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1ª.

Edição
2021
Copyright © Mari Sales

Todos os direitos reservados.

Criado no Brasil.

Edição Digital: Criativa TI

Revisão: Mariely Santos

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as


pessoas. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.

Todos os direitos reservados. São proibidos o


armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte
dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou
intangível — sem o consentimento escrito da autora.

Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é


crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo
184 do Código Penal.
Sumário
Dedicatória
Sinopse
Prólogo
Natália
Capítulo 1
Natália
Capítulo 2
Natália
Capítulo 3
Natália
Capítulo 4
Ícaro
Capítulo 5
Natália
Capítulo 6
Natália
Capítulo 7
Natália
Capítulo 8
Natália
Capítulo 9
Ícaro
Capítulo 10
Natália
Capítulo 11
Natália
Capítulo 12
Natália
Capítulo 13
Natália
Capítulo 14
Ícaro
Capítulo 15
Natália
Capítulo 16
Natália
Capítulo 17
Natália
Capítulo 18
Natália
Capítulo 19
Ícaro
Capítulo 20
Natália
Capítulo 21
Natália
Capítulo 22
Natália
Capítulo 23
Natália
Capítulo 24
Natália
Capítulo 25
Natália
Capítulo 26
Ícaro
Capítulo 27
Natália
Capítulo 28
Natália
Capítulo 29
Natália
Capítulo 30
Natália
Capítulo 31
Natália
Capítulo 32
Ícaro
Capítulo 33
Natália
Capítulo 34
Natália
Capítulo 35
Natália
Capítulo 36
Natália
Capítulo 37
Natália
Capítulo 38
Natália
Capítulo 39
Ícaro
Capítulo 40
Natália
Epílogo
Natália
Agradecimentos
Sobre a Autora
Outras Obras
Dedicatória

Para Natália Sandrini, pelas conversas de celular,


workshops compartilhados, ombro amigo e terapia. Você
tem um lugar especial no meu coração.
Sinopse

Ícaro Duarte estava disposto a concluir o maior


sonho da sua falecida mãe, mesmo que contrariasse as
ordens do seu pai. Colocou a mão na massa e foi para a
cidade em que nunca pensou que voltaria a pôr os pés.
Não seria uma viagem rápida, mesmo assim ele não
estava disposto a criar raízes.

A construção de Elias Duarte, abandonada por


anos, era conhecida por toda Dualópis. Quando uma
empreiteira resolveu assumir a conclusão da obra, as
histórias que cercavam a família começaram a ser
desenterradas.

Natália Costa regressou para a casa da sua mãe


depois de concluir a faculdade e se viu desempregada.
Vizinha da mais famosa construção abandonada da cidade,
ela relembrou seus tempos de menina subindo no pé de
seriguela e acompanhando o trabalho dos pedreiros.

Ícaro e Natália se apresentaram, se conheceram e


descobriram que tinham muito mais em comum do que o
segredo que os pais escondiam deles. Para que pudessem
ter uma segunda chance, alguns amores precisavam
repetir por gerações até que encontrassem a redenção.

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Prólogo
Natália

12 anos antes...

— Aonde você vai, filha? — minha mãe perguntou


quando passei pela cozinha. O almoço estava sendo
preparado e, antes que me envolvesse com os afazeres
que ela me daria, eu precisava ver algo.

— Brincar no quintal — respondi, seguindo meu


caminho até os fundos de casa. Mais precisamente, para o
pé de seriguela.

Subi habilmente enquanto o sol brilhava e ardia


forte na minha cabeça. Colocando-me na posição que me
dava vista privilegiada, observei a construção da casa dos
fundos e sorri, admirando a beleza dela.

Parecia um castelo!

Havia uma grande piscina inacabada, uma área


coberta com churrasqueira, balcão e um cômodo fechado.
Olhei para a construção principal e sonhei com o último
andar sendo o meu quarto, onde era mantida cativa, assim
como a princesa do meu conto de fadas favorito, Rapunzel.

Composto por três andares; térreo, primeiro e


segundo andar, não era difícil sonhar acordada
imaginando-me jogando as tranças daquela varanda sem
grades. Claro, na minha mente, tudo estava terminado e
brilhava em cores roxas e douradas.

Ri sozinha, imaginando o meu príncipe escalando o


lugar até chegar ao topo e eu, como sempre espevitada,
empurrando-o para cair dentro da piscina. Eu tinha apenas
12 anos, ninguém iria beijar minha boca, eca. Talvez com
18, como minha mãe já havia orientado.

Congelei no lugar quando escutei o barulho do


portão da casa em construção. De onde eu estava, dava
para ver a lateral do estacionamento. Sem conseguir me
esconder, já que a árvore em que subi não tinha folhas
suficientes para isso, apenas fiquei parada e observei. Era
um carro preto. Um homem saiu de dentro dele e foi até o
porta-malas, para abri-lo e fazer algo.

Curiosa ao extremo, esqueci que não gostaria de


ser pega em flagrante. Mudei de galho, para me aproximar
do muro e ter uma melhor visão do que esse homem iria
fazer.

Essa construção existia há mais de três anos e os


trabalhos eram sempre feitos picados. A última vez que vi
evolução na obra foi há seis meses, nas férias do meio do
ano. Desde então, ela só serviu para alimentar minha
imaginação.

Escutei um barulho estranho e mudei de galho para


observar, sem sucesso. Novamente o estalo forte, parecia
que o homem estava destruindo algo, então reconheci o
barulho de pedras caindo no chão.

Um grito soou e mais um ruído de destruição


surgiu. Assustei-me com a situação e desci do pé de
seriguela com medo de ser pega espiando. Corri para a
minha mãe e lá estava ela, colocando a mesa para
almoçarmos. Papai – que na verdade era meu padrasto –
chegaria a qualquer momento.

— Qual a brincadeira hoje, Natália? — minha mãe


perguntou, apontando para o banheiro.

— De princesa Rapunzel — respondi, indo lavar


minhas mãos e voltando para ajudar a pôr a mesa.
Gostava de deixar os pratos e talheres bem alinhados. —
Mãe, a gente não vai mesmo viajar para a casa da vó?

— Já te falei: seu pai não terá férias esse ano,


seremos apenas nós três no Natal. A nossa família que
importa — falou com doçura e fiz uma careta. Isso queria
dizer que eu receberia apenas um brinquedo, não teria
primas para brincar nem para ficar até depois da meia-noite
acordada. — Sente-se, vou fazer um suco de laranja fresco
para nós.

Suspirei, chateada. Fiz bico e lembrei do homem


estranho que estava no meu castelo. Seria um príncipe?
Eca. Ele parecia o papai e os príncipes tinham a mesma
idade que eu.

Pouco tempo depois, o suco ficou pronto, meu pai


chegou e foi lavar as mãos antes de sentar-se à mesa.

— Pai, eu quero ir para a vó Alice nas férias —


falei, chorosa, quando ele se serviu e minha mãe revirou os
olhos.

— Já te expliquei, Natália.

— Sinto muito, querida. Estou trabalhando muito


para que possamos viajar tranquilamente no ano que vem
para um parque de diversões.
— Ano que vem? — perguntei, esperançosa, e
meus pais sorriram pela minha alegria. — Não tem como
ser agora?

— Não. Agora, vamos almoçar. Você precisa


crescer — meu pai respondeu e minha mãe pegou meu
prato para me servir. Eu ainda me sentia emburrada,
tentaria mais uma vez daqui alguns dias.

Às vezes, se eu insistisse demais, eles cediam aos


meus pedidos.

Meu pai voltou ao trabalho, ajudei a minha mãe


com a louça e depois dobrei a roupa para guardar antes de
me deitar no sofá. Até queria assistir algum desenho, mas
lembrei da casa ao lado e fui até o pé de seriguela ver se
tinha acontecido alguma coisa.

Olhei chocada para onde eu havia sonhado que


seria o meu quarto, as paredes estavam furadas,
destruídas. Ajeitei-me no galho e encontrei o homem, no
primeiro andar, quebrando paredes de dentro da casa,
vestindo apenas uma calça preta. A barriga saliente era
parecida com a do meu pai e os cabelos, bagunçados
como se ele tivesse acabado de acordar.
Se eu me sentia triste porque não iria viajar,
naquele momento fiquei ainda mais, pela destruição.
Imaginei que ele era um dragão e meu príncipe não
chegara a tempo de me salvar, que eu tinha sido
esmagada.

Mesmo com o sol querendo me torrar a cabeça,


observei o homem bater na parede, depois deixar a
ferramenta grande cair aos seus pés e se ajoelhar no chão.
Franzi a testa e apurei meus ouvidos para tentar decifrar o
som que ele estava produzindo.

Choro.

Adulto chorava? Eu tinha quase certeza de que


não, por isso mudei de posição, me aproximei do muro e
confirmei que sim, era um choro desolado, igual os das
novelas que minha mãe assistia.

Algo dentro de mim foi tocado e quis o reconfortar.


Desci apressada da árvore, fui até a cozinha correndo e
minha mãe, que estava fazendo um bolo, me observou
abrir a geladeira e pegar o resto de suco.

— Não fique muito no sol, vai te fazer mal — ela


falou, brava enquanto enchia um copo.
— Eu sei, mãe. É rápido. — Abri o armário, peguei
um pacote de bolachas das minhas preferidas e saí da
cozinha sem qualquer outra recomendação da minha mãe.

Eu devia ter contado aonde iria, mas era rapidinho,


ela nem sentiria minha falta. Abri o portão de casa sem
fazer barulho, fechei-o e corri até chegar ao meu castelo. A
entrada estava aberta e, sem ter medo, caminhei até
dentro da casa, subi as escadas e encontrei o
desconhecido no corredor. Eu conhecia esse lugar como a
palma da minha mão, às vezes vinha para cá explorá-lo,
por estar mais abandonado do que tudo.

O homem que chorava virou o rosto e se assustou


quando me viu, levantou-se e segurou a ferramenta,
assustando-me. Resmunguei e recuei, com a mão cheia
demais para poder me proteger.

— Quem é você? — perguntou, irritado.

— E-eu... — Não consegui dizer nada. Percebendo


o quanto eu estava assustada, ele pareceu relaxar e soltou
o que tinha em mãos.

— Está tudo bem, me desculpe. Qual seu nome?

— Natália — respondi, baixinho.


— Quantos anos você tem? — Ele deu um passo
para frente e eu recuei dois para trás.

— Do-doze. Eu vi você chorando, então eu trouxe...


— Estendi meus braços e ele se aproximou de mim
cheirando estranho, era azedo. Fiz uma careta e ele sorriu
de uma forma que me causou um calafrio.

— Tenho um filho de quinze anos. — Sentou-se


aos meus pés, apoiou as costas na parede e tomou da
minha mão o que eu havia trazido. — Obrigado. — Pegou
o suco, abriu o pacote de bolachas e começou a devorar
em uma abocanhada só. — Não almocei.

Coloquei os braços para trás enquanto ele me


encarava curioso. Seu cabelo tinha fios brancos e perto
dos olhos existiam linhas que o deixavam mais velho do
que eu imaginava.

— Não deveria estar aqui, pequena. Esse lugar não


é para uma criança.

— Por que está destruindo o castelo? — perguntei,


sem conseguir me frear. Ele tomou um gole de suco e
comeu uma bolacha antes de responder:

— Essa casa não me serve mais. É só um monte


de cimento e tijolo que destruiu minha vida. Você se tornará
uma mulher e vai destruir os sonhos de um homem. Ainda
bem que tenho apenas um filho e ele seguirá meus passos.

Eu não entendi e comecei a ficar com medo, ainda


mais por ele estar terminando de comer o que eu havia
trazido.

— Obrigado, agora vá. — Estendeu o pacote de


bolacha vazio e o copo, que peguei apressada. Ele se
levantou e me encarou com tanta raiva, que segui para as
escadas andando de lado. — Isso mesmo, tenha medo dos
homens, talvez assim eu consiga salvar um deles do que
você se tornará. VÁ!

Saí correndo, desci os degraus e tropecei no


último, caindo de frente no chão e quebrando o copo. Ainda
bem que ele não tinha se espatifado, mas havia cortado
meu dedo. Peguei dois cacos no chão, levantei-me e saí da
construção ao som de mais destruição e do meu choro.

Entrei em casa em prantos, minha mãe me


amparou, cuidou do meu machucado e perguntou o que
tinha acontecido. Eu não soube contar, muito menos
explicar, porque as palavras daquele homem mau não
faziam sentido para mim, mas me assustaram demais.

Tenha medo dos homens. Por que ele disse isso?


A questão foi que essa frase, pouco a pouco,
ganhou raízes no meu coração e me fez travar, ao longo
dos anos, para me relacionar com o sexo oposto.

Eu, Natália Costa, a menina que sonhava com


príncipes e princesas, me tornei uma mulher dedicada aos
estudos e avessa aos relacionamentos. Quando me
perguntavam o motivo de nunca ter namorado sério, eu
não sabia explicar, apenas sentia o pânico de fazer mal a
alguém, mesmo cheia de boas intenções.
Capítulo 1
Natália

— É impressão minha ou voltaram a mexer


naquela casa? — perguntei para a minha mãe enquanto
limpávamos o quintal, ela com a mangueira, eu com a
vassoura.

— Briga de família, minha filha. Pelo visto,


resolveram. — Parei um momento para olhar de onde
estava para o muro dos fundos de casa e me lembrei da
última vez que sonhei com aquela casa sendo um castelo.
— Natália!

— Sim, desculpe — respondi, voltando aos meus


afazeres e deixando minha mente vagar ao som de
materiais de construção.

Estava há quatro anos longe de casa, fazendo a


minha graduação. Assim que concluí meu curso de
pedagogia, precisei escolher para qual direção ir em minha
profissão. Eu não sabia o que escolher, ficar em escolas
não enchiam meus olhos. Amei o curso em que me formei,
a pós-graduação, mas faltava algo para me aventurar no
mercado de trabalho.

Pensei em um mestrado ou em fazer concurso


público, que estavam em alta e minha mãe também havia
sugerido, mas eu não poderia abusar da minha posição de
filha. Sem meu pai, que falecera no ano passado, para
bancar a casa, minha mãe estava mais sozinha do que
antes de eu sair da cidade.

Por um lado, eu queria ficar sempre por perto, por


outro, sabia que mais cedo ou mais tarde dona Maria Rita
iria chutar minha bunda para fora de casa. Ela gostava
quando eu falava das minhas saídas e amizades, mesmo
que nenhuma delas se aprofundasse.

— Com a cabeça na lua, Natália? — minha mãe


jogou um pouco de água em mim.

— Mãe! — resmunguei rindo. — Vou ter que tomar


outro banho.

— Faça isso e vá andar um pouco no centro da


cidade. Preciso de linhas novas, as últimas que comprei
são uma porcaria.

— Tudo bem. Farei o que manda, rainha da costura


de Dualópis.
Pela provocação, recebi mais um jato de água e
concluímos a limpeza sem muitos problemas.

Tomei um banho, vesti-me casualmente e anotei o


pedido de compra da minha mãe. Saí a pé para o centro da
cidade e aproveitei o sol do meio da tarde para repor minha
vitamina D.

O bom de morar em uma cidade pequena era a


distância dos lugares e o quanto poderíamos fazer em um
dia, porque não havia pressa. O lado ruim era que todos te
conheciam, apontavam o dedo e queriam saber detalhes
da sua vida, mesmo não sendo íntimos.

Muitos tinham casa na cidade, mas não moravam,


por ser uma cidade mais alta e com vista privilegiada. A
capital ficava a menos de 100 km de distância, lá fiz minha
graduação e aprendi a ser jovem, tendo pessoas da minha
idade ao redor.

— Olá, seu Félix — cumprimentei com um aceno o


senhor que cuidava da mercearia, ele apenas retribuiu.

Caminhei mais uma quadra e entrei na loja de


aviamentos para pegar as linhas que minha mãe queria.

— Natália! — Fernanda, uma colega que eu


conhecia desde a infância, me viu e saiu detrás do balcão
para me abraçar. Ela tinha a minha idade, nós havíamos
estudado juntas, mas nunca aprofundamos nossa relação,
por eu ser sempre mais reclusa. — Que bom te ver por
aqui. Chegou da capital que dia?

— Há dois dias — respondi, encabulada. Por mais


que as cidades fossem próximas, eu vinha ver apenas
meus pais e depois voltava. — Como está?

— Bem. — Colocou a mão na barriga e forcei um


sorriso para ocultar meu assombro. Céus, 24 anos e
grávida? Era exagero da minha parte pensar dessa forma,
uma vez que eu não me via tendo uma família. — Serei
mamãe.

— Parabéns. — Abracei-a novamente. — Quem é


o pai?

— Como quem? Eugênio, claro.

Nanda voltou a ficar atrás do balcão e dessa vez


meu sorriso foi genuíno. Apesar de não saber a história
completa, lembrava muito bem dela profetizando que se
casaria com ele quando fossem adultos. Algo que eu não
almejava, por mais que meu lado profissional não estivesse
dos melhores.
Gostava de estudar, apenas. A questão era: não
me dava nenhum rendimento.

— Vim comprar algumas linhas para a minha mãe.


— Segui para o biombo que tinha a marca e as cores que
minha mãe exigira.

— Ficará quantos dias? Você poderia vir para o


nosso casamento, no final de semana, lá no Mirante.

— Uau, as fotos ficarão lindas — comentei,


tentando ganhar tempo para encontrar uma forma de
recusar. Entreguei-lhe as linhas, ela contabilizou no caixa e
me olhou com desconfiança. — Estou formada, ficarei um
pouco com minha mãe para decidir o que fazer da vida.

— Natália Costa perdida no mundo. Isso é algo que


nunca imaginei que aconteceria. Você só tirava dez na
escola.

Um barulho na entrada da loja nos assustou e dois


homens entraram, ambos vestindo roupas bem surradas e
sujas. Um deles reconheci como sendo Eugênio, o outro
não me era estranho, mas eu tinha certeza de que nunca o
havia visto pela cidade.

— Mozão, olha quem está de volta! — Nanda


comentou, empolgada. Pegou o dinheiro da minha mão e
cobrou as linhas.

— Olá, Natália, seja bem-vinda. — O futuro marido


de Nanda estendeu a mão para mim e o cumprimentei com
um sorriso sincero. — Não vou atrapalhar as duas, só vim
buscar a garrafa térmica e o gelo. Iremos fazer um tereré[1].

— Já vou buscar.

— Olá. — O homem ao lado de Eugênio estendeu


a mão para mim e me atrapalhei, porque estava pegando a
sacolinha com as linhas. Apertei sua mão desajeitada e a
soltei rapidamente por sentir algo estranho. — Sou Ícaro.

— Natália — respondi, acanhada.

— Estamos trabalhando naquela mansão atrás da


sua casa. Ela finalmente ficará pronta — Eugênio
comentou, empolgado, e percebi que suas vestes estavam
daquele jeito por conta de sujeira de construção.

— Oh! — Surpreendi-me olhando para os dois,


depois para Nanda que apareceu com o pedido do seu
noivo. — Ah, que bom. Lembro dessa casa abandonada
desde menina. Será interessante mudar a vista.

— Se precisar de algo, estaremos por perto.


Seu olhar de piedade antes de me dar as costas
acionou aquele lado que já era aflorado, de afastar as
pessoas. Desde a morte do meu pai, as pessoas queriam
ajudar. Tanto eu quanto minha mãe só queríamos ser
deixadas em paz.

O tal do Ícaro me deu um último olhar e também


saiu da lojinha, obrigando-me a esperar alguns minutos
antes de seguir para fora, pois eu não queria cruzar com
eles. Estava feliz com a minha reclusão. Era mais fácil de
lidar com minhas particularidades não mantendo uma
amizade firme.

Ah, que ilusão! Tinha me esquecido que na minha


cidade natal nada funcionava como eu queria.
Capítulo 2
Natália

— Que gato, hein? — Nanda falou, divertida, e


bufei um riso.

— É seu noivo, tem que o achar bonito.

— Não estou falando do Mozão, mas o Ícaro. —


Olhei-a, surpresa, e ela deu de ombros. — Ele é o mestre
de obras, ficou a semana inteira recrutando os melhores
pedreiros da cidade. Também vieram alguns da capital,
parece que o dono quer que a casa fique pronta o quanto
antes.

— Que bom, porque me dava dó de olhar para as


paredes quebradas. — Ergui a sacola e pisquei um olho. —
Obrigada.

— Agradeça indo no meu casamento. E não me


venha dizer que não recebeu convite, porque você sabe
como funciona em Dualópis, todos sempre estão
convidados. — Cheguei à calçada e ela gritou, por fim: —
Começará às 8h da manhã!
— Tudo bem — respondi também gritando e soltei
o ar com força, querendo participar desse momento,
socializar, mas desistindo ao lembrar do olhar de piedade
das pessoas. Desde quando uma viúva como minha mãe
era caso de caridade? Além do mais, ela tinha uma filha
que... não tinha perspectiva de trabalho.

Merda.

— Que bom, podemos seguir juntos — Eugênio


apareceu do meu lado e pulei para a rua, assustada. Um
carro passou e Ícaro teve bons reflexos e me puxou de
volta à calçada. — Cuidado!

— Que susto! — falei, colocando a mão no peito e


olhando para os dois. — Pensei que já tinham ido.

— Dizendo assim, até parece que quer se livrar de


nós, senhorita — Ícaro falou, sorrindo de lado. A beleza
escondida por trás dos cabelos desalinhados e sujeira
despontou. Ele esticou o braço e não tive como recusar,
caminhei mais à frente enquanto eles se mantinham atrás.

— E então, já se formou, Natália? — Eugênio deu


passos mais à frente e ficou ao meu lado.

— Sim, estou de férias. Vou aproveitar minha mãe


um pouco — Tentei ser evasiva.
— Nanda falou do casamento? Você pode vir, sei
que sua mãe irá.

— Vou me esforçar — respondi, analisando o


motivo de dona Maria Rita não ter me falado sobre esse
evento.

— Você mora na casa dos fundos da obra? — Ícaro


perguntou, fazendo-me olhar por cima do ombro. Ele
estava atento e seu olhar era tão familiar. De onde eu o
conhecia?

— Sim — respondi, insegura.

— Pode ficar tranquila, Natália. Todo mundo


conhece sua mãe, nem os ladrões têm coragem de fazer
algum mal à dona Maria Rita.

— Não pensei nisso. — Suspirei, voltando minha


atenção para os meus pés. — Só estou desacostumada
com a cidade pequena. Na capital, tudo é motivo para ser
assaltada ou sequestrada.

— Morou lá? — Ícaro estava interessado.

— Sim, por um tempo, próximo à universidade,


mas voltei para cá.
— Quer tomar tereré conosco? — Eugênio
ofereceu quando nos aproximamos da rua que dava
acesso aos nossos destinos, mas neguei com a cabeça.

— Obrigada, vou ajudar minha mãe. — Andei a


passos largos e acenei para o tal mestre de obras. — Bom
trabalho, pessoal.

— Até mais, Natália.

Cheguei ao portão de casa, fui apressada deixar a


encomenda da minha mãe e entrei no banheiro, apenas
para subir em cima do banquinho que tinha lá para olhar
pela janela e ver a construção aos fundos.

Tinha boas e confusas lembranças daquele lugar,


não sabia qual a natureza dos meus sentimentos naquele
momento, ainda mais quando vi o homem que conheci hoje
aparecer na varanda do último andar e olhar em minha
direção.

Quase caí quando saí de cima do banco e vi minha


mãe me observando. Eu não estava fazendo nada de
errado, mas como explicar para minha mãe que, de uma
hora para outra, eu estava curiosa?

— O que está fazendo, filha? — Ela escondia um


sorriso e, para não me denunciar, fiz uma careta. Mudar de
assunto era sempre o segredo para fugir de uma pergunta
capciosa.

— Por que não me falou que Nanda iria se casar


no final de semana?

— Para que você fugisse ou arranjasse outro


compromisso? Eu te conheço, Natália Costa, só iria te
avisar no dia.

Coloquei o banco no lugar, saí do banheiro e


caminhamos até seu ateliê de costura, que era meu antigo
quarto. Nós dormíamos juntas, já que não tinha mais meu
pai. A profissão que minha mãe resolveu exercer dentro de
casa surgiu pouco tempo antes de ele falecer de um
infarto, então, a transição para ficar junto dela foi apenas
natural.

— Mãe, eu não tenho roupa...

Abri a boca ao ver um lindo vestido lilás pendurado


em um dos seus manequins. Era do mesmo tom do vestido
da Rapunzel, que eu mantinha em segredo uma adoração
por essa personagem, já que não era mais criança.
Encarei-a em choque e ela seguiu, para se sentar em
frente a sua máquina de costura.
— Você saiu de dentro de mim, filha. Te eduquei e
vi crescer. Mesmo que não tenha acompanhado de perto
sua faculdade, algumas coisas não mudam, principalmente
o sangue correndo por suas veias. Então, mocinha,
antecipo suas fugas quando necessário.

— Não sou fujona.

— Agora vá, me deixe trabalhar. — Bufou sem nem


rebater minhas palavras. E nem eu mesma tinha força para
brigar sobre algo tão verdadeiro.

Como um bagre ensaboado, eu escorregava pelos


dedos quando o assunto era me entrosar com alguém ou ir
à uma festa da cidade. Diferente da capital, onde ir às
baladas era um grande atrativo, por sempre ter novas
pessoas ao redor e alguém para beijar, Dualópis era uma
grande família e nada ficava em segredo entre seus
moradores. O que queria dizer que todos saberiam sobre
tudo.

Ainda em choque por minha mãe ter feito um


vestido tão lindo e nem ter me mostrado quando cheguei
de viagem com minha pequena mudança de volta, segui
para a sala desarmada.
Não tinha jeito, iria naquele casamento no final de
semana.

Peguei o controle remoto e busquei um canal na


televisão para me distrair, mas minha vontade mesmo era
de fazer como no passado, há 12 anos, espiando aquela
casa em construção e sonhando em ser princesa.

Ah, inocência que nunca mais voltaria.


Capítulo 3
Natália

Eu estava procurando algum filme para assistir


antes de dormir, mas a ansiedade por conta do casamento
de amanhã estava conseguindo a melhor sobre mim.
Minha mãe já dormia no quarto e eu, vestindo uma
camiseta de propaganda e um short curto, buscava
encontrar minha paz para finalmente descansar.

Insônia era pouco para quem queria bolar um plano


para fugir. Não o faria, claro, ainda mais por ter
experimentado o vestido e me sentido uma princesa.
Amaciando o ego da minha criança interior, só para me
sentir digna de um palácio, eu enfrentaria uma festa onde
todos se conheciam.

Conexões e relacionamentos, por favor, não.

Segui para a cozinha em busca de água, olhei pela


janela e um barulho estranho me chamou atenção. Vesti
meu chinelo que estava próximo da porta, caminhei até o
quintal e percebi que estava vindo da construção.
Relutei para não vir aqui espiar, já era adulta e não
tinha desculpas para subir em um pé de seriguela. Mais
barulho pôde ser ouvido e me entreguei à curiosidade:
iluminei a árvore com meu celular e subi com tranquilidade,
como sempre fazia.

Havia uma luz baixa no piso térreo, por isso


apaguei a minha para não ser vista. Um homem estava lá,
marretando o chão e me fazendo lembrar de outro de anos
atrás. Mudei de galho e quase me desequilibrei caindo no
chão. Não era mais criança, não poderia exagerar na
intromissão.

Percebi que eram pedras de cimento que o homem


quebrava. Sem camisa e exibindo suas costas para mim,
com uma bela tatuagem colorida, tentei me aproximar para
identificar o que era, mas escorreguei e gritei assustada.

Meu celular caiu do outro lado do muro e meus pés


se apoiaram em um galho enquanto minhas mãos faziam
todo o trabalho de sustentação.

— Hei! — Uma lanterna foi apontada em minha


direção e minhas mãos suadas começaram a escorregar.

— Me ajude! — pedi baixo, para não acordar a


minha mãe e fazê-la ver todo aquele papelão. Céus, nem
sabia quem era o homem, poderia ser o vigia da obra e lá
estava eu, tentando invadir o espaço alheio.

Não o vi se aproximar rapidamente, mas senti suas


mãos nos meus tornozelos quando escorreguei um pé.
Olhei para baixo e lá estava Ícaro, suado e pronto para não
me deixar cair.

— Se apoie no meu ombro. — Colocou meus pés


nele e aos poucos foi abaixando até que meus pés
encontraram o muro. Quando eu estava segura, ele se
afastou e desceu a escada que tinha próximo. — Venha.

— Meu celular — falei olhando para o chão e


quase me desequilibrando. Sentei-me no muro e fechei os
olhos. Por Deus, que sarna era essa que eu buscava
coçar?

— Vamos procurar juntos, Natália. Desça — Ícaro


insistiu e desci, mesmo sabendo que não estava vestida
apropriadamente, muito menos usando um sutiã.

Escorreguei no meio de entulho de construção e lá


estava ele, novamente, para me amparar. Suas mãos na
minha cintura ergueram minha blusa, que rapidamente
coloquei para baixo, envergonhada demais do meu short
surrado, mas confortável.
Não sabia explicar se era o escuro ou a pouca luz,
mas seus olhos pareciam brilhar como uma luz
fosforescente. O azul era vivo e me hipnotizou além do
necessário para parecer alguém interessada.

Foi ele que interrompeu a nossa conexão, iluminou


com a lanterna e achou meu aparelho celular. Consegui
enxergar a tatuagem nas suas costas, era um peixe carpa
em tons laranja, vermelho e roxo.

— Aqui. — Entregou-me o celular e colocou a luz


entre nós, o que me fez recuar. — O que estava fazendo lá
em cima, além do óbvio? — perguntou, irritado, mudando
completamente de fisionomia.

— Desculpe, é um hábito de criança subir no pé de


seriguela e olhar a vista. Estava sem dormir, mas não vou
mais atrapalhar. Chega de aventura por hoje.

— Espiar a casa dos outros? — Tentei seguir para


a escada, mas voltei a encará-lo, dessa vez com desdém.

— Não sabia que era proibido olhar. Por que não


aumentou o muro se queria privacidade? — rebati,
impressionada com minha secura.

Ícaro deu passos para trás, seguindo para onde


tinha mais luz. Seu corpo escultural e suor lhe davam um
ar sobrenatural, combinado com os olhos brilhantes, então,
parecia que eu estava vendo coisas.

— Estou em um momento privado, na minha casa.


Apesar de não estar pronta, tem dono.

— Sua casa? — Bufei, com ironia. Lembrava muito


bem de Eugênio tê-lo me apresentado como mestre de
obras e não dono dela. — Tudo bem, já percebi que você é
parente dos fundadores da cidade, praticamente o prefeito.
Estou me retirando.

Segui para a escada e subi irritada, o celular na


minha mão escorregava e a cada segundo eu tinha que
firmá-lo, porque minhas mãos e pés estavam suando de
medo. Um lugar, que no passado foi minha inspiração para
os sonhos, agora era um gatilho para que eu ficasse
nervosa.

Como era boa em fugir, nem olhei para trás quando


cheguei ao alto do muro, apoiei-me em um galho e desci
do pé de seriguela, mas o barulho de quebra de cimento
me fez parar.

Droga de curiosidade.

Estava mais afastada e não seria vista, então,


observei Ícaro quebrar várias pedras de cimento por um
bom tempo. Depois de alguns minutos e muito suor, ele
pegou o celular e um som mais harmonioso começou a
soar, mesmo que baixo para a distância que eu estava.

“Faça o que fizer, nunca jogue meu jogo

Muitos anos sendo o rei da dor

Você tem que perder tudo, se você quer assumir o


controle

Venda-se para salvar sua alma

Resgate-me dos demônios em minha mente

Resgate-me dos amantes da minha vida

Resgate-me dos demônios em minha mente

Resgate-me”

Eu reconheceria aquela música com qualquer


volume, porque amava a banda Thirty Seconds To Mars,
principalmente a música Rescue Me. Eu lutava diariamente
contra as lembranças de dor do passado e de ter que
sofrer novamente por revivê-las.

Tenha medo dos homens...

Eu tinha medo deles, principalmente de perdê-los,


como foi com meu pai biológico e, recentemente, meu
padrasto. Ter minha atenção voltada para um estranho na
cidade era a última coisa que eu precisava, mas, afinal,
quem conseguia mandar nas ações do inconsciente?
Capítulo 4
Ícaro

Acordei com o barulho irritante do celular no meu


ouvido. Minha chateação tinha muito a ver com o tanto que
bebi antes de dormir, o que foi imprudente, já que eu sabia
sobre o evento de manhã no mirante.

Peguei o aparelho sem ver horas ou quem era,


coloquei no ouvido e deixei que o outro lado se revelasse.

— Você foi para Dualópis mesmo que eu


precisasse da sua presença aqui. Estou doente e quase
morrendo, meu filho. — A voz frágil e chantagista do meu
pai não me comoveu. Há muito tempo deixei de ser o filho
exemplar, não me incomodava em ser o herdeiro rebelde.

— Se realmente estivesse tão enfermo, deixaria os


negócios nas minhas mãos. Como continua no comando,
faço serviços paralelos.

— Terminar a casa que era para sua mãe é um


desserviço — rebateu, irritado, saindo da postura submissa
que não combinava com ele. — Ela morreu.
— E a culpa é de quem? — Apertei os olhos e
tentei me levantar, sentindo o peso das palavras no meu
próprio corpo.

— Apenas dela, Ícaro. Volte para a capital, sua


irmã precisa de você.

— Ela precisa da mãe. — Ri sem humor, colocando


os pés no chão e reparando que eu estava apenas de
cueca. — Ah, claro, ela também não tem uma por sua
causa.

— Está querendo me punir por um erro que você


cometeu, mas não vai me atingir. Quem quis voltar da
Europa foi você, porque terminou um noivado que nunca
aprovei. Você lidava com os MEUS negócios lá, aqui, eu
ainda estou à frente.

— Continue assim, porque eu ficarei aqui até que


seja cumprido o desejo da minha mãe. Você não precisa
ter nada a ver com isso.

— Te espero em casa ainda hoje, precisamos nos


preparar para a reunião de segunda-feira.

Não respondi, encerrei a ligação e fiz uma careta


para o horário. Não era apenas a ressaca que pesava, mas
as poucas horas dormidas, antes das sete da manhã. Pelo
menos isso me fez acordar no horário para o casamento de
Eugênio e Fernanda, pessoas humildes e de bom caráter
que conheci para manter por perto.

Levantei-me da cama e fui para o banheiro me


lavar. Ainda não tinha me acostumado com os chuveiros
elétricos do país, por isso abri a torneira e reclamei do gelo
da água. O único banho que tinha tomado ontem fora para
aplacar o fogo que se acendia dentro de mim, causado
pela combustão do álcool que bebi... e pela vizinha.

Natália.

Eu não pretendia me relacionar tão cedo, ainda


mais tendo o meu histórico para assombrar minha mente
todas as manhãs e noites. A única mulher que achei que
amava tanto quanto minha mãe me traiu e engravidou do
amante. Parecia até uma vingança poética, o que me
ajudava a ficar em negação ao zombar de mim mesmo.

Saí do banho irritado e abri o guarda-roupas para


escolher o que vestir. Eles eram simples e, apesar de ser
um casamento, com certeza ir de terno completo me
denunciaria como alguém cheio de dinheiro. Eu estava feliz
sendo tratado como mestre de obras, interagindo com os
pedreiros, pintores e serventes. Antes, muitos se
aproximaram de mim por causa do dinheiro, daquela vez,
eu queria apenas sinceridade.

Escolhi uma calça jeans, camisa social e apenas o


blazer para mostrar que não estava indo ao shopping, mas
a um evento importante. Sorri com ironia ao pegar minhas
coisas e descer para tomar café puro, as pessoas ainda se
casavam por honra ou dever. Essa atitude não funcionou
com meus pais, ainda mais quando um deles naufragou em
meio à soberba.

Havia momentos da minha vida em que eu


simplesmente odiava o dinheiro. Com ele vinha poder, ego
e dominação, características que me faziam odiar meu pai.

Meus sentimentos estavam à flor da pele naqueles


últimos dias, porque encontrei uma carta, deixada pela
minha mãe antes de morrer. Nela havia uma missão para o
meu pai reparar toda a mágoa causada: concluir a casa
dos sonhos dela. Eu era adolescente quando tudo
aconteceu, estava mais preocupado com a próxima garota
que ia beijar e, quem sabe, transar, do que com os
problemas conjugais do meu pai.

Depois que minha mãe partiu, afundei ainda mais


na boemia e não pensei duas vezes ao fazer um
intercâmbio para a Inglaterra e por lá ficar até alguns
meses atrás, antes de fazer a pior burrada da minha vida:
querer me casar com uma traidora.

A volta foi apenas a continuação do meu pesadelo


pessoal, por isso, na primeira oportunidade de recomeçar
minha vida, em vim. Os antigos da cidade conheciam meus
pais, mas não eu, ainda mais adulto. Era o momento de
fazer do meu jeito, ainda mais no território que meu pai
jurou nunca mais pisar.

Tomei duas xícaras de café puro e segui para o


estacionamento. A chave do quarto ficava comigo por
questão de privacidade. A limpeza ficaria para outro
momento, eu era um homem organizado no final das
contas.

Subi na minha caminhonete velha, a opção de


automóvel para passar despercebido, e guiei até o mirante.
Conferi as horas, chegaria cedo o suficiente para me
ambientar aos costumes da cidade de interior.

Parei o carro ao lado de tantos estacionados entre


as árvores e a grama, saí olhando para o horizonte,
percebendo que esse se tornaria um dos meus lugares
favoritos. O vento no meu rosto, a calmaria e a visão me
traziam conforto, uma mistura do que tive na Inglaterra com
o que eu tinha com minha irmã menor.
Caramba, Tamiris não merecia meu afastamento,
ainda mais quando ela havia se apegado tanto a mim após
a minha volta. Nunca dei oportunidade para nos
aproximarmos antes de seguir para outro país e, na volta,
carente como estava, ela me mostrou outra forma de ver a
vida. A questão era que a responsabilidade da sua
sobrevivência era do meu pai, não minha. Os cuidados
especiais que ela precisava eram providenciados pelo meu
pai, então, minha parte era apenas ser o irmão mais velho.

Antes de tentar melhorar a vida dela, eu precisava


fazer isso com a minha.

Uma cor clara e equilibrada me chamou atenção.


Duas mulheres andavam juntas no estacionamento em
direção à aglomeração de pessoas e reconheci uma das
silhuetas, os cabelos... porra, estava reconhecendo uma
mulher de costas!

Neguei com a cabeça e fechei a caminhonete para


seguir pelo mesmo caminho. Estava na cidade para fazer
amigos e criar laços que não me escravizassem. Eugênio
era inteligente e um ótimo pedreiro, todos o respeitavam e
era a referência quando se buscava alguém para cuidar da
reforma residencial. Não me tratou diferente, apesar de ter
respeito e cordialidade por eu ser a pessoa que o contratou
para lidar com a casa da minha mãe.

Seu castelo, onde ela quis morar para o resto da


vida, mas não teve o sonho concretizado.

Cumprimentei algumas pessoas que nem conhecia


e tentei me manter mais afastado. Sentei-me na última
cadeira por onde os noivos entrariam para firmar
matrimônio e depois de segundos, percebi que estava com
uma vista privilegiada de Natália e sua mãe. Eu fiquei
sabendo que o pai dela falecera no ano passado. Eram
apenas as duas.

Havia uma rigidez na sua postura enquanto a mãe


parecia tagarelar em seu ouvido. Ela olhava para frente e
sua boca não se movimentava, talvez o assunto não fosse
tão interessante para ser debatido. Ou quem sabe, ela
também sofresse com a pressão, como era comigo e o
meu pai.

Aos poucos, todas as cadeiras foram preenchidas


pelos convidados. Não pude mais olhar para a vizinha e
foquei no altar, recordando que poderia ter sido eu, em
outro país, com outras pessoas ao redor.

Acho que estou melhor nesse lugar, de convidado.


Capítulo 5
Natália

— Está linda, Nanda, parabéns! — falei, abraçando


minha colega no espaço em que aconteceria a recepção.

— Muito feliz que você está aqui com a tia Maria


Rita. — Ela alisou a barriga antes de abraçar a minha mãe.
— Espero que nunca mais saia daqui. Quero meus filhos
brincando com os seus.

— Muita calma nessa hora, assim você vai me


espantar — brinquei, abraçando Eugênio, que ainda
demonstrava os olhos inchados do choro. Por mais que
ambos tenham se casado por conta do bebê, havia muito
amor entre eles, estava transbordando.

Segurei a mão da minha mãe e escolhemos uma


mesa para nos acomodar e apreciar o restante da festa,
que seria durante o almoço e chá da tarde. Eu não
pretendia ficar por muito tempo, ainda mais por perceber
que havia poucas pessoas da minha idade. Não reconhecia
mais ninguém, mas dona Maria Rita parecia até candidata
nas próximas eleições de tanto que parava para abraçar e
conversar.

— Ela está linda, não é, minha filha?

— Podemos mudar de assunto? — exigi, erguendo


meu copo quando um garçom apareceu para enchê-lo de
refrigerante. — Não vou procurar um noivo para me casar,
como sugeriu. Ainda dá tempo para que a senhora tenha
um terceiro amor.

— Sei o meu lugar, Natália. Minha paixão é a


costura e meu sucesso é te ver feliz. — Também ergueu o
copo para ser enchido de refrigerante. — Não leve minhas
palavras como ofensa. Está chateada desde que comentei
sobre você nunca ter levado um namorado para casa.

— Porque não achei ninguém legal para isso. —


Bebi um pouco e sorri para as pessoas que acenavam para
a nossa mesa.

— É lésbica? — Gemi de indignação, coloquei o


braço na mesa e abaixei a cabeça para tentar me
esconder. — Só quero sua felicidade, você pode trazer sua
namorada, se for o caso. Nunca iria te rejeitar e obrigaria a
cidade te acolher como eu.
— Namorada? — Escutei a voz de Ícaro e me
ergui, assustada. Ele tinha deboche em seu olhar quando
se sentou ao lado da minha mãe e se apresentou. — Olá,
sou Ícaro, a senhora deve ser Maria Rita.

— Sim, e essa é a minha filha Natália. Qual é seu


sobrenome, menino? — Minha mãe apertou sua mão e
depois o analisou, deixando-o desconfortável.

— Estou trabalhando com a obra da casa aos


fundos da sua, moro na capital. — Um casal de senhores
idosos também se sentou na nossa mesa e agradeci aos
céus por esse momento de trégua. O assunto mudou e a
leveza tomou conta.

Logo Ícaro pareceu entediado e saiu da mesa.


Precisei me segurar para não o seguir. O que faria, por
Deus? Não estava interessada, nem em afrontar, muito
menos em me relacionar.

Minha mãe distribuía sorrisos e apertos na minha


perna. Eu não entendia o que isso significava, só agradecia
porque a pressão para que eu me casasse havia ido
embora.

Ainda não entendia de onde minha mãe havia


tirado que eu poderia ser homossexual. Céus, ela
precisava parar de assistir as novelas ou prestar mais
atenção nelas, já que havia muitas formas de ser feliz. E se
eu optasse por viver sozinha, me amando?

Peguei o prato da minha mesa assim que foi


anunciado que o almoço estava servido. A fila que se
formou na mesa principal seria suficiente para que o tempo
passasse e eu não precisasse socializar.

— Natália? — Uma mulher tocou meu ombro e virei


para trás.

— Camilinha? — Sorri antes de abraçar minha


colega de escola, da mesma época de Nanda. — Está
linda.

— Obrigada, você também. — Ela se afastou e


indicou o homem atrás dela. — Esse é meu marido, Gilmar,
estamos morando na capital, mas viemos prestigiar os
noivos.

— Ela conseguiu amarrar Eugênio no final das


contas — brinquei e ambos riram.

— Pelo contrário. O que Nanda fala não se


escreve. Ela o queria para se casar, mas, na hora do
pedido, disse não.
— Não estou sabendo dessa! — Fiquei surpresa, e
enquanto a fila ia andando, estávamos nos atualizando.

Novamente senti que tive boas amizades na minha


juventude, mas nenhuma firme o suficiente para perdurar
enquanto eu estava fora. Apesar disso, assim que nos
revimos, era como se não houvesse distância temporal
entre nós.

Isso era bom ou ruim? Claro, tudo era muito


superficial, mas não havia cobrança ou medo da perda, o
que era um arranjo bom para mim.

Acabei almoçando com minha mãe e ficando o


resto da festa com Camila, Gilmar e outros colegas de
longa data. Lembramos dos nossos momentos, dos
professores e, quando Nanda apareceu, ela virou o centro
das atenções com sua irreverência.

Eu estava me sentindo em casa, isso era bom e


nem vi a hora passar. O chá da tarde foi servido, os
convidados estavam se despedindo e apenas os mais
jovens ficaram. Fui para a pista de dança com os noivos
para dançar Macarena e as músicas dos anos 80 e 90,
clássicas em festas como aquela.
No meio da diversão, minha mãe avisou que iria
embora para casa com os amigos que estavam na mesa e
me deixou com a chave do carro para ir sozinha. Eu não
tinha bebido, então, poderia não só me conduzir, como a
outros colegas que pareciam mais alegres que o normal.

Tirei as sandálias de salto alto, dancei forró com os


maridos das minhas amigas, já que não tinha um homem
solteiro na festa e, quando o fim do dia chegou, deixei
todos para ir até o mirante tirar algumas fotos do pôr do sol.
Lembrava-me o quanto era linda a vista do lugar, precisava
eternizar essas imagens e, claro, a mim nelas.

Peguei o celular, eternizei a paisagem no seu disco


rígido e depois selfies. Fui até a parte em que havia uma
grade fixada no chão, que nos colocava mais à frente do
penhasco e deixei que o vento me cumprimentasse. No
final das contas, a festa foi muito boa, valeu a pena vir.

— Vai desmanchar o seu penteado. — Essas não


eram as palavras que eu queria nas minhas memórias,
muito menos vindo daquela pessoa.

Olhei por cima do ombro e vi Ícaro se aproximar


com um copo de cerveja na mão e um sorriso irônico no
rosto. Ele parecia estar disposto a me irritar, só faltava
descobrir o que eu tinha feito de errado além de espiar a
construção de noite.

— Não se preocupe, não quero impressionar


ninguém além de mim. — Voltei a encarar o horizonte, o sol
estava na parte final de desaparecer e quase não podia ver
ao redor.

Mas era possível sentir. Aquele homem ficou ao


meu lado, curvou para se apoiar na grade e bebeu do seu
copo, olhando na mesma direção que eu.

— O casamento foi bonito — comentou,


terminando todo o líquido do seu copo.

— Sim, Nanda e Eugênio se amam, dá para ver no


olhar deles. Fico muito feliz, eles merecem depois de tanto
tempo namorando.

— O casamento aconteceu por causa da gravidez.


Por mais que eles pareçam se amar, a união não foi
natural.

