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Copyright © 2022 Hanna Linette

Todos os direitos reservados

Capa: Lane Guedes, Yuzemaki


Revisão: Patrícia Suellen, Jamile A. Jesus, Tássila Ribeiro da Silva
Diagramação: Kreativ Editorial

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares


e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.

É proibida a reprodução total e parcial desta obra de


qualquer forma ou quaisquer meios eletrônicos, mecânico e
processo xerográfico, sem autorização por escrito dos editores.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei


nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

1ªEdição

Produzido no Brasil
Dedicatória
Epígrafe
Playlist
Sinopse
O Pior dos Prólogos
Papel | Capítulo 1
Algodão | Capítulo 2
Trigo | Capítulo 3
Linho | Capítulo 4
Madeira | Capítulo 5
Açúcar | Capítulo 6
Lã | Capítulo 7
Papoula | Capítulo 8
Cerâmica | Capítulo 9
Estanho | Capítulo 10
Aço | Capítulo 11
Seda | Capítulo 12
Renda | Capítulo 13
Marfim | Capítulo 14
Cristal | Capítulo 15
Turmalina | Capítulo 16
Rosa | Capítulo 17
Turquesa | Capítulo 18
Água-marinha | Capítulo 19
Porcelana | Capítulo 20
Zircão | Capítulo 21
Louça | Capítulo 22
Palha | Capítulo 23
Opala | Capítulo 24
Prata | Capítulo 25
Alexandrita | Capítulo 26
Crisopázio | Capítulo 27
Hematita | Capítulo 28
Erva | Capítulo 29
Pérola | Capítulo30
Nácar | Capítulo 31
Pinho | Capítulo 32
Agradecimentos
Sobre a autora
Outras obras
Para todos aqueles que tentaram me ruir.
Eu sinto muito, mas vocês quase me venceram.
De todas as minhas versões,
Esta é sem dúvida a mais íntegra e genuína.
Guerras externas geraram mudanças internas,
Moldando um soldado delicado e
Amante de hortênsias.

Eu estive submerso em um mar roxo,


Você me fisgou como um peixe.
E assim me arrastou para o seu mundo
Como parte de um plano.

Favores vulgares,
Dinheiro em troca do meu amor,
Eu me pergunto:
É normal que beijos falsos produzam faíscas?
Eles podem ganhar significados verdadeiros?

O longo tapete vermelho é minha ponte para o meu amor,


neste dia eufórico.

Tem gente atirando em nós com olhares de desaprovação,


Sua irmã nunca entraria na lista para madrinha,
Essa expressão assustaria quaisquer fantasmas.

Você disse os votos em voz alta.


Senti meu coração disparar.
Como armas em um tiroteio.
O padre perguntou se alguém queria protestar contra o
casal,
Ninguém falou.

Se os narcisos do vaso estivessem vivos,


Eles gritariam "eu protesto"?

No início, talvez, fosse eu a pessoa que interromperia meu


casamento.
Isso me tornaria o pior dos noivos.
Dante Fontana precisa de um emprego calmo para se
manter com seus amigos soldados em dois pequenos apartamentos
na bela cidade de Porto do Sol.
Yan Serpa necessita de um secretário astuto e rápido que
possa lhe aguentar por mais de três meses, já que sua
personalidade nunca fora uma das mais receptivas.

Dante surgiu como uma dádiva para o empresário e


manteve-se por dez meses aguentando seu chefe — mesmo que
isso desgaste sua paciência.
Entretanto, em um fatídico dia, o playboy e pai de seis
jovens excêntricos e hiperativos, lança uma tentadora proposta para
seu secretário, tornando os tranquilos dias de Dante tão estranhos
quanto à personalidade do seu chefe.

Aviso: O livro a seguir pode possuir alguns gatilhos


relacionados à transfobia, LGBTfobia, racismo e relatos traumáticos
sobre guerra. Também depressão, ansiedade e abuso. Ao perceber
que isso o deixará desconfortável, pare imediatamente! Sua saúde é
mais importante! O livro também contém gírias e nomes
estrangeiros envolvendo a cultura LGBTQIAP+
Os finais felizes nunca foram, de fato, felizes. Dante
encontrava-se ciente disso. Até mesmo os mais brutos dariam
espaço para o amor, seus amigos estavam tendo filhos e se
casando. Isabelly, sua antiga amiga do exército, era prova disso.
O que não imaginava, era que tê-la ajudado com
problemas que estava enfrentando lhe proporcionaria tantas dores
de cabeça e uma reflexão densa sobre seu estilo de vida. Isabelly,
mesmo sendo da mesma idade, já se encontrava com uma bela
mulher que lutou para conquistá-la.
Andando pelas ruas agitadas de sua cidade, ele observou
os bares lotados, as pessoas felizes, todos de branco… menos ele.
Era Ano-Novo e Dante se encontrava sozinho.
Você viverá sua vida deste modo?
A guerra já passou.
Pare de pensar que não merece o amor.
Tais frases ressoavam com demasiada rapidez que
poderia ser facilmente igualada a uma bala de calibre trinta e oito. O
sexo casual, as festas, seus trabalhos e a cocaína não faziam mais
seu corpo arquear de prazer, pelo contrário, sentia-se sujo a cada
prática.
Quem era Dante Fontana? Bom, para seus conhecidos do
submundo, apenas um sujeitinho de pouco temperamento e perfeita
mira. Para amantes, um homem violento e provocador. Porém, aos
seus amigos mais leais, um rapaz perdido.
Dante passou alguns longos minutos caminhando e devido
ao seu cérebro já acostumado com sua miserável repetição, acabou
dando de frente a um local pouco convencional, mas que o ajudaria
por algumas horas a esquecer-se de tudo que rondava sua cabeça.
As donas de bordéis e alguns prostitutos o amavam, então
as vagas para os melhores quartos eram sempre de Dante. Após
entregar sua senha aos seguranças, estava fazendo mais uma vez
algo que já não tinha tanto prazer.
Quando adentrara o grande local repleto de luzes em tons
avermelhados, pilastras negras e cortinas vermelhas, começara a
ser abordado por alguns homens sem vestimentas e de rostos
conhecidos. Por conta da sua demasiada frequência, as mulheres
sabiam que não tinham vez.
— Olha quem vemos aqui. Fontana, que bom lhe ver! — A
dona o recebeu com um sorriso malicioso. — Como tem a coragem
de aparecer aqui após ter enxotado um dos meus melhores
rapazes?
— A culpa não é minha se ele não me excitou —
respondeu, rispidamente. — Traga-me o antigo e quatro pinos. —
Dante jogou um pequeno bolo de dinheiro amarrado em alguns
elásticos para a mulher. — Algumas bebidas e… caso o rapaz tenha
fome, comida.
— Está alegando que não o alimento? O quarto número
três está à sua disposição. — Ela riu. Soltando todos os elásticos e
analisando o dinheiro. — Caçada boa, Fontana?
— Isso não é de sua conta. — Dante retirou seu casaco e
cachecol. — Rápido, Mary. Estou em abstinência — foi a última
frase dita, antes de subir as escadas ao lado do balcão.
Sua personalidade e nome eram tão conhecidos por todos
que nem mesmo Mary, uma das maiores donas de bordéis da
cidade, tinha a coragem de confrontá-lo. Rogando que ele fosse
embora, decidiu apressar seu atendimento.

Passaram-se vinte minutos e as bebidas, os pinos de


cocaína, alguns aperitivos e seus brinquedos para a diversão
chegaram ao quarto. Dante, já sem blusa e calça, estava sentado na
cama, apoiando seu corpo sobre a parede. Encarava seu favorito
com desejo, observando-o retirar cada peça de roupa lentamente,
com ele em seu colo.
Ao contrário do soldado, seu prostituto se encontrava
excitado. Deixando-o inquieto.
— Que saudade estava de você — murmurou o rapaz,
agarrando as bochechas de Fontana e o beijando vorazmente —,
me trocou tão fácil pelo número um. Pena não ter ficado excitado
com ele — debochou, arrastando a ponta de seu nariz sobre seu
pescoço.
Elior, seu nome verdadeiro — apenas o soldado tinha
conhecimento —, era um rapaz ruivo de quase trinta anos. Dono de
uma pele branca repleta de sardas, corpo másculo e cabelos lisos.
Normalmente, era o ativo em seus trabalhos, mas sempre se
entregou ao Fontana.
— Não consigo me excitar já faz dois meses. Talvez eu
esteja com mais um defeito. — Dante agarrou a cintura corpulenta
do rapaz à sua frente, enquanto tocava delicadamente a ponta do
membro de Elior. — Se quiser, podemos inverter os papéis.
Os olhos do favorito tornaram-se um mar de confusão
imensa. Nunca, em todos os anos que o rapaz frequentava aquele
local, o assunto do soldado ser impotente fora pauta entre o bordel.
Sempre foi o contrário, por isso que Elior e Dante sempre se deram
bem.
— É a maior bobagem que já ouvi. — Elior começou a
descer calmamente, enquanto mordiscava cada pedaço de Dante,
desfrutando-o lentamente. — Esqueça tudo, só foque em mim.
Ele tentou. Céus, como tentou! Mas nem mesmo a boca
de Elior conseguia excitá-lo. Não sabia ao certo o que aconteceria
com Dante, mas tudo indicava que seu corpo clamava por
mudanças. Ao ver que o ruivo não conseguiria tirar nada dali, Dante
o parou e o jogou para baixo de si, ficando por cima.
Nem mesmo os toques eram iguais aos de antes, o
soldado nunca fora delicado e atencioso daquele modo.
Serpenteando sua língua por todo dorso de Elior, beliscando seus
mamilos calidamente, beijando-o com desejo e sem pressa, aquele
não era o Dante Fontana de meses atrás.
Quando deu atenção ao membro duro do ruivo, Dante fez
seu papel sem pressa, indo da base até a glande. As sensações
novas, porém, estranhas, causavam tremores em Elior, que não
demorou muito para gozar.
— Quem é você? — O ruivo, depois de tomar um pouco
de fôlego, afastou o outro. — Não é o Dante que eu conheço!
— Exatamente. — O soldado começou a vestir suas
roupas sem cerimônia, enquanto bebericava a cerveja que lhe foi
servido. — É a última vez que nos encontramos. Estou saindo desse
mundo.
Elior o encarou abismado, enquanto o observava depositar
um pino de pó sobre a mesa de cabeceira, em seguida formando
uma carreira fina, prestes a aspirá-la. Era fato de que ele continuava
com uma expressão ameaçadora, mas seu coração aparentava
começar bombear emoções.
— Você fala como se isso fosse fácil! — Elior riu,
carregado de escárnio. — Enlouqueceu de vez!
— Não é você quem decide isso. — E, por fim, inalou toda
a cocaína que tinha sobre a mesa. — Meus amigos sempre estarão
comigo e estou começando a pagar os favores que devo, em
poucos anos estarei limpo.
— Que piada! — gritou Elior, procurando suas roupas pelo
quarto. — E me deixará aqui? Ao relento?!
Dante soltou um suspiro cansado, nem mesmo aquela
discussão já lhe dava prazer como antes. Olhar para Elior fazia com
que desistisse ainda mais de continuar daquele jeito, sua
autodestruição era iminente caso permanecesse.
— Pedi você em namoro, várias vezes. — Sua voz
continuava calma. — Sempre ria de mim, saiu com caras que sabia
que não gostava, mesmo eu lhe pagando o dobro para negá-los.
Fez suas escolhas, Elior, e eu não fui uma delas. — O rapaz seguiu
até o seu casaco, procurando algo entre os bolsos.
— O-ora… Pe-pensei que estivesse brincando comigo —
mentiu. — Então, você não voltará mais? O que será em vez de um
soldado de guerra?
— Uma pessoa normal. — Dante encontrou o outro bolo
de dinheiro, dessa vez maior que o entregue a Mary. — Talvez, eu
mereça ser feliz. — Ele riu de sua própria fala, descrente disso. —
Isso é para você.
Elior tremeu por inteiro ao ver quase vinte mil euros em
sua mão, nunca alguém como ele conseguiu tanto dinheiro em tão
pouco tempo. Seus olhos se encheram de lágrimas, poderia pagar a
dívida que o fez entrar no bordel.
— O-onde… — faltavam palavras para descrever tal
emoção.
— Isso é para você sair dessa vida — relatou Dante,
colocando os três pinos restantes no bolso de seu casaco. — Não
sei o que farei após sair daqui. Nem mesmo se durarei tantos anos.
Mas, Elior, você… Tem tudo planejado e eu admiro isso.
Arrependimento tinha um gosto amargo na boca do ruivo,
ter descartado o amor de Dante o fez perceber que, talvez, ele
nunca foi a figura má que tanto julgou.
Dante seguiu até a ponta da cama e beijou lentamente o
rapaz. Era notório o sentimento de despedida e tristeza que
carregava, Fontana desejava mudar e não seria um prostituto que
impediria isso.
— Adeus, Elior. Foram bons momentos. — E, pela
primeira vez, Dante sorriu para seu favorito.
O ano de sua nova vida começara naquele primeiro dia de
janeiro. Porém, não se encontrava em um dos melhores. Pois Dante
após se despedir de Elior, começou a vagar mais uma vez pelas
ruas, pensando em como conseguiria resolver seus oito deveres
que ainda devia a Elias, o homem que lhe prometeu liberdade.
Fontana começara a entrar nesse ramo sujo a partir dos
seus vinte e dois, quando saiu do Iraque com seus melhores
amigos, cada um mais devastado que o outro. Ainda imerso nos
traumas que a guerra lhe proporcionou, não conseguiu se firmar na
sociedade como os outros, praticando assim alguns trabalhos
perigosos e diversos.
Mas após passar quase dois meses com Isabelly,
percebeu que a vida seria melhor se fosse tranquila. O problema era
que Dante nunca pensou em como seria sua vida após terminar
seus oito deveres.
Virando a esquina, decidiu ir até a casa de seus amigos
que moravam juntos para contar a novidade. Algo lhe tirou dos
devaneios ao ouvir um barulho irritante próximo. Ao ver do que se
tratava, viu uma garotinha negra, que aparentava ter cinco anos,
sentada em um banco de concreto, chorando e sozinha.
Dante parou e a observou, mas logo seguiu, pois achou
melhor ignorar. Afinal, não tinha razão para se intrometer em
assuntos que não seriam de sua conta, certo? Era apenas uma
criança birrenta que estava aos prantos por nenhum motivo, algum
familiar a ajudaria.
O pouco espírito paterno começou a dar pequenas
nuances de seu despertar, fazendo-o observar a rua e ver se
possuía alguém. Ao realizar uma pequena checagem, percebeu que
possuíra apenas a garotinha e ele. Sua preocupação tomou conta
de sua alma, então se aproximou calmamente.
— Ei. — Ele a encarou seriamente, com suas mãos no
casaco. — Motivo do choro?
A garotinha começou a olhar aquele homem mal-encarado
e parou de chorar. Dante coçou sua nuca ao vê-la com medo,
suavizando um pouco sua expressão.
— Me-meu pa-pai. — Soluçava a garota. — Pe-perdi me-
meu pa-pai — após falar pequenas frases, voltou a chorar.
Fontana revirou seus olhos e soltou um suspiro. Sacando
seu celular de um dos bolsos.
— Qual seu nome? E o nome dele? — o homem atinou
que ela se perdeu em uma festa de Réveillon, já que suas roupas
eram todas brancas. — Dará tudo certo. Você o verá, mas quero
que me diga para eu chamar os responsáveis para isso… — Ele
encarou a expressão chorosa dela. — Está machucada?
A menina negou.
— Então… — começou Dante calmamente, tentando
aparentar amigável. — Não tem motivo para chorar, você é uma
garotinha forte. E garotas fortes não choram por coisas assim e nem
por garotos.
Que porra estou falando?, pensou Dante. A criança
observou aquele rapaz alto e grande à sua frente, percebendo que
seu rosto parecia mau, porém, amigável, assemelhando-o a um
urso.
— Sou Bárbara — respondeu. — Meu pai se chama Luan.
Ele é mais baixinho que você e tem um cabelo alto e volumoso igual
ao meu…
— Estamos indo bem. — Bufou ele, discando os números
da polícia. — Como se perdeu dele? — perguntou, colocando o
telefone em sua orelha.
— Eu soltei da mão dele e me perdi… — Bárbara
ameaçava chorar novamente.
— Calma, não precisamos de mais lágrimas. — Ele a
deteve. O telefone da polícia não atendia e ele pensou em reclamar
disso para os oficiais. — Olha, teremos que esperar seu pai
aparecer, tudo bem? Posso me sentar nesse banco com você?
Ela confirmou e o homem sentou-se, ficando na ponta do
banco. Dante não sabia o que estava fazendo em esperar até o pai
aparecer e socorrer a criança. Nunca fez aquilo, mas a sensação de
praticar algo certo pela primeira vez o deixava um pouco tranquilo.
— Você parece um urso — começou a garotinha.
— Isso é bom ou ruim? — ele perguntou em uma tentativa
de acalmá-la, também pela curiosidade.
— Não sei. Você tem um rosto mau, meio assustador. —
Dante não ficou surpreso com a alegação. — Mas é legal e trata as
pessoas bem.
Dante sorriu, alegre em ter uma criança conversando
consigo. O loiro ficou se perguntando se filhos realmente eram ruins
como os pais diziam.
Ainda escoltando a garota, Dante começou a imergir em
seus próprios pensamentos, meditando como seria ter um filho e vê-
lo em todas as suas fases, ajudando-o em momentos primordiais,
coisas que seu pai nunca fez. O soldado abriu seus olhos
rapidamente, ignorando a vontade de chorar.
— Barb! — Um homem, com as mesmas características
citadas pela menina, surgiu no começo da esquina e correu em
direção aos dois que estavam em pé. — Por Ogum! Levei um susto!
O pai parou em frente à Bárbara e a encarou com raiva,
mas logo mudou ao ver a garotinha estender os braços para abraçá-
lo, o homem a levantou e a colocou no colo. Dante estava com
inveja daquele momento.
— O urso me ajudou! — A mocinha apontou para Dante.
— Cara… muito obrigado! Não sabe como essa menina é
uma pestinha! — Ele sorriu, apertando o nariz da garota que soltou
uma risada pelo ato. — Onde ela estava?
— Sentada. — A voz rouca de Dante fez Luan estremecer.
— A vi chorando e decidi ajudar. — Dante pressionou seus dedos
contra a nuca. — Até mais. — Então se virou e começou a pegar
seu rumo.
— Ei, urso! — Luan riu com o apelido que a filha tinha
dado. — Qual teu nome, meu chapa?
— Dante — respondeu, logo virou o seu rosto e acenou.
— Até mais.
Ao vê-los acenar, sentiu a inveja vir à tona novamente,
fazendo-o perceber que ter aquela sua vida habitual não fazia mais
sentido. Dante cerrou seu punho e o colocou sobre seu peito, o
soldado de guerra entendeu seu objetivo…
Ele quer uma família.
Três anos depois.
Sete deveres cumpridos.
— Ulisses! Ulisses! — A voz de Joana ecoava pelos
corredores da mansão, enquanto pisava forte sobre o chão de
mármore. Quando passou por sua irmã, quase a arrastou consigo.
— Kali, cadê o Ulisses?
A moça estagnou uma risada, enquanto segurava seu
jaleco, estava um tanto atarefada naquela manhã de segunda-feira.
— Está com pai e Tomás na cozinha! — Kali desvencilhou-
se da outra e seguiu até seu quarto.
Joana seguiu em passos rápidos até a cozinha da casa,
seu rosto se encontrava vermelho da fúria que sentia pelo seu irmão
mais velho. As manhãs na casa dos Serpas eram sempre agitadas e
estressantes. Já não era algo chocante, já que Yan, um dos
empresários mais nobres do país de Cravellas, tinha em torno de
seis filhos. Cinco deles adotados.
Ao chegar à cozinha, Joana dera de cara com Lia – sua
irmã mais nova, de dez anos –, sobre o colo de Yan, ao lado
estavam Tomás e Ulisses.
— Você pegou a minha saia! — A menina apontou para o
outro.
— Se manque, peguei não. — Ulisses arqueou sua
sobrancelha, fitando o chão da mesa, segurando sua risada para
não rir da outra.
— Ulisses!
— Ai, eu peguei, eu peguei! — E começou a gargalhar. —
Saí ontem com ela. Ficou a coisa mais linda, mas já não sei onde
está, é a vida. — Dito isso, exibiu sua língua para a irmã,
provocando-a.
— Você deu um fim nela?
— Uma forma mais educada que achei para dizer na
frente da Lia. — Pressionou sua mão contra a boca, ao ver a careta
que o pai estava exibindo.
— Pai! — A garota fitou Yan, observando morder uma
maçã encharcada de shoyu.
— Mande as informações para mim que o Dante comprará
— exclamou Yan, enquanto se deliciava com mais um pedaço. —
Sente-se, tome seu café. Ainda é cedo e o secretário ainda não
chegou para pegar o Tomás.
A menina sentou-se ao lado de Ulisses, empurrando o
irmão com o ombro. Tomás estava comendo panquecas com leite
condensado, o garoto exibia um brilho único, e isso a deixava mais
calma, já que alguns dias atrás a avó do garoto estava exigindo
situações inesperadas. Tomás era o segundo mais novo entre os
irmãos, possuía dezesseis anos e era filho biológico de Yan.
— Gostaria de falar com vocês — falou o pai, enquanto
enviava mensagem para seu secretário —, tive uma ideia
maravilhosa e quero que meus bebês saibam!
— Lá vem — sussurrou Tomás, com sua boca repleta de
comida.
— Só faltam Joca e a Kali — esclareceu o mais velho. —
Hoje é o primeiro dia no estágio da Kali, então irei com ela para dar
uma forcinha.
— Que pena, não é? Faltar a aula mais uma vez na
faculdade para isso — debochou Joana.
— Te aquieta que eu mostro o que sobrou da saia! —
rebateu.
— Pai!
— O que aconteceu com a saia? — Lia fitou de maneira
curiosa o pai.
— Se eu tiver que explicar, alguém ficará de castigo. —
Yan forçou uma risada nervosa, enquanto fazia uma trança em Lia.
Joca fora o primeiro a chegar à cozinha, seus dreads
estavam amarrados em um coque, já preparado para iniciar o dia. O
garoto possuía dezenove anos, era um jovem rapaz negro de belos
olhos no tom castanho-claro. Joana possuía quase as mesmas
características, pois eram gêmeos.
— Estou morrendo de cólica, é um inferno. Eu não
aguento mais! — murmurou o rapaz. — Quando os hormônios vão
fazer efeito? — Pressionou suas mãos contra a barriga, fitando Yan.
— O médico disse que logo, mas sua barba começa a
crescer antes. — O pai sorriu, enquanto abraçava seu filho. —
Dormiu bem?
O garoto exibiu uma expressão neutra. Depois de alguns
minutos, Kali chegou e sentou-se à mesa prolongando a conversa,
Yan observou aquele perfeito caos que os seis produziam e soltou
uma risada orgulhosa, mesmo faltando alguns de seus parentes lá,
amava ter todos juntos.
— Tenho algo para contar a vocês — iniciou Serpa,
encerrando a conversa dos filhos que voltaram a atenção para si. —
Mas antes, gostaria de saber… O que acham de Dante Fontana?

— Ou levo seu filho para a escola, ou entrego os papéis


para o Dr. Alfredo, ou eu compro seu café! — respondia Dante
trêmulo de fúria, ao telefone — Os três, senhor Serpa, é impossível!
Esse era o novo Dante Fontana, conhecido como
estressadinho por seus amigos. Um belo loiro de olhos escuros que
sempre tentava lidar com seu chefe, Yan Serpa, da melhor maneira,
porém, o homem nunca facilitava para seu secretário.
Depois de se livrar da sua antiga vida, o loiro se
encontrava limpo do uso excessivo de cocaína, seus contatos com
mercenários e chefes de estados foram cortados.
Fazia dez meses que Dante era secretário do homem mais
influente da indústria tecnológica e ambiental. Ironicamente, é o
assistente que tem durado mais tempo, entretanto, mesmo amando
seu salário, nada custava tanto quanto lidar com seu chefe todos os
dias.
Enquanto conversava pelo celular, Dante estava dirigindo
o mais rápido que conseguia para chegar a tempo e levar Tomás à
sua escola.
— Leve o garoto para o colégio, com certeza é mais
importante — tagarelou Yan. — O chofer temporário que contratei
se demitiu, ele decidiu ficar longe de Tomás. — Ele soltou uma
risada nostálgica. — A partir de hoje, ficará encarregado de deixar o
pirralho na escola.
— Serpa? Não seria melhor chamar alguém mais
qualificado? Tomás não pode se atrasar na escola e eu moro…
— Te pago cem por sua gasolina e a maior quantia que
precisar para algum possível reparo. Não se preocupe —
interrompeu Serpa. O empresário andava de um lado para o outro
procurando algo por seu escritório, fazia meia hora que tinha
chegado. — Tenho medo de deixá-lo na mão de qualquer um. E eu
confio cem por cento em você.
— Parece me odiar, isso sim — sussurrou Dante.
— O que disse?
— Nada, Serpa. Chego em até vinte e cinco minutos.
Tchau. — E desligou o celular. — Filho da puta! Playboy arrombado!
Como Tomás saiu dessa coisa?! — Dante sacudia o volante de seu
carro, trêmulo pela situação.
Era sempre assim, Yan fazia um pedido, no mínimo,
inconsequente e Dante tentava consertar aquilo que outro fez,
sempre saindo com tanta fúria que poderia lhe causar um ataque de
nervos. Um dia, Dante escreveria um livro de como sobreviver a Yan
Serpa e, com toda certeza, se tornaria um best-seller.
Serpa ligou novamente fazendo o Fontana bufar, por sorte
o sinal estava vermelho.
— Sim? — perguntou entredentes, segurando-se para não
gritar.
— Esqueci que tem uma pessoa dormindo no meu quarto,
dispense-a. — Yan achara o que tanto procurava entre as bagunças
de sua mesa. — Quais as suas flores favoritas?
— Você deixou um de seus ficantes dividindo a casa com
seus filhos? Espero que Tomás esteja sozinho. — A sua voz
aumentou, acelerando o carro. — Hã…? Pergunta esquisita…
Hortênsia? Mas acho que as pessoas preferem rosas ou girassóis,
Yan.
— Foi só por alguns minutos, ele não vai fazer nada contra
os garotos, Joca está lá também. — Yan pesquisava sobre a flor no
seu celular. — Que flores feias! Você gosta disso?
Dante revirou seus olhos.
— Enfim, estou lhe esperando no trabalho. Não demore,
tenho algo importante para tratar contigo. — E desligou.
Dante puxou o ar algumas vezes, estava próximo da casa
dos Serpas e só de pensar que passaria algum tempo com um dos
filhos em vez do pai, já acalmava o coração do pobre assalariado,
pois, para o nobre secretário, os seis garotos eram sem dúvidas a
melhor parte de Yan.
Chegando à belíssima residência de Yan, Dante entrou às
pressas passando por todas as portas e senhas colocadas, mesmo
que o arranha-céu onde trabalhava fosse seguro, não se podia dizer
a mesma coisa da mansão da família, devido à privacidade que os
Serpas desejavam, chamava ao máximo três empregados para
cuidar da casa.
Fontana começou a bisbilhotar todos os cômodos e céus,
como aquela casa era enorme, a cada local revistado e sem o
encontrar um único filho, sua preocupação aumentava. Onde já se
viu deixar um ex qualquer sozinho com o filho? Um absurdo!
— Tomás?! — gritou o secretário, analisando o relógio,
embora estivesse no horário. — Tomás!
Ao se aproximar da cozinha, assustou-se ao dar de cara
com Joca saindo de um dos quartos. Por algum motivo, Dante
sempre se encontrava tímido ao falar com o gêmeo.
— Dante! Como vai? — Joca pressionou sua mão sobre o
ombro do outro e exibiu um longo sorriso. — Ton-ton está na
cozinha.
— E-eu tenho pressa. — E desvencilhou. — Foi um prazer
falar contigo, mas tenho que levar seu irmão ao colégio, tchau!
— Sempre estranho, Dante. — Ele riu, agarrando suas
chaves entre os dedos e indo em direção ao estacionamento.
O secretário seguiu até o cômodo indicado e seu corpo

se acalmou ao vê-lo bem, o garoto já se encontrava arrumado e


com a mochila em uma das cadeiras, o cheiro de comida caseira
infestava a casa.
— Papai enviou uma mensagem informando que você
poderia chegar tarde, então fiz algo para tu comer, quer? — E
entregou um prato de panquecas.
Tomás era carismático e amigável, mas tão cínico quanto
seu pai. Ambos se pareciam em muitos momentos, não tinha
necessidade para um teste de DNA.
— Onde está o ex...?
— Narciso? Já foi, Joca o expulsou — interrompeu, rindo
com a situação. — Pelo menos é a primeira e última vez que nós o
veremos aqui. — Tomás conteve seu sorriso, enquanto colocava as
panquecas nos pratos. — Papai disse que tu ficou preocupado… —
E entregou um dos pratos com mais comida para o secretário.
Em frente ao Dante, estava uma porção de manteiga e
várias panquecas empilhadas. Já do outro lado da mesa, Tomás
mexendo em seu celular, aguardando o secretário iniciar a
alimentação. Dante viu tal prato de aparência maravilhosa, mas não
conseguia ter apetite, só pensava no que Yan precisava dizer.
O garoto aparentava ser mais novo que a própria idade,
talvez fosse pelos seus cabelos castanhos e bagunçados ou sua
magreza. Era um garotinho amante de danças, videogames e
automóveis.
— Não vai comer? — perguntou o mais novo. — Sei que
gosta de panquecas, mas tem outras coisas…
— Hã? Não, eu vou. Obrigado — disse e começou a
comer.
Os dois ficaram em silêncio até terminar, Tomás tinha um
sorriso enorme nos lábios, como se quisesse contar algo para
Dante. Passou no total de dez minutos para o loiro terminar,
fecharem a casa e seguirem até o colégio de Tomás. Como Lia
estudava no colégio próximo de Yan, ele a deixava. Entre os seis,
Tomás era o único que ainda estava no ensino médio.
Já no carro, Tomás percebeu a expressão derrotada de
Dante. E depois de alguns minutos pensando nas palavras certas,
Dante não aguentou e desabafou. Às vezes, o adolescente se saía
como psicólogo e achava engraçado ter esse cargo por alguns
minutos do dia.
— Odeio o seu pai. — Dante aproveitou o sinal vermelho e
apoiou a cabeça no volante. — Ele é louco e me dá todos os
trabalhos para resolver. Não sei se vou aguentar por mais tempo! Eu
não sou deus!
— Seria estranho se você fosse o único reclamando. —
Tomás gargalhou, ciente de que não era sério. — Pode não parecer,
mas ele gosta muito de ti, só não sabe demonstrar.
— Você é muito positivo. Mas a única pessoa dessa terra
que seu pai gosta é da família. — Ele sorriu, tentando reconfortar a
saudade que Tomás sentia em alguns momentos do pai. — Então…
Como está indo o colégio?
— Normal. Tirei notas boas, continuo tentando fugir de
Matias para não levar uma surra e… — as bochechas de Tomás
começaram a se tornarem rubras repentinamente. — Chegou um
garoto novo também, nada de mais.
— Já falei para você conversar com o diretor sobre essa
perseguição que tem sofrido. — Bufou Fontana. — Conversou com
esse novato?
Tomás era um rapaz assumidamente gay, seja em sua
vida colegial ou pessoal. Por ter um pai bissexual e irmãos de
diferentes letras da comunidade, era bastante aberto com sua
sexualidade, a vida em casa era bastante fácil — se os filhos
ignorassem toda a irresponsabilidade que o empresário tinha, claro.
Mas em seu colégio havia o Matias, que desde o ano
passado o perseguia, não era novidade surgir com alguns
hematomas ou desanimado em casa, entretanto, negava dar
informações ao pai. E mesmo Dante querendo se intrometer, não
passava de um simples secretário.
— Mais ou menos, ele… Ele é bonito. — O garoto
continuava a focar na rua, rubro em admitir. — Certeza é hétero e
muito agitado — sussurrou Tomás, deitando-se na cadeira do carro.
— Um dia ele pulou na minha frente e falou todo estranho...
— Está a fim dele? — Dante tentou esconder seu
interesse. — Porque isso é normal. Só cuidado quando paquerar
ele… seja mais sutil, alguns héteros não reagem bem quando são
cantados por gays, vá por mim, experiência própr…
— Está fazendo de novo. — Tomás gargalhou,
interrompendo o discurso do secretário.
— O quê? O que eu fiz? — Fontana tentou focar na rua e
em Tomás em simultâneo.
— Agindo como uma mãe! É por isso que eu te chamo
mamãe Dante.
— O que falamos sobre apelidos? Eu só estou
preocupado! — Dante parou o carro, chegando ao destino. —
Pronto, garoto, pode descer.
— Amanhã me conte tudo viu? — Tomás abriu a porta,
arrastando sua mochila consigo. — E, por favor, diga sim.
— Dizer sim? Como assim? É sobre o Serpa? — começou
Dante a gritar, mas foi ignorado. — Tomás! Tomás!
— Tchau, mãe! Mande beijos ao papai! — Serpa piscou
para Dante, sumindo entre o grupo de alunos.
O secretário bateu sua testa sobre o volante. Quando se
tratava de Serpa e ele, nada de bom poderia vir, pois a relação que
tinham era tensa. Dante já desejou esganá-lo e Yan parecia se
aproveitar disso. Um arrepio percorreu pela espinha do homem, seu
medo de ir até lá e receber uma horrível notícia era latente.
— Não acha isso estranho? — balbuciou Joca, ao telefone
com seu irmão mais novo, Tomás. — Tipo… é o secretário do nosso
pai, não se sente, sei lá. Desconfortável?
A dupla quase inseparável de irmãos conversava ao
telefone no horário da educação física. Tomás estava num
alongamento, enquanto usava seus airpods para fofocar com Joca.
Por ser um dançarino desde os dez anos, o garoto se alongava
perfeitamente, empurrando seu corpo para trás até tocar seus dedos
no chão da quadra.
Joca estava em seu primeiro ano em balística forense,
Joana decidiu um curso parecido como perícia forense, mesmo
assim, nada mudou sobre os temas das fofocas que os irmãos
falavam. Pois, mesmo o garoto sendo um dos mais sucedidos,
sempre se sentia fora de qualquer bolha, recorrendo de alguma
maneira às ligações para algum dos irmãos.
— Tinha que ver a expressão do meu pai quando ele
pensou nesse contrato — expressou-se, saindo da posição e
fazendo um lento espacate. — Fez até o trabalho com mais vontade
e tipo… Dante é como se fosse uma mãe para mim.
— Por que não um pai, cara? — Joca gargalhou.
— Ele não gosta de ser chamado de mamãe. Foi para
sacanear — respondeu Serpa, soltando uma risada ao se lembrar
da expressão de Fontana. — Mas, sério, vai ser legal. Lembra-se de
que ficamos gripados por causa da Kali e ele ficou tão preocupado
que foi entregar canja para nós? Foi tão fofo...
— Naquela época jurei que a Kali tinha nos transmitido
doença hospitalar… vamos ver. Nosso pai não é uma das melhores
pessoas para conviver — revelou Joca, enquanto jogava uma
bolinha para o ar e pegava. — E aí, falou com o novo bolsista?
Pietro Monte. O novo bolsista que surgiu há algumas
semanas em sua classe e nunca conseguiu dar um simples
cumprimento, mesmo ele tenha surgido à sua frente e tentando um
diálogo, onde fez Tomás ficar mais envergonhado de falar algo.
O garoto sempre teve um fraco pelo tipo do bolsista,
rapazes altos de olhos claros e sorrisos enormes. A única coisa que
o deixava descrente era por ele aparentar ser hétero! E Tomás sabia
o que acontecia com ele quando tentava se aproximar. Deixando
tudo isso de lado, Serpa focou em seu corpo.
— Só queria saber se ele é hétero… — Tomás se levantou
do chão, ficando em pé e jogando seu corpo para frente. — Sei lá!
Como vocês usam o radar?
— Usando, Tomás, tu é muito lerdo. Não é tão difícil
descobrir se alguém é pan, bi, gay, a gente sente!
— Então, talvez ele seja? Ouvi um boato que ele faz pole
dance… Uma fofoca bem específica. Sem falar que é um gostoso.
— O garoto gargalhou, Tomás continuava com metade de seu corpo
para baixo.
— Ton-ton, fala baixo! — Joca começou a rir da frase do
outro. — Vai que alguém escuta, não faz esse papel!
— E ele tem um corpo atlético, um sorriso bonito e é
carismático pra caralho! Tipo, ele é amigo da Luana, sabe quanto
tempo eu quero ser amigo dela?! Aí eu fico pensando, qual o
problema se o Pietro for stripper? — perguntou para si, imerso no
seu corpo.
— Concordo plenamente. — A voz rouca de Pietro ecoou
pelos ouvidos do mais baixo, Tomás estremeceu dos pés à cabeça.
— Mas não sou stripper, mesmo tu alegando que eu poderia ser. —
Pietro riu, suas mãos estavam nos bolsos da jaqueta, apenas
observando a flexibilidade do garoto à sua frente.
— Eu sabia! — Joca gritou ao telefone.
— Cale a boca! — bradou Tomás, fitando o olhar surpreso
de Pietro. — Não! Não para você! Para meu irmão. — E apontou
para os fones, que se encontravam escondidos entre o cabelo
bagunçado do outro. — Vou desligar, te amo.
Antes de desligar, a risada de Joca poderia ser ouvida
por Pietro. Tomás já estava em pé, com suas bochechas rubras, o
novato apenas ria com a reação dos irmãos.
— Vai jogar queimada? Faz uns cinco minutos que se
alonga — relatou. — Qual teu nome?
— Não vou, porque ele… — apontou para Matias, a pedra
em seu sapato. — Vai me tornar um alvo durante todo o jogo. E eu
sou Tomás... Serpa... Da família Serpa. É...
— Então o Serpa fez todo esse alongamento para nada?
Vamos, preciso de mais pessoas no time. — Pietro pegou no braço
do menor e com a autorização dele, começou a levá-lo. — Te
protejo, tem B.O não.
Tomás o fitou por poucos momentos, bastante confuso
sobre o ocorrido. A mão de Pietro tocava sua pele com gentileza,
poucas vezes alguém conversava com Tomás de forma natural, sem
perguntar pelo seu pai ou da empresa que ele criou. Era um dia bem
estranho, mas animado em sua vida.

Foram vinte minutos a mais, mas Dante resolveu tudo que


deveria, fora até o prédio de Dr. Alfredo entregar os papéis
ordenados, conseguiu o cappuccino com calda de morango – uma
bebida que fazia jus ao apreciador, ambos estranhos –, e
encomendou o almoço de seu chefe para que fosse entregue ao
meio-dia em ponto.
Estava tão nervoso em saber o que Yan falaria. E isso o
deixou focado em concluir suas tarefas, resolvendo os mais
inesperados pedidos. Qualquer coisa que o CEO falaria, com
certeza seria dor de cabeça.
Chegando até os últimos andares do enorme prédio,
Dante foi recebido com olhares preocupados pela recepcionista
principal, o mesmo olhar que sempre era recebido quando Yan
passava dos limites e ninguém conseguia pará-lo.
— O que Yan fez para você estar me recebendo com essa
cara? — perguntou rispidamente, aproximando-se de Natália. —
Não diga que ele bateu outro maldito carro com a porra daquela
inteligência artificial… Não diga!
— Que nada, o buraco é mais embaixo — ela respondeu
em um sussurro, enquanto fitava o elevador à frente, receosa de
que alguém os flagrasse.
Dante colocou o cappuccino de seu chefe sobre o balcão
e se aproximou da mulher, Natália começara a sussurrar:
— Senhor Padovani saiu poucos minutos antes de você
chegar, ele estava tão vermelho que podia jurar que explodiria!
Berrou aos quatro ventos que Yan tinha enlouquecido de vez! — A
recepcionista riu. — Isso aconteceu depois de Kunut chegar com
dois buquês enormes de flores azuis.
Kunut Padovani, um velho amigo de Yan, responsável por
todos os envios de flores para toda Cravellas. Era tão excêntrico
quanto Serpa, muitas das vezes Padovani invadia o trabalho do
empresário, para lhe enfiar noção goela abaixo. Mas tudo indicava
que naquele momento não foi bem executado.
— Que Odin nos ajude. — Dante imitou a frase que com
certeza o florista falaria. — Agora, tenho que resolver os problemas
desses ricos desgraçados. — Bufou, pegando seus pertences no
balcão e seguindo até a próxima porta, onde estaria sua mesa. —
Até, Natália.
— Pensando em voltar para o Iraque depois disso? — ela
perguntou.
Natália fora uma das poucas pessoas que leram o
currículo extenso de Dante, logo soube um pouco de seus trabalhos
passados. Era óbvio que Dante não seria idiota o suficiente para
deixar qualquer indício de seu passado sombrio, mas sua
aposentadoria militar sim.
— Nada se compara ao Iraque — anunciou em tom sério.
— O que acontece lá não se compara a um empresário com
parafusos a menos!
Foi a última coisa que falou antes de entrar pela porta e ir
em direção à sua mesa. O que não esperava era dar de cara com
Yan, que se encontrava sentado na cadeira do secretário e
mexendo em seu computador. A sala de Serpa ficava na porta ao
lado, porém, fazia questão de atazanar seu secretário nos primeiros
minutos do dia.
— Então… me faltam parafusos? — perguntou sem tirar
os olhos do computador à sua frente. — Computadorzinho lento,
hein… Está explicado por qual razão não resolve meus problemas
com agilidade.
— É porque não inventei o teletransporte ainda — falou
Fontana entredentes.
— O que disse? — Yan fitou Dante.
— Seu cappuccino, senhor. — O rapaz colocou a bebida
próximo ao teclado, encontrava-se em frente à sua mesa e forçava
um sorriso. — Entreguei as papeladas, deixei seu precioso filho na
escola, comprei sua excêntrica bebida e já pedi o almoço.
— Você que é excêntrico — alegou, rispidamente,
enquanto bebericava e continuava a fuçar o computador. — Qual o
problema de eu gostar de calda de morango no café? Tu gosta de
hortênsias.
— O que uma coisa tem a ver com a outra?
— Hortênsias são feias. — E se levantou da cadeira. —
Você tem um rostinho, corpo e personalidade bastante agradável
para elas. — Yan começou a seguir até sua sala. — Como andam
nossos garotos?
— Perdão?
— Meus! — Yan se corrigiu, enquanto se engasgava com
seu cappuccino. — Meus. Meus filhos!
— Hã... Tudo normal, nada de mais — omitiu Dante. —
Tomás conheceu um jovem a quem socializar, Joca parecia
apressado.
Para o bem de Tomás, Dante achava melhor não falar o
quão desconcertado seu filho ficou ao falar de um garoto, pois, com
certeza, isso daria dor de cabeça ao jovem. Para Dante, ser filho de
Yan já era castigo suficiente.
— Qualquer coisa incomum, avise. Percebi que algumas
vezes ele volta para casa bastante tristonho. Não estou pagando
uma fortuna naquela droga para vê-lo daquele jeito. — Yan abriu a
porta minimamente, Dante conseguiu ver o chão em tom azulado. —
Entre apenas quando te chamar. Estou fazendo os últimos
preparativos!
— Qual a ocasião em especial? — perguntou Dante,
evitando seu olhar curioso contra a fresta da porta.
— Acalme-se, Fontana, você verá. — Dito isso, entrou em
direção ao escritório.
Passaram-se quase duas horas. Nesse tempo, o
secretário atendeu telefonemas, enviou contratos importantes,
marcou reuniões e produziu o mapa astral detalhado de Yan. —
Ordens sérias de Serpa. — Dante se sentia inútil quando praticava
aqueles pedidos.
— Signo de áries… — Dante leu todo o mapa de forma
incrédula —, claro! Porque o dia que este puto nasceu fez ele com
esta personalidade, claro! — sussurrou, carregando um tom
sarcástico em sua voz.
— Dante — chamou Yan, com a porta entreaberta. —
Venha aqui.
O secretário podia jurar que presenciou fogo saindo
daquela sala, imaginando ser o inferno. Após revirar seus olhos,
suspiros intermináveis e pensamentos de como seria pedir
demissão, Dante foi até a porta e abriu.
As hortênsias que o CEO pediu possuíam apenas suas
pétalas espalhadas sobre o chão, no meio deles, um homem de
joelhos em frente ao secretário, segurando uma pequena caixinha
vermelha, Dante pensou que pular da janela seria uma boa opção.
— Sei que me odeia. Também não tenho sentimentos
muito prazerosos sobre sua pessoa, mas... — O homem, ainda
ajoelhado, abriu a caixa e exibiu um reluzente anel de noivado. —
Quer ser meu noivo?
A falta de reação de Fontana fez quase Yan cair na
gargalhada, mas segurou-se o suficiente para continuar exibindo o
objeto. Seu secretário estava vermelho dos pés à cabeça, incrédulo
com as ações do chefe, segurando a maçaneta da porta para não
desmaiar ou fugir daquele inferno.
— O quê?!
Era meio-dia, Dante andava pelas ruas de Porto do Sol,
cambaleante pelo que escutou de Yan, sua expressão de pavor e
confusão era tão óbvia que até mesmo alguns pedestres se
assustavam ao olhá-lo. Onde já se viu um belo homem loiro e de
corpo robusto, com aquela expressão tão abalada?
Ligou para seus melhores amigos e marcou um almoço
com ambos, eram os únicos que confiava ferreamente desde os
acontecimentos no Iraque. Não havia pessoas mais unidas a Dante
do que William, Marcelo e Thyra.
Já próximo do restaurante, ele entrou desgovernado.
Percebendo que Thyra não se encontrava à mesa.
— A última vez que o vi com essa expressão, foi quando a
Thyra acertou seu pau em vez da bola de futebol — sussurrou
William para Marcelo, fingindo bebericar o café. — Teorias do que
aconteceu?
— Falta de sexo? — Marcel deu os ombros, observando o
lento caminhar de Dante. — Faz quanto tempo que esse grandalhão
não sai com alguém? — queixou-se o amigo.
Liam e Marcel – seus respectivos apelidos –, sussurravam
certas teorias até Dante chegar à mesa ao encontro deles. A dupla
se sentou ao lado do outro observando tudo ao redor, pois se tinha
algo que aqueles dois faziam, era fofocar. Dante sempre tomava a
atenção onde quer que passasse, dessa vez não seria diferente,
principalmente com sua face derrotada.
Marcelo era o mais baixo entre seus amigos, dono de
cabelos longos e negros, de olhos tão azuis quanto topázio e pele
tão branca quanto leite, possuidor de um gênio peculiar. Contrário
de William, um rapaz negro de cabelos ralos e olhos amarronzados,
seus músculos eram fartos, o mais consciente entre os dois.
Mais velhos que Dante, ambos com trinta e dois anos,
agiam muitas das vezes como garotos, chegando a ser infantis que
o mais novo do grupo – ironicamente, o mais carrasco.
— Estava no trabalho. Foi o chefe. — Marcelo analisou
Fontana, observando segurar sua mala em uma mão junto de seu
paletó, Dante usava apenas uma regata. — Ele sempre ficou
gostoso usando blusa branca?
— Sério? O Dante? — O olhar de Liam carregava
incredulidade. Chocado. — Tu nem sabe bater uma para alguém.
— Você muito menos — retrucou Marcelo.
— Oi. — Ao se aproximar, a voz do secretário saiu
arrastada e melancólica.
Liam e Marcel fitaram o amigo à sua frente, uma pequena
preocupação surgiu no coração dos dois, mas a vontade de rir era
bem maior que o companheirismo.
— Tive uma súbita vontade de morrer ao escutar esse oi.
— O moreno soltou uma pequena gargalhada, mas foi parado por
William que pisou em seu pé. — Filho da… Pisa na tua mãe,
caralho!
— Sente-se aí, cara, e o ignore. — Liam bufou,
entregando o cardápio. — Come um docinho, vai que te anima.
Ainda tem alguns casadinhos para vender.
Dante jogou o cardápio sobre a mesa, a dupla arregalou
seus olhos exibindo faces confusas, mas nada falaram, enquanto
aguardavam Dante desembuchar. Afinal, o homem sempre foi
reservado e respeitavam isso.
— Fui pedido em casamento — sussurrou.
— E... — Liam se ajeitou na cadeira, procurando palavras.
— Desde quando você... Desde quando você...
— Anda fodendo alguém? — completou Marcelo, mas se
arrependeu no momento em que viu a expressão irada de Dante. —
Ficando! Ficando! Espera... Quem te pediu?
O secretário pendeu a cabeça para trás, apoiando-a na
cadeira em que estava sentado e procurou palavras no seu
vocabulário Os dois amigos o encaravam com enormes dúvidas.
— Faz três anos que estou solteiro e vocês sabem disso
— começou. — Então, dez meses atrás eu pensei em trabalhar em
uma área que minha psicóloga recomendou, mas... — Dante puxou
a respiração. — Aquele playboy, poc desgraçado! Filho de uma puta
me contratou. E hoje, hoje me pediu em casamento! — A voz de
Dante ecoou por todo o restaurante.
Todos à sua volta olharam instantaneamente para o belo
homem, que ao observar seus gritos, encolheu-se na cadeira,
tentando esconder-se da súbita fúria que teve. Foi então que seus
amigos caíram na gargalhada, ignorando os olhares para si e a
timidez do amigo.
Durante dois minutos de altas risadas, com o secretário
vermelho de vergonha, eles fizeram aquele papel, deixando a
situação mais humilhante. Dante logo pensou, por que eles tinham
que ser tão idiotas?
— Espera, espera, espera! Não se odiavam? — Marcel
falava entre arfares, lágrimas caíam de seu rosto por conta dos
segundos passados. — Então, todas aquelas ligações eram nada
além de saudades?
— Verdade, isso está muito estranho, até porque, até
ontem você desejava matá-lo, hoje recebeu um pedido! — Liam
comentou. — Mas, afinal, aceitou ou não?
— Bom, eu... — Dante desviou seu olhar. E começou a
contar.

Cinco horas atrás...

— Chega. Vou ligar para sua psicóloga! — esbravejou


Dante, retirando seu celular do bolso. — Enlouqueceu de vez, pirou!
Me pedindo em casamento? Perdeu seu amor à vida? — Ele estava
discando para a mulher, única pessoa que poderia salvá-lo daquela
insanidade.
— Desliga esse celular, Dante. — Yan levantou-se,
guardando a caixinha em seu bolso.
— Não! Estou vendo sua noção correndo bem ali! — O
secretário gritou para um canto avulso da sala, enquanto na outra
mão, segurava o celular sobre a orelha. — Alô? É Dra. Sarah? Tudo
bem, eu espero. Vou marcar uma consul...
Antes que dissesse algo a mais, um corpo magro e
masculino pulou em cima de Dante, tentando retirar o celular de sua
mão. Yan era mais baixo que Dante, porém, mais ágil.
— Pode me escutar e não colocar nenhum médico no
meio? — O empresário se encontrava em cima de Dante, apertando
o quadril de Fontana com as pernas, impossibilitando sua saída. —
Desligue esse celular, por favor.
— Olá, doutora, tudo bem? — Dante ignorou tudo que Yan
falara. — Aqui é o secretário do Sr. Yan... Sim, das indústrias
Serpa... Então, queria fazer uma denu...
Em seu momento de maior agilidade, Yan retirou o celular
da mão de Dante, colocando-o entre a orelha e o ombro, depois
agarrou com suas duas mãos os pulsos de Fontana, que bufava por
emanar tanto ódio.
— Amanhã te ligo... Sim, aqui é o Serpa... Não, estou
bem. Está tudo indo bem. — Os olhares dos dois se encontraram.
— Poderia desligar? Estou meio ocupado aqui... Certo, obrigado. —
Yan continuava por cima. — Por que não me tirou daqui?
— Exerceria esforço e ficaria com mais raiva. — Dante
continuava no mesmo lugar, como estátua. — E se eu me mexer, o
machucaria, e por mais... que, às vezes, eu pense nesta
possibilidade quando me faz de idiota, nunca faria algum mal a
você!
Pela primeira vez, Dante demonstrou algum afeto ao
chefe, que reagiu de maneira desconcertada, saindo de cima do
homem e indo em direção à sua cadeira, em total silêncio.
— Como pode ver, tentei fazer um pedido menos
extravagante — explicou Yan.
— Esse é o seu não extravagante? — perguntou Dante,
observando para todas as pétalas cobrindo o tapete, elas lhe
remeteram momentos tensos da sua vida, mas naquele momento,
acabaram tomando outro significado. — Tenho medo de perguntar
qual seria.
— Pensei em produzir um comercial no horário nobre. —
Yan deixou escapar sua risada, enquanto colocava suas pernas
sobre a mesa. — Sente-se, noivo.
— Não sou eu noivo! — E se sentou em frente ao chefe.
— Ainda. — Yan piscou para Dante, abrindo um sorriso
logo em seguida. — Enfim, você gosta de homens, certo? Creio que
sim… Minhas irmãs, meus filhos e eu te stalkeamos, vimos suas
fotos na parada LGBTQIA+ exibindo a bandeira gay. E eu sou
bissexual, olha que coincidência do destino!
— Yan — ele o cortou. — Direto ao ponto.
— Preciso que finja ser meu noivo durante alguns meses.
Estou com quase trinta e três anos, minha família quer me ver com
alguém e eles estão na minha cola faz um bom tempo! — A
expressão de Yan tomava lugar de derrota.
— Você já não é adulto o suficiente para estar prestando
esse papel? Diga que não está casado e pronto! — Dante franziu
seu cenho.
Yan estava mais que ciente da resposta daquela pergunta,
pois não possuía muitos motivos para retirar Tomás de seus
cuidados devido à sua personalidade. Yan era um pouco negligente
em algumas questões, porém, todas as suas crianças eram bem
tratadas, recebendo carinho e demais necessidades básicas.
Mas isso não impedia que seus pais possuíssem o poder
sobre custódia do garoto, já que...
— Seria o certo se... eu não tivesse engravidado a mãe de
Tomás aos quinze. Fui irresponsável — balbuciou, enquanto
massageava suas têmporas. — Meus pais resolveram… assumir.
Criando-o até os seus dois anos, o momento em que consegui
tomar rédeas da minha vida… basicamente?
— Aonde quer chegar? — Dante já começava a ficar
preocupado.
— Eles têm a guarda do Tomás... Podem tirar o garoto de
mim quando quiser. — Um suspiro sôfrego fora solto. — Meus filhos
são o único motivo de me fazer trabalhar tanto. Não posso deixar
que meus pais o peguem apenas por não estar noivo ou casado!
Dou graças a Deus que ninguém brigou pela guarda dos outros…
Os pais de Serpa, Melinda e Abner, ligavam bastante pelo
fato de Yan ser um homem bissexual. Ainda mais, após suas duas
melhores amigas, Madalena e Felícia, ajudarem financeiramente
Yan em seus projetos de baterias autossustentáveis. Ver que o
homem se tornou bem-sucedido o fizeram desejar sua
desestabilização. Logo, retirando Tomás de sua guarda.
Já que as guardas dos demais filhos foram conquistadas
recentemente, por estarem sobre o nome de Madalena e Felícia. O
único que ainda tinha alguma pendência era de Tomás, e isso o
fazia tremer apenas em cogitar seu filho naquela casa.
— Aí quer me usar?
— Por uma quantia considerável, nada que fará será de
graça. — Yan começou a mexer no cubo mágico que estava ao lado
da mesa. — Teremos que sair algumas vezes juntos em festas,
encontros familiares e etc.
— Eu tenho cara de garoto de programa?
— Não? Mas você parece um urso, se isso te acalma. —
Yan continuava a mexer no cubo, sem olhar para Dante. — Quem te
recomendou foi Ulisses e Tomás. Disseram que você age como uma
mamãe. E nunca me esquecerei de quando você nos mandou
comida quando estávamos doentes, aquilo foi... Foi legal.
Dante se arrependeria do que falaria? Talvez, mas sabia
que Tomás era importante para Yan, e, um pouco, para ele. Fontana
sempre desejou filhos desde o começo da vida adulta e acabava
apoiando seus sentimentos paternos em qualquer criança que
começava a conviver por muito tempo. Poderia ser uma bobagem
fazer isso, mas acabava não se controlando.
A explicação parecia plausível e, em simultâneo, injusta
com Yan. Sua família parecia bem conservadora em relação a isso,
por isso Dante viu uma oportunidade interessante em usar aquilo a
seu favor.
Querendo ou não, ter uma família postiça por apenas
alguns meses já enchia o coração do soldado de esperanças. A
sensação de que era possível ter isso algum dia, surgiu como uma
pequena chama em seu coração. Mesmo que, infelizmente, o tal
marido não fosse um dos melhores, muito pelo contrário. Era o
demônio.
Certo, ambos tinham desejos diferentes. Mas Dante queria
uma família e Yan queria permanecer com a sua, o que poderia dar
de errado nisso? Bom… se calculasse, muitas coisas.
Mas ignoraria, por ora.
— Possuo três regras. — Dante fez uma expressão séria,
enquanto exibia os números com os dedos. — Primeiro, quero
quinhentos reais.
— Um pequeno preço, mas...
— Por dia — interrompeu Dante. — Segundo, não toque,
beije ou apalpe qualquer parte do meu corpo.
— E qual a graça dessa encenação então? — brincou.
— Hã, não sei, talvez seja... A parte que não levam seu
filho?! — berrou o secretário. — Por último, você terá que passar
mais tempo com seus filhos, você tem algo que eu nunca terei e...
Enfim, é isso!
A ideia de aproximar Yan mais da família não mudaria
nada na vida de Fontana, pois continuava sendo um simples
secretário, mas Dante sabia mais que qualquer um o quanto a
ausência paterna doía.
— Gostei da última parte. — O empresário sorriu. —
Porém, com isso, você terá que trabalhar mais que o necessário
para conseguir tal ato. Tudo bem? Aumento seu salário em dez por
cento.
— Não precisa, só saia mais com eles. Se quiser, poderei
ir também. Claro que é apenas para fingir! Não que eu esteja
querendo um momento em família! — sussurrou, desviando seu
olhar.
— Estou animado para isso, Dante. — O empresário
finalizou o cubo mágico que mexia, deixando todos os lados iguais.
— Mas ainda terá que deixar Tomás na escola, ele gosta de você. E
como não faço muito de seus caprichos...
— Mas tenho que acordar trinta minutos antes para chegar
ao centro da cidade, Yan. É impossível! Já viu a lata velha que
tenho? Ele grita a cada vez que engato a terceira marcha! É muito
perigoso para Tomás...
O chefe encarou seu secretário por alguns minutos e logo
revirou seus olhos, retirando seus pés da mesa e remexendo na sua
segunda gaveta. Depois de muitos objetos estranhos serem jogados
no chão, Yan achou o que queria, jogando uma chave em direção
ao Fontana, que a pegou no ar.
— Fique enquanto somos noivos. Mau uso ele, faz quase
um ano que está pegando poeira na garagem da empresa, mas
você pagará a gasolina! — Yan o contestou. — BMW 2017 branca.
— Era para Tomás receber de presente, mas ele atropelou o chofer
aprendendo a dirigir. Acabei descobrindo que temos outra coisa em
comum.
O secretário apenas balançou a cabeça e se levantou,
além de receber um pedido e uma boa quantia em dinheiro, estava
saindo daquela maldita porta com um carro. Yan era rico, sem
noção ou idiota? Talvez os três em um único momento.
Porém, antes que saísse bastante absorto da sala, Serpa
levantou-se da cadeira.
— Volte aqui, você não recebeu seu anel. — Gargalhou,
enquanto tirava a caixinha do bolso. — Só não penhora, tudo bem?
— Ao retirar o anel prateado, Yan segurou delicadamente a mão
gordinha de seu secretário e enfiou em seu dedo anelar da mão
direita. — Pronto, só não pergunte como descobri o tamanho do seu
dedo!
— Possuo muito orgulho para fazer isso. Agora, anda. Me
dê a droga do seu anel para eu fazer isso. — Dante recebeu o
objeto em mãos. — Devia fazer você engolir isso e mandar essa
ideia maluca pelos ares! — murmurou, enquanto fazia a mesma
ação de Yan.
— Dante, bobinho… gosto de engolir outra coisa. — E
piscou para Fontana, recebendo uma expressão horrenda. — Ah!
Desculpe-me, Madre Tereza dos gays! Não sabia que estava se
guardando para o casamento.
Dante o encarou por alguns segundos e saiu da sala,
pensando se teria sido uma boa ideia fazer tal trato, pois pensar em
Tomás não estava sendo o suficiente para aguentar Yan por vinte e
quatro horas. Seu trabalho como secretário continuaria.

Cinco horas depois... No restaurante.

— E cadê o carro? — Foi a primeira fala que Marcelo fez


após escutar toda a história.
— Escutou o que eu falei? — O amigo aparentava mais
incrédulo do que de costume. — Estou noivo, Marcel, noivo!
— Sabe o que deveria fazer? Casar com ele — opinou
Liam. Pegando o frasco de molho inglês e de pimenta, cada um em
mãos opostas. — Então, passe três meses juntos. E em um fatídico
dia... — O homem agarrou o frasco de pimenta e derrubou com a
ajuda do frasco de molho inglês. — Bum! Jogue-o da escada, me dê
a BMW de presente pela ideia e fique com suas criancinhas
surpresas, a vida é bela!
Enquanto Marcelo gargalhava sem parar, Dante bufava e
tremia de ódio pela brincadeira, mas não seria de menos, nenhum
deles levaria algo a sério.
— Você ainda não mostrou o anel para nós. — Marcelo
riu. — Ele tem que, no mínimo, me deixar cego de um olho!
Dante revirou seus olhos e exibiu o anel em seu anelar,
seus amigos gritaram ao observar a prata com pequenas pedrinhas
de diamantes, deixando-o constrangido. O secretário não fazia ideia
de como explicaria para os demais, estava sendo tudo muito novo e
a dupla não ajudava.
— E você se apaixonar? Já pensou? — William não
conseguia focar no cardápio, apenas pensando na armação que o
amigo entrou. — Já imaginou aquele grupo do capeta chamando
você mamãe Dante até sua velhice?
— Estou fazendo isso pelos garotos, nada mais. — O tom
de Fontana parecia mais sério que o cotidiano. — Não irei me
apaixonar por Yan Serpa. Definitivamente, não!
— Quantas vezes você diz isso na frente do espelho ao
acordar? — falou Marcel com dificuldade, pois ria entre as palavras.
— Qual é?! Ele é rico, bonito e seu espírito paterno grita ao ver
aqueles meninos. Lembro-me muito bem quando você foi entregar
sopa meia-noite para eles!
— Detalhes, Marcelo, detalhes! — Dante o interrompeu,
ainda envergonhado. — Enfim, algumas festas que acontecerão
vocês terão de ir, não podem aparecer apenas os amigos de Yan,
seria estranho.
— Nem se preocupe, eu vou. — Marcel deu o último gole
de café. — Mas só confirmo se eu sair sem precisar pagar.
— Filho da puta mão de vaca! — Dante massageou suas
têmporas. — Pede logo a droga do almoço, quero aproveitar meu
último dia como solteiro. Vamos jogar basquete depois daqui? Thyra
está disponível?
— A pergunta é quando a Thyra não está. Mas você não
voltará para os braços do seu amado? — William começou a piscar
seus olhos docilmente, irritando o amigo.
— O risco de eu pular no pescoço do meu chefe é alto…
— O homem localizou a garçonete e a chamou.
Era outro dia, mais específico o primeiro de Yan e Dante
como noivos! O novo padrasto dos garotos esperava Tomás em
frente à casa, com sua testa quase imersa no volante e as mãos
tensas, pensando se brigaria ou choraria na frente de Ulisses e
Tomás por ter sido colocado em maus lençóis.
Porém, antes que pensasse no que falaria, estavam os
cinco filhos de Yan aguardando a chegada de Dante. O homem
soltou um grunhido desconhecido ao observar as cópias sarcásticas
de seu chefe o esperando.
— Porque aguentar um Serpa não parece ser suficiente —
murmurou Dante entredentes. — Ê Fontana, onde você foi se
meter…
— Olha nosso mais novo padrasto! — gritou Joana.
— Criatura, fale baixo! — Ulisses empurrou a irmã. — Vai
que os vizinhos escutam… Não para de entrar pessoas dentro
dessa casa, vão acreditar serem namorados do papai!
— Quando, na verdade, são seus, né? — sussurrou
Tomás.
— Calado, virgem. — O rapaz puxara a orelha do mais
novo, que resmungou com a ação.
O grupo observou cada ação de Dante e percebeu como o
homem se encontrava um pouco mexido com aquela situação. A
vontade de todos era rir, porém, em respeito à confusão mental que
o secretário se encontrava, decidiram se acalmar.
— Mãe! — gritou Tomás, aparecendo de forma repentina
próximo ao carro, carregando sua mochila e um par de sapatos de
dança. — Lembro-me desse carrinho, foi o pai que deu?
— Sim — murmurou. Suas olheiras estavam fundas,
Dante não tinha conseguido dormir. — Oi, gente, Lia já foi com o
Yan, imagino.
— Embora ela quisesse ficar, sim, foi. — Kali sorriu,
seguindo até o carro. — Está bem com tudo isso, Dante? Nós que te
colocamos em uma confusão que não é sua…
— Não é a primeira vez que entro em situações assim,
pode acreditar. — Fontana forçou um sorriso. — Mesmo sendo difícil
lidar com o pai de vocês, não fará mal ajudar. Todo mundo sai
ganhando, inclusive eu.
— Nossa, sua sinceridade é incrível. Será que foi isso que
o papai — exclamou Joca, mas encerrou a sua fala ao ver a
expressão julgadora dos demais sobre si. — Tchau, Ton-ton! É
apenas isso que tenho a falar!
— E dividimos a mesma barriga — Joana exprimiu.
— Só não se apaixona, hein, Dante. — Ulisses gargalhou.
— Porque não será apenas o Tomás que te chamará de mamãe. —
O rapaz piscou para o outro.
— Isso é uma ameaça? Porque pareceu. — Fontana ligou
o carro. — Obrigado pelas dicas? Enfim, cuide bem deles, Kali. Sei
que é a única com um pouco de sensatez. — E sussurrou para o
outro: — Tudo pronto, Tomás?
O garoto confirmou e entrou no carro, sentando-se ao lado
de Dante e, após colocar o cinto, Fontana engatou a marcha e
seguiu até a escola. Os quatro continuavam parados frente à casa
um tanto felizes com aquela situação, embora ela fosse bastante
estranha.
— Aposto vintinho que ele está apaixonado — alegou
Joana.
— Acredito que ele vai se apaixonar — contestou Joca.
— Tenho certeza de que ele está, mas não quer admitir. —
Foi a vez de Ulisses falar. — Mas não vamos criar expectativas aqui,
hein! Pelo amor de Deus! O que você acha, Kali?
Kali, como sempre, se encontrava bastante aérea com a
situação, pensando no que poderia acontecer com toda a família
com mais um integrante, porém, dessa vez, alguém que poderia
entender os filhos de Serpa e, em consequência, tratar todos bem.
Ulisses e Kali, por serem os mais velhos, sempre tinham receios
com as teorias apaixonadas dos mais novos e, quando possível, os
barravam.
Fisicamente falando, Kali e Ulisses possuíam
características parecidas, seus olhos eram finos e de coloração
preta, os cabelos tão lisos quanto a seda e a pele bronzeada pelo
sol da cidade. Não sabiam de qual parte da Ásia ambos vieram,
suas antigas famílias pouco diziam sobre isso, mas seus traços
alegavam suas raízes asiáticas.
— Concordo com o Ulisses. Sem expectativas. — Kali
ficou em silêncio por alguns minutos, até conseguir falar: — Aquele
carro não é o mesmo que o pai ia dar ao Tomás?

— Agora conte! O que achou do pedido? — perguntou


Tomás, animado.
Ainda no carro, depois de alguns minutos, Dante fitou o
pirralho ao seu lado. Seu olhar era tão brilhante e inocente que
poderia cegá-lo. Dante teve que admitir para si que ficou feliz com a
alegria de Tomás descobrir as situações do seu ponto de vista.
— Na verdade, soube como foi o pedido. — O garoto se
espreguiçou. — Queria que tivesse sido um pedido real —
sussurrou, Tomás adoraria ter o secretário como pai. — E por que
hortênsias?
Dante não queria contar sua vida perigosa como soldado e
pensar nisso o fez apertar o volante com demasiada força, tentando
esquecer das lembranças que tal pergunta trouxe à sua mente.
Estava perto da escola e agradeceu, não precisava entrar em
detalhes.
— No meu antigo trabalho sempre ficava no mesmo local,
era obrigado a observar caso ocorresse algo estranho. Próximo de
mim, possuía um campo de hortênsias. — Fontana engoliu seco,
estacionando em frente à escola. — Espero que nunca entenda a
sensação de ter apenas uma esperança para se apegar.
— Ei. — Tomás cutucou o antebraço do homem,
observando o seu semblante aterrorizado. — Tudo bem?
Dante começara a imergir em pensamentos, as únicas
coisas que lembravam eram gritos, choros, barulhos estridentes de
explosões e armas de grosso calibre, mas nada se comparava ao
fatídico dia da chuva. Não possuía momentos bons em guerras, mas
naquele em específico, trovejava forte e o cheiro que levantava da
terra era mais parecido com caos e morte do que natureza…
— Tomás!
De repente, metade do corpo de um adolescente entrava
no carro pela janela gritando várias vezes o nome do outro. Por
instinto, Dante apertou acidentalmente a buzina enquanto enfiava
um de seus braços entre o invasor e Tomás, protegendo-o. O
causador daquilo assustou-se ao escutar a buzina do carro.
— Pietro! — Tomás estremeceu dos pés à cabeça,
agarrando o ombro de Dante. — Não faz isso! Eu levei um susto!
— Como se não bastasse seis escandalosos. — Dante
bufou alto, observando os olhos esverdeados do outro rapaz. —
Quem é? — O secretário apontou para o rapaz negro, mas fitava
Tomás. Começando a voltar à sua posição normal, já que o outro
não aparentava ameaça.
— O… bolsista — respondeu Tomás, encabulado. — O
gato — sibilou o garoto para o secretário.
— Me chamam de Pietro. — O rapaz ergueu a mão em
frente a Dante, enquanto piscava para Tomás, solicitando um aperto
para Fontana. — É o pai de Tomás?
Os dois se entreolharam, Dante não saberia o que falar,
pois toda aquela situação parecia constrangedora, afinal, ninguém
precisava saber que ele e Yan estavam noivos, já que Fontana
cogitava que seria uma forma de manchar a reputação do garoto.
— Um deles — falou Tomás. E começou a gargalhar com
a expressão confusa de ambos. — Ele é meu padrasto, Dante. E,
Dante, este é o Pietro Monte. Ele é novato.
— Monte? — sussurrou Dante.
— Oi?
— Hã… Nada. Eu… Eu lembrei de um amigo.
— Bom, tchau, mãe, estamos indo! — Tomás abriu a porta
de repente com Pietro ainda apoiado sobre a janela, fazendo o mais
alto quase cair no chão, o mais novo gargalhou com seu jeito
atrapalhado. — Você vai cair!
Dante ficou encarando os dois e percebeu certa tensão.
De fato, Pietro era bem bonito com sua pele negra e seus olhos
claros. Seu corpo exibia já alguns músculos e a altura bastante
chamativa dera um charme a mais.
Tomás não ficava muito longe, entretanto, era um pouco
mais baixo que o outro, o corpo magro igual ao pai e dono de olhos
escuros. Na visão do secretário estava mais para um garotinho da
sexta série. Logo depois, Dante saiu do carro.
— Ei, Pietro! — Dante forçou um sorriso, apoiando seus
braços sobre o carro. — Cuide bem do Tomás. — Ele forçou uma
risada na tentativa de aparentar mais amigável, porém, falhou.
A bolha divertida que apenas Pietro e Tomás estavam
inclusos fora estourada ao Pietro observar com precisão a altura de
Fontana e o tamanho de seus músculos, sua face divertida apagou-
se de repente, dando lugar para uma assustada, afinal, Dante era
do tamanho de seu pai.
— Tchau, mamãe. — Tomás acenou para o secretário,
empurrando Pietro consigo. — E você é péssimo em socializações!
Fontana entrou no carro com um ponto de interrogação na
cabeça, acreditava que fora amigável, mas Pietro achou o contrário.
Dante observou os dois entrando e partiu.
— Aquela muralha não se sente ofendido em ser chamado
de mãe? — perguntou Pietro, com suas mãos sobre os ombros do
outro. — Onde estão seus amigos?
— Ele não liga e, se ligar, tanto faz. — Tomás exibiu sua
língua, rindo logo depois. — Eu meio que… Não tenho? Bom, o
Zaire e eu conversamos às vezes, mas o resto…
— Nunca entendi isso. — Pietro riu, aproximando-se de
seu armário, continuava com suas mãos no mesmo local. — Todo
mundo conhece você… Aconteceu algo antes de eu chegar?
— Bom… — Tomás se afastou do corpo do outro,
encontrava-se envergonhado. — Sou assumidamente gay. — O
garoto desviou seu olhar, com medo da reação. — Como a maioria
não se assume por conta do conservadorismo dos pais, e eu não
gosto muito da galera mais riquinha, juntou o útil ao agradável.
— Você fala como se fosse pobre. — Pietro riu. — Tem
medo de que as meninas te usem de chaveirinho, né? É bem
ridículo.
— Também. — Tomás soltou uma risada anasalada. —
Não tem muita diversidade por aqui. A maioria é babaca, alguns têm
raiva do meu pai por adotar meus irmãos, pelas minhas tias… Sou
odiado por tabela, o dinheiro nunca foi um recurso tão presente na
minha vida.
— Entendi. Você vive com sua mãe, então? Dante faz o
trabalho paternal e o riquinho do seu pai te busca apenas finais de
semana? É só o que eu vejo por aqui. — Pietro estava tão
interessado na vida do outro, que apenas focou nos olhos negros de
Tomás.
— Não. — Riu, ficando feliz com a sua curiosidade. —
Moro com meu pai e aquele é o noivo dele. — Os olhos de Pietro se
arregalaram, sua expressão começando a apresentar desconcerto.
O menor gargalhou tomando atenção de alguns alunos.
— Ah… Desculpe. Pensei que só você que era… era gay.
— A vergonha de Pietro aumentava a cada risada escutada. — Por
isso que muitos não gostam dele? Por que ele também é assumido?
— O rapaz abriu seu armário e o zíper da mochila, tentando
esconder sua expressão.
— Não exatamente. Se um dia o conhecer, vai saber o
motivo. — Ao observar a naturalidade em saber da sua excêntrica
família, Tomás soltou um leve suspiro aliviado. — Pensei que iria se
afastar no momento que eu dissesse sobre minha sexualidade.
— Seria contraditório da minha parte. — Ele fechou seu
armário. — Porque eu já sabia.
Pietro abriu um grande sorriso, fazendo Tomás estremecer
por aquilo. Ambos ficaram se encarando por alguns segundos antes
do sinal e se não fosse por Matias ter empurrado o menor entre a
parede e os armários, o clima não teria sido quebrado.
— Caralho! Quer chamar atenção? Enfia uma dentadura
no rabo! — O mais alto bateu o armário com força. — E sorri lá na
casa do caralho!
— Nossa! Aprendi alguns novos xingamentos. — Sorriu,
massageando seu ombro machucado. — Normalmente ele volta e
revida!
— Ele não vai fazer isso depois que tentou me bater no
primeiro dia. — Pietro ficou indiferente por conta da lembrança. —
Mas quando se tem um soldado de guerra aposentado em casa, é
impossível não aprender alguns golpes. — O sinal tocou. — Vamos?
Hoje sou todo seu e vou te apresentar a Lulu.

— Dante, na minha sala — falou Yan, rispidamente, ao


interfone. Dante revirou seus olhos. — Agora.
Levantou-se sem pressa e olhou para seu anel de
noivado, pensando se arrancar seu anelar seria exagero… Talvez,
mas estamos falando de Serpa e sua paixão por exageros.
Ao abrir a porta com uma expressão nítida de tédio, Dante
foi até seu chefe. Ele encontrava-se anotando alguns papéis e ao
ver seu secretário, exibiu um belo sorriso. Por outro lado, Fontana
cogitou novamente pular da janela atrás de Yan.
— Acordei com uma grande dor aqui. — O CEO ergueu
um pouco sua mão direita. — Um peso enorme, pois… É muito
difícil carregar o enorme peso de estar noivo! — Yan exibiu seu
anelar. — Que bela aliança, não acha?
— Poxa… Claro. — Dessa vez, Dante segurou a risada,
forçando-se a não rir da ação de seu chefe. — Que bom que está
contente, Sr. Serpa, pelo menos alguém teria que estar entre nós,
não é?
— Você precisa ir ao médico para tratar essa falta de
dopamina no seu corpo, senhor Estraga-Prazeres. — Yan começou
a digitar no seu computador. — O que acha de sairmos para
almoçar?
— Não obrigado, comerei sozinho para pensar no que fiz
contra Deus para pagar esse castigo. — E começou a andar para
fora da sala.
— Precisamos conversar sobre algumas coisinhas. Vai ser
legal. — Yan se levantou da mesa e seguiu até sua janela,
apreciando a vista. — Imagine que somos noivos de verdade,
dividimos uma sobremesa e falamos dos seus amigos.
— Tenho certeza de que se dariam bem, todos vocês
sabem fazer minha caveira!
— Que homem esperto. — Yan colocou seus braços para
trás. — Vamos.
— Não almoçarei contigo, seja o puteiro que escolher!
— Não vai?
— Não!

Três horas depois…

— O molho de abobrinha daqui não é divino? — Yan


suspirava de satisfação, enquanto limpava sua boca com um
guardanapo. — O que achou da sua comida?
— Senti apenas ódio. Por que raios não come nada
normal? — perguntou Dante, incrédulo. — Estava bom.
Dante acabou cedendo à proposta de almoçar com Yan, o
que lhe causou enormes dores de cabeça com a escolha do
restaurante e até no prato, já que o empresário possuía um paladar
estranho e Dante gostava apenas de coisas simples. Ambos
estavam sentados um de frente ao outro e Yan fez questão de
colocá-los em uma sala particular do restaurante.
— Molho de abobrinha é melhor que costela frita e
repolho. — Yan apertou seu queixo, visualizando as sobremesas no
cardápio. — Hoje quero te mimar, diga qual a sobremesa que gosta.
— Aquela que você não está me acompanhando —
sussurrou o secretário.
— O quê?
— Mousse. — Suspirou. — Disse que queria resolver
algumas coisas. O que são?
— Ah! Sim. — Yan enviou uma mensagem para o chefe,
pedindo duas mousses de chocolate vegano para a sobremesa. —
Teremos que ir a um chá de bebê, minha irmã faz questão de
descobrir o gênero da criança. Meus pais virão e passarão alguns
dias, analisando se estamos juntos. Também terá um piquenique. —
Seu olhar tomou lugar à tristeza.
— Podemos organizar juntos, se não achar ruim. — Dante
sentiu pena pelo medo que Yan tinha dos pais. — Posso chamar
meus amigos? Estão cientes, mas sabem guardar segredos.
— Claro, adoraria conhecê-los. — Sorriu. — Isso vai
acabar em breve, Dante, mas ainda o quero como secretário. É um
homem bastante responsável.
— Obrigado, Sr. Serpa. Já sabe o local do piquenique?
— Alugarei um pequeno barco do meu amigo, em frente
ao mar, belíssimo! — respondeu Yan, ansioso. — Têm quartos
disponíveis para todos, mas teremos que dormir juntos! Não
daquela forma, sabe... O que acha?
— Não concordo com a ideia de Tomás dormir no mesmo
quarto que o amigo dele. — Dante lembrara a cena. — Não é
necessário alugar um barco, Serpa, pode ser apenas um dia na sua
casa.
— É uma ocasião especial!
— Não vai mudar de ideia, né?
— Que esperto. Fico feliz que esteja ciente.
— Acho que ele não gosta de mim — alegou Joca, depois
de quase cinco minutos em puro silêncio. — Ele fica todo estranho
perto de mim, gagueja e nunca é emburrado. Tipo… O Dante é
irônico com vocês, mas comigo nada!
Joana e Kali reviraram seus olhos.
— É por que eu sou trans? Tipo… Isso só fica passando
na minha cabeça, embora, ele respeite meus pronomes… Ah, cara!
— E bufou. — Sei lá! Quero a opinião de vocês.
— Não faz sentido nenhum isso — apontou Kali, enquanto
escovava seu cabelo. — Sabe… O papai… pois é. Alguém
transfóbico com ele? Não faz sentido! — E, após escová-los,
amarrou em um grande coque. — Ele só não deve ter contato
contigo. Dante conversa mais com o Ton-Ton.
— Depende, né, ele já namorou alguém que nem gostava
— revelou Joana. — O Narciso era insuportável, não aguentava
uma única palavra daquele homem, sinceramente! — Joana bufou,
dando um longo gole em seu suco. — Sabe o que deveríamos
fazer? Tentar juntar eles dois.
— Mas nem pensar, Jojo! — gritou Ulisses, sentando-se
na cadeira e unindo-se aos irmãos. — Isso é tão datado, pelo amor
de Deus!
— Aí, para de graça, o secretário é legal. São dez meses
de convivência, já se esqueceu no dia que o Dante te trouxe de
carro, pois sua moto parou na avenida? — Joana exibiu sua língua
para o irmão.
Os quatro irmãos estudavam na mesma faculdade. Era lei
o grupo almoçar unidos, já que seus cursos eram diferentes. Ulisses
cursava moda e Kali medicina. Os únicos que faziam cursos
parecidos eram Joca e Joana, já que seus amores por casos não
resolvidos pela polícia eram muito intensos.
— Ok, ok! Mas penso que não precisa de nós... eles vão
ficar juntos, gente, confiem em mim. — Ulisses piscou para os
irmãos.
— Não foi a gente que combinou sobre não criarmos
expectativas?! — Kali pressionou sua mão contra o rosto. —
Perdidos nos personagens! Mas pelo amor de Deus, deixem os
pombinhos se resolverem sozinhos!

Uma semana passou e Dante já possuía seu dinheiro por


tal atuação. Yan aparentava o mesmo sádico, entretanto, feliz com
tudo que ocorria. Os filhos foram afetados por isso, visto que seu pai
os pegava no colégio diariamente. Também saía para passear, às
vezes com um ou com todos juntos.
Entretanto, a vida de Tomás não estava tão fácil. Matias
continuava perseguindo-o. Ninguém sabia o porquê daquilo, afinal
nunca foram trocadas muitas palavras entre eles. A única resposta
plausível era o fato do rapaz ser gay.
Mas algo era certo, Tomás tinha força.
Desde a significativa aproximação de Pietro com Tomás, o
garoto tem escutado mais rumores do outro, principalmente de
como conquistou sua bolsa. E mesmo Pietro comprovando suas
habilidades que não passavam de uma história mal-interpretada,
ninguém o escutava.
Sem a vista de Tomás ou da dupla inseparável que era
Lulu e Zaire, Pietro caminhou até seu armário, tranquilo, lutando
para não avançar no rostinho de ninguém. O rapaz então ficou de
frente do seu armário e ao abrir deu de cara com várias notas falsas
de dinheiro, todas pertencentes a diversas casas noturnas.
Uma quantidade fora derramada no chão e algumas sobre
o corpo de Pietro. Irado com a brincadeira de mau gosto feita
aparentemente por Matias, ele soltara uma risada nervosa quando
escutou os demais alunos gargalharem.
— Vai ajudar ele — sussurrou Luana para Zaire, ambos
acabaram de chegar. — Ele não vai ficar puto contigo.
— Onde está aquele baixinho que ele está a fim? — Zaire
perguntou para a namorada. — Ai, cara, seria perfeito se quem
ajudasse fosse ele.
— Sabe por que te amo? Porque fanfica igual uma garota
de treze anos. — Luana apertou o ombro do outro, fazendo-o
resmungar.
Luana era uma antiga amiga de Pietro, acompanhante
inseparável e sua vizinha. Era uma garota de pele retinta, possuía o
cabelo raspado e andava com brincos de argolas em suas orelhas.
Lulu conseguiu sua bolsa ano passado, cursando o primeiro ano
sem a presença do amigo, logo alguns desentendimentos na escola
antiga, fora para o atual colégio Pedro Padovani.
Zaire era filho do prefeito da cidade, eleito pela maioria
dos votos vindos da classe trabalhadora. Um rapaz um pouco
musculoso, sua pele continha um tom negro um pouco mais claro,
alguns centímetros mais alto que Pietro e de cabelos com curtos
dreads pretos.
— Eu não… — O rapaz começou a cutucar a namorada.
— Tomás está indo na direção dele! — sussurrou.
— Zaire, pare com isso — retrucou Luana, colocando sua
mão sobre a boca para não rir.
— A-ajuda? — Tomás perguntou, recolhendo as notas do
armário.
— O que acha? — Pietro, que estava agachado pegando
os papéis, levantou seu rosto e observou o rapazinho sorridente que
tanto gostava de conversar. — Desculpe. Estou pensando se vale a
pena perder minha bolsa após esfregar o rosto do Matias no asfalto.
Tomás riu com o comentário, a gargalhada gostosa deixou
Pietro mais calmo. Monte levantou-se do chão e despejou todas as
notas em um lixo próximo. Serpa fez o mesmo, deixando tudo limpo
após minutos.
— Olhe pelo lado bom, não foi tinta. — Tomás deu de
ombros, lutando para não fitar aqueles olhos belos esverdeados. —
Até que pegou leve. Ano passado ele encheu meu armário de tinta
colorida. Minha irmã tirou a tinta que ficou em meu ouvido.
— Aconteceu algo entre vocês no passado para ele ser
um idiota? — Pietro aparentava inquieto com a pergunta.
— Não, somos diferentes. Ele começou a fazer isso
quando parei de me esconder e, principalmente, quando o
confrontei em público no dia que ele descobriu, não sei como, que
eu dançava.
— Você dança? — A animação do garoto tornou-se
aparente. — Ah! Entendi o motivo de ser tão flexível, é muito legal.
Qual o seu estilo favorito?
— A contemporânea, mas quando menor amava
sapateado… Não se engane, eu danço mal, o dinheiro do meu pai
está sendo mal investido. — O garoto riu ao lembrar-se das gafes
que já fez. — Sou melhor jogando videogame.
— Duvido disso. Sempre fico hipnotizado quando você
começa a se alongar, é profissional. — O maior pressionou seus
lábios um contra o outro. — Principalmente quando abre toda a
perna, fico tipo: como ele não sente dor?
Tomás, curioso como era, pensou se seria uma boa ideia
tirar a dúvida do que ele fazia, mas não queria aparentar ser
invasivo. Entretanto, estamos falando do filho de Yan Serpa.
— Tu faz pole dance? — após perguntar, a vergonha lhe
ocupou. — Qu-quer dizer…
— Sei que me acha carismático, gostoso e dono de um
sorriso bonito. — Pietro gargalhou com a expressão envergonhada
do menor. — Sim, eu escutei seu comentário. Mas não, Tommy. O
único motivo que eles atinaram a isso, foi por eu ser barman em
uma casa noturna.
— Sou perito em queimar meu filme. — O garoto
escondeu seu rosto entre as mãos, lembrando-se daquele dia. —
Normalmente, um barman tem que ter mais de dezoito. Certo?
— Correto. — O garoto coçou a nuca. — Mas eu tenho
dezessete. Dei azar de não entrar na escola no tempo certo e
preciso trabalhar para sustentar a moto, já que meu velho é mão de
vaca pra caralho.
Tomás lembrou a moto que o garoto sempre vinha, uma
preta de detalhes verdes em suas laterais, iguais aos seus olhos.
Sua curiosidade se tornou visível sobre a tardança do garoto, mas
dessa vez ficaria calado.
O alarme, enfim, tocou, fazendo os dois, que antes
estavam parados em frente ao armário, andarem. Pietro colocou
suas mãos no bolso e fitou o chão, acumulando coragem do que
falaria.
— Eu… — Pietro tomou um pouco de ar e logo soltou. —
Demorei a entrar, porque… — sua voz soou séria —, as papeladas
da adoção demoraram quase dois anos para serem processadas.
Tomás parou de andar de repente com a descoberta.
Pietro continuou a andar e apenas acenou, tinha vergonha de falar
sobre o assunto com alguém, mas, por alguma razão, não queria
esconder aquilo do outro.
— Pietro... Espere!

