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Marinho
GRÁVIDA DO CEO QUE ME ENGANOU – A VISÃO DO AMOR

1ª edição | Criado no Brasil


Edição digital

Autora: S. D. Matinho
Revisão: Luana Souza
Diagramação: Luana Souza
Betagem: Mar Rodrigues e KF Assessoria

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL DESTA OBRA, DE QUALQUER


FORMA OU POR QUALQUER MEIO ELETRÔNICO OU MECÂNICO, INCLUSIVE POR MEIO
DE PROCESSOS XEROGRÁFICOS, INCLUINDO AINDA O USO DA INTERNET, SEM A
PERMISSÃO EXPRESSA DA AUTORA (LEI 9.610 DE 19/02/1998).
ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO. NOMES, PERSONAGENS, LUGARES E
ACONTECIMENTOS DESCRITOS SÃO PRODUTOS DA IMAGINAÇÃO DA AUTORA.
QUALQUER SEMELHANÇA COM ACONTECIMENTOS REAIS É MERA
COINCIDÊNCIA. TODOS OS DIREITOS DESTA EDIÇÃO SÃO RESERVADOS PELA
AUTORA.
SINOPSE

SINOPSE
DEDICATÓRIA
SINOPSE
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
DEDICATÓRIA

Para você, querida Nagela Meneses. Que Thomas Anderson te seduza


e conquiste um lugar especial em seu coração.
Para todas as leitoras capazes de amar incondicionalmente, que
entendem quando o amor acontece e se dedicam a construir laços fortes.
Sejam admiradas por sua força e gentileza, pois é a combinação dessas
qualidades que torna o amor verdadeiramente duradouro.
SINOPSE

Thomas Anderson:
Na disputa pela liderança da empresa do meu avô, eu sabia o que
precisava fazer: deveria me fingir de cego. E a participação fundamental de
Maya garantiria o sucesso do meu plano. Sua ingenuidade e incompetência
a manteriam alheia às minhas ações, evitando qualquer interferência dela.
O problema era que Maya não era, nem de longe, a ingênua e
incompetente que imaginei. E, como se não bastasse, desfilava seminua em
minha frente, acreditando que eu não poderia vê-la.

Maya Moore:
Enquanto eu tentava cuidar da minha avó nos últimos dias dela, uma
proposta de emprego parecia ser a solução. Thomas, apesar de ser frio e
arrogante, não parecia capaz de complicar ainda mais a minha situação.
No entanto, eu estava enganada. Thomas Anderson me manipulou de
todas as maneiras possíveis. Mas eu aprendi uma lição valiosa: nem tudo é
o que parece ser.
CAPÍTULO 01

Tempestade

THOMAS ANDERSON
— Certo, senhor. Convocarei uma reunião com a equipe de imediato
para colocarmos esses planos em ação — o líder de equipe afirma, com
seus lábios torcidos.
— A reunião está encerrada — proclamo, com um aceno, ao afastar a
cadeira para trás e sair da mesa.
Enquanto debatíamos, as opiniões pareciam ser rasas. É difícil ser o
mais prestativo da empresa. Estou cercado de incompetentes. Quando eu
me tornar CEO, farei reformas mais drásticas. Decepciona-me saber que o
meu avô não consegue enxergar que, no momento, muitos cortes se fazem
necessários, principalmente o do meu primo, Heitor. Ele parece ter parado
no tempo quando fez 17 anos, e isso tem prejudicado a empresa.
Assim que ponho os pés para fora do edifício, o estrondo de um
trovão ecoa, fazendo-me estremecer. Engulo em seco, sentindo um nó na
garganta. O caminho até a minha casa é longo, já que resido em um lugar
afastado da cidade. Lá vivo em meu mundo particular, cercado por ordem e
silêncio, diferentemente do caos que é dos muros para fora.
— Senhor, está chovendo. Devo chamar o motorista para vir buscá-
lo? — Erik, meu segurança pessoal, indaga. Ele abre o guarda-chuva para
me proteger do temporal.
— Está dizendo que eu não sou capaz de dirigir em um dia chuvoso?
Siga-me com o seu carro e me deixe em paz — resmungo, pegando o
guarda-chuva das mãos dele com um movimento brusco.
— O senhor tem certeza? Essa tempestade não passará tão cedo —
ele volta a falar e eu me limito a ignorá-lo para não ser mais rude que o
necessário.
Passo a mão no rosto para enxugar as gotas de água que respingaram
em mim e começo a caminhar até o estacionamento. Não serei parado por
uma tempestade.

A estrada, reta e deserta, leva unicamente à minha residência. Ela foi


criada especialmente para mim, e gastei milhões em sua construção e
preparação. Então, aqui posso dirigir em alta velocidade, como gosto. Saber
que uma tempestade tenta me intimidar faz eu me sentir vivo. Eu odeio
tempestades, mas as vejo apenas como um empecilho tentando me fazer
recuar e desistir de tudo.
Piso no acelerador e ouço o som do motor respondendo ao meu
comando. A velocidade aumenta muito e a chuva bate forte contra o meu
carro. Enquanto as árvores e a chuva se embaralharam devido à velocidade,
o reflexo de um garotinho surge no vidro. Ele está correndo, todo molhado
e chorando. Não deve ter mais que 7 anos.
Aquele era eu?
— NÃO! NÃO! — grito, pisando no freio, mas a porra do carro não
desacelera.
Eu olho pelo retrovisor, mas o garotinho não está mais lá.
A tempestade, o garotinho assustado, minha mãe soltando a minha
mão, o freio desobedecendo ao meu comando, a disputa injusta pela
empresa que existe entre mim e Heitor, meu avô com seus discursos... Tudo
se mistura em minha cabeça e eu perco o controle do carro. Vejo-me dando
uma pirueta no ar e, em questão de segundos, um flash de memória me
atinge em cheio.
Estou ouvindo por trás da porta do escritório do meu pai, onde meus
pais e meu avô conversam, com seus semblantes sérios, sendo vovô o mais
austero de todos. Atrás da janela com as cortinas entreabertas, eu posso
observar a forte tempestade que marca o momento, deixando-o ainda mais
assustador. Sinto medo e frio. As coisas que eles dizem não fazem sentido.
— Com a morte de Marcus, Thomas é o meu próximo sucessor. Eu o
levarei para se tornar um homem. Ele começará com o treinamento e será
tudo que você deveria ter sido, Antony — meu avô diz ao meu pai, que se
mantém em silêncio e acena positivamente.
— Mas, senhor Cole, o Thomas é apenas uma criança — minha mãe
intervém, mas é interrompida por um gesto de dedo do meu avô.
— Suzana, o Thomas não pode continuar nessa bagunça que vocês
chamam de família. Antony não tem o mínimo de prudência, além de não
ter nenhum jeito com a empresa. Ele se preocupa apenas com festas e
putas. E você, Suzana, planeja uma viagem atrás da outra, sem se importar
se estão alimentando o menino direito. E quem se preocupa com o futuro
brilhante que espera por Thomas?
Enquanto eles conversam, eu repito para mim mesmo que não quero
ir embora. Não posso ir embora.
Entro correndo no escritório e abraço a minha mãe, aos prantos.
Sinto os meus lábios tremendo, com o pânico e o medo de ser afastado da
minha casa e levado com o meu avô. Já estive na casa dele e não gostei. Lá
é tudo muito sério e regrado, e eu tinha sempre que me comportar como um
adulto. Mas não sei ser um adulto. Não quero ser um adulto. Os adultos
estão sempre estressados e com pressa. Já aqui, na minha casa, apesar de
não ser perfeito, como eu gostaria, às vezes tenho a minha mãe em casa, e
ela é maravilhosa comigo, abraça-me e faz bolo de chocolate. Isso faz tudo
valer a pena, assim como o abraço dela, o cheiro dela e os beijos de boa
noite. Aqui é a minha casa, e eu queria ficar aqui.
— Eu não quero ir, mamãe. — Choro, agarrado às suas pernas.
No entanto, sinto uma mão firme em meu ombro, apertando-o com
mais força que o normal, que me puxa para trás e me faz encarar o meu
avô.
— Thomas, sua mãe e seu pai não estão aptos para cuidarem de você.
Você é pequeno e não entende, mas eu vou te transformar em um homem
forte. Não cometerei com você os mesmos erros que cometi com o seu pai.
— Ele me olha friamente. O seu bigode bem desenhado apontava para cima
enquanto ele falava, com uma voz autoritária.
Eu me debato, tentando escapar do aperto dele, porém ele é muito
mais forte. Minha mãe e meu pai permanecem em silêncio, com o olhar
baixo, como se concordassem com o meu avô.
— Não me deixe, mamãe. Eu quero abrir os presentes de Natal —
peço, com a voz mais tranquila, segurando na mão dela e tentando fazê-la
enxergar que aqui é o meu lugar.
Contudo, ela não responde nada, apenas me lança um olhar triste e
solta a minha mão.
— Você precisa aprender a ser um líder, Thomas. Não podemos
permitir que a empresa que construí vá à ruína por causa da
irresponsabilidade do seu pai. Seu tempo de brincadeiras está terminado. É
hora de crescer e assumir suas responsabilidades — vovô declara, com
uma expressão implacavelmente assustadora.
Neste momento, eu me sinto impotente, preso entre as mãos frias dele
e a tristeza nos olhos da minha mãe, com ela soltando a minha mão. Eu não
quero deixar minha casa, minha mãe, minha vida. Eu preciso reagir. Em um
impulso, saio correndo. Corro sem parar, sem ouvir os protestos dos meus
familiares e dos funcionários. Corro para fora da casa, na tempestade.
Estou quase tropeçando, todo molhado, mas continuo correndo sem rumo,
lutando para escapar de tudo. A chuva se mistura às lágrimas em meu
rosto, deixando-as mais doces.
Entretanto, não demorou muito para um dos seguranças do meu avô
me segurar pela camisa e me erguer. Então, sou levado direto para dentro
do carro que me levará à mansão Anderson. Olhando para trás, vejo a casa
que eu chamava de minha, sem ninguém me acenando um “adeus”.
— Senhor Anderson? — Ouço alguém me chamando ao longe e sinto
dores de cabeça. Estou estranho, como se estivesse bêbado. — Senhor
Anderson, pode me ouvir?
Abro os olhos, mas nada vejo.
— Acenda a luz — peço, tentando me sentar na cama e apalpando o
colchão com as mãos para não cair, pois está tão escuro, que é impossível
ver um único resquício de luz.
— Como assim, senhor Anderson? Não está enxergando? — A
mulher pergunta, tocando em meu ombro.
— Que brincadeira é essa? Alguém acende a porcaria da luz! Exijo
que cumpram a minha ordem! — digo, alterado.
Afasto as pernas para o lado, a fim de descer da cama e acender a luz
eu mesmo. Ouço vozes se aproximando e paro os meus movimentos. Meu
coração acelerado quase não me deixa ouvir.
— Calma, senhor Anderson. A luz está acesa — um homem diz ao
meu lado e eu viro o rosto em direção a ele.
— O que está acontecendo? Por que está tudo escuro para mim? —
Tento controlar o nervosismo diante da situação. — Se estão me pregando
uma peça, saibam que não é engraçado, e responderei de um jeito menos
engraçado ainda.
— Houve um acidente, senhor Anderson. Seu carro saiu da estrada na
tempestade, e agora o senhor está no hospital. Seus familiares chegarão em
breve — uma voz feminina responde agora, segurando gentilmente em meu
braço.
De imediato, lembro-me da tempestade, do carro em alta velocidade e
do freio não funcionando.
Eu, que me via invencível, agora estou vulnerável.
— E minha visão? Isso é temporário? — questiono, firme e
profissional.
— Os médicos irão avaliar. Pode ser temporário, pelo impacto.
Faremos exames para ver a extensão dos danos — a mulher explica.
— Chame os médicos mais competentes para resolver isso — instruo,
apalpando os móveis para voltar para a cama. — Quero o meu celular. —
Coloco as mãos nos bolsos, a fim de ligar para Erik.
Sinto-me impotente, algo com o qual não estou acostumado. Mas sei
que isso é resultado de uma conspiração. O freio não ter funcionado não faz
sentido. E o pior é que estou cego, não enxergo nada. Tornei-me uma presa
fácil. Heitor, obviamente, ficará com a empresa agora. Não posso crer que o
garotinho cresceu firme e forte para acabar assim.

MAYA MOORE
30 dias depois

— Você sabe como funciona, Maya. Ande rápido o suficiente para


não enrolar e lento o suficiente para não causar acidentes. Veja, derramou
tudo! Agora será descontado do seu salário! — o senhor Mason quase grita,
espirrando saliva em meu rosto.
Ele está furioso comigo devido ao meu erro, mas eu não tive culpa.
Ele me assustou quando apareceu de repente atrás de mim.
— Perdão, senhor. Eu entendi que deveria ser muito rápida, por isso
estava com pressa. E o senhor apareceu do nada e... — eu tento me explicar,
mas ele me interrompe com um gesto brusco.
— Cale-se! Eu não lhe pago para dar desculpinhas, eu lhe pago para
trabalhar! Agora, limpe tudo isso e volte ao trabalho, antes que eu desconte
os minutos em que você não vai ser útil — ele esbraveja, limpando o suor
da testa, e me olha com desprezo. — E saiba que a conta da lavanderia, eu
mandarei para você — acrescenta, afastando-se e tentando limpar sua
camisa suja de molho de tomate.
Como eu iria imaginar que ele surgiria do nada, parecendo um
fantasma?
Será que o senhor Mason faz isso de propósito, para me fazer pedir
demissão? Eu tento fazer tudo perfeitamente, como ele pede, mas sempre
acabo me ferrando no final. Esse é o pior emprego que já tive, e esse
homem é o pior chefe. Não sei como estou aguentando aqui há quase um
ano.
Fazer o que, se não vejo outra opção?
Tudo é difícil para mim, e procurar outro emprego seria algo
perigoso, já que nada nesta vida é certo. Eu preciso desse dinheiro para
sobreviver e ajudar a minha avó.
Olho para as coisas caídas no chão e para mim mesma toda suja.
Deixo os meus ombros caírem, desanimada. Vou até a cozinha e, sob os
murmúrios das outras funcionárias, pego um pano e um balde com água,
fingindo não estar ouvindo nada e que não tem nenhum dedo apontado para
mim. Elas devem estar pensando que eu sou uma incompetente, porém não
sabem dos meus problemas e do quanto o chefe implica comigo.
Volto até a bagunça, abaixo-me diante da sujeira e começo a limpar
tudo. Não vejo a hora de sair deste maldito emprego, mas, infelizmente,
para mim, esse sonho parece cada vez mais distante, já que fui obrigada a
trancar a faculdade. Como minha avó precisa de remédios caros, eu tive que
escolher entre os remédios dela e a faculdade. Eu queria tanto terminar os
meus estudos, mas a vida não me deu essa chance. E agora estou presa
neste inferno, sem esperança de um futuro melhor. Mas tudo bem, é por
uma causa nobre.
— Em que posso ajudar, senhores? — Aproximo-me de dois homens
bem vestidos, que parecem ter saído de uma revista de moda.
Eles estão parados na frente do balcão, olhando para o cardápio com
desinteresse. Um deles até usa óculos escuros e sua expressão é séria. Logo
se vê que é um típico rico. Ele veste uma camisa de gola polo branca e uma
calça social marrom-clara, que deve custar o valor da casa onde vivo. Seu
companheiro está vestindo um terno preto, com as mãos juntas na frente do
corpo. Parece um segurança pessoal. Ele tem um semblante fechado e um
olhar atento a tudo ao seu redor.
— Quero um analgésico — o de óculos escuros diz, sem virar o rosto
para mim, e, em seguida, senta-se em um banco de frente para o balcão.
Sua voz é grave e autoritária, como se ele estivesse acostumado a dar
ordens. O homem não parecia estar brincando, mas não consigo acreditar no
que ele acabou de pedir. Tento disfarçar um sorriso, tapando a minha boca
com a mão. Ao perceber o segurança me olhando com atenção, tento ficar
séria. Não quero arrumar confusão com esses dois, mas também não posso
deixar de achar a situação ridícula.
— Senhor, como pode ver, aqui é uma lanchonete, não temos
analgésicos aqui. — Comprimo os lábios.
Eu espero que ele entenda e peça algo mais adequado ao local, como
um sanduíche ou um milk shake. Vejo-o se levantar e se virar para mim.
Agora noto que ele segura uma bengala-guia em sua mão. Meu corpo
estremece com a recente descoberta. Ele é cego! Como não percebi isso
antes? Será que ele não sabe onde está? Acho que pode ter se perdido. Será
que precisa de ajuda?
— Oh! O senhor é cego. Entendo perfeitamente. — Sorrio, com
compreensão.
Sinto-me mal por ter rido dele, mesmo que sem querer. Ele deve ter
muitas dificuldades na vida. Entendo perfeitamente.
— Mas o Erik não é cego, então sei que estou em uma lanchonete,
garota — ele responde, com impaciência, apontando para o segurança ao
lado, que eu presumo ser o Erik. — Vai me conseguir o analgésico ou não?
— Parece irritado.
Já entendi. Ele não quer a minha pena, quer o seu remédio. Fico
indignada com a sua arrogância, mas logo suspiro e me lembro de que ele é
um cliente. Tenho que o tratar bem, mesmo que seja um babaca. Talvez
esteja com dor de cabeça ou algo assim.
— Infelizmente, não será possível, senhor — explico pacientemente.
Pelo jeito, ele não sofre apenas de cegueira.
Quem, em sã consciência, entraria em uma lanchonete para comprar
analgésicos?
Será que ele pensa que isso aqui é uma farmácia?
— Chame o Mason, ele vai resolver isso — ele diz, com raiva.
Eu o imagino revirando os olhos por trás dos óculos, mas sei que isso
não é possível devido à sua condição.
O homem parece conhecer o meu chefe. Será que é algum amigo ou
parente do senhor Mason? E se quiser reclamar de mim para ele? É só isso
que faltava para a minha vida se complicar ainda mais.
Nessa noite, em breve, estarei em minha casa, descansando e longe
deste inferno, aconteça o que acontecer.
— Maya, que modos são esses de tratar um cliente? — Tomo um
susto ao ouvir a voz do meu chefe em minhas costas e dou um pulo para
trás, fazendo-o derrubar o copo de suco, que trazia nas mãos, em sua roupa
recém-trocada.
Que merda! Hoje nada está dando certo para mim.
Fico olhando para a cara do senhor Mason, apertando o meu uniforme
com força entre os dedos. É a segunda roupa dele que sujo hoje. Com
certeza serei demitida. Ele está vermelho de raiva e de vergonha, pois os
outros clientes estão olhando para a cena com curiosidade e risinhos.
— O senhor vai me demitir? — questiono, segurando as lágrimas. —
O senhor me deu um baita susto. Eu sinto muito — tento me desculpar, mas
sei que não adianta.
Ele já deve estar farto de mim e das minhas trapalhadas. Deve estar
louco para se livrar de mim e contratar alguém mais competente e menos
azarada.
— Depois conversamos sobre isso. — Ele sugere, com os olhos, que
eu me afaste.
— Vou limpar essa bagunça — murmuro, com o semblante caído.
Faço uma mesura para o meu chefe e para os clientes e saio, em
passos apressados, para buscar as ferramentas de limpeza.
Droga!
Mil vezes droga!
Vejo o lado bom: ao menos serei obrigada a conseguir um novo
emprego, pois é visível que, dessa vez, serei demitida. Eu não tenho mais
chance de ficar aqui, depois de tudo que aconteceu hoje. Não sei como vou
pagar as minhas contas, como vou ajudar a minha avó e como vou voltar
para a faculdade. Não sei como vou viver.

THOMAS ANDERSON
— O analgésico foi apenas uma desculpa, Mason. Estou em busca de
uma jovem — digo discretamente, com a mão repousando sobre a bengala
que carrego.
— Uma jovem? Como assim? — ele indaga quase em um murmúrio.
— Eu o recompensarei generosamente por isso — asseguro. — Quero
a sua funcionária menos produtiva, a mais desajeitada e menos preparada.
Aquela que não se destaca em muitas tarefas.
— Em meu estabelecimento, não tenho nenhuma funcionária assim.
Minha lanchonete conta com as funcionárias mais bem preparadas de Nova
Iorque — Mason diz com orgulho, tentando me convencer de que é um bom
gerente.
Ele não quer admitir que tem alguma funcionária ruim e que tem
alguma falha em seu negócio. Está tentando me impressionar com a sua
falsa eficiência e qualidade. Contenho um riso ao me recordar da garota
patética que me atendeu quando cheguei. Ela é exatamente o que estou
procurando.
— E quanto à jovem desastrada que estava aqui há poucos minutos?
— Maya estuda economia e administração. Na verdade, a faculdade
está trancada, mas ela é uma garota...
— Certo, Mason. Buscarei em outro lugar. — Dou de ombros,
fingindo desistir da minha busca. Eu prefiro agir discretamente e a pegar de
surpresa. — Vamos, Erik — chamo o meu segurança e me dirijo à saída,
utilizando a bengala para explorar o chão.
Ao passarmos pela porta, paro e enfio a mão no bolso, de onde tiro
um cartão de visita.
— Leve meu cartão até aquela jovem e diga que tenho um trabalho
especial para ela — informo, erguendo o cartão na altura dos ombros. Na
mesma hora, Erik o pega.
— Agora, senhor.
— Aguarde até que ela saia. O expediente encerrará em breve. — Sei
que ela deve estar quase terminando o seu turno. — Instrua-a a enviar o
currículo para a minha secretária ainda nesta semana.
— Certo, senhor — ele responde, obedecendo-me sem questionar.
Erik é leal e eficiente, e eu confio nele plenamente.
Adentro o veículo e instruo o motorista a me conduzir para casa. Eu
quero me preparar para receber a minha nova peça. A peça de um jogo
divertido que estou jogando. Um jogo no qual eu sou o caçador e os outros
são as presas.
CAPÍTULO 02

Uma nova possibilidade

MAYA MOORE
— Já limpou tudo que pedi? — O senhor Mason se aproxima de mim
por trás, com passos silenciosos.
Estou debruçada sobre a pia, lavando um monte de louças sujas que,
curiosamente, todas as funcionárias deixaram para trás. Elas foram embora
mais cedo.
— Senhor Mason! — reclamo, pois ele se aproximou demais de mim,
fazendo o seu corpo tocar no meu por inteiro. Isso me deixa assustada e
desconfortável, e eu dou um pulo para o lado, tentando me afastar dele.
— Você sabe que lavar toda essa louça é o seu castigo por ser tão
irresponsável, não sabe? — Ele está com as mãos na cintura e um olhar
severo no rosto. Parece se divertir com a minha situação.
— Certo. Lavarei tudo — respondo, com a voz trêmula. — Tentarei
ser mais eficiente daqui para a frente.
Caminho lentamente até a pia de novo, passando por cima do medo
que estou sentindo. Nunca fiquei sozinha com homem nenhum antes, ainda
mais com ele, que me odeia.
— Não sei o que fazer com você. Você é minha funcionária menos
produtiva, a mais desajeitada e menos preparada. — Ainda com as mãos na
cintura, ele me olha dos pés à cabeça, enquanto eu volto a lavar os pratos,
tentando não derrubar nada. — Você faz tudo errado! Não é boa em nada!
— Por favor, senhor Mason, me deixe em paz ou me demita de uma
vez. Não fique me torturando de maneira tão maldosa. — Solto a louça,
afasto-me dele enxugo as mãos em meu uniforme.
— Eu sei de uma maneira como você pode ser muito útil para mim.
— Ele mantém uma expressão estranha nos olhos. — Aquele babaca
arrogante colocou o olho em você, mas você já é minha. — Aproxima-se de
mim novamente e me agarra pelo braço.
— O quê? Me solta! Me solta agora! — Debato-me, percebendo as
suas intenções.
— Você vai me pagar de uma outra forma pelos prejuízos que me
deu. — Arrasta-me para fora da cozinha e me leva para o seu escritório.
Ele tranca a porta atrás de nós e me joga na sua mesa.
— O senhor é casado, isso é muito errado. — Tento manter a calma,
apoiando o corpo em meus cotovelos.
Se ele pretende usar a força contra mim, devo fingir que não será
necessário me forçar a nada. Ao contrário do que ele pensa, eu sou boa em
uma coisa: em fingir.
Meu chefe vem até mim, com seus olhos alegres.
— Minha esposa não me excita. Eu gosto das jovens branquinhas, de
cabelo preto e liso e dos lábios carnudos, como você.
— Não acha que irmos a um motel seria melhor? — Forço um
sorriso, mas isso é demais para mim.
Preciso que ele abra aquela porta para que eu saia correndo o mais
rápido possível. Estou muito assustada e não sei o que fazer. Não sei mais o
que dizer para fugir desta situação infernal.
— Cale a boca antes que eu a ocupe com meu pau. — Ele começa a
tentar tirar minhas roupas e me beijar à força.
— SOCORRO! ALGUÉM ME AJUDA! — eu grito, chorando,
desesperada, mas sei que ninguém vai me ouvir.
Estou sozinha com ele, e o desgraçado vai fazer o que quiser, porque
minha força não é nada diante da sua. Isso é um pesadelo.
Mason ainda está sobre o meu corpo, com suas mãos asquerosas me
tocando, e eu dou uma mordida na orelha fedida dele com todas as minhas
forças, na tentativa de fazê-lo se afastar de mim.
— Sua vagabunda! — Ele sai de cima de mim e, na mesma hora, a
porta se abre com um estrondo, chamando a nossa atenção.
— SOCORRO! — Corro em direção ao homem que entrou no
escritório segurando uma arma.
Com a respiração curta, quase sem conseguir respirar, consigo
reconhecê-lo. É Erik, o segurança do arrogante que estava aqui mais cedo.
Ele caminha até o senhor Mason, que está com os olhos arregalados e a
orelha sangrando, e o golpeia com os punhos fechados. Limpo a minha
boca, que ainda sente o gosto do sangue que arranquei dele.
— Abra a porra do cofre e dê dinheiro para a garota! — Erik diz,
apontando-lhe a arma.
Acenando positivamente com a cabeça sem parar, o senhor Mason se
arrasta até o cofre e coloca a sua senha. Tudo é muito rápido e eu não
consigo raciocinar direito.
Erik me entrega um maço de dinheiro. O dinheiro que ele pegou do
senhor Mason.
— Ele tem família — digo, com a voz embargada, lembrando-me de
que esse infeliz não respeita a esposa dele. Não respeita nenhuma mulher.
— Tome a porra do dinheiro, senhorita. Esse verme dará um jeito.
Estarei atento — Erik fala e me indica a sair do escritório.

— Você está bem? — o segurança me pergunta, com uma expressão


de preocupado, quando chegamos em frente à minha casa.
Apesar de eu não estar nada bem, depois de tudo que aconteceu hoje,
balanço a cabeça positivamente, tentando parecer convincente, e arrumo a
minha bolsa no ombro.
— Aqui. Entre em contato com o meu chefe, ele tem um trabalho para
você. — Ele me estende um cartão com um nome e um número impressos.
Pego o cartão com cautela e o olho, desconfiada.
“Thomas Anderson”.
— Trabalho para mim? Que tipo de trabalho? — questiono,
lembrando-me de que o homem cego, que ele chamou de chefe, não parecia
nada amigável quando o atendi na lanchonete.
— Você é estudante de administração e economia, certo? — ele
continua, ignorando a minha pergunta.
— Bem... Na verdade... — Como vou explicar que tranquei a
faculdade no primeiro ano devido aos problemas financeiros e à doença da
minha avó?
— Não pense que será fácil, antes terá que passar pela entrevista. Por
isso, envie logo o seu currículo para a secretária. O contato dela está no
verso do cartão. — Ele vira as costas, disposto a retornar para o táxi que nos
trouxe até aqui.
— Eu enviarei — respondo quase em um grito, sabendo que não
tenho muitas opções sobre o que fazer daqui para a frente.
Talvez esse trabalho seja uma oportunidade de eu mudar a minha vida
para melhor. Ou talvez seja apenas mais uma decepção.
Abro a porta e entro em casa, sem nem esperar o táxi sair. Encosto-me
nela e escorrego lentamente até o chão, abraçando a mim mesma. Sinto as
lágrimas quentes escorrerem pelo meu rosto e soluço baixinho. Hoje foi um
dia difícil demais. Perdi o meu emprego, contudo, infelizmente, devo me
sentir aliviada por isso. Sofri assédio sexual, e sabe-se lá Deus o que teria
acontecido se Erik não tivesse aparecido. Não, melhor, se o homem cego
não quisesse me contratar.
— Maya? Você chegou, minha boneca? — Ouço a fraca voz da minha
avó me chamando do outro lado da casa.
Trato de passar as mãos no rosto para enxugar as lágrimas. Não quero
que ela me veja assim, tão triste e desesperada.
— Sim, vovó. A sua neta mais linda do mundo chegou. — Sorrio
enquanto me levanto para ir até ela, que, provavelmente, está no quarto,
onde passa a maioria do tempo.
Vovó é a única pessoa que me ama neste mundo, e eu faria qualquer
coisa por ela, até mesmo trabalhar para aquele homem cego arrogante, que
se veste como se fosse desfilar. Não é só porque ele é lindo e tem um
segurança pessoal, dinheiro e roupas caras, que pode sair por aí sendo
arrogante com as pessoas.
Ah... Do que estou reclamando? Já aguentei coisas muito piores.

O dia da entrevista chegou. Tive medo de me atrasar, por isso vim


meia hora adiantada. Claro que só após deixar tudo organizado para a
minha avó não sofrer em sua rotina.
O edifício é luxuoso e gigantesco, com uma aparência futurística. As
portas de vidro se abrem automaticamente, dando entrada para um saguão
ainda mais esplêndido. O porcelanato, que cobre a maioria do chão, chega a
brilhar de tão limpo. Eu me sentiria intimidada se o trabalho que estivesse
me esperando aqui fosse o de faxineira. Deve ser o mais difícil entre eles.
Mas a secretária, Alice, já me adiantou que a vaga é para assistente pessoal
do senhor Anderson. O pouco contato que tive com ele foi desagradável,
mas pode ter sido apenas uma primeira impressão ruim. Após nos
conhecermos, poderíamos trabalhar bem juntos.
Contudo, ao chegar ao local da entrevista, recebo um balde de água
fria: aqui tem muitas outras concorrentes, e bem mais competentes do que
eu. Eu as ouço falando sobre suas formações e experiências em outras
empresas, e me pergunto o que estou fazendo aqui.
— Trabalhei por cinco anos no hotel The Luxe, sendo três anos como
gerente, e fui eleita a melhor funcionária do ano duas vezes — conta uma
moça loira e alta, que usa um conjunto social elegante e um coque que a
deixa perfeita para o cargo.
Abaixo os olhos e analiso o meu suéter cor-de-rosa, que foi a peça
mais formal que consegui encontrar entre as minhas roupas. Olho para o
meu vestido cinza, com alguns fiozinhos soltos, e tento me esconder com as
mãos, no entanto, o meu calçado surrado, de um preto sem vida, é
impossível esconder. Acho que os meus óculos me deixam um pouco mais
profissional. São óculos de descanso, que uso ocasionalmente à noite para a
leitura, mas que hoje decidi colocar. E acho que, como irei lidar com
bastante documentos, se for contratada, ele será bastante utilizado daqui
para a frente.
Uma moça, como as outras, elegantemente bem vestida, sai
desanimada da sala onde está acontecendo a entrevista. Presumo que ali
seja o escritório do senhor Anderson. Ela lança um olhar significativo para
todas nós e caminha para a saída, cabisbaixa.
O que ela quis dizer com aquele olhar? O que entendi foi que a
entrevista está muito difícil e que é melhor tomarmos cuidado.
Será que ele me chamou aqui apenas para me humilhar?
Alice, a secretária, que tem seu local de trabalho posto em frente ao
escritório do senhor Anderson, olha-nos com curiosidade, mas permanece
em silêncio, como se não quisesse se intrometer. Espero que seja isso, não
rivalidade.
— Eu sou a próxima. — A ex-gerente de hotel se levanta, com um
olhar vitorioso, e olha para mim dos pés à cabeça, com pena.
Eu e as outras concorrentes à vaga nos entreolhamos, uma mais
insegura que a outra. Contudo, nem dois minutos se passam e a moça sai
aos prantos do escritório.
— Esse homem é o mais estúpido que já conheci! — ela exclama,
fungando e tentando conter as lágrimas. — Ele me humilhou, disse que eu
não tenho o perfil que procura e que eu não estou à altura do cargo. Eu
nunca tinha sido tratada assim na minha vida! Mas, também, como deixam
um cego fazer esse tipo de trabalho? É óbvio que ele não entende nada. Se
eu fosse vocês, nem me daria ao trabalho de entrar naquela sala — ela
resmunga e praticamente corre até a saída, com as mãos no rosto.
O clima se tornou ainda mais tenso. Vejo algumas das concorrentes se
olhando, nervosas. Uma moça ruiva se levanta, desistindo, e vai embora, e
eu, que já estava ansiosa, começo a suar frio. Outra se levanta para ir à
entrevista e eu me estremeço toda, porque depois dela sou eu. Eu queria sair
correndo também e me poupar dessa aflição, porém não posso desistir dessa
nova possibilidade, por menor que ela seja.
CAPÍTULO 03

Em que você é boa?