— Nossa, ainda bem que está falando essas


besteiras longe deles. Não notou o quão insensível está
sendo? — mudei de tom e ele ficou ereto para me encarar.
Ícaro era alguns centímetros maior do que eu, estando sem
meus saltos.
— Sou realista, você que está sonhadora demais,
achando que um casamento é um conto de fadas.

— Só podemos enxergar nos outros o que temos.


— Sorri, vitoriosa, observando-o cambalear, ele pareceu ter
sido atingido. Toquei seu peito com um dedo, para brincar.
— Quem magoou seu coração de gelo, Ícaro?

— Você não sabe de nada.

Em um movimento tardio, chacoalhou a mão na


sua frente e saiu andando para longe, irritado. Quando o
assunto era sentimentos de casal, eu tinha uma grande
vantagem, já que nunca havia magoado ou sido magoada.
Tudo o que tive fora de momento, tão rápido quanto
começava, terminava e eu nunca mais cruzava o caminho
deles. Assim era bem melhor, sem conexões intensas.

Voltei a encarar a escuridão, suspirei e ativei a


lanterna do meu celular para voltar até a pista de dança,
sem cair penhasco abaixo. Peguei minha sandália, acenei
para alguns poucos convidados e segui para o
estacionamento. No meio do caminho, encontrei Ícaro
deitado em um banco de madeira, praticamente acabado.
Precisava beber tanto assim?
Voltei até encontrar alguns maridos e pedi ajuda
para levá-lo carregado até o seu carro. Eugênio nos indicou
a caminhonete e, aproveitando a deixa, encerramos as
comemorações do casamento.

Não precisei dar carona para ninguém, por isso


conferi Ícaro deitado no banco de trás de sua caminhonete,
a janela aberta para o ar entrar, e fui para a casa sem peso
na consciência. Quando amanhecesse, ele acordaria de
ressaca e talvez nem se lembrasse do que acontecera. Um
ótimo remédio para que ele não repetisse a dose
exagerada.
Capítulo 6
Natália

— Filha, faz favor! — minha mãe gritou da cozinha.

Eu estava na sala, fazendo algumas pesquisas no


meu notebook sobre empregos e graduações, precisava
fazer algo da minha vida, ainda mais tendo minha mãe
falando de expectativas, filhos e namoros. Depois do
casamento de Nanda, não havia outro assunto comigo que
não começasse com o planejamento para o futuro.

Necessitava de muita serenidade para não


interpretar que minha mãe me queria longe de casa. Sabia
que precisava caminhar com minhas próprias pernas, eu só
queria um mês de folga para então começar a decidir.

— Sim, mãe — falei, entrando na cozinha e


sentindo o cheiro de bolo de cenoura fresco. Fui para a
travessa e, para minha surpresa, levei um tapa na mão. —
Ai!

— Não é para você, mas para os rapazes da


construção. Viu o quanto trabalharam essa semana?
— Sim, eu vi, perco o sono por conta da barulheira
que fica de madrugada. — Ela me entregou um pano de
prato e me fez segurá-lo com as palmas das mãos viradas
para cima. — Não acredito no que está me pedindo para
fazer — resmunguei.

— Não disse nada ainda. — Ela sorriu geniosa e


retribuí, porque parte de mim era igual a ela. — Você não
vai me desobedecer, mocinha.

— Claro que não, só não garanto que a forma


chegará com todos os pedaços nela. — Rimos enquanto
ela colocava a grande travessa. Colocou também
guardanapos em um saquinho de supermercado e
pendurou em meus dedos. — Agora vá.

— O que está pretendendo com isso? Uma reforma


de graça na sua casa?

— Pode ser visto por esse lado, mas não será para
mim. — Piscou um olho e franzi a testa saindo da cozinha
e indo para a área da frente.

Quando cheguei ao portão, equilibrei tudo em uma


mão, peguei o primeiro pedaço e mordi, gemendo em
apresso. Minha mãe tinha que ter virado boleira e não
costureira. O que eu mais sentia falta de casa, quando
estava na capital, era da comida.

Fechei o portão depois que terminei minha fatia e


caminhei dando a volta na quadra até chegar à frente da
construção. Eugênio foi o primeiro a me ver, se aproximou
e me direcionou para dentro da casa.

— Você fez bolo para nós? — perguntou, ecoando


pela casa e chamando atenção de quem trabalhava.

— Confesso que o altruísmo da dona Maria Rita


não faz parte da herança que ela me passou. — Havia uma
mesa com garrafas de água e um pacote de biscoitos de
polvilho. — Posso pôr aqui?

— Sim. — Ícaro apareceu dos fundos da casa, todo


suado e sujo. Tentei não fazer uma careta, ele não merecia
minha perturbação emocional. — Está faltando um pedaço.

— O preço do frete. — Peguei um pedaço, coloquei


no guardanapo e entreguei para o trabalhador que estava
do lado dele, apenas para vê-lo frustrado por eu não
colocar em suas mãos, que tinham ido para frente.

Ele saiu de perto e continuei servindo os


trabalhadores. Eugênio me olhou com diversão e assim
que terminei de servir, falou próximo do meu ouvido:
— O Peixão está interessado em você.

— Quem? — Fingi-me de ignorante e percebi a


referência da carpa que Ícaro tinha nas costas para o
apelido. Não consegui deixar de rir, ainda mais quando
apontou com o queixo para os fundos, onde o homem
estava colocando entulho dentro de um carrinho de mão
próximo a piscina.

— Falo por experiência própria, Natália. Quanto


mais pisa, mais a gente gama.

— Nanda fez um belo trabalho. Foram quantos


anos? Sete?

— Nove. Estamos juntos desde os 15 anos —


respondeu, orgulhoso, enquanto eu pegava dois pedaços
de bolo para levar até o emburrado. — Sei que ela merece
um engenheiro e não um pedreiro, mas estou dando o meu
melhor.

— Você é honesto e a referência da cidade, há


dignidade no seu trabalho. — Apertei seu braço. — Não
teve nem lua de mel para poder pagar as contas, que
homem faz isso hoje em dia? O que importa é sua
dedicação, independente da profissão.
— Nossa, que palavras bonitas. — Engoliu em
seco e dei de ombros. Gostava de ler e minha pós-
graduação me ajudou a ver a beleza nos outros. O único
problema era quando o ser humano queria algo mais
profundo comigo, então, o gelo tomava conta. — Obrigado.

— Agradeça minha mãe — brinquei, erguendo os


pedaços de bolo e lhe dando as costas para chegar até
Ícaro.

Ele me viu enquanto enchia o carrinho de mão,


mas não parou seus movimentos. Tentei me aproximar e
quase escorreguei. Mesmo com a luz do sol, estava
complicado andar pelo quintal.

— Vim trazer...

— Pode voltar de onde veio, estou trabalhando.

Abri a boca em choque, mais indignada por ele


recusar um bolo maravilhoso da minha mãe do que com a
sua grosseria. Ele caminhava empurrando o carrinho de
mão e parei à sua frente, como um touro irritado.

Encaramo-nos em desafio, desviei apenas para


ficar próximo dele e o desafiar.

— Abre a boca — ordenei.


— O quê?

Aproveitei para enfiar um dos pedaços entre seus


lábios com ousadia. Sua mão segurou meu pulso quando
tentei empurrar bolo para dentro, o que fez meus dedos
cativos de seus lábios.

Meu coração pulsava com o toque e seu olhar me


indicava irritação, mas não era por menos, eu estava sendo
muito atrevida. Caramba, fiquei furiosa com a sua atitude,
mesmo sabendo que parte do seu mau humor era minha
culpa.

Ícaro chupou meus dedos antes de soltar minha


mão e mastigar com a boca manchada de cobertura de
chocolate. Hipnotizada pelo ato íntimo e em choque por
sentir toda a minha pele arrepiar, além do meu ventre se
contrair, dei um passo para trás e comi o outro pedaço de
bolo em busca de controle.

— Era meu! — falou de boca cheia e irritado.

— Se quiser, vai ter que vir pegar. — Empinei o


nariz e virei para me afastar, pisando firme e desviando de
entulhos.

Cheguei à mesa, peguei a travessa da minha mãe


e saí irritada, murmurando maldições até chegar à calçada
e suspirar aliviada. O que tinha sido aquilo?

Para desabafar, fui passando o dedo na assadeira


e chupando toda a cobertura que conseguia. Apenas
quando cheguei em casa percebi que usei a mesma mão
que seus lábios tocaram, o que proporcionou mil e uma
cenas eróticas na minha mente.

— Não! — repreendi a mim mesma e entrei em


casa apressada, para deixar a bandeja na pia e limpar
minhas mãos.

— Filha, o que foi? — minha mãe perguntou,


olhando-me da porta do banheiro e segurando o riso. —
Tem cobertura de bolo no seu rosto, o que você fez,
mocinha?

— Vai para lá, dona Maria — reclamei, jogando


água nela e me encarando no espelho. Caramba, parecia
que tinha ido para a guerra. Limpei-me por completo, os
vestígios daquele momento tinham que ir por ralo adentro.

Sentei-me na sala, peguei o notebook e minha mãe


surgiu com seu sorriso de quem sabia tudo. Ficou ao meu
lado até decidir um canal e bufou algumas vezes para
chamar minha atenção.

— Diga logo, mãe. O que foi?


— Nada. Estou apenas assistindo o filme —
ironizou.

A vontade era de arrancar a verdade, mas voltei a


focar no meu futuro e no que eu queria fazer da minha
vida. Só que um certo homem irritante estava nublando o
meu juízo.

Foi minha vez de bufar e, juntas, rimos sem muita


explicação. Oh vida!
Capítulo 7
Natália

Saí da cama sem muito cuidado, sabendo que


minha mãe não acordaria tão facilmente. Ter insônia era
parte da minha vida de estudante que se dedicava mais
aos estudos e ficava preocupada com a vida, sem nenhum
motivo especial.

Então, quando o barulho irritante da construção


chegou aos meus ouvidos, apenas segui minha fúria,
troquei de short e fui para o quintal, pronta para uma briga.
As memórias da tarde, dos lábios de Ícaro tocando meus
dedos, a confusão de sentimentos e o mistério que minha
mãe estava fazendo sobre alguma coisa desequilibraram
minha calmaria.

Subi no pé de seriguela, resmunguei baixo por não


ter o celular comigo e fui até o muro, o qual sentei e
observei Ícaro recolhendo mais entulho da construção. A
área de lazer estava quase pronta, faltavam alguns
azulejos na piscina para poder ser usada. Bem, essa era
minha visão leiga, mas nunca era tão simples como se
imaginava.

Olhei para cima e sorri ao lembrar que imaginava


meu quarto sendo aquele último. Gostaria de saber como
que estava ficando por dentro.

Balancei as pernas para voltar minha atenção ao


barulhento. Como os vizinhos do lado não reclamavam, era
uma incógnita. Ah, claro, dona Mirtes era pacífica demais
para dizer algo e seu Augusto estava de férias na casa do
seu filho. Naquele bairro, todos tinham mais de cinquenta
anos, menos eu e Ícaro.

— Hei! — gritei, fazendo-o parar e derrubar a pá.


Sorri com ironia, minha vez de fazê-lo escorregar. — Seu
patrão deve pagar muito bem para você trabalhar até esse
horário.

Ignorou-me!

Voltou a fazer seu trabalho, encheu o carrinho de


mão e seguiu para a frente da casa, carregando com seus
braços musculosos. Ele estava com uma regata cinza,
suado e exalando mau humor.

Quando voltou, tentou não me olhar no muro, mas


com minhas pernas balançando, era impossível. Fiz bico
enquanto imaginava uma forma dele falar comigo e, quem
sabe, ir para a casa. Meu objetivo era tentar dormir.

— Você irá cair. — Ele raspou a pá no chão e


pegou os entulhos. Mais dois carrinhos e ele
provavelmente terminaria. Eu poderia esperar, mas a
necessidade de chamar a atenção prevaleceu sobre a
paciência.

— É perigoso, eu sei. Poderia trazer a escada?

— Não.

Abri a boca, em choque, o filho da mãe não


facilitaria o momento. Imprudente, contabilizei que o muro
dava um pouco mais de duas de mim e me preparei para
descer sozinha. Virei com a barriga apoiada no muro
apenas para me arrepender e congelar no lugar.

Merda, por que mesmo eu queria estar na casa do


vizinho e não na minha cama?

— Sua louca, vai cair assim e quebrar a cabeça. —


Senti suas mãos tocarem meus tornozelos, então, braços
me apertaram. — Vamos, desça devagar, eu te seguro.

— Traga a escada — falei, com preocupação,


tentando olhar para o chão, mas só vendo o quintal da
minha casa.

— Vamos, Natália. Só desça.

Obedeci, porque no medo, a melhor coisa é ter


alguém para te guiar e dizer o que precisa ser feito. Ele foi
me escorregando pelo seu corpo até que minha bunda
chegou perto do seu rosto e ele apenas me soltou com os
braços ao redor para me proteger.

— Você está podre de suor — reclamei virando


para ficar de frente para ele. Muito próximo, seu olhar
zangado era muito intimidador e seus braços firmes na
mesma posição, me desconcertavam.

— O que está fazendo aqui? — Deu um passo para


trás e me soltou.

— Sabe que posso te denunciar para o disque


silêncio. O seu trabalho ecoa para dentro do meu quarto.
Eu preciso dormir, Ícaro.

— Feche os olhos e durma, simples assim. —


Voltou para a sua atividade e o segui, ficando ao seu lado.

— Por que não faz o mesmo? Deve ser quase


meia-noite.
— Diferente de você, eu não durmo, mas procuro
algo útil para fazer. — Olhou-me com desdém enquanto
colocava entulho no carrinho de mão. Então, ele também
sofria de insônia, o que me fez ter um pouco de empatia.

Caminhei ao redor, observando a evolução da


construção. Senti o cheiro de cimento e até de tinta, o que
queria dizer que logo estariam na fase de acabamento.

Saí da frente quando Ícaro passou por mim com


carrinho de mão. Ele não parecia pertencer a aquele lugar,
com essas funções, mas nada do que eu via mostrava o
contrário. Dedicado e sem reclamar, ele voltou para
recolher os restos de entulho.

— O dono continua o mesmo? — perguntei,


lembrando de um momento da minha infância que me
causava medo. Foi no segundo andar que encontrei aquele
homem, provavelmente o dono da casa.

— Por que quer saber? Ninguém virá morar aqui


depois de concluída — respondeu com amargura e o
encarei confusa.

— Vão colocar para vender?

— Não.
— E alugar? Caramba, qual o significado de tanto
trabalho? — Ele negou com a cabeça, pelo visto não me
daria mais informações. Queria conversar mais, saber o
que não estava me contando, por isso, mudei de assunto:
— Como foi acordar na sua caminhonete depois do
casamento de Eugênio e Nanda?

— Ah, foi você que me colocou lá dentro? —


Terminou seu serviço e empurrou o carrinho enquanto eu o
seguia.

— Não, chamei alguns homens. Ninguém falou


com você sobre o ocorrido?

— O que tinha para se falar? Eu bebi demais,


dormi o dia inteiro e me recuperei para começar o trabalho
essa semana. — Parou ao meu lado, apenas o poste da
rua iluminava onde estávamos. — Pode ir dormir, princesa,
eu terminei.

— Agora perdi o sono — rebati, geniosa.

Bufou, afastando-se de mim, seguindo para os


fundos e eu atrás. Ele parou em um canto, sentou-se e
colocou uma grande garrafa pet de 2L na boca para beber
água.
Escorei-me no pilar e observei seu pomo de adão
subir e descer a cada gole. Quando terminou, encarou-me
com mais abertura e parecia até que me tocava, como se
os seus pensamentos ganhassem vida e chegassem até a
mim.

— Você está me encarando — falou de forma


mecânica.

— Sim, você também, mas não me importo, desde


que me explique por que eu sinto que você não é daqui.

— Porque eu não sou, moro na capital, estou aqui


apenas pela construção. — Inclinou a cabeça para o lado.

— Não foi isso que eu quis saber.

— É apenas isso que terá de mim. — Levantou-se,


demonstrando cansaço. — Vamos, vou te acompanhar até
a sua casa.

— O portão está fechado, preciso voltar como


cheguei.

Parado na minha frente, minha mão foi para o seu


braço de forma automática. Mesmo suado, queria tocar e
sentir seus músculos, de alguma forma, isso me dava
força.
— Se continuar me tocando assim, serei obrigado a
retribuir e não no mesmo local. — Sua voz saiu um pouco
mais rouca que o normal. Encarei seu ombro e lembrei da
tatuagem, por isso sorri.

— Vamos lá, Peixão. Preciso pular um muro.

— Perto de você, estou mais para tubarão —


murmurou indo até um canto e pegando a escada. Eu não
tinha entendido o duplo sentido em suas palavras, ou
apenas não queria, porque estava com a paz no coração
que eu tanto buscava para poder dormir.

Ele pôs a escada no muro dos fundos, subi dois


degraus e me virei, ele segurava ambos os lados e
estávamos muito perto. Deixei que minha respiração
acelerasse para oxigenar o cérebro, uma vez que não
passava nenhum pensamento coerente na minha mente.

— Vou ter que tomar um banho — falei, sentido o


seu suor em mim. Seus olhos se fecharam e a respiração
profunda me fez arrepiar.

— Só vá, Natália.

— Eu gosto de Thirty Seconds To Mars. — Meu


Deus, o que estava esperando para seguir meu rumo?
— As days go by the night’s on fire — falou
melodioso o trecho da música Hurricane que significava
“enquanto os dias passam a noite está em chamas”. Seus
braços estavam tensos e ele parecia se controlar para não
fazer algo.

Suspirei, dando-lhe as costas e continuando a


música:

— Tell me would you kill to save a life? Tell me


would you kill to prove you’re right? Crash, crash… —
Traduzi na cabeça, “Me diga, você mataria para salvar uma
vida? Me diga, você mataria para provar que você está
certo? Quebre, quebre...”

Era uma música intensa e eu precisaria de


distância para interpretar o que ele queria dizer. Assim que
coloquei os pés no muro e consegui alcançar o galho do pé
de seriguela, ele tirou a escada e se afastou como se
estivesse chovendo granizo.

Quem realmente era você, Peixão?


Capítulo 8
Natália

— Quer que eu entre com você, mãe? — perguntei,


estacionando o carro na frente do hotel, logo após o
almoço.

— Por favor, filha. São muitas sacolas para que eu


carregue sozinha.

Saí do carro e fui para o porta-malas. Minha mãe


tinha arrumado roupas de cama, mesa e banho nesses
dias, estávamos entregando o pedido no final de semana.

Depois do encontro da madrugada com Ícaro, não


houve mais barulho e também, não me atrevi a uma nova
aproximação. Refleti demais o que estava sentindo e a
atração era a única coisa que enfeitava meus
pensamentos, ou seja, eu tinha que ser cautelosa. Apesar
de não morar na cidade, ele estaria por perto até o final da
obra.

Tenha medo dos homens...


Maldita frase que me assombrava e da qual eu não
conseguia me livrar.

— Ai! — resmunguei ao bater a cabeça na porta do


porta-malas. Tirei as sacolas, fechei e ajudei minha mãe a
entrar.

Não esperava ver a cena diante dos meus olhos,


na recepção do hotel. Percebi minha mãe parada no lugar,
praticamente em choque observando tudo. Dois homens
pareciam discutir, um deles, eu conhecia.

— Podemos conversar lá no quarto? — Ícaro falou,


zangado.

— Você tem que voltar para casa e parar de


brincar. Eu preciso de você, meu filho. — Um homem de
terno e gravata estava na frente dele com uma pose
imponente, apesar de frágil. Eu estava em choque por
saber que o mestre de obras era parente de alguém tão
chique.

— Não precisa, consegue lidar com tudo sozinho.


— O olhar de Ícaro encontrou o meu e fez uma careta. Ele
deu as costas não só para o pai, como para todos que
assistiam o confronto dos dois.
Senti vontade de ir atrás, mas a pegada forte da
minha mãe na minha mão me fez focar em quem era
importante.

— Quem é esse? — sussurrei enquanto ela me


colocava na frente dela e seguia para a moça da recepção.

— Oi, Linda. Aqui estão seus consertos — falou,


forçando um sorriso e meu olhar foi dela para o homem
que se sentou em um sofá e parecia rendido à fraqueza.

— Será que ele está bem? — perguntei para a


recepcionista, que parecia mais constrangida do que minha
mãe.

— Será que vou lá perguntar? — Linda questionou


e minha mãe negou com a cabeça. — Melhor te atender
primeiro, não é mesmo, dona Maria Rita?

— Preciso voltar logo para casa, depois minha filha


passa aqui para acertar com você.

— Mas...

Olhei para o homem, que agora nos encarava com


curiosidade e então para minha mãe, que saía apressada
do hotel, e tentei acompanhá-la. Desarmei o alarme do
carro e sentamo-nos nos bancos apressadas.
Saí cantando pneu e sentindo que estava fugindo.
Tomei como minha a preocupação da minha mãe e assim
que estacionei em casa, soltamos o ar com certo alívio.

— O que foi isso, mãe? — perguntei e ela saiu em


fuga. — Volte aqui, dona Maria Rita. Estou confusa!

— Sabia que conhecia aquele rapaz de algum


lugar. É muito parecido com seu pai, como não lembrava?

— Parecido com quem, mãe? Fale comigo! —


implorei enquanto ela entrava em casa e ia direto para o
quarto de costura.

— Elias Duarte, Natália. Ícaro é filho desse homem,


que...

— Quê mais? — insisti e ela balançou a cabeça em


negação, sentou-se em frente à máquina de costura e
vidrou nela. — Você fala como se o homem ou a família
dele fosse amaldiçoada.

— Oh, Deus, perdoe por julgar. — Colocou as


mãos na boca e trouxe uma cadeira para ficar ao seu lado.
Tomei sua mão na minha e ela respirou fundo várias vezes,
olhando para a nossa união. — Os filhos não devem pagar
pelos erros dos pais.
— Concordo. Só não entendo o contexto. — Seus
olhos encontraram os meus, havia perturbação.

— Elias faz parte do passado do seu pai, minha


filha. Esse ninho de vespas não deve ser mexido, ainda
mais com um assunto que faz tanto tempo. — Suspirou. —
Ícaro foge do pai, talvez ele saiba o que aconteceu.

— E, pelo visto, eu ficarei sem saber. — Minha mãe


fez uma careta. Eu sabia que não conseguiria nada com
ela. — Aquela casa dos fundos é dele, desse tal Elias
Duarte?

— Sim. Ele prometeu nunca mais voltar, então,


achei que tinha vendido para outra pessoa ou outro parente
assumiu.

— Ícaro está determinado em concluir a casa, mas


falou que ninguém iria morar nela. — A cara de paisagem
da minha mãe me irritou. — Não tenho mais doze anos,
pode falar comigo.

— O que está no passado, fica no passado,


Natália. — Apertou minha mão e voltou para a máquina de
costura. — Me deixe trabalhar, vamos?

Levantei-me irritada, fui para a sala, mas o


notebook não me agradou tanto quanto a curiosidade em
saber a conexão do Elias com o meu pai. Dei um passo
para fora de casa e fiz uma careta, por sentir que a
conexão poderia ser meu pai biológico e não meu
padrasto, que eu também chamava de pai.

Que confusão!

Entrei no carro novamente e nem avisei a minha


mãe aonde estava indo ou que horas voltava. A primeira
coisa que veio à minha mente foi o hotel, mas optei por
passear no centro em busca de informação. Se existia
alguma novidade na cidade, era certeza que estava na
boca do povo, por se tratar de uma cidade pequena.

Parei o carro na frente da praça, caminhei de


ouvido atento e entrei em algumas lojinhas, que sempre
ficavam abertas por conta dos turistas que se aventuravam
a aparecer pelo centro.

Nenhuma informação.

Céus, eu faria algo muito feio, mas era mais forte


que eu, uma vez que minha mãe manteria o mistério. Até
quando? Eu não sabia, porque era melhor ir atrás da
informação na rua do que vasculhar sua intimidade.

Voltei para o meu carro e dirigi até a casa que


Nanda tinha me falado que se mudaria depois do
casamento. Parada na frente dela, observei o quanto era
bem pequena e simples, ainda estava em construção.
Eugênio era o responsável por se dedicar em dois períodos
para a sua família.

— Olha quem apareceu, Mozão! — o marido gritou


quando saí do carro, constrangida. Nanda apareceu na
porta de casa vestindo apenas um top e short, sua barriga
exposta me fez relaxar, era uma grávida linda.

— Ô de casa! — brinquei, entrando no quintal da


frente sem portão e acenando para Eugênio, que erguia
paredes de um cômodo na lateral.

— Que bom que você veio. Estava mexendo com o


quarto do bebê. — Abraçamo-nos e a acompanhei para
dentro. Havia muita coisa empilhada ainda, os presentes
de casamento estavam aguardando armários, já que a
cozinha estava pela metade.

— Eugênio está construindo qual parte?

— A sala e mais um quarto. Demos prioridade para


nosso quarto e do bebê, além da cozinha.

Abri a boca em choque, porque o quarto do


pequeno parecia outra casa. Aqui já estava pintado e tudo
montado, em branco e amarelo.
— Está tudo lindo, Nanda. Só falta o bonitão ou
bonitona se mostrar — brinquei, tocando as roupinhas que
estavam dentro do berço. Precisava encontrar um meio de
entrar no assunto Ícaro e seu pai sem que fosse muito
direta.

— Iremos fazer ultrassom no mês que vem apenas.


Com a nossa casa e a obra lá no seu bairro, Eugênio anda
muito cansado para ir até a capital.

— Se quiser, eu te levo. — Ela revirou os olhos e


passou a mão na barriga.

— O pai da criança quer participar, eu esperarei o


tempo dele. — Piscou um olho e colocou mais roupas
dentro do berço. — E então, já se decidiu?

— O quê? — Fiz uma careta confusa.

— Se vai dar uma chance para o Ícaro ou não. —


Cutucou meu braço e ri, envergonhada. — Estou sabendo
de você colocando bolo na boca dele.

— Estão romantizando minhas ações, eu


praticamente soquei o bolo na boca dele. Onde já se viu,
recusar bolo de cenoura com cobertura de chocolate da
dona Maria Rita?
— Oh não, eu quero — resmungou salivando. —
Será que sua mãe pode fazer para mim?

— Eu que não vou contrariar a grávida. Vamos lá


em casa, quem sabe minha mãe muda de humor. — Joguei
a isca com o coração na mão.

— Imagina, vou ver se minha mãe faz, não vou


incomodar — falou desiludida.

— Acho que será uma alegria, isso sim. Depois que


ela viu o Ícaro com o pai dele brigando no hotel, ficou tão
estranha.

— O pai? — questionou, alto, arregalando os olhos.


— Ele faz tanto mistério da vida dele. Quem é o homem? O
que fez?

— Um tal de Elias Duarte. Conhece? — Ela não


pareceu reconhecer o nome, mas Eugênio surgiu no quarto
com curiosidade.

— Ícaro é filho de Elias Duarte? O dono da casa


que estamos reformando e que foi dono de metade dos
terrenos de Dualópis? — Bufou com ironia. — O prefeito
comanda a cidade, mas a família Duarte é praticamente
dona. Não faz sentido.
— Nossa, nem parece um segredo tão uau assim
— resmunguei. — Mas pelo que Ícaro me contou, ninguém
vai morar naquela casa.

— Então ele falou mais para você do que para o


pessoal da obra. O homem trabalha como se fosse
pedreiro, mas manda e desmanda como o mestre de
obras. Está explicado o motivo do Peixão ser como é, filho
de um milionário. A questão é, por que fez isso?

— Isso não desabona o quão correto ele é, Mozão.


Sempre paga tudo direitinho e ainda nos deu um presentão
de casamento. — Nanda me analisou e tentei disfarçar o
incômodo que estava sentindo. — Você veio aqui só para
saber mais do Peixão, não é?

— Não! — Olhei para Eugênio, que riu e saiu do


quarto. — Tudo bem, sim, eu queria saber mais sobre ele e
o pai, mas... — ergui o dedo para não deixar que ela
falasse antes que eu concluísse: — não explica o motivo
da minha mãe estar tão chateada com isso. Eu não lembro
de ninguém com esse sobrenome na nossa escola.

— Não tinha, porque os ricaços sempre moraram


na capital.

— Eu morei lá, Nanda.


— E por um tempo você também era cheia de
dinheiro, Nate-Adoçante.

— Isso é castigo, esse apelido não! — reclamei


enquanto ela ria alto. Por gostar de música e fazer poesia,
falavam que eu era muito doce, como adoçante.

— Vamos fazer o seguinte então: vou comer bolo


com sua mãe e depois, vou assuntar com meus pais sobre
Elias Duarte. O que eu descobrir, te falo.

— Eu sabia que poderia comprar tudo com esse


bolo, por isso me indignei quando Ícaro recusou! — Ela
segurou minhas bochechas como se fosse uma criança. —
Ai.

— Não dê muito trabalho para o rapaz. O homem


tem dinheiro, pode mudar sua vida e te dar o sonho de
princesa.

— Mil vezes ter um amor como o seu e de Eugênio


do que uma vida construída em cima de mentiras. Só quero
saber o que tem de tão misterioso para minha mãe
esconder, me envolver emocionalmente não está nos meus
planos. Eu não ficarei por muito tempo na cidade.

— Teimosa. — Apontou para a cadeira que tinha no


quarto. — Vou tomar um banho e me trocar. Fique aí no
cantinho, de castigo, para pensar.

— Coitada da sua filha — falei por impulso e depois


neguei com a cabeça. Nem sabia o sexo e já estava
imaginando uma mini-Nanda, altruísta e divertida correndo
entre nós.

Que minha curiosidade não tirasse meu sono mais


do que a construção do vizinho do fundo fazia.
Capítulo 9
Ícaro

Eu tinha certeza de que a cidade inteira, agora,


sabia que o mestre de obras Ícaro era um mentiroso. Meu
pai não tinha que aparecer, muito menos ter discutido na
frente de muitas pessoas, de Natália.

Droga, além da mulher não conseguir me deixar


dormir e bagunçar minha cabeça, ela me irritava e
preocupava ao mesmo tempo. Sua ingenuidade passava
despercebida quando me enfrentava, mas eu via tudo dela.
Até demais.

Fiquei no meu quarto de hotel pelo resto do final de


semana e, segunda-feira, fui o primeiro a chegar à obra.
Segundos depois, outros apareceram e era nítido nos seus
olhares que sabiam sobre minha origem. De Peixão passei
a ser seu Ícaro, o que me irritou profundamente.

Se não fosse pela minha mãe, eu já teria colocado


aquela casa no chão e vendido 0 terreno para três
compradores, de tão grande que era.
— Está tudo bem, seu Ícaro? — Eugênio se
aproximou de onde eu estava almoçando, sozinho, ao lado
da churrasqueira e próximo ao muro da casa dos fundos.

— Não precisa me chamar assim só porque


descobriu que meu pai é Elias Duarte — retruquei, sério.
Precisava saber se continuaríamos sendo amigos ou ele
imporia sua inferioridade sobre mim. Não queria ser mais
nem menos que ninguém. Era demais pedir igualdade?

Ele ergueu uma sobrancelha e deu um passo mais


para frente, não se intimidando com minha irritação.

— Então, Peixão, vai continuar com essa cara de


bunda até quando?

Soltei o ar aliviado, ele bateu nas minhas costas


com força e sorri de lado pela animosidade. Talvez, uma
amizade poderia ser salvar no meio disso tudo.

— Não preciso parecer bonito para você, já é


comprometido.

— Mas Natália, não. — Olhou para o muro e virei o


rosto na mesma direção, assustado, achando que ela
estava novamente pendurada. — Olha como parece afoito.
— Aquela doida. Só não a corto de vez, por ser sua
amiga e de Fernanda.

— Ela está interessada em você.

— De novo com isso? — reclamei, pegando minha


marmita e seguindo para onde tinha um grande tambor de
lixo. — A última coisa que quero é me enrolar com alguém.

— Então fuja para a capital, Peixão, porque aqui


não se fala em outra coisa que não sejam as candidatas a
ser sua namorada. — Olhei-o confuso e ele riu, chamando
atenção de outros colegas. — Escolha uma e deixe o resto
para a turma ali, você é um concorrente de peso.

— Não quero disputar espaço. Vim para concluir a


casa e ir embora, fim de papo. Se quisesse status ou
veneração, era a primeira coisa que eu falaria, meu
sobrenome.

— Ocultar suas origens não te dá forças. —


Apertou meu ombro enquanto seu olhar parecia querer
dizer muito mais do que as palavras. — Honrar pai e mãe é
uma das leis que movem o universo.

— Estou fazendo 50%. É o que dou conta no


momento. — Olhei para cima, ao redor e dei um passo
para trás. — Vou voltar para o segundo andar.
— Descanse com a gente. — Apontou para dentro
da casa, onde vários estavam deitados e conversando. —
Se quer estar como um de nós, tem que agir igual e não
como um psicopata do trabalho braçal. Venha descansar,
Peixão.

A contragosto, eu o obedeci, porque ele tinha razão


e eu precisava tirar Natália da cabeça. Depois que olhei
para aquele muro, era apenas em seu rosto e pernas
expostas que eu pensava.

Será que até ela iria me tratar diferente?

Fui conduzido por Eugênio e, sendo todos sendo


fiéis a ele, aos poucos os homens voltaram a me chamar
de Peixão, a ficar menos rígidos ao meu redor e a me tratar
como igual. Eu queria ser como eles, pelo menos no tempo
em que estivesse na cidade. Meu pai não poderia me tirar
mais aquele momento de paz.

Como de costume, quando terminou o expediente,


todos foram embora e eu fiquei. Estávamos assentando o
piso do último andar e por lá fiquei depois que coloquei o
meu celular para tocar. Era minha banda favorita, mas só
pensava em Natália ao escutar a voz de Jared Leto
cantando Closer To The Edge.
“Você consegue imaginar um momento em que a
verdade correu livre?

O nascimento de todos nós

A morte de um sonho

Mais perto do limite”

Estava ficando cada vez mais difícil controlar a


raiva, por mais que eu estivesse sozinho e lidando com
trabalho braçal. Fugia dos pensamentos que me levavam
até meu pai, mas se tornava impossível, porque era ele ou
Natália que dominavam a mente.

Fui até a varanda, sentei-me com as pernas


suspensas, já que não tinha grade ainda e não me
surpreendi ao ver uma luz na árvore da vizinha do fundo.
Deveria ter passado das 23 horas, eu estava fazendo
barulho e ela, com insônia – como eu –, estava
incomodada.

Daquela vez não me incomodei de repeli-la, até


porque, queria saber como ela me enxergava depois que
soube quem era meu pai. Desci os degraus de dentro da
construção deixando o celular tocar as músicas ao fundo.
Peguei a escada portátil e coloquei contra o muro.
Segundos depois, lá estava ela ficando de pé e descendo
os degraus.

Natália sempre cheirava tão bem e eu, claro, como


um gambá.

— Pensei que as horas extras tinham acabado,


agora que não precisa mais disfarçar que é um pobre
assalariado. — Seu tom era de brincadeira, mesmo que
minha feição não deixasse brecha para intimidade.

Afastei-me quando ela alcançou o último degrau e


fui até a ducha da piscina. Conversaria com ela como um
homem decente, ou pelo menos tentaria. Ir para um rumo
diferente dela era mais forte do que eu.

Tirei a camiseta, a calça jeans e o tênis. Fiquei de


costas para ela enquanto sentia a água gelada lavar o mau
cheiro e também um pouco da raiva. A cabeça quente deu
lugar à tranquilidade, se ela realmente tinha interesse em
mim, poderia ser benéfico para nós dois.

Porra, mudei de opinião sobre ela de uma hora


para outra.
— Vai continuar se exibindo para mim? Poderia
dançar, pelo menos. — Virei-me para encará-la sentada em
cima do balcão, bem afastado de onde eu estava. As
pernas balançando como as de uma adolescente me
desconcertavam, estava acostumado com mulheres sérias
demais para lidar a uma descontraída, como Natália.

Aquela camiseta larga, que denunciava a ausência


de sutiã, deixava-me louco. Naquele dia eu não conseguiria
controlar meus instintos, por isso me mantive um pouco na
água gelada antes de desligar a ducha e voltar a me vestir.
Colocando os cabelos para trás para tirar um pouco da
água, aproximei-me dela.

— Sem sono? — questionei, apoiando minhas


costas em um pilar na sua frente.

— Sim, tem um vizinho chato que ama fazer


barulho de madrugada. Tudo bem que no auto falante soa
a voz mais linda do mundo, mas eu preciso dormir. —
Forçou um sorriso e inclinou para frente com as mãos
apoiadas no seu lado.

— Basta fechar os olhos, Nat.

— Esse apelido não, por favor — pediu. Precisei


sorrir ao perceber que tinha conquistado algo novo que
podia irritá-la.

— Faz parte do seu nome.

— Mas combinado com outra palavra me lembra do


bullying do colégio. Foco em Natália, Peixão.

— Que seja Medusa então — provoquei e seu


revirar de olhos nunca me pareceu tão atraente.

— Me chamando de água-viva ou o monstro da


mitologia grega?

— Veja como sou bonzinho, te deixo escolher.

— Você não acerta uma, não é mesmo? Gosto das


princesas, não de seres misteriosos. Foco na Rapunzel. —
Pulou da mesa e olhou para cima, onde tinha uma luz
acesa. — O que estava fazendo lá?

— Quer ver? — convidei, despretensioso.

— Ícaro Duarte sendo educado? Uau, preciso pedir


para a minha mãe fazer outro bolo de cenoura para ver se
o dono da cidade continuará amigável.

Era para ter levado na brincadeira, até porque,


nossas conversas sempre foram em tom de provocação,
mas levei para o lado pessoal e me ofendi. Usou meu
sobrenome para salientar o quanto sabia da minha família,
não para me exaltar.

— Esqueça, só vá embora, eu farei o mesmo. —


Dei-lhe as costas bufando de raiva e senti sua mão no meu
braço para me parar.

Algo ofensivo estava na ponta da minha língua,


mas recuei quando vi seu olhar de desculpas. Ela tentou
sorrir e engoliu em seco, seu desespero era palpável.

— Era uma brincadeira e você já demonstrou em


vários momentos o quanto quer ser visto sem estar
vinculado à sua origem. Desculpe.

Estava fácil demais me aproximar e tomar seus


lábios nos meus, ou mesmo abraçar sua cintura e a
pressionar contra a parede. Minhas mãos formigavam para
tocar seu corpo por cima e por baixo dessa camisa grande,
ou mesmo para tirá-la.

Fechei os olhos e respirei fundo ao tirar sua mão


de mim com delicadeza. Apertei seus dedos com
suavidade para que ela não interpretasse erroneamente.
Eu só precisava de distância, não era rejeição.

— Vamos combinar amanhã? Sem pular muros e


com você entrando pela porta da frente. — Forcei um
sorriso, abrindo os olhos e ela acompanhou, surpreendida.
— Sério, também vou dormir, faça o mesmo.

— Ok.

— Ok. — Dei um passo para trás e então, apontei


para a escada. — Vamos, eu te ajudo a voltar para o seu
lado.

Ela me obedeceu em silêncio, subiu os degraus e,


lá de cima, enquanto a observava além do necessário,
falou:

— Até amanhã, Peixão.

— Até, Medusa — murmurei, vendo-a sumir na


escuridão, entre os galhos do pé de seriguela.

Eu estava fodido.
Capítulo 10
Natália

— Vai falar para mim qual o motivo de tanta


ansiedade ou continuará roendo as unhas? — minha mãe
falou com diversão e na hora afastei o dedo da boca.
Odiava aquele costume, mas quando eu via, ele já me
dominava sem que eu percebesse.

— Apenas pensando, mãe — respondi sentada à


mesa enquanto ela preparava o almoço. O notebook
estava aberto na minha frente, mas não conseguia ver
nada que não fosse o convite feito por Ícaro ontem. — Se
eu conseguir um emprego em outro estado, você vai
comigo?

— Está mudando de assunto ou é uma pergunta de


verdade? — Colocou a mão na cintura e me encarou cheia
de dúvidas.

— Claro que é de verdade. Preenchi um formulário


ontem, mas estou na dúvida agora.
— É sua vida, minha filha. Vá ser feliz, venha me
visitar nas férias com meus netos.

— Dona Maria Rita, menos. — Revirei os olhos e


ela voltou a atenção para a cozinha. — Tenho até os 35
anos para me casar e ter filhos, agora não é momento para
pensar nisso.

— Tudo bem.

— E então? — Insisti, ela não tinha me respondido


ou eu que não queria aceitar o fato de que ela não
pretendia sair dali.

— Acho que farei um bolo para o chá da tarde. —


Mudou de assunto e olhando para o teto.

— Mãe! — Tampei o rosto com as mãos quando


ela me olhou com diversão. Caramba, estava parecendo
uma criança, exigindo atenção e respostas enquanto ela
não queria me dar nada.

Deixei que ela continuasse com seus afazeres e eu


tentei me concentrar no notebook. Tudo bem que meu
coração começou a acelerar e o estômago embrulhou de
excitação pela perspectiva de ir novamente até a
construção, por livre e espontânea vontade. Ela não
destinou o bolo para os rapazes da construção, mas eu o
faria.

Não queria assumir que os acontecimentos da


madrugada mudaram minha visão sobre Ícaro, mas ela
ficou ainda mais aguçada pela minha curiosidade sobre a
casa.

Havia também algo que minha mãe escondia e que


não queria me contar. Qual era o envolvimento do meu pai
ou padrasto com os Duarte? Ícaro não tinha cara de quem
sabia de algo, uma vez que não demonstrou conhecimento
sobre a minha mãe no casamento de Nanda.

Fazendo pesquisas na internet, chateei-me por não


achar nada na minha área pelos arredores. Na capital teve
concurso público alguns meses atrás e cheguei a fazer,
mas não fui bem colocada, o nervosismo conseguiu o pior
de mim me fazendo marcar o gabarito errado.

Era como se o universo me mostrasse que não


deveria seguir minha vida próxima da minha mãe. Por que
ela não queria sair daquela casa?

— Tem falado com a vó Alice, mãe? — perguntei


quando ela foi tirar o enfeite de centro da mesa para
colocar a toalha.
— Sabe que depois da morte do seu pai, ela
preferiu se afastar. E de certa forma, ela não é sua avó de
sangue — falou, tranquila, sem rancor ou pesar.

— E de uma hora para outra vocês deixaram de ir


até ela nas férias de Natal. Por quê?

— Por causa do trabalho do seu pai. — Pegou os


pratos e demonstrou impaciência. — Por isso vou continuar
dizendo e insistindo, minha filha. Vá viver sua vida,
transformar o mundo e ter sua própria família. Eu estou
amarrada aqui.

— Desde quando? — Coloquei o notebook em


cima da cadeira e ela negou com a cabeça, aflita. — Que
segrego é esse que tira sua paz, mãe?

— É assunto de gente grande, Natália. Por favor,


não se envolva, principalmente com o rapaz Ícaro. Aquela
família é cheia de problemas.

Abri a boca para exigir mais informação, mas


recuei, fui para o banheiro lavar minhas mãos e refletir
sobre o que realmente deveria fazer. Queria buscar algo
para mim, ter meu próprio emprego, um carro e uma casa,
mas não me via longe daqui ou mesmo da minha mãe.
Éramos apenas nós duas, depois do balde de água fria
sobre a avó que nunca fiz distinção se era de sangue ou
não, eu me sentia ainda mais necessitada de estar com
alguém familiar.

Almoçamos em silêncio, o que deveria ajudar a


minha quietude, mas só atiçou o furacão interno. Como
minha mãe era rápida, enquanto eu lavava a louça, ela fez
um bolo e seguiu para seu canto da costura.

Deveria ter ido para a sala ou mesmo voltado para


o computador, mas peguei um recipiente de plástico,
guardanapo e um pedaço de bolo quente, sem cobertura
mesmo, para levar até Ícaro. Em algum momento, as
informações que eu precisava saber chegariam até mim
por ela ou por ele, mesmo sem que eu soubesse quais
seriam.

Não avisei minha mãe que sairia, caminhei pela


calçada sem confiança e cheguei tímida até o portão sem
pintura da casa em plena finalização. Um dos pedreiros
estava trabalhando na frente e me encarou curioso.

— Eugênio está? — perguntei pela pessoa que não


me comprometeria. O bolo não seria para ele, mas se não
tivesse jeito, entregaria a ele para ir atrás de Ícaro depois.

— Oi, Natália, como está? — Ele apareceu.


— Ah, oi.

O marido da minha colega logo apareceu em meu


socorro, sem precisar tirar o outro homem do seu trabalho.
Perspicaz, ele me puxou para dentro e foi me guiando ao
subir as escadas.

— Sei que não veio por mim — falou baixo


seguindo por mais um lance de escada. Iríamos para o
topo da torre, onde eu sempre sonhei estar.

— Não deduza nada, por favor.

— Quem está tirando conclusões precipitadas é


você — respondeu, divertido.

Chegamos ao último andar e olhei ao redor do


cômodo. Era grande, tinha alguns recortes nas paredes e
mais ao fundo, uma entrada que parecia ser do banheiro, já
que uma banheira poderia ser vista de longe. A parede já
estava toda branca de massa corrida e o chão brilhava pelo
porcelanato. Estavam concluindo.

— Natália? — Virei meu rosto na direção da voz de


Ícaro e o percebi esticado em cima de uma escada móvel.
Estava trabalhando no teto, seu rosto e roupa estavam
cheios de manchas brancas. — Pensei que não viria mais.
— Bolo? — Estiquei o recipiente da minha mão e
ele desceu os degraus, relaxando pouco a pouco. —
Estava entretida no computador, por isso não vim antes.

— Tudo bem. — Deixou o que tinha em mãos no


chão e se aproximou de mim com seus olhos nos meus. —
Você terá que pôr na minha boca, estou completamente
sujo.

— Está quente ainda, não precisa ter pressa. —


Olhei ao redor, sorrindo por finalmente saber como era ali
por dentro. — O que seria aqui?

— A suíte principal. — Apontou em um dos


recortes de parede. — Ali ficaria o closet e mais ao fundo, o
banheiro. Venha, vou te mostrar.

— Acho que é maior do que o apartamento que eu


morava na capital.

— Por quanto tempo esteve lá? — perguntou,


parando na entrada do banheiro. Caramba, tinha dois
vasos e duas pias.

— Durante minha graduação e pós.

— Pelo visto terei que fazer uma pergunta


completa para obter mais de você.
— Quer saber meu tipo sanguíneo também? —
questionei, divertida e fui me sentar na beirada da banheira
para ficar de frente a ele. — Me formei em pedagogia e fiz
pós em educação especial.

— Especial como? Crianças com autismo,


dislexia... — Cruzou os braços, curioso, mas também
parecia querer esconder algo.

— Tudo o que é fora do padrão, é mais fácil de


entender assim. — Fiz um movimento com as mãos e ele
parecia em choque. — Aprendi libras, eu te cumprimentei.

Não sabia explicar qual o motivo dele ter ficado em


choque, ainda mais por eu nunca ter visto minha formação
como algo excepcional. Trabalhei com muitas pessoas e
em vários lugares, mas nunca me senti satisfeita por conta
da desvalorização do trabalho do professor.

