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A BRUXA ESTELAR

BRUXAS DE NOVA YORK, LIVRO UM

KIM RICHARDSON
Este livro é uma obra de ficção. Todas as referências a eventos históricos, pessoas ou locais reais são
usadas ficticiamente. Outros nomes, personagens, lugares e incidentes são produto da imaginação do
autor, e qualquer semelhança com eventos, locais ou pessoas reais, vivas ou mortas, é inteiramente
coincidência.

A Bruxa Estelar, Bruxas de Nova York, Livro Um


Direitos Autorais © 2023 por Kim Richardson
Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução
no todo ou em qualquer forma.

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CONTENTS

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32

O Jogo das Bruxas


Mais Livros De Kim Richardson
Sobre A Autora
1

F iquei parada na porta, olhando para o corpo nu do meu marido e seu


membro proeminente e duro. A morena bonita e voluptuosa que saiu de
cima dele tinha a culpa estampada no rosto, como se tivesse sido pega
roubando dos sem-teto. Com sua pele perfeita, ela aparentava ter cerca de
vinte anos, aproximadamente a metade da minha idade, exibindo seios
erguidos e um corpo tonificado. Ela também não tinha indícios de celulite,
mas não se preocupe. Elas virão.
– Leana? O que você está fazendo aqui? Você voltou cedo – gaguejou
meu marido. Ele cobriu o pênis com o lençol de algodão egípcio que eu
havia comprado, não que isso importasse. Como se eu nunca tivesse visto
seu pequeno e alegre membro nos últimos quinze anos. Ele não era muito
bonito, tinha um corpo esguio, uma careca e uma barriga de cerveja que
crescia cada vez mais.
No entanto, nada disso teria importado se ele tivesse sido gentil.
Nos casamos jovens, ambos com vinte e poucos anos, e nosso
casamento nunca foi perfeito. Desde o início, vi sinais do seu temperamento
e seu jeito narcisista, mas decidi ignorá-los, achando que era isso que as
boas esposas faziam. Elas se mantêm firmes, não é?
Os últimos dois anos foram difíceis, e o ano passado foi um erro total.
Eu deveria ter desistido anos atrás, mas fui preguiçosa. Parte de mim tinha
medo de ficar solteira novamente aos quarenta e um anos, após todos esses
anos com alguém, mesmo que esse alguém fosse completamente errado
para mim.
Mas não mais.
Eu tinha sido fiel. No mínimo, Martin poderia ter feito o mesmo até que
nós dois tivéssemos declarado oficialmente o fim.
No ano passado, eu suspeitava que ele estava me traindo, devido às
ligações tarde da noite, das saídas da sala para falar ao telefone com seu
suposto chefe, e quando ele só voltava para casa na manhã seguinte após ter
trabalhado até tarde.
Eu não podia culpar apenas ele pelo fracasso do casamento. Antes de
tudo, ele era humano, e eu uma bruxa. Esse deveria ter sido meu sinal de
alerta desde o início. Eu não podia ser totalmente honesta com ele sobre
quem eu era. Ele nunca seria capaz de me entender ou compreender o
mundo paranormal no qual eu trabalhava. Sem honestidade, o casamento
estava fadado ao fracasso desde o início, e isso era culpa minha.
No entanto, foi divertido vê-lo tão desconfortável.
Cruzei os braços, para encenar um pouco.
– Então, essa é a criança que você está comendo?
A morena fez uma careta.
– Eu não sou uma criança. Tenho vinte e três anos.
Levantei as sobrancelhas.
– A resposta que uma criança daria.
– Você é uma vadia – esbravejou a morena nua. – Você nem é tão bonita
assim. Você é velha e flácida. Provavelmente cheira mal. Todo mundo sabe
que pessoas velhas cheiram mal.
– Cale a boca, Crystal – sibilou meu marido. Seus olhos verdes
encontraram os meus, e ele soltou um suspiro. – Não fazemos sexo há mais
de um ano. O que você esperava? Os homens têm necessidades.
Eu bufei.
– Sério mesmo? Você vai tentar me culpar por sua traição? – Não
consegui conter uma gargalhada. E quando começou, não consegui parar.
Todas as emoções do ano passado e dos anos anteriores começaram a
transbordar de mim, até que me vi segurando no batente da porta para me
apoiar.
– Qual é a graça? – rosnou meu futuro ex-marido.
Limpei meus olhos.
– Você. Isso. Tudo isso é como uma piada de mau gosto. Ou será que é
uma boa piada? Eu nem sei – Olhei para a morena, que mantinha seu corpo
descoberto propositalmente com um olhar desafiador.
Ela pode ser mais jovem e atraente do que eu, mas isso não é nada
comparado à sabedoria que adquiri com minhas experiências de vida.
– Espero que você goste de limpar, lavar e cozinhar – eu disse a ela. –
Também não espere que ele mexa um dedo. Oh, talvez ele ajude nos
primeiros meses, mas depois ele vai parar. Depois, ele ficará com raiva se
pedir ajuda. A psicologia reversa em sua melhor forma. É melhor você se
preparar.
Crystal me deu um sorriso insolente.
– Eu não sou dona de casa.
Dei uma risada breve.
– Boa sorte com isso. Talvez você queira começar a procurar sua
chupeta.
– Você sempre foi uma vaca – disse meu marido. Ele recostou-se, e o
lençol se afastou nos dando novamente uma visão de seu membro
masculino. – Você sempre se achou melhor do que eu. Não é de admirar que
eu tenha ido procurar alguém em outro lugar. Além disso, você engordou.
Meu sorriso desapareceu quando Crystal deu uma risada falsa.
– É isso que acontece quando você é velha – disse a vadia na minha
cama.
Nenhum padrão considerava quarenta e um anos como uma idade
avançada. Na verdade, eu sentia que finalmente havia descoberto quem eu
era e o que queria da minha vida. Pela primeira vez, senti-me confortável
em meu corpo, aceitando todos os meus defeitos e assumindo-os.
Depois de muitos anos de trabalho árduo e dedicação ao meu ofício, eu
estava finalmente me tornando uma bruxa, controlando minha magia e
compreendendo-a. Minha magia não estava ligada à magia elementar da
Terra, como a das bruxas da luz, o poder também não era canalizado por
meio de empréstimos de demônios, como acontecia com a maioria das
bruxas das trevas. Não, meu poder vinha de outro lugar. Tá certo que
durante a noite a magia manifestava maior poder, era um traço distintivo
entre as bruxas. Mas isso não significava que eu não pudesse usá-la agora.
Ela seria fraca. Mas eu só precisava de um pouco.
Eu nunca disse ao Martin o que eu era. Ele não fazia a menor ideia. Eu
nunca tive muitos motivos para isso. Não até este exato momento.
– Sabe, Martin – eu disse, sorrindo. – Nunca contei isso a você, mas sou
uma bruxa – Conectei-me com minha determinação e canalizei a energia
que transcendia os limites terrestres. Ela era fraca, mas senti uma pontada
de poder se agitando em meu âmago. Eu a mantive lá.
Como era de se esperar, Martin e Crystal começaram a rir.
– E como humanos, vocês não conseguem ver a magia, da mesma forma
que não conseguem perceber o sobrenatural ao seu redor.
– Ela é louca pra cacete – Martin riu mais e Crystal se juntou a ele.
– Gostaria de dar a vocês este presente de despedida – disse a eles
depois que as risadas diminuíram.
Martin me observou com evidente diversão.
– O quê?
Eu estalei o dedo e um pequeno ponto de luz branca saiu da minha mão
e atravessou a sala pairando sobre o pênis dele.
Correspondi ao seu sorriso, canalizei minha magia e disse:
– Isso…
Meu marido soltou um gemido de dor e terror enquanto olhava para o
seu pênis, com a ponta dobrada em um ângulo de noventa graus como uma
vela quebrada. Ops.
Crystal saltou da cama como se acreditasse que o pênis quebrado dele
fosse contagioso, seus olhos estavam arregalados enquanto ela batia na
parede.
À medida que os lamentos aumentavam, fui até o closet, peguei minha
mala de mão, enchi com o máximo de roupas possível e saí.
– O que você fez comigo? Você é uma cadela louca! Você é uma puta
maldita! – gritou meu marido.
Quando cheguei à porta do quarto, virei-me e vi meu marido com o
rosto vermelho e lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Isso combinava bem
com ele.
Fiz um gesto para ele como uma arma de dedo.
– Aguente firme e levante a cabeça. Ops! Muito cedo para brincar? –
Não consegui me conter. Ele estava meio que pedindo por isso.
– Sua vadia – sibilou ele, com as lágrimas escorrendo livremente pelo
rosto enquanto olhava para seu membro, que havia quase dobrado de
tamanho e assumido uma cor roxa, parecia uma berinjela. Era para isso ter
acontecido? Vai saber.
– Ela quebrou o pênis dele! – gritou Crystal para alguém do outro lado
do quarto no celular. – Ela é uma bruxa! E ela o quebrou!
Sim, ninguém ia acreditar nisso. A parte da bruxa, quero dizer.
Voltei minha atenção para meu marido.
– Considere isso um divórcio.
– Você está morta! – gritou ele enquanto eu saía e deixava o
apartamento. Talvez eu tivesse ido longe demais. Conjurar magia diante de
humanos era proibido. Mas já era tarde demais para isso. Além disso, eu
duvidava que alguém acreditaria se eles contassem para alguém.
Um peso estranho saiu dos meus ombros quando cheguei à Greenwich
Avenue e virei para o norte, o ar fresco de setembro era reconfortante em
minhas bochechas quentes. Meu estômago roncou, lembrando-me de que eu
havia esquecido de jantar. Após os acontecimentos da última hora, o jantar
poderia esperar, mas o vinho não. Eu precisava de uma taça de vinho.
Não senti nenhuma sensação de perda, nem mesmo arrependimento.
Isso era ruim? Eu era ruim? É possível que sim. Mas ele havia me irritado.
– Deus, por que não fiz isso antes?
Parei na esquina da rua, aguardando o semáforo para pedestres, e tirei
do bolso a carta que havia recebido hoje de manhã. Eu já a havia lido uma
dúzia de vezes, mas queria relê-la. Só para ter certeza de que não estava
prestes a fazer papel de boba. Meus olhos rolavam sobre a carta enquanto
eu a lia.

Prezada Leana Fairchild,


Tenho o prazer de lhe oferecer uma oportunidade de emprego em nome do
Twilight Hotel. Para formalizar a aceitação desta oferta ou obter mais
detalhes, dirija-se à 444 5 th Avenue até às 19 horas.
Estamos ansiosos para recebê-la em nosso time.
Atenciosamente,
Basil Hickinbottom
Gerente

Receber ofertas de emprego não era algo incomum. Eu era uma Merlin
há dez anos. O Grupo Merlin representava a Rede de Inteligência da Liga
de Fiscalização da Magia. Éramos a polícia mágica, se você preferir, como
o FBI.
Eu dizia a Martin que trabalhava no turno da noite no pub local
McGillis em Greenwich Village. Ele nunca suspeitou de nada. Era evidente
que isso se devia à sua completa falta de interesse.
Eu já tinha ouvido falar do Twilight Hotel. Na verdade, toda
comunidade paranormal, incluindo bruxas, lobisomens, metamorfos ou
fadas conhecia esse hotel. Mas receber uma oferta de emprego deles era
incomum. Eu nunca havia trabalhado para eles. Nunca. E também não
conhecia ninguém que tivesse trabalhado lá. Pelo que eu sabia, eles eram
reservados e não gostavam de contratar, o que explicava a enorme
curiosidade que senti ao receber essa oferta de emprego.
Verifiquei meu celular: 18:15 p.m.
– Ainda tenho tempo.
Coloquei a carta de volta no bolso, ajustei minha bolsa no ombro e
continuei.
Minha pressão subiu com a empolgação. O episódio do pênis quebrado
de Martin foi esquecido, pois eu só tinha espaço para um pensamento em
meu cérebro. Toda bruxa sabia que o Twilight Hotel pagava bem. Talvez eu
pudesse finalmente comprar um carro. Isso não seria ótimo?
Talvez as coisas estivessem finalmente melhorando para mi…
Meu rosto se chocou abruptamente contra uma parede.
Só que essa “parede” tinha cheiro de almíscar e especiarias. Era um
cheiro agradável. Dei um passo para trás e pisquei para ver o rosto de um
homem bonito, com mandíbula quadrada e nariz reto, era o dono do peito
másculo que eu tinha acabado de atacar com meu rosto. Seus cabelos
escuros e ondulados cobriam seus ombros largos, e eram grisalhos nas
têmporas, o que só o tornava mais atraente. Ele era alto, do tipo que você
tinha que deixar a cabeça cair para trás para ter uma visão. E era uma vista e
tanto.
Ele era gostoso. E parecia estar precisando daquela taça de vinho mais
do que eu.
Seus olhos eram escuros e ardiam com uma intensidade que provocava
um desconforto visceral em mim. Eu também gostava disso.
Ele também não era humano. Essa parte ficou clara pela energia
paranormal que emanava dele. Dado o seu tamanho imponente, não restava
dúvida de que esse homem-fera atraente era um lobisomem. Posso apostar.
– Veja por onde anda! – rosnou ele, praticamente gritando, e olhando
para mim como se eu fosse a pessoa mais odiada de toda a cidade de Nova
York.
Você não é mais tão gostoso.
Estreitei os olhos.
– Eu faria isso se você não ocupasse tanto espaço – Ele parecia uma
fortaleza, foi isso que senti ao entrar de cara em seu peito, e talvez vinte
anos atrás, eu teria abaixado a cabeça e me afastado. Mas não fiz isso. A
vida me endureceu.
E eu tinha quebrado um pênis hoje. Estou com tudo!
O estranho olhou para mim, claramente não acostumado a ser desafiado.
Com aquele corpo, eu tinha certeza que ninguém ousava contestá-lo. O
mais provável é que se encolhessem.
– As ruas não pertencem a você – rosnou ele.
– Elas também não pertencem a você – Se ele estava esperando um
pedido de desculpas, ia ter que esperar muito tempo. Eu estava cheia de
pedir desculpas.
O homem-fera gostoso me observou por mais um instante.
– Você trombou em mim. Você não estava prestando atenção para onde
estava indo.
– Então você deveria ter saído do caminho – Eu poderia fazer isso a
noite toda. Bem, na verdade, não. Eu tinha que ir se quisesse aquele
emprego. – E por que você não o fez? A coisa mais galante a se fazer seria
sair do caminho quando me viu se aproximando.
Suas narinas se dilataram de raiva.
– Por que eu deveria sair do caminho para você? – Ele disse isso como
se o simples fato de estar ali significasse algo para mim, como se ele fosse
alguém que eu deveria conhecer, alguém de grande importância.
Até onde eu sabia, ele era um homem-fera rude e sexy. Isso era tudo.
– Claramente, você deixou seus bons modos em casa esta manhã – eu
disse a ele. Me recusava a olhar para seus lábios carnudos e sensuais. Ops,
tarde demais. Eu estava olhando. Que droga. Aqueles lábios eram muito
gostosos e combinavam com o resto do seu corpo gostoso.
– Você sempre anda por aí com a cabeça nas nuvens? É assim que
acontece um acidente. É assim que você é atropelada por um carro.
Levantei uma sobrancelha.
– Então o problema estaria resolvido, não é? – Por que ele ainda estava
aqui? Por que ele não ia embora?
O estranho me observou, seu olhar era intenso.
– Você não deveria estar andando por aí se não sabe para onde está indo.
Eu bufei.
– Olha, eu não preciso da sua permissão, amigo. Estou atrasada para
uma entrevista. Saia do meu caminho.
A confusão estava estampada naqueles olhos tão bonitos. Ele piscou e
depois se afastou. Meus olhos, movendo-se por vontade própria, seguiram
seu belo traseiro até que ele desapareceu em meio a uma multidão de
humanos que vagavam pelas ruas de Manhattan. Nenhum deles fazia ideia
de que um lobisomem andava entre eles, um lobisomem gostoso e mal-
humorado. No entanto, notei como os humanos se afastavam dele. Eles não
tinham a menor ideia do que ele era, mas até mesmo eles podiam sentir a
energia feroz, selvagem e imponente que emanava dele. Ele também tinha
uma vibração de alfa. E eu esperava nunca mais vê-lo novamente. Da
próxima vez, talvez eu não seja tão educada.
Soltei um longo suspiro e comecei a caminhar novamente, a irritação
me inundava. Meu corpo estava queimando, como se eu tivesse um calorão.
Essa não era exatamente a maneira calma e profissional que eu queria
apresentar na entrevista. Provavelmente eu estava com o rosto vermelho e
parecia nervosa, o que era verdade, mas não queria que o gerente soubesse.
Que se dane o lobisomem gostoso e sua bunda gostosa.
Assim que cruzei a East Thirty-Ninth Street, dei mais alguns passos e
me deparei com o número 444 da 5th Avenue.
A grande fachada de pedra calcária tinha acabamentos de arenito e o
projeto incluía telhados amplos com trapeiras, painéis de terracota entre as
colunas, áreas recuadas, varandas e grades. Tinha uma atmosfera gótica,
semelhante a um lugar onde Drácula teria vivido, e eu adorei. Acima das
portas duplas de vidro havia letras brancas grandes e brilhantes que diziam:
THE TWILIGHT HOTEL. A entrada principal tinha um arco de 2 andares
de altura na Quinta Avenida. Era uma besta gloriosa, todos os seus treze
andares imponentes.
Uma suave luminosidade envolvia a estrutura, criando um espetáculo de
cores cintilantes. Era um feitiço para evitar que os humanos pensassem que
poderiam se hospedar. Para eles, o prédio provavelmente pareceria apenas
um prédio abandonado, em ruínas, ou um prédio em construção, qualquer
coisa para fazê-los seguir em frente e esquecer rapidamente.
Meu coração batia forte no peito, como uma garota entrando no ensino
médio pela primeira vez. Limpei as palmas das mãos suadas na calça jeans
antes de alcançar a maçaneta.
Neste momento, percebi que não tinha lugar para ficar esta noite ou nas
noites seguintes. Basicamente, eu era uma sem-teto. Tudo o que eu tinha era
a bolsa em meu ombro. Mas eu daria um jeito. Sempre dava. Além disso, as
coisas não estavam tão ruins.
– Quebrei um pênis hoje – murmurei, orgulhosa de mim mesmo. – Nada
supera isso.
Pelo menos foi o que pensei.
Segurando a respiração, girei a maçaneta da porta e entrei.
2

A entrada conduzia a um hall e um saguão espaçoso, com tetos altos,


muitos elementos em vidro, uma paleta de cores em tons de cinza e
destaques vibrantes em vermelho. Um brilho translúcido se estendeu sobre
mim, e eu senti a familiar magia do feitiço de proteção. Para criar
proteções, você precisa de muita magia. Nem todos os bruxos ou magos
conseguiam criá-las, muito menos as tão complexas e com tanto poder que
protegiam um prédio inteiro.
A área era iluminada com uma luz suave e tinha todos os aromas
habituais de um hotel humano, como purificador de ar e muitos perfumes e
colônias misturados. Sofás e cadeiras cinza modernos foram colocados por
todo o espaço. A única diferença era a frieza da energia sobrenatural.
Os pelos da minha nuca se arrepiaram quando senti que estavam
olhando para mim. Olhei para o lado e deparei-me com grupo de
paranormais, observando-me de seus lugares com expressões de
curiosidade.
A adrenalina subiu imediatamente em meu corpo.
Um bruxo de cabelos pretos exibia sua magia fazendo seu celular pairar
e girar sobre a mesa, enquanto uma mulher ruiva batia palmas com
entusiasmo. Um grupo de bruxas mais velhas estava sentado no canto mais
afastado, seus cabelos brancos e grisalhos espreitavam por baixo dos
capuzes escuros, enquanto os dedos enrugados envolviam suas bebidas.
Bruxas das trevas? Provavelmente.
Enquanto eu caminhava, uma mulher alta e loira, vestindo uma jaqueta
de couro, abriu as narinas para me cheirar. Era uma lobisomem, o cheiro de
cachorro molhado era um sinal revelador.
Passei por um grupo de trolls que bebia cerveja, e mais adiante um
grupo de homens e mulheres paranormais ocupava lugares ao redor de uma
mesa onde copos repletos de um líquido marrom-escuro repousavam, eu
duvidava grandemente que fosse vinho. Sua boa aparência notavelmente
sobrenatural se destacava em meio aos demais. Eles tinham olhos negros,
dentes pontudos e roupas finas, eram vampiros. Seus rostos eram adoráveis,
porém ferozes. Eles sussurravam entre si, e eu não gostava da forma como
apontavam e olhavam para mim, como se quisessem saber o gosto do meu
sangue.
Senti um pico na minha pressão sanguínea enquanto me forçava a
manter o ritmo, que era mais uma marcha do tipo “vou te chicotear se você
chegar perto demais”. De jeito nenhum, eu mostraria a esses vampiros o
efeito que eles tinham sobre mim. Além disso, eu não queria causar uma
cena ou chamar atenção indesejada neste hotel.
O Twilight Hotel atendia a todos os paranormais. Não importava se
você era uma bruxa das trevas, um vampiro, um troll ou um lobisomem
renegado, o hotel lhe daria refúgio ou hospedagem, o que fosse essencial no
momento.
Parte de mim se sentia uma impostora, como se não pertencesse a este
lugar e isso fosse um grande erro. Talvez o hotel tivesse me confundido
com outra pessoa? Com minha sorte, tudo era possível.
No balcão no final do saguão havia um homem pálido de cabelos pretos
digitando em um tablet. Meu estômago estava agitado e eu me esforçava a
caminhar com confiança em direção a recepção feita de granito brilhante.
Eu não sabia por que estava tão nervosa. Esse não era meu primeiro
emprego.
Peguei minha carta e deslizei-a sobre a superfície do balcão de mármore
brilhante, depois, coloquei minhas mãos por trás dela para esconder meus
dedos trêmulos.
– Olá! Estou aqui para ver Basil – Eu já havia esquecido o sobrenome
dele. Dei uma olhada de relance na carta. – Basil Hickinbottom.
O homem usava um terno cinza escuro de três peças, caro e sob medida.
Um crachá escrito RECEPCIONISTA estava fixado na parte frontal do seu
terno. De perto, sua pele pálida era praticamente translúcida, e eu podia ver
as veias azuis em suas mãos finas enquanto ele digitava. Ele era magro e
um pouco mais baixo do que eu, e eu podia sentir as energias paranormais
que emanavam dele. Ele parecia ter mais ou menos a minha idade, mas era
difícil dizer quando se tratava de paranormais. Ele poderia estar na casa dos
quarenta anos tão facilmente quanto poderia estar na casa dos setenta.
O recepcionista continuou digitando em seu tablet e não olhou para
cima.
– Você deve fazer o check-in de todas as armas e de todos os objetos
mágicos relacionados a armas – disse ele com uma voz monótona. O leve
movimento de sua língua acinzentada me disse que ele era um metamorfo,
possivelmente um lagarto.
– Claro, não tenho nenhuma arma.
O recepcionista soltou um suspiro exasperado. Seus olhos claros
finalmente passaram por mim e pousaram na minha bolsa.
– Você não me ouviu? Você não fala inglês? Devo soletrar para você?
As armas são proibidas. Regras do hotel – Em seguida, ele apontou para
uma placa no chão em formato de A ao lado do balcão que dizia: O USO
DE ARMAS MÁGICAS OU NÃO É ESTRITAMENTE PROIBIDO.
Estreitei os olhos. Ele era um maldito baixinho irritante, mas eu não ia
deixar que ele me irritasse. Eu não ia estragar tudo.
– Eu já disse a você. Não estou portando nenhuma arma, mágica ou não.
Você pode me revistar se quiser – acrescentei com um sorriso e levantei os
braços.
O recepcionista exibia um semblante franzido, daquele tipo que parecia
estar eternamente marcado nas rugas de sua pele, como se ele o tivesse
adotado com tamanha regularidade que aquela fosse sua única expressão.
– Então, o que você tem na mala?
– Minhas roupas.
– Por quê? Você está saindo de férias?
Eu não iria falar sobre minha vida pessoal para um estranho rude.
– Estou aqui por causa do emprego. Fui solicitada para vir até aqui para
encontrar o Basil. Tenho uma carta comigo. – Deslizei minha carta
novamente.
Em um piscar de olhos, o recepcionista arrancou a carta de mim mais
rápido do que eu imaginava ser possível.
– Hum – Seus olhos percorreram minha carta. – Então, que tipo de
bruxa você é? Você é uma bruxa branca ou das trevas?
Lá vem.
– Nenhum dos dois.
O recepcionista me deu um olhar incisivo e largou a carta.
– Não é possível ser uma bruxa sem ser da luz ou das trevas.
Suspirei.
– Eu posso.
Ele bufou.
– Talvez você não seja uma bruxa. Talvez você seja apenas uma fada
perdedora que fará qualquer coisa para entrar no Twilight Hotel. É isso
mesmo, não é? Bem, tenho novidades para você. Não aceitamos lixo. Saia,
ou tomarei medidas para garantir sua expulsão.
E eu que imaginava que meu dia estava começando a melhorar.
– Eu não vou a lugar algum e não preciso me explicar para você –
Peguei minha carta de volta.
O recepcionista levantou a sobrancelha.
– E eu não tenho tempo para ouvir pessoas idiotas.
– Sério? – Minha raiva explodiu.
– Sério – desafiou o recepcionista.
– O que está acontecendo aqui? – disse uma voz atrás de mim.
Virei-me de costas para o balcão e vi um homem pequeno com um tufo
de cabelo branco e uma barba branca combinando. Seus óculos redondos
repousavam sobre seu nariz, ampliando seus olhos de forma anormal,
fazendo-o parecer uma coruja. Seu terno preto contrastava com a pele
branca, ele parecia uma versão em miniatura do Papai Noel de terno, e tinha
o olhar firme de um homem que sabia das coisas. A etiqueta em sua jaqueta
dizia GERENTE.
– Basil? – eu adivinhei. Uma onda de energia familiar me atingiu,
desencadeando uma sensação de formigamento em minha pele. O aroma de
pinheiro, terra úmida e folhas misturadas com um prado de flores silvestres
veio ao meu encontro, o aroma das bruxas da luz.
Quando ele fez um leve aceno de cabeça, acrescentei:
– Sou Leana Fairchild. Estou aqui por causa da oferta de emprego –
Meu estômago se revirou novamente e me esforcei para evitar que meu
rosto demonstrasse meu nervosismo.
O gerente do hotel pareceu relaxar um pouco com a menção do meu
nome.
– Você é a bruxa. A Merlin?
– Sim – Olhei por cima do ombro e sorri para o recepcionista furioso.
Depois, voltei minha atenção para o gerente e puxei minha bolsa para a
frente. – Trouxe minha identificação, se você quiser ver.
Basil, o gerente, colocou as duas mãos na frente dele.
– Isso não será necessário – disse ele. – Você está contratada.
Levantei as sobrancelhas.
– Uh... ok, ótimo. Obrigada. Você pode me falar um pouco sobre o
trabalho? – Eu nunca havia sido contratada tão rapidamente antes. Devia ser
um recorde.
Os olhos de Basil se arregalaram quando ele olhou por cima do ombro
e, em seguida, inclinou-se para a frente e disse em voz baixa:
– Tivemos dois assassinatos no hotel. Você está aqui para investigar,
para encontrar os responsáveis.
– Está bem.
– Isso é muito ruim para os negócios, muito ruim. Não queremos
alarmar os hóspedes. – Basil olhou em volta novamente, com os ombros
tensos, como se temesse ser ouvido.
– Você pode me contar sobre os assassinatos? – Quando os olhos de
Basil se arregalaram ainda mais com o tom alto de minha voz, eu a abaixei
e continuei: – Quem eram as vítimas?
– Ambos são hóspedes e, até onde sabemos, eles não têm nenhuma
ligação – respondeu Basil. Ele olhou para cima e sorriu para um casal que
passava, cuja aparência requintada os rotulava como vampiros. – Mas é
para isso que você está aqui – Vi o recepcionista se inclinar para ouvir. –
Descobrimos o primeiro corpo há três semanas e o segundo na semana
passada. Isso aconteceu nos andares dois e quatro. Quartos dois zero dois, e
quatro zero quatro. Os corpos foram removidos, mas deixamos os quartos
intocados.
– Como eles foram mortos?
Basil se virou para o recepcionista.
– Errol. Dê a ela o arquivo, por favor.
Errol olhou irritado para o bruxo.
– Eu não sou um servo.
– O arquivo, agora! – rosnou Basil. – Não me provoque, Errol. Hoje
não.
A princípio, eu não tinha certeza de que Errol pegaria o arquivo
solicitado, mas ele se abaixou atrás do balcão, pegou uma pasta e a jogou
para mim.
Eu peguei o arquivo.
– Obrigada, Errol – sorri para ele enquanto ele fazia uma careta. –
Tenho a sensação de que seremos grandes amigos.
– Eu preferiria cortar meus pulsos – esbravejou Errol.
Eu ri ao abrir o arquivo. Lá dentro, encontrei cópias de faturas e
informações pessoais das vítimas. Meus dedos pararam nas duas fotos, um
homem e uma mulher. Ambos estavam cobertos de sangue e com
ferimentos severos por todo o corpo. Um buraco grande e horrível estava
logo abaixo das costelas do homem.
– Parece que lhe faltam alguns órgãos.
A mulher tinha vinte e poucos anos e estava em ótimas condições
físicas. Bem, antes de ser morta. Era difícil dizer o que os matou só de olhar
as fotos.
Basil inclinou-se para se aproximar.
– Devo insistir na sua total discrição – disse ele, dando um sorriso breve
para um homem idoso que passava pelo balcão, parecendo estar tentando
escutar. – Toda essa… situação é ruim para os negócios. Não podemos
arriscar que os hóspedes descubram. Talvez tenhamos que fechar o hotel se
eles não se sentirem seguros aqui.
– Sério?
– Ninguém vai querer se hospedar no hotel se acreditar que será
assassinado enquanto dorme.
– Bem observado. E quanto ao salário? – Por experiência própria,
aprendi a nunca concordar ou iniciar um trabalho sem um contrato
assinado.
Basil tirou um envelope de dentro de sua jaqueta.
– Aqui está. Este é o pagamento de uma semana. Depois disso, você
receberá a mesma quantia toda semana até que o caso seja resolvido.
Abri o envelope e contei mil em dinheiro.
– Se eu aceitar o trabalho, você pode me dar um quarto? – Percebi que
depois de quebrar o pênis de Martin eu estava em desvantagem. Eu não
tinha onde morar. – Talvez seja útil estar por perto – Em parte era verdade,
mas eu precisava realmente de um lugar para ficar por um tempo.
Basil acenou com a cabeça.
– Tenho um apartamento vago no andar de nossos residentes. Você pode
ficar lá até terminar o trabalho.
Ótimo. Um problema resolvido.
Observei quando Basil foi para trás do balcão e pegou algo na prateleira
mais baixa. Depois, ele voltou e me entregou uma chave com uma etiqueta
verde.
– Você ficará no décimo terceiro andar. Apartamento mil trezentos e
doze.
– Obrigada – Guardei minha nova chave no bolso.
– E então? Você vai aceitar o emprego? – perguntou Basil. Ouvi Errol
murmurar alguma coisa, mas não consegui captar o que ele disse.
Dobrei o arquivo e o coloquei debaixo do braço.
– Claro. Sim. Sim, eu vou.
– Bom. Isso é bom – Basil soltou um suspiro e disse: – Porque
acabamos de encontrar outro corpo.
3

O bservei o corpo de um homem no chão, próximo aos destroços de uma


mesa de centro de madeira. Ele estava deitado em uma poça de sangue,
vísceras e pedaços de roupas. As nuances de cabelos grisalhos nas têmporas
misturadas com o castanho indicavam que ele tinha cerca de quarenta anos.
Sua camisa estava um pouco apertada demais e suas calças um pouco curtas
demais. Seu corpo estava em posição fetal e, pela careta ainda visível em
seu rosto, eu diria que ele morreu com uma dor excruciante.
Soltei um suspiro.
– Quem fez isso com você?
Ajoelhei-me ao lado dele. Respingos de sangue manchavam o carpete
cinza-claro, e havia mais sangue sob seu peito. A luz do teto refletia em seu
tórax, e eu podia ver marcas de dentes. Eles eram afiados o suficiente para
triturar o osso… alguém teria que ter mandíbulas fortes para quebrar ossos
assim. Só podiam ser da comunidade paranormal.
A julgar pelos cortes e muitas outras lacerações profundas no corpo,
parecia que ele havia morrido da mesma forma que as outras vítimas do
hotel. Como as armas eram proibidas no hotel, eu só poderia concluir que o
assassino usou algo inato a ele, como suas garras ou seus dentes. Também
poderia ser uma maldição. Eu já tinha ouvido falar de algumas maldições
bem sombrias que podiam imitar uma arma tradicional do tipo uma faca,
capaz de rasgar seu corpo em pedaços.
Mas eu precisaria ter certeza se quisesse resolver o caso ou seguir em
frente. Para isso, eu teria que usar minha própria magia.
Eu não precisava esconder minha magia. Mas eu simplesmente não
tinha mais paciência para explicar como minha magia era diferente. Minha
mãe e minha avó me alertaram desde muito jovem para que eu tentasse
mantê-la em privado, para evitar os olhares e os problemas que pareciam
me perseguir por eu ser diferente. Mesmo no mundo paranormal, as pessoas
temiam coisas que não entendiam ou que lhes eram estranhas.
Olhei para a janela, contemplando o céu de azul profundo que
gradualmente se tornava mais escuro. Eu ainda tinha cerca de duas horas
antes do pôr do sol, portanto, não podia usar toda minha reserva de magia,
apenas parte dela.
Mas talvez seja suficiente para isso.
Respirei fundo, conectei-me com meu eu interior e guiei as emanações
de energia para além dos limites celestiais.
Imediatamente, fui atingida por uma energia fria e latejante que vinha
do corpo, seguida por um leve cheiro de enxofre e algo muito mais sombrio
e sinistro.
– Você é uma bruxa das trevas ou possivelmente uma bruxa branca –
murmurei. Ele havia praticado magia aqui antes de morrer. Isso estava
claro. Mas eu não estava recebendo nenhum sinal claro de que tipo de
paranormal fez isso. Poderia ser um lobisomem enlouquecido ou um
homem urso. Seja qual for o caso, ele era extraordinariamente forte para
conseguir fazer isso com o corpo e ainda contornar a magia dos Merlins.
Quem poderia fazer isso?
Vi bolhas em sua pele através de um buraco na camisa, e mais em seu
braço. Ele havia lutado. A sala estava destruída e parecia ter sido atingida
por uma bomba. Cadeiras e mesas estavam viradas, enquanto copos
destroçados e pratos de cerâmica, ainda com comida, jaziam espalhados
pelo chão. O ar fresco penetrava por uma janela quebrada sobre marcas
pretas que marcavam as paredes cinza-claro, e a montanha de penas,
espuma e tecido espalhada pelo chão tinha sido um sofá em algum
momento.
– Sinto muito que você tenha morrido assim – Fiquei triste com a morte
do bruxo em seu auge. Isso só aumentou ainda mais meu desejo de resolver
esse caso.
Verifiquei seus bolsos, mas não encontrei nada, nem mesmo sua
identificação. Que estranho. Talvez Basil a tenha levado. Eu falaria com ele
mais tarde. Eu precisava do nome desse bruxo para continuar minha
investigação. Será que ele conhecia as outras duas vítimas? Ele morreu no
sexto andar, enquanto nos andares dois e quatro ocorreram as mortes dos
outros. Qual era a conexão? Por que ele foi morto? Quem era ele?
Ficou claro que quem fez isso tinha conhecimento de uma magia
poderosa.
Fiquei de pé e peguei meu celular para começar a tirar fotos.
– Você é a nova Merlin?
A voz fez minha cabeça girar e encontrei um homem alto e bonito
encostado no batente da porta do quarto 601, que eu me lembrava
perfeitamente de ter fechado.
Uma camiseta preta justa revelava músculos fortes e um corpo em
forma. Ele não era tão forte e musculoso quanto o homem-fera rude que eu
havia encontrado antes, mas tinha um porte mais atlético, como um
nadador. Seu cabelo castanho-claro era curto nas laterais e mais comprido
em cima, um corte moderno. Seu rosto bonito exibia um sorriso presunçoso,
do tipo que sabia que ele era agradável aos olhos e estava acostumado à
admiração de mulheres de sangue quente. E eu jurava que podia ver um
brilho em seus olhos.
– Sou – respondi, perguntando-me quem diabos ele era. Mas não estava
sentindo vibrações de “assassino” vindo dele. Parecia mais que ele estava à
espreita em busca de sexo casual, mas isso não explicava porque ele estava
aqui.
Quando respondi, o belo homem entrou na sala e se aproximou de mim
mais do que eu achava confortável.
Franzi a testa.
– E você é? – Eu teria que dar uma joelhada em seu traseiro se ele
chegasse mais perto.
Fui surpreendida por sua proximidade, pelo cheiro de sua loção pós-
barba e por uma leve mistura de pinheiros e terra. O cara era um bruxo da
luz.
O gostosão me deu um sorriso que teria feito as mulheres solteiras
jogarem suas roupas íntimas nele.
– Legal – disse ele, revirando os olhos para mim. – Nunca pensei que os
Merlins pudessem ser tão bonitos.
O calor percorreu meu pescoço subindo até meu couro cabeludo. Eu não
era imune a rostos bonitos. Mas eu sabia que eles eram um problema do
qual eu deveria evitar. Além disso, eu tinha um trabalho a fazer, e esse cara
estava no meu caminho.
Pigarreando eu perguntei:
– O que você está fazendo aqui? – Não gostei do fato de ele não ter se
incomodado com o bruxo morto a nossos pés. Quem diabos era esse cara?
– Você é casada? – insistiu ele. – Não? Tem namorado? Namorada?
– Deixe-a em paz, Julian – disse uma segunda voz vinda da porta.
Desviei o olhar do bruxo chamado Julian e vi uma mulher mais velha
entrando na sala. Mais uma vez, sem ser convidada. Mais uma vez, sem
parecer nem um pouco traumatizada com o morto a nossos pés.
Seus cabelos ruivos bagunçados se enrolavam até os ombros. Seu rosto
bronzeado e envelhecido sugeria que ela gostava de passar o tempo ao ar
livre, enquanto seus olhos azuis exibiam rugas ao redor, e seus lábios eram
delicados e finos. Ela aparentava ter uns sessenta e poucos anos e usava
uma saia longa de brim, tamancos, e um colar longo com um pingente sobre
a blusa verde que ela dobrou nos cotovelos.
Ela se aproximou de nós passando por cima do bruxo morto. Piscando
para mim, ela sorriu.
– Eu sou Elsa – Ela empurrou Julian para trás, afastando-o de mim com
força. Gostei dela imediatamente. – Não se importe com ele. Ele está
simplesmente excitado, dominado por aquela coisa entre suas pernas. Ele é
irritante, mas inofensivo – Ela colocou as mãos nos quadris enquanto me
observava. Suas bochechas se iluminaram em um tom rosado enquanto ela
exibia um sorriso caloroso e acolhedor, que parecia quase familiar.
Julian riu.
– Depende do que você define como inofensivo.
– Eu disse a você, irritante – repetiu Elsa, com um sorriso largo.
– E ela é a viúva chata que gosta de manter o marido morto por perto –
Julian tocou em seu peito, olhando para o pingente preso no pescoço de
Elsa.
Ao inspecionar melhor, eu vi que não era um pingente, mas um
medalhão de latão antigo, uma forma de joia de luto vitoriana. Credo! Era
um pedaço de seu falecido marido? Eu sabia que algumas bruxas
guardavam uma mecha de cabelo de seus parceiros falecidos. Só que eu
nunca havia conhecido uma pessoalmente.
Elsa revirou os olhos como se isso não fosse novidade ou digno de
menção.
– Então, você é a nova Merlin, não é?
A mesma onda de energia que percebi em Julian me atingiu. Ela
também era uma bruxa branca.
Senti-me relaxar um pouco. Evidentemente, esses dois não tinham a
intenção de me machucar, mas sim de se intrometerem.
– Sim, eu sou Leana – Meu olhar foi do sorriso de Elsa para o sorriso de
Julian.
– Por que vocês estão aqui exatamente? Foi Basil que mandou vocês? –
A irritação provocou uma sensação desconfortável em meu estômago.
Talvez o gerente tenha pensado que eu precisaria de ajuda no departamento
de bruxaria.
– Basil? Meu Deus, não! – riu Elsa. – Viemos ver se você precisava de
nossa ajuda.
– Certo – Voltei a olhar para eles. Elsa estava brincando com o pingente
em seus dedos, e Julian vasculhava as gavetas do bruxo morto, pegando
suas roupas, cheirando-as e colocando-as de volta.
Parte de mim queria dizer a eles que fossem embora. Mas eles eram do
tipo intrometido, e esses tipos sabiam de coisas. No momento, eu estava em
busca de informações.
– E aí? – Elsa esfregou as mãos uma na outra. – O que podemos fazer
para ajudar?
Meus olhos se voltaram para o bruxo morto.
– Pelo que entendi, Basil quer manter isso em segredo. Então, minha
pergunta é: como vocês sabiam que havia um cadáver aqui?
– Lisa me contou – disse Julian, voltando para se juntar a nós.
Diante do meu olhar de interrogação, Elsa acrescentou:
– Ela é uma das muitas camareiras do hotel com quem nosso rapaz aqui
está dormindo. Pensando bem, acho que ele já ficou com todas.
Olhei para Julian e ele me deu um sorriso largo.
– O quê? É tudo consensual.
Aí Jesus. Mas não pude evitar o sorriso que se desenhou em meus
lábios.
– Ela o encontrou esta manhã – continuou Elsa. – Ele morreu em uma
poça de seu próprio sangue.
Algo me ocorreu.
– Você me chamou de nova Merlin. Havia algum Merlin antes de mim?
– Achei estranho que Basil contratasse um estranho quando o hotel tinha
Merlins trabalhando para eles. Se ele queria manter as mortes discretas, por
que contratar um estranho?
– Sim – disse a bruxa mais velha. Ela acariciou o pingente, enquanto
seu rosto se contraiu em reflexão. – Eddie, alguma coisa. Ou seria Franky?
Não consigo me lembrar.
– Onde ele está e por que não está aqui? – Não gostei do fato de Basil
ter decidido esconder essa informação de mim. Talvez esse outro Merlin
estivesse de férias. De qualquer forma, ele deveria ter me contado.
Elsa acenou com a cabeça na direção do bruxo morto.
– Você está olhando para ele.
Minha boca se abriu.
– Você quer dizer…
– Ele é o cara morto – disse Julian. – Pobre coitado. Eu ia ajudá-lo a
marcar um encontro com Danielle, que está hospedada no segundo andar.
Ela é uma raposa bonita e bem torneada.
Franzi a testa ao olhar para Eddie, Franky, qualquer que fosse seu nome.
Isso explicava porque Basil estava com pressa de me contratar. Eu teria uma
conversa com aquele bruxinho mais tarde.
O Merlin que estava trabalhando no caso estava morto. Isso não era
bom. Significava que quem o matou era mais poderoso ou ele havia sido
pego de surpresa.
Que droga. Eu deveria ter pedido mais dinheiro.
– Parece que Eddie chegou perto demais e foi morto por isso – disse
Elsa, passando os dedos sobre seu pingente.
– Acho que o nome dele era Franky – disse Julian. – Sim. Sem dúvida
era Franky.
Acenei com a cabeça.
– É isso que eu acho – Fazia sentido. O bruxo havia definitivamente
descoberto algo. Mas o quê?
Julian se apoiou na parede e cruzou os braços.
– Você é de Nova York?
Balancei a cabeça.
– De uma pequena cidade em New Hampshire. Mudei-me para cá há
cerca de quinze anos com meu marido, que em breve será meu ex-marido,
assim espero.
Os olhos de Elsa se arregalaram.
– Isso parece uma boa notícia para você. Estou sentindo um pouco de
raiva em seu tom. Ele fez alguma coisa para você? O que foi?
– Ele me traiu – respondi, achando estranho o fato de eu ser tão aberta
com eles sobre meu relacionamento. Eu guardaria os detalhes sangrentos
para mais tarde. – Só quero me divorciar e seguir com minha vida. Ele é
humano. Não sei quanto tempo isso vai levar.
O rosto de Elsa se iluminou.
– Eu posso ajudar você com isso. Tenho amigos no sistema jurídico
humano. Se você me der todas as informações sobre ele, posso conseguir o
divórcio em duas semanas devido à traição, e nós, paranormais, mexemos
os pauzinhos para coisas assim.
Percebi uma onda de tensão se dissipando de dentro de mim.
– Sério? Isso seria ótimo – Ótimo? Isso seria fenomenal.
– Então, onde você mora? – perguntou Julian, com os olhos na bagagem
de mão que eu havia colocado no chão ao lado da entrada. – Você não tem
lugar para morar?
Suspirei.
– Aqui, por enquanto. No décimo terceiro andar, até que eu encontre
alguma coisa, eu acho.
Elsa bateu palmas com entusiasmo.
– Nós também moramos no décimo terceiro andar. Somos vizinhas! Isso
não é incrível? Mal posso esperar para apresentar você aos outros. A Jade
vai adorar você!
Julian deu de ombros.
– O hotel não quer que nos misturemos com os hóspedes. Disseram-nos
para não fazer isso, mas nunca damos ouvidos a eles – Ele exibiu um
sorriso de um milhão de dólares. – É assim que consigo todos os meus
encontros.
A ideia de ficar sozinha com uma garrafa de Merlot e meus
pensamentos não pareciam tão boa no momento.
Os barulhos de passos chamaram minha atenção para a porta. Um grupo
de três homens e uma mulher vestidos com ternos pretos, óculos escuros e
munidos de pastas médicas entrou na sala.
– Ora, ora, ora. A equipe de limpeza chegou – disse Julian, olhando para
a mulher.
Basil havia mencionado que um grupo viria para levar o corpo
discretamente. Não tenho certeza como eles fariam isso. Por que primeiro,
como você remove um corpo discretamente? E segundo, eles pareciam
fazer parte de um remake dos Homens de Preto. Eles não eram nada
discretos.
Com os braços cruzados, observei a equipe de limpeza tirar algumas
fotos e catalogar a cena do crime antes que um dos homens pegasse um
frasco de vidro e despejasse o líquido sobre o corpo. Uma súbita sensação
de energia percorreu minha pele. E então, Eddie, Franky se levantou do
chão em sua posição fetal, e pairou no ar.
Magia. Esses caras eram bruxos. Ou, pelo menos, aquele era.
Em seguida, a mulher espalhou um pouco de pó branco sobre o bruxo
morto, e murmurou palavras que não consegui captar. A energia sibilou e
permeou o ar, como se o poder supremo e a magia tivessem sido extraídos
em uma névoa invisível. O pó branco aumentou e se espalhou pelo corpo
até ele desaparecer. Oh! Ela havia lançado algum feitiço de invisibilidade.
Que droga. Eu gostaria de poder fazer isso.
– Exibidos – murmurou Elsa, com o rosto enrugado em uma carranca.
Mas eu estava seriamente impressionada. Fiquei ainda mais
impressionada ao ver os três membros da equipe de limpeza saírem da sala,
com um fio branco fino e translúcido preso à mão da bruxa enquanto ela
puxava o corpo flutuante atrás dela.
O corpo pode ter desaparecido, mas meu trabalho estava apenas
começando.
– Quem é essa? – Uma mulher estava parada na porta onde a equipe de
limpeza havia desaparecido há pouco. Seu cabelo loiro era frisado,
volumoso e duro, como se ela tivesse usado uma lata inteira de spray de
cabelo. Seus olhos estavam delineados com sombra azul e um batom rosa
brilhante cobria seus lábios. Ela parecia a Cindy Lauper com uma meia-
calça preta arrastão, uma saia branca com babados e uma jaqueta jeans
curta. Seus braços estavam envoltos com pulseiras de plástico brancas e
pretas. Não consegui adivinhar sua idade. Ela parecia mais velha do que eu,
porém mais jovem do que Elsa. Ela era evidentemente fixada na década de
80, e nutria uma grande afinidade pela música e moda daquela época.
– Essa é Leana, a nova Merlin – respondeu Julian, dando-me um sorriso
orgulhoso.
Os olhos da mulher se arregalaram.
– Você tá brincando.
Virei-me para Elsa.
– Quem é ela?
Elsa piscou para mim.
– Essa é a Jade. Aquela de quem eu falei. Ela é uma de nós.
– Nós?
– Parte da gangue. A gangue do 13º andar – respondeu Elsa, como se
isso explicasse tudo.
– Certo – Voltei a olhar para Jade, que sorria abertamente e me encarava
como se eu fosse um de seus cantores favoritos de uma de suas bandas de
rock dos anos oitenta.
Me encolhi quando Elsa passou o braço em volta do meu de repente.
– Vamos lá. Vamos terminar isso com um pouco de comida. E um lugar
confortável para eu descansar meu traseiro enquanto conversamos. Eu,
particularmente, acho que precisamos conversar.
Levantei uma sobrancelha.
– Precisamos?
– Sim – disse Elsa. – Há muita coisa que você não sabe sobre esse hotel.
Rumores. Você é nova, então não é culpa sua, mas você precisa de nós.
– Ela tem razão. Você precisa de nós – concordou Jade da porta.
– Eu preciso de vocês? Como assim?
Elsa bateu em meu braço.
– Precisamos contar a você o que sabemos. Confie em mim. Você vai
gostar de saber.
Eu sabia que ela estava certa.
– Claro.
– Ótimo. Vamos comer – Elsa me arrastou com ela. – E nós contaremos
tudo a você.
Peguei minha bolsa e deixei que ela me puxasse para fora da porta com
Julian e Jade atrás de nós.
Em poucas horas, eu havia quebrado um pênis, sido contratada para um
novo emprego e me deparei com um cadáver recém-morto.
O dia estava ficando interessante.
4

