Você está na página 1de 644

Copyright © 2020 Janice Ghisleri

Capa: IRC Design


Revisão e Diagramação: Carla Santos

Todos os direitos reservados.


Nenhuma parte dessa obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer
forma, meio eletrônico ou mecânico sem a permissão da autora.
Capa
Folha de Rosto
Créditos
Nota da autora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Epílogo
Prévia
Biografia
Obras
*Este livro contém gatilhos de estupro, cenas de violência e sexo.*

A linha temporal que se passa a história de Clere e Aaron não é sequência


depois da história de Gael, é anterior. Como irão perceber, na época do fim
do livro de Harley e da história de Konan.

Vocês podem sentir falta de algumas cenas mais detalhadas sobre Aaron,
ou desejar, sim, eu sei, mas terão mais cenas com ele no livro dos reis, então
mais cenas da época da origem dos lobos virão, não se preocupem.

Sofri para escrever este livro, realmente chorei bastante, porque a história
da Clere, mesmo sendo fantasia, é bem real no nosso dia a dia. Infelizmente.

O mundo precisa cuidar e amar mais nossas mulheres e crianças, porque


parece que os homens não estão sabendo fazer isso.
Escandinávia, 1.110 d.C.

Casas estavam pegando fogo, as carroças que estavam cheias de provisões


e comida de sua colheita vindoura, prontas para a partida para Kimera,
sucumbiam em chamas.

Os lobos caíam assassinados, os soldados, a cavalo, entravam na aldeia e


os atacavam com suas espadas e flechas.

Alguns lobos eram capturados e acorrentados com fortes correntes de


ferro, outros eram jogados gravemente feridos com a cabeça sobre uma tora
de madeira e decapitados com um machado.

As poucas mulheres e crianças, que ainda haviam ficado para trás no


processo de mudança, corriam e gritavam tentando fugir e se proteger dos
soldados.

Os lobos machos lutavam com bravura, tentando ao máximo, proteger sua


gente.
Em forma de lobo rosnavam, corriam, saltavam e com suas presas e
garras afiadas estraçalhavam suas gargantas, outros lutavam com suas
espadas e machados.

Os rosnados e gritos atravessaram cruelmente as montanhas e a noite


escura.

Lobos da alcateia escandinava lutavam bravamente, pois eram guerreiros


fortes e selvagens, mas o exército cristão, governado por um missionário que
estava determinado a evangelizar os pagãos selvagens, era enorme e violento.

A descoberta pelos humanos cristãos de uma aldeia de homens e mulheres


possuídos por demônios, que se transformavam em animais, esteve nos
planos de aniquilação ordenados por um bispo poderoso. Toda bruxaria e
fruto do demônio deveriam ser eliminadas.

Naquela noite, a ordem era dizimar a aldeia sem piedade e os lobos


estavam sucumbindo.

Kleiri Haugen havia conseguido mantê-los seguros e distantes dos


humanos por séculos, mas sabia que o perigo estava rondando e que os
cristãos estavam massacrando os pagãos escandinavos, que não aceitavam
deixar seus deuses e aceitar o deles, sabia que era hora de desaparecer das
terras do Norte.

Para salvar seu povo, ela tinha aceitado mover sua alcateia para Kimera,
um lugar mágico e seguro, onde viviam os antigos lobos.

O sussurrar entre as alcateias de uma lenda, de que havia lobos que


viviam em um reino invisível aos olhos humanos, era ignorada pela maioria
dos lobos, eram apenas lendas. Mas Kleiri acreditava e, por anos, negou-se a
acasalar com lobos pretendentes que apareciam, tentou enviar sinais para
descobrir os antigos, então, um dia, o príncipe Aaron Nordur, com seus
guerreiros milenares, havia chegado à sua alcateia.
A brava guerreira não somente tinha sido encantada pela existência de um
novo mundo que os reis viviam, mas que a lenda dos companheiros de alma
era verdadeira e que o próprio beta, o príncipe dos lobos, era seu
companheiro.

A esperança de felicidade e de um futuro seguro e bonito estava


sucumbindo naquela noite, seu mundo desabava.

Aaron havia levado muitas mulheres e crianças dias atrás e estavam


salvos, mas tinha sido um erro ter ficado e agora, ela não podia salvá-los,
nem a si mesma.

Kleiri lutava bravamente com sua espada, matando cada humano que
aparecia na sua frente, com golpes fortes que lançavam ao chão o sangue dos
inimigos.

Sua força a impulsionava e a ira a fortalecia. Cravando sua espada entre


um golpe e outro derrubou muitos deles, mas, de repente, uma flecha a
atingiu nas costas e a fez cambalear e gritar pela dor, ela rosnou zangada e
dolorida, alcançou a flecha e puxou arrancando-a e gritou pela dor, rosnou
novamente e empunhou a espada, mas outra flecha a atingiu no ombro, outra
no peito e uma na perna, que a fez tombar.

Rosnando em fúria, ela se levantou, correu para os humanos e atacou com


toda força que tinha, matou um, depois outro, e outra flecha a atingiu.

Os lobos cercavam, tentando combater os inimigos para que não se


aproximassem dela, um tentou levantá-la, mas uma flecha perfurou seu
pescoço e ambos caíram.

De joelhos na terra enlameada e banhada no sangue, quase sem respirar,


ela viu seus lobos tombarem. Então suas forças a abandonaram, e a gritaria e
rosnados faziam seus ouvidos zunirem.

Sem conseguir reagir mais, sem forças, sentiu ser agarrada e arrastada.
Seu corpo ferido foi amarrado a um palanque de madeira e correntes
foram presas em seus braços, e estes, esticados para os lados. Ela gritou pela
dor e piscando, aturdida, viu tudo nublado.

Rosnou com os olhos cintilantes, puxando as correntes tentando se soltar,


mas não teve forças suficientes. Então, um clérigo apareceu na sua frente.

— Quanto o inferno está aberto para as bestas do demônio terem subido


às nossas terras? — o homem disse zangado e, ao mesmo tempo,
assombrado.

— Não somos bestas do demônio! — Kleiri rosnou com sua voz


animalesca, zangada e ferida.

— Não acreditei quando ouvi os relatos de que, nestas terras, viviam


criaturas tão vis. Não há nada que possa fazer para salvar suas almas
perdidas, somente purificá-las nas chamas e mandá-las de volta aonde
pertencem.

Kleiri estava corroída de ódio e fúria, desesperada para tentar salvar seu
povo e pela arrogância do homem que os julgava tão levianamente, mas os
humanos sempre os perseguiram.

Rosnou tentando se soltar novamente quando viu atearem fogo em dois


lobos ainda vivos. Eles a queimariam também.

Kleiri olhou ao redor, rezando aos deuses que seu príncipe chegasse a
tempo e os libertasse. Que salvasse o que restava de sua pequena aldeia que
ardia em chamas, e então os soltados arrastaram mais lobos feridos, presos
nos fortes grilhões e os prenderam nas toras.

— Aaron! — gritou.

Ela sentiu o ar agitar-se, orou fortemente e pediu que suas súplicas


chegassem a tempo.
Então, atearam fogo nas palhas e os gritos dos lobos encheram os ouvidos
de Kleiri. As lágrimas escorreram, em dor e desespero, porque o que mais
doía não eram os ferimentos do seu próprio corpo e sim os gritos dos
inocentes que ela não conseguiu salvar.

Ela ouviu os rosnados ferozes que retumbaram pela floresta em meios aos
gritos, espadas brandiram e o som do metal tilintando com eco encheram seus
ouvidos.

Ela sentiu o chão tremer, que pareciam batidas surdas. Lutando para não
perder os sentidos, com o gosto metálico do sangue em sua boca. Virou a
cabeça para o lado e viu homens com aqueles trajes dos normandos e aquele
homem que dizia que seu deus era o único deus e que eles eram demônios
que deveriam ser mandados para o inferno.

Ela não acreditava e nem sabia onde era o tal inferno, mas com certeza
não poderia ser pior do que estava vivendo naquele momento e sabia que os
deuses que acreditava a mandariam para Valhala onde esperaria por seu
príncipe.

Seu lindo príncipe, que nunca mais veria.

A chuva começou a cair e lavava o sangue de seu rosto, respirar doía e


suas últimas forças estavam a abandonando, então guerreiros a cavalo
estavam chegando, lutando contra esses soldados.

Eram lobos, os lobos do príncipe.

Esperançosa e, ao mesmo tempo, aterrorizada, ela olhava para a batalha


procurando-o, esperando que ele chegasse até ela e a salvasse. A chuva
apagava o fogo, talvez houvesse esperança.

As correntes foram puxadas duramente e ela gritou de novo pela dor


horrenda e as lágrimas rolaram, e um soldado veio à sua frente com uma
adaga.
Ao longe, ela o viu, o príncipe de Kimera, seu companheiro corria pelo
vale vindo em sua direção, as lágrimas caíram de seus olhos e Kleiri pensou
que teria uma chance, que estava salva, mas estava errada.

— Sua alma demoníaca queimará no inferno.

O homem passou a lâmina no seu pescoço e o sangue jorrou e a última


visão que Kleiri teve foi de Aaron correndo diante de todo aquele pesadelo,
rosnando furiosamente, de forma dolorosa, agredindo os soldados que se
interpunham em sua frente impedindo-o de avançar.

Ele matava a todos, mas quando chegou até Kleiri, os olhos já quase não
o viam mais e suas pernas já não sustentavam seu corpo.

A única coisa que a mantinha eram os grilhões em seus pulsos e pescoço,


correntes grossas demais que ele não conseguia arrebentar com os golpes de
espada.

— Kleiri! Kleiri! — disse tentando arrancar as correntes dela e a tomando


nos braços.

Mas a única coisa que ele viu em seus olhos foi o lindo amarelo, outrora
brilhantes, apagados, sem nenhum raio de sol e vida. Viu seu olhar
desesperado perdido no vazio e ele não podia fazer nada.

Aaron rosnou alto e uivou sua dor, que ecoou pelas montanhas entre
muitos cadáveres de lobos e humanos. Aaron chorou pela perda de sua amada
guerreira e companheira, e seus gritos? Bem... eles puderam ser ouvidos em
Kimera, na Terra e no universo dos deuses.

O lamento do lobo foi maior do que jamais alguém tinha ouvido.

E ele chorou pelo vazio que viria pela frente, que seguiria seus dias
sozinho e frio, sem sua companheira de alma.
“A crueldade é um dos prazeres mais antigos da humanidade.”
(Friedrich Nietzsche)

Gália Bélgica, ano 2 d.C.

Aaron girou a espada, cravou no peito do soldado e puxou num


solavanco. Virou e decapitou a cabeça de outro.

Ia avançando entre os humanos e lobos, atacando todos que estavam no


seu caminho.

Os lobos que chegavam montados em seus cavalos, em forma humana,


saltavam e com suas espadas lutavam contra o exército de humanos que
invadiu seu reino.

Em forma de lobos, alguns saltavam e mordiam, estraçalhando todos os


inimigos.

A luta estava fora dos portões, pelo pátio e, temia, dentro do castelo.
Era imperativo que ele chegasse rápido ao castelo para averiguar a
segurança de sua família.

Rosnou, pegou o machado que estava preso nas suas costas em uma
bainha de couro, rosnou e atirou, ele girou várias vezes no ar e cravou no
peito de um dos soldados, que voou longe e caiu morto. Com sua espada,
cruzou e bloqueou o golpe de um dos romanos.

Ao atravessar os portões, olhou o caos ao redor e era enlouquecedor,


casas estavam pegando fogo, animais corriam perdidos e assustados, havia
gritos de medo, terror e morte que ecoava em seus ouvidos.

Seu reino estava em chamas.

Ele havia saído com uma tropa de seus soldados para parar uma legião de
romanos que tentavam avançar depois das colinas do lado norte. Aaron não
permitiria que se aproximassem de seu território colocando-os em perigo.

Ao derrotar a legião, estavam vitoriosos e voltariam para casa, então um


dos seus lobos os alcançou, estava gravemente ferido, avisando que o castelo
estava sendo invadido.

Seu mundo deu um baque trágico e eles regressaram o mais rápido que
puderam, com o coração pesaroso pelos seus.

Aaron rosnou olhando a tudo, o cheiro de sangue, suor e terra enchiam


seu nariz e causava uma ira desenfreada em seu lobo.

Quando ele viu chamas vindas de dentro do castelo, que era metade
madeira e metade pedras, pois ainda estavam o construindo, se transformou
na forma intermediária de seu lobo e rosnou alto em fúria, incentivando seus
lobos a acabarem com todos de uma vez por todas.

Que se banhassem no sangue dos malditos, que matassem todos, sem


misericórdia.
Ele correu, cruzou as garras no rosto de um, rasgou a garganta de outro,
bloqueou o golpe de outro, arrancou seu braço que tinha a espada e o homem
caiu, e ele o matou cravando as garras em seu peito.

Aaron correu como um demolidor, chegou ao castelo e tudo estava um


caos, havia humanos e lobos mortos por todos os lados, homens, mulheres e
crianças, além de muitos soldados romanos.

Deixou sua guarda lutando para trás e entrou correndo no castelo,


temeroso pela sua esposa e filho.

— Audrea! Igor!

Sentindo o peito oprimir ainda mais, ele encontrou a aia de Audrea caída
na escada, com a garganta cortada.

Saltou pelas escadas, sentindo o cheiro de sangue arder em suas narinas.

Quando entrou em seus aposentos, estacou.

A visão era aterradora. Audrea estava em pé, próxima à janela,


despenteada e empunhava uma adaga com o braço esticado em direção à
porta.

Parecia muito assustada, o olhando com um semblante estático,


respirando com dificuldade. Havia sangue em suas mãos e em seu vestido.

Ele sofreu por ela, pensando que estava muito apavorada com a guerra
que invadiu sua casa. Então, para seu horror, viu que Igor estava caído no
chão sobre uma poça de sangue, parecia que o corte fatal havia sido
deflagrado em seu pescoço. Estava com os olhos arregalados olhando o
vazio, aterrorizados.

— Não! Igor!
Aaron se transformou em humano novamente, correu até ele, ergueu sua
cabeça e rosnou alto e forte sua dor. Nunca sentiu tal dor semelhante a que
sentia ao ver seu primogênito assassinado.

Gritou desesperado e abraçou seu filho, sem acreditar que os humanos


haviam tido a coragem de fazer tal coisa a um inocente.

Sua raiva reverberou e seu lobo conheceu a pura fúria e sede de sangue.

Ele teria sua vingança. Mataria todos.

Ouvindo a respiração pesada de sua esposa, ele se virou e olhou para ela,
sabendo agora porque estava tão aterrorizada, olhava a seu filho morto pelos
humanos e ele não estava ali para protegê-los.

— Audrea... o que fizeram com nosso menino?

Ela não respondeu, arfava trêmula e Aaron olhou para ela, confuso.

— Audrea...

— Não foram eles...

— O quê? Quem foi? Como eles entraram aqui? Mesmo com pouca
guarda, os humanos não conseguiriam entrar aqui!

— Eles disseram que poupariam o povo, as mulheres, as crianças, os que


eram humanos, matariam só as bestas. Disseram...

— O vilarejo está banhado em sangue! Lobos e homens mortos, crianças,


mulheres, todos estão mortos. Eles fizeram uma chacina aqui!

— Não foi o que prometeram...

Aaron estreitou os olhos e a olhou, confuso, pois ela continuava com o


braço estendido empunhando a adaga... para ele.
— O que houve aqui, mulher?

— Isso é culpa sua... se tivesse me ouvido... se tivesse ouvido minhas


súplicas que não o transformasse, que não o transformasse nessa besta.

— O quê? Quem matou nosso filho? — gritou.

— Fui... eu.

Aaron piscou aturdido porque as palavras entraram retorcidas nos seus


ouvidos.

— O... o quê?

— Você transformou meu filho num monstro... eu disse que não queria
que ele fosse um lobo — disse com um ar insano.

Aaron viu suas vistas turvarem. Não podia acreditar na possibilidade de


ter ouvido tal coisa.

Ele engoliu em seco, tentando pensar, colocar os pensamentos de forma


coerente, que pudesse mostrar que tudo aquilo era um engano.

Ele olhou para o seu filho, um rapaz tão bonito, forte e corajoso, no auge
de seus quinze anos, que tinha pedido a ele que o transformasse, pois queria
ser um lobo, que gostava do animal que seu pai tinha se tornado, assim como
seu tio e seus soldados. Ele honrava o seu sacrifício e sua luta.

Seus olhos verdes-escuros, que depois de se tornar um lobo tinham ficado


tão claros, antes tão vividos e bonitos, agora estavam sem brilho, sem vida,
olhando para o vazio.

Aaron trincou os dentes, porque não conseguia pensar em nada pior, não
conseguia suportar a dor que dilacerava seu coração.
A traição de sua esposa era uma trágica queda de seu espírito, de sua
honra, de seu amor e integridade. Nenhum rei poderia tomar aquilo de forma
boa ou compassiva.

Pior, um lobo.

Ele era o primeiro shifter de lobo criado através da magia, absorvendo


parte da maldição de Kayli. Ele tinha dado sua vida para salvar seu rei, para
que seu irmão tivesse uma chance de ser feliz e ter sua família junto a ele, ver
sua filha crescer, ter a esposa que tanto amava ao seu lado, ficou na Terra
para salvar seu legado, sendo um rei, mas ele acabou sendo castigado
severamente, covardemente.

Audrea era sua esposa, sua rainha, e o traía daquela maneira.

O ódio começou a turvar sua mente.

Ele encostou a testa na de Igor e ressonou uma oração à Odin para que
recebesse seu bravo filho em Valhala, pois era forte e corajoso, ávido para
lutar e proteger seu reino, assim como seu pai. Beijou sua testa lentamente e
fungou para tentar suprimir as lágrimas que pareciam não obedecer aos seus
comandos de não caírem.

Cada lágrima derramada era uma onda de puro ódio que o tomava.

Aaron soltou a cabeça de Igor no chão, lentamente, acariciou seus cabelos


compridos e olhou para o sangue de seu primogênito nas mãos.

O líquido rubro pegajoso o deixou mais enjoado, mais irado e seu lobo
interior saltava tão furioso que podia ouvir os rosnados nos seus ouvidos.
Fechou os olhos por um minuto e se levantou, em toda sua estatura poderosa,
cerrou os punhos, lentamente, se virou e olhou para sua esposa, com os olhos
cintilando.

Suas presas estavam alongadas e um rosnado retumbava em sua garganta.


Ela arfou assustada e deu um passo atrás, mas não podia se afastar mais
porque estava encostada na parede.

— Você matou nosso filho? — perguntou, contendo as palavras, falando


num tom baixo, o que o deixava aterrorizante.

Audrea sabia seu destino, sabia que ele a mataria e vê-lo transformando-
se em sua besta era aterrorizante. Ela tinha medo e nojo dele.

E agora, toda a ira do monstro que somente o deixava mais alto, mais
forte, mais besta estava aflorando em vingança e dor.

— Ele não era mais meu filho, era uma besta, uma besta igual a você.
Você é o culpado pela morte dele, tudo é culpa sua.

— Você perdeu sua cabeça, mulher?

— Não, você perdeu a sua quando aceitou a magia daquela bruxa maldita
e se transformou nisso. Você e aquela bruxa não me ouviram quando pedi
que não o transformasse, pois eu não queria meu marido virando um monstro,
mas me ouviram? Não. Você não era mais o príncipe com quem me casei.

— Como os humanos entraram na fortaleza? Não poderiam ter entrado.

Ela ficou calada e ele percebeu o que houve. Ele rosnou porque sua
esposa estava louca, claramente delirando, seus olhos estavam estalados e
estáticos, gaguejava.

— Você os deixou entrar, Audrea. Você traiu sua própria gente os


levando à morte deixando o inimigo entrar.

— Você nunca me escuta, Aaron! Não eram meus inimigos, eram os seus,
mas disseram que poupariam as mulheres e crianças, eles disseram. Mas a
culpa é sua, deixou esses monstros viverem aqui, se transformou num, nosso
filho! Amaldiçoado! Você é um amaldiçoado! Eu livrei nosso filho de ser um
amaldiçoado!
Aaron não suportou mais segurar seu lobo dentro dele, era demais para
controlar. Sua ira estava solta. Ele queria sangue.

Rosnou em toda sua fúria, saltou pelo quarto, agarrou sua garganta e a
ergueu do chão, trombando-a contra a parede de madeira quebrando-a. Ela
somente gemeu pela dor, porque não conseguiu gritar ou falar nada, tentou
bater nele e tirar sua mão do pescoço, mas era inútil. Tentou esfaqueá-lo com
a faca que segurava, mas com um tapa dele, ela voou longe.

— Você que é uma mulher maldita! Como pode matar nosso filho? Como
pode? — gritou.

— Mate-me... — sussurrou sufocada.

Aaron rosnou arreganhando os dentes, na sua forma intermediária,


assustando-a. Ela estava apavorada.

— Meu rei! — Rainar, seu guarda pessoal gritou da porta, aturdido com a
visão e sem entender o que estava acontecendo, mas Aaron parecia avesso
aos seus chamados, porque somente ouvia as palavras da mulher zunirem nos
seus ouvidos. — Aaron!

Aaron estava com tanto ódio por aquela mulher, tão fora da razão que
quase quebrou seu pescoço ou matou sufocada, mas, por fim, ouviu o pedido
do lobo.

O lobo era loiro, mantinha uma barba que era presa por um anel de ouro,
cabelos compridos quase até a cintura, com estreitas listas marrons e tranças
nas laterais. Sua espada estava ensanguentada e sua armadura de couro
trançado estava coberta de sangue.

Rainar era amigo de infância de Aaron e Kayli e foi o segundo lobo a ser
transformado. Quando Kayli partiu, ele ficou na Terra para proteger seu rei,
Aaron era seu melhor amigo e quem o rei depositava sua confiança.
Aaron queria matar Audrea, mas ao ouvir seu nome, teve um momento de
lucidez e rosnou novamente para ela, com aquele rosnar animalesco que seu
lobo traído ecoava no auge de sua fúria, com os olhos cintilando. Ela o
olhava com os olhos arregalados e viu a morte e ela não se importava.

— Você deseja morrer, Audrea? — Aaron rosnou perigosamente e


apertou mais seu pescoço.

— Ma... te-me...

— Hummm... A morte seria muito rápida para você. Não vou te matar,
sua louca, porque sua miséria acabaria, e não pretendo deixar que se safe pelo
que fez. Vou cuidar de você depois e não espere que eu seja misericordioso,
porque não serei. Se você acha que sou um monstro, vou te mostrar quão
monstro eu sou.

Ela arfou quase perdendo os sentidos e então ele rosnou e a jogou pelo
chão, fazendo-a tombar com toda força e rolar até os pés de Rainar.

— Prenda-a!

— O que houve aqui? — Rainar perguntou espantado.

— Essa maldita matou meu filho.

— O quê?

Rainar olhou horrorizado de um para outro, rosnou zangado e ergueu a


mulher do chão.

— Será um prazer fazer isso.

Ele saiu carregando Audrea, que gritava histérica e Aaron olhou seu filho,
escancarou a janela com a portinhola de madeira, arrebentando-a, deu uma
lufada de ar para seus pulmões e o cheiro da fumaça e sangue o deixou louco,
rosnou tão alto quanto pôde e depois uivou, lançando aos quatro ventos seu
pesar e sua dor e, na névoa da morte, sua fortaleza caiu em ruína.
Ele se julgou culpado por tê-la deixado sozinha, pensou que estariam
seguros e que ninguém ousaria lhe atacar e no mais, seus olheiros não haviam
avisado que tropas romanas estavam por perto vindo de outra direção.
Deveriam estar mortos ou fizeram parte da traição.

Seu povo estava morto, as casas estavam incendiadas e sua família estava
acabada e sua alma, bem, ela não existia mais, estava no limbo, sucumbida no
mar de tristeza e raiva.

Ele tinha dado a sua vida para salvar seu irmão Kayli e sua família, para
que pudessem estar juntos, mas agora tinha pagado o preço e perdeu a sua.
Era doloroso demais para capitular ou perdoar.
Kimera, 2 d.C.

Aaron estava no canto de seu quarto, sentado em uma poltrona e olhava


com o olhar paralisado para as chamas bruxuleantes do fogo que crepitava na
lareira.

Sua respiração estava pesada, cansada e triste. Sua mente estava tão
perdida na sua desolação e solidão, mesmo assim ouviu os passinhos mansos
de Yasmin que se aproximou dele.

Ela se inclinou e lentamente espiou por detrás da poltrona com um sorriso


maroto de quem queria aprontar alguma travessura.

Logicamente, que ele já se deu conta de que ela estava espiando-o, porque
adorava suas brincadeiras e tentar lhe dar sustos e como lobos também
sabiam que era quase impossível alguém se aproximar tanto sem ser
percebido, tanto pelo olfato aguçado como por sua audição.
Mas ele a deixou brincar e colocou um doce sorriso no rosto. Ela era uma
das poucas coisas que lhe dava alegria genuína nos últimos tempos.

Saltou diante dele, rosnou com a boca muito aberta e as mãozinhas com
os dedos dobrados como se fossem garras e ele arfou, riu e colocou a mão no
coração, fingindo estar assustado.

— Oh, pelos deuses, você quase me matou de susto!

— Eu consegui? — perguntou animada.

— Claro que conseguiu. Você é a única que consegue fazer qualquer


coisa que os outros não podem. Parece uma loba muito feroz.

Ela riu e o olhou com aquele sorriso gigante, com os olhos brilhantes que
ele amava.

— Quando crescer mais, eu vou pedir para a mamãe para eu ser uma loba
também.

— Gostaria de ser uma loba?

— Sim, são lindos e fortes.

Ele deu um sorriso triste acariciando sua trança.

— Será uma linda loba.

— Está triste, tio?

Ele suspirou e a puxou para o seu colo.

— Agora estou contente, pois minha princesa preferida está aqui para me
alegrar.

— Sou sua princesa preferida?


— Claro que é.

— Sou a única princesa aqui.

Ele riu e beijou sua bochecha.

— Isso é verdade, mas se não fosse a única, ainda seria minha preferida.
Mas você deveria estar dormindo, está tarde.

— É que vim lhe contar uma coisa que vi.

— O que você viu?

— Na verdade, eu as ouvi sussurrando também.

— Quem estava sussurrando?

— As mulheres, eu acho que são as deusas.

Aaron franziu o cenho e a olhou aturdido.

— Deusas?

— Elas sussurram e, às vezes, posso ouvir.

— Pode ouvir as deusas?

— Às vezes, os deuses e as fadas também.

— Como sabe que são os deuses?

Ela deu de ombros como se não soubesse responder.

— Bem... e o que ouviu?


— Elas disseram que estavam tristes pelos lobos, que mamãe não
conseguiria ajudar os lobos como seria certo.

— E o que seria o certo?

— Não estar sozinho, porque a caminhada é longa.

— Certo.

— Meu tio se sente sozinho e zangado e haverá muito tempo para que ela
chegue.

— Quem chegue?

— Sua companheira.

Aaron sentiu um baque e quase rosnou.

— Querida, a minha companheira se foi e eu não quero pensar em tomar


outra esposa agora.

— Porque ela te traiu e foi muito má. Mas não é essa. É outra, uma boa.

— Isso não é assunto para você, é muito menina ainda.

— Não sou menina! Sou uma moça.

— Sim, uma moça que não deveria se meter em assuntos de adulto.

Ela suspirou e revirou suas tranças, meio encabulada.

— Eu ouvi.

— Ok, acredito que realmente ouviu, mas não haverá outra companheira.
— Não por um tempo, mas um dia ela virá e então salvará sua alma,
assim como o senhor vai salvá-la, porque ela estará triste também e é por isso
que existem as companheiras.

— Querida, de que está falando?

— Companheira de alma, a que as deusas fizeram para o senhor.

Aaron respirou fundo após ficar sem respirar por um momento, seu
coração realmente saiu do compasso.

— Isso foi sua mãe que lhe contou histórias para dormir, de princesas,
bruxas e castelos?

— Não, tio Aaron, os sussurros diziam que ela é única na vida do lobo,
que elas aparecem para fazer o lobo feliz, para seguir na sua vida, um amor
graaande assim. Uma companheira para cada lobo.

— Isso não é possível, porque não fomos criados pelos deuses, sua mãe
nos fez.

— Sim, é isso também, mas as companheiras sim, foram eles e elas


servem para aliviar o coração de um lobo, porque não é fácil ser um lobo, e
foram criados por amor de minha mãe, e então, eu não sei como fizeram, mas
fizeram.

— E como sabe que estavam falando da companheira de seu tio aqui?

— Porque eu vi.

Aaron a olhava intrigado e sem entender ou saber o que ela tinha


realmente ouvido e visto, já que tomou conhecimento que ela tinha algum
poder de bruxa como sua mãe Vanora e ele não duvidava de nada, porque já
tinha vivenciado muita magia.
Yasmin era muito inteligente para sua idade e ainda tinha a aparência de
mais jovem do que realmente aparentava na idade de oito anos. Ela não era
uma loba, mas era uma bruxa e ainda muito nova para saber o que era nas
castas das bruxas, se bem que ele não entendia muito daquele assunto, mas
suas palavras mexeram com ele profundamente e seu coração retumbou no
peito e sua respiração ficou difícil.

Ele não entendeu realmente suas palavras e ela parecia não dar real
importância, mas ele sabia que não tomaria outra esposa jamais.
Companheira de alma? Isso não seria verdade.

Yasmin negou com a cabeça.

— Não vai poder fugir, tio, quando ela chegar, não vai conseguir fugir,
não.

Um rosnado retumbou em seu peito.

— Vá bem, menina, está começando a me deixar nervoso com suas


teorias.

— Não são teorias, são sussurros e, às vezes, eu vejo coisas também.

— Vê?

— Sim, vejo e eu vi sua companheira. Bonita e de olhos amarelos como


das moedas de ouro, assim como seus cabelos, brilhantes como o sol.

— Yasmin... — uma voz grossa chamou.

Eles olharam para a porta e avistaram Kayli.

— Oi, papai.

— O que está fazendo fora da cama?

— Estava contando um segredo para tio Aaron.


— Um segredo, hã?

— Sim, que ele tem uma companheira de alma e ela tem os olhos cor de
ouro, igual seu anel.

O gigante sorriu, mas não disse nada, pegou a menina do colo de Aaron e
a colocou no chão.

— Muito interessante que disse que era um segredo e contou para mim.

— Oh, não podia contar?

— Não, por isso chamam segredos.

— Oh. Desculpe, tio Aaron.

— Não tem problema, querida, fica somente entre nós três.

— Então não posso contar pra mamãe?

Kayli riu e beijou sua testa.

— Vamos, mocinha, vá para sua cama.

Ela suspirou e beijou a face de Aaron, se aproximou do seu ouvido e


cochichou para que seu pai não ouvisse, como se fosse possível.

— Quando ela chegar o senhor não vai mais ficar triste, vai sorrir de
novo.

Ela saltitou à frente de seu pai com um sorriso maroto.

Kayli queria repreendê-la, mas ele tinha tanta adoração pela sua filha que
rosnou, sorriu e a pegou no colo, abraçou-a forte e beijou sua bochecha,
depois a colocou no chão.
— Vamos, mocinha, vá para seu quarto antes que sua mãe descubra que
fugiu da cama.

— Boa noite, tio.

— Boa noite, querida.

— Boa noite, papai.

— Boa noite, princesa. E nada de andar nos corredores no escuro, pode


cair e se machucar.

— Sim, senhor, pegarei minha vela.

Ela pegou a vela sobre a mesa e saiu do quarto.

Aaron seguiu o olhar de Kayli e sorriu com o pequeno sorriso que viu no
rosto do gigante. Ele era apaixonado por sua princesa.

Essas coisas amenizavam sua dor, porque pensava que seu sacrifício tinha
valido a pena.

Kayli o olhou e respirou fundo.

— Companheira, hã? — Kayli indagou.

— Um sonho romântico da pequena.

Kayli sacudiu a cabeça, foi até o aparador e serviu duas canecas de vinho
e deu uma a Aaron.

— Dorme pouco, irmão.

— Muitas coisas na cabeça.

— Com o tempo, as coisas vão se ajeitar. Essa dor vai passar.


— Espero que sim.

Kayli se sentou na poltrona em frente a Aaron.

— Ela quer virar loba.

— Sim, ela ama os lobos... Não foi sua culpa. Foi natural ter acatado o
pedido de seu filho. Você o queria como você, ao seu lado, e Audrea não
entendeu sua nobreza.

— Era a mãe dele, como pôde fazer o que fez?

— Seus instintos mudaram depois que se transformou em lobo, Aaron,


mas ela era humana, jamais vai entender o que somos agora.

— Eu vou voltar para a Terra.

— Isso é uma decisão que precisa tomar com a cabeça fria.

— Aquele lugar é meu lar. Aquele foi o legado que nosso pai nos deixou,
se abandonarmos, como eles sobreviverão, nosso castelo será saqueado por
invasores...

— Ele já foi saqueado, nosso povo está morto, os que restaram fugiram
para as florestas ou insistem em ficar lá nos escombros, mesmo com todos os
perigos, porque os romanos voltarão, e os que estão aqui precisam de nós.
Deixe nosso primo como nosso sucessor já que se negou a vir, para que cuide
dos lobos restantes. Não vale a pena sua vida, os romanos nunca irão parar
até ter matado a todos. Vai fazer o quê, viver escondido dos humanos? Ver o
que resta deles ser massacrado?

— Podemos combatê-los.

— Não podemos. Cada legião romana tem mais de cinco mil homens, nós
estamos em centenas. O fato de você ter dizimado suas legiões pequenas, não
quer dizer que fará novamente. Um guerreiro precisa saber a hora de recuar.
— Perderemos nosso reino.

— Ele já está perdido, nosso reino agora é aqui. Nosso povo está aqui. Eu
entendo sua convicção, eu também achei que sair de lá era uma fraqueza, mas
hoje vejo que não, são escolhas que tivemos que fazer e agora tem que fazer a
sua. Viver ou morrer. Nosso pai nos ensinou muitas coisas, inclusive saber a
hora de recuar, poupar nossas vidas e de nosso povo, ficar forte para lutar
novamente se for necessário. Já imaginou se eu não tivesse trazido a maioria
dos lobos para cá? Todos estariam mortos agora.

Aaron respirou fundo, desalentado, era uma verdade, o reino estava


acabado, as casas destruídas, o castelo queimado, as pessoas mortas, a beleza
de Gália tinha sucumbido às chamas e ao sangue, a esperança tinha acabado.

O legado dos Nordur seria esquecido.

Aaron não disse seus sentimentos, mas Kayli, com o novo poder, leu sua
mente.

— Não seremos esquecidos, irmão, vamos reconstruir nossa história,


nosso mundo e um dia, talvez, tenhamos um reinado forte para deixar aos
nossos filhos. Não importa se nosso reino é na Terra ou fora dela, o
importante é que possamos manter quem amamos seguros, dar-lhes a
oportunidade de ter uma vida farta e feliz, um lugar seguro para criar nossos
filhos. Uma família unida. Ainda temos muito o que aprender sobre o que nos
tornamos e nossos súditos ainda precisam de nós. Podemos estar quebrados
por dentro, mas diante deles precisamos nos mostrar fortes.

Aaron respirou fundo.

— Sim, eu sei, mas minha ira ainda não acalmou.

— Eu entendo, mas vai abrandar com o tempo. Quanto a Audrea, decidiu


o que fazer com ela?
— Ficará onde está até que eu me canse. Quem planejou uma traição tão
friamente não merece morte rápida. Ela ouvia nossas conversas, nossos
planos de conquista, ela se ofereceu ao inimigo, ela abriu as portas para que
eles entrassem e, pior de tudo, matou o próprio filho. Não sei se algum dia
poderei perdoar tal coisa.

— Quão estupida foi para fazer isso? Ainda me custa acreditar.

— Ela nos condenou pelo que nos tornamos. Audrea nunca aceitou nosso
lobo e... enlouqueceu, vi tanta loucura em seus olhos.

— Qualquer uma estaria louca de matar seu próprio filho.

— Que mãe faz tal coisa?

— Uma mãe que não aceitou o filho monstro que o pai criou. Seu filho
tinha orgulho de você, Aaron, ele escolheu e pediu que o transformasse. Sua
esposa foi fraca e não aceitou, não lhe tinha amor suficiente.

— Quão forte uma humana deveria ser para aceitar um ser como o nosso
que nos transformamos?

— Uma que não tem medo, uma que ame o lobo e queira dividir uma vida
ao lado dele, de coração. Somente uma pessoa com o coração puro pode amar
o desconhecido, o mágico. Talvez os deuses tenham realmente feito
companheiras para os lobos, lobas ou humanas.

Aaron bufou e Kayli riu.

— Sua pequena bruxa adora histórias dos bardos.

— Assim é, mas minhas duas mulheres são fortes e poderosas e não


mentem. Se Yasmin disse que viu, então viu.

Kayli se levantou, bateu no ombro de Aaron e deixou a taça na mesinha.

— Durma, irmão, amanhã seu coração estará mais apaziguado.


Kayli saiu e Aaron voltou a contemplar as chamas do fogo e ele ainda não
tinha desistido de voltar e guerrear até sucumbir nos campos de batalha.
Queria o sangue dos romanos nas mãos e não se importava se morresse no
processo.

Sobre a companheira de alma, bem, ele não acreditou naquilo, somente


uma ilusão da cabecinha de Yasmin.

Era algo bom demais para ser verdade e ele não estava acreditando que
algo tão bom estaria na sua vida.
Kimera, 1.813 d.C.

Aaron entrou em seu quarto e jogou o cabo da espada quebrada longe,


havia a quebrado de tanto bater contra as rochas do portal, que levava Kimera
ao mundo humano, assim como havia rachado o seu machado, tentando
desesperadamente abri-lo.

Os estrondos que agora seguiam fazendo metade de Kimera tremer era


Vanora, jogando rajadas de sua magia tentando abri-lo, os gritos de desespero
e dor dela e de Kayli retumbavam em seus ouvidos.

Átika havia conseguido fugir da prisão onde esteve presa por séculos e
havia roubado o pequeno Kalyan, o príncipe herdeiro de Kimera e os reis
estavam desesperados.

Mas a magia que a bruxa havia lançado com o sangue da criança não
poderia ser quebrada facilmente, a passagem já estava debilitada e agora
selada, não sabia por quanto tempo ficaria assim ou se Vanora um dia
conseguiria abri-la novamente.
Aaron estava com o coração partido e desesperado, não somente por isso,
o que já era demais para aguentar, mas por suas próprias esperanças se
partirem.

A desgraça estava em graus estratosféricos, um príncipe herdeiro roubado


e perdido nas brumas do tempo, eles estavam presos em seu mundo paralelo
sem conseguir sair e a busca da sua companheira estava perdida.

E se nunca mais conseguisse abrir? Como ele a encontraria se não


conseguisse sair de Kimera?

— E se ela nascer em Kimera? — sussurrou para si mesmo com as mãos


na cabeça. — Por que não a mandou aqui onde vivo, por que tinha que ser na
Terra? Onde ela está? — gritou.

Ele foi até a janela, abriu e respirou uma lufada de ar gelado e tentou
controlar seu pânico.

Ele olhou para o céu que estava nublado pela chuva.

— Onde ela está, onde ela está!?

Ele passou as mãos pelos cabelos e engoliu o nó travando sua garganta.

— Por favor, precisa trazê-la de volta para mim, por favor! O que tenho
feito de errado para ser punido, o que eu fiz?

E se as visões de Yasmin estivessem erradas, se ela tivesse interpretado


mal as mensagens dos deuses? E se tudo fosse uma mentira que ele teria
outra chance?

E se ela não voltasse?

Ele estaria sozinho para sempre.


Nunca conseguiria tomar outra loba, tinha pensado em tal coisa após a
morte dela, mas não tinha conseguido. Era como se estivesse amarrado a um
destino que parecia nunca se concretizar.

Lapsos de tempo, disse Vanora. O tempo é diferente entre os mundos.

Ele rosnou e tomou coragem, não era um bebê para ficar chorando num
canto, trabalhou com afinco para transformar Kimera num lar e num reino
incrível que poria qualquer rei morto de inveja, não era mais rei, mas não se
importava, apenas precisava dela.

Então ele começou a lutar para conseguir que sua paz retornasse
novamente. Que amasse seu lobo e a força divina e mágica que tinha ganhado
e tivesse paciência para esperar.

A dor continuava cravada no seu coração e o remorso sim, também estava


ali corroendo, porque sofria por não ter conseguido salvá-la, mas nunca
achou que a vida era fácil ou doce. Sempre tinha lutado, guerreado e tinha
muito sangue nas mãos e um guerreiro podia ter muitas vidas, a cada batalha
e derrota uma delas se ia, mas ele rosnava aos céus, soltava sua ira, depois se
levantava e batalhava novamente.

Era filho de seu pai, protegido por Odin e ele era o que era.

E quando via Kayli, depois de todo sofrimento, pegar nos braços sua
pequena princesa de tranças que estava sempre com um sorriso no rosto,
sempre querendo pregar peças e tentar envolver todos em suas brincadeiras e
como o gigante feroz e animalesco aconchegava sua rainha bruxa, ele
pensava que seus sacrifícios havia valido a pena.

E ele desejava, um dia, poder ter uma família como aquela, que se amasse
e se entendesse. Que não traísse e assassinasse seus próprios filhos.

Em meio à sua bondade natural, sua força, sua ira e inteligência, ele
construiu um mundo, um novo homem, mais forte e sábio.
Na Terra, ele fora chamado de Aaron, O Implacável, mas em Kimera se
tornou Aaron O Pacificador. Mas poderia pacificar a si mesmo?

Ele estava nos banquetes e sorria, mas o sorriso era fraco, vazio e sem
alegria. Não havia nenhuma alegria na sua eterna espera.

E agora o que poderia lhe dar esperanças? Já não havia mais nenhuma
esperança, ou resquício de felicidade que pudesse impulsionar atos de
bravura ou rafasteleio das festas ou danças.

Olhou as velas acesas e para as piras espalhadas pelo quarto que


mantinham sempre o fogo aceso com madeira queimando que iluminava o
quarto de forma mágica que, de repente, se tornou frio como o gelo, assim
como seu coração.

O desespero tomou conta dele, e ele se afundou na dor novamente, mas


não demonstrava sua dor aos seus súditos.

E assim seria por mais quantos anos?

Ilha dos Lobos. Tempo atual...


— Eu vou conseguir. — Soco. — Eu vou conseguir. — Soco.

Clere rosnou e socou o saco de boxe e ele voou nas correntes que
tilintaram ruidosamente.

Respirou fundo e arregalou os olhos ao ver que quase tinha arrebentado o


saco das correntes. Erick chutaria sua bunda.

Ela respirou tentando controlar sua raiva e sua força, mas não funcionou,
bateu no saco de boxe, um golpe atrás do outro, o suor escorrendo pelo rosto
e corpo encharcando sua blusa de moletom preta e a calça legging, até se
irritar e socar forte fazendo-o arrebentar as costuras e a areia escorrer aos
seus pés.

— Merda!

— Por que não experimenta um desses socos em mim, garota?

Clere o ouviu e tirou os fones de ouvido, se virou ofegante, olhou para


Julian, que a olhava sério, no lado do salão de treinamento do clube.

— Se eu quisesse socar sua cara, acredite, não seria difícil, Julian.

— Por que não tenta?

— Não gosto de duplas, prefiro fazer isso sozinha.

Julian se aproximou lentamente. Ele tinha um ar predador e olhar escuro,


mesmo seus olhos sendo muito claros, que poderiam assustar qualquer um.

Ele era muito alto, musculoso e seu braço e tórax direito inteiro tatuados
davam um ar mais selvagem. Sempre mantinha o cavanhaque bem aparado e
seu cabelo escuro e comprido um pouco ondulado estava solto, longo até o
meio das costas e molhados. Usava apenas uma calça de moletom azul-
marinho e estava sem camisa.
É, poderia dizer que era um lobo amedrontador e muito bonito, poderia
até dizer sexy como o diabo. Teria medo dele, se não soubesse que ele nunca
a machucaria.

A montanha de músculos parou na sua frente, o que dava um belo


contraste com seu tamanho pequeno de 1,70m, intimidador, mas que não a
amedrontou em nada.

— Tenho observado você — Julian disse com a voz baixa e medida.

— Sério? Poderia tirar uma fotografia e ficar olhando. Poderia me dar


momentos de privacidade ou as mulheres não podem frequentar seu clube?

— Olha, ela tem uma língua afiada. Não sabia que tinha uma, já que é
sempre tão calada. Não é meu clube e as fêmeas são bem-vindas. Pode treinar
aqui quando quiser.

— Obrigada, mas não estou treinando.

— Ok, gastar energia é bom, ajuda na raiva.

— Verdade. Posso pegar outro saco? Acho que esse estava mal costurado.

Julian olhou o saco vazio, e o monte de areia no chão, estalou a língua nos
dentes e olhou seriamente para ela.

Por um instante, ela pensou que não trocaria o saco, e não gostou do jeito
que a olhava, parecia que queria ler sua mente, mas ela não permitia nunca
que alguém bisbilhotasse sua mente.

Ele deu um leve rosnado, soltou o saco das correntes e colocou outro.

Clere olhou ao redor e alguns lobos estavam nos outros equipamentos de


exercícios e a olhavam, curiosos com o acontecido, mas mantinham-se
afastados, ela respirou fundo e olhou para Julian novamente.

— Obrigada.
— Onde aprendeu boxe? — ele perguntou.

— Internet.

Ele assentiu.

— Deve cuidar do seu cotovelo quando soca, se bater com força sem
posicionar o braço corretamente pode lesionar.

Ela o olhou aturdida pela lição e ficou mais aturdida quando ele sorriu no
canto da boca.

Nunca tinha o visto sorrir.

— Pensei que seu negócio era luta livre, soube que lutava... que Joan o
forçava a lutar.

Ele rosnou pela lembrança, queria poder ressuscitar Joan para poder matá-
lo ele mesmo.

— Assim é, mas sei as regras do boxe.

Ele pegou seu braço e fez o movimento novamente e ela o deixou


movimentá-lo, um pouco aturdida por tocá-la.

— Soco no rosto, mire na têmpora, corta fácil, atordoa rápido e pode


fazer desmaiar. No supercílio corta fácil, sangra e o sangue cai nos olhos, o
que atrapalha sua visão, o deixando desestabilizado. Nariz, dói como o
inferno. Soco no estômago, causa uma dor que se estende por todo o corpo, a
pessoa fica sem ar e se encolhe, te dando a oportunidade de golpeá-lo na
cabeça e derrubá-lo.

— Parece divertido.

— Assim é. Soco nas costelas, costelas quebradas doem como o diabo. Se


bater nos ruins causa dor que se estende e o desestabiliza. Fígado e rim, se
acertar o nervo vago, a dor atinge o cérebro e se espalha pelo corpo todo, a
pessoa sente uma dor terrível, se contorce e cai. Entendeu?

— Entendi.

— O jab começa com a palma da sua mão apontando para você, e então
seu braço rotaciona durante o golpe, e por fim o golpe atinge o oponente com
a palma da mão apontando para o chão. A rotação deve ser natural, deve
rotacionar o punho assim como seu braço. Para dar um soco com a mão
direita, posicione a perna esquerda à frente e a direita para trás, com os
joelhos ligeiramente flexionados. Relaxe o corpo. Quando o soco estiver
prestes a acertar o oponente, relaxe o corpo para encaixar o golpe e aumentar
sua força.

— Ok.

— Os golpes baixos são os aplicados abaixo da cintura e


não são permitidos no boxe, mas aqui ninguém vai competir, não é? Então
aprenda sobre eles.

— Ok.

— Para um golpe mais forte, você deve movimentar seu corpo todo
para ter a força, o truque é focar em movimentá-lo totalmente em um
movimento, use suas pernas para impulsionar seu golpe e manter seu
equilíbrio.

— Ok.

Julian soltou seu braço e deu um passo se aproximando dela, o que a fez
olhá-lo nos olhos.

— Eu cheiro você, seu corpo exala cheiro de drogas.

Clere paralisou e o olhou aturdida.

— O quê?
— Você tem cheiro de drogas.

— Não tenho.

— Acredite, tem. Talvez os outros não sintam, mas eu sinto, sou bem
familiarizado com elas. Não cheira como uma loba normal. Não devia mais
exalar cheiro das drogas dos laboratórios, todos já perderam seu cheiro.

Ele se aproximou e se abaixou para cheirá-la mais de perto, Clere rosnou,


socou Julian no rosto, que voou sobre os aparelhos e tombou no chão,
derrubando um enorme aparelho de musculação.

Clere olhou com os olhos arregalados, olhou ao redor e Kirian, Zian e


Ronan pararam de treinar e olharam para ela com os olhos arregalados.

Ela ficou sem jeito, correu até Julian, que gemeu no chão.

— Cacete, ela derrubou Julian! — Kirian resmungou espantado.

— E o aparelho.

— Como ela conseguiu isso? Olhe seu tamanho.

Ela respirou fundo e ignorou os comentários, se aproximou e ajudou


Julian a se levantar, seu nariz sangrava.

— Oh, Julian, desculpe-me, eu não queria te machucar, foi sem querer!

Julian tocou seu rosto e olhou o sangue nos dedos, chocado.

— Como tem tanta força?

— Só porque sou pequena e nova não quer dizer que sou uma fracote.

Ele franziu o cenho, ainda chocado.


Ela respirou fundo, exasperada, e ergueu os braços, inquisitiva, para
todos.

— O que é, nunca me viram? Ele só estava distraído. — Ela se virou para


Julian. — Da próxima vez, não seja deselegante falando do cheiro de uma
dama, pode perder os dentes. Perdoe-me e coloque um gelo aí... obrigada pela
aula... Desculpe.

Ela saiu rapidamente da sala de treinamento desenrolando a faixa das


mãos que usava para treinar o boxe e foi para as duchas do banheiro,
arrancou a roupa e entrou, estava frio, mas ela colocou a água gelada e entrou
debaixo, gemeu pelo choque da água batendo na sua pele suada e quente.

Fechou os olhos e respirou fundo, estava tremendo.

Tentava se controlar, mas as lembranças vieram.

Ela estava gritando para ele parar. Só uma vez poderia ouvir seus rogos
e parar? Quando ele moveu rudemente entre as coxas, que eram contidas
contra a mesa de aço, ela chorou e chorou.

Ele mantinha um sorriso malvado cheio de satisfação, quando ele


arrumou suas calças frouxas saindo dela. E ela olhou fixamente em seus
olhos. Ela nunca podia esquecer aqueles olhos frios e maldosos, as mãos
sobre seu corpo, a dor, a humilhação, seu cheiro repugnante.

— Eu matarei você, demente! — disse enfurecida, entredentes, dolorida e


humilhada, uma névoa vermelha de fúria encheu seus sentidos quando ele
veio sobre ela, soube que a dor que ele lhe infligiu não só era para seu
corpo, mas para a sua alma, que já estava quebrada, achava, na verdade,
que não tinha mais alma alguma.

— Você terá que me pegar primeiro, cadela.


Clere abraçou a si mesma, com os olhos fechados e começou a contar,
pausadamente, para se focar.

— 10... 9... 8... 7...

Mas a cabeça girava, parecia que seus pulsos sentiam ainda o constante
gelo do ferro que ele a prendia antes de violentá-la, ela nunca podia fugir ou
bater nele, mas lutava até seus pulsos sangrarem, mas drogada, era difícil.

Clere respirou fundo e esfregou as mãos nos punhos, onde tinha as


marcas. Depois de tantos anos, seus pulsos não se curaram de todo, pois eram
feridos um em cima do outro, em ambos os punhos ela tinha cicatrizes.
Muitos não percebiam, pois ela sempre usava várias pulseirinhas sobre elas
para disfarçar.

Ela, ao fim, foi libertada, mas não o tinha pego, não tinha o matado. Ela
nem sabia se ele estava realmente morto, porque não viu seu cadáver. Os
lobos tinham matado todos na instalação, mas ela não tinha visto seu corpo
estripado. Depois podia ter morrido queimado e em pedaços quando
explodiram o prédio, onde não restaria nada nem para identificação. Os lobos
eram eficientes nisso.

Ela não sabia, e o não saber, a dúvida de que aquele verme ainda
respirava não a deixava esquecer dos seus olhos frios. Talvez só levasse mais
alguns anos e a imagem dele sumisse. Mas não era só ele, eram muitos,
muitos olhos frios, zombeteiros e maldosos que a perseguiam em seus
pesadelos.

Ela não conseguia esquecer, não conseguia se segurar, estava morrendo,


simples assim.

Via-se assustada, apavorada, via como se suas mãos estivessem sempre


revestidas de sangue, curvadas e afiadas. Os dedos dela se dobraram, seus
sentidos ficaram mais afiados, afiados com a fome de sangue e vingança.

O instinto assassino dentro dela queria sangue, desejava matar, talvez


assim se aquietasse novamente.
O problema estava chegando. A loba ferida que sempre manteve presa tão
cuidadosamente, queria se soltar livremente. Em um momento de fraqueza, a
percepção do perigo a irritava, detestava sua loba e tudo o que tinham feito.
Detestava o que ela tinha feito.

Como uma loba poderia sobreviver se odiava sua loba?

Ela esticou os braços ao lado do corpo e suas garras feriram suas mãos ao
apertá-las em punho, o sangue pingando no piso e dissolvendo-se pela água.

Tinha ido ao clube ver se alguns exercícios ajudariam, pois a calmaria não
estava mais funcionando, não conseguia mais meditar, porque sua mente
estava correndo e não permitia se focar e acalmar, ouvir música clássica
estava a irritando mesmo que a amasse, ser boazinha e agradável o tempo
todo estava a deixando louca.

Tinha funcionado por quase dois anos, mas não mais.

Antes a calmaria fazia silenciar as vozes da sua cabeça, as memórias, sua


loba, mas agora era ao contrário, as vozes estavam gritando, as memórias a
deixando doente.

Então tentou algo mais agressivo para ver se seu estresse ia embora, mas
pareceu não dar muito certo.

O medo estava a consumindo, ela mesma cravou as garras afiadas nas


mãos e nas emoções na alma que a sufocavam, perguntando-se que decisão
deveria tomar. Perguntou-se do perigo que ela deixou que entrasse na vida
das pessoas que a rodeavam e era para sempre, seria sempre assim, não
haveria cura para a sua vida estragada, seu coração quebrado e sua alma
esvaída no limbo.

Como poderia proteger sua mãe, os bebês?

Não podia, não podia proteger a si mesma.


Ilha dos Lobos, Grécia.

Clere riu quando fez os macaquinhos de plástico voarem pelo quarto com
seus paraquedas e Lucian corria e saltitava atrás deles tentando pegá-los, ria
abertamente e batia palmas quando conseguia, como se fosse o melhor feito
do mundo.

— Chega de brincadeiras por hoje? Vamos guardar os brinquedos?

Ela sorriu cheia de amor ao ver Lucian juntar seus brinquedos do tapete e
os levar ao baú.

— Você é muito querido em me ajudar a guardar os brinquedos, mamãe


ficará orgulhosa. Deve fazer isso sempre, ok?

Ele assentiu, colocou a chupeta na boca e esfregou os olhos.

— Hummm... Hummm...
— Oh, meu reizinho. Você está com soninho? Está na hora de um
cochilo.

Ele foi até ela e ficou a olhando segurando seu rosto com as mãozinhas e
chupava o bico e fazia um barulhinho. Ela amava quando ele fazia isso
quando estava com sono.

— Você é o bebê mais lindo e maravilhoso que jamais vi, Lucian, espero
que a vida seja sempre boa para você. Se depender de seu papai e sua mamãe
será, porque eles te amam muito e farão de tudo para te proteger, pena que
ninguém conseguiu me proteger.

Ele continuou a olhando com seus incríveis olhos azuis claros como o céu
em dia de sol, que ela tanto amava.

Os olhos de Clere marejaram e Lucian continuava a olhando e pareceu


que ele entendeu que ela estava sofrendo, porque seus olhos cintilaram e ele a
abraçou, como se visse nela algo que os outros não viam.

Clere suspirou profundamente e o abraçou, com os olhos fechados.

— Eu estou perdendo minha batalha, Lucian... não estou mais


conseguindo me segurar, sinto muita dor, meu corpo está envenenado e
estragado demais. Não poderei mais fazer parte dessa alcateia, eu acho que
está chegando a hora em que eu devo partir.

Ela respirou fundo, novamente, cansada e o fez deitar em seu colo e,


sentada de pernas cruzadas no tapete peludo, que enfeitava seu bonito quarto,
começou o balançar para frente e para trás e cantarolar uma música, que ela
se lembrava de quando era criança, somente o som e poucas palavras, uma
música que sua mãe cantava para ela quando a colocava para dormir.

Ele começou a cochilar e ela levemente batia em seu bumbum de forma


ritmada ao tom da música.

— Vou sentir muito a sua falta...


O bebê respirou fundo e Clere sorriu quando viu que ele mudou a
respiração e adormeceu, beijou sua testa, levantou e o colocou no berço e
alisou seus finos cabelos, cobriu-o com as mantas para ficar aquecido.

Quando recolheu parte dos brinquedos que ainda estavam espalhados,


fechou o baú.

Ester entrou no quarto e sorriu olhando seu filhote dormindo.

— Como vai, meu anjinho? — sussurrou.

— Ele dormiu rápido dessa vez.

— Que milagre, seus braços parecem ter sonífero, precisa me ensinar essa
mágica.

Clere sorriu.

— Eu trouxe o dicionário e os livros que me emprestou.

Ela foi até cômoda e pegou vários livros e elas saíram para o quarto de
Ester para não fazer barulho e acordar Lucian.

— Já? Mas pensei que ia trabalhar em suas aulas de francês.

— Já o fiz.

Ester piscou aturdida.

— Desculpe, não entendi, faz um mês que começou as aulas de francês


on-line. Não gostou e desistiu?

— Já terminei todos os módulos, do básico ao avançado, agora acho que


vou estudar outra língua.

Ester piscou lentamente.


— Clere, quer me dizer que em um mês ficou fluente em francês?

— Sim... minha memória é muito boa.

— Você leu o dicionário e as apostilas todas?

— Sim. Eu os decorei.

— Assistiu a todos os vídeos?

— Sim.

— Aprendeu a falar, ler e escrever?

— Sim.

Ester olhou sobre a cama onde Clere os colocou e além do dicionário


havia mais dois livros grossos em francês de romances.

— E estes dois?

— Já os li.

— Santo Cristo! O que há com sua memória? Como conseguiu decorar


isso tão rápido?

— Não sei, minha memória é boa.

— Boa? Decorou o dicionário inteiro!

Clere ficou olhando para Ester sem dizer nada.

— Você tem memória fotográfica?

— Disseram que sim ou algo do tipo — respondeu dando de ombros


despreocupadamente.
— Te disseram isso onde?

— Nos laboratórios.

— O que mais decorou assim rápido?

Ela titubeou e pensou se respondia ou não. Já não a achava esquisita o


suficiente?

— Bem... alemão, um dos médicos me deu um dicionário enquanto eu


estava na jaula.

— Merda.

— Quando cheguei aqui na Grécia aprendi a ler, escrever e a falar o grego


em um mês, mesmo sendo um pouco enrolado.

— E quais mais?

— Sei gaélico, inglês britânico, irlandês, latim, espanhol, italiano e


português.

Ester piscou aturdida, se aproximou dela lentamente, o que quase a fez


recuar.

— Está falando sério?

— Sim, senhora.

— O que mais sabe fazer além de ser poliglota?

Ela não respondeu.

— Clere, pode falar, entendeu? É bom falar.


— Andar de moto, sei andar de carro, Harley me deu aulas e Konan me
levou para fazer os testes e tirar os documentos, um dia que fomos a Atenas e
sei como funciona toda a mecânica dos carros. Sei tudo sobre maquiagem,
costurar, sei tudo sobre bases científicas e astrologia. Física e biologia. Bem,
pelo menos o que consegui ler nos laboratórios e depois com a internet e
livros que tive acesso. Um dos cientistas pelo menos queria me instruir.
Deixava-me ler muito. Os livros eram minha única companhia, já que a
maioria do tempo eu fiquei longe dos outros lobos.

— Como assim, longe dos outros lobos? Noah me contou que numa
mesma sala havia mais de uma jaula.

— A minha não.

— Por que te deixavam longe dos outros lobos?

— Experimentos.

— Entendo... pode me contar mais? O que faziam? Que tipo de


experimentos?

— Nada, alfa. Somente faziam experimentos, coisas de laboratórios,


muitos testes e... eu podia ler. Nada de mais.

Ester cruzou os braços no peito, vendo que ela estava se esquivando de


suas perguntas, como sempre e ficando nervosa. Mas considerou um avanço
enorme de ela ter revelado que era capaz de memorizar.

Ela raramente respondia alguma pergunta sobre os laboratórios. Era


fechada como um casulo e tranquila como uma lagoa em dia sem vento,
mesmo sendo ávida de conhecimento. Diferente de todos os outros lobos que
sempre estavam nervosos e prontos para uma boa luta após serem libertados.

Mas Ester sabia que havia muita coisa escondida em seu interior e seu
coração.
— Sabe, ouvi uns rumores de que andou havendo algumas lutas
interessantes no clube.

— Bem, temos lobos bem fofoqueiros.

Ester riu.

— Nada passa despercebido nessa ilha, querida, é assim que uma alcateia
funciona.

— Eu perdi um pouco a noção de alcateia, alfa, estou tentando me


adaptar.

— Eu sei. Se adaptar é muito importante e somente um quer ajudar ao


outro. Portanto, pode sempre contar as coisas para mim ou para outro lobo se
você se sente mais à vontade. Não que eu queira tirar sua privacidade, mas
quero que seja feliz aqui.

— Estava só me divertindo um pouco. Não vou quebrar como um cristal.

— Ótimo... mas derrubar Julian acredito que tenha sido bem divertido.

Clere sorriu.

— O fato de eu ser pequena, não quer dizer que seja assim fraca. Eles me
tratam como um bebê.

Ester sorriu.

— Isso é maravilhoso e... — disse girando a mão para que ela continuasse
a falar.

Clere respirou fundo.

— Sei lutar alguns golpes de artes marciais, macdrava, karatê e boxe. Sei
muito sobre medicina e o nome de todos os órgãos e tendões, músculos, veias
e tudo o mais, tem muitas aulas de tudo na internet. Filmes do Van Damme
também ensinam muito.

Ester estava boquiaberta e não conseguia acreditar naquilo.

— Clere... Se você é assim tão inteligente e sabe tantas coisas, por que
fica às margens da alcateia? Por que fica somente cuidando dos bebês? Por
que estava ocultando suas habilidades? Isso é incrível!

Clere pensou um pouco e não soube o que responder.

— Eu não sei.

— Há um motivo para isso?

— Sim, há. Mas não é nada importante, talvez porque eu não queria
chamar atenção sobre mim. Acredito que tive toda a atenção para o resto de
minha vida naqueles malditos laboratórios.

— Ok, tudo bem, eu respeito isso, e acho incrível. Os dons são seus, pode
usar como quiser.

— Acha que tudo isso é um dom?

— Sim, é maravilhoso.

Clere sorriu lindamente o que a fez sorrir. Ela foi até Clere e acariciou seu
cabelo delicadamente.

— Tem que travar essa batalha e vencer. Deve ter orgulho do que sabe, de
seu conhecimento e de quem você é. Ser uma loba é maravilhoso, deve ter
orgulho de quem você é.

Clere fechou o sorriso.

— Não gosto de minha loba.


Isso chocou Ester tremendamente.

— O quê? Por quê?

— Ser uma loba não era bom nos laboratórios. Os humanos nos
depreciavam, nos odiavam.

— Eles eram estúpidos, não entendiam os lobos e deveriam venerá-los.


Eram fracos porque os temiam. Os errados eram eles, Clere, não os lobos.
Não você.

— Bem, eles tiveram muito sucesso em alguns dos seus intentos.

Baixa estima era uma coisa bem em alta nos lobos após aquela merda
toda.

— Autopiedade não é uma opção e não deve se depreciar. Tem que


vencer para que não deixe aqueles crápulas ganharem, tem que vencer para
começar a viver com tudo o que tem.

— A senhora não entende...

— Talvez eu não entenda porque não vivi o que você e os outros viveram,
mas quero entender. Talvez eu nunca consiga compreender a extensão do
dano causado a você, mas, por favor, não faça isso, não se deprecie ou pense
que é um ser inferior. Confie em mim, daremos um jeito em tudo, eu
prometo. Tudo vai ficar bem. Os momentos fazem parte de nossa vida. O
passado, se deixarmos, consumirá nosso presente e não teremos um futuro. E
o futuro, é o resultado do que fazemos hoje, nossa felicidade nem sempre está
em nossas mãos como os lobos descobriram, mas depende de nós o que
fazemos com nossas lembranças, com o que a vida no dá, ou as mandamos
para baixo e ficamos lá com elas ou as deixamos lá, levantamos e
reconstruímos tudo. O futuro está em nossas mãos, pelo menos a maior parte
dele.

— Eu não tenho memórias boas que queira lembrar, mas não sei como
posso deixá-las lá embaixo.
— Olhe ao seu redor e veja quão bonito está o mundo que vive agora.

— A teoria é muito bonita.

Sim, Clere estava vendo tudo cinza. O céu não parecia tão azul, o sol não
parecia tão quente, o cheiro do mato parecia inodoro. Não estava vendo
beleza em nada. Só parecia que o mundo a engoliria.

Ester respirou fundo e concordou.

— Sim, falar é fácil, estar na pele de quem sofre e entender seus


sentimentos desgovernados é outro. Cada pessoa é uma pessoa e seu mundo é
seu mundo. Não podemos menosprezar a dor do outro e nem achar que não
vale nada. Mas precisa saber que é importante para nós. Você precisa de
tempo e colocar na sua cabeça que o que faz agora, o que vive agora, poderá
te fazer um futuro melhor. Entendo que seja difícil, mas você é forte e vai
conseguir.

— Eu vou.

— Você não é mais forte pelo que você sofreu, e sim pela maneira que
quer continuar vivendo. Precisa encontrar a sua essência que ficou perdida lá
no fundo e fazer dela seu rumo. O que era seu sonho, sua vontade e sua força
original. Encontrar sua loba. Ela é forte e você precisa dela. Você é forte.

Clere suspirou e assentiu.

— “Se resistir, sempre será pior, e mais dor sentirá. Aceite seu destino,
Clere, você nos pertence. Seu futuro nos pertence”.

— Eu não pertenço a ninguém, eu sou mais forte — sussurrou e Ester


assentiu com um sorriso.

Clere sorriu novamente, pegou a mão de Ester e beijou seu dorso.

— A senhora é uma boa alfa, que os deuses sempre a protejam. Devo ir.
— Oh, passe na cozinha, Dada lhe preparou uns doces deliciosos.

Clere sorriu, assentiu e foi sair.

— Clere?

Ela parou na porta e a olhou.

— Um dia de cada vez, estarei aqui para ajudar, sempre. Você vai
conseguir superar tudo isso.

— Eu vou. Obrigada, alfa.

Ela não ia.

Clere respirou fundo e seguiu para o andar de baixo.

Sua cabeça e seus sentidos estavam muito desgovernados e mordeu a


língua por, milagrosamente esta tarde, estar tagarela como um papagaio.

Maldição! Tinha que fechar a boca. Mas seu tempo estava acabando, e
não sabia como se salvar. E contar aos alfas somente a levaria à morte.

Sim, Noah a mataria.

Os lobos fariam um cortejo típico de caças às bruxas da Idade Média e a


colocariam numa fogueira, como tinha assistido aos filmes. Ou sofreria uma
Spurga como Pietra.

Isso lhe deu medo. Não, contar a verdade não era uma opção.

— Eu consigo... Eu consigo.

Clere não tinha certeza disso, mas foi para a cozinha com o coração
pesado. Quando entrou sorriu pelo cheiro gostoso no ar e olhou a doce
senhora que tirava uma forma do forno.
— Oi, Dada.

— Oh! Minha pequena menina, como está hoje?

— Bem, e a senhora?

— Eu estou bem, mas o seu bem saiu muito xoxo, acredito que uma
xícara de chocolate quente e esses biscoitos de chocolate, uma receita nova
que testei, lhe tirarão de todo o tédio.

Clere sorriu e se sentou na banqueta do balcão da luxuosa e moderna


cozinha.

— Se fosse fácil assim. Curar tudo com um biscoito e chocolate quente.

— Como não é? Já viu alguém triste com a barriga cheia? Chocolate é


tipo a cura de todos os males. Coma isso e me diga se aprova, depois levarei
uma formada para o meu Kiki e seus bebês lindos e sua companheira, lógico.
Não são lindos?

— Seu Kiki comerá isso tudo de uma vez e sim, seus bebês são a coisa
mais amada desse mundo.

— Se eu curei Kiki com quiche de queijo, eu a curarei com chocolate.

Clere riu e mordeu um e bebeu um gole do chocolate quente fumegante.

— Nossa, está realmente delicioso!

Dada bateu as mãos rapidamente dando uma risadinha.

— Maravilha!

— Dada, quando esteve sozinha na rua pensou que seria seu fim assim?
Teve esperança que um Dr. Herbert a salvaria?
— Não tive esperança de muita coisa, naquela época. Sentia muita
tristeza. Achei que morreria lá, sozinha num beco frio e escuro. Mas, assim
como há pessoas ruins que nos deixam desconfortáveis e sozinhas, nos
deixam mal, há seres de imensa luz e de coração bom que nos enchem de
amor e paz. Precisa ficar perto de pessoas assim, para te ajudar.

— Entendo.

— Pode achar que não merece as pessoas boas, minha menina, mas
acredite, você merece o melhor deles, e ele virá, sei disso.

— Do que está falando?

— Um companheiro.

Ela bufou e enfiou um biscoito na boca.

— Como pode saber?

— Porque você merece.

— Acha que um dia terei um companheiro bom?

— Como não? Eu te digo, será o melhor deles. Um príncipe de cavalo


branco com sua armadura dourada e sua espada em riste, chegará e verá...
matará todos os seus pesadelos e depois a levará ao castelo.

Clere riu.

— Bela história.

— Todas nós merecemos uma história de conto de fadas, querida, como


nos romances.

— Você teve a sua?


— Sim, eu tive, quando o Dr. Herbert me resgatou das ruas e me trouxe
para seu castelo cheio de homens-lobos. Criaturas mágicas e, ao fim, fui
transformada em uma. Um sonho pode se tornar realidade, querida, não perca
a fé.

— Acha que terei a minha história de conto de fadas?

— Vou orar todos os dias para isso. Terá a sua, juro pelos anjinhos do
céu.

— Eu te amo, Dada.

— Eu também, querida.

— Obrigada pelos biscoitos e o chocolate quente, a senhora é um anjo.

Clere foi até ela beijou sua bochecha e foi para casa.

— Conto de fadas, uma besteira, eu estou mais para o dragão que cospe
fogo — sussurrou para si mesma. — Todos odeiam dragões.
Laboratório C-12, subúrbio de Berlim, Alemanha.

As luzes fluorescentes feriam seus olhos, aquelas paredes e grades eram


muito mais grossas, ela não sabia para onde a tinham levado, mas tinha a ver
com sua rebeldia e tentativa de fugir, matando meia dúzia de guardas.

Ela quase tinha tido êxito se as malditas salas frias e duras não estivessem
cheias de canais de gazes tranquilizantes para derrubar um elefante, que era
acionado sempre que ela tinha êxito de se livrar das correntes ou entortar as
grossas grades de ferro de suas múltiplas celas.

As drogas tranquilizantes tinham a tombado e depois haviam injetado


algo azul em suas veias, que queimava como se lava estivesse correndo nelas,
seu estômago estava enjoado e doía, poderia vomitar suas vísceras, pois a
bílis já estava em sua garganta.

Clere estava em pé, com os braços estirados para os lados, com grossos
braceletes de ferro ao redor dos punhos e tornozelos, uma coleira no pescoço
e as correntes eram muito grossas que prendiam os grilhões até a parede.
Aos dezesseis anos, ela estava forte, mas não o suficiente para rompê-las,
não que não tivesse feito antes, mas os cientistas tinham se aprimorado para
conter sua loba. E ainda ficava dentro de uma gaiola de ferro muito forte, que
era impossível rompê-la.

Se conseguisse se livrar das correntes e sair da gaiola sempre havia


consequências. Da última vez, ela tinha conhecido a morte com um tiro no
peito, porque os tranquilizantes tinham a atordoado, mas conseguiu tentar
uma fuga e matar alguns guardas no processo.

O que estava se tornando um hábito, pois nas suas contas, já tinha passado
a linha da morte por quatro vezes e os bastardos sempre conseguiam trazê-la
de volta e a colocavam num lugar mais difícil de escapar.

O que fariam agora? Aquilo estava ficando tedioso.

Os choques elétricos eram tão fortes agora, que poderiam fritar seu
cérebro e podia jurar que algo dentro dela havia arrebentado, porque a dor era
insuportável.

— Eu não quero mais isso, precisa parar! Você não sabe o que está
fazendo! — ela disse entredentes, seu corpo estava molhado de suor, os
músculos tensos e os nervos contraídos e doíam como se estivesse estirada,
prestes a arrebentar.

— É claro que eu sei o que estou fazendo e você deveria ser grata.

Ela riu, pela falácia.

— Vocês humanos são loucos e depois nos chamam de aberrações. O que


está fazendo é um crime.

— Isso é pesquisa. Isso é a descoberta mais incrível que fizemos nos


últimos anos. Olhe como podemos avançar nas nossas pesquisas, não
podemos testar nada em humanos antes de fazer anos de testes em animais...
mas com você, podemos pular uma etapa, temos dois em um e é para o bem
da humanidade. Vocês são muitos mais fortes, podem tolerar muito mais dor
e essas drogas poderia matar os humanos, mas vocês... não, teremos sucesso e
então um dia o mundo saberá o que fizemos, o que conquistamos. Pense
grande, Clere, pense que é uma honra servir para o crescimento das
pesquisas.

— Honra será a minha quando eu cravar minhas garras em suas tripas e


vê-las espalhadas no chão. Arrancarei sua cabeça e a cravarei em uma estaca.

— Que palavreado chulo, Clere. Muito selvagem.

— Você ainda não sabe o que está criando, doutor.

— Uma perfeição, Clere, queremos que sua loba seja a perfeição entre os
lobos.

— Não faça isso.

— Oh, mas é claro que faremos e você, mocinha, vai se comportar


direitinho, porque se não se comportar eu vou abrir sua amiga loba, Naya, do
umbigo até a garganta.

Clere rosnou com toda fúria e a ira era tanta que sua cabeça queimava e
doía.

— Estou falando sério, Clere, se matar mais um dos meus guardas nas
suas súbitas crises de raiva, eu juro a você que vou estripar Naya e depois
Shay na sua frente.

— Malditos, malditos, um dia vão pagar por isso!

— Um dia, Clere, nós seremos celebridades mundiais, todos os jornais do


mundo vão implorar para nos entrevistar e vê-la. Nós ficaremos ricos.

— Por que não facilita as coisas e se transforma, Clere? Pouparia muita


dor, somente queremos ver sua loba — disse o outro cientista.

— Não.
Outra descarga elétrica foi ativada e a sacudiu nas correntes. Ela tremeu,
gemeu e gritou pela dor. A sensação era de ter todos os seus nervos
arrancados de seu corpo. Ela trincou seus dentes para se segurar, e quando a
corrente elétrica parou ela tombou, ficando suspensa pelas correntes nos
pulsos, como se estivesse crucificada numa cruz.

Respirando com dificuldade e dor, com a mente turva e embaralhada, ela


olhou para o Dr. Hertz com ódio.

Não faria o que ele queria, nem que a matassem de novo, pelo menos
tentaria evitar ao máximo.

Segurar a loba dentro dela para que não a usassem era quase uma missão
impossível, pois vivia zangada. Por mais que tentasse forçar sua mente a ser
tranquila, sua loba queria matar.

Era como fazer um leão faminto negar comer um suculento filé na sua
frente.

— Você é nossa criatura, estamos nesse experimento por anos, deve


obedecer para evitar nossa perda de tempo.

Com as pernas trêmulas e doloridas, ela se levantou devagar e deu alguns


passos para a frente até que as correntes se esticaram e a impediram de
prosseguir. Seus tornozelos e punhos estavam muito feridos pela sua luta
frenética de se libertar.

— Sabe o que eu quero que faça com seu tempo, Dr. Hertz? — indagou
entredentes, respirando com dificuldade, seus olhos amarelos brilhavam
como ouro, e eram realmente esplêndidos.

— Não seja desbocada, menina, já não te ensinei a ter respeito pelos mais
velhos?

— Sim, ensinou, mas eu gostaria de poder te ensinar umas coisinhas


também.
— Ela é muito teimosa, ainda não aprendeu que é submissa a nós — disse
o outro médico com um sorriso malicioso.

Ela o olhou e seus olhos amarelos cintilaram de ódio. Ela o odiava tanto,
sentiu vontade de vomitar somente ao olhá-lo.

Não conseguiu deixar de se lembrar de como ele a estuprava e como ria,


burlando-se de sua dor, de sua raça, como a humilhava chamando-a de cadela
sem valor, de aberração da natureza, como ele queria quebrar sua alma, se é
que ela ainda tinha uma.

Era um sádico desgraçado e daria o mundo para poder arrancar aquele


sorriso de sua cara e esmagar sua cabeça.

— Clere, solte sua loba, precisamos saber qual foi a evolução desde a
última vez da sessão de injeções.

— Eu não sou seu cachorro para te obedecer.

— Oh é sim, uma cadela bonita, mas teimosa.

O enfermeiro apertou o botão e outra descarga elétrica a atingiu.

Ela gritou pela dor e as garras de suas mãos cresceram, suas presas
alongaram e seus olhos cintilaram mais.

Ela revirou os olhos, seu corpo tensionou dolorosamente, esticando as


correntes e, então, tudo estalou na sala. A sua magia de loba sucumbiu, se
libertou e dançou ao seu redor e as luzes piscaram e artefatos de vidro se
romperam.

Eles tinham quebrado seu coração, sua vida, sua alma e tinham
conseguido quebrar sua loba.

Clere rosnou alto pela dor, pela fúria de sua loba, então, puxou as
correntes arrancando os grilhões presos na parede fazendo o concreto
despedaçar e não conseguiu mais segurar sua fera interior, não a que ela
amava, aquela que eles criaram.
Ilha dos Lobos, Grécia.

— Boa noite, filha, trouxe chá e torradas. Você não jantou de novo, mas
precisa comer alguma coisa.

— Não tenho fome, mãe.

— Só umas torradinhas.

Clere tirou os olhos do computador, se virou e olhou para a sua mãe.

Sua mãe não era mais a mesma, parecia envelhecida, cansada e triste, mas
era carinhosa e com aquele olhar de preocupação e pena.

O olhar de pena é o que a faziam sentir raiva e desespero, que estava


entalado na sua garganta há muito tempo, e ela forçava a engolir para não sair
gritando como louca ou fatiando todo mundo que passasse na sua frente.
Estava tendo rompantes de ansiedade, seu humor variava, uma hora
estava triste, outra com raiva e outra se sentia contente. Nem ela mesma
conseguia se entender mais ou dominar seus sentimentos.

Sua mãe, com um sorriso tímido, se aproximou e colocou a bandeja sobre


a escrivaninha.

— Obrigada, comerei, prometo. É tarde, deveria estar dormindo.

— Estava preocupada com você, pois tem virado as noites sem dormir.
Eu te escuto rondando pela casa.

— Não precisa se preocupar, logo meu sono volta ao normal, é só uma


fase.

— Te vi chorando estes dias, depois que voltou de Atenas e que foi tirar
os documentos para poder dirigir. O que houve, não conseguiu passar?

— Eu passei nas provas.

— Meus parabéns. E o passeio como foi?

— Não houve passeio. O alfa não deu permissão para eu me afastar da


propriedade. Fiz as provas e Konan me trouxe de volta.

— É... que vocês foram muito longe da outra vez, ele ficou preocupado.

— Konan estava comigo.

— E o Sr. Papolus?

— Harley anda ocupado ultimamente.

Sua mãe ficou calada e Clere franziu o cenho a olhando, sabendo que
havia algo errado, franziu o lábio, o que mostrava que estava com raiva.
— A senhora pediu para o alfa para não me deixar sair, sabendo que eu
não poderia desobedecê-lo.

— É... é que tenho medo que saia e aconteça algo.

Clere fechou os olhos e respirou fundo para não rosnar, uivar de raiva.

— Mãe, como eu vou dirigir direito e pegar prática, conhecer os lugares,


se tenho que ficar dando círculos na garagem lotada de carros?

— Motos são perigosas.

— Carros, aviões e helicópteros também. Um patinete é perigoso eu cair e


quebrar o pescoço. Eu sei, mas tenho força para segurar as motos e quero
aprender. Konan disse que posso usar sua moto, mesmo que seja contrariado,
porque tem ciúmes dela e Harley me deixava usar a moto dele, mas sem ele
não posso usá-la.

— Não acho que deveria sair da ilha, deveria ver suas coisas aí no
computador. E não deve chamar o beta Nico Papolus de Harley, deve chamá-
lo de beta ou Sr. Papolus. Já percebi como seus olhos brilham quando o vê,
pode tirar estes pensamentos da cabeça, Clere, ele tem companheira.

A menção de Harley daquela maneira fez seu sangue ferver de raiva e


dor, seu coração só se afundou.

— Claro, mãe, o Sr. Nico Papolus, beta de Alamus. E eu sei que ele tem
companheira, imagina se eu poderia sequer pensar que um lobo como aquele
olharia para mim.

— Ele não é lobo para você.

Sim, ela já sabia dessa merda e lutou para segurar as lágrimas.

— E que lobo seria para mim?


— Eu acho que você não poderia lidar com homens agora, deve pensar
em ficar saudável.

— Foi a senhora que pediu para os machos não se aproximarem de mim?

— Bem... é que depois de tudo que passou, achei que se sentiria


desconfortável perto dos machos.

Claro, e nem era difícil, eles já deviam achá-la louca quando se vestia de
gótica e fazia as maquiagens negras, toda semana com uma cor diferente de
cabelo. Sua mãe tinha ficado horrorizada.

Clere apertou a xícara com a bebida, que quase a fez explodir em suas
mãos.

Então o nó que a sufocava na sua garganta começou a ficar mais dolorido,


e mal conseguia respirar. Estava sufocando.

Mas todos tinham razão, não era seguro ela estar lá fora no meio dos
humanos e nem queria ser tocada por ninguém, tinha querido por Harley, no
entanto...

— Vá dormir, mãe, é tarde. Desculpe se lhe dou preocupações.

— Só não quero que faça bobagens.

Ela deu uma risada triste.

— Que bobagens eu poderia fazer?

— Por que está tão deprimida ultimamente? O que aconteceu?

Depois daquela conversa, ainda perguntava. Clere respirou fundo.

— Não aconteceu nada.


“Só levei um fora de Harley, odeio minha vida e não controlo minha
cabeça e meu coração, odeio minha loba, além de tudo estava morrendo”,
quase disse.

— Não quero que corra perigos, Clere.

— Não correrei. Ficarei aqui, como uma estátua presa no quarto.


Obrigada.

Sua mãe bufou.

— Tinha me esquecido de como gosta de ser irônica, tem isso desde


menina.

— Não sou mais uma menina, mãe.

Sim, ela tinha deixado de ser uma menina aos dez anos de idade quando a
jogaram numa jaula, quando a estupraram e lhe injetaram drogas nas veias.

— É sim, e quero que fique protegida, onde posso te ver. Onde os


malditos humanos não possam te pegar!

— Ok.

— Uma mãe nunca deixa de se preocupar pelos seus filhos, não os


abandona ou os machuca nunca, por isso era minha obrigação te proteger e
não pude, entende?

Clere suspirou e olhou para a sua mãe. Lana também tinha suas próprias
dores para carregar, tinha perdido o companheiro e por dez anos havia
pensado que ela estava morta. Ela não queria que sofresse mais.

— Não foi sua culpa.

— Eu queria ter te protegido.

— Ninguém pôde nos proteger, e não pode agora também.


Sua mãe suspirou triste.

— Você acha que poderia me contar as coisas? O que aconteceu lá?

Clere a olhou e sua garganta embargou.

— Não.

— Falar pode ajudar.

— Sim, a alfa sempre diz isso e eu já contei o suficiente.

“Contar o quê? Os infindáveis estupros? As drogas que injetavam nela


que a deixavam doente por dias? O cheiro de carne pobre nas suas narinas
que lhe revirava o estômago, ou as palavras imundas e degradantes que
ouvia? Os choques que fritavam seu cérebro, as mortes? Os testes e mais
testes que fizeram, deturpando seu corpo e sua mente?”

— Sinto muito, não quero aborrecê-la. Eu estou bem. Amanhã estarei


novinha em folha.

— Nunca me aborrece, querida, é minha preciosa lobinha e estou muito


feliz que esteja em casa, desculpe se sou chata as vezes, é que me preocupo.

— Eu sei e eu a amo por isso e nem sabe como me ajudou chegar aqui e
vê-la, ter seu abraço, seu amor. E quando pude sentir seu cheiro, metade de
mim se calou, o calor em seu abraço e suas palavras me ajudaram a amenizar
meus tormentos. Seu amor me segurou mãe, mas, às vezes, me sinto muito
presa aqui.

Clere foi até ela e a abraçou forte, suspirou ao sentir seu abraço quente e
reconfortante.

— Vou tentar não ser tão sufocante, prometo, Clere.

— Obrigada. Agora vá dormir e descansar. Eu te amo.


— Eu também, querida. Boa noite.

— Boa noite.

A senhora beijou sua testa e saiu fechando a porta.

Clere olhou para o chá e as lágrimas rolaram de seus olhos, porque ela
não tinha mais forças para segurá-las, ela já não conseguia aguentar aquela
bola entalada na garganta, e que a escuridão a envolvesse em um grande
buraco negro.

Pegou a xícara e cheirou o chá, colocou de volta na bandeja e a empurrou


para longe dela, sem beber. Estava tão enjoada que se bebesse aquilo
vomitaria, nem sequer conseguia comer porque parecia que a comida ia se
juntar ao nó entalado na sua garganta.

Seu mal-estar a estava matando, sua cabeça e seu corpo pesavam e doíam.
Sua alma pesava. Já tinha tomado uma quantidade de remédios que a alfa lhe
deu e não haviam adiantado.

Desolada, foi até a janela, abriu-a e se sentou sobre o batente largo,


abraçando as pernas e olhou para o céu sem estrelas.

A noite estava fria e havia muitas nuvens e a brisa parecia cortar seus
pulmões, mas não tinha nenhuma chance de refrescar sua cabeça. A neve já
havia derretido pelo fim do inverno e ela a achava tão bonita, tão pura.

Fechou os olhos e não conseguiu evitar as lembranças, era como uma


lâmina afiada que lhe cortava diariamente, passavam uma atrás da outra. Mas
uma se prendeu.

Harley riu e correu até ela que estava sobre a moto e havia feito uma
curva em alta velocidade e ele gritou pensando que ela tombaria, mas não,
ela fez a curva, escorou a perna no chão e valentemente segurou a moto.
Ela era boa e radical com ela.

— Mulher! Assustou-me, pensei que cairia — Harley gritou, rindo.

— Eu disse que consigo com elas, você que tem medo que eu sofra um
arranhão e minha mãe chute seu traseiro.

Harley riu e a pegou no colo, tirou-a de cima da moto e a colocou no


chão.

O gesto foi demais, e foi o impulso que Clere teve para se declarar para
ele.

Ela ficou na ponta dos pés e foi beijá-lo nos lábios.

A princípio, Harley não atinou o que ela faria, mas antes que Clere o
beijasse, ele piscou aturdido e se afastou, interrompendo o quase beijo.

— Clere...

Ela o olhou ansiosa.

— Só um beijo, Harley.

— Não, isso não está certo, somos amigos, somente isso.

— Pensei que gostava de mim.

— Eu gosto, mas não assim, está confundindo as coisas, Clere. Você não
é a garota para mim.

Nossa, ela sentiu o baque bem na cara, seu coração partiu e ela viu a
realidade, os sonhos de que ele gostava dela como mulher não era verdade,
os sentimentos eram só dela.
Harley estava chocado a olhando, com aquele cabelo comprido até a
cintura com a barba longa, olheiras, ela percebeu que ele também estava no
inferno.

Ele estava diferente e ela nem tinha se dado conta de que não era por
causa dela. O mundo não a incluía e ela não sabia como fazer parte dele e
nem da vida de alguém. A dor foi cruel em seu coração.

— Desculpe, eu não quis ser rude, só que não posso transformar nossa
amizade num romance.

— Acha que não sou digna de ser uma companheira a sua altura?

— Não é nada disso. Eu queria... queria ser a pessoa que te daria amor,
segurança, uma família, mas não sou. Se eu aceitasse te dar o que você quer,
eu estaria mentindo e não seria justo com você.

— Eu pensei que tínhamos algo.

— Clere, perdoe-me se fiz algo que te deu a entender que eu tinha mais
do que amizade para te dar. Precisa de alguém que possa amá-la como
merece.

Houve um silêncio terrível e nenhum deles se moveu.

— Acho melhor a gente se afastar — Harley disse por fim.

— O quê? Mas por quê?

— Não quero alimentar nenhuma esperança de relacionamento, sinto


muito.

— Sei que sou nova e inexperiente, mas podemos dar uma chance.

— Desculpe, mas não posso, amo outra pessoa e não posso fingir que
não.
Aturdido, Harley virou as costas e saiu e ela ficou ali, boquiaberta e
perdida, com o coração partido.

Então a melancolia tinha tomado conta dela e seu muro protetor que tinha
construído duramente tinha ruído, a onda de dor que atingiu seu coração foi
devastadora, porque serviu de gatilho para quebrar as defesas de Clere.

Tinha sido tão forte depois de ser libertada de seu inferno, mas as
memórias estavam a chicoteando, impiedosas, e ela não conseguia mais
afastá-las.

Sua mente conturbada só via o escuro e nenhuma luz.

Clere não queria dormir para não sonhar, tentava fortemente empurrar as
lembranças fora para não reviver seu inferno, mas nada mais funcionava.

Ela tinha saído da jaula, mas continuava presa no passado, na vida que
não tinha, presa por achar que estava sendo um estorvo para todos.
Mortificada porque ela não era digna dele nem de ninguém.

Estava se sentindo um lixo, a cadela suja, como a chamavam nos


laboratórios, indigna e que era fraca e imprestável, que só sabia chorar.

Ela só era uma criança desesperada. Uma menina que perdeu sua
inocência, sua infância e juventude e não conhecia alegria ou amor, não
conhecia carinho ou compaixão.

Todos a tratavam como um bibelô de cristal rachado, que necessitava não


ser tocado, pois somente por um sopro estalaria em mil pedaços.

Mal sabiam eles que ela já estava em mil pedaços, tão pequenos que não
sabia consertar.

Ser rejeitada doía como o inferno, ser tratada como um animal nojento
machucava.
Se sua mãe descobrisse o que estava acontecendo ficaria louca, então não
havia motivo para contar e dar mais um motivo para os lobos surtarem ao seu
redor.

Ela fechou os olhos e queria que o frio congelasse seu cérebro, quem sabe
assim os pensamentos congelariam e parariam de atormentá-la.

Respirou fundo, passou seus dedos trêmulos entre os cabelos, os mantinha


cortados porque não podia pensar que alguém tocasse neles, ninguém a
segurasse com força, para lhe causar dor. Dominá-la. Forçá-la.

Estava com o cabelo curto, irregular, com fios mais longos na frente com
largas mechas azuis, um corte moderno que tinha feito no salão em Atenas.

Depois daquilo tinha saído poucas vezes e não ia muito longe da casa da
marina. E ela o mantinha curto, com uma tesoura, ela mesma, mas amava os
cabelos compridos dos lobos, porque eram lindos e fascinantes, fortes e
brilhantes como verniz com seus tons multicoloridos.

— Só mais um dia... um dia de cada vez... — sussurrou. — Amanhã


começará uma nova aventura.

Ela deu uma leve risada, triste, porque repetia isso toda noite, mas a
esperança não estava mais ali e os dias estavam pesados demais, demorados
demais para passar, cinza, tudo estava cinza.

A única coisa que ainda a segurava era cuidar de Lucian e Lili, às vezes
cuidava dos filhos gêmeos de Kirian, porque os bebês eram a inocência que
ela não tinha. Eles a amavam, pura e simplesmente. Ela sentia alegria, porque
eram anjinhos lindos e amorosos. Lobinhos que não conheciam a negritude
do mundo, a maldade dos humanos, a sede nem a fome, a dor e o que era ser
insultado, ter seus ossos quebrados ou ser estuprada por um ou mais homens
nojentos.

As crianças na ilha eram protegidas como relíquias, como pérolas


preciosas.
E ela rezava para que sua alcateia nunca soubesse no que ela tinha se
tornado.

Respirou fundo para tomar mais ar puro com cheiro de maresia misturada
com a madeira das árvores. Queria se transformar em loba e correr. Brincar
como os outros lobos faziam. Lobos gostavam de se divertir e correr, mas ela
não podia. Ela não podia mais ser uma loba igual aos outros e isso doía como
o inferno.

Clere suspirou rudemente. Mais um dia acabava, um de cada vez.

No outro dia faria o mesmo de sempre, na frente dos outros ela seria a
meiga e sociável, mesmo não puxando muita conversa.

Precisava de vida, de amor e respeito, de algo que ela não conhecia, algo
que poderia salvá-la de sua miséria.

O vento bateu nas árvores e ela as olhou, havia algo pelo ar, o mundo
oculto estava trabalhando e sussurrando, algo iria acontecer, mas ela não
conseguia ouvir, porque os seus gritos de dor e pedidos de ajuda e
xingamentos lascivos e depreciativos que recebia nos laboratórios estavam
mais altos que tudo.

Ela esfregou os braços, porque sentia sempre que sua pele estava
pinicando como ferroadas de abelhas, milhares delas.

Não era mais uma loba daquela alcateia, não era mais a Clere. E ela não
sabia mais o que era e não ter uma identidade formada, não poder ser mais
uma loba e correr livre era como a morte.

Pensou que, quando foi liberta estaria bem e salva, que tudo ficaria bem,
mas estava enganada, pois não podia contar a verdade, o alfa a expulsaria,
seria uma pária, isso se não a matassem.

E ninguém poderia amá-la. E ela somente queria ser amada.


Clere respirou fundo e se lembrou de Aaron. Ela não entendia a sua
presença ao redor dela e o que ele causava nela. Sua cabeça ficava
bagunçada. Mas não podia negar que ele era lindo, gentil e poderoso.

Tinha sido uma grata surpresa conhecê-lo.

Mas ele estava somente sendo amigável e cavalheiro. O que ela sentia era
somente seu organismo desregulado em ebulição.

Ela riu, porque ele era verdadeiramente um príncipe.

A primeira vez que o viu foi chocante, o que quase tinha a levado à morte.

A guerra tinha explodido na Ilha dos Lobos e tudo parecia um inferno.

Um lobo inimigo arrebentou a porta da casa de sua mãe onde estavam


escondidas, fazendo os estilhaços de madeira voarem para todo lado.

Para salvá-la, Clere a fechou na cozinha e rosnou para o lobo que


invadiu sua sala. Furiosa e para afastá-lo dela, Clere rosnou e saltou sobre o
lobo e tombaram para o lado de fora da casa arrebentando o que restava do
batente da porta e pedaços de concreto.

Ele era grande, mas ela daria conta e sem medo lutou bravamente. Clere
rosnou e bateu golpeando o lobo no estômago, que caiu aturdido e sem ar,
então ele se levantou e saltou. Clere agarrou o lobo no ar, girou-o e golpeou
o chão com ele com tanta força que o lobo esmoreceu. Ela cravou as garras
em seu peito e ele urrou pela dor e a empurrou longe, mas o lobo estava
muito ferido.

Então, ela sentiu uma vibração forte tomar seu organismo, como se todos
os pelos de seu corpo estivessem eriçados. O cheiro forte e másculo invadiu
suas narinas a desestabilizando e sua mente ficou embaralhada.
Ela se virou e suas vistas embaçaram, o viu vindo em sua direção entre
as árvores, como um deus poderoso, como um guerreiro dos filmes de
Hollywood. Andava rapidamente, passos largos e poderosos, mas parecia
que andava em câmera lenta na sua mente.

Um guerreiro de armadura dourada, cabelos longos e tranças nas


laterais da cabeça, uma barba bonita e olhos verdes lindos e brilhantes.
Carregava uma espada na mão direita e um machado na esquerda.

Ela não soube explicar a dor e euforia que seu coração foi tomado,
alguma coisa embolou no seu estômago causando um gelo ali.

Sua mente girou loucamente, olhando-o com os olhos arregalados, como


se estivesse tendo uma alucinação ou algo.

Ele rosnou furiosamente e Clere sentiu um baque no coração e em seu


corpo, coração disparado.

Com a distração, ela se esqueceu do lobo que lutava e que havia


levantado e a golpeou. Ela voou e bateu na árvore, caiu no chão e quase
perdeu os sentidos.

Com a vista turva, ela viu o desconhecido rosnar furioso, poderoso e


forte, saltar sobre o inimigo e com a espada decepou seu braço e com o
machado decepou sua cabeça. Ele veio ao seu encontro, se abaixou e olhou
para ela com seus lindos olhos verdes de lobo.

Ele falou uma língua que ela não entendeu, a pegou no colo e ela
desmaiou.

Quando acordou na clínica da alfa, ela soube que ele não era uma
alucinação. Era o príncipe de Kimera.

Um verdadeiro príncipe encantado de armadura reluzente e espada em


riste, só faltava o cavalo branco.
Clere suspirou e sorriu tristemente. Se o beta de Alamus não era para ela,
imagina um príncipe.

Ela respirou fundo, fechou a janela e arrumou as cobertas da cama, então


ela sentiu uma vibração em seu corpo e um cheiro conhecido. Ouviu um
“tec” e olhou para a vidraça, curiosa foi até a janela e espiou fora. Franziu o
cenho e abriu a janela.

Ficou espantada ao ver Aaron debaixo de sua janela jogando pequenas


pedrinhas no vidro.

— Alteza? O que faz aqui? — perguntou baixo para sua mãe não a
escutar.

— Eu vim lhe desejar uma boa-noite, pode descer aqui?

— Veio de Kimera me desejar uma boa-noite?

— Bem, eu estava um pouco entediado e estava pensando se apreciaria a


minha companhia por um momento.

Ela titubeou se ia ao seu encontro ou não, era tarde, mas seu coração
estava disparado e uma ansiedade a atingiu. Ponderou se devia ou não. Ela
sorriu e assentiu e ele a brindou com um lindo sorriso.

Foi até a cama, pegou uma manta e pôs nos ombros, sentou-se na janela,
virou e saltou para o andar de baixo. Parou na frente dele e ficaram se
olhando por um minuto.

— Olá, senhorita.

— Olá — ela disse meio sem jeito.

Ele estendeu a mão para que ela a tomasse, mas ela não fez e ele suspirou.

— Desculpe-me trazê-la no frio.


— Está tudo bem, eu estou acostumada, nas celas era muito frio e quase
não tínhamos roupa no inverno.

Ele rosnou e ela se arrependeu de falar. Não sabia o que andava


acontecendo com sua cabeça, pois sua língua andava solta.

— Mas não sei se é apropriado estar na sua frente de pijamas.

Ele sorriu.

— Por quê? Isso que veste é um pijama?

— É que é uma roupa de dormir, não é apropriado sair na rua com ele.

Ele deslizou o olhar pelo seu corpo, observando sua camisa de mangas
compridas e sua calça um pouco larga e em seus pés usava um chinelo com
uma pluminha rosa.

Era estranha, mas ele a achou bonita e sexy. Ele subiu o olhar lentamente
e, quando seu olhar se encontrou com o dela novamente, ela estava com as
bochechas vermelhas.

— Interessante e bonito. Mas os lobos não se preocupam com a nudez...


ou pijamas.

— Sim, eu sei, mas o senhor é um nobre e ouvi que ficam de roupas


quando voltam da forma de lobo.

— Sou apenas Aaron para você.

— Desculpe, eu sempre esqueço, como me pediu.

— Usamos roupas, pois Vanora usa um feitiço em nós, então temos esse
costume, mas nos acostumamos a ficar sem roupa sem vergonha, não é um
problema, mas geralmente dentro do castelo ninguém fica nu na frente dos
reis. Por algum motivo, Vanora não ficava confortável, porque ela demorou
um pouco de tempo para ser transformada. Por isso fez o feitiço e depois nos
acostumamos, mas sabemos que os lobos na Terra não usam roupas, não me
incomoda.

— Deve se espantar conosco hoje em dia.

— Preciso aprender sobre suas roupas, mudou muito desde que estive
aqui na última vez.

— Imagino, muito pouco tecido comparado ao século XIX, se é quando


esteve aqui, quando fechou seu portal?

— Na verdade, foi no meio do século que pisei na Terra.

Sim, ele tinha vindo à Terra procurá-la, mas ela não estava.

— Gostaria de me dizer alguma coisa?

“Sim, é minha companheira”, quase disse. Ele pigarreou nervoso. Não


estava mais aguentando a saudade e a falta dela. Fazer visitinhas esporádicas
já estava o irritando, mas ela não era muito aberta a ele.

— Você gostaria de tomar um chocolate quente?

— O que é chocolate quente?

Ela riu.

— Venha, vamos ao restaurante do clube e farei, aqui minha mãe pode


acordar.

Ele assentiu e eles andaram até o clube e ela tinha sorte que as portas não
eram trancadas, afinal, quem assaltaria o clube?

Ela acendeu as luzes da cozinha e entraram e foi na geladeira e armário


pegar os ingredientes: leite e chocolate. Ele acompanhava tudo que ela fazia e
Clere se agradou de ele prestar atenção.
— Você derrete uma barrinha de chocolate e engrossa o leite quente com
um pouquinho de amido, um pouquinho de açúcar e canela, fica cremoso
assim, então se delicia.

Ela deu a caneca a ele, que bebeu e lambeu os lábios, ele fez aquilo
devagar olhando para ela que a desconcertou. Ele estava saboreando o
chocolate como nunca, jamais imaginou ver alguém saborear, sua boca
salivou e ela ficou com vontade de beber ou beijar seus lábios doces.

Ela piscou aturdida afastando o pensamento. Estava doida.

— Não vai tomar um?

— Fiz para você.

— Não é envenenado, não é?

Primeiro ela arregalou os olhos de susto o olhando e parou de respirar.


Então ele lentamente foi colocando um sorrisinho no canto da boca e seu
olhar tinha um brilho zombeteiro. Ela se deu conta de que estava brincando e
riu.

— Foi uma brincadeira, pequena.

— Assustou-me, vai que me leva para a forca.

Aaron riu com vontade, o que a fez rir, ele tinha esse efeito nela, ela tinha
vontade de sorrir. Ele milagrosamente abrandava sua dor no corpo e sua
tristeza. Era algo natural e tinha percebido isso das outras vezes que o viu e
agora novamente.

— Você está bem? Como se sente?

Ela se comoveu com sua preocupação.

— Eu estou bem, só um pouco enjoada, então por isso não vou beber o
chocolate porque é doce, mas logo passa.

— Assim, espero. Não gosto que se sinta doente.

— Obrigada. O senhor... você... não me disse por que veio.

— Eu vim aqui ver se a senhorita precisava de alguma coisa.

Ela não acreditou, pois era absurdo.

— Por que eu precisaria?

— Não sei, foi um ataque que tive, pois minha cama estava... eu estava
sem sono, só quis dizer olá.

— Apreciei sua visita.

Ele sorriu lindamente.

— Também apreciei vê-la.

— Gostaria de ir ao terraço?

Ele assentiu e eles foram até lá e ela suspirou ao ver as nuvens abrirem
um bocado e a lua aparecer. Escoraram-se no balaústre e ficaram olhando a
paisagem.

— É bonito aqui.

— Sim. Tem inverno em Kimera?

— Sim, temos, mas não é tão rigoroso como aqui.

— Não me canso de olhar o céu e o mar, o bosque. Deve ser lindo lá.
— Os lobos apreciam muito. Gostaria que eu a levasse em Kimera algum
dia desses?

— Oh, eu adoraria!

— Que tal amanhã eu vir buscá-la e te mostro Kimera?

— Sim, eu gostaria muito.

Ele sorriu e ficou a olhando e seus olhares se prenderam.

Clere engoliu em seco, deu um passo atrás, mas não conseguiu se afastar
mais, havia algo estranho demais nele, era tão familiar.

— Eu tenho a impressão de que já o conheço, só não sei como, pois é


impossível.

— Seu rosto também me lembra de alguém.

— Lembro?

— Sim — sussurrou.

Ele ergueu a mão para tocar seu rosto, mas ela deu um passo atrás e ele
parou.

— Desculpe, não queria perturbá-la.

— Não fez, quer dizer...

— Eu nunca vou machucar você.

Ela piscou aturdida e não soube o que dizer, mas suas palavras a
comoveram.

— Bem... eu vou voltar para Kimera.


Ela não queria que fosse, queria, sua mente rodopiou e assentiu confusa.

— Boa noite, eu gostei do chocolate quente e sua companhia.

Ele colocou uma mão para trás das costas e estendeu a outra e ficou a
olhando. Clere olhou para a mão e não sabia o que fazer, pacientemente ele
esperou.

Aquilo parecia uma batalha, mas lentamente ela colocou sua mão na dele
e o calor a tomando foi arrebatador, um encaixe lento, forte e poderoso, fácil
e perfeito, ele acariciou o dorso da mão com o polegar então a trouxe para
seus lábios e lentamente beijou seus dedos.

Ele desapareceu da sua frente e Clere arfou, olhou ao redor boquiaberta e


olhou para a xícara do chocolate sobre o balaústre.

Então olhou para a sua mão que parecia formigar, tocou com a ponta dos
dedos onde a beijou, seu coração estava pulando forte no peito e ela não
entendeu nada dos sentimentos que a atingiram.

Clere sempre ficava perdida na frente dele.

Ela respirou fundo, entrou, lavou a xícara, guardou as coisas e voltou para
casa, saltou para a janela do segundo andar e foi se deitar com as luzes
acesas, mas demorou a pegar no sono, e, sem perceber, ela abraçou a mão
contra o coração como se sua mão beijada fosse preciosa.

Mal sabia que agora a dor instalada em seu coração era uma dor de
saudade.
Gália, ano 2 d.C.

Aaron empertigou o corpo fornido de músculos rijos de tensão e raiva.

Vestido como um valoroso guerreiro, uma camisa de algodão marrom


forrava seus músculos, botas até os joelhos, calças de couro, braçadeira de
couro com desenhos em relevo do punho até os cotovelos, que eram fechados
com uma tira trançada.

A armadura era feita de couro e por cima forrada de quadrados de couro


com placas de metal no torso e nos ombros, uma ombreira dupla de couro e
metal e uma estola de pele de animal.

Seus cabelos estavam trançados rentes à cabeça e presos para trás e com a
barba um pouco longa. Tinha traços de pintura negra no rosto feita de óleo
com pó de carvão, de um rito de guerra, e seus olhos, bem, com seu verde
magnifico de lobo, mas revestido de ódio e desejo de vingança.
Eles estavam no topo da colina observando o acampamento dos romanos,
a noite estava escura e sem lua, pois eram as trevas que ele queria trazer esta
noite.

Os soldados romanos estavam desleixados, achando-se invencíveis e


vitoriosos em suas conquistas, alguns bêbados e os olheiros estavam
dormindo, e os que atravessaram sua frente, foram silenciosamente mortos
por eles, banhando suas adagas com seu sangue.

— Eles são muitos, alfa, mas menos do que suas legiões normais, a
divisão que eles fizeram, uma para nos atacar no Norte e a outra para invadir
o reino os deixaram enfraquecidos agora — disse Rainar.

— Sim, muitos foram mortos pelos nossos lobos e o resto sucumbirá essa
noite. Não sobrará nada.

— Os romanos enviarão outras tropas. Roma não vai parar até tomar toda
a Gália e voltarão atrás de nós quando souberem que matamos todos.

— Sim, o farão, e lutaremos hoje até a morte, não viverá nem um único
maldito. E os outros que virão.

— Esses damos conta, mas os outros, não podemos vencê-los, não agora
que estamos debilitados.

— Sempre soubemos que esse dia chegaria.

— Se Kayli retornasse de seu mundo com os outros lobos teríamos uma


chance — disse um dos guerreiros.

— Kayli não voltará, ele fez a escolha, assim como os outros.

— Então nos unamos a eles.

— Se assim desejarem, mas antes beberemos do sangue dos romanos, até


que não reste nada dessa legião. Vingaremos nossas famílias assassinadas.
Os olhos de Aaron cintilaram e ele deixou seu lobo liberto. Agarrou
firmemente sua espada com a mão direita e seu machado com a esquerda.

Somente sua espada pesava cinco quilos, mas como a força de um lobo
era superior aos humanos, podia segurá-la com uma mão, e ele tinha a
destreza insuperável.

Era um homem excepcional e glorioso, nobre de coração e dava sua vida


pelo certo, que tinha quebrado as regras, que tinha feito coisas que talvez não
fosse bom aos olhos dos outros, mas faria o que fosse possível para vingar
seu povo e sua família, e o fato de ela ter desmoronado na sua cabeça atiçava
seu lado humano de guerreiro tanto quanto seu lado feroz de lobo.

Teria sua vingança, fosse nessa vida ou na próxima, se é que havia


alguma.

Ele tinha feito o que ele achava que tinha de ser feito para salvar os seus,
e agora, e agora iria vingá-los.

Espreitou todo o acampamento e fez sinal para os lobos se espalharem


para ladeá-los, devagar, silenciosos. Com seus instintos de lobo podiam sentir
o cheiro dos humanos e de sangue a quilômetros e sua visão era muito mais
eficiente, inclusive à noite, podendo assim estudar seu inimigo numa
distância que os romanos não tinham nenhuma ideia que estavam sendo
vigiados.

Ele uivou para seus lobos e guerreiros avisando para suas tropas se
aproximarem. Estavam em um número reduzido bem considerável. Seria
suicídio se somente fossem guerreiros normais, mas não eram.

As tropas cavalgaram descendo a montanha em direção ao acampamento.

Aaron estava na frente, flanqueado de seus dois guerreiros mais fortes,


Rainar e Bramir, um de cada lado. Os arqueiros se enfileiraram atrás deles e
mais atrás vinham os lobos a pé, com seus escudos e espadas, prontos para
fazer sangrar.
Enquanto os cavaleiros partiam para o ataque cavalgando em velocidade,
em seus poderosos cavalos, alguns corriam como lobos e outros na forma
humana, mas em pelo, desprovidos de roupas.

Uns carregavam a espada, outros o arco e flecha, machado e o torque, e


usariam suas garras de lobos, implacáveis em destroçar quem tinha ferido seu
povo.

A trompa de guerra ecoou pela noite e anunciava a chegada dos lobos,


como um ritual, onde inspirava os guerreiros a lutar, mas o urro do lobo e os
uivos, acendiam seu lado mais feroz e animal, um grito de guerra que fazia os
animais empertigarem e deixarem seu lobo sair, matar, sem piedade.

Eles não tinham medo de morrer, de lutar até a morte, eram guerreiros e
medo não os acompanhava nas batalhas. Acreditavam que morrendo em
batalha, iam diretamente ao Valhala, com honra.

Os lobos avançaram e a visão de seu exército entrando no acampamento e


os homens tombando assustou os romanos, que entraram em batalha. Flechas
voaram pelo ar num arco e derrubaram os homens e a terra flamejou com as
flechas embebidas em óleo, as chamas atingindo as tendas e se alastrando. E,
com destreza, as lanças longas de dois metros perfuraram os corpos dos
soldados.

A neve suave que caía começou a turvar-se de vermelho sangue; e um a


um, os soldados romanos caíram mortos.

Então, Aaron cintilou seus olhos de lobo, ergueu a espada e rosnou


ferozmente decapitando dois homens de uma vez, um com a espada e o outro
com o machado e ele cavalgava somente preso ao cavalo com as pernas,
utilizando as duas mãos para matar e assim, seus guerreiros fizeram o mesmo
e desceram a colina, furiosos, dispostos a lutar, matar e morrer.

Os ventos uivavam, ele ouviu o som vibrante das patas batendo contra a
neve, patas de lobos e cavalos, os rosnados e gritos encheram o ar.

Foram derrubando e matando todos que entravam na sua frente.


Gritou com fúria quando uma flecha alcançou o centro de sua armadura, o
golpe quase o derrubou do cavalo, mas rosnando, se segurou.

A flecha tinha atravessado o couro, e perfurado brevemente sua carne, o


suficiente para arfar de dor, mas ele bateu o cabo da espada na flecha a
quebrando e continuou firme sobre o cavalo.

O batimento de seu próprio coração pulsava com batidas poderosas. Com


a adrenalina alta, rosnou, saltou do estribo e ficou em pé sobre o cavalo, girou
o machado e num salto espetacular se impulsionou e saltou sobre um grupo
de soldados e, antes de tocar o chão, decepou a cabeça de um, cravou a
espada no outro, então caiu sobre o gelo.

Valentia e determinação tinham marcado toda sua vida, e sabia que a sede
de sangue era forte e perigosa, mas não estava interessado em piedade ou
prisioneiros de guerra.

Era uma vez quando foi piedoso e bondoso, não naquele momento, pois a
vingança era seu alimento.

Ele avistou um dos generais do exército ao longe, lutando bravamente.


Poderia admirar sua bravura, se não tivesse usado de uma mulher fraca para
adentrar em seus domínios, poderia admirar, se seu destino não fosse ter a
cabeça dele enfiada numa estaca.

Aaron não teria nenhuma misericórdia, pois seu coração estava sangrando
e como humano convertido em lobo, não possuía coração de um, mas de dois,
por conseguinte, não era fraco ou vil.

Ele defendeu seu reino como nunca, mas seus portões foram devastados o
que ia contra qualquer ataque provido de honra de um guerreiro, não, havia
sido vilmente traído.

Ele viu parte dos soldados romanos montando seus cavalos para recuar e
proteger seu general, mas ele não permitiria. Correu através das lutas e fogo.
Aaron girou a espada cravou em um pescoço, cravou o machado no
estômago de outro, que levantou do chão e voou pelo campo, cravou
sucessivos golpes, derrubando um soldado após outro.

Agarrou um romano pelo pescoço, tirando-o de seu cavalo, e o derrubou


longe rolando pelo chão.

Então avistou o general tentando fugir, pois tinha a crina do elmo


diferente dos outros, a dos soldados era vermelha e a dele era preta.

Rosnou furioso, soltou a espada e o machado, impulsionou seu lobo num


salto magnífico de mais de três metros de altura e quatro metros de distância
e quando pousou no chão, causando um estrondo, uma energia emergiu dele
causando um impacto ao seu redor como uma onda de energia derrubando
vários soldados.

O cavalo do general se desestabilizou e empinou, relinchando assustado e


o homem tentou controlá-lo, então seus olhos cravaram em Aaron, sentindo
toda aquela energia de lobo, de um predador com olhos assassinos, e ficou
horrorizado.

Aaron saltou novamente, e no meio do salto, ele se transformou na forma


Dhálea, caiu sobre o romano o derrubando do cavalo, e os dois rolaram pelo
chão.

Aaron saltou, ficou em pé e rosnou e o romano olhou para a figura


descomunal, com os olhos arregalados.

— Por que foge, romano? Não estava contente em matar as bestas que
veio caçar? — rosnou com a voz animalesca.

— O que inferno é você?

— A criatura que lhe arrancará as vísceras e jogará aos cães.

— Acha que pararemos de caçá-los?


— Não, não acho e nem eu pararei de matá-los.

Aaron o golpeou e arrancou a espada de sua mão, bateu com o ombro no


peito derrubando-o. A armadura se partiu ao meio e o homem arfou pela dor
no peito, pois sua caixa torácica quebrou em vários lugares.

Rosnou se aproximando dele, mostrando os dentes de lobo alongados e os


olhos cintilando.

O homem arregalou os olhos vendo a transformação ficar mais grotesca,


pois Aaron não havia se transformado na forma Dhálea por completo, e então
ficou mais feroz e assustador.

— É verdade...

— Sim, é verdade e também que és um homem morto.

— Fomos treinados para obedecer ordens e para matar. Somos treinados


para defender e conquistar. Somos poderosos. Vocês bárbaros serão
dizimados.

— Quando sangue inocente é derramado, não sobra nenhuma honra na


conquista. Você destruiu minha família, destruiu meu reino. Seus soldados
conhecerão o sangue e a morte.

Aaron arrancou a armadura do homem, cravou as duas mãos no peito e,


rosnando ferozmente, puxou as costelas abertas e abriu todo seu peito.

O general não teve nem tempo de arfar e morreu com os olhos


arregalados de terror.

Aaron cravou suas garras no pescoço e puxou e a cabeça separou-se do


corpo e rolou pelo chão.

Arrancou o coração do peito do general, ergueu para o céu, rosnou


ferozmente, que ecoou longe pelas montanhas e seus lobos uivaram de volta e
rosnaram, em vitória.
A legião dos romanos foi massacrada, com terror e crueldade, foram
esquartejados, estripados e esmagados e suas cabeças presas em estacas por
todo o acampamento.

Ele queria que Roma visse aquilo, que sua vingança atravessasse as
montanhas e se propagasse.

Queria que eles sempre se lembrassem do rei Aaron Nordur.

Kimera

Aaron andou pelos corredores de pedras do calabouço do castelo, bufando


como um touro zangado, e um lobo abriu a porta da cela e ele entrou.

A mulher se levantou do chão e ficou escorada na parede, com os cabelos


soltos e revoltos e o vestido sujo.

A cela era escura e fria, iluminada somente por algumas tochas acesas.

— Aaron, onde estamos?


— Em Kimera. Eu te trouxe um presente, querida esposa.

— O quê?

Aaron jogou algo que rolou pelo chão até os pés dela, que arregalou os
olhos e gritou se afastando e o olhou com os olhos arregalados.

— O que é isso?

— Um presente. Não o reconhece? Pensei que gostaria de ver a cabeça do


seu comparsa, o romano pelo qual vendeu a si mesma e seu povo, pelo qual
assassinou seu único filho. Espero que vocês dois tenham uma estada feliz,
pelos próximos... bem, deixe-me ver... a eternidade.

— Não pode me deixar aqui, sou uma rainha.

Ele bufou e riu.

— Rainha? Rainha de quê, se não há mais reino para reinar, Audrea? Ou


você ainda não atinou o que fez, mesmo vendo tudo destruído? Você não é
mais uma rainha, no momento é uma maldita e morrerá aqui, sem perdão,
sem luxo e sem nada. É o que merece pela traição que cometeu.

— Por que não me mata e acaba logo com isso? Sempre se vangloriou por
ser um homem honrado.

Aaron viu sua ira subir e tomar conta dele, mais do que já estava. Rosnou
e saltou sobre ela e mordeu sua garganta e com a boca ensanguentada recitou
o feitiço que Vanora havia conjurado e o ensinado, depois lhe deu outra
mordida e recitou a outra parte e ele se afastou.

Ainda gritando, ela caiu no chão e a magia dele se soltou e dançou como
uma onda de arco-íris ao redor deles, o vento se abatendo no cubículo e
Aaron olhou ao redor, com a raiva reverberando sob sua pele e sem acreditar
que algo estava acontecendo.
Ele não tinha certeza de que seria possível o feitiço funcionar novamente
e transformar uma humana em loba, como tinha feito com seu filho, ou ela
morreria no processo, mas ele não estava interessado em realmente saber,
queria vingança. Queria infligir dor nela, queria que sofresse o que ele estava
sofrendo.

— Já que você odeia os lobos, que punição maior do que ser uma?

A mulher sentiu seu corpo tremer, e gritou pelas sensações novas que a
acometeram e quase desmaiou.

Aaron a olhava com o olhar cheio de ódio.

— Eis sua sentença, minha amada esposa, será uma loba e viverá quantos
anos Kimera possa prolongar sua vida, pois se te matasse tenho certeza de
que não seria aceita nem no Outro Mundo e nem em Valhala, talvez a única
que te aceite para torturar sua alma seja Hell, e te jogaria em uma maldita
toca escura do submundo.

Aaron saiu da cela e o lobo a fechou com a grossa chave e saíram.

Sim, Aaron tinha dado sua sentença, a morte era boa demais para ela.
Deveria sofrer. E ele ainda achava que não havia castigo nenhum no mundo
que poderia infligir nela.

A dor em seu coração parecia que nunca sanaria. Estaria condenado pela
eternidade.

O estranho, é que mesmo tendo sido castigado por tudo, ele não
conseguia se arrepender de ter feito o que fez.

Devia ser seu destino ser um lobo.

Ou estava louco.
— Pode perguntar sobre isso a eles? — Aaron disse aborrecido.

— Não se trata disso, deve-se ter cuidado ao lidar com os deuses, precisa
ter uma conexão, e eles vão ouvir ou não. Elas são personalidades próprias e
fortes, não ficam com suas portas abertas o tempo todo e não gostam de ser
incomodados. Eles escolhem ouvir e responder, abrir um canal para você ou
profetizar livremente através dos oráculos. Mas deve acreditar quando te digo
que não é uma boa ideia voltar e permanecer na Terra, Aaron, vai morrer! —
Vanora argumentou.

— Não vou deixar um deus governar minha vida, de qualquer maneira.


Eu tomo minhas decisões.

— Aaron, não pode voltar, já se vingou, o que mais quer? Lá está


perigoso e não pode voltar para casa, pois não nos pertence mais — Kayli
disse incisivo.

— Sou o rei...

— E em breve terá outro rei, ou vai continuar no domínio dos romanos,


serão outras vidas para ceifar.
— Se eu não voltar, o que será escrito sobre mim? O que será do legado
do nosso pai?

— Será escrito que foi o guerreiro mais bravo de toda a Gália, que sofreu
e se sacrificou pelos que amava e lutou até o fim. Eu te garanto que os
romanos jamais irão se esquecer de você, que destruiu suas legiões de
soldados, mas se voltar agora eles suprimirão isso de você, morrerá e te
garanto que de forma que ninguém deveria morrer, pois os romanos são
conhecidos pelos seus castigos cruéis.

— Isso é verdade, os romanos são conhecidos por não serem nada


misericordiosos, possuem muitos requintes de crueldade — Vanora
complementou.

— Seria um covarde se fugir da luta.

— Não há covardia em recuar quando se está vulnerável, nosso pai


sempre ensinou isso, dê um passo atrás para que lute quando estiver forte.
Lembre-se de suas lições, escute-me. Aquelas são apenas terras e um castelo
queimado e cadáveres, Aaron, mas aqui tem sua família e aqui tomará força
para lutar amanhã. Um dia, sua história será contada, mas se voltar agora,
morrerá; se ficar, então poderá escrever uma história diferente.

— Se morrer agora lutará pela ira, sendo um bravo guerreiro como


sempre foi, mas se ficar estará lutando pelo amor e por alguém que precisará
de você — Vanora disse.

— Isso não existe, de companheiras de alma, fomos criados pela magia


por você e não por um deus.

— Os deuses me deram permissão para criá-los e estão dando os


companheiros. O que minha filha vê e diz não é invenção, Aaron, essa moça
precisará de você, no seu tempo certo, mas se ir, então quem poderá amar
essa garota com o amor mais puro e verdadeiro e protegê-la?

Kayli rosnou e respirou fundo.


— A escolha é sua, irmão, já findei minhas palavras. Mas nós precisamos
de você, Kimera precisa de você. Precisamos de paz entre nosso povo,
segurança para fazer a terra prosperar para o sustento abundante. Nunca
derramaremos sangue inocente ou injustamente. Devemos ser leais e corretos,
levar a nossa honra como a primeira lei. Faremos que este seja um reino forte.
Devemos governar os lobos aqui.

— Muitos lobos ficaram na Terra.

— Eles escolheram ficar, mas com o tempo podem mudar de ideia e vir
para cá onde estarão em segurança e podem recomeçar.

— Sua companheira precisará de você — Vanora disse novamente,


tentando enfiar na cabeça dele aquela informação.

— Não tenho companheira, isso é uma tolice.

Vanora girou os olhos. Tinha tentado todos os argumentos.

— Se for, então que os deuses o protejam. Cairemos em sua honra hoje,


tanto se for, como se ficar, pois para um rei há escolhas a serem feitas. Aqui
está um momento de escolha que mudará sua vida. Mas se ficar será o
príncipe de Kimera, meu beta. Agora somente desejo paz.

— Paz é apenas um sonho.

Aaron respirou fundo e deu um passo à frente em direção ao portal.

Então, Yasmin, que veio correndo loucamente por todo o castelo quando
teve a sensibilidade de saber que ele estava partindo, entrou no salão
esbaforida e gritou:

— Não pode ir, tio! Não pode!

Aaron rosnou e deu mais dois passos, agarrado firmemente à sua espada,
quando foi surpreendido novamente.
— Kleiri! O nome dela é Kleiri! — Yasmin gritou desesperada.

O som do nome dela atingiu Aaron como um raio através do peito e


automaticamente ele parou.

Foi como se suas vistas embaçassem e seus pés não obedecessem.

— Por favor... Kleiri vai morrer se não estiver lá para salvá-la. Precisa
encontrá-la.

Aaron se virou e olhou para a menina, que o olhava com os olhos


arregalados. Vanora foi até ela.

— Está tudo bem, querida, tranquila. Seu tio precisa ir.

Mas ela não deu atenção e ficou olhando para ele, implorativa.

— Kleiri! Sua companheira de alma se chama Kleiri! É uma loba, uma


alfa.

E, o nome dela atingiu em cheio seu coração e um sentimento de proteção


o arrebatou, e que os deuses o condenassem, mas ele não conseguiu
atravessar o portal.

Ele não tinha mais nada para lutar e proteger na Terra, mas deixou sua
marca e sim, o massacre tanto do reino dos Nordur quanto das legiões
romanas com o tempo foi propagado e o nome Nordur nunca seria esquecido,
nem pelos romanos nem pelos lobos.

E Kayli tinha razão, pois as lendas das feras selvagens da Gália se


perpetuaram através do tempo.

Os reis e seus valorosos lobos se tornaram lendas e sua história foi


contada em todas as alcateias que se formaram através dos tempos e se
espalharam pelo mundo.
A lenda dos homens-lobos originais foi sussurrada ao redor da fogueira,
assim como a das companheiras de alma.

Aaron e seus lobos partiram para Kimera e os que ficaram formaram


alcateias e se ocultaram nos bosques longínquos.

Os humanos os veriam com medo e repulsa, enquanto as bruxas


conheceriam a ira dos lobos.

Os lobos que ficaram na Terra não conseguiram deixar a mágoa da


maldição em vão e se voltaram contra as bruxas e magos, mesmo já não
havendo perigo e, então, se tornaram inimigos.

Assim se seguiria por mais de dois mil anos.

E Aaron esperou sua companheira de alma.


Kimera, tempo atual...

Aaron estava eufórico para buscar Clere para conhecer Kimera. Seu
coração estava exultante e até devia estar brilhando.

Colocou seu bracelete de couro nos punhos que ia até os cotovelos e


ajeitou sua armadura de quadrados de couro com placas de metal, uma estola
de pele de animal nos ombros.

Amarrou a tira de couro prendendo seus cabelos para trás, como os


antigos. Eles tinham uma vestimenta peculiar de sua época. Com os anos
haviam adquirido muitas coisas do mundo que se modernizava, mas havia
coisas que preferiram manter. Como suas roupas, e as mulheres,
principalmente Vanora e Yasmin, tinham muito das fadas.

Ele sorriu se lembrando da sua pequena loba e como sempre que a via
seus cabelos estavam diferentes, tamanho, cor, estilo, era diferente e curioso,
um dia perguntaria se aquilo tinha algum objetivo.
O negócio todo é que gostava dela de todos os jeitos e as roupas que
usavam atualmente eram muito diferentes e com pouco tecido.

Quando viu Clere no torneio com uma calça muito curta, que suas pernas
ficavam totalmente nuas, realmente tinha o levado à loucura, a blusa era
minúscula e tinha muito dela aparente, tinha desnorteado sua mente de uma
forma absurda, estava difícil de conseguir se focar em alguma coisa e ficar
longe dela.

Ele tentou interagir com ela naquele dia, mas ela parecia arredia e de mau
humor. Foi gentil e respeitosa, mas não de muita conversa, mas soube que
algo a perturbava, porque o olhava com o olhar carregado de mil perguntas.

Aaron respirou fundo e admirou a paisagem de Kimera pela janela de seu


quarto, será que ela gostaria dali?

Estava eufórico, porque parecia que finalmente ela ia deixá-lo interagir e


pararia de olhá-lo como uma estrela no céu que não podia alcançar. Ele já era
dela, só precisava convencê-la disso.

Havia um misto de desespero e de alegria, ansiedade e desejo em seu


coração.

Desde o dia da guerra na Ilha dos Lobos que ele havia encontrado a
pequena loba em perigo nas mãos de um inimigo, seu coração e todo o resto
de seu corpo haviam acendido como uma tocha embebida de óleo posta no
fogo.

Ele soube que ela era sua companheira, pelo menos teve tudo girando
rapidamente na sua cabeça, sua promessa, as visões, as profecias de Yasmin,
os conselhos de Vanora, o reconhecimento na sua alma quando a viu, o amor.

O choque que ele sentiu por ela, só por ela.

O reconhecimento do que eles eram um para o outro e a maneira que ela o


olhou, com os olhos arregalados, soube que o choque foi recíproco.
Depois de mil anos seu mundo havia voltado à vida, o que ele pensou que
seria impossível, pois pensou que sua dormência e solidão seriam infinitas e
que ele não teria outra chance de recuperá-la.

A pequena e jovem loba tinha o deixado louco e desesperadamente queria


protegê-la ao vê-la nas mãos do inimigo naquela guerra na Terra, na ilha do
alfa Noah e quando ele a entregou ferida nos braços os lobos, sentiu um
imenso vazio, como se não quisesse entregá-la, quisesse ficar com ela e
cuidá-la. Foi como arrancar um braço.

Então tinha ido visitá-la algumas vezes, mas ela parecia distante e
respeitosa demais, apenas agradecida, até o torneio tempos depois, que
pareceu um pouco mais próxima. Ele estava se divertindo, até que ele a sentiu
e, quando se virou, a viu e sua mente sofreu um apagão, seu corpo aqueceu e
reagiu a ela e, claro, foi abatido por Petrus.

Aaron riu pela lembrança e seu coração se encheu de saudade.

Ele estava na areia com os lobos e as pessoas conversavam com ele e


estava contente e animado pelas lutas, sua adrenalina estava a mil, até mais
do que o normal.

Olhava ao redor para ver se a avistava, mas nem sombra dela. A


pequena loba não estava ali para assistir às lutas, talvez ela não gostasse
desse tipo de coisa.

Queria saber as coisas que ela gostava, saber mais dela.

Até que a viu ao longe sentada, observando. Seu coração se agitou e


ficou ansioso.

A sua luta com Petrus começou e ele lutou bravamente, nem colocando
toda sua força, porque ele sabia que era mais forte e se ele se empenhasse, a
luta não duraria nem um minuto e este não era o objetivo do torneio, era de
alegria, festa, interação e descontração.
O rei queria que os lobos de Kimera fizessem amizade com a alcateia de
seu filho, conhecido por eles como Erick.

Depois de perder a mente a observando e sua roupa chamativa, seu


oponente, com todo seu corpo, se jogou sobre ele e os dois voaram longe,
quase uns três metros de distância e Petrus caiu sobre ele, com a espada
quase cravada em sua garganta. Os dois ofegaram e Aaron parou de
respirar.

— Homem, você é forte — Aaron resmungou, ofegante.

Petrus riu e com dificuldade de falar rosnou.

— E você é muito bom para um lobo de dois mil anos.

— E você é muito metido para um lobo.

Ambos riram.

Petrus levantou e cravou a espada no chão e ofereceu a mão, Aaron a


agarrou e foi levantado com um puxão.

Aaron se ajeitou lentamente, seu orgulho mais ferido que seu traseiro.
Petrus estava erguido atrás dele, rindo, e por bons motivos.

No curso de sua vida, Aaron nunca tinha sido surpreendido com a


derrota em suas batalhas, como um escudeiro em tempos de treinamento com
a primeira espada de madeira na mão, sendo treinado por seu pai, Kundan
um valoroso e poderoso guerreiro. Exceto por Kayli que sempre o
surpreendia e o vencia.

A culpa era dessa mulher de cabelos curtos e negros com mechas


douradas e de sua camisa vermelha decotada e colada no corpo que atraía o
olhar, como uma vertente de sangue quente, sem falar do deleitoso corpo e
aqueles minúsculos objetos pendurados numa gargantilha de ouro que
adornavam seu colo e refletiam a luz do sol e tinha muitas pulseirinhas nos
dois punhos.
Ela parecia estar preocupada, quando o mais provável era que tivesse
que esforçar-se para evitar a risada, como estava fazendo Petrus.

— Você me pegou desprevenido — Aaron disse com um rosnado.

— É uma honra — Petrus respondeu zombeteiro.

— Na verdade... — disse Aaron, tomando fôlego — sua proeza de me


derrubar foi culpa de uma dama.

Petrus riu alto.

— Podemos repetir a luta, sem as damas para nos distrair, pois parecem
conspirar para a nossa derrota.

Aaron riu.

— Vá ao Valhala, que eu adoraria ser derrotado por uma lady —


grunhiu.

— Talvez possa — disse piscando um olho e ambos olharam para Clere,


que agora estava com as bochechas tão vermelhas quanto sua blusa.

Ela ofegou e soube que falavam dela, o que pareceu irritá-la.

Empinou seu fino nariz e foi em direção às bebidas, rebolando seu belo
traseiro em um pequeno short branco que o fez gemer.

Aaron respirou fundo com a lembrança e sorriu ao se lembrar de como era


delicada e bonita. Era muito jovem, mas não tinha importância, eram lobos e
diferenças de idade era uma coisa que eles tinham que lidar.

Mas havia algo de errado, ela não era uma loba comum, ela ainda tinha a
sua aura e força de uma guerreira, mas havia algo quebrado nela e depois que
a rainha havia lhe dito o que aconteceu com a alcateia dos lobos, presos pelos
humanos, ele havia conhecido uma fúria que há muito tempo não se
manifestava.

Alguém tinha machucado aquela moça. A sua moça, sua companheira, e


ele realmente não sabia como acertar as coisas.

Não sabia exatamente o que tinha acontecido, mas sabia como era ser
caçado como uma besta do inferno pelos humanos, ele sabia na pele com era
sentir o desprezo e ter seu coração despedaçado.

Aprendeu a lidar com a sua dor assim como todos os lobos de Noah
tinham que aprender, mas saber que sua pequena loba tinha sofrido lhe doía o
coração.

Quando ela viria ao mundo e poderia viver em paz e ser venerada e


adorada como deveria?

“Humanos estúpidos!”, rosnou. Ele a veneraria e adoraria, demonstraria


como sua mulher deveria ser tratada.

Tinha que mudar suas táticas de aproximação, tinha que mudar seus
galanteios porque de nenhuma forma ele queria fazer algo que a fizesse ter
medo dele ou afastá-la, pois ele não podia mais ficar afastado, ele teria que
arrumar um jeito de contar quem ela era, se aproximar dela. Fazer com que
gostasse dele.

E ele não deixaria que ninguém mais a machucasse, porque se era certo
que os deuses fizeram uma companheira especial para ele, então que ela
viesse do jeito que fosse que ele aceitaria e faria de tudo para que ela fosse
feliz.

Suas visitas a ela eram esporádicas porque ele necessitava ir devagar, não
podia entrar como um búfalo faminto e jogá-la na sua cama e amá-la como
queria.
E não podia negar, estava gostando dos flertes gentis, da maneira
cautelosa que ela o olhava e mesmo sem ela ainda desconfiar quem era ele,
ela se sentia aturdida perto dele, olhava tentando desvendar segredos e ele
queimava até a alma.

Tinha que tomar algumas decisões diferentes, pensar e agir com cautela e
calma. Tinha que conquistar sua confiança e seu coração.

Era uma espécie de presepada do destino ou dos deuses, alguém lá em


cima gostava de ferrar com sua vida.

Agora tudo dependeria de suas decisões e de alguns sacrifícios.

Uma decisão que poderia até ser simples, mas que poderia mudar o rumo
de sua vida.

E seu povo estava alvoroçado ao descobrir que ele tinha encontrado sua
companheira de novo e já começavam a conjecturar pelos cantos, nem sabia
como eles tinham descoberto.

— Não se preocupe com o que dizem, Aaron, só sua pequena loba


importa agora. Preocupe-se com o que você precisa fazer para trazê-la para
perto e o que ela precisa para ser feliz — sussurrou para si mesmo.

Ele estava sentindo as mesmas sensações sob a pele e em seu corpo como
da outra vez há mil anos, ele ainda podia sentir o calor encher seu corpo
quando ele se aproximava dela. Era como estar febril, ansioso, nervoso e ao
mesmo tempo com uma alegria incomparável invadindo seu peito.

Ele estava com dor, e o conhecimento de como ele se continha, para dar-
lhe o tempo que ela precisava, para que se lembrasse dele e o reconhecesse
fazia com que se perguntasse se esta contenção era verdadeiramente o que ela
precisava.

Mas sabia que tinha muitos traumas e era o certo a fazer, ele esperaria
pacientemente ela vir a ele e convidá-lo ao seu leito, à sua vida novamente,
reivindicá-lo como seu companheiro.
Ele precisava beijá-la. Na verdade, estava desesperado por isso.

Rainar bateu na porta de seu quarto e entrou.

— Beta?

— O que é?

— Temos uma confusão na floresta.

— E por que você mesmo não resolveu a confusão?

— Bem... hum...

— Fale logo, homem!

— A briga envolve sua... ex-mulher.

— Ah, o que houve dessa vez? É que não consegue me deixar em paz um
momento?

— Os lobos estão novamente a importunando, retalhando, melhor


dizendo, bem, o que seja, e o príncipe se meteu na briga.

— Kane? — Aaron perguntou espantado.

— Sim, beta.

Aaron rosnou e pegou sua espada.

Quando chegou ao bosque com dois de seus lobos viu a briga.

Um grupo de lobos, uns em forma de animal e outros na forma Dhálea


lutavam entre si, enquanto Kane jogava um lobo pelo ar com um murro.
Aaron sacudiu a cabeça, incrédulo, ao ver que Kane estava brigando. O
lobo tinha muita energia e sempre estava empenhado em fazer alguma coisa.

Seus cabelos loiros e longos ostentavam uma trança de cada lado da


cabeça e mantinha um anel preso na sua barba comprida.

Ele não era tão musculoso quanto os outros, mas era muito forte.

Um dos lobos saiu correndo, na verdade fugindo da briga, e usando um


feitiço que Vanora havia colocado nele, seu arco foi aparecendo em sua mão
e a aljava foi aparecendo em suas costas com suas flechas.

Ele pegou uma, armou no arco e disparou a flecha que cravou numa
árvore, quase atingindo o lobo, que se assustou, estacou, olhou para a flecha e
o olhou com os olhos arregalados.

— Não volte aqui importuná-la novamente ou na próxima vez não errarei,


abaixe sua cola de lobo beberrão e saia da minha frente — Kane disse.

Audrea gritou, escorregou no campo de abóboras para fugir de um lobo.

Aaron se moveu para ir até eles, mas Maddox deu um voo rasante sobre
eles e em forma Dhálea, sua forma de homem e com as asas, com as garras
dos pés semitransformadas, agarrou o lobo por uma perna, bateu as asas e
levantou voo, saracoteou um pouco no ar de propósito, enquanto o lobo
gritava histérico de cabeça para baixo, então Aaron riu, pois Maddox
sobrevoou o lago perto dali e soltou o lobo que foi gritando o caminho todo e
caiu na água.

Maddox voltou e pairou na sua frente, um pouco acima de sua cabeça.

— Bom dia, Aaron, está um dia lindo, não? Como está sua adorável
companheira?

Aaron sacudiu cabeça olhando para ele, com um sorriso malandro,


cabelos pretos e longos e seus incríveis olhos azuis.
— Bom dia, Maddox, ela está bem, obrigado.

— Se necessitar de minhas asas, é só me chamar.

Maddox fez uma reverência com a mão sobre o coração e saiu voando.

Antes que Aaron dissesse uma palavra para Kane, um dos lobos caídos se
levantou, rosnou e saltou sobre Kane, pelas costas, mas Aaron saltou do
cavalo num salto espetacular, agarrou o lobo no ar, girou e o jogou longe, que
saiu rolando pela grama. Aaron caiu em pé e rosnou.

Kane se virou e bufou.

— Olá, tio, vejo que veio se divertir um pouco. Uma ação antes do
desjejum é muito agradável.

— Seu sangue nórdico corre ágil e quente em suas veias, filhote. Quantas
vezes disse que não deve puxar uma briga?

Ele riu.

Aaron rosnou alto e forte, que retumbou pelas montanhas e os lobos


tombados se levantaram, cambaleando.

— Saiam daqui e se voltarem eu arrancarei suas cabeças. E se eu vir


algum lobo molestar qualquer fêmea arrancarei suas tripas.

— Pensamos que não gostava dela, beta.

— Bem, eu não gosto, mas isso não lhes dá o direito de tomar minha
vingança em suas mãos. Tirem seus traseiros daqui de uma vez antes que eu
me irrite.

Os lobos eram jovens e impetuosos e gostavam de uma briga.

Aaron agarrou a nuca de Kane e o trouxe para a frente dele.


— Diplomacia é um compromisso com a sua linhagem, Kane. Precisa
colocar ordem sem esmurrar a cara de alguém. Se possível.

Kane riu e assentiu.

— O que posso fazer? Alguém tem que colocar ordem em Kimera.

Aaron riu e o trouxe para mais perto e beijou sua testa.

— Claro, e esse alguém é você. Seria um bom beta. Sabemos o que


queremos e o que precisamos fazer, e precisamos ter cautela e frieza para
lidar com as situações. Betas são mediadores, tomam as decisões em frente
ao seu alfa, os lobos precisam confiar e respeitar, e, muito importante,
obedecer. Tenha o amor e o respeito dos lobos e eles morrerão por você,
honrarão sua palavra e o obedecerão sem questionar.

— Sim, tio.

— Vá, garanto que há lindas lobas esperando para servir seu pão quente.

Kane riu, fez uma reverência com a mão sobre o coração e saiu correndo.

Aaron ficou o observando até ele sumir entre as árvores. Amava os filhos
de Kayli, como se fossem seus próprios, e suspirou que ainda não tinha
conseguido ter um filhote. Não que as lobas de Kimera não tivessem se
empenhado em lhe dar alguns lobinhos, ou conquistar o posto de
companheira do beta, mas isso estava completamente fora de questão. Aaron
somente teria um filhote com sua companheira.

E com essa afirmativa na cabeça tinham se passado dois mil anos.

Mas suas esperanças estavam renovadas agora e a chance de ter um


herdeiro vibrava em seu coração.

Ele se virou e viu Audrea espiar pela porta e ela suspirou, bateu nas saias
longas e saiu com as mãos na cintura, estava suja de barro e abóbora, que
provavelmente os jovens haviam jogado nela.
— Sou seu experimento particular, alvo de suas brincadeiras regadas à
cerveja. De repente, somente em um dia, tenho muitos salvadores.

— Kane se importa.

— Não você, claro.

— Não eu, vim por ele.

— Hum, sei. Olhe o que fizeram, destruíram minhas abóboras. Eu tenho


que plantar minha própria comida e esses vermes vêm aqui e destroem tudo.
Deveria ter me matado quando teve a chance, Aaron.

— Pode se afogar no campo de abóboras ou no lago se deseja tanto


morrer, Audrea. Pelas minhas mãos não terá a liberdade desse mundo que
tanto despreza.

— Quando vai me perdoar? Deixar-me voltar para casa?

Aaron franziu o cenho e a olhou espantado.

— Vejo que seu problema na cabeça continua. Pensa que algum dia eu te
levarei de volta ao castelo e te devolverei seu título como minha esposa?

— Já paguei pelos meus erros, seja bondoso e me perdoe. Serei uma boa
esposa dessa vez. Até nem reclamarei dos lobos.

Aaron bufou, virou as costas e começou a andar. Subiu no seu cavalo.

— Aaron, sei que pensa que encontrou a sua companheira de alma


novamente, como os lobos dizem por aí, mas isso é apenas um sonho da sua
cabeça. Uma história que aquela menina inventou e vocês acreditam como
uns tolos. Os deuses não fariam tal coisa! Trazer uma loba dos mortos para
que você a reivindique e a torne princesa de Kimera? Não aja como um
adolescente com o sangue flamejante.

Aaron virou o cavalo e a olhou com horror.


— Vejo que, mesmo longe da vila, suas informações são bem novas.

— Eu sei tudo o que acontece no castelo.

— Pois, que pena que você não foi digna de ser abençoada pelos deuses e
ter um pouco de bondade nesse coração negro.

— Eu o perdoo por ter me transformado em loba contra minha vontade.


Eu serei uma boa loba agora se quiser.

— Nem em um milhão de anos, Audrea, jamais imporia sua presença


dentro da casa de meu irmão.

— Ah, disse bem, casa do seu irmão, reino do seu irmão, e o que você
tem, rei Aaron?

— Cale-se, mulher!

— Sempre me manda calar, nunca me escuta.

— De sua boca somente sai fel. Se hoje não tenho um reino é por sua
causa.

— Tem que perdoar, Aaron.

— Há algumas traições que não podem ser perdoadas. O que devia


perdoar de ti já o fiz, está aqui, não?

— Você diz que não me perdoa, enche a boca para falar em honra e
lealdade, mas você nunca foi leal a mim.

Aaron deu uma boa olhada nela, mesmo depois de tudo ainda mantinha
seu nariz empinado soltando suas loucuras. Não tinha entendido ainda o que
amar verdadeiramente significava. Talvez fosse culpa dele que ela ficou
louca, mas achava que tinha sido louco ao ter se casado com ela.

Como um homem ou lobo podia odiar verdadeiramente, mas ele não


gostava de ter ainda aquele sentimento no peito, era um amargo fel. Ele não
entendia como ela não conseguia ver a beleza dos lobos, mesmo vivendo
tantos séculos com eles.

Ele não tinha intenção de passar muito tempo tentando dar sentido a isto,
tampouco. Tinha outros problemas, problemas muito maiores. Um em
particular: uma doce e linda loba que ele tinha que reivindicar. O pensamento
de Clere fez afastar a ideia de permanecer ainda na presença de Audrea.

— Se não tem abóboras para comer pode comer batatas, ou pode virar
loba, se embrenhar no bosque e caçar um cervo ou um coelho, o problema é
seu.

Aaron rosnou, tocou seu cavalo e saiu em disparada, antes que fizesse
com sua cabeça o mesmo que os lobos tolos fizeram com suas abóboras e
ignorou seus gritos irritantes que ficaram para trás.

Sim, tinha mais o que fazer, uma companheira adorável com um cheiro
que o embriagava e um sorriso lindo para cortejar.

E ele realmente amava cortejá-la, talvez fosse hora de aumentar seus


galanteios e fazê-la ver que ele não era somente um amigo, como havia dito
anteriormente.

Estava na hora de ela saber quem ele era e porque a visitava e todo o
sentimento que ele tinha guardado no coração.
Ilha dos Lobos, Grécia.

Clere gemeu e se virou abruptamente na cama, com seus pesadelos a


atormentando.

— Você não pode me controlar.

— Pois é aí que está seu erro. Pois poder controlá-la é o que define se
você vive ou morre. Se fizer o que eu mando será um bom soldado e os outros
podem te seguir, então terei um exército.

— Você nunca terá nada de mim.

— Veremos, nós vamos começar uma nova fase de experimentos.

Ela olhou para o homem de farda que a observava através do vidro.

Não faltava nada, além de cientistas agora tinham militares.


Os gritos encheram a sala.

Mais uma vez, os sonhos que a acordaram, tão palpáveis que parecia real.
O suor, o grunhido, o terror e a raiva percorrendo seu corpo com frieza
gelada e tremores ásperos e violentos.

Clere se encolheu, estremeceu, sua carne sentiu o avanço lento de mãos


geladas movendo sobre ela, beliscando, sondando, machucando. Ela apertou
suas coxas enquanto lutava para gritar, sentindo o toque ali, odiando-o,
grunhindo de raiva, na dor que sentia. O sangue queimava nas veias como
fogo, parecia que estava dentro de uma fornalha.

Gemendo, sentou-se na cama, com a visão embaralhada, gritos


desumanos ainda ecoavam na sua cabeça, e tentou engolir em seco,
arranhando a garganta e as lágrimas banhavam seu rosto. Tentou gritar, mas o
som não saiu.

Suas mãos jogaram as mantas, seus braços estavam doloridos, suas pernas
rígidas, os músculos apertados, como se seu corpo todo estivesse com
câimbras, com mil agulhas furando sua carne. Bateu e estapeou seus braços e
pernas para ver se a sensação, o formigamento agonizante desaparecia.

Lutando para respirar, para ver o que ela poderia fazer para parar.
Respirar, tentou respirar ritmadamente, mas não adiantou nada. E as malditas
risadas se repetiam em sua cabeça.

Quando fechou os olhos, ainda podia ver as imagens vívidas na sua


cabeça.

Ela foi uma criança, agonizando no medo, pedindo por socorro que nunca
chegou, somente dez anos após e já não havia nada para salvar.

Uma lágrima solitária escorreu pela face de Clere e seus lábios tremiam.
Havia muitos sentimentos misturados: medo, terror, dor, raiva.
Clere já não era mais uma menina, mas não pensava que conseguiria se
transformar numa mulher com um futuro feliz. Ela teve a ilusão, mas se
quebrara, pois seus medos estavam se tornando realidade, percebeu que algo
terrível estava acontecendo. Sabia que tinha que sair dessa oscilação
imediatamente, mas não conseguia, sentia que perdia os sentidos. Indefesa e
exposta.

— Não. Não!

A dor no coração era forte como se tivesse uma faca cravada ali, e a dor
se alastrava para seu estômago e intestinos e pelo corpo todo, comprimindo
suas tensões nervosas, oprimindo seus músculos.

Saltou da cama e chegou ao banheiro e vomitou no vaso sanitário. Caiu


no chão, encostando-se à parede gelada e tentou respirar.

Cambaleando, levantou-se e lavou o rosto na água fria, saiu do quarto se


escorando pelas paredes.

As lembranças nos últimos dias haviam explodido como se alguém


tivesse aberto um maldito baú que estava trancado a mil chaves.

A garganta ardia e as lágrimas quentes banhavam seu rosto de forma


irrevogável, porque não conseguia dominar mais nenhum sentimento ou suas
forças. Mal conseguia respirar.

Os estupros violentos, diversos, seguidos, desde quando era apenas uma


menina. Tinham saído da tumba que ela tinha enterrado e estavam destruindo
sua mente de vez.

Tinha lutado tão fervorosamente para ser forte, para ter esperança e deixar
seu inferno para trás, mas algo tinha acontecido, pois a sensação que tinha é
que alguém a tinha agarrado e a jogado de cabeça no poço do inferno.

Ela tapou os ouvidos no intento de as vozes sumirem e saiu do quarto


cambaleando.
— Mãe!

Nenhum barulho, sua mãe devia ter saído, pois sua audição não captava
nenhum barulho na casa, mas estava confusa, porque dentro da sua cabeça
havia gritos, vozes masculinas, choro dela e de outros lobos.

— Mãe!... Alfa!

Tentou uivar para pedir socorro, mas não conseguiu.

Desceu as escadas com dificuldade e chegou à cozinha e não conseguia


focar sua visão direito, havia manchas vermelhas, como se seus olhos
estivessem banhados no sangue, seu corpo doía e podia ouvir sua loba rosnar
dentro de si.

Seus dedos estavam alongados e as garras eram pontudas e mortais, ela


olhou a si mesma e via sua roupa manchada de sangue, já estava delirando.

Clere, com dificuldade, chegou à geladeira e abriu, pegou um saco de


gelo e colocou na testa para ver se esfriava o corpo que queimava.

— Por favor... — sussurrou e percebeu que a sua voz estava animalesca.

Ela fechou e se escorou na porta e piscou diversas vezes e focou no


bilhete que estava preso ali com um ímã.

“Estar com as crianças no playground, às 10h.”

Ela sentiu vontade de chorar, porque amava estar com as crianças, amava
estar com Lucian e a pequena Safira e, provavelmente, Annelise estaria ali
com seus dois bebês: Colin e Cassidy.
Ela amava os bebês e eles a amavam, não tinham medo dela. Mas não
poderia ir, pois estava descontrolada e poderia feri-los. Se ela ferisse Lucian,
o alfa a mataria.

Tentou fazer suas garras retrocederem e suas presas, mas não obedeciam.
Do mesmo modo, ela enviou sua loba retroceder, empurrando-a para as
profundezas quebradas do seu interior e tentou segurar o controle e lutou
contra a fome que rasgava seu sistema.

Mas a batalha estava quase perdida, a cada dia ficava mais difícil.
Manter-se saudável, com a mente no lugar, durante esses anos foi doloroso,
tudo estava quebrado, principalmente sua cabeça.

Os gritos dentro de sua cabeça eram altos e o ambiente ficava mudando


da cozinha para as celas.

Inferno, ela não tinha nenhuma ideia do que era medo verdadeiro até se
ver perder o controle no meio da sua alcateia, das pessoas que amava e a
protegiam.

De repente, ela não estava mais na cozinha.

“Estava presa aquelas mesas metálicas geladas com seu corpo nu, num
frio terrível de inverno e sentia tanto frio que seus ossos poderiam trincar, as
luzes fluorescentes queimavam seus olhos e não conseguia respirar.

Ela sentiu suas mãos sendo presas, mãos cruéis prendendo seus braços e
pernas com fortes grilhões, ela lutou e resistiu, mas não conseguiu impedir.

Seus olhos varreram ao redor, olhando fixamente para ver quem estava
ali e pareciam todos iguais com suas roupas médicas brancas, jalecos e
máscaras cirúrgicas. Eles pareciam iguais, mas podia ver os olhos, olhos
que a perseguiam até hoje em seus pesadelos, frios e maldosos, querendo
estripar uma jovem para arrancar seus segredos e sua mágica. E o cheiro,
impregnado em suas narinas, a deixariam doente até a eternidade.

— Por favor...
Clere gemeu e se escorou na pia, tentando se segurar para não tombar no
chão, presa no limbo, ao meio de uma névoa escura.

E o que acontece quando se perde na névoa? No escuro do mundo? O que


acontece com uma loba que não é mais uma loba?

Quão fantasma ela era agora no mundo dos humanos tanto quanto no
mundo dos lobos? Que importância tinha no mundo, o que poderia ser agora,
o que poderia fazer?

Estava se sentindo invisível, quebrada, dolorida, era um fantasma


levitando sobre si mesma.

Na verdade, ela queria ser um fantasma e que ninguém realmente a visse,


que visse o que ela era agora. Mas, por outro lado, queria ser vista, queria ser
desejada, e amada, queria que o mundo a visse como deveria ser, um ser
místico e belo, e não como os bastardos humanos a viam.

Eles não tinham conseguido seu intento, não obtiveram o que desejavam
com suas atitudes, porque ela não permitiu, mas a tinham danificado, a
quebrado.

E agora estava no limite da sua consciência, no limite de suas forças e era


hora de partir, antes que as coisas explodissem.

Que opção tinha? Pegaria um barco para Atenas, um avião para algum
lugar bem longe? Como sobreviveria no mundo lá fora, sozinha? Não sabia,
mas era sua única chance ou...

Foi terrivelmente ingênua e agora era tarde, e não havia mais nenhuma
salvação para ela.

Dava arfados rápidos e curtos e o som disso claramente mostrava a dor


física que consumia seu corpo, sua garganta estava fechada e tão dolorosa
que tinha dificuldade de falar, de respirar, pois o ar estava estrangulado na
garganta, assim como sua vida de loba presa em seu corpo.
A esperança de ser salva havia partido e ela entregou os pontos, desistiu
de lutar, porque não conseguia mais ver luz nenhuma, nenhuma mão para
segurá-la.

Foi como se o mundo negro tivesse se aberto e ela estivesse novamente


lá, na escuridão, na jaula, tratada como ninguém. E isso doía como o inferno.

Somente queria fazer tudo desaparecer. Fazer a dor parar.

Clere olhou para a janela e avistou o magnífico verde da Ilha dos Lobos e
o mar, com sua cor azul turquesa e translucida, limpa, calma, maravilhosa e
quente. E ela nem conseguia mais enxergar a beleza daquilo, somente
enxergava tudo cinza e distorcido.

Talvez se acabasse com sua vida iria para o Outro Mundo, onde não
haveria maldade, violência. Talvez uma fada viesse para guiá-la pelo
caminho, oferecendo seus encantos e sua beleza etérea, amor, bondade e paz.
Encontraria seu pai, que fora morto pelos humanos.

Seu pai, amoroso e forte, um lobo magnífico, uma vida perdida e ele
sempre dizia que ela era preciosa e sua loba era perfeita.

Outra onda de dor afligiu seu sistema a fazendo gemer e cambalear e,


então, ela olhou para a faca afiada sobre a pia e a pegou.

Sim, era a única maneira de ela ter paz e que sua alcateia estivesse segura.
Precisava salvá-los.

Com a mão trêmula, apertou a ponta da faca contra o pescoço e uma gota
de sangue escorreu.

— Clere?! — disse uma voz forte, mas tranquila e temerosa.

Uma voz que bateu no seu coração, forte, a tirando se seu surto, mas
ainda continuava tonta e perdida.

— Clere... por favor, solte esta faca, querida. Olhe para mim.
Clere piscou aturdida, mas não se moveu.

— Eu devo ir — sussurrou.

— Por favor, olhe para mim. Por favor.

Ela lentamente se virou, mas manteve a faca na garganta e ela piscou para
tentar ver quem era o homem parado ali, não muito distante.

— Se acalme e abaixe a faca, por favor, faça isso por mim. Está tudo
bem, eu juro que vai ficar tudo bem.

Piscou.

Um homem alto, com a barba bonita e cabelos longos presos num rabo de
cavalo e uma mecha da franja caía no seu rosto, forte e belo estava na sua
frente, mas sua mente demorou a reconhecê-lo.

— Não se aproxime! — ela sussurrou sem forças.

— Não vou me aproximar, mas quero que preste atenção na minha voz,
ok? Recorda quem eu sou? — Ela piscou e tentou focar nele. — Sou seu
amigo, olhe pra mim e vai se lembrar, sou seu amigo. Aaron.

— Aaron...

— Isso mesmo... de Kimera.

— O... príncipe.

— Sim, sou o príncipe.

Clere piscou aturdida o olhando e parecia ter dificuldade de assimilar a


cena ou sua pessoa.
Aaron sentiu no seu próprio corpo a onda de energia ruim que vibrava
dela. Era como se seu corpo ardesse, deixando uma agonia horrível. E ele
sabia o que era. Uma tristeza, desalento e dor descomunal que vinha dela.

Seus olhos estavam brilhantes pelas lágrimas e cintilavam como se uma


luz dançasse dentro deles, mas ao mesmo tempo estavam sem vida, perdidos
em algum lugar de sua mente.

Havia tanto desalento que ele pensou que nunca teria sentido algo tão
doloroso. E o desespero bateu nele mais forte quando mesmo sem ela se dar
conta ou sentir a dor, a ponta da faca havia cortado a pele mais um pouco e
um fio de sangue escorria pelo seu pescoço.

— Clere... por favor, abaixe esta faca, dê para mim.

— Não há mais nada para fazer aqui, não posso ficar — ela sussurrou.

— Está enganada, há muito o que fazer. Não precisa fazer isso.

— O senhor não entende, ninguém entende.

— Eu quero entender, diga-me.

— Eu me esforcei tanto, fui tão forte como havia prometido para Naya.
Eu tentei, mas não consigo colocá-la de volta.

— O que saiu?

— Meu mundo negro.

Aaron engoliu em seco, porque mesmo sem ele saber exatamente o que
era ele desconfiou que fosse dos laboratórios.

— Você é forte, és uma loba fabulosa e tem uma vida toda pela frente.

— Todos vão me rechaçar.


— Ninguém vai te rechaçar, o que precisa fazer, pequena, é me dar esta
faca, por favor, está ferindo seu pescoço, dê a faca para mim.

Aaron deu um passo à frente e ela deu um atrás e ele parou e xingou
mentalmente.

— Clere...

— Eu devo ir agora, acabar com toda esta dor... não posso mais. Ninguém
vai sentir minha falta.

— Todos vão sentir sua falta. Todos te amam, sua mãe, a alfa...

— O pior da vida não é morrer, é não conseguir viver.

— Você pode viver agora, pode tentar reconquistar a vida que um dia
sonhou ou mais. Você é uma loba e você consegue, porque é forte e precisa
achar quem você é, aí dentro.

— Como viver se eu não sei mais o que sou? Não sou mais quem eu nasci
para ser.

Aaron ficou chocado com suas palavras. A dor que ela passava em suas
palavras era tão forte que emanava para ele como uma onda. O desalento nos
seus olhos sofridos quebrava seu coração em todos os níveis.

Ela negou com a cabeça e acirrou a mão na faca.

— Eu preciso de você, Clere!

Isso fez ela parar e piscar aturdida, sem entender. Mais lágrimas rolaram
pela sua face.

— Eu preciso de você, Clere.

— Não...
— Foi para isso que eu vim, te pedir ajuda, preciso de você.

— Um príncipe nunca precisaria de mim.

— Você diz que não serve, que acha que ninguém precisa de você, bem,
pois eu preciso, vim de Kimera até aqui para lhe pedir ajuda, portanto seria
uma desfeita muito grande comigo e com o rei se... não me ajudasse.

— Não é certo.

— Olhe para mim, nos meus olhos, não estou mentindo, preciso de você,
de sua ajuda e eu te prometo que farei tudo para ajudá-la e vou fazer essa dor
ir embora.

Ela o olhou diferente dessa vez e ele sentiu esperança, porque algo na sua
miscelânea de palavras havia tocado nela.

— Por favor, querida, me dê a faca e então você pode me ajudar, porque


somente você pode fazer isso.

— Eu fugi tanto de mim mesma que não sei mais quem eu sou. Se a alfa
soubesse quem eu realmente sou, não me deixaria cuidar de Lucian, nenhum
dos bebês. Nem eles mesmos quereriam me ver por perto. Eu seria uma
pária...

— Tenho certeza de que você jamais machucaria os bebês.

— Não, não por querer, não faria, porque são anjinhos, são tão puros e...
eles me amam como sou, não têm medo de mim.

— Por que deveriam ter medo de você?

— Todos deveriam ter medo de mim... eu não sou quem pensam que sou.

— Não sei o que te convenceram que é, mas não é. É uma preciosa loba,
uma criatura maravilhosa da natureza que somente merece ser amada e
cuidada.
— Ninguém pode me amar, príncipe.

Aaron sentiu seu mundo girar, porque a maneira que ela falou, tão
sentida, tão certa de que aquilo era verdade que ele ficou louco e seu lobo
rosnou furioso dentro dele.

Queria matar os bastardos que a machucaram tanto, para que não visse
nenhuma saída e se sentisse daquele jeito.

— Está enganada, querida, pode ser amada, sim...

Por mim.

— Se eu morrer, tudo acaba, minha dor acaba, a das outras pessoas...

— Não é assim que funciona, querida.

— Ninguém precisa de mim.

— Eu preciso, ouça minhas palavras, Clere, eu preciso de você.

Ela o olhou confusa e perdida, pois não entendia porque ele precisava
dela. Quem precisaria de uma aberração como ela?

— Não entendo...

O desespero que ele viu ali era como se injetasse um veneno garganta
abaixo, queimando como o fel.

Clere era brilhante como uma estrela, preciosa, a natureza pulsando na


terra, um milagre apaixonante que ele tinha esperado, sedento e ansioso. Mas
os humanos não tinham visto sua beleza e sua magia, tinham a visto com
desprezo e como um objeto sem valor.

— Talvez haja algo muito bom lá na frente, somente não consegue ver,
porque agora sua dor está te cegando, mas acredite, há esperança.
— Somente enxergo infelicidade, tristeza e minhas memórias.

— Pode me ver?

Ela o olhou e piscou aturdida e não disse nada.

Ele soube que ela estava confusa e perdida e não poderia sequer
vislumbrar um sinal do que ele estava querendo dizer.

Seu peito doía pelo medo por ela. Temeu fortemente que sua pequena e
inocente loba estivesse perdida para sempre. Mas ele não permitiria. Não
poderia perdê-la outra vez.

— Eu segurarei sua mão e não soltarei, nem agora nem nunca. Não pode
negar meu pedido, ficaria muito triste.

— Ficaria?

Ela o olhou desalentada e ele não gostou de suas próprias palavras, como
se ela tivesse obrigação com ele, não tinha e não queria que tivesse, queria
que viesse livremente, como deveria ser, mas para isso acontecer, teria que
resgatar sua loba quebrada e o terror estava tomando conta dele que não sabia
o que dizer.

Então diria qualquer cosia.

— Eu te peço, me escute e eu prometo que essa dor agora vai passar.

Ele deu mais um passo à frente, lentamente e mais um e ela continuou ali,
parada, estática com as lágrimas banhando seu rosto, com o olhar cor de ouro
sem brilho, sem vida, perdido na dor.

Ela forçava a faca na garganta fortemente, com a mão trêmula, infligindo


o corte que fazia o sangue escorrer, o que o estava deixando insano.
— Eu nunca mentiria para você, pequena. Prometo que vamos ficar bem,
eu e você, por favor. Deixe-me cuidar de você... Então, farei o que puder para
me certificar de que não sofra. Dia ou noite, se precisar de mim estarei ali
para você. Eu prometo.

Ela negou com a cabeça e acirrou a mão na faca.

— Eu estou presa!

— Não está mais, não há mais jaulas, está livre, Clere.

— Você não entende. Eu estou presa em mim mesma. Eu preciso ser


livre... antes que as pessoas que eu amo me odeiem.

— Como alguém pode te odiar?

— Você iria.

— Eu jamais poderia fazer tal coisa.

— Eu gostaria de acreditar em suas palavras, meu príncipe... mas não


acredito. Eu não entendo o que faz aqui.

— Não consegue me sentir, reconhecer quem eu sou?

— A única coisa que sinto é dor.

— Eu sou seu companheiro! Eu sou seu companheiro de alma, Clere, vim


por você.

As lágrimas escorreram livres pela sua face pálida e ela o olhou tão
dolorosamente, que Aaron sentiu seu coração despedaçar e seus olhos
marejaram. Estava desesperado.

Ela deu um sorriso fraco e descrente e sussurrou:


— Meu companheiro de alma é um príncipe no cavalo branco com
armadura brilhante?

— Sim!

— Eu não mereço um príncipe... Eu não sou a princesa para ser salva.

Ela gemeu, trincou os dentes e seus olhos ficaram laranjas, o que o


assustou, então ela passou fortemente a faca afiada no pescoço fazendo o
sangue jorrar.

— Clere! — Aaron arregalou os olhos e gritou, saltando para a frente e a


alcançou, afastou sua mão e a faca voou longe e a segurou nos braços antes
que caísse no chão.

Seu mundo entrou em colapso, sua mente entrou num torvelino


desesperado e olhou horrorizado a vida esvair de sua companheira, olhando-o
com os olhos abertos e perdidos no vazio.

— Clere! Desperte, maldição! — Ele sacudiu seus ombros.

Seu rosto ficou tenso, seus olhos atormentados quando ela olhou
fixamente para ele, sem vê-lo.

— Não! Não! Não! Clere!

Ele a trouxe para o seu peito e chorou desesperado, a dor rasgando seu
peito.

Seus olhos cintilaram, com o verde brilhante, suas presas alongaram


sedentas de sangue, seu lobo saltando e rosnando furioso e dolorido dentro de
si, a fúria e a dor arrebentando seu ser.

Então, ele não ouviu mais seu coração bater, Clere estava morta em seus
braços.
Sua magia libertou-se e inundou a cozinha numa onda, fazendo as louças
e talheres sobre a pia trepidar, cair e quebrar.

Ele rosnou alto e forte que ecoou por toda a ilha.

Num piscar de olhos, os dois sumiram da casa, deixando uma poça de


sangue no chão da cozinha.
Kimera

Aaron apareceu no salão do portal, ajoelhado no chão, abraçado à Clere e


soltando soluços de dor e sofrimento.

— Volta para mim, por favor... Clere! — gritou.

Quando ele se deu conta de que a perdeu novamente, que não ouviria
mais sua voz, as batidas do seu coração, não sentiria seu cheiro ou não teria
mais seu sorriso de menina, seu jeito sexy e natural, foi um grande choque
em seu sistema, tudo vibrou em desespero.

Rosnou alto e forte e depois uivou sua dor que retumbou pelo castelo e
todo o vale de Kimera.

A onda poderosa de sua dor emanou como uma onda de energia, e bateu
em Vanora, Kayli e os outros que estavam no salão principal e todos ao
redor.
Vanora derrubou sua taça de vinho e Kayli rosnou e se levantou.

— O que inferno é isso? — rosnou.

— Aaron!

Vanora saiu correndo pelos corredores e os outros a seguiram. Quando


chegaram ao salão estacaram horrorizados com a cena.

Aaron, ajoelhado, embalava e chorava sobre o corpo inerte de Clere, com


sangue por todo lado.

— Pelos deuses! De novo não! O que houve?

— Eu não consegui salvá-la...

Ele gemeu, sentindo as mãos dela afastando-o e Kayli o puxou para trás,
segurando-o firmemente num abraço consolador. Mas ele não queria se
afastar.

Vanora se ajoelhou e colocou suas mãos no pescoço de Clere e começou a


recitar um feitiço de cura, uma e outra vez.

O ar desestabilizou, um vento se abateu sobre eles e ela continuou o seu


feitiço, abriu as duas mãos para cima e orou, então parou.

— O feitiço não está funcionando, não está curando.

— Por quê?

— Ela já atravessou, não posso trazê-la de volta.

— É claro que você pode, você é uma bruxa poderosa, pode fazer
qualquer coisa!
— Não é assim que as coisas funcionam, Aaron, eu não posso tudo, há
leis que não posso quebrar. Há uma ordem natural das coisas, a magia cobra
seu preço.

— Você precisa trazer ela de volta, não vou suportar perdê-la novamente,
não posso.

Vanora xingou em sua língua antiga.

Ela levantou, respirou fundo e olhou para Kayli, que rosnou vendo que
ela faria algo perigoso.

— O que vai fazer, Vanora?

Ela o ignorou, se concentrou, estendeu as duas mãos para a frente e


sussurrou um feitiço. Sua Athame, começou a materializar-se em suas mãos.
Uma adaga consagrada e mágica, com o cabo preto e com uma pedra na
ponta e runas mágicas esculpidas na lâmina.

Ela empunhou e lentamente foi girando em torno de si recitando outro


feitiço e invocando o círculo mágico e ele foi se formando no chão, até que
fechou.

— Coloque-a no centro do círculo e se afaste.

Aaron pegou Clere no colo, colocou-a no centro e se afastou, nisso


Yasmin e Kane chegaram correndo, assim como as três irmãs de Vanora que
eram bruxas.

Com um movimento das mãos, cinco velas apareceram no chão ao redor


do círculo e suas chamas acenderam, um caldeirão pequeno cheio de cipreste
apareceu e pegou fogo, queimando com chamas vermelhas e intensas, ela fez
aparecer um maço de ervas e jogou dentro, o que causou uma pequena
explosão nas chamas, e o aroma das ervas invadiu o salão.

Ela sussurrou algumas palavras e um pequeno vidro com líquido azul


apareceu e despejou no caldeirão.
— Vocês, tomem posição no círculo. Viola, preciso que recite o feitiço de
cura. Brigitta, você manterá o portal aberto até eu mandar fechar. Karen, você
cuidará da proteção e impeça qualquer coisa de entrar no círculo além de
Clere.

— Vai abrir o portal necromante. Isso é loucura!

— Façam o que eu disse!

As três mulheres se posicionaram dentro do círculo ao redor de Vanora,


fecharam os olhos abriram os braços com as mãos voltadas para cima e
começaram a sussurrar os feitiços.

Ajoelhada ao lado de Clere, Vanora fechou os olhos e recitou outro


feitiço, somente sussurrado entre os lábios.

Uma luz começou a rodar dentro do círculo e a magia de Clere, sua aura
colorida que estava ausente começou a aparecer e dançar no ar ao redor delas,
navegando sobre o corpo de Clere com cores suaves e que, aos poucos, foram
ficando mais fortes.

Vanora estendeu a mão sobre o pescoço de Clere, segurou a adaga sobre o


fogo e o desenho das runas começaram a cintilar na lâmina e a magia de
Clere se tornou mais forte, então Vanora, começou a recitar o feitiço com
mais veemência, seu corpo vibrava pela magia e Kayli e Aaron ficaram
apreensivos olhando a cena, tentado entender o que ela fazia.

— Pars ego dabo ei. Divina virtute et potentia, quae moventur super
terram. Mortem domini invocabo animae in manu teneret. Mortem domini
invocabo animae in manu teneret.

“Eu dou uma parte de mim. Energia divina e poder que move a terra.
Senhores da morte, eu os invoco e detenho essa alma em minhas mãos.
Senhores da morte, eu os invoco e detenho essa alma em minhas mãos!”

Então, Kayli deu um passo à frente, nervoso.


— Nunc quaeso! Eu invoco agora! — Vanora gritou, cortou a palma da
sua mão e o sangue escorreu, colocou-a sobre o pescoço de Clere banhando-o
de seu sangue.

— Vanora, não! — Kayli gritou e tentou chegar até ela, mas a magia do
circulo o impediu.

Raios e trovões retumbaram pelo céu, as nuvens escuras moveram-se


rápido e um vento se abateu no salão. Os olhos de Vanora ficaram totalmente
brancos, uma mecha branca tingiu a frente dos seus cabelos negros e o corte
da garganta de Clere se fechou.

Clere arfou bruscamente, puxando o ar para os pulmões, com os olhos


arregalados e o vento ficou mais forte.

— Feche...

Brigitta fechou o portal e Vanora explodiu numa luz, arfou, gritou e


tombou no chão.

O vento parou, as velas apagaram e o fogo do caldeirão se extinguiu. As


três mulheres pararam de recitar e saíram do círculo.

Kayli correu até Vanora a levantando do chão.

— Vanora, o que você fez?!

— Eu a trouxe de volta... — sussurrou tonta.

Kayli rosnou a abraçando e olhou para Aaron, que correu até Clere e a
tomou nos braços.

Estupefato, ele viu sua garganta curada e seu coração batendo no peito,
mas estava desacordada. Olhou para Kayli e não conseguiu dizer nada por um
longo momento.
— Estou bem, querido, não se preocupe — Vanora disse tentando se
levantar — Leve-a ao seu quarto, Aaron, demorará algumas horas até que ela
acorde, está bem.

— Obrigado, seja lá o que fez.

Ela assentiu.

Aaron ergueu Clere no colo e saiu do salão e Vanora respirou fundo


esfregando a testa.

— Pelos deuses, o que você fez? — Kayli indagou preocupado. — O que


houve com seu cabelo? Não me diga que fez o que eu penso que fez.

— A magia sempre cobra, ainda mais as proibidas, ela precisava de vida


em troca de vida.

Kayli não conseguia respirar e tocou a larga mecha branca em seu cabelo.

— Como pôde fazer isso?

— Como podia não fazer? Não podia permitir que Aaron vivesse mais
tempo sem sua companheira.

— Pelos deuses! Você podia ter morrido.

— Ele deu sua vida por nós, Kay, devia isso a ele. Não sei o que os
deuses estavam pensando quando deixaram a linha de vida de Clere
aquebrantada, mas não podia permitir que essa tortura se alongasse. Ele
precisa dela e já sofreu a perda dela mais de uma vez. Quanto um
companheiro pode aguentar tais coisas?

Kayli respirou fundo e a abraçou, com o coração batendo desgovernado.

— Eu sei, eu sei, está com a razão, querida, eu teria feito o mesmo, mas
me assustou de morte.
— Vamos ficar bem, meu amor. Só preciso descansar agora.

Ele rosnou, olhou para Kane e Yasmin no canto do salão olhando a tudo
com os olhos arregalados.

— A senhora vai ficar bem, mãe?

— Sim, querida, eu vou ficar bem, uma pequena troca, nada de mais.

— Espero que esse pesadelo tenha acabado.

Vanora suspirou, abraçando Kayli.

— Suspeito que ainda não. Percebi algo errado com sua magia.

— Chega de magia por hoje.

Kayli rosnou, querendo xingar, porque seu coração doía por sua
companheira, com medo de perdê-la, a pegou no colo e a levou para o seu
quarto para descansar.
Aaron a deitou em sua cama e respirou fundo, seu coração estava tão
desregulado que pensava que saltaria fora do peito.

Com cuidado retirou o pijama que ela vestia, que estava ensanguentado e
pegou uma terrina de água e um pano e limpou seu sangue, depois pediu uma
camisola emprestada para Yasmin e vestiu nela, cobriu-a com as cobertas e se
sentou na cama a olhando.

— Eu devia estar contigo, eu devia ter te protegido, desculpe-me,


desculpe-me.

Aaron a abraçou e a embalou em seus braços para a frente e para trás e a


dor que sentiu em seu coração era tremenda, tanto que ele nem sabia explicar.

Ele devia estar com ela desde sempre, mas estava preso em outra
dimensão, sem poder sair, com o portal de Kimera fechado pelo feitiço de
Átika, quando roubou Erick, o tinha os deixado isolados.

Ele sabia que era questão de tempo para que se abrisse e ele pudesse olhar
a Terra novamente, mas a noção de tempo em Kimera era muito diferente da
Terra e ele tinha chegado tarde demais, tinham ferido sua loba, tinham
quebrado sua alma a ponto de ela querer tirar a própria vida.

O que tinham feito a ela? Se tivesse chegado a tempo poderia ter evitado
tudo. Se Vanora não tivesse quebrado regras e feito a troca, sacrificando a si
mesma, a teria perdido para sempre. Mas era o que tinha na sua vida, um
eterno lapso de tempo.

— Vai ficar tudo bem...

Clere suspirou profundamente aconchegada em seu peito e Aaron fechou


os olhos, porque sentiu que ela estava calma e protegida ali e ela pode sentir,
mesmo estando inconsciente, então a segurou forte, pois no momento era a
única coisa que poderia fazer.

Sua mente ainda estava repassando os últimos minutos uma e outra vez.
Verdadeiro desespero em seu coração.
Ele teria que consertar aquilo, mas não sabia como e jamais imaginara
que depois de tanto tempo a tinha encontrado e esteve prestes a perdê-la, de
novo.

Aquela brincadeira dos deuses não tinha tido graça nenhuma. A


explicação eu Vanora deu é que o mundo dos deuses é atemporal, uma hora
pode ser equivalente a muitos anos nos outros mundos.

Ele se deitou na cama com ela em seus braços e não pôde se afastar, então
se aconchegou ao seu lado, sem soltá-la.

Sem ela saber, seu companheiro tinha conseguido afastar os demônios


que a atormentavam. Ele era a sua salvação naquele pesadelo que nunca
cessava.

Ele retirou os cabelos de seu rosto e, emocionado, e ainda desesperado,


tocou suas feições, sua sobrancelha, sua bochecha, sua mandíbula,
observando de perto sua pequena companheira.

Ela era tão linda, tão suave e ele tinha pensado o dia que poderia tê-la em
seus braços de novo, mas jamais pensou que seria daquela maneira.

Mas não podia se enganar que o mal tinha passado, pois havia algo de
muito errado nela, ele podia sentir uma vibração que estava ao redor dela, era
apavorante, mas ele não sabia dizer o que era.

Ela era tão jovem, como os deuses poderiam ter feito uma companheira
tão jovem e que teria sido tão quebrada? E mesmo assim ela era a imagem de
Kleiri que se lembrava.

Não importava, somente o bem-estar dela. Ele a salvaria, não sabia como,
mas o faria. Era uma loba, feroz e forte, mas ao mesmo tempo era tão suave
como uma borboleta, que apenas um toque poderia quebrar suas asas.

Aaron tinha uma frágil borboleta em suas mãos e precisava transformá-la


em loba novamente, precisava despertá-la e salvá-la para que ele também
pudesse ser salvo.
Ele beijou sua testa demoradamente, com os olhos marejados de
desespero e ficou um minuto com a testa encostada na dela e acabou
adormecendo.

Após algumas horas, Aaron despertou, respirou fundo e sentiu seu corpo
reagir ao perceber que sua companheira ainda estava adormecida em seus
braços.

Lentamente ele se levantou e a ajeitou nos travesseiros, a cobriu e ficou


ao lado da cama a olhando.

Virou-se e viu Vanora e Kayli na entrada do quarto.

— Passou muito tempo?

— Poucas horas — Kayli disse.

— Você está bem, Vanora?

— Estou bem, querido, não se preocupe — ela disse docemente com um


sorriso, mas Aaron ficou olhando por um momento a mecha branca de seu
cabelo, Quis saber quantos anos de vida ela perdeu para que pudesse trazer
Clere de volta, seu coração se encheu de agradecimento pelo sacrifício que
ela tinha feito por ele, mas não quis tocar no assunto, pois Kayli ainda parecia
nervoso.

— A morte a ronda — Vanora suspirou triste.

— O que aqueles bastardos fizeram com ela?

— O que de mais terrível se pode fazer a uma mulher, com ela pior, a
uma criança.

— Gostaria de poder matá-los com minhas mãos.

— Infelizmente, novamente, o tempo não esteve ao seu favor.


— Alguma vez esteve?

— Lamento que nunca pudéssemos controlar isso, Aaron. Os lobos já


teriam grandes penas para passar durante sua longa jornada pela terra dos
homens e em Kimera, e você o fez com sofrimento e louvor, e teve sua
jornada tempestuosa, assim como ela. Foi trágico da outra vez e agora, esta
menina não teve uma vida, não teve amor e está submersa no limbo. Que
melhor momento seria para os deuses presentearem vocês com seus
companheiros de alma?

Aaron engoliu em seco e olhou para Vanora assustado e depois para


Clere.

— Ter evitado seria a melhor solução.

— Quem entende os desígnios dos deuses?

— Não sei, mas gostaria de esmurrar suas caras.

Kayli riu e se escorou na parede de pedras, cruzando os braços no peito e


respirou fundo.

— Devo concordar com isso, irmão.

— Algo a amedrontou terrivelmente e pensou que a única saída era


acabar com tudo. Suas lembranças talvez, desencadeou um surto de horror,
uma queda nas mais profundas dores, reviver o que mais lhe aflige.

— Acha que foi algo assim que aconteceu?

— Sim, algo tão profundo e doloroso que ela não conseguiu controlar.

— O que seria? Ela não estava protegida na ilha?

— Fisicamente estava, psicologicamente, não.

— Ela é muito jovem. Mas como posso deixá-la, se tudo o que meu
coração pede é que a proteja?

— Oh, sim, ela é muito jovem, mas é uma mulher e você tem dois mil
anos. Realmente uma diferença grandiosa. Mas isso não importa, ambos
devem conhecer a felicidade e o amor. Amor que só os lobos podem
conhecer. Tudo no universo tem sua hora, meu querido. Está na hora de
agarrar seu reino em suas mãos novamente, e ser o soberano de sua rainha.
Não precisa de um castelo, de súditos e jamais deveria se sentir inferior aqui.
Um rei sempre será rei, porque sua majestade está no coração. E sua honra
está aí, em seu peito, em sua história. O que você fez por seu irmão e por
mim, ninguém no mundo faria. Você se sacrificou para salvar Kayli e nossa
família, agora é hora de se salvar e ter a sua.

— E nós sempre estaremos aqui por você, irmão. Tenho acompanhado


sua solidão, a força que faz em ser o príncipe alegre e que sempre apoia o rei,
com humildade e coragem. Muito disso me incomoda.

— Não me deve nada.

— Eu te devo tudo. E saiba que tudo o que necessitar pode contar


comigo. Você é a honra desse reino.

Aaron o olhou emocionado, olhou para Clere e respirou fundo e os


sentimentos todos bagunçados reviraram sua mente e seu coração.

— Ela vai precisar muito de você, Aaron.

— E eu estarei com ela.

Kayli se aproximou de Aaron e o segurou pelos ombros.

— Faremos tudo por sua companheira, irmão, ela vai ficar bem.

— Como os humanos podem ser tão ruins?


— Eles sempre foram assim, irmão, desde nosso tempo na Terra, o
sangue e dor sempre foi o que mais moveu a humanidade. No nosso tempo lá,
o que mais fazíamos era guerrear, conquistar e manter. O sangue sempre
esteve em nossas mãos. Hoje as lutas e mortes somente mudaram um pouco,
mas os humanos ainda infligem dor e morte, matam por dinheiro e poder,
sempre querem o que não lhes pertence e não se importam com a dor alheia.
Os humanos bons acabam sofrendo no meio de tanta barbaridade. Nossa
família conheceu a maldade, o sofrimento e tivemos que nos tornar lobos
para estarmos juntos, e mesmo assim conhecemos a dor e o repúdio.

— Os lobos sempre foram perseguidos e assassinados quando a única


coisa que desejávamos era ter paz e cuidar de nosso lar e nossas famílias,
fomos obrigados a nos adaptar e nos isolar dos humanos.

— Nós nos tornamos melhores quando adquirimos parte do espírito dos


lobos, conhecemos muitas coisas que nos era indiferente quando humanos,
evoluímos, e adquirimos valores que os humanos desconhecem, ou ignoram.
Somos criaturas criadas pela magia e regidas pela natureza e nos orgulhamos
disso.

Ele assentiu, revigorado com as palavras de sua família. Sim, ele lutaria,
como pudesse.

— E agora a sua companheira é da família.

Aaron ficou calado olhando para Clere e um silêncio mórbido se fez,


então ele respirou fundo e se virou para eles.

— Quero que apague suas memórias.

— O quê? — Vanora perguntou aturdida.


— O que disse? — Vanora perguntou aturdida.

— Apague suas memórias e ela esquecerá seu inferno.

— Pelos deuses, Aaron, isso é estúpido! — Kayli exclamou.

Ele se virou e olhou para eles.

— Minha companheira passou metade da sua vida presa numa jaula sendo
estuprada, picada e maltratada, sua mente está destorcida e ela beira ao caos e
à morte. Isso a estava matando, oras, ela se matou por causa disso!

Ninguém sequer respirou, falou ou se moveu.

— Por favor, Vanora, eu só preciso de um pouco de tempo. Um tempo


para que ela deixe eu me aproximar, para que confie em mim e eu tenha a
chance de resgatar minha pequena loba.

— Mexer com a mente é muito perigoso, Aaron.


— Eu sei, mas não temos alternativa.

— Pode deixá-la lidar com sua dor naturalmente.

— Pra quê? Para que corte o pescoço novamente? Não. Sou seu
companheiro e vamos fazer isso. Só preciso de um tempo, só um tempo.

Ela respirou fundo.

— Rituais são poderosos e não devem ser feitos levianamente. Você pode
focar em uma coisa e atrair outra, ou simplesmente pode obter o que deseja,
depende da sua fé, na crença de que isso realmente vai funcionar. Se você
acredita que isso pode ajudar, então, talvez esteja certo.

— O que terei se ela não tiver estas memórias?

Vanora pensou por um momento.

— Eu penso que terá a essência do que seria Clere. Sem traumas, sem
imposição de seu terror, de seu mundo sombrio, mas... ainda penso que isso
faz parte dela e não sumirá totalmente. Dor de alma é profunda e
incontrolável. Se eu não apagar suas memórias completas, ela ainda as terá,
só que com menos intensidade, e eu posso tirar o que mais teme. Não vai
curá-la, mas pode amenizar um pouco isso tudo.

— Posso lidar com isso.

— O problema não é com o quê você pode lidar, e sim com o que ela
pode. Que tipo de companheira quer, Aaron? Quer criar uma ou salvar a que
você tem?

— Com o tempo, vou saber lidar com ela. Quando ela descobrir quem eu
sou para ela, vai melhorar, mas tem que ser com mais tempo.

— Ok. Mas deve estar atento, porque sua memória pode voltar a qualquer
momento. Vou apagar algumas de suas memórias, mas não todas, porque dez
anos são muita coisa. A mente trabalha de duas formas, a de maneira
consciente e a inconsciente, a consciente é onde estão as lembranças de sua
vida e a inconsciente são as memórias mais profundas e elas saem de lá para
a consciência de forma forte e poderosa. É difícil de controlá-las totalmente.

— Entendo.

— As memórias estão ligadas ao seu estado emocional, se ela passar por


determinada situação que seja significativo para ela, pode trazer estas
memórias lá do fundo e pode ser que não lhe machuquem, mas dependendo
do que for, pode ser bem ruim. Pode ficar pior.

— Acha que há a possibilidade disso ficar pior do que está agora? Ela
cortou sua própria garganta! Vi tanta dor e desespero nos seus olhos
apagados que pude sentir em minha carne.

— Imagino que sim, para ter perdido o alento de forma tão profunda,
imagino que sua dor tenha sido demasiada para suportar. Quem poderá saber
tudo que esta jovem passou?

— Então, pode apagar suas memórias?

Ela respirou fundo.

— Posso.

— Ela pode ficar forte primeiro e depois devolvemos.

— Dê a escolha a ela, Aaron, uma pessoa que viveu presa por tantos anos,
não gostaria de ser presa novamente. Há muitas formas de ser presa e todas
elas machucam. Prometa que vai contar a ela, e lhe dar a opção de querer elas
de volta.

— Quem iria querer isso?

— Ninguém, mas precisa lhe dar a opção. Ela nunca teve opção de nada
na vida, não pode tirar isso dela. Será um erro.
Ele respirou fundo e esfregou o rosto, cansado.

— Ok, eu prometo. É o correto a ser feito, realmente.

— Só quero te alertar de algo, Aaron, você é príncipe e meu beta dessa


alcateia e Kimera inteira sabe o que ela fez. Não acredito que os lobos irão
aceitar uma beta suicida — Kayli disse e Aaron o olhou e rosnou zangado.

— O que disse?

— Só um aviso. De minha parte não haverá comentários, mas nosso povo


pode não aceitar isso tão facilmente.

— Eu não me importo.

Kayli respirou fundo e coçou o queixo.

— Está tudo bem, querida, faça o que ele deseja. Vamos lidar com as
situações em partes. No mais, acredito que Aaron tenha razão de que essa
situação não piore. Acho que esse é o extremo.

Assim esperava, pensou por si mesmo.

Vanora assentiu, saiu do quarto e quando voltou carregava um monte de


coisas nas mãos, puxou uma pequena mesa para o lado da cama e ali colocou
suas ervas, um almofariz de louça branca e acendeu uma enorme vela.

— O que é isso? — Aaron perguntou.

— Raiz de Angélica, pó de Arcácia Negra e algumas gotas de extrato de


Abramalina, plantas que afetam a mente.

Ela macerou as ervas no almofariz, pegou uma das velas e passou a mão
sobre a chama. A chama saiu da vela pairando em seus dedos e ela a colocou
no almofariz e as ervas pegaram fogo, salpicando no ar pequenos spots de
faíscas e luz. As ervas estalavam e ela passou a mão sobre o fogo novamente.
— Eu levo suas memórias que um dia retornarão. Rerum ut suis mihi, ut
reddam dies unus — sussurrou.

O fogo se apagou. Então, ela molhou três dedos no macerado e passou na


testa de Clere. Manchando-a com três listas da poção.

— Iri encantum, imagine.

A poção começou a evaporar de sua testa e Clere soltou um suspiro


profundo.

Vanora virou as mãos para cima e olhou para o teto e recitou uma oração,
depois suspirou e apagou a velas.

Quando ela se virou e olhou para Aaron, ele estava ali, paralisado,
esperançoso que aquilo iria ajudá-la.

— Está feito.

— É isso? Suas memórias estão apagadas?

— Algumas delas, sim, como te disse, o que está a atormentando


ferozmente foi aplacado e ela estará melhor quando acordar, mas ela poderá
tê-las de volta de uma vez se assim desejar, ou pode esperar que elas voltem
sozinhas. Você terá seu tempo e ela terá a chance de curar-se. Faça o que tem
que fazer, Aaron, salve nossa menina.

— Eu irei, custe o que custar.

Ela assentiu, foi até Kayli que beijou sua testa e eles ficaram olhando
Aaron se sentar na cama e segurar sua mão, acariciá-la docemente, uma mão
pequena dentro de sua mão grande e forte.

— Não se preocupe, minha pequena, eu estarei contigo e resolveremos


isso tudo, você vai ver, está segura agora.
Ele beijou seus dedos carinhosamente e Clere soltou um suspiro e se
virou na cama, puxando sua mão e abraçando-a contra o peito. Aaron sorriu
pelo seu gesto e sim, ele faria qualquer coisa por ela.

— Nós lutaremos e estaremos juntos, companheira, não deixarei que mais


ninguém te machuque.

— Deixe-a descansar, irá demorar um pouco para acordar.

— Ficarei aqui. Não quero que acorde e fique assustada.

— Entendo, irmão, mas você a tirou de casa, vão sentir a falta dela e
ficarão preocupados, deve dizer a eles o que houve e onde ela está.

Aaron não queria deixá-la, mas sabia que Kayli estava certo.

Ele respirou fundo e assentiu.

— Sairei por um momento, mas voltarei logo. Eu prometo, éan beag.

Aaron beijou sua testa, docemente, acariciou seus cabelos, levantou-se e


olhou para os reis que o olhavam apreensivos.

Yasmin estava no fundo do quarto, calada, somente observando. Ele nem


tinha percebido sua presença.

— Éan beag... — ela sussurrou — Ela parece um pequeno passarinho


realmente, um com asas quebradas.

— Você viu isso, não viu, Yasmin?

— Eu te disse, só não sabia o tempo. Os deuses não são claros às vezes.


Eu sinto muito.

— Não foi sua culpa.


— Somente seja gentil, ame-a e mostre como o senhor é. Esse lobo
valoroso e maravilhoso. Ela pensa que não pode conhecer o amor, que não é
digna. Não conhece a gentileza, então mostre a ela.

Aaron respirou fundo e beijou sua testa.

— Obrigado, anjo.

Ele foi sair do quarto.

— Aaron? — Kayli o chamou.

Ele parou e se virou.

— Seria apropriado trocar sua roupa, está todo cheio de sangue.

— Isso mostrará que temos sangue de lobo em nossas mãos.

Ele saiu do quarto e quando chegou ao salão do portal rosnou pela visão
da poça de sangue no chão e seu coração se descompassou novamente. Devia
ter trocado de roupa e alguém devia ter limpado aquele chão.

Devia, devia... as coisas deviam ser de um jeito, mas não eram.

Ele podia sentir a ira se formando do lado de dentro, o conhecimento de


quanto sua alma estava quebrada.

Tudo o que segurava o poder da ira dele era o fato de que não existia
nenhum humano dos laboratórios para ele matar e se vingar por dela.

A raiva reverberava sob sua pele, mas não conhecia os fatos totalmente,
somente queria matar uma dúzia de humanos por tê-la prendido e
machucado, queria salvar sua loba daquele sofrimento.

Na Escandinávia ele dizimou o exército que a assassinou, mas agora ele


não poderia vingá-la.
Deveria ter sido uma luta árdua para ela ter chegado ao ponto que querer
tirar sua própria vida.

Uma coisa que ele tinha aprendido durante sua longa e complicada vida é
que não poderia subestimar a força de um lobo e que não poderia imaginar
quão profunda pode ser a dor que aflige a alma de alguém.

Dores físicas poderiam passar e ser curadas com o tempo, mas do coração
e a alma era algo muito profundo que poderia levar pessoas ao extremo.

Por dois mil anos, sua vida no mundo de Kimera havia o levado a uma
letargia e solidão que tentava forçosamente preencher com algumas lobas,
mas algo dentro dele não permitia ter se acasalado com nenhuma delas.

A solidão o engoliu, o anestesiou, e apesar de muitas vezes estar animado


e sempre de bom humor com todos, por dentro estava gelado e vazio, mas
agora sua alma, de repente, tinha acordado e vibrado e isso desencadeou uma
ansiedade sem fim em seu coração.

Havia a ânsia de vê-la, de saber se tinha melhorado, de saber de sua


história.

Sem saber de seu passado podia sentir que havia uma aura negra ao redor
dela.

E ele não gostava.

Ele teria que descobrir seus segredos para cometer tal sacrifício, mas
agora, se algum maldito tocasse nela, ele esmigalharia todos os ossos de seu
corpo.

Ele rosnou furioso e atravessou o portal.


Ilha dos Lobos, Grécia.

Ester riu e beijou a bochecha de Lucian ao tirá-lo do balanço e o colocou


no chão.

— Meu Deus, como esse menino está pesado, anda comendo tanto.

— Isso é sinônimo de que é saudável — Lana disse.

— Isso é.

De repente, Ester parou no meio do playground e sentiu um frio


atravessar sua espinha e olhou ao redor. Uma má sensação a fez tremer.

— Lana, onde está Clere?

— A deixei em casa, deve estar chegando, alfa, ela não anda dormindo
direito, então a deixei dormir um pouco mais.
— Estou preocupada com ela, anda diferente nos últimos tempos.

— Não sei o que fazer com ela, está cada dia mais calada, não come, não
dorme.

Ester respirou fundo.

— Vou buscá-la, não trouxe meu celular.

— Eu posso ir, alfa.

— Não, eu vou, fique de olho nas crianças.

— Sim, senhora.

Ester pegou o jipe e seguiu para a casa de Clere. No meio do caminho,


ouviu um rosnar aterrorizante que tomou conta da ilha. Ela parou o jipe numa
freada brusca, olhou ao redor sem identificar de onde poderia ter vindo e de
quem era, pois parecia diferente de tudo o que já tinha ouvido e
extremamente doloroso, que sentiu um frio no estômago.

— Merda!

Ela acelerou e foi à casa de Clere. Ao bater na porta estava impaciente,


pois aquela sensação esquisita somente tinha aumentado.

— Clere! — Ela entrou e o cheiro de sangue invadiu suas narinas. —


Clere!

Ester correu pela casa abriu a porta do quarto, mas estava vazio, correu
para a cozinha e arregalou os olhos quando viu sangue no chão e uma faca
ensanguentada.

— Clere! — gritou, mas soube que ela não estava na casa.

Ester uivou chamando por ela e alertando os lobos.


Não tardou para Erick irromper porta adentro e logo entrou Logan e o
rosnado que seguiu foi de Noah, que entrou na casa como um furacão.

— O que há?

— Clere está em algum lado? Está na clínica?

— Não, passei por ali e está fechado.

— Ela está ferida, veja todo esse sangue, e teve aquele rosnado.

— Pelos deuses, isso não me parece um pequeno corte e não sei de onde
veio esse rosnado, nem sei de quem foi.

Erick pegou o celular e ligou.

— Jessy! Acaso Clere está na sua casa?

— Não, por que estaria aqui? Sasha foi ao playground levar Lili, ela
deve estar ali.

— Há sangue em sua casa e ela sumiu, pensei que pudesse estar aí para
que cuidasse de seu ferimento.

— Não, aqui não veio. O que está acontecendo?

— Merda! Ainda não sei.

Erick desligou e ligou para mais lobos e sua mãe entrou na casa e gritou
com a mão na boca.

— Onde está minha filha?

— Não está em nenhuma parte, chamei-a e não responde, deve estar em


algum lado.
— Vamos fazer uma busca — Erick disse.

Antes que eles saíssem da casa, uma luz cintilou na sala e Aaron
apareceu, assustando a todos.

Todos arfaram pelo susto e olharam estupefatos para o sangue nas roupas
de Aaron.

— Tio, o que está havendo? — Erick perguntou.

Ele respirou fundo.

— Esta manhã eu encontrei Clere, e ela está em Kimera.

— Como? Como foi parar ali? Ela está bem? De onde é esse sangue? O
que o senhor tem a ver com isso? — Lana cravou-lhe de perguntas, agoniada.

— Quem é você?

— Sou Lana, a mãe dela.

Aaron respirou fundo.

— Eu lamento. Sua filha está bem agora, está descansando. Vim porque
não queria que estivessem preocupados, mas, na verdade, deveriam se
preocupar.

— O que isso quer dizer?

— De quem é esse sangue?

— É de Clere.

— Oh, meu Deus, ela está ferida?


— Ela se feriu, mas a levei à Kimera e Vanora a consertou, está dormindo
e deve demorar um pouco a acordar ainda.

— Desculpe-me, mas aí há muito sangue para um leve corte, quão ferida


estava?

— Acredito que Clere estava atravessando sérios problemas.

— Tipo o quê?

— Clere se feriu, ela infligiu o ferimento a si mesma.

— O quê?

— Clere cortou o pescoço com a faca.

Todos arfaram horrorizados.

— Isso é mentira! Ela não faria isso! — Lana gritou e foi à sua frente. —
Leve-me até minha filha. O que fez à minha filha?

Aaron rosnou e Ester a puxou para trás.

— Toma-me como um mentiroso, senhora? — Aaron perguntou irritado e


olhando-a com severidade.

— Acalme-se, Lana, vamos ouvi-lo.

— Senhora, não esqueça quem eu sou, acima de tudo.

— Não me importa quem o senhor é, devolva minha filha!

— Eu a trarei quando ela acordar e, quando ela quiser, mas me escutem.


Quando a encontrei tentei convencê-la a não fazer isso, ela estava em choque,
em uma dor muito profunda, emanando uma onda que nem eu mesmo senti
algum dia. Ela estava sem nenhum alento e sim, eu tentei dizer tudo o que
pude, mas ela estava fora de si e cortou sua garganta. Eu a peguei sem vida
nos meus braços e a levei para Kimera e Vanora a trouxe de volta.

— Clere morreu e Vanora a trouxe de volta?

— Sim.

Houve um silêncio horrendo e ninguém conseguiu dizer nada e tentavam


assimilar a situação.

Lana se sentou no sofá em choque.

— Está dizendo que ela teve uma crise de depressão, ou desespero e se


matou? — Ester perguntou chocada.

— Assim foi.

— Mas que porra! — Noah xingou e Kira arfou tapando a boca de


espanto.

— Mas... nós tentamos de tudo por ela... pensei que estava estranha nos
últimos tempos, mas não imaginei que estava tão profundamente perdida.

— Acho que nunca ninguém consegue medir e prever esse tipo de coisa.
Não conseguimos enxergar quão profunda era sua dor. Estava sempre
tranquila, brincando com as crianças — Kira disse.

— Oh, meu Deus! Quando alguém carrega seus demônios por muito
tempo dentro da sua cabeça, eles começam a tomar conta, a dominar, eles se
tornam mais fortes e fica difícil de comandá-los, mandá-los para baixo —
Ester disse horrorizada e pesarosa.

— Ela tentou fortemente, mas sucumbiu.

— O problema é que não temos conhecimento do tamanho dos seus


demônios. E digo, são imensos — Aaron disse.
— Ela nunca fala sobre isso, ela tentou se encaixar e talvez nós não
soubemos levá-la — Kira disse sentando-se ao lado de Lana segurando a sua
mão e suas lágrimas escorriam pela face.

Noah rosnou e passou a mão pelos cabelos. Ele sabia bem o que era falhar
ao cuidar de uma menina traumatizada e quebrada, ele sabia bem por causa
de Jessy. Ele conhecia o inferno de perto, todos eles.

— Sempre a incentivei a falar, colocar para fora, mas não funcionou —


Ester disse secando as lágrimas.

— E eu tentei prendê-la em casa, com medo que saísse e alguém pudesse


machucá-la — a mãe de Clere disse, secando as lágrimas.

— Acredito que cada um de vocês fizeram o máximo para cuidá-la e


protegê-la. Sei o que houve e não imagino como Clere está quebrada, como
ela carrega suas lembranças ou o que sente. Mas há algo de diferente nela.
Sinto uma força de sua loba que nunca senti antes.

— Eu nunca vi a loba de Clere, na verdade — Ester disse franzindo o


cenho.

— Ela se nega a se transformar ou faz escondido. Nunca quis correr


comigo — Lana disse.

— Ela me disse que odeia sua loba — Ester disse e respirou fundo e todos
arfaram espantados.

— Oh, meu Deus, isso é terrível! Como pode odiar sua loba?

— Talvez ela culpe sua loba pelo que passou, afinal, se não fosse uma,
não estaria presa num laboratório sofrendo todo tipo de tortura e
experimentos.

— Não sei o que fazer.


— Precisamos amá-la, protegê-la, mas precisamos fazê-la se amar
novamente, amar sua loba. De agora em diante, eu tomarei conta dela —
Aaron disse seriamente.

— Mas, senhor, como assim?

— Sou seu companheiro.

Todos arfaram e Noah xingou. Erick deu um passo à frente e estreitou os


olhos.

— O senhor é o companheiro de alma de Clere? — perguntou espantado.

— Sim, eu a esperei por dois mil anos e agora eu a encontrei.

— Mas... como é possível?

— Todos os lobos têm, pelo menos é isso que os deuses sussurraram para
o Oráculo.

— Yasmin?

— Sim. Ela tinha somente oito anos de idade quando me surpreendeu


com essa notícia, disse que ouviu os deuses sussurrando e que eu tinha uma,
mas demoraria para encontrá-la. Bem, eu a encontrei no ano de 1.110 e a
perdi, então esperei novamente. Eu não imaginei que fosse tanto tempo, mas
eu esperei. Quando encontrei Clere, fiquei confuso e surpreendido com o que
tinham passado sendo presos, e então fui cuidadoso e tentei me aproximar
devagar. Queria que o tempo nos ajudasse, mas agora o tempo acabou e
preciso estar com ela. Preciso salvar minha companheira.

Houve um silêncio tão estrondoso que poderia se ouvir uma agulha cair
no chão.

— Eu sabia que tinha algo mais nessa história, suas visitas... — Lana
sussurrou chocada. — Mas não quis acreditar, o senhor é um príncipe...
— Parece que não é somente ela que pensa que não significa algo
importante e tem valor suficiente para ser minha companheira, uma princesa.
Seria uma rainha se eu ainda fosse rei, mas esses títulos não me importam,
ela é minha companheira e é isso que importa agora — disse zangado
olhando para Lana, que se espantou e arregalou os olhos.

— Espere aí, o que disse? Encontrou-a em 1.110? — Erick perguntou


confuso.

— Clere era uma alfa de uma grande alcateia no interior da Escandinávia.


Ela era uma princesa escandinava. Foi caçada e morta pela Inquisição, um
demônio, como diziam sobre nós. Eu cheguei tarde para salvá-la, um minuto,
e ela se foi. Eu não sabia que teria outra chance, mas parece que os deuses me
deram.

Todos estavam paralisados com tais informações.

— Clere era uma alfa?

— Sim, assim como é agora, o que me espanta é que ela não saiba disso.

— Eu perguntei a ela se sabia o que ela era, me disse que sabia, pensei
que todos sabiam — Ester disse confusa.

— Ela é uma alfa de nascença, eu sou um alfa criado.

— Mas é um beta em Kimera.

— Sim, não quis outra alcateia e nem outro castelo. Abri mão disso para
estar em Kimera.

— Jesus...

— A energia de Clere é distorcida, acredito que pelo sofrimento que


guarda em seu coração, mas eu a curarei.

— Orarei por isso.


— Um lobo reencarna? — Erick perguntou confuso.

— Não sei se todos o fazem, acredito que não, se cumprem seus destinos,
quando vão para o Outro Mundo não voltam, mas nós, os antigos,
acreditamos na vida após a morte e que somente um deus pode trazer uma
alma de volta à vida terrena. Sofri sua perda terrivelmente, então o Oráculo
me deu outra esperança, e assim, esperei mais todo esse tempo.

— Jesus Cristo, eu estou chocada. Como deve ter sido difícil para o
senhor esperar tanto tempo e perdê-la — Ester disse e Noah nem balbuciou
nenhuma palavra, menos Erick, pois nunca tinham ouvido tal coisa.

— Ela precisa curar seus traumas, é o que importa agora.

— Como se cura isso? — Lana perguntou.

— Enfrentando. Com o tempo. Vanora apagou parte de suas memórias e


ela terá tempo de me conhecer e se fortalecer para enfrentar seus demônios e
me aceitar como seu companheiro.

— A rainha fez o quê?

— Tirou o que a estava matando.

— Ai, Jesus Cristo! — Ester disse com a mão no coração.

— Como fez isso sem me consultar? — Lana perguntou aturdida.

— Senhora, eu entendo sua preocupação como mãe, mas sou seu


companheiro e farei o que julgo ser melhor para ela.

— Ele está certo, Lana, isso pode funcionar.

Ela respirou fundo, esfregou a testa e assentiu.

— Não vai forçá-la a nada, entendido?


— Senhora, uma coisa que eu aprendi na minha vida é ter paciência.

— Sim, isso tudo pode dar certo. Não será fácil, mas ela precisa se
fortalecer e conseguir reunir forças para quando olhar para estes traumas,
para suas memórias elas não ferirem mais. As cicatrizes estarão ali e isso será
para sempre, mas ela está com as feridas abertas agora, exposta e isso dói,
machuca ao ponto de se perder, de querer fazer parar.

— Sim, como aconteceu a todos os lobos, um dia ela conseguirá olhar


para trás e saber que o que houve não a machucará mais — Noah concordou.

— E irá. Com sua bondade, sua força e seu amor. Ela precisa de uma
perspectiva de vida, tio, ela precisa ser amada e isso deve ser maior do que o
que a segura nas sombras — Erick disse.

— Acha que será suficiente?

— Acredito que somente o senhor poderá fazer tal coisa, porque ela é sua
companheira de alma e não há maior ligação, maior amor do que este —
Ester disse esperançosa.

— Ela precisa de tempo comigo, arrumarei esse tempo.

— Vai trazê-la de volta? — Lana perguntou ansiosa.

— Sim, eu a trarei, em breve. Agora eu vou.

Aaron deu um passo atrás para se afastar deles e invocar o portal.

— Ei, Alteza! — Ester gritou e ele a olhou.

— Sim, alfa Ester?

— Nós temos uma surpresa programada para ela nesse fim de semana, o
senhor pode trazê-la até lá?

— Que surpresa?
— Nós planejamos uma festa surpresa para ela, seu primeiro baile, pelo
seu aniversário. Está convidado também.

— O farei, ela virá depois de Bealtaine.

— Ah...

Ele não esperou, desapareceu.

Todos ficaram olhando para o vazio e olharam uns aos outros chocados,
perdidos e estupefatos.

— Depois de quê? — Ester perguntou perdida.

— Uma das festividades de Kimera, Festa de Bealtaine. Uma festa celta


para a chegada do verão — Erick esclareceu.

— Vamos manter a festa dela? — Lana perguntou.

— Está tudo encaminhado e acredito que isso pode lhe ajudar muito com
todos estes acontecimentos — Ester respondeu.

— Bem, acho que a ideia de Harley de dar a festa para Clere pode cair
como uma luva, isso vai animá-la e verá como todos nós a amamos. Ela deve
ter alegrias agora — Kira concordou.

— Jesus Cristo, acho que meus cabelos ficaram brancos! Por Deus,
vamos limpar esse sangue dessa casa antes que eu vomite! — Ester exclamou
estressada.
Kimera

Aaron acordou de seu sono, gemeu pela luz que entrava pela janela,
piscou aturdido ao se dar conta de que estava deitado em sua cama e a
pequena loba estava em seus braços.

Era estranho como ela se parecia tanto com a antiga Kleiri e ainda assim
era muito menor em tamanho, tanto de antigamente como das lobas de sua
própria alcateia, era magra e mais baixa, mas era torneada e deliciosa e
mesmo assim ficava perfeita em seus braços.

Pelos deuses, nunca mais queria soltá-la, porque o medo de perdê-la


novamente estava o matando, sua cabeça chegava a doer depois de todo
aquele dia fatídico e não se lembrava de qual foi a última vez que teve uma
dor de cabeça na vida.

Quando ele se deu conta de que quase a perdeu novamente, que não
ouviria mais sua voz, as batidas do seu coração, não sentiria seu cheiro ou
não veria mais seu sorriso, seu jeito sexy e natural, foi um grande choque em
seu sistema, tudo vibrou em desespero.

Ele podia ser um lobo forte, mas estava cansado de tantos trancos da sua
vida louca. O príncipe podia pensar que sucumbiria à escuridão, que estaria
perdido nesse infinito, mas finalmente ela tinha sido enviada a ele novamente
e mesmo que tudo tenha dado errado de início, tinha-a, salva em seus braços.

Agora sua escuridão sumiria e lhe traria luz e ele desejava que a luz dele
pudesse trazê-la para seus braços sem medo e resgatá-la da sua escuridão. E
não importava que a loba estivesse com problemas, se por dentro ela era pura
e merecia ser salva, assim como ele.

Fechou os olhos para afastar as imagens e pensamentos ruins e ficou se


lembrando dos momentos bons e do que faria em seu futuro.

Clere suspirou novamente e tentou abrir os olhos e piscou lentamente,


forçando-se a sair da bruma do inconsciente e de seus sonhos, que por algum
motivo que não atinava, não era um pesadelo como de costume.

Havia uma calmaria na sua cabeça e no seu coração, e aquela cama macia
e perfumada estava tão boa... mas estava quente e ela percebeu que estava
envolta, não em uma coberta e sim de braços fortes, e o cheiro masculino
parecia tão familiar... e somente pelo seu cheiro, sem olhar para seu rosto
soube que era Aaron.

Seu coração acelerou e um quase pânico tomou conta dela, mas ao mesmo
tempo em que queria saltar da cama e fugir daquele contato de um homem
em suas costas que parecia aterrador, ela desejava ficar, pois se sentia
protegida.

Era estranho, conflitante e confuso.

Por algum motivo, ainda desconhecido, devia sentir um medo terrível


pelo toque de um homem em seu corpo, mas ao mesmo tempo não conseguiu
fugir dali, se soltar ou gritar, seu coração começou a disparar no peito e sua
respiração ficou difícil, entalada na garganta.
Lentamente, ela foi se virando um pouco, espiou para trás e viu que era
ele e estava adormecido, com a respiração cadenciada e tranquila. Ele não
estava dormindo, mas ela não sabia disso, tudo mudou na sua cabeça, o medo
foi embora, engoliu em seco e lutou contra seus desejos de fugir, porque sua
cabeça dizia para ficar. Um conflito doloroso.

Ela se virou em seus braços e ficou olhando para ele dormir e mais uma
vez um arrebatamento tomou conta dela. Ele a estava aquecendo, protegendo,
coisa que havia prometido, só não se lembrava de quando e sua cabeça disse
para não ter medo e não fugir.

O que ela estava fazendo ali em Kimera nos braços do príncipe?

Devia ser um sonho.

Um sonho lindo que não queria acordar. Se só lhe fosse permitido ter um
momento bonito na vida nos braços de alguém que lhe desse amor seria
somente em seus sonhos, então, suspirou e se aconchegou mais em seus
másculos braços.

Era um sonho que não queria acordar, tinha medo de acordar.

Aaron respirou fundo e a abraçou mais forte, trazendo-a mais para seu
peito e era tão perfeito que quase chorou como um bebê.

Clere fechou os olhos por um momento e inalou seu perfume, um natural


de sua pele, máscula e forte, de um homem honrado, um guerreiro antigo e
valoroso, um príncipe.

Então ela percebeu que o contato físico não era um sonho, que não podia
ser algo tão real, que realmente estava na cama com o príncipe de Kimera.

Arfou, saltou da cama num salto que a fez atravessar o quarto e bateu
num cômodo de madeira e uma bacia de louca com uma jarra dentro para
lavar as mãos caiu e espatifou no chão e ela ficou olhando com os olhos
arregalados para ele.
Aaron se sentou na cama num solavanco, olhou-a aturdido e assombrado,
ela rosnou para ele, assustada, espantada e aturdida, com a cabeça girando
rápido sem se situar na situação novamente, estava acordada agora e a
situação era a mesma do sonho.

Não entendia nada, na sua cabeça nada fazia sentido.

Ele saltou da cama e estendeu o braço para que ela se acalmasse.

— Calma, querida, está tudo bem, está bem e segura aqui.

— Estava na cama comigo.

— Estava dormindo e somente queria te proteger, nada de mais, não te


toquei de maneira alguma de forma errada, juro, jamais a machucaria ou a
desrespeitaria, acalme-se, está bem?

Ela arfava nervosa olhando para ele, olhou ao redor pelo quarto.

— Onde estou?

— Kimera.

— O quê? Como vim parar aqui?

— Eu te trouxe, desmaiou e eu te trouxe para melhorar, nada de mais.


Fique tranquila, está segura aqui. Lembra quem eu sou?

— O príncipe.

Aaron respirou, aliviado, ela se lembrava dele. Porque o estúpido não


tinha pensado que na leva das memórias apagadas, ele poderia ter sido
esquecido, sinal de que ele era uma coisa boa na sua vida.

— Sim, sou Aaron, somente Aaron para ti.


Ela engoliu em seco e foi se acalmando, então ele se aproximou e Clere
parecia totalmente confusa e perdida e com a respiração errática. Aaron
chegou até ela, cuidadosamente tocou sua mão que fortemente cravava na
cômoda ferindo suas unhas e arrancando lascas da madeira.

— Vamos, pequena, pare de fazer isso agora...

Clere não disse nenhuma palavra, porque seu olhar se prendeu no dele e
ela focalizou perfeitamente seu rosto e Aaron ficou tonto da maneira que ela
o olhava.

Ela era realmente muito pequena, frágil aparentemente, mas ele sentiu a
força nela, o coração de aço de determinação e a resolução obstinada que a
enchia, a força de uma alfa que estava perdida em si mesma.

Mas ele sentiu algo mais, algo que não sabia identificar, além do lado
escuro, um lado sensual de sua natureza, isto lhe despertou desejo, mas
quando deu um olhar intenso e curioso, acalorado sobre ela, tentando lê-la,
tentando descobrir o que ocultava e o que pensava, ela se mexeu inquieta e
ele parou de especular.

Ela olhava fixamente, diretamente nele. Cenho franzido, olhos


escurecidos e predadores, seus lábios e separam enquanto algo passava em
sua mente, algo semelhante a temor cobriu sua expressão.

— Oh, deuses, eu penso que o oxigênio parou de circular no meu cérebro


e fiquei tonta e burra, não consigo pensar — sussurrou aturdida.

— Você está bem?

— Há algo de errado com minha cabeça.

— Sua cabeça parece bem bonita para mim.

Ela sorriu nervosa pela sua brincadeira e ele sorriu, porque amou seu
sorriso encantador, ela tinha pequenas covinhas que ele amava.
— Acha meus miolos fritos bonitos também?

— Bem, isso me parece mais esquisito.

Ela riu e logo parou, encabulada.

— Tem algo errado com ela, sei que tem.

Aaron respirou fundo pensando se contava ou não. Não queria que ela
sofresse, mas tinha medo que, quando ela soubesse o que fez, perdesse a
confiança que tanto tentava construir, e isso era mentir e ele nunca mentia.

Bem, talvez mentisse quando dizia que estava bem e não estava, mas não
sabia se podia considerar isso uma mentira.

— É normal se sentir perdida e confusa de vez em quando.

— Acha?

— Sim.

— Li numa revista que as pessoas que sofrem algum trauma forte podem
esquecer alguns acontecimentos que o causaram.

— Isso pode ser verdade.

— Acha que esqueci algo?

— Eu acho que se você esqueceu algumas coisas é melhor assim. Talvez


não lembrar pode ser melhor para... seguir em frente e ter uma vida nova. Sei
que você passou por muitos momentos difíceis nos últimos anos, mas eu
estou aqui para te ajudar agora.

— Está?

— Sim, farei de tudo para te proteger e que seja feliz.


Ela franziu o cenho com suas palavras.

— Por que faria isso?

— Porque eu quero e eu posso.

— Oh.

Ela piscou aturdida e houve um silêncio.

— Estou presa aqui?

— Não, garanto-lhe que sua presença em Kimera é muito bem-vinda e


que se esqueceu de algumas partes. Pode ser difícil no começo, mas vai
melhorar com o tempo. Poderá ir para casa quando quiser, eu a levarei. Está
aqui apenas para se recuperar de um mal súbito que teve.

— Sério? Não consigo me lembrar disso.

— Não foi nada de mais, só está um pouco confusa agora.

Ela o ficou observado e estreitou os olhos.

— Sei que está me ocultando algo, mas está fazendo isso para me
proteger de algo ruim, não é?

Aaron piscou aturdido por ela conseguir saber o que estava acontecendo,
mesmo não se lembrando do que era.

Ela era muito inteligente e rápida.

— Nunca faria nada para machucar você, entendeu?

Ela assentiu, porque não sabia o que estava acontecendo, mas ele lhe
inspirava tanta paz, tanta tranquilidade e havia algo de errado com seu corpo
quando ele se aproximava. Era familiar.
— Vou confiar em você.

— Vou te provar que pode fazê-lo. Mas já que quer confiar em mim então
vou te contar o que fiz, pois não quero que pense que estou mentindo para
você.

— O que é?

— Eu pedi para Vanora apagar suas memórias e ela apagou, não todas,
mas algumas, talvez algumas mais feias.

Ela ficou olhando com os olhos arregalados.

— Por que fez isso?

— Você estava em um momento muito vulnerável e triste demais e não


suportei ver seu sofrimento. Queria te ajudar e não sabia como. Essa foi a
ideia que eu tive. Queria que estivesse mais forte para poder devolvê-las. Mas
Vanora me advertiu de que as memórias poderiam vir por si mesmas.

Ela respirava pesadamente e ficou o olhando sem dizer uma palavra.

— Está brava?

— Queria me proteger de minhas lembranças dos laboratórios?

Ele trincou os dentes e rosnou baixo.

— Sim. Não queria que chorasse.

Clere respirou fundo e ele percebeu que ela se acalmou. Sua companheira
sempre o surpreendia até a morte.

— Eu agradeço por isso. Acho que foi bom, mas não esconda nada de
mim ou faça nada sem me perguntar, ok?
— Ok. Quer elas todas de volta?

Ela respirou fundo e esfregou a testa com os dedos e o olhou.

— Não. Não quero me lembrar.

— Pode até ter esquecido algo importante, não sei, foi aleatório, talvez as
que mais temia foram temporariamente apagadas.

— As que mais queria esquecer?

— Sim.

— Então que elas fiquem esquecidas. As que ainda tenho me parecem


bem ruins.

— Pensei que ficaria zangada.

— Sou uma pessoa torta, eu agradeço por tentar me ajudar e ter tanta
paciência comigo.

— Não é torta. Todo mundo tem problemas, de um jeito ou de outro.


Lobos ou humanos. Todos carregam cicatrizes em seu coração, traumas de
algum tipo. Vi todo tipo de coisa na minha vida, não a condeno.

— Acredito que sua vida também não tenha sido nada fácil, que tenha
também muitas cicatrizes e lembranças ruins.

— O suficiente.

— Então que possamos deixar estas lembranças ruins para trás, e


criaremos as boas.

— Isso soa muito bem.

— Obrigada, Alteza. Somos amigos, não somos? Sinto isso.


— Sim, somos amigos e gostaria muito de ter lembranças bonitas com
você.

— Sua vida não foi fácil?

— Eu vivi mais tempo que alguém possa imaginar ou suportar.

— E eu tive uma vida bem curta, mas bem conturbada.

— O mundo humano atual é uma incógnita para mim e Kimera é para


você. Acho que podemos mesclar isso. Se dividirmos as coisas será mais
brando para ambos. E então, poderemos usufruir o tempo que estamos. Uma
nova vida, uma nova experiência. O que te parece?

Ela ficou o olhando aturdida com a proposta, mas lentamente entendeu,


sorriu e estendeu a mão para ele, ele ficou olhando e tentou entender seu
gesto. Era a primeira vez que ela livremente lhe dava a mão.

— Humanos selam acordos assim, feito?

Ele pegou sua mão no cumprimento, colocou a outra sobre o coração e


fez um aceno.

— Considere feito.

Aquela frase acariciou seu coração e sua alma de muitas maneiras. Ela já
não sabia quem era realmente, mas sabia que iria descobrir, logo.

— Obrigado, milady. Não vou deixar mais nada de mau te acontecer... eu


te prometo.

Lentamente, ainda a segurando pela mão, puxou-a e a abraçou; no início,


ela retesou o corpo e ele pensou que se afastaria, mas aos poucos o calor dele
foi tomando-a e ela se acalmou, relaxou e aceitou o abraço.

E pela primeira vez, em muitos anos, se sentiu protegida e acalentada


pelos fortes braços do guerreiro milenar.
Seu companheiro de alma, que ela ainda não sabia que tinha.

Nos braços um do outro, no meio do caos, seus lobos se sondaram, se


identificaram e se sentiram, mesmo no meio daquela bagunça.

Mas ali estavam uma loba machucada de todas as maneiras possíveis em


tantos níveis que ninguém poderia sequer sonhar e um guerreiro, um rei que
abriu mão de seu trono, escolheu ser lobo e que viveu dois mil anos sem uma
companheira, vendo-a morrer de várias maneiras.

Os corações estavam vazios de felicidade, mas ansiavam por preenchê-


los, ansiavam por uma vida nova.

E mesmo que Clere ainda não tivesse noção nenhuma do que estava
acontecendo e porque Aaron estava ali a tomando nos braços, ela sentiu a
energia vibrante e calorosa que veio dele e a mensagem sussurrada no vento
pelos deuses anunciando que era hora de dois companheiros de alma se unir.

Podia levar tempo, podia demorar em ajeitar as coisas, mas Aaron fez a
promessa de salvar sua pequena loba e, no processo, salvar a si mesmo e ele
não permitiria errar mais uma vez.

— Vamos, pequena, vamos descansar e relaxar, um banho quente vai


fazer seu milagre.

Ela suspirou ainda abraçada em sua cintura e ele se afastou somente o


necessário para se virar e a pegou no colo.

Ele a levou para a sala de banho onde havia uma espécie de piscina
pequena de pedras e da parede, com pedras brutas, saía uma pequena
cachoeira de água. Parecia como um banho romano, mais rústico.

A água possuía nuances de azul e prata que pareciam dançar pela


superfície e iluminar o lugar, com pequenos pontos brilhantes.

— Uau... isso é lindo e parece saído de um conto de fadas... é uma fonte,


mas está no seu quarto.
Ele riu.

— É onde me banho.

Ela o olhou espantada, abraçada ao seu pescoço.

— Como é possível?

— Em Kimera muitas coisas são possíveis, querida. Pronta?

— Sim, obrigada.

Ele se aproximou, se abaixou e lentamente a colocou sentada dentro da


água e se afastou.

Ela arfou porque não imaginou que a colocaria de camisola dentro da


água.

— Molhou-me toda!

— Bem, imaginei que não gostaria de ficar nua na minha frente.

— O quê?

— Hum... não me conhece, e apesar de ser loba, achei que ficaria mais
confortável se estivesse vestida.

Ela ficou o olhando confusa. Então, ela pegou a informação e achou


diferente e estranho, mas estupendo, vindo de um homem.

— Vai ficar aí me olhando?

— Sim.

— Por quê? Acha que não sei tomar banho sozinha?


— Não, só acho que eu fico mais tranquilo se não tