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NOTA DA AUTORA
SINOPSE
INTRODUÇÃO
PRÓLOGO
Desastre, Encontro e Ilusão.
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 1
Seu amor é uma mentira que teimosamente acreditei.
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 2
Um circo e na corda bamba quem vai caminhar sou eu.
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 3
As oscilações do destino que me guiaram até você.
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 4
Ela não está bem. E tudo bem.
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 5
Doce tentação X Amarga consciência
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 6
Sonho x vingança x encontro inesperado
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 7
Entre revelações, exposição e providências.
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA 1
A vida de um CEO nem tão interessante assim...
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 8
Despertar de um sonho
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 9
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 10
“Qualquer coisa que possa ocorrer mal, ocorrerá mal, no pior momento possível." Lei de
Murphy
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 11
“Montanha-russa de emoções.”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 12
“Entre Desejos&Negócios”
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA 2
Siga seus instintos, nenhuma desconfiança é infundada…
KATHERINE • Katherine Collins
CAPÍTULO 13
“As vidas baseadas no ‘ter’ são menos livres do que as baseadas ou em ‘fazer’ ou em ‘ser’.” -
William James
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 14
“ Uma realidade a parte ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 15
“ Habilidade de se adaptar X Má, mas de um jeito fofo ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 16
“ Qualquer um pode amar uma rosa, mas é preciso um grande coração para incluir seus
espinhos. ” - Clarice Lispector
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA - Fã Service aos leitores de “Vendida ao sultão”
EXTRA 3
E se... o lado ruim não for “Domesticado pela índole e moral?
RICHARD • Richard Johnson
CAPÍTULO 17
“ Operação: Pegue o Richard...? ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 18
“ Instinto, alma gêmea ou apenas... amor? ”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
KAYLA • KAYLA JOHNSON
CAPÍTULO 19
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 20
“ 5 minutos para o caos ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 21
“ Penso, logo existo.” - René Descartes
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 22
“ Hoje só quero me perder se for nas curvas do seu corpo ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 23
“ Existem deuses gregos... mas definitivamente existe, pelo menos, um Deus espanhol. Ele
se chama Alejandro ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 24
“ Mais uma história triste que não se contou”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 25
“ Preocupação x Julgamento x Conflito ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 26
“ Tão prto e tão longe... ”
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA 4
“ As outras perspectivas... Segredos, mentiras, omissões... medo. ”
IRMÃ LIZZIE • Lillian Lee
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 27
“ Verdade aterradora... ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 28
“ Na teia da viúva negra... ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 29
“ Segundos de terror, tornam-se horas para quem o vive. ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 30
“Emoções à flor da pele: do amor a raiva...”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 31
“O lado escuro da lua.”
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA 5
“Jogando no ventilador. ”
SEBASTIAN • Sebastian Collins
CAPÍTULO 32
“Um respiro após o caos”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 33
“Plano em ação: Não existem planos perfeitos.”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 34
“Plano em ação²: por milésimos de segundos.”
KAYLA • Kayla Johnson
EPÍLOGO
“Do anoitecer até o amanhecer, só saberei amar você!”
KAYLA • Kayla Johnson
BÔNUS
“Apenas um a irmã mais velha...”
HARLEY • Harley Johnson
BÔNUS & FÃ SERVICE
“Reclamações a fazer X Desejo X Sonho X Bebê ”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CURIOSIDADES
GRADECIMENTOS
SINOPSE
INTRODUÇÃO
PRÓLOGO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
Copyright © 2022 por Mellody Ryu
Contrato com um (Des)conhecido | 1ª Edição
Todos os direitos | Reservados
Livro digital | Brasil
Esta é uma obra de ficção.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos aqui são produtos
da imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, distribuída ou
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por escrito do autor, exceto no caso de breves citações incluídas em revisões
críticas e alguns outros usos não-comerciais permitidos pela lei de direitos
autorais.
Capa: Mellody Ryu
Revisão: Nay Sartor
Nina Cavalcante
Leitura crítica: Amélia
Taciane Albonico
Diagramação: Mellody Ryu
O artigo 184 do Código Penal tipificava como crime, apenado com detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa, a
violação de direito de autor que não tivesse como intuito a obtenção de lucro com a reprodução da obra intelectual
protegida.
Sumário
NOTA DA AUTORA
SINOPSE
INTRODUÇÃO
PRÓLOGO
Desastre, Encontro e Ilusão.
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 1
Seu amor é uma mentira que teimosamente acreditei.
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 2
Um circo e na corda bamba quem vai caminhar sou eu.
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 3
As oscilações do destino que me guiaram até você.
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 4
Ela não está bem. E tudo bem.
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 5
Doce tentação X Amarga consciência
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 6
Sonho x vingança x encontro inesperado
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 7
Entre revelações, exposição e providências.
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA 1
A vida de um CEO nem tão interessante assim...
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 8
Despertar de um sonho
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 9
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 10
“Qualquer coisa que possa ocorrer mal, ocorrerá mal, no pior momento possível."
Lei de Murphy
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 11
“Montanha-russa de emoções.”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 12
“Entre Desejos&Negócios”
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA 2
Siga seus instintos, nenhuma desconfiança é infundada…
KATHERINE • Katherine Collins
CAPÍTULO 13
“As vidas baseadas no ‘ter’ são menos livres do que as baseadas ou em ‘fazer’ ou
em ‘ser’.” - William James
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 14
“ Uma realidade a parte ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 15
“ Habilidade de se adaptar X Má, mas de um jeito fofo ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 16
“ Qualquer um pode amar uma rosa, mas é preciso um grande coração para incluir
seus espinhos. ” - Clarice Lispector
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA - Fã Service aos leitores de “Vendida ao sultão”
EXTRA 3
E se... o lado ruim não for “Domesticado pela índole e moral?
RICHARD • Richard Johnson
CAPÍTULO 17
“ Operação: Pegue o Richard...? ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 18
“ Instinto, alma gêmea ou apenas... amor? ”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
KAYLA • KAYLA JOHNSON
CAPÍTULO 19
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 20
“ 5 minutos para o caos ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 21
“ Penso, logo existo.” - René Descartes
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 22
“ Hoje só quero me perder se for nas curvas do seu corpo ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 23
“ Existem deuses gregos... mas definitivamente existe, pelo menos, um Deus
espanhol. Ele se chama Alejandro ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 24
“ Mais uma história triste que não se contou”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 25
“ Preocupação x Julgamento x Conflito ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 26
“ Tão prto e tão longe... ”
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA 4
“ As outras perspectivas... Segredos, mentiras, omissões... medo. ”
IRMÃ LIZZIE • Lillian Lee
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 27
“ Verdade aterradora... ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 28
“ Na teia da viúva negra... ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 29
“ Segundos de terror, tornam-se horas para quem o vive. ”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 30
“Emoções à flor da pele: do amor a raiva...”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CAPÍTULO 31
“O lado escuro da lua.”
KAYLA • Kayla Johnson
EXTRA 5
“Jogando no ventilador. ”
SEBASTIAN • Sebastian Collins
CAPÍTULO 32
“Um respiro após o caos”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 33
“Plano em ação: Não existem planos perfeitos.”
KAYLA • Kayla Johnson
CAPÍTULO 34
“Plano em ação²: por milésimos de segundos.”
KAYLA • Kayla Johnson
EPÍLOGO
“Do anoitecer até o amanhecer, só saberei amar você!”
KAYLA • Kayla Johnson
BÔNUS
“Apenas um a irmã mais velha...”
HARLEY • Harley Johnson
BÔNUS & FÃ SERVICE
“Reclamações a fazer X Desejo X Sonho X Bebê ”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
CURIOSIDADES
GRADECIMENTOS
SINOPSE
INTRODUÇÃO
PRÓLOGO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
NOTA DA AUTORA
Uma história que “se contou”, vindo através de um sonho, ideias súbitas ao longo da
própria escrita. E a história que inicialmente, seria tão fofa e leve quanto uma sessão da
tarde, se converteu em uma história nem tão fofa assim...
Espero que se apaixonem por este casal, tanto quanto eu me apaixonei.
Aliás, uma curiosidade que não interfere em nada, mas, para quem acredita, é legal.
Para quem acredita em “amores além da vida” e Karma: Nesta história, Kayla e
Alejandro são a reencarnação da Ayla e Khalid do meu outro livro "Vendida ao
Sultão". Para quem não acredita: REAFIRMO, não tem o menor problema no
entendimento.
Coloquei o subtítulo de “A regra era não me apaixonar”, mas acredito que o ideal seria:
“O destino tende a brincar com os nossos corações.”
Uma boa leitura. ❤️
Att: Mellody Ryu
https://www.instagram.com/mellody.ryu/
SINOPSE
Uma jornalista e um milionário, uma proposta e um desejo insano; porém, com uma
regra: não se apaixonar. Mas o destino tende a brincar e subjugar nossos corações.
Kayla foi traída pelo seu noivo em meio a uma enorme festa de gala e sua carreira de anos,
agora parecia estar por um fio. Ela fugiu não querendo ter que lidar com tudo que envolvia
o casamento, porém, o que ela não poderia imaginar é que encontraria em Alejandro Kaleo
Ward, o famoso milionário, uma atração avassaladora.
Alejandro, que até então não queria se casar, encontrou em uma pequena jornalista um
fascínio jamais sentido. Ao entregar-se ao desejo num momento de vulnerabilidade, seus
destinos foram entrelaçados.
Escândalos e perigos os uniam e eles eram notícia por todo lugar.
Tudo parecia terrível… ou não.
Alejandro teve uma brilhante ideia e propôs um acordo: ele a ajudaria a resolver seus
problemas e ela o ajudaria nos seus. Além disso, o milionário esperava conseguir o que
mais ansiava desde que colocou os olhos na bela mulher: tê-la em sua cama.
Assim ela não teria que cancelar o casamento,
apenas trocar de par.
No entanto, nada seria tão simples assim.
(+18) ESTE LIVRO CONTÉM SEXO, VIOLÊNCIA E MORTE.
INTRODUÇÃO
LONDON EXPRESS
Saturday, December 18, 2021
The Gossip Mail
EXTRA! EXTRA! EXTRA!
“O milionário Alejandro Ward, defende jornalista!”
O famoso e misterioso milionário foi visto após o rompimento do seu noivado com a
modelo Katherine Collins, no baile de gala de inverno, anual beneficente dos Valiants. Mas
não o bastante da sua súbita aparição, ele se envolveu em uma situação no mínimo
constrangedora. A jornalista Kayla Johnson, que estava lá para entrevistar algum
antissocial da vez, pegou seu noivo a traindo com Victória Mcgregor. A mulher que acabou
de enterrar o seu terceiro marido.
Em meio a toda confusão e farpas trocadas, Richard Johnson passou dos limites e Alejandro
tomou as dores da jovem jornalista. Ele foi à sua defesa e partiu para a agressão!
Agora a pergunta é:
O que levou o misterioso homem a tomar a defesa da jornalista?
Seria empatia? Ou alguma outra emoção? Quem sabe...
Troca de chifre?
PRÓLOGO
Desastre, Encontro e Ilusão.
Como fomos levadas pelas pessoas do hotel ao hospital, não muito tempo depois, Joel
chegou a Espanha, o irmão adotivo e melhor amigo do nosso pai, com não mais que uma
maleta com o básico e a roupa do corpo e assinou a documentação para ser nosso
representante legal temporário. Organizou todos os trâmites de enterro e traslado dos
corpos.
No cemitério, pouco tempo depois, encontramo-nos órfãs, vestidas de preto e com uma
pulsante dor no peito. Ao mesmo tempo, que o sentimento de “apatia” nos dominava para
as demais coisas, lentamente, ao ponto em que não chorávamos mais. Sentia que algo em
nós estava morrendo a cada jogada de terra sobre seus caixões. Ao olhar ao redor, vimos
pessoas familiares, mas nenhum deles quis nos acolher. Éramos menores de idade, mas
entendemos que família e familiares eram coisas diferentes, da pior maneira possível
Falavam que não podiam ou que não queriam.
Joel, sentindo-se revoltado, tomou a frente e nos disse que retribuiria o favor que lhe fora
feito na infância. Prometeu ajudar e cuidar de nós até que pudéssemos andar com nossos
próprios pés.
Minha irmã me colocou atrás de si naquela época e perguntou porquê ele faria isso por
duas adolescentes que ninguém queria. Paciente, Joel respondeu sorrindo após expirar
lentamente e colocou as mãos nos bolsos:
— Conheci o seu pai quando não passava de um garoto abandonado, que se negava a ficar
dentro do orfanato e que fugia com frequência. Além disso, era terrivelmente rebelde e
mesmo assim os seus avós me acolheram, deram amor e educação.
Seu sorriso foi amargo, mas seu olhar foi sincero quando encontrou o nosso.
— Além disso, você tem algum outro lugar para ir? Não precisa ficar receosa, não pedirei
para me chamarem de pai ou algo do gênero. Daqui há poucos anos, vocês serão maiores.
Seja sábia por você e pela sua irmã. Estudem, tenham um lar, uma base no agora para
poderem ter um bom futuro — explicou calmo, com a sabedoria de um ancião.
Minha irmã continuou insegura, mas ele falava a verdade. Por mais dor e sentimento de
traição que sentíamos devido a "família'', havia realmente muita verdade nas palavras dele.
Minha irmã só não podia ver isso e eu sabia o porquê. Ela se culpava e queria me proteger.
Mas eu não era uma criança, tinha quinze anos e sabia pensar.
Ademais, por mais estranho que fosse pensar no "Tio Joel" como algum tipo de pai ou
responsável por nós, não era ruim, naquele momento era simplesmente tudo que tínhamos.
Não era um total desconhecido, era o melhor amigo do meu pai, o víamos eventualmente,
ou escutávamos o nosso pai no telefone com ele..., e no final seria ele ou um orfanato.
Dentre as opções, ele era a melhor.
Sai de trás de minha irmã, tomei a frente dela e o olhei dentro dos olhos:
— Você sempre foi nosso tio Joel, nosso pai sempre falou de você com muito carinho e
sempre nos tratou bem. Sei que não temos para onde ir, por isso, prometo não ficar muito
tempo na sua casa o incomodando — falei com o máximo orgulho que pude manter.
Ele sorriu e estendeu a mão para mim. Minha irmã e eu nos entreolhamos, e então, fomos
em sua direção... Daquele dia em diante, por algum motivo, não choramos. Por mais tristes
que estivéssemos ou mesmo no aniversário de morte.
Os dias passaram e não fomos maltratadas, na verdade, Joel se provou um bondoso homem.
Trabalhador e de índole impecável, um médico com uma clínica pequena. Não tinha
esposa, pois ela faleceu de câncer logo após ter se tornado mãe do único filho dele, segundo
nos informou.
Nos preocupamos se estávamos incomodando, uma vez que demos conta que não tínhamos
o visto. Porém, Joel nos surpreendeu entrando na sala enquanto comentávamos e nos
tranquilizou. Informando que Richard era maior de idade e que foi para longe estudar. E, de
fato, tivemos um tempo razoável para viver o nosso luto, sem sequer uma visita do tal filho.
O tempo passou e nos mostrou que de fato, nossos pais tinham bons olhos para as pessoas,
fosse o Joel ou os seus funcionários/amigos mantinham-se leais e nos visitaram para
informar todos nossos ganhos, saber se estávamos bem e nos dar algum presente nos
feriados especiais. Comunicaram que, até que tivéssemos idade para tomar a frente, eles
tomariam conta da empresa da forma mais limpa possível e deixariam todos os arquivos
disponíveis se fosse da nossa vontade saber se não havia algum desvio. E se caso não
quiséssemos trabalhar naquele ramo, continuariam mantendo e separando o dinheiro que
agora, nós era de direito.
Por aquele motivo, Harley e eu tínhamos contas gordas de dinheiro. Joel tirava apenas
quando necessário para algo que precisávamos e apenas se caso não conseguisse cobrir.
Tínhamos uma caderneta onde anotávamos nossos gastos e ele nos ensinou sobre
economia. Aprendemos mais de uma língua e a primeira que escolhi aprender foi espanhol
– pois lembrava daquele homem que falava inglês para me acalmar –, enquanto Harley quis
aprender francês. Segundo Joel, nenhum estudo era demais e nunca se sabia quando
poderia se fazer necessário tê-lo.
Joel era um bom "pai", mesmo em meio ao monte de trabalho e turnos cansativos, tinha que
admitir que ele era um pai mais cuidadoso que o meu falecido pai foi. Minha irmã se tornou
a "super irmã" e por muitas vezes, estudando muito, se empenhando em cobrir o papel dos
nossos pais. Inclusive, por consequência, na ausência. Me senti solitária e descontei a
solidão nos estudos e atividades da escola. Mas algo na minha vida mudou, quando
conheci… Richard.
Eu estava no último ano, voltando da escola, quando vi o filho de Joel.
Richard estava falando com seu pai na frente da casa. Ele era alto, bonito, charmoso e
estava bem-vestido, tinha cabelos um pouco mais longos que os homens normalmente
tinham. Cabelos castanhos-claros que possuíam uma bonita luz sob o sol, olhos expressivos
esverdeados e que eram incrivelmente lindos.
Fiquei imediatamente encantada pelo carinha mais velho bonito.
Para piorar, meu coração errou a batida assim que ele se deu conta da minha presença e se
virou em minha direção. A força do olhar dele sobre mim, me fez arrepiar, não conseguia
fazer nada além de encará-lo como uma idiota e assim que me dei conta, fiquei tão nervosa
e constrangida, que apenas lhe dei as costas me afastando. Mesmo com o som da voz do Joel
me chamando preocupado, não parei. Refiz todo o caminho e acabei esbarrando com
Harley. Ela estava chegando do trabalho de meio período.
Ela me segurou pelos braços e me perguntou o que aconteceu. Estava preocupada, além
disso, tinha certeza de que eu deveria estar vermelha até a ponta dos meus cabelos. Não
conseguia esconder nada dela, nem se quisesse, ela sempre pareceu muito com a mamãe
neste aspecto, com aqueles olhos astutos.
Contei e por fim, ela riu de mim e disse:
— Menina besta! E eu pensando que era algo sério. Vamos voltar — disse, colocando as
mãos em meus ombros e me virando.
— Mas Harley, como vou olhar para cara deles agora?! — argumentei, lutando para não
deixá-la me empurrar, mas sem êxito.
— Como você vai olhar? Com os olhos, oras.
— Eu me sinto… — falei a contragosto — Espera… Você entendeu o que eu quis dizer…
Não seja idiota. Como vou olhar para eles? Fui uma completa idiota.
— Não sei também irmãzinha, mas você tem outro lugar para ir? — indagou ela sagaz com
uma ponta de humor.
— Não… — tive que admitir.
— Então vamos — reafirmou ela, voltando a me empurrar e me dei conta de que algumas
pessoas da vizinhança nos olhavam, e quis morrer.
Por que eu tinha que ser tão estupida?!
— Então vou andando, não precisa me empurrar… — tentei ao menos manter um fiapinho
de orgulho dentro de mim, o que fez uma risada baixa da Harley chegar aos meus ouvidos.
— Certo, certo! Muito engraçado a pessoa que chamou atenção para princípio de conversa,
agora fica constrangida por chamar atenção…— respondeu me soltando e vindo ao meu
lado — Mas não nego, essa sua reação a homens bonitos é muito interessante.
Ela me aporrinhou por todo o caminho com coisas como:
“Como fará para arrumar um namorado?” e “Se bem que, sempre falam que vale mais a
pena um feio empenhado em mãos do que um bonito que não serve para nada.”
Ela me constrangeu tanto, que simplesmente cheguei em casa irritada. Olhei para cara de
Joel e de seu filho Richard, dei "boa noite" completamente seca e fui para o meu quarto.
A cada vez que via Harley, ela me provocava da mesma forma. Inesperadamente, com a
presença frequente de Richard em casa depois daquele dia, fui me habituando. Contudo,
uma semana depois, quando cheguei ao meu quarto, lá estava ele com a sua irritante
camisa xadrez. Ele que já não era um estranho, mas sim, um grande abusado lindo de
morrer.
Richard estava tranquilamente sentado na cadeira da minha escrivaninha brincando com a
minha caneta favorita.
— O que você faz no meu quarto? Você sabia que não deve invadir o quarto dos outros? —
perguntei numa voz impertinente. Afinal, por vezes o ataque é a melhor defesa.
— Bom… Sim, mas você não é os “outros”, certo? Me desculpe, minha dama — disse ele
com tanto sarcasmo que fez o meu encanto por ele desfazer. Em sequência, ele levantou
largando minha caneta e caminhou em minha direção, com seus olhos verdes fixos nos
meus, passos firmes e um sorriso charmoso. Meu corpo todo enrijeceu supondo que ele me
beijaria, mas passou direto por mim, zombando do meu rosto vermelho.
Não nos dávamos bem, mas, ao mesmo tempo, Richard sempre fazia coisas que me faziam
seguir com ele em pensamento, e para evitar tristeza ao Joel que ficava preocupado com
nossas brigas, na frente dele ao menos tentávamos ser mais educados. Entretanto, em
algum momento nestas idas e vindas de Richard, pouco depois que completei 18 anos, no
final de um evento da cidade, nos vimos sozinhos… e aconteceu...
O nosso primeiro beijo.
E achei…
Eu realmente acreditei que tinha encontrado o amor da minha vida. Que com ele poderia
formar uma família, ter a estabilidade de um lar.
E não poderia estar mais errada…
CAPÍTULO 1
Seu amor é uma mentira que teimosamente acreditei.
Horas mais tarde…
Já era fim da tarde quando terminei todo o processo de ser transformada em “Cinderela” e
as fotos para as redes sociais. Já estava a caminho da festa, confortavelmente sentada, em
um elegante estofado branco, dentro de uma limusine. O vestido longo de seda perolado
que usava, realçava cada curva do meu corpo e destacava meus cabelos negros. Graças a
isso, recebi muitas “curtidas”, inclusive de Richard. Que provavelmente curtiu por desaforo.
Como acalmaria este homem?
Francamente, não sabia.
Bom, ao menos me sentia livre para aproveitar pequenas regalias. Como, por exemplo,
bebericar o champanhe. Ademais, tinha que estar no mínimo, um pouco alta. Sempre era
muito incômodo estar entre tantas pessoas, sob tanta atenção e também sob tanto ódio.
A princípio queria ser jornalista freelancer, mas coisas inesperadas aconteceram… Dado
dia, Evans precisava de alguém para um evento. Alguém que fosse à festa e conseguisse
uma entrevista com Harrison Grand.
Ninguém menos que um velho empresário dono da joalheria mais cara de Londres, a Jewel
Soul. - Aliás, o dono da loja em que sai mais cedo, com as abotoaduras de Richard. - Após mais
de quinze anos apegado ao tradicional, estava abrindo as portas para ideias novas.
Lembrava-me que por sorte, encontrei sua esposa, Scarlet Grand. Era de conhecimento
comum, como ele era muito devotado a ela. Então, tinha que chegar a ela, para conseguir
chegar a ele e, quem sabe, conseguir uma exclusiva. No entanto, quando a encontrei, era
baixa, com alguns fios grisalhos em meio aos seus cabelos e se fosse chutar, sua idade seria
entre os quarenta ou cinquenta anos. Porém, o que me chamou atenção foi que estava abatida
e parecia estar cansada em meio àquela festa. Olhei ao redor e estava sem cadeiras
disponíveis, deveria estar sendo penoso.
Chamei um garçom, pedi para providenciar mais uma cadeira e me aproximei com
delicadeza. Pedindo desculpa pela minha intromissão e possível inconveniência. Inventei que
meus avós tinham muitas dores nas pernas quando ficavam em pé por muito tempo. Afinal,
ela poderia ser uma daquelas mulheres orgulhosas que não assumiam que a idade tinha
consequências.
Uma grata surpresa foi quando me sorriu e ficou muito grata por ter reparado. Pediu para
conseguirem mais uma cadeira para mim. Algumas esposas de outros empresários foram se
aproximando. Tudo ia bem, até que perguntaram o meu trabalho. Tinha orgulho do meu
trabalho, então não menti.
A amizade acabou e uma a uma, elas foram embora. Obviamente desconfiadas, refletindo se
não falaram demais. Voltando a ficar apenas a senhora e eu.
— É sempre assim? — questionou.
— Sempre, ou creio que seja assim. Nunca estive em uma festa de gala como esta, mas, em
geral, é… Sempre — afirmei dando de ombros — Tenho que fazer o meu trabalho.
— Quem você veio entrevistar ou saber algo sobre? — sua voz era serena e foi absolutamente
sincera, então respondi de acordo.
— Vim tentar agendar uma entrevista, e para ser franca, com seu marido. Eu a encontrei
antes de achá-lo, pensei que logo apareceria. Mas a senhora parecia cansada e ninguém
estava dando a mínima, então tinha que fazer algo a respeito — dei de ombros suavemente
para manter a elegância. Estava principalmente nervosa naquele dia, nunca estive entre
tantas pessoas influentes antes.
Ela sorriu apreciando minha sinceridade e algum tempo depois, seu marido surgiu
preocupado e assim me viu ficou mal-humorado. Mas sua senhora o convenceu a me dar uma
entrevista devido ao meu bom coração.
Depois daquele dia, meu chefe sempre me enviou em "missões impossíveis" e com a benção
de Deus, de uma forma ou outra, consegui concluí-las. Mas nem sempre como queria, pois,
às vezes pegava pessoas ricas fazendo o que não deveria. No final, a "missão impossível"
era abortada e no lugar vinha outra companheira de trabalho, Sofia. E esta sim, se envolvia
nos casos de traição e fofoca.
Desde então, meus trabalhos eram uma mescla de pesquisas e descobrir as verdades que os
famosos escondiam sobre seus negócios. Furos, entrevistas casuais, encaminhar coisas para
a “companheira” … E festas. Segurei com carinho a minha bolsa que estava em meu colo
com as abotoaduras, pouco antes do carro parar. Pensando no tempo em que vinha
magoando Richard.
— Chegamos, senhorita — anunciou o motorista — Em um momento abrirei a porta.
— Sim, obrigada.
Ele saiu do carro, deu a volta rapidamente e abriu a porta, tão logo que o fez, fui banhada
pela luz que vinha de fora. Os flashs dos fotógrafos eram fortes e atrapalhavam um pouco a
minha visão. Dei o melhor sorriso e sai do carro, equilibrando-me perfeitamente em meus
saltos muito finos. Só o fato de estar ali, fazia muitos me perguntarem quem iria entrevistar
daquela vez. O celular na minha bolsa começou a apitar frenético com as notificações das
redes sociais. O que era totalmente esperado, ao descobrirem qual era o evento que eu
estava.
Parte da publicidade, era descobrirem onde estaria quando desse as caras. Afinal, me fazia
de sonsa para não revelar o alvo da entrevista, pois não tinha certeza de conseguir uma
exclusiva.
Parte do mal de estar sempre em lugares como aquele, era que inevitavelmente, me tornei
uma pessoa pública também. Segundo meu chefe, isso era maravilhoso, pois me tornei um
“marketing vivo” do jornal onde quer que fosse. Enquanto atravessava o caminho até a
porta do salão, relembrei sobre o homem que iria tentar me aproximar:
Alejandro Ward, 38 anos, 2 metros, porte Atlético. Um homem realmente alto, forte e que,
segundo as fotos tiradas por “paparazzis”, possuía um olhar severo, que por vezes me parecia
familiar de alguma forma. Atual dono de uma cadeia de hotéis Royale, assumiu a posse logo
após se formar na faculdade devido ao falecimento de seu pai.
Possuía dois irmãos, sendo eles uma irmã mais velha não mencionada na mídia, que sempre
foi muito reservada e um irmão mais novo, igualmente reservado. Mostrando que toda a
família não tinha interesse em tabloides. Alejandro surpreendentemente estava noivo da filha
do contador do seu tio, que era muito ativa nas redes sociais, seu total oposto. Alejandro
residia em Granada, Espanha. Embora, constantemente estivesse em viagem.
Era apenas isso que encontrávamos sobre ele.
Suspirei, virei meu olhar aos céus e senti o vento frio da noite acariciar minha face. Ao
pensar em Granada, recordava de meus falecidos pais. Questionei-me se naquela época nós
nos hospedamos em um hotel da família dele. A imagem do gentil desconhecido se passou
pela minha mente, porém, não importava o quanto tentasse, não conseguia me lembrar do
seu rosto. Voltei minha atenção para frente e entrei no famoso hotel com o pensamento de
que ainda queria reencontrá-lo e agradecer.
Antes que desse por mim, já estava no grande salão onde estava ocorrendo o baile. O
espaço era lindo, numa temática que lembrava a realeza francesa. Mas, embora a decoração
mudasse de uma festa para outra, era sempre a mesma coisa no final, pessoas gananciosas,
viciadas em trabalho e na própria imagem. E francamente, de certo modo, eu não era tão
diferente deles. Por isso era natural que entrasse no meu modo "automático" de sorriso
polido e cortês, humor apático e cumprimentos vazios. Na festa, havia vários rostos
familiares, alguns que gostavam de mim e outros que não me suportavam.
Eu não era o tipo que deliberadamente causava ódio nas pessoas, mas uma vez que
desmascarei alguns… Era claro o motivo de me odiarem, especialmente se o sentimento
era recíproco. Bom, em todo caso, sempre tentei ser gentil. Contudo, o simples fato de ser
quem era, fazia com que eles mudassem de assunto conforme atravessava o salão.
Temiam muitas coisas, em geral, serem expostos em suas mentiras e traições. Além de
furos, afinal, muitos deles fechavam negócios nestas festas e não anunciavam de imediato,
pelo bem do marketing. Além disso, em um rápido passar de olhos pelo salão, pude ver que
muitos estavam com as amantes no lugar das esposas. Meu sorriso tremeu por meio
segundo, por não poder fazer nada a respeito, pois, ao que me recordava, alguns deles
poderíamos chamar de “criminosos”, mas se tinha alguém que poderia era a Sofia.
Mentalmente, listei seus nomes e descrição de suas companheiras, para se caso fizessem
algo contra mim.
Peguei uma taça de vinho tinto que um garçom ofereceu ao longo do meu percurso
enquanto procurava o hoteleiro, Alejandro. Fracamente, era em cada roubada que o meu
chefe me colocava....
Mas foi fácil encontrá-lo em meio à multidão, devido à sua altura e mais que isso, pois, ao
meu olhar repousar sobre o homem, senti um formigar percorrer o meu corpo. Alejandro
era alguém que simplesmente não poderia ser ignorado.
O fitei com apreciação, seus ombros largos, seu quadril estreito que fazia minha mente
vagar em pensamentos luxuriosos de um corpo malhado… Além disto, Alejandro possuía
um traseiro arredondado que atraía o meu olhar. As fotos não faziam justiça à sua presença
marcante, mesmo de costas para mim. Através dos olhares voltados a ele das mulheres ao
seu redor, podia ver seu fascínio, o que denotava um rosto igualmente atraente.
Instigada pela vontade de fitar seu rosto, caminhei um pouco mais para perto dele. E
conforme ia dando a volta por ele, reparei em seus cabelos negros e espeços, seu maxilar
definido e a barba aparada. Seu perfil sério deixava claro que se deveria evitar irritá-lo.
Com sua postura perfeita, ele não deixava nenhuma brecha para usar como base para me
aproximar. Aparentemente, teria que ir diretamente a ele Sem rodeios...
Respirei fundo e fui.
No entanto, para a minha surpresa, uma voz familiar chegou aos meus ouvidos. Nos
primeiros passos que dei em direção ao homem. Virei minha cabeça em direção à varanda
a poucos metros de mim e era a voz de… Richard! Mas ele não conseguiria vir a esta festa,
conseguiria? Questionei mentalmente, me aproximando.
— Oh, querido! Fico tão feliz que pode vir… — disse uma voz enjoada.
— Eu já planejava vir. Estava com tudo pronto, pois sabia que novamente ela iria trabalhar
— disse Richard com desdém enquanto passeava de braços dados com uma mulher uns
bons vinte anos mais velha que ele.
— Oh, tadinho! sempre sendo colocado de lado. Fique comigo, serei sua melhor companhia
— sua voz estava carregada de malícia e eu sentia a bile subindo à minha garganta, ao
mesmo tempo que uma fisgada de dor dilacerante golpeava meu peito.
Richard estava me traindo.
Queria fazer um escândalo, gritar, xingar e explodir. Mas posso mesmo dizer que não tenho
culpa nisso? Pensei, buscando alguma justificativa. Queria chorar, mas a mágoa no meu
peito era tanta, que até mesmo as lágrimas que se formavam em meus olhos pareciam
arder como fogo, negando-se a rolar.
Não poderia apenas fingir que não vi, virar as costas e tudo bem. Fui atrás deles, mesmo
com meu coração doendo como um inferno. Até que pude escutar da porta mais uma parte
da conversa distraída dos dois: — … Ela sequer desconfia.
Engoli em seco.
— Você tem que tomar cuidado, querido. Que tipo de mulher acredita em um homem que
não dorme com ela? Não quero que ninguém te faça mal. Além disso, e se ela descobre que
você tem pego o dinheiro dela? O que te dou não é mesmo o suficiente?
Meu dinheiro?! Puxei minha bolsa para pegar o celular, mas não precisei confirmar quando
ele respondeu:
— Ela é uma idiota e eu garanti que confiaria cegamente em mim, já te falei. Estamos juntos
há anos, é natural que se preocupe com meu bem-estar. Ela até deixou um cartão comigo,
que mal uso. Além do que, trabalha com tanto afinco que nem sequer verifica o banco.
Imagine se um banco, que ela manteve em segredo de mim, iria verificar uma conta gorda,
que ela desperdiça por sequer mexer naquele dinheiro. Além do mais, ela está tão
empenhada com o casamento… — disse ele com um humor maldoso — O seu sonho
romântico e idiota. É tão trouxa, chega a dar pena. Cega de amor, é o que digo.
— Sei… Toda vez fala isso, mas aposto que dorme com ela sim. São quantos anos juntos
mesmo?
— Acho que uns nove... Só lhe dei atenção, porque quero a empresa dos pais dela. Cômico,
se não fosse deprimente. Ela pega furos dos outros e não da própria vida. Se dormisse com
ela, rapidamente saberia que você toma tudo de mim… — falou com um tom malicioso e
com um brilho no olhar para a senhora, que fez o meu estômago revirar.
Cada palavra dele era uma facada no meu coração e senti minhas pernas vacilarem. Para
conter a dor que sentia, que ameaçava sair em forma de um grito frustrado, levei a mão à
boca. Maldito. Como pude ser tão burra?! E ainda o dinheiro dos meus pais! Desgraçado!
— Ah! Mas tomo tudo com muito prazer… No entanto, não te emprestarei mais meu
cartão… Nem te darei meu coração, irá quebrá-lo — disse encenando falsamente com
sarcasmo — Além disso, exigirei que não me toque, para que assim prove o seu amor para
mim.
— Mesmo? — perguntou com um sorriso sacana se aproximando dela, para falar algo no
seu ouvido, que a fez morder o lábio inferior.
— Bom… Com esse argumento, darei sim a senha… — disse ela levantando a mão para
passar a ponta dos dedos da lapela até o queixo — do meu quarto.
Eles pareciam estar juntos fazia um bom tempo, além da intimidade dos dois. A sensação de
traição era terrível, estava sem palavras ou reação para o que via e escutava.
Engoli a mágoa, com o sabor amargo do ódio, que se formava em minha boca. Meu coração
sangrava, mas não destruiria minha carreira em nome do meu rancor. Contudo, era
inevitável pensar nas coisas boas do nosso relacionamento no passado, todos os últimos
anos, toda mentira… Recordar aumentava a dor e a fúria, fazendo-me tremer internamente.
Com todo o meu orgulho restante, me virei para partir em passos apressados, resolveria
isso no privado. Estava tão abalada, sem ver direito o caminho que seguia, tudo ao meu
redor parecia um grande borrão. Minha mão tremendo, meu corpo todo estava agitado e
acabei esbarrando em um homem.
Desacreditada no meu azar, levantei meu olhar levemente, mas ao ver a roupa de um preto
azulado familiar, não tive coragem de terminar de levantar o olhar. Alejandro. Mordi o lábio
inferior ao ver que a taça derrubou o vinho sobre nós dois, manchando as costas dele e a
frente do meu vestido. E como se todo problema fosse pouco, além da taça cair no chão e
fazer barulho chamando a atenção das pessoas ao redor, o som de murmúrios chegou
facilmente aos meus ouvidos, pois notaram rapidamente o momento mais humilhante da
minha vida.
Alguém que estava falando com Alejandro, saiu do lugar e me viu, reconhecendo-me.
— Kayla? Minha jovem, ouvi falar que estava na festa, que prazer revê-la — disse e não tive
força o suficiente para olhá-lo também.
— Des...— comecei a me desculpar, balbuciando em um tom baixo para o homem que
esbarrei e o senhor que me cumprimentava. Não queria chamar atenção, mas minha
intenção pouco importou quando escutei outra pessoa chamando meu nome.
— Kayla...? — era Richard logo atrás de mim e o imbecil não falava baixo. O que me deixou
irritada, muito irritada.
CAPÍTULO 2
Um circo e na corda bamba quem vai caminhar sou eu.
Segui a mulher por vários corredores, com a mente dispersa em pensamentos de tal
maneira, que mal notei o quanto havíamos andado ou qual caminho tínhamos feito. Pude
reparar, somente ao me dar conta disto, em poucas coisas, como algumas portas abertas.
Entre elas, uma pude supor ser um grande escritório, pois podia jurar que vi algumas
estantes de livro e uma mesa central pesada de madeira.
Até que, subitamente a governanta parou frente a uma porta dupla e alta. Virou-se para
mim e com a mesma voz calma de antes, informou-me que o quarto do senhor e senhora
Grand não ficava perto, mas bastaria um toque no telefone em caso de alguma necessidade.
Em sequência, sem me dar tempo de falar qualquer coisa, a mulher me deu as costas e se
prontificou em abrir a porta do quarto para podermos entrar.
Logo de cara, vi grandes janelas de vidro e cortinas pesadas com a luz da lua entrando
magnificamente por elas. Móveis de madeira maciça, um quarto enorme com uma pequena
sala de um lado e a cama do outro.
Sem nenhuma brincadeira, apenas o quarto em que estaria esta noite era quase do tamanho
da minha casa… pensei chocada. Segui embasbacada, até ver a cama com dossel, parecendo
ser tirada de alguma história de conto de fadas. Seguindo meu olhar, a governanta foi até a
janela e a abriu um pouco para ventilar o ar pelo aposento.
Isso me fez recordar que, em meio aos meus estudos sobre o senhor Harrison Grand,
descobri que ele era um nobre, por isso era tão ligado à tradição e demorou tanto tempo a
ceder às novidades. Um Duque para ser exata, embora não recorresse ao título. A sensação
era de que a cada passo, estava sendo transportada a um passado que não vivi.
— Caso queira tomar banho, o banheiro fica à sua direita — frente ao meu silêncio, por
estar admirando o quarto, ela pareceu ler os meus pensamentos e por quase um segundo
pude ver pela minha visão periférica a sombra de um sorriso — Se me permite, senhorita,
por ora, irei ao encontro da minha senhora e então, retornarei com alguma muda de roupa.
— Muito obrigada, pode me chamar apenas de Kayla. Não sou… hum… “nobre” ou
“importante” como eles. Apenas uma jornalista que deu sorte de fazer bons amigos — pedi
com gentileza e naquele momento, pude ver nitidamente um sorriso amistoso no rosto da
mulher. Ela concordou com a cabeça e saiu silenciosamente.
Assim que escutei o som da porta se fechando, andei até a cama e toquei com a ponta dos
dedos o relevo da madeira. Era robusto, bonito e, ao mesmo tempo, delicado. Não fazia o
meu estilo, mas se eu herdasse esta propriedade, também me recusaria a mudar qualquer
coisa aqui.
Tudo parecia ser uma história viva…
Falar em história… Meu dia de hoje, parecia uma longa e confusa história de conto de fadas.
No começo do dia: um sonho cheio de fantasia, a fada madrinha – meio filha da puta –,
vulgo meu chefe, me mandando para um baile de gala, atrás de um príncipe de outro país.