Sabia que grande parte do problema da minha vida


quem causava era eu mesma, mas no momento eu só
tinha foco nos segredos da minha mãe. Só de pensar
nisso, já sentia um peso nas costas que nem parecia meu.

— Você sabe falar com os surdos — finalmente


falou algo, admirado.
— Sim — respondi, divertida. — Sua vez, como
aprendeu a trabalhar em construção? Tenho certeza de
que não tem nada a ver com a faculdade que cursou.

— Fiz dois anos de engenharia e concluí


administração, a pedido do meu pai. — Piscou várias vezes
vindo na minha direção e se sentando ao meu lado. —
Quando voltei da Inglaterra, passei um bom tempo nos
canteiros de obras dos clientes do meu pai. Era uma
tentativa de cansar muito para dormir à noite.

— Sofre de insônia também?

— Muito. — Olhou de mim para teto, próximo a


varanda sem grade.

— Está ficando tudo muito bonito por aqui. Fico


triste ao pensar que ninguém irá tirar proveito do lugar.

Parecia que eu tinha falado alguma ofensa, porque


ele se levantou apressado, caminhou até onde estavam
suas coisas no chão e subiu a escada. Eu precisava anotar
mentalmente: ele não gostava que comentassem sobre
alguém vir morar aqui.

— Posso ficar um pouco? — perguntei, sem


esperar resposta. Ele também não me deu uma.
Caminhei até a varanda e me sentei com medo de
cair. De cima, dava para ver minha casa, o pé de seriguela
e todo o quintal, a vista era privilegiada. Lembrei das
recordações de criança, algumas boas e outras ruins e
bufei com ironia.

Tenha medo dos homens...

Às vezes, eram eles quem pareciam não querer se


aproximar por me temerem. Não tive um pai protetor ou
irmãos ameaçadores, deveria ser simples estar comigo.

A batida da música One Track Mind, por Thirty


Seconds To Mars me chamou atenção para olhar por cima
do ombro. Ícaro tinha posto o celular no bolso traseiro da
calça jeans e voltou sua atenção para a atividade no teto.
Interpretei como um convite para ficar e não ir embora, por
isso fechei os olhos e prestei atenção na letra.

“Uma noite escura, se lembre

O nascer do sol, se renda

Não tem outro jeito

Não tem outro jeito”


Capítulo 11
Natália

Quando me vi sozinha no cômodo espaçoso,


levantei-me para descer a escada e ir embora. Pelo visto,
com Ícaro seria sempre assim, conversas pela metade e
ações subjetivas.

Cumprimentei alguns rapazes enquanto chegava


ao térreo e me surpreendi com o dono da casa
conversando no portão da frente.

— Pode colocar nos fundos, por favor — Ícaro


apontou para dentro e se apressou para me encontrar. —
Hei, já vai?

— Sim, minha mãe nem sabe que saí.

— Posso anotar seu número de celular? —


perguntou, acanhado, colocando as mãos no bolso de trás
da calça. O rapaz que ele conversava começou a
descarregar caixas de piso para dentro de casa.
— Confesso que não fico sempre com ele. — Fiz
uma careta quando percebi que ele entendeu erradamente
minha afirmação. — Não é uma desculpa, só não tenho
amigos para ficar trocando mensagens ou olhando redes
sociais.

— E Fernanda? Ela não é sua amiga?

— Quando quero falar com ela, vou pessoalmente.


— Dei um passo para mais próximo e falei os números. Ele
apressadamente pegou o celular e anotou, desconfiado. —
Ainda acha que estou fazendo charme?

— Já comprovei que vem naturalmente, Medusa.


— Sorriu de lado, encarando-me profundamente. Aquela
sensação de que a relação poderia se aprofundar tomou
conta e minha boca foi mais rápida que meu cérebro ao
dizer:

— Não tenha grandes expectativas, Peixão. Estou


indo embora da cidade a qualquer momento.

Virei de costas e segui apressada para a minha


casa. Estava com medo de encarar sua reação ou mesmo
ouvi-lo rebater. Era muita pretensão da minha parte achar
que ele tinha algum interesse mais forte, mas, por via das
dúvidas, era melhor nos colocar em nossos lugares, eu em
um extremo e ele em outro.

Para minha surpresa, minha mãe nem tinha notado


a minha falta, tão focada que estava em suas costuras.
Como minha atenção era apenas nela e na casa, percebi
que havia uma cobrança a ser feita. Precisava ir pegar o
acerto no hotel, ela devia ter se esquecido ou estava
fugindo.

Será que seria muito feio invadir a privacidade da


minha mãe e fuçar nos seus pertences? Só de pensar,
aquela dor nos ombros veio me lembrar que eu poderia
estar carregando muito mais do que poderia suportar.

Peguei meu notebook, fui até a sala e fiz uma nova


pesquisa de emprego ou concurso público. Muitas das
vagas eu descartava por conta do salário, quem poderia
viver com apenas um salário-mínimo? Percebi que estava
procurando justificativas para não ter minha independência,
fiquei zangada comigo mesma e larguei o dispositivo de
lado, irritada.

Será que eu viveria eternamente com espírito de


adolescente?
— O que aconteceu, filha? — minha mãe
perguntou da porta da sala. Ela parecia exausta.

— Está tudo bem comigo, mãe, mas a senhora


precisa descansar.

— Se importa de ficar sem companhia para a


janta? Acho que vou dormir mais cedo hoje.

— Agora? Mas são... — Olhei a tela do notebook


no chão e vi que estava quase noite. — Nem vi o tempo
passar. Pode ir descansar, eu vou aproveitar para dar uma
volta na rua.

— Tome cuidado, minha filha. Qualquer coisa me


ligue.

Deitei-me no sofá para encarar o teto e refletir


sobre o que fazer. Poderia ir até Nanda para saber se já
descobriu algo, voltar para a construção com a desculpa de
pegar a vasilha de bolo ou ir ao hotel, onde cobraria o
serviço feito pela minha mãe ao mesmo tempo que veria
Ícaro.

Deveria estar fugindo dele, não criando situações


para estarmos juntos. Todavia, minha necessidade de
saber mais sobre o segredo era mais forte que o meu
medo de aprofundar relações. Se nossas famílias estavam
conectadas por algo tão oculto, lutar contra nossa interação
era uma batalha com apenas um vencedor certeiro, o
destino.

Tomei um banho, comi um pedaço de bolo e fui até


a garagem pegar o carro. Passei primeiro pela construção,
tudo estava devidamente fechado, nenhuma hora extra
para o administrador que queria ser mestre de obras.

Dirigi até a casa de Nanda, mas me arrependi, uma


vez que o sentimento de estar usando uma amizade de
forma unilateral me corroía. Não comprei um presente para
o bebê ainda, não demonstrava interesse na sua vida, eu
só queria saber da minha família.

Eu não estava com fome, então, meu último


destino foi o hotel. A caminhonete de Ícaro estava no
estacionamento, precisei de muita força de vontade para
sair de onde estava e caminhar até a recepção. Nossa
última interação foi amistosa e, como sempre, precisei
dizer algo que me tornasse inalcançável.

Cumprimentei o recepcionista, que não era a


mesma pessoa que minha mãe entregou a encomenda. Ele
não teve trabalho em encontrar a ordem de pagamento, me
fez assinar um recibo e peguei o dinheiro para levar até
minha mãe.
— Ícaro Duarte está? — Mordi a língua quando
percebi minha ousadia. O homem franziu a testa, confuso,
e neguei com a cabeça. — Deixa para lá, obrigada.

Dei um passo para trás antes de me virar e sair, o


elevador chegou no térreo e a pessoa que eu estava
procurando apareceu com cabelo bem alinhado, uma
camiseta polo elegante e calça jeans perfeita para o seu
corpo. Ele parecia até outro homem. Naquele momento,
estava se portando como herdeiro de seu sobrenome.

O homem conseguiu reagir quando o elevador


começou a se fechar. Caminhou até mim enquanto eu
buscava uma rota de fuga que não me fizesse passar
vergonha na frente do atento recepcionista.

— Está atrás de mim? — perguntou baixo e sem


presunção. Senti uma pontada de esperança, por isso
mordi o lábio e abaixei a cabeça para não responder de
forma que o ofendesse. Era apenas eu tentando me
proteger, mesmo que isso custasse fazer outras pessoas
sofrerem.

— Vim pegar um dinheiro da minha mãe. — Ergui o


papel dobrado com o pagamento dentro e me apressei a
complementar quando o vi recuar emocionalmente: — Já
jantou?
— Não era bem isso que estava em mente, mas
pode ser. — Apontou em direção à saída e acompanhei-o
lado a lado até o estacionamento. O silêncio entre nós
parecia à iminência de uma explosão, só não saberia
explicar a natureza dela. — Tem alguma preferência para
comer?

— Pode ser no Rei do Caldo, aquele restaurante


perto do rio?

— Querendo me levar para o meio do mato?


Pretende me jogar para as piranhas? — brincou, parando
na traseira da sua caminhonete. Havia um duplo sentido
em suas palavras, ainda mais que, a uma quadra do
restaurante que falei, existia uma casa com muros e
portões pretos, todos comentavam que era um cabaré. —
Aonde vai?

— Vim de carro. — Apontei com o polegar na


direção que estacionei.

— Vamos juntos. — Foi até a porta do passageiro e


abriu, me convidando por pressão a fazer o que queria.

Suspirei, seguindo até aquele monstro de


automóvel, precisei de ajuda para subir e coloquei o cinto
sentindo um leve tremor por estar muito alta. Que ironia, o
alto do pé de seriguela não me dava metade do medo que
eu sentia lá.

— Eu estava apenas brincando — falou, sério,


quando se acomodou atrás do volante e deu partida.

— Tenho certeza de que o Peixão não tem medo


das piranhas. — Tentei deixar o clima mais tranquilo e
entrei no jogo.

— Até porque, quando o assunto é esse, o Peixão


vira tubarão. — Esticou o braço para que sua mão
apertasse meu joelho e me deixou encabulada.

Ainda bem que ele rapidamente voltou seu foco


para a direção, porque meu corpo inteiro parecia em
chamas e meu coração estava prestes a pular pela boca.

Onde eu estava me metendo saindo apenas com


ele?
Capítulo 12
Natália

— Então, você sabe a língua dos surdos — Ícaro


soltou depois de fazermos nossos pedidos e ficarmos em
um silêncio incômodo. Ele parecia aborrecido com essa
descoberta sobre mim e eu não sabia interpretar o motivo.

— Faz parte. — Dei de ombros. — E você sabe


assentar um piso mesmo tendo dinheiro para pagar alguém
para fazer.

— Saiu errado, você se ofendeu — deduziu e


esfregou as mãos no rosto. Estávamos frente a frente, em
uma mesa ao lado de uma grande janela que dava vista
para o rio que cruzava a cidade. Não dava para ver muita
coisa, mas era possível escutar o som calmante de água.
— Estou admirado e tentando entender como alguém como
você cruzou o meu caminho justo agora.

— Como assim?

— Eu tenho uma irmã. — Ele tirou o celular do


bolso e mostrou a tela para mim, que continha a foto de
uma linda garotinha séria. Eu não saberia explicar, mas ela
me tocou profundamente, como se eu a conhecesse há
anos. — Ela sempre teve problemas para ouvir e falar.

— Que pequena guerreira. — Sorri, tirando o


celular da sua mão e admirando mais um pouco aquela
imagem. Talvez fosse esse o motivo de achar que já a tinha
visto, ela era especial.

— Ou você pode apenas dizer que ela é o anão


zangado da Branca de Neve. — Entortei a boca e devolvi o
aparelho sentindo que essa história teria muito mais do que
estava sobre a superfície.

— Pelo visto, você não tem paciência com ela, não


é mesmo?

— Posso te contar algo? Prometa não dizer a


ninguém, nem mesmo a Eugênio ou Fernanda? — Ele
parecia desesperado para desabafar, então acenei
rapidamente. — Eu não sabia da existência dessa menina
desde que voltei para o Brasil. Minha vida está seguindo
ladeira abaixo a cada dia que passa e não tenho condições
de pensar nela e em mim ao mesmo tempo. Quem tinha
que dar conta era o meu pai, não eu, mas, por algum
motivo, quando ele me viu brincando com ela pela primeira
vez, achou que eu salvaria aquela criança.
— Nem sei o que dizer — confessei, porque a
intensidade das suas palavras me chocou. Minha mente
trabalhava com várias teorias sobre o fato narrado, além
das mil e uma perguntas que surgiram. — Ela é sua irmã
de sangue?

— Por parte de pai, nem sei quem é a mãe —


murmurou tão baixo que quase não escutei. — Nem sei por
que estou falando isso para você...

— Pode confiar. — Estiquei minha mão para


apertar a sua. Ele finalmente me encarou, um pouco
assustado, mas também aliviado. — Não é só na sua
família que há segredos. Acredite, eu sei como é isso.

— Sua mão é tão suave — comentou virando sua


palma para a minha. A diferença de texturas causou um
arrepio que passou pelo meu corpo inteiro, misturado com
a brisa do rio.

Precisamos nos desvencilhar, porque o garçom


apareceu com nossos caldos, refrigerantes e
acompanhamentos. Ele focou em se servir enquanto eu o
observava em busca de coragem para fazer o mesmo.

Algumas deduções passaram na minha cabeça e


precisei externar antes de me alimentar:
— Você não sabe libras.

— Não, nem meu pai ou a cuidadora dela — falou,


chateado, pegou um pedaço de pão e mergulhou no caldo.
— Estou vivendo a comprovação de que dinheiro não traz
felicidade.

— Por isso que ela é tão zangada. Quem no


mundo consegue ficar sem comunicação?

— Ela escreve, às vezes não entendo suas frases,


mas enquanto estávamos na casa do meu pai, a gente se
virava. Eu odiava deixar a menina sozinha para ir trabalhar,
por isso voltava e dava atenção para ela.

— E agora, está em outra cidade. — Não tinha


acusação nas minhas palavras, mas vi que ele sentiu como
se tivesse. — Você está fazendo seu papel de irmão mais
velho, não pai dela. Eu entendo.

— Talvez da boca para fora, sim. Não posso fazer


essa criança feliz se eu mesmo não estou.

— Quantos anos ela tem?

— Fez doze no mês passado. — Ícaro serviu uma


colherada de sopa. Sorri, lembrando da minha infância e do
quanto tudo era confuso e ao mesmo tempo revelador.
— Por que diz que sua vida está ruim? Você está
sendo obrigado a trabalhar como pedreiro?

— Estou fazendo por mim, para achar um pouco de


paz. — Apontou com o queixo para minha cumbuca. —
Não vai comer?

— Claro — respondi no automático. — Uma forma


de descansar também é dormindo.

— Se estivesse na minha mente, perceberia que a


última coisa que iria fazer era fechar os olhos. Tem um
monte de problemas no meu colo e nenhuma solução para
eles.

— Ou seja, você sabe que sua irmã não é


responsabilidade sua, mas, mesmo assim, se preocupa.

— Exato. — Soltou o ar pela boca em um


desabafo.

Finalmente comecei a comer e, enquanto o fazia,


trocava olhares com Ícaro. Ele parecia pronto para me falar
mais sobre ele, mas não precisava, ainda mais quando eu
o enxergava diferente. De arrogante e mimado, se tornou
um homem confuso tanto quanto eu.
— Como é morar na Inglaterra? — Iniciei outro
papo quando estava terminando o meu caldo.

— Bom, pela distância que eu tinha dos problemas;


e ruim, porque havia a pior de todas por perto. — Negou
com a cabeça, largando a colher em sua cumbuca. —
Morar fora do país é superestimado.

— Ficou sozinho por lá?

— Fui logo que concluí o ensino médio e voltei


apenas agora. Não fiquei sozinho por muito tempo, sempre
fui bom de me relacionar com pessoas e aprender. Em
poucos meses, já dominava a língua e me misturava entre
eles.

— Pelo visto, você mudou um pouco, não? — Ergui


uma sobrancelha enquanto tomava uma colherada de
caldo.

— Sim. — Olhou dos meus olhos para a minha


boca, deixando-me constrangida. — E você, Natália?
Estudou na capital, viveu sozinha e agora está de volta. O
que pretende fazer da vida?

— Essa é a pergunta de um milhão, Ícaro. —


Deixei a colher de lado e fiz uma careta. — Tenho até
vergonha de assumir o que sinto realmente, porque tenho
uma mãe maravilhosa, que me apoia e faz de tudo para
que eu cresça, mas...

— Parece que tem uma força maior te puxando


para o lado contrário que você escolheu seguir —
completou, mostrando entendimento. — Se valer de algo,
eu finalmente cedi e me sinto bem.

— O problema é que essa força me obriga a ficar


estagnada em casa com minha mãe. Ela está sozinha e
mais bem posicionada no mercado de trabalho do que eu
mesma. — Apoiei meu cotovelo na mesa e meu rosto na
mão. — Tem horas que percebo que escolhi a graduação
errada, nenhuma vaga de emprego me enche os olhos.

— Você não gosta de trabalhar com crianças


especiais?

— Amo, para falar bem a verdade. Porque a


evolução deles é tão simplória, mas tem um peso tão
grande. Gosto das pequenas coisas que tem simbologia
preciosa. — Dei de ombros.

— Você dá aula particular? — perguntou,


inclinando a cabeça para ficar como a minha. Ajeitei minha
postura e escondi minhas mãos debaixo da mesa para não
demonstrar o meu desconforto.
— Sim. Alguns dos bicos que fiz na capital foram
para auxiliar meus próprios alunos em casa, a dar
continuidade ao trabalho. Mas não posso trabalhar
eternamente de graça, Ícaro. Além de mal remunerada,
normalmente quem precisa dessa atenção não tem recurso
financeiro.

— Eu tenho condições. — Mordeu os lábios, com


nervosismo. — Falei para o meu pai e repeti várias vezes
na minha mente que não pegaria mais esse problema para
o meu colo. Só que é impossível eu não fazer nada,
quando tenho a chave para abrir um dos meus cadeados
fechados.

— Do que você está falando?

— Minha irmã tem acompanhamento especial na


escola. Como eu disse, ela consegue escrever. Mas falta
algo, sabe? Sei que é amor da família, eu mesmo já tentei
fazer minha parte e onde estou? Fugi. — Foi a vez dele de
estender a mão em minha direção e, timidamente, coloquei
a minha em cima da dele, palma com palma. — Você está
procurando algo, Tamiris tem algo que pode ser o que você
precisa.

— Ela está na capital — falei, hipnotizada, tanto


pela emoção que estava sentindo pela oportunidade de
emprego quanto pelo toque daquela mão áspera e
cuidadosa.

— Sim, e eu não queria voltar para lá antes de


concluir a casa da minha mãe. Meu pai veio até aqui cobrar
minha presença, ela está sentindo minha falta e isso me
mata, só que... — Apertou meus dedos com suavidade. —
Você não acha coincidência demais eu procurar uma forma
de me comunicar com a minha irmã e você aparecer?

— Acho que colocar muita expectativa em mim


pode te frustrar ainda mais. Sou uma pessoa normal, não
farei nada diferente do que a professora dela já faz.

A intensidade do seu aperto aumentou. Umedeci


meus lábios com a língua e ele novamente encarou minha
boca como se fosse fascinante. Arrependi-me de ter falado
daquela forma quando ele recuou emocionalmente, se
ajeitou na cadeira e ergueu a mão.

— Posso pedir a conta?

— Ícaro...

— Você está certa, tem mais pé no chão do que eu.


Tem horas que precisamos reconhecer nosso entusiasmo
desnecessário, ainda mais por sermos apenas conhecidos.
Não é mesmo?
Eu não tinha intenção de rejeitar, mas foi dessa
forma que ele entendeu e desconhecia como consertar.
Criar expectativas em cima do que eu não poderia oferecer
era pesado demais para mim, não me deixava com
remorso, mas daquela vez, estava com o coração
dilacerado.

Não era apenas Ícaro o envolvido, mas alguém que


realmente precisava de ajuda, nem que fosse uma
segunda opinião. Jurei acolher os especiais e estava
descartando a oportunidade como as vagas de emprego
que encontrava uma desculpa para não me candidatar.

— Ícaro — chamei, quando sua atenção foi para a


conta entregue pelo garçom. Ele tirou a carteira do bolso e
foi colocar o cartão de crédito em cima do papel com o
nosso consumo quando coloquei minhas mãos em cima da
dele. — Ícaro!

— Eu pago, não se preocupe.

— Me deixe explicar.

— O que foi, Natália? Não se sinta mal por recusar.


Como disse, o errado sou eu, não você — ele parecia um
robô falando quando pulei em cima da mesa para
chacoalhá-lo.
Tive que tirar minhas mãos dele, porque o garçom
chegou com a máquina do cartão de crédito e Ícaro
precisou da mão para digitar a senha.

— Vamos?

— Não, droga, me escuta! — falei um pouco alto


demais. Encolhi-me quando vi olhares na nossa direção e
foquei na paisagem escura do rio.

— Sou todo ouvidos — falou, com deboche, e não


o encarei, porque senti uma lágrima escorrer. Céus, eu não
dava conta, mas enfrentaria o desconhecido.

— Eu vou. — Limpei meu rosto e o afrontei, percebi


que ficou assustado ao me ver emocionada. — Você pagou
o jantar, irei te recompensar com minha ida para conhecer
Tamiris. — Respirei fundo quando percebi que ele iria
negar. — Tem coisas sobre mim que você não sabe e
talvez nunca saberá, porque não assumo nem para mim
mesma na minha mente. Sou confusa e posso ser a pior
coisa que já te aconteceu, mas vou tentar. Eu QUERO
tentar.

— Ok. — Levantou-se e fiz o mesmo, preocupada.

— Ok? — questionei, assustada, acompanhando


sua caminhada para sair do restaurante. Chegamos no
estacionamento e eu parecia prestes a explodir. — Então...

— Vamos no sábado, para não atrapalhar o


andamento da obra. Pode ser? Quer que eu fale com a sua
mãe?

— Tudo bem, estarei pronta — respondi, séria, e


ele sorriu, sarcástico, antes de abrir a porta para mim.

Idiota. Ele queria me irritar, mas eu já estava


esmagada demais emocionalmente para uma luta por
diversão.

Seguimos até o hotel em silêncio e murmurei uma


despedida quando saí do seu automóvel estacionado. O
peso da minha escolha começou a me sobrecarregar e
precisei de um tempo, sentada no meu carro, para ter
forças.

Qual era o meu medo, afinal? Ter um possível


emprego ou me envolver com a família Duarte, com a qual
minha mãe deixou claro que tinha um segredo? Ou mesmo
o formigamento da atração pelo herdeiro de uma das
famílias mais ricas da cidade?

Como não tinha resposta para nada, entrei no


piloto automático e voltei para casa.
Capítulo 13
Natália

— Hum... — resmunguei pela décima vez, estando


ao redor da minha mãe, sem saber como falar a ela que iria
para a capital com Ícaro. Bem, talvez, eu pudesse ocultar a
última parte.

— Se não falar, não saberei o que quer — ela


rebateu, divertida, dobrando em sua cama as roupas
recém-secas do varal.

— Vou para a capital no sábado, tudo bem? — Fiz


uma careta quando ela parou de se mexer e me encarou.

— Desde quando pede autorização? Pode ir, filha.


— Voltou a dobrar e sentei-me na cama, um pouco
aliviada. — O que vai fazer lá? Voltará no mesmo dia?

— Vou avaliar uma criança especial, ela é surda. —


Acenei afirmativo. — Pretendo voltar no mesmo dia.

— Por que não fica até domingo? Saia com seus


amigos de faculdade no sábado.
— Enquanto uns reclamam que os pais são
superprotetores, a minha praticamente me joga no olho da
rua — falei, brincando, apenas para vê-la revirar os olhos.
— Está em cima da hora, mãe. Vou apenas a trabalho.

— Então, vá de ônibus, não dirija à noite. Se


precisar de dinheiro, me fale que transfiro para a sua conta.

— Ainda tenho minhas economias, pode ficar


tranquila. — Levantei-me e a abracei apertado. Sabia que
algo mudaria naquela viagem, só não queria que fosse
além do necessário. — Faz um bolo para que eu possa
levar de viagem?

— Claro. De cenoura?

— Com cobertura de chocolate.

Saí do quarto e fui atrás do meu notebook na sala.


Meu celular estava junto dele e me controlei para não
enviar uma mensagem para Ícaro. Ele tinha me enviado
uma mensagem para que eu anotasse seu número no meu
aparelho, mas não prolonguei a conversa.

Os sentimentos que afloravam eram muito


semelhantes aos de quando eu ligava para a vó Alice,
escondida dos meus pais. Ela sempre foi muito reticente e
breve, mas sempre tive uma grande necessidade de saber
dela, ainda mais quando paramos de ir visitá-la na época
de Natal.

Deitei-me no sofá, fechei os olhos e deixei minha


mente vagar para o funeral do meu pai no ano passado, foi
a última vez em que a vi. Ela estava muito abalada como
todos da família, não conversamos muito e cumprimentei
as pessoas no automático. Eu não sabia explicar o porquê,
mas a irmã de Ícaro me veio à mente, como se algo
naquele acontecimento me lembrasse dela.

Abri os olhos e estiquei o braço para pegar o


celular e digitar uma mensagem para meu novo amigo.

Natália>> Olá, Peixão. Estarei bem cedo na


rodoviária, te esperando.

Ele demorou um pouco para responder,


provavelmente envolvido com o trabalho na casa. Isso não
me impediu de ficar esperando uma resposta olhando para
a tela do celular, eu não tinha muito mais o que fazer.
Ícaro>> Sábado é apenas depois de amanhã. E,
não se preocupe, passo na sua casa para te buscar.

Natália>> Te explico melhor pessoalmente.


Muito trabalho por aí?

Ícaro>> Por que não vem ver pessoalmente? A


piscina está funcionando já e temos muitas paredes
pintadas.

Natália>> Quem sabe na volta? Vou aproveitar


esse tempo para estudar.

Ícaro>> É apenas minha irmã e, se não der


certo, não será culpa sua, nem minha.

Natália>> Bom trabalho.

Sentei-me, soltando uma grande lufada de ar.


Peguei o notebook e fui atrás de alguns materiais da época
de faculdade e da pós. Poderia ser exagero da minha
parte, mas não custava nada olhar para algumas
informações sobre as quais eu já estava familiarizada.
Lidar com crianças, principalmente com dificuldades dentro
da família, era muito mais complicado. O aprendizado era
quase uma batalha como o chefão de alguma fase de
videogame, um leão por dia, mas no final, me deixava com
um sentimento de missão cumprida.

Por que eu não conseguia me motivar a trabalhar


por qualquer valor sabendo que teria uma recompensa a
mais do que a financeira? Talvez Ícaro estivesse certo, por
algum motivo, nossas vidas se cruzaram para mostrar
alguma coisa.

Algum tempo depois, minha mãe veio se sentar ao


meu lado e espiar a tela do meu notebook algumas vezes.
Fiz uma pesquisa sobre Elias Duarte na capital e o site
empresarial da Duarte Projetos e Arquitetura iluminou meu
rosto.

— Por que está vendo isso, Natália? — questionou,


nervosa.

— O que tem de mais? Apertei sem querer em uma


propaganda — Tentei ser vaga.

— Não mexa nisso, minha filha, não vá atrás de um


assunto que não é seu.

— E se eu quiser que se torne meu? Você é minha


família! — Acabei me exaltando.
— Faça a sua própria família e esqueça o passado,
Natália Maria Costa. — Levantou-se, chateada. — Se vai
para a capital atrás dessa família, eu te proíbo de ir.

— Vai voltar atrás no que disse sobre eu não


precisar da sua autorização? — Ela caminhou para a porta
da sala sem me responder. — Poxa, mãe, não sou mais
criança. Até parece que tem algum assassino na família.

Ela tropeçou nos seus próprios pés e foi para o


quarto de costura. Eu estava pronta para ir enfrentar a fera
e seus segredos, mas me levantei e fui para a cozinha me
afogar em alguma comida gordurosa ou cheia de açúcar.
Meu sangue estava precisando de um pouco de veneno.

Encontrei pães de queijo congelados e os coloquei


para assar, lembrando que Ícaro tinha me chamado para
olhar o que estava pronto na construção. Fiquei tentada a
aceitar, mas ser vista indo atrás dele novamente poderia
levantar suspeitas além do necessário, chegaria nos
ouvidos da minha mãe e brigaríamos por ela me querer
longe dessa família.

Quando prontos, coloquei os pães de queijo em


uma cumbuca, fui até o quintal e subi no pé de seriguela
com discrição. O sol já estava se pondo e a maioria dos
pedreiros já estava indo embora, então, minha presença
não chamava atenção.

Só não passei despercebida pelo dono da obra,


que parecia olhar para onde eu estava como um hábito. Ele
estava na varanda do primeiro andar, movimentou a
cabeça em questionamento e só acenei colocando um pão
de queijo na boca.

Em outra época, imaginaria uma tirolesa de lá para


cá, podendo cair na piscina com suas águas borbulhantes.
Uma pena que minha infância tinha ido embora e, agora,
eu era obrigada a ser adulta. Estava pronta para enfrentar
a vida, mas não para saber os segredos de família. Que
maravilha.

Observei Ícaro conversar com dois pedreiros,


depois olhar os acabamentos do fundo da casa e ir
embora. O barulho da caminhonete me fez descer da
árvore e me recolher dentro de casa. Eu precisava colocar
meus pensamentos em dia para fazer essa viagem.
Capítulo 14
Ícaro

Acordei com o celular tocando. Tentei abrir os


olhos, mas o quarto de hotel em que eu estava hospedado
parecia tão escuro quanto se eu estivesse com os olhos
fechados. Pensei no meu pai e estava pronto para brigar
quando coloquei o aparelho no meu ouvido.

— Alô? — resmunguei.

— Já estou na rodoviária. Bom dia! — Natalia


parecia forçar uma animação. Será que eu tinha perdido o
horário? Olhei para a tela do celular e nem eram sete horas
ainda.

— Natália, ainda nem acordei direito — falei,


voltando a me deitar. Havia uma pontada de dor de cabeça
surgindo, provavelmente dos milhões de pensamentos que
me atormentaram antes de dormir.

— Tudo bem, vou caminhando até o hotel e te


esperarei no estacionamento.
— Por que acordou tão cedo? A viagem até a
capital é rápida.

— Minha mãe me trouxe para pegar o ônibus das


seis e meia. Combinamos sábado cedo, não foi?

— Sim, um cedo de final de semana, não quando


tem expediente na obra. — Levantei-me mesmo sob os
protestos do meu corpo. — Fique onde está, vou tomar um
banho e te busco.

— Imagine, será bom para gastar um pouco da


minha energia ansiosa. Roube alguma coisa do café da
manhã do hotel, quero deixar o bolo da minha mãe para o
meio da viagem.

— Tudo bem. Vou acelerar os preparativos da


viagem. Terei que tomar uns quatro copos de café para
acordar.

— Faça isso, Peixão. Até daqui a pouco.

Foi ela quem encerrou a ligação sem que eu


pudesse me despedir. Joguei o celular na cama e me
espreguicei fazendo um barulho alto com minha garganta.
Eu pretendia ir depois das oito horas. Pelo visto, Natalia
mentiu para a mãe e eu gostaria de saber o motivo, já que
dona Maria Rita não parecia uma mulher superprotetora ou
rígida.

Precisei de sete minutos para me aprontar. Não iria


fechar a conta do hotel, minhas roupas ficariam onde
estavam, seria apenas uma visita de um dia para a minha
irmã. O que eu esperava daquele encontro? Não tinha a
menor ideia, talvez um milagre, por mais que minha mente
retornasse para as palavras de Natalia, sobre não
depositar expectativas. O que poderia fazer? Era mais forte
que eu.

Desci pelas escadas do hotel e cheguei no térreo


apressado para a sala de café da manhã. Peguei um copo,
enchi de café e olhei para as outras guloseimas pensando
na minha acompanhante. O que será que ela gostaria de
comer?

Peguei um guardanapo, coloquei alguns pães de


queijo e recheei um pão com presunto e queijo. Era
simples e tradicional brasileiro, tirando os bolos e as frutas,
peguei o que daria para levar e comer de imediato.

Tomei o café me despertando por completo, avisei


ao rapaz da recepção que estaria fora e que meu quarto
não deveria ser mexido, então saí para o estacionamento,
onde não havia nenhum sinal de Natália.
Peguei meu celular, apertei para chamar seu
número e a música Walk On Water soou, revelando a
mulher escondida.

— Acredita que pode andar sobre as águas? —


brincou com a primeira estrofe do refrão da música de
Thirty Seconds To Mars enquanto caminhava até parar na
minha frente. — Oba, pão de queijo.

— Por que foi para a rodoviária? — Entreguei o


pacote embrulhado em um guardanapo, ela me olhou de
relance e focou no que tinha em suas mãos.

— Parece que minha mãe não gosta do seu pai —


confessou, dando de ombros.

— Muita gente não gosta dele, começando por


mim. Se for o caso, converso com dona Maria Rita para
mostrar que sou diferente dele.

— Talvez ela não queira que eu me envolva com


ninguém da família Duarte. — Fez uma careta e apontou
com a testa para a caminhonete. — Vamos conversando no
carro?

— Sua mãe acha que você está indo de ônibus.


Não quero ser pessimista, mas nenhum segredo dura por
muito tempo. Mentiras necessitam ser reveladas, o
universo conspira para isso.

— Confia em mim, porque esse é um problema


meu e da minha mãe. — Colocou um pão de queijo na
boca e empinou o nariz, ela queria me desafiar. — Essa
viagem não tem nada a ver comigo ou com você, mas sua
irmã, certo? Então vamos, Peixão.

— Tudo bem, Medusa — respondi, divertido e um


tanto contrariado.

Acomodamo-nos dentro da caminhonete, manobrei


e segui para o posto de gasolina da saída da cidade. Ela se
manteve em silêncio e aproveitei o momento para lembrar
se existia alguma Maria Rita no passado do meu pai.
Carrasco e exigente, além de uma fila de ex-funcionários
traumatizados, Elias Duarte também fez pessoas vítimas
do seu convívio. Nunca me interessou o teor das brigas
que ele causava, foi um dos motivos que me levaram até a
Inglaterra, para ficar lá até o meu limite.

Estava curioso sobre tudo acerca do meu pai,


muito além do que me minha mãe contara na carta que eu
havia encontrado.
Peguei duas garrafas de água, balas e chicletes
para a viagem e os entreguei para Natalia quando voltei
para o banco do motorista.

— Temos um pouco mais de uma hora para


falarmos sobre sua mãe me odiar.

— Não é você, Ícaro, mas seu pai. Não sei se


percebeu, mas quando fomos ao hotel e você estava
brigando com o seu pai na recepção, minha mãe quase
fugiu de lá, como se fosse um gato fugindo do banho
gelado. Ela não me disse mais nada, falou que tenho que
cuidar da minha vida, porque o passado tem que ficar
enterrado. — Ela pareceu se arrepiar e esfregou os braços
com as mãos. — Ainda vou saber o que realmente
aconteceu, mas não agora. Quero saber de Tamiris.

— Qual o nome completo da sua mãe? —


perguntei, guiando o carro pela estrada. — Posso
perguntar para o meu pai.

— Maria Rita Costa. Ela não adotou o sobrenome


nem do meu pai biológico, nem do meu padrasto.

— Ah, quem faleceu ano passado? — Olhei-a


rapidamente, para saber se o assunto era muito delicado
ou não.
— Meu padrasto. Meu pai morreu antes de eu
nascer, nunca o conheci e nem tenho o nome dele na
minha certidão. — Deu de ombros e sorriu, confundindo-
me. — Mas tenho algumas fotos dele com minha mãe
grávida. Seu nome era Natan, esse foi um dos motivos
para eu me chamar Natália.

— Isso é bom, não é?

— Sim, mostra que os dois se amavam. Também


tive um segundo pai muito bom, ele foi minha referência
masculina por toda a vida, sua família foi a minha. — Ela
se virou para mim e cutucou meu ombro com o dedo
indicador. — Fale de Tamiris, você está desviando o foco.

— Gosto de saber de você.

Sorri para a estrada, não esperava que fosse


confessar algo que nem mesmo eu sabia que estava
sentindo. Cocei minha barba por fazer e suspirei, se minha
irmã não estivesse muito brava comigo, ela reclamaria da
minha barba apontando para a região e gesticulando com o
dedinho.

— Ela nasceu sem a audição? — Natália foi mais


rápida que eu.

— Sim, ou foi logo muito pequena que a perdeu.


— Se tem acompanhamento escolar, então, deve
saber Libras.

— Sabe, porque quando está irritada, ela


movimenta as mãos, mas ninguém de casa entende. —
Alisei meu cabelo com frustração, eu era um péssimo
irmão. — Eu só...

— Tudo bem, não se desespere. Além de ser


simples aprender, você falou algo muito importante. Você é
apenas o irmão mais velho, ou seja, está no seu lugar.

— Só que nem o pai ou a mãe são presentes.


Como uma criança vai aprender sobre família se não tem
uma?

— Ah, mas ela tem. — A suavidade de suas


palavras me acalmou um pouco. Não era a família que
Tamiris merecia, mas, de certa forma, poderia ser pior sem
nós. — Ela tem acesso a dispositivos eletrônicos?

— Tablet? — questionei com ironia. — Ela não usa


nada disso, gosta de montar quebra-cabeças e fazer
enormes torres com peças de encaixar. Deve ser o sangue
de engenharia da família Duarte, que está correndo em
suas veias, falando mais alto.
— Ou ela esconde outras particularidades. Não é o
comum as meninas gostarem de exatas e lógica. — Ergueu
as mãos em rendição. — Sem preconceito ou machismo
aqui, é apenas parte dos meus estudos. Preciso avaliar
tudo o que está fora do padrão para ver se realmente é
uma característica ou indício de outras coisas. Não sou a
profissional que diagnosticará a condição de Tamiris,
apenas a observadora para encaminhá-la se isso estiver
afetando seu desenvolvimento.

— Uau — respondi, surpreendido tanto pelas novas


informações que me passou quanto pela quantidade de
inteligência que Natália escondia. — Você já trabalhou com
crianças surdas?

Com doçura nas palavras, ela me contou mais


sobre um caso em que ela trabalhou enquanto concluía a
graduação e seguia para a pós. Dedicada e completamente
entregue para a profissão, Natália demonstrou dom e
vocação para o seu trabalho com crianças especiais, o que
não explicava a sua falta de emprego.

Eu preferia confiar que ela estava esperando a


minha proposta e que, com a ajuda dela, Tamiris seria
menos agressiva que de costume.
Capítulo 15
Natália

— É muito bonito aqui — falei, sentada na


carroceria da caminhonete enquanto comia o bolo de
cenoura da minha mãe. Estávamos parados no meio de
uma fazenda, onde ipês amarelos e brancos coloriam a
entrada para a sede.

— Apenas em uma época do ano fica assim, mas


não frequento aqui. Essa é a parte dos negócios do meu
pai que nunca me interessou. — Ele deu de ombros e
comeu outro pedaço de bolo, olhando para as árvores
floridas. — Acho que nada sobre meu pai me interessa
quando o assunto são SUAS empresas.

— Ele não confia em você? — perguntei, sentindo


sua frustração.

— Acho que sou apenas um troféu para ele


ostentar. Sempre fui empenhado no trabalho.

— E quando estava na Inglaterra, como fazia?


— Pensava apenas em trabalhar para o meu
sogro... ou melhor, ex. — Fez uma careta quando viu meu
interesse. — A última coisa que irei fazer é falar sobre essa
parte do meu passado. Ainda é uma ferida aberta.

— Ah, então houve uma mulher importante —


disse, curiosa.

— Foi apenas uma ilusão. E você? — Apressou-se


em mudar a direção das perguntas.

— Meu passado me condena, mas não me


assombra. — Ergui as sobrancelhas, divertida e
balançando as pernas. — Sem namorados, acho que sou
chata demais para ter um relacionamento mais duradouro.

— Você precisa parar de se depreciar. — Comi um


pedaço de bolo e ele outro, parecendo indignado.

— A verdade é que acho menos feio dizer que as


pessoas não me queriam do que eu assumir que sou a
responsável por nada durar. É quase uma alergia, quando
percebo que pode se aprofundar, eu me afasto.

— Estamos conversando há mais de uma semana


e agora, estamos trocando confidências, de certa forma.
Para mim, isso indica algo bem intenso. Vai fugir pelo meio
do mato? — provocou, mostrando com seu olhar algo além
do que eu estava disposta a interpretar. Ele tinha
conseguido ativar todos os meus alarmes de sobrevivência,
por isso acionei a negação em forma de brincadeira.

— E deixar de escutar Jared Leto por uma hora


completa? Você me subestima, Peixão.

Comi o último pedaço de bolo e sujei meus dedos


com a cobertura. Quando Ícaro viu, sorri travessa e, sem
pedir permissão, evitou que eu colocasse meu dedo na
boca para chupá-lo e ele o fez.

Seus lábios e sua língua causaram um frisson no


meu peito que ecoou pelo meu corpo, causando arrepios.
Meu olhar estava fixo no dele e como se fosse um
movimento voluntário de ambas as partes, ele me puxou
para mais próximo, colocou meu braço em seu ombro e
segurou meu rosto para que uníssemos nossas bocas em
um beijo cálido.

Foi por apenas um breve momento que tudo


pareceu inocente demais, porque logo sua boca se abriu,
minha língua tomou o controle e o doce do bolo que
havíamos comido aumentou nosso desejo. Não havia
brincadeira ou medo naquele momento, apenas o
prazeroso sabor da paixão entre dois jovens que estavam
se conhecendo.
Uma das coisas que me consolava era que, depois
da obra concluída, Ícaro voltaria para a capital e eu teria
que decidir sobre minha vida, de preferência, longe de
Dualópis, onde não poderíamos nos encontrar.

Sua mão foi para o meu quadril e tentou unir


nossos corpos, mas tinha a vasilha entre nós, que, além de
impedir, me ajudou a interromper o beijo. Tive que inclinar o
corpo para trás e me apoiar com as mãos, porque minha
respiração estava acelerada. O sol da manhã deveria repor
minhas energias, mas estava me fazendo entrar em
ebulição e ir além do que eu estava disposta no momento,
com aquela pessoa.

Olhei para seu rosto quando encontrei a coragem


e, apressado, ele tirou o que estava entre nós e cobriu meu
corpo com o seu, deitando-me por completo na carroceria.

A dor nas costas pela pressão que ele fazia não me


impedia de continuar a movimentar meus lábios no mesmo
ritmo intenso. Ele ofegava a cada movimento de cabeça
para aprofundar o beijo, minhas mãos tocavam em todo o
seu corpo, apreciando cada curva e dureza que ele tinha.

Céus, eu estava me sentindo embriagada por todas


as sensações que ele me proporcionava, ainda mais
quando afastei uma das pernas e a dobrei, encaixando-o
da forma mais luxuriosa que eu poderia pensar no
momento.

— Natalia — sussurrou quando finalmente deixou


meus lábios para beijar meu pescoço. — Me faça parar.

— Precisamos parar. — Trouxe minhas mãos para


seus ombros e o empurrei para cima. Ele gemeu quando
deixou sua cabeça cair entre meus seios, então saiu de
cima de mim, para o chão de terra.

Ele deu alguns passos e ficou de costas para mim,


aproveitei para ajeitar o meu cabelo e minhas roupas. Foi
arrebatador, mas inadequado, meu objetivo não era esse.

Por estar demorando a voltar, saí da carroceria e


peguei o pote antes de erguer a porta da carroceria. Ele se
virou rapidamente para me encarar, estava confuso e
preocupado, tanto quanto eu.

— Eu... — Tentei começar, mas ele negou com a


cabeça, interrompendo-me. Conferiu se estava tudo bem
fechado e foi para o banco do motorista, eu fui para o do
passageiro.

Nossa, o clima seria péssimo até a casa dele.


Foi ele quem ligou o rádio e deixou que a música
falasse por nós, uma forma de me acalmar ou desesperar
com as dúvidas pairando entre nós. Ele se arrependia ou
queria mais?

Chegamos à capital ao som de Álibi, da nossa


banda favorita:

“Sem sinal de alerta

Sem álibi

Estamos desaparecendo mais rápido que a


velocidade da luz

Tivemos nossa chance, quebramos e queimamos

Não, jamais aprenderemos

Eu desmoronei

Mas me ergui novamente

E então desmoronei

Mas me ergui novamente”


— Espero não ter ultrapassado algum limite,
Natália — falou de forma mecânica enquanto dirigia no
trânsito da capital.

— Está tudo bem. — Olhei para o lado contrário ao


dele.

— Você pode dizer se eu exagerei.

— Eu também quis te beijar, Ícaro. Ficamos. Agora


é focar em Tamiris, tudo bem? — Ajeitei-me no banco e
cruzei os braços, fechando os olhos.

“E eu desmoronei

Mas me ergui novamente”

Sempre foi assim quando eu gostava demais de


um garoto que eu beijava. Iria esmagar meu coração
dispensá-lo ou mesmo não o procurar novamente, mas no
final, eu sempre me levantava para seguir a vida.

Precisava me manter sem profundas conexões.


Capítulo 16
Natália

Engoli em seco quando a caminhonete parou em


um quintal gigantesco, com carros elegantes e um jardim
mais ao fundo. Ele não só tinha dinheiro, como era MUITO
rico – milionário –, o que me amedrontou. Minha origem
não era tão humilde, mas nunca tive acesso a tanto luxo se
não fosse através de revistas ou filmes.

— Pode vir — Ícaro me chamou e não consegui


andar ao seu lado quando ele seguiu para a porta de
entrada. Era enorme, de madeira, praticamente como a de
um castelo.

Ele segurou a porta para que eu passasse e uni as


mãos na minha frente, esperando sua ação. Ele suspirou,
reprovando meu comportamento, mas não disse nada,
passou por uma sala de estar e entrou por um corredor
bem iluminado.

Parou em frente a uma porta aberta, havia luz e


muitos brinquedos espalhados. Na verdade, peças de
encaixar. Coloquei minha cabeça para dentro quando Ícaro
foi até a menina que estava concentrada no que fazia no
chão. Assim que ele entrou em seu campo de visão,
Tamiris se assustou e se levantou dando passos para trás.

Percebi seu nervosismo ao tentar falar com as


mãos. Era uma mistura de “por que foi embora?” com “eu
te odeio por ter me deixado”. Ícaro se ajoelhou no chão e
abriu os braços, com a cabeça baixa, era um jeito de pedir
desculpas, mas ela não entenderia isso. Era uma atitude
muito adulta.

Entrei no cômodo e fiz um sinal com as mãos,


cumprimentando-a. Sua boca se abriu em choque e um
pouco do seu nervosismo se dissolveu aos meus olhos.

— Sou Natália, amiga do seu irmão — falei e


sinalizei, para que ambos soubessem o que eu estava
falando. — Ele quer pedir desculpas.

“Você sabe Libras?” — ela perguntou, afoita, e sorri


para mostrar que tinha vindo em paz, não em guerra.

— Sim, eu sei. Estou ensinando seu irmão. —


Atrevi-me a blefar e seu olhar na minha direção foi
assustado. — Faça assim, Ícaro. Eu — Sinalizei — sinto
muito — Mais um movimento com as mãos.
— Desculpe, Tamiris — ele falou, enquanto fazia o
que eu acabara de ensinar. Ela correu para os seus braços,
chorando e me emocionando. A falta de comunicação
sempre seria o pior dos problemas da humanidade, era
fato. — Não precisa chorar — ele resmungou e olhou para
mim, pedindo ajuda.

— Quer que eu pergunte ou fale algo com ela? —


Sentei-me no chão, próximo dos dois, e ela me encarou,
seus olhinhos curiosos brilhavam em minha direção, por
isso sinalizei:

“Está brincado de quê?”

“Vou fazer um castelo e depois jogar uma bola para


desmontá-lo.” — respondeu, afastando-se do irmão e indo
até onde estava seu projeto.

“Posso brincar com você?”

Ela entregou uma peça para mim e engatinhei até


onde ela estava.

— Vou ver quem está em casa. Quer alguma


coisa? — Ícaro se levantou, respirando fundo. Pelo visto,
ele precisava de um minuto sempre que as situações
fugiam do seu controle.
“Quer algo para comer ou beber?” — perguntei
para Tamiris, que negou com a cabeça, sorridente, e
depois encarou o irmão, expulsando-o. Precisei rir também,
negando com a cabeça. Ele não entendeu, mas saiu do
mesmo jeito.

Com ela demonstrando um comportamento


metódico leve, montamos uma grande torre, recolhendo
todas as peças espalhadas pelo cômodo. Era uma
brinquedoteca, o sonho de muitas crianças, ainda mais
com várias bonecas e brinquedos espalhados pelas
estantes do lugar, mas o foco da menina era apenas os
blocos de montar.

Pela idade dela, deveria estar focada em redes


sociais ou vídeos na internet, mas existia uma grande
brecha que a tornava fora dos padrões.

Terminado, ela se levantou e pediu para que eu me


afastasse. Fiquei atrás dela, para observá-la pegar a bola e
a jogar com força para destruir o que tínhamos feito. Suas
palmas animadas com a conquista do seu objetivo me
deixaram com dúvida, ainda mais por não ser especialista
no assunto destruição. Dentro de mim, guerreava o
julgamento com o acolhimento daquela ação.
E, novamente, ela se sentou, chamou-me para a
ajudar e fomos reconstruir tudo. Quantas vezes ela já tinha
feito isso apenas naquele dia?

Ícaro voltou algum tempo depois com uma bandeja


contendo bolachas e suco. Tamiris largou tudo para se
aproximar do irmão.

“Onde você estava?” — ela sinalizou para ele e


depois virou para mim.

— Ela quer saber por onde você andou. — Peguei


uma bolacha, esperando que seu olhar para a irmã
suavizasse, o que aconteceu.

— Preciso de um tempo. Diga que isso não quer


dizer que não me preocupo com ela. — Fiz como ele pediu.
A menina não entendeu e se afastou, irritada, voltando
para os blocos. — O que foi?

— Como dizer para uma menina de doze anos que


você estar longe dela significa que também gosta dela?
Acho que nem adultos entendem, às vezes. — Ele fez uma
careta para mim e retribui igualmente. — Pergunte como
ela está.

Ensinei os gestos, ele ficou de frente para a irmã


para imitar o que tinha acabado de aprender. Ela disse que
queria ir embora com ele, que o pai não a amava. Hesitei
antes de traduzir, mas o fiz sem medir as palavras.

— É, Tamiris, nosso pai não ama ninguém além do


seu próprio dinheiro. — Os dois olharam para mim, foquei
em Ícaro primeiro, porque não falaria isso para a menina.
— Acredita que meu pai não está em casa e que apenas a
cozinheira veio? Tem uma piscina enorme no quintal e
Tamiris nem sabe nadar.

— Passaremos o dia inteiro com você, o que acha?


— Olhei para Tamiris gesticulando. Ela bateu palmas,
animada, voltou para a bandeja que o irmão colocara no
chão e se serviu. Trocamos olhares e fizemos um acordo
silencioso, estaríamos focados nela, deixaríamos qualquer
análise para depois.

A prioridade era dar carinho e não rotular a menina


que demonstrava raiva quando era contrariada.

Depois de lancharmos, Tamiris nos surpreendeu ao


deixar os blocos de lado e trazer um grande quebra-
cabeças para ser montado. Ícaro aceitou e se envolveu
com a missão, saindo da sala apenas para pedir a
cozinheira para preparar o nosso almoço.
Tentei cativar a menina ao máximo, mas aconteceu
o contrário, eu estava cada minuto mais fascinada pela
inteligência que ela tinha. Com os brinquedos educativos,
ela conseguia criar outros padrões e sorria quando Ícaro se
perdia na conversa de gestos.

Até o final do dia, os irmãos já falavam sozinhos


algumas respostas breves e dava para ver, no brilho dos
olhos dos dois, que estava sendo importante eles poderem
se comunicar independentemente.

Tive receio de Elias Duarte aparecer e fazer


alguma coisa, mas não aconteceu, ficamos apenas nós
três dentro de casa, brincando, até que Tamiris se deu por
vencida ao assistir ao filme Enrolados. Com a cabeça no
meu colo e os pés em Ícaro, ficamos assim até que o
letreiro e a música tema aparecessem, porque ver as luzes
flutuantes, depois do dia de hoje, foi completamente
diferente.

Eu não sabia explicar, mas quando olhava para


essa menina dormindo placidamente no meu colo, eu sabia
que ela tinha algum vínculo comigo. Só não sabia explicar
como.
Capítulo 17
Natália

— Vai querer voltar hoje para Dualópis? — Ícaro


perguntou, depois de carregar sua irmã até o quarto. O
lugar não parecia um canto infantil, mas um cômodo de
hóspedes, um quebra-galho.

— Eu nem me despedi dela, Ícaro — falei, com


emoção, quando ele fechou a porta e deu alguns passos,
indo para outro cômodo.

— Eu também queria ficar, mas você está aqui


escondida da sua mãe, esqueceu? — provocou,
lembrando-me da sua conversa sobre a mentira ser
revelada.

Nem dei bola para Ícaro, desci as escadas e fui até


a brinquedoteca pegar meu celular. Havia duas ligações
não atendidas de casa, com certeza era minha mãe,
preocupada. Eu tinha esquecido de ligar mais cedo.

Retornei a ligação e conferi as horas. Era nove da


noite, dava para pegar o ônibus das dez, mas eu não iria
sem me despedir de Tamiris.

— Mãe! — falei, aliviada.

— Onde você está, minha filha? Pensei que voltaria


no ônibus das 18hs.

— Volto amanhã, tudo bem? — Lembrei da sua


insinuação para festar com os amigos e aumentei a
mentira: — Encontrei umas amigas da faculdade,
conversamos e perdemos a hora.

— Você não levou roupa, Natália. Está tudo bem


mesmo?

— Sim, mãe, pode ficar despreocupada. Amanhã


conversamos.

— Tudo bem, divirta-se.

— Beijo, boa noite.

Encerrei a ligação e olhei para cima para ver a


repreensão de Ícaro. Sim, havia piorado a minha situação,
mas não tinha como ficar na casa de Elias Duarte sem
minha mãe surtar a 100km de distância.

— Mentira tem perna curta, Natália.

— Falarei a verdade, mas não agora, Ícaro.


— Então vamos, vou te emprestar uma roupa para
dormir.

Caminhamos de volta até o lugar em que


estivemos há pouco e reparei que era um quarto
masculino, com apenas uma cama de casal nele. Cruzei os
braços, desconfortável. Ícaro entrou em uma parte que
deduzi ser o closet e me entregou uma muda de roupa.

Mordi o lábio, esticando minha mão para pegar o


que ele oferecia, sem sair da minha posição defensiva. Ele
sorriu com carinho, colocou meu cabelo atrás da orelha e
suspirou.

— O que foi?

— Tem apenas uma cama aqui, Ícaro.

Seus olhos se arregalaram e ele deu um passo


para trás, eu já sabia identificar quando ele deduzia algo
errado a meu respeito, só não sabia dizer o que era dessa
vez.

— Nós nos beijamos — salientou.

— Sim, isso não dá o direito de dividirmos a


mesma cama.
— Vamos dormir apenas, eu sei respeitar o
momento. — Apontou para a cama com displicência. —
Tem espaço para quatro pessoas aqui e não quero ter que
cruzar com o meu pai, ou mesmo que você tenha que
passar por isso, estando fora desse cômodo.

— Nunca dormi com um homem — confessei,


mordendo o lábio. — Quero dizer, dormir de fazer... eu não
sou... sei que não rolará nada além de dormir, mas eu acho
demais dividir uma cama.

Ele riu alto, deu passos até a cama e se sentou,


olhando-me com diversão.

— Transar não é íntimo o suficiente para te


assustar, mas dormir junto, apenas fechar os olhos, é
demais.

— Tenho insônia! — Descruzei os braços,


indignada.

— Adivinha só, Medusa: eu também. — Piscou um


olho e voltou a se levantar, parecia aliviado. — Vou tomar
banho primeiro, você pode escolher os filmes que
passaremos a noite vendo.

— Você encara tudo isso como se fosse fácil, mas


não é para mim. — Coloquei a mão com a roupa dele na
cabeça e senti o cheiro da sua roupa me inebriar. — Eu
não deveria ficar aqui, melhor ir para um hotel.

Meu grito surpreso foi abafado pela boca de Ícaro


quando me puxou para ele de surpresa. Meus olhos se
fecharam por instinto, meus braços caíram aos lados do
meu corpo e suas mãos me mantiveram firme no lugar,
segurando minhas costas.

Precisei virar a cabeça de um lado para o outro


antes de segurar sua nuca e o beijar com força,
necessitada de conforto ou apenas um desabafo de medo.
Precisava me agarrar à verdade de que seu tempo estava
acabando na minha cidade natal e não teríamos mais
nenhum vínculo depois.

Seria possível me entregar sem formar vínculo,


certo?

Com essa constatação e toda a segurança que eu


tinha sobre Ícaro se tornar apenas uma boa lembrança,
deixei minhas mãos vagarem por dentro da sua camiseta
polo e tocar seus músculos abdominais. Depois de tantas
frustrações, eu tinha a oportunidade de me entregar sem
estar com tanto medo.
Não tinha o sonho de me casar virgem ou estar
com alguém especial, mas eu me freava para ser
superficial com todos os garotos que fiquei. Pelo visto, com
Ícaro, eu me revelava estar disposta a dar sem elencar
todas as justificativas contra.

Ele gemeu contra minha boca, sua virilha


demonstrava a excitação e meu núcleo pulsava em busca
de alívio. Sentia-me segura, por mais que na minha mente
existia uma grande lista de motivos para não dar sequência
ao ato libidinoso.

Foi a vez dele de colocar suas mãos debaixo da


minha blusa e, com muito mais cautela que eu, foi subindo
pelas minhas costas em uma carícia suave.

— Ícaro — Afastei a cabeça para encará-lo, séria.

— Dessa vez eu não vou pedir para parar, porque


já sei que você me obedecerá. Só diga sim.

— Sim, por favor! — exigi e seu sorriso satisfeito


fez meu estômago revirar de um jeito bom.

Ágil, com as mãos ainda debaixo da minha blusa,


ele abriu o sutiã por trás e tirou minha blusa e lingerie de
uma vez. Ícaro não perdeu tempo me admirando, sua boca
voltou para a minha e suas mãos fizeram todo o trabalho
de digitalizar cada curva do meu corpo.

Também tirei sua camiseta polo e fui além,


desabotoando sua calça jeans e o empurrando para cair
em cima da cama. Desconhecia a origem de tanta
confiança, estava seguindo um instinto primário que tinha
acordado e tomado conta das minhas ações.

Coloquei um joelho ao lado da sua cintura e uni


nossos lábios, daquela vez com provocação, dando
mordidinhas e me afastando quando ele parecia ávido
demais.

Suas mãos foram para a minha bunda e mudamos


de posição, ele ficou por cima e seu interesse era nos
meus seios. Sugou um enquanto brincou com o outro com
seus dedos. Ele parecia conhecer cada zona erógena do
meu corpo e explorava até que chegava ao limite antes de
me fazer delirar.

Tirei minha calça e ele me ajudou a ficar nua. Logo


depois foi a vez dele, que cobriu meu corpo com o seu e
me beijou, apenas me provocando.

— Bem, podemos ficar sem dormir até o dia


amanhecer, desse jeito, eu não me importo. — A
sensualidade que existia na rouquidão de sua voz me fez
curvar o corpo para cima

— Faço minhas palavras, as suas. — Percebi que


estava prestes a entregar um momento tão especial para
aquele homem. Apenas um conhecido ou força do destino,
eu estava saindo do controle. Precisava me centrar para
não ter consequências daquela loucura. — Tem camisinha?

— Apressada? — Mordeu meu pescoço e soltou o


ar com força próximo ao meu ouvido, fazendo-me arrepiar.
— Já me quer dentro de você?

— Oh, sim, Ícaro — cantarolei sexualmente quando


ele esfregou seu pênis entre minhas pernas.

Ele saiu de cima de mim rindo dos meus protestos


e resmungos, qualquer tempo que Ícaro desse, eu poderia
desistir. Abriu uma gaveta na cômoda e tirou o preservativo
de dentro, já rasgando a embalagem e cobrindo seu
membro ereto, pronto e grande.

Voltei à posição que estava, daquela vez, abrindo


minhas pernas e posicionando-se na minha entrada.

— Canta para mim novamente, Natália.


Ele não precisava pedir, ainda mais quando
investiu para dentro com apenas um movimento e me fez
gemer de prazer e susto. Minhas mãos foram para seu
cabelo e puxei sua cabeça para tomar sua boca,
precisando estar conectada com ele muito mais do que
apenas com nossos sexos. Com receio de que ele
interrompesse antes que eu o fizesse, agonizei em silêncio.

Ritmado na medida certa, ele entrou e saiu de mim


me beijando avidamente. Quando precisou de fôlego,
escondeu seu rosto na curvatura do meu pescoço e
acelerou os movimentos de quadril. Apesar da ardência, a
dor se mesclou ao prazer.

— Ícaro. — Arranhei suas costas e fechei os olhos


quando me senti inchada ao seu redor. Cada vez mais,
enquanto ele entrava e saia, eu mudava de desespero para
aliviada.

Aquele era o prazer compartilhado e estava


necessitada de ter tudo o que ele poderia oferecer.

Ele começou a ofegar, enganchou minha perna no


seu braço, para me abrir ainda mais para ele e joguei a
cabeça para trás em êxtase tendo-o gemendo logo em
seguida, entregue ao orgasmo.
Fiz o que era necessário. Foi bom. Não estava
arrependida.

Seu peso sobre mim foi uma manta reconfortante,


por isso suspirei e ele fez o mesmo.

— Acho que podemos tomar banho juntos agora —


comentou, beijando meu ombro e se levantando
vagarosamente. — Ou é tão íntimo quanto dormir?

— Vai primeiro, irei logo atrás.

Ele se levantou por completo, deu alguns passos,


mas voltou, roubando um beijo apenas para me
surpreender. Ou seria me derreter de amores?

Admirei sua bunda quando ele finalmente entrou no


banheiro e repeti na minha mente, por várias vezes, que
seria passageiro, que era apenas um momento. Especial e
que nunca me esqueceria, mas não havia um laço firme
entre nós.

Casual.

Quem sabe se enganasse minha mente poderia


também enganar o coração?
Capítulo 18
Natália

Acordei assustada, tanto pela posição


desconhecida quanto pelo cheiro que não era do meu
quarto, da minha mãe. Deveria ter feito um movimento
brusco, porque Ícaro se sentou na cama assustado
enquanto eu me cobria dos pés à cabeça.

— O que foi?

— Nós dormirmos — falei, envergonhada. Ele tirou


o edredom de cima da minha cabeça e o mantive no meu
corpo, porque estava nua. Caramba, nunca uma insônia foi
tão sensual, ainda mais com um companheiro tão
sintonizado comigo.

— Sim, mas aconteceu algo?

— Preciso que você se vire para eu tomar um


banho e colocar a roupa de ontem. Vamos voltar para
Dualópis.
— Pare de frescura, fiz muito mais do que ver seu
corpo nessa madrugada. — Ele arrancou o que me cobria
e gritei, assustada, correndo para o banheiro tentando me
cobrir.

Tudo bem que tivemos um momento íntimo, tanto


na cama quanto no banheiro, mas o clima tinha mudado.
Eu não me sentia confortável em desfilar na sua frente,
ainda mais porque tudo o que aconteceu não nos tornaria
amigos de foda ou ficantes.

Teria que manter casual, por mais que trocamos


número de celular e ele trabalhava na casa em reforma aos
fundos da minha. Suspirei alto e fui atrás de me limpar. A
roupa não estava comigo, então, eu teria que cruzar com
ele vestida apenas de toalha.

Escovei os dentes ignorando o coração acelerado e


ajeitei o cabelo o tanto que dava com uma trança qualquer,
precisava voltar para casa e encontrar uma maneira de
contar a minha mãe o que realmente eu estava fazendo na
capital. Não descobri nada sobre ela e essa família, mas
com certeza conheci uma menina encantadora, que
merecia um acompanhamento familiar mais de perto, e,
principalmente, de carinho.
Saí do banheiro e me assustei ao ver Ícaro apenas
de short, sentado na cama, enquanto Tamiris estava ao seu
lado, focada em mim.

“Vamos brincar?” — ela me perguntou, mas não


tive como responder, por estar segurando a toalha no meu
corpo. Olhei ao redor e Ícaro percebeu o que eu procurava,
então pegou todas as roupas espalhadas pelo chão e me
entregou. Na cama, percebi que o edredom cobria grande
parte da superfície e esperava que, também, as provas do
que fizemos durante a noite.

Esperava que ela fosse inocente o suficiente para


não entender o que tinha acontecido. Com meus doze
anos, eu já sabia o que era sexo? Bem, naquela época, a
internet não era tão acessível como hoje, não dava para
comparar.

Usei rapidamente o banheiro e Ícaro se aproximou,


dando-me um beijo na testa antes de entrar no pequeno
cômodo. O olhar de expectativa de Tamiris partiu meu
coração, porque esse era o momento de me despedir.
Usando Libras, me comuniquei:

“Hoje vou voltar para a minha casa, moro em


Dualópis. Conhece?”
“Posso ir também? Não quero que você vá.”

“Não posso decidir, veja com seu irmão ou pai.”

Sentei-me ao seu lado e ela deu um pulo para


longe de mim. Eu deveria estar aliviada, mas era o
contrário, porque sentia a necessidade da sua aprovação.

“Não quero te deixar triste.” — Mostrando minha


aflição.

“Vem brincar comigo.”

Ela se levantou e me puxou para fora do quarto.


Fui para dar tempo a Ícaro e também buscar uma forma de
convencê-la a me deixar ir sem ficar chateada.

Descemos as escadas e vi um movimento na sala.


Entramos na brinquedoteca, sentamo-nos no chão e uma
sombra apareceu na porta, assustando a nós duas.

— Quem é você? — Olhei para cima e vi Elias


Duarte me encarando com tanta seriedade que me pareceu
até raiva.

— Ah, oi. — Tentei me levantar, mas Tamiris me


segurou e voltei a me sentar no chão. — Desculpe, senhor
Elias. Sou amiga de Ícaro, Natália.
— Já falei para ele não trazer suas fodas para
debaixo do meu teto — esbravejou e demonstrou estar
alterado, não de uma forma normal. Arregalei meus olhos
pela vergonha e por ele ter usado aquele tipo de
palavreado na frente da filha. — O que foi? Ela é surda.

— Palavras tem energia, senhor Elias. E não se


preocupe, irei embora assim que Ícaro estiver pronto —
soei o mais neutra possível, ainda mais por me sentir
nervosa com o temor de Tamiris. Gesticulei para ela ficar
tranquila, que estava tudo bem, mas ela tremia e me pedia
para ficar.

— Você fala a língua dos surdos? Quem é você? —


Apontou o dedo para mim e senti a necessidade de blindar
a menina da visão dele. — Eu te vi em algum lugar, é
alguma ex-funcionária querendo me extorquir?

— O mundo não gira apenas ao seu redor, pai. —


Ícaro chegou para o meu alívio e o de Tamiris. Ele se
posicionou entre nós e enfrentou o pai, que mudou de
postura. — Você está voltando agora para casa?

— Preciso trabalhar noites e madrugadas para


compensar sua falta, meu filho. Você tem que voltar — Ele
forçou para se fazer de coitado, fiquei surpresa. — Não
traga essas...
— Ela é Natália, filha de Maria Rita Costa. — Meu
coração parecia ter parado de bater quando o escutei falar
isso. Observei a reação do homem se transformar em
confusão, depois olhou de mim para Ícaro, negando com a
cabeça. — Sabe quem ela é? Quem é a mãe de Natália?

— Esse foi um dos motivos pelos quais abandonei


aquela casa dos infernos. Nada de bom virá dessa família,
por que a trouxe aqui?

— Porque ela sabe Libras, algo que nenhum de


nós teve a decência de aprender para se relacionar com
Tamiris, nem você, que é o pai.

— Contrate outra intérprete ou babá. Eles já tiraram


demais de mim, não vão conseguir pegar meus filhos
também. — Elias tentou passar por Ícaro, que o impediu,
fazendo com que a menina corresse para o canto mais
afastado da sala. Deveria ser a primeira vez que o irmão
percebia a reação dela, ele se virou para o pai e o arrastou
para longe.

Gritos e confusão do outro lado me tiraram do eixo.


Não precisava ter o sentido da audição funcionando para
sentir o que se passava fora da brinquedoteca. Fechei os
olhos e escondi o rosto com as mãos, tentando processar
as palavras daquele homem. Minha família tinha tirado
demais dele, mas o que seria?

Senti uma mãozinha tocar meu ombro, e não


precisei pedir, Tamiris envolveu os braços ao redor dos
meus ombros e suspirou, prendendo-me para não sair de
perto dela. Como poderia fazer isso? Ela não era minha,
não racionalmente.

Alguns minutos depois, uma mulher apareceu e fez


gestos para ela, mas não eram em Libras.

“Ela vai me levar para tomar banho e comer o café


da manhã. Você vem comigo?” — pediu, com seus olhos
prontos para derramar lágrimas.

“Preciso ir embora.” — Mordi os lábios olhando


para a mulher, que parecia de confiança. O pai poderia ser
desequilibrado, mas ela tinha alguém para a acompanhar,
que inclusive alisou os cabelos de Tamiris numa carícia de
mãe.

— Tenho que ir, ela quer que eu fique. — Levantei-


me para ficar de pé, como as duas.

— O senhor Elias está passando por um momento


difícil, apenas isso. Ícaro falou que você é uma boa amiga,
sou Cida. — Ela estendeu a mão e eu a cumprimentei.
“Não vá.” — Tamiris se mostrou impaciente.

— Precisamos ir, agora! — Ícaro ordenou e a


abracei com carinho em despedida.

— Eu volto — sussurrei e depois me afastei para


fazer o gesto que simbolizava meu retorno. Ela não sorriu,
mas demonstrou esperança.

Peguei minhas coisas no cômodo – que deixei no


dia anterior – e apressei-me em chegar até o
estacionamento, onde Ícaro já estava com a caminhonete
ligada. Mal me sentei no banco do passageiro, ele acelerou
para dar ré e me assustou.

— Porra, desculpa. — Bateu no volante e deixou a


cabeça nos braços apoiados. — Me deixe respirar um
pouco, estou muito puto.

— Quer conversar? — perguntei, baixo.

— Sim, quero, mas quando estiver longe daqui. —


Sentou-se ereto, respirou fundo e voltou a guiar a
caminhonete, mas sem todo o estresse que parecia estar
sobre seus ombros.

Eu queria dizer para ele se despedir da irmã, mas


deixei que o seu tempo e a música da nossa banda favorita
dominasse o ambiente e nos acalmasse.

No meio de tantos acontecimentos, o que mais


tinha que acontecer para nos surpreender?
Capítulo 19
Ícaro

Minutos antes...

— Estou definhando, meu filho. Preciso que volte


para me ajudar, você herdará tudo o que construí — Meu
pai demonstrou insensibilidade ao dizer, ainda mais depois
de ter falado tantas besteiras na frente de Natália e da
minha irmã.

— Por que está falando mole e com as pupilas


dilatadas? — Empurrei-o até chegar em seu escritório, ele
buscou uma poltrona para se sentar e ficou em uma pose
de derrotado. — Está se drogando? É por isso que ficou a
noite inteira fora de casa?

— Vou morrer, Ícaro. Ao invés de ficar ao meu lado


aproveitando os últimos momentos, você foi terminar a
porra daquela casa! — Olhou-me com ódio. Eu fiquei de
pé, porque precisava me manter superior.
— Sei que negou o último pedido da minha mãe —
acusei e ele riu com escárnio.

— Todo castigo para um traidor é pouco.

— Ela é minha mãe!

— E antes, era minha esposa, tinha que ser fiel a


mim! — Bateu no peito e tentou se levantar, mas vacilou e
caiu sentado. Ele não iria me sensibilizar. — E agora, está
trazendo pessoas daquela família para dentro de casa.
Ingrato! — gritou.

— Você procura argumentos para justificar seus


erros. Minha mãe nunca te traiu, foi você quem cavou o
próprio buraco. — Apontei para cima. — Está na carta, eu
acredito nela e não em você.

— Depois que eu me for, você nunca mais poderá


pedir perdão por suas palavras. Ela já se foi, Ícaro. Sou eu
em quem precisa de apoio.

— Vai me deixar comandar? — Dei um passo para


frente e o vi erguer o rosto para não se deixar dominar.
Quando o assunto era as empresas, ele não fazia todo
aquele drama. — Eu volto, fico ao seu lado, mas você irá
para o hospital se tratar.
— Não vou largar a empresa. Você precisa estar
comigo e não me matar antes do tempo! — Conseguiu se
levantar sem nenhuma dificuldade, apenas para ficar na
mesma altura que eu. — Enquanto eu estiver vivo, será do
meu jeito, tem que aprender comigo!

— Não serei seu cão para adestrar, Elias Duarte.


— Dei um passo para trás, demonstrando todo o meu ódio
com o olhar. — Sua filha demonstra medo quando você
está por perto e seu filho não quer compartilhar o trabalho,
ninguém te quer por perto. Deveria refletir sobre isso.

— Farei, em meu testamento, tirando todos vocês


como herdeiros! — gritou, soltando baba igual a um cão
raivoso.

— Já sou obrigado a ter seu sobrenome, nos faça


um favor e nos liberte do seu dinheiro também. — Dei as
costas para ir embora, a estadia naquela casa já tinha
azedado.

— Volte aqui, Ícaro!

Ignorei seu chamado e precisei desconsiderar o


quanto minha irmã precisava de apoio. Se não fosse Cida a
estar em casa, garantindo que nada de ruim aconteceria
com Tamiris, eu não a deixaria daquela forma. Estava
irritado a um nível que não poderia ser medido em
palavras.

Chamei Natália para ir embora e a esperei por


minutos dentro da caminhonete. Não queria falar ao
mesmo tempo que precisava pôr para fora, do contrário,
explodiria.

— Droga. — Desabafei não só verbalmente, mas


também batendo as mãos no volante enquanto uma
música qualquer tocava depois de alguns quilômetros de
estrada. Nem minha banda favorita conseguia me acalmar,
não depois do que presenciei em casa.

Meu pai, além de estar doente, havia demonstrado


sinais de uso de drogas, lícitas ou ilícitas. Preocupou-me
como ele estava tratando minha irmã, já que ela
demonstrou ter muito medo dele.

Estava chateado comigo mesmo também, não


tinha visto todo esse desastre acontecer, por estar em
busca da minha própria estabilidade emocional. Ele sempre
acusou minha mãe de traição, mas, na carta que ela
deixou, estava exatamente o contrário e eu acreditava,
ainda mais por ter Tamiris como prova.
— Pare ali. — Natália apontou para algum lugar e
despertei do meu transe irritado.

— O que disse?

— Na entrada daquela fazenda, estacione a


caminhonete.

Respirei fundo e obedeci, porque a suavidade do


seu tom me amansou. Ela não tinha nada a ver com isso,
apesar do meu pai ter confirmado as suspeitas dela, sobre
haver uma ligação entre as nossas famílias.

Quando parei, ela foi a primeira a sair. Quando


coloquei os pés na terra, ela me abraçou e apertou, mesmo
que eu não estivesse retribuindo. Dei dois tapinhas nas
suas costas para interromper o que quer que ela estivesse
querendo com isso, mas ela insistiu e me apertou um
pouco mais.

Não resisti, suspirei e envolvi meus braços em seu


corpo, fechando os olhos e inspirando seu cheiro. Lembrei-
me da nossa noite e do quanto aquela visita, no final das
contas, fora algo bom.

Porra, o sangue no lençol e sua fuga para o


banheiro. Tinha tirado a sua virgindade e não fui suave.
Sempre dava para piorar uma situação já caótica.
— Respira fundo — ela comandou e o fiz, sentindo-
me pouco a pouco mais relaxado. Quando o abraço se
mostrou cada vez melhor, foi ela quem se desvencilhou de
mim. — Mais calmo?

— Por ora — resmunguei, pegando sua mão para


puxar seu corpo para mim novamente. Não que eu
quisesse algo a mais com ela, apenas esse momento
estava bom de ser partilhado. — Eu vi o sangue.

— Quer falar sobre isso? — Ergueu uma


sobrancelha em desafio.

— Por que não me falou? Eu poderia ter sido


menos...

— Ou não ter feito nada. Aconteceu, somos adultos


e fim. A questão maior não tem nada a ver com o que
fizemos no seu quarto ontem à noite.

— Quero mais.

— Já deu, Peixão — falou, brincando, e bateu nas


minhas costas para desfazer o abraço. Ela não queria mais
o contato. — Precisei te fazer parar, senão você colocaria o
carro a 200km/h.
— Eu estava correndo? — Soltei-a por completo e
me incomodou os passos para trás que ela deu, para ficar
longe de mim. — Desculpe, estava pilhado demais.

— Tudo bem, passou, certo? — Cruzou os braços


e suspirou. — Fiquei preocupada com Tamiris e a reação
que teve quando seu pai apareceu. Será que...

— Cida me garantiu que ela está bem.

— Mas a mulher não está sempre por perto, ontem


nem apareceu. — Senti um aperto no peito e ela fez uma
careta. — Minha vez de me intrometer na sua vida, mas...

— Você está certa e quero voltar para buscar


minha irmã. — Coloquei a mão na maçaneta da porta, para
entrar, mas inclinei o corpo para frente e me apoiei na
lataria. Só de pensar em brigar com meu pai mais uma vez,
por qualquer que fosse o motivo, me fazia desistir. — Não
sei o que fazer.

— Esfriar a cabeça pode ser um bom começo. —


Sua mão acariciou minhas costas e tudo o que eu queria,
naquele momento, era um pouco de consolo.

Agi rápido, coloquei-a na minha frente, pressionada


contra a porta e em mim. Toquei seu rosto, os olhos
assustados me deixaram hipnotizado e, aos poucos, eu a vi
mudar de feições. Ela umedeceu os lábios, chamando
minha atenção e acendendo todo o meu corpo. Soltei o ar
com força pelo nariz e me aproximei devagar, esperando
que fugisse.

Natália não fez o que eu imaginava, ela avançou


sua cabeça para nossos lábios se tocarem e abriu a boca
para que sua língua pedisse passagem e encontrasse a
minha. Segurei seu rosto com as mãos e aprofundei o
beijo, ela tinha sabor de conforto e uma paz que eu não
saberia explicar de onde vinha.

Ousada, suas mãos foram para a minha bunda. Ela


envolveu uma perna na minha para que nossos quadris se
conectassem e fiz um movimento circular com minha pélvis
apenas para escutá-la gemer.

Não era apenas eu buscando uma fuga dos


problemas que surgiram naquela manhã. O sol estava
queimando nossas cabeças, mas não nos impediu de
ficarmos assim por um bom tempo, apenas beijando e
roçando nossos corpos.

Quando me senti melhor, que dentro de mim havia


inundação de calmaria e não uma tempestade, interrompi o
beijo, deixando vários selinhos em seus lábios.
Seu suspiro de contentamento me fez sorrir.

— Obrigado. Não só por agora, mas por estar


comigo e minha irmã ontem. Ela gostou de você. — Mordi
a parte de dentro da minha bochecha, senão voltaria a
beijá-la.

— Também gostei dela e... — Virou o rosto,


reflexiva. — Preciso saber o que há entre seu pai e minha
mãe, ou mesmo quem é a mãe de Tamiris, porque... não
sei explicar.

— Vou te ajudar. — Ela me encarou com


intensidade. — Hoje sei que há uma conexão entre nossas
famílias e também quero saber. — Dei um passo para trás
a contragosto e estendi minha mão. — Parceiros?

— E... o... — ela gaguejou e tentei não me ofender


quando pedi sua mão para cumprimentar a minha.

— Vamos compartilhar tudo o que sabemos um


para o outro, então, somos companheiros nessa
investigação.

— Fechado. — Apertou a minha mão com pressa,


deu a volta no automóvel e se sentou no banco do
passageiro.
Que o segredo não destruísse o que estávamos
construindo.
Capítulo 20
Natália

— Não vou te deixar na rodoviária, vou te levar


para casa — Ícaro falou, zangado, quando chegamos em
Dualópis. Suspirei alto, fechei os olhos e escorei minha
cabeça no vidro da janela, porque não queria ter que
enfrentar dona Maria Rita logo cedo.

— Posso ficar um pouco no hotel então? — Só


depois que as palavras saíram da minha boca que percebi
a dualidade delas. — Não, quero dizer...

— Quer um tempo, tudo bem, você terá. Mas não


me peça para te tratar como um segredo ou mesmo uma
amante, não estamos fazendo nada de errado, Natália.

Fiz bico e tentei enxergar da mesma forma que ele.


Não sabia dizer se era por causa das minhas origens
naquela cidade ou por nunca ter andado ao lado de alguém
como um casal. A verdade era que me dava vergonha e,
sim, eu via como se estivesse fazendo algo de errado.

Tenha medo dos homens...


Quando essa frase encheu minha mente, senti a
familiaridade daquele homem. Eu sabia quem era aquele
homem que me intimidou quando criança e me traumatizou
por uma vida. Tudo bem, ele não era o culpado de tudo,
mas com certeza ajudou para que eu ficasse tão superficial
nos meus relacionamentos.

Por que havia um bloqueio na minha mente para


pensar de forma coerente?

Chegamos ao hotel, saímos da caminhonete e de


cabeça baixa para que ninguém me visse, andei ao lado de
Ícaro até o elevador. Ficamos em silêncio até chegar ao
seu quarto, que estava bagunçado.

— Desculpe, prefiro que a faxineira venha quando


estou no quarto, sou um pouco desconfiado. — Colocou a
carteira, o celular e a chave do carro em cima da mesa e
foi para o frigobar. — Quer algo?

— Posso me deitar? — Minha mão apertou a testa


em busca de alívio. — Acho que começou uma dor de
cabeça.

— Beba. — Entregou-me uma garrafa de água, tirei


os sapatos e sentei-me na cama. — Quer que busque
algum remédio para você?
— Vou ficar quietinha, prometo não incomodar. —
Forcei um sorriso por conta da sua preocupação, deixei a
garrafa de água na cômoda de cabeceira do meu lado e
me deitei de lado, ficando de costas para ele.

Tentei fechar os olhos, mas foi impossível, ainda


mais quando ele puxou as cortinas, deixou o quarto no
escuro e se deitou ao meu lado, sem me tocar. Isso durou
alguns segundos, porque sua mão foi para as minhas
costas e, com uma carícia suave, tentou me acalmar.

— Está bom assim? — sussurrou próximo do meu


ouvido.

— U-hum — respondi cedendo ao cansaço mental


e conseguindo relaxar.

No final das contas, ele era o mais estressado e eu


que estava surtando. Seu pai demonstrou um lado que filho
nenhum conseguiria aceitar, ainda mais em meio a uma
guerra. O momento agora era de descobrir verdades
escondidas, nós tínhamos apenas um ao outro para nos
apoiarmos.

Virei-me em sua direção. Ele estava atento e sua


mão não se afastou de mim. Aproximamo-nos ao mesmo
tempo, sua boca tomou a minha com devoção e minha
perna se enganchou na sua, para que o emaranhado que
havia se formado de nossos corpos pudesse nos dar
alguma paz.

Ficamos assim por muito tempo, comigo sentindo o


mel da sua língua contra a minha e o calor da nossa união,
mesmo estando de roupa. Foi o seu celular que nos
interrompeu e, àquela altura, eu me sentia bem melhor do
que antes e tinha certeza que ele também.

— Alô? — atendeu voltando a ficar de frente para


mim. Ícaro me abraçou e escondeu meu rosto no seu
pescoço. — Hoje? Tudo bem, mas não posso ficar até
muito tarde, amanhã tem expediente na obra e você
também, Eugênio. — Ele riu e beijou minha cabeça, senti a
ansiedade me dominar. — Eu falo com ela, não precisa dar
uma de santo casamenteiro. Até mais.

— O que foi? — minha pergunta saiu com


naturalidade, como se fosse íntima o suficiente para o
interrogar sobre uma ligação.

— Fernanda e Eugênio irão fazer um churrasco


para comemorar a conclusão de parte da casa deles.
Segunda eles vão à capital fazer o ultrassom, para saber o
sexo do bebê. Será apenas nós quatro.
— Eles sabem que estou com você? — Afastei
meu tronco para que meus olhos ficassem na mesma
direção dos dele. Não sorriu ou ficou sério, estava
cauteloso ao responder minha pergunta:

— Também estou relutante em iniciar alguma coisa,


Natália. Mas aconteceu e não vou esconder que estamos
juntos como se fosse errado.

— Não é assim, Ícaro. — Saí dos seus braços,


levantei-me da cama e senti o frio no meu corpo mostrando
o quanto estar com ele era quente e harmonioso, diferente
de longe. — Já estou melhor. Vou para casa e de lá ligo
para Nanda.

— Eu te levo. — Ele também se levantou e neguei


com a cabeça. — Natália! — Seu tom era de frustração.

— Somos parceiros na investigação sobre o


passado das nossas famílias. Preciso falar com a minha
mãe e ter você por perto vai dificultar as coisas.

— É só uma carona, mulher, não vou entrar com


você dentro de casa. — Abriu os braços, indignado. —
Qual o problema de ser vista comigo?

— Nunca fiz isso antes! — gritei me sentindo uma


criança tendo um momento de birra. Respirei fundo várias
vezes, senti as lágrimas quererem escorrer pelo meu rosto
e suspirei com dificuldade. — Amanhã conversamos.

— Hoje à noite, na casa de Eugênio e Fernanda —


comandou e acenei afirmativo apenas para que não
discutisse. Ainda não sabia se iria à casa da minha amiga,
estava confusa demais.

Peguei minhas coisas e saí do quarto, sem nem


mesmo me despedir. Fui para as escadas e de lá saí para
o estacionamento, não queria cruzar com ninguém na
recepção. Dei uma grande volta para chegar até a rua e
caminhei apressada em direção a minha casa. Seria uma
longa jornada até o meu destino, mas ligar para minha mãe
ou pegar um táxi não era uma opção no momento.

Senti meu estômago roncar e percebi que havia


chegado o horário do almoço. Ainda bem que tinha tomado
um pouco de água, essa seria a minha única fonte de
energia até alcançar o meu destino.

Depois de muitas quadras e sol na minha cabeça,


cheguei em casa suada e com as pernas doendo. Não
escaparia dos questionamentos da minha mãe, por isso
entrei na cozinha e a vi preparando o almoço. Ela logo se
virou para me encarar e abriu a boca para falar, mas fui
mais rápida, precisava aproveitar a cabeça quente e a
adrenalina no corpo para enfrentá-la:

— Mãe, eu quero saber o que Elias Duarte é para a


senhora, porque o conheci ontem.

— Você mentiu que estava com suas amigas? —


questionou, ofendida, e percebi que estava mudando de
assunto.

— Sim. Menti, inclusive sobre ir de ônibus para a


capital, eu estava com Ícaro. Sabia que ele tem uma irmã,
por parte de pai, que é surda? Eu fui lá conhecê-la...

— Tamiris — sussurrou, fazendo-me arregalar os


olhos ao perceber que ela conhecia a menina. — Elias
Duarte é irmão do seu pai, Natalia.

— Do Francisco? — Coloquei a mão na boca,


sabendo a resposta antes mesmo dela revelar. Ele não era
vinculado ao meu padrasto, mas ao meu pai biológico.

Eu era prima de Ícaro e havíamos transado.


Capítulo 21
Natália

— Natália, me escute. Espere! — minha mãe


gritou, mas não conseguia fazer nada além de correr para
o quintal.

Enquanto ela me chamava, subi no pé de seriguela


e, sem medir as consequências, fui até o muro da casa dos
fundos, posicionei-me e pulei para dentro dela.

Deveria fugir para o mais longe dos meus medos,


mas ali, de certa forma, era um lugar que eu considerava
meu refúgio e dona Maria Rita não me alcançaria.

Entrei na casa, que ainda não tinha algumas


portas. Subi as escadas, chegando ao segundo andar e
indo em direção ao banheiro. A banheira foi o local que
escolhi para me deitar, me esconder e deixar as emoções
me dominarem.

Céus, por que tinha que ser assim? Tudo bem que
havia muitos casamentos com primos de primeiro grau,
mas era demais. O sentimento de repulsa de mim mesma
me fez querer vomitar, mas eu não tinha nada no meu
estômago.

Só conseguia me questionar. Por quê?

Estava tentando entender o motivo da minha mãe


não revelar o passado, ou talvez continuaria sem entender.
Éramos parentes, muito simples. Por que esconder o
segredo? Que dor era aquela que transbordava do meu
peito?

Lembrei do dia que minha mãe revelou que


Francisco não era meu pai biológico. Eu estava no ápice da
minha adolescência, não revelei para nenhuma das minhas
amigas até chegar ao último ano do ensino médio. Havia
revolta dentro de mim, mas também um conforto por saber
que existia outra pessoa para substituir meu pai biológico.
Minha mãe mostrou fotos, falou da morte dele antes de eu
nascer e do aparecimento de Francisco, que a assumiu. De
certa forma, ele foi um grande herói para nós duas, só que
nos deixou sozinhas.

Nossa sina era ser abandonadas.

Escutei passos e segurei a respiração para


controlar o choro. Não queria que ninguém me visse, muito
menos me abordasse para saber o motivo de estar
escondida ali.

Fechei os olhos quando o barulho se aproximou


mais e mais e uma sombra se posicionou em cima de mim,
obrigando-me a abrir os olhos.

— Ícaro! — Levantei-me, apressada, e não o deixei


me tocar.

Céus, como era possível acontecer a atração entre


nós?

Suas mãos para cima em rendição me obrigaram a


olhar seu rosto e ver a dor em seus olhos. Era como se ele
soubesse o que fizemos e, sim, que havia muita vergonha
para lavarmos e escondermos.

Andei para trás e fiquei o mais longe possível dele.


Assustei-me ao ver que estava escurecendo, logo não
daria para nos ver. Até parecia um consolo, eu queria fugir.

— Sua mãe ligou para o hotel e falou comigo.


Levei-a no postinho. A pressão dela subiu.

— O quê? — Tentei sair do banheiro, ele me


abraçou pela cintura e forcei suas mãos para longe de
mim. — Não, Ícaro, não me toque, não podemos...
— Meu pai não tem irmãos, Natália. Não somos
primos. — Ele deixou que eu me afastasse, mas não saí do
banheiro.

— Isso é o que seu pai lhe disse. São tantas


mentiras... — Sentei-me no chão, escorada na parede, e
escondi os olhos com as mãos. — É tão difícil. — Encarei-
o, preocupada. — Minha mãe está bem?

— Sim, está em casa, mas ela me pediu para falar


com você antes. — Engoliu em seco. — Meu pai era filho
único e minha avó adotou o filho da empregada como se
fosse dela até a adolescência. Foi nessa época que Natan
veio morar em Dualópis. Algo aconteceu para que seu pai
viesse para cá, não lembro muito bem, mas sei que minha
avó falava desse filho que foi embora e que meu pai rebatia
que ELE era o único filho dela. Era uma briga constante,
mas nunca me interessou saber, ainda mais porque fui
para outro país e tentei esquecer os problemas familiares.

— Por que minha mãe falou que eram irmãos? —


Levantei-me, irritada e querendo sair do banheiro, mas,
novamente, Ícaro me impediu, segurando meu corpo. Um
pouco menos assustada, não me incomodei com o seu
toque. — Eu vou ficar louca assim, Ícaro. Desculpe, mas
está pesado demais saber o que está por trás dessa briga
de família. Acho que prefiro continuar na ignorância.

— Eu sei, para mim também. — Suspirou, aliviado,


quando retribuí o abraço que ele me deu. Tudo bem,
nossos pais biológicos cresceram juntos na infância, era
uma conexão profunda que existia entre nossas famílias,
só restava saber se isso iria servir para alguma coisa. —
Como você está?

— Péssima — resmunguei, inspirando seu cheiro e


me entregando ao seu conforto. — Quando pensei em nós
dois como primos, depois do que fizemos na capital...

— O que fizemos não é proibido.

Ele segurou meu rosto e beijou meus lábios com


suavidade. Parecia ter apertado o interruptor, pois algo
dentro de mim se acendeu. Fiquei na ponta dos pés e
aprofundei o beijo em busca de alívio.

Ele parecia se sentir da mesma forma, porque me


abraçou forte, levantou-me e me colocou contra a parede.
O beijo foi apressado, um desabafo para que soubéssemos
que nada poderia nos impedir de nos amar.

Sua mão apertou minha bunda, eu fiz o mesmo


com ele e senti sua excitação contra o meu corpo. Foram
tantos beijos trocados durante o dia, que, naquele
momento, eu só queria deixar o pecado da luxúria falar
mais alto.

— Quero você, Ícaro — sussurrei, quando ele


largou meus lábios para beijar meu pescoço. Uma mão
subiu para o meu seio e apertou ao mesmo tempo que
minha perna se enroscou na sua.

— Não tenho camisinha comigo. Vamos para o


hotel? — perguntou, sem parar de me estimular. Ter que
interromper o que estávamos fazendo era o mesmo que
broxar, ou seja, fora de cogitação.

— Quero continuar.

— Então, teremos que ficar na mão.

Chupei seu lábio inferior olhando em seus olhos,


com minha mão abrindo sua calça. O brilho do prazer me
contagiou quando sua mão também abriu minha calça e,
juntos, numa troca mútua, nos acariciamos com cuidado,
mas também, apressados.

Subi e desci minha mão no seu membro ereto


enquanto ele esfregava meu clitóris. Como eu o queria
dentro de mim, sentir a mesma sensação do dia anterior,
mas ficamos apenas naquela provocação prazerosa.
— Já está molhadinha — falou, sacana, com um
sorriso satisfeito quando parei de masturbá-lo.

