormir. Algo que se repetia nas últimas
noites, desde que conhecera o seu prometido Khalid. Ela não conseguia evitar se
sentir abalada ao recordar os curtos momentos em que estiveram juntos, o sorriso
dele a assombrava, fazendo seu coração palpitar loucamente. Assim como o toque em sua
cintura e o seu olhar sempre direto, como se pudesse ver a sua alma.

Inconscientemente, Ayla levava a mão ao brinco que ganhara, acariciava-o com o polegar e
um sorriso tolo em seu rosto. Desde que o ganhara, passou a usar apenas ele em sua orelha,
negava-se veemente a tirá-lo, até mesmo para dormir.

Perdida em memórias do herdeiro, olhava a fresta de sua tenda, em que a luz da lua entrava
como um bonito feixe, trazendo uma sensação de encanto, similar ao que sentia em seu
estômago quando Khalid sorria para ela.

Ayla suspirou sonhadora, mas de um momento para o outro, tudo mudara!

A calma que tomava a noite fora arrebatada pelos gritos de horror que adentravam os seus
ouvidos e ressoavam em sua mente. A luz que emergia na tenda escura oscilava conforme
as pessoas passavam apressadas diante dela. Ayla não sabia o que estava acontecendo, mas
seu corpo todo se retesou. Ela não conseguiria ficar ali parada e encolhida, sem saber o que
se passava. Reunira coragem em um profundo puxar de ar, para caminhar até a fresta da
tenda e espiar de fato o que se passava.

Com seus pés descalços, caminhou em direção à luz, mas assim que estava prestes a ver o
que ocorria, alguém apareceu. Um homem alto, forte e assustador, vestido com algo
semelhante a uma armadura e um rosto parcialmente coberto por um tecido negro.

Ayla podia ver o brilho maligno em seus olhos e quando ele se abaixou suavemente
estendendo a mão em sua direção, ela dera um passo para trás por puro instinto, mas o que
nem a menina ou o homem esperavam, era um golpe certeiro em sua cabeça com uma
lança, onde a ponta transpassou pela orelha e o matou instantaneamente, fazendo-o
tombar para o lado. Amedrontada e horrorizada, a jovem sentiu suas pernas vacilarem e
caiu no chão, completamente em choque.

Safirah, a irmã mais velha de Ayla, de repente apareceu pela fresta da tenda, entrando no
local abruptamente olhando para todos os lados como se procurasse por algo ou alguém.
Ela estava com as suas vestes rasgadas e sangue respingado por todo o seu corpo. Ayla
sobressaltou-se ao vê-la, já que a última notícia que tivera da irmã, fora que estava grávida
e passara os últimos dias um tanto afastada do contato com os demais para ter o final de
sua gravidez tranquila. Mas longe de toda e qualquer tranquilidade, Safirah estava
transtornada voltando seu olhar aflito para  Ayla. Logo que se aproximou da menina a
segurou pelos ombros e a olhou com atenção de cima a baixo.

Ao constatar que Ayla estava bem, suspirou aliviada e disse:

— Minha pequena Ayla, precisamos esconder você!

As palavras de Safirah, mal entraram nos ouvidos de Ayla, que ainda estava em choque a
encarando, diante de seus olhos tudo parecia estar passando na mesma lentidão dos
beduínos no deserto, como se ela não fizesse parte do cenário e fosse apenas uma mera
espectadora. A jovem mulher, com pressa e  sem dar muito mais tempo para a menina
reagir, segurou-a pelos braços, como se não pesasse nada. Caminhou com Ayla até a arca,
colocando-a no chão apenas para poder tirar de dentro algumas coisas e assim que o fez,
colocou-a dentro.

Sem contar os gritos e sons aterrorizantes que vinham de fora da tenda, um silêncio pesado
se instalou entre as duas.

Safirah, antes de fechar a arca, contemplou Ayla encolhida lá dentro e uma lágrima solitária
rolou por sua face, querendo guardar uma última recordação da menina, sabendo de seu
próprio destino, contemplou por rápidos instantes aqueles olhos incríveis. Engoliu em seco
e num segundo que parecia ter levado uma eternidade, levou a mão para dentro de suas
vestes e de lá, tirou alguns papéis e os colocou dentro da roupa da irmã.

— Ayla, mantenha-se abaixada e escondida. Não saia por motivo nenhum… Fique bem,
minha menina — disse enquanto concluía com a voz embargada.

E essas foram as últimas palavras que Ayla escutou de sua irmã.

Após a tampa da arca ser fechada, muito barulho escutava-se próximo dela. Muitas vozes
desconhecidas se faziam presentes, a tenda havia sido invadida, mas a cabeça da garota
estava tão transtornada pelos eventos que se desenrolava de forma caótica naquela noite,
que nenhuma palavra parecia fazer sentido. A única coisa que a fez despertar do torpor, foi
o som de um grito feminino agudo e seguido de algo pesado caindo no chão.
Sua irmã estava morta, Ayla tinha certeza.

Lágrimas brotaram em seus olhos somente quando a última frase da irmã finalmente tivera
sido assimilada.

Fique bem, minha menina...

Fique bem, minha menina...

Fique bem, minha menina...

Ela sabia que seria morta! O pensamento gritou na mente de Ayla, paralisando-a. No lugar
de proteger a si e o bebê que estava em seu ventre, Safirah foi ao encontro de sua irmã. O
conhecimento disto a deixou transtornada, ao ponto em que soluçava compulsivamente de
tanto chorar.

Seu choro fez sua presença ser percebida pelos invasores, eles se entreolharam e seguiram
a origem dos soluços. E tão logo que descobriram a origem dos sons, avidamente abriram a
tampa da arca, sorriram perversamente, como lobos famintos que encontram a presa
perfeita para a próxima refeição. O medo a fez se encolher ainda mais, escondendo o seu
rosto entre seus joelhos, abraçando-se com muito mais força, como se isso pudesse
protegê-la de seus algozes, mas eles sem qualquer traço de piedade, agarraram seu braço
direito, o apertaram com força ao ponto de machucá-la e fazê-la soltar um gemido de dor.
Ayla soltou as suas pernas na tentativa de se soltar, ao mesmo tempo em que choramingava
a sua dor.

Ergueram-na a altura dos olhos, apreciando novo prêmio encontrado, segurando-a por
apenas um braço. Ayla fugiu do olhar deles. Se o primeiro que tinha aparecido em sua tenda
parecia um homem cruel, estes certamente não seriam diferentes. E Ayla tinha medo de ver
sua própria morte refletida na íris dos olhos daqueles homens que a observavam e 
debochavam de sua fraqueza e corpo frágil.

— Não iremos matá-la criança... — falou rudemente um deles — Apenas vamos brincar,
menininha.

Eles pareciam ser loucos, demônios vindos do outro mundo para trazer infortúnio. Os
homens seguiram falando coisas para ela, como se não pudessem fazer nada para evitar
que brinquedos eventualmente quebrassem. Ayla sentiu uma forte pontada no peito ao
pensar em  sua irmã morta, sua ira falou mais forte que sua prudência,  então os encarou e
começou a gritar para que calassem a boca, mas assim que seus olhos encararam os deles, o
humor morreu. Ayla se viu em choque, com todas suas palavras tomadas de seus lábios,
assim como eles, ela os olhava embasbacada.
Já não apresentavam risos ou gracejos irônicos, ninguém tinha coragem de falar qualquer
coisa enquanto se entreolhavam. Ayla não pôde  evitar de sua raiva esvair-se da mesma
forma abrupta em que se sugira.

Fora chocante, estes homens cruéis diante dela, os mesmos que haviam matado sua irmã e
que estavam atacando toda a sua tribo, tinham os mesmos olhos que ela! Entre seu povo
era comum olhos negros, alguns verdes ou amarelados, mas somente Ayla tinha olhos
azulados tão claros quanto o céu.

Ela não sabia o que falar, então se manteve em silêncio tanto quanto eles, mas o silêncio
não imperou por muito tempo, de um momento para o outro, a jogaram no chão com
brusquidão, como se ela fosse algo sujo e repugnante. Logo os homens começaram a
discutir em um idioma que ela não conhecia. Ayla se encolheu contra a arca, temendo que
eles voltassem a sua atenção para ela e a matassem. Ponderou fugir, mas por onde? Ela
buscava com os olhos algum caminho que pudesse tomar, mas não encontrava.

Em sua busca de fuga, Ayla viu algo semelhante a um pé e se abaixou para tentar ver
melhor. Deveria ser sua irmã… E sentia tanto por ela. Uma dor rompeu seu coração
novamente, mas Ayla conteve o choro. Neste momento, os homens pareceram lembrar-se
dela, pegaram-na pelos cabelos e a arrastaram sem rodeios para fora da tenda. Sem
qualquer chance de poder ver o corpo da irmã ou pensar em qualquer coisa mais.

— Vamos lá para fora, não se debata — disse um dos homens que a arrastavam.

Assim que saíram, começaram a gritar, chamando os outros homens que faziam parte
daquela corte de demônios da morte. Pior que o pavor imposto pelo seu destino incerto,
fora a visão dos corpos caídos por todos os lados, inertes. Entre eles os de sua família: sua
mãe estava caída com o braço esticado em sua direção, assim como o seu pai um pouco
mais próximo à entrada de sua tenda.