THOMAS ANDERSON
A porta se abre e, por trás dos óculos escuros, vejo mais uma das bem
preparadas concorrentes entrar desfilando em seus saltos finos.
— Bom dia, senhor Anderson — ela me cumprimenta, sorridente,
com as mãos juntas na frente do corpo, aguardando para ser convidada a se
sentar e olhando tudo ao redor com curiosidade.
Estou cansado de fazer cena. Ela, obviamente, pensa que não consigo
vê-la, assim como todos os outros além de Erik.
— Vou poupar o seu tempo. Analisei a sua ficha, e você não é o perfil
que estou procurando — digo de forma direta, sem rodeios.
A expressão de confiante da moça desmorona, sendo substituída por
uma de choque e incredulidade.
— Mas... Mas eu não tive nem a chance de me apresentar ou mostrar
minhas habilidades... — ela balbucia, visivelmente, desapontada.
— Você não se encaixa no perfil que estou procurando. Agradeço
pelo seu tempo e desejo sucesso em sua busca por emprego — mantenho
minha voz firme e séria.
— Traduziram a minha ficha para o braile? O senhor conseguiu ler
direitinho? Será que escreveram direito? Viu a minha formação,
experiências e o quanto sou eficiente? Eu posso agregar muito ao seu
rendimento, senhor Anderson. Espero que reconsidere a sua decisão. Sou
uma profissional determinada, dedicada e estou disposta a me esforçar ao
máximo para alcançar os objetivos da empresa. Prometo que não deixarei
nenhum detalhe passar e...
— Eu não leio em braile, sou cego há pouco tempo. Está me fazendo
perder tempo, senhorita Lis. Saia e peça para a próxima candidata entrar —
digo, imóvel, quando ela tenta argumentar.
A expressão de frustração dela é evidente, mas ela se retira da sala,
fechando a porta atrás de si.
Erik, meu leal segurança, permanece ao meu lado, observando cada
interação com atenção. Ele conhece o meu estilo direto e sabe que não
costumo perder tempo com formalidades desnecessárias, ainda mais quando
já sei qual resultado quero.
— Agora é a vez da atrapalhada. — Eu dou um sorriso de lado e, na
mesma hora, a porta se abre outra vez.
Ali está ela. Agora a entrevista de emprego de verdade começa.
Diferentemente da postura confiante que Maya mantinha ao se dirigir
a mim na lanchonete, agora parece assustada e insegura. Sua aparência está
perfeitamente adequada para este momento. Sabendo da sua situação,
imagino que ela tenha se esforçado para tal feito. De óculos, parece mais
séria e responsável. E eu sei que só parece.
— Maya Moore, já sei absolutamente tudo sobre você. Sente-se.
— Senhor Anderson, primeiramente, permita-me lhe agradecer por
essa oportunidade. — Senta-se na cadeira, com um sorriso grato.
— Qual oportunidade? Por que eu deveria contratar você? Por acaso,
vai derramar suco em mim ou me questionar quando eu pedir um
analgésico, independentemente do lugar em que estivermos? — questiono,
com as mãos juntas sobre a mesa, sem rodeios, com o propósito de vê-la se
atrapalhar e mostrar, mais uma vez, sua falta de habilidade e péssima
comunicação.
Maya engole em seco, visivelmente, desconfortável com a pergunta
direta. Ela balança a cabeça, tentando se concentrar em suas palavras.
— Eu... Bem... Está se vingando de mim? — Levanta-se, preparada
para sair.
— Você está contratada — anuncio, com um sorriso vitorioso. —
Erik, mande todas as outras irem embora. Encontrei a minha assistente
pessoal.
Erik obedece prontamente às minhas ordens, levantando-se e saindo
da sala para ir comunicar às demais candidatas que não há mais necessidade
de elas aguardarem. Enquanto isso, observo a reação de confusão de Maya,
que não consegue acreditar na reviravolta da situação.
— Contratada? Mas eu não entendo. Eu pensei que não teria o perfil
adequado... — Ela tenta absorver a informação.
— Você mostrou coragem e determinação, mesmo diante da minha
falta de tato. É exatamente esse tipo de atitude que procuro em uma
assistente pessoal — explico, mentindo descaradamente e mantendo um
tom sério, mas com um leve sorriso no rosto.
Obviamente, eu a contratei porque ela era a menos competente entre
todas. Exatamente o que eu preciso para não ser atrapalhado por uma
curiosa.
Maya permanece em pé, ainda processando as informações. Seus
olhos azuis me fitam com uma mistura de surpresa e gratidão.
— Obrigada, senhor Anderson. Não vou decepcioná-lo, prometo.
Agradeço pela oportunidade. Eu não poderia estar mais feliz — ela
responde, com uma leve vermelhidão em suas bochechas, e quase faz eu me
sentir culpado com suas palavras sinceras.
Apresso-me em me defender, mesmo que ela não faça ideia disso.
— Seu salário será generoso o suficiente para que se sinta pressionada
a trabalhar cada vez mais, para que se sinta impossibilitada de me dizer não.
— Finjo estar olhando para a mesa.
— Será tão generoso assim, senhor Anderson? Q-quero dizer... Tenho
compromissos fora do horário de trabalho e...
— Devo repensar a sua contratação? — Arqueio a sobrancelha, atento
às suas reações.
— Não, senhor Anderson. Eu estarei sempre disponível para o senhor,
mas...
— Alguma dúvida? — interrompo-a.
— Eu sei que o senhor não consegue enxergar a minha aparência, mas
preciso perguntar.
— Sim?
— O senhor tem algum interesse sexual em mim?
Quase me engasgo com sua pergunta descabida. Contudo, Erik me
contou que Maya foi importunada sexualmente por Mason.
— O quê?! De onde saiu essa ideia? Não. Absolutamente, não. Não
estou interessado em você dessa maneira. Minha única preocupação é que
você seja eficiente e cumpra as suas responsabilidades como minha
assistente pessoal. Entendeu?
— Perdoe-me. É que...
— Não me compare ao seu antigo chefe. Aquele homem estará na
prisão quando menos esperar — rosno, apertando os dedos.
— Certo, senhor Anderson. Espero que entenda o motivo dessa minha
pergunta. É que...
— Entendo, mas continuo ofendido com ela.
— Estou demitida?
— Quando eu for me encontrar com alguém com a intenção de me
relacionar sexualmente, confiarei em você para adicionar à minha agenda.
— Bem, entendi...
— E, além do mais, como sou cego, contarei com a sua ajuda para me
descrever a aparência da possível sortuda que me terá em sua cama. Isso te
deixa desconfortável? — Junto as mãos sobre a minha mesa e,
discretamente, analiso a sua expressão de choque e as bochechas vermelhas
sob a pele branca do seu rosto.
No entanto, fico surpreso com a rapidez com que ela muda sua
expressão facial e assume uma postura mais formal e profissional.
— Senhor Anderson, eu tenho experiência em lidar com pessoas que
possuem deficiência visual, e compreendo perfeitamente a sua situação.
Quando o senhor tiver interesse em alguma mulher, eu o ajudarei a se
aproximar dela e a...
— Era apenas um teste para eu saber se você será útil em qualquer
coisa que eu precisar — interrompo-a, sem paciência. — É claro que nunca
saberá dos meus casos amorosos. — Faço uma careta, irritado comigo
mesmo por ter prolongado esse assunto sem sentido. Eu nem sei por que
comecei a falar sobre isso.
— Eu começo amanhã?
— Amanhã? Você começa hoje mesmo. Não tenho tempo a perder. A
partir de agora, é minha assistente pessoal em tempo integral. Não terá mais
compromissos fora do horário de trabalho. Entendeu? — imponho minha
autoridade, deixando claro quem manda.
— Entendido, senhor Anderson. Estarei à sua disposição em tempo
integral. — Maya balança a cabeça, concordando com a situação.
Posso estar enganado, mas penso ter visto um lampejo de dúvida em
seu olhar. Porém, se ela tem alguma dúvida, consegue disfarçar muito bem.
A mulher é esperta, então espero não ter cometido um erro ao contratá-la.
— Assine os papéis que estão na pasta vermelha, na primeira gaveta
do móvel à sua direita — instruo-a, sentindo-me incomodado por não poder
buscá-lo eu mesmo e entregar a ela. — Mas só após ler e concordar com
tudo.
— Certamente, senhor Anderson.
— E logo depois, se encaminhe ao RH. Também estarei lhe
providenciando um cartão corporativo para que...
— Cartão corporativo? Isso não será necessá... — Eu a interrompo
com um gesto de mão.
— Para que esteja preparada visualmente. Estou ciente da sua
situação financeira, e cuidarei disso. Como minha assistente, você precisa
estar impecável.
— Como quiser, senhor Anderson.
CAPÍTULO 04

Primeira tarefa

MAYA MOORE
Ainda estou sentada na cadeira em frente ao senhor Anderson. Ajeito
os óculos, tentando disfarçar a minha incredulidade após ter assinado os
documentos que já estavam preparados com o meu nome. Tudo mais
equipado do que deveria. Até o presidente me contrataria se eu lhe
apresentasse esse currículo. É óbvio que o senhor Anderson acrescentou
coisas. Apesar de eu saber que ele não enxerga, tenho a sensação de que ele
está atento a cada movimento meu. O homem transpira poder por todos os
poros, e eu me sinto intimidada, pela primeira vez na minha vida, só com a
aparência de alguém.
Claro que a personalidade arrogante ajuda muito a formar a imagem
de Thomas Anderson. Contudo, apesar de, evidentemente, ele ter mãos de
ferro, demonstra ser uma pessoa boa, e eu não duvido de suas intenções.
Diferentemente do monstruoso senhor Mason. Arg! Enoja-me a mera
lembrança dele.
Balanço a cabeça, decidida a espantar pensamentos inúteis, e volto a
olhar para o homem imponente em minha frente. Agora, sem o estresse da
lanchonete e sem as tensões dos primeiros minutos da entrevista, consigo
examinar melhor os seus traços. Graças a Deus o tal Erik não está mais no
escritório, ou eu não iria conseguir prestar atenção, como quero, no rosto
marcante do meu novo chefe. Eu queria saber a cor dos olhos dele por trás
dos óculos. Seu cabelo castanho-claro brilha com a luz que reflete nos fios,
seu queixo é perfeitamente desenhado, seu pescoço é...
— Se não percebeu, a entrevista já acabou. — Ele olha em minha
direção, fazendo-me estremecer.
É como se eu tivesse sido pega em flagrante. O homem soou tão
firme, que me esqueci que era cego.
— Qual é a minha primeira tarefa, senhor Anderson? — Levanto-me
prontamente, com as mãos juntas na frente do corpo e preparada para
começar a fazer o meu trabalho. Engulo a vergonha que sinto de mim
mesma por ter me aproveitado da deficiência visual dele para o examinar.
— Devo olhar a sua agenda?
— A sua primeira missão é se dirigir até a lanchonete da esquina e me
trazer um copo de suco natural de laranja ou abacaxi — ele diz, encostado
na cadeira, fazendo-me torcer o nariz.
— Não trabalho mais em uma lanchonete, pelo que eu saiba —
resmungo. — Que tipo de trabalho é esse? — pergunto, contrariada.
Thomas Anderson espalma a mesa com um tapa que ecoa por todo o
escritório e eu dou um pulo, de susto.
— Do tipo que você faz o que eu quiser sem questionar. Aqui eu sou
o seu dono, e você é minha para o que eu precisar. E, no momento, preciso
de um suco.
Fico alguns segundos paralisada com suas palavras um tanto
exageradas. Logo depois endireito a posição para falar de frente a ele, que
está sentado, rígido, parecendo sentir a minha presença.
— Farei isso, senhor, neste exato momento. — Faço uma mesura e
viro as costas para me retirar.
— Espere — ele me chama e eu interrompo os passos, girando os
calcanhares. — Sem açúcar.
Reviro os olhos sem me preocupar, já que ele não me vê.
— Certo, senhor. Foi o que imaginei. — Sorrio e volto a caminhar até
a porta.
— Você passou — ele diz, fazendo eu me virar para ele outra vez.
— Passei? — pergunto, sem entender.
— Eu estava te testando. Você começa na semana que vem — ele
fala, com o rosto virado para a parede, e eu sinto uma vontade profunda de
voar nele e o estapear. Mas estou grata demais para reclamar.
— Senhor Anderson, adorei o seu senso de humor. Estarei aqui na
semana que vem. — Dou um sorriso nervoso enquanto corro para fora do
escritório.
Encosto as costas na porta, já ao lado de fora, e respiro fundo,
contando até 3 para me acalmar.

THOMAS ANDERSON
Assim que a minha recém-contratada assistente sai, retiro
rapidamente os óculos escuros dos olhos e me levanto, esfregando as mãos
uma na outra. Ainda estou perturbado com a forma intensa como ela estava
me encarando descaradamente. Transei na noite anterior e, pela manhã, eu
me masturbei, mas me senti como um garoto na puberdade com a maneira
como Maya estava me olhando.
Ouço três batidas na porta. Por um milésimo de segundo, preparo-me
para retornar à encenação, mas, rapidamente, lembro-me de que ninguém
ousaria entrar em meu escritório sem ser convidado, além de Erik, e é ele
que dá os três toques antes de entrar.
— Heitor retornará da Europa na semana que vem. E seu avô deseja
vê-lo ainda hoje — Erik entra, trazendo uma enxurrada de péssimas
notícias.
— Me conte uma coisa boa, para variar. — Pego os papéis em cima
da minha mesa e os amasso. — Estou cansado dessa farsa. Cansado de
fingir não ver os vários desrespeitos que os funcionários e os diretores
dirigem a mim, acreditando que não os enxergo.
— É melhor estar “cego” do que morto, senhor — ele adverte,
apontando para os óculos sobre a mesa.
Eu estico as mãos, pego-os e os coloco nos olhos de novo, a
contragosto.
— Você está certo. Heitor não hesitaria em me matar se eu fosse uma
ameaça forte, como sempre fui.
Lembro-me da conversa que ouvi acidentalmente, quando ainda
estava cego, de Heitor ao celular com alguém que não pude identificar.
— Não será necessário matá-lo. Cegá-lo foi uma sorte e tanto.
Espero que ele continue cego, ou teremos que tomar atitudes mais
drásticas… Não, não irei matá-lo, mas farei algo que o deixará tão inútil
quanto a cegueira…
— Irei protegê-lo com mais afinco futuramente, senhor. — Erik
caminha até mim, com as mãos no bolso, e olha a vista de Nova Iorque ao
meu lado.
— É para isso que você é pago. — Olho-o de soslaio. —
Incompetentes! Toda a sua equipe.
— Estou selecionando novos homens e fazendo a troca aos poucos,
ou seus inimigos iriam desconfiar.
— Acabei a minha cena patética por aqui, se eu tenho que ver o
senhor Cole ainda hoje. Quanto antes eu me livrar, melhor — resmungo,
pegando a minha bengala-guia e o meu casaco para sair.

Os gigantescos portões de ferro da mansão Anderson se abrem para


me receber. Erik veio dirigindo. O que eu detesto, mas são ossos do ofício.
Esta casa é um lugar imponente e luxuoso, cercada por um enorme
jardim bem cuidado, com fontes, estátuas e flores de todas as cores. A
fachada é feita de pedra branca, com janelas amplas e uma porta dupla de
madeira entalhada. O interior é ainda mais impressionante, com móveis
antigos e sofisticados, tapetes persas, quadros de pintores famosos e lustres
de cristal. É um lugar que respira história e riqueza. O problema é que eu
vejo tudo em preto e branco neste local. A nostalgia que me invade sempre
que adentro esses portões é o sentimento de quando eu tinha apenas 7 anos.
Foi quando cheguei aqui com a maior tristeza que já havia sentido e uma
sensação de abandono e solidão. E é isso que sinto quando visito o meu
avô.
Entretanto, assim que o vejo em sua cadeira majestosamente forrada
de veludo vermelho, com suas mãos apoiadas em uma bengala cravejada de
diamantes, toda a nostalgia desaparece e a amargura toma conta de mim. O
desejo de ser melhor toma conta de mim.
— Thomas, meu querido neto, que bom que veio me visitar. Sente-se.
— Avô, vim apenas porque o senhor estava me chamando —
respondo em um tom seco, apalpando a cadeira para me sentar.
Ele move a cabeça como se minha atitude não fosse surpresa alguma
para ele.
— Ainda não enxerga nada? — Ele balança a mão lentamente em
minha frente e eu mantenho o olhar fixo em sua bengala, fingindo não notar
nada.
— Os médicos disseram que isso pode acontecer a qualquer
momento; amanhã ou daqui a dez anos — emito o discurso ensaiado.
— Eu soube que, finalmente, contratou uma assistente adequada. Será
que, com isso, poderá fazer o bom trabalho de sempre? — Junta as mãos.
— Sim. A senhorita Maya demonstrou eficiência ao nível máximo.
Certamente, poderei ser tão prestativo como era antes.
— Você sabe que Heitor está atento a qualquer deslize seu, e não
poderei fazer nada diante da diretoria e dos acionistas se você se mostrar
um cego incompetente.
— O senhor fala como se não apoiasse o Heitor. Onde ele está agora?
Agarrado com alguma francesa em um navio brilhante, em algum lugar do
Pacífico, gastando o seu dinheiro. Mas, mesmo assim, ele disputa a
presidência comigo.
— Heitor tem o apoio de todos, Thomas, e é com isso que você
disputa. Ele é querido, desejado e possui a simpatia de todos. Você
entendeu?
— E eu possuo resultados. Não perco o meu tempo lambendo as bolas
de ninguém, como ele faz. Me admira o senhor permitir que ele lamba as
suas. — Sorrio com ironia, balançando a cabeça negativamente.
— De fato, você está certo. Só não esqueça que, além do apoio,
Heitor tem a visão. Então, tente se nivelar a ele. Espero que sua assistente
equilibre isso.
— Era isso que o senhor queria falar comigo?
— Só quero lhe avisar que, em dez semanas, teremos a decisão final:
você e Heitor apresentarão seus planos para a Anderson Corp. na próxima
reunião da diretoria. Esteja preparado para mostrar resultados, Thomas, ou a
presidência escapará de suas mãos.
— Se eu precisar de conselhos sobre como conduzir um império, eu
volto. — Levanto-me da cadeira.
— Não subestime o seu primo, Thomas. Ele é mais astuto do que
você pensa. E lembre-se: nesta família, apenas os mais fortes sobrevivem.
— Não se preocupe, avô. Eu não pretendo apenas sobreviver,
pretendo vencer. — Viro-me para sair do escritório, com a bengala-guia e
atento sob o seu olhar julgador.
Ao passar pelos corredores, vejo a mim mesmo ao longo dos anos,
andando apressado, com diversos livros nas mãos, a caminho do escritório
do meu avô, para a aula de economia e administração.
Ao voltar ao carro, dou um sinal a Erik para retornarmos. A visita não
durou mais que 15 minutos, mas foi uma das mais longas que já fiz.
Acredito que meu avô esteja em um dilema doloroso para ele: o
bastardo ou o cego. Ele tenta disfarçar, mas de mim não esconde que a sua
preferência ainda sou eu.
CAPÍTULO 05

Primeiro dia de trabalho

MAYA MOORE
Passo pelas portas de vidro do edifício Anderson e, conforme vou
passando pelos funcionários que encontro durante o trajeto, percebo olhares
curiosos dirigidos a mim, e não em um sentido bom. Dou uma olhada
rápida no meu conjuntinho azul-claro que comprei com o cartão
corporativo, e ele parece perfeito, combinando com o meu par de sapatos
beges.
Arg! Eu poderia jurar que estava impecável. Espero que ninguém vá
reclamar da minha aparência para o senhor Anderson.
— Bom dia — dirijo-me à secretária do meu chefe, estendendo-lhe a
mão. — Sou Maya Moore. Vamos trabalhar juntas a partir de hoje.
No dia da entrevista, não pude me apresentar adequadamente a ela.
Alice afasta os olhos da tela do notebook e me olha com desconfiança.
— Você é a... Deixe-me ver, eu me lembro... Ah, nos falamos ao
telefone. Bom dia, Maya Moore. — Ela me estende a mão com pressa e eu
a cumprimento.
— É um prazer.
— É assim que vocês passam o tempo? — Sobressalto-me com a voz
grave de Thomas Anderson em minhas costas. Ele está com uma expressão
séria que contrasta com seu terno impecável.
Inspiro o seu perfume embriagante, que invade a minha zona de
espaço. Meu queixo cai por alguns segundos enquanto mantenho o meu
rosto voltado para ele.
Alice engole em seco e retira a mão que estava estendida sobre a
minha.
— Senhor Anderson... — ela balbucia, sem ter certeza do que dizer,
mas ele a interrompe com um gesto de mão.
— Não tolero conversinhas logo pela manhã. Alice, você deveria dar
o exemplo — ele resmunga com um tom firme.
Se o senhor Thomas pudesse ver o olhar odioso de Alice agora, com
certeza pensaria melhor antes de resmungar babaquices como essa.
— Certamente, senhor Anderson. Senhorita Maya, seja bem-vinda à
Anderson Corp. — Alice me dá um olhar sugestivo de “é isso que você terá
que aguentar”.
— Alice, hoje você só vai embora após terminar de organizar os
relatórios financeiros dos últimos três anos — o senhor diz como se pudesse
ver o olhar de Alice e a estivesse castigando por isso.
Já eu não tiro os olhos dele. É completamente incrível como ele exala
uma aura forte e máscula. Exala um poder que a sua deficiência visual não
consegue abalar.
Li recentemente uma matéria sobre Thomas Anderson e descobri que
ele sofreu um acidente em uma tarde tempestuosa, e esse acidente o cegou,
podendo ou não ser irreversível. Acredito que ele tenha retornado aos
negócios há pouco tempo.
Alice engole em seco mais uma vez, e desta vez sem poder esconder a
expressão de desconforto. Sigo Thomas Anderson, que tateia o chão com a
bengala até sua sala e tropeça no meio do caminho. Eu corro em sua direção
para o ajudar, enquanto tento manter a compostura, apesar do drama que
vivi já nos primeiros minutos. Será difícil.
Na sala, ele fecha a porta com calma e se volta para mim com um
sorriso estranho que me deixa intimidada. A sensação que tenho é de que
ele pode me observar por baixo dos óculos escuros.
— Bom dia, Maya. — Ele caminhando até sua mesa com ajuda da
bengala. — Para começar, tenho algo a lhe instruir, como algumas regras
que você deve seguir para o bom funcionamento do nosso trabalho. — Ele
se senta em sua cadeira e junta as mãos sobre a mesa. Parece incomodado
com algo. Acredito que ainda não tenha se acostumado com o fato de que
não enxerga.
— Sim? — Apresso os passos para ficar bem próxima dele, em frente
à sua mesa. — Estou aqui para servi-lo, senhor Thomas, no que precisar —
digo prontamente e mordo o lábio diante de uma alma perturbada.
— O que acontece nesta sala, fica nesta sala. Ou em qualquer outro
lugar que estejamos juntos a trabalho — ele começa.
— Claro. Pode confiar em mim — asseguro-lhe.
— Não seja curiosa, não me faça perguntas e não pense muito.
Entendeu? — Ele olha para a região da minha barriga e eu me sinto
estranha, mesmo sabendo que ele não me vê.
— Não pensar? — Arqueio a sobrancelha diante da sua regra absurda.
— Você está proibida de pensar durante o seu trabalho. Aja como um
robô — afirma, irritado.
— Estou curiosa, senhor Thomas. Como irei trabalhar sem pensar? —
Pouso as duas mãos na mesa.
— Você está quebrando todas as minhas regras, Maya. — Passa as
mãos no rosto por baixo dos óculos, fazendo-os cair em cima da mesa.
Corro até ele para o ajudar e pego os óculos para lhe devolver. Tudo
acontece muito rápido, mas, em questão de segundos, consigo ver um
resquício do seu olhar caramelado sob os cílios espessos e longos. Sinto as
minhas pernas fraquejarem e um calor percorrer o meu corpo, porque,
sinceramente, em toda a minha vida eu nunca tinha visto alguém tão bonito.
Isso é irritante.
— Perdão. — Afasto-me dele, tentando fazer minha alma voltar ao
corpo, porque ela, certamente, está em algum lugar por aí, tentando fugir
desse momento surreal. — Não farei perguntas e não serei curiosa.
— Não pensará — ele acrescenta.
— Não pensarei.
— E jamais invadirá o meu espaço pessoal novamente — ele diz, com
o seu rosto já protegido pelos óculos.
— A menos que precise de ajuda, como aconteceu agora — ressalto,
com um sorriso gentil.
— A menos que eu peça. Apenas nesse caso poderá me prestar
alguma ajuda envolvendo uma proximidade tão...
— Próxima? — completo para o ajudar a encontrar a palavra certa.
— Isso.
— Posso fazer uma pergunta? — Levanto a mão.
— Não.
— Onde eu vou ficar?
— Em qualquer lugar deste escritório, desde que esteja ao meu
alcance.
— O que eu vou fazer? Sou sua assistente. Devo ver sua agenda?
— Você vai me buscar o suco natural, e hoje não é um teste — ele
diz, autoritário, como se fosse o dono do mundo.
— O senhor me contratou para ser sua assistente, mas devo buscar um
copo de suco?
— Maya, me arrependi de ter contratado você no exato momento em
que percebi que é irritante, então, faça um favor a si mesma e não me irrite
ainda mais.
Oh, que coincidência. É um sentimento recíproco.
— Tudo bem, senhor Thomas. Qual é o seu sabor preferido de suco
natural? — apresso-me em perguntar para o fazer esquecer esse assunto.
Preciso fingir que sou uma pessoa normal. Eu sou boa em fingir.
Necessito muito desse emprego.
— Eu lhe...
— Não responda, eu me lembro perfeitamente. — Sorrio e corro para
fora do escritório, sem dar tempo a ele de me impedir.
THOMAS ANDERSON
Alguns dias depois...

— Eu tenho o seu endereço. Amanhã, às sete, esteja pronta, porque te


pegarei para me acompanhar em um jantar familiar.
— Jantar? P-por que eu devo acompanhá-lo em um jantar, senhor?
Alguns dias se passaram desde que contratei uma assistente com o
simples intuito de aprofundar a encenação da minha cegueira. Sempre fui
relutante em ter uma assistente, pois gosto de fazer e organizar as minhas
próprias coisas. Se deixassem essa empresa para eu cuidar sozinho, eu faria
isso. Não dependo de ninguém e ajudas são completamente desnecessárias,
uma perda de tempo, para mim.
Agora, dias após contratar Maya Moore, eu tenho a mais plena
certeza de que esse foi um erro. A moça é completamente avessa a regras, e
eu dei apenas três a ela.
— Porque eu preciso, Maya. Irei visitar o meu avô e precisarei de
ajuda para não parecer um completo idiota. — Estou surpreso comigo
mesmo por estar dando uma explicação a ela, por mais rasa que seja.
— Está bem. Eu estarei te esperando, apesar de não saber o meu
propósito na casa do seu avô, já que aqui na empresa já não me sinto útil.
— Deixe para fazer os seus desabafos para o seu diário. Comigo só
quero que responda “sim” ou “não”.
— E a palavra “não”, por acaso, é uma opção?
Ignoro a sua pergunta sem fundamento, até porque ela já sabe a
resposta.
Sua presença será crucial nesse jantar teatral que meu avô adora fazer
ocasionalmente para fingirmos para a sociedade que somos uma família
adorável e harmoniosa.
Afasto a cadeira para trás e me levanto.
— Erik não está trabalhando hoje por motivos pessoais — minto. —
Você terá que me acompanhar até a minha casa — digo a contragosto.
— Acompanhá-lo até a sua casa? Mas eu preciso ir para a minha casa
e...
— Quando você vai aprender como as coisas funcionam? —
Massageio os olhos. Para isso, retirei os óculos, mas tomarei cuidado para
não o derrubar desta vez.
Maya Moore é uma moça incrivelmente inteligente. Eu a subestimei
quando a vi na lanchonete sendo o cãozinho de Mason, o antigo funcionário
do meu avô. Ela é tão inteligente, que me assusta. Eu errei ao contratá-la
com o intuito de passá-la para trás. Por pouco, ela não descobriu o meu
segredo e pôs tudo a perder.
— Certo, eu irei acompanhá-lo. — Retira os óculos que usa de vez
em quando e guarda na bolsa.
Meus olhos seguem a moça pelo escritório, que corre até a sua bolsa
no balcão, pronta para me seguir. Seu corpo perfeito faz o vestido social
ficar ainda mais sexy.
Estou esperando-a na porta, e assim que ela se coloca ao meu lado,
corrijo a postura.
— Segure em meu braço. Hoje estou com o senso de direção confuso
e não quero tropeçar na frente dos funcionários. — Entrego-lhe a minha
pasta.
Maya pega a minha pasta com a mão livre. A mão do lado do ombro
que leva a sua bolsa. Enquanto, com a outra, ela entrelaça o meu braço.
— Não se preocupe, serei seus olhos e ouvidos. — Ela sorri,
aguardando que eu gire a chave.
— Apenas os olhos. A minha audição funciona perfeitamente —
murmuro antes de abrir a porta, ignorando o toque suave e agradável da sua
mão em meu braço.
Percorro o trajeto até a saída da empresa, sendo guiado por Maya
apenas para demonstrar piamente a minha “fragilidade”, que, segundo a
crença de todos, amplifica-se com a ausência de Erik.
— Senhor Anderson, o senhor tem muitos amigos? — Maya indaga
cautelosamente quando passamos pela porta de saída.
— Isso é uma pergunta ou uma curiosidade? — Finjo não ver o meu
carro já me esperando e ela sem saber para onde ir.
— Nem uma nem outra. É apenas uma preocupação, senhor
Anderson.
— Não me importo com a forma como os funcionários me olham.
Não preciso que eles sejam meus amigos, apenas que façam o trabalho
deles. — Movo o rosto para o lado, com os lábios comprimidos. — Zack
ainda não está aqui? Ligue para ele. — Entrego a ela o meu celular, que tirei
do bolso.
Maya segura o aparelho em sua mão com cautela.
— É para eu mexer em seu celular?
— Como espera que eu mesmo faça isso? Ligue para o motorista.
— Oh, sim. Perdão, senhor.
— Senhor Anderson, o carro o espera — meu motorista diz,
aproximando-se de nós e comendo a minha assistente com os olhos.
— Maya — chamo-a, esperando que ela entenda que preciso dela
para me guiar até o carro.
Maya me olha por alguns segundos e logo entende o que precisa
fazer: voltar ao trabalho. Ela se engancha em meu braço e me guia.
— Realmente é necessário que eu o acompanhe até a sua casa, senhor
Anderson? — Há uma ruga de preocupação na sua testa. Ela está apoiada
na abertura da porta do carro, com seu rosto bem próximo ao meu.
Se ela soubesse que enxergo, não deixaria esse decote tão perto do
meu rosto, por mais discreto que seja.
— Deixe. Zack fará o seu serviço por hoje. — Fecho a cara, sendo
obrigado a sentir o cheiro de flores dos seus cabelos, que o vento traz para
dentro do veículo.
Sua expressão se fecha em preocupação e ela se vira para o motorista,
que já está sentado, em seu posto. Ela está mais afastada do que quando
estava falando comigo, e eu sinto uma pontada de raiva que não entendo.
— Você o deixará seguro em casa? Ele tem quem o ajude a viver até
amanhã? Onde está o Erik?
Aperto o botão extra que tenho na minha porta, que controla os vidros
de todas as janelas do carro, e o vidro de Zack sobe, obrigando Maya a se
afastar. Não dei permissão para ela se dirigir ao motorista.
— Vamos — instruo-o.
Assim, ele sai com o carro, deixando para trás uma Maya indignada.
CAPÍTULO 06

O jantar

MAYA MOORE
Chego em casa pensativa e preocupada com meu chefe. Espero não
ter feito mal em não o acompanhar, como ele queria. Droga! Sinto-me
péssima.
— Boneca? — Ouço a minha avó me chamando lá do quarto e abro
um sorriso.
Sim, ela é mais importante do que o meu chefe. Eu fiz certo em vir
embora. Jogo a minha bolsa no sofá e caminho até ela.
— Vovó, como foi o seu dia? — Fecho as cortinas da janela e, em
seguida, corro para a cama onde ela está deitada e lhe dou um beijo na
bochecha.
— Suelly veio aqui — ela conta, com as expressões fechadas.
No mesmo instante, um gosto amargo toma a minha garganta.
— Ela veio? — Levanto-me abruptamente, com raiva. — Será que ela
pegou alguma coisa? — Coloco as mãos na cintura, pensando que algo
pode estar errado. — Oh, não.
Corro para o meu quarto, vou direto até o guarda-roupa e respiro
aliviada ao ver que minhas roupas de trabalho estão aqui. Volto para o
quarto da minha avó em lágrimas, por ter que passar por isso. Não sei o que
faria se Suelly tivesse levado as minhas roupas. O que eu diria ao senhor
Anderson?
— Preciso trocar a fechadura — resmungo, sentando-me ao lado da
minha avó novamente.
— Boneca, você tem que me deixar aqui e ir viver a sua vida — ela
repete o que já me disse centenas de vezes, fazendo o meu coração se
apertar.
— Não diga isso, vovó. Quem iria cuidar da senhora?
— Eu consigo me virar. — Sorri, acariciando as minhas mãos. —
Sinto saudade de ver o seu rostinho.
— Vou fazer o nosso jantar. — Eu me levanto, faço um coque no
cabelo e caminho até o criado-mudo para pegar um prendedor para ele.
Sinto que não estou fazendo o suficiente. Sempre dou tudo de mim,
mas é muito pouco. No final, não me restará nada. Nada.

Hoje é sábado. Passei o dia todo com a minha avó. Faltam dez
minutos para as 19h e eu já estou pronta para ir ao jantar com o avô do meu
chefe. Ajudei vovó com o banho e fiz e servir o jantar. Ela já está preparada
para sobreviver a algumas horas sem mim, ouvindo o rádio até que
adormeça.
Eu olho as horas no celular e o momento nunca chega. Estou ansiosa.
Embora tenha passado apenas uma semana desde que comecei a trabalhar
com Thomas Anderson, já percebi que ele leva as coisas muito a sério. É
uma questão de acertar ou acertar. Qualquer erro significaria a minha
demissão. Apesar da cegueira, ele é muito atento a tudo. Às vezes comete
um erro bobo, o que é compreensível pela sua condição, mas, no geral, sinto
que ele sabe de cada passo que dou. O seu jeito autoritário, exigente e
confiante, somado à sua aparência perfeitamente elegante, deixa-o
irresistivelmente atraente para qualquer mulher que tenha um bom gosto.
Ok... Mas, na maioria das vezes, ele é casca-grossa e difícil de digerir.
E é por isso que é tão irritante trabalhar com ele. Ainda é um mistério para
mim o motivo da minha admissão, ainda mais sabendo que Thomas
acrescentou algumas informações nem tão verdadeiras ao meu currículo. É
evidente que me contratar já estava decidido bem antes das entrevistas com
todas aquelas concorrentes. Se eu parar para pensar muito nisso, começo a
ficar assustada, no entanto, prefiro acreditar que o senhor Thomas apenas
decidiu fazer uma boa ação, afinal, pode ter visto a pobre garçonete
azarada, que estava prestes a ser demitida, e resolveu lhe dar uma chance.
O som do carro em frente à casa me desperta dos meus pensamentos
tumultuosos, fazendo-me levantar e colocar a bolsa no ombro. Dou uma
última conferida em mim através do reflexo da TV. E, sim, estou
apresentável, com o meu vestido vermelho no estilo lápis, que tem um
decote comportado e me deixa esplêndida, realçando o preto brilhoso do
meu cabelo.
Tremo só de pensar na possibilidade de Suelly ter roubado as minhas
roupas, as quais comprei com o dinheiro do senhor Thomas, com a única
finalidade de usar no trabalho.
Fecho a porta e respiro fundo antes de me virar e caminhar em
direção ao carro que me espera. Quando estou na metade do caminho, Erik
abre a porta e, de longe, avisto o meu chefe no banco traseiro, olhando para
a frente, com seus óculos escuros de sempre. Sigo em frente, sentindo um
frio na barriga.
— Boa noite, Erik. — Sorrio e recebo um aceno como resposta. —
Boa noite, senhor Anderson — cumprimento-o ao me sentar ao seu lado.
— Você está usando vermelho. Ótima escolha — é a sua resposta.
— Estou. Como você... Ah, Erik deve ter lhe informado. — Coloco o
cinto, fingindo não sentir o perfume embriagante que vem dele.
— O senhor Cole é exigente. Quero que você cause uma boa
impressão e se mostre útil diante dele — ele comenta quando o carro
começa a se mover.
— O seu avô deve ser adorável. Vou me esforçar ao máximo para
causar uma boa impressão. Não se preocupe, senhor — asseguro-lhe e
comprimo os lábios em um sorriso.
— É, ele é adorável. — Vira a cabeça para o outro lado.
A presença dele é forte e faz eu me sentir uma mulher. Faz eu me
lembrar de que sou uma mulher. Por isso, tento não olhar para ele e,
discretamente, afasto-me mais para o lado, para não correr o risco de pular
no colo dele e pedir que ele me abrace, que me sinta e me toque. Fico
apertando a minha bolsa entre os dedos para disfarçar o nervosismo da
situação, como se Thomas pudesse me enxergar.
O que eu estou pensando, afinal? Só porque ele está sempre
perfumado e bem vestido? Tenho certeza de que é só por isso que me sinto
assim.

O trajeto até a mansão Anderson foi longo e silencioso. O meu chefe


não pronunciou uma única palavra e nem virou o rosto em minha direção.
Eu sei que ele não enxerga, mas me senti ignorada.
Ao chegarmos, tento não me distrair com a grandeza do lugar, que
mais se parece com um resort cinco estrelas, desses que só vejo em filmes.
Imagino o quanto deve ser ainda mais bonito durante o dia.
Descemos do carro e, rapidamente, eu corro até o meu chefe. Ele tem
a sua bengala, mas, com certeza, não é o suficiente. E se estou aqui, sou eu
que devo ajudá-lo, não o Erik.
— Senhor, peço permissão para... — digo, sem jeito, mas logo dou de
ombros e engancho a minha mão no braço dele.
— Só fale quando alguém se dirigir a você. Entendeu? — ele
pergunta, com o rosto voltado para a frente.
— Entendi — respondo, magoada.
Mas, tudo bem. Não é uma surpresa para mim. O que eu não aguento
por dinheiro?

THOMAS ANDERSON
Erik irá nos aguardar, conversando com os seguranças da
propriedade. Como tenho Maya ao meu lado, a presença dele não se faz
muito necessária.
Eu queria poder dizer que ela está linda. Eu não deveria, mas é
impossível um homem não se interessar por Maya. Sim, eu queria
realmente poder dizer que ela está linda; que esse tom de vermelho deixa o
seu cabelo preto ainda mais escuro — o qual sinto vontade de enrolar em
minha mão para a trazer até mim — e deixa a sua pele branca ainda mais
clara, fazendo-me querer sentir a sua textura com as pontas dos dedos.
Acho absurdamente atraente a forma como suas bochechas ficam levemente
avermelhadas quando ela fica nervosa, morde o lábio e aperta as mãos no
que seja que estiver por perto.
Maya é como uma flor de aparência delicada, mas eu sei que, em seu
interior, possui raízes fortes que a mantêm firme, de pé. E isso me atrai.
Sinto-me como um cão faminto amarrado vendo o seu alimento fora de
alcance. Eu queria poder ter uma noite com essa mulher. Uma noite e nada
mais. Era tudo o que eu precisava para saciar o meu desejo, que se triplicou
no momento em que a vi de vermelho.
— Seja bem-vindo, senhor Anderson. — Pietro, o mordomo, faz uma
mesura ao passarmos pelo hall de entrada.
Eu lhe respondo com um aceno, tomando cuidado para não olhar
diretamente para ele.
Estou ansioso para ver o meu primo. Agora, que ele está de volta,
certamente, colocará os seus planos em ação para me derrubar. Sigo, ao
lado de Maya, em direção à sala de jantar, onde sei que o meu avô já nos
aguarda. E quando nós chegamos, os seus olhos grudam em Maya com
curiosidade. A mesa já está servida e, atrás dele, vários funcionários estão
em pé, como robôs esperando por um comando.
— Seja bem-vinda — meu avô a cumprimenta com cordialidade.
— Muito obrigada, senhor Cole. É um prazer estar em sua presença.
Ótimo. Mais uma puxa-saco do senhor Cole.
Maya me auxilia a encontrar meu lugar na mesa e a me sentar com
cuidado. Sinto o seu toque suave em meu braço e, por um momento,
esqueço todas as preocupações que me cercam, pois tudo o que existe é ela.
Droga! Encantar-me por um rabo de saia é tudo o que não preciso
neste momento. Tenho preocupações realmente importantes, que não
deixam espaços para distrações superficiais.
— E Heitor? Ele já está aqui? — pergunto, já sabendo que não.
— Sente saudade, querido primo?
Meu corpo se enrijece com suas mãos apertando os meus ombros por
trás da cadeira.
— Heitor, porra! Você me assustou — resmungo, espalmando as duas
mãos na mesa.
— Quem é essa bela senhorita? — Ele curva o seu corpo de maneira
descabida em direção à Maya, que abre um sorriso tímido para ele.
Respiro com força, descansando a testa na mão.
— Heitor, sente-se e vamos jantar — meu avô ordena.
— Vovô, seu pedido é uma ordem. — Ele ri e se senta, obedecendo.
Sua presença é um desconforto para mim, mas, ao mesmo tempo,
sinto-me dez passos à sua frente.
— Sendo assim, podemos nos servir — o senhor Cole proclama.
Curvo o corpo em direção à Maya, que está sentada na cadeira ao
meu lado.
— Senhorita Moore — eu sussurro ao seu ouvido e ela vira o rosto
para mim a fim de me ouvir. Sua proximidade repentina é como um choque
eletrizante, então tento manter a compostura. — Por favor, sirva o meu
prato.
Maya acena positivamente e começa a me servir.
— Que vida boa, hein, primo? Com uma moça tão bela cumprindo as
suas ordens. Certamente, você não pode desejar mais nada. Oh... Não deve
saber como é o rosto e o corpo dela. Perdão. — Heitor sorri, fazendo-me
cerrar os punhos.
— Fez algo útil na última semana, Heitor? Além de soltar as merdas,
que você solta, pela boca? — pergunto com desdém.
— Já chega! — meu avô reclama, porém já está acostumado com a
nossa rivalidade. — Eu exijo um jantar respeitoso, ou os dois pagarão por
isso.
Solto o ar, olhando para o meu prato já servido em minha frente. Com
minha visão periférica, vejo Maya tensa, comprimindo os lábios. Ela é
esperta, já percebeu que este jantar é uma armadilha.
Seguimos com a refeição em um clima tenso. Heitor tenta chamar a
atenção de Maya, fazendo comentários sugestivos e lhe lançando olhares
indiscretos. No entanto, ela mantém sua compostura, ignorando suas
investidas da melhor maneira possível. Observo tudo atentamente, mas
decido deixar as coisas acontecerem até certo ponto, para Heitor pensar que
sou fraco.
Ao final do jantar, meu avô ordena que nos retiremos para a sala de
estar. Heitor, no entanto, parece impaciente e tenta, de novo, aproximar-se
de Maya.
— Senhorita Maya, o que acha de dançarmos uma valsa para
entretermos o meu avô? — ele pergunta, em pé de frente a ela, com sua
mão estendida.
— Heitor, ela não está aqui para entreter ninguém, é a minha
assistente. Apenas isso — intervenho, mantendo a calma, apesar da raiva
que fervilha dentro de mim.
— Terei que recusar o seu convite, senhor Heitor, mas me sinto
lisonjeada. — Ela sorri, com simpatia.
Meu primo me lança um olhar desafiador e, finalmente, retira-se. Mas
só depois de lançar um olhar insinuante e descabido à Maya.
— Já posso ir, avô? Já tivemos o nosso jantar em família, afinal —
digo assim que Heitor sai.
— Meus netos são uma decepção, senhorita Moore. Esse é o meu
segredo — ele lamenta, com as mãos na testa. — Não sei qual deles é digno
de ser o meu sucessor. Um é irresponsável e o outro é intragável — conclui.
— Pelo jeito, já podemos ir. — Levanto-me depois de apalpar ao meu
lado para pegar a bengala-guia. — Maya? — chamo-a, já em pé, e meu avô
faz um gesto com as mãos para que saiamos logo.
— Senhor Cole, espero que um dia possa sentir orgulho dos seus
netos, principalmente do Thomas. Ele é uma boa pessoa — Maya caminha
até ele e lhe estende a mão.
— Se ele está sendo gentil com você, é porque você é realmente
eficiente. — Ele sorri e beija a sua mão. — Eu valorizo uma pessoa
eficiente, assim como o meu neto.
— Só faço o meu trabalho, senhor Cole. — Ela sorri, fazendo uma
breve mesura. Logo em seguida, posiciona-se ao meu lado, segurando o
meu braço.
Com uma carranca estampada em minha face, nós caminhamos
lentamente rumo à saída. Não sei o que me irrita mais: Heitor sendo
completamente desagradável, flertando com a minha assistente, sem
nenhum respeito, ou o meu avô fingindo demência, como se meu primo
fosse digno de alguma coisa.
— Você se saiu bem — digo, com o rosto voltado para Maya, quando
já estamos no carro, saindo da propriedade.
— Estarei sempre à sua disposição, senhor Anderson. — Ela sorri,
olhando para mim.
Neste momento, de fato, eu queria ser cego, pois assim não veria o
quão linda essa mulher consegue ser. Talvez seja orgulho da forma como
ela não se deixou encantar pela lábia artificial de Heitor. É...
Definitivamente, fiz uma péssima escolha ao contratá-la pela sua falta de
jeito. Errei ao rotulá-la como uma despreparada e atrapalhada.
— É bom que esteja. Por isso lhe pago bem.
CAPÍTULO 07

Eu estava certa

MAYA MOORE
Faz duas semanas que trabalho para o senhor Anderson. Já peguei o
jeito dele. Tudo o que preciso fazer é adivinhar o que ele quer e o ajudar
com isso. Algumas tarefas são básicas, como lhe dar água, acompanhá-lo
em almoços executivos e ler e analisar documentos. Alguns, em especial,
ele pede para eu parar de ler e guardar na pasta dele, alegando ser um
documento inútil. Porém, acredito que ele tem planos secretos para tais
documentos. Não sou boba, sei que eles são importantes. Mas não é da
minha conta.
Eu sei que as três regras que ele criou não precisam ser levadas à
risca, mas conheço os momentos exatos para não ser curiosa nem fazer
perguntas.
Geralmente, Erik o acompanha até o escritório e depois o deixa sob os
meus cuidados, mas já aconteceu de eu precisar guiá-lo do carro até o
escritório, e vice-versa. E meu chefe super precisa dessa atenção, pois vive
tropeçando nas coisas. Coitado. Já fui com ele em uma consulta com o
médico que acompanha o seu caso, e, infelizmente, ele não saiu com uma
cara boa do consultório. Certamente, o doutor não lhe deu muitas
esperanças de voltar a enxergar tão cedo. Contudo, no geral, para uma
pessoa que ficou cega há menos de dois meses, ele parece estar lidando bem
com a situação.
— Repita os dados do último parágrafo, por favor, Maya — Thomas
pede, com uma expressão de interesse.
Fico alguns segundos olhando para a cara dele, tentando encontrar
uma pista de que é uma brincadeira, mas não encontro nenhuma. Por isso,
faço o que foi pedido. Repito os dados desnecessários e não importantes
para ele pacientemente. Estou ao seu lado, próxima dele o suficiente para
enxergar os minúsculos pelos da barba, que estão começando a crescer.
Inclusive, perto o suficiente para sentir o cheiro de suas roupas.
Thomas faz questão que eu leia os documentos na frente dele, como
se ele também pudesse ler junto. Acho que é uma maneira de ele sentir
como se ainda estivesse enxergando.
— Peça para a Alice fazer um relatório mais detalhado desses dados,
e diga a ela que quero para ontem — ele me instrui, tamborilando os dedos
na mesa.
— Certo. Agora mesmo. — Afasto-me dele, podendo, finalmente,
respirar.
Saio da sua sala, agradecendo mentalmente por mais uma tarefa
cumprida sem grandes contratempos. O escritório é silencioso, com apenas
o som abafado dos meus passos ecoando pelos corredores. Assim que chego
à mesa de Alice, sua expressão de curiosidade denuncia que ela percebeu
minha chegada e sabe que uma nova tarefa está a caminho.
— Alice, o senhor Thomas pediu um relatório mais detalhado desses
dados. E ele quer para ontem. Acho que é melhor começar agora mesmo. —
Comprimo os lábios, em uma expressão de solidariedade.
— Sério? Arg! Aquele babaca. — Revira os olhos.
— Alice, não quero ser chata nem te ofender, mas não me sinto à
vontade com você falando assim do nosso chefe — reclamo com cautela.
Ela levanta as sobrancelhas, surpresa com o meu comentário, e abre
um sorriso gentil.
— Não leve tão a sério. — Balança a cabeça negativamente, sorrindo.
— Não me importo que ele seja um carrasco, desde que eu receba o meu
salário generoso. É, ele paga bem para o aguentarmos.
Mantenho a minha expressão de choque diante das suas palavras
cruéis. De fato, Thomas Anderson é um carrasco e não tem a simpatia de
ninguém da empresa. Diferentemente de Heitor Anderson, que, em
controvérsia, é adorado e recebe sorrisos com facilidade.
Dou um sorriso amarelo, por não saber como reagir ao seu
comentário contra o meu chefe, e me afasto com passos apressados.
— Alice já começou os preparativos, senhor Thomas — aviso-lhe
assim que entro no escritório e o encontro com um documento em mãos
como se estivesse lendo-o. — O que está fazendo? — Estranho que um
homem cego esteja segurando um papel.
— Pensando, Maya. — Ele coloca o papel na gaveta e, em seguida,
solta um longo suspiro. — Amanhã precisaremos viajar para a filial em
Chicago.
— O quê? Viajar? — pergunto quase em um grito, encostando-me na
porta.
— Sim. A viagem durará uns três dias. Algum problema? — ele
indaga como se eu não tivesse nenhum direito de questionar.
— Na verdade, sim — respondo, com a voz trêmula, dando alguns
passos em sua direção.
Detesto ter que contrariá-lo, mas não posso deixar a minha avó.
— Se o problema for a sua avó, deixarei uma enfermeira da minha
confiança aos cuidados dela. Maya, você não pode me deixar na mão! —
Ele estapeia a mesa, fazendo-me dar um pulo. — Como eu faria sem a
minha assistente? Você sabia que isso poderia acontecer quando aceitou
esse trabalho.
— Como sabe da minha avó? — Estou em pé na sua frente, com as
duas mãos apoiadas sobre a mesa, enquanto ele se mantém sentado.
— O básico: pedi para o Erik pesquisar sobre você. Não foi a fundo,
mas sei que você vive com a sua avó doente e que abandonou os estudos
para se dedicar mais ao trabalho. Acha que eu seria tolo de te contratar sem
conhecer os seus antecedentes?
— Então, o senhor sabe que não estou estudando atualmente, como
diz no meu currículo, não sabe? — pergunto, ciente de que isso é uma
afronta.
— Está querendo dizer que não merece estar nessa posição? Devo
demiti-la por justa causa? — Ele move os lábios em um sorriso de canto.
— Senhor Anderson! — Bufo de raiva por sua ironia.
— Maya Moore! — Ele se levanta em um pulo e arrasta a cadeira
para trás com brutalidade. — Se quiser se demitir, a hora é agora.
— Quem é essa pessoa que vai cuidar da minha avó? — questiono em
tom de derrota.
— Alguém que não tem nenhum interesse em fazer mal a ela, apenas
em fazer um bom trabalho e receber o seu dinheiro.
— Três dias é tempo demais — reclamo e engulo em seco.
— Está bem. Eu peço com mais educação, pode ser?
— O quê?
— Maya, por favor, aceita 2 mil dólares para me acompanhar até
Chicago por três dias? — ele pede, com as mãos no bolso, encarando-me
com seus óculos escuros.
Ele precisa tanto que eu vá com ele, que está me oferecendo dinheiro?
— O senhor está falando sério? — Fico de queixo caído.
— Ainda não entendeu que é um assunto de extrema importância?
Seja a Maya inteligente agora. É dela que eu preciso.
Abro a boca para lhe responder, mas me limito a fechá-la novamente.
Não posso e nem quero deixar a minha avó sozinha por três dias. Ela pode
deixar este mundo a qualquer momento, e eu me sentiria muito mal se isso
acontecesse em uma hora em que eu estivesse longe. Só que também não
posso e nem quero perder esse emprego. Por mais chato que o meu chefe
seja, é um ótimo emprego e, dificilmente, eu encontraria outro como esse.
Os remédios da minha avó são caros, o custo de vida é caro, as dívidas com
os meus estudos ainda não foram pagas...
Balanço a cabeça positivamente e não consigo conter algumas
lágrimas que rolam pela minha face, mas me apresso em enxugá-las.
— Sim, eu irei com o senhor. Farei o meu serviço — digo, firme,
tentando disfarçar a voz embargada.
— Como você é uma boa menina, a sua avó poderá ir conosco. — Ele
se senta em sua cadeira novamente.
— Temo não ter ouvido direito o que o senhor acabou de dizer. A
minha avó... viajar conosco? — Estou surpresa com algo tão incomum.
— Para você ver o quanto é urgente e necessário a sua presença. Seria
uma solução, não? Eu contrato enfermeiras especializadas para cuidar dela
durante toda a viagem.
— Eu agradeço muito, mas não será necessário. Acho que seria
cansativo para ela... — começo a protestar.
— Ela não fará nenhum esforço, pelo contrário, um novo ar pode
fazê-la bem.
Fico em silêncio, encarando-o, um pouco assustada com a facilidade
com a qual ele está me propondo isso. Não é como se estivesse apenas me
dando um bônus, realmente está cogitando levar minha avó em uma viagem
de trabalho apenas para que eu possa acompanhá-lo.
— Sou tão importante assim? — Logo me dou conta de que isso pode
ter soado íntimo, então me apresso em corrigir. — Digo... O meu trabalho é
tão importante assim, senhor Thomas?
— Não sei se você percebeu, Maya, mas eu não enxergo. Sem a sua
presença, eu perderia 70% da minha credibilidade. E eu não conseguiria
outra assistente assim, da noite para o dia.
— Entendi. Não vou mais questionar sobre a importância da minha
presença nessa viagem. — Junto as mãos na frente do corpo, abaixando o
olhar.
— Você não ir está fora de questão — ele completa de maneira
decisiva.
Thomas se levanta, caminha até a janela e fica ali por um momento,
como se estivesse perdido em pensamentos, enquanto “observa” os arranha-
céus de Nova Iorque. Em seguida, ele já se volta para mim, por isso não
tive muito tempo para processar seu comportamento um tanto inesperado,
ou iria sentir muita pena por ele querer desfrutar da vista da janela e não
poder.
— Maya, essa viagem a Chicago é para um negócio crucial, e eu
preciso de alguém em quem posso confiar totalmente. Você é a única pessoa
que dá para eu relevar aqui, e confio no seu profissionalismo.
Ainda com os olhos marejados, concordo com a cabeça. É difícil,
porém compreendo a importância disso para ele e estou aqui para o ajudar.
Além disso, a proposta de levar minha avó tornou a situação menos
desagradável.
— Eu entendo, senhor Thomas. Irei com o senhor e farei o meu
melhor para garantir que tudo ocorra da melhor forma possível.
Ele parece satisfeito com minha resposta.
— Ótimo. Já providenciei tudo para a viagem. Se quiser, pode folgar
pelo resto do dia. Quero que esteja pronta para partir amanhã cedo.
Assinto novamente, tentando processar a reviravolta que essa
conversa teve.
— Isso seria bom. Devo organizar as coisas da minha avó e...
— Ah, Maya, uma última coisa: não mencione isso para ninguém da
empresa, sobre a sua avó nos acompanhar. São apenas ossos do ofício, e
quero manter as coisas discretas. — Ele se senta à mesa outra vez,
apalpando com as mãos para não errar a cadeira.
— Claro, senhor Thomas. Pode confiar em mim, ninguém saberá —
asseguro-lhe, entendendo completamente sobre o que ele está falando.
Eu sei que deveria recusar a proposta de levar a minha avó, mas a
verdade é que saber que ela pode ir junto me deixou aliviada. Em três dias,
muitas coisas podem acontecer, e que bom que não precisarei ficar longe
dela. O estado dela é terminal e ela está fraca, mas ainda vai conseguir
apreciar uma viagem.
Thomas Anderson não se cansa de me surpreender. Primeiro apareceu
com uma proposta de trabalho que eu teria poucas chances de conseguir, e
agora isso. Não acho que ele seja intragável, como resumiu o seu avô. Eu
estava certa quando disse que ele era uma pessoa boa.
CAPÍTULO 08

Você ficará comigo

THOMAS ANDERSON
Estou petrificado, encarando a cena familiar em minha frente: Maya
segurando na mão de sua avó, enquanto a senhora a acaricia
carinhosamente, entre sorrisos de gratidão. Ambas estão sentadas juntas, do
outro lado do jatinho. Viro o rosto para contemplar o azul do céu que se
passa ao meu lado. Estamos nas alturas há poucos minutos e eu já me
arrependi de ter me deixado tocar pelas lágrimas de Maya. Mas o que eu
poderia fazer a não ser ceder? A garota estava aos prantos bem na minha
frente, e eu não poderia viajar sem ela, ou a minha cena de cego falharia.
Uma viagem importante exige uma funcionária de confiança, e nenhuma
outra seria aceitável para isso.
Essa viagem tem duas funcionalidades: uma oficial e uma não oficial.
Recebi uma ligação de um dos diretores da filial de Chicago. Ele quer se
encontrar comigo para tratar de assuntos delicados. Erik já investigou
possíveis ligações do sujeito com o meu primo ou com alguém de Nova
Iorque, mas não encontrou, ele está limpo. Para não levantarmos suspeitas
de que não estou agindo exatamente como digo que estou agindo, Erik me
acompanhará de longe, como se não estivesse em Chicago. Mas ele estará,
por via das dúvidas, seguindo-me disfarçado, com dois dos seus homens.
— Como se sente entre dois cegos, minha boneca? — a senhora
Moore pergunta para a neta, e eu as olho de soslaio.
— Quer me deixar mal, vovó? Fale sobre coisas boas, por favor —
Maya resmunga.
— Isso é uma coisa boa, não vê? Assim, você pode descrever as
belezas que vê e eu posso apreciá-las através de suas palavras — responde a
avó, com um sorriso afetuoso.
Eu me recosto na poltrona do avião particular, tentando processar
como viemos parar aqui.
A voz suave da senhora Moore preenche a cabine enquanto ela
continua a conversa com a neta.
— Você sabe, querida, que há beleza em todas as coisas. Às vezes só
precisamos ajustar a maneira como olhamos para enxergar isso.
— Eu sei, vovó, mas às vezes é difícil ver beleza nas coisas que
realmente importam — Maya dá um suspiro.
Sua avó aperta suavemente a mão dela.
— Você é mais forte do que imagina, minha querida. E aquele
cavalheiro ali, que, gentilmente, concordou em compartilhar essa viagem
comigo, é a prova de que no mundo ainda tem muita bondade. — Ela olha
para a frente como se me procurasse.
Engulo em seco. Eu sou a prova de que no mundo existe muita
bondade? Sorrio discretamente com a ironia da situação. Eu posso ser tudo,
mas não sou uma pessoa boa, sou um oportunista, que penso primeiramente
em mim mesmo e no que será melhor para mim. Penso na minha
sobrevivência, na minha vitória.

— Como assim estão todos lotados? Eu deixei reservado. Exijo falar


com o gerente — reclamo, irritado, na recepção do hotel.
— Eu mesmo sou o gerente. Peço mil perdões para o senhor. Houve
um erro gravíssimo da minha funcionária. Estamos em uma temporada
agitada e, infelizmente, o único quarto que temos disponível, além da suíte
presidencial, que o senhor reservou inicialmente, é um no térreo, que fica
separado do edifício. É uma área ótima para relaxar e aproveitar a
proximidade com a natureza. Lá tem um ar mais arborizado e praiano.
— Não vim para relaxar, muito menos para molhar os pés na praia —
respondo, indignado, sentindo a tensão de Maya quando ela aperta
levemente o meu braço.
O gerente do hotel me olha, espantado e acuado, sentindo-se
envergonhado pela situação. Na certa, também estranha que eu seja cego.
— Minha avó vai ficar muito feliz em estar mais próxima da natureza
— Maya diz suavemente ao meu ouvido.
— Esse quarto para relaxar na natureza — ironizo — acomoda
quantas pessoas? — pergunto, levemente contrariado.
— Temos várias opções, porém hoje, infelizmente, temos apenas um
disponível, e ele acomoda até três pessoas.
— Ficaremos com ele — respondo após respirar com força.
Alguns minutos se passam e logo Maya está com as chaves do quarto
em mãos. Droga! Isso era para ser mais fácil.
— Senhorita Maya, cuidaremos da sua avó muito bem. Por favor, não
se preocupe com ela enquanto estiver trabalhando — uma das enfermeiras
assegura quando chegamos ao sofá.
A senhora Moore nos aguardava em sua cadeira de rodas, com as
duas enfermeiras que nos acompanham na viagem.
— Sim, boneca. Já viramos amigas. — A senhora sorri. — Já notaram
como o chão deste lugar é macio? — Arrasta o pé no porcelanato do hotel.
— A senhora tem razão, vovó. — Maya sorri, feliz por sua avó estar
sorrindo.
— Maya, você ficará comigo. Na suíte presidencial tem dois quartos,
e lá será mais prático para nós dois. Quando sair do horário de serviço, pode
ir relaxar com a sua avó.
— Claro. Estou aqui a trabalho. — Ela dá um sorriso de satisfação.
MAYA MOORE
Ouço atentamente e olho, com admiração, o meu chefe conversando
com um homem mais velho sobre assuntos da empresa. Thomas Anderson é
implacável com suas questões e tem dúvidas minuciosamente pensadas a
respeito de coisas que, para outras pessoas, passariam despercebidas.
— Maya? — ele me chama, dando a entender que quer que eu
confirme os dados ditos por Luke, seu companheiro de reunião.
— Sim, senhor Anderson, está correto — digo após ler e reler o
documento.
— O que o senhor acha disso? — Luke questiona, juntando os
documentos.
— Irei investigar mais a fundo para saber a origem concreta desses
delitos. — Thomas suspira. — Por enquanto, não diga nada a ninguém, ou o
resultado poderá ser comprometido.
— Eu sou uma pessoa ligada na empresa. Trabalho nela há nove anos
e acompanho o seu trabalho, por isso me senti seguro para recorrer ao
senhor. Certamente, ninguém saberá disso por mim. Deixarei em suas mãos.
— Obrigado. Nos vemos amanhã na reunião com a diretoria — meu
chefe se despede do homem, afastando a cadeira para trás, e eu faço o
mesmo.
— Até breve, senhor Anderson — Luke se despede, levantando-se da
cadeira.
Sob os olhares curiosos das pessoas aos arredores, guio o senhor
Anderson até o elevador para subirmos até a suíte presidencial. Quando
estamos a sós dentro dele, não tenho outro lugar para olhar senão o espelho
que cobre toda a sua extensão. Ele está refletindo perfeitamente nós dois.
Obviamente, não perco tempo olhando para mim mesma, e sim para o
homem ao meu lado. Homem esse de quem eu adoraria poder ver o par de
olhos mais uma vez.
Então, eu me dou conta de que estou perto demais dele. Poderíamos
ser confundidos com um casal. Afasto-me alguns passos para o lado,
tentando não fazer barulho para ele não perceber, mas quando termino, as
portas do elevador se abrem.
— Acho que o senhor precisa descansar. Passou horas viajando e,
quando chegou, foi direto para a reunião — sugiro enquanto caminhamos
até a porta da suíte.
— Maya, temos muitas coisas para fazer até amanhã. Descansar só à
noite. Estou cego, mas sei que o sol ainda brilha lá fora.
Reviro os olhos com o seu comentário, porém sei que ele está certo.
Admiro a sua determinação.
— Na verdade, o dia está nublado — corrijo-o, abrindo a porta.
— Espero que caia uma tempestade forte o suficiente para te segurar
aqui a noite toda — ele diz quando já estamos do lado de dentro da suíte.
Ele está parado na entrada, segurando a sua bengala, sem saber para
onde ir.
— Onde está o Erik nessas horas? — Bufo, lembrando-me de que ele
alegou ter compromissos pessoais e que não poderia vir à viagem.
— Erik? — Thomas vira o rosto em minha direção.
— Sim. Certamente, o senhor se sente sozinho, e só piora se não
consegue enxergar, por isso gostaria que eu ficasse aqui a noite toda. Não é
isso?
— Exatamente. Como farei se, por acaso, precisar urinar no meio da
noite?
— Senhor Anderson... — Ando até ficar de frente para ele. — Isso já
seria demais.
— Eu acertaria o buraco do mictório, mas precisaria ser guiado no
caminho até lá — explica, com um tom de voz sério.
— Quando foi que começamos a falar de algo tão... íntimo? — Sinto-
me enrubescer.
— Aqui é um lugar diferente. Conheço muito bem a minha casa e a
empresa, e, mesmo assim, tropeço, mas nunca estive aqui antes.
— Durante as noites que passaremos aqui, as duas enfermeiras, que
acompanham a minha avó, podem ficar aqui com o senhor. O que acha? —
pergunto, com as mãos na cintura e um sorriso nos lábios.
— Não. — Ele levanta uma das mãos e a estica em minha direção.
Meu coração dá um pulo no peito quando ele a coloca em meu cabelo. —
Você passará as noites comigo. Eu as contratei para cuidar da sua avó. Não
está aqui a passeio, é a minha assistente e deve me prestar assistência.
— Está falando sério?
— Por que pensa que só reservei esta suíte? O plano, desde o início,
era você ficar comigo. Por isso não deixei que levasse a sua mala para o
quarto da sua avó, porque ficará aqui.
— Está bem. Sem problemas. Prestarei assistência ao senhor no que
precisar. Quero dizer... Só não farei nada muito íntimo. — Levanto as
mãos, em protesto.
— Me ajude a ir até o chuveiro. Preciso de um banho.
— O quê?! — quase grito.
— Tranquilize-se. Não pretendo te honrar com a minha nudez. — Ele
sorri, achando graça da própria piada. — O que pensa de mim, Maya?
Pensa que posso te agarrar a qualquer momento?
— N-não. B-bem... É q-que...
— O que a sua avó tem? — Ele se afasta e anda perfeitamente até o
sofá. Tão perfeitamente bem, que quem não o conhecesse, jamais
adivinharia que ele é cego. É diferente de como se locomove em outros
lugares.
Claro que ele está com a bengala-guia, mas, mesmo assim, isso não
seria o suficiente para outra pessoa.
— O senhor ainda não sabe? Pensei que tivesse pesquisado tudo sobre
mim. — Sigo-o até o sofá.
— Não a fundo. Sei que ela está debilitada e que você é tudo o que
ela tem. Sei que você faria qualquer coisa por ela. — Ele se senta,
encostando as costas no sofá e abrindo as mãos, pousando os braços nele.
— Ela é tudo o que eu tenho também — digo, com a voz trêmula.
Sento-me delicadamente ao lado dele, emocionada por estar falando desse
assunto. — Minha avó está sofrendo de um tumor no cérebro e está na fase
terminal. Ela sente muita dor, principalmente à noite. Quando ela se for, eu
ficarei sozinha neste mundo. — Suspiro, enxugando uma lágrima que
escorregou.
— Não há motivo para tristeza. Deve se orgulhar e se sentir rica por
ter esse privilégio.
— Acha um privilégio o fato de que ficarei sozinha no mundo? Nem
todos são reclusos e ranzinzas como o senhor. Eu...
— Me refiro ao fato de tê-la. Você deve se sentir privilegiada pelo
tempo que passou com ela. E quando ela se for, despeça-se com um sorriso
— ele conclui, com o rosto completamente virado em minha direção, como
se estivesse me analisando minuciosamente.
Bobagem minha, eu sei.
— Ah, sim. — Fico sem jeito pela maneira como falei com ele, pois
fiquei tocada com seu comentário.
— Me ajude com o banho — ele muda de assunto bruscamente,
levantando-se, e eu agradeço por isso.
Thomas Anderson tem o poder de me deixar extremamente confusa.
Quando penso que o estou decifrando, ele vai lá e muda todos os seus
códigos.
CAPÍTULO 09

Ele não enxerga

MAYA MOORE
Depois do banho do meu chefe e de eu o ajudar com alguns trabalhos,
ele me deu duas horas para estar com a minha avó, antes de voltar para a
minha função. Agora estou sentada na beira da cama, enquanto ela está
deitada confortavelmente.
— É sério, vovó? — Dou um sorriso de satisfação após tê-la ouvido
me contar, empolgada, que esteve no SPA o dia todo. — Amanhã podemos
ir à praia. O que acha? — Será como uma maneira de eu me desculpar por
não passar a noite com ela.
— Não se preocupe, boneca. Fique com o moço. Ele precisa mais de
você do que eu.
— Como assim, vovó?
— Eu senti ele tão triste, querida. Talvez, por eu não conseguir
enxergar, noto coisas mais intensas, como o tom de voz e a energia das
pessoas.
— Thomas Anderson triste? — Arqueio a sobrancelha, recordando-
me da expressão arrogante e presunçosa que ele sempre mantém em seu
rosto.
— Sim. Aquele menino transborda angústias e ressentimentos — ela
conta, sonolenta.
Acho que minha avó está delirando. O médico disse que ela teria esse
sintoma cada vez mais frequente no último estágio.
— A senhora sentiu dor hoje?
— Não, boneca. Estou bem.
— Se sentir dor, por favor, mande que me chamem. — Viro-me para
as enfermeiras, que acompanham a nossa conversa. — Entenderam? Por
favor, me chamem se ela sentir dor.
— Pode deixar — uma delas assegura.
Quando volto a olhar para a minha avó, ela já está dormindo. Deito-
me ao seu lado e jogo o braço por cima dela para aproveitar a sua
companhia durante os minutos que me restam antes de eu retornar para
perto do senhor Anderson.

— Droga! Está quebrado. Como pode a suíte presidencial de um hotel


tão luxuoso como este, que está custando uma fortuna ao meu chefe, estar
com o chuveiro quebrado? — falo sozinha, enrolando a toalha em volta do
meu corpo nu.
Ainda praguejando, apresso-me em ir reclamar com o senhor Thomas,
que está na sala de estar ouvindo a TV.
— Senhor Thomas, o senhor não vai acreditar em uma coisa —
começo a falar, sem esconder o meu tom de irritação.
Ele move o rosto em minha direção, provavelmente, seguindo o som
da minha voz. Saber que ele não enxerga me permite não ficar constrangida
por estar só de toalha. Não é culpa minha, e eu preciso tomar banho.
— Algum problema? — sua voz soa mais grossa que o normal.
— O chuveiro do meu quarto está quebrado — reclamo. — Preciso
tomar banho!
— Absurdo! Um hotel tão caro como este — resmunga.
— Exatamente! Como pode isso? — Cruzo os braços, balançando a
cabeça negativamente.
— Use o chuveiro do meu quarto, ele funciona perfeitamente. — Ele
se levanta, com sua bengala, e eu dou um passo para trás.
— Eu sou rápido em me adaptar em um ambiente. Enquanto você
estava com a sua avó, eu mapeei a suíte completa — ele se explica,
caminhando até seu quarto.
— Estou percebendo — comento, seguindo-o.
— Isso não significa que a sua presença não se faz necessária — ele
rebate, abrindo a porta do quarto, e espera que eu entre.
— Eu sei disso. — Passo por ele.
Senti um arrepio percorrer o meu corpo com o calor que tive por estar
perto dele, mesmo que por apenas milésimos de segundo.
— Você conhece o caminho até o chuveiro, certo? — Senta-se na
cama.
— O senhor ficará aí? — Mordo o lábio.
— Algum problema? Nesse caso, eu posso me retirar. — Ele está
prestes a se levantar, mas eu o interrompo.
— Não, nenhum problema. — Sorrio, nervosa, praticamente correndo
até a porta do banheiro. — Por favor. Eu só estava perguntando — digo
antes de entrar no cômodo.
Ele não enxerga, Maya. Não precisa ficar nervosa como uma
garotinha boba por estar só de toalha na frente de um homem bonito.
Ao fechar a porta do banheiro, deixo a toalha cair e sigo para baixo do
chuveiro, como se estivesse pisando em nuvens. Ao sentir a água caindo
sobre mim, fecho os olhos, escorrego os braços pelo meu corpo e me passo
o sabonete lentamente, imaginando o senhor Anderson fazendo isso, com
sua expressão séria e concentrada, acariciando-me. Os seus olhos
caramelados estão me encarando com intensidade enquanto ele apalpa cada
centímetro do meu corpo. Passo as mãos pelos meus seios e solto um
suspiro.
Abro os olhos, assustada e envergonhada com esses pensamentos
impróprios.

THOMAS ANDERSON
Aperto o lençol para tentar me libertar da imagem sedutora de Maya
apenas com uma toalha. Céus! Tive um susto ao vê-la ali, parada na porta
da sala, quase nua. Eu deveria ter pensado que algo assim poderia
acontecer, mas a única coisa que me preocupou ao pensar nela aqui comigo
foi que essa seria a cena perfeita para confirmar a minha cegueira. O que
um homem cego estaria fazendo sozinho em uma suíte onde nunca esteve
antes? Não, isso levantaria muitas suspeitas. Heitor pode ter espiões me
seguindo feito ratos prontos para fazerem um estrago.
O som do chuveiro me faz imaginar Maya completamente nua, com a
água caindo sobre ela, e eu coloco a mão em meu pau. Ah, como preciso de
uma foda. Eu adoraria fodê-la até ela gemer o meu nome e se estremecer de
prazer sob o meu domínio.
Levanto-me, decidido a sair do quarto. Isso não deve ser certo.
No que estou pensando?
Dou voltas e voltas da sala até a cozinha e da cozinha para a sala, mas
o tempo está demorando demais para passar. Até que decido retornar ao
quarto para ouvir o som do chuveiro enquanto Maya termina seu banho.
Preciso dessas pequenas migalhas para, mais tarde, masturbar-me como um
pervertido, doente, que deseja muito a sua assistente.
Porém, ao me aproximar da porta, hesito. O que estou pensando não é
certo. Balanço a cabeça, tentando afastar os desejos obscuros que querem
dominar meus pensamentos. Mas antes que eu possa tomar uma decisão, a
porta se abre abruptamente e Maya, encharcada e desajeitada, tropeça em
mim, derrubando sua toalha.
Minha mão, acidentalmente, encontra parte da pele macia de sua
bunda. Eu a seguro por puro instinto, enquanto me apoio na parede.
— Cuidado — grunho, mantendo uma expressão séria, embora meu
corpo esteja reagindo de maneira incontrolável.
— Eu... sinto muito, senhor — ela diz, imóvel, com a respiração tão
acelerada quanto a minha.
— É impressão minha ou você está nua? — pergunto suavemente ao
seu ouvido, movendo as mãos para cima, lentamente, sobre o seu corpo.
O meu pau reage deliciosamente, querendo sair para fora da calça.
— O senhor percebeu — ela murmura quase em um gemido.

MAYA MOORE
— Sim — ele responde, acariciando os fios do meu cabelo agora.
Eu não ouso me mover, entreabrindo os lábios para conseguir respirar
melhor.
— O senhor precisa me soltar urgentemente, para que eu possa sair
correndo e fingirmos que isso nunca aconteceu — digo, com meus peitos
tocando em sua camisa. Os bicos estão duros e eu não sei como ainda estou
conseguindo manter as pernas em pé.
— Precisa usar um shampoo mais eficiente, seu cabelo está seco. —
Ele retira a mão de mim e eu me afasto para trás.
Não corro, como disse que faria, e vejo que Thomas continua
esfregando os dedos, como se ainda estivesse tocando em meu cabelo.
O que foi isso?
— Além da visão, o senhor perdeu o tato? — pergunto, em minha
defesa. — O meu cabelo é macio como uma pluma. O senhor que precisa
de um corte de cabelo, está parecendo um leão velho — provoco-o, sem
pensar nas consequências. É o nervosismo que me faz agir assim.
— Um leão velho? — Ele ri, mostrando os dentes brancos. — Você é
muito atrevida, Maya. Mas eu gosto disso — ele se aproxima de mim
novamente, segura em minha cintura com uma das mãos e desliza a outra
pelo meu rosto. — Você é linda, eu posso sentir. E quero sentir mais —
sussurra ao meu ouvido, arrepiando-me dos pés à cabeça e juntando os
nossos corpos de novo.
— Senhor Anderson, nós não podemos... — eu começo a protestar,
mas ele me interrompe com um beijo ardente que me faz esquecer
momentaneamente qualquer protesto que eu estava prestes a fazer.
Sua boca quente e exigente faz meu corpo responder
involuntariamente e, por um instante, deixo-me perder nas sensações mais
prazerosas que já experimentei na vida.
Quando, finalmente, nós nos separamos, estou ofegante e atordoada.
Ele sorri de uma forma que me deixa desconcertada.
— Não se preocupe, Maya. Ninguém precisa saber disso, apenas nós
dois. — Ele continua acariciando o meu rosto, agora com uma expressão
mais suave, e eu me sinto hipnotizada. — Seu cabelo é macio como uma
pluma, você estava certa. — Sorri.
Meus pensamentos estão confusos, mas sua proximidade torna difícil
eu resistir.
— Mas nós precisamos ser discretos — ele continua, com uma
seriedade que contrasta com o sorriso anterior.
A realidade começa a tomar a minha mente e eu percebo a merda que
acabou de acontecer. Eu deveria resistir, mas há uma atração insuportável
que me mantém envolvida.
— Senhor Anderson, isso não deveria ter acontecido. Somos
profissionais, e isso pode afetar nosso trabalho. — Tento recuperar alguma
racionalidade.
Sinto-me muito errada e culpada por isso ter acontecido, afinal, eu
praticamente me joguei em cima dele, completamente nua.
Ele acaricia o meu rosto suavemente.
— Ninguém precisa saber, Maya. Podemos manter entre nós. Será o
nosso pequeno segredo.
— Mas eu... — Sinto um misto de desejo e preocupação.
Em poucos segundos, ele se afasta lentamente, e a saudade que sinto
do seu toque me deixa desconcertada.
— Se é o que você quer, vamos manter as coisas como estão. Pelo
menos por enquanto, até mudar de ideia. — Ele sai e fecha a porta do
quarto.
Fico aqui, atordoada, tentando processar o que acabou de acontecer.
Em seguida, corro em direção ao meu quarto, com a mão na boca, como se
estivesse tentando acordar de um sonho surreal.
CAPÍTULO 10

Nada aconteceu

MAYA MOORE
Entro no quarto e fecho a porta, tentando entender o que acabou de
acontecer. Meu corpo ainda está quente e o meu coração está acelerado,
mas o arrependimento surge em peso. Eu, que sou uma assistente recém-
contratada, acabei de beijar meu chefe, Thomas Anderson, um homem que,
por mais sensual e másculo que seja, é cego. E ele apalpou o meu corpo nu
por acidente.
Isso não pode estar certo. Eu não presto. Eu deveria ter prestado mais
atenção. Sou uma desastrada.
Jogo-me na cama, cobrindo o rosto com as mãos e tentando processar
a mistura de sensações e emoções. Por um lado, estou feliz por ter dado o
meu primeiro beijo de verdade. Gostei muito. A atração é evidente entre
nós. Por outro lado, a voz da razão grita que isso foi totalmente inadequado,
arriscado e profissionalmente perigoso. O que diriam todos na empresa se
soubessem disso?
Minha mente está uma bagunça e o cheiro dele ainda está no ar que
respiro. Preciso me acalmar, focar no trabalho e esquecer esse episódio.
Mas é difícil quando o meu corpo ainda está vibrando com a lembrança do
toque dele.
Ahhh, que homem maravilhoso. Talvez, com o tempo, eu consiga
esquecer o que aconteceu.
Levanto-me e começo a me vestir, tentando afastar os pensamentos
perturbadores, entretanto, em cada canto que olho, vejo aquele sorriso
travesso e ele me dizendo que ninguém precisaria saber. Como farei para o
encarar pela manhã? Eu não fazia ideia de que poderia me interessar tanto
por ele.
Ah, que vergonha. Não acredito que isso aconteceu.
Antes de tentar dormir, faço uma ligação para as enfermeiras e
confirmo se está tudo bem com a minha avó. Em seguida, após constatar
que sim, tento fechar os olhos, mas tudo o que consigo fazer é continuar, em
minha cabeça, a cena na porta do quarto de Thomas. A curiosidade em
saber o que teria acontecido se eu não o impedisse, certamente, não me
deixará dormir.

THOMAS ANDERSON
Encaro o teto do quarto do hotel, pensativo sobre tudo em minha vida
e em como eu poderia não estar mais aqui, descobrindo os delitos na
empresa, que acredito que foram cometidos por Heitor e seu parceiro.
Preciso descobrir quem está trabalhando com ele. Tenho que saber quem,
além dele, planeja me derrubar. Tenho algumas suspeitas, mas nada
concreto. Não tenho amigos próximos, então não me sentirei traído, de
qualquer forma. Só me preocupa estar às cegas quanto a quem são os meus
reais inimigos.
Após repensar tudo isso, sento-me na cama, alvoroçado e com a
cabeça entre as mãos. Não importa o quanto eu me esforce, sempre volto a
pensar na pele macia de Maya, nos seios firmes e empinados tocando em
minha camisa, naquele cabelo cheirando a flores, no beijo... Não consegui
resisti e tomei seus lábios para mim, mas isso só serviu para me deixar mais
perturbado.
Merda! Tudo o que eu não estava precisando no momento era perder
tempo pensando em uma boceta. Porque é isso que quero de Maya: quero
fodê-la. Nada mais. Eu poderia me levantar e me masturbar, como planejei,
mas quero guardar todo o meu desejo para despejar nela. Que se danem os
meus planos anteriores. Sei que consigo conciliar meus objetivos com um
pouco de prazer.
Será uma questão de tempo até ela mudar de ideia sobre mantermos
nossa relação somente no profissional.

O sol mal começou a dar os seus primeiros brilhos fracos, devido ao


clima, e eu já me levanto. Tomo um banho e faço umas sessões de
exercícios, confinado no quarto mesmo, já que não tenho uma academia à
minha disposição, como tenho em minha casa. E me exercitar na academia
do hotel seria muito arriscado.
Agora são 6h30 e Maya continua dormindo. Acredito que esteja
acostumada a dormir até às 7h, já que, na empresa, começamos às 9h.
Então, devo ter algum tempo a mais para aproveitar a minha própria
companhia e não me sentir um completo idiota fingindo tropeçar nas coisas.
Caminho até a cozinha, ainda suado dos exercícios, disposto a tomar
um copo d’água. Antes de chegar ao filtro, encaro a cafeteira em cima do
balcão. Seria muito estranho se um homem cego preparasse café?

MAYA MOORE
Acordo assustada, ouvindo batidas na porta do quarto, mas, em
questão de segundos, acalmo-me. Sei que é Thomas Anderson querendo me
dar ordens pela manhã.
— Maya, acorde! — ele me chama outra vez, dando batidas na porta.
— Que horas são? — Sento-me na cama, bocejando e me
espreguiçando.
— Preciso de café — ele diz ao lado de fora.
Merda! Acabo de me lembrar do que aconteceu na noite passada e me
levanto em um pulo.
— E-estou indo, senhor Thomas. — Corro de um lado para o outro,
sentindo o meu corpo em chamas com a mera lembrança.
Abro a porta, um pouco nervosa, tentando disfarçar o embaraço.
Thomas está em minha frente. Aparentemente, acabou de tomar banho. Ele
está descalço, usando uma calça social preta, sem camisa e com seus óculos
escuros, mantendo um sorriso sutil no rosto, como se nada tivesse
acontecido, como se agora fosse normal estarmos sem roupas um na frente
do outro. Por sorte, estou com uma calça de moletom. E, por mais sorte
ainda, ele não consegue ver o quanto essa calça é ridícula.
Ai, me sinto uma boba. Por que me preocupo com coisas assim?
— Bom dia, senhor Thomas. Como posso ajudá-lo? — tento manter a
voz firme, mas o abdômen e o peitoral definido dele me desconcertam.
Parece que os gominhos se movem para chamar a minha atenção.
Ele ergue as sobrancelhas de maneira sugestiva.
— Café, Maya. Eu preciso de café para começar o dia.
— Claro, senhor Thomas. Eu vou preparar para o senhor
imediatamente. — Desvio o olhar dele para evitar encará-lo por muito
tempo.
Acompanho-o até a cozinha e respiro fundo, buscando acalmar os
nervos. Ao preparar o café, tento focar nos procedimentos habituais, só que
a imagem de Thomas sem camisa não sai da minha mente. E para “ajudar”,
toda hora olho para o lado e ali está ele, ainda sem camisa, lindo e proibido.
Será que está fazendo isso de propósito?
Entrego-lhe a xícara de café, procurando parecer o mais normal
possível, mesmo que ele não possa me ver. Eu tenho a minha dignidade. Ele
agradece com um aceno de cabeça e, ao pegar a xícara, seus dedos tocam
levemente nos meus. Sinto um arrepio percorrer a minha espinha, porém
disfarço rapidamente.
— Obrigado, Maya. Você parece um pouco agitada hoje. Algum
problema? — Inclina a cabeça de lado.
— Não, senhor Thomas. Tudo está bem. — Forço um sorriso.
— Preciso de ajuda para encontrar uma roupa. Não sei o que vestir.
Ontem estava fácil, pois meu mordomo me ajudou com a primeira troca ao
arrumar a mala. Sabe, Maya... São tantos inconvenientes.
— Não se preocupe. Estou aqui para te ajudar, não é? — Sorrio e
engulo em seco.
Sirvo uma xícara de café para mim também, só para ter o que fazer
além de ficar babando em cima dele.

THOMAS ANDERSON
Ao observar Maya se esforçando para escolher uma roupa entre as
minhas coisas, sorrio internamente, sentado na poltrona de frente para a
cama. O jogo que estou jogando é perigoso, mas a atração que sinto por ela
me faz querer arriscar. Maya é encantadora, e saber que ela está vulnerável
à minha suposta cegueira me dá uma sensação de controle. Não é errado eu
lhe dar o que ela quer, certo? Eu me sentiria culpado se ela não estivesse
maravilhada com o meu corpo exposto sem a camisa, porém o olhar
inocente e sedento dela me incentiva a provocá-la.
Maya está segurando duas camisas nas mãos, parecendo indecisa, e
me olha, sem jeito.
— Maya, achou alguma camisa que ficará boa em mim? —
questiono, fingindo inocência.
Ela pega uma das peças nas mãos e se aproxima de mim, com os
olhos fixos nela. Sinto a sua proximidade mais do que vejo, e meu coração
acelera. Eu sei que estou brincando com fogo, no entanto, é difícil resistir à
tentação de provocá-la.
Ela fica parada em minha frente e eu me levanto. Nossos corpos
quase se tocam. O calor entre nós é palpável e eu estou louco para me
queimar nele.
— Esta parece ótima, senhor Thomas. É uma de tom azul-escuro, que
passará mais confiança durante a reunião — ela mantém a voz firme, mas
posso perceber a tensão em seu rosto.
Pego a peça de suas mãos e, propositalmente, deixo meus dedos
roçarem nos dela. Eu estou testando os seus limites e ela está cedendo aos
poucos, mas eu mesmo estou me perdendo no processo.
— Obrigado, Maya. Tenho certeza de que é ótima. Confio no seu bom
gosto. — Começo a vestir a camisa de maneira errada propositalmente. —
Está bom assim?
— Quase. Acho que precisa de uma ajudinha, senhor Thomas. — Ela
sorri e seus lábios vermelhos e convidativos me fazem querer beijá-la
novamente.
— Por favor — digo em um tom descontraído.
Eu permito que ela me vista, sentindo suas mãos delicadas tocando
em minha pele. Eu iria rir dessa situação se não estivesse sendo torturado
pelo desejo.
— Pronto. — Ela se distancia um pouco para me observar. — Ficou
perfeita em você, senhor Thomas.
Agradeço com um aceno de cabeça, apreciando o jogo de sedução
que estamos vivendo. Maya está, claramente, desconcertada, e isso me
excita ainda mais.
— Vou precisar de mais algumas coisas, Maya. Pode me ajudar a
encontrar uma gravata? — Ponho as mãos para trás.
— Sim, claro. — Ela assente e, enquanto busca uma gravata, eu não
consigo deixar de admirar sua silhueta.
Seu corpo, mesmo coberto por roupas simples, como uma calça de
moletom, é incrivelmente sexy.
— Encontrei, senhor Thomas. — Ela está segurando uma gravata
preta.
— Ótimo. De qual cor ela é?
— Preta. O senhor prefere outra? Tem uma vermelha aqui, mas...
— A preta mesmo. Você sempre tem bom gosto — elogio-a,
aceitando a gravata.
Eu gostaria de poder trocar um olhar intenso com ela, pelo qual eu
expressaria o desejo que sinto, e ela entenderia tudo.
— Obrigada, senhor Thomas. Se precisar de mais alguma coisa, estou
à disposição. — Maya desvia o olhar de mim como se soubesse que a estou
encarando.
— Maya, espera — chamo-a quando ela está prestes a sair do quarto.
Ela se vira para mim e eu me aproximo dela. Ficamos a poucos
centímetros de distância.
— Sim, senhor Thomas? — sua voz é trêmula.
— Vá ver a sua avó antes de começarmos a nossa agenda. E diga a
ela que jantaremos juntos nessa noite. Ela se alimenta normalmente, certo?
— Sim. A minha avó costuma se alimentar bem. Ela diz que deve
comer enquanto pode. Vou falar com ela agora mesmo e combinar o jantar.
Alguma preferência de restaurante? Ou vai ser aqui no hotel mesmo? Claro
que sim, né? O restaurante do hotel é esplêndido — ela começa a tagarelar,
obviamente, nervosa.
— O restaurante do hotel está ótimo. Marque a reserva para nós, por
favor, e avise à cozinha sobre as preferências da sua avó. Quero que seja
uma noite agradável para ela — tento manter uma seriedade na voz.
Maya precisaria me ajudar com o calçado e o meu cabelo também,
mas estou com pena dela.
— Certo. Eu vou... tomar um banho e logo irei lá embaixo, no quarto
dela.
Ela parece aliviada por ter uma tarefa a cumprir longe de mim. Logo
vai cuidar dos detalhes.
Eu me vejo dividido entre o desejo de continuar com esse jogo de
sedução e a necessidade de ser honesto sobre minhas intenções. Isso está
saindo do controle, mas não tenho a pretensão de parar.
CAPÍTULO 11

Confraternização

MAYA MOORE
Oh, céus! Uma transformação e tanto aconteceu no meu escritório.
Meu chefe, aquele ser ranzinza e mandão, decidiu dar uma guinada e se
tornar charmoso e sorridente, tentando me seduzir a cada segundo. Sim, é
isso mesmo. Não, não estou alucinando. Minha mente indecente insiste em
me convencer de que ele está fazendo isso de propósito.
Não, é claro que não pode ser verdade.
Arg! Por que meu corpo teve que experimentar o calor das mãos dele?
Por que meus lábios precisavam conhecer a textura dos dele?
— Claro que aceito jantar com o moço — responde minha avó, com
uma expressão de cansaço.
— Tem certeza, vovó? A senhora parece um pouco indisposta —
digo, temerosa, enquanto olho para as enfermeiras sentadas próximas a nós,
no sofá.
— Não seja boba, boneca. Nada me impedirá de aproveitar a
oportunidade de jantar com você e um homem bonito. — Ela ri, mas
começa a tossir, e o meu desespero aumenta.
— A senhora não está bem! — exclamo, levantando-me e colocando
as mãos na cabeça.
— Quem não está bem é você, boneca. O que está te afligindo?
— Eu? Não, não, eu estou ótima. E vejo que a senhora também está
bem. — Abro um sorriso amarelo e lhe dou um beijo na bochecha. — Nos
vemos à tarde, vovó. — Caminho em direção à saída, despedindo-me das
enfermeiras com um aceno.

— Que porra é essa? — Thomas reclama ao tropeçar na perna de uma


cadeira de espera ao sairmos do hotel.
— Eu o segurei, o senhor não caiu — respondo, tentando manter a
compostura, mas, por dentro, estou rindo da cena.
— Graças a Deus por você, Maya. Este lugar é um campo minado
para mim. — Ele ri e eu me pego sorrindo diante de seu bom humor
repentino.
O carro da empresa já está nos esperando e embarcamos nele. O
trajeto até lá é feito em silêncio. Chegamos ao prédio e somos conduzidos
diretamente para a sala de reuniões, onde encontramos os parceiros de
negócios aguardando. Todos nos olham com curiosidade, afinal, o neto do
CEO da companhia, certamente, é famoso. Que bom que estou apresentável
em meu vestido preto um pouco acima dos joelhos. Meu cabelo solto se
move com a brisa leve que paira no ambiente. Desde ontem, o clima está
para chuva. A qualquer momento vai chover.
A reunião transcorre como o planejado. Thomas faz algumas
perguntas e uma ou outra fica sem uma resposta. Ao final, ele e eu somos
convidados para uma confraternização rápida no salão de eventos da
empresa. Percebo que a filial daqui de Chicago é bem mais alegre e
receptiva.
— Maya, busque uma bebida para nós — Thomas sussurra ao meu
ouvido, enquanto um senhor engravatado continua a falar com ele, sem
perceber que ele não está prestando tanta atenção.
— Estou indo, senhor — sussurro de volta.
— Olá, mocinha. O que está achando de Chicago? — pergunta um
rapaz que tem a minha idade, aparentemente, juntando-se a mim a caminho
do bar.
— E você é o...? — pergunto, irritada por ele ter começado um
assunto comigo sem antes se apresentar.
— Iago. Ao seu dispor. Sou assistente de telemarketing. — Ele sorri,
pega uma bebida de um garçom, que passou perto de nós, e me oferece.
— Para mim? — questiono, surpresa. Ele parece empenhado em
querer a minha atenção.
Ele é bonitinho e charmoso. Seria mais normal eu me interessar por
ele, não pelo meu chefe.
— Eu gostaria de poder lhe dar muito mais. Aceita sair comigo nesta
noite?
— Uau! — Gargalho. — Você não perde tempo, hein? — murmuro,
sem jeito, segurando a bebida que ele me ofereceu.
— Eu não tenho tempo. Em breve, você irá embora. — Sorri,
encostado no balcão do bar.
— Estou aqui a trabalho, mas agradeço pelo seu... — Sou
interrompida por uma visão preocupante: meu chefe tropeçando em minha
direção, com os lábios torcidos de raiva. — Convite. — Deixo a bebida no
balcão e vou ao socorro do senhor Thomas. — Senhor Thomas, o que
estava fazendo perambulando sozinho por aí? E se o senhor caísse? —
Enfio as mãos dentro do seu paletó para lhe dar apoio.
— Me perdi pelo caminho. Eu estava procurando o bar, visto que a
minha assistente estava demorando — ele reclama, parecendo um velho
resmungão, mas tudo o que consigo fazer é prestar atenção no seu perfume.
— Perdão. É que o Iago estava tomando o meu tempo.
— Iago?
— Deixa para lá.
— Ótimo. Você não está aqui para socializar.
— E para que serve uma confraternização? Eu só estava pegando uma
bebida para nós dois, como o senhor pediu — respondo, irritada.
Ele solta um suspiro, exasperado.
— Vamos, Maya. A reunião continua lá. Tem homens aguardando por
mim. Não quero mais a bebida.
Eu, hein.
Thomas parece irritado, e eu me pergunto por qual motivo. Eu sei que
ele detesta ter que ser simpático, então pode ser o ambiente.
A confraternização é animada, com música suave ao fundo, risadas e
conversas preenchendo o lugar. As pessoas ao redor parecem estar se
divertindo de verdade. Thomas e eu cumprimos formalidades, trocando
algumas palavras com os parceiros de negócios e colaboradores da empresa.
No entanto, sua presença ao meu lado, mesmo quando não estamos
diretamente envolvidos em uma conversa, é palpável.
Durante um momento de pausa na música, ele se inclina para mim e
sussurra:
— Não quero que você converse com estranhos, Maya. Concentre-se
no que realmente importa aqui.
— É sério isso?
Ele apenas balança a cabeça, sinalizando que não quer discutir mais
sobre o assunto. Percebo que está controlando sua irritação. O seu
semblante sério me deixa inquieta e com um fogo queimando tudo dentro
de mim. Esse homem é irritante, mas me irrita tanto, que me faz querer
calá-lo enfiando a sua cabeça entre as minhas pernas.
Não me reconheço. Droga! Minha avó tem um tumor cerebral, mas
sou eu que estou delirando.
— O senhor às vezes consegue se virar muito bem, não concorda? —
pergunto, ainda irritada, ao notar que ele abriu a porta do carro sozinho ao
chegarmos de volta ao hotel.
Ele não responde nada, apenas resmunga algo que seria impossível
algum ser humano decifrar e sai em direção à porta, com sua bengala.
Disposta a fazer o meu trabalho a qualquer custo, corro para o seu lado para
o ajudar a se orientar melhor. Não quero nem imaginar o que aconteceria se
ele levasse um tombo.
— Sobre o jantar, os planos mudaram — ele diz quando estamos
chegando ao elevador.
— O que quer dizer com isso?
— Conversei com uma das enfermeiras, e ela me disse que sua avó
gostou muito da praia. Acho que será agradável para ela comer em um
daqueles quiosques, e depois podemos caminhar com ela. Sentir a brisa do
vento noturno pode ser revigorante.
— Ou pode piorar a tosse dela — reclamo, sem conseguir raciocinar
direito com essa mudança de planos, ao entrarmos no elevador. — Por que
está tão interessado em minha avó? — Não entendo o motivo de tanta
gentileza.
— Você disse que ela está na fase terminal, e ela é importante para
você. Não é uma assistente multitarefas? Excelente. Veja isso como um
bônus. Você poderia jantar com ela sozinha, só vocês duas... Isso pode
acontecer também.
— Na verdade, a minha avó adorou a ideia de jantar com um
homem... Digo, com o senhor — corrijo-me e dou um sorrisinho para mim
mesma de frente ao espelho do elevador, sentindo as minhas bochechas
esquentarem.
CAPÍTULO 12

Bons momentos

THOMAS ANDERSON
— Só preciso de algo que ligue o Heitor aos delitos dos documentos.
E isso eu sei que encontrarei só em Nova Iorque. Heitor não seria tolo de
ficar longe de provas tão comprometedoras — falo ao celular com Erik, que
está alojado no mesmo hotel que eu, disfarçado de turista. Ele está sempre
de olho em movimentos suspeitos, que, por sorte, não existem no momento.
— As provas que conseguiu aqui em Chicago ajudarão muito, senhor.
Tudo acabará em breve.
— Será em 60 dias. É tempo demais para eu continuar com essa farsa.
Me sinto um tolo o tempo todo me fingindo de cego. Sabe quantas vezes
fingi estar tropeçando? Acho até que estou exagerando.
— Senhor, por favor, vamos continuar com o plano. Se esqueceu de
que alguém quer vê-lo morto?
— Não me esqueci. — Suspiro, ciente de que ele está certo. Não
posso deixar minha irritação e frustração interferirem no plano que
elaboramos meticulosamente para desmascarar Heitor e seus crimes. —
Preciso desligar, tenho um compromisso social.
— Apareceu de última hora? Por que não está anotado na minha
agenda?
— Não precisarei dos seus serviços, Erik, é algo que farei sozinho —
digo antes de desligar a chamada, com um sorriso nos lábios.
Não importa o quanto eu me preocupe com os meus problemas reais,
o meu corpo me lembra constantemente de que preciso sentir o sabor dela.
Quero estar perto de Maya e de sua avó para tentar encontrar um caminho
mais fácil para me aproximar dela e quebrar a barreira ética que ela impõe
entre nós dois.

MAYA MOORE
Minha doce e querida vovó, como é bom te ver sorrindo. Quem a olha
agora, não imagina que ela está prestes a deixar esta vida.
— Sim, é verdade. — Dou um sorriso profundo, tentando conter as
lágrimas que desejam se instalar em meus olhos.
— Maya, então você também era respondona com sua avó? —
Thomas questiona, com as mãos nos bolsos da calça, a qual, obviamente,
fui eu que o ajudei a escolher.
Sim, esse é o novo jeito que ele encontrou para me torturar.
— Vovó, a senhora deve contar a história toda — reclamo, indignada.
— O senhor Thomas vai pensar que eu era uma malcriada — concluo.
— Thomas, Maya é uma excelente garota. Sempre que me respondia,
estava certa. Ela não aceita injustiças, e eu me orgulho por ela ser assim.
Abaixo os olhos, envergonhada porque, sim, eu já aguentei muitos
desaforos nos últimos tempos, principalmente do meu antigo chefe.
— Desde quando eu devo ser o alvo dos assuntos? Que tal falarmos
do quanto a senhora comeu hoje? — Dou um sorriso travesso.
Continuamos a conversar sobre amenidades e não me passa
despercebido que Thomas parece interessado em falar sobre mim. O que me
leva a questionar: será que ele está interessado em mim de uma maneira
mais... pessoal?
Caramba! Ele tocou em parte do meu corpo nu. Ele me beijou e disse
que ninguém precisaria saber.
E se ele estiver disposto a me ter em sua cama? Será que eu estaria
preparada para ceder aos meus desejos, a esse fogo que nos rodeia? E se,
quando ele voltar a enxergar, não gostar do que vir? Eu estou ciente da
minha beleza, mas Thomas Anderson, certamente, tem um padrão bem alto.
E...
Não.
Se eu pudesse, daria um tapa na minha boca agora mesmo. Preciso de
alguém para me exorcizar, devo estar possuída. Devo me lembrar de que,
apesar de estar sendo mais gentil nos últimos dias, ele é o meu chefe que
adora dificultar a minha vida. Não posso me esquecer disso. Ele é um
grosso. É isso o que ele é na verdade. Só está fazendo isso para me
confundir, e pode ser mais um dos seus testes.

É uma cena peculiar: tarde da noite, estou entre dois cegos, molhando
os pés na água. Minha avó decidiu se esforçar um pouquinho, caminhar
com os pés na areia e sentir a praia à noite mais uma vez. Temo dizer que
pela última vez...
Suspiro e fecho os olhos por alguns segundos, apenas ouvindo e
sentindo o suave som das ondas se quebrando. A brisa marítima acaricia o
meu rosto e, por um momento, esqueço as preocupações que pairavam
sobre mim.
— Se lembra da primeira vez em que fomos à praia, boneca?
— Sim. Íamos com tanta frequência quando eu era criança. A senhora
sempre preparava aquele delicioso sanduíche de frango e eu corria pela
areia, com os pés descalços, sem me importar com nada além do sol e das
ondas.
— Ah, minha querida... Eram tempos mais fáceis, não é mesmo? —
Ela sorri e a nostalgia brilha em seus olhos.
De fato. Éramos eu, ela e meu pai. Porém, meu pai se encarregava de
trabalhar e beber, enquanto minha avó se encarregava de cuidar de mim. Ele
foi levado pelo câncer, mas isso não abalou muita coisa, pois, além da
minha avó ter conseguido um trabalho no mercado do bairro, papai tinha
um seguro de vida e me deixou uma pensão que era o suficiente para
vivermos de maneira simples. Cresci feliz, apesar dos contratempos,
comecei a trabalhar, entrei na faculdade para cursar administração e
economia, fiz uma amizade incrível e tudo estava indo bem, até o dia em
que encontrei minha avó desmaiada ao chegar em casa. Aí as coisas
começaram a desmoronar.
— Do que está falando, vovó? Este momento que estamos tendo aqui,
eu também não trocaria por nada. — Abraço-a, lembrando-me das palavras
de Thomas. Devo ser grata por tê-la. Apenas isso.
Eu abraço a minha avó e vejo Thomas com o rosto voltado na direção
do mar. Eu queria saber o que se passa na cabeça dele. Parece pensativo
sobre algo ruim.

Acordo com o celular tocando em cima do criado-mudo e me apresso


em me levantar para o atender. Quase tropeço no meio do caminho, com
medo de que seja algo relacionado à minha avó. Fico alguns segundos
olhando para a tela para confirmar de quem realmente é a ligação.
— Linda? — Atendo e mordo o lábio. Há muito tempo estou em
dívida com a minha amiga.
— Maya, oi! Está tudo bem? Se lembra de mim?
— Não seja injusta, Linda. Tenho andado ocupada e...
— Eu estou sendo injusta? Não importa quais sejam os problemas
que você tem, prometeu me procurar quando os resolvesse.
— Ainda não os resolvi.
— Você não é a única culpada. Eu também tive uns problemas
pessoais, dos quais não quero falar, por isso não liguei antes, mas... sinto
saudade, amiga.
— Eu também. — Suspiro. — Como tem passado? Está indo bem na
faculdade?
— Sim. A cadeira ao meu lado foi preenchida por outra pessoa, mas
não é como quando era você.
— Estude bem. Pelo menos uma de nós duas precisa alcançar os
próprios objetivos — murmuro, brincando com minha roupa.
— Você não está em casa, estive lá ontem à tarde. Onde está?
— Amiga do céu, se eu lhe contar, você não vai acreditar. — Sorrio,
mordendo o lábio.
— O que é?
— Já ouviu falar em Thomas Anderson?
— Aquele gostosão que está cego?
— Nossa... Você o conhece — resmungo, envergonhada.
— Quero saber de tudo, e nos mínimos detalhes — pelo seu tom de
voz, ela parece empolgada. Merda.
— Eu sou a assistente pessoal dele — conto com cautela.
— Menina, que sortuda! E o que mais? Ele é chato mesmo, como
dizem os rumores?
— Chato? — altero o tom de voz. — Ele só é prático, não é chato —
defendo-o. Apesar de o achar chatinho, devo defender o meu chefe.
— Hum... E o que mais?
— Está bem, vou falar. Estamos em uma viagem de negócios, na
mesma suíte, e ele me beijou — confesso, levantando-me e caminhando no
quarto, sem rumo.
Linda dá um grito do outro lado da linha.
— VOCÊ, FINALMENTE, PERDEU A VIRGINDADE? — ela
pergunta, deixando-me chocada.
— Como assim? Eu só falei que ele me beijou! — enfatizo. —
Apesar de que eu estava nua quando ele fez isso — revelo, com um
sorrisinho nos lábios, ao me lembrar da sensação maravilhosa.
— Amiga, você precisa tirar uma casquinha desse homem.
— Eu preciso tirar uma casquinha do senhor Thomas? Linda, sabe
que eu não sou assim.
— Não venha dar uma de santa para cima de mim, Maya. Você é
virgem, mas tem vagina, e a sua vagina tem necessidades!
— Fale baixo! — Morro de vergonha só de imaginar alguém a
ouvindo dizer isso.
— Você não quer dormir com ele?
— Bem... Eu... gostei muito do beijo, mas...
— Só estou dizendo que se eu fosse você, aproveitaria o fato de estar
em uma suíte só com ele e deixaria rolar.
— Você não mudou nada, Linda.
— Já você mudou bastante. Minha garotinha está crescendo. —
Gargalha.
— Está exagerando. — Sorrio. — Mas tem razão. Me sinto mais
madura e acho que não seria tão assustador se rolasse alguma coisa entre
mim e meu chefe.
— Ah-ha! Está vendo? Ah... E deixa eu falar: o fato de ele estar cego
pode ser interessante, sabia? Use isso a seu favor.
— Que maldade, Linda.
— É para o bem dele. Ele vai gostar, eu garanto.
— Preciso desligar. Ele deve estar me esperando para preparar o café.
— Dê na boquinha dele. — Gargalha.
— Tchau. — Desligo a chamada, sabendo que ela não desligaria nem
em mil anos.
Olho para as horas e... Merda! Nós nos falamos por tempo demais.
Surpreende-me Thomas ainda não ter vindo bater na minha porta. Corro
para a frente do espelho e me olho. Não estou nada apresentável, mas não
fará diferença para o meu chefe, ele não precisa saber. Só preciso ser rápida
e, pelo menos, escovar os dentes e lavar o rosto para ir logo preparar o café
dele.
CAPÍTULO 13

Uma noite de entrega

THOMAS ANDERSON
Deixo o copo de água cair da minha mão quando vejo Maya entrando
na cozinha com o seu minúsculo conjuntinho de dormir.
— Droga! — Abaixo-me, com pressa para juntar os cacos.
Não sei se estou nervoso por ter reagido à aparição dela, sendo que eu
deveria parecer cego e ela poderia perceber a verdade, ou se estou nervoso
porque ela está gostosa demais nessas roupas pretas.
Acho que é a última coisa somada à parte da conversa que ouvi sem
querer quando fui chamá-la.
— Está tudo bem, senhor Thomas? — Maya corre e se abaixa até
mim, fazendo-me prender a respiração diante do cheiro suave que vem do
seu cabelo.
Meu coração acelera com a proximidade dela. Estou me viciando
nesse cheiro.
— Escapou das minhas mãos. Ainda não me acostumei a ser cego. —
Corto o dedo de propósito nos cacos. — Merda! — queixo-me, recolhendo
o dedo ferido.
— Não mexa nisso! — Ela me levanta, segurando em minha mão
com delicadeza. — O senhor não está enxergando. Por que se atreveu a
lidar com cacos de vidro? Não sabe que isso é perigoso? — Olha-me com
preocupação.
Maya me guia até uma cadeira e eu sinto a textura suave do tecido da
sua roupa, que roça em mim enquanto ela me acomoda com cuidado.
— Senhor Thomas, por favor, tenha mais cuidado.
Eu balanço a cabeça positivamente, porque se falar muita coisa, vou
acabar soltando um gemido. A atração que sinto por ela está me deixando
desconcertado.
Maya se afastou por um momento para pegar panos e uma vassoura.
— O senhor dificulta o meu serviço — sua voz suave parece acariciar
meus ouvidos.
— Não reclame muito, o seu salário é bem gordo — respondo, em
autodefesa, e recebo um olhar indignado da parte dela.
Enquanto Maya se ocupa limpando os cacos, aproveito para a
observar discretamente. Seu conjuntinho de dormir destaca suas curvas de
maneira irresistível, mas sua expressão séria demonstra que ela está
preocupada com minha segurança.
— Vou tentar facilitar mais a sua vida a partir de agora — gaguejo,
tentando encontrar as palavras certas.
Ela sorri levemente e seus olhos brilham com compreensão.
— Não se preocupe, senhor Thomas. Estou me acostumando com o
senhor. — Ela sorri calorosamente.
Do ângulo em que estou, seria fácil para ela estar diante de mim
ajoelhada, chupando o meu pau.
— Talvez devêssemos deixar de lado as formalidades — sugiro e
mantenho um pequeno sorriso no canto da boca.
Ela interrompe o que estava fazendo e me encara com os olhos
arregalados.
— M-mas, s-senhor...
— Pelo menos quando estivermos a sós. — Desvio o olhar dela.
Estou de óculos, mas não posso olhá-la por muito tempo.
Maya se levanta, enrola a sacola com os cacos em um papel-toalha e
joga no lixo. Já eu a observo discretamente.
— Deixe-me ver se cortou fundo. — Ela se aproxima de mim,
posicionando-se ao meu lado, pega a minha mão e a levanta para a
examinar.
O toque dos seus dedos em minha pele irradia uma onda de desejo
ainda maior. Abraço as suas pernas com minha mão livre e colo o rosto em
seu abdômen.
— Ainda não mudou de ideia? — Escorrego o rosto quase na altura
dos seus seios, fazendo parte da blusinha subir. — Ainda não deseja
compartilhar um segredo prazeroso comigo? — Puxo a minha mão, toco na
cintura dela com possessão, abro as suas pernas e a faço se sentar em meu
colo, aproveitando a oportunidade para sentir o calor do seu corpo contra o
meu.
Maya, visivelmente surpresa com a minha ousadia, tenta se afastar de
mim, mas seguro em sua cintura com firmeza. Seu perfume envolve os
meus sentidos e é difícil resistir à tentação que se manifesta entre nós.
— Senhor Thomas, o que está fazendo? Isso não é apropriado. — Ela
tenta manter a compostura, mas sua respiração está mais acelerada e a
expressão em seu rosto é de puro desejo.
Ignoro suas palavras e deslizo minha mão até a parte interna da sua
coxa, sentindo a pele suave e quente.
— Apropriado ou não, você sente a atração entre nós, não é, Maya?
— sussurro, roçando meus lábios em seu pescoço. — Seu corpo responde a
mim. Me quer inteiro dentro de você.
Ela fica em silêncio por um momento e eu aproveito para deslizar
meus dedos pela curva da sua cintura, explorando a pele macia. Minhas
mãos alcançam seus seios e um suspiro involuntário escapa dos seus lábios.
Ela tenta resistir, mas seu corpo trai sua vontade. Sinto seu coração
acelerado, sua pele queimar e seus nervos tremerem em resposta.
— Inteiro dentro de mim? — ela pergunta conforme beijo o seu
pescoço.
— Sim. Quero você por completo. Quero explorar cada centímetro do
seu corpo com a minha língua — sussurro, mantendo-me próximo dela.
Maya, agora presa entre os meus braços e o meu corpo, parece se
debater entre a razão e o tesão. Seus olhos mostram uma chama de
intensidade.
— Senhor Thomas, isso não é certo — ela tenta argumentar, mas sua
voz está mais rouca e suas mãos, mesmo que timidamente, começam a
acariciar meu rosto.
— Certo ou errado, às vezes é necessário nos entregarmos ao que
realmente queremos, Maya. — Capturo os seus lábios em um beijo ardente.
— Esfregue-se em meu colo. — Seguro a sua cintura e a induzo a rebolar
em cima de mim. — Sinta um resquício do que será deslizar sobre ele
enquanto gemer o meu nome.
Maya, finalmente, rende-se aos desejos e aceita a minha sugestão. Eu
a beijo, acariciando sua boca com minha língua, e ela se move em meu colo
em um ritmo de vai e vem. Meu pau está gritando por socorro, tendo
crescido mais que o normal, prestes a explodir diante do calor gostoso que
emana do meio das suas pernas. Seguro-me para não ter um orgasmo antes
dela.
— Senhor Thomas, não deveríamos. — Ela afasta os nossos lábios
por um momento, movendo-se com mais vontade e pressão em cima de
mim, sendo guiada pelas minhas mãos.
— Não deveríamos, mas é gostoso. — Rosno ao seu ouvido e deixo
minhas mãos explorarem suas costas, descendo até as curvas de seus
quadris.
Maya geme suavemente, em um misto de prazer e excitação. A cada
movimento, é como se estivéssemos dançando na borda de algo proibido,
mas irresistível. Ela entrelaça os dedos em meu cabelo, entregando-se às
sensações.
— Oh, Thomas... — ela diz, com a voz sofrida, carregada de prazer, e
eu sinto os seus espasmos.
Sua mão, em um gesto atrapalhado, derruba os meus óculos, que já
estavam desajeitados por conta dos movimentos. Nossos olhos se
encontram por um milésimo de segundo e, no mesmo instante, eu a tiro de
cima de mim e me levanto.
— Onde estão os meus óculos? — pergunto, sem saber o que fazer,
ficando de costas para ela.
Maya se abaixa e pega os óculos para me entregar.
— O senhor não deveria ter me seduzido dessa forma. Quando
retornarmos a Nova Iorque, irei pedir demissão. — Ela sai com passos
apressados.
Soco o ar e repudio a mim mesmo por ser tão fraco. Ouço a porta do
quarto dela batendo e chuto o pé da cadeira para descontar a raiva. Sinto
raiva de mim mesmo por me sentir tão frustrado, simplesmente, porque não
consigo levá-la para a cama.
Tomo um copo de água e respiro fundo algumas vezes para me
acalmar. Decido tomar um banho e relaxar um pouco depois desse
momento carregado de tensão. Maya estava blefando, não vai pedir
demissão. O que ela vai pedir é para ser penetrada repetidas vezes,
enquanto seguro suas mãos nas suas costas.
CAPÍTULO 14

Espiadinha

MAYA MOORE
— Cretino! — praguejo assim que fecho a porta do quarto com força.
Por que ele faz isso comigo? Por que tenta me desestabilizar a todo
custo?
Ando de um lado para o outro pelo cômodo, com os nervos à flor da
pele. Fico assim por alguns minutos, pensando no que aconteceu nos
últimos dias. Meu estômago dá 300 piruetas, causando-me um frio
empolgante, assim que me lembro do momento em que vi seus olhos.
Mesmo que brevemente e que ele não me visse de volta, foi muito intenso.
E era como se ele pudesse me ver.
Eu não deveria ter dito que iria me demitir. Droga!
Decido enfrentar a situação de frente. Após respirar fundo várias
vezes, abro a porta e saio do quarto.
— Hoje é o nosso último dia aqui em Chicago e estamos com a
cabeça cheia — digo em um tom alto, a caminho da cozinha. — Quando
retornarmos para Nova Iorque, as coisas voltarão ao normal. — Ao chegar à
cozinha, percebo que estou falando só.
Lógico. Por que ele ficaria me esperando no mesmo lugar onde o
deixei?
Mordendo o lábio, vou em direção ao quarto dele. Preciso dizer a ele
que vou deixar passar só dessa vez.
Como se fosse eu que estivesse no comando por aqui.
Gargalho.
— Senhor Thomas? — chamo-o, empurrando a porta entreaberta.
Entro no cômodo e logo ouço o barulho do chuveiro. Meu coração dá
um salto no peito quando noto a porta do banheiro aberta.
Não… Eu não deveria...
Ouço a voz de Linda me encorajando a tirar uma casquinha e, sem
pensar muito, sou tomada por uma coragem que me leva até a porta aberta e
observo Thomas sob o chuveiro. O vapor cobre um pouco o vidro, mas é o
suficiente para criar um cenário irresistível. Seu corpo molhado, os
músculos delineados, a água escorrendo pela sua pele... Meus olhos
percorrem por cada centímetro dele e o meu coração bate mais rápido.
Minhas pernas vacilam quando ele se vira na minha direção, com seu
membro exposto e apontado para mim. Não ouso me mover para que ele
não perceba a minha presença.
O que estou fazendo aqui?
Eu não presto.
É tudo culpa dele mesmo.
Decido guardar esse segredo comigo: o segredo de que estou
espiando o meu chefe. Ninguém saberá disso. E eu precisava de um bom
cenário para fantasiar à noite, antes de dormir, e poder sonhar com esse
homem que... Oh, não. O que ele está fazendo?
Prendo a respiração ao vê-lo se tocando continuamente, em uma
masturbação.
— Maya, sua safada, eu sei que você me quer — ele diz, com a voz
rouca, ao se masturbar.
Lentamente, e tentando não fazer nenhum movimento brusco, junto
todas as minhas forças para me desviar dessa visão e saio passo por passo,
caminho à porta de saída do quarto. Jogo-me no sofá, com o corpo todo em
chamas e um sorriso nervoso nos lábios.
Por que diabos isso me deixou feliz? Eu deveria me sentir afrontada,
mas só consigo me sentir feliz e desejar ardentemente estar com ele debaixo
daquele chuveiro.
É isso, eu o quero. Droga! É irreversível. Não acho que as coisas
voltarão ao normal quando retornarmos a Nova Iorque, e depois dessa
viagem, eu também não serei mais a mesma.
Sobressalto-me com Thomas me chamando na porta da sala, com uma
toalha enrolada em sua cintura e seus costumeiros óculos escuros.
— Sim? — Levanto-me, morrendo de vergonha pelo que fiz.
— Preciso de ajuda com as roupas. Você ainda não se demitiu, certo?
— Thomas me olha, com um sorriso travesso nos lábios. Se ele não fosse
cego, eu poderia jurar que sabe exatamente o que acabei de testemunhar no
banheiro.
Engulo em seco, tentando disfarçar minha reação.
— Não, ainda não me demiti. Apenas pensei sobre isso, mas não
tomei nenhuma decisão definitiva — respondo, com o nariz empinado,
desviando o olhar dele e tentando parecer indiferente.
— Nesse caso, venha me ajudar. Não podemos nos atrasar para a
última reunião da viagem.
— Estou indo. — Eu caminho até ele e, a cada passo que dou, é como
se o meu corpo estivesse em chamas.
Preciso me controlar, manter a compostura. Não posso deixar que ele
perceba o quanto me abalou.
Seguimos para o quarto e, o tempo todo, tento não focar muito na
parte onde ele está só de toalha. Eu examino as opções de roupas e percebo
a sua serenidade: está jogado na poltrona do quarto como se nada de
constrangedor tivesse acontecido entre nós na cadeira da cozinha.
Surpreende-me o fato de essa toalha não cair nem com reza brava.
— Um terno preto, de corte elegante, vai combinar perfeitamente com
a imagem de sucesso que o senhor deve transmitir na reunião — sugiro.
— Meu dedo cortado está dolorido. Você pode me ajudar a vestir as
roupas? — Ele se põe de pé.
— O quê? — gaguejo.
— Não se preocupe, eu já vesti a cueca. — Sorri, com as mãos na
cintura.
— Claro que posso ajudá-lo. — Mexo no cabelo de maneira nervosa.
— Então, tire a minha toalha — seu tom de voz é de ordem, e eu faço
isso sem questionar.
Quando a toalha cai sobre os meus pés, meus olhos se enchem com a
visão do volume em sua cueca, mesmo após ele ter se masturbado.
— O que eu faria sem você, Maya? — Seu sorriso é discreto.
— Essa também é uma dúvida que eu tenho — brinco, observando
agora toda a extensão do seu peitoral e abdômen.
— Não vejo a hora de estar em minha casa novamente para poder
retomar a minha rotina de treinos. Estou me sentindo fora de forma. — Ele
gira o pescoço, em um ato de relaxamento. — Acha que estou fora de
forma?
— Eu pensei que fosse dizer que não vê a hora de voltar a enxergar
— mudo de assunto e corro até a camisa pendurada para não ficar parada
feito uma boba.
— Não sei. Quando eu recuperar a minha visão, não terei o privilégio
de estar tão perto de você — ele diz, sério, fazendo-me arfar.
— O senhor não vai parar com isso, né? — Mordo o lábio.
— Não tenho culpa se você é uma assistente irresistível. — Ele mal
termina de falar e eu paro de fechar os botões da camisa para agarrar o seu
pescoço e o beijar desesperadamente.
— Cansei de resistir, senhor Thomas — confesso ao interromper o
beijo.
— Uau! — Ele passa a mão nos lábios, com um sorriso de cafajeste.
— Pegue o controle das cortinas, ao lado da cama.
— Para que precisa disso? — Obedecendo-lhe, entrego o controle
para ele.
— Porque se não vai mais resistir, irei me empenhar em fazer com
você as coisas mais incríveis e inesquecíveis que é possível fazer com o seu
corpo. — Ele aperta o botão que fecha as cortinas e o quarto é
imediatamente tomado pela escuridão.
Meu coração descompassado aumenta o ritmo das batidas quando
sinto suas mãos explorando o meu corpo e traçando linhas que, até então, só
existiam na minha imaginação. O calor entre nós é inegável e o ar parece
carregado de eletricidade.
Em um momento, vejo-me recostada na cama, perdendo-me nas
sensações que Thomas desperta em mim. Ele beija a minha pele, deixando
um rastro de arrepio por onde passa, e sua voz rouca sussurra palavras que
fazem meu corpo inteiro tremer.
A sensação de ter um homem tão sério, rude e poderoso como ele
sendo tão gentil e carinhoso comigo me leva à beira da loucura. Minhas
mãos passeiam pelo seu corpo e eu começo a desabotoar os botões da sua
camisa ao mesmo tempo em que nos beijamos. Impaciente, Thomas a
arranca, fazendo cair os botões pelo chão.
— Essas suas roupas finas ao toque me fazem querer tirá-las de você
— ele rosna, passando os dedos na barra da minha blusinha, sobe as mãos
na altura dos meus seios e, em um movimento brusco, rasga-a desde o
decote até o limite.
Meus olhos se arregalam com esse gesto ousado, mas o que me
assusta mesmo é estar com os seios expostos diante de um homem.
— Não se preocupe com sua blusinha. Depois eu encho o seu closet
com dezenas de novas roupas — ele diz ao meu ouvido e, em seguida,
passa a língua nele, levando-me a soltar um gemido.
— Senhor Thomas, eu... — começo a falar timidamente.
— O seu cheiro me deixa louco, sabia? Você cheira a flores. — Ele
me conduz delicadamente a me sentar na cama e eu observo a silhueta do
seu corpo na sombra.
— Nunca fiz isso antes — confesso, deitando-me e apoiando o meu
corpo nos cotovelos.
Ele para por um momento e se afasta de mim alguns centímetros.
— Se você quiser, podemos parar por aqui — propõe, sério.
— Não quero parar, apenas achei que você precisava saber...
— Eu sei. Não se preocupe, farei de um jeito que será inesquecível
para você. — Ele avança com o seu corpo sobre mim e me beija, fazendo-
me deitar completamente na cama.
Nós nos beijamos de todas as formas possíveis. Thomas acaricia os
meus seios e o calor das suas mãos me leva à beira de um orgasmo. Eu o
quero muito e estou gostando do que está acontecendo, mas me sinto uma
boba por não saber o que fazer.
— O que eu faço, senhor Thomas? — pergunto ao senti-lo separar as
minhas coxas com as mãos.
— Apenas relaxe. Dessa vez, você só vai apreciar. — Afunda a
cabeça em minha parte íntima e passa a língua lá carinhosamente, apertando
a minha cintura com as mãos.
Isso é loucura! Meu chefe está chupando a minha parte íntima!
Contorço-me, sem conseguir resistir à onda de prazer que se aproxima
devido aos seus estímulos. Thomas se afasta e continua a me estimular com
os dedos. Em um movimento ágil, no exato momento em que sinto os
espasmos deliciosos de um orgasmo, ele me penetra bruscamente,
assustando-me por um momento. Elaboro uma expressão de dor misturada
com o prazer pelo orgasmo que ainda passeia pelos meus nervos.
— Ohh! Não pare, senhor Thomas — peço, com a voz entrecortada.
Gemidos escapam da minha boca conforme ele continua a se mover,
em um ritmo de vai e vem, dentro de mim.
— A partir de agora, você é minha, Maya. Só eu posso gozar dentro
de você — ele rosna e abaixa a cabeça em meu pescoço, sem parar de se
mover.
Meu corpo continua em êxtase e quando ele, finalmente, para de se
mexer, eu lamento por ter terminado.
Mas não falo nada. O que ele iria pensar de mim?
CAPÍTULO 15