Ícaro deslizou um dedo dentro de mim e me


estimulou de dentro para fora. Eu estava pronta para gozar,
rendida aos seus encantos, e ele me levou ao clímax
mordendo meu ombro. Meu gemido alto ecoou pela
construção e tive um momento de vergonha, quase caindo
no chão.

Ele me segurou e consegui me concentrar na sua


ereção, que já tinha líquido pré-sêmen na cabeça.
Encarando o que estava fazendo, acelerei o movimento de
vai e vem. Não precisou de muito tempo, ele estava
explodindo na minha mão e no chão.

Respirei profundamente antes de encará-lo e


encontrar outro temor, a admiração que apenas um homem
poderia ter por uma mulher.

— Como vamos limpar isso? — perguntei,


desviando meu olhar. — Estou completamente fora do eixo,
preciso ver minha mãe.

— Vou com você, eu cuido disso depois.

Enquanto ele seguiu para a pia do banheiro que já


estava funcionando, ajeitei minha calça fazendo uma
careta, estava molhada até demais. Ícaro voltou, colocou
meu cabelo atrás da orelha e beijou minha boca com
suavidade.

Eu não poderia me apaixonar.

— Vamos lá — ele comandou.

Quando ele me acompanhou até em casa, eu não


imaginei que entraria comigo e ficaria ao meu lado até eu
encontrar minha mãe.

Não sabia dizer se estava disposta a escutar o que


ela tinha para dizer naquele momento. A saturação
emocional me impedia de querer mais uma revelação.
Precisava recuar, por medo de me arrepender de saber
sobre o passado.

Mas era meu. Fazia parte. Ignorar causaria mais


sofrimento.
Capítulo 22
Natália

Entrei em casa com cautela, passo a passo, com


Ícaro ao meu lado até chegar à minha mãe. Ela estava
deitada no sofá, com os olhos fechados, mas eu sabia que
não dormia, porque seu ronco suave, com o qual eu já
estava acostumada, não era o mesmo que aquele.

Ajoelhei-me ao seu lado e seus olhos se abriram,


focando nos meus. Ela tentou se sentar, mas eu a impedi,
estava preocupada, apesar da chateação por suas meias
palavras e segredos.

— Filha...

— Por que não me chamou, mãe? Eu estava na


casa dos fundos.

— Já está tudo bem, foi apenas um pico de


pressão por conta do que conversamos. — Desvencilhou-
se do meu toque e se colocou sentada, olhando para Ícaro.
— Obrigada, rapaz. Poderia nos deixar sozinhas?
— Não. — Levantei-me, dando passos para trás
até ele. — Se nossa família está emaranhada, Ícaro tem o
direito de saber também.

— Estou indisposta para conversar sobre o


passado, Natália. Você já sabe que seu pai biológico é
irmão de Elias Duarte e que algo grave aconteceu para que
eu não queira ter nada a ver com eles. — Olhou para o
homem ao meu lado, que agora apertava minha mão em
um apoio mútuo.

— Quando isso aconteceu? Antes ou depois do


meu nascimento? — Minha mãe negou com a cabeça e
Ícaro me puxou para mais próximo dele.

— Vá descansar, vou falar para o Eugênio que não


poderemos ir à casa deles para o churrasco.

— Oh, Nanda! — Coloquei minha cabeça no peito


dele e suspirei. Não sabia de onde vinha tanta naturalidade
em ter esse tipo de contato com Ícaro, mas tinha uma força
natural. Deveria recuar, mesmo que a fraqueza emocional
não conseguisse lutar contra as ações o que estava
seguindo o fluxo. — Amanhã eu vou falar com ela. Tem
notícias da sua irmã?
— Falei com a Cida, ela deixou Tamiris no quarto,
dormindo, após tomar banho. — Essa notícia não acalmou
meu coração. Olhei para minha mãe, que nos encarava
como se fôssemos aberrações e puxei Ícaro para fora da
sala, indo até a cozinha.

— Obrigada, vou cuidar da minha mãe e...

— Sem pressa, Natália. — Ele segurou meu rosto e


deixou um beijo casto nos meus lábios. — Vá para a
construção quando puder, senão virei aqui no final do
expediente.

— Ok.

Ele deu passos para trás antes de se virar e sair, já


conhecia o caminho até o portão. Voltei para a sala e
encontrei minha mãe do mesmo jeito, assombrada.

— Você está namorando Ícaro? — minha mãe


perguntou, como se essa fosse a coisa mais absurda do
mundo.

— Se ele realmente fosse meu primo de sangue,


eu teria esse mesmo pensamento, mãe. Mas não é como a
senhora pensa, ele vai embora quando a casa estiver
pronta e eu vou atrás de uma vaga de emprego bem longe
daqui, ou seja, é apenas um momento.
— As histórias se repetem, meu Deus. — Ela se
levantou do sofá com dificuldade e me aproximei para
ajudá-la a ir até o quarto. O que ela queria dizer com
aquelas palavras? Exausta, como minha mãe, preferi
ignorar. — Preciso dormir agora que sei que está em casa.
Bem.

— E eu tenho que comer, por mais que meu


estômago esteja em greve. — Fui puxada para um abraço
e suspirei quando senti seu carinho, aquele que apenas
uma mãe poderia dar.

— Tome cuidado, tudo bem? Elias Duarte tem


muito poder e pode te destruir de forma irreversível. — Ela
se afastou, indo para a cama, e eu fui para a cozinha,
concordando com suas palavras, mesmo que fossem
exageradas.

Nada poderia ser tão extremo como a morte. O pai


de Ícaro demonstrou dominância e desequilíbrio, mas
minha preocupação era apenas com quem era incapaz de
se defender naquele momento, Tamiris. Eu tinha controle
sobre minha vida, mas aquela menina, não.

Onde estava a mãe dela?


Optei por comer pão com ovo e busquei meu
celular para ver se Ícaro tinha conseguido falar com meus
amigos. Nanda já havia deixado uma mensagem para mim,
preocupada por eu não ter ido. Respondi sucinta, que
falaria com ela logo que ela voltasse da capital.

Comecei a digitar para Ícaro enquanto comia por


obrigação.

Natália>> Chegou bem no hotel?

Ícaro>> Acabei de chegar. Vou tomar um banho


e dormir.

Natália>> Já comeu? Não almoçamos.

Ícaro>> Depois que você foi embora, eu comi.


Agora não vai descer nada, sua mãe me deu um susto
daqueles.

Natália>> Sim, também estou desse jeito, mas o


pão com ovo terá que fazer o papel de refeição do dia.

Ícaro>> Pronta para passar a noite em claro?

Natália>> Hoje nem posso culpar o vizinho que


trabalha de madrugada, ele está de folga. Vou escutar
um pouco de música ou ver televisão para chamar o
sono. Insônia é uma merda.

Ícaro>> O que me consola é que minha mente


está me fazendo reviver o dia de ontem. Nunca vi
Tamiris tão feliz, também nunca tinha me permitido
ficar com ela por tanto tempo. Estou me questionando
se realmente estou fazendo tudo ao meu alcance, se
minha felicidade está acima da dela.

Natália>> Ela é especial e não, sua felicidade


vem primeiro, por mais egoísta que possa parecer.
Onde está a mãe dela? Você não sabe quem é?

Ícaro>> Não. Pelo visto, temos mais em comum


do que imaginávamos. Segredos em família, insônia,
preferência por Thirty Seconds to Mars...

Natália>> A voz de Jared Leto é irresistível.

Ícaro>> Tenho certeza de que faço muito melhor


tocando outras partes do seu corpo.

Comi o último pedaço do pão sentindo o meu rosto


esquentar. Em que momento a conversa se tinha se
tornado tão íntima? Procurei um pouco de água para tomar
e, quando voltei a encarar o celular, lá estava mais uma
mensagem dele.

Ícaro>> I've been up in the air, Out of my head,


Stuck in a moment of emotion, I destroyed, Is this the
end I feel?

Natália>> Up in The Air. Estive no ar, com a


cabeça fora do lugar, preso em um momento de
emoção, que destruí. Isto que sinto é o fim?

Natália>> Amo essa música e o clip é intenso.

Ícaro>> Guarde essa música, amanhã iremos


escutar juntos.

Se a intenção foi me impressionar, conseguiu,


porque nem responder consegui, apenas buscar a música
no aplicativo do meu celular e escutar repetidamente
enquanto tomava banho e ficava no sofá em busca de
sono, até finalmente dormir.

I'll take no more. (Não vou tolerar mais).


Capítulo 23
Natália

O clima estava estranho em casa quando


amanheceu. Como dormi no sofá, acordei com o barulho
da minha mãe na cozinha. Era a batedeira, ou seja, tinha
alguma massa a caminho.

Deixei o peso das revelações do dia anterior de


lado, beijei seu rosto quando me aproximei vagarosamente
e conferi o que estava sendo feito.

— Bolo de fubá? — resmunguei, descontente,


porque meu preferido era de cenoura.

— Sim, Francisco gostava. Sonhei com ele e...

Abri a geladeira e percebi que algo estava


estranho, já que ela não falava do meu pai biológico. Minha
mãe era uma mulher que teve dois relacionamentos
profundos, eu tinha que respeitar sua história e ir atrás
apenas das informações que me afetavam. E, por algum
motivo, meu pai adotivo não ocupava um espaço amoroso
no meu coração, ele parecia ter virado pó na minha vida.
Será que pensar no meu pai biológico anulava a
existência do padrasto?

— Onde estão as fotos antigas, mãe? Posso olhar?


— Tirei a caixa de leite da geladeira e enchi um copo. Ela
me encarou, confusa, e refletiu muito antes de responder:

— Na parte de baixo do rack da televisão. Se está


procurando algo sobre a família Duarte...

— Apenas a nossa família, mãe. — Coloquei o


achocolatado e mexi o leite. — Queria saber todos os
segredos que esconde, mas não hoje. Percebi que é um
fardo pesado demais, não tenho a mesma força que você.

— Se eu pudesse, iria embora para outra cidade


com você, bem longe daqui, mas não posso. Essa casa é
tudo o que restou de Natan e prometi que honraria sua
memória ficando aqui.

— Ele quem construiu? — questionei, assustada


por ver um padrão nas ações do meu pai com Elias. Minha
mãe ligou a batedeira, virou o corpo e me ignorou.

Peguei torradas, margarina e tomei meu leite ao


som agitado que abafava meus questionamentos. Será que
agora seria assim: em cada conversa, uma migalha
recolhida? Como meu padrasto se sentia ao morar numa
casa construída pelo primeiro amor da minha mãe?

Aproveitei o horário da manhã para trocar de roupa,


colocar um tênis e ir até o centro falar com a Nanda, ou
tentar, já que ela poderia estar em trânsito para a capital
por causa do ultrassom. Eu não me sentia pressionada a
falar o que estava sentindo para alguém. Nossa amizade
nunca foi tão fixa, mas conseguia se manter estável toda
vez que nos encontrávamos. Era bom não ter cobrança e,
como ela estava grávida, parecia... diferente.

— Aonde vai? — minha mãe perguntou, batendo


um segundo bolo, daquela vez, o laranja amarelado da
massa iluminou meus olhos. — Estava fazendo o seu
preferido, filha.

— Vou falar com a Nanda na lojinha de


aviamentos. Quer algo de lá?

— Ah... não, obrigada. — Forçou um sorriso, ela


parecia descrente na minha resposta.

Eu havia mentido anteriormente, não a julgava por


não acreditar em mim uma segunda vez.

Coloquei meu celular no bolso e saí pronta para


ignorar a rua que dava acesso à casa em construção atrás
da minha, mas desviei meu caminho e parei à frente dela,
olhando para cima em busca de Ícaro. Senti um rebuliço no
meu estômago ao perceber que poderia vê-lo e, de tão
distraída em o encontrar não percebi alguém se aproximar.

— Procurando o Peixão? — Eugênio falou e dei um


passo para trás com a mão no coração. Ele riu e negou
com a cabeça. — Ele ainda não chegou. Precisa de algo?

— Bem, se você está aqui, então Nanda está na


lojinha. Vou dar um pulo e falar com ela antes do
ultrassom.

— Sim, ela está lá, nervosa e preocupada com o


que poderemos descobrir. — Ele tocou meu ombro com
carinho e franzi a testa. — Mozão também se preocupa
com você. Está tudo bem?

— Vai ficar. — Escutamos o barulho da


caminhonete de Ícaro e ele parou do outro lado da rua,
saindo com um enorme sorriso em minha direção.

Sua aproximação me causava constrangimento,


por mais que não estivéssemos fazendo nada de errado.
Não sabia explicar o que eu tinha de errado, apenas me
travava com sua demonstração de afeto tão natural.
Percebendo meu desconforto, ele colocou a mão
nas minhas costas e beijou minha testa antes de
cumprimentar Eugênio. Era um gesto comum, estava
satisfeita com aquilo, mas não com o olhar de quem tinha
entendido nas entrelinhas do marido da minha amiga.

— Tudo bem? — Ícaro perguntou baixo para mim,


deixando seu perfume invadir meus sentidos. — Já tomou
café da manhã?

— Sim, estou indo falar com a Nanda, depois nos


falamos. — Apressei-me e apontei o indicador para
Eugênio. — Não diga nada.

— Nem preciso — falou rindo e Ícaro o


acompanhou, divertindo-se com meu pedido. Eu não sabia
namorar, muito menos me relacionar com alguém que
poderia trocar carícias na frente de outras pessoas. —
Mande um beijo para o meu Mozão.

— Pode deixar. — Dei passos para longe deles,


sorri para Ícaro em sinal de “até breve” e segui
caminhando.

Fui para o centro, passo a passo, focada em como


explicaria o segredo revelado sem expor coisas demais.
Quando cheguei próximo à praça central do centro,
acenei para alguns senhores conhecidos e acelerei para
chegar à loja. A mãe de Nanda me cumprimentou e
apontou para os fundos, onde minha amiga estava
organizando o estoque.

— Você deveria estar fazendo todo esse esforço?


— perguntei, enquanto ela agachava e depois se
levantava, para me abraçar em saudação.

— Ah, amiga, como você está? Ícaro falou que sua


mãe teve pressão alta, guardamos tudo para fazer o
churrasco hoje à noite.

— Sim, esse final de semana foi tenso. —


Afastamo-nos e nos medimos da cabeça aos pés, como se
precisássemos confirmar que estávamos ambas bem. —
Posso te ajudar a guardar essas lãs?

— Só se me contar sobre você e Ícaro.

— Shiu! — Coloquei o dedo na boca e ela riu,


animada. — Não é nada sério, por favor, não espalhe,
senão vão achar que iremos casar semana que vem.

— E qual o problema? — Bateu seu ombro no meu.


— Sempre achei que você ficaria com alguém da capital,
não me enganei.
— Virou vidente? — Revirei os olhos. — Falou com
a sua mãe sobre a casa e a família Duarte?

— Sim, ela disse que esse povo é muito fechado,


que só vinha para a cidade para negociar os terrenos. A
esposa de Elias, Joice, apareceu apenas uma vez com ele
no festival de inverno e parecia bem doente. É só isso que
minha mãe lembra. Ela também não se recorda da sua
mãe estar vinculada a eles.

— Ou seja, quem sabe são apenas os envolvidos.

— Sabe o quê? Descobriu algo? — perguntou,


parando de ajeitar as linhas.

— Não... é que... — Soltei o ar, encontrando uma


forma suave de dizer. Não queria revelar, mas Nanda tinha
buscado algo, eu daria algo a ela. — Lembra que Francisco
é meu padrasto, certo? — questionei, baixo, e ela acenou
com a cabeça, apressada. — Então, parece que meu pai
biológico foi criado junto com Elias Duarte, o pai de Ícaro.

— Que coincidência! — falou alto, colocando a mão


na boca ao perceber a gafe. Olhamos para a entrada da
loja e só tinha a mãe dela e uma senhora olhando outras
coisas. — Desculpe, só estou chocada. Vocês poderiam
ser primos.
— Não somos, pelo amor de Deus, nem repete
isso, porque achei que era e quase tive um treco. —
Arregalei os olhos e Nanda fez o mesmo, porque ela tinha
entendido nas entrelinhas. — Jure guardar segredo!

— E você, não suma mais da minha vida sem


deixar rastro — exigiu e nos abraçamos.

O laço, que antigamente era apenas um fio firme,


naquele momento tinha engrossado e isso me assustou.
Senti as mãos suarem e o coração acelerar, por isso me
afastei, olhando para o teto, em busca de controle.

— Aí está você! Vamos Mozão? — Eugênio


apareceu próximo de nós, olhei para a entrada da loja,
esperando Ícaro e me entreguei, mais uma vez, para meus
amigos. — Ele ficou na obra, mas quase me acompanhou,
se serve de consolo. Quer carona até em casa?

— O que vocês estão deduzindo não tem nada a


ver com a realidade. Bom exame, amiga. — Abracei Nanda
e Eugênio. — Eu me viro, ligue assim que descobrirem o
sexo do bebê.

— Pode deixar. Mais tarde terá churrasco em casa!


— Nanda falou alto enquanto eu saía da loja acenando
adeus para a mãe dela. Caminhei pelo centro, sem rumo,
apenas para esperar o horário do almoço.

Queria que o tempo passasse rápido e tentava me


convencer de que não era por causa de Ícaro Duarte.
Capítulo 24
Natália

O silêncio imperou em casa até quando anunciei


que estava indo para visitar Nanda e Eugênio com Ícaro.
Não era provocação, eu só não queria mais mentir ou
omitir. Ter feito aquilo estava me perturbando a mente,
ainda mais por ser com a minha mãe.

Como estávamos sozinhos, assim que entrei na


caminhonete, Ícaro me puxou para me dar um beijo na
boca. Seu cheiro fresco e o gosto de menta na língua eram
bem-vindos depois do dia de espera que tive.

— Era assim que queria ter te cumprimentado hoje


de manhã — falou, baixo, quando interrompi o momento
para me ajeitar no assento e colocar o cinto de segurança.
— Tudo bem? — Colocou a mão na minha perna e senti
seu calor na minha pele, estava usando um vestido leve
que deixava meus joelhos descobertos.

— Sim. Na ligação depois do exame, Nanda não


quis me contar o sexo do bebê, estou curiosa.
— Eugênio me contou — revelou, sorridente, e
fiquei em choque de curiosidade.

— Homens e sua parceria eterna. É menino? —


questionei, despretensiosa.

— Sim, menino. Comprei uma garrafa de uísque


para comemorar com ele. — Indicou o banco de trás e vi a
caixa da bebida.

— Cadê o chefe carrasco? Não vão trabalhar


amanhã? — brinquei, fingindo indignação e minha mão foi
levada até sua boca para um beijo.

— Há benefício em atrasar a obra por alguns dias.

Ele soltou minha mão para fazer uma manobra e


agradeci por estar focado na direção, porque sua afirmação
me incomodou. Só conseguia me sentir confortável ao seu
lado por saber que existia um prazo de validade para o que
tínhamos, que tudo estava sob controle, mas agora que o
padrão de comportamento havia mudado, eu me sentia
insegura.

— Notícias de Tamiris? — Mudei de assunto, para


me centrar e não surtar.
— Foi à escola normalmente, Cida disse que ela
está triste, que perguntou de você. — Ele parou a
caminhonete na frente da casa dos meus amigos e
segurou minha mão. Nem tinha percebido que estava
fazendo bico. — Isso não é motivo para se sentir
responsável. Ela apenas se conectou com você.

— Se morássemos perto, eu com certeza a veria


sempre que desse.

— E se trabalhasse com ela? — questionou,


ampliando o sorriso, como se fosse a melhor ideia que já
teve. — Sim, ficar com Cida, ajudá-la com os deveres de
casa...

— Não a veria por causa de vínculo trabalhista, eu


realmente gostei dela, Ícaro — tentei moderar meu tom
zangado.

— Você está procurando emprego, certo? Sei que


babá deve ser a última coisa que te realizará
profissionalmente, mas estando na capital, você terá
acesso a ela e a mim. — Inclinou-se para me dar um
selinho e abriu a porta. — Pense nisso depois, agora
vamos comemorar a vinda do herdeiro de Eugênio e
Fernanda.
Precisei de alguns segundos antes de sair e o
acompanhar. Céus, ele não só estava me ofertando um
emprego, mas um vínculo mais duradouro que as semanas
que teríamos por conta da finalização da construção. Se eu
estava surtando? Eu queria fugir de lá.

Transformei meu desespero em alegria quando vi


balões azuis decorando o ambiente. Uma churrasqueira de
tambor estava com o fogo aceso e Nanda se aproximou
mostrando a barriga enquanto vestia um top e short azul.

— É menino! — falou, abraçando-me enquanto os


homens se cumprimentavam.

— Percebi — respondi, brincando e beijando seu


rosto. — Parabéns, que venha com muita saúde.

— Vai ser sacudo igual o pai — Eugênio soltou e


rimos do seu orgulho em forma de piada.

— Filho de jacaré não nasce peixe — falei,


aproximando-me das cadeiras e pronta para me sentar em
uma delas, mas Ícaro me puxou para ficar no seu colo.

Congelei, ainda mais quando Eugênio e Nanda, se


sentando em cadeiras a nossa frente, observavam
atentamente. Eu odiava demonstração de carinho na frente
dos outros por causa daquilo, me sentia como um animal
em exposição.

— Vou avisar às pretendentes que o Peixão já foi


fisgado — Eugênio brincou.

— Sim, o nome da medusa é Natália. — Olhei para


Ícaro, que piscou um olho e sussurrou no meu ouvido: —
Relaxe, estamos entre amigos, podemos agir sem medo.

Ele tinha razão, mas a questão era muito mais


profunda do que apenas vergonha. Ajeitei-me em seu colo.
Seu braço estava em volta da minha cintura, mostrando
posse e conforto.

— Vamos fazer o pão de alho? Felipe está pedindo


— Nanda falou, levantando-se e me salvando ao fazer o
convite.

— Felipe? Será Eugênio Júnior, Mozão. Já falamos


sobre isso.

— Você decretou, eu não assinei. — Minha amiga


pegou na minha mão e deixamos os homens discutindo
sobre nomes de filhos e os possíveis apelidos.

Entramos na cozinha e suspirei, para o riso


divertido dela.
— Por isso nunca te vi namorar nem na época do
colégio, você parece de gelo.

— Como assim, Nanda? É só que...

— Ícaro está caidinho por você, tentando te


conquistar e você parece um gato que está sendo preso
contra a vontade debaixo do chuveiro. — Abriu a geladeira
e tirou leite e manteiga de dentro. — Ele é tão ruim assim?

— Qual parte ruim? Ele é...

— Ih, muitas reticências para a mulher que sabe


ensinar a todos, menos a si mesma. — Pegou outros
ingredientes e apontou para a mesa, onde tinha pães. —
Tem medo do rolo que existe entre sua família e a dele?

— É mais forte que eu, Nanda. Quando algo


parece se tornar fixo e duradouro, eu preciso interromper. É
como se fugisse do meu controle, gosto do que tem início,
meio e fim. Quando é indeterminado, eu surto. — Foi a
primeira vez que consegui dizer em voz alta o que me
incomodava e gostei de ver o olhar compreensivo da minha
amiga quando levei os pães para ela.

— Está tudo bem. Hoje o dia terminará às 23 horas


e 59 minutos, tenha isso em mente e mantenha o controle
apenas do que acontecerá hoje. — Ela pegou o
liquidificador e adicionou os ingredientes para o molho que
seria colocado no pão. Suas palavras não fizeram muito
sentido para mim, mesmo assim acenei afirmativo. — Isso
explica muita coisa sobre o que vivemos, sabe? Por mais
que eu achasse que você não gostava de ninguém, a
verdade era o contrário.

— Já está com os mesmos discursos que minha


mãe tinha quando eu era adolescente. Volte alguns anos,
amiga, treine gugu-dadá primeiro.

Ligou o liquidificador e revirou os olhos sem deixar


o sorriso ir embora. Mesmo receosa, acompanhei sua
alegria e iniciamos outra conversa não tão intensa. Eu
estava precisando daquela normalidade, ainda mais
quando voltamos para os homens e ambos quiseram
demonstrar o quanto estavam apaixonados – se é que eu
poderia dizer isso dos beijos e carícias de Ícaro.

Paixão poderia ser de apenas alguns dias ou


minutos, com hora para começar e terminar, como um
episódio de seriado. E, sendo assim, eu me sentia mais
segura de corresponder e entrar nesse movimento,
principalmente porque havia esquecido uma proposta de
conexão duradoura.
Que meu controle não fugisse das minhas mãos ou
ficasse sem pilha.
Capítulo 25
Natália

Minha perna não parava quieta, até Ícaro colocou


sua mão em cima do meu joelho para tentar me acalmar,
mas isso não aconteceu. Dentro do carro, a caminho do
seu hotel, eu sentia como se estivesse em uma montanha
russa.

— Se quiser, podemos ir para outro lugar.

— Sim! — respondi rapidamente, o que o fez rir


baixo. — Sei que pareço estranha, mas cidade pequena é
complicado.

— Quer ir ao mirante? — Ele virou em uma rua,


mudando a nossa direção mesmo que eu não tenha
aceitado verbalmente, apenas com a minha cabeça, que
acenava afirmativo.

— Eles estão felizes, né? — Mudei de assunto,


lembrando que deixamos Eugênio e Nanda radiantes
depois do churrasco.
— Sim, estão construindo sua própria família. Há
harmonia em tudo o que eles dizem. — Ele soltou meu
joelho e segurou o volante com as mãos. — Um dia sonhei
em ter isso também.

— Se casar? Ser pai? — perguntei, segurando a


respiração por alguns segundos e soltando depois que ele
riu negando com a cabeça.

— Está no passado. Acho que minha ex-noiva me


traumatizou por uma vida. Ela me traiu com seu chefe. —
Ele virou o rosto rapidamente em minha direção e voltou a
focar na estrada à sua frente. Sua revelação me deixou
compadecida e, ao mesmo tempo, receosa de estarmos
compartilhando demais para sermos apenas um caso
breve. — Quer ouvir? Não falei com ninguém sobre isso,
nem meu pai.

— Se isso não estragar o clima depois, fique à


vontade.

— Ah, Natália, pode ter certeza que no momento


que colocar uma música e ter minhas mãos livres, a última
coisa que vou lembrar é do passado de merda que tive. —
Respirou fundo, buscando forças. — Ela foi minha única
namorada séria na Inglaterra. Era amiga de um amigo, nos
conhecemos na balada, trocamos números de celular e
quando menos percebi, já estava dormindo no apartamento
dela e ela no meu. Foi natural. Nunca nos rotulamos ou
exigimos uma posição.

— Nunca a pediu em namoro ou casamento? — Eu


estava chocada e o vi dar de ombros sem se sentir
culpado.

— Não. Um dia ela me chamou de noivo em uma


confraternização da empresa dela e assim ficou. Parecia
certo na época. Ainda não morávamos na mesma casa
efetivamente, mas durante a semana ficávamos no meu
apartamento, por ser no centro e mais bem localizado.
Final de semana era no dela.

— E ela te traiu com o chefe? O mesmo depois


dessa festa? — perguntei, vendo além do que ele contava.
Quando vi sua careta, percebi que estava no caminho
certo.

— Agora que você comentou, sim, foi exatamente


para esse chefe que ela me apresentou como noivo.
Depois de meses, ela deixou de ir para o meu apartamento
e eu só ia ao dela no final de semana. Ela disse que
precisava de tempo para fazer outras coisas e dei, nunca
pensei que era para me trair.
— Por quanto tempo isso aconteceu?

— Que fui corno? — Ícaro virou a caminhonete e


entramos na estrada de chão, estávamos chegando ao
mirante. — Nunca perguntei. Eu achava que era coisa de
semanas ou de um mês, mas agora... acho que foi desde
aquela confraternização do caralho.

— E como ficou sabendo? Ela quem disse ou você


pegou os dois no ato?

— Nós estávamos sem nos ver durante a semana


e em uma sexta-feira, ela não me deixou subir para seu
apartamento. Como estava cansado e tinha uma reunião
na segunda-feira, apenas deixei de lado. Foi só na outra
sexta-feira que ela me atendeu e pediu para conversar. Ela
estava grávida do chefe.

— Uau.

— Sim, foi um tapa na minha cara, ainda mais com


a pressão do meu pai na minha orelha, para voltar ao Brasil
por conta da sua doença. Seu fígado está comprometido e
o idiota está usando alguma droga ou álcool. Até parece
que quer morrer como minha mãe.

Entramos na parte pública do mirante, na qual a lua


era a única iluminação que existia no estacionamento. Por
ser dia de semana, ninguém vinha para cá e estávamos
sozinhos, nem mesmo o pessoal do restaurante, onde foi o
casamento de Nanda, estava trabalhando.

A parada brusca da caminhonete e a visão das


luzes da cidade me fizeram esquecer um pouco do
sofrimento que ele me contava. Soltei o cinto e me inclinei
para frente, queria tomar da beleza da noite.

Escutei um barulho e o som do carro foi ligado. A


batida eletrônica da música Up in The Air soou baixo e virei
meu rosto na direção de Ícaro, curiosa. Ele tinha afastado o
banco e na sua frente havia muito espaço... era o meu
lugar.

— Is this the end... — sussurrou com a música e


esticou a mão na minha direção. Respirei fundo antes de
soltar meus sapatos e ir para onde ele me queria.
Estávamos aqui para isso, sexo e esquecimento ou
qualquer outra necessidade de conexão que não
conseguiríamos explicar.

Sentei-me escarranchada em seu colo e me


mantive afastada, queria olhar para seus olhos, decorar
seus traços e buscar algo que ainda não tinha reparado,
como uma pequena cicatriz perto da sobrancelha.
— Quando fez a tatuagem de carpa nas costas? —
perguntei, sentindo suas mãos deslizarem da minha cintura
para a bunda.

— Logo que cheguei à Inglaterra. A carpa significa


sucesso e perseverança, era tudo o que eu buscava ao
fugir do meu pai. A perda da minha mãe causava muita dor.
— Ele segurou meu rosto quando a música começou
seguir para o fim. — Vamos conversar depois, agora quero
ter você.

Entreguei-me sem ressalvas, ainda mais quando


ele me segurou de forma possessiva. A dominância me
dava segurança de que ele sabia o que fazia. Apertei seus
pulsos quando ele virou o rosto para aprofundar mais o
beijo. Meu quadril se movimentou de forma involuntária e a
fricção da sua calça jeans na minha calcinha me fez gemer
baixinho.

Ícaro mordeu meu lábio inferior quando terminou de


me seduzir com sua língua. Com pressa, segurou na barra
do meu vestido e o tirou por cima com tranquilidade. Olhei
ao redor, preocupada, e ele demonstrou que não estava
ligando para nada além de mim quando chupou meu
pescoço.
— Ícaro — gemi novamente, movimentando-me
contra ele. Suas mãos foram para as minhas costas para
soltar meu sutiã. Sua boca não perdeu tempo, sugando o
bico do meu seio enquanto eu me livrava da peça. —
Assim vou ficar nua.

— Esse é o objetivo. — Ele segurou o seio com a


mão para complementar a sensação da sua boca em mim
enquanto, com o outro braço, circulava minha cintura.
Cativa e entregue, eu queria mais. — Rebola mais,
Medusa.

Pedindo com tanta sedução, eu não poderia


recusar. Daquela vez, estava despudorada. Com as pernas
bem abertas e meus seios sendo estimulados da melhor
forma, me esfreguei em Ícaro até encontrar o clímax. Não
consegui controlar os gemidos nem os tremores do meu
corpo, curvando para frente. Suspirei quando ele me
acolheu em seus braços.

— Eu havia perdido a esperança da tatuagem


ainda estar valendo algo. — A rouquidão de sua voz me fez
erguer a cabeça e encará-lo.

— O que mudou, Ícaro?


Seu sorriso não me respondeu nada. Ele me puxou
para um beijo, acalmando minha respiração e
desacelerando minha libido, porém, a dele estava seguindo
um rumo diferente, pois a cada segundo que passava, seu
pau parecia mais rígido entre minhas pernas.

A música instrumental Convergence soou nos


autofalantes do carro. Suas mãos desceram pelo meu
corpo enquanto nos beijávamos e chegaram até meu sexo.
Ele abriu a própria calça e suspirou quando colocou seu
membro para fora.

Antes que eu pedisse, Ícaro levantou a mão,


parando o beijo e mostrando o preservativo. Tirei de sua
mão, abri a embalagem e a coloquei ao som de Northern
Lights.

“Nós nadamos entre a aurora boreal

E nos escondemos na beirada da noite

Esperando o amanhecer chegar

E cantamos uma canção

Para salvar a todos nós”


Sem tirar os olhos dos dele, segurei seu membro e
coloquei minha calcinha de lado para recebê-lo sem
nenhuma dificuldade. Estava encharcada, precisando tê-lo
em mim.

Não consegui fazer movimentos diferentes do ritmo


da música. Sensual e calma, eu subia e descia, rebolando
e me esfregando apenas para ver Ícaro arfar a cada
investida.

Naturalmente, acelerei os movimentos, precisando


tanto quanto ele do atrito, da pressa, do tesão
compartilhado. Ele abraçou minha cintura e retribuí com
meus braços em volta do seu pescoço. Foi o suficiente
para ambos gemermos alto, anunciando o orgasmo
iminente. Não havia necessidade de perguntar o que
nossas ações já demonstravam por si próprias: era o
momento de nos jogarmos no precipício da luxúria e
encontrar nosso prazer carnal.

Senti meus braços moles e soltei o peso do meu


corpo, por estar com dificuldade até de abrir os olhos.
Aquele orgasmo tinha sido diferente, ainda mais por eu
nunca ter feito ao som de uma música tão sensual.
— Será que é pedir demais para dormir comigo
hoje? — perguntou, alisando minhas costas e me
despertando para a fuga.

— Preciso voltar para casa e ficar de olho na minha


mãe. — Com cuidado, saí do seu colo, nos desconectando
e me sentando no banco do passageiro. Primeiro eternizei
aquela visão, depois a sensação de plenitude que sentia,
por mais que o medo quisesse me dominar.

Como algo tão certo poderia ser camuflado como


ruim pela minha mente venenosa?

— Pensou sobre a proposta que te fiz? Trabalhar


com minha irmã, ficar na capital...? — ele demonstrou que
completaria a pergunta com mais uma palavra. Eu
arriscava dizer que era comigo.

— Vou pensar, me dê um tempo. — Busquei meu


sutiã e vestido, para pôr enquanto ele se ajeitava também.

— Tudo bem, o que você precisar, Natália. —


Mexeu no som e colocou, novamente, Up in The Air.

— Agora eu só lembro de você quando escuto essa


música — brinquei.
— Eu lembro de nós — sussurrou, ajeitando o
banco. Debruçou-se para frente, olhando a lua e as luzes lá
embaixo.

“Mil vezes eu disse

Hoje, hoje, hoje”


Capítulo 26
Ícaro

Cida>> Oi Ícaro. A Cida me emprestou o celular


para falar com você. É a Tamiris.

Li e reli várias vezes essa mensagem quando fui


acordado pelo toque do meu celular. Achei que algo grave
havia acontecido, já que eram sete horas da manhã e
ninguém, além do meu pai, me ligava da capital.

Ícaro>> Como você está? Aconteceu alguma


coisa?

Estava ainda na cama, atordoado, pensando no


momento íntimo que tive com Natália no dia anterior. Vi seu
distanciamento e o quanto ela parecia incomodada com o
vínculo que poderíamos criar. Eu não pensava em nada
além de algo passageiro por conta do meu histórico, mas,
lá no fundo, eu sentia que poderia ser diferente.

Tamiris>> Quando você volta?

Ícaro>> Meu pai fez algo a você?

Tamiris>> Eu não quero ficar aqui. Natália é a


única pessoa que conheço, além da minha professora,
que fala comigo. Ela pode vir com você?

Ícaro>> Não é assim que as coisas funcionam.

Apertei os olhos com os dedos e fiz uma careta.


Estava sendo duro demais com uma menina, a irmã que
aprendi a amar há poucos meses. Não dava para eu
assumir uma criança, ainda mais com as particularidades
que se apresentavam. Estar com Natália facilitaria, o
problema era que, além do meu pai, nenhum de nós
deveria assumir aquela responsabilidade.

Será que Elias Duarte estava fazendo algo? A


agressão verbal era a característica marcante do meu pai,
mas, como ela não escutava, tinha se livrado daquele
problema.
Ela demorou para me responder ou mesmo rebater,
então digitei outra mensagem, um pouco mais branda.

Ícaro>> O que acha de ter Natália para estar


com você e Cida? Ela é formada em pedagogia, pode te
ajudar com a escola e outras coisas.

Tamiris>> Não preciso de outra babá. Achei que


Natália tinha gostado de mim e não por eu ser o
trabalho dela.

Ícaro>> Me expressei mal, desculpe. Ela não te


vê dessa forma, mas eu só conseguiria tirá-la da cidade
com um incentivo.

Tamiris>> Então me leve até Dualópis. Tem um


quarto para mim na casa que você está reformando?

Como ela sabia? Será que no meio de tanta


conversa com Natália, que não entendi tanta coisa, foi
revelado aquilo? O que minha irmã não sabia era que
existia espaço para duas famílias grandes onde eu estava.
Ícaro>> Vou falar com Natália para irmos esse
final de semana para a capital novamente, tudo bem?

Tamiris>> Não.

Enviei mais duas mensagens e não obtive


resposta, depois liguei e foi Cida quem atendeu, falando
que Tamiris estava tomando banho para ficar pronta para ir
à escola. Minha irmã parecia chateada, mas nada além do
normal.

Não deveria ser normal uma criança ser triste, mas


tudo na minha família era uma grande confusão,
começando pelos meus pensamentos.

Larguei o celular de lado e fiquei pronto para ir


trabalhar. O café era a única coisa que eu tomava para me
dar energia para enfrentar o dia de trabalho braçal.
Estávamos terminando de pintar os cômodos por dentro, o
próximo passo seria colocar os espelhos de tomada,
lustres e vidraças onde fossem necessários.

Meus dias na cidade entraram em contagem


regressiva.
Esperei o dia inteiro para receber a visita de Natália
na obra. Eugênio sorria para mim, demonstrando saber
mais do que eu mesmo com a cara amarrada eu que
exibia. Preferi não ir atrás do desconhecido, interagi com
os pedreiros da obra e, quando o expediente terminou, o
homem que era meu braço direito naquele lugar me
chamou para tomar tereré nos fundos da casa.

A área de lazer estava quase pronta, faltavam


apenas os azulejos temáticos que seriam postos ao redor
da churrasqueira.

— Ela está te dando uma canseira, Peixão? —


Eugênio perguntou, sentando-se em uma cadeira de
madeira e entregando o copo com erva, água e a bomba
para tomar.

— Não entendi — respondi, fingido.

— Conversei com o Mozão ontem, ela disse que


nossa amiga — apontou com o queixo para o muro dos
fundos, meu olhar foi direto para o pé de seriguela, vazio —
sempre foi escorregadia, mas nós não percebíamos. De
todos que se formaram no ensino médio, ela foi a única
que não participou da festa ou fez parte dos grupos de
conversa na internet. Não leve para o lado pessoal se ela
parecer distante. Deve ser difícil para ela aceitar a dor da
partida.

— Ofereci um emprego a ela — comentei


pensando no futuro, em ter aliados que me ajudassem a
levá-la até a capital comigo. — Tenho alguém da família
que poderia ser beneficiado com os conhecimentos de
Natália, mas acho que ela não vai aceitar.

— Se ela foge, então, é porque gosta. — Tomou


um gole da bebida e encheu o copo novamente,
oferecendo-me. — As pessoas gostam dela, mas quando
ela se dá conta...

— Escorrega igual bagre ensaboado.

Rimos da comparação e observei com expectativa


os fundos da casa, que davam acesso à casa de Natália. O
que será que eu deveria fazer, qual estratégia deveria
usar? Nossa ligação não seria de fácil rompimento, ainda
mais sabendo que eu tive um tio de criação que era o pai
dela. Se minha avó fosse viva, eu tentaria tirar todas as
informações dela, mas a única fonte de conhecimento
sobre esse passado era meu pai e...

— Minha mãe! — Olhei para Eugênio, que franzia a


testa. — Tive uma ideia, o Peixão vai fisgar a Medusa e
não o contrário.

— Assim é que se fala. — Bateu no meu braço e


pegou o copo da minha mão. — Já pensou os dois
morando nessa casa? Dona Maria Rita faria muito gosto.

— Com certeza é utópico demais para mim. —


Lembrei que o problema maior entre as famílias eram
nossos pais e que nunca teríamos a bênção deles. —
Estou concluindo uma missão finalizando essa casa,
ninguém irá morar nela.

— Se for o que estou pensando, vou dizer algo que


aprendi com meu pai: morto não manda em gente vivo. —
Abri a boca para protestar ou mesmo para tentar recordar
se eu tinha falado sobre o trabalho em homenagem a
minha mãe. Ele se levantou respirando fundo. — Está na
hora de ir para o meu Mozão. Precisa de mim?

— Pode ir, vou dar uma olhada no que foi feito e


depois vou embora também.

Observei-o ir embora e busquei no meu celular a


música que me lembrava um dos melhores momentos da
minha vida depois que cheguei naquela cidade. Fechei os
olhos e deixei que o álbum inteiro da banda tocasse,
sentindo uma grande conexão com as letras cantadas e a
vizinha pela qual estava atraído.

Entre o sono e estar acordado, não percebi alguém


se aproximar. Apenas quando se sentou abruptamente no
meu colo, arregalei os olhos e encarei, mesmo na
escuridão que dominava a noite, o brilho nos olhos de
Natália.

— Alguém já estreou a piscina ou poderemos ser


nós? — Percebi um leve odor alcoólico quando falou.
Toquei seu rosto e trouxe sua boca para a minha,
confirmando que Natália não estava sóbria.

— Você está bêbada? — perguntei contra seus


lábios e ela me respondeu ficando de frente para mim e se
esfregando em todo o meu corpo.

— O que importa é que estou cheia de tesão e


quero fazer algo que nunca fiz antes. Vamos para a
piscina? Por favor?

Não consegui recusar quando implorou, de uma


forma ou de outra eu demonstraria a ela que poderia ser
bom o que estávamos construindo.
Capítulo 27
Natália

Não me importei com os vizinhos ou com o que


poderiam falar para a minha mãe, já que entrei na
construção da casa de Ícaro sob os olhares alheios. Eu
estava levemente alcoolizada. Precisei desse relaxante
depois que olhei as fotos do meu passado e me senti...
enganada. Não havia fotos das quais eu me lembrasse, até
as do meu pai pareciam forjadas. Natan era um
desconhecido para mim.

Escolhi uma foto da minha mãe com meu pai


biológico, outra minha com Francisco e uma terceira,
apenas minha quando bebê. Coloquei as três coladas em
um papel sulfite e admirei pela tarde inteira, sentindo um
vazio no peito. Havia algo errado no meu passado e não
tinha nada a ver com a família Duarte, mas com a minha
mãe.

Eu não tinha nenhuma recordação da minha avó,


mãe de Francisco, por isso fui atrás do contato dela, liguei
e deu número inválido. Será que minha infância fora
apenas uma ilusão?

Encontrei uma garrafa de uísque fechada,


provavelmente do meu padrasto antes de falecer e tomei
algumas doses, o suficiente para queimar minha garganta.
A impulsividade tomou conta e fui para o quintal ao som
das músicas que eu amava e tinha em comum com Ícaro.
Com a visão turva, não consegui pular o muro, o jeito era ir
pelo portão da frente, sem avisar minha mãe.

Eu queria ser imprudente e abrir meu coração para


alguém, pelo menos uma vez na vida.

Encontrei meu homem sentado numa cadeira de


madeira, relaxado, e fui ousada. Ele me queria para estar
ao seu lado na capital e, na neblina alcoólica, eu aceitaria.

— Me deixe fazer — pedi apressada, quando suas


mãos seguraram a barra da minha blusa. Com roupa de
ficar em casa, eu estava sem sutiã e a pior das calcinhas.
Dei passos para trás e mexi meus quadris ao som de This
Is War.

“Para a direita, para a esquerda


Vamos lutar até a morte

Até os confins da Terra

É um admirável mundo novo da última para a


primeira”

Todo o movimento sensual foi feito rindo, dançando


de forma desengonçada e sem nenhuma pretensão de
encantar um público. Eu estava dando voz para o que
deixava escondido de mim, ainda mais naquele momento
em que as mentiras pareciam mais densas do que eu
pensava.

Tirei a blusa; o short e a calcinha foram juntos e só


então percebi que estava descalça. Havia hesitação no
olhar de Ícaro quando ele se levantou da cadeira e veio em
minha direção.

— Você precisa de uma ducha, Medusa.

— Eu quero você nu, comigo, nessa água. — Ele


tentou me segurar, mas desviei do seu contato. — Se não,
eu vou te empurrar com roupa e tudo.

— Que seja a água gelada da piscina então. —


Ícaro tirou sua roupa com velocidade e me abraçou nu. —
Vai me contar o que aconteceu?

— Talvez, até mais do que faria estando sã.

Ele beijou minha boca e me levantou, abraçando


minha cintura. Segundos depois estávamos caindo dentro
da piscina, para meu deleite. A frieza ao redor não me
impactou, era tudo o que eu mais precisava no momento.

Fui colocada contra a parede e beijada como


apenas Ícaro sabia fazer. Lento e rápido na medida certa,
sensual e apressado nos momentos ideais. Minhas pernas
rodearam sua cintura e senti seu membro tocando minha
intimidade, fazendo-me gemer em ansiedade.

— Sou todo ouvidos. — Sugou meu pescoço e


apertei sua bunda, querendo me encaixar nele. — Estou
sem camisinha, Natália, só vamos brincar.

— Nunca transei sem camisinha. Não dormi com o


mesmo homem mais de duas vezes e só troquei
mensagens românticas antes de ficar com um rapaz,
depois, eu o bloqueava — falei com tranquilidade e o vi
com semblante preocupado. — O que você tem de
diferente para sair do padrão, Ícaro Duarte?

— Talvez essa seja a mesma resposta que eu


gostaria de ter de você. — Sugou meu lábio inferior e
deslizei minhas mãos da sua bunda para o seu pau ereto.
— Estou tentando fazer o certo, não brinque com fogo —
alertou-me, com carinho.

— Você morou junto, dormiu e acordou com a


mesma mulher várias vezes, foi traído. — Movimentei para
cima e para baixo, fazendo-o gemer. — Quero fazer, pelo
menos uma vez na vida, algo de que irei lamentar depois.
Eu só me arrependo do que não fiz.

— Estou limpo, pode confiar em mim e eu confio


em você.

Ele não me deixou fazer mais nada, entrou em mim


com apenas uma arremetida e movimentou a água ao
nosso redor sem se preocupar com o barulho. Logo nos
levou para uma parte mais rasa, onde tinha uma escada e
me colocou de frente para ela, tomando-me por trás
enquanto apertava meus seios.

Se eu não fizesse isso hoje, morreria sem sentir a


adrenalina do prazer e a conexão profunda que havia em
estar com alguém pele com pele, sem proteção, seguindo
pela confiança.

Como era poderoso o sentimento que me


dominava, parecia que o vazio no meu peito estava
finalmente sendo preenchido, o que era ilógico, uma vez
tudo nessa vida ia embora. Eu tinha que me completar
comigo mesma e não com um companheiro.

— Sua mente está em outro lugar e não aqui —


sussurrou, ofegante.

Ícaro mordeu de leve minha orelha e, com um


puxão, me ergueu sentada na beirada da piscina. Abriu
minhas pernas e colocou seu rosto no meu sexo, me
fazendo focar no que realmente importava: ele.

Não precisou de muito para que eu gemesse ao


encontrar o meu prazer e, rendida, me deitasse com as
pernas dentro da água. Ícaro saiu da água cobrindo meu
corpo com o seu e me molhando de todas as formas.

— Está tudo bem? — perguntou, deixando beijos


castos por todo o meu rosto.

— Você me faz bem. — Ergui meu quadril e ele


entendeu o convite, preenchendo-me. Não deixou todo o
peso do seu corpo em cima do meu, manteve-se me
encarando. — Não deveria ser tudo isso, mas é. Te quero
demais.

Ícaro beijou minha boca como se fosse o melhor


dos presentes, ergueu uma das minhas pernas e se rendeu
ao prazer, entrando e saindo com pressa. Seus gemidos
foram todos degustados pela minha língua e, sem
perceber, eu estava gozando novamente, junto com ele.

— Louca — resmungou, quando caiu ao meu lado


e ficou deitado de costas, olhando para o céu como eu.
Havia uma luz dentro da casa que nos ajudava a enxergar
ao nosso redor, mas não com tanta nitidez.

— Bêbada e, por favor, não jogue nada na minha


cara porque eu fugirei sem pensar no quanto irei sofrer
estando longe de você. — Virei para o seu lado e ele fez o
mesmo, com um sorriso bobo estampado na face. — É
muito bom fazer na piscina.

— Sim, podemos estrear a banheira também. —


Colocou meu cabelo atrás da orelha, digitalizando todos os
meus traços, o que era encantador. — Por que bebeu?

— Porque minha mãe não fala comigo e acho que


há muito mais a se dizer do que meu pai ser o irmão de
criação do seu. Há tantas teorias se formando na minha
mente. Não consigo decidir qual escolher para jogar verde
com a minha mãe e tentar colher maduro.

— Que tal descobrirmos de outra forma? — Ele se


sentou e me ajudou a fazer o mesmo. — Você volta comigo
no final de semana para a capital e eu te mostrarei
algumas lembranças da minha mãe.

— Ela está envolvida em tudo isso? — Puxou-me


para me sentar em seu colo, cada perna em um lado do
seu quadril. — Uau, mais uma rodada?

— Isso é um sim? E não vou considerar sua


embriaguez, o que disser aqui, terá que cumprir.

— Posso te contar um segredo? — Aproximei


minha boca do seu ouvido e sussurrei: — Pensar em nós
dois, todos os dias lá na capital, não me parece tão ruim.

— Concordo. — Piscou um olho e, com a mão na


minha nuca, uniu nossos lábios, mostrando sua aprovação.
Ele gemeu quando me esfreguei em seu membro
semiereto e sorri com o poder que tinha sobre ele. —
Vamos, preciso de você.

— Seu desejo é uma ordem — respondi, erguendo


meus seios para que ele os tomasse enquanto eu o
encaixava entre minhas pernas.

Com lentidão, nós nos entregamos ao prazer


novamente. As estrelas eram testemunhas da minha
entrega e do quanto me arriscava por um momento
imprudente. Era a adrenalina. Estava tendo uma
demonstração do que era amor.

Só não saberia dizer o quanto esse sentimento


duraria dentro de mim.
Capítulo 28
Natália

Senti a fisgada na cabeça antes de abrir os olhos e


perceber que não estava na minha cama. O cheiro másculo
que invadia meus sentidos também não tinha nada a ver
com o que eu estava acostumada.

— Ícaro? — perguntei, esticando o meu braço e o


encontrando ao meu lado. Virei o corpo para que não
precisasse movimentar muito a cabeça e encarei com
dificuldade o olhar carinhoso daquele homem. — O que
estou fazendo aqui?

— Você não lembra de ontem? — questionou, com


uma voz rouca e sexy que despertou todo o meu corpo. Se
não fosse a martelada na minha cabeça, eu até avançaria
o sinal, como fiz ontem.

Meu Deus, as coisas que fiz ontem!

Eu estava, de certa forma, consciente de querer


ultrapassar o limite do bom senso, mas aquela intensidade
foi muito além do esperado. Antes que me escondesse
pela vergonha, Ícaro me puxou para me deitar em cima
dele e riu conforme eu ia resmungando pela ressaca.

Passou-se muito tempo até eu lembrar que saí de


casa sem avisar minha mãe e perceber que, pela claridade,
eu havia dormido novamente com um homem. O mesmo
da última vez.

— Minha mãe deve estar surtando! — Ele me


soltou quando me pus a levantar e buscar minhas roupas.
O celular devia estar em algum lugar. — Droga, não trouxe
nada comigo?

— Acho que a mulher rebelde estava tomando


conta ontem. — Ele estendeu o próprio celular para mim e
o aceitei, abrindo o aplicativo de discagem para digitar os
números que me conectariam com a minha mãe.

— Vou falar que estava com a Nanda e... — Seu


olhar de repreensão fez minha cabeça doer ainda mais.

— Alô? — minha mãe falou do outro lado da linha.

— Mãe, sou eu — sussurrei, sentando-me na cama


para ter apoio.

— Natália, minha filha, onde você está? Já liguei


para Nanda, a mãe dela e fui até na obra falar com
Eugênio, mas você não está em nenhum lugar!

— Estou no hotel com Ícaro — confessei vendo a


satisfação dele por não me ver mentir. O que ele não sabia
era que minha mãe não havia me dado escolha. A ligação
ficou muda e soltei o ar com força, tentando me livrar do
peso nos meus ombros. — Daqui a pouco volto para casa
e conversamos.

— Você precisa se afastar dele, Natália. Esse


momento que vocês estão vivendo não é real. Vá seguir
sua profissão, seja feliz com alguém que vá te valorizar e
não te destruir por causa de dinheiro.

— Até daqui a pouco, mãe. — Encerrei a ligação e


devolvi o aparelho para apoiar minha cabeça nas mãos.
Fechei os olhos e respirei fundo várias vezes, inclusive
quando Ícaro acariciou minhas costas para me confortar.

— Você não precisa mentir para sobreviver. Somos


adultos, não tenho vergonha do que estamos fazendo —
Ícaro disse com carinho e precisei me afastar, ele estava
sendo perfeito demais para um momento de revolta interna.
— O que foi?

— Preciso de um tempo — falei, entrando no


banheiro, tirando minha calcinha e me colocando debaixo
da ducha gelada. Não era apenas gostar e se deixar
gostar, parecia que existia uma história inteira a ser
resolvida antes do simples tomar conta.

Eu não deveria ter me surpreendido quando Ícaro


entrou no banho comigo, abraçou-me por trás e deixou
vários beijos no meu pescoço e ombro. Àquela altura, com
a temperatura do meu corpo praticamente congelando pela
água, eu me sentia bem para ser aquecida.

Coloquei a mão para trás, pegando seu membro e


o estimulando. Fui empurrada contra a parede, Ícaro
flexionou as pernas e me penetrou pouco a pouco. Deixei
minhas mãos espalmadas ao lado da minha cabeça
enquanto a dele apertava minha cintura demonstrando
necessidade. Eu não sabia explicar a necessidade de tanto
sexo, nunca fui uma maníaca por prazer, mas tudo tinha a
ver com o proibido, com as forças que queriam nos afastar.

Melhor aproveitar tudo agora do que ficar sem


depois, esse era o mantra oculto na minha mente. Eu
odiava sentir saudades e não aprofundar uma relação era o
remédio ideal para não sentir.

Eu tinha ultrapassado um limite com Ícaro, pois


mesmo ao seu lado, eu já sofria pela falta dele.
Meus seios foram apertados por suas mãos e sua
pélvis batia com força contra minha bunda. Aquele ponto
íntimo que só ele parecia conhecer estava sendo
estimulado pela posição e, algum tempo depois, naquele
ritmo, nós dois gememos, claramente entregues à paixão.

— Vou gozar — anunciou e nem precisei dizer


nada, porque meu corpo agiu por mim, entregando-se ao
clímax.

Fui pressionada pelo seu corpo relaxado, seus


braços envolveram minha cintura e o carinho transmitido
pelos beijos no meu ombro era um indicativo de que,
mesmo que eu quisesse, não conseguiria me afastar dele.

Por que deixei que chegasse a esse nível?

— Vamos para a capital hoje? — perguntou,


virando-me, seu olhar buscava o meu com aflição. — Sei
que algo está te incomodando, porque eu também sinto.
Nós precisamos resolver esse assunto pendente.

— Você prometeu algo para sua irmã? — Ele


colocou a cabeça debaixo do jato e passei as mãos no seu
cabelo. — Posso ficar com ela enquanto não acho um
trabalho. — Ele voltou a me encarar sério. — Tamiris não
será uma função remunerada, estarei com ela porque eu
quero. — Coloquei a mão no coração. — Sinto uma
conexão forte, como se minha graduação e especialização
tivessem sido feitas por causa dela, mesmo que eu nem
soubesse que ela existia. — Fiz uma careta e o empurrei
de leve, para ficar debaixo da água. — Ainda estou
bêbada, me ignore.

— E se a mãe de Tamiris tiver relação com sua


família? — Arregalei meus olhos, sentindo meu coração
pular pela boca. — Vamos atrás de informação, mas só
conseguiremos na casa do meu pai. Iremos revirar aquele
escritório.

— É tentador ao mesmo tempo que medonho,


Ícaro. Podemos deixar para decidir quando chegarmos lá?
Dessa vez farei uma mala, nós iremos juntos. — Coloquei
as mãos na boca e me afastei da ducha para dar espaço a
ele. — E a reforma?

— Eugênio lidera com o que precisar. Há outros


assuntos importantes para vermos no momento. Parceiros?
— Ergueu a mão e coloquei a minha na dele.

— Parceiros.

E que eu conseguisse vestir minha roupa de titânio


para que as bombas não me derrubassem quando
explodissem ao redor.
Capítulo 29
Natália

Ícaro me esperou na caminhonete enquanto


entrava em casa para lidar com minha mãe e fazer uma
mala. Ela estava no quarto de costura, o barulho da
máquina me causava dor e reconforto ao mesmo tempo.

Surpreendi-me quando vi que a minha mala estava


no meio do cômodo. Percebendo minha aproximação, dona
Maria Rita parou o que fazia e apenas se virou na cadeira
apontando para o grande objeto.

— Se está grande o suficiente para fazer suas


próprias escolhas e me ignorar, está pronta para seguir sua
vida sozinha. Vá.

— O quê? — perguntei, com pavor.

— É isso mesmo que você entendeu, Natália. Ou


vai me escutar e se afastar da família Duarte?

— Mãe, o que o pai de Ícaro fez não tem nada a


ver com ele. Inclusive, ele nem morou no Brasil o suficiente
para comprar a briga de Elias Duarte.

— Já disse que Elias era irmão do seu pai, que fez


muito mal para ele, não é suficiente? Esse assunto não te
interessa, Natália!

— Claro que interessa, porque você me impede de


ficar com o Ícaro sem um motivo plausível. O que os
nossos pais fizeram não deveria refletir em nós como uma
maldição. Como você disse, isso é assunto de vocês,
estamos em outra geração.

— Quer ser a próxima vítima? Gosta de sofrer?

— O que está dizendo, mãe? Ícaro não foi nada


além de respeitoso comigo até o momento.

— Três, Natália. TRÊS! — Mostrou os dedos,


alterada. — Você será a quarta se não desistir desse
romance.

— Três, o quê? Pelo amor de Deus, mãe, você está


me expulsando de casa! — Joguei os braços para o ar. —
Não tenho pai, agora ficarei sem a minha mãe?

— Sei qual o resultado dessa equação e estarei de


braços abertos te esperando. Enquanto quiser sonhar com
essa família, você não é bem-vinda.
Pior que um tapa na cara ou um espancamento, a
rejeição da minha mãe foi sentida na alma. As lágrimas
escorreram no mesmo momento que as dela também se
mostraram. Doía dizer, mesmo assim ela o fez e, com
raiva, peguei a mala e nem disse adeus.

Minha mãe não me queria em casa por causa de


Ícaro. Não adiantava eu dizer que era passageiro, ela não
me contaria o seu segredo, então, eu buscaria respostas
por conta própria.

Parei na sala para pegar meu notebook e o celular.


Não fui atrás da minha mochila, apenas empilhei nos
braços tudo o que era meu, peguei a mala e saí puxando-a,
debulhada em lágrimas.

Eu estava sem nada, desamparada. Se pensei em


recusar o emprego de Ícaro, agora, estava disposta a
implorar para que me acolhesse.

Vi-o sair da caminhonete quando me aproximei do


portão. Era audível meu desespero e ele não me
perguntou, apenas tirou as coisas das minhas mãos,
colocou no automóvel e me abraçou.

Chorei mais do que fiz quando criança, sentindo


falta de tantos abraços que me negaram, lembrando da
minha avó, de Tamiris, meu pai biológico que nunca vi além
das fotos...

— Natália! — Escutei a voz chorosa da minha mãe


e desesperei, saí do abraço de Ícaro para dentro da
caminhonete.

Vi quando ela se aproximou, por isso liguei o som


do carro e aumentei no máximo, ignorando a conversa dos
dois. Aproveitei e tranquei a porta do meu lado, eu não
sairia daqui e, se Ícaro me rejeitasse também, eu... céus,
estava perdida.

Chorei um pouco mais até que o motorista se


sentou atrás do volante, reduziu o volume do som e guiou a
caminhonete pelas ruas, dando um tempo para mim ou
para ele mesmo dizer algo.

Sua mão tocou a minha algumas vezes, para


apertar e dar conforto, mas eu estava precisando de
palavras reconfortantes. Minha banda favorita não parecia
aquecer meu coração, por isso apertei o botão do som para
sair da playlist e tocar a rádio.

Dusk Till Dawn, cantada por Zayn e Sia, me fez


chorar um pouco mais, mas, desta vez, sabendo que
seriam as últimas lágrimas que derramaria no dia. Com a
mão de Ícaro na minha, absorvi a letra.

“Não estou tentando ser diferente

Não estou tentando ser descolado

Só estou tentando me entregar a isso

Diga-me, você também está?”

Ele levou minha mão para a sua boca e a beijou,


segurando-a um momento naquela posição, exatamente
quando o refrão chegou e me destruiu. Inclinei a cabeça no
seu ombro e suspirei.

“Mas você nunca ficará sozinha

Eu estarei com você do crepúsculo ao amanhecer

Eu estarei com você do crepúsculo ao amanhecer

Baby, eu estou bem aqui”


— Ela me expulsou de casa porque estou com
você. Por que temos que pagar pelas escolhas dos nossos
pais? Se foi Elias quem prejudicou meu pai e vice-versa,
que droga, que eles digam e nos deixem seguir nosso
caminho.

— Faremos o que for melhor para nós. Pode ficar


tranquila, você ficará comigo.

“Eu estarei com você do crepúsculo ao amanhecer

Baby, eu estou bem aqui”

Não falamos mais nada e nem precisávamos.


Minhas lágrimas secaram, as músicas tocadas foram as
mais diversas e algo foi rompido entre minha família,
apenas para fortalecer outra ligação.

Chegamos à sua casa, na capital, antes do almoço.


Tamiris não tinha chegado da escola e Elias estava
trabalhando, ou seja, apenas os empregados viram Ícaro
levando minhas coisas até seu quarto. Não era assim que
eu planejava ter minha independência depois da pós-
graduação, mas teria que servir até que eu começasse a
agir por conta própria.

Sentei-me na cadeira em frente à mesa de estudo


em que estava o meu notebook. Abri-o e admirei a colagem
de fotos que eu havia feito dos meus pais e de mim mesma
ainda bebê. O que eles estavam escondendo que não
queriam me contar?

— Quer fazer isso antes ou depois que Tamiris


chegar? — Ícaro colocou uma caixa em cima da sua cama,
onde fizemos amor pela primeira vez, e senti meu coração
bater forte.

— O que tem aí?

— Recordações da minha mãe. Meu pai iria jogar


fora se eu não estivesse por perto. — Ele tirou a tampa e
ergueu um papel de folha pautada. — Aqui está a carta que
ela deixou, exigindo do meu pai que concluísse a casa em
Dualópis, mesmo que fosse para morar com sua amante.

— Como sua mãe morreu? — perguntei,


percebendo que muito mais havia me passado
despercebido. Pelo desvio do olhar de Ícaro, percebi que
fora algo grave, mas eu tinha que me preparar para o que
ele tinha para falar.
— Alguns dizem que foi acidente, mas como só eu,
meu pai e agora você sabe dessa carta, tenho certeza de
que foi proposital. Intoxicação medicamentosa, ou seja, ela
misturou vários remédios e morreu dormindo. — Deu a
volta na cama e se sentou para ficar próximo de mim,
esticando o papel. — Quer ler?

— Não — falei, com covardia, ao mesmo tempo


que negava com a cabeça. — O que você sabe é suficiente
para mim.

— A amante é a mãe de Tamiris, porque essa carta


faz tanto tempo quanto a idade da minha irmã. — Ele
esticou o braço para trás e guardou a carta, encarando-me
em busca do meu apoio tanto quanto eu precisava do seu.
— Será que esse é o motivo de estarmos atraídos? Algo no
passado afastou nossos pais e agora estamos seguindo o
mesmo caminho?

— Você acha que um acidente irá acontecer


conosco e todo esse ciclo vai continuar? — Passei a mão
na testa, sentindo a dor de cabeça da ressaca voltar. —
Ícaro, além de estar com um cara pela primeira vez, por
mais de uma semana, fui expulsa de casa. Estou um pouco
surtada, nem consigo pensar se algo der errado...
— Estamos juntos, ok? — Pegou no meu pulso e
me puxou para me levantar e me sentar de lado no seu
colo. Seu abraço na minha cintura foi o aconchego que eu
estava precisando para ter segurança. — Mesmo que seja
difícil para mim, eu te prometo, não vou te deixar sozinha
agora.

— E se eu engravidar de outro? — perguntei para


ver sua reação, era o que tinha acontecido com sua ex, seu
maior medo. Ele nem tentou me encarar, apenas suspirou
e me abraçou com mais força.

Escutei passos apressados e me levantei para


receber o abraço de Tamiris. Ela quase me derrubou e,
apressada, começou a mexer as mãos e pular,
entusiasmada.

“Você veio!” — Gesticulou, ignorando seu irmão,


que continuou sentado na cama. Minha última fala o
impactou demais. No final das contas, eu teria porto seguro
com ele enquanto estivesse bom para ele.

“Sim. Você já almoçou?”

“Você vai comer comigo?” — O entusiasmo dela


era tão grande que parecia um bálsamo para as minhas
lágrimas derramadas até chegar aqui.
“Ficarei alguns dias com você. O que acha?”

Ela me abraçou novamente e depois pulou em


Ícaro, que caiu de costas na cama.

— Vá lavar as mãos, vamos almoçar — ele falou e


depois me encarou, com um pedido silencioso para
traduzir.

“Vamos lavar as mãos?” — perguntei, enquanto ela


revirava os olhos, saindo do quarto.

“Nem preciso ouvir para entender o que ele queria.”

Dei passos em direção à porta e a mão de Ícaro me


parou. Ele estava atrás de mim exalando intensidade e
sussurrou no meu ouvido:

— I'll be with you from dusk till dawn, Baby, I'm right
here.

Eu estarei com você do crepúsculo ao amanhecer,


Baby, eu estou bem aqui. Era a música. Eu não queria
interpretar suas palavras, então, aceitei o conforto que sua
promessa me trouxe.

Iria precisar de todo apoio que conseguisse


encontrar depois que descobrisse a verdade.
Capítulo 30
Natália

O sol já tinha se posto quando escutamos o


barulho do portão da casa indicando que alguém estava
chegando. Estávamos na sala, assistindo desenho com
legenda quando Ícaro se levantou e nos deixou a sós. Cida
tinha ido embora há pouco tempo e estava contente com
minha vinda, já que Tamiris estava mais animada do que
nos outros dias que se passaram na nossa ausência.

“Quem chegou?” — perguntou, demonstrando


apreensão.

“Acho que foi seu pai” — respondi, preocupada


quando ela me abraçou com força.

Por que ela tinha tanto medo dele?

Vozes altas e portas batendo me assustaram e não


consegui consolar a menina que mais precisava de mim.
Tentei focar no desenho e apontar para a televisão para
que ela fizesse o mesmo, mas não conseguimos.
Ícaro apareceu na porta da sala com cara de
poucos amigos. Eu queria estar ali por ele, como fez
comigo, mas ele me impediu de sair de onde eu estava
com a mão estendida a sua frente.

— Fique com Tamiris. Vou tomar um banho e


esfriar a cabeça.

— O que foi? Posso ajudar? — perguntei, sentindo


a menina me apertar mais e mais.

— Já está fazendo, não deixando minha irmã


sozinha com esse drogado filho da puta.

Assustei-me com a agressividade com a qual ele


falou. Observei-o se afastar e suspirei, beijando a cabeça
de Tamiris.

“Está tudo bem, ele foi tomar banho.” — Tentei


acalmá-la.

“Não gosto quando fica bravo. Tenho medo.”

“Do Ícaro?”

“Elias.” — respondeu, voltando a me abraçar e,


daquela vez, se atentou à televisão para não ter que falar
mais sobre o assunto. Cida não sabia de nada que
acontecia quando ficavam apenas os dois na casa.
Focamos por um tempo na televisão e, quando ela
bocejou, deixei que se deitasse com a cabeça no meu colo
para dormir. Eu observava de tempos em tempos a porta,
para que o pai de Ícaro não nos pegasse desprevenidas.
Se seria agressão física ou só visual que ele utilizaria, eu
não queria arriscar a descobrir, precisava estar pronta para
fugir, e talvez, revidar.

Com Tamiris dormindo, eu iria atrás de Ícaro para


que ele a levasse ao quarto, mas ele apareceu no
momento certo, com cabelos levemente molhados e
vestindo apenas um short.

— Meu pai está apagado no quarto. Vou levar a


pequena e nos encontramos no meu quarto, tudo bem?

Surpreendeu-me com um beijo nos lábios antes de


pegar a irmã e sair da sala. Organizei as almofadas,
desliguei a televisão e fui até o quarto que dividiria com
Ícaro. A caixa ainda estava em cima da cama e a carta era
o primeiro item que poderia ser visto.

Eu queria a verdade do passado, mas apenas o


suficiente para entender a motivação de tanto ódio de
ambas as partes.
Sentei-me com as pernas cruzadas e fui tirando
algumas pilhas de cartas, cadernos e caixas de semijoias.
Havia uma pasta com papeis que pareciam documentos e,
quando a abri, me surpreendi ao ver uma cópia autenticada
de uma certidão de casamento averbada.

— Pronto, ela está bem. — Ícaro entrou no quarto e


fechou a porta atrás de si. — Encontrou algo?

— Seus pais eram divorciados. — Estendi o papel


para ele, que se aproximou apressado e sentou-se ao meu
lado. Quando engoliu em seco, percebi que alguma ficha
que ele não tinha percebido havia caído.

— Minha mãe descobriu a traição, entrou em


depressão e se separou do meu pai mesmo não me
contando. Eu senti que aquela tristeza toda dela era por
causa de algo que meu pai havia feito, mas nunca dei
importância, estava preocupado demais curtindo minha
adolescência.

— Era mais fácil sua mãe te salvar do que você a


ela. — Apertei sua coxa e ele acenou, concordando.
Peguei a pasta novamente e encontrei outros documentos.
Quando percebi que era a cópia da certidão de nascimento
de Tamiris, soltei uma exclamação.
— O que foi?

— Acho que seu pai deve ter colocado essa pasta


aqui dentro por engano, porque sua mãe morreu antes de
Tamiris nascer e aqui está o nome da mãe dela, Fabíola
Dias da Silva. — Soltei o papel e encarei Ícaro com
assombro. Saí da cama apressada ao me deparar com
uma revelação bombástica. Minha cabeça não parava de
fazer cálculos, ainda mais sentindo o aperto no coração.

— Fala comigo, Natália! — ele exigiu, saindo da


cama e vindo até mim. Segurei seus braços e ele fez o
mesmo comigo, estava difícil pôr em palavras o que
começou a fazer sentido para mim.

— O nome do meu padrasto era Francisco Dias da


Silva. — Corri para a cama para pegar o papel e apontar os
nomes dos avós maternos, os únicos que estavam na
certidão. — Alice Dias da Silva e Felipe Rodrigues da Silva,
são meus avós!

Em choque, vi seu rosto perder o tom e larguei tudo


para abraçá-lo. Ele se apoiou em mim e respiramos de
forma ritmada, juntos, processando a revelação, que não
era o pior de tudo. Fabíola era irmã do meu padrasto,
Francisco, ou seja, Tamiris não tinha nenhum vínculo
sanguíneo comigo, mas com certeza afetivo, porque eu tive
apenas um homem que fez papel de pai na minha vida.

Vi Fabíola apenas uma vez na minha infância e


lembrava muito bem, ela não era tão mais velha que eu.
Céus, ela engravidou antes dos dezoito anos?

— Será que meu pai usou a irmã do seu padrasto


para se vingar do que quer que tenha acontecido com sua
mãe? Ele falou uma vez que sua família levou tudo dele...
eu...

— Acho que a gravidade não está no motivo, Ícaro,


mas na época. — Seguimos para a cama juntos. Coloquei
a caixa no chão e coloquei dentro dela tudo o que tinha
retirado, por hoje estava mais do que satisfatório o avanço.
— Fabíola não era tão mais velha que eu. Acho que ela
engravidou...

— Preciso proteger a minha irmã desse pedófilo! —


Tentou se levantar, mas o impedi, fazendo-o se deitar e
cobrindo-o com meu corpo. — Natália...

— Você disse que ele estava apagado na cama.


Sua irmã está bem, todos estamos bem.

— Não tem a data de nascimento dela no


documento? — Neguei com a cabeça e ele fechou os
olhos. — Você sabe onde sua avó mora? Vamos lá falar
com ela e tentar descobrir mais. Será que há outros
irmãos? Primos?

— Vi vó Aline no velório do meu pai... padrasto —


corrigi-me —, mas pouco conversei. Gosto muito dela,
mesmo sentindo sua rejeição.

— Ou ela queria proteger Fabíola e Tamiris. Por


que só agora minha irmã apareceu? — Ele voltou a abrir os
olhos e o desgaste emocional me contagiou. — Será que
não podemos pular essa etapa de descobertas e fugir?

Deitei minha cabeça no seu peito e suspirei, porque


queria ter irresponsabilidade o suficiente para jogar tudo
para o ar. Precisávamos de tempo para digerir e colocar as
ideias em ordem, porque estávamos entrando em um
caminho sem volta e impossível de mudar: o passado.
Capítulo 31
Natália

Fomos acordados por Tamiris subindo em nós.


Olhei para a porta do quarto e lá estava Cida com um
pedido de desculpas no olhar.

“Não quero ir para a escola.” — Tamiris gesticulou,


sentando-se ao meu lado, já uniformizada. Ícaro saiu da
cama apressado, eu tinha certeza de que queria ver o pai.

“Sinto muito, não posso decidir isso.” — Ela


abaixou a cabeça com tristeza e cutuquei seu braço para
que me encarasse. — “Quando voltar da aula, vamos
tomar banho na piscina, o que acha?”

“Tudo bem.” — Não mostrou entusiasmo, mas saiu


da cama em direção à porta. Ícaro apareceu, eles se
abraçaram e Cida a levou para fora.

— Bom dia — cumprimentei antes dele se jogar em


cima de mim com relaxamento. — Socorro! Estou sendo
esmagada por um peixe preguiçoso.
— Bom dia, Medusa. — Deu um beijo nos meus
lábios e rolou para o lado. — Nossa, tive cada pesadelo
essa noite...

— Seu pai já acordou?

— Não estava em seu quarto, o carro também não


está na garagem, deve ter ido trabalhar. Não me importo.
— Esticou os braços e pernas e deixou seu corpo para que
eu apreciasse.

Toquei sua tatuagem de costas inteiras e vi sua


pele se arrepiar a cada deslize dos meus dedos. Era linda,
em tons laranja, amarelo e vermelho. Apesar de não fazer
parte da sua aparência séria, combinava demais com sua
aura rebelde, de quem mandava na própria vida.

Bastava ser um para reconhecer outro.

— Quero fazer uma tatuagem — falei, impulsiva, e


ele se virou para mim. — De Medusa.

— Seria bom ter alguma normalidade perto do que


descobrimos, mas não temos tempo por enquanto. Além de
agendar horário, se for grande, levará em torno de cinco a
dez horas.
— Tudo isso? — Sentei-me na cama e fui jogada
novamente sobre ela, aterrissando deitada. — Nem queria
mesmo, vamos continuar a mexer no passado.

— Esse dói muito mais do que uma tatuagem, te


garanto. — Movimentou suas pernas para ficar entre as
minhas e sorriu com tristeza. — Vai ligar para a sua mãe
hoje?

— Ela me expulsou de casa, Ícaro. Da mesma


forma que tenho que aturar as consequências das minhas
escolhas, ela que faça o mesmo, porque não vai saber de
mim tão cedo. — Tirei-o de cima de mim irritada e apontei
para o banheiro. — Vá primeiro, eu vou depois.

— Mas...

— Sem clima, Peixão. A Medusa está de TPM —


brinquei, mas claro, com fundo de verdade. Ele saiu da
cama e foi para o banheiro enquanto eu me aproximei do
canto em que estava a caixa de lembranças da mãe de
Ícaro.

Joice Duarte.

As cartas que existiam eram amareladas e


endereçadas para Joice em outro endereço que não o que
estávamos, de outra cidade. Peguei o papel dentro do
envelope e reconheci a letra da minha mãe de longe. Fiz
uma leitura dinâmica com receio do que iria encontrar e por
sorte não havia nada além dela falando que tinha
encontrado um homem bom para ajudar a criar sua filha.
Francisco faria o papel de homem que tanto lhe faltava.

Será que a mãe de Ícaro e a minha eram amigas?

Na outra carta tinha uma foto da minha mãe


segurando um bebê. Deixei o retrato de lado, porque
gostaria de ficar comigo e lá estava contando um pouco
mais do que eu queria descobrir, que minha mãe ainda
amava meu pai biológico mesmo depois da sua morte, mas
fazia um esforço tremendo para aceitar Francisco como
seu legítimo companheiro.

Percebi Ícaro se sentar ao meu lado e entreguei-lhe


a foto.

— Essa é minha mãe e eu acho que Joice e Maria


Rita eram amigas.

— Pelo o que entendi, Natan saiu de casa para


morar em Dualópis. Pode ser que os dois casais tenham se
encontrado depois — falou, com tranquilidade. — Quer que
fique com você?
— Se você me permitir, sim. — Ele acenou
afirmativo e se aproximou mais de mim para ler a carta.
Deixei-a de lado e peguei outra, nervosa com o andar dos
acontecimentos.

Daquela vez, tinha uma foto da minha mãe,


padrasto e eu ainda bebê. Ela contava que eu tinha ficado
resfriada e que Francisco velara meu sono enquanto ela se
recuperava das mamadas noturnas; que sofria por não o
amar como deveria, ainda ligada ao amor que já tinha ido
embora.

— Sua mãe está arrependida de ter expulsado de


casa. Ela pediu que eu a convencesse a retornar à
Dualópis — murmurou, enquanto eu negava com a cabeça.

— Voltarei apenas com a verdade. — Peguei a


última carta da pilha. Era pequena e breve, fazendo-me ter
uma dor de cabeça intensa. Mesmo assim, peguei o papel
e o li, dessa vez, palavra por palavra.

“Finalmente consegui enxergar meu marido como


ele merece. Amo apenas Francisco e não quero ter mais
nada a ver com você ou a família Duarte. Vocês são como
uma doença autoimune, ao invés de nos proteger, acabam
nos sufocando e quase matando.

Mesmo com o coração despedaçado ao saber o


verdadeiro motivo da morte de Natan, escrevo essa carta
para findar nossa amizade. Preciso dar um encerramento
no que temos, indiretamente estou fazendo isso com o pai
da minha filha. Um momento, um dia ou uma noite, você
teve parte do que deveria ser apenas meu. Estava grávida,
éramos amigas e isso não te impediu de trair seu
companheiro.

Você merece o marido que tem.

Adeus.”

Entreguei o papel para Ícaro e coloquei a mão na


boca, que estava aberta em choque. Céus, como era
possível isso ter acontecido? Não era Elias o traidor?

O celular de Ícaro tocou, ele largou tudo para ir


atendê-lo e, pela segunda vez enquanto estava com ele, eu
o vi perder a cor do rosto.

— Tudo bem, estou indo — respondeu, em transe.


Larguei o que tinha em mãos e fui abraçá-lo, mas
ele não retribuiu, pelo contrário, me afastou, atordoado.

— Se for tomar banho, vá rápido, precisamos ir


para o hospital.

— O quê? Quem? O que foi, Ícaro? — Mesmo


cheia de perguntas, apressei-me em trocar minha roupa
por outra. O banho ficaria para a volta.

— Meu pai infartou e está sendo levado para o


hospital, mas o assessor me falou que não parece bem. —
Olhou para os lados, terminou de se vestir quando o fiz e
saiu do quarto apressado. Fiz o mesmo, sem me importar
com suas ações frias.

Como poderia acontecer aquilo, justo agora?

— E Tamiris? — perguntei, entrando com ele em


um carro esportivo, a caminhonete tinha ficado de lado.

— Cida cuidará dela, eu tenho que ver meu pai.

Por pior que Elias fosse, que Ícaro até mesmo


desejasse a morte dele, não era aquela a realidade no
fundo da sua alma.

Apreensiva, controlei a respiração enquanto ele


dirigia apressado pelas ruas. A última coisa que
precisávamos era ter outra pessoa hospitalizada, mas não
seria eu a repreendê-lo.

Era momento de fazer as pazes ou dizer adeus, em


muitos sentidos.
Capítulo 32
Ícaro

As últimas palavras que eu disse para o meu pai


foram: eu te odeio. Sendo ele a pior das pessoas, se
soubesse que nunca mais poderíamos nos falar, eu teria
engolido a minha raiva e não dito nada.

Novamente o encontrei com sinais claros de abuso


de drogas lícitas ou ilícitas, o que me deixou furioso, ainda
mais tendo Natália e Tamiris para proteger. Eu não devia
pensar que o monstro morava dentro de casa, mas era o
que eu sentia e, agora, conversando com o médico e
apenas absorvendo que meu pai estava morto, eu percebia
que poderia estar sendo injusto com quem me deu a vida.

Se meu pai traiu minha mãe depois que ela o fez,


era apenas problema deles, quem era eu para julgar? Eu
ainda não tinha certeza sobre o abuso e a origem de
Tamiris, mas estava claro sobre a relação conjugal com
minha mãe.
Deixei que a ira me dominasse, que o pecado me
deixasse cego para o que mais importava: meu pai
realmente precisava de mim, não para me humilhar
enquanto trabalhava para ele, mas em seus últimos dias.

Se eu queria fugir da responsabilidade de cuidar de


Tamiris, naquele momento, teria que agarrá-la com unhas e
dentes ou minha irmã poderia ir para um abrigo.

Percebi Natália conversando em meu nome, depois


ela me levou para me sentar e, ela ainda estando de pé,
abraçou minha cabeça, fazendo com que lágrimas
escorressem pelos meus olhos.

— Meu pai morreu — falei, embargado, e a apertei


com força. Ela era a única pessoa em quem eu poderia me
agarrar. Eu não poderia deixar escapar minha única
esperança de ficar sobre a superfície do pesadelo em que
estava me metendo.

Respirei fundo várias vezes, chorar não me faria


resolver nada. Eu ainda teria que dar apoio para Tamiris. O
que seria de nós?

Porra, eu voltaria para a minha rotina de cuidar dos


negócios do meu pai, a construção de Dualópis iria ficar
sem supervisão e... qual o objetivo de tudo isso afinal?
— I'll be with you from dusk till dawn, Baby, I'm right
here — Natália começou a cantar baixinho a música que
nos trouxe ontem até a capital e soltei um bufo meio riso,
meio choro.

— Nossa banda favorita ficaria decepcionada com


sua escolha de música para o momento.

— Culpe a rádio, foi ela que me apresentou um tal


de Zayn. — Ela suspirou, um pouco aliviada pelo tom de
brincadeira que estávamos usando. — Eu já tinha trocado
o Jared Leto por você mesmo.

— A traição está no nosso sangue — logo que


falei, me arrependi, porque ela se afastou e eu não a queria
longe de mim. — Desculpe, vou falar muita merda, só não
se ofenda, não estou conseguindo ser eu mesmo.

— Tudo bem, eu já passei por isso. — Ela segurou


minha mão e se sentou ao meu lado. Lembrei que Natália
havia perdido seu padrasto no ano passado, que estivera
em um velório.

— E agora? Será que sua avó Alice virá para o


enterro?

— Ou minha mãe ou Fabíola? — Olhou-me, com


expectativa. — Peça para a empresa do seu pai fazer uma
nota no jornal e na rádio.

— Sim. Vou precisar orientar Eugênio para tomar


conta de tudo também, as empresas do meu pai vão
precisar de mim aqui. — Peguei o celular e chamei o
assessor do meu pai. — Gentil?

— E então, Ícaro? — questionou, apreensivo.

— Ele morreu. Vou precisar que cuide de tudo para


mim, é possível? Estou no hospital esperando liberarem o
corpo. Enquanto isso, providencie uma nota no jornal,
velório, pagamentos...

— Si-sim, claro, pode deixar que assumo tudo. —


Percebi que ele controlava o choro, enquanto eu odiava o
meu pai, outros o admiravam. — Tenho algumas coisas
para você que ele me pediu para entregar...

— Na semana que vem estarei aí para


conversarmos, não agora, por favor.

— Tudo bem, claro. Hora errada. Estou saindo da


empresa.

Encerrei a ligação e me levantei trazendo Natália


junto. Um funcionário do hospital me abordou e precisei
assinar alguns documentos antes de conseguir sair
daquele lugar. Tudo ficaria a cargo de Gentil, minha
despedida de Elias Duarte seria com ele dentro de um
caixão.

Segui para casa dirigindo um dos carros dados


pelo meu pai para me manter sob seu radar. Senti o
estômago reclamar por falta de comida, mas a minha
garganta estava fechada.

Entrei pela porta da frente e vi Tamiris chegar


apressada para nos recepcionar. O abraço foi acolhido por
Natália, por mais que elas não tenham vínculo sanguíneo,
a partir do momento que Francisco se tornou seu pai por
tantos anos, ela era sua prima com toda a certeza.

Vi as duas gesticulando e, então, o olhar de Natália


direcionado a mim, em busca de orientação.

— Ela precisa saber — falei, chamando a atenção


da menina. Ela parecia escutar às vezes. — Nosso pai
morreu, Tamiris.

— Oh, céus, não tem outra forma de dizer, não é?


— Natália falou e virou para minha irmã, gesticulando e
não tirando nenhuma emoção dela.

— Ela não entendeu? — perguntei, sentindo a


emoção me dominar. Cida apareceu com a testa franzida.
— Sim, entendeu e quer saber se pode ser nossa
filha — ela falou, emocionada, e abraçou minha irmã, que
não chorava, apenas me encarava em expectativa.

— Ícaro? O que aconteceu? — Cida perguntou e a


levei para a cozinha, para contar sobre o enfarto do meu
pai. Nada mudaria no trabalho dela, ainda precisaríamos
de alguém para olhar Tamiris, mesmo que não fosse a
ideal.

As meninas vieram se sentar à mesa para o


almoço e me obriguei a acompanhar. Eu estava chocado
demais porque eu havia chorado, mas não minha irmã.
Será que seu vínculo era tão frágil que nem sentiu a partida
de quem lhe gerou a vida?

— Ela está ficando preocupada com a possibilidade


de você ir embora e a deixar sozinha. — Natália apertou
minha mão por debaixo da mesa, olhei para o meu prato e
percebi que tinha colocado apenas uma garfada na boca.
— Cada um tem um jeito de vivenciar o luto. Ele era o pai
dela também.

— Vou cuidar de você — falei para Tamiris e olhei


na direção de Natália, que sinalizou minhas palavras e a
fez sorrir, aliviada.
Mesmo sabendo que eu poderia quebrar aquela
promessa, eu daria o meu melhor para manter Tamiris bem
protegida. Buscaria sua mãe, sua família materna e exigiria
que eles assumissem sua parte da responsabilidade sobre
a menina.

A briga de família acabaria em mim, ninguém mais


iria perder a vida por conta de traição.
Capítulo 33
Natália

O velório começou no final da tarde e duraria a


madrugada inteira. Muitas pessoas eram desconhecidas
tanto para mim quanto para Ícaro, mas este não deixou de
cumprimentar ninguém enquanto esteve do lado de fora do
cômodo em que o caixão se encontrava. Ele ainda não
tivera coragem de entrar e encarar seu pai para se
despedir.

Tamiris e Cida ficaram do lado de fora e percebi


que poucos tinham conhecimento da irmã de Ícaro. Os
empresários e amigos do pai dele não compartilhavam
muito da sua vida. Dualópis parecia saber mais do que as
pessoas que estavam ao seu redor.

Quando o sono começou a me alcançar, vi um


rosto conhecido e me afastei de Ícaro, soltando sua mão e
percebendo o seu desespero momentâneo. Logo ele me
acompanhou até chegarmos aos visitantes: minha mãe,
Eugênio, Nanda e seus pais.
Ainda havia raiva dentro de mim, mas eu não
recusaria o abraço que ela veio me entregar. Minha mãe
não disse nada e logo me soltou, para prestar suas
condolências a Ícaro. Eles trocaram algumas palavras e
depois seguiram para perto do caixão, eu fiquei ao lado
dele, de mãos dadas.

— Tamiris já foi embora? — perguntou baixo para


mim, observando-os entrar.

— Sim, Cida ficará com ela até voltarmos para


casa. — Abracei seu braço. — Será que devo tentar falar
com a vó Alice?

— Não tenho ideia do que fazer quando finalmente


enterrar meu pai, sei apenas que preciso ir até a empresa
cuidar dos negócios. — Beijou minha cabeça e suspirou. —
E claro, te manter por perto. Sua mãe disse algo?

— Não, mas pelo visto, falou com você. — Dei de


ombros, afastando-me quando os recém-chegados
voltaram para falar conosco. — Está tudo bem.

— Vocês precisam de algo? Já jantaram? — a mãe


de Nanda perguntou e olhei para a minha mãe, talvez nós
duas precisássemos.
— Está tudo bem comigo. Natália? — Ícaro
perguntou e neguei com a cabeça.

— Vou bem ali e já volto — anunciei e minha mãe


entendeu o convite, caminhando comigo para o
estacionamento, longe de todos.

— Filha...

— O que eu queria conversar era sobre outra coisa


— interrompi sua fala e nossos passos. — Elias Duarte
morreu, mãe. A senhora é a única que sabe desse passado
e pode nos contar.

— Mais um motivo para deixarmos enterrado,


Natália. — Ela segurou no meu braço e demonstrou
carinho em seu toque. — Ícaro demonstra ser diferente do
pai, quero acreditar que isso seja verdade, faça o mesmo.

— Eu li as cartas. — Cruzei os braços e perdi seu


contato. Minha mãe demorou a entender, seu semblante
mudou para chateado. — Meu pai teve um caso com Joice.

— Você não tinha o direito de fazer isso.

— Por que pinta meu pai como sendo herói? Ele te


traiu, mãe.
— Natan era o pai certo para você, ponto — falou
baixo e com firmeza. — Francisco também foi o padrasto
certo para você. Pare de buscar os defeitos das pessoas e
valorize o que elas têm de bom.

— Igual você fez com Elias? Está claro que você


não gostava dele.

— O mal que ele causou cobrou sua fatura e lá


está ele, em paz. — Apontou para onde acontecia o
velório. — Sou humana, a raiva me domina às vezes, mas
quando estou coerente, deixo o julgamento em casa.

— Você não vai me contar então. — Mostrei meus


braços cruzados, para demonstrar minha insatisfação, e ela
negou com a cabeça. — Eu vou atrás por conta própria.

— Faça o que achar melhor, minha filha. Se precisa


da minha bênção para ficar com Ícaro, eu dou. Volte para
casa.

— Não.

As palavras proferidas não eram as que eu


esperava, muito menos minha negação para seu pedido.
Dei-lhe as costas e voltei para Ícaro. Daquela vez, ele que
precisou me abraçar e dar apoio enquanto nossos amigos
tentavam puxar conversa sobre outros assuntos.
Logo eles foram embora e minha mãe também.
Vieram juntos e levaram um pouco mais da minha paz.

Quando o velório estava quase vazio, no alto da


madrugada, Ícaro entrou sozinho na sala onde estava o
caixão e ali ficou por um bom tempo. Saiu com os olhos
vermelhos, lágrimas escorrendo, e me abraçou com força,
demonstrando toda a sua fragilidade.

— Para mim já deu — falou abafado, perto do meu


ouvido.

— Quer ir embora?

— Não, quero enterrá-lo de uma vez.

Ícaro segurou minha mão e foi atrás de algum


responsável da funerária. Foi constrangedor ter que brigar
para fazer a vontade de quem estava pagando por toda a
situação, mas eu também entendia o outro lado, poderia
haver pessoas querendo se despedir e ele não estava
dando a oportunidade.

No final das contas, assim que o sol se levantou, o


rito de fechar o caixão e enterrar o corpo aconteceu com
algumas pessoas como testemunha. Com muito sono, logo
fomos embora para a casa de Ícaro e nem fomos ver
Tamiris, entramos em seu quarto direto para o banho.
Foi rápido e silencioso, fizemos o ato juntos e sem
vestir uma peça de roupa, nos deitamos na cama,
abraçados. O sono veio rápido para nós dois e a escuridão
tornou o momento um pouco melhor.

Não sei por quanto tempo ficamos dormindo, mas


Ícaro me acordou com um beijo nos lábios, já vestido de
terno e gravata. Assustei-me, porque esse não era o
homem que eu tinha conhecido no meio da obra.

— Estou indo para a empresa. Tamiris não foi para


a escola e está assistindo televisão na sala.

— Que horas são? — perguntei, sentando-me na


cama e sentindo uma dor de cabeça surgir do lado
esquerdo. — Parece que estou de ressaca.

— Quatorze horas. Tem almoço para você. —


Acariciou meu rosto e se afastou, indo para a porta. —
Qualquer coisa, me liga.

— Tudo bem — falei, sem convicção. Levantei-me


sem pressa e coloquei uma roupa qualquer, minha mala
estava aberta no seu closet, eu ainda não tinha invadido
seu guarda-roupas.

Mas uma coisa era certa: eu já estava com meu


coração completamente dominado por ele.
Capítulo 34
Natália

Almocei com Tamiris agitada ao meu lado. Suas


mãos não paravam de gesticular e demorei a concluir
minha alimentação para respondê-la. Ela quis saber sobre
tudo o que aconteceu no velório depois que foi embora, e
também sobre o que seria dela agora.

Tentei explicar que algumas coisas não estavam


sob o meu controle e fiquei tentada a dizer que éramos
parentes, de certa forma. Aquela vontade era tão intensa.

A campainha da casa tocou e, quando fomos


espiar quem era pelo monitor do interfone, assustei-me ao
ver a vó Alice.

“Vovó.” — Tamiris começou a pular animada e dei


autorização para uma das funcionárias da casa liberar a
entrada.

A surpresa que eu tive foi refletida nela quando


entrou pela porta e abraçou a neta. Desde a última vez que
a vi, ela parecia dez anos mais velha.
— Oi, vó — cumprimentei de longe, não me atrevia
a recepcioná-la como Tamiris, por mais que eu quisesse.

— Você aqui? — Ela gesticulou algo para a neta e


depois voltou a me encarar, fiquei feliz por ela saber Libras
também. — Está namorando Ícaro?

— O que o passado separa, o presente une —


Tentei soar engraçada, mas pareceu uma brincadeira de
mau gosto, ainda mais pela raiva que ela demonstrou. —
Desculpe, a verdade é que não sei de nada e estou irritada.
Entre, a casa não é minha também, mas tenho certeza de
que o dono não se importará.

— Elias nunca quis ter nada a ver com a minha


família.

Caminhamos para a sala e percebi que Tamiris,


sensitiva como era, estava nos encarando com
preocupação. Sentamo-nos no sofá e ela ficou entre nós,
de certa forma, tentando nos unir mesmo sem saber que
um dia havíamos sido uma família.

— Como não queria vínculo? Ele tem uma filha


com a tia Fabíola — Voltei ao assunto que estávamos
conversando.
— Você sabe que ela é doente? Que mesmo
assim, com a idade que tinha, ele a teve na sua cama? —
falou com raiva e neguei com a cabeça, na frente de
Tamiris não seria bom conversar sobre isso.

— Podemos conversar depois? Ela não escuta,


mas sente o peso das palavras, de tudo. — A menina me
abraçou e tentei reconfortá-la. — A senhora vai ficar?
Precisa de um quarto?

— Vim para o velório, mas o rapaz quis dar o fim o


quanto antes. Um táxi me deixou aqui. Estou em um hotel.
É melhor assim.

— Tudo bem, eu vou resolver umas coisas e já


volto. — Gesticulei o que disse para Tamiris e saí da sala,
indo para o quarto de Ícaro.

Tranquei a porta, fui até a caixa com as coisas de


Joice e busquei mais informações. Precisei encontrar um
remédio para a dor de cabeça que sentia, sabia que estava
indo muito além do necessário, mas se era para começar,
que fosse completo e até o fim.

Encontrei mais do mesmo, fiquei deitada no chão e


digitei uma mensagem para Ícaro informando que a avó da
irmã dele estava em casa. Ele devia estar ocupado, porque
não respondeu nem visualizou, mas não me deixou menos
preocupada.

A noite chegou novamente, acabei cochilando na


posição que estava e, quando acordei, saí do quarto em
busca das duas. Encontrei-as no quarto de Tamiris, ela
dormindo e a vó Alice velando seu sono.

— Quer comer algo? — perguntei baixo e ela


acenou afirmativo com a cabeça, me seguindo para a
cozinha. Não havia mais ninguém em casa, nem Ícaro.

— Sua mãe nunca te falou o motivo de vocês não


virem mais em casa no Natal? — perguntou quando abri a
geladeira em busca do que oferecer.

— Dona Maria Rita é um poço de informação que


não se pode extrair, vó. Ninguém me contou nada. O que
sei foi descoberto com outras pessoas. — Peguei uma
travessa com torta salgada, depois um prato e cortei
pedaços para pôr no micro-ondas. — Como Elias ficou com
a Fabíola?

— Quando minha filha foi diagnosticada com


esquizofrenia, seu avô se afastou e seu pai... — Negou
com a cabeça. — Você não é nada nosso, nem sua mãe.
Foi por culpa dela que tudo aconteceu.
— E o que foi? — Mordi a língua e tentei não
chorar. Não bastava minha mãe me repudiar, agora a
pessoa que sempre vi como minha avó também o fazia.

— Gastei muito dinheiro com tratamentos, pedi


ajuda a Francisco e sua mãe me apresentou Larissa, uma
senhora idosa que morava na capital e que poderia nos dar
abrigo. Aqui tinha mais recursos médicos do que em
Calvário. O que Maria Rita não contou foi que Larissa era
mãe daquele que a desgraçou: Natan.

— Essa Larissa é minha avó? — perguntei, abrindo


o micro-ondas e levando o prato para a sua frente. Ela
estava sentada à mesa e fiz o mesmo.

— Era. Ela morreu logo depois que voltei para


Calvário, com uma filha grávida de um... — Não completou
e olhou ao redor com repulsa. — Pelo menos não nos
faltou dinheiro nunca mais.

— Mas essa Larissa foi empregada dos pais de


Elias. Como eles...

— Onde você acha que dona Larissa morava? —


Apontou para a parte dos fundos da casa. — Havia uma
casa nos fundos com acesso para a rua, não precisávamos
falar com os patrões, mas Fabíola não entendia, todo dia
escapava para dentro dessa mansão e conversava com
Joice. — Respirou fundo. — Independentemente de como
aconteceu, Elias tinha que rechaçar minha filha, ela era
doente e menor de idade.

Ela escondeu o rosto com as mãos e chorou. Tive


vontade de consolá-la e acompanhá-la, mas só foquei em
minha torta e em digerir a informação. Em outras palavras,
com uma visão mais simples e cruel, minha mãe ajudou
seus sogros e a consequência foi o patrão engravidando a
minha filha doente da empregada.

— Quando vi a barriga da minha filha crescer,


fizemos exame de sangue e fomos enviados de volta para
Calvário, com dinheiro no bolso e desgosto nos ombros.
Exigi que Francisco largasse sua mãe, mas ele a preferiu
ao seu próprio sangue.

— Você nunca gostou de mim? — perguntei baixo


e seu entortar de lábios me respondeu o que eu não
gostaria de escutar.

— Maria Rita nunca quis dar um filho de verdade


para Francisco e tentei te tratar como minha neta, mas a
chegada de Tamiris me fez ver que eu precisava valorizar o
sangue do meu sangue e não uma agregada.
— Ela nasceu surda? — perguntei, entrando em
negação. Aceitar que minha infância foi uma mentira
estava dolorido demais.

— Sim, teve problemas no coração, mas hoje é


uma menina saudável e inteligente, mais que a própria
mãe. — Finalmente dona Aline pegou um pedaço de torta e
colocou na boca. — Percebi que você entende Libras.

— Sou formada em pedagogia, com especialização


em ensino para pessoas especiais como Tamiris. — Olhei
fundo em seus olhos, porque o ódio do passado não iria
temperar a união do presente. — Eu gosto dela.

— Não é nada sua, Natália. Levarei a menina de


volta comigo.

— E por que deixou antes? — Enfrentei-a.

— Elias exigiu. Não tive como recusar, ainda mais


por ser ele a pagar tudo.

— Ah, então veio aqui preocupada que, com a


morte de Elias, o dinheiro acabe? — Meu tom ácido só a
deixou mais irritada.

— Isso é pouco pela desgraça que fez com a


minha filha. Nenhum dinheiro será suficiente para
recompensar tudo o que ela passou.

— Onde está Fabíola? Tamiris a conhece?

— Em uma clínica na capital e, não, nunca a deixei


frequentar aquele lugar.

— Ótimo, agora as coisas vão mudar a partir de


hoje — a voz de Ícaro nos assustou, encaramos a porta e o
vimos parado lá, como se estivesse há muito tempo. —
Tamiris ficará comigo, terá acesso a mãe e
acompanhamento especializado. Chega de tampar o sol
com a peneira. O que meu pai fez foi monstruoso, mas
agora, ele está morto e quem manda aqui sou eu.

— Ela é minha neta! — Dona Aline se levantou


para enfrentar Ícaro. — Você não vai me impedir de vê-la.

— Diferente de você, eu deixarei que Tamiris


conheça a família dela por completo e ela não sairá
debaixo desse teto. — Ele pegou o celular do bolso e a
encarou, esnobe. — Quer que chame um táxi?

— Sim, eu vou embora, mas não deixarei que


estraguem mais uma vida inocente. A família Duarte e
Costa precisam morrer e nos esquecer!
Abaixei a cabeça na mesa e deixei que ele
cuidasse da pessoa pela qual eu tinha tanta estima e que
tinha se tornado uma estranha. Claro, eu não devia julgar.
Era uma mãe que sofria pelo abuso da filha, uma avó que
não sabia o que fazer com a neta e havia o ódio no meio
de tudo isso.

— Como você está? — Ícaro voltou para a cozinha


e me levantei apressada para organizar tudo, precisava
ficar com ele. — Deixe do jeito que está. Vamos para o
quarto.

— Ela falou cada coisa... — comecei e ele me


parou, unindo nossos lábios com suavidade, precisando
interromper minhas lamúrias.

— Também falou para mim, mas no escritório do


meu pai descobri muito mais. Vamos deixar para amanhã?

— Para o ano que vem? — Fiz uma careta e um


sorriso despontou nos lábios dele.

Esse era o sinal da esperança. A luz que invadia


meu peito para aquecer o gelo que queria se formar no
meu coração. Tínhamos um ao outro, era o que importava.
Capítulo 35
Natália

Passamos uma semana tentando nos recuperar


das últimas informações. Eu tinha coisas para dizer a Ícaro
e ele a mim, mas em um acordo silencioso, deixamos
seguir sem novas revelações. Precisávamos respirar.

Tamiris foi a grande beneficiária daquele momento,


porque nos dedicávamos a brincar com ela, seus quebra-
cabeças e blocos de montar. Ela perguntou da vó Alice
várias vezes e eu respondi evasiva, que não sabia, mas
que iria procurar saber.

Sempre fui acostumada a mentir, mas daquela vez


estava penando, ainda mais porque não queria que Alice
voltasse as nossas vidas.

Ícaro voltou cedo do trabalho e tinha vários papéis


em mãos. Seu semblante era tranquilo, o que me deixou
apreensiva, já que depois da morte do seu pai, era a
primeira vez que ele parecia em paz.
— Fui ver Fabíola na clínica, ela receberá Tamiris
amanhã.

— Como assim? — Deixei a menina de lado e fui


até a porta da sala, onde ele estava. — Por que não me
falou?

— Não foi programado, apenas consegui a


autorização e fui. — Ele segurou minha nuca e aproximou
minha cabeça para beijar minha testa. — Não estou
escondendo nenhuma informação.

— Desculpe, só estou atordoada. — Abracei sua


cintura e Tamiris se aproximou de nós, abraçando-nos
também. Beijei sua cabeça e Ícaro fez o mesmo.

— Vamos falar com ela? — Ele nos separou e


sorriu para a irmã. — Quer ver sua mãe?

Falei com sinais e ela sorriu.

“Vó Alice está em casa?” — Gesticulou, animada.

— Não, Tamiris. Sua mãe — falei, fazendo o gesto


e ela franziu a testa, reforçando a vó Alice. Só então
percebi meu descuido. As sinalizações de mãe e avó eram
parecidas, com a diferença de que, ao sinalizar mãe,
beijávamos o dorso da mão fechada, indicando bênção; e
avó, levávamos a mão fechada ao queixo, indicando
velhice. — Ícaro, ela acha que Alice é a mãe.

— Essa mulher... — resmungou, passando os


dedos na testa e deixando a menina agitada. — Só vamos
levá-la. Fabíola quer ver a filha. Ela sabe que não pode
cuidar dela. — Beijou minha testa e a da irmã. — Vou
tomar banho, depois conversamos.

Traduzi para Tamiris e voltamos a assistir televisão,


mas com um clima tenso no ar. Alice se aproveitou da
situação e tomou Tamiris como filha, na falta da sua
própria.

Meu Deus! Quando eu descobrisse o que


realmente fez meu pai Natan se afastar daquela casa, de
Elias, com certeza eu teria algo muito pior. Talvez minha
mãe estivesse certa e eu só precisasse esquecer o
passado e viver o presente.

Logo o sono de Tamiris chegou. Deixei-a dormindo


no sofá e fui para a varanda dos fundos com o celular na
mão, pronta para ligar para minha mãe. Ela poderia estar
dormindo, mas eu teria que acordá-la e contar o que
aconteceu. Fazia muito tempo que não nos falávamos.
Ela fugia do passado, ao mesmo tempo que queria
resgatá-lo por algum motivo que não entendia.

Precisei chamar duas vezes para ela atender,


sonolenta, a chamada:

— Filha, está tudo bem?

— Oi, mãe, desculpe o horário, mas é que a


informação chegou apenas agora. Estou indo visitar
Fabíola amanhã na clínica em que ela está internada. Sei
você tentou ajudar a vó, ou melhor, dona Alice e tudo isso
aconteceu, mas não é culpa sua. — Por ter falado
apressada e naturalmente, acreditei que a deixei em
choque, pois por algum tempo ela ficou sem falar. — Mãe?

— E o que você pretende com essa visita à


Fabíola? Ela já estava louca quando engravidou.

— Apresentar Tamiris a ela. Sabia que Tamiris acha


que Alice é sua mãe? E se há algum motivo de vergonha
nisso tudo, é apenas para Alice, que roubou a filha da
própria filha. Desculpe não te escutar quando você tentava
me afastar da mulher que nunca foi uma avó de verdade.
Ela não gosta de mim e nunca gostou.

— Falou com ela — seu tom era choroso.


— Sim, mas eu estou bem.

— A rejeição nunca te deixa bem, minha filha. Eu


vivi isso.

— Tudo bem, mãe. Eu só queria te falar que agora


eu sei e não te culpo. Se tiver mais alguma coisa para
contar, fale, continuarei te admirando como sempre, minha
mãe, a única que compartilha meu sangue.

— Nunca se esqueça que você é 50% eu e 50%


seu pai. As escolhas dele não tiram o mérito dele ter me
dado o melhor presente do mundo: você.

— A traição ainda me incomoda, mas vou superar,


ainda mais sabendo que você teve Francisco com você.

— Natan não me traiu, mas o contrário, Natália.


Falarei apenas uma vez e não mais. Esse assunto não é
seu. — Ela respirou fundo para tomar fôlego e eu prendi a
respiração, pronta para a bomba. Ainda bem que tinha
tomado uma semana de folga das informações, ou teria
uma cabeça explodindo. — Natan saiu da capital porque
amava Joice e não se achava digno dela. Elias a
engravidou, se casaram, mas o amor antigo ainda existia.
Eu me apaixonei sem saber, fiz amizade com Joice quando
eles vieram para um dos festivais que tem em Dualópis e
abri meu coração para ela. Pouco tempo depois, fiquei
grávida e ele se acidentou na estrada, provavelmente indo
ver seu verdadeiro amor que nunca fui eu. Após algum
tempo, quando Elias decidiu construir a casa atrás da
minha, que eu achei que era herança de Natan. Ele me
contou sobre o adultério da sua esposa, do seu irmão de
criação e do filho perdido dessa relação. Ele construiria
uma casa melhor para Joice do que o outro fez. Mas ela
entrou em um ciclo de depressão e o resto você já sabe.

Fiquei um tempo muda, nada passava pela minha


garganta, eu estava atônita e chocada com a verdade. E,
mesmo depois de tudo, ela exigia que eu valorizasse meu
pai. Como era possível? De uma coisa eu tinha certeza:
minha mãe era mais forte do que eu imaginava.

— É por isso que não sai da casa? Para mostrar


que é sua, de alguma forma? — perguntei baixo e escutei
um suspirou choroso do outro lado da linha.

— Ele me deu você. O que faço ou deixo de fazer


são minhas escolhas, Natália. Siga sua vida e continue
fazendo diferente. — Fungou. Ela estava chorando e as
lágrimas se acumulavam nos meus olhos também. — Não
pense que está consertando a vida dos outros unindo
Tamiris à mãe dela, ou mesmo colocando Alice no lugar.
Isso é você dando um novo rumo para a SUA vida. Quero
te ver feliz, só isso.

Senti braços me envolvendo os ombros e deixei o


choro sair, apenas um pouco, para poder responder minha
mãe:

— Eu estou, mãe. Obrigada.

— Nunca te expulsei da minha vida. Agi por


impulso, mas hoje eu dou um novo olhar para o que fiz. Vá
para a vida. Dorme com Deus. Me ligue mais vezes,
qualquer horário.

Encerrei a ligação e abracei Ícaro. Ele estava


apenas de short de dormir, seu peito nu me deu conforto.
Escutei as batidas do seu coração e parecia no mesmo
ritmo da nova música que fazia parte da nossa trilha
sonora:

— You'll never be alone, I'll be with you from dusk


till dawn, I'll be with you from dusk till dawn, Baby, I'm right
here …

— Não importa o que te fez chorar, sinto que


estamos no caminho certo, porque no final a gente sempre
termina do mesmo jeito: nos abraçando.
— Ou na cama — falei, rindo e chorando. Beijei
seu peito e ergui minha cabeça para encará-lo. — Vamos,
eu preciso de você, Peixão.

— Estou aqui, Medusa.


Capítulo 36
Natália

Depois de passarmos a noite fazendo amor, contei


o que minha mãe tinha dito ao telefone. Ícaro também ficou
chocado, mas aliviado ao saber que mesmo com tanta
traição entre nossos pais, o que sentíamos não estava
abalado.

Ele também descobriu algo além do local em que


Fabíola estava, mas pedi que reservasse outro momento
para contar. Aquelas informações estavam sendo difíceis
para digerir. Em mim não havia mais pressa em saber de
outros detalhes, o mais importante estava em minhas
mãos: meu pai não foi um bom homem, mas também não
foi o pior deles.

Eu precisava me agarrar às palavras ditas pela


minha mãe, sobre ele ter sido o pai certo para mim, e
seguir com minha vida, coisa que eu estava deixando de
lado ao ficar em casa sem fazer nada.
Enquanto Ícaro parecia criar uma rotina de trabalho
e casa, eu me perdia no rumo que daria ao meu futuro, por
não ser independente. Saí do abrigo da minha mãe para ter
com aquele homem a mesma coisa, mas eu queria minha
autonomia, a que tanto apreciei enquanto fazia minha
especialização.

Deixamos a escola de Tamiris um pouco de lado.


Ela ia conhecer sua mãe, por isso dispensamos Cida
também. Eu não sabia informar quando a menina foi tirada
dos braços da mãe biológica, nem como faria a revelação
para ela, afinal, Tamiris sempre achou que a avó fosse sua
figura materna.

Esperamos Alice entrar em contato até próximo do


almoço, para nos acompanhar, mas não houve retorno.
Seu celular dava fora de área e não anotamos o hotel em
que estava, ou seja, faríamos do nosso jeito, sem o
consentimento dela.

Eu estava sentada no banco de trás, ao lado de


Tamiris, enquanto Ícaro nos guiava para uma clínica que
ficava em um bairro afastado do centro. A entrada era
bonita, cheia de plantas e do colorido das primaveras.

Foi dito à menina que iríamos conhecer uma


pessoa da família dela, mas pela minha garganta não
passou a palavra mãe. Esse era um segredo que não
poderia ser revelado por mim.

Ícaro estacionou o carro e saímos juntos, nós três


de mãos dadas indo em direção à entrada. Forcei um
sorriso para Tamiris, que me olhava apreensiva enquanto
seu irmão focava na frente. Ele falou com a recepcionista e
foi nos encaminhado para uma sala bem arejada, com
vários sofás e mesas espalhadas.

Aquela mulher que se levantou do sofá assim que


entramos era Fabíola, seu rosto de boneca e seu
semblante ingênuo continuavam os mesmos. Ela olhou
para nós como se fôssemos amigos de infância e nos
recepcionou com um abraço antes de se inclinar para falar
com Tamiris.

— Oi, eu sou Fabíola. — Ela fez o movimento de


mãos e a menina sorriu, retribuindo o cumprimento em
Libras. Ícaro também parecia surpreso quando seguimos
juntos para o sofá.

— Você lembra de mim, tia? — perguntei baixo e


ela desviou a atenção da filha antes de me encarar.

— Sim, Natália. Estou louca, mas não esquecida.


— Riu da própria brincadeira e deu de ombros. — Eu
sempre sonhei em conhecer a menina, mas minha mãe
nunca deixou. Achava que minha doença era contagiosa.

“Quem é você?” — Tamiris perguntou com gestos e


senti que aquele poderia ser o momento de ruptura.

“Sou a tia dela.” — respondeu e apontou para mim,


que engoli seco.

— Você é bem tratada aqui? — Ícaro perguntou,


não percebendo que existia algo no ar. Ela não assumia
ser a mãe, ou seja, havia mais problemas envolvidos, mais
segredos.

— Sim e não, depende do dia. Como te falei ontem,


estou em um bom momento. Acho que previ a chegada
dela. — Então ela gesticulou para Tamiris se tinha visto a
mãe, ou seja, até para ela, Alice é quem estava naquela
posição.

Fabíola não se via como mãe de Tamiris, que


confusão.

A conversa durou mais um pouco e logo um


enfermeiro nos interrompeu para encerrar a visita. Fabíola
não parecia triste com a despedida, pelo contrário, estava
radiante, memorizando cada parte do rosto da menina.
— Quer tirar uma foto? Eu venho trazer impressa
para você depois. — Olhei dela para o enfermeiro, que
concordou com a cabeça.

Para não revelar além do que foi dito, ficamos nós


quatro juntos, com Tamiris ao lado de Fabíola. As duas
eram bem semelhantes, mesmo demonstrando um pouco
de distância emocional. O encontro delas não foi igual ao
que aconteceu entre mim e Tamiris, com a conexão que
parecia inquebrável.

A mãe deveria ter a ligação mais forte, mas pelo


visto, havia exceções.

Saímos de lá e fomos almoçar no shopping, para


alegria de Tamiris, que não costumava sair muito da rotina.
Nada de comida tradicional, optamos por um fast food e
sorvete de sobremesa, relaxando o corpo e a alma do que
tinha acabado de acontecer.

Deveria ter sido mais emocionante ou superestimei


a situação?

Antes de irmos embora, Ícaro dispensou os


compromissos da empresa que agora era sua. Parei em
uma loja que fazia revelação de fotos e consegui quatro
cópias para nós. Eu entregaria uma dessas para Alice,
para quem sabe ela se comovesse com a situação.

Quando voltamos para casa, lá estava a senhora


que um dia vi como avó. Com seu olhar sisudo nos vendo
entrar na garagem, ela apenas suavizou quando Tamiris
correu para lhe dar um abraço. A menina conseguia tirar o
melhor dela, não era só de egoísmo e rancor que vivia
aquela senhora.

— Vocês a levaram para ver Fabíola, não é? —


questionou com acusação e Ícaro indicou que entrássemos
na casa.

— Prefiro não conversar na frente dela. A senhora


saber o quanto Tamiris é sensível — pedi e Alice olhou
para a menina, que estava radiante, seu dia tinha sido
muito bom. — Sei que se coloca no lugar de mãe, ninguém
te desmentiu, nem sua filha de verdade.

— Não me julgue — exigiu, parando os passos no


meio da sala de estar. — Você não tem noção do que
passei nas mãos de...

— Meu pai está morto, junto com suas ações. Eu


não sou ele, estou aqui para resolver e não dificultar. —
Ícaro se colocou ao meu lado e ergueu o queixo com
imponência. — A senhora decide o que quer fazer. O que
for melhor para Tamiris, eu vou aceitar.

— Quero que ela volte comigo para Calvário, que


pague uma escola particular NORMAL e uma professora
que a acompanhe. Fabíola também precisará continuar
onde está. Minha aposentadoria não dá para sustentar nem
eu sozinha. — Alguns poderiam escutar suas lamúrias
como uma forma de extorquir Ícaro, mas nós dois
sabíamos que era apenas sua forma de exigir o apoio
emocional que nunca teve. Naquela altura, apenas o
dinheiro daria algum conforto para que pudesse focar na
educação de Tamiris.

Para aqueles que não sabiam o poder do amor,


tinham que o extrair de outras formas. Oferecendo comida,
abrigo ou dinheiro.

Metade da fortuna que fora deixada para Ícaro era


da irmã, e ele não demonstrava interesse em tomar tudo
para si. Alice também não comentou sobre isso, ou seja,
não havia maldade, apenas amor.

— Quer perguntar a ela se quer voltar com a avó?


— Ícaro sussurrou e neguei. Essa era uma decisão dos
adultos e não da criança, deixar que o peso ficasse nas
suas costas seria crueldade demais.
— Poderemos ir te visitar quando quisermos? Ter
contato com Tamiris e ser a família dela também? —
questionei, aproximando-me mais do homem que estava se
tornando especial.

— Enquanto estiver pagando e não atrapalhar os


estudos dela, sim. Estou fazendo diferente com ela, o que
não consegui com Fabíola. — Beijou a cabeça da menina,
que sorriu e nos encarou com expectativa.

— Você voltará com ela — falei gesticulando, não


tinha coragem de chamá-la de mãe ou avó. — Ícaro está
resolvendo alguns assuntos da empresa e eu estou
ajudando, será melhor que volte a ficar em Calvário. O que
acha?

“Você vai vir me visitar?” — perguntou, aflita.

— Sempre que possível, também nos falaremos


por mensagens, o que acha? — Também gesticulei,
forçando um sorriso quando ela veio me abraçar. — Você é
maravilhosa, Tamiris. Muitas pessoas te amam —
sussurrei.

— Vou sentir sua falta, irmã, mas sei que é o


melhor. — Ícaro precisou se agachar para abraçar Tamiris
e gesticulei para que ela entendesse o que o irmão falava.
— Ele vai aprender Libras até o próximo encontro
— brinquei, fazendo movimentos com as mãos e até Alice
sorriu com satisfação. Tudo em prol do melhor para ela.

— Vou providenciar um motorista para levar as


duas até Calvário. Você pode fazer a mala dela? — Ícaro
perguntou e tirou o celular do bolso.

— Eu cuido dela. Sempre fiz e sempre o farei.

Elas foram até metade do caminho para o quarto


dela, mas pararam, Tamiris correu em nossa direção e nos
abraçou deixando uma lágrima escorrer. Havia um sorriso
singelo em seu rosto que retribuí com alegria, da mesma
forma que eu estava fazendo diferente, ela também faria.

— Fui chamado com urgência na empresa, talvez


volte tarde. — Beijando minha testa e encarando meus
olhos, Ícaro parecia um homem de família falando com sua
esposa. — Você está bem?

— Vá trabalhar, empresário, eu lidarei com o que


precisar aqui.

Beijamo-nos rapidamente e, com um sentimento


estranho no peito, eu o vi sair de casa. Como se ele tivesse
levado algo importante de mim e eu nem soubesse o que
era.
Capítulo 37
Natália

Mais uma semana se passou em uma rotina


estranha. Em uma casa gigantesca, sozinha o dia inteiro,
eu percebia que estava desperdiçando a minha vida.

Por mais que existissem alguns assuntos mal


esclarecidos, essa minha sede de saber sobre o passado
da família havia ido embora. Meu coração parecia em paz
com aquele assunto enquanto minha mente entrava em
guerra para mostrar que eu tinha me esquecido do mais
importante: eu mesma.

Voltei às minhas pesquisas de emprego e me


cadastrei em algumas, sem ter a verdadeira noção do que
aconteceria se eu fosse chamada para uma entrevista ou
se fosse selecionada. Não tinha nada para mim na capital,
o meu futuro estava bem longe dali.

Por Ícaro sempre voltar tarde do trabalho, ele e eu


parecíamos nos distanciar. Ele acordava acedo, eu
continuava na cama e apenas algumas palavras eram
trocadas. Minha mala com roupas continuava aberta em
seu closet, parecia que nunca haveria espaço para mim na
vida dele.

Como que uma paixão avassaladora passou para


um relacionamento morno fadado à rotina chata? Nem no
final de semana tivemos um momento de casal. Eu sabia
que Ícaro estava lidando com uma transição, venda e
outros assuntos. Ele não me contava os detalhes e eu não
perguntava.

A caixa com as lembranças da mãe dele foi posta


no escritório da casa, onde havia muito de Elias Duarte.
Folheei álbuns de fotografia de família que encontrei e só vi
poses mecânicas, como se o relacionamento dos três fosse
fabricado e não natural.

Da mesma forma que peguei algumas fotos para


me lembrar das origens, fiz para Ícaro e deixei em cima da
cama, do seu lado, para quando chegasse. Além de estar
me sentindo nostálgica, recebi uma das respostas de
trabalho, eu fora selecionada para auxiliar uma sala de aula
no Sul do país. Eles tinham urgência e quando celebrei
internamente, percebi que estava traindo Ícaro.

A falta de comunicação em um relacionamento era


uma merda. Pior ainda quando não conseguíamos dar o
primeiro passo para deixar às claras todos os assuntos.

Esse tempo sozinha também me deu oportunidade


de falar com minha mãe, voltamos a estreitar nossa
relação, mesmo que eu não contasse nada pessoal para
ela. Meus sonhos eram apenas meus e ela seria a
expectadora. Ainda bem que não insistia. Ela era tão
evasiva quanto eu, ou seja, eu tinha a quem puxar.

Rolando na cama depois de tantas descobertas


finais, não consegui dormir até que Ícaro chegou,
demonstrando cansaço físico e mental, porém, com um
grande sorriso.

— Que bom que está acordada, tenho uma boa


notícia. — Aproximou-se pegando o papel com a colagem
de fotos que fiz. Ele deixou a saudade transbordar no olhar.
— Naquela época parecíamos bem, arrisco dizer que
felizes.

— Suas origens, eu também fiz uma colagem para


mim. — Sentei-me na cama quando ele o fez e inclinou na
minha direção para um beijo casto. — Como foi o trabalho
hoje?

— Depois de feito o inventário, a burocracia para


vender parte da empresa está me matando. Não quero
cuidar do que era do meu pai, mas não irei me desfazer
pela raiva que tenho. Só quero construir algo meu, com
você.

Engoli em seco, assustada. Meu coração parecia


uma escola de samba e eu não tinha noção que ele estava
me incluindo nos seus sonhos, porque eu mesma não
estava fazendo isso.

Traição.

Meu Deus, como era possível repetir os passos de


forma diferente? Quanto mais eu queria me afastar do que
nossos pais foram, mais me igualava a eles.

— O que foi? — Ele colocou meu cabelo atrás da


orelha e voltou a sorrir, triunfante. — A casa está pronta,
quero te levar amanhã para Dualópis para estrearmos a
churrasqueira e também a banheira. Eugênio e Nanda
estarão conosco no início da noite, mas no final, seremos
apenas nós.

— Por que não me falou antes dos seus planos? —


perguntei, assustada, e ele percebeu parte do que eu
sentia, porque se levantou, ficando sério e tirando a roupa
formal que vestia. — Ícaro, mal temos conversado depois
que Tamiris foi embora, eu achei que...
— Que estava seguindo minha vida e esquecendo
você. — Mordeu o lábio inferior e suspirou. — Essas foram
as palavras que minha ex usou para justificar sua traição.
Eu fazia planos, não comentava achando que fossem
óbvios meus sentimentos e intenções. Gostaria de poder
falar que eu te amo, Natália, mas... — Arregalei meus olhos
e ele desviou o olhar. — Era disso que eu tinha medo: você
não acreditar e fugir, como muitas vezes demonstrou que
faria. — Voltou a me encarar, tirando a camisa social e
ficando nu da cintura para cima. — Eu amo você, o que
vivemos foi intenso. Você é diferente para mim.

— Ícaro...

O que poderia dizer que me isentasse de culpa? Já


havia aceitado o emprego, amanhã iria pegar um ônibus
para o Sul do país, com a mala com a qual vim até aqui e o
coração despedaçado. Eu sabia que isso iria acontecer, era
um ciclo para mim. Eu só não imaginava que ele fosse se
entregar a essa relação muito mais do que eu.

Ícaro tirou o resto da roupa e suspirou, esperando


mais de mim. O que eu ofereceria além do peso da
possibilidade de magoá-lo? Quando pensei na minha
satisfação profissional, esqueci-me que existia um amor tão
valioso fazendo contrapeso e apenas silêncio mesclado a
um relacionamento fadado ao fracasso se sobressaia.

Ele foi para o banheiro e não consegui me impedir


de não ir atrás. Tirei meu pijama e o abracei pelas costas,
beijando sua tatuagem em um pedido silencioso de perdão.

Se eu ficasse, continuaria na casa sendo apenas a


mulher sustentada; se fosse seguir minha profissão, seria
independente, mas com um coração despedaçado.

— Eu estava tão focado em resolver o que me


impedia de me sentar com você e perguntar o que
poderíamos fazer a partir daqui que não vi que ambas as
coisas poderiam ser feitas ao mesmo tempo. — Apertou
minhas mãos e beijou os dedos. — Não me diga que é
tarde demais, quero você ao meu lado.

— O que podemos fazer juntos? Você é da área da


construção civil, sou pedagoga, não há como mesclar
nossas vidas profissionais. — Abracei-o com força e
respirei fundo várias vezes para tomar coragem de falar. —
Essas últimas semanas foram intensas, Ícaro, mas agora
que não temos mais nada escondido do nosso passado, eu
achei...
— Que você não servia mais? — Ele se virou e
beijou minha boca. Senti o gosto de café nos seus lábios.
Viciado como era, mesmo antes de dormir, ele tomava o
líquido preto para lhe dar forças. — Meu Deus, Natália.
Quero estar com você, nem que eu me torne um
administrador de escola. É sério o que eu sinto, mesmo
que você não retribua.

— Também te amo, Ícaro. — Segurei seu rosto


com as mãos, agora minhas lágrimas escorriam sem serem
impedidas. — Eu também te amo.

— Então diga que estamos bem. Minha mãe pediu


um lar cheio de amor e prosperidade, meu pai construiu
aquela casa em Dualópis e não foi até o fim. Eu a concluí
realizando o desejo. Há amor e prosperidade entre aquelas
paredes, na piscina, no muro do fundo... — Ele me beijou
várias vezes, fazendo-me sorrir e, mais uma vez, me sentir
culpada pelas realizações profissionais que desejava. — Já
tenho alguém comandando a empresa do meu pai, eu
posso me afastar. Vamos fazer nossos planos, estou
disposto a seguir na mesma direção que a sua, sou bom
em me encaixar.

— Para o Sul — falei, com um fio de voz. — Estão


precisando de alguém com minha qualificação para
começar o trabalho lá. Me desculpe, Ícaro, eu achei que...

— O que você quiser, não precisa se justificar.


Tudo bem? — Por mais que suas palavras fossem amenas,
havia um brilho de chateação em seu olhar. Fui negar com
a cabeça e ele me pressionou contra a parede do box. —
Posso te amar? Já que não acredita nas minhas palavras,
acreditará nas minhas ações.

— Sim, Ícaro. — Abracei seu pescoço e enrosquei


minha perna na dele, sentindo sua pélvis se movimentar
contra meu quadril.

— Eu te amo. — Tomou minha boca em um beijo


abrasador, sem cuidado ou carinho, era parte punição,
parte desespero.

Deixei que extravasasse suas frustrações, também


estava me sentindo da mesma forma e precisava de tudo
dele: o bom, o mau e o feio.

Não demorou para que se excitasse e também me


deixasse molhada além do que a água da ducha estava
fazendo. Ícaro deslizou para dentro de mim com facilidade
e ainda estávamos nos beijando, unidos de várias formas.
Era momento das nossas almas se comunicarem.
Encontrar o clímax com Ícaro era sempre fácil,
porque o sentimento que tínhamos um pelo outro era
intenso. As situações em que nos permitíamos ter relações
sexuais também temperavam o ato, trazendo muito prazer
e satisfação.

Será que valeria a pena ser feliz na profissão e


perder tudo isso que eu tinha com ele? Era uma escolha
difícil, eu não conseguia raciocinar, apenas sentir e me
entregar.

— Ícaro! — gritei seu nome quando ele acelerou o


vai e vem fazendo-me gozar.

Ele não parecia satisfeito, saiu de mim rapidamente


para me pressionar de frente para a parede. Penetrou-me
por trás, segurou meus quadris com força enquanto
amassava meus seios contra os azulejos.

Sua mão encontrou meu clitóris e, mesmo inchado,


mais do que saciado, ele me incentivou a seguir para o
clímax mais uma vez. Naquele momento de queda livre do
prazer, ele veio junto, urrando de satisfação, demonstrando
que o seu amor ia além das palavras.

Seu corpo me amou como nunca fantasiei nem em


meus sonhos de princesa moderna quando adulta.
Ele não precisou de palavras. Nosso ato se
encerrou com um banho rápido, toalhas para nos enxugar
e cama, onde nos abraçamos como se um fosse fugir do
outro. Como eu poderia ir sem ele? Deixaria para amanhã
a decisão da minha vida.
Capítulo 38
Natália

Fui acordada com doces mordidas e beijos


acalorados pelo corpo. Já estava me sentindo molhada por
conta do calor do corpo de Ícaro contra o meu, então, não
foi difícil me entregar para seu desejo latente.

Era um ótimo café da manhã sem sair da cama.

De lado, ele rapidamente me penetrou, dobrando


minhas pernas e se satisfazendo com a mesma pressa que
eu. Com suas mãos em meus seios e sua boca sugando a
pele do meu pescoço, gozei junto dele, forçando minha
bunda contra seu membro impiedoso.

— Bom dia, Medusa. — Ele esfregou o rosto no


meu cabelo e ri pelas cócegas que senti, ele ainda não
tinha interrompido a nossa conexão. — Como estamos?

— Satisfeitos, com toda certeza, Peixão. — Virei


para ficar de frente para ele e o senti fazendo falta dentro
de mim, por isso coloquei minha perna em cima da dele. —
Não vai trabalhar?
— Já fiz o suficiente. Agora eu preciso me acertar
com você. — Beijou meus lábios com carinho. — Sul?

— Não iríamos estrear a casa de Dualópis? —


questionei, querendo mudar o tópico enquanto eu não
soubesse o que dizer sobre o meu tema.

— Podemos fazer depois. Só preciso ir ao banco


sacar dinheiro e então, pegaremos a estrada. O que acha
irmos de carro?

— Você está falando sério sobre largar tudo e ir


comigo. E Tamiris?

— Para isso que serve o dinheiro. Pegamos um


avião ou viremos de carro para vê-la. Tudo vai depender
dos seus horários. — Acariciou meu rosto, sorrindo. —
Pode não ser perfeita, mas Alice cuidará bem da minha
irmã o quanto for necessário. Se ela se interessar pelo
ofício da família, farei questão de ensinar tudo a ela. Essa
empresa é tão minha quanto dela.

— E você, Ícaro, o que quer?

— Ser feliz — respondeu, sem pestanejar. Sua


mão apertou meu joelho e deslizou pela minha perna. —
Encontrei minha paz, agora é momento da felicidade.
— Pensei que essa rotina fosse nos engolir. Não
aguentava mais ficar sozinha em casa enquanto você
trabalhava ou não sei...

— Estou aprendendo a me comunicar. Eu sempre


acho que as pessoas sabem o que se passa. Confio
demais na minha mente e esqueço que tem coisas que
preciso dizer. — Apertou minha bunda e sorriu. — Só o
sexo que não preciso narrar. Acho que você entende a
linguagem do meu pau.

— Ícaro! — Bati no seu braço e ele riu, relaxado.


Não havia mais chateação de nenhuma parte. — Vamos
para Dualópis. Quero ver minha mãe.

— Será que a sogra vai fazer bolo de cenoura para


mim? — Tirou a coberta de cima de nós e me colocou em
cima dele. Já estava duro novamente, para meu espanto.
— Na dúvida, vou bem comido para não passar fome.

— Você está engraçadinho e insaciável, Ícaro


Duarte.

Coloquei as mãos em seu peito para levantar meu


quadril e percebi que ele ficou em silêncio, absorvendo não
só minhas palavras, mas seu nome, sua origem.
Ele não parecia incomodado, estava mais do que
sorridente para a situação. Ajeitou seu membro e me
preencheu vagarosamente.

— Vamos fazer uma história diferente, Natália


Costa. — Ergueu o quadril e me fez o cavalgar. Um gemido
involuntário saiu da minha garganta, estava sensível e
querendo tudo dele. — Eu te amo e vamos morar juntos.
Isso pode ser um casamento ou apenas um test drive,
desde que você não fuja de mim.

Como parei de me movimentar por conta das suas


palavras, ele nos trocou de posição e investiu lentamente.
Quem conversava sobre aquele assunto no meio do sexo
matinal?

— Pode acenar com a cabeça. Eu aceito ser seu


se você também for minha.

— Pare de conversar, está me desconcentrando! —


falei com desespero e fechei os olhos para absorver a
velocidade do seu quadril no meu. Ele era um homem com
uma missão: me fazer perder o juízo para aceitar o seu
pedido. — Você nem me pediu em namoro.

— Quem está conversando agora? — Mordeu meu


lábio inferior e continuou as investidas, sua testa franzida e
semblante de dor me mostrava que estava indo além do
seu próprio limite. — Quer ser minha namorada, Medusa?
Mas só aceito com você na minha cama, todas as noites.

Gemi alto, porque suas investidas alcançaram meu


ponto certo, seu membro tocava todas as partes que
importavam e o gozo veio fácil e despudorado. Ele me
acompanhou quando abri os olhos, com a boca aberta e os
olhos sorrindo. Ícaro nem precisava ouvir da minha boca as
palavras, porque já demonstrava saber que éramos um do
outro, mas eu fiz:

— Eu te amo, serei sua namorada, vamos morar


juntos e dividir uma vida. Vamos fazer diferente.

Era como se aquele fosse meu último suspiro. Seu


corpo relaxou sobre o meu e sua respiração acelerada
baforou no meu pescoço. Aquele tinha sido nosso contrato,
a assinatura e o encerramento que precisávamos ou,
melhor dizendo, o início.
Capítulo 39
Ícaro

Natália havia telefonado para seus futuros


empregadores e eles deixaram que ela fosse apenas na
outra semana. Pensei que iria perdê-la por causa da
mesma falha com meu relacionamento anterior, mas tudo
foi resolvido, nós estávamos bem mesmo que eu sentisse
medo do que iria enfrentar ao segui-la.

— Sei que não quer mais tocar no assunto, mas


não te falei sobre as últimas coisas que descobri sobre o
passado. — Dirigi a caminhonete em direção a Dualópis.

— O que foi? — perguntou, colocando uma bala de


gelatina na boca. Ela nem parecia incomodada com o
assunto.

— Meu pai tinha relatórios sobre o acidente de


Natan. O carro que ele dirigia era da empresa, ele fez
alguns serviços e a seguradora não pagou a perda total.
Parece ter sido uma sabotagem proposital.
— Você acha que seu pai matou o meu? —
perguntou, incrédula, então sorri com malícia, iria brincar
com o assunto.

— Ou minha mãe. Ele tinha uma mulher grávida


em Dualópis para sustentar, com certeza o romance deles
estaria desgastado.

— Vou anotar e passar para o roteirista da novela


mexicana. Céus, as informações desconexas e absurdas
nunca terão fim. Seu pai já pagou o que precisava. Você e
eu não precisamos cumprir nenhuma sentença.

— A não ser com Tamiris.

— Ela é sua irmã tanto quanto minha prima. Não


há penitência, farei questão de tê-la junto. — Ela estendeu
sua mão até a minha e as apertamos. — Se esse for o
preço a se pagar, então está bom.

— Já contou para a sua mãe sobre ir morar no Sul?


— perguntei, beijando a sua mão. Aquele era nosso futuro.

— Vou falar hoje. Essa sim será uma tarefa sofrida.

— Nanda e Eugênio ficarão tristes — eu dizia por


mim, porque senti que eles poderiam ser bons amigos
nossos.
— Acho que eu ficarei mais. Essa é única amizade
de verdade que eu tenho. — Colocou uma guloseima na
boca e sorriu. — Eu finalmente terei um emprego real.

— E eu serei dono do lar, bancado pela chefa da


família.

— Vá trabalhar, Peixão — resmungou, divertida.

— Positivo, Medusa.

Chegamos primeiro à casa de dona Maria Rita, que


nos recebeu com muito mais carinho que a última vez em
que estivemos aqui. Da mesma forma que estávamos em
paz com o passado, ela também parecia estar, inclusive fez
o bolo de cenoura com cobertura de chocolate para a filha
e para o meu deleite.

O receio de contar sobre o futuro foi trocado por


satisfação quando a mãe de Natália vibrou com a notícia
do emprego com boa remuneração, na área de graduação.
Ela tinha mudado de ideia sobre a filha sair de casa, mas
entendia que Natália só encontraria êxito se sua mãe a
deixasse voar.

Eu compreendia muito bem aquilo. Os dias que não


percebi que a ignorei eram sinônimos da sua necessidade
de trilhar seu próprio caminho. Morei em outro país, já
estive noivo, fui traído, trabalhei em construção, reforma de
casa, descobri uma irmã e, então, todo um passado
sombrio da minha família. Não havia mais nada que eu
quisesse fazer a não ser amar e ser amado, de verdade.

Depois do café da tarde com dona Maria Rita,


fomos ao mercado comprar as coisas do churrasco e,
quando chegamos à casa que era para ser da minha mãe,
Natália exclamou, surpresa.

— Terminou — falou, admirada.

— Ou é apenas o começo.

Pisquei um olho e saí da caminhonete para pegar


as mercadorias. Eugênio já estava no lugar e Fernanda
veio abraçar a amiga no portão de entrada, até parecia a
casa dos dois amigos.

— Sua barriga cresceu um monte! Já decidiu o


nome?

— Estou tentando me acostumar com Eugênio


Júnior — respondeu, divertida, enquanto meu amigo me
ajudava com as sacolas.

Tudo estava limpo, o cheiro de casa nova e as


boas vibrações do lugar ofuscavam qualquer história
trágica que havia acontecido ali.

Acomodamo-nos nos fundos, em uma mesa grande


de madeira, com bancos extensos, e nos atualizamos,
desde a minha rotina corrida do trabalho até minha irmã
que fora morar em Calvário, uma cidade mais afastada da
capital do que Dualópis.

Peguei minha mulher olhando para o último andar


da casa, onde eu havia preparado uma surpresa para nós,
e cutuquei seu pé com o meu. Estávamos de frente.

— Sabe o que me lembrei? — Ela tomou um gole


do refrigerante e chamou atenção de todos. — Quando eu
era pequena e observava essa casa em construção,
sonhava que era a Rapunzel no último andar. Um dia eu
pulei o muro e dei sorte de alguém aparecer.

— De noite? — perguntei, prevendo as aventuras


dela, subindo no pé de seriguela e descendo por aquele
muro alto dos fundos.

— Era seu pai, Elias. — Encarou-me, séria.


Precisei engolir em seco para escutar as outras
informações. — Agora não me lembro se fui explorar a
casa e ele me encontrou ou eu se fui atrás dele. Ele estava
destruindo a casa e as palavras que me disse ecoaram na
minha mente por muito tempo. — Tomou mais um gole do
seu refrigerante.

— Tenha medo dos homens. — Fernanda ergueu o


copo e assustou minha mulher. — Você falou isso uma vez,
na sala de aula, quando pegou no sono vendo o filme de
história.

— E você nunca me falou isso? — questionou,


incrédula, e deu de ombros por fim. — Tudo bem. Já
passou.

— Por isso escolheu um peixe para se casar. Agora


tudo faz sentido! — Eugênio ergueu seu copo de cerveja e
sorri, fazendo o mesmo. As coincidências da vida pareciam
não acabar e se fossem para eu me sentir bem como
estava, eu faria questão de estar receptivo para mais. —
Um brinde para o Peixão e a Medusa dele.

— Eu gosto de Rapunzel! — Natália resmungou,


divertida, e estendeu o copo, batendo no nosso. — Mas
acho que mudar não faz mal, já troquei Jared Leto pelo
Zayn Malik, agora será a Rapunzel pela Pequena Sereia.

— As músicas deles são maravilhosas! —


Fernanda falou e entraram em uma conversa amistosa
sobre canções, bandas e o tema delas: o amor.
Ergui meu copo olhando para a casa que ajudei a
reformar, pensei no meu pai, minha mãe, Natan, Maria
Rita, Francisco, Fabíola, Tamiris, Alice... todos que fizeram
parte daquele emaranhado, e fiz um brinde. O sofrimento
deles não fora em vão. Eu seria feliz com Natália e
uniríamos nossas famílias com amor sem nos
esquecermos de onde surgira a profunda conexão que
tínhamos.
Capítulo 40
Natália

Ele providenciou uma cama de casal gigante, um


tapete felpudo maior ainda para ficar debaixo dela e sais de
banho para a banheira com água quente. Poderia ser
romântico, o melhor momento da minha vida, se não fosse
a forte náusea que me pegou quando subimos até o último
andar para celebrarmos nosso momento.

— Nem bebi nada e estou de ressaca — falei,


abraçada ao vaso enquanto Ícaro tomava um banho
sorrindo para mim, como se fosse a melhor visão que ele
poderia ter. — O pão de alho estava tão bom.

— Deve ter sido aquele monte de bala de gelatina


que você veio comendo. Nunca te vi comer tanta porcaria
em um curto espaço de tempo.

— Eu estava com tanta vontade, deixa minhas


balas em paz. — Dei a descarga mesmo não tendo nada
no vaso e me levantei para lavar a boca. — Nossa
despedida será só dormindo de conchinha.
— Vem que vou te dar banho, Medusa. — Ele abriu
a porta do box e me despi lentamente, estava me sentindo
fraca. — Vou buscar remédio e soro para você tomar.

— Sim, Peixão, cuida de mim. Preciso estar bem


para assumir um novo emprego.

Com as mãos ensaboadas, ele me esfregou o


corpo inteiro com cuidado, dando atenção para meu baixo
ventre. Só depois de alguns momentos ali, eu percebi que
havia deixado passar algo importante: minha menstruação
na semana passada. Estava tendo relações sem proteção
há um tempo e, para o meu desespero, havia esquecido de
tomar meus remédios.

— Ícaro.

— Sim? — Estava tranquilo repassando o sabão do


meu corpo.

— Esse enjoo pode ter um motivo e estou


assustada — falei, pausadamente, porque estava prestes a
surtar. Quando meus olhos encontraram os seus, havia
preocupação. — Será que estou grávida?

— Estamos fazendo sexo há um bom tempo sem


camisinha, isso poderia acontecer. — Desviou o olhar, mas
não soltou suas mãos do meu corpo, ele parecia buscar
força. — Sei que está pensando na sua carreira, mas...

— Sim, me apavora ter um filho com apenas 24


anos, quando não tenho um emprego fixo. Eu...

— Estou com você, do crepúsculo até o


amanhecer. — Tentou controlar o riso quando demonstrei
desespero. — Até eu troquei de banda por você. Acha que
não mudaria de planos por causa de um filho?

— Não estou pronta para ser mãe, Ícaro!

— E nem eu para ser pai, mas vamos descobrir


juntos, tudo bem? — Segurou meu rosto e beijou meus
lábios. — Vou à drogaria comprar um remédio para enjoo,
soro e um teste de gravidez. Vai ficar tudo bem.

— Dualópis inteira vai saber. Você vai até Nanda,


ela comprará.

Ele saiu do banho rindo alto e eu me mantive ali,


buscando forças para lidar com tanta tranquilidade quanto
ele. Ícaro anunciou sua saída e finalmente encerrei meu
banho, deitando-me apenas de toalha na cama
maravilhosa e olhando para o céu estrelado da madrugada,
a porta da sacada estava aberta.
Quem diria que eu estaria daquele lado algum dia?
Era praticamente a realização de um sonho, mas não
estava como a princesa que eu queria. Às vezes, nós
tínhamos apenas o que precisávamos e não o que
pedíamos.

Coloquei a mão na barriga e suspirei, sentindo o


reflexo de vômito querendo voltar. Seria mesmo o
prenúncio de mais uma reviravolta na minha vida? Eu já
tinha aceitado tudo, por que não um bebê? Longe de mim
rejeitar o que tinha que ser, mas seria bom esperar um
pouco, para ver se o que havia entre Ícaro e eu seria
realmente duradouro.

Se eu falasse em voz alta, com certeza levaria


bronca até do vento, pois minha dúvida consistia apenas
em mim mesma e não nos sentimentos dele.

Logo ele voltou com um saco em mãos e o sorriso


divertido com que saiu.

— Seu Antunes desejou parabéns, caso dê


positivo.

— Vou te matar, Ícaro — rosnei e ele riu, colocando


as coisas em cima da cama, ao meu lado. — Camisinhas
não vão resolver o problema agora.
— Estava brincando, não conversei com ninguém
ao comprar e, se der negativo, é melhor que voltemos para
a proteção. Você tem cara de que quer planejar esse filho.

— Sim, seria bom se viesse depois de alguns anos


de relacionamento. — Sentei-me na cama e abri a garrafa
com o soro. — Espero não vomitar mais.

— Tome com esse remédio, depois leve o teste de


gravidez quando fizer xixi. — Tirou a camiseta, os sapatos
e foi se deitar ao meu lado. — Ficou bom aqui, não é?

— Sim, eu moraria nessa casa tranquilamente,


mesmo com tudo isso de escadas. — Tomei um pouco do
líquido e suspirei. — Mas quero tentar o Sul.

— Sim, acho que será muito bom mudarmos os


ares. Sei que lá tem uma grande empresa de construção
civil onde posso me encaixar.

— Ícaro, você não pode ser funcionário quando é


praticamente dono de uma cidade inteira.

— Por isso a ideia é comprar uma parte da


empresa para poder trabalhar junto. Quem sabe
construção voltada para pessoas com necessidades
especiais? — Ergueu as sobrancelhas com diversão, ele
não percebia que agindo daquela forma fazia com que me
apaixonasse ainda mais. — Quem disse que não
poderíamos nos misturar na profissão?

— Eu já te amo, o que mais quer de mim?

— E tem mais? Acho que para mim já basta. —


Peguei o teste de gravidez da sua mão. — Libere logo essa
novidade, dá tempo de acordar sua mãe.

— Você sabe que não é 100% certo.

— Você quer me dar esperanças ou tentar se


convencer de algo? — Levantou-se apenas para beijar
meus lábios. — Uva... esse soro tem gosto bom.

— Louco. — Levantei-me, indo para o banheiro.

— É de família.

Rimos juntos, mas com todo respeito, até porque,


apenas nós dois sabíamos o que se passava entre nossos
familiares.

Minha mãe sempre esteve certa: aqueles segredos


não nos interessavam, mas havia um detalhe: a paz só
seria alcançada se eles fossem expostos. Enquanto Maria
Rita não se sentisse bem, eu não ficaria. Naquele
momento, estávamos livres.
Fiz xixi no pauzinho do exame e segui as
instruções. Uma listra, negativo e duas listras, positivo.
Depois de alguns minutos, apenas uma apareceu.

— E então? — Ícaro surgiu na porta. Eu estava


sentada no vaso, olhando para o que tinha em mãos.

— Negativo. Mas isso não quer dizer nada.

— Claro que sim. Vamos dormir logo para acordar


cedo, tomar café da manhã com sua mãe e pegar a
estrada. — Ele tirou o pauzinho da minha mão e me
levantou. — Vamos, Medusa. Não teremos sexo, mas
dormir de conchinha é tão bom quanto.

— É o que temos para hoje, Peixão.

Havia um tom de decepção, mas também


esperança de que o momento certo chegaria como eu
ansiava. Nosso adeus onde tudo começou seria feito sem
muita ação, mas isso não queria dizer que faltaria paixão.

Abraçados e olhando para a porta da sacada


aberta, nos entregamos ao desconhecido que seria o dia
de amanhã e os próximos dias. A única certeza era que
escutaríamos as mesmas músicas, faríamos piadas um
com o outro e não desfaríamos a conexão que nos unia.
“Eu estarei com você do crepúsculo ao amanhecer

Baby, eu estou bem aqui”


Epílogo
Natália

Cinco anos depois...

A noite era de festa, comemoração e realização


pessoal. Apesar de grande parte termos planejado juntos,
algumas coisas aconteceram sem estar sob o nosso
controle.

Não engravidei e voltamos a usar preservativo em


grande parte dos momentos juntos. Não estreamos a
banheira nem a cama que Ícaro preparou especialmente
para mim, na despedida de Dualópis, o que não fez
nenhuma falta, porque chegamos no Sul do país prontos
para o desconhecido.

Enquanto eu estava empregada, Ícaro teve


dificuldade para se adaptar e encontrar uma empresa para
trabalhar. Ele não parecia incomodado, sua renda
continuava existindo proveniente da empresa do seu pai.
Eu visitava minha mãe e Tamiris sempre que
possível. Evoluímos das mensagens de texto para
videochamadas. Ícaro aprendeu Libras comigo e, a partir
daquele momento, podíamos nos comunicar sem nenhuma
complicação.

Dona Alice parecia mais amarga comigo e meu


namorado, mas não dificultou nosso contato. Viajamos
juntos para os parques de diversões do país, praias e
também para onde morávamos. Ela estava se tornando
uma jovem bonita, alegre e empenhada nos estudos,
amava engenharia como os homens da família.

Tamiris não terminou os estudos em Calvário. Alice


se mudou com ela para a capital e após isso, havia ficado
mais fácil visitar não só elas, mas Fabíola e minha mãe
também. Surpreendendo a todos, ela também se mudou de
cidade por conta de uma oferta de trabalho em uma
confecção de roupas.

Quem disse que tinha idade para iniciar o trabalho


ou mesmo mudar de ofício?

Minha mãe e Alice não se relacionavam e, quando


uma estava, a outra não fazia parte, era uma briga delas na
qual eu não me intrometeria mais. Era momento de cuidar
da minha vida e deixar os grandes se entenderem
sozinhos.

Com a mesma idade que todas as suas colegas de


sala, já que Tamiris gostava de salientar que a sua única
amiga era eu, ela estava sentada vestindo beca e se
formando no ensino médio como se fosse a colação de
grau de uma faculdade.

Tão esperta como era, ela iria passar na


universidade que quisesse. Não escutar era uma
característica dela que não a limitava em nada.

— Meus pés estão inchando, Ícaro — reclamei


baixo em seu ouvido enquanto alisava minha barriga
avolumada. Finalmente havíamos optado por formar uma
família, nós também havíamos voltado a morar na capital. o
Sul não tinha mais o que buscávamos.

— Coloque-os para cima. — Mesmo com um


vestido longo, meu namorado pegou minhas pernas e
colocou em cima do seu colo, indo até minha mãe.
Estávamos em um auditório, Alice ficou no banco da frente,
não se misturava quando Maria Rita estava por perto.
Todos nós estávamos acostumados, inclusive Tamiris, que
brincava com a situação muitas vezes.
Esse humor ácido puxou de Ícaro.

— Tamiris Duarte — o homem com microfone


chamou e nos levantamos em festa para celebrara
conquista dela. Ela gesticulou que nos amava antes de
pegar o canudo e posar para a foto. Gritamos
alucinadamente e o sorriso que demonstrava não ter
nenhuma vergonha encheu meu coração de alegria.

— Por que não falaram o nome completo dela? —


Alice reclamou alto o suficiente para nós. Voltei a me sentar
com os pés em cima de Ícaro e o impedi de rebater. Tamiris
havia ganhado o sobrenome e reconhecimento de
paternidade durante aqueles anos, além da revelação de
quem era sua mãe.

Fora um ano difícil: misturar a puberdade, a revolta


adolescente e a descoberta de que sua mãe não era a sua
avó e que sua mãe de verdade estava internada em uma
clínica, de onde ela mesma não queria sair para assumir
seu papel... fora tenso para Tamiris, mas havíamos
superado, como sempre acontecia.

Nossas famílias não deixariam de sofrer, mas com


certeza não passariam esse sofrimento para novas
gerações. Prova disso era que Tamiris estava feliz,
realizada e esbanjava beleza.
— O que aquele moleque está fazendo com minha
irmã? — Ícaro perguntou, fingindo indignação. Observei
bem e havia um rapaz, na frente dela, que conversava em
Libras também, fazendo-a rir.

— Ainda bem que Heloisa está vindo. Para dar um


pouco de folga para Tamiris. Ela vai fazer dezoito anos.
Deixe a menina viver.

— As pessoas podem se aproveitar dela — falou,


preocupado. Minha mãe me encarou, demonstrando o
mesmo sentimento. Apenas eu sabia o que acontecia com
aquela pequena que mais era uma mulher.

— Ah, se vocês soubessem, é ela que dá nó em


pingo d’água.

“Que noite perigosa para se apaixonar

Não sei por que ainda escondemos o que nos


tornamos

(Oh, oh, oh)

Você quer ultrapassar o limite?

Estamos ficando sem tempo


Uma noite perigosa para se apaixonar”

Thirty Seconds To Mars – Dangerous Night

Voltamos nossa atenção para o palco até a


cerimônia acabar ao som da nossa banda favorita – que
dividia lugar com Zayn. Eu não via a hora de abraçar minha
menina e irmos comemorar em um restaurante, Heloisa
estava faminta.

Senti um chute amistoso da minha bebê, alisei a


barriga e logo Ícaro veio fazer companhia. Ele amava senti-
la também. Meus pensamentos voaram para aquele
momento especial quando vi Tamiris pela primeira vez e
percebi que tudo foi como deveria ser.

Sofrimentos, angústias e medos, ainda bem que


aconteceram, porque aquele sorriso merecia estar
estampado no rosto daquela menina: minha prima de
coração, irmã de Ícaro.

Mais profunda conexão que a minha e do pai da


minha filha, só mesmo a de Tamiris com todos nós.
Agradecimentos

Este é um livro que foi criado entre novembro e


dezembro de 2019. Lembro-me que escrevia cada capítulo
com avidez, apesar das dores de cabeças que me
acompanhavam. Sabia que tinha muito conteúdo sendo
trabalhado.

Seguindo meus instintos, coloquei Ícaro e Natália


na minha gaveta. Sentia que tinha compromisso com eles,
com a terapeuta e amiga que me inspirou essa história. O
workshop que fizemos, alguns meses antes de digitar tudo,
me provoca mudanças constantemente.

Para as minhas leitoras, aquelas que criaram o


movimento “desengaveta Mari Sales”, minha gratidão.
Sabendo do interesse de vocês que voltei a olhar para
histórias que estavam tímidas demais para serem
contadas.

Gratidão, meu marido e grande homem, que faz


parte de cada uma das minhas conquistas. Elas são por
nós e para nossos filhos. Amanda e Daniel, vocês são
presentes e como tal, eu cuido com todo meu amor. Amo
vocês.

Um grande abraço e bençãos para Liziane e sua


família linda. Você é muito importante a cada lançamento.

Gratidão pelo apoio e carinho a Aline, Jéssica e


Rosi. Entre conversas e apoio, vocês preenchem o meu
potinho da motivação.

E falando em foco e determinação, gratidão às


minhas Ventas, Legalzonas, LS e #DesafioMariSales. Sou
presenteada no mundo da literatura com o melhor
coworking virtual.

Não posso deixar de agradecer às poderosas


mulheres que fazem parte do grupo “Leitoras da Mari
Sales”. Vocês fazem a diferença no meu trabalho. Um
mimo especial para as preciosas que participaram da
leitura do “Sua Para Sempre”: Lizi, Lisie, Myslannia, Rosi,
Adriana, Ana, Vitória, Nay, Joana, Regina Fabbris, Kleia
Faria, Cilene, Thatyana, Beatriz Soares, Luize Casal, Lucia
Cristina, Thais Rachetti, Ivana Sandes, Daiany, Ray, Rosyh,
Cristina, Lauryen, Samara, Clelia, Claudete, Carina
Barreira, Cida Silva, Jana Andrade, Renata Ferreira,
Cristiane Mauch, Cheila Mauch, Danusa, Letícia Fernanda,
Tamires, Laís Calmon, Gislaine, Sônia Orbe, Bruna
Correia, Lisandra, Thamires Alves, Andréia, Luciana,
Alcilene, Jully, Naiara Beatriz, Nana (Luciana Dias), Larissa
Braz e Rhayssa Lisboa.

Às minhas eternas Encantadas, Superpoderosas,


Stars, as leitoras do Vício em Livros DLM e para as
Leitoras da Jéssica. Vocês fazem parte da minha rotina e
me sinto honrada por me darem uma oportunidade (ou
mais uma chance) a cada lançamento. Gratidão por serem
tão especiais.

Gratidão ao apoio da parceria poderosa, formado


por pessoas especiais. Vocês fazem parte de cada livro,
cada lançamento. Reconheço todo o trabalho e empenho
ao me ajudarem na indicação das minhas obras nas suas
redes sociais. Sintam-se abraçadas e tendo um espaço
especial no meu coração!

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Amor, Respeito e Gratidão.

Mari Sales
Sobre a Autora
Mari Sales é conhecida pelos dedos ágeis, coração
aberto e disposição para incentivar as amigas. Envolvida
com a Literatura Nacional desde o nascimento da sua filha
em 2015, escutou o chamado para escrever suas próprias
histórias e publicou seu primeiro conto autobiográfico em
junho de 2016, "Completa", firmando-se como escritora em
janeiro de 2017, com o livro "Superando com Amor". Filha,
esposa e mãe de dois, além de ser formada em Ciência da
Computação, com mais de dez anos de experiência na
área de TI, dedica-se exclusivamente à escrita desde julho
de 2018 e publicou mais de 70 títulos na Amazon entre
contos, novelas e romances.

Site: http://www.autoraMarinales.com.br

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Outras Obras

Sua Para Sempre: https://amzn.to/2MdeX48

Sinopse: A irreverência e alegria eram minhas marcas registradas.


Já tinha sido julgado por minhas escolhas, mas nada me abalava, eu
estava em meu melhor momento.
CEO da ERW, a marca de roupas referência no mercado, eu tinha em
minha equipe a melhor estilista. Joan era, além de excepcional, minha
melhor amiga desde o colégio.
Dedicada e, por muitas vezes, solitária, ela atendia as exigências da
supervisora e me acompanhava nas excentricidades.
Por mais que eu tivesse mulheres para me satisfazer e eu aproveitava
todos os momentos, era com Joan que me sentia realizado. A
dependência dela era justificada pela conexão que criamos há anos.
Então, o meu bom momento estava prestes a se tornar caótico quando
foi necessária a presença do meu irmão Ryder. A amizade que tanto
prezei com Joan estava se transformando e, para manter o meu sorriso
de sempre estampado, eu precisaria tomar uma importante decisão.
Restava saber se estava pronto para lidar com as consequências.
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Sinopse: Ir de penetra em um baile de carnaval, que Jesse


Louis tinha sido proibida de aparecer, deveria proporcionar
histórias divertidas. Nove meses depois, ela estava com
um filho no colo sem a paternidade reconhecida, um irmão
superprotetor implicando com suas escolhas e uma loja de
doces para cuidar.
Igor era um homem que escondia suas origens. Ele
preferia cuidar de um escritório de investigação particular
com seu melhor amigo do que viver no luxo ofertado pela
sua família. Ninguém precisava saber que ele tinha outras
motivações para estar próximo dos irmãos Louis.
Jesse e Igor tinham um relacionamento amigável e
distante, até o momento em que ela decide ir atrás do pai
do seu bebê.
Deveria ser uma ação simples, mas tudo o que envolvia a
doceira se transformava em uma grande confusão. E,
daquela vez, teve uma pitada de fraldas sujas, intimidações
e um homem protetor para ser só dela.
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Sinopse: Pedro Montenegro perdeu a esposa e a


esperança de ter uma família ideal. CEO do Grupo
Montenegro, deixou o comando com seus diretores para
estar mais próximo do seu filho recém-nascido.
Quando ele retornou ao trabalho, começou a descobrir que
sua esposa guardava segredos. O mais surpreendente de
todos bateu à porta e queria se relacionar com o seu filho:
uma cunhada desconhecida.
Depois que sua querida meia-irmã faleceu, Adriana só
pensava em conhecer o sobrinho. Humilde e determinada,
ela escolheu se aproximar do viúvo rabugento, apesar do
desgaste emocional. Pedro só queria proteger o filho,
mesmo que Adriana tivesse boas intenções e não
houvesse o que temer.
O primeiro contato entre os dois não tinha sido nada
amistoso. Quanto mais Pedro descobria que o interesse de
Adriana pelo seu filho era genuíno, mais ela conseguia
entrar na vida dos dois, alcançando também seu coração.
Influenciado pelas revelações sobre o passado da falecida
esposa, Pedro tomaria a decisão mais importante da sua
vida, que afetaria não só seu filho, mas o amor que
descobriu sentir por Adriana.
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Sinopse: Fui desafiado a provar o quanto era bom no


poker e ganhei uma mulher onze anos mais jovem do que
eu. Mesmo que fosse apenas uma provocação, fui
inconsequente e segui até o fim naquele jogo. Deveria
imaginar que não era apenas um local estranho para se
fazer apostas. ⠀
O juiz Marcelo Sartori tinha a posse de uma mulher! ⠀
O ódio pelos bandidos só aumentava. Ao invés de
abandonar Mercedes Smith a própria sorte, eu iria protegê-
la. ⠀
Enquanto estivesse me esforçando para colocar atrás das
grades uma quadrilha de jogos ilegais, ofereceria meu
sobrenome para Mercedes. Um contrato de casamento, a
proteção ideal para que ninguém ousasse tocá-la.
Seria simples, se não fosse a atração que comecei a sentir,
mesclada a culpa de estar obrigando-a a ser minha. Não
me importava com o papel dado pela casa de jogos ilegal,
eu deveria seguir a lei e não me deixar corromper.
Pouco tempo foi necessário para que o desejo tomasse
conta. Não consegui mais focar apenas no grande plano,
meu coração estava envolvido demais para desapegar.
Ela não seria minha por obrigação, mas por sua própria
vontade.
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Sinopse: Quando o grande empresário Bernardo Camargo
cruzou com Alícia em um supermercado, não esperava que
a mulher fosse mais do que uma coincidência. Ambos
estavam tendo um péssimo dia, o desabafo sobre seus
tormentos foi involuntário, afinal, eles eram estranhos que
nunca mais se cruzariam.
Bernardo lutava para esquecer o passado que o marcou.
Alícia estava disposta a renunciar sua própria felicidade
para ser uma boa mãe para seus filhos.
Um momento não deveria definir um relacionamento, muito
menos abrir a brecha para que a vida amorosa de Alícia
voltasse a ativa. Bernardo queria ser visto além do homem
poderoso em um terno e estava disposto a ter mais do que
apenas em um encontro casual com aquela mulher.
Restava saber se a paixão avassaladora entre os dois seria
o suficiente para superar tantos segredos.
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Sinopse: Andrew Jones Almeida está no meio de conflitos


que não são dele. Seus melhores amigos entraram em
crise por conta do amor proibido de Nick pela irmã mais
nova de Guto. Para piorar a situação, o pai de Drew
precisa de alguém de confiança para que o ajude em um
grande problema na empresa.
Com as atividades da banda Dinâmica Perfeita suspensas,
Drew resolveu ajudar a família ao mesmo tempo que
buscava reconciliar os amigos. Ele estava sobrecarregado,
afinal, ele tinha seus próprios assuntos para lidar.
O músico achou que seria fácil prestar serviço para o pai,
mas ganhou uma babá executiva durante a estadia.
Tamires era viciada em trabalho e não via com bons olhos
o estilo de vida livre do filho do chefe. Disposta a fazer o
seu melhor, ela não imaginava que os papéis seriam
invertidos e que Drew poderia lhe influenciar a ter uma vida
mais leve.
Restava saber se o amor era resistente para unir pessoas
de mundos tão diferentes.
A Filha Virgem do Meu Inimigo:
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Sinopse: Antonio “Bulldog” era conhecido na cidade por


seu temperamento explosivo e trabalho árduo na
presidência da AMontreal. Com um histórico familiar de
traumas com mulheres, ele era um homem solitário que se
apegava apenas ao seu ofício.
Nada o deixava mais irritado do que lidar com o seu rival, o
candidato a prefeito Ivan Klein. Ele estava ausente da
cidade há muito tempo, mas voltou para destruir com a
AMontreal e ser o chefe maior de Jargão do Sul.
Bulldog estava pronto para defender seus protegidos do
ambicioso político, mas ele não contava com a presença da
filha do seu inimigo. Deborah não só tinha quinze anos a
menos do que ele, mas era uma mulher doce, de sorriso
contagiante e que tentava influenciar as pessoas, de forma
positiva, a favor do seu pai.
Ninguém disse que o destino jogava limpo. Ele não só unia
pessoas de lados opostos a uma guerra, mas confrontava
segredos e revelava a verdadeira face das pessoas. Cabia
a Bulldog e Deborah escutarem seus corações e não
caírem na armadilha da ganância alheia.
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Sinopse: Essa é a história de quatro primos solteiros que
encontram o amor. Coincidência ou não, o movimento para
que eles se permitissem amar iniciou com a matriarca da
família, avó Cida, em uma reunião de família. Ela mostrou,
sem papas na língua, o quanto eles estariam perdendo se
buscassem apenas relacionamentos vazios.
O que era para ser um encontro casual se tornou em uma
grande história sobre a próxima geração da família Saad.
Nenhuma das mulheres que se envolveram com o quarteto
de primos era convencional. Quem as visse de longe,
julgariam suas escolhas ou mesmo se afastariam.
Fred, Guido, Bastien e Leo aceitaram o ponto de vista da
avó de forma inconsciente, mas se apaixonaram por
completo com a razão e o coração em sintonia.

Envolva-se com as quatro histórias e se permita olhar para


a família Saad de uma forma completamente diferente.
Obs: Esse BOX contém:
1- Enlace Improvável
2- Enlace Impossível
3 - Enlace Incerto
4 - Enlace Indecente
Epílogo Bônus
BOX – Família Valentini: https://amzn.to/2RWtizX
Sinopse: Esse e-book contém os seis livros da série
família Valentini:
1 - Benjamin
2 - Carlos Eduardo
3 - Arthur
4 - Antonio
5 - Vinicius
6 – Rodrigo
1 - Benjamin – sinopse: Marcados por uma tragédia em sua
infância, os irmãos Valentini estão afastados há muito
tempo uns dos outros. Benjamin, o irmão mais velho,
precisou sofrer uma desilusão para saber que a família era
o pilar de tudo e que precisava unir todos novamente.
Embora a tarefa parecesse difícil, ele encontra uma aliada
para essa missão, a jovem Rayanne, uma mulher insegura,
desempregada e apaixonada por livros, que foi contratada
para organizar a biblioteca da mansão e encontrar os
diários secretos da matriarca da família.
Em meio a tantos mistérios e segredos, o amor familiar
parece se renovar tanto quanto o amor entre um homem e
uma mulher de mundos tão distintos.
Box Flores e Tatuagens: https://amzn.to/2LLjA4D
Sinopse: Eles eram ricos, intensos e poderosos em seus
ternos e tatuagens.
O CEO Tatuado Erik se apaixonou pela irmã do seu
tatuador. Orquídea fugia de um passado que a
atormentava.
O Executivo Tatuado San Marino encontrou a estrela que
brilharia na sua vida. Daisy tentava escapar de um
relacionamento abusivo com um homem perigoso.
O Chefe Tatuado Dário era protetor e não hesitou em agir
quando conheceu a mãe de Enzo Gabriel. Gardênia fugia
do pai do seu filho e de uma vida submissa.
O Sócio Tatuado Laerte Azevedo era o vilão. Ele estava
disposto a contar a sua versão da história, mesmo que
soubesse que não era digno de perdão. Jasmim foi vítima
da crueldade da família Azevedo e estava disposta a
superar seus medos.

Quatro casais, quatro histórias. Eles estavam dispostos a


reconstruir suas almas com o mais belo dos sentimentos, o
amor.

ATENÇÃO! Essa história contém cenas impróprias para


menores de dezoito anos. Contém gatilhos, palavras de
baixo calão e conduta inadequada de personagens. ⠀
Vendida Para Bryan (Clube Secreto):
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Sinopse: Proprietário do Paradise Resort nas Ilhas


Maldivas, Bryan Maldonado construiu seu patrimônio com dedicação
na administração de sua herança. Além do sucesso profissional, ele
explorava sua sexualidade ao extremo. Sem compromisso ou paixões
que durassem mais que uma noite, Bryan era racional e sabia como
lidar com as mulheres, tomando o que ele queria e dando a elas o que
necessitavam.
Convidado para participar do exclusivo Clube Secreto, ele estava
disposto a investir altas quantias para experimentar uma nova forma de
sentir prazer. Ao descobrir que se tratava de um leilão de mulheres,
percebeu que estava além do seu limite, ele tinha princípios. Todavia,
não conseguiria ir embora sem tentar salvar pelo menos uma delas.
Valkyria não sabia o que tinha acontecido com ela até acordar em um
quarto desconhecido. Até que chegasse nas mãos de Bryan, ela
conheceu o pior do ser humano, ela não sabia o que tinha feito para
merecer tanto.
Ele não era um salvador, muito menos um príncipe, Bryan estava mais
para o perfeito representante do deus Afrodite.
Disposto a libertá-la, a última coisa que ela queria era rever aqueles
que poderiam ser os causadores da sua desgraça. E, enquanto ela não
decidia o que fazer da sua vida, tornou-se parte da rotina de Bryan,
conheceu seus gostos, experimentou suas habilidades e tentou não se
apaixonar pela melhor versão de homem que já conheceu.
O único problema era que Bryan tinha limitações e Valkyria parecia
disposta a ultrapassar todas elas antes que seu tempo com ele
terminasse.

ATENÇÃO! Essa história contém cenas impróprias para menores de


dezoito anos. Contém gatilhos, palavras de baixo calão e conduta
inadequada de personagens.
Scorn: e a inevitável conexão (Série Dark Wings – Livro
02): https://amzn.to/2YZfb0O

Sinopse: Scorn era um dos líderes vampiros do Dark


Wings Moto Clube. Apreciava sua imortalidade impondo
seu poder enquanto degustava as variedades de tipos
sanguíneos de mulheres. Insensível e meticuloso, Scorn
acreditava que sabia de tudo e sobre todos. Sua maior
frustração era não ter impedido que seu irmão Trevor se
unisse a Diana e gerassem o bebê proibido, Thomy. Ele
desprezava aquela criança.
Shantal Davis foi criada por caçadores, para ser a mulher
do inabalável Mestre Isaac. Alienada sobre o mundo que a
cercava, ela não imaginava que o homem que conheceu na
madrugada deveria ser seu maior inimigo. Sedutor e com o
poder de deixar suas pernas bambas, ela cedeu a todos os
seus caprichos enquanto descobria seu verdadeiro
propósito no mundo.
Scorn estava na direção contrária de suas convicções.
Shantal acreditava que todos mereciam uma segunda
chance.
Um novo bebê estava a caminho, fazendo com que o mais
cruel dos vampiros voltasse a sentir. Restava saber se era
tarde demais para Scorn assumir a inevitável conexão com
a mãe da sua filha.
Thorent (Feitiço do Coração): https://amzn.to/3fVjxhA

Sinopse: Insensível e manipulador, Thorent era um bruxo de raio


aliado as forças das trevas. Estando em desvantagem na Dimensão
Mágica após o fim da guerra, ele se viu obrigado a viver entre os
humanos. O CEO da TMoore Tecnology era temido, mas não o
suficiente para ser confrontado com a nova rainha bruxa. Ele não iria
se submeter as suas leis e, como castigo, teve seus poderes retirados
até que aprendesse a amar. ⠀
Como poderia um bruxo sem sentimentos se apaixonar? Thorent havia
trancado o seu coração e queimado a chave há muito tempo, junto com
seus amigos Bastiaan e Áthila. ⠀
Sem a magia que mantinha a empresa protegida, ataques cibernéticos
começaram a acontecer. Irritado e tão humano quanto a maioria dos
seus colaboradores, Thorent estava em busca de se vingar de quem se
aproveitou da sua vulnerabilidade. ⠀
Nayara morava na mesma casa em que acontecia o mais agressivo
dos ataques virtuais. Vítima da raiva do bruxo sem poder, ela teve a
sua vida bagunçada ao se deparar com um universo desconhecido.
Não estava nos planos se apaixonar por tamanha arrogância, mas era
inevitável entregar seu coração para alguém que parecia não ter um.
Restava saber se esse sacrifício seria o suficiente para sobreviver a
Thorent Moore. ⠀ :
Prix (de Férias com Perfect Chaos):
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Sinopse: O vocalista da banda Perfect Chaos estava de férias
depois de uma turnê exaustiva. Com o vínculo familiar estremecido, as
escolhas de Prix para passar o período sem compromissos com a
banda se resumiam à luxúria.
Foi na Casa da Tia Neide que Prix decidiu iniciar seu roteiro de
descanso. Ele não queria nada além de ter bons momentos com
mulheres dispostas a satisfazê-lo.
O que ele não contava era que um dos clientes, para conseguir o seu
autógrafo, lhe daria uma virgem de presente. Harley Sanders estava
assustada, mas determinada a fazer o necessário para quitar uma
dívida do padrasto. A última pessoa que ela imaginaria ser o primeiro
homem da sua vida era Prix, seu ídolo da música.
Ele não estava aberto para aquele tipo de jogo, mas se interessou pela
mulher inocente que gostava de flertar. Levou-a para casa,
compartilharam sentimentos e entraram em um acordo que beneficiaria
ambos. Restava saber se o tempo deles acabaria antes da próxima
turnê iniciar.

Obs: Esse livro faz parte da série Perfect Chaos, em conjunto com
outras autoras. Não há uma ordem específica para serem lidos, todas
as cinco histórias dos integrantes da banda acontecem ao mesmo
tempo, mas em cidades e com personagens diferentes.
Amor em Tempos de Quarentena: https://amzn.to/33uNwrR

Sinopse: A volta para casa não deveria ter atalhos, muito menos que
durasse quinze dias.
Humberto Farina se atrasou para voltar ao Brasil por conta de uma
reunião de trabalho que durou mais que o esperado. Dono da
multinacional Massas Farina, tudo o que ele mais almejava, quando se
acomodou em uma poltrona na primeira classe de volta para o Brasil,
era chegar em casa, assistir um filme e recuperar o sono perdido.
Giovanna Calvário antecipou sua volta do mochilão pela Europa por
conta de uma doença que estava preocupando o mundo. Com medo
de perder seu emprego no Shopping e ansiosa para chegar em casa, a
última coisa que esperava era que sua precaução se tornaria o seu
temor, estar próxima a alguém com o vírus.
Ambos estavam no mesmo avião que carregava o passageiro doente.
Ao pisar em solo brasileiro, por questão de segurança pública, todos
deveriam ir para um hotel e ficar de quarentena.
Nem sempre o que almejamos é o que precisamos.
Deveria ser um momento de incerteza e tensão, mas a convivência
forçada entre duas pessoas de mundos tão distintos se transformou na
experiência que marcaria suas vidas para sempre.
Operação CEO: https://amzn.to/2Chlamo

Sinopse: Sabrina é uma profissional da área de TI que


está tentando sobreviver aos trinta dias de férias repentinas
do seu chefe setorial. Sua primeira atividade será ajudar o
mais novo CEO da empresa, que possui um sotaque
irresistível e olhos hipnotizantes.
Enrico Zanetti assumiu a posição de CEO de forma
repentina, depois que seu pai foi afastado por causa de um
infarto. Em poucos dias de presidência descobriu que a
empresa possui um rombo em suas finanças, e agora está
disposto a encontrar o responsável a qualquer custo.
Com a ajuda do setor de TI, Enrico descobrirá não só o
responsável pelas falcatruas em sua empresa, mas
também uma mulher competente, destemida e que, aos
poucos, despertará seus sentimentos mais profundos e
nem um pouco profissionais.
No meio dessa complexa investigação, Enrico e Sabrina
descobrirão afinidades, traição e amor.
A Redenção de Enzo: https://amzn.to/2Zn1MOm

Sinopse: Quando seu irmão faleceu e deixou a famosa


Livraria Progresso para que continuasse a gestão, Enzo
precisou de um tempo para processar o que estava
fazendo de sua vida. Sem família ou herdeiros, o
administrador imobiliário não queria ter o mesmo fim do
seu irmão mais velho e assim que aceitou seu destino,
largou tudo para se dedicar a livraria.
Sofia amava seu trabalho em meio a livros e atender
pessoas que buscavam na leitura conhecimento ou uma
distração. Na livraria, era respeitada e sempre tinha uma
ideia genial para melhorar o ambiente de trabalho, até que
o dono da empresa morreu e Gláucio assumiu o posto
enquanto o verdadeiro herdeiro não aparecia.
O diretor do terror, como ela o chamava, era um homem
sem escrúpulos e não economizava nas palavras
desmotivadoras. Não tinha outra direção que não o fim do
poço para a livraria, para desespero de Sofia.
O destino tinha um jeito engraçado de fazer com que as
pessoas certas se encontrassem. Ameaçada de ser
demitida, Sofia foi beber em um bar para afugentar suas
frustrações e conheceu o homem que mudaria sua vida...
ou seria ela a redenção que ele tanto buscava?
Amor Interceptado: https://amzn.to/2HPnQe7
Sinopse: Um jogador de sucesso de futebol americano,
com bons números na temporada, não deveria ter
nenhuma preocupação, a não ser treinar. Luke Carlson, do
Red Dragon, era o safety mais prestigiado do esporte e
ninguém sabia sobre o seu passado, a não ser o impiedoso
empresário, Cachemir, e o seu melhor amigo Theo, o
quarterback do time. A culpa o corroía por dentro dia após
dia, mas Luke sempre teve esperança de que um dia ele a
veria novamente.
Esse dia chegou.
Cassandra estava em uma fase ruim de sua vida e não
hesitou ao aceitar fazer um intercâmbio de dois meses para
os EUA com sua amiga Maria Flor, para fugir dos
problemas familiares. Cassy precisava manter distância do
relacionamento tóxico que tinha com os pais, só não
imaginava que trocaria uma confusão por outra.
A amiga, que fazia parte do seu porto seguro, agora lhe
apresentou um caminho sem volta para ameaças,
segredos e muitos jogos de futebol americano. Luke fazia
parte dessa nova vida e demonstraria ser um bom safety
dentro e fora de campo.
Vicenzo: https://amzn.to/2Qrcgv5
Sinopse: Uma mulher enganada conseguiria confiar em
outro homem para estar ao seu lado?
Júlia passou de mulher sedutora a mãe solo insegura
quando descobriu a traição do companheiro e se viu
sozinha para cuidar de uma criança não planejada. Apesar
das dificuldades, ela não desistiria, porque Pedro havia se
tornado sua razão de viver.
Ao mudar-se de apartamento para economizar, ela não
sabia que sua vida mudaria tanto quanto a de todos ao seu
redor. Estar sob a proteção da Irmandade Horus, mais
precisamente de Vicenzo Rizzo, era recobrar sua
confiança, seu lado mulher e independência.
Enquanto Júlia lutava contra a atração e dedicação de
Vicenzo, ele encontrava maneiras de expor seus segredos
para a mulher que não merecia ter nenhuma mentira no
seu caminho. O que era para ser apenas um acordo entre
adultos se tornou em uma nova chance para o amor.
James Blat: https://amzn.to/2ttZHG8

Sinopse: O dono da JB Notícias estava no auge da sua


carreira com a compra da MB News. Certo de que nada
poderia atrapalhar o período de transição da união dessas
duas empresas, James Blat não imaginou que uma mulher
sincera ao extremo poderia cruzar seu caminho na festa de
confraternização. Flaviane era uma colaboradora, se
envolver emocionalmente não deveria estar em seus
planos, por mais que ela havia anunciado que estava
cumprindo aviso prévio.
O que deveria ser apenas um momento de desabafo se
tornou em uma conexão intensa que marcou ambos.
Flaviane escolheu fugir, encerrou o vínculo de uma vez
com a MB News apenas para não cruzar com aquele
homem que mexeu demais com sua cabeça e coração.
Ele fingia não se importar com o que aconteceu, ela
manteve distância do seu passado na antiga empresa. No
momento que eles ignoraram o sentimento poderoso que
os uniram, a vida tratou de criar um vínculo que nunca
poderia ser quebrado.
Uma frustração profissional, um filho inesperado e
familiares com atitudes duvidosas fizeram com que James
Blat e Flaviane fossem obrigados a se olharem, porém,
reconhecer que aquela noite significou muito mais do que
suas consequências poderia ser o início de uma grande
batalha.
Amor de Graça: https://amzn.to/35V0tdW
Sinopse: Anderson Medina, dono da Meds Cosméticos,
não conseguia descansar por conta de problemas no
trabalho e o término do seu noivado. Frustrado, ele toma
um porre e logo em seguida vai atrás de remédios em uma
drogaria para dormir.
Acostumado a comprar tudo e todos, ele se surpreendeu
quando a farmacêutica Gabriela o ajudou em um momento
humilhante sem pedir nada em troca. Ela não queria seu
dinheiro.
Como Anderson não conseguia tirar Gabriela da cabeça e
tinha um enorme problema de marketing nas mãos, voltou
para a drogaria em busca de resolver suas pendências
com um contrato de casamento. Ele buscava não perder
mais dinheiro e também se vingar da sua ex-noiva.
Gabs tentou fazer sua parte sem se envolver
emocionalmente, mas não conseguiu controlar os
sentimentos que eram singelamente retribuídos pelo CEO
que não acreditava que o amor vinha de graça.
Amor por Encomenda: https://amzn.to/33aD3PQ
Sinopse: A tão sonhada vida de Beatriz estava
caminhando conforme o planejado. Sua meta profissional,
tão importante para sua realização pessoal, foi alcançada:
passou em um concurso público concorrido e depois de
anos apenas estudando, poderia viver a vida como a jovem
que era e ter sua única família por perto, a irmã Renata.
Aprender novos ofícios, conhecer pessoas e fazer
amizades, talvez encontrar um amor, estava nos planos de
Bia, mas Renata tinha outros interesses e caberia apenas a
sua irmã decidir sobre isso: sacrificar novamente sua vida
para ajudar a irmã a ter um filho ou apenas magoar quem
ela mais ama?
Para Davi, a nova servidora pública não deveria despertar
seu interesse, ainda mais quando ela vinha cheia de
bagagem. No ápice da sua juventude e independência,
com uma família intrometida, mas amorosa, ele não sabia
se tinha condições psicológicas e afetivas para ser apenas
um amigo de quem ele tem tanta atração.
Enquanto Bia espera o momento para poder viver sua
própria vida, Davi tenta encarar o desafio de esperar esse
momento para compartilhar com ela.
Escolha Perfeita: https://amzn.to/357gflE
Sinopse: Nem sempre a vida de Murilo Antunes foi assim.
Sua família agora era apenas ele e sua filha de cinco anos,
que cuidava com muito carinho e proteção. Ele não
deixaria que o abandono da mãe afetasse a criança que
não tinha culpa pelas escolhas maternas.
Ele seria autossuficiente.
Ter uma rotina agitada como advogado e sensei, era quase
certeza de que Murilo deixaria algo passar. O olhar
observador e quase triste de Iara chamou atenção de Maria
Augusta, professora de balé e curiosa de plantão.
Envolvidos em uma competição de Judô, em plena
comemoração da escola do dia dos pais, Guta e Murilo se
veem envolvidos através de Iara.
Primeiro ela se apaixonou pela criança e depois, sem
perceber, já estava completamente admirada por esse pai
dedicado e amoroso.
Será que Murilo daria brecha para a aproximação dela?
Não importava a resposta, uma vez que Guta estava
disposta a tudo por conta da forte conexão que sentiu por
eles.
Mais que Amigos: https://amzn.to/3of8CT6

Sinopse: Havia um erro de cálculo na obra em que o pai de Laura


trabalhava como pedreiro. Inteligente acima da média, ela se dispôs a
ir até o dono da empresa alertar sobre o problema.
Ingênua e persistente, Laura conseguiu chegar até Vicente Carvalho e
não só expôs seus estudos, como também encantou o CEO.
Ela era antissocial e não estava disposta a ter um relacionamento
afetivo. Ele usou da lógica para chegar até o seu coração.
Entre a rotina de trabalho e o início de uma amizade, Laura e Vicente
construíram algo mais forte do que as fundações de um imponente
edifício, o amor.
Herança de Papel (Ladrões de Corações):
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Sinopse: Frio, meticuloso e movido pela ganância, Cesar
Adriano Colaia era o herdeiro da Mineradora LX. Seus pais
haviam desaparecido depois de um passeio de lancha no
litoral carioca, deixado uma grande dívida e um filho
desesperado para solucionar os problemas que ficaram
nas suas mãos.
Em busca de dinheiro, Cesar Adriano decidiu seguir por
meios não tão lícitos ao conhecer um poderoso
empresário. Ele estava disposto a se submeter os
comandos de Demóstenes e sua equipe com a promessa
de ter uma fortuna como recompensa. Roubar entraria
como habilidade em seu currículo.
Cesar não contava que seria traído.
Em busca de vingança, ele usou uma das mulheres que
trabalhava com seu inimigo para recuperar o que foi
perdido. Cecilia não só lidaria com um homem que acabara
de sair da prisão, mas um irresistível teimoso que não
sabia o que era ter empatia ou compaixão, o que ela tinha
de sobra.
Suas vidas se cruzarão muito mais do que imaginaram, e
uma aventura se iniciará em busca da verdade por trás de
suas histórias familiares antes de eles finalmente se
entregarem ao forte sentimento que os conectam.
Obs: Este livro faz parte do Projeto Ladrões de Corações,
parceria de Mari Sales e Bia Carvalho.
Apesar de serem complementares, não há ordem de
leitura, pois ambos acontecem simultaneamente e
possuem histórias completamente independentes, com
começo, meio e fim.

[1]
Tereré ou tererê, é uma bebida típica sul-americana feita
com a infusão da erva-mate (Ilex paraguariensis) em água fria.

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