Ao longo do dia, a transformação em Cinderela. À noite o “meu” príncipe encantado,
resolveu virar um sapo e ficar com a velha bruxa. Minha carreira virou uma abóbora
enquanto eu derramava vinho nas vestes do tal príncipe estrangeiro. E enquanto estava em
frangalhos, fui adotada por nobres e vim parar no palácio.
Que enredo absurdo! E plot inesperado, realmente... Se não fosse a minha história, eu já
estaria empolgada com a próxima pergunta:
Qual seria a continuação desta louca história?
Mas como a história era minha, mas não sabia se queria saber.
Ri amarga daqueles pensamentos loucos e me permiti sentar na cama, então, senti os meus
ombros caírem pesadamente. Sempre fui fiel aos meus instintos, eles nunca me traíram…
Como pude estar tão enganada por tanto tempo sobre Richard?
Foi mesmo porque trabalhei demais? Ou só pelo dinheiro?
O peso do dia finalmente recaiu sobre mim. Frustrada, joguei a bolsa ao meu lado na cama,
levei a mão ao rosto e deixei o ar retido dentro de mim, sair em um longo suspiro de
lamento.
Por um longo minuto, fiquei em silêncio de luto pelo meu coração.
Tirei os saltos altos que estava em meus pés sem usar as minhas mãos, um hábito que
adquiri pelos anos usando-os. Realmente, moldei minha vida, fazendo isso. Trabalhando,
me empenhando e pensando nele… Num círculo vicioso de dependência daquela rotina
singela, atrás de um sonho de ter a minha própria família.
— E aí estava tão dependente dele! Não pensei, sequer imaginei, que seria ele a me golpear
pelas costas! Essa maldito Richard! — falei baixo jogando a cabeça para trás, voltando o
meu olhar para a bolsa e desejando jogá-la longe enquanto meus lábios tremiam pela
vontade de chorar — Em pensar que gastei uma fortuna por um maldito par de
abotoaduras! Eu sorri como uma idiota… Que ódio! Se ele tinha a cara de pau de
comparecer em festas assim com aquela mulher, todos deveriam já estar sabendo da
traição e rindo pelas minhas costas.
Mordi meus lábios com força, até sentir o gosto de ferrugem do sangue.
Havia apenas duas prioridades nos meus dias, o trabalho e ele. Talvez devesse ter colocado
todo meu empenho no trabalho. É, seria melhor, pois… O preço de amar um idiota sempre
seria alto.
Levantei-me e tirei a roupa com alguma pressa, como se ela me queimasse. Apenas queria
afastar aqueles pensamentos do dia horroroso, por mais que eles me assombrassem. Por
hoje nada mais daria para ser feito, no máximo chorar. Ainda teria que pagar a lavanderia
do vestido ou pagar um novo. No entanto, a ironia de toda a situação era cômica se não
fosse deprimente. Afinal, Richard estava certo.
Ainda que fosse uma jornalista, quase uma detetive, uma pessoa que buscasse a verdade e
fatos, não pude evitar ser enganada pela pessoa que estava bem do meu lado. Perdida de
vergonha caminhei até o banheiro. As recordações boas e ruins, serviam de tortura para a
minha mente já cansada. Não queria pensar, mas quanto mais fugia mais me atormentava.
Abri o chuveiro e deixei que a água me banhasse. Pensamentos idiotas me vinham à mente,
assim como perguntas clichês:
"Por que fez isso?" A resposta já foi dada: Pela empresa dos meus pais.
" Você um dia me amou?" A resposta também já foi dada: Não.
" E se eu tivesse trabalhado menos… Isso teria mudado alguma coisa?" Minha mente me
respondeu de imediato: Pelo amor de Deus, deixa de ser besta!
Lembrei-me da primeira reação que tive ao vê-lo quando era uma adolescente. Fui
apressada para o lado oposto, meu instinto já estava avisando-me que era um mau
negócio.
Mas droga, por quê tem que doer tanto... Para piorar, teria que cancelar tudo do casamento,
falar com os convidados… Tudo tão desgastante. Os olhares de pena, deboche ou falsa
simpatia.
Bati contra a parede do banheiro, extravasando minha raiva. Nada disso vale a pena…
Pensei cabisbaixa. Terminei meu banho e saí, mas ao sair do banho me deparei com o meu
reflexo no espelho. Estava com os olhos vermelhos e pele arranhada de tanto esfregar.
Caminhei para mais perto do espelho e olhei atenta, estava nua, mais do que nunca. Sem a
máscara da força, do sorriso, da apatia, da educação, da imagem… E estava um caos. A
vontade de chorar estava presente, no entanto, nenhuma lágrima escorria.
Como minha própria amiga mais próxima, me olhei como se olhasse outra pessoa.
— Dane-se o Richard. Não vai ficar se lamentando, não vai mesmo! — disse convicta
encarando-me — Trabalhou dignamente, fez o seu melhor, ainda que tenha fracassado no
interesse amoroso. Fez muito mais por Richard do que ele merecia! E daí que você não tem
muitos amigos? Ou que não confia em ninguém?! Por todos esses anos, você confiou na sua
capacidade e fez todas suas escolhas de acordo com as suas prioridades, não foi?
Mas ninguém é bom sozinho… A minha consciência ecoou recordando-me.
— Por ora é o que temos! — respondi passando a mão no rosto, secando as lágrimas
invisíveis — E temos a ajuda do senhor e senhora Grand, que entraram em sua vida como
anjos.
Verdade… No momento certo, quando mais precisava. Pensei com um sorriso fraco e gentil.
Vesti um roupão que encontrei próximo de mim e retornei ao quarto, pensando no que
faria a seguir. Tinha muita coisa dentro e fora de mim para colocar em ordem.
Escutei ao longe, a vibração do meu celular. Aproximei-me da bolsa, o peguei de dentro
dela e de relance mensagens do meu chefe, do Richard, minha irmã e mais algumas. Não me
sentia pronta para isso, por isso, simplesmente o desliguei. Ao voltar a jogá-lo na cama, vi
algumas roupas embaladas como novas. Pensei em vesti-las, mas não tinha ânimo.
Não agora.
Queria algo forte para beber, forte o suficiente para me fazer dormir sem sonhar, então,
numa vã esperança, olhei ao redor em busca de uma garrafa perdida naquele quarto
enorme. Nada.
Recordei que vi a caminho do quarto, um aposento com a porta entreaberta que parecia um
escritório. Provavelmente teria algo lá. Embora sentisse estar abusando da hospitalidade
deles, parecia tentador demais algo que pudesse anestesiar minha mente pensante. Era
tarde, olhei no relógio e me assustei com o tempo que havia passado no banheiro ao ver
que já era quase uma hora da manhã. Vesti a roupa e sai na ponta dos pés do quarto,
andando sorrateira pelo corredor vazio.
Caminhei e caminhei, por algum momento me arrependi de ter saído do quarto. A sensação
de estar perdida em um lugar que não conhecia, não era nada agradável. Até que reconheci
a porta entreaberta, suspirei aliviada.
A que pontos chegamos, Kayla? Mas já que chegamos aqui...
Apressei-me a entrar no aposento, então vi sofás de couro. Estantes de livros em todas as
paredes disponíveis, no canto, mesmo ao longe pude ver uma variedade de bebidas em uma
mesa. Não sabia o que era, mas qualquer coisa alcoólica seria o suficiente.
Caminhei até lá e me servi da bebida que estava na maior garrafa. Ao sorver o primeiro
gole, a bebida desceu queimando. Era forte, meus olhos lacrimejavam, meu estômago
parecia estar pegando fogo. Visto que o plano era dormir sem sonhar, pensei no alto da
minha incompetência naquele momento que aquela seria a melhor bebida.
Precisava de mais, até que me anestesiasse. E assim bebi mais algumas doses. Até que
comecei a sentir o corpo mais leve, as coisas ao redor pareciam mais engraçadas. A dor
tinha passado do meu coração. No entanto, o calor era insuportável. Olhei para as portas de
vidro que davam a uma varanda e, embriagada como estava, acreditei ser uma boa solução
para o calor.
Cambaleando, caminhei como conseguia. Ao mesmo tempo que o riso frouxo me arrebatou
ao imaginar uma visão de fora; a louca, otária e corna.
Depois de alguma dificuldade para abrir as portas, já que o fecho não estava querendo
colaborar comigo, o vento gelado e refrescante me alcançou tão deliciosamente que me fez
gemer. Um arrepio me tomou devido ao frio do lado de fora, trazendo-me um pouco de
lucidez, o que definitivamente não era algo que eu queria naquele momento. Levei o copo
de bebida à boca e dei o último gole que tinha nele, entristecida. Já que foi tão difícil chegar
ali, quanto mais voltar e encher o copo.
Abaixei-me, coloquei o copo no chão e quando fui me levantar, o corpo não obedeceu,
fazendo-me cair sentada no chão. Assim, acabei encontrando um céu tão bonito acima de
mim. Limpo e sem nuvens, cheio de estrelas. Me apoiei no chão e me levantei, rumando
para o parapeito. Apoiei-me nele e chorei. Chorei baixinho, pelos meus sonhos, pelo meu
coração, pelos meus planos, apenas... Chorei.
Em algum lugar dentro de mim, dizia: “Chore tudo que tem que chorar, mas chore hoje.
Antes que o novo dia chegue e perceba que você ainda estará aqui… Mesmo sem ele.
Mesmo sem você ligar para ele como em todas as noites em que ele não estava na sua casa e
falar: Boa noite, amor. Como foi o seu dia?”
Um soluço sofrido escapou sem que eu quisesse.
— Eu te amei… Como você pode fazer isso comigo? Eu me empenhei tanto em ser perfeita e
boa o suficiente para você. Dediquei-me tanto para tentar fazer as coisas certas e me culpei
tanto cada vez que falhei… — reclamei em uma linguagem distorcida de bêbados e então
comecei a rir, nervosamente. Gargalhando de todo o meu infortúnio e de como tentei me
passar por uma elegante mulher da sociedade na festa, apenas para acabar bêbada em uma
sacada. Uma sacada? É uma saca... O que me fez rir histericamente e me mover forçadamente
como uma atriz de teatro — Oh! Romeu, onde estás tu, meu Romeu…
Pensei em Romeu e Julieta, a trágica história de amor de uma semana. Quem sabe, se
tivessem vivido o romance por mais tempo, Romeu trairia Julieta e então nada teria valido
a pena.
Inclinei-me um pouco mais no parapeito, pois me senti enjoada. Estranhamente, escutei
passos vindo atrás de mim. Tentei me virar para ver, mas me senti tontear. Minha visão
estava desfocada e tudo parecia um sonho.
Das sombras do escritório vi o homem que pensei que nunca mais encontraria. Ele parecia
mais velho, mas não menos impressionante caminhando em minha direção em passos
firmes. Seus olhos negros sombreados por pestanas densas e escuras, barba para fazer e
cabelos levemente caídos para frente.
Ele era tão lindo e eu deveria ter um grande fraco por homens bonitos, pois me vi sorrindo
para ele pouco antes do mesmo enlaçar a minha cintura e me prender firmemente contra
ele encostando-me no parapeito, travando-me completamente colada a ele.
— Nossa… — falei num misto de surpresa e espanto, sorrindo bobamente. Mas para o meu
total espanto, ele não sorriu de volta, apenas disse com uma voz carregada e tensa:
— Pare de sorrir, você não está feliz.
— Se parar de sorrir, não sei se conseguirei parar de chorar... — respondi sinceramente e a
certeza de que nada de mal aconteceria me acometeu, assim como uma confiança que
nunca senti antes.
Fiquei na ponta dos pés, mantendo meu olhar fixo no dele. Abri lentamente os lábios e
passei a ponta da língua em seus lábios. Sorri vendo a sua expressão, antes de morder seu
lábio inferior e puxar para entre meus lábios e gemer lentamente, pois uma onda de tesão
alucinante me tomou ao sentir o seu gosto. Eu não tinha mais um coração para perder, já
que ele estava quebrado, mas ainda tinha um desejo voraz não saciado.
Um beijo não seria o suficiente para pará-lo.
CAPÍTULO 5
Doce tentação X Amarga consciência
Horas antes…
Em um lugar em que não se pode mostrar falhas, não foi estranho que após socar o lixo
humano, lembrei de Kayla e olhei ao redor, buscando-a.
Fui recebido com olhares avaliativos, alguns recriminativos, outros pensativos, mas
certamente, de alguns ali, valeria a pena tirar proveito ou não. Afinal, a grande maioria a
odiava e em contrapartida, queriam uma oportunidade de fazer negócios comigo. Aquela
seria uma oportunidade. Meu olhar passou friamente por todos, para cortar qualquer
aproximação.
Passei por eles, sem me importar com os seus olhares ou julgamentos, buscando-a com um
pensamento apenas:
Não queria deixá-la sozinha daquela forma…
Lembrei dos olhares que recebia por ser apenas quem era, uma jornalista. Novamente, não
podia dizer que não compactuava com o sentimento de aversão a jornalistas, sempre tão
invasivos... No entanto, a imagem dela, forte lidando com tudo de forma perfeita, mas com a
dor transpassando o seu olhar, invadiu minha mente. O que falaria a ela? "Você está bem?"
De novo? Esperaria um "Obrigada" por socar o imbecil do Richard? Porque provavelmente
enfrentaria no mínimo um processo por agressão…
Naquele instante, por coincidência, vi meu cunhado a alguns metros, ele disse que estava indo
ao encontro de Scarlet que estava com a menina. Decidido em ajudar como poderia, formei
um plano rápido de ação. Disse que iria para frente do hotel, chamar atenção da impressa e
que ele, Scarlet e a Jornalista, deveriam sair pelos fundos.
— Mas e você, Alejandro?
— Posso ir para casa de outras formas.
O homem puxou o celular e começou a falar apressadamente com alguém, me dando as costas
e indo para uma sala afastada.
Fui puxado de volta ao momento presente quando Scarlet abriu as portas do quarto, sem
olhar para trás, caminhou apressada até a cama e puxou os lençóis para colocá-la lá. Por
algum motivo, não queria soltá-la, mas sabia o que deveria ser feito. Caminhei até a cama,
com cuidado e a coloquei no colchão. Vi uma lágrima no canto de seus olhos, pronta para
escorrer e com delicadeza a sequei com o polegar. Afastei-me o suficiente para poder pegar
o lençol e a cobrir. Sentei-me ao seu lado, a fitei demoradamente com um suspiro e pensei
em tudo que sabia sobre ela, o que não era muito, mas, ao mesmo tempo, era no mínimo
complicado. Parecia que toda vez que a via, estava fadada a chorar.
Me virei para levantar e dei de cara com minha irmã intrometida.
— Não tem nada melhor para fazer, Scarlet? — indaguei.
— Parece que se apegou bem a você e você a ela — afirmou Scarlet, voltando seu olhar para
minha mão, que agora, mesmo no sono, Kayla segurava.
— Realmente…
— O que você fará a seguir? — indagou como uma mãe coruja — Se você magoar ainda
mais essa garota, Alejandro, olha, não sei…
Senti-me ofendido, mas me dei conta do tanto que me preocupava com ela. Por quê teria
que me preocupar tanto com alguém que mal conheço? Encarei minha irmã que parecia ter
grandes expectativas. Como poderia explicar a ela, o que eu não conseguia explicar nem a
mim mesmo?
— Alejandro… Ela não é uma menina qualquer…
Cansado, especialmente após todo o estresse dos últimos dias, tinha o desejo de exclamar
ser apenas tesão, sim, mas não era um grande imbecil. Ou era? Embora não com a mesma
intensidade, meu corpo ainda doía de desejo de ter Kayla.
— Eu sei, Scarlet — A interrompi irritado — Respondendo você: Não sei o que farei a
seguir. Mal a conheço, fiz coisas sob impulso. Erro meu, concordo. Sinto-me protetor, até
porque foi feio o que aconteceu hoje…
Comecei a justificar, mas Scarlet me olhava como se dissesse em letras garrafais: “Para de
arrumar desculpa.”
— Maldição! Sim, sinto atração por ela. No entanto, não sei de mais nada.
A expressão preocupada de Scarlet se converteu em uma carranca.
— Olhe como fala. Em todo caso, se quer falar algo confuso assim, vá ao espelho e fale com
ele. Enquanto não descobrir o que quer, o que fará ou se fingirá que não sente nada por ela.
Saia daqui — ordenou ela firme, mas como não sai do lugar, ela continuou — Você não me
escutou, Alejandro Kaleo?
A contragosto, mesmo em meio aos resmungos e choro da mulher bêbada enquanto soltava
sua mão, levantei-me e saí do quarto, mas não sai rápido o suficiente, assim ouvi Scarlet
falando:
— Pivete… Francamente! Querida, parece que você tem um ímã para problemas.
Meu celular vibrou no bolso e então, enquanto fechava a porta atrás de mim com a outra
mão, tirei o aparelho do bolso. Ao virar a tela, mesmo antes de abrir li: Alejandro, você socou
um homem na sua folga?!
Merda! Era a minha secretária. Por que o mundo está tão tecnológico?!
CAPÍTULO 6
Sonho x vingança x encontro inesperado
Senti minhas pernas fraquejarem pelo tamanho do golpe que aquela traição promoveu. Me
sentei no sofá, enquanto rolava o extrato na tela. Fui vendo por quanto tempo já estava
retirando o dinheiro e não era uma questão de dias, isso eram meses. O celular mostrava
apenas seis meses. Saques com valores aleatórios. Teria que ir ao banco para poder
verificar se estava fazendo aquilo a mais tempo. Mandei uma mensagem a eles, pedindo
todo o extrato da conta possível. Enquanto isso, ainda chocada, me perdi brevemente em
pensamentos.
Será que já estava quase completando um ano? Será que estava a mais tempo? O fato de não
mexer na conta, me fez sentir ainda mais idiota do que fui feita e a vontade de matar
Richard apenas crescia.
Como não era hábito ficar conferindo o extrato bancário daquele cartão, todas as retiradas
dos últimos meses foram feitas por ele. A última vez que mexi no dinheiro, em uma grande
quantidade, foi quando vim para Londres, precisava do dinheiro da entrada da casa e
depois para o meu próprio carro. Que foi quando falei ao Richard da conta...Tinha que
explicar de onde havia tirado dinheiro, pelo menos na época me senti no dever de fazer
isso... Ele era a pessoa que eu mais confiava.
Mas como pude ser tão burra?! Burra! Burra! Por quê eu não olhava essa conta e não
cuidava direito deste dinheiro?! Repreendia-me mentalmente enquanto abria outro banco e
bloqueava o cartão que dividia com ele.
Já que o imposto de renda e todos os outros trâmites deixava a cargo dos sócios dos meus
pais, que sempre foram extremamente corretos, nem sequer olhava o quanto estava
valendo a empresa ou quanto de dinheiro estava fazendo anualmente. Na verdade, fugia
daquela empresa, pois recordava dos meus pais, lembrar deles era, mesmo hoje, doloroso
demais. Sentia falta deles, assim como alguma culpa que não saberia explicar em palavras.
Ademais, não me sentia digna de gastar livremente o dinheiro...
Mas a pergunta era: se somente eu poderia retirar o dinheiro com o cartão - que estava
escondido, aliás - ou pessoalmente no banco com o gerente. Como ele roubou? Alguém o
ajudou? Quem está envolvido?
Não poderia mais confiar em ninguém... Chamaria uma auditoria para investigar todos os
que poderiam estar envolvidos. Mesmo o encarregado de depositar o dinheiro, mesmo que
ele fosse o braço direito do meu pai... E um dos seus melhores amigos. Ainda tinha um
grande montante de dinheiro, afinal, todo dinheiro dos últimos anos desde a morte dos
meus pais dificilmente era retirado e quando o fazia cedo ou tarde o repunha.
Porém, o que mais me deixava indignada era que Richard admitiu, com todas as palavras
descaradas, que me roubou.
Atualmente, não sabia se conseguiria me controlar e não esganá-lo. Se tivesse o áudio dele
com aquela mulher, isso seria tão rápido, tão fácil... O veria sendo preso mesmo que todos
vissem o meu maior pecado que foi confiar nele... Entretanto, ficar pensando não me levaria
a lugar algum. Optei por mudar os meus pensamentos para coisas mais objetivas, como…
Resolver os meus problemas.
Baixei no e-mail todo o extrato das retiradas que consegui, mas ainda assim, esperava
ansiosa a resposta do banco com o resto. Mandei um e-mail igualmente para os meus
outros bancos, por desencargo de consciência. Tinha que descobrir como ele conseguiu
retirar o meu dinheiro, de onde e se tirou mais.
Após fazer todo o possível sobre os bancos naquele momento, comecei a mandar
mensagem para aqueles que de fato valiam a pena: meu chefe, irmã e Joel. Expliquei os
reais acontecimentos, onde estava e que estava bem.
O primeiro retorno, foi do meu chefe, que provavelmente, sequer tinha dormido ainda.
Dizendo que era imprescindível um advogado. Minha irmã que acordava cedo foi a segunda
e mesmo com toda as explicações estava muito preocupada enquanto me xingava pela
demora em mandar notícias. Não resisti e ri da bronca dela, porém, me surpreendi ao
escutar alguém batendo na porta. Voltei minha atenção para ela e então para janela, apenas
para perceber que o dia tinha finalmente nascido, mas quem seria tão cedo? Algo mais tinha
acontecido?
— Sim?
— Senhorita, aqui é a governanta, Judi. A senhora e o senhor Grand lhe aguardam para o
café da manhã. Pediram que lhe acordasse e lhe guiasse.
Visto que teria que falar com eles para passar as informações que recolhi além de ter que
fazer uma procuração para poderem me dar o suporte que haviam prometido, peguei o
meu celular e levantei.
— Sim, pode entrar! Já estou acordada há um tempo, só terminar de reunir minhas coisas
— informei enquanto recolhia os papéis amassados que espalhei.
Contudo, assim que ela me viu recolhendo as coisas, Judi se apressou a me impedir.
Dizendo haver empregados para isso. Bobagem se quer saber a minha opinião. A ignorei e
continuei recolhendo mesmo frente aos seus protestos. Joguei no lixo após terminar, bati
na minha roupa ajeitando-a e então satisfeita comigo mesma, me senti mais tranquila para
poder ir encontrar o casal Grand.
(...)
Em um silêncio pesado, a governanta me guiou claramente chateada por não tê-la
escutado. A vida dos Ward poderia ser assim, mas não era a minha. Judi teria que entender
cedo ou tarde. Refleti, olhando as costas dela perfeitamente alinhada. Poucos minutos se
passaram da saída do meu quarto até descermos algumas escadas e entrarmos na primeira
porta à direita. Vi o senhor e a senhora Grade sentados frente à mesa centralizada em uma
enorme sala de jantar e havia mais uma pessoa... Uma que jamais pensei que iria encontrar
naquele lugar.
Alejandro Ward.
Senti meu corpo ficar rígido devido à surpresa, olhando-o embasbacada.
O que ele estava fazendo aqui?
Visto que eu o encarava em choque, ele levantou uma mão e sorriu polido.
— Olá...
CAPÍTULO 7
Entre revelações, exposição e providências.
CAPÍTULO 9
“Acautela-te das mulheres, pois nenhuma das armadilhas que montei para
as criaturas é tão eficiente quanto elas." - Declaração de Iblis, o demônio.
Em meio ao trajeto para a casa da família Grand, Sofia recebeu uma mensagem urgente do
nosso chefe. Ela leu e rapidamente retornou a mensagem animada. Por um curto período a
garota ficou apenas digitando com um sorriso de orelha a orelha e então, subitamente, seu
olhar pousou sobre mim e quase pude ver a mente dela maquinando aceleradamente. Olhei
desconfiada, mas ela sorriu e voltou sua atenção ao celular escrevendo mais rápido ainda
do que antes.
Sem conter a curiosidade, inclinei para o seu lado, para poder observar o que ela tanto
escrevia e a senhorita “fifi” estava fofocando ao nosso chefe o que aconteceu. Por um
tempinho segui espiando, ao ponto dela tirar sarro de mim quando o chefe mandou:
“Sofia, após ir para a coletiva de imprensa, redija o ocorrido sobre a Kayla. Irá ajudar a sua
popularidade, assim como o assunto será intercalado.”
Intercalados? Aquela sentença não me passou despercebida. Não entendia porquê ou o que
estaria intercalado, por isso não me contive e perguntei diretamente à Sofia sobre o
significado de tudo aquilo.
Ela sorriu matreira.
— Alejandro, ou melhor, a assessoria de imprensa dele… Está fazendo uma “reuniãozinha”,
suponho que irá se pronunciar sobre o que aconteceu no dia que ele socou o babaca do seu
ex… — O sorriso dela se ampliou de uma forma maldosa, quase me permitindo ver um par
de chifres nascendo em sua cabeça. Não sabia se sua felicidade era pela oportunidade de
participar de uma conferência com o Alejandro ou por ele socar o rosto de Richard. Mas de
toda forma, meu estômago pareceu afundar.
Contudo, não tive tempo para perguntar mais detalhes, pois ela pediu apressada ao
motorista para deixá-la na esquina mais próxima. Virou-se em seguida para mim, agitada
como só ela. Disse estar no aguardo da minha narração do feito heróico e assim que o carro
parou, Sofia saiu, mandou-me um beijo e foi embora.
— Ela parece um furacão... — comentou Harley achando graça e eu só pude concordar com
a cabeça.
(...)
Quando chegamos enfim à casa dos Grand, a própria Scarlet veio receber minha irmã e a
mim, apressada. Abraçou-me forte, de forma que tive certeza de que ela sabia o que
aconteceu àquela altura. Guiou-nos para dentro enquanto perguntava insistente se estava
machucada em algum lugar e como uma mulher de traços maternais fortes, acabou fazendo
o mesmo com Harley, ao mesmo tempo que se apresentava.
Após explicarmos tudo que aconteceu, fosse ela ou o senhor Grand, pareciam cabisbaixos,
mas concordaram ter razão em não deixar Joel sozinho. “Quem sabe após alguns dias,
conseguiria voltar…” Disse ela com aquele seu tom maternal esperançoso, e pontualmente
confirmei que logo estaria de volta.
Tinha me afeiçoado a eles e aquela enorme casa não me era mais estranha, não contanto
que eu andasse pelos corredores, descesse para cozinha e os encontrasse lá.
O senhor Grand se levantou dizendo que iria organizar as coisas para mim. Sorri grata, sem
poder fazer muito mais que isso, pois via nos olhos dele a relutância. Scarlet convidou
minha irmã para ficar aquela noite para que descansasse, mas minha irmã disse que como
trabalhava para o prefeito da cidade em que morava, com as festividades de Natal, seria
corrido demais, por isso, deixava para uma próxima vez.
Tão logo que Harley se foi acompanhada da Scarlet, fui para o meu quarto. Estava muito
cansada, física e mentalmente. Quase parecia que até mesmo a minha alma foi atropelada
por um elefante. Carinhosa, Scarlet me empurrou para o banho e ficou no quarto,
arrumando as minhas coisas. O que me fez sentir um aperto no peito, pois minha mãe
jamais fizera isso por mim. Tanto ela como meu pai, estavam sempre ocupados demais
trabalhando.
Ao sair do banho, a vi sentada na beira da cama, segurando as abotoaduras que eu comprei
para o Richard. Engoli em seco e dei um sorriso fraco. Ela me olhou atenta e deu tapinhas
de leve sobre a cama ao seu lado.
— Engraçado o destino, não é? — disse ela com sua voz calma e serena — Esta
abotoadura foi feita sob o molde de uma das primeiras que Harrison fez e tive a honra de
observar o primeiro “design” sendo feito por ele…
— Sério? — perguntei sentindo uma onda de curiosidade me percorrer.
Uma visão encantadora surgiu em minha mente criativa, um jovem se empenhando para
fazer a sua arte. Uma jovem Scarlet, apaixonada pelo artista… Isso inspirava em mim o meu
lado mais “menina” e também me lembrou o porquê quis me tornar jornalista. Gostava das
histórias que só podiam ser contadas por quem as viveu. Para alguns poderia não ser nada,
mas para mim sempre foi algo inspirador.
— Conheci o Harrison há muitos anos. Eu tinha vindo visitar meu tio aqui em Londres. Na
época, eu já não era tão nova. Devia ter mais ou menos a sua idade... Ou um pouco mais
nova talvez. Não estava mais na idade de ser irresponsável, já estava atrasada para casar e
ter filhos. Na época eu fugia disso… — ela deu uma risadinha saudosa e eu a acompanhei —
Então, enquanto passeava por aqui, vi um homem numa lojinha pequena. Ele me chamou a
atenção, era bonito, de longos cabelos amarrados em um baixo rabo de cavalo, seus olhos
bem-marcados e rosto sujo do trabalho árduo.
A forma como ela me contava, fazia as imagens nascerem em minha mente como se estivesse
assistindo a um filme de romance.
— O mais surpreendente é que ele estava manipulando ouro. Fazendo joias à mão, na porta
de sua lojinha. Ao meu ver, em uma cidade cheia de ladrões isso era loucura ou muita
coragem. Somente descobri o porquê dele fazer aquilo, quando sem pudores, caminhei até
ele e perguntei.
Podia vê-la como uma mocinha à frente do seu tempo, despregada à regras impostas a ela.
— Ele acreditava que se outras pessoas o vissem e vissem como ele trabalhava, poderia
inspirá-las a seguir o mesmo ramo… Seus pais viviam apenas do luxo, não produziam de
fato há muito tempo. Diferente dele, produzir aquelas joias era a sua vida. Começou a
montar a sua própria loja, sem o nome dos pais dele. Claro, usava o dinheiro dos pais para
poder comprar o ouro, ele por si só, não tinha onde cair morto. De toda forma, me chamou
atenção…, e eu fiquei lá assistindo, fascinada, como ele gostava de trabalhar. Logo, virou um
hábito, passar por lá todos os dias, só para ver como ele estava e se não havia sido
roubado…— Scarlet não aguentou e riu perversa — No último dia em que eu estaria aqui
em Londres, fui lá vê-lo de novo. Porém, ele não estava lá, a lojinha estava fechada…
— Ah! Que pena, vocês se desencontraram… — comentei lamentando.
— Naquela época, sim. Tive que ir embora, voltar para Granada. Mas sabe…, nunca esqueci
aquele cara. Após um ano e meio, tive que ir a uma festa e adivinha quem eu reencontrei?
— meus olhos se encheram de expectativa observando-a — Sim, o Harrison. Entretanto,
dessa vez, ele estava arrumado e perfeitamente alinhado. Fui até ele e o enchi de perguntas,
mas dentre todas, acho que a mais importante foi: você me cortejaria?
— Ow! Que ousada! — eu falei dando uma gargalhada gostosa que ela me acompanhou em
seguida.
— Não é?! Eu fui uma moça esperta e que não queria ficar ali esperando o homem, que
francamente… — ela se abaixou e se aproximou de mim, sussurrando — Era um lerdo!
Por um segundo, não pude acreditar no que meus ouvidos escutaram e então dei outra
sonora gargalhada. Scarlet parecia satisfeita com a minha reação e então, quando meu riso
se acalmou, ela continuou:
— Menina, a vida é muito engraçada, o destino tende a brincar com os nossos corações. Não
vou lhe mandar jogar fora essas abotoaduras, mas quero que você as dê a alguém que você
sinta, de todo seu coração, que merece seu esforço, seu amor e te complete. Principalmente,
que seja recíproco...
Scarlet e sua habilidade de sempre de me emocionar, me fez abraçá-la ainda de roupão. Ela
me mostrou onde estavam as roupas que separou e então me deu um beijo na testa, um boa
noite e saiu do quarto.
No dia seguinte, o senhor Harrison me chamou ao seu escritório e percebi seus olhos
levemente avermelhados como se não tivesse dormido. Em meio à sua mesa bagunçada de
papéis, ele me passou o seu plano cuidadosamente feito para que eu saísse com os
funcionários. Informou-me que entre eles, teriam seguranças e ficariam sempre a uma
distância segura de mim, por precaução.
Eu ainda estava digerindo todas as informações que ele havia me dado, quando percebi que
ele me olhava atento, perdido em pensamentos, considerando algo muito importante.
Através do brilho dos seus olhos, pude perceber o exato momento em que ele se decidiu.
Então se virou e foi até uma das prateleiras, puxou um livro e de dentro dele tirou uma
pequena arma.
— Menina, não acredito que aquele rapaz seria louco o suficiente, contudo, aquele que se
previne, é o último a ser pego distraído. Coloque isso em sua bolsa, carregue sempre com
você.
Olhei para ele com os olhos muito abertos e então me recusei a pegar a arma.
— Senhor, se a polícia me pegar… Além disso, não sei usar isso.
— Não seja boba, menina — disse ele pegando minha mão e colocando a arma nela — Se
aquele rapaz aparecer e ameaçar sua vida… Use-a!
Eu podia entender a preocupação do homem, mas me sentia segurando uma bomba, no
lugar de uma arma.
CAPÍTULO 10
“Qualquer coisa que possa ocorrer mal, ocorrerá mal, no pior momento
possível." Lei de Murphy
Ao chegar na parte do seu tio, comecei a me incomodar. Imaginava o medo dela, todos seus
receios. Consegui ver o ponto em que ela começou a se retrair e até fazia sentido. Foram
emoções fortes, em um curto tempo… Ok, mas não se pode mudar sua vida por completo
por conta dos repórteres e paparazzis.
Gostava dela, mexia com algo dentro de mim, entretanto, odiava pessoas fracas, era algo
que instintivamente tinha aversão. Kayla não era fraca, porém era isso que estava sendo
naquele momento. Infelizmente ela estava se entregando. Sendo assim, decidi fazer algo a
respeito. Algo que talvez tivesse bons resultados, ou terríveis. Porém, tinha que arriscar.
— Certo, deixa eu ver se entendi... — ponderei frente suas explicações — Em vez de
considerar, arrumar seguranças que objetivamente iriam te auxiliar a ter ao menos uma
vida mais normal, protegendo você dos ataques…. Você ficou se comportando como uma
criminosa?
Ela parou e me olhou ofendida.
— Não sou uma criminosa!
Acomodei-me sentado, ergui as sobrancelhas e cruzei meus braços, olhando-a sério.
— Você acha? Vejamos… Você usa roupas para se misturar na multidão, perucas, óculos e
lentes… Se transforma em outra pessoa… Anda por aí olhando para os lados, com medo da
própria sombra, como se estivesse devendo dinheiro para algum agiota. Verdade… Uma
criminosa talvez não, mas alguém que está devendo, tenho certeza.
Kayla fechou sua expressão, contrariada.
— Acredita que depois de tudo que aconteceu, eu iria sair cantando na chuva pela cidade?
— indagou sarcástica, fazendo referência ao famoso filme de 1952.
— Entendo, isso pode ser traumático… — concordei e ela fez uma expressão de ironia —
Mas hoje, sem pensar, se vestiu querendo bancar a “espiã” se adaptando ao cenário… E
sentiu medo olhando para os lados?
— Não… Na verdade, era como se já tivesse me acostumado com a nova realidade, só
segui… Não pensei muito sobre… — refletiu subitamente ela, refreando brevemente sua
raiva.
Sorri com a sua expressão pensativa, mas ainda não era o suficiente, então a provoquei
mais:
— É… Você é uma daquelas pessoas que se adaptam rápido, porém o caminho covarde,
sempre é mais cômodo e confortável, não é? — pontuei de forma dura e sua reação foi
imediata.
Vi sua expressão ficar realmente irritada e parecia ter finalmente pisado em seu calo,
entretanto, ela cerrou os dentes e se segurou, pouco após ameaçar se levantar. Mantive
meu olhar firme no seu esperando a sua resposta:
— Não sou covarde! — exclamou ela.
— Não é o que está parecendo… — fiz pouco caso, aumentando sua raiva e fui além,
arriscando passar o limite, pois ela ainda estava conseguindo se controlar — Aos olhos de
todos ao redor, parece que GOSTOU do papel de corna, usada, roubada, acolhida e protegida
pelos outros… Uma coisa é conseguir alcançar seus meios com o apoio dos outros, e outra é
depender deles. O que fará agora? Procurará alguma outra pessoa para seguir cegamente?
Criará outra fantasia? Irá lutar pelos dois, assim como amar também? E por dentro, no seu
íntimo, vai desejar que um belo dia ele acorde, como um milagre divino, te amando na
mesma proporção que você? Então, todo conto de fadas seria real, enfim a recompensa
depois de todo trabalho duro?
Kayla estava pálida e sem palavras, claro que ninguém foi realmente duro com ela neste
ponto. Além do que, estava claramente arrependida de ter desabafado comigo. Ela
precisava de um empurrão… Não, era teimosa, precisava de uma sacudida… Ela perdeu o
seu Norte, passou tanto tempo seguindo o mesmo caminho, seguindo Richard. Agora só
estava seguindo em frente, melindrosa, fingindo estar bem, com medo de cair, mesmo no
caminho que lhe mandavam.
— Mas a verdade é que você sabe, sabe que nada disso importa. Que todo seu empenho
não é garantia de retorno. E sobre o Richard, no fundo, você sabia…, sempre sabemos. Não
importava quanto você quisesse e tentasse… Ele não iria te amar. Mas aí está você,
paralisada, chocada com a verdade óbvia.
A raiva costumava ser um bom motivador e estopim para mudanças, mas como todos ao
redor estavam a protegendo… Talvez ela nunca saísse do lugar. E como prova do que falei,
ela se levantou e de joelhos se inclinou em minha direção, com seus olhos faiscando sua ira,
pegou-me pelo colarinho e disse com a sua voz que saiu carregada, completamente furiosa:
— Tem menos de uma maldita semana que minha vida virou o inferno! Acha que pode me
julgar? Quem é você? Eu fui para aquela festa só para tentar me aproximar de você! Tinha
que entrevistar você… — falou ela quase rosnando, então seguiu sarcástica — Conseguir
uma entrevista com o misterioso homem que não dava entrevistas a ninguém…, na minha
folga! Mas como parece que a lei de Murphy reina sobre a minha vida, deu tudo errado!
Seus lábios começaram a tremer de puro ódio.
— Eu perdi minha família, eu pensei…, não, eu sonhei por anos em casar com aquele cara!
Construir uma família como a que eu tive um dia, um futuro, um lar para chamar de meu.
Trabalhei incansavelmente! E para falar a verdade, não me acho tão boa. Só uma pessoa
que teve sorte e agarrou a chance! Mas maldição! Comprei abotoaduras de ouro para ele
naquela manhã… Ele me traiu, traiu!!! Sabe quantas vezes eu tive a oportunidade de
encontrar pessoas melhores que ele e fui fiel? Ele me roubou, destruiu minha vida pública e
pessoal. E agora tenho raiva dele, de mim, de tudo e de nada… — ela riu em meio ao seu
discurso e a primeira lágrima caiu — Só resta tentar recuperar a dignidade que perdi…
Fazer ele pagar, ter alguma justiça nesse mundo! Mas você pode entender isso? Não! Pois o
senhor perfeito, jamais saberia o que é estar no meu lugar. Vá à merda com o seu
“covarde”! Eu-não-sou-covarde!
Depois do desabafo, ela não se moveu da posição que estava, me desafiando a ofendê-la de
alguma maneira mais. Olhando nos meus olhos, firmemente. Então bufei com humor e
sorri, meneando a cabeça suavemente, pouco antes de focar meu olhar no dela. Ergui a mão
à altura do seu rosto e sequei as suas lágrimas com o polegar.
— Melhor? — perguntei calmo — Agora, em algum momento da sua vida, você colocou na
cabeça que não poderia colocar seus pensamentos para fora, é fácil perceber isso. Mas você
não precisa mais estar presa a isso… Tenho certeza que foi libertador, não é, pequena?
Colocar para fora é bom. Você falou o tempo todo “eu”, você fez isso e aquilo. O Richard
nunca foi o amor da sua vida, pode tirar este peso do seu coração… Você deu-lhe um título
e um cargo em sua vida. E entender isso irá tirar parte deste peso de seu coração. Já vi o
amor de um casal de perto. Não era “eu”, era sempre sobre “nós”.
Olhei aquela garota que estava confusa. Dei um tempo a ela para se acalmar da raiva e
entender onde eu queria chegar. Novamente, tive o instinto de acariciá-la um pouco mais,
era tão linda... Naquele instante, uma ideia me passou pela cabeça. Eu poderia ajudar com
mais do que algumas palavras. Embora o silêncio mortal dela e não saber se ela iria sorrir
entendendo o intuito ou não, continuei meu pensamento em voz alta:
— Quer saber? Vou te dar uma motivação…
— Motivação? — perguntou, me soltando e se sentando calmamente, parecendo
desconfiada sobre o que eu diria a seguir.