N ão fomos muito longe. Na verdade, eles me levaram a um restaurante


com um toldo cinza ao lado do hotel. A placa logo abaixo dizia AFTER
DARK.
A porta do restaurante bateu atrás de nós quando entramos no saguão. O
local abrigava um interior moderno com cadeiras e mesas em tons de cinza
escuro em uma sala de conceito aberto com tetos de 3 metros, vigas e canos
expostos. As grandes janelas na fachada permitiam a última luz da noite.
Dois homens e uma mulher paranormais, vestidos de terno, estavam
parados no saguão sussurrando entre si. Eles olharam para cima quando
passamos por eles e depois voltaram para a conversa que estavam tendo.
– Mesa para quatro? – disse a jovem morena alegre, de camisa branca e
saia preta curta, que nos cumprimentou na entrada.
– A menos que você queira se juntar a nós? – ronronou Julian, parte de
mim queria tirar aquele sorriso do rosto dele.
– Sim. Quatro, por favor – eu disse, assumindo a liderança.
A anfitriã sorriu para mim. Ela piscou e, por um breve momento, as
pupilas de seus olhos cor avelã se dilataram e se estreitaram, assemelhando-
se aos olhos de um felino. Ela piscou novamente e seus olhos humanos
voltaram.
– Você vai adorar aqui – disse Jade sorrindo. – A comida é incrível.
Olhei em volta, reconhecendo as energias familiares de todos os tipos de
vida paranormal. Parecia que o restaurante atendia a nós, paranormais,
como o Twilight Hotel, mas eu não senti uma vibração de feitiço quando
entramos.
Seguimos a bela anfitriã até uma mesa no meio do restaurante, enquanto
Julian se aproximava um pouco demais dela.
Um garçom veio correndo em nossa direção, passando habilmente por
um mar de mesas e cadeiras com uma bandeja debaixo do braço.
Ele correu na direção de Jade, esperando que ela saísse do caminho.
Quando ela não se mexeu, ele lhe lançou um olhar irritado e rosnou:
– Mexa-se, aberração.
Jade estremeceu como se tivesse levado um tapa. Seu rosto
empalideceu, e seu sorriso desapareceu.
Um fogo de raiva começou a queimar dentro de mim. Não sei porque,
mas subitamente me vi tomada por um forte instinto de proteção em relação
a ela. Eu queria pegar a bandeja dele e esmagá-la em sua cabeça. Duas
vezes. Não, cinco vezes.
O garçom soltou um suspiro frustrado e contornou uma Jade atônita e
envergonhada.
– Ignore-o – eu disse. – Pessoas como ele não valem seu tempo.
Jade me deu um sorriso breve enquanto arrastava uma cadeira e se
sentava. Suas bochechas estavam coradas e ela havia perdido o brilho.
Olhei para Julian e Elsa, cujos rostos refletiam minha raiva.
Puxei minha cadeira e me deixei cair nela, percebendo como estava
exausta, não fisicamente, mas mentalmente. E, às vezes, isso era pior.
– Preciso de uma taça de vinho – eu disse.
– Vou pedir ao garçom que traga a você uma garrafa do vinho da casa –
disse a anfitriã. – Tinto ou branco?
– Tinto – interveio Elsa. Ela olhou para mim e disse: – Eu sei que você
prefere tinto.
Era verdade. Mas como ela sabia disso?
– Aquele garçom não – instruí a anfitriã, apontando para o idiota do
outro lado do restaurante. – Outra pessoa.
– É claro – respondeu ela, se afastando.
Observei enquanto Julian inclinava a cabeça para ver melhor a bela
anfitriã se afastando.
Ele me viu olhando para ele.
– Vou voltar para casa com ela no final do jantar. Eu garanto.
Tentei não sorrir, mas meus lábios traidores se curvaram. Estava
começando a gostar dele.
– Então – eu disse, inclinando-me para a frente e olhando para os meus
novos amigos. Eles realmente eram meus amigos? Acho que logo eu
saberia. – O que eu preciso saber sobre o hotel?
Elsa entrelaçou os dedos sobre a mesa.
– Bem, para começar, ele é assombrado.
Jade riu, mas não disse nada.
– Está bem. O que mais? – Um hotel paranormal assombrado não era
novidade para mim. Fantasmas e espíritos eram atraídos pelas coisas
sobrenaturais. As energias que emitimos são cem vezes maiores do que a de
um ser humano comum. Fazia sentido que eles frequentassem esses tipos de
hotéis.
Julian se recostou em sua cadeira.
– Ela quer dizer que acha que um fantasma está matando as pessoas.
– Um fantasma? – Olhei fixamente para a bruxa. – Pelo que posso dizer,
a última vítima foi morta por força bruta. Algo poderoso. Os fantasmas não
têm força física. Eles não têm corpos. Você precisa ter um corpo físico para
matar alguém assim – Pelo menos foi o que pensei. Mas eu poderia estar
errada.
– Não necessariamente – continuou a bruxa mais velha. – Alguns
fantasmas ou poltergeists têm a capacidade de manipular objetos físicos.
Eles podem matar se quiserem.
Observei a bruxa por um momento.
– Você acha que um fantasma matou os hóspedes e o Merlin?
Elsa arregalou os olhos.
– Eu acho e eu sei.
– Disse a bruxa que ainda fala com o marido como se ele estivesse vivo
– disse Julian, cruzando os braços.
Elsa corou.
– Você nunca entenderá o amor verdadeiro. Tudo o que você faz é
transar e ir embora antes que sua vítima acorde – ela rebateu.
Jade apontou o dedo para Julian e suas pulseiras de plástico fizeram
barulho em seu pulso.
– Ela pegou você em cheio, garanhão – Ao notar meu olhar em sua
direção, ela sorriu. Fiquei feliz por vê-la sorrindo novamente.
Julian balançou a cabeça.
– O amor é complicado. Além disso, não sou egoísta. Gosto de
compartilhar, compartilhar meu corpo com as moças. Por que elas não
deveriam experimentar o Julian?
Revirei os olhos e olhei para Elsa à minha frente.
– Certo, digamos que um fantasma esteja matando essas pessoas. Você
tem uma explicação para isso?
Elsa pegou seu guardanapo de algodão e começou a dobrá-lo.
– Ainda não. Mas isso explica por que ninguém viu o assassino entrar
ou sair do quarto. Você pode pedir ao Basil para mostrar-lhe a gravação das
câmeras. Você só vê os hóspedes entrando e saindo de seus quartos.
Ninguém mais. É uma teoria que faz sentido.
– É uma teoria idiota – respondeu Julian.
Elsa cerrou os dentes.
– Você tem uma teoria melhor? Desembucha.
Julian deu de ombros.
– Acho que tem algo a ver com sexo. Um marido ou uma esposa foram
pegos traindo. Então, eles foram mortos. Isso acontece o tempo todo.
Como quebrar um pênis.
– É verdade. Mas isso não explica por que eles mataram o Merlin. E por
que duas mortes tão próximas uma da outra? Qual é a conexão? O que
Eddie ou Franky descobriu? Foi por isso que ele foi morto?
– Ele encontrou o fantasma responsável – disse Elsa. – E ele o matou.
– Que fantasma? – disse uma voz grave e masculina.
Olhei para cima e vi uma expressão intrigada em um rosto bonito que
pertencia a um homem musculoso, alto e viril, com tatuagens aparecendo
por baixo da manga de um braço. Seus olhos escuros me fizeram imaginar
que tipo de amante ele era na cama.
Meu coração bateu em meu peito como um carro batendo em uma
parede de cimento.
Que merda. Era o homem-fera que eu havia trombado antes. Ele me
olhou fixamente, sem se preocupar em esconder a irritação em sua
expressão.
Meus olhos se voltaram para suas mãos grandes. Ele segurava quatro
copos em uma mão e uma garrafa de vinho tinto na outra.
– Você trabalha aqui? – perguntei.
– Às vezes – ele rosnou. A mesma carranca voltou quando ele colocou
cuidadosamente nossas taças de vinho na mesa, cortou o papel alumínio sob
a borda da garrafa e começou a girar o saca-rolhas. – O que você está
fazendo aqui? – perguntou ele, como se eu não tivesse permissão para estar
aqui, como se eu devesse ter pedido sua permissão.
A raiva tomou conta de mim.
– Não é ilegal sair para jantar nesta cidade. Meus amigos e eu queremos
nos sentar e desfrutar de uma boa refeição. Você tem algum problema com
isso? Ou eu não tenho permissão para andar pelas ruas, ou sentar e comer?
O homem-fera tirou a rolha da garrafa e despejou um pouco de vinho
em minha taça. – Prove.
Franzi a testa.
– Você também está me dando ordens? Uau. Cheio de si e mal-educado.
Que maravilha.
Jade respirou fundo entre os dentes, percebi Julian se remexendo na
cadeira enquanto Elsa acariciava seu pingente.
– Você precisa provar o vinho – disse o homem-fera, com a voz baixa e
perigosa. – Se você não gostar, posso pegar outra garrafa.
O calor saiu para o meu couro cabeludo. Eu sabia que meu rosto
provavelmente estava vermelho. O que havia nesse cara que fazia meu
sangue ferver?
– Tudo bem – Peguei a taça e tomei um gole, sem me preocupar em
girá-la algumas vezes ou cheirá-la, como deveria. Mas, para minha
surpresa, o vinho estava delicioso. Um equilíbrio perfeito de álcool e frutas
doces.
– Está bom – Engoli e coloquei meu copo de volta na mesa, observando
enquanto ele o enchia e depois continuava a encher os copos dos outros.
Ele colocou a garrafa em nossa mesa.
– Pedirei a outro garçom que venha anotar os pedidos de vocês em
alguns minutos.
– Ótimo. Faça isso – A última coisa que eu queria era que minha
refeição fosse arruinada por esse lobisomem mal-humorado. Eu já estava
farta de homens e seus dramas por uma noite. Eu queria um tempo para
desestressar com um pouco de vinho e não ter que lidar com esse cara.
Os músculos ao redor dos ombros do homem-fera estalaram e mexeram.
Foi uma bela exibição, mas eu estava ansiosa para que ele fosse embora.
Ele me observou por mais um segundo, tempo demais para ser considerado
educado, e depois se afastou.
Eu ri baixinho e peguei minha taça de vinho.
– Ainda levo jeito. O quê? – perguntei, olhando para meus novos
amigos, que me olhavam como se eu tivesse acabado de tirar a roupa e
decidido andar nua pelo restaurante.
– Você tem muita coragem – disse Julian, balançando a cabeça para
mim. – Isso ou você é louca.
– Já me disseram as duas coisas – eu disse, ainda sorrindo. – O quê? Por
que vocês estão todos olhando para mim como se eu tivesse perdido o
juízo?
– Ele é o dono – Jade se inclinou sobre a mesa, falando baixinho. Seus
lábios sugeriam que ela estava segurando um riso nervoso. – Valen.
Meu estômago se agitou. Que bom! Agora eu tinha acabado de fazer um
inimigo em um possível ponto de encontro.
– Ele é sempre tão agradável assim?
– Pior – Julian me observou com uma expressão curiosa. – Você o
conhece? Eu meio que tive a sensação de que você o conhecia.
Balancei a cabeça.
– Não – Não, a menos que você conte com o fato de eu ter trombado
com ele antes.
– Caramba – Julian passou os dedos pelo cabelo. – Sinto todo tipo de
tensão sexual entre vocês.
Engasguei com meu vinho.
– Pare com isso – Engoli em seco. – Confie em mim. Não é nada
demais – Quem eu estava enganando? Ele me excitou de uma forma que eu
não sentia há muito tempo. Ou melhor, nunca. Mas eu reprimi esses
sentimentos. Não precisava disso agora. Eu tinha um trabalho para me
concentrar. Não em homens-fera sensuais.
– Parecia que havia uma história entre vocês – disse Elsa, com uma
expressão inquisitiva nas sobrancelhas.
– Sim – concordou Jade, com um sorriso ainda em seus lábios.
– De forma alguma – Tomei outro gole de vinho caprichado. – Eu me
lembraria de alguém como ele.
– Ele pode ser um pouco mal-humorado – disse Elsa, tomando seu
vinho.
– Idiota é o termo mais correto – disse Julian. – Só não deixe que ele
ouça você dizer isso. Ele tem um temperamento que combina com seu
tamanho.
Eu não tinha certeza do que pensar sobre isso.
– Qual é o problema dele? Por que ele é assim? – Eu já tinha lidado com
muitos idiotas em minha vida. Não tinha paciência para lidar com mais um.
Julian girou sua taça de vinho.
– Ele é assim mesmo. Eu não o irritaria. Aqueles que o fazem…
parecem desaparecer.
Eu ri.
– Ele é tipo um chefe da máfia ou algo assim?
Ele acenou com a cabeça.
– Ou algo assim.
Fantástico. Agora eu realmente tinha conseguido. Além de ter que
descobrir quem estava matando os hóspedes do hotel, eu teria que tomar
cuidado com o homem-fera.
– Então, o lobisomem dono do restaurante me odeia. Talvez devêssemos
encontrar outro lugar para comer da próxima vez – Tomei outro gole de
vinho e soltei um gemido inadequado.
Elsa olhou por cima do ombro antes de responder.
– Ele não é um lobisomem. É um vampiro – disse ela, com os olhos
arregalados.
Engoli em seco.
– Você está falando sério? Ele não se parece um vampiro. Eu tinha
certeza que ele era um metamorfo, lobisomem ou um homem macaco –
Definitivamente, ele não tinha a boa aparência sobrenatural que a maioria
dos vampiros possuía. Ele era bonito, tinha uma aparência mais rústica.
Mas não exagerado como a maioria dos vampiros. Mas se ele fosse apenas
parte vampiro, isso poderia explicar sua aparência grosseira.
– Ele não é um vampiro – disse Jade, revirando os olhos. – Todo mundo
sabe que ele é um gato selvagem. Um tigre, eu ouvi dizer.
Julian riu.
– Vocês, senhoras, entenderam tudo errado.
– Ah, sim? – Elsa cruzou os braços. – O que ele é, então? Se você é tão
esperto.
– Calma – Julian colocou um pedaço de pão fresco na boca. – Ele é um
urso. Basta olhar para ele. Para o seu tamanho. Você não percebe?
Elsa e Jade franziram a testa para ele, e eu me esforcei para não rir.
– Seja lá o que ele for… qual é a história dele? – Não consegui me
conter. O homem-fera sexy me intrigava.
– Ninguém sabe – disse Elsa. – Há cinco anos ele apareceu e comprou o
lugar. Ele é reservado, não é muito de falar.
Julian inclinou a cabeça e terminou o vinho.
– O cara é um idiota. Ele precisa transar mais.
– Por que vocês vêm aqui se não gostam dele?
Jade deu de ombros e disse:
– A comida é incrível.
E eles estavam certos.
Pedi pato assado com figos e gemi toda vez que levei o garfo à boca.
Elsa comeu um prato de legumes do qual não consigo me lembrar o nome,
que parecia uma grande salada com nozes espalhadas por cima. Jade comeu
fettuccini alfredo, que tinha um cheiro divino, e Julian comeu um bife
gigante com fritas de batata-doce. Quando terminamos, nossos pratos
brilhavam como se tivessem acabado de ser lavados.
Depois de duas garrafas de vinho e de comer tanto a ponto da minha
barriga parecer que estava grávida de alguns meses, pagamos nossas contas
e nos dirigimos à saída principal.
Eu estava tentando agir com calma e andar em linha reta enquanto o
chão do restaurante parecia estar se movendo. Avistei Julian falando com
aquela linda anfitriã morena. Ela pegou o celular dele e digitou algo antes
de devolvê-lo, a palavra sexo estava estampada em seu rosto. Era óbvio que
eles iriam se encontrar mais tarde.
Eu ri enquanto me dirigia para a porta da frente, onde Elsa e Jade me
esperavam. Elas conseguiam lidar com o vinho melhor do que eu. Não era
justo. Talvez isso viesse com mais anos de experiência. Eu esperava
ansiosamente por isso.
Me senti melhor. O vinho pode fazer isso com as pessoas. Depois do dia
que tive, eu precisava dele. No final, Elsa, Jade e Julian foram uma
companhia maravilhosa, engraçados e gentis, como os verdadeiros amigos
devem ser. Além de informativos. Fazia muito tempo que eu não me sentia
tão bem. Não tinha percebido o quanto sentia falta da companhia de outras
pessoas. Estava tão imersa em meu trabalho e ocupada demais fingindo que
meu casamento estava bem.
Os pelos das minhas costas se arrepiaram como se eu tivesse sido
tocada por uma corrente elétrica. Os pelos da minha nuca se eriçaram
quando senti uma pressão nessa região, sentia isso quando alguém estava
me encarando.
Me virei. Valen estava no saguão me encarando, mas não parecia
zangado dessa vez. Seu rosto estava cuidadosamente neutro, mas aqueles
olhos escuros estavam tão intensos quanto antes, talvez mais. Talvez fosse o
vinho falando.
Pena que ele era tão idiota. Ele era bonito de olhar, então continuei
olhando, sem desviar o olhar primeiro. Ele era um tolo se achava que
poderia me intimidar com seu olhar fixo, um belo olhar por sinal, mas ainda
assim um tolo. Eu também sabia jogar esse jogo. Eu era excepcionalmente
boa nisso.
– Vamos, Leana – chamou Elsa da porta. – Você precisa conhecer os
outros.
Valen, o homem-fera, ainda me encarava. Por quê? Vai saber. Talvez ele
estivesse pensando em como me matar.
A influência do vinho ainda fluía em minhas veias, tornando-me
audaciosa e imprudente.
Então, eu lhe dei um sorriso e fiz um aceno com o dedo antes de sair do
restaurante.
5

E uedifício.
nunca tinha visitado o décimo terceiro andar de nenhum hotel ou
Isso porque a maioria dos designers de edifícios era
supersticiosos e evitavam fazer o décimo terceiro andar, como se fosse uma
praga. Mas este era um hotel sobrenatural onde todas as coisas paranormais
eram aceitas.
Mesmo assim, eu não estava esperando isso.
Saí do elevador, tropecei e me endireitei com minha bagagem de mão
no ombro, sentindo-me muito mais pesada do que antes, enquanto olhava
para minha nova casa.
O décimo terceiro andar tinha doze portas, e todas elas estavam abertas.
Enquanto seguia Julian e as senhoras pelo corredor, ouvi os sons de
música, TVs e vozes das pessoas. Era uma variedade de luzes, música,
comida e o sobrenatural, como se estivéssemos entrando em um país das
fadas ou algo semelhante.
Alguns paranormais que passavam acenavam para nós enquanto
entravam e saíam dos apartamentos uns dos outros, como se isso fosse
normal. Dei uma espiada no primeiro apartamento e encontrei um amplo
espaço ocupado por um senhor idoso sentado em uma poltrona, com uma
bandeja à sua frente, enquanto assistia a um episódio de Jeopardy.
Do outro lado do apartamento dele, no outro quarto, vários adolescentes
pulavam e balançavam a cabeça ao som de alguma música que eles estavam
ouvindo juntos em seus pequenos fones de ouvido brancos, mas eu não
conseguia ouvir nada.
Em seguida, havia uma mulher de quarenta e poucos anos com muita
maquiagem, apoiada no batente da porta de seu apartamento enquanto
fumava um cigarro e olhava para Julian, como se quisesse amarrá-lo na
cama e lambê-lo por inteiro.
– Julian, querido – ela sussurrou, com uma voz rouca como a de alguém
que começou a fumar aos seis anos. Ela deu uma tragada profunda em seu
cigarro. – Você vem para cá hoje à noite? Tenho uma garrafa de uísque para
nós – A fumaça saia de sua boca e nariz enquanto ela passava um dedo pelo
decote.
Julian esfregou a nuca e a parte de cima de suas orelhas ficaram
vermelhas
– Ha ha, Olga – ele riu sem jeito. – Talvez outra hora. Estou mostrando
as coisas para a garota nova.
Interessante. Parecia que Julian não gostava de senhoras fumantes e
com aparência desgastada.
Olga fez uma careta para mim, como se eu tivesse roubado seu marido.
– Quem é ela?
Abri a boca para responder, mas Elsa falou primeiro.
– Leana. A nova Merlin.
– A nova Merlin? – Olga ainda me olhava de soslaio, e depois sorriu. –
Você não ficará aqui por muito tempo.
– Isso foi uma ameaça? – eu ri, passando o dedo pelo meu pequeno
decote. Não consegui evitar. Maldito vinho. – A propósito, é você quem
está fumando. Então é você que não ficará aqui por muito tempo.
Olga apertou os lábios que mal existiam e deu meia-volta, batendo a
porta.
– Foi algo que eu disse? – eu ri. Droga. Eu tinha que me lembrar de
parar depois de duas taças de vinho. Quatro. Bem, quatro ia me trazer
problemas.
No entanto, Julian tinha um pequeno sorriso no rosto quando olhou para
mim. Acho que agora éramos amigos.
– Saia da frente!
Encostei-me na parede quando duas meninas gêmeas de dez anos,
usando vestidos de princesa idênticos, cor-de-rosa brilhante, passaram por
nós, o cheiro de animais e grama as acompanhava, enquanto a energia fazia
minha pele formigar. Elas eram metamorfos, cavalos ou cervos, e muito
fofas.
Me encolhi quando uma dúzia de gatos passou correndo pelo corredor e
desapareceu em um apartamento à direita.
– Os gatos de Luke – disse Jade, observando-me. – Ele pega um gato de
rua sempre que sai. Ele os treinou para usar o banheiro. E ele fez um feitiço
para escová-los diariamente, então você não vai encontrar nenhum pelo em
seu apartamento.
Eu sorri.
– Amo gatos – A verdade é que eu sempre quis ter um gato ou um
cachorro. Mas eu nunca estava em casa. Esses bebês peludos precisavam de
amor e atenção. Um dia eu teria um gato.
– Elsa. Não tenho mais leite – exclamou uma mulher alta e magra, na
casa dos setenta anos, usando uma camisola longa, com os cabelos brancos
e compridos esvoaçando atrás dela como uma capa.
– Na geladeira, Barb – Elsa apontou para um apartamento no final do
corredor que poderia ser qualquer porta.
A mulher alta passou por nós e desapareceu três portas adiante, no que
eu só podia supor ser a casa de Elsa.
Era como se o andar inteiro fosse uma grande residência familiar. Era
estranho, um estranho bom. E eu adorava isso.
– Saia da frente! – disseram as gêmeas em coro, enquanto passavam por
nós novamente. Parecia que elas tinham adquirido um terceiro integrante,
pois vi um garoto correndo desajeitadamente atrás delas.
– Você está vendo? – Julian apontou para o garoto. – Foi assim que eu
comecei. Muito bem, Terry! – incentivou ele. – Não deixe que elas fujam.
– O seu apartamento é o último à esquerda – orientou Jade enquanto
caminhava diante de nós. Ela parou no batente da porta do que eu
imaginava ser minha nova casa e fez um gesto com a mão que deixaria
Vanna White orgulhosa.
O número 1312 estava estampado em preto logo acima da porta aberta.
– Depois de você – disse Julian, curvando-se até a cintura.
Eu ri e entrei no apartamento. Esperava que ele estivesse ocupado por
uma horda de adolescentes, mas estava vazio.
Passei por um pequeno corredor que dava para uma sala de estar de
tamanho decente e uma sala de jantar conjugada. O papel de parede salmão
e branco estava descascando em longas tiras. O carpete era verde escuro e
parecia mais uma lixa do que um carpete de verdade.
Seguindo em frente, logo após a cozinha havia três portas. Duas eram
quartos e uma era o banheiro com azulejos verdes claros ao redor da
banheira com chuveiro.
Ele era decorado com muitas lâmpadas brancas e verdes, e um estilo
que parecia ter saído diretamente dos anos noventa. Não era meu estilo, mas
era limpo. E eu não precisaria comprar nada, pois já estava mobiliado. O
fato de ser o último apartamento significava que eu não tinha vizinhos de
um lado. E, em vez disso, eu tinha janelas extras, o que significava mais
luz.
Coloquei minha bolsa na cama do quarto maior e soltei um suspiro,
pensando no dia que tive, especificamente nos dois encontros com Valen,
também conhecido como homem-fera. Eu não sabia o que ele tinha, mas
meus pensamentos sempre voltavam para aquele homem corpulento e para
a maneira intensa como ele me olhava, como se eu tivesse roubado seu
lugar na academia.
Balancei a cabeça e saí do quarto para me juntar a Elsa, Jade e Julian na
sala de estar.
– A lavanderia fica no porão – disse Elsa. – O hotel só lava a roupa dos
hóspedes. Não a nossa, os rebeldes – Ela deu uma piscadela.
Sentei-me ao lado dela no sofá bege sujo, mas confortável.
– Sem problemas. Não trouxe muita coisa.
– Olá! Olá! – Uma mulher de tamanho avantajado, carregando um prato
de comida, apareceu. – Essa é a nova garota? Oh, ela é bonita. Aposto que
você não vê a hora de levá-la para a cama, não é, Julian?
O calor subiu ao meu rosto. Detestei a atenção e me recostei no sofá,
tentando desaparecer.
– O marido dela acabou de traí-la, Louise – disse Julian, como se isso
devesse explicar tudo.
Os olhos da mulher se arregalaram.
– Ora, ora, ora. Aposto que essa é uma história fascinante. Aposto que
você tem muitas histórias interessantes para contar. Só Deus sabe que
precisamos de boas histórias aqui em cima – Seus olhos verdes brilharam. –
Espero que você tenha dado a ele uma boa lição.
Eu sorri.
– Eu dei. Cuidei do pacote dele.
– Ótimo – Louise deu uma risadinha. – Aqui está. Trouxe um pouco do
meu famoso tartare de atum e meu molho de cheddar – Ela colocou o prato
de atum em cubos servido em uma cama de abacate fatiado, com chips de
tortillas, na mesinha de centro de vidro.
– Eu trouxe vinho! – Levantei a cabeça e vi uma mulher mais ou menos
da minha idade, com cabelo preto curto e pele morena, entrando com uma
garrafa de vinho em cada mão.
Ela foi seguida por um homem de cabelos grisalhos e barba curta. Ele
segurava um pacote com seis cervejas.
– Eu trouxe a cerveja – disse ele com alegria.
Mais e mais pessoas apareceram, carregando algum tipo de bebida ou
comida. Pisquei, e girei a cabeça ao perceber que a maioria dos moradores
do décimo terceiro andar estava dentro do meu novo apartamento. Até as
gêmeas apareceram, pulando pela sala.
O resto da noite foi assim, conversando, fazendo novos amigos,
bebendo mais vinho e comendo até meu estômago não aguentar mais.
Por volta de uma da manhã, Elsa mandou todos embora e se despediu.
Eu já não tinha mais vinte anos e não me recuperava tão rapidamente depois
de uma noite de bebedeira. Eu precisava dormir, especialmente depois do
dia que tive, se quisesse me sair bem no novo emprego.
Fui para a cama com um sorriso idiota e embriagado no rosto, achando-
a excepcionalmente confortável.
Me deitei e sonhei com pênis quebrados me perseguindo.
E um par de olhos escuros e ardentes.
6

N ão sei por quanto tempo fiquei deitada na cama, recusando-me a abrir


os olhos. Sabia que, quando abrisse os olhos, isso significaria que eu
estava oficialmente acordada. Minha cabeça latejava como se tivesse
martelos em miniatura martelando meu cérebro.
Senti uma pressão repentina em meu peito. Martin.
Martin estava tentando me estrangular novamente. Não era a primeira
vez que eu acordava com as mãos dele em volta do meu pescoço, sua ideia
de sexo divertido. Ele quase me matou da última vez, e eu tinha hematomas
feios no pescoço para provar isso. Chega.
– Martin, pare! – Meus olhos se abriram rapidamente, e minha
respiração ficou acelerada.
O rosto de um cachorro de madeira me encarava. E quando digo
encarava, quero dizer que seus olhos se moviam e piscavam.
– Ah! – gritei, me afastando, escorreguei e caí com força no carpete.
Quando minha cabeça bateu na mesinha de cabeceira, eu acordei de
verdade. Meu marido, que em breve seria ex-marido, não estava aqui. O
cômodo era diferente. Os cheiros. E então me dei conta. Eu não estava em
meu antigo apartamento. Eu estava no Twilight Hotel.
O cão de brinquedo rolou para o lado da cama. Seus olhos piscaram
novamente enquanto ele me olhava.
– Isso vai deixar um galo feio.
Puxa vida. O brinquedo falava!
– Definitivamente, bebi demais na noite passada – resmunguei,
piscando os olhos.
– Acho que sim – disse o cão de brinquedo, com uma voz
estranhamente humana e masculina. Suas sobrancelhas pintadas se
contorceram em uma expressão perplexa. – Você ronca como um
caminhoneiro quando dorme.
Tá, agora eu estava enlouquecendo.
Levantei-me rapidamente, com o coração batendo na garganta. O
brinquedo parecia um beagle bege com manchas escuras nas costas. Em vez
de pernas, tinha quatro rodas vermelhas, uma cauda de metal com mola,
orelhas de madeira caídas, uma cabeça que girava em uma junta de metal e
uma mandíbula móvel, como um boneco de ventríloquo, e eu suspeitava
que fosse assim que ele se expressava verbalmente. Ele falava!
Isso definitivamente não era um sonho. O cão de brinquedo era real. Era
macho e estava em meu quarto.
– Quem é você, e o que diabos está fazendo no meu quarto? – Abracei
meus joelhos, contente por estar vestindo uma camiseta e não estar nua.
Isso teria sido muito pior. Ainda assim, era muito assustador acordar com
um brinquedo mágico me encarando.
O cão de brinquedo abanou o rabo.
– Meu nome é Jimmy.
Franzi a testa para o brinquedo. A minha dor de cabeça latejante se
estendeu desde a parte de trás dos meus olhos até alcançar as minhas
sobrancelhas.
– Que diabos você quer?
O cachorro de madeira piscou os olhos.
– Eu vim ver você, é claro. O hotel está fervilhando com as notícias
sobre a nova Merlin. Eu precisava ver você com meus próprios olhos.
Não senti nenhuma energia das trevas ou mágica saindo do brinquedo,
mas isso não significava que ele não tivesse sido enviado pelo fantasma ou
por quem quer que tivesse assassinado aquelas pessoas.
– Você pertence a uma das crianças?
As orelhas do cão se inclinaram para trás.
– Eu não pertenço a ninguém. Não sou um brinquedo.
– Você com certeza parece um.
Os olhos do cão de brinquedo Jimmy se estreitaram.
– Eu nem sempre fui assim. Eu já fui um homem, sabia.
– Isso é ainda mais assustador.
Jimmy me observou por um momento, depois se levantou da cama e
saiu do quarto.
– Vista-se. Temos trabalho a fazer – disse ele.
– Desculpa? – Parte de mim desejava ainda estar dormindo, mas acabei
me levantando e me trancando no banheiro. Eu não confiava nesse maldito
brinquedo.
Após tomar banho, vesti uma calça jeans escura e uma camiseta antes
de pegar o frasco de Tylenol na bolsa e caminhar para a sala de estar. O
aroma de café fresco pairava no ar, e encontrei Jimmy no balcão, próximo à
cafeteira.
– Você não tem pernas – eu disse a ele, perguntando-me como diabos
ele havia chegado lá em cima e feito café.
– Que observadora você é – esbravejou o cão de brinquedo. – Alguém
já lhe disse como você é mal-humorada de manhã?
– Sim. Meu marido – Fui até a cafeteira e me servi de uma xícara. –
Como você foi parar no balcão? – E na minha cama, por falar nisso. Ainda
mais perturbador era o fato dele ter feito café sem as mãos.
Jimmy inclinou as orelhas para a frente.
– Mágica.
– Engraçado – Tomei dois Tylenols com um gole de café. – Você disse
que era um homem. Qual é a sua história? Você foi amaldiçoado? – Eu já
tinha ouvido falar de pessoas presas em animais antes, mas em um cão de
brinquedo era a primeira vez.
A cauda de Jimmy se abaixou.
– Eu tinha trinta e sete anos, estava em meu auge quando a feiticeira me
amaldiçoou. Ela me amava, mas eu não a amava. Então, ela decidiu que se
não pudesse me ter...
– Ninguém mais o teria – Droga. Pobre coitado. – Há quanto tempo foi
isso?
– Mil novecentos e cinquenta e quatro.
Engasguei com meu café.
– Caramba. Isso significa que você está dentro desse brinquedo há…
Jimmy suspirou.
– Há muito tempo.
Tudo bem. Isso mudou um pouco as coisas. Eu não conseguia imaginar
ficar presa em um brinquedo por tantos anos. E eu que achava que estava no
inferno, presa com meu marido nos últimos anos de nosso casamento. Isso
era muito pior.
– Ninguém nunca tentou quebrar a maldição?
– Muitos tentaram, e todos falharam. Não tem problema. Eu aceitei meu
destino. É assim que devo ser.
– Um brinquedo?
O cão franziu a testa com suas sobrancelhas pintadas, o que foi muito
bizarro.
– Um ajudante. Um guia. Eu ajudo as pessoas.
– Hum – Tomei outro gole de café e terminei minha xícara.
– Elsa me pediu para ajudar você na investigação – disse o cão de
brinquedo. – Ela está na casa da irmã, no Brooklyn, tirando as ervas
daninhas do jardim. A irmã dela tem um caso grave de artrite.
– Normalmente trabalho sozinha – eu disse a ele, embora um guia ou
um cão-guia parecesse bastante útil, já que eu ainda era nova no hotel e não
sabia onde as coisas estavam. Talvez essa não fosse uma ideia tão ruim.
– Não mais. Bem, pelo menos não enquanto você estiver hospedada no
hotel. O que você faz afeta a todos.
– Eu notei – A noite passada me mostrou isso. Coloquei minha xícara
vazia no balcão ao lado de Jimmy. – Você ajudou o último Merlin?
– Eddie? – disse o cão de brinquedo, com a cauda de mola balançando.
– Ajudei. Bom rapaz. Bruxo decente.
Essa era uma boa notícia.
– Você sabe o que ele descobriu? Ele descobriu algo, e isso fez com que
ele fosse morto. Tenho certeza disso – Essa era a única explicação lógica.
– Bem – disse o cachorro enquanto rolava para trás no que eu imaginava
ser sua tentativa de se sentar. – Lembro-me dele dizendo que não havia
nenhuma conexão entre as duas vítimas, exceto ele, é claro. E que o
assassino, ou assassinos, só matavam à noite e que, de alguma forma, eram
capazes de atravessar paredes.
– Atravessar paredes?
– Como fantasmas.
Levantei uma sobrancelha.
– Você esteve conversando com a Elsa.
O cão abaixou a cabeça.
– É a única coisa que faz sentido. Podemos ver as vítimas entrando em
seus quartos. Somente elas. E, pela manhã, as camareiras as encontram.
Essa era a teoria de Elsa. Mas eu não acreditei nela.
– Eu gostaria de ver essa filmagem. Vou pedir a Basil que me mostre.
– Eddie tem cópias em seu laptop – disse o cão de brinquedo. – Ele me
mostrou.
– Você sabe onde está o laptop agora? – Eu não me lembrava de ter
visto um laptop na sala. Se tivesse visto, eu o teria pegado.
O cão de brinquedo assentiu com a cabeça.
– Sim. Aposto que ainda está lá. As camareiras ainda não mexeram no
quarto. Elas têm medo de que o fantasma as mate se entrarem no quarto.
– Lá se foi a discrição do caso – Se uma das camareiras encontrou o
corpo do pobre Eddie, eu tinha certeza de que toda a equipe do hotel já
sabia. Não demoraria muito para que os hóspedes também soubessem. Mas
um laptop com anotações do Merlin anterior era ouro. Isso significava que
eu saberia o que Eddie sabia antes de ser morto.
Isso também significava que eu seria um alvo. Mas não seria a primeira
vez.
– Você é uma bruxa das trevas, não é? – perguntou o cão de brinquedo
depois de um momento. – Você canaliza sua magia por meio de demônios?
Não que haja algo de errado nisso. Mas você é?
Desviei o olhar do cão de brinquedo. Era muito cedo para aquela
conversa, e o Tylenol ainda não tinha feito efeito.
– Eu sou uma bruxa. Vamos deixar assim.
As orelhas do cão de brinquedo giraram para frente.
– Tudo bem. Eventualmente, vou acabar descobrindo.
Ele estava certo. Era sempre assim.
– Então, Martin é seu marido? – perguntou Jimmy.
– Você é uma criatura intrometida. Não é?
– É por isso que eu sei tanta coisa – respondeu Jimmy. – Eu faço
questão de saber o que acontece neste hotel.
Deixei escapar um suspiro. Meu corpo ficou tenso ao recordar Martin
apertando minha garganta no ano passado, e sua expressão excitada quando
acordei com ele sobre mim, sem conseguir respirar, o que de alguma forma,
o deixou excitado. Minha pressão subiu com a lembrança. Senti-me mal,
em parte por amar um monstro como aquele. Porém, estava com mais raiva
de mim mesma por não ter a coragem de ir embora anos atrás.
– Ele é meu futuro ex-marido – respondi depois de um momento.
Jimmy rolou para frente.
– Ah. Então, foi por isso que Elsa me pediu para deixar esses
documentos na mesa para você.
– Que documentos? – Fui até a mesa de jantar e vi um envelope pardo.
Um único post-it dizia: “Preencha os formulários e devolva-os ao Jimmy.”
Se Elsa estivesse certa, eu estaria livre dele em apenas duas semanas.
Parecia bom demais para ser verdade. Que droga, eu precisava de um pouco
de felicidade em minha vida.
Meu coração ficou animado com a notícia.
– Vamos, Snoopy.
– É Jimmy – disse o cachorro, embora eu pudesse ver o sorriso em seu
rosto de madeira. Ele pulou do balcão e rolou até a porta da frente, que para
minha surpresa, estava escancarada. – Você vem?
Sorri e peguei minha bolsa do gancho de parede no corredor.
– Estou logo atrás de você, Snoopy.
7

A final, Jimmy estava certo. O quarto do Merlin permaneceu intacto. Para


minha surpresa, ele nem estava trancado. Vi uma camareira no corredor,
identificando-a pelo uniforme de mangas curtas branco e cinza que usava,
ela nos observava por cima do ombro. Seus olhos se arregalaram de pavor, e
ela virou a cabeça antes de puxar seu carrinho de limpeza com tal rapidez
que parecia que ela estava atrasada para um compromisso.
Os quartos de hóspedes eram menores do que os quartos dos residentes.
A principal diferença era que eles não tinham cômodos separados, apenas
um grande espaço que incluía uma cama, uma pequena escrivaninha diante
de uma janela, um banheiro modesto e uma cozinha compacta com uma
pequena geladeira e cafeteira.
O ruído de rodas rangendo chamou minha atenção, e vi Jimmy parar no
carpete ao meu lado.
– Então, onde está?
– Ele o escondeu no banheiro – disse o cão de brinquedo enquanto
rolava para frente.
– Ele o escondeu? – Isso não era bom. Significava que ele sabia que
alguém ou alguma coisa estava atrás dele.
– Sim – disse Jimmy. – Aqui, não consigo alcançá-lo. Você terá que
pegá-lo para mim.
Pegar para ele? Balancei a cabeça, mas o segui até o banheiro.
Suas orelhas se voltaram para a frente.
– Lá em cima, na ventilação.
Contornei Jimmy e me levantei na ponta dos pés. Coloquei meus dedos
sob a fechadura de metal, puxei a tela e ela se soltou. Após colocá-la sobre
a pia do banheiro, enfiei a mão no buraco de ventilação e meus dedos
tocaram o metal frio e duro. Retirei o laptop e sorri para o cão de brinquedo.
– Nada mal, Snoopy.
– Não tem de quê, Merlie.
Eu ri.
– Vamos lá. Vamos ver o que Eddie descobriu e porque ele escondeu o
laptop.
Sentei-me na beirada da cama e abri o laptop. Jimmy pulou na cama e
rolou ao meu lado. O computador ligou momentos depois.
– Merda. Está protegido por senha – É claro que estaria.
Jimmy se inclinou para frente e disse:
– Nãoconfieemnenhumapessoa. “Uma” é o número um, e o resto é tudo
minúsculo. – Quando ele viu minha sobrancelha levantada, ele acrescentou:
– O quê foi? Eu o vi digitar isso mais de uma vez.
É sério. Esse cãozinho de brinquedo estava provando ser um excelente
assistente ou guia. E eu estava feliz por ele estar aqui. Sem Jimmy, eu nunca
teria encontrado o laptop. E se, por um milagre, eu tivesse encontrado,
levaria dias para encontrar alguém que decifrasse a senha. Eu estava
realmente muito feliz por ele estar aqui.
– Parece que Eddie era fã de Arquivo X – eu disse, lembrando-me das
inúmeras vezes em que assisti às onze temporadas completas. – Ele tinha
bom gosto.
Digitei Nãoconfieemnenh1pessoa e pressionei enter
– Estamos dentro – A área de trabalho tinha cerca de cinquenta pastas,
algumas delas identificadas com datas, enquanto outras eram nomeadas
com letras sem um significado aparente. – Ele não era tão organizado.
Espere um pouco… aqui! – Cliquei na pasta chamada MERLIN. – Isso é
apenas uma planilha com as horas que ele trabalhou – eu disse, sentindo um
pouco da minha empolgação se esvair.
Jimmy rolou para frente até que suas rodas dianteiras bateram em minha
coxa.
– Tente aquela. Aquela que diz TH. Twilight Hotel.
Procurei a pasta na tela e cliquei nela.
– Vamos lá.
A pasta foi aberta com uma lista de vários arquivos, documentos,
imagens e outras pastas. Cliquei primeiro nas imagens. A primeira imagem
era de uma mulher deitada no chão sobre um tapete verde. Era difícil ver o
rosto dela desse ângulo, mas eu conseguia distinguir o cenho franzido e os
olhos semicerrados, reconhecendo a dor que ela deve ter sentido antes de
morrer.
– Essa é a Patricia – disse Jimmy. – A primeira vítima.
Acenei com a cabeça.
– Eu a reconheço pela foto que Basil me deu. Parece que ela morreu da
mesma forma que Eddie – Passei as fotos até chegar à segunda vítima. Um
homem.
– Esse é o Jordan – informou o cão.
Estudei a imagem.
– A única coisa que os liga é a maneira como foram mortos. Quem fez
isso matou todos da mesma maneira – Isso não esclarecia muita coisa, mas
me dizia que o assassino era consistente.
Depois disso, cliquei em mais arquivos e documentos.
– Onde está, Eddie? – Eu disse para o computador. – Do que você
estava com medo? – Eu queria saber por que Eddie sentiu a necessidade de
esconder seu computador. Até agora, não consegui ver nada que pudesse lhe
dar um motivo.
– Clique no arquivo de vídeo – sugeriu Jimmy. – É onde ele baixou as
imagens das câmeras que fica do lado de fora dos quartos.
Seguindo as instruções do cão de brinquedo, cliquei na pasta que dizia
VÍDEO. Havia apenas dois vídeos dentro dela. Minha pulsação acelerou
quando cliquei no primeiro.
O arquivo abriu e revelou a filmagem de um corredor do hotel. A
iluminação fraca e o brilho alaranjado das arandelas da parede foram
suficientes para distinguir os números nas portas. Todas elas começavam
com o número dois, então eu sabia que estava vendo o segundo andar.
Fiquei sentada em silêncio com Jimmy e observei por alguns segundos até
que, finalmente, uma pessoa saiu do elevador. Uma mulher vestida com
roupas escuras atravessou o corredor e, com seu cartão-chave, abriu a porta
do quarto 202.
– Essa é a Patrícia – disse Jimmy.
Observei quando a porta do quarto se fechou e depois nada. Adiantei o
vídeo, vendo as pessoas indo e vindo e, finalmente, a filmagem ficou mais
clara, quando o sol da manhã brilhou através das janelas.
– Lá vem a camareira – anunciou Jimmy.
Vi uma camareira empurrar seu carrinho de limpeza até o quarto 202,
bater duas vezes, esperar e, em seguida, usar seu cartão-chave, destrancar a
porta e entrar.
– Espere para ver isso – disse o cão de brinquedo.
– Ver o quê? – Perguntei, olhando de relance para Jimmy.
– Veja.
Fiquei olhando para a tela e vi o momento em que a camareira saiu
apressadamente do quarto, desaparecendo do campo de visão da câmera.
– Viu? – Jimmy se mexeu na cama. – Não havia ninguém naquele
quarto, exceto a vítima e a camareira. Como você explica isso? Fantasmas?
Elsa parece achar que sim.
Balancei a cabeça.
– Não sei. Acho que não. Um fantasma vingativo? Pode ser. Mas
alguma coisa não faz sentido. Ela foi morta em algum momento durante a
noite. Assim como Eddie e o outro cara. Todos foram mortos à noite e
descobertos pelas camareiras na manhã seguinte. Hum.
– O que significa hum?
– Isso significa que, se foi um fantasma ou fantasmas, por que o Eddie
não menciona isso em nenhum desses arquivos? Quero dizer, não analisei
todos eles, mas se ele achava que os fantasmas eram os responsáveis, não
deveríamos ter visto alguma evidência disso? Não há nada sobre fantasmas
em suas anotações.
– Isso não significa que não tenha sido um fantasma.
Balancei a cabeça.
– Não. Mas se fosse um fantasma, por que aqui e por que agora? Por
que essas pessoas?
– Boa pergunta – Jimmy se virou para trás. – O que você está pensando?
Se não é um fantasma ou algum tipo de espírito maligno assombrando,
então o que é? Quem fez isso? Pelo que sei, os paranormais vivos não
podem atravessar paredes.
–Você tem razão. Não podemos.
– Como as bruxas das trevas? – questionou Jimmy. – Você é uma bruxa
das trevas, não é?
Ignorando-o, inclinei-me para frente e cliquei no botão de reprodução
do outro vídeo. E, assim como Patrícia, ninguém entrou no quarto depois de
Jordan. Apenas a camareira que saiu correndo na manhã seguinte.
Eu não acreditava que um fantasma tivesse feito isso. Também não
achava que Eddie pensasse assim. Achava que algo em seu computador o
havia matado, algo que ainda não tínhamos visto.
Rolei o vídeo novamente, até o momento em que Jordan entrou em seu
quarto e fechou a porta, deixei o vídeo rodar. Passei um pouco para frente e
deixei rodar de novo. E então...
– Espere um segundo – Meu coração acelerou enquanto eu percorria o
vídeo minuto a minuto.
– O quê? Você viu alguma coisa? – Jimmy pulou em meu colo. – O
quê?
Olhei para o cão de brinquedo, pensei em tirá-lo do meu colo, mas
depois pensei melhor.
– Aqui – Voltei, pressionando alguns segundos com a tecla para a
esquerda. – Aqui, veja – Passei de um segundo da imagem para o outro. –
Você está vendo como a luz da lua reflete na parede aqui?
Jimmy rolou para a frente até que a ponta de seu nariz de madeira
atingisse a tela.
– Sim.
– Assista – Passei para o próximo segundo – Você está vendo. Não
corresponde.
Jimmy assobiou e rolou para trás.
– Puxa vida. Alguém mexeu no vídeo.
– Exatamente – Eu sorri. – Isso não é um fantasma. Tenho certeza disso.
É alguém muito vivo. Aposto que Eddie também descobriu e foi morto por
isso.
Jimmy olhou para a tela.
– Veja. O horário não mudou.
Fiquei olhando para o vídeo. Na parte inferior da tela, estava escrito
23:31 p.m.
– Eu sei – eu disse, passando o vídeo novamente até o ponto em que eu
tinha visto a falha. O relógio não avançava – Isso teria sido um sinal de
alerta. Eles garantiram que o relógio se mantivesse preciso ao longo de todo
o vídeo. Provavelmente faltaram alguns minutos perto do final, mas
ninguém percebeu.
– Você é como uma Sherlock Holmes moderna. Isso faz de mim o Dr.
Watson?
– Se isso ajudar a resolver nosso caso, você pode ser quem quiser,
Snoopy.
Jimmy riu, o que soou tão humano que era quase como se ele estivesse
bem aqui ao meu lado em sua forma humana.
Fiquei olhando para o cão de brinquedo.
– Quem tem acesso às câmeras? – Eu tinha a sensação de que estava
descobrindo algo.
– Até onde eu sei, Basil e o chefe de segurança – respondeu o cão de
brinquedo.
Eu sorri.
– Essa é uma excelente notícia, meu amigo. Isso reduz nossa lista de
suspeitos.
– Você tem uma lista?
– Agora sim – Cocei embaixo de seu queixo, só então percebendo que
não sabia se Jimmy sentia alguma coisa. Ele era um brinquedo de madeira,
não um filhote de verdade.
Jimmy fechou os olhos de alegria.
– Julian me deve vinte dólares. Ele apostou que você não encontraria
nada. Mas você encontrou algo grande.
Não tinha certeza se estava mais ofendida por eles apostarem em mim
ou por Julian achar que eu não estava à altura do trabalho.
Olhei para meu novo parceiro, imaginando onde ele dormia, se é que
dormia. Será que ele tinha um quarto ou um apartamento, ou simplesmente
ficava perambulando pelo hotel dia e noite. Eu queria perguntar a ele, mas
isso poderia ficar para outra hora.
– Vamos lá – Me levantei. Jimmy saltou facilmente do meu colo para o
chão e eu peguei o laptop, prendendo-o debaixo do braço. Eu não ia largar
esse bebê. Além disso, deixei meu próprio computador na minha antiga
casa e não ia voltar.
Essa descoberta foi uma excelente notícia. Eu não imaginava que Basil
fosse do tipo assassino, mas se ele tivesse acesso à câmera, agora ele estava
na minha lista de suspeitos, com quem quer que fosse o chefe de segurança.
Agarrei a maçaneta da porta, puxei-a para abrir e bati no peito de
ninguém menos que meu homem-fera favorito.
8

D eiconstrangimento
um passo para trás, com o rosto ardendo
por acabar de acertar seu peito.
de irritação e

– O que você está fazendo aqui? – Eu realmente tinha que parar de


encontrar esse cara desse jeito. Eu também tinha que parar de pensar nele. E
de sonhar com ele. E por que diabos ele tinha que cheirar tão bem?
O homem-fera usava uma camiseta que não fazia nada para esconder
seus músculos, como se eles estivessem implorando para que ele a
arrancasse. Ela estava com os botões da parte de cima abertos, isso
explicava porque minha cara tinha acertado a pele do seu peito. Meus olhos
se voltaram para as tatuagens que apareciam na gola de sua camisa com
decote em V. Ele usava jeans escuros que se ajustavam à sua cintura fina e
era justa nas coxas grossas. Ele parecia um predador, pronto para lutar e
matar alguma coisa. Como eu disse, um homem-fera.
Rapidamente, desviei o olhar de seu peito extremamente viril que me
distraía.
Valen, o tal homem-fera, pareceu levemente surpreso com meu tom.
– Pediram-me para vir aqui dar uma olhada.
– Quem? – Olhei por cima dos seus ombros e vi duas mulheres bonitas,
ambas vestidas com uniformes idênticos de camareira branco e cinza, as
duas eram vinte anos mais novas que eu. Agora eu entendi. Tinha certeza de
que ele tinha muitas mulheres babando por ele. Ele tinha aquele jeito de alfa
gostosão. Mas não o suficiente para me tentar. Certo, talvez um pouco. Sim,
eu era uma grande mentirosa.
Jimmy rolou para a frente e parou aos meus pés.
– Ei, Valen. Como está?
– Jimmy – disse Valen, cumprimentando meu novo amigo. Então, eles
se conheciam. Interessante. Eu tinha a sensação de que Jimmy sabia muito
mais do que ele deixava transparecer. Ele estava se mostrando um aliado
valioso.
– Está tudo bem no After Dark? – perguntou Jimmy.
O homem grande acenou com a cabeça.
– Sim.
– Ouvi dizer que houve uma briga entre dois metamorfos na última
sexta-feira – continuou Jimmy. – Ouvi dizer que foi sangrenta. Que um cara
quebrou algumas costelas e o outro perdeu alguns dentes.
Um músculo se esticou ao longo da mandíbula de Valen enquanto ele
mantinha os olhos em mim.
– Eu cuidei disso.
– Claro que cuidou – respondeu o cachorro, rolando em volta dos
tornozelos de Valen e parando ao lado do pé esquerdo dele. – Seu
restaurante. Suas regras.
Os olhos escuros de Valen se dirigiu ao laptop que estava sob meu
braço. Ele me encarou. Seu olhar inabalável atingiu-me como o ritmo de
um tambor.
Formigamentos percorreram meu couro cabeludo e se espalharam por
minha pele.
Esse homem era perigoso. Não devido ao seu tamanho e dos seus
músculos. Era mais pela sua presença, pela energia que ele emitia. Algo
mortal e brutal brilhava em seu olhar, escondido sob seu exterior robusto e
bonito. Ele era como um leão. Imprevisível e letal, o que me deixou
nervosa.
Ele não disse nada quando passou por mim e entrou no quarto. Aquela
colônia ativou meus sentidos, e não tive escolha a não ser inalar um pouco.
Eu esperava que as duas camareiras o seguissem, mas elas ficaram do lado
de fora, no corredor, com os rostos tensos de medo.
Eu o segui.
– O que você está fazendo?
Valen entrou no quarto de Eddie e foi direto para a cama. Ele levantou o
colchão com uma mão, como se ele não pesasse mais do que um lençol, e
olhou embaixo dele. Músculos grossos se projetavam ao longo de suas
costas, um espetáculo e tanto. Eu me perguntava porque as mulheres não
estavam aqui, apreciando a vista.
– Não há nada aí, além de percevejos – eu disse, embora não tivesse
pensado em olhar embaixo do colchão. Não fui muito minuciosa em minha
investigação.
Valen deixou o colchão cair e depois vasculhou as gavetas das duas
mesas de cabeceira, procurando claramente por algo.
– Você é Leana, a nova Merlin.
– É isso mesmo – Não fiquei muito feliz por ele perguntar sobre mim. –
E você é Valen, o dono do restaurante mal-humorado e rude – Pronto. Eu
também sabia o nome dele.
Jimmy emitiu um som estranho.
– Vocês dois se conhecem?
– Não – Valen e eu falamos juntos, com a mesma intensidade de raiva.
Ok, isso foi estranho.
Aqueles olhos escuros pousaram em mim novamente. Seu rosto estava
cuidadosamente desprovido de qualquer expressão.
– O último Merlin morreu nesta sala.
Estreitei meus olhos.
– Quem disse isso a você? – Olhei para as duas camareiras agrupadas no
corredor, ambas evitaram meu olhar. Obviamente, as duas camareiras
tinham falado. Se ele sabia das mortes, não demoraria muito para que os
hóspedes do hotel também soubessem. Basil não poderia manter isso em
segredo por muito tempo.
Valen atravessou a sala e abriu o armário da cozinha, a cafeteira e as
xícaras balançaram sobre ele. Me aproximei dele rapidamente.
– Você não deveria estar aqui. Este é o meu caso.
Valen fechou a porta do armário e se virou para mim.
– Seu caso.
– É isso mesmo – eu disse, com o coração batendo no peito. Jimmy
passou por mim e se juntou às duas camareiras no corredor, enquanto eu
voltava minha atenção para o homem grande. – Fui contratada pelo hotel
para investigar a morte do Merlin – Eu não queria falar muito. Não confiava
nesse homem. Ele estava emitindo todos os tipos de vibrações diferentes, e
nenhuma delas era confiável. Para começar, não gostei do fato de ele estar
bisbilhotando o quarto de Eddie como se estivesse procurando alguma
coisa.
– Você descobriu alguma coisa? – perguntou o homem-fera.
– Ah tá. Como se eu fosse contar a você – Que audácia desse cara.
– Então você não descobriu nada.
– Descobri que você é muito rude com estranhos – respondi, com a mão
livre no quadril.
– Eu poderia dizer o mesmo sobre você – disse Valen, estreitando os
olhos ligeiramente.
Minha raiva aumentou e eu a controlei. Não queria começar uma briga,
especialmente durante o trabalho e com um homem de aparência muito
perigosa.
– Você deveria ir embora – eu disse a ele. – Você está bagunçando a
cena do crime. Eu não tinha certeza de quanta autoridade eu tinha no hotel.
Basil e eu nunca conversamos sobre isso. Eu esperava ter carta-branca,
como geralmente acontecia quando eu trabalhava em um caso.
Seu olhar intenso estava me deixando desconfortável. Encostei meu
quadril no armário. E quando tentei me firmar com a mão direita, ela bateu
em uma das xícaras de café.
Pisquei os olhos quando a xícara escorregou do balcão.
A mão esquerda de Valen se mexeu tão rápido que eu só vi um borrão, e
então ele a colocou de volta na bancada.
Me endireitei, apertando o laptop contra minha axila. Ok, então esse
cara era rápido. Rápido como um vampiro. Minha pele se arrepiou de medo
e um pouco de excitação. Havia algo muito errado comigo. Eu culpava os
anos de negligência do meu futuro ex-marido no quarto.
– Há quanto tempo você é Merlin? – perguntou Valen de repente no
silêncio, inclinando-se para trás e me estudando. Ele cruzou os braços,
exibindo os músculos do peito salientes, claramente querendo explodir
naquela camisa.
Eu não queria responder, mas respondi mesmo assim.
– Dez anos. Eu sei o que estou fazendo. Este não é meu primeiro caso
de assassinato.
– Então você já trabalhou em um caso como esse antes? – perguntou o
homem-fera, com a voz neutra.
Franzi a testa.
– Já trabalhei em muitos casos. Nunca em um como esse, mas cada caso
é único. Tenho que tratá-los como tal – Eu não estava gostando do rumo
que a conversa estava tomando. Ele não deveria estar me interrogando. Eu é
que deveria estar fazendo perguntas a ele.
Valen ficou ali, me observando.
– Você é diferente dos outros Merlins.
Minha luta para conter o rubor não estava indo bem.
– Sério? – eu ri. – Em que sentido? Por que eu não tenho medo de você?
Esses músculos não me assustam.
Pensei ter visto um pequeno sorriso se formar naqueles lábios grossos,
mas, em um instante, ele desapareceu, e foi substituído por uma máscara de
indiferença.
– Duvido muito que você conheça muitos Merlins – Assim como não
havia muitas bruxas poderosas, e não muitas se tornavam Merlins. Éramos
poucas e seletas.
O olhar de Valen se tornou penetrante e, por um instante, um olhar de
fome pura e selvagem atravessou seu rosto.
Me enrijeci, e então meu corpo traidor se agitou em resposta ao que
quer que isso fosse. E não era medo.
– Você é casada com um humano – disse Valen, como se isso fosse
notícia antiga. Seu rosto, novamente, estava cuidadosamente sem
expressão. – Escolha interessante.
Meus lábios se entreabriram de surpresa.
– Ele logo será meu ex-marido – respondi, com uma sensação de
desconforto percorrendo meu corpo. Não gostei muito do fato de ele ter dito
“escolha interessante”, como se eu tivesse me rebaixado ao me casar com
Martin. Talvez eu tenha me rebaixado. Mas não gostei de ter isso jogado na
minha cara. – Você tem me investigado? – Eu não estava feliz com o fato
desse estranho saber coisas pessoais sobre mim quando eu não sabia
praticamente nada sobre ele, além do fato de que ele geralmente era um
babaca e tinha um restaurante que servia comida fantástica.
– É da minha conta saber sobre estranhos em minha cidade – disse
Valen. – Não gostamos de estranhos.
– Sua cidade? – Eu o encarei com firmeza. – Você está dizendo que é
dono da cidade de Nova York? – Nossa, esse cara era irritante. Ele estava
me tirando do sério.
Valen passou o olhar pela sala, sem fixar em nada.
– Não. Eu não sou dono da cidade. Mas o Twilight Hotel está em meu
território. Sou responsável pelos paranormais desse setor. O que acontece
aqui é assunto meu.
Essa conversa estava muito estranha. Eu sabia que havia chefes
paranormais, alfas e chefes de clãs e matilhas em certos distritos de grandes
cidades como Manhattan, mas tinha raramente tido que lidar com algum
deles. Eu também sabia que os paranormais tendiam a desaparecer se você
os irritasse.
– Escute. Não sei quem você é ou se tudo isso é verdade, mas sei que
tenho um trabalho a fazer. E você está atrapalhando agora. Você está
impossibilitando o meu trabalho – Fiz uma anotação mental para investigar
esse homem-fera, juntamente com meu caso. Ele havia me investigado. Era
justo que eu retribuísse o favor.
Ouvi uma voz feminina falar alguma coisa no corredor. Não conseguia
entender o que ela estava dizendo, mas tinha certeza que Jimmy me daria
um resumo mais tarde.
O olhar perspicaz de Valen me examinou por um momento.
– Você gostou do pato?
Levantei as sobrancelhas, fui pega completamente desprevenida com
aquela pergunta.
– O quê?
– O pato assado com figos… você gostou? – A voz profunda de Valen
suavizou, e eu me vi fascinada por ela.
Pisquei os olhos.
– Sim. Estava bom. Ótimo! – Por que diabos estávamos falando de
comida?
O homem-fera me observou novamente, quase como se estivesse
pensando se deveria me dar um golpe. Isso ou arrancar minhas roupas.
Pensei que ele fosse dizer alguma coisa, mas ele passou por mim e foi
direto para o banheiro.
Somente quando eu estava na porta do banheiro é que percebi que havia
esquecido de colocar a tela de metal da saída de ar de volta. Ops.
Valen voltou os olhos para o duto na parede e depois olhou para mim,
pousando-os novamente no laptop.
– Roubando propriedade do hotel? – O olhar de Valen se fixou no meu.
– Isso é um crime.
Meu rosto queimou como se eu o tivesse mergulhado em lava derretida.
– Eu não roubei nada. Este é o meu laptop – Eu era uma péssima
mentirosa. Não ajudou o fato de eu gaguejar e evitar seus olhos. Boa,
Leana.
Mas isso não explicava porque ele suspeitava que não era meu
computador. Diria até que ele sabia que Eddie havia escondido o laptop em
algum lugar deste quarto. Ele tinha vindo buscar o computador.
Achei que ele estava prestes a me encher por causa do computador, mas
ele não disse nada, e nem olhou na minha direção. Valen saiu do banheiro e
entrou no corredor enquanto eu me dirigia à porta. Fiquei ali, com Jimmy a
meus pés, observando o homem-fera e as duas camareiras entrarem no
elevador no final do corredor.
Valen olhou em minha direção. Nossos olhos se encontraram e se
mantiveram por um instante enquanto as portas do elevador se fechavam.
– O que você pode me dizer sobre esse cara? – Perguntei a Jimmy
enquanto fechava a porta do quarto.
– Muito – respondeu o cão de brinquedo.
– Bom.
Fizemos um bom progresso ao encontrar o laptop e ver que o vídeo foi
adulterado. Mas eu não conseguia ignorar a sensação de que Valen, de
alguma forma, sabia algo sobre os assassinatos. Qual era a conexão dele?
Eu só sabia que ele veio buscar o laptop de Eddie. Eu tinha certeza
disso. Será que ele sabia sobre os vídeos? Ele estava aqui para destruir as
provas?
Eu ia descobrir isso.
9

– V ocê sabe onde Basil está? – Me apoiei no balcão da recepção,


tomando cuidado para não bater no laptop que ainda estava debaixo
do meu braço.
– Por que você está procurando por ele? – Errol estava cutucando as
unhas com um abridor de cartas, com uma expressão de tédio no rosto.
– Porque eu preciso falar com ele. Onde ele está?
– Por quê?
Cerrei os dentes.
– Negócios do hotel.
Errol soltou um suspiro dramático.
– Eu faço parte dos negócios do hotel.
– Não deste.
– Diga-me por que você quer vê-lo, e talvez eu lhe diga.
Parte de mim queria pular sobre o balcão e estrangulá-lo.
– Você parece estar pior esta manhã.
O recepcionista fez uma cara como se eu tivesse cuspido em seu terno
caro.
– Eu não gosto de você.
– Vamos lá, Errol, isso é importante – disparou Jimmy do chão. –
Apenas nos diga onde ele está.
– Eu não respondo a brinquedos de madeira. Vá procurar uma criança
ou algo do gênero. Ou melhor ainda. Vá pular em uma fogueira.
Eu ri.
– Como diabos você conseguiu um emprego na área de hospitalidade?
O rosto pálido de Errol ficou vermelho.
– Porque sou excelente em meu trabalho.
Me afastei do balcão.
– Parece-me mais que quem contratou você é um idiota.
– Isso faria de mim o idiota – disse uma voz atrás de mim.
Droga.
Virei-me lentamente. Um homem de aparência mediana com um rosto
sem graça estava atrás de mim. Seu couro cabeludo era visível devido ao
seu pouco cabelo, e ele havia feito uma tentativa muito desajeitada de
pentear os poucos fios que lhe restavam. Seus olhos tinham olheiras, como
alguém que não dormia há anos. Era difícil adivinhar sua idade devido à sua
aparência de doente. Talvez cinquenta? Sessenta? Sua pele era oleosa e seu
terno escuro parecia ter sido comprado em um brechó. Em suas mãos havia
um pano sujo e um frasco de desinfetante.
– Eu sou Raymond. O gerente assistente do hotel. Em que posso ajudar?
Senti um pouco de alívio.
– Oi, eu sou Leana.
Raymond balançou a cabeça.
– Sim. Eu sei quem você é.
– Que bom. Estamos procurando por Basil. Você o viu?
Raymond se aproximou de mim, empurrou-me para longe do balcão,
balançando o pano que tinha na mão, borrifou onde eu havia tocado e
começou a esfregar a superfície.
Não tinha certeza se deveria me sentir insultada. Ele era paranormal,
sem dúvida, mas tudo o que eu sentia dele era o cheiro de vinagre e
alvejante. O cara era um germofóbico.
– Ele saiu para tratar de um assunto pessoal – disse Raymond enquanto
polia o mesmo local continuamente. – Voltará no final da tarde – Ele
examinou o local uma última vez e depois olhou para mim, piscando os
olhos pálidos. – Pronto. É preciso manter o hotel sempre com a melhor
aparência possível.
Jimmy riu, e Raymond lançou um olhar a ele.
– Claro – Ele era uma criatura estranha.
Raymond levantou o frasco e apontou-a para mim como se estivesse
prestes a borrifar.
– Quer que eu anote uma mensagem? Ou talvez eu possa ajudar você.
– Não tem problema. Vou esperar ele voltar – Quanto menos pessoas
soubessem sobre a filmagem, melhor.
– Como você quiser – Raymond olhou para o saguão, seus olhos se
fixaram em algo e ele foi embora. Ele atravessou o saguão em direção a um
grupo de hóspedes que estavam descansando nos sofás e borrifou o
desinfetante em uma mesa de centro, enquanto os hóspedes explodiam de
irritação.
– Vamos lá. Vamos checar com a segurança – disse Jimmy do chão.
Segui o cão de brinquedo enquanto ele avançava. Ele parou em uma
porta de metal preta que ficava perto do saguão. A placa na porta dizia
SEGURANÇA DO HOTEL.
Bati uma vez e entrei.
A primeira coisa que me chamou a atenção foi o forte cheiro de cigarro.
A segunda foi como o espaço era apertado, parecia do tamanho do banheiro
do meu novo apartamento. A parede do fundo era coberta por monitores do
chão ao teto. Havia uma mesa diante das telas, com quatro laptops. O maior
homem que eu já tinha visto estava espremido na única cadeira giratória. Os
cabelos escuros cobriam a maior parte de seu rosto, e os olhos claros
espiavam por baixo de sobrancelhas grossas.
– Sim? – disse o homem com uma voz grossa que combinava com seu
tamanho. – O que você quer?
Dei um passo para trás. Meu coração disparou com a ameaça em sua
voz e a maneira como ele me olhava. Ele poderia facilmente arrancar minha
cabeça. O cheiro de animais selvagens me atingiu. Sim. Esse cara era um
metamorfo. Um lobisomem, a julgar pelo seu tamanho.
– Ah, oi, Jimmy – disse o homem grande, seu comportamento mudou
em um segundo, ele parecia mais relaxado e até mesmo mais amigável. –
Não vi você aí. Você veio para mais uma partida de xadrez?
– Ei, Bob. Hoje não – Jimmy rolou para dentro da sala. – O Bob é um
urso – informou o cão de brinquedo. – Mas não deixe que o tamanho dele
assuste você. Ele é um grande urso de pelúcia.
– Mmm – eu disse, ainda um pouco surpresa com seu tamanho.
– Queremos perguntar a você sobre as câmeras de segurança –
prosseguiu o cão de brinquedo.
– Ah. Você quer saber sobre os assassinatos? – Seus olhos me
examinaram. – Você é a nova Merlin?
– Eu sou – Por favor, não me engula. – Você pode me mostrar o feed
dessas noites? Comece com o quarto quatrocentos e quatro – O clipe ainda
estava fresco em minha memória. Eu não achava que Bob fosse do tipo
assassino, talvez apenas do tipo matador. Mas, a menos que eu pudesse
inocentá-lo, ele era uma das únicas pessoas que eu conhecia que tinha
acesso às câmeras. E, olhando para seus equipamentos, ele poderia
facilmente ter alterado o vídeo. Eu queria ver sua reação com meus próprios
olhos.
Bob moveu um dedo grande sobre o teclado de um dos laptops. Ele
clicou em algo e, em seguida, uma das telas maiores na parede piscou. De
repente, eu estava olhando para a mesma filmagem que vi no laptop de
Eddie.
– Você pode avançar para cerca de 23h31? – instruí.
Bob fez o que pedi sem pensar duas vezes e, então, estávamos olhando
para o mesmo local que o vídeo mostrou.
– Você viu isso? – Me espremi em volta da escrivaninha e apontei para a
tela. – Pare e volte alguns segundos.
Bob fez o que pedi.
– O que estou vendo?
– A iluminação – Apontei para a tela. – Veja. Ela muda. Alguém apagou
uma parte da sua filmagem. O tempo também foi manipulado. Não há
diferença no horário. Apenas o vídeo.
A menos que Bob fosse um ator ganhador de um Oscar, ele ficou
genuinamente surpreso e chocado com o que viu na tela. Então… ele ficou
furioso, e isso foi realmente assustador.
Ele pulou e o chão e as paredes tremeram com sua força bruta. O topo
de sua cabeça atingiu o teto, mas ele mal percebeu.
– Quem faria isso?
– Essa é a pergunta que vale um milhão de dólares – disse Jimmy. – Ou
seria uma pergunta de um bilhão de dólares hoje em dia?
– Bob? – Voltei a me espremer em volta da mesa. – Se eu quisesse
excluir uma parte da gravação do vídeo, como faria isso? Como eu
manipularia a transmissão?
– É – concordou Jimmy. – Como você faria isso?
Bob olhou para o laptop.
– Você teria que alterar o original. Entrar no programa de edição e
alterá-lo manualmente.
Bati em meu queixo com um dedo.
– Então você teria que estar dentro desta sala para fazer isso.
O homem grande franziu a testa.
– Sim.
– A menos que tenham feito isso remotamente. É possível? – perguntei.
Existem tantos hackers hoje em dia, qualquer um pode ser um hacker em
potencial.
Bob balançou a cabeça.
– Nosso sistema de rede não é como as redes humanas. Você não pode
fazer o login remotamente e também não pode invadi-lo de fora. Ele é
protegido. Protegido magicamente. Só há uma maneira de alguém fazer
isso, de dentro desta sala.
– Você tem câmeras aqui? – Olhei em volta, esperançosa.
– Não. Desculpe.
– Além de você e Basil, mais alguém tem acesso a essa sala? –
perguntei, seguindo sua lógica. Então, quem quer que tenha mudado a
filmagem teve que entrar nessa sala e passar por Bob, o que não era fácil.
Bob parecia preocupado ao sentar seu grande traseiro na cadeira. Era
um mistério o fato dele não quebrar a cadeira com seu peso.
– Só eu e Basil.
– Quem trabalha neste escritório quando você está no intervalo ou
quando vai para casa? – perguntou Jimmy, tirando a pergunta da minha
boca.
Através de sua espessa barba, os lábios de Bob se contraíram.
– Ninguém. Sou só eu.
– Então, em algum momento a sala fica vazia – perguntei em voz alta.
Alguém poderia facilmente ter esperado Bob terminar seu turno e ter
entrado para sabotar a filmagem. Isso significava que não estávamos nem
perto de descobrir quem era essa pessoa.
– Obrigado pelo seu tempo, Bob – eu disse ao urso gigante. Não
conseguiríamos muito mais informações.
Alguém havia mexido na filmagem. Eu só não sabia quem. Duvidava
que fosse Basil. Ele não parecia ser do tipo que sabia como navegar e editar
vídeos e depois torná-los quase impossíveis de serem notados, mas eu ainda
ia falar com ele.
Seus dentes brilharam e eu recuei, percebendo que o grande Bob tinha
apenas acabado de sorrir para mim. Para alguém de fora, poderia parecer
que ele queria arrancar minha cabeça.
– De nada – disse Bob.
Segui em direção à porta e Jimmy foi rolando ao meu lado, mas depois
ele parou e deu meia-volta.
– Alguém mais perguntou sobre as câmeras?
Bob piscou os olhos pensativos.
– O outro Merlin antes de você e Basil.
– Obrigado.
Fechei a porta atrás de mim.
– Parece que o Eddie sabia que havia algo errado.
– Parece que sim – respondeu o cão de brinquedo.
Dei uma olhada no saguão. Eram cerca de dez da manhã e o hotel estava
cheio de hóspedes. Dirigi meu olhar na direção de Errol, a expressão
carrancuda em seu rosto, enquanto ele interagia com um casal na recepção,
me fez sorrir.
Caminhamos pelo saguão. Bem, eu estava andando, e Jimmy estava
rolando ao meu lado. Ninguém olhou em nossa direção. Ninguém parecia
incomodado com o fato de eu estar caminhando com um cão de brinquedo
de madeira aos meus pés em um hotel de luxo, mas esse não era um hotel
comum para humanos. Era um hotel paranormal.
– Você quer colocar o computador em um dos cofres do hotel? –
perguntou Jimmy ao parar.
Olhei para o meu amigo de madeira.
– O hotel tem cofres?
– Sim. É onde os hóspedes colocam seus objetos de valor, pedras
preciosas, joias, varinhas mágicas, orbes, armas confiscadas, esse tipo de
coisa. Tenho certeza de que ele estará seguro,
Pensei sobre isso.
– Acho que vou mantê-lo comigo por enquanto. Ainda tenho que
analisá-lo. Ainda há muita coisa que não sei sobre Eddie – Dei um tapinha
no computador debaixo do braço. – Acho que vou levá-lo para a cama
comigo.
Jimmy riu.
– Onde você quer fazer a próxima busca?
– Tenho algumas coisas para fazer. Preciso abastecer minha geladeira. E
preciso de roupas. Saí meio que com pressa da minha antiga casa. Você
quer vir comigo? Posso colocar você na minha bolsa. Ninguém vai notar.
A cauda do cão quase se curvou entre as rodas traseiras.
– Não posso. Não posso sair do hotel.
– Nunca?
– Nunca.
– Você já tentou? – É claro que ele tentou, mas eu queria saber.
– Muitas vezes, e é sempre o mesmo.
– O quê?
– Uma dor excruciante – disse o cão de brinquedo. – E se eu ficar do
lado de fora por mais de alguns segundos, eu morro.
Estreitei os olhos de repente, com um gosto amargo na boca enquanto a
raiva fluía por mim. O fato da feiticeira ter feito isso com esse pobre
homem me incomodava.
– Qual era o nome dela? Da feiticeira.
– Não importa mais – Jimmy rolou para longe. – Vejo você mais tarde,
Leana. Observei enquanto ele rolava pelo saguão, sem que ninguém se
preocupasse em olhar para ele.
– Espere! – eu o chamei. – Como faço para encontrar você de novo?
Você tem um quarto ou algo assim?
Jimmy parou e deu meia-volta. O brinquedo de madeira pareceu triste
por um momento, se é que isso era possível.
– Apenas grite, e eu encontrarei você.
Observei com o coração pesado enquanto meu novo amigo rolava para
longe. Ele não era apenas um prisioneiro no corpo de um cão de brinquedo,
mas também era um prisioneiro do hotel.
Senti uma onda de ódio por essa feiticeira. Talvez ela ainda esteja viva.
E se estivesse, eu a encontraria e falaria com essa vadia.
10

M inha primeira parada foi na Macy na West Thirty-Fourth Street. Com


meu adiantamento, pude comprar um monte de roupas íntimas, sutiãs,
camisetas, jeans, meias, toalhas de banho e alguns lençóis de algodão para a
cama. Comprei até uma bolsa nova de couro a tiracolo para o laptop, para
que eu pudesse carregá-lo adequadamente sem que nenhum homem-fera
intrometido fizesse muitas perguntas.
Por falar no tal homem-fera intrometido, eu precisava saber mais sobre
esse Valen e porque ele queria o laptop. Ele estava trabalhando para alguém
ou estava tentando colocar as mãos nas provas?
Não ajudava o fato de eu o achar ridiculamente atraente, com todos
aqueles músculos e mãos grandes e ásperas, eu tinha certeza que seu toque
em minha pele seria incrível. Sim, eu estava ficando louca. Há apenas
alguns dias, eu tinha visto meu marido traçando uma mulher e o deixei, e
agora esse cara bonito e perigoso estava assombrando meus pensamentos.
Eu culpava meus hormônios. A pré-menopausa, ou o que quer que
fosse, fazia com que os hormônios femininos ficassem fora de controle aos
quarenta.
A verdade é que eu não precisava de um homem para me sentir
completa ou confortável em minha própria pele. Eu só precisava de mim.
Eu era minha própria heroína. Mas isso não significava que eu não os
achasse bonitos de se olhar. Eu só não confiava neles, especialmente depois
de Martin, mas não era tão ingênua a ponto de pensar que todos os homens
eram idiotas. Eu sabia que alguns eram bons, mas, na maioria das vezes, os
bons já estavam comprometidos e com suas famílias.
Eu me sentia solitária há anos. E, com a minha sorte, continuaria assim
por mais um tempo. Ainda bem que eu tinha esse novo emprego para me
manter ocupada.
No caminho, parei na pequena bodega na esquina da Park Avenue com
a East Thirty-Seventh Street e comprei alguns mantimentos para durar
alguns dias até que eu tivesse que sair para comprar mais. É claro que entrei
na loja de vinhos mais próxima e peguei duas garrafas em promoção.
Uma taça de vinho seria bem-vinda com toda a pesquisa que eu tinha
que fazer hoje à noite, principalmente com o computador de Eddie. Eu
queria saber o que ele sabia antes de morrer. Talvez eu encontrasse mais do
que apenas as transmissões de vídeo. Talvez ele tivesse descoberto algo
mais, e eu precisava saber.
Quando voltei para a Quinta Avenida, o relógio do meu celular marcava
18:53 p.m. Não tomei café da manhã e esqueci de almoçar.
Passei o olhar pela rua. O hotel não estava à vista. Droga. Estava tão
imersa em meus pensamentos que passei direto por ele e nem percebi.
– Definitivamente, preciso comer – murmurei para mim mesmo.
Me virei e dei alguns passos para trás, então percebi que estava no local
certo. Meus olhos se voltaram para a placa verde da rua que diziam Quinta
Avenida. Em seguida, meus olhos se fixaram no restaurante After Dark. Eu
estava bem em frente ao restaurante. O Twilight Hotel deveria estar ali, bem
ali, mas eu estava olhando para um beco escuro. Não havia nenhum hotel.
Nada.
– Ah, merda.
O pânico subiu pela minha espinha. Era assim que os humanos viam as
coisas? O que estava acontecendo? Eu sabia que o hotel estava lá, mas, por
algum motivo, não conseguia mais vê-lo.
Meu coração disparou. Eu não podia entrar em pânico agora. Havia
humanos ao meu redor, e a última coisa que eu queria era chamar atenção
indesejada.
Respirei fundo, segurei minhas sacolas de compras com firmeza,
coloquei minha bolsa nova de couro no ombro e segui em frente. Talvez eu
não o visse, mas o sentiria.
Caminhei em linha reta com a mão direita no ar. Alguns humanos
olharam e passaram por mim. Provavelmente pensaram que eu era uma
senhora louca ou que tinha perdido a visão.
Mas quando cheguei à metade do beco e vi a placa West Fortieth Street
no outro extremo do quarteirão, comecei a entrar em pânico. Eu havia
atravessado o quarteirão inteiro sem sentir sequer uma parede sólida.
– Isso não é bom – O que diabos estava acontecendo?
Segurando minhas sacolas com firmeza, dei meia-volta, voltei pelo
mesmo caminho que havia percorrido, até a ampla calçada da Quinta
Avenida… mas nada. Era como se o hotel nunca tivesse existido.
O medo me invadiu, tornando-me irracional. Será que eu tinha
imaginado tudo isso? Será que eu estava tão confusa com meu casamento
que havia criado essa parte para me ajudar a lidar com a situação? É claro
que eu tinha uma imaginação fértil, mas eu tinha certeza de que havia
vivido essa experiência. Eu tinha dormido no maldito hotel.
Não, algo estava definitivamente errado. De alguma forma, o hotel não
se revelava mais para mim.
– Talvez eu precise de uma senha. Uma palavra mágica – Sim, eu não
ficaria surpresa se Basil tivesse esquecido de me dizer que eu precisava de
uma senha especial para voltar ao hotel após passar mais do que algumas
horas fora. Fazia sentido.
Larguei minhas sacolas no chão e esfreguei as mãos.
– Abre-te Sésamo – murmurei e recebi algumas risadas de um grupo de
adolescentes que passava por mim.
– Abracadabra – tentei novamente, balançando os dedos para garantir,
mas ainda assim nada. Eu nem sentia mais o pulsar mágico do feitiço que
escondia o hotel dos olhos humanos.
– Hotel Twilight. Revele-se! – Eu disse e esperei. Logo meu medo foi
substituído por irritação e um pouco da minha sanidade voltou. Bati o pé no
chão. Sim, muito maduro. – Abra a porta, seu maldito hotel, ou vou entupir
todos os banheiros!
Nada. Continuou sendo apenas um beco.
Soltei um suspiro e esfreguei os olhos com os dedos.
– Não consigo acreditar nisso.
– Está perdida?
Estremeci, mas mantive minhas mãos cobrindo os olhos. Não precisei
ver para saber que era o homem-fera do restaurante ao lado.
– Vá embora – eu disse, ainda escondendo os olhos. Quando ouvi sua
risada, girei e o encarei. – O que é tão engraçado?
Valen, sendo ele mesmo, estava com os braços cruzados sobre o peito
largo, com um olhar divertido em seus olhos escuros.
– Você não consegue encontrar o hotel. Não é?
Que merda. Se ele sabia, isso significava que eu estava certa. Eu
precisava de uma senha ou algo assim. O calor subiu ao meu rosto, uma
combinação de constrangimento e o fato de ele parecer tão atraente e estar
tão próximo.
Uma jaqueta de couro preta pendia sobre seus ombros largos, atraindo
meus olhos para sua cintura fina. A calça jeans escura se ajustava
perfeitamente às coxas longas, e a camiseta não escondia o peito
musculoso.
Soltei uma baforada de ar.
– É claro que eu consigo ver – Eu realmente não conseguia.
Seus olhos escuros se fixaram em mim.
– É mesmo? Então por que você não entra?
– Pensei em tomar um pouco de ar fresco primeiro.
Valen levantou uma sobrancelha.
– Você quer dizer fumaças de escapamento?
Eu lhe dei um sorriso.
– Nada como o ar tóxico para desobstruir meus poros.
Valen riu novamente, o som era um estrondo profundo que causou um
delicioso formigamento em minha pele. Eu me vi gostando do som. Droga.
Eu tinha que parar com isso. Ele era ruim. Gostoso, mas ainda assim ruim.
E ele sabia sobre o laptop de Eddie, o que o colocava na lista de “possíveis
suspeitos”.
Quando percebi que ele provavelmente testemunhou meu momento de
frustração, enquanto eu andava de um lado para o outro no beco, senti uma
onda de calor subir do meu pescoço e se instalar no meu rosto. E agora eu
estava suando. Excelente.
Olhei para ele novamente, percebendo que ele estava me encarando.
Seus olhos eram intensos. Me senti hipnotizada por eles. Não pude evitar.
Senti uma atração por ele, mesmo que ele fosse letal.
– Se você consegue ver o hotel – desafiou Valen. – Então vá em frente.
Entre.
– Por quê? Para que você possa olhar para a minha bunda? Acho que
não.
Valen sorriu. Isso transformou seu rosto sério e bonito em um nível
totalmente novo de sensualidade.
Ele olhou para o chão, rindo silenciosamente.
– Você é uma bruxa, certo?
– Sim. Já passamos por isso. Eu sou uma Merlin. Você se lembra?
Um sorriso começou a se formar nos cantos de seus olhos.
– E você não sabe quando alguém coloca um feitiço em você?
Ah, droga. Engoli em seco. Lá se vai minha reputação.
– Você acha? Não! Você está falando sério? – O que ele disse fez muito
mais sentido agora que pensei sobre isso. Por que eu não havia pensado
nisso?
Valen acenou com a cabeça enquanto olhava na direção do hotel,
embora eu ainda não conseguisse vê-lo.
– Alguém colocou um feitiço para você não conseguir ver o hotel.
Agora que eu sabia o que tinha acontecido comigo, reconheci a magia
fraca que se espalhou ao meu redor, rastejando sobre minha pele como
centenas de formigas até desaparecer por completo. Eu não sabia muito
sobre os feitiços, mas sabia da existência deles. Eu sabia que quem quer que
tivesse colocado esse feitiço em mim era um praticante experiente com um
alto nível de magia. Especialmente para colocar um feitiço em mim sem
meu conhecimento.
Eu o encarei.
– Como você sabia disso?
O homem grande deu de ombros.
– O Twilight Hotel garantirá sempre que todos nós, paranormais,
possamos encontrá-lo. Ele está sempre visível para nós, a menos que um
feitiço o mantenha escondido. Como você agora. Você parecia um humano
procurando seu gato perdido.
Que droga. Então ele estava me observando.
Cerrei os dentes e olhei na direção para a qual ele estava olhando.
Alguém lá dentro havia colocado um feitiço em mim. Filho da mãe.
– Então, não precisa de uma senha para entrar? – Me senti uma tola.
Uma grande e velha tola. Talvez aquela pessoa também estivesse me vendo
fazer papel de boba esse tempo todo.
– Não tem senha – disse o homem-fera com um tom de divertimento em
sua voz. – Apenas um feitiço. Ou qualquer magia que vocês, bruxas, usem.
– Isso não é engraçado – eu disse.
– Sim. É muito engraçado.
Suspirei.
– E eu aqui achando que estava tendo um bom dia – Olhei para ele. –
Foi você? – O quê? Eu tinha que saber.
Ouvindo isso, Valen soltou uma gargalhada estrondosa, fazendo seu
peito largo subir e descer com o riso.
– Eu não faço mágica. Não é minha praia.
Levantei uma sobrancelha.
– Todos os paranormais têm alguma magia. Seja a magia selvagem dos
metamorfos ou a magia fria dos demônios.
O rosto de Valen ficou inexpressivo.
– Não fui eu. Se fosse, por que eu estaria aqui agora?
Bem observado.
– Então, qual é a sua? Você sabe sobre mim. É justo que eu saiba sobre
você.
Valen continuava me encarando com aqueles malditos olhos escuros. Eu
ainda podia ver uma centelha de riso neles. O cara estava se divertindo às
minhas custas. Que ótimo.
– Quem faria isso? – Perguntei depois de um momento, mas soube a
resposta assim que as palavras saíram de minha boca.
A pessoa que cometeu os assassinatos. Eles não queriam que eu voltasse
para o hotel porque eu estava descobrindo algo. Eu sabia sobre as câmeras.
E esse feitiço me levou a acreditar que eu estava prestes a descobrir mais.
O fato de terem feito isso comigo só me fez querer resolver o caso ainda
mais.
Eu ia encontrar esses malditos.
Ficamos em um silêncio constrangedor por um tempo, meu coração
fazendo música em meus ouvidos no turbilhão de sentimentos conflitantes,
enquanto meu corpo inteiro vibrava com um calor que não tinha nada a ver
com meu casaco quente.
Valen se abaixou e pegou minhas sacolas.
– Venha. Vou levar você para dentro – disse ele por fim, com um tom
carinhoso e suave, o que me deixou um pouco desconcertada.
Não disse nada enquanto o seguia de perto, não querendo perder nada.
Se ele desaparecesse, eu me veria sozinha novamente e não conseguiria
encontrar a entrada do hotel.
Fiquei um pouco mais tranquila porque ele não parecia estar com raiva.
Considerei isso um bom sinal.
Eu mal havia notado a mudança na pressão do ar enquanto o mundo ao
meu redor se transformava. De repente, eu estava olhando para o interior do
hotel e não para um beco.
– O feitiço se foi? – perguntou Valen, e eu me virei para ele.
– Sim. Você estava certo. Obrigada – acrescentei um pouco sem jeito.
Ele abriu a boca para dizer algo, mas parou. Acalmando-se, ele tentou
novamente.
– Aqui – Ele me entregou as sacolas.
Peguei as sacolas dele e, antes que eu pudesse agradecê-lo novamente,
ele me deu as costas e saiu pela porta da frente.
Eu o observei partir, mais confusa do que nunca com relação a esse
cara. Por que ele me ajudou a voltar para o hotel se ele era realmente mau?
Poderia ser para me despistar, para me fazer pensar que ele era um dos
mocinhos quando, na verdade, não era.
Eu o observei pelas janelas do saguão até que ele virou à esquerda e
desapareceu.
11

O cheiro de comida que vinha do meu apartamento me deu água na boca.


A porta já estava bem aberta, por isso senti o cheiro da comida antes de
vê-la.
Ouvi vozes, algumas masculinas e outras femininas. Cheguei ao final do
corredor e entrei na cozinha.
Elsa estava no fogão, com as mangas da blusa laranja dobradas no
cotovelo, enquanto mexia uma panela alta de aço inoxidável no fogão.
Julian estava deitado no sofá. Ele estava com um braço ao redor de uma
jovem de cabelos loiros longos, que eu não reconheci, e com uma cerveja
no outro.
Jade estava ocupada arrumando as taças de vinho na mesa. Ela usava
uma camiseta preta vintage do Def Leppard com jeans largos e tinha o
cabelo preso em um penteado punk com um laço preto. Ela me viu e
levantou um copo em saudação.
– Oi, Leana. Espero que você esteja com fome. A Elsa está fazendo seu
famoso chili com carne.
– Ah, oi, Leana – disse Elsa, sorrindo para mim por cima do vapor de
seu chili. – Espero que você goste comida temperada. Você come carne,
certo?
Eu ri.
– Eu como – Estava tentando cortar a carne, mas não queria tirar o
brilho dela.
– Leana, esta é Carmen – disse Julian, levantando sua cerveja. Dei um
sorriso para a bela loira, mas ela parecia estar interessada apenas em Julian.
Olhei em volta.
– Vocês compraram comida? E vinho? – Eu não conseguia acreditar na
generosidade dessas bruxas, e eu mal os conhecia.
– É claro que sim – disse Jade, mostrando seu grande sorriso para mim.
– Você é da família agora.
Uma onda de calor envolveu meu coração e apertou minha garganta.
Meus olhos arderam e desviei o olhar rapidamente.
O som de rodas no piso acarpetado chamou minha atenção, e eu olhei
para trás enquanto Jimmy entrava no apartamento.
– Como foram as compras? – perguntou o cão de brinquedo, com a
cauda de metal balançando atrás dele. Ele podia não ser um cachorro de
verdade, mas era muito fofo.
Levantei minhas sacolas.
– Ótimas. Deixe-me guardar isso.– Após colocar as sacolas com minhas
roupas novas, lençóis e toalhas no meu quarto, voltei para a cozinha e
coloquei as sacolas com a comida e o vinho no balcão.
Elsa olhou para mim. Respingos de chili manchavam seu rosto e sua
blusa.
– O jantar estará pronto em cerca de quinze minutos. O chili precisa
esfriar um pouco. Se você servir muito quente, vai estragar o sabor.
Sorri para a bruxa mais velha.
– Obrigada por fazer isso. Vocês são incríveis.
– Tome um pouco de vinho – disse Jade ao me entregar uma taça de
vinho tinto.
– Obrigada. Eu realmente preciso – Tomei um gole do vinho, gemi um
pouco com o sabor frutado e comecei a abastecer minha geladeira com as
frutas e legumes que havia comprado antes.
Jade se posicionou ao lado de Elsa, com as mãos nos quadris. Ela se
inclinou e disse:
– Você está colocando muita pimenta-caiena.
– Não seja ridícula. Já fiz meu chili milhares de vezes. Sei o que estou
fazendo.
Juntei-me às bruxas no fogão.
– Posso ajudar? – Era uma sensação estranha ter pessoas preparando o
jantar para mim, e ver meu apartamento cheio de gente.
A última vez que recebi pessoas em minha casa, foi com meu marido.
Ele convidou seus pais para jantar há cerca de cinco anos. Digamos que a
noite não foi muito boa. Acabei me desculpando, mentindo que tinha que
trabalhar, só para escapar de seus olhares condescendentes e comentários
odiosos de que eu ainda não tinha dado nenhum neto a eles.
Não por falta de tentativas. Mas após inúmeros testes, disseram-me que
eu era estéril. O choque inicial de que eu não podia fazer a única coisa que
esperava ser capaz de fazer como mulher me levou a uma profunda
depressão. Isso também não ajudou o casamento, e Martin se afastou depois
disso. Para ele, eu era um produto com defeito.
Não é preciso dizer que foi por isso que mergulhei no trabalho. Essas
feridas cicatrizaram quando aceitei as cartas que me foram dadas. Demorou
anos, mas voltei finalmente a ser feliz.
Elsa apontou um dedo para mim.
– Você pode relaxar. Nós cuidaremos de tudo.
– Vá se sentar – disse Jade, empurrando-me para fora da cozinha. – Nós
cuidamos disso.
– Está bem, está bem – eu ri. Eles não precisavam me dizer duas vezes.
Meus olhos encontraram os papéis do divórcio bem arrumados no
balcão, ao lado da geladeira, e fiz uma careta. Não queria estragar a noite
preenchendo-os. Eu cuidaria deles amanhã.
Peguei minha taça de vinho e fui para a sala de estar. Julian estava
sussurrando algo no ouvido de Carmen, fazendo-a rir. Dando a Julian e sua
amiga um pouco de privacidade, eu me recostei na cadeira ao lado da
janela. Os sons da rua movimentada entravam pela janela aberta, trazendo
um pouco de ar fresco.
– Então, o que você está achando do hotel até agora? – Jimmy parou aos
meus pés.
Coloquei a taça de vinho em meu colo e olhei para baixo.
– Estou gostando. Não é o que eu imaginava. É melhor. Bem, tirando as
três mortes.
O cãozinho girou as orelhas para frente. – Fico feliz em ouvir isso.
Depois de um tempo, você se sente bem com ela.– Seus olhos percorreram
a sala.
Eu queria lhe perguntar há quanto tempo ele estava no hotel, então me
lembrei de que ele havia sido amaldiçoado há muitos anos. Não queria
deixá-lo mais triste do que já estava.
Recostei-me em minha cadeira.
– O que você pode me dizer sobre Valen? – Achei que essa linha de
conversa era melhor. Melhor para mim, é claro.
A mandíbula do cão se abriu.
– Muito. O que você quer saber?
– Tudo – eu disse a ele. – Comece com a história dele. Quem ele é? De
onde ele veio?
– Bem, vou dizer a você o que sei – começou o cão de brinquedo. – Sei
que ele se mudou de Chicago para cá depois que a esposa morreu de câncer
no ovário.
– Ah, não – Suas palavras causaram uma sensação de aperto no meu
coração, e percebi-me concordando com a cabeça e respondendo com a voz
embargada. Eu sabia muito bem como era perder um familiar para aquela
doença horrível. Nem mesmo os paranormais eram imunes a algumas das
doenças humanas, sendo o câncer a principal delas.
– Ele comprou o restaurante ao lado – continuou Jimmy. – Ele renovou-
o e o modernizou, ao menos é o que meus informantes afirmam.
Eu dei uma breve risada.
– Você tem informantes?
– Em todo lugar – disse o cãozinho de brinquedo. – Eu tenho olhos e
ouvidos fora deste hotel – Depois de um momento, ele acrescentou: – Acho
que ele precisava de uma mudança. Um novo lugar que não o fizesse
lembrar do passado.
– Deve ter sido horrível para ele – Eu tinha certeza de que isso também
contribuía para seu temperamento difícil e sua irritabilidade. A perda de um
familiar muda uma pessoa.
– Tenho certeza. Ele namora, mas nada sério, e não me lembro de tê-lo
visto com a mesma mulher mais de uma vez. Ele me disse que já estava
farto de todo o drama e de mulheres que exigem muito. Não quer
compromissos.
Eu ri.
– Você perguntou a ele?
– Sim. Quero dizer, já temos um garanhão no hotel. Não precisamos de
dois.
– Ouvi isso – disse Julian do sofá, mas ao notar meu olhar, ele piscou,
demonstrando uma clara satisfação com o apelido.
Voltei minha atenção para Jimmy.
– O que você pode me dizer sobre o negócio dele? Não o restaurante,
mas a outra parte. Ele me disse que é responsável pelos paranormais deste
distrito. O que ele quer dizer com isso?
– Bem – disse o cão de brinquedo, com a orelha esquerda virada para
trás. – Não tenho certeza. O cara é muito reservado. Mas acho que ele quis
dizer isso mais como um paranormal. É o dever dele. Ele sente a
responsabilidade de manter outros como ele em segurança.
– Isso não explica por que ele apareceu no quarto de Eddie – eu disse. –
E como ele sabia que havia um laptop escondido?
Jimmy rolou para trás.
– Isso eu não sei.
– Ele tem pessoas trabalhando para ele? Tipo as camareiras? –
perguntei, lembrando-me das duas belas camareiras desta manhã.
– É possível – respondeu Jimmy. – Ou as camareiras podem ser apenas
algumas de suas amantes.
– Certo – Caramba! Com quantas mulheres esse cara dormiu? – Então,
ele é como um alfa?
– Sim, acho que sim – disse o cachorro.
Me inclinei para frente.
– Que tipo de metamorfo ele é? Ninguém parece ser capaz de me dar
uma resposta direta – A princípio, pensei em urso, mas agora, após
conhecer Bob, não tinha tanta certeza. Ele não emitia o mesmo tipo de
energia que Bob. O que quer que Valen fosse, ele era diferente.
– Não sei – respondeu o cachorro. – Uma vez, eu examinei toda a lista
de metamorfos e lobos com ele, mas ele nunca me contou. Acredite, fiquei
perguntando isso a ele durante todo o primeiro ano em que ele se mudou
para cá. Ele nunca deixou escapar nada.
Apertei os lábios pensativamente.
– Parece que ele não quer que ninguém saiba – E, pela minha
experiência, se você escondia algo, era porque não era bom e você não
queria que os outros soubessem. Então, a pergunta era: o que Valen estava
escondendo? Porque ele sentiu certamente a necessidade de esconder seu eu
animal de nós.
O cachorro inclinou a cabeça para o lado.
– Você é uma bruxa. Você não tem um feitiço que possa revelar isso?
Balancei a cabeça.
– Não sou esse tipo de bruxa.
O queixo de Jimmy se abriu para fazer a pergunta óbvia, mas Elsa o
interrompeu.
– O jantar está servido! – disse ela batendo palmas. – Vamos comer
antes que esfrie.
Levantei-me, com o vinho na mão, e olhei para Jimmy.
– Você não come, não é?
– Não – disse o cão de brinquedo, não parecendo nem um pouco triste
com o fato. – Mas eu gosto de assistir.
Franzi a testa. Isso soou um pouco esquisito.
Fui até a mesa de jantar, com Jimmy a tiracolo, e me sentei ao lado de
Julian e sua amiga.
A mesa não era sofisticada. Na verdade, nem um pouco. A peça central
era uma panela gigante de chili cercada por seis garrafas de vinho. Uma
coleção de jogos americanos marcava os lugares. Havia uma mistura de
copos altos e baixos, alguns de plástico desbotados. Os utensílios eram
velhos e sem graça. Os pratos, bem, pareciam ser da década de 1970.
Nenhum prato combinava com outro. A única coisa que eles tinham em
comum eram os arranhões.
E eu adorei.
Era como nós, uma mistura de bruxas, nenhuma de nós era igual à
outra, mas nos encaixávamos muito bem.
– Ah, está faltando uma cadeira? – disse Jade, coçando a cabeça. – Vou
pegar uma na minha casa – Ela desapareceu enquanto Elsa enchia cada
tigela com uma generosa colherada de chili e reapareceu momentos depois
com uma cadeira que ela enfiou ao lado da de Elsa na ponta da mesa.
Me servi com um pouco de salada, era uma mistura de tomates, pepino
e queijo feta em cubos, regada com azeite de oliva e vinagrete balsâmico.
Em seguida, comi o chili. Precisei de todo o meu esforço para não
gemer enquanto minhas papilas gustativas explodiam com todos os sabores
maravilhosos. Elsa sabia preparar um bom chili com carne.
– Mmmm – eu disse para Elsa, mastigando. – Excelente chili. O que
você colocou no molho?
O sorriso de Elsa se alargou até as orelhas enquanto ela se servia de uma
boa quantidade de vinho.
– Ah. É o meu segredo – Não pude deixar de notar que ela colocou a
mão em volta do pingente ao dizer isso.
Jade se levantou de repente e ergueu sua taça de vinho tinto.
– Eu gostaria de fazer um brinde.
Seguindo seu exemplo, todos nós pegamos nossos copos e os
levantamos.
Os olhos de Jade caíram sobre mim.
– À Leana. Você é bem-vinda à família.
– À Leana! – disseram em coro as vozes ao redor da mesa.
– À mim – eu disse, com as pontas das orelhas ardendo enquanto eu
terminava o brinde com um grande gole de vinho e um sorriso enorme.
Pela primeira vez em muito tempo, eu me senti bem-vinda e parte de
algo, de uma família de verdade. Eu poderia me acostumar com essa
sensação agradável, confortável e familiar.
– Socorro!
Talvez não.
Girei na cadeira ao ouvir uma voz aterrorizada e reconheci a mulher
idosa, alta e magra, usando uma camisola longa.
– Barb? – Elsa se levantou rapidamente, assim como eu e todos. – Qual
é o problema?
Os olhos de Barb se arregalaram de terror e ela agarrou a parte da frente
de sua camisola.
– Um demônio! – disse a mulher mais velha. – Há um demônio no
hotel!
Acho que meu vinho vai ter que esperar.
12

N aexpressando
sala, todos voltaram seu olhar
uma clara expectativa.
na minha direção, seus rostos

Tá certo. Eu era a Merlin.


Dei um passo em torno de minha cadeira e fiquei de frente para a
mulher mais velha.
– Você tem certeza de que é um demônio? – A probabilidade de um
demônio estar no hotel era quase nula. Eu havia sentido as proteções na
primeira vez que entrei no saguão. Elas pareciam ter sido cuidadosamente
criadas por algumas das bruxas ou magos mais poderosos para impedir a
entrada de demônios malévolos. O hotel representava um santuário, um
lugar seguro para onde os paranormais se dirigia caso um demônio estivesse
em sua perseguição.
O Véu também protegia nosso mundo, como uma camada sobrenatural
invisível. Mas, às vezes, o Véu tinha fendas chamadas Rifs, por onde os
demônios passavam.
A menos que alguém os tenha deixado entrar.
O medo de Barb se transformou em raiva, seu rosto enrugado a fez
parecer severa.
– Reconheço um demônio quando vejo um. Sou bruxa há mais tempo
do que você está viva, garotinha.
Olhei fixamente para a bruxa mais velha, seus olhos claros pareciam
estar em alerta.
– Certo. Quantos demônios? – Eu ainda não tinha 100% de certeza de
que ela tinha visto um demônio de verdade, mas estava claro que ela
acreditava que sim.
Barb soltou um suspiro.
– Um. Apenas um, eu acho.
Balancei a cabeça enquanto me dirigia à porta.
– Onde está o demônio?
– No nono andar – disse a bruxa mais velha enquanto eu saía correndo
do meu apartamento.
Parei no elevador e mudei de ideia, empurrei as portas da saída de
emergência e fui pela escada. Quando o elevador chegou ao último andar,
eu já estava no nono.
Subi as escadas, duas de cada vez. A adrenalina que corria pelo meu
corpo ajudava minhas pernas a andar mais rápido. Eu não tinha mais vinte
anos, não era tão rápida quanto antes. Eu tinha que confiar no meu profundo
ódio por demônios para estimular minhas pernas. Eu estava em forma, mas
não era uma atleta.
Minha respiração ficou acelerada quando abri a porta do nono andar e
entrei no corredor. Parei para ouvir enquanto piscava os olhos na escuridão,
procurando as luzes do teto, mas não vi nada. Ouvi um leve barulho da água
correndo pelos canos. Depois, nada. O cheiro fraco de enxofre pairava no
ar, seguido pelo pulsar de algo frio e vil, que não era deste mundo. Um
demônio. A velha bruxa estava certa.
Olhei para a janela no final do corredor. Era pequena, e eu podia ver o
céu escuro e nublado entre dois prédios altos.
Com o coração batendo forte, dei um passo à frente. O som de vidro
triturado sob minhas botas me fez parar
– Certo. Quem apagou as luzes? – murmurei na escuridão. Peguei meu
celular e liguei a lanterna.
Olhei para a parede lateral e, quando meus olhos se ajustaram à
escuridão, pude ver as duas luminárias com as lâmpadas de vidro
quebradas.
Sem saber por qual porta o demônio havia entrado, fui até a primeira
porta do andar e verifiquei a maçaneta. Estava trancada.
Os sons de passos correndo e o clique de uma porta de metal abrindo e
fechando me fizeram girar com o coração na garganta.
A porta da saída de emergência se fechou quando Jade, Elsa e Julian
entraram no corredor atrás de mim.
– O que vocês estão fazendo aqui? – sussurrei. Não que eu não gostasse
da ajuda, mas eu era a Merlin aqui, e não queria que meus novos amigos se
machucassem.
Elsa se adiantou.
– Você vai precisar da nossa ajuda – disse ela, batendo no pingente
como se ele contivesse um grande poder.
– Podemos não ser Merlins como você – disse Jade. – Mas podemos
ajudar.
– Podemos sim – reiterou Julian. Quando minha lanterna o iluminou, vi
que ele estava usando um longo sobretudo de couro que eu nunca tinha
visto ele usar antes.
Abri a boca para dizer a eles que fossem embora, mas olhando para seus
rostos desafiadores, duvidei que isso fizesse alguma diferença.
– Apenas não sejam mortos – eu disse quando me virei, olhando para o
corredor escuro. O frio que pulsava no ar se intensificou, combinando com
a pulsação do meu coração.
– Onde está? – perguntou Julian. – Onde está o demônio?
Os gritos irromperam do corredor.
– Siga os gritos – sussurrei e comecei a correr.
Ao chegar ao final do corredor, virei à direita. Uma luz amarela suave
brilhava da única porta entreaberta, com o número desbotado indicando
906. Corri até a porta e a abri o mais silenciosamente que pude para entrar.
O ar cheirava a sangue, o que não era exatamente o melhor sinal. O cômodo
estava iluminado apenas por uma luminária de mesa que não havia sido
derrubada.
Um corpo jazia no chão a menos de três metros de mim.
Que droga. Corri até o corpo. Ela estava deitada de lado. Pelas tamanho
do seu corpo e pela largura dos ombros visíveis sob a jaqueta preta e fina
que usava, era possível deduzir que era uma mulher, pelo menos o que
sobrava dela.
Meus lábios se abriram enquanto eu passava os olhos pelo corpo.
Porque, sim, era um corpo. Ninguém poderia estar vivo e ter essa aparência.
A pele de seu rosto, mãos e pescoço estava cortada, como se algo com
garras longas a tivesse atacado, e ela estava deitada em uma poça de
sangue. Um grande corte foi feito em seu abdômen. Havia um buraco
indicando que algo dentro dela havia sido retirado. Sim! Muito nojento.
– Ah, meu Deus – disse Elsa, com o medo estampado em seu rosto.
Jade se ajoelhou ao lado do corpo, tomando cuidado para não se sujar
de sangue.
– O que poderia ter feito uma coisa dessas?
– Um demônio – disse Julian, tirando a palavra da minha boca.
– Ele tem razão – eu disse, desviando o olhar da mulher morta e
olhando ao redor da sala. – Então, quem o deixou entrar? Alguém o
invocou? E onde ele está agora? – Não era possível que um demônio
passasse pelas proteções do hotel. Não, eu aposto que alguém havia deixado
esse demônio entrar, e eu tinha que encontrá-lo antes que ele matasse mais
alguém.
Como se fosse um sinal, um novo grito ecoou de algum lugar do nono
andar, fazendo arrepiar os cabelos da minha nuca.
Levantei-me, sem esperar por ninguém, e saí do quarto correndo em
direção à voz masculina que ainda gritava.
Uma porta à minha esquerda estava aberta, e eu entrei correndo.
A primeira coisa que vi foi um homem pressionado contra a parede,
com uma mão agarrada ao seu peito ensanguentado. A segunda foi uma
criatura que parecia um lagarto grande demais.
Ele tinha uma grotesca e desordenada combinação de escamas, pelos,
garras e presas, e possuía uma série de olhos negros na parte frontal de seu
crânio plano. Sua cauda terminava em uma garra grossa que chicoteava
ameaçadoramente de um lado para o outro.
– Esse é um demônio gutuk – disse Elsa, juntando-se a mim na entrada.
– Malditos nojentos. São máquinas de matar.
Levantei a sobrancelha, impressionada com sua percepção.
– Você conhece os demônios.
– Entre outras coisas – disse a bruxa.
O demônio gemeu e se lançou no ar com suas poderosas pernas de
lagarto, arremessando-se em nossa direção com uma velocidade
assustadora.
Entrei em contato com meu poder interior, canalizando as emanações e
aproveitando a energia celestial. Senti um formigamento quando ela
respondeu.
Uma luz branca e intensa se enrolou em minhas mãos e escorregou por
entre meus dedos em um movimento lento e serpenteante.
Depois disso, esperei que ela aumentasse.
Uma luz branca e flamejante surgiu dos meus dedos estendidos e eu a
direcionei para o demônio. Ela atingiu o rosto da criatura, cobrindo o corpo
do gutuk com uma camada de luz branca.
Ele soltou um grito de dor e, em seguida, caiu no chão parecendo um
monte de carne carbonizadas e cinzas.
– Puta que pariu – disse Julian, com os olhos arregalados enquanto
olhava para mim. – Que diabos foi isso?
Olhei para Jade e Elsa, que me encaravam com igual fascínio. Bem, tive
que fazer minha mágica na frente deles, então não adiantava mais esconder.
Abri a boca para responder.
– Minha magia é diferente.
– Não me diga – disse Julian.
Respirei fundo e disse:
– É…
Um grito me interrompeu.
Que droga.
– Há mais de um – eu disse. Desviei os olhos para o homem ainda
sangrando. – Alguém pode ficar com ele?
– Eu cuido dele – disse Elsa, acenando para que fôssemos embora. – Vai
lá, rápido.
Virei e saí pela porta em um piscar de olhos. Bem, não foi bem assim.
Foi mais como um tropeço e uma corrida.
A probabilidade de haver outro demônio dentro do hotel comprovou
minha teoria de que alguém os havia deixado entrar. Não era possível que
dois demônios entrassem em um lugar altamente protegido.
Voltei para o corredor.
Eram três demônios.
Duas criaturas nojentas se viraram ao som da minha aproximação, em
seguida, vi umas mechas de cabelos negros sumir quando uma porta se
fechou no final do corredor.
Eu podia vê-los, mesmo com a luz fraca, e desejei não poder. Eles eram
diferentes do demônio que eu tinha acabado de matar. Eram monstros
humanoides nus e horrivelmente deformados, repulsivos, com um odor
nauseante e excepcionalmente musculosos.
Que droga. Não me pagaram o suficiente por essa merda. Eu deveria ter
pedido ao Basil o dobro do que ele me deu.
– O que são eles? – perguntou Jade.
Dei de ombros.
– São uns malditos feiosos – Eu não fazia ideia. – Malditos feiosos e
pelados – corrigi.
– Quantas dessas coisas ainda existem? – Julian estava ao meu lado,
com as mãos nos bolsos do paletó.
– Dois – disse Jade. – Você não sabe contar?
Balancei a cabeça para os bruxos. Não era hora de briga.
Um dos demônios, o mais próximo, atacou.
Abaixei os ombros, preparando-me para o ataque, e dei um passo à
frente para encontrá-lo.
Ele saltou na minha direção, balançando um de seus braços longos e
disformes, terminando em garras. Entrei em contato com meu poder interior
e canalizei a energia celestial. Senti um leve puxão e, em seguida, com um
estalo, meu poder cósmico sumiu.
Opa.
Instintivamente, me abaixei e rolei quando senti garras puxando a parte
superior do meu cabelo. Bati contra a parede, sem conseguir respirar.
– Que diabos, Leana? – gritou Julian, avançando e chamando a atenção
do demônio.
Me levantei.
– Isso acontece às vezes. O céu está um pouco nublado esta noite.
– O quê? – gritou Julian, ainda concentrado nos demônios que
avançavam.
O mesmo demônio que veio até mim correu em direção a Julian. Ele
saltou sobre ele formando um borrão de pernas e braços grotescos, exalando
um fedor de fezes.
Julian tirou as mãos de dentro do casaco e dois frascos de vidro iguais
foram disparados de suas palmas estendidas. O demônio os recebeu no
peito.
Após um estrondo semelhante ao de um trovão, uma explosão lançou o
demônio para trás e para o alto. Ele ficou preso ali por um momento,
envolto em um anel de energia azul. Suas pernas deformadas se debatiam,
enquanto ele uivava.
E então o demônio explodiu, lançando um sangue negro e tripas por
todos os lados.
Pedaços de demônio choveram ao nosso redor, caindo como pequenas
grosmas no carpete, nas paredes e nas portas.
Julian me viu olhando e sorriu.
– Sou um mestre de poções. Venenos são minha especialidade.
Hum. Nunca teria imaginado. Achava que as poções do amor eram mais
a sua praia.
Uma porta à minha direita se abriu e revelou um rosto assustado de um
homem de meia-idade.
– Feche a porta e tranque-a – eu o avisei enquanto me levantava.
A porta bateu na minha cara quando outra se abriu no final do corredor.
– Eu vou lá – disse Jade enquanto corria para a jovem que olhava para a
bagunça no corredor, com uma expressão confusa.
Um grito soou perto de nós. A voz era jovem, possivelmente de uma
adolescente. O grito ficou agudo e depois se tornou um som estrangulado.
Corri em direção ao grito, contornei o final do corredor e parei.
O corpo de uma jovem bruxa, talvez com vinte anos, estava no chão do
corredor, com om os pés posicionados dentro do que eu supunha ser o seu
quarto. Ela havia tentado fugir e não conseguiu.
Seu corpo descansava em uma grande poça pegajosa de sangue. Seu
rosto estava coberto de sangue e pedaços de pele cortada. A bile subiu no
fundo da minha garganta.
Outro gutuk pairava sobre ela, comendo pedaços do que pareciam ser
seus intestinos. Ele também cortou sua garganta e comeu sua jugular. Seus
belos olhos claros olhavam para cima, para o nada, estavam vidrados e sem
vida.
O mundo diante de mim ficou vermelho.
O gutuk se virou e olhou para mim, com os pedaços da carne da jovem
ainda penduradas em sua boca.
A fúria floresceu em meu peito. As emoções sempre foram a chave para
alcançar mais poder. Utilizei a magia celestial novamente, concentrei toda a
minha atenção nela e foquei no único objetivo: destruir o demônio.
Colocando toda a minha raiva nele, eu a deixei fluir.
Duas bolas de pura luz branca atingiram o demônio.
O golpe o afastou da mulher e o fez cair no chão, rolando como uma
salsicha flamejante infernal. A luz branca encheu o corredor, iluminando-o
como a luz do sol. O calor da energia branca aumentou e eu dei um passo
para trás, observando o corpo do demônio se partir ao meio e depois se
desintegrar, formando uma pilha de cinzas.
Respirando com dificuldade, eu cambaleei com o cansaço. Canalizar
tanto poder era como correr uma maratona, e uma súbita fraqueza em
minhas pernas me fez vacilar.
O barulho do elevador soou no corredor, seguido pelo som agressivo de
passos.
Errol apareceu no corredor, seu rosto era uma máscara de horror e
desaprovação quando seus olhos encontraram os meus.
– Quem vai pagar por tudo isso?
– Me mande a conta – eu disse.
Julian se aproximou. Seus olhos fixaram-se nas minhas mãos, que
haviam emitido um brilho branco momentos antes.
– Que diabos foi isso? – perguntou Julian. – Que tipo de bruxa você é?
– Essa era a luz das estrelas – disse Elsa, juntando-se a nós com Jade. –
Leana é uma bruxa Estelar.
13

– Q ue diabos é uma bruxa Estelar? – perguntou Julian pela terceira vez,


sentado no sofá de frente para mim. Quando voltamos ao
apartamento, sua companheira não estava em lugar nenhum, mas ele
parecia mais interessado na minha magia do que em perder o sexo.
Apenas Jimmy permaneceu, abanando o rabo como um cachorro de
verdade, feliz por nos ver de volta. Eu queria apertá-lo. Ele era tão fofo.
Então me lembrei de que dentro daquele cachorrinho de madeira havia um
homem, o que poderia tornar as coisas um pouco estranhas.
Esperamos que a equipe de limpeza viesse e levasse os dois corpos
embora, o que aconteceu cerca de cinco minutos depois que Errol chegou
ao local, reclamando da bagunça. Os hóspedes estavam espiando tudo da
segurança de seus quartos. Seria impossível manter esse ataque em segredo.
Agora Basil teria um pânico geral em suas mãos para lidar.
– Vou ser demitido – disse Basil, aparecendo em cena momentos depois
de Errol, com as mãos na cabeça e parecendo que estava prestes a desmaiar.
– Você não vai ser demitido – Dei-lhe um tapinha no ombro enquanto
observava a mesma bruxa da equipe de limpeza que eu tinha visto ontem
espalhar o mesmo pó branco sobre a bruxa morta. O corpo havia
tremeluzido antes de desaparecer. Não que isso importasse. Quase todo o
andar estava para fora assistindo a esses acontecimentos. – Isso não é culpa
sua.
– É claro que a culpa é minha – disse o bruxinho, com a voz embargada
de histeria. – Eu sou o gerente. Tenho que garantir que os hóspedes estejam
seguros. Isso não é seguro! Isso é a morte. Demônios soltos no hotel? Isso
nunca aconteceu em mais de cem anos desde que o hotel abriu. Isso é uma
catástrofe.
Senti pena do pequeno bruxo. Era claro que seu trabalho era importante
para ele, assim como o meu era para mim.
– Vou descobrir quem é o responsável. É por isso que estou aqui – Duas
pessoas haviam morrido sob minha supervisão e eu não permitiria que isso
acontecesse novamente.
Basil virou-se e olhou para mim. Sua expressão se contorceu, revelando
uma mistura de náusea e medo.
– É melhor você se apressar. Se você não parar essas mortes logo,
teremos que mandar todos embora e fechar o hotel.
Ok, sem pressão.
– Todos? Até nós que moramos aqui?
Basil acenou com a cabeça.
– Todos. O hotel não pode se dar ao luxo de perder mais pessoas.
Sua declaração apenas intensificou minha determinação de descobrir
por onde os demônios estavam entrando, assim como quem os havia
invocado ou permitido sua entrada.
Agora, de volta ao meu apartamento, onde o aroma de pimenta ainda
impregnava o ar, tomei um banho rápido para lavar os pedaços de demônio
que ainda estavam grudados em mim e depois me juntei aos meus amigos
na sala de estar.
Afastei meu foco de Julian e olhei para minha taça de vinho, que ainda
estava cheia.
– Bem, é…
– Não é óbvio? – disse Jade, sentada de pernas cruzadas no chão, bem
no meio da sala de estar. As pontas dos seus cabelos crespos estavam
estranhas, como se ela tivesse enfiado o dedo em uma tomada. – Sua magia
vem das estrelas.
Julian assobiou.
– Isso é impressionante. Como eu nunca ouvi falar de uma bruxa Estelar
antes?
– Porque elas são muito raras – disse Jade. Ela se inclinou para a frente
empolgada. – Sabemos que seres vivos geram energia mágica; a própria
força vital é uma manifestação dessa energia mágica, juntamente com o
coração e as emoções humanas – continuou Jade. Jimmy sentou-se ao lado
dela no chão. Ela estendeu a mão e acariciou a cabeça dele.
– A bruxa nerd interior dela está sendo revelada – disse Elsa com um
sorriso. – Preparem-se.
– As almas também são uma fonte de energia mágica – continuou Jade.
– Tem também o poder dos elementos. A magia elementar, como a que
usamos, e a magia da linha ley. Depois, tem a magia dos demônios, onde é
emprestado a magia deles.
– E a magia das poções, como o Julian aqui – disse Elsa, inclinando a
taça de vinho para ele quando ele se sentou ao lado dela no sofá.
Jade se inclinou para frente.
– Há poder nas palavras, palavras mágicas, assim como há poder nos
sigilos e selos, se você for uma bruxa forte o suficiente, é claro. Todas as
bruxas nascem com algum nível de poder mágico dentro delas, uma energia
inata que nos foi dada por nossos ancestrais demônios. Ainda assim, nem
todas as bruxas são criadas igualmente em termos de força e habilidades
mágicas. Algumas nascem com quase nenhum poder e são praticamente
humanas – Jade mexeu suas pernas dobradas. – Mas a magia estelar, bem, é
o poder das estrelas e constelações, o poder celestial – acrescentou ela, com
os olhos arregalados.
Dei de ombros, sentindo-me um pouco constrangida por ter a atenção de
todos.
– Você faz isso parecer maravilhoso. É uma pena que não seja uma
fonte confiável de magia, como a magia elementar ou as poções.
– O que você quer dizer com isso? – perguntou Julian. – Eu vi você
explodir aquele demônio. Todos nós vimos.
– E você também notou minha dificuldade em fazer agachamentos –
Recostei-me em minha cadeira e cruzei as pernas na altura dos tornozelos. –
Minha magia é limitada a um grupo específico de estrelas, as mais próximas
de nós, um sistema de três estrelas chamado Alpha Centauri. E ela é
limitada durante o dia. Veja, mesmo que o sol seja tecnicamente uma
estrela, ele é uma estrela agressora. Ele me impede de obter minha energia
das outras estrelas durante o dia.
– O sol bloqueia você – disse Julian, com os lábios franzidos em um
sorriso.
– Exatamente. É por isso que a magia estelar é melhor à noite –
continuei. – Especialmente quando o céu está claro. Se o céu estiver
nublado, como hoje, é mais difícil de fazer e não é muito confiável.
– Então, o que você está dizendo é – disse Julian, inclinando-se para a
frente. Ele levou à boca um copo pequeno com um líquido claro que podia
ser vodca ou rum e tomou um gole. – Se o céu estiver claro à noite, você é
basicamente invencível.
Eu ri.
– Sim, é quando minha magia está mais forte. Mas, como eu disse, às
vezes ela pode não ser confiável.
O som metálico ressoou quando Jimmy abanou a cauda no chão.
– Nossa, parece que estou conhecendo uma celebridade.
Eu comecei a rir.
– Essa foi boa. A maioria das celebridades não está falida e sem teto –
Não que eu estivesse no momento, mas já estive.
O cão de brinquedo inclinou a cabeça.
– Você ficaria surpresa.
– Você é a única bruxa Estelar que você conhece? E quanto à sua
família? – perguntou Jade.
– Não tenho família – disse a eles, com o peito apertado. Nunca me
senti confortável com essa conversa. – Minha mãe faleceu há muito tempo e
eu nunca conheci meu pai. Minha mãe nunca falou sobre ele e morreu antes
que eu tivesse a chance de perguntar a ela. Ela era uma bruxa branca, como
você. Não tenho irmãos, nem tias e tios. Então, para responder à sua
pergunta, nunca conheci outra bruxa Estelar. Só sei que existem algumas.
Somos apenas raras, eu acho.
Depois disso, o silêncio era tão pesado no apartamento que eu quase
podia senti-lo em minha pele, como uma névoa, enquanto todos nós nos
perdíamos em nossos pensamentos.
Lembrei-me da minha conversa com Basil.
– O hotel tem algum inimigo? Tipo os hotéis concorrentes?
Elsa deu de ombros.
– Não que saibamos. O único hotel paranormal perto daqui fica em
Boston. O outro fica em Chicago. Por quê? O que você está pensando?
Balancei a cabeça.
– Era apenas algo que Basil estava dizendo. Seria uma sabotagem de
outros hotéis, talvez? Ele me disse que se eu não parar com essas mortes,
ele terá que fechar o hotel e mandar todo mundo embora.
– O quê?! – O vinho saiu voando da boca de Jade. – Mas… para onde
iríamos? Esta é a nossa casa. Eu moro aqui há vinte e três anos.
– Lá se vai o sexo casual com as mulheres dos andares de baixo –
murmurou Julian.
A cabeça de Jimmy girou em minha direção.
– O que exatamente Basil disse? – Percebi o tom de medo em sua voz.
Se todos nós tivéssemos que ser forçados a sair, o que aconteceria com
Jimmy?
Mudei de posição, estava atormentada com a inquietação.
– Exatamente isso. Ele ia perder o emprego e que, se eu não parasse
com essas mortes logo, ele teria de mandar todo mundo embora e fechar o
hotel.
– Mas e quanto ao Jimmy? – perguntou Jade, ecoando meus
pensamentos. – Ele não pode ir embora.
O cachorrinho de brinquedo girou as orelhas para trás.
– Eu ficarei bem. Terei o hotel inteiro só para mim – No entanto, sua
voz dizia o contrário.
Isso não era bom.
– Alguns dos inquilinos nunca moraram em outro lugar – disse Elsa,
com manchas vermelhas colorindo suas bochechas, e eu imaginei sua
pressão subindo. – O fechamento do hotel nos colocaria na rua. As famílias
aqui têm crianças e idosos. Somos como uma grande família. Conheço os
mesmos vizinhos desde que me lembro, e agora teríamos que nos separar.
Jade passava as mãos sobre as coxas, com uma expressão de dor no
rosto. Ela parecia assustada. Estava mais aterrorizada com a perspectiva de
perder sua casa do que enfrentar um demônio.
Embora Julian estivesse tentando manter a calma, seus olhos estavam
fixos no copo. Ele parecia tenso e mais pálido do que o normal.
Eles estavam apavorados com a possibilidade de perder suas casas, os
amigos e a família. E eu não ia deixar que isso acontecesse. Eu também
gostava de morar aqui. Não estava pronta para desistir.
Coloquei minha taça de vinho na mesa ao lado.
– O hotel não vai fechar. Não deixarei que isso aconteça. Veja, ainda
tem tempo para impedir o que está acontecendo aqui.
– Você tem alguma ideia de quem está por trás disso? – perguntou Jade,
com a voz esperançosa, enquanto eu sentia todos os olhares voltados para
mim.
Suspirei fundo.
– Ainda não. Mas alguém está deixando os demônios entrar. Vocês
mesmo viram isso esta noite. Somente um praticante de magia muito
poderoso poderia fazer isso. Alguém com o conhecimento de como
contornar as proteções do hotel. Alguém com habilidade suficiente para
abaixar o Véu a ponto de deixar os demônios entrarem. Ou eles podem estar
invocando-os de dentro do hotel.
Elsa estremeceu e esfregou as mãos nos braços como se estivesse com
frio.
– Você acha que uma bruxa está invocando demônios de dentro do
hotel?
– Eu acho – eu disse. – Acho que o responsável está aqui, dentro do
hotel. Você não pode invocar um demônio do lado de fora e esperar que ele
passe. Não é possível. Da mesma maneira que os demônios que conseguem
ultrapassar o Véu não conseguem penetrar nas proteções que existe. Elas
são poderosas demais – Me inclinei para frente. – A única maneira de entrar
é já estando aqui dentro. E em algum lugar dentro deste hotel há um portal
para os demônios atravessarem, um buraco, uma fenda, como você quiser
chamar. Alguma coisa que os deixa passar.
– Ok – disse Julian. – Digamos que isso seja verdade. Então, isso
significa que temos uma bruxa ou um mago maluco que deixa os demônios
entrar enquanto dormimos. Legal.
– Existe alguma ligação entre as mortes passadas e as que ocorreu esta
noite? – perguntou Elsa.
Dei de ombros.
– Ainda estou trabalhando nisso. Até agora, parece que as mortes foram
aleatórias, sem nenhuma lógica real por trás delas – eu disse. – Exceto por
Eddie. Ele era um alvo porque sabia demais. Ele descobriu que alguém
havia sabotado as câmeras de segurança – Não liguei de falar sobre as
câmeras. Eu sabia que podia confiar em Jimmy, e meu instinto me dizia que
podia confiar em todos nesta sala. – O que me diz que quem está por trás
disso está fazendo de propósito. Há uma razão pela qual eles abriram os
portões do inferno e deixaram os demônios entrarem.
– Mas por quê? – perguntou Elsa. – Por que eles fariam isso conosco?
– Para fechar o hotel – respondeu Julian antes que eu tivesse a chance. –
Para se livrar de nós.
– Mas por que eles querem isso? – perguntou Jade, com as costas
rígidas de tensão e medo. – Nós não fizemos nada. Apenas vivemos aqui.
Não machucamos os humanos ou outros paranormais. Nossa vida é muito
entediante.
– Fale por você – disse Julian. – Eu tenho um estilo de vida animado e
muito vibrante.
Jade fez uma boa observação. E essa era a única pista real até agora.
Agora eu tinha que descobrir quem lucraria com o fechamento do Twilight
Hotel. Mas, primeiro, eu tinha outros assuntos mais urgentes para resolver.
Porque o verdadeiro culpado ainda estava lá fora, e nenhum de nós
estava seguro até que eu o detivesse.
Pigarreei e me levantei.
– Preciso ir.
– O quê? Agora? – perguntou Elsa. – É quase meia-noite.
– Sim. Faço meu melhor trabalho à noite. Será mais fácil para mim usar
minha magia. E vou precisar de toda ela se for necessário buscar possíveis
fendas no Véu. Ou vestígios de uma invocação.
Julian se levantou.
– Eu vou com você.
– Eu também – disse Jimmy.
– Não – eu disse a eles, sorrindo.
Elsa colocou as mãos nos quadris.
– Você não pode inspecionar o hotel inteiro sozinha. Ele é muito grande.
– Com muitas portas secretas – disse o cão de brinquedo.
Eu o encarei.
– Portas secretas? – Eu não tinha certeza se era verdade ou se Jimmy
estava dizendo isso apenas para que ele pudesse vir junto.
A cabeça do cão de brinquedo balançou.
– Há muita coisa que você não sabe sobre este lugar. Estou aqui há
muito tempo. Você precisa de mim.
Ele fez uma boa observação. Até agora, ele provou ser um parceiro
perfeito.
– Está bem. O Jimmy vai comigo – eu disse, e o cão de brinquedo
começou a girar em torno dos meus tornozelos. – Mas preciso que o resto
de vocês fique de olho aqui, para proteger os inquilinos deste andar caso
algo aconteça.
– Você acha que há mais demônios no hotel? – Os olhos de Jade
estavam arregalados.
– É uma possibilidade – eu disse a ela. – Esta noite pode ser apenas o
começo. Pode haver mais. Nós simplesmente não sabemos – Peguei meu
celular e verifiquei a duração da bateria. Eu ainda tinha cerca de quarenta e
oito por cento. – Ligue para mim se vocês avistarem algo.
– Faremos isso – respondeu Elsa. – Tenha cuidado.
– Eu vou – eu disse, colocando meu celular de volta no bolso. – O
mesmo vale para todos vocês. Ninguém está seguro até que eu detenha
quem está por trás disso.
– Vamos lá, Leana – Jimmy saiu da sala de estar e já estava na porta
quando eu dei a volta na mesa de centro.
Caminhei pelo corredor em direção ao elevador. Hoje eu tinha certeza
de duas coisas. Primeiro, eu sabia que mais pessoas morreriam se eu não
encontrasse os responsáveis. E a segunda, eu estava na lista de alvos, agora
que tinha provas de que alguém havia sabotado as câmeras.
Eu sorri. Venha me pegar.
14

– P oresmagando
que o porão primeiro? – Jimmy rolava ao meu lado, com as rodas
as pequenas sujeiras e pedrinhas no piso frio de cimento.
– Gosto de trabalhar do zero – eu disse a ele.
O porão era enorme e percorria toda a extensão do prédio, com muitos
corredores e portas que levavam a vários cômodos. O teto era baixo e o piso
de cimento tinha cheiro de urina e cinzas de cigarro. Senti o cheiro de mofo
e bolor de coisas velhas há muito abandonadas, além de alguns traços de
fumaça de cigarro e suor. As luzes halógenas emitiam um zumbido no teto.
Verificamos a primeira sala. As paredes eram forradas de prateleiras e
armários com arquivos. Um sofá e algumas cadeiras estavam em um canto
ao lado de uma mesa de centro cheia de revistas e caixas. Mais livros e
caixas enchiam as prateleiras apertadas. Uma sala sem janelas era
deprimente. Eu nunca poderia trabalhar aqui. Estava frio e eu não queria
ficar aqui mais tempo do que o necessário.
Jimmy parou e olhou para mim.
– Como você planeja investigar o hotel inteiro? Como você pretende
encontrar essa fenda no Véu?
– Vou direcionar meus instintos – eu disse ao cão de brinquedo.
– Como? Instintos de bruxa?
Soltei uma risada breve.
– Poderia fazer isso. Mas estou falando da minha magia. Aqui, deixe-
me mostrar a você.
Saí da sala e esperei por Jimmy. Em seguida, fechei os olhos e
mergulhei naquele lugar mágico, no epicentro do poder das estrelas e das
constelações que brilhavam bem acima de mim.
O ar pulsou com a energia. Meus cabelos e roupas se levantaram
quando senti o zumbido do poder das estrelas, esperando para ser liberado.
Com uma explosão de poder, extrai os elementos mágicos das estrelas e
os combinei com os meus. A energia crepitava em minha pele, formigando
como pontadas frias.
Minhas costas se arquearam quando uma enorme onda de poder
percorreu meu corpo. Tive o cuidado de não absorver muito. Muito poder
me mataria.
Abri os olhos e olhei para a bola de luz branca brilhante que pairava
sobre minha mão.
E então a soprei em minha palma.
A bola se elevou no ar, pairando um pouco acima do teto e, em seguida,
com um estalo, explodiu em milhares de pequenas estrelas. Depois, com um
empurrão final, as estrelas em miniatura dispararam para a frente, deixando
um rastro de luz brilhante como pó de fada.
– O que é isso? – perguntou Jimmy, com a admiração em sua voz quase
palpável.
– Minhas luzes estelares. Minha magia estelar – eu disse a ele. – Posso
manipular a luz das estrelas em versões menores. Elas são como sensores.
Eu sinto o que elas sentem.
O cão de brinquedo piscou.
– Você vai conseguir sentir se elas encontrarem mais demônios.
– E se há alguma energia maléfica aqui no porão. Se houver uma fenda
no Véu, eu a sentirei. E se alguém foi idiota o suficiente para fazer um
círculo de invocação aqui, eu também sentirei.
– E se os encontrarmos? O que faremos? – perguntou Jimmy.
– Então – exalei, meu corpo tremia enquanto eu mantinha o foco em
minhas luzes estelares. – Vou chutar o traseiro deles e entregá-los às
autoridades. Deixarei que o Conselho das Sombras lide com eles. Minha
parte será feita ao capturá-los. O que eles farão com eles depois não é
problema meu.
O Conselho das Sombras era o órgão governamental criado após séculos
de conflito entre os paranormais. Ele era composto por um membro de cada
raça paranormal, cujo dever era manter a paz entre as raças. Eles também
eram os donos do Twilight Hotel e de estabelecimentos semelhantes.
– Mal posso esperar para ver isso – disse Jimmy. – Alguma coisa até
agora?
Dirigi meus sentidos para minhas luzes estelares.
– Ainda não. Vamos lá. Temos muito terreno para cobrir.
– Eu tenho todo o tempo do mundo – disse o cão de brinquedo, rolando
à frente. – Então, você é mais poderosa na lua cheia?
Eu dei uma risadinha.
– Sim – A lua cheia não era apenas quando todos os loucos saíam, mas
quando os rituais eram mais poderosos, quando a magia era mais vital e
quando o Véu que impedia os demônios de entrar em nosso mundo estava
mais fino.
Mas também era quando minha luz estelar era mais forte. Bem, é
melhor você tomar cuidado quando a lua está cheia.
Sorri e o segui. Eu ainda estava me acostumando a trabalhar com um
parceiro. Por trabalhar sozinha por mais de dez anos, eu estava acostumada
com meus hábitos. Mas ter Jimmy comigo estava sendo bom. Ele era como
um escoteiro, um mestre da espionagem. O cãozinho de brinquedo conhecia
todas as portas e cômodos secretos do hotel que poderiam abrigar pessoas
ruins que quisessem prejudicar o hotel e seus hóspedes. Além disso, ele era
uma boa companhia e ria das minhas piadas. Tem coisa melhor do que isso?
Fomos caminhando e, por vezes, eu acendia a luz das estrelas para ver
se algo sombrio e demoníaco aparecia, mas não havia nada até agora no
porão.
– Ali, naquele lugar – comentou o cão de brinquedo. – Foi onde eu vi
pela primeira vez Evonne Dubois, a feiticeira famosa.
– Certo – Não fazia ideia de quem ele estava se referindo.
– Ela estava ocupada… você sabe… com um dos moradores, um
lobisomem muito mais jovem – continuou Jimmy. – Em 1962, Harry Tarrio
veio morar aqui. Sabe, aquele vampiro que virou ator? E em 1983, os
gêmeos Ogre vieram ficar no hotel… infelizmente, eles comeram uma das
empregadas. É difícil controlar o instinto de ogro…
Enquanto ouvia Jimmy comentar sobre várias outras estrelas
paranormais famosas que visitaram o hotel ao longo dos anos, me peguei
pensando em um homem-fera com olhos escuros e intensos e um sorriso
que deixava minha calcinha em chamas.
Totalmente inapropriado no momento, mas minha mente tinha outros
planos. Ele me enfurecia, mas eu sentia uma atração por ele. E o fato de que
ninguém parecia saber que tipo de paranormal ele era o tornava mais
atraente e misterioso. Aqui estava eu trabalhando, caçando demônios,
apenas minutos após sair de um relacionamento ruim e extremamente
longo, e minha mente só pensava em Valen. Valen. Valen. Eu até mesmo
gostava de dizer o nome dele na minha cabeça.
Sim. Eu precisava totalmente de terapia.
Após três horas de busca pelo hotel, incluindo a cozinha, os quartos
secretos de Jimmy e o salão de baile, sim, um salão de baile de verdade, eu
não havia encontrado qualquer sinal de uma fenda no Véu ou de uma
invocação demoníaca. Quem quer que tenha feito isso, fez um excelente
trabalho para se livrar de todas as evidências. Foi um trabalho realmente
impecável. Eu estava começando a temer que não encontraríamos nada.
– Alguma coisa? – perguntou Jimmy quando saímos do elevador e nos
encontramos de volta no nono andar.
Novamente, enviei minha luz estelar e, mais uma vez, elas se
movimentaram pelos corredores como centenas de pixies brancos, saindo
de vista. Senti pequenas correntes de energia fria percorrerem minha pele
quando minha luz estelar respondeu. Não era muito.
– Apenas os rastros dos ataques. Nada mais – Eu estava cansada,
exausta, suada e tremendo. Estava começando a sentir os efeitos de horas de
uso de minhas habilidades, o que, por sua vez, estava esgotando minha
magia e energia. Canalizar minha magia estelar dessa forma estava
cobrando seu preço. Logo eu não teria mais nada para usar. Preciso
descansar e deixar minha magia descansar também.
Pensar na minha cama me fez andar mais devagar. Tive que arrastar
minhas pernas, sentindo como se estivessem sobrecarregadas e pesadas
como chumbo.
– Não se esqueça do envelope – disse o cão de brinquedo.
Limpei o suor de minha testa.
– O quê?
– Seus papéis do divórcio. Não se esqueça de preenchê-los e devolvê-
los a mim.
– Sim, estou ansiosa por isso. Vou fazer isso de manhã – Se Elsa
conseguisse o divórcio em duas semanas, isso seria um verdadeiro milagre.
– Eu a lembrarei novamente se você esquecer – disse Jimmy.
Eu ri quando viramos a curva.
– Obrigada. Eu provavelmente não vou…
Eu parei de repente.
– Espere – Uma brisa fria bateu em cheio e minha pele se arrepiou.
Senti como se tivesse acabado de entrar em uma geladeira enorme.
O cão de brinquedo parou.
– Você sentiu alguma coisa? – ele sussurrou.
Acenei com a cabeça. O problema com minhas luzes estelares era que
eu sentia o que elas sentiam e, neste momento, elas sentiam algo ruim.
Muito ruim. A energia que elas emitiam era fria, sombria e maligna.
Encostei-me na parede e, lentamente, dei uma olhada na esquina do
corredor. Minhas luzes estelares estavam apontadas para uma porta, dando a
impressão de que ela era feita de pura luz. Alguma coisa estava dentro
daquela porta.
Puxei minhas luzes estelares e depois as soltei. A luz da porta se apagou
e pude ver o número preto estampado na parte superior, 915.
– Tem algo naquele quarto. Pode ser um demônio. Pode ser onde tudo
isso começou – Eu não tinha sentido isso antes. Estava muito ocupada
lutando contra os demônios para perceber. Mas havia algo lá.
– Bem, vamos ver – Jimmy avançou, e então parou de repente quando
eu enrijeci.
A porta se abriu.
Meu coração saltou em minha garganta quando vi quem estava saindo.
Valen saiu do quarto 915 e fechou a porta no momento em que a última
luz das minhas estrelas desapareceu.
Se ele as viu ou sentiu, não demonstrou.
De repente, meu coração bateu muito mais rápido do que antes. Meu
estômago se apertou, como se meus intestinos estivessem pulando corda
enquanto meus olhos o observavam atentamente. Ele usava as mesmas
roupas que eu tinha visto antes. Notei sua confiança, os ombros largos, os
braços e o peito musculosos que tive a sorte de sentir com meu rosto. Me vi
incapaz de desviar o olhar.
Então ele virou a cabeça na nossa direção.
Puxei minha cabeça para trás e me escondi contra a parede.
– Rápido. Escadas – sussurrei, mas Jimmy já estava rolando à minha
frente em direção à porta de saída de emergência.
Corri o mais rápido e silenciosamente que pude, o que, convenhamos,
era pouco mais do que um mísero andar, e meus passos eram pesados. Eu
não era uma mulher de estatura pequena ou leve. Agarrei a porta e a
empurrei para abri-la. Quando Jimmy entrou, eu a fechei o mais
suavemente possível.
Mantive minha mão na porta.
– O que ele estava fazendo naquele quarto? – Olhei para Jimmy, que
moveu a cabeça e me deu de ombros, como se os tivesse.
Encostei meu ouvido na porta, procurando qualquer indicação de que
Valen estivesse vindo em nossa direção. Rezei às estrelas para que ele não
estivesse.
Um passo pesado se aproximou e eu prendi a respiração. Então o passo
parou, e o som de rodas metálicas e cabos rangendo ecoou no instante em
que o elevador parou. Ouvi o som das portas se abrindo e fechando e o
mesmo movimento de metal quando o elevador voltou a se movimentar.
Abri a porta abruptamente. O corredor estava deserto. Nenhum sinal de
Valen.
– Vamos lá – Segurei a porta para Jimmy novamente, e nós dois
corremos pelo corredor até chegarmos à porta número 915.
– Eu conheço Valen – disse Jimmy. – Ele é um cara legal, eu sei. Ele
não faria isso.
– Mas você não tem certeza – eu disse a ele, tentando me controlar. –
Você me contou apenas algumas coisas sobre ele e seu passado. Mas o fato
é que você nem sequer sabe que tipo de paranormal ele é – Ele poderia ser
um bruxo ou um mago. Não seria tão difícil para alguém de alto calibre
disfarçar sua magia, um bom feitiço seria suficiente. Isso explicaria por que
ninguém conseguiu descobrir sua raça paranormal. Ele estava escondendo
isso.
E aqui estava eu fantasiando com seus lábios finos e suas mãos
enormes, quando ele poderia ser o cara que soltava os demônios.
Existe apenas uma maneira de descobrir.
– Se não houver nada aqui – comecei, embora duvidasse seriamente
disso. – Você pode continuar pensando que ele é um cara legal.
Girei a maçaneta, encontrei a porta destrancada e entrei.
A primeira coisa que me atingiu foi o frio, como se a temperatura
tivesse caído dez graus. E então veio o cheiro de podridão, carniça e morte,
o cheiro de demônios. Em seguida, o leve cheiro de velas, com algo mais.
Sangue.
Um grande círculo de sangue estava no meio do chão, com a cabeça do
que parecia ser uma cabra no centro. Runas e selos pintados com sangue
marcavam alguns pontos ao redor do círculo. Velas acesas estavam no chão,
estrategicamente posicionadas ao redor do círculo.
Ao lado do círculo na parede havia uma grande mancha de alcatrão
preto, do tamanho de uma pessoa. Eu sabia o que era aquilo. Já tinha visto
isso antes.
– Isso é uma fenda – eu disse. – O que sobrou dela. Um portal para os
demônios, uma porta de entrada para o Submundo.
Jimmy ficou paralisado, com as orelhas meio que girando.
– Não se preocupe – Caminhei e fiquei bem em frente à fenda,
arrastando meu dedo na substância parecida com alcatrão. – Ela está
fechada. Nada pode entrar ou sair – Mas eu sabia, sem dúvida, que esse era
o lugar de onde os demônios haviam escapado. E parecia que alguém havia
aberto a fenda com um ritual, e esse alguém era Valen.
O cão de brinquedo pareceu relaxar um pouco. Ele rolou em direção ao
círculo de sangue e assobiou.
– Bolas demoníacas. Olha isso!
Me virei e olhei para o círculo.
– Detesto dizer isso, mas o seu amigo Valen, não está parecendo tão
inocente agora. – Eu também não gostava de admitir isso para mim mesmo.
O cachorro virou a cabeça para mim.
– Admito que é estranho encontrá-lo aqui. Só não entendo por que ele
estaria envolvido em algo assim.
Exalei profundamente.
– Bem, por um lado, se ele fez isso, e está parecendo que sim, ele é
algum tipo de bruxo.
– Você acha?
– Meu palpite seria um mago. Um mago das trevas.
– Mas isso não explica por que ele faria isso – disse o cão de brinquedo.
– Por que ele mandaria esses demônios matarem os hóspedes? Que motivo
ele teria?
Pensei sobre isso.
– Ele talvez queira o hotel para si. Sendo um empreendedor, ele pode ter
planos para ele. Não há maneira mais conveniente de comprá-lo por um
valor acessível do que quando está tomado de demônios.
Fazia sentido, mas isso deixou um gosto amargo em minha boca. Eu
nunca o consideraria um assassino psicótico. Mas eu não o conhecia de
fato.
– Jimmy – Eu me ajoelhei ao lado do cão de brinquedo. – Preciso que
você mantenha isso entre nós por enquanto.
– Você não quer que eu fale sobre Valen?
Balancei a cabeça.
– Não. Não até que eu tenha mais provas. Ainda há algo errado. Algo
está me incomodando. E até que eu consiga identificar o que é, prefiro não
dizer nada. Não quero que Valen saiba que estou atrás dele. Ele tem muitos
amigos aqui. Tenho certeza que ele será o primeiro a saber se contarmos a
alguém. Portanto, não conte aos outros.
– Não vou – respondeu Jimmy. – Nem para o Basil?
– Nem mesmo para o Basil. Eu lhe direi quando tiver mais provas.
O fato de Valen ter saído do quarto não era uma prova sólida de que ele
abriu uma fenda, pois eu não o vi realizando o ritual, mas provou que ele
estava envolvido. De que outra forma ele saberia sobre o quarto?
Peguei meu celular e comecei a tirar fotos do círculo de sangue, das
runas e selos, e do que restava da fenda. Quando terminei, deslizei a tela do
meu celular e digitei.
– Para quem você está ligando? – perguntou o cão de brinquedo.
– Para o Basil. Ele precisa saber que encontrei a fonte do nosso
problema.
Jimmy ficou em silêncio depois disso. Eu sabia que ele estava lutando
contra a ideia de que Valen era o responsável. Eu sentia pena dele, mas a
evidência era inegável. Nós dois o vimos saindo do quarto.
Eu havia descoberto de onde os demônios tinham vindo. Como a fenda
estava fechada, ninguém mais apareceria esta noite. Mas eu sabia que isso
ainda não havia terminado.
Eu não queria admitir. Realmente não queria, mas a prova estava diante
de mim.
Quer eu gostasse ou não, Valen estava envolvido. Ele estava envolvido
na abertura de um portal para o Submundo e havia deixado os demônios
saírem.
Oh, céus.
15

T rês semanas se passaram desde a noite em que Jimmy e eu entramos no


quarto 915 e descobrimos a fenda e, até agora, não houve mais ataques
de demônios.
Eu havia patrulhado o hotel todas as noites, procurando com minhas
luzes estelares por qualquer sinal de atividade demoníaca, e havia
descoberto apenas alguns adolescentes se pegando em um dos quartos
secretos de Jimmy, que aparentemente não eram tão secretos assim, e um
grupo de velhos paranormais jogando em um quarto infestado de fumaça e
cheiro de suor no subsolo do hotel.
Todas as noites eu trabalhava até o amanhecer, sabendo que os
demônios não poderiam estar deste lado do Véu de dia, a menos que
quisessem sofrer uma morte fatal. Não que eu me importasse com isso
também.
No entanto, minhas noites não tinham sido nada tranquilas, para dizer o
mínimo. Eu até jantei seis vezes no After Dark, na esperança de obter
alguma informação de Valen ou talvez encurralar uma de suas garçonetes,
mas ele estava convenientemente ausente e todos se recusaram a falar
comigo sobre ele. Todos tinham a mesma expressão de medo e se
afastavam.
Mas ele ainda era o meu principal suspeito. A essa altura, ele era meu
único suspeito.
Quando rolei para fora da cama, eu realmente rolei, o relógio do meu
celular marcava 13h34min.
O aroma do café atraiu minhas pernas do quarto para a cozinha.
– Que bom, você acordou – Elsa veio até mim com uma xícara fresca de
café com um aroma delicioso em uma mão e um envelope na outra. – Aqui
– disse ela, entregando-me os dois. – Tenho boas notícias para você.
– Excelentes notícias – disse Jade, se aproximando da mesa da cozinha
com uma camiseta preta do Iron Maiden e algumas mechas cor-de-rosa no
cabelo. – Você vai ver. Abra.
– Dê um tempo para a pobre bruxa – disse Julian da sala de estar. Suas
longas pernas estavam esticadas sobre a mesa de centro enquanto ele
descansava e assistia a um jogo de futebol. – Ela esteve trabalhando a noite
toda como eu.
Elsa zombou.
– Não, você não trabalhou.
Julian deu um sorriso.
– Passei a noite toda trabalhando na Janet Vickers.
Primeiro, tomei um gole de café, na esperança de que a cafeína tirasse a
crosta dos meus olhos. Em seguida, coloquei minha caneca no balcão e,
com as duas mãos, rasguei a parte superior do envelope.
– Você conseguiu – Olhei para uma Elsa sorridente. – É o meu divórcio.
Não posso acreditar. Estou divorciada. Estou realmente divorciada – Fiz
uma pequena dança.
– Graças aos céus – disse Jade, levantando sua xícara em uma saudação.
– Agora você está livre para transar com qualquer cara gostoso que
quiser – disse Julian. – Ou moça.
Pisquei os olhos e olhei para o papel, com as mãos tremendo levemente.
Eu estava feliz e um pouco triste. Não por estar oficialmente divorciada,
mas por demorar tanto para fazer isso. Eu deveria ter feito isso anos atrás,
quando suspeitei que Martin estava me traindo. Mas, na época, eu tinha
medo de ficar sozinha.
Não mais. Eu era uma mulher diferente agora. E não tinha medo de ficar
sozinha. Eu só precisava de mim.
Encarei Elsa.
– Não sei como agradecer a você.
As bochechas de Elsa ficaram um pouco rosadas.
– Ah – ela fez um aceno com a mão – Isso não é nada. Além disso, não
fui eu que fiz o trabalho, foi minha amiga Nimir que fez. E foi um prazer
para ela ajudar.
– Bem, por favor, agradeça a ela por mim – Coloquei o papel no balcão,
sentindo uma sensação de leveza e liberdade. Era uma sensação incrível.
Jade se apoiou no balcão ao meu lado.
– Você encontrou alguma coisa na noite passada? Mais demônios ou
fendas?
É claro que eu havia contado aos meus amigos sobre o círculo de
sangue e a fenda que encontrei no quarto 915. Só deixei de fora a parte
sobre Valen. Por enquanto.
– Não – Tomei outro gole de café. – Apenas o velho Craig e seus
amigos no subsolo novamente. E, é claro, um deles estava nu.
– Legal – riu Julian.
– Eu não estava preparada para ver as partes íntimas de um senhor de 85
anos.
Jade arregalou os olhos, e um sorriso brilhante surgiu em sua boca.
– Ah, meu Deus.
Julian deu um tapa em sua coxa e soltou uma gargalhada.
– Vou jogar amanhã à noite. Vou acabar com esses veteranos.
Meus olhos encontraram Elsa, que sorria enquanto esfregava o
medalhão em seu pescoço com as duas mãos. Senti um aperto no coração.
Ela sentia muita falta do marido. Parte de mim queria saber o que havia
acontecido com ele, mas não era o momento de perguntar. Se ela quisesse
que eu soubesse, ela me diria.
O som de rodas chamou minha atenção para a porta.
– Então, quem está pronto para o baile desta noite? – Jimmy veio
rolando em minha direção, com um sorriso no rosto, do jeito que só um
cachorro duro de madeira consegue.
Engoli outro gole de café.
– Desculpe-me. Você disse baile? – Eu ri. – Essa foi boa.
Jade bateu palmas.
– O baile da meia-noite! É uma tradição. Todos os anos, na última
sexta-feira de setembro, o Twilight Hotel organiza um baile.
Pisquei os olhos.
– Você está falando sério?
Elsa se aproximou de mim e pegou um pedaço de papel preto no balcão
que eu não havia notado.
– Aqui está. Isso estava na sua porta hoje de manhã. Todos nós
recebemos um. Todos no hotel estão convidados.
Peguei o convite. Letras douradas estavam estampadas elegantemente
no papel preto:

Prezada Leana Fairchild. Você está cordialmente convidada para o


BAILE DA MEIA-NOITE
Uma noite de coquetéis, música, jantar e dança
Organizado pelo Twilight Hotel
Sexta-feira, 30 de setembro
Da meia-noite às 4h da manhã.
Salão dos Vampiros
The Twilight Hotel, Manhattan, Nova York

Eu já tinha ouvido falar do Baile da Meia-Noite ao longo dos anos. Era


algo de conhecimento comum entre todos os seres paranormais da cidade.
Os rumores diziam que era um evento luxuoso e mágico que você nunca
esqueceria. Mas você precisava de um convite. E agora eu tinha um. Só não
tinha certeza se queria ir. Eu não era do tipo que ia a bailes, se é que isso
existia. Caramba, eu nunca tinha ido a um baile ou algo semelhante. A
única coisa que me veio à mente foi o casamento do primo de Martin, ao
qual eu tinha ido há quatro anos, em um clube de campo esnobe no norte do
estado de Nova York. Fiquei tão entediada que fiz amizade com a mesa de
vinhos e não conseguia me lembrar como cheguei em casa. Não foi meu
momento de maior orgulho.
– É o evento mais procurado do ano – disse Elsa quando olhei por cima
do convite e encontrei seu olhar. – Qualquer pessoa importante da nossa
comunidade paranormal estará lá. Líderes, chefes de conselhos, todos. É
uma ótima maneira de você fazer novos contatos. E para você, isso pode
significar novos clientes.
– E senhoritas solteiras – disse Julian. – Eu sempre saio com pelo
menos uma dúzia de novas amigas.
Eu ri.
– Aposto que sim.
– Além disso… você precisa comemorar seu divórcio – disse Jade. –
Isso é uma grande vitória. Que melhor maneira de fazer isso do que dançar
até altas horas da madrugada? – Ela envolveu os braços em torno de um
parceiro de dança imaginário e saiu da cozinha, girando em direção à sala
de estar.
Olhei novamente para o convite.
– Não acho que organizar um baile neste momento seja uma boa ideia –
eu disse, perguntando-me o que diabos Basil tinha na cabeça. Eu só
conseguia imaginar que ele estava considerando que, ao planejar o baile, o
hotel não pareceria tão tomado por demônios, e, com sorte, poderia
permanecer aberto.
Mas isso era perigoso, uma tolice. Minha investigação ainda estava em
andamento, eu não havia terminado ainda. Minha investigação sobre Valen
não tinha sido conclusiva, mas isso não significava que ele não estivesse
envolvido. Eu só precisava de mais tempo.
Elsa colocou a mão no quadril.
– Por que não? Acho que isso elevará o moral de todos. Nós precisamos
disso. Eu preciso disso.
Suspirei, sem querer acabar com a alegria dela, mas sentindo a
obrigação de fazê-lo.
– Porque os demônios ainda podem estar vagando pelo hotel. A menos
que você queira que eles participem do baile.
Elsa estreitou os olhos para mim.
– Não apareceu mais nenhum demônio ou monstro nas últimas três
semanas. Eles se foram. Você encontrou a fenda, e ela estava fechada, não
é?
– Sim.
– Então, isso resolve tudo – continuou a bruxa. – A pessoa responsável
se foi. Ela foi descoberta e foi embora. Eles sabem que você está aqui. Acho
que o plano que eles tinham não funcionou e eles se foram para sempre.
– Eu também – disse Jade, ainda girando pela sala com seu parceiro de
dança imaginário.
Balancei a cabeça.
– Eles não foram embora – eu disse, pensando em Valen enquanto
encarava os olhos preocupados de Jimmy. Ainda não havíamos contado a
eles sobre Valen, nem contaríamos até que eu tivesse mais informações. –
Eu posso tê-los parado temporariamente, mas eles não foram embora. Isso
ainda não terminou. Talvez eu consiga fazer com que Basil cancele…
– Não! – Julian, Elsa e Jade gritaram juntos.
Levantei a mão em sinal de rendição, com um sorriso no rosto.
– Tudo bem, não vou falar nada. Se isso é tão importante para vocês.
Julian colocou a mão sobre o peito.
– Sexo com mulheres bonitas é sempre importante para mim.
– Ótimo. Está decidido – Elsa acenou com a cabeça. – Você vai ver.
Você se divertirá muito. Vai dançar e beber, conhecerá pessoas novas e
esquecerá toda essa história de demônios por uma noite. Acho que você
precisa dessa distração mais do que nós.
Ela não estava errada quanto a isso.
– Não posso. Estarei trabalhando.
Elsa colocou as mãos nos quadris.
– Não, você não irá trabalhar esta noite.
– Você pode pular uma noite, não pode? Ah, por favor, Leana – Jade se
juntou a mim ao lado do balcão, me encarando como se tivesse acabado de
perder seu amado cachorrinho, e eu fosse a única pessoa no mundo que
poderia encontrá-lo.
Soltei uma baforada de ar.
– Vocês estão me torturando – Então, algo me ocorreu. – É um baile de
máscaras? – Por algum motivo estranho, essa ideia me deixou nervosa.
– Não – respondeu Jimmy. – Embora alguns usem máscaras. Henry e
Harriette Moonspirit sempre usam máscaras no baile. Fica a critério de cada
um, mas não é um baile de máscaras oficial.
– Tudo bem, então. Não sei se isso me faz sentir melhor.
– Você só está um pouco tensa porque precisa transar direito – disse
Julian, levantando-se e vindo se juntar a nós na cozinha. Ele me deu um
sorriso. – Não se preocupe, Leana. Eu vou te ajudar.
Franzi a testa, sem ter certeza se ele queria dizer com ele ou com algum
outro cara, mas ele não estava errado. Eu não ia para a cama com um
homem há muito tempo. Provavelmente eu tinha teias de aranha lá
embaixo.
Talvez ele estivesse certo. Talvez eu estivesse apenas um pouco tensa e
precisasse relaxar. Talvez um baile fosse exatamente o que eu precisava
para relaxar. Uma noite de descanso não seria o fim do mundo, mas eu
ainda não estava convencida.
Julian colocou a mão em meu ombro.
– Confie em mim. Vou fazer você transar quando o baile tocar sua
última música.
Ah meu Deus.
– Jimmy, me ajude aqui – Olhei para o cão de brinquedo, meu
companheiro nas últimas três semanas. Com certeza ele poderia me ajudar.
Ele sabia dos perigos de organizar um baile neste momento.
Jimmy abanou o rabo.
– Desculpe. Mas eu também vou. É um baile muito legal. Você vai
adorar. Prometo.
Jade bateu palmas.
– Então, você vem?
Abri a boca para responder, mas Elsa me interrompeu.
– É claro que ela vai.
Esfreguei meus olhos.
– Olha, mesmo que eu quisesse ir, não poderia. Eu não tenho nada para
vestir.
Elsa franziu os lábios.
– Essa não é uma desculpa boa o suficiente. Nós encontraremos algo
para você.
– Mas é hoje à noite, e não tenho roupa. Tenho quase certeza de que não
posso usar jeans.
– Claro que não, bobinha – disse Jade. – Você precisa de um vestido. É
um baile.
Levantei as duas mãos.
– Eu não tenho um. Não tenho nada que seja apropriado para um baile –
Os únicos vestidos que eu tinha estavam em meu antigo apartamento com
meu ex-marido, que provavelmente os queimou quando recebeu os papéis
do divórcio. Só de pensar em sua cara de raiva, eu sorria.
– Tudo bem – Elsa agarrou meus braços e me arrastou para o banheiro.
– Vá tomar um banho e depois vamos levar você para fazer compras.
16

O Salão dos Vampiros era uma ampla sala circular adornada com cortinas
dos conselhos das Sombras, Branco e Sombrio, bem como escudos com
representações grotescas, figuras e emblemas de armaduras.
Vasos ornamentados estavam pendurados na parede, exibindo enormes
arranjos de flores vermelhas e brancas, e buquês semelhantes estavam
dispostos em vasos pela sala. As janelas se estendiam pelas paredes e
praticamente tudo o que não se movia estava envolto em guirlandas.
Algumas mesas pequenas foram dispostas pelo salão e estavam cobertas
com toalhas brilhantes. Pequenos confetes cintilantes brilhavam sobre as
mesas. Laços ornamentados adornavam as costas das cadeiras.
Lanternas decorativas de vidro estavam dispostas no centro de mesas
longas, sobrepostas com comidas e bebidas, conferindo um suave brilho à
atmosfera da cena.
Parecia que eu tinha entrado em um mundo antigos de contos de fadas e
sonhos que ganharam vida. Todas as noites, eu costumava fazer a ronda
pelo salão de baile, e, de modo geral, ele não se assemelhava em nada ao
que era nesta noite. Ele realmente tinha um clima de conto de fadas, e eu
adorei.
Uma orquestra tocava na parede mais distante, em um palco. O clima no
salão era animado e alegre. Os casais usavam trajes requintados, incluindo
vestidos deslumbrantes e ternos coloridos, alguns seguindo um estilo
moderno, enquanto outros apresentavam um estilo mais medieval, com
camadas de saias e detalhes de renda.
Como Jimmy havia dito, vi algumas pessoas com máscaras. Algumas
dançavam. Algumas delas se agrupavam perto das mesas, trocando
conversas animadas com outras pessoas que usavam máscaras semelhantes.
– Você está linda – disse uma voz vinda de baixo.
Olhei para o Jimmy e sorri.
– Quem colocou essa gravata borboleta em você? – perguntei, olhando
para o laço prateado enrolado em seu pescoço. – Você está bonito.
Perfeitamente elegante.
– Obrigado – disse o cão de brinquedo, com o rabo abanando com
entusiasmo. – A Jade o colocou para mim. Eu sempre uso um no Baile da
Meia-Noite. Isso me lembra de quando eu costumava usar terno, quando eu
era… quando eu era mais jovem.
Senti um nó na garganta ao ouvir a dor em sua voz.
– Bem, você está ótimo.
Jimmy inclinou a cabeça para trás.
– Seu vestido parece… parece a luz das estrelas. Foi por isso que você o
escolheu?
– Hmm? – Olhei para mim mesma e deslizei a mão pelo vestido
prateado que ostentava um corpete justo, com um decote em V, preso por
alças de espaguete e ornamentado com cristais. A saia ajustada, decorada
com detalhes de cetim, caía elegantemente ao redor dos meus pés. O
vestido era feito de um material tão fino e tão delicado que brilhava como
as estrelas. Eu não conseguia parar de olhar para ele. Eu podia ver uma
estampa sutil, mas inconfundível, de estrelas na seda. Bem, o vestido era
divino.
Jimmy tinha razão. A maneira como a luz batia nele fazia o vestido
brilhar. Parecia mesmo a luz das estrelas. Eu nem tinha percebido isso até
aquele momento.
– Acho que sim.
A princípio, o vestido não tinha ficado perfeito e, como não havia
tempo para uma costureira fazer milagres, Elsa fez um feitiço.
– Não se preocupe – disse ela mais cedo. – Sei um feitiço de costura que
consertará todas as sobras e o deixará muito confortável, como se o vestido
tivesse sido feito só para você.
Assim, quando o vestido foi colocado e Elsa lançou seu feitiço, alguns
segundos depois, ele me serviu como uma luva. Deixei o cabelo solto com
alguns cachos grandes, e passei um pouco de brilho labial e rímel, o que fez
meus olhos escuros se destacarem com uma linha fina sobre os cílios
superiores e inferiores.
– Ah, lá está o Matias – disse o cão de brinquedo. – Tenho uns assuntos
para tratar com ele.
Eu ri.
– É melhor você guardar uma dança para mim.
– Eu vou. Mais tarde – E, com isso, Jimmy atravessou o salão de baile,
desviando dos dançarinos com habilidade, como se fosse um piloto de
corrida passando pelos obstáculos.
Olhei novamente para o meu vestido. Me sentia bonita e feminina, algo
que não sentia há anos, talvez uma década. No meu trabalho, os vestidos
não eram o traje preferido para lutar e derrotar coisas que apareciam
durante a noite.
Uma forma apareceu em minha visão periférica. Um homem estava
parado na entrada, de costas para a parede. Um smoking, que lembrava a
moda do início do século XIX, estava acomodado em seu corpo magro. Era
Raymond, o gerente assistente do hotel. Ele parecia tão animado quanto eu
por estar aqui, e eu tinha a sensação de que ele foi forçado a aparecer. Mais
ou menos como eu também.
Avistei Julian parecendo uma versão sensual de 007. Uma morena
voluptuosa com um vestido tubinho preto e justo estava sentada ao lado
dele em uma área mais distante. Ela estava sentada com as costas retas e os
seios à mostra. Eles pareciam prestes a pular. Julian parecia não se importar
com a aglomeração de pessoas ao seu redor. Em vez disso, ele fez questão
de olhar abertamente para o enorme decote dela.
Eu ri enquanto caminhava até a mesa com fileiras de taças de vinho
vazias. Um garçom estava atrás dela, pronto para me atender.
– Uma taça de vinho tinto, por favor – eu disse ao jovem garçom
vampiro, era o que sua incrível boa aparência indicava. Ele parecia que
deveria estar na capa de alguma revista de moda e não servindo vinho.
Ele me deu um sorriso tímido ao me entregar a bebida, olhando
abertamente para os meus seios. Eles não eram grandes, mas ele podia ficar
olhando o quanto quisesse.
Tomei um pequeno gole de vinho, não muito porque, tecnicamente, eu
ainda estava trabalhando. Me virei e observei todos os estranhos no salão de
baile, procurando por um em particular. Eu seria uma mentirosa se dissesse
que não estava me perguntando se Valen apareceria, mas ele não estava
aqui. Talvez apenas hóspedes e moradores do hotel fossem permitidos.
Vislumbrei Basil em uma discussão acalorada com Raymond, seus
braços pequenos balançavam no ar. Ah, meu Deus. O que será que isso quer
dizer?
Tentei avançar no momento em que Elsa entrou em meu campo de
visão. Ela usava um vestido de veludo azul-marinho que esvoaçava à
medida que ela se aproximava. Seu cabelo estava bem preso para trás em
um coque baixo, com o medalhão bem posicionado entre seus seios.
– Aí está você – disse ela ao se juntar a mim. – Estávamos começando a
pensar que você tinha nos enganado.
– Eu não gastaria dinheiro com esse vestido se não fosse exibi-lo – eu
disse a ela com um sorriso. – Pelo menos por um tempo – Esse era o plano.
Eu ficaria cerca de uma hora e, depois, sairia de fininho, trocaria de roupa e
iria para o meu trabalho.
Os olhos de Elsa se iluminaram.
– Então? O que você achou? Não é maravilhoso?
Retribui seu sorriso.
– É lindo. Muito encantador. Muito melhor do que eu imaginava.
Elsa exalou.
– Eu disse a você.
– Vocês!
Olhei por cima dos ombros de Elsa e vi Jade patinando em nossa
direção. Sim, eu disse, patinando. Ela usava um vestido de tafetá rosa com
uma saia volumosa na altura do joelho, sem ombros e com um decote em
forma de coração. Seu cabelo estava cacheado, como se ela tivesse feito um
permanente instantâneo. Brincos grandes de plástico branco pendiam de
suas orelhas. Porém, ela não completou seu look com belos saltos brilhantes
para combinar com o vestido, mas sim patins.
Ela era uma mulher estranha, e eu adorava isso.
Jade arrastou o pé esquerdo para trás quando parou bem diante de nós.
– Vocês não vão adivinhar quem está aqui! – disse ela, um pouco sem
fôlego.
– Quem? – Elsa e eu perguntamos ao mesmo tempo.
– Samuel Constantine – disse Jade. Ela fez uma cara sonhadora.
– Você está brincando? – Elsa esticou o pescoço e olhou para a multidão
que dançava.
– Quem é Samuel Constantine? – perguntei.
Jade sorriu para mim. Com seus patins, ela estava mais alta do que eu.
– Apenas o solteiro paranormal mais famoso de toda Nova York. Ele é
um lobisomem rico. Veja, ali. Ele é o que está de smoking preto. Você não
acha que ele é um sonho?
Olhei na direção que ela estava apontando e vi um homem alto e em
forma, na casa dos sessenta anos. Ele era bonito como o Sean Connery. Eu
podia ver por que minhas amigas o achava atraente. Mas, aparentemente, as
outras quatro mulheres que o cercavam no momento também achavam.
– Você tem concorrência – eu disse.
Jade me deu um sorriso.
– Bem, eu vou para lá em breve, e talvez eu perca o controle e passe por
cima delas.
– Ah! – Elsa bateu palmas. – Que ótima ideia. Certifique-se de golpeá-
las para não poderem se levantar.
Eu ri. Essas duas eram seriamente desmioladas.
– Olá, senhoras – disse uma voz feminina, e eu me virei para ver uma
mulher alta com rosto oval em um vestido preto que parecia tão caro quanto
os diamantes que ela usava no pescoço e nas orelhas. Sua pele pálida estava
puxada e esticada sobre seu rosto, fazendo-a parecer mais velha do que
provavelmente era. Talvez ela tivesse quarenta anos, talvez sessenta. Seu
cabelo loiro estava penteado com um ondulado maravilhoso. Quando ela se
aproximou, o cheiro de pinheiro e terra molhada emanou dela. Ela era uma
bruxa branca e poderosa.
– Adele – disse Elsa, cumprimentando-a.
Notei a rapidez com que Jade perdeu o sorriso e o brilho no olhar. Eu
nunca tinha visto essa bruxa antes. Eu não tinha certeza se gostava dela,
considerando como ela havia deixado minha amiga tão desconfortável.
Adele observou o vestido de Elsa e, em seguida, o de Jade, seu rosto
assumindo uma expressão desaprovadora. Ela agia à maneira dos ricos e
nobres, como se o restante de nós fôssemos compostos por camponeses e
servos à sua disposição.
– Vocês duas estão usando os mesmos vestidos do baile do ano passado.
Sério? Não poderiam ter colocado algo novo? Vocês estão passando tanta
necessidade assim? – A zombaria em seu tom de voz me fez querer pegar
um dos patins da Jade e bater na cabeça dela.
Elsa se calou e começou a esfregar o medalhão entre os dedos, suas
bochechas estavam coradas. Jade fitava o chão, balançando lentamente o
corpo da esquerda para a direita, como se quisesse fugir.
Adele exibiu um sorriso falso para mim, do tipo que mostrava muitos
dentes inferiores e não chegava aos olhos.
– E quem é você? – Ela me encarava com uma curiosidade visível. –
Você é hóspede do hotel?
A irritação me invadiu. Eu não gostava dessa bruxa. Na verdade, acho
que a odiei no primeiro instante.
– Leana Fairchild – eu disse a ela, minha voz estava forte e firme. – Sou
a nova Merlin que o hotel contratou.
– Entendo – Adele ainda sorria para mim, embora eu tenha notado o
leve estreitamento dos seus lábios. – Seu nome me parece familiar. De onde
é sua família?
Eu sabia que ela estava tentando decifrar se eu era de uma poderosa
família de bruxos, imaginando se era uma boa ideia continuar falando
comigo ou se eu era uma boa conexão para ela. Eu duvidava disso.
– Não é de Nova York – eu disse, querendo que ela fosse embora para
que minhas amigas pudessem se divertir.
Adele se aproximou, invadindo meu espaço pessoal, o que não me
agradou. No entanto, fiquei onde estava.
– Você é uma bruxa. Mas as energias que você emite são… estranhas.
Você não é da luz, nem das trevas. Que tipo de magia você pratica?
– Magia de bruxa – eu disse, e Jade riu.
– Hum – Adele ainda me observava como se eu fosse uma joia rara. –
Talvez eu tenha que fazer algumas perguntas sobre você.
– Perguntas? – Olhei para Elsa e Jade, que pareciam estar pálidas. Por
quê? Por que ela tinha dinheiro?
– Sim – disse Adele. – Faço parte do conselho das bruxas brancas.
Ah-ha.
– Estou curiosa para saber sobre você, Leana Fairchild – disse ela,
dizendo meu nome como se o estivesse memorizando.
Dei de ombros.
– Pergunte à vontade – Eu não tinha nada a esconder. Ser uma bruxa
Estelar não era um crime em nosso mundo. E eu não gostava dessa bruxa.
Não me importava que ela fizesse parte do conselho e pudesse facilmente
tirar minha licença de Merlin. Eu não ia me curvar a ela. Eu odiava
valentões.
– Leana – disse uma voz masculina e profunda atrás de mim.
Não precisei me virar para saber a quem pertencia aquela voz. Minha
frequência cardíaca aumentou enquanto eu girava lentamente.
Caramba!
Valen usava terno e gravata pretos que mal conseguiam conter todos os
músculos. O tecido brilhava e se moldava perfeitamente ao seu corpo. Seus
cabelos escuros estavam presos em um rabo de cavalo, acentuando as
maçãs do rosto salientes e os olhos escuros ardentes. Eu já o achava bonito
de um jeito meio rústico, mas vê-lo vestido assim melhorou sua aparência
em cem vezes. Levei alguns segundos para parar de olhar e colocar minha
cabeça no lugar.
– Valen? – Senti um alívio ao perceber que minha voz permanecia
estável, sem revelar a agitação do meu coração que batia
descontroladamente. Eu não o via desde a noite em que ele saiu do quarto
915.
O homem-fera sexy estendeu a mão.
– Você gostaria de dançar?
Ah, merda. Ah, merda. Ah, merda.
Eu não esperava por isso. Nem mesmo esperava que ele estivesse aqui.
Por que ele estava aqui? Eu estava esperando há semanas para falar com
ele, e aqui estava ele.
Adele olhava para Valen como se ele fosse um pirulito que ela quisesse
lamber por inteiro. Mas Elsa e Jade sorriam para mim, claramente querendo
que eu dançasse com o dono do restaurante misterioso.
O que uma bruxa faz nessa situação?
Ela aceita, é claro.
– Com prazer – eu disse, colocando minha mão na dele.
17

D eixei Valen me guiar até a pista de dança, sua mão era quente e áspera, e
eu odiava que isso me causava pequenas e deliciosas sensações.
Quando encontrou um lugar, ele se virou, segurando minha mão, e
colocou a outra mão em minha cintura, aproximando-me. O calor de seu
toque penetrou no tecido do meu vestido quando coloquei minha mão
esquerda em seu ombro.
Se você me perguntasse, eu não saberia nem dizer que música estava
tocando no momento.
Valen conduziu a dança com confiança, e eu me vi entrando no ritmo
dele. Obviamente, essa não era a primeira vez que ele dançava ou mesmo
participava desse tipo de baile.
As mulheres o encaravam sem pudor e eu até vi uma mulher lambendo
os lábios sensualmente para ele enquanto passávamos. Até mesmo alguns
homens o encaravam, mas Valen não notou.
Eu tinha dois pés esquerdos, mas Valen também não pareceu notar isso.
Na verdade, tudo o que ele fez foi me encarar. O calor de seu olhar era
intenso.
Meu rosto ficou corado e ignorei as borboletas bobas que invadiam meu
estômago.
– Então, onde você tem estado? – Achei que ter uma conversa agora era
melhor do que o silêncio incômodo entre nós. É melhor acabar logo com
isso e tirar o curativo.
Um sorriso se desenhou em seus lábios lindos, e a mão que estava em
minha cintura se moveu delicadamente para a parte inferior das minhas
costas.
– Você estava procurando por mim? – Seu hálito quente acariciou meu
rosto, tinha cheiro de menta e algo picante que eu não conseguia identificar.
Engoli em seco.
– Sim, de fato, eu estava. Eu estou. Eu estava procurando por você –
Droga, eu parecia uma idiota tagarela. – Eu queria te perguntar uma coisa.
Valen ainda sorria para mim.
– O que você queria me perguntar?
Não podia lhe dizer abertamente que ele era o meu principal suspeito.
Se eu dissesse a ele que o vi sair do quarto 915, seria o fim. Eu precisava de
mais provas, um motivo real para saber porque ele estava fazendo isso. Ele
estava trabalhando para outra pessoa? Ele estava fazendo isso sozinho? Eu
tinha minhas suspeitas, mas precisava ter certeza.
– Como vai o restaurante? – perguntei, mesmo ele estando tão perto, eu
não senti nenhuma vibração de bruxo. Eu podia sentir cócegas de energia
saindo dele, como a maioria dos paranormais, mas o tipo específico era
impossível de identificar. Ele poderia se passar por um lobisomem ou
qualquer tipo de metamorfo. Mas eu não conhecia nenhum metamorfo ou
lobisomem que fosse capaz daquele nível de magia. E ele poderia ser um
bruxo ou um mago poderoso disfarçado com um feitiço.
– Está indo – respondeu ele, claramente não querendo discutir o
assunto. – Você está linda esta noite.
Ah, diabos, a maneira como ele disse isso fez meu coração traidor bater
como se tivesse ganhado asas.
– Hum… esse terno fica bem em você – eu disse, errando totalmente o
alvo. Minha língua parecia colada no fundo da boca. Isso às vezes acontecia
quando eu ficava nervosa.
Os lábios deliciosos de Valen se abriram em um sorriso.
– Obrigado.
Senti formigamentos incômodos em minha pele e pigarreei.
– Então, você está planejando expandir? – Tentei novamente.
Seus olhos escuros pareciam quase negros quando passaram pelo meu
rosto e pousaram nos meus lábios antes de voltarem aos meus olhos
novamente.
– É por isso que você estava me procurando? Você quer investir no meu
restaurante?
– Não. Mesmo que eu quisesse, não tenho dinheiro para isso – O único
dinheiro que eu tinha era o que Basil havia me dado. – Eu só queria saber se
você vai expandir seus negócios. Talvez você esteja procurando outro
prédio? Ou talvez você queira se aventurar em outra coisa?
O polegar de Valen esfregou minhas costas, e senti uma pontada de
desejo percorrer meu âmago.
– Por que você está tão interessada em meus negócios? – Ele não tinha
um tom de irritação devido às minhas perguntas, apenas interesse.
Dei de ombros, tentando não inalar a colônia almiscarada ou a loção
pós-barba que ele usava.
– Só estou curiosa. Você é um cara curioso. Alguns podem até dizer que
você é misterioso.
Valen deu uma pequena risada e desviou o olhar.
– Não é bem assim. Se você me conhecesse, não diria isso.
Aproveitei a oportunidade para olhar para ele enquanto ele não estava
me encarando. Ele tinha uma pequena cicatriz acima da sobrancelha direita
e outra no pescoço.
Nossos rostos estavam quase se tocando agora. Eu nem tinha percebido
que ele tinha me puxado com mais força. Meu corpo estava ficando confuso
entre o frio do ar-condicionado e o calor que emanava do seu corpo
maravilhoso.
Percebi que estava gostando de sentir o corpo dele, suas mãos e sua
proximidade. Também percebi que ele poderia ser o assassino psicótico que
deixava entrar demônios que matavam pessoas. Eu estava perdendo a
cabeça.
– Ouvi dizer que você se divorciou – disse Valen depois de um
momento.
Enrijeci.
– Como você soube disso? – Eu não achava que Elsa ou meus amigos
teriam lhe contado. Talvez os funcionários do hotel tenham me ouvido falar
sobre isso.
– As notícias correm rápido no Twilight Hotel – disse Valen, com os
lábios contraídos enquanto tentava, mas não conseguia, conter um sorriso. –
Nada fica em segredo aqui.
Mas você está guardando segredos.
– Eu me divorciei. Alguns podem dizer que a culpa foi minha por ter me
casado com um humano em vez de alguém de nossa própria espécie. Mas
não posso mudar isso agora. Não adianta nada ficar remoendo o passado. É
preciso seguir em frente.
– O que aconteceu entre vocês?
Ele era um homem-fera bem curioso, né?
– Foi só um desentendimento. Nos afastamos, você sabe, o normal.
Estou feliz que tenha acabado – Eu não queria falar para ele sobre meu ex,
ou sobre seu traseiro traidor. Eu estava aqui para falar sobre ele, não sobre
mim. Engraçado como ele conseguiu dar a volta por cima com o
interrogatório.
Dançamos em silêncio por um tempo depois disso, ambos olhando um
para o outro quando achávamos que o outro não estava olhando. A música
parou, mas Valen não me soltou. Depois, outra música lenta tocou e
continuamos a dançar.
– Eu também queria falar com você – disse Valen depois de um
momento, com os dentes cerrados enquanto me segurava com mais força.
– Sério? Sobre o quê? – Senti um arrepio na parte de trás do meu
pescoço. Será que ele tinha visto Jimmy e eu? Ele tinha sentido minha
magia?
O homem-fera suspirou, e eu me senti inclinado para a frente.
– Eu queria me desculpar.
– Se desculpar pelo quê? – Jade passou por nós e me deu um sinal de
positivo com a mão livre, ela tinha uma grande taça de vinho na outra.
Ele se inclinou para frente e seu olhar era penetrante ao me observar.
– A primeira vez que nos encontramos na rua…
– Quando você foi incrivelmente grosseiro.
Valen me mostrou seus dentes perfeitos.
– Sim, eu fui incrivelmente grosseiro. Você me pegou em um dia ruim.
Eu estava… Eu estava…
– Sendo um ogro?
– Irritado – respondeu ele com uma risada, e eu me vi querendo ouvi-lo
rir várias vezes. – Talvez eu estivesse sendo um ogro. Eu tinha recebido
más notícias. Fiquei chateado. Saí para me distrair. E então lá estava você,
esbarrando em mim.
– O que não é um crime.
– Não. Não é – Valen me puxou com mais força, meu coração batia tão
forte que eu tinha certeza de que ele podia senti-lo através do tecido de
nossas roupas. Ele olhou fixamente em meus olhos.
– Sinto muito por ter sido grosseiro com você. Você me perdoa?
Eu pensei sobre isso.
– Não – disse eu, brincando, me segurando ao perceber que estava
flertando. Esse cara estava mexendo com a minha cabeça. Não sabia se
eram meus hormônios ou como meu corpo reagia a ele, mas isso era
perigoso.
Eu tinha que me afastar. Eu tinha que ir embora. Eu tinha que parar de
dançar…
Mas não. Eu não fiz isso.
Senti olhos em mim e olhei por cima dos ombros de Valen para ver
Adele nos observando, ou melhor, me observando. Um homem alto e careca
estava ao lado dela. Não gostei da maneira como ele me olhava, como se
estivesse me encarando ou algo assim.
Desviei o olhar e vi que Valen ainda me observava.
– O quê?
– Para quem você está olhando com a testa franzida? – ele provocou,
com o polegar esfregando a parte inferior das minhas costas. Maldito seja
esse polegar mágico.
– Uma bruxa chamada Adele – eu disse, tentando ao máximo não olhar
para ela novamente. – Não gosto dela. Também não gosto do careca que
está ao lado dela.
– Declan – respondeu Valen sem sequer olhar na direção deles. – Os
dois fazem parte do conselho das bruxas da luz. Ambos são idiotas. Mas são
poderosos. Eu ficaria longe deles se fosse você.
Que droga. Eu estava começando a gostar dele? Por que, de repente, ele
estava sendo gentil?
– Tarde demais para isso – exalei. – Acho que acabei de fazer dois
novos inimigos pelo modo como estão olhando para mim.
– Você está preocupada com sua licença de Merlin?
Olhei para ele.
– Você parece muito atento a todas as coisas relacionadas as bruxas –
Por que talvez você seja um bruxo da luz?
– Gosto de me manter informado – Ele me observou por um instante. –
Ela ameaçou você?
Balancei a cabeça.
– Não com palavras. Mas ela disse que perguntaria sobre mim, seja lá o
que isso signifique. Ela quis saber sobre a minha família e em que posição
ela se encontra na hierarquia paranormal.
– E onde você está?
Apertei meus lábios.
– Na parte inferior.
Valen riu novamente, e eu me senti hipnotizada pelo som. Ele estava
muito diferente do primeiro dia em que o encontrei. Ele estava sendo gentil,
atencioso e incrivelmente sexy. Não, ele tinha sido sexy na primeira vez que
bati meu rosto naqueles peitorais duros como pedra. Fiquei olhando para o
peito dele, imaginando como seria passar minhas mãos sobre eles.
Valen acariciava a parte inferior das minhas costas, o que era uma
distração.
– O que mais ela queria saber?
– Qual é a minha fonte de magia – eu disse a ele, revirando os olhos
novamente e encontrando Adele e seu careca de estimação ainda olhando. –
Deve ser amor, porque eles não conseguem parar de olhar.
Valen deu uma breve risada.
– E qual seria? Qual é sua magia?
Passei meus olhos por seu rosto.
– Eu lhe contarei tudo sobre minha magia se você me disser o que você
é.
Com isso, Valen ficou visivelmente tenso e depois se calou. Seu sorriso
desapareceu, a intensidade de seu olhar se foi. Ele estava todo tenso, como
o homem-fera da rua. Quando ele se afastou, senti uma perda física de
calor, e me senti desapontada.
Ok, então eu tinha encontrado um assunto delicado. Mas a reação dele
foi a prova de que eu estava certa. Ele estava escondendo sua verdadeira
identidade. A pergunta era: por quê? Por que escondê-la a menos que
estivesse planejando algo ruim?
Como abrir portais e deixar os demônios entrarem no hotel.
A atenção de Valen se voltou para algo atrás de mim, e seus ombros
largos ficaram ainda mais tensos. Ele parou de dançar, me soltou e se
afastou de mim. Tá, agora eu estava curiosa.
Virei-me e segui seu olhar. E então, como se fosse a deixa, um homem
entrou no salão de baile, uivando. Os casais gritaram e pularam para trás
para lhe dar espaço. Tentei ouvir o que ele estava dizendo, mas não
consegui entender devido aos gritos entre as palavras e a música alta que
ainda vinha da banda.
Então a música parou. E eu ouvi.
– Demônios! – gritou o homem, com sangue escorrendo de um arranhão
no pescoço. – Demônios no hotel!
Ah, que merda.
18

O salão de baile, que a pouco tempo oferecia um evento esplendoroso e


encantador, repleto de conversas animadas, comidas e bebidas, havia se
transformado em um cenário de completo desespero.
Para onde quer que eu olhasse, os paranormais estavam correndo
loucamente para a saída. Vi um homem barrigudo passando por cima de
dois paranormais menores que estavam ajoelhados no chão. Se fossem
lentas demais, as pessoas eram alvo de socos, tapas e chutes da multidão
apressada. Gritos e berros substituíram a música maravilhosa que estava
tocando há apenas alguns minutos.
Era um show de horrores.
– Leana!
Jade veio na minha direção, Elsa corria atrás dela com uma habilidade
impressionante considerando os saltos altos, e seus olhos estavam
arregalados.
– O que está acontecendo? – Jade tentou frear, mas calculou mal e veio
voando em direção ao meu peito. Ainda bem que eu a vi chegando e estendi
a mão para detê-la.
– Eu não sei – Eu a segurei e depois a soltei antes de me voltar para
Valen. Mas ele havia desaparecido. Eu olhei para a sala, mas era impossível
localizá-lo com todos os paranormais lutando para sair. Ele me abandonou.
Era de se imaginar.
– Lá se vai meu sexo hoje à noite – disse Julian, desapontado, ao se
juntar a nós. – E ia ser um ménage à trois também. Que sorte minha. Aquele
demônio me deve muito.
Revirei os olhos e corri até o homem sangrando o mais rápido que o
vestido permitia. Ele havia caído de joelhos. Alguns paranormais o
assistiam, mas ninguém se aproximou, como se o sangue fosse contagioso.
Me ajoelhei e ouvi um rasgo. Ops. Lá se foi meu vestido caro.
– O que aconteceu?
O rosto do homem se transformou em algo inumano. Pisquei os olhos e
ele voltou ao seu rosto normal, ele estava petrificado. O suor cobria seu
rosto pálido e parecia que ele ia vomitar. O ferimento em seu pescoço não
parecia muito ruim. Ele precisaria de pontos, mas sobreviveria.
– Demônios – foi tudo o que ele disse. Depois, sua boca continuou a se
movimentar, mas nada mais saiu.
– Sim, você disse isso. Mas onde? Tem mais alguém ferido? – Eu
percebi que ele disse “demônios” no plural. – Quantos eram? – Eu
precisava estar preparada.
O homem começou a tremer.
– Eu… eu não sei. Três? Não, seis.
Quando se tratava de demônios, três contra seis era uma diferença
colossal.
– Três ou seis? Quantos?
O homem balançou a cabeça, mas não respondeu.
Basil apareceu, com o rosto mais vermelho do que eu jamais havia
visto. Ele assumiu uma perigosa cor púrpura ao ver o homem ferido. – Este
é o fim. Nunca vou me recuperar disso – disse ele com uma voz fraca. –
Todos se lembrarão desta noite como a noite em que Basil deixou os
demônios entrarem no Baile da Meia-Noite.
Fiquei olhando para o pequeno bruxo, vendo o quanto ele gostava de
dramatizar a situação e como ele fazia com que tudo girasse em torno dele.
Basil pegou um lenço e deu um tapinha em sua testa suada.
– Nunca mais vou trabalhar – disse ele, sua voz assumindo um tom mais
agudo em várias oitavas. – Serei excluído de todos os eventos importantes e
festas sociais. Serei ridicularizado.
Levantei-me lentamente e o encarei.
– Controle-se – rosnei. – Você é o gerente daqui. Você está assustando
os hóspedes com o seu breve surto. Já é ruim o bastante sem a sua histeria –
Então, talvez essa não fosse a maneira correta de falar com seu chefe, mas
alguém precisava fazer isso. Eu lhe daria um tapa se achasse que isso
ajudaria.
A princípio, achei que ele me demitiria na hora, então seu rosto se
iluminou um pouco.
– Sim. Sim, você está certa, Leana. Eu... eu preciso dar o exemplo.
Preciso ficar calmo e controlado. Eu represento o hotel.
– Tem algum curandeiro aqui? – perguntei. Meus olhos se voltaram para
o corte feio no pescoço do homem.
Basil assentiu com a cabeça.
– Sim. A cozinheira. Polly. Ela é nossa curandeira. A melhor da Costa
Leste.
– Ótimo. Então você deve ir buscá-la – Olhei para um punhado de
convidados que estavam vagando pelo salão de baile e pelo saguão. – Você
deve levar os convidados de volta aos seus quartos.
Basil deu uma olhada no salão de baile.
– É claro. Preciso cuidar dos convidados. Sou o gerente, e essa é minha
responsabilidade. Sim. É isso que eu sou. O gerente.
– O curandeiro primeiro, Basil – Observei o leve bruxo sair apressado
do salão de baile, sem ter certeza de que ele havia me ouvido. Raymond se
aproximou dele e os dois conduziram os últimos convidados para fora.
– Aqui. Para o pescoço dele – Elsa me entregou um lenço que havia
tirado da bolsa.
Peguei-o e o coloquei sobre o ferimento do homem.
– Mantenha a pressão – eu disse a ele e esperei até que ele fizesse o que
pedi. Seu rosto estava pálido. – Em que andar você viu os demônios?
O homem piscou os olhos algumas vezes.
– No décimo segundo andar – Sua voz era apenas um sussurro, e isso
me preocupou.
– Que quarto? – Esperei, mas ele não respondeu. Bem, o décimo
segundo andar teria que servir. Fiquei de pé e olhei para meus amigos. –
Vocês podem ficar com ele até que o curandeiro chegue?
– Sim – disse Elsa, com uma expressão de desaprovação no rosto. –
Mas você vai atrás dos demônios sozinha, Leana?
– Sim, você precisa de nós – disse Jade, virando-se ligeiramente para a
esquerda. Seu rosto estava corado devido a todo o vinho que ela havia
bebido e da excitação do que estava acontecendo. Seus olhos estavam
ligeiramente desfocados. Ela estava bêbada. Uma bruxa bêbada indo atrás
de um demônio acabaria sendo morta.
– Obrigada, pessoal, mas todos vocês estiveram bebendo. Vocês não
estão em condições de lutar contra demônios.
Jade franziu a testa para mim.
– Eu só tomei dois copos.
– Quatro – corrigiu Elsa.
Um som suave me fez girar.
– Jimmy? O que diabos aconteceu?
Meu amigo de brinquedo se arrastava sobre três rodas. Uma de suas
rodas traseiras estava faltando.
– Fui pisoteado – respondeu Jimmy. – Estou sem uma roda. Não
consigo encontrá-la.
– Vamos procurá-la – disse Julian, indicando a Jade que o seguisse.
– Vejo vocês mais tarde – eu disse a eles, e então parti, correndo o mais
rápido que pude para fora do salão de baile, enquanto amaldiçoava o
vestido estúpido que não me permitia me mover tão rápido quanto eu
gostaria.
Cheguei ao elevador e pisei na bainha do meu vestido várias vezes, meu
coração pulsando violentamente na garganta.
– Isso é ridículo.
Bati com o dedo no botão do elevador. Não tinha tempo para ir ao meu
quarto e trocar de roupa. Só havia uma coisa a fazer.
Determinada, abaixei-me, peguei um punhado da saia, encontrei uma
costura bem no joelho e puxei.
O som do tecido se rasgando era alto, à medida que eu continuava a
puxar até conseguir soltar uma parte ao meu redor. Com um último puxão, o
tecido foi arrancado. Senti uma brisa na parte superior de minhas coxas e
percebi que havia rasgado mais tecido do que pretendia. Se eu me
abaixasse, todos veriam minha calcinha modeladora, de vovó. Agora era
tarde demais para fazer algo a respeito. Passei por cima do tecido e vi Errol,
na recepção, balançando a cabeça em sinal de desaprovação, com o rosto
contraído de nojo.
– Se você não gosta do que vê, então não olhe – O elevador estava preso
no sétimo andar. – Droga – Dei um salto alto e corri em direção à porta da
escada em frente ao elevador.
Subi o primeiro lance de escadas, dois degraus de cada vez. Olha só! A
adrenalina me proporcionou uma incrível força e resistência. Mas quando
cheguei ao quinto andar, minhas coxas arderam em protesto e eu só
conseguia subir as escadas correndo, uma de cada vez. Eu precisava
trabalhar no meu cardio.
Quando cheguei ao décimo primeiro andar, com as coxas parecendo
gelatina, ouvi os gritos. Vinha de um andar acima.
Com uma cãibra infernal na lateral do corpo, subi as escadas o mais
rápido que pude. Parei na porta do décimo segundo andar, com o coração
batendo forte nos ouvidos. Será que Valen estaria aqui? Foi por isso que ele
saiu tão abruptamente? Para apagar as evidências? Eu odiava admitir que as
coisas não pareciam boas para o belo metamorfo, bruxo, o que quer que ele
fosse.
Eu não queria lutar com ele, mas ele não estava me dando muita
escolha.
Entrei em contato com meu poder interior, alcançando as estrelas e
puxando suas energias, suas emanações galácticas. A sensação do poder da
luz estelar provocou uma vibração dentro de mim. Ela estava pronta. Eu
estava pronta.
Abri a porta e entrei no corredor.
Mas Valen não estava lá.
Era algo muito pior.
19

O sdescartados.
corpos estavam espalhados pelo corredor como trapos velhos
O cheiro de sangue e podridão era nauseante. À primeira
vista, vi quatro corpos. Não havia como determinar se estavam vivos ou
mortos. Eles estavam gritando momentos atrás e agora não estavam mais.
Eu não havia chegado aqui rápido o suficiente.
Um grunhido chamou minha atenção.
E lá, parado no final do corredor, estava um demônio trull.
O demônio trull tinha cerca de um metro e oitenta de altura e quase a
mesma largura. Sua carne era vermelha e crua, como se ele tivesse sido
virado do avesso. Suas feições se distorciam grotescamente com uma boca
que cabia uma galinha inteira. Ele era mais parecido com um símio do que
com um humanoide, suas garras iam até o chão e ele estava curvado
enquanto esperava, ao lado do cadáver do qual se alimentava.
Os trulls também não eram os melhores demônios do Submundo. Eles
eram grandes e burros. Mas, quando lhes faltava cérebro, eles
compensavam com força. Bastava um golpe poderoso para quebrar seu
pescoço.
Torci o nariz ao sentir o cheiro de enxofre e carniça. Eu odiava os trulls.
Eles eram cruéis e só queriam rasgar seu corpo por diversão. Mas ele estava
aqui agora. E eu sabia que encontraria uma nova fenda aqui em algum
lugar, uma que não estava aqui na anterior. Eu tinha que fechá-la antes que
mais desses malditos saíssem.
– Comer. Você – disse o trull, com a boca cheia de dentes de peixe, e a
voz rouca.
– Acho que não – eu disse a ele, pousando meus olhos no corpo que ele
comia antes de eu o interromper.
– Bruxa. Você. Bom – disse o trull, falando em tom baixo e grosseiro, e
eu voltei minha atenção para seu rosto pútrido. – Eu. Gosto. Bruxa.
– Que maravilha. Você gosta do sabor de bruxa – A bile subiu em minha
garganta com a ideia dessa coisa se empanturrando com meu corpo.
Os olhos amarelos do trull pousaram em mim.
– Comer. Bruxa – disse ele novamente.
– Eu ouvi você da primeira vez. Mas isso não vai acontecer. Eu não vou
deixar. Veja, eu vou matar você.
O demônio trull esticou o rosto em um sorriso cruel.
– Fome – A garganta do demônio emitiu um som que eu só podia supor
ser prazer. Seus olhos brilhavam com fúria e uma fome selvagem.
Credo. Olhei por cima dos seus ombros, mas não consegui ver se havia
outro trull ou qualquer outro tipo de demônio. O homem havia dito
“demônios”, então eu apostava que havia mais aqui.
– Você trouxe algum amigo com você?
O demônio inclinou a cabeça, olhando para mim como se estivesse
pensando em qual parte do meu corpo se banquetearia primeiro.
Meus olhos lacrimejaram com o cheiro de podridão, como se eu tivesse
esfregado um pedaço de cebola neles.
– Cara, você fede. Você toma banho com água de esgoto? Ou você usa
cocô para lavar o corpo?
O demônio trull sorriu para mim e depois atacou.
– Ah, merda.
Ele se lançou sobre mim, golpeando com suas garras e presas tão rápido
que teria matado um humano comum. Ainda bem que nasci uma bruxa.
Dançando na ponta dos pés, usei minha magia e estendi minhas mãos.
Uma luz brilhante emanou de minhas palmas e eu a disparei contra o
trull, atingindo-o no peito.
A criatura gemeu, debatendo-se enquanto a luz branca crescia até
consumi-lo por completo. A luz crepitou, arrancando um grito de raiva do
trull. No segundo seguinte, o trull caiu no chão formando uma pilha de
carne queimada até que não restasse nada além de um monte de cinzas.
Eu exalei profundamente.
– Pronto. Não foi tão difícil assim…
Algo duro me atingiu nas costas no momento em que fui atacada pela
dor aguda de dentes perfurando meu couro cabeludo.
Dentes perfurando meu couro cabeludo?
– Ah! – Soltei um grito agudo quando agarrei algo frio e pegajoso na
parte de trás da minha cabeça, enquanto tentava não surtar ainda mais.
Arranquei a coisa e a atirei longe.
Em seguida, levantei a mão e senti o sangue quente onde a coisa havia
cravado os dentes em minha cabeça.
Bem… a coisa que joguei, era uma coisa demoníaca. Pequena, do
tamanho de um gato, mas enquanto um gato era fofo e exótico, essa criatura
era exatamente o oposto.
Seus olhos pretos eram anormalmente grandes demais para sua cabeça,
e ela tinha um pescoço longo e as orelhas de morcego. Um nariz curto
ficava acima de uma boca cheia de dentes. Sua pelagem, na verdade,
apresentava tufos de pelos pretos emaranhados sobre sua pele de tonalidade
verde-escura. Seus pés terminavam em garras amarelas afiadas. E, ao
contrário de um gato, ele não tinha cauda.
Era um demônio gremlin.
Na verdade, eu nunca havia encontrado um. Apenas vi uma foto em
algum lugar do qual não me lembro.
Meu couro cabeludo latejava no local em que o gremlin havia mordido.
– Você me mordeu, seu merdinha.
O gremlin ficou de quatro e sibilou para mim, não muito diferente de
um gato, mas era mais profundo e assustador.
Mantendo meu foco no pequeno maldito, canalizei a luz das estrelas
novamente, apontei minha mão e…
Cambaleei para frente quando algo me atingiu nas costas novamente.
Não era uma coisa desta vez, eram várias coisas. Depois fui atacada na
parte de trás de minhas coxas, na cintura. E, é claro, na minha cabeça
novamente.
Olhei para os demônios gremlin que se agarravam às minhas pernas,
abrindo a boca enquanto cravavam os dentes na minha pele.
Ok. Eu ia ter um surto agora. A ideia de pequenos dentes e garras em
cima de mim era horrível, admito. Eu sempre era tão forte o tempo todo. Às
vezes, eu precisava de um bom e velho surto.
Gritei ao sentir os dentes cravarem-se na pele por todo o meu corpo.
Pisquei quando uma forma verde se lançou sobre mim do teto e pousou em
meu ombro.
– Saia de cima de mim! – Gritei novamente, agarrando o gremlin em
meu ombro e jogando-o o mais longe que pude. Mas isso não importava.
Outros seis estavam agarrados a mim, com seus dentes e garras rasgando
minha pele.
Em pânico, agarrei e arranquei os gremlins de cima de mim o mais
rápido que pude, sem esperar que suas garras me cortassem ou que eles
cravassem os dentes em mim. Escorreguei em algo molhado, possivelmente
sangue ou algo ainda mais nojento. Um gremlin no chão sibilou para mim,
pronto para saltar, mas eu me esquivei e dei-lhe um chute no rosto.
O fato é que eu estava perdendo. O que diabos eu deveria fazer agora?
O sangue latejava em meus ouvidos enquanto eu me virava. Eu bati
minhas costas contra a parede, ouvindo o ranger de ossos e sentindo seus
dentes se soltarem à medida que seu peso se desprendia de mim.
Eu me arrepiei.
– Tão, tão nojento.
Gritei de dor quando senti uma mordida na orelha e quando vinte
agulhas pareciam perfurar meu couro cabeludo novamente. Meus olhos
lacrimejaram e eu levantei a mão livre, batendo em algo sólido, um gremlin,
e a dor parou. Esfreguei o topo da cabeça com a mão, e meus dedos
voltaram cheios de sangue.
– Não estou sendo paga o suficiente por essa merda – Eu estava
pensando seriamente em conversar com Basil sobre um aumento.
Uma porta à minha esquerda se abriu e um adolescente com o rosto
cheio de espinhas me encarou, com a boca aberta e os olhos arregalados.
– Feche sua porta! – Eu gritei para ele e me encolhi quando senti mais
dentes afundarem em minhas coxas.
Cerrei os dentes quando pequenas garras deslizaram pelo meu rosto.
Quantos estavam sobre mim agora? Dez? Vinte? Eu não tinha ideia.
Mas eu não podia continuar fazendo o que estava fazendo. Quanto mais
eu os arrancava de mim, mais eles pareciam se lançar sobre mim.
Se eu não fizesse algo rapidamente, esses pequenos malditos iriam me
mastigar até a morte. Ou, no mínimo, me cegariam, arrancando meus olhos.
Só me restava uma coisa a fazer. Eu só havia feito isso uma vez, mas
eles não me deixaram escolha.
Com o coração aos pulos, respirei fundo e invoquei a energia mágica do
poder das estrelas. Senti um puxão em minha aura quando ela respondeu.
Mas, dessa vez, não a liberei. Eu a mantive comigo. Dentro de mim.
Minha respiração saiu em um rápido suspiro quando um jorro de
energia girou, transbordando do meu núcleo para a minha aura. A magia
rugiu. Soltei um suspiro enquanto a energia das estrelas me inundava. A
adrenalina era inebriante, e então uma luz brilhante explodiu.
A magia das estrelas circulou ao meu redor e através de mim como uma
força cinética invisível.
A luz brilhante era tudo o que eu podia ver enquanto ela me consumia.
Eu era uma estrela, uma estrela brilhante. E, como uma estrela, eu
queimava com intensa energia.
Os gremlins não ficaram felizes.
Eles gritaram de dor enquanto o poder da luz estelar vibrava em mim.
Escutei uma súbita inspiração coletiva, seguida pelo tombo dos gremlins,
como vespas atingidas por um inseticida, aterrissando suavemente no chão
com um som abafado.
Piscando, eu liberei a luz estelar com um suspiro, até que ela se
reduzisse, permitindo-me enxergar o corredor mais uma vez.
Fiquei parada respirando pesadamente por um momento e tentando ver
se algum dos gremlins se mexia. Mas eu duvidava, considerando as pilhas
de carne crocantes carbonizadas que restaram de seus corpos. A luz das
estrelas havia se encarregado disso. Os gremlins nunca mais levantariam.
Olhei para baixo e vi uma marca substancial de queimado no carpete
aos meus pés. Sim. Eu tinha feito isso. Esse era um dos motivos pelos quais
eu não usava a luz das estrelas dessa forma. Ela tendia a queimar tudo o que
estivesse perto de mim.
– Leana? Onde estão suas roupas?
E minhas roupas também eram queimadas, um dos principais motivos
pelos quais eu não usava a luz das estrelas em mim.
Olhei para cima e vi Elsa, Julian, Jade e Jimmy saindo do elevador. Elsa
estava com Jimmy em seus braços e com uma expressão divertida.
Fantástico. Aqui estava eu, como vim ao mundo para todos verem.
O sorriso de Julian fez meu rosto arder.
– Legal – Ele me olhou de um modo que as pessoas raramente o faziam
em situações sociais apropriadas. E então ele bateu palmas. Bateu palmas
de verdade.
Eu estava no inferno.
Jade cobriu a boca com as mãos, mas isso não conseguiu abafar os sons
que escapavam enquanto ela ria.
Tudo o que eu conseguia pensar era em agradecer a Deus por ter
depilado a área do biquíni e não ter deixado o matagal, como fiz nos
últimos oito meses. Porque isso teria sido constrangedor.
Passei um braço sobre as meninas e fechei minhas pernas.
– Dá para vocês arrumarem algumas roupas para mim, por favor?
20

A cordei algumas horas depois com uma enxaqueca dos infernos, isso
sempre acontecia quando eu canalizava a luz das estrelas em mim
mesmo, e com arranhões e marcas de mordidas em cerca de 60% do meu
corpo. Não era uma visão bonita. Meu rosto estava inchado e vermelho
devido às garras e dentes venenosos dos gremlins, pequenos malditos.
– Pare de se mexer. Você quer que eu ajude ou não?
Sentei-me em uma cadeira no meio da cozinha, usando apenas sutiã e
roupas íntimas, e fiquei olhando para a mulher bondosa com bochechas
vermelhas e olhos verdes brilhantes, ela usava uma jaqueta tradicional de
cozinheira, branca e manchada, um pouco apertada demais. Ela ostentava
tranças loiras sob um toque e um sorriso contagiante, embora, no momento,
ela estivesse me encarando.
– Estou tentando – respondi. – Isso queima – Apontei para o grande
frasco de uma substância rosa que parecia Mertiolate em sua mão esquerda.
Ela estava espalhando a substância em mim com um pincel.
Polly, a curandeira, franziu os lábios.
– É uma pomada curativa. Não dói. Pare de se preocupar. Ou você quer
parecer que caiu de cara em um ninho de vespas?
Jade sorriu.
– Parece mesmo isso.
Eu exalei.
– Tá bom.
– Tenho que ver isso – Julian apareceu na sala de estar com um
sanduíche de frango na mão. Não me incomodou nem um pouco o fato de
eu estar seminua na frente dele. Ele já tinha me visto nua e crua.
Polly deu uma risadinha enquanto passava cuidadosamente sua pomada
curativa rosa no meu rosto, orelhas, pescoço e partes do meu couro
cabeludo.
– Tem cheiro de cocô – eu disse a ela.
– E funciona que é uma beleza – respondeu ela.
Ela estava certa. Ardeu por cerca de meio segundo, e depois senti uma
agradável sensação de resfriamento. Mas eu não ia contar a ela.
– Levante-se e abra as pernas – ordenou Polly, balançando o pincel nas
mãos.
– O quê? – eu gritei, mortificada. Que diabos era isso?
– Estou brincando – disse a curandeira. Jade começou a rir, e eu a olhei
de soslaio. – Mas preciso que você fique de pé. Posso ver muitas marcas de
dentes na parte de trás de suas coxas. Você tem sorte de eles não terem
causado mais danos. É um milagre você ter saído viva dessa. Os demônios
gremlin são como piranhas. Se cair no meio deles sobra apenas o seu
esqueleto.
Após ficar de pé por mais vinte minutos enquanto Polly terminava de
passar a pomada em mim, ela se afastou e disse com orgulho:
– Pronto. Meu melhor trabalho até agora.
– Está bem – Eu não sabia o que dizer. – Obrigada.
Polly sorriu de forma tão genuína e gloriosa que tive que retribuir seu
sorriso.
– Está bem – Ela bateu as mãos uma na outra, olhando para o meu
apartamento. – Quem é o meu próximo paciente?
– Eu.
Me virei lentamente para ver Jimmy vindo em nossa direção, rolando e
mancando, se é que isso existe. Sua cauda estava dobrada para trás e suas
orelhas estavam viradas para baixo. Ele parecia infeliz.
Meu coração se apertou quando o vi. Já era ruim o suficiente que ele
estivesse preso por toda a eternidade no corpo de um cão de brinquedo. Mas
um cão de brinquedo quebrado? Isso era doloroso.
– Aqui está a roda quebrada – Elsa se moveu e colocou uma roda de
madeira sobre a mesa. Em seguida, ela se abaixou, pegou o Jimmy e o
colocou sobre a mesa.
Polly enfiou as mãos no avental de cozinheira e tirou o que parecia ser
uma pistola de cola. Como ela cabia no avental era realmente um mistério, e
eu tinha a sensação de que seu avental tinha bolsos fundos ou algo assim.
– Não se preocupe, Jimmy – disse Polly enquanto batia a barriga contra
a mesa e se apoiava nos cotovelos. – Eu vou fazer você rolar de novo em
pouco tempo.
Jimmy ficou em silêncio, o que só me fez sentir pior. Quem sabia o que
se passava em sua cabeça? Rezei a Deusa para que Polly pudesse consertá-
lo.
Observei enquanto a curandeira esguichava na roda quebrada, uma
substância com as cores do arco-íris brilhante, não muito diferente de um pó
de fada. Em seguida, ela colocou a roda com cuidado no eixo e espremeu
mais um pouco da substância enquanto murmurava um feitiço. Depois de
um lampejo de luz e um suave estrondo, ela colocou Jimmy de volta no
chão.
– Pronto – disse ela endireitando-se. – Novo em folha.
Jimmy rolou alguns metros para frente, testando sua nova roda, ou
melhor, sua roda antiga, que havia sido reparada.
– Obrigado, Polly – disse ele, com a voz grata, mas também pude sentir
certa tristeza.
– O prazer é todo meu, querido – disse Polly enquanto enxugava a testa
com a mão livre.
Senti um nó na garganta ao ver Jimmy se afastar e virar à direita na
porta principal do meu apartamento, desaparecendo no corredor.
Polly viu a preocupação em meu rosto.
– Ele vai ficar bem.
– Será que vai? – Não foi essa a sensação que tive. – Você parece muito
habilidosa com essa coisa. Há alguma coisa que você possa fazer para
desamaldiçoá-lo? – Estudei Polly enquanto ela enfiava sua pistola de cola
mágica de volta nos bolsos grandes do avental de cozinheira. Fiquei
imaginando o que mais teria lá dentro.
Polly sorriu.
– Obrigada. Considero isso um elogio vindo de uma bruxa Estelar. Sim.
Eu sei tudo sobre você – Ela soltou um suspiro e seu sorriso desapareceu. –
Infelizmente, a maldição de Jimmy não pode ser desfeita. Pelo menos, não
com as ferramentas que possuo. Não pense que eu não tentei ao longo dos
anos. Eu tentei. Entrei em contato com meus amigos curandeiros e com
algumas das bruxas mais poderosas da Costa Leste. Nenhum de nós foi
capaz de remover a maldição.
– Quem pode? – Eu não estava disposta a deixar isso passar. Meu
sangue subiu de pensar em alguém transformando aquele homem em um
cão de brinquedo, como se fosse uma piada de mau gosto.
Polly piscou os olhos e disse:
– Quem o amaldiçoou foi a feiticeira Auria. E antes que você pergunte,
ninguém a viu ou ouviu falar dela em mais de sessenta anos. Acredito que
ela esteja morta.
Não acreditei nisso nem por um minuto. E, naquele momento, prometi a
mim mesmo que encontraria essa feiticeira e ajudaria Jimmy.
– Bem, se não há mais nada, preciso voltar para a cozinha – disse a
cozinheira-bruxa.
– Obrigada, Polly – Elsa a abraçou.
– Sim, obrigada – eu disse a ela enquanto ela se despedia e saía.
Curiosa, entrei no meu quarto e fui direto ao espelho pendurado na
parede, esperando ver meu rosto cheio de creme rosa, mas não havia nada.
Minha pele havia absorvido a pomada de Polly, ou ela se tornou invisível
depois de um tempo. Ainda assim, os arranhões e as marcas de mordida em
meu rosto eram muito menos visíveis e já estavam cicatrizando. Algumas
delas eu notei que tinham desaparecido completamente, sem nem mesmo
deixar um traço de cicatriz. Uau. Basil não estava brincando. Polly era uma
curandeira incrível.
Peguei uma calça jeans limpa, uma camiseta e uma jaqueta, e calcei um
par de botas curtas e sem salto. Em seguida, prendi o cabelo em um coque
bagunçado no alto da cabeça antes de sair do meu quarto.
– Onde você está indo? – Elsa estava com as mãos nos quadris. – Acho
que você não deve ir a lugar nenhum agora. Você precisa descansar. Você
não vai querer se esforçar demais depois do que aconteceu ontem à noite.
Você foi atacada por demônios.
– Estou perfeitamente bem – Peguei minha bolsa no gancho de parede e
a coloquei em volta do pescoço. – Preciso falar com Basil. Quero saber o
que ele planeja fazer com o hotel – Ontem à noite, depois que Jade e Elsa
arrumaram algumas roupas para mim, procurei no resto do décimo segundo
andar e descobri outra fenda. O portal parecia estar fechado, mas isso não
significava que não houvesse mais portais por todo o hotel.
Os hóspedes estavam em perigo. Com a contagem de corpos que não
parava de aumentar, eles não podiam ficar no hotel enquanto os demônios
estivessem à solta. Não até eu pegar o culpado. Eu não gostava da ideia,
mas Valen era o único suspeito naquele momento, e ele precisava ser
detido.
Jade entrou no corredor com um sanduíche de queijo grelhado na mão.
– Olá! Aparentemente, a maioria dos hóspedes fugiu do hotel ontem à
noite. Nós somos os únicos que restaram, os moradores. Ouvi dizer que o
Sr. e a Sra. Swoop, do apartamento trezentos e três, também foram embora.
Foi um Baile da Meia-Noite que não esqueceremos tão cedo.
O fato de a maioria dos hóspedes ter ido embora era uma boa notícia.
Mas para manter todos em segurança, o hotel devia evacuar todo mundo.
Até nós, os moradores.
– Voltarei mais tarde.
Deixei meus amigos em meu apartamento e peguei o elevador até o
andar principal. Minhas pernas estavam doloridas devido a toda a escalada
da noite passada, mas, fora isso, eu me sentia bem. Polly era de fato uma
curandeira.
– Você continua aqui? – escarneceu Errol quando passei pela recepção.
– Pensei que eles já teriam demitido você. Você não consegue nem fazer seu
trabalho. E agora, mais pessoas morreram. Deveríamos pedir um
reembolso.
Minha raiva explodiu, mas mantive a boca fechada e me dirigi ao
escritório de Basil, que ficava à direita da recepção. Eu não tinha tempo
nem energia para lidar com idiotas.
– Basil… – Bati e empurrei a porta ao mesmo tempo. – Preciso falar
com você. Pisquei os olhos e encarei a escrivaninha e a cadeira vazias. Seu
telefone estava fora do gancho, com o fio pendurado na mesa como se
alguém o tivesse deixado cair e esquecido de colocá-lo de volta. À primeira
vista, pensei que ele não estivesse aqui, então um gemido baixo chamou
minha atenção.
Basil estava sentado no chão, com as costas na parede. Em sua mão,
havia uma garrafa de bourbon meio vazia.
– Estou acabado – disse o bruxinho, com a voz mole enquanto passava
seus olhos vermelhos por mim, sem se fixar em nada. Seu rosto estava
vermelho e manchado, e ele parecia péssimo.
Me aproximei.
– Você passou a noite toda bebendo?
– Nunca mais serei um gerente – balbuciou o bruxo. – Tantos mortos.
Mortos. Mortos. Mortos. Mortos.
Exalei, balançando a cabeça.
– Ouça, você pode se culpar o quanto quiser, mas ainda precisa fazer
alguma coisa. Ainda há pessoas no hotel. E enquanto as pessoas estiverem
aqui, suas vidas estarão em perigo. Basil? – me perguntava se o bruxo
conseguia entender o que eu estava dizendo ou se eu estava desperdiçando
meu fôlego.
Uma lágrima escorreu de seus olhos.
– Se foram. Os hóspedes se foram.
– Nem todos. E os moradores continuam aqui. Bem, a maioria deles.
Basil deu uma risada falsa e levantou sua garrafa.
– O que você quer que eu faça? Eles me odeiam. Todos eles me odeiam.
Eu sou o motivo de chacota de Nova York. O pior gerente da história do
Twilight Hotel – Seus olhos errantes finalmente se fixaram em mim. – Eles
vão fechar o hotel – Ele soluçou e depois disse: – Recebi a ligação esta
manhã. Em uma semana. O Twilight Hotel não existirá mais.
Revirei os olhos.
– Eu adoraria me juntar a você nessa festa de piedade, mas tenho um
trabalho a fazer. E meu trabalho é garantir que os hóspedes e moradores
deixem o hotel, vivos. Aqui não é mais seguro para eles.
Basil franziu a testa, como se estivesse lutando para organizar um
pensamento em sua mente embriagada.
– O que você quer?
– Você precisa evacuar todos do hotel. Quanto mais cedo, melhor.
O bruxo piscou algumas vezes, e eu esperei alguns segundos para que a
informação fosse absorvida por sua mente bêbada.
– O quê? Você quer que eu force todo mundo a sair?
– Sim. Não é seguro. Eles podem encontrar outro hotel, talvez até um
hotel humano, por enquanto.
Basil olhou para mim como se eu tivesse perdido o juízo.
– Os moradores. Para onde eles irão?
Esfreguei meus olhos.
– Não faço ideia. Que tal você e Raymond trabalharem nisso? Você
pode usar Errol também para ajudar. Ele não terá muito o que fazer agora
que a maioria dos hóspedes se foi. Veja se você consegue encontrar um
alojamento temporário por enquanto.
Isso incluía a mim também. Eu não achava que Elsa, Jade e Julian
ficariam satisfeitos em procurar um novo lugar para morar em tão pouco
tempo e me deixar para trás. Mas eu não iria a lugar algum até que parasse
com essa loucura.
– Voltarei para ver como você está – eu disse ao bruxo bêbado. –
Preciso fazer algo primeiro.
A cabeça de Basil pendia entre um movimento de cabeça e um aceno.
Não tinha tempo para lidar com ele agora. Eu tinha algo mais
importante para resolver.
Eu ia confrontar Valen com o que eu sabia. Estava cansada de esperar.
21

M inha pressão subiu enquanto eu me dirigia ao restaurante. Apertei e


soltei as mãos, tentando me livrar da tensão. Esse não seria um
encontro agradável com o dono do restaurante.
Eu estava nervosa. Parte de mim odiava o que estava prestes a fazer,
mas não tinha escolha.
Não ajudava o fato de eu ficar repetindo na minha mente a nossa dança
de ontem à noite, o quanto ele me abraçou, o cheiro dele, seus olhos escuros
e hipnotizantes e como ele me fazia sentir. Eu não ia mentir. Eu estava caída
por ele. Muito caída. Alguma coisa nele me atraiu, e eu queria saber mais
sobre ele. Eu queria mais.
Me concentrei principalmente na forma como ele ficou tenso quando eu
perguntei sobre seu lado paranormal, sua espécie, e como esse assunto o
deixou quase fisicamente desconfortável. E tinha também a parte em que
ele tinha acabado de sair quando os ataques de demônios começaram.
Eu não sabia se era porque ele queria esconder as evidências, embora
não pudesse ser isso, pois encontrei elementos do ritual e da fenda em um
dos quartos de hóspedes. Talvez ele quisesse desaparecer para que ninguém
suspeitasse de sua participação em tudo isso.
Respirando fundo, abri a porta e entrei no restaurante de Valen. Mesmo
que passasse das onze da manhã, a iluminação era fraca, o que mantinha o
ambiente íntimo e relaxante. Alguns clientes estavam sentados nas mesas,
almoçando cedo. Olhei para um garçom equilibrando pratos cheios de
comida enquanto ele passava pelo labirinto de mesas e cadeiras.
Passei pela recepção e me dirigi para os fundos do restaurante, perto da
cozinha, que eu suspeitava ser onde encontraria o escritório dele. Meu
coração batia forte o tempo todo, como se eu tivesse corrido até aqui.
Eu não esperava que alguém como Valen escolheria vir comigo
voluntariamente, sabendo que os oficiais do Conselho das Sombras
poderiam surgir e levá-lo para uma cela de detenção enquanto aguardava
julgamento. Essa era a parte do meu trabalho que eu mais odiava e sabia
que ter um parceiro teria sido útil. Mas eu sempre trabalhei sozinha.
Além disso, considerando que era de dia, minha magia estelar estava
mais vulnerável, caso ele não viesse de forma voluntária. Se ele fosse tão
poderoso quanto eu pensava, eu precisaria de apoio.
Que droga. Eu deveria ter pedido ajuda aos meus novos amigos. Mas eu
não havia contado a eles tudo o que havia descoberto sobre Valen. Hesitei
por um momento, pensando em ir embora e voltar quando tivesse mais
ajuda, mas eu já estava aqui. Também não tinha certeza se eles estariam tão
dispostos a me ajudar com essa confusão. E era exatamente isso que estava
acontecendo, uma confusão.
A ideia de que ele estava por trás da abertura Fendas deixou um gosto
amargo em minha boca.
Vi um corredor pequeno com duas portas de cada lado. Deve ser aqui.
– Posso ajudar você?
Virei-me ao som da voz e vi a recepcionista parada atrás de mim com
uma expressão preocupada em seu belo rosto. Eu a reconheci das muitas
vezes em que vim comer aqui com meus amigos. Ela havia me dito seu
nome, mas eu não conseguia me lembrar.
– Sim, estou procurando por Valen.
A anfitriã ainda me olhava com desconfiança.
– Ele não está aqui – Ela cruzou os braços.
Notei que ela não queria se oferecer para dizer onde ele estava. Eu
sentia uma espécie de superproteção da parte dela. Isso ou ela gostava dele
e achava que eu era uma concorrente.
– Você sabe quando ele voltará? É importante que eu fale com ele.
– Sobre o quê? Talvez eu possa ajudar você – A recepcionista me
encarou. Sim, definitivamente estava acontecendo alguma coisa entre os
dois.
– É um assunto particular – Vi seus olhos se arregalarem com meu
comentário. – Você tem o número de celular dele? – Eu tinha que tentar
fazer com que ele viesse até mim de alguma forma.
Ouvindo isso, a recepcionista pareceu se animar um pouco.
– Desculpe. Mas eu não dou o número de Valen para estranhos.
Eu franzi a testa.
– Eu não sou uma estranha. Você já me viu aqui várias vezes. E eu já
falei com ele – Eu lhe dei um sorriso. – Você poderia até dizer que somos
amigos – Sim, era um tiro no escuro e, pelo estreitamento de seus olhos, eu
sabia que ela não acreditava.
– Você pode voltar mais tarde e ver se ele está aqui – A recepcionista foi
embora sem dizer mais nada.
Talvez Elsa ou Jade tenham o número dele. Eu poderia ver com Julian
também. Sim, eu teria que contar tudo sobre ele, mas não podia esperar
mais. Valen estava ligado aos demônios no Twilight Hotel, e eu ia descobrir
como.
Caminhei até a calçada sob a luz do sol, desviando-me de algumas
pessoas antes de retornar ao hotel. A fachada de pedra calcária do hotel
reluzia sob os raios solares. Eu podia vê-lo agora. O feitiço que o tornou
invisível para mim só aconteceu uma vez. E foi quando Valen
convenientemente apareceu. Será que ele também estava por trás disso?
Possivelmente.
A ideia de que talvez a recepcionista soubesse onde Valen estava e não
quisesse contar veio à minha mente. Sim, com certeza ela sabia onde o
homem-fera estava se escondendo. E então percebi que talvez ele estivesse
em seu escritório. Por outro lado, é possível que ela simplesmente quisesse
criar a impressão de que ele havia saído, quando, na verdade, ele ainda
estava no restaurante.
Sim, ela me pegou. Me pegou de jeito. Mas ela ia ver.
– Você ainda não viu nada – murmurei.
Decidindo instantaneamente retornar ao restaurante, dei meia-volta.
Mas algo me atingiu na parte de trás da cabeça. Pontos negros nublaram
minha visão à medida que eu caía de joelhos. A dor me atingiu na cabeça,
parecendo que um picador de gelo havia penetrado em ambas as têmporas.
Me encolhi e me curvei. Ah, Deus. Isso doí.
Dedos agarraram minha nuca, e eu fui levantada e arrastada. Minha
visão oscilava entre o preto e o turvo, e eu estava perigosamente próxima de
desmaiar. Mas eu não podia fazer nada. Meu corpo e minhas pernas
estavam pendurados como uma marionete sem vida.
Depois de um momento, fui arremessada e aterrissei em algo duro: o
asfalto, eu tinha certeza. Minha cabeça latejava, como se meu crânio
estivesse rachado na parte de trás, e um líquido quente escorria pela parte
de trás do meu pescoço.
– Sua puta maldita – disse uma voz que eu conhecia muito bem. – Achei
que não encontraria você. Bem, eu a encontrei. Eu a encontrei, porra.
Virei a cabeça lentamente, apesar da dor atrás dos olhos, enquanto me
esforçava para focar no meu ex-marido, que era apenas um vulto.
– Martin? – Uma onda de náusea me atingiu, virei a cabeça e vomitei.
O vulto se aproximou de mim.
– Sabia que precisei de uma cirurgia depois daquele show? Uma
cirurgia para consertar meu pênis!
Eu sabia que um dia pagaria por minha insensatez. Só não imaginava
que seria tão cedo. E o desgraçado havia me traído várias vezes ao longo
dos anos. Eu chamaria isso de uma troca justa.
Cuspi e abri a boca para lhe dizer exatamente isso, mas ele me deu um
chute no estômago. Perdi a respiração enquanto rolava na calçada dura.
Minhas costelas estavam em chamas. Sim, ele havia quebrado algumas com
aquele chute. Lágrimas caíram pelo meu rosto e olhei para o vulto com a
qual estive casada por todos aqueles anos, sem reconhecer a pessoa que
estava sobre mim. Eu sabia que ele havia se tornado um canalha. Acho que
eu só não sabia até onde ia essa canalhice.
– Você me humilhou – sibilou Martin, embora eu não conseguisse ver
seu rosto claramente, podia imaginar sua fúria. – Você está morta. Eu disse
que mataria você.
Ele se inclinou, mas, antes que eu pudesse reagir, seu punho acertou
meu rosto. A dor explodiu quando minha cabeça caiu para trás. Senti o
gosto de sangue e a dor. Isso não estava indo bem.
– Não me importa se você é uma bruxa – disse Martin por cima do ruído
que martelava em meus ouvidos. – Você está morta. E o divórcio? Você
acha que eu esqueceria o que você fez comigo porque pagou alguém para
fazer o divórcio? Nunca! Você vai pagar por isso. Você vai pagar muito caro
por isso.
Rolei de lado, tentando piscar para afastar a visão dupla, mas não deu
certo.
– Eu fiz o que você merecia – Ok, isso provavelmente não era a melhor
coisa a se dizer para alguém que estava tentando me espancar até a morte,
mas não pude evitar.
Martin puxou sua mão para trás e eu me preparei quando ele me deu um
golpe nas costas. Estrelas explodiram na parte de trás de minhas pálpebras
quando a escuridão se abateu sobre mim. A mesma dor me atingiu, só que
mais intensa. Tudo meio que se apagou, e a escuridão se instalou.
Não sabia quanto tempo fiquei inconsciente, mas quando acordei com a
dor aguda em meu pescoço, não conseguia respirar. Pisquei para ver o rosto
de Martin, que estava embaçado.
O pânico tomou conta de mim. Eu o golpeei e tentei tirar sua mão do
meu pescoço, mas era como tentar dobrar aço com minhas mãos. Sua força
era de ferro.
Eu ia desmaiar novamente. Eu sabia que isso seria a minha morte. Eu
precisava fazer alguma coisa, e precisava fazer algo rápido.
O pânico era muito profundo. Ele perturbava minha concentração.
Mesmo assim, fechei os olhos e canalizei meu poder interno, invocando as
estrelas. Mas nada aconteceu, apenas o constante latejar em minha cabeça e
costelas, juntamente com a percepção de que Martin iria me matar.
Por cima das batidas em meus ouvidos, ouvi a respiração pesada de
Martin. Ele me segurou com menos força e eu caí na calçada.
– Que porra é você? – disse Martin, com a voz aterrorizada, aguda e
cheia de medo. Eu nunca o tinha ouvido falar assim antes. Nem mesmo
quando eu quebrei seu pequeno pipi.
Com quem ele estava falando? Levantei a cabeça, mas tudo o que vi
foram vultos, uma forma pequena e uma enorme. Ou seria uma árvore? Eu
não tinha ideia.
Ouvi o som repentino de punhos batendo e, em seguida, o vulto de
Martin, o que eu achava ser Martin, voou no ar, seguido pelo som horrível
de ossos sendo esmagados quando ele bateu na lateral de alguma coisa.
Talvez um prédio… ou um carro.
Martin estava morto? Quem havia feito isso?
Um vulto grande pairava sobre mim, mas eu estava muito ferida e
enjoada para ficar com medo. Se aquilo ia me matar como fez com Martin,
bem, que ele fosse em frente. Talvez assim a dor parasse.
Algo áspero deslizou sob mim e, quando dei por mim, estava flutuando.
Então, senti algo quente e macio embaixo de mim, como um edredom feito
de couro. O cheiro de suor e almíscar misturado com algo mais me
preencheu. Espere um pouco. Eu já havia sentido esse cheiro antes.
– Você vai ficar bem. Estou aqui agora. Estou com você.
Movi meu rosto em direção ao som da voz.
– Valen?
– Sim. Sou eu. Ele não pode mais machucar você. Feche seus olhos. Eu
cuidarei de você.
Tentei ver seu rosto, mas ele estava embaçado e quatro vezes maior que
o tamanho normal. Caramba, Martin tinha me batido com violência. E a voz
de Valen também estava diferente. Mais profunda, não como antes, mas
estrondosa, mais gutural e mais alta, como se minha cabeça estivesse ao
lado de um alto-falante.
– Durma – acalmou Valen.
E então a escuridão me tomou.
22

Q uando abri os olhos novamente, tive outro episódio de pânico total. Eu


estava deitada em uma cama, sofá ou algo assim. O quarto estava
escuro, exceto pela luz de um abajur. A cortina, persiana ou qualquer outra
coisa estava fechada. O cheiro não era familiar, parecia especiarias e um
pouco de almíscar. Este não era o meu apartamento. Onde diabos eu estava?
Os eventos do dia voltaram à tona.
Eu indo procurar Valen. Martin tentando me matar em um beco. E Valen
novamente. Bem, eu achava que era Valen. Mas Martin havia me batido
tanto, que poderia ter sido o Papai Noel, pelo que eu sabia. Possivelmente o
Batman.
O que eu sabia com certeza era que aquele não era o meu apartamento.
Dominada pelos tremores do medo, tentei me sentar, gritei e me deitei
novamente.
– Está doendo.
– Não tão rápido. Acho que você tem algumas costelas quebradas.
Meu coração bateu forte no peito.
Valen apareceu segurando o que parecia ser uma xícara de chá
fumegante. Ele era o responsável pelos demônios, aquele que eu deveria
levar ao Conselho das Sombras.
– Valen? Onde estou? – Levantei-me lentamente, desta vez para me
sentar. Eu sabia que estava coberta por um cobertor gostoso, macio e de
aparência cara, e minha cabeça estava apoiada em travesseiros macios. Doía
demais tentar entender o que eu estava vendo e vivenciando. Ele era o vilão,
certo?
– Na minha casa. Logo acima do restaurante.
Olhei fixamente para o homem, fera, bruxo ou o que quer que fosse,
enquanto ele me entregava a xícara fumegante.
– Foi você? Você me salvou? – Me senti um pouco humilhada por ele
ter me encontrado em tal estado, mas fiquei mais chocada por ele ter me
ajudado.
– Beba – ordenou ele, sem responder à minha pergunta.
Eu duvidava que ele fosse me envenenar a essa altura, então peguei a
caneca.
– O que é isso? – O cheiro que ela exalava não era desagradável e
poderia ser cítrico, talvez gengibre.
– Ervas medicinais – respondeu Valen. – Elas ajudarão você com a
concussão e as costelas. Você levou uma surra e tanto.
Assenti com a cabeça, e as imagens do ataque brutal de Martin voltaram
à minha mente. Se Valen não tivesse intervindo, eu estaria morta. Então, por
que ele fez isso?
Tomei um gole e estremeci.
– O cheiro é melhor do que o gosto – Olhei para Valen, e ele tinha um
sorriso no rosto. – O que aconteceu com Martin? Ele está morto? – Eu
odiava o maldito, ainda mais agora depois do que ele fez, mas não tinha
certeza se queria que ele morresse.
Um músculo se contraiu em sua mandíbula.
– Ele não está morto. Mas não vai mais machucar você – Ele se sentou
na cadeira de couro ao meu lado, inclinando-se para a frente até que seus
antebraços repousassem sobre as coxas. – Quem é ele?
– Meu ex-marido – eu disse, lembrando-me da voz de Martin e da dor
que ele me infligiu. O covarde havia me golpeado por trás. Levantei a mão
e senti um pouco de gaze no local onde Martin havia desferido o primeiro
golpe.
Encontrei o olhar de Valen e o mantive, ciente de que seus olhos escuros
estavam mexendo com meu corpo.
– Por quê? Por que você me ajudou? – Porque todos nós sabemos que
você está por trás dos ataques dos demônios.
Valen desviou o olhar.
– Porque um homem que bate em uma mulher não é homem, é um
covarde, um fraco. Ele mereceu o que recebeu.
Tomei outro gole e achei mais suportável quanto mais eu bebia.
– Ele estava bravo comigo porque eu quebrei o pênis dele, quando o
encontrei na cama com uma de suas prostitutas.
Os olhos de Valen brilharam, e um sorriso se desenhou em seu rosto.
– Isso merece um pênis quebrado.
Sorri, percebendo que de repente estava me sentindo muito melhor, um
pouco sonolenta, mas melhor.
– Sim, bem. Ele estava puto – Exalei, levei a xícara aos lábios e bebi o
resto. – Eu deveria tê-lo deixado há muito tempo. Não era saudável para
nenhum de nós.
Valen pegou a xícara.
– Os relacionamentos são complicados – Ele foi para a cozinha, que se
destacava como um espaço ultramoderno, predominantemente branco, com
toques metálicos.
Aproveitei a oportunidade para dar uma olhada. Seu apartamento era
talvez três vezes maior que o meu, com móveis contemporâneos de couro
masculino, mas aconchegante, com grandes tapetes persas e muita madeira.
Também era impecável, e eu me perguntei se ele passava muito tempo aqui.
Não vi nenhuma foto de uma esposa ou qualquer outro tipo de foto.
Pelo menos não na sala de estar.
Valen voltou e se sentou na mesma cadeira.
– Devo ligar para alguém? Um membro da família? Você tem um
vergão feio na parte de trás da cabeça, e deve ficar de cama por um dia ou
mais.
– Não tenho família – falei baixinho, meus olhos lacrimejaram quando
pensei nisso. – Minha mãe morreu há quase dezesseis anos. Nunca conheci
meu pai. Sou só eu.
– Sinto muito em ouvir isso.
– O que tinha naquele chá que você me deu? – Minhas palavras estavam
saindo distorcidas, como se eu estivesse bêbada depois de quatro taças
cheias de vinho.
Valen encontrou meus olhos, seu olhar era escuro e intenso.
– Uma bebida especial que faço para mim. Ela vai deixar você cansada,
mas vai ajudar. Eu prometo.
– Promessas, promessas – eu disse com uma risada. Que diabos havia
de errado comigo? Eu estava me sentindo confortável demais com esse
cara.
Agora que ele estava aqui, precisava que ele respondesse algumas
perguntas antes que o que eu havia ingerido me impedisse de formular
frases coerentes. Era melhor acabar logo com isso.
– O que você estava fazendo no quarto novecentos e quinze? – Pronto,
falei. Bem, acho que falei, o chá estava me fazendo duvidar se eu tinha dito
apenas na minha cabeça ou se palavras reais tinham saído da minha boca.
O homem grande me observou por um momento, seus olhos se
arregalaram por um segundo, e eu soube que ele não havia percebido que eu
estava lá com Jimmy. Em seguida, seus olhos ficaram distantes, e eu não
sabia dizer se ele estava tentando inventar uma história para me contar ou se
não queria responder.
– Você está me espionando? – perguntou Valen.
Oooh. Ele está tentando responder à minha pergunta com uma pergunta.
– Sim. Sou uma Merlin. Faz parte do meu trabalho espionar todo mundo
– Respirei fundo, fazendo o possível para me concentrar. – Então, por que
você estava lá?
– Alguém me avisou sobre um possível portal de demônios – disse o
homem-fera. – Fui verificar se era verdade.
Boa resposta. Mas eu não acreditei nele.
– Quem te apertou… avisou? – Ah, meu Deus. Meus lábios estavam
começando a ficar dormentes.
– Um hóspede do hotel. Alguém que conheço e em quem confio.
Examinei seu rosto.
– Então, você foi apenas para ver? O que faria se encontrasse um
demônio? – Eu realmente queria que ele me dissesse que era um bruxo ou
um mago.
Valen arqueou a sobrancelha.
– Eu tenho maneiras de lidar com demônios e outros diabos do
Submundo.
Aposto que sim.
– Como exatamente você faz isso?
Ele estreitou os olhos.
– Você pode fazer suas perguntas, mas isso não significa que eu as
responderei.
– Então você foi apenas para olhar e depois saiu sem avisar ninguém
sobre a Fenda? Isso não soa como alguém que quer ajudar ou se preocupa
com os hóspedes do hotel.
Valen olhou para o chão, com um sorriso nos lábios.
– Você acha que eu fiz isso? Você acha que deixei os demônios entrarem
no hotel e matar todas aquelas pessoas?
Tentei não deixar que o tom de humor em sua voz me incomodasse.
Tarde demais, já tinha me incomodado.
– Você foi visto saindo do quarto 915 e não avisou a gerência. Esse é o
comportamento de alguém que está escondendo algo.
Valen deu de ombros.
– Eu esqueci.
Eu comecei a rir. Totalmente antiprofissional.
– Claro que esqueceu.
O homem grande se recostou em sua cadeira.
– Eu não fiz isso, Leana. Você precisa acreditar em mim.
Balancei a cabeça.
– Você está tornando isso muito difícil – Talvez ele estivesse
trabalhando para outra pessoa e fosse apenas o executor.
Valen examinou meu rosto.
– E agora? Você vai me prender?
Senti minha boca se abrir e ela tremeu enquanto tentava fechá-la.
– Eu tinha pensado nisso.
– Foi por isso que você veio ao restaurante me procurar? – perguntou
Valen.
Estreitei os olhos.
– Então, você estava lá. Eu sabia. A recepcionista. Sua namorada
mentiu para mim – Eu sabia que ela estava escondendo algo.
A diversão brilhava em seus olhos.
– Simone não é minha namorada. Ela só estava fazendo o trabalho dela.
– E qual é? Dar para o chefe? – Ah, merda. Será que acabei de dizer
isso? Uma faísca de ciúme se apoderou de mim ao pensar nele e naquela
recepcionista transando em seu escritório. Claramente, eu estava perdendo a
cabeça.
Valen riu.
– Eu lhe pedi para não ser incomodado. Eu precisava de um tempo
sozinho.
– Por que você foi embora ontem à noite durante o baile? – Tudo bem,
eu não precisava fazer essa pergunta, mas ela estava me incomodando desde
que aconteceu. – Você dá a impressão de que se importa com os hóspedes.
Poderíamos ter usado alguém como você para ajudar.
– Eu precisava checar uma coisa – disse Valen, deixando as coisas
assim.
Fiquei ali deitada por um tempo, sem saber o que pensar desse homem-
fera. Ele estava escondendo alguma coisa, mais do que isso. Ele não só
estava escondendo sua verdadeira natureza, mas também o que estava
fazendo no quarto 915 e porque havia desaparecido do baile na noite
passada. Suas respostas não se encaixavam. Nada se encaixava. Eu queria
continuar incomodando até ele ceder, mas não estava em condições de fazer
isso. Minha cabeça não latejava mais, mas estava entorpecida, e a súbita
vontade de rir se tornou irresistível enquanto eu lutava contra a vontade de
dormir.
– Valen é o diminutivo de Valentine? Como o Santo Valentine? –
comecei a rir.
Seu sorriso franziu seus olhos. Ele tinha olhos tão bonitos.
– Não. Só Valen.
Levantei a mão para apontar para ele, mas ela continuou se movendo
em círculos, então a deixei cair novamente.
– Você está tentando me embebedar? Você quer se aproveitar de mim? –
A essa altura, eu não me importava. Fazia muito tempo que eu não sofria
uma boa agressão com uma arma amiga. Diabos, já faziam anos.
Embora ele tenha balançado a cabeça, seu sorriso dizia o contrário.
– Não. Eu nunca faria isso. Se eu quisesse dormir com você, não o faria
enquanto você estivesse… embriagada.
Meus olhos se arregalaram.
– Você quer mesmo dormir comigo! – Vem me pegar, homem-fera. Me
pega. Me pega!
Valen se inclinou para frente até que seus joelhos estivessem encostando
no sofá.
– Acho que o chá está funcionando. Você se sentirá muito melhor em
algumas horas. Você deveria descansar um pouco.
Eu sabia que não deveria dormir aqui, não com um possível invocador
de demônios tão perto. Ele sabia que eu estava atrás dele agora. Talvez eu
tivesse o mesmo destino de Eddie. Eu deveria estar com medo. Deveria
estar aterrorizada e tentar planejar minha fuga. Mas o que quer que
estivesse naquele chá dificultava sentir qualquer coisa além de sonolência
misturada com um pouco de tesão.
Minhas pálpebras pareciam feitas de chumbo, e era preciso um esforço
enorme para mantê-las entreabertas.
Apertei os olhos para tentar ver apenas um Valen, porque neste
momento havia dois dele. Apontei o dedo para seu peito.
– Você é um homem mau. Mau. Mau. Mau.
– Às vezes – disse ele, com uma voz suave. – Você realmente deveria
dormir um pouco.
– Dormir, dormir, dormir – Dei uma risadinha e achei difícil parar
quando já tinha começado. – Já sei… vamos ficar pelados! – Ah, meu Deus.
Lá se vai minha licença de Merlin, por dormir com o inimigo.
Valen riu.
– Você é estranha, Leana Fairchild.
No momento em que senti o peso do sono me dominando, senti o toque
de uma mão em minha bochecha, gentil e carinhosa, e então não me lembrei
de mais nada.
23

A bri meus olhos e pisquei na escuridão. O medo obscureceu minha


consciência, e respirar fundo ajudou a clarear minha visão. À medida
que meus olhos se ajustavam à escuridão, reconheci as paredes brancas e
simples, o pequeno quarto com o qual eu estava acostumada e a janela que
dava vista para um prédio vizinho. Não era uma vista muito boa. Mas era
minha.
Eu estava em minha cama, em meu apartamento. Mas como diabos eu
vim parar aqui? As lembranças vieram à tona. A última coisa de que me
lembro é que estava na casa de Valen e disse algumas coisas bastante
inapropriadas. O calor subiu ao meu rosto ao me lembrar das minhas
palavras. O chá dele era definitivamente diferente. A bebida me fez agir
como uma tola, mas ele agiu certo. A dor em minhas costelas era leve e
controlável, e a dor aguda na parte de trás da minha cabeça, onde Martin
havia me batido, era um latejar sutil.
Ainda assim, como diabos eu vim parar aqui?
Balancei as pernas sobre a cama, aliviada por descobrir que ainda estava
com as mesmas roupas. Vi meu celular na mesinha de cabeceira e o peguei.
O relógio marcava 21h13. Portanto, eu havia dormido boa parte do dia. Isso
explicava o fato de eu me sentir tão descansada, mas não explicava como
apareci magicamente em minha cama.
Vozes soaram do lado de fora do meu quarto. Eu sorri. A gangue estava
aqui. Que bom! Eu tinha trabalho a fazer e precisava da ajuda deles.
Mas isso também significava que Basil não havia evacuado os
moradores, ainda.
Levantei-me, sentindo-me surpreendentemente melhor do que eu
imaginava. Seguindo o cheiro de café e os murmúrios de vozes que eu
suspeitava estarem tentando não me acordar, entrei na cozinha.
Elsa olhou para mim, surpresa.
– Oh, nós acordamos você? Estávamos tentando falar baixo. Mas você
sabe como a Jade se empolga facilmente e sua voz se eleva – Ela estava
sentada em frente à Jade, com os dedos enrolados em uma caneca de café.
Jade lhe lançou um olhar.
– Minha voz não se eleva quando estou animada.
– Está vendo? – apontou Elsa. – Ela acabou de se elevar.
Jimmy veio em minha direção.
– Como você está se sentindo?
Levantei a mão e senti o hematoma na parte de trás da minha cabeça.
– Melhor do que o esperado.
Jade se levantou da cadeira, pegou uma caneca limpa e colocou café
fresco nela.
– Aqui está. Tome um pouco de cafeína. Isso vai dar a você mais
energia.
Peguei a caneca.
– Obrigada – Olhei para os meus novos amigos. – Como cheguei aqui?
– Eu não me lembrava de ter entrado no hotel, muito menos de ter ido para
a cama. Eu suspeitava quem tinha me trazido, mas queria ouvir isso deles.
– Valen – respondeu Jade, radiante. – Ele carregou você nos braços e
tudo mais – Uma expressão sonhadora surgiu em seu rosto. – Ele é um
homem tão grande e forte com braços tão grandes e fortes.
Parecia que eu tinha enfiado meu rosto em um forno.
– Ele me trouxe aqui? Em seus braços? – Droga, então todo mundo
tinha visto Valen me carregar de volta para o hotel? Lá se foi minha
reputação. Mas o mais importante era a confusão de sentimentos que eu
tinha pelo homem-fera. Por que ele estava sendo tão gentil? Especialmente
depois que eu o acusei de deixar os demônios entrarem no hotel.
– E colocou você na cama – disse um Julian sorridente, erguendo as
sobrancelhas sugestivamente e recostando-se na cadeira.
– Urgh – Fechei os olhos e dei um tapa na testa. Isso era humilhante.
Uma bruxa pendurada e desmaiada nos braços de seu salvador, que também
era, possivelmente, o vilão.
– Não fique com vergonha – disse Elsa. – Todas as mulheres
paranormais solteiras desta cidade desejariam que fossem elas.
– E algumas casadas – riu Jade.
Suspirei. Valen era um homem-fera complicado. Eu não queria gostar
dele. Mas ele estava tornando isso extremamente difícil.
– Quem mais viu isso? – Eu tinha que saber.
Jade deu de ombros como se não fosse nada de mais.
– Não muitos. A maioria dos hóspedes já se foi. Mas Errol, Basil e a
maioria de nós do décimo terceiro andar viram.
Suspirei.
– Ótimo. Maravilhoso.
– Não seja tão dura consigo mesma – disse Elsa. – Ele só carregou você.
Não foi nada de mais.
– Isso é uma grande coisa quando você é uma Merlin e está inconsciente
– Isso fazia eu parecer incapaz de fazer meu trabalho. Se Basil não me
demitisse em seguida, isso por si só seria um milagre. Talvez ele estivesse
bêbado demais para perceber.
Eu me mexi na cadeira, lembrando-me de algumas coisas que havia dito
a Valen. Eu parecia uma mulher de meia-idade excitada. Ele deve ter
adorado me ver daquele jeito.
– Quanto tempo ele ficou? – Perguntei, imaginando a que outros
aspectos humilhantes da minha vida ele teria sido submetido.
– Ele não ficou muito – disse Elsa. – Nós lhe oferecemos café e ele
ficou até terminar a xícara.
– Sobre o que vocês falaram? Vocês falaram sobre mim? O que ele
disse, exatamente? – Eu parecia mais interessada no que ele pensava de
mim do que no fato de ele ser meu único suspeito.
Jade bateu as mãos uma na outra.
– Eu sabia! Eu sabia que você gostava dele.
Meus lábios se separaram.
– Eu não gosto dele – Isso fez com que mais calor subisse pelo meu
rosto.
– Claro que você gosta – Jade olhou para mim. – Por que você está
ficando vermelha, então?
– Porque tenho pressão alta – eu disse a ela. – Continuo um pouco tensa
depois do que aconteceu.
O sorriso de Jade me disse que ela não acreditava em uma palavra.
– Uh-huh.
– Conversamos sobre o que aconteceu com você – disse Jimmy, vindo
em meu auxílio. – Quando o vimos carregando você daquele jeito… bem…
– Todos nós nos assustamos – disse Jade.
– Sabíamos que algo terrível havia acontecido – disse Elsa. – Eu exigi
uma explicação.
O sorriso de Julian desapareceu, e vi algo sombrio cruzar seu rosto.
– Aparentemente, você foi atacada pelo seu ex-marido? – A testa
franzida de Julian deixou claro que ele compartilhava da opinião de que
homens que agridem mulheres não merecem ser chamados de homens.
– Ele contou isso a vocês? – Acredito que ele tinha que contar para
alguém. Fazia sentido, pois eles eram a coisa mais próxima que eu tinha de
uma família de verdade. Senti um calor na barriga pelo fato de que eles
realmente se importavam comigo. Todos eles se preocupavam comigo, e
tive que piscar rapidamente para esconder as lágrimas traiçoeiras que
ameaçavam a cair.
– Claro que sim – Elsa acariciou o medalhão em seu pescoço. – Quando
o vimos com você nos braços, bem, você pode imaginar a histeria que se
seguiu.
– Fizemos com que ele nos contasse – disse Jimmy, com a cauda
abanando atrás dele. – Ele disse que deixou o ex-marido em maus lençóis, e
com razão – Ele parecia muito mais animado do que quando o vi pela
última vez, fiquei feliz por isso.
– Sim. Ele me contou – Fui até a mesa, peguei uma cadeira e me deixei
cair nela. – Foi tudo um pouco confuso. Martin, agindo como o idiota que é,
me pegou de surpresa e me bateu na parte de trás da cabeça. Depois daquele
golpe, eu não consegui me defender nem pensar direito. Ele me bateu várias
vezes. Eu desmaiei. Acho que ele me arrastou para um beco, mas não tenho
certeza. E então ele me sufocou. Ele queria me matar. Tudo porque eu
quebrei o pênis dele – Eu sabia que esse não era o único motivo. Martin
estava fora de si. E parecia que quando ele sentiu o gosto de me bater, não
conseguiu mais parar. Ele gostou. E eu tinha certeza de que ele teria ido até
o fim se Valen não tivesse aparecido.
– Você quebrou o pênis dele? – Jade me olhou como se não tivesse
certeza de quem eu era. – Foi uma torção? – Ela gesticulou com as mãos
como se estivesse abrindo um pote de geleia. – Ou foi um quebrado,
quebrado? Como um dedo do pé quebrado?
Acenei com a cabeça.
– Um quebrado, quebrado.
O sorriso de Jade se alargou.
– Você é minha heroína.
Eu ri, mas fui interrompida pelo rosnado de Julian. Ele parecia um
lobisomem naquele momento.
– Eu teria feito o mesmo que Valen – disse o bruxo. – Talvez pior. Tipos
como esse não merecem andar pelas ruas.
Jade veio para perto de mim.
– E Valen salvou você. É como em um filme, quando o estranho forte,
sombrio e silencioso salva a garota. Você tem que admitir que é romântico.
Eu queria dizer a ela que ser espancada a um centímetro de morrer não
tinha sido nada romântico, mas ela estava tão feliz que decidi manter minha
boca fechada.
– Se Valen não tivesse aparecido – eu disse, – Martin teria me matado, e
eu não poderia fazer nada para impedi-lo. Minha magia… bem… eu não
pude canalizá-la. Se ele não tivesse me batido com tanta força, eu poderia
ter escapado.
– Ele não deveria ter batido em você – disse Jimmy. – Como ele
encontrou você?
Balancei a cabeça.
– Não faço ideia – O fato de Martin ter procurado por mim nas ruas de
Manhattan me dava arrepios.
– A culpa é minha – O rosto de Elsa ficou pálido. – Tudo isso é culpa
minha.
Eu me inclinei para frente.
– Do que você está falando?
A bruxa apertou o pingente até seus dedos ficarem brancos.
– Escrevi o endereço do hotel como seu endereço nos papéis do
divórcio. Vi que você o havia deixado em branco. Eu simplesmente… não
pensei.
– Oh – Droga. Então o desgraçado sabia onde me encontrar. E tinha
esperado o momento perfeito para atacar.
– Ele não conseguiu encontrar o hotel, já que é humano – disse Elsa. –
Ele não conseguia vê-lo. Como ele sabia onde encontrar você? A menos
que ele tenha vigiado aquela área por dias, esperando vê-la. Ele não deveria
ter conseguido encontrar você.
– Mas ele me encontrou.
Os olhos de Elsa lacrimejaram.
– Eu sinto muito, muito mesmo, Leana. Ele poderia ter matado você, o
que seria minha culpa.
Senti minha irritação ir embora e ela foi substituída por compaixão.
Como eu poderia ficar com raiva de uma bruxa que só tinha tentado me
ajudar a me divorciar desse animal?
– Não é culpa sua. Eu teria dito a você que Martin era incapaz de fazer o
que fez. Nem mesmo eu teria imaginado que o idiota era psicótico.
Ela assentiu, mas seus olhos continuaram lacrimejando até que uma
lágrima caiu, ela a enxugou rapidamente.
Pelo menos agora eu não precisava me preocupar com o fato de Martin
ter descoberto onde eu morava.
– Ele não voltará – eu disse a Elsa e aos outros, embora tivesse
dificuldade em acreditar em minhas próprias palavras. – Não depois do que
Valen fez. Eu gostaria de ter visto isso – Valen me disse que Martin ainda
estava vivo. Eu tinha a terrível sensação de que ele voltaria um dia para
terminar o trabalho, mas eu estaria pronta dessa vez.
– Bem, acho que Valen gosta de você – disse Elsa, com o rosto
vermelho. – Eu sempre consigo perceber quando um homem gosta de uma
mulher.
Jade deu uma risadinha.
– Claro que sim.
Elsa olhou para a outra bruxa.
– Eu posso sim. É um dos meus dons. Qualquer um com cérebro pode
ver o quanto ele se importou com você. Ele levou você para a casa dele,
cuidou de você, deu-lhe um remédio e depois a levou para casa. Isso, para
mim, soa como um cara que gosta de você. Ele não precisava ter feito tudo
isso. Ele poderia ter chamado um de nós. Nós teríamos ido buscar você.
Mas ele queria fazer isso por você.
Eu sabia o que ela estava insinuando, mas não importava. Se eles
soubessem o que Jimmy e eu sabíamos, talvez não estivessem tão
inclinados a essa fantasia.
Por falar em Jimmy, o cãozinho de brinquedo estava me olhando com
uma expressão de “Conte a eles ou eu vou contar”.
Pigarreei.
– Ouça, tenho que contar a você algo sobre Valen.
– Você já transou com ele? – Julian bateu palmas. – Eu sabia. É por isso
que você está toda radiante. Você transou com ele.
Mais calor subiu ao meu rosto.
– Não. É algo que vocês não vão gostar.
– O quê? – disseram Jade e Elsa juntas.
– Na noite em que encontrei a primeira Fenda no quarto novecentos e
quinze, bem, Valen estava lá. Ele estava no quarto.
Jade deu de ombros.
– E?
– E isso significa que ele sabia sobre o quarto. Sabia o que havia lá
dentro. Isso significa que ele pode ser um bruxo ou um mago, e que é o
responsável por abrir portais do reino do inferno no hotel.
Elsa acenou para mim com a mão em sinal de desdém.
– Eu não acredito nisso. Estar em um quarto não prova nada. Ele
poderia ter estado lá para investigar, assim como você.
– Sim – disse Julian. – Não sei se estou convencido de que esse cara
está machucando as pessoas.
– Mas nós o vimos – disse Jimmy. – Nós o vimos sair do quarto.
– Você sabia disso e não nos contou? – A carranca de Elsa era
assustadora.
– Eu disse a ele para não contar a vocês – comecei não querendo que
Jimmy sofresse mais do que já havia sofrido nas últimas horas. – Não até
que eu tivesse certeza.
– E agora você tem certeza? – perguntou Jade. – Por que você o viu
saindo de um quarto?
– Ele também foi embora durante o baile quando soubemos do ataque –
eu disse, perdendo um pouco da minha convicção anterior. – Eu admito.
Estou tendo sérias dúvidas – Suspirei. – Não sei mais. Nada disso está
fazendo sentido – E agora, se Valen não estava por trás das Fendas, eu
estava de volta à estaca zero. Basicamente, eu não tinha nada.
Julian balançou a cabeça.
– Valen não é o seu cara. Ele é reservado e, sim, não sabemos muito
sobre ele, mas por que ele faria isso? Não faz o menor sentido. O cara tem
um bom restaurante e preza pela satisfação dos seus clientes. Por que ele
mataria as próprias pessoas que comem em seu restaurante?
Ele fez uma observação válida, e eu dei de ombros.
– Talvez para comprar o hotel por um preço mais baixo quando ele
estiver fechado? – Ok, isso soava estranho agora. Minhas teorias anteriores
não estavam batendo.
– Se não for Valen, e eu nunca acreditei que fosse – disse Jimmy. –
Então quem é? Quem está fazendo isso?
– Boa pergunta – Ouvi risadas no corredor e eu olhei para cima para ver
as gêmeas passando correndo pela porta. – Quantos moradores continuam
aqui?
– Só duas famílias foram embora – disse Jimmy, com a cabeça inclinada
para a porta. – Basil veio mais cedo tentar nos despejar. Todos os outros se
recusaram a sair.
– Como nós – disse Jade. – Eu não vou embora.
– Eu também não – disse Julian.
Elsa ergueu as sobrancelhas.
– Deixa esses demônios tentarem me tirar daqui para eles verem o que
acontece.
Voltei meu olhar para eles, pensativa.
– Então, os moradores estão se recusando a sair, mesmo após serem
informados sobre os demônios. Eles não estão se preocupando – Senti-me
orgulhosa por eles não terem medo do que poderia acontecer, mas também
tive medo por eles. Pensei em todos os hóspedes do hotel, desde o primeiro
andar até o último, e em como tudo ficaria quieto agora.
E então algo me atingiu como uma bola de beisebol no estômago. Eu
me levantei.
– O quê? – Elsa se levantou, esfregando seu pingente. – Demônios?
– Vou ter que pegá-los em flagrante – Um sorriso se desenhou em meus
lábios. – Vamos montar uma armadilha. Espero que vocês me ajudem com
isso.
– É claro que ajudaremos – disse Elsa. – Mas como você vai montar
uma armadilha? Não sabemos onde ou quando outra Fenda aparecerá.
Meu coração bateu forte de emoção.
– Mas nós saberemos – Olhei para meus amigos. – Veja, eu não tinha
percebido até agora. Pode não ser Valen, mas quem está fazendo isso quer
que todos nós vamos embora. Faz sentido. Há um padrão. As Fendas estão
subindo esse tempo todo. A primeira vítima estava no segundo andar,
depois no quarto andar e, em seguida, no sexto andar, onde Eddie foi morto.
No nono andar e, finalmente, no décimo segundo andar, na noite do baile.
Eles estão subindo. O que significa que…
– O nosso é o último – disse Jade, roubando as palavras da minha boca,
embora ela tenha empalidecido. – Os demônios vão atacar nosso andar. Mas
há crianças aqui. Pessoas idosas – disse ela apontando para Elsa.
– Cuidado – rosnou Elsa. – Você está apenas alguns anos atrás de mim.
Engoli um pouco de café, havia quase esquecido que ainda segurava a
xícara.
– Eu sei, e você vai mantê-los longe até pegarmos esses malditos.
– Eles não vão querer ir embora – disse Jimmy.
– Diga a eles que isso não é permanente. Mande pelo menos as crianças
e os idosos para outro lugar. Algum lugar seguro.
– Minha amiga Janet cuidará deles por alguns dias se eu pedir a ela –
disse Elsa. – Ela está no Queens.
– Ótimo, obrigada – eu disse. Esse era um bom plano. – Não sei se eles
atacarão novamente esta noite, mas o farão em breve, já que ainda estamos
todos aqui – Isso se minha teoria estivesse correta e eles quisessem o hotel
vazio. Eu ainda não tinha entendido por que exatamente eles queriam isso,
mas isso não importava. O que importava era montar a armadilha
corretamente.
– Então – disse Jimmy enquanto rolava e depois se acomodava perto
dos meus pés. – Como vamos montar essa armadilha? Como vamos fazer
isso?
– Fácil – eu disse, sorrindo. – Nós seremos as iscas.
24

C omo montar uma armadilha quando você não sabe onde essa pessoa
estará em um hotel com tantos quartos? Não faço ideia, mas eu estava
prestes a descobrir.
Esqueça a tentativa de fazer os moradores saírem. Ninguém queria ir
embora, nem mesmo as famílias com crianças e idosos.
– Esta é a minha casa – disse a bruxa chamada Barb, com sua camisola
flutuando em torno de sua estrutura alta e magra. – E eu serei amaldiçoada
se deixar que algo tão trivial como um demônio me force a sair daqui.
– É para sua própria proteção – eu disse a ela.
Ela olhou para mim e disse:
– Me obrigue.
Então, tudo bem.
– Então, como vamos fazer isso? – Jimmy olhou para mim do chão.
Cocei a parte de trás da minha cabeça.
– Não faço ideia. Eu esperava que o décimo terceiro andar fosse
liberado. Uma emboscada teria sido melhor. Mas agora… bem, vamos ter
que improvisar – Meu super plano de pegar esses malditos em flagrante
estava lentamente ficando confuso.
– Às vezes, os melhores planos são aqueles que surgem do nada – disse
o cão de brinquedo.
– Talvez – Observei as gêmeas roubando a carteira de Julian e correndo
em círculos ao redor dele, enquanto o bruxo tentava pegar a carteira de
volta, mas errando todas às vezes. – Nem sei se eles vão atacar de novo esta
noite – Talvez não o fizessem, agora que todos pareciam estar se divertindo
em vez de levar isso a sério.
– O Air Supply é a melhor banda de soft rock do mundo – disse Jade a
outro homem paranormal enquanto puxava a parte da frente de sua camiseta
com a imagem de dois homens. – Tenho três em cores diferentes.
Olhei para o corredor do 13º andar, vendo-o como na primeira vez em
que entrei no hotel. As portas de todos os apartamentos estavam abertas, os
inquilinos entravam e saíam dos cômodos como se o andar inteiro fosse
uma casa gigante, e cada cômodo fosse uma extensão.
Era um desastre.
– Eles não estão nem um pouco assustados – eu disse, observando
enquanto Elsa e Barb riam de algo que estavam compartilhando. – Eles
deveriam estar com medo. Os demônios não são motivo de piada. Isso é
sério. Alguns deles podem morrer. Estava claro que eles não achavam que
os demônios iriam aparecer. Não. Eles estavam mais interessados em fazer
uma festa.
Meus pensamentos se voltaram para um homem-fera sexy que me
salvou de uma surra mortal. Eu estava furiosa com Martin por fazer o que
ele fez. Furiosa e enojada. Nunca, em um milhão de anos, pensei que o
homem com quem fui casada por quinze anos tentaria me matar em um
beco. O fato dele estar me perseguindo causou um arrepio no meu corpo.
E Valen foi meu príncipe encantado.
O cara era um mistério. Ele não precisava me salvar, mas o fez. E se ele
fosse realmente a pessoa por trás dos demônios, teria deixado Martin
terminar o trabalho. O que só reforçou minha sensação de que o dono do
restaurante não era a pessoa certa.
Minha pele se arrepiou com a lembrança de ter sido abraçada por ele,
com a facilidade com que ele me carregou e com o calor e a delicadeza com
que me abraçou. Eu me senti segura em seus braços. Foi uma sensação
maravilhosa. Pena que não durou muito tempo.
No entanto, eu não conseguia deixar de lado a sensação de que algo
estava errado com Valen. Ele tinha uma tristeza em seus olhos. Será a morte
de sua esposa? Talvez tivesse algo a ver com o fato de ele estar escondendo
sua verdadeira identidade. Seus poderes de fera ou de bruxo. Talvez eu
nunca soubesse.
E talvez eu devesse parar de pensar nele e me concentrar na tarefa que
tenho para fazer.
Deixei escapar um suspiro.
– Vou verificar todos os quartos novamente.
– Você quer que eu vá? – perguntou Jimmy.
Eu balancei a cabeça.
– Não, pode ficar de olho aqui. Se você vir alguma coisa, avise.
Continuei minha ronda verificando cada quarto, certificando-me de que
ninguém estava ocupado preparando um ritual para uma Fenda. Mas quanto
mais eu andava e verificava as salas, mais eu percebia que isso não
aconteceria. Pelo menos, não está noite.
Entrei no quarto 1307.
– Oi, Felix, sou eu de novo.
Felix levantou da cadeira e seu rosto enrugado esboçou um sorriso.
– Faça o que tem que fazer, garota – disse ele, voltando sua atenção para
a televisão.
Franzi o nariz ao sentir o leve cheiro de repolho e enfiei a cabeça no
quarto. Nada. Apenas a mesma cama e os mesmos móveis que eu tinha
visto quando o inspecionei pela primeira vez, há cerca de meia hora. Soltei
um suspiro.
– Isso é inútil.
– O que você pensa que está fazendo? – gritou uma voz vinda do
corredor. – Você não pode fazer isso! – Era Elsa. E ela não parecia feliz.
Saí correndo do quarto de Felix e me deparei com pelo menos uma
dúzia de desconhecidos trajando roupas cinzas, tanto homens quanto
mulheres, embora em sua maioria homens, eles estavam retirando os
moradores de seus quartos. Não é exatamente “retirando”, mas sim
forçando-os a sair. Eu corri, me aproximando da confusão.
– Que diabos está acontecendo?
O rosto de Elsa estava vermelho, e eu sabia que sua pressão estava
perigosamente alta.
– Eles estão nos forçando a sair.
– Eles estão nos despejando – disse Julian, com uma expressão
ameaçadora no rosto enquanto olhava para um dos homens de vestes
cinzentas que puxava um adolescente para fora do quarto pelo braço.
Meu estômago se revirou. Eu era parcialmente responsável por isso. Eu
havia dito a Basil para evacuar o hotel. Mas não dessa forma. Isso estava
errado.
– Basil contratou esses mercenários? – Eu nunca tinha visto esse tipo de
gente antes e não gostei da grosseria com que estavam tratando os
moradores. Eles estavam sendo tratados como criminosos.
– Eu os mandei – disse uma voz feminina.
Olhei para uma mulher alta, de rosto anguloso, e pele pálida que se
mesclava com o branco de sua túnica. Seu cabelo loiro encontrava-se
meticulosamente arrumado em um coque baixo, o que acentuava a
severidade de seu rosto esguio e intensificava ainda mais sua expressão
carrancuda. Eu a reconheci. Adele.
– Eles não ouviram quando a gerência do hotel pediu gentilmente que
fossem embora, então aqui estou eu, pedindo não tão gentilmente – disse
Adele ao dar um passo à frente, eu odiei o fato de ela ser mais alta do que
eu.
Cerrei os dentes.
– Com ordens de quem?
Adele sorriu friamente.
– Ordens minhas. O Conselho das Sombras me emprestou seus oficiais
com prazer.
– Você contratou bandidos para transportar famílias e idosos? –
fervilhei. – Ótima ideia.
Dei uma olhada no outro bruxo, chamado Declan, enquanto ele agarrava
Barb e a prendia contra a parede do corredor. Minha raiva aumentou.
– Você não pode simplesmente fazer isso. Você precisa mandá-los para
algum lugar – disse Elsa, se aproximando de mim. Seguida de Jade e Julian.
– Se você fizer isso nós estaremos na rua! Todos nós!
Adele deu um sorriso para Elsa.
– Eu posso. Isso se chama poder, Elsa. Algo que você nunca terá e
nunca entenderá. E eu tenho mais do que você pode imaginar. Por mim,
você pode dormir na sarjeta. Você foi bem avisada.
– Menos de um dia para procurar novos alojamentos não é um aviso
justo – eu disse a ela. – Você precisa dar a eles pelo menos uma semana –
Eu não tinha ideia se isso era verdade. Eu não estava bem informada sobre
nossas leis paranormais com relação aos direitos de inquilinos e
proprietários.
– Não – disse Adele, dando-me um de seus sorrisos falsos. – O hotel
será fechado a partir deste momento, e todos precisam sair. Incluindo você,
bruxa Estelar, Leana Fairchild. Sim, fiz algumas investigações, sei tudo
sobre você. Como eles chamavam você mesmo nos treinamentos de
Merlin? Ah sim, estrela cadente.
Ai.
– Você não conseguia fazer nem o feitiço mais simples – Ela se
aproximou. – E eu sei sobre aquele humano patético com quem você se
casou – Ela riu. – Nós temos o que merecemos. Não é mesmo?
– Isso não é justo – eu disse, com as mãos nos quadris, sorrindo. – Tudo
o que sei sobre você é que você é uma vadia.
A respiração ofegante de Elsa quase me fez soltar uma gargalhada. Sim,
essa vadia poderia revogar minha licença de Merlin, mas não consegui me
conter. O que ela estava fazendo era errado. E o pior é que ela sabia disso e
não se importava.
Os olhos claros de Adele escureceram.
– Cuidado, estrela cadente, ou você ficará sem a sua licença de Merlin e
sem um teto. Não pense que não vou arruinar sua carreira de Merlin, porque
eu vou – Ela se aproximou até ficar bem próxima a mim, e um odor
semelhante a vinagre alcançou o meu nariz. – Posso fazer com que você
nunca mais trabalhe neste continente. Você não vai querer me testar.
Mas eu queria. Eu realmente, realmente queria. Mas não era o momento
certo. Eu precisava de minha licença para terminar o trabalho. E eu nunca,
jamais, havia deixado de terminar um trabalho.
Senti uma mão em meu braço e, em seguida, fui puxada para trás, para
me aproximar de Elsa.
– Não faça isso – ela sussurrou. – Este não é o momento.
Ela tinha razão, mas isso não impediu a fúria que parecia transbordar
pelos meus poros. Eu detestava essa bruxa tanto quanto desprezava os
valentões.
– Vocês poderão voltar para suas casas assim que eu prender os
responsáveis pelos demônios – eu disse aos moradores aterrorizados que se
alinhavam no corredor com apenas algumas sacolas cheias de pertences.
Alguns rostos se iluminaram com a notícia que eu acabara de dar, e senti
uma pontada no coração.
Era difícil ver os moradores sendo evacuados, mas isso era apenas
temporário. Assim que eu pegasse o culpado, a ameaça acabaria e os eles
poderiam voltar para suas casas.
– Isso não será necessário – disse Adele, olhando para mim como se eu
fosse um mosquito irritante que ela quisesse esmagar.
Balancei a cabeça.
– Esse é um grande problema. Sem falar que é irresponsável. Alguém
está abrindo fendas por todo o hotel e deixando os demônios saírem. Isso
precisa ser impedido. Você não pode simplesmente deixar isso acontecer.
Os demônios continuarão a escapar para o hotel. Ele nunca mais poderá ser
habitado.
– Não será necessário – Adele se endireitou. Sim, a vadia era alta. – O
hotel será destruído, então não haverá mais demônios. Problema resolvido.
– Destruído! – gritou Jade.
– Mas você não pode fazer isso – gritou Elsa enquanto apertava as
mãos. – Ele já existe há mais de cem anos.
– Esta é a nossa casa – disse Barb, com os olhos cheios de lágrimas. –
Será a nossa morte. Para onde iremos?
– Não me importo – disse Adele, com um leve sorriso de satisfação nos
lábios. – Odeio ter de me repetir para simplórios. O hotel será destruído
amanhã de manhã. Se vocês ainda estiverem aqui dentro, morrerá com ele.
Eu não me importo.
Toda vez que ela abria a boca, eu a odiava ainda mais. A bruxa não
tinha coração.
– Você não acha que destruir o hotel é um pouco exagerado? Ele não
precisa ser destruído. Tudo o que você precisa fazer é deter a pessoa que
está criando as fendas e o problema será resolvido.
– A decisão foi tomada – O rosto de Adele se abriu em um sorriso frio.
– O hotel será destruído às oito da manhã de amanhã. Isso é tudo.
Isso não é tudo, sua cadela alta e magrela.
Então, algo me ocorreu e senti todo o sangue sair do meu rosto.
Jimmy!
Se eles destruíssem o hotel, Jimmy seria destruído com ele. Ele não
poderia ir embora devido à maldição.
Olhei para o corredor e vi o cão de brinquedo. Suas orelhas estavam
abaixadas e seu rabo entre as patas traseiras, ele sabia o que significava a
destruição do hotel.
As lágrimas queimaram meus olhos. Eu não deixaria isso acontecer. Eu
encontraria uma maneira de impedir isso.
O problema é que eu tinha apenas algumas horas e não tinha ideia de
como fazer isso.
25

C om o coração pesado, observei os policiais de vestes cinzas levarem os


últimos moradores para fora. Barb chegou a se agarrar às bordas de uma
porta até que um policial bateu em seus dedos, seguida pelas gêmeas com
os rostos cheios de lágrimas, que se revezavam para abraçar Julian.
Quando só restávamos eu e o grupo, Adele entrou no elevador com seus
capangas. Ela se virou para nos dar um último sorriso cínico. Seu rosto
exibia uma satisfação gélida, aquela que as pessoas com autoridade
demonstram ao dar ordens a pessoas simples como nós. Seu rosto feio foi a
última coisa que vi quando as portas do elevador se fecharam.
Parecia que, após declarar suas intenções de destruir o hotel, ela não
estava tão determinada a tirar todos de lá. Ela não se importava se
ficássemos e morrêssemos. Ela era realmente uma vadia maligna.
Mas, no momento, eu tinha assuntos mais urgentes.
– Como podemos impedi-la de destruir o hotel? – perguntei, sentando-
me no chão do corredor, de costas para a parede. – Não podemos deixar isso
acontecer. Tem de haver uma maneira – Olhei para Jimmy, que tinha ficado
em silêncio o tempo todo.
Elsa balançou a cabeça.
– Acho que não há. Quero dizer, poderíamos tentar entrar em contato
com o Conselho das Sombras. Essa seria a única maneira de detê-la.
Meu coração deu um salto.
– Isso é bom. Ok. Então vamos fazer isso.
– Mas vai demorar um pouco – disse a bruxa mais velha. – Não é como
se pudesse facilmente agendar uma reunião. Você sabe como é difícil entrar
em contato com eles por telefone? Eles não aceitam ligações de qualquer
um. E já passa da meia-noite. É preciso passar pela corte.
– Não pertenço a nenhuma das cortes – eu disse, sabendo muito bem
que, para pertencer a uma delas, você precisava dominar uma magia, o que
eu não fazia. Como uma bruxa Estelar, eu não me encaixava em nenhuma
das facções. Isso me incomodava muito quando eu tinha vinte e poucos
anos e me fazia sentir como uma estranha. Agora, eu não me importava.
– Mas nós sim – respondeu Elsa. – E nossa corte é a Corte Branca, e a
bunda de Sua Alteza fica em um dos tronos. Se ela souber o que estamos
tentando fazer, ela vai nos impedir.
– Isso é um problema – Nunca precisei lidar diretamente com o
Conselho das Sombras. Sempre interagia com o Grupo Merlin ou com a
pessoa para a qual estava trabalhando naquela ocasião.
Jade veio até nós. Ela havia calçado seus patins em solidariedade a
Jimmy.
– Acho que conheço alguém que conhece alguém no Conselho das
Sombras – disse ela, um pouco sem fôlego.
– Quem? – Elsa e eu perguntamos ao mesmo tempo.
– Margorie Maben – respondeu ela. – Estamos no mesmo grupo Anos
80 Para Sempre no Facebook. Ela é casada com Oscar Maben. Ele faz parte
do Conselho das Sombras.
Eu me agitei.
– Isso é ótimo. Não precisaríamos passar pelo Conselho Branco. Você
pode ligar para ela?
Jade franziu o rosto enquanto tirava o celular do bolso de trás da calça.
– Eu não tenho o número de telefone dela. Conversamos apenas nas
redes sociais. Mas vou tentar falar com ela por lá. Mas já é tarde. Não sei se
ela vai responder.
– Continue tentando – Observei quando ela começou a digitar em seu
celular. Isso era bom. Se pudéssemos entrar em contato com ela de alguma
forma e dar a ela nossa versão do que estava acontecendo, teríamos uma
chance de parar essa demolição ridícula. Era uma pequena chance, mas era
melhor do que nada.
Me ajoelhei.
– Vocês têm algum feitiço ou algo que possa permitir que Jimmy saia
temporariamente do hotel? Por via das dúvidas? – Olhei fixamente para o
cão de brinquedo, mas ele não olhava para mim.
– Tentei durante anos encontrar algo para ele, uma poção – disse Julian,
sentando-se no chão à minha frente, com suas longas pernas quase tocando
as minhas. – Nunca consegui encontrar nada. A maldição é muito forte.
Elsa soltou um suspiro.
– Os feitiços são inúteis, a menos que você tenha o que foi usado nele.
Polly já tentou. Todos nós tentamos. Sem o conhecimento da maldição que
a feiticeira usou, nunca chegamos perto.
– Está tudo bem, Elsa – disse Jimmy, finalmente falando. – Eu sei que
você tentou. Mas vamos encarar os fatos. Acabou. Talvez seja uma coisa
boa. Um brinquedo só pode viver por um tempo. Está na hora de eu ir
embora.
Eu franzi a testa.
– Não fale assim. Ainda não acabou.
– Acabou – disse o cãozinho de brinquedo. – Você não faz ideia de
como tem sido para mim. Ser esse… esse brinquedo. Não poder estar com
uma mulher. Não poder ter minha própria família. Já sofri o suficiente.
Estou farto, Leana. Estou cansado.
Ok, então eu não tinha ideia de como deve ter sido para ele todos esses
anos. E eu nunca saberia. A dor deve ter sido insuportável, e ele era uma
criatura extraordinária por suportar isso por tanto tempo.
Mas eu tinha acabado de conhecer o Jimmy. Ele era meu amigo, e eu
não estava pronta para deixá-lo ir embora.
Tanto Elsa quanto Julian pareciam derrotados, como se tivessem
desistido de encontrar a contramaldição. Ainda bem que eu não era boa em
deixar as coisas passarem. Eu ainda não tinha desistido. Nem de longe. A
melhor coisa para Jimmy agora era impedir a demolição do hotel, e então
eu encontraria uma maneira de remover a maldição.
O som do elevador soou, e então as portas se abriram.
Basil saiu cambaleando e, por um momento, me perguntei se ele ainda
estava bêbado. Seus olhos se arregalaram quando ele nos viu.
– Que diabos, o que vocês continuam fazendo aqui? Pedi a todos que
saíssem.
Errol caminhava atrás dele, parecendo sua sombra mais alta e mais
magra. Uma crueldade contente estava disfarçada por trás da serenidade de
suas expressões, um sorriso de desdém oculto na maneira tranquila de seu
corpo. Ele estava adorando isso. Por quê? Ele ficaria desempregado se
destruíssem o hotel. Mesmo assim, não gostei daquele sorriso oculto dele.
Definitivamente, algo estava acontecendo.
Basil parou na minha frente.
– Foi você mesmo que pediu que todos fossem embora. Por que você
ainda está aqui? Você não ouviu o que eles planejam fazer com o hotel?
– Eu ouvi – eu disse enquanto me levantava. Não gostava de ter Errol
me olhando de cima a baixo. – E sim. Eu pedi que você evacuasse os
moradores. Mas não dessa forma. Não sem que você tivesse acomodações
para todos. E por que o conselho das Sombras? Sério mesmo? Você não
precisava fazer isso. Essas pessoas, os moradores, não mereciam isso.
Basil parecia desconfortável e alisou a frente da camisa.
– Essa decisão não foi minha. Não havia nada que eu pudesse ter feito
para evitar isso.
Percebi que ele queria que as coisas tivessem sido diferentes, mas, como
nós, seu poder se limitava à administração do hotel. Ele não era o
proprietário. Adele detinha todo o poder agora, concedido pelo Conselho
das Sombras, os proprietários do hotel. E uma cadela sem coração com esse
tipo de poder era muito perigoso.
Elsa se levantou lentamente.
– Você poderia ter nos avisado, Basil. Nós vivemos aqui há anos. Nunca
causamos nenhum problema.
O rosto de Basil corou levemente.
– Você acha que eu não sei disso. Eu também não recebi nenhum aviso.
Eles simplesmente apareceram.
– E você aceitou isso como um homem – disse Julian, olhando para
Basil com uma fúria assustadora. Seu longo casaco escondia todas as
poções e venenos mortais que ele tinha. Lembrei-me de não me meter com
ele.
– Não tive escolha – gritou Basil, o cuspe saia de sua boca. – Tenho que
pensar em minha reputação. Eles estão me considerando para outro cargo de
gerência na Flórida. Se eu falasse fora de hora, estaria acabado.
– Ah, você estaria acabado – ameaçou Julian, e os pelos da minha nuca
se eriçaram com a ameaça em suas palavras. – Aqueles eram meus amigos
que você jogou na rua. Não vou deixar isso passar, meu velho.
Basil apontou um dedo para o bruxo.
– Isso é uma ameaça? – gritou ele, e Errol riu atrás dele. – Você está me
ameaçando?
O maxilar de Julian se contraiu.
– Sim. Você é um maldito covarde – Mexendo no casaco, Julian
levantou-se, parecendo imponente e alto, diante de Basil.
O pequeno bruxo se ergueu na ponta dos pés.
– Retire o que você disse! Eu não sou covarde.
Julian estava com as mãos dentro do casaco comprido, insinuando que
estava à beira de lançar algo em Basil.
Basil percebeu.
– Não se atreva! – Ele jogou a mão no bolso do paletó de Julian. – Se
você me envenenar, vai acabar na prisão dos bruxos. E aí o que você vai
fazer?
Julian sorriu friamente.
– Vai valer a pena.
– Parem com isso! – Eu me coloquei entre os dois. – Vocês estão agindo
como idiotas. Guardem essa valentia para mais tarde.
Os olhos arregalados de Basil encontraram os meus.
– Ele me ameaçou.
Dei de ombros.
– Você meio que pediu por isso.
A boca de Basil se abriu, seus lábios se tremeram, mas nada saiu.
Voltei-me para Julian.
– Mantenha seu temperamento sob controle. Neste momento,
precisamos de você calmo. Precisamos descobrir uma maneira de impedir
que Adele destrua o hotel para salvar Jimmy.
– Do que você está falando? – Basil olhou para o cão de brinquedo, que
agora estava olhando para a parede, como se esperasse poder abrir um
buraco nela com os olhos. – O que está acontecendo, Jimmy?
– Sério mesmo? – Coloquei a mão no quadril. – Você é o gerente aqui
fazem…
– Trinta anos – respondeu Basil com orgulho.
– E você não percebeu que destruir o hotel também o mataria?
Basil piscou algumas vezes, e ele desviou os olhos do cão de brinquedo.
– Mas eu… eu não sabia…
– Acho que não.
Basil olhou para o cão de brinquedo como se fosse a primeira vez que o
visse.
– Jimmy, eu sinto muito. Nunca imaginei… eu esqueci – acrescentou no
final, parecendo envergonhado.
– Está tudo bem – respondeu o cão de brinquedo, ainda olhando para a
parede.
– Não está tudo bem – Olhei fixamente para Basil. – Você deve ter
alguns contatos. Quem você conhece no Conselho das Sombras que poderia
nos ajudar?
Basil balançou a cabeça.
– Ninguém.
Cerrei os dentes.
– Ninguém? Você não conhece uma única pessoa desse conselho? Que
besteira.
O gerente do hotel estreitou os olhos.
– Eu não conheço, ok? – E então seu rosto mudou, como se ele tivesse
acabado de se lembrar de algo. – Mas tenho um amigo que talvez possa
conhecer.
– Ótimo. Se quiser salvar a vida de Jimmy, você encontrará essa pessoa
e contará a ela o que está acontecendo aqui.
– Sim, sim, muito bom – Basil olhou para nós. – O que você vai fazer?
Suspirei.
– Alguém continua abrindo as Fendas. E, enquanto elas estiverem por
aí, é meu dever encontrá-las.
Ao ouvir isso, Errol bateu palmas e deu um salto. Sua aparência
lembrava a de um pinguim em um circo.
– Está bem – Voltei-me para Errol. – Qual é o motivo desse sorriso
assustador? Você está começando a me irritar.
Os olhos de Errol se arregalaram de alegria e ele esfregou as mãos como
se fosse um cientista maluco de um desenho animado.
– Posso contar a ela? – perguntou ele a Basil. – Por favor, vai ser muito
divertido. Quero olhá-la nos olhos quando contar.
Ok, isso foi ainda mais assustador.
– Do que diabos ele está falando? – Não pude evitar que meu coração
martelasse dentro do peito.
Basil soltou um longo suspiro pelo nariz.
– Eu vim aqui para dizer algo a você.
– O quê? – Perguntei, vendo Jade olhando em nossa direção com o
celular ainda na mão. Julian e Elsa olhavam para nós. Até Jimmy parou de
encarar a parede para olhar para mim.
Basil comprimiu os lábios.
– Você está demitida.
– Você está demitida! – repetiu Errol como um papagaio grande e
sinistro.
Eu o encarei, pensando em dar um chute em sua garganta como presente
de despedida.
– Você não pode demiti-la! – disse Elsa, vindo em minha defesa. – Nós
precisamos dela. Se conseguirmos evitar que o hotel seja demolido, quem
nos manterá em segurança?
– Ela é a melhor defesa que você tem contra os demônios – disse Julian.
– Isso é um erro.
Uma veia saltou na testa de Basil.
– Bem, se ela tivesse feito seu trabalho em primeiro lugar e impedido
essas fendas, não estaríamos nessa confusão.
Aí! Essa doeu.
Jade se aproximou de Basil e o encarou.
– Você não pode culpá-la. Isso não é culpa dela.
Eu a agarrei pelo braço e a puxei para trás.
– Está tudo bem. As pessoas estão sempre procurando um culpado.
Mas o fato é que Basil disse era verdade. Se eu tivesse encontrado os
responsáveis, o hotel ainda estaria aberto e todos nós ainda teríamos um
lugar para morar.
Fiquei ali parada como uma idiota, com o choque e a raiva me
dominando e lutando pelo primeiro lugar na lista de emoções. Eu não
conseguia encontrar as palavras.
– Sem o hotel, e sem demônios, não há necessidade de uma Merlin –
Basil pegou um envelope. – Aqui está o que eu devo a você. Obrigado pelos
seus serviços.
O bruxinho deu meia-volta e foi embora, mas não antes de Errol me dar
outro sorriso cínico. Ele também havia perdido o emprego, mas parecia
estar muito mais feliz por eu perder o meu.
– Não se esqueça de Jimmy – gritei. Não me importava com o fato de
ter perdido meu emprego. Estávamos falando de uma vida.
– Por favor, Basil. Ligue para o seu contato.
O pequeno bruxo se virou e me deu um aceno com a cabeça. Não era
muito, mas eu sabia que ele manteria sua palavra. Pelo menos agora
tínhamos dois caminhos possíveis para chegar ao Conselho das Sombras.
As portas do elevador se fecharam, e Basil e Errol se foram.
– Nunca pensei que odiaria tanto o Basil em minha vida – disse Elsa. –
Ele está diferente.
– Não o culpe – eu disse a ela. – Ele está apenas cumprindo ordens.
– Sim, são ordens da Adele – disse Jade. – Odeio ela e seus amigos
esnobes.
O silêncio se instalou, mas eu quase podia ouvir meus amigos
formulando planos mortais em suas cabeças.
Meu coração batia forte no silêncio. Meus amigos fortes pareciam
derrotados e irritados. Jade se abraçou, com um olhar triste nos olhos.
Isso estava errado. Muito errado.
– O que vamos fazer agora? Para onde vamos? – perguntou Jade, sua
voz soou alta no silêncio repentino.
Elsa suspirou.
– Tenho certeza que minha amiga Janet pode nos hospedar por alguns
dias até encontrarmos um novo lugar para morar – Ela olhou para mim. –
Isso significa você também, Leana.
Eu lhe dei um sorriso.
– Obrigada. Mas… eu não sei…
– Por que não? – perguntou Jade. – Você não quer ficar conosco?
Senti um aperto no peito com a dor que vi em seu rosto.
– Claro que sim. É que… – Meus olhos se voltaram para Jimmy. – Isso
não está certo. Não posso simplesmente deixar Jimmy. Você teve alguma
sorte com o seu contato no Facebook?
Jade olhou para o celular.
– Ainda não.
– Continue tentando…
Uma intensa luz verde-azulada explodiu em algum lugar do lado de fora
da janela. Logo depois, um estrondo estourou à nossa volta, fazendo-me dar
um salto. As luzes se apagaram. A escuridão caiu, repentinamente,
envolvendo-nos por completo, e eu tentei agarrar a parede, enquanto meu
coração disparava em pânico.
Então, uma força invisível nos atingiu, e todos nós fomos arremessados
violentamente pelo corredor. Bati na parede e caí no carpete. Eu pisquei
rapidamente, tentando tirar os pontos brancos que manchavam minha visão
enquanto as luzes piscavam e voltavam a acender.
– Que diabos foi isso? – perguntou Julian ao se levantar e ir ajudar Elsa
e Jade a se levantarem. Jimmy parecia bem quando se virou para me olhar.
Levantei-me e olhei para o teto.
– Ela veio de cima. Do lado de fora. Do terraço – Eu tinha certeza disso.
E então comecei a correr.
Minha respiração ficou acelerada enquanto eu corria para a saída de
emergência. Abri a porta, subi mais alguns degraus e, usando meu peso,
empurrei a porta que dava para o terraço com o meu ombro.
Parte de mim temia o que estava prestes a descobrir. Eu não queria que
Valen estivesse aqui no terraço. Até agora, suas ações eram exatamente o
oposto de alguém que queira machucar os outros. Mas a verdade é que eu
realmente não o conhecia. Nem um pouco. E ele poderia muito bem ser a
pessoa que estava por trás de tudo isso. Ele poderia ter jogado a carta do
herói para me tirar do jogo.
Mas quando cheguei no terraço, não vi Valen parado lá. Era alguém que
eu nunca teria imaginado.
– Raymond?
26

P or um– Você?
breve instante, pensei “Mas que diabos”, mas logo me recuperei.
Você está por trás disso?
Raymond, o gerente assistente do hotel, o homem mediano, com um
rosto comum e facilmente esquecível, encontrava-se no telhado.
Seus fios de cabelo castanho-amarelado estavam de pé ao redor de sua
cabeça devido ao vento. Mesmo na penumbra, eu podia ver as olheiras sob
seus olhos. Seu rosto era magro, mais magro do que eu me lembrava, mas,
por outro lado, eu realmente não me lembrava dele. Ele poderia ter tido essa
aparência antes, e eu não teria me lembrado. Como eu disse, ele era
facilmente esquecível.
No entanto, notei algo diferente. Seus olhos estavam no fundo, mas
ardiam muito intensamente, como se ele estivesse com febre.
O cheiro de podridão e carniça chamou minha atenção para um ponto
no meio do telhado.
Acima de um círculo desenhado com sangue, seis galinhas mortas
jaziam no meio do telhado. As mesmas runas e selos que eu havia visto
antes, pintados com sangue, marcavam algumas áreas ao redor do círculo,
ao lado de velas acesas.
Uma ondulação de águas negras tremulou no ar, um metro acima do
círculo de sangue. A Fenda estava aberta.
Ela era enorme, pelo menos três vezes maior do que as outras que eu
havia visto, o que explicava o estrondo que sacudiu o hotel.
Eu tinha que admitir que vê-lo em vez de Valen era um grande alívio.
Isso significava que eu estava errada em relação a Valen, mas também
significava que eu estava perdendo o jeito por descartar Raymond
totalmente como suspeito. Ele tinha acesso às câmeras de segurança. Ele
estava na minha frente o tempo todo, mas eu nunca o vi.
– Você é um bruxo – eu disse, dando um passo à frente cuidadosamente.
– Nunca senti essa vibração em você. Você escondeu bem isso. Assim como
sua aparência esquecível – Sua presença invisível tinha sido sua arma. E ele
a aproveitou.
O rosto de Raymond se abriu em um sorriso, seus olhos se arregalaram
com o brilho de um louco. O sangue escorria de seu nariz e uma camada de
sangue cobria seus dentes quando ele falou em seguida.
– Sim. Quem suspeitaria do pobre, pequeno, velho e frágil Raymond?
O som de uma respiração pesada e passos me fizeram inclinar a cabeça
para trás.
Julian se aproximou apressadamente, seguido por Elsa e Jade, que
patinava.
– Puta merda! – gritou Julian. – Esse é o gerente assistente. Qual é o
nome dele? Eu nunca consigo me lembrar.
Veja, totalmente esquecível.
– Raymond – eu disse a ele.
– Ele? – disse Elsa, juntando se a mim do lado direito. – Ele é o
responsável por isso? Você está brincando!
Dei de ombros.
– As aparências enganam.
– De fato – Jade parou ao lado de Elsa.
– Mas ele é o zelador – disse Elsa, o que parecia mais uma pergunta do
que uma afirmação.
Raymond emitiu um grunhido ao ouvir isso.
– Gerente assistente – ele rosnou para nós. Sim, ele tinha sérios
problemas de insegurança.
Olhei para trás novamente, esperando ver Jimmy, mas ele não estava lá.
Talvez ele não pudesse vir no telhado, que tecnicamente ficava fora do
hotel.
Um turbilhão de raiva se formou dentro de mim ao pensar em toda essa
confusão provocada por Raymond.
O céu noturno estava limpo e a luz das estrelas cantava para mim, elas
estavam prontas, apenas esperando.
– Você me enfeitiçou para que eu não pudesse ver o hotel?
Raymond deu uma risada doentia.
– Sim.
Cerrei os dentes, minha raiva redobrou.
– Você deixou os demônios entrarem e mataram todas aquelas pessoas.
Você mandou matar Eddie porque ele estava atrás de você. Não é? Por que
você fez isso? – Pessoas loucas faziam coisas loucas, mas elas sempre
tinham um motivo.
Com minha luz estelar forte, eu podia sentir a magia de Raymond agora,
ela era fria e desconhecida. A maioria de sua magia estava direcionada à
Fenda. Por enquanto. Ele pode não parecer, mas era um bruxo poderoso.
Ele havia me enganado, mas eu não cometeria esse erro novamente.
– Por quê? Por quê? – Raymond jogou a cabeça para trás e soltou uma
risada assustadora. Ele parecia satisfeito por orquestrar tudo, satisfeito por
trazer os demônios para o hotel e matado todas aquelas pessoas.
O bruxo demente soltou uma gargalhada ofegante.
– Durante toda a minha vida, fui ignorado e menosprezado nos
empregos. As mulheres nem sequer me dão atenção.
– Talvez se você se arrumasse um pouco – murmurou Julian. – Os
implantes de cabelo podem te ajudar muito.
– Ninguém nunca se importou comigo – continuou Raymond, ele
proferiu as palavras com grande emoção, como se há anos desejasse
compartilhá-las com alguém, mas ninguém o tivesse ouvido. – Toda vez
que havia um novo cargo no hotel, eu era ignorado. Trabalhei mais duro e
por mais tempo do que qualquer um neste hotel. E quando Jabbar, o antigo
gerente do hotel, morreu há trinta anos, a vaga ficou aberta. Mas eles me
ofereceram o cargo? Não. Deram-na ao Basil. Esse cargo deveria ter sido
meu. E eu tive que trabalhar abaixo dele todos esses anos, sabendo que ele
havia roubado meu cargo.
– Tudo bem – eu disse. – Você não conseguiu o emprego. Mas eu ainda
não entendo, isso foi há muito tempo. Por que tudo isso agora?
Os olhos de Raymond se estreitaram para mim.
– Porque sim. Porque eu sabia que eles nunca me ofereceriam o
emprego. A única maneira de me livrar de Basil era fazer com que ele fosse
demitido. Para arruinar sua reputação – Um sorriso maligno se contorceu
em seu rosto. – Apenas quando um gerente de hotel é demitido é que o
gerente assistente pode assumir o cargo.
– Puta merda – respirei fundo. – Tudo isso? Todas essas mortes devido a
um maldito cargo? Você matou pessoas porque queria ser o gerente do
hotel? – Estava claro que ele era louco.
– O cara é maluco – disse Julian.
Louco e um bruxo poderoso. Uma combinação perigosa.
Raymond ergueu a cabeça com orgulho.
– Em breve serei o gerente do hotel – Ele soltou uma risada, seus olhos
irradiando uma alegria quase insana. – O cargo foi prometido a mim. Com
esse último portal, eu me livrarei de vocês e, então, Basil será demitido. E
então eu serei o gerente do Twilight Hotel!
Elsa respirou fundo entre os dentes.
– Ele não sabe.
– Que idiota – disse Julian.
– Eles não contaram a ele – acrescentou Jade.
A confiança de Raymond diminuiu quando ele nos encarou.
– Me contar o quê? Do que vocês estão falando?
Minha pele se arrepiou com a súbita força da magia de Raymond, senti
sua fúria se manifestar sob a superfície.
A Fenda oscilou e ouvi o sibilo e os gemidos guturais das criaturas do
outro lado. Uma brisa trouxe o cheiro de sangue e uma nuvem de energias
repugnantes me atingiu no rosto. É melhor eles ficarem daquele lado do
portal.
Respirei fundo.
– Eles vão demolir o hotel – eu disse, mantendo minha voz calma. –
Eles vão destruí-lo amanhã de manhã, às oito horas.
A fúria escureceu as feições de Raymond.
– Mentirosa. Todos vocês são mentirosos. Vocês só estão com inveja
porque querem meu emprego – Ele apontou para nós. – Vocês querem ser o
gerente. Mas vocês não poderão. Eu sou o gerente agora. O cargo é meu.
– Um completo maluco – murmurei. – Escute, Raymond, eu tenho um
emprego e meus amigos aqui não sonhariam em ser o próximo gerente. Mas
estou dizendo a verdade a você.
– Se isso fosse verdade, por que vocês não foram embora? – perguntou
Raymond, com um tom de suspeita em sua voz, embora eu pudesse sentir a
incerteza em suas palavras.
– Por causa de Jimmy. Estamos tentando descobrir uma maneira de
libertá-lo dessa maldição. Você conhece o Jimmy, certo? Claro que você
conhece. Então você sabe que, se o hotel for destruído, ele também será.
Jade rolou um pouco para frente.
– É a verdade. Por que você não liga para Basil? Ele dirá a você.
Para nossa surpresa, Raymond tinha um celular com ele. Ele o pegou,
enviou uma mensagem de texto e esperou. Todos nós ouvimos alguém
respondendo à mensagem.
Ele ficou paralisado. Enquanto permanecia ali, o rosto de Raymond
parecia ter mudado, com as sombras sob seus olhos intensificando-se,
conferindo-lhe uma aparência doentia.
O celular escorregou de sua mão e bateu contra a superfície dura do
telhado, quebrando-se em pedaços.
– Viu? – eu disse a ele. – Você fez tudo isso por nada. Você não ia
conseguir a vaga porque não haveria vaga para você – Droga, percebi que
essa não era a coisa certa a dizer a uma pessoa já instável. Mas era tarde
demais.
O rosto de Raymond distorceu-se de maneira grotesca.
– Não! – gritou ele. – Não! Eles não podem fazer isso comigo. Eu
trabalho aqui há anos. Anos!
Senti uma força vinda da Fenda. Ela estava conectada à Raymond. Tudo
o que ele tinha de fazer era dar um empurrão com sua magia e ela se abriria.
Raymond tossiu e cuspiu o sangue da boca, mas a maioria permaneceu
em seus lábios, escorrendo pelo queixo.
– Você está doente, Raymond. Deixe-nos ajudar você – Eu sabia que
qualquer que fosse a magia negra e sombria com a qual ele estava se
envolvendo, estava cobrando um preço. Ele estava se transformando, era
corrompido toda vez que a usava. Isso estava deixando-o louco. Eu não
sabia se já era tarde demais para ajudá-lo, mas eu ia tentar.
Raymond se debateu, parecendo cada vez mais com uma criatura, um
monstro emergindo das profundezas do mesmo reino de onde as evocava.
– Meu. Meu trabalho. Meu!
– O cara perdeu a cabeça – disse Julian. – Precisamos agir agora.
Acenei com a cabeça.
– Você está certo. O portal está prestes a se abrir. Não podemos deixar
que isso aconteça. Você tem algo para segurá-lo? Como uma poção
imobilizadora?
– Sim – respondeu Julian. – Isso vai cuidar dele.
– Bom – Respirei fundo. – E eu vou fechar o portal.
Mas já era tarde demais.
Senti um repentino zumbido de energia, uma onda de magia, e um
estalido rompeu o ar.
Os pelos da minha nuca se eriçaram e eu fiquei horrorizada quando uma
abertura surgiu e se converteu em uma fenda a seis metros de nós.
Entidades demoníacas, deformadas e corrompidas, se espalharam em busca
de carne humana.
O ar estalou, e demônios de variadas formas e dimensões lançaram
gritos de raiva ao emergirem do portal, a luz da lua reluzia em seus dentes,
garras e olhos famintos. Eles saíram correndo, com uma agilidade
animalesca, formando um vulto de rostos e membros retorcidos e
protuberantes.
Eu contei trinta antes de perder a conta.
E todos eles vieram atrás de nós.
27

M eu primeiro pensamento foi: “Nem estou sendo pago para essa


merda”. O segundo foi que eu precisava fazer alguma coisa se não
quisesse me tornar parte do bufê de demônios.
Os demônios saíram do portal como se o próprio inferno os tivesse
vomitado. Pelo menos, o cheiro repentino de podridão, bile e esgoto
parecia.
Canalizei minha luz estelar, sentindo o poder das estrelas enquanto elas
transmitiam seu poder através de mim, e a mantive por tempo suficiente
antes de soltá-la.
Uma bola de luz brilhante saiu da minha mão estendida e caiu sobre o
primeiro demônio. Nem tive a chance de ver o que minha luz estelar havia
feito, pois ela se iluminou e envolveu a criatura como fogo branco.
– Muito bom – disse Julian, com frascos de líquido vermelho nas mãos.
– Por que há tantos de uma vez?
– A lua cheia – respondi. – É sempre mais fácil para os loucos
aparecerem e os demônios atravessarem quando o Véu está mais fino.
– É bom saber – Julian deu de ombros. – É a minha vez.
Observei quando o bruxo alto atingiu um dos demônios com um de seus
frascos, o bicho parecia um lagarto com uma boca cheia de dentes afiados.
A criatura uivou de dor e se arrastou para frente, desajeitada e lenta. Ela
tremeu uma vez e depois explodiu como uma piñata, jogando óleo preto e
pedaços de carne em Julian.
Mas o bruxo não pareceu se importar, pois atirou outro frasco em outro
demônio com pelo marrom e cabeça de rato.
Palavras em latim foram pronunciadas ao meu redor, e eu me virei para
ver Jade girando em torno de um demônio gigante semelhante a um verme
com fileiras de espinhos pretos cobrindo a maior parte de seu corpo. Ela
disparava bolas de fogo laranja contra ele.
Elsa ficou de pé com as pernas afastadas para se equilibrar melhor
enquanto disparava rajadas de vento contra uma criatura parecida com uma
árvore, fazendo-a se chocar contra a enorme unidade de ar-condicionado.
Um lampejo de energia passou por mim enquanto as bruxas
canalizavam poder, muito poder. As ondas de choque de nossa magia
sacudiram o terraço como uma tempestade.
Uma risada ecoou ao meu redor.
– Você chegou tarde demais, vão todos morrer. Vocês nunca mais vão rir
de Raymond – disse o bruxo louco, falando de si na terceira pessoa. Ele
começou a se debater em torno do círculo de sangue em uma dança
cerimonial assustadora. Sim, o cara estava seriamente perturbado.
Ouvi um som de assobio, e eu girei com as mãos prontas.
Fios de luz estelar saíram de minhas mãos e atingiram um demônio no
peito com uma explosão de luz, fazendo-o cair no chão a seis metros de
distância. O demônio sibilou uma última vez antes de se desintegrar em um
monte de cinzas.
Lutei com vários demônios ao longo dos anos, mas nunca com tantos ao
mesmo tempo, e nunca no terraço de um hotel paranormal glamouroso.
Pena que eu ficaria sem emprego pela manhã.
Meu corpo tremeu de adrenalina quando mais demônios atravessaram o
portal. Mais três. Mais seis. Mais dez.
A diferença entre essa fenda e as outras que Raymond havia criado era
que ele tinha sido cuidadoso e as fechou após deixar sair alguns demônios.
Mas agora, parecia que o bruxo não se importava com quantos saiam ou
quantas pessoas morriam. Se a Fenda não fosse fechada, milhares de
demônios passariam para o nosso mundo antes do nascer do sol.
Um grupo de quatro demônios que pareciam ratos enormes, do tamanho
de ursos, com garras e mandíbulas cheias de dentes semelhantes aos de
peixes, veio correndo em minha direção.
Chamei o poder das estrelas, puxei minha magia e lancei minha luz
estelar.
Quatro disparos de luz estelar foram lançados, um na direção de cada
demônio. A luz estelar se deslocava, movendo-se por vontade própria,
como mísseis que buscam seus alvos.
Elas acertaram.
As quatro bestas parecidas com ratos se iluminaram com a luz branca.
Os demônios cambalearam, emitindo gritos ao caírem de costas, com as
pernas bambas. A luz se apagou, e nada restou das criaturas além de cinzas
que foram levadas pelo vento.
Me encolhi ao sentir o cheiro de carne queimada, meu corpo pulsava
com a luz estelar. Não tive tempo para respirar. O terraço tremeu sob meus
pés quando mais demônios saíram pela fenda.
– Temos que fechar a Fenda – gritei.
– Estou indo para lá – Julian correu na direção do portal negro
ondulante. Ele tirou a mão direita do bolso do casaco e disparou um frasco
de vidro na boca do portal.
Não consegui ver Raymond em lugar nenhum. O covarde foi embora?
Provavelmente sim. Mas eu o encontraria. E então o faria pagar pelo que
fez.
Como um arremessador de beisebol experiente, Julian atirou frasco após
frasco em suas profundezas, fazendo com que o terraço tremesse a cada
impacto. Eu não sabia que tipo de poções ele estava usando, mas o que quer
que fosse mantinha os demônios lá dentro. No entanto, isso não iria fechar a
Fenda. Era apenas uma solução temporária. E Julian não poderia continuar
assim por muito mais tempo. Logo ele ficaria sem seus frascos.
Precisávamos fechá-la.
Sem a ajuda de Raymond, poderíamos levar horas para decifrar o ritual
e os feitiços que ele usou para criar uma fenda dessa magnitude.
Ou precisaríamos de uma grande quantidade de energia para fechá-lo. O
suficiente para causar um curto-circuito de certa forma.
Olhei para o céu negro, para o disco branco brilhante que pairava sobre
nós. Eu não canalizava energia da lua cheia com frequência. Eu tentava
evitar. O excesso me mataria. O segredo era equilibrar a luz das estrelas
com a da lua, o que era mais desafiador do que parecia. Mas eu precisava
tentar.
– Preciso de você esta noite – sussurrei.
E então eu corri em direção ao portal, e vi Raymond deitado de costas,
movendo os braços e as pernas como se estivesse fazendo anjos de neve.
Seus olhos estavam abertos, olhando para o céu.
O cara havia enlouquecido, mas eu não tinha tempo para me preocupar
com ele agora.
Cheguei a uns quinze metros de distância dele antes de sentir a dor.
Gritei quando uma dor latejante irrompeu na minha panturrilha
esquerda, me lançando ao chão enquanto garras afiadas rasgavam minha
perna. Minha concentração se desfez e meu controle sobre a luz das estrelas
se foi. Os instintos entraram em ação e dei um chute com a outra perna.
Minha bota acertou algo sólido. Ouvi um pequeno grito de dor e então
consegui mover minha perna esquerda novamente. Levantei-me com
dificuldade. O líquido que senti me disse que o demônio havia arrancado
um pedaço da minha panturrilha.
Usando minha perna direita, me endireitei e vi um demônio parecido
com um lobo, e olhos vermelhos balançando a cabeça para mim. Ele tinha
uma cauda parecida com a de um escorpião com um ferrão na ponta. Legal.
– Uma ajudinha aqui – gritou Julian enquanto jogava outro frasco na
Fenda.
– Estou tentando! – gritei de volta, mancando para frente. Canalizei
minha luz estelar novamente, esforçando-me para me concentrar. Eu estava
quase lá.
Perdi a respiração quando algo longo e duro bateu em meu peito.
Grunhi de dor quando minhas costas atingiram o chão duro. O hálito
quente de carniça atingiu meu rosto enquanto o peso da criatura me prendia
no chão. Em um instante, o demônio lobo-escorpião atacou meu pescoço.
Levantei o braço bem na hora que ele cravou seus dentes.
A dor me dominou quando o demônio mordeu com mais força e
profundidade. Eu não conseguia me mover, não conseguia falar, não
conseguia respirar. Meu braço estava escorregadio com meu próprio
sangue. Minha concentração diminuiu, assim como o controle sobre minha
magia.
Lágrimas encheram meus olhos. Usando minha mão livre, fechei um
punho e golpeei contra sua cabeça várias vezes.
Mas o demônio lobo-escorpião não soltou.
Sua cauda se enrolou atrás dele à medida que se aproximava, até que
seu ferrão ficou pendurado logo acima da minha cabeça. O veneno de
demônio não era algo possível de curar. Uma picada de sua cauda era o
suficiente para o veneno de demônio entrar no meu corpo, e não haveria
como tirá-lo.
Pisquei os olhos. O ferrão se aproximou cada vez mais da minha
cabeça.
– Está acabando! – gritou Julian, acima do barulho de sangue bombando
em meus ouvidos. Eu só conseguia ver sua silhueta ao lado da Fenda
ondulante. – Está acabando! – Ele deu um salto para trás, e o som de sibilos
e os grunhidos vieram do portal.
Um movimento chamou minha atenção quando Jade mancava pelo
terraço, com um patim em um pé e o outro apenas com uma meia. Havia
manchas de sangue no lado esquerdo de seu rosto, e ela parecia cansada e
acabada. O fogo elementar ao redor das palmas das suas mãos estava fraco,
como se fosse a chama de uma vela. Ela estava ficando sem magia.
Atrás dela, Elsa estava presa à unidade de ar-condicionado. Uma fila de
demônios estava diante dela, batendo e se jogando em uma parede fina e
cintilante azul claro. Ela havia conseguido fazer algum tipo de escudo. Mas,
pelo olhar de puro terror e pela aparência de seu escudo, ele não duraria
muito.
Havia muitos demônios. Não éramos fortes o suficiente. Não iríamos
conseguir.
Algo se moveu em minha visão periférica. Vi o vulto de um corpo e, em
seguida, o peso do demônio lobo-escorpião em meu peito desapareceu.
Pisquei para ver Valen arremessando o escorpião-lobo com as próprias
mãos pelo terraço.
E o acontecimento seguinte, eu jamais teria acreditado se não tivesse
presenciado com meus próprios olhos.
Valen, o dono do restaurante gostosão, arrancou suas roupas, eu teria
gostado muito disso se não fosse pelo que veio a seguir.
Um clarão de luz foi seguido por um som de roupas rasgando e ossos
quebrando. Observei enquanto suas características faciais sofriam uma
transformação com um movimento ondulante que se desenhava sob a
superfície de sua pele, resultando em um alargamento de sua cabeça. Seu
rosto se contorceu, aumentando e expandindo de forma anormal, até que
sua cabeça ficou cinco vezes maior do que o tamanho normal.
O corpo de Valen aumentou tanto em comprimento quanto em largura,
atingindo um tamanho de quase 2,5 metros. Seus músculos eram salientes,
seus braços e coxas eram tão grandes quanto troncos de árvores. Seu rosto
estava diferente, com um osso saliente na testa, semelhante ao de um
Neandertal. Era como se você estivesse olhando para uma versão do Hulk,
mas muito maior e mais alta.
Puxa vida. Valen era um gigante.
28

E umitos
nunca tinha visto um gigante de verdade. Gigantes eram coisas de
e lendas. Eu mal me lembrava de ter lido sobre eles nos milhares
de livros paranormais que li ao longo dos anos. Ninguém falava sobre eles
porque todos nós sabíamos que eles não existiam. E quando digo nós,
refiro-me à comunidade paranormal, onde seres metamorfos, vampiros e
fadas conviviam em nosso meio. Não se supunha que os gigantes fossem
reais. Quero dizer, unicórnios eram raros, mas eu sabia que eles eram reais.
Alguns tinham sido vistos na Irlanda. Mas gigantes? Os gigantes não eram
reais.
No entanto, eu estava olhando para um.
– Você é… você é um gigante – eu disse a ele. De onde eu estava, eu
mal conseguia ver seu rosto.
Com meu coração na garganta, Valen, o gigante, esmagou um demônio
que se aproximava dando um golpe com seu punho. O terraço tremeu como
um terremoto.
Ele se virou para mim e disse:
– Eu sou.
Estremeci com o som de sua voz. Ela estava dez vezes mais grave e
alta, com um tom mais gutural.
Não pude deixar de encarar esse magnífico, porém aterrorizante, gigante
nu. Os músculos de seu tórax se flexionaram enquanto ele se posicionava
protetoramente na minha frente, dando-me uma excelente visão do seu
membro gigante. O quê? Eu tive que olhar. Acredite em mim. Você também
teria olhado.
Em resposta a um vulto formado por pelos e presas, Valen, o gigante,
girou para enfrentar o ataque de dois demônios. Ouvi um grito e o som de
carne sendo rasgada. Valen, o gigante, rasgou os demônios com uma
rapidez voraz.
Foi emocionante e aterrorizante de assistir.
E então percebi que era isso que ele estava escondendo. Ele estava
escondendo o fato de ser um gigante. Mas por quê?
Ouvi um rugido atrás de mim. Valen deu um passo à frente, pegou um
punhado de demônios e os levantou como se não pesassem nada. Em
seguida, esmagou seus crânios, como se não fossem mais do que cascas de
ovos, antes de jogá-los.
– Leana! Me ajuda!
Eu me virei ao ouvir o som da voz aterrorizada de Julian. Ele tinha um
cabo de metal na mão, e balançava-o contra um demônio que parecia uma
pantera com cabeça de águia, que se aproximava. Ele não tinha magia para
se defender.
Eu me esforcei para me levantar.
– Você pode protegê-los? Preciso chegar à Fenda e fechá-la. Você pode
ajudar meus amigos?
Valen olhou para mim com aqueles mesmos olhos escuros.
– Posso. Você consegue fechar o portal?
– Farei o meu melhor.
Valen se virou, pisou em um demônio em seu caminho e correu até
Julian. Eu queria ficar e ver esse gigante dar uma surra nos demônios. Não
era todo dia que você via uma criatura mística. Mas eu tinha uma fenda para
fechar.
Levantando-me novamente, manquei pelo telhado, feliz por Valen ter
aberto o caminho para mim. Consegui chegar à Fenda sem ser atacada,
onde Raymond ainda estava deitado de costas, olhando para o céu. Ele era
um filho da puta xarope.
Soltei um suspiro e então invoquei minha força interior, minha luz
estelar. Senti o suave puxão do seu poder quando ela respondeu, o fluxo de
energia branca agitava-se dentro de mim. Eu a mantive ali por um
momento. Coloquei os pés no chão para ter mais controle, pois sabia que
meus ferimentos poderiam me fazer tropeçar.
Eu estava bem na frente do portal de demônios. O ar chiava com a
energia fria enquanto o cheiro de morte, sangue e maldade me atingia em
cheio. Ele pulsava como um zumbido constante. O fedor de enxofre e
podridão era avassalador, e meus ouvidos estalaram com a mudança de
pressão. Um vento forte soprou ao meu redor, levantando meus cabelos dos
ombros e batendo-os contra meu rosto. Esse ar não era natural, era ácido e
venenoso para nós, mortais. Eu o reconheci. Era o ar do Submundo, vindo
de dentro do portal.
Eu podia ver formas através do portal. Milhares de formas corriam em
direção à abertura do nosso mundo.
Que merda. Se eles nos alcançassem, eu não tinha certeza se até Valen
conseguiria detê-los.
Puxei toda a magia da luz estelar que pude, canalizando as emanações e
aproveitando a energia celestial que vinha do céu. Senti um formigamento
quando ela respondeu.
Um carretel de luz branca ofuscante se enrolou em minhas palmas e se
entrelaçou em meus dedos com um lento rastejar.
Uma luz brilhante surgiu em meus dedos estendidos e eu a direcionei
para a Fenda. Ela saiu das minhas mãos como um disparo interminável de
energia branca, iluminando o terraço como se fosse a luz do dia.
Os gritos ecoaram de algum lugar de dentro do portal. Eu não conseguia
mais vê-los, mas suas vozes estavam próximas. Perto demais. Eu tinha que
me apressar.
Mantive minha magia pronta mais uma vez, como uma arma carregada,
era muito mais difícil do que parecia. Eu estava pronta para explodir
qualquer filho da puta que atravessasse o portal enquanto eu tentava fechá-
lo.
E então, enquanto me agarrava à luz estelar, invoquei o poder da lua.
Estendi minha força interior para a lua, para sua energia.
Ela respondeu.
Outra explosão de luz branca, maior, passou por mim e atingiu o portal.
A dor atingiu meu corpo, como se minhas entranhas estivessem
pegando fogo. Tonta, eu cambaleei enquanto a magia jorrava de mim como
uma fonte, afogando-me no cansaço.
Invocar o poder da lua não foi uma tarefa fácil. Como eu disse antes, se
fosse demais, ela mataria. Eu fritaria ali mesmo, como um frango.
Mas estava funcionando.
O portal se deslocou e começou a dobrar sobre si.
– O que você está fazendo!
Virei-me para ver Raymond de pé ao meu lado, olhando com olhos
arregalados para o portal, que ficava cada vez menor.
Eu não tinha energia para desperdiçar falando com ele. Qualquer deslize
e eu poderia estragar tudo.
– Você não pode fazer isso! Pare! Pare! – gritou ele.
Eu nunca fui muito boa em receber ordens.
A luz das estrelas continuava fluindo de mim e penetrando no portal. O
suor brotou em minha testa e comecei a sentir o início do cansaço, além de
um pouco de náusea. Mas, mesmo assim, eu me mantive firme. Só mais um
pouco e tudo estaria acabado.
Ouvi gritos distantes e uivos de indignação. Olhei para a Fenda e
inúmeras sombras apareceram à minha vista, elas estavam cada vez maiores
e mais próximas. Eu conseguia distinguir asas, caudas e tentáculos. Seus
movimentos eram frenéticos e desesperados. Os demônios viram o que eu
estava fazendo e agora corriam.
De repente senti mãos envolverem meu pescoço. Pisquei para ver o
rosto enlouquecido de Raymond, que tentava esmagar meu pescoço com
seus dedos frios e calejados.
– Eu vou matar você! Vou matar você! – ele gritou, seu cuspe voou em
meus olhos enquanto ele pressionava com mais força, tirando minha
capacidade de respirar.
De novo esse negócio de sufocamento, sério? Eu não estava mais com
medo. Eu estava com raiva. Puta. Já estava farta de homens que tentavam
me estrangular até a morte.
Eu não podia parar de emitir minha luz estelar e não conseguia usar
minhas mãos.
Então, usei a única outra coisa que tinha à minha disposição.
E eu lhe dei uma joelhada nas bolas.
Quando você estiver em dúvida, opte pelas bolas. E funcionou
perfeitamente.
Raymond soltou meu pescoço e se curvou, com as mãos em suas bolas.
– Sua puta – sibilou ele.
É claro que, depois disso, tive que chutá-lo novamente.
Raymond cambaleou para trás e caiu direto no portal, desaparecendo.
Ops. Eu não pretendia fazer isso, mas já era tarde demais. O bruxo
havia desaparecido.
A adrenalina percorreu meu corpo. A energia lunar parecia ter
fragmentado minha essência em inúmeros pedaços, mantidos unidos
somente pela minha pele e minha determinação. Uma dor lancinante
explodiu em minha cabeça, e a escuridão inundou meus olhos. Eu não
conseguia enxergar, mas ainda assim me mantive firme.
Gritos guturais surgiram das profundezas do portal, mas já era tarde
demais. Seus gritos de indignação aumentaram, ecoaram e depois
desapareceram.
Com um estalo de pressão, a Fenda desapareceu.
29

S oltei a energia da luz estelar e da lua e caí no chão. A tontura me atingiu


e meu coração pulsava intensamente, como se tivesse acabado de dar
dez voltas ao redor do quarteirão por pura diversão. Eu estava exausta, mas
ainda assim orgulhosa por conseguir fechá-la, algo que eu nunca teria
conseguido fazer sem meus amigos. Sem Valen.
O cheiro de suor subiu. Eu me cheirei e estremeci.
– Você precisa definitivamente de um banho – Eu estava fedendo!
Pior ainda, eu estava nua, o ar frio bateu em minhas partes íntimas. Toda
aquela luz estelar havia mais uma vez queimado minhas roupas. Ops.
– Você conseguiu. Você conseguiu, porra! – disse Julian enquanto
caminhava até o local onde o portal estava. – Isso foi incrível.
– Todos nós conseguimos – Por falar em meus amigos, virei-me de
costas e olhei para o que restou dos demônios. Alguns eram pilhas de ossos
e montes de carne, e outros eram apenas pilhas de cinzas. Mas todos foram
derrotados. Nenhum demônio permaneceu de pé.
Jade veio mancando em nossa direção, ainda sem um de seus patins,
mas, fora isso, parecia estar bem. Elsa estava mancando atrás dela. Ela
parecia exausta, mas seu sorriso era vibrante enquanto me olhava.
E Valen? Valen ainda estava enorme, nu e glorioso.
– Isso foi incrível – disse Elsa ao se aproximar. – Foi como ver uma
estrela nascendo.
– Sim. Foi incrível – disse Jade. – Gostaria que não tivéssemos que lutar
contra aqueles demônios para que eu pudesse ter assistido. Fotos também
teriam sido legais, talvez alguns vídeos.
– Aqui – Elsa tirou um xale verde de sua bolsa e o entregou a mim.
– Obrigada – Eu o enrolei em volta do meu corpo, e meu rosto corou
quando senti os olhos de Valen em mim.
Elsa se virou.
– O que aconteceu com o zelador? Os demônios o pegaram? Espero que
sim. Não acredito que ele tenha feito o que fez para ser promovido.
– Uma promoção que ele nunca conseguirá – interveio Jade. – Você viu
o meu patim? Eu juro que o vi aqui em algum lugar.
Balancei a cabeça.
– Não – Fiz um gesto para o lugar onde estava o portal. Só restavam
alguns traços de uma substância preta, parecida com alcatrão. – Ele caiu na
Fenda.
– Caiu ou foi empurrado? – perguntou Julian, com um sorriso no rosto.
– Um empurrão acidental? – eu disse a eles, dando de ombros. – Ele
estava tentando me estrangular, então eu o chutei, e ele caiu lá dentro. Ops.
Julian riu.
– Bem feito. O mundo é um lugar melhor e mais seguro sem ele.
Provavelmente. Mas eu ainda queria que ele não tivesse caído. A prisão
teria sido uma opção melhor. Agora, quem sabia o que havia acontecido?
Todos aqueles demônios do outro lado provavelmente acabaram com ele,
era uma maneira ruim de morrer.
– Já foi tarde – disse Jade, puxando a manga de sua camiseta que tinha
um longo rasgo. – Ele sempre me dava arrepios. Ah, meu Deus – Os olhos
de Jade se arregalaram, e eu me virei para ver Valen vindo em nossa direção
em todo o seu esplendor nu e gigante, com seus membros balançando. Era
difícil não olhar.
– É isso que eu chamo de um grande homem – disse Julian, dando um
aceno de aprovação para o membro de Valen. – Um rei dos reis.
Balancei a cabeça. Os homens e suas besteiras. Eu nunca entenderia.
O gigante tinha respingos de sangue escuro por toda parte, mas não era
seu sangue.
– Você está bem? – perguntou ele com aquela voz profunda.
– Eu sobreviverei – eu disse a ele, ainda tentando assimilar que estava
diante de um gigante e que aquilo não era um sonho. Os gigantes eram
reais. Puta merda.
– Aqui. Pegue isso – Julian tirou o casaco e o entregou ao gigante. –
Você não deveria ter permissão para andar, por aí expondo uma coisa tão
grande.
Valen o encarou e, por um segundo, achei que ele recusaria. Então ele
enrolou o casaco em suas partes íntimas, como se fosse uma cueca
improvisada.
Julian ergueu as sobrancelhas.
– Você pode ficar com ele.
Eu ri.
– Está sendo uma noite bem estranha.
Elsa estava com a cabeça para trás enquanto olhava para Valen. Percebi
que ela queria perguntar a ele sobre o fato dele ser um gigante. Na verdade,
todos nós queríamos, mas ficamos em silêncio. Você pode chamar isso de
respeito. Era óbvio que ele não se sentia à vontade para falar sobre isso.
Mas ele havia revelado isso para nós. Sem sua ajuda, estaríamos fritos.
– Que horas são? – perguntei.
Jade sacou seu celular.
– Uh… duas da manhã.
Meu coração deu um salto. Ainda tínhamos tempo para salvar o hotel.
– Você conseguiu falar com sua amiga?
– Só um segundo – Jade franziu a testa enquanto passava o dedo pela
tela do celular. – Oh, ela mandou uma mensagem – Seus olhos se
arregalaram quando ela leu o que a amiga havia escrito. E então sua boca se
abriu.
– O que ela escreveu? – Meu coração disparou e senti os olhos de Valen
em mim, que estavam muito mais intensos do que antes.
– Ah, meu Deus – disse Jade depois de um momento.
– O que foi? – todos nós perguntamos em coro.
Jade olhou para nós.
– Ela disse que contou minha história ao marido e que Basil entrou em
contato com ele para pedir uma prorrogação para a demolição do hotel.
Ouçam isso! Nem todos os membros do Conselho das Sombras sabiam
disso. E eles não ficaram felizes em descobrir tão em cima da hora.
– Aquela vadia – eu disse, percebendo que Adele estava abusando de
seu poder. Ela nem sequer havia contado ao restante do Conselho o que
estava fazendo. Também era assustador pensar no que mais ela estava
fazendo sem a devida aprovação.
– Eles cancelaram o pedido de demolição – Jade sorriu, com lágrimas
nos olhos. – O hotel vai ficar. Ele não será destruído.
Elsa escondeu o rosto nas mãos e soluçou abertamente, enquanto Jade a
abraçava.
Meus olhos arderam ao vê-las chorar, mas também porque Jimmy
ficaria bem. Basil tinha se saído bem, mas eu não diria isso a ele. O que ele
deveria ter feito era consultar novamente o conselho antes de permitir que
Adele, aquela vadia magricela, entrasse no hotel e confiar cegamente em
cada palavra que ela dizia.
– Ahhhh – Julian respirou fundo e esticou os braços. – Nada como um
bom sexo para encerrar uma batalha – Ele esfregou as mãos. – Vejo vocês
mais tarde, meninas. Tenho algumas senhoras esperando por mim.
Eu ri.
– Você pode encontrar Jimmy e contar a ele? – Meu peito quase
explodiu com a notícia de que ele ficaria bem. Eu mesma queria contar a
ele, mas acho que não conseguiria ficar de pé no momento. Minhas pernas
estavam bamba e eu ainda estava um pouco tonta devido a todo aquele
poder da luz estelar e da lua.
– Você pode apostar – Julian se afastou dando salto.
Lágrimas quentes caíram pelo meu rosto enquanto eu observava o bruxo
alto sair pela porta do terraço. Valen ainda me observava quando me virei, e
eu não sabia dizer o que ele estava sentindo. Descobri que também não
conseguia desviar o olhar.
Elsa olhou para nós.
– Venha – Ela pegou Jade pela mão. – Precisamos encontrar Basil e
contar a ele o que aconteceu. Sobre o Raymond. Sobre tudo isso. E
precisamos levar todos de volta para seus apartamentos – Ela se afastou
levando Jade. Jade me lançou um olhar por cima do ombro enquanto
deixava a outra bruxa puxá-la.
Limpei minhas lágrimas com as costas da mão, esperando que Valen
dissesse alguma coisa. Quando ficou claro que ele não diria, abri a boca.
– Então, você é um gigante? Faz tempo que você consegue se
transformar assim?
O gigante inclinou a cabeça para me olhar.
– Eu nasci assim.
– Certo. É claro – Que pergunta idiota. Levantei meu pescoço.
– Você acha que poderia… se abaixar? Estou sentindo um torcicolo só
de tentar olhar para você.
O terraço tremeu quando o gigante se acomodou ao meu lado.
– Você está melhor?
Olhei fixamente para seu rosto.
– Sim – Mesmo sentado, ele tinha 1,80 m de altura. – Como você nos
encontrou?
– Jimmy me contou – respondeu o gigante, e eu me peguei olhando para
seus lábios enquanto ele falava. – Quando soube do que o conselho queria
fazer com o hotel, vim ajudar.
Virei minha perna, onde o demônio havia mordido. Minha panturrilha
estava encharcada de sangue. Meu braço também.
– Você está machucada – disse o gigante, e ouvi algo parecido com
preocupação em sua voz.
– Não é tão ruim assim. As feridas não são profundas. Não preciso de
pontos – Mas eu precisaria limpá-las antes que infeccionassem. – Obrigada
por você ter me salvado. Sem a sua ajuda, todos nós teríamos morrido,
teríamos sido devorados por aqueles demônios ou teríamos sido puxados
para aquele portal.
Ele emitiu um ruído que poderia ter sido sua tentativa de concordar.
– É meu trabalho manter todos seguros.
– Seu trabalho?
– Eu sou um sentinela.
– Um sentinela? – repeti como uma idiota. O que diabos era um
sentinela e como eu nunca tinha ouvido falar deles?
– Todos os gigantes são sentinelas. Protetores.
Fazia sentido, já que eles eram tão grandes e robustos.
– Então, por que ninguém realmente viu ou ouviu falar dos gigantes?
Pelo que me lembro, os gigantes não eram reais. Vocês eram apenas
histórias que os pais contavam aos filhos quando eles se comportavam mal.
Valen assentiu e olhou para o chão.
– Não restam muitos de nós. Há séculos, éramos temidos devido a nosso
tamanho e força. Éramos caçados. Mortos. Restam apenas alguns em todo
o mundo.
– Isso é triste – eu disse a ele. – É por isso que você não quer que as
pessoas saibam?
– Em parte.
– Se você tivesse me dito que era um gigante e não fosse tão reservado,
talvez eu não tivesse pensado que você estava por trás dos portais.
O gigante franziu a testa, o que foi uma visão assustadora. Me vi
inclinado para trás.
– Você acreditaria em mim se eu lhe dissesse que sou um gigante?
– Pelo ceticismo que posso ouvir na sua voz, vou dizer que… não? – Eu
disse. – Ok, eu provavelmente não teria acreditado em você porque, bem, os
gigantes não são reais.
Sorri para ele e senti um calor em minha barriga quando ele sorriu de
volta.
– Você tem dentes bem grandes.
Valen riu, soando como um leão rugindo.
– Desculpe-me por acusar você – eu disse para quebrar o silêncio
repentino.
– Eu deveria ter dito a você, que estávamos na mesma equipe.
Franzi a testa.
– O que você quer dizer com isso?
– O hotel me contratou – Valen ficou em silêncio por um momento. –
Eu vim para cá há cinco anos. Para trabalhar como sentinela do hotel e da
área ao redor.
– Ah – As coisas estavam começando a fazer sentido agora. – Então,
quando eu vi você no quarto nove e quinze e, antes disso, no quarto do
Eddie…
– O hotel havia me pedido para ir.
– Então, por que eles me pediram para trabalhar no Twilight Hotel
quando já tinham você?
– Não é a mesma coisa – Os olhos de Valen brilharam à luz da lua. Eles
eram tão grandes e bonitos que senti me inclinado para frente. – Você é uma
investigadora, uma agente. Eu sou apenas o músculo – Ele deu mais um
sorriso enorme. – Sou o cara que você quer ter com você para pegar o
bandido. Eu protejo.
Estremeci. Não acredito que eu tenha pensado que ele era o vilão. Essa
foi boa, Leana.
Ele já havia me salvado duas vezes. Sim, ele tinha sido um bruto
quando nos conhecemos. Mas tudo isso estava no passado. O que isso
significava agora? E por que ele ainda estava aqui comigo? Por que ele não
foi embora com os outros?
– Me fala – eu disse, olhando para todos aqueles músculos gigantescos e
másculos e me sentindo extremamente atraído por esse gigante. Será que
isso me tornava estranha ou estava apenas excitada? – O que exatamente
um sentinela faz? Eu entendo a parte da proteger. A parte de… vigiar e
garantir que não haja nenhum mal à espreita nas sombras. Mas você
trabalha apenas quando é um gigante? Ou é uma coisa constante? Todo o
dia… toda a noite. Quero dizer, você tem um restaurante.
– Você faz muitas perguntas.
Ele estava sorrindo, por isso não achei que tivesse interpretado minhas
perguntas como algo ruim.
– Eu tenho mais. Quanto tempo você ficar assim?
Mais uma vez, o gigante riu, e meu coração bateu mais rápido.
– Eu sou sempre um sentinela – respondeu o gigante. – Mas eu patrulho
as ruas à noite em minha forma de gigante.
– Sério? Você deve ter uma capa de invisibilidade enorme – Eu ri. –
Como você pode esconder – Fiz um gesto com a mão sobre o corpo dele –
Tudo isso dos olhos humanos. Se você fosse uma fada, não seria um
problema. Mas você é mil vezes maior que uma fada.
Um sorriso surgiu no rosto do gigante.
– Feitiço natural. Não preciso de capas.
Meus lábios se abriram.
– Que diabos é isso? – Eu nunca tinha ouvido falar de tal coisa. Já ouvi
falar de poções e magias que colocam um feitiço nas pessoas ou em objetos
como o hotel, mas nunca um feitiço natural. Comecei a perceber que eu não
sabia quase nada sobre os gigantes. E eu queria fazer um curso intensivo
agora mesmo.
– Todos os gigantes nascem com um feitiço inerente. Nenhum humano
pode nos ver. Somente os paranormais, metamorfos, vampiros, bruxas,
como você.
– Isso é realmente impressionante, e estou com um pouco de inveja.
Andar pelas ruas à noite e ninguém ver você. Deve ser legal.
Valen sorriu e, em seguida, o som das sirenes da polícia chamou sua
atenção.
– Você vai trabalhar hoje à noite? – perguntei, examinando seu rosto.
Quanto mais eu olhava para ele, mais eu gostava. Sim, era um rosto grande
e mais primitivo, se é que eu poderia descrevê-lo assim, mas também era
suave, e seus olhos eram os mesmos… porém maiores.
O gigante olhou para mim, fazendo meu estômago se revirar.
– Sim. Você quer vir comigo?
Uma explosão de entusiasmo correu do topo da minha cabeça até os
dedos dos pés.
– Claro que sim.
Valen se levantou com uma rapidez surpreendente para um homem tão
grande. O terraço rangeu e estremeceu com seu peso, e eu pulei com ele.
Com esforço, levantei-me com dificuldade, sentindo-me cansada, mas
também animada.
– Há um problema – eu disse a ele, com a cabeça inclinada para trás
para que eu pudesse ver parte de seu rosto. – Estou um pouco cansada por
canalizar toda aquela magia. Acho que não consigo andar tão rápido quanto
você – Provavelmente ele era muito rápido. Um passo dele valia dez do
meu. Sim, eu nunca o alcançaria.
– Você não precisará – respondeu o gigante.
– Hã?
Antes que eu pudesse protestar, a mão gigantesca de Valen se estendeu e
me agarrou, não com força, mas gentilmente, como se ele estivesse
segurando um ovo que não queria esmagar acidentalmente, só porque
podia. E ele realmente podia. Um vacilo acidental e eu ficaria tão achatada
quanto uma panqueca.
Inclinei-me em seu abraço e depois gritei como uma idiota quando ele
me levantou e me colocou em seu ombro. Sentei-me confortavelmente ali,
com minhas pernas penduradas em sua clavícula. O mundo parecia
diferente dessa altura. Eu não queria cair, então estendi a mão e a envolvi
em seus longos cachos escuros, inalando seu aroma madeirado. Ele
cheirava bem.
Minha bunda estava literalmente em seu ombro, tocando sua pele, e eu
pedi a Deus para que eu não soltasse um peido nervoso sem querer. Isso
seria constrangedor.
Valen atravessou o telhado do hotel, enquanto eu balançava para frente
e para trás, mas achando agradavelmente confortável. Ele ficou na beirada
do telhado.
Olhei para baixo.
– Uau. Isso é alto. Como vamos descer? Não tem como você caber
dentro do elevador – Assim que as palavras saíram, eu soube. – Merda.
– Segura firme – disse o gigante, e meu estômago foi parar na garganta.
E então ele pulou.
30

E uManhattan.
estava na Cherry Street, contemplando um dos pilares da Ponte de
O céu exibia um azul profundo, com o sol surgindo no
horizonte como uma linha nebulosa. Ele se aproximava do horizonte, mas
eu ainda tinha aproximadamente quarenta minutos antes de esgotar minha
reserva de magia da luz estelar. Teria que ser o suficiente.
Passei quase o resto da noite montada no ombro de Valen enquanto ele
caminhava pelas ruas de uma cidade que nunca dormia. Tinha sido incrível
andar entre os humanos, sem eles nos ver. Como eu estava montada nele,
tocando sua pele, imaginei que seu feitiço também havia me escondido dos
olhos humanos.
Ele teve o cuidado de não tocar em ninguém enquanto caminhava,
contorcendo-se e evitando-os o máximo possível. Aparentemente, ele
gostava de telhados, pois pulava de um para o outro. Parecia que ele não era
apenas dotado de força, mas também do poder de saltar grandes distâncias.
Eu também tinha inveja disso.
Não percebi que havia adormecido em seu ombro. E quando acordei,
estava de volta ao seu apartamento, e ele estava de volta ao seu tamanho
normal e totalmente vestido, infelizmente.
– Eu dormi por quanto tempo? – perguntei a ele, sentando-me em seu
sofá.
– Cerca de uma hora. Como você está se sentindo? – Ele me entregou
outro chá.
Peguei a xícara e o encarei.
– Isso é…
Valen riu.
– Isso não vai fazer você dormir. É apenas um chá comum.
Eu me espreguicei e bocejei.
– Me sinto nova em folha – Isso me fez pensar se os gigantes tinham
habilidades de cura ou algo assim, porque eu não deveria estar me sentindo
tão rejuvenescida. Tomei um gole do chá e coloquei a xícara na mesa ao
lado.
O sofá balançou quando Valen se sentou ao meu lado, sua coxa roçou a
minha. A sensação foi agradável, e eu não me mexi.
Fiquei olhando para seu rosto.
– Você deve estar cansado?
– De forma alguma – disse ele, olhando para mim com tanta intensidade
que me senti prestes a entrar em combustão espontânea. – Estou
acostumado com isso – Seus olhos se moveram para meus lábios, o que
provocou um pico de desejo em meu âmago.
– Tenho certeza de que sim – Ele estava perto. Muito perto.
– Você é muito linda – ele murmurou, e acho que cheguei a gemer.
– Eu vi você nu – eu disse. Por que diabos eu disse isso?
O desejo brilhava em seus olhos escuros. E, sem nem mesmo um aviso,
ele inclinou a cabeça e beijou um canto da minha boca. Depois o outro lado,
pressionando suavemente meus lábios.
Me enrijeci de surpresa. Seus lábios se moveram contra os meus, eles
eram quentes e macios, meu coração disparou enquanto eu o beijava de
volta. Quando ele passou a língua entre meus lábios, meu pulso disparou, e
uma onda de calor tomou conta de mim, fazendo com que a emoção me
percorresse dos lábios até os dedos dos pés.
Eu havia me esquecido de como era bom ser beijada daquela maneira,
com paixão e desejo, o tipo de beijo que incendeia.
Ele colocou uma mão em minhas costas e a outra em minha nuca,
aproximando-me mais. Senti meus braços envolverem sua cintura e suas
costas. Minha respiração ficou acelerada quando ele introduziu sua língua
profundamente em minha boca. Ele tinha um leve sabor de café, e seus
beijos me faziam desejar mais.
Soltei um pequeno gemido e entrelacei meus dedos em sua nuca,
puxando-o para mais perto.
Ele fez um som de surpresa e seu beijo se tornou mais agressivo. Suas
mãos se apertaram ao meu redor. Senti o desejo e a necessidade nelas. Isso
provocou uma onda de calor ainda maior, e minhas partes femininas
ficaram excitadas. Uma parte de mim queria arrancar suas roupas, sentir seu
corpo musculoso contra a minha pele.
Droga, ele beijava muito bem. Será que todos os gigantes beijavam
assim?
Minha respiração saiu em um gemido enquanto eu me aconchegava em
seu corpo, com uma mão em volta de seu pescoço e a outra em seu cabelo
macio e sedoso. Senti seus músculos se contraírem, e me segurei para não
arrancar suas roupas.
Suas mãos se moveram sob minha camiseta, e a aspereza de seus calos
fez minha pele formigar. Sentindo meu desejo, seu toque se tornou
agressivo, e ondas quentes de prazer percorreram meu âmago.
E então ele se afastou.
– Sinto muito. Não posso – disse ele, com a voz baixa e cheia de
emoções. Sua respiração saiu em uma expiração lenta. Ele não apenas se
afastou, e foi em direção a cozinha.
Era difícil não se sentir magoada ou atingido por sensação de rejeição.
Estávamos a caminho de um rodeio no quarto. Eu havia sentido seu forte
desejo por mim, mas algo o impedia. Ou alguém…
Sentei-me no sofá em silêncio o máximo que pude antes que se tornasse
estranho.
– O quanto você patrulhou hoje? Até onde fomos? – Perguntei,
rompendo o silêncio incômodo e olhando para o homem que não conseguia
me olhar nos olhos.
Valen me surpreendeu quando voltou e ocupou a cadeira ao meu lado.
Ele permaneceu a uma boa distância de mim, mas perto o suficiente para
que eu não me sentisse rejeitada novamente.
– Fizemos todo o caminho até Harlem e depois de volta para Chinatown
e então aqui.
Levantei uma sobrancelha.
– Você andou bastante. Deve conhecer a cidade muito bem – Um
pensamento me ocorreu. Por ser um sentinela, Valen patrulhava as ruas de
Manhattan há anos. Ele sabia onde viviam todas as criaturas sombrias e
maléficas, demônios renegados, lobisomens e vampiros. Entre outros…
– Sim – respondeu o gigante, com seus olhos escuros me prendendo por
um momento.
Eu engoli em seco.
– Você conhece uma feiticeira chamada Auria? Ela deve ser idosa. Já
passou de seu centésimo aniversário.
Valen franziu a sobrancelha enquanto pensava sobre isso.
– Pelo nome, não. Mas sei de uma velha feiticeira que vive embaixo da
ponte de Manhattan. Ela está lá há muitos anos, aparentemente. Por quê?
Meu coração bateu forte no peito quando me levantei.
– Preciso ir – Eu realmente precisava dar uma boa distância entre o
gigante gostosão e minhas regiões íntimas. Eu precisava fazer alguma coisa
para evitar que minha mente sentisse aquela rejeição novamente. Porque
aquilo doía. Eu não ia mentir.
Valen se levantou lentamente.
– Agora?
– Sim, antes do nascer do sol. Ainda tenho tempo.
Não fiquei surpresa quando ele não se ofereceu para vir comigo. Era
óbvio que Valen tinha alguns demônios internos para resolver, e eu só
estava piorando as coisas. Mas isso não fez com que eu me sentisse melhor.
Saí do apartamento dele com o coração um pouco dolorido. Mas nada
que não pudesse ser consertado. Eu não queria outro homem em minha
vida. Era o que eu pensava até conhecer Valen. Mas eu não me deixaria
apegar demais a alguém que não estivesse pronto, ou a alguém que não
conseguisse esquecer o passado.
E agora aqui estava eu. Meia hora depois, olhando para o píer de pedra.
Parte de mim queria ficar com o gigante. Havia uma atração muito forte
entre nós. Mas eu tinha algo mais importante para fazer.
Sentindo-me rejuvenescida devido à magia do gigante, embora ele não
tivesse confirmado isso, avancei em direção ao píer de pedra e procurei a
porta. A princípio, não consegui ver nenhuma porta ou portal. Após dar a
volta no píer, ficou óbvio que não seria fácil encontrá-la.
– Tem que haver uma porta. Certo?
Sendo uma feiticeira tão poderosa, Auria teria escondido a porta com
um feitiço. Ainda bem que minhas luzes estelares conseguiriam encontrá-la.
Olhando por cima do ombro para ter certeza de que não havia humanos
curiosos por perto, canalize minha magia estelar, segurei-a, levantei a mão e
a enviei.
Centenas de globos brancos brilhantes em miniatura saíram de minha
mão e atingiram o píer de pedra, cobrindo-o com uma cortina de luz branca.
As luzes das estrelas se moviam ao redor da parede de pedra, e eu as segui.
Depois, elas se juntaram em um ponto da pedra. Suas luzes internas
brilharam mais intensamente. Elas tremeluziram e depois se dissolveram
para revelar uma porta esculpida na pedra.
Eu sorri e, apoiando meu ombro na porta, a empurrei e entrei.
31

E ncontrei-me em uma espécie de corredor com teto baixo que cheirava a


tapetes velhos, mofo, xixi de gato e outras coisas mais fedidas nas quais
tentei não pensar. Nojento. Franzi o nariz ao sentir o cheiro de incenso e
velas enquanto atravessava a câmara com piso de terra que se dissipava na
escuridão. Ela era pouco iluminada pelas chamas brilhantes de algumas
tochas na parede.
Estava frio, cerca de dez graus mais frio do que lá fora, e me envolvi
com meus braços.
Assim que avancei mais três passos, uma súbita onda de energia mágica
fria percorreu minha pele, envolvendo-me com uma sensação de arrepio. É
difícil dizer se era magia negra ou branca. Mas uma energia maligna
definitivamente pulsava ao meu redor, era lenta e densa como o coração
pulsante de uma fera gigante.
A magia da feiticeira, com algo a mais.
– Você lançou uma maldição na entrada – murmurei, sentindo o pulsar
frio e familiar de uma maldição.
– Oh, e é uma maldição das pesadas. Do tipo que mata na hora – Mas eu
estava preparada para isso.
Com uma súbita explosão de força, invoquei minha energia das estrelas.
A energia estelar pulsava em mim.
Liberei minha luz estelar em uma explosão, preenchendo o corredor
com uma luz branca radiante que dissipou a escuridão. A pressão no ar
diminuiu e desapareceu. Com um estalo, a energia fria desapareceu no ar
como se nunca tivessem estado lá.
A maldição foi quebrada.
Se ela não sabia que alguém havia entrado, agora saberia.
Continuei andando, seguindo o fedor e a sensação de sua magia fria. As
teias de aranha se estendiam ao longo das paredes de pedra. O chão
inclinava-se levemente, onde uma elevação no chão da caverna se
transformava em um espaço mais amplo.
A sala apresentava uma pequena área de cozinha, onde uma pilha de
caldeirões ocupava um canto, um colchão que presumi ser a cama, estantes
altas repletas de livros e uma longa mesa coberta por velas derretidas, livros
e tigelas. Prateleiras e estantes forravam partes das paredes, repletas de uma
variedade de potes com objetos não identificáveis, todos cobertos por uma
fina camada de poeira. Velas, ossos de animais, bolas de cristal, pêndulos,
giz, espelhos, caldeirões e livros estavam amontoados em todos os cantos.
Não vi nenhum banheiro, o que possivelmente explicava o cheiro.
E lá, olhando para mim de sua cadeira ao lado do que só poderia ser
descrito como uma fogueira mágica com chamas verde-azuladas, estava
uma mulher com mais rugas e dobras no rosto do que um bulldog.
Apesar de estar curvada pela idade, ela tinha uma presença poderosa.
Seus cabelos brancos caíam soltos ao redor do rosto, seus braços e pernas
pendiam enfraquecidos e sua magreza era dolorosamente evidente.
Ela parecia ter completado duzentos anos. Mas seus olhos irradiavam
uma inteligência afiada.
Auria. A feiticeira.
Sua risada ecoou pela sala. A idosa levantou o queixo com altivez e
apontou um dedo retorcido para mim.
– Você é uma tola. Só os tolos se aventuram em minha casa – Sua voz
era rouca, envelhecida e seca, assim como ela.
– Possivelmente – Eu era uma tola, mas não era idiota. Eu sabia que ela
era poderosa. Mas eu não iria embora até conseguir o que queria.
Aproximei-me, sentindo minha pele formigar sob a influência de sua
magia imponente. Eu estava em seu território, onde sua magia era mais
forte. Mas eu também tinha minha magia. A velha feiticeira não me
assustava.
Ela me observou, avaliando-me.
– Você quebrou minha maldição. Você é uma bruxa das trevas?
– Não – Fiquei o mais perto que pude. A idosa exalava um fedor
horrível.
Auria emitiu um som de desaprovação.
– Quem é você? O que você quer?
Coloquei minhas mãos atrás das costas.
– Meu amigo quer a vida dele de volta, e você vai dar isso a ele.
A velha feiticeira estreitou os olhos para mim.
– Quem é seu amigo?
– Jimmy – Eu sabia que, com o sutil erguer de sua sobrancelha e a
maneira como seus lábios se comprimiram com firmeza, ela havia
percebido de quem eu estava falando. Isso também confirmou que ela era
de fato Auria, a feiticeira.
– Por que eu deveria me importar com o que o seu amigo quer? – disse
a idosa, com um tom de diversão na voz.
– Porque você o transformou em um cão de brinquedo. Acho que a lição
já foi dada. Jimmy sofreu o suficiente. É hora de você quebrar a maldição e
deixá-lo ir.
A mandíbula da feiticeira se movia como se ela estivesse mastigando
algo.
– Nunca.
Minha irritação aumentou quando dei um passo à frente.
– Você vai. Não me faça machucar uma senhora idosa, porque eu vou.
Ele é meu amigo e não merece isso, ele é uma boa pessoa.
A velha feiticeira deu uma risada cínica.
– Ele é um tolo.
– Por quê? Por que ele não retribuiu o seu amor? Isso acontece. Vê se
cresce e segue com sua vida.
Auria se inclinou para frente em sua cadeira.
– Você é uma criatura insolente.
– E você é uma vadia. Não me importo com sua idade. Você vai me
dizer como remover a maldição. Eu não vou embora até que você o faça.
Mas espero que seja logo, porque… você realmente fede.
A feiticeira riu.
– Você acha que me assusta? Você é apenas uma bruxa. Sua magia
branca ou negra não pode fazer nada contra mim.
– Como faço para remover a maldição? – perguntei. – Quanto mais cedo
você me disser, mais cedo você poderá voltar ao que estava fazendo – Eu
não queria saber o que era.
– Nunca contarei a você ou a ninguém – disse a feiticeira. – Ele merece
o que recebeu. Os homens não passam de ferramentas para reprodução. Eles
são mais fracos do que nós. E eu realmente não me importo.
Dei de ombros.
– Claro, alguns são canalhas como meu ex-marido. Mas nem todos os
homens são assim. Da mesma forma que nem todas as mulheres são vadias.
Auria fez uma careta, o que foi uma visão assustadora, e seus os olhos
quase se perderam nas dobras de suas rugas.
– Eu não gosto de você.
– Eu também não gosto de você.
Ela ergueu a mão torta em minha direção, enquanto a outra mão, que
percebi, repousava sobre um livro em seu colo.
– Saia, ou farei com você algo pior do que o que fiz com seu amigo.
– Eu já falei. Não vou embora até que você me diga como remover a
maldição de Jimmy – A velha feiticeira não parecia grande coisa. Dava a
impressão de que um sopro de vento a transformaria em cinzas. Mas todos
nós sabíamos que, em nosso mundo paranormal, sua fragilidade poderia ser
apenas um disfarce. Eu não ia deixar que ela me enganasse.
– Outros tentaram e não conseguiram colocar as mãos na maldição –
disse ela, com a voz orgulhosa, o que me deixou enjoada. – Nossas
maldições são uma extensão de nosso poder, de quem somos. Não
revelamos nossos segredos. Caso contrário, não seríamos poderosas. Não
seríamos temidas. Como você… como seu segredo.
Franzi a testa, não gostava do fato dela estar tentando adivinhar que tipo
de magia eu tinha.
Minha pressão subiu. Eu sabia que não me restava muito tempo. Eu
tinha que terminar isso.
– Me fale – eu disse, me aproximando e segurando a respiração.
Ela me observou em silêncio, seus olhos brilhavam com a promessa de
dor e morte. Seu rosto se contraiu em uma careta.
– Vai se foder.
Puxa, isso foi muito estranho vindo dos lábios de uma senhora idosa.
Fiquei tão chocada que não vi o movimento de sua mão enquanto ela
falava:
– Atucei!.
Uma rajada de energia irrompeu dela como uma onda mortal.
Meus braços se contraíram ao longo do corpo, enquanto tentáculos
vermelhos envolveram-me como uma corda. Uma dor lancinante explodiu
em meu corpo como se se eu estivesse sendo mordida. Puxa. Isso doía
muito!
– Tudo bem – sussurrei e depois ri. – Você me pegou.
Como um vulto, fui jogada para o outro lado da sala, mas em vez de me
espatifar contra a janela, a parede me salvou. Escorreguei para o chão como
uma boneca de pano.
– Vou gostar de matar você – disse a feiticeira, levantei a cabeça e vi
que ela ainda estava sentada naquela maldita cadeira.
Sim, ela era poderosa. Eles estavam certos sobre isso. Mas eu também
era.
Com o coração batendo forte, respirei fundo, entrei em contato com
meu poder interno e alcancei a energia mágica gerada pelo poder das
estrelas.
Uma luz brilhante explodiu quando minha magia misturada com meu
ódio emergiu. Ela transbordou do meu âmago e percorreu meu corpo. Num
impulso, a magia da luz estelar envolveu-me e passou através de mim,
como um condutor de alta voltagem, até me absorver por completa.
A magia da luz estelar explodiu, rompendo o feitiço dela como se
rompesse correntes.
A explosão atingiu a velha, fazendo-a ser arremessada para fora da
cadeira.
Não. Eu não estava arrependida.
Levantei-me, sacudi a poeira das roupas e dirigi-me até lá, determinada
a encontrar o que acreditava conter as respostas que procurava.
Um livro encontrava-se a 30 centímetros de distância da feiticeira, o
mesmo livro que ela estava protegendo em seu colo o tempo todo que eu
estava lá. Abaixei-me e peguei o livro.
– Isso é meu! – Ela se arrastou para a frente com as mãos. – Devolva-o.
Devolva-o!
Com a lanterna do meu celular ligada, equilibrei o livro com a mão
direita e o quadril e o abri. O livro fino não tinha muitas páginas, o que era
bom. Me arrepiei com as muitas manchas marrons em praticamente todas as
páginas.
– Você leva o significado de bruxa suja a um patamar totalmente novo –
eu disse a ela.
– Ninguém pode quebrar minhas maldições – ela rosnou. – Ninguém.
Eu sou a única que pode.
– Mas acabei de fazer isso – eu disse, folheando as páginas.
Ela olhou para mim e começou a gritar muito alto, parecendo uma alma
penada.
Não importava. Encontrei o que estava procurando. Lá, no alto de uma
página, escrito em letras garranchudas, estava Maledicere Alicui Rei.
Meu latim estava enferrujado, para dizer o mínimo, mas eu sabia que
maledicere significava maldição, e o cachorrinho desenhado ao lado da
palavra denunciava isso.
Meu pulso acelerou. Era isso. Eu tinha certeza.
Fechei o livro com um estalo.
– Foi um prazer fazer negócios com você – Passei por cima da bruxa,
querendo me distanciar o máximo possível daquele cheiro corporal horrível.
– O que você é? – perguntou a velha feiticeira.
Virei-me e coloquei o livro debaixo do braço.
– Uma bruxa Estelar.
E com isso, deixei a feiticeira de olhos arregalados e fedorenta no seu
chão de terra e fui embora.
32

– V ocê acha que vai funcionar? – Jimmy me encarou do chão da


cozinha, dentro do círculo de giz que eu tinha acabado de desenhar
ao redor dele.
– Sim – Coloquei o livro de Auria de volta na mesa. Eu tinha cerca de
90% de certeza, mas não ia lhe dizer isso. Quando voltei ao Twilight Hotel,
o sol já havia nascido e banhava o céu de rosa, laranja e azul.
Ecos de vozes exasperadas chegaram até mim e ao me virar, me deparei
com Barb, com a mão no quadril, enquanto apontava na direção das gêmeas
no corredor, repreendendo-as com a ternura de uma avó. A notícia da
derrota de Raymond e da reintegração do hotel se espalhou rapidamente, ou
Elsa e Jade estavam ocupadas acordando os moradores, de onde quer que
temporariamente tivessem se abrigado, para trazê-los de volta para casa,
enquanto eu estava ausente.
O décimo terceiro andar estava tão vibrante e barulhento quanto na
primeira vez em que pisei aqui.
– Não acredito que você a encontrou – Jade estava de joelhos no chão,
acendendo cuidadosamente cada vela que envolvia Jimmy, com um
sussurro. Era realmente impressionante, algo que, infelizmente, eu nunca
seria capaz de fazer, sendo uma bruxa Estelar.
– Procuramos em todos os lugares por aquela feiticeira horrível – disse
Elsa, mexendo em seu pingente com uma das mãos enquanto folheava o
livro de Auria com a outra. – Até contratamos um detetive particular
metamorfo. Custou-nos uma fortuna e ele nunca a encontrou.
– Como você a encontrou? – Julian estava de costas para a parede,
parecendo renovado e cheirando a sabonete e loção pós-barba. Ao seu lado,
no balcão, havia uma sacola de roupas que eu havia pedido que ele
trouxesse para Jimmy. Eu não tinha ideia se ele voltaria completamente
vestido ou nu como um recém-nascido.
– Valen me ajudou – eu disse. Sabendo que todos tinham visto sua
forma gigante, continuei. – Ele patrulha a cidade à noite e conhece muita
gente, ouve rumores. De qualquer forma, ele sabia de uma velha feiticeira
que vivia embaixo da ponte de Manhattan. E era ela – A lembrança daquele
beijo apaixonado que compartilhamos ainda estava muito vívido em minha
mente, e meu corpo formigava ao lembrar. Tinha sido um beijo de
proporções gigantescas.
Jade se apoiou nos calcanhares.
– Eu gostaria de ter visto a cara da velha bruxa quando você pegou o
livro dela.
Elsa pegou o livro de feitiços de Auria.
– Eu teria gostado de lhe dar um chute na bunda – disse ela,
surpreendendo-me.
Eu ri.
– Duvido que ela vá incomodar alguém tão cedo – A feiticeira era
poderosa, mas parecia estar com a saúde debilitada. Provavelmente ela não
saía daquele lugar que chamava de lar há muitos anos, pelo cheiro. E se
algum dia ela saísse de seu ninho, eu estaria pronta para ela.
– Vamos mesmo fazer isso? – Jimmy desviou o olhar de mim e olhou
para os demais, com sua cauda balançando nervosamente como um chicote.
– Vamos – Mudei de posição e olhei para as bruxas em busca de apoio.
Minha luz estelar não ajudaria em nada no momento, e maldições e
contramaldições não eram exatamente o meu forte. Eu precisaria da ajuda
delas para fazer isso funcionar.
Elsa se aproximou de mim com o livro de maldições de Auria em suas
mãos.
– Eu estudei sua maldição. A magia dos feiticeiros é diferente da nossa.
As palavras que eles usam. A maneira como extraem seu poder. Mas nada
aqui é muito complicado. Ter as palavras exatas, é o suficiente para
produzir uma contramaldição. O suficiente para desfazer o que ela fez com
Jimmy.
Eu sorri para o cãozinho de brinquedo nervoso.
– Viu? Nós vamos ajudar você.
Elsa olhou para nós. Seus olhos brilhavam com determinação.
– Auria é uma feiticeira poderosa, mais poderosa do que qualquer um de
nós quando fez aquela maldição. Precisaremos dar as mãos e combinar
nossa magia se quisermos nos igualar a ela.
Respirei fundo, a empolgação crescia dentro de mim.
– Vamos lá.
Nós posicionamos em um círculo ao redor de Jimmy. Depois, peguei a
mão de Elsa e a de Julian enquanto ele pegava a de Jade, e ela fechou o
círculo com a de Elsa. Estávamos todos conectados fisicamente.
Minha mão tremia e suava de nervosismo, e eu esperava que Elsa e
Julian estivessem concentrados demais na contramaldição para perceber.
Respirei calmamente enquanto uma pequena emoção se apoderava de mim,
sabendo que estávamos prestes a juntar nossa magia. Nunca havia
compartilhado magia com outras bruxas. Sempre fui uma guerreira solitária.
Não tinha certeza do que esperar. Senti-me vulnerável. Aberta. Mas deixei
de lado meu medo e minhas inseguranças para salvar um amigo.
– Está bem – eu disse, sentindo o calor das mãos dos meus amigos. –
Você acha que temos que dizer a contramaldição juntos? – Lembrei-me da
conversa que tive mais cedo com a Elsa, quando ela estava estudando a
maldição e preparando a contramaldição.
– Sim – respondeu Elsa. – Todos se lembram das palavras? Estamos
repassando isso há meia hora.
Acenei com a cabeça quando Julian e Jade disseram:
– Sim.
Elsa soltou um suspiro.
– Juntos agora.
– Invocamos as forças da Mãe das Trevas – cantamos em uníssono
enquanto eu canalizava os poderes das estrelas. – Que a carne seja carne e o
osso seja osso; devolvam o que foi tirado e o refaçam de novo. Façamos
novamente o que deve ser feito; revertamos a maldição que criou esse cão
de brinquedo. Desfaça a maldição, deixe a luz reinar; reverta o feitiço, que
tudo possa clarear. Tirei a energia que pude das estrelas, e como era de
manhã, não foi muito.
Então meu pulso acelerou com a súbita onda de magia, a magia dos
meus amigos, minha pele se arrepiou enquanto a energia fluía por nossas
mãos e se derramava em mim.
Meu cabelo se ergueu com um vento repentino, carregando o cheiro de
flores silvestres, terra e pinheiro, o cheiro da magia branca. O ar vibrava
com a intensidade do poder e eu olhei, assustada, quando um brilho azul,
laranja e amarelo passou por mim e pelos outros.
Fechei os olhos quando vi um flash de luz ofuscante.
Quando os abri novamente, em vez de um cão de madeira, havia um
homem no círculo de giz. Um brilho etéreo ondulava sobre ele como uma
névoa e depois desapareceu. Ele tinha pele e cabelos claros, grisalhos nas
têmporas. Era cerca de 2,5 cm mais baixo do que eu. E sim. Ele estava nu.
– Ah, meu Deus! Funcionou! – gritou Jade ao se soltar dos outros e
começar a bater palmas. – Funcionou mesmo!
Os olhos azuis de Jimmy, seus olhos verdadeiros, me encararam com
admiração. – Você conseguiu! Não acredito que você conseguiu.
Eu sorri, feliz por sua voz ser a mesma.
– Nós conseguimos. Todos nós – O que era verdade. Eu tinha sentido a
magia das outras bruxas se espalhar por mim e ao meu redor. Sem elas, não
teria funcionado.
Jimmy levantou as mãos na frente do rosto, mexendo os dedos como se
estivesse sentindo-os pela primeira vez. Provavelmente era essa a sensação
que você tinha após ficar tanto tempo em um corpo de madeira sem dedos.
– Aqui. Cubra suas partes íntimas antes que as mulheres se joguem em
cima de você – Julian entregou a Jimmy uma sacola de roupas, e todos nós
nos viramos enquanto ele vestia uma calça jeans e uma camisa.
– Vocês podem se virar agora – disse Jimmy.
Eu me virei, sorrindo.
– Você está ótimo, Snoopy.
Jimmy riu.
– Obrigado, Merlie.
– Você vai precisar fazer a barra desse jeans – eu disse a ele. Seus pés
estavam totalmente escondidos pela barra da calça. A camisa também era
muito grande. Ele parecia uma criança experimentando as roupas do pai.
Ele estava tão bonitinho.
– Está tudo bem – Jimmy dobrou as mangas da camisa. – Não me
importo que as roupas não sirvam. Sou eu. Sou eu de novo – Quando ele
encontrou meus olhos, eles estavam cheios de lágrimas. – Obrigado – disse
ele, chorando livremente agora. – Isso nunca teria acontecido se você não
tivesse aceitado o emprego no hotel. Você devolveu a minha vida.
– Ah, droga – eu disse, com os olhos e a garganta ardendo. – Agora
você vai me fazer chorar – Merda. Agora eu também estava chorando.
Lágrimas grandes e grossas jorraram dos meus olhos, como se as emoções
das últimas semanas estivessem vindo à tona.
– Já estou chorando – disse Elsa enquanto abraçava Jimmy.
– Eu também – disse Jade abraçando os dois. Depois de mais um
abraço, Jade os soltou e se afastou. – Quem quer café?
– Eu – respondi, percebendo de repente o quanto estava cansada.
– Eu também quero um – disse Jimmy, com os olhos marejados de
entusiasmo. – Não tomo um café há… mais de sessenta e oito anos.
Caramba! O pobre homem não havia comido ou bebido nada durante
todo esse tempo. Maldita Auria. Eu tinha certeza que a odiava ainda mais
agora.
Todos nós observamos em silêncio enquanto Jimmy segurava a xícara
de café quente e tomava um gole. Quando ele começou a chorar, todos nós
começamos a chorar de novo. Caramba, que dia.
– Gostaria que Cedric estivesse aqui para ver Jimmy – disse Elsa,
esfregando seu pingente.
– Vocês foram casados por quanto tempo? – Perguntei-lhe, imaginando
que ela estivesse falando do marido falecido.
Elsa enxugou as lágrimas.
– Trinta e sete anos. Ele amava Jimmy. Ele teria ficado muito feliz em
vê-lo assim. Os dois eram muito próximos.
– O que aconteceu com ele?
– Ele morreu enquanto dormia. Os curandeiros disseram que foi um
ataque cardíaco.
Senti uma forte pontada no peito.
– Sinto muito, Elsa.
Elsa fungou enquanto se inclinava e abria o pingente antigo.
– Ele está sempre comigo – E lá, descansando dentro do pingente, havia
uma mecha de cabelo castanho.
– Ele tinha um cabelo bonito – eu disse a ela, sentindo um aperto no
peito com seu sorriso.
– Ele tinha – Elsa fechou o pingente e manteve a mão sobre ele,
visivelmente trêmula devido à onda de emoções. Ela pigarreou. – Você está
com fome, Jimmy? – perguntou ela. – Eu faço o que você quiser. É só falar.
Jimmy sorriu.
– Bacon e ovos seria ótimo.
Elsa lhe deu um sorriso.
– Considere feito.
Poucos minutos depois, os rumores da transformação milagrosa de
Jimmy se espalharam pelo décimo terceiro andar, e logo meu apartamento
estava cheio com todos os moradores daquele andar.
– É um prazer conhecer você como homem – disse um homem
paranormal mais velho cujo nome eu não conseguia lembrar.
– Você continua tão fofinho quanto quando era aquele cachorro – disse
Barb.
– Você é baixinho – disseram as gêmeas em coro.
Meu coração se encheu de emoção novamente. Fiquei bem só de ver o
rosto humano e feliz de Jimmy.
E então meu coração começou a acelerar, não por causa de Jimmy, mas
por causa do homem grande e corpulento que acabara de entrar.
Valen entrou em meu apartamento, todo sorridente, apertando a mão de
Jimmy e, com a outra mão, dando-lhe um tapinha másculo no ombro.
Passei os olhos lentamente pelo gigante, sim, o gigante. Ainda era
difícil de acreditar. Meus olhos percorreram seu corpo muito, muito
lentamente. Observei sua confiança, a força daqueles ombros largos e
braços musculosos, e aquele peito duro que tive a sorte de sentir com meu
rosto.
– Ah, que bom. Você continua aqui.
Quando me virei, vi Basil atrás de mim.
– Sim. Eu ainda não fiz as malas – Estava tão cansada. Esperava que
eles me deixassem dormir um pouco. Mas não parecia ser o caso. – Vou
embora em uma hora. Se é por isso que você está aqui.
Basil balançou a cabeça, e notei as bolsas sob seus olhos. Ele também
não havia dormido ainda.
– Foi uma noite difícil – Ele piscou para mim. – Disseram-me que foi
você quem encontrou Raymond e o derrotou.
– Eu o encontrei no terraço. Mas todos nós o derrotamos. Bem… os
demônios dele.
– Mas você fechou a Fenda.
Assenti com a cabeça.
– Sim.
– Foi o que Elsa me disse – disse o gerente do hotel. – Nunca imaginei
que Raymond faria isso. Achei que ele gostava do seu trabalho. Pensei que
ele gostasse de mim.
– Tenho certeza que ele odiava você.
– Agora eu sei disso. – O bruxo baixinho exalou. – Que desastre.
– Pelo menos você conseguiu impedir Adele e seus planos de destruir o
hotel.
Basil franziu a testa e acariciou a barba com os dedos.
– Sim. Estou feliz que isso tenha acabado. Ainda bem que ainda tenho
um emprego.
Apertei meus lábios.
– Bom para você, eu acho – Que diabos ele queria? Um tapinha nas
costas?
Basil pigarreou.
– Sinto muito por demitir você. Foi um pouco precipitado. Eu não
estava certo da cabeça.
– Estávamos todos sob muita pressão – eu disse.
O gerente do hotel suspirou.
– Bem, se você reconsiderar trabalhar para nós, o hotel gostaria de
oferecer uma posição permanente.
Meu pulso acelerou.
– Sério?
O bruxo sorriu para mim. Dessa vez, foi um sorriso verdadeiro e
genuíno.
– Devemos muito a você. Os proprietários acham que ter você aqui em
tempo integral os deixaria mais tranquilos. Eles querem que um Merlin seja
designado para o hotel permanentemente.
– E Valen? – perguntei. – Sei que o hotel o contratou. Não quero ficar
com o emprego dele.
Basil acenou com a mão para mim.
– Não, não, não. Seus trabalhos podem estar interligados, mas
precisamos de vocês dois. Cada um de vocês tem responsabilidades
diferentes. Então, o que você acha?
– Sim. Vou aceitá-lo. Obrigada – Apertei sua mão quando ele a
ofereceu.
Basil me deu um aceno de cabeça e se afastou. Eu o observei contornar
os paranormais até Jimmy.
Fiquei parada por um momento, com as emoções à flor da pele,
sentindo orgulho e alegria misturados com uma sensação de alívio. Os
rostos de todos ficaram em segundo plano, e suas vozes ficaram distantes.
Recuperei meu emprego.
Senti os olhos em mim e voltei meu olhar para onde Jimmy estava.
Valen me observava do outro lado do apartamento e me deu um de seus
sorrisos irresistíveis.
Meu coração acelerou quando me vi incapaz de desviar o olhar. Sorri de
volta quando a lembrança do nosso beijo voltou à tona. Aqueles olhos
escuros carregavam consigo a promessa e o desejo.
Valen, o cara grosso que eu havia encontrado na rua, não era tão ruim
assim. Ele tinha uma raça paranormal rara, era um gigante, um sentinela e
um protetor, e ele tinha feito exatamente isso. Ele salvou minha pele duas
vezes.
Nos encaramos por um momento, meu corpo formigava, reagindo ao
calor que existia entre nós.
Droga. Droga. Que droga.
Naquele momento, eu não desejava estar em um relacionamento com
ninguém, especialmente após os anos que vivi em um casamento tão ruim.
Eu queria um tempo sozinha, para ser eu mesma. Queria um tempo para
mim. Não queria me envolver com alguém que claramente tinha uma
bagagem tão pesada.
Mas… lá estava Valen.
Sim, eu estava definitivamente em apuros.
Não perca o próximo livro da série Bruxas de Nova York!
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SOBRE A AUTORA

KIM RICHARDSON é uma autora best-seller do USA Today de fantasia urbana, fantasia e livros
para jovens adultos. Ela mora no leste do Canadá com o marido, dois cachorros e um gato velhinho.
Os livros de Kim estão disponíveis em edições impressas e as traduções estão disponíveis em mais de
sete idiomas.

Para saber mais sobre a autora, acesse:

www.kimrichardsonbookstore.com

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