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KIM RICHARDSON
Este livro é uma obra de ficção. Todas as referências a eventos históricos, pessoas ou locais reais são
usadas ficticiamente. Outros nomes, personagens, lugares e incidentes são produto da imaginação do
autor, e qualquer semelhança com eventos, locais ou pessoas reais, vivas ou mortas, é inteiramente
coincidência.
www.kimrichardsonbooks.com
CONTENTS
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Receber ofertas de emprego não era algo incomum. Eu era uma Merlin
há dez anos. O Grupo Merlin representava a Rede de Inteligência da Liga
de Fiscalização da Magia. Éramos a polícia mágica, se você preferir, como
o FBI.
Eu dizia a Martin que trabalhava no turno da noite no pub local
McGillis em Greenwich Village. Ele nunca suspeitou de nada. Era evidente
que isso se devia à sua completa falta de interesse.
Eu já tinha ouvido falar do Twilight Hotel. Na verdade, toda
comunidade paranormal, incluindo bruxas, lobisomens, metamorfos ou
fadas conhecia esse hotel. Mas receber uma oferta de emprego deles era
incomum. Eu nunca havia trabalhado para eles. Nunca. E também não
conhecia ninguém que tivesse trabalhado lá. Pelo que eu sabia, eles eram
reservados e não gostavam de contratar, o que explicava a enorme
curiosidade que senti ao receber essa oferta de emprego.
Verifiquei meu celular: 18:15 p.m.
– Ainda tenho tempo.
Coloquei a carta de volta no bolso, ajustei minha bolsa no ombro e
continuei.
Minha pressão subiu com a empolgação. O episódio do pênis quebrado
de Martin foi esquecido, pois eu só tinha espaço para um pensamento em
meu cérebro. Toda bruxa sabia que o Twilight Hotel pagava bem. Talvez eu
pudesse finalmente comprar um carro. Isso não seria ótimo?
Talvez as coisas estivessem finalmente melhorando para mi…
Meu rosto se chocou abruptamente contra uma parede.
Só que essa “parede” tinha cheiro de almíscar e especiarias. Era um
cheiro agradável. Dei um passo para trás e pisquei para ver o rosto de um
homem bonito, com mandíbula quadrada e nariz reto, era o dono do peito
másculo que eu tinha acabado de atacar com meu rosto. Seus cabelos
escuros e ondulados cobriam seus ombros largos, e eram grisalhos nas
têmporas, o que só o tornava mais atraente. Ele era alto, do tipo que você
tinha que deixar a cabeça cair para trás para ter uma visão. E era uma vista e
tanto.
Ele era gostoso. E parecia estar precisando daquela taça de vinho mais
do que eu.
Seus olhos eram escuros e ardiam com uma intensidade que provocava
um desconforto visceral em mim. Eu também gostava disso.
Ele também não era humano. Essa parte ficou clara pela energia
paranormal que emanava dele. Dado o seu tamanho imponente, não restava
dúvida de que esse homem-fera atraente era um lobisomem. Posso apostar.
– Veja por onde anda! – rosnou ele, praticamente gritando, e olhando
para mim como se eu fosse a pessoa mais odiada de toda a cidade de Nova
York.
Você não é mais tão gostoso.
Estreitei os olhos.
– Eu faria isso se você não ocupasse tanto espaço – Ele parecia uma
fortaleza, foi isso que senti ao entrar de cara em seu peito, e talvez vinte
anos atrás, eu teria abaixado a cabeça e me afastado. Mas não fiz isso. A
vida me endureceu.
E eu tinha quebrado um pênis hoje. Estou com tudo!
O estranho olhou para mim, claramente não acostumado a ser desafiado.
Com aquele corpo, eu tinha certeza que ninguém ousava contestá-lo. O
mais provável é que se encolhessem.
– As ruas não pertencem a você – rosnou ele.
– Elas também não pertencem a você – Se ele estava esperando um
pedido de desculpas, ia ter que esperar muito tempo. Eu estava cheia de
pedir desculpas.
O homem-fera gostoso me observou por mais um instante.
– Você trombou em mim. Você não estava prestando atenção para onde
estava indo.
– Então você deveria ter saído do caminho – Eu poderia fazer isso a
noite toda. Bem, na verdade, não. Eu tinha que ir se quisesse aquele
emprego. – E por que você não o fez? A coisa mais galante a se fazer seria
sair do caminho quando me viu se aproximando.
Suas narinas se dilataram de raiva.
– Por que eu deveria sair do caminho para você? – Ele disse isso como
se o simples fato de estar ali significasse algo para mim, como se ele fosse
alguém que eu deveria conhecer, alguém de grande importância.
Até onde eu sabia, ele era um homem-fera rude e sexy. Isso era tudo.
– Claramente, você deixou seus bons modos em casa esta manhã – eu
disse a ele. Me recusava a olhar para seus lábios carnudos e sensuais. Ops,
tarde demais. Eu estava olhando. Que droga. Aqueles lábios eram muito
gostosos e combinavam com o resto do seu corpo gostoso.
– Você sempre anda por aí com a cabeça nas nuvens? É assim que
acontece um acidente. É assim que você é atropelada por um carro.
Levantei uma sobrancelha.
– Então o problema estaria resolvido, não é? – Por que ele ainda estava
aqui? Por que ele não ia embora?
O estranho me observou, seu olhar era intenso.
– Você não deveria estar andando por aí se não sabe para onde está indo.
Eu bufei.
– Olha, eu não preciso da sua permissão, amigo. Estou atrasada para
uma entrevista. Saia do meu caminho.
A confusão estava estampada naqueles olhos tão bonitos. Ele piscou e
depois se afastou. Meus olhos, movendo-se por vontade própria, seguiram
seu belo traseiro até que ele desapareceu em meio a uma multidão de
humanos que vagavam pelas ruas de Manhattan. Nenhum deles fazia ideia
de que um lobisomem andava entre eles, um lobisomem gostoso e mal-
humorado. No entanto, notei como os humanos se afastavam dele. Eles não
tinham a menor ideia do que ele era, mas até mesmo eles podiam sentir a
energia feroz, selvagem e imponente que emanava dele. Ele também tinha
uma vibração de alfa. E eu esperava nunca mais vê-lo novamente. Da
próxima vez, talvez eu não seja tão educada.
Soltei um longo suspiro e comecei a caminhar novamente, a irritação
me inundava. Meu corpo estava queimando, como se eu tivesse um calorão.
Essa não era exatamente a maneira calma e profissional que eu queria
apresentar na entrevista. Provavelmente eu estava com o rosto vermelho e
parecia nervosa, o que era verdade, mas não queria que o gerente soubesse.
Que se dane o lobisomem gostoso e sua bunda gostosa.
Assim que cruzei a East Thirty-Ninth Street, dei mais alguns passos e
me deparei com o número 444 da 5th Avenue.
A grande fachada de pedra calcária tinha acabamentos de arenito e o
projeto incluía telhados amplos com trapeiras, painéis de terracota entre as
colunas, áreas recuadas, varandas e grades. Tinha uma atmosfera gótica,
semelhante a um lugar onde Drácula teria vivido, e eu adorei. Acima das
portas duplas de vidro havia letras brancas grandes e brilhantes que diziam:
THE TWILIGHT HOTEL. A entrada principal tinha um arco de 2 andares
de altura na Quinta Avenida. Era uma besta gloriosa, todos os seus treze
andares imponentes.
Uma suave luminosidade envolvia a estrutura, criando um espetáculo de
cores cintilantes. Era um feitiço para evitar que os humanos pensassem que
poderiam se hospedar. Para eles, o prédio provavelmente pareceria apenas
um prédio abandonado, em ruínas, ou um prédio em construção, qualquer
coisa para fazê-los seguir em frente e esquecer rapidamente.
Meu coração batia forte no peito, como uma garota entrando no ensino
médio pela primeira vez. Limpei as palmas das mãos suadas na calça jeans
antes de alcançar a maçaneta.
Neste momento, percebi que não tinha lugar para ficar esta noite ou nas
noites seguintes. Basicamente, eu era uma sem-teto. Tudo o que eu tinha era
a bolsa em meu ombro. Mas eu daria um jeito. Sempre dava. Além disso, as
coisas não estavam tão ruins.
– Quebrei um pênis hoje – murmurei, orgulhosa de mim mesmo. – Nada
supera isso.
Pelo menos foi o que pensei.
Segurando a respiração, girei a maçaneta da porta e entrei.
2
E uedifício.
nunca tinha visitado o décimo terceiro andar de nenhum hotel ou
Isso porque a maioria dos designers de edifícios era
supersticiosos e evitavam fazer o décimo terceiro andar, como se fosse uma
praga. Mas este era um hotel sobrenatural onde todas as coisas paranormais
eram aceitas.
Mesmo assim, eu não estava esperando isso.
Saí do elevador, tropecei e me endireitei com minha bagagem de mão
no ombro, sentindo-me muito mais pesada do que antes, enquanto olhava
para minha nova casa.
O décimo terceiro andar tinha doze portas, e todas elas estavam abertas.
Enquanto seguia Julian e as senhoras pelo corredor, ouvi os sons de
música, TVs e vozes das pessoas. Era uma variedade de luzes, música,
comida e o sobrenatural, como se estivéssemos entrando em um país das
fadas ou algo semelhante.
Alguns paranormais que passavam acenavam para nós enquanto
entravam e saíam dos apartamentos uns dos outros, como se isso fosse
normal. Dei uma espiada no primeiro apartamento e encontrei um amplo
espaço ocupado por um senhor idoso sentado em uma poltrona, com uma
bandeja à sua frente, enquanto assistia a um episódio de Jeopardy.
Do outro lado do apartamento dele, no outro quarto, vários adolescentes
pulavam e balançavam a cabeça ao som de alguma música que eles estavam
ouvindo juntos em seus pequenos fones de ouvido brancos, mas eu não
conseguia ouvir nada.
Em seguida, havia uma mulher de quarenta e poucos anos com muita
maquiagem, apoiada no batente da porta de seu apartamento enquanto
fumava um cigarro e olhava para Julian, como se quisesse amarrá-lo na
cama e lambê-lo por inteiro.
– Julian, querido – ela sussurrou, com uma voz rouca como a de alguém
que começou a fumar aos seis anos. Ela deu uma tragada profunda em seu
cigarro. – Você vem para cá hoje à noite? Tenho uma garrafa de uísque para
nós – A fumaça saia de sua boca e nariz enquanto ela passava um dedo pelo
decote.
Julian esfregou a nuca e a parte de cima de suas orelhas ficaram
vermelhas
– Ha ha, Olga – ele riu sem jeito. – Talvez outra hora. Estou mostrando
as coisas para a garota nova.
Interessante. Parecia que Julian não gostava de senhoras fumantes e
com aparência desgastada.
Olga fez uma careta para mim, como se eu tivesse roubado seu marido.
– Quem é ela?
Abri a boca para responder, mas Elsa falou primeiro.
– Leana. A nova Merlin.
– A nova Merlin? – Olga ainda me olhava de soslaio, e depois sorriu. –
Você não ficará aqui por muito tempo.
– Isso foi uma ameaça? – eu ri, passando o dedo pelo meu pequeno
decote. Não consegui evitar. Maldito vinho. – A propósito, é você quem
está fumando. Então é você que não ficará aqui por muito tempo.
Olga apertou os lábios que mal existiam e deu meia-volta, batendo a
porta.
– Foi algo que eu disse? – eu ri. Droga. Eu tinha que me lembrar de
parar depois de duas taças de vinho. Quatro. Bem, quatro ia me trazer
problemas.
No entanto, Julian tinha um pequeno sorriso no rosto quando olhou para
mim. Acho que agora éramos amigos.
– Saia da frente!
Encostei-me na parede quando duas meninas gêmeas de dez anos,
usando vestidos de princesa idênticos, cor-de-rosa brilhante, passaram por
nós, o cheiro de animais e grama as acompanhava, enquanto a energia fazia
minha pele formigar. Elas eram metamorfos, cavalos ou cervos, e muito
fofas.
Me encolhi quando uma dúzia de gatos passou correndo pelo corredor e
desapareceu em um apartamento à direita.
– Os gatos de Luke – disse Jade, observando-me. – Ele pega um gato de
rua sempre que sai. Ele os treinou para usar o banheiro. E ele fez um feitiço
para escová-los diariamente, então você não vai encontrar nenhum pelo em
seu apartamento.
Eu sorri.
– Amo gatos – A verdade é que eu sempre quis ter um gato ou um
cachorro. Mas eu nunca estava em casa. Esses bebês peludos precisavam de
amor e atenção. Um dia eu teria um gato.
– Elsa. Não tenho mais leite – exclamou uma mulher alta e magra, na
casa dos setenta anos, usando uma camisola longa, com os cabelos brancos
e compridos esvoaçando atrás dela como uma capa.
– Na geladeira, Barb – Elsa apontou para um apartamento no final do
corredor que poderia ser qualquer porta.
A mulher alta passou por nós e desapareceu três portas adiante, no que
eu só podia supor ser a casa de Elsa.
Era como se o andar inteiro fosse uma grande residência familiar. Era
estranho, um estranho bom. E eu adorava isso.
– Saia da frente! – disseram as gêmeas em coro, enquanto passavam por
nós novamente. Parecia que elas tinham adquirido um terceiro integrante,
pois vi um garoto correndo desajeitadamente atrás delas.
– Você está vendo? – Julian apontou para o garoto. – Foi assim que eu
comecei. Muito bem, Terry! – incentivou ele. – Não deixe que elas fujam.
– O seu apartamento é o último à esquerda – orientou Jade enquanto
caminhava diante de nós. Ela parou no batente da porta do que eu
imaginava ser minha nova casa e fez um gesto com a mão que deixaria
Vanna White orgulhosa.
O número 1312 estava estampado em preto logo acima da porta aberta.
– Depois de você – disse Julian, curvando-se até a cintura.
Eu ri e entrei no apartamento. Esperava que ele estivesse ocupado por
uma horda de adolescentes, mas estava vazio.
Passei por um pequeno corredor que dava para uma sala de estar de
tamanho decente e uma sala de jantar conjugada. O papel de parede salmão
e branco estava descascando em longas tiras. O carpete era verde escuro e
parecia mais uma lixa do que um carpete de verdade.
Seguindo em frente, logo após a cozinha havia três portas. Duas eram
quartos e uma era o banheiro com azulejos verdes claros ao redor da
banheira com chuveiro.
Ele era decorado com muitas lâmpadas brancas e verdes, e um estilo
que parecia ter saído diretamente dos anos noventa. Não era meu estilo, mas
era limpo. E eu não precisaria comprar nada, pois já estava mobiliado. O
fato de ser o último apartamento significava que eu não tinha vizinhos de
um lado. E, em vez disso, eu tinha janelas extras, o que significava mais
luz.
Coloquei minha bolsa na cama do quarto maior e soltei um suspiro,
pensando no dia que tive, especificamente nos dois encontros com Valen,
também conhecido como homem-fera. Eu não sabia o que ele tinha, mas
meus pensamentos sempre voltavam para aquele homem corpulento e para
a maneira intensa como ele me olhava, como se eu tivesse roubado seu
lugar na academia.
Balancei a cabeça e saí do quarto para me juntar a Elsa, Jade e Julian na
sala de estar.
– A lavanderia fica no porão – disse Elsa. – O hotel só lava a roupa dos
hóspedes. Não a nossa, os rebeldes – Ela deu uma piscadela.
Sentei-me ao lado dela no sofá bege sujo, mas confortável.
– Sem problemas. Não trouxe muita coisa.
– Olá! Olá! – Uma mulher de tamanho avantajado, carregando um prato
de comida, apareceu. – Essa é a nova garota? Oh, ela é bonita. Aposto que
você não vê a hora de levá-la para a cama, não é, Julian?
O calor subiu ao meu rosto. Detestei a atenção e me recostei no sofá,
tentando desaparecer.
– O marido dela acabou de traí-la, Louise – disse Julian, como se isso
devesse explicar tudo.
Os olhos da mulher se arregalaram.