— Sim, tenho uma proposta para você. Você ainda pode casar, ter uma família como
sonhou, se este for o seu desejo… Você pode ter sua vida de volta e todo apoio necessário
para fazer aquele bastardo pagar. Eu te ajudarei, e bom, você também poderá me ajudar.
— Que proposta? — perguntou ela em um fio de voz.
— Muito simples: Case-se comigo!
CAPÍTULO 12
“Entre Desejos&Negócios”
Não demorou muito tempo para Joel e Harley chegarem da rua juntos, devido à falta de
hábito com portas magnéticas, a chegada deles foi até um tanto barulhenta, dando tempo
de Alejandro e eu nos separarmos. Sentia-me uma adolescente e pelo que pude ver na
forma como sorria, ele também.
Porém, não havia riso que perdurasse quando Joel entrou no nosso campo de visão. Ele
estava com o olho roxo, o lábio cortado e isso era o que eu pude ver de primeira. O desejo
de estrangular Richard cresceu mentalmente ao fazer a comparação do Joel que eu vi sem
um machucado sequer e a forma como ele estava agora. Mordi o lábio e caminhei até ele,
pedindo desculpas. Falei que eu iria dar um jeito de ir a um hotel…, mas ele me calou ao
segurar minhas mãos.
— Richard fez as suas escolhas e todas elas vão contra o que eu ensinei. Não tenho
obrigação alguma de aceitá-lo na minha casa — desci meu olhar para as mãos dele que
estavam geladas e vi os curativos em sua mão — Além disso, você está vendo os meus
machucados… É por que você não viu os dele.
Levantei o olhar e ele estava sorrindo travesso, o que me fez sorrir junto. Antes que me
desse conta, pela primeira vez Joel me abraçou. O que eu não estava preparada era para a
forma como as emoções transbordaram. Joel, após a morte dos meus pais, era o mais
próximo que eu tinha de um. Ele era alguém quieto e falava pontualmente…, pela primeira
vez reparei que ele não era mais tão jovem e um sentimento estranho me tomou. Uma dor e
ódio lancinante, um sentimento forte de desejo de proteção dos meus, que me fez ter mais
certeza ainda de que faria Richard ser preso. Que não importaria o risco, isso não se
repetiria.
— Mas o que aconteceu? Ninguém tinha conseguido te encontrar.
Não tinha como evitar, expliquei sobre a Michelly e as neuras que eu estava tendo. E como
foi que Alejandro tinha ido parar ali. Minha irmã, obviamente ficou muito irritada, pois
Alejandro tinha informações que ela não tinha, tampouco ele fez questão de compartilhá-
las. Tentei tranquilizá-la, atentando ao fato de que ela não poderia fazer nada a respeito, se
não se preocupar mais e se desesperar. A contragosto ela concordou e Alejandro informou
que já estava na hora dele ir, que teria coisas a resolver antes do dia dar por encerrado.
Além do mais, ele informou que teria que se encontrar comigo no dia seguinte bem cedo,
pois os preparativos para o Natal do orfanato já haviam começado.
Concordei e o levei até a porta, onde ele caminhou até o carro e antes de entrar nele, olhou
para mim e deu um leve sorriso.
(...)
— Hmmmm… — fez a minha irmã bem atrás de mim enquanto eu olhava o carro sumindo
de vista na rua. Meu corpo todo estremeceu pelo susto e me virei para ela com a mão sobre
o peito, que doía descompensado devido aos batimentos fortes.
— Inferno de assombração! — exclamei reclamando, entrando e fechando a porta.
— Acho que você tem coisas a esclarecer que ainda não fez… — comentou ela como quem
não queria nada, mas querendo tudo nos menores e mais sórdidos detalhes.
Ela estava com uma expressão felina, como quem já estava adivinhando por si mesma tudo
e mais um pouco. Então retribuí de igual maneira, pois a vi conversando com o tio de
Alejandro. Se me casasse com Alejandro, teria que chamar a minha irmã de tia? Pensei
infantilmente querendo verbalizar o pensamento só para constrangê-la, porém, eu teria
que explicar muito mais. Então, sem conseguir conter aquele desejo incontrolável de irritar
e provocá-la, respondi apenas antes de subir as escadas apressada:
— Tudo tem o seu tempo e agora não é o seu!
— Mas… Kayla! — exclamou ela indignada e veio apressadamente atrás de mim, esticando
a mão para me alcançar, longe de ser aquela secretaria perfeita e imaculada.
Porém, o som das nossas passadas no chão de madeira eram fortes, o que assustou Joel e
ele veio ver o que estava acontecendo. Entretanto, por quase dois segundos o vi como uma
velha com Bob na cabeça enquanto nos olhava de forma severa.
— Vocês são mulheres adultas e vão ficar correndo pela casa agora?! Irmãs sempre serão
irmãs, pelo jeito.
(...)
Mais tarde, eu estava limpando o meu quarto, decidida a não ficar postergando mais nada,
inclusive o meu plano. Irritaria Richard até ele fazer uma coisa errada atrás da outra, pois
sabia que ele faria, o conhecia melhor que ninguém!
Por isso, peguei o celular e gravei um vídeo curto, de tudo que jogaria fora, todo lixo que
um dia foi dele ou me lembrava que ele foi importante na minha vida um dia. Escrevi: O
adeus pode ser libertador; coloquei uma música de uma cantora que até condizia com a
situação. Falava que aprendeu a se amar quando deixou o namorado partir.
Isso causaria empatia nos jovens que faziam barulho, repercutindo…, e claro, eu queria que
chegasse a Richard. Mesmo a contragosto, sabia que ele me seguia em todas as redes
sociais. Ele ficaria irritado por jogar as coisas dele fora, além do simples fato de me ver
tranquilamente no meu quarto, enquanto ele não podia entrar na casa.
Quando ia clicar em postar, alguém bateu na porta do quarto e simplesmente falei para
entrar. Vi Joel entrando com um livro antigo.
— Olá, Kayla.
— Olá, Joel. Aconteceu algo? Lembrou de algo para me contar?
— Na verdade, sim. Enquanto eu tentava encontrar a resposta de onde errei na criação do
meu filho, ponderei que você deveria saber do passado dele. Não acho que seja
justificativa, mas dizem que um fruto não cai longe do pé.
Joel me contou que antes de ser adotado pela família do meu pai, era um órfão do orfanato
em que eu iria no dia seguinte. Confidenciou que foi apaixonado por uma garota, ela era
doce, calma e gentil a maior parte do tempo, mas por ser bonita, a beleza aos poucos subiu
a sua cabeça, pois conseguia as coisas com facilidade. Ele sorriu triste.
— Ela era só uma jovem que vivia de forma intensa…, porém um dia sumiu.
Anos depois, quando a encontrou, ela estava mudada, muito magra, como um esqueleto
vivo, a maior parte de sua beleza tinha ido embora, ficando apenas aqueles olhos verdes
brilhantes que um dia o encantaram, mas havia algo especial: estava com uma grande
barriga. Confidenciou estar com câncer e viciada em drogas, sem ter para onde ir. Então
disse que ela se deu conta que o amava. Ele não sabia se era ainda amor ou pena, mas se
casou com ela e assumiu o filho.
Aquela era a maior verdade…, na verdade, Joel nunca teve filhos. Richard, não era filho dele.
— Veja bem, por anos eu dei tudo a ele. Acreditava que se lhe desse tudo, se me
empenhasse em ser o melhor pai que alguém poderia ter, ele se tornaria alguém bom. Mas
ele se tornou egoísta, narcisista…, entre tantas coisas — ele abriu o livro e tirou uma foto —
Veja bem, não estou justificando o comportamento dele, na verdade, estou justificando o
meu. Tudo o que eu quis desde a infância, era uma família para chamar de minha. E fiz tudo
errado.
— Você não fez nada de errado, como o Alejandro me falou hoje, ele apenas mostrou a
verdadeira face.
Joel ficou em silêncio, parecendo escolher suas palavras:
— Você e esse rapaz estão bem próximos…
— É verdade… — concordei sorrindo ao ver Joel como todo homem com uma filha,
encabulado de ter que perguntar certas coisas — Joel, você acredita em destino?
— Não saberia te responder…, mas acredito em Deus.
— Bom, para ser franca eu não acreditava muito não, mas sabe, estou mudando de ideia.
— Por causa dele?
— Sim. Ele é um homem que aparece diante de mim quando menos espero, quando mais
preciso, fora que é surreal como nos damos bem, desde o princípio… Mas duvido que
queira ouvir sobre isso.
Ele colocou o livro de lado e sorriu.
— Não se preocupe, na verdade. Lembra que eu falei que gostei da mãe de Richard? Foi
naquela idade em que comecei a tomar consciência do outro sexo. Li um livro sobre almas
destinadas, que todos os seres vivos foram feitos em par, para que nunca ficassem
sozinhos…, achei que aquela garota seria o meu par, entretanto, não era. Porém, hoje,
vendo a forma como seus olhos brilharam, acho que vou ter que concordar.
Sorri e desci o olhar para sua mão, vi a foto que ele segurava, envelhecida, com muitas
crianças em frente ao orfanato.
— Qual deles era você? — perguntei.
— Nenhum deles.
— Mas…
— Quando fiquei adulto, o orfanato pegou fogo. Quase nada foi salvo, mas em meio aos
destroços, encontrei essa foto e guardei…, na época, achei que poderia fingir que um deles
era eu.
A voz de Joel deu uma leve estremecida, hoje realmente estava sendo um dia doloroso para
ele, a solidão insistente em seu coração se fazia presente, o que me fez perceber o quanto as
marcas de dor estavam dentro de todos nós. Às vezes, para sempre.
CAPÍTULO 16
“ Qualquer um pode amar uma rosa, mas é preciso um grande coração para
incluir seus espinhos. ” - Clarice Lispector
Sexta-feira, 24 de dezembro de 2021.
Na manhã seguinte, logo cedo, desci as escadas descalça me sentindo sonolenta, porém,
escutei alguns murmúrios vindos da sala e fui espiar, vi minha irmã sozinha perfeitamente
arrumada, mas muito tensa ao falar ao telefone. Falava baixo, me chamando a atenção e me
fazendo ter que me aproximar com passos leves, foram algumas falas suspeitas, porém, só
consegui pescar algumas frases:
" Senhor, tenho percebido algumas coisas suspeitas. Não confie… "
" Sim, senhor. Mas algo não está cheirando bem."
" Não estou sendo paranoica, amigos de longa data também podem mudar… "
" Não tenho provas, mas isso não significa que eu não tenha razão. "
" Henry… " murmurou quase em um sibilar. A sua voz estava menos profissional, mais
íntima e ao mesmo tempo cansada. "... Certo, nos veremos logo. "
Percebendo que ela iria desligar e se virar, me apressei em ir para a cozinha e me sentar à
mesa, Começando a preparar o meu café da manhã e fingindo estar despreocupada. Joel,
por coincidência, entrou em seguida pela porta dos fundos, trazendo com ele uma caixa
com algumas maçãs. Sorri dividindo o olhar entre as maçãs e ele. Em sua defesa e com o
rosto um pouco corado, Joel disse que a tia da vizinha havia mandado muitas, por isso ela
repartiu. Eu estava o provocando um pouco mais, quando Harley finalmente entrou na
cozinha com uma expressão sombria.
— O que foi, Harley? — perguntei despretensiosamente.
— Hum… hã? — O olhar dela se levantou para mim como se despertando dos seus
pensamentos e forçando o sorriso — Nada. Apenas estou pensando demais…,
aparentemente. Hoje vou comer só uma torrada e tomar suco, tenho que me apressar para
ir. Aliás, Kayla, você deveria ir se trocar logo…, seu querido Alejandro logo deve chegar,
não?
Ela mudou o assunto para uma provocação barata, o que me deixou ainda mais aflita. Mas
tentei fingir demência sobre isso, então peguei uma torrada e joguei contra ela.
— Ele não é “meu querido Alejandro”, Harley. E mesmo se caso vier a ser, não é da sua
conta. Vê se me erra! — respondi malcriada, entrando no seu jogo.
Com um sorriso, ela pegou uma torrada na mesa e fingiu que ia jogar em mim, mas a
colocou na boca. Se aproximou de Joel e roubou uma maçã e foi até a geladeira, onde pegou
uma caixinha de suco de soja. A partir daquele momento, seus movimentos foram firmes,
rápidos e estava mais presa a ela mesma, com sua expressão sombria delatando no exato
momento em que sua atenção já não estava mais em nós, deixando até mesmo de dar um
simples "tchau" antes de sair.
O meu sorriso morreu e apoiei meus braços na mesa, reflexiva, olhando na direção que ela
estava indo.
— O que foi? — questionou Joel já sem sorrir e um pouco mais mal-humorado, colocando a
caixa sobre a mesa — Vocês duas estão tramando, omitindo, arquitetando…, está na cara.
Mas parece que cada uma está planejando uma coisa. Devo me preocupar?
— Você é nosso pai, sempre deverá se preocupar — falei abrindo um largo sorriso para ele
e me levantei da mesa, já sem fome.
— Depois de uma adolescência tranquila, tenho que me preocupar com vocês adultas,
quando já não posso mandar em vocês… — murmurou Joel em um meio sorriso amargo,
quando a campainha tocou.
— Ficaremos bem… Eu acho. Mas independente de tudo, você não tem culpa nenhuma das
nossas escolhas e decisões, Joel. Exatamente por sermos adultas, fazemos aquilo que
sentimos que devemos fazer, certo? Só continue sendo o nosso lar para voltar — A
campainha voltou a tocar insistente, me aproximei de Joel e lhe dei um beijo na testa, assim
como fiz com Scarlet — Oh! Deve ser o Alejandro, para ser tão insistente.
Logo me apressei em sair da cozinha, indo para a porta da frente. Quando enfim abri a
porta e vi Alejandro, instintivamente meu olhar desceu pelo seu corpo. Ele estava de calças
jeans que modelavam bem as suas pernas, uma camisa simples sem estampa que ressaltava
seu porte atlético e um blazer por cima. Tão lindo…
— Bom dia, Kayla — falou e antes mesmo que eu levantasse o olhar, sabia que ele estava
sorrindo.
Mordi o lábio inferior, buscando uma desculpa qualquer, quando lembrei que íamos passar
o dia com crianças.
— Está bem-produzido para quem irá cuidar de crianças, grandão… — comentei,
levantando um olhar despreocupado e me encostando no batente da porta.
O olhar astuto de Alejandro sobre mim, me fez ter a sensação de que ele quase poderia ler a
minha mente com facilidade e sabia que falei apenas a primeira coisa que me veio à mente.
Então ele passou a mão pelo blazer, chamando a minha atenção involuntária.
— Ao chegar lá, tirarei o blazer e ficarei mais confortável, não precisa se preocupar,
pequena — respondeu casualmente, mas tirou a mão de si mesmo e se aproximou de mim,
para pegar a barra da minha camisa — Mas admito, em questão de ir confortável, nunca
pensei que você iria de pijama. Você sempre supera as minhas expectativas.
Parei e olhei bem minhas roupas, antes de fechar os olhos com força. Droga…
— Certo, senhor engraçadinho, touché! Por favor, entre. Vou me trocar… — falei dando
espaço para que ele pudesse passar.
(...)
Me trocar não foi o problema, tampouco me olhar no espelho e saber que hoje voltaria toda
machucada para casa. Estava decidida como há muito tempo não estava. O problema foi
quando Alejandro me viu devidamente arrumada, com uma calça preta, uma camisa branca
de manga longa, dando um ar mais social e uma bolsa grande de couro. Ele lembrou que eu
estava indo lá a trabalho e tinha mais planos do que apenas ajudar as crianças, plano este,
que ele não estava de acordo.
Logo após me despedir de Joel e entrar no carro do Alejandro, este tentou descobrir o meu
plano. Mas, vendo como eu me negava veementemente a falar, ele entendeu o nível de
perigo no qual eu pretendia me colocar e por isso começou a tentar me fazer mudar de
ideia e planejar outro plano, um mais seguro. No entanto, na sua falta de paciência, ele
ameaçou colocar seguranças grudados em mim para que estes me impedissem de fazer o
que quer que fosse. Resultado, chegamos ao orfanato brigados. Mas não me importei,
mesmo se ele resolvesse não falar mais comigo, não mudaria nada do meu dia. Já estava
pronta, as mangas eram largas perto dos bolsos, cobrindo totalmente meu relógio. A camisa
era clara, assim, se por acaso sangrasse, teria mais destaque.
Porém, não tive tempo para ficar pensando ou não. Mesmo tendo chegado cedo, podíamos
ver ao longe nos jardins, uma equipe montando brinquedos como pula pula, algumas
barracas do lado de fora para o público comprar coisas e ajudar na arrecadação de
dinheiro. Assim como vários jornalistas, que embora estivessem com sono, tomando seus
cafés, não estavam alheios à nossa chegada. Alejandro tentou evitá-los, mas como uma boa
menina que hoje aparentemente eu não era, segurei o braço dele e o mantive parado no
mesmo lugar.
— Kayla Johnson e Alejandro Ward, chegando juntos ao evento beneficente! Tem algo que
deveríamos saber, senhorita? — começou um deles enquanto outros fotografavam.
— Bom dia! Vocês já devem ter visto a última publicação na minha rede social, aquela
referente à parcerias… — comecei com um sorriso polido e o olhar apático de sempre — Na
foto havia Alejandro, que é sobrinho do prefeito da cidade, e a outra mão era do delegado
Ethan, que é o responsável pela segurança policial do evento. Resolvemos nos unir para
poder ajudar este ano e conseguir mais doações para estas crianças que carecem de tantas
coisas…
— Mas por quê decidiu fazer isso? Não é como se você participasse de muitos eventos
abertos assim… — questionou outro ávido por tentar me fazer parecer mal.
— Após o último evento infeliz, vim para casa… — falei fazendo algum drama, levando a
mão livre ao rosto — E acabei tendo um encontro inesperado com o prefeito da cidade.
Este que por puro acaso, descobri ser o chefe de minha irmã mais velha. Casualmente, ouvi
sobre o evento de caridade e pensei "Porquê não?!". Afinal, ultimamente meu nome tem
estado na boca de vocês, em conjunto com o do senhor Ward… Poderíamos fazer um dia
ruim, prover coisas boas aos demais, não acham?
A mentira e a verdade são definidas por uma linha tênue e quanto mais perto da verdade,
mais sólida é a mentira. Por isso, os melhores mentirosos só são pegos em pequenos deslizes.
Ponderei enquanto refletia nas minhas palavras com um fundo ácido.
— E você, o famoso Alejandro Kaleo Ward, não tem nada a acrescentar? — perguntou um
dos jornalistas com um olhar afiado.
Alejandro, que expressava claramente em seu rosto o seu desgosto pela mídia, fitou o
homem com o seu olhar quase o perfurando.
— Depende do que você quer que eu diga. Se for o que estamos fazendo aqui e o que nos
motivou, ela já os informou. Algo mais que isso, seria apenas mais alguma frase para
desencadear alguma especulação para alimentar as suas fofocas.
Por um segundo travei, pois o seu tom firme e incontestável, fazia parecer que ele estava
chamando o homem para briga. Porém, o assombro de todos com as palavras dele, não
durou por muito mais tempo. Por este motivo, apertei com firmeza o braço dele e falei,
tomando a frente:
— Agora devemos ir, as crianças nos esperam! Aproveitem o evento! Espero que vocês
tenham um bom dia — falei mantendo o sorriso enquanto o guiava ao orfanato.
(...)
Já dentro do orfanato, tudo estava uma grande agitação. As crianças, pequenas e grandes,
mal viram a nossa entrada. Demos alguns passos adiante e percebi que entramos e fomos
direto ao pátio onde era servida a alimentação de todas as crianças e que, aparentemente,
todas estavam reunidas no mesmo lugar. As mais novas primeiro e em ordem crescente,
com as demais ao fundo. Algumas freiras tentavam apaziguar os mais agitados.
Como as menores estavam mais perto, permitindo-nos reparar com mais atenção os seus
detalhes, de banho tomado, roupas bem alinhadas, cabelos penteados e com gel… Recordei
por um momento, como minha mãe também era apegada à nossa aparência em datas assim
e quase pude escutá-la falando: “Nada de sujar a roupa nova, meninas!”
Entre as conversas paralelas das crianças, uma me chamou atenção tirando-me dos
pensamentos. Era sobre o Papai Noel.
Um deles falou que ficaria escondido para vê-lo e a outra criança, uma menininha do cabelo
preso em um rabo de cavalo, colocou a mão no quadril e disse brava: " Não seja burro,
Tristan! Enquanto você estiver acordado, ele não vai aparecer! E se ele não aparecer
porque você não dormiu… Vou por uma rã na sua cama!".
Tive que me segurar para não rir, mas aparentemente Tristan não queria que os outros
soubessem que tinha medo de rãs, então, mesmo com o rosto esverdeado, respondeu: "E
eu…, chamarei o homem da capa preta para você!"
Homem da capa preta? Tinha algo assim na minha época?
Naquele instante, uma mulher idosa chegou apressada segurando a barra de sua roupa
para não tropeçar.
— Tristan, deixe a Beatriz! Crianças, por favor, se comportem! Temos convidados! — falou
a "Irmã Lizzie", segundo seu crachá — Me desculpem por não estar lá fora para recebê-los,
eles ficam tão empolgados que é difícil controlá-los. Mas, em todo caso, estamos
imensamente felizes com a participação de vocês. Senhor Ward, é um prazer tê-lo
novamente por aqui. Senhorita Johnson, é um prazer conhecê-la, seja bem-vinda.
Contudo, a irmã Lizzie não pôde falar muito mais, pois algumas crianças curiosas vieram ao
nosso encontro. As que conheciam Alejandro, se agarraram às suas pernas e ele se abaixou
sorridente para brincar com eles, desmontando-se completamente do homem frio e grosso.
Enquanto outras, me olhavam com muita curiosidade paradas à minha frente.
Engoli em seco. Ai, meu Deus! Tinha esquecido de um detalhe importante…, não sei lidar com
crianças!
Não tinha muita experiência com crianças e não sabia sequer por onde começar. Contudo,
aparentemente, para elas isso não era um problema, pois uma chuva de perguntas viera
em minha direção, como: "Quem é você?", "Qual seu nome?", "Quantos anos você tem?"... Até
alguns minis galanteadores que definitivamente roubaram meu coração como: "Você é
muito bonita, sabia?”, “Você namora?".
Claro, também algumas perguntas problemáticas como: "Você é namorada do tio Alejandro?",
"Você veio aqui só para tirar foto?" e o golpe final: "Não gosto de você, sou eu que vou casar
com o tio Alejandro!" e “ Você vai adotar algum de nós?!”
Gente… Minha cabeça parecia ter dado uma volta de 360° graus, eu simplesmente não
sabia por onde começar. Me senti agitada e dei um passo para trás, chamando a atenção de
Alejandro. Por sorte, ou devido a minha expressão, fui salva por ele, que levantou e tomou
uma postura estranha, como se fosse um monstro e disse:
— Se continuarem assustando a moça, vou anotar o nome de cada um de vocês e…, vou
mandar para o Papai Noel! E todos vocês irão ganhar carvão!!! — exclamou apontando
lentamente para eles e então, deu uma gargalhada maligna no final.
Vi as crianças paralisadas olhando o grande homem com os olhos arregalados e então
quase fiquei surda:
— Nãooo!!! — gritaram todas elas, empalidecendo assustadas e saíram correndo pelo
corredor com o Alejandro indo atrás delas.
A visão me assustou e então sorri, Alejandro seria um bom pai algum dia. No entanto,
algumas crianças mais retraídas apenas observavam e nem sequer saiam de suas mesas.
Elas eram um pouco mais velhas e não pareciam prestar atenção nas coisas ao redor. Vi as
irmãs as chamando uma por uma e numa sensação de inutilidade, tentei fazer o mesmo que
elas para não ficar apenas olhando.
Todos estavam acostumados e apenas eu estava ali deslocada…, até que vi uma menina
andando mais lentamente, ficando para trás e senti alguma familiaridade, ou achei que
sentia. Pois, ao chegar nela, percebi que tremia. Ao longe, escutei a irmã chamando o nome
de duas crianças e percebi que uma delas era aquela, quando escutei: "Ana, achei. Está com
a senhorita Johnson”, e então ela seguiu procurando a outra criança.
Me aproximei da Ana um pouco mais e coloquei a mão em seu ombro, o que a fez se
sobressaltar.
— Ana...? O que foi, minha linda? Está muito assustada… — perguntei com calma e me
abaixei à sua altura.
— Tem muita gente aqui…, gente que não conheço, estou com medo — confessou ela,
mesmo que eu fosse uma daquelas pessoas. Antes que me desse conta, me vi pegando-a nos
braços e me levantando com ela no colo.
— Vai ficar tudo bem, a tia Kayla está aqui. Eu também estou com medo, mas eu vou te falar
um segredo: Tem alguns moços estranhos de terno em algum lugar perto, eles são
seguranças. Vão nos manter bem!
— Mas eu tenho medo é do homem da capa preta… — murmurou ela.
De novo este homem da capa preta, engraçado como falavam dele como se realmente
existisse e aparecesse por ali.
— Homem da capa preta? — tentei tirar a informação dela.
— Sim, é o homem que pega as crianças malvadas e as leva embora para algum lugar que
nunca mais serão felizes! — explicou ela, gesticulando muito séria.
Certo, é um personagem para assustar as crianças para se comportarem…
— Sério?! Nossa, que homem perigoso! Por isso temos que ser boazinhas! — falei para ela
fingindo medo.
— Sim…, mas ele leva…
— Ana, senhorita Johnson, venham! A sala da história é por aqui! — exclamou mais à frente
a irmã Lizzie, interrompendo a menina. Acariciando as costas da menina para acalmá-la,
caminhei em direção à tal sala. E o que lá encontrei, não era nada do que esperava.
Um Alejandro sorridente, sendo atacado por alguns meninos enquanto as meninas
tentavam salvá-lo. Todos pareciam muito felizes, alegres e brincalhões. Por isso, coloquei
Ana no chão, esperando que ela fosse brincar também. Contudo, ela decidiu agarrar-se em
mim, mais precisamente em minhas pernas e ficou comigo na porta apenas olhando por
algum tempo.
Enquanto eu estava embasbacada olhando a cena, senti alguém passando a mão pelas
minhas costas. Me virei em rompante, buscando quem foi que o fez e vi uma mulher idosa,
vestida como funcionária de limpeza... Ela estava caminhando pelo corredor, puxando um
carrinho pequeno com o esfregão e como se sentisse o meu olhar, se virou levemente em
minha direção, apenas o suficiente para que eu pudesse ver o seu rosto.
Um sorriso de pura graça, veio antes que eu pudesse conter. Era o meu chefe! E ele estava
parecendo a Senhora Euphegenia do filme "Mrs. Doubtfire"! Mordi meus lábios e virei o meu
olhar para frente novamente. Bom, ao menos sei que deu tempo dele chegar aqui. Pensei
entre os tantos risos internos.
EXTRA - Fã Service aos leitores de “Vendida ao sultão”
“Nosso próprio campo eliseo."
As próximas horas foram bem divertidas, uma vez que tomei coragem de entrar na sala.
Alejandro ficou contando algumas histórias para as crianças mais agitadas e eu fiquei
responsável pelas outras que estavam mais tímidas. Alguns fotógrafos foram permitidos na
sala, contanto que não atrapalhassem.
Li histórias clássicas famosas conforme eles pegavam os livros na prateleira e me
entregavam. Eram crianças na verdade silenciosas e observadoras, em determinado ponto
entendi que não tinha nada a ver com timidez, apenas não estavam mais na leve e divertida
superfície visão infantil. Eles já tinham uma maior consciência do mundo. O que era triste,
eles deveriam apenas ser crianças.
Já no décimo livro, depois de Ali babá e os quarenta ladrões, foi Ana quem escolheu a
história. No caso ela pegou um livro que só tinha uma flor na capa, o que achei curioso.
— Senhorita Kayla, lê para nós! Na verdade, eu gosto muito desta história…, mas elas já
leram muitas vezes e falaram que não leriam mais.
Então li, era uma história diferente das infantis comuns. Passava entre as areias do deserto
onde uma menina foi prometida a um príncipe, no entanto, homens cruéis a levaram de sua
família e destruíram tudo e por isso a menina não pôde se casar com o príncipe. Por anos
ela sofreu e o príncipe também, ambos achando que estavam sozinhos no mundo.
Entretanto, mesmo com muitos percalços, eles conseguiram se tornar adultos fortes,
inteligentes e corajosos. Queriam se vingar da pessoa cruel que lhes fez mal.
Esta parte da história até foi engraçada, pois vi a empolgação daqueles que nem sequer se
expressavam muito. Não que eles quisessem vingança, mas tinham esperança de serem
adultos fortes e destemidos também, mesmo sozinhos. O que admito, me emocionou.
Em parte da história, mostrou um grande deserto ilustrado nas folhas que mostrei a elas,
abaixando o livro. Um homem todo de preto de um lado e uma menina toda de branco do
outro lado se olhando. A leitura seguiu sendo rápida, como se eu estivesse recordando,
como se estivesse vivendo conforme contava a elas, - embora sentisse que muitos detalhes
não eram contados, o que era normal, uma vez que era um livro infantil - o reencontro com o
príncipe, a queda dos vilões, as amizades que eles fizeram, os desafios que venceram juntos
para no fim, estarem juntos sentados em meio a um jardim, rodeados de crianças, assim
como eu estava naquele momento. Havia uma ilustração no final da história, dos
personagens.
Por algum motivo, o sentimento nostálgico que eu sentia, não me deixou, aquele jardim era
familiar. Talvez eu tenha o visto em algum sonho, é isso… Tenho certeza. Afirmei me
lembrando que no sonho abracei alguém e quase estava conseguindo me lembrar com mais
detalhes, quando senti a mão de alguém em meu ombro. Me virei em direção à pessoa que
tocou meu ombro e vi uma mistura de rostos, o homem dos meus sonhos e Alejandro, até
que ficou apenas o Alejandro.
— Kayla? A hora das histórias terminou, as crianças já foram para o jardim para brincar
nos brinquedos que meu tio preparou. Você ficou um bom tempo acariciando essa
ilustração. Está bem, pequena?
— Oh! Desculpe, acho que sonhei acordada — admiti me sentindo boba, mas, ainda envolta
pelo sentimento que me tomou com ela, continuei: — Gostei desta história para falar a
verdade, o protagonista me lembrou um pouco você.
Ele parou e olhou bem a história, então sorriu.
— Oh! É esta história é baseada em um casal que existiu. As crianças gostam bastante dela,
a primeira vez que li, cheguei a sonhar como se eu fosse o tal príncipe. — falou rindo e
estendeu a mão para mim — Mas isso é provavelmente porque me fizeram reler algumas
vezes, repetidamente apenas.
— Mas se foram um casal real, já pensou se você fosse ele mesmo? — argumentei sem
pensar, mas decidi não voltar atrás no que disse.
— Acredita em reencarnação? — perguntou curioso.
— Não sei, foi só um pensamento que me passou pela mente.
— Hum… — refletiu sério e me respondeu em igual tom — Bom, se eu fosse a reencarnação
do príncipe desta história, acreditaria pela lógica que você é a princesa, se bem me lembro,
ela também tinha olhos surpreendentes.
Coloquei o livro em uma mesa próxima, sorrindo.
— Então, Alejandro, talvez você deva começar a pensar num jardim de flores azuis.
EXTRA 3
E se... o lado ruim não for “Domesticado pela índole e moral?
CAPÍTULO 18
“ Instinto, alma gêmea ou apenas... amor? ”
Depois de discutir tudo que deveríamos, Samille se foi e ficamos Alejandro e eu. As paredes
e cortinas, nunca foram mais interessantes, principalmente depois de tudo que aconteceu,
tudo que eu fiz, tudo que foi falado. Estávamos definitivamente reflexivos por tantas coisas
diferentes que teríamos que listar e organizar o que resolver primeiro. O que me fez
lembrar um dos motivos que pedi para ele ficar.
— Temos que pensar no que falar para a mídia… — falei levando uma mão à cabeça, o que
fez alguns dos meus machucados repuxarem e dar uma fisgada de dor — Não somos
pessoas invisíveis.
Alejandro abaixou a trava lateral e se sentou na beira da cama, ao meu lado, passando o
braço pela minha cabeça e me levando para mais perto dele. Levantei a cabeça e coloquei
ela apoiada em seu corpo, ele voltou a segurar a minha mão entrelaçando os nossos dedos e
levou ao peito.
Me sentia abrigada, porém, aquele silêncio não era bom.
— Por que não falamos a verdade? — comentou subitamente.
— Como assim? — indaguei surpresa querendo virar de frente para ele, mas meu corpo
dolorido me impediu e ele me voltou para a posição de antes.
— Veja bem, pequena. Se colocarmos no lápis, me interessei por você como mulher naquela
festa, mesmo antes de saber quem você era. Vi a forma como as pessoas te olhavam e um
sentimento de proteção forte me atingiu… Sem me dar conta, já estava perto de você, o que
coincidiu com o momento em que você estava sendo atacada verbalmente. Não muito
tempo depois, quando ele passou a linha, minha mão já estava fechada em punho batendo
no rosto dele… Nossos destinos se entrelaçam aí. A mídia adora coisas do gênero, então
falamos que nós encontramos na casa de minha irmã…
— Mas sua irmã esconde o fato de ter nascido uma Ward.
— Ela sempre será uma Ward e ao que vi, ela lhe tem como uma filha. Não a vejo se
negando a assumir ser uma Ward. Além disso, hoje não tem importância, já sou eu que lido
com toda a parte burocrática da família — comentou fazendo pouco caso — De toda forma,
nos reencontramos aqui, porque o seu responsável legal mora aqui. A mesma cidade que
meu tio é prefeito.
— As pessoas falariam que era impossível não nos conhecermos frente a tantas
coincidências…
— Primeiro eles devem provar que já nos conhecíamos antes. Passo mais tempo em
Granada ou viajando que qualquer outra coisa, você passava mais tempo trabalhando onde
você era muito vista. Eles iriam gastar mais tempo procurando nosso encontro em algum
lugar para tentar solidificar as suas alegações, do que indo atrás de nós por algum tempo e
seria obviamente, em vão. Somos muito visíveis. E como você mesma falou uma vez, isso é
bom e mau.
— Verdade… Mas e sobre o dia em que ficamos órfãos?
— Seria de muito mau-caratismo alguém tirar uma foto sua naquele momento e mesmo
assim, já faz muitos anos — não tinha mais nada na minha mente para refutar — Os
problemas nos uniram e isso também foi para a mídia… Mesmo se não houvesse tantos
percalços, por quê não poderíamos nos apresentar como um casal que acabou se
apaixonando? Outros casais acabaram se apaixonando e se casando por muito menos.
Um pensamento me passou pela mente e virei meu olhar para olhar em seu rosto.
— Você está realmente determinado a deixar todos saberem do nosso relacionamento, não
é mesmo?
— Por que não estaria? — seu olhar encontrou o meu e com o seu polegar acariciou a
minha mão — Não posso mostrar ao mundo que você é minha?
Senti meu rosto esquentar frente a frase direta dele e fugi do seu olhar sentindo uma súbita
timidez me tomar.
— Então… Poderíamos falar para os sensacionalistas que ao ganhar consciência que a vida
é um sopro, o medo de perder falou mais alto do que tudo. Não querendo correr o risco de
não ter vivido essa paixão por medo, resolvemos ficar juntos… Sei lá, só uma ideia. As
pessoas nos julgariam um pouco menos…
Escutei sua risada baixa.
— Não que eu me importe tanto assim com o que as pessoas falam, mas foi por isso que me
pediu em casamento?
Pegou no ar… Droga!
— Pode ser isso também… — falei num tom baixo, tímido. Fingi sono e bocejei — Estou me
sentindo cansada, me deixe dormir um pouquinho assim?
— Claro… — concordou ele tremendo enquanto ria.
Após receber a liberação do médico para ir para casa com a ordem de repouso e uso
frequente de colete por dois meses, Alejandro recebeu uma chamada da sua secretária e
teve que sair, se desculpando e prometendo visitar-me em casa. Então, Joel, que ainda
estava no hospital, ficou comigo durante o período da saída. Além de Joel, os seguranças
também estavam lá comigo, estes que não ficaram mais de dois metros de distância de mim
desde o momento que saí do quarto.
Da recepção do hospital, pude ver do lado de fora das portas de vidro os repórteres que
estavam à espera. Além deles, pude ver ao fundo um carro grande preto, que supus ser
quem me levaria para casa. Respirei fundo, ajeitei os óculos escuros que me trouxeram
para cobrir o rosto ferido e continuei andando. Eles me cercaram assim que saí porta a fora
e os "meus" seguranças já estavam tentando mantê-lo afastados quando os seguranças do
hospital vieram ao nosso socorro. Naquele momento, a porta do carro foi aberta e de
dentro dele saíram Scarlet e Harrison.
Por meio segundo fiquei surpresa, antes de um sorriso nascer em meus lábios. Scarlet
levantou os braços para mim e em uma rápida leitura labial, entendi ela falando: "Oh!
Minha menina…"
Caminhei até ela me importando menos com a mídia ao redor e assim que me envolvi em
meio aos seus braços, a abracei com cuidado. Harrison nos abraçou por cima e parecíamos
uma família reunida após um longo tempo. Estava feliz em voltar a encontrá-los, mas em
um estalo, lembrei de Joel e sabia que ele estaria deslocado. Me desfiz do abraço deles para
virar para ele e dizer:
— Scarlet e Harrison, este é Joel Johnson. É o meu pai! — E para dar uma pequena
provocada em Harrison, continuei: — A pessoa que provavelmente é o responsável pelas
características que fizeram vocês gostar de mim.
(...)
Quando já estávamos dentro do carro eles nos informaram que Henry, de alguma forma,
naquele curto período de tempo, conseguiu organizar um jantar especial para comemorar o
noivado. O caminho até a casa de Henry foi agitado com os Grand me enchendo de
perguntas, além, claro, de falarem que eu deveria voltar para a casa deles. Quando enfim
chegamos à casa, fui encaminhada a um quarto, onde tomei um banho e tinha um vestido
de manga comprida me esperando. Me arrumei da melhor forma que poderia e desci para a
sala de jantar.
Mas ao chegar lá, olhei rosto por rosto e não encontrei Alejandro. Meu coração deu uma
leve fisgada de solidão, me dando conta que ele havia me feito criar um péssimo hábito de
procurá-lo.
Não importava onde fosse, sem ele ao meu lado, não parecia certo.
Francamente, às vezes penso que perdi a cabeça… Pensei ao mesmo tempo que suspirei, já
me sentando à mesa. Contudo, uma vez acomodada na cadeira, escutei passos firmes de
alguém chegando e virei meu olhar em sua direção com o coração cheio de expectativa.
— Demorei? — perguntou ele passando pelo batente da porta, aliando com os dedos os
seus cabelos desalinhados.
— Nossa, demais. Já comemos tudo, íamos tomar chá para ajudar na digestão… — Scarlet
falou, me olhando e dando uma piscadela.
Ri em pensamento ao chegar à conclusão de que irmãos sempre seriam irmãos, apenas
mudando o endereço. Em uma implicância infantil, como demonstração de amor.
— Tudo isso? — indagou ele surpreso, buscando o meu olhar para confirmação.
— Onde você estava, pirralho? — perguntou Scarlet dando voz aos meus pensamentos, que
não conseguia expressar naquele momento.
Seu olhar me procurou e apressadamente, veio até mim. Sorriu e estendeu a mão.
— Desculpe o meu atraso… — disse ele conforme me levantava da cadeira, segurando a
minha mão.
— Não está tão atrasado assim… — disse abrindo um sorriso e ao perceber que ele suava,
senti uma fisgada de curiosidade.
— Menos mal… — disse ao mesmo tempo em que se ajoelhava, pude ver o seu rosto
ganhando cor à medida que sentia o meu esquentar também.