Relação chefe x assistente

MAYA MOORE
— O senhor é um homem bom — diz minha avó quando estamos
prestes a descer do carro. Acabamos de chegar à rua da nossa casa. — Esses
foram os melhores dias que tive há muito tempo.
O meu coração fica quentinho por vê-la tão agradecida e feliz.
— Vovó, assim a senhora vai deixá-lo sem jeito. — Beijo a sua mão,
sorrindo.
— Senhora Lucy, é uma honra saber que, mesmo que por acidente,
realizei algo importante. Espero que passe bem e que voltemos a nos falar.
— Thomas sorri, virando o rosto para nós.
Tudo que aconteceu na viagem é como se fosse um sonho em minha
cabeça. Agora preciso voltar para a realidade. Ou, pelo menos, tentar.
O carro para em frente ao nosso portão e Erik, que foi nos buscar no
aeroporto, abre a porta para nos ajudar a descer.
— Te espero na segunda-feira — Thomas avisa, segurando em minha
mão.
Por sorte, a minha avó já desceu, com a ajuda de Erik.
— C-claro. Estarei lá — afirmo, com o coração palpitando devido ao
calor dos seus dedos segurando a minha mão com firmeza.
— Vá sem calcinha. — Ele sorri de um jeito cafajeste que faz eu me
derreter inteira.
— Silêncio! — ralho com ele em um cochicho, puxando a minha mão
bruscamente.
Desço do carro, sentindo as pernas trêmulas e com um sorriso bobo
no rosto. Assim que entro em casa, a sensação de flutuar entre a realidade e
a fantasia persiste.
Minha avó, com o seu sorriso que ilumina mesmo na escuridão,
esperava-me na porta de entrada.
— Parece que você teve uma ótima viagem também, minha querida.
Sua felicidade é palpável.
Eu a guio cuidadosamente até o seu quarto.
— Não consigo esconder nada da senhora, não é mesmo? — Mordo o
lábio, nervosa.
— Você gosta dele, e ele de você. Eu pego as coisas no ar.
— Nossa... Não sei se é algo tão profundo assim. — Ajeito os
travesseiros para ela se deitar.
— Não estrague a felicidade de uma velha que deseja deixar a sua
neta bem antes de partir deste mundo.
— Ele é o meu chefe, vovó. E, sabe... Na maioria das vezes, ele não é
tão gentil. Pelo menos não era, antes dessa viagem — confidencio. — Não
fantasie demais.
Evito entrar em detalhes sobre a complexidade do meu
relacionamento com Thomas, pelo menos por enquanto.
— Convide-o para um chá aqui em casa — ela sugere e se deita em
sua cama.
— Vovó! A senhora está louca. Não é nada disso que está pensando!
— Faço um bico.
Ela murmura alguma coisa em tom baixo e eu decido deixar o assunto
morrer.
A segunda-feira chegou e a empresa está agitada com a presença de
Heitor, que está organizando uma reunião em um bar próximo ao edifício.
Caminho pelo corredor, carregando uma pasta com alguns documentos que
preciso levar até a equipe de marketing.
Estou feliz e empolgada. No sábado, cortei as pontas do meu cabelo, e
mesmo que Thomas não vá saber, sinto-me mais confiante.
— Preciso conversar com você. — Sou surpreendida por alguém me
puxando pelo pulso e me arrastando, com pressa, para um pequeno
depósito, quando estou retornando para o escritório de Thomas.
— Senhor Heitor! O que está fazendo? — pergunto, assustada. Aqui
está escuro e, bem, estamos sozinhos. — Isso não é apropriado.
— Maya, quero te convidar para ser minha acompanhante oficial hoje
à noite, quando estivermos todos reunidos. — Ele desliza as mãos sobre os
meus braços e eu me esquivo dele.
— Está me confundindo. Não quero nada com o senhor — falo,
indignada.
— Vai me culpar por tentar? Você é linda e me atrai profundamente.
— Ou sou apenas a assistente do seu primo que você quer pegar para
poder irritá-lo.
— Eu passo a impressão de ser tão superficial assim? — Tenta pôr as
mãos em meu cabelo.
— Não, é que você está me confundindo. Só isso — digo, com raiva.
— Certo. Me perdoe. Pode me perdoar? É que esse é o meu jeito. Não
tenho culpa de ser assim.
— Sem noção?
— Corajoso. Me considero ousado e corajoso. Eu estava pronto para
levar o seu “não”. Eu sabia que iria me recusar, mas precisava tentar.
— Você é estranho. Tchau. E, por favor, não faça mais isso. — Abro a
porta e saio olhando para os lados, temendo que alguém me presencie
saindo de um depósito solitário e escuro com o primo do meu chefe.
Sinto-me triste. Eu passo a impressão de ser tão fácil? Por que todos
pensam que podem me tocar de qualquer jeito, como se eu fosse deixar?
Não sei se Thomas precisa saber disso. Sinto medo de que ele não acredite
em mim ou pense que estou me fazendo de vítima.

Thomas tamborila os dedos sobre a janela de vidro. Ele já está nessa


posição há um bom tempo, e eu me pergunto que raios faz ali.
— Está tudo bem com o senhor? — pergunto com cautela, ajeitando
os óculos de descanso sobre os olhos.
— Estou refletindo sobre alguns assuntos. — Interrompe o tamborilar
constante.
Aproximo-me dele por trás, coloco as mãos em seus ombros e os
massageio suavemente. Eu sinto a tensão em seus músculos e ele relaxa sob
o meu toque.
— Você trabalha demais. Deveria relaxar e...
— Não se preocupe com isso. — Ele se vira para mim e cola os
nossos corpos. — A porta está fechada com a chave? — pergunta ao meu
ouvido.
— Sim, como o senhor gosta — respondo em um tom suave.
Em seguida, beijo-o lentamente, como ansiei o fim de semana inteiro.
Senti uma saudade intensa dele. Depois que perdi a minha virgindade,
passamos a agir como namorados durante a viagem, transamos incontáveis
vezes e dormimos juntos. Só não tomamos banho juntos porque, pelo que
entendi, Thomas não se sente à vontade sem os seus óculos. E eu
compreendo.
— Quero você aqui e agora. — Ele me ergue em seu colo com
habilidade e caminha três passos que nos levam até a mesa, onde passa o
braço, para afastar os objetos, e me coloca sentada, abrindo as minhas
pernas. — Sem calcinha. — Ronrona e lambe a minha orelha. — Você é
obediente. Será recompensada. — Ele desliza o dedo para dentro da minha
abertura e eu gemo com o seu toque. — Mas só depois que cumprir mais
uma ordem. — Afasta-se, abre o zíper da sua calça e tira o seu membro
ereto e grosso para fora. Eu o encaro, perdida em sensações. — Me engole
inteiro. — Encosta-se na mesa.
Arregalo os olhos. Ainda não fiz isso e me sinto insegura, mas acho
justo pelo menos tentar, já que ele fez o mesmo comigo incontáveis vezes.
Levanto-me da mesa e me posiciono de joelhos em sua frente, um
pouco insegura, mas com o corpo quente e trêmulo. Seguro o seu membro
pulsante em minhas mãos e começo a tocar nele com a ponta da língua
gentilmente.
— Porra, Maya! Sua boca é muito gostosa. — Ele coloca a mão em
meu cabelo quando ponho boa parte da sua ereção em minha boca.

THOMAS ANDERSON
— Qual é a novidade? Notei que o senhor está com um sorriso
contagiante desde que retornou de Chicago — Erik pergunta, com uma
ponta de curiosidade.
— Ah... Isso é algo que não lhe diz respeito, meu jovem. — Dou uma
risada espontânea. — No entanto, para satisfazer sua curiosidade
insaciável... Estou tendo um caso com Maya.
Ele, surpreso com a revelação, quase engasga com a própria saliva.
— Mas por que ela? E quanto ao código de ética profissional? —
questiona, preocupado.
— Desde quando você tem a liberdade de questionar minhas escolhas
pessoais? — retruco com firmeza.
— Quer me dispensar do trabalho? — Tenta esconder sua
preocupação com uma gargalhada forçada. — Minha noiva me deixou, e
agora estou solteiro. Nada mais parece ter importância. Se quiser me
demitir, demita — sua voz é carregada de frustração.
— Entendi. Então, é por isso que você está tão amargo ultimamente.
— Uno as mãos e as apoio sobre a mesa. — Isso explica o seu
comportamento recente.
— Só peço que não magoe Maya, senhor. Eu posso ser forte e
suportar, mas não a faça sofrer. Ninguém no mundo merece isso — ele pede
e sai abruptamente do escritório.
— Não seja tão teatral! — exclamo, embora saiba que ele já está
longe demais para ouvir.
Refletindo sozinho, pergunto-me por que eu a faria sofrer, afinal,
estamos apenas vivendo um romance passageiro. Nada mais que isso. Erik
me deixou com raiva por se preocupar tanto com ela.
Duas semanas se passaram desde que retornamos de Chicago e meus
planos evoluíram consideravelmente. Heitor está em alerta, rondando-me
como um predador e esperando a hora perfeita para atacar. Isso significa
que está em estado de defesa. Eu já tenho provas o suficiente para
apresentar para a diretoria e vou tentar adiantar a reunião. Preciso conversar
com o meu avô.
— Aqui está o seu suco da tarde — Maya diz ao entrar no escritório.
— Eu falei para mandar outro no seu lugar — resmungo quando ela
deixa o copo de suco em minhas mãos.
— Está louco? Quer que alguém suspeite de nós? — ela pergunta,
assustada.
— Ninguém ousaria falar nada. O primeiro a pensar sobre isso seria
demitido — asseguro-lhe.
— Thomas, minha avó quer convidá-lo para um chá amanhã, após o
nosso trabalho. — Pressiona os lábios. — Você sabe, ela não recebe muitas
visitas e, bem, deseja retribuir pela viagem.
— Claro que vou à sua casa. — Sorrio e tomo um gole do suco. — E
vou dormir na sua cama — concluo, divertido.
— Então, é por isso que aceita o convite dela? — questiona,
incrédula.
— Não. Apenas estarei unindo o útil ao agradável. — Empurro a
cadeira para trás e bato na minha perna para ela se sentar.
— Eu gosto que você seja tão inteligente. — Ela sorri, sentando-se
em meu colo, e agarra o meu pescoço.
Eu não sei o que somos, só sei que evoluímos muito bem como
amantes. E a cada dia que passa em que continuamos a nos envolver,
aumenta a culpa que sinto por não estar sendo honesto com ela. No começo,
quando ela era apenas uma peça no meu jogo de sobrevivência, eu não me
importava em bancar o cego e fingir precisar de ajuda, dando-lhe uma
privacidade que não existia, entretanto, agora tem um martelo em minha
cabeça me avisando constantemente de que isso não está certo.
Mas talvez isso que temos acabe logo e não haja a necessidade de
falarmos sobre isso. Seria constrangedor revelar a ela que a enganei todo
esse tempo. Não acho que ela entenderia, porque os motivos que me
levaram a contratá-la não foram os mais atrativos.
Estou em uma luta interna entre a razão e a emoção, mas, por
enquanto, vou seguir a razão, que me diz que não é necessário eu dizer algo
à Maya, até porque não falamos nada sobre um relacionamento de verdade,
temos apenas uma relação colorida entre chefe e assistente.
CAPÍTULO 16

Memórias dolorosas

MAYA MOORE
Aproximadamente uns 40 dias se passaram desde que Thomas e eu
começamos a nos envolver. E indo contra tudo que eu acreditava no início,
ele é um homem incrível, só tem a aparência de arrogante e frio. É apenas
uma casca, uma máscara. Eu ainda não fui à casa dele, mas ele sempre vai à
minha, e minha avó gosta muito dele, apesar de não saber mais detalhes
sobre o nosso envolvimento. Acho que, no fundo, sinto-me insegura sobre
quando Thomas voltar a enxergar. E se ele não gostar da minha aparência?
Por enquanto, estou aceitando o que temos, mas não posso negar que já não
imagino mais não o ter em meus dias.
— Concordo, Thomas. A equipe de desenvolvimento tem trabalhado
arduamente para melhorar nossos produtos existentes e está pronta para
enfrentar novos desafios. Nossos clientes estão exigindo recursos
adicionais, e estamos preparados para atender a essas demandas — Heitor
responde, com um sorriso presunçoso.
Há dias ele vem sendo simpático e gentil comigo, e pede desculpa
pelo mau comportamento sempre que tem oportunidade. Eu o trato bem e
me esqueci do ocorrido, afinal, se eu e Thomas continuarmos com isso,
quero ter um bom relacionamento com a família dele e os ajudar a se
aproximarem.
— Heitor, parece que você está confiante nas capacidades da equipe
de desenvolvimento. Poderia nos dar mais detalhes sobre como planejam
atender às demandas dos clientes? — Thomas indaga como se fizesse uma
provocação.
— Um relatório com os nossos planos será entregue em sua mesa
ainda nesta semana. Acredito que a senhorita Maya ficará feliz em lê-lo
para você — Heitor responde, sem diminuir o seu sorriso.
— Interessante. Você parece bem confiante. Mal posso esperar para
que Maya leia o relatório para mim — Thomas retruca de maneira rude,
como se seu primo tivesse feito uma piada de mau gosto.
Heitor fixa o olhar nele por um momento, visivelmente, elaborando a
resposta perfeita, mas decide apenas sorrir. A reunião da diretoria continua
com outros membros apresentando atualizações e propostas. No entanto, a
curiosidade de Thomas sobre os planos de Heitor persiste.
— Me desculpem, acabei de me lembrar de um compromisso
importante — ele interrompe a fala de um dos membros da diretoria. —
Maya?
Apresso-me em chegar ao seu lado e segurar em seu braço. Ele
estende a sua bengala e caminhamos em direção à porta.
— O que aconteceu? Você não tem nenhum compromisso agora —
digo conforme avançamos pelo corredor.
— Temos sim, eu só não havia dito a você — ele responde, sério.
— O que há entre você e o Heitor? — Eu estou intrigada, mas ele não
parece disposto a falar sobre esse assunto.
— Somos adversários em uma disputa por poder — ele resume, sem
vontade.
— Sobre o que é o compromisso que você tem? — Balanço a cabeça
para expulsar o pensamento intrometido sobre ele e o primo.
— Eu só queria sair daquela encenação. — Dá de ombros. — Vou te
levar para um lugar onde eu gosto de comer.
Erik nos encontra no corredor e, após olhar de uma maneira
indecifrável para Thomas, guia-nos em direção ao carro, que já estava nos
esperando fora do edifício. Entramos nele e nos sentamos lado a lado. Eu
tomo a liberdade de segurar em sua mão, já que Erik está ao lado do
motorista, e Thomas e eu estamos sozinhos no banco de trás. Sinto em seu
toque e vejo em sua expressão que ele está um pouco rígido e pensativo,
mas logo isso desaparece e a impressão que fica é a de que imaginei.

— É bem legal aqui. Legal e reservado — comento quando o garçom


sai para buscar os nossos pedidos.
Estamos em um restaurante encantador, iluminado por uma luz suave
e com mesas que garantem privacidade. A decoração moderna e os móveis
elegantes complementam o ambiente, e o som de um piano ao fundo e a
vista deslumbrante de Nova Iorque, da janela, criam uma atmosfera
perfeita. Ao nosso redor, casais aproveitam o lugar acolhedor,
provavelmente, construindo juntos memórias que durarão para sempre,
assim como eu e Thomas estamos fazendo.
— Você é a primeira pessoa que trago aqui — ele diz, encostando-se
na cadeira.
— É verdade? — Mordo o lábio, em expectativa. — O que isso
significa?
— Significa que você é uma companhia agradável e que merece estar
aqui comigo. — Sorri e leva a taça de água à boca.
Reviro os olhos para a sua maneira de falar e balanço a cabeça
negativamente, rindo.
— Você parece ser solitário, só o vejo com o Erik. Não visita o seu
avô com frequência? E os seus pais? Tem contato com eles? — pergunto
sem pensar e logo me pego arrependida. — Desculpe. Eu não quero ser
enxerida, isso é assunto seu.
— Não tenho contato com os meus pais desde a infância. Quando os
vejo, o máximo que faço é acenar — ele confidencia, com a cabeça
abaixada.
Engulo em seco. Eu não esperava por isso.
— Eu sinto muito. — Coloco a mão em cima da sua.
Afinal, eu sei como é ser ignorada por uma mãe.
— Não sinta, fui eu que cortei o contato. Sobre o meu avô, não passo
de uma missão para ele. Como eu disse, você é a única que merece estar
aqui comigo.
— Eu acho que você está errado sobre o seu avô. Já tentou dar uma
chance a ele? — Ponho os cotovelos sobre a mesa, esquecendo-me, por
alguns segundos, que este não é um momento comum, e sim um almoço
especial em um restaurante sofisticado.
— Dar uma chance a ele? Não quero e nem preciso.
— Thomas, não seja assim. Talvez ele precise de você.
— Obrigada, Maya, por ouvir as minhas lamúrias — pondo um fim
no assunto, ajeita-se na cadeira.
— Pode falar sobre qualquer coisa comigo sempre — afirmo, com os
olhos marejados, imaginando a dor que ele passou por se sentir sozinho
desde a infância.
— Eu sei. Você é a melhor assistente de todas — ele diz, jogando um
balde de água fria em mim.
Então, é só isso que sou? Uma assistente?
— Aqui estão os seus pedidos. — O garçom chega e eu decido mudar
os ares dos meus pensamentos.
Finja que não ouviu isso, Maya. Você é boa em fingir.
— Tem certeza disso? — pergunto pela segunda vez, após ajeitar o
cinto de segurança em Thomas.
— Você me fez subir até aqui. Agora quer saber se tenho certeza? —
Franze o cenho.
Gargalho.
— É... Não tem como voltar atrás.
No mesmo instante, o brinquedo começa a se mover lentamente para
cima. A vista da cidade se torna ainda mais deslumbrante à medida que ele
ganha altitude. Thomas segura firme na barra de segurança e eu percebo
nele, devido aos seus lábios contraídos, uma mistura de excitação e
nervosismo.
— Isso é incrível! Eu adoro a sensação de estar nas alturas. É como se
todos os problemas lá embaixo desaparecessem — comento, olhando para
as coisas e para as pessoas.
A roda-gigante sobe e as luzes da cidade começam a piscar, criando
um espetáculo de cores que reflete nos óculos de Thomas.
— Eu admito que é bonito — ele confessa como se estivesse
observando a paisagem.
— Você já veio aqui antes? — pergunto, surpresa.
— Como assim? — Vira o rosto para mim.
— Você disse que é bonito. Ou, por acaso, a sua visão voltou assim,
de repente? É esse o caso? — Passo a mão em frente ao seu rosto.
— Bem... Na verdade, eu...
— Veio aqui com outra. É por isso que está assim, nervoso?
— Como assim com outra? O que você quer dizer com isso? Por que
tantas perguntas?
— Me desculpe. — Sorrio, voltando a olhar para a paisagem. — Não
é nada, só estou curiosa para entender melhor você.
— Posso lhe fazer uma pergunta?
— Eu gosto de responder a perguntas.
— Você se importaria se eu nunca mais voltasse a enxergar?
— Por que está me perguntando isso? Foi ver o médico?
— Não, é que eu também quero saber o que se passa na sua cabeça.
— Thomas, você se tornou algo importante para mim. Eu te conheci
cego, e temo estar sendo egoísta, mas tenho medo de que quando você
voltar a enxergar, não...
— Eu não o quê? — pergunta, sério.
— Não goste do que irá ver — concluo, cabisbaixa e com a voz quase
inaudível.
— Minha opinião sobre você não vai mudar.
— E qual é a sua opinião sobre mim?
— Você é a mulher mais inteligente que já conheci, dedicada e
incrivelmente forte. É alguém em quem posso confiar. E eu não confio em
muitas pessoas.
A roda-gigante continua a girar, criando uma aura mágica à nossa
volta, e ele segura em minha mão com firmeza. Sua resposta, repleta de
sinceridade, aquece o meu coração e me faz perceber o quão profundamente
conectados estamos, independentemente das circunstâncias ou das
paranoias da minha cabeça. Thomas pode ter um jeito diferente de se
expressar, mas sei que sou especial para ele.
— Obrigada, Thomas. Isso significa muito para mim — digo,
sorridente, e lhe dou um beijo na bochecha, fazendo-o sorrir. — Você
deveria sorrir mais, sabia?
— Sorrir? Eu?
— Sim. Você é muito fechado com todos. Como uma figura
importante na empresa, deveria ser mais sociável.
— Ser como o Heitor, você quer dizer? — pergunta, com raiva.
— Não. Apenas deixe as pessoas verem você do jeito que é. Não se
esconda atrás dessa armadura de frieza que construiu em volta de si ao
longo dos anos — falo com carinho.
Mas o que eu queria mesmo dizer era: “Quero que todos conheçam o
homem incrível e doce que você é, que só se mostra forte porque cresceu
sendo rejeitado pelos pais e manipulado pelo avô. Quero que todos
conheçam de verdade o homem que eu amo.”
— Você me faz repensar em minhas atitudes, Maya, mas não sei se
consigo ser diferente — ele fala como se estivesse com os pensamentos
longe.
— Quando você enxergar outra vez, podemos voltar aqui? Quero
compartilhar com você essa vista deslumbrante — mudo de assunto. Não
quero deixá-lo constrangido nem o forçar a nada.
— Podemos voltar aqui quantas vezes você quiser.
CAPÍTULO 17

Pare com a merda que está fazendo

THOMAS ANDERSON
Desligo a esteira e retiro o fone dos ouvidos com pressa. Nem vou
tomar banho, vou sair suado mesmo.
— Erik, vamos. Preciso ir até o hospital. — Passo a toalha em meu
rosto. — A senhora Lucy está passando mal.
Não consigo expressar o que sinto neste momento. Eu conheço a
senhora Lucy há tão pouco tempo, mas ela já é para mim o que minha mãe
nunca foi. O que me causa frustração.
Não sei como acabei nisso, mas o que era para ser uma simples
transa, transformou-se em algo mais profundo e significativo. E a senhora
Lucy não é apenas a avó de Maya, tornou-se uma figura materna para mim,
preenchendo um vazio que eu nem sabia que existia.
Erik me olha, surpreso, mas não questiona. Entramos no carro e
seguimos apressadamente pela minha estrada particular, em direção ao
hospital. Ao chegarmos, eu coloco os óculos escuros e ele me direciona
para a sala de espera, onde Maya está sentada, com os olhos inchados de
tanto chorar.
Ela se levanta ao me ver e corre para me abraçar, buscando conforto
em meus braços.
— Thomas, ela desmaiou do nada. Eu fiquei tão assustada e não sabia
o que fazer — Maya conta, entre soluços.
— Onde ela está agora? — pergunto, preocupado.
— Os médicos estão fazendo alguns exames. Eles disseram que pode
ser uma hemorragia. — Aperta a minha mão.
Esperamos ansiosamente na sala de espera, com cada minuto
parecendo uma eternidade. Seguro-me para não me levantar e ir conversar
com os médicos.
Finalmente, um médico se aproxima de nós.
— Senhorita Maya...
— Como está a senhora Lucy? — indago, ansioso.
O doutor suspira antes de responder.
— A senhora Lucy está estabilizada por enquanto, mas o estado dela
é muito delicado e não há muito o que possamos fazer.
— Para que serve este hospital? Curem-na. Dinheiro não é problema
— digo, inconformado. — Deve ter alguma coisa que possa ser feita.
— Lamento, senhor — ele diz e, sem esperar por uma resposta, vira
as costas e sai.
Maya desaba em lágrimas novamente e eu a abraço com força,
compartilhando da sua dor e preocupação.

Ainda abalado com o susto que a senhora Lucy deu ontem em mim e
em Maya, ao ver Heitor entrando em meu escritório, sinto um frio na
espinha, apesar de já estar preparado para o receber. Estar frente a frente e a
sós com o homem que tentou me assassinar é, no mínimo, preocupante.
Mas eu sou forte, minha visão está em perfeito estado e eu não tenho medo
dele.
— Querido primo. — Ele se joga na cadeira de frente para a minha
mesa.
— Perdoe-me por não poder me levantar e tocar em sua mão. Meu
senso de direção está comprometido, como você bem sabe. — Estou com
um sorriso contido, tentando manter a compostura.
Heitor me observa por um momento, como se tentasse decifrar se
estou sendo sincero ou apenas encenando.
— Não precisa se preocupar com formalidades, primo. Estamos
sozinhos e eu não vim aqui para discutir etiquetas, vim para falar sobre
negócios. — Sua expressão é serena, mas seus olhos denunciam uma
centelha de malícia.
Curioso, penso: Heitor sempre foi habilidoso em esconder suas
verdadeiras intenções atrás de sorrisos e piadas. Através dos anos, criamos
uma relação superficial baseada em jantares com o nosso avô e reuniões da
empresa.
— Negócios, você diz? — mantenho o tom neutro. — Estou ouvindo.
Ele se inclina para a frente, apoiando os cotovelos na mesa. Seus
olhos escuros parecem penetrar na minha alma e eu me pergunto se ele
suspeita de que eu sei sobre sua tentativa de me matar.
Deixo o meu olhar firme no vazio, por baixo dos óculos escuros, sem
lhe dar pistas.
— Às vezes é preciso sacrificar algumas peças para manter o edifício
de pé.
Uma onda de desconforto percorre o meu corpo. A analogia de Heitor
é clara, e a referência ao meu “senso de direção comprometido” não parece
mais uma simples brincadeira.
— O que você está sugerindo, Heitor? — eu permaneço calmo, mas a
minha mente está trabalhando freneticamente para entender suas
verdadeiras intenções.
Ele sorri. Um sorriso que chega aos seus olhos. E isso me faz
estremecer.
— Estou sugerindo uma parceria, primo. Uma oportunidade para
ambos prosperarmos.
— Se quer me fazer recuar, perde seu tempo.
— Pare com a merda que está fazendo, seja ela qual for.
Calo-me por alguns segundos, indeciso sobre como reagir. Mas
decido que não vou mais me esquivar.
— Alguém está sabotando a empresa. Você tem algo a esconder? —
Junto as mãos em cima da mesa e inclino o corpo em sua direção.
— Só não quero que saia perdendo nessa. Pode não parecer, primo
querido, mas eu me preocupo com você.
— Era só isso ou tem algo a mais?
— Eu gostaria da sua permissão para chamar a Maya para jantar. —
Gargalha. — Não consigo tirar os olhos da sua assistente. E fico aliviado
por você estar cego e não poder vê-la.
Remexo-me na cadeira, irritado com o seu comentário grosseiro.
— Não me faça perder tempo, por favor. Isso é uma piada? — minha
voz soa firme, apesar da raiva crescente.
Heitor solta uma risada cínica, levanta-se da cadeira e circula pela
sala como se estivesse inspecionando cada canto. Seus passos são
calculados e sua presença é intimidante. Apesar do jeito simpático, ele é um
inimigo astuto e muito inteligente. Lembro-me de que, na nossa
adolescência, ele sempre tentava um jeito novo de me fazer perder nos
jogos que o nosso avô nos obrigava a participar. Para o azar dele, eu
também sempre fui astuto.
— Thomas, Thomas... Sempre tão ingênuo. Você realmente acredita
que eu não sei que está tendo um caso com aquela moça? Só fique esperto.
Acho que uma moça linda e inteligente como ela, certamente, tem algum
plano para se dar bem em cima de você, que está tão vulnerável.
Minha paciência se esgota e eu me levanto da cadeira, quase jogando
para os ares a minha pose de cego.
— Heitor, pare com os joguinhos. Se tem algo a dizer, diga de uma
vez.
Ele se aproxima de mim, ficando cara a cara comigo, e eu sinto o seu
hálito contra o meu rosto.
— Vou dizer uma última vez: pare de investigar a empresa. Só pare.
— Eu nunca perdi para você, e não será dessa vez que vou perder.
— Não é essa a questão, mas o aviso já foi dado — ele diz, com raiva,
e caminha com pressa até a porta para sair, enquanto eu o observo em
silêncio.
— Como foi, senhor? — Erik entra em meu escritório.
— Ele está com medo. — Brinco com os óculos em cima da mesa.
— É claro que está. Mas ele não pode fazer nada, estou atento a tudo.
— Eu sei.
— Em breve, o senhor não precisará mais se fingir de cego e tudo
estará acabado.
— Eu sei — repito.
Meus dedos abandonam os óculos em cima da mesa e eu junto as
mãos para descansar o queixo, pensativo. Preciso contar à Maya. Isso tudo
está me deixando com um sentimento de culpa muito grande, e temo que
ela saiba a verdade tarde demais.
CAPÍTULO 18

Isso não pode ser verdade

MAYA MOORE
Faz dois dias que não durmo direito, não me alimento direito e me
sinto mais triste que o normal. Já estou sentindo o luto antecipadamente.
Minha avó só piora a cada segundo e os médicos a mandaram para casa,
para que ela morra em paz. Apenas receitaram remédios que podem ajudar
um pouco com a dor. Vovó está morrendo aos poucos e, em breve, irá me
deixar sozinha.
— O que você faz aqui? Vá embora, por favor — peço, com o
coração sangrando, mas não deixo nenhuma lágrima rolar.
— Filha, quando vai se cansar de ser tão má comigo? — Suelly passa
por mim, caminha até o sofá e se joga nele, sob o meu olhar de raiva.
Ela, claramente, está sob efeito de drogas. O que não é uma surpresa.
Eu não me lembro de um único dia em que a vi sã.
— O que você quer? Pelo amor de Deus, a minha vó precisa de paz!
— Vou até ela e tento levantá-la, puxando-a pelo braço.
— Sua malcriada! — Ela se levanta e me empurra, quase me fazendo
tropeçar para trás, mas me apoio no outro sofá. — Me dê dinheiro para
comprar um cigarro. É o mínimo que me deve depois de eu ter gerado você.
— Suelly, você precisa sair disso. Eu estou cansada, a vovó está
cansada... Mude a sua vida ou nos deixe em paz. — Sento-me, sem forças
para a confrontar.
Já lutei muito por ela, mas parei quando me dei conta de que ela não
merecia o meu esforço, e agora vivo tentando me esquecer de sua
existência.
— Isso aqui serve. Vou vender para comprar um baseado. — Vai até a
estante e pega um copo de cristal que estava sobre ela. — Se a velha morrer,
a casa é minha. E acho que você não terá escolha senão me aceitar como a
nova dona. Ou, então, posso vender a casa, e você vai parar em um
orfanato. Quem sabe?
— Esse copo é da vovó, ela ganhou de um amigo — reclamo e
suspiro, lembrando-me do momento exato em que Thomas deu o copo para
ela. Foi no primeiro dia em que ele veio à nossa casa. Ele trouxe muitas
coisas de comer também e flores. — E eu não vou para o orfanato, porque
sou maior de idade.
Suelly sorri de forma cínica enquanto balança o copo de cristal na
mão, aparentemente, despreocupada com a situação delicada que envolve a
saúde de vovó.
— Maior de idade? Você mal sabe cuidar de si mesma, quanto mais
da sua avó doente. E se ela morrer, a casa será minha por direito. Não
precisarei da sua permissão para ficar aqui.
Reviro os olhos diante da sua atitude egoísta, porém decido não me
deixar abalar. A prioridade é a saúde da minha avó, e não tenho tempo para
discutir com a mulher que deveria ser minha mãe.
— Você pode pegar o copo, mas saia desta casa agora. Não quero
mais vê-la por aqui. Se tiver algum resquício de humanidade dentro de si,
vá procurar ajuda e mude de vida.
Suelly solta uma risada sarcástica e se aproxima de mim, balançando
o copo diante do meu rosto.
— Acha mesmo que vai me expulsar daqui? Eu nasci nesta casa,
querida. Você não é nada. E quanto à velha, ela vai morrer de qualquer jeito.
Não vejo por que não posso aproveitar um pouco do que será meu em
breve.
A raiva toma conta de mim, mas eu respiro fundo, tentando manter a
compostura. Não vou permitir que Suelly perturbe os últimos momentos da
minha avó.
— Eu já disse: saia. Esta casa não é sua. E se você não for embora,
vou chamar a polícia. Estou disposta a fazer o que for necessário para
proteger minha avó de você.
— Menina ingrata! Como ousa querer chamar a polícia para a sua
própria mãe? Quando a velha morrer e você ficar sozinha, vai me dar valor.
Uma onda de calor e raiva se apodera de mim, porém, em vez de ter
um ataque de fúria, vomito entre lágrimas.
— Você está grávida? Não passa de uma putinha que engravidou
solteira, mas quer ser melhor do que eu. — Ela gargalha e anda até a saída,
levando consigo o copo que é da minha avó.
Não sei o que sentir, não sei o que pensar. A dor, o medo e o desgosto
me sufocam junto com o vômito. Por que ela disse que estou grávida? Não
é só porque vomitei, que estou grávida. Eu não posso estar grávida. Não é o
momento, e eu nunca nem pensei nisso. Mas, ultimamente, tenho me
sentido estranha, indisposta e sem apetite, com os nervos à flor da pele.
Levanto-me correndo para limpar o chão e poder tomar um banho
para tirar esse cheiro de vômito de mim. Thomas pode chegar a qualquer
momento, e não quero que ele me veja assim. Ele sempre se precaveu em
nossas relações sexuais, então eu estar grávida seria impossível.
— Isso é possível? — Assusto-me com Linda surgindo em minha
frente.
— Eu havia me esquecido de que você estava aqui — digo, com a
mão no coração.
— Isso é possível?

— Você tem certeza, minha filha? — minha avó questiona, com uma
voz fraca, e começa a tossir sem parar.
Eu acabei de contar a ela o resultado do teste de gravidez de farmácia
que minha amiga Linda me obrigou a fazer após ouvir a minha conversa
com Suelly.
— Mas vocês se casaram há tão pouco tempo. — Vovó volta a tossir
com mais força.
Ela não diz coisa com coisa e, na maioria das vezes, entra em delírio.
É triste ver a sua saúde se deteriorando a cada dia.
— Sim. Mas é um segredo, vovó. — Enxugo as lágrimas que
escorrem pelo meu rosto. — Eu só queria que a senhora soubesse que sinto
muito por isso. Eu não queria ser mãe solteira. Não queria lhe dar essa
vergonha, vovó. — Choro com vontade diante do som da minha própria
voz, que revela a minha dor.
— Thomas é sortudo por tê-la, e eu me sinto em paz para morrer,
sabendo que minha semente está crescendo e florescendo dentro de você.
— Ela sorri e fecha os olhos. Já eu comprimo os lábios para chorar em
silêncio.
Meu celular toca, notificando uma ligação.
— Thomas — atendo após tossir para melhorar a voz.
— Pode sair por alguns minutos para conversarmos? Tenho algo
para falar com você — sua voz parece tensa e eu sinto a hesitação daqui.
Ele sabe que estou grávida? Quer terminar comigo? Meus nervos
tremem em meu corpo. Não posso ouvir nada negativo. Não aguento mais
nada.
— Não posso sair agora. Pode ser amanhã? — pergunto com cautela.
— Hum... Certo. Amanhã nos falamos no escritório — ele se despede
e, em seguida, desliga o celular, sem ouvir minha resposta.
É... Posso me considerar a mulher mais infeliz do mundo.
Já é outro dia e eu não consigo tirar da cabeça a ligação de Thomas.
Será que ele descobriu sobre a gravidez? Será que vai querer me deixar?
Ficarei sozinha para cuidar de um bebê? Mil perguntas martelam em minha
mente ao mesmo tempo em que tento cuidar da minha avó, que está cada
vez mais fraca.
— Vovó, estou indo trabalhar. Está bem? — indago, segurando em
suas mãos magras, e lanço um olhar para as enfermeiras que acompanham
ela enquanto trabalho. Cortesia de Thomas.
Thomas tentou me fazer parar de trabalhar para eu estar ao lado da
minha avó, mas ela não deixou isso acontecer.
Saio de casa e ando até o táxi, que já me esperava, tentando manter a
calma. Chegando à empresa, subo diretamente para a sala de Thomas, sem
olhar para ninguém, com medo de que já saibam de tudo. Ele e eu sempre
escondemos de todos a nossa real relação, mas agora, com um bebê a
caminho, ele precisará me assumir, teremos que parar com essa aventura.
Quando coloco a mão na maçaneta para abrir a porta, eu ouço vozes
dentro do escritório e o meu coração falha por um momento. Creio não ter
ouvido direito.
— Como o senhor sabe que eu não estou cego?
— Não sou tolo, Thomas. Venho te investigando há semanas, desde
que soube que você tem praticado atos ilegais na empresa, aproveitando-se
da sua falsa cegueira.
— Isso é um absurdo. Eu me fingi de cego por outros motivos, e, em
breve, o senhor saberá quais foram.
— Será que, além de roubar a empresa, não se aproveitou para
transar com a sua assistente sem levantar suspeitas? Manchou este
escritório se relacionando com a senhorita Maya, que lhe serve feito tola,
acreditando que você realmente está cego. Ou ela é a sua cúmplice nisso
tudo? Me decepcionou grandemente, Thomas.
— A Maya não tem nada a ver com isso, eu a contratei apenas para
fortalecer a minha imagem de cego. Ela era uma garçonete atrapalhada, e
eu pensei que poderia ser útil, que não iria me descobrir. Mas ela não é a
minha cúmplice, e eu não fiz nada do que está me acusando, exceto transar
com Maya.
Tiro a mão da maçaneta, atordoada, sem conseguir acreditar no que
acabei de ouvir. De repente, flashes de cenas patéticas, de quando eu
poderia ter desconfiado de que estava sendo usada, aparecem em minha
mente como marteladas que me golpeiam sem trégua. Isso não pode ser
verdade.
Saio da empresa chorando, andando pela calçada sem direção e sem
saber o que fazer. Thomas me enganou esse tempo todo? Ele não está cego?
Envolvo-me com os meus braços para me proteger de toda essa dor e
decepção que me atingem sem piedade, sentindo o meu coração despedaçar
a cada passo que dou. Tudo o que eu achava que sabia sobre Thomas,
desmoronou diante dos meus olhos.
Ao me distanciar da empresa, sinto uma tontura e me apoio em um
poste próximo para não cair. As lágrimas escorrem pelo meu rosto à medida
que eu tento processar a traição que acabei de descobrir. Como pude ser tão
ingênua? Como pude acreditar em suas mentiras? Thomas, o homem por
quem me apaixonei, o homem que me deu apoio nos momentos difíceis,
estava me usando o tempo todo. E agora carrego um bebê dentro de mim,
fruto de uma fraude.
CAPÍTULO 19

Acredite em mim

THOMAS ANDERSON
— Vovô, o senhor não pode fazer tais acusações baseadas em
suposições! — exclamo com fervor, andando de um lado para o outro no
escritório, já sem precisar fingir para ele que estou cego.
— Me dê um único motivo para confiar em você. — Vai até a janela e
observa a cidade. — Eu fiz o que podia fazer por você, Thomas. Sinto
muito que não tenha sido o suficiente.
— Obrigou uma criança de 7 anos a deixar a sua mãe porque estava
preocupado com o futuro dos seus negócios? Coincidentemente, foi logo
após o meu tio falecer. O senhor precisava substituir o herdeiro perfeito, já
que o meu pai era outro Heitor da vida e estava fora de questão. — Dou um
sorriso amargo.
— Mesmo que Marcus não tivesse falecido, eu teria tirado você
daquela casa, Thomas. Me diz uma coisa: algum dia seu pai e sua mãe o
visitaram? Acredita mesmo que eu proibiria uma visita deles, sabendo que
um dia você cresceria e se voltaria contra mim? Eles sempre o deixaram de
lado. Eu tentei encobrir o máximo que consegui, até que decidi levá-lo, mas
agora temo ter perdido o meu tempo.
— Não vem com essa. Eu sei o que o senhor me fez passar naquela
casa fria e vazia.
— Aquela casa é fria e vazia para mim também. Eu fiz o melhor que
pude, só não contava com você se tornando um golpista.
— Eu me tornei o que o senhor me obrigou, então não ouse me acusar
de fraude. Não estou roubando a empresa. Apenas espere e me deixe
mostrar o que estou fazendo. A reunião já será na próxima semana.
— Heitor abriu os meus olhos, Thomas. Confiei demais em você.
— O senhor não deveria ter me vigiado baseado em burburinhos
vindos de Heitor. — Sorrio amargamente. — Está velho, não pensa direito
mais. Essa deve ser a explicação.
— Eu não acredito totalmente no Heitor, mas você ter fingido uma
cegueira dificulta a confiança que depositei em você.
— A única coisa com a qual me importo, vovô, é em estar à frente
desta empresa. Então, na próxima semana, quero ouvir da sua boca que eu
mereço estar aqui. E até lá, mantenha o meu segredo guardado.
— Refere-se à sua visão?
— Sim. É importante que ninguém saiba.
— Eu farei isso porque quero acreditar em você. Não me decepcione
uma segunda vez. — Depois ele sai do escritório, deixando-me sozinho.
Sento-me em minha cadeira, sentindo o peso de suas palavras. Ao
mesmo tempo, uma sensação de urgência me invade. Maya... Por que
diabos ela ainda não chegou?
Pego o celular, decidido a ligar para ela, com um aperto em meu
peito, pois sei que ela também precisa saber a verdade. Estou tentando lhe
dizer há alguns dias, mas alguma coisa sempre acontece. Terá que ser hoje.
No entanto, ela não está me atendendo. Merda! Não importa quantas
vezes eu telefone, ela não atende. Algo deve ter acontecido. A senhora
Lucy, talvez?

MAYA MOORE
Decido desligar o celular para que o nome “THOMAS, MEU CHEFE
LINDO” não fique acendendo na tela toda hora. Aquele babaca. Tenho
certeza de que ele quer que eu vá logo ao trabalho para transar com ele em
cima da mesa ou na poltrona. Ele sempre estava se esforçando para não
deixar os óculos caírem, enquanto eu bancava a trouxa, participando dos
seus planos inocentemente. Como fui idiota.
Já estou vagando pelas ruas de Nova Iorque há horas. Sinto-me tonta
e fraca. De repente, tudo ficou muito pesado para mim. Eu não almocei e o
meu corpo reclama, contudo, o enjoo não me faz sentir vontade de comer
nada.
Opto por ir para a casa. Para a empresa, não volto mais nem em mil
anos. Em vez de ficar choramingando e perdendo tempo, devo estar ao lado
da minha avó. Paro o primeiro táxi que encontro, sem me importar com o
rosto inchado, e, sorrindo, digo o endereço para onde o motorista deve me
levar.

Como se a vida quisesse provar para mim que tem como ficar pior,
assim que entro na rua de casa, o meu mundo desaba sob os meus pés. Uma
movimentação de uma ambulância e o carro de Thomas em frente à minha
casa formam a visão do meu desespero. Trêmula, dou o dinheiro ao
motorista, que me olha com pesar ao encostar o táxi.
— O que aconteceu com a minha avó? — pergunto, em uma mistura
de grito e gemido, ao me aproximar do corpo dela sendo levado em uma
maca para dentro do veículo.
— Onde você estava, Maya? Todos tentamos entrar em contato com
você — Thomas diz ao meu lado, com sua bengala e seus óculos escuros.
— O que houve com a minha avó? — repito a pergunta, seguindo os
paramédicos.
— Acompanhe-a até o hospital se quiser, senhorita — um deles me
instrui, apontando para eu entrar na ambulância.
Olho para todos os presentes: as enfermeiras, Thomas, Erik e alguns
curiosos. Sem entender nada, subo no veículo. É como se eu estivesse
levitando e todo o resto do mundo estivesse a quilômetros de mim. Sinto-
me anestesiada.
Eu me sento ao lado da maca onde minha avó está e um paramédico
se senta do outro lado.
— Maya, quer que eu te acompanhe? — Thomas enfia a cabeça para
dentro da ambulância.
— Não. É a minha avó, eu cuido dela — eu respondo com firmeza e
um paramédico fecha a porta, cortando o nosso contato.
— Ela é a sua avó? — o homem do outro lado pergunta quando o
veículo começa a entrar em movimento.
Atordoada, levanto-me e arco o corpo para olhar a minha avó.
— Sim. Ela vai ficar bem, não vai? — questiono, sem conseguir
acreditar em tudo que está me acontecendo. Na verdade, todo o resto pode
se danar, desde que minha avó fique comigo. — Ela é forte. Ainda não
chegou a hora dela. — Sorrio, acariciando o seu rosto, recusando-me a
aceitar algo que seja o oposto disso.
Porém, agora sinto falta do calor da sua pele. A realidade se instala
em mim como um trovão, destruindo tudo dentro do meu peito: a minha
querida avó está indo.
— No hospital, teremos mais detalhes, senhorita, mas ela está bem
fraca — o paramédico responde, com pesar em sua voz, como se minha avó
já estivesse morta, enquanto seguimos em direção ao hospital.
O silêncio reina entre nós, sendo interrompido apenas pelo som da
sirene, que ecoa ao longe. Meu peito sobe e desce, pela ansiedade e
incredulidade. Não sei o que está acontecendo. E por que tudo de uma vez?
Talvez seja uma espécie de pesadelo. E se for, eu quero muito acordar disso
neste exato momento.
— Maya, minha filha... — Eu ouço a sua voz cansada e o meu
coração pula dentro do peito.
— Vovó? — Seguro em sua mão. — Vovó, poupe suas forças —
peço, entre lágrimas.
— Seja forte e corajosa, querida. Não deixe que ninguém passe por
cima de você e tenha sabedoria para enxergar o amor. Nada é mais valioso
que ele — ela pronuncia, entre pausas para respirar, e balança a cabeça
negativamente. — Promete para mim, minha boneca? Promete para mim?
— Eu prometo, vovó. Serei forte e corajosa, ninguém irá me humilhar
e eu valorizarei o amor. Mas, por favor, vovó... Por favor, não me deixe —
peço avidamente, apertando a sua mão e beijando o seu rosto.
— Senhorita, por favor — o paramédico chama a minha atenção. —
Chegamos. Afaste-se.
Eu me afasto para que eles façam os procedimentos e retirem a maca
com vovó. Logo atrás, vejo Erik dirigindo o carro de Thomas, mas não faço
questão de esperá-los, apenas sigo a equipe levando a minha avó.
— Fique bem, vovó — peço, soluçando, mas ela já não está mais com
os olhos abertos.
E a pior notícia da minha vida vem minutos depois, quando um
médico me olha e fala, sem cerimônia:
— Lamento. A senhora Lucy não resistiu e veio a óbito antes de
chegar ao hospital.
Neste momento, o meu mundo cai. Estou preparada para morrer junto
com ela. Nada mais me importa, já que ela era a única pessoa que realmente
me amava.
Na sala de espera, os olhares solidários de Erik, das enfermeiras, que
vieram com eles, e de Thomas intensificam o peso da minha perda. Entre
lágrimas e suspiros, encontro-me diante do pior dia da minha vida.
— Maya, conte comigo para o que precisar — Thomas fala ao meu
lado, pondo uma mão em meu ombro.
— Obrigada — respondo, com a voz seca.
A vontade de ignorá-lo e o deixar falando sozinho era enorme, mas eu
não queria fazer uma cena, por respeito à minha avó.
É vergonhoso para mim, mas, mesmo sabendo que perdi a minha
querida avó para sempre, ainda consigo me sentir triste pelo que Thomas
fez e está fazendo comigo. Isso não é justo com ela. Só ela merece toda a
minha tristeza. Thomas só merece o meu desprezo. Mas eu gostaria muito
de poder abraçá-lo agora e me sentir acolhida.
Caminho até uma cadeira afastada de todos e me sento, mas o peso
que carrego não me deixa descansar. Eu sabia que chegaria o momento em
que minha doce avó partiria, e ela precisava disso, só que eu não estava
preparada. Agora me sinto perdida e sozinha. O que será de mim?
CAPÍTULO 20

Adeus

THOMAS ANDERSON
— Algo aconteceu. — Ando de um lado para o outro, na sala de estar
da minha casa.
— Do que está falando, senhor Thomas? — Erik questiona, sentado
no sofá.
— Maya... Ela está estranha — explico.
— A pobre senhora Lucy faleceu. Como esperava que a senhorita
Maya reagisse?
— Eu sei do que estou falando, Erik. Ela não me deixa chegar perto
dela, não me procura para nada e, na única vez em que atendeu à minha
ligação, era Linda que estava ao telefone, e ela só me disse que Maya
precisava ficar sozinha. Onde ela estava quando todos ligamos para lhe
avisar que sua avó estava passando mal?
— Quer que eu investigue?
— Não. Não quero invadir a privacidade dela. Talvez ela precise de
tempo. Ver a avó nos últimos momentos de vida pode tê-la afetado mais do
que deveria.
— É compreensível que ela prefira a companhia da amiga em vez da
sua. Acredite, a Linda é bem mais agradável que você. — Erik dá um
pequeno sorriso irônico.
— Estou preocupado de verdade, não faça piadas.
— Vamos? — Ele se levanta, colocando-se ao meu lado. — Está na
hora.

Ajeito o terno preto ao descer do carro e, ao longe, vejo Maya e


algumas pessoas vestidas de preto ao redor de uma cova aberta. Aproximo-
me do local lentamente, apoiado por Erik. O vento balança as folhas das
árvores e a atmosfera fica ainda mais carregada de tristeza a cada passo que
dou. Maya, com os olhos marejados, ergue o olhar ao me perceber aqui.
Para o meu desgosto, Heitor está presente com dois homens, fingindo sentir
a perda da dona Lucy. Não vejo a hora de desmascará-lo. Esse idiota. Só
porque Maya é educada com ele, ele pensa que faz parte da família. O que
ele quer, participando de um momento tão delicado?
Enquanto o padre pronuncia palavras de conforto, eu penso nos
momentos que vivi com dona Lucy. Foram pouquíssimos dias, mas eles
fizeram uma enorme diferença em minha vida, como se eu a conhecesse há
anos. Ela foi uma senhora sábia, que percebia tudo ao seu redor e deixava
lições valiosas com suas palavras. Mas o que mais me fascinava era o seu
sentimento puro e materno por Maya. Ela me fez prometer, na primeira vez
em que aceitei o seu convite para um café, em um momento a sós comigo,
que eu cuidaria de Maya e não a deixaria sozinha nem a decepcionaria.
— Minha menina já passou por muitas coisas. Seja luz na vida dela.
Eu sei que você pode iluminá-la para sempre. Apesar de cega, eu tenho a
visão do amor e consigo ver isso. Prometa que sempre estará ao lado dela.
Ela disse isso, segurando em minha mão, como se implorasse por tal
feito.
— Tranquilize-se, dona Lucy. Cuidarei de Maya. É uma promessa.
Foi o que falei na ocasião, tomado por um sentimento de proteção e
empatia. No fundo, talvez eu tivesse ciúme do que elas tinham, por isso fiz
tal promessa, e porque respeitava a união delas de avó e neta.
A cerimônia avança e, quando o momento de jogar a terra sobre o
caixão chega, Maya hesita por um instante, e depois faz o gesto final de
despedida. Seus olhos estão inchados e vermelhos, refletindo a dor
profunda que ela está enfrentando. Tento me aproximar dela, mas ela
mantém uma distância de mim que me corta profundamente.
Ao final do enterro, as pessoas começam a se dispersar. Entre elas,
Heitor, que se despede de Maya com um abraço. Ela permanece junto à
cova por mais alguns momentos, sendo observada de longe por sua amiga
Linda, como se estivesse absorvendo a realidade da perda. Erik me olha,
com uma expressão séria, e coloca a mão no meu ombro, indicando que
seria melhor eu a deixar sozinha por enquanto.
A contragosto, volto para casa, com um peso no coração, consciente
de que o luto é uma jornada solitária e diferente para cada um. E se isolar e
se afastar pode ser a forma como Maya lida com isso. Não posso forçar a
presença dela, mas sinto que, de alguma forma, preciso estar lá por ela.

Dois dias silenciosos e sombrios se passaram, nos quais a empresa


continuou a operar com o meu afastamento. Sem a minha assistente, não
faria sentido eu preencher a cadeira do meu escritório. Com a reunião se
aproximando, os acionistas estão impacientes, pensando que terão seu
preferido, aquele falso, como presidente. E eu me sinto como um alvo
prestes a ser atingido. Mal sabem eles que a minha munição é bem maior.
Hoje, no terceiro dia, decido ir até a casa de Maya. Óbvio que com
Erik como o meu motorista. Bato na porta e espero, incerto do que
encontrarei do outro lado. Sinto-me um bobo por estar fazendo papel de
cego em uma situação assim, mas não acho que seja um bom momento para
eu revelar a verdade à Maya. O luto por dona Lucy, certamente, já é bem
difícil de digerir.
Maya abre a porta. Seu rosto pálido e seus olhos vermelhos
evidenciam as marcas da tristeza que a assola. Ela me encara por um
momento e depois permite a minha entrada.
— O que você quer, Thomas? — sua voz soa fria e distante.
— Eu... Eu vim para lhe oferecer meu apoio. Sinto muito pela sua avó
— escolho cuidadosamente minhas palavras.
Ela apenas acena com a cabeça, em reconhecimento. Não há lágrimas,
apenas um vazio nos olhos que antes eram cheios de vida. E isso me traz
um sentimento estranho. Tem algo a mais entre nós.
— Maya, eu sei que muitas coisas aconteceram, então entenderei se
você precisar de espaço, mas quero estar aqui por você de alguma forma. —
Aperto a bengala entre os meus dedos.
Nunca estive em uma situação assim antes, na qual eu sou que pede, e
não o que dá. Estou pedindo atenção aqui, disfarçado de quem quer ajudar.
Isso é novo para mim. Maya se tornou grande em minha vida
inesperadamente.
Ela suspira, como se estivesse ponderando minhas palavras. O
silêncio se estende entre nós e, finalmente, ela fala:
— O que você está fazendo aqui, Erik? — Aponta o dedo para o meu
segurança, que se assusta com tal pergunta.
— Apenas acompanhei o Thomas. Já estou de saída. Senhor, me
chame se precisar de algo — Erik responde, sem jeito, e sai.
Maya fecha a porta e eu a observo por trás dos óculos escuros.
Certamente, está confusa. Ela nunca trataria Erik assim.
— Posso lhe oferecer um café? — Maya força um sorriso, mas sem
olhar para mim.
Estreito os olhos, sem entender o seu comportamento. Eu a conheço,
ela está fingindo que está tudo bem.
— Só uma água, por favor — respondo, desconfortável, na dúvida se
deveria aceitar ou não.
— Sente-se. Volto em alguns segundos. Você sabe onde fica o sofá,
certo? — Sinto um tom de ironia em sua voz.
— Sim — eu respondo, mas ela já me deu as costas.
Sento-me, descansando a bengala ao meu lado. Tiro os óculos e
massageio os olhos. Uma melancolia me assola assim que me lembro da
última vez em que estive nesta casa e do quanto foi triste ver a dona Lucy
morrendo. Eu vim aqui porque sabia que se Maya não estava no trabalho,
algo havia acontecido, só não sabia exatamente o que era.
Remexo-me ao notar que Maya já retornou da cozinha, com o copo de
água em mãos. Coloco os óculos de volta.
— Aqui está a sua água. — Em um movimento rápido, ela joga o
copo de água em mim.
Assustado, levanto-me para pegar o copo, ou ela iria acertá-lo no meu
rosto.
— Maya, o que está fazendo? — pergunto, em um grito, com o copo
na mão e o rosto e a camisa encharcados de água.
Ela se aproxima de mim, com os olhos faiscando de raiva e mágoa.
Sua expressão é uma mistura de tristeza e indignação, e eu me sinto
completamente vulnerável diante dela.
— O que estou fazendo? Estou vivendo a minha realidade, Thomas.
A realidade que você se esforçou tanto para esconder de mim. — Aponta
para os óculos escuros em meus olhos. — Tire esses malditos óculos e
encare o que você fez comigo!
Sem palavras, obedeço. Retiro os óculos, revelando-lhe meus olhos,
que agora estão úmidos; não apenas pela água, mas também pelas emoções
que tento conter. Maya os encara como se buscasse alguma resposta e eu
não consigo suportar o peso do silêncio.
— Você sabe o que é engraçado? — continua ela, com um riso
amargo. — Eu costumava pensar que, além da minha avó, você era a única
pessoa em quem eu podia confiar. — Engulo em seco, percebendo a
magnitude das palavras dela. Eu esperava qualquer coisa, menos que ela
tivesse me descoberto. — Eu não posso acreditar que você fingiu ser cego,
Thomas. — Sua expressão se endurece. — E tudo isso enquanto minha avó
estava morrendo.
— Eu... Eu não tinha a intenção... — tento justificar minhas ações,
mas o olhar dela não me dá espaço.
— Você fingiu o tempo todo! Me fez de palhaça! Meu Deus... Não
fazia sentido um homem cego olhar tanto para a janela. Como não pude
perceber? — Sorri com desdém. — Me contratou porque eu era
atrapalhada, uma sonsa que nunca iria descobrir os seus verdadeiros planos.
E você estava certo, funcionou. — Bate palmas. — Parabéns, porque a
idiota que eu sou, acreditou em todas as suas encenações.
A culpa pelo que fiz me corrói por dentro. Eu, simplesmente, não
consigo pronunciar uma única palavra.
— Eu prometo, Maya... Eu... Eu vou explicar tudo. Eu queria lhe
contar. — Estou desesperado para fazer com que ela entenda.
— Explicar? Como você vai explicar que traiu a minha confiança, me
usou e me fez fazer parte de um plano sujo? — Solta um riso amargo. —
Acredite em mim, Thomas, eu nunca vou esquecer isso. Por favor, vá
embora da minha casa e não retorne nunca mais.
— Como pode me pedir isso? Precisa me entender. As coisas não são
como você pensa.
— Então, vai negar que me contratou porque eu era uma garçonete
atrapalhada?
— Não, mas você precisa ouvir tudo.
— Você invadiu a minha privacidade, Thomas. Eu andava seminua
pelo quarto do hotel, acreditando que você não via nada!
— Eu sei. Eu me sentia mal por isso, mas...
— Você foi um tarado. Tem noção?
— Também não é assim — protesto, ofendido.
— Eu sou muito burra! — Vira-se de costas para mim.
— Você não pode dizer nada, pois me observou enquanto eu tomava
banho. E observou em silêncio, se aproveitando da situação — contra-ataco,
tomado pelo espírito da injustiça.
Como dizer a ela que era uma questão de vida ou morte para mim?
Que alguém está trabalhando junto do meu primo para acabar comigo a
qualquer custo? Que me fingir de cego foi a minha única maneira de
continuar vivo, já que eu não sabia quem era o parceiro de Heitor?
— Cale-se, Thomas! Você está errado, e ponto! Vá embora. Eu não
quero mais te ver — ela pede, aos prantos, virando-se para mim novamente,
e um nó insuportável se forma em minha garganta. — Eu odeio você. Vou
te odiar para sempre. — Esconde o rosto entre as mãos.
— Olhe para mim. — Aproximo-me dela, seguro os seus braços e
afasto as mãos do seu rosto, obrigando-a a me encarar. Nossos olhos se
conectam pela primeira vez, aquecendo o meu coração. Eu precisava disso.
— Você não me odeia, posso ver em seu olhar. Não é boa em fingir. —
Sorrio, fraco, e a abraço, mas ela me empurra, com sua raiva duplicada.
— Vá embora!
Maya parece disposta a continuar lutando, mas eu também não penso
em desistir antes que ela entenda.
No entanto, a nossa batalha árdua é interrompida por uma figura que
adentra a casa sem bater na porta: uma mulher que aparenta ter os seus 50
anos, de cabelo escuro e pele clara, bem parecida com Maya. Eu nunca a vi
antes, mas não preciso perguntar para ter certeza de que é alguém da
família.
— A velha já morreu? — Ela se joga no sofá, evidentemente, sob
efeito de drogas.
Olho para Maya, que está paralisada e com os olhos arregalados,
surpresa e incrédula.
— Quem é você? — pergunto, sério, ofendido com a maneira como
ela se dirigiu à saudosa dona Lucy.
— Uau! — A mulher se levanta e vem em minha direção. — Agora,
que a velha morreu, você já pode trazer seus homens, hein, Maya? — Ela
gargalha e me rodeia, olhando com curiosidade para as minhas roupas. — E
é rico. Parabéns.
— Você pode ir embora? Já conversamos sobre tudo que
precisávamos conversar — Maya pede para mim, sem forças, e eu me sinto
incapacitado por não poder ajudá-la.
— Sou a sua sogra, meu lindo — a mulher revela, surpreendendo-me.
Sentindo uma necessidade de não continuar contrariando Maya, sem
dizer nada, saio após dar uma última olhada para ela, que parece ainda mais
magoada.
CAPÍTULO 21

Recomeço

MAYA MOORE
Uma semana depois...
— Você não precisava fazer isso — Linda comenta ao se sentar à
mesa posta com o jantar preparado por mim.
— E como eu iria retribuir pela ajuda que você está me dando? —
Forço um sorriso.
— Não é ajuda se você age como se fosse a minha doméstica nesta
casa — ela resmunga e pega os talheres para começar a comer.
— Eu não posso parar, Linda — confidencio, com os lábios
tremendo.
Rodeio a mesa e me sento com ela, sem nenhuma vontade de pôr
comida no prato.
— Está muito recente, Maya. Você vai superar isso. — Pousa a sua
mão em cima da minha, em um gesto de carinho.
— Amanhã vou procurar emprego — mudo de assunto.
— A sua demissão foi assinada há apenas dois dias e você já está
atrás de outro emprego? Não precisa se preocupar tanto. Cuide de você.
Cuide da criança que cresce em seu ventre — ela me aconselha enquanto
começa a se servir.
— Não me lembre disso, Linda. — Viro o rosto, com os olhos
fechados, segurando-me para não começar a chorar.
Eu pensei que seria mais fácil. A falta da minha avó é bem mais
dolorosa do que eu imaginava. E eu já imaginava que seria grande.
Também, por mais que eu deteste admitir, sinto falta de Thomas. Sinto
muito a falta dele. Por onde olho, tem aquele olhar hipnotizante, que ele me
obrigou a encarar na última vez em que nos vimos. Essa não é uma visão
que esquecerei tão facilmente.
— Você precisa se alimentar — Linda pede com gentileza,
interrompendo os meus pensamentos.
— Eu sei. Preciso comer para não fazer mal ao bebê. — Estranho essa
palavra saindo da minha boca.
A realidade não quer cair sobre mim. Eu não posso acreditar que, em
meses, terei uma criança que será minha para eu cuidar. Não sei nem o que
fazer comigo mesma. Isso é tão assustador.
Vovó, eu queria que a senhora estivesse aqui.
— Precisa contar ao pai — Linda fala com a boca cheia.
— Já falamos sobre isso. — Torço os lábios.
— Você é muito teimosa, deveria ouvi-lo. Ele não pode ser tão
babaca.
— Linda, você não entende. — Balanço a cabeça negativamente, sem
esperanças de que Thomas tenha algo verdadeiro para falar para mim.
Thomas foi tão falso, fingindo não enxergar. Ele me enganou muito, e
isso dói de um jeito que não consigo explicar. E o amor que sinto por ele faz
doer ainda mais.

THOMAS ANDERSON
Já faz duas horas que olho para a janela do meu quarto e contemplo o
vasto espaço da minha propriedade. O que passava pela minha cabeça
quando quis residir em um lugar tão longe e solitário? Os espaços entre as
árvores são maiores do que deveriam. O gramado é extenso e curto. Faltam
flores. Faltam cores. E pouquíssimos funcionários circulam no local, hora
ou outra, lembrando-me de que não estou sozinho, mas isso não diminui a
minha solidão. Coisa com a qual eu era acostumado antes.
— Bom dia, senhor Anderson. — Uma das empregadas entra no
quarto. — Eu trouxe uma correspondência.
— Deixe na cama — peço, sem desviar os olhos da janela.
Quando estou só novamente, ando até a cama e vejo a
correspondência: um convite do meu avô. Ele adora ser tradicional, e enviar
e-mail está fora de questão para ele.
Pego o celular e lhe envio uma mensagem.
“Lamento ter que recusar o seu convite, vovô. Tenho compromissos
que não podem esperar.”
Agora, que ele não confia mais em seu outro neto, sobrou para mim
ser o único alvo das suas cenas patéticas de falsa família.
Escorrego os dedos pelo celular e releio as mensagens que enviei para
a Maya ao longo da semana.
“Estou lhe dando um tempo, mas espero que use esse tempo para
pensar com carinho na nossa situação.”
“Maya, posso ir à sua casa para conversarmos melhor?”
“Por que você não me responde?”
“Assinei a sua carta de demissão porque não queria te decepcionar
ainda mais, mas isso não é um fim.”
“Espero que esteja bem.”
Todas sem resposta. Maya é forte e decidida. E eu a magoei demais.
Estou irritado comigo mesmo por ter me permitido me afundar tanto nos
braços dela. Isso não foi planejado. Sou uma vítima das minhas próprias
escolhas.
É tarde da noite e eu deveria estar dormindo, mas aqui estou eu em
frente à casa de Maya, indeciso se devo ou não descer do carro. Não
aguento mais ser ignorado por ela. E eu não tenho mais nada a perder.
Ao descer do veículo, ouço um som de música vindo da casa e
estranho. Ao me aproximar da porta para bater, sinto um cheiro forte de
drogas e ervas.
Não acredito, Maya. Você está se drogando?
Abro a porta, sem esperar que alguém venha me atender, e, ao entrar,
tropeço em alguma coisa.
— Porra! — Seguro-me no sofá.
A música está alta agora e, por todo lado que olho, tem alguém
deitado ou sentado se drogando, ou dormindo.
— Maya? — Ando em direção ao quarto dela, tentando ver se a
encontro entre as pessoas.
Não posso acreditar que isso está acontecendo. Maya não pode ter se
afundado tanto assim. A casa de dona Lucy está irreconhecível, caótica,
com pessoas em vários estados de alteração. Encontro o quarto de Maya
revirado e a vejo deitada em sua cama, de costas para mim. Reconheço-a
pelo cabelo preto.
— Maya? — Eu toco em seu ombro, mas não é ela que se vira para
mim.
— Oi, gostosão. — É a mulher que se diz mãe dela.
— Onde está a Maya?
— Deve ter ido ao médico. Quer uma balinha?
— Como assim? Ela está doente?
— Não seja mal-educado, não pode recusar um presente. — Tenta
enfiar um comprimido em minha boca.
— Vá se foder! — Saio, com pressa.
Caminho pela casa em passos rápidos e saio em direção ao meu carro.
Maya não está aqui. Não acredito que cheguei a pensar que ela poderia estar
se drogando. Ela é a mulher mais forte e corajosa que conheço.

Dias depois…

Flashes de dezenas de câmeras disparam para capturar a minha


imagem assim que chego à porta para sair da empresa. Está chovendo e os
repórteres se esforçam debaixo dos seus guarda-chuvas. Se alguns
seguranças da equipe do Erik não estivessem aqui, eles, certamente, já
estariam me bombardeando de perguntas, as quais não pretendo responder.
— O que está acontecendo? — pergunto em voz alta para Erik, que
acabou de surgir ao meu lado.
— A notícia vazou. Todos sabem que o senhor voltou a enxergar e
que é, oficialmente, o novo presidente da Anderson Corp. — Ele abre o
guarda-chuva para mim.
— Meu avô não queria escândalos. Merda! — Pego o guarda-chuva
da mão dele e caminho rumo ao meu carro.
Ainda estou desfrutando da sensação de poder dirigir novamente. Eu
não aguentava mais estar no banco do carona.
— Heitor ainda está foragido, mas o seu avô está conseguindo abafar
o caso. — Erik entra no carro. — O senhor ainda corre perigo.
— E sobre a Maya? Descobriu alguma coisa?
— Sim, ela foi contratada. Começa na segunda-feira como camareira
no hotel Bright.
— Camareira? Porra, Maya! — Esmurro o volante.
— Ela está refugiada na casa da amiga Linda.
— Refugiada? “Refugiada” é muito forte. Ela não precisa fugir de
nada.
Erik fica em silêncio diante do meu comentário, mas a verdade é que
eu concordo, Maya está fugindo. Foge de mim e das minhas mentiras; foge
da mãe drogada; foge da dor da perda. Maya é forte, mas ainda é um ser
humano.
— Essa droga de chuva que não passa! — Tento ignorar a pontada de
medo de que essa chuva se transforme em uma tempestade.
Mas, no fundo, sei que o meu medo real é da tempestade que ocorre
em minha vida. Eu já tenho 29 anos, estou na idade para me casar e formar
uma família. Por mais que antes eu não me preocupasse com isso, após
conhecer Maya, descobri o quanto é bom ter alguém. E, mesmo gostando da
companhia dela, foi só após perdê-la que tomei consciência do quanto a
quero comigo. Tenho tudo o que eu queria antes de conhecê-la: a reunião
ocorreu como planejei e Heitor caiu. Eu tirei, finalmente, o sorriso
arrogante dos seus lábios. Ele foi afastado da empresa e está sendo
investigado mais a fundo. Apesar de já termos provas o suficiente contra
ele, precisamos descobrir quem o apoiava. Não falei na reunião sobre o
acidente que ele armou para mim, mas contei ao meu avô, que planeja
enviá-lo para a cadeia assim que ele for localizado.
Enfim... Apesar de eu ter tudo o que planejava, o vazio em meu peito
é tão grande quanto o que senti ao ser arrancado dos meus pais quando
criança. Sinto que estou passando por aquilo tudo de novo, mas a diferença
é que agora não sou um garotinho à mercê da vida, posso tentar fazer
alguma coisa para mudar tudo.

Paro o carro no cemitério onde a dona Lucy está enterrada e desço,


batendo a porta, sem me importar com a chuva, segurando um buquê de
rosas. Caminho, decidido, entre as lápides. Ao chegar ao túmulo dela, paro.
A chuva cai pesadamente e minhas roupas estão encharcadas, mas não
consigo sentir frio. Olho para a lápide, onde tem rosas brancas frescas.
Certamente, Maya a visita com frequência.
As palavras gravadas na pedra cortam o meu coração.
“Dona Lucy, amada avó e amiga. Sua luz brilha em nossos
corações.”
Coloco o buquê de rosas brancas — suas favoritas — ao pé da lápide.
Ela me disse uma vez que as rosas brancas simbolizavam esperança e amor
eterno. E é isso que ela nos dava, mesmo estando em seus últimos dias:
esperança e amor.
Fecho os olhos, permitindo-me um momento de silêncio, como se
mais nada existisse além de mim e do espírito dela.
— A senhora me entende, não é mesmo? — Ponho a mão na lápide.
— Agora, do outro lado, a senhora, certamente, já sabe de tudo e consegue
me entender. Como a senhora sempre dizia, tem a visão do amor e consegue
me ver como realmente sou — as palavras saem de mim como uma
confissão, um alívio.
A chuva continua a cair, mas agora parece mais suave, quase como se
o céu estivesse com pena de mim.
Eu continuo, com minha voz mal audível acima do som da chuva.
— Eu não queria mentir, dona Lucy. Eu só... Eu só queria sobreviver.
E agora não sei se posso viver com essa culpa de ter causado tanto mal e
decepção para a Maya — admito, com a voz tremendo pela emoção.
Fico em silêncio por um momento, ouvindo a chuva e esperando por
uma resposta, que sei que não virá. Mas, de alguma forma, sinto como se
dona Lucy estivesse aqui comigo, ouvindo-me e me entendendo.
— Mas eu prometo, dona Lucy, que não vou desistir de tentar. Eu lhe
prometi que cuidaria dela, que a amaria e a protegeria, e farei isso. Eu a
decepcionei, mas vou amá-la em dobro para recompensá-la por todo o mal
que causei. — Com essa promessa, levanto-me e dou um último olhar para
a lápide dela, antes de me virar e ir de volta para o carro.
A chuva começa a diminuir e, no silêncio que se segue, sinto uma
estranha sensação de paz. É como se, de alguma forma, dona Lucy tivesse
me ouvido. E eu sinto que ela me entende e me apoia.
CAPÍTULO 22

Encontro inusitado

THOMAS ANDERSON
Encaro o meu avô, que me encara de volta do outro lado da sua mesa.
Por algum motivo, sinto-me exposto em estar aqui. Não sei o que pensar. A
maneira como ele está me olhando é assustadora. Lembro-me de que Maya,
às vezes, pedia-me para ser mais gentil com meu avô e o deixar se
aproximar de mim. Talvez tenha sido por isso que eu, finalmente, aceitei o
seu convite. Por Maya. De alguma forma, quero me sentir próximo a ela. E
seguindo um conselho seu, é como se ela estivesse comigo.
— Thomas, Heitor não trabalhou sozinho. Você sabe disso, certo? —
ele pergunta com cautela.
— Sei. Mas estou bem. Meu carro é vigiado a todo instante, não
sofrerei mais nenhum acidente — respondo, confiante.
— Existem diversas formas de acabar com a vida de alguém. — Ele
está com uma caneta entre os dedos, olhando agora para um ponto fixo e
com o pensamento longe.
— Não se preocupe, vovô, eu ficarei bem — afirmo, remexendo-me.
— Me casarei e terei filhos, garantindo, assim, a continuidade da sua
hierarquia.
— Não fale bobagens. Me preocupo com o meu neto, e não com a
continuidade de nada! — ele retruca, exaltado, sem deixar de lado a
expressão severa.
Ele sempre foi assim. Nunca sei o que ele realmente está pensando. É
prático em excesso e, ocasionalmente, tenta demonstrar algum sentimento,
como se isso fosse parte de um ritual, uma regra.
— Tanto faz. — Sorrio, balançando a cabeça, fazendo-o entortar
ainda mais os lábios.

MAYA MOORE
Três dias depois…
Faço uma pausa com os movimentos das mãos para enxugar o suor
que escorre pela minha testa, com o antebraço. Estou esfregando o vaso
sanitário há poucos minutos, mas já sinto como se tivesse feito mil
exercícios físicos. Eu tentei me alimentar, mas nada desce pela minha
garganta. Apesar de eu estar grávida e um pouco enjoada, sei que a minha
falta de apetite se deve ao fato da minha vida ter dado um giro de 360º. A
falta que a minha avó faz, a falta que o Thomas faz...
Volto a esfregar o vaso com mais força após ter me pegado pensando
nele.
— Limpa, sua burra! Limpa, porque assim, você para de pensar
naquele babaca.
Eu já superei muitas coisas na minha vida. Muitas. Thomas será
apenas mais uma entre elas.
— Maya? — Assusto-me com a voz da gerente me chamando do lado
de fora do banheiro.
— Sim, senhora Amanda? — Levanto-me prontamente.
— Deixe isso aí. Surgiu um imprevisto na suíte master e não tem
mais ninguém disponível. Vá lá e limpe tudo. Droga! Preciso contratar mais
camareiras. Esta temporada está um caos. — Ela sai com as mãos erguidas,
apressada.
Eu não entendi muito bem. Devo deixar o trabalho neste quarto
incompleto? Bem... Foi o que ela disse.
Estou em meu primeiro dia de emprego e espero conquistar a vaga
permanente. Meu objetivo agora é conseguir me manter e comprar uma
casa para mim e para o meu bebê. Eu sei que não será fácil, mas estou
disposta a trabalhar duro para isso, já que deixei a casa da minha avó para
Suelly. Ela precisava mais do que eu.
— Entendido, senhora Amanda — respondo, falando sozinha.
Pego os meus materiais de limpeza e sigo até a suíte master. Não é
difícil de localizá-la. Só não entendo por que mandaram a novata limpar o
quarto mais importante do hotel. Será que é uma espécie de trote? Querem
brincar comigo?
Com um suspiro, dirijo-me para lá, com o coração batendo forte no
peito. A suíte é luxuosa, com uma cama king-size coberta por lençóis de
seda, bagunçados, e uma vista panorâmica da cidade através de uma parede
inteira de janelas. Da última vez em que estive em um quarto assim, estava
nos braços de Thomas...
Começo a arrumar a cama, que está uma bagunça, tentando não
pensar nele, mas é difícil. A cada vez que minha mente vagueia, lembro-me
de seu sorriso e de seu toque. Lembro-me de como ele fazia eu me sentir
como se fosse a única pessoa no mundo que lhe importava. A única pessoa
com quem ele dividia as coisas.
— A única idiota que ele encontrou, isso sim — digo, com raiva,
sacudindo o lençol.
Sinto um enjoo repentino e corro para o banheiro, com a mão na boca,
com medo de vomitar durante o trajeto. Por sorte, tenho tempo de chegar à
privada e vomito tudo que consegui ingerir no café da manhã, forçada por
Linda. Quando aperto o botão da descarga, quase sofro um infarto ao olhar
para o lado e ver Thomas me encarando com os olhos arregalados.
— Thomas?! O q-que você está fazendo aqui? — pergunto, assustada,
sentindo o gosto amargo do vômito em minha boca.
Eu já posso ser levada desta Terra.
— O que você tem? — ele questiona, sem se mover.
— Foi só um mal-estar. O que diabos você faz aqui? — Corro para a
torneira para lavar a boca, antes que vomite outra vez só de raiva e susto.
THOMAS ANDERSON
Meus olhos se arregalam devido à surpresa de eu encontrar Maya no
banheiro da suíte master. Eu não esperava que ela me visse em um lugar tão
inusitado. Eu estava esperando coragem para sair do meu esconderijo e ir
conversar com ela no quarto, mas o que aconteceu já aconteceu.
Ela está tão pálida e cansada. Seus olhos fundos revelam noites mal
dormidas.
— Maya, eu... Eu estava procurando por você. Quero conversar, por
isso aluguei este quarto e pedi à gerente que ele fosse limpo por você. Falei
que queria lhe fazer uma surpresa. — Desvio o olhar dela.
Maya me encara, evidentemente, confusa e desconfiada. A situação é
estranha e embaraçosa para mim. Sinto-me como um réu em julgamento.
— Eu só posso ter enlouquecido de vez. — Ela chacoalha a cabeça,
conforme sai do banheiro, e eu a sigo.
— Você não me atendia. E o porteiro do apartamento onde você está
não deixa ninguém entrar sem autorização. Eu precisava falar com você, e
essa foi a melhor forma que encontrei — continuo, enquanto ela começa a
colocar as coisas no lugar, fingindo não me notar. — Porra, Maya! Você não
vai me dar nem uma chance de me explicar? — Sigo-a pelo quarto, vendo-a
ajeitar umas almofadas.
— Por que eu deveria? — Ela me olha. Há raiva estampada em seu
rosto. — Depois de tudo que aconteceu, por que eu deveria ouvir suas
explicações?
Respiro fundo, tentando manter a calma. Ela continua arrumando o
quarto e ignorando minha presença.
— Porque eu te amo. — Engulo em seco. Foi a primeira vez que eu
disse isso a alguém, e o meu corpo está estremecendo com a seriedade
dessa declaração. — Eu entendo que você esteja magoada, e tem todo o
direito de estar. Eu errei, e sinto muito. Eu só quero uma chance para
explicar, para tentar consertar as coisas entre nós.
— Então, explique! — ela grita, joga a almofada no chão e cruza os
braços, encarando-me com um desafio no olhar.
Cautelosamente, eu seguro em sua mão. Ela está relutante e
desconfiada, mas não me impede.
— Não foi planejado eu me envolver com você. O meu desejo e a
nossa conexão saíram do meu controle — tento explicar, mas, dentro de
mim, é como se fossem milhares de palavras, e não tem como resumir.
— Estou esperando a parte em que você fingiu ser cego e me fez de
boba. — Puxa a mão e segue até a janela.
— Fiz isso para continuar vivo. Eu estava correndo sério risco de
vida. Pessoas queriam acabar comigo. Tentaram. — Dou três passos para
me aproximar dela. — Você não consegue encontrar, no seu coração, uma
chama que possa queimar toda a raiva e toda a decepção, e poder enxergar
que eu digo a verdade? — Seguro em seus ombros e a viro de frente para
mim. — Não faz ideia do quanto foi difícil não poder te olhar nos olhos e
dizer o quanto você estava linda, na primeira vez em que percebi o seu
sorriso.
Tomados pelo momento de conexão, nossos corpos se aproximam. Eu
colo o meu rosto em sua testa e minhas mãos deslizam pelos seus braços
lentamente, sentindo o calor da sua pele. Nossas respirações estão
aceleradas e cada segundo parece uma eternidade. No silêncio do quarto,
apenas nossas respirações e batimentos cardíacos ecoam dentro de mim.
Maya fecha os olhos, como se estivesse tentando resistir a essa
proximidade. Seus lábios se movem, mas nenhuma palavra sai.
— Me diz, meu amor. Me diz que acredita em mim. Por qual outro
motivo eu estaria aqui? — Abraço-a com força. Tenho medo de que ela se
vá.
— Eu não acredito, Thomas. — Ela se esquiva, excessivamente
irritada, e caminha até a porta, mas eu a seguro pelo pulso, sem conseguir
aceitar isso.
— Eu não vou desistir de você. Prometi à sua avó que sempre estaria
ao seu lado. Não posso e não quero seguir com a minha vida sem você.
Maya mantém seus olhos fixos em mim.
— Eu preciso de ar. — Ela puxa a mão, gira a chave e sai do quarto às
pressas.
Permaneço no mesmo lugar, com os olhos inexpressivos agora,
olhando para o vazio que ela deixou dentro de mim.
Por que essa merda está acontecendo comigo? Eu não mereço que
Maya me ame o suficiente para acreditar em mim?
Ando de um lado a outro, indeciso se vou atrás dela ou espero que ela
retorne. Até que a porta volta a se abrir e eu me viro para a receber. Foi
mais rápido do que imaginei.
— Você?
CAPÍTULO 23

Talvez eu deva confiar

MAYA MOORE
Ao sair do quarto, caminho segurando as paredes do corredor para
não cair. Não sei como consegui me manter em pé perto de Thomas. Já
estive em muitas situações complicadas, mas nada se comparou a eu estar
frente a frente com o único homem que tive na minha vida, o qual deixou
um fruto em mim. Teria sido um reencontro emocionante se não fosse por
todo o resto.
— Maya, está tudo bem? — Erik pergunta, vindo ao meu encontro,
assim que viro no corredor para entrar em outro.
— Você, não se aproxime! — digo alto demais.
Um dos hóspedes, que passa perto, olha-nos com curiosidade, e eu
abro um sorriso, pois não quero criar uma cena.
— Você vai cair morta a qualquer momento. Não se faça de durona.
— Erik me ampara e me ajuda a caminhar.
— Estou bem, foi apenas uma tontura.
— Conversou com o Thomas?
— Você o ajudou a me fazer de palhaça, não é mesmo?
— Maya, o que está fazendo? — Amanda aparece em nossa frente,
olhando-me com indignação. — Já arrumou a suíte master?
— A senhorita está passando mal. Vou levá-la para o pronto-socorro
imediatamente — Erik responde por mim.
— O hotel tem a responsabilidade de...
— Não quero objeções. Com licença. Não atrapalhe o meu trabalho
de cuidar da mulher do meu chefe — ele diz, em um tom autoritário, e
entramos no elevador.
— Eu, provavelmente, serei demitida no primeiro dia — digo, quase
chorando, quando a porta se fecha. — Não aguento mais tudo isso.
— Não se esforce muito. Você está pálida e precisa ir ao hospital.
— Estou bem. — Afasto-me dele. — Só preciso me alimentar mais e
me esforçar menos. Não que seja da sua conta ou de Thomas.
— Você precisa parar de ser tão dura com ele. Não tem noção de
como o tornou melhor.
— Ele era pior que isso? — ironizo.
A porta do elevador se abre e Erik segura em meu ombro.
— Vou lhe pagar um café. Você precisa comer e ouvir o que eu tenho
para falar.
— Eu só preciso trabalhar. — Começo a andar, sem a intenção de
ouvi-lo.
— Você me deve uma. Se lembra do seu antigo chefe? Aquele crápula
está preso — ele conta, fazendo-me segui-lo.
— Verdade?
— Thomas entrou em contato com algumas ex-funcionárias e
levantamos provas contra ele. Mason está preso — continua. — Meu chefe
é um bom homem e não merece o que você está fazendo com ele.
Como a mole que sou, só de ouvir Erik falar assim, sinto uma vontade
imensa de voltar para a suíte master e abraçar o homem da minha vida o
mais forte que conseguir. Talvez eu deva confiar nele outra vez.
— Um café para mim. E para a moça, um sanduíche e um suco
fortalecedor — Erik fala quando nos encostamos no balcão da lanchonete
do hotel.
Estou com vergonha. Uso o uniforme das faxineiras, mas desfilo ao
lado de um segurança engravatado, que age como se trabalhasse sob as
ordens do rei do mundo.
Decidi não protestar, afinal, depois desse primeiro dia turbulento,
Amanda, certamente, não irá me deixar continuar.
O aroma do café preenche o ar enquanto aguardamos o pedido. Erik
se senta a uma das mesas e eu fico em pé, observando as pessoas passarem
pelo saguão movimentado do hotel, com medo de que percebam que eu
deveria estar faxinando.
A conversa com Erik ainda ecoa na minha mente. Será que Thomas
realmente teve bons motivos para me fazer de palhaça?
— Aqui está o seu café e o pedido da moça. — O atendente me olha
com confusão por alguns segundos e entrega as bandejas a ele.
Após um olhar sugestivo de Erik, sento-me também. Ele me encara
seriamente, como se estivesse prestes a compartilhar algo de extrema
importância comigo.
— Maya, você não pode continuar com isso.
— Thomas realmente corria risco de vida?
— Ainda corre — revela. — Heitor está sendo procurado, mas,
mesmo se o encontrarmos, ele não estava sozinho.
— Heitor? Como assim? O que ele fez?
— Heitor causou o acidente que cegou Thomas. Bom... Ele foi o
mandante, sob as ordens de outra pessoa.
— Isso... Isso não pode ser verdade — balbucio, com as mãos na
boca, lembrando-me das desavenças entre os primos.
— Thomas descobriu tudo. Heitor queria ficar à frente da empresa,
mas sabia que Thomas o venceria, já que é o melhor nos quesitos
administração e responsabilidade.
— E Thomas teve a brilhante ideia de se fingir de cego para parecer
inofensivo?
— Ele estava realmente cego no começo, mas decidiu esconder que
voltou a enxergar para proteger a própria vida.
— Sei... — Mastigo um pedaço do sanduíche sem nem um pouco de
vontade.
— Ele precisava continuar na empresa, mas seria estranho um cego
trabalhando sem uma assistente pessoal. Aí entrou você.
— Ele me viu sendo uma incompetente na lanchonete e pensou que
seria fácil me enganar. — Dou uma risada amarga.
— Bem... Sim. — Dá de ombros. — No entanto, Thomas logo
percebeu que cometeu um erro. Ele te subestimou. Mas já tinha ido tão
longe, que não conseguiria mais te demitir. Isso muito antes de vocês se
envolverem.
— Mas depois ele poderia ter me contado a verdade. — Começo a
aliviar os sentimentos negativos em mim e acabo me dando conta de que
comi o sanduíche todinho.
— Os detalhes, pode conversar com ele, Maya, mas não pode jogar
fora o que você representa na vida dele. Ele se sente sozinho, não se sente
acolhido por ninguém. Descobriu o que era ter alguém quando se envolveu
com você. Sabia que ele tem visitado o túmulo da sua avó? — Leva a xícara
de café à boca.
Abro a boca para responder, mas não consigo pensar em nada.
Thomas Anderson sempre foi difícil de interpretar, e talvez eu tenha
desistido sem nem sequer tentar.
— Eu vou lá falar com ele. — Empurro a cadeira para trás. — Vou
respirar e deixar ele falar tudo.
— Isso. Faça isso. — Erik sorri, batendo a xícara já vazia na mesa,
empolgado.
Após um aceno de cabeça, apresso os passos em direção à suíte
master. Espero que Thomas ainda esteja lá.
CAPÍTULO 24

Tumulto na suíte master

THOMAS ANDERSON
Minutos antes…
— As coisas que você me faz fazer... — Meu pai balança a cabeça
negativamente e entra no quarto, olhando-me com ódio.
— O que faz aqui? — pergunto, com as mãos na cintura,
completamente perturbado com a sua aparição no último lugar que eu
imaginaria.
— Ah, Thomas... Você não deveria ter se intrometido na minha vida.
— Ele encosta a porta atrás de si, vem ao meu encontro, saca uma arma
com rapidez, com um silenciador adaptado, e a aponta para mim.
Meu coração quase para quando me dou conta do que está
acontecendo aqui.
— O que é isso? — Ergo as mãos. — Você foi o mandante de Heitor?
— Aquele idiota tem sido o meu brinquedinho há muito tempo. Ele
acredita que pode ser amado. — Gargalha, chacoalhando a cabeça, mas sem
tirar a atenção da arma e sem perder o ar de ódio em suas expressões.
O meu silêncio se estende por alguns segundos e eu dou uns passos
para trás, por puro instinto.
Então, o meu pai quer me ver morto apenas por dinheiro. Ele não quer
a empresa, quer o dinheiro que ela proporciona.
— Que tipo de homem você é? — indago, com uma expressão
amarga. — O tipo que mataria o próprio filho?
— O tipo que faz de tudo para ter o que quer. E sabe de uma coisa?
Eu nunca quis ter você. Você veio para tomar tudo que deveria ser meu. A
pensão que meu pai me paga não foi o suficiente para segurar a sua mãe.
Ela me deixou por outro mais rico que eu. Você precisa me devolver o que
nunca deveria ter sido tirado de mim!
— Refere-se à empresa? Você a teria afundado na primeira semana.
Ele ri de forma sarcástica, apertando ainda mais a empunhadura da
arma. Começo a calcular mentalmente minhas opções. Não posso me dar ao
luxo de entrar em um confronto físico, afinal, ele está armado. Além do
mais, enfrentar meu próprio pai não é algo que eu deseje.
— Você não deveria ter nascido, veio para atrapalhar os meus planos
e os da sua mãe. Meu pai tinha que descobrir sobre a gravidez justo quando
estávamos a caminho da clínica para fazer o aborto? O velho ficou todo
empolgado com a ideia de ter um neto e nos vigiava 24 horas por dia com
seus informantes, para que nada acontecesse com a gravidez. Você vai
morrer, Thomas, e a sua morte ficará na culpa do idiota do Heitor, como era
para ter sido naquele acidente. — Ele aproxima os passos de mim e coloca
o revólver na altura da minha testa. — Não ouse se mover, a menos que
queira adiantar os segundos da sua morte.
Neste momento, flashes passam pela minha cabeça. Imagens das
quais eu não me lembrava, retornam como pancadas, e, em questão de
segundos, recordo-me da verdade chocante sobre a minha infância. Era tudo
muito pior do que eu pensava. Minha mãe não era maravilhosa comigo e
não tinha beijos de boa noite, muito menos bolos de chocolate. Tudo foi
uma invenção da minha cabeça para eu apagar o que, de fato, acontecia.
— Não precisa fazer isso — consigo pronunciar finalmente, com a
voz falhando e o coração sangrando, olhando no fundo dos olhos dele.
Ele se parece tanto comigo, apesar dos traços da idade que começam
a aparecer nele. É como se ele fosse a minha versão mais velha.
— Depois que eu acabar com você, o idiota do Heitor vai preso e... —
Ele para de falar quando a porta se abre e Maya entra com pressa, sem
perceber logo de cara o que está acontecendo.
— Thomas, eu preciso de uma explicação...
— Maya, sai daqui! — eu grito e ela arregala os olhos, recuando e se
encostando na parede, ao se dar conta da situação. — Maya, corre! — grito,
desesperado, enquanto o meu pai se vira abruptamente na direção dela, com
a arma ainda em punho.
A expressão de choque no rosto de Maya se transforma em puro
terror, mas antes que ela tenha a chance de reagir, meu pai corre até ela,
puxa-a pelo cabelo e a prensa sob seu braço.
— Vou organizar direitinho isso aqui. Thomas, feche a porta para não
termos mais nenhuma surpresa — ele ordena, com a arma na cabeça de
Maya.
— Senhor, por favor, deixe-me ir — Maya pede, em desespero. — Eu
não posso morrer. Eu... — Ela é calada por um chacoalhão dele.
— Cale a boca, vadiazinha intrometida!
— Deixe-a em paz, Antony. Sou eu quem você quer! — grito, quase
me jogando para cima dele, mas preciso manter a calma.
— Feche a porta e não se preocupe. Estou cuidando bem da vadia.
Enquanto meu pai a atormenta com seu linguajar baixo, ando até a
porta e finjo girar a chave. Se Maya não estivesse aqui, essa seria uma
ótima oportunidade para eu fugir. Espero que Erik esteja fazendo algo
quanto a isso, que tenha percebido alguma coisa.
Quando me volto para eles, Maya me encara, com os olhos
arregalados e o medo estampado em seu rosto. Eu preciso agir rápido;
encontrar uma forma de desarmar meu pai e a proteger.
— Antony, olhe para mim. Não faça nada precipitado — tento manter
a voz firme, mesmo que o medo esteja tomando conta de mim.
— Acha que pode me dar ordens? Depois de tudo que fez, Thomas?
Você destruiu a minha vida! — ele grita, com a raiva evidente em seu tom.
— Faça o que quiser comigo, mas, por favor, solte a Maya. Ela não
tem nada a ver com isso.
Ele ri ironicamente, mantendo o revólver pressionado contra a cabeça
dela.
— Você roubou o meu lugar, Thomas, o meu destino! E eu vou tirar
ela de você. Vou acabar com ela.
Observo atentamente os seus movimentos. Quero encontrar uma
oportunidade para o desarmar, mas não posso arriscar a vida de Maya. O
tempo parece se arrastar, porém preciso manter a calma.
— Antony, nós podemos resolver isso de uma forma diferente. Não
machuque a Maya. Ela não tem culpa dos nossos problemas familiares —
tento apelar para algum resquício de racionalidade nele. — Quer dinheiro?
Eu posso lhe dar muito dinheiro. Mas se fizer algo com ela, poderá acabar
preso. Erik está aqui e irá pegar você. Não conseguirá escapar dessa.
Ele me encara com ódio, mas algo em seu semblante reflete um
momento de hesitação. É o suficiente para eu agir. Em um movimento
rápido, avanço em sua direção, tentando desarmá-lo. Ele reage
imediatamente, desviando-se de mim e empurrando Maya para o lado,
fazendo com que ela caia no chão. Eu sinto um misto de alívio, por ele não
ter atirado, e pavor, por ver Maya vulnerável.
— Seu idiota! — ele grita, apertando o gatilho.
O baixo som do disparo ecoa pelo quarto e a bala acerta o meu braço.
Maya grita e vem para cima de mim, arrastando-se pelo chão, como se fosse
ela que tivesse sido acertada.
— Thomas, estou com medo. Você não pode morrer. Não pode me
deixar sozinha. — Ela chora, examinando o sangue escorrer por cima da
minha roupa.
— Você vai ficar bem, Maya. — Sento-me e aliso o cabelo dela. —
Você é forte e vai se sair bem. Nós dois sairemos daqui. Esse homem não
vai ficar impune. — Não sei se acredito no que estou falando, mas preciso
tranquilizá-la. Sinto que devo isso a ela. Sinto que devo o mundo a ela.
— Não se preocupe, querida, você não ficará sozinha, pois irá
acompanhá-lo até o inferno. — Meu pai se prepara para apontar a arma
novamente, mas desta vez a porta se abre e todos olhamos para lá.
Neste milésimo de segundo, respiro aliviado por Erik, finalmente, ter
percebido que tinha algo errado.
Contudo, o meu cérebro demorou alguns segundos para captar que
não é o Erik.
— Pai, o que está fazendo? Esse não era o combinado! — Heitor
entra no quarto e fecha a porta atrás de si.
— Filhão! Que bom que você se juntou à festa! — Meu pai sorri.
— Ótimo. Os dois traidores e criminosos mostrando as caras. É bom
que vão presos juntos. — Cuspo no chão.
Junto forças e me levanto. Quero encará-los em pé. Maya está
olhando tudo em silêncio, trêmula. Eu prefiro que ela continue quieta para
não atrair a atenção deles.
— Por que não me comunicou isso? Você está indo longe demais, pai!
Não percebe que acabou? — Heitor pergunta, ignorando-me. — Vamos
embora. Vamos fugir enquanto temos tempo — continua. — Não tem mais
nada para nós aqui.
— Por que você está chamando esse homem de pai, Heitor? Nem eu,
que sou o filho dele, considero-o um pai — pergunto, sem entender, mas a
raiva que corre em minhas veias é bem maior que a curiosidade, por isso,
antes de ter uma resposta, prossigo. — Vocês dois se merecem.
— Temos apenas 15 minutos para desaparecer. A polícia está a
caminho. Um garotinho entregará uma carta para o segurança do Thomas
em apenas cinco minutos, e, então, não haverá escapatória para nós dois —
Heitor se dirige ao meu pai, outra vez me ignorando.
Ele está com medo. Sabe que perdeu. Está com vergonha de me
encarar. Com vergonha de Maya.
— Sabe de uma coisa, Heitor? Você fracassou. — Antony aponta a
arma para ele agora. — A única coisa que você deveria ter feito era tirar
Thomas do caminho, mas é tão lamentável que tenha sentido pena do seu
inimigo em vez de fazer o serviço. Me fez sujar as minhas mãos, eu tive que
sabotar o carro dele. Seu imprestável! Realmente acreditou que eu poderia
ser um pai para você?
— M-mas você é! — Heitor grita, com os olhos marejados. — Eu
sempre fiz de tudo para te agradar, mas assassinato não! Pai, isso é demais
até para você. Você teve sorte de Thomas não ter morrido naquele acidente.
Agora, vamos sair daqui. Venha comigo.
— Não me chame de pai. Nem você nem Thomas são meus filhos. E
o primeiro que merece morrer é o arrogante, que já vai tarde. — Ele move o
braço, trazendo a arma na minha direção novamente.
Vejo, nos seus olhos frios, que ele vai atirar. Meu coração para e eu
aperto a mão de Maya, que está ao meu lado, em estado de choque.
— Não! Ele não pode morrer. Eu estou grávida, ele não pode me
deixar sozinha. — Maya me abraça, afundando a cabeça em meu peito, e
meus pensamentos se perdem com sua revelação.
— Grávida? — Abraço-a.
A dor em meu ombro ainda não apareceu. Meu sangue está quente e
minhas preocupações são maiores do que esse ferimento.
Minha mente viaja para todos os acontecimentos dos últimos tempos.
Independentemente da situação em que estamos, assim, com ela em meus
braços, é como as coisas devem ser.
— Você não verá seu filho nascer, Thomas. — Meu pai aperta o
gatilho, com a arma apontada para mim. Paro de respirar por um milésimo
de segundo.
— Não! — Heitor entra na frente do revólver e tudo acontece tão
rápido: ele vai para o chão.
De repente, a porta do quarto é aberta abruptamente, revelando a
figura de Erik, meu segurança, que entrou em cena mais tarde do que eu
esperava. Ele está com a expressão séria, segurando uma arma, e seus olhos
se alternam entre meu pai e Heitor caído no chão, agonizando com a mão
no peito.
— Antony Anderson, você está acabado. Solte a arma e se deite no
chão — Erik ordena com firmeza, apontando o revólver para o meu pai, que
o encara de volta, por um momento, avaliando a situação.
Ele parece ter percebido que não tem mais saída. Joga a arma no chão
e se deita, com um sorriso amargo nos lábios.
— Desgraçado, Thomas! Ainda consegue estragar tudo — ele
pragueja enquanto Erik o imobiliza.
— Heitor, você também está preso. A polícia está a caminho e vocês
responderão pelos seus crimes — Erik avisa.
— Ele precisa de um médico — Maya diz, apreensiva, correndo até
Heitor.
— Eu... Eu não sabia que ele faria isso. Ele me usou — Heitor
responde, olhando intensamente para Maya, com a voz trêmula.
— Vai ficar tudo bem, você vai ser socorrido. — Maya sorri,
assustada, e depois olha para mim.
Neste momento, meu braço lateja de dor e eu me lembro de que fui
baleado.
— Porra... — murmuro.
Minha cabeça está girando. Não sei o que pensar, não sei o que sentir.
Alívio por estar vivo? Ainda mais decepção pelo pai que tenho? Dor por ter
sido indesejado desde a minha concepção? Surpresa pela aparente aliança
entre meu pai e Heitor? Grato e confuso por Heitor ter levado um tiro por
mim? Ou alegria pela chance de ser pai?
— Thomas, você está bem? — Maya se aproxima de mim, com
lágrimas nos olhos. — O que foi isso?
Eu a abraço e respiro fundo, tentando encontrar as palavras certas
para explicar tudo a ela. Antes que eu possa responder, Erik se aproxima de
nós e o som de sirenes de polícia e ambulância pode ser ouvido.
— Thomas, você foi baleado. Chamei a ambulância, e ela está a
caminho. Pressione o ferimento — ele me aconselha, olhando para o meu
braço ferido.
Lembro-me de Heitor e vou até ele, que ainda está deitado no chão,
mas com os olhos bem abertos.
— Está ouvindo o som da ambulância? Você vai ficar bem. Não ouse
morrer. Precisa ficar bem para poder pagar em vida pelos seus erros. —
Olho nos olhos dele, mas, por algum motivo, não sinto raiva, e sim algo que
não consigo identificar.
CAPÍTULO 25

Tentei fazer diferente

THOMAS ANDERSON
— O senhor está perdendo muito sangue e precisa ser levado ao
hospital imediatamente. — Ouço alguém me dizer, mas minha atenção está
toda em Maya a alguns metros.
— Você está bem? Olhe para mim, Maya. Olhe para mim! — peço
enquanto sou arrastado pelos paramédicos até a ambulância.
Ela me olha de maneira perdida e desesperada, como se estivesse em
pânico.
— Eu... — ela fala, quase desmaiando, apoiando-se em um carro de
polícia estacionado próximo à ambulância.
— Ajudem-na! — grito, sentindo-me impotente, empurro os
paramédicos e corro até ela, quase tropeçando no processo. — Peguei você
— digo ao segurá-la, mas ela já está desacordada. — Socorro! Ela está
grávida! Ajudem-na! — Olho para os paramédicos incompetentes.
Eles correm até Maya e começam a avaliá-la rapidamente. Eu me
sinto dividido entre a preocupação com ela e a urgência de receber cuidados
médicos para o ferimento no meu braço. Dentro da ambulância, Maya é
colocada em uma maca ao meu lado. Os paramédicos estão ocupados,
tentando estabilizá-la, e eu tento manter contato visual com ela para me
certificar de que ela continue respirando. Não posso deixar que algo
aconteça com ela ou com o nosso filho.
À medida que tento manter a calma, a ambulância parte em direção ao
hospital, levando-nos em meio às sirenes e luzes piscantes.
Chegamos ao hospital e somos levados imediatamente para a sala de
emergência. Médicos e enfermeiros se movem com eficiência ao nosso
redor, e eu sinto um misto de alívio e ansiedade. Enquanto os médicos
cuidam de Maya, eu sou encaminhado para uma sala adjacente para tratar o
ferimento no meu braço.
— A bala não atingiu nada vital, mas ainda é uma situação séria — o
médico diz ao realizar os procedimentos, porém minha mente está
completamente voltada para Maya. Estou preocupado com o bem-estar dela
e do meu filho.
— Me deixem atualizado sobre o estado de minha noiva — digo, sem
rodeios, apesar de sentir as dores agudas dos pontos sendo feitos em meu
ombro. — Não deixem nada acontecer com ela e com o meu bebê —
concluo, com o rosto contorcido.
— Ok, senhor Anderson. Nós o manteremos informado. — O médico
faz um sinal para uma enfermeira.
Maya não sabe disso ainda, mas é minha noiva. Meu filho não
nascerá sem ter um pai e uma mãe que o amam ao seu lado.
Finalmente, após um tempo, que pareceu uma eternidade, um
enfermeiro se aproxima de mim.
— Senhor Anderson, sua esposa passou por um grande estresse e
desidratação, mas agora está estável. Conseguimos estabilizá-la, mas ela
precisa descansar. Ela passará por uma série de exames para garantir que ela
e o bebê estão bem.
— Quando poderei vê-la?
— Você também precisa descansar e se recuperar do ferimento — o
médico que está me atendendo responde, finalizando o processo.
— O bebê... Como está o bebê? Tem certeza de que ele está bem? —
minha voz é trêmula.
— Vamos realizar exames para avaliar a saúde do feto, mas, no
momento, sua esposa está estável, e isso é uma boa notícia. Precisamos
aguardar os resultados dos exames para fornecer mais informações — o
enfermeiro conclui e se afasta após um aceno.
A notícia de que Maya está estável é um alívio imenso para mim. Eu
ainda nem tive tempo de processar que ela está grávida e já parti direto para
a preocupação. Meu corpo continua em alerta por tudo que vivemos nas
últimas horas.
Eu poderia perguntar por Heitor, mas prefiro me poupar por enquanto.
Fui trazido para um quarto onde ficarei em repouso, recebendo uns
medicamentos. Mas já me sinto bem e pronto para ir embora.
Agora, mais calmo, as perturbações sobre a porra de pai que eu tenho
e o tipo de relação que ele tem com o meu primo me deixam inquieto.
Heitor, afinal, tentou me matar ou não? Se sim, por que se jogou na frente
da arma para me salvar?

Com o braço enfaixado e imobilizado, observo Maya dormindo


profundamente na cama hospitalar. Aproximo-me dela lentamente. Uma
enfermeira me mostrou o quarto após eu insistir que precisava vê-la.
Quando aluguei a suíte master hoje, sabia que terminaríamos juntos. Eu
precisava acreditar nisso. Mas se, de alguma forma, eu soubesse as
circunstâncias em que isso aconteceria, teria deixado ela em paz.
— Você deve estar passando por maus momentos. Sempre fez tanto
pelos outros, que agora merece ser cuidada e protegida. Eu deveria ter sido
mais transparente desde o início. Deveria ter confiado em você, em nós. —
Sento-me ao lado dela, segurando delicadamente em sua mão. Seu rosto
está sereno, mesmo depois de tudo que aconteceu.
Desço o olhar para o seu ventre, que se move lentamente, devido à
respiração, e levo a minha mão para a tocar, mas me contenho e fecho a
mão no ar. Não sei se mereço esse milagre que está crescendo dentro dela,
mas farei o possível para ser o melhor pai que esse bebê merece. Eu não
tive um pai, e senti falta disso a minha vida toda, por mais que negasse para
mim mesmo. Eu sei exatamente de tudo que senti falta, e são essas coisas
que serei para o meu filho. Ou filha. Seja ele ou ela, essa criança já é tudo
para mim.
Finalmente, relaxo a mão e toco em sua barriga, sentindo uma mistura
de emoções. É incrível como a vida pode mudar de repente e como o amor
pode surgir nos momentos mais inesperados. Maya não era nada mais que
uma aventura. Ou era isso que eu pensava. E agora aqui estou eu, com a
minha vida toda nas mãos dela.
Espero que ela encontre forças e motivos para me perdoar e decida
continuar de onde paramos. Quero ser o apoio que ela precisa e o
companheiro que ela merece. Sei que há um longo caminho de reconstrução
pela frente, porém estou disposto a enfrentar cada desafio ao lado dela.
Percebo uma movimentação diferente vindo da porta e me viro em
direção a ela. Vejo o meu avô entrando, com o semblante de preocupação.
— Thomas, você está bem? — ele pergunta quando está ao meu lado
e dá uma olhada em Maya. — Ela está bem?
Eu balanço a cabeça negativamente.
— Vamos ficar. O pior já passou. Ele me atingiu no ombro, nada
sério, e a Maya só está descansando. — Olho-o, com mil dúvidas passando
em minha mente. — O Antony... Ele é...
— Um monstro — completa a minha fala.
Balanço a cabeça positivamente.
— Ele realmente ia nos matar. Ele queria que eu tivesse morrido
naquele acidente que causou. Como um pai deseja a morte do próprio filho?
— Quando eu soube que Suzana, sua mãe, estava grávida de você, no
mesmo dia descobri que eles planejavam um aborto. Eu intervi, não os
deixei fazer nada com você e exigi que eles fossem bons pais.
— E como o senhor pôde pensar que eles eram capazes disso?
— Antony e Suzana sempre tiveram um relacionamento aberto. Eles
eram viciados em festas, drogas e viagens, mas para conseguirem isso,
precisavam de dinheiro. Do meu dinheiro. — Eu permaneço em silêncio e
ele continua. — Eu segurei o dinheiro e falei que só daria mais quando você
nascesse com saúde. E quando você nasceu, eles fingiram te querer e
prometeram ser bons para você. Não sei se acreditei, mas achei que seria
bom deixá-los tentar.
— Não deu muito certo. — Suspiro, pensando nas lembranças que
retornaram à minha mente hoje.
— Teve um dia em que resolvi intervir, por isso te levei embora
daquela casa. Você passava frio e fome, e os empregados faziam o que
podiam, mas não era o suficiente.
— Isso é passado. — Suspiro de novo, incomodado com esse assunto.
— Eu criei os meus filhos, Marcus e Antony, dando-lhes tudo que
eles queriam. Pincipalmente ao Antony, que era mais exigente. Eu cometi
um erro na criação dele. Ou era isso que eu pensava. Por isso que com você,
fiz diferente. Eu fiz o melhor que pude para o tornar diferente do seu pai.
— Ninguém se torna aquilo, vovô, é algo que já nasceu com ele. Não
foi culpa da forma como o senhor o criou. Me diz... Também criou a minha
mãe? Porque se ela estava de acordo sobre me abortar, não é diferente dele.
— Descobri, há algum tempo, que Heitor não é filho de Marcus, e
sim de Antony. Eu não disse nada, porque é melhor ter um pai morto do que
um pai como Antony. Pensei que Heitor estivesse a salvo, todavia, pensei
errado.
— Heitor não é meu primo?
— É seu irmão. Antony se passava por Marcus para se deitar com a
cunhada. Não sei se ela fingia não saber ou se era inocente, mas quando
Marcus faleceu, ela desapareceu grávida. Se não fosse pelo próprio Heitor
me procurar, eu nunca ficaria sabendo que tinha dois netos.
— Isso é uma palhaçada.
— Heitor foi manipulado por Antony e pagará pelos seus erros, mas
ele não está perdido. Me ajude a ajudá-lo — ele pede, com a mão pousada
em meu ombro bom.
— Ele tomou um tiro por mim. Acho que merece uma segunda
chance. — Desvio o olhar dele.
É como se agora eu enxergasse a vida por uma nova perspectiva. É
como se só agora eu realmente estivesse enxergando.
— Eu vou vê-lo. Ele precisou passar por uma cirurgia de emergência
— meu avô informa e, após um aceno, sai do quarto.
Ainda não sei o que, de fato, aconteceu, mas não desejo o mal para
ele.
Permaneço ao lado da cama, perdido em pensamentos, e logo vejo
Maya se mexer e abrir os olhos lentamente. Seu olhar encontra o meu e uma
expressão de confusão, misturada com alívio, aparece em seu rosto.
— Thomas? O que aconteceu? Onde estamos? — Ela tenta se
levantar.
— Estamos no hospital. Você desmaiou, Maya. Os médicos cuidaram
de você, e você e o bebê estão estáveis. Por favor, continue deitada para
descansar melhor — explico, tentando manter minha voz calma.
Ela leva a mão à barriga, como se buscasse algum sinal de conforto.
Seus olhos encontram os meus novamente e eu vejo uma mistura de
emoções refletida neles.
— Grávida... Eu ainda não me acostumei com a ideia, mas tive tanto
medo de que algo acontecesse com o bebê — ela diz com tristeza.
— Ele está bem. Estamos bem. E eu estou aqui, ao seu lado. —
Seguro em sua mão. — Me deixe permanecer.
— Thomas, o que aconteceu? — ela questiona, ignorando a
profundidade do meu pedido. — Por que seu pai e Heitor estavam lá? E por
que o seu próprio pai atirou em você?
— Não pense nisso agora, ou vai estressar o nosso bebê, Maya.
CAPÍTULO 26

Decisão insensata

THOMAS ANDERSON
— Aqui é o quarto do seu primo, senhor Thomas. — A enfermeira
sorridente abre a porta de um quarto para mim. — Por favor, não demore,
ou levarei bronca do doutor responsável pelo senhor.
Aceno, entro e paro por um segundo. Constato que Heitor está
deitado, com os olhos voltados para o teto. Fecho a porta e caminho até ele
em passos hesitantes. Há muito tempo não inicio uma conversa cordial com
ele, mas, independentemente de todos os seus erros, ele salvou a minha
vida, e isso é mais importante do que qualquer outra coisa.
— Vejo que a cirurgia foi um sucesso. — Digo e passo a mão em meu
rosto para disfarçar a tensão.
Ele me encara, com os olhos cansados, e parece que demora alguns
segundos para me reconhecer. Certamente, está sob efeito da anestesia
ainda.
— Thomas, eu... — ele começa a falar, mas eu o interrompo com um
aceno de mão.
— Poupe-me das desculpas, Heitor. Eu não sei exatamente o que
aconteceu entre você e meu pai, mas parece que ambos têm uma parcela de
culpa nisso tudo.
Heitor abaixa os olhos, incapaz de sustentar meu olhar. É evidente
que está lidando com seus próprios demônios. Mesmo que, apesar de grato,
eu sinta uma raiva contida, grande parte de mim se compadece dele, afinal,
nós dois fomos vítimas do mesmo homem.
— Como a Maya está? — ele pergunta, sem levantar o olhar para
mim.
— Bem. Pelo menos fisicamente — respondo, lembrando-me da
preocupação e medo estampados nos olhos dela.
— Eu nunca deveria ter vindo atrás de família. Minha mãe me
implorou, em seu leito de morte, que eu não os procurasse. Eu deveria tê-la
escutado. — Heitor começa a chorar e eu me sinto estranho, constrangido,
por vê-lo tão instável. — Desde que nos conhecemos, eu já detestava você,
porque o nosso pai me manipulava. Eu só queria uma família. Queria um
lugar para pertencer. E o nosso pai fingia me dar isso. Claro que, com o
tempo, eu percebi que ele estava indo longe demais, mas já era tarde para
sair daquilo. Eu tentei te proteger, tentei te afastar da empresa, e, inúmeras
vezes, eu o coagi a não tirar a sua vida, principalmente em sua cegueira. Eu
falhei miseravelmente com você em todos os sentidos. Sou um péssimo
irmão mais velho. — Heitor respira fundo, tentando controlar as lágrimas,
com os olhos cheios de remorso.
Uma avalanche de emoções está tomando conta dele. Eu nunca o vi e
nem o imaginei assim antes. Sinto-me dividido entre a compaixão e a
necessidade de proteger minha própria sanidade emocional.
— Irmão mais velho — repito, com a voz embargada. — Você levou
uma bala no peito por mim, é um ótimo irmão mais velho — afirmo após
um suspiro, fazendo-o me devolver um olhar de gratidão.
Não sei nem por onde começar a enxergá-lo como irmão. Não sei se
tenho a capacidade para isso. Mas entendo sobre erros cometidos, entendo
sobre mentiras, e sei que todo o peso do que aconteceu não recai apenas
sobre ele.

MAYA MOORE
— Você me deu um susto e tanto! — Linda exclama ao me ajudar a
juntar os meus pertences para guardar a bolsa. — Como acha que fiquei
quando me telefonaram avisando que você estava no hospital?
— Erik não precisava ter te perturbado com isso, eu estou bem. —
Reviro os olhos.
— Meu Deus! Você me dá muito trabalho e preocupa demais a minha
cabeça! — esbraveja, fechando a bolsa. — Imagina se algo tivesse
acontecido com o bebê?
— Você é dramática. — Gargalho, achando graça do seu exagero.
— Vamos voltar para casa e pensar no que fazer. — Ela me oferece a
mão para sairmos.
Mordo o lábio, com vergonha de dizer que talvez eu e Thomas... Não,
ainda é cedo para pensar nisso.
Antes de sair, olho para o celular e me decepciono por não ver
nenhuma mensagem dele. Tudo aconteceu tão rápido ontem. Hoje, com o
sangue mais calmo, consigo enxergar as coisas com mais clareza e entendo
o que o levou a me enganar. Isso não o absolve de ter sido um babaca, mas
reconheço que ele estava em uma situação delicada.
Revelei sobre a gravidez de uma maneira tão inesperada e difícil. Eu
estava assustada e não sabia o que fazer.
Ando ao lado de Linda, em direção à saída do hospital, após me
despedir das enfermeiras que me atenderam. Estranho a falta de Thomas.
Ele não apareceu depois que se despediu às pressas ontem, alegando ter um
compromisso. Isso porque ele mesmo não estava de alta e precisava estar no
hospital ainda.
— Moças, tenho ordens para levá-las para casa — Erik diz, encostado
na parede, quando saímos.
— Onde está o Thomas? — pergunto, estranhando a posição diferente
que Erik está fazendo. Parece um pavão abrindo as asas, empinando o peito
e tentando parecer mais atraente. Linda causa esse efeito nos homens.
— Não vamos com você, vamos de táxi — Linda avisa, olhando-o de
lado. — Terá que falar nessa ordem.
— Isso mesmo, Erik. Não precisamos de caridade, temos dinheiro
para o táxi. Thomas é um idiota — reclamo, mas não sei por que falei isso.
Devo estar sob efeito dos calmantes ainda.
Erik não diz nada, apenas balança a cabeça positivamente, chateado.
Linda e eu seguimos e paramos o primeiro táxi que passa. Por sorte, táxi é o
que não falta nesta cidade.
— Vai ficar tudo bem, ok? — Ela aperta a minha mão quando já
estamos a caminho do apartamento dela.
— Será que ele fugiu? Eu sou uma burra mesmo. — Sorrio com
amargura.
— Quem precisa dele? Você tem a mim. Se quiser, podemos nos
casar, e o bebê terá duas mães. — Ela sorri, erguendo a sobrancelha.
Fico olhando para ela por alguns segundos, sem expressar reação.
— Oh, meu Deus! Você levou a sério? — ela pergunta, chocada. —
Eu não sabia que você tinha uma quedinha por mim, ou jamais brincaria
com isso.
— Eu estava pensando, claro. Não é todo dia que recebo um pedido
de casamento — eu brinco e ela me abraça.
— Ele pode estar com medo. Você sabe como os homens são todos
fracos, bobos. Eles precisam de mais tempo que nós para entender as coisas.
Balanço a cabeça, concordando, mas a verdade é que Thomas não é
do tipo que precisa pensar muito antes de agir, ele sempre sabe o que
precisa ser feito, e faz sem hesitar. Por isso, fico ainda mais intrigada sobre
o que está acontecendo.
Nós chegamos ao apartamento de Linda e ela me obriga a descansar,
enquanto prepara algo para comermos. Obviamente, protesto, mas, desta
vez, ela não desiste. Estou grata por ter alguém como ela ao meu lado,
alguém que me oferece apoio incondicional. Se não fosse por ela, onde eu
estaria? Junto dos drogados que minha mãe arrastou para a casa da minha
avó?
Suspiro, desanimada.
Deitada no sofá, pego o meu celular e vejo que ainda não recebi
mensagens de Thomas. Uma parte de mim está irritada com ele por ele ter
desaparecido, enquanto a outra parte está preocupada com o que pode ter
acontecido. Preciso saber se ele está bem. Mas acho que se alguma coisa
tivesse ocorrido, Erik estaria preocupado, não estaria tentando chamar a
atenção da minha amiga.
Sento-me com pressa, irritada. Como ele se atreveu a invadir o meu
emprego ontem, jurando que me queria, e hoje desapareceu, sem nenhuma
consideração?
Decido que irei ligar para ele, e assim faço.

THOMAS ANDERSON
Minha mente divaga enquanto estou na janela do meu quarto,
observando a vida. Aqui é onde gosto de pensar. Onde me lembro de quem
eu sou e quais objetivos tenho. Ontem, ao observar Maya do lado de fora do
quarto, através do vidro da porta, cheguei à conclusão de que o melhor para
ela e o nosso bebê será ficarem longe de mim. Ainda tenho muitos inimigos
e estou longe de estar a salvo. Alguns diretores da empresa estão envolvidos
com o meu pai, e não sei até onde eles podem ir. Obviamente, farei um
corte e me livrarei de todos eles, mas até lá, preciso me manter longe de
Maya. Ela não merece passar por mais nenhuma turbulência. Não merece e
não precisa.
Conforme fui me tornando adulto, sempre conseguia o que mais
queria. Eu, geralmente, coloco um alvo no meu objetivo e traço os planos
para o alcançar. Mas dessa vez farei tudo ao contrário. Tudo o que eu mais
queria era descobrir o que viria agora do meu relacionamento com Maya.
Celebraríamos o nosso filho? Ela se mudaria para cá? Iríamos na roda-
gigante e olharíamos as luzes da cidade? Ela iria continuar brava comigo e
eu tentaria, incansavelmente, conseguir o seu perdão?
Infelizmente, não poderei descobrir agora. A vida está escura dentro
de mim, nublada pelos segredos revelados e pelos perigos que me cercam.
Tudo o que consigo enxergar é a penumbra que me rodeia desde que fui
concebido. E não quero arrastar Maya para o meio disso.
O som agudo do meu celular tocando revela ela ligando, e, por um
momento, considero não atender. No entanto, a preocupação com ela é mais
forte do que a necessidade de manter distância. Nos últimos dias, eu
sonhava com o nome dela aparecendo na tela do meu celular.
Respiro fundo e atendo à ligação.
— Maya? — minha voz soa hesitante.
— Onde você está? O que está acontecendo? — ela pergunta
imediatamente.
— Eu... Maya, eu preciso de mais tempo para resolver algumas
coisas. Não posso colocar você em perigo — eu tento explicar, mas as
palavras parecem vazias e sem sentido até para mim.
— Não, Thomas. Você não pode, simplesmente, desaparecer depois
de tudo o que aconteceu. Eu mereço uma explicação — sua voz soa firme e
determinada.
— Eu sei. E eu quero lhe dar uma explicação, mas agora não é o
momento. Por favor, confie em mim. Eu só preciso de mais tempo —
imploro.
Fica um breve silêncio do outro lado da linha, até que ela suspira.
— Eu não sei se consigo fazer isso, Thomas. Você aparece na minha
vida, vira tudo de cabeça para baixo e agora some quando mais preciso.
— Eu entendo como você está se sentindo, e prometo que vou
explicar tudo. Só peço que confie em mim por enquanto — minha voz está
cheia de sinceridade, mas sei que as palavras soam vazias, sem ação.
— Está bem, Thomas, mas saiba que isso não é justo, e não sei se vou
querer te ver outra vez. Não sei se você percebeu, mas quando fico brava e
tomo uma decisão, sou difícil de voltar atrás. — Encerra a chamada.
Guardo o celular no bolso e volto a encarar a janela em minha frente,
temendo ter tomado a pior decisão da minha vida. Sinto meu coração mais
acelerado que o normal. Os pontos, de onde tiraram a bala ainda doem, mas
sinto vontade de apertá-los agora para fazer essa dor se sobressair ao
desespero do meu coração.
CAPÍTULO 27

Não vá embora

MAYA MOORE
Duas semanas depois…
— Maya, não cabe mais nada aqui. Vamos ter que nos mudar para um
lugar maior — Linda reclama comigo, mas olhando para a cara de Erik, que
a encara, com um urso enorme nas mãos.
— É um presente do...
— Do pai da criança, eu sei. Acontece que ele já mandou tudo que a
criança precisa, e não temos espaço para tantas coisas. — Linda pega o urso
das mãos dele e se vira, trazendo o brinquedo para o quarto onde estou
hospedada.
— Linda, não se preocupe. Você sabe que, em breve, eu deixarei o
país. Vou para o Brasil recomeçar a minha vida — conto, olhando para as
minhas unhas, fingindo que não estou falando isso especialmente para que
Erik conte tudo ao Thomas.
Aquele idiota. Até quando ele vai ficar me “protegendo”?
— Embora para o Brasil? — Erik pergunta, sem nem tentar esconder
o seu espanto.
— Maya, vou ficar com tanta saudade. — Linda retorna para a sala,
fazendo um beicinho.
Ela sabe que é uma brincadeira minha, mas também sabe que eu sou
louca e teria coragem de ir, se assim fosse preciso. Eu não viverei sob a
sombra de Thomas. Eu o quero inteiro ao meu lado ou bem longe de mim.
Não tenho nada que me prenda em Nova Iorque.
— Você está bem? — Linda pergunta a Erik, que parece estar
engasgado.
— Se puder me servir um copo de água... — ele pede timidamente.
Linda confirma com um gesto e sai da sala novamente.
Respiro com força e me remexo no sofá. Erik me olha, demonstrando
querer perguntar algo, mas permanece em silêncio até o retorno de Linda.
Nós duas o olhamos tomar a água, sem dizer nada.
— Diga ao Thomas que a criança não precisa de mais nada — falo
quando ele está prestes a sair.
— Certo — ele responde e se vai.
Minha amiga corre para sondar se ele já foi, e depois se volta para
mim com um sorrisinho.
— Ele está a fim de mim — ela se senta ao meu lado, gabando-se.
— Ele é um bom homem. — Suspiro.
— Quando dei o copo de água a ele, dei também um papel com o meu
número — ela conta como se estivesse fazendo uma confissão.
— Você é uma mulher de atitude. — Sorrio, apesar de saber que Erik,
provavelmente, já tem o número dela, mas não liga por falta de coragem. —
Acho que ele vai ligar para você ainda hoje.
— Eu já vou escolher a roupa que vou usar. — Ela dá um pulo do
sofá e sai correndo para o quarto.
Ele ainda nem telefonou. Eu, hein.
Sozinha, toco em minha barriga, lembrando-me de que não sou mais
só eu, tem um pequeno ser a caminho da minha vida.
Pelo menos você não fugirá de mim. Eu serei uma mãe carinhosa e
protetora, e não permitirei que ninguém faça nada de injusto com você.
THOMAS ANDERSON
— Sim, será o suficiente — concordo.
Estou tomando uma xícara de chá com o meu avô. Estamos em uma
das mesas do seu imenso jardim, que, após tantos anos, só agora consigo
achar realmente bonito, devido às mudanças de perspectiva que adquiri nas
últimas semanas.
O problema é que tudo me lembra a Maya. Tudo se resume a ela. Eu
estou dia após dia à procura de um motivo mais forte que os meus
interesses para ir atrás dela e não a deixar nunca mais, mas devo ser forte e
pensar nos problemas. Meu ombro já está totalmente recuperado e o
ferimento realmente não atingiu nada vital. E até Heitor já está quase
inteiro. Acabei de saber que ele pagará serviço comunitário e ficará em
prisão domiciliar na casa do meu avô por dois anos, devido aos seus crimes
contra a empresa. E quanto ao Antony, o seu julgamento ainda não saiu,
mas os advogados da família asseguraram que ele não pegará menos que 20
anos de prisão.
— Thomas! — Erik se aproxima de mim, chamando-me em voz alta.
Sua respiração está um pouco elevada.
— O que aconteceu? — Levanto-me, estranhando o seu
comportamento incomum.
— Maya... Ela...
— O que aconteceu com a Maya e o meu filho? — pergunto, sem
deixá-lo falar.
Eu estou me mantendo longe para a proteger. Não sei o que faria se
algo desse errado e eles se machucassem. Não posso aceitar que algo tenha
acontecido. Tenho estado em contato com o médico que acompanha Maya
duas vezes por semana, nas consultas da gestação, e tudo está em ordem.
Será que foi um acidente? Será que alguém a atacou?
— Maya irá embora para o Brasil em breve, e ela não quer receber
mais nada para a criança, pois não tem lugar para colocar — ele avisa em
um tom sério.
— Ela enlouqueceu? — Afasto-me da mesa em passos incertos.
— Quem enlouqueceu aqui foi você. Eu já lhe disse para se casar com
a moça. — Meu avô bate a mão na mesa, lembrando-me da ordem que me
deu há algumas noites.
Caminho até Erik e fico de frente para ele.
— Quando ela vai embora? — indago, com as mãos na cintura.
Uma raiva e sentimento de injustiça tomam o meu corpo, junto com a
impotência. Não sei o que fazer. Se já era difícil me manter longe dela
estando perto, o que farei quando ela estiver além do oceano? Meu filho
crescerá longe de mim? Serei um pai ausente? Como ela pode pensar nisso?
— Não sei o dia exatamente, mas Linda parecia triste pela partida da
amiga.
— Que porra! — esbravejo e saio em passos rápidos, decidido a
acabar com essa palhaçada.
— Case-se com a moça! — Ouço o meu avô dizer antes de eu me
distanciar completamente.

Estou sentado no sofá da sala da casa de Linda. Ela me olha, em pé,


com os braços cruzados e uma carranca que causa medo.
— Você é uma ótima amiga para a Maya. Por que não a aconselha a
desistir dessa ideia absurda? — proponho, ainda indignado com essa
descoberta.
— Você é um péssimo chefe. Além de explorar a menina, se fingiu de
cego e ainda a engravidou. E como se não bastasse, faz de conta que ela não
existe — ela me acusa, deixando sua carranca ainda mais feia.
— Eu não sou um péssimo chefe!
— Thomas? O que está fazendo aqui? Veio trazer mais um cheque
para o bebê? Não recebeu o recado de que o bebê não precisa de nada? E,
mesmo assim, por que não pediu para o Erik trazer, como das outras vezes?
— Maya surge na sala, bombardeando-me de perguntas que me deixam
constrangido.
Linda me olha com intensidade e logo nos deixa a sós.
Apesar do tom duro, seu semblante é diferente de quando fui atrás
dela no hotel. Não vejo raiva nem decepção.
Não se passaram mais que cinco segundos desde que ela chegou à
sala, mas quando os nossos olhos se encontram, é como se o tempo parasse
e só existisse nós dois. O peso que eu sentia nos ombros, desde que tomei a
decisão de me afastar dela, parece ter evaporado, e não consigo entender o
sentido de viver longe dela.
— Não vai me perguntar como o meu ombro está? — tento soar o
mais normal possível.
— Vejo que está muito bem. Você é bem grandinho e sabe se cuidar.
— Ela cruza os braços. — Agora, o que está fazendo aqui?
— Você não pode ir embora. Nosso filho precisa de mim — falo com
a voz calma, gesticulando com as mãos.
— É a minha vida, é uma decisão minha — ela responde sem nem
pensar antes.
— Você precisa me perdoar. Eu nunca quis te magoar, te machucar.
Eu não quero que você sofra ainda mais, nem o nosso filho. Eu quero ver
vocês bem, e para eu poder vê-los, vocês precisam estar próximos de mim
— explico, desviando o olhar dela.
— Thomas, não preciso perdoar nada. Não tenho raiva de você. Por
que eu teria? Só porque você, simplesmente, desapareceu sem perguntar o
que eu queria? — Vejo uma faísca de mágoa nela agora, e um calafrio
percorre a minha espinha.
— Meu próprio pai esteve a ponto de dar um fim às nossas vidas.
Você estar ao meu lado não é seguro. — Volto a olhar para ela.
— Você me disse que permaneceria ao meu lado se eu permitisse,
mas você não se permite. Sempre foi tão inteligente, mas essa sua atitude
me decepcionou. E não sei por quanto tempo terei paciência de te entender.
A vida é feita de escolhas, e você está escolhendo me deixar longe.
Aproximo-me dela, extinguindo os três passos que nos separavam, e
os nossos corpos ficam bem próximos.
— Não vá embora, por favor. — Seguro em sua mão e a levo aos
lábios, falhando em minha conduta.
— Você não tem nenhum direito de me pedir isso — ela resmunga. —
Não se preocupe. Não vou embora, Thomas, era só um experimento para eu
saber se você realmente se importava ou se a minha partida seria um alívio
para você.
— Como pode duvidar dos meus sentimentos, se estar longe de você
é a maior prova de amor que posso lhe dar?
— Prova de amor? — Ri com amargura.
— Minhas noites têm sido solitárias, e meus dias vazios. A vida está
mais escura do que quando eu estava cego. Nosso breve relacionamento
ficou marcado em mim de uma maneira que não tem como ser apagado.
— De qualquer forma, eu não vou embora. — Suspira, puxando a
mão e deixando o seu ombro cair. — Não se preocupe.
— Não pode mesmo ir embora, Maya, por favor. Não pensa em mim?
— E você pensa em mim quando decide que, para me proteger, vai
me manter longe? Eu consigo ficar longe de você, Thomas, é que ainda não
decidi tentar. Tenho esperança de que você volte para a realidade e perceba
que ninguém está a salvo, mas, ao mesmo tempo, precisamos ter um pouco
de fé.
— Com isso, você me mostrou que não, não posso correr o risco de te
perder.
— Chega disso, por favor. — Ela vira o rosto, fazendo uma careta de
desgosto.
— Vem comigo. — Seguro em sua mão e a puxo porta afora.
— Para onde está me levando? — ela pergunta quando estamos
entrando no elevador.
— Espere um pouco mais. Ainda estou procurando as palavras para
explicar.
Em nenhum momento, eu solto a sua mão. Maya não pergunta mais
nada e eu a guio até o estacionamento. Ela se senta ao meu lado, no carro.
Em minhas veias, o sangue corre quente. Não sei o que estou fazendo, e sei
que pode ser um erro egoísta, mas não a deixarei partir.
CAPÍTULO 28

Bem-vinda à minha vida

MAYA MOORE
— Para onde essa estrada leva? — indago, olhando atentamente para
a paisagem que passa no vidro do carro.
É uma rodovia imensa, sem nenhum trânsito, cercada por um campo
aberto, verde. Isso traz uma sensação de liberdade, uma sensação de que
temos um objetivo.
— Essa estrada te levará para o seu futuro — Thomas explica,
concentrado no volante.
Engulo em seco. Estou esgotada com a situação, mas vê-lo tomar uma
atitude me deixa animada.
— Estamos indo para a sua casa? Finalmente, vou conhecer a sua
casa? — Já consigo enxergar a ponta da mansão bem ao longe. Uma
imensa, majestosa e solitária propriedade, que se destaca com o verde da
natureza e o azul do céu.
Quando passamos pelo portão enorme, observo uma pequena
movimentação de seguranças e funcionários ao longe.
— É bom estar eu te trazendo aqui. É como se agora você estivesse
realmente entrando em minha vida, Maya — Thomas diz quando para o
carro de frente para a porta da casa.
— Não quer mais me proteger da sua vida? — Sorrio e saio quando
ele abre a porta do veículo para mim. Sinto a brisa suave balançar o meu
cabelo, e é agradável.
— Bem-vinda à minha vida, Maya Moore. — Ele beija a minha mão
com pompa, sem desviar os olhos dos meus.
Ainda não me acostumei com a nossa troca de olhares. É profunda e
me constrange pelo excesso de conexão. Fico com vergonha de mim mesma
pelo tamanho do poder que ele tem sobre mim.
— Você realmente não quer que eu vá embora. — Sorrio, olhando
para os lados, maravilhada com a beleza do lugar.
— Você está certa: precisamos ter um pouco de fé. — Ele me abraça
por trás, segurando em minha cintura. — Se a vida é feita de escolhas, eu
escolho estar ao seu lado. Quero você ao meu lado. Vocês dois — ele diz,
ainda me abraçando por trás, e acaricia a minha barriga.
— Não vai me convidar para entrar? Este lugar é exagerado, mas
lindo.
Por mim, eu avançaria os passos correndo, sem esperar por ele,
porque quero, mais que tudo, entrar logo na vida dele e fincar raízes, para
nunca mais sair. Mas preciso esperar que ele demonstre ainda mais que está
pronto para correr esse risco. Eu o entendo. Eu jamais iria querer causar a
ruína de alguém que amo, assim como ele tem medo de, que eu estando ao
lado dele, seja trazido sofrimento para mim e nosso filho. Mas isso não é
algo que está sob nosso controle.
— Só é lindo porque você agora faz parte dele. — Ele faz uma
mesura, indicando que eu entre.
Faço isso com um frio na barriga. Um delicioso frio na barriga.
Quando adentro o hall de entrada, meus olhos se enchem com a
atmosfera de luxo e sofisticação. O piso de mármore polido reflete a luz
suave dos lustres pendurados no teto alto. Um corredor de funcionários nos
aguarda.
— Essa é Maya Moore, a minha noiva e nova senhora desta casa —
Thomas me apresenta e eu sinto os meus pelos se arrepiarem com essa
realidade assustadora na qual serei a sua noiva.
Assustadora porque tenho medo de que isso seja um sonho.
— Seja bem-vinda, senhorita Maya. Esperamos lhe servir bem — diz
o mordomo, representando todos os outros.
— Obrigada. Estou ansiosa para conhecê-los melhor. — Sorrio com
simpatia.
Thomas me guia pelos corredores, revelando salões elegantes, salas
de estar aconchegantes e bibliotecas repletas de livros encadernados em
couro. Os móveis são suntuosos. Eu me pergunto quantas famílias poderiam
viver aqui. A decoração é uma mistura de modernidade e tradição. Toques
contemporâneos que combinam perfeitamente com a arquitetura clássica da
mansão. Grandes janelas proporcionam vistas celestiais do jardim bem
cuidado. Eu poderia passar muitas tardes apenas observando através delas.
— Aqui é o seu futuro quarto. — Thomas abre uma porta de madeira
maciça. — Espero que goste. Não tive tempo de preparar nada especial,
mas se quiser, já podemos testar a cama — ele diz, com uma pontada de
diversão, observando minha reação.
Surpresa, eu me aproximo da janela e olho para o jardim lá embaixo.
Uma piscina reluz o sol, cercada por um deck de madeira e
espreguiçadeiras. Além disso, há uma área jardinada com flores exuberantes
e uma fonte delicada.
— É incrível, Thomas. Estou adorando ver os seus detalhes
espalhados em cada canto. Este lugar reflete você: uma aparência majestosa
e fria por fora, mas cheio de calor e vida por dentro. — Olho-o, com um
sorriso.
— Fico feliz que esteja gostando. Quero que se sinta em casa aqui. —
Ele me abraça por trás e observamos juntos a paisagem do jardim.
— Eu sabia que sua casa devia ser grande e linda, mas realmente não
esperava algo assim. Parece um conto de fadas — comento, ainda
maravilhada com a grandiosidade e tranquilidade da mansão.
— Talvez seja. Afinal, você agora é a minha princesa — ele sussurra
ao meu ouvido, causando-me arrepios.
— Thomas, você está certo disso? — Deixo as emoções refletirem em
meus olhos marejados.
— Não posso lhe prometer que será um mar de rosas, mas prometo
estar sempre ao seu lado e te venerar como a minha rainha. Eu sei que isso
parece precipitado, mas é que, apesar de estar distante, eu estava planejando
mil maneiras de fazer isso aqui acontecer — ele beija o meu ombro e
acaricia a minha barriga, referindo-se a este momento.
Viro-me de frente para ele e já recebo os seus beijos apaixonantes,
enquanto nossas mãos disputam qual delas é mais rápida para explorar o
corpo do outro. O calor da sua pele tocando na minha acende nervos
escondidos, que eu nem sabia da existência.
Thomas me ergue em seu colo e eu entrelaço as pernas em sua
cintura. Ele me leva assim até a cama e me deposita cuidadosamente sobre
ela, onde nos beijamos, entre suspiros e promessas de amor.
Não sei em qual momento exatamente aconteceu, mas já estamos nus.
Ele está deitado na cama enquanto cavalgo nele, deixando sair de mim toda
a saudade e frustração que senti nos últimos dias.
EPÍLOGO

Estou orgulhoso de você

THOMAS ANDERSON
Três meses depois
A mansão Anderson nunca esteve tão alegre e colorida. Uma
decoração suave e romântica cobre toda a extensão do jardim, onde a
cerimônia do meu casamento com Maya está prestes a começar. As rosas
brancas e pétalas delicadamente espalhadas pelo caminho, até o altar, criam
um cenário celestial, enquanto a suave melodia de um quarteto de cordas
preenche o ar.
Os convidados, vestidos com elegância e sorrisos, aguardam,
ansiosos, pela entrada da noiva. Mas não mais que eu, é claro.
O sol se põe suavemente, enfeitando o céu com tons rosados,
proporcionando o cenário perfeito para a concretização da união do nosso
amor. Ao meu lado, meu avô me observa, com seu olhar severo um pouco
mais sereno e alegre. Erik, meu padrinho de casamento, sorri, transmitindo
confiança. Hora ou outra, olha para a sua nova namorada, Linda. Heitor,
bem vestido e sentado entre os convidados, já recuperou o seu sorriso
presunçoso. Ele não perdeu a pose, mesmo com uma tornozeleira no
calcanhar.
Os minutos passam e eu me sinto ainda mais ansioso. Começo a
esfregar as mãos. Até que ela aparece, linda em seu vestido branco que
desenha seu ventre carregando o nosso filho, que já está aparecendo. No
topo da escadaria da mansão, ela irradia uma beleza que transcende
qualquer descrição. Seus olhos encontram os meus e, instantaneamente,
meu corpo se aquece com a paixão que sinto por ela. E isso fica mais forte a
cada passo que ela avança em minha direção.
Maya está sozinha fisicamente, mas sei que dona Lucy a acompanha e
celebra a nossa união mais que qualquer pessoa.
Quando ela alcança o altar, nossas mãos se encontram e nós
compartilhamos um sorriso. Então, a mansão Anderson testemunha não
apenas um casamento, mas também a união de nossas almas apaixonadas.
Maya me trouxe uma onda de coisas boas, tornou a minha vida mais
doce e me deu a visão do amor, com a qual olho com mais empatia para o
meu avô, funcionários — inclusive, alguns deles estão entre os convidados
— e amigos. Para a vida. Meu irmão, Heitor, já não me parece mais tão
negativo como antes. Assim, eu poderia ficar cego fisicamente e não
sofreria tanto, porque, com o coração, enxergo tudo que preciso para me
sentir satisfeito.
Não sei nada da minha mãe, por onde ela anda ou se está bem, e não
me interesso em saber. Mas ela está perdoada, mesmo que nunca tenha me
pedido perdão. Já meu pai, espero que permaneça na cadeia pelo resto da
vida.
— Aceito — Maya afirma, sorridente, encarando-me com seus lindos
olhos.
Agora somos, oficialmente, marido e mulher.
— Não posso acreditar que tudo isso é real, Thomas. Eu nunca
imaginei que estaria aqui, me casando tão jovem, e com um homem tão
incrível como você — em um momento nosso a sós, Maya diz, com os
olhos brilhando, enquanto eu acaricio suavemente o seu rosto.
— E eu nunca imaginei que alguém poderia trazer tanta luz para a
minha vida. Você é a minha luz, Maya. Desde o momento em que entrou na
minha vida, tudo mudou para melhor. — Seguro em suas mãos com
carinho.
Meses depois…

Corro pelo hospital, ao lado da maca que leva Maya, que parece
refletir, em seu rosto, a maior dor do mundo. Estávamos em um jantar na
casa do meu avô, com Heitor, Erik e Linda, e foi no exato momento em que
ela ia responder a uma pergunta do meu avô, que suas expressões se
fecharam e começaram as contrações. Sua bolsa estourou e tudo foi tão
rápido.
— Ajudem ela! — grito para a equipe médica que se move ao redor
da maca.
Minhas mãos tremem enquanto eu tento segurar as de Maya,
oferecendo-lhe o máximo de apoio possível.
O médico de plantão, o doutor Smith, dirige a equipe com eficiência.
Ele faz algumas perguntas rápidas para Maya, que responde em meio a
respirações entrecortadas. A dor em seu rosto é palpável e eu me sinto
impotente e ansioso ao mesmo tempo.
— Senhor Anderson, deseja acompanhar o parto?
— Acompanhar? — pergunto, tropeçando nas palavras.
— Deixe que eu vou. Ele desmaiaria — Linda propõe, surgindo do
nada.
— Não se preocupe, Thomas. Me espere, que vai dar tudo certo —
Maya diz, com uma careta de dor.
Diante do meu silêncio, o doutor toca em meu ombro.
— Vamos fazer o nosso melhor para garantir a segurança tanto da
mãe quanto do bebê — o doutor Smith me tranquiliza, enquanto Maya é
levada para a sala de parto, sendo seguida por Linda.
Eu assinto, relutante, e me viro para encarar o corredor vazio. A
preocupação toma conta de mim, mas tento manter a calma. Encontro um
banco próximo e me sento. Passo as mãos pelo rosto, em uma tentativa de
acalmar meus nervos.
Logo vejo meu avô e Erik se sentando ao meu lado.
— Thomas, meu rapaz, respire fundo. Tudo vai correr bem — meu
avô coloca a mão em meu ombro, transmitindo-me uma serenidade que eu
preciso desesperadamente.
— Maya é forte, Thomas, e a equipe médica aqui é excelente. Estou
certo de que ela e o bebê estarão em boas mãos — Erik tenta me
reconfortar.
Enquanto esperamos, minha mente se enche de pensamentos
tumultuados. Lembro-me de como minha vida mudou tão rapidamente
desde que Maya entrou nela. De uma simples assistente, a amor da minha
vida, e agora mãe do meu filho ou filha. Toda a jornada parece ter levado a
este momento especial.
Meu celular começa a tocar e eu vejo, na tela, que é o Heitor ligando.
— O que está acontecendo? — ele pergunta, visivelmente ansioso,
assim que atendo.
— Maya entrou em trabalho de parto. Estamos esperando por notícias
— tento manter a calma, mas a ansiedade na minha voz não passa
despercebida.
— Me deixe informado. Estou preso nesta casa — ele reclama,
nervoso com a situação, pois quanto mais o tempo passa, mais nos
aproximamos.
— Deixarei — digo e desligo a chamada, ou ficaria ainda mais
ansioso.
O tempo parece se arrastar enquanto aguardamos. Finalmente, após o
que pareceu uma eternidade, o doutor Smith sai da sala de parto e o meu
coração acelera.
— Senhor Anderson, tenho boas notícias. A cirurgia foi bem-sucedida
e sua esposa deu à luz uma menina saudável. Ambas estão bem. — Ele dá
um sorriso tranquilizador.
— É uma menina! — comemoro, em um pulo, sem saber como
expressar tamanha felicidade.
Decidimos esperar a hora do parto para saber o sexo do bebê, e agora
a notícia é ainda mais emocionante. Uma menina. As sensações de alívio e
alegria tomam conta de mim, e a gratidão por esse momento especial é
imensa.
O médico continua explicando que Maya e nossa filha estão
descansando na sala de recuperação e que poderemos vê-las em breve.
— Parabéns, meu rapaz! — meu avô exclama, batendo nas minhas
costas com entusiasmo.
Erik sorri e me dá um abraço amigável. A espera angustiante chegou
ao fim e agora tudo parece mais iluminado e cheio de esperança.
Adentramos a sala de recuperação, onde Maya está deitada; cansada,
mas radiante. Linda está ao lado dela e, entre elas, em um berço, está a
nossa pequena recém-nascida, envolta por um cobertor branco. Um dos
muitos que comprei para ela.
— Thomas, venha conhecer sua filha. — Maya me chama, com um
sorriso. Seus olhos estão brilhando mais que o normal.
Com passos hesitantes, aproximo-me do berço e olho para o rosto
angelical da nossa filha. Olhos fechados, cabelo preto, bochechas rosadas e
pequenas mãozinhas, que se movem delicadamente. É a imagem mais
preciosa que já vi.
— Ela é perfeita, Maya — sussurro, incapaz de conter a emoção. —
Se parece com você.
Maya assente e nós nos olhamos, orgulhosos e felizes.
— Como vamos chamar a nossa princesa? — ela pergunta, olhando
para mim com um sorriso.
— Lucy. Eu acho que Lucy é um nome lindo para ela — sugiro,
acariciando gentilmente a testa da nossa menina.
— Eu amei — ela resmunga em um gemido emocionado. —
Obrigada, meu amor. Essa é a mais bela homenagem que poderíamos fazer
à minha avó.
Um choro agudo nos interrompe e todos olhamos para a bebê irritada,
que começa a mexer os bracinhos e perninhas. Sinto um amor avassalador
por essa pequena criação, que ainda não acredito que é minha filha. Não
mereço tanta felicidade.
— Bem-vinda ao mundo, Lucy — digo suavemente, segurando a
mãozinha dela com cuidado.
Pego-a no colo, sentindo que carrego o mundo todo, e deposito a
pequena princesa ao lado da mãe, deitada em seus braços.
Maya e eu nos inclinamos para beijar a testa da nossa filha, selando
assim o início de uma nova e incrível fase das nossas vidas, tão aguardada
por nós.

FIM.

LEIA TAMBÉM!: O CEO ARROGANTE ACORDOU DE UM COMA DE 5 ANOS E


DESCOBRE QUE TEM UM FILHO DE 3.

Cena bônus:

A mulher que entrou em meu escritório sem ser chamada me olha em silêncio por longos segundos.
Seu olhar expressivo, cor de mel, me aprisiona inexplicavelmente. Observo seu rosto delicado, maçãs
bem desenhadas, sobrancelhas claras e fios loiros bagunçados sob a toca branca.
— Paolo, talvez você não me conheça e não, eu não estou aqui para seduzi-lo. Vim para informar
que você é pai de uma criança linda, ele tem três anos, e acredite, é a sua cara.

Gargalhei, que loucura essa mulher está falando?

— Três anos? — Meu tom é de deboche. — Então me conte como fez para engravidar de um homem
que estava em coma há cinco anos.

Esse é o problema de ser um homem poderoso e influente, as mulheres tentam todos os tipos de
golpe.
Quer saber como essa cena continua? Me segue no Instagram e fica ligada, te prometo fortes
emoções.

O FILHO DO CEO ADORMECIDO!

> Clique aqui para ler <


Instagram da autora: S.D.MARINHO.AUTORA
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todas as minhas maravilhosas leitoras, mais uma vez, por


todo o carinho e oportunidade que me dão, a cada livro, de fazê-las se
apaixonar e passar raiva com meus romances. Meu coração transborda de
gratidão e amor por vocês. Vocês me inspiram a continuar escrevendo.
Beijão no coração. OBS: não se esqueçam de deixar a avaliação!

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