– Ora, ora, ora. Aposto que essa é uma história fascinante. Aposto que
você tem muitas histórias interessantes para contar. Só Deus sabe que
precisamos de boas histórias aqui em cima – Seus olhos verdes brilharam. –
Espero que você tenha dado a ele uma boa lição.
Eu sorri.
– Eu dei. Cuidei do pacote dele.
– Ótimo – Louise deu uma risadinha. – Aqui está. Trouxe um pouco do
meu famoso tartare de atum e meu molho de cheddar – Ela colocou o prato
de atum em cubos servido em uma cama de abacate fatiado, com chips de
tortillas, na mesinha de centro de vidro.
– Eu trouxe vinho! – Levantei a cabeça e vi uma mulher mais ou menos
da minha idade, com cabelo preto curto e pele morena, entrando com uma
garrafa de vinho em cada mão.
Ela foi seguida por um homem de cabelos grisalhos e barba curta. Ele
segurava um pacote com seis cervejas.
– Eu trouxe a cerveja – disse ele com alegria.
Mais e mais pessoas apareceram, carregando algum tipo de bebida ou
comida. Pisquei, e girei a cabeça ao perceber que a maioria dos moradores
do décimo terceiro andar estava dentro do meu novo apartamento. Até as
gêmeas apareceram, pulando pela sala.
O resto da noite foi assim, conversando, fazendo novos amigos,
bebendo mais vinho e comendo até meu estômago não aguentar mais.
Por volta de uma da manhã, Elsa mandou todos embora e se despediu.
Eu já não tinha mais vinte anos e não me recuperava tão rapidamente depois
de uma noite de bebedeira. Eu precisava dormir, especialmente depois do
dia que tive, se quisesse me sair bem no novo emprego.
Fui para a cama com um sorriso idiota e embriagado no rosto, achando-
a excepcionalmente confortável.
Me deitei e sonhei com pênis quebrados me perseguindo.
E um par de olhos escuros e ardentes.
6
D eiconstrangimento
um passo para trás, com o rosto ardendo
por acabar de acertar seu peito.
de irritação e
N aexpressando
sala, todos voltaram seu olhar
uma clara expectativa.
na minha direção, seus rostos
– P oresmagando
que o porão primeiro? – Jimmy rolava ao meu lado, com as rodas
as pequenas sujeiras e pedrinhas no piso frio de cimento.
– Gosto de trabalhar do zero – eu disse a ele.
O porão era enorme e percorria toda a extensão do prédio, com muitos
corredores e portas que levavam a vários cômodos. O teto era baixo e o piso
de cimento tinha cheiro de urina e cinzas de cigarro. Senti o cheiro de mofo
e bolor de coisas velhas há muito abandonadas, além de alguns traços de
fumaça de cigarro e suor. As luzes halógenas emitiam um zumbido no teto.
Verificamos a primeira sala. As paredes eram forradas de prateleiras e
armários com arquivos. Um sofá e algumas cadeiras estavam em um canto
ao lado de uma mesa de centro cheia de revistas e caixas. Mais livros e
caixas enchiam as prateleiras apertadas. Uma sala sem janelas era
deprimente. Eu nunca poderia trabalhar aqui. Estava frio e eu não queria
ficar aqui mais tempo do que o necessário.
Jimmy parou e olhou para mim.
– Como você planeja investigar o hotel inteiro? Como você pretende
encontrar essa fenda no Véu?
– Vou direcionar meus instintos – eu disse ao cão de brinquedo.
– Como? Instintos de bruxa?
Soltei uma risada breve.
– Poderia fazer isso. Mas estou falando da minha magia. Aqui, deixe-
me mostrar a você.
Saí da sala e esperei por Jimmy. Em seguida, fechei os olhos e
mergulhei naquele lugar mágico, no epicentro do poder das estrelas e das
constelações que brilhavam bem acima de mim.
O ar pulsou com a energia. Meus cabelos e roupas se levantaram
quando senti o zumbido do poder das estrelas, esperando para ser liberado.
Com uma explosão de poder, extrai os elementos mágicos das estrelas e
os combinei com os meus. A energia crepitava em minha pele, formigando
como pontadas frias.
Minhas costas se arquearam quando uma enorme onda de poder
percorreu meu corpo. Tive o cuidado de não absorver muito. Muito poder
me mataria.
Abri os olhos e olhei para a bola de luz branca brilhante que pairava
sobre minha mão.
E então a soprei em minha palma.
A bola se elevou no ar, pairando um pouco acima do teto e, em seguida,
com um estalo, explodiu em milhares de pequenas estrelas. Depois, com um
empurrão final, as estrelas em miniatura dispararam para a frente, deixando
um rastro de luz brilhante como pó de fada.
– O que é isso? – perguntou Jimmy, com a admiração em sua voz quase
palpável.
– Minhas luzes estelares. Minha magia estelar – eu disse a ele. – Posso
manipular a luz das estrelas em versões menores. Elas são como sensores.
Eu sinto o que elas sentem.
O cão de brinquedo piscou.
– Você vai conseguir sentir se elas encontrarem mais demônios.
– E se há alguma energia maléfica aqui no porão. Se houver uma fenda
no Véu, eu a sentirei. E se alguém foi idiota o suficiente para fazer um
círculo de invocação aqui, eu também sentirei.
– E se os encontrarmos? O que faremos? – perguntou Jimmy.
– Então – exalei, meu corpo tremia enquanto eu mantinha o foco em
minhas luzes estelares. – Vou chutar o traseiro deles e entregá-los às
autoridades. Deixarei que o Conselho das Sombras lide com eles. Minha
parte será feita ao capturá-los. O que eles farão com eles depois não é
problema meu.
O Conselho das Sombras era o órgão governamental criado após séculos
de conflito entre os paranormais. Ele era composto por um membro de cada
raça paranormal, cujo dever era manter a paz entre as raças. Eles também
eram os donos do Twilight Hotel e de estabelecimentos semelhantes.
– Mal posso esperar para ver isso – disse Jimmy. – Alguma coisa até
agora?
Dirigi meus sentidos para minhas luzes estelares.
– Ainda não. Vamos lá. Temos muito terreno para cobrir.
– Eu tenho todo o tempo do mundo – disse o cão de brinquedo, rolando
à frente. – Então, você é mais poderosa na lua cheia?
Eu dei uma risadinha.
– Sim – A lua cheia não era apenas quando todos os loucos saíam, mas
quando os rituais eram mais poderosos, quando a magia era mais vital e
quando o Véu que impedia os demônios de entrar em nosso mundo estava
mais fino.
Mas também era quando minha luz estelar era mais forte. Bem, é
melhor você tomar cuidado quando a lua está cheia.
Sorri e o segui. Eu ainda estava me acostumando a trabalhar com um
parceiro. Por trabalhar sozinha por mais de dez anos, eu estava acostumada
com meus hábitos. Mas ter Jimmy comigo estava sendo bom. Ele era como
um escoteiro, um mestre da espionagem. O cãozinho de brinquedo conhecia
todas as portas e cômodos secretos do hotel que poderiam abrigar pessoas
ruins que quisessem prejudicar o hotel e seus hóspedes. Além disso, ele era
uma boa companhia e ria das minhas piadas. Tem coisa melhor do que isso?
Fomos caminhando e, por vezes, eu acendia a luz das estrelas para ver
se algo sombrio e demoníaco aparecia, mas não havia nada até agora no
porão.
– Ali, naquele lugar – comentou o cão de brinquedo. – Foi onde eu vi
pela primeira vez Evonne Dubois, a feiticeira famosa.
– Certo – Não fazia ideia de quem ele estava se referindo.
– Ela estava ocupada… você sabe… com um dos moradores, um
lobisomem muito mais jovem – continuou Jimmy. – Em 1962, Harry Tarrio
veio morar aqui. Sabe, aquele vampiro que virou ator? E em 1983, os
gêmeos Ogre vieram ficar no hotel… infelizmente, eles comeram uma das
empregadas. É difícil controlar o instinto de ogro…
Enquanto ouvia Jimmy comentar sobre várias outras estrelas
paranormais famosas que visitaram o hotel ao longo dos anos, me peguei
pensando em um homem-fera com olhos escuros e intensos e um sorriso
que deixava minha calcinha em chamas.
Totalmente inapropriado no momento, mas minha mente tinha outros
planos. Ele me enfurecia, mas eu sentia uma atração por ele. E o fato de que
ninguém parecia saber que tipo de paranormal ele era o tornava mais
atraente e misterioso. Aqui estava eu trabalhando, caçando demônios,
apenas minutos após sair de um relacionamento ruim e extremamente
longo, e minha mente só pensava em Valen. Valen. Valen. Eu até mesmo
gostava de dizer o nome dele na minha cabeça.
Sim. Eu precisava totalmente de terapia.
Após três horas de busca pelo hotel, incluindo a cozinha, os quartos
secretos de Jimmy e o salão de baile, sim, um salão de baile de verdade, eu
não havia encontrado qualquer sinal de uma fenda no Véu ou de uma
invocação demoníaca. Quem quer que tenha feito isso, fez um excelente
trabalho para se livrar de todas as evidências. Foi um trabalho realmente
impecável. Eu estava começando a temer que não encontraríamos nada.
– Alguma coisa? – perguntou Jimmy quando saímos do elevador e nos
encontramos de volta no nono andar.
Novamente, enviei minha luz estelar e, mais uma vez, elas se
movimentaram pelos corredores como centenas de pixies brancos, saindo
de vista. Senti pequenas correntes de energia fria percorrerem minha pele
quando minha luz estelar respondeu. Não era muito.
– Apenas os rastros dos ataques. Nada mais – Eu estava cansada,
exausta, suada e tremendo. Estava começando a sentir os efeitos de horas de
uso de minhas habilidades, o que, por sua vez, estava esgotando minha
magia e energia. Canalizar minha magia estelar dessa forma estava
cobrando seu preço. Logo eu não teria mais nada para usar. Preciso
descansar e deixar minha magia descansar também.
Pensar na minha cama me fez andar mais devagar. Tive que arrastar
minhas pernas, sentindo como se estivessem sobrecarregadas e pesadas
como chumbo.
– Não se esqueça do envelope – disse o cão de brinquedo.
Limpei o suor de minha testa.
– O quê?
– Seus papéis do divórcio. Não se esqueça de preenchê-los e devolvê-
los a mim.
– Sim, estou ansiosa por isso. Vou fazer isso de manhã – Se Elsa
conseguisse o divórcio em duas semanas, isso seria um verdadeiro milagre.
– Eu a lembrarei novamente se você esquecer – disse Jimmy.
Eu ri quando viramos a curva.
– Obrigada. Eu provavelmente não vou…
Eu parei de repente.
– Espere – Uma brisa fria bateu em cheio e minha pele se arrepiou.
Senti como se tivesse acabado de entrar em uma geladeira enorme.
O cão de brinquedo parou.
– Você sentiu alguma coisa? – ele sussurrou.
Acenei com a cabeça. O problema com minhas luzes estelares era que
eu sentia o que elas sentiam e, neste momento, elas sentiam algo ruim.
Muito ruim. A energia que elas emitiam era fria, sombria e maligna.
Encostei-me na parede e, lentamente, dei uma olhada na esquina do
corredor. Minhas luzes estelares estavam apontadas para uma porta, dando a
impressão de que ela era feita de pura luz. Alguma coisa estava dentro
daquela porta.
Puxei minhas luzes estelares e depois as soltei. A luz da porta se apagou
e pude ver o número preto estampado na parte superior, 915.
– Tem algo naquele quarto. Pode ser um demônio. Pode ser onde tudo
isso começou – Eu não tinha sentido isso antes. Estava muito ocupada
lutando contra os demônios para perceber. Mas havia algo lá.
– Bem, vamos ver – Jimmy avançou, e então parou de repente quando
eu enrijeci.
A porta se abriu.
Meu coração saltou em minha garganta quando vi quem estava saindo.
Valen saiu do quarto 915 e fechou a porta no momento em que a última
luz das minhas estrelas desapareceu.
Se ele as viu ou sentiu, não demonstrou.
De repente, meu coração bateu muito mais rápido do que antes. Meu
estômago se apertou, como se meus intestinos estivessem pulando corda
enquanto meus olhos o observavam atentamente. Ele usava as mesmas
roupas que eu tinha visto antes. Notei sua confiança, os ombros largos, os
braços e o peito musculosos que tive a sorte de sentir com meu rosto. Me vi
incapaz de desviar o olhar.
Então ele virou a cabeça na nossa direção.
Puxei minha cabeça para trás e me escondi contra a parede.
– Rápido. Escadas – sussurrei, mas Jimmy já estava rolando à minha
frente em direção à porta de saída de emergência.
Corri o mais rápido e silenciosamente que pude, o que, convenhamos,
era pouco mais do que um mísero andar, e meus passos eram pesados. Eu
não era uma mulher de estatura pequena ou leve. Agarrei a porta e a
empurrei para abri-la. Quando Jimmy entrou, eu a fechei o mais
suavemente possível.
Mantive minha mão na porta.
– O que ele estava fazendo naquele quarto? – Olhei para Jimmy, que
moveu a cabeça e me deu de ombros, como se os tivesse.
Encostei meu ouvido na porta, procurando qualquer indicação de que
Valen estivesse vindo em nossa direção. Rezei às estrelas para que ele não
estivesse.
Um passo pesado se aproximou e eu prendi a respiração. Então o passo
parou, e o som de rodas metálicas e cabos rangendo ecoou no instante em
que o elevador parou. Ouvi o som das portas se abrindo e fechando e o
mesmo movimento de metal quando o elevador voltou a se movimentar.
Abri a porta abruptamente. O corredor estava deserto. Nenhum sinal de
Valen.
– Vamos lá – Segurei a porta para Jimmy novamente, e nós dois
corremos pelo corredor até chegarmos à porta número 915.
– Eu conheço Valen – disse Jimmy. – Ele é um cara legal, eu sei. Ele
não faria isso.
– Mas você não tem certeza – eu disse a ele, tentando me controlar. –
Você me contou apenas algumas coisas sobre ele e seu passado. Mas o fato
é que você nem sequer sabe que tipo de paranormal ele é – Ele poderia ser
um bruxo ou um mago. Não seria tão difícil para alguém de alto calibre
disfarçar sua magia, um bom feitiço seria suficiente. Isso explicaria por que
ninguém conseguiu descobrir sua raça paranormal. Ele estava escondendo
isso.
E aqui estava eu fantasiando com seus lábios finos e suas mãos
enormes, quando ele poderia ser o cara que soltava os demônios.
Existe apenas uma maneira de descobrir.
– Se não houver nada aqui – comecei, embora duvidasse seriamente
disso. – Você pode continuar pensando que ele é um cara legal.
Girei a maçaneta, encontrei a porta destrancada e entrei.
A primeira coisa que me atingiu foi o frio, como se a temperatura
tivesse caído dez graus. E então veio o cheiro de podridão, carniça e morte,
o cheiro de demônios. Em seguida, o leve cheiro de velas, com algo mais.
Sangue.
Um grande círculo de sangue estava no meio do chão, com a cabeça do
que parecia ser uma cabra no centro. Runas e selos pintados com sangue
marcavam alguns pontos ao redor do círculo. Velas acesas estavam no chão,
estrategicamente posicionadas ao redor do círculo.
Ao lado do círculo na parede havia uma grande mancha de alcatrão
preto, do tamanho de uma pessoa. Eu sabia o que era aquilo. Já tinha visto
isso antes.
– Isso é uma fenda – eu disse. – O que sobrou dela. Um portal para os
demônios, uma porta de entrada para o Submundo.
Jimmy ficou paralisado, com as orelhas meio que girando.
– Não se preocupe – Caminhei e fiquei bem em frente à fenda,
arrastando meu dedo na substância parecida com alcatrão. – Ela está
fechada. Nada pode entrar ou sair – Mas eu sabia, sem dúvida, que esse era
o lugar de onde os demônios haviam escapado. E parecia que alguém havia
aberto a fenda com um ritual, e esse alguém era Valen.
O cão de brinquedo pareceu relaxar um pouco. Ele rolou em direção ao
círculo de sangue e assobiou.