Mesmo antes dele continuar a falar, o meu coração perdeu o compasso, já supondo o que
ele faria a seguir:
— Não começamos como outros casais, tanta coisa aconteceu em pouco tempo e a maioria,
não foi boa. Mas sou um homem à moda antiga, que acredita que mesmo que o destino
tenha brincado conosco colocando pedras em nosso caminho, o que mais importa é que
todos os caminhos me levaram a você. O risco de te perder me fez entender que não posso
perder um único minuto para estar ao seu lado — ele levou a mão à parte interna do seu
blazer e tirou uma flor azul com um solitário preso em uma fita — Quer se casar comigo?
O choque passou dando lugar a um sorriso bobo e lágrimas vieram, assim como o meu riso,
por ele ter usado parte do que eu falei em seu pedido. Um terrível cara de pau, muito sério,
muito direto, e…, tão maravilhoso!
— Aceito… — falei com a voz embargada — Mas só se for verdade aquilo que me disse, dos
Ward não serem conhecidos pelo divórcio…
— Não sou um homem de voltar atrás na palavra — disse se levantando e me envolvendo
em seus braços, para então sussurrar em meu ouvido: — Nem nas minhas escolhas. Não
vou deixar que ninguém me impeça de estar ao seu lado, nem mesmo as suas inseguranças.
CAPÍTULO 20
“ 5 minutos para o caos ”
NA NOITE DE ANO NOVO.
Antes da meia-noite…
Após dias felizes e amor incondicional, cheguei à conclusão de que o ser humano tinha uma
terrível habilidade de se acostumar, se habituar e principalmente esquecer a dor. Em um
resumo, éramos burros! Por quê dizia isso? Bom, alguém bateu em minha porta, logo
quando eu estava terminando de me arrumar, faltando apenas os sapatos. Imaginei ser
alguém preocupado com a minha insistência em independência de novo. Provavelmente o
meu grandão. Por isso, sorrindo, fui até a porta e a abri sem medo.
— Já falei que… — comecei, mas me calei em seguida.
Do outro lado da porta, estava alguém que há muito tempo não via: Katherine. O sangue
abandonou a minha face e o meu sorriso morreu. Ela usava um vestido bonito que como
sempre valorizava suas curvas, seus olhos me fitavam com ar de descaso. Contudo, ao ver
as marcas de ferimento no rosto, sorriu quase gentilmente e ergueu a mão para tocar a
ferida.
— Lamentável o que aquele homem fez, não é mesmo? É bom usar uma pomada para
cicatriz. As mulheres deveriam tomar cuidado com seus rostos — afastei a mão dela de
mim e dei um passo para trás — Por quê o espanto, Kayla? Vim apenas desejar melhoras.
— O que faz aqui, Katherine? — questionei com o coração batendo desenfreado, com
aquela velha sensação de perigo que sentia cada vez que estava diante dela.
— Você é surda? Vim desejar melhoras — disse impaciente colocando a mão na cintura,
olhando-me de cima a baixo.
— Então já pode ir. — cortei secamente.
Ela parou o seu olhar e ficou atenta a mim.
— Você está realmente mais confiante desde que tem estado aqui. Inclusive, vi que trouxe
sua família para cá…
— Vejo que o meu casamento com Alejandro chegou aos seus ouvidos… — comentei
ignorando as palavras dela.
— Garota… — comentou ela parecendo impaciente — Vou te dar um conselho e indico que
você preste muita atenção. Ao viver movida pelos sentimentos, você abre uma grande
margem para o seu coração cair em meio ao vão do desespero. O conselho é: coloque seus
pés no chão.
Fiz um breve silêncio, não querendo dar mais assunto, entretanto, acabei me vendo
fazendo a pergunta que me veio à mente, já que ela ainda estava parada na porta do quarto:
— Por que você mudou o seu caminho para vir até aqui me dar este conselho? —
questionei, tentando entender aquela mulher que da última vez que vi, parecia me odiar.
— Perguntei-me o que falaria mais alto. Afinal, nem tudo é o que se vê, todos tem
esqueletos no armário — ela cruzou os braços e me olhou com uma frieza aterrorizante —
Até mesmo a perfeita família do Alejandro, já que o próprio não é filho legítimo dos Ward.
Será que se essa informação for revelada à mídia em seu nome… O seu relacionamento
seguirá intocado? Ele acreditaria em uma jornalista? Alejandro sempre odiou a mídia, você
sabe.
— Você…— comecei irritada levantando o dedo para ela, mas a mesma segurou o meu
dedo e o abaixou lentamente.
— Não, Kayla. Eu que falo: Você. O que irá escolher? Se quiser salvar a reputação da família,
deve se afastar dela e definitivamente sair do meu caminho. Se não sair por bem, será
odiada ainda mais por eles… A escolha é sua. Veja bem, não tenho nada contra você
especificamente, mas você está no meu caminho — falou como se nada pudesse ser
feito.
— Eu não sabia disso até você me contar, como você espera que eles acreditem que eu
descobri isso? — questionei indignada.
O sorriso dela foi mortal e senti o sangue do meu rosto fugir. Fui pega em uma armadilha.
— Oh! É mesmo…, parece que você anda vivendo uma mentira. Ele nem mesmo te contou
isso, o que mais será que ele está escondendo de você? O que tem atrás daqueles sorrisos?
Ela apenas queria plantar a semente da discórdia, agora eu sabia um segredo que eu não
poderia ir até ele e simplesmente perguntar, pois, se fosse verdade, poderia magoar o
Alejandro caso ele não soubesse. Se fosse mentira, a semente da discórdia também poderia
ser plantada na mente dele, pois acreditei na ruiva. Além disso, se uma matéria em meu
nome realmente vazasse, ele poderia acreditar que eu deixei vazar, já que ele poderia
pensar que a minha paixão por jornalismo tinha falado mais alto.
Fechei meus olhos, puxando o ar com força enquanto via a mulher ruiva parecendo o
demônio encarnado, se afastando pelo corredor tranquilamente. Enquanto eu sentia meu
mundo colorido dos últimos dias, se quebrar. Dependeria dele, apenas dele resolver me
falar. E se ele falasse, seria ainda pior se mesmo assim ela soltasse a matéria.
Meu coração batia forte e desenfreado com a sensação de ter tomado um tapa no rosto sem
poder revidar. Ela disse: “Você abre uma grande margem para o seu coração cair em meio ao
vão do desespero”, e infelizmente, odiava concordar.
Eu não abriria mão dele, além disso, existia a chance de a Katherine apenas ter mentido.
Ah!!! Minha cabeça está para explodir! Pensei exasperada. Voltei para dentro do quarto
cabisbaixa e me sentei na cama. Meu celular tocou e era Sofia numa mensagem:
Não existe mito de nenhum homem da capa preta por aqui, onde você ouviu sobre ele?
Tinha que sentar, esfriar a mente e pensar, tinha muito o que pensar. Porém, não
conseguiria fazer isso agora, não quando meu pensamento estava dando voltas pelas
perguntas:
O quão longe essa mulher poderia ir, para alcançar seus objetivos? Por quê estava aqui? Ela
não teria vindo apenas para me ameaçar…, certo?
Mas por ora, devia colocar um sorriso no rosto, sapato em meus pés e ir comemorar o ano
novo com todos. Tinha que ir ao orfanato para “Enfrentar meus medos”, uma vez que menti
ser uma vítima para pegar o Richard, tinha que fazer a minha recuperação. Queria voltar lá,
ainda me perguntava sobre o homem da capa preta que, segundo Sofia, não existia, mas que
era o maior terror das crianças.
O problema é que ainda estou usando o colete, pensei passando a mão na altura das minhas
costelas que estavam doloridas. Eu tinha pelo menos seis pessoas superprotetoras na
minha cola e naquele momento, tinha mais uma preocupação a pensar devido à ruiva. E eu
simplesmente tinha vontade de resolver tudo de uma vez, pois sentia que todos eles
pareciam uma bola de neve.
CAPÍTULO 21
“ Penso, logo existo.” - René Descartes
Já na ida ao Julgamento, não foi fácil. A advogada me falou uma enxurrada de informações,
conselhos e o andamento até então, para me lembrar e informar os últimos
acontecimentos, que me deixaram atordoada. A primeira audiência, devido à minha saúde,
foi adiada. Até porque ela rendera novas provas que ainda não haviam sido atestadas pelos
especialistas e juiz. Mas, ao sair do carro, foi uma surpresa ao mesmo tempo em que não.
Havia tantas pessoas quanto possível ter; não parecia uma audiência de julgamento, e sim,
um grande show.
Os seguranças tentavam abrir caminho para nós, mas estava muito difícil, não tinham
apenas repórteres, como civis também. Todos fazendo muito tumulto e falando alto, de
uma forma tão intensa que uma agitação começou incomodamente a nascer dentro de mim,
de modo que a falta de ar e tontura, não demorou muito para que viesse a me atormentar.
No entanto, isso não fez diminuir o tumulto. Conforme me encolhia brevemente, evitando o
olhar, mais intensos eles ficavam.
Samille, Joel e Harley, mesmo com toda a segurança, tomaram seus lugares ao meu redor,
para tentar me proteger visualmente dos demais, o que me deixou imensamente grata. O
som de flashes vinha de todos os lados, parecendo uma tormenta, sabia que seria assim até
que chegássemos à porta de entrada do local, porém, parecia infinitamente mais longe do
que realmente era.
Alejandro, Scarlet e Harrison, decidiram ir em outro carro, não estavam longe e chegaram
em seguida. Alejandro foi o primeiro a sair, percebi isso pela agitação e exclamação das
pessoas ao meu redor que se suavizaram.
Pude escutar quando perguntarem sobre o nosso relacionamento e ele apenas respondeu:
— Falaremos sobre isso em outro momento.
Após passar pelas portas, olhei para trás por um momento e consegui vê-lo vindo em
minha direção, confiante, de óculos escuros e como sempre mais alto que os demais. Assim
que nossos olhos se encontraram, ele me deu um meio sorriso que me passou a sensação
reconfortante de que, independente de tudo, ele estaria comigo.
Seguimos andando e fui levada a uma sala de espera à parte, onde Samille me alertou:
— Apesar das provas e testemunhas que temos, ele virá com um advogado preparado para
o caso, tentando distorcer os fatos já evidenciados nos autos do processo. Você não deve, de
forma alguma, se entregar a uma emoção exaltada quando ele fizer isso. Como já informei
outras vezes, sim, você também receberá críticas sobre ter confiado cegamente em seu ex,
eu mesma levantarei o assunto. Você terá que ser forte, Kayla. Além de ser estressante, é
exaustivo.
(...)
Minutos mais tarde, fomos convocadas ao tribunal para tomarmos os nossos lugares. Um
ambiente amplo, mas que estava particularmente cheio. Havia vários jurados e seus olhares
recaíram sobre mim enquanto caminhava ao meu lugar, guiada pela advogada. Em seguida,
Richard entrou no tribunal, preso com algemas e com policiais ao seu redor. Ele me
desferiu um olhar gélido que me fez recordar da sua promessa de me matar antes de ser
condenado.
Engoli em seco, principalmente porque Richard não demonstrava nenhuma expressão,
muito diferente da pessoa que conhecia. Em seus olhos vi um vazio oco, que me fez arrepiar
com o seu nível de frieza. Como um dia pude achar que amei aquele homem?
O Juiz chegou e tomou o seu lugar, fez a abertura do processo formalmente e em seguida,
leu todas as acusações que recaíram sobre Richard.
— Acusação, por favor.
— Sim, meritíssimo — disse Samille, levantando-se e indo para o meio do tribunal —
Venho em nome da minha cliente, Kayla Johnson, a vítima de Richard Johnson…
Primeiramente, desejo deixar claro a todos que o que houve aqui, foi um ataque. Um ataque
moral e público ao bem-estar de uma mulher que errou em confiar naquele que amava.
— Protesto! — exclamou o advogado de Richard.
— Negado, senhor William — disse em tom firme o Juiz — Prossiga…
— Uma mulher que apenas estava fazendo o seu trabalho jornalístico, mas, ao chegar na
festa de caridade da família Valiants no hotel Luxor, viu seu noivo com outra nos braços.
Não obstante, o ouviu debochar do seu amor e confiança. Afirmando para Victoria
Mcgregor, sua amante, que seguiria roubando, pois ela era uma tola por amor. Quando
questionado sobre, porque, sim, ele se deu conta de que Kayla estava ali e que ouviu tudo, a
acusou de descaso ao relacionamento dos dois. E sem pausa, falou para quem quisesse
ouvir, que ela dava muito valor ao trabalho e ele se sentia de lado. Como justificativa para a
infidelidade, meritíssimo.
— Protesto, meritíssimo! Meu cliente não estava em seu estado psicológico normal.
Meu olhar foi ao advogado de Richard devido à sua súbita exclamação.
— Negado, senhor William. Mas senhorita Wood, por favor, vá direto ao ponto. — disse
calmamente o juiz.
— Sim, meritíssimo. Minha cliente, humilhada, mesmo com seu coração partido, tinha na
bolsa dela naquele dia, as abotoaduras de ouro que comprou, ênfase que ela comprou com
o dinheiro do seu próprio esforço, para dar ao noivo de presente para usar no casamento.
Como prova de que ela, orgulhosamente, vive do seu próprio trabalho… Aceitou a
infidelidade, sentindo-se culpada por deixá-lo de lado, como ele a levou a acreditar naquele
instante. Entregou à amante a aliança de noivado dela, como mostra no vídeo que veio ao
público, porém, não pôde aceitar a humilhação em que foi exposta ou o roubo de sua
herança.
Samille andava pelo ambiente, olhando diretamente nos olhos de todos, e fez uma pausa
dramática antes de gesticular em minha direção.
— Mesmo madura em sua atitude, seu coração estava em pedaços. Graças a bondade da
família Grand, conseguiu sair da festa sem mais danos emocionais. Onde, aliás, muitas
pessoas que a filmaram sem sua permissão, divulgaram os vídeos, viralizando sua
humilhação. Quando verificou pelo aplicativo do celular o banco no qual tinha conta
conjunta, com o seu agora, ex-noivo, estava como sempre… Baixos saques em lugares
corriqueiros. Acentuando que ele, há tempos, arquitetava o seu plano maquiavélico!
O júri comentava entre si e o público que assistia também, e inconscientemente levei meu
olhar ao Richard que não parecia confiante ou frio como anteriormente, mas pela sua
expressão, parecia que ele era a vítima enquanto Samille continuava alegando que fui
levada ao erro quando ele aproveitou da relação de confiança para tirar vantagem de forma
ilícita e enriquecer. Além de mencionar que as provas da fraude já foram atestadas nos
autos.
— Protesto, a requerente Kayla Johnson pode ter retirado o dinheiro. A fatura dos meses
prévios, não confirma qualquer fraude! — exclamou o advogado de Richard.
— Tenho comigo os históricos de depósitos e saques, meritíssimo — falou Samille
balançando as folhas em suas mãos, essas que pegou na mesa diante de mim e a levou ao
juiz, lhe entregando — É claramente visto a diferença dos históricos mais antigos e os mais
recentes. Minha cliente, só usava o dinheiro da herança pontualmente e recolocava o
dinheiro na conta, devido a um sentimento de culpa ao usar o dinheiro que veio dos seus
pais. Nos últimos saques, não houve sequer uma devolução do dinheiro, sendo frequente
apenas o saque. O réu, reafirmo, aproveitando-se da confiança e sentimentos da minha
cliente que jamais pensou que ele seria capaz de fazer isso, roubou não apenas o dinheiro,
mas a autoestima e confiança da reclamante.
— Protesto, meritíssimo, não é prova o suficiente! Meu cliente era um noivo exemplar, fora
a traição com a Senhora Mcgregor. Ela fez uma conta conjunta, por quê não faria uma
procuração e o mandaria retirar apenas para posteriormente acusá-lo?
— Protesto aceito, senhorita, tem alguma prova de sua alegação?
— Sim, senhor — ela revelou fotos em papel A4, tiradas da câmera de segurança do banco
onde ocorreu o último saque. Acompanhado de Mcgregor, entrando e sendo atendido por
um gerente — Para um saque deste porte, seria, sim, necessária uma procuração e também
a notificação do banco à minha cliente. Esta notificação jamais ocorreu, fazendo-me
acreditar que o gerente está envolvido na fraude. Inclusive, minha cliente me deu uma
procuração para lidar com a investigação, auditoria e afins. Segunda-feira fomos ao
cartório, para timbrar e registrar a procuração. Peço ao senhor, meritíssimo, que o
documento de ambos seja avaliado por um profissional. Este que verifique a legitimidade
do documento, assinatura e a data em que foi registrado, como prova que houve ou não,
falsidade ideológica.
O pedido foi aprovado pelo juiz, mas, mesmo assim, quando o advogado de Richard pediu
que o permitisse depor, o verdadeiro teste para o meu limite de controle foi posto à prova.
Ele fez o juramento e me olhou como se estivesse extremamente ferido.
— Meritíssimo, sou uma vítima da vida e da entrada desta mulher em minha vida! Todos os
dias, sou comparado a ela, é claro, fui me apaixonar por uma mulher que foi sempre bem-
vista por todos e querida por todos, por mim não seria diferente. No entanto, vivi à
margem, à sombra e com restos. Até mesmo, me foi negado um nome, muitas vezes, sem
jamais ser reconhecido por tal, apenas como o namorado/noivo da famosa jornalista, Kayla
Johnson. Entre as festas e idas dela em meio às pessoas de alto escalão, faziam as pessoas
afirmarem sobre casos dela em meio à alta sociedade, veja o senhor, hoje o atual amante
dela está presente...
Afirmou, referindo-se ao Alejandro.
— Protesto, meritíssimo! — falou Samille e o juiz negou, o que me deixou mais aflita.
— Veja só, no falecimento dos meus tios, os pais de Kayla, meu pai, que era o filho adotivo
da família Johnson, foi o único a tomar a guarda das duas meninas. Perdi tudo, meu pai
deixou de me apoiar para dedicar-se a apenas e exclusivamente a elas. Mesmo em minhas
ocasionais visitas, tudo se resumia a elas e suponho que ele acreditasse estar pagando por
todo apoio que a família lhe deu quando o adotou ainda criança…
Richard abaixou a cabeça e parecia estar chorando. Sua atuação me causava repulsa e uma
ira fervente, conforme ele distorcia tudo pela sua visão doente. Demandou muito
autocontrole para não proferir uma lista de ofensas àquele bastardo.
— Fui negligenciado por todos que deveriam me amar e respeitar. Pelo meu pai, pela
minha noiva… Seduzido por ela, sem saber que, em seu coração, eu jamais teria lugar. Eu
ignorava as piadas de traição, mas a cada dia, ela estava mais e mais ocupada, a cada dia
prosperava mais em seu trabalho e mais inferiorizado eu era por todos. Cheguei a pedi-la
em casamento, na vã esperança de mudança, mas ao conhecer o carinho nos braços de
McGregor, percebi que isso nunca aconteceria.
Eu estava pronta para levantar, mesmo que estivesse tentando firmemente me conter,
quando a mão da Samille cobriu a minha e ela apertou no microfone.
— Meritíssimo, com a sua permissão.
— Vá em frente, senhorita Wood.
— Senhor Richard, embora seu relato afirme que você é uma vítima, alguns fatos narrados
não condizem. A minha cliente, assim que engatou o namoro, deixou tudo para trás para vir
para Londres contigo, trabalhou e estudou para criar uma vida ao seu lado de bom grado.
Assim como ela dividiu uma conta bancária que tinha acesso ao seu próprio salário,
deixando claro que a conta não era a mesma da poupança. O senhor afirma que ela nunca o
amou, mesmo que segundo estes papéis, era ela quem estava custeando o casamento que o
senhor pediu a mão dela. Se não existia amor da parte dela, me pergunto o que era, afinal,
do relacionamento de vocês, ela não tinha ganhos monetários.
— Protesto, meritíssimo, a advogada Wood está deliberadamente provocando o meu
cliente.
— Negado, vá direto ao ponto.
— Sim, meritíssimo. Nada desse emocionante relato, contesta ou justifica a fraude,
falsidade ideológica ou a agressão. E sobre o estado do cliente do senhor Williams, o senhor
pode ver, que nos autos já havia sido previamente convocada a análise de um psicólogo
renomado, tanto sobre o comportamento da vítima, como do réu. Novamente, peço que
recolha a prova psicológica para avaliação, junto com algumas filmagens de câmeras
públicas que consegui.
O julgamento foi pausado para a averiguação das provas apresentadas por Samille.
A mídia foi à loucura com o julgamento que estava acontecendo, não deixando nenhum
detalhe de fora. Em qualquer lugar que visse, era possível ver notícias e especulações sobre,
estava um caos.
(...)
No retorno ao tribunal, eu não estava menos nervosa do que na primeira vez, na verdade,
era o contrário. O foco foi os depoimentos das testemunhas: senhor e senhora Valiant,
alguns funcionários do hotel da festa, mesmo o senhor e a senhora Grand. Mcgregor foi
chamada, mas estava desaparecida. Meu chefe, Ethan, o delegado e até mesmo Luiz
Edwards, o encarregado dos depósitos da herança e sócio da “Themis” a advocacia dos
meus pais… Parecia que não teria fim, mas dentre elas, a mais chocante e surpreendente,
foi a vizinha insuportável: Liza.
— Senhorita Elizabeth, por favor, nos diga o que viu — incentivou Samille.
A mulher, sempre tão valente, parecia nervosa entre tantas pessoas, mas se aproximou e
disse:
— Enquanto eu regava as flores do meu jardim como toda manhã, vi Richard, escondido,
olhando para a casa de Joel, na qual a menina Kayla estava recebendo o senhor Alejandro.
Nessa época do ano ele sempre vem à cidade para a caridade do orfanato… Mas, após ficar
sabendo que Joel havia sido agredido por seu próprio filho, chamei a polícia com medo do
que pudesse acontecer.
— Meritíssimo, me permita — pediu o advogado de Richard.
— Permito, pode falar.
— Até o presente momento, apenas a integridade do meu cliente, como alguém que traiu a
noiva, foi pontuada repetidas vezes, porém, o que leva ao senhor Ward à casa da srta. Kayla
pela manhã? Peço que Alejandro Kaleo Ward, se presente, meritíssimo.
Aquela era a terceira vez que ele puxava Alejandro para a conversa, sendo a segunda vez
que os funcionários testemunharam a agressão de Alejandro contra Richard. Senti-me
ainda mais aflita, quando o juiz concordou. Alejandro confirmou ter sido impulsivo, mas
que foi mediante ao choque e ataque deliberado a mim.
A advogada Samille, pediu permissão para falar e com a autorização do juiz, interveio se
levantando e informando a todos:
— Meritíssimo, quero deixar claro perante todos que o senhor Alejandro Ward, já se
pronunciou em outra instância, oferecendo-se a cobrir todos os custos médicos, assim
como as indenizações apresentadas e consideradas necessárias ao encerramento do caso.
Esclareço ainda que a testemunha agiu em legítima defesa de terceiros, portanto, esse
assunto é irrelevante ao caso em questão, ao qual se refere a fraude, extorsão e agressão
verbal à minha cliente Kayla.
O advogado de Richard a olhou com desdém e sorriu.
— Meritíssimo… Um homem não iria tão longe por alguém que não conhece.
— Meritíssimo, talvez não um homem como nosso advogado William... — respondeu ela,
desta vez com desdém — Mas homens de caráter cavalheiresco ainda existem,
principalmente quando uma mulher está sendo atacada em público.
O juiz pediu ordem e, visto ser tão importante assim ao advogado de Richard, perguntou ao
Alejandro:
— Senhor Ward, já conhecia a senhorita Kayla antes da festa em questão?
— Fora o que sei dos jornalistas de destaque, meritíssimo? Não. Aquela foi a primeira vez
que encontrei pessoalmente a jornalista Kayla Johnson.
— Ela é uma jornalista famosa, uma semi-celebridade! Quantas festas vocês já foram... —
falou Richard amargo.
O Advogado, se virou ao seu cliente, murmurando algo que provavelmente era uma
reprimenda.
— Peço que o advogado William mantenha o seu cliente sob controle ou serei obrigado a
pedir que se retire do tribunal — bateu o martelo — Sobre a manhã que a testemunha
alegou, o que fazia lá?
— Meritíssimo, meu tio Henry Ward, com quem sempre participo como suporte da ação
beneficente, deu a ideia da senhorita Kayla e eu, que estávamos sendo notícia na mídia,
usássemos esse destaque por um bem maior: as crianças — declarou calmamente —
Incluo, que sou alguém muito apegado à família, da mesma forma em que estive presente
na festa onde houve o primeiro ataque à vítima, a pedido da minha irmã, que muito
preocupada com o meu excesso de trabalho…
— E quem é a sua irmã?
— Meritíssimo, Scarlet Grand.
Todo o lugar ficou muito agitado e o juiz pediu ordem, como era esperado, uma vez que
aquele fato era um enorme segredo da família. Alejandro teve que explicar tudo, desde que
sua irmã renegou ser cabeça dos Ward, até como eles me conheceram e se apegaram a
mim. Mas que não teria como eu saber, já que era um segredo de todos até o presente
momento.
Novamente a mídia foi à loucura, fotos de Alejandro e de Scarlet estavam para todos os
lados nos jornais. Entre as audiências, tudo era tão cansativo quanto elas mesmas. Semanas
iam e vinham, a cada audiência, um novo show, mais notícias espalhadas em todas as
mídias, ao ponto de me fazer pensar se valia mesmo a pena todo aquele desgaste e
exposição. Mas, ao pensar no que ele poderia fazer solto, o roubo e até onde ele poderia ser
capaz de ir, retomava a minha vontade de mantê-lo longe e preso, de preferência.
Por fim, a alegação da agressão chegou e com ele o meu laudo médico, fotos dos hematomas
e por fim, o áudio do relógio, onde, sim, Richard não tinha como refutar, mas mesmo assim,
o advogado Williams tentou, em vão.
O dia pareceu especialmente mais longo, durante aquela sessão. Ao fim dela, quando o juiz
anunciou que a próxima audiência seria a finalização do caso, me senti aliviada e
extremamente cansada. Teria sete dias para descansar, mas naquele momento, só
conseguia pensar em como queria um pouco de paz, como sentar na frente daquelas
crianças do orfanato, com Ana em meu colo e passar algumas horas contando mil vezes as
histórias favoritas delas.
CAPÍTULO 26
“ Tão prto e tão longe... ”
No dia seguinte, após o café…
Logo após entrar no carro e a porta ser fechada, tive a sensação de estar sendo observada.
Pensei ser alguém indesejado e insegura, busquei quem era e encontrei Harrison e Scarlet
na porta da casa, acenando. Eles pareciam um retrato de família tradicional incompleto, ela
estava com a mão em seu peito e um olhar preocupado, ele com a mão em seu ombro,
olhando firmemente para mim, como se fala-se: confio em você, garota.
Sorri, abaixei o vidro e acenei enquanto sentia uma sensação de déjà-vu.
Henry entrou no automóvel com cara de poucos amigos e Harley entrou logo em seguida.
Pareciam ter discutido… E em falar em discutir, Alejandro entrou no carro por último, pois
estava brigando com Alessandra pelo celular.
Por um breve momento, me senti culpada por atrapalhá-lo, mas, ao fechar os olhos por um
breve instante, o rosto da Ana me surgiu na mente falando: Tentei avisar.
Minha culpa ou não, aquele seria o preço para fazer o que tinha que fazer, pelo bem das
crianças.
(...)
Pouco antes do carro parar, Alejandro desligou o celular no qual ainda estava finalizando
alguns ajustes com sua secretária e segurou a minha mão, passando o polegar pelo relógio
smart que já estava no esquema de gravador de voz. Ele levantou o olhar para o meu em
seguida, buscando a certeza do que eu queria fazer.
Engoli em seco, ao me sentir o centro de sua atenção naquele instante e ruborizei. Ainda
que estivesse tensa, era impossível negar ou ignorar a intensidade sedutora do homem.
Principalmente quando, mesmo preocupado que eu estivesse me colocando em perigo
novamente, não estivesse me impedindo de fazer nada, apenas decidira ir comigo para o
perigo.
— Vamos? — disse ele com um suave sorriso.
Concordei com a cabeça e ele saiu primeiro, dando a volta no carro para abrir a porta para
mim. O que me fez rir, lembrando das palavras dele mesmo dizendo que era um homem à
moda antiga. Porém, mesmo por detrás do seu sorriso, devido a sua sinceridade, era
notável que seus olhos escuros estavam sem brilho e sua expressão se tornou fria ao se
virar de frente para o orfanato.
Henry e Harley saíram não muito depois. As freiras não sabiam que iríamos vir, então
demoram um pouco para surgir à porta e vir em nossa direção. Quem o fez foi a irmã
Lizzie. Ela abriu a porta e correu para nos encontrar na metade do percurso, para nos
receber. Ela sorria agitada, secando as mãos na própria roupa.
Usei a máscara que a muito não usava, do sorriso formal e polido, enquanto avaliava cada
traço da mulher que, embora secasse a mão apressada, sua mão nem sequer estava
molhada. Assim como sua roupa parecia cuidadosamente impecável.
— Não esperávamos a visita de vocês hoje! — disse ela.
Não tive a oportunidade de falar nada, pois Henry tomou a frente e sorriu. Nesses
momentos, víamos como Alejandro puxou o seu pai, com um grande instinto protetor.
Refleti achando naquele pensamento um motivo para manter o meu sorriso um pouco mais
genuíno.
— Kayla estava muito estressada e morrendo de saudades das crianças, disse ela que se
sente imensamente feliz quando está com elas ao redor — pronunciou o prefeito Henry.
Como um bom político, ele sorria de forma que nem mesmo eu sequer desconfiaria que
estava tão antipático até momentos antes enquanto minha irmã parecia uma sombra
apática à sua cola.
— Especificamente Ana, a qual Kayla deve a vida... — completou Harley e então, olhou de
soslaio ao prefeito e deu um sorriso perfeito de igual maneira.
Eles conversavam pelo olhar e sabia que tinha algo mais ali, olhei para Alejandro que
observava ambos com os olhos estreitos. Sabia que ele também havia reparado, a pergunta
era se a freira também… Se ela desconfiasse, tudo seria um caso perdido.
— Sinto muito falta dela… com tudo acontecendo, o julgamento referente ao meu ex… Aí,
irmã Lizzie, eu só sei sentir falta da paz de sentar e contar histórias para as crianças com
seus olhares e sorrisos resplandecentes… Você deve entender, certo? — falei
apaixonadamente.
A freira pareceu curiosa e um pouco mais agitada, segurando a própria roupa, concordando
com a cabeça e um sorriso rígido. Alejandro e eu seguimos observando a mulher que nos
guiava em passos curtos para dentro do orfanato.
— Oh! Sim! As crianças são anjos de Deus. Vamos, estávamos preparando o café da manhã
para elas. Já tomaram café? — perguntou solícita — Sempre demoramos algum tempo para
o café, pois devemos fazer todas acordarem, tomar seus banhos e se vestirem. Com tantas
crianças, é um processo demorado…
Não passou despercebido por nós, como ela evitou seguir o assunto sobre Ana, o que fez o
meu coração apertar. Antes de passarmos pela entrada e chegar à área de refeição, olhamos
um ao outro, numa troca de olhares de puro entendimento. Para ver o quão ela ficava
agitada, nós nos aproximamos bem dela, quase como uma sombra, que se ela parasse
subitamente, pisaríamos em seus calcanhares.
E como esperado, ela começou a gesticular para as irmãs e sua fala se tornou mais rápida.
Vimos alguns dos órfãos mais velhos em seu desjejum. Esperei alguma agitação ou
resmungos de sono, mas estranhamente, todos estavam sombrios e silenciosos. As demais
irmãs, também não estavam com a mesma expressão feliz do dia do evento.
Não sei o que aconteceu, mas sei que é de conhecimento de todos. Pensei e senti a mão de
Alejandro segurando a minha com um pouco mais de firmeza e o fitei, percebi que ele
estava muito sério, beirando o assustador. Por sorte, pensei rápido em como suavizar a
tensão.
— Azedo… Está assim, pois ainda não tomou o café da manhã, não é? Vá, senta-se com os
meninos, não acho que irão se incomodar — falei enquanto guiava minha outra mão ao seu
rosto, o fazendo sorrir — Se continuar com essa expressão, irá assustar a todos, credo!
Ele pareceu confuso ao erguer uma das sobrancelhas, como se estivesse sendo desperto de
seus pensamentos e por um milésimo de segundo pensei que brigaria comigo. Porém, ele
entrelaçou seus dedos nos meus, levou um dedo meu à sua boca e mordeu.
— Grandão?!?! — surpresa, puxei a minha mão em vão, porque ele não a soltou, sorrindo
genuinamente. Éramos o centro das atenções, fosse das irmãs, ou dos adolescentes que
achavam sempre muito interessante coisas "adultas".
— É, vou me sentar para comer. Tenho um terrível mau-humor antes de comer e se não
comer logo, terei que te fazer a minha refeição — murmurou para mim, meu rosto corou
violentamente e uma freira próxima vendo aquilo, deu uma risadinha parecendo relaxar
um pouco, mas logo voltou a se controlar sob o olhar de Lizzie.
A tensão da nossa chegada havia sido quebrada.
— Vocês devem se controlar na frente dos jovens — disse a irmã Lizzie numa reprimenda.
Concordamos e assim algumas das outras irmãs assistiram Alejandro tomar o seu lugar à
mesa, ao lado dos adolescentes, que pareciam surpreendentemente pequenos perto dele.
Elas estavam tão focadas nele que eu sabia que tinham esquecido de mim, ou era o que
achava, pois uma delas se aproximou.
— Sente-se também, Kayla — convidou uma das freiras — Colocarei mais pratos à mesa.
— Já já, quero muito ver Ana primeiro! — falei passando a mão pelo ombro de Alejandro e
lhe dei um olhar de soslaio, para tentar sinalizar que estava bem. Antes que ele pudesse
falar algo, minha irmã segurou o meu braço e tomou a frente.
— Irei com você, estou com saudades daquela pequena travessa. Se bem me lembro, o
caminho para os quartos das crianças menores é por aqui. Vamos irmã! — disse Harley
animada, me guiando ao corredor — Quero ver minha futura sobrinha!
Nunca fui tão grata como agora pela minha irmã ser do tipo impaciente e direta. Com seu
apoio, simplesmente saímos andando pelo corredor da direita, com a irmã Lizzie nos
seguindo.
— Ah! N-não precisam ir, ela logo estará aqui! Está tudo tão bagunçado que sinto vergonha!
— disse a irmã tentando nos parar.
Virei minha cabeça para a mulher enquanto ainda estava sendo guiada pela minha irmã em
um sorriso gentil.
— Irmã Lizzie… A garotinha me salvou! Eu sou muito apegada a ela e ela a mim, você sabe.
Para ser franca, pretendo adotá-la, como a minha irmã deixou claro. Tenho certeza de que
ficará feliz se eu aparecer na porta de seu quarto — argumentei.
A mulher continuou nos seguindo e falando o porquê as pessoas não deveriam ir, sobre a
rotina de segurança e mais algumas coisas que eu sinceramente não me importava… O
corredor era surpreendentemente longo, até chegarmos à área dos quartos, onde havia
algumas crianças ainda em seus pijamas, saindo deles.
— Ana? — chamei sobre a cabeça delas, em passos rápidos.
— Senhoritas Johnson… — Lizzie tentava nos acompanhar.
— Ana! — chamou Harley também.
Mas nenhuma das meninas que levantou o olhar era ela, então paramos apenas para
perguntar qual o quarto da menina Ana que era apaixonada pela história turca, que as
irmãs já não queriam mais ler para ela. Uma delas apontou o próximo quarto, porém, não
demorou muito para sabermos que tinha algo errado.
A irmã Lizzie segurou meu braço, olhei para ela e em um movimento rápido me desfiz da
sua pegada. E ao chegar na porta do quarto, vimos algumas crianças saírem apressadas.
Dentro dele, vimos uma irmã com dificuldade para lidar com uma menina. Salvo engano,
parecia a menina que me divertiu ao ameaçar colocar a rã na cama do outro garoto, se
ficasse acordado e o papai Noel não aparecesse.
— Levaram o Tristan! Acredita em mim… Por favor! Por favor!!! — exclamou ela,
chorando.
— Ele foi adotado, Beatriz…— tentou apaziguar a irmã que não parecia ter se dado conta
de que estávamos ali.
Lizzie, que não parava de falar, ficou subitamente calada. Voltei meu olhar para ela e a
mulher parecia até mesmo pálida. Escutei o estalar do tapa e voltei minha atenção à
garotinha.
— Pare de mentir! — exclamou impaciente — Menina malcriada! Deus vai te castigar!
A menina levou a sua pequena mão ao rosto, banhado em lágrimas, mas dava para ver, que
estava com a marca dos cinco dedos da mulher. Senti meu sangue ferver e dei um passo
adiante, mas ela seguiu falando corajosamente:
— Eu vi, eu vi. O homem da capa preta pegou ele! Não estou mentindo, não estou! — gritou
ela na cara da irmã, juntando toda a sua coragem. A freira se preparava para dar outro tapa,
quando tomei a frente e segurei a mão da mulher com uma força que eu não sabia possuir.
A empurrei sem a menor piedade e descobri que aquela mulher me era familiar... Uma
pessoa que eu me perguntava o que é que estava fazendo ali.
Victoria Mcgregor.
A mulher me olhou tão surpresa quanto eu estava. Ainda estava atordoada quando,
naquele instante, a irmã Lizzie pareceu acordar do torpor. Tomou a frente, passando pelas
crianças e segurando o braço da menina ameaçadoramente.
— Beatriz, o que te falei sobre contar mentiras? E você, irmã Victória, você pediu para viver
aqui, ser acolhida por Deus, para agredir a menina? — falou irritada.
Fiquei confusa, mas a menina parecia muito aterrorizada com a Irmã Lizzie.
— O que demônios está acontecendo aqui? — questionei antes que pudesse conter a minha
própria língua.
Beatriz, que estava quase azul de tanto medo da freira, mas assim que me viu, se debateu,
fugiu da pegada da freira e se agarrou à minha roupa.
— Senhorita Kaya, Ana! Ana também foi levada. Ela viu comigo ontem, quando Tristan foi
levado à força e os seguiu! Acredite em mim! Ana falava que você e o tio Alejandro, que
vocês são os únicos que acreditam em nós, por favor! Salve eles!
No entanto, vi o inacreditável. A irmã, pegando um objeto que não consegui identificar,
golpeou a garota. Chocada demais para acreditar nos meus próprios olhos, busquei a minha
irmã. Porém, atrás dela, vi a sombra de um homem grande. Em menos de um segundo senti
todo o sangue fugir do meu corpo quando ele chegou próximo o suficiente para se fazer
reconhecer, o horror se instalou.
Sebastian, o pai da Katherine.
Porém, não tive mais qualquer visão posterior. Pois, em seguida, levei um golpe forte em
minha nuca e minha visão escureceu.
EXTRA 4
“ As outras perspectivas... Segredos, mentiras, omissões... medo. ”
ALEJANDRO • Alejandro Kaleo Ward
Na noite anterior, assim que Kayla dormiu, peguei o celular na cabeceira, liguei, esperei
chamar e desliguei. Mandei mensagem para o meu advogado, - este que estava na cidade
desde o início do julgamento de Kayla -, pedi desculpas pelo horário, falei o bônus do salário
e pedi que conseguisse um mandado para averiguação no orfanato.
“O que usarei como base para este pedido, Alejandro?”
Pensei um pouco, observando os fios negros dos cabelos de Kayla espalhados pelo
travesseiro, antes de retornar a mensagem:
“Para ser franco, meu amigo, seremos muito clichês. Relatos das crianças apavoradas, as
freiras estavam querendo calá-las a todo custo... Como patrocinador, isso me deixou em
alerta e muito preocupado com o bem-estar delas… Reafirme que por vias de segurança e
bem-estar das crianças, uma averiguação se faz necessário.
Também deve acionar o conselho responsável pelas crianças e adolescentes desta área.
Ah! E fale com o delegado Ethan e passe a mensagem:
Talvez você tenha que mandar a Kayla “para o Hospício mais próximo”, amanhã pela
manhã estaremos no orfanato. Para mais informações, contate a Alessandra, a minha
secretária.”
O meu funcionário sem dúvidas deveria pensar que eu estava ficando louco, mas deveria
ter muitas coisas preparadas para o dia seguinte e o tempo era curto.
“... Certo, Alejandro. Até amanhã... ”
Poderia dizer ser um terrível chefe, sem o menor senso, abusando do poder… Mas
acreditem vocês ou não, isto sempre foi uma via de mão dupla. Informei Alessandra por
mensagem e liguei para ela três vezes, para que assim, mesmo que estivesse dormindo,
despertasse.
Como esperado, ela me respondeu em mensagem não muito depois com alguns
xingamentos, observações, broncas, reclamações que pulei, para, enfim, falar que iria
chamar a segurança e planejaria o plano de ação…
Satisfeito, estava pronto para deixar o aparelho quando mandou outra mensagem:
"Francamente, para um homem que evitava problemas, agora ME dá trabalho dez vezes
mais. E eu pensando que com a idade viria a sabedoria… Até, Alejandro. PS: Prepare seu
dinheiro, usarei e tomarei sem piedade. ”
Não consegui evitar sorrir e agradecer por ela ser minha aliada.
Assim que o sol nasceu, os seguranças que já haviam sido mandados por Alessandra para
fazer vigília, informaram que pouco após chegarem, escutaram choros.
Pela manhã, além do leiteiro, apenas o contador do prefeito fez uma visita e não havia
partido até o momento.
(...)
Esperei que Kayla saísse do meu campo de visão, para que o meu sorriso gentil, se
transformasse em uma expressão acusadora. Analisei todos por quem meus olhos
passaram, ao ficarem ainda mais tensos. Segredos, mentiras, omissões… E o principal, medo.
Era isso que via em seus olhos e gestos involuntários.
Me via similar a eles enquanto me tornava um duas caras com a Kayla. Contudo, não sabia
como ela lidaria com aquele meu lado opressor, muito mais controlador do que ela estava
habituada. Ela precisava de um suporte, neste ponto o teria, agora se fosse apenas um rosto
sorridente que buscasse, se frustraria.
Minha pequena era uma pessoa de coração doce, inteligente e dada a um senso heroico,
sem se importar em estar na linha de fogo, caso acreditasse que seria por um bem maior.
Mesmo que isso a destruísse ou a matasse… O problema era que a história não terminava
bem para heróis de coração puro, os heróis que sobreviviam, possuíam uma veia latente
tão cruel quanto a dos seus inimigos…
Ou você era a caça, ou o caçador. Se me perguntar sobre a bondade… Bom, diria que ela
estava lá, o preço dela era que sempre foi discutível.
Claro, a força que meu poder monetário exercia tinha grande influência no que eu fazia, no
entanto, perante aquela mulher… Esquecia o motivo do meu empenho, a minha família e
quem dependia dela. Mas sentia naquele instante que aquele poder, só era realmente útil,
se fosse o suficiente para protegê-la.
Sua boca me perguntava trêmula uma coisa e seus olhos me perguntavam e desafiavam
outra:
"Você vem comigo ou vou sozinha?"
Nestas horas, tinha certeza, e me sentia terrivelmente velho. Fechei os olhos, buscando
controle e foco.
— Prontos para começar a falar? Ou terei que usar outros meios?
Um breve silêncio e então abri os olhos ao escutar:
— Eu sabia que, no fundo, você era tão ruim quanto todos os outros… — murmurou um dos
adolescentes — Por que seriam bons com pessoas sem futuro como nós?
— Todos os outros… Hum. Que outros, garoto? — O menino parecia ter sido pego no erro e
evitou meu olhar — Por anos, vocês me viram… viram meu tio também… Mas claro que
isso não seria uma desculpa para confiar em nós, não é? Já que o Sebastian também vem
aqui a anos…
Todos os corpos presentes ficaram tensos, tamanho era o nervoso que quase ri de escárnio.
Odiava concordar, mas algo realmente deveria ser feito e Kayla estava certa. Se as vítimas
não se pronunciassem, a polícia não poderia fazer nada.
O meu celular tocou e o atendi, tirando da tela do GPS.
— Sim? — era o meu advogado, dizendo estar na porta com o mandado e a polícia.
Satisfeito, desliguei o celular — Irmã, pode abrir a porta da frente?
Porém, a mulher relutou em ir até a porta, me olhando temerosa… Impaciente, estava
prestes a tomar o molho de chaves de sua mão, quando os gritos de crianças chegaram aos
meus ouvidos como se fosse uivos do inferno. Uma pequena menina de cabelos soltos e
rosto vermelho com a marca de cinco dedos, veio correndo em minha direção e agarrou
minhas pernas.
— Tio Alejandro…— falou quase sem voz, mas, uma vez que retomou o fôlego, começou a
falar atropeladamente: — Tio Alejandro! Tia Kayla também foi levada pelo homem da capa
preta!!
Ela olhou ao redor, assustada, e então, com seus grandes olhos marejados, me fitou.
— Por favor… — implorou trêmula — Me desculpa, eu contei para a tia que ontem levaram
Ana e o Tristan! Mas Deus manda falar a verdade, né? Não pode mentir… Tio… Eles
bateram nelas e levaram! É culpa minha! Minha! Por favor, salva elas!!!
Puxei o GPS novamente, de alguma forma, Kayla estava fora do orfanato, senti meu sangue
congelar ao sentir ela me escapando pelos dedos… Senti o demônio se apossar do meu
corpo enquanto toda minha paciência se esvaia, entretanto, ainda havia um pouco da
consciência, esta que dizia que não poderia apenas sair correndo.
— Menina, não fale besteiras… — Falou a freira enquanto me sentia em um dilema, mas
notei a mão da mulher com a minha visão periférica, tentando alcançar a garotinha. Em um
movimento rápido, coloquei a mão entre ela e a criança, e lhe lancei um olhar medonho e
mortal.
— Eu acho melhor você ir abrir aquele portão imediatamente... — falei quase em um
rosnado e pausadamente, tentando conter a minha raiva.
Empalidecida de medo, a freira se apressou abrindo as portas e assim que a porta se abriu,
quase foi atropelada pelo meu advogado acompanhado dos policiais, seguranças e até
fiscais. Rapidamente, entreguei a pequena menina machucada para o meu advogado.
— Proteja-a, é a única disposta a abrir a boca neste lugar.
Ethan, o delegado, se aproximou de mim.
— Ethan, você está atrasado. Ordene aos seus homens para revirarem o orfanato, ontem à
noite, tivemos o sequestro de duas crianças… E agora… — engoli em seco mostrando a tela
do celular — acabaram de levar a Kayla…
O homem entendeu imediatamente a minha expressão, deu um passo à frente, colocou a
mão em meu ombro e murmurou: pegue seus homens e vá atrás dela. Concordei com a
cabeça e gesticulei para os meus homens me acompanharem. Eu tinha que ir achar a minha
mulher.
CAPÍTULO 27
“ Verdade aterradora... ”
Senti-me perdida em um limbo, assim como Alice perdida no País das Maravilhas, seguindo
o coelho… Mas, no meu caso, não existia o País das Maravilhas, tampouco, um coelho para
seguir. Olhei ao redor e não vi nada além de escuridão, dei um passo à frente, que não
pareceu causar qualquer sensação de movimento... ofegante devido ao medo, apressei
meus passos até se transformar em uma corrida, indo para onde quer que fosse o lugar à
minha frente. Tentei gritar pedindo socorro e nenhum som ecoou.
Engoli em seco devido à sensação inquietante de ter deixado de existir... Perturbada, meus
passos diminuíram e me abaixei, buscando tocar ao menos o chão sob meus pés para me
assegurar de que era real, porém, como por milagre, escutei vozes distantes e quase
inaudíveis, que me deram esperança de sair.
Levantei e segui o som, andando apressada, e conforme ia me aproximando das vozes, mas
elas não vinham sozinhas… Uma dor insistente incomodava na boca do meu estômago, até
se tornar insuportável. As extremidades do meu corpo estavam dormentes. O ar parecia
mais difícil e a minha cabeça pulsava de dor, mas era a minha única esperança de saída…
Corri, mas novamente senti que não estava me movendo, estiquei-me como pude, mas não
funcionou. Como se toda a desgraça fosse pouca, senti meu corpo ser jogado para o alto e o
terror da queda, me fez despertar daquele estranho sonho e em sequência um golpe me
acertou a área já dolorida do estômago.
Arfei de dor, confusa e assustada. Com os olhos muito abertos, vi o chão branco, pés e
pernas… Que não eram meus. Além disso, vi meus braços esticados entre meus cabelos
balançando, fazendo-me entender que estava sendo carregada como um saco de batatas.
Confusa, minha respiração ficou mais agitada e uma mão esbarrou na minha. Virei minha
cabeça e vi Harley, sendo carregada pela mesma pessoa.
Ela também estava acordada, mas estava fingindo estar desacordada. Abri a boca para falar
algo idiota como: "O que aconteceu?", mas me recordei do que houve: O sonho, o orfanato, a
busca pela Ana, ter encontrado Beatriz, o desaparecimento de Tristan e a freira que, na
verdade, era Mcgregor e então…
Fomos golpeadas! Todo meu torpor de ter sido acordada à força se foi. Fui novamente
jogada um pouco para o alto, para ser ajustada no ombro de um homem de casaco preto...
Seria este o homem responsável pelo terror das crianças?
Por um lado, me sentia aterrorizada, pensando no que poderia ser de nós duas e se em
breve seríamos mortas... Mas por outro me sentia aliviada por saber que estava sendo
levada de alguma forma para o mesmo lugar que Ana estava... Ao menos eu imagino que
seremos levadas para lá. Aquele pensamento me trazia uma sensação de conforto. Era
estranho pensar isso, eu sei. E talvez era ainda mais estranho que toda aquela sensação de
medo e pavor que eu sentia, se suavizasse, uma vez que validei aquela opção.
Seria esse o instinto materno?
— Carregue-a corretamente — ordenou uma voz fria em um quase sibilar.
A voz era funesta, causava-me arrepios. Fria, mas estranhamente controlada, causando por
si só, uma sensação de alerta e perigo por todo o meu corpo. Busquei lucidez o suficiente
para definir de onde a voz havia vindo… E suspeitei que havia vindo de alguns passos à
frente do homem que me carregava.
Não era difícil saber a quem pertencia aquela voz, uma vez que apenas ele e a sua filha me
causavam mal-estar apenas por existir.
Sebastian! E ele realmente estava por trás de tudo!
— Estou carregando duas mulheres, uma em cada ombro, senhor. Estou fazendo o meu
melhor… — lamentou.
Tentei analisar um pouco mais o cenário ao nosso redor para ver se poderia ter uma pista
de como poderíamos fugir posteriormente ou, pelo menos, saber onde estávamos. Seria
difícil e o meu campo de visão era relativamente limitado, porém, eu podia ver um
ambiente todo claro, iluminado como se tivessem muitas lâmpadas fluorescentes de
hospital... Parecia estar vazio e abandonado visto os sons de passos ecoando.
A morte parecia estar a alguns centímetros sorrindo, esperando apenas um erro. Assim
minha audição ficou em extremo alerta a qualquer ruído e escutei três ritmos de passos,
embora andassem juntos. Dois deles já haviam se revelado, mas ainda restava um… Além
disso, eu também precisava encontrar ou esperar a oportunidade para Harley fugir, antes
de chegarmos aonde as crianças estavam. No entanto, temia a retaliação que viria a seguir,
se ela não conseguisse. Me questionava se eles mudariam de ideia e resolveriam apenas nos
matar.
— Apenas imagine serem duas das suas putas… — declarou Sebastian, em um tom
monótono.
Sem ter muito para onde olhar, acabei reparando que ainda estava usando meu relógio e
sorri.
Que deslize…
— Faça seu trabalho direito, Cal — reclamou uma voz feminina familiar, esta que me fez
congelar.
Mcgregor! Pelo som de seus passos, estava caminhando do lado oposto a mim, próxima a
Harley. Eu precisava ser discreta, então virei o braço um pouco e vi que o GPS ainda estava
ligado, mandando sinal ao Alejandro, o que era um bom sinal e me dava mais esperança de
sermos salvas.
— Victoria, se eu fosse você, calava a merda da boca. Não está muito melhor que eu! —
grunhiu ele e escutei passos mais acelerados se afastando um pouco.
— Olha como você fala comigo… quem… — começou Mcgregor, ela estava irritada, parecia
ter alguma inimizade com o capanga que nos carregava. Então, o que fazemos se a vida nos
dá limões? Fazemos uma limonada!
Disfarçadamente liguei a gravação de voz, afinal, pessoas de cabeça quente tinham o hábito
de falar mais do que deveriam.
— Se fizessem seus trabalhos corretamente, não estaríamos aqui — vociferou Sebastian,
em um tom que me fez sentir o seu instinto assassino reverberando. Olhei de soslaio a
minha irmã que também pareceu ficar pálida.
Após um breve silêncio, como uma criança, o tal capanga tentou argumentar:
— Mas, senhor… Não tem como tudo isso ser culpa minha… — lamentou.
— Cal, você só tinha que pegar um menino que não teria ninguém para sentir falta.
Contudo, você capturou outra criança junto, que sim, teriam pessoas com muito dinheiro
para investigar onde ela foi parar… — frisou Mcgregor.
Isso, falem mais. Implorei mentalmente.
— Como se você estivesse fazendo bem seu trabalho! — retorquiu ele, irritado — Você só
tinha que ser a amante do advogadozinho até ele tomar controle da advocacia para nosso
chefe ter mais um lugar onde poderia lavar dinheiro, além de outros benefícios. Tinha que
se livrar dela… — destacou erguendo-me um pouco, levantando o ombro —...
Silenciosamente e ficar com ele tempos depois. Além disso, até onde eu tinha escutado,
você, enfim, poderia se aposentar. Se tivesse feito tudo direito, agora não estaria escondida
num orfanato, fingindo ser uma freira que nem de longe você poderia ser. Mas até nisso
você errou, foi pega em flagrante batendo em uma menina.
Puta que pariu! Pensei horrorizada, a ponto de não conseguir fazer nada a não ser ficar
chocada enquanto assimilava a profundidade do plano. Querendo ou não, tudo estava
interligado. Ponderei: Fosse o orfanato, o sequestro das crianças, ou a traição de Richard.
Tudo! Suponho que o casamento de Katherine e Alejandro, tivesse a mesma função. Por isso
também que Sebastian era o contador de Henry, meu Deus! Conclui escandalizada.
— Você… Se você tivesse feito o seu trabalho direito, não teria perdido a cabeça com a
menina! — começou ela parecendo que ia explodir, mas se conteve e rosnou: — Existem
tantas advocacias por aí, era só focarmos em outra.
— Idiota, você sabe que o chefe queria aquela por causa que ele odeia a família que adotou
o Joel e não ele. Assim como ele odeia o prefeito.
O quê? Tem mais? Pensei.
— Calem-se! Vocês dois falam demais! — esbravejou Sebastian para os dois, estes que se
calaram imediatamente e ele então reclamou: — A incompetência de vocês nos trouxe até
aqui justo quando eu fui ajustar o pagamento… Eu deveria matar os dois, mas… Tenho
planos mais úteis para vocês.
Os tais planos pareciam ter mais efeito de medo do que a ameaça de morte clara. Com toda
a certeza, o homem diante dos dois, era capaz das coisas mais repulsivas e hediondas
possíveis, pois o terror de todos se tornou palpável.
— O que faremos agora? — perguntou temeroso, o capanga.
— O que “eu” farei? — questionou ele com um humor maquiavélico — Nada, mas vocês…
Podia jurar que senti o sangue do tal Cal, congelar. Pois a expectativa de terror enunciada
pelo Sebastian deixava subentendido que, talvez, a morte seria algo mais piedoso,
confirmando o meu pensamento anterior.
Ouvi o farfalhar de roupas e senti o estremecer do homem que me carregava, assim como
também ouvi o tamborilar do meu próprio batimento cardíaco, tamanho o suspense em
meio ao silêncio. Em seguida, escutei um som baixo de chamada telefônica e então:
— Sou eu, pegue a garota… — falou e então, após alguns segundos, falou novamente —
Certo…
Novamente ouvi o farfalhar de roupas e um suspiro.
— Bom, lamento Victoria… Sua filha…
Oh! Meu Deus, não… Pensei, entendendo o que ele tinha acabado de mandar pegar. Poucos
segundos depois, escutei o som de algo pesado chocando-se contra o chão. Podia imaginar a
mulher se jogando de joelhos ao chão, diante do homem implorando por misericórdia,
facilmente.
Os passos do capanga que nos carregava se refrearam e a dor em meu estômago pontou,
devido à parada brusca.
— Senhor?! Não!… Por favor! — Implorou a mulher com voz chorosa — Não, diga que não
mandou pegarem a minha filha! Diga que entendi errado! Tenho sido tão fiel ao senhor! Por
favor, faço qualquer coisa!
Soluços, choro e fungos eram facilmente compreensíveis e nunca pensei que chegaria a ter
pena de Mcgregor.
— Ah! Você fará… — falou se Sebastian, pausadamente com divertimento — Mas temo
fazer necessário, ter a sua filha como uma garantia de que você o fará.
— Senhor… Até então, nunca falhei em suas ordens… — E então escutei apenas o seu
choro.
— Você, Victoria Mcgregor, planejou sequestrar a criança que seria adotada, como uma
infantil vingança — anunciou — Mas, gananciosa, viu a possibilidade de sequestrar a ex
noiva do seu amante! Uma tragédia, no entanto, acontece. Neste seu surto psicótico, você
não só sequestrou a Kayla, mas também sua irmã e a criança. Desesperada, acabou por
matar a criança, a garota e a irmã dela... E num momento de lucidez, em meio a um enorme
sentimento de culpa… Você se suicidou!
Escutei o som de horror da mulher e com dificuldade, também tive que me conter para não
reagir à barbaridade que escutei. Meus olhos se encheram de lágrimas e sinceramente, não
sabia o que era pior, a ordem dele ou seu tom de voz casual e indiferente.
— Cal, venha aqui — disse Sebastian ignorando o choro de Mcgregor — Logo essas garotas
acordarão. Tenho comigo sedativos, durarão em torno de três a quatro horas. Espero que
consigam fazer seu trabalho corretamente desta vez.
— O senhor está falando no plural… — comentou Cal, inseguro, como se estivesse se dando
conta.
Escutei um som de passos se aproximando, minha respiração oscilou e tive medo de que
aquele homem cruel soubesse que, de fato, não estava apagada. Então, sem o menor
cuidado, o senti enfiando uma agulha em minha pele e o calmante era surpreendentemente
rápido, mas não antes de poder escutar:
— Ora, ora… um parente distante do Sherlock Holmes… — comentou sarcástico — Você
deverá levar as duas mulheres ao lugar indicado.
(...)
Quando acordei, meu estômago estava doendo e embrulhado. Meus olhos estavam
embaçados, a respiração pesada e o meu corpo não estava obedecendo ao meu comando.
Demorei um momento para recordar o que havia acontecido, minha mente e raciocínio não
estavam ao meu favor.
O que houve?
Letárgica, sentia que poderia voltar a dormir, mas, ao lembrar de Sebastian e a dor em meu
traseiro onde teve a aplicação do sedativo, o culpei e temi saber onde estava. Levantei o
rosto e senti a parede fria em minhas costas, apoiei a cabeça nela para conseguir me mover
com aquele suporte. Tentei mover os braços e precisei de muito mais força que o normal,
tudo parecia estar em câmera lenta.
Onde estou?
Meus olhos começaram a se habituar ao ambiente e ter mais foco, estava um pouco mais
lúcida, o suficiente para me sentir em um cenário esquecido de mil e uma noites. Tecidos
presos ao teto pareciam decorar o local pouco iluminado, meu coração bateu mais agitado e
afastando ainda mais a letargia.
Ofegante, observei com custo, a base de alguns vitrais, responsáveis pela pouca e única
iluminação. O quarto, se é que poderia chamá-lo assim, parecia ser grande e estava
abandonado por muito tempo, visto que o ar estava denso e o cheiro predominante era de
"coisa velha". Senti-me deixada à própria sorte.
Então, lembrei de Harley, que também foi carregada pelo homem.
Meu Deus, onde está a minha irmã?! Pensei desesperada virando minha cabeça
abruptamente para os lados.
— Harley? Harley? Está aqui?! — murmurei.
Consegui ver, não tão distante assim de mim, no centro do cômodo, alguns pilares. Estreitei
os olhos para tentar definir o que tinha ali, entretanto, escutei um farfalhar à minha
direita… Devido à falta de resposta quando chamei minha irmã, pensei estar sozinha, mas
não estava, por um momento pensei que pudesse ser ela… Mas a pergunta que ficava no ar
era: E se não fosse?
Meu coração disparou ainda mais forte, não obstante, escutei um gemido abafado que fez
os pelos da minha nuca arrepiarem. De imediato, meu corpo e a minha alma, saíram em
desacordo, quando tentei me afastar e apenas consegui me arrastar pelo chão. Na direção
que vinha o som de gemido, vi um tipo de silhueta.
Amedrontada, não queria olhar em direção ao gemido, mas ele era insistente e, conforme
foi perdendo o seu quê de terror, pareceu mais com o de uma pessoa… Alguém que talvez
precisasse de ajuda. Eu não deveria ser curiosa, afinal, em situações similares em filmes de
terror, a curiosidade “matou o gato”.
No entanto, parecia que o gato da vez era eu. De engatinhas, virei em sua direção
totalmente, engatinhando em direção à silhueta. No chão havia muito pó e conforme
engatinhava, o pó parecia subir ao ponto de incomodar meu nariz e olhos. A cada
movimento meu via-me mais próxima de quem quer que fosse e sentia a tensão se
intensificar ainda mais…
Contudo, mesmo sob a penumbra da pouca iluminação, pude ver quando encostei em
pernas com cordas mantendo-as dobradas. Levantei o olhar e vi o rosto da minha irmã
apavorada com uma mordaça em sua boca. Senti alívio por saber que era ela, mas também
um desespero imensurável para soltá-la o mais rápido possível.
No entanto, minhas mãos tremiam e os dedos pareciam não ter força e coordenação
suficientes para libertá-la. Notei que seus braços estavam para trás e constatei que
também deveria estar amarrada lá. Levantei-me e dei a volta em seu corpo em uma meia
lua para chegar às suas costas e vi um pequeno corpo contra o dela apoiado e
aparentemente, também estava amarrada e apavorada.
Me abaixei mais, aproximei meu rosto do seu e consegui ver seu rosto, meu coração voltou
a ter aquela sensação de alívio e aflição. Era a Ana, e ela estava apavorada, porém, parecia
estar muito fraca.
Eu tinha que soltá-las o mais rápido possível… Agitada, olhei para os lados e não via nada
que pudesse usar. Eu precisava me afastar mais e aparentemente estávamos sozinhas
dentro daquele quarto, então não faria mal se eu me levantasse.
— Preciso achar algo e… Cortar essas malditas cordas — pensei em voz alta com a voz
fraca.
Apoiei a mão no chão para me levantar, mas fui frustrada pelo meu corpo que não me
obedecia. Persistente, insisti e consegui levantar uma perna e usá-la de apoio para
conseguir me erguer e ficar de pé. Com passos arrastados, andei pelo cômodo, em busca de
algo pontiagudo ou cortante. Vamos, Deus, qualquer coisa que corte já é o suficiente, implorei
mentalmente.
Caminhando insegura devido à pouca visibilidade, notei que o ambiente não parecia ter
móveis. Se ao menos tivesse uma mesa, um jarro de água, qualquer coisa que eu pudesse
quebrar e pudesse usar para cortar… Entretanto, antes de encontrar qualquer tipo de mesa,
cheguei ao centro do quarto, onde minha mão encostou no pilar.
Olhei para trás para ver se eu ainda conseguia ver a minha irmã e a Ana e elas não
passavam de um tipo de sombra, uma silhueta fraca. Tirei proveito de que onde me
encontrava era mais iluminado, para ver com mais detalhes tudo ao meu redor. Contornei o
pilar, mas não reparei que havia uma diferença de nível do piso e, antes que me desse
conta do motivo da queda, me vi com a mão doendo devido ao reflexo de me proteger.
— Aí… — gemi e senti um ar gelado percorrer minhas costas. Senti meu corpo todo
petrificar, mas eu precisava ser fria, precisava de controle, não era hora de enlouquecer.
Coloquei minhas duas mãos no chão, me preparando para levantar, quando subitamente
um pensamento me veio à mente… E se tivessem pessoas no corredor ou atrás de alguma
porta?
Eles teriam me escutado…
Eles logo estariam aqui!
Ofegante de nervoso, levantei a minha cabeça e olhei o que tinha diante de mim, mas, ao
fazer isso, dei de cara com um crânio humano! O sangue fugiu da minha face e o meu corpo
todo petrificou por um momento antes de se entregar ao pavor. Em um só impulso, com as
mãos fui para trás ao mesmo tempo que meneei a cabeça em negação. Me arrastei tentando
me afastar a todo custo e cai novamente na diferença do nível do chão, mas sem conseguir
tirar os olhos do esqueleto…
Era como se me hipnotiza-se… Era horripilante e as sombras definiram as curvas dos ossos
enquanto o lugar onde seriam seus orbes, parecia estar me fitando, me prometendo o
mesmo destino.
Meus lábios tremiam, calafrios se espalharam pelo meu corpo e percebi algo ainda mais
perturbador: em meio àqueles ossos, na altura do peito, havia uma faca… Desacreditada e
revoltada com a vida, reclamei:
— Oh, Merda…
A faca poderia ser a salvação de Harley e Ana! Como se para realçar a necessidade, ouvi o
gemido de preocupação das meninas e me forcei a engolir o medo, pois precisava daquela
faca. Reuni uma força que não tinha, para me convencer de que um esqueleto não era
motivo para se apavorar, que deveria ter sim, medo dos vivos.
Prendi a respiração, me forçando a ficar de pé. Caminhei em sua direção, até estar próxima
o suficiente para poder me abaixar e estender a minha mão em direção à faca, mas
involuntariamente, a cada milímetro que minha mão aproximava, sentia a sensação
perturbadora de que o esqueleto tomaria vida e me seguraria.
Tensa, uma vez que segurei o cabo e puxei, fiquei estática por uns três segundos e me senti
uma idiota, pois nada havia acontecido. Senti meu corpo todo relaxar, me virei em direção
às garotas, levantando a faca e a mostrando, como se fosse a chave da salvação, quando a
porta à minha esquerda abriu subitamente.
Meus músculos protestaram frente ao susto e por instinto, e uma coragem que não sabia
possuir, corri para ficar entre as meninas e quem quer que fosse que abriu a porta. Não
consegui de imediato, definir quem estava parado à porta, apenas vi duas silhuetas devido
à luz externa. Eles deram alguns passos à frente, saindo da área iluminada.
— Vocês… — falei empalidecida ao ver Katherine e Harry. A surpresa nem foi pela
Katherine, mas pelo Harry — Por quê?!
— Oh! Querido, ela pegou a faca. Estava demorando tanto para achar… Pensei que não
conseguiria ou que, no mínimo, não teria coragem… — satirizou, encostando-se no homem.
— Não provoque a minha cunhada, Kath — disse ele passando a mão pela cintura de
Katherine, dando uma risada baixa.
— Pensou que não saberia se eu pegaria a faca? Como demônios você sabe…?! —
questionei, confusa e raivosa.
Porém, a minha fala foi interrompida quando ela apontou para o teto, à minha esquerda, vi
o ponto vermelho de uma câmera. Enquanto meu queixo caiu, ela fez um gesto e a luz se
apagou.
Ela estava assistindo tudo?! Que filha da puta! Irritada, dei um passo em sua direção e ela
levantou uma mão.
— Certo, certo… — cantarolou com um sorriso de canto — Agora que foi esclarecido,
Kayla, não vai soltar a sua irmã e futura filha?
— O…quê? — questionei confusa por um momento, mas decidi não pensar muito.
Katherine sempre fazia jogos de palavras, então, apenas me mantive em uma posição de
defesa, olhando firmemente a mulher e o seu amante — Por quê vocês estão aqui? Nos
deixem em paz!
Após um breve momento de silêncio, o olhar vivo e debochado de Katherine ficou tão
gélido como o polo ártico e sua voz pareceu reverberar em minha mente da mesma forma
fria que a de seu pai. Por instinto, dei um passo para trás.
— O que foi? — perguntou num tom similar a um rosnado de um animal antes de atacar,
dando um passo em minha direção — Está louca? Espero que não, pois se estiver, será
completamente inútil para mim… E odeio desperdício de tempo.
Katherine era absurdamente semelhante ao pai, embora Sebastian apenas fosse objetivo
ou não falasse. Devido a isso, não compreendi nada do que ela estava falando, tampouco
onde queria chegar. Mas senti em meus ossos o seu instinto assassino, quando ela eliminou
a distância entre nós e tomou a faca da minha mão numa velocidade extraordinária que
aumentou ainda mais a minha confusão e medo.
Raivosa e incrédula, ela apontou a faca na altura do meu pescoço, encostando a ponta em
minha garganta. Ofeguei e meus olhos se arregalaram com o entendimento que não teria
sequer esperança de defesa contra ela.
— Sei que me odeia, mas elas são inocentes… — falei enquanto sentia uma lágrima quente
rolar pela minha face e lembrava das pessoas que amava.
Harry se aproximou calmamente, com o seu ar relaxado e malandro, enlaçando a mulher
novamente pela cintura e a afastando de mim.
— Querida, ponha-se no lugar dela, nunca imaginaria o porquê estamos aqui. Tampouco ela
faz ideia de onde se meteu, olha o rosto dela. Ela não sabe sobreviver no seu mundo.
A ruiva virou o olhar em direção a ele, refletiu e, por fim, concordou:
— Estamos aqui para salvar você, senhorita jornalista — falou enquanto como um sinal de
boa fé, soltou a faca e a deixou cair no chão — Mas se não quiser acreditar, pode ficar aqui
e descobrir algo pior que a morte.
Eu deveria estar ouvindo coisas, pois o que ela dizia simplesmente não fazia sentido depois
de todo terror e perseguição imposta…
— Você… salvar? — questionei totalmente incrédula — Que tipo de jogo é este?
— Eu falei… — disse Harry achando graça e Katherine fechou a cara.
— Não temos muito tempo, não é um jogo, mas um acordo. Falarei da proposta inicial e de
acordo com a sua resposta, sairemos daqui o mais rápido possível. A proposta é simples,
você se torna a minha aliada, te ajudo a sair daqui em segurança com elas e você ganha a
matéria da sua vida.
— Você está louca? — indaguei sinceramente.
— Devo estar, estou te propondo um acordo quando claramente poderia estar em Paris —
ironizou ela.
Ignorando o que ela disse, tentei assimilar a ideia da proposta.
— O que você ganha com isso?
— Sendo minha aliada, concretizarei meu plano contra meu pai, é claro. Garanto que não
envolve o Alejandro… Bom, não diretamente. Terei você como cúmplice e não poderá me
entregar às autoridades, nem voltar atrás. Parece simples e realmente é. Ah! Só para deixar
claro, se não for com minha ajuda, provavelmente não conseguirá sair daqui com vida.
A forma dela falar me lembrava o Alejandro, mas, ao contrário de todos os motivos para
confiar nele, não tinha sequer um para justificar a estranha sensação de que deveria confiar
nela desta vez.
— Por que está fazendo isso? Indo contra seu pai … — eu precisava daquela resposta para
tomar a minha decisão — Se não fizer entender o sentido disso tudo, não vou concordar
com nada.
— Querendo barganhar? — debochou — Não é tão idiota quanto pensei.
Ela parou por um momento e seu olhar deslizou até o esqueleto no centro do cômodo.
— É uma boa pergunta, senhorita jornalista. Simplificando, aquela é a minha mãe. Ela não
tinha feito nada errado, era uma mulher azarada que foi trazida de outro país para o tráfico
humano. Ia ser vendida, mas se parecia com uma obsessão doentia, vulgo amor, do meu pai.
Ele a tomou para si e trepou com ela todas as vezes que quis até o psicológico dela quebrar.
Eventualmente a engravidou e após me dar à luz, começou a definhar. Cresci aqui, apenas
com a minha mãe. Porém, não queria viver minha vida sob essa prisão, o sentimento de
eliminá-lo crescia em mim a cada dia que compreendia mais o que estava acontecendo e ter
a merecida liberdade do qual fui privada era uma necessidade.
Eu estava chocada demais para falar qualquer coisa, ela falava casualmente algo tão tenso e
pesado, como se não fosse nada demais. Então Katherine se abaixou e pegou a faca, passou
o dedo pela lâmina com uma expressão reflexiva.
— Minha mãe tornou-se inútil para ele e um empecilho, uma corrente com o seu passado
vergonhoso. Frustrado, um dia ele atravessou a porta furioso, a estuprou uma vez mais e
ele bateu tanto nela, que considerei a possibilidade da sua morte. Ele já tinha feito isso
outras vezes, mas nunca tinha sido tão brutal. Em algum momento, lembro que ele se
cansou e foi em busca de bebidas, saindo daqui do quarto e a deixando nua caída no chão.
Naquele dia, pela primeira vez, a vi chorar e eu, que estava exatamente onde você estava
quando acordou, assisti ela pegando a faca que não sei como conseguiu e a enfiando no
próprio peito.
— Aí, meu Deus… — exclamei sem pensar, horrorizada pela criança que ela foi vendo tudo
isso e pelo ato desesperado da mulher.
— Relaxa, o fruto não cai longe do pé — falou ainda com seus olhos sem vida — Não
chorei, até me senti aliviada em não ver mais aquele rosto deprimente me olhando… No
entanto, odiava ser subjugada por aquele homem, a ideia de ter um futuro similar, causava-
me repulsa e ódio. Ele mais parecia um idiota frustrado com mais poder do que merecia,
me irritava estar à mercê dele. Jurei a mim mesma, no dia da morte dela, que não teria o
mesmo fim… Isso é motivo o suficiente para você, jornalista?
CAPÍTULO 28
“ Na teia da viúva negra... ”
O processo seguinte, aconteceu rapidamente, sendo a irmã de Kayla vindo em sua direção
muito apressada, jogando-se no chão ajoelhada, envolvendo as crianças e Kayla em um
abraço apertado. Os prontos socorristas, ao se aproximarem e tirarem todos de cima da
Kayla, a levantaram e a guiaram até a ambulância, não me dando sequer espaço para me
manter próximo a ela.
Não obstante, os policiais me detiveram pelo caminho, para me fazer perguntas. Suspirei
com uma expressão de poucos amigos, respondi às perguntas deles e dei o meu
testemunho. Quando voltei minha atenção para Kayla, ela já estava sentada na ambulância,
sorrindo e passando a mão na cabeça das duas crianças. Embora evitasse olhar para sua
irmã, que estava muito irritada.
Quando, próximo o suficiente, escutei Harley ralhar sobre a irresponsabilidade e loucura da
irmã mais nova.
E eu não poderia falar o contrário.
Os prontos socorristas invadiram o meu campo de visão para perguntar quem eu era,
quando disse quem era e pedi sigilo, me informaram que a Kayla precisaria de pontos em
sua mão e faria alguns exames no hospital, assim como teria que dar o seu depoimento aos
policiais… Concordei com a cabeça, fui ao grupo de policiais e pedi que nos acompanhasse
ao hospital. Entretanto, mal havia terminado a frase quando me foi avisado que não poderia
ir na ambulância e que deveria ir em um carro à parte, pois não havia mais espaço.
Chateado, fui até a Kayla, lhe dei um beijo na testa e ia avisar sobre o que fui informado,
quando senti os olhares penetrantes das duas crianças. Eu ri e me vi compelido a beijar a
testa dos dois também, revelando quem eu era e em seguida abriram largos e bonitos
sorrisos.
— Nos veremos logo… Terei que ir em um carro à parte, mas não demorarei muito para
encontrá-los no hospital.
Me afastei e tendo em vista que não tinha mais opções, fiz o que sabia fazer de melhor. Fui
ao mesmo policial que a pouco colheu o meu testemunho, pedi que fizesse uma cópia e
enviasse em anexo para a advogada da vítima, pois já havia um caso em andamento.
Enquanto caminhava em direção ao meu carro, puxei o telefone e entrei em contato com a
advogada e o delegado.
Ainda estava em chamada, quando cheguei ao meu carro e entrei no mesmo, fui informado
pelo chefe de segurança, que ambos os homens que atirei, estavam vivos e já estavam sob
custódia da polícia. Pude ouvir do delegado:
— Armado, Ward?
— Se você fosse noivo da Kayla, não estaria? — respondi descaradamente.
—... Você está certo, farei vista grossa com o code: Garota problema. — confirmou Ethan.
— Obrigado.
O carro havia virado a esquina, quando vi uma grande movimentação em frente ao hospital,
percebi serem jornalistas tentando entrar ou buscar alguma informação. Uma vez que
viram o meu carro e os meus homens, eles ficaram tentando descobrir quem era. Sai do
carro acompanhado de mais dois homens, mas, como eu estava vestido como eles e usava
máscara, eles ficaram esperando a tal pessoa protegida por seguranças sair.
Naquele instante vi alguma vantagem em usar máscaras e talvez passasse a fazer uso delas
com mais frequência. Entrei no hospital, fiz todo o processo burocrático e quando iria
procurar a Kayla, vi meu tio vindo pelo corredor. A primeiro momento, ele não me
reconheceu, mas assim que parei diante dele, me fiz ser reconhecido.
— Sobrinho? — murmurou ele perto de mim.
— Tio, imagino que veio atrás da Harley. Onde ela está com as crianças e a Kayla? — fui
direto ao ponto.
Ele me fitou e confirmou com a cabeça.
— As crianças estão sendo acompanhadas por enfermeiras — informou — O menino,
Tristan, não se separa de Ana, que está fazendo vários exames. Harley está no raio-x com a
Kayla, logo ela deve ir receber os pontos e com certeza irá atrás das crianças. Venha
comigo, embora não vá me aproximar, Harley está furiosa comigo.
Explicou Henry ao mesmo tempo que já me guiava.
— Tio, o que você fez?
Andamos alguns passos pelo corredor, em um completo silêncio, quando enfim, ele parou,
olhou para os lados para ver se estávamos ou não, sozinhos.
— Não é o que eu fiz… É o que não fiz — admitiu ele, cabisbaixo — Há alguns meses,
Harley dizia que eu não deveria confiar no Sebastian e que ele era sinistro… Mas ele era
meu amigo e esteve comigo na época mais difícil, me ajudou quando pensei que morreria
sozinho… Ele é estranho, mas teve uma vida difícil… De toda forma, agora ela me culpa e diz
que a irmã dela quase morreu e a culpa é minha.
— Realmente, tio, falta de aviso não foi... — falei impiedoso — Mas até então eu não tinha
me metido no assunto, então parte da culpa também recai sobre mim.
— Sim, por isso vim apenas para saber como estavam e já vou. Tenho que cuidar do
orfanato, reparar o mal de alguma forma… Uma equipe já está lá, todas as freiras foram
detidas, as crianças estão sob a tutela do governo. E infelizmente, muitas delas serão
separadas — anunciou, culpado.
Meu olhar foi para o vazio, pouco ao lado da cabeça do meu tio. Lembrei das crianças, das
vezes em que as visitei e da forma como sempre me receberam com amor. Seus sorrisos e
as formas assustadas que os jovens me olharam quando os pressionei… Naquele momento,
tive uma ideia.
— Podemos custear os educadores realmente capazes e uma vigilância com segurança para
garantir que nada volte a acontecer, inclusive mesmo com o apoio do governo. A família
poderia ficar responsável, conseguir suporte de apoiadores e patrocinadores…
— Sim… Os jovens adultos teriam seu ensino superior como um investimento para
futuramente trabalhar para nossa empresa ou em um dos patrocinadores… — completou
ele a minha linha de raciocínio.
Mas não tenho tempo para isso, pensei. E então, meu olhar focou em meu tio e sorri.
— Tio, está muito enferrujado para trabalhar comigo?
O homem me olhou e sorriu com seus olhos brilhando.
— Não, garoto. Não estou velho demais!
Quando enfim chegamos ao corredor do raio-X, ele se separou de mim e saiu apressado.
Harley parecia nervosa, tentando falar com alguém no celular e estava xingando as paredes.
Enquanto Kayla estava sentada em uma cadeira, com o olhar vago para baixo e segurando o
relógio em mãos.
Estava tão focada, que nem sequer percebeu a minha aproximação, nem mesmo quando me
sentei ao seu lado. Harley também não viu a minha chegada. O que está acontecendo com
essas mulheres? Pensei curioso.