Depois do acontecimento, Pietro acabou ignorando o


garoto. Seja na hora das aulas ou na educação física, estava
envergonhado por dizer que fora adotado tão repentinamente.
Era verdade que sua decisão de aproximação por aquele
garoto fosse pela sexualidade, já que Pietro continuava um pouco
confuso com a sua. Zaire e Luana eram os únicos cientes, mas seu
pai não sabia como ajudá-lo. Mas Tomás era tão amável, que
acabou se tornando amigo.
O garoto fitava o céu azulado, próximo às árvores do
quintal da escola, ninguém visitava lá, embora o ar fosse um dos
mais puros. Local perfeito para se perguntar por que tinha aceitado
a bolsa, mesmo sendo uma bobagem caso recusasse, tinha
dúvidas.
Soltou um suspiro longo e enterrou sua cabeça próxima
aos joelhos, estava pensativo. Sua vontade de pular as grades da
escola e faltar nunca foi tão latente, mas seu desejo fora cortado ao
escutar grunhidos vindos da porta de entrada.
— Matias… Me solta! — Aquela voz já era bem
reconhecível para seus ouvidos. — O que quer comigo?
— Calma! — A voz estridente de Matias sempre irritava o
bolsista. — Vamos apenas nos divertir um pouquinho, você não
gosta?
As risadas de alguns garotos ecoaram. Pietro já estava
irado quando se levantou do chão. Ao ver que aquilo poderia ser um
grande problema para ele, seguiu em direção a voz.
Os barulhos de risos e alguns socos foram escutados, isso
só fez se revoltar ainda mais, chegando o mais rápido possível ao
local. Ao ver Tomás sendo segurado por dois garotos, enquanto
Matias proferia socos em sua barriga, agarrou a nuca do abusador.
— Tu não cansa de ser filho da puta? — Com demasiada
força, a cabeça de Matias começava a se curvar, fazendo o garoto
parar de mexer. — Deixe o cara, ele é metade do teu tamanho,
mano. Quer bater em alguém? Faz isso comigo.
Os olhos de Pietro e Tomás se encontraram de maneira
abrupta, algo estranho foi sentido pelo mais alto. Ainda agarrando a
nuca de Matias, finalmente soltou, observou que seriam três contra
um e analisou como conseguiria tirar o garoto da mão dos outros
dois.
— Vamos lá, stripper. Você passará dois anos de colégio
com a gente. — Matias agarrou o ombro do maior e apontou para
Tomás. — Precisa apenas socar ele.
Pietro bufou, era incompreensível em sua cabeça alguém
querer fazer mal àquele garoto. Serpa era um rapaz tão adorável e
belo… Céus como queria vê-lo tendo outras expressões.
— Tem a certeza de que está na droga de um filminho
americano, né? Acorda. — O garoto se desvencilhou do outro. —
Isso é um fetiche doentio seu. Não participarei disso!
— O quê?! — Matias riu com desdém. —Vai ficar ao lado
dessa bichinha?
— Claro, os viados têm que se unir, né? — Pietro piscou
para Tomás, que ficara desconcertado com a ação. — Agora não
fode e o deixe, daqui a pouco o intervalo acaba.
Matias ao escutar o que Pietro falara, cerrou seu punho e
tentou atacar o mais velho, ao perceber a ousadia. O bolsista
desviou com certa dificuldade do golpe e, por instinto, chutou a
canela de Matias, que grunhiu de dor.
Ao vislumbrar que os outros dois tinham soltado Tomás
seguindo em sua direção, Pietro percebeu uma pequena brecha
entre a dupla. O bolsista começou a correr em direção à porta e,
nesse pequeno tempo, agarrou o pulso de Tomás.
— Coloca essas pernas para funcionar! — Pietro correu,
enquanto segurava o braço de Tomás.
Tomás obedeceu, mesmo um pouco descrente de que
daria certo. Ambos correram sem olhar para trás. Pietro poderia ser
covarde, mas estava ciente de muitos contras caso atacasse. Com o
objetivo de seu pai não matá-lo caso fosse expulso do colégio por
brigas… De novo.
Durante alguns minutos correndo, a dupla entrou no
laboratório de ciências, a sala se encontrava vazia e o intervalo já
tinha acabado, voltar para a sala naquela hora causaria alguns
burburinhos.
Deixando apenas suas respirações pesadas e o cansaço
pela corrida invadir a sala, eles ficaram em silêncio por minutos. O
maior estava sentado no chão encostado na porta, impedindo a
entrada de alguém, enquanto o outro garoto segurava seus joelhos.
Os dois começaram a gargalhar com o acontecimento que
se meteram, ambos tentaram conter um pouco o barulho emitido,
mas não conseguiram. Seus olhares se encontraram mais uma vez,
fazendo seus corações darem leves descompassos e as risadas
maiores.
— Normalmente… Você fica lá… E bate nos valentões —
falou Tomás entre arfares, ainda rindo da situação. — Porra. — O
garoto apertou sua barriga, sentindo um pouco de dor dos golpes.
— Não posso ser expulso por agressão, meu pai vai me
matar se acontecer. — Pietro puxou um pouco mais seu ar. — Três
contra um é injusto demais… Você está bem?
Tomás o ignorou por alguns minutos e virou-se, ficando de
costas. O garoto levantou sua blusa e começou a checar se sua
pele estaria arroxeada ou, pelo menos, com vislumbres. Pietro
observou a cintura do amigo como se fosse uma imagem santa, sua
mente ficou em branco até ele abaixar o pano.
— É… Pelo visto terei que ficar andando de blusa pela
casa. — Bufou, virando seu corpo para Pietro e fitando-o. — Você
me ignora o dia todo e depois me salva? É algum tipo de conquista?
— Ele riu sentando-se no chão igual ao garoto.
— Desculpe por te ignorar. — Pietro alisou sua nuca. —
Mas não tenho muito a oferecer, sou um bolsista sem graça e um
órfão desnecessário. — Seus olhos exibiam infelicidade.
— Pare com isso. Não acho você sem graça, muito pelo
contrário. — Tomás demonstrou uma expressão afetuosa,
empurrando um dos pés do rapaz. — Tudo bem ser adotado. Eu
tenho cinco irmãos adotados, se esqueceu de quando eu disse?
Você gosta do seu pai?
— Tirando que ele pega para um caralho no meu pé, que
tenho horário para voltar para casa e todos os seus sermões sobre
o motivo de engravidar alguém será motivo da minha morte… Ele é
legal.
— Veja pelo lado bom, ao menos seu pai é mais
responsável que você. Já o meu… — depois de uma pausa para
algumas risadas, Tomás não aguentou o silêncio. — Você falou
sério sobre sua sexualidade?
— Sim, eu… Estou pouco me fodendo que gênero tem a
pessoa, acho que sou pansexual, não sei. — Pietro apertou seus
dedos, nervoso com a situação. — Continuo… confuso.
— É normal estar. — O mais baixo tentava conter sua
felicidade. — Bissexuais e pansexuais se diferem pelo contexto
histórico. Mas, assim, você se importaria em ficar com alguém que
se identifica com o mesmo gênero que o teu? Ou oposto? Ou
demais gêneros...
— Depende, essa pessoa é você? Já fiquei com alguns
sem problema nenhum, talvez seja sim — confirmou Tomás. — Vou
estudar mais sobre isso então.
— Por Deus! Você precisa ir para uma apresentação
LGBTQIA+ comigo. Vou te colocar nesse novo mundo querendo ou
não! — Tomás gargalhou, ainda rubro por sua animação evidente.
— Claro. Vou adorar. — Pietro riu feito um bobo,
concordaria com qualquer coisa que aquele rapaz pedisse.
Na semana existiam noites sagradas para o pequeno
grupo de soldados aposentados. E sempre na parte da manhã era
uma pequena corrida matinal, onde William e Marcelo paravam
antes do combinado por seus sedentarismos. Thyra e Dante sempre
conseguiam seguir com mais tranquilidade do que os dois. Mas
pararam, já que o secretário precisava deixar Tomás no colégio.
Por conta de seus traumas e fobias herdados por uma
guerra, que ainda os faziam revirar em suas camas à noite, o
quarteto decidiu se juntar, como um pilar. O que tiver com mais
facilidade em cair seria amparado pelos outros.
Para Dante, aqueles eram a sua família. Para o trio do
mesmo modo. A união acabou se tornando tão forte, que o
apartamento de Marcelo, Thyra e William se encontravam apenas a
uma porta de distância para o de Dante.
Quinta, dia do pôquer e os três já se encontravam
ajeitando tudo e esperando o secretário aparecer para começar.
Marcel varria o chão, Liam preparava a comida e Thyra ajeitava um
dos pés da mesa de madeira.
Em certo momento, Marcel parou de varrer e olhou para o
horizonte, apresentava uma expressão pensativa, seus olhos azuis
ficaram profundos. Os outros, ao ver o amigo em um momento de
reflexão, saíram de sua atenção e o fitaram.
— Será que o Dante… É o ativo ou o passivo? —
perguntou.
Esse era outro componente importante para eles: a vida
pessoal do amigo sempre foi uma curiosidade, uma vez que
Fontana nunca falou sobre. Liam e Thyra ficaram em silêncio,
criando teorias.
— Que história é essa? — William riu. Incrédulo com a
pergunta. — Claro que ele é ativo. Não consigo imaginar de outra
forma!
— Ah, eu consigo — revelou Thyra, soltando um sorriso
malicioso. — Ele deve ficar um gatinho manhoso. Caso não saibam,
rapazes, o sexo proporciona uma nova versão nossa.
Thyra foi uma das poucas mulheres participantes da
guerra no Iraque e ficou amiga dos rapazes durante uma tentativa
de assassinato contra ela e, desde então, nunca mais se separou do
trio. A bela mulher negra de cabelos curtos e lisos era sargento junto
com Monte, ambos ensinaram os três novatos tudo que sabiam.
Ela acabou construindo uma química inesperada com
eles, principalmente em relação aos esportes que praticavam e a
esperança de dias tranquilos – que tinha se alastrado. Seria
impossível separar-se de ambos depois do fim daquilo.
— Você fala como se fôssemos virgens. — Marcel revirou
seus olhos, voltando a varrer. — É só uma curiosidade.
— Passada! Vocês não são virgens? — A mulher saiu
debaixo da mesa e imitou espanto. — Só não pergunta isso, ele
pode quebrar sua costela. É bem pessoal entre os gays. Na
verdade, por que estamos falando disso?
— Nada muda a minha visão dele ser o ativo — admitiu
Liam ao sair da cozinha e seguir até o balcão da cozinha, pegando a
caixa contendo as fichas e cartas do jogo.
William observou a caixa durante minutos, fazendo surgir
logo depois um pequeno filme de todos os jogos que já ocorreram.
Marcel e Thyra continuavam sérios e focados nas partidas, fazendo
seus blefes astutamente. Entretanto, o jogo acabou mudando, Dante
estava mais… Feliz?
Era uma boa notícia, mas tinha medo de ser muito otimista
sobre a melhora do amigo. Mas então, lembrara-se das vezes que
jogava e, realmente, estaria mais vívido e brilhante.
— Escutem… perceberam algo nele, nesses últimos
meses? — perguntou, carregando a caixa até a mesa. — Não,
esqueçam. Estou criando expectativas.
— Todos nós. — Thyra abriu seus braços. — Yan Serpa
deve ser um cara muito bom para conseguir domar o cachorro
louco. Quem em sã consciência conseguia ditar os horários dele?
— Bom… — Marcel forçara uma tosse. — Elior…
— Aquele ruivinho desgraçado. — Liam revirou os olhos.
— Sempre tinha vontade de arrancar aquelas sardas uma por uma.
De repente, atrasado em meia hora, Dante surgira na
porta, fazendo seus amigos tomarem sua atenção para ele. Fontana
estava suado e de expressão irada, enquanto afrouxava sua gravata
e retirava seu paletó. Todo aquele tecido o deixava desconfortável,
tudo que marcava sua pele suada era um incômodo.
— Demorei, porque aquele playboy pediu para adotar um
cachorro agora à noite. — Dante desabotoava sua blusa social,
exibindo um pouco de seu peitoral desnudo. — Um cachorro! Ele ao
menos sabe a importância de um?
O homem retirou seus sapatos e camisa, exibindo seu
peito peludo e musculoso, não sabia ao certo quem do trio o
encarava mais. E naquele momento, usando apenas a calça do
trabalho, seguiu até a cozinha, pegando de lá a cerveja mais gelada
da geladeira e a sorveu em um único gole.
— Vai com calma na bebida, garotão — Thyra o
repreendeu. — Não quero mais oito meses trocando turnos com
esses dois na reabilitação, sabe que não pode beber assim.
— Pode acreditar, uma garrafa de cerveja não vai
despertar meu anseio por cocaína. — O secretário a encarou, logo
depois colocando a garrafa sobre o balcão da cozinha. — Só duas,
mereço pelo dia. Serpa me infernizou!
— Pelo menos não foi ele que quebrou o nariz do vizinho
alguns meses atrás. — William riu com a lembrança, onde todos
foram ao hospital prestar condolências e forçar o secretário a pedir
desculpas. — Certo, Dante?
— Que não colocasse o som tão alto, gosto de dormir
cedo. Estou errado? — O rapaz fizera pouco caso da lembrança. —
Ele que avançou em mim.
— Coitado do cara. — Marcelo riu.
Com tudo preparado e Dante já vestindo seu blusão
folgado de tom preto que tanto amava, o grupo se sentou em volta
da mesa, começando a separar as fichas e as cartas de cada um,
em seguida começaram a jogar. A relação era harmônica, junto a
eles Dante se esquecia de todos seus problemas, mesmo que, às
vezes, sua mente o forçasse a lembrar do dia da chuva.
Conversando entre si, lembraram de suas coragens e
ações impensáveis.
— Levaremos um tiro com nossa valentia. — William
gargalhou, pegando os fardos de cerveja e colocando sobre a mesa.
— Escutem o que eu estou dizendo.
— Mais do que já levamos? Duvido! Só saímos vivos por
ter alguém muito bom lá em cima cuidando de nós — alegou
Marcelo.
— Ele espera o dia em que, pelo menos, um de nós vai se
casar. — Thyra fitou Dante. — Pelo menos um está próximo disso.
O trio começou a fitar Dante, que estava concentrado nos
petiscos, localizado no centro da mesa. Ao levantar seu rosto para
focar nas cartas, sua expressão tornou-se irada e rígida.
— Podem esquecer! — respondeu, dando outro gole em
sua cerveja. — Faltam apenas algumas semanas para acabar. Se
não estou criando expectativas, não serão vocês que farão isso.
— Não falamos de expectativas. — Thyra arqueou sua
sobrancelha.
— Essa discussão não tem sentido. — Dante soltou um
suspiro cansado e levantou-se. — Vou pegar o Virgílio para comer
algo e já volto!
Virgílio era o cachorro do secretário. Um gordo e forte Pit
Bull de pelagem amarelada, mesmo possuindo uma expressão má,
era dócil. Nunca agrediu um humano ou outro animal, a semelhança
com o dono era enorme.
William olhou o deck de cartas do amigo enquanto este
estava fora, Thyra abriu uma cerveja e Marcel se espreguiçava,
analisando o que tinha acontecido para Dante fugir da conversa.
— Todos concordam que ele é o passivo? — sussurrou
Marcel.
— Sim — os dois falaram em um único som, em tom
também baixo.

— Quando estávamos na faculdade, já sabia que não


batia bem. Principalmente no dia que correu pelado pelo campus
louco de cachaça, após a formatura. Mas porra, Yan, não sabia que
tanto! — Kunut gritava no outro lado do celular, estavam em ligação
com Serpa. — Pedir o seu secretário em casamento foi o auge. E
olha que você dormiu com uma das minhas mães!
— Vai fazer quase dez anos que isso aconteceu, supera.
— Yan conversava, no mesmo tempo em que consertava o motor de
um dos seus carros. — Já pedi desculpas.
— Mas o chifre dos meus pais continua! — rebateu o
amigo, soltando um suspiro longo. — Você é um grandiosíssimo
cuzão. E seu secretário parece ser o único que sabe te domar, mas
isso não é motivo para…
— Me casar com ele. Sei! — Yan falou por cima. — Será
por alguns meses, minha mãe quer roubar meu filho. Coloque-se no
meu lugar. Não passei por todo aquele perrengue na faculdade para
perdê-lo, faltando dois anos para os dezoito.
Kunut Padovani era um rapaz de baixa estatura e cabelos
castanhos, um exímio botânico que acabou se tornando dono de
uma das maiores floriculturas do país. A família Padovani sempre
tivera a facilidade em lidar com plantas, mas o rapaz decidiu seguir
como profissão.
Por algum motivo desconhecido do destino, no dia em que
se conheceram, Yan levava uma criança nos braços enquanto se
matriculava. Felizmente o calouro decidiu ajudar Serpa e dar um
pouco de atenção para a criança. Depois disso, não se
desgrudaram mais, principalmente por Padovani ainda aprender a
língua nativa de Cravellas – país colonizado por portugueses e
varakianos em 1600.
Não houve um momento em que Padovani o abandonou,
a amizade da dupla acabou tornando-se forte durante os anos, em
especial no primeiro semestre quando Yan e Tomás começaram a
morar juntos de Kunut. Enquanto Yan terminava seu primeiro
circuito de carregador de bateria sustentável – projeto esse que
encaminhou o Serpa ao mundo dos negócios. Não era à toa que era
padrinho de Tomás e os demais filhos que seguiu adotando.
A ideia do noivado nunca fora aprovada pelo melhor
amigo, mas se tinha algo que ele estava ciente era de que quando
Yan colocava uma ideia na cabeça, ninguém tirava.
Enfim, tinha chegado a sexta-feira, e em menos de duas
horas, aconteceria o chá de bebê dos Serpa, mas quem disse que o
rapaz ligava? Em vez de estar se arrumando, o homem se
encontrava coberto de graxa e poeira das ignições, ignorando o
próprio afazer que colocou Tomás, Joana e o secretário para
encarar junto a ele.
— Espero que os garotos estejam se dando bem com
Dante.
— Dante é mais carrasco que você… Tinha de ver esse
cara na primeira semana de trabalho, jurava que ele jogaria os
papéis do contrato em mim e pediria demissão. — Yan riu ao
lembrar da primeira vez que pediu a Dante um cappuccino com
calda de morango. — Mas Fontana é dócil com eles.
— Ele tem filhos ou algo parecido? — perguntou Kunut.
— Nunca conversamos sobre sua vida pessoal. — Yan
colocou seu rosto mais próximo do motor, avaliando as pequenas
ações do termostato. — Pouco sei sobre seus antigos trabalhos,
mas recebi ótimas avaliações sobre sua eficiência. Bom, não
mentiram.
— Não leu o currículo dele? Nem mesmo pesquisou nos
antigos trabalhos sobre seu temperamento? — Kunut, infelizmente,
voltou com sua preocupação. — Não é assim que se contrata
alguém!
— Acha o quê? Que ele foi um mafioso? — Esnobou o
outro. — O currículo continha duas páginas a mais que o
necessário!
— Deuses, Yan. Que irresponsabilidade… — Bufou o
rapaz.
— Talvez… Mas já viu aquele rostinho lindo? E aquele
corpo, céus! Aposto que ele é forte por debaixo daquelas camadas
de pano. Não tem como negar nada a ele, Nut — respondeu em tom
manhoso. — E quando digo nada, é realmente nada.
— Pai.
A voz da filha mais nova fez Yan se levantar de repente e
com o susto, bateu suas costas e cabeça contra o capô do seu
carro, soltando um grunhido de dor pela batida. Entre Lia e Kunut,
não sabiam ao certo quem riria mais do papel prestado pelo homem.
— Tudo bem, papai? — Lia segurava a gargalhada,
seguindo em direção a ele. — Falando com quem?
— Com o corno do teu padrinho! — Yan grunhiu de dor,
saiu de perto do carro e ergueu seu corpo. — Que está rindo sem
parar por causa do barulho, vê se cresce!
— É um idiota — respondeu Kunut. — Até depois. — E
desligou.
— O que foi, filhinha? — O pai retirou o airpod do ouvido
direito e caminhou um pouco de um lado para o outro, aliviando a
dor nas costas por diversos motivos. — Droga… estou ficando
velho. — Ele se espreguiçou.
— Ficando? — A menina arqueou a sobrancelha e
começou a rir ao ver a expressão emburrada do outro. — Dante
está vindo, o senhor não vai se arrumar?
— Se arrumar para quê? — O homem seguiu até a mesa
repleta de ferramentas que deixou jogada, sua garagem era muito
problemática. — Não estamos doentes, e muito menos pedi janta.
— O chá de bebê da bruxa — respondeu Lia. — Da
Emília! Que te odeia!
— É hoje?
Yan procurou seu celular para checar a data que se
encontrava e, depois de tirar várias ferramentas em cima do objeto,
percebeu duas coisas. Primeiro, um novo trincado. Segundo,
inúmeras mensagens de seu secretário o avisando da data
comemorativa e que chegaria em breve.
— É, pai. — A filha não aguentou e começou a rir. —
Daqui a algumas horinhas. Dante mandou uma mensagem para o
Ton-ton e disse que já estava vindo.
— Preciso checar o que está acontecendo com a
temperatura descompassada dessa belezinha. — Yan apontou para
o carro. — Não sei como surgiu tanto óleo no bloco do motor.
— Já tentou ver se está tudo bem com a água próxima à
biela? Ele pode estar… irregular? — Lia perguntou de maneira
curiosa. — Hã… Pai… Posso ficar em casa, não é?
Lia era a mais nova entre eles, estava com dez anos. A
garota foi adotada há cinco anos, Yan fora até a Índia para trazê-la a
Cravellas, se tem algo que Serpa nunca se arrependeu, foi de tê-la
adotado.
— Oh, meu bebê! Claro que pode. — Serpa seguiu até a
menina, abraçando-a. — Tomás e Joana irão comigo, você fica com
Kali, ok? Ela precisa sair daquele quarto e parar de estudar mesmo.
— A vovó não gosta de mim. — Sua voz aparentava
desânimo.
— Filhinha, ela não gosta de ninguém — afirmou Serpa,
enquanto sorria. — Escuta, eu organizarei essas peças e daqui a
pouco falo contigo, hum? Eu te amo e fique ciente de que não deve
se importar com pessoas que não gostam de você.
— Ok. — E beijou o rosto do pai, seguindo para fora do
laboratório de Serpa.
E contra o pedido de Lia, ou qualquer familiar, Yan voltou a
checar o carro.
Sexo.
O sexo nunca foi um tabu para Pietro, pois desde os seus
quinze anos foram proporcionadas oportunidades para tal. Porém,
sua vida sexual fora iniciada aos dezesseis e durante um ano, teve
algumas relações sexuais.
Então, Pietro assistiu ao filme Creed, onde Michael B
Jordan surgia sem blusa nas cenas. Ok, ele era muito bonito, mas
era normal ficar excitado? Com certeza, seu pai ou seus amigos não
ficariam animados assistindo aquelas cenas, mas com Pietro
aconteceu. Com o passar dos anos, começou a perceber que
independentemente do gênero a pessoa lhe atraía.
Para a infelicidade de um garoto confuso com sua
sexualidade, acabou conhecendo um rapaz baixinho de riso frouxo
em sua nova escola. O pior de tudo era ele ser gay. Tomás Serpa foi
o estopim para sua vida sexual se tornar uma bola confusa de
hormônios.
Claro, Tomás não tinha culpa, ele aparentava querer
ajudá-lo. Mas, talvez, o provocador de sua confusão não fosse o
melhor professor sobre o mundo LGBTQIA+. Mas ler sobre
pansexualidade começou a lhe ajudar, assistir vídeos onde tinham
pessoas contando relatos de nascer assim era reconfortante, sendo
assim se sentia acolhido pela comunidade.
Mas contar a seu pai seria difícil.
Pensar sobre o sexo com outros gêneros o deixava
extasiado, pior de tudo seria Tomás, o participante principal dessa
imaginação. Sentia-se envergonhado ao pensar no amigo daquela
forma, porém, sua moral caía por terra a cada mastu…
— Pietro! — A voz de Antero, seu pai, fez arrepiar cada
molécula de seu corpo. — Desce, quero falar com você!
O garoto desceu as escadas carregando uma expressão
entediada. Sabia que levaria outro esporro, era tão cotidiano que
Pietro já sabia as frases gravadas.
Ao chegar ao seu destino, deu de cara com seu pai
usando um avental com as cores rosa, amarelo e azul, junto a um
charuto na boca, enquanto segurava a frigideira carregada de
comida. Antero era um homem com tom de pele idêntica ao filho.
Seu corpo era fora de forma e em seus braços possuíam diversas
cicatrizes. Antero tinha cinquenta anos, porém, seu rosto aparentava
mais jovem.
— Pode ir tirando essa cara de cu do rosto — resmungou.
— O que eu falei dessa barra no meio da sala?
— Não dá para tirar algo que já nasce. — Pietro sorriu e
conhecendo seu pai, sabia que ele tinha apenas mais duas
piadinhas para soltar antes de levar outro grito. — Estava treinando
à tarde.
— Comprei uma barra removível para ela não estar
jogada. — Antero seguiu até a cozinha. — Se entrasse alguém e a
visse? Não gostaria que dissesse que meu filho faz pole dance.
Pietro fazia de fato pole dance, mas não passava de um
esporte. Entretanto, sabia que aquilo atraía as mulheres e sempre
usou a seu favor.
— É vergonhoso — alegou, enquanto desmontava a barra.
— O que diria? “Olá, dona Sandra, quer ter uma dancinha particular
com meu filho?”.
— Vergonhoso é matar e roubar. — Pietro imitou a frase
do homem, porém, sem exibir som. — Se você gosta disso, que
porra de mal tem? E por que acha isso agora?
Já com a barra recolhida, o rapaz seguiu até ao pai. Por
conta de seus anos traumáticos na guerra, Antero começou a focar
na gastronomia. Ao entrar, Pietro pegou uma garrafa de cerveja na
geladeira e se sentou no balcão. Enquanto dava pequenos goles,
observava o foco do pai e sempre soltava alguma risada do quão
mal-encarado ele era preparando o jantar.
— Estão me chamando de stripper no colégio —
sussurrou, observando a cerveja em sua frente. — Estou pensando
em parar de… de praticar.
Antero soltou a frigideira, colocando-a sobre o fogão,
virou-se para fitar seu filho e tragou seu charuto, com suas mãos
sobre a cintura.
— Você é stripper? — Pietro negou. — Então por que
caralhos você está se doendo?
— É chato. — Suspirou. — Tem uma pessoa que estou a
fim e ela sabe desse boato. E se tiver perdido minhas chances?
— Então é uma fresca! — gritou Antero. — Como
descobriram que você pratica?
Pietro soltou um suspiro longo, enquanto pressionava seu
polegar sobre a palma de sua mão, receoso sobre o que
responderia.
— Dancei para uma ficante algumas vezes — Pietro falou,
envergonhado. — Aquela racistinha deve ter dito para alguém da
escola nova.
O garoto já tivera alguns amores em sua vida. Uma delas
foi Mabele, uma garota loira de olhos marcantes, que saiu durante o
primeiro ano, mas que terminou ao ver como ela tratava sua
empregada, uma gentil senhora negra. Igual ao Pietro.
Por ser ótimo nas aulas e ter um pai sargento, o rapaz
nunca frequentou escolas públicas, entrou nos melhores colégios da
cidade como bolsista. Mas não passava mais do que um ano nelas,
devido às brigas. Pois em uma escola sumariamente de brancos,
acabava sofrendo racismo e Pietro era o tipo de homem que
resolvia o preconceito de seus colegas de classe de forma menos
pacífica.
— Não vou lhe dar o livre arbítrio de resolver na porrada
dessa vez. — Bufou o pai. — É a última escola que vou conseguir te
colocar. Tem um futuro brilhante, Pietro. Não vai ser alguns
merdinhas que vão impedi-los.
— Até tentaria conversar com Mabele, mas não consigo
nem olhar ela sem sentir nojo e, pelo visto, ficará assim. — Pietro
fitou o teto. — Espero que essa pessoa… sei lá. Não se afaste.
Antero achou estranho como seu filho estava chamando a
garota. Nas vezes que falava algo sempre tinha nome, idade,
hobby… Nunca era a pessoa. Cogitou por alguns segundos se tratar
de um garoto, mas descartou rapidamente, Pietro nunca deu
indícios, tampouco lhe falou.
— Muito cedo para se apaixonar. O que eu falei sobre
expectativas?
— Não criá-las. — Pietro revirou seus olhos.

Pitt: Será uma menina.

Tomás: Um menino. Se for garota vou ter pena.

Pitt: Se for menina.


Pitt: Realiza um pedido meu?

Tomás: Tenho medo do que você vai pedir kkk.


Tomás: Vou pensar.

Pitt: Então sabe que vai perder? Mas se for um garoto, pode me
pedir o que quiser.
Pitt: Só não curto 69.
Pitt: Mas depende.

O rosto de Tomás tornou-se tão vermelho quanto o tapete


carmim de sua sala, amava o carisma que aquele menino de olhos
esverdeados tinha, principalmente pelas diferentes conversas que
seu novo amigo possuía. Dessa vez se sentiu perdido no que
poderia falar após a frase.
Desde o acontecimento com Matias, os dois estavam bem
próximos. Mesmo passando poucos dias sempre possuíam novos
assuntos, deixando Tomás cada vez mais ansioso para a próxima
mensagem.
— Jojo! — Tomás gritou pela irmã que surgiu na sala,
estava trançando uma mecha de seu cabelo. — Ele falou algo, mas
eu não sei o que responder.
Joana deitou-se no sofá de cabeça para baixo lendo a
conversa dos dois e ao ver o que Pietro respondeu, soltou uma
risada alta, que deixou o seu irmão mais desconcertado ainda.
— Parece que ele gosta de você. — Sorriu. — Ele é
gatinho. Será que a gente avisa que você é virgem?
— Já disse que sou gouine.
— É a mesma coisa?! Ah, ele respondeu: “Cara, eu estou
brincando”; aham, sei. — E gargalhou, porém, cessou seu riso ao
perceber o rosto do outro. — Ei, estou brincando sobre isso, beleza?
Não quero desmerecer sua prática. Sabe disso, não sabe?
— Sei… — Bufou. — Desculpe, é que… tenho medo de
ele querer só ficar comigo… eu quero um namoro.
— Relaxe, você vai encontrar um carinha. Confia! — A
garota sorriu e beijou a cabeça do irmão em seguida.
— Bebês, Dante Fontana está subindo — falou Merab, a
inteligência artificial da casa, de repente.
Os dois agradeceram a informação e aguardaram Dante.
Tomás estava bem-arrumado usando um short moletom de tom
cinza e um moletom rosa-claro, seus cabelos se encontravam
rebeldes. Era um rapaz tão belo quanto o pai, o garoto herdou as
melhores qualidades daquele homem tão difícil de lidar.
Joana estava com calças jeans preta, um belo cinto com
correntes em volta de sua cintura, usava uma blusa preta com
desenhos abstratos e uma gargantilha. Suas botas eram de couro
sintético preto, também com correntes.
— Espero que o Serpa mais velho esteja pronto. — A voz
calma de Dante ecoou pela sala.
— Está muito bonito. — Joana analisou Dante da cabeça
aos pés. — Mas o tema é luau.
— Você está de tema luau? — Dante apontou para a
garota, que negou com a cabeça enquanto estagnava sua risada. —
Exatamente, então eu não preciso! — Fontana se sentou ao lado
dos dois, ambos espreguiçados no sofá. — Serpa está se
arrumando, eu imagino.
Joana e Tomás se olharam e acabaram ignorando a última
frase, contentando-se para não rir do atraso iminente de Yan. Dante
havia chegado há tempo, trajando uma calça jeans branca rasgada
e uma blusa preta longa até o pulso. A maioria de suas roupas
consistia em moletons e blusas largas, odiava ternos e vestimentas
mais apertadas, fora uma dificuldade enorme achar as peças.
— Se não quer se estressar, é melhor se espreguiçar aí e
fazer algo — falou Tomás, enquanto fitava o celular, não sabia como
responder Pietro. — Pedi pizza, sei que iremos demorar.
— Pede de queijo, Ulisses e Joca não vão dormir em casa
— respondeu Joana.
— Vocês têm muita paciência. — Dante suspirou. — Agora
vou passar raiva com Yan.
Dante afagou os cabelos lisos de Tomás e dera um beijo
na testa de Joana, seguindo até o laboratório que Yan tinha em
casa, que era localizado no segundo andar, próximo à academia
particular.
Dante percorreu alguns lances de escadas, orgulhoso que
desde o seu terceiro mês de trabalho já tinha total acesso pela casa
do empresário. Por outro lado, conheceu os filhos de Yan apenas no
quarto mês.
Ao abrir a porta, deu de cara com o chefe sujo de graxa,
escutando música clássica enquanto consertava o motor. Ao ver a
displicência do outro, puxou um pouco de ar e pediu a Deus
paciência, segurando-se para não berrar com o noivo.
— Serpa — chamou Dante, mas foi inútil. — Yan. —
Novamente, falho. — Filho da puta… — Fontana exibiu um sorriso
nervoso, pensando se machucaria muito caso ele acertasse o capô
do carro nas costas do seu chefe. — Senhor Serpa!
— Escutei da primeira vez — respondeu Yan,
distanciando-se do capô. — Na verdade, eu sempre escuto. Mas
ignorei, porque estou ocupado. — Ele pressionou seus lábios para
não rir. — Não tem o direito de xingar minha mãe, noivo.
— Temos que comparecer a um chá de bebê às 19h30, a
trajetória até o endereço informado demora quase uma hora e
olha… — Dante checou seu relógio de pulso. — São seis e
cinquenta. E ainda está coberto de graxa!
— Eles têm toda razão, como nunca percebi? É como se
um esposo estivesse brigando comigo! — Yan analisou o homem
dos pés à cabeça, limpando um pouco seu rosto com as mãos. —
Está lindo nesta roupa. Fiquei até desconcertado em estar deste
jeito.
Yan usava uma blusa preta sem mangas e uma calça
jeans simples. Por toda a extensão de seu cinto possuía alguma
ferramenta presa. Mesmo sujo, sua beleza não era deixada de lado,
principalmente por seus cabelos negros bagunçados ou pelo corpo
definido que tinha.
Mesmo o Serpa sendo um grandíssimo babaca, Dante não
poderia dizer que o homem à sua frente era feio, na verdade…
Fazia seu tipo, em especial com aquele maxilar, mas, claro, Yan não
precisava ficar ciente.
— Vá se arrumar. — Dante revirou seus olhos. — Pelo
visto iremos na BMW que me emprestou… — Ele observou o
estado de toda a garagem e muitas peças avulsas da Lamborghini
no chão. — Não sei de quem tenho mais pena…
Yan começou a rir com a expressão cotidiana de Fontana,
não podia negar, ele amava tirar seu secretário do sério. Seguindo
até a porta onde ele se encontrava. Yan começou a limpar seu rosto
com a blusa preta, deixando sua barriga exposta de propósito.
Dante desviara o olhar.
— Estou indo. Vou ajeitar essa belezinha amanhã com
meus filhos, sozinho não consigo. — Bufou e, ao perceber o olhar
de Dante ao horizonte com sua expressão de raivoso, encontrou
uma oportunidade. — Quer me dar banho, noivo? — Pressionou
seus lábios, impedindo-o de se abrir em um riso.
— Fiz um pacto com o diabo — sussurrou Dante
abaixando seu rosto para encará-lo. — Conheço um mecânico na
esquina da minha casa que pode resolver o problema desse
carrinho mais rápido que você.
— Você não falou isso para um engenheiro formado em
mecânica e mecatrônica, né? Mas que displicência! Eu… — Yan
calou-se ao perceber o olhar predatório do secretário. — Ah…
entendi qual é a sua… quer ser despedido?
— Não pode me despedir. — Sorriu mais uma vez, dessa
vez, assustadoramente. — Noivo.
Não sabia ao certo quem seria mais sagaz. Porém, por
alguns segundos, ambos não paravam de se encarar, analisando as
emoções de cada. A tensão aparentava maior enquanto o tempo
passava. Era uma sensação estranha, mas agradável. O desejo de
avançar contra Dante era tentador, mas o orgulho de Yan gritava.
O momento foi cortado rapidamente como uma faca no
instante em que Joana invadiu o espaço dos homens, carregando
uma caixa com pizza, infestando a garagem com o odor. Dante e
Yan tomaram suas atenções para ela, aliviados com sua aparição.
— Interrompi algo? — Joana os fitou com malícia. —
Deixamos alguns pedaços. — A garota mordeu um pedaço da pizza,
depois entregou os demais para a dupla.
Dante, ao ver a comida à sua frente, observou alguns
pedaços de aparência duvidosa. Logo teve a certeza de que
aqueles pertenciam a Yan e não aos filhos.
— Que crime de fatias são essas?! — Dante exaltou-se. —
Yan, normalmente, a comida é para ser algo prazeroso!
— Olha aqui, pizza de curry com purê de batata é
prazeroso! — Serpa retirou uma fatia e abocanhou com vontade. —
Agora vão! Irei me arrumar. — E sumiu entre os corredores da casa.
— Vocês gostam dessas coisas? Por favor, não me
decepcionem — perguntou Dante, enquanto comia um pedaço da
pizza de queijo.
— Ei! Eu sou uma moça normal. — Joana gargalhou, ao
observar a expressão incrédula de Dante. — Olha aqui, Dante,
roupas góticas são normais! — E piscou para o homem, fazendo-o
soltar um sorriso de canto.
— Você só vestiu a calça jeans junto de uma blusa social
e demorou uma hora? — Fontana estava chocado com tal situação.
— Se me odeia, é só dizer!
— Graxa não sai com facilidade — respondeu. — Vou com
essa roupa, porque certo noivo está usando algo parecido.
Enquanto o Tomás é o único vestido corretamente! — E fitou a filha.
— Se for com roupa luau é para me preparar para um
homicídio — garantiu Joana.
— Pelo menos eu sou um jovem elegante. — Tomás
sorriu, enquanto desligava seu videogame. — Sem querer estressar
certa mãe, estamos atrasados!
— Por culpa do seu pai, passei esse tempo resolvendo os
problemas no trabalho. Inclusive, hoje era o último dia de entregar
as assinaturas para a concordância dos projetos. — A expressão de
Dante continuava costumeira. — O que fará sobre?
Dante estava de braços cruzados, aguardando uma
resposta séria. Joana, que não era boba e conhecia seu pai, pegou
tudo que era necessário como documentos e a chave do carro,
aguardando o fim daquilo.
Deveria admitir, vê-los discutindo sobre coisas bobas fazia
qualquer filho se sentir acolhido e, mesmo aparentando ser apenas
um fingimento para manter a guarda de Tommy, era possível sentir o
clima entre eles. Com isso, Tomás teve uma ideia… uma ideia
demoníaca.
— É fácil, Fontana. — Um sorriso malicioso tornou-se
presente. — Existe uma palavra interessante chamada procrastinar.
Vou aguardar a segunda para me estressar com isso. O que acha?
A face de Dante se tornou rubra, idêntica aos tomates que
cultivava na infância. Puxou o ar com força algumas vezes,
enquanto escutava a risada anasalada do chefe, Yan amava vê-lo
assim e aos poucos desvendar mais de suas expressões. Parecia
um jogo onde se encontrava disponível a brincar.
— É… Gente? — Joana, já próxima à porta, encarava os
dois homens parados no meio da sala. — Queria muito ficar
assistindo a discussão, mas precisamos lidar com o lado ruim de ser
um Serpa, então… Podemos ir?
— Ótimo, garanti com Kali que ela parará de estudar para
comer alguma coisa e cuidar de Lia. — Yan colocou suas mãos
dentro de seus bolsos.
Tomás e Joana foram na frente, deixando o casal para
trás. O garotinho estava planejando algo nesta festa, preparar algum
clima era essencial. Dante e Yan seguiram atrás, soltando alguns
burburinhos questionáveis.
Sem a presença dos filhos, Yan o fitou e percebeu que a
expressão de Dante não mudou em momento algum, deixando Yan
desentendido. Dante conseguia deixar Serpa à flor da pele de
diversas maneiras. Ambos desciam as escadas em direção à
garagem. Já próximos da BMW, os garotos os aguardavam.
— Nervoso? — Dante percebeu o olhar de Serpa.
— Talvez. — Yan parou de andar e enfiou suas mãos
dentro dos bolsos, fitando o teto.
Dante percebeu que quando tratava da vida de seus filhos,
o homem agia como pai. O secretário percebeu que estaria um
pouco equivocado em algumas questões sobre o chefe. Um
sentimento de inveja tomou seu corpo por alguns segundos, quem
dera tivesse um pai tão dedicado, alguém que o deixasse tão livre
como eles eram e lutariam por eles. Os seis tinham sorte, mesmo o
empresário sendo irresponsável. As demais qualidades se
sobressaíam.
— Vai ficar tudo bem, Yan.
— Minha família vai... É, porra, estou nervoso —
murmurou ele. — Eu sou o melhor... sou o melhor. — Yan repetiu
várias vezes enquanto pressionava seus dedos contra a porta do
carro.
Dante observou a face de seu chefe e de seus filhos
confusos no banco de trás. Por um pequeno momento, sentiu-se
ingressado na família Serpa, fazendo remexer nos seus desejos do
passado, isso o deixaria sensível e confuso no que deveria fazer.
E então, em um ato sensível, Dante apoiou a mão sobre
os dedos de Yan, massageando-a com carinho, um afago simples
que fez o empresário desconcertar por inteiro. Fontana abriu a porta
do carro ainda com sua mão esquerda entrelaçada a de Yan, a porta
fora aberta e ambos ficaram parados frente a ela.
— Você terá eu, Tomás e Joana — sussurrou Dante,
desfazendo seu toque. — Nunca esteve sozinho, senhor Serpa. Mas
em especial nesta noite.
E, novamente, o clima tornou-se denso e agradável. Em
nenhum momento ocorreu um desviar de olhares, observar todos os
detalhes faciais de Dante acabou tornando um vício. E para Yan,
aquilo estaria cada vez mais perigoso.
— Tu-tudo... Ok — respondeu, lutando contra sua face
rubra.

Depois de algum tempo falando sobre o paladar detestável


de Yan, os novos jogos que seriam lançados, as roupas góticas de
Joana e de Dante lembrando de que ambos eram péssimos no
volante, finalmente chegaram ao local, descendo do carro e ficando
em frente à grande casa.
— Você terá que me tratar como um príncipe — falou o
empresário entredentes, enquanto se aproximava aos poucos de
Dante. — Seja carinhoso pela primeira vez na sua vida.
— Só se for do inferno — respondeu, do mesmo modo,
sem mexer seus lábios ao falar. — O caralho. Estou aqui pelos
garotos. — Dante se afastava de cada toque do seu chefe.
— Estamos falando do seu? — Yan o fitou, a expressão do
loiro fechou-se rapidamente. — Que santo, Fontana.
— Não fale essas coisas na frente dos seus filhos, que
tipo de pai você é?
— Puts, sonhou muito — sussurrou Joana.
— Talvez eu até saiba mais do que vocês — murmurou
Tomás, enquanto mexia no seu celular e andava ao mesmo tempo.
Mas parou ao esbarrar nas duas figuras masculinas o encarando. —
O quê? A Jojo que começou! — garantiu, apontando para a irmã.
Joana empurrou o mais novo, envergonhada pela frase.
Ambos encaravam os irmãos, porém, voltaram sua
atenção para tal casa quando perceberam os gritos e agitação que
ocorria. Encontravam-se atrasados uma hora e meia. Dante odiava
chegar a qualquer compromisso atrasado, por outro lado, os Serpas
pouco importavam.
A casa em que comemoravam era apenas mais uma de
quase dez avulsas que Yan comprou. Todos da família de Yan eram
vindos do interior e, mesmo sendo desaprovadores da vida libertina
do parente, o grupo aproveitava o dinheiro que era oferecido. As
coisas acabaram mudando um pouco ao descobrirem sobre Dante.
Desde que sua família chegou, nem Yan ou demais filhos
foram visitá-los, pois as adoções e participantes da comunidade
LGBTQIA+ não alegraram seus avós, causando estranhamento até
em suas ligações. Mas, com Dante lá, deixava os avós mais
receptivos…
— Pode ir à frente. — Yan empurrou Dante. — Consegue
ser mais carrasco? Se sim, seja.
— Tratar mal? Vão achar que está noivo de um
brutamonte! — A expressão de Yan carregava obviedade, fazendo
Dante bufar. — Também não precisa me olhar dessa maneira.
— Mãe, você não sabe como é nossa família — sussurrou
Tomás. — Só precisamos ficar uma hora na represália social,
aguentamos!
— Vem cá, que história é essa em chamar essa criatura de
mãe? — Yan arqueou sua sobrancelha e Tomás se fez de
desentendido pela pergunta. — Apelido muito bem pensado.
— Ele começou com isso de mãe, só a psicóloga explica!
— alegou Joana, seu pai conteve a risada escandalosa que tinha.
Fontana revirou os olhos e adentrou a casa, atrás dele
Yan, Joana e Tomás. Estavam desconfortáveis, afinal, fazia treze
anos que não viam seus parentes, pois fora a partir dos três que o
garoto pôde morar com o pai, mesmo a criança sendo posse judicial
dos avós.
Quando chegou à sala, eles foram recebidos pela anfitriã
e, se sentindo intimidados, Yan apertou a mão de Dante de
imediato, o secretário fez questão de segurá-la. Joana arregalou
seus olhos ao ver a cena.
— Yan, Tomás, Jojo! — Uma moça, exibindo sua bela
barriga, seguiu em direção ao mais velho. — Quanto tempo que não
vejo essas carinhas! Como envelheceu, irmão, são óbvias as rugas
agora! — brincou.
Dante percebeu que aquela mulher era a irmã de Yan, pois
era nítido que seu humor passivo agressivo era idêntico ao chefe.
Depois de destilar um pouco de seu veneno sobre Yan, fora em
direção ao Tomás, abraçando-o e apertando suas bochechas.
— Não anda se alimentando direito, meu filho? Tão
magrinho. — A grávida analisou o garoto dos pés à cabeça e logo
perguntou: — E as namoradinhas?
— Namoradinhos, tia — ele a corrigiu. — Sou gay,
lembra? Você chorou por dias com a notícia.
— Águas passadas! — A tia fingiu costume. — E você,
Jojo? Como vai nossa hermafrodita preferida?!
— Mentalmente saudável. Coisa que não ocorrerá com o
seu filho se você continuar assim — debochou a menina, enquanto
segurava as mãos macias da grávida.
— Ora que língua afiada! Imagine se tivesse o sangue dos
Serpas! — gargalhou.
— Ela não precisa ter para ser uma. — Yan apertou com
brusquidão a mão de Dante. Sua expressão irada era nítida, Emília
estava ciente dos filhos adotados do empresário e como ele odiava
tal tratamento.
Mas principalmente de Joana, por ser uma menina
intersexual e o termo hermafrodita a deixar muito incomodada.
Dante, ao ver a personalidade amarga da mulher, forçou
uma tosse, quebrando o clima da situação e tomando a atenção da
outra. Ela era mais baixa que Yan, era necessário que levantasse a
cabeça quase que por completo para ver Fontana à frente.
— Deve ser o noivo de Yan, creio eu. Sou Emília. — Ao
analisar da cabeça aos pés, começara a rir. — E Narciso, irmão?
Por que terminou com ele e ficou com esse jovenzinho necessitado
de exercícios?
Não conseguindo mais se segurar, Tomás bufou, tentava
decidir quem odiava mais, o ex de seu pai ou a sua tia. Não entrava
em consenso. Dante ao ver a família ao lado, constrangidos com a
pergunta, decidiu agir por impulso, chegando perto do ouvido de
Emília e sussurrando:
— Devo foder melhor. — Suas palavras foram tão ríspidas
que, ao afastar-se da mulher, fez questão de observar sua
expressão incrédula. — Mas ninguém precisa saber disso além de
nós, não acha? E faço bastante exercício, sou saudável ao contrário
de… — foi a vez de Fontana fitar a barriga de Emília.
O trio se encontrava sem reação com a atitude de Dante.
Emília não entendeu o que de fato acontecera, faltavam palavras
para respondê-lo. Porém, ao perceber o sorriso do secretário ser
perverso, entendeu por qual motivo estavam juntos. Ambos
possuíam personalidades perigosas.
— O diálogo está muito bom. Em cinco minutos você
conseguiu agredir meus filhos, meu noivo e eu. Um novo recorde! —
Por instinto, Yan apoiou sua mão contra o peitoral de Dante,
afastando-o de sua irmã. Que nada fez e seguiu o ritmo. — Mas
queremos aproveitar a festa.
— Cla-ro! Jurávamos que vocês não viriam, então já
revelamos o gênero do bebê. — Emília alegou, guiando o quarteto
para o local principal da festa.
— Que seria? — perguntou Tomás, curioso em contar para
Pietro.
— Menina. — Emília alisou sua barriga. — Apenas uma
mulher dos Serpas deu à luz um homem nesses cinquenta anos.
Era óbvio! — Emília encarou Yan por poucos segundos, antes de
retomar a atenção para frente.

A frase mente vazia oficina do diabo nunca fez tanto


sentido em certos momentos, mas principalmente tratando-se de
Tomás. Ao observar tudo tranquilo na festa, decidiu esquentar as
coisas. O pequeno demoniozinho decidiu agir em prol da união
daqueles dois orgulhosos e, ao saber o que o irmão faria, em vez de
Joana o impedi-lo, juntou-se a ele.
Observá-los tratava-se da coisa que Tomás mais fazia,
pois nunca viu seu pai com alguém que lhe fizesse bem. Não existia
um único filho que gostasse dos ex-namorados de Yan. Mesmo que
Dante fosse um homem temperamental, ele nunca agiu de forma
abusiva com Yan e cada filho já teve a sua cota de relações nocivas.
A dupla seguiu vagando entre alguns parentes, os jovens,
naquele momento de expressão animada, começaram a procurar
entre tantas pessoas a sua tia. E durante alguns minutos
caminhando entre tochas e arranjos floridos, por fim a encontrou.
— Tia! — Tomás abraçou com gentileza a barriga da
mulher e desejou vibrações positivas a criança. — Tem um minuto?
— Que belo! Duas garotinhas! — respondeu, afagando o
cabelo de Tomás e fitando Joana. — O que querem?
Joana pensou com seriedade em pisar no pé da outra,
mas nada fez, apenas observou Tomás agir com simpatia, surpresa
com tal encenação do irmão.
— Está aparentando que vocês não gostaram do Dante…
Isso nos deixou chateados, afinal, o amamos. — Tomás fitava o
chão, encenando com perfeição. — Talvez fosse legal, vocês
pedirem para eles demonstrarem afeto em público. Alegando assim
que todos estão de acordo da união!
Emília analisou a face de seus sobrinhos por alguns
segundos, mesmo a outra sendo uma Serpa. — E estando ciente da
personalidade de sua família. — Não conseguiu ler nada de ambos
além de ingenuidade. Tomás estava ficando bom naquilo, era
possível que estivesse aprendendo com Ulisses.
— Você acha? — indagou.
— Achamos! Eles ficariam felizes tendo a aprovação de
vocês. Será apenas um beijo homoafetivo, nada que vá traumatizar
criancinhas! — Joana intrometeu-se, alegando de maneira simpática
e agradável.
Então ela pensou. A dupla já estava desconfortável com a
conversa. Devido aos muitos problemas do passado, Emília e Yan
não trocavam mais que algumas palavras durante todos esses anos.
Estando cientes de que as adoções e o nascimento de Tomás
sempre foi desejo do empresário, sua família não se encontrava de
acordo.
Os Serpas sempre foram uma família conservadora. Onde
homens e mulheres poderiam ter seus casamentos arranjados e era
óbvio que tentariam tirar Tomás – principalmente na adolescência,
fase dos namoros e descobrimentos sexuais –, das mãos do pai. E,
infelizmente, o menino não fazia ideia de como seria seu futuro, o
medo de ficar durante alguns anos com seus familiares era latente.
— Ok. Vou pensar. — Emília cruzou seus braços.
— Obrigado! Não imagina o quão importante isso é! —
Tomás agarrou o tronco de sua tia e logo em seguida a beijou na
bochecha.
Emília ficou em silêncio, apenas observando seus
sobrinhos saírem contentes da conversa. Qualquer pessoa
avançada espiritualmente poderia ver um rabo e chifres vindo
daquele pirralho.
— Tudo por um novo pai, não é? — sussurrou Joana,
ambos já distantes da tia.
— Sem julgamentos, por favor! — Gargalhou.
Passaram-se vinte minutos, Dante e Yan ainda
conversavam sobre coisas avulsas como trabalho. Às vezes, surgia
uma pequena discussão que logo deixava Fontana corado, apenas
de ódio. Próximos da mesa branca coberta de petiscos, o
empresário pegou alguns salgados e colocou sobre o prato que
usara e, logo em seguida, entregou ao seu noivo.
— Dê algum deles na minha boca — ordenou. — Sou um
príncipe.
— Yan… — Dante o encarou, contemplando a ironia nos
lábios de seu chefe. — Não farei isso.
— Vamos. Prometo não chupar seus dedinhos — falou em
tom manhoso, contendo a risada. — Bom… Talvez.
— Por favor. — O secretário apoiou suas mãos sobre seus
olhos, tentando apagar da memória a imaginação que teve. —
Quinhentos não valem isso.
— E se for cem a mais por petisco na minha boca? — Yan
exibiu um sorriso faceiro, enquanto analisava as mínimas
expressões de Dante. — O dinheiro é o seu ponto fraco?
Yan não se contentou e começou a rir da expressão
emburrada do secretário e, mesmo Dante não querendo admitir, ver
seu chefe risonho daquele modo o tranquilizava, a tensão de estar
com seus familiares se tornou escassa.
Dante não deu o petisco na boca de Yan, mas o
empresário fez questão de fazer o contrário, empurrando a comida
sobre sua bochecha. Os olhos de Dante arderam em chamas.
— Ui! — Yan desmanchou em gargalhadas. — Ah,
Fontana… um dia me matará de rir!
— Deus queira! — ele respondeu
— Vejo que os pombinhos estão se divertindo! — A voz de
Emília cortou o momento alegre entre eles. Fazendo os convidados
tomarem sua atenção. — Preciso dizer a todos aqui presentes que
meu irmão está noivo!
As pessoas começaram a aplaudir com a notícia, Tomás e
Joana se encontravam longe da multidão segurando suas risadas.
Yan e Dante agradeciam pelos aplausos, tal atitude os deixou
neutros, afinal era óbvio que isso aconteceria.
— Adoraríamos vê-los oficializando o noivado. — A fala de
Emília fez alguns convidados gritarem de animação. — Vejo que as
alianças já estão em seus dedos, então, que tal um beijo?
Joana soltara um berro ao ver a expressão confusa dos
homens. Tomás tentou controlá-la, mas estava na mesma situação
caótica, principalmente, ao ver a mãe engasgar-se com nada.
— Que porra é essa? — Dante perguntou entre tosses. —
Pediu isso?!
— Cale a boca, não fiz nada… Dessa vez — respondeu,
enquanto agarrava a mão direita de Dante. — Você está suando.
Nervoso?
— Ora, não sejam tímidos! Viva o amor! — Sorriu Emília.
— Vamos gente!
Como ambos não estavam se mexendo em favor do
pedido, Tomás decidiu agir outra vez, começando a bater palmas e
gritar para ambos beijarem, para a infelicidade do casal, os
restantes das pessoas começaram a imitá-lo, pressionando-os mais
ainda.
— Odeio sua família. — Dante deu o primeiro passo,
retirando o prato de comida das mãos do outro. — Vamos acabar
logo com isso.
E assim avançou, apoiando sua mão sobre a nuca do
homem e trazendo para perto de si, selando os lábios um do outro.
Yan encontrava-se chocado, pois agora a mão do loiro serpenteou
sobre sua cintura, junto de um beijo tenro e tímido.
Mas ao tomar conta de que beijava Dante pela primeira
vez, o empresário decidiu evoluir aquele momento que, talvez,
nunca mais ocorresse e o transformou em um beijo de língua. Dante
seguiu o mesmo ritmo de Yan, ambos estariam usufruindo das
sensações dos lábios um do outro. O momento foi desfeito alguns
segundos depois, com alguns gritos e aplausos.
Dante e Yan se encararam após aquilo, imersos no que
tinha acontecido sem se importar com a multidão que os presenciou.
Nunca tinham sentido algo como aquilo até o momento, a vontade
de repetir a dose se tornou doce no corpo de cada um. Um novo
vício, talvez.
Pitt: Sabia que seria uma menina!
Tomás: Eu deveria saber.
As mulheres da nossa família não têm muitos meninos.
Pitt: Vai realizar meu pedido?

Suas expectativas de qual seria o pedido eram altas, não


tinha a total certeza de que realizaria, mas a curiosidade
encontrava-se latente. Pietro aparentava não possuir vergonha do
modo de Tomás, fazendo o jovem cogitar a esperança de ter um
relacionamento.
Tomás estava sozinho, sentado no chão de mármore
branco da sala, seus familiares o olhavam de maneira estranha,
mas ignorava. Joana estava em uma discussão prolongada com
Emília e acabou deixando-o sozinho por alguns minutos.

Tomás: Pode pedir.

Pitt: Nada de mais, mas você deveria postar mais fotos.


Pitt: Você é bonito.

Tomás: Estou no chá de bebê ainda.

Pitt: Legal, quer me mandar nudes? Aceito.


Pitt: Não foi isso que eu quis dizer, bobo.
Tomás: Não dá. Você é um idiota!

Pitt: Vou considerar como elogio ;).

O sorriso abobado surgiu de súbito em seus lábios. Tomás


não pensou duas vezes e aproximou seu rosto da câmera, abrindo
um sincero sorriso. Seus fios ondulados e rebeldes sempre lhe
proporcionaram um charme. Todas suas qualidades físicas saíram
naquela foto. O que não demorou muito para enviar a Pietro. Mas…

Tomás: Pietro?
Tomás: Ei? Está aí?

Pelo sumiço repentino, Tomás voltou a jogar no seu


videogame portátil, ignorando qualquer pessoa que o chamasse.
Mas antes que focasse por completo, publicou sua foto nas redes
sociais. Matias foi o primeiro a curtir e isso o deixou inquieto, afinal,
ambos não se seguiam…
— Garotinha? — Alguém o chamou e Tomás sabia
exatamente quem era apenas pelo modo de tratamento. — Onde
estão seus pais? Quero conhecer o… Dante.
Tentando ignorar a dor de seu peito e o nervosismo de
suas mãos, o rapaz tentou focar na frase de seus pais, lembrando-
se de que não tinha apenas um pilar, mas um presente apoio do
secretário.
Para tentar ignorar Matias e o que poderia fazer com ele,
Tomás começou a se recordar dos momentos felizes que sempre
tinha com sua verdadeira família ou a nova paixão que era Pietro.
Abner, seu avô, um homem conservador que não conseguia
entender o universo que seu filho e netos entraram. Então, para ele,
Tomás queria ser uma garotinha, Joana um garoto e assim os
chamava.
— Vovô… — Ele tomou um suspiro. — Eu sou um homem
que gosta de homens.
— Certo, minha filha. — Abner afagou a mão nos cabelos
do neto e os bagunçou, com inocência em sua voz. Percebendo que
o idoso não fazia por mal. — Voltou a perguntar. Onde estão seus
pais? Porque Joana eu até tentei tirar da cola da Emília, mas…
— Meus pais… — A forma doce que saía na boca do
garoto era agradável. — Bom, pensei que estavam conversando
próximo à piscina, não se encontraram lá?
Abner negou.
— Estranho…

— Ah, porra — rosnou o loiro.


Depois de terem experimentado o primeiro beijo, fora
impossível não tomar um novamente. Dante e Yan sentiam uma
química. E tal sentimento começou a tomar ciência dos seus corpos
como uma brasa perigosa e flamejante. O secretário preferia algo
mais brando e sereno, em contrapartida, seu chefe desejava o
cálido e devasso. Por algum motivo incoerente, aquela junção
proporcionou um delicioso e viciante beijo.
Presos dentro de um cômodo apertado e repleto de
ferramentas, os homens negavam-se em afastar seus corpos
fogosos. Mesmo Dante possuindo autocontrole admirável para
situações mais diversas, estava sendo difícil lidar com a falta dos
lábios doces de Yan, pelos mínimos segundos que eram cessados
para a recuperação do fôlego.
Era… Irreal.
Não sabiam o tempo que tinha passado, mas a cada
segundo Yan colava seu corpo sobre o de Dante, entrelaçando suas
pernas esbeltas na cintura de Fontana e seus braços em volta da
nuca, sentindo alguns fios lisos na ponta de seus dedos. O chefe
estava sentado sobre a mesa e, para Fontana, aquilo começou a se
tornar perigoso, já que sentia sua vulnerabilidade atacar.
De acordo com sua sexóloga, sua impotência era causada
por seus traumas do passado e terríveis pressões que ele sobrepôs,
impedindo-o de possuir libido. Através de diversos testes, fora
confirmado que era um homem saudável fisicamente, mas seu
mental ainda não estaria tão recuperado após a terrível guerra.
Sendo assim, fazia três anos e alguns meses que Dante não
transava ou sentia-se excitado a ponto de se masturbar. Bom…
— Chega. — Dante afastou Yan, ainda zonzo com o beijo
tenro. A sensação continuava sobre seus lábios e as pernas de
Serpa entrelaçadas em sua cintura. — Melhor voltarmos. Passamos
muito tempo aqui.
— Só porque eu estava ficando animado. — Serpa riu
enquanto dedilhava o rosto de Dante. — Tudo bem, temos que ir
mesmo. Passaram… — o playboy checou seu relógio e arregalou os
olhos. — Dez minutos! É, bonitinho, parece que você não é tão
santo quanto imaginei.
O secretário tentava ignorar todos os detalhes do homem
à sua frente, forçando-o a recordar que se tratava de Yan Serpa, o
chefe que tirava toda a sua paciência durante meses. Mas,
aparentemente, seu corpo ignorava tais pensamentos.
Porém, agradeceu por não se excitar por Yan.
— Você que me trouxe para cá — resmungou, agarrando
as pernas de Yan e as tirando de sua cintura. Tentando ignorar o
pouco de desejo que acumulou.
— E quem agarrou minha bunda mesmo? — O homem
cruzou seus braços. — Nós queríamos. E, por Deus, não me
arrependo.
Dante revirou seus olhos e logo após bufou. A dupla ficou
em silêncio por alguns minutos, enquanto ajeitavam suas
vestimentas e o secretário recolhia as ferramentas que tinha jogado
no chão, no intuito de colocar Yan de modo confortável na mesa.
Ambos adentraram em um quarto de ferramenta, que era localizado
entre a piscina e o jardim.
De repente, uma preocupação surgiu na mente de ambos.
— Tomás e Joana, eles… — os dois falaram em
simultâneo. Rindo em seguida da situação.
— Eles não precisam saber do que aconteceu —
completou Yan. — Tenho certeza de que inventarão alguma coisa se
souber. Admito que meus filhos são uns diabinhos.
— Não os julguem, não tinha muito para onde correr, não
é? — Dante cessou seu sorriso. Colocando as ferramentas em seus
devidos lugares. — Sairei primeiro.
Antes que Fontana conseguisse atravessar a porta, Serpa
o chamou.
— Dante… — Sua voz saiu como um sussurro. — Me tire
daqui. — Ele apontou para a mesa.
— Você não é tão baixo.
— Claro que não, mas me desce.
O secretário bufou. Yan já tinha voltado ao seu normal.

Depois do ocorrido no quarto de ferramentas, Yan e Dante


se separaram. Serpa foi procurar Tomás, enquanto Fontana
acompanhava Joana. A casa era bastante extensa, chegando a ser
um pouco maior que a casa atual de Yan, seus familiares estavam
desfrutando do local como se o empresário não fosse o dono.
Era perceptível como a família os tratava, seus olhares e
recepção eram sempre com menosprezo ou superioridade. E
mesmo que a face de Jojo demonstrasse a expressão mais
intimidante possível, o secretário ao tocar no ombro da garota,
sentiu seu corpo trêmulo.
— Está tudo bem? — Seu tom alegava calma. — Quer ir lá
para fora? Esperamos eles se despedirem.
— Claro que estou bem! — gritou Joana, assustando
Dante, mas abaixou sua cabeça ao perceber o que tinha feito. — E-
eu… Os odeio. Ao mesmo tempo em que tenho medo. Uma das
minhas primas agarrou minha gargantilha e tentou tirar…
— Que cuzona! — rosnou Fontana. — Seu estilo... Quer
dizer, luta, é fantástico, combina contigo. Talvez seja por inveja, sua
família e amigos não te julgam. Ao contrário da família dela.
— Sério? — Joana tocou em seu pescoço, sentindo as
lantejoulas em seus dedos.
— Com certeza! Não se preocupe com as idiotices deles.
— Dante abaixou seu corpo e sussurrou: — Deve ser uma merda
conviver com robôs.
Joana gargalhou, concordando com a sua fala, o
secretário dera um sorriso de canto.
— Você conheceu a dona da skynet? — cochichou e
Dante negou com a cabeça, confuso. — Melinda, a mãe do seu
noivo. — Gargalhou.
Desde que chegou, dona Mel não tinha surgido uma única
vez e isso não causou estranhamento por parte de Dante, já que a
mulher era um dos principais motivos para desejar seu adorável
neto de volta, o menosprezo era mais óbvio.
— Ah, não. Inclusive, só tive contato com Emília e
Adamastor… O primo e… Marido? — Arqueou sua sobrancelha. —
Realmente não entendi muito bem.
— Sim, são primos. Mas Adamastor é fruto de uma traição
do pai dele com uma amante, como ele queria um menino, decidiu
ficar com a criança. — Ao explicar, Joana percebeu que Dante
pressionava sua mão no queixo, intrigado. — A irmã do vô não pôde
falar nada, por isso criou a criança como se fosse dela. Não temos
notícias da amante.
— Incrível! — debochou.
— Emília quer fazer um piquenique da próxima vez, então
boa sorte com os podres que vai descobrir! — Gargalhou. —
Adamastor e alguns amigos dele tem um clubinho de futebol e quer
que você participe. Um saco! Estão pensando em se reunir no
próximo mês.
Dante soltou uma risada anasalada, ter a oportunidade de
sair no chute com pessoas aleatórias? Seria esse o seu maior
sonho do mês?
— Contanto que eu possa levar meu próprio time. —
Dante riu.
— Não sabia que gostava de esportes — declarou. — Na
verdade, não sabemos muito sobre você. Já você, sabe até nossas
alergias e compromissos diários!
— Nada de interessante. — Dante engoliu seco. —
Possuo uma vida monótona, nada que um grupo de adolescentes
fique curiosos. Tudo que precisam saber, coloquei no currículo.
— Aposto que o pai não leu seu currículo. — Joana
conteve sua risada.
A dupla seguiu até a sala procurando por Yan e Tomás,
mas Dante parou e começou a dar atenção para algumas fotos de
família que estavam penduradas na parede. Joana parou com ele.
Fora perceptível seu desconforto ao ver o homem imerso nas fotos.
— Esse é o Ton-ton. — Ela apontou para a imagem onde
tinha o garotinho com aproximadamente três anos, estava todo
sorridente e de braços abertos, junto a uma pessoa de cabelos
longos e negros.
— Quem é essa? — perguntou. Feliz em saber que Tomás
mudara pouca coisa.
— Hã... Y-yvina — respondeu, porém, era notório seu
arrependimento. — T-tia do meu pai. Mas não terá a chance de
conhecê-la.
O secretário começou a percorrer seus olhos para as
demais fotos e não conseguia achar Yan ou os demais filhos nelas,
apenas Tomás e os familiares de Melinda e Abner. A fúria chegou de
forma amarga e repentina no paladar de Dante, que estava odiando
aquela família.
— Essas fotos vieram junto com a estadia deles, certo? —
ela confirmou. — Então você e Yan deveriam estar nas fotos e não
apenas Tomás! — O secretário bufou. — É uma Serpa também!
— Dante… É muito legal você falar isso, mas… não
somos uma família tradicional. — Joana pressionou suas mãos. —
Não somos um exemplo para eles… Não quando o papai teve um
filho fora do casamento ou quando ele adotou crianças em situações
medíocres. Não quando é bissexual. Não quando… Enfim… — A
garota soltou um suspiro. — Não fique tão surpreso.
Dante estava incrédulo com aquela informação.
— Analisei vocês… Sem intenção, claro, mas… acho que
estão se martirizando demais por um bando de cuzões fodido da
cabeça! — Fontana alisou seus cabelos loiros, pensando em cada
palavra que falaria. — Considero que Yan mostrou muito cedo a
realidade da vida para vocês, o que foi ruim, pois demoraram a
tomar confiança, como foram comigo. Mas isso os fez serem
compreensíveis em situações difíceis. E ter um pai compreensível
acabou deixando vocês com uma maior facilidade em se abrirem
sentimentalmente.
Joana encontrava-se catatônica, abrindo e fechando a
boca algumas vezes. Não conseguia saber se abraçava Dante ou
tentava tirar respostas sobre sua profissão.
— Mesmo que o pai de vocês não bata bem da cabeça e
considerando que ele dá responsabilidades demais para
adolescentes, afinal, só dois de vocês têm mais de vinte anos. —
Dante se recordou de Lia e como a garota demonstrava uma
personalidade madura. — E deixar próximo de pessoas que a
criança não tem afeto é irresponsável… Fora isso, é uma família
comum e saudável. Que prezam muito a terapia.
— Você é pedagogo? Psicólogo?! — Os olhos de Joana
brilhavam com tal análise.
— Estava no currículo! — rosnou Fontana. — Pensei que
ele tinha dito a vocês!
— Três páginas, Dante! — Joana o confrontou. — Com
certeza foi contratado pela foto… Mas como entendeu sobre nós
com tanta facilidade?
— Analisei de acordo com a criação de outras crianças.
Trabalhei pouco na minha área, mas analisei os lares e como cada
criança se comporta.
— Dante, você é um cara legal. — Joana pressionou seu
cotovelo no braço do outro.
O silêncio tomou conta, Fontana não conseguia falar mais
nada com tal elogio. Foi então que os dois se sentaram no extenso
sofá, à medida que aguardavam Yan e Tomás aparecerem.
Passaram-se alguns minutos até surgirem e observar os dois
conversando sobre a série favorita de Joana.
— Que animação! — brincou o menino levantando os
braços e os chacoalhando. — Mas sinto uma energia densa vinda
desse cômodo
— Deve ser por isso que ninguém entrou na sala depois
que ficamos aqui — argumentou Joana. — Mas observe essa cara.
— Jojo levantou-se e aproximou dos dois, logo depois apontou para
o rosto sério de Dante. — Vocês entrariam em algum local com
alguém te encarando assim?
— Não pode falar nada, Joana. Você é a gótica
acompanhada por um urso mal-encarado — garantiu, fazendo uma
careta para a garota. — Mesmo barco!
— Vejo que estão se dando bem. — Yan evitou exibir seu
sorriso.
— Seus filhos são fáceis de lidar — Fontana garantiu. —
Seus filhos, ok?
— Vejo que está ansioso para visitar o RH mais cedo. —
Yan fitou os lábios de Dante.
— Ser demitido? E quem cuidaria dos seus filhos? Enfim,
irei esperar lá fora, deem meu tchau para Emília e os demais. —
Dante afagou o cabelo de Tomás e pressionou seus polegares
contra a bochecha de Joana.
O trio concordou, enquanto observavam Dante sair pela
porta da frente. Yan mordeu seu lábio inferior com vontade,
lembrando-se de tudo que acontecera entre eles. O beijo fora
extraordinário, mas vê-lo tão comunicativo com os filhos… era
mágico.
Tomás carregava uma expressão vitoriosa em seu rosto,
pois via seu pai tão imerso em seu pensamento. Nem mesmo
Narciso, com quem passara seis anos, deixava-o tão maravilhado
como o secretário carrancudo fazia.
— Preciso conquistar este homem — verbalizou Yan,
enquanto alisava seu queixo. — Nem que seja à base de feitiçaria.
Joana e Tomás cruzaram olhares bastante cúmplices e
Yan os levou para dar adeus aos seus familiares, enquanto ouvia
risadas e resmungos dos filhos.
Serpa talvez tivesse encontrado alguém que valesse a
pena tentar.

— Faltam poucos encontros… — Yan repetia seguidas


vezes. — Só isso. E minha mãe deixar essa ideia maluca de roubar
uma das minhas crianças. Vai tudo… Ficar bem.
As esperanças de Yan estavam todas apoiadas em Dante,
talvez fosse perigoso demais a se pensar, mas não ligou. Dessa vez
não podia lidar sozinho com tal situação. Serpa já encarou muitas
dificuldades desde a infância e seu ponto fraco sempre fora a
família.
O empresário estava sentado no banco do passageiro ao
lado de Dante, faltavam minutos para chegar à casa e era nítido o
desgaste mental do trio. A única pessoa aparentemente bem era
Fontana que carregava sua expressão irada.
— Admito que a concentração de humores ácidos foi
surpreendente — confessou. — Serpas e seu dom de me chocar!
— Claro, porque os Fontanas devem ser todos sorridentes
e saltitantes! — Yan gargalhou, desabotoando metade da blusa. —
Sua família não deve ser tão diferente da minha.
— É. Fazer o quê? — Dante dera de ombros. — Minha
verdadeira família é composta por dois idiotas e uma
esquentadinha. — Ele se acalmou ao se lembrar de que seus
amigos estavam o esperando em casa.
— Tem irmãos? — Tomás perguntou.
— Não.
— E seus pais? — Yan o fitou.
— Estão bem, acho. — A voz de Dante carregava frieza.
— Não converso faz dez anos.
— Aconteceu algo? — Joana perguntou com extrema
calma.
Dante permaneceu em silêncio durante minutos, pouco
importando a atmosfera tensa criada. Mas ao perceber que o trio foi
amigável com ele, Dante voltou atrás. Após demorar certo tempo de
novo, conseguiu abrir sua boca, em meio a isso, apertava o volante
com força e soltava alguns suspiros.
— B-bom. — Os três ficaram atentos às palavras. —
Digamos… Que meu pai não conhece a palavra… compreensão em
seu vocabulário. — Sua voz falhou no começo. — Seguia regras e
cargas horárias como um soldado.
“Dante, acorde às cinco e vá limpar o chão”, “Homens não
choram!”. Com certas frases percorrendo em sua cabeça, o
secretário permaneceu em completo mutismo. Yan, Joana e Tomás
se encararam ao perceber o quão absorto Dante estava.
— Segunda, você terá muito trabalho a fazer. Esteja
pronto. — A frase de Yan o tirou de seus devaneios. — Deixar meu
filho, comprar meu almoço, o cappuccino com calda de morango.
Testarei alguns modelos de baterias, então o telefone encherá de
ligações e eu adoraria que fizesse o mapa astral completo de minha
mãe.
Yan sabia que dar tarefas aos montes para Dante o tirava
de seu caos mental. Com tal descoberta, usava a seu favor para o
bem de Dante, pois não foi a primeira vez que o empresário viu seu
secretário desse modo.
— Como odeio esse cappuccino — ressaltou Dante,
fitando os olhos do chefe. Agradecendo em silêncio pelo que foi dito.
— A única parte que não me deixa cansado é deixar o garoto no
colégio.
— Se eu fosse o Dante, com certeza diria o contrário! —
Joana gargalhou.
— Ei? Eu sou perfeito! — Tomás apoiou sua mão contra o
peito, fingindo estar ofendido.
O trio negou a frase dita por Tomás. O loiro continuava
receoso em falar algo sobre sua vida, era perigoso contar. E não
fazia sentido imergir aquela família em seu caos. Thyra, Marcel e
Liam eram o bastante em sua vida.
Dante sempre foi ciente da sua balbúrdia interior, do caos
que poderia surgir e ser sua culpa. E, definitivamente, os Serpas
não mereciam vivenciar algo semelhante, nada que viesse de
Fontana. Mas o que o secretário não se encontrava ciente de um
único fato. O Serpas não desistiam fácil.
— Chegamos. — Fontana parou o carro, enquanto se
espreguiçava no banco. Estava em frente à casa dos deles. — Até
segunda, Tomás e Jojo. E Yan… Não me ligue à noite.
— Tchau, mamãe! — Tomás gritou, abrindo a porta do
carro e bagunçando o cabelo de Fontana.
— Obrigada pelas palavras, Dante. Até a próxima! —
Joana se despediu.
O mais velho ao ver o quão distantes seus filhos estavam,
continuou no carro. O loiro destravou a porta e aguardava a hora
que Yan fosse sair. Ambos começaram a se fitar por minutos, mas
nenhum fez questão de iniciar a conversa.
— Não vou te beijar — declarou o mais novo, sem desviar
seus olhos.
— Ia perguntar se você estava bem, mas já que tocou no
assunto.
— Não, não ia — afirmou. — Te conheço, senhor Serpa.
Está em frente de sua casa e seus filhos a poucos metros de
distância do carro.
— Eles já entraram.
— Yan.
— Estamos sozinhos.
— Yan!
— É um santo. — O empresário revirou seus olhos,
cercando Dante. — Noivo.
Ao se aproximar o suficiente para roçar sua pele contra de
seu secretário, o empresário não fora até seus lábios cálidos.
Entretanto, seguiu um pouco mais para baixo, até a pele nua de seu
pescoço, onde fizera questão de retirar o tecido restante e
abocanhar o local, fazendo Dante soltar um suspiro pesado.
Dante tinha aceitado e fora apenas por isso que o mais
velho avançou, Yan mordiscava e chupava o mínimo do local, como
se estivesse provando um pouco do que o Fontana estava
oferecendo, saciando um pouco da luxúria que emanava em si.
Eram nítidos os arrepios que Yan causou no outro.
Por fim, o empresário lambeu o local devagar, soltando
uma risada maliciosa em seguida, enquanto fitava a expressão
emburrada do loiro. Aquilo não o saciou, na verdade… Dera-lhe
uma terrível sede.
— Estava esperando você recuar — explicou Yan.
— O único problema será a marca.
— Blusa de gola alta. — Ele piscou, saindo do carro logo
depois. — Espero que esteja bem, Fontana. Desculpe caso tenha o
deixado desconfortável.
— Sabe pedir desculpas? — Sua expressão se
encontrava perplexa, que logo se desfez. — Não senti, eu teria dito.
— Então gostou do beijo? — perguntou Yan, exibindo um
sorriso travesso. Apoiado seu corpo sobre a janela do motorista.
— Boa noite. — Dante ligou o carro e engatou a marcha.
— Isso foi um sim? E o chupão?
— Boa noite, Yan! — repetiu, retirando os braços do seu
chefe da janela e dirigindo o carro logo em seguida.
Serpa gargalhou com a ação, provocar Dante estava lhe
proporcionando situações satisfatórias. O homem começou a seguir
até sua casa, o portão estava aberto por conta dos filhos, mas ao
adentrar a residência, seu telefone começou a tocar.
Era ele.
E o empresário permaneceu estático, sem conseguir emitir
alguma reação além de repulsa, porém, seu coração ainda
descompassava ao ver o nome sobre a tela do telefone. O ex-
namorado de Yan.
Narciso era da mesma altura que Yan, dono de uma pele
branca e corpo malhado. Possuía um cavanhaque e cabelos ralos,
era herdeiro, filho de pais donos de terras. Dono de um gênio
desprezível.
Yan tomou forças onde não tinha e atendeu a ligação, logo
após ordenar a Merab que fechasse a porta.
— Seus filhos são mal-educados. Não abriram a porta
para o namorado do pai deles… — alegou Narciso, carregando
deboche em sua voz.
— Os ensinei a não abrir a porta para estranhos.
— Yan, Yan, Yan. Você está indo longe demais por esse
pirralho.
— Não tenho medo de você — confessou Serpa.
— Mas deveria. — Gargalhou Narciso, desligando o
celular.
Yan chegou ao segundo andar e fechou a porta do andar
de cima com força, trancando-a e colocando sua senha com
demasiada rapidez. O receio em Narciso fazer algo contra seus
filhos veio à tona, mas decidiu ignorar por ora, afinal poderia ser
apenas um blefe e Yan se agarrou a isso.
Ao seguir ainda inerte com o acontecimento, Yan deu de
cara com seus filhos na cozinha, Tomás esquentava o leite e Joana
cortava algumas barras de chocolate. Kali estava lendo um pequeno
artigo em seu notebook, mas o fechou ao perceber o olhar de seu
pai.
— O controle de segurança é por conta do Narciso? — ela
perguntou, seguindo até ele.
O controle de segurança – aparentando um tablet comum
–, foi um dos produtos que Yan produziu para sua proteção, mas
acabou sendo de bom grado para alguns bilionários. Logo,
conseguiu vender sua tecnologia por um bom preço.
— Façam um reconhecimento facial de seus rostos. —
Yan pôs o controle sobre a mesa. — Precisamos mudar de senha
também… Me desculpem por causar isso, não sabia que ele…
Porra. — Suspirou.
— Não se desculpe, contrate um guarda-costas! — Joana
aconselhou, cortando com mais força as barras. — Eu odeio esse
cara. — A garota jogou as fatias de chocolate no leite fervente.
— Acredito que ele não fará nada de ruim — ressaltou
Yan. Erguendo o tablet sobre o rosto de Kali. — Olhe para a
câmera. — Ela o fez. — Tem que colocar o rosto do esquentadinho
aqui também…
Kali observou o sorriso abobado e os olhos brilhantes de
seu pai. Poderia ser muita prepotência de sua parte considerar que
Dante tivesse a mesma reação, mas algo lhe dizia que os
sentimentos eram recíprocos.
— Pai… — Kali apertou a mão de Serpa. — Quando isso
acabar, não volte com ele.
Yan cortou a distância e abraçou a garota, enquanto
apoiava seu queixo sobre sua cabeça. Kali estava receosa com a
ligação repentina de Narciso, odiá-lo já fazia parte de sua
personalidade. Joana e Tomás observaram a cena e seguiram até
os dois, com o fogão já desligado.
— Concordo com a Kali — disse Joana, envolvendo os
braços em volta dos dois.
— Claro, a Kali é sensata — caçoou Tomás, recebendo
um puxão de cabelo por Joana, fazendo-o repetir a mesma ação,
ambos riram.
— Não vou gente. É uma promessa. — O homem apertou
mais ainda aquele abraço. — Fizeram chocolate quente para mim?
Porque se a resposta for não, estarão de castigo!
— Pai… Nós te amamos, ok? — Kali alegou, voltando ao
assunto que seu pai tentava fugir.
— Mesmo você sendo estranho — Joana completou a
frase da irmã.
Yan sorriu e segurou o pouco de lágrimas imergindo em
seus olhos, seus filhos dificilmente falavam aquelas palavras, não
por receio ou estranheza, apenas não ter costume.
— Eu também. Mesmo vocês sendo um grupo de
linguarudos e atrevidos. — Depositou um beijo na cabeça dos filhos.
— Vamos tomar chocolate quente, enquanto eu leio o currículo do
senhor esquentadinho?
— Dante está putasso porque você não leu, ele me falou.
— Joana gargalhou.
— Não é para julgar, não é? Tadinho dele — murmurou
Kali.
— Chega! Não protejam sua mamãe! — protestou o mais
velho.

Duas da manhã.

Era impossível Dante dormir naquela noite. Fazia meses


que sua vida não se encontrava tão agitada. O que pensou no
momento? Por que se deixou levar daquele modo pelos beijos tão
doces de Yan?
Demorou dez minutos para resolver ir dormir em outro
local que não fosse sua cama. A casa do homem era extensa, seus
móveis possuíam um tom acinzentado e suas paredes eram
brancas. Mas sua máscara do lobo Cerberus continuava à mostra,
pregada sobre a parede centímetros acima da cômoda. Pois faltava
uma tarefa para realizar.
Algumas armas e facas eram escondidas por meio da
casa. Suas duas pistolas preferidas localizavam-se debaixo da
mesa em cada ponta do móvel. Seu fuzil do modelo AWP
pendurado, fazendo-o lembrar de que nunca deveria tirá-la do local
a não ser para a última tarefa. Ele não via a hora de ser chamado e
estar livre.
O homem observou seu sofá frio, o chão e a poltrona, mas
nada lhe apeteceu. Então, pegou suas chaves de casa e seu
travesseiro, seguindo para fora do apartamento. Por sorte, seu trio
de amigos ficava apenas a uma porta de distância e ambos tinham
suas chaves reservas.
Saiu de sua casa e seguiu até a outra, abrindo a porta e
seguindo até o quarto de Thyra.
— Thyra? — Dante a chamou com calma, parado diante
da porta. — Acordada?
— Não — ela murmurou revirando-se na cama, logo
percebendo que se tratava de Fontana. — Lembrou-se do dia da
chuva, campeão? Sem sono?
— Não quero dormir sozinho — confessou. — Então…
— Vem. Dorme comigo. — Thyra abriu os braços e mesmo
sonolenta entendeu o pedido que o homem teria feito.
Dante seguiu até a cama e se deitou em cima da mulher,
apoiando sua cabeça sobre o pescoço. Sua amiga abraçou seu
corpo robusto.
— Que saudade de dormir com um homem. — Thyra o
apertou mais forte entre seus braços. — Por que não tentamos
esquentar o clima? Amo essa almofadinha que é seu peitoral — ela
brincou, gargalhando em seguida.
— Que porra é essa cutucando minha perna? — Dante se
remexeu na cama, tateando e procurando o objeto desconfortável.
— Meu amiguinho animado em te ver! — respondeu em
meio às gargalhadas.
O loiro encontrou um carregador da pistola Glock. Thyra
possuía um horrendo medo depois que a guerra passou. Só
conseguia dormir se tivesse sua arma e pente colados ao seu corpo.
Tal medo fez seus namoros serem menos duradouros.
— Pensei que morando com Liam, Marcel e comigo ao
lado, tivesse ajudado você de alguma forma — exclamou, colocando
o carregador sobre a cabeceira.
— Melhorou, pois antes eu dormia com um fuzil. — Thyra
soltou um suspiro. — Boa noite, Dan…
O homem descansou seu corpo sobre a mulher,
finalmente estava conseguindo pegar no sono. Thyra apertou o
amigo mais forte, procurando segurança sobre aquele par de
músculos, um estaria ajudando na insegurança do outro.
— Eu beijei o Yan — ele sussurrou.
— Legal — respondeu Thyra de forma inconsciente.
— E gostei. — Após desabafar aquilo, Dante desmaiou de
sono.
Mas Thyra abriu os olhos com rapidez.
— Você o quê?! Dante! — A mulher o chacoalhou. —
Acorda! — O remexeu mais um pouco. — Porra!
Duas da manhã. Mansão Serpa.
Yan revirara em sua cama desde o momento que Dante o
deixou em casa, lembrar-se de cada cena o fez ter diversos
sentimentos, fossem eles conflitantes ou fodidamente bons. Cada
toque que Fontana executou, era um desejo sendo realizado por
Serpa e aquilo estava o deixando louco, afinal, eles eram amigos!
Amigos!
Ao perceber que não conseguiria dormir, decidiu sentar-se
em sua cama, pegando seu celular e procurando o número de
Natália, em seguida discou. Existiam muitos defeitos naquele
homem, mas tais ligações eram as piores — e Dante estava ciente
disso.
Foram duas chamadas não sucedidas, até a terceira
escutar uma voz lenta.
— Senhor Serpa… — sussurrou Natália. — Dormindo.
— Eu sei. Me desculpe por isso, ok? — Yan saiu da cama,
entrou no closet e procurou uma blusa roxa simples. — Mas você
tem o currículo do Dante? Poderia me mandar o PDF?
— Hm… Po-posso. Mas… Madalena e Felícia... Tem o
currículo — murmurou a mulher, pressionando seu rosto no
travesseiro. — O senhor mora com elas?
— Hã… Não — Serpa pressionava seu celular entre a
orelha e o ombro. — Elas moram perto do YFEMA.
— Elas estão com… — o mutismo perpetuou pela linha,
Natália acabou dormindo pela exaustão e horário.
— Porra — sussurrou o homem, desligando a ligação com
a recepcionista. Logo depois, discando o número de Madalena.
Após vestir sua blusa, colocar uma bermuda preta e calçar
suas sandálias, Serpa pegara suas chaves e celular, seguindo em
silêncio até a garagem. A maior missão do momento era não
acordar seus filhos. Madalena e Felícia não atenderam, porém,
pouco importou, iria à casa das mulheres de qualquer forma.
Já na garagem, só possuíam quatro carros indicando que
Joca e Ulisses ainda não tinham chegado da festa e que Serpa
deveria sair, antes que seus filhos chegassem e fizessem perguntas.
Mas fora tarde, a porta da garagem começara a levantar,
exibindo um Chevrolet Montana 2020 preto. Yan se deitou no banco
ao lado do passageiro, ficando em silêncio para que a dupla não o
notasse.
— Cara, meu Deus… tenho aula amanhã — murmurou
Joca. — Papai vai nos matar! — O garoto abraçou a cintura de
Ulisses. — Me carrega, por favor.
— Sai! Você fede a cerveja, inferno. — O garoto riu,
mesmo irritado. — Jurava que tu tinha bebido só três latinhas,
mano, posso nem dar uma voltinha com a mommy que tu já age
assim?
— Que idiotice…
— Se comporte e suba as escadas — comandou. — Estou
atrás de ti e não vomita, pelo amor de Deus, não me faz prestar
esse papel!
Os barulhos de passos pesados foram cessando a cada
segundo, deixando a garagem silenciosa novamente. Sem a
presença dos irmãos, Yan se levantou seu corpo e começou a ligar
para Madalena, mas quando virou seu rosto, soltou um grito agudo
ao ver seus filhos do lado de fora do carro, de expressões sérias.
— Puta que pariu! Moleques do caralho! — rosnou Serpa,
abaixando o vidro do carro.
— O barão vai aonde? — Ulisses cruzou seus braços.
— Eu que faço as perguntas aqui! Isso é hora de chegar
em casa? Vocês têm aula amanhã! E podem limpar aquele carro,
porque não quero nem pensar quanta gente entrou naquilo! —
Serpa fitou o telefone e percebeu que Madalena o respondeu. — E
tenho que ir!
— Você irá para onde? — Joca arqueou suas
sobrancelhas. — Conseguimos vê-lo devido à blusa, tem que
aprender a se esconder melhor.
— Sou eu que faço as perguntas aqui! — O mais velho
cruzou seus braços.
— Pai, se você vai se encontrar com o secretário, está
tudo bem. Gostamos dele. — Ulisses cruzou seus braços. — Não
precisa esconder nada. O senhor está dormindo com ele?
Joca pressionou a mão em seu rosto e soltou um suspiro.
A face de Ulisses continuava neutra, enquanto Yan se encontrava
rubro da cabeça aos pés, sua vida amorosa nunca era comentada
daquela forma. Mas se tinha algo que Ulisses e Yan
compartilhavam, era suas perguntas infames.
— Só irei responder se você confessar quem é a mommy
que se encontrou. — E cruzou os braços, pressionando suas costas
contra o banco. — Estou esperando… Ulisses Fausto Serpa.
O silêncio se tornou infernal para Joca, já que ambos não
davam iniciativa, apenas trocavam olhares.
— Boa noite, pai. — Ulisses sorriu, acenando para ele.
— Ótima alternativa. — Yan retribuiu o sorriso, ligando o
carro. — Vão dormir, amo vocês. Amanhã estarei em casa! Não
contem aos seus irmãos. — Após o portão abrir, Serpa dirigiu com
rapidez para fora.
Ulisses e Joca continuavam parados, fitando o portão.
— É triste demais — começou Joca. — Vocês são
idênticos!
— Vou considerar isso um elogio! — O garoto empurrou
Joca.

— Ele é italiano! — comentou Yan. — Dante Fontana


Argenti… Não fazia ideia de que seus sobrenomes eram esses. Que
interessante — murmurou para si.
Serpa estava deitado no sofá de Madalena e Felícia, lendo
tranquilamente o currículo de Dante, as mulheres tinham o arquivo.
Ler todas as informações adquiridas naquela pequena tela deixou o
empresário mais curioso sobre quem era o secretário que contratou.
— Você sabe que uma bicha velha como eu não deveria
estar acordada, não sabe, Barbiezinha? — rosnou Madalena,
fitando o teto de sua casa. — Sabe por que moramos longe de você
e seus filhos? É para não acontecer isso.
— Também te amo, Mada. — Yan pouco ligou, ainda
estava submerso naquele arquivo. — Vocês não estavam
atendendo e eu acabei ficando tão ansioso que… Me desculpem.
Em vez de respondê-la a altura como sempre foi o caso,
Serpa recuou, aparentando estar culpado por tal ação impensável.
Felícia, que estava ao lado de Madalena, seguiu até o rapaz,
abraçando-o. Yan estava com o rosto rubro e feliz, talvez fosse uma
expressão aparente de amor.
— Qual foi o bafão que nosso demoniozinho favorito se
meteu? — Felícia perguntou, com seus braços ainda em volta de
Serpa.
— Eu vi… O Dante conversando com Joana e Tomás. Foi
a coisa mais bonita! — respondeu, animado, porém, sem tirar seus
olhos do currículo. — Passou… A merda de um filme inteiro na
minha cabeça e fiquei me perguntando como pude ser tão
desleixado e não ler… isso! — Ele apontou para o objeto.
As mulheres se entreolharam por alguns segundos, até
Madalena se levantar de seu sofá e seguir até a adega, pegando
algumas taças e um vinho já aberto. A senhora entregou as taças
para os amigos e despejou uma considerável quantidade de vinho
nelas.
— Se as madames quiserem queijo, que cortem. —
Sentou-se novamente no sofá, cruzando suas pernas. — Yan, está
apaixonado?
— Não — respondeu, rispidamente.
— Ah, meu bem, admite, assim ficará menos feio para
você. — Felícia começaram a fazer cafuné no homem. — Ele é do
vale pelo menos?
Felícia e Madalena eram mais do que simples mulheres
bem vividas, eram fundadoras do YFEMA, a boate LGBTQIA+. E
irmãs de consideração e tias dos filhos de Yan, que por amar Serpa,
acabou financiando o começo da sua empresa, todas as economias
de quase trinta anos foram ofertadas como investimento no protótipo
do homem.
Cinco anos depois, a empresa alcançou seu sucesso e
Yan até apareceu na capa da revista Forbes por ser o empresário
mais bem-sucedido antes dos trinta. Quando tudo dera certo, as
mulheres se tornaram sócias das Indústrias Serpas e Yan da boate
— que no momento tinha mais de dez filiais espelhadas pelo
mundo.
Todo esse sonho começou a partir dos vinte e quatro
anos, graças a Kunut, Madalena e Felícia por financiarem e
apoiarem os sonhos de Serpa. Se não fosse o trio dando tanto apoio
merecido… só Deus podia saber onde pai e filhos estariam.
Madalena tem um tom de pele café com leite, suas
madeixas eram trançadas de vermelho, indo até sua cintura. Felícia
possuía o mesmo tom de pele da amiga, porém, era dona de
cabelos loiros. Ambas já possuíam algumas rugas em volta de seus
olhos e linhas de expressões, o normal para mulheres próximas dos
sessenta, mas os anos as deixavam mais charmosas.
— Sou muitas coisas, mas idiota não! — E permaneceu
em silêncio. — Tudo bem, às vezes sou isso também, mas ele é
gay, até nos pegamos no quarto de ferramentas. É que eu estou
muito intrigado com o Dante, sério. Tampouco sabia que ele era
soldado! Ele tem uma lista de conquistas com a guerra no Iraque!
— Oh, bee, pare de fingir que tu tá focado, lendo o
currículo do bofe escândalo e foca aqui nas travas. — Madalena
arremessou a almofada no homem. — Tá gostando dele?
Yan cruzou seus braços.
— Ai, ai, a carinha diz tudo! — Felícia bateu palmas. —
Yan, você pode ser sincero conosco, sabe disso. Estamos juntos
nessa, bebê.
Serpa soltou um suspiro longo, pensando no que faria.
Fazia anos que não tinha a sensação de tais sentimentos
percorrerem em si.
— Quero saber mais sobre Dante do que ser um soldado
treinado ou mais do que um simples papel me apresenta —
confessou. — Mesmo tendo medo de descobrir se tem… fobias. —
Madalena cruzou suas pernas e balançou sua cabeça. — Não sou
tão forte como vocês.
— Você já é, Yan — a ruiva o lembrou. — Ter
inseguranças não é ser fraco.
O silêncio se perpetuou pela sala das duas.
— Talvez eu… Tente algo com ele.
As mulheres se entreolharam.
— Você vai! — garantiram ao mesmo tempo.
Seis da manhã de sábado. Marcel e Liam odiavam a ideia
de acordar cedo para acompanhar Dante em suas corridas, mas
estavam cientes de que precisavam se exercitar…
— Precisa mesmo ser nesse horário? Não fode! — gemeu
Marcel, enquanto tentava acompanhar os outros dois. — Sou miúdo
comparado a vocês, mais devagar!
— Dessa vez vou concordar. — Liam apontou para o
amigo.
O grupo de amigos morava próximo à praça, o local
perfeito para se exercitarem com as inúmeras árvores e diversos
moradores, deixando o lugar mais harmonioso. E se tem algo que
aqueles soldados precisavam, era de paz.
Estava o trio junto ao mascote deles, Virgílio corria
animadamente. Dante segurava a coleira peitoral com força, Dante
sentia receio em deixar o animal escapar de suas mãos.
— Esse Pit Bull está bem animadinho, parece que nunca
viu a rua na vida — alegou Liam, enquanto observava o andar
desengonçado ao lado do dono.
— Claro! Não pode deixá-lo enfurnado em casa, por isso
está tão desesperado — explicou o loiro, aumentando sua
velocidade. — Comportati bene, Vergílio.
Passaram mais alguns minutos de corrida junto ao cão, o
silêncio confortável entre eles reinava. Até Marcel observar a roupa
de Dante e ficar curioso com a tal vestimenta.
— Gola alta? Está longe do inverno e você odeia roupas
sufocantes.
Dante decidiu ficar calado com a alegação de Marcelo.
— Falando em sufocante, como foi passar a sexta à noite
com Yan? — tagarelou William.
Viciante e incomum poderiam ser essas as palavras para
descrever esses momentos. Mas Fontana continuou em silêncio,
pois contar a Thyra era diferente de contar a William e Marcelo. O
problema que lembrar do dia anterior deixou o soldado com
sentimentos confusos.
— Chega — Marcel grunhiu, pressionando suas mãos
sobre os joelhos. — Caralho… Tempo, meu Deus.
Dante e Liam reviraram seus olhos e pararam devido aos
pedidos incessantes. O secretário se agachou e afagou as mãos
entre os pelos do animal, Virgílio estava tão animado que arrastava
sua cabeça contra os braços do dono e o lambia.
— Um pouco mais e enterra. — Liam gargalhou. — Faltam
alguns minutos, cara. Então iremos ao café.
— Cale a boca, eu estou morrendo! — grunhiu Marcelo,
sua pele leitosa permanecia tão vermelha quanto sangue fresco. —
Dante… — falou Marcel em tom manhoso. — Vamos comer… Deixa
o Virgílio correr sozinho.
— É pior que criança! — resmungou. — Não. Quer que
Virgílio ataque alguém?
— Atacar? Esse bicho mal ataca os que você pede e…
Olha! — O homem apontou para o Pit Bull que estava jogado na
grama se esfregando nas folhagens. — Um pinscher seria mais
perigoso.
— Dramático. — Dante revirou seus olhos e levantou-se
do chão. — Certo, vamos comer.
Porém, por súbito ou obra do destino, Virgílio levantou-se
alvoroçadamente e começou a correr, impedindo que Dante
conseguisse pegar sua coleira e pará-lo. Por um mínimo descuido, o
Pit Bull já estava a metros longe de seu dono, passando entre as
crianças e idosos, quase os derrubando.
Fontana correu logo em seguida, tentando alcançá-lo.
— Desculpe! — gritava, enquanto desviava dos cidadãos
— Virgílio! Fermato!
— Deveríamos ajudá-lo? — perguntou Liam, observando
Dante correr, logo depois fitou os orbes azuis e desanimadas de
Marcelo.
— Não — ambos falaram em um único som, apenas
assistindo os dois causando uma confusão naquele parque tão
calmo.
Mesmo o animal estando fora de forma, Dante estava
longe de alcançá-lo. Mas no momento que presenciou seu
animalzinho pular em direção a certo alguém… Um homem… Seu
coração começara a palpitar de uma maneira descompassada.
Virgílio pulou alto contra o corpo do adulto, fazendo-o cair
com o susto e peso do Pit Bull. Era isso… Yan Bernardo Serpa
estava no chão, recebendo lambidas e afagos do cachorro de seu
secretário. Dante não pensou em nada, apenas tampou seus olhos
e esperou que aquela cena fosse apenas uma imaginação.
— Saia! — Yan tentava afastar o animal ao mesmo tempo
em que espirrava consecutivas vezes… — Era… tudo… Que eu…
precisava! — declarava o empresário a cada espirro.
Os moradores do bairro começaram a observar a cena
sem nada fazer, afinal o animal estava insistente e a ideia de a raça
ser perigosa ainda se mantinha firme na mente de muitos. Dante,
mesmo com a vergonha que seu cachorro estava proporcionando,
seguiu até seu noivo postiço e agarrou o animal com velocidade,
colocando em seu colo. Virgílio começou a lamber o loiro, mas o
dono o interrompeu.
— Ah! — Yan apontou ao vê-lo. Espirrando mais algumas
vezes. — Esse bicho é seu?
— O que você está fazendo aqui? — perguntou Dante,
virando-se de costas para a plateia que aos poucos começava a
sumir, mesmo tendo alguns cientes de que quem estava ao lado de
Fontana tratava-se do empresário Yan Serpa.
— Por que ele me atacou? — Yan arqueou sua
sobrancelha, continuava no chão, catatônico. — Eu…
Dante o desceu e limpou alguns de seus pelos do corpo.
Naquele momento, segurando – com mais força que antes –, a
coleira do cachorro, o secretário ergueu sua mão para auxiliá-lo.
Yan recebeu a ajuda e começou a respirar calmamente.
O empresário se encontrava lambuzado com a baba do
animal e seu cabelo foi a principal vítima. Tentou secar aquela
nojeira em sua blusa, impedindo que caísse algo na jaqueta
acinzentada que usava, mas ainda se sentia desconfortável.
Mesmo naquele estado, não deixou de observar Dante
com aquelas vestimentas… Era incrível como Fontana em nenhum
momento ficava feio, nem mesmo tão largado usando uma calça
moletom branca e uma blusa gola alta.
Yan se segurou para não fitar algum volume que podia
estar aparente pelo uso do moletom. Porém, era impossível não
perceber o quão forte e grande ele era, seu peitoral, a barriga
volumosa e braços… O empresário estaria se segurando para não
comentar nada.
— Gostou de você — explicou Dante. — Por isso te
atacou, ele também não está ciente da força que tem. Só deu sorte
de ser… Você.
— É seu? — O loiro aquiesceu. — E gostou de mim? —
Mesmo vacilante, Dante confirmou. — O dono dele quer contar
algo? — Serpa cruzou seus braços.
— Que Virgílio tem um mau gosto imensurável? — Dante
exibira seu sorriso angelical. — Serei despedido por relatar o óbvio?
— Virgílio? Sério? Não tinha um nome mais criativo?
— Combina com ele… Já que me trouxe até você. —
Dante o provocou. — Melhorou da alergia? Ou vai precisar do seu
remédio?
— Não se preocupe, só preciso lavar meu rosto e não
aproximar muito dos pelos. Minha alergia não é tão forte assim. — O
empresário colocou seus cabelos para trás. — Não acha que já
passamos dessa fase de mandar seu animal atacar seu chefe?
— Não, na verdade, achei um momento certo. — Dante se
aproximou. — O que faz aqui? O bairro dos burgueses e chutadores
de pobres fica à direita, de onde veio. É bem longe — debochou ele.
— Há! Há! Estava procurando algum local para comer com
Tomás, o único filho que não me deixou sozinho hoje. — Yan
apontou para a Mercedes-Benz estacionada no outro lado da rua.
Ao ver a expressão descrente de seu noivo, Serpa voltou atrás. —
Ok! No seu currículo mostrava seu endereço e eu decidi dar uma
passadinha. Mas acabei me perdendo.
— Olha, você não precisa colocar um filho seu em perigo
só para encher meu saco.
— Olha aqui, mamãe, eu tive auxílio da Merab para dirigir.
Não vou colocar meu bebê em perigo.... Certo que quase ia
batendo, mas...
Merab trata-se de sua primeira inteligência artificial, criada
no começo da faculdade e depois de passar por muitos ajustes com
o passar dos anos, Yan deixara Merab perfeita para auxiliar em
tudo. Poderia dizer muitas coisas do Serpa, mas não que era tolo.
Depois de uma nova discussão sobre a irresponsabilidade
do homem, Marcel e Liam apareceram ladinamente entre o casal. O
empresário olhou para os dois homens belos, analisando todas suas
qualidades físicas. Marcel possuía olhos tão azuis quanto o mar e
Liam um sorriso tão belo que o deixou encantado.
Mas aos olhos de Yan, nenhum superava Dante.
— Limpe a baba. — Fontana revirou seus olhos. — Estes
são Liam e Marcel. Liam e Marcel, esse é o senhor Serpa.
— Seu noivo — Yan o corrigiu.
— Postiço — completou Dante.
— É um prazer em conhecê-lo, Yan. — Marcel sorriu,
estendendo sua mão para um aperto.
Ao apertar a mão de Marcel, Yan percebera que se tratava
de uma prótese dura e desconfortável. Aquele belo homem não
possuía a mão esquerda. O outro não tinha captado até aquele
momento, já que Marcelo usava uma blusa de manga comprida,
escondendo entre os panos a ligação de sua pele com a prótese.
Serpa permaneceu em silêncio, curioso sobre o que tinha
acontecido.
Mas antes de falar algo, Dante se aproximou de Yan e
agarrou gentilmente seu pulso, levando-o para a outra rua, confuso
com a ação de Fontana, ele apenas o fitou, aguardando uma
resposta sã.
— Acha que eu não mereço uma explicação?
— Não fale nada sobre a prótese, ok? — Dante aproximou
de Yan, curvando suas costas e ficando mais próximo da altura. —
O que ocorreu com aquela mão ainda dói muito, principalmente… —
Seu ar estava estagnado. — Principalmente em mim.
— Dante… Eu não sou tão cruel — afirmou. — Só fiquei
surpreso. Calma.
— Não é cruel. Estranho, talvez. — Sorriu. — Mas a
recordação nos doeria, Yan.
Yan observou aqueles orbes negros e percebeu as dores
que aquele forte homem guardava. — E não eram poucas. —
Ambos ficaram em silêncio depois do ocorrido aguardando Marcel,
Liam e Virgílio passarem a rua e irem até a lanchonete.
Tomás abriu a porta do carro com dificuldade seguindo
devagar até os homens. O rapaz usava uma blusa de tom rosa-bebê
e um short, seus cabelos continuavam bagunçados, mas nesse
instante usava seus óculos de grau redondo com armação dourada.
— Bom dia, mãe. — Tomás abraçou a cintura de Dante
por trás de olhos fechados, sonolento. — Gostaria de denunciar
meu pai. Fui o único filho que ele conseguiu acordar às cinco da
manhã.
— Deu sorte, eu teria acordado às quatro — revelou o
outro, dando pequenos tapinhas na mão de Tomás. — O que houve
com suas lentes de contato?
Dante estava ciente de que usar óculos no colégio seria
motivo de bullying por Matias, por alguma razão, o rapaz sempre
implicava mais quando Tomás os usava. O que não fazia sentido, já
que o garoto ficava mais charmoso com eles.
— Joca as derrubou sem querer no ralo. — Ele bufou.
Enquanto observava os dois belos homens atravessarem a rua. —
Vocês irão comer?
— Sim. Querem nos acompanhar? — perguntou Fontana,
fitando Yan.
— Mandará seu cachorro me atacar?
— Talvez… tente a sorte.

Depois de uma tímida apresentação de Tomás com os


amigos de Dante e uma pequena confusão com Virgílio correndo
por toda cafeteria, deixando seu dono envergonhado, o grupo se
sentou em uma mesa próxima à janela, enquanto aguardava Yan
que limpava a baba do animal no banheiro.
— Cappuccino com calda de morango? Que raio de
pedido foi esse que o cliente fez? — murmurou o garçom no balcão.
Yan começou a seguir até a mesa, enquanto tirava o
excesso de água de seus cabelos. Os olhares começaram a dar
notoriedade para Serpa a cada passo, afinal, não era todo dia que
entrava um homem usando jaqueta Armani com um relógio Apple
Watch 5 em uma simples cafeteria de bairro.
Yan começou a observar aquele local e percebeu a
simplicidade e aconchego que não sentia em seus restaurantes
luxuosos, então se recordou da época em que era jovem e
trabalhava durante horas seguidas para alimentar os filhos.
Passou… Esqueça esses dias, repetiu Yan mentalmente.
Ao chegar até os homens, percebeu que Tomás ria com os
outros, enquanto o Pit Bull estava deitado no colo do garoto de
barriga para cima, recebendo afagos. Ver seu filho feliz daquele
modo o deixava contente e saber que era devido ao seu secretário,
melhorava tudo.
— O que estão conversando? — perguntou, enquanto se
sentava ao lado de Dante, um pouco longe de Virgílio, para não
espirrar.
— Estávamos tentando lembrar qual o nome do ator que
faz o Capitão América. — Liam apontou para Fontana. — Dante
acordou a cara dele! Mas seu filho está dizendo que ele parece o
Henry Cavill mais gordo.
— Que fez o Tocha Humana? — Yan fitou Dante, que
revirara os olhos. — Qual era o nome dele?
— Esquecemos! — Marcel gargalhava, mas parou ao
observar o garçom se aproximando com as comidas.
Ao chegar o garçom, Fontana levantou-se da cadeira e
começou a pegar os pratos, auxiliando-o, já que se tratava de
muitos. O garçom e o loiro tinham algo em comum: ambos eram
italianos e, às vezes, Dante sentia saudade de dialogar com sua
língua nativa. Fontana se levantou e fora falar com o mesmo.
— Grazie, Matteo. Come sta la famiglia? — Dante
perguntou, exibindo uma expressão simpática.
Deveria ser proibido escutar o sotaque italiano de Dante
em público. A imaginação de Yan não ajudava nenhum pouco,
fazendo suas calças tomar certo volume.
Os dois riram e se despediram rapidamente, enquanto o
grupo possuía enormes interrogações em suas cabeças. Tomás não
fazia ideia de que Dante falava um perfeito italiano, Yan descobriu
recentemente. Liam e Marcel acharam melhor ignorar tudo que
escutaram.
— Nasci na Itália, mas meu pai vivia viajando. — O
secretário sentou-se ao lado do empresário, que se encontrava em
total silêncio. — Somos conhecidos apenas. Gosto de falar em
italiano, embora considere que ele está meio arranhado.
— Não faz seu tipo? — Tomás não conteve sua
curiosidade, enquanto ignorava o olhar fuzilante de seu pai. — Ele é
bonito.
— Não. Dante gosta de homens de pele bronzeada,
cabelos pretos e se usar meia-cal… — Marcel calou-se no momento
que recebeu um chute dos amigos.
O silêncio alastrou à mesa, por culpa de Marcelo e sua
língua. Não existia um ser naquele local que conseguia inventar
algum assunto após aquilo. Mas a conversa se alastrou após alguns
minutos, esquecendo do constrangimento.
Depois que tudo terminou, o secretário deixou pai e filho
em frente ao carro. Após despedir-se de Tomás e colocaram dentro
do automóvel, Serpa o encarou. Seus amigos ficaram afastados
junto ao cachorro, observando-os. Yan aproximou de Dante o
bastante para que ele ficasse recuado.
— Não me ligue nos finais de semana, igual fez com a
Natália ontem — pediu, impedindo que seu olhar guiasse até os
lábios do outro.
— Como você? Ah, esqueça. Dante, saia comigo — Yan
falou em tom sério.
Dante arqueou sua sobrancelha com confusão.
— Encontro — continuou. — Não conheço você. Só sei
que é esquentadinho e gosta de crianças.
— É-é o que precisa saber. — Fontana deu alguns passos
para trás. Sua pele tomava um tom avermelhado a cada nova frase.
— Quero conhecer você. Podemos sair para comer,
museu, degustar vinhos… — O empresário aproximou do rapaz,
que recuava cada vez mais. — Até estandes de tiros. Vi que era
soldado.
— Nã-não é necessário — gaguejou novamente.
— Somos adultos, não somos? Considere um encontro de
negócios. Não dá para fingir um noivado sem saber nada do noivo,
dá? Está livre terça à noite? — Yan fitava o homem à sua frente que
não conseguia formular frase alguma. — Fontana?
Era a primeira vez que alguém o chamava para um
encontro depois de tanto tempo, como funcionava? Dante teve
algum encontro que não terminasse com algum tiroteio ou
discussão?
— Então, terça não me dê dinheiro. Não aceitarei. E eu
pagarei o jantar ou qualquer outra coisa. — A pressa em sua voz fez
Yan se derreter de amor.
— Então até segunda. — Yan seguiu seus dedos contra a
bochecha de Dante e a dedilhou, fitando os lábios carnudos do
outro. — Secretário.
Yan entrou com rapidez no carro e mandou Merab dirigir,
Dante ficara imóvel na calçada. Era impossível assimilar qual dos
dois homens estava com o coração mais palpitante e nervoso,
aparentando aqueles garotos que nunca sentiram o gosto do amor.
Bom, até aquele momento…
Depois do dia agitado que foi sábado, Dante tentou
acalmar seus nervos. Após aquilo, Yan não o ligou e, para o loiro,
estava ficando calmo… Calmo demais.
Já em seu humilde trabalho, carregando as papeladas que
Serpa deixou acumular nos outros dias. Como era segunda, Yan
estaria na sala de testes dos novos produtos tecnológicos, no térreo.
Logo, Dante passaria todo o período de trabalho
atendendo aos telefonemas e recebendo as papeladas no térreo,
seria um dia tranquilo na vida do secretário. Mas tinha um “porém”.
— Bom dia, senhor Serpa — falou o loiro, centrado nos
papéis que lia enquanto saía do elevador. — Como não assinou as
papeladas de sexta, terá toda essa pilha…
— Dante! Dante! — gritou Yan ao longe.
— Para assinar e comprovar os…
Uma placa revestida de metal carregada com um pequeno
motor começou a seguir em direção ao secretário. Por seu instinto
afiado, conseguiu desviar. Era sempre assim, toda vez que entrava
naquele laboratório possuía um novo método de Dante se
machucar.
— Preciso de aumento. — Dante encarou a placa,
enquanto rodava em círculos. — Que diabo é isso?
— Hã... Era para ser uma bateria solar fotovoltaico
sensorial. — Yan se aproximou do secretário que o fitou em dúvida
com a fala. — Uma bateria que detectasse o sol e o seguisse
sozinha até fora de casa, sem auxílio humano.
— Legal. Ela funcionará. Você é inteligente. — Dante
colocou os papéis sobre a mesa. — Mas irresponsável e, por isso,
terá que acabar com essa papelada hoje.
Mesmo que Dante e Yan tivessem uma relação
conturbada, seu secretário sempre o apoiava em todos os projetos,
tanto que houve momentos em que Serpa precisou madrugar para
preparar novos produtos e Fontana sempre ficava.
— Terá que ler para mim, estou ocupado. — Yan pegou a
placa que já se encontrava parada no chão e seguindo até a
cadeira. — Mas antes de começarmos… — O homem virou seu
corpo e fitou Dante. — Se sentiu desconfortável quando te chamei
para sair?
Essa era a pergunta que Dante fugiu durante o final de
semana. O semblante do empresário encontrava-se sério, coisa que
poucas vezes acontecia.
— Desculpe se te pressionei, não quero ser controlador.
— Yan alisou sua nuca, desviando seu olhar. — Longe disso! É só
que, realmente, depois de ler seu currículo fiquei curioso sobre
quem é Dante Fontana. Desculpe pelo chupão e beijos, eu…
— Meu Deus — falou o secretário por cima de Yan. —
Fiquei surpreso pela sugestão do encontro, mas se não quisesse
teria dito, é simples. — Dante fez uma pausa. — Nada foi obrigação.
E mesmo, infelizmente, não sendo pai, deve ser devastador receber
ameaças de tirar a coisa que mais ama dos seus braços. Nunca
negaria em ajudar, mesmo se não estivesse recebendo nada.
— Sério? — Yan arregalou seus olhos.
— Não irei repetir — garantiu.
— Então, está tudo bem sairmos amanhã? Se não quiser,
juro, sem problemas.
— Eu vou. — Dante colocou o papel frente ao seu rosto,
impedindo Yan de ver a vermelhidão que surgia. — Mas logo
avisando, não tem nada interessante para descobrir.
— Dante… — Yan se controlava para não abraçá-lo. —
Obrigado.
— Enfim. — Fontana conseguiu mudar de assunto.

Era manhã, Pietro caminhava pelos corredores da sua


escola, logo após passar um pequeno estresse com sua moto. Era
segunda, por isso estava com sono de ter estudado por horas no
domingo.
Durante alguns segundos de caminhada, Pietro dera de
cara com o diabinho que invadia sua mente em boa parte do dia.
Tomás vestia o uniforme escolar de forma desengonçada e ao fitá-
lo, percebeu que seus cabelos continuavam incontroláveis, mas a
novidade eram seus óculos de armação dourada, deixando-o mais
belo.
Era difícil admitir, mas já estava apaixonado por aquele
pinguinho de gente. Percebendo que o rapaz focava por completo
em seus livros, Pietro seguiu na surdina até ele e o abraçou por trás,
levantando-o com facilidade. Tomás gritou em surpresa, mas
relaxou ao ver que se tratava do amigo.
— Bom dia, Tommy! — falou, animado, controlando-se
para não agarrá-lo mais forte. Depois de segundos sentindo o corpo
do garoto contra o seu, soltou.
— Muito animado para segunda. — Sorriu, ficando de
frente para Pietro. — Aconteceu algo de bom no final de semana?
— Não. Bastante nor… — o outro fitou o rosto de Tomás
com mais atenção. — Usando maquiagem?
— Por conta dos óculos decidi passar rímel, mas sempre
uso base. Tenho muita espinha. — Tomás fitou o chão. — Você…
Tem algum problema com isso?
— Não! — alegou de pronto. — Por que teria? Ficou
bonito. — Ele se aproximou, dedilhando lentamente as bochechas
do outro, corando-as sem pressa. — Alguém já disse que você é
lindo?
— Sim! — Tomás gargalhou em seguida, tentando
esconder sua vergonha pela proximidade que Pietro se encontrava.
— Sabe como é, tem gente que gosta desse meu estilo então…
O garoto calou-se no mesmo momento ao reparar em
alguns detalhes. Pietro encontrava-se mergulhado em sua própria
imensidão, ignorando os futuros comentários que poderiam fazer ao
vê-los tão próximos daquele jeito. Afinal, ambos se localizavam no
corredor e algumas pessoas cruzavam seus caminhos com eles.
Por um momento, Tomás sentiu-se especial. Seu amor
platônico evoluía cada vez, principalmente quando ele agia daquela
forma. O modo em exibi-lo, assumindo-o, mostrando a quem
passasse que ele estava com o garoto. Era algo tão novo para si e
bastante agradável…
Não importava caso continuassem amigos, mas só de ter
alguém que o abraçasse e não ligasse para as mínimas
demonstrações de afeto, já era bom o suficiente. Seus antigos
flertes nunca o assumiram, sempre o tratavam com indiferença fora
de quatro paredes e estar ciente de que Pietro não era assim,
deixava-o bem.
Sem muita cerimônia, Tomás abraçou Pietro, que sorriu
com aquela ação. Serpa agarrou-o com força, colocando seus
braços em volta da cintura do outro e quando escutou a palpitação
acelerada no coração, gargalhou em resposta.
— Tudo bem? — indagou Monte, bagunçando os fios
rebeldes do cabelo do rapaz. — Quer ir para um local mais
reservado?
— Está ótimo aqui. Eu só estou feliz. É apenas um
problema idiota meu… Bobagem.
— Entendi. — Pietro arqueou sua sobrancelha, confuso
com o que passava na mente de Tomás.
— Não ligo desses afetos, ok? Pode fazer mais disso. —
O adolescente levantou seu rosto, olhando o que acontecia atrás de
Pietro e arregalou seus olhos ao ver uma bola de basquete. —
Abaixa!
Tomás agarrou a gola da camisa de Pietro e o puxou para
baixo, ficando de sua altura, impedindo que a bola acertasse sua
cabeça e sim um dos armários. Ao colidir com o metal, o barulho
tornou-se estrondoso, deixando uma pequena marca no objeto.
Depois do susto, ambos perceberam em um único
momento quem foi o responsável e não precisava nem mesmo
pensar demais sobre, pois Matias e outros jogadores estavam
treinando na quadra de basquete, alguns metros atrás do casal.
— Ok… — Pietro suspirou forte.
— Você vai perder sua bolsa. — Tomás interveio.
— Eu vou me manter calmo...
— Pitt, tenho que resolver um problema no trabalho, então
nos vemos mais tarde. — E na pontinha dos pés, Tomás deu um
beijo estalado na bochecha esquerda de Pietro. — Tente se
acalmar. Tchau!
O momento em que Pietro desfrutou foi o suficiente para
manter-se calmo com a aparição de Matias. Por sorte, Luana
apertou sua cintura por trás, dando-lhe um susto tremendo, a
menina começou a gargalhar com o medo do amigo e o seu o
namorado, que estava ao seu lado, seguiu seu ritmo.
— Bom dia, Pitt! Vejo que já cortejou seu principezinho. —
Luana sorriu, abraçando o garoto. — E vi o que o Matias fez, o Zaire
ficou puto.
— Não fiquei — contestou o namorado.
— Ficou sim. — Luana o fuzilou.
— Só acho que você e o Tomás deveriam ser mais
perseverantes com esse filho da puta, tô avisando, porque isso pode
ficar mais fodido, cara. — Zaire abriu seus braços.
— Olha, relaxa. Eu preciso manter a calma e não avançar
em merda de racistinha. — Pietro bufou, soltando Luana de seus
braços. — Não se preocupem, vai dar tudo certo.
— Acreditamos em você. — Luana sorriu. — Mas sabe…
Como está o desenvolvimento desse relacionamento de você e do
Tommy?
— Não o chame assim. — Pietro forçou uma careta, mas
sorriu logo em seguida. — Está progredindo para um flerte, estou
me controlando para não ser impulsivo.
Zaire e Luana se entreolharam rapidamente. A garota
pressionou suas mãos sobre os lábios, contendo-se para não falar
algo inapropriado, pois seu namorado estava a vigiando
sorrateiramente. Mas o garoto fitou o casal por alguns segundos.
— O que foi? Vocês vão me chamar de palmiteiro de
novo?
— Sabia que você não ia se segurar — murmurou Zaire,
fitando a namorada.
— Mas eu não falei nada! — E cerrou seus dentes. —
Cuzão.
— Doida — sussurrou ele, empurrando o ombro da
namorada.
Pietro fitou o teto e soltou um suspiro sôfrego.
— Ah. não, agora vocês terão que contar. — Pietro cruzou
seus braços. — É sobre o Tommy? Souberam de algum podre dele?
— Ao ver sua melhor amiga desviando o olhar, Pietro murmurou: —
Porra, Lu, conta.
— Ai, credo! Ok! — Luana ficou em silêncio por alguns
segundos, mas ao perceber que seu amigo estava receoso,
começou a falar. — Soubemos que o Tomás ficava com alguns
carinhas ano passado. Ele tem uma fama de… Puta… Igual ao pai.
— Como é que a história? — O garoto arqueou sua
sobrancelha.
— O que a Lulu quer dizer… — Zaire intrometeu-se. — É
que pode ficar muito difícil para seu lado, Pietro. Tomás não tem um
histórico de ficantes, todos eles meio que… o abandonaram e
saíram do colégio.
— Isso não quer dizer nada, gente.
— A gente sabe! — Luana aproximou-se do garoto,
tocando em seu ombro. — Só queremos te preparar para uma
possível… Decepção. A família Serpa não tem uma boa reputação
no colégio e, embora não acreditemos nisso, não queremos você
mal, Pietro.
— Por favor, não nos entenda mal — murmurou Zaire. —
Talvez Matias pegue mais no pé de vocês quando começarem a
namorar — garantiu, receoso em suas palavras.
O garoto observou cada detalhe nas ações de seus
amigos e percebeu com perfeição seus medos em perder o amigo
após tais frases. Mas Pietro abriu um sorriso e concordou com a
cabeça, entendendo o que ambos queriam dizer, mesmo que as
palavras não fossem as mais condizentes.
— Só saiba que estamos te apoiando, ok? Como você fez
no nosso namoro. — Luana sorriu, abraçando o garoto.
— Calma, calma. Eu entendi perfeitamente. — O jovem
retribuiu o abraço. — Mas eu tirarei isso a limpo.
Depois de o sinal bater e resolver algumas coisas com
Zaire e uma rápida conversa com Luana, Pietro seguiu até a entrada
de sua escola. Dando de cara com Tomás sentado em um dos
bancos, jogando em seu videogame portátil. As vestimentas do
garoto estavam diferentes, usava um collant preto, cobrindo seus
ombros e indo até sua canela, enquanto calçava uma sapatilha de
mesma cor. A roupa destacou bastante seu peitoral, cintura e
pernas.
— Tommy? — Pietro se sentou ao lado do garoto, sentiu-
se satisfeito ao vislumbrar sua expressão. — Onde está a muralha?
— Hoje aguardo o biológico. — Tomás desligou o jogo,
tomando sua atenção para Pietro. — Deve estar ocupado. O pior de
tudo é que eu tenho dança daqui a vinte minutos.
O silêncio se alastrou entre eles, um mutismo confortável,
porém, interminável para Pietro que ansiava em saber de algumas
respostas da conversa que teve com o casal mais cedo.
— Escute… — o garoto colocou seus braços sobre os
bancos. — Tommy, eu soube de algumas coisas sobre seus ex.
— Qual deles? — Tomás mordeu acidentalmente sua
língua, demonstrando nervosismo. Um pouco mais de silêncio. —
Não tenho um ex, só foram casinhos, caso queira saber.
— Não é isso. — Pietro pressionou seus lábios um no
outro. — Posso te fazer uma pergunta bastante pessoal?
— Po-pode…
— Sua reputação no colégio é meio polêmica — exclamou
com calma. — Eu gostaria de saber quais os motivos da separação
entre você e seus ficantes, Tommy.
Tomás fechou os olhos e riu em completo desespero.
Infelizmente, se quisesse ter alguma relação com Pietro, tinha que
ser verdadeiro, por mais vergonhoso que fosse. Percebendo isso, o
garoto ergueu sua postura e fitou aqueles olhinhos verdes.
— Promete não rir? É meio vergonhoso… — o garoto
percebeu a seriedade que o outro lhe encarava. — Certo.
— Prometo — disse de maneira confiante.
— Você não parece real — confessou. — Eu fiquei com
apenas três caras. Eles não duraram muito tempo, no máximo
quatro meses. E nenhum deles me assumiu… Tipo… Eu não
conheci os amigos ou familiares, nem saia com eles. Era como se
tivessem… vergonha de mim.
Pietro, mesmo incrédulo, continuou escutando
silenciosamente.
— Mas, tipo, nunca conheci ninguém! Os encontros que
ocorriam eram apenas no quarto. Acho que… Não é assim que
funciona um relacionamento — sussurrou, enquanto apertava mais
forte a mão de Pietro. — Eu quero algo sério, sair de mãos dadas,
encontros com amigos, demonstrações de afeto. Tudo que casais
heterossexuais fazem.
O outro continuava com sua total atenção.
— E… durante o sexo… — Tomás apoiou suas mãos
sobre o rosto, envergonhado ao lembrar. — Eu só prefiro relações
sem… penetração… Porém, no momento que sentia vontade e as
coisas esquentavam, pedia que fosse flex e eles riam. Acho que
seria um bom ativo, porra, é só porque eu sou baixo ou mais
delicado? Deus… Que vergonha de falar isso.
— Não é vergonhoso — respondeu.
— Estou perdendo minhas chances com você. — O outro
gargalhou, balançando a cabeça negativamente. — Na minha
família todos são LGBT+, meu pai é o cara que luta mais por nosso
bem-estar como nunca! E quero ter um relacionamento sem
barreiras como o dos meus irmãos e do meu pai… mesmo que os
familiares não me conheçam, está tudo bem. Existem poucos pais
como o meu, mas sei lá, até amigos? Nunca fiquei de mãos dadas
sem ser minhas irmãs. Tu… É o primeiro.
Tomás suspirou. As lágrimas começaram a vir lentamente.
— Nunca recebi um… oral — acrescentou. — Sempre era
eu que distribuía o prazer, eles pareciam ter… vergonha de me
tocar. Eu acho que ninguém merece passar por essas coisas, minha
autoestima despencou em muitas ocasiões. Sem falar que ambos
sumiram da minha vida quando souberam que eu era… Era um
Serpa.
Sem muitos rodeios, Pietro abraçou Tomás. O garoto
curvou seu corpo para o outro, apoiado sobre o peito do mais alto.
Cada demonstração, por mais que simples, deixava Serpa feliz em
ter conhecido Pitt.
— Todos uns idiotas. — Pietro bufou, irado com aquela
confissão. — Se namorássemos, eu não ligaria se você fosse o
ativo… Ou de ser um Serpa.
Tomás levantou seu rosto rapidamente, seus olhos
cintilavam com a fala. Pietro negou em fitá-lo. O clima aliviou
quando o celular tocou, era Yan. O garoto atendeu, distanciando um
pouco dos braços do outro rapaz.
— Vou de ônibus, então. Não, pai, está tudo bem… Não
precisa chamar Ulisses ou a Mada! — Tomás falava ao telefone. —
Vou demorar uns minutinhos e…
— Posso te levar se quiser.
— Quem vai te levar?! — Yan gritou fazendo Pietro
escutar, mesmo longe.
— Um amigo… É, pai, meu Deus, é um amigo! Ele tem
moto, deixe o Dante descansando… Te aviso quando chegar. Te
amo. — E desligou. — Tudo bem mesmo?
— Claro, sempre levo um capacete extra. — Pietro se
levantou. — Só me dá um endereço que te deixo.
No momento em que Tomás entregou a localização e
Pietro o capacete, ambos seguiram até o local. Na moto, o garoto
apoiou sua cabeça sobre as costas de Pitt, envergonhado pelo
desabafo, mas também feliz pela singela compreensão do rapaz.
Era impossível não gostar de Pietro nessa altura.
Por ser um local próximo ao colégio, os dois chegaram
rápido e impediram o atraso. Mas ao estacionar em frente ao local,
percebeu que Kali estava o aguardando. Os olhos de Kali e Pietro
se encontraram. Quando Tomás desceu, fez questão de seguir até a
irmã e abraçá-la.
— O que faz aqui? Pensei que estava no estágio. — Seu
sorriso estava largo de felicidade.
— Papai ligou alvoroçado perguntando quem estava mais
perto da escola de dança, só para garantir que você chegaria aqui
em segurança — exclamou.
— Mas o hospital que você trabalha é longe… — Tomás
arqueou sua sobrancelha, porém, ao ver seus cabelos molhados, a
entregou. — Kali?!
— Por via das dúvidas, diga ao pai que vim correndo ver
você. — E piscou para o irmão. — Se contar ao Ulisses nunca mais
encoberto nada para ti. Como o caso do rapazinho ali.
— Vem conhecer ele, por favor! — Antes que a garota o
respondesse, Tomás a arrastou em direção de Pietro. — Pitt! Essa é
Kali, minha irmã mais velha… Kali, esse é o Pietro.
— Caralho, você é… japonesa?
— Coreana — ela o corrigiu. — Não se preocupe, todos
ficam surpresos quando sabem que sou irmã dele. — Em seguida,
afagou os cabelos de Tomás. — É um prazer te conhecer, Pietro,
nos visite um dia, você ficará surpreso — disse e piscou para o
outro. — Vou entrar, Ton-ton, te aguardo lá.
Os irmãos se despediram, Pietro se encontrava encantado
com a beleza e elegância de Kali, sua personalidade aparentava
serenidade, ao contrário de seu irmãozinho.
— Pitt, obrigado. — Tomás sorriu, apoiando suas mãos
sobre a coxa do outro. — Espero que seja sempre assim a partir de
hoje.
Sem muito compromisso e na pontinha dos pés, Serpa
selou seus lábios contra os de Pietro, mordendo-o calidamente e
logo soltando. Um rápido selar, deixando ambos ansiosos por mais,
mas Tomás fizera questão de não aprofundar.
— Tchau!
— E-ei! Vo-você não pode me provocar e ir embora.
— Ah! Eu posso. Posso sim! — Tomás gargalhou,
deixando Pietro abobado em cima de sua moto.
— Dante é um abacaxi — alegou Yan com veracidade. —
Aquele puto tem uma camada grossa de ódio, mas… se tirar aquela
parte, vai achar algo… doce. Faz sentido?
— Não, não faz — respondeu Kunut, apoiando suas mãos
sobre o rosto.
Era o dia do encontro de Yan e Dante, por estar ansioso,
Serpa decidiu sair do trabalho e ir até o escritório de Kunut. Era
notório seu nervosismo e por tal fator decidiu recorrer ao jovem
Padovani.
Kunut estava podando algumas plantas. Ser dono de uma
floricultura não era tão difícil quanto os demais trabalhos, mas
rogava atenção. Porém, ter Yan era de longe a melhor maneira de
foco, entretanto, a saudade de ter seu melhor amigo o incomodando
era insubstituível.
— Yan — murmurou Kunut. — Por favor, me diga que
meus sobrinhos não sabem desse seu desejo sexual em possuir o
seu secretário.
— Claro que não — afirmou o outro. — Eles nem devem
entender. — Kunut o fitou com deboche. — Por favor, eu tenho
direito a me enganar, mesmo sabendo do histórico do Ulisses.
— Não será apenas um encontro para se conhecerem? —
Kunut fez aspas com as mãos, rindo logo em seguida. — Você
como sempre tentando sair em vantagem…
— Não iremos transar. — Yan apoiou suas pernas sobre o
sofá que estava. — Mas eu desejo que em algum momento
aconteça. Se coloque no meu lugar dessa vez.
— Faz tempo que não saio com alguma dama, então não
sei como me identificar… — Bufou.
Kunut é hétero, mas grande apoiador da comunidade
LGBTQIA+, principalmente por ter vindo de uma família não
monogâmica. E por ter simpatizado com Yan, acabou virando seu
melhor amigo e mais conhecedor dessa comunidade do que possa
imaginar.
— Devem ser outros seres que te atraem, não é…
Padovani?
— Não começa. — Kunut encerrou seu trabalho, focando
em Yan. — O que decidiu fazer hoje?
— Ele passou uns anos no Iraque, então achei melhor
poupar de estandes de tiros. — Yan se levantou e seguiu até a
mesa, agarrando o cubo mágico e começando a jogar. — Então
iremos para minha boate e depois jantar. Não é… — O rapaz
aumentou a velocidade que resolvia o cubo. — Interessante?
— Conhecer as meninas? — Kunut começou a rir. — Vai
forçá-lo a passar em um teste que não está pronto? Se já sentia
pena do Dante…
— Elas não são tão ácidas… Um pouco. Mas é minha
família. — Com mais rapidez em seus dedos, Yan mexia o cubo
com nervosismo. — Desde que me apaixonei no sexto mês de
trabalho que anseio por isso.
— Yan… Está com medo? — Kunut o olhou com aflição.
— Talvez ele não seja.
— Estou com um pouco de medo. — Yan terminou o cubo.
— Dante verá o meu mundo, e caso não gostar, depois desses
meses de fachada… Adeus meus sentimentos por ele.
Kunut suspirou com a fala do amigo, discordando da ideia,
mas sabia que o medo do homem era compreensível. Ao ver a
aflição de Yan em ingressar em outro relacionamento, o amigo
seguiu até o empresário e o abraçou gentilmente, rogando aos
deuses que toda a insegurança que sentisse fosse para o jovem
Padovani.
— O matarei se ele te machucar — garantiu. — Sou um
varakiano de promessa!
— Não. — Yan riu, enterrando sua cabeça sobre o ombro
do amigo. — Você só tem 1,60 de altura e nunca matou uma
formiga.
— Me deixe sonhar, seu arrombado.

Chegou à noite, Dante teria que buscar Yan em sua casa.


Fontana rogava por calma, suspirando e imaginando que isso
passaria, era um encontro entre chefe e secretário. Nada de mais…
Nada de mais!
Chegando em frente à casa dos Serpas, o homem buzinou
e aguardou. Ficar diante da casa daquela família barulhenta já era
costume, por que naquele momento estaria nervoso? Era óbvio que
sua mente sabia a resposta, porém, como um bom orgulhoso,
negaria isso.
Quando Yan entrou no carro, ambos se cumprimentaram e
o silêncio se propagou por minutos. Dante dirigia sem destino, mas
pouco importava, pois ver Yan tão elegante com roupas sociais,
enquanto usava o relógio Montegrappa Chaos Watch o deixou
encantado, embora estivesse se sentindo desajeitado, pois usava
apenas uma blusa branca por baixo de uma quadriculada preta e
amarela.
— Poderia dizer ao seu chofer para onde iremos? —
Dante cortou o silêncio. — Na verdade, onde será de fato o
encontro?
— O que foi, Dante? Nervoso? — Yan fizera uma voz
manhosa. — Iremos passar na minha boate. Depois disso, faremos
uma caminhada até o restaurante. Tem alguma ideia melhor?
— Ah… — Dante limpou sua garganta. — A boate…
YFEMA. Interessante, não estava ciente de que iríamos... Até lá. —
O homem ajeitou-se na cadeira. — Esqueci que você... fundou.
— Não exatamente, Madalena e Felícia são mais
assíduas. — Serpa apertou suas mãos. — É comum você não estar
tão ciente, afinal tudo sobre a boate vai para minha casa. Mas já
visitou pelo menos? Nunca te vi lá.
— Não sou muito chegado a festas — afirmou e Yan o
encarou. — Muito vago, já sei. Bom… frequentei muitas quando era
mais novo, mas isso já não me traz tanto prazer.
— O excesso faz isso. — Gargalhou. — Mas o que fez
parar de ir? Uma desilusão amorosa ou… — O olhar desconfortável
enquanto Dante dirigia fez Yan calar-se. — Farei muitas perguntas
hoje, Dante.
— Tentarei fazê-las também — garantiu Fontana. — Certo,
bem… alguns anos atrás eu cansei da vida que tinha, ia à muitas
festas e ficava com muitas pessoas. Mas um dia… cansei.
— Estou ao lado de uma piranha aposentada? — Yan
lutou para segurar tais palavras, mas falhou.
— Não, filho da puta é a denominação mais certa. —
Dante estacionou o carro em um local distante da boate. — Muito
lotado para um dia comum da semana.
— Hoje está fraco, acredite. — O empresário exibiu uma
expressão orgulhosa. — Sexta é impossível a locomoção aqui. Fico
muito preocupado, aumentei o número de seguranças, mas
principalmente após o incidente…
— Incidente?
— Isso, há alguns anos. — Yan saiu do carro, mas
continuou a falar. — Não gosto de lembrar… Mas ocorreu um
tiroteio em uma das filiais de Portugal, saíram poucos feridos,
porém, passei o ano preocupado…
— Sinto muito — respondeu o loiro, atento à fala. — Deve
ter sido um trauma.
— Teria se algum cliente tivesse morrido. Mas parece que
algum anjo rogava pela proteção deles, então, ficou tudo bem. Sei
que vai parecer estranho, no entanto, aquele homem… salvou meu
filho. Adoraria conhecê-lo.
Ao escutar tal frase, Fontana não parou de fechar e abrir
suas mãos, rogando que Yan mudasse de assunto sobre tal
atentado em sua boate. Dante desligou o carro e seguiu Yan.
Novamente o silêncio se estendeu entre eles. Já próximo
da boate, alguns homens e mulheres os fitavam, era impossível
passar despercebidos pela multidão. Fontana apreciou algumas
drag queens e kings, homens de saia e mulheres de terno. Estava
se sentindo confortável naquele ambiente.
Em uma mínima caminhada, muitos pararam Serpa para
abraçá-lo, beijar seus lábios ou suas mãos. As ações que o homem
reagia era a mais humilde possível, retribuindo todos os gestos.
Mas, repentinamente, surgiu um homem vestido de coelhinho com
orelhas felpudas, um short preto de látex, blusa branca curta,
suspensórios e… um belo par de meia-calça.
Dante estagnou sua respiração, será que Yan ficaria
bonito usando aquilo?
Porém, sua imaginação finalizou no momento que
percebeu ser Ulisses vestido naquela roupa tão imprópria. Mesmo
Yan pouco importando com as peças, Dante agiu sem pensar e
retirou sua blusa quadriculada, cobrindo o garoto.
— Você não está com frio? — Fontana se conteve logo
depois da ação impensável. —Desculpe, Ulisses. Achei que você…
— Tudo bem! — Gargalhou o outro. Mas sua expressão
mudou rapidamente ao perceber as diversas cicatrizes que Dante
possuía em seus braços. — Hã… Eu estou confortável nessa roupa,
não se preocupe.
— Ulisses usa essas roupas quando está aqui, Dante —
alegou Yan. — Os dias na boate são temáticos e é proibido invadir o
espaço pessoal do outro sem a permissão. Não se preocupe, hum?
— Serpa pressionou sua mão sobre o ombro do homem.
— Mas fico grato pela preocupação… mamãe —
sussurrou Ulisses, entregando a blusa para Fontana, que vestiu com
rapidez ao perceber suas cicatrizes à mostra. — Seja bem-vindo ao
YFEMA, Dante! Mada e Fefe estão esperando vocês no bar —
avisou Ulisses, indo até outro grupo, pois foi encarregado de
recepcionar os clientes. — Narciso zero! — Ulisses gritou, saindo
rapidamente.
— Desculpe por isso — alegou Serpa, segurando-se para
não rir.
Dante não conseguiu processar nenhuma fala. Não que
tivesse ficado constrangido com sua ação, porém, decidiu ignorá-la,
impedindo um maior desconforto. A dupla seguiu até o bar, Yan
agarrou a mão de Dante e foram ao encontro das mulheres.
Sentadas, de pernas cruzadas e bebendo seu queridinho
coquetel de frutas, Madalena foi a primeira a perceber os dois se
aproximando, ao ver Fontana de expressão fechada, percebeu que
Dante se encontrava bem diferente nas fotos.
— Às vezes, o diabo acorda e diz: “Vou tentar essa
travesti”, só pode. — Madalena bufou, desacreditada. — Não
cobiçarás o que é do teu próximo, mas meu paizinho do céu… Olha
a lapa de homem que essa bilú traz. As fotos não captaram a
essência desse boy!
— É uma geladeira Frost Free, bicha — disse Felícia,
observando-os. — Yanzinho está de parabéns, viu?! Despachou
aquele demônio para pegar um novinho.
— Jurava que ia gongar esse secretário. Deveria ter ido
naquele trabalho, ódio. — Madalena ajeitou sua postura e retocou o
batom de seus lábios.
— Vamos ver se presta, né. Cada dedo podre que essa
Barbie fica. Vou te dizer. — Felícia bebeu tudo em um único gole. —
Se apresentou, é porque está sério. E espero, pois meus sobrinhos
precisam de algum pai responsável.
O principal fator que ambas perceberam, foi a timidez que
os dois carregaram, Yan parecia nervoso com o que suas amigas
poderiam achar do rapaz e Dante aparentava se sentir do mesmo
modo. Quando chegaram até elas, Serpa apontou para o loiro.
— Mada, Fefe…
— Olá, meu filho.— Madalena saiu do banco e seguiu até
Dante. — Que rapazinho bonito. Forte! — Agarrou os braços de
Dante, um em cada mão. — Saudável.
— Mada.
— Agora que o Yan vira boiolinha com alguém.
— Mada… — Yan e Fefe falaram ao mesmo tempo.
— E essa carinha. — Madalena agarrou o rosto de Dante.
— Que menininho bonitinho! Uma pele tão infantil, igual de uma
criança gordinha!
Dante começou a sorrir com as provocações e entendeu
perfeitamente o que a outra estava fazendo. Madalena estava
tentando deixá-lo impaciente, mas, depois de passar onze meses
com Yan e seus filhos, era impossível considerar apenas engraçado.
Felícia ria alto, enquanto Yan escondia seu rosto com as
mãos, era óbvio que algo assim aconteceria quando o loiro as
conhecesse.
— Senhora, perdeu-se? Sabe que aqui é uma boate? —
Dante a olhou de forma gentil. — Quer que eu ligue para seu
sobrinho te buscar? — perguntou, apertando o ombro de Mada.
— Ah! — gritou Felícia. — A tia tentando intimidar a
vitaminada e acabou sendo gongada! — A mulher riu mais alto. —
Passada com você, Dante.
— Respeite as travas. — Madalena apertou a bochecha
de Dante. — Não venha fazer à egípcia.
— Desculpe, senhora, abaixei sua pressão? — Dante
chamou a atenção do barman. — Poderia trazer uma cerveja para
mim e sal para a idosa?
— Olha essa poc! — A ruiva colocou as mãos na cintura.
— Pode pedir uma caipirinha. O caralho que quero sal!
Madalena, Dante e Felícia começaram a conversar e
mesmo o loiro continuando com sua expressão monótona,
conversou com as mulheres de forma gentil e amigável. Yan olhava
admirado como o outro estava sendo receptivo, ele as tratava como
mereciam.
O secretário lidou com tudo muito bem, em nenhum
momento mostrou repulsa pelos homens vestidos de coelhinhos,
pelas mulheres de ternos e as drags, talvez tivesse julgado cedo.
Feliz com aquilo e mais apaixonado ainda por Dante, Yan entrou na
conversa do trio. Ficaram assim durante horas, Ulisses participou da
conversa logo depois — deixando a situação mais agradável ainda.

— Não tinha motivo para tratar suas amigas mal — alegou


Dante, fitando a grama. — Madalena é divertida, lembra a mãe de
uma amiga e Felícia me lembra a Maitê, uma antiga amiga, também
travesti.
— Muitos que as conheceram foram… Transfóbicos. —
Yan observava o horizonte, receoso em falar sobre o assunto. —
Ambos os gêneros, sempre as trataram de maneira repulsiva. Em
seguida, eu terminava com eles, tirando-os da minha vida.
— É o mínimo. Gente assim só trata na base da violência.
A luz da lua brilhava de forma intensa e agradável. Os dois
acabaram saindo um pouco tarde da boate devido à conversa
envolvente. Com isso, o restaurante já tinha fechado, então
decidiram caminhar em um parque próximo.
O parque continuava iluminado, porém, com poucas
pessoas, a maioria casal. Depois de comprar dois sanduíches – um
deles vegano –, em um carrinho de lanches italiano, dois
refrigerantes e um café, os dois se sentaram em um banco de
madeira próximo do lago. Uma dupla prestes a iniciar a comida,
minimamente alcoolizados por culpa de Mada, Ulisses e Fefe.
— Quer experimentar? — Dante abriu seu lanche. — É um
lampredotto, sanduíche típico de Florença. Sabe o que vem?
— Não sei, italianinho. — Yan gargalhou fazendo a mesma
ação do outro. — O cheiro é diferente, mas estamos falando do meu
paladar, então…
— Estômago de boi — revelou, dando uma mordida
considerável no alimento.
— É… Melhor não. — O empresário suspirou fitando o
lanche. — Eu tenho pena dos animaizinhos…
Dante soltou uma risada anasalada ao ver a expressão de
estranheza, sentindo vontade de beijar Yan. Porém, ambos apenas
comeram seus lanches separadamente.
— Não tinha certeza de que era vegano. Pensei que era
vegetariano nas horas vagas, coisa assim.
— Tem muitas coisas que não sabe. — Yan mordeu seu
sanduíche em seguida. — Assim como não sei de você. Por
exemplo, por que decidiu ir para o Iraque?
Dante soltou um suspiro pesado e Yan apenas esperou
que falasse algo, mas nada saiu. E depois de terminar, Yan pegou
seu café e refrigerante e misturou em um único copo.
— Vou dizer algumas coisas sobre mim, depois é sua vez.
— Yan encarou o lago, observando a lua refletida nela. — Choro
quando vejo o trailer de Ps: Eu te amo, então não me pergunte se vi
o filme, não consegui. Eu sou doido para me casar vestido de roxo!
Isso mesmo, roxo! Um terno em roxo-escuro reluzente!
Fontana ouvia tudo, encantado.
— Parei de comer carne aos doze, porque tinha um pato
chamado Muriel e tinha medo da minha mãe matar ele. — Yan
tomou um pouco de sua bebida. — Parei de amar minha família aos
dezessete, quando eles disseram que Tomás deveria ser entregue
ao orfanato. Tive a ideia de construir tudo aos dezoito, pensando em
dar a adolescência que não tive ao Tomás e os outros que vieram
depois, sabe o que me deixa feliz? Eu consegui!
Seu último depoimento lhe doeu e Dante ficou mais furioso
com os Serpas.
— E a mãe de Tomás?
— Esqueça-a. — Yan fechou sua expressão. — Família é
quem cria, Madalena e Felícia são mais mães de Tomás que a
própria. Não gosto de falar dela.
Fontana colocou sua mão sobre a de Yan e percebeu que
falar algumas coisas seria empático de sua parte. E então começou.
— Quando fui ao Iraque, tinha sido expulso de casa por
me assumir… Tentei dar orgulho para meu pai, já que nasci
defeituoso. — Dante suspirou. — Recebi medalha pelo meu exímio
trabalho lá, mas quando meu pai soube, ele ligou e disse: “Você fez
nada a mais que sua obrigação” e desligou. Após isso, decidi não
falar com ele e seguir a minha vida. — Soltou a última frase em um
longo suspiro.
Yan aproximou-se do corpo de Fontana, tentando lhe dar
algum conforto.
— Sou soldado desde os meus quatorze anos. Meu pai é
tenente e burlou as regras, me colocando antes dos dezoito… ele já
me treinava aos dez — balbuciou Dante de forma irada. — Sou filho
único e fui ensinado a ser o melhor, então imagine a grande
balbúrdia que foi quando disse que queria ser pedagogo, porque
quero ter filhos… Ele queria que eu fosse deputado, mas já estava
cansado.
— Foi mais corajoso que eu.
— Não sei… Mas o bom foi que eu conheci meus amigos
no Iraque. Thyra, Marcel, Liam e Antero. — A recordação o fez
suspirar. — Mesmo que não veja Antero há alguns anos, depois que
a esposa pediu divórcio e o deixou sozinho para cuidar de um pré-
adolescente, ainda espero vê-lo futuramente. Ele sim foi um pai.
As lágrimas de Yan teimavam em descer e odiaria deixar a
atmosfera mais densa ainda. Então, pensando no que poderia
deixar o homem melhor, Serpa se sentou no colo do loiro que
grunhiu em surpresa. E não demorou muito para selarem seus
lábios.
Sentir o corpo em chamas de Serpa fez Dante esquecer
seus problemas por segundos e apenas focar no beijo feroz que
vinha do outro, era difícil admitir o quão cálido se sentia naquela
posição, tendo um homem tão erótico sentado em seu colo,
rebolando feito um puto necessitado.
Dante agarrou a nuca de Yan mais próximo de seus lábios,
sentindo toda sua língua invadir cada pedaço da sua boca,
tomando-o como se fosse sua. Ao escutar o pequeno grunhido de
Serpa, Fontana riu de maneira sádica, mordendo o lábio inferior do
outro com força, enquanto trazia o quadril de Yan mais próximo de
seu membro.
— Filho da puta — rosnou, apertando a mandíbula do
outro com seus dedos, impedindo que ele o beijasse. O empresário
seguiu até a orelha direita do loiro, mordendo-a grosseiramente. —
Você é importante, necessário — e logo depois a lambendo —, e
bastante atrevido.
— Sabe que estamos ao ar livre, não sabe? — Dante riu
em resposta, aquela voz rouca e grossa ainda deixaria o CEO mais
importante de seu país louco. — É melhor voltarmos.
— Então, se eu estivesse na sua cama não seria problema
tomar cada pedaço seu? — Serpa o fitou, enroscando suas pernas
em volta da cintura do homem. — O que te faz fugir de mim,
Fontana?
— Não é fugir. — Dante focou nos olhos negros e
predatórios do empresário. — Vamos embora, senhor Serpa. Está
tarde.
— O que então? Você é impotente por acaso? — Yan
gargalhou, revirando seus olhos.
O que não esperava era uma expressão séria e, ao
mesmo tempo, nervosa de Fontana, Yan feriu seu ego. Com o clima
já tenso pela falta de noção do empresário, o celular de Dante
começou a tocar. E mesmo constrangido com a alegação do
moreno, Dante retirou delicadamente o homem de seu colo,
beijando sua testa ao deixá-lo no banco.
— Idiota… — Yan xingou a si mesmo.
— Aconteceu alguma coisa? — Dante tentava ignorar o
que tinha acontecido.
— Acho melhor você voltar. — A voz de Thyra estava
trêmula. — A-aquele celular… Tocou… — a mulher começou a
chorar —, estão te chamando para sua última tarefa.
Quarta…
Mesmo Dante estando aflito, isso não o impediu de deixar
Tomás na escola, como fazia todos os dias. Sua expressão
transparecia mais séria e um pouco trêmula. Naquela noite, ele não
tinha conseguido dormir, tudo isso por conta de seu último trabalho
e após isso, a normalidade de viver como cidadão.
Seus sete deveres foram tremendamente pesados, dois
deles envolviam assassinatos de chefes do alto escalão envolvidos
no tráfico de armas que, por conta de suas mortes, enfraqueceu
demasiadamente. Três foram torturas de diferentes pessoas que,
até aquele momento, rondam em sua mente alguns feixes de
memórias pela crueldade que cometeu.
Um sequestro e uma missão suicida envolvendo tráfico
humano. Todas as tarefas dadas por um bom policial que poderia
lhe tirar dessa desagradável vida e o pior de tudo, fora o fato de
nada ter sido pago. Fontana, ou como o chamavam antigamente,
Cerberus, fez tudo contra sua vontade em troca de uma ficha limpa.
Naquele momento vivia bem, ele trabalha – mesmo não
admitindo –, no emprego que amava, possuía uma família
disfuncional, um grupo de adolescentes que cumpria seu desejo de
ser pai e Yan Serpa… Seu chefe, amigo e noivo postiço que o
proporcionou momentos inusitados.
A família Serpa chegou à vida de Dante igual à sua amiga
Isabelly, de repente. Mas o completou de uma maneira abrupta, sem
pedidos ou medo. Apenas entraram e tomaram um pedaço frio do
coração daquele mercenário aposentado. Morrer já não era a
melhor opção, mas aproveitar mais daqueles dias.
Não era à toa que levava Tomás para a escola.
Não era à toa que fazia todas as tarefas que Yan pedia.
Não era à toa que aceitava o humor ácido de Ulisses e as
brincadeiras de Joana.
Dante gostava dos Serpas… Gostava deles.
Mas sua oitava tarefa desejava tirar tudo que conquistou
nesses anos sem a personalidade destrutiva que possuía. Dante
tinha que admitir que estava apavorado. Talvez fosse por serem
seus últimos dias naquele mundo ou por não ter dito tudo que queria
para as pessoas que ama.
Talvez, todos.
— Dante? — A voz do garotinho ecoou por seus ouvidos,
com semblante preocupado. — Tudo bem?
— Sim — falou, rispidamente, desligando o carro. — Já
pode ir…
— Não vou sair — ponderou o garoto. — Quer desabafar?
Foi meu pai? Ele só é doidinho, não fez por mal.
Dante riu e balançou a cabeça negativamente. Mas ao fitar
Tomás, percebeu o quanto gostava do pinguinho de gente que
conhecia e, pensando na possível partida, soltou um suspiro.
— O que vou te contar, fica só entre nós. Certo? — o
garoto confirmou e Dante suspirou.
Fontana ficou em silêncio durante minutos, a atmosfera
dentro do carro começou a se tornar estranha. Mas Tomás apenas
aguardou o momento melhor de sua mãe.
— Eu sempre quis ser pai — confessou de maneira rápida.
— Quero ser melhor que o meu jamais foi. Penso em ter um filho
desde muito cedo, mas nunca encontrei a oportunidade, pois seria
perigoso para o bem-estar dele.
Tomás encontrava-se chocado e curioso com as palavras
do outro.
— Seria difícil adotar, nem sempre fui a pessoa que
conhece hoje. — Suspirou, fitando o volante do carro. — Pois bem,
o que quero dizer com isso, Tomás, é que, caso eu tivesse um filho,
adoraria que ele fosse exatamente como você e seus irmãos.
O garoto, instantaneamente, perdeu a habilidade da fala,
fitando sua mochila e agarrando a alça com força. Claro, Tomás
tinha um apego paternal enorme por Dante, mas não podia acreditar
que o rapaz também tinha algum sentimento parecido, isso o deixou
emocionado o suficiente para ficar estático.
— Não sei por que lhe disse essas coisas. — Ele alisou
sua nuca. — Deve ser estranho escutar, mas quero lembrá-lo de
que você é um bom garoto. Às vezes, atrevido e sem escrúpulos,
igualzinho ao seu pai. Mas um bom garoto.
O menino riu.
— Amanhã faltarei o trabalho, logo, não poderei te deixar
— explicou. — Preciso resolver um problema.
— Você volta. — Tomás deixou exibir uma voz embargada.
— Não volta?
Calou-se, pensativo com a pergunta que, infelizmente, não
sabia responder. Fitou o relógio e viu que já era hora de o garoto
entrar e, com isso, bagunçou seus cabelos rebeldes.
— Tenha uma boa aula. — Dante deu um sorriso
acolhedor.
O dançarino tremulou seus lábios e o abraçou. Aquela
conversa estava estranha e Tomás encontrava-se preocupado, mas
não tinha muito a se fazer. Foi a primeira vez que Dante falara algo
tão profundo sobre sua vida. Aquele abraço demorou poucos
segundos, mas o suficiente para Fontana perceber que precisava
voltar.
— Tchau pa... mãe. — Tomás forçou um sorriso e pulou
para fora do carro.
Dante ligou o carro e seguiu para seu trabalho ver seu
chefe. Tomás não aparentava estar bem, sua face ficara pálida, as
pontas de seus dedos gelados e tudo que queria encontrar era
Pietro.
Ser abandonado era um trauma para qualquer pessoa,
fosse ela a mais forte ou não. Mas Tomás já fora abandonado
nesses últimos anos pela sua família por parte de pai. Dante
preenchia uma parte de seu medo, tornou-se cotidiano vê-lo,
conversar com ele e não queria perder aqueles momentos.
Andou em passos rápidos, procurando um belo jovem de
cabelos enrolados. Mas depois de fitar cada corredor e banco, o
encontrou a alguns metros à frente. Pietro segurava um livro com a
mão esquerda, estava lendo a biografia de Angela Davis.
Serpa ficou em frente à Pitt, fitando o chão e com algumas
lágrimas deslizando sobre suas bochechas. Pietro arregalou seus
olhos e fechou o livro, agarrando o corpo magro do outro, trazendo-
o até si. O garoto emaranhou os fios lisos de Tomás entre seus
dedos enquanto escutava os grunhidos.
— Dante falou coisas tão legais para mim… — Tomás
começou. — Mas aquilo… aquilo parecia uma despedida.
— Talvez tenha sido apenas uma impressão sua —
exclamou, tentando acalmá-lo.
— Não, eu conheço uma despedida. Estou com medo —
Tomás falou entre soluços. — Pitt… Será que um dia eu terei outro
pai?
Foram duas perguntas difíceis de serem respondidas.

Dante seguiu o mais rápido possível até seu trabalho, ter


dito coisas daquele modo para Tomás lhe trouxe um arrependimento
instantâneo, preocupar uma criança não era seu objetivo, mas…
Partir sem exibir seus sentimentos seria ruim para o foco do ex-
mercenário na missão.
Ter que lidar com Yan talvez naquele dia fosse o inferno,
principalmente no fiasco que fora o fim do encontro. Sempre que
Dante lembrava de sua impotência, sentia-se menos homem. Talvez
fosse o preço por ter arrasado tantos corações, nem mesmo sua
masculinidade foi poupada.
Enfim, chegou ao prédio, estacionou seu carro e entrou no
elevador. Soltou alguns suspiros antes de apertar o botão e seguiu
até o último andar e, ciente de que demoraria, Dante fitou o chão
pensando em tudo que poderia acontecer na última tarefa. Pelo que
escutou do homem, eles teriam que recuperar certos dados e
apenas isso, sem informação adicional. Com isso, pensou no que
deveria fazer.
Pensar em quantas pessoas matou lhe deu um aperto
profundo no peito. Dante fechou seus olhos e, enquanto
pressionava seu anelar contra a palma de sua mão, tentou se
esquecer dos mortos e apagar a possibilidade de que todas aquelas
pessoas talvez tenham sido o amor de alguém.
O pior soldado do mundo, o pior dos noivos, o pior amigo.
Tudo em um único ser humano…
— Três anos, esqueça — sussurrou. — O passado não
pode ser alterado… O passado não... Tudo isso vai acabar… —
tentava se convencer. — Serei um cidadão comum, com problemas
comuns.
— Você não tem problemas comuns. Tem os Serpas na
sua vidinha pacata. — A voz de Yan ecoou nos seus ouvidos dando
um susto em seu secretário, pois estava sozinho no elevador. —
Escute, Dante, aqui é Deus falando. Perdoe o Yan, ele só é um
idiota de terno! — O homem produziu uma voz esquisita e
exagerada.
Dante revirou seus olhos, segurando a risada.
— Isso deve ser contra as regras — respondeu, forçando
uma expressão neutra. — Invadir o espaço pessoal das pessoas e o
sistema do elevador.
— A segunda opção seria contra as regras se eu não
fosse o dono da empresa. — Yan soltou uma gargalhada
voluptuosa. — E bom dia, querido. Dormiu bem depois da minha
rebolada no seu pau?
— Yan… — Dante escondeu seu rosto e chegou ao seu
andar, deixando a voz do homem e encontrando-se com Natália, a
recepcionista. — Bom dia, Natália.
— Bom dia, moço. — Ela exibiu um sorriso amistoso. —
Yan chegou com vontade de fazer uma surpresinha no elevador, eu
levei um susto! — Gargalhou. — Me deseje sorte nessa substituição
temporária como secretária do senhor Serpa.
— Se você gostar de chá, aconselho beber meio litro
misturado com calmante — ele sugeriu. — Venha com o sapato
mais confortável e quando ele perguntar de filhos, não cite nada
sobre mudança, faculdade ou vida adulta. Ele não quer que os filhos
saiam de casa.
Natália soltou um suspiro cansado.
— Ainda bem que será só um dia.
— É — afirmou e logo depois saiu, ao ver a expressão
preocupada da recepcionista em lidar com o chefe.
Escutar as ironias e brincadeiras do empresário fez Dante
se esquecer um pouco dos seus problemas pessoais e tentar focar
apenas no momento. Mas, claro, ainda tinha um empecilho que com
certeza Yan tocaria na ferida. O secretário abriu a porta do seu
escritório e bufou ao ver a pilha de documentos que precisariam ser
aprovados. Deixou sua bolsa na cadeira e pegou o máximo de
papéis que seus músculos aguentavam, por fim, seguiu até seu
chefe.
Ao entrar, deu de cara com Yan deitado no chão,
encarando o teto, junto de um tablet, fone e um microfone,
possivelmente para assustar seus empregados no elevador. Dante
ficou em frente ao corpo do outro que, ao ver seu secretário,
colocou seus pés sobre os sapatos do secretário.
— Gostando da visão? — perguntou Yan, esticando seu
corpo.
O que Yan tinha de excêntrico tinha de belo. Naquele dia,
usava uma roupa parecida com ontem, porém, seu colete era
marrom e seu relógio era um Hublot Geneve Rose. Sua cintura era
um pouco fina, as pernas aparentavam ser torneadas por baixo do
tecido grã-fino. Dante começou a imaginar como seria interessante
aquele puto sem roupas.
As imaginações estavam ficando recorrentes, Fontana
amava e odiava aquilo. Ao ver que Serpa o fitava, ainda aguardando
uma resposta, ele exibiu seu faceiro sorriso angelical, deixando as
pilhas em cima da mesa e tirando os pés do chefe em cima dos
seus.
Pensando que não teria muita coisa a perder e as chances
de voltar com vida eram poucas, Dante agiu de um modo que
apenas Cerberus faria, dando alguns passos para frente, um pé em
cada lado da cintura de Yan. E jogando sua noção para longe,
sentou-se em cima de Serpa.
Yan grunhiu em surpresa ao sentir aquele corpo pesado e
excitante próximo ao seu quadril. Estagnou sua respiração por
alguns segundos, tentando raciocinar sobre o que estava
acontecendo, pois o loiro continuava ali, encarando e remexendo-se
minimamente em locais perigosos.
— Tem uma pilha de pedidos para ler, chefe. — Dante o
fitou. — E preciso de uma folga amanhã.
— Tudo bem, terá sua folga. Natália me disse — Yan
afirmou. — Ficar em cima de mim é uma forma de castigo por eu ter
sido idiota ontem? Caso for, saiba que gosto.
— O encontro foi legal — confessou Dante, deslizando
seu quadril para trás, encaixando-se no corpo de Yan. — Mas não
gostaria de comentar sobre aquele probleminha.
Dante pressionava seu corpo em busca de sentir algo…
Um arrepio, qualquer coisa.
— De ser impotente? — As palavras saíram rapidamente,
Yan mais uma vez se xingou mentalmente. — Espera… você é
impotente?! — Yan tampou sua boca, controlando-a.
— É, Yan, porra! — Dante bufou. — Olha, não estou com
raiva de você. Não sou infantil a esse ponto, mas comentar sobre
isso é bastante chato para mim.
Yan suspirou e saiu de debaixo do homem, ficando
sentado à sua frente. Ambos ignoraram seus trabalhos por minutos
e focaram um no outro. O empresário exibiu uma expressão séria e
agarrou a mão de Dante.
— Não é chato. Podemos falar sobre isso como amigos e
não como noivos ou qualquer coisa. Amigos. — Yan analisou a mão
forte e pesada de Dante, percebendo pequenas cicatrizes. — Caso
não acredite, eu sou bem entendível disso.
Dante exibiu uma expressão confusa.
— Não que eu seja bro… Impotente. Porém, teve épocas
que eu odiava meu corpo. Não conseguia transar sem ter alguma
crise. Parece estranho, já que eu sou fodidamente lindo, mas tive
momentos que não acreditava — confessou. — Saber que talvez
você não tivesse desejo por mim, foi… desconfortável. Embora seja
uma pena, porque o meu boquete…
— Yan — ele o interrompeu. — Estou sofrendo uma
pressão psicológica há anos. Não tem nada a ver com você e, se
quer saber, eu sinto um puta tesão em ti, mas essa porra não sobe.
— A falta de libido é por conta da... depressão?
— Estresse — falou Dante com rapidez. — Já faz três
anos e alguns meses.
— Dante, isso é normal. Talvez você demore um tempo
até conseguir, mas não precisa se sentir mal. — Ambos ficaram em
silêncio, mas Yan começou novamente. — Então… se você não
tivesse isso, nós…?
— Por isso que estou conversando contigo. — Fontana
apertou a mão de Yan, percebendo o quão macio era a pele de
Serpa. — O problema não é você, eu já fui muito idiota com outros
caras e, realmente, não quero deixar outro homem paranoico.
— Bom saber que você era um babaca. — O empresário
revirou seus olhos. — Bom, caso um dia você melhore, eu não vejo
problema nenhum em transarmos. Adoraria ver seus olhinhos
revirando e seu corpo tremer.
— Yan.
— Somos adultos, não somos? Estou sendo sincero. —
Yan fitou os olhos escuros de Dante. — Fontana, só não quero que
essas inseguranças afetem sua masculinidade, sei como é… Sei
como é. Lembre-se, você não é menos homem por isso.
— Não me sinto bem comigo mesmo. — Dante soltou um
suspiro. — Mas não se preocupe, estou fazendo um
acompanhamento psicológico, aos poucos estou trabalhando isso.
Yan soltou um suspiro e olhou com carinho para as mãos
do secretário, ficar ciente de seus problemas pessoais e como ele
estava sendo sincero só fez Serpa se apaixonar ainda mais,
mergulhando de cabeça na vida de Dante. O empresário não queria
que aquele homem tão prestativo se sentisse inferior por conta
daquilo.
A vontade de abraçá-lo fora tamanha, mas não fizera. Em
vez disso, Yan depositou um beijo gentil sobre a palma da sua mão.
O que o deixara vermelho e desconcertado. Serpa levantou seu
rosto e fitou aqueles olhos negros misteriosos.
— Sobre seu pai… me doeu saber daquilo, mas entendo
esse fato de querer ser alguém por pressão dos familiares, também
fiz isso. — Yan suspirou. A sensação térmica das mãos dos dois
deixava o empresário abobado. — E a guerra…
O silêncio retornou. Dante estava ciente de que partiria
daqui algumas horas, por esse fato, estava se abrindo tanto com
Yan. Mas seu medo daquele homem odiá-lo depois da sua morte
era maior que qualquer confissão.
— Eu… — Dante focou seu olhar no chão acinzentado. —
Não quero falar sobre isso… — Calou-se por mais alguns minutos.
— Desculpe.
— Tudo bem. — Serpa, não aguentando ver Dante
daquele modo, começou a engatinhar até ele. — Você é importante.
Você vale — sussurrou, envolvendo o tronco de seu secretário em
seus braços, fazendo o homem apoiar a cabeça sobre seu peitoral.
— Passou, é passado… É passado, Dante.
— Yan — grunhiu o outro, posicionando sobre o peitoral
do chefe, rogando a Deus que voltasse dessa missão com vida. —
Fico grato.
— Eu também. — Sorriu. — Obrigado por desabafar algo
para mim. Tente fazer mais disso, ok? Afinal, somos noivos!
Ambos ficaram em silêncio, até que…
— Postiços — eles falaram simultaneamente e riram logo
em seguida.
Ele precisava voltar. Nunca pensou que conseguiria sentir
algo assim por quem tivesse dado apenas simples beijos. O abraço,
a compreensão e a amizade entre eles pareciam, enfim, ter dado
algum rumo, um rumo talvez belo demais para Fontana
compreender.
Um noivo e filhos durante meses estava sendo mais
significativo para o loiro do que Elior fora em anos. Não se tratava
de carnal, mas sim de companheirismo, união. Céus… Yan Serpa
estava começando a deixá-lo confuso, culpa de um simples abraço.
Definitivamente… morrer não é opção. Definitivamente,
morrer não é opção.

Após se despedir de Tomás e Yan… Dante ligou para


Joca.
Em seu ímpeto de egoísmo desejava que o garoto não
atendesse aquela ligação, que ele não a visse, tampouco se
lembrasse de Fontana. Porém, o garoto atendeu, Dante podia
escutar as risadas de seus amigos ao fundo, um clima nostálgico
até mesmo para ele.
— Oi, Dante, fala aí! — A voz de Joca carregava
animação. — Estranho, acho que é a primeira vez que você me liga!
Aconteceu alguma coisa?
O silêncio se prolongou.
— Dante? — Joca o chamou.
— Como está a faculdade? — perguntou, pressionando a
ponta de seu nariz fortemente, amaldiçoando-o por não conseguir
fazer uma simples pergunta.
— Hã… — Joca arqueou sua sobrancelha. — Está… Está
bem. Balística sempre foi minha praia, né, amo assistir casos não
resolvidos. Jojo também ama, assistimos todos os documentários
juntos! — O rapaz sorriu. — Já saiu do trabalho? Quer tomar café
comigo e a Kali?
— Eu não vou poder hoje, mas estou grato pelo convite.
— Fontana pressionou sua mão contra o telefone. — Eu terei que
desligar já, mas, Joca, eu ouvi sobre seu caso na boate YFEMA há
alguns anos… você ficou com alguma sequela após aquilo?
— Hã… O quê? — Gargalhou. — Não, Dante. Não fiquei.
— Joca pressionou seus dedos contra a nuca. — Por quê? — Sua
voz vacilou um pouco.
— Foi apenas curiosidade, eu fiquei preocupado —
garantiu o loiro. — Enfim, terei de desligar, Joca, te vejo em breve.
— Tudo bem, até depois. Se cuide, hein?! E não morra! —
Gargalhou o garoto.
Por que todos queriam garantir aquilo?
Facas, pistolas, coletes, coturnos, pés de cabra, sua
antiga companheira AWP e a máscara do grande Cerberus. Dante
estava pronto. Seu trio de amigos não produziu uma sequer fala até
então, apenas estavam aflitos com a possível passagem de apenas
ida do seu amado amigo. Thyra não possuía mais lágrimas.
Depois de ter saído do trabalho, Fontana seguiu às
pressas para seu apartamento. Enquanto isso, Liam e Marcel
tiravam todas as provas que a BMW pertencia a Yan, removendo a
placa, limpando milimetricamente as digitais e qualquer DNA dos
Serpas.
Por fim, fora tudo feito, faltando apenas rezar para que
tudo ocorra bem. Não era a primeira vez que o trio passava por
aquilo devido ao Dante. Já passaram por sua fase de vício em
drogas – que para eles, fora a pior –, os inúmeros prostitutos em
casa, os assassinatos e os dias de chuva.
Não que o trio não tivesse dado trabalho para Dante,
afinal, cada um passou por sua fase crítica pós-guerra. Liam tinha
paralisias de sono e insônia no passado, Thyra – ainda –, não
conseguia dormir sem carregar uma arma e Marcel adquiriu
depressão por ter perdido sua mão, tentando suicídio — que se não
fosse pela coragem de Dante, o rapaz estaria submerso no mar.
Todos eram quebrados, recolhendo os pedaços causados
por uma guerra que nem mesmo os pertencia. Restava apenas
aquela tarefa para todos eles deixarem seus passados em grandes
caixas e jogá-las no deserto. Dante precisava respirar para tal ação
acontecer.
Próximo da BMW, Cerberus estava em pé de frente aos
seus amigos, exibindo uma face tristonha.
— Como em todas as sete tarefas passadas gostaria de
dizer algo antes de partir — começou —, sei que fui um idiota, quero
pedir desculpas por ter sido um tóxico no passado. Sei que se não
fosse por vocês, não estaria vivo.
Thyra fungou forte, enquanto era abraçada por Marcelo e
William.
— Amo vocês — alegou rapidamente. — Estou ciente de
que é recíproco. O que me deixa feliz, já que nunca escutei alguém
falar essas palavras para um fodido como eu. — Sorriu. — Gostaria
que o Antero estivesse aqui e pudesse escutar que ele foi o melhor
pai. Vocês foram a única família que tive.
— Caralho. — William segurava seu choro,
impossibilitando de conter suas emoções. — Sabe que quando
voltar vivo a gente vai te zoar, não sabe?
Thyra bateu forte na barriga do outro e o loiro exibiu seu
dedo do meio. Mas Liam apenas riu.
— Se você voltar com uma cicatriz no olho, saiba que vai
ficar lindo — comentou Marcel. — Então, estaremos quites. —
Acenou com a mão mecanizada.
— Um momento sério. Hum! — Thyra falava entre soluços.
— Fontana, você voltará… Nós te amamos, lembre-se disso
enquanto estiver lutando. Tem razões para voltar.
— Eu sei… obrigado. — Fontana curvou-se. — Até alguns
dias!
Dante entrou no carro e colocou seu fuzil no chão do
carro, vestiu sua máscara, ligou o carro e partiu, deixando seus
amigos desamparados e rogando a Deus por sua vida.
Cerberus morreria. E, talvez, Dante Fontana também.
Dia um.
Dante não apareceu após sua folga, Natália teve de ficar
no segundo dia também. Aguentar aquele homem não era fácil, o
empresário acabava criando mais e mais problemas, a mulher de
cabelos black power e pele retinta estava se desgastando em
apenas dois míseros dias.
Só naquele dia, teve que entregar algumas papeladas em
três filiais enquanto deixava o filho de Serpa na escola — que deu
pasteizinhos no café da manhã, Natália quase chorou de felicidade.
Sem falar que teria de procurar um restaurante aberto
para comprar uma porção de feijão, uma padaria que fizesse
cappuccino de calda de morango e sonho vegano, mas a mulher
conseguiu tudo com minutos de atraso.
Como Dante aguentava?!
Natália entregou suas comidas e Serpa a mandou esperar,
observando a cena estranha de Yan colocando feijão por cima de
um sonho e abocanhando como se fosse uma iguaria, estava
prestes a vomitar.
— Obrigado, Natália. Alguma notícia do esquentadinho?
— Nenhuma. — Ela fitava o chão, tentando esquecer o
gosto que aquela mistura teria. — A conta continua inativa, logo não
consegui depositar o dinheiro que pediu.
Yan bufou, tomando o primeiro gole no cappuccino, mas
ao sentir o gosto diferente, cuspiu.
— Que negócio ruim. — O homem fez uma careta,
limpando sua boca com o guardanapo. — Onde comprou? Lembro
muito bem do endereço que Dante me mandou.
— Foi lá, senhor… — Natália desviou seu olhar. — Onde
disse.
Yan arqueou a sobrancelha e tirou a tampa do copo,
olhando para o conteúdo.
— Não é não. — Ele a fitou, percebendo que a mulher
escondia algo. — Quer contar para seu chefe? — Sorriu,
gentilmente.
Natália recuou alguns passos, Dante odiaria saber que ela
contou seu segredo. Mas aquele sigilo não custava seu emprego.
— Vamos, Nath. — A voz de Yan soou manhosa. — Te
dou uma semana de folga. Sem redução salarial, talvez duzentos a
mais na conta — exclamou. — Conte ao seu chefe o que está
escondendo.
Os olhos da mulher brilharam com aquilo e percebendo
que Serpa nunca tinha mentido para ela, desabafou.
— Secretário Fontana faz todo dia seu cappuccino na
cozinha de baixo — falou rapidamente. — Uma de nossas faxineiras
tem uma pequena cafeteria e ele pediu para ela ensinar todos os
tipos de bebidas quentes durante um mês inteiro, apenas para fazer
as misturas que as cafeterias frequentemente não fazem…
Yan a observou, sem palavras com aquela confissão.
Dante tinha mesmo entrado em um pequeno curso para satisfazer
seu paladar exótico? Céus… Serpa a olhou com um sorriso bobo e
Natália aliviou-se com a reação. O empresário tinha se apaixonado
mais uma vez pelo mesmo homem.
— Obrigado por contar — respondeu. — Você já pode ir.
Ela saiu, deixando Yan pensativo, enquanto escondia seu
rosto entre as mãos.
Estava com saudades.

Dia dois…

Conta inativa, número inexistente, sem Dante…


Yan andava de um lado para o outro, procurando alguma
luz que descobrisse onde seu amado estava. Ligar para a polícia
local fora um erro, pois no momento que disse o nome e suas
características físicas, desligaram, impedindo que ligasse de novo.
O que diabo estava acontecendo?!
Depois de soltar muitos suspiros desencorajadores, Serpa
sentou-se no chão de sua oficina, tentando achar alguma luz antes
de voltar ao seu trabalho. Yan estava produzindo o projeto mais
avançado do ano, mas não conseguia concentrar por causa daquele
secretário. A saudade batia em seu peito do mesmo modo que o
amor imensurável.
Folheando o currículo de Dante, ele encontrou o número
de sua residência e não demorou muito para ligar. Não dera nem
mesmo um toque para alguém atender ao telefone.
— Dante?! — ambos falaram ao mesmo tempo.
Serpa soltou um suspiro cansado, era uma mulher. E,
aparentemente, estava tão desesperada quanto ele.
— Desculpe — sussurrou Thyra. — É você, Yan? Yan
Serpa?
— Como sabe meu nome? Na verdade, com quem eu
estou falando?
— Você não me conhece ainda… Eu sou Thyra Solarin,
melhor amiga do Dante. Prazer em conhecer o noivo dele. — Ela
forçou uma risada sem graça. — Não queria que fosse assim.
— Digo o mesmo, querida. — Yan se levantou e seguiu
até o projeto em cima da mesa, — Pelo visto, também não te deu
nenhuma informação sobre seu paradeiro. — Os dois soltaram um
suspiro. — Isso é algo recorrente?
— Claro que não! — respondeu com a voz trêmula. —
Quando ele aparecer, eu te digo. Só deve ter ficado sem sinal, nada
que devêssemos nos preocupar.
— Ah… Então, a conta inativa é um surto meu? — Yan
debochou. — Ele some do mapa, me impede de depositar dinheiro
em sua conta, queima seu chip e o mais importante, arranca a porra
do localizador que coloquei no meu carro. — O homem estalou sua
língua. — Eu não sou burro.
— Ninguém disse isso — ela garantiu. — Bom…
debochado e irônico sim, mas não entraremos nessa questão.
Dante aparecerá.
— Já ligou para a polícia? — perguntou, agarrando o cubo
mágico em sua mesa e começando resolvê-lo. Ao perceber que Lia
entrou em seu quarto, Yan forçou um sorriso. — Já faz três dias,
contando com o que ele disse que não iria trabalhar.
— Não tem motivo de contatar a polícia — afirmou. — Ele
aparecerá. Foi só uma falta de sinal da cidade, a mãe dele vive no
interior. Sabe como é… italianos.
Ao escutar aquela conversa, Yan parou de mexer no cubo
e o apertou com força. Lia seguiu até o homem em silêncio,
fazendo-o se acalmar com suas palavras, pelo bem da garotinha.
— Thyra, você é uma ótima amiga. — O homem
gargalhou. — Mas uma péssima mentirosa. Sei sobre a família do
Dante odiá-lo por ser quem ele é. A única coisa que quero saber é
se esse puto está bem!
A mulher estagnou sua respiração.
— Só tenha fé de que ele aparecerá e não ligue para
ninguém, ele vai aparecer.
Yan sentiu a dor da mulher e apenas inspirou, abraçando
sua filha.
— Certo, querida. Ligue assim que tiver notícias, por favor.
— Digo o mesmo — ela respondeu.
E ele desligou, lutando para voltar ao seu trabalho em
casa normalmente, sem pensar nas diversas teorias que criaria em
sua mente. Onde aquele maldito loiro certinho estava?!
— O senhor está com saudade do Dante? — perguntou
Lia, desfazendo o abraço com seu pai. — Ele viajou?
— Estão dizendo isso para mim. — Yan forçou um sorriso.
— Estão dizendo isso… que ele… Enfim, Lia, não ligue! É bobagem
do papai — confirmou, exibindo sua língua para a filha. —
Aconteceu alguma coisa?
— Nada, é que a Jojo mandou eu dar um abraço no
senhor. — E apontou para a porta. — Disse que o senhor estava
tristinho.
Serpa pressionou sua mão contra o rosto, rindo da
situação. Até mesmo os seus filhos percebiam a preocupação
estampada em seu rosto. Não que eles estivessem diferentes nessa
situação, porém, conseguiam fingir melhor que Yan. Eles sempre
conseguiam, eram eles que transpareciam força na maioria das
vezes.
— Ok, Joana, jogo sujo! — gritou Yan, levantando Lia e
colocando-a em seus braços, seguindo para fora de seu escritório.
— Você vai ficar de castigo, mocinha, a única pessoa que pode usar
Lia para artimanhas sou eu! — ironizou ele, fazendo as filhas rirem.

Dia três…!

— Estou bem, juro — garantiu Yan, pressionando seus


dedos contra a mesa de seu trabalho. Era sábado, Serpa não
deveria estar trabalhando. — Ficarei aqui, Kunut, porque… preciso
analisar uma peça.
— Não precisa — interferiu o amigo.
— É você quem sabe? Preciso sim! — rosnou Serpa.
— Não, não precisa! — revidou Kunut. — Você pode
precisar de uma surra de pau ou boceta, mas não ficar enfurnado na
porra dessa empresa em vez de fazer algo produtivo em pleno
sábado! — ele gritou.
Dante ainda não dera notícia e, por isso, possuíam apenas
dois sentimentos no corpo de um metro e setenta e cinco de Yan
Serpa: ódio e preocupação. Para tentar esquecer um pouco
daqueles sentimentos negativos, decidiu passar a manhã em sua
sala, mesmo que Natália e quase oitenta por cento de seus
empregados não estivessem lá.
— Olha, só quero passar algumas horas sozinho com a
minha mente. Estou fazendo yoga aqui, então se me der licença,
eu…
— Abre a porta, Yan. — A voz de Kunut estava mais
presente do que imaginava, precisamente, atrás da porta de Serpa.
— Estou puto com você! Abre a droga da porta!
— Para alguém de meio metro, até que você fica um
gatinho todo nervoso. — Gargalhou Felícia.
— Pelos deuses, você por acaso me odeia? — Kunut
perguntou para a loira.
— Fefe está contigo? Hã… Não acho que seja uma boa
ideia abrir essa porta. — Yan aproximou-se da porta. — Por que
estão aqui?
— Para tentar tirar você desse fundo do poço que cavou
enquanto é tempo, bee! — gritou Madalena, batendo na porta. —
Abra essa porta que essa unha de princesa não pode espancar
milionário não!
Yan deu alguns passos para frente e ficou diante da porta,
engoliu em seco, tentando se manter calmo como sempre. Porém,
ao abrir a porta e dar de cara com seus melhores amigos, Serpa
desabou, abraçando Kunut fortemente.
— É tão errado me preocupar com aquele idiota?! —
gritou Yan, desfazendo do seu abraço com Padovani. — Ele invade
a droga da minha vida, cuida dos meus filhos, é gentil com vocês e
depois desaparece?! Por que eu não posso ter um relacionamento
saudável?! — gritou novamente, forçando seu corpo a não derramar
uma única lágrima.
O empresário, mesmo aflito, não chorou perante os
amigos. Mas ao ver o estado de Serpa, a preocupação do trio se
tornou eminente, seguindo até o empresário e abraçando-o.
— Vamos para casa — garantiu Felícia. — E não é uma
pergunta, você precisa descansar. Ele voltará, Yan.
— O pouco que conhecemos de Dante, não parece que
ele fugiria — alegou Kunut.
— Podemos ir à boate? — os amigos confirmaram. —
Conheço vocês, sei que vocês duas são bem céticas e que Kunut é
um pagão muito crente, mas… — Soltou um suspiro. — Aconteceu
algo comigo noite passada que só me deixou mais aflito.
— Teve uma experiência espiritual? — Kunut arqueou sua
sobrancelha.
— Não exatamente. — O homem desviou seu olhar. —
Mas senti uma forte dor na minha barriga ontem de noite, eu perdi o
ar por alguns minutos e só consegui me lembrar de Dante… Como
se eu tivesse sentido algo que ele sentiu.
Ambos arregalaram seus olhos, incrédulos com a fala.
Mas cientes de que algo parecido poderia acontecer, Yan nunca
acreditou em deuses ou qualquer coisa parecida, ter tal teoria
chegava a ser um tanto inacreditável.
— Entendi — murmurou Felícia. — Tipos os contos que o
Kunut recita?
— São lendas — corrigiu Kunut. — E muitas delas são
reais.
Serpa suspirou e analisou a loucura que tinha falado.
— Não… Quer saber? Esqueçam. — Yan fingira costume.
— Estou ficando paranoico. — E seguiu para fora da sala. —
Preciso apenas de uma bela taça do nosso vinho mais estranho!

Dia seis!

Tomás estava sendo burro.


Pietro era tudo que ele desejava. Era perfeito demais para
ser verdade, o novo bolsista era a fim dele e vice-versa. Algo
recíproco. Mas Tomás começou a ignorá-lo desde o dia que fora até
seus braços chorar, estava envergonhado com a atitude que tivera e
o desabafo sobre suas experiências.
Depois do sumiço de Dante, tudo que queria era um pouco
de luz para seu coração, principalmente por ver seu pai aflito, às
vezes, abraçava-o avisando para ele não fazer aquilo um dia. Seus
irmãos demonstravam indiferença, embora fosse óbvio que estavam
tão aflitos quanto os demais.
Rogava a Deus que Pietro entendesse o pequeno furacão
que sua vida se tornou, após Dante sumir do mapa. Quase toda à
noite, Tomás se lembrava daquelas palavras de sua mãe e chorava
baixinho de felicidade, a esperança de ter Fontana como alguém da
família aumentava. Se antes Tomás cogitava o amor romântico de
Dante por seu pai, daquele momento em diante então…
Já era o fim das aulas, Tommy usava seu collant preto,
estava seguindo em direção à porta para aguardar Natália e mesmo
querendo encontrar Pietro, logo após acumular um pouco de
coragem para conversar sobre os ocorridos, ele só encontrou a
única pessoa que não gostaria.
— Ei, bichinha! — A voz de Matias lhe dava ânsia. — Está
surdo, porra?
Serpa revirou seus olhos e andou mais rápido, a tática de
ignorá-lo às vezes funcionava, em outras, deixava-o de coxas ou
barriga roxas. Matias tinha certo foco nessas partes e Tomás sentia
nojo quando ele as fitava.
— Estou falando com você, mulherzinha — ele gritou,
alguns alunos focaram na dupla, os passos rápidos de Tomás não
estava lhe favorecendo. — Ei!
— Inferno! — resmungou. — O que você quer? Não enche
o meu saco!
Tomás correu, mas Matias fora mais rápido e encurralou o
garoto em frente à porta do vestiário masculino. Como se não
bastasse o desaparecimento do segundo pai, teria que esconder os
hematomas do primeiro. Serpa, aguardando algum ato violento,
bufou e olhou para aqueles cruéis olhos.
— Acabe logo com isso, eu tenho dança — pediu. Era
impossível sair daquele pequeno cubículo que estava.
Matias observou por alguns segundos o collant que Tomás
usava, tal roupa proporcionava ver com facilidade as curvas que o
garoto possuía, eram poucas, mas o deixava desconfortável.
— Você brigou com aquele bolsistinha? — rosnou ele
— Não é da sua conta. — Tomás exibiu um sorriso
nervoso. Começando a agachar para sair por baixo, mas Matias
agarrou a frente do collant e empurrou o garoto com força na porta.
— Não fode! O que quer comigo?!
— Tu não vai sair daqui até me dizer o que tem entre você
e ele — gritou, aproximando seu rosto ao de Tomás. — Está
gostando dele?! Não te quero agindo feito uma bichinha na frente de
toda a escola!
— Caralho! Você é um idiota insuportável! — O garoto
olhou para os lados, mas estava sendo impossível com Matias
barrando sua visão. — Gosto do Pietro e isso não é da sua conta!
O rosto de Matias tornou-se rubro de raiva e em momento
nenhum Tomás abaixou sua guarda. O garoto não pensou duas
vezes e abriu a porta do vestiário, fazendo Tomás cair no chão,
dentro do local. Porém, no momento em que Matias entrava, Tomás
viu um vulto empurrando o outro.
Ao perceber que tinha alguém pressionando Matias contra
os armários, Tomás levantou-se do chão, deixando suas coisas no
local e saindo de lá.
— Droga, droga, droga — sussurrou ele. Ao ver Zaire, seu
coração acelerou drasticamente, o rapaz estava empurrando Matias
com força no armário. — Zaire! Calma!
— O que você estava pensando em fazer? — Zaire
chacoalhou Matias, exibindo sua força. — Por que você jogou o
Tomás dentro do vestiário? O que você iria fazer?! — gritou.
Matias abaixou sua cabeça, mas nada disse.
— Eu falei contigo! — ele gritou, batendo o rapaz contra
os armários, fazendo-o soltar um grunhido, a reação de Matias não
estava sendo comum.
— Zaire! — Luana chamou a atenção do outro, apertando
um de seus braços. — Por favor, solte ele!
Zaire, Pietro e Luana estavam presentes no local, a
menina tentava acalmar o outro, enquanto Pitt abraçava Tomás e
tentava sossegar seu coração, que estava acelerado. Ao ver a
expressão assustada de Luana e Tomás, decidiu apenas empurrar o
outro contra os armários e soltá-lo. Matias saiu lentamente da vista
dos quatro, sentia-se sujo e idiota pela ação.
O casaco que o rapaz usava o deixou mais acolhido,
fazendo encaixar sua cabeça sobre o peitoral de Pietro. Ambos não
queriam desfazer de modo nenhum aquele abraço. Durante alguns
minutos eles ficaram ali, Pietro protegendo o corpo magro de
Tomás, enquanto o menor agarrava a cintura do outro. Eles
desejavam beijos e trocas de pequenas carícias, mas o medo do
que tinha acontecido impediu Tomás de avançar.
— Você está melhor agora? — perguntou Zaire, fitando o
casal e sorrindo com a cena.
— Estou, obrigado, Zaire. — Tomás sorriu. — Você
também, Luana. Obrigado por acalmar seu namorado, peço
desculpas por… Não sei... Só desculpa.
— Nem vem! A culpa não é sua! — garantiu Luana,
pressionando a mão sobre o ombro do namorado. — Zaire só tem
tamanho, mas é um coraçãozinho mole que vou te dizer! — Riu.
— Você precisa mesmo explanar? — Zaire pressionou
seus dedos na bochecha da namorada. — Bom, creio que vocês
têm muito a conversar. — Sorriu maliciosamente. — Tenha mais
cuidado, Tomás. Não confio no Matias. — Zaire bagunçou os
cabelos de Serpa e começou a sair.
O casal sorriu e seguiu em cochichos para longe de Pietro
e Tomás, os dois se encararam por algum tempo, porém, sem uma
única fala entre eles. Pietro olhou para o garoto dos pés à cabeça,
céus… Tomás estava mais belo do que dias atrás, aquilo era
possível? Nervoso, Monte alisou sua nuca.
— Pitt, me desculpe.
— Eu não vou aceitar as desculpas pelo selinho —
decretou. — Queria muito mais do que aquilo. Só não sei se deixei
claro.
— Você não é o único — afirmou Tomás, observando se
possuía alguém no corredor, quando não vira ninguém, puxou-o
para dentro do vestiário.
— Não estou com raiva por ter me ignorado. Soube pela
Kali que vocês estão passando por um momento difícil. — Pietro
não soltou a mão de Tomás e entrou no vestiário daquele modo.
— Onde conseguiu o número da minha irmã?! — Tomás
aumentou seu tom de voz. — Ah… Esqueça.
Tomás pegou sua mochila que tinha caído e Pietro fechou
a porta, ficando apoiado sobre ela. Ambos estavam de mãos dadas
e ele aguardou o que Tomás iria dizer. Devia estar chateado com
Serpa por ter fugido, mas percebeu pela expressão tristonha dos
outros dias, que era melhor lhe dar espaço.
— O Dante sumiu — soltou, apertando a mão do outro
com mais força. — Nossa família está devastada, e aí eu fiquei
muito envergonhado quando falei aquelas coisas sobre o sexo para
ti… Eu roubei um beijo seu, meu Deus, aquilo foi…
— Legal — ele completou, rindo. — Sinto muito pelo
grandão, mas ele vai voltar. Eu tenho um sexto sentido, confie em
mim. — Ao perceber que Tomás exibia uma face tristonha, Pietro
sentiu-se ansioso em dizer algo. — Ele é forte, Tommy, vai ficar tudo
bem.
O silêncio se perpetuou por alguns minutos, Tomás
continuava pensativo sobre Dante.
— Eu só... queria que ele... Me visse crescer.
— Mas ele vai! Aquela muralha precisa me repudiar muito
ainda e seu outro pai também. — Pietro começou a dedilhar a
cintura de Tomás. — Tommy, só não se afaste de mim… Toda vez
que você se sentir mal, venha conversar comigo. Me ignorar só vai
gerar problemas para a nossa... relação?
— Relação? Ah, Deus, me desculpe, isso não vai mais
acontecer depois de você falar isso! — Tomás aproximou o
suficiente para sentir todo seu corpo em combustão. — E-eu pensei
que iria te incomodar. — O rapaz ficou na pontinha de seus pés e
começou a distribuir beijos estalados sobre o pescoço de Pietro. —
Mas se você gosta de ser incomodado então…
Serpa começou a mordiscar o pescoço do outro, causando
vários arrepios sobre sua pele. O corpo de Pietro começava a
mostrar que estava gostando, seja pelos arrepios ou por seu
membro, que estava roçando lentamente sobre a barriga do outro.
Tomás riu e apertou devagar as bochechas de Pietro, aproximando
de seus lábios e iniciando um beijo caloroso.
O mais baixo seguiu controlando a situação, invadindo
cada parte dos lábios de Pietro, tomando para si, percebendo que o
garoto era mais delicado e respeitoso, já que suas mãos
permaneciam no mesmo lugar. Ao contrário das de Tomás, que
começara a fazer pequenos movimentos de vai e vem sobre o pau
do rapaz por cima do tecido.
Monte grunhiu em resposta, enquanto beijava Tomás. A
atmosfera do vestiário começou a se tornar cálida e excitante, como
se as paredes estivessem se fechando. Pietro estava tentando se
controlar com aquele sentimento excitante que sentia. Entretanto,
percebendo que Tomás se encontrava ainda frágil, Monte agarrou
delicadamente os pulsos de Serpa.
— Não — gemeu Pietro em resposta, fitando o olhar
confuso do outro. — Sei que não está bem — ele sussurrou,
entrelaçando seus dedos com os de Tomás. Serpa fungou baixinho.
— Não. Eu não estou. — Com suas mãos já livres, o
garoto as envolveu sobre a cintura de Pietro. — Me desculpe, eu
queria tirar esse sentimento do meu corpo de alguma forma.
Desculpe... — Sua voz estava embargada.
Percebendo a sensibilidade que Serpa se encontrava,
Pietro apenas retribuiu aquele abraço apertado, sentindo todas as
emoções confusas rondando o jovem que tanto admirava.
— Vai tudo se alinhar como antes, Tommy. — Pietro
pressionou seu polegar contra os lábios avermelhados de Serpa. —
Acho que é melhor irmos. A Natália continua te esperando.
— Sim. Pitt... Eu gosto muito de você. — Tomás selou
seus lábios sobre os do outro.
— Eu também. Você não sabe o quanto. — Pietro se
encontrava tão bobo de amor que apenas retribuiu o beijo e o
abraçou.
DIA OITO!

O silêncio que se encontrava o carro de Dante era


assustador, Thyra dirigia sem rumo pelas ruas de Porto do Sol,
sentindo cada detalhe que o automóvel de Fontana possuía. A
sargento nunca esteve com tanta saudade de alguém como de
Dante, em todas as suas missões, nenhuma delas ele sumira por
tanto tempo.
Solarin estava indo até seu apartamento, era cinco da
manhã e as ruas ainda estavam desertas. A mulher passou pelo
YFEMA, sua mente vagou de maneira horrorizada, cogitando na
possibilidade de dar meia-volta e falar com Yan, pois ambos
compartilhavam a mesma dor.
Após algumas quadras longe da boate, Thyra saiu de seus
devaneios ao escutar sons grosseiros e pedidos incessantes de
uma voz desesperada. Ao perceber que pedia ajuda
fervorosamente, a mulher não pensou duas vezes e retirou sua
pistola escondida do fundo falso do porta-malas. Thyra colocou a
arma em sua cintura e saiu do carro.
— Eu já falei que não quero! — grunhiu Ulisses.
— Mas você está uma graça nessa roupa. — O homem
sorriu, pressionando a cintura do rapaz. — Entra vai… Você vai
amar.
— Ele disse não — exprimiu Thyra, ao perceber que o
homem continuava com suas mãos no rapaz. — Tire as mãos do
garoto.
Ulisses arregalou seus olhos, pasmo com a presença da
mulher. O homem retirou suas mãos sobre o jovem que seguiu em
direção a outra, com sua expressão apavorante. Thyra respirava
fundo, tentando controlar seu instinto.
— Ele fez algo contigo? —Thyra avaliou Ulisses dos pés à
cabeça.
— Eu não fiz nada!
— Você, calado! — rosnou Thyra, voltando a fitar Ulisses.
— Ele fez?
— Não… não fez. Deixe-o em paz, ele pode fazer alguma
coisa com a gente — murmurou Ulisses, enquanto abaixava sua
roupa, tentando esconder seu corpo nas peças. — Eu estava
resolvendo.
— Fazer algo… com a gente? — A mulher arqueou sua
sobrancelha, soltando uma risada. — Volto em poucos minutos,
fique aqui. — Esboçou um sorriso mínimo para Ulisses.
Ainda envergonhado pela situação, Ulisses ficara parado
próximo ao carro da mulher desconhecida. Seu rosto fervia de
vergonha, principalmente ao ver Thyra se aproximar daquele
homem com tanta fúria. Ulisses percebeu que o outro fitou a cintura
da mulher e ficara apavorado com o que viu, saindo rapidamente do
local.
Vê-la daquele modo o deixou apavorado, mas também
acolhido. Ulisses sempre resolvia suas próprias situações por medo
de Yan precisar assumi-las, mas pela primeira vez alguém fez isso,
protegendo-o da maneira que era necessário.
Depois de alguns minutos, Thyra se aproximou. Ulisses
observou de relance e percebeu que tinha certo volume em sua
cintura, possivelmente uma arma de choque.
— Eu… — começou o rapaz.
— Primeiro de tudo, não precisa se explicar se não quiser.
Segundo, me desculpe se… te assustei. Mas não iria deixar você
com aquele velho — garantiu.
— Tudo bem, muito obrigado, embora eu já fosse cuidar
da situação… não ando em uma fase boa — murmurou Ulisses,
pressionando sua mão contra a testa.
— Eu sei como é, um amigo muito importante
desapareceu e eu não sei o que fazer além de tentar fazer uma boa
ação — desabafou a mulher. — Enfim, você foi… a boa ação do
dia?
— Acho que isso tem acontecido muito, sabe? Pessoas
desaparecendo… O secretário do meu pai sumiu faz oito dias e ele
está tão preocupado que não consigo conversar com ele, tentar
acalmá-lo. Meu pai sempre me ajudou tanto. — Ulisses fitou o chão.
— Me sinto inútil, a família se acostumou com a presença marcante
dele.
Thyra arregalou seus olhos com a fala do garoto, um
pouco chocada com o que estava escutando. A mulher não
aguentou e apontou para ele, exibindo uma expressão incomum.
— É um Serpa? Você… é daquela família Serpa? —
perguntou. — É o mais velho deles, não é? Acho que já vi uma foto
sua! Dante já me falou de você.
— Você conhece o Dante?! Eu sou Ulisses… O que está
na faculdade de moda! — alegou. — O que é dele? Irmã?
— Quase isso. Melhor amiga. — Sorriu. — Thyra Solarin.
É um prazer te conhecer, Ulisses. — E apertou a mão do garoto. —
Seu pai anda ainda preocupado?
— Por favor, não conte a ele que disse isso! — Ulisses
apertou seu pulso. — Ele não consegue admitir o quão apaixonado
está, mesmo que isso seja bem óbvio.
A mulher ficou em silêncio, lembrando-se de como
Fontana falava de Yan e seus filhos, como eles eram difíceis de lidar
e, mesmo assim, Dante amava ir todos os dias em prol da presença
de cada um. Thyra sentiu uma súbita vontade de chorar.
O mutismo desesperador manteve-se entre eles, até a
mulher levantar seu rosto, que antes se encontrava cabisbaixo.
— Hã…Ulisses, você quer carona? — Apontou para seu
carro. — Posso te deixar em casa, mas apenas se quiser, claro.
— Quero sim, acabei entrando no carro desse idiota e
deixei minha moto no YFEMA...
— Entra aí. — A mulher dera um sorriso amistoso.
Antes de entrar no carro, Ulisses parou e fitou a bela
mulher que o ajudou, percebendo quão bela era ela.
— Hã… Thyra — sussurrou, fazendo-a parar sua ação e
fitá-lo. — Não conte sobre o cara mais velho que eu me encontrei,
por favor — pediu. — Para nenhum deles … Eles meio que não
sabem sobre…
— Os “papais” que você fica?
— É — murmurou ele, entrando no carro. — Mais uma
vez, obrigado.
— Não tem problema. — Thyra exibiu um doce sorriso. —
Quase atirei nele, mas está tudo bem!
Percebendo como Thyra era amistosa, Ulisses pressionou
seus lábios e decidiu falar algo impensável.
— Escuta… Você acha que o Dante volta, não é?
E novamente, não houve resposta.

Existiam pessoas estressadas que era o caso de Dante,


também os putos como Antero. E existiam os demônios iguais a Yan
Serpa, por mais que aquele homem carregado de sarcasmo e
sensualidade fosse alguém custoso demais em perder sua
paciência, Fontana conseguiu aquela tarefa…
Yan puto.
Fazia exatos nove dias que ele não o via e oito de seu
desaparecimento, a saudade o culminava, na mesma velocidade
que a preocupação e o ódio. Serpa não conseguia imaginar o que
faria quando o olhasse, talvez bebesse daqueles tão doces lábios
ou gritaria em seu rosto por sua irresponsabilidade. Ele queria vê-lo
e sabia que não estava exigindo muito.
Os Serpas estavam abalados com o desaparecimento,
nada como aquilo tinha passado em suas vidas, alguém sumir a
ponto de você considerar uma morte.
Era 05h30 de quarta, Yan não tinha dormido, apenas com
os pensamentos. Serpa passou todos os dias trabalhando em um
projeto pessoal, mas importante, seus cálculos teriam ultrapassado
todos os outros brinquedos que fizera, nem Merab lhe deu tanto
esforço. A garagem que produzia, estava cheio de fios
emaranhados, baterias e próteses. Yan não estava acostumado a
fazer coisas do gênero, seu foco sempre foi em baterias e carros
sustentáveis.
— Podemos nos arrumar aqui? — Tomás perguntou
sorridente, carregando sua malinha de tom rosa-pastel, alguns
pincéis e um espelho de rosto enquanto usava um laço no cabelo,
ao seu lado estavam Joca e Joana, ambos com seus pentes e
cremes sobre as mãos.
Seu rosto continha mais espinhas devido à puberdade,
mas seu sorrisinho contagiante continuava lá. Yan teria de admitir,
não poderia perder aquelas pessoinhas que lhe faziam tão bem em
dias ruins como aqueles.
Serpa exibiu um sorriso fraco e confirmou com a cabeça.
Não demorou muito para Tomás tomar um pouco de espaço da
garagem e despejar suas maquiagens sobre o balcão. O garoto
pegou um algodão, despejou um pouco de adstringente, passou no
seu rosto e quando terminou, finalizou com um primer. Joana
penteava seu cabelo e o separavam em mechas, enrolando-as em
alguns dedos e amassando no processo, formando cachos
perfeitos.
— Deus do céu, vocês têm uma mania horrenda de
acordar cedo. — Ele sorriu, observando cada ação dos filhos. —
Vocês estão bem?
— A gente que pergunta isso, né? — Joca o fitou,
enquanto fazia algumas tranças em sua franja. — Oito dias.
— Por favor, não vamos tocar nesse assunto — rogou,
fitando o piso da casa. — Não quero descontar minha raiva em
vocês. Vou me arrepender quando recuperar a postura. Eu vou
melhorar, juro.
Os três se encararam, mantendo um silêncio no local. Até
Joana perceber o protótipo que o pai estava construindo.
— Para quem é isso? — perguntou a garota.
— Um conhecido — disse. — Mas está difícil, é a primeira
vez que faço algo do gênero.
— Está usando titânio? — Tomás começara a passar um
corretivo abaixo de seus olhos. — Aço inoxidável? Ligas de cromo
cobalto?
— Tudo isso, junto de esponja. O problema não é a
matéria e sim seu funcionamento — explicou o empresário, bufando.
— Quero que aguente em torno de oitenta quilos e responda em até
0,1 segundos seu dono.
— Seria algo como a Merab? Uma inteligência artificial
mais avançada? — Joana insinuou.
— Talvez… Talvez… — Yan apoiou a mão em sua cabeça
e soltou um suspiro forte. — Não consigo pensar! Inferno! Estou há
mais de uma semana andando em círculos!
— Sabe o que eu não entendo? Você… — Joca começou.
— Se disser que o amo, é castigo. — Yan interrompeu o
garoto, que apenas gargalhou alto com o mau humor do pai. — Eu
não o amo! Estou apenas preocupado, droga — Serpa levantou-se.
— Vamos para a cozinha, alguém pode acordar a Lia?
— Eu vou — apressou-se em dizer Joca.
A voz de Merab surgiu pela casa, alegando a chegada de
Ulisses.
Serpa pressionou sua mão contra o rosto e soltou um
longo suspiro, seguindo para fora da sua oficina sem pensar duas
vezes. Joana e Tomás se encararam, pensando no que poderiam
fazer, mas sabiam que os dois sempre tinham aquele tipo de
discussão.
Ao chegar à cozinha, dera de cara com Ulisses usando
uma saia xadrez branca e um cropped preto sem mangas. Yan
cruzou seus braços e chamou seu filho pelo nome, que se assustou
com a voz grossa e autoritária do pai.
— Eu aceito você chegar nesse horário, sábado, domingo
e até as sextas, mas quarta? Daqui a pouco você terá aula, Ulisses.
Que irresponsabilidade! — resmungou, cruzando seus braços. —
Onde estava com essa roupa? E sua peruca?
— Deixei no carro de um conhecido e é uma lace —
corrigiu o garoto. — O senhor está bem? — perguntou, ignorando o
sermão recebido há poucos minutos.
— E o que tem de errado comigo, Fausto? — grunhiu o
homem. — Está tudo bem! Tudo ótimo! Como se você e essa
pergunta não fosse retórica, não é?
Ulisses arqueou sua sobrancelha, tentando analisar seu
pai o suficiente.
— Eu me importo com você, para um caralho — garantiu o
rapaz. — Só precisava sair e não me sentir um inútil nessa casa,
porque não posso fazer nada além de esperar alguma notícia da
pessoa que você ama aparecer!
Yan arregalou seus olhos, demonstrando vergonha com a
frase de seu filho.
— Retire o que disse — ordenou, colocando sua mão
esquerda sobre a cintura e apontando para Ulisses com a outra.
— Não. — O filho o fitou.
— Ulisses, amar é um sentimento muito forte, retire o que
disse!
— Eu posso até não imaginar, mas sei quando se está
apaixonado por alguém, como é seu caso! — gritou o rapaz. —
Para, por favor, de fingir que está tudo bem contigo! Somos uma
família e você está nos machucando fingindo desse jeito!
— Ulisses, eu…
— Pelo menos uma vez, uma única vez, deixe seu
deboche e todo sarcasmo de lado e admita o que está sentindo para
seus próprios filhos! — grunhiu o garoto, com sua voz já
embargada. — Eu estou com saudade de Dante, porra. — E
começou a chorar. — Por que aquele idiota tinha que desaparecer?!
Eu odeio como essa família está com a falta dele!
Yan seguiu em silêncio em direção ao filho, abraçando-o
em silêncio. O garoto apoiou seu rosto sobre o peitoral do pai. Serpa
pediu desculpas baixinho, seguidas vezes, enquanto sentia os fios
lisos de Ulisses sobre a ponta de seus dedos.
— Você tem razão, eu o amo — afirmou Serpa, beijando a
cabeça de Ulisses. — Mas é muito difícil admitir isso… e você foi
um dos primeiros a saber o motivo, lembra? — sussurrou.
Embora estivesse com total ciência de todos os motivos
para a personalidade de seu pai ser daquela forma, Ulisses não
aguentava vê-lo ocultar seus sentimentos para si. Nem mesmo aos
seus irmãos. O garoto suspirou e sentiu o afago singelo do outro.
— Eu… Eu sei — murmurou, apertando com mais força
Yan. Desejando que Dante fosse voltar, ou melhor, o homem certo.
— Ótimo, isso que importa. Entenda meu lado um
pouquinho, ok? Me desculpe por tentar camuflar meus sentimentos,
filho. — Yan olhou para trás e viu que seus demais filhos encaravam
a cena ao longe, sem pisar na cozinha. — Podem vir, está tudo bem
aqui. — Sorriu Serpa.
Os outros se olharam, mas fora Kali que os empurrou em
direção aos dois. Aos poucos um abraço em grupo estava sendo
feito, fazendo cada um dos Serpas se sentirem acolhidos.
— Me desculpem por estar tão irritado nesses últimos dias
— Yan alegou, arrependido de suas ações. — Vocês sabem que o
pai ama vocês, não sabem? — perguntou Yan.
Os filhos responderam que sim.
— Ótimo, continuem o abraço. — Os demais riram.

— Estou indo. Esperando meu pai acordar — Pietro falara


no telefone, era Tommy. — Preciso pegar a chave da moto. Ele
pegou emprestado… Sim, estou bem, e você? Ele apareceu?
Antero acordou de repente com o barulho da voz de seu
filho ao telefone. A reunião de ex-fuzileiros ontem fora um pouco
cansativa, afinal, lembrar dos seus melhores amigos lhe doeu no
peito. Fazia alguns anos que não os via e nem mesmo conseguia
contato, às vezes sua cabeça cogitava possibilidades impossíveis
de acontecer.
Sargento Antero acabou se aposentando aos quarenta e
oito para cuidar do seu filho. Depois de passar por alguns traumas
que a guerra lhe trouxe e um divórcio conturbado, a única coisa que
restara fora Pietro, mas todo dia rogava a Deus para encontrar seus
antigos amigos. Talvez sua vida se tornasse mais bela,
principalmente se Pietro conhecesse seu outro filho.
— Ele vai aparecer. Aquela muralha aparenta ser difícil de
matar. — Pietro riu ao telefone, mas logo se calou. — Não! Não
estou dizendo que ele está morrendo… não foi isso que quis dizer!
Idiota, o pai do garoto pensou, colocou sua calça jeans e
espreguiçou-se um pouco, levantando-se da cama e seguindo até a
porta. Já fazia uma semana que o homem escutava seu filho com
burburinhos ao telefone, provavelmente estava de caso novo com
alguma garota do novo colégio.
— Precisa se acalmar — o garoto falou. — Hã… Sim, é
pertinho do colégio, são uns dez minutinhos a pé… Não vejo
problema se vir, meu pai trabalha e só volta à noite.
Escutar a conversa do seu filho atrás da porta era algo
certo? Não, de jeito nenhum. Mas Antero estava curioso em
descobrir ao menos o nome da garota e o porquê tanto mistério.
Antero estava se sentindo um idiota com seu ouvido próximo à
porta.
— Você que insinuou algo, sonso. — Pietro exibira um tom
malicioso na voz. — Podemos apenas assistir a um filme também e
ficar rindo dos clichês. O importante é sua companhia. — o garoto
sorriu. — Tommy, vou desligar… também gosto muito de você.
O pai de Pietro prendeu a respiração. Era um garoto… um
garoto! Não que isso fosse ruim… Bom, talvez um pouco pelo fato
de Antero possuir cinquenta e cinco anos e não saber falar
apropriadamente com alguém – ele tentava ser gentil com suas
palavras, tentava –, como conversaria com seu filho de maneira
calma e compressiva?
No momento em que Pietro bateu à porta do pai, o homem
levou um tremendo susto, mas fora rápido o suficiente para seguir
até a cama e cobrir-se por inteiro. O garoto continuou batendo na
porta.
— Pai? Bom dia, preciso pegar as chaves — falou,
enquanto dava pequenas batidas na madeira. — Pai?
— Hum… Pode entrar. — Antero fechou seus olhos e
soltou um pequeno murmúrio.
Pietro abriu a porta e acendeu a luz, o homem cobriu o
lençol até a altura da cabeça, soltando um suspiro, como se tivesse
sido acordado. Estava atuando bem e agradecia por isso.
— Tão velho e preguiçoso. — Pietro gargalhou,
procurando as chaves pelo quarto. — Vai contra todas as diretrizes
de um senhor de idade.
— Estar na casa dos cinquenta não é ser velho, idiota. —
Bufou o homem, forçando sua voz a ficar mais grossa. — As chaves
estão na escrivaninha, cego.
— E o bom humor continua… — Pietro balançou sua
cabeça e encontrou o objeto. — Estou indo, meu velho. Tenha um
bom dia!
— Cuidado. Não esqueça a nota fiscal da moto. — Antero
abaixou um pouco o lençol e olhou para o garoto, que estava
prestes a fechar a porta. — Seu pai te ama. Sabe disso, não sabe?
— Você sempre deixa claro quando me manda ir tomar no
cu — afirmou, rindo da situação. — Também te amo. Até de noite!
O garoto saiu de casa e ligou a moto, mas seu pai ficou
encarando a porta de seu quarto um tanto pensativo. Falar sobre
sexualidade nunca fora o forte de Antero, tampouco falar de sexo.
Como conversaria com Pietro?
Antero enfiou seu rosto sobre o travesseiro e suspirou de
maneira estressada, odiava ser daquele modo, não saber dialogar
bem e demonstrar seu amor de maneira tão arcaica. Ele precisa
mudar… E rápido.

Dia… NOVE!

Três da manhã, os filhos de Yan já dormiam. Enquanto


isso, Serpa produzia mais um de seus projetos, naquele dia a
insônia estaria lhe atacando de maneira forte e repentina. Ele queria
gritar, ligar para a polícia, qualquer coisa, mas queria Dante ali,
ajudando-o e mostrando o quão importante era.
Serpa nunca havia sentido algo tão avassalador. Nem
mesmo com Narciso, que tinha namorado durante seis anos – de
idas e vindas, términos de até um ano, mas sempre voltavam –, mas
no momento que conhecera Dante, os sentimentos que restavam
por seu ex-namorado se foram como lágrimas ao vento.
Podia-se cogitar por algo além de carnal, vinha da alma.
Não conseguia explicar o que e por qual razão sentia. Aquele
arrepio em toda sua espinha a cada beijo dado ou o vício de tocá-lo,
nem que sejam mínimos. Droga… Yan Serpa estava apaixonado.
Fodidamente apaixonado.
Entregue a Dante.
Aquela sensação não era ruim, longe disso, todo aquele
sentimento aparentava ser recíproco e, mesmo a dupla de noivos
postiços sendo menos racional que cães e gatos brigando, Dante
nunca teria feito algum mal a Serpa, bom… Apenas uma
preocupação latente.
Yan seguiu até a sua adega e tirou uma garrafa de vinho,
depois foi até sua prateleira de bebidas e tirou um gin. Colocou
alguns cubos de gelo, limão e morangos na maior taça que tinha,
logo depois despejou ambas as bebidas dentro do recipiente.
Os Serpas dificilmente embriagavam-se… pela primeira
vez, Yan odiou aquilo.
Tomou alguns goles e amou o gosto que invadia sua
língua e garganta. Era forte e azedo, lembrando-o de Dante. O
homem fora até sua sala e observou a bela vista do centro da
cidade, poucas luzes estavam clareando o local, não possuía uma
alma viva em sua rua.
Observou… Observou… Observou. Durante trinta minutos
ele ficou daquele modo, dando alguns goles e admirando a
paisagem urbana.
O sono estava começando a vir e uma dose poderosa de
calmaria surgira como se tivesse injetado uma dose de analgésicos
em seu corpo. Yan cogitou ser culpa da bebida, então decidiu seguir
até seu sofá e se deitar lá, rogando para dormir, algo que sentia falta
de fazer há dois dias.



— Yan! — um grito gutural surgiu fora de sua casa. —
Serpa! Yan!
O homem se sentou em seu sofá e ficou parado, em
choque com o que ouvira. Mais uma vez Dante gritou, era ele!
Estava vivo e chamando seu nome naquela rua escura. Fontana
não o chamara de chefe nem chamou por seus filhos… Ele gritou
por Yan.
— Merab, destranque a porta — Yan ordenou, descendo
as escadas na maior velocidade que conseguia. — Merab!
— As portas já estão destrancadas, senhor Serpa. — A
voz da inteligência artificial ecoou em seus ouvidos.
Grandes lances de escadas foram facilmente vencidos
pela preocupação e ódio que existia em seu corpo. E após descer,
estava em frente à porta, Yan apenas girou a maçaneta e abriu.
Depois de quase dez dias sem vê-lo, Dante estava em sua
frente. Um pouco mais magro, com seu corpo majoritariamente sujo
de sangue, de roupas rasgadas e um corte extenso localizado na
barriga. Serpa quase chorou ao vê-lo naquele estado, mas não
conseguiu depois de presenciar o sorriso de Dante para ele.
— Pensei que nunca mais… veria seu rosto… —
sussurrou, entrando na casa, cambaleante e fraco.
Dante apoiou suas mãos sobre os ombros de Yan e o
olhou. Sua face exibia derrota e cansaço. Aos poucos o ex-
mercenário deixava seu corpo amolecer sobre o outro, exibindo seu
lado medíocre. Não demorou muito para o fuzileiro estar de joelhos
frente ao noivo.
Ambos naquele momento ajoelhados. Yan tocou no rosto
ensanguentado do homem, procurando algum ferimento aparente.
Ao encarar aqueles belos lábios, Serpa acabou beijando-o, Dante
mesmo fraco retribuiu. O gosto de ferro tornou-se aparente no
paladar do outro, mas pouco importava. Fontana estava em seus
braços.
No momento que o casal terminou o beijo, Dante
desmaiou e Yan o agarrou com força, impedindo-o de ferir-se mais
ainda.
— Dante… está vivo. — Serpa sorriu, tirando alguns fios
loiros da testa do amado. Mas, repentinamente, seu sorriso foi
desfeito. — Seu… Filho da puta! Você está vivo!
Algumas pessoas desmaiavam quando entravam em um
momento de grande tensão. Já umas hiperventilavam, mas Yan, em
momentos de extrema raiva e agitação, suava. E não existia alguém
suando tanto quanto o empresário como naquele momento.
Depois do surgimento de seu amado – nesse momento,
não tão amado assim –, e observar seus ferimentos, Yan recorreu à
sua família. Alguns foram acordados pelo pedido desesperado em
cuidar de Dante e seus cortes. Kali fora a primeira a acordar, Ulisses
logo depois, ligando para Kunut, Felícia e Madalena. Ser 04h00 fora
o menor dos problemas, todos partiram para a casa dos Serpas.
Em trinta minutos após a ligação que tivera com Felícia,
Kunut e Madalena, o trio já tinha chegado. Padovani e Kali
procuravam os melhores equipamentos médicos que possuíam.
Todos comprados por Yan, para o bom estudo de Kali e seu desejo
pela medicina.
Yan estava sentado na poltrona, com um ventilador em
seu rosto. O suor escorria por cada parte de seu corpo e, mesmo
usando seu roupão de cetim azul – a vestimenta mais refrescante
possível –, não conseguia parar de suar. Procurava um pouco de
calma, enquanto observava cinco de seus seis filhos montando o
equipamento médico, Madalena e Felícia ajudando os demais na
limpeza e Kunut sentado em uma cadeira próxima, enquanto Kali
retirava seu sangue.
Kali estava orientando Ulisses a como começar o
procedimento de Dante que continuava deitado no sofá,
inconsciente. Os dois aguardavam a montagem da maca que
Madalena fez questão de se encarregar.
— Pai, Joca e Joana estão ainda lá embaixo… Colocando
o carro do senhor na garagem — alegou Lia, próxima à entrada,
arrastando as mochilas sobre o chão. — Eles disseram… Para eu
subir… Com essas coisas… Pesadas, pesadas! — O rosto da
menina já estava vermelho pela força exercida, mostrando uma
mala grande e uma mochila preta com algumas manchas
vermelhas, ela estava de luvas.
— Ah, meu Deus! — murmurou Yan, levantando-se e
seguindo até ela. — Você não abriu, abriu?
— O Joca não deixou. — Lia colocou seus braços para
trás. — E como abre se eu tô morrendo enquanto levo elas?
— Eles não deveriam ter deixado você trazer isso! — O
homem pegou as coisas que a garota estava segurando e seguiu
até a mesa de vidro. Lia o seguiu, pois estava com o que estava na
bolsa?
— Muito, papai! Posso abrir?!
— Pronto! — Madalena gritou, suspirando de cansaço. —
Terminei… de montar essa maca. Já pode… colocar o grandão aqui
— murmurou, entre arfares.
— Também terminei! — Ulisses levantou sua mão,
coletando sangue suficiente da veia de Kunut. A bolsa de sangue do
homem já estava em suas mãos. — Não sei como consegui tirar
sangue do senhor.
— Eu vou ao médico amanhã ter certeza de que não
peguei nenhuma infecção. — Kunut se levantou calmamente, como
se não tivesse perdido meio litro de seu sangue. — Vocês
precisarão de ajuda para colocar Dante na maca?
— A bicha velha aqui vai carregar peso não, são quatro da
manhã — interveio Madalena. — Olha o tamanho dessa Barbie. Isso
fica para trabalho das bolachinhas.
— Deus que me perdoe. — Felícia olhou para o alto. —
Mas esse homem nem meio morto fica feio. Deve ser crime em
algum país ser tão lindo assim.
— Sabia que eu ia comentar isso? — Ulisses apoiou suas
mãos sobre sua cintura. — Eu já estaria todo horroroso na primeira
facada e o corte não precisava ser nem tão profundo.
— A gente sabe o profundo que você gosta. — Madalena
apontou dois dedos em sua boca e riu ao receber um dedo do meio
de Ulisses.
— Gente! Foco aqui! — comentou Kali. — Preciso de
todos aqui, sem exceção. Vamos.
Yan seguiu até a sala para ajudar os demais, Madalena e
Felícia continuaram limpando o pouco de sangue que tinha
manchado o chão de mármore durante o deslocamento de Dante
até o primeiro andar. Lia observou a mochila e a mala que tinha
levado e se aproximou. Se os adultos estavam focando em Dante,
por que não vasculhar aquela mochila tão misteriosa?
— Pode sair de perto dessas coisinhas, mocinha. —
Joana surgiu na porta, junto de Joca. Lia deu um sobressalto e se
afastou. — Senhores, terminamos a perícia no… — Joana se calou
ao ver seis pessoas tentando levantar o homem. — Ajuda?
Joana e Joca usavam máscaras e luvas, o pouco
equipamento oferecido para o treinamento forense dos dois ajudara
bastante no processo de análise do carro, pois, por pedido de
Kunut, os gêmeos investigaram a BMW de Yan. As únicas coisas
que encontraram, fora as mochilas, foram: sangue seco, resíduos de
pólvoras e muitas balas usadas.
Joana fora ajudar Fontana, enquanto Joca seguiu até as
coisas que tinha encontrado e colocou Lia para se sentar ao seu
lado, apenas para observá-lo trabalhar. O garoto estava submerso
naquela situação, sua cabeça girava enquanto procurava coisas
sobre Dante, lembrando a cada segundo da ligação que ele fizera
antes de desaparecer. Enquanto isso, possuía o total de sete
pessoas segurando cada parte do corpo do loiro.
— Quando eu disser três, a gente o levanta — orientou
Kunut, segurando o tronco de Fontana.
E levantaram ao mesmo tempo, Ulisses arregalou seus
olhos ao perceber o peso que possuía e, com muita dificuldade, o
colocaram sobre a maca. Kali e Ulisses soltaram um suspiro calmo
e seguiram até a cozinha, para fazer todos os procedimentos
higiênicos para o processo.
— Joana, vasculhe os bolsos do paciente, tire os objetos
cortantes — ordenou Kali. — Alguém retire os sapatos dele e traga
uma vasilha de álcool e outra de água.
Lia fora até a cozinha e começou a encher a vasilha,
Felícia procurou o álcool em algum compartimento e logo começou
encher uma vasilha também. Yan, ainda aflito, tirou os sapatos de
Dante e sentiu sua pele morna. Joana começou a tatear todos os
bolsos da calça militar que ele usava.
— O estressadinho está com uma temperatura um pouco
mais baixa do que chegou aqui… — Yan engoliu seco. — Kali…
— Pai, pai! Ele ficará bem, eu juro — garantiu, segurando
uma tesoura. — Dante é o meu paciente mais importante, garanto
que nada acontecerá com ele. — As mãos da mulher começaram a
suar, odiava falhar com seu pai. — Agora, terei que cortar a blusa
dele.
— Isso é algo interessante de assistir — comentou
Madalena, ao terminar a limpeza no chão, depois seguiu até a
cozinha para preparar algo para os jovens. — Que Deus me perdoe,
claro.
— Falar o nome dos deuses em vão deve ser crime. —
Kunut bufou. — Yan, saia um pouco de perto e os deixe trabalhar. —
Padovani apertou os ombros do amigo e foram até Madalena,
Ulisses e Felícia na cozinha. — Ele é um homem forte. Vem, vamos
encher o saco dessas velhas.
— Olha como você fala com as travas, seu hétero top. —
Felícia apontou uma concha em direção ao rosto do amigo. — Vou
fazer uma sopa e todos vão ter que comer.
— Para que uma sopa às 04h? — questionou Ulisses.
— Para enfiar no cu, Ulisses.
— Grossa!
Yan soltou um suspiro, mas não desgrudou seus olhos do
que estava acontecendo na sala. Kunut pegou o seu notebook e
colocou no balcão da cozinha, próximo ao amigo, aos olhos de
todos ali, a imagem de Dante ser apenas um secretário não existia
mais.
Kali cortou a blusa de Fontana e dera de cara com uma
placa pesada semelhante a ferro, revestida com borracha,
aparentemente um colete balístico. Ao retirar o objeto com certa
dificuldade, viu vários cortes, cicatrizes e um hematoma na altura do
peito, o mais profundo se encontrava na barriga. A lesão tinha em
torno de um palmo e estava costurada com linha comum, ela
arregalou os olhos.
— Ótimo. Corte na barriga em processo de cicatrização,
mas… ele costurou sozinho? — Kali fitou o irmão, que estava
limpando o braço de Dante para poder começar a transfusão de
sangue. — Ele tem uma ferida nas costas também, mas não parece
nada grave.
— Uou! — Joana gritou em surpresa ao tirar uma seringa,
um frasco de 5ml, uma agulha e linha. — Como… — A garota olhou
para Dante e depois para Yan. — Isso é epinefrina! Só se consegue
em alas hospitalares!
— Por favor, em português — pediu Ulisses.
— Adrenalina injetável — respondeu Joca, ainda estático,
procurando uma maneira de abrir a mala. — Se minha teoria estiver
certa, Dante entrou em um combate corpo a corpo e injetou em si
mesmo para poder prosseguir.
— Não — negou Kali. — Ele injetou epinefrina para poder
costurar sua própria barriga e não sentir tanta dor ou desmaiar. —
Ela começou a cortar a linha de costura. — Pelo visto fez isso há
uma semana, mais ou menos.
— Talvez as duas teorias, ele injetou mais de uma vez no
corpo. — Joana arregalou seus olhos, tirando duas pistolas da
cintura do homem, duas facas afiadas e um isqueiro. — Tem apenas
dois mililitros de epinefrina aqui, logo, usou três vezes.
— Em um período de uma semana? — Ulisses terminou
de montar os equipamentos e Dante já estava recebendo o sangue
de Kunut. — Isso não provoca hemorragia cerebral? Já vi você falar
sobre isso. Não seria melhor levarmos para o hospital?
— Não. Dante pode estar sendo procurado, não é normal
alguém chegar nesse estado na casa do noivo, melhor ele ficar aqui
— alegou Kunut, vasculhando todos os sites de informação
confiáveis. — Estou procurando o nome dele, mas não encontrei
nada, mesmo assim, o deixaremos aqui.
— Concordo em não levá-lo ao hospital. — Joca chamou a
atenção de todos, exibindo um fuzil já montado nas mãos. —
Modelo L96A1! Velocidade de saída 850 m/s, com alcance máximo
do tiro até quatro quilômetros. Uma verdadeira arma de guerra!
Numeração única… fizeram exclusivamente. — O rapaz encarava a
arma como se observasse uma entidade. — Pai, ele não é uma
pessoa normal.
Joca observou aquela arma, algo nostálgico e traumático
remeteu à sua mente. O rapaz ficou encarando por um longo tempo
e Kunut começou a observá-lo em confusão. Aparentemente, o
garoto sabia de algo. Mas decidiu ignorar aquele devaneio,
seguindo até a mochila, que possuía um cadeado, para abri-la.
— Jojo — o irmão a chamou. — Encontrou alguma chave
em algum bolso dele?
— Encontrei um celular. — Joana balançou o telefone. —
Algumas facas, e um chaveiro coberto de… sangue. — A menina
forçou um sorriso. — Estou muito curiosa sobre o Dante. Não
esperava isso dele!
— Deve ser a da mochila. — O rapaz seguiu até a irmã.
Depois de dar pontos no corte e desinfetar todas as
feridas com soro fisiológico, a dupla começou a cobrir os outros
hematomas e cortes, usando grande quantidade de gaze, atadura e
fita microporosa. Por algum milagre, Dante não estava com
hemorragias internas ou mais de um corte profundo, Kali estava
contente em ver que tudo estava dando certo.
Joca observou a face tranquila do homem e o fim da
transfusão de sangue. Ulisses tirou a agulha na veia de Fontana e
colocou uma bolsa de soro, no momento que colocara outra agulha
em sua veia, Dante grunhiu.
— Ele está bem?! — Yan perguntou.
— Não precisa se preocupar — alegou Kali. — Fiz um
pequeno exame e Dante aparentemente está com baixos níveis de
ferro no corpo. Sua língua está esbranquiçada, ele está pálido e
seus olhos contém um tom amarelado. Por conta disso, tive que
injetar ferro endovenoso diluído ao soro, ele pode estar sentindo
certa dor, mas nada de mais.
Madalena, Felícia, Yan e Kunut observaram a excelente
profissional que Kali tinha se tornado, estavam orgulhosos de como
mudaram a vida daquela criança.
— Obrigado, filha. — Serpa sorriu, com sua voz trêmula
pelo choro que ansiava em vir. — Na verdade, obrigado a todos.
Não sei o que faria se não tivesse uma família como vocês.
— Quase cinco da manhã. Ninguém aqui está bêbado,
mas, mesmo assim, eu vou ter que chorar — murmurou Ulisses. —
Então, Kali, ele está bem?
— Creio que sim, mas terei que tirar as demais
vestimentas para confirmar.
— Ah, Deus ouviu minhas preces — gritou Madalena, mas
logo parou ao ver a expressão de Yan e Kunut. — Brincadeira,
gente, apenas uma brincadeira.
Joca continuava vidrado observando todos os
procedimentos que eram dados, ignorando a mochila e a chave que
estava em mãos, mesmo com as respostas a poucos centímetros de
si, não estava conseguindo processar aquilo. Lembrando várias
vezes que seu trabalho precisava ser feito, Joca voltou à realidade.
Kunut começou a pesquisar sobre o nome Fontana, Dante
e seus derivados, a pesquisa estava lhe dando dores de cabeça,
então decidiu checar as últimas notícias do momento e, no meio de
todas elas, possuíra uma notícia que lhe deixou confuso.
— Morte de Virgílio Fortuna? — sussurrou.
— O que tem o Virgílio? — Yan olhou para o amigo.
— Não, eu… — balançou a cabeça. — Espera… Conhece
algum Virgílio?
— O Pit Bull do Dante chama Virgílio — respondeu Joca.
Algo na mente de Kunut ocorreu, transcendendo a um
nível estranho de fatos.
— Merab! Procure tudo sobre Virgílio Fortuna na televisão!
— Kunut gritou. — Você instalou a Merab aqui, não instalou?
— Faz alguns meses, Nut. — Yan o encarou com
obviedade.
— Yan… — Kunut massageou seu rosto. — Se tinha a
Merab aqui, por que não pediu para ela pesquisar sobre o Dante
tipo… uma hora atrás?!
— Não acha que eu estou suando muito para pensar
nesse tipo de coisa?
Merab atendeu ao pedido de Kunut, o teto se abriu e de lá
saíra a televisão. Quando a inteligência artificial ligou o aparelho,
começou a passar por todos os canais, até chegar ao desejado.
— Sim, conseguimos achar o esconderijo de Virgílio, foi
muito difícil, já que sua última aparição ocorreu em Portugal, há
pouco mais de três anos. — O policial falava para a repórter,
estavam ao vivo.
— Tre-três anos… — Yan mordeu seu lábio inferior. — O
que… — E fitou o amado, ainda desmaiado.
— Mas acabou entrando em uma troca de tiros conosco e
veio a óbito, bom… É uma pena, ele deveria pagar por seus crimes
— garantiu o policial. — Mas a justiça divina veio.
— Policial, é verdade que Virgílio Fortuna era o nome
verdadeiro para o mercenário intitulado Cerberus? — perguntou a
repórter.
— Mercenário? — Joana arqueou sua sobrancelha,
incrédula. — Que idiotice! Como sempre a mídia querendo apagar
os verdadeiros heróis! Malditos!
— Então… O Cerberus morreu? — Joca apoiou suas
mãos contra o peito, fitando Fontana por alguns segundos, sua
mente era uma extensa confusão. O garoto não aguentou e
começou a abrir a mochila.
— Sim, ele sempre usava a máscara de um cachorro em
todos seus crimes — respondeu. — Mas a justiça veio, para ele e
todos os governantes corruptos.
A imagem passou e mostrou vários empresários e
governantes algemados, indo em direção às viaturas policiais. Toda
a família estava achando o envolvimento de Cerberus naquilo um
total absurdo e começaram a xingar para a televisão. Cerberus
ajudou a boate… Ajudou Joca! Como podem alegar terrorismo para
aquele que os ajudou?
— Obrigado pelo depoimento, policial Elias — agradeceu
a repórter. — Cláudia, é com você!
Kunut desligou a televisão e fitou Dante, as peças
estavam começando a se encaixar lentamente. Mas ele negava que
aquele simples secretário poderia ser… Cerberus?
— Então o Dante… — Kali também começou a duvidar,
Yan e Lia eram os únicos que não tinham entendido ainda.
Mas de repente, Joca soltou um grito assustado, fazendo
derrubar a cadeira que estava sentado. Em suas mãos continham
uma máscara cor de bronze e olhos amarelados, o rapaz segurava
a máscara de Cerberus, trêmulo e hesitante.
A máscara que estava dentro da mochila de Dante.
Dante Fontana era Cerberus, o herói da boate YFEMA.
Joca apontava para a máscara e o homem desmaiado
sequencialmente, o rapaz estava tão feliz que poderiam jurar que a
qualquer momento ele pularia no corpo de Dante, em simultâneo,
cambaleante e pensativo. Os demais estavam fitando-o com
admiração.
Nem mesmo Kunut tinha palavras para descrever a
descoberta que tinha sido feita ali, sua visão sobre Fontana tornou-
se a mais bela possível e aquele medo de seu amigo se envolver
com alguém sumira por completo. Kali, Ulisses e Joana estavam
contentes em conhecer um pouco mais de Cerberus e desejavam
sua rápida recuperação.
Era inacreditável o quão amado Dante era e nunca esteve
ciente.
— Ok… agora, por que o demônio tem que ficar com o
herói de YFEMA, e eu não? — Madalena quebrou todo o silêncio. —
Uma trava chiquérrima dessa. — E apontou para si.
— Pelo visto o segredo é ser mala. — A outra balançou
sua cabeça negativamente. — As irenes nunca têm vez quando as
Barbies veem uma bolacha. Pena.
— Gente isso é sério — o botânico interveio. —
Precisamos deixá-lo descansar, longe de barulhos e entender isso
tudo logo! Kali, você tem mais alguma coisa para fazer?
— Apenas trocar as bolsas de soro quando essa acabar e
checar algum ferimento em suas pernas — respondeu. — Colocar
em uma cama confortável, essa maca poderá lhe dar algumas
dores.
— O levem até meu quarto e coloquem-no na cama — o
empresário pediu. — Vou olhar se a sopa está pronta.
Joca, Joana, Felícia e Kali seguiram até o quarto do
homem. Madalena e Kunut acompanharam Yan. Entretanto, Ulisses
e Lia andavam furtivamente para o quarto oposto, o de Tomás.
— As bolachinhas vão aonde? — A senhora colocou suas
mãos na cintura.
— Acordar o Ton-ton! — Os dois falaram no mesmo
momento.
— Pois levem uma caixa de som.
— Mada! — Padovani interveio. — Não é assim que se
cuida de crianças!
— Bobagem, desde que os adotamos, esses meninos só
vêm nos dando orgulho. — A mulher desligou o fogo e pegou uma
concha.
— Vocês viram o profissionalismo da Kali? — sussurrou
Serpa para as amigas, pegando os pratos fundos no armário. — Tão
forte, vou dar um presente a ela como gratidão!
— Não teria toda aquela garra se estivesse no lugar dela
— admitiu Kunut. — Todos foram excelentes. Serão ótimos
adultos… — ao perceber o silêncio de Yan, Padovani assustou-se.
— Está tudo bem?
O amigo soltou um suspiro e abraçou a cintura de
Padovani. O homem não se encontrava irado ou nervoso. Serpa
estava apenas cansado e aliviado, mesmo com todas as dúvidas em
seu coração, ter Dante lá, já era um imenso alívio.
— É o Cerberus… — o homem murmurou. — Dante é o
herói da minha vida. — Apertou com força o corpo do amigo. —
Continuo puto com ele, mas o quero em meus braços.
— Normal, irmãozinho. — A senhora entrou no abraço. —
Mas teremos que ter uma abordagem sobre essa descoberta.
Querendo ou não, ele sumiu por dez dias!
— Estou feliz por ele estar aqui e ele ser Cerberus. — Yan
ergueu sua postura. — Entretanto, isso não quer dizer que eu vou
pegar leve quando ele acordar!
"Assassinos não tem filhos”, a voz de Elior ecoava sobre
seus ouvidos, e embora estivesse dormindo, Dante sempre era
afetado por suas terríveis frases. Aquele homem acabou se
tornando o pesadelo frequente na vida do loiro.
“Pessoas quebradas não se casam e muito menos dão
orgulho”.
“Mercenários não se casam!”
Seu corpo começara a suar rapidamente, o tremor
manteve-se frequente e embora desejasse acordar, a voz de Elior
continuava sussurrando as palavras mais perversas que poderia
ouvir.
“Você vai decepcioná-los, Dantezinho”.
No momento que ouvira aquilo, ele acordou.
Levantou metade do seu corpo com extrema rapidez,
fazendo Tomás e Kali darem um sobressalto. Fontana acordou
ofegante e suado, enquanto observava cada detalhe daquele local
desconhecido. Seu corpo continuava doendo, o ar voltava de
maneira escassa para seus pulmões, o loiro nem mesmo percebeu
as crianças que estavam ao seu lado.
— Mãe… — sussurrou Tomás. Sua voz já estava trêmula,
queria pular nos braços do secretário. — Sou eu, Tomás… Você
está bem?
O homem virou seu rosto com rapidez em direção à voz, o
garoto estava assustado com aquela reação, então continuou
parado, rogando pela volta da razão do outro. Dante observou o
garoto dos pés à cabeça, seu ar começou a se igualar e seu
coração desacelerar.
— Você me odeia? — perguntou o homem, medroso com
a resposta.
— Ton-ton, você pode abraçá-lo. Mas tenha… — Kali
começou.
— Dante! — Tomás falou por cima de Kali, pulando em
direção aos braços do loiro, que grunhiu de dor ao sentir o aperto
que sentia com os braços do garoto em volta de seu pescoço. —
Estava te odiando até você acordar!
— Desculpe.
Dante apertou o corpo do garoto e o trouxe mais próximo
para si, mesmo aquilo tudo sendo um sonho, imaginar Tomás falar
frases do tipo fora um amargor em seu peito. Dante queria chorar,
era um abraço mais significativo que da última vez, como se ambos
realmente fossem pai e filho. Kali os observou intensamente,
mantendo as perguntas em sua mente.
— Me desculpe — repetiu Dante. — Eu…
— Está tudo bem. — O garoto já chorava. — Você está
aqui. Um pouco acabadinho, para não ser rude. Mas está aqui. —
Ele riu, afastando-se o suficiente para pegar o copo com água em
cima da cabeceira e entregar ao outro. — Beba tudo, viu?!
— Obrigado. — Fontana bebeu e repetiu algumas doses.
Tomás estava em silêncio, apenas aguardando. — Quanto tempo eu
dormi?
— Apenas um dia — respondeu Kali, sentando-se na
cama. — Dante, hum… Você está bem? Eu tentei fazer os curativos
junto com Ulisses, mas tenho receio de ter feito algo errado. Não
quer ir ao hospital?
— Não. Sem hospital — exclamou Fontana. — Obrigado
pelo cuidado, Kali. Me desculpe em dar algum problema a todos,
não foi minha intenção — disse e forçou um sorriso.
Kali fitou seu irmão por alguns minutos e voltara a olhar
para Fontana.
— Hã… Ton-ton. Pode me dar uns minutinhos a sós com
ele? — perguntou gentilmente, o garoto concordou e saíra do
quarto, fechando a porta. — Dante, foi você quem salvou o Joca?
Fontana soltou um suspiro sôfrego e fitou a garota. Sua
mente trabalhava para lembrar de algo além de cair nos braços de
Yan, mas era impossível. Dante procurou seu celular pelo quarto,
mas não o achou.
— Dante — ela o chamou calmamente. — Respostas.
— Sim, era eu. É por esse motivo que eu o afastava,
minhas características mudaram um pouco de três anos para cá,
mas minha voz não — confirmou o homem. — Não sabia quem era
Yan Serpa antes de trabalhar com ele, tampouco que era o pai do
garoto que salvei.
— Imaginava isso — começou Kali. — Dante, eu gosto
muito de você. Mas gostaria que fosse mais sincero conosco, você
nos desestabilizou muito durante uma semana, essa família já
passou do tempo de ter emoções muito fortes e poder perder Tomás
está sendo a pior delas!
— Não foi minha intenção.
— Então, se explique com todos nós! — ela gritou. —
Droga, Dante! Você nos deu um susto do caramba! Você acha que
não é importante para a gente? O Ulisses chorou! Eu nem lembro
quando foi a última vez que isso ocorreu… — A mulher deixou a voz
morrer aos poucos, o nervosismo e ansiedade fazendo seu corpo
tremular. — Sei que não tenho muito assunto com você, mas sou
um pouco tímida… não sei como falar com pessoas além da minha
família, mas me importo contigo!
O homem se encontrava sem palavras. Ao perceber que
Kali já estava rubra em expelir seus sentimentos, seguiu até a
garota e ergueu os braços, abraçando-a sem desvios. A garota
pressionou sua testa contra o ombro de Dante, sentindo-se segura.
— Me desculpe, Kali — murmurou, ressentido. — Não
poderia me despedir apropriadamente... Eu estava com tanto medo
de... perder tudo que conquistei, que não pude deixar nada um
pouco esclarecido antes.
Kali manteve-se em silêncio, analisando as emoções de
Dante.
— Prometo não vacilar mais contigo... Com nenhum de
vocês — garantiu.
— Então, é melhor você se explicar para os outros.
Principalmente para o pai... Ele está em casa — esclareceu. —
Infelizmente, eu preciso me ajeitar para sair, mas... — Mesmo
cambaleante, Kali decidiu falar. — Dante, por favor, não vacila mais
assim.
— Não vou. — O homem seguiu até a porta e abriu, dando
de cara com Tomás. — Você é meio fofoqueiro — alegou, fitando o
garoto.
— Olha, eu ainda estou muito puto com você! — O
garotinho bufou. — Sabe o quanto fiquei preocupado com seu
sumiço? Me deixar sozinho com meu outro pai e meus irmãos?
Essa casa só não pegou fogo, porque a IA daqui é muito boa.
— Pensei que não estivesse com raiva.
— Foram dez dias… onze se contar com seu coma. — Ele
cruzou os braços. — Ficamos cuidando de ti, seus pesadelos
noturnos foram bem… assustadores.
— Foram mesmo — exclamou Kali. — Cuide dele, Ton-
ton, obrigada por me ajudar. — Beijou a bochecha de seu irmão. —
Só tenha cuidado para não derrubar ele ou eu te mato. — A garota
seguiu até seu quarto, sumindo entre a dupla.
— Seu pai tem alguma blusa que eu possa vestir?
Dante não sabia como chegou até o quarto de Yan, muito
menos o motivo de estar sem camisa e com apenas uma calça
moletom preta. — Vestimenta que não usava quando chegou. —A
única lembrança era de ter concluído sua missão e dirigir até a
frente da casa de Serpa.
O homem estava coberto de ataduras e pontos. Tomás
estava frente a todas as cicatrizes que tinha conseguido durante
esses anos como mercenário, Fontana encontrava-se preocupado
com o que o garotinho pensaria na sua versão mais obscura.
— Tem, mas… — Tomás desviou seu olhar, fitou ao longe
a porta do closet. — Sou proibido de abrir o closet do meu pai.
— Foi a maior idiotice que já escutei. — O homem
arqueou sua sobrancelha, seguindo lentamente até a porta
amadeirada.
— Foi um acordo, ele também não entra no meu. —
Tomás fitou o chão.
— E o que tem demais no seu?
— Hã… — O rosto de Tomás tornou-se tão rubros quanto
tomates. — Coisas.
— Não precisa dizer mais nada — afirmou. — Poderia me
levar até ele?
— Claro… — Tomás forçou um sorriso, estando ciente da
paciência que seu pai estava. — Ele vai te matar. — Os dois
começaram a andar ao encontro de Yan.
— Gostaria de estar com uma blusa quando isso
acontecer — respondeu Dante, saindo devagar do quarto.
— Darei uma blusa minha! — O garoto sorriu. — bom… A
blusa que, na verdade, serve mais como um vestido para mim. —
Tomás seguiu às pressas até seu quarto, mas parou ao ver o loiro
engatinhando. — Eu também não posso entrar no closet dos meus
irmãos.
— Pelo visto, é necessária uma terapia familiar —
sussurrou Dante para si.
Tomás fitou Dante com pena, ao ver os ferimentos do
outro e se sentiu incapaz por não poder tirar todas as dores do
homem. Odiava ver alguém que gostava tanto daquele modo. Dante
seguiu em passos lentos até o quarto do garoto, que era distante de
Yan. Quando entrou, Fontana pouco se admirou ao atravessar a
porta e dar de cara com móveis em tons pastéis. O quarto de Tomás
era o sonho de toda pessoa de espírito animado.
As cortinas eram rosadas com uma bela janela de vidro –
claramente à prova de balas –, sua estante era branca e bastante
alta, contendo muitos livros velhos de física e mecânica básica. O
computador pessoal de Tomás era todo personalizado do seu
jeitinho, o mouse e o fone eram rosas, o teclado brilhava e o
gabinete estava mais parecendo uma máquina de última geração.
Dante estava admirado com o clima do quarto, que nem
percebeu quando Tomás entrou no closet e o fechou, porém, algo
lhe chamou atenção. A escrivaninha do garoto, onde se encontrava
repleta de fotos de sua família, tendo todos seus irmãos junto de
Tomás separadamente em cada foto, Madalena e Felícia, porém,
pouquíssimas com os Serpas, apenas de Yan.
Fontana pegou a foto onde tinha pai e filho, eles estavam
abraçados enquanto erguiam o troféu de ciências do sétimo ano de
Tomás. Primeiro lugar, como projeto inovador. Yan não mudara
quase nada, porém, estava sem barba e mais magro, já Tomás,
tinha aparelhos em seus dentes e o cabelo de tigelinha. Dante sorriu
ao ver todas as fotos, pensando como seria tê-los conhecido
naquela época.
— Achei! — gritou o garoto, exibindo uma blusa tom
mostarda e longa, quase da altura dele. — Eu e Jojo somos fãs da
Lizzo, então cuide muito bem dela, ok?
O homem deixou o quadro no local que achou e pegou a
blusa nas mãos do rapazinho. Era enorme e o loiro agradeceu por
isso, porém, a frase escrita em preto lhe fez arquear sua
sobrancelha, achando-a exagerada. Porém, a vestiu, pouco se
importando de as palavras da camisa serem:
I like, big boy, Itty bitty boy, Mississippi boy and Inner
city.
— Meu Deus! Perfeito. — Tomás gargalhou alto apontado
para a camisa. — O que meus filhos vão dizer se eu tirar uma foto
contigo usando isso?! Não respeitarão o avô carrancudo deles!
Tomás gargalhou até perceber o que tinha dito, cessando
seu riso e exibindo uma expressão envergonhada. Dante arregalou
seus olhos, o clima tornou-se denso, mas emocionante para
Fontana. O loiro não tinha ideia de que Tomás o queria como pai,
sempre considerou um deboche quando o chamava de mãe.
— Nossa!
— En-enfim! — Sua voz estava trêmula. — Te chamar de
mãe está me afetando! Desculpe… Você terá netos, claro! Era isso
que eu queria dizer. Não que… eu sou seu filho. — E fitou o chão.
Entre os dois, não sabia ao certo quem começaria a
chorar.
Provavelmente Dante, feliz em ter algumas crianças
malucas o querendo como pai. Fontana sempre deixou claro o
quanto queria os filhos de Serpa como seus filhos, saber que tal
sentimento era recíproco, pelo menos por Tomás, encheu-o de
esperanças.
Para não deixar o clima estranho, o mais alto bagunçou os
cabelos castanhos de Tomás. Logo depois, Dante dera algumas
batidinhas na testa do garoto, que fez uma careta e colocou as
mãos no local. Ele estava feliz com o simples gesto.
Na verdade, ambos.
— Gostei das fotos. — Dante tentou amenizar o assunto,
pegando o quadro de Tomás criança junto da mulher de cabelos
longos e negros. — Queria ver uma foto com seu pai e você mais
novos… Você não nasceu quando ele tinha dezesseis?
— Si-sim! — O outro soltara uma risada fraca. — Mas não
temos em casa… ou em qualquer lugar!
Dante arqueou sua sobrancelha com a frase do garoto,
mas não perguntou nada, apenas confirmou com a cabeça e
colocou o quadro sobre a escrivaninha novamente. Pois, mesmo
querendo analisar as fotos e se imaginar em cada uma, precisava
ver Yan. Urgentemente
Nesse momento, já fora do quarto, Tomás cerrou seus
punhos e fitou o chão. Estava curioso em perguntar, mas medroso
como seria a reação de Dante. Então, para tirar alguma informação
do homem, decidiu ajudá-lo a caminhar, colocando seu corpo ao
lado do mesmo, segurando sua cintura e colocando o braço de
Fontana em volta de seus ombros.
— Como tu é pesado! — Tomás gargalhou. — Disseram
que quando você chegou, precisaram de umas seis pessoas para te
colocar em uma maca. Quanto você pesa?
— Não lembro. Faz um tempo que parei de importar com
meu peso — garantiu Dante.
— Também queria não me importar com o meu… — O
garoto ficou pensativo. — Mãe, posso fazer duas perguntas? —
Fontana aparentou hesitante, mas, mesmo assim, confirmou. —
Aquilo que disse, sobre eu ser um filho que sempre quis… Era
verdade?
E mais uma vez, a vontade de chorar se tornou presente.
Dante estava mais emotivo e sensível que antes. Desde que
acordou, notou algo de diferente em seu corpo e mente. Como se
um grande peso tivesse saído de seus ombros. Finalmente estava
se sentindo alguém, um cidadão.
— Sim — afirmou. — Tudo que falei era verdade.
— Então… é verdade mesmo que você é o Cerberus?
O homem ficou em silêncio e tentou juntar todas as peças,
mas estava sendo impossível. Como Tomás, um adolescente sem
contato com a parte mais obscura do mundo, soube que a máscara
que Dante trouxe junto dele era do propagador do caos, Cerberus?
A dupla ficou em silêncio e seguiu até a oficina, onde Yan
se encontrava. Tomás pressionou seus lábios um contra o outro e
soltou um suspiro sôfrego, queria respostas, mas estava ciente de
que a pergunta era bastante pessoal e, talvez, até sensível ao
homem. Com isso em mente, decidiu acalmá-lo de alguma forma.
— Tudo que você fez… sejam elas boas ou ruins, estão no
passado para mim — começou Tomás. — Mas saiba que para mim,
você é um herói. Pois naquele dia que ia acontecer a chacina na
boate… se não fosse por você, meu irmão e muitas pessoas teriam
morrido.
Dante nunca tinha visto por aquele lado, ser um herói por
ter feito seu trabalho.
— Minha vida está mais feliz por sua causa e nem nos
conhecíamos! — O sorriso de Tomás era largo e contagiante. — Tio
Nut sempre me falou em destino, mas nunca acreditei. Até conhecer
o herói de YFEMA.
Herói.
Desde quando, Dante Fontana, era um… herói?
— Tomás… Seu pai sabe disso?
— Você vai mesmo fingir ser uma boa pessoa… sério?! —
Yan berrou, enquanto apertava seu celular com força e caminhava
por toda oficina.
— Yan, seja menos irracional, quero apenas ver meu filho
— respondeu a pessoa.
— Você deveria ter pensado nisso doze… doze
aniversários atrás!
— Ele continua sendo meu filho! Quer você queira ou não!
— Vá se foder! Abandonou sem ao menos pensar na
dificuldade que eu passaria e agora vem com esse papo furado de
“ele ainda é meu filho”? — Yan riu. — O garoto não quer contato
contigo, muito menos eu! Na verdade, a única coisa que fez bem
nessa medíocre vida, foi ter dado essa criança para mim.
— Yan…
— Cale a boca — interrompeu.
— Apenas quero acompanhar a adolescência dele. Sei
que errei e fui um ser humano horrível, quero recomeçar.
— Recomeça na casa do caralho! — Yan revirou seus
olhos. — Faz uma ação de caridade, pare de comer carne, vá
entregar sopão aos menos afortunados, sei lá! Mas esquece do meu
filho, a criança está superbem e saudável.
— Eu posso melhorar isso!
— Melhorar a vida de Tomás?! — Yan gargalhou. — Você
é uma das principais pessoas que o fizeram achar que a qualquer
momento será abandonado! Inacreditável essa sua cara de pau.
Quer saber? Adeus!
— Céus, Yan! Me escute!
— Eu disse adeus! — O homem desligou e fitou seu
celular, estava apertando com força, um de seus demônios rogava
em voltar. — Mas era só isso que faltava — ele sussurrou,
pressionando o telefone contra sua testa.
Focado apenas no seu inferno interior, Yan apertou a
borda da mesa e fitou o projeto que havia finalizado. Muitas coisas
estavam ocorrendo em um único mês, seu noivado teria que
aguardar um pouco e com a ligação da pessoa, tudo parecia sair de
controle.
— Pai. — A voz do seu amado Tomás se tornou presente.
— Olha quem acordou.
Yan fitou cada detalhe de Dante, seus curativos, a blusa
que o filho emprestou e a forma como estava andando. Era óbvio
que o homem possuía dificuldades em se manter de pé por esses
dias, mas Serpa se encontrava furioso demais para ajudar em algo
– mais do que já teria feito.
A seriedade continuava transparente em seu rosto, em
nenhum momento ocorrera uma quebra de olhar. Ambos pareciam
travar uma pequena discussão com suas expressões neutras e
ações minuciosas.
— Olá, Cerberus. — Yan inclinou seu quadril para frente e
apoiou seu corpo sobre a mesa de madeira, agarrando-a com força,
lutando contra seus sentimentos. — Como está se sentido?
— Dante — murmurou, tirando seus braços de Tomás e
seguindo sozinho até o sofá, móvel que estava próximo à mesa que
Yan estava apoiado. — Ainda prefiro que você me chame de Dante.
O casal ficou frente a frente, Dante já estava sentado no
sofá e o empresário continuava na mesma posição, mirando seu
olhar em cada detalhe de Fontana, como estava com saudades
daquele idiota. Yan não queria admitir, mas as únicas coisas que o
impediam de avançar sobre o corpo do secretário, era Tomás e a
fúria que sentia.
Tomás sentiu a atmosfera macabra e nojenta que ambos
expeliam e, mesmo curioso com o que tinha acontecido entre eles –
além do sumiço do outro –, decidiu ignorar pelo bem de sua saúde
mental.
— Eu vou me arrumar, logo Natália virá me buscar —
disse o garotinho. — Mãe, você quer algo para comer?
— Esquente a refeição de ontem, filho. Traga daqui a
alguns minutos — falou Yan, sem tirar os olhos. — Deixe-me
conversar com a mamãe. — O homem forçou um sorriso gentil.
— Certo! — O garoto segurou seu riso e deu tapinhas no
ombro de Dante. — Boa sorte… — sussurrou.
Quando o garoto saiu, ambos ficaram em silêncio,
observando cada detalhe. Yan estava vestindo um roupão negro, a
pele do peitoral e de sua perna esquerda estava um pouco exposto
pelo tecido deslizante. Ao olhar para seu peitoral, Dante percebeu
alguns detalhes de uma possível… Tatuagem?
— Eu sou um dos homens mais importantes da minha
geração — começou Yan. — Tenho dois doutorados, já fui indicado
para o prêmio Nobel da Paz pelo meu livro sobre crianças
LGBTQIA+ e sou considerado um revolucionário pelas invenções
autossustentáveis. — O homem fez uma pausa. — Dante, quer
saber o que isso significou nesses últimos dias?
— Sim, Yan.
— Porra nenhuma — respondeu rispidamente. — Belas
palavras, um momento romântico no chão do meu escritório e de
repente sua conta é bloqueada, o telefone mudo e a sua amiga,
Thyra, mente sobre seu paradeiro. Você acha que eu reagiria como?
O silêncio se tornou presente na oficina.
— Foi uma pergunta e não foi nada retórica. — Yan batia
de forma lenta seu celular sobre seus lábios. — Dante, me diga…
Você acha que eu reagiria. Como?
— Preocupado… — Dante curvou sua cabeça. — Talvez.
— Secretário Fontana. — O homem fitou o chão e logo
após o loiro. — Talvez foi tudo que eu não consegui sentir! — gritou.
— Eu, sinceramente, não sei o que passou nessa sua cabeça de
idiota que eu ficaria bem com o sumiço de alguém tão importante
quanto você!
— O quê?!
— Não me venha essa de o quê? — Serpa imitou a voz de
Dante, enquanto fazia uma pose questionável. — Eu perdi uma
semana e meia de trabalho, o total de cem milhões de reais por sua
culpa! E eu estou pouco me fodendo com esse dinheiro perdido,
porque tinha um filho da puta perdido e ferido no mundo, mas eu
não sabia onde ele estava para poder acudir!
O loiro estava de olhos arregalados, apenas observando a
ira do outro.
— Eu, sinceramente, não sei que criação de merda foi
essa que você teve, para achar que não tem ninguém nesse mundo
que te ama e quer vê-lo vivo amanhã. — Yan soltou um suspiro
longo, apertando seu rosto com força. — Quantas vezes tenho que
te dizer que você vale e é importante para poder entender alguma
coisa? Você é burro?! Puta que pariu…
— Yan…
— Eu não terminei! — Yan interrompeu, começando a
andar de um lado para o outro. — Thyra, Liam, Marcel, meus
filhos… Os meus filhos! Estavam preocupados contigo! E você
parece estar pouco se fodendo com isso, o que é muito ofensivo
saber disso! — A voz embargada do homem começou a aparecer.
— Escutei alguns deles chorando baixinho cogitando a sua morte e
céus… Não pude ajudá-los, porque estava chorando no outro
cômodo…
Yan colocou uma mão em sua cintura e outra em seu
rosto, escondendo as lágrimas tímidas deslizando sobre suas
bochechas. Ao ver que Yan estava em silêncio por estar chorando,
Dante sentiu-se culpado e começou a levantar do sofá, ignorando a
dor intensa de seus cortes.
— Eu sou muito idiota. — Serpa riu, amaldiçoando sua
fragilidade. Continuava escondendo seu rosto. — Você, com
certeza, est…
Dante agarrou a mão de Yan, tirando-a de seus olhos. O
loiro a levou até seus lábios e depositou alguns beijos sobre a palma
da mão, seguindo até o braço, estava se aproximando
gradativamente de Serpa, abraçando todo seu corpo. Um arrepio
surgiu na espinha de Fontana, sentia saudade do calor que o
homem emanava.
— Me desculpe — sussurrou Dante. — Não queria fazer
você chorar. De verdade.
— Mas fez! Idiota! — Yan gritou mais uma vez, apoiando
seu rosto sobre o peitoral de Dante. Cada beijo cálido em sua mão
era outro forte arrepio infestando seu corpo. — Por que você sumiu
e não me avisou?! Eu te odeio muito!
— Não queria colocar todos vocês em perigo —
respondeu Dante. Naquele momento, estava beijando a ponta dos
dedos de Serpa. — Sumi, porque tinha que concluir minha última
missão. Estou limpo agora.
— Que porra você é? — Yan empurrou os ombros do
outro, o sentimento de amor e ódio transitava numa estreita linha em
seu coração.
Falar que era um mercenário nunca foi tão difícil e
doloroso. Ter Yan em seus braços e ele estar ciente de que era
Cerberus e de algumas atrocidades que fez quando mais novo,
deixou suas inseguranças aflorarem de maneira absurda.
— Eu não vou esconder mais nada de ti — confessou,
engolindo seco. — Pode perguntar qualquer coisa, mas… Não
afaste seus filhos de mim.
— Então, é melhor você começar a se justificar. — Yan
fitou os lábios de Dante. Mas observara alguns cortes em seu corpo
e cicatrizes. Seus braços eram recheados de cortes, entendendo a
razão do homem sempre esconder seus braços até o pulso. — Qual
dessas marcas você conseguiu quando salvou a boate?
Dante suspirou.
— Nenhuma.
— Por que salvou YFEMA?
— Questão de honra. Estava resolvendo alguns
problemas em Portugal e soube que a boate estava na mira dos
nazistas. Os policiais não iam chegar a tempo, então agi.
— Era você contra cinco homens armados. — Yan desfez
o abraço e começou a andar pela oficina. — É um ex-fuzileiro,
certo? — o homem concordou. — Soldado de elite? — Aquiesceu.
— Cinco homens é um número baixo para ti?
— Depende do preparo deles. Caso sejam tão habilidosos,
demora mais para… Neutralizar. — O homem soltou um suspiro
pesado, voltando a sentar no sofá. — Não é algo que me orgulho.
— “Um simples secretário”, você disse. — Yan riu,
seguindo até a adega particular que tinha na oficina. — “Não tem
nada de interessante em minha vida”, claro… Mas você não
respondeu minha pergunta, então acho melhor repetir. Que porra
você é?
— Um mercenário aposentado. — Dante escutou a risada
debochada de Yan. — Não atuo mais como tal, há três anos e nove
meses.
— Então essa última missão que disse, era para o quê?
Está se contradizendo, Fontana? — O homem pegou uma garrafa
de gin.
— Tive que fazer oito tarefas para limpar meu nome.
Quem me contratou foi um agente especial e ele disse que mataria
Cerberus, o nome que uso para os antigos trabalhos. Tinha
encontrado uma oportunidade de viver tranquilamente. — O coração
de Dante palpitava a cada segundo que Yan permanecia em
silêncio. — Sempre quis ser um cidadão.
— Interessante. — Yan dera um gole direto na garrafa. —
Quanto e de quem você recebeu para proteger minha boate?
— Um maço de cigarros, uma garrafa de vodca e ninguém
pediu. Fiz por conta própria — confessou. — Foi o mais barato de
todos, entretanto, bastante tenso… Você tem alguma notícia das
vítimas?
— Sim, ainda estou pagando uma indenização para as
vítimas. — Serpa seguiu até o sofá. — E o Joca ainda tem a faca
que você deu no dia. Ele é seu fã e quis muito cuidar de ti, quando
soube que era o Cerberus. — O empresário se deitou no sofá,
colocando suas pernas sobre as coxas de Dante. — Ele teve que ir
cedo hoje, mas fale com ele. Joca é o mais chocado de todos.
— Eu preciso falar com ele, pedir desculpas pelas vezes
que fugi dele — murmurou Dante. — Fiquei feliz quando percebi que
a transição dele está mais avançada, foi difícil esse processo?
— Hã… — Yan arregalou seus olhos, surpreso. — Bom,
ele tem tomado os hormônios, já possuí pelos faciais em seu rosto,
o único fato que incomoda é o uso do binder, já que sua
mastectomia poderá ser feita apenas aos vinte e um. Estou
cuidando disso com Mada e Fefe. — O homem dera mais outro
gole. — Ele disse que você foi a primeira pessoa, fora a família, que
o chamou pelo masculino.
— Isso é o mínimo, não é?
— Você… — o homem limpou sua garganta. — Se tornou
o assunto principal entre nós, como é a sensação de conhecer seus
fãs?
— Não tenho fãs, muito menos sou merecedor de ser
considerado herói. — Dante fora um pouco para frente, alisando sua
nuca. — É melhor tirar da cabeça de seus filhos e até mesmo da
sua que salvei alguém.
— Você colocou sua vida em perigo — alegou Yan. —
Podendo morrer junto a eles ou salvá-los, foi arriscado e, mesmo
assim, fez. Se não foi um ato heroico, o que é então?
— Pensei que fosse óbvio. — Dante fitou os orbes negros
do outro. — Queria morrer.
— É, mas não acredito nisso. — Yan estralou sua língua.
— Sua ideia de si mesmo é deturpada!
— Estou sendo realista sobre minhas ações, Yan. O
heroísmo neste mundo não existe, foi por puro egoísmo que agi
daquele modo. — O loiro aumentou sua voz. — Eu ansiava em
morrer — garantiu.
— Não vejo verdade nessa última frase. Continua sendo
um herói aos meus olhos e de todos que estavam na boate. — A
expressão de Serpa era séria. — Diga a verdade, estamos
sozinhos.
— Essa é a verdade.
— Dante. — Yan fechou seus olhos e soltou um suspiro, já
impaciente.
— Estou sendo verdadeiro — omitiu.
— Não está — confirmou. — Apenas um minuto, um
simples minuto. Desfaça do seu orgulho e me diga o verdadeiro
motivo de ter entrado em uma luta que não lhe pertencia.
Irado com a leitura perfeita que Yan tinha feito sobre si e o
pedido que Kali fizera poucos minutos atrás, Dante começara a
mexer sua perna rapidamente, mas logo parou ao sentir uma
fisgada em sua barriga. O homem se encontrava dolorido e com
fome, mas, felizmente, se sentia livre como nunca.
— Tudo bem, tudo bem! — rosnou Dante. — Uma
conhecida foi ameaçada e eu precisava ajudá-la, estava dentro da
boate por mero destino, já que meu foco era fazer outra coisa. Não
tinha nenhum policial para acudir, eu senti que era meu dever
proteger aquelas pessoas e… arrisquei. Nunca tive tanto medo de
morrer como naquele dia.
— Seu nome é Dante Fontana mesmo? Quem te ajudou a
sair desse mundo? — Sua curiosidade o atiçava como chamas. —
Por que entrou nisso? Você usou meu carro para matar aquela
galera?
— Virgílio Fortuna foi o nome que eu e Elias encontramos
para alegar que o Cerberus morreu e não tem nada a ver comigo.
Para todos, Dante Fontana é apenas um ex-fuzileiro que terminou
seus trabalhos anos atrás na guerra no Iraque. — O ar se
dispersava a cada frase. — Eu explodi outro carro para fingir minha
morte, usei o seu como fuga. Elias é um agente especial que me
ajudou a sair desse mundo, ele gostou do meu trabalho. Eu entrei
nisso, porque…
E o ar se perdeu completamente, Dante não conseguiria
explicar por que entrou, pelo menos não naquele momento. O dia da
chuva correu diante dos seus olhos e achou melhor se calar.
— Entendi — Yan o interrompeu, ao observar a expressão
do outro. — Sua vida é… Interessante. — Percebendo que depois
daqui, a conversa poderia ocasionar em um gatilho. O homem
cruzou suas pernas, que continuavam sobre a coxa do loiro.
— Não. Prefiro continuar como estou. — Dante fitou o
horizonte, ignorando as pernas expostas de Yan. Serpa estava o
provocando e isso era nítido, principalmente quando percebeu a
abertura de seu roupão se alastrar para o íntimo. — Seus filhos
continuam em casa. É melhor se comportar.
— Por que você está incomodado com a falta de minhas
vestimentas? — Gargalhou. — Não vai subir nada aí mesmo. Estou
me acostumando com esse fato. — Yan começou a esfregar seu pé
por cima do tecido de Dante, podendo sentir o membro. —
Infelizmente, sentir seu pau faz minha imaginação fluir fodidamente
bem.
Dante revirou seus olhos e agarrou os calcanhares de
Yan, fazendo grunhir de dor pelo movimento rápido feito. Serpa
soltou uma risada ao ver a expressão odiosa do mercenário. Aos
poucos, as coisas voltariam ao seu normal e ambos desejavam isso.
Entretanto, Fontana sentiu algo com o simples toque daquele que
amava. E não fora sua imaginação.
— Então, você voltou. — Dante revirou seus olhos. — Ao
Yan Serpa sem-noção e atrevido. — O homem soltou a perna do
outro, que estava ajeitando seu roupão. — Pensei que estaria com
mais raiva.
— Não, mocinho, eu continuo puto — afirmou, piscando
para ele. — Mas o clima estava tenso demais e eu odeio essa
sensação. Tentei acalmar os ares.
— Brincando com meu pau? — Ele arqueou sua
sobrancelha.
— Tem forma mais interessante de acabar com uma
conversa tensa? Já me masturbei na frente de um cara, só porque
estava entediado com o debate sobre os prótons. — Yan tratou tal
informação como algo normal. — No fim, já estávamos transando na
mesa de jantar.
— Deveria estar surpreso? — Dante parecia irritado.
— Não, mas gostaria que estivesse excitado.
— Aham. E qual é dessa tatuagem aí? — mesmo que
tentasse ignorar, Fontana não parava de fixar seu olhar no peitoral
de Yan, tentando ver todo o desenho.
De repente, batidas foram escutadas à porta. Yan
começou a endireitar sua postura e afastar um pouco do outro,
ajeitou suas vestimentas e mudou sua expressão para uma séria.
Ao ver toda aquela produção, não tinha dúvidas do quão bom pai
ele tentava ser.
— Pode entrar.
Mas fora Natália que abriu a porta, carregando uma jarra
de suco, atrás dela estava Tomás, com uma bandeja carregando a
refeição de Dante. A recepcionista, quando viu o secretário, foi em
passos rápidos até ele.
— Você! — A mulher colocou a jarra entre Yan e Dante e
abraçou o amigo. — Por favor, volte a trabalhar, esse homem vai me
matar — ela sussurrou no ouvido do outro, apertou mais um pouco o
homem, que soltou um gemido. — Ah! Desculpe, desculpe. Eu não
vi seus ferimentos.
— Tudo bem. Eu voltarei em breve, Natália, preciso
apenas descansar e logo ficarei bem o suficiente para atender aos
caprichos dele. — Ele apontou, fazendo Serpa revirar os olhos. —
Como foi?
— Bom… — Natália soltou um riso nervoso, ao ver o CEO
da empresa e seu filho ao lado do loiro. — São pessoas… Intensas.
— Tudo bem, Nat. Eu não irei te despedir por dizer a
verdade. — Yan gargalhou. — Só avise se um deles estiver fazendo
algo contigo, eu darei uns puxões de orelha nele.
— Ei! Eu sou um garotinho perfeito. Fale isso para Ulisses
e Jojo! — afirmou Tomás, entregando a bandeja para Dante, que
começou a comer sem pensar na educação, estava faminto.
— E o diabo é apenas um homem com chifres — retrucou
o pai.
— Bom, já estamos indo. — Natália ergueu sua postura.
— Até mais, senhor Serpa. Dante, melhoras para… Seja lá o que
ocorreu. Vamos, Ton-ton. — O garoto seguiu serelepe a mulher.
— Tchau, papai, mamãe Dante. — O garoto gargalhou,
acenando.
— Ah! — Yan estralou seus dedos, chamando o filho. —
Tomás, sua mãe… Sua mãe ligou. — O garotinho fitou Dante e virou
seu rosto em confusão. — Aquela mãe.
— E? — A expressão de Tomás ficou odiosa, algo que
deixou Dante surpreso. Já era esperada tal reação, mas nada que
fosse tão repentina. — Você sabe minha resposta.
— É, mas eu e seus tios lhe demos educação — afirmou.
— Pode ir.
Tomás saiu em silêncio e deixou uma atmosfera densa no
local. Escutar Yan falar da mãe do garoto fora o suficiente para se
lembrar de cada detalhe do sonho que teve pela manhã, tal
pensamento atiçou todo seu corpo. Não queria deixar Serpa
escapar entre seus dedos.
— A mãe do Tomás, não é? — Dante deslizou sua mão
sobre o tecido de Yan. — Voltaram a se falar esses dias?
— É… — Yan pressionou seus lábios um contra o outro,
fitando a caminhada que a mão do loiro fazia. — Só esqueça isso…
— Os dedos ásperos do outro roçavam sobre a pele morena de
Serpa. — Posso perguntar o que pretende fazer?
— Me deixa ver sua tatuagem — rogou, necessitado.
Mas antes que pudesse pensar sobre a fala, Yan sentiu as
grandes mãos de Dante percorrer seu corpo, enquanto sentia a
aproximação lenta e cálida. Um pequeno arrepio surgiu em cada
local que Serpa estava sendo tocado, mas o ponto esquentou
quando sentiu os lábios de Fontana pressionando sua orelha.
Serpa desfez do roupão na parte de cima, exibindo uma
grande tatuagem abaixo de seu peito, eram ondas do mar
desenhadas perfeitamente, em volta das ondas possuíam em torno
de seis flores com alguns espinhos, cada flor diferente e com cores
distintas, representando seus filhos. Era o desenho mais belo que
Fontana já vira em sua vida e ela estava exposta para si, sobre a
pele já avermelhada de Yan Serpa, o homem que rogava possuir
nesse exato momento.
— Como eu quero te chupar agora. — A voz de Dante se
encontrava manhosa e excitante. Suas mãos apertavam firmemente
cada pedaço de Yan. — E escutar seus gemidos.
Yan soltou um suspiro pesado e sôfrego, sentindo uma
mão sobre suas coxas alvas. A voz de Dante estava tão perto de si,
que podia sentir seu corpo responder por cada palavra dita.
O homem sorriu pelo pedido sublime e não pensou duas
vezes em pular em cima de Dante, colocando suas pernas em cada
lado e rebolando calmamente sobre o colo do outro, os lábios de
Fontana roçaram pela tatuagem, logo após tomar um beijo
necessitado e luxurioso de Yan.
— Então faça por onde — respondeu, soltando uma
risada.
Dante soltou um gemido sôfrego de dor, mas isso não o
impediu de tirar o roupão de Yan, exibindo sua ereção e as roupas
finas. Seus lábios dificilmente eram desgrudados, a fome não
parecia acabar. Muito pelo contrário. Era possível observar cada
detalhe do peitoral de Serpa, desde a bela tatuagem colorida um
pouco abaixo de seus mamilos, até a cicatriz reta que tinha, entre a
virilha e a barriga.
— Tudo bem fazer esse esforço? — perguntou Yan,
soltando alguns suspiros pesados pela excitação que sentia. Cada
remexer de seu corpo sobre o colo do outro conseguia sentir a
fricção sobre ele. — Não precisa fazer isso, você ainda é… Sabe…
— Eu sou impotente, Yan, e estou machucado — alegou,
rodando seu dedo sobre o mamilo do outro, percebendo-o
endurecer a mais toques. — Mas isso não vai tirar de mim o gosto
de te ver tão manhoso.
— Aproveite mesmo, noivo. — Yan levantou sua blusa,
colocando a mão de Dante para apertar seu busto fora do tecido. —
No dia que você estiver de quatro, duvido ver esse comportamento
comigo.
Dante seguiu até o peitoral do outro e dera toda sua
devida atenção ao direito, mordiscando, chupando e roçando sua
língua contra aquele local, não demorou muito para o loiro escutar
gemidos baixos. Yan estava abraçando-o calmamente, rogando que
tardasse e desse toda a atenção devida.
— Só… Não… Olha para a cicatriz — sussurrou Yan em
seu ouvido.
— Oh, você tem vergonha de algo? — Dante levantou seu
olhar, com sua boca ainda sobre o peito de Serpa, a ação
continuava, porém, mais intensa.
— Dante… Cale a boca! — gemeu o homem.
Internamente, Fontana estava feliz ao descobrir uma zona
erógena de Yan e vê-lo se contorcer a cada pressão exercida ou
mordida mais forte era excitante, principalmente ao sentir o membro
ereto de Yan contra seu corpo.
O homem desgrudou sua atenção de seu peitoral e
segurou a cintura do amado, colocando-o deitado no sofá, debaixo
dele. Depois de outro gemido de dor, Dante seguiu sem pressa até o
íntimo de Serpa, algo adormecido em seu interior estava lhe dizendo
os locais que o dariam prazer, um deles era um longo e demorado
beijo em seu abdômen, próximo ao umbigo.
Fontana beijou, lambeu e mordiscou o local. Observou o
outro levantar a sua lombar seguidamente, os gemidos se tornavam
mais altos que o costume, o que fazia Dante imergir aos poucos em
um mar de tons arroxeados, a nostalgia voltava ferreamente em sua
mente, a sensação de tomar, mesmo que seja um pouco de Yan
sobre sua boca, estava despertando algo.
Não apenas desejos carnais de querer foder e ser fodido
por Serpa, consecutivas vezes. Mas de querer tê-lo, dividir vivências
e situações cotidianas, não como um secretário ou noivo postiço,
mas como marido de Yan.
Dante Fontana Serpa
Os pensamentos bons e ruins se misturaram de maneira
rápida, o egoísmo de não compartilhar romanticamente Yan com
alguém fez com que arrancasse a fina roupa do outro, deixando o
membro exposto. Dante observou cada detalhe, desde a cabeça
inchada vazando pré-gozo, do tamanho surpreendente, até o
inchaço causado pela excitação.
O loiro se encontrava faminto e salivando.
— Vou ter dores de garganta. — Fontana agarrou o pênis
e cobriu a ponta com sua mão, pôde sentir cada vez o líquido vazar
sobre o local. — Mas eu não esperava algo diferente de você.
E antes que Yan conseguisse formular uma de suas
excêntricas frases, o loiro engoliu o membro do outro, fazendo-o
soltar um grunhido rouco e palavras desconexas. A boca do outro
era quente, ele fazia questão de sugar com força seu pau e a cada
vai e vem feito, o mais velho via algumas estrelas sobre o teto de
sua oficina.
A saliva do secretário já estava misturada com o gozo do
empresário. Os movimentos começaram rápidos e estimulantes,
todo o íntimo daquele que recebia, encontrava-se molhado. Dante
começou a engoli-lo por completo.
E uma segunda fora feita.
Terceira.
E na quarta, Yan forçou a cabeça do homem para mais
perto, mas o loiro impediu e escutou um grunhido descontente do
mais velho. Foi nesse momento, que Fontana seguiu até outros
locais, beijando e chupando as bolas de Yan, que começou a
tremular com tal ação. Dante usou a mão direita e começou a subir
com rapidez, enquanto o membro do outro continuava em sua boca.
— Desgraçado… — Coberto de paixão e excitação, Yan
começara a afastar o rosto do loiro. — Espera…
Ao perceber que o homem gozaria, Dante acelerou seus
movimentos e forçou sua garganta até o fim. As pernas de Serpa
tremulavam, seu corpo arqueou para mais perto do outro, enquanto
entrelaçava seus dedos sobre os fios lisos do amado. Yan gritou de
excitação, ainda trêmulo e ofegante.
Por certo momento, Fontana teve a certeza de que seu
membro reagiu a algo.
Serpa passou alguns minutos preso naquela nuvem de
prazer, o mercenário deixou o homem se deitar confortavelmente,
enquanto pegava o gin e dava alguns goles. A sensação excitante
ainda rondava seu corpo, com certeza teria de ir para sua sexóloga
falar sobre os últimos acontecimentos.
— Espero que você tenha cuspido antes de tomar esse
gin. — Depois de cinco minutos, Yan desembuchou. — Se tiver
tomado gin com isso, você não pode falar nada sobre meu paladar.
Você tem uma língua meio morta, hein… — Gargalhou.
— Hã?… E não cuspi. Na verdade, eu gosto. — O homem
dera outro gole, sem tirar seus olhos sobre o corpo de Yan. — Estou
com inveja do seu orgasmo.
— Por que não tem um?
— Porque quando eu os tinha não demoravam tanto. —
Ele revirou seus olhos. — Atrevido.
— Idiota. — Serpa tirou a garrafa das mãos do homem e
engatinhou até o corpo frágil. — Obrigado. — Yan depositou um
beijo rápido sobre os lábios. — Mas você nem sentiu nada. — Dante
dá um pequeno sobressalto ao sentir a mão de Yan sobre seu
membro, enchendo sua mão sobre o tecido.
— Já disse que tudo bem — respondeu, desvencilhando
do toque.
— Na próxima vez eu quero fazer um beijo grego em você
— disse, tranquilamente. — É pedir muito?
— Se meu pau funcionar até lá, eu aceito. — E de novo se
beijaram.
Mas o beijo foi interrompido pelo começo da gargalhada
do casal.

Depois de uma discussão, esclarecimento de alguns


ocorridos e um oral impecável que faria Yan se excitar toda vez que
lembrava, os homens naquele momento estavam agindo
naturalmente. Fontana terminava seu terceiro prato de comida e
Serpa seguia relaxado dando pequenos acabamentos no projeto
que tinha feito.
O homem checou o relógio pela quinta vez em menos de
vinte minutos, estava animado para exibir tal objeto para Dante e
seus amigos. Pois, depois que aliviaram um pouco das tensões, o
secretário ligou para Thyra, chamando-os para uma conversa e a
partida do loiro para casa.
— Próxima semana você acha que estará melhor desses
ferimentos? — perguntou, ainda cobrindo seu corpo sobre o projeto.
— Já viu vaso ruim quebrar? — O homem tossiu, logo
depois limpou sua garganta. — Considero que sim, mas verei no
dia… O que pensa em fazer?
— Piquenique com os Serpas. — Revirou seus olhos. —
Eles querem vê-lo jogar. Leve seus amigos, acho que eles vão
querer descansar um pouco também.
Thyra, Liam e Marcel estavam cuidando de todos os
preparativos da mudança de Dante e o trio. Na ligação, o loiro
percebeu o barulho estrondoso de construção e móveis sendo
movidos. Um caos mental para quem precisava de descanso.
— Sem problemas. — Dante colocou seu prato no chão da
oficina e espreguiçou-se no sofá. Não demorou muito para o homem
tossir e soltar um gemido de dor, logo depois.
— Por que não vamos ao hospital? Você tem plano de
saúde?
— Expliquei para Kali que não. Sempre foram os três que
cuidavam dos meus ferimentos. E se eu for, o batalhão vai ficar
ciente e vir me perguntar que porra eu andei fazendo. Eu nunca…
Sempre fui temperamental, então vão, com certeza, investigar
minhas dores. — Tossiu. — E essa tosse é culpa do seu pau —
justificou.
— Você quem quis chupar — rebateu. — É alérgico a…
sêmen?
— Pobre senhor Serpa, criatura imaculada que foi
instigado por um lobo selvagem! — Sua voz carregava deboche. —
Não sou alérgico, é só que eu forço muito na garganta profunda e…
— Dante colocou as mãos sobre o rosto e suspirou. — Por que
estamos conversando sobre isso?
— Um dia, deveríamos nos sentar e conversar sobre
nossos fetiches enquanto bebemos gin — ironizou o mais velho.
— Aí você acordou, né.
Antes que pudessem trocar mais algumas provocações, a
campainha da casa fora tocada e Merab avisara que tinha três
pessoas em frente ao portão. O homem os viu pela câmera e soltou
uma risada com o estado de ambos, suas roupas estavam
manchadas de tinta.
Yan mandou sua inteligência artificial guiá-los até o
laboratório, onde estavam, mas aparentemente Merab falar com os
três estava assustando Marcel, que resmungava a cada ordem de
virar à esquerda ou direita. A mansão de Serpa era muito grande e
sempre era necessário dar pequenas informações sobre alguns
cômodos esquecíveis para os próprios donos do local.
Depois de cinco minutos escutando os gritos de Thyra
sobre os dois marmanjos, eles encontraram no local que o casal
estava. Ao abrirem a porta, Marcel correu para o sofá que o loiro
estava, Liam fez o mesmo. A mulher cobriu seu rosto, com vergonha
deles.
— Filho da puta irresponsável! — gritou Marcel, pulando
no sofá, tirando o conforto de Dante, deixando-o sentado. — Por
que não mandou o código? Sempre fazia isso nas outras vezes! —
Ele se sentou no sofá.
— Essa foi pior que todas as outras. Tive que injetar doses
de epinefrina para continuar. — Os três fizeram uma careta
angustiante. — O sequestro da última vez foi quase brincadeira de
criança.
— Imaginamos. Você sempre avisa de alguma forma. —
Thyra seguiu até o homem e o abraçou por trás, passando seus
braços sobre o ombro machucado. — Se você sumir de novo
assim… Eu te faço de minha putinha — sussurrou.
— Pensava que já era — respondeu em tom sério.
Thyra segurou sua gargalhada, mas fora impossível
depois de alguns segundos.
— Estava com saudades disso — confessou ela,
depositando alguns beijos sobre o rosto de Dante.
— Tinha que ver o quanto ela chorou — revelou Liam. —
Teve dias que estávamos fazendo algo e de repente ela soltava o
berreiro e dizia: “o Dante morreu”.
Marcelo ia dizer algo que fosse expor à amiga, mas Thyra
impediu, empurrando a cabeça do homem de olhos azuis e puxando
a orelha do dono do sorriso mais lindo daquele quarteto.
— Ela não foi a única — murmurou Yan para si, enquanto
organizava seu projeto. — Sei que precisam colocar a conversa em
dia, porém, gostaria de exibir um brinquedinho aqui. — Apontou
para o objeto revestido por um pano esbranquiçado. — Oi, Thyra
querida. Finalmente a vi pessoalmente.
— Digo o mesmo, Yan. — Ela riu, piscando para ele.
O trio de homens observou a aproximação dos dois e
ficaram curiosos do que tinha ocorrido, pois para eles, Yan e Thyra
nunca tinham trocado palavras. Por um instinto protetor, o trio
sempre ficava receoso com quem a mulher conhecia, pois estava
ciente do quão sensível ela poderia ser ao conhecer novos homens.
— Esse brinquedo… Seria? — Marcel olhou curioso.
Yan se aproximou o suficiente para fitar cada um à sua
frente. O homem apertou suas mãos e soltou um sorriso orgulhoso,
mas, ao mesmo tempo, receoso, já que sabia o gatilho que poderia
ativar.
— Bom, Marcel… é algo para ti — confessou. — Desde
que… Eu apertei sua mão lá no parque, aquilo não saiu da minha
cabeça um único minuto. A sua prótese parecia lhe dificultar em
alguns movimentos.
— Dificulta — ele o interrompeu. — Ela é uma merda para
fazer qualquer coisa e não pode ter muito atrito com a água, mas foi
a única coisa que o exército conseguiu pagar. E eu não quero falar
sobre a falta de empatia que eles tiveram com a depressão, nem
mesmo pagaram um psiquiatra ou os remédios.
— Você… Tem?
— Ele tinha — esclareceu Dante, estava acanhado com
aquela conversa. — Agora está bem.
— Mas, senhor Serpa, sem querermos ser invasivos… —
Liam tomou à frente. — O que fez?
— Nesses dez dias que o meu secretário foi fazer… Deus
sabe o que… — Yan seguiu até a mesa, tirando o pano branco que
estava revestindo-o. — Fiz uma mão biônica para você, Marcelo.
Em todos os dias de suas movimentadas vidas, o quarteto
sempre possuía uma frase, mas nem mesmo Marcel e Liam
conseguiam formular algo para dizer ao bilionário tão filantropo à
frente deles. Era inacreditável ver uma mão em perfeito estado de
tom prateado e nuances negras lá, aguardando o homem.
— Meu Deus… — Thyra fitou o loiro. — Esse homem é
louquinho por você! — sussurrou.
— Bobagem. — Dante não conseguia acreditar no objeto
que nunca conseguiu comprar para Marcel, diante dos seus olhos.
Depois daquilo, tudo que fizesse para Yan parecia pouco. — Eu…
— Não posso garantir que ela está em seu mais perfeito
estado de funcionamento — confessou Yan. — Afinal, eu não sou
um cientista que faz próteses, mas arrisquei, conversei com alguns
amigos da área e eles me ajudaram a fazer essa mão. Então,
Marcelo, você poderia sentar aqui e tirar sua blusa?
Os olhos azulados do outro pareciam inertes com tal ação
de Yan. Seus olhinhos brilhavam de felicidade e satisfação. Serpa
gastou quase um milhão de reais para a produção da mão, apenas
por amar Dante Fontana.
— É essa sensação de ter um sugar daddy? — Marcelo
caminhou até a mesa, enquanto retirava sua blusa. — E por que eu
tenho que tirar a blusa mesmo?
— Preciso ver como seu corpo reagirá… Eu nunca tive um
sugar. — Yan alcançando álcool e toalha. — Talvez porque eu seja
ele.
— Com certeza você é! — A voz do homem saiu alta e
animada, mas fora cessada pelos olhares de Dante e Thyra. —
Quer dizer… Você é um cara legal… E rico.
Ser chamado de sugar daddy pelos amigos do cara que
gosto… Posso conviver com isso, pensou Yan, soltando uma risada
triunfante.
Não demorou muito para Marcel estar sentado à mesa de
ferro, onde Yan fazia seus trabalhos, o corpo do homem era
diferente de Dante, menos robusto e possuía pouca definição na
barriga. O homem sempre odiou exercícios físicos, ao contrário dos
amantes de academia.
— Posso tirar? — O homem apontou para a prótese e ao
ver Yan concordar, retirou.
Nesse momento, Dante abaixou seu rosto, negando-se a
ver o coto de Marcel. Um sentimento de culpa rodou todo seu corpo
e era sempre assim quando se tratava da mão que fora decepada.
Mesmo Thyra e Liam o confortando, a única coisa que queria fazer
era sumir dali. A antiga prótese possuía várias faixas segurando
firmemente, Serpa ajudou a tirar do corpo de Marcelo.
O mais velho despejou uma grande quantidade de álcool
no pano e passou por toda a extremidade do braço esquerdo de
Marcel, o frio junto com o toque delicado de Serpa o fez estremecer.
Aos poucos, entendia o motivo de Dante amá-lo, Yan intimidava
qualquer um – tanto que estava intimidando Marcel –, mas, ao
mesmo tempo, era delicado e doce, como o toque.
— Então… — Serpa pegou a prótese e a limpou. E no
momento que ligou a máquina, sentiu a atração que o objeto fazia
com o corpo do dono. — Você é hétero? — ele perguntou, sem se
importar com a própria frase.
— Sim — afirmou. — Gosto de mulheres!
— Liam é mulher agora? — Thyra soltou, entendendo a
estratégia do empresário.
Liam a cutucou.
— Aquilo foi apenas uma vez! — afirmou. — Eu estava
bêbado.
— Ah… Essa história eu quero ouvir. — Yan pressionou
seus lábios, lembrando-se da cena minutos atrás. — Então, você já
beijou o Dante? Gostou? — Yan ergueu o braço esquerdo de
Marcel, enquanto apoiava sua mão direita sobre a espinha.
— Eu não be… — sem pensar suas vezes, o homem
sentira uma corrente elétrica forte se alastrar pelo seu coto, a
prótese fora colocada repentinamente. — Caralho!
Serpa observou cada detalhe de como o corpo de Marcel
tinha reagido e o resultado foi muito positivo, pois o homem apenas
se arrepiou por inteiro e uma vermelhidão excessiva tomou sua pele
leitosa.
Aos poucos, o homem começava a mexer e demorou um
tempo até conseguir tal feito com tranquilidade, sentindo a mão
como se sempre estivesse lá e nunca tivesse sido perdida. Dante
observava aquilo com ternura, Thyra e Liam já estavam de olhos
imersos por água, fitando cada momento e gravando em sua
memória.
O empresário se sentia orgulhoso com o projeto, ao vê-lo
funcionar perfeitamente e responder cada ação de Marcel sem
demora, era assim que Yan desejava. E ao entregar algumas coisas
para o rapaz, ele conseguia fazer tudo com êxito, desde rodar um
chaveiro nos dedos, até digitar pelo celular.
A maneira que fazia tais ações continuava desengonçada,
mas já era um grande avanço como ele era respondido.
— Essa é a mão biônica mais avançada que o mundo tem.
Seria uma prótese de cobalto, mas então… Decidi dar o toque “Yan
Serpa” — esclareceu o empresário. — Todo o chassi interno é
revestido em plástico, carbono e alumínio. Ela é a prova d'água e
usei nanomotores para evitar barulhos.
O grupo o olhou um pouco confuso, embora Marcel
estivesse muito feliz para considerar aquela fala de grande
estranheza.
— Claro que usei uma versão beta da Merab dentro do
sistema do braço que ajuda a dar o resultado melhor ao captar os
micromovimentos. Se aproveitando da sensação de membro
fantasma, fará o seu braço agir de forma mais intuitiva. — Yan se
manteve em silêncio por alguns segundos. — Possuem cinco
baterias com cinco mil amperes cada. Você terá que recarregar na
tomada a cada duas semanas. Esse é o único defeito dela.
Dante podia jurar que Yan estava falando em alemão.
— Você chama isso de defeito?! — gritou Marcel,
animado, cerrando seus punhos, fazendo o braço esquerdo
responder com tanta rapidez quanto o direito. — Yan! Céus! Como
eu posso te agradecer? Isso é incrível! Você é incrível!
— Nada de mais, fiz porque quis. — Yan dera de ombro,
escondendo sua timidez de ser elogiado. — A palma de sua mão é
revestida de silicone para maior aderência, então não se preocupe
em tocar nas pessoas com ela. Ela aguenta até oitenta quilos. Só
não testei se é resistente a balas… Não deve ser muito para um
mercenário.
— O quê? — Marcel o encarou confuso.
— Yan acha que vocês são mercenários iguais a mim —
esclareceu o loiro, voltando a tossir fortemente. — Não tivemos essa
conversa mais profunda.
— É, mas essa semana vocês terão uma ótima conversa
sobre tudo. — Thyra piscou para o amigo. — Terá que descansar
aqui com o senhor Serpa. Se ele autorizar, claro.
— E por quê? — A tosse veio novamente, mesmo
limpando sua garganta. — Inferno. — O loiro colocou sua mão sobre
a garganta. — Por que não posso voltar para casa? O barulho não
incomodará.
— Estamos pintando, o cheiro é forte, está tudo um caos e
você precisa descansar! — explicou William. — Sem falar no
barulho e tem alguns pedreiros rebocando as paredes novamente.
— E a gente comprou móveis novos, com o dinheiro do
Yan — soltou Marcelo, enquanto pegava qualquer objeto com a
nova prótese.
Em menos de trinta minutos, Marcel tinha exposto seus
amigos, Yan começou a se perguntar como eles o aguentavam sem
pelo menos arremessar algo em sua cabeça.
— Claro que ele pode dormir aqui. O tempo que quiser. —
A imaginação do outro vagou por três atmosferas diferentes. — Só
não entendi por que vocês estão se mudando. Dante não está
limpo?
O loiro ia falar algo, mas é interrompido por outra tosse.
— Por conta… — Thyra observou a estranha ação de
Dante sobre sua garganta e depois as vestimentas finas que Yan
usava. — Por conta de proteção, apenas. Temos que ser vigilantes,
Cerberus tem muitos inimigos, ao contrário de Dante Fontana. Mas
tenho a certeza de que nada ocorrerá.
— Não sabemos ao certo — interveio Liam, fitando o
empresário. — Elias está vindo para o país na próxima semana. Ele
dirá se tiver alguma ameaça iminente. Tenha a certeza de que o
protegeremos caso ocorra.
— É só ninguém mexer com a minha família. Caso algo
ocorra, os protejam. — Yan dera de ombro. — Deixarei bem claro
aqui, caso algo ocorra… Saibam que eu não sou feito de porcelana!
— Os pais gostam muito de encher suas bocas e dizer
“não ligo de ter um filho LGBT+” e querem elogios aos montes,
como se não fosse o maior dos esforços. Desculpem-me, de mim
vocês não terão elogio nenhum — respondeu Yan. — Afinal, é o
mínimo como parente não ir contra a essência da pessoa.
— Não entendo, Yan. — O apresentador exibia uma
expressão confusa. — Está dizendo que apenas o modo de sua
criação está correto?
Antero assistia uma entrevista de Yan Serpa em seu
notebook. O homem era um grande empresário, bissexual e uma
grande voz das minorias. A entrevista em específico tinha como
tema a dificuldade de ter um filho LGBT+. E Antero passava dias
escutando sobre alguns da tal comunidade, com intuito de entender
Pietro – e o namorado que talvez tivesse.
Serpa usava uma jaqueta de couro sintético, seus sapatos
possuíam detalhes em dourado e um relógio Ferrari Carbono Herren
Chronograph, o homem estava sentado no sofá negro, ao seu lado
o entrevistador em uma cadeira giratória e um balcão exibindo o
nome do programa: Rasgando diálogo com Raimundo Nonato.
Mas o empresário não parecia muito contente naquele
local.
— Primeiramente, para você, é senhor Serpa. — Exibiu
uma risada debochada. — Segundo, não sei se minha criação é
certa, mas a considero melhor do que muitos pais falsos apoiadores.
Ter um filho já não é fácil. Agora, ter um filho LGBT+ é mais
complicado, não por ele, mas temos que ensinar desde pequenos
como lidar com os preconceitos dos outros.
— Você acha que o mundo anda muito… Como vocês
dizem, LGBTfóbico? — perguntou Raimundo, soltando uma risada e
organizando os papéis em mão.
— Se está perguntando, então ainda existe. — Yan tocou
em seu pescoço, exibindo o reluzente relógio. — Por exemplo,
alguns dos meus filhos homens exibem… Como o patriarcado
insiste em dizer, feminilidade. Dois deles são cis gênero, mas se
expressam de maneira mais feminina, fugindo dos padrões
masculinos impostos. Eu tenho que prepará-los para lidar com o
preconceito daqueles que não se libertam e explicar que a culpa não
é deles. O trabalho é dobrado quando um deles é transexual e
negro, mas meus irmãos, Madalena, Felícia e Kunut, me ajudam
muito nessa trajetória. Então, respondendo-o, existe sim.
— Com essas palavras difíceis, vai demorar a
entendermos. — Raimundo soltou outra piada, e o público riu. —
Sobre seus filhos… Apenas Tomás Serpa e Ulisses Serpa têm seus
devidos destaques e os demais? Por que não os quis exibir?
Os burburinhos surgiram.
— Está equivocado. O fato de a grande mídia não os
conhecer é porque eles decidiram isso. Tomás e Ulisses decidiram
fazer uma sessão de fotos juntos a pedido da Gucci e… Deu no que
deu! — Bufou. — Após isso, eles decidiram não aparecer mais
perante a mídia, mas seus nomes já estavam conhecidos. Meus
demais filhos evitam holofotes, e eu respeito a decisão.
— Você teve dificuldades em cuidar dos seus filhos
adotivos? — O homem ignorou toda a explicação de Serpa.
Yan fechou seus olhos e inspirou com força o ar do
ambiente.
— Reformule a frase — ordenou.
E Antero começou a dar risada com a expressão do
entrevistador. Admirado como o empresário não tinha problemas em
ser ácido, mesmo o jornalista sendo um dos mais conhecidos do
país.
— O quê?! — perguntou Raimundo, perplexo.
— Filhos, não tem essa de adotivos e eu odeio quando
são taxados assim. — Yan fez aspas com a mão. — Reformule a
frase e continuaremos com as perguntas.
De repente, alguém abrira a porta, era Pietro conversando
bastante animado em seu celular. Provavelmente seria com o
mesmo garoto dos dias anteriores, seu filho parecia bem, mesmo
tendo muitos problemas de autoestima. Antero se encontrava mais
curioso que nunca.
O pai decidiu apagar seu histórico de navegação,
possuindo muitos links de livros, documentários e dicas sobre como
cuidar de filhos LGBT+ ou sobre a comunidade. Não seria a primeira
vez que descobria a sexualidade de alguém e tentava entender,
porém, dessa vez, era um adolescente em fase de descoberta.
— Então voltou? Machucado? — A voz do filho estava
animada. — Espera, Tommy, conta direitinho… Hum… Sim…
Hum… Eu sabia! Minha intuição nunca falha!
Antero podia confirmar. Por ser um varakiano, Pietro
sempre possuiu um sexto sentido aflorado. Provavelmente herdado
de sua mãe de mesma nacionalidade. Na fila de adoção, fora
avisado que Pietro conseguia analisar a índole de qualquer pessoa,
uma superstição que o orfanato criou que, mesmo assim, o fez ser
recusado por seis casais.
— A gente se fala melhor na escola, eu estou meio
quebrado. — O garoto bocejou. — Estava trabalhando… É, hoje não
rola, você não presta. — Então gargalhou. — Te mando mensagem
logo… E-eu também…
Tommy, abreviação de Tomás, pensou Antero.
Ele é negro? Um garoto negro e rico?… Tem poucos
nesse perfil… O filho do prefeito se chama Zaire… O garoto é
branco?, continuou Antero divagando.
E então, em seu ápice da loucura, Antero pesquisou
relacionamento inter-racial entre homens. Mas a pesquisa lhe levou
para um compilado de vídeos pornográficos…
— Caralho que inferno! — resmungou, fechando seu
notebook, com o rosto rubro de vergonha e ódio.
— Pai? — Pietro o olhou confuso. — Tudo bem?
— Sim. — Antero escondeu seu rosto com as mãos. — Só
lendo um artigo sobre a hipersexualização dos corpos negros em
relacionamentos inter-raciais… — Bufou. — E você? Como foi a
aula?
— É, entendo bem — murmurou. — A aula foi legal.
Algumas novatas acharam que eu era stripper e me deram os
números delas. — O rapaz revirou seus olhos. — Fora isso…
Dolorido.
Pietro tinha mentido para Tomás, o garoto estava na aula
de pole dance.
— Quem era no telefone? — Antero se levantou da mesa
de jantar segurando o notebook em mãos.
— Um amigo… — O garoto abaixou a cabeça. — Vou
precisar do notebook agora. Coloca aqui, por favor.
— Não. — Antero começou a suar instintivamente,
agarrando com mais força o objeto em suas mãos.
— Está brincando? — Pietro se aproximou para pegá-lo,
mas o homem desviou rapidamente. — Qual foi?
— Vai ficar comigo — anunciou, mas os olhos verdes de
Pietro o encararam de forma vibrante, como se estivesse
analisando-o. — Cai fora com essa loucura de sexto sentido comigo!
Pietro desmanchou-se em risadas ao entender o
nervosismo do pai. E Antero pensou em sair correndo do local, igual
um adolescente em crise.
— Meu velho. — O rapaz colocou sua mão sobre o ombro
robusto do outro. — Na próxima vez, você vai em atalho e clica na
janela anônima. O histórico não fica salvo, entendeu?
— Vá se foder! — E Antero saiu lentamente da sala de
jantar, a risada do filho era possível ser escutada ao longe. Ao
perceber que o rapaz não estava tão presente, abriu seu notebook.
— Janela anônima?
Era manhã, como qualquer outra. Dante ainda estava
presente na vida dos Serpas como nunca, principalmente após
conviver todos os dias com eles até o fim das obras na nova casa
de Fontana e seus amigos. O loiro comia em silêncio sobre a mesa
da família, todos os filhos estavam presentes junto a Yan e Dante,
porém, nenhum deles falava uma palavra sequer.
Joca fitava Dante com tantas dúvidas que nem mesmo sua
mente aguentava mais processá-las. Seus irmãos tentavam
encorajar de alguma forma, mas Joca continuava em dúvida. Kali
odiava aquele clima gerado e estava se controlando em falar algo.
Yan mexia em seu celular, enquanto abocanhava uma bela
quantidade de abacate com coco, shoyu e pimentão.
— Joca, teremos de conversar sobre suas cirurgias. —
Sem intenção alguma, Yan quebrara o clima tenso formado. —
Recebi uma ótima notícia sobre sua redesignação sexual — disse e
sorriu.
— Pai! — O garoto o parou, Yan o fitou e Joca apontou
para Dante.
— O que tem o Dante? — perguntou, confuso, fazendo
Fontana levantar sua cabeça enquanto estava em processo de
mastigação.
— Não fala essas coisas na frente… Na frente dele —
sussurrou.
— Querem que eu saia da mesa? — Fontana arqueou sua
sobrancelha.
— Não, Dante, fica — interveio Tomás.
— Dante não sabe o que é redesignação sexual. — Yan
sorriu.
— Na verdade, eu sei — afirmou o homem, fazendo Serpa
arregalar seus olhos. — Talvez não seja esse o problema, não é? —
Dante o fitou. — Sei que devo um pedido de desculpas a você. Na
verdade, a todos aqui, em especial por me desvencilhar de você
para não… me reconhecer — murmurou, pressionando seus dedos
contra a testa. — Alguém nesta mesa tem algo a falar comigo?
O silêncio perpetuou sobre a mesa. Lia era a única que
continuava a comer normalmente.
— Esse café da manhã virou um funeral. — Ulisses
estagnou sua risada.
— Joca está muito confuso sobre o que aconteceu —
alegou Joana. — Talvez até assustado…
— Cale a boca, Jojo — mandou Joca. — Eu vi quantas
pessoas você matou naquele dia! Eu te admiro muito, mas…, mas…
Puta merda, você come na nossa mesa agora e isso é estranho!
— Joca! — Kali chamou sua atenção.
— É! É isso mesmo! Não consigo imaginar que você está
presente na nossa vida tão fortemente agora, que amamos você,
mas que seu passado é tão estranho e assustador que eu não acho
uma boa ideia você estar… estar perto da Lia ou do Tomás! — Joca
levantou sua voz. — Se eu perder algum irmão por sua culpa… não
quero imaginar isso, entretanto, é assustador! Seu passado ainda
pode estar atrás de você!
— Eram nazistas — rosnou Dante, parando de comer. —
Meu passado foi embora junto da última missão que fiz, eu sou um
cidadão agora, não estou devendo mais nada — garantiu.
— Não muda o fato de que você matou pessoas!
— Nazistas — corrigiu.
— Eram pessoas! Você… matou pessoas!
Dante passou as mãos sobre seu rosto e fitou o teto,
quando observava Lia, percebeu que Serpa tinha colocado um fone
na garota, impedindo que escutasse as falas tão pesadas dirigidas
para si. Fontana levantou-se da mesa e fitou o garoto, Yan apenas
os observava, aguardando o momento certo de se intrometer.
— Joca, eu vou repetir, nazistas não são pessoas —
alegou. — O meu passado não fará mal nenhum a vocês, eu
prometo que foi a última vez que aconteceu algo parecido com o dia
que cheguei até agora. Me desculpe por magoar seus sentimentos.
— Desculpas não mudam nada do seu passado —
respondeu Joca.
— Puta que pariu, moleque, eles iam matar seu pai! —
gritou Dante, cerrando seus punhos. — Você acha que aqueles
merdas iam ficar só na boate? Acha mesmo que o nome de todos
vocês não estavam naquela lista?! Hein?! Fala!
— O quê?
— Eles iam matar qualquer pessoa que fossem contra o
sistema deles! Dandara Barbosa foi um alvo! Eu tenho certeza de
que você sabe a importância dessa mulher no nosso mundo atual,
não sabe? — O silêncio perpetuou pela cozinha. — Eu juro por tudo
que é mais sagrado… que meu passado não voltará! Eu sou um
cidadão e quero que você me respeite!
Yan fitou seus filhos e Dante. Ambos se encontravam
chocados com a alegação do outro.
— Já disse ao pai de vocês sobre tudo isso. — Fontana
abaixou sua voz. — Peço genuínas desculpas por terem feito passar
por dias angustiantes e por ter feito a maioria daqui chorar. — Dante
olhou em direção ao Ulisses. — Gostaria de recomeçar com todos
e, principalmente, com você, Joca. Eu não sou o secretário que
vocês imaginavam, nem mesmo o Cerberus que veneravam. Eu
sou… o Dante. Um sujeito quebrado que está tentando a todo custo
ter uma família e vida normal.
— Se for essa família que você está tentando ingressar.
Saiba que ela não é muito normal, não. — Joana sorriu.
— Joaquim — Yan chamou seu filho. — Você tem algo a
falar para o Dante? Ele já disse a parte dele… E a sua?
Joca fitou Kali, que o olhava com uma expressão séria. O
garoto suspirou e fitou o loiro, que se encontrava de braços
cruzados, aguardando alguma fala do outro. Teria que admitir, era a
primeira vez que Joca se sentia especial perante Dante, onde ele
focava nele, queria seu perdão, sua opinião e não de seus irmãos
ou pai.
Como na primeira vez que se conheceram, Dante – ou
Cerberus –, queria sua ajuda.
— Me desculpa. Eu tenho medo do que pode acontecer
com meus irmãos, não deveria ter gritado com você — murmurou,
com sua cabeça baixa.
— Tudo bem. Eu desculpo você. — Dante sorriu. —
Seremos bons amigos.
Yan estava contente com toda aquela situação, feliz que
Dante estava se dando bem com seus filhos – mais do que o
esperado. Percebeu que seus filhos estavam tratando Fontana além
de um amigo… um pai.

— Então, como havia dito, os varakianos são


considerados o povo mais antigo já descoberto, possuindo quatro
bilhões de anos de… — repentinamente, são escutadas batidas
sobre à porta da professora. — Pode entrar.
Pietro, depois de andar trinta minutos, após carregar uma
pesada moto, surgiu cansado da caminhada. Seus ombros estavam
baixos, seu cabelo molhado, de mochila e roupas desengonçadas. A
moto do rapaz teria dado problema no meio da avenida
movimentada de Porto do Sol.
Ao ver o estado de Pietro, Tomás sentiu um aperto em seu
coração. Luana, a voz da razão, apenas segurou o braço do amigo
por trás, impedindo-o de se levantar da cadeira. No momento que os
olhares se encontraram, o mais velho sentiu uma enorme vontade
de se aconchegar no ombro de Serpa.
— Qual seria o motivo do seu atraso, Monte?
— Minha moto quebrou no meio do caminho. — Sua voz
aparentava rouca, seguindo até a cadeira vazia ao lado de Tomás.
— Tive que vir andando até aqui, carregando-a.
— É só comprar outra — exclamou Matias, fazendo alguns
dos alunos soltarem pequenas risadas.
— Eu vou, mas não vai ser com o dinheiro do papai. —
Pietro sorriu, ficando de frente à mesa de Tomás. Ao perceber que o
amado estava à flor da pele, agarrou a mão do outro.
— Vai ser com o dinheiro da bichinha aí? — revidou
Matias, fitando seu olhar em Serpa. — Mostrar suas habilidades
como stripper para ganhar uma motinha nova?
No momento em que escutou isso, Pietro soltou uma
risada vitoriosa. Pela primeira vez, Matias não conseguiu se
controlar por completo, exibindo, talvez, um pensamento que já teve
com Monte.
— Com inveja do que faço com ele, tata? — O garoto fez
uma voz manhosa.
Zaire soltou uma gargalhada alta, deixando o clima ainda
mais tenso, pois depois da pergunta de Pietro, Matias não
conseguiu revidar por um único momento. A conversa também não
pôde ser prolongada, já que a professora gritou para todos ficarem
quietos.
Pietro se sentou do lado esquerdo do amado, colocando
suas coisas na mesa e soltando um suspiro cansado. As mãos dos
dois continuavam entrelaçadas, mesmo tendo um pouco de
dificuldade para escrever o que estava no quadro, Serpa não queria
soltar. O silêncio entre os dois era confortável e preciso, Pietro se
encontrava furioso.
— Fala comigo — pediu Pietro, apertando a mão um
pouco mais forte.
— Queria te dar um pouco de espaço — explicou-se
Tomás, sem tirar seus olhos na lousa. — O que aconteceu com a
moto?
— Estava vindo e ela parou de funcionar no meio do
viaduto. — Monte bufou ao lembrar. — Não consigo imaginar o
motivo.
— Hum… — Tomás fitou o teto, soltando a mão de Pietro,
seguindo até o corpo suado do amado e encaixou sua cabeça. —
Eu posso consertar a moto para você… Na sua casa.

— Olha isso, dois viadinhos brincando de consertar a


moto. — Matias bufou, enquanto revirava seus olhos. — Quando
esses dois viraram amigos? Não acham nojento?
Estava Matias, Zaire e Sílvio sentados na mesa do
refeitório, enquanto observava ao longe Tomás, Pietro e Luana
próximos à moto quebrada, Serpa avaliava o estado do automóvel
com seriedade.
— Brincando? Pelo que sei, o Tomás desde pequeno
entende de qualquer veículo, devido ao pai — defendeu Zaire. — E
são mais que amigos, abaixa a bolinha.
— Estão namorando? E acham normal o stripper bolsista
estudar aqui? — O garoto cruzou seus braços. — Inacreditável
como vocês se tornaram cadelinha dele!
Sílvio, o pivô do time, dono de uma grande fortuna
herdada por sua mãe após produzir uma linha de produtos veganos,
estava entediado pelos resmungos de Matias. Zaire acompanhava
Sílvio nesse momento, pois se afastar de Matias era impossível, o
garoto sempre arranjava uma forma de grudar no pivô.
O rapaz era mais alto que os demais jogadores, possuía
quase 1,95m. Sílvio conhecia Matias desde o primeiro ano e a
amizade dos dois surgiu por pura pressão, porém, desde que Pietro
apareceu, o outro não parava de falar sobre ele e Tomás. Isso o
deixava mais cansado.
— Deixe o cara — respondeu Sílvio, dando de ombros. —
Parece que eles estão se comendo mesmo. E aí? Ele é um dos
estudantes mais inteligentes, nada de mais gostar de um cara.
— Está apoiando? — Matias o olhou incrédulo, apontando
para o trio que conversava divertidamente. — Mas isso não é certo,
porra!
— Sinceramente? Foda-se! — respondeu. — Certo ou
errado, tanto faz, deixe os caras. Pietro é muito bacana, nunca deu
em cima da gente ou nos manjou no banheiro. Tomás nunca deu um
único oi para mim, ele vive no mundinho dele, agora um pouco com
a Luh… Um nerdizinho, fim!
— É o mínimo! — A voz de Matias alterou-se. — Pietro
deveria ser expulso desse colégio!
— Qualquer coisa que fizer, eu vou defender eles —
interveio Zaire. — Por que você não esquece? É medo de receber
um flerte? Se preocupa não, tu nem faz o tipo deles!
— Não faço? — Matias cerrou seus punhos.
— O Serpa parece que gosta dos caras com uma terceira
perna. — Sílvio dera de ombros. — E o stripper, gosta de garotinhos
fofos? Não tem motivo para você esquentar com isso.
— Ah! Esqueçam! Vocês são burros demais para entender
que isso tudo vai foder futuramente se essa galera da lacração
começar a se mostrar demais! — O garoto se levantou, levando
seus pertences e empurrando uma das cadeiras. — Burros!
Zaire e Sílvio observaram o garoto ao longe, caminhando
raivosamente em direção à porta do pátio. A dupla pouco se
importou e continuou comendo com tranquilidade, já era algo
rotineiro quando assunto era o casal.
— Graças a deus ele saiu! — Zaire gargalhou, mordendo
seu sanduíche fortemente. — Foi só dizer que ele não fazia o tipo
dos caras! Loucura, mano, não entendo.
— Jurei que ele não ia. — Sílvio o cutucou. — A Luh está
ficando amiga dele, né? O garoto é legal? Nunca falei muito com o
Tomás… Mas tu já viu os irmãos deles?
— Qual dos cinco? Eu só conheci uns dois — respondeu o
outro, com a boca cheia de comida.
— Tem uma parecida com a Luh… Mas tem o cabelo bem
curtinho e umas roupas meio góticas… Parece um menino. Ela veio
deixar o Tomás uns dias aí, junto de uma japa.
— O Joca? — Zaire arqueou sua sobrancelha.
— Porra, é um homem?! — Sílvio bufou. — Soube que os
Serpas não ligam para essa paradinha de roupa, né? Bizarro!
— Não acho, não.
O silêncio permaneceu entre eles por alguns segundos.
Mas com seu pensamento sobre cada conversa que tiveram, Sílvio
começou a lembrar de algo.
— Quando se faz banheirão… Você não é hétero, certo?
— Sílvio fitou Zaire, que se engasgou com a frase, sem conseguir
formular uma resposta. — Vou considerar como sim. — Gargalhou.
— Muito… Muito específico… Normalmente quem faz isso
são enrustidos.
— Ah! Igual nosso amiguinho Matias. — E espreguiçou-se
na sua cadeira. — O organizador de banheirão!
— Sim, senhor Serpa, está indo para minha casa. —
Luana apertava seu nariz para não rir. — Só serei eu, Tomás e meu
namorado… Acho que vai demorar umas… — a garota observou
Tomás e Pietro exibindo o número quatro com as mãos. — Quatro
horinhas de estudo, sabe como é, senhor, as provas estão vindo.
Era fim das aulas, o casal ia para a casa de Monte,
enquanto Luana iria tranquilamente para sua casa, mas como o pai
de Tomás era preocupado, o filho decidira fazer tal ação, algo já
antigo entre ele e os irmãos.
— Quem quer falar com ele? O padrasto do Tommy? —
Luana arregalou seus olhos, e o garoto tomou o celular da amiga.
Porém, depois que Dante chegou à vida de Tomás, o
truque ficou mais complicado de ser feito. Mesmo o loiro amando
Serpa, estava mais ciente do diabinho que era… comparado ao
Yan.
— Oi, mãe! — falou, animado. — Está perto do papai?
— Disse que queria falar sozinho contigo — explicou. —
Na real, vai para a casa do Pietro?
Tomás ficou em silêncio, fechando seus olhos e
aguardando o sermão.
— Se vai fazer algo, proteja-se. — Dante soltou um
suspiro e logo depois um gemido de dor. — E não minta para mim
quando sair com ele. Vejo que Pietro é um bom rapaz e um dia
vocês iriam…
— Entendi, entendi, entendi — murmurou. — Obrigado,
mãe, sério, mas acho que falar sobre isso contigo é… vergonhoso.
Sem ofensa!
— Sexo é algo natural.
— Tchau, mamãe! — disse e desligou. Tomás já se
encontrava rubro da cabeça aos pés. Odiava conversar sobre isso
com qualquer adulto, principalmente com seu pai ou com Madalena.
— Obrigado mesmo, Luh, você é um anjo!
— Que isso, qualquer coisa pode pedir ajuda. — Piscou,
enquanto colocava seus braços em volta de Zaire.
— Tommy? — A mão de Pietro seguiu até a cintura do
garoto, envolvendo-o lentamente, aproximando seus corpos. — A
muralha falou alguma coisa? Está todo vermelhinho.
— Falou nada! — O garoto forçou uma risada, fitando o
moletom folgado do outro, imaginando como seriam os detalhes de
seu corpo. — Acho melhor irmos…
Pietro e Tomás se encontravam diante da porta do colégio,
tirando forças para iniciar o trajeto a pé em direção à casa do mais
alto – que levaria em torno de quarenta minutos. Quase não possuía
alunos, todos já tinham ido embora com seus choferes ou em
grupos. Estavam apenas Zaire e Luana acompanhando o outro
casal.
Tomás colou seu corpo no amado e aconchegou-se em
seu peitoral, sentindo o perfume misturado com sabão em pó. Serpa
podia ser carinhoso quanto quiser, que Pietro apenas o retribuía,
nunca o afastava. A sensação de ser romanticamente amado era
boa.
— Pitt… Posso te perguntar algo? — O garoto levantou
seu rosto, fitando as esmeraldas brilhantes que trocava olhares.
— Hum?
— Ei! — Zaire os tirou da bolha divertida que entraram. —
Vocês vão ficar quanto tempo quietinhos aí? Coloquem a moto na
picape que a gente vai deixar os bebês em casa. — Sorriu.
Tomás e Pietro se entreolharam por alguns segundos, até
seguirem a parte de trás da picape.

— Chegamos. — O garoto estacionou frente à casa de


Pietro e, ao perceberem o casal saindo e indo em direção à moto,
indagou: — Vocês precisarão de ajuda?
Zaire destravou sua Fiat Toro, abaixando a traseira do
carro e para tirar o automóvel com mais facilidade. Mas não dera
muito tempo, Pietro e Tomás já estavam com a moto ao chão. Luana
saiu do carro logo após, por ser vizinha de Pietro, já estava em
casa, seu namorado fora o último.
— Pelo visto, não. — Zaire riu. — Até amanhã, gente!
Tenham cuidado!
O casal seguiu até a casa de Luana, afastando-se de
Tomás e Pietro. Serpa ao observar a casa de Pietro, sentiu uma
forte nostalgia de quando era mais novo e morava em uma casa
pequena, dividindo com Kunut, Kali e Ulisses. Naquela época, Yan
mal frequentava a própria casa, pois preparava os projetos para
apresentar.
A casa do amado era bem simples, na verdade, todo seu
bairro. Eram imóveis bem próximos uns dos outros, não possuía
cercados ou arames que os dividiam. Podia escutar a animação que
era morar lá, contendo música alta, gritos de mães zangadas e
automóveis barulhentos.
— Tudo bem? — Pietro serpenteou sua mão até o ombro
do amado, apertando-o de forma calma.
— Sim! Aqui é bem animado. — Sorriu. — Lembrei-me de
quando era mais novo. Já morei em um bairro parecido!
— O quê? — O garoto franziu sua testa. — Bairro
parecido?
— Por que esse choque, mocinho? — Tomás cruzou seus
braços. — Passei a ter condições recentemente, a empresa do meu
pai é bem atual.
— Tudo bem. Entendi. — Gargalhou, depositando um
beijo rápido na testa do garoto. — Infelizmente, você não conhecerá
meu velho hoje.
Serpa pressionou seus lábios um no outro, receoso em
perguntar.
— Estamos sozinhos? — O rapaz tentou fingir
naturalidade.
— Deve estar achando péssimo, não é, Tommy? — ele
sussurrou. — Eu também estou. — Sorriu maliciosamente.
Os dois trocaram rápidos olhares e seguiram até a casa.
Depois de o garoto abrir a garagem e colocar a moto, Pietro
lembrou-se da sua barra localizada na sala. A distância entre sua
barra de pole dance e Tomás era de poucos metros e, realmente,
não queria exibi-la para Serpa tão cedo, pois tinha medo do
julgamento.
— Olha, vou tomar um banho rápido, fica aqui! — falou
Pietro, inquieto. — Ferramentas aqui. — Apontou para a prateleira
de ferro. — Me dê vinte minutos! — Selou seus lábios sobre os do
outro.
Tomás franziu sua testa em como quão frenético o outro
estava, pensou seriamente se Pietro já tinha ficado sozinho com
outra pessoa. Mas decidiu ignorar e ficar imerso em suas próprias
preocupações, pensando em como o rapaz reagiria se ele
avançasse.
— Se comporte — murmurou para si, carregando as
ferramentas em direção à moto, logo depois pegando um banquinho
para se sentar. — Você não pode invadir o banheiro das pessoas
enquanto elas estão tomando banho… — divagava, ao passo que
olhava o motor à sua frente, pensando no outro. — Não… Não
posso.
Passaram-se quinze minutos, o automóvel já tinha sido
verificado em torno de três vezes, pouquíssimas coisas foram
encontradas, mas as peças já não tinham uma boa qualidade. E
serem produtos não sustentáveis, era algo preocupante para Tomás.
O único problema de a moto ter parado de repente em meio à
estrada, já fora organizado.
Após ter dado um sumiço na barra, Pietro se encontrava
observando Tomás sentado no chão, com um pouco de graxa entre
os dedos. A toalha envolvia seu pescoço e os pingos de água ainda
deslizavam sobre sua pele exposta. Pietro estava sem camisa,
usava apenas uma bermuda de time que tinha. Era possível sentir
seu desejo pulsar sobre o corpo, Tomás estava ali, em sua casa.
— Descobriu? — O garoto se aproximou, agachando-se
ao lado do outro.
— Sim, a mangueira de combustível estava amassada, por
conta disso a gasolina foi impedida de chegar até o carburador.
Ocasionando uma parada no mo… — Tomás virou seu rosto, ao ver
o corpo esculpido ao lado. — Está sem blusa.
— Tudo bem para você?
E começaram a rir. Instintivamente, Tomás perdeu o pouco
de foco que tinha e aproximou do garoto, roçando seus lábios sobre
o ombro do outro. A pele marrom de Pietro era suave e Tomás, já
envolvido de desejo, percebeu algo quando chegou ao pescoço.
— Não sabia que tinha tatuagem. — Beijou o ombro, local
onde o desenho se encontrava. — Tem significado para ti?
— Representa as Valkirias… — Pietro pegou sua toalha e
passou por cada dedo de Tomás, tirando o restante da graxa. —
Possuo forte apego. Decidi cravar na pele.
Não era a primeira vez que Tomás tinha visto tal símbolo,
vagamente, enquanto Kunut falava de suas runas e cultura, fora
visto algo parecido. Mas não sabia que Pietro também era um
amante de tal mitologia – pelo olhar cético de Tomás –, e ficou feliz
em saber.
— Me conte mais sobre você… — Tomás dedilhou o
peitoral de Pietro, sentindo a barriga pouco definida. — Mais tarde.
— E a moto? — O outro riu, tomando os lábios do garoto.
Mas Tomás aprofundou o beijo, entrelaçando sua língua
em perfeita sintonia. O mais baixo rogava em sentir cada pedaço do
outro, os dedos roçando sobre o peitoral de Pietro já lhe fazia entrar
em pequena combustão interna. Serpa mordeu o lábio inferior do
outro, terminando o beijo.
— Que moto? — perguntou, recuperando um pouco de
seu fôlego.
Os dois se levantaram do chão, Pietro começou a trilhar
beijos sobre o pescoço do outro, mordiscando e chupando a pele
leitosa de Tommy. O pouco de dor causada, estava fazendo o garoto
ficar imóvel enquanto sentia os arrepios causados por tal ação. Era
a primeira vez que recebia um chupão, não sabia a sensação até
aquele momento.
— Continua — rogou, de maneira manhosa, enquanto
pressionava suas digitais sobre a barriga do amado. — É bom…
— Nunca fizeram em ti? — Pietro desgrudou seus lábios,
fitando as bochechas avermelhadas do rapaz. O membro de Monte
se animou rapidamente. — Porra, você é lindo! — Sem pensar
muito, o garoto agarrou a barra da camisa do outro.
— Não… — Tomás abaixou sua cabeça, agarrando as
mãos de Pietro. — Como disse. Apenas eu que tocava… nunca
recebi carícias assim. — Riu, envergonhado. — Vai tirar minha
blusa?
— Se dependesse de mim, você já estava nu —
respondeu, levantando a peça. — Quais seus… pontos erógenos?
— Não me faz responder. — Arqueou sua sobrancelha, de
maneira travessa.
E ambos selaram seus lábios novamente, Tomás nesse
momento sem a parte de cima lhe cobrindo, fora levantado pelo
amado, sem muitos esforços. Serpa estava com suas pernas
entrelaçadas sobre a cintura do outro, sentindo as mãos grandes de
Pietro sobre suas coxas, o casal continuava se beijando.
A parede mais próxima da garagem fora ocupada por eles,
Pietro pressionava o corpo magro do outro, tomando um pouco da
pele de Tomás em seus lábios. Cada pressão exercida ou mordida,
a vermelhidão tomava conta, marcando o local que trilhou. Os
mamilos do garoto já se encontravam rígidos, junto de seu membro.
Percebendo as reações, Pietro seguiu até o peitoral de
Tomás, rodando sua língua e mordiscando. Serpa abraçou o corpo
do garoto com mais força, soltando gemidos manhosos, próximo ao
seu ouvido. O mais alto já se encontrava em combustão com tudo
que ouvia e sentia. A vontade de beber tudo de uma vez era
tamanha.
— Porra — rosnou Monte. — Vou gozar só de escutar
seus gemidos. — Então, fitou o volume na calça do amante, tirando-
o de seus braços.
Tomás pediu que o outro se sentasse no chão, enquanto
estava de pé desabotoando delicadamente a calça. Monte exibiu um
sorriso reluzente e se sentou no chão, fitando cada detalhe do corpo
do garoto. Tomás não esperava que Pitt fosse tão ativo quanto os
demais ficantes, sentir seu toque e ouvir suas palavras fora o
suficiente para tirar toda a ideia do que faria. Sentir o carinho de
alguém o deixou inseguro, de como conseguiria satisfazê-lo.
As roupas do garoto já não estavam em seu corpo, exceto
por sua peça íntima de tom preto que marcava seu membro sobre o
tecido fino. Pietro conseguia observar de cima para baixo cada
detalhe, desde as pernas torneadas pela dança, a pele pálida, até o
peitoral marcado pelos lábios de Monte.
Não demorou muito para Tomás se aproximar o suficiente
do rapaz, colocar suas pernas ao lado de cada coxa e se sentar
sobre seu colo. Os quadris se encaixaram perfeitamente, sentindo
cada detalhe da região, era notória a animação do mais alto em
estar daquele estado. Ambos estavam excitados e rígidos.
— Que diabinho. — A voz de Pietro saía rouca. O garoto
soltou um suspiro e inclinou sua cabeça para trás, estava imerso em
luxúria. — O que pensa em fazer?
Serpa soltou um sorriso travesso e se remexeu com força
para trás, fazendo-o soltar um gemido surpreso, era a primeira vez
que escutava tal melodia vinda do amado e nunca pensou que
amaria tanto. Tomás abaixou um pouco a bermuda que o outro
usava, deixando o membro de Pietro exposto.
Monte desceu sua cabeça ao sentir as mãos quentes de
Tomás sobre seu íntimo, fazendo pequenos movimentos de vai e
vem, o garoto se segurava para não remexer seu quadril. Sua
cabeça estava nublada, mas voltou à realidade ao perceber que
sentia falta dos gemidos de Serpa.
Pietro apertou o pulso de Tomás com certa força, tentando
se manter são, parando o movimento. Ao interromper, retirou
lentamente a peça íntima do garoto, percebendo que se encontrava
quase do mesmo estado que ele.
Pietro agarrou o corpo de Tomás e trouxe para mais perto.
A fricção de ambos causava um calor excitante e voraz, o mais alto
agarrou os dois membros com apenas uma mão, logo depois, tomou
os lábios do amante. Serpa perdeu o fôlego ao sentir o toque junto
do atrito, seu membro já vazava o pré-gozo e aos poucos se
misturava com o do amado.
Ao sentir que Monte ia devagar nos movimentos, Tomás
também agarrou os dois membros, começando a bombear com
força e rapidez. O ápice chegava de maneira gradativa, o beijo
continuava cálido e fogoso em meio aos gemidos de ambos. Não
demorou muito para os dois gozarem ao mesmo tempo, melando
suas mãos e um pouco da barriga e tecido.
Tomás envolveu seus braços sobre o pescoço do amado,
soltando fortes respirações pelo beijo árduo e a masturbação. Serpa
não queria soltá-lo e, por isso, começou a distribuir beijinhos sobre a
nuca. Por outro lado, Pietro agarrava sua cintura, sentindo o peitoral
do outro subir e descer. Tais momentos lhe fizeram ter certeza de
uma coisa…
Estavam apaixonados. Um pelo outro.
— Pitt… Eu posso te fazer a pergunta que queria fazer
mais cedo?
— Sim. — O outro abraçou com força.
— Sei que não deve ser o momento ideal, afinal estamos
sujos de sêmen e nus no chão da sua garagem, mas não sei como
perguntar isso, já que eu gosto muito de você e nunca consegui
pedir isso a alguém tão legal e bonito sem ter vontade de…
— Quero namorar você também — ele o interrompeu,
soltando uma risada. — Já faz um tempinho que estou tentando
pedir, mas queria comprar um anel e pedir de uma maneira legal…
— Não precisa se preocupar — afirmou Tomás,
escondendo seu rosto sobre o ombro do rapaz. — Eu… comprei um
anel pela internet.
O silêncio se alastrou na garagem, Pietro se segurava
para não rir. O gene de Yan Serpa gritava em Tomás, principalmente
quando se tratava de algo feito por impulso.
— Demora três dias… — A vermelhidão ficara presente
sobre o corpo de Tomás.
Monte não aguentou e caiu na gargalhada, impressionado
de como Serpa agia. Mas muito encantado em saber que seus
sentimentos eram iguais. Que as mensagens, os beijos e as carícias
possuíam fortes significados, nada fora uma mera ilusão.
— Quer tomar banho comigo?
— Você pergunta como se eu fosse negar. — Sorriu,
alisando as bochechas do amado e fitando aqueles tão belos olhos
esverdeados. — Eu gosto muito de você, Pitt.
— Eu também. Você não sabe o quanto.
— Não sabia que conseguia gozar tanto. — Pietro riu,
alisando as costas nuas de Tomás, que se encontrava deitado sobre
seu corpo. — Tudo bem, Tommy? Anda calado.
Depois de certos acontecimentos no banheiro de Pietro e
carícias fora dele, os dois se deitaram sobre a cama localizada no
quarto de Monte, ambos estavam seminus com um lençol cobrindo
seus corpos. A cabeça de Tomás estava sobre o peito do namorado,
sentindo seu coração palpitar.
Encontrava-se receoso.
— Desculpe por… desculpe. — Escondeu seu rosto no
peitoral.
— Quê?! — Pietro arqueou sua sobrancelha.
— Eu… Nossa, devia ter me controlado! Tipo… Argh. —
Tomás colocou as mãos em seu rosto e soltou um gemido
desgostoso. — Não deveria ter te dedado e chupado daquela
forma… Ou… enfim.
— Eu gostei.
— Está falando isso para me agradar — murmurou. —
Ninguém nunca gostou quando eu fazia.
— Caralho, eu gostei. — Pietro sorriu. — Você tem
dedinhos ágeis.
Tomás o fitou e bufou logo em seguida, saindo de cima do
namorado. Monte começou a gargalhar, observando o corpo do
outro se tornar rubro. Era a primeira vez que alguém não estaria o
julgando num pós-sexo, ou dando uma lição de moral.
— Quantas vezes eu disse para não se apegar a isso? —
Pietro distribuiu beijos sobre a nuca do garoto, enquanto entrelaçava
seus braços sobre o corpo esguio de Tomás.
— Isso o quê?
— Ativo e passivo. Acho uma bobagem — exclamou. —
Sei que se importa por… Não sei, mas não deveria. Tipo… sei lá…
desnecessário.
— Desculpe — murmurou. Tomás virou seu corpo e
abraçou o namorado, envolvendo seus braços na cintura do outro.
— Inclusive, daqui a alguns dias terá um piquenique com os Serpas,
caso queira ir, possivelmente você jogará com a mãe e os amigos
dele. Talvez os meus irmãos também vão.
— Por mim, tudo bem.
— Você conhecerá meu pai, Yan Serpa. Acho que
conhecer Fefe e Mada será melhor futuramente. — O garoto sorriu.
— Posso te conquistar mais um pouco até lá. — Tomás começou a
procurar suas roupas pelo quarto do amado. — Céus... Onde eu
deixei minha blusa e a calça?
— Na garagem. — Pietro riu. — É triste, mas a cueca está
aí.
— Engraçadinho.
Tomás teria que ir embora. Pietro colocou uma bermuda
velha e seguiu até a garagem com o namorado, segurando a sua
mochila nas costas. Serpa estava na sua frente, usando apenas sua
peça íntima e segurando seus sapatos. Chegando à garagem, o
garoto começou a se arrumar, enquanto Monte solicitava um Uber.
— Vou ter que esconder essas marcas! — Tomás fingia
uma expressão irritada, apontando para seu pescoço marcado. —
Não faz isso, meus irmãos vão me zoar muito.
— Na hora não estava reclamando, não é? — Pietro
cruzou seus braços, enquanto observava a aproximação. — Tommy,
tudo bem pegar um carro?
— Não se preocupe. Mamãe está muito machucado para
vir me pegar e meus irmãos estão na faculdade ainda. — Suspirou.
— Uma vez não é perigoso.
Tomás terminou de se arrumar e seguiu até a saída, com o
namorado. No momento em que Pietro girou a chave da porta e
abriu, deu de cara com Antero. Serpa ajeitou sua gola, para o
homem não ver as marcas.
Antero fitou seu filho e o viu sem blusa, depois percebeu
os cabelos bagunçados daquele garoto branco, os lábios de ambos
e as marcas avermelhadas por cima do tecido do menino… O
homem já se encontrava pálido, não sabia como reagir.
Era o novo namorado do filho!
— Veste uma blusa. Isso é jeito de se apresentar ao seu
amigo? — Bufou. Fitando o garoto. — E teu nome?
E Tomás teve uma vontade repentina de rir, o pai de Pietro
era a versão mais velha de Dante e era assustador como ambos se
pareciam. A expressão carrancuda e ameaçadora. Serpa teria medo
do homem, caso não tivesse conhecido a mamãe, meses atrás.
— Tomás Serpa, senhor. Deve ser o pai dele, suponho. —
O garoto deu um aperto forte na mão do outro. — Sou amigo do seu
filho.
Amigo esse que pediu ele em namoro depois de uma foda.
Céus, o garoto estava se segurando para rir. O deboche de seu pai
lutava em surgir.
— Serpa? — Arqueou sua sobrancelha. — Um dos seis
das indústrias Serpa?
— Pai! — Pietro chamou a atenção. — Tommy, esse é
meu pai, Antero.
— Prazer, moço! Sim, sou um dos filhos dele — afirmou,
visualizando o carro parar em frente à casa do amado. — Meu carro
chegou! Até mais, cara, te vejo no colégio. — Tomás dera um aperto
rápido no ombro do outro. — Até mais, senhor.
O garoto seguiu até o carro, acenando. Antero percebeu o
quão afeminado o garoto era, sua voz fina, a forma delicada que
gesticulava e o sorriso contagiante. Pietro observava Tomás ir
embora, sua expressão era feliz e serena, coisa que raramente via
em um rapaz tão marcado pela vida.
— Gostou dele? — Pietro fingia desinteresse.
— Deve ter um gênio pior que o pai. — Antero dera de
ombros.
— Essa é a forma de dizer que gostou dele? — Pietro riu.
— Tanto faz.
— Puma Dourada, está me ouvindo? — A voz de Dante é
séria e estridente no microfone. — Puma Dourada, como anda a
missão?
— Elias anda se escondendo de mim como uma fuinha!
Sua localização é incerta e confusa, falarei no rádio caso consiga
mais alguma coisa — respondeu a mulher. — Dente de Sabre e
Tigre, na escuta?
— Sim — os homens falaram ao mesmo tempo.
— Ótimo, falo com vocês em dez minutos — explicou,
sumindo da ligação.
— Que porra de nomes são esses? — Yan se segurava
para rir na ligação. — Por que o nome da Thyra é Puma Dourada?
— Serpa explodiu em uma gargalhada.
— Qual a graça? — Dante revirou seus olhos. — São
nossos codinomes. Dente de Sabre é o Marcel e Tigre é o Liam.
— Cerberus é seu, imagino.
— Cerberus é o antigo nome de mercenário, meu
codinome militar é outro. — Dante fechou seus olhos, sabia a índole
de Yan.
— Qual seria? — Os olhos de Serpa estão brilhantes em
meio à curiosidade.
Fontana ficou calado durante alguns segundos, mas a
expressão curiosa de Yan estava deixando Dante imerso em
pensamentos. Depois de dias sumido, algumas conversas, carícias
e três dias na casa do empresário, as coisas entre os dois estavam
voltando ao normal.
— Cachorro Louco — sussurrou.
— Não ouvi. — Fez-se de desentendido.
— Cachorro Louco!
E o empresário explodiu em uma gargalhada gostosa, era
um nome ridículo, mas Dante não entendia o motivo de levar tudo
aquilo na brincadeira. Pelos menos, ambos já estavam bem, aquela
tensão do sumiço e revelações sobre seu passado sumiam
gradativamente.
— Qual a porra da graça?
— Você! — Yan afirmou. — Olha, esquentadinho, não
entendo como alguém pode ter tanto medo de ti a ponto de te
chamar assim, sinceramente. Sei do seu passado e tenho certeza
de que qualquer coisa que eu perguntar, me responderá, mas…
— Mas?
— Não me assusta — respondeu, dedilhando a mandíbula
quadrada de Fontana. — Não consigo imaginar esse rostinho
desmembrando alguém. Só vejo um homem amoroso…
Qualquer um que falasse isso seria motivo de escárnio e
desaprovação, mas Yan disse de maneira cuidadosa e admirável.
Serpa realmente achava aquilo, não era ironia.
— É bom — afirmou Dante, fixando seus olhos nos de
Yan. — Não quero que meu parceiro tenha medo de mim. —
Fontana pressionou seus lábios sobre o dorso da mão de Serpa.
Ambos se encaram, em silêncio, como se aguardasse
algum pedido…
Qualquer fala que fosse.
— Caralho, meu Deus. — A voz de Marcelo surgiu no
rádio. — Quando avisamos que estamos aqui?
E Dante voltou à realidade, exibindo uma nítida vergonha
por sua fala repentina e impensável. Yan aparentava estar
atordoado, pensando em várias teorias sobre aquilo, parecia irreal
demais na sua mente aceitar que Dante tinha dito tal frase.
— Puta que me pariu, Marcel! — murmurou a mulher.
— Jurei que ele ia ficar calado, já estava orgulhoso! —
exclamou Liam.
— Porra, eu pensei que estava fechado para ele.
Desculpe ai, gale…
E Dante retirou o rádio da tomada, colocando a mão em
seu rosto, evitando que Yan observasse seu corpo vermelho por
completo. Fontana estava dócil nesses últimos dias, era provável
por não ter mais o peso de mercenário em sua mente.
— Esqueça o que eu disse — sussurrou. — Por favor. — E
levantou seu rosto.
Dizer que ama Yan, talvez fosse a missão mais difícil que
o universo lhe dera.
— Claro. — Serpa exibiu uma expressão como se
estivesse ofendido, mas logo se tornou desdenhosa. — Afinal,
somos apenas noivos e você chupa o meu pau nas horas vagas! —
Yan gritou. — Com certeza, todo chefe e secretário fazem isso!
— O que quer dizer? — o secretário se fez de
desentendido.
Yan Serpa estava se sentindo um idiota em pensar que o
relacionamento dos dois tinha dado algum passo, mas pelo visto,
Dante apenas o considerava um chefe legal que estava o ajudando
a manter a guarda do filho.
Mas então… Por que ele bateu à porta de Yan antes
mesmo de ver seus amigos ou até mesmo o hospital? Os beijos
intensos e amáveis não eram verdadeiros? Todos os momentos que
o estava ajudando eram apenas pelo dinheiro? Mas… Dante não
recebia nenhuma quantia já fazia quatorze dias!
Que inferno Dante era. Impossível de decifrar.
Antes que Yan pudesse responder, a dupla escutou
passos fortes pelo corredor. Dante se pôs frente a Serpa, antes de
perceber que se tratava de Joca e Joana. Os gêmeos se
encontravam frenéticos.
— Elias Dorfel vem aqui e você não ia nos dizer nada?! —
gritou Joana. — Estou muito desapontada contigo, Dante! Tivemos
que saber isso pelo Marcel?
— Primeiro, o Marcel nem deveria estar soltando essa
informação! — esclareceu Fontana. — De onde vocês o conhecem?
— Elias é tipo… O melhor detetive do mundo? — Joca o
respondeu. Aparentando uma alegação óbvia. — Pai. Não iremos à
faculdade hoje! Precisamos ver esse cara!
— A vinda dele aqui pode acarretar algum trauma aos
meus filhos? — Yan perguntou, sem fitar o rosto de Fontana. O
outro garantiu que não. — Podem vir então.
— Te amo, pai! — os dois falaram em simultâneo, saindo
saltitantes do local em seguida.
O silêncio permaneceu no local.
— Yan… Desculpe, ok? Mas o que foi que eu… — Antes
que terminasse a fala, Yan saiu frente a presença de Fontana. —
Droga — murmurou o loiro. Continuava com seus sentimentos
entalados.
Depois de Dante desligar o microfone, Thyra seguiu à
procura de Elias. Ainda tinha Marcel e Liam observando cada passo
seu, então sabia que estava segura caso algo inesperado
acontecesse. Todos os seus amigos eram habilidosos, mesmo
muitos achando que Fontana seria o único.
Policial Elias era um homem complicado de encontrar, por
ser uma autoridade não corrupta e responsável pela ala de
investigação internacional, muitos rogavam por sua cabeça. E era
tão bom no que fazia que fora o único que conseguiu tirar Cerberus
das mãos dos poderosos, tornando-se aliado de causas nobres – e
cidadão.
Elias Dorfel sempre foi investigador de Porto do Sol, a
corrupção de chefes de estados e governadores estava adoecendo
Cravellas, ocasionando até mesmo em uma grave inflação e
diminuição de direitos trabalhistas. Após anos de uma grande
investigação e a ajuda de um dos melhores mercenários da cidade –
homem possuidor de terríveis informações –, Elias e seu grupo de
policiais, enfim, prenderam um grande grupo de corruptos.
E por conta de sua bela realização, Elias estava sendo
perseguido… Em vez de reverenciado.
A mulher tinha forte agrado por Elias, afinal, ele quem tirou
seu amado melhor amigo do local que detestava. Era um pesadelo
ver todos os dias Dante chegar em casa coberto de sangue,
carregando uma expressão horrenda, além do receio de dormir e ter
sua casa invadida.
Mas Thyra, Marcel e Liam não eram fáceis de lidar, por
isso combinavam tanto. Nenhum cidadão poderia viver com
tranquilidade caso morasse com algum deles. Os favores moviam o
mundo, não existia algo que fosse totalmente filantrópico. E quando
Thyra solicitou um favor para Dante – tal pedido em prol da
vingança e prazer –, estava ciente de que teria de fazer um para ele.
Por esse motivo a mulher procurava Elias em meio à selva de
concreto e câmeras.
Depois de tal favor, sua dívida se encontraria limpa com
Dante. O detetive estaria escondido em algum local do centro,
aguardando a mulher e a única pista que possuíra se trata de uma
frase:
Onde os mortos-vivos lutam pelo trono.
Pensou em cemitério, mas não fazia sentido, já que não
possuía nenhum no local em que estava. Imaginou a loja de fast
food que fora ateado fogo, mas já tinha visitado lá e não vira o
semblante sério do policial. Então, Thyra entrou em uma cafeteria e
pediu um café sem açúcar.
— Já disse, é a única pista que possuo — respondeu a
mulher, com seus lábios entre a borda da xícara, observando o
tráfego dos carros, próxima à janela. — Já fui aos locais que achei
que era.
— Eu imaginei algo — sussurrou Dente de Sabre, Marcel.
— Vocês já ouviram falar como são ambiciosos os trabalhadores da
companhia Leaf?
— Onde a herdeira foi sequestrada e devolvida
estranhamente depois de uma semana? — Tigre, Liam, perguntou.
— Qual o nome dela? Inverno?
— Era Verão, eu acho. — Thyra fitou o líquido negro. —
Faz sentido… Trabalhadores explorados tentando chegar próximo
da riqueza de seus chefes — sussurrou. — Irei lá. Tigre, não perca
minha localização. — Sendo assim, a mulher saiu às pressas do
café, deixando uma nota de cinco reais caravelianos na mesa.
A mulher seguiu, demorando dez minutos até chegar em
frente ao edifício da companhia. Eram tantas pessoas entrando e
saindo do prédio, que Thyra estava começando a observar formigas
de ternos e malas. Sabendo que tinha algumas pessoas a
observando, Thyra dera três toques em seu cabelo, causando
interferência no microfone e deixando seus amigos alertas. No
momento em que pisou no prédio, a voz de uma mulher fora
escutada.
— Senhora Thyra Solarin, comparecer à recepção. — A
mulher sentiu o olhar penetrante de dois homens brancos. —
Senhora Thyra Solarin, comparecer à recepção.
Solarin soltou um sorriso e abaixou seu rosto, tampando-o
pela metade. Apertou a pistola por debaixo do bolso e seguiu até a
recepção. A cada passo que dava, alguns eram dados pelos
homens. A multidão de formigas conseguia esconder um pouco
Thyra, mas não o suficiente.
— Quando o tigre come o prato de trigo? — sussurrou.
Ao ver que Liam demoraria, aproximou-se da recepção,
fitando a mulher baixa e loira que estava à sua frente. Seu tom de
pele era reluzente e pálido, mas suas mãos tinham um tom rosado.
Solarin apertou seu próprio pulso, pronta para qualquer ação.
— Senhora Thyra? — O sotaque carregado da mulher fez
a sargento perceber que se tratava de uma varakiana.
— Sim, querida?
— Esses senhores irão levá-la até a sala — respondeu,
exibindo um sorriso amistoso.
De repente os dois homens suspeitos aparecem atrás de
si. Eles eram fortes, mas seus tamanhos eram menores que a
magnificência de Thyra, ninguém chegava aos seus 1,90 de altura.
Solarin forçou um sorriso e começou a seguir um dos homens, o
outro estava bem atrás dela. Passaram-se cinco minutos e o
corredor já se localizava inaudível e com pouquíssimas pessoas.
Thyra estava em silêncio, apenas seguindo o homem, de repente
pararam frente a uma porta de tom prata.
Sozinhos em um corredor, sem uma única câmera.
O homem de trás enfiou sua mão em seu bolso e ao
escutar isso, não pensou duas vezes antes de chutar as costas do
homem à sua frente, em seguida esmurrar o de trás. Sem entender
nada, o homem tentou pegar sua pistola, mas foi surpreendido com
as mãos de Thyra apertando seu pescoço e o empurrando com
força em direção ao chão.
O outro, que estava levantando, sacou sua arma e
apontou em direção ao rosto da sargento. Mas a mulher chutou o
joelho do homem com a ajuda da bota, fazendo-o gritar. O barulho
estridente que tal pessoa soltou, fez a porta ser aberta, saindo
alguém de lá.
— Que porra é essa?! — gritou Elias.
O policial dera de cara com uma mulher enorme de pele
retinta, trajada de um sobretudo azul-marinho, chapéu Fedora e
botas sem salto grossas. A mulher estava sobre o corpo caído de
um dos seus homens.
— Alguns de vocês sabem ser civilizados?! — gritou o
idoso novamente. — Sempre que convoco para a porra de uma
conversa, vocês batem nos meus policiais! Estou de saco cheio!
Thyra voltou à tona, observando Elias de pé em frente à
porta. O bolso que o policial de trás mexia, tratava-se da chave para
abrir a porta.
— Na próxima vez, explica que se trata de seus policiais,
seu desgraçado! Estavam me trazendo para a porra de uma porta,
em um corredor sem câmera. Esperava o quê?! — exclamou,
levantando-se e pegando seu microfone. — Tigre, abortar missão!
Encontrei o velho.
— Dante e Liam já fizeram isso, e agora tu? Falta só
aquele linguarudo! Céus! Não mereço lidar com vocês,
sinceramente. — Bufou, procurando seu celular e discando-o. —
Lilith? Por favor, prepare o carro e venha socorrer dois dos meus
homens… Uma sargento os atacou… É… Solarin… Sim, a Puma…
Ok, obrigado.
— Quem era? — A mulher ajeitou seu sobretudo e o
chapéu. — Por que decidiu a companhia Leaf?
— É a única empresa que eu confio e sei que não serei
morto no processo. Sou grande um chegado ao Kyryos e Primavera,
sua filha. — Revirou seus olhos. — Enfim, podemos ir?
— Claro, senhor Elias. — Bufou ela.
— Ótimo, sargento Thyra. — Ele repetiu o seu gesto. —
Entre na sala e pegue uma dessas pilhas, vamos logo ver seu
irmãozinho.
— Velho idiota — murmurou a mulher, passando ao lado
do policial.
— Maluca — sussurrou o policial.

Quarenta minutos depois do ataque de Thyra contra os


policiais e uma grande discussão entre Elias e sua detetive, Lilith, a
dupla chegou até a casa de Serpa. O policial observou a grande
moradia e arqueou sua sobrancelha. Um ano atrás, fora até a casa
de Dante e o local não se comparava a magnificência desse.
— De onde veio o dinheiro para comprar essa casa? —
murmurou, já carregando uma grande pilha de papéis em mãos.
— É do noivo de Dante — respondeu, com outra pilha
menor em mãos. — O seguro de ter passado anos naquela guerra
não paga nem mesmo a terapia! Sabe disso.
— Noivo? Ele está… noivo?! — Elias dera um sobressalto.
— E por que está tão estressada?! Foi você quem bateu nos meus
homens!
— Já pedi desculpas, quer apanhar também? — Ela o
fitou. — Na próxima vez que for te buscar, não dê uma simples
mensagem! — A mulher se aproximou da câmera e a porta abriu. —
Se fosse o contrário, teria feito o mesmo.
— Ok… perdão — sussurrou.
— Muito bem.
Os dois entraram na grande casa, a motorista de Elias
sumiu com o carro no momento que entrou no local. A casa era
grande e lustrosa, possuíam muitos automóveis na garagem e um
gosto peculiar para cores. Depois de subir a escada e escutar a voz
estranha da inteligência artificial, Elias dera de cara com Yan
vestindo uma blusa preta e calça moletom da mesma cor. Junto
dele, Joca e Joana ficaram animados em ver o tal detetive.
— Serpa? — falou Elias, chocado. — Das indústrias
Serpas?!
— Puta sobrenome doce… Sim, querido, sou eu —
respondeu Yan, com as mãos sobre a cintura. — Você… Você não é
aquele cara na televisão anunciando que o Virgílio Fortuna tinha
morrido? Ah, que ironia.
— Policial Elias, saiba que sou uma grande fã do seu
trabalho! — alegou Joana, aproximando-se furtivamente do idoso.
— Oh… Obrigado.
— Acho que você lembra de mim! — Joca apontou para si.
— Na boate YFEMA! Alguns anos atrás!
— Meu Deus! — O homem arregalou seus olhos ao ver o
garoto que Dante salvara tão crescido.
E era verdade o noivado! O pior de tudo que seria com
Serpa, o dono da boate que Fontana salvou anos atrás. Elias era
um homem cético e de pouca fé, por tudo o que viu, continuaria
sendo assim. Mas um empresário de sucesso e um mercenário sem
valor noivos, ia além de seu ceticismo.
— Hã… — O homem continuava abismado. — Dante virou
padrasto do garoto que salvou — sussurrou ele.
— O que foi, Elias? — perguntou Dante, estava sentado
no sofá. — Os Serpas o deixaram sem fala? — Em seguida fitou a
pilha. — Suponho que… esses papéis são da minha ficha de
crimes.
— Exatamente. — O homem seguiu até a sala, onde
Dante estava sentado. — Com sua licença, doutor Yan. — Joca e
Joana o seguiram rapidamente, assustando o policial, ainda
abismado com tudo aquilo.
— Sem formalidades, lindo. Pode ir. — O homem sorriu,
logo depois fora até Thyra. Yan dera um afago em seus ombros. —
Esse cara é sempre estranho assim? — sussurrou, tirando os
papéis das mãos da mulher.
— Ele está chocado por Dante estar noivo de ti. — Sorriu.
— Ninguém daria mais de vinte e cinco anos de vida a ele. Mas de
repente Dante está aqui… É um choque, Yan. Deve achar besteira,
porque não conhecia o seu secretário de anos atrás.
— Aparentemente, tenho que conhecer o mundo do
estressadinho do que jeito que ele conhece o meu — comentou,
fitando seus filhos conversando animadamente com Dante e Elias
no sofá. — Mesmo achando que… esse relacionamento não irá
progredir.
— Então, você não o conhece. — Thyra seguiu até
Fontana. — Vamos?
Yan observou a capa do papel que tinha em mãos naquele
momento. Ao ler o título, percebeu que se tratava de uma ficha
criminal brasileira, o homem suspirou forte. Naquele instante,
conheceria um pouco de como Fontana era.
Talvez não estivesse preparado.
O grupo impossível estava em volta da lareira da casa de
Serpa, jogando cada papel sobre o fogo e apagando uma parte da
vida horrenda de Fontana. O CEO leu algumas de suas fichas,
estava preparado o suficiente para entender quem era o seu amado.
Mas decidiu encerrar a leitura, deixando que Joca e Joana fizessem
tal ação em seu lugar.
Os gêmeos eram apaixonados por casos abertos, serial
killers e desaparecimentos sem soluções e, mesmo receoso em
deixá-los ler as ações de Dante, estava ciente de que os dois
possuíam dezenove anos e bem acompanhados aos seus
psicólogos.
Entretanto, ficava de olho nos dois, como um bom pai
coruja.
— Quais dessa lista, você matou? — Joana levou o papel
pardo até o rosto de Dante, que se encolheu ao vê-la. Era possível
ver um misto de sentimentos percorrendo a expressão do amado.
Entre o medo de aquela família odiá-lo e a satisfação de lembrar.
— Todos. — Suspirou, levando ao fogo. — Mas desses
não me arrependo.
— O que esses homens fizeram? — perguntou Joca, ao
ler o papel que estava com a irmã.
— Rede de pedófilos, cinco anos atrás, Estados Unidos —
respondeu Thyra pelo amigo, enquanto jogava alguns papéis na
brasa. — Ganhou cinquenta mil dólares para fazer algo que teria
feito de graça. — Gargalhou. — Lembra quando o pedido veio?
Você olhou a mensagem e disse: “Porra, era só ter mandado a
localização”.
Elias revirou seus olhos e balançou sua cabeça, como se
repreendesse o que escutou.
— Tenho certeza de que a justiça faria o pior possível
contra eles — afirmou o senhor, indo contra a opinião da dupla. —
Matá-los só impossibilitou de vê-los na cadeia por décadas… Não
concorda, senhor Serpa?
O grupo virou seus rostos para fitar Yan. O homem ficou
pensativo para respondê-lo, pouco se importando se algum deles
ficaria chateado com sua opinião. Mas deveria admitir, Elias o
deixou em uma situação desconfortável.
O policial estava ciente do poder que Serpa possuíra
sobre Dante e percebeu isso em dez minutos de conversa, ao
observar a expressão de admiração e desejo do loiro. O lado bom
era que a mesma intensidade saía de cada mínima expressão do
moreno.
Ambos se amavam.
— Possui filhos, Elias? — O homem negou e Yan fitou
seus filhos. — Imaginei… Sinceramente, estou aqui apenas para
observar o que meu noivo fazia antes de ser cidadão. Porém, como
pai, digo que concordo com a matança. É… Sei que a justiça é a
coisa mais certa a se fazer, mas não estou querendo ser o
politicamente correto.
Dante estava tentando conter seu sorriso.
— Mas isso, bonitinho, não quer dizer que concorde com
você dando uma de açougueiro por aí! — rebateu Serpa. — Estou
concordando com essa em específico. Não sou a favor da violência.
— Também não sou — respondeu o loiro. — Tudo que
está vendo, Yan, é passado. Eu juro. Minha opinião mudou muito
nesses quase quatro anos que estou lutando para ter uma vida
normal.
— E, aparentemente, conseguiu uma — alegou Joana. —
Essa queima de arquivo é uma forma indireta de dizer isso, não?
Tem a certeza de que esses são todos os crimes? Lemos um pouco
sobre Cerberus, aparentava mais do que apenas esses. — E
apontou para a pilha.
— Você está certa — confirmou Elias. — Eu comecei
apagando algumas na sede, após Dante concluir alguns dos oito
trabalhos para mim. Até mesmo quando ele esmurrou o vizinho
dele! — E olhou Fontana. — Automaticamente, ele não deve mais
nada da segurança internacional.
Enquanto ouvia a conversa do grupo, Yan fixou seu olhar
em uma foto em meio a pilha de papéis.
— Quando você esmurrou seu vizinho? Que feio —
perguntou, mesmo desatento com a fala do outro, apreciando a foto
que escapava das folhas. Yan se aproximou o suficiente para
agarrar a ponta, ao pegá-la, dera de cara com um homem ruivo na
imagem. — Esse bonitão aqui, era alguém que você deveria matar?
Ao ver a foto, Thyra rosnou de raiva, Elias viu que se
tratava de Elior. Mas o secretário, ao vê-la, não esboçou nenhuma
expressão. Seu prostituto só significou algo em seu passado, nada
sobre ele o interessava — afinal, depois que entregou o dinheiro,
nunca mais o vira. Seus filhos ficaram tão curiosos quanto o pai.
Na foto, Elior estava vestido – o que era inacreditável –,
seus cabelos estavam grandes e seu rosto iluminava por conta do
sol. Ele era pálido, possuía grandes quantidades de sardas, era tão
alto e forte quanto Dante e seus cabelos possuíram certo tom
alaranjado, idêntico às brasas.
Era o oposto de Yan, que era magro, um pouco mais
baixo, de pele bronzeada e cabelos escuros.
— Um ex-colega — exclamou o loiro.
— Ele é bonito — afirmou Yan, arqueando sua
sobrancelha. — Por que terminaram? — Dante soltou um suspiro.
— Poxa! E não é que eu estava certo?!
Thyra colocou a mão sobre sua boca, lutando contra a
risada presa em sua garganta. A mulher não sabia qual seria o
plano de Yan, independentemente do que fosse, estava
conseguindo deixar Dante desconfortável.
— Eu ia fazer a mesma pergunta — rebateu Joca.
Nesse momento, Dante fechou seus olhos e imaginou se
seria ruim pular da janela mais próxima.
— Não namoramos e faz quase quatro anos que não o
vejo. — O loiro fitou Serpa. — A gente só… só… Enfim. Ele era o
prostituto que tinha na época, tudo… carnal.
— E por que tem uma foto dele entre seus arquivos
confidenciais? — questionou Joca antes de Yan fazer, o homem
soltou um sorriso orgulhoso.
— Ele participou como distração em algumas missões.
Quando o plano envolvia mulheres e homens, ele sempre estava lá
para seduzi-los — explicou o loiro, jogando a foto de Elior sobre o
fogo. — Fazia tudo por dinheiro.
— Poxa… Quem será que era assim também? —
sussurrou Thyra, fazendo a mesma ação de Dante, dessa vez com
alguns papéis.
— É muito legal saber disso, sabe. — Joana gargalhou. —
O Dante parece tão… sabe… santinho.
— Fiquei curioso sobre o relacionamento de vocês. — O
policial analisou. — Quando vocês começaram a namorar?
— Sete meses atrás. — A atuação de Dante sempre era
impecável. — Mas mês passado ele me pediu em casamento. A
sala dele estava repleta de hortênsias e Yan estava de joelhos sobre
o chão…
O loiro rogava que aquilo tivesse sido verdade.
— Foi muito rápido isso. — O homem arqueou sua
sobrancelha.
— Não para um casal de sáficas — refutou Yan, ignorando
o olhar profundo do amado.
— O casamento já tem data marcada? — perguntou o
senhor.
— Dia nove — falou Yan rapidamente, sem perceber.
— De setembro — complementou Dante.
— No próximo ano! — Thyra completou, forçando um
sorriso tão grande, que escondia seus olhos. — Como sou a
madrinha — reforçou, deixando a indireta para os dois. — Posso lhe
garantir que esse casamento vai demorar. Yan é um homem
ocupadíssimo.
E era verdade, desde que Dante chegou ferido, Yan tinha
atrasado todo seu trabalho para dar a devida atenção ao loiro.
Estava ciente de que, após encerrar aquilo, teria que dar dias de
folga para Natália, pois fora a mulher que cuidara de toda sua
agenda.
Natália, Felícia e Madalena, eram para Yan como o pilar
era para a igreja. O trio de mulheres estavam organizando tudo que
podiam para o homem, mesmo sendo apenas a obrigatoriedade de
Madalena e Felícia cuidar das questões financeiras da empresa,
não pensaram duas vezes em ajudar na comprovação de eventos e
distribuição de produtos.
As duas senhoras de línguas afiadas sempre
incomodavam os mais ricos com sua aparição, e sabiam tanto disso,
que faziam questão de se intrometer mais arduamente quando
precisavam –, mas tinham que admitir, cuidar do YFEMA era melhor
que lidar com homens prepotentes e ricos.
— Espero que dê tudo certo no casamento. — Elias voltou
a focar na pilha de antecedentes criminais. — E prometo, senhor
Yan, que seu futuro marido não deve mais nada a mim.
— Mas você deve — rebateu Serpa. — Qual foi a tarefa
suicida que fez esse idiota — E Yan acertou sua mão sobre as
costas do loiro. — Chegar aqui quase morto?
Yan encarou Elias com fúria. E no momento que o senhor
vira o rosto enfurecido de um demônio engravatado que era Serpa,
esqueceu-se de que se tratava de um dos agentes internacionais
mais importantes vivos. E quem disse – caso Yan soubesse toda a
importância de Elias –, que ele ligaria?
— Bom… — Elias engasgou-se, procurando soluções
gentis. — Eu… precisava de suas habilidades para capturar uma
grande quadrilha de governadores e chefes de estado… Isso é o
máximo de informações que posso lhe proporcionar.
— Basicamente uma facção — comentou Joana. —
Ouvimos um pouco o noticiário — acrescentou, apontando para o
gêmeo. — Realmente foi muito complexo e histórico, isso pode
nunca ser esquecido! E o Dante estava lá!
— Eu gostaria de não ter enfrentado aquilo… — O senhor
soltou um suspiro sôfrego. — Ainda houve uma perseguição de
carros, todos os policiais elogiaram seu profissionalismo, Dante.
Mesmo ficando preocupadíssimos com seu ferimento na barriga.
— Ainda bem que Kali conseguiu ajudar Dante. — Joca
sorriu. — Mesmo ainda chocados com o fato de ele não ter ido ao
hospital!
— Já falei que minha ficha militar não é uma das melhores
— murmurou. — Eles iam perguntar o que eu estava fazendo e
começariam a me vigiar. Podia colocar vocês em risco. — O loiro
fitou Yan. — Deveria ter ido até meus amigos, mas a casa dos
Serpas estava perto e…
— A saudade bateu — soltou Thyra.
Nesse exato momento, o silêncio percorreu pela sala. O
loiro observou os lábios de Yan se mexer, mas nenhuma palavra
saiu. Serpa ignorou até mesmo o olhar dos filhos. O que era
estranho, pois ele nunca deixava uma brincadeira escapar.
Yan… Controlou sua língua afiada?
Após tal momento, o grupo começou a queimar todas as
fichas até que não restasse nenhuma para contar história. Fontana
se sentia aliviado por ver tudo aquilo sendo considerado passado de
um alguém que não existia mais. Cada dia seu peso ia saindo de
suas costas.
A vida normal possuía um leve aroma de hortênsias
recém-cultivadas.
Ao fim da tarde, os Serpas junto ao Dante, levaram Elias e
Thyra até a porta, teria de passar mais dois dias na casa de Yan até
sua mudança ser finalizada. Lilith, a motorista do idoso, já o
aguardava, por isso o senhor apertou a mão de Fontana e, pela
primeira vez, sorriu.
— Foi ótimo trabalhar com você esses anos, Dante. —
Sua voz carregava sinceridade. — Espero sairmos um dia, sabe?
Para conversarmos coisas avulsas.
— Você será chamado para o casamento, não se
preocupe. — Dante exibiu um sorriso de canto.
— É bom mesmo… — O senhor deu uma pausa. —
Senão você será preso.
Eles começaram a rir, duraram poucos minutos e Elias
trouxe uma expressão séria e agarrou o ombro do loiro.
— Estou falando sério — confirmou. Elias fitou os dois
adolescentes que estavam entre eles e continuou: — Visitem o
distrito algum dia! Mentes brilhantes são necessárias no meu
trabalho, adoraria ter vocês como meus detetives. — Sua voz
carregava sinceridade.
E o homem partiu. Thyra não mediu esforços e beijou o
rosto de Dante, despedindo-se e deixando o grupo. Joca e Joana
foram saltitantes em direção à porta de casa. Dante e Yan estavam
sozinhos, então o loiro decidiu se virar para Serpa e tomou coragem
de perguntar.
— Se sentiu desconfortável com algo que aconteceu hoje?
— O homem se aproximou. — Gostaria que dissesse caso… tenha
se sentido.
— Não, querido, não fiquei desconfortável com nada. —
Yan forçara um sorriso.
A mente de Dante alertou um perigo à vista, um grande
perigo! Mas não entendia a razão de a sua cabeça estar fazendo
esse alarde. E ignorando os avisos que sua mente fez, chegou mais
perto de Serpa, indo beijar os lábios do moreno.
Mas Yan desviou seu rosto.
— E com nada, eu digo absolutamente nada. Inclusive,
algo contigo, emburradinho — afirmou Yan, afastando-se de
Fontana. — Já que disse que eu deveria esquecer de que sou seu
parceiro, também não tem motivo para você me beijar, chupar ou
qualquer caralho.
— Mas que porra?! Por que isso do nada? — O homem
ergueu os braços, confuso.
— Nada, Fontana. Nada!

Após pequenas discussões contra Dante, Serpa recebera


uma ligação do cirurgião de Joca e após um longo diálogo com
várias anotações de Yan, finalmente desligaram. O empresário
chamou seu filho até ele e pediu para se sentar na poltrona da sala.
— O senhor está me assustando… O que foi que houve?!
— Joca arregalou seus olhos. — Foi a faculdade? Eu juro que o
teste de balística foi acidental.
— Que teste, Joaquim?! — perguntou ao fitar o garoto,
ignorando por alguns minutos aquela situação. — Enfim… Não é
isso. É que eu falei com seu cirurgião, sobre a redesignação sexual.
Joca pressionou suas mãos uma contra a outra.
— Bom… É uma cirurgia bastante avançada comparada
as que têm no mercado, seu médico é um brasileiro com muito
estudo sobre a transição sexual. — Yan sentou-se no sofá, em
frente ao seu filho. — Não terá nenhuma cicatriz à mostra como é o
caso da mastectomia, você conseguirá ter todos os… sentidos.
Seria igual a um packer, sentirá prazer e tudo. Está entendendo?
O garoto suava drasticamente, seu rosto estava pálido e
de corpo trêmulo.
— Joca… Eu sei que falar com seu pai como isso não
deve ser muito… confortável, mas…
— Não! Não é isso — murmurou. — Quer dizer… Não,
não é isso. É só que eu não quero. — O garoto pressionou suas
mãos contra o rosto. — Quero a mastectomia, claro. Mas a
redesignação eu vou deixar de lado. Sei que é o sonho para muitos
homens trans ter a possibilidade de poder ter um pênis sem o uso
do packer e tal, mas… não é o meu caso.
Yan arregalou seus olhos, mas ficara em silêncio,
aguardando o filho terminar de falar.
— Eu sei que você procurou o médico mais avançado que
temos atualmente. Fico muito grato, juro! Mas eu não tenho tido
muitas disforias, embora odeie saber que ainda tenho seio e uma
voz um pouco feminina… A psicóloga tem me ajudado muito a me
entender. — A voz embargada já se mostrava presente no garoto.
— A redesignação não é uma das opções para mim, me desculpe.
— Não se desculpe, Joca. — Yan seguiu até seu filho. —
Eu que devo desculpas, não perguntei a você sobre o que queria…
Pensei que gostaria de fazer essa cirurgia. — Serpa engoliu em
seco.
Embora não estivesse muito transparente em sua face,
Yan se encontrava muito orgulhoso de como Joca estava se
entendendo. Talvez fosse por sua psicóloga especializada nesses
temas ou pelo acolhimento que sua família teve quando Joca se
entendeu.
Joca estava feliz com a conversa que estava tendo com o
pai, Serpa sempre o entendeu melhor que sua irmã ou todos os
outros e, embora estivesse com vergonha de alguns temas, Yan
sempre o ajudou sem nenhum rodeio ou vergonha. Principalmente
no tempo de suas primeiras menstruações e cólicas, ou até mesmo
com o uso de seus hormônios.
Yan sempre esteve lá... Sempre. E com bastante orgulho.
— Então… Só a mastectomia mesmo? — o garoto
confirmou. — Ok… E não tem mais nada que posso fazer para o
meu filhinho? — Yan o abraçou, sentindo seu coraçãozinho calmo
por ter dito.
— Quero comer sorvete de menta e chocolate — disse
Joca, abraçando fortemente o outro.
— Meu Deus… Que morte. — Serpa gargalhou. — Como
você gosta de comer isso? — Yan beijou gentilmente a testa do
outro. — Caso você volte atrás, não se preocupe em me procurar.
Ok?
— Da cirurgia ou do sorvete? — perguntou.
— Os dois! — Riu. — Mas sério. Não terá problema se
você mudar de ideia, ok? Você é muito novo ainda, pode pensar em
outras coisas com o passar dos anos, é inteligente mudar de
opiniões, mas também continuar com algumas.
— Pai, relaxa! Eu não fiquei ofendido com a pergunta da
cirurgia. — Joca balançou a cabeça negativamente, rindo com o
nervosismo que Yan se encontrava. — Está tudo bem.
Yan concordou com a cabeça e beijou a testa de seu filho,
seu corpo estava trêmulo e nervoso, com muitos sentimentos dentro
de si. Era inacreditável ver sobre o que estava conversando com
Joca e como ser pai fora a melhor coisa que decidiu para si.
Serpa estava se tornando um pai que nunca teve para si.
E isso o deixava emocionado.

— Tenho um presente para ti — falou Dante, entregando


uma caixinha rosa e de lacinho para Tomás. — Conversei com seu
pai e ele disse que tudo bem te dar. Mas você quem decide se vai
usar.
Depois de dois dias com troca de farpas e deboche com
Yan, tudo voltara o normal, Dante já estava em sua nova moradia e
seus cortes não o faziam tão mal. A relação de Serpa e Fontana foi
de ótima e cálida para: eu odeio você, mas não se afaste o
suficiente.
Indicando que voltara para a estaca zero…
Era a primeira vez depois de seu desaparecimento, que
levava Tomás de carro para a escola e ambos sentiam saudade de
fazer essa trajetória. O garoto retirou o lacinho e abriu a caixa, nela
possuía o rosto de um lobo prateado, a corrente continha a mesma
cor. Os olhinhos de Tomás brilharam e seu sorriso era notório, seria
a primeira vez que recebera algo de Dante.
— Eu amei! — gritou. — Vou usar uma roupa da Jojo com
ele!
— Certo… — O loiro soltou um sorriso tranquilo. — Agora
aperte o focinho.
No momento em que o garoto fizera a ação, o celular de
Dante e o relógio que usava começaram a apitar fortemente, como
uma sirene alta e escandalosa. Serpa percebeu que se tratava pela
sua ação e apertou novamente o focinho, interrompendo o barulho.
— Quando você apertar o focinho, ele vai mandar sua
localização e apitar — explicou. — Sempre vou saber onde estiver.
E entendo se não quiser o colar. Você é um adolescente e quer
espaço, eu já fui um e entendo.
— Você já foi? — Tomás arregalou seus olhos, carregado
de exagero. — Então… tudo bem eu ir para a casa do Pitt? — A
homem assentiu. — Ir para a praia com a Luana? — confirmou. — E
para outra cidade com Ulisses?
— Só com um responsável de verdade, tipo a Kali —
rebateu, focando na estrada. — Não vou escutar nada, nem saber o
que estiver fazendo. Só saberei sua localização. Mas eu entenderei
se...
Tomás já tinha colocado o colar, antes mesmo de o
homem terminar sua frase. A alegria se fez presente no corpo de
Dante, mas apenas fingira costume, pelo menos, lutou para que
fosse isso a expressão que estava fazendo.
— Obrigado, mãe! — O garoto sorriu. — Mas me prometa
que você não terá um surto quando eu estiver na casa do Pitt.
— Sim. Não farei. Mas… — O homem fitava o semáforo,
aguardando que ficasse verde. — Precisamos conversar sobre a
sua nova vida sexual.
— Que… Vida sexual? — O rosto do garoto já começara a
dar nuances de uma pele avermelhada. — Nunca nem vi. — Tomás
fitou a maçaneta da porta do carro.
— Sei que você e o Pietro já estão entrando nessas…
nessas descobertas do que é o sexo — começou calmamente. — É
normal na sua idade você descobrir isso, mas… Os métodos
contraceptivos contra IST…
— Eu não estou preparado para essa conversa. — Por
uma ação impensável, Serpa puxou a maçaneta para pular do carro,
mas estava trancado. — Eu e ele não ficamos desse modo que está
pensando, na verdade, foram só uns beijinhos. Nada de mais.
— Mesmo assim, entenda que a camisi…
— Você e meu pai já transaram?! — perguntou o garoto,
em desespero, interrompendo a fala de Dante.
Em segundos da pergunta, Fontana se lembrou das vezes
que chupou Yan, logo depois, se lembrou de seus gemidos baixos e
o tremor das pernas de Serpa sobre o corpo forte de Dante.
E então, sua imaginação lhe pregou uma peça
pecaminosa, imaginando foder Yan com força sobre a mesa da sala
de trabalho. Fontana apertou forte o volante e estagnou sua
respiração, e sem pensar, pisou no freio com extrema força,
parando o carro. Se ambos não estivessem de cinto, a situação
seria horrível.
Tomás soltou uma gargalhada alta, ao perceber o total
desconforto do loiro e como parou o carro de maneira brusca
próximo à sua escola.
— O foco… — O secretário fechou seus olhos, lutando em
manter a seriedade. — Saiu totalmente do foco da conversa!
— Graças a Deus! — O garoto voltou a gargalhar.
— Eu e seu pai nunca nem mesmo nos beijamos! —
afirmou, com convicção. — A não ser naquele dia que você nos
forçou junto com Joana, a darmos um beijo na frente da família de
vocês. — Tomás se fez de desentendido, como se não tivesse feito
exatamente isso. — Não se faça de louco, você é um demoniozinho
articulado!
— Era uma brincadeira. — O menino exibiu sua língua,
enquanto dava de ombros. — Foi legal, vai.
Sim, foi, pensou Dante.
— Não, não foi — respondeu. — Agora vá para a aula. —
E destrancou a porta.
O garoto abraçou o loiro, ainda estava rindo da situação
que deixou Dante. Ao se despedir, saiu do carro e começou a
caminhar em direção a Luana e Zaire. O homem iria embora, mas
achou melhor fazer Tomás experimentar um pouco do próprio
veneno.
Então o loiro buzinou e a atenção do jovem se voltou para
ele.
— E a conversa sobre camisinhas fica para mais tarde! —
gritou Dante, ligando o carro e saindo.
Tomás fechou seus olhos e pressionou suas mãos contra
o rosto. Seu corpo estava vermelho, pois não fora apenas casal e
ele que escutaram – nem se fosse apenas eles –, os demais alunos
também! Céus…
— O que foi isso? — Zaire gargalhou, ao ver a expressão
envergonhada do melhor amigo.
— Pelo visto os Serpas são bem abertos com isso —
alegou Luana.
— Não quero falar sobre isso — sussurrou.

Sábado, era dia de folga. E Dante dormia tranquilamente


em sua grande cama de casal. O dia estava ensolarado, como
sempre gostou. Os pássaros cantavam em sua janela e seu corpo
dava sinais para acordar. Bom… Normalmente era apenas esse
sinal que seu corpo fazia.
Mas naquele dia, por algum motivo, era um dia diferente
dos demais.
O loiro espreguiçou-se e sentiu uma leve vontade de
urinar. Mas ao levantar seu corpo forte para sentar-se, dera de cara
com algo que não via em torno de quatro anos… Uma ereção
matinal. E, claro, seus olhos foram arregalados e o dom da fala fora
perdido. Dante Fontana se encontrava perplexo, como se estivesse
vendo o próprio Robert Downey Jr. na sua frente. Não sabia o que
falar ou agir.
Era inacreditável.
— Cacete! — gritou. Abaixando seu short moletom e
observando seu membro. — A que Deus eu agradeço essa porra?
Caralho!
Fontana passou alguns minutos tentando processar
aquela cena – e detalhe, a ereção não diminuía em momento
nenhum. E de repente, a porta fora aberta, era Liam e Marcel.
— Que foi, cara? — Marcel perguntou, com um pão em
processo de mastigação na sua boca. — Está tudo…
— Como entraram na minha casa? — perguntou,
calmamente, colocando o travesseiro em cima de seu quadril.
— Hã… Com a chave? — Liam falara, exibindo obviedade.
— Acabou o suco e os pães, atacamos sua geladeira e estamos
merendando. Vem comer, fizemos um sanduíche.
— Estou indo, deixa… Deixa. — E soltou um suspiro,
continuava com o amiguinho ativo. — Eu vou. Um minuto.
— Beleza, termina de bater uma, ou qualquer coisa que
esteja fazendo. A gente te espera. Mas pelo amor, lave as mãos —
respondeu Marcel, fechando a porta e recebendo um puxão de
orelha de Liam. — O que é? O pedestal estava bem reto ali, tu não
viu?
Os homens fecharam a porta e Dante seguiu até o
banheiro – que nessa nova casa, possuía em seu quarto. Não era
mais costumeiro estar daquele modo, tudo parecia novo, então,
antes que conseguisse algo, a porta do banheiro fora aberta com
rapidez e força, fazendo Fontana estremecer de susto.
Marcel e Liam não sabiam o significado da palavra
privacidade.
— Cara… Você está bem? — perguntou Marcel, fitando o
short do amigo. Liam, ao perceber, beliscou o braço do outro. — Ai!
Já disse para você parar com essa porra!
— Dante, você está estranho, cara. — Liam ignorou a fala
do amigo. — Tipo… Por que gritou? Aconteceu algo? Você está
mais branco do que de costume.
Durante esses anos, nunca contara sobre sua impotência
para William e Marcelo, tinha vergonha de contar algo do tipo,
mesmo que algo em sua cabeça dissesse que era natural, seu
orgulho era afetado. As únicas pessoas que contara fora Elior, Yan,
Thyra e sua sexóloga.
O homem continuava de costas, apenas sentindo a
preocupação de seus mais fiéis amigos.
— Ok. — Suspirou o loiro. — Me deem vinte minutos para
eu digerir, que explicarei. Tenho escondido algo, acho que tudo bem
contar agora.
— Tudo bem. Mas se você tiver contado para a Thay
antes, como fez quando beijou o Yan, teremos problemas. — Marcel
bufou, começando a fechar a porta. — O papo é necessário uma
cerveja?
— É provável que sim. — E fechou a porta, soltando um
suspiro. — Devo agradecer ou gritar? — perguntou para si.
— Então você era brocha? — Marcel soltou, com a boca
cheia de pão.
— Eu não gosto desse termo — contestou Dante, fitando o
teto.
Os três amigos estavam sentados na sala do loiro, Marcel
e Liam sobre o sofá acinzentado do homem e Fontana em sua
poltrona de couro preto. Virgílio estava em seu colo, recebendo um
bom carinho na barriga. Tico e Teco tinham escutado muito bem a
história sobre a impotência do outro, mas continuava sendo
inacreditável.
— Pau mole, então? — sugeriu Marcel.
Ao escutar isso, o loiro pegou a almofada que se
encontrava em cima de si e arremessou na direção do amigo com
rapidez e força. O homem conseguiu agarrar o objeto antes que
chegasse ao seu rosto, mas estava pedindo a Deus que Dante não
jogasse o abajur que se encontrava ao lado dele.
— Por isso eu não contei! — gritou. — Olha, por Deus!
Como eu explico? — Dante soltou um suspiro e voltou a fitar a
barriga do mascote, soltando uma risadinha ao ver a felicidade do
Pit Bull. — É a primeira vez que eu acordo com uma ereção depois
de tanto tempo, é tudo muito novo.
— A gente pensou que você não trazia mais homens,
porque tinha enjoado de transar sem sentimento ou surgiu noção na
sua cabeça — cogitou Liam. — Nunca imaginamos que você não
estava conseguindo fazer sexo. Talvez estivesse indo a motéis, sei
lá.
— E falando com toda a seriedade que consigo… —
Marcel soltou um suspiro. — Estou chateado contigo. Deveria ter
dito, a gente te ajudou com coisas piores. O que te faz pensar que
iríamos tratar você diferente?
— Fiquei muito inseguro em contar. — O loiro fez uma
pausa. — Antes eu era tão desejado. Então, de repente, eu fico
inseguro de até mesmo beijar um cara e saber que… não vou
conseguir satisfazer ele como quero.
— Mas o sexo sem penetração? Nem isso? — perguntou
Liam.
— Mesmo assim, eu não sentia prazer nenhum. Eu passei
esses dias… satisfazendo o Yan e eu percebi o quão nervoso ele
ficava, às vezes, achando que eu não sentia tesão por ele, sendo
que… — O loiro estagnou sua respiração, lembrando-se dos seus
momentos com o empresário. — Puta que pariu.
— Entendemos! — Liam interrompeu. — Mas você está
melhor, certo? E isso não é bom?
— É, mas… Eu preciso ver a Graça e falar com ela. — O
homem se levantou e seguiu até a geladeira, colocando seu
cachorro no chão. — Como eu disse, eu fui ao urologista e ele me
encaminhou para a Graça, que é minha sexóloga.
— Isso é tudo psicológico?! — Marcel arregalou seus
olhos. — Espera! Teu pau não levantou por quatro anos só por
causa das merdas que tu pensou?
— Marcel, se você gritar novamente, eu juro, por tudo que
é mais sagrado, que eu vou quebrar esse seu rostinho bonito —
afirmou o homem, retirando uma garrafa de cerveja da geladeira e
abrindo a tampa com o dente. — E sim, é por isso. Fiquei tão
pensativo por esses anos em ser um cidadão… estava me sentindo
tão pressionado… que o pau não subia — revelou, enquanto jogava
a tampinha na lixeira ao lado.
— Eu ainda não consigo entender por qual razão você não
nos contou — exclamou Liam, apoiando sua perna direita sobre a
coxa de Marcel.
— Como se vocês me contassem tudo. — Dante fitou a
dupla. — Tenho quase certeza, que aconteceu algo e vocês nunca
imaginaram me contar… — soltou, dando um rápido gole na bebida.
— O que está querendo dizer? — perguntou a dupla, em
um único som.
— Nada! — Dante soltou uma risada. — Mas vocês são
muito amigos, certo?
— Igual como somos contigo. — Marcel forçou um sorriso.
— É, mas na casa antiga vocês dormiam no mesmo
quarto, colocando a culpa no problema financeiro de ter apenas dois
quartos, certo? — o loiro mencionou, em seguida ambos
confirmaram. — Mas agora, a gente tem dinheiro o suficiente para
uma casa com três quartos e uma casa minha com dois quartos e,
mesmo assim, vocês ainda dormem no mesmo quarto…
— A gente não é gay — afirmou Liam.
— As siglas B e P do LGBTQIAP+ não são de biscoito e
polvilho! — respondeu de maneira ríspida. — Vocês têm algo a me
contar?
— Que a gente não é gay — afirmou Marcel. — Dormir de
conchinha com o melhor amigo é crime? Seu gay de masculinidade
frágil!
— Em particular eu chamo isso tudo de brotheragem. — O
homem sorriu.
De repente, Thyra abriu a porta com força, carregando
sacos enormes de comida. A mulher sempre gostava de ir sozinha
ao supermercado, pois Marcel e Liam amavam comida pronta e
Dante sempre gostava de produtos mais caros. Virgílio, ao ver a
mulher, correu em direção a ela, enfiando seu focinho nos sacos.
— Entrei na nossa casa e vocês não estavam lá. Se a
gente vai passar vinte e quatro horas com o Fontana, por que não
moramos juntos?! — Thyra gritou, soltando as sacolas na entrada.
— Virgílio, calma! A tia trouxe petisco… Está rolando uma reunião e
não me chamaram?
— O Dante é brocha! — soltou o homem de olhos azuis
rapidamente.
— Ah! Contou a eles? — Thyra seguiu até o loiro. — Está
tudo bem? Por que disse agora?
— Eu vou socar ele — sussurrou o outro, abraçando a
mulher. — Contei, porque estou melhor.
— É? Você quer testar? — A mulher o olhou com malícia,
mas logo em seguida riu. — Isso é ótimo, já contou para o Yan?
— Por que ela sempre sabe primeiro que a gente das suas
coisas? Isso é muito injusto! — resmungou o mais baixo, afastando
a perna de Liam com delicadeza e seguiu até as sacolas.
— Bom, primeiro que eu não julgo o Dante — rebateu a
mulher. — Na verdade, parar de escutar o tanto de macho
gemendo, já me acalmou. — Thyra recebeu o olhar furioso do
amigo. — Qual é! Ninguém gostava de escutar aquilo, era um
inferno.
— Oh, Dante, você é tão forte! — Marcelo imitou a voz de
Elior, enquanto fingia uma respiração pesada.
— Isso, mais força, mais força. — Liam fizera a mesma
coisa.
— Acaba com seu putinho! — completou Thyra.
De repente, o trio de amigos começara a imitar gemidos e
falas que os antigos parceiros do homem soltavam, com isso Dante
apenas revirou seus olhos, escondendo seu rosto sobre suas mãos
e tentando esquecer o quão sem-noção era.
— Entendi! Eu era um babaca! Entendi! — respondeu,
fitando seu celular que se encontrava no balcão e desbloqueando-o,
sua sexóloga ainda não o respondera. — Eu tenho um pedido para
fazer.
— E quando não pede? — Liam gargalhou.
— Preciso falar com a Graça e saber o que está
acontecendo comigo. — Suspirou. — Como eu vou falar isso para o
Yan… — Dante pressionou seus dedos sobre o osso de seu nariz.
— É só dizer que está tudo bem e ele vai pular em cima.
— Thyra riu, imaginando a cena. — O Yan vai ser o problema mais
gostoso que você resolverá em toda a sua vida!
A imaginação de Fontana começou a trabalhar
novamente, lembrando-se do gosto de Serpa misturado ao gin.
Soltara um suspiro sôfrego e fechou seus olhos. Mas ao fechá-los,
lembrou-se da visão de Yan arqueando suas costas, enquanto
agarrava seu mamilo e soltava um gemido manhoso de seus lábios.
Dante… Você vai me enlouquecer se continuar assim, o
loiro lembrou o sussurro do empresário. Era doce e erótico.
— Vou ao banheiro. — Bufou, levando o celular consigo.
— Poxa, mas o que será que ele vai fazer? — Marcel
começou a gargalhar.
— Acredita que eu não sei? — Thyra respondeu ao amigo.
Enquanto colocava suas mãos sobre a cintura.
Enquanto caminhava, o homem ergueu seu braço e
mostrou seu dedo do meio. Seus amigos começaram a rir mais alto.

Graça era uma sexóloga formada há dezoito anos. Seu


trabalho tinha foco em cuidar da vida sexual de casais e homens em
processo de recuperação de sua impotência. Seu público era
bastante diverso, mas normalmente atendia LGBT+. Dante Fontana
era um caso deles.
Um homem gay, forte e com sérios problemas de
socialização, temperamento e situações onde exigiam calma e
emocional mais preparado. Possuía vinte e nove anos, fazia quase
quatro anos que não se masturbava ou tinha relações sexuais
devido a uma impotência causada por seu psicológico devastado.
Fora isso, possuía um corpo saudável.
A mulher sabia de tudo que acontecia com seus pacientes
e assinava um contrato de sigilo, mas para saber sobre a vida do
militar, tivera que assinar três papéis e concordar que, caso fosse
sequestrada, nunca contaria assuntos secretos envolvidos na vida
do rapaz. Graça tinha que admitir que fora arriscado em concordar.
Graças aos deuses, só ocorreu uma ameaça, mas Dante
logo jogou o lixo fora. Fontana gostava muito de sua sexóloga e isso
era fato. Mas naquele momento, a mulher estava de férias e não
atendia suas ligações. No momento em que mais necessitava dela.
A sexóloga estava deitada sobre a cadeira de praia
amadeirada, a garrafa de vinho estava sobre uma mesinha e seu
livro preferido sobre seu corpo gordo e belo. Ela estava
aproveitando a praia de Porto Do Sol.
Graça tinha em torno de cinquenta e nove anos, sua pele
era preto retinto, seu cabelo cacheado com suas pontas loiras. Seu
biquíni combinava perfeitamente com a mulher, deixando-a mais
bela.
— Preciso falar com você. — Era Dante, o seu paciente
mais assustador.
A doutora dera um grito, fazendo as pessoas ao seu lado
a olhar. Graça estremeceu dos pés à cabeça com a voz grossa de
Dante, então se levantou de sua cadeira num pulo, ficando de frente
a Fontana. Dante usava uma bermuda de praia de tom preto e uma
regata branca, exibindo seus braços recheados de cicatrizes.
— Oxe, menino! Como tu me encontrou? — A voz de
Graça falhara um pouco, o susto fora grande.
— Seu Instagram. — Dante exibiu um sorriso sem graça.
— Seus compilados de stories me fez saber sua localização.
— Dante. — A mulher fitou seus olhos negros. — Já
falamos sobre isso…
— Mas eu precisava muito te ver! — respondeu. — Venha
comigo, eu quero apenas uma hora contigo.
— Eu estou de férias — sibilou a mulher.
— Graça, eu estou implorando — murmurou,
aproximando-se da mulher.
— Férias. Daqui a três semanas conversamos. — A
senhora pegou seu livro que havia caído no chão, seu vinho e virara
as costas para Dante. — Até lá, não faça isso. É realmente
assustador… Eu vou bloquear esse maluco do Instagram! —
sussurrou.
Fontana correu em direção à senhora, estava disposto a
implorar.
— Me ajuda, sério! — Dante olhou de um lado para o
outro e sussurrou. — Eu estou… Conseguindo me excitar. — Seu
rosto se tornou rubro. — Eu estou feliz, mas quero muito a tua
ajuda.
Saber que Dante podia estar melhor fez seu coração se
derreter, a mulher gostava muito daquele pirado para negá-lo algo.
O loiro parecia um cachorrinho pedinte, então Graça fechou seus
olhos e virou seu corpo, fitando o rapaz.
— O dobro do preço — rebateu ela.
— Lhe darei o triplo — respondeu. — Podemos?
— Vamos. — A mulher revirou seus olhos. — Estou
hospedada em um hotel aqui perto. — O homem a seguiu, fazendo
um gesto com a mão para seus amigos. — Sério que você
descobriu onde eu estava pelo Instagram?
— Você fez check-in no hotel e eu vim aqui — respondeu.
— Não farei mais isso.
— Você sempre vai ser assim? — A mulher soltou uma
risada e afagou sua mão sobre os cabelos loiros do outro. — Vou
falar como amiga, ok? — o homem concordou. — Se você fizer isso
de novo, eu arrebento sua cara.
— Aceitarei de bom grado — respondeu.

— Entendi — falou a senhora, enquanto escrevia em seu


caderno. — E você sente prazer em todos seus pontos, como
antes?
— Como se estivesse de novo na puberdade —
respondeu. — Os orgasmos são mais… intensos.
— Tem controle durante a masturbação?
O homem concordou e Graça escreveu novamente. A
mulher estava de vestido florido, sentada na cadeira de seu quarto
de hotel, enquanto o loiro andava de um lado para o outro, como se
estivesse inquieto nas perguntas.
— Quantas vezes você está se masturbando por semana?
— Quatorze — respondeu, engasgando-se um pouco.
— Duas vezes ao dia? — A mulher o fitou, parando de
escrever. Dante concordou. — Está usando algum acessório?
— Não. Não sei se isso funcionaria comigo.
— Vibradores e plugs funcionam com todo mundo. Talvez
você sinta prazer mais com um do que com outro. Nunca pensou
em testar?
— Um dia.
— Ok. Você que decide o que lhe satisfaz — respondeu,
fitando o corpo do outro. — Assistindo pornografia?
— Não preciso. — E de repente, parou, fitando o quadro
roxo do quarto. — Eu… provavelmente… estou apaixonado por uma
pessoa.
— Yan Serpa? — A sexóloga perguntou.
— É — sussurrou. — Eu…Amo… Amo muito ele.
— Você se imagina transando com ele?
— É. — Dante pressionou seus lábios, seu rosto já se
encontrava vermelho. — Mas talvez eu demore a contar, você
sabe…
Dante possuía uma enorme vergonha de seu corpo
grande e suas cicatrizes espalhadas. Graça sabia exatamente disso
e odiava ver um homem tão belo e doce se sentir daquele modo,
porque não era magro.
Sem falar que Fontana sempre considerou Yan alguém
belo e charmoso, não conseguindo se comparar à beleza do homem
que tanto amava. Graça tinha mais trabalho do que todos
imaginavam, afinal, Dante sempre fingiu estar tudo bem com o
corpo que tinha.
— Certo, mas considero que você seja sincero com seu
parceiro. Pois, se você quer sentir prazer, ele também irá. Esteja
preparado para contar, mas que seja logo.
— Eu vou contar — murmurou.
— Sobre seu corpo… Sei que tem muitas inseguranças
com ele, mas gostaria que trabalhasse aos poucos com isso, se
olhasse mais no espelho e fosse mais positivo consigo.
— Isso é difícil, mas poderei tentar.
— Então, Dante… — Graça fitou seu relógio. — Nosso
tempo está acabando, mas eu estou bem orgulhosa de você. Sua
impotência era causada por seus assuntos pendentes como
mercenário e tê-los abandonado totalmente, fez você voltar ao seu
cotidiano. Claro que a falta de uso da cocaína, o afastamento de seu
antigo prostituto e o sentimento de acolhimento que você tem
recebido dos Serpas, também ajudaram.
— Você não precisa checar mais nada?
— Estou vendo seus exames atuais. Tudo normal, a não
ser o colesterol. Antes ele estava bem alto… O que você fez?
— O Yan é vegano e a gente sai muito para comer.
— Entendi. — Ela sorriu. Graça se levantou de sua cadeira
e se aproximou do homem. — Estou feliz em saber que você está
bem e, por isso, eu tenho um presente. — A mulher apertou as
bochechas do homem e seguiu até a cômoda. — Ia dar de presente
ao meu namorado, mas sei que você gostará tanto quanto ele.
Era uma caixa pequena, revestida de tons vermelhos e
uma fita preta. Dante retirou a tampa e dera de cara com um objeto
lacrado e do tamanho da palma de sua mão, ele era roxo.
— Meu Deus do céu. — O homem fitou o produto,
estático. — Por que roxo?
— Você tem problemas com cores agora? — ela
perguntou, pensativa. — É um estimulador de próstata. Como você
disse que nunca tinha testado um… Pode usar isso.
— Ele vibra?
— Não. — Ela conteve o sorriso. — Mas todos os meus
pacientes falam bem. Se quiser, você pode me devolver. Não
acharei ruim.
Dante fitou por alguns segundos o objeto, soltou um
suspiro pesado e logo decidiu.
— Vou ficar. Obrigado. — Ele colocou o produto na
caixinha e o fechou. — Peço perdão por interromper suas férias. —
Dante a abraçou. — Então, até daqui a três semanas?
— Sim. Conte de todas as suas aventuras. — Ela sorriu,
afagando suas mãos sobre o rapaz e seguindo até a porta. — E use
camisinha, por favor.
Depois de rápidas falas, um grande pagamento para a
mulher e uma despedida sincera, Dante ficara parado no corredor
do hotel, com um novo brinquedo que, provavelmente, nunca usaria.
Era impressionante como sua vida estava de cara e gostos novos.

— Liam. — A voz de Marcel era rouca e baixa, o homem


sussurrava no ouvido do amigo. — Acorda. Liam.
— Hum — murmurou Liam, revirando seu corpo na cama
e agarrando mais ainda o corpo do amigo. — Deixa… Eu… Dormir.
— E se o Dante estiver certo com o que ele falou mais
cedo da gente? — Marcel deitou o corpo de Liam debaixo dele,
ficando em cima do peitoral do amigo. — Tipo, a gente se beija,
dorme junto e… Bom… Pois é.
Os dois dormiam juntos na mesma cama, aquele dia era
mais um dia comum na vida dos rapazes. Talvez, se tivessem
melhores amigos mais rudes, ambos não teriam se juntado daquela
forma.
Dante pouco se lixava para algo relacionado à
sexualidade, Thyra já possuía problemas amorosos demais. Já
Antero… Bom, o sargento mandou Fontana ir se foder apenas pelo
fato de ter medo em contar que era gay.
O problema era que, por conta dessa proteção fraternal
que tiveram dos amigos, acabaram desclassificando qualquer coisa
que fosse o relacionamento deles, taxando como bons amigos.
Dante, Marcel e Liam já se beijaram, então tudo bem Liam e Marcel
fazerem isso frequentemente.
Sem que ninguém saiba.
— Amigos fazem isso. — Liam alisou a nuca do outro,
causando um arrepio. — Por que está tão preocupado sobre o que
somos agora?
— O Dan falou aquelas coisas e eu, meio que, fiquei
pensativo — justificou, debruçando sobre o peitoral nu do outro. —
Aí, eu lembrei no tempo da guerra. Quando o Dan disse que se
alguém tivesse problema em dormir ao lado de um gay, que
dissesse a ele e resolveriam no braço. Lembra?
— Lembro… Lembro sim.
— E se nós tivermos nos aproximado dele depois daquilo,
porque a gente seria acolhido por um cara gay, por conta do que o
resto da galera do quartel pensaria? — perguntou, dedilhando cada
centímetro de pele do outro. — Tipo… Será que a gente é um
casal?
— Mano do céu — murmurou Liam. — A gente é a gente,
Marcelo. Não precisa oficializar nada. Eles já devem ter um pouco
de certeza de que quando eles saem, a gente se come. E eu não
quero ficar com alguém além de ti.
— Também não quero.
— É necessário oficializar?
— Talvez… Eu gostaria.
— Tudo bem então. — Liam beijou os lábios do outro com
rapidez. — Mas aí a gente teria que fazer as coisas de gay, igual ao
Dante faz… Tipo…
— Eu não vou dar o meu cu. Por que não podemos ter
uma relação sem isso? — Marcel rebateu. — Ele não é fichas para
estar em jogo.
— Muito menos o meu.
— Certo. Boa noite. — Marcelo colocou sua cabeça sobre
o peitoral do homem e fechou seus olhos.
— Então, falaremos para eles amanhã?
— Não vai rolar porra nenhuma de oficialização não,
William Rodrigues Penha!
— Oh, caralho! Se decide!
— Não vai rolar. Boa noite, William — rebateu Marcelo,
encaixando seu corpo sobre o corpo do outro.
— Mas…
— Boa noite, William!
— Boa noite! — O outro dera um beijinho rápido na testa
de Marcel, mesmo furioso com a ação que fizera. — Maluco —
grunhiu.
— Ele é um garotinho bonito, sabe? Tem o cabelo lisinho,
é baixinho e tem uma voz meio fina. — Antero estava fitando a
xícara de café. — Parece uma garota, se você olhar de relance.
Deve ter mais ou menos um metro e sessenta de altura… O único
problema, é que ele é branco e rico.
Sandra, uma grande amiga de Antero e mãe de Luana,
era uma mulher negra de estatura baixa, seu cabelo era cacheado e
sem definição, indo até sua cintura. Sandra estava preparando seu
café da tarde, enquanto o homem se encontrava sentado à mesa,
aguardando a bebida.
— Branco… Você está com medo de que tudo se repita?
— perguntou a mulher, procurando torradas na geladeira. —
Realmente, não sei como posso te aconselhar com isso, ninguém
da minha família é gay ou se relacionou com brancos. Mas tenho
uma sobrinha que é sapatão.
— Estou confuso — murmurou o homem. — Nunca
precisei lidar com isso, eu pensei que Pietro era hétero. De vez em
quando ele levava umas garotas lá em casa e elas só iam embora
de manhã. Mas então, quando chego em casa, vejo um branco
cheio de marcas no pescoço!
— Deve ter sido engraçado. — A mulher riu.
— E se… As mulheres fossem homens vestidos? —
comentou ele. — Estou ficando louco?
— E se… Fossem mulheres e seu filho gosta das duas
frutas? É uma possibilidade bacana — rebateu.
— Escuta, você… Você veria problema se a Luana
aparecesse com uma garota? E depois com um garoto?
Sandra sentou-se na cadeira ao lado do amigo e fitou a
jarra de abacaxi que tinha no meio de sua mesa.
— Boa pergunta — ela respondeu. — Acho que sim… Não
sei. A Luh já é tão rebelde e teimosa! De vez em quando aparece
com alguns roxos por causa das manifestações que vai, sem falar
nos decotes que ela usa… Sempre aviso para não sair tão tarde
daqui de casa. O namorado dela me ajuda muito, mas, mesmo
assim… — Sandra pressionou as mãos sobre seu rosto. — Acho
que ficaria com mais medo do que fariam com ela, do que ela ser,
sabe?
Antero concordou, observando a expressão angustiada da
mulher.
— Mas o mundo está mudando também. Eles não estão
passando por coisas tão pesadas como a gente passava quando
tinha a idade deles. — Sandra se levantou de sua cadeira e seguiu
até o fogão. — A gente viu preto morrendo só por estar em um carro
mais chique. Pelo menos o Pietro pode andar de moto sem ser
perseguido muitas vezes.
— Não exatamente. Pararam ele no dia que ele comprou a
moto. — Bufou. — Ele acelerou para chegar em casa… Ai já viu.
Bateram o rosto dele no capô do carro da polícia, mas aí quando
viram a nota fiscal e a identidade, o deixaram ir. — Antero apertou a
xícara com força, lembrando-se do machucado que seu menino
teve. — E se esse branquelinho tiver só brincando com meu filho?
Quem me garante que ele não é um racistinha?
— O Pietro estar com ele deve ser uma explicação de que
ele não é racista, Antero. — A mulher colocou o café na garrafa
térmica e depois entregou ao amigo. — E… se esse garoto é gay,
logo ele não é racista. É assim que funciona, não?
— Existem LGBT racistas, como existem negros racistas,
Sandra. — Antero deu um grande gole no café. — Pelo que entendi,
uma coisa não anula a outra.
— Mas como é isso, macho? — A idosa cruzou seus
braços. — Ambos não estão sendo fodidos por preconceituosos?
Não! No meu tempo, as causas eram mais juntas.
— Acho que nunca foi… E a gente só nunca percebeu. —
Antero fitou o teto e bufou. — Já pensou nisso?
— Não. Estava muito ocupada cuidando dos meus irmãos
e procurando um emprego — disse. — Conversa com teu filho,
Antero. Tenta saber o que ele é, ou ajuda, sei lá. E se ele quer
namorar um branco, que mal tem? Você disse que ele era rico?
— Se lembra daquela entrevista que eu te mandei pelo
zap? — perguntou, colocando algumas torradas na boca. — E que
tu riu por causa da briga entre o entrevistado e o entrevistador? —
Sandra anuiu. — É o pai do guri que meu filho está ficando.
A mulher arregalou seus olhos.
— Pois é aí que você tem que tratar esse menino bem! —
Sandra bateu nas costas do homem com certa força, fazendo-o se
engasgar com as bolachas. — Rico tem mania de mimar pobre.
Imagina o que ele pode te dar.
— Você é muito interesseira! — Antero gargalhou alto.
— Rum. — Sandra riu. — Sou realista, meu filho. Nesse
país você só vira rico se for corrupto ou filho de herdeiro — caçoou.
— Converse com seu filho e pergunte se ele é viado.
— Eu vou mulher! E esse termo viado é errado… —
Sandra o olhou confuso. — Sim, é errado.
— Tudo bem, desculpe… Mas trate o Pietrinho direito,
cuidado com suas palavras. É um rapaz tão doce, lutei tanto que a
Luana e ele ficassem juntos! E olha agora! Pelo menos Zaire é um
rapaz bom!
— Eu vou querer mais café, Sandra. — Antero sorriu. — E
não se preocupe, vai dar tudo certo.

— Me deixa falar. — Era Yan, com sua mãe ao telefone. —


Me deixa… Deixa… Mãe. — O homem soltou um suspiro. — Puta
que pariu…
Yan estava sentado em sua poltrona na boate YFEMA,
enquanto observava sua família se movimentar pelo grande salão,
conversando e se sentindo amável, mesmo que eles não
estivessem conversando consigo.
Serpa odiava sua mãe e todos de sua família – mesmo
tendo sentimentos complicados com a irmã, gostava um pouco dela.
Ter saído daquele local, fora a melhor ação que fez. Mas dona Mel,
sua mãe, sempre ativava os piores momentos de sua vida, apenas
em conversar com ela.
Mas teria que aguentar, até a mulher esquecer essa ideia
idiota de tirar Tomás dos seus braços. E o empresário sabia por qual
motivo ela queria passar esses simples dois anos com seu filho e
não seria para cuidar dele. Mel e os demais familiares queriam o
dinheiro de Yan e sabiam que se ficasse com o menino, Serpa daria
tudo que eles quisessem.
Era sempre assim, eles subestimando o gênio Yan Serpa.
— Eu entendi. Piquenique, dois dias olhando para sua
cara e dos demais da família. Que excitante! Ele vai, meu noivo vai
sim, estou pouco me fodendo se você não gosta dele, ele estará lá e
é melhor a senhora tratá-lo bem. O trato era esse, a senhora queria
que eu estivesse noivo e aqui estou, com um cara incrível. — Yan
viu Joca se aproximar e estendeu sua mão. — Não, eu não vou
levar elas. Levarei meus filhos… Porque elas têm que cuidar da
empresa delas… sim delas… Sim, mãe, filhos! No plural!
O garoto exibiu um sorriso e se sentou ao lado de Yan,
abraçando o corpo magro do empresário que sentiu o afago do
garoto. Serpa tinha que agradecer muito para todos aqueles que o
amavam.
— Você não manda em porra nenhuma da empresa, mãe.
Foda-se, a senhora não tem nada a dizer delas. Por favor, não use
esse termo… São mulheres sim! Mãe! — Yan apertou seu celular
com força, mas recebeu um abraço forte de Joca. — Até daqui a
alguns dias, no piquenique, tenha uma boa noite. Não temos mais
porra nenhuma para conversar, boa noite.
— Eu a odeio — murmurou Joca, soltando um sorriso.
— É, eu também. Mas não fale assim da sua vó. — Yan
encostou sua cabeça sobre a de Joca e envolveu seus braços no
pescoço do garoto. — Odeio mais ainda quando ela chama a Mada
e Felícia de homens e desconsidera vocês como meus bebês! —
Bufou. — Quem ela pensa que é?
— Mas ei… — Joca murmurou. — O Ton-ton vai voltar
para a casa dela?
— Espero que não — respondeu. — Estou fazendo de
tudo para que isso não aconteça, o que será da nossa família se
estiver incompleta? — disse Yan, mas seu sorriso se desmanchou
ao ver o número de Narciso em seu celular. — Joca, é melhor você
tampar seus ouvidos — pediu.
Yan, fervendo em raiva, atendeu o celular.
— Três minutos — respondeu, antes que seu ex falasse
algo. — Você tem três minutos para falar o que porra você quer,
começando… — E acionou seu cronômetro. — Agora.
— Você ainda está com seu secretariozinho? Por que não
me ligou?
— Estou com o Dante e para que eu ligaria?
— Está indo longe demais com tudo isso, Yan — rosnou o
homem. — Esse homem não quer nada contigo. Você tem que
admitir que somos almas gêmeas!
— Já viu demônios terem alma gêmea, Narciso? Somos
caralho nenhum, a gente terminou. — Yan gargalhou. — Sério,
procura outro pau. E não me liga!
— É melhor você mudar esse tom de voz comigo, Yan. Eu
estou te avisando o que pode acontecer contigo se você não
terminar com o Dante. Vai ser sério! — gritou Narciso. — Eu vou
acabar contigo. É melhor desistir dessa ideia.
Yan começou a gargalhar.
— É? — O homem riu, cruzando suas pernas e
pressionando sua unha contra seus lábios. — E o que você vai
fazer?
— Vou acabar com o Dante! — gritou novamente.
E Serpa caiu na gargalhada, lembrando de quem era
Dante Fontana e o quão monstruosa sua ficha criminal já foi um dia,
recordando-se de todos os papéis que jogou ao fogo.
— Ai, meu Deus! — Yan perdeu sua voz enquanto ria. —
Não… — Ele fez uma pausa. — Sério… — prosseguiu um pouco
mais.
— Do que você está rindo, seu empresário idiota?! —
Narciso rosnou.
— Ah, querido, tem que chupar muito pau para chegar aos
pés do meu homem. — Gargalhou novamente. — Pode tentar,
Narciso, você vai bater nele? Faça isso quando eu estiver por perto,
sério. Vai ser maravilhoso… E olha, deu três minutos! Adeus.
Mesmo escutando o berreiro que seu ex-namorado
soltava, Yan desligou. Conversar com Narciso fora mais revigorante
do que imaginou, Serpa estava convicto de que sua maré de azar
estava terminando. Mesmo possuindo um ex-namorado estranho e
uma mãe narcisista.
— Desculpe fazer você escutar isso. — Serpa apertou o
ombro de Joca. — Mas eu precisava dizer aquilo, não tinha outro
momento melhor.
— Acho que é melhor esconder um pouco esse amor pelo
Dante ou ele vai descobrir mais rápido do que o senhor pode
imaginar. — O garoto gargalhou.
Yan fitou as hortênsias do vaso e dera um sorriso bobo.
Desde o sexto mês que Dante estava em seus sentimentos
profundos, mas, ultimamente, com tudo aquilo ocorrendo em sua
vida, seus sentimentos se misturavam entre amor e raiva. O
empresário passou alguns minutos parado, pensando em tudo que
aconteceu desde o pedido, então… Ao ver que Joca estava rindo da
expressão do homem, decidiu intervir.
— Acho que não consigo mais — revelou e deu algumas
batidinhas em sua cabeça. — Não consigo mais…

— Será que eles vão demorar muito? — perguntou Liam,


fitando a janela da cafeteira. — Por que eles estão tão ansiosos por
esse piquenique? — Em seguida fitou o loiro, que lia seu caderno.
— Cara, sério, você está suando por causa de um caderno?
— Eu não sei que porra está dando em mim — murmurou.
— Mas é complicado escrever o caralho de uma declaração para o
puto do Yan! — grunhiu.
— É fácil fazer uma declaração — respondeu, apoiando
seu rosto sobre a palma de sua mão. — Tipo… Olha… — Liam
apoiou sua mão livre sobre a de Dante. — Você desliza seus
dedinhos sobre a mão dele, fixa o olhar nos olhos deles e diz: Yan,
eu quero dar para você.
— Engraçadinho. — Dante revirou seus olhos. — Eu sei
que você tem uma visão errada de mim, mas nem tudo é baseado
em sexo.
— Dante? Eu te conheço faz quase dez anos, eu posso
dizer com veracidade que para você provavelmente é tudo sexo. —
William riu. — Mas muita coisa é sobre sexo, não se preocupe com
isso.
— Me sinto um idiota em decorar algo para falar a ele. E
se o Yan me rejeitar? Nossa… É apenas a porra de um noivado
postiço! Esse anel não deve nem ter passado de mil reais! — Exibiu
seu dedo, mostrando um diamante reluzente coberto de ouro.
— Sério, a cocaína te fez muito mal. — William arregalou
seus olhos. — Fico feliz em ver você apaixonadinho assim, é a
primeira vez isso. Chega a ser um pouco assustador também…
Parece que estou me vendo com dezessete…
— Cale a boca.
— Tudo bem ser assim, cara. O novo Dante é bem mais
legal. — Liam sorriu, recebendo um sorriso tímido do outro. — Já
que Marcel e a Thyra não estão aqui… Queria te perguntar uma
coisa.
Dante fechou o caderno e fitou o rapaz. Era bom focar em
Liam, o homem era bem alto, possuía ombros largos e uma pele tão
macia que deixava qualquer um com inveja, mas seu sorriso era sua
característica mais linda. Teria que admitir que, no começo da
amizade da dupla, o loiro já sentiu uma leve atração por Liam –,
mas nada passou de alguns beijos quando bêbados.
— É bem pessoal, ok? Não conte a eles. — Fontana
exibiu sua expressão séria e focou no outro. — Tem esse amigo e
ele meio que fica com uma amiga dele… Só que é tudo no sigilo,
ninguém sabe de nada, porém, esse meu amigo, é doidinho por
essa garota, tipo, doidinho mesmo! Ela pediu para oficializar… O
que eu digo para ele?
— Ele não quer oficializar por quê?
— Ela é gorda, ele tem medo do que podem falar para ela,
já que ela tem muitas inseguranças sobre essas coisas e tudo
mais… — Liam não conseguia olhar nos olhos de Dante. — Pois
é… Como eu ajudo?
— Vai todo mundo morrer. — Dante o lembrou. — Se ele
está com medo por ela, é porque, na verdade, ele tem medo do que
vão dizer. Quer continuar escondidos. Na real, é um covarde.
— O que a morte tem a ver com isso?!
— Se o destino é encontrar a morte… Por que ter tanto
medo de aproveitar um amor que já é certo? Já matei uma galera e
tudo indica que tem um maluco gostando de mim. O corpo dela é o
de menos!
Liam gargalhou com a resposta, estava um pouco ciente
das inseguranças sobre o corpo de Dante e entendia como ele
odiava aquelas denominações.
— Valeu. Vou falar a ele.
Esse cara se chama William e essa menina se chama
Marcela?, Dante pensou em falar, mas segurou sua língua afiada e
continuou uma conversa aleatória com o amigo, enquanto os outros
dois não chegavam. Marcel e Thyra estavam comprando alguns
produtos para o piquenique, como chuteiras novas e algumas
roupas sociais.
A dupla estava na cafeteria próxima ao apartamento novo.
Era de manhã, em torno de nove horas. Eles sempre se juntavam e
saíam para comer em algum lugar diferente. Ter conhecido
recentemente esse se tornou agradável. Os dias estavam calmos, e
a calmaria sempre fora estranha para o quarteto. Talvez aquilo tudo
poderia acabar em breve, ou não… O fato era aproveitar.
Passaram-se alguns minutos de uma conversa satisfatória,
até Thyra e Marcel surgirem com Ulisses ao seu lado, o trio
carregava grandes quantidades de sacolas. Quando Serpa fitou
Dante, não demorou muito para deixar os produtos com a mulher e
chamar Fontana.
— Posso conversar contigo por um momento? —
perguntou ele, um tanto receoso. Mas Dante confirmou, mesmo
desconfiado.
Marcel dera um abraço caloroso em Liam e Thyra, depois,
sentou-se onde Dante estava. Os dois seguiram para fora da
cafeteria, fitando algumas árvores da praça. O jovem soltou um
suspiro longo e cansado, pensando em como iniciaria aquela
conversa.
— Hã… O piquenique — começou Ulisses. — Iremos
todos nós. Não apenas o filho que Melinda considera. Então,
automaticamente, Lia também.
— Está com medo de que algo aconteça com Lia?
— Com certeza! — desabafou o garoto. — Se vê-la perto
de algum Serpa, a pegue e se afaste deles. Meu pai nunca pedirá
isso a ti, mas nem mesmo ele confia na família dele. Melinda pode
acabar com a felicidade de uma criança muito rapidamente.
— Tudo bem, eu entendo seu medo. Embora esperasse
que Kali fosse falar isso para mim. — Fontana sorriu, colocando
suas mãos em seus bolsos. — Você é muito atencioso, Ulisses.
— Para! — Ulisses estagnou as expressões de seu rosto.
— Eu só… É normal, ok?
— Não disse que era estranho — garantiu. — O final de
semana será bom, acredite. Ninguém mexerá com a Lia quando
estivermos lá. Mas é bom termos cuidado — analisou Dante. —
Agora podemos comer?
Ulisses afirmou, seguindo o outro com um sentimento mais
tranquilo no coração.

— Te vejo amanhã então? — Tomás perguntou para


Pietro, estava ao telefone com o namorado. — Eles vão te amar, eu
juro… Os amigos da mãe são muito legais e o tio Nut vai também.
Meus irmãos, claro. Olha, espero que você goste dele e vice-versa,
você é apaixonante, mas meu pai tem um humor ácido junto de
Ulisses… Sim, Pitt, muito mais que o meu! — O garoto riu.
Kunut, Madalena, Felícia e Yan estavam na sala
resolvendo alguns problemas sobre o piquenique, o trio de YFEMA
sempre amaram festas extravagantes e saídas luxuosas, porém,
dessa vez, teriam que organizar e gastar o mínimo, mas não porque
faltava dinheiro na empresa e sim porque a família de Yan não
merecia tal luxo.
— Vamos nos hospedar em qual hotel? — perguntou
Kunut, fitando os tópicos que faltavam para a lista ser completada.
— Será em um barco hotel — alegou.
— Perainda Barbie — Madalena o interrompeu. — Tu
disse que não queria gastar dinheiro com aquele bando de pau no
cu e agora vai colocar todos eles em um barco hotel? Por que você
nunca me levou a um barco hotel?!
— Um patrocinador meu me emprestou, não pagarei por
isso.
— E qual posição você o comeu para receber isso de
presente? — Felícia começou a rir. — Quem vai além dos Serpas e
Kunut?
— Alguns amigos do Dante e um amigo do Tomás — falou
o garoto. — Um novato, se chama Pietro, algo assim.
— Um novato, hein. — Madalena tossiu. — Nosso bebê
está crescendo.
— É só um amigo — confirmou Yan, ignorando os olhares
do trio. — Tem certeza de que vocês ficarão cuidando de tudo? Eu
estou negligenciando demais isso…
— Claro que iremos — Felícia falou. — Você passou todos
esses anos focadíssimo nela, e agora está focando mais em seus
filhos e no seu lazer. Estávamos preocupadas em você adquirir uma
síndrome ou depressão.
— Principalmente, quando estava junto com aquele pau
mole do Narciso — respondeu Madalena. — Sei que você gosta
muito da gente, baby, mas deve focar também em ti. Ficaremos
bem. Somos velhas, não mortas.
— Boa sorte nas reuniões — desejou. — Sei que são dois
dias apenas, mas aqueles homens…
— Vão ter que engolir duas travestis mandando naquela
porra de lugar sim! — confrontou a ruiva. — Tenho sessenta anos,
Yan, não sou uma criancinha viada para você ter esse medo não.
Serpa fechou seus olhos e apertou as mãos da amiga. A
mulher olhou com dúvida. Yan estava assustado com algo, mas não
queria contar e provavelmente tratava-se sobre duas coisas: Dante
e o segredo que ele possuíra.
— Estou preocupado, porque amo vocês — disse.
— Me apaixonei — comentou Madalena, saindo de sua
cadeira e se sentando no colo do amigo. — Você fica tão bonito
quando segura sua língua.
— Não me faça soltá-la. — Ele riu.
— Eu ainda não entendi o motivo de você ir. — Felícia
fitou Kunut.
— As runas pediram — afirmou Kunut — Não que eu
queira ajudar o Yan com a família maluca dele, mas escuto muito
minhas runas. E como elas disseram para eu ir…
— São coisas boas, pelo menos?
— É melhor você descobrir por si. — Kunut riu. — Dois
dias de… surpresas.
Felícia, Yan e Madalena se entreolharam. As tradições de
Kunut, por mais que fossem um pouco… assustadoras para eles,
suas leituras nunca falharam, sejam elas boas ou ruins. Yan ainda
se lembrava do dia em que pediu para ele ler seu destino e o amigo
falara sobre tópicos diversos, envolvendo almas, destino e
prosperidade financeira.
Mesmo Serpa sendo um tanto cético, muitas das coisas
que foram faladas aconteceram. Então… Se Kunut falou sobre dias
de surpresas, Yan não duvidaria nunca.
E que surpresas esse piquenique proporcionaria.
Após uma breve discussão no meio de uma avenida
movimentada, Pietro acabou indo com os soldados até o piquenique
no meio do percurso. Depois de alguns minutos e uma conversa um
tanto amistosa com os cinco, chegaram ao campo. Nesse lado da
cidade, era claro ver a mudança no tratamento das ruas, nos carros
que andavam e nas pessoas vestidas em alta classe.
Pietro observava os quatro com atenção, percebendo o
quão atraentes eram. Cada um possuía certa beleza. Pietro se
sentiu em uma capa de revista de modelos diversificados, mesmo
sentindo alguns arrepios desde que chegara por prever futuros
acontecimentos, tratava-se de calafrios bons e ruins, uma mescla
aterrorizante e excitante. Ter um sexto sentido e andar perto de
pessoas carregadas com energias boas e ruins o deixara intrigado.
O garoto sentiu um apego sexual vindo de Marcel e Liam,
misturado com incertezas e medos. Thyra exibia uma terrível força,
mas uma insegurança que Pietro não conseguia distinguir. Dante
parecia mais calmo, mesmo assim, expelia assombro e horror. A
energia dos quatro era compatível, mas, ao mesmo tempo, pesada
e familiar. Pietro sentia que amaria tais pessoas que conhecera tão
recentemente, mas tudo que desejava era estar no colo de seu
namorado e sentir a energia tranquilizante de Tomás Serpa.
O grupo percebeu rápido que não estavam em seu
ambiente familiar ao sentir os olhares desdenhosos sobre o
automóvel e as roupas que usavam. Thyra estacionou o carro
próximo ao campo e eles desceram carregando apenas uma bolsa
onde continha suas chuteiras e bola.
— Ele disse que era um local normal. — Dante bufou. —
Mas eu deveria esperar que o normal dele, seria o estilo caro para
um caralho!
— Olha pelo lado bom, pelo menos teremos banheira no
quarto do hotel. — Marcel dera de ombros. — E comida de graça!
— Está passando fome por acaso? — Liam gargalhou.
— Não começa!
— Gente, vamos sair daqui e encontrar logo eles. Tem uns
velhos bem enxeridos aqui. — Thyra revirou seus olhos. — Se
vocês não me querem dando mãozada em macho, aconselho me
tirarem daqui. — A mulher exibiu seu dedo do meio para um deles.
— Vamos.
Pietro tinha que admitir o quão bonita – e assustadora –,
Thyra era, sem falar na imensa inteligência sobre diversos fatos,
principalmente em relação às leis mundiais. A mulher estudou em
três faculdades de direito, uma em cada país.
Mesmo possuindo diversos diplomas, não estava – e
nunca estaria –, ausente do machismo. E céus, como odiava ter que
passar por tais situações de forma calma. Normalmente nunca
conseguia.
— Certo, deixa eu só ligar para o Yan. — Dante discou o
número, mas… — Algum de vocês tem crédito?
— O meu acabou — respondeu Marcel.
Pietro começara a observar aquele grupo com mais nitidez
e percebeu algo que ainda não tinha dado conta – mesmo com a
picape velha e as roupas mais antigas –, Dante e seus amigos
tinham as mesmas condições financeiras que ele.
— Você não é rico?! — O garoto fitou o loiro.
Thyra, Marcel e Liam começaram a rir da pergunta. Dante
já tivera dinheiro o suficiente para gastar tudo com homens e
drogas, mas acabou sumindo com tudo isso após decidir ter uma
vida normal. Seu tratamento contra a cocaína custou muito, os
tratamentos psicológicos seu e de seus amigos também fora outra
quantia alta.
No fim, Dante já estava trabalhando como caixa de
supermercado ou atendente de telemarketing, isso até conseguir ser
aprovado por Yan nas indústrias Serpa. Recentemente, conseguira
se mudar para um local mais habitável que antes e mesmo amando
seus amigos, sempre preferiu ter uma casa sozinha, para não os
atrapalhar com seus surtos.
— A BMW que você me viu deixando o Tomás, é do Yan.
Ele me deu de presente. — Dante sentira a chave entre seus dedos.
— Minha conta bancária está mais ou menos igual à sua.
— Como vocês se conheceram?
— Eu sou o secretário dele — respondeu.
Antes que perguntasse algo interessante sobre a vida de
Dante, Pietro sentiu uma energia calma e reconfortante vindo. Era
ele, Tomás estava correndo em direção aos braços de Pietro. Tomás
pulou sobre o peitoral de Pietro, enroscando suas pernas sobre ele.
O garoto estava sorridente. Tomás usava uma calça moletom preta
com listras laterais brancas e um cropped de gola alta de mesmo
tom, exibindo sua barriga.
Atrás dele, estavam Lia, Kali e Ulisses.
— Você veio! Veio conhecer meus pais! — Ele sorriu,
dando uma sequência de beijos sobre os lábios do garoto. — Estou
tão feliz! Ninguém fez isso por mim!
Pietro estaria mais feliz por essa recepção, se não tivesse
uma grande muralha e irmãos, observando-o pegar sobre a cintura
de Tomás e como eles estavam acostumados com tal posição.
Serpa parou de beijá-lo ao ver Dante e exibiu um grande sorriso.
— Mãe! — gritou, abraçando o homem. — Você fica muito
lindo com roupas leves e de tons frios! — respondeu, enquanto
afofava Fontana como se fosse um grande urso.
— Seu pai sabe que você está beijando o Pietro?
— Pelo visto papai só saberá quando o Pitt estiver
acostumado com a personalidade dele. — Ulisses gargalhou. —
Deveria vir mais vezes, Pietro. Mal te vemos.
— Trabalho de noite, aí já viu, né — alegou o rapaz. —
Consegui folga esses dois dias, então vai ser tranquilo. — Ao olhar
para Lia, Pietro seguiu até ela. — Lia, Lia, Lia! Como estão as aulas
de basquete?
— Você se importa com as nossas demonstrações de
afeto? — sussurrou Tomás, para o loiro. Dante observava a
interação que Pietro já tinha com alguns dos irmãos, transparecendo
calmaria ao estar ciente daquilo.
— Não — respondeu, rispidamente, cruzando seus
braços. — Garoto, essa é a Thyra, vocês ainda não se conheceram,
certo?
Importava e como se importava com demonstrações de
afeto! Do mesmo modo que Yan se importaria, pois para eles,
Tomás sempre seria uma criancinha. O garoto se soltou de Dante e
seguiu até Thyra e lhe dera um oi amistoso, a mulher controlou suas
emoções para não apertar a bochecha do garoto. Os dois já se
conheciam indiretamente, pois Dante sempre citou algumas coisas
sobre eles, um para o outro.
De longe, Kunut, Yan, Joca e Joana observavam a
conversa animada do grupo. Aos poucos eles surgiam entre as
árvores e bancos. Yan vestia uma bermuda branca e uma blusa
florida de botões, com seu relógio Audemars Piguet Royal Oak
2010, junto de seus óculos escuros.
Ao contrário de seus filhos, que estavam vestidos com
roupas pretas e cintos repletos de correntes em volta. Kunut fitou
todos os desconhecidos e percebeu uma mulher alta e forte
conversando com Tomás e as demais pessoas.
— Quem é aquela mulher? — sussurrou Kunut para Yan.
— Muito bonita.
— É tipo a irmã do Dante — respondeu, sem dar a total
importância.
— Ela está solteira? — O homem analisou a mulher de
sorriso contagiante e braços definidos.
Yan exibiu um sorriso de canto e fitou Joca e Joana com
surpresa, os gêmeos lhe devolveram uma reação idêntica. Era difícil
uma mulher atrair Kunut, mas quando o atraía, ele fazia de tudo
para conquistá-la. O problema que muitas vezes não era bem-
sucedido, devido à sua altura.
— Por que você não pergunta? — Serpa sorriu, contente
com a decisão do amigo.
— Vai por mim, Thyra prefere que sejam diretos — alegou
Joca. — Ulisses disse que ela anda armada…
— Joca! Não fala isso para o tio — sussurrou Joana para o
irmão. — Já não basta o fato dele ser encalhado desde que nós o
conhecemos! Vai que dessa vez dá certo…
— Olha aqui. — Kunut virou-se para os sobrinhos. — Não
é porque eu não mostro minhas namoradas a vocês, que estou
encalhado! E se ela anda armada, é algo já esperado como amiga
do Dante — rebateu.
— Mas já faz um tempo que você não apresenta alguém
para nós — grunhiu Yan.
— Cale a boca, Serpa — rosnou, pressionando suas mãos
contra o rosto. — Deuses, já estou me arrependendo de ter dito
qualquer coisa.
O grupo começou a se aproximar, os demais riam do
pequeno ranzinza que era Padovani. Ao perceber a proximidade,
Tomás e Pietro se afastaram. O garoto não entendia a razão de seu
namorado ter tanto receio em apresentar seu pai, ele já tinha
escutado alguns boatos da excentricidade de Yan, mas… O quão
excêntrico esse homem seria para Tomás ter tanto medo de Pietro
ficar assustado?
Com certeza ele era apenas muito anima…
— Querido, você chegou. — Yan exibiu um sorriso cínico,
fazendo o grupo dar atenção a sua fala.
No momento em que Pietro iria se apresentar, não dera
tempo o suficiente, pois o mais velho avançou no loiro, dando-lhe
um beijo cálido e muito apaixonante. Dante o beijava na mesma
intensidade, mesmo estando de olhos abertos e surpreendido com a
ação de Yan. Era a primeira vez que faziam isso depois de um
tempo.
Cada filho tinha uma reação de vergonha diferente
estampada em seus rostos. Pietro observava sem palavras para
produzir, mas os melhores amigos de Dante estavam segurando a
risada, pois sabiam que aquilo seria um gatilho para ativar cada
organismo de Fontana.
Quando o beijo terminou, Dante se encontrava focado na
coisa mais absurda que fez. Lembrou-se de quando namorava sua
melhor amiga, Isabelly – antes de entender que gostava de homens
–, e focou o suficiente para não ter uma ereção ali mesmo.
— Por que você fez isso? — rosnou o loiro.
— Ah! Mas eu não posso mais beijar o meu noivo? — Yan
colocou as mãos sobre a boca, fingindo estar ofendido. — Minha
família está alguns metros de distância, é claro que eu tinha que te
beijar, querido.
— Pai — murmurou Kali, retirando sua mão dos olhos de
Lia. — Pelo amor de Deus…
— Oh! Desculpe, filha. — Yan fitou o convidado de seu
filho e percebeu os olhos esverdeados. — Pietro, certo? Céus!
Serviria fácil como modelo da minha indústria! Como é bonito!
— Pai… — Tomás já se encontrava da mesma cor que a
blusa florida de Yan.
— Vai me dizer que você não acha seu amiguinho bonito?
— rebateu seu pai. — Você estuda na mesma sala que ele? Se não,
qual ano?
Marcel e Liam esconderam-se entre Thyra para rir. Mas a
mulher já não estava em melhor situação. Pietro continuava sem
respostas, seu namorado seria assim quando ficasse mais velho?
— Você está os envergonhando — respondeu Dante,
exibindo seriedade.
— Quer outro beijo para mudar essa cara? — Yan sorriu e
voltou a Pietro. — Prazer em conhecer você, Pitt.
— É… É. É um prazer também, senhor — respondeu
finalmente. — Sou Pietro Monte, senhor, e estou na mesma sala
que o seu filho sim. E, se me permite dizer, você também é um
homem muito bonito.
— Como é adorável! — Yan sorriu. — Você aguentará
mesmo dois dias conosco? Eu espero que sim, boa sorte.
— Boa sorte? — Franziu seu cenho, fitando Ulisses e sua
expressão risonha. — Boa sorte por quê?!
E, rapidamente, entre a conversa animada que tinham,
Dante observou um rapaz baixinho se aproximando de Thyra e seus
amigos, era Kunut. O loiro fitou os trejeitos do homem e ficou
curioso com o que ele faria. Não dera muito tempo para Joca e
Joana espalharem a novidade aos irmãos.
— Prazer, sou Kunut Padovani. — Ele ergueu sua cabeça
o suficiente para fitar os olhos selvagens da mulher, Thyra era
encantadora. — É a amiga de Dante, eu imagino. Qual seu nome?
A mulher olhou para trás, procurando a pessoa que o
rapaz falaria, mas percebeu que era uma das poucas mulheres
entre tantos marmanjos. Marcel e Liam pararam de rir e fitaram a
ação de Kunut, Dante estava ao fundo olhando as ações, tão
curioso quanto os amigos.
O trio era ciumento quando se tratava de Thyra, a mulher
sempre ignorou o problema de seus amigos, mas isso fazia com que
muitos homens – sejam eles bons ou ruins –, se aproximassem
dela.
— Thyra Solarin. — Ela sorriu, erguendo sua mão. —
Infelizmente, sou amiga dele sim! É um prazer!
— Thyra significa “A luta de Thor” em escandinavo. Um
nome forte e belo para uma mulher forte e bela. — O homem exibiu
um sorriso amistoso e apertou a mão da mulher, sentindo a força de
seu punho. — Espero que goste desses dias.
— Opa, campeão, tudo bem? — Marcel entrou entre os
dois. — Sou Marcelo, você não perguntou meu nome. Sou amigo do
Dante também.
— Tudo joia, guerreiro? Sou William. — O outro surgiu, ao
lado do amigo.
Kunut era o mais baixo entre os três, mas pouco ligou.
Seus olhos eram pura curiosidade por aquela mulher tão bonita à
sua frente. Todavia, percebeu que seus amigos eram um tanto…
inconvenientes.
— Desculpe, vocês são os pais dela? — perguntou
Padovani. — Um prazer, senhores! William e Marcelo, certo? —
Sorriu. — Grande casal.
Dante arregalou seus olhos ao escutar e, nesse momento,
entendeu o motivo de Yan e Kunut serem melhores amigos.
Padovani tinha respostas certas na ponta da língua.
— Não somos um casal! — rebateu Marcel.
— Pois estão agindo como dois pais protetores. Pensei
que isso seria responsabilidade de Dante e Yan. — Ao dizer isso,
Kunut fez Thyra soltar uma risada sincera.
— Padovani. — Liam fitou o homem branco de cabelos
castanhos. — Você é parente daquele cara que fugiu com um
peixe?! Daquela lenda! É! Eu sabia que seu nome não era estranho!
— Era um tubarão que ele fugiu — rebateu. — Isso faz
tempo, como sabem?
— Passei alguns anos no país de Varak, em Nassias —
exclamou Thyra. — Fiz faculdade lá. Acabei conhecendo essa lenda
e contei a eles, achei muito divertida. Você é descendente daquele
cara?
— Sim! Tenho bastante orgulho. Mesmo meu nome não
sendo muito comum. — Sorriu. — Quando você se formou?
Antes que Thyra respondesse, Yan os chamou para o
jogo. Tomás apresentou Pietro para Kunut e todos começaram
andar em direção ao campo, onde aconteceria o jogo. A conversa
entre eles se encerrou naquele momento, mas ambos já desejavam
iniciar uma outra.
— Ele estava te paquerando! — sussurrou Marcel para
Thyra.
— Sim, ele é fofo — respondeu a mulher.
— Fui o único que imaginou besteira? — Liam perguntou,
entrando na conversa dos dois. — Ele é metade do seu tamanho!
— Pelo amor, eu não vou me casar com ele. Ele só disse
que eu era bonita. — Ela riu. — Vocês são muito preocupados. Qual
o problema de ele ser baixinho?
— O problema não é ele ser baixinho… — Marcel fitou
Kunut. — E se…
— Sei o que você vai dizer e quero mandar você ir tomar
no cu! — Thyra revidou. — Ele. Só. Me. Chamou. De bonita!
— Eu aposto que ele vai tentar algo de novo — sugeriu
William.
— Eu também! — confirmou Marcel.
— Aposto dez reais.
— Vinte!
— Vocês são uns idiotas! — gritou Thyra, empurrando os
dois próximos a ela. — Eu deveria ter ficado em casa — murmurou.
— Estamos apenas preocupados! — revelou Marcel.
— Você vai ficar preocupado quando eu meter bala em
você!
A mulher falou alto o suficiente para Kunut e os demais a
olharem, Thyra exibiu um sorriso amistoso para ambos e continuou
andando. Marcelo, que continuava rindo, foi empurrado pela amiga.
Dante e Yan estavam em silêncio um com o outro, pois Serpa
continuava estressado com Fontana.
O loiro, ao perceber o gelo que recebia, aproximou-se o
suficiente do mais velho para que suas mãos se encostassem uma
na outra. Dante sabia o quão mexido ele ficava por causa de seus
familiares e, sabendo disso, deslizou seus dedos sobre o pulso do
outro, logo chegando à sua palma e, finalmente, à mão. Fontana a
apertou com calma, sentindo o calor do outro.
— Minha família está longe ainda, não precisa fingir —
sussurrou.
Yan fitou as vestimentas de Dante, uma bermuda preta de
futebol e uma blusa branca com manga, era possível ver cada
músculo desenhado do outro, suas pernas peludas e algumas
cicatrizes sobre os braços.
— Não estou fingindo — respondeu, fitando a grama sob
seus pés. — Talvez eu nunca tenha fingido.
Yan escutou aquelas palavras saírem da boca de Dante e
as considerou algo reconfortante, não que fosse verdade. Fontana
continuava uma grande incógnita, talvez só entendesse o amor que
o loiro estava tentando dizer através de detalhes, quando Dante
falasse com todas as palavras: eu te amo, Yan.
Yan Serpa, aceitaria esse homem com sérios problemas
de humor como seu legítimo esposo. Serpa poderia jurar que escuta
a voz de um padre em sua mente.
— Tudo bem com você? — A voz grossa e rouca de
Fontana não estava combinando com sua expressão medrosa.
O homem se encontrava de olhos baixos, receoso em ter
dito alguma idiotice para Yan, já que desde o momento que falara
sobre não fingir, Serpa teria entrado em órbita e voltado apenas com
a pergunta do outro. Falar sobre seus sentimentos para ele seria
pior do que entrar em um campo minado.
— Estou querido… Eu acho. — Suspirou. — Hoje será um
dia cheio, que testará toda minha paciência — exclamou. Ao ver seu
primo e os amigos deles se preparando para o jogo. — Ali estão
eles… Os demônios da minha vida.
Serpa, instintivamente, apertou a mão de Dante, exibindo
receio.
Em um campo cheio, estavam seis homens se exercitando
ou passando a bola um para o outro, em meio dele estava a
irmãzinha de Yan, Emília, exibindo sua barriga grávida, era
impressionante como fazia em torno de um mês e meio que não se
viam. Estava conversando com seu marido, Adamastor.
Nas arquibancadas de madeira, encontravam-se os pais
do CEO, Melinda e Abner, observando os amigos de Yan e Tomás.
A mulher visualizou o homem forte e loiro segurando a mão de seu
filho e analisou com mais veemência aquele ser belíssimo, Dante
Fontana. Sua expressão era séria e odiosa, que a fez se levantar e
seguir até eles.
— Droga, a megera número um já está se aproximando —
murmurou Tomás, falando de sua avó. Mas recebeu um olhar
reprovador de seu pai e tampou a boca rapidamente.
De repente, todos os familiares se aproximaram do grupo,
como se fossem criaturas de circo. Yan quase perdia seu ar, mas
Dante aparentava saber lidar facilmente. Mel chegou próximo o
suficiente de Fontana e o analisou dos pés à cabeça. Aquele olhar
de desdém fez Dante se lembrar de alguém, seu pai.
Melinda Serpa tinha o mesmo olhar de Filippo Fontana.
Aquele olhar desdenhoso e cínico, fazendo-o pouco de tudo que
faria e, naquele momento, Dante queria enforcar aquela senhora de
um metro e meio.
— Dante Fontana… Nome exótico — ela comentou. —
Nasceu aqui?
— Nasci na Itália — respondeu, seu tom estava tão severo
que a mulher se sentiu ameaçada.
— Qual parte da Itália? — indagou, fazendo pouco-caso
de sua grave voz.
— Fioreze — respondeu, Tomás e Yan escutavam com
curiosidade. — Mas meu pai era capitão, então passei poucos anos
lá.
— Era? Seu pai morreu?
E Fontana exibiu um sorriso sádico para a senhora,
deixando transparecer seu ódio genuíno por seu pai.
— Para mim, sim — garantiu.
Melinda fitou Dante por alguns segundos e percebeu que,
de todos os namorados do filho, Fontana era o único que não
demonstrava medo de sua reprovação. A senhora ficou calada e
começou a caminhar em direção à saída do campo.
— Estarei de olho no seu amor por meu filho e meu neto,
italianinho — resmungou, seguindo até a arquibancada.
— Netos — corrigiu Dante, fazendo o grupo olhar para os
dois.
Naquele momento, Dante teria travado uma guerra
silenciosa com Mel.
— Perdão? — Melinda cruzou seus braços e fitou o
homem com estranheza.
— Está vendo apenas um filho de Yan aqui? Eu estou
vendo em torno de seis! — rebateu Fontana. — Caso você não
esteja ciente, vou lhe apresentar… Kali chegue mais perto!
Kali tentara procurar alguma forma de sair do local, Ulisses
tentou de alguma forma a ajudar, mas Fontana lhe pegou pelo braço
e a mostrou para Melinda, que olhou para Dante com imensa fúria.
Kunut e Yan se entreolharam em extremo choque.
Yan fitou cada expressão feita pelo seu amado e percebeu
que a proteção fazia parte da natureza do outro, ele sempre protegia
as pessoas de alguma forma, usando ações ácidas ou com a força
bruta. Serpa sentiu uma vontade de chorar, quem alguma vez teria o
protegido daquela forma além do seu filho?
Estava sendo impossível não o amar.
— Essa é Kali Maria Serpa, está se formando em
medicina, sabe três línguas, uma ótima irmã e amiga. Se você
estiver passando por algum problema ou tiver pisado na bola, ela vai
falar, porque é sincera e real consigo e com os outros! — E apontou
para a garota. — Essa é uma das menores qualidades que ela tem!
Uma garota fantástica.
— Mas eu…
— Eu não terminei, senhora — Fontana a interrompeu. —
Quero que, enquanto durar nossa estadia, os respeite. Nenhum
deles precisa da sua aprovação como avó, mas pelo menos
respeitá-los deixará a convivência contigo menos inconveniente!
O silêncio deixou a atmosfera do local densa e
assustadora. Melinda fitava Fontana com extremo desdém. Não
existia uma única pessoa naquela roda que teria a coragem de se
pronunciar primeiro. Serpa sentia uma comoção imensa em seu
coração, algo indescritível e belo.
Melinda balançou sua cabeça, alegando que se retiraria
do local. Ao ver apenas de longe seu semblante furioso, Yan
pronunciou-se.
— Que recepção… — Yan pressionou sua mão contra a
testa, seus olhos seguiram até Emília. — Gente, vocês já
conheceram a megera da minha mãe, agora conheçam a sósia dela.
Minha irmã, Emília!
O homem apontara para a mulher grávida, que exibiu seu
dedo do meio. Pietro se encontrava chocado com todo aquele
tratamento que viu, era uma família muito assustadora! E,
aparentemente, todos estavam lidando muito bem com aquilo. Kali
se afastou de Dante, ainda um pouco imersa com aquela ação, o
homem teria dito belas palavras dela, coisas que apenas um pai
falaria em proteção a filha.
— Esse é meu tio, Dorivaldo. — Apontou para o homem
de extenso bigode atrás dos mais novos, que apenas acenaram
suas cabeças. — Os amigos do meu primo… Lorivaldo, Marinildo e
Adamastor.
— Só nome bonito — ironizou Marcel, recebendo um
beliscão de Liam. — Mano, vai beliscar tua mãe, por favor!
— E esses são Thyra, Pietro, Marcel e Liam. — Yan exibiu
um sorriso. — Vocês já viram meu noivo, mas como vocês pensam
que todo mês eu estou mudando de macho, esse… É o Dante.
— Você joga? — Dorivaldo perguntou, entrelaçando seus
dedos sobre o cabelo de Emília.
— Fui o melhor atacante da minha cidade, quando mais
novo — confrontou Dante.
— No futebol?
— Handebol também.
Os amigos de Serpa se entreolharam. Yan e Tomás já
estavam revirando seus olhos com aquela reação idiota – embora
esperada –, deles.
— Você é gay mesmo? — Adamastor voltou a perguntar,
sua expressão transparecia dúvida.
— Ele não... — murmurou Ulisses.
— Vish! — Joca arregalou seus olhos.
— Mais outra bomba — grunhiu Joana.
Fontana arregalou seus olhos e ficou repentinamente
vermelho, o homem dera um passo para frente, enquanto os outros
deram dois para trás ao ver a fúria do secretário. Yan depositou a
palma da sua mão sobre o peitoral do amado.
— Não! Sou gay não! — gritou Dante.
Por instinto, Kunut pressionou suas mãos sobre as orelhas
de Tomás, impedindo que o garoto escutasse alguma coisa, em
outro momento, Kali chamou a atenção de sua irmã. E Dante
continuou a falar.
— Eu dou o meu cu para esse macho, porque somos
melhores amigos! — revidou. — Céus, que pergunta mais idiota!
— Foi melhor que eu imaginei! — urrou Ulisses. — Droga!
Eu deveria ter gravado.
Marcel dera um olhar sugestivo para Liam, que foi
recebido com um empurrão por ele. Yan e Thyra estavam tentando
formular alguma frase em sua mente, para impedir de deixar o clima
tenso. Kunut e Pietro seguraram suas risadas. Tomás era o único
que não estava entendendo a fala de sua mamãe Dante. Ao
contrário de seus irmãos, que exibiam uma vergonha idêntica ao
que sentiram com seu pai após beijar Dante.
— Calma, cara, só foi uma pergunta! — falou um dos
primos. — Claro que você é. Está dando um showzinho com uma
duvidazinha educada — afirmou.
— Vamos apenas… Jogar, por favor — interveio Thyra. —
Quero esquentar meu sangue de uma forma menos vergonhosa ou
violenta.
— Você vai jogar? — Dorivaldo arqueou sua sobrancelha.
— Tipo… Você?
— Olha, cara, é melhor você não vir com as piadinhas
durante o jogo, porque ao contrário do Dante, eu posso acabar com
você! — revidou a mulher.
Kunut emitiu um brilho em seus olhos ao escutá-lo. Pietro
já tinha opiniões um tanto diversas sobre a vida de Tomás, mas não
podia alegar que estava odiando aquilo.
— Por mais que eu queira ver sangue. — Yan retirou seus
óculos de sol de seu rosto. — É melhor vocês começarem logo, não
é, emburradinho? O que você acha?
De repente, os cento e vinte quilos de Dante se tornaram
uma manteiga derretida, nunca lhe deram um apelido romântico,
emburradinho é uma definição à sua altura. E nesse momento, em
sua mente dando pulos de alegria, Fontana percebeu ser um
completo idiota quando se tratava do amor.
— Vamos sim! — respondeu, exibindo uma expressão
séria. Pegando a bolsa de Thyra e entregando para Yan. Os dois
saíram um pouco do grupo, ficando longe o possível para o loiro
falar. — Olha, vou entregar essa bolsa a você, mas não a deixe
perto do nosso… Do Tomás. As armas estão aí.
— Você trouxe armas?! — Yan o fitou seriamente.
— Eu sempre ando armado, mas não se preocupe, tem
apenas três Glock aí. Nada de mais — afirmou, entregando para o
homem. — Elas estão sem o pente.
— Pente? Dante, como assim você sempre anda armado?
— Serpa o observou, estava curioso. — Até no chá de bebê?!
Quando vai deixar meu filho no colégio?
— Sim… Mas é questão de segurança, você nunca anda
com um segurança, então faço isso. Vai que um dia tentam te
atacar? Vou ficar com cara de tacho tentando te proteger com os
punhos? — murmurou.
— Por que não me disse?!
— Baby, pensei que fosse óbvio no dia que falamos sobre
minha antiga vida. — Dante voltou a exibir receio. — Mas olha, são
armas registradas, posso andar armado, já que fui do exército. Meus
amigos também sempre andam armados.
— Depois vamos conversar sobre isso. — Suspirou,
depositando um beijo sobre os lábios de Dante. Yan segurou o rosto
do outro em suas mãos e sussurrou: — Acabe com eles, por favor.
— Não precisava pedir. — Ele sorriu, depositando um beijo
cálido sobre o pescoço de Yan. — E… Você está lindo nessa roupa.
Yan pressiona seus lábios, contendo o sorriso bobo.
— O que você tem? — O empresário riu ao perguntar.
— Estou tentando ser… Não sei… Sincero? É… Sincero.
— É novo. — Yan arrumou as sobrancelhas de Dante,
percebendo o tom amarelado, igual aos cabelos. — Não que eu
esteja achando ruim, claro. Mas estou surpreso.
— Você gosta?
O que eu não gosto em você?, Yan sorriu com o
pensamento surgiu em sua mente.
— Gosto sim — confirmou. — Agora vá. Vou ficar
observando daqui — disse, desferindo um tapa na bunda de Dante,
logo após fitá-lo enquanto caminhava. — Dois dias vendo esse
corpo e sem poder comer… Deus, você me odeia! — sussurrou.
— Boa sorte, Pitt, vou ficar torcendo por ti! — Tomás
abraçou o namorado. — Cuidado, viu? Gosto muito de você.
— Eu também — murmurou Pietro, bagunçando os
cabelos rebeldes. — Você não sabe o quanto.
— E… Sério. Não vai pensar que estou querendo te
esconder, porém… Acho melhor tu entender quem é minha família,
antes de te conhecerem. — O garoto se afastou do corpo de Pietro,
segurando-se para não beijá-lo.
— Tommy, com a conversa rápida que eu vi desde que
cheguei, pode ficar tranquilo que entendo seu medo. — O garoto
gargalhou. — Sério! Não se preocupe, amor, isso não vai mudar
meus sentimentos.
— Na verdade, eu nem sei como ele ainda não meteu o pé
— comentou Ulisses, fazendo seu irmão arregalar seus olhos. —
Ah, Ton-ton, ele viu até uma briga épica entre a megera e o Dante!
Eu teria fugido…
— Teria nada.
— Não me subestime, pingo de gente. — O mais velho
pressionou suas mãos contra as bochechas de Tomás. — Pietro,
você vai ao psicólogo, não vai? Essa é a única resposta que me
vem à mente.
Os olhos azuis de Marcel observavam ao longe Tomás e
Pietro se dando bem, fazendo-o se lembrar de sua adolescência
com Liam. Pois, até onde se lembrava, eles sempre foram amigos –
mesmo que ultimamente, aquela amizade já não seja tão inocente.
O alto-astral de Pietro lembrava muito de seu melhor amigo.
— Esses dois transam, e eu não. — Marcel cruzou seus
braços e grunhiu baixinho: — Adolescentes metidos…
— O que você está murmurando aí? — perguntou Liam,
cutucando o antebraço do outro.
— Não dirija a palavra a mim, por favor! — repreendeu o
outro.
— Já mandei vocês aquietarem esse rabo quente! —
gritou a mulher, mas sentiu os olhos admirados de Kunut sobre ela.
— Então… O que falta para começar o jogo?
— Penso que vai começar agora — responde Padovani à
mulher. — Boa sorte no jogo, Thyra! — Ele sorriu.
— Pensei que você iria jogar. — Ela virou seu rosto. — Por
que não joga conosco?
— Sou botânico, tenho medo de machucar minhas mãos
— esclareceu. — Uso muitas luvas e produtos que podem causar
alergia se eu me cortar. Prefiro ir correr.
— Você é fofo assim naturalmente ou está tentando me
conquistar? — Ela gargalhou.
— Pode ser os dois? — Kunut piscou maliciosamente.
Thyra exibiu um sorriso amistoso, fitando as orbes escuras
do outro. A família Padovani sempre fora considerada um tanto
excêntrica por mexer com sobrenatural, possuindo pressentimentos
ou lendo runas. Mas Thyra não recebeu o apelido de Puma Dourada
por ser uma mulher amistosa.
— Vamos começar! — gritou Adamastor, seguindo até o
meio do campo e colocando a bola. — Torça por mim, amor! — E
beijou os lábios de Emília.
Tomás, Lia, Kali e Kunut seguiram até a arquibancada e se
sentaram próximos à Emília e Yan. Estava observando o jogo
começar, mas antes, Dante parou Thyra. Os Serpas já se
encontravam impacientes.
— Lembra-se da regra? — O loiro colocou as mãos na
cintura, fitando a melhor amiga.
— Já disse que não vou acertar seu pau. — Ela revirou
seus olhos, seguindo até Adamastor. — Foi sem querer!
— As três vezes? — o homem fica próximo a ela, já em
posição de ataque.
— Acontece!
— Como assim a Thyra tem essa mania e ninguém falou
nada? Olha, eu sou uma moça sensível! — Joana apontou para si.
O jogo começou, aos poucos aquela rixa pessoal foi se
esvaindo entre os demais e surgiu um jogo divertido, com uma boa
relação de Dante com os garotos. Era divertido de ver, o corpo de
Fontana estava tão ativo como antes, Serpa soltou uma risada
maliciosa observando cada movimento.
— Vou ficar com as bolas roxas — murmurou Yan,
pressionando suas mãos contra o rosto. — Kunut, eu estou sofrendo
por esse macho. Ele é mais forte do que imaginei!
— Você nunca o viu assim? — Padovani exibiu uma
expressão chocada. — Espera, espera! Meus deuses! Yan… Você
nunca… nunca transou com o Dante? — ele sussurrou.
Kunut observou Yan cruzar seus braços e exibir uma
expressão emburrada, seu orgulho se feriu naquele momento, à
medida que o amigo caiu na gargalhada ao perceber que estava
certo. Era muito difícil acreditar que, a essa altura, Serpa ainda não
havia transado com alguém que saía. Mas com Dante estava sendo
diferente, mesmo o amigo não entendendo o motivo.
Yan vira Dante sem roupa apenas uma vez, quando ele
chegara à sua casa sangrando e fraco, mas era uma recordação
desalegre que decidiu apagar da sua mente.
— Você fica rindo como se eu não soubesse dos seus dois
anos de seca — rebateu.
E, imediatamente, Kunut parou de rir.
— Pai. — Kali chamou a atenção do homem. — Estamos
ouvindo. — O rosto da garota exibia decepção e vergonha.
Kunut voltou a gargalhar.
— Que vergonha saber disso, meu Deus — sussurrou
Tomás para a irmã.
Yan se calou por alguns minutos e observou que os
demais estavam se aproximando da arquibancada. Thyra, Marcel e
Liam continuavam no campo, aparentemente, discutindo sobre algo.
— Nossa, mãe, você precisa de uma camisa nova! — O
garoto riu. — Tem uma camisa do papai na minha bolsa, você quer?
— Acha que vai caber? — Dante perguntou, retirando a
blusa encharcada de suor. — Pega lá.
Todos sabiam o quão forte Dante era. Mas não esperavam
um corpo repleto de cicatrizes e pelos loiros. Poucos lugares de sua
pele não possuíam arranhões, furos e cortes profundos. Suas
costas eram as piores quando relacionadas às marcas, Pietro podia
jurar que tinha visto uma cicatriz de bala no ombro de Fontana.
De todas que Yan estava observando com mais clareza, a
marca do corte na barriga do amado, era a que mais o incomodava.
E Dante percebeu, tanto que a tampou com uma de suas mãos.
— Passou — ele esclareceu, ignorando os olhares
curiosos dos Serpas e de Pietro sobre seu corpo. — Está tudo bem,
Yan?
— Claro, querido. — Serpa não conseguia parar de olhar
para aquele corpo estonteante. — Só fiquei curioso com uma coisa
— ele murmurou, colocando seus óculos sobre os olhos.
— O que você quer ver? Posso te mostrar tudo —
perguntou Fontana, maliciosamente, arrastando seu corpo devagar
para trás de Yan, onde estava sua garrafa de água.
— Ah, Fontana… — Yan fechou seus olhos. — Você não
sabe onde está se metendo.
Dante e Yan fediam a tensão sexual e selvageria. E,
talvez, se não fosse pelo grupo enorme de pessoas à sua volta
conversando e discutindo, apenas Deus sabia o que estariam
fazendo, já que ambos nunca se importaram com o fato de
estarem… Ao ar livre.
— Seus idiotas! — Mas o grito de Thyra cortou a
atmosfera entre os dois como uma faca. — Sério! Por que vocês
estão brigando?!
— Olha! O Marcel é um idiota! — revidou Liam.
— Não enche meu saco — murmurou Marcelo,
empurrando o amigo.
A mulher não entendia o que estava acontecendo com
aqueles dois, muito menos por qual motivo andavam se
estranhando. Em seu momento de desinteresse, Thyra arremessou
com toda sua força a bola encontrada entre seus pés, mirando na
cintura de Marcel.
Mas, instintivamente, o homem virou seu rosto ao
perceber uma bola em alta velocidade seguindo até ele e desviou
sem muito esforço. Joana fizera o mesmo e afastou Joca do objeto.
O problema foi saber que a bola acabou acertando outra pessoa,
precisamente no rosto de Kunut.
Em poucos segundos, o homem viu estrelas sobre o céu
azulado e todos sentiram pena pelo seu rosto, a marca onde fora
acertada se encontrava avermelhada.
— Meu Deus! — gritou Thyra. — Marcel, por que você
desviou?!
— Oxe! — O homem ergueu seus braços.
— Vai ficar roxo — garantiu Dante. — É melhor o levar
para colocar gelo.
— Tem um posto de gasolina aqui perto, leva ele lá —
sugeriu Tomás, enquanto entregava a blusa para o outro.
— Está tudo bem, gente. Não se preocupem. Sério — ele
falou, massageando seu rosto. — Está… Tudo bem.

— Eu acho que quebrei meu nariz — murmurou Kunut,


estava com seu rosto para o alto, enquanto pressionava o gelo
sobre sua bochecha. — Você é tão forte… Isso é muito sexy.
Thyra se engasgou com a água que bebia, escutando os
murmúrios do outro. A mulher estava em pé, observando a ida e
vinda dos carros do posto de gasolina, enquanto esperava Kunut se
recuperar um pouco. O botânico se encontrava sentado em uma
cadeira de plástico que lhe foi emprestada.
— Obrigada? — A mulher riu. — E relaxe, querido. Acertei
sua bochecha, não seu nariz… E ainda bem.
— Isso explica a razão do meu dente estar doendo para
um caralho! — Ele gargalhou. — Escuta, o que você faz para ter
tanta força assim? — Kunut fitou os braços de Thyra. — Você
trabalhava com o Dante? Sabe… Naquele trabalho.
— Se está querendo perguntar se eu já fui mercenária, a
resposta é não. — Então, ajeitou a pistola localizada em sua cintura.
— Mas fui a sargento dos meus amigos. Linha de frente no Iraque e
gosto de fazer exercício.
— Do caralho. — Ele sorriu. — Por que está morando com
eles?
— Meio que nós nos completamos. — Thyra deu de
ombros. — Tenho certos problemas que muitos não aguentariam
conviver e eles… Bom, não posso dizer que Dante foi o único que
deu trabalho durante esses anos.
— Não é para menos, vocês sofreram com a guerra.
— É… Mas então, está doendo ainda?
— Acho… Acho que não. — Ele sorriu.
— Acha?! Deixe-me ver.
Thyra tirou a mão de Kunut do meio e tocou na bochecha
macia do outro, sentindo o frio do gelo sobre a pele do homem.
Kunut era baixinho, tinha em torno de um metro e sessenta, mas
seu rosto o entregava ser um adulto.
Padovani tinha cabelos longos e ondulados de tom
castanho, seus olhos eram claros como mel e sua pele bronzeada
pelo sol. O homem possuía certa delicadeza e charme,
principalmente por seus lábios avermelhados. A doçura que faltava
em Thyra, teria sido roubada por Kunut.
— Está tudo bem aí, juro. — A mulher roçou seu polegar
sobre a bochecha do outro, observando-o se arrepiar pelo toque. —
Nem roxo ficará. Vai pegar mal se você aparecer para suas rosas
com um machucado, não é?
— Sim! Você tem que vê-las, são ciumentas. — Ele
gargalhou, mas seu sorriso fora apagado em instantes. — Escute…
Eu te paquerei, mas não sei sua sexualidade. Deixei você
incomodada?
— Quando um homem me incomoda, eu não o recebo
com sorrisos. — Seus olhos lhe davam medo. — Eu sou hétero e te
achei um fofo.
— Então, saia comigo! — convidou de pronto.
— Cara! — Thyra se afastou de Padovani, dando um grito
pelo pedido. — A bolada te fez mal! Como você convida a mulher
que te bateu para sair?
— O que acha de fingirmos que é um pedido de
desculpas? — Kunut fitou os olhos profundos de Thyra. — Eu
conheço um museu ótimo, você gosta de museus?
Thyra se agachou no chão e confirmou, estava tentando
conter outra risada. Kunut tinha uma energia diferente, era séria e
positiva ao mesmo tempo.
— Eu ando armada. — Ela o silenciou e observou cada
detalhe nas expressões de Kunut, ao ver se vacilava em suas
sublimes ações.
Mas o homem não exibiu nenhuma expressão de repulsa
ou medo, o que a deixou mais calma.
— E? Já desconfiava antes de te chamar para sair. — E
fitou a cintura da mulher, aparentando que estava com sua arma por
baixo do tecido.
— Entendi o porquê você e Yan são melhores amigos.
— Vai ser mais uma coisa em comum entre nós.
Depois de uma recuperação um tanto quanto rápida de
Kunut e o fim do jogo, Yan, na sua mais pura excentricidade, decidiu
comer em um restaurante próximo do campo, pouco se importando
com os empresários e mulheres ricas que estavam lá. Serpa alugou
o horário do almoço para sua família em dinheiro vivo.
Pietro, Thyra, Marcel e Liam acharam tal ação um tanto
estranha, mas os demais acharam algo tão normal se tratando do
empresário, que o grupo apenas aceitou o fato de que aquele lugar
com pilastras de mármores e garçom bilíngues estavam atendendo
um grupo de pessoas barulhentas e suadas.
Uma mesa farta, contendo todos os tipos de comida que
se podia imaginar. Pietro olhou para tanta comida e imaginou em
quantos dias conseguiria alimentar todo seu bairro. Nesse momento,
o garoto percebeu que tinha menos em comum com o namorado do
que imaginava.
— Não vai comer? — Dante o cutucou, aproximando o
prato fundo da mesa e escolhendo o que comeria. — O Tomás já
está sentado.
— É… Eu só estou um pouco chocado — sussurrou,
pegando um prato e talheres. — Esse é o restaurante mais chique
que eu já vi em toda minha vida!
— Acho melhor você se acostumar — respondeu o loiro.
— Eu me acostumei, mas tem vezes que eu fico envergonhado com
alguns presentes que o Yan já me dá.
Como os quinhentos por dia, pensou Fontana.
— Tipo o anel de noivado? — O garoto fitou o diamante
sendo segurado por ouro maciço. — Ele comprou um de
compromisso para nós também… — Suspirou, colocando uma
porção de arroz e molhos.
— Logo, ele vai te dar uma moto de presente. — Dante
riu. — Yan e Tomás têm coisas mais em comum do que você pode
imaginar. Até o jeito que eles cruzam as pernas quando…
— Montam em cima da gente? — Pietro não conseguiu
evitar o sorriso, mas fechou sua expressão ao perceber a mancada
que deu.
— Se senta. — A expressão de Dante ficou séria e
emburrada.
Monte soltou uma risada nervosa e colocou pedaços
generosos de tofu temperados, em seguida correu para o lado de
seu namorado. Apenas pela manhã, conseguiu estressar o padrasto
de Tomás duas vezes. Quem garantia que conseguiria sair vivo até
domingo à noite?
Dante diria que sim, pois mesmo Pietro sendo um pouco
inconsequente, era amigável e sorridente. Não estava entendendo
por que Tomás ainda não o apresentou ao pai, já que Yan adorou a
presença vívida do garoto.
— Meu Deus — murmurou Emília. — Que mistura é essa?
Macarrão com passas e vinagrete?! Inacreditável, Yan!
— Quem está pagando o restaurante? — O homem
continuava a fitar a comida. — É melhor não falar nada ou não deixo
você comer.
— Eu estou carregando seu sobrinho na barriga! — ela o
lembrou.
— Quer um prêmio? — O homem exibiu um sorriso sem
mostrar os dentes.
A mulher saiu bufando da mesa de comidas e seguiu até a
cadeira, faltavam apenas Dante e Yan para se sentar, os demais já
degustavam da boa refeição, enquanto eram servidos de bebida à
vontade. Fontana se aproximou por trás do amado e passou sua
mão esquerda pelo ombro.
— Eu os odeio — balbuciou, enquanto fitava a salada de
rabanete e pimentão amarelo. — A Emília é a… menos ruim? Será
possível?
— É. Ela parece gostar de você. Do jeito dela. — Ele
sorriu, beijando o ombro do outro. — Logo a noite chega e a gente
se acalma um pouco. — A voz do homem carregava malícia.
Yan fitou a salada de abacaxi.
— Dante. — O homem abaixou um pouco seus óculos,
exibindo seus olhos, os mesmos que fitavam os lábios de Fontana.
— Está escondendo algo de mim?
— Sim — garantiu, seguindo até a cadeira.
A primeira coisa que viera na cabeça de Yan, fora traição,
mas o homem não teria coragem de falar algo assim... Ou teria? Era
muito difícil decifrá-lo, não que Serpa fosse tão fácil. Mas sua
curiosidade o atiçou de forma assustadora, teria de esperar até a
noite para confrontá-lo.
Mas estaria com cabeça o suficiente para isso?
Yan sentou-se à ponta da mesa, observando a todos
tranquilamente. O grupo era bem dividido entre seus amigos e seus
filhos, para os Serpas. Ver os garotos conversando de jeito tão
alegre com os mais velhos lhe trazia tranquilidade, pelo visto os
considerariam tios em poucos meses de convivência.
— Então, Thyra, não é? — A voz de Mel fez Yan revirar
seus olhos, receoso com o que falaria com a tão querida amiga. —
Está casada, creio eu.
— Não, senhora. Solteiríssima! — respondeu a mulher de
boca cheia, apenas para incomodar a mulher. Os demais seguraram
suas risadas.
— E tem filhos? — perguntou Emília, alisando sua barriga
de quatro meses.
Dante e Thyra se olharam. Solarin engoliu a comida,
Kunut olhou com curiosidade para os dois.
— Não, eu sou estéril. — Thyra voltou a comer. — Às
vezes, as mulheres nascem com sorte, não é? — Soltou uma
risada, mas parou ao ver a cara de espanto dos Serpas. — Quer
dizer… Foi sorte para mim.
— Como descobriu ser estéril? — Mel perguntou, fitando a
mulher com escárnio.
— Mãe. — Yan fechou seus olhos e soltou um suspiro
calmo. — Por que você não pergunta aos homens se eles têm filhos
também?
— Chegarei lá — garantiu. — Preciso saber as pessoas
que meu filho anda, não preciso? Já bastam aqueles dois velhos.
— Mãe!
— Eu… — Thyra os interrompeu —, descobri ser estéril
depois que me disponibilizei ser barriga de aluguel para uma pessoa
muito querida. Mas sabe como é? Acabei descobrindo na segunda
tentativa que não posso ter filhos, Deus sabe o que faz.
— O que você faz para agradecer? — perguntou
Adamastor, fitando a mulher.
E se tinha algo que Thyra tinha orgulho de dizer, era sobre
suas profissões.
— Nada não, querido. — Thyra conteve sua risada. — Sou
apenas a melhor sargento da minha geração e se tem um lugar
onde uma criança não pode estar, é na guerra. E sinceramente?
Prefiro ser tia do que fazer uma vida que gerei passar por
problemas, em especial relacionado a familiares idiotas, sabe? Não
sei se vocês entendem sobre parentes cuzões e sem-noção.
Kunut queria levantar e abraçar aquela mulher.
— Antes que a senhora pergunte, eu sou telemarketing, é
melhor eu não ter filhos. Já dou trabalho demais para os meus
amigos — interveio Marcel, antes de Mel abrir sua boca.
— Eu ensino as pessoas a atirar. — Liam apontou para si.
— Péssima educação para crianças, né?
Mel bufou, passou alguns minutos e observou o prato
cheio de Lia, a menina comia em silêncio, observando seus irmãos
ao seu lado conversando e rindo. Por ser bastante elétrica, a garota
se encontrava com alguns band-aid em seus dedos devido aos
calos.
— Onde está a carne no prato dessa criança? — Melinda
arregalou seus olhos, chocada com a ação. — Só vejo planta nisso!
Onde está a proteína?!
Yan parou sua refeição.
— Tá aqui. — Lia apontou para o feijão. — Eu não como
carne desde que nasci. Papai sabe — explicou, olhando em direção
ao Serpa.
— Yan? Como assim? Por isso ela está tão magra!
— Mãe — murmurou o homem. — Será a quinta vez que
eu te digo, mas Lia decidiu seguir o hinduísmo e os costumes da
Índia. Se eu não como carne, quem dirá minha filha! — rosnou o
outro. — A maioria dos meus filhos são veganos, por favor, respeite
isso!
— Feijão tem mais proteínas do que a batata que a
senhora está comendo. — Lia ergueu o prato em frente a avó. —
Batata-doce cozida é melhor e não faz mal ao coração — alegou,
apontando para o coração. — Come do meu prato, eu vou fazer
outro.
Sem receber uma resposta devida de Melinda, a garota
saiu de sua cadeira e foi em direção ao buffet de comidas sozinha,
Serpa observava de longe e viu que um dos garçons lhe ofereceu
um prato, a garota começara a colocar as mesmas coisas que tinha
colocado no prato anterior.
Ulisses e Joca esconderam seus rostos entre a toalha de
mesa, enquanto Joana mordia seu próprio cabelo para não rir. Lia
era bastante independente e, ao contrário de seus irmãos, era a
pessoa que menos se estressava na família.
— Está feliz por ter roubado o prato de uma criança,
mamãe? — Yan perguntou em tom cínico a mulher, que ficou em
silêncio por toda a cena que observou.
Yan começou a comer com tranquilidade, até sentir a mão
áspera e grande de Dante sobre seus dedos finos. O loiro apertou a
mão do outro e continuou comendo, o empresário fez o mesmo,
sentindo-se protegido. Estava um tanto feliz em como sua família
estava se adaptando com Fontana e seus amigos, em simultâneo,
receoso com um possível abandono de todos.
O sexo sempre foi algo importante na vida de Yan, para
entender se sentia algo por aquela pessoa. Mas desde que Fontana
surgira, nada disso importou mais. Pequenos toques de carinho já
lhe davam fagulhas o suficiente para se sentir amado.
Sentia medo de pular nesse poço de amor e não ter Dante
para segurá-lo.

Depois de um almoço farto, uma sobremesa deliciosa e


alguns insultos trocados, o grupo seguiu até as proximidades da
praia, pisando na areia fofa e branca do lugar. O sol já entardecia, e
as pessoas que se encontravam no local, já estavam saindo. E no
mar, um pouco longe deles, possuíra um grande barco, com
diversos andares.
Fontana arregalou seus olhos.
— Você disse que dormiríamos em um barco. — Ele fitou
o amado, ao vê-lo pouco se importar.
— É um barco… Um barco hotel. — Ergueu seus braços.
— Que diferença faz? Logo eles nos pegarão, então, vamos
organizar os quartos? — Serpa fitou sua família e, ao vê-las falar
algo, os cortou imediatamente. — Não, os quartos eu que decido e
sabe por quê? Porque eu sou rico, obrigado.
Pietro cobriu sua boca para não rir. As poucas horas que
passou com os familiares de Tomás – com exceção de seus pais e
irmãos –, já entendera a raiva que o outro sentia por eles.
Yan começou a instruir cada quarto em que ficariam, cada
irmão decidiu ficar com um quarto, com Lia, Joana e Kali em um,
Ulisses e Joca em outro, Tomás e Pietro ao lado. Os demais foram
divididos em casais e grupo de amigos.
— Já estou vendo o filme todo — sussurrou Joca.
— Só ficarmos quietos para não entregar o primeiro
namorado do Tomás — alegou Kali. — Que, ironicamente, é o
primeiro que será apresentado ao pai…
— Vida amorosa meio bosta essa que a gente tem, puta
que pariu — grunhiu a outra irmã.
— Mas é claro, se a gente for deixar o Ulisses apresentar
os namorados, vai ser a terceira idade em massa. — Joca sorriu.
— Isso! — sussurrou Tomás, mas o namorado colocou as
mãos sobre o rosto.
— Por que o Tomás, o Pietro e o Kunut não dormem no
mesmo quarto? — Dante perguntou baixo o suficiente para apenas
Yan escutar. — Por que deixá-lo sozinho?
— O Kunut tem um ritual antes de dormir — respondeu. —
Já que eles são amigos, que mal tem em dormirem juntos?
— Nada não. — O loiro fitou o garotinho e observou um
brilho radiante em seu olhar. — Quem te emprestou? — Ele se
referiu ao barco.
— O dono das concessionárias LEAF. — Yan sorriu. —
Aquele viúvo que a gente ficou secando no dia da reunião. —
Gargalhou ao lembrar. — Foi nossa primeira reunião juntos, naquele
momento eu percebi que você era do vale.
— Não foi por causa da foto comigo agarrado à bandeira
gay e uma LGBT+ não? — Dante pressionou suas mãos sobre a
cintura, aproximando seu rosto do pescoço de Yan.
— Detalhes. Detalhes. — Mesmo receoso em sentir o
corpo de Fontana contra o seu, Yan o recebeu com carinho, logo
depois beijou seu rosto.
Os primeiros meses que se conheceram já passavam de
lembranças engraçadas. Naquele momento, eles estavam juntos de
uma maneira sublime e bela, nenhum dos dois queria se afastar.
Principalmente nesse momento, que os Serpas sugavam toda a
energia de Yan.
Se não fosse por alguns amigos com ele, provavelmente
já tinha se cansado o suficiente para dormir por horas. Se Madalena
e Felícia estivessem lá, teria pena de seus familiares. Pois em duas
horas de convivência anos atrás, Madalena os calou por dias.
Um pequeno barco a vela os pegou e levou até o hotel.
Dante amou a sensação do mar, poucas vezes em sua vida tinha
entrado em um barco ou navio, algo lhe dava receio e insegurança,
mas, ao mesmo tempo, nostalgia e afeito.
Que confuso era estar ao mar.
Eles chegaram ao hotel. Dentro era tão elegante e chique,
quanto o restaurante que se encontrava há poucos minutos.
Possuíam diversos empregados para ampará-los no que
precisassem. Os quartos se localizavam no terceiro andar e todos
fizeram questão de colocar suas bagagens.
— Aqui tem pista de dança, sauna, sala de jogos e um
buffet que abre a partir das 20h — esclareceu Yan, ainda fitando seu
tablet e lendo algumas atrações. — Se quiserem, podem perguntar
a qualquer atendente, eles lhe ajudarão.
O grupo estava abrindo a porta de seus quartos no grande
corredor, cada quarto possuía suíte com banheira e cama de casal.
A voz de Yan podia ser escutada tranquilamente.
— Ei, Yan. — A voz de Marcel surgiu rapidamente. — A
sauna está aberta? — perguntou.
— Hum… — Visualizou no aparelho. — Tem uma sala
disponível para a gente, pelo que estou vendo. É a terceira, pode
ficar lá o quanto quiser.
— Valeu. — O homem sorriu, afagando suas mãos no
cabelo bagunçado de Yan.
Mas Serpa não entendeu o motivo daquele gesto, porém,
achou melhor ignorar.
— Ei. — O homem voltou ao seu quarto e sussurrou no
ouvido de Liam. — Vamos à sauna. — Sua expressão continuava
séria e emburrada.
— Vai me matar lá? — O outro sorriu.
— Se não for, sim.

O vapor quente infestava o corpo de William e Marcelo, a


sala se encontrava quente. Mas Marcel estava tentando diferenciar
de onde seu calor estava saindo, se era da atmosfera ou de seu
corpo sedento.
Depois de entrar e ficarem de toalhas – pelo menos Liam,
pois o outro estava de roupão –, Marcel decidiu tirar sua prótese e
colocá-la em segurança. Estava sem sua mão esquerda, mas se
sentia confortável quando se tratava do melhor amigo. Liam estava
sentado alguns metros de distância do outro, aguardando alguma
fala do homem que tanto amava.
— Por que me chamou? — William apoiou seus cotovelos
sobre os joelhos, fitando as pernas cobertas de água do outro. —
Na verdade, por que está com tanta raiva de mim?
Ele não o respondeu, apenas ergueu sua cabeça e fitou o
teto, até a voz de Liam o deixava extasiado, sua razão estava sendo
perdida pelas ações do outro. Não teria sido a primeira, nem mesmo
a segunda e muito menos seria a última. Já teria acontecido outras
vezes, onde a luxúria o preenchia mais do que a razão.
Ver Tomás e Pietro lhe dera diversas lembranças quando
mais novos, principalmente na vivacidade que o pequeno Serpa
possuía, meu Deus… Eram idênticos! Estava receoso em perdê-lo,
sempre esteve medroso de um dia, uma mulher ou outro homem
atrair seu coração e tirar uma das poucas coisas que ainda tinha em
sua vida.
— Amor — murmurou Liam, gaguejando no final. — Fale
alguma coisa.
— Não me chama assim. — Marcel fechou seus olhos e
estagnou sua respiração. — É jogo sujo — ele sussurrou, soltando
uma risada.
— Só me responde, por que você está tão estranho?
Marcel aguentou enquanto pôde.
O homem se levantou do banco de madeira e seguiu até
Liam, a cada passo mais perto do corpo de tom negro brilhante do
amigo, mais seu membro endurecia. Podia sentir até mesmo o
futuro gosto dos lábios de Liam depois de tomá-lo para si.
Marcel fitou cada detalhe, dos pés à cabeça daquele que
tanto gostava e, por conta disso, começara a desfazer o nó de seu
roupão e deslizá-lo para o chão, Liam já conseguia ver os ombros
avermelhados do amado e seu peitoral com algumas cicatrizes da
guerra.
Liam desfez sua pose e segurou seu sorriso, fazia um ano
que Marcel não o deixava tocá-lo daquela maneira, estava feliz e
excitado. O roupão se encontrava preso sobre a cintura larga do
amigo, sentiu sua boca salivar ao ver o volume que o membro do
outro já se encontrava.
O rapaz apertou o braço de Marcel enquanto, com sua
outra mão o deixava nu. Liam beijou o coto, com ternura e
admiração, à medida que Marcelo sorria ao sentir seu braço
formigar.
— Você me deixa excitado — soltou Marcel.
Era a forma de Marcelo dizer: eu te amo, seu grande
idiota.
— Eu sei disso desde os nossos vinte anos. — Liam
deslizou sua língua pela cintura do amigo.
E essa, a forma de William dizer: eu também, na mesma
intensidade.
Marcel se encontrava imóvel, sendo os beijos e chupões
tenros sobre a área de suas coxas e cintura, seu pau já vazava pré-
gozo, mas em momento nenhum fora tocado por Liam. A língua
quente do amigo estava lhe causando pequenos arrepios, enquanto
fitava o volume sobre a toalha de William.
— Me chupa. — Marcel empurrou seu quadril para frente,
fazendo-o roçar sobre a bochecha do outro. — Por favor…
— Mereço judiar um pouco, vai. — Liam sorriu contra a
pele exposta de Marcel, tinha deixado uma marca de seus dentes
sobre a coxa. — Tenho certeza de que eu não vou ser tocado.
E podia ser verdade, já que ele continuava sentado. Mas
Marcel queria tocá-lo. Sempre quis.
— Levante-se — ordenou. — Meu Deus, aqui está muito
quente! — Marcel puxou o braço de Liam para cima, fazendo-o
levantar-se. O homem fitou os lábios carnudos do amigo e em como
queria exibir um sorriso. — Nossa amizade vai acabar se você gozar
na minha mão?
— Ela não acabou nas outras vezes que isso ocorreu, né,
cara? — Liam recebeu um beijo receoso em seu pescoço, Marcel
estava um tanto trêmulo.
E, dessa vez, foi Marcel que contornou a situação. Era
sempre o mesmo medo, de o homem um dia acordar e não estar
mais do lado de Liam e ficar com outro alguém. Marcel sempre
possuíra o medo de ser abandonado, mesmo sempre estando nítido
que Liam nunca faria isso.
William envolveu seu braço sobre o pescoço de Marcelo e
afundou sua cabeça no local, enquanto sentia a fricção e os
movimentos rápidos do amigo entre ambos os membros. Os toques
eram firmes e fazia cada célula de Liam estremecer. Mas no
momento em que escutou os rosnados de Marcel, o êxtase se fez
presente na sauna.
Não demorou muito para ambos gozarem, derramando
sobre a mão de ambos e o chão da sauna. Marcel continuava
abraçando-o, suas pernas estavam bambas pelo orgasmo em seu
corpo. Não queria soltar seu melhor amigo, queria ficar lá, sentir seu
cheiro e corpo másculo.
— Desculpa por fazer isso. — Mas a vergonha se fez
presente rapidamente. — Espero que nossa amizade continue —
ele murmurou, enquanto beijava o pescoço de Liam. — Se você me
ignorar eu vou fazer a Thyra acertar seu pau.
— Ela faz isso naturalmente, não se preocupe em pedir —
esclareceu, depositando um beijo rápido nos lábios de Marcel. —
Você não gostou do que fizemos?
— Sempre gosto quando fazemos, me sinto um merda em
não saber te chupar direito. — Ele bufou.
— Tudo bem, contanto que não role penetração —
garantiu Liam, gargalhando em seguida.
— E você ainda diz que me ama?! — Marcel o fitou, com
suas bochechas ainda coradas pelo calor e o pós-orgasmo. — Acho
que somos goiunes…
— O que seria? — perguntou, em tom de dúvida.
— É sexo sem penetração, onde ela não importa para a
vida sexual do… do casal — alegou Marcelo. — Li recentemente
sobre isso e percebi que faz muito sentido nas nossas vidas…
Talvez sejamos goiunes…
— Entendi, a gente vai acabar ficando na mão até o fim de
nossas vidas. — O homem riu contra a pele de Marcel.
— Até o fim — sussurrou, apertando o homem para mais
perto. — Não minta para mim, por favor — rogou.
— O que você disse?
— Nada, William.
Yan Serpa se encontrava em choque absoluto,
pressionando seu corpo contra a porta da sauna, seu radar
bissexual nunca o deixou na mão como nesse dia. Nunca percebeu
que Marcelo e William gostassem daquela forma um do outro e, até
o momento, Dante era o único gay entre o quarteto.
Fazia poucos minutos que o homem estava lá, apenas a
uma porta de distância em direção da sauna, sem conseguir expor
alguma opinião ou sair de lá. Talvez por ser o local mais tranquilo
até aquele momento, também por vigiar quem entrasse na sauna.
Mas… e se os vissem? Serpa poderia até mesmo entrar em um
escândalo.
O empresário estava apenas de calças, pois tinha tirado
sua blusa, e naquele momento se encontrava no trocador para
entrar na sauna. Então, decidiu vestir a peça de cima e sair
silenciosamente de lá, mas não esperava ver Pietro. Serpa
arregalou seus olhos e fez sinal de silêncio para o garoto, que
arqueou sua sobrancelha.
— Senhor Serpa? — A voz do garoto estava em tom
normal, mas recebeu um olhar reprovador do mais velho. — O que
houve? — sussurrou dessa vez.
— Eles estão… Estão… Droga — murmurou e empurrou o
garoto para fora da sala. — Marcel e Liam estão em um momento
íntimo, acho melhor não saber mais detalhes. Acabei escutando
tudo.
— Eu notei um climinha entre eles. — O garoto riu,
observando as expressões de Yan. Eram tão bonitinhas quanto do
namorado. — Parecem com vocês.
— Vocês? — Serpa virou seu rosto, confuso com a fala.
— É! A muralha e o senhor… Quer dizer, seu marido. —
Pietro gargalhou. — A conexão de vocês é incrível! Quantos anos
de casados vocês têm?
— Ainda vamos nos casar. — Yan queria chorar,
emocionado com a autenticidade daquele garoto. — Você acha isso
mesmo?
— Não tenho motivos para mentir. — Sorriu. — Quando
sinto, eu digo. É simples.
A cabeça de Yan não parava de pensar no quão angelical
era aquele garoto alto de cabelos encaracolados e o sorriso mais
sincero que já vira em toda sua vida.
— Onde está meu bebê? — decidiu mudar de assunto.
— Ele disse que viria logo, mas pediu para eu vir na frente
— esclareceu. — Acho melhor a gente ir para a sala de jogos.
— Concordo. Não quero um dos meus filhos vendo essas
coisas — murmurou ele, pressionando seus dedos contra o queixo.
— Ainda estou chocado, enfim… Vamos sair daqui?
O garoto acenou e esperou seu sogro colocar a blusa,
percebendo que Serpa possuía uma bela tatuagem em seu peito.
Yan era mais baixo que ele, mas sua presença não deixava passar
de maneira alguma. Deixando confortável ao seu lado, mesmo que,
enquanto andava, Yan soltava várias frases debochadas ou
excêntricas.
Conseguia ver que Yan Serpa era uma alma velha de
extremo carisma, o contrário da alma de Dante, que era um velho
rabugento com instinto protetor severo. Pietro iria lidar
tranquilamente com aquele casal.

— Já contou a ele? — Mel perguntou a Yan, sem rodeios.


E ela sabia que seu filho odiava conversar sobre tal tema.
O segredo de Yan era a única coisa que conseguia o deixar sério o
suficiente.
— Mãe… — O homem soltou um suspiro sôfrego. — Por
favor.
— O quê? Quando as pessoas se relacionam elas não
podem guardar segredos — esclareceu ela. — E seu segredo é algo
que o Dante precisa saber. É algo sério.
Era de noite, Mel e Yan conversavam ao ar livre na proa
do barco, ambos afastados o suficiente para observar os demais
rindo e conversar entre si, os filhos de Serpa estavam em uma
conversa animada com Dante e os amigos. Entretanto, Thyra e
Kunut conversavam sozinhos ao longe, era reconfortante vê-los.
— Vou contar, não é nada de mais e ele vai entender —
afirmou.
— Ora, mas é sim! — a mulher revidou.
— Não, não é. Eu não matei ninguém… Nem roubei a
porra de um banco — Yan gritou. — Dante vai me amar descobrindo
isso ou não.
— Quero que conte antes do casamento de vocês. — A
mulher fitou o filho. — Ou o Tomás e Lia ficam comigo.
Yan fechou seus olhos e pensou se seria pecado de sua
parte jogar a mãe no mar. Mas apenas bebeu todo o champanhe
que estava em sua taça, em seguida soltou um suspiro longo e
doloroso.
— É para o seu próprio…
— Você não vai, de modo algum, acabar com a cabeça do
meu filho! E agora quer tirar Lia também?! — Yan a fitou com ira. —
Enquanto ele não completa a porra dos dezoito anos, Tomás ficará
comigo. Eu estou noivo como você queria. Você o conheceu e
estamos aqui na porra deste barco, porque você quis. Então,
mamãe, é melhor você se acalmar com as suas ordens.
— Diga a ele antes do casamento — repetiu.
E suspirou.
— Vou para o meu quarto. — Yan enfiou a taça de
champanhe na mão da mulher.
— Yan… Não seja imaturo. Você está velho demais para
isso.
Ele a ignorou, soltando um grande suspiro. Serpa passou
pelo salão principal furtivamente, tentando passar despercebido e
seguir até seu quarto em paz. Mas os olhos de Dante e dos demais
filhos o acompanham, pôde ver que seu amado não estava bem.
Antes que Ulisses ou Joca fossem até o pai, Fontana fora primeiro.
O loiro se despediu de todos com rapidez e fora atrás de
Yan.
Quando Dante entrou no quarto, Yan já estava na cama,
tentando focar no livro que trouxera. Mas sua cabeça só tinha as
falas de sua mãe, Serpa só desejava paz e, aparentemente, era
algo bem difícil de conquistar. O homem fitou o ex-mercenário,
Fontana estava belíssimo com sua blusa de manga comprida de
tom vinho e calça jeans preta.
O empresário fitou aquela beleza escultural e tentou
entender por qual razão ele estava lá no quarto, em vez da festa.
Nada falaram, mas Dante começou a retirar seus sapatos e logo
depois a blusa.
— Não vai voltar à festa? — Yan perguntou, tentando
ignorar o corpo de Dante sobre a luz amarelada do quarto.
— Perdeu a graça. — Ele bufou, percebendo a fragilidade
que o amado estava por conta de Melinda. — Você não estava lá
soltando suas piadas. Achei melhor escutá-las aqui.
Yan exibiu um sorriso tímido.
— Tenho tantas que um dia morrerei e você não escutará
todas. — Serpa percebeu a aproximação lenta de Dante, enquanto
fechava a luz principal do quarto.
O secretário estava apenas de calça jeans, a mesma que
podia exibir a cueca boxer por baixo da outra peça. Yan lutava para
não olhá-lo tanto que nem mesmo entendia a razão de Dante estar
lá, provavelmente, para jogar o resto de razão que ainda tinha em
seu corpo.
Fontana colocou um de seus joelhos sobre a cama e
Serpa pôde sentir a pressão de seu peso sobre ela, sua respiração
estagnou por alguns instantes, mas continuava olhando para os
diversos números e letras contidos nas páginas do livro. O segundo
joelho fora colado, Dante estava na cama, próximo de Yan.
Como o empresário estava sentado, encostando suas
costas sobre a madeira da cama, Serpa abriu suas pernas e
abaixou um pouco o livro em mãos. Não demorou muito para Dante
roçar seus polegares sobre o calcanhar e logo depois a panturrilha
direita de Yan, da maneira mais gentil que conseguia.
Seus pelos enrijeceram a cada caminho percorrido por
Dante. O homem chegou mais perto, retirando o livro das mãos do
amado e colocando sobre a cabeceira, Yan estava vestido com seu
roupão de cetim roxo, aquele que Dante tanto venerava.
— Tudo bem contigo? — sussurrou Fontana, enquanto
dedilhava a cintura por cima do tecido. — Conte para o seu noivo —
rogou, aproximando da orelha esquerda de Yan.
— Eu odeio minha mãe — ele respondeu, enquanto sentia
os lábios quentes de Fontana mordiscando e lambendo o lóbulo de
sua orelha. — Ela… Me… Estressou.
— Foi? — perguntou, exibindo malícia em sua voz. —
Sabe do que você precisa? — O loiro pressionou seus dedos sobre
o peitoral do noivo.
Yan sorriu e tirou o rosto de Dante sobre seu pescoço,
beijando-o logo em seguida. Dante pressionou seu corpo pesado
contra o amado, enquanto beijava os lábios doces do homem que
tanto amava.
Serpa cruzou seus braços e pernas, entrelaçando
Fontana.
— Não sinta pena de mim, por favor — pediu Yan, entre
arfares por conta do beijo. — Eu estou bem, não precisa me chupar.
— É bom liberar energias ruins através disso. — Dante
dera um pequeno selar nos lábios do outro. — Esqueça ela. Vou
ajudar você a melhorar isso. — Começara a descer seu corpo até o
peitoral do outro.
— Emburradinho… — Mas Serpa o parou. — Durma
comigo — pediu. — Você não vai sentir nada e só vai te deixar com
dor de garganta. — Pressionou seus dedos sobre a orelha do outro.
— Só… me abraça enquanto dormimos. A gente nunca fez isso.
Infelizmente, tratava-se de uma verdade.
Dante queria dizer sobre seu bem-estar sexual, mas ver
Yan desanimado por conta de sua mãe, só mostrou que seria
egoísmo demais. E, então, pensando no homem e não em seu
anseio pelo sexo, Fontana beijou os lábios de Serpa e levantou-se.
— Tudo bem. Irei apenas tomar banho e acender algumas
velas para te relaxar. E pôde ver o olhar entristecido do amado. —
Me dê cinco minutos e dormimos. Quer beber algo?
— Não. Só vem logo.
O loiro fez como pedido e terminou seu banho
rapidamente, pegara algumas velas aromáticas de laranja com
camomila e acendeu duas, uma próximo à cabeceira e outra no
chão da varanda. Dante colocou um calção frouxo e caiu na cama,
agarrou a cintura de Yan e o trouxe para mais perto de si, colocando
seu braço para apoiar a cabeça do outro.
— Boa noite. — Beijou a nuca, fechando os olhos logo em
seguida.
— Obrigado, Dante. — Foram as últimas palavras de Yan
naquela noite.
Domingos de manhã sempre deviam ser tranquilos e
tediosos, era uma lei universal a ser seguida. Bom… Era.
Yan e Dante ainda dormiam na cama, de tão próximos que
estavam, podia-se sentir até mesmo a respiração tranquila. Serpa
tinha um sono pesado, mas naquele dia, o sol que surgia pela fresta
da cortina batera em seus olhos. Yan começou a acordar.
Serpa sentiu os braços musculosos e o peso de Fontana
sobre si e soltou uma risada. Então, rolou seu corpo para fitar o
rosto do loiro e fora aí que sentiu algo a mais que o peso em seus
braços.
Serpa arregalou seus olhos e levantou o lençol que os
cobriam e, ao ver, não conseguiu expelir som. Seu amado
continuava a dormir tranquilamente, sem imaginar que naquele
momento, Yan queria chupá-lo e batê-lo em mesma sintonia.
— Seu loiro filho da puta — o homem decidiu escolher a
raiva —, que… Argh!
O homem jogou o lençol no chão e pôde observar com
mais clareza a protuberância no short de Fontana. Mesmo sendo
uma bela visão, queria matá-lo sufocado… mais precisamente entre
suas coxas.
— Arrombado… mentiroso! — grunhiu, levantando-se da
cama. — Sente tesão em mim… Sei! O que podia esperar de um
ex-mercenário?! Pilantra! Idiota! — Yan saiu da cama batendo duro
contra o chão. — Filho da puta! Barbie de quinta!
Yan seguiu furioso até o banheiro, chutando qualquer
coisa que tivesse em sua frente, enquanto ajeitava seu roupão e
pegava uma toalha. No momento que entrara, bateu na porta com
toda a força que era capaz, o estrondo foi tremendo o suficiente
para fazer Dante acordar de susto.
Fontana se levantou de uma vez, o que o deixou
cambaleante. Não estava entendendo onde estava ou o que estava
fazendo, até segundos atrás. Mas então, sentiu a falta do corpo de
Yan ao seu lado, tateou o local e percebeu que fazia pouco tempo
que saiu da cama – pois ela se encontrava morna. Então, fitou sua
ereção matinal e logo depois o lençol jogado no chão…
Saía vapor do banheiro, então o amado se encontrava lá.
O barulho fora da porta batendo… Um alarme alto e escandaloso
começara a apitar alto em sua cabeça, Serpa descobriu que Dante
se encontrava melhor, da pior forma possível.
— Fodeu. — Dante soltou um suspiro, preparando-se para
ver o pior lado de Yan. O mesmo que vira quando sumiu.
Serpa demorou poucos minutos no banho, algo raro vindo
dele. Estava fervendo de raiva, que nem mesmo a água mais
quente do hotel conseguiu acalmar seu ódio. Yan abriu a porta com
raiva, estava de cabelos molhados e com o roupão roxo grudando
em seu corpo.
Quando fitou o quarto, dera de cara com um homem alto e
loiro em posição de defesa. Dante e Yan trocaram olhares mistos,
entre o ódio e a excitação, algo já costumeiro do casal.
— Dante — ele começou, ao ver que a parte de baixo já
se encontrava normal.
— Eu posso explicar — ele o interrompeu, dando dois
passos para frente.
— Explica na casa do caralho! — Yan revidou, afastando-
se do outro.
— Me deixa explicar e depois você briga comigo. — A
expressão de Dante estava analítica demais. Percebendo algo do
outro.
— “Estou sofrendo uma pressão psicológica há anos. Não
tem nada a ver com você. E se quer saber… Eu sinto um puta tesão
em você, mas essa porra não sobe” — Yan recitou as palavras de
Dante, estava rodando em sua cabeça. — Como eu pude
acreditar?! Argh! Que ódio de mim! Como eu fui idiota!
— Mas era verdade — alegou.
— “O problema não é você, Yan” — falou novamente,
andando de um lado para o outro. — Se você não tem tesão em
mim, é só dizer! Teria sido menos doloroso no começo dessa porra
toda!
— Mas eu sinto um puta tesão em você! — Sua voz
impunha verdade. — Isso é real!
— Como posso acreditar nisso? Céus! Por que você
mentiu?
— Yan, me escuta.
— Pensei que você estava sendo romântico, porque
começou a sentir a mesma coisa que sinto, não por conta dos
arrombados da minha família! — Sua voz começara a embargar. —
Mas… Mas! Você mentiu para mim sobre ser impotente, porque eu
sei o que vi hoje de manhã! — gritou. — O pior de tudo isso, é que
eu amo tanto, mas tanto você, que me sinto um idiota por ter
acreditado em qualquer coisa!
Yan calou-se ao perceber o que tinha dito. Dante arregalou
seus olhos, seu coração começou a palpitar descompassadamente,
errando batidas, estava feliz e ansioso. Serpa afirmou que o amava
de maneira mais sincera.
O silêncio pesava mais que todos os quilos daquele barco.
Yan não conseguia fitar Dante. E o loiro estava imerso de paixão por
ter escutado tais palavras, fora então que se aproximou de Serpa,
que continuava ignorar a expressão de Fontana.
— Olhe para mim. — A voz rouca do homem era uma
mistura viciante entre amor e malícia.
— Não quero saber qual a expressão que fez — disse. —
Você deve estar com vontade de rir.
— Yan… — O loiro pegou a mão direita do homem e
apoiou sobre seu coração.
O empresário sentiu as batidas rápidas e
descompassadas do outro. E, no momento que virou seu rosto para
fitar o amado, sentiu Dante invadir sua boca com luxúria. De todos
os beijos que já foram proferidos, nada se comparava a sede de
sexo que ambos tinham. Yan sentiu as mãos fortes de Fontana em
todo seu corpo, sentindo as pontas de seus dedos.
Não demorou muito para Serpa já estar com suas pernas
em volta dos quadris do amado, o beijo se aprofundava a cada
segundo e nem entendia como já estava lá, sentindo todos os
desejos saindo dos lábios de Dante. O secretário estava com suas
mãos sobre a bunda de Yan, apertando-as com vontade.
— Eu o desejo — ele falou entre arfares, enquanto
marcava o pescoço de Serpa. — Desde sempre, Yan. É só você que
eu quero.
— Como você mente bem. — Yan exibiu um sorriso
desdenhoso, fitando os olhos luxuriosos do amado. — Seu cachorro
mentiroso.
— É? — Dante mordeu seu lábio inferior, aproximando
mais o corpo do outro. — Isso é um desafio, senhor Serpa?
Mas Serpa iniciou outro beijo, mais profundo e voraz,
estava tão imerso em Dante e vice-versa, que não conseguia ficar
segurando seu orgulho, precisava expelir e dizer que o amava.
Fontana seguiu o amado até a cama, com certa dificuldade por seu
membro duro sobre a bermuda frouxa.
Em poucos segundos, Yan fora arremessado dos quadris
do seu secretário em direção à cama, seu corpo continuava
molhado pela água, mas naquele momento o calor do momento já
estava o deixando suado, o roupão roxo marcava cada extensão,
principalmente na ereção dolorida que tinha.
Fontana subiu na cama, sentando-se em cima de Yan.
Serpa não demorou muito para retirar o tecido fino que o
impossibilitava de ver o pau erguido de Dante. E quando viu, ficara
observando cada detalhe daquele membro.
— Meia nove? — sugeriu o homem.
— Yan?! — De repente, Emília batera à porta. — Está tudo
bem aí? Escutamos gritos.
Dante fitou a porta com fúria e frustração, não que Yan
estivesse longe disso.
— Está tudo… — E fitou o homem seminu, de pau rígido,
em cima de seu corpo magro. — Perfeitamente bem.
— Pois saiam. O café já está servido.
— Me dê… quinze… — Observou o peitoral de Dante
subir e descer. — Puta que pariu… — sussurrou. — Vinte minutos.
Daqui a pouco irei!
— Não demore! — ela gritou.
— Onde estávamos? — Yan sorriu.
— Mãe, pai? — Era a voz de Tomás. — Vamos comer! Por
que vocês ainda estão aí?
— Deixe eles aí! — sussurrou Ulisses, afastando o garoto.
— Por quê? Está na hora do…
— Saia de perto dessa porta, Tomás! — Joana arrastou
seu irmão.
Dante e Yan fitaram um ao outro, expelindo frustração em
seus rostos e corpos. A sanidade voltara abruptamente em todas as
células de ambos, começando a sair daquela bolha de luxúria e
sexo que estavam. Fontana se deitou no corpo do amado, soltando
um suspiro.
— Estamos indo — murmurou Serpa. — Um dia eu vou
interromper a melhor foda do Tomás, eu juro — sussurrou no ouvido
de Dante, fazendo-o rir.
— Ok! Não demorem! — gritou. — Marcel! Devolve o meu
videogame!
— Preciso de um banho gelado — disse Fontana. —
Podemos continuar com isso na sua casa...
— Já ia sugerir isso, juro. — Yan beijou a bochecha de
Dante, enquanto acariciava os cabelos loiros de sua nuca. — Mas e
os garotos?
— Empurramos Tomás para o Pietro. Os demais a gente
explica direitinho e joga para os meus amigos. — Dante gargalhou.
— A gente avisa para o William quando terminarmos e ele inventa
algo para eles voltarem para casa. Todo mundo ganha.
— Você é horrível. — Serpa gargalhou, batendo na nuca
do outro. — É melhor você se preparar direitinho. Porque eu quero
te comer com gosto.
— Ontem eu estava pronto para isso — garantiu Dante. —
Mas você queria dormir.
— Minha mãe…
— Esqueça-a essa noite — interrompeu, beijando o outro
gentilmente. — Apenas nós.

— Juro que se dependesse de mim, não estaria aqui —


respondeu Yan, enquanto colocava uma quantidade considerável de
vodca em seu copo. — É um grupo de víboras prontas para me dar
um bote. — Riu, enquanto tomava um gole. — Infelizmente, família.
Eu não sou o coitadinho aqui.
Os Serpas estavam reunidos no quarto de Yan, estava
sozinho com seus familiares e mesmo odiando a situação, sua
cabeça continuava erguida, pois, como havia dito antes, era ele que
sustentava a família e muitas piadas eram evitadas por isso.
— Só queremos conversar — contestou Emília, sentada
próximo ao irmão. — Precisa contar sobre você para o Dante.
— Mas isso é sobre mim e ele. Por que estão se
metendo? — Gargalhou, cruzando seus braços, segurando o copo
de vodca. — Deixe-me ver… Como estou amando alguém e
consegui um marido, vocês querem tirar meu filho de mim com outra
circunstância barata.
Mel revirou seus olhos e os demais familiares bufaram
com a fala do homem.
— Foi o que eu pensei. — Yan sorriu em desdém. —
Tomás e Lia ficarão comigo.
— Yan, entenda. É tudo sobre ser quem você é — revidou
Adamastor. — Os mais novos estão sendo influenciados por conta
de você e os outros irmãos, já conosco, ele ficará com a mente mais
centralizada.
O empresário gargalhou.
Dante pediu para Pietro chamar Yan da reunião nociva em
que estava e o garoto estava há alguns segundos observando a
porta do quarto, tentando abri-la e tirar o sogro de lá, mas seu sexto
sentido o impedia, dizendo para escutar a conversa alheia.
Kali surgiu próximo a Pietro, ao ver que o garoto estava
perto da porta, tentou afastá-lo do local. A conversa de Yan com os
outros familiares deveria ser restrita, ninguém além dos Serpas
deveriam ouvir.
— Vamos embora! — Kali pronunciou, mas sem emitir som
algum.
— Essa é a forma de você dizer, queremos os quarenta
mil por mês e com Tomás mais a Lia isso ficará mais fácil? — O
homem apoiou o copo sobre a escrivaninha. — Agora vocês querem
a Lia também, inacreditável! Escutem, ele é gay… Eu vou repetir, só
para deixar claro, Tomás é uma bicha afeminada! Lia ainda não se
descobriu, mas saibam que isso não será problema!
Melinda revirou seus olhos.
— Eu sou bissexual e estou noivo de um homem. A família
do meu filho, nossa verdadeira família é totalmente LGBTQIA+. Tem
viado, sapatão, travesti e tudo que vocês odeiam. Tomás ficar com
vocês, será um caos para a cabecinha dele. Sem falar que ele terá
que sair da escola atual dele.
Pietro arregalou seus olhos, sentindo um aperto no
coração ao escutar isso.
— Eu tenho que chamar o Yan — sussurrou Pietro, já
rubro, suas emoções ferviam em um turbilhão intenso de confusão e
amargor.
— Pitt… Por favor, vamos embora! — disse Kali.
— Eles ficarão comigo e fim de papo! — Yan rosnou. —
Eu contarei sobre mim a Dante, não se preocupem. E eu posso dar
cinco mil a mais na quantia mensal de vocês.
— Não queremos cinco mil — contestou a mãe.
— Então, ficará com a mesma quantia de antes — refutou
Yan.
— Céus! Depois que aquele italianinho apareceu na sua
vida, você está muito corajoso! — gritou Mel. — Que saudade eu
tenho da minha Yvina!
O sangue de Serpa subiu e seu corpo enrijeceu por
completo. Seu olhar tornou-se furioso e frio.
— Esqueça essa mulher. Sua velha imbecil! Vadia inútil! —
A voz estridente de Yan deixara todos trêmulos. — Você vai morrer
na merda de um asilo se continuar falando tudo isso! — Apontou
seu dedo para a mulher.
— Pietro! — Kali o afastou da porta com toda a força que
tinha.
— Está vendo como você fica agressivo! Não o
conhecemos mais! — Melinda se levantou da cadeira. — Desde que
você…
Kali parou suas ações e encarou Pietro. O garoto estava
de olhos arregalados, seu coração parou ao escutar em alto e bom
som o segredo de seu sogro. Ao fitar a cunhada, seu mundo inteiro
girou por alguns segundos.
— Caralho! — gritou o garoto, mas sua boca fora tampada
pela mulher que procurava de algum modo em sair daquele local às
pressas.
Yan abriu a porta do quarto com rispidez, exibindo uma
expressão preocupada e irada. Ao ver que Pietro estava lá junto de
sua filha, Serpa não pensou duas vezes ao sair daquela situação e
seguir corredor afora. Estava envergonhado e, ao mesmo tempo,
aliviado, pois Kali cuidaria da situação. Os demais Serpas também
saíram do quarto e começaram a seguir Yan, mas no momento em
que o fariam, Pietro pôs seu pé entre o corredor, impedindo a
passagem. Kali estava apertando o braço do cunhado, procurando
alguma forma de manter-se calma.
— Acho que vocês fizeram merda demais hoje. — A voz
de Pietro estava séria e grossa. — Senhor Yan não merece dividir o
mesmo sangue com vocês.
— Ora, mas quem você pensa que é? — interferiu
Adamastor, ficando frente ao garoto.
— Não ouse tocar nele! — gritou Kali. — Você não passa
de um pau-mandando de merda! E se acha que vai nos assustar,
está muito enganado! Afaste-se de nós antes que eu cometa algum
crime contra você! — rugiu a mulher, apontando seu dedo contra o
rosto do tio.
— Isso é modo de falar com o seu tio, menina?
— Você nunca será meu tio, seu filho da puta! — Kali
revidou, assustando o homem. — Não passa de um velho nojento e
ganancioso, idêntico a todos ao seu redor! Você não tem autoridade
nenhuma para falar neste tom comigo! Nenhuma!
Adamastor afastou-se mais ainda dos dois, observando o
ódio e decepção de Kali pelo homem e sua esposa. Aquela cena o
fez repensar por alguns segundos sobre toda sua vida, poucas
vezes tentou contato com os filhos de Yan e não gostaria de ter sido
aquele o primeiro contato entre eles.
— Só queremos falar com Yan, Kali! — Mel interveio.
— Não. — Cerrou seus dentes. — Vocês já nos
incomodaram demais em poucos dias.
Mel a encarou com dúvida, nunca, em nenhum momento
de sua vida, alguém a impediria de algo. Mas Pietro e Kali pouco se
importaram, apenas seguiram em direção de Yan, sem ao menos
perguntar algo para os demais.
— Não sabia da índole dessa menina — ela falou,
enquanto fitava as costas do garoto. — É melhor nós ficarmos de
olho neles. Principalmente no garoto.
Yan seguiu cambaleante por todo o barco, tentando
ignorar os olhares de sua família e o choque de Pietro ao descobrir.
A vodca que havia tomado já se tratava da quinta, apenas porque
queria sair dali, para longe dos Serpas. Rogava pelo abraço de
Madalena, Felícia e os demais filhos.
Dois dias era o suficiente para ter um fim a sua
estabilidade mental. Serpa seguiu até o último andar do barco,
pressionando seu corpo contra a grade de segurança, estava
observando o mar e o vento pairar sobre seus cabelos.
— Senhor Serpa! — gritou Pietro ao fundo. — Precisa se
acalmar. Vamos conversar.
— Pai! Está tudo bem!
— Não temos nada a conversar — respondeu ele,
apoiando seu corpo com mais força na grade. — Eu só preciso de
um pouco de…
E repentinamente uma grande onda fez o barco sacolejar,
fazendo Yan perder seu equilíbrio e cair para fora do hotel e indo ao
encontro do mar. Pietro gritou e correu até a grade, ao contrário de
Kali, que começara a retirar seus sapatos, porém, seu sexto sentido
o parou.
— Droga, droga, droga! — Pietro fitou o céu e bufou de
frustração.
— Pai!
E antes que conseguisse produzir alguma fala contra seu
sexto sentido ou que Kali pulasse, Monte sentiu uma presença
rápida e forte indo em sua direção, era Fontana. O loiro estava tão
imerso com a ideia de seu amado correr perigo, que pouco
perguntou algo para os dois, apenas pegou impulso e pulou no mar.
Dante era louco.
E totalmente entregue a Serpa.
— Pitt! O que aconteceu? — Era Tomás. — Escutamos
gritos ao longe e… — Fitou a expressão do amado e a falta da
presença de mãe. — Onde estão os… Onde estão os meus pais?!
Os demais do grupo apareciam ao longe, gradativamente
se aproximando da borda, Kali apertava a borda da grade com
força, procurando a vista do casal. Thyra apareceu repentinamente,
carregando Lia em seu colo.
— Porra. — Thyra analisou a situação. — O Dante pulou,
não pulou? — Pietro engoliu seco e concordou, alguns segundos
depois Kali fez o mesmo. — Os gritos eram por isso? — concordou
mais uma vez. — Salva-vidas! — Thyra começou a gritar. —
Precisamos de ajuda, tem dois homens ao mar!
O que Dante fizera foi arriscado, era fato, podia nem
mesmo ser Yan ao mar – na verdade, poderia ser ninguém –, mas
sempre respondeu a todo instinto de sobrevivência, sendo o
Cerberus ou não. E mesmo abandonando toda aquela vida, suas
habilidades nunca iriam embora.
O loiro agarrou o corpo de Yan no momento que pulou. E
quando isso acontecera, sentiu uma paz, a serenidade que apenas
estar dentro do mar lhe deu. O mar roxo que sempre sonhou,
parecia acontecer naquele momento, o corpo de Serpa segurado
com força, enquanto se deixava imergir pela sensação de estar
interligado à vasta imensidão de Yan Serpa.
Tudo se fazia roxo e sereno. Como as coisas deveriam
ser.
Se um dia pensou que não o amava… Céus! Como estava
equivocado.
Dante e Yan sentiram o oxigênio em seus pulmões, suas
cabeças estavam fora da água e Serpa estava consciente. Mas
Fontana ainda apertava o corpo do empresário, sentindo a pele fria
do amado e que ele estava lá, vivo e bem.
Um pequeno barco já estava próximo a eles, Liam e os
outros salva-vidas estavam lá, tudo para ajudar o casal. Serpa foi
amparado primeiro e logo após Dante, já dentro do barco, um
imenso grupo de pessoas observava o casal, todos muito
preocupados. De toalhas em volta de seus corpos, Fontana ignorou
o médico e foi até Yan.
— Se machucou? Está doendo algo? — O loiro retirou o
cabelo colado ao rosto do homem. — Meu Deus, como você caiu no
barco?!
— E por que você pulou? Você enlouqueceu? — revidou
Yan. — E se tivesse batido em uma pedra com o pulo? Está
achando que é o Capitão América por acaso?!
— E se você tivesse batido em uma pedra? Como acha
que eu ficaria, hein? Sabe quantos filhos você tem?! — Dante
revidou, mas ficou acanhado pela preocupação fluindo em seu
corpo. — Tem… Tem certeza de que não está sangrando?
O casal ignorou por completo a grande plateia,
observando-os discutir, seus amigos e familiares já se escondiam
entre os desconhecidos, como se não os conhecessem.
— Eu não estou sangrando! E você está? Céus! Se um dia
eu cair de um navio novamente, não pule!
— Parabéns, Yan! Acabou de pedir o impossível!
— Meu Deus do céu. — Ulisses pressionou sua mão sobre
seu rosto. — Dois boiolas… Depois mentem dizendo que não se
amam. — Seguiu até os dois. — Acho que acabou por aqui, não é?
Acho que estão bem, já querem se matar! Pai…
Yan voltou à tona e encarou a multidão, exibindo um
sorriso travesso.
— O quê? Nunca viram um casal discutindo? — Ele riu. —
Podem ir, queridos, a festa acabou. — O homem apertou sua toalha
e fitou os socorristas. — Obrigado por isso, lhe darei uma comissão
individual pelo incômodo. — E fitou Dante. — Baby, eu… Preciso
conversar com os Serpinhas… E o Kunut a sós, tudo bem?
Dante arqueou sua sobrancelha e mesmo em dúvida
sobre o que se trataria com tanta urgência, apenas confirmou.
— Certo. — Fontana suspirou, fitando o rosto pálido do
homem. — Eu… Eu…
— Está tudo bem comigo. Eu juro. — Forçou um sorriso.
— Nossa noite ainda está de pé, ok? — ele sussurrou, seguiu até o
amado e beijou a mão de seu amante.
No momento em que fitara Kunut e os demais, eles o
seguiram. Mas Yan também olhou para Pietro seriamente, fazendo o
garoto abaixar sua cabeça e seguir o homem também. O garoto
ficou pensativo, porque seu namorado também estava indo, mas
ignorou o fato e apenas foi.
Depois do susto que levou e o olhar de sua mãe fitando-o,
Yan decidiu levá-los para o quarto de Kunut. Eles precisavam
conversar sobre o segredo. E era óbvio que seu melhor amigo e seu
filho sabiam.
O cheiro de incenso infestava o quarto de Kunut, o grupo
aguardava em silêncio Yan trocar de roupa no banheiro. Quando o
homem saiu, já estava com roupas secas e limpas. Serpa fitou
Pietro.
— Quanto você quer? — perguntou, enquanto começou a
abotoar sua blusa. — Para manter sua boca fechada?
— Pai? O que está… — Tomás fitou seu pai.
— Pietro me escutou conversando com os Serpas e
acabou ouvindo Mel falando… — o homem soltou um suspiro. —
Quanto quer? Resolveremos isso por Pix. Não será incômodo, eu
vou entender perfeitamente!
— Pai! — Kali tentou intervir.
— O quê?! — O garoto olhou para seu sogro com dúvida.
— Eu nunca me senti tão ofendido! Sei que a gente não se conhece
muito, mas como poderia cogitar uma coisa dessas?
— Bom… Você estava escutando a conversa. — Yan
apertou sua nuca.
— Seu marido pediu para eu te tirar de lá — alegou. — Eu
fui e acabei escutando. Não foi minha intenção! A Kali tentou me
tirar de perto, mas não queria ir contra a palavra do Dante —
explicou Pietro, os demais ficaram em silêncio, observando a
expressão ofendida de Pietro.
— E… Eu não vou dizer a ninguém sobre, até porque não
pego B.O que não é meu. — Pietro fitava o chão.
— E… O que você acha sobre isso?
— Não acho nada. Se o senhor quer manter segredo, tudo
bem. — O garoto levantou o braço. — Isso é sobre você. E nada
sobre o senhor mudou na minha cabeça! E, na verdade, ninguém
deveria. Tenho a mesma opinião sobre vocês dois. — Fitou os
gêmeos.
O mutismo perpetuava.
— Nada mudou — disse o garoto, fixando seu olhar sobre
o namorado.
E ambos continuaram em silêncio. Kunut e Yan
conversaram perante aquela situação, dando força ao homem de
falar algo sobre a acusação que fizera.
— Devo pedir desculpas por contestar sua índole. — Yan
soltou um suspiro envergonhado. — Eu só… Nossa. Você é um bom
garoto, Pietro. Desculpe por cogitar que você ia querer meu
dinheiro, só que…
— Sua família é um bando de cuzões — soltou Pietro sem
pensar. — E você acha que todo mundo vai fazer o mesmo. Eu sei,
estou ciente. Não precisa se preocupar, senhor Yan.
— É. Eles são! — Ele gargalhou, concordando. — E me
chame apenas de Yan, eu só tenho trinta e quatro, não precisa me
tratar como um velho. — Sorriu, sentindo a energia tranquila que
Monte exibia. — Então… acho que terminamos aqui, suponho. Me
desculpe chamá-los, garotos, mas… vocês sabem.
— As reuniões familiares estão ficando muito comuns e
isso assusta um pouco. — Joca gargalhou. — Acho que posso falar
por todos, mas já sabíamos que Pietro ia lidar tranquilamente com
isso, pai. Não deve mesmo se preocupar.
— É, acho que sim. — Kunut cruzou seus braços. — Mas,
Pietro, não conte a Dante ou aos amigos dele. Quem tem que dizer
sobre isso é apenas Yan — aconselha. — Não que você contará,
claro. Mas… É apenas um aviso.
Pietro estava receoso sobre, pois, mesmo sabendo que se
tratava de um segredo, queria contar ao Dante, apenas a ele. Por
algum motivo sentia a necessidade de fazer isso, mas apenas
concordou, fingindo não ter o âmago em impossibilitar uma possível
tragédia. Talvez fosse Monte, o maior perseverante sobre o
relacionamento de Dante e Yan.
— Não contarei nada a ninguém. — Ele sorriu, seguiria
suas próprias convicções e sexto sentido. — Já posso ir? Estou com
fome.
— Ai, ai… Essa viagem não está nos fazendo bem. Até o
final dessa história alguém vai morrer — sussurrou Joana.
— Tomara que seja a Melinda — respondeu Kali, baixinho
para a irmã.
O grupo concordou e saíram do quarto, Kunut e Yan junto
com os demais foram na frente. Mas Tomás apertou o moletom do
namorado, focando seu olhar sobre o chão, mesmo com a reação
de Pietro ser uma das melhores, continuava trêmulo sobre aquilo.
— Eu vou proteger meu pai em qualquer coisa —
considerou Tomás. — Eu gosto muito de você, de verdade, eu não
te vejo longe da minha vida… Mas, eu apoiarei meu pai em todas as
decisões que considero certas… Dito isso.
— Não ficou claro para ti ainda? Não menti para seu pai
sobre o que falei lá dentro — o garoto o interrompeu, sussurrando.
— O segredo dele pouco me importa, não vai ser isso que vai…
separar a gente.
Tomás analisou cada mínima expressão de Pietro,
receoso, mas verdadeiro o suficiente em aceitar talvez uma
expressão de nojo ou repulsa. Mas isso não saiu do seu amado,
apenas ansiedade e raiva.
— Desculpe — respondeu baixinho, colocando seu braço
em volta do outro. — Desculpe… Eu entro em modo de defesa
quando se trata da minha família.
— Tudo bem, Tommy. Eu faço o mesmo. — O garoto
visualizou os pés de Yan à sua frente. — Acho que conquistei o
coração dele.
— Conquistou sim! — Tomás riu. — Faltam as minhas tias.
O namorado dera uma risada nervosa, fazendo o outro
gargalhar. Tomás era a fonte de energia resplandecente igual a
Pietro. E amava isso nele. Mesmo com tantas energias ruins o
rondando, ele sempre ignorava.

— Leve Tomás para sua casa — falou Dante de repente,


assustando Pietro. — Ok?
— Tenho que falar com meu velho antes, ele é bem
ranzinza. — Ele bufou. — Por que eu não posso ir para sua casa?
Dante observou Yan conversando com aqueles que o
deixava feliz. Estava levando as malas para partir. Joana foi a
primeira a organizar suas coisas, aguardando apenas seus irmãos –
embora tivesse que falar com eles, pois o casal queria a casa para
si.
Muitos dos empregados do barco também ajudavam, mas
eram muitos hóspedes para poucos trabalhadores.
— Os pais precisam se divertir um pouco. — Dante
segurou sua risada ao ver a expressão de nojo do genro. — Você
que perguntou!
— Legal, meus sogros transam. — Ele revirou seus olhos,
sussurrando a frase: — Beleza, muralha. Pode ter certeza de que
vai ser péssimo a ida de Tommy para meu quarto!
— Você tem algum senso, garoto? — Fontana o olhou
furioso e agarrou a sua orelha, fazendo-o gargalhar ao sentir a
pressão exercida dos dedos do homem.
Dante e Pietro estavam começando a se entrosar com
mais frequência e isso deixavam ambos calmos – por Tomás estar
com alguém idiota, mas não babaca.
— Será que ele gostou de mim? — Pietro apoiou seu
corpo sobre o braço enorme de Dante. Estava fitando Yan. — Ele é
bonito, né? Charmoso!
— Quando Serpa não gosta de alguém, ele solta todo o
veneno na pessoa. E arqueia a sobrancelha direita, enquanto olha
de cima para baixo. — O tom do loiro carregava nostalgia. — Então,
ele gostou sim de ti.
— Ufa!
— Agora faltam a Felícia e Madalena! — E dera uma
palmada na bunda do genro. — Boa sorte. — Fontana saíra de
perto de Pietro e seguiu até Mel e os demais Serpas, eles estavam
com dificuldade em carregar as malas para dentro do carro. —
Ajuda, senhora?
— Claro. Tome. — Entregou o grande peso para Dante.
Mel aparentava estresse. — Até que você não é de todo mal,
italianinho.
— Não mesmo, senhora. — Dante sorriu, colocando todo
o peso para dentro do porta-malas.
Quando estava acabando, escutou um grito de Joca, Yan
estava fazendo cócegas no filho, e a cena deixava Fontana de
coração mole, pois já os via como parte de sua família, pessoas que
precisava proteger. Mas Melinda revirou seus olhos.
— Que saudades de Yvina — murmurou a mulher,
batendo o porta-malas com força. A senhora começou a andar com
Emília, levando-a.
Dante saiu de seu transe e escutou o nome que fora dito.
Então, virou seu rosto e fizera de desentendido.
— Quem? — O loiro exibiu transparência. Precisava
comprovar uma coisa…
— Minha neta — respondeu Mel, tranquilamente. E Emília
suavizou suas expressões. — Mas ela está morando muito longe,
você nunca irá conhecê-la.
— Entendo — respondeu Dante. O homem seguiu até
frente a porta e fechou para os familiares do marido. — Não irá se
despedir dos demais?
— Nem se eu estivesse pintada de ouro, italianinho. —
Sorriu. — Mas como sempre, eu voltarei a mexer com a cabecinha
do seu marido. Afinal, ele acha que eu faço apenas isso. — Melinda
revirou seus olhos. — É triste como as mães nunca são respeitadas
nessa família promíscua.
— Eu também acho… Quer dizer, que você vem só mexer
com ele — ele respondeu, exibindo frieza. — Até mais, dona Mel,
Emília. — O loiro apertou a mão de cada um dentro do carro. —
Tenham cuidado com os lobos na volta.
— Os lobos?
— Sim, dona Melinda. — O loiro sorriu, exibindo um
sorriso cativante. — Os lobos. — Mas depois, os encarou com ódio
e seriedade.
Os Serpas o olharam com receio e dúvida, mas logo
engataram a marcha e partiram rapidamente. Dante ficou parado
olhando para o horizonte, sua cabeça estava a mil por hora. Yvina,
tal nome já fora citado algumas vezes durante toda a confusão que
entrou.
Pela boca de Joana era a tia de Yan e por Mel… sua neta.
Fontana colocou as mãos em seu bolso e percebeu que algo
estranho ocorria bem debaixo do seu nariz, talvez fosse esse o
motivo de Serpa não recorrer aos advogados… Talvez seu amado
escondesse algo.
Não seria a primeira vez que tentaria solucionar um caso.
Afinal, Cerberus morrera, claro, mas Dante Fontana estava
vivíssimo com suas habilidades e sua força bruta. Faria tudo por
amor, principalmente, descobrir quem era Yvina de verdade.
— Tudo bem aí? — Joana o chamou, retirando Dante de
seus devaneios latentes. — Finalmente eles saíram, minha nossa
senhora! Jurava que teria que jogar sal grosso nessa galera.
O homem gargalhou, colocando suas mãos no bolso de
sua calça, ainda pensativo sobre o que Melinda alegou.
— Eu odiei ficar perto deles — continuou Joana, mesmo
com o homem em silêncio. — Mesmo achando a Emília mais ou
menos, sabe? Até que ela é legalzinha, sei lá.
— É, um pouquinho.
— Eu acho que… a Emília é a pessoa que tem mais
chance de, sabe, trair eles.
Dante arregalou seus olhos e virou seu rosto, fitando a
menina.
— Ela não parece gostar muito do que a mãe dela fala.
Sei lá, pode ser a maternidade chegando — analisou a garota. — É
só uma opinião. Pensei que você tinha percebido algo.
— Eu não tinha… Muito bem alegado, Joana. Você tem
uma perfeita percepção — afirmou o loiro, sorrindo para Joana.
Todos terminavam de se preparar para partir, a moto de
Monte já estava ao chão e as malas dos amigos de Dante sobre a
caminhonete. Kunut partiria com Thyra, Marcel e Liam. Yan teria
conversado com os demais filhos – em outras palavras,
subornando-os. Faltava apenas um garotinho.
— Vamos, pai? — Tomás sorriu, estava abraçando Yan.
— Então, meu neném…
Dante bateu na cintura de Pietro, que entendeu o recado.
— Senhor Yan, o Tommy… Tomás, pode ir para minha
casa essa noite? — Pietro forçou um sorriso angelical.
Marcel, Thyra e Liam se entreolharam.
— É uma ótima ideia! — Yan riu, afagando sua mão sobre
os cabelos rebeldes do filho. — O que acha, neném? De passar a
noite na casa do amigo?
O trio de Dante se juntou aos outros Serpas, apenas
observando a façanha dos dois casais.
— É perfeito. — Tomás pressionou seus lábios e abraçou.
Pietro sentiu o olhar predatório do namorado e dera
graças a Deus por seu pai não estar em casa. O olhar de Yan não
era muito diferente nem mesmo o de Dante. Por fim, todos queriam
correr para suas casas, até mesmo William e Marcelo.
— O que uma mesada gorda não faz quatro solteiros
passarem. — Ulisses pressionou sua mão contra o rosto. — Inferno
de vida!
— Fale por você, eu estou casada com o trabalho —
alegou Kali.
— Ah, tá. — Ulisses fitou a irmã transparecendo deboche.
Depois de todos se organizarem, Fontana e Serpa deram
adeus aos amigos e ao filho, em seguida entraram na BMW. O
moreno dera um beijo demorado em Dante, podendo sentir todo o
gosto de luxúria permanecente em seus corpos.
— O que será que faremos hoje? Nossa. Não faço ideia!
— Yan gargalhou, trilhando sua boca até o pescoço de Dante. —
Por que a gente não começa aqui?
— Porque eu vou acabar quebrando o carro. — Fontana
sorriu, apertando a cintura de Serpa. — Ou te batendo sem querer.
— Gargalhou. — Se eu acelerar, a gente chega logo…
— Não vejo a hora!
O corpo de Dante e Yan sucumbia ao desejo, seus corpos
se encontravam entrelaçados em uma bagunça gostosa e
efervescente. Serpa estava sobre o quadril de Fontana, podendo
sentir o membro ereto do amado. Faltava ar entre os beijos, mas
não seria isso que o impediam de desfazê-lo.
— Vamos entrar… em casa — rogou Yan, sentindo a
língua de o loiro deslizar para seu pescoço, mordendo um pedaço
de sua pele com força. Gemendo em resposta, amava a selvageria
escondida de Dante. — Seu puto… Os vizinhos — grunhiu em
resposta, erguendo sua cabeça para trás, sentindo o portão.
— Como se você não gostasse da ideia — rosnou
Fontana, pressionando seu amado contra a porta da casa, a fricção
entre seus íntimos fazia o loiro implorar cada vez mais.
— Merab — gemeu Serpa novamente, seu corpo
arrepiava-se por inteiro, culpa dos lábios sendo marcados sobre sua
pele bronzeada. — A porta… Abre a porta.
Uma câmara ficara em frente ao rosto de Yan,
destravando o portão da casa ao perceber que se tratava do dono.
— Boa noite, senhor Serpa, de acordo com seu relógio,
seus batimentos cardíacos aparentam irregularidade. Cento e vinte
por minuto… Deseja um médico?
Eles riram, mas ignoraram a IA, seguindo para dentro de
casa, enquanto Dante tentava fechar o portão com os pés. Ele
amava aquela posição, poder segurar Yan com seus braços,
sentindo toda sua pele roçar contra ele…
E ver que naquele momento era Serpa que proporcionava
pequenos arrepios, roçando suas digitais contra sua nuca e
distribuindo beijos sobre sua mandíbula, deixou-o trêmulo por certos
segundos. No momento que Yan levou suas mãos em direção ao
peitoral de Fontana, apertando-o contra o tecido, o empresário
escutara um murmúrio necessitado do amado.
— Você consegue subir as escadas? — perguntou Serpa,
enquanto continuava a provocar o peitoral do amado, podendo ver
suas bochechas já rubras pelos movimentos. — Ah… Como eu amo
essa expressão.
O loiro se encontrava tão perdido de desejo, que apenas
concordou com a frase do outro e seguiram até o segundo andar.
Yan sentia além da devassidão, o amor lhe transbordava de maneira
nunca vista antes, seu coração acelerava e, se fosse por ele, o
amanhã não chegava.
— C'è qualcosa che non ti piace del sesso? — O sotaque
carregado do secretário reverberou em seu ouvido esquerdo,
enquanto mordiscava o lóbulo de Serpa. Yan não entendeu nada,
mas seu corpo ardia em chamas. — Perguntei se tem algo que se
incomode, para eu não fazer.
— Querido, você me conhece mesmo? — sussurrou,
pressionando suas digitais sobre o rosto dele, enquanto o beijava.
— A única coisa que me incomoda é ainda não estarmos fazendo.
Dante sorriu, estava realizado, sentindo o corpo arfar
pelos mínimos toques de Yan, o empresário não sabia o quão
lascivo deixava o amante. O casal seguia aos tropeços até o quarto,
o loiro já sentia a ereção dolorida entre suas pernas, a devassidão
estava doce em sua boca.
Seguindo ao quarto, Yan desgrudou-se do corpo de
Fontana e o sentou na cama, o homem continuava em pé de frente
a ele, olhando-o retirar cada peça de sua roupa, percebendo o
volume de sua calça moletom, o peito de Dante subia e descia,
concentrando-se com todas suas forças em não enlouquecer.
Serpa retirou seu blazer e blusa de baixo, exibindo seu
peitoral e barriga lisa, não demorara muito para ficar nu por
completo, com seu pênis ereto frente ao seu amor. Fontana salivou
ao observar a figura santa que tanto admirava, Yan podia ser
confundido como um demônio libertino.
Dante pressionou seus dedos da mão esquerda contra a
cintura fina do amado, enquanto deslizava sua língua sobre a
barriga e peito do amado, fazendo-o arquear e fechar os olhos,
usufruindo dos arrepios e sensações, com gemidos baixos e falas
manhosas.
Fontana retirou sua calça com rapidez, tocando em seu
pau e fazendo movimentos lentamente, momentos que apertava a
glande de seu membro, escutava e sentia Yan Serpa se contorcer
por conta de sua mão e boca e isso o enlouquecia a cada novo
segundo.
— Merab — murmurou Yan, pressionando a cabeça de
Dante para baixo, enquanto fitava o teto de seu quarto. — Sabe o
que fazer… — Sorriu, sentindo uma mordida forte em cima de seu
umbigo, fazendo soltar um pequeno grito.
No momento em que falara com Merab, o quarto tornou-se
roxo por conta das luzes, o local, que antes estava iluminado por
uma luz branca, mudara para um tom arroxeado lúbrico. Yan fitou o
corpo excitado do amado, e céus…
— O roxo combina com você. — Sorriu, pressionando seu
polegar contra os lábios do amado.
— Combina? — Dante tirou contra a sua vontade, a mão
de seu pau e chupou lentamente o dedo de Yan que estava em cima
de seus lábios. — Então na próxima vez terá uma surpresinha.
O homem agarrou o corpo ainda em pé do amado para
mais perto, em seguida começou a mordiscar a cintura do outro,
mas no momento em que fizeram isso por cima da cicatriz de Yan –
que se encontrava entre a virilha e a barriga –, o amado parou a
cabeça de Dante, que o fitou em confusão. Tal marca era
imperceptível, Fontana pouco se importava com ela, embora
estivesse curioso sobre o que lhe causou.
— Deita na cama — ele pediu, fingindo não ter se
incomodado.
— Eu vou ser o passivo — disse o loiro. — Deita você —
ordenou.
Não demorara muito para Yan seguir até a cabeceira e
entregar o tubo de lubrificante que se encontrava na quarta gaveta.
Mas Serpa vasculhou a gaveta à procura de camisinhas que tinha
certeza de que se encontravam lá – com mais um tubo novo de
lubrificante.
— Temos um problema — falou Serpa em tom de
frustração. — Juro que tinha um pacote de camisinhas aqui!
— Você está transando com alguém além de… além de
mim? — O loiro o olhou receoso, exibindo um olhar tristonho.
— Não! Por que cogitaria isso? — Ele o fitou. — É só que
eu nunca fiz sem camisinha… Bom, nunca não, né… O Tomás não
foi feito me dedando… Hã, mas você entendeu. — Sorriu.
Preenchendo sua mão com a bunda de Dante. — As camisinhas
sumiram, vou procurar depois.
O loiro lembrou do garotinho atrevido de dezesseis anos,
que naquele momento estava na casa do namorado. Sabia que o
ladrãozinho tinha nome e chifres de demônio!
— Se quiser a gente… — A frase não fora completada,
pois sentiu o líquido frio ser derramado sobre todo pau, o choque
térmico fora eminente. — Dante… Tudo bem para você?
— Eu não posso… Aguentar mais.
O loiro colocou seus joelhos em cada lado e se sentou em
cima da barriga do homem, sua mão direita ia em direção à sua
entrada, enquanto a outra apertava o seu mamilo com força. Dante
se masturbava e Serpa não tinha nem mesmo frases debochadas
para soltar ao assistir aquela cena.
O barulho de gemidos brutos e suspiros pesados de
ambos infestavam o quarto iluminado pelo roxo, Serpa escutava os
barulhos molhados dos dedos de Dante deslizar em seu ânus,
entrando e saindo com rapidez, Fontana era um puto na cama.
E como Yan venerava aquele lado de seu amante.
— Coloca — implorou, sua fala tremulava junto ao seu
corpo. — Vai devagar e ergue o quadril. Me deixa ver você.
O homem fizera como pedido, erguendo seu quadril,
enquanto apoiava seu corpo com as mãos próximas às pernas de
Yan. O empresário agarrou a coxa de Dante e a outra a base de seu
pau, forçando um pouco a entrada do outro, era possível ver
Fontana vacilar suas pernas, sentindo-se totalmente preenchido.
A cada centímetro sendo engolido, Yan soltava alguma
palavra desconexa, a pressão feita contra seu pau era tamanha, se
o homem continuasse naquela posição, com certeza não duraria
tanto quanto era previsto. A falta de camisinha era outro fator
interessante, pois seria a primeira vez de ambos sem proteção.
O êxtase continuava preso em suas gargantas, Dante
sentia uma ardência e formigamento latente, poucas vezes tinha
sido o passivo, mas não se arrependeu em ser com Yan… Céus,
muitos pelo contrário.
Fontana, depois de engolir todo o membro do amado,
empinou seu quadril, mas isso fez Serpa xingá-lo mais ainda. Era a
sensação mais deliciosa que sentia há anos. Naquela posição, o
pau de Yan acertava perfeitamente a próstata de Dante, seu
membro já vazava antes mesmo de sentar no homem abaixo de si,
naquele momento então…
— Está tudo bem aí? — Dante sorriu, ao observar as
mãos de Yan deslizar para cima e para baixo pelo seu corpo
másculo, sem saber onde encaixá-las, Serpa estava extasiado. —
Se você gozar agora… Eu te mato.
— Digo… a mesma… coisa — murmurou, com seus olhos
fechados, aguardando o loiro se mexer. — Pode agilizar e se
mexer?
— Está ciente da porra do seu tamanho? — considerou o
outro, pressionando suas mãos contra a barriga do moreno. E
começando a se mexer como ele pedira, ainda sentindo certa
ardência nos primeiros vai e vem.
Mas não demorou a iniciar os lentos movimentos, que logo
se tornaram um frenético movimento de corpos, Yan se sentia no
céu antes mesmo de gozar. Observar a expressão deleitosa do
amado, seu corpo em chamas, estava derretendo aos poucos com
aquilo.
Dante se encontrava apertando a madeira da cama com
demasiada força, com sua cabeça para trás, deleitando-se das
sensações que Yan estava lhe proporcionando. Serpa enfiava com
força e rapidez, como amava aquela mistura. Mas Fontana sentiu
que seu ápice chegaria e, por conta disso, abaixou seu rosto para
fitar o homem embaixo de si.
— Acaba… Acaba comigo — implorou, descendo com
mais força e sentindo a pressão do pau de Yan até o seu fundo com
extrema rapidez. Serpa fizera exatamente o que ele pedira.
Após um frenético movimentar, Fontana gozou, soltando
um rosnado de prazer, enquanto fechava suas pernas, derramando-
se em seu peitoral e um pouco no noivo. Não demorara muito e Yan
também chegou ao seu ápice. O loiro continuava extasiado, mas,
mesmo assim, debruçou-se em Serpa.
— Por favor… Diz que… Faremos outras vezes — falou
Yan entre pausas demoradas.
— Sim — respondeu Dante, beijando o ombro do amado.
— Não sabia… Que era tão bom fazer sem camisinha. — O loiro
apertou o corpo de Yan com mais força, enquanto roçava sua
cabeça o pescoço do outro.
Fontana ficava manhoso e carinhoso depois de gozar, mas
seus desejos o transformaram em uma vadia descontrolável. Não
existia combinação melhor no mundo que isso, o corpo de Yan já
pedia por outra vez.
Mas antes que começasse a dar indícios de que queria
outra vez, Dante tirou o membro de Yan e saiu de cima do amado,
fazendo Serpa criar dúvidas em sua cabeça.
— Vai para casa? — Serpa tentou controlar sua tristeza
por trás da voz.
— O quê? Não, querido. Eu vou ao banheiro. — O loiro o
olhou confuso. — Quer que eu vá para casa? Pensei que dormiria
contigo…
— Não! Não… Dorme, dorme comigo. — Yan sorriu. — É
só que… esqueça.
Após vinte minutos, Yan estava checando suas
mensagens no celular, aguardando Dante voltar para focar nele.
Não demorou muito para Fontana voltar, ainda nu, mas naquele
momento segurando uma toalha e hidratante. O empresário não
entendia a intenção de seu amor, então apenas o observou.
Fontana começou a lamber cada local que estava sujo de
seu esperma, os arrepios começaram a surgir novamente. Mas
Dante parou e exibiu um sorriso sacana para Serpa, beijando-o.
— Antes de virmos para cá, eu vi uma loja de acessórios
infantis. E um lacinho roxo com flores. O que acha de darmos para a
filha da sua irmã? — Dante exibiu um sorriso tímido. — Na
verdade… acho que um berço em tom ciano é lindo também…
— Podemos ajudar a decorar o quarto dela. — Yan
começara a cobrir seu corpo com o lençol e seguindo até o loiro. —
Por que isso de repente? Está tudo bem?
— É! Estou bem. — O homem alisou a bochecha do outro.
— É só que… eu queria ter acompanhado a infância deles. Quero
conhecer mais seus filhos, junto a você…
Serpa apenas observava o outro falar de filhos e família,
ele só fiava mais derretido ao falar de tais assuntos. Não se sabia
exatamente quantos minutos passaram com Dante falando sobre
como seria divertido ajudar o grupo a cuidar de tais pessoas.
— Desculpa. Eu falo muitas bobagens paternais às vezes.
— Tudo bem, amor. — Yan abraçou o homem. —
Continue. Eu amo falar da infância deles, embora eu tenha adotado
Kali já na adolescência e Ulisses também, continua sendo
maravilhoso!
— Eu entendo. — Beijou-o. — Como foi o nascimento de
Tomás?
— Ah… — O homem desvencilhou um pouco do outro. —
Normal. Nasceu de cesárea, com quase quatro quilos, às 09h. Um
Leonino com ascendente em Áries! Um desastre. — Gargalhou. —
A mãe dele disse que sentiu fortes dores, tinha que escutar os
gritos.
— Ele gostava tanto de rosa como agora?
— Pode ter certeza de que sim! Minha mãe vivia
resmungando, porque ele queria andar de vestido com babados. —
Sorriu, lembrando-se da cena. — Só de mal, eu juntei um
dinheirinho e comprei um vestido rosa-choque cheio de babados e
sapatinhos roxo, ele amou! Andava para cima e para baixo com ele.
— E como ela reagiu?
— Ficou uma fera! — Gargalhou. — Mas não se importou
muito no final, já que todo mundo achava que era uma garotinha,
afinal, é difícil os Serpas terem filhos homens… Então já viu.
— Queria ter passado por essas coisas contigo. — Sorriu.
Aproximando-se de Yan e beijando sua nuca. — Te levar para a
faculdade antes de ir para o exército. — Separou as pernas dele,
alisando a parte interna de suas coxas. — Te chamarem de papa
anjo por namorar um cara cinco anos mais novo e mais
responsável. — Mordeu o ombro do outro, escutando um grunhido
baixo.
— Responsável? Vamos falar do seu histórico policial? —
Yan riu, sentindo a ereção de Dante pressionar sua cintura. — But
mama I'm in love with a criminal
And this type of love isn't rational — cantou a música de Britney
Spears, Criminal.
— Idiota. — O loiro gargalhou, contra a pele de Yan. —
Vamos outra? Mas agora você é o passivo!
— Então, me dê vinte minutos. — Serpa beijou o rosto do
loiro. — Ao contrário de você, eu estava me preocupando com
outras coisas e esqueci completamente disso!
— Só vai! Meu pau vai explodir se você passar mais de
vinte minutos fazendo a porra da chuca. — Riu, empurrando Yan
para fora da cama.
Os dois gargalharam com a fala e o empresário partiu para
o banheiro. Era óbvio que faltava algo, Dante não havia dito que o
amava e estava se odiando por isso, pois não tinha nada mais
sincero e real que dizer que amava Yan Serpa.
Por tudo que era mais sagrado, era maluco por aquele
homem!

— Então, essa é a história de como se conheceram? —


Kunut riu, encontrava-se sentado no banco do passageiro, onde
Thyra dirigia. — Imagino que não queiram falar muito sobre a
guerra, mas fico contente pela confiança.
Thyra e Kunut decidiram voltar juntos para casa, mas o
que seria uma ida a sós, acabou se tornando uma viagem em grupo,
com a ilustre presença de Marcelo e William no banco de trás junto
a um carro com os demais Serpas o seguindo.
Por estarem juntos, decidiram comer algo em uma
lanchonete, aproximando mais ainda os laços. Após seguirem para
suas casas, Kunut e os demais decidiram passar mais algumas
horas por lá.
— Não, nós lidamos melhor quando Antero estava
conosco. — Thyra exibiu uma expressão solitária. — Ele era um
paizão bruto que deu sempre o seu melhor.
— O Dante é maluco por ele! — comentou William. — Não
que nós não sejamos, mas o Dante gosta tanto do Antero que
poderia terminar com Yan caso ele pedisse.
— Sério? — Kunut arqueou sua sobrancelha.
— Eles são meio que pai e filho, o Dante honra muito a
família e a fidelidade. Seu nome não era Cerberus à toa. — Marcelo
riu. — Ele tem costumes muito rígidos.
— Então como perderam contato com ele?
— A mulher dele pediu divórcio e eles tinham um filho que
adotaram em Varak — explicou Thyra, virando à esquerda. — Pelo
guri ser adolescente, Antero decidiu voltar às pressas e cuidar dele.
— E desde então… nós não conseguimos contato. Ele
não tem nenhuma rede social e acabou perdendo os contatos… ele
é bem velho. Procuramos, mas esses anos também não ajudaram.
— Marcel estremeceu com as lembranças. — Mas não o
esquecemos, ocasionalmente tentamos achá-lo.
— Sinto muito. Imagino que deve estar mais perto do que
imaginam — analisou Kunut. — E a guarda ficou com ele?
— Esperamos que sim! Parece que o motivo do término
deles foi devido à guerra. — William fitou Kunut, observando seu
olhar preocupado.
— Ah… Que saudades do sargento Monte — murmurou
Thyra, apertando o volante e olhando para o horizonte.
— Que engraçado, o amigo do meu sobrinho tem o
mesmo sobrenome. Ele também é adotado.
— É — o trio respondeu em simultâneo.
E então, as lembranças de Pietro alegando alguns fatos
na hora do café revisitaram suas memórias, como seu pai ser
rabugento e bruto. Também sobre ser soldado e como era um
senhor de idade…
O carro ficou silencioso, com o trio percebendo que,
talvez, Pietro e Antero tenham parentesco. Céus! Naquele momento
teriam que ir atrás do garoto.
— Como somos burros. — Marcelo soltou. — Quatro
portas! Mas o Dante tem motivo, babando o Yan, mas nós? É
burrice! Deveríamos ter perguntado um simples: “Ei, namoradinho
do Tommy, o seu pai é o Antero?”.
— Namoradinho?! — gritou Kunut. — Meu sobrinho está
namorando?!
— Puta que pariu, Marcelo, cale a boca — seu amigo o
repreendeu, segurando suas bochechas. — Um minuto, cara, por
um minuto!
— Olha, a tensão sexual deles é nítida, não fode!
— Precisamos conversar com o Pietro e tirar essa dúvida!
— gritou a mulher, focando o máximo possível na estrada. —
Nossa… Que merda! Se fizer sentido… Céus! Preciso ter essa
esperança de vê-lo.
— Meu sobrinho. — Kunut pressionou as mãos em seu
rosto.
Existia euforia em cada ser dentro daquele automóvel.
Aparentemente, a vida de todos estava avançando em algum
sentido, uma nova página estava fechando e surgindo um novo
desfecho. Era estranho, mas, caso fosse verdade, Dante poderia
lidar melhor com o futuro dia da chuva.
Não só ele, o quarteto não estava completo sem Antero e
eles sempre se enganavam dizendo que lidariam com isso iguais
aos adultos. Bobos, adorariam sua figura paterna de volta!

— Bom dia, meu bem — sussurrou Tomás para Pietro. —


Acorde… — pediu, massageando a bochecha de seu amado com o
polegar.
Pietro se mexia na cama, enquanto abraçava o outro, seus
cachos se encontravam dentro de uma touca de cetim de tom verde.
Monte lutava em acordar, mas estava sendo bastante dificultoso,
principalmente pelo clima agradável e a presença de Tommy em sua
moradia.
— Meu quadril está doendo — murmurou Pietro. — Eu te
odeio.
— É, eu sei. — Gargalhou o outro em tom de deboche. —
Vou fazer alguma coisa para você e seu pai comerem, ok? Não vai
levantar?
— Eu quero só uma compressa de água fria — reclamou
Pietro, apertando a cintura do namorado com força. — Tem que ir
mesmo? Eu estou de moto… É rapidinho.
— Preciso, meu bem. Não trouxe minha farda, muito
menos material. — Sorriu, pressionando seus lábios sobre a
bochecha do outro. — Continue dormindo, vou descer. Eu te amo,
Pitt, te vejo no colégio.
— Uhum, eu também — alegou o outro, cobrindo seu
rosto. — Te amo.
Era manhã, cinco horas, para ser mais exato. Tomás se
apossou da cozinha de Antero e Pietro Monte, já tinha começado a
fazer bolo de chocolate e o café. O cheiro infestava toda a casa,
Serpa lia o jornal que era entregue para, possivelmente, o pai de Pitt
e ao lê-lo na parte de fofocas, tinha algo que dificilmente via: uma
notícia sobre o pai.
Yan Serpa é visto dentro de BMW com loiro
misterioso.
Seu pai poderia ser muitas coisas, mas, de todas elas,
exibir sua vida íntima estava fora de cogitação. Mesmo os jornais de
fofocas querendo colocar notícias do homem e tentar descobrir cada
passo dele. Para Tomás e todos seus familiares, tal ocorrido até
demorou a acontecer.
Yan e Dante seriam anunciados ao mundo?
Antero caminhava de maneira sorrateira, ainda sonolento,
sentia um cheiro doce e amargo demais para suas narinas, mas
saboroso. Ao se aproximar um pouco da cozinha, vira um garoto
sentado, de cabelos bagunçados e de pele branca…
O namoradinho do filho, com marcas de dente na nuca…
Nossa… Quem deveria ter feito isso?!
— Bom dia, rapaz — cumprimentou Antero, estava sem
blusa, apenas de calça moletom, como sempre gostava. — Meu
filho está…?
— Bom dia, senhor Antero! — Tomás abaixou o jornal e
começou a retirar o papel onde possuía a fofoca de seu pai, para o
sogro não ver. — Pitt está dormindo, eu acordei mais cedo para me
arrumar e sair. Tenho que ir para casa e depois ao colégio.
— Por que não vai com ele? — Antero virou seu corpo e
focou no café quase terminado. — E pode deixar o pedaço do jornal
aí, acha que eu não vi?
— Desculpe! — Tomás engoliu seco, colocando de volta o
papel. — Esqueci meus materiais e livros em casa, preciso voltar e
pegar tudo isso. — Sorriu. — Mas como não fui um bom anfitrião,
decidi deixar uma comidinha para vocês.
— Anfitrião? — Antero soltou um sorriso, despejando o
café na cafeteira. — A casa é sua, garoto, não é necessária tanta
educação. Na próxima vez faça um bolo de morango, por favor.
— Você gosta de morangos? — Tomás sorriu. — Já tomou
cappuccino com calda de morango? Meu pai adora!
— Que mistura estranha. Talvez eu faça, seu pai parece
um serzinho estranho — anunciou, enchendo seu copo de café
puro, sem açúcar. — Sem ofensas.
— Não ofende. — Riu.
Antero fitou o café e soltou um sorriso sacana, Tomás não
entendeu o que ele estava pensando, mas ficou receoso com aquilo.
O senhor não parecia ser ameaçador, mas aparentava ser bastante
sério, vê-lo rindo era estranho.
— Então, acho melhor você ir, eu o deixo lá fora. É
perigoso esse horário por aqui. — Antero pegara a mochila do
garoto e o levou até a porta. — Que horas eu desligo o forno?
— Vinte minutos, senhor. — No momento em que Tomás
ajeitou sua blusa para partir, vira de relance uma corrente prata em
seu pescoço. — Obrigado por pegar a minha mochila!
Por Antero ser mais alto que Tomás, conseguiu fitar a
corrente por cima da blusa, vendo a figura de um lobo… Tal corrente
o lembrava de algo… De alguém, mas decidiu não fitar tão
diretamente. O homem se perdeu em pensamentos até chegar à
calçada de sua casa. Ficaram lá, sogro e genro, esperando o carro.
Antero fitou o garoto e percebeu que deveria tentar ser mais amável
com ele, já que era o possível namorado do filho.
— Tomás, antes de você ir, saiba que é bem-vindo à
minha casa, ok? — Afagou a cabeça do garoto. — Esteja ciente de
que aqui nunca será ameaçado ou algo do tipo, viu?
E o outro sorriu. Logo após o carro chegou.
— Obrigado, senhor. Até outro dia! — A porta fora aberta e
Tomás entrou. — Na próxima vez, capricharei no bolo!
Antero balançou a cabeça e observou o carro sumir pela
estrada com o garoto. Mas o colar que ele usava ainda não saía de
sua cabeça.
Aeroporto. Cidade de Porto do Sol.

— Senhor Fonseca? — falou a aeromoça com o homem,


que usava um fone em tom laranja. — Chegamos.
— Oh! Desculpe, estava tão imerso nas notícias que não
vi o tempo passar. — Sorriu. — Muito obrigado! — O homem exibiu
o jornal, com as fofocas do dia.
Fonseca descera as escadas do avião e seguiu até o local
de embarque. Após anos, finalmente se encontrava de volta à sua
terra natal, observando o local sempre ensolarado, com poucos dias
de chuva ao ano. Então, observou os raios de sol cruzarem as
janelas de vidro do local, sentindo o calor.
— Ah… Ele amava os raios de sol. — Sorriu pegando
suas malas, fazendo todo procedimento necessário e partindo até o
taxista.
Mesmo sendo cinco e meia da manhã, ainda tinha tempo
o suficiente para seguir a um endereço antes de se dirigir ao local
de fato desejado. Olhou para o sorriso amistoso do taxista e
entregou suas malas.
— Me leve à floricultura Padovani — solicitou. — E depois
ao cemitério, por favor.
— Padovani? Tem uma floricultura mais próxima, senhor,
tem certeza de que a Padovani é necessária? — O motorista fitou
as sardas eminentes das bochechas pálidas do outro.
— Não existem hortênsias mais belas… — ajeitou seus
óculos escuros, temendo chorar pelas lembranças —, que as dessa
floricultura, existem? — Exibiu um sorriso amoroso e nostálgico.
Era possível observar uma lágrima em seu rosto, a
saudade o feria fortemente, mas estava ciente que voltar ao país
seria motivo de duras lembranças. O taxista concordou e colocara
todas as malas no carro, Fonseca entrou e seguiram ao local
destinado.

Cinco e meia da manhã. Casa dos Serpas.

— Tudo bem, quem começa? — Ulisses dera um clique na


caneta, tendo a possibilidade de riscá-la contra o papel. — Digam
tudo que viram! Sem esconder nada.
Ainda pela manhã, encontravam-se Ulisses, Joca, Joana e
Kali; o quarteto teria acordado mais cedo para conversarem sobre o
que viram na viagem. Tomás ainda não se encontrava em casa, mas
Yan já teria ido trabalhar. A noite fora notoriamente boa para o pai,
já que o homem teria saído radiante do quarto com a notícia de que
Dante dormia e que não deveriam acordá-lo até a chegada do
garoto.
Seus filhos escutaram o pedido e focaram em sua própria
conversa, um tanto distantes do quarto de Yan. Joana estava em
silêncio, lembrando-se de cada detalhe daquele fim de semana
caótico e chato.
— Emília é a primeira a desistir de qualquer ideia contra
nosso pai — alegou Joca. — Palavras da Jojo, mas concordei.
Considero que ela não tem muitas convicções como os outros.
Ulisses começou a anotar.
— Melinda tem inchaço nos tornozelos e nos pés. — Os
irmãos ficaram em silêncio, observando Kali falar. — Os dedos dela
tem uma coloração meio azulada… — o mutismo continuou. — Ué,
vocês não notaram?
— Quem nota um negócio desses, menina? — Ulisses riu.
— O que tem demais nisso?
— Ela tem problemas no coração e não disse a ninguém.
— O garoto começou a anotar. — É uma possibilidade de ela querer
mais dinheiro do nosso pai por isso. Mas ela nunca falou nada… Só
joguei uma teoria aqui!
— Uma teoria que faz sentido! — gritou Joca. — Ok…
Ok… O que mais?
— O vô, ele se isenta demais, acho que não deveríamos
ter tanta pena assim dele — cogitou o outro, enquanto anotava suas
ideias. — Tipo, o pai chegou a cidade só com um carro e o Ton-ton
no braço! Alguém aqui reclamou da Mel com ele?
Todos negaram.
— Ótimo! Mas a Kali se estressou com ela, deve estar na
mira da Mel futuramente.
— Sim — concordou a mulher, pressionando os dedos em
seus pulsos. — Os três devem se mostrar isentos de qualquer ação!
Eu já mostrei minhas garras, então que ela venha para cima de
mim. Combinado?
Os irmãos se entreolharam e concordaram, Ulisses
fechara o caderno e seguiu até seu quarto, em direção ao closet.
Por conta de seu pai, nenhum dos quatro se encontravam em
péssimas situações como antes. Devido a isso, juraram proteger
Serpa de qualquer ocorrido.
E todos sabiam que Melinda Serpa era capaz de qualquer
coisa.
— Oi, amor, sim tive que voltar para pegar algumas coisas.
— Tomás falava com Pietro ao telefone. — Soube hoje, não. Pensei
que seria próxima semana essa palestra… É, transexualidade!
Fiquei bastante feliz em ler… Não, não são eles que falarão… Pois
é, estou curioso com esse novo professor também…
Tomás abriu a porta da sala e observou que o local se
encontrava silencioso.
— Amor. Vou desligar. — Tomás arqueou sua
sobrancelha. — Te vejo daqui a alguns minutos. Tchau! — Desligou,
seguindo até o quarto do pai, que estava escuro e com a porta
entreaberta. — Merab — o garoto falou, mas a IA não respondera.
— Merab? Por que desligaram?
E correu até a porta do quarto de seu pai, sentindo um
cheiro familiar e incômodo, principalmente com o clima abafado que
estava. Ligou a luz do quarto e viu um homem enrolado nos lençóis,
tampando o rosto com um travesseiro, não era seu pai, longe disso.
— Narciso? — Tommy arregalou seus olhos e seguiu até
ele, mas uma carta escrita a lápis lhe chamou bastante atenção. O
garoto seguiu sorrateiramente até a cabeceira e pegou o papel.
Existem noites boas, mas não inesquecíveis como
essa. Te esperarei no trabalho com uma surpresa. Até breve,
emburradinho.
Um arrepio seguiu por toda a espinha de Tomás, que
exibiu uma expressão de nojo e pavor. O garoto ficou de joelhos na
cama e retirou o travesseiro do rosto do homem, dando de cara com
Dante, dormindo tranquilamente.
— Mamãe?! — gritou, fazendo Dante acordar assustado e
virar para o lado direito com rapidez, fazendo-o cair. Tomás
arregalou seus olhos e foi até ele para ver se estava bem. — Ah,
meu Deus! Você está pelado! — Cobriu seus olhos com as mãos.
— Eu não te joguei para o Pietro?! — Dante fitou o garoto,
vestindo-se com os lençóis e cobrindo seu íntimo. — Ah… Deixe
eu… Ai, caralho! — gemeu de dor ao mexer seu quadril.
— Eca, eca, eca! — murmurou Tomás, com os olhos ainda
fechados. — Você é um mentiroso! — Bufou. — Disse que nunca
transou com o meu pai! Ah! Eu não quero falar sobre isso. — Abriu
seus olhos, mas se arrependeu ao ver as marcas de mordidas no
corpo de mãe. — Eca!
Não demorou muito para Joca e Joana aparecerem na
porta do quarto de Yan. Ao perceber que se tratava de Dante e
Tomás, acalmaram-se.
— Porra! Não grita, caralho! — gritou Joana. —
Pensávamos que era algo péssimo!
— Mas é algo péssimo! — respondeu Tomás. — Vocês
não me avisaram!
— Deixa eu me arrumar! Vamos conversar sobre isso
comigo vestido! E por que você está aqui? Não deveria estar com o
Pietro? Na verdade… — Dante fitou os outros irmãos. — Por que
vocês estão aqui?!
— A gente mora aqui, Dante. — Joca ergueu seus braços,
alegando o óbvio.
— Eu tive que voltar para pegar meus materiais. Você e o
Pitt se juntaram para eu passar a noite na casa dele, não é? O
senhor queria fisgar meu inocente pai?! Eu estou feliz e puto!
— O papai e inocente na mesma frase, Tomás? Acorda,
né! Nem você é! — Joca começou a gargalhar com a face rubra do
irmão.
— Eu sei que você que roubou as camisinhas. — Fontana
apontou para o garoto, seguindo cambaleante até o banheiro.
— Você?! Meu Deus, Ton-ton, era só pedir a Kali! Ela traz
do postinho — alegou Joana.
— Hã? Eu não roubei! Dante, você transa com meu pai e
me acusa de roubo?! — O garoto colocou a mão em seu peito,
demonstrando ofensa, mas segurava a risada nervosa. — Por acaso
meu pai sabe que… Eca! Por que eu continuo nessa cama?!
O garoto saiu em um pulo da cama e seguiu em direção
aos irmãos, ambos riam com a gafe que o garoto tinha feito.
Os demais deixaram Dante sozinho por alguns minutos
dentro do chuveiro. Seu corpo doía, mas também se encontrava
relaxado com as aventuras que fizera com Yan. Mas tinha algo que
estava o deixando confuso. Algo sobre Serpa, sobre o sexo com ele.
O que teria piorado desde o momento que Melinda falara
sobre uma mulher, a mente de Fontana voltava para a mesma fala,
várias e várias vezes…
Minha neta, mas ela está morando muito longe, você
nunca irá conhecê-la.
Ainda pensativo, Fontana seguiu apenas de toalha,
molhando o piso do quarto de Yan, e seguiu ao closet do outro.
Como não possuía roupas para trabalho, decidiu procurar nas
coisas de Yan e vesti-las. Dante encontrou todos os tipos de tecidos
disponíveis, e vestira o maior terno que encontrou, sendo ele um de
tom azulado. Já estava vestido da cintura para baixo.
Ao procurar por blusas brancas – muito difíceis de achar
por sinal –, acabou vendo uma parte interessante, mais
precisamente, vários pares de meias-calças em todos os tons
possíveis, desde brancos até roxos. E, se tinha algo que Fontana
amava em Yan, eram suas pernas lisas e torneadas. Claro, Dante
amava ver homens de meia-calça e isso o fez estremecer mais
ainda.
Após alguns segundos, o homem já estava vestido e
pronto para trabalhar, então saiu em direção à cozinha. O homem
dera de cara com todos os Serpas comendo à mesa, em uma das
cadeiras disponíveis, possuía café e torradas no prato, era
especialmente para Dante Fontana.
Ao que parecia, o novo padrasto dos herdeiros Serpas.
— E finalmente... Bom dia. — Fontana exibiu uma voz
amistosa. — Obrigado pelas torradas. — Sorriu, abocanhando uma
delas, o homem continuava em pé e em silêncio.
Dante apoiou sua mão contra a mesa de vidro e engoliu a
comida que estava na sua boca. A conversa dos garotos era
animada e calorosa, até Fontana agir como Cerberus.
— Quem é Yvina? — ele perguntou, friamente, sem
rodeios ou alterações na voz.
Mutismo, choque e perguntas rondavam. Os irmãos se
entreolharam ou esconderam seus rostos. Era a primeira vez que
alguém os pegava tanto de surpresa como naquele momento. Dante
não os olhava, mas seus sentidos estavam em alerta, escutando os
burburinhos e nervosismo pela fala.
— Hum… — Fontana soltou um burburinho, sentando-se
na cadeira. — Tudo bem, entendi. — Voltou a comer suas torradas,
enquanto bebericava o café. — Vocês são ótimos cozinheiros!

— Nunca disse que me amou, mas suas demonstrações


eram maiores do que todos os eu te amo que ouvi — falava o
homem em frente a uma lápide. — Nunca dei valor aos seus
sentimentos e sempre achei que você só fosse uma máquina de
matar, até o dia que te vi partir e me lembrei de todos os momentos
que me tratou com veemência… — Começara a chorar, apertando
as hortênsias sobre seu peito. — Minha partida chegará… um dia,
mas chegará. Espero que me perdoe onde quer que esteja…
As lágrimas corriam em direção ao seu pescoço, enquanto
soluçava pela dor causada pela culpa e remorso. Depositou as
flores ao túmulo vazio e soltara um suspiro sôfrego, seguindo até o
motorista que o encarava com curiosidade.
Quando se aproximou o suficiente do taxista, exibiu um
sorriso forçado, como se tudo estivesse bem, mas não, nada estava.
Fazia anos que sentia saudade do homem que lhe tirara da miséria.
— Você sabe onde fica esse colégio? — Entregou o
endereço para o outro, que fitara. — Ele foi fundado recentemente?
Não me recordo dele.
— O nome mudou, antes era Ensino Médio R.S, em
homenagem àqueles piratas. Mas o novo patrocinador achou melhor
substituir para Pedro Padovani — revelou o taxista. — Nunca vou
entender os ricos!
— Entendi… Pois me leve, por favor. Tenho aula hoje! —
Sorriu, entrando no carro. — As malas você as deixa na portaria do
número que lhe dei!
— Sem problemas, senhor. — Sorriu, ligando o carro e
partindo.

Já dentro do carro, Tomás e Dante ficaram em silêncio.


Algo muito incomum de ocorrer entre eles, principalmente sobre ser
o percurso de sempre. Serpa estava contente e, ao mesmo tempo,
preocupado, sabia sobre seu pai e como poderia acabar.
— Você o ama? — Tomás perguntou rapidamente, sem
deixar tempo para pensar.
— Às vezes, é tudo referente ao carnal, garoto —
respondeu Dante, mas se arrependeu logo em seguida. — Mas eu
amo… Só que não será você que dirá isso a ele.
— Mãe… — Tomás pressionou suas mãos contra o rosto.
— Precisa dizer que ama o papai. Sério! Tipo… Argh! Ele gosta
muito de você. Sem condições de achar que não é o momento certo
para dizer seus sentimentos!
— Ei, ei, ei! — o loiro o advertiu. — Não é tão fácil, viu,
garotinho?
— Ele é louco por você desde o sexto mês de trabalho! —
Tomás aumentou o tom de voz.
— E eu desde o quarto! — gritou o homem, silenciando-o.
— E abaixa essa voz quando falar comigo! Você não está falando
com seus amigos. — Bufou.
O silêncio voltou a preencher o ambiente, Tomás estava
de braços cruzados e Dante com uma expressão emburrada em sua
face, mas o coração mole de Fontana não aguentou ver aquele
garotinho que tanto amava daquele jeito.
— Desculpe — Tommy falou primeiro que a mãe. — Só
não quero um mal-entendido, sei que vocês têm uma personalidade
frenética. Precisamos aprender a lidar com o orgulho de vocês.
— E nós com a teimosia de vocês. — Dante sorriu ao se
lembrar de todas as peças que aquele garoto já fez. — Vou contar a
ele, Tomás, mas não quero nenhuma pressão vinda de ti. Não estou
fazendo pressão para contar que está namorando o Pietro,
embora…
— O problema é falar de sexo com meus familiares.
Madalena é a primeira… Ai, Deus, eu já posso imaginar tudo que
elas falarão — murmurou. — E sem ofensas, você entra nesse
quesito família, eu também não quero falar disso para ti.
— Também não é o assunto que anseio em conversar. —
Dante estava fitando a rua e percebendo que já tinha chegado ao
seu destino. — Olha, podemos dialogar sobre isso mais tarde, ok?
Agora você tem aula.
— Uma palestra chata sobre transexualidade. — Tomás
exibiu um tédio impagável. — Não acha esse tema chato? — Fitou
os olhos negros do loiro, visualizando cada expressão.
Tomás estava lá parado, aguardando um único grunhido
para tirar suas conclusões. E Dante sentiu o julgamento do mais
novo, junto de suas teorias sendo processadas em sua cabeça…
Então, pensando nisso, decidiu ser sincero.
— Não é porque eu sou cis que eu não ligue para a pauta
trans — respondeu. — É necessário, não chato… Suas tias são
travestis, por que falou isso?
— Não… Eu… — O garoto exibiu um rosto corado de
vergonha. — Eu… Enfim. — Envolveu seus braços sobre o pescoço
de Dante. — Mãe, você é muito especial para mim, viu? Espero que
um dia consiga dizer que ama meu pai, com a facilidade que tem em
dizer que me considera um filho.
Dante paralisou com aquela fala, apenas sentindo o corpo
de Tomás transmitindo felicidade. A vontade que sentia era de
chorar nos braços do garoto, mas engoliu tal vontade e apenas
concordou, em silêncio.
— Eu considero você um… um pai. — afirmou Tomás. —
Te chamo de mãe só para te deixar impaciente, mas pelo visto o
apelido pegou. — Gargalhou. — Se o senhor gosta do meu pai,
tente entender os motivos dele.
— Motivos de? — Fontana perguntou, ainda se segurando
para não chorar.
— Motivos — declarou Tomás.
Péssimos mentirosos!, pensou Dante, abraçando o garoto
de volta. No momento em que aquela atmosfera de pai e filho
acabou, Tomás desceu do carro e exibiu um sorriso. Fontana se
encontrava feliz e depois de tantas idas ao mesmo trajeto, queria
que acontecesse uma lembrança com Tomás que guardaria até o
fim de sua vida.
Era por aquilo que estava vivo. Os anos de inferno que
passara, o purgatório que imergiu… Tudo para chegar ao paraíso
que estava tendo. Mas ainda sentia que faltavam alguns passos
para chegar à paz que desejava.
— Yan Serpa é visto com loiro misterioso em uma BMW.
— O rádio, nesse momento ligado, falava sobre a aventura do casal.
Fontana seguia para seu amado trabalho como secretário. — O
CEO das Indústrias Serpas já fora visto com a travesti e médica
geral, Alina Soares, anos atrás. Recentemente com um homem. O
que isso significa?
— Bissexualidade, idiota. — Fontana revirou seus olhos e
colocou em outra estação de rádio.
— Chuvas fortes se aproximam! O inverno chegará em
poucas semanas na cidade de Porto do Sol! Quem está preparado
para esses seis dias intensos de chu… — e Dante trocara
rapidamente, desligando a estação.
O tremor de seu corpo e sensação ruim em seu âmago
continuava, mesmo com o rádio já desligado. Porto do Sol chovia
raramente, a cidade era sempre ensolarada e quente, como Dante
amava. Mas os seis dias de chuvas chegariam como em todos os
anos, infelizmente.
Mas, tentando esquecer a ideia, Dante se recordou da
noite anterior que fez Yan se arquear de prazer, causando um
arrepio em sua espinha. Porém, mesmo sendo algo que amara,
também sentiu algo… na verdade… Não sentiu. E isso o deixou
pensativo…
Será que esses anos sem sexo, fez se esquecer de algo?
Saindo de todos os devaneios possíveis, seu celular tocou
e, ao a pessoa que estava marcando o telefone, decidiu estacionar
o carro. Quando Isabelly Oliveira, uma de suas melhores amigas,
ligava, era sempre motivo para foco total nela. O loiro atendeu e já
recebeu um grito em seu tímpano.
— Olha se não é o sugar baby do grande CEO Yan Serpa!
— A mulher gargalhou alto, fazendo Dante sentir saudade dos dias
do exército com ela. — Vi a foto, tirei de letra que era tu!
— É… A gente está namorando. Não ocorreu uma
oficialização, mas… ontem foi tão… — E Fontana sorriu. — Isabelly,
não sei descrever, estou completamente…
— Apaixonado? — falou a ruiva, repentinamente,
deixando o melhor amigo em silêncio. — Ai, Dan, eu te liguei para
comemorar, mas vou acabar chorando — murmurou ela.
Isabelly nunca imaginou ver um Dante Fontana tão
diferente, amava vê-lo mais falante e exibindo seus sentimentos.
Mesmo não estando acostumado com o eu te amo, pelo menos
naquele momento dizia que gostava de alguém. O uso excessivo de
cocaína fora embora, Cerberus também e apenas ficara o homem
bom escondido durante tantos anos.
O silêncio se alastrou na ligação, a ruiva se encontrava
treinando no seu saco de pancadas, e, ao mesmo tempo, feliz em
ver que tudo ia bem com o amigo, seu corpo necessitava de
exercícios intensos.
— Você está treinando?!
— O que eu faria, além disso, man? — Ela riu, um
estrondo fora escutado ao longe, Isabelly tinha chutado o saco de
pancadas. — Mudando de assunto, tu viu o último filme do Levi? Ele
tava em Milão recentemente!
— Ver os filmes do Levi não é minha praia, muito cult. —
Pressionou sua mão contra o rosto. — Faz um tempo que não falo
com ele… Acho que entrarei em contato logo, tenho uma pergunta a
fazer, mas por quê?
— Ah… — O riso que dera fora nervoso. — Nada, mas…
Tu acha muito ruim eu aparecer aí com ele sem avisar? Sabe…
Como tu fazia quando precisava resolver alguma paradinha aqui no
Brasil.
— Pode aparecer, será ótimo. Ambos. A gente pode sair
para beber, ando com saudades de uma boa farra contigo e ele.
— Perfeito! Vou encher teu saco aí. Talvez leve a
Dandara, é bom que ela conhece o Yan!
— Pode rolar até um patrocínio… Ela continua com raiva
de mim?
— Se esse patrocínio não tiver um grupo de nazistas
envolvidos — sussurrou. — Claro que ela não está com raiva de
você, Dan! Faz quatro anos, passou. Ela até perguntou quando eu
iria te ver.
— Sério?
— Claro! — Omitiu algumas verdades, soltando outra
risada nervosa. — Vou desligar aqui, tudo bem? Mais tarde eu ligo
para ti! Felicidades ao casal!
Dante ficou em silêncio, receoso com a pergunta que faria,
mas seu âmbito desejava falar aquilo com alguém, tirar tal dúvida
em sua cabeça. Isabelly entenderia perfeitamente ele, e o ajudaria
na sua ignorância – por mais que tal assunto seja algo recorrente na
vida de Fontana.
— Isa… Espera… — Apertou seu celular com mais força.
A mulher apenas o escutou. — O que você sabe sobre a trans… —
A ligação caíra. — Isabelly?
Indústrias Serpas

Depois de uma conversa interessante com Isabelly, Dante


se encontrava com várias teorias em sua cabeça. A noite com Yan o
deixou extasiado, era fato, mas também com alguns pensamentos.
Focado em seu celular, Fontana seguiu até a porta principal sem
falar com ninguém, lendo as mensagens que Serpa mandara.
Naquele dia, o edifício se encontrava com uma atmosfera
diferente, um dos motivos seria os diversos vasos carregados de
hortênsias que Dante tanto amava, com vários tons de azul, alguns
floristas ainda adubavam as últimas flores. Era algo recente, que
Yan tinha gastado um pouco de sua imensa fortuna apenas para
deixar Dante feliz.
E ele conseguiu, pois as flores iluminadas pelos raios
solares deixaram Fontana extasiado de alegria, sabendo que tinha
tirado a sorte grande em ter se apaixonado por alguém como Serpa.
Mas a caminhada até o elevador fora estranha, muitos
funcionários e empresários fixavam seu olhar sobre ele e, em certo
momento, o homem se sentiu nu com tantos olhares. Fontana
vislumbrou de relance seu corpo no espelho e não encontrou nada
que fosse motivo de tanta análise.
Então deu de ombros e apertou o botão do elevador,
seguindo até o último andar daquele arranha-céu. Mas ao entrar,
dera de cara com Natália, que arregalou seus olhos e o puxou com
força para dentro, impedindo que outros que o aguardavam o
elevador, entrassem também.
— Dante! Meu Deus! Está com as roupas do senhor
Serpa! — ela murmurou. — Eu sabia que estavam saindo, mas não
que era tão sério! Tinha certeza de que era o loiro misterioso.
— Como sabe que essa roupa é do Yan? — Fontana fitou
o espelho e dera conta de algo. — Meu Deus… Como ele pode ser
tão excêntrico?!
Sobre a luz, era possível ver os YS bordados em
miniatura, algo que não foi nítido com a pressa de Tomás para ir ao
colégio – tampouco os demais falaram sobre o bordado –,
possivelmente seria esse o motivo dos olhares acusatórios sobre si.
— Não importa. Tenho uma roupa extra no armário. —
Sorriu. — O senhor Yan sempre pedia um para o Narciso. — Depois
revirou seus olhos. — Acho que veio a calhar para ti também!
Estava torcendo por vocês ficarem juntos.
— Espero. — Suspirou. — Droga, eu vacilei demais
agora.
— Oh! Não se preocupe. As pessoas já estavam
duvidando de vocês há muito tempo. — Natália balançou sua
cabeça, repetidas vezes. — Desde a entrevista, na verdade. Agora
com as notícias de hoje de manhã, não se fala de outra coisa. Não
viu no grupo da firma?
— Silenciei todos desde o primeiro dia que pisei aqui —
respondeu, rispidamente, mas ao ver a expressão chateada da
amiga, tratou de mudar as palavras. — Menos você e o Yan, claro.
Eu gosto de ti, Nath. — Dante chocou seu ombro com o da mulher,
fazendo-a rir.
Mas o elevador abrira e alguns funcionários entraram,
permeando a atmosfera densa e incômoda do local. Alguns
encaravam Dante e seu corpo, mas ele pouco se importou com
aquilo. Algumas mensagens foram mandadas para Dante, pelo
barulho era Isabelly, mas eram muitas de uma vez e teve que
silenciar seu celular.
Os homens o encararam, mas Fontana pouco se importou.
O elevador abriu mais uma vez e todos eles caminharam para a
saída.
— Putinha. — Um deles passou por Dante e tentou
empurrá-lo.
— Ei! — gritou Natália, mas o elevador fechou.
— Deixe, Nath. — Ele riu. — Me chamar de putinha é de
longe a coisa que eu odeio ouvir…
“Muito pelo contrário” pensou ele, soltando um sorriso
travesso.
Os dois chegaram ao último andar, Natália seguiu até a
recepção e se habitou lá, já Dante entrara em seu escritório, que
ficava uma porta antes de Yan. Suas mãos estavam frias, seu corpo
gelado, naquele momento que estava sozinho com seus
pensamentos, percebera que deveria dizer algo a Yan, em
específico, o quanto o amava.
Seus olhos aparentavam estar febris, seu corpo não
respondia sentidos fiéis a sua mente. Yan Serpa lhe causava isso,
na verdade, muitas coisas. O amor nunca foi tão luxurioso e intenso,
nunca tinha bebido daquilo, Dante nunca ficou bêbado e sedento
por algo, como estava…
Por Yan.
Apenas por ele.
Nada mais.
Em um momento apressado, sentindo sua alma esvair
durante alguns segundos, Dante empurrou a porta da sala de Serpa,
fazendo-o pular de susto pelo barulho. Yan estava ao celular,
falando em inglês com algum patrocinador, não podia desligar de
abrupto, mas ficara preocupado com a falta de cor no corpo de seu
amado.
— Preciso… Preciso… — Dante saiu da sala, sem dar a
chance do outro falar algo.
Serpa continuou com a ligação e Fontana com seus
sentimentos presos na garganta, tentando alcançar o controle que
tinha – mas em seu estado atual, pode-se cogitar que nunca o
tivera. E depois de alguns minutos, novamente invadiu a sala de
Yan.
— Oh! Emburradinho, sente-se. — Serpa dera um sorriso
feliz mesclado à malícia. — Estou resolvendo alguns problemas com
a mídia, ela insiste em dizer que estou namorando! Acredita? Bom…
Eu acho que estou, mas não gosto da mídia no meu pé, entende?
— Yan… — Dante tentava afrouxar a gravata que usava.
— Preciso… Falar com você.
— Sim! Eu também, por isso mandei você sentar —
rebateu Serpa. — Quero te mostrar uma surpresinha que está
debaixo desta calça. Você imagina o que é?
O olhar predatório de Dante o fez recuar novamente,
estava fazendo muito calor naquela sala, como se estivesse
queimando cada centímetro de pele do outro. Quem o via naquele
momento, poderia dizer que o loiro se encontrava em abstinência da
cocaína, mas se tratava apenas de um desafio nunca feito antes.
Nessa altura de abrir a porta e depois fugir, Yan
considerava Dante maluco, mas quem seria ele para falar sobre
loucura?
Fontana encarou seu rosto no espelho e odiou que vira um
soldado – mercenário –, com medo de despejar todo seu amor para
alguém que admitira ser recíproco. E, irado com aquele Dante
medroso, ele abrira a porta novamente e observou Yan da cabeça
aos pés.
— Você é doido — Dante soltou.
— Não fui eu que abri a porta três vezes, foi?
— Ca-cale a boca — respondeu, apressando-se nas
palavras. — Me deixa… Deixa-me falar. — Serpa o fitou, com a
sobrancelha arqueada. — Você é louco… Maluco! Seu paladar é
péssimo, todos seus filhos são teimosos e Madalena, Felícia e
Kunut me assustam um pouco. Às vezes, eu não entendo como eu
vim parar aqui com você, seu jeito de vestir não condiz com sua
cabeça e seu deboche deve ter pertencido a um demônio antigo! —
declarou Dante com pressa.
— Hã? — Yan exibia uma careta descrente. — O…
obrigado?
— Eu não terminei! — alegou, deixando Serpa curioso. —
Mas… Você também é um gênio extremamente lindo. Seus filhos
me dão orgulho! Madalena e Felícia são engraçadas e fortes e se a
Thyra gostou do Kunut, não sou eu quem vou discordar! Eu amo
suas roupas, mas prefiro tirá-las, seu paladar me faz rir, às vezes, e
você não é o Yan sem o seu deboche... — calou-se, tentando
recuperar seu fôlego. — Eu me esqueci de algo?… Ah! Claro… Yan.
— Onde está… — Serpa o interrompeu.
— Eu amo você — declarou Dante por cima da fala de
Yan. — Eu. Amo. Você. Fodidamente. Não me imagino com outro
macho além de ti. Você é… o pacote completo de todas as coisas
que eu amo. Um cara maluco com gosto peculiar e com vários filhos
para criar!
Essa era… A declaração de amor mais estranha e sem
sentido que Yan já ouvira de alguém…
E ele amou.
— Eu quero namorar você, mas acho que deveríamos
pular para um real noivado — Dante começou a explicar, sem
perceber que Serpa se aproximava de seu corpo. — Porque já
estamos juntos mesmo, o anel foi caro e se você quiser, eu…
Serpa calou o seu amado com um beijo tenro, invadindo a
boca de Dante com sua língua, enquanto sentia a união de seus
corpos. Fontana estava febril, nervoso por ter conseguido confessar
algo para ele. Yan apertava seu rosto, pressionando suas digitais
sobre as bochechas e pescoço do amado, demonstrando total amor.
— Eu também — respondeu Yan, depois de desgrudar
seus lábios de Fontana. — Quando falei que te amava quando
estava puto, eu falei a verdade. Eu amo você, Dante. Desde o sexto
mês de trabalho.
— E eu desde o quarto — admitiu Dante, abraçando o
corpo do amado. — Perdidamente apaixonado por você. E sem
conseguir dizer isso até agora, me desculpa. É a primeira vez que
estou dizendo que amo alguém romanticamente falando...
— Pri?… Primeira vez?! — E fitou os olhos tristes de
Dante ao falar isso. — Ah… meu Deus, amor. Que vontade de
sentar em você — murmurou, depositando beijinhos sobre o
pescoço do amado.
Dante percorreu suas mãos por toda a extensão do corpo
de Yan, tentando retirar cada peça daqueles tecidos grã-finos que
seu noivo tanto amava. Estava imerso em paixão, não importava o
que faria naquele escritório, só de Yan estar lá com ele era o
suficiente.
O casal seguiu até a mesa onde Serpa trabalhava, tiraram
as coisas que estavam em cima dela da forma mais delicada que
conseguiam — leia-se: ele era rico o suficiente para deixar tudo
quebrar. O empresário se sentou no meio da mesa e o secretário na
cadeira giratória. Ambos, por algum milagre, estavam afastados.
— Ontem transamos sem camisinha e, puta que pariu, foi
perfeito! — Yan começara a falar, enquanto tirava sua blusa branca
lentamente. — E eu sei todo seu histórico médico e vice-versa, mas
gostaria de fazer um exame mais atual e começarmos a pensar
sobre largar o preservativo de vez. Querendo ou não, foi um ato
impensável.
— Não tenho nenhuma objeção. — Dante sentiu um
arrepio correr por sua espinha ao sentir o pé de Yan acariciando seu
membro, os pés do amado já estavam sem sapatos e meias. —
Alguma coisa a falar?
— Acha cedo nós pularmos o namoro e ir para o
noivado?… A gente está nisso tudo mesmo. — Gargalhou. — O
casamento vai demorar… Claro. Então podemos fazer um navado.
Um namoro e noivado ao mesmo tempo.
— Ok, o nome não é o melhor, mas sem objeções —
garantiu Dante, retirando o paletó que usava e exibindo o coldre de
ombro com duas pistolas e uma faca afiada na parte esquerda. —
Mais alguma coisa?
— Você sempre tem que vir armado?
— Desculpe, Yan, mas eu não sei como largar elas —
garantiu. — Me sinto completamente nu sem. E o fato de tu não
curtir seguranças me deixa mais inquieto ainda. Se eu não trouxer
minhas armas e acontecer algo contigo, nunca vou me perdoar!
Yan soltou um suspiro. Com seu pé alisando a coxa do
amado. Vislumbrando a expressão selvagem que surgia em seu
olhar.
— Você consegue lidar com uma pistola apenas? —
perguntou, delicadamente, já estando nu da cintura para cima.
— A segunda é só de reserva, caso ocorra algo com a
primeira. Mas para quem já lidou com uma situação carregando
apenas um machado cego e cacos de vidro… Consigo lidar sim. —
Deu de ombros.
— A partir de amanhã, traz só ela e a faca, Dante —
pediu, voltando a alisar o membro do amante. — Por favor.
— E o soco-inglês — murmurou, retirando seu coldre e
desabotoando a blusa.
— Certo… e um soco-inglês. — Gargalhou. —
Emburradinho, eu quero prosseguir com esse relacionamento. Mas
não quero a mídia sabendo, na verdade, odeio minha vida sendo
exibida em um telão, entende? O tesão de nos pegar ao ar livre, me
fez dar uma dor de cabeça fodida hoje.
— As ligações são isso? — Olhou o celular de Yan no
chão, vibrando. — Que por sinal, continuam ligando.
— Não vou atender agora, tenho uma coisa mais
importante para lidar. — Aproximou as mãos para o rosto de Dante,
o homem chegou intimamente à sua cadeira para abraçar Yan. —
Eu amo você, mas só quero que meus familiares e amigos próximos
saibam da gente, tudo bem?
— Sem objeção também. — Afagou seu rosto contra o
peitoral do amado, podendo sentir as mãos de Yan alisando todo o
seu cabelo loiro. — Yan… Sabe que pode contar qualquer coisa
para mim, não sabe?
— Se-sei sim. — Sua risada se tornou nervosa.
Lembrando-se de ontem. — E obrigado por ter dito o que você era
para mim.
— Nada, absolutamente nada, se compara ao fato de eu
ser um ex-mercenário, Yan. — Levantou sua cabeça, fitando os
olhos de Yan, podendo ver sua expressão nervosa. — Nada, baby.
Dante estava desconfiado de seu amado e aquelas
palavras eram a prova. Mas Yan não se encontrava preparado para
dizer algo a ele, não porque desconfiasse que tal segredo caísse
nas mãos da mídia, mas por ter medo do amado ser
preconceituoso.
Em sua vida já havia um histórico de muitos abandonos.
— Eu te amo — respondeu Yan, beijando-o. — Sei disso.
Os beijos começaram amorosos e tenros, sentindo o gosto
viciante que ambos amavam sentir, mas aos poucos as brasas em
seus corpos surgiam. Dante e Yan estavam namorando, realmente
se amavam e o orgulho dera uma brecha para poder afirmar isso.
E como estavam felizes com aquilo.
Yan começou a desabotoar a blusa de Fontana, enquanto
o outro atacava seu pescoço, sugando forte sua pele, os gemidos
baixos começaram a se tornar cada vez mais altos. Dante sentia a
pele macia do amado contra sua boca e seguia cada vez mais
baixo, passando por todo seu peitoral e seguindo até o fim de sua
cintura, podendo sentir o volume do amado.
Mas um estrondo vindo de fora do escritório fez Dante sair
de seu devaneio luxurioso.
— O que foi isso? — Sua mente avaliava a situação,
parecia que algo tinha caído. E ao sair de perto de Yan, o celular de
Fontana tocou, era Natália. — Nath? Que barulho foi esse?!
— O Narciso está aqui fora! Ele quebrou meu computador!
— gritou a mulher, exibindo ira em sua voz. — Eu vou chamar o
segurança! — desligou.
— Narciso está lá fora — exclamou Dante, falando em tom
sério. — Quer vir comigo?
— Cuida disso, pelo amor de Deus. — Fitou o seu celular
no chão, que continuava a tocar. — Uma jornalista está ligando,
preciso cuidar dessa merda. Vá lá… Mas não leve as armas! —
contestou, ao ver que Dante seguia até o coldre no chão, mas ao
receber o pedido, apenas riu e levantou suas mãos, seguindo até a
recepção onde Natália e Narciso se encontravam.
Bom, Dante não levava nenhuma arma, mas Yan
continuava inocente achando que Fontana tinha apenas uma faca e
duas armas carregadas em seu corpo. Fontana começou a abotoar
a roupa e ajeitar seu paletó. Ao abrir a porta para a recepção, dera
de cara com Narciso gritando com Natália.
A recepcionista estava irada, de punhos cerrados,
aguentando aquilo calada.
— Ele tocou em você, Nath? — perguntou Dante,
aproximando-se da mulher e agarrando delicadamente seu ombro.
— Aqui está você! Olha aqui, seu secretar…
— Cale a porra da sua boca, que eu ainda não estou
conversando com você — mandou Fontana, rispidamente, de
maneira fria e assustadora. Narciso se calou, inquieto com aquela
atitude. — Nath… Ele tocou em ti? Me responde…
Era assustador como o tom de Dante mudava
repentinamente. E Natália se sentia muito acolhida pelo homem, ao
contrário daquele outro que estava à sua frente.
— Não me tocou — respondeu, Nath cerrando seus
dentes. — Mas o tire daqui, por favor. Já basta a mídia que o senhor
Serpa está recebendo, eu não quero chamar os seguranças e fazer
um alvoroço!
— Tudo bem, você quer ficar aqui e ver isso? — Fontana
fitou Narciso, mas percebeu que a Natália esboçou pouco-caso. —
Certo… Agora podemos conversar. O que você quer?
— Eu quero falar com o Yan! — Exibiu uma folha com a
notícia que saíra de manhã. — O que isso significa?! Vocês estão
saindo? Por que meu namorado está de repente aos beijos com um
pobretão como você?!
— Primeiro de tudo, ex-namorado. Você não passa de um
exzinho desprezível e inconveniente. Eu e Yan estamos
verdadeiramente noivos. — A calmaria na voz de Dante, escondia
algo. — É melhor ir embora, antes que algo de ruim ocorra com o
senhor.
— Está me ameaçando? — Exibia-se incredulidade em
seu rosto. — Você?! — Começou a gargalhar. — Não… Meu
Deus!…
Natália observou a fúria de Dante se acendendo e desejou
que Narciso o provocasse mais. Estava farta de ver aquele homem
lá, tinha agradecido que Yan e ele tinham terminado meses atrás,
mas a mulher estava achando estranho ele voltar.
— Narciso. — O secretário não conseguiu exibir seu
sorriso sacana. — É melhor você ir embora, cara. Estou falando
pelo seu bem, vai por mim, não vai querer lidar com o que pode
acontecer aqui.
— Escute aqui, secretariozinho, você sabe quem eu sou?
— sussurrou Narciso, aproximando-se do rosto do homem, ficando
cara a cara. — Eu posso acabar com toda essa sua vidinha de
merda. Em um estralar de dedos, eu posso acabar com a reputação
do Yan ou daquelas aberrações que Yan chama de filhos!
— O quê? — O vislumbre de seu olhar era selvagem e
ameaçador. O corpo de Dante entrava em combustão. — Você
chamou os meus filhos de quê? — Não existia mais espaço entre
eles. — Eu te avisei, não avisei?
— Avis…
Dante agarrou o pescoço de Narciso com sua mão direita,
levantou minimamente o corpo do homem e o arremessou sobre o
piso de cerâmica recém-encerado, Natália arregalou seus olhos ao
escutar o grito estrangulado de Narciso. Fontana exibiu um sorriso
contente e pressionou seu pé contra o peitoral do homem, a pressão
era tanta, que o outro não conseguia respirar devidamente.
— Que bonitinho. — Dante o fitou. — Fala de novo para
mim o que você falou deles, vai. — Sorriu. — Quero ver se você é
homem mesmo. — Narciso apenas o encarava, com uma mescla de
expressões entre o medo e a fúria. — Fala! — Aguardou alguns
segundos, mas o homem nada falara, apenas tentava retirar o peso
do pé de Dante sobre seu peito.
Fontana riu com a ação e se sentou em cima da barriga de
Narciso, colocando seu joelho pressionado contra o peito do
homem, então, percebendo que Narciso gritaria, cobriu a boca com
a mão esquerda, com a outra mão livre, retirou sua faca de bolso.
— Não passei anos na porra de uma guerra, vendo um
bando de inocentes morrendo, enquanto pedia a algum Deus que eu
não morresse, para vir um playboyzinho como você e acabar com
tudo que conquistei por mero milagre! — A ponta afiada da faca
passara pela extensão do pescoço de Narciso. — É melhor você
não se meter comigo ou, na próxima vez, essa faca estará
enfincada no seu pescoço e nem o caralho de um enterro digno
terá! Você entendeu?
Narciso não respondera.
Dante tirou a mão de sua boca, proferindo um forte e
estridente tapa no rosto de Narciso uma única vez, deixando-o
zonzo e desatento. Fora o suficiente para fazer seu nariz sangrar,
mas não para deixá-lo desacordado. A força de Fontana era algo
assustador, Narciso tinha levado tapas poucas vezes, mas nunca
daquela proporção.
— Natália, traga alguns lenços, por favor. Sujei minha
mão. — Levantou-se do chão, deixando Narciso estirado sobre ele,
tentando levantar-se. — Vamos, Narciso! Não foi a pior coisa que já
fiz! Levante-se! — Dante ria a cada frase dita, seguindo até a amiga,
que estava catatônica próxima à mesa, mas com os lenços em
mãos.
Narciso se levantou por algum milagre aparente, o sangue
escorria de seu nariz e caía sobre o chão limpo. Fontana aproximou-
se novamente e o outro recuou vários passos, mas o secretário
apenas entregou a caixa de lenços.
— Quando sair daqui, você vai inventar que bateu em
alguma coisa, nada relacionado ao Serpa ou a mim, hum? —
Gargalhou. — Ou você vai ter que aprender a bater punheta com a
mão esquerda.
Já tampando seu nariz com o pano que o outro dera,
Narciso apertou o botão do elevador, sentindo-se vigiado por aquele
monstro loiro com uma forma fora do natural. Fontana ter feito aquilo
o deixara apavorado, apenas queria sair dali, mas também o deixou
irado.
Quando o elevador abriu, Narciso, ainda cambaleante,
levantou seu dedo do meio e exibiu para Dante, que apenas
gargalhou. Se fosse Cerberus cuidando daquilo, não existiriam
restos mortais do homem para contar história.
Não sabia se Narciso voltaria, mas se voltasse, já estava
pronto.
— Tem algum pano para cuidar desse sangue? —
perguntou, mas ninguém o respondeu. — Natália?
— Hã… Tem sim. — A mulher abriu a quarta gaveta e
entregou um pano branco para o homem, em seguida um tubo com
álcool. — Tenho… Pavor de sangue. Então…
— Eu limparia mesmo — ele respondeu, seguindo até o
chão de cerâmica. — Te assustei, não é?
— Pensei que você ia matá-lo aqui, já estava chamando o
senhor Yan — murmurou. — Sabia que tinha vindo do Iraque, eu li
seu currículo, mas não pensei que você fosse tão… assustador.
— Eu nunca escondi esse meu lado — comentou. — Só
demonstro para aqueles que merecem e você acabou vendo. Sinto
muito.
— Disse que fiquei assustada… Não que ele não merecia
aquilo.
Os dois começaram a rir, enquanto Dante terminava de
limpar todo o chão. Quando terminou, apoiou sua mão sobre o
ombro de Nath e beijou sua testa, seguindo até o escritório de Yan.
Natália podia ter certeza de que as coisas ficariam mais animadas
do que antes e estava agradecendo por Dante ser um aliado.
Quando o secretário chegou até seu escritório, vira Yan
desligando outra pessoa. Fontana abaixou sua cabeça e abraçou
Serpa por trás, sentindo o corpo quente do amado contra o seu.
— Fiz uma besteira — alegou Dante. — Você me perdoa?
— Me traiu?
— Está maluco?! — Dante vozeirou, soltando uma risada
ao ver o noivo rir também.
— Então, eu perdoo… — Exibiu um sorriso, visualizando o
céu azulado que podia ver por conta do vidro transparente de seu
escritório. Olhou para a mão com algumas manchas de sangue do
amado e entendeu tudo. — Bateu muito forte?
— Um tapa, juro, a Natália é a prova — respondeu. —
Claro… Foi uma batida bem forte, minha mão não é a coisa mais
leve...
— Droga… Agora estou pensando se é uma boa ideia
você bater na minha bunda — contestou o moreno.
— O quê? — A voz do secretário exibia malícia.
— O quê? — Serpa repetiu.
— Então, final feliz com o Pitt? — Luana perguntou,
cruzando seus braços. — Graças a Deus, eu realmente não o queria
com um babaca — exclamou.
— Seria legal você e Zaire no piquenique — comentou
Tomás. — Foi bom Pitt conhecer meus familiares.
— Zaire é muito competitivo jogando, com certeza ia ter
alguma discussão — alegou a menina, rindo da própria cogitação.
— Olha… Dependendo do parente isso não ia ser ruim…
As risadas da dupla de amigos fora se intensificando,
enquanto ouviam o barulho da moto de Pitt ao longe. Os dois
estavam sentados nos bancos de concreto próximos à porta
principal do colégio, podendo ver quem chegava e entrava no local.
Pietro estacionou e seguiu até os dois amigos.
Mas durante a caminhada, sentiu seu corpo enrijecer e
uma lufada de ar passou sobre seu rosto e cabelos, partilhando o
cheiro referente a lírios dourados. Um aroma tão doce e provocativo,
que fez sua cabeça ficar zonza. Luana levantou-se ao ver o estado
do amigo.
— Pitt? — A garota o olhou em dúvida. — Está tudo bem?
— Está sentindo esse cheiro? — ele perguntou tentando
fitar o rosto da amiga. — Droga. Você não está, não é? Essa porra é
espiritual?
— Espiritual? O que quer dizer?
Pietro virou seu rosto no momento que um táxi estacionou
frente ao colégio, por isso pôde ter a certeza de que aquela
sensação estranha vinha do dono daquele carro, pois ao abrir a
porta e exibir um sorriso amarelo ao ver a escola, sentira outra
vertigem. Pietro possuía uma sensibilidade mediúnica, algo que o
ajudava a dizer quem deveria se aproximar e se afastar.
Aquele homem alto entregando dinheiro ao taxista era um
deles.
Ele seguira em silêncio, em direção ao colégio. Pietro
odiava tomar falsas acusações, mas algo nele não lhe dava uma
boa impressão e Alanis carregava a mesma opinião sobre. Era
possivelmente o novo professor.
— Vai ser um ano animado — murmurou. — E olha que
nem chegamos a junho.

— Pronto, senhor Narciso — falou a enfermeira,


sorridente. — É normal cair no banheiro, muitas pessoas vêm aqui
por conta disso, principalmente os mais velhos. Mas não se
preocupe, só causou um pequeno corte e em duas semanas já
estará melhor!
O homem estava pensativo, pairando seu pensamento no
ar, ainda descrente que fora Dante que lhe causou esse alvoroço.
Narciso foi rapidamente atendido e já com seu nariz enfaixado,
encontrava-se sentado na poltrona, mexendo em seu celular.
— Me chame se acontecer algo. — A enfermeira saiu,
batendo em alguém que estava na porta. — Oh! Desculpe-me,
senhora. — Finalmente saiu.
— Ah… O que você quer? — perguntou Narciso, ao ver de
quem se tratava. — Se você pode ver. — Apontou para o nariz. —
Seu planinho não deu certo!
— Você é um idiota! — rebateu a senhora, dando espaço
para sua filha sentar-se na cadeira. — Era só ameaçar ele! Por que
tentou bater no Dante?
— Mel! — gritou Narciso, mas parou ao ver a dor que o
ferimento causou. — Argh… Eu não tentei bater naquele maldito! Eu
ameacei como você disse e ele causou isso com o tapa mais forte
que eu já senti em toda minha vida! Você não está entendendo o
nível daquele cara.
— Eu não posso acreditar! — Melinda riu, fitando o teto. —
Narciso, você é a única chance que temos para tirar todo o dinheiro
do Yan, não vá estragar tudo por estar com medo de uma bichinha!
— Mãe! — Emília a parou, alisando a sua barriga. —
Olha… Acho que isso já está passando dos limites, tudo está
indicando que dará errado para nós. Olha o que o Dante fez! Por
que você não deixa o Yan em paz e aceita os quinze mil que ele nos
dá todo mês?
— Ela tem razão! — Narciso apontou para a outra. —
Olha, Mel, aqui é o meu limite. Se me der licença, estou me
retirando dessa história maluca! — Levantou-se, guardando o
celular em seu bolso e seguindo até a porta.
— Apenas a indústria de Yan está avaliada em torno de
seiscentos milhões de euros… — Mel cruzou seus braços. — Faça
uma matemática simples e converta isso em nossa moeda e conte
com as outras lojas, boates, restaurantes e carros que ele tem!
E Narciso fitou o horizonte.
— Um papel apenas e você tem todo esse dinheiro.
— E Tomás? Kali? A Lia? O que faremos com todos os
filhos? — ele perguntou.
— Hum… Cuidamos deles. — Mel fez pouco caso. — Um
por um!
Emília arregalou seus olhos e tampou sua boca ao ver a
expressão fria de sua mãe ao falar das crianças de Yan. A mulher
colocou a mão na sua barriga, sentindo a dor que o irmão sentiria ao
perdê-los.
— Qual o seu plano? — perguntou o homem.
— Conversamos sobre isso em um lugar melhor. — Mel
saiu da sala. — Vamos para um restaurante. Decidimos as coisas
lá… Venha, Emília!
E a mulher seguiu como podia. Apavorada em perceber
como a mãe podia reagir em torno de Yan e Tomás. A irmã já se
encontrava farta daquilo – não apenas ela, Adamastor também –,
mas, mesmo assim, fora com sua mãe.

Era perto do almoço, mais especificamente, 11h. Tomás


estava indo em direção à palestra que teria de mãos dadas com
Pietro, os olhares já tinham focado na dupla. Ao mesmo tempo, no
colégio, Tomás se sentava nas poltronas, ainda de mãos dadas.
Estava curioso sobre o que o professor falaria sobre
transexualidade. Aos poucos muitos percebiam o clima entre Pitt e
Tommy, era extremamente sério!
— Então… Namorando mesmo?! — gritou Sílvio, feliz com
aquilo que vira, estava atrás do casal. — Estou muito feliz por
vocês! Combinam demais! O primeiro casal gay assumidíssimo!
Alguns precisam da coragem de vocês — comentou e fitou Matias,
que se encontrava furioso, como se a qualquer momento fosse
queimar tudo.
— Oi! Vamos começar? — A diretora da escola de Tomás
falou, exibindo um grande sorriso. Fazendo alguns alunos
aplaudirem, Tomás não fora um deles. — É com grande prazer
nesse dia tão especial, que apresento o novo professor da Escola
Pedro Padovani!
A diretora falara, apontando para as cortinas.
— Elior Fonseca! — gritou a diretora, fazendo o ruivo sair
das cortinas e acenar para os alunos. — O nosso querido Elior é
professor de fotografia e etiqueta, mas hoje dará uma palestra sobre
transexualidade! Dando algumas dicas em respeito aos gêneros.
Ansiosos?
— Nossa, que raiva. Meu pai mesmo deveria estar aqui ou
a tia Mada e Fefe — sussurrou Tomás, para o amado.
— Elior, quer dizer alguma coisa para os alunos? — Ela
entregou o microfone ao homem, que pegou o objeto com um
sorriso enorme.
— Gostaria de dizer que vocês não sabem o prazer… que
é estar de volta. — Elior exibia superioridade a sua voz.
Enquanto isso, Dante chegava até Yan para dar as últimas
atualizações do seu trabalho.
— Amor — falou Dante, apoiando seu corpo contra a
porta. — Reunião agora, sala leste, décimo quarto andar —
acrescentou, ao ver o amado fazer algumas equações para sua
nova invenção. — Quer que eu vá contigo?
— Melhor não. — Ele riu, aproximando-se de Dante e
apertando sua bunda. — Tenho certeza de que perderei o meu foco!
— Deu um beijo casto, Dante sorria entre o beijo. — Eu te amo.
Yan começou a ajeitar seu belo paletó e seu cabelo,
saindo de seu escritório.
— Não precisa atender aos telefonemas, tem uma
jornalista me enchendo! — falou, um pouco longe do noivo. — Até
daqui a pouco! — Abriu a porta e partiu de vez.
Dante focava o telefone de seu amado, as ligações das
jornalistas terminaram há algumas horas. Então, não faria mal
atender algumas e informar sobre a falta da presença de seu chefe.
Fontana não conseguia sair da sala do amado, apenas
aguardando alguns telefonemas para alegar sobre a ausência. Sua
mente vagava sobre sua ideia de seu amado estar possivelmente
escondendo um segredo de si.
O telefone, no escritório de Yan, tocou. E Dante engoliu
seco, saindo calmamente de seus devaneios. Ao escutar mais dos
barulhos estridentes do toque em seus tímpanos, Fontana decidiu
atender, embora não fosse necessário…
— Alô? — Dante atendeu.
— Yvina! — Uma voz feminina gritou no outro lado do
telefone. — Ah, não, desculpe… Yan. Eu realmente não me
acostumei ainda, desculpe! Sério! — Fontana arregalou seus olhos,
sem exibir um mínimo som.
Era aquele nome, o mesmo que perguntara aos demais e
ninguém respondeu, era aquele… Por que especificamente esse
nome chamava seu amado homem?!
— Yan, precisamos conversar. É a Tábata! Eu falei contigo
algumas semanas… A mulher do Evandro! Lembra? — E Dante
continuava em silêncio. — Você está aí? Olha… Eu sei que o
Evandro foi um babaca por sumir depois que você se assumiu
transexual, é assim que fala… Trans…?
Dante apenas a escutava, digerindo tais informações.
— Olha, Yan… Queremos apenas nos aproximar de
Tomás, sério! — respondeu a mulher ao telefone, com sinceridade.
— Nenhum dinheiro! Juro! Estou falando contigo, porque o Evandro
está muito mal com as verdades que disse… Mas ele merece ver o
filho, você não o fez sozinho! Já disse isso várias vezes!
— Yan… Por favor… Entenda de uma vez que queremos
reconquistar sua confiança. — Tábata soltou. — E, por favor, fale
alguma coisa! — gritou, já nervosa com o que o homem
responderia.
— Aqui é o Dante, noivo do Yan — respondeu Fontana,
catatônico. — Quero me encontrar com vocês.

Continua…
Essa é de fato a minha maior realização! Nunca fiquei tão
grata por ter tido apoio que vocês me deram, tenho certeza de que
não estaria aqui sem vocês! Para meus admirados do TikTok,
Instagram e principalmente Wattpad, grata por tudo, e
principalmente por acompanharem minha mais nova trajetória.
Hanna Linette nasceu em 27 de agosto de 2000, na
cidade de Fortaleza-CE. Descobriu o amor por livros ainda muito
nova e sua paixão vai de romances à mangás focados na temática
BL (Boys Love). Iniciou sua escrita muito cedo, com apenas doze
anos, escrevendo fanfics e não parou desde então. Pansexual,
mantém o foco em obras originais, compartilhando seu
conhecimento e auto descoberta através de suas obras e
fornecendo conteúdos diversos em um universo único e
compartilhado, o qual chama carinhosamente de Hannaverso.

Onde encontrá-la:

Instagram: @Hanna.Linette
Tiktok: @Hanna.Linette
Wattpad: @Hanna_Linette
Perda sem Regresso
Indomável Isabelly
O melhor dos noivos (segundo livro após “O pior dos noivos”)

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