– Bolas demoníacas. Olha isso!
Me virei e olhei para o círculo.
– Detesto dizer isso, mas o seu amigo Valen, não está parecendo tão
inocente agora. – Eu também não gostava de admitir isso para mim mesmo.
O cachorro virou a cabeça para mim.
– Admito que é estranho encontrá-lo aqui. Só não entendo por que ele
estaria envolvido em algo assim.
Exalei profundamente.
– Bem, por um lado, se ele fez isso, e está parecendo que sim, ele é
algum tipo de bruxo.
– Você acha?
– Meu palpite seria um mago. Um mago das trevas.
– Mas isso não explica por que ele faria isso – disse o cão de brinquedo.
– Por que ele mandaria esses demônios matarem os hóspedes? Que motivo
ele teria?
Pensei sobre isso.
– Ele talvez queira o hotel para si. Sendo um empreendedor, ele pode ter
planos para ele. Não há maneira mais conveniente de comprá-lo por um
valor acessível do que quando está tomado de demônios.
Fazia sentido, mas isso deixou um gosto amargo em minha boca. Eu
nunca o consideraria um assassino psicótico. Mas eu não o conhecia de
fato.
– Jimmy – Eu me ajoelhei ao lado do cão de brinquedo. – Preciso que
você mantenha isso entre nós por enquanto.
– Você não quer que eu fale sobre Valen?
Balancei a cabeça.
– Não. Não até que eu tenha mais provas. Ainda há algo errado. Algo
está me incomodando. E até que eu consiga identificar o que é, prefiro não
dizer nada. Não quero que Valen saiba que estou atrás dele. Ele tem muitos
amigos aqui. Tenho certeza que ele será o primeiro a saber se contarmos a
alguém. Portanto, não conte aos outros.
– Não vou – respondeu Jimmy. – Nem para o Basil?
– Nem mesmo para o Basil. Eu lhe direi quando tiver mais provas.
O fato de Valen ter saído do quarto não era uma prova sólida de que ele
abriu uma fenda, pois eu não o vi realizando o ritual, mas provou que ele
estava envolvido. De que outra forma ele saberia sobre o quarto?
Peguei meu celular e comecei a tirar fotos do círculo de sangue, das
runas e selos, e do que restava da fenda. Quando terminei, deslizei a tela do
meu celular e digitei.
– Para quem você está ligando? – perguntou o cão de brinquedo.
– Para o Basil. Ele precisa saber que encontrei a fonte do nosso
problema.
Jimmy ficou em silêncio depois disso. Eu sabia que ele estava lutando
contra a ideia de que Valen era o responsável. Eu sentia pena dele, mas a
evidência era inegável. Nós dois o vimos saindo do quarto.
Eu havia descoberto de onde os demônios tinham vindo. Como a fenda
estava fechada, ninguém mais apareceria esta noite. Mas eu sabia que isso
ainda não havia terminado.
Eu não queria admitir. Realmente não queria, mas a prova estava diante
de mim.
Quer eu gostasse ou não, Valen estava envolvido. Ele estava envolvido
na abertura de um portal para o Submundo e havia deixado os demônios
saírem.
Oh, céus.
15
O Salão dos Vampiros era uma ampla sala circular adornada com cortinas
dos conselhos das Sombras, Branco e Sombrio, bem como escudos com
representações grotescas, figuras e emblemas de armaduras.
Vasos ornamentados estavam pendurados na parede, exibindo enormes
arranjos de flores vermelhas e brancas, e buquês semelhantes estavam
dispostos em vasos pela sala. As janelas se estendiam pelas paredes e
praticamente tudo o que não se movia estava envolto em guirlandas.
Algumas mesas pequenas foram dispostas pelo salão e estavam cobertas
com toalhas brilhantes. Pequenos confetes cintilantes brilhavam sobre as
mesas. Laços ornamentados adornavam as costas das cadeiras.
Lanternas decorativas de vidro estavam dispostas no centro de mesas
longas, sobrepostas com comidas e bebidas, conferindo um suave brilho à
atmosfera da cena.
Parecia que eu tinha entrado em um mundo antigos de contos de fadas e
sonhos que ganharam vida. Todas as noites, eu costumava fazer a ronda
pelo salão de baile, e, de modo geral, ele não se assemelhava em nada ao
que era nesta noite. Ele realmente tinha um clima de conto de fadas, e eu
adorei.
Uma orquestra tocava na parede mais distante, em um palco. O clima no
salão era animado e alegre. Os casais usavam trajes requintados, incluindo
vestidos deslumbrantes e ternos coloridos, alguns seguindo um estilo
moderno, enquanto outros apresentavam um estilo mais medieval, com
camadas de saias e detalhes de renda.
Como Jimmy havia dito, vi algumas pessoas com máscaras. Algumas
dançavam. Algumas delas se agrupavam perto das mesas, trocando
conversas animadas com outras pessoas que usavam máscaras semelhantes.
– Você está linda – disse uma voz vinda de baixo.
Olhei para o Jimmy e sorri.
– Quem colocou essa gravata borboleta em você? – perguntei, olhando
para o laço prateado enrolado em seu pescoço. – Você está bonito.
Perfeitamente elegante.
– Obrigado – disse o cão de brinquedo, com o rabo abanando com
entusiasmo. – A Jade o colocou para mim. Eu sempre uso um no Baile da
Meia-Noite. Isso me lembra de quando eu costumava usar terno, quando eu
era… quando eu era mais jovem.
Senti um nó na garganta ao ouvir a dor em sua voz.
– Bem, você está ótimo.
Jimmy inclinou a cabeça para trás.
– Seu vestido parece… parece a luz das estrelas. Foi por isso que você o
escolheu?
– Hmm? – Olhei para mim mesma e deslizei a mão pelo vestido
prateado que ostentava um corpete justo, com um decote em V, preso por
alças de espaguete e ornamentado com cristais. A saia ajustada, decorada
com detalhes de cetim, caía elegantemente ao redor dos meus pés. O
vestido era feito de um material tão fino e tão delicado que brilhava como
as estrelas. Eu não conseguia parar de olhar para ele. Eu podia ver uma
estampa sutil, mas inconfundível, de estrelas na seda. Bem, o vestido era
divino.
Jimmy tinha razão. A maneira como a luz batia nele fazia o vestido
brilhar. Parecia mesmo a luz das estrelas. Eu nem tinha percebido isso até
aquele momento.
– Acho que sim.
A princípio, o vestido não tinha ficado perfeito e, como não havia
tempo para uma costureira fazer milagres, Elsa fez um feitiço.
– Não se preocupe – disse ela mais cedo. – Sei um feitiço de costura que
consertará todas as sobras e o deixará muito confortável, como se o vestido
tivesse sido feito só para você.
Assim, quando o vestido foi colocado e Elsa lançou seu feitiço, alguns
segundos depois, ele me serviu como uma luva. Deixei o cabelo solto com
alguns cachos grandes, e passei um pouco de brilho labial e rímel, o que fez
meus olhos escuros se destacarem com uma linha fina sobre os cílios
superiores e inferiores.
– Ah, lá está o Matias – disse o cão de brinquedo. – Tenho uns assuntos
para tratar com ele.
Eu ri.
– É melhor você guardar uma dança para mim.
– Eu vou. Mais tarde – E, com isso, Jimmy atravessou o salão de baile,
desviando dos dançarinos com habilidade, como se fosse um piloto de
corrida passando pelos obstáculos.
Olhei novamente para o meu vestido. Me sentia bonita e feminina, algo
que não sentia há anos, talvez uma década. No meu trabalho, os vestidos
não eram o traje preferido para lutar e derrotar coisas que apareciam
durante a noite.
Uma forma apareceu em minha visão periférica. Um homem estava
parado na entrada, de costas para a parede. Um smoking, que lembrava a
moda do início do século XIX, estava acomodado em seu corpo magro. Era
Raymond, o gerente assistente do hotel. Ele parecia tão animado quanto eu
por estar aqui, e eu tinha a sensação de que ele foi forçado a aparecer. Mais
ou menos como eu também.
Avistei Julian parecendo uma versão sensual de 007. Uma morena
voluptuosa com um vestido tubinho preto e justo estava sentada ao lado
dele em uma área mais distante. Ela estava sentada com as costas retas e os
seios à mostra. Eles pareciam prestes a pular. Julian parecia não se importar
com a aglomeração de pessoas ao seu redor. Em vez disso, ele fez questão
de olhar abertamente para o enorme decote dela.
Eu ri enquanto caminhava até a mesa com fileiras de taças de vinho
vazias. Um garçom estava atrás dela, pronto para me atender.
– Uma taça de vinho tinto, por favor – eu disse ao jovem garçom
vampiro, era o que sua incrível boa aparência indicava. Ele parecia que
deveria estar na capa de alguma revista de moda e não servindo vinho.
Ele me deu um sorriso tímido ao me entregar a bebida, olhando
abertamente para os meus seios. Eles não eram grandes, mas ele podia ficar
olhando o quanto quisesse.
Tomei um pequeno gole de vinho, não muito porque, tecnicamente, eu
ainda estava trabalhando. Me virei e observei todos os estranhos no salão de
baile, procurando por um em particular. Eu seria uma mentirosa se dissesse
que não estava me perguntando se Valen apareceria, mas ele não estava
aqui. Talvez apenas hóspedes e moradores do hotel fossem permitidos.
Vislumbrei Basil em uma discussão acalorada com Raymond, seus
braços pequenos balançavam no ar. Ah, meu Deus. O que será que isso quer
dizer?
Tentei avançar no momento em que Elsa entrou em meu campo de
visão. Ela usava um vestido de veludo azul-marinho que esvoaçava à
medida que ela se aproximava. Seu cabelo estava bem preso para trás em
um coque baixo, com o medalhão bem posicionado entre seus seios.
– Aí está você – disse ela ao se juntar a mim. – Estávamos começando a
pensar que você tinha nos enganado.
– Eu não gastaria dinheiro com esse vestido se não fosse exibi-lo – eu
disse a ela com um sorriso. – Pelo menos por um tempo – Esse era o plano.
Eu ficaria cerca de uma hora e, depois, sairia de fininho, trocaria de roupa e
iria para o meu trabalho.
Os olhos de Elsa se iluminaram.
– Então? O que você achou? Não é maravilhoso?
Retribui seu sorriso.
– É lindo. Muito encantador. Muito melhor do que eu imaginava.
Elsa exalou.
– Eu disse a você.
– Vocês!
Olhei por cima dos ombros de Elsa e vi Jade patinando em nossa
direção. Sim, eu disse, patinando. Ela usava um vestido de tafetá rosa com
uma saia volumosa na altura do joelho, sem ombros e com um decote em
forma de coração. Seu cabelo estava cacheado, como se ela tivesse feito um
permanente instantâneo. Brincos grandes de plástico branco pendiam de
suas orelhas. Porém, ela não completou seu look com belos saltos brilhantes
para combinar com o vestido, mas sim patins.
Ela era uma mulher estranha, e eu adorava isso.
Jade arrastou o pé esquerdo para trás quando parou bem diante de nós.
– Vocês não vão adivinhar quem está aqui! – disse ela, um pouco sem
fôlego.
– Quem? – Elsa e eu perguntamos ao mesmo tempo.
– Samuel Constantine – disse Jade. Ela fez uma cara sonhadora.
– Você está brincando? – Elsa esticou o pescoço e olhou para a multidão
que dançava.
– Quem é Samuel Constantine? – perguntei.
Jade sorriu para mim. Com seus patins, ela estava mais alta do que eu.
– Apenas o solteiro paranormal mais famoso de toda Nova York. Ele é
um lobisomem rico. Veja, ali. Ele é o que está de smoking preto. Você não
acha que ele é um sonho?
Olhei na direção que ela estava apontando e vi um homem alto e em
forma, na casa dos sessenta anos. Ele era bonito como o Sean Connery. Eu
podia ver por que minhas amigas o achava atraente. Mas, aparentemente, as
outras quatro mulheres que o cercavam no momento também achavam.
– Você tem concorrência – eu disse.
Jade me deu um sorriso.
– Bem, eu vou para lá em breve, e talvez eu perca o controle e passe por
cima delas.
– Ah! – Elsa bateu palmas. – Que ótima ideia. Certifique-se de golpeá-
las para não poderem se levantar.
Eu ri. Essas duas eram seriamente desmioladas.
– Olá, senhoras – disse uma voz feminina, e eu me virei para ver uma
mulher alta com rosto oval em um vestido preto que parecia tão caro quanto
os diamantes que ela usava no pescoço e nas orelhas. Sua pele pálida estava
puxada e esticada sobre seu rosto, fazendo-a parecer mais velha do que
provavelmente era. Talvez ela tivesse quarenta anos, talvez sessenta. Seu
cabelo loiro estava penteado com um ondulado maravilhoso. Quando ela se
aproximou, o cheiro de pinheiro e terra molhada emanou dela. Ela era uma
bruxa branca e poderosa.
– Adele – disse Elsa, cumprimentando-a.
Notei a rapidez com que Jade perdeu o sorriso e o brilho no olhar. Eu
nunca tinha visto essa bruxa antes. Eu não tinha certeza se gostava dela,
considerando como ela havia deixado minha amiga tão desconfortável.
Adele observou o vestido de Elsa e, em seguida, o de Jade, seu rosto
assumindo uma expressão desaprovadora. Ela agia à maneira dos ricos e
nobres, como se o restante de nós fôssemos compostos por camponeses e
servos à sua disposição.
– Vocês duas estão usando os mesmos vestidos do baile do ano passado.
Sério? Não poderiam ter colocado algo novo? Vocês estão passando tanta
necessidade assim? – A zombaria em seu tom de voz me fez querer pegar
um dos patins da Jade e bater na cabeça dela.
Elsa se calou e começou a esfregar o medalhão entre os dedos, suas
bochechas estavam coradas. Jade fitava o chão, balançando lentamente o
corpo da esquerda para a direita, como se quisesse fugir.
Adele exibiu um sorriso falso para mim, do tipo que mostrava muitos
dentes inferiores e não chegava aos olhos.
– E quem é você? – Ela me encarava com uma curiosidade visível. –
Você é hóspede do hotel?
A irritação me invadiu. Eu não gostava dessa bruxa. Na verdade, acho
que a odiei no primeiro instante.
– Leana Fairchild – eu disse a ela, minha voz estava forte e firme. – Sou
a nova Merlin que o hotel contratou.
– Entendo – Adele ainda sorria para mim, embora eu tenha notado o
leve estreitamento dos seus lábios. – Seu nome me parece familiar. De onde
é sua família?
Eu sabia que ela estava tentando decifrar se eu era de uma poderosa
família de bruxos, imaginando se era uma boa ideia continuar falando
comigo ou se eu era uma boa conexão para ela. Eu duvidava disso.
– Não é de Nova York – eu disse, querendo que ela fosse embora para
que minhas amigas pudessem se divertir.
Adele se aproximou, invadindo meu espaço pessoal, o que não me
agradou. No entanto, fiquei onde estava.
– Você é uma bruxa. Mas as energias que você emite são… estranhas.
Você não é da luz, nem das trevas. Que tipo de magia você pratica?
– Magia de bruxa – eu disse, e Jade riu.
– Hum – Adele ainda me observava como se eu fosse uma joia rara. –
Talvez eu tenha que fazer algumas perguntas sobre você.
– Perguntas? – Olhei para Elsa e Jade, que pareciam estar pálidas. Por
quê? Por que ela tinha dinheiro?
– Sim – disse Adele. – Faço parte do conselho das bruxas brancas.
Ah-ha.
– Estou curiosa para saber sobre você, Leana Fairchild – disse ela,
dizendo meu nome como se o estivesse memorizando.
Dei de ombros.
– Pergunte à vontade – Eu não tinha nada a esconder. Ser uma bruxa
Estelar não era um crime em nosso mundo. E eu não gostava dessa bruxa.
Não me importava que ela fizesse parte do conselho e pudesse facilmente
tirar minha licença de Merlin. Eu não ia me curvar a ela. Eu odiava
valentões.
– Leana – disse uma voz masculina e profunda atrás de mim.
Não precisei me virar para saber a quem pertencia aquela voz. Minha
frequência cardíaca aumentou enquanto eu girava lentamente.
Caramba!
Valen usava terno e gravata pretos que mal conseguiam conter todos os
músculos. O tecido brilhava e se moldava perfeitamente ao seu corpo. Seus
cabelos escuros estavam presos em um rabo de cavalo, acentuando as
maçãs do rosto salientes e os olhos escuros ardentes. Eu já o achava bonito
de um jeito meio rústico, mas vê-lo vestido assim melhorou sua aparência
em cem vezes. Levei alguns segundos para parar de olhar e colocar minha
cabeça no lugar.
– Valen? – Senti um alívio ao perceber que minha voz permanecia
estável, sem revelar a agitação do meu coração que batia
descontroladamente. Eu não o via desde a noite em que ele saiu do quarto
915.
O homem-fera sexy estendeu a mão.
– Você gostaria de dançar?
Ah, merda. Ah, merda. Ah, merda.
Eu não esperava por isso. Nem mesmo esperava que ele estivesse aqui.
Por que ele estava aqui? Eu estava esperando há semanas para falar com
ele, e aqui estava ele.
Adele olhava para Valen como se ele fosse um pirulito que ela quisesse
lamber por inteiro. Mas Elsa e Jade sorriam para mim, claramente querendo
que eu dançasse com o dono do restaurante misterioso.
O que uma bruxa faz nessa situação?
Ela aceita, é claro.
– Com prazer – eu disse, colocando minha mão na dele.
17
D eixei Valen me guiar até a pista de dança, sua mão era quente e áspera, e
eu odiava que isso me causava pequenas e deliciosas sensações.
Quando encontrou um lugar, ele se virou, segurando minha mão, e
colocou a outra mão em minha cintura, aproximando-me. O calor de seu
toque penetrou no tecido do meu vestido quando coloquei minha mão
esquerda em seu ombro.
Se você me perguntasse, eu não saberia nem dizer que música estava
tocando no momento.
Valen conduziu a dança com confiança, e eu me vi entrando no ritmo
dele. Obviamente, essa não era a primeira vez que ele dançava ou mesmo
participava desse tipo de baile.
As mulheres o encaravam sem pudor e eu até vi uma mulher lambendo
os lábios sensualmente para ele enquanto passávamos. Até mesmo alguns
homens o encaravam, mas Valen não notou.
Eu tinha dois pés esquerdos, mas Valen também não pareceu notar isso.
Na verdade, tudo o que ele fez foi me encarar. O calor de seu olhar era
intenso.
Meu rosto ficou corado e ignorei as borboletas bobas que invadiam meu
estômago.
– Então, onde você tem estado? – Achei que ter uma conversa agora era
melhor do que o silêncio incômodo entre nós. É melhor acabar logo com
isso e tirar o curativo.
Um sorriso se desenhou em seus lábios lindos, e a mão que estava em
minha cintura se moveu delicadamente para a parte inferior das minhas
costas.
– Você estava procurando por mim? – Seu hálito quente acariciou meu
rosto, tinha cheiro de menta e algo picante que eu não conseguia identificar.
Engoli em seco.
– Sim, de fato, eu estava. Eu estou. Eu estava procurando por você –
Droga, eu parecia uma idiota tagarela. – Eu queria te perguntar uma coisa.
Valen ainda sorria para mim.
– O que você queria me perguntar?
Não podia lhe dizer abertamente que ele era o meu principal suspeito.
Se eu dissesse a ele que o vi sair do quarto 915, seria o fim. Eu precisava de
mais provas, um motivo real para saber porque ele estava fazendo isso. Ele
estava trabalhando para outra pessoa? Ele estava fazendo isso sozinho? Eu
tinha minhas suspeitas, mas precisava ter certeza.
– Como vai o restaurante? – perguntei, mesmo ele estando tão perto, eu
não senti nenhuma vibração de bruxo. Eu podia sentir cócegas de energia
saindo dele, como a maioria dos paranormais, mas o tipo específico era
impossível de identificar. Ele poderia se passar por um lobisomem ou
qualquer tipo de metamorfo. Mas eu não conhecia nenhum metamorfo ou
lobisomem que fosse capaz daquele nível de magia. E ele poderia ser um
bruxo ou um mago poderoso disfarçado com um feitiço.
– Está indo – respondeu ele, claramente não querendo discutir o
assunto. – Você está linda esta noite.
Ah, diabos, a maneira como ele disse isso fez meu coração traidor bater
como se tivesse ganhado asas.
– Hum… esse terno fica bem em você – eu disse, errando totalmente o
alvo. Minha língua parecia colada no fundo da boca. Isso às vezes acontecia
quando eu ficava nervosa.
Os lábios deliciosos de Valen se abriram em um sorriso.
– Obrigado.
Senti formigamentos incômodos em minha pele e pigarreei.
– Então, você está planejando expandir? – Tentei novamente.
Seus olhos escuros pareciam quase negros quando passaram pelo meu
rosto e pousaram nos meus lábios antes de voltarem aos meus olhos
novamente.
– É por isso que você estava me procurando? Você quer investir no meu
restaurante?
– Não. Mesmo que eu quisesse, não tenho dinheiro para isso – O único
dinheiro que eu tinha era o que Basil havia me dado. – Eu só queria saber se
você vai expandir seus negócios. Talvez você esteja procurando outro
prédio? Ou talvez você queira se aventurar em outra coisa?
O polegar de Valen esfregou minhas costas, e senti uma pontada de
desejo percorrer meu âmago.
– Por que você está tão interessada em meus negócios? – Ele não tinha
um tom de irritação devido às minhas perguntas, apenas interesse.
Dei de ombros, tentando não inalar a colônia almiscarada ou a loção
pós-barba que ele usava.
– Só estou curiosa. Você é um cara curioso. Alguns podem até dizer que
você é misterioso.
Valen deu uma pequena risada e desviou o olhar.
– Não é bem assim. Se você me conhecesse, não diria isso.
Aproveitei a oportunidade para olhar para ele enquanto ele não estava
me encarando. Ele tinha uma pequena cicatriz acima da sobrancelha direita
e outra no pescoço.
Nossos rostos estavam quase se tocando agora. Eu nem tinha percebido
que ele tinha me puxado com mais força. Meu corpo estava ficando confuso
entre o frio do ar-condicionado e o calor que emanava do seu corpo
maravilhoso.
Percebi que estava gostando de sentir o corpo dele, suas mãos e sua
proximidade. Também percebi que ele poderia ser o assassino psicótico que
deixava entrar demônios que matavam pessoas. Eu estava perdendo a
cabeça.
– Ouvi dizer que você se divorciou – disse Valen depois de um
momento.
Enrijeci.
– Como você soube disso? – Eu não achava que Elsa ou meus amigos
teriam lhe contado. Talvez os funcionários do hotel tenham me ouvido falar
sobre isso.
– As notícias correm rápido no Twilight Hotel – disse Valen, com os
lábios contraídos enquanto tentava, mas não conseguia, conter um sorriso. –
Nada fica em segredo aqui.
Mas você está guardando segredos.
– Eu me divorciei. Alguns podem dizer que a culpa foi minha por ter me
casado com um humano em vez de alguém de nossa própria espécie. Mas
não posso mudar isso agora. Não adianta nada ficar remoendo o passado. É
preciso seguir em frente.
– O que aconteceu entre vocês?
Ele era um homem-fera bem curioso, né?
– Foi só um desentendimento. Nos afastamos, você sabe, o normal.
Estou feliz que tenha acabado – Eu não queria falar para ele sobre meu ex,
ou sobre seu traseiro traidor. Eu estava aqui para falar sobre ele, não sobre
mim. Engraçado como ele conseguiu dar a volta por cima com o
interrogatório.
Dançamos em silêncio por um tempo depois disso, ambos olhando um
para o outro quando achávamos que o outro não estava olhando. A música
parou, mas Valen não me soltou. Depois, outra música lenta tocou e
continuamos a dançar.
– Eu também queria falar com você – disse Valen depois de um
momento, com os dentes cerrados enquanto me segurava com mais força.
– Sério? Sobre o quê? – Senti um arrepio na parte de trás do meu
pescoço. Será que ele tinha visto Jimmy e eu? Ele tinha sentido minha
magia?
O homem-fera suspirou, e eu me senti inclinado para a frente.
– Eu queria me desculpar.
– Se desculpar pelo quê? – Jade passou por nós e me deu um sinal de
positivo com a mão livre, ela tinha uma grande taça de vinho na outra.
Ele se inclinou para frente e seu olhar era penetrante ao me observar.
– A primeira vez que nos encontramos na rua…
– Quando você foi incrivelmente grosseiro.
Valen me mostrou seus dentes perfeitos.
– Sim, eu fui incrivelmente grosseiro. Você me pegou em um dia ruim.
Eu estava… Eu estava…
– Sendo um ogro?
– Irritado – respondeu ele com uma risada, e eu me vi querendo ouvi-lo
rir várias vezes. – Talvez eu estivesse sendo um ogro. Eu tinha recebido
más notícias. Fiquei chateado. Saí para me distrair. E então lá estava você,
esbarrando em mim.
– O que não é um crime.
– Não. Não é – Valen me puxou com mais força, meu coração batia tão
forte que eu tinha certeza de que ele podia senti-lo através do tecido de
nossas roupas. Ele olhou fixamente em meus olhos.
– Sinto muito por ter sido grosseiro com você. Você me perdoa?
Eu pensei sobre isso.
– Não – disse eu, brincando, me segurando ao perceber que estava
flertando. Esse cara estava mexendo com a minha cabeça. Não sabia se
eram meus hormônios ou como meu corpo reagia a ele, mas isso era
perigoso.
Eu tinha que me afastar. Eu tinha que ir embora. Eu tinha que parar de
dançar…
Mas não. Eu não fiz isso.
Senti olhos em mim e olhei por cima dos ombros de Valen para ver
Adele nos observando, ou melhor, me observando. Um homem alto e careca
estava ao lado dela. Não gostei da maneira como ele me olhava, como se
estivesse me encarando ou algo assim.
Desviei o olhar e vi que Valen ainda me observava.
– O quê?
– Para quem você está olhando com a testa franzida? – ele provocou,
com o polegar esfregando a parte inferior das minhas costas. Maldito seja
esse polegar mágico.
– Uma bruxa chamada Adele – eu disse, tentando ao máximo não olhar
para ela novamente. – Não gosto dela. Também não gosto do careca que
está ao lado dela.
– Declan – respondeu Valen sem sequer olhar na direção deles. – Os
dois fazem parte do conselho das bruxas da luz. Ambos são idiotas. Mas são
poderosos. Eu ficaria longe deles se fosse você.
Que droga. Eu estava começando a gostar dele? Por que, de repente, ele
estava sendo gentil?
– Tarde demais para isso – exalei. – Acho que acabei de fazer dois
novos inimigos pelo modo como estão olhando para mim.
– Você está preocupada com sua licença de Merlin?
Olhei para ele.
– Você parece muito atento a todas as coisas relacionadas as bruxas –
Por que talvez você seja um bruxo da luz?
– Gosto de me manter informado – Ele me observou por um instante. –
Ela ameaçou você?
Balancei a cabeça.
– Não com palavras. Mas ela disse que perguntaria sobre mim, seja lá o
que isso signifique. Ela quis saber sobre a minha família e em que posição
ela se encontra na hierarquia paranormal.
– E onde você está?
Apertei meus lábios.
– Na parte inferior.
Valen riu novamente, e eu me senti hipnotizada pelo som. Ele estava
muito diferente do primeiro dia em que o encontrei. Ele estava sendo gentil,
atencioso e incrivelmente sexy. Não, ele tinha sido sexy na primeira vez que
bati meu rosto naqueles peitorais duros como pedra. Fiquei olhando para o
peito dele, imaginando como seria passar minhas mãos sobre eles.
Valen acariciava a parte inferior das minhas costas, o que era uma
distração.
– O que mais ela queria saber?
– Qual é a minha fonte de magia – eu disse a ele, revirando os olhos
novamente e encontrando Adele e seu careca de estimação ainda olhando. –
Deve ser amor, porque eles não conseguem parar de olhar.
Valen deu uma breve risada.
– E qual seria? Qual é sua magia?
Passei meus olhos por seu rosto.
– Eu lhe contarei tudo sobre minha magia se você me disser o que você
é.
Com isso, Valen ficou visivelmente tenso e depois se calou. Seu sorriso
desapareceu, a intensidade de seu olhar se foi. Ele estava todo tenso, como
o homem-fera da rua. Quando ele se afastou, senti uma perda física de
calor, e me senti desapontada.
Ok, então eu tinha encontrado um assunto delicado. Mas a reação dele
foi a prova de que eu estava certa. Ele estava escondendo sua verdadeira
identidade. A pergunta era: por quê? Por que escondê-la a menos que
estivesse planejando algo ruim?
Como abrir portais e deixar os demônios entrarem no hotel.
A atenção de Valen se voltou para algo atrás de mim, e seus ombros
largos ficaram ainda mais tensos. Ele parou de dançar, me soltou e se
afastou de mim. Tá, agora eu estava curiosa.
Virei-me e segui seu olhar. E então, como se fosse a deixa, um homem
entrou no salão de baile, uivando. Os casais gritaram e pularam para trás
para lhe dar espaço. Tentei ouvir o que ele estava dizendo, mas não
consegui entender devido aos gritos entre as palavras e a música alta que
ainda vinha da banda.
Então a música parou. E eu ouvi.
– Demônios! – gritou o homem, com sangue escorrendo de um arranhão
no pescoço. – Demônios no hotel!
Ah, que merda.
18
O sdescartados.
corpos estavam espalhados pelo corredor como trapos velhos
O cheiro de sangue e podridão era nauseante. À primeira
vista, vi quatro corpos. Não havia como determinar se estavam vivos ou
mortos. Eles estavam gritando momentos atrás e agora não estavam mais.
Eu não havia chegado aqui rápido o suficiente.
Um grunhido chamou minha atenção.
E lá, parado no final do corredor, estava um demônio trull.
O demônio trull tinha cerca de um metro e oitenta de altura e quase a
mesma largura. Sua carne era vermelha e crua, como se ele tivesse sido
virado do avesso. Suas feições se distorciam grotescamente com uma boca
que cabia uma galinha inteira. Ele era mais parecido com um símio do que
com um humanoide, suas garras iam até o chão e ele estava curvado
enquanto esperava, ao lado do cadáver do qual se alimentava.
Os trulls também não eram os melhores demônios do Submundo. Eles
eram grandes e burros. Mas, quando lhes faltava cérebro, eles
compensavam com força. Bastava um golpe poderoso para quebrar seu
pescoço.
Torci o nariz ao sentir o cheiro de enxofre e carniça. Eu odiava os trulls.
Eles eram cruéis e só queriam rasgar seu corpo por diversão. Mas ele estava
aqui agora. E eu sabia que encontraria uma nova fenda aqui em algum
lugar, uma que não estava aqui na anterior. Eu tinha que fechá-la antes que
mais desses malditos saíssem.
– Comer. Você – disse o trull, com a boca cheia de dentes de peixe, e a
voz rouca.
– Acho que não – eu disse a ele, pousando meus olhos no corpo que ele
comia antes de eu o interromper.
– Bruxa. Você. Bom – disse o trull, falando em tom baixo e grosseiro, e
eu voltei minha atenção para seu rosto pútrido. – Eu. Gosto. Bruxa.
– Que maravilha. Você gosta do sabor de bruxa – A bile subiu em minha
garganta com a ideia dessa coisa se empanturrando com meu corpo.
Os olhos amarelos do trull pousaram em mim.
– Comer. Bruxa – disse ele novamente.
– Eu ouvi você da primeira vez. Mas isso não vai acontecer. Eu não vou
deixar. Veja, eu vou matar você.
O demônio trull esticou o rosto em um sorriso cruel.
– Fome – A garganta do demônio emitiu um som que eu só podia supor
ser prazer. Seus olhos brilhavam com fúria e uma fome selvagem.
Credo. Olhei por cima dos seus ombros, mas não consegui ver se havia
outro trull ou qualquer outro tipo de demônio. O homem havia dito
“demônios”, então eu apostava que havia mais aqui.
– Você trouxe algum amigo com você?
O demônio inclinou a cabeça, olhando para mim como se estivesse
pensando em qual parte do meu corpo se banquetearia primeiro.
Meus olhos lacrimejaram com o cheiro de podridão, como se eu tivesse
esfregado um pedaço de cebola neles.
– Cara, você fede. Você toma banho com água de esgoto? Ou você usa
cocô para lavar o corpo?
O demônio trull sorriu para mim e depois atacou.
– Ah, merda.
Ele se lançou sobre mim, golpeando com suas garras e presas tão rápido
que teria matado um humano comum. Ainda bem que nasci uma bruxa.
Dançando na ponta dos pés, usei minha magia e estendi minhas mãos.
Uma luz brilhante emanou de minhas palmas e eu a disparei contra o
trull, atingindo-o no peito.
A criatura gemeu, debatendo-se enquanto a luz branca crescia até
consumi-lo por completo. A luz crepitou, arrancando um grito de raiva do
trull. No segundo seguinte, o trull caiu no chão formando uma pilha de
carne queimada até que não restasse nada além de um monte de cinzas.
Eu exalei profundamente.
– Pronto. Não foi tão difícil assim…
Algo duro me atingiu nas costas no momento em que fui atacada pela
dor aguda de dentes perfurando meu couro cabeludo.
Dentes perfurando meu couro cabeludo?
– Ah! – Soltei um grito agudo quando agarrei algo frio e pegajoso na
parte de trás da minha cabeça, enquanto tentava não surtar ainda mais.
Arranquei a coisa e a atirei longe.
Em seguida, levantei a mão e senti o sangue quente onde a coisa havia
cravado os dentes em minha cabeça.
Bem… a coisa que joguei, era uma coisa demoníaca. Pequena, do
tamanho de um gato, mas enquanto um gato era fofo e exótico, essa criatura
era exatamente o oposto.
Seus olhos pretos eram anormalmente grandes demais para sua cabeça,
e ela tinha um pescoço longo e as orelhas de morcego. Um nariz curto
ficava acima de uma boca cheia de dentes. Sua pelagem, na verdade,
apresentava tufos de pelos pretos emaranhados sobre sua pele de tonalidade
verde-escura. Seus pés terminavam em garras amarelas afiadas. E, ao
contrário de um gato, ele não tinha cauda.
Era um demônio gremlin.
Na verdade, eu nunca havia encontrado um. Apenas vi uma foto em
algum lugar do qual não me lembro.
Meu couro cabeludo latejava no local em que o gremlin havia mordido.
– Você me mordeu, seu merdinha.
O gremlin ficou de quatro e sibilou para mim, não muito diferente de
um gato, mas era mais profundo e assustador.
Mantendo meu foco no pequeno maldito, canalizei a luz das estrelas
novamente, apontei minha mão e…
Cambaleei para frente quando algo me atingiu nas costas novamente.
Não era uma coisa desta vez, eram várias coisas. Depois fui atacada na
parte de trás de minhas coxas, na cintura. E, é claro, na minha cabeça
novamente.
Olhei para os demônios gremlin que se agarravam às minhas pernas,
abrindo a boca enquanto cravavam os dentes na minha pele.
Ok. Eu ia ter um surto agora. A ideia de pequenos dentes e garras em
cima de mim era horrível, admito. Eu sempre era tão forte o tempo todo. Às
vezes, eu precisava de um bom e velho surto.
Gritei ao sentir os dentes cravarem-se na pele por todo o meu corpo.
Pisquei quando uma forma verde se lançou sobre mim do teto e pousou em
meu ombro.
– Saia de cima de mim! – Gritei novamente, agarrando o gremlin em
meu ombro e jogando-o o mais longe que pude. Mas isso não importava.
Outros seis estavam agarrados a mim, com seus dentes e garras rasgando
minha pele.
Em pânico, agarrei e arranquei os gremlins de cima de mim o mais
rápido que pude, sem esperar que suas garras me cortassem ou que eles
cravassem os dentes em mim. Escorreguei em algo molhado, possivelmente
sangue ou algo ainda mais nojento. Um gremlin no chão sibilou para mim,
pronto para saltar, mas eu me esquivei e dei-lhe um chute no rosto.
O fato é que eu estava perdendo. O que diabos eu deveria fazer agora?
O sangue latejava em meus ouvidos enquanto eu me virava. Eu bati
minhas costas contra a parede, ouvindo o ranger de ossos e sentindo seus
dentes se soltarem à medida que seu peso se desprendia de mim.
Eu me arrepiei.
– Tão, tão nojento.
Gritei de dor quando senti uma mordida na orelha e quando vinte
agulhas pareciam perfurar meu couro cabeludo novamente. Meus olhos
lacrimejaram e eu levantei a mão livre, batendo em algo sólido, um gremlin,
e a dor parou. Esfreguei o topo da cabeça com a mão, e meus dedos
voltaram cheios de sangue.
– Não estou sendo paga o suficiente por essa merda – Eu estava
pensando seriamente em conversar com Basil sobre um aumento.
Uma porta à minha esquerda se abriu e um adolescente com o rosto
cheio de espinhas me encarou, com a boca aberta e os olhos arregalados.
– Feche sua porta! – Eu gritei para ele e me encolhi quando senti mais
dentes afundarem em minhas coxas.
Cerrei os dentes quando pequenas garras deslizaram pelo meu rosto.
Quantos estavam sobre mim agora? Dez? Vinte? Eu não tinha ideia.
Mas eu não podia continuar fazendo o que estava fazendo. Quanto mais
eu os arrancava de mim, mais eles pareciam se lançar sobre mim.
Se eu não fizesse algo rapidamente, esses pequenos malditos iriam me
mastigar até a morte. Ou, no mínimo, me cegariam, arrancando meus olhos.
Só me restava uma coisa a fazer. Eu só havia feito isso uma vez, mas
eles não me deixaram escolha.
Com o coração aos pulos, respirei fundo e invoquei a energia mágica do
poder das estrelas. Senti um puxão em minha aura quando ela respondeu.
Mas, dessa vez, não a liberei. Eu a mantive comigo. Dentro de mim.
Minha respiração saiu em um rápido suspiro quando um jorro de
energia girou, transbordando do meu núcleo para a minha aura. A magia
rugiu. Soltei um suspiro enquanto a energia das estrelas me inundava. A
adrenalina era inebriante, e então uma luz brilhante explodiu.
A magia das estrelas circulou ao meu redor e através de mim como uma
força cinética invisível.
A luz brilhante era tudo o que eu podia ver enquanto ela me consumia.
Eu era uma estrela, uma estrela brilhante. E, como uma estrela, eu
queimava com intensa energia.
Os gremlins não ficaram felizes.
Eles gritaram de dor enquanto o poder da luz estelar vibrava em mim.
Escutei uma súbita inspiração coletiva, seguida pelo tombo dos gremlins,
como vespas atingidas por um inseticida, aterrissando suavemente no chão
com um som abafado.
Piscando, eu liberei a luz estelar com um suspiro, até que ela se
reduzisse, permitindo-me enxergar o corredor mais uma vez.
Fiquei parada respirando pesadamente por um momento e tentando ver
se algum dos gremlins se mexia. Mas eu duvidava, considerando as pilhas
de carne crocantes carbonizadas que restaram de seus corpos. A luz das
estrelas havia se encarregado disso. Os gremlins nunca mais levantariam.
Olhei para baixo e vi uma marca substancial de queimado no carpete
aos meus pés. Sim. Eu tinha feito isso. Esse era um dos motivos pelos quais
eu não usava a luz das estrelas dessa forma. Ela tendia a queimar tudo o que
estivesse perto de mim.
– Leana? Onde estão suas roupas?
E minhas roupas também eram queimadas, um dos principais motivos
pelos quais eu não usava a luz das estrelas em mim.
Olhei para cima e vi Elsa, Julian, Jade e Jimmy saindo do elevador. Elsa
estava com Jimmy em seus braços e com uma expressão divertida.
Fantástico. Aqui estava eu, como vim ao mundo para todos verem.
O sorriso de Julian fez meu rosto arder.
– Legal – Ele me olhou de um modo que as pessoas raramente o faziam
em situações sociais apropriadas. E então ele bateu palmas. Bateu palmas
de verdade.
Eu estava no inferno.
Jade cobriu a boca com as mãos, mas isso não conseguiu abafar os sons
que escapavam enquanto ela ria.
Tudo o que eu conseguia pensar era em agradecer a Deus por ter
depilado a área do biquíni e não ter deixado o matagal, como fiz nos
últimos oito meses. Porque isso teria sido constrangedor.
Passei um braço sobre as meninas e fechei minhas pernas.
– Dá para vocês arrumarem algumas roupas para mim, por favor?
20
A cordei algumas horas depois com uma enxaqueca dos infernos, isso
sempre acontecia quando eu canalizava a luz das estrelas em mim
mesmo, e com arranhões e marcas de mordidas em cerca de 60% do meu
corpo. Não era uma visão bonita. Meu rosto estava inchado e vermelho
devido às garras e dentes venenosos dos gremlins, pequenos malditos.
– Pare de se mexer. Você quer que eu ajude ou não?
Sentei-me em uma cadeira no meio da cozinha, usando apenas sutiã e
roupas íntimas, e fiquei olhando para a mulher bondosa com bochechas
vermelhas e olhos verdes brilhantes, ela usava uma jaqueta tradicional de
cozinheira, branca e manchada, um pouco apertada demais. Ela ostentava
tranças loiras sob um toque e um sorriso contagiante, embora, no momento,
ela estivesse me encarando.
– Estou tentando – respondi. – Isso queima – Apontei para o grande
frasco de uma substância rosa que parecia Mertiolate em sua mão esquerda.
Ela estava espalhando a substância em mim com um pincel.
Polly, a curandeira, franziu os lábios.
– É uma pomada curativa. Não dói. Pare de se preocupar. Ou você quer
parecer que caiu de cara em um ninho de vespas?
Jade sorriu.
– Parece mesmo isso.
Eu exalei.
– Tá bom.
– Tenho que ver isso – Julian apareceu na sala de estar com um
sanduíche de frango na mão. Não me incomodou nem um pouco o fato de
eu estar seminua na frente dele. Ele já tinha me visto nua e crua.
Polly deu uma risadinha enquanto passava cuidadosamente sua pomada
curativa rosa no meu rosto, orelhas, pescoço e partes do meu couro
cabeludo.
– Tem cheiro de cocô – eu disse a ela.
– E funciona que é uma beleza – respondeu ela.
Ela estava certa. Ardeu por cerca de meio segundo, e depois senti uma
agradável sensação de resfriamento. Mas eu não ia contar a ela.
– Levante-se e abra as pernas – ordenou Polly, balançando o pincel nas
mãos.
– O quê? – eu gritei, mortificada. Que diabos era isso?
– Estou brincando – disse a curandeira. Jade começou a rir, e eu a olhei
de soslaio. – Mas preciso que você fique de pé. Posso ver muitas marcas de
dentes na parte de trás de suas coxas. Você tem sorte de eles não terem
causado mais danos. É um milagre você ter saído viva dessa. Os demônios
gremlin são como piranhas. Se cair no meio deles sobra apenas o seu
esqueleto.
Após ficar de pé por mais vinte minutos enquanto Polly terminava de
passar a pomada em mim, ela se afastou e disse com orgulho:
– Pronto. Meu melhor trabalho até agora.
– Está bem – Eu não sabia o que dizer. – Obrigada.
Polly sorriu de forma tão genuína e gloriosa que tive que retribuir seu
sorriso.
– Está bem – Ela bateu as mãos uma na outra, olhando para o meu
apartamento. – Quem é o meu próximo paciente?
– Eu.
Me virei lentamente para ver Jimmy vindo em nossa direção, rolando e
mancando, se é que isso existe. Sua cauda estava dobrada para trás e suas
orelhas estavam viradas para baixo. Ele parecia infeliz.
Meu coração se apertou quando o vi. Já era ruim o suficiente que ele
estivesse preso por toda a eternidade no corpo de um cão de brinquedo. Mas
um cão de brinquedo quebrado? Isso era doloroso.
– Aqui está a roda quebrada – Elsa se moveu e colocou uma roda de
madeira sobre a mesa. Em seguida, ela se abaixou, pegou o Jimmy e o
colocou sobre a mesa.
Polly enfiou as mãos no avental de cozinheira e tirou o que parecia ser
uma pistola de cola. Como ela cabia no avental era realmente um mistério, e
eu tinha a sensação de que seu avental tinha bolsos fundos ou algo assim.
– Não se preocupe, Jimmy – disse Polly enquanto batia a barriga contra
a mesa e se apoiava nos cotovelos. – Eu vou fazer você rolar de novo em
pouco tempo.
Jimmy ficou em silêncio, o que só me fez sentir pior. Quem sabia o que
se passava em sua cabeça? Rezei a Deusa para que Polly pudesse consertá-
lo.
Observei enquanto a curandeira esguichava na roda quebrada, uma
substância com as cores do arco-íris brilhante, não muito diferente de um pó
de fada. Em seguida, ela colocou a roda com cuidado no eixo e espremeu
mais um pouco da substância enquanto murmurava um feitiço. Depois de
um lampejo de luz e um suave estrondo, ela colocou Jimmy de volta no
chão.
– Pronto – disse ela endireitando-se. – Novo em folha.
Jimmy rolou alguns metros para frente, testando sua nova roda, ou
melhor, sua roda antiga, que havia sido reparada.
– Obrigado, Polly – disse ele, com a voz grata, mas também pude sentir
certa tristeza.
– O prazer é todo meu, querido – disse Polly enquanto enxugava a testa
com a mão livre.
Senti um nó na garganta ao ver Jimmy se afastar e virar à direita na
porta principal do meu apartamento, desaparecendo no corredor.
Polly viu a preocupação em meu rosto.
– Ele vai ficar bem.
– Será que vai? – Não foi essa a sensação que tive. – Você parece muito
habilidosa com essa coisa. Há alguma coisa que você possa fazer para
desamaldiçoá-lo? – Estudei Polly enquanto ela enfiava sua pistola de cola
mágica de volta nos bolsos grandes do avental de cozinheira. Fiquei
imaginando o que mais teria lá dentro.
Polly sorriu.
– Obrigada. Considero isso um elogio vindo de uma bruxa Estelar. Sim.
Eu sei tudo sobre você – Ela soltou um suspiro e seu sorriso desapareceu. –
Infelizmente, a maldição de Jimmy não pode ser desfeita. Pelo menos, não
com as ferramentas que possuo. Não pense que eu não tentei ao longo dos
anos. Eu tentei. Entrei em contato com meus amigos curandeiros e com
algumas das bruxas mais poderosas da Costa Leste. Nenhum de nós foi
capaz de remover a maldição.
– Quem pode? – Eu não estava disposta a deixar isso passar. Meu
sangue subiu de pensar em alguém transformando aquele homem em um
cão de brinquedo, como se fosse uma piada de mau gosto.
Polly piscou os olhos e disse:
– Quem o amaldiçoou foi a feiticeira Auria. E antes que você pergunte,
ninguém a viu ou ouviu falar dela em mais de sessenta anos. Acredito que
ela esteja morta.
Não acreditei nisso nem por um minuto. E, naquele momento, prometi a
mim mesmo que encontraria essa feiticeira e ajudaria Jimmy.
– Bem, se não há mais nada, preciso voltar para a cozinha – disse a
cozinheira-bruxa.
– Obrigada, Polly – Elsa a abraçou.
– Sim, obrigada – eu disse a ela enquanto ela se despedia e saía.
Curiosa, entrei no meu quarto e fui direto ao espelho pendurado na
parede, esperando ver meu rosto cheio de creme rosa, mas não havia nada.
Minha pele havia absorvido a pomada de Polly, ou ela se tornou invisível
depois de um tempo. Ainda assim, os arranhões e as marcas de mordida em
meu rosto eram muito menos visíveis e já estavam cicatrizando. Algumas
delas eu notei que tinham desaparecido completamente, sem nem mesmo
deixar um traço de cicatriz. Uau. Basil não estava brincando. Polly era uma
curandeira incrível.
Peguei uma calça jeans limpa, uma camiseta e uma jaqueta, e calcei um
par de botas curtas e sem salto. Em seguida, prendi o cabelo em um coque
bagunçado no alto da cabeça antes de sair do meu quarto.
– Onde você está indo? – Elsa estava com as mãos nos quadris. – Acho
que você não deve ir a lugar nenhum agora. Você precisa descansar. Você
não vai querer se esforçar demais depois do que aconteceu ontem à noite.
Você foi atacada por demônios.
– Estou perfeitamente bem – Peguei minha bolsa no gancho de parede e
a coloquei em volta do pescoço. – Preciso falar com Basil. Quero saber o
que ele planeja fazer com o hotel – Ontem à noite, depois que Jade e Elsa
arrumaram algumas roupas para mim, procurei no resto do décimo segundo
andar e descobri outra fenda. O portal parecia estar fechado, mas isso não
significava que não houvesse mais portais por todo o hotel.
Os hóspedes estavam em perigo. Com a contagem de corpos que não
parava de aumentar, eles não podiam ficar no hotel enquanto os demônios
estivessem à solta. Não até eu pegar o culpado. Eu não gostava da ideia,
mas Valen era o único suspeito naquele momento, e ele precisava ser
detido.
Jade entrou no corredor com um sanduíche de queijo grelhado na mão.
– Olá! Aparentemente, a maioria dos hóspedes fugiu do hotel ontem à
noite. Nós somos os únicos que restaram, os moradores. Ouvi dizer que o
Sr. e a Sra. Swoop, do apartamento trezentos e três, também foram embora.
Foi um Baile da Meia-Noite que não esqueceremos tão cedo.
O fato de a maioria dos hóspedes ter ido embora era uma boa notícia.
Mas para manter todos em segurança, o hotel devia evacuar todo mundo.
Até nós, os moradores.
– Voltarei mais tarde.
Deixei meus amigos em meu apartamento e peguei o elevador até o
andar principal. Minhas pernas estavam doloridas devido a toda a escalada
da noite passada, mas, fora isso, eu me sentia bem. Polly era de fato uma
curandeira.
– Você continua aqui? – escarneceu Errol quando passei pela recepção.
– Pensei que eles já teriam demitido você. Você não consegue nem fazer seu
trabalho. E agora, mais pessoas morreram. Deveríamos pedir um
reembolso.
Minha raiva explodiu, mas mantive a boca fechada e me dirigi ao
escritório de Basil, que ficava à direita da recepção. Eu não tinha tempo
nem energia para lidar com idiotas.
– Basil… – Bati e empurrei a porta ao mesmo tempo. – Preciso falar
com você. Pisquei os olhos e encarei a escrivaninha e a cadeira vazias. Seu
telefone estava fora do gancho, com o fio pendurado na mesa como se
alguém o tivesse deixado cair e esquecido de colocá-lo de volta. À primeira
vista, pensei que ele não estivesse aqui, então um gemido baixo chamou
minha atenção.
Basil estava sentado no chão, com as costas na parede. Em sua mão,
havia uma garrafa de bourbon meio vazia.
– Estou acabado – disse o bruxinho, com a voz mole enquanto passava
seus olhos vermelhos por mim, sem se fixar em nada. Seu rosto estava
vermelho e manchado, e ele parecia péssimo.
Me aproximei.
– Você passou a noite toda bebendo?
– Nunca mais serei um gerente – balbuciou o bruxo. – Tantos mortos.
Mortos. Mortos. Mortos. Mortos.
Exalei, balançando a cabeça.
– Ouça, você pode se culpar o quanto quiser, mas ainda precisa fazer
alguma coisa. Ainda há pessoas no hotel. E enquanto as pessoas estiverem
aqui, suas vidas estarão em perigo. Basil? – me perguntava se o bruxo
conseguia entender o que eu estava dizendo ou se eu estava desperdiçando
meu fôlego.
Uma lágrima escorreu de seus olhos.
– Se foram. Os hóspedes se foram.
– Nem todos. E os moradores continuam aqui. Bem, a maioria deles.
Basil deu uma risada falsa e levantou sua garrafa.
– O que você quer que eu faça? Eles me odeiam. Todos eles me odeiam.
Eu sou o motivo de chacota de Nova York. O pior gerente da história do
Twilight Hotel – Seus olhos errantes finalmente se fixaram em mim. – Eles
vão fechar o hotel – Ele soluçou e depois disse: – Recebi a ligação esta
manhã. Em uma semana. O Twilight Hotel não existirá mais.
Revirei os olhos.
– Eu adoraria me juntar a você nessa festa de piedade, mas tenho um
trabalho a fazer. E meu trabalho é garantir que os hóspedes e moradores
deixem o hotel, vivos. Aqui não é mais seguro para eles.
Basil franziu a testa, como se estivesse lutando para organizar um
pensamento em sua mente embriagada.
– O que você quer?
– Você precisa evacuar todos do hotel. Quanto mais cedo, melhor.
O bruxo piscou algumas vezes, e eu esperei alguns segundos para que a
informação fosse absorvida por sua mente bêbada.
– O quê? Você quer que eu force todo mundo a sair?
– Sim. Não é seguro. Eles podem encontrar outro hotel, talvez até um
hotel humano, por enquanto.
Basil olhou para mim como se eu tivesse perdido o juízo.
– Os moradores. Para onde eles irão?
Esfreguei meus olhos.
– Não faço ideia. Que tal você e Raymond trabalharem nisso? Você
pode usar Errol também para ajudar. Ele não terá muito o que fazer agora
que a maioria dos hóspedes se foi. Veja se você consegue encontrar um
alojamento temporário por enquanto.
Isso incluía a mim também. Eu não achava que Elsa, Jade e Julian
ficariam satisfeitos em procurar um novo lugar para morar em tão pouco
tempo e me deixar para trás. Mas eu não iria a lugar algum até que parasse
com essa loucura.
– Voltarei para ver como você está – eu disse ao bruxo bêbado. –
Preciso fazer algo primeiro.
A cabeça de Basil pendia entre um movimento de cabeça e um aceno.
Não tinha tempo para lidar com ele agora. Eu tinha algo mais
importante para resolver.
Eu ia confrontar Valen com o que eu sabia. Estava cansada de esperar.
21
C omo montar uma armadilha quando você não sabe onde essa pessoa
estará em um hotel com tantos quartos? Não faço ideia, mas eu estava
prestes a descobrir.
Esqueça a tentativa de fazer os moradores saírem. Ninguém queria ir
embora, nem mesmo as famílias com crianças e idosos.
– Esta é a minha casa – disse a bruxa chamada Barb, com sua camisola
flutuando em torno de sua estrutura alta e magra. – E eu serei amaldiçoada
se deixar que algo tão trivial como um demônio me force a sair daqui.
– É para sua própria proteção – eu disse a ela.
Ela olhou para mim e disse:
– Me obrigue.
Então, tudo bem.
– Então, como vamos fazer isso? – Jimmy olhou para mim do chão.
Cocei a parte de trás da minha cabeça.
– Não faço ideia. Eu esperava que o décimo terceiro andar fosse
liberado. Uma emboscada teria sido melhor. Mas agora… bem, vamos ter
que improvisar – Meu super plano de pegar esses malditos em flagrante
estava lentamente ficando confuso.
– Às vezes, os melhores planos são aqueles que surgem do nada – disse
o cão de brinquedo.
– Talvez – Observei as gêmeas roubando a carteira de Julian e correndo
em círculos ao redor dele, enquanto o bruxo tentava pegar a carteira de
volta, mas errando todas às vezes. – Nem sei se eles vão atacar de novo esta
noite – Talvez não o fizessem, agora que todos pareciam estar se divertindo
em vez de levar isso a sério.
– O Air Supply é a melhor banda de soft rock do mundo – disse Jade a
outro homem paranormal enquanto puxava a parte da frente de sua camiseta
com a imagem de dois homens. – Tenho três em cores diferentes.
Olhei para o corredor do 13º andar, vendo-o como na primeira vez em
que entrei no hotel. As portas de todos os apartamentos estavam abertas, os
inquilinos entravam e saíam dos cômodos como se o andar inteiro fosse
uma casa gigante, e cada cômodo fosse uma extensão.
Era um desastre.
– Eles não estão nem um pouco assustados – eu disse, observando
enquanto Elsa e Barb riam de algo que estavam compartilhando. – Eles
deveriam estar com medo. Os demônios não são motivo de piada. Isso é
sério. Alguns deles podem morrer. Estava claro que eles não achavam que
os demônios iriam aparecer. Não. Eles estavam mais interessados em fazer
uma festa.
Meus pensamentos se voltaram para um homem-fera sexy que me
salvou de uma surra mortal. Eu estava furiosa com Martin por fazer o que
ele fez. Furiosa e enojada. Nunca, em um milhão de anos, pensei que o
homem com quem fui casada por quinze anos tentaria me matar em um
beco. O fato dele estar me perseguindo causou um arrepio no meu corpo.
E Valen foi meu príncipe encantado.
O cara era um mistério. Ele não precisava me salvar, mas o fez. E se ele
fosse realmente a pessoa por trás dos demônios, teria deixado Martin
terminar o trabalho. O que só reforçou minha sensação de que o dono do
restaurante não era a pessoa certa.
Minha pele se arrepiou com a lembrança de ter sido abraçada por ele,
com a facilidade com que ele me carregou e com o calor e a delicadeza com
que me abraçou. Eu me senti segura em seus braços. Foi uma sensação
maravilhosa. Pena que não durou muito tempo.
No entanto, eu não conseguia deixar de lado a sensação de que algo
estava errado com Valen. Ele tinha uma tristeza em seus olhos. Será a morte
de sua esposa? Talvez tivesse algo a ver com o fato de ele estar escondendo
sua verdadeira identidade. Seus poderes de fera ou de bruxo. Talvez eu
nunca soubesse.
E talvez eu devesse parar de pensar nele e me concentrar na tarefa que
tenho para fazer.
Deixei escapar um suspiro.
– Vou verificar todos os quartos novamente.
– Você quer que eu vá? – perguntou Jimmy.
Eu balancei a cabeça.
– Não, pode ficar de olho aqui. Se você vir alguma coisa, avise.
Continuei minha ronda verificando cada quarto, certificando-me de que
ninguém estava ocupado preparando um ritual para uma Fenda. Mas quanto
mais eu andava e verificava as salas, mais eu percebia que isso não
aconteceria. Pelo menos, não está noite.
Entrei no quarto 1307.
– Oi, Felix, sou eu de novo.
Felix levantou da cadeira e seu rosto enrugado esboçou um sorriso.
– Faça o que tem que fazer, garota – disse ele, voltando sua atenção para
a televisão.
Franzi o nariz ao sentir o leve cheiro de repolho e enfiei a cabeça no
quarto. Nada. Apenas a mesma cama e os mesmos móveis que eu tinha
visto quando o inspecionei pela primeira vez, há cerca de meia hora. Soltei
um suspiro.
– Isso é inútil.
– O que você pensa que está fazendo? – gritou uma voz vinda do
corredor. – Você não pode fazer isso! – Era Elsa. E ela não parecia feliz.
Saí correndo do quarto de Felix e me deparei com pelo menos uma
dúzia de desconhecidos trajando roupas cinzas, tanto homens quanto
mulheres, embora em sua maioria homens, eles estavam retirando os
moradores de seus quartos. Não é exatamente “retirando”, mas sim
forçando-os a sair. Eu corri, me aproximando da confusão.
– Que diabos está acontecendo?
O rosto de Elsa estava vermelho, e eu sabia que sua pressão estava
perigosamente alta.
– Eles estão nos forçando a sair.
– Eles estão nos despejando – disse Julian, com uma expressão
ameaçadora no rosto enquanto olhava para um dos homens de vestes
cinzentas que puxava um adolescente para fora do quarto pelo braço.
Meu estômago se revirou. Eu era parcialmente responsável por isso. Eu
havia dito a Basil para evacuar o hotel. Mas não dessa forma. Isso estava
errado.
– Basil contratou esses mercenários? – Eu nunca tinha visto esse tipo de
gente antes e não gostei da grosseria com que estavam tratando os
moradores. Eles estavam sendo tratados como criminosos.
– Eu os mandei – disse uma voz feminina.
Olhei para uma mulher alta, de rosto anguloso, e pele pálida que se
mesclava com o branco de sua túnica. Seu cabelo loiro encontrava-se
meticulosamente arrumado em um coque baixo, o que acentuava a
severidade de seu rosto esguio e intensificava ainda mais sua expressão
carrancuda. Eu a reconheci. Adele.
– Eles não ouviram quando a gerência do hotel pediu gentilmente que
fossem embora, então aqui estou eu, pedindo não tão gentilmente – disse
Adele ao dar um passo à frente, eu odiei o fato de ela ser mais alta do que
eu.
Cerrei os dentes.
– Com ordens de quem?
Adele sorriu friamente.
– Ordens minhas. O Conselho das Sombras me emprestou seus oficiais
com prazer.
– Você contratou bandidos para transportar famílias e idosos? –
fervilhei. – Ótima ideia.
Dei uma olhada no outro bruxo, chamado Declan, enquanto ele agarrava
Barb e a prendia contra a parede do corredor. Minha raiva aumentou.
– Você não pode simplesmente fazer isso. Você precisa mandá-los para
algum lugar – disse Elsa, se aproximando de mim. Seguida de Jade e Julian.
– Se você fizer isso nós estaremos na rua! Todos nós!
Adele deu um sorriso para Elsa.
– Eu posso. Isso se chama poder, Elsa. Algo que você nunca terá e
nunca entenderá. E eu tenho mais do que você pode imaginar. Por mim,
você pode dormir na sarjeta. Você foi bem avisada.
– Menos de um dia para procurar novos alojamentos não é um aviso
justo – eu disse a ela. – Você precisa dar a eles pelo menos uma semana –
Eu não tinha ideia se isso era verdade. Eu não estava bem informada sobre
nossas leis paranormais com relação aos direitos de inquilinos e
proprietários.
– Não – disse Adele, dando-me um de seus sorrisos falsos. – O hotel
será fechado a partir deste momento, e todos precisam sair. Incluindo você,
bruxa Estelar, Leana Fairchild. Sim, fiz algumas investigações, sei tudo
sobre você. Como eles chamavam você mesmo nos treinamentos de
Merlin? Ah sim, estrela cadente.
Ai.
– Você não conseguia fazer nem o feitiço mais simples – Ela se
aproximou. – E eu sei sobre aquele humano patético com quem você se
casou – Ela riu. – Nós temos o que merecemos. Não é mesmo?
– Isso não é justo – eu disse, com as mãos nos quadris, sorrindo. – Tudo
o que sei sobre você é que você é uma vadia.
A respiração ofegante de Elsa quase me fez soltar uma gargalhada. Sim,
essa vadia poderia revogar minha licença de Merlin, mas não consegui me
conter. O que ela estava fazendo era errado. E o pior é que ela sabia disso e
não se importava.
Os olhos claros de Adele escureceram.
– Cuidado, estrela cadente, ou você ficará sem a sua licença de Merlin e
sem um teto. Não pense que não vou arruinar sua carreira de Merlin, porque
eu vou – Ela se aproximou até ficar bem próxima a mim, e um odor
semelhante a vinagre alcançou o meu nariz. – Posso fazer com que você
nunca mais trabalhe neste continente. Você não vai querer me testar.
Mas eu queria. Eu realmente, realmente queria. Mas não era o momento
certo. Eu precisava de minha licença para terminar o trabalho. E eu nunca,
jamais, havia deixado de terminar um trabalho.
Senti uma mão em meu braço e, em seguida, fui puxada para trás, para
me aproximar de Elsa.
– Não faça isso – ela sussurrou. – Este não é o momento.
Ela tinha razão, mas isso não impediu a fúria que parecia transbordar
pelos meus poros. Eu detestava essa bruxa tanto quanto desprezava os
valentões.