Levei minha mão sobre a da Kayla e enfim, ela se sobressaltou e voltou seu olhar assustado
para mim.
— O que houve, pequena? — perguntei calmamente.
— Grandão… O que eu posso fazer? — disse mostrando o relógio com a tela quebrada.
— Como assim?
— Quando nos sequestraram, eu acordei no ombro do capanga… — ela falou afoita, me
agarrando pela roupa — Eu gravei tudo, Alejandro! Tudo! O Sebastian falou, Mcgregor
falou… Eles assumiram tudo que fizeram! Tudo que deu errado nos planos deles… Tudo…
Mas…
Ela desanimou e deixou seus ombros caírem, desiludida de uma forma que sua voz já não
tinha emoções. Pensei que fosse pelo relógio quebrado e então, respondi:
— Mas vai direto para a nuvem…
— Sim, mas… Vale a pena? — murmurou — Enquanto estava tirando o raio-x, comecei a
pensar… Realmente vai ser a solução dos nossos problemas? Valerá mesmo a pena? Mesmo
que falemos apenas do Sebastian e seus capangas… Fiz um acordo com a Katherine, mas a
filha da Mcgregor morreu, o plano já deu errado…
Ela falava as coisas de acordo com a sua cabeça, sem muito nexo. Não entendia o que a
Katherine estava fazendo no meio daquela conversa. Ela estava com seu pai no sequestro?
Sua respiração estava ficando um pouco mais acelerada e ela levou a mão à própria cabeça,
como se isso ajudasse a se controlar e encontrar uma solução para o que quer que fosse.
— Kayla… Não entendo… — comentei confuso.
— Você não entende? — indagou ela levantando o olhar, como se eu não estivesse falando
coisa com coisa — A minha irmã me contou, antes do evento de Natal, a discussão que
escutei dela com alguém no telefone, era com o Henry. Ela já desconfiava do Sebastian e
quando fomos sequestradas, ele estava lá e friamente planejou a minha morte, da minha
irmã, Ana e da Mcgregor, rapidamente.
Senti meu sangue fugir, meu tio tinha falado sobre Sebastian, mas ele sabia do resto? Por
quê não me contou?!
— Kayla, fala com calma. Explica.
— Quando estávamos no túnel, Alejandro! Por Deus!
— Que túnel, Kayla?! — A mulher estava enlouquecendo de vez.
— AH! Isso não importa mais! — exclamou ela, impaciente — O que importa é que eu tenho
a faca, o queijo e o pão na mão enquanto estou com uma corda no pescoço!
Olhei para a mulher à minha frente, querendo saber o que inferno estava passando na
cabeça dela, mas cheguei à conclusão de que era inútil falar com ela. Estava muito agitada,
tremia e estava ofegante, o seu desespero era tão palpável que estava começando a mexer
comigo.
Respirei fundo e contei até cinco.
— Kayla, logo vamos para casa, após você receber os pontos na sua mão. Deixarei todos os
meus seguranças com as crianças. Por agora, se acalme. Assim que você se acalmar, você
me contará detalhadamente tudo que aconteceu, para eu poder entender seu raciocínio.
Então daremos um jeito de prender o Sebastian e ele nunca mais ser um perigo para nós!
— Não! Não podem prender o Sebastian! — ela disse me interrompendo, tão agitada que
me surpreendeu — Fiz um acordo com a Katherine… Sendo que não sei como ele ficará
agora… Mcgregor, em meio ao seu surto, disse que o plano já tinha sido arruinado!
Fiquei em silêncio, ela não estava fazendo sentido. Tentei entender, juro que tentei,
busquei algum sentido, racionalidade… Mas estava recebendo tanta informação picada e
desencontrada que sentia que uma bomba tinha sido jogada no meu colo, e o tal acordo da
Katherine, foi a cereja do bolo.
— O que diabos… ?! — exclamei mandando a minha calma às favas — Porra! Você foi
sequestrada, quase morta, agora está falando várias coisas sem sentido e ainda fala que não
podemos prender o culpado? Que diabos você quer, mulher?!
Kayla se encolheu, Harley também interveio, tentando me acalmar e colocou a mão em
mim.
— Calma, Alejandro — tentou intervir, Harley — Eu posso explicar.
— Calma?! — falei irritado, afastando o seu toque.
O som de saltos altos chamou a minha atenção, por instinto me virei em sua direção e vi o
demônio ruivo. Katherine.
— Oras… Crianças, não sabem que não podem fazer escândalo no hospital? — disse ela
sorrindo e seu olhar encontrou o da Kayla — Não te disse? A melhor escolha é ser egoísta…
Teria sido menos traumático, tadinha...
— Katherine, o que faz aqui? — falei quase rosnando.
Ela fez uma falsa expressão de surpresa e então sorriu, perversa.
— Alejandro? É lindo ver você em sua verdadeira natureza… — disse com diversão — O
homem sempre controlado, em sua versão mais natural e selvagem. Hum… É sexy!
— Pelo jeito, você também resolveu parar de se fazer de burra, responda logo a porra da
minha pergunta! — exigi me levantando e ficando entre a Kayla e ela.
— Pelo nível do seu estresse, acho que ela já te disse, bobinho. Nós temos um acordo.
CAPÍTULO 31
“O lado escuro da lua.”
No dia seguinte, escondido em uma pousada tradicional de velhos conhecidos…
Logo no café da manhã, me senti sendo humilhado por todos os lados, com minha falha e
erro escancarado, para que todos pudessem ver.
Não tinha nenhuma outra notícia, que não fosse a jovem e coitada, jornalista, que estava
sendo notícia nos últimos meses. O seu depoimento público na porta do hospital, com seu
rosto ainda machucado, contando as dificuldades que havia passado e quão perto da morte
esteve.
Com um grau de sensacionalismo, contou como achou estranhas as histórias das crianças
sobre um homem de capa preta, um tal medo descomunal que tinham. Como
inevitavelmente acabou sendo agredida no orfanato pelo seu ex e, posteriormente, quando
voltou por causa das crianças, então acabou sendo sequestrada.
Conforme ela contava, nos momentos mais emocionantes ela olhava diretamente para a
câmera, revelando seus olhos muito marejados, incitando ainda mais a minha fúria, então
joguei a caneca de café longe.
— Nunca imaginei esta resolução do caso, afinal, minha sequestradora, Victoria Mcgregor.
A amante do meu ex-noivo! — disse ela em alto e bom som — Me pergunto se não tivesse
descoberto a traição... Se eu não tivesse dado ouvidos às crianças…
Astuta, pensei extremamente irritado. Ela ficou muito emocionada e agitada, dizendo que
não poderia falar mais nada no momento. Foi protegida por um grande segurança, que não
restavam dúvidas que era o maldito Alejandro. Malditos, os dois. Eu os faria pagar. Os
trancaria em um quarto, sem água ou comida até que um dos dois cometesse canibalismo e
morresse com a culpa do que fez…
No entanto, minha vingança não se resumiria aos dois, afinal não foi apenas Kayla a dar o
seu depoimento à mídia que estava me irritando. A bastarda estava envolta do abraço de
Harry, o mais novo dos Ward. Emocionadíssima, fazendo o seu teatro espalhafatoso ao
contar que encontrou documentos de um prédio em meu escritório que a deixaram
apavorada.
— Então, uma noite, ouvi a conversa dele com alguém… Escutei tudo e eu tentei avisar
Alejandro e a Kayla, mas, devido o fim do meu relacionamento ao fato de ter dado uma
chance ao único homem que sempre cuidou de mim em silêncio, Harry — disse chorosa —
Não tive oportunidade de me aproximar… Então, Kayla foi sequestrada e eu sabia que não
poderia ficar parada, no meio da minha tentativa de salvá-la, fui esfaqueada e nós duas nos
separamos.
Mataria Katherine mais rápido, já que para uma cobra como ela, não poderia dar chance ao
azar. Então, viraria ferro fundido em sua boca e assistiria à sua morte.
Os policiais anunciaram com emergência que finalmente, após muitas explosões e
desabamentos, tinham extinguido o incêndio em minha casa e poderiam averiguar se
encontrariam o meu corpo ou não. Além do estranho incêndio ter começado enquanto as
duas vítimas estavam em perigo. Sendo assim, com aquele álibi eles não tinham como
provar o meu envolvimento com o sequestro.
CAPÍTULO 32
“Um respiro após o caos”
Uma semana se passou desde que fomos para a casa preparada pelo Alejandro,
coberta de câmeras de segurança e vigilância constante.
Era uma casa com câmeras em todos os cantos, mais do que as penitenciárias, as
rondas dos vigilantes eram mais frequentes na mesma proporção. Eu segui o
passo a passo dos planos, aparecendo na rede social, abrindo um canal no
YouTube para falar sobre, dei até mesmo uma exclusiva para Noah e entrevistas
on-line.
Ana e Tristan, ainda estavam no hospital. Por Ana ser criança, eles acharam
melhor mantê-la totalmente sob supervisão e Tristan não quis sair um momento
sequer do lado dela. Considerei pedir a Alejandro adotar o menino, mas se a
ligação destes dois crescesse e eles se apaixonassem, seria um problema. Por isso
pedi que abrisse um orfanato perto de onde iría ficar nossa residência e o
transferissem para lá. Quando fui visitá-los, ficaram tão felizes que sem querer o
acesso da Ana saiu do lugar e a enfermeira ralhou comigo.
Scarlett e Harrison, não demoraram a vir para aquela casa também, como bons
pais de coração, não pouparam esforços para estar conosco, assim como Joel e
Henry. Parecia que aonde um ia todos iam atrás, o que era muito fofo e
engraçado. Talvez devêssemos todos morar em um grande casarão.
Samille me ligou para falar que Richard foi condenado com os agravantes, mas a
interrompi:
— Já não me importo com detalhes… Apenas queria saber se havia chances de ele
sair e se pagaria por tudo que fez. E o dinheiro ganho no caso, decidi que doaria
uma grande porcentagem para o projeto dos Ward de cuidar e investir no
orfanato.
No fundo, só queria justiça, já não me restava ódio como outrora, devido à
traição, pois já não havia qualquer traço de amor. Tinha raiva pelo que fez a
quem eu amava, isso sim. Não me ressenti da Mcgregor, não mais. A justiça foi
feita, ela morreu mergulhada em seu desespero e ele pagaria pela língua e suas
escolhas.
Alejandro estava parecendo mais uma pessoa morta, do que viva. Trabalhando
muito mais intensamente do que antes, às vezes, fazendo chamadas de vídeo
simultâneas em aparelhos diferentes. Ele estava até mesmo sem acordar cedo e
praticar exercício, pois, uma vez que dormia, simplesmente não acordava por
nada neste mundo, antes de no mínimo oito horas de sono.
Mas se querem saber uma curiosidade fofa, aqui vai:
Lembram aquele elástico de cabelo? Aquele que ele roubou de mim, por que
preferia meu cabelo solto e só me devolveria quando eu aceitasse o contrato que
ele me propôs? Ele nunca tirou, nem um dia sequer. Este detalhe saiu até em
algumas revistas de fofocas, com as pessoas se perguntando:
“Por que ele passou a usar um elástico no pulso? Teria algum motivo especial ou
seria uma nova moda?”
Tudo parecia estar indo bem, mesmo sob o fantasma do Sebastian, que sabíamos
que não tardaria a vir nos encontrar, em busca de vingança.
CAPÍTULO 33
“Plano em ação: Não existem planos perfeitos.”
Dias depois, a coletiva de imprensa, onde tudo começou: no “Luxor Hotel”.
Estava me sentindo muito tensa e agitada, já tinha comido todos os petiscos que
me trouxeram e bebi meu champanhe que o Alejandro tinha prometido, os
minutos pareciam estar demorando demais. O colete à prova de balas por baixo
da minha roupa pesava e incomodava.
Ao falar no grandão, ele estava em uma sala ao lado, discutindo com alguns
sócios e me questionei se “aquele sócio” estava presente. Tive vontade de ir
verificar, mas no fim, não o fiz. Esperaria ele retornar e iria perguntar, visto que
no momento já tinha muito o que me preocupar.
Mordi os lábios e suspirei, mas, no fim, queria mesmo era arrancar os meus
cabelos de pura frustração.
Era suposto que Sebastian tomasse proveito daquele evento para me atacar, me
usar contra Alejandro e por fim, ir atrás da Katherine. No entanto, como diabos
ele faria isso? Até então, todo o trabalho sujo havia sido feito por seus capangas.
Nem sequer conseguia supor se surgiria do nada distribuindo tiros - já que não
tinha mais nada a perder - ou se esperaria um momento em que eu estivesse
sozinha. Se me mataria agora, me sequestraria novamente ou esperaria o
momento certo para me envenenar… Talvez explodisse o meu carro na saída.
Isso é! Se ele viria mesmo para este evento.
A única pessoa mais “próxima” dele que poderia me falar, não disse nada
específico. Apenas falou que faria o que ela melhor sabia fazer. O que infernos isso
queria dizer? Não faço a mínima ideia!
Já tinha tomado um chá, mas seguia nervosa, tinha que me acalmar para
encontrar o controle de mim mesma. Dessa vez tudo era pensado e de propósito,
uma armadilha. Não tinha que "me virar" no susto, certo?
Puxei na memória, coisas que aprendi para retomar o controle de mim quando
estava agitada. Sentei-me perto o suficiente da janela para sentir o frescor do
vento gelado contra o meu rosto. Ritmei minha respiração, mas antes mesmo que
eu conseguisse começar a me acalmar, alguém bateu na porta.
Toc… toc…
Meu corpo todo gelou imediatamente. Virei-me em direção à porta e esperei
ouvir a voz de quem quer que fosse do outro lado, mas visto que ninguém disse
nada, me levantei, peguei a minha bolsa e uma vez que a abri, enfiei a mão lá
dentro já pegando a arma que havia escondido dentro dela e a destravando ao
puxar o cão para trás.
Dessa vez as coisas são diferentes, pensei reafirmando para mim mesma.
Toc… Toc…
Novamente esperei escutar alguma voz e daquela vez, ela finalmente veio.
— Boneca, está aí? Me falaram que estaria aqui… Vocês me falaram que ela
estava… — escutei a voz do Noah e enfim, senti que podia voltar a respirar. Fui
uma idiota em achar que Sebastian iria bater na minha porta, assim
simplesmente.
Antes que eu falasse para Noah entrar, fui surpreendida pelos seguranças que
abriram a porta em um rompante, invadindo o quarto com as armas em mãos. No
entanto, eles também foram surpreendidos, ao me ver parada segurando minha
bolsa e olhando para eles totalmente bem.
Eles olharam ao redor, procuraram uma ameaça, mas quando não encontraram
nada, voltaram a sua atenção para mim.
— Senhorita? — perguntou um dos seguranças, confuso.
— Hum… Fiquei esperando quem bateu na porta falar, como não se identificou…
Me perdoem, rapazes.
Eles se entreolharam, então confirmaram com a cabeça e tiraram a mão de suas
armas.
— Se precisar apenas nos chame — disse antes de voltar aos seus postos.
Assim que a porta foi parcialmente fechada, meu olhar recaiu sobre Noah. Senti a
vergonha me tomar, eu que por muito tempo da minha vida, fiz de tudo para me
manter no controle de mim mesma… E agora estava naquele estado.
— Kayla… — Noah disse cauteloso ao se aproximar.
— Estou bem, Evans… — falei, fazendo uma careta para ele. Só quase atirei em
você… Completei em pensamento, me repreendendo.
Ele me fitou sério e demoradamente, depois deu de ombros e ergueu as suas
sobrancelhas.
— Não é o que parece… — comentou ao terminar de se aproximar e colocou a
mão em meu ombro — Por quê ainda está segurando o que quer que seja que
está dentro da sua bolsa?
Desci meu olhar para a bolsa e me dei conta de que ainda segurava firmemente a
arma. Quis provar que estava bem, sob controle e desarmá-la, contudo, para a
minha vergonha e infelicidade, me deu um branco, tentei forçar a memória, mas
não consegui lembrar da instrução de como desarmar a arma…
O meu velho sorriso retomou o seu lugar no meu rosto, com um riso trêmulo
enquanto sentia o sangue fugir do meu rosto. Virei meu olhar para o Noah em um
claro pedido de socorro, quando meus olhos se encheram de lágrimas.
— O que foi…? Ah… Merda! — perguntou preocupado, mas como sempre, astuto
como era, não demorou para ele entender a merda que me meti.
Cuidadosamente, colocou a mão na bolsa e a puxou o suficiente, para olhar
dentro dela e suspirou ao confirmar as suas suspeitas:
— Boneca… Preste muita atenção, respire com calma e me escute. Mantenha
firme o cão no lugar com o polegar. Com o indicador, puxe o gatilho para trás…
Sem soltar o cão… Apenas puxe até sentir um clique… — instruiu ele com calma.
Após engolir em seco e afastar a ponta da arma o máximo possível de nós,
obedeci.
— Sentiu o clique?
Confirmei com a cabeça.
— Então, agora você tira o dedo indicador completamente do gatilho e solta o
cão, exatamente nessa ordem.
O fiz e a arma desarmou.
Meu Deus… Eu prometo, após tudo isso vou fazer academia, treinar artes marciais e
irei fazer aulas de tiro! Pensei freneticamente.
Mas os meus pensamentos foram interrompidos pelo olhar fulminante que meu
chefe estava me dando. Levei meu olhar a ele, em um pedido de desculpas.
— É… Está certo, estou um pouco ansiosa — falei e quase levei um tapa na
orelha. Ele levou a mão ao rosto, perturbado. A represália que ouvi, foi algo que
dispensou explicações em muitos níveis. Tanto que até tinha me esquecido do
grau de nervoso que estava sentindo antes.
— Kayla, e se eu não tivesse servido o exército na minha juventude e não
soubesse desarmar isso? Como você esquece algo assim?!
— Desculpa, você está certo — admiti a derrota, sentindo meus ombros caírem
— Eu errei, desejei ter algo para poder me defender… Fiquei pensando tanto na
coragem que precisava reunir para puxar o gatilho e acabar ferindo, ou matando
alguém, que esqueci como desarmar.
O clima entre nós ficou tenso, ele se calou completamente e, para a minha
surpresa, ele levou a mão até o hematoma que ainda estava visível no meu braço.
— Garota… Eu entendo o que te motivou, por Deus! Acho que todos entenderiam,
mas e se no lugar de ajudar, tivesse eliminado a sua chance de sobrevivência?
O silêncio ficou pesado, mas apesar disso ainda não consegui me arrepender.
— O que veio me falar? — perguntei mudando de assunto descaradamente.
O homem me fitou em silêncio, tentando me ler, mas aparentemente desistiu e
passou a mão em seus cabelos grisalhos.
— Só… vim ver como você estava. Eu estava preocupado… — Noah era um
homem de personalidade singular, mas era um bom chefe e amigo. Ele colocou a
mão sobre o topo da minha cabeça e fez carinho — Você é forte, boneca. Não sei
o que está me escondendo, mas sei que passará por isso de alguma forma.
Tive um pouco de estranheza, mas acabei me sentindo confortada.
— Você não vai mesmo me contar, não é? — tentou ele e meneei a cabeça em
negativa — Bom, não posso forçar, mas ninguém me proibiu de tentar.
— Tentar o que? — questionou uma voz familiar pouco amistosa vindo da porta,
Noah e eu nos viramos e vimos Alejandro. Como sempre, perfeitamente alinhado,
com uma expressão de poucos amigos e com uma mão no bolso, fitando-nos de
cima a baixo — Estou atrapalhando?
Seu ciúmes era disparado, o que me fez subitamente sorrir, já que Noah nunca
seria uma ameaça ao lugar do Alejandro no meu coração.
— Não é nada demais, grandão. O Evans apenas veio ver como eu estava e queria
descobrir o que estava tramando dessa vez — respondi objetivamente.
— Aliás, parabéns, senhor Ward, por se tornar noivo da nossa jornalista favorita,
o senhor é um homem de sorte. Ao menos, boa parte das horas… Menos quando
ela se mete em confusão.
— Evans! — ralhei e ele não podia se importar menos.
— Bom, isso devo concordar — admitiu Alejandro.
Meu olhar incrédulo deslizou entre os dois e se fincou no Alejandro, meu
digníssimo noivo.
— E você vai concordar com ele?! — questionei erguendo uma sobrancelha.
— Verdades não podem ser refutadas… — falou dando de ombros e o canto dos
lábios dele se levantaram lentamente, mostrando seu lado travesso.
Então, como se não fosse nada, ele desencostou da porta, tirou a mão do bolso e a
estendeu para mim.
— Vim chamá-la, pois está na hora de descermos… Vamos, minha problemática.
Iremos anunciar para todo mundo que você é minha.
Senti meu rosto esquentar e meneei a cabeça, sabendo que ele tinha me dobrado,
principalmente ao fitá-lo tão satisfeito ao dizer aquilo.
— Aí… Esses jovens… — suspirou Noah — É tanto mel que a minha diabetes
sobe.
Dei um riso contido, ajeitei a minha bolsa e fui até o Alejandro, pisando no pé do
Noah de propósito pelo caminho.
O processo de segurança foi algo que eu nunca vivi antes, por um momento, me
perguntei se não estava carregando algo de valor para um cofre. Fomos
escoltados pelos seguranças no elevador, que era o que eu esperava, mas ao
chegarmos no térreo, mais seguranças se uniram a nós, quase fazendo impossível
de ver para onde eu estava indo.
Todo aquele cuidado me fez voltar a pensar em Sebastian. Com toda essa proteção,
como ele iria agir? O que está passando na cabeça do Alejandro? Como seriam as
coisas a seguir? Ele decidiu ir contra o plano da Katherine e não me disse?
Não poderia discutir isso com ele, pelo menos não agora e não naquele lugar.
Apenas poderia "ligar o maquinário" da minha cabeça novamente e tentar
encontrar uma lógica para suas ações.
Em todo caso, somente quando chegamos à entrada da sala onde aconteceria a
conferência, os seguranças só me deram uma margem de visão melhor, quando
entraram primeiro e foram tomando seus lugares ao longo do corredor da sala.
Vozes iam chegando aos meus ouvidos em murmúrios e assim que pisei dentro
da sala, passei o meu olhar pelo ambiente. Havia cerca de cinquenta pessoas
sentadas nas cadeiras em frente à plataforma. Entre eles, pude reconhecer
alguns rostos específicos de jornais concorrentes.
No meio do corredor, Noah foi para o seu lugar entre eles e pude perceber que se
sentou ao lado da Sophia que acenou para mim. Meu olhar deslizou em direção
ao lugar que ficaríamos e encontrei Alessandra, a secretária executiva do
Alejandro parada e segurando algumas pastas, ao lado da tribuna.
Seguimos todos os protocolos iniciais, logo que subimos na plataforma. Para
somente então, Alejandro dar um golpe quase mortal em todos os jornalistas ali
presentes, indo sem rodeios ao ponto:
— Visto a necessidade, Kayla e eu organizamos este encontro com vocês, para
anunciar o nosso noivado e tirarmos as dúvidas de vocês, já que ela está envolta
de vários assuntos nos últimos meses e a nossa união daria margem para
comentários capciosos… — ao dizer capcioso, Alejandro olhou tão friamente para
todos que não havia dúvida de que entenderam a mensagem dele de não
passarem da linha.
Em meio a uma pequena agitação das pessoas, Alejandro levantou a mão pedindo
para que se contivessem. Seu olhar se arrastou para mim, suavizando tão
drasticamente que quase parecia mentira.
— Como vocês sabem, conheci essa mulher em um momento não muito
conveniente ou de forma convencional. Em primeiro impulso, fiz o que achei
certo, como antes já me pronunciei — esclareceu — Mas, entre os entrelaços do
destino, acabamos nos encontrando mais vezes… E nos aproximamos.
Ele segurou a minha mão com mais força, entrelaçou nossos dedos e levou a
minha mão à sua boca, onde depositou um beijo cálido, próximo à aliança de
noivado. O que tirou exclamações de surpresa de várias das pessoas presentes,
visto que, de fato, ele não era o tipo de homem conhecido na mídia por ser
romântico.
Os flashes vieram rápidos para pegar a cena inédita e incomodou um pouco meus
olhos.
— Ela estava muito insegura e tentou fugir… Eu que sempre tive outras
prioridades na minha vida, não me comportei diferente…— admitiu — No
entanto, embora negasse o sentimento, inevitavelmente me peguei pensando
nela mais vezes do que era sensato — senti o meu rosto esquentar mais, frente
àquela declaração — Intensificando tudo, frente a todos os perigos e situações
que ela passou, me vi quase perdendo-a sem ter admitido o que sentia… Por isso,
sem pensar duas vezes, a pedi em casamento.
Uma mão se levantou e ele deu a vez de fala:
— Vocês não acreditam estarem sendo impulsivos? — questionou um deles,
fazendo meu olhar percorrer os rostos presentes até encontrar o autor da
pergunta.
— Somente quem vê sua vida passando em um minuto, vê quantas coisas poderia
ter feito, se não fosse o medo — desta vez foi a minha hora de falar, tomando o
meu lugar ao lado do Alejandro frente aos microfones — Todos os dias em que
tive a honra de estar na companhia desse homem incrível, tive provas de que o
Alejandro é um homem excepcional. De caráter, índole e moral impecáveis… Um
homem carinhoso, divertido, charmoso, por vezes, super protetor… Além de
mandão. Ah! Mas essa parte, acredito ser força do hábito, uma vez chefe dando
ordens nas pessoas, sempre um chefe, certo? — falei com humor e pisquei, o que
fez algumas pessoas rirem — Assim como ele disse, negamos nossos sentimentos
até certo ponto, eu cheguei a chamá-lo de ridículo. Mas inabalável, me falou que o
instinto nos dava respostas que a razão jamais entenderia. Assim como ele,
quando olhei a morte nos olhos, mergulhei em dor e arrependimento… Então vi
que a ridícula era eu, por ter perdido a chance de dizer que o amava.
Outra mão se ergueu e dei a voz de fala:
— Que linda relação de vocês! Que bom que não foi o seu fim e um pôde se
declarar ao outro. Entendo completamente o que os fez se apaixonarem, no
entanto, ficarem noivos é um passo e tanto — disse Andrey Harper, minha
principal concorrente — Quero dizer, vocês são desconhecidos, acabaram de se
conhecer… Será que podemos esperar um novo herdeiro dos Ward em breve?
Astuta e tendenciosa, que ela não perderia a oportunidade de fazer aquela
pergunta. Passei o meu olhar pelas pessoas presentes e respondi com calma:
— Todos são desconhecidos, até que você os conheça. Como jornalista, sei disso
melhor que ninguém, não é mesmo? De toda forma, não sabemos quando a vida
pode nos surpreender, então devemos viver o hoje. Por isso, nos casaremos com
a benção de Deus — disse e olhei aos céus — E sobre um bebê, senhorita Harper.
Não, ainda não é a hora de um bebê. Como você mesma disse, é muito cedo.
E assim foi se desenvolvendo as perguntas e respostas, algumas com naturezas
curiosas, outras maliciosas. Nosso olhar seguia atendendo a cada um deles.
Aproveitei para memorizar seus rostos e me certificar de que não havia ninguém
que não deveria estar ali. Estranhamente, todos ali me pareciam familiares, fosse
de uma festa, um evento ou algum trabalho em comum. Cheguei a acreditar que
tudo estava bem, mas aquele pensamento foi precoce demais.
Eu não poderia estar mais enganada…
Um dos jornalistas ergueu a mão e recebeu a sua vez de falar, mas quando se
levantou, apenas ergueu com ele uma arma e antes que alguém pudesse impedir,
começou a disparar contra nós.
O tempo pareceu parar para mim, não tive reação rápida o suficiente para nada
além de sentir o frio causado pelo terror percorrendo meu corpo. O grito das
pessoas chegou aos meus ouvidos, assim como o barulho delas se jogando no
chão e derrubando suas cadeiras. Em simultâneo, o braço forte do Alejandro me
envolveu e ele me derrubou no chão, usando seu próprio corpo para cobrir o
meu.
Mais sons de disparos chegaram aos meus ouvidos, alguns pedaços da tribuna
caíram no chão ao nosso redor, mas eu não consegui ver mais nada, pois
Alejandro se arrastou e contorceu até cobrir completamente o meu corpo com o
seu.
Então um súbito grito masculino tomou toda a sala e os disparos finalmente
cessaram.
CAPÍTULO 34
“Plano em ação²: por milésimos de segundos.”
Me sentia atordoada, pois havia batido a cabeça quando Alejandro havia me
derrubado no chão… No entanto, não era isso que me preocupava. Alejandro
estava pesado sobre mim, ao ponto de começar a me causar uma sensação de
falta de ar. Me perguntei se algo havia acontecido com ele. Preocupada, tentei
chamá-lo, mas minha voz estava fraca frente a todo o barulho ao nosso redor.
Ele não se moveu até que escutamos ao longe, os homens gritando que haviam
acertado o atirador e que ele foi contido. De um momento para o outro, o
Alejandro pareceu retomar à vida, se apoiou nos braços e nas pernas, começou a
se levantar e assim que estava parcialmente de pé, segurou a minha mão e me fez
levantar em um rompante, dando um puxão. Ele passou o olhar sobre meu corpo,
procurando machucados e então virou para procurar uma saída, mas pareceu se
surpreender com algo que viu.
— Alessandra? — chamou ele e vi a mulher se levantando, meio desengonçada
com sangue escorrendo pela testa.
Meu corpo todo tensionou nervosa, conforme meus olhos iam se abrindo em
surpresa. Tentei me aproximar dela, mas ela deu um passo para trás levantando
a mão.
— Estou bem, não se preocupem. Só machuquei o braço quando me joguei no
chão e… — Alessandra levou a mão à cabeça e sentiu o sangue, então sorriu
fazendo careta — Tem isso aqui também... De toda forma, não temos tempo,
sigam-me rápido!
Ela se virou, encaminhando-se em passos rápidos para a parte de trás da
estrutura de fundo que fizeram para a coletiva. Alejandro e eu fomos atrás dela e
alguns seguranças que viram a nossa movimentação, nos seguiram, falando que
fariam a guarda das nossas costas. Ela abriu uma porta, esta que deu a um
corredor mais estreito e não tão elegante...
Mas a surpresa não foi o corredor “secreto” e sim, que enquanto corríamos
apressados pelo corredor, uma das portas a alguns metros de nós foi aberta e de
dentro dela saiu a última pessoa do mundo que eu esperava encontrar. O homem
que estava todo de preto, no prédio do Sebastian e ele não estava sozinho, com
ele, vi uma mulher de corpo pequeno e cabelos bonitos, que reconheci ser a filha
da Mcgregor.
— O que fazem aqui? — no susto, fui a primeira a perguntar, dando voz aos meus
pensamentos — Foram mandados pela Katherine?
O silêncio que ele fez, aumentou mais a tensão e os seguranças que nos seguiram,
se dividiram e alguns tomaram a nossa frente, a garota que estava com ele o
beliscou e somente então, ele respondeu:— Vim garantir a vida de vocês, mas
quem me mandou vir, foi ela aí...
Então ele apontou a Alessandra, esta que bufou e meneou a cabeça.
— É, foi por minha causa… — admitiu a secretária — Ele é meu irmão mais novo,
mas não é hora de muitas explicações... Ele é o meu plano B…
Alessandra estava ligada à máfia?! Alejandro sabia disso? No entanto, não tive
sequer tempo de digerir a informação, quando o irmão dela se aproximou
rapidamente, falando:
— Não temos tempo — alertou o irmão da secretária e em um tom controlado,
ele se voltou para a garota loira e ordenou: — Você ficará com ele, para tratar o
ferimento, e com alguns seguranças enquanto eu subirei no elevador…
Ferimento? De quem? Pensei e ignorei todo o restante da fala dele. Olhei
rapidamente os seguranças, mas nenhum deles parecia ferido. Tampouco fazia
sentido, por isso o meu olhar se virou para Alejandro, este que nem sequer me
dirigiu o olhar. Me soltei da sua mão e fui apressada procurar ferimentos nele,
encontrando sem demora a sua mão esquerda pingando sangue.
— Ah, meu Deus! Alejandro!
Senti o sangue me deixar e corri para ver a ferida. Mesmo o terno sendo escuro, o
brilho vermelho do sangue delatava que o tiro havia acertado o braço dele. Meus
olhos encheram de lágrimas e desesperada, fiz o meu melhor para tirar o blazer,
mesmo com ele reclamando. Iria usar o blazer para tentar estancar o ferimento,
mas o irmão mais novo da Alessandra simplesmente me segurou e me afastou do
Alejandro, me jogando em direção aos seguranças como se eu não pesasse nada.
— Ahhh — exclamei surpresa. — O que você…
— Ouviu o que eu disse? — reclamou ele, mas Alejandro reagiu antes de todos,
até mesmo dos seguranças que estavam confusos, sem saber se afastava o
homem ou não do seu cliente, já que este tinha sido chamado pela sua secretária.
Mesmo estando ferido, Alejandro avançou ferozmente, pegando-o pelas vestes e
o jogando contra a parede próxima, com uma pancada forte. Usando o seu braço
bom, travou o rapaz pressionando o seu pescoço com o seu antebraço.
— Maldito!! — exclamou em um rosnado.
— Não tenho tempo para essa merda… — disse o irmão de Alessandra,
empurrando Alejandro o suficiente para falar — Ele pode ter mais aliados, se
quiser sua boa sorte para jogo, boa sorte. Eu pego as minhas coisas e vou
embora.
Temendo que a situação ficasse pior e os dois homens brigassem, me afastei dos
seguranças e corri para o Alejandro, segurei no braço dele e usei meu peso para
tentar afastá-lo do homem.
— Alejandro, solta ele! De todos os momentos, agora você precisa se controlar!
Vamos acabar logo com isso para conseguirmos nossa paz!
O som de palmas ecoou pelo corredor, o que chamou subitamente a nossa
atenção, fazendo com que nossos olhares procurassem a sua origem. Dessa
maneira, encontramos um homem, um senhor idoso que parecia estar na casa
dos seus setenta anos. Ele andava calmamente e estava sozinho.
— Este é um bom argumento, senhorita… — disse ele com uma aparência gentil e
simpática — Simples e objetivo... Respirem fundo, crianças. O hotel está
fechado… Por isso, se ele estiver aqui, não sairá facilmente. Porém, não é hora de
sentar e relaxar, se quisermos pegar o rato, o queijo precisa ficar exposto…
— Pai?! — exclamaram Alessandra e o rapaz — O que faz aqui?!
E então tudo fez sentido, ele só poderia ser o sócio do Alejandro, o chefe da
organização e o aliado da Katherine. O cerco ao redor do Alejandro sempre
esteve fechado dessa forma? Voltei meu olhar ao meu noivo, ele não parecia
surpreso, mas ele ainda se negava a olhar para mim, porém, visto o descuido do
irmão mais novo da Alessandra, o vi se movimentar rapidamente e antes que eu
me desse conta de como fez isso, ele havia tomado a sua arma e estava
apontando para o mafioso.
— Desgraçado! — vociferou Alejandro — Vocês podem pegar o Sebastian
sozinhos, mas estão fazendo todo esse circo pela vontade da Katherine…
O rapaz de preto não ficou parado e puxou outra arma, apontando para
Alejandro.
— O problema é que mesmo no mundo do crime, existem leis... Estou impedido
de fazer muita coisa, devido a isso. Por isso preciso de vocês — seu olhar fechou
no braço do Alejandro — Mas você... Qual o seu plano? Entendo o seu desejo de
proteger a mulher amada, mas você é um ótimo empresário, você tem talento
para isso. Porém, você entende, que quanto maior a dificuldade que você impõe,
mais drástico será o retorno do seu inimigo? Alejandro, você ainda é humano,
você pode esquecer, mas também está fadado ao erro.
Meu coração afundou no peito, não é que acreditasse que Alejandro fosse
perfeito, mas tudo piorou pelo seu excesso de proteção. Ele iria até o extremo, se
eu não fizesse nada. Engoli em seco, não era hora para orgulho ou medo. E talvez
eu estivesse me acostumando àquele papel na história, mas não mudava o que
precisava ser feito.
— Eu vou! — falei dando um passo à frente, com a imagem do Alejandro sorrindo
e estendendo a mão para mim, reverberando em minha mente.
Fitei o mafioso enquanto tencionava meu maxilar com ódio. Independente se a
organização podia mesmo lidar com o Sebastian ou não, eles não estavam
dispostos a fazer mais do que já fizeram.
— Kayla, eles estão apenas nos usando... — exclamou ele e eu sorri tão triste
quanto alguém poderia sorrir, confirmando que eu sabia disso. Porém, de tanto
observar eles discutindo, eu tive um plano.
Entretanto, por mais cruel que pudesse ser, por mais que me odiasse e a culpa
me consumisse, caminhei até o Alejandro, o abracei, inalei profundamente o
cheiro do seu perfume e sussurrei: — Dividir é conquistar.
Me afastei, toquei seu braço machucado, expressando o quanto aquela ferida doía
em mim e impiedosamente, no momento certo, fechei a mão sobre a ferida e
apertei com toda força que tinha. Ele urrou com muita potência a sua dor,
soltando a arma que tinha roubado. Seu rosto ficou de uma cor vermelha forte,
com todas as veias dilatadas para, no fim, ficar um tom branco pálido. Mordi
meus lábios para conter as minhas emoções, pedindo perdão através do olhar.
— Você quer tanto assim morrer? — questionou ele rouco, revelando a sua
mágoa em seu olhar e indagando, em simultâneo, o porquê havia feito aquilo com
ele.
— Pelo contrário… — respondi com o sorriso polido que ele tanto odiava, tentei
tocar seu rosto, mas ele se afastou do meu toque. Insisti e depositei um beijo no
canto da sua boca — Vendo você tão disposto a passar pelo inferno para me
proteger, me faz ter o mesmo desejo.
Murmurei um "iremos para o inferno juntos" e então, virei para os seguranças.
Respirei fundo, torcendo para que ao menos ele entendesse a ideia do plano e
falei:
— Aproveitem que ele está enfraquecido pela dor e o levem rápido!
O irmão da Alessandra, que estava perto, se abaixou, pegou a arma, travou e
colocou na cintura do Alejandro.
— Escutem, antes de ir, peguem isso — disse o irmão de Alessandra, jogando
uma chave para a loira — Dois dos seguranças vão com ele e a loira. Vocês irão
fazer o percurso do elevador interno. Vão até o meu quarto, é no mesmo andar
dos pombinhos. Lá tem umas três garrafas de Vodka, façam bom uso para aliviar
a dor. Vocês chegarão muito mais rápidos que nós, tomem cuidado. Alessandra,
vamos com ela pelo corredor da frente no elevador principal.
— Certo — respondeu ela, pontualmente passando pelo pai como se ele não
fosse nada.
Eu não sai do lugar de imediato, me vi olhando Alejandro sendo levado,
caminhando no sentido oposto a mim. Se depois de hoje ele quisesse me deixar,
não poderia condená-lo por isso.
— Ele é forte, ficará bem — disse o senhor.
— Não tenho dúvidas, confio nele — respondi seca e voltei a minha atenção para
o que teria que fazer.
Vi Alessandra voltando com a minha bolsa apressadamente, enquanto o irmão
dela, de costas, tirou a jaqueta, revelando um colete e uma camisa social por
baixo. Ele tirou a touca e a máscara e se virou para mim.
— Irei fingir ser um funcionário — me informou e virou para os seguranças
remanescentes — Vocês me seguem.
Alessandra chegou a mim e me entregou a bolsa, como se soubesse o que estava
dentro. Olhei-a inquisitiva e ela deu de ombros, como se fosse óbvio.
— Você segurava a bolsa com muita força, delatou o que tinha dentro dela.
Todos tinham tomado seus lugares, quando ouvi o mafioso me chamar:
— O que quer de presente de casamento?
Que você e o Sebastian explodam? Pensei para comigo e não o respondi.
Quando já estávamos no fim do corredor, abrindo a porta para onde tudo
aconteceu, vi o irmão da Alessandra me lançar um olhar, como se pudesse ler a
minha mente e me retrai Ele voltou a olhar para a frente e começou a falar como
um funcionário faria.
— Senhores, por segurança é melhor que venham por aqui, me sigam, por favor...