O grito escapou dos lábios de Ayla antes que ela pudesse conter. A dor no peito explodindo
muito mais forte do que pela irmã, uma dor que ela jamais imaginou que sentiria, seu peito
rasgava e suas lágrimas pareciam queimar ao rolar por sua face.

Todos aqueles que chamava de família estavam mortos.

Tudo estava banhado em sangue, como a visão do próprio inferno. Algumas tendas
rasgadas, outras pegando fogo... Jamais havia visto ou presenciado algo assim. Apenas ela e
mais algumas jovens garotas estavam vivas. Todas,  assim como ela, tinham o terror
estampado em suas faces sem cor e suas vestes regadas com sangue, contudo, diferente
delas, Ayla era a única ainda limpa e sem qualquer ferimento.

Mas talvez entre todas, era a que mais desejava estar morta também. Não queria viver em
um mundo onde não tivesse presente aqueles que ela amava, não queria viver com aquela
lembrança de todos mortos de forma vil. Só queria que isso acabasse logo. Ayla se debateu
e provocou o homem que a segurava até que ele estapeou a sua face e a jogou como se não
passasse de uma boneca sobre as demais meninas da tribo que ainda estavam vivas.

Elas choravam e murmuravam por socorro ou qualquer tipo de salvação, mas a dor no
peito da pequena menina valente era ainda mais forte do que o desejo natural de salvação.
Ela tentou se levantar, mas um dos homens próximos ergueu o sabre em sua direção, o que
a fez se retesar no lugar. Ainda que desejasse morrer, não tinha coragem de dar mais um
passo. Seu corpo não obedecia, simplesmente não reagia.

— A coragem acaba na frente de uma espada, não é? Contenha-se, menina, se não sua
cabeça irá rolar! — calmamente, disse o homem que lhe apontava o sabre, com um
profundo e gélido olhar.

Outro homem veio com correntes pesadas de ferro e prendeu todas as meninas uma às
outras, incluindo Ayla. Eles ainda discutiam e por vezes olhavam em sua direção. E desta
vez, não importava o quanto seu peito doía, Ayla não chorava. Mas parecia estar morta
dentro de um corpo ainda vivo. Todas as meninas foram jogadas em uma carruagem de
escravos com grades grossas e um cadeado, nada mais. Algumas choravam e pediam por
misericórdia, outras estavam em silêncio conformadas. Ayla manteve-se em silêncio,
sentindo-se quebrada demais enquanto a carruagem partia e ela via os corpos de todos
seus familiares no chão e as tendas em chamas.

A noite estava demasiadamente fria, os minutos pareciam horas, e Ayla em determinado


ponto, sentia-se exausta demais para se manter acordada por muito mais tempo, caindo em
um pesado sono. Despertou apenas quando o sol já estava à vista e queimava a pele mal
coberta dela. Em um vestígio de humanidade, jogaram uma espécie de manta sobre a
carruagem e assim as garotas tiveram alguma sombra para tentar se abrigar do sol
escaldante.

Mais tarde, quando já era noite novamente, os homens pararam a viagem para poder
descansar. Por muitos dias e noites, as mesmas coisas ocorreram.  Ayla já não sabia
quantos dias haviam se passado ou em que direção estava indo.

Serviram-nas com algum pão e nada além de alguns poucos goles de água.  A pequena Flor
do Deserto sentia-se fraca demais para lutar ou tentar fugir, e mesmo se o fizesse, para
onde iria em meio a um deserto que nem sequer sabia em que direção seguir?

Por vezes, mandavam algumas delas dançar para distraí-los. Obviamente, nem todas eram
dançarinas das mais surpreendentes e isso resultou em algumas chibatadas. Porém, tudo
mudou quando uma das meninas recebeu uma chicotada no rosto, o que provavelmente
daria a ela uma cicatriz que lhe impediria qualquer futuro bom,  Já que o rosto de uma
mulher é tudo o que ela tinha a oferecer

Contendo sua fúria, Ayla sentiu a dor na palma de suas mãos que se fecharam em punho,
para daí respirar profundamente, tentando se acalmar e assim poder tomar uma atitude.
Resolvera aproveitar da melhor educação que recebeu para protegê-las e tentar salvá-las.
Assim, em busca de tentar amenizar a ira dos homens e proteger as meninas, ela mesma
dançava, recitava poemas que sua mãe repetia para ela, contava histórias passadas através
das gerações. Com a ira dos homens sob controle, também conseguia um pouco mais de
comida que dividia com as demais. A vida não parecia seguir um bom destino para elas,
mas se pudesse fazer algo para suavizar... Ayla tinha certeza de que ao menos iria tentar.

Os homens a forçaram a dançar como uma odalisca mesmo para sua pouca idade, também
[5]

a ensinaram a dançar com espadas. Pareciam gostar dela e querer investir mais em
aumentar o seu valor, no entanto, Ayla pensava nisto como uma oportunidade de poder
atacá-los em algum momento antes de chegarem ao destino deles.

E de fato ela tentou, acertando um deles com a espada, mas ele revidou e a golpeou
fortemente jurando vingança. Contudo, os outros homens não deixaram e falaram
novamente em uma língua que ela não conhecia.

— Levem-na para a carruagem e a deixem sem comida hoje, isso deverá ensinar uma boa
lição! — ordenou o mais forte dos homens ali presentes.

E assim foi naquela noite, Ayla não se sentia segura para dormir, pois enquanto era
arrastada à carruagem, podia ver os olhos do homem que a golpeou ainda fixos nela, com
um olhar de profundo rancor.

Todas as garotas se encolhiam como sempre faziam, apoiando-se umas nas  outras para se
abrigar do frio e tentar se aquecerem. O frio intenso fazia Ayla sentir muito sono, mas
lutava contra ele, temendo um ataque por vingança. Todavia, quando quase se rendeu a ele,
o som de gritos e ruídos tão familiares a espantou. E seu único pensamento era o de que
estava de novo no inferno, mas na verdade era uma nova situação e não se sentia pronta
para reviver tudo.

Quais desafios Alá tinha para ela, não sabia, o que era de seu conhecimento imediato é que
não se sentia preparada para qualquer prova nova que lhe fosse imposta.

Talvez, desta vez, de fato perderia a vida, afinal, fora a única coisa que lhe restara para
perder. Contudo, a luz de uma chama parecia aproximar-se da carruagem, fazendo com que
as meninas tremessem de medo e choramingassem. O manto que as cobria impedia de ver
o que acontecia lá fora. Ayla viu nas meninas aterrorizadas a sua própria imagem da última
vez e isso a fez criar uma coragem que ela nem sequer sabia que tinha, determinada em
desta vez não se entregar facilmente.

Sendo ele o desafio que fosse, se Alá tinha reservado este destino, o enfrentarei com
orgulho! Pensou ela. Se ergueu um pouco e tentou através da grade, levantar o tecido e ver.
Mas ao levantar a manta, deu de cara com um rosto muito perto do seu, olhando em seus
olhos.

O grito que saiu pela sua garganta certamente ecoou longe, assim como o pulo que deu para
trás. Seu coração em disparada doía no peito e ela podia escutar a risada de um homem,
uma risada rouca e pesada, que não lhe trazia qualquer sinal de felicidade.

O homem segurou a manta e a puxou com força, descobrindo toda a carruagem em que
estavam as meninas. Um homem com olhos frios e sorriso maldoso, que possuía detalhes
preciosos em suas vestes, tecido caro cobrindo cada parte de si, as fitava com diversão e
interesse.

— Exatamente o que buscávamos. Aqui homens, vamos levá-las!— exclamou o homem que
tinha o olhar fixo sob as meninas.

 
CAPÍTULO 02

SHEIK: NEM TUDO QUE BRILHA É OURO.

O homem ordenou que as soltassem e mais que isso, ele mesmo fora quebrando
corrente por corrente com a sua espada, até que todas estivessem bem. Com medo,
as meninas olhavam-no com receio. Mas ao contrário do que era suposto, revelou-
se um salvador, ao menos era isso o que ele disse a todas as meninas. Contudo, não era o
que Ayla acreditava, mas ninguém lhe escutaria. Não quando elas o olhavam como se fosse
um oásis em meio ao deserto.

As levou para o seu palácio e se apresentou como Sheik Said, um homem de muitos poderes
e posses, mas que infelizmente nunca fora abençoado com filhos. Ele havia sido informado
de que homens maldosos tinham sequestrado crianças próximas ao seu território, e não
poderia perdoar tal ato.

— Vocês não possuem pais e eu não possuo filhos, tomarei todas como minhas filhas e
então poderei fazer por vocês o que jamais tivera oportunidade de fazer ao meu sangue e
carne — Ponderou, pensando em voz alta.

Elas ficaram totalmente emocionadas e embargadas pelo sentimento de tristeza que ele
entoava em suas palavras, contudo, não tivera uma lágrima sequer rolando pela sua face,
notou Ayla.

A maioria aceitou sua proposta com extrema gratidão, agarrando-se a ele e ao desejo de
calar a dor que sentiam em seus corações. Agradeciam a Alá por ter posto um homem bom
como ele em suas vidas. Ayla concordou, porém não o abraçou e ficou à distância. Se o
Sheik notara isso ou não, não demonstrou.

Ayla, que muito escutava às escondidas as conversas dos adultos, nunca tivera ouvido algo
sequer próximo a isso. Falso e enganador, provavelmente estava mancomunado com os
atacantes da tribo para saber sobre elas e no momento mais propício, pegá-las para si. Ela
pensou, sem acreditar em qualquer um dos sorrisos que lhe eram ofertados.
O Sheik até as renomeou, uma a uma, alegando que assim seria mais fácil recomeçar suas
vidas sem as lembranças tristes daqueles que se foram ao altíssimo descansar. E que a nova
vida que elas teriam seria de pura felicidade.

Ayla, assim não carregava mais este nome e fora renomeada como Amira. Parecia uma
piada, mas não tivera escolha.

— Bem cuidada como uma princesa, Amira, este será seu nome, espero que goste — Ayla
lutava internamente contra o homem. Odiava-o por completo, sua voz e sua presença.
Apenas queria pegar as meninas e sair dali, mas como não tivera opção,  apenas afirmou em
silêncio com a cabeça.

Ele percebia que ela havia sido educada com mais zelo que as demais meninas, embora
fosse um tanto geniosa e selvagem. Seus planos para ela começavam a ser moldados, desde
o movimentar felino até seus delicados traços.

Conforme os dias iam passando, Ayla ia se acostumando a ser chamada pelo seu novo
nome, "Amira", mas jamais se esqueceria de suas origens ou de como vieram parar naquele
lugar, mas o tempo ia passando e o nome Ayla ia se perdendo na lembrança. Como
recordação do passado, ainda tinha o brinco e a carta, mas não sabia ler. Então, apenas
sempre tinha os objetos próximo ao coração. Mãe, pai, irmãs e todas as pessoas que foram
importantes em sua vida passada, quando ainda era Ayla, a prometida do príncipe de
Anatólia.

Tudo parecia perfeito nos primeiros dias, aos poucos todas as meninas iam se recuperando
de suas dores, seus traumas e passando a aceitar melhor a perda dos seus amados
familiares e seus novos nomes. Porém, Amira seguia sem conseguir, sequer por um
momento, acreditar nas palavras do seu "salvador". Entretanto, sentia-se feliz pelas
meninas irem lentamente parando de chorar todas as noites e tendo menos pesadelos.

Por diversas vezes ela tentou fugir, mas ainda que ele fosse tomado como um homem
"bom", não deixou de açoitá-la, como castigo por tentar fugir. Ferida, retornava ao
dormitório do harém todos os dias.

— Crianças devem ficar com seus pais... — dizia ele.

— Você não é meu pai! — retorquiu ela com desgosto.

— Então, passarei a ser apenas o homem que a cria — disse friamente e ela sabia então,
que aquele era o verdadeiro rosto que ele tanto escondia.

Todos os dias, ele as fazia ter diversas aulas, sejam de boas maneiras, dança, música ou
política. Todas deveriam aprender o máximo de línguas diferentes, dizendo que seria o
melhor que ele poderia fazer por elas e seus futuros. Quando ninguém via, Amira abraçava
a carta de sua irmã e beijava o brinco que ganhara. Era sua única forma de consolo, pois
naquele lugar mais ninguém  a compreendia.

As meninas, desejando que Amira parasse de apanhar, pois já estava com muitas cicatrizes
pelo corpo, pediam que se comportasse. Que ele não era cruel ou mal de propósito, que ela
fazia por merecer os castigos que recebia. Falavam também que ele era o salvador e estava
cuidando bem de todas. Queria provar a elas o quanto estavam erradas e foi assim que, em
uma noite, Amira viu novamente a verdadeira face de seu falso salvador.

Estava andando pelo palácio do homem, roubando algumas das frutas mais frescas que lhe
foram negadas como castigo, quando caminhou até a ala leste. Esta que, por mais de uma
vez, fora proibida de ir, mas sendo como era, Amira vira a oportunidade de adentrar o local
na hora de descanso do eunuco. Toda a verdade que se passara por lá, era muito pior do
que ela imaginaria.

A primeira visão não era diferente de um harém comum, com diversas mulheres se
apresentando ao seu senhor, para quem sabe ter uma noite com ele. Porém, se olhasse por
mais tempo, poderia ver o que de fato era.

Ele as assistia dançar e em cada erro, as batia em lugares certos em que não as marcaria em
definitivo, o mesmo acontecia a cada uma que tocava algum instrumento ou recitava algum
poema.

— Se empenhe mais! Como poderei te conseguir um bom marido, se não fizer as coisas
direito? Eu vou ter que te dar a um estrangeiro gordo de algum bar qualquer em troca de
alguns barris de vinho? — exclamava ele grosseiramente a jogando no chão e apoiando seu
pé sobre a cabeça da mulher infeliz que chorava.

— Perdoe-me, meu senhor, dai-me outra oportunidade que farei melhor desta vez —
implorou a mulher com a voz embargada pelo arrependimento.

— Assim espero — falou asperamente ele.

Quando ele se afastava, ordenava que levantasse e recomeçar-se.

Repetidas vezes ela acabava errando ainda mais, tamanho o seu nervosismo e medo. Todas
tremiam e temiam pela ira dele, que detestava qualquer coisa menos que a perfeição. A pior
cena que Amira teve o desprazer de assistir fora quando uma das mulheres errou o verso
da recitação. Ele pegou-a pelos cabelos e a arrastou até uma pequena fonte e afundou
repetidas vezes o seu rosto na água, enquanto a ofendia de nomes que Amira nem sequer
imaginou que existisse.

Para não arfar qualquer exclamação de horror, Amira levou a mão à boca, tampando-a.
— Seja por bem ou por mal, todas vocês renderão o retorno equivalente a mim! E em
circunstância alguma permitirei que maculem meu nome! Sou conhecido por treinar as
melhores mulheres e do mais alto nível e menos que isso, é imperdoável! — ele se virou
para todas elas — Voltem a estudar do zero, em alguns dias irei novamente me certificar se
estão qualificadas ou não.

Amira sempre soube, e sorriu satisfeita sob a mão que tapava a sua boca, não errara seu
julgamento. Saiu de seu refúgio cuidadosamente e correu para poder falar às demais
meninas, o mais rápido que pôde, contudo, no meio deste caminho acabou fazendo barulho
ao esbarrar e derrubar uma bacia de metal.

Isto despertou a atenção do Sheik para si e de um momento para o outro, via-se perseguida
pelo homem.

— Amira!!! — exclamara ele em sua busca frenética por alcançá-la. Embora ela fosse
rápida, não era o suficiente para escapar de suas garras.

— Me solte! Eu sabia! Eu sabia! Homem nojento e pútrido! — afirmara agitadamente ela,


furiosamente debatendo-se em seus braços.

— Calada! — dizia ele, enquanto tentava contê-la.

— Não vou me calar! Eu sabia que não deveríamos confiar em você! Um mentiroso, cruel e
covarde! Alá o punirá! Alá fará com que o pecador e demônio pague por tudo! Ele vê sua
crueldade! — Amira gritava.

Alguns empregados passavam um pouco ao longe e, neste momento, Amira percebeu que
todos compactuavam com este monstro.

Mulheres são só objetos, sem importância. Pensou amargurada. Mas não se renderia, não
quando tinha as meninas para proteger. Com esse pensamento, Amira fingiu acalmar-se um
pouco, pedindo ao Poderoso para dar-lhe a força necessária para fugir e então, ao deixar o
homem tentar tapar-lhe a boca, neste momento, ela aproveitou para morder com toda força
a mão de Said.

O sabor do sangue dele invadiu a boca de Amira e ele, devido à dor, a soltou com força
contra o chão.

— Sua prostituta! — gritou ele.

Amira ousadamente sorriu o olhando, enquanto passava a língua nos lábios, recolhendo o
sangue dele que escapava, para então, cuspir próximo aos pés do homem.
— Você vai pagar por isso! — esbravejou indo para cima de Amira com seus olhos
vermelhos em pura fúria.

Mas por meio segundo, parou e pareceu ponderar o que deveria ser uma oportunidade em
que Amira poderia fugir, mas que não o fez, pois um arrepio subiu-lhe a espinha, no mesmo
instante em que um sorriso tenebroso nasceu nos lábios de Said.

— Eu tenho um plano melhor para você.

Amira não tivera coragem de perguntar que plano seria este, pois sabia que não importava
qual fosse, tão pouco gostaria. Ele a pegou pelos cabelos e a arrastando, levou-a para uma
de suas torres. Ela gritou por todo o caminho, fazendo-se ser ouvida por todo o palácio, mas
Said não parecia se importar. Jogou-se no chão e ele a arrastou, ferindo-a contra a
superfície áspera. Nas escadas fora ainda pior, pois ela tentou se travar com as pernas,
implorando por socorro e ele apenas parou de caminhar. Por alguns segundos Amira
pensou que tudo estava acabado, que enfim seria a sua morte.

Ele então se virou para ela e um sentimento de extremo pavor a tomou, se levantou e
tentou correr, mas o Sheik foi mais rápido e a pegou, jogou-a nos ombros e voltou a subir as
escadas.

Said não se importava, nem sequer vacilou. Apenas seguia andando até o seu destino e
quando chegou nele, abriu uma porta e a jogou dentro.

— Aqui será seu novo lar... Amira.

— O que você vai fazer? — perguntou Amira, em uma voz fraca.

Said se aproximou dela e ela se arrastou no chão para trás, tentando fugir de sua
aproximação.

— Tive um plano melhor para você, pequena. Irei criar uma esposa que até mesmo o sultão
irá desejar! Você será o meu melhor trabalho, se tornará uma lenda e farei você se tornar a
mulher mais desejada de todo o império! Você vai ser o meu caminho para cair nas graças
do Sultão — ele segurou o rosto com apenas uma mão e se aproximou do de Amira e
concluiu: — Deveria estar grata a mim, sua natureza e vivacidade podem ser trabalhadas e
sua força será o que a diferenciará das demais. Existe a possibilidade de se tornar uma
favorita.

A face de Amira perdeu a cor e então por meio segundo, lembrou-se de Khalid sorrindo,
como um fio de esperança agarrou-se a essa lembrança como se tivesse vivido em outra
vida distante. Instintivamente levou a mão ao peito onde continha a carta e o brinco entre
os tecidos de sua vestimenta. Ela queria ter a esperança de que ele a salvaria, afinal era um
rapaz corajoso e de bom coração e que já a salvara, antes de todas as desgraças
acontecerem em sua vida, mas seu fio de esperança estava arruinado diante do olhar cruel
daquele homem à sua frente.

Ela duvidava se conseguiria sobreviver a ele, para pensar em ser salva por qualquer pessoa.

Os ferimentos de Amira foram tratados com cuidado por uma das servas do Sheik. Contudo,
ela não podia aceitar o destino que lhe ofertavam. Por isso, tentativas de fuga ocorreram
assim como diversos castigos. Fome, chicotadas, golpes com as mãos e pés, humilhações de
diversos tipos.

Dia após dia, Said parecia ter menos paciência e mais prazer em vê-la sofrer. Desde que ela
chegou ao seu palácio, não teve um dia sequer de paz. Amira fazia questão de ser
insuportável, sendo a morte algo mais tolerável do que viver em desgraça.

Said a princípio não percebia a sua intenção, até um dia em que ele parecia estar de bom
humor, lhe apresentou uma grande agulha. Amira não compreendia o porquê de ele
parecer feliz, isso a fazia estremecer por dentro e quando ele ordenou que a segurasse, ela
se debateu como se sua vida dependesse daquilo. Seu instinto gritava em desespero, mas
seu corpo não era forte o suficiente para poder se livrar das fortes mãos que a seguravam.

— Você anseia pela morte, menina. Eu sei que fui tolo em demorar a notar, mas não lhe
darei este prazer — afirmou.

Said com suas próprias mãos, enfiava a agulha em alguns lugares em sua carne e a dor
alastrava-se por seu corpo. De um braço a outro ele fez, depois nas pernas, e por fim
segurou-lhe a mão e sob suas unhas a agulha fora enfiada causando enorme dor e agonia.

— Interessante, não é? Aprendi com um dos meus conhecidos estrangeiros para o qual
vendo tecidos — comentou.

Amira não conseguia responder, pois mesmo com a agulha fora de seu corpo a dor ainda
era pulsante e insistente.

— A partir deste dia, todos os dias será ferida. Até quando eu disser que está pronta —
pronunciou em voz clara e limpa.

E então se aproximou lentamente, sem tirar seus terríveis olhos castanhos dos dela.
— Se eu fosse você, menina, aprenderia a valorizar mais a vida, pois a morte é algo que não
lhe concederei até estar satisfeito.

— Ifrit … — murmurou Amira. Ela o olhou aterrorizada, não via mais um homem à sua
[6]

frente e sim, um demônio. Pensara que era uma das histórias de sua mãe, mas não, este
homem era a própria personificação de um, em corpo humano.

Em um ágil movimento, ele golpeou-a no rosto e mandou que a deixassem no chão.


Ordenou que lhe tirassem por hoje toda e qualquer comodidade. Levaram a cama e tudo
que lhe desse conforto e ao tentar se mover, Amira entendeu o porquê ele fizera esses
pequenos ferimentos. Não causaram cicatrizes profundas como das vezes em que ele
perdera a cabeça, mas causou incômodo e dor. Uma eterna recordação à desgraça que fora
acometida sobre sua vida, que independente da dor, ainda estava viva e assim seguiria.

Compadecendo-se de Amira, uma das criadas foi cuidar de suas feridas às escondidas e
pediu chorando a menina que parasse de desafiar o Sheik. Ele poderia ser um homem bom
quando agradado, dando-a em um bom casamento que lhe daria uma vida confortável e
livre de desgraças. Ela parecia ter boas intenções, mas na mente da jovem menina, se
tornava inadmissível qualquer tipo de defesa a aquele homem repugnante.

Amira empurrou a mulher que lhe tratava e a bacia de ferro que ela segurava com água ao
limpar seus ferimentos fizera barulho ao cair no chão. Os homens do sheik entraram no
quarto poucos momentos depois, a seguraram pelos cabelos e estavam a arrastando para
fora do aposento enquanto a mesma gritava e chorava, Amira tentou impedir, mas recebeu
um chute que a fez cair para trás.

A porta que a trancava ali fora fechada. Obviamente, a garota se arrependeu de tê-la
empurrado, aquela que de alguma maneira queria o seu bem. Mas Amira viera a chorar
pesadamente no dia seguinte, quando uma bandeja de ferro lhe fora entregue em seu
aposento coberto com um tecido. Dentro da bacia, estavam ambas as mãos de alguém e de
alguma maneira Amira sabia, eram as mesmas mãos que trataram suas feridas... A mulher
que se compadeceu dela, agora estava morta por culpa dela.

A força e voz de Amira se foram em uma sensação de luto. Naquele dia não quis comer e
passou a noite em claro, mesmo com seus pertences de volta ao aposento. Naquele mesmo
dia, enquanto observava o sol nascer, ela tomou uma decisão.

Independente do destino acometido a ela, que a subjugou e condenou-a aqueles


infortúnios, os faria padecer na desgraça, mesmo que, para isso tivesse que se tornar
submissa e aprender tudo que quisessem ensiná-la. Tudo que eles a treinariam para ser: A
concubina do sultão.
Teve todas as aulas, fora obediente em cada coisa ordenada.

Para que pudesse dançar como a mais nobre das mulheres e se tornar a mais sedutora das
odaliscas. Perfeita em diversas artes, filosofia e política. Amira acostumou-se com a dor e
desde o fatídico dia em que começaram sua tortura quase como um ritual e nunca mais
pararam, a dor dela parecia se tornar a melhor parte do dia de Said. E a lembrança do por
que ela deveria se tornar mais forte.

Por vezes Amira se vira feliz, quando Said viajava, pois gostava de ter o prazer dele mesmo
a ferir, mas em um dos seus retornos, ele casualmente disse os mitos e coisas que espalhara
sobre ela por aí. Inclusive, debochou da forma poética como alguns de seus homens se
referiam a ela ao ajudar a propagar a sua fama.
 
"Encontrada em meio às dunas do deserto,
De cabelos negros como a noite e ondulados como as areias do deserto...
De olhos azuis celestes como a água do mar e tão limpos como o céu sem
nuvens...
Seu corpo tem curvas suaves que causam inveja e levam à luxúria...
Ela é instigante como um oásis e nos torna sedentos por sua imagem,
até que se torna uma miragem.
Ninguém fora do palácio a viu, mas dizem ser a mais bela...
Ela é Amira, a flor do deserto."
 

A cada dia em que ela envelhecia, era mais um dia em que estava se tornando mais mulher.
Os dias passavam rapidamente e antes que o Sheik se desse conta, nove anos se passaram
desde que a acolheu e Amira, havia se tornado de fato, a mulher mais bela do continente.

Deixando por vezes o próprio Sheik tentado a tocá-la. Por este motivo ele soube que era
hora de conseguir chegar ao sultão. Saíra em viagem e dessa vez, jurou que retornaria
apenas quando ela fosse vendida a ele e, de fato, fora o que aconteceu, um desenho dela
chegou às mãos do Sultão que se viu perdidamente encantado pela jovem mulher. Assim, o
contrato de casamento fora selado entre o sultão e o sheik.

Amira seria a nova concubina do Sultão Fahir.


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500.000,00 dólares americanos é 369.336,25 em libra esterlina na cotação atual. (A


[1]

moeda de Londres, onde a nossa protagonista mora, é a Libra Esterlina, no entanto, as


grandes empresas usam o dólar para contabilidade geral.)
[2]
Anatólia, ou península anatoliana, também conhecida como Ásia Menor, denota a protrusão ocidental da Ásia, que
compõe a maior parte da República da Turquia. A região é banhada pelo mar Negro ao norte, o mar Mediterrâneo ao sul, e
do mar Egeu, a oeste.

 
[3]
 A zarabatana (originária da palavra árabe zarabatan) é uma arma que consiste num tubo originalmente de madeira
(caule oco), e hoje de metal ou plástico, pelo qual são soprados pequenos dardos, setas ou projéteis.
[4]
é uma arma branca corto-perfurante, também dita, tradicionalmente, uma arma de estocada e de corte. A arma
tradicional mulçumana e turca correta seria cimitarra, porém para maior entendimento fora usado no texto: Sabre. Já
que ambas armas são similares. 
[5]
substantivo feminino

1.     1.no Império Otomano, empregada escrava a serviço das mulheres num harém.

2.     2.mulher do harém de um sultão, paxá etc.

 
[6]
Ifrite [1][2]
(masculino) (em árabe: ‫ ;عفريت‬romaniz.: Ifrit; pl. ‫ )عفاريت‬e Ifrita (Ifritah; feminino), na mitologia árabe, são os
gênios maléficos da classe dos djins, são notórios por sua grande força e astúcia.

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