– Vocês poderão voltar para suas casas assim que eu prender os
responsáveis pelos demônios – eu disse aos moradores aterrorizados que se
alinhavam no corredor com apenas algumas sacolas cheias de pertences.
Alguns rostos se iluminaram com a notícia que eu acabara de dar, e senti
uma pontada no coração.
Era difícil ver os moradores sendo evacuados, mas isso era apenas
temporário. Assim que eu pegasse o culpado, a ameaça acabaria e os eles
poderiam voltar para suas casas.
– Isso não será necessário – disse Adele, olhando para mim como se eu
fosse um mosquito irritante que ela quisesse esmagar.
Balancei a cabeça.
– Esse é um grande problema. Sem falar que é irresponsável. Alguém
está abrindo fendas por todo o hotel e deixando os demônios saírem. Isso
precisa ser impedido. Você não pode simplesmente deixar isso acontecer.
Os demônios continuarão a escapar para o hotel. Ele nunca mais poderá ser
habitado.
– Não será necessário – Adele se endireitou. Sim, a vadia era alta. – O
hotel será destruído, então não haverá mais demônios. Problema resolvido.
– Destruído! – gritou Jade.
– Mas você não pode fazer isso – gritou Elsa enquanto apertava as
mãos. – Ele já existe há mais de cem anos.
– Esta é a nossa casa – disse Barb, com os olhos cheios de lágrimas. –
Será a nossa morte. Para onde iremos?
– Não me importo – disse Adele, com um leve sorriso de satisfação nos
lábios. – Odeio ter de me repetir para simplórios. O hotel será destruído
amanhã de manhã. Se vocês ainda estiverem aqui dentro, morrerá com ele.
Eu não me importo.
Toda vez que ela abria a boca, eu a odiava ainda mais. A bruxa não
tinha coração.
– Você não acha que destruir o hotel é um pouco exagerado? Ele não
precisa ser destruído. Tudo o que você precisa fazer é deter a pessoa que
está criando as fendas e o problema será resolvido.
– A decisão foi tomada – O rosto de Adele se abriu em um sorriso frio.
– O hotel será destruído às oito da manhã de amanhã. Isso é tudo.
Isso não é tudo, sua cadela alta e magrela.
Então, algo me ocorreu e senti todo o sangue sair do meu rosto.
Jimmy!
Se eles destruíssem o hotel, Jimmy seria destruído com ele. Ele não
poderia ir embora devido à maldição.
Olhei para o corredor e vi o cão de brinquedo. Suas orelhas estavam
abaixadas e seu rabo entre as patas traseiras, ele sabia o que significava a
destruição do hotel.
As lágrimas queimaram meus olhos. Eu não deixaria isso acontecer. Eu
encontraria uma maneira de impedir isso.
O problema é que eu tinha apenas algumas horas e não tinha ideia de
como fazer isso.
25
P or um– Você?
breve instante, pensei “Mas que diabos”, mas logo me recuperei.
Você está por trás disso?
Raymond, o gerente assistente do hotel, o homem mediano, com um
rosto comum e facilmente esquecível, encontrava-se no telhado.
Seus fios de cabelo castanho-amarelado estavam de pé ao redor de sua
cabeça devido ao vento. Mesmo na penumbra, eu podia ver as olheiras sob
seus olhos. Seu rosto era magro, mais magro do que eu me lembrava, mas,
por outro lado, eu realmente não me lembrava dele. Ele poderia ter tido essa
aparência antes, e eu não teria me lembrado. Como eu disse, ele era
facilmente esquecível.
No entanto, notei algo diferente. Seus olhos estavam no fundo, mas
ardiam muito intensamente, como se ele estivesse com febre.
O cheiro de podridão e carniça chamou minha atenção para um ponto
no meio do telhado.
Acima de um círculo desenhado com sangue, seis galinhas mortas
jaziam no meio do telhado. As mesmas runas e selos que eu havia visto
antes, pintados com sangue, marcavam algumas áreas ao redor do círculo,
ao lado de velas acesas.
Uma ondulação de águas negras tremulou no ar, um metro acima do
círculo de sangue. A Fenda estava aberta.
Ela era enorme, pelo menos três vezes maior do que as outras que eu
havia visto, o que explicava o estrondo que sacudiu o hotel.
Eu tinha que admitir que vê-lo em vez de Valen era um grande alívio.
Isso significava que eu estava errada em relação a Valen, mas também
significava que eu estava perdendo o jeito por descartar Raymond
totalmente como suspeito. Ele tinha acesso às câmeras de segurança. Ele
estava na minha frente o tempo todo, mas eu nunca o vi.
– Você é um bruxo – eu disse, dando um passo à frente cuidadosamente.
– Nunca senti essa vibração em você. Você escondeu bem isso. Assim como
sua aparência esquecível – Sua presença invisível tinha sido sua arma. E ele
a aproveitou.
O rosto de Raymond se abriu em um sorriso, seus olhos se arregalaram
com o brilho de um louco. O sangue escorria de seu nariz e uma camada de
sangue cobria seus dentes quando ele falou em seguida.
– Sim. Quem suspeitaria do pobre, pequeno, velho e frágil Raymond?
O som de uma respiração pesada e passos me fizeram inclinar a cabeça
para trás.
Julian se aproximou apressadamente, seguido por Elsa e Jade, que
patinava.
– Puta merda! – gritou Julian. – Esse é o gerente assistente. Qual é o
nome dele? Eu nunca consigo me lembrar.
Veja, totalmente esquecível.
– Raymond – eu disse a ele.
– Ele? – disse Elsa, juntando se a mim do lado direito. – Ele é o
responsável por isso? Você está brincando!
Dei de ombros.
– As aparências enganam.
– De fato – Jade parou ao lado de Elsa.
– Mas ele é o zelador – disse Elsa, o que parecia mais uma pergunta do
que uma afirmação.
Raymond emitiu um grunhido ao ouvir isso.
– Gerente assistente – ele rosnou para nós. Sim, ele tinha sérios
problemas de insegurança.
Olhei para trás novamente, esperando ver Jimmy, mas ele não estava lá.
Talvez ele não pudesse vir no telhado, que tecnicamente ficava fora do
hotel.
Um turbilhão de raiva se formou dentro de mim ao pensar em toda essa
confusão provocada por Raymond.
O céu noturno estava limpo e a luz das estrelas cantava para mim, elas
estavam prontas, apenas esperando.
– Você me enfeitiçou para que eu não pudesse ver o hotel?
Raymond deu uma risada doentia.
– Sim.
Cerrei os dentes, minha raiva redobrou.
– Você deixou os demônios entrarem e mataram todas aquelas pessoas.
Você mandou matar Eddie porque ele estava atrás de você. Não é? Por que
você fez isso? – Pessoas loucas faziam coisas loucas, mas elas sempre
tinham um motivo.
Com minha luz estelar forte, eu podia sentir a magia de Raymond agora,
ela era fria e desconhecida. A maioria de sua magia estava direcionada à
Fenda. Por enquanto. Ele pode não parecer, mas era um bruxo poderoso.
Ele havia me enganado, mas eu não cometeria esse erro novamente.
– Por quê? Por quê? – Raymond jogou a cabeça para trás e soltou uma
risada assustadora. Ele parecia satisfeito por orquestrar tudo, satisfeito por
trazer os demônios para o hotel e matado todas aquelas pessoas.
O bruxo demente soltou uma gargalhada ofegante.
– Durante toda a minha vida, fui ignorado e menosprezado nos
empregos. As mulheres nem sequer me dão atenção.
– Talvez se você se arrumasse um pouco – murmurou Julian. – Os
implantes de cabelo podem te ajudar muito.
– Ninguém nunca se importou comigo – continuou Raymond, ele
proferiu as palavras com grande emoção, como se há anos desejasse
compartilhá-las com alguém, mas ninguém o tivesse ouvido. – Toda vez
que havia um novo cargo no hotel, eu era ignorado. Trabalhei mais duro e
por mais tempo do que qualquer um neste hotel. E quando Jabbar, o antigo
gerente do hotel, morreu há trinta anos, a vaga ficou aberta. Mas eles me
ofereceram o cargo? Não. Deram-na ao Basil. Esse cargo deveria ter sido
meu. E eu tive que trabalhar abaixo dele todos esses anos, sabendo que ele
havia roubado meu cargo.
– Tudo bem – eu disse. – Você não conseguiu o emprego. Mas eu ainda
não entendo, isso foi há muito tempo. Por que tudo isso agora?
Os olhos de Raymond se estreitaram para mim.
– Porque sim. Porque eu sabia que eles nunca me ofereceriam o
emprego. A única maneira de me livrar de Basil era fazer com que ele fosse
demitido. Para arruinar sua reputação – Um sorriso maligno se contorceu
em seu rosto. – Apenas quando um gerente de hotel é demitido é que o
gerente assistente pode assumir o cargo.
– Puta merda – respirei fundo. – Tudo isso? Todas essas mortes devido a
um maldito cargo? Você matou pessoas porque queria ser o gerente do
hotel? – Estava claro que ele era louco.
– O cara é maluco – disse Julian.
Louco e um bruxo poderoso. Uma combinação perigosa.
Raymond ergueu a cabeça com orgulho.
– Em breve serei o gerente do hotel – Ele soltou uma risada, seus olhos
irradiando uma alegria quase insana. – O cargo foi prometido a mim. Com
esse último portal, eu me livrarei de vocês e, então, Basil será demitido. E
então eu serei o gerente do Twilight Hotel!
Elsa respirou fundo entre os dentes.
– Ele não sabe.
– Que idiota – disse Julian.
– Eles não contaram a ele – acrescentou Jade.
A confiança de Raymond diminuiu quando ele nos encarou.
– Me contar o quê? Do que vocês estão falando?
Minha pele se arrepiou com a súbita força da magia de Raymond, senti
sua fúria se manifestar sob a superfície.
A Fenda oscilou e ouvi o sibilo e os gemidos guturais das criaturas do
outro lado. Uma brisa trouxe o cheiro de sangue e uma nuvem de energias
repugnantes me atingiu no rosto. É melhor eles ficarem daquele lado do
portal.
Respirei fundo.
– Eles vão demolir o hotel – eu disse, mantendo minha voz calma. –
Eles vão destruí-lo amanhã de manhã, às oito horas.
A fúria escureceu as feições de Raymond.
– Mentirosa. Todos vocês são mentirosos. Vocês só estão com inveja
porque querem meu emprego – Ele apontou para nós. – Vocês querem ser o
gerente. Mas vocês não poderão. Eu sou o gerente agora. O cargo é meu.
– Um completo maluco – murmurei. – Escute, Raymond, eu tenho um
emprego e meus amigos aqui não sonhariam em ser o próximo gerente. Mas
estou dizendo a verdade a você.
– Se isso fosse verdade, por que vocês não foram embora? – perguntou
Raymond, com um tom de suspeita em sua voz, embora eu pudesse sentir a
incerteza em suas palavras.
– Por causa de Jimmy. Estamos tentando descobrir uma maneira de
libertá-lo dessa maldição. Você conhece o Jimmy, certo? Claro que você
conhece. Então você sabe que, se o hotel for destruído, ele também será.
Jade rolou um pouco para frente.
– É a verdade. Por que você não liga para Basil? Ele dirá a você.
Para nossa surpresa, Raymond tinha um celular com ele. Ele o pegou,
enviou uma mensagem de texto e esperou. Todos nós ouvimos alguém
respondendo à mensagem.
Ele ficou paralisado. Enquanto permanecia ali, o rosto de Raymond
parecia ter mudado, com as sombras sob seus olhos intensificando-se,
conferindo-lhe uma aparência doentia.
O celular escorregou de sua mão e bateu contra a superfície dura do
telhado, quebrando-se em pedaços.
– Viu? – eu disse a ele. – Você fez tudo isso por nada. Você não ia
conseguir a vaga porque não haveria vaga para você – Droga, percebi que
essa não era a coisa certa a dizer a uma pessoa já instável. Mas era tarde
demais.
O rosto de Raymond distorceu-se de maneira grotesca.
– Não! – gritou ele. – Não! Eles não podem fazer isso comigo. Eu
trabalho aqui há anos. Anos!
Senti uma força vinda da Fenda. Ela estava conectada à Raymond. Tudo
o que ele tinha de fazer era dar um empurrão com sua magia e ela se abriria.
Raymond tossiu e cuspiu o sangue da boca, mas a maioria permaneceu
em seus lábios, escorrendo pelo queixo.
– Você está doente, Raymond. Deixe-nos ajudar você – Eu sabia que
qualquer que fosse a magia negra e sombria com a qual ele estava se
envolvendo, estava cobrando um preço. Ele estava se transformando, era
corrompido toda vez que a usava. Isso estava deixando-o louco. Eu não
sabia se já era tarde demais para ajudá-lo, mas eu ia tentar.
Raymond se debateu, parecendo cada vez mais com uma criatura, um
monstro emergindo das profundezas do mesmo reino de onde as evocava.
– Meu. Meu trabalho. Meu!
– O cara perdeu a cabeça – disse Julian. – Precisamos agir agora.
Acenei com a cabeça.
– Você está certo. O portal está prestes a se abrir. Não podemos deixar
que isso aconteça. Você tem algo para segurá-lo? Como uma poção
imobilizadora?
– Sim – respondeu Julian. – Isso vai cuidar dele.
– Bom – Respirei fundo. – E eu vou fechar o portal.
Mas já era tarde demais.
Senti um repentino zumbido de energia, uma onda de magia, e um
estalido rompeu o ar.
Os pelos da minha nuca se eriçaram e eu fiquei horrorizada quando uma
abertura surgiu e se converteu em uma fenda a seis metros de nós.
Entidades demoníacas, deformadas e corrompidas, se espalharam em busca
de carne humana.
O ar estalou, e demônios de variadas formas e dimensões lançaram
gritos de raiva ao emergirem do portal, a luz da lua reluzia em seus dentes,
garras e olhos famintos. Eles saíram correndo, com uma agilidade
animalesca, formando um vulto de rostos e membros retorcidos e
protuberantes.
Eu contei trinta antes de perder a conta.
E todos eles vieram atrás de nós.
27
E umitos
nunca tinha visto um gigante de verdade. Gigantes eram coisas de
e lendas. Eu mal me lembrava de ter lido sobre eles nos milhares
de livros paranormais que li ao longo dos anos. Ninguém falava sobre eles
porque todos nós sabíamos que eles não existiam. E quando digo nós,
refiro-me à comunidade paranormal, onde seres metamorfos, vampiros e
fadas conviviam em nosso meio. Não se supunha que os gigantes fossem
reais. Quero dizer, unicórnios eram raros, mas eu sabia que eles eram reais.
Alguns tinham sido vistos na Irlanda. Mas gigantes? Os gigantes não eram
reais.
No entanto, eu estava olhando para um.
– Você é… você é um gigante – eu disse a ele. De onde eu estava, eu
mal conseguia ver seu rosto.
Com meu coração na garganta, Valen, o gigante, esmagou um demônio
que se aproximava dando um golpe com seu punho. O terraço tremeu como
um terremoto.
Ele se virou para mim e disse:
– Eu sou.
Estremeci com o som de sua voz. Ela estava dez vezes mais grave e
alta, com um tom mais gutural.
Não pude deixar de encarar esse magnífico, porém aterrorizante, gigante
nu. Os músculos de seu tórax se flexionaram enquanto ele se posicionava
protetoramente na minha frente, dando-me uma excelente visão do seu
membro gigante. O quê? Eu tive que olhar. Acredite em mim. Você também
teria olhado.
Em resposta a um vulto formado por pelos e presas, Valen, o gigante,
girou para enfrentar o ataque de dois demônios. Ouvi um grito e o som de
carne sendo rasgada. Valen, o gigante, rasgou os demônios com uma
rapidez voraz.
Foi emocionante e aterrorizante de assistir.
E então percebi que era isso que ele estava escondendo. Ele estava
escondendo o fato de ser um gigante. Mas por quê?
Ouvi um rugido atrás de mim. Valen deu um passo à frente, pegou um
punhado de demônios e os levantou como se não pesassem nada. Em
seguida, esmagou seus crânios, como se não fossem mais do que cascas de
ovos, antes de jogá-los.
– Leana! Me ajuda!
Eu me virei ao ouvir o som da voz aterrorizada de Julian. Ele tinha um
cabo de metal na mão, e balançava-o contra um demônio que parecia uma
pantera com cabeça de águia, que se aproximava. Ele não tinha magia para
se defender.
Eu me esforcei para me levantar.
– Você pode protegê-los? Preciso chegar à Fenda e fechá-la. Você pode
ajudar meus amigos?
Valen olhou para mim com aqueles mesmos olhos escuros.
– Posso. Você consegue fechar o portal?
– Farei o meu melhor.
Valen se virou, pisou em um demônio em seu caminho e correu até
Julian. Eu queria ficar e ver esse gigante dar uma surra nos demônios. Não
era todo dia que você via uma criatura mística. Mas eu tinha uma fenda para
fechar.
Levantando-me novamente, manquei pelo telhado, feliz por Valen ter
aberto o caminho para mim. Consegui chegar à Fenda sem ser atacada,
onde Raymond ainda estava deitado de costas, olhando para o céu. Ele era
um filho da puta xarope.
Soltei um suspiro e então invoquei minha força interior, minha luz
estelar. Senti o suave puxão do seu poder quando ela respondeu, o fluxo de
energia branca agitava-se dentro de mim. Eu a mantive ali por um
momento. Coloquei os pés no chão para ter mais controle, pois sabia que
meus ferimentos poderiam me fazer tropeçar.
Eu estava bem na frente do portal de demônios. O ar chiava com a
energia fria enquanto o cheiro de morte, sangue e maldade me atingia em
cheio. Ele pulsava como um zumbido constante. O fedor de enxofre e
podridão era avassalador, e meus ouvidos estalaram com a mudança de
pressão. Um vento forte soprou ao meu redor, levantando meus cabelos dos
ombros e batendo-os contra meu rosto. Esse ar não era natural, era ácido e
venenoso para nós, mortais. Eu o reconheci. Era o ar do Submundo, vindo
de dentro do portal.
Eu podia ver formas através do portal. Milhares de formas corriam em
direção à abertura do nosso mundo.
Que merda. Se eles nos alcançassem, eu não tinha certeza se até Valen
conseguiria detê-los.
Puxei toda a magia da luz estelar que pude, canalizando as emanações e
aproveitando a energia celestial que vinha do céu. Senti um formigamento
quando ela respondeu.
Um carretel de luz branca ofuscante se enrolou em minhas palmas e se
entrelaçou em meus dedos com um lento rastejar.
Uma luz brilhante surgiu em meus dedos estendidos e eu a direcionei
para a Fenda. Ela saiu das minhas mãos como um disparo interminável de
energia branca, iluminando o terraço como se fosse a luz do dia.
Os gritos ecoaram de algum lugar de dentro do portal. Eu não conseguia
mais vê-los, mas suas vozes estavam próximas. Perto demais. Eu tinha que
me apressar.
Mantive minha magia pronta mais uma vez, como uma arma carregada,
era muito mais difícil do que parecia. Eu estava pronta para explodir
qualquer filho da puta que atravessasse o portal enquanto eu tentava fechá-
lo.
E então, enquanto me agarrava à luz estelar, invoquei o poder da lua.
Estendi minha força interior para a lua, para sua energia.
Ela respondeu.
Outra explosão de luz branca, maior, passou por mim e atingiu o portal.
A dor atingiu meu corpo, como se minhas entranhas estivessem
pegando fogo. Tonta, eu cambaleei enquanto a magia jorrava de mim como
uma fonte, afogando-me no cansaço.
Invocar o poder da lua não foi uma tarefa fácil. Como eu disse antes, se
fosse demais, ela mataria. Eu fritaria ali mesmo, como um frango.
Mas estava funcionando.
O portal se deslocou e começou a dobrar sobre si.
– O que você está fazendo!
Virei-me para ver Raymond de pé ao meu lado, olhando com olhos
arregalados para o portal, que ficava cada vez menor.
Eu não tinha energia para desperdiçar falando com ele. Qualquer deslize
e eu poderia estragar tudo.
– Você não pode fazer isso! Pare! Pare! – gritou ele.
Eu nunca fui muito boa em receber ordens.
A luz das estrelas continuava fluindo de mim e penetrando no portal. O
suor brotou em minha testa e comecei a sentir o início do cansaço, além de
um pouco de náusea. Mas, mesmo assim, eu me mantive firme. Só mais um
pouco e tudo estaria acabado.
Ouvi gritos distantes e uivos de indignação. Olhei para a Fenda e
inúmeras sombras apareceram à minha vista, elas estavam cada vez maiores
e mais próximas. Eu conseguia distinguir asas, caudas e tentáculos. Seus
movimentos eram frenéticos e desesperados. Os demônios viram o que eu
estava fazendo e agora corriam.
De repente senti mãos envolverem meu pescoço. Pisquei para ver o
rosto enlouquecido de Raymond, que tentava esmagar meu pescoço com
seus dedos frios e calejados.
– Eu vou matar você! Vou matar você! – ele gritou, seu cuspe voou em
meus olhos enquanto ele pressionava com mais força, tirando minha
capacidade de respirar.
De novo esse negócio de sufocamento, sério? Eu não estava mais com
medo. Eu estava com raiva. Puta. Já estava farta de homens que tentavam
me estrangular até a morte.
Eu não podia parar de emitir minha luz estelar e não conseguia usar
minhas mãos.
Então, usei a única outra coisa que tinha à minha disposição.
E eu lhe dei uma joelhada nas bolas.
Quando você estiver em dúvida, opte pelas bolas. E funcionou
perfeitamente.
Raymond soltou meu pescoço e se curvou, com as mãos em suas bolas.
– Sua puta – sibilou ele.
É claro que, depois disso, tive que chutá-lo novamente.
Raymond cambaleou para trás e caiu direto no portal, desaparecendo.
Ops. Eu não pretendia fazer isso, mas já era tarde demais. O bruxo
havia desaparecido.
A adrenalina percorreu meu corpo. A energia lunar parecia ter
fragmentado minha essência em inúmeros pedaços, mantidos unidos
somente pela minha pele e minha determinação. Uma dor lancinante
explodiu em minha cabeça, e a escuridão inundou meus olhos. Eu não
conseguia enxergar, mas ainda assim me mantive firme.
Gritos guturais surgiram das profundezas do portal, mas já era tarde
demais. Seus gritos de indignação aumentaram, ecoaram e depois
desapareceram.
Com um estalo de pressão, a Fenda desapareceu.
29
E uManhattan.
estava na Cherry Street, contemplando um dos pilares da Ponte de
O céu exibia um azul profundo, com o sol surgindo no
horizonte como uma linha nebulosa. Ele se aproximava do horizonte, mas
eu ainda tinha aproximadamente quarenta minutos antes de esgotar minha
reserva de magia da luz estelar. Teria que ser o suficiente.
Passei quase o resto da noite montada no ombro de Valen enquanto ele
caminhava pelas ruas de uma cidade que nunca dormia. Tinha sido incrível
andar entre os humanos, sem eles nos ver. Como eu estava montada nele,
tocando sua pele, imaginei que seu feitiço também havia me escondido dos
olhos humanos.
Ele teve o cuidado de não tocar em ninguém enquanto caminhava,
contorcendo-se e evitando-os o máximo possível. Aparentemente, ele
gostava de telhados, pois pulava de um para o outro. Parecia que ele não era
apenas dotado de força, mas também do poder de saltar grandes distâncias.
Eu também tinha inveja disso.
Não percebi que havia adormecido em seu ombro. E quando acordei,
estava de volta ao seu apartamento, e ele estava de volta ao seu tamanho
normal e totalmente vestido, infelizmente.
– Eu dormi por quanto tempo? – perguntei a ele, sentando-me em seu
sofá.
– Cerca de uma hora. Como você está se sentindo? – Ele me entregou
outro chá.
Peguei a xícara e o encarei.
– Isso é…
Valen riu.
– Isso não vai fazer você dormir. É apenas um chá comum.
Eu me espreguicei e bocejei.
– Me sinto nova em folha – Isso me fez pensar se os gigantes tinham
habilidades de cura ou algo assim, porque eu não deveria estar me sentindo
tão rejuvenescida. Tomei um gole do chá e coloquei a xícara na mesa ao
lado.
O sofá balançou quando Valen se sentou ao meu lado, sua coxa roçou a
minha. A sensação foi agradável, e eu não me mexi.
Fiquei olhando para seu rosto.
– Você deve estar cansado?
– De forma alguma – disse ele, olhando para mim com tanta intensidade
que me senti prestes a entrar em combustão espontânea. – Estou
acostumado com isso – Seus olhos se moveram para meus lábios, o que
provocou um pico de desejo em meu âmago.
– Tenho certeza de que sim – Ele estava perto. Muito perto.
– Você é muito linda – ele murmurou, e acho que cheguei a gemer.
– Eu vi você nu – eu disse. Por que diabos eu disse isso?
O desejo brilhava em seus olhos escuros. E, sem nem mesmo um aviso,
ele inclinou a cabeça e beijou um canto da minha boca. Depois o outro lado,
pressionando suavemente meus lábios.
Me enrijeci de surpresa. Seus lábios se moveram contra os meus, eles
eram quentes e macios, meu coração disparou enquanto eu o beijava de
volta. Quando ele passou a língua entre meus lábios, meu pulso disparou, e
uma onda de calor tomou conta de mim, fazendo com que a emoção me
percorresse dos lábios até os dedos dos pés.
Eu havia me esquecido de como era bom ser beijada daquela maneira,
com paixão e desejo, o tipo de beijo que incendeia.
Ele colocou uma mão em minhas costas e a outra em minha nuca,
aproximando-me mais. Senti meus braços envolverem sua cintura e suas
costas. Minha respiração ficou acelerada quando ele introduziu sua língua
profundamente em minha boca. Ele tinha um leve sabor de café, e seus
beijos me faziam desejar mais.
Soltei um pequeno gemido e entrelacei meus dedos em sua nuca,
puxando-o para mais perto.
Ele fez um som de surpresa e seu beijo se tornou mais agressivo. Suas
mãos se apertaram ao meu redor. Senti o desejo e a necessidade nelas. Isso
provocou uma onda de calor ainda maior, e minhas partes femininas
ficaram excitadas. Uma parte de mim queria arrancar suas roupas, sentir seu
corpo musculoso contra a minha pele.
Droga, ele beijava muito bem. Será que todos os gigantes beijavam
assim?
Minha respiração saiu em um gemido enquanto eu me aconchegava em
seu corpo, com uma mão em volta de seu pescoço e a outra em seu cabelo
macio e sedoso. Senti seus músculos se contraírem, e me segurei para não
arrancar suas roupas.
Suas mãos se moveram sob minha camiseta, e a aspereza de seus calos
fez minha pele formigar. Sentindo meu desejo, seu toque se tornou
agressivo, e ondas quentes de prazer percorreram meu âmago.
E então ele se afastou.
– Sinto muito. Não posso – disse ele, com a voz baixa e cheia de
emoções. Sua respiração saiu em uma expiração lenta. Ele não apenas se
afastou, e foi em direção a cozinha.
Era difícil não se sentir magoada ou atingido por sensação de rejeição.
Estávamos a caminho de um rodeio no quarto. Eu havia sentido seu forte
desejo por mim, mas algo o impedia. Ou alguém…
Sentei-me no sofá em silêncio o máximo que pude antes que se tornasse
estranho.
– O quanto você patrulhou hoje? Até onde fomos? – Perguntei,
rompendo o silêncio incômodo e olhando para o homem que não conseguia
me olhar nos olhos.
Valen me surpreendeu quando voltou e ocupou a cadeira ao meu lado.
Ele permaneceu a uma boa distância de mim, mas perto o suficiente para
que eu não me sentisse rejeitada novamente.
– Fizemos todo o caminho até Harlem e depois de volta para Chinatown
e então aqui.
Levantei uma sobrancelha.
– Você andou bastante. Deve conhecer a cidade muito bem – Um
pensamento me ocorreu. Por ser um sentinela, Valen patrulhava as ruas de
Manhattan há anos. Ele sabia onde viviam todas as criaturas sombrias e
maléficas, demônios renegados, lobisomens e vampiros. Entre outros…
– Sim – respondeu o gigante, com seus olhos escuros me prendendo por
um momento.
Eu engoli em seco.
– Você conhece uma feiticeira chamada Auria? Ela deve ser idosa. Já
passou de seu centésimo aniversário.
Valen franziu a sobrancelha enquanto pensava sobre isso.
– Pelo nome, não. Mas sei de uma velha feiticeira que vive embaixo da
ponte de Manhattan. Ela está lá há muitos anos, aparentemente. Por quê?
Meu coração bateu forte no peito quando me levantei.
– Preciso ir – Eu realmente precisava dar uma boa distância entre o
gigante gostosão e minhas regiões íntimas. Eu precisava fazer alguma coisa
para evitar que minha mente sentisse aquela rejeição novamente. Porque
aquilo doía. Eu não ia mentir.
Valen se levantou lentamente.
– Agora?
– Sim, antes do nascer do sol. Ainda tenho tempo.
Não fiquei surpresa quando ele não se ofereceu para vir comigo. Era
óbvio que Valen tinha alguns demônios internos para resolver, e eu só
estava piorando as coisas. Mas isso não fez com que eu me sentisse melhor.
Saí do apartamento dele com o coração um pouco dolorido. Mas nada
que não pudesse ser consertado. Eu não queria outro homem em minha
vida. Era o que eu pensava até conhecer Valen. Mas eu não me deixaria
apegar demais a alguém que não estivesse pronto, ou a alguém que não
conseguisse esquecer o passado.
E agora aqui estava eu. Meia hora depois, olhando para o píer de pedra.
Parte de mim queria ficar com o gigante. Havia uma atração muito forte
entre nós. Mas eu tinha algo mais importante para fazer.
Sentindo-me rejuvenescida devido à magia do gigante, embora ele não
tivesse confirmado isso, avancei em direção ao píer de pedra e procurei a
porta. A princípio, não consegui ver nenhuma porta ou portal. Após dar a
volta no píer, ficou óbvio que não seria fácil encontrá-la.
– Tem que haver uma porta. Certo?
Sendo uma feiticeira tão poderosa, Auria teria escondido a porta com
um feitiço. Ainda bem que minhas luzes estelares conseguiriam encontrá-la.
Olhando por cima do ombro para ter certeza de que não havia humanos
curiosos por perto, canalize minha magia estelar, segurei-a, levantei a mão e
a enviei.
Centenas de globos brancos brilhantes em miniatura saíram de minha
mão e atingiram o píer de pedra, cobrindo-o com uma cortina de luz branca.
As luzes das estrelas se moviam ao redor da parede de pedra, e eu as segui.
Depois, elas se juntaram em um ponto da pedra. Suas luzes internas
brilharam mais intensamente. Elas tremeluziram e depois se dissolveram
para revelar uma porta esculpida na pedra.
Eu sorri e, apoiando meu ombro na porta, a empurrei e entrei.
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SOMBRA E LUZ
Caçada Sombria
Vínculo Sombrio
Ascensão Sombria
ARQUIVOS SOMBRIOS
Feitiços e Cinzas
Encantos E Demônios
Magia e Chamas
Maldições e Sangue
GUARDIÕES DE ALMA
Marcada
Elemental
Horizonte
Submundo
Seirs
Mortal
Ceifeiros
Selos
REINOS DIVIDIDOS
Donzela de Aço
Rainha das Bruxas
Magia de Sangue
SOBRE A AUTORA
KIM RICHARDSON é uma autora best-seller do USA Today de fantasia urbana, fantasia e livros
para jovens adultos. Ela mora no leste do Canadá com o marido, dois cachorros e um gato velhinho.
Os livros de Kim estão disponíveis em edições impressas e as traduções estão disponíveis em mais de
sete idiomas.
www.kimrichardsonbookstore.com