Passamos pela sala onde houve a coletiva, ainda havia pessoas por lá, algumas
assustadas, outras recebendo tratamento médico e outras tentando se encontrar
em meio à confusão. Mas não tínhamos tempo a perder, então aceleramos
nossos passos, saímos para o corredor e antes que víssemos, estávamos no
grande hall. Os seguranças contratados pelo Alejandro estavam divididos entre
dar respostas aos policiais, ter que responder outros hóspedes que estavam
agitados e com medo, e por fim, irem atrás de nós, nos procurando.
E, devido ao que o chefe da organização disse, pedi para quem estava ao meu
redor, apressar mais os passos. Afinal, não queria que o Sebastian tivesse mais
motivos para ser drástico. Mas não seria o suficiente e Alessandra percebeu. Ela
tocou sutilmente o meu braço e sussurrou: — Vão, vou ganhar tempo.
Logo ela diminuiu os passos e fingiu desmaiar no meio do salão.
Tomamos proveito da atenção que ela chamou, para podermos chegar rápido aos
elevadores e uma vez que entramos neles, pude respirar um pouco mais
tranquilamente. Me virei e antes das portas se fecharem, vi de relance um pai
com uma filha ao seu lado. Eles estavam inclinados na mesma posição para ver o
que estava acontecendo no novo tumulto.
O elevador começou a subir e o meu olhar involuntariamente correu para o
irmão da Alessandra que já sacava a sua arma e a destravava. Ele parecia ter a
minha idade, mas era muito mais rígido. Tanto ele quanto Alessandra, eram
objetivos e tinham pensamentos rápidos. Assim como a sua forma de se
comunicar também... será que era de família?
Família... Família... A palavra ficou ecoando em minha cabeça, conforme o
elevador subia. Até que tive um estalo e ofeguei, inclinando-me para frente,
nervosa. Me virei para o rapaz, com os olhos já marejados e agarrei o seu colete.
— Katherine, não aprendeu tudo que sabe, tirando tudo da própria cabeça! —
falei totalmente pálida.
— O quê? — questionou ele, confuso.
— A Katherine passou anos observando o pai, tentando aprender tudo que
pôde... Involuntariamente, ela replicará as ações e planos de ações dele —
lágrimas começaram a correr pelo meu rosto — Na antiga base do pai dela, qual
foi o primeiro passo que ela deu?
O homem, subitamente, pareceu ter entendido e ficou tão branco quanto eu. Os
seguranças ao redor, não entenderam e me pediram para esclarecer.
— O primeiro lugar que ela foi e que me mandou ir, foi a sala de câmeras — falei
com a voz embargada — Sebastian sabe que eu não sou mais o ponto mais
vulnerável... É o Alejandro! Ele está ou estava na sala de câmeras!
— Merda! — exclamaram eles se virando e automaticamente, começaram a bater
na porta do elevador e apertar os botões.
Por azar do destino, o elevador parou um andar abaixo e desesperados, todos nós
tentamos sair ao mesmo tempo, fazendo com que trombássemos fortemente um
no outro. Como eu era relativamente menor que eles, consegui escapar do
tumulto de corpos primeiro e sai correndo para as escadas. Os saltos
incomodavam meus pés e por isso, na volta da escada, apenas parei tempo o
suficiente para passar o dedo no calcanhar e os tirar. O rapaz, treinado,
conseguiu passar correndo por mim e não muito tempo depois, ouvi sons de
tiros.
Meus passos dobraram de velocidade, visto o desespero e ao chegar no corredor
de cima, corri com tanta pressa, que mal sentia mais o peso do meu próprio
corpo e tampouco sabia como iria parar de correr. Mais à frente, no fim do
corredor, vi o irmão da secretária mirando em uma porta, disparando nela e
entrando em seguida.
Tentei parar antes de chegar à porta, mas não consegui e acabei tropeçando em
meus próprios pés. Cai derrapando, passando direto pela porta onde era possível
ouvir a luta entre os homens. Dolorida, tentei me levantar e procurei
automaticamente a minha bolsa, mas ela tinha escapado das minhas mãos ao
longo da queda e por coincidência, tinha parado muito perto da porta.
Toda ralada e dolorida, engatinhei o mais rápido que pude até a bolsa e vi os
demais seguranças vindo pelo corredor, quase chegando a mim. Gesticulei que o
menino tinha entrado e eles confirmaram com a cabeça, com suas armas em
mãos, eles espiaram o que estava acontecendo e entraram no quarto. Sons de
mais alguns disparos ecoaram e eu não tinha ouvido até então o som da voz do
Alejandro.
Merda! O meu plano era ir para o meu quarto, ser pega pelo Sebastian e então o
Alejandro, com os seguranças que já estavam no corredor, apareceriam pelas
costas. Era para ser tão mais fácil, então por quê?! Deus! Pensei revoltada e com o
coração apertado. Trêmula, segurei a arma e a destravei.
Abaixada e ofegante, me aproximei o suficiente para tentar ver como as coisas
estavam lá dentro. Vi, logo de cara, o pé de um homem que estava provavelmente
morto. Os tiros tinham cessado um pouco e aproveitei aquela chance para chegar
mais perto. Vi o irmão da Alessandra gritar para se renderem de uma vez e então
um longo silêncio se estendeu.
Para surpresa de todos, a filha da Mcgregor falou:
— Sã-são vocês...? Por quê estão aqui e atirando em nós? O que está
acontecendo?!
Era isso que eu queria perguntar quando comecei a me levantar, mas senti uma
mão forte vindo das minhas costas, me agarrando o braço brutalmente e me
fazendo levantar de uma só vez como se eu fosse uma boneca. Eu não posso
acreditar nisso... Pensei amargurada.
Não demorou para que o toque metálico de uma arma fosse apoiado em minha
têmpora e ele me empurrasse para frente enquanto me mandava abaixar a arma.
— Parece que vocês tentaram fazer uma armadilha para mim... — disse
Sebastian, irônico — Para o azar de vocês, soube pelo rapaz da sala de câmeras
que se separaram após encontrar o Thomas... Realmente foram inteligentes,
fizeram aliança com o meu chefe. Porém, decidi esperar e ver o que fariam.
Ele fez uma pausa e, segundo a reação das pessoas à minha frente, soube que ele
tinha fitado cada um deles.
— Foi divertido ver vocês se matarem, antes que eu nem sequer fizesse algo.
— Solte a Kayla — disse Alejandro saindo de trás da parede que o protegia,
colocando a arma que tinha no chão e a chutando para longe dele. Então veio
mais para frente, até ficar frente a frente conosco.
— Alejandro! Não! — gritei, tentando me desfazer da pegada do Sebastian, mas
sem sucesso.
— Garoto, sabe qual é o destino dos heróis? A morte — escutei seu riso baixo e
Sebastian encostou a arma com mais força na minha cabeça — E se esta é a sua
vontade, pode morrer pelas mãos da mulher que ama. Você, garota, erga a sua
arma!
Relutei, mas ele apertou com mais força o meu braço e levou a ponta da arma até
minha bochecha.
— Vamos, levante as suas mãos, aponte a arma para ele e atire.
Meu corpo todo estava tenso, o pânico começou a se alastrar em mim. Eu tinha
que ganhar tempo, não podia atirar no Alejandro. Meu corpo todo começou a
tremer incontrolavelmente.
— Kayla … — chamou Alejandro e ergui o olhar, com os olhos já marejados —
Vamos para o inferno juntos, pequena?
Alejandro repetiu o que eu tinha falado a ele? Isso significava que ele tinha um
plano e estava me dizendo para atirar nele? Isso me deu esperança, mas também
me deixou ainda mais sobrecarregada, não podia fazer isso.
— Se você não atirar, estouro seus miolos! — anunciou Sebastian, colando seus
lábios na minha orelha, fazendo-me estremecer de todo asco e medo — E se você
não acredita, posso te dar uma prova… Como, por exemplo, atirando nos
figurantes!
O homem apenas tirou a arma da minha bochecha, mirou nos seguranças e como
em uma barraca de tiro ao alvo, puxou o gatinho. Atirando rapidamente na
cabeça de um e depois se voltando para o outro, me usando de escudo quando o
homem apontou sua arma para nós.
— Olha, vai matar ela… — disse divertido e psicótico.
O homem se retraiu por meio segundo e Sebastian tirou proveito, rindo e atirou
no homem. Realmente, não havia escrúpulos no homem que me segurava, mas eu
soube que ainda havia lucidez e que não estava louco, quando mirou no filho do
chefe da organização, este que sim atirou em nossa direção, mas para minha
surpresa, pegou de raspão apenas.
Pegou no meu braço que Sebastian segurava e acertou o braço do próprio
também. Ele ofegou de dor brevemente, se retraindo um pouco. A sensação de
ardor em meu braço, não foi tão dolorosa quanto pensei que seria ou quanto o
susto que tomei, pensando que morreria.
— Solte a garota! — exclamou ele.
Mas Sebastian não respondeu com palavras, apenas começou a disparar diversos
tiros no rapaz, este que se jogou no chão, procurando um lugar para se proteger e
foi para trás de um móvel. Sebastian me puxou para trás, para ficar com a parede
do pequeno hall de entrada do quarto como proteção.
— Você, te manterei vivo para poder te matar diante do seu pai… Não se
preocupe — anunciou Sebastian.
Olhando para o Alejandro, vi ele olhar um pouco atrás do Sebastian e então, ele
moveu a mão disfarçadamente, apontando para o chão. Segui o seu olhar e vi o pé
de Sebastian, apoiado um pouco ao lado do meu. Entendendo finalmente o plano,
movi meus lábios, fazendo uma contagem regressiva de três, dois, um e puxei o
cão da arma e o gatilho em sequência, atirando em seu pé. Involuntariamente,
Sebastian me empurrou para frente e eu caí de cara no chão.
Assim tudo se desenvolveu mais rápido do que eu pude acompanhar com os
olhos. Alejandro gritou me mandando rolar para o lado e eu obedeci, mas por
pouco Sebastian quase acertou um tiro em mim, acertando o chão exatamente
onde eu estava. O irmão da Alessandra, saiu de onde estava com o outro
segurança que eu havia esquecido de estar ali, ambos vieram desferindo tiros no
peito do Sebastian, o que o fez ir para trás soltando a arma e tomando os
impactos dos disparos.
Eu levei a mão aos ouvidos, me encolhendo no chão, tentando sair do caminho,
quando vi Alejandro se abaixando e pegando a arma que tinha chutado no chão,
da posição que ele estava mesmo e disparando em seguida.
Involuntariamente, voltei meu olhar ao Sebastian. O tiro acertou o seu ombro, na
altura da clavícula. Ele cambaleou com o pé e o ombro ferido para fora do
quarto, ainda que bravamente, estivesse se sustentando de pé. Ele cuspiu sangue
e os homens pararam de atirar. No entanto, toda a cena surreal não tinha
acabado, pois, para a minha surpresa, vi de relance uma mão feminina segurando
algo preto, que posteriormente reconheci como uma arma de choque. Em um
movimento rápido, a pressionou contra a lateral do corpo de Sebastian.
O homem ficou com o corpo todo tenso por alguns segundos e então caiu no
chão.
Katherine se revelou, dando um passo à frente, se agachando ao lado do pai e
balançando o apetrecho de choque com o seu humor malicioso natural.
— Olá, papai… — cantarolou Katherine, abrindo a roupa do pai com cuidado e
revelando o colete — Sabia que não morreria fácil, mas te prometi um destino
pior que a morte… Vim cumprir a minha promessa.
Ele abriu muito os olhos, encarando-a ainda paralisado, pelo choque que levou. E
escutei as ordens da Katherine, para alguém que estava com ela:
— Amarrem-no como um porco e façam um curativo nele… Não queremos que
ele sangre até a morte. — como se parecesse lembrar que nós estávamos lá, o
olhar dela se voltou para dentro do quarto — Oh! Olá, pessoal! Nossa, vocês estão
um lixo…
— Vai para o inferno, Katherine! — por coincidência falamos juntos, Alejandro,
eu e o irmão da Alessandra.
Ela fez um breve silêncio, nos fitando enquanto, ao fundo, alguns homens
estavam amarrando Sebastian.
— Parece que viraram amigos — comentou mais para si mesma do que para nós.
Ela se levantou, com uma expressão de pouco caso, após dar de ombros. Olhou
adiante e parecia que alguém havia chegado, então sorriu.
Voltei meu olhar ao Alejandro, preocupada se ele estava bem. Virei minha cabeça
em sua direção, vi estar a poucos metros de mim e ameacei ir até ele, mas me
retrai, lembrando do olhar de traição e mágoa que ele me fitou quando apertei
seu braço machucado. Eu não tinha o direito, tinha? Questionei. Afinal, eu fiz
aquilo sabendo que poderia perdê-lo. Contudo, sem se importar menos, ele foi
rápido e veio até mim, envolvendo-me em um abraço apertado com seu braço
bom.
Por um momento, meu corpo todo ficou tenso e não me movi. Ele me abraçou
mais apertado, pressionando meu rosto contra o seu peito e seu queixo sobre a
minha cabeça. O som forte do bater do seu coração contra a minha orelha, em
conjunto com o seu cheiro tão familiar e confortável fizeram com que as lágrimas
corressem soltas pelo meu rosto.
— Me perdoe… — falei em um fio de voz — Eu entenderei se não me quiser mais,
mas, ao menos, por favor, me dê o seu perdão… Mesmo que eu não mereça.
Ele não me respondeu, apenas se afastou o suficiente para olhar em meu rosto e
tocá-lo gentilmente com as pontas dos dedos.
— Você, como sempre, brincando com o meu coração… Como você disse, minha
pequena problemática, eu estava disposto a ir ao inferno por você e você provou
que estaria disposta ao mesmo... O que importa agora é que tudo acabou... Certo?
— Tudo acabou… — falei enfim, me dando conta. E um sorriso foi nascendo em
meus lábios trêmulos pela emoção — É, é mesmo… Tudo acabou, não é?
— Sim, pequena. Acabou…
EPÍLOGO
“Do anoitecer até o amanhecer, só saberei amar você!”
A três meses atrás…
— Você como sempre, brincando com o meu coração… Como você disse, minha
pequena problemática, eu estava disposto a ir ao inferno por você e você provou
que estaria disposta ao mesmo por mim... O que importa agora é que tudo acabou...
Certo?
— Tudo acabou… — falei enfim, me dando conta. E um sorriso foi nascendo em
meus lábios trêmulos pela emoção — É, é mesmo… Tudo acabou, não é?
— Sim, pequena. Acabou…
— Será que acabou? — A voz feminina e endiabrada da Katherine se sobrepôs ao
nosso momento, o interrompendo — Eu deveria matar todos vocês e fazer queima
de arquivo?
Voltei a minha cabeça para ela e a mesma estava com um sorriso em seus lábios,
segurando a minha arma e a engatilhado. Alejandro não pensou, apenas virou
nossos corpos, fazendo-se de escudo humano. Eu gritei, me debati assustada,
pensando que ele iria morrer. Fiquei revoltada por pensar que após tudo aquilo, as
coisas terminaria assim… Nós dois lutando pela vida para morrer na praia.
Gritei a plenos pulmões um forte "Não!", mas, mesmo assim, ele não se movia, até
que ouvi o som do disparo…
Paralisada, vi Alejandro fechando os olhos com força, então chorei pensando que o
perderia, levando minha mão ao seu rosto. Porém, naquele instante ele abriu os
olhos, mostrando-se surpreso e confuso, me deixando em seguida, de igual
maneira.
— Kayla, caso você se meta em um momento assim, não se distraia, não entre no
seu mundo e deixe sua arma caída no chão… O mundo é muito traiçoeiro para
confiar em alguém. Eles estavam certos em não confiar em mim. Mesmo após eu
pegar meu pai, você deveria continuar em alerta até que todos nós fôssemos
embora… — O tom de voz da Katherine era mais sério e livre de todo o deboche que
geralmente ela empregava — Um dia, você chegou à conclusão que eu sentia
simpatia por você e estava certa. Somos tão opostas que chega a ser ridículo, nunca
se esqueça, não sou sua amiga, jamais serei… Mas foi bom ter feito negócios com
você.
Antes que o Alejandro saísse de cima de mim e eu pudesse olhar para Katherine,
ouvi o som da arma sendo posta no chão. Eu não tive oportunidade de responder,
pois ela foi embora levando consigo, Sebastian, a filha da Mcgregor e o irmão da
Alessandra.
Passaram-se mais alguns segundos e o Alejandro ainda não havia saído de cima de
mim. Então o chamei:
— Alejandro? Você está bem? Já pode sair de cima de mim…
— O meu braço não me permite me mover… Além disso, estou sentindo tontura… —
E então ele desmaiou sobre mim, se não fosse Alessandra chegando com mais
seguranças e logo depois a polícia, talvez Alessandro, com seu peso mais o colete,
teria me deixado asfixiada.
De volta ao casamento…
Ainda não estávamos cem por cento, depois de tantos problemas e ferimentos.
Ainda havia alguns hematomas, cicatrizes, mas o que ainda seguia forte era nosso
amor e dedicação um ao outro, além dos nossos propósitos. Agora ajudamos
todas aquelas crianças, tínhamos nossa casa em Londres e na Espanha, tínhamos
nossa filha e um bebê a caminho, o que mais eu poderia desejar? Pensei, mas tive
um estalo de memória.
Ah! Sim, tem mais uma coisa, sim!
Assim que finalmente segurei a sua mão para a cerimônia começar, tentei me
lembrar, onde havia guardado aquilo. O padre falava e eu tentava recordar,
minutos se passaram comigo fazendo as coisas no automático enquanto
mantinha o sorriso. Então chegou o momento dos votos e finalmente lembrei
onde eu havia colocado, ou melhor, com quem eu havia confiado.
— A noiva, por favor, os seus votos… — disse o padre.
— Um momento… — falei e me virei aos convidados. Meu olhar passou por
todos, a Michelly, minha psicóloga, Noah, o meu chefe, Sophia e por fim, cheguei à
Samille — Samille, me traga aquilo.
Samille se levantou e veio em minha direção com uma pasta em mãos e me
entregou.
— Agora sim. Nestes votos, falarei toda verdade não dita, o obscuro segredo
entre mim e Alejandro. Éramos desconhecidos quando não nos apaixonamos de
primeira, mas tivemos uma conexão. Na segunda, também não posso chamar de
amor, o nome daquilo era Te… Perdão, padre. Na terceira vez, foi algo
turbulento, complicado… E foi feito uma proposta de casamento por contrato,
que eu não aceitei, é claro. Ainda era um desconhecido… Não, um quase
conhecido? Talvez… Bom, isso foi naquele momento ao menos, mas depois sim,
aceitei um contrato que nunca sequer cheguei a assinar. Por acaso, enquanto
arranjávamos toda organização do casamento, decidi fazer o tal contato.
Abri a pasta que Samille me deu e comecei a ler o contrato:
— O senhor Alejandro Kaleo Ward, terá como dever proteger a senhora Kayla
Ward todas as vezes em que ela estiver prestes a desabar. Incluindo em sacadas,
quando ela estiver bêbada, recitando Romeu e Julieta. Também deverá ser
persistente e lembrar à sua senhora o porquê ela deve ser uma Ward e o porquê
os Ward não são conhecidos pelo divórcio. Deverá ouvir atentamente a sua
esposa, embarcar nas suas loucuras e tentar ser a razão em meio a toda sua
bagunça (...) A senhora Kayla Ward deverá tolerar a extrema confiança do marido
em horas impróprias, entender que não se vive um CEO de sucesso, sem
trabalhar como um cão. Mas também, trazê-lo ao pé no chão sempre que
necessário, pois ele não é insubstituível. Ademais, em questão de tolerância, ao
seu alto nível de sinceridade brutal e direta, deverá ter momentos em que terá
que contar até mil para conseguir lidar (...) Dormir em sofás estará proibido,
então ambos terão que resolver suas diferenças antes de se deitar…
Parei para retomar o ar, mas subitamente a pasta foi tirada da minha mão e o vi
sorrindo, virando a pasta com o contrato para si. Além disto, vi Alessandra se
aproximando rapidamente, jogando uma caneta nos braços dele e voltando para
o seu lugar.
— Ei... Não quer terminar de ler? — indaguei com humor — Tem certeza de que
já quer assinar? Olha, eu posso ter colocado algumas coisas em letras miúdas…
— Este contrato está perfeito… sobre as possíveis letras miúdas, acredito que
sejam exigências que valerão a pena… — respondeu ele abrindo um sorriso.
— Será? — indaguei misteriosa — Leia a última parte.
Ele estreitou os olhos e eu revirei os meus.
— Estou dizendo, depois será tarde para voltar atrás.
Ele levantou a pasta e começou a ler:
— Por último e não menos importante, o senhor e senhora Ward, deverão ser
bons pais, para a menina Ana Ward que foi adotada e para o bebê… — naquele
momento ele se calou, ficando sem reação, me olhou e então voltou o olhar ao
papel e terminou a leitura: — O bebê que faz morada atualmente no ventre da
senhora Kayla Ward.
Alejandro mordeu os lábios e vi seus olhos marejarem, ele soltou o contrato, este
que caiu no chão, se aproximou de mim em um rompante e me beijou como
nunca.
E se o padre tivesse algo mais para falar, acredito que seria: "Eu os declaro
marido e mulher.”
BÔNUS
“Apenas um a irmã mais velha...”
O que a Katherine estava fazendo, indo a hospitais de fertilização?
Ela soube por um de seus amantes que uma das mulheres de Thomas, o chefe da
organização, estava tentando engravidar, já que corriam rumores de que a filha
mais velha dele lhe virou as costas quando jovem e ele nunca superou isso. (Aliás,
foi com base nesta “carência” que ela conquistou a confiança do chefe da
organização, se tornando a sua filha adotiva).
•••
Henry ia morrer. O órgão que ele recebeu foi do tráfico humano que o Sebastian
conseguiu, mas obviamente Henry nunca soube disso.
•••
O elástico que Alejandro roubou da Kayla, virou um acessório que ele, desde
então, não tirou mais do braço.
•••
Ethan, na juventude, teve sim uma paixonite pela jovem Kayla e a observou
em segredo por muito tempo e quando ela precisou de trabalho, ele viu
oportunidade de se aproximar mais, mas esta também foi sua primeira desilusão
amorosa, pois ela nem sequer tinha olhos para ele.
•••
Com o que o Alejandro estava sonhando no capítulo 21?
Era um fim de tarde e ele se viu procurando-a desesperadamente. Até que ela
apareceu diante de si, estava machucada e chorosa. Seu coração perdeu o
compasso ao vê-la daquela forma, ao mesmo tempo que era um alívio encontrá-
la viva… O terror se instalava em suas veias, pois como era fim do dia, o sol
revelou uma sombra que não deveria existir na altura dos muros ao redor. Viu
um arqueiro, mirando-a com seu arco e flecha. Não havia tempo para sequer
ordená-la se esconder, sendo assim, sem pensar muito mais, apenas fez o seu
cavalo correr em sua direção e me jogou sobre ela, cobrindo-a com seu corpo.
Não se importava em morrer, desde que ela ficasse bem.
Ela era o amor de sua vida…
E então, quando Alejandro acordou e viu seu rosto são e salvo, sem pensar a
beijou aliviado, mas ainda estava sonolento. Somente acordou quando ela se
aproximou e o beijou.
(Recordação da vida passada de Vendida ao Sultão.)
•••
O fato da Kayla ainda estar com o seu relógio no capítulo 27, não foi um
deslize ou por acaso. No dia em que Mcgregor foi pedir ajuda em nome do
Richard (Extra 2), Katherine fez uma contra proposta:
— Você poderá se ver livre das minhas ameaças, das do meu pai e irá viver sua
vida pacata com a sua filha em qualquer buraco que quiser no mundo, desde que
se alie a mim — disse Katherine.
— Você está me pedindo para me aliar a você? — questionou surpreendida,
Mcgregor.
— Você é surda? O mundo é feito de variáveis, ou você lida com elas, ou elas te
destruirão — disse dando de ombros — Não importa o percurso, desde que eu
chegue ao meu objetivo, Mcgregor.
— O que devo fazer?
— Primeiro, você deverá servir o meu pai por mais um tempo, seguir suas
instruções, acatar suas ordens. Virar as costas ao Richard e esperar o momento
certo.
Dias se passaram e na chegada do Natal, a notícia de Kayla e Alejandro no
orfanato, serviu a Katherine como uma luva para pôr todo o seu plano novo em
prática. Kayla ligou para Harry e não muito depois para Mcgregor.
— Chegou o momento de você sumir, peça a ajuda do meu pai, visto essa época
do ano, ele te colocará naquele orfanato amaldiçoado e conhecendo a Kayla, ela
pegará alguma coisa no ar e não largará o osso.
— Você confia muito nessa garota… — comentou Mcgregor do outro lado da
linha.
— Não é que eu confie nela, apenas sei que pessoas como ela, não se fazem de
cegas — respondeu com tranquilidade — Neste momento, a leve para mim.
— Pensei que a visse como sua inimiga…
— Parece que está bem falante hoje, mas apenas obedeça às ordens. ao contrário
dela, que pessoalmente não me incomodo com a existência, você faz parte do
meu plano até o momento, espero que você não se torne uma variável
descartável, Mcgregor.
•••
Noah Evans já foi o melhor jornalista da sua época.
Por que ele se mantinha tão tranquilo em meio às diversidades e as objeções de
Kayla para algumas coisas?
Quando ele era jornalista investigativo, ele encontrou coisas das quais se
arrependeu. “Quando você olha para o abismo, ele olha de volta para você.” É a
frase que melhor resume a situação em que ele se envolveu. Sua esposa foi
sequestrada conforme ele descobria as coisas e graças a isso, algumas coisas
aconteceram e ela nunca pôde ter filhos.
Devido ao quão longe ele havia ido, se viu sendo obrigado a entrar naquele
mundo obscuro fora dos olhos da sociedade. Por sorte, ele fez algumas amizades
e conseguiu se manter neutro posteriormente, desde que não fosse fundo
demais.
•••
Eles não adotaram o Tristan?
Não, embora Ana e Tristan fossem ainda crianças, havia um elo muito forte entre
os dois, este que Kayla e Alejandro não quiseram colocar algum empecilho no
futuro, se caso viesse a ser amor.
Eles não separaram os dois definitivamente.
Como boa parte das crianças do orfanato estavam muito traumatizadas,
Alejandro entrou em um processo para poder transferi-los para a Espanha, nas
suas terras em Granada. Iniciou a construção de uma grande casa para que eles
pudessem morar, tutores, professores, psicólogos e afins. Tornando-se o
responsável por aquelas crianças, para que pudessem desfrutar de uma vida de
paz e tranquilidade. Ter acesso a animais, campos verdes e afins. Eles apenas
estavam esperando o alvará da justiça para que pudessem ser transferidos.
Futuramente, se eles quisessem continuar em suas terras quando adultos, os
contrataria como funcionários.
•••
O Natal no orfanato que todos estavam esperando ansiosos?
Kayla ganhou a pequena Hope um mês antes do esperado. Por isso, com a bebê
muito nova, ela não pôde sair de casa. Mas Alejandro e a pequena Ana, vendo que
Kayla estava triste, montaram um plano. Foram ao evento e fizeram uma
chamada de vídeo com a Kayla, colocando-a em uma televisão. Assim todas as
crianças puderam vê-la e também conheceram a nova membro da família.
•••
A carreira da Kayla?
Ela abriu um canal no youtube com Noah onde fazia entrevistas. Como esposa do
Alejandro, teve que se enquadrar na vida de socialite, dessa forma uniu uma
coisa à outra, além de fazer o que realmente gostava: entrevistar pessoas e fazê-
las contar sua trajetória de vida, sonhos e motivações.
GRADECIMENTOS
Um agradecimento em especial ao meu filho, que é a recordação diária do por que devo
trabalhar e dar o meu melhor todos os dias, mesmo que, as vezes, ele me deixe louca.
Esta história, me fez estudar um bocado, deu um grande trabalho para ser realizada, e tive
ajuda das betas e de profissionais ao longo do processo.
Betas: Amélia, Taci, Samuel. Gratidão por embarcar nas minhas loucuras e aguentar meu
mau-humor.
Betas ocasionais: Meu marido, Jéssica Larissa, Christine King, Hellen, Mayara Andrade,
Dany, Carol, Dinny, Guilherme e Viviane. Vocês aguentaram meus surtos quando achei que
tudo estava errado, ou que faltava algo e minha paranoia. Vocês são guerreiros.
Betagens de profissionais: Samille ( Advogada ) Michelly ( Psicóloga ). Trabalhei coisas
muito importantes e reais nessa história, acredito que sem ajuda de vocês não teria
conseguido as montar.
Revisoras: Nay Sartor e Nina Cavalcante. Que trabalharam maravilhosamente bem, em
especial a Nina que estava o tempo todo comigo e aguentando meus surtos.
Leitoras que me acompanharam bem perto, dando todo o apoio moral, tendo a fé em
mim e na minha escrita, pacientes, amorosas e compreensivas comigo: Kátia Keiko Saito,
Amanda Braz, Cleudenia, Ramone Franciele, Barbara (Baby literária), Gerusa
(gerusasilva_geh), Maah, Ana Clara Diniz, Raquel Freitas, Carina Timm, Andrea Almendra,
Leyde Leonardo, Mila Paziol, Débora Pereira,Fernanda Débora, Magali Cortacio, Juliana
Ferreira e Mandy Baía.
Leitoras que me acompanham no Wattpad, um especial agradecimento a vocês! Durante
todo o processo de escrita do livro, capítulo a capítulo, me acompanham e incentivam.
Sem todos vocês, eu não teria conseguido!
Amo vocês!
Leia também:
SINOPSE
ELA SE TORNOU A PROMETIDA DE UM PRÍNCIPE.
Ayla era muito nova para saber sobre o amor, muito nova para entender muitas coisas, mas o
olhar e o sorriso de Khalid, o príncipe de Anatólia, ficariam gravados em sua mente, mesmo
que ela não quisesse.
Entretanto, o primogênito do sultão Fahir teve o sorriso arrancado de seus lábios e passou a
desejar vingança, disposto a qualquer coisa para alcançar seus objetivos, mesmo que para
isso, ele tivesse que começar uma rebelião.
Contudo, ele jamais esqueceu o olhar tímido e desafiador daquela linda jovem.
Ayla, por sua vez, tivera a sua vida virada ao avesso. Seu pai fora morto em uma disputa de
poder e ela se tornou uma escrava sem esperanças para o futuro, até ser vendida ao Sultão e
se ver em um contrato de casamento.
+18 - Este livro contém violência física e psicológica.
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INTRODUÇÃO
Em um tempo não tão distante, na Ásia menor, conhecida como Anatólia, Turquia. Um lugar
rico em água, banhado pelo mar Negro ao norte, mar Mediterrâneo, ao Sul Mar Egeu a
oeste e o mar de Mármara a noroeste. Imperava-se um sultanato, mas não qualquer um.
Neste tempo este lugar fazia morada do homem que comandava todo o Império Otomano.
O império Turco otomano no noroeste da Anatólia na vizinhança de Bilecik e de Söğüt. Foi
fundado por tribos turcas nômades se fazia comum o casamento entre povos para poder
favorecer o império.
Haréns eram comuns, destinados às mulheres que serviam ao sultão. Entre elas, estavam
suas esposas, mãe, filhas e escravas, ou concubinas, que eram responsáveis por cuidar das
tarefas domésticas do palácio. Por isso, o harém não era algo similar a um “mundo das
maravilhas” que todo homem almeja, com mulheres nuas ofertando-se a ele em uma
grande balbúrdia, havia uma rígida hierarquia. No topo sendo a mãe do Sultão, a Valide
Sultana. Então suas esposas legais, geralmente eram três, concubinas e as odaliscas.
Nesta história que vou lhes contar, falaremos sobre um jovem príncipe e a sua prometida,
que foram destinados um ao outro antes mesmo do nascimento.
Um príncipe que com imensa dificuldade, anos e planos, tornou-se o sultão em busca de sua
vingança expurgando o mal do palácio. E a sua prometida, que sobreviveu a anos de
tormenta, igualmente pela promessa de vingança aos seus malfeitores, tornando-se a “flor
do deserto” quase uma lenda viva, da mulher mais bela do império.
Eles realizarão suas vinganças, resistirão aos desafios e eles se amarão tanto a ponto de
serem capazes de abdicar de tudo se preciso for, em nome do amor.
Um romance inspirado em “Mil e uma noites” lhes espera em: Vendida ao sultão
PRÓLOGO
Em algum lugar em meio ao deserto, próximo à Bagdá, a poligamia era reconhecida e neste
país, assim como em vários próximos, muitos homens exibiam o seu poder e fortuna ao
manter um grande harém. Assim, mulheres eram vistas como itens valiosos, sendo usadas
muitas vezes como mercadoria de troca.
Ayla em seus dez anos, era muito nova para entender, já que sempre fora criada com muito
zelo. A pequena flor do deserto, que como dizia seu pai: Nascera para trazer esperança a
todos que se perdem no caminho. Contudo, independente da estima pela filha, o seu
destino estava selado desde que nasceu. Casaria com o príncipe herdeiro de Anatólia para
[2]
firmar um acordo de paz. Talvez nunca viesse a se tornar sua esposa legal, quem sabe não
mais que uma simples concubina, mas algumas pessoas tinham certeza que a pequena
menina viria se tornar a esposa legal do príncipe e assim se tornaria a mulher mais
influente do seu povo, trazendo assim, prosperidade.
Ela fitava o horizonte com grande expectativa e não via nada além de areia. No entanto,
seguia esperançosa para que o seu prometido surgisse logo, pois o falcão real já tinha sido
enviado no nascer do dia, anunciando que ele logo chegaria.
Após a ave chegar, a correria fora sem tamanho. Arrancaram-na de sua cama e começaram
a arrumá-la para recebê-lo. Além disto, disseram-na para se comportar, pois era de suma
importância para toda a tribo que este casamento acontecesse.
O sol já estava a pino no pior horário possível para ficar esperando alguém, mesmo sob
uma tenda. Seu pai comentava preocupado, que talvez algo pudesse ter acontecido com o
príncipe Khalid. Já estavam esperando há horas e ele não aparecia em lugar algum. Irritada
e entediada, Ayla não pensou que dar uma pequena escapulida seria um problema, pois se
ele não havia chegado até aquele instante, provavelmente não chegaria no momento
seguinte, durante sua ausência.
Esgueirou-se sem que fosse notada por entre os adultos e fugiu para dentro do oásis, onde
fora em busca de água fresca e quem sabe, se desse sorte, encontraria algo para comer e
amaciar o estômago que lhe incomodava insistentemente. Uma Tâmara, quem sabe. Pensou.
Sentia-se chateada devido às regras tolas que a oprimiam de comer antes do príncipe, em
um gesto de educação.
Os adultos esperavam pelo príncipe com extrema ansiedade, ao ponto de não notarem sua
ausência. Ao chegar onde desejava, Ayla abaixou-se tranquilamente para pegar um pouco
de água com as mãos e refrescar-se, no entanto, para a sua completa surpresa e horror, viu
uma grande sombra se fazer atrás dela. Seu espanto foi tamanho que se desequilibrou e
caiu dentro da água.
No primeiro instante pensou que sua vida deveria chegar ao fim naquele momento, então
nem se dera ao trabalho de virar e olhar nos olhos de seu assassino. No entanto, como o
golpe mortal jamais chegou, e com a sua curiosidade que, como sempre, imperava, Ayla
tomou coragem de se virar para olhar o responsável pelo susto, mas ao olhar não
encontrou alguém de outra tribo ou do harém… Deparou-se com um culpado inesperado e
quando se deu conta de quem poderia ser, julgou muito pior que qualquer inimigo pronto
para matá-la. O sangue fugiu da sua face, algo dentro dela estremeceu e então engoliu em
seco.
Todos menos ele, por favor! Ayla implorava internamente, lembrando-se das ordens que
recebeu sobre não se desarrumar. Mas tudo batia com o que as meninas disseram: “de uma
beleza esplendorosa, com os traços fortes da sultana Honde". Os cabelos eram negros como
a noite, porém brilhantes e longos, absolutamente lisos. Alto para idade e com o corpo forte
como o do pai em sua juventude. Diziam, no entanto, que embora fosse o príncipe, era
alguém que gostava de se vestir de maneira mais simples, a única coisa que o delatava era o
tecido de uma qualidade superior e as joias de rubi em suas orelhas.
Não poderia ser mais ninguém além do príncipe Khalid! Ayla concluiu, apavorada e
autoconsciente do seu estado atual, preocupada com o que seu pai falaria.
Todavia, ao mesmo tempo em que os olhares estavam fixos um no outro, ela pode ver a
profundidade dos seus olhos negros. Ele não deveria ser tão mais velho que ela, além disso,
talvez mesmo em roupas rasgadas, tudo nele delataria quem é. Concluiu ela.
Contudo, o encanto que Ayla sentiu por ele se desfez quando o mesmo abriu um lento, mas
maldoso sorriso, divertindo-se ao ver o estado dela. Causando um grande abalo ao ego da
pequena, além do encanto ser esquecido, a antipatia fora criada. Molhada e caída, seus
cabelos desarrumados agora com algumas mechas coladas em seu rosto. A menina tinha a
certeza de que estava em um péssimo estado, mas nunca aceitaria ser tratada com deboche,
nem mesmo pelo príncipe de Anatólia.
Cortez, Khalid estendeu sua mão para ajudá-la a levantar, entretanto, o sorriso ainda estava
lá e ela não poderia confiar nele.
— Pequena prometida, sabe que não deveria brincar na água, não é?
— Meu nome é A-y-l-a! — exclamou, mesmo assim pegou a mão dele. Um tanto truculenta
como um garoto, mas autêntica. Isso agradava e divertia o príncipe, fazendo-o sorrir ainda
mais por causa do temperamento da garota. No entanto, enquanto o rapaz tinha esses
pensamentos, Ayla estava planejando o que fazer, pois a mesma não deixaria isso passar,
não pegaria sua mão sem a intenção de ferir o ego dele como fez com o dela. A pequena
vingativa tentou cair de novo na água levando-o com ela, mas seu plano fora em vão, pois
ele passou a mão pela sua cintura e a trouxe mais próxima de seu corpo.
Ele ainda tinha o sorriso nos lábios e devido a forma como a segurou, seus olhos ficaram
fixos um no outro. O coração da pequena menina batia fortemente contra o peito, era a
primeira vez que um menino ficava tão perto dela e não tirava os olhos dos seus. Ayla sabia
que seu rosto estava em chamas e que ele tinha percebido isso. O sorriso dele foi crescendo
em seus lábios, enquanto ele ameaçava se aproximar mais, a constrangendo.
— Cuidado, pequena prometida... — começou ele, porém levantou o olhar por meio
segundo, e pouco atrás dela, Khalid viu uma movimentação, estreitando os olhos, viu a
ponta de uma zarabatana .[3]
Por impulso o jovem rapaz a jogou no chão sem qualquer zelo e puxou o sabre que portava
[4]
em sua cintura, indo em direção ao inimigo sem olhar para trás. Valente, desferiu um golpe
na arma e a jogou longe.
Ayla, que por sua vez não entendia nada o que estava acontecendo, apenas viu o príncipe
jogando-a de volta na água e pulando por cima, indo atrás de alguém. Pouco tempo depois,
é pega de surpresa quando um instrumento que ela desconhecia cai ao seu lado.
Sem compreender quem ou que o deixaria em tamanho alerta, a menina arrastou o seu
olhar na direção do alvo de Khalid e o seu coração errou a batida.
Khalid via-se tomado pelo mais forte instinto de proteção que um dia já sentiu. Quando viu
a menina dos olhos azulados mais bonitos que já vira em risco, seu corpo moveu-se por
puro impulso, jogando-a para o lado e indo em sua defesa. Desarmou o homem que a
colocava em perigo, com facilidade. No entanto, o homem era rápido e rodopiou o sabre em
sua mão para num segundo golpe o acertar em cheio. O oponente se mostrou mais rápido,
pois já tinha desembainhado seu sabre e defendeu-se. Como se não fosse o bastante, outro
homem surgiu logo atrás dele vindo também em sua direção.
Não tendo outra opção senão apenas defender-se dos golpes desferidos pelos dois, por
impulso, Khalid olhou em direção à menina em um rápido movimento, para saber se ela já
tinha saído dali. Contudo, a pequena amedrontada não havia movido-se e pior que isso,
percebendo a brecha impensada que o príncipe deu, um de seus inimigos viu a
oportunidade de desferir um golpe na altura do seu rosto e por sorte, o príncipe conseguiu
safar-se do mesmo, desviando, mas não a tempo de evitar fazer uma fina linha em seu rosto
com o corte do sabre de seu inimigo.
Um fino grito de horror ecoou, vindo de sua prometida, este que causou certa diversão em
seus adversários. Vangloriando-se entre si, ambos sorrindo em pura vaidade. E neste
momento de vulnerabilidade pelo ego deles, Khalid rodopiou em seu lugar, abaixando-se ao
mesmo tempo em que erguia a sua perna, acertando com a parte traseira do pé, as mãos de
seus oponentes. Aliviando a pressão deles ao segurar seus sabres, não obstante para
desarmá-los, mas o suficiente para que tivesse brecha para no fim do rodopio usar a força
do impulso do giro para desferir um corte profundo na altura do peito de ambos. Seus
corpos penderam para trás, devido à dor, um deles caiu sentado no chão.
O som do tilintar de seus sabres chamou atenção daqueles que estavam nas proximidades,
o príncipe escutou sons de passos aproximando-se, todavia, não era o único a ouvir. O
primeiro atacante que havia caído no chão, covardemente apanha um pouco de areia e joga
na direção do jovem herdeiro. Este que não teve tempo de cobrir o rosto, acaba com seus
olhos e a ferida feita em sua face anteriormente, ardendo. Os oponentes aproveitam a
oportunidade para fugir.
Khalid, que era um príncipe valente na mesma medida em que era teimoso, deu um passo
em direção a eles, mas foi impedido quando sentiu uma mão em meu ombro. Por instinto,
virou-se erguendo o seu sabre, com a visão ainda um pouco afetada, não conseguiu
identificar de imediato quem era, no entanto viu-se com o sabre parado, encostado
suavemente no pescoço de sua jovem prometida, fazendo um corte superficial no mesmo,
uma pequena gota de sangue brotou ali.
Arrependido, o príncipe tira o sabre de perto dela, enquanto Ayla, petrificada, nem sequer
falara algo e apenas engolira em seco, ao mesmo tempo em que algumas lágrimas surgiam
em seus olhos. Khalid deixa o sabre cair no chão, e ao perceber que as pernas dela
fraquejaram, ele a segura, impedindo que a mesma caísse.
— Perdoe-me por assustá-la, pequena. Mas não deveria tocar em um homem quando este
empunha um sabre... — disse o jovem rapaz com a voz contida para acalmá-la.
Como se sua fala a trouxesse de volta a si, Ayla ergueu-se nas pontas dos pés, ao mesmo
tempo, em que levantava a mão à altura do rosto dele, usando um pedaço de suas vestes
para limpar o fino risco de sangue ainda úmido na face do príncipe.
— Eu que devo desculpar-me, vossa alteza... — então a fala dela é cortada quando as
pessoas chegam, mas não apenas isso.
Khalid percebe que ela novamente se petrifica e quando a observa de cima abaixo, nota
uma cobra passando sobre os pés de sua prometida.
Sem muita preocupação, até de forma descuidada, o rapaz a solta, se abaixa, pega a cobra
pela cauda e rapidamente a arremessa o mais longe que pode. Ayla fica em absoluto choque
e ele sorri.
— Me parece pequena prometida, que me dará algum trabalho — disse ele achando graça,
ao vê-la corar novamente. Despreocupadamente, o rapaz encantado pela inocência dela,
ergueu uma mão e pegou uma madeixa de seus cabelos longos e levou próximo ao rosto
para cheirá-lo.
— Ayla... Onde você estava? Estávamos... — sua mãe veio falando, mas parou levando a mão
à boca.
Diversas pessoas estavam com eles e tiveram a mesma reação. Então um silêncio reinou.
Todos abismados olhando os dois tão próximos. Ayla molhada e coberta de areia, com o
rosto corado em meio a toda sujeira, enquanto o príncipe herdeiro, se encontrava sujo, mas
apenas nas suas vestes, na parte da frente, onde manteve sua prometida em seus braços
anteriormente, ademais possuía um risco de corte em face, como prova da luta travada. Ao
mesmo tempo, mantinha-se segurando uma mecha de cabelo da menina com um sorriso
em face.
Certamente não era algo que se via todos os dias. Nem Ayla ou Khalid sabiam exatamente
como começar a se explicar, tão pouco tiveram a oportunidade. Assim que o torpor de
surpresa de todos passou, foram separados para terem os devidos cuidados e voltarem a
ficar apresentáveis. Os responsáveis de Ayla obviamente perguntaram o que houvera e fora
chamada a atenção por ter escapulido e que talvez isso não tivesse acontecido se ela apenas
obedecesse às ordens. Nada pior aconteceu, pois o próprio príncipe interveio em um
pedido de desculpas por atrair assassinos a tribo.
Mesmo que ele não tivesse certeza sobre por quem foram mandados, Khalid não podia
deixar fazerem mal à frágil menina que agora estava sentada obedientemente em seu lugar
cabisbaixa.
— De alguma forma descobriram sobre minha visita hoje, por isso seria imperdoável que
ela sofresse quaisquer males por minha culpa.
Era de domínio público o conhecimento de que o jovem príncipe era bravo e valente, que
tinha muito interesse em lutas com sabres, honra e glória. Inclusive, uma de suas metas era
se tornar o melhor com espadas do império. Dado a pequenas aventuras heroicas, por onde
passava, o rapaz fez uma fama sobre si. O que fez os mais velhos suspirarem e aceitarem as
suas ações em conjunto de sua prometida.
— Vossa alteza, será um grande sultão. Não há dúvidas — disse amistoso o pai de Ayla,
tentando desfazer a tensão formada.
Entre todas as regras da oficialização do noivado e formalidades, Khalid não conseguia tirar
da mente o brilho do claro olhar de Ayla. Ansiando que ela olhasse em sua direção, suas
preces pareciam ter sido atendidas, pois a menina virou o seu olhar ao príncipe no mesmo
instante e o rubor doce que cobria sua delicada face o fazia acreditar que casar-se com ela
não seria tão mal. Tirou um de seus brincos e mandou um de seus homens entregar de
presente a ela. Ele pode ver os olhares, enquanto seu presente fora recebido com surpresa,
não apenas por ela, mas por todos.
Talvez estivesse sendo sincero demais diante de tantas pessoas, mas já não se importava.
Sentia-se docemente cativo pela jovem menina que seria sua esposa, companheira e... Por
que não, sua diversão e dor de cabeça, enquanto se envolvia em situações perigosas.
Ponderou, bem-humorado.
Infelizmente, para o nosso casal, a paz durará um curto tempo, fazendo-os acreditar que
talvez este dia turbulento não passasse de um sonho agradável, doce e surreal. Suas vidas
mudariam drasticamente e eles não faziam ideia do quanto.
CAPÍTULO 01
Dias depois…
A yla estava encontrando dificuldade para dormir. Algo que se repetia nas últimas
noites, desde que conhecera o seu prometido Khalid. Ela não conseguia evitar se
sentir abalada ao recordar os curtos momentos em que estiveram juntos, o sorriso
dele a assombrava, fazendo seu coração palpitar loucamente. Assim como o toque em sua
cintura e o seu olhar sempre direto, como se pudesse ver a sua alma.
Inconscientemente, Ayla levava a mão ao brinco que ganhara, acariciava-o com o polegar e
um sorriso tolo em seu rosto. Desde que o ganhara, passou a usar apenas ele em sua orelha,
negava-se veemente a tirá-lo, até mesmo para dormir.
Perdida em memórias do herdeiro, olhava a fresta de sua tenda, em que a luz da lua entrava
como um bonito feixe, trazendo uma sensação de encanto, similar ao que sentia em seu
estômago quando Khalid sorria para ela.
A calma que tomava a noite fora arrebatada pelos gritos de horror que adentravam os seus
ouvidos e ressoavam em sua mente. A luz que emergia na tenda escura oscilava conforme
as pessoas passavam apressadas diante dela. Ayla não sabia o que estava acontecendo, mas
seu corpo todo se retesou. Ela não conseguiria ficar ali parada e encolhida, sem saber o que
se passava. Reunira coragem em um profundo puxar de ar, para caminhar até a fresta da
tenda e espiar de fato o que se passava.
Com seus pés descalços, caminhou em direção à luz, mas assim que estava prestes a ver o
que ocorria, alguém apareceu. Um homem alto, forte e assustador, vestido com algo
semelhante a uma armadura e um rosto parcialmente coberto por um tecido negro.
Ayla podia ver o brilho maligno em seus olhos e quando ele se abaixou suavemente
estendendo a mão em sua direção, ela dera um passo para trás por puro instinto, mas o que
nem a menina ou o homem esperavam, era um golpe certeiro em sua cabeça com uma
lança, onde a ponta transpassou pela orelha e o matou instantaneamente, fazendo-o
tombar para o lado. Amedrontada e horrorizada, a jovem sentiu suas pernas vacilarem e
caiu no chão, completamente em choque.
Safirah, a irmã mais velha de Ayla, de repente apareceu pela fresta da tenda, entrando no
local abruptamente olhando para todos os lados como se procurasse por algo ou alguém.
Ela estava com as suas vestes rasgadas e sangue respingado por todo o seu corpo. Ayla
sobressaltou-se ao vê-la, já que a última notícia que tivera da irmã, fora que estava grávida
e passara os últimos dias um tanto afastada do contato com os demais para ter o final de
sua gravidez tranquila. Mas longe de toda e qualquer tranquilidade, Safirah estava
transtornada voltando seu olhar aflito para Ayla. Logo que se aproximou da menina a
segurou pelos ombros e a olhou com atenção de cima a baixo.
As palavras de Safirah, mal entraram nos ouvidos de Ayla, que ainda estava em choque a
encarando, diante de seus olhos tudo parecia estar passando na mesma lentidão dos
beduínos no deserto, como se ela não fizesse parte do cenário e fosse apenas uma mera
espectadora. A jovem mulher, com pressa e sem dar muito mais tempo para a menina
reagir, segurou-a pelos braços, como se não pesasse nada. Caminhou com Ayla até a arca,
colocando-a no chão apenas para poder tirar de dentro algumas coisas e assim que o fez,
colocou-a dentro.
Sem contar os gritos e sons aterrorizantes que vinham de fora da tenda, um silêncio pesado
se instalou entre as duas.
Safirah, antes de fechar a arca, contemplou Ayla encolhida lá dentro e uma lágrima solitária
rolou por sua face, querendo guardar uma última recordação da menina, sabendo de seu
próprio destino, contemplou por rápidos instantes aqueles olhos incríveis. Engoliu em seco
e num segundo que parecia ter levado uma eternidade, levou a mão para dentro de suas
vestes e de lá, tirou alguns papéis e os colocou dentro da roupa da irmã.
— Ayla, mantenha-se abaixada e escondida. Não saia por motivo nenhum… Fique bem,
minha menina — disse enquanto concluía com a voz embargada.
Após a tampa da arca ser fechada, muito barulho escutava-se próximo dela. Muitas vozes
desconhecidas se faziam presentes, a tenda havia sido invadida, mas a cabeça da garota
estava tão transtornada pelos eventos que se desenrolava de forma caótica naquela noite,
que nenhuma palavra parecia fazer sentido. A única coisa que a fez despertar do torpor, foi
o som de um grito feminino agudo e seguido de algo pesado caindo no chão.
Sua irmã estava morta, Ayla tinha certeza.
Lágrimas brotaram em seus olhos somente quando a última frase da irmã finalmente tivera
sido assimilada.
Ela sabia que seria morta! O pensamento gritou na mente de Ayla, paralisando-a. No lugar
de proteger a si e o bebê que estava em seu ventre, Safirah foi ao encontro de sua irmã. O
conhecimento disto a deixou transtornada, ao ponto em que soluçava compulsivamente de
tanto chorar.
Seu choro fez sua presença ser percebida pelos invasores, eles se entreolharam e seguiram
a origem dos soluços. E tão logo que descobriram a origem dos sons, avidamente abriram a
tampa da arca, sorriram perversamente, como lobos famintos que encontram a presa
perfeita para a próxima refeição. O medo a fez se encolher ainda mais, escondendo o seu
rosto entre seus joelhos, abraçando-se com muito mais força, como se isso pudesse
protegê-la de seus algozes, mas eles sem qualquer traço de piedade, agarraram seu braço
direito, o apertaram com força ao ponto de machucá-la e fazê-la soltar um gemido de dor.
Ayla soltou as suas pernas na tentativa de se soltar, ao mesmo tempo em que choramingava
a sua dor.
Ergueram-na a altura dos olhos, apreciando novo prêmio encontrado, segurando-a por
apenas um braço. Ayla fugiu do olhar deles. Se o primeiro que tinha aparecido em sua tenda
parecia um homem cruel, estes certamente não seriam diferentes. E Ayla tinha medo de ver
sua própria morte refletida na íris dos olhos daqueles homens que a observavam e
debochavam de sua fraqueza e corpo frágil.
— Não iremos matá-la criança... — falou rudemente um deles — Apenas vamos brincar,
menininha.
Eles pareciam ser loucos, demônios vindos do outro mundo para trazer infortúnio. Os
homens seguiram falando coisas para ela, como se não pudessem fazer nada para evitar
que brinquedos eventualmente quebrassem. Ayla sentiu uma forte pontada no peito ao
pensar em sua irmã morta, sua ira falou mais forte que sua prudência, então os encarou e
começou a gritar para que calassem a boca, mas assim que seus olhos encararam os deles, o
humor morreu. Ayla se viu em choque, com todas suas palavras tomadas de seus lábios,
assim como eles, ela os olhava embasbacada.
Já não apresentavam risos ou gracejos irônicos, ninguém tinha coragem de falar qualquer
coisa enquanto se entreolhavam. Ayla não pôde evitar de sua raiva esvair-se da mesma
forma abrupta em que se sugira.
Fora chocante, estes homens cruéis diante dela, os mesmos que haviam matado sua irmã e
que estavam atacando toda a sua tribo, tinham os mesmos olhos que ela! Entre seu povo
era comum olhos negros, alguns verdes ou amarelados, mas somente Ayla tinha olhos
azulados tão claros quanto o céu.
Ela não sabia o que falar, então se manteve em silêncio tanto quanto eles, mas o silêncio
não imperou por muito tempo, de um momento para o outro, a jogaram no chão com
brusquidão, como se ela fosse algo sujo e repugnante. Logo os homens começaram a
discutir em um idioma que ela não conhecia. Ayla se encolheu contra a arca, temendo que
eles voltassem a sua atenção para ela e a matassem. Ponderou fugir, mas por onde? Ela
buscava com os olhos algum caminho que pudesse tomar, mas não encontrava.
Em sua busca de fuga, Ayla viu algo semelhante a um pé e se abaixou para tentar ver
melhor. Deveria ser sua irmã… E sentia tanto por ela. Uma dor rompeu seu coração
novamente, mas Ayla conteve o choro. Neste momento, os homens pareceram lembrar-se
dela, pegaram-na pelos cabelos e a arrastaram sem rodeios para fora da tenda. Sem
qualquer chance de poder ver o corpo da irmã ou pensar em qualquer coisa mais.
— Vamos lá para fora, não se debata — disse um dos homens que a arrastavam.
Assim que saíram, começaram a gritar, chamando os outros homens que faziam parte
daquela corte de demônios da morte. Pior que o pavor imposto pelo seu destino incerto,
fora a visão dos corpos caídos por todos os lados, inertes. Entre eles os de sua família: sua
mãe estava caída com o braço esticado em sua direção, assim como o seu pai um pouco
mais próximo à entrada de sua tenda.
O grito escapou dos lábios de Ayla antes que ela pudesse conter. A dor no peito explodindo
muito mais forte do que pela irmã, uma dor que ela jamais imaginou que sentiria, seu peito
rasgava e suas lágrimas pareciam queimar ao rolar por sua face.
Tudo estava banhado em sangue, como a visão do próprio inferno. Algumas tendas
rasgadas, outras pegando fogo... Jamais havia visto ou presenciado algo assim. Apenas ela e
mais algumas jovens garotas estavam vivas. Todas, assim como ela, tinham o terror
estampado em suas faces sem cor e suas vestes regadas com sangue, contudo, diferente
delas, Ayla era a única ainda limpa e sem qualquer ferimento.
Mas talvez entre todas, era a que mais desejava estar morta também. Não queria viver em
um mundo onde não tivesse presente aqueles que ela amava, não queria viver com aquela
lembrança de todos mortos de forma vil. Só queria que isso acabasse logo. Ayla se debateu
e provocou o homem que a segurava até que ele estapeou a sua face e a jogou como se não
passasse de uma boneca sobre as demais meninas da tribo que ainda estavam vivas.
Elas choravam e murmuravam por socorro ou qualquer tipo de salvação, mas a dor no
peito da pequena menina valente era ainda mais forte do que o desejo natural de salvação.
Ela tentou se levantar, mas um dos homens próximos ergueu o sabre em sua direção, o que
a fez se retesar no lugar. Ainda que desejasse morrer, não tinha coragem de dar mais um
passo. Seu corpo não obedecia, simplesmente não reagia.
— A coragem acaba na frente de uma espada, não é? Contenha-se, menina, se não sua
cabeça irá rolar! — calmamente, disse o homem que lhe apontava o sabre, com um
profundo e gélido olhar.
Outro homem veio com correntes pesadas de ferro e prendeu todas as meninas uma às
outras, incluindo Ayla. Eles ainda discutiam e por vezes olhavam em sua direção. E desta
vez, não importava o quanto seu peito doía, Ayla não chorava. Mas parecia estar morta
dentro de um corpo ainda vivo. Todas as meninas foram jogadas em uma carruagem de
escravos com grades grossas e um cadeado, nada mais. Algumas choravam e pediam por
misericórdia, outras estavam em silêncio conformadas. Ayla manteve-se em silêncio,
sentindo-se quebrada demais enquanto a carruagem partia e ela via os corpos de todos
seus familiares no chão e as tendas em chamas.
Mais tarde, quando já era noite novamente, os homens pararam a viagem para poder
descansar. Por muitos dias e noites, as mesmas coisas ocorreram. Ayla já não sabia
quantos dias haviam se passado ou em que direção estava indo.
Serviram-nas com algum pão e nada além de alguns poucos goles de água. A pequena Flor
do Deserto sentia-se fraca demais para lutar ou tentar fugir, e mesmo se o fizesse, para
onde iria em meio a um deserto que nem sequer sabia em que direção seguir?
Por vezes, mandavam algumas delas dançar para distraí-los. Obviamente, nem todas eram
dançarinas das mais surpreendentes e isso resultou em algumas chibatadas. Porém, tudo
mudou quando uma das meninas recebeu uma chicotada no rosto, o que provavelmente
daria a ela uma cicatriz que lhe impediria qualquer futuro bom, Já que o rosto de uma
mulher é tudo o que ela tinha a oferecer
Contendo sua fúria, Ayla sentiu a dor na palma de suas mãos que se fecharam em punho,
para daí respirar profundamente, tentando se acalmar e assim poder tomar uma atitude.
Resolvera aproveitar da melhor educação que recebeu para protegê-las e tentar salvá-las.
Assim, em busca de tentar amenizar a ira dos homens e proteger as meninas, ela mesma
dançava, recitava poemas que sua mãe repetia para ela, contava histórias passadas através
das gerações. Com a ira dos homens sob controle, também conseguia um pouco mais de
comida que dividia com as demais. A vida não parecia seguir um bom destino para elas,
mas se pudesse fazer algo para suavizar... Ayla tinha certeza de que ao menos iria tentar.
Os homens a forçaram a dançar como uma odalisca mesmo para sua pouca idade, também
[5]
a ensinaram a dançar com espadas. Pareciam gostar dela e querer investir mais em
aumentar o seu valor, no entanto, Ayla pensava nisto como uma oportunidade de poder
atacá-los em algum momento antes de chegarem ao destino deles.
E de fato ela tentou, acertando um deles com a espada, mas ele revidou e a golpeou
fortemente jurando vingança. Contudo, os outros homens não deixaram e falaram
novamente em uma língua que ela não conhecia.
— Levem-na para a carruagem e a deixem sem comida hoje, isso deverá ensinar uma boa
lição! — ordenou o mais forte dos homens ali presentes.
E assim foi naquela noite, Ayla não se sentia segura para dormir, pois enquanto era
arrastada à carruagem, podia ver os olhos do homem que a golpeou ainda fixos nela, com
um olhar de profundo rancor.
Todas as garotas se encolhiam como sempre faziam, apoiando-se umas nas outras para se
abrigar do frio e tentar se aquecerem. O frio intenso fazia Ayla sentir muito sono, mas
lutava contra ele, temendo um ataque por vingança. Todavia, quando quase se rendeu a ele,
o som de gritos e ruídos tão familiares a espantou. E seu único pensamento era o de que
estava de novo no inferno, mas na verdade era uma nova situação e não se sentia pronta
para reviver tudo.
Quais desafios Alá tinha para ela, não sabia, o que era de seu conhecimento imediato é que
não se sentia preparada para qualquer prova nova que lhe fosse imposta.
Talvez, desta vez, de fato perderia a vida, afinal, fora a única coisa que lhe restara para
perder. Contudo, a luz de uma chama parecia aproximar-se da carruagem, fazendo com que
as meninas tremessem de medo e choramingassem. O manto que as cobria impedia de ver
o que acontecia lá fora. Ayla viu nas meninas aterrorizadas a sua própria imagem da última
vez e isso a fez criar uma coragem que ela nem sequer sabia que tinha, determinada em
desta vez não se entregar facilmente.
Sendo ele o desafio que fosse, se Alá tinha reservado este destino, o enfrentarei com
orgulho! Pensou ela. Se ergueu um pouco e tentou através da grade, levantar o tecido e ver.
Mas ao levantar a manta, deu de cara com um rosto muito perto do seu, olhando em seus
olhos.
O grito que saiu pela sua garganta certamente ecoou longe, assim como o pulo que deu para
trás. Seu coração em disparada doía no peito e ela podia escutar a risada de um homem,
uma risada rouca e pesada, que não lhe trazia qualquer sinal de felicidade.
O homem segurou a manta e a puxou com força, descobrindo toda a carruagem em que
estavam as meninas. Um homem com olhos frios e sorriso maldoso, que possuía detalhes
preciosos em suas vestes, tecido caro cobrindo cada parte de si, as fitava com diversão e
interesse.
— Exatamente o que buscávamos. Aqui homens, vamos levá-las!— exclamou o homem que
tinha o olhar fixo sob as meninas.
CAPÍTULO 02
O homem ordenou que as soltassem e mais que isso, ele mesmo fora quebrando
corrente por corrente com a sua espada, até que todas estivessem bem. Com medo,
as meninas olhavam-no com receio. Mas ao contrário do que era suposto, revelou-
se um salvador, ao menos era isso o que ele disse a todas as meninas. Contudo, não era o
que Ayla acreditava, mas ninguém lhe escutaria. Não quando elas o olhavam como se fosse
um oásis em meio ao deserto.
As levou para o seu palácio e se apresentou como Sheik Said, um homem de muitos poderes
e posses, mas que infelizmente nunca fora abençoado com filhos. Ele havia sido informado
de que homens maldosos tinham sequestrado crianças próximas ao seu território, e não
poderia perdoar tal ato.
— Vocês não possuem pais e eu não possuo filhos, tomarei todas como minhas filhas e
então poderei fazer por vocês o que jamais tivera oportunidade de fazer ao meu sangue e
carne — Ponderou, pensando em voz alta.
Elas ficaram totalmente emocionadas e embargadas pelo sentimento de tristeza que ele
entoava em suas palavras, contudo, não tivera uma lágrima sequer rolando pela sua face,
notou Ayla.
A maioria aceitou sua proposta com extrema gratidão, agarrando-se a ele e ao desejo de
calar a dor que sentiam em seus corações. Agradeciam a Alá por ter posto um homem bom
como ele em suas vidas. Ayla concordou, porém não o abraçou e ficou à distância. Se o
Sheik notara isso ou não, não demonstrou.
Ayla, que muito escutava às escondidas as conversas dos adultos, nunca tivera ouvido algo
sequer próximo a isso. Falso e enganador, provavelmente estava mancomunado com os
atacantes da tribo para saber sobre elas e no momento mais propício, pegá-las para si. Ela
pensou, sem acreditar em qualquer um dos sorrisos que lhe eram ofertados.
O Sheik até as renomeou, uma a uma, alegando que assim seria mais fácil recomeçar suas
vidas sem as lembranças tristes daqueles que se foram ao altíssimo descansar. E que a nova
vida que elas teriam seria de pura felicidade.
Ayla, assim não carregava mais este nome e fora renomeada como Amira. Parecia uma
piada, mas não tivera escolha.
— Bem cuidada como uma princesa, Amira, este será seu nome, espero que goste — Ayla
lutava internamente contra o homem. Odiava-o por completo, sua voz e sua presença.
Apenas queria pegar as meninas e sair dali, mas como não tivera opção, apenas afirmou em
silêncio com a cabeça.
Ele percebia que ela havia sido educada com mais zelo que as demais meninas, embora
fosse um tanto geniosa e selvagem. Seus planos para ela começavam a ser moldados, desde
o movimentar felino até seus delicados traços.
Conforme os dias iam passando, Ayla ia se acostumando a ser chamada pelo seu novo
nome, "Amira", mas jamais se esqueceria de suas origens ou de como vieram parar naquele
lugar, mas o tempo ia passando e o nome Ayla ia se perdendo na lembrança. Como
recordação do passado, ainda tinha o brinco e a carta, mas não sabia ler. Então, apenas
sempre tinha os objetos próximo ao coração. Mãe, pai, irmãs e todas as pessoas que foram
importantes em sua vida passada, quando ainda era Ayla, a prometida do príncipe de
Anatólia.
Tudo parecia perfeito nos primeiros dias, aos poucos todas as meninas iam se recuperando
de suas dores, seus traumas e passando a aceitar melhor a perda dos seus amados
familiares e seus novos nomes. Porém, Amira seguia sem conseguir, sequer por um
momento, acreditar nas palavras do seu "salvador". Entretanto, sentia-se feliz pelas
meninas irem lentamente parando de chorar todas as noites e tendo menos pesadelos.
Por diversas vezes ela tentou fugir, mas ainda que ele fosse tomado como um homem
"bom", não deixou de açoitá-la, como castigo por tentar fugir. Ferida, retornava ao
dormitório do harém todos os dias.
— Então, passarei a ser apenas o homem que a cria — disse friamente e ela sabia então,
que aquele era o verdadeiro rosto que ele tanto escondia.
Todos os dias, ele as fazia ter diversas aulas, sejam de boas maneiras, dança, música ou
política. Todas deveriam aprender o máximo de línguas diferentes, dizendo que seria o
melhor que ele poderia fazer por elas e seus futuros. Quando ninguém via, Amira abraçava
a carta de sua irmã e beijava o brinco que ganhara. Era sua única forma de consolo, pois
naquele lugar mais ninguém a compreendia.
As meninas, desejando que Amira parasse de apanhar, pois já estava com muitas cicatrizes
pelo corpo, pediam que se comportasse. Que ele não era cruel ou mal de propósito, que ela
fazia por merecer os castigos que recebia. Falavam também que ele era o salvador e estava
cuidando bem de todas. Queria provar a elas o quanto estavam erradas e foi assim que, em
uma noite, Amira viu novamente a verdadeira face de seu falso salvador.
Estava andando pelo palácio do homem, roubando algumas das frutas mais frescas que lhe
foram negadas como castigo, quando caminhou até a ala leste. Esta que, por mais de uma
vez, fora proibida de ir, mas sendo como era, Amira vira a oportunidade de adentrar o local
na hora de descanso do eunuco. Toda a verdade que se passara por lá, era muito pior do
que ela imaginaria.
A primeira visão não era diferente de um harém comum, com diversas mulheres se
apresentando ao seu senhor, para quem sabe ter uma noite com ele. Porém, se olhasse por
mais tempo, poderia ver o que de fato era.
Ele as assistia dançar e em cada erro, as batia em lugares certos em que não as marcaria em
definitivo, o mesmo acontecia a cada uma que tocava algum instrumento ou recitava algum
poema.
— Se empenhe mais! Como poderei te conseguir um bom marido, se não fizer as coisas
direito? Eu vou ter que te dar a um estrangeiro gordo de algum bar qualquer em troca de
alguns barris de vinho? — exclamava ele grosseiramente a jogando no chão e apoiando seu
pé sobre a cabeça da mulher infeliz que chorava.
— Perdoe-me, meu senhor, dai-me outra oportunidade que farei melhor desta vez —
implorou a mulher com a voz embargada pelo arrependimento.
Repetidas vezes ela acabava errando ainda mais, tamanho o seu nervosismo e medo. Todas
tremiam e temiam pela ira dele, que detestava qualquer coisa menos que a perfeição. A pior
cena que Amira teve o desprazer de assistir fora quando uma das mulheres errou o verso
da recitação. Ele pegou-a pelos cabelos e a arrastou até uma pequena fonte e afundou
repetidas vezes o seu rosto na água, enquanto a ofendia de nomes que Amira nem sequer
imaginou que existisse.
Para não arfar qualquer exclamação de horror, Amira levou a mão à boca, tampando-a.
— Seja por bem ou por mal, todas vocês renderão o retorno equivalente a mim! E em
circunstância alguma permitirei que maculem meu nome! Sou conhecido por treinar as
melhores mulheres e do mais alto nível e menos que isso, é imperdoável! — ele se virou
para todas elas — Voltem a estudar do zero, em alguns dias irei novamente me certificar se
estão qualificadas ou não.
Amira sempre soube, e sorriu satisfeita sob a mão que tapava a sua boca, não errara seu
julgamento. Saiu de seu refúgio cuidadosamente e correu para poder falar às demais
meninas, o mais rápido que pôde, contudo, no meio deste caminho acabou fazendo barulho
ao esbarrar e derrubar uma bacia de metal.
Isto despertou a atenção do Sheik para si e de um momento para o outro, via-se perseguida
pelo homem.
— Amira!!! — exclamara ele em sua busca frenética por alcançá-la. Embora ela fosse
rápida, não era o suficiente para escapar de suas garras.
— Não vou me calar! Eu sabia que não deveríamos confiar em você! Um mentiroso, cruel e
covarde! Alá o punirá! Alá fará com que o pecador e demônio pague por tudo! Ele vê sua
crueldade! — Amira gritava.
Alguns empregados passavam um pouco ao longe e, neste momento, Amira percebeu que
todos compactuavam com este monstro.
Mulheres são só objetos, sem importância. Pensou amargurada. Mas não se renderia, não
quando tinha as meninas para proteger. Com esse pensamento, Amira fingiu acalmar-se um
pouco, pedindo ao Poderoso para dar-lhe a força necessária para fugir e então, ao deixar o
homem tentar tapar-lhe a boca, neste momento, ela aproveitou para morder com toda força
a mão de Said.
O sabor do sangue dele invadiu a boca de Amira e ele, devido à dor, a soltou com força
contra o chão.
Amira ousadamente sorriu o olhando, enquanto passava a língua nos lábios, recolhendo o
sangue dele que escapava, para então, cuspir próximo aos pés do homem.
— Você vai pagar por isso! — esbravejou indo para cima de Amira com seus olhos
vermelhos em pura fúria.
Mas por meio segundo, parou e pareceu ponderar o que deveria ser uma oportunidade em
que Amira poderia fugir, mas que não o fez, pois um arrepio subiu-lhe a espinha, no mesmo
instante em que um sorriso tenebroso nasceu nos lábios de Said.
Amira não tivera coragem de perguntar que plano seria este, pois sabia que não importava
qual fosse, tão pouco gostaria. Ele a pegou pelos cabelos e a arrastando, levou-a para uma
de suas torres. Ela gritou por todo o caminho, fazendo-se ser ouvida por todo o palácio, mas
Said não parecia se importar. Jogou-se no chão e ele a arrastou, ferindo-a contra a
superfície áspera. Nas escadas fora ainda pior, pois ela tentou se travar com as pernas,
implorando por socorro e ele apenas parou de caminhar. Por alguns segundos Amira
pensou que tudo estava acabado, que enfim seria a sua morte.
Ele então se virou para ela e um sentimento de extremo pavor a tomou, se levantou e
tentou correr, mas o Sheik foi mais rápido e a pegou, jogou-a nos ombros e voltou a subir as
escadas.
Said não se importava, nem sequer vacilou. Apenas seguia andando até o seu destino e
quando chegou nele, abriu uma porta e a jogou dentro.
Said se aproximou dela e ela se arrastou no chão para trás, tentando fugir de sua
aproximação.
— Tive um plano melhor para você, pequena. Irei criar uma esposa que até mesmo o sultão
irá desejar! Você será o meu melhor trabalho, se tornará uma lenda e farei você se tornar a
mulher mais desejada de todo o império! Você vai ser o meu caminho para cair nas graças
do Sultão — ele segurou o rosto com apenas uma mão e se aproximou do de Amira e
concluiu: — Deveria estar grata a mim, sua natureza e vivacidade podem ser trabalhadas e
sua força será o que a diferenciará das demais. Existe a possibilidade de se tornar uma
favorita.
A face de Amira perdeu a cor e então por meio segundo, lembrou-se de Khalid sorrindo,
como um fio de esperança agarrou-se a essa lembrança como se tivesse vivido em outra
vida distante. Instintivamente levou a mão ao peito onde continha a carta e o brinco entre
os tecidos de sua vestimenta. Ela queria ter a esperança de que ele a salvaria, afinal era um
rapaz corajoso e de bom coração e que já a salvara, antes de todas as desgraças
acontecerem em sua vida, mas seu fio de esperança estava arruinado diante do olhar cruel
daquele homem à sua frente.
Ela duvidava se conseguiria sobreviver a ele, para pensar em ser salva por qualquer pessoa.
Os ferimentos de Amira foram tratados com cuidado por uma das servas do Sheik. Contudo,
ela não podia aceitar o destino que lhe ofertavam. Por isso, tentativas de fuga ocorreram
assim como diversos castigos. Fome, chicotadas, golpes com as mãos e pés, humilhações de
diversos tipos.
Dia após dia, Said parecia ter menos paciência e mais prazer em vê-la sofrer. Desde que ela
chegou ao seu palácio, não teve um dia sequer de paz. Amira fazia questão de ser
insuportável, sendo a morte algo mais tolerável do que viver em desgraça.
Said a princípio não percebia a sua intenção, até um dia em que ele parecia estar de bom
humor, lhe apresentou uma grande agulha. Amira não compreendia o porquê de ele
parecer feliz, isso a fazia estremecer por dentro e quando ele ordenou que a segurasse, ela
se debateu como se sua vida dependesse daquilo. Seu instinto gritava em desespero, mas
seu corpo não era forte o suficiente para poder se livrar das fortes mãos que a seguravam.
— Você anseia pela morte, menina. Eu sei que fui tolo em demorar a notar, mas não lhe
darei este prazer — afirmou.
Said com suas próprias mãos, enfiava a agulha em alguns lugares em sua carne e a dor
alastrava-se por seu corpo. De um braço a outro ele fez, depois nas pernas, e por fim
segurou-lhe a mão e sob suas unhas a agulha fora enfiada causando enorme dor e agonia.
— Interessante, não é? Aprendi com um dos meus conhecidos estrangeiros para o qual
vendo tecidos — comentou.
Amira não conseguia responder, pois mesmo com a agulha fora de seu corpo a dor ainda
era pulsante e insistente.
— A partir deste dia, todos os dias será ferida. Até quando eu disser que está pronta —
pronunciou em voz clara e limpa.
E então se aproximou lentamente, sem tirar seus terríveis olhos castanhos dos dela.
— Se eu fosse você, menina, aprenderia a valorizar mais a vida, pois a morte é algo que não
lhe concederei até estar satisfeito.
— Ifrit … — murmurou Amira. Ela o olhou aterrorizada, não via mais um homem à sua
[6]
frente e sim, um demônio. Pensara que era uma das histórias de sua mãe, mas não, este
homem era a própria personificação de um, em corpo humano.
Compadecendo-se de Amira, uma das criadas foi cuidar de suas feridas às escondidas e
pediu chorando a menina que parasse de desafiar o Sheik. Ele poderia ser um homem bom
quando agradado, dando-a em um bom casamento que lhe daria uma vida confortável e
livre de desgraças. Ela parecia ter boas intenções, mas na mente da jovem menina, se
tornava inadmissível qualquer tipo de defesa a aquele homem repugnante.
Amira empurrou a mulher que lhe tratava e a bacia de ferro que ela segurava com água ao
limpar seus ferimentos fizera barulho ao cair no chão. Os homens do sheik entraram no
quarto poucos momentos depois, a seguraram pelos cabelos e estavam a arrastando para
fora do aposento enquanto a mesma gritava e chorava, Amira tentou impedir, mas recebeu
um chute que a fez cair para trás.
A porta que a trancava ali fora fechada. Obviamente, a garota se arrependeu de tê-la
empurrado, aquela que de alguma maneira queria o seu bem. Mas Amira viera a chorar
pesadamente no dia seguinte, quando uma bandeja de ferro lhe fora entregue em seu
aposento coberto com um tecido. Dentro da bacia, estavam ambas as mãos de alguém e de
alguma maneira Amira sabia, eram as mesmas mãos que trataram suas feridas... A mulher
que se compadeceu dela, agora estava morta por culpa dela.
A força e voz de Amira se foram em uma sensação de luto. Naquele dia não quis comer e
passou a noite em claro, mesmo com seus pertences de volta ao aposento. Naquele mesmo
dia, enquanto observava o sol nascer, ela tomou uma decisão.
Para que pudesse dançar como a mais nobre das mulheres e se tornar a mais sedutora das
odaliscas. Perfeita em diversas artes, filosofia e política. Amira acostumou-se com a dor e
desde o fatídico dia em que começaram sua tortura quase como um ritual e nunca mais
pararam, a dor dela parecia se tornar a melhor parte do dia de Said. E a lembrança do por
que ela deveria se tornar mais forte.
Por vezes Amira se vira feliz, quando Said viajava, pois gostava de ter o prazer dele mesmo
a ferir, mas em um dos seus retornos, ele casualmente disse os mitos e coisas que espalhara
sobre ela por aí. Inclusive, debochou da forma poética como alguns de seus homens se
referiam a ela ao ajudar a propagar a sua fama.
"Encontrada em meio às dunas do deserto,
De cabelos negros como a noite e ondulados como as areias do deserto...
De olhos azuis celestes como a água do mar e tão limpos como o céu sem
nuvens...
Seu corpo tem curvas suaves que causam inveja e levam à luxúria...
Ela é instigante como um oásis e nos torna sedentos por sua imagem,
até que se torna uma miragem.
Ninguém fora do palácio a viu, mas dizem ser a mais bela...
Ela é Amira, a flor do deserto."
A cada dia em que ela envelhecia, era mais um dia em que estava se tornando mais mulher.
Os dias passavam rapidamente e antes que o Sheik se desse conta, nove anos se passaram
desde que a acolheu e Amira, havia se tornado de fato, a mulher mais bela do continente.
Deixando por vezes o próprio Sheik tentado a tocá-la. Por este motivo ele soube que era
hora de conseguir chegar ao sultão. Saíra em viagem e dessa vez, jurou que retornaria
apenas quando ela fosse vendida a ele e, de fato, fora o que aconteceu, um desenho dela
chegou às mãos do Sultão que se viu perdidamente encantado pela jovem mulher. Assim, o
contrato de casamento fora selado entre o sultão e o sheik.
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A zarabatana (originária da palavra árabe zarabatan) é uma arma que consiste num tubo originalmente de madeira
(caule oco), e hoje de metal ou plástico, pelo qual são soprados pequenos dardos, setas ou projéteis.
[4]
é uma arma branca corto-perfurante, também dita, tradicionalmente, uma arma de estocada e de corte. A arma
tradicional mulçumana e turca correta seria cimitarra, porém para maior entendimento fora usado no texto: Sabre. Já
que ambas armas são similares.
[5]
substantivo feminino
1. 1.no Império Otomano, empregada escrava a serviço das mulheres num harém.
[6]
Ifrite [1][2]
(masculino) (em árabe: ;عفريتromaniz.: Ifrit; pl. )عفاريتe Ifrita (Ifritah; feminino), na mitologia árabe, são os
gênios maléficos da classe dos djins, são notórios por sua grande força e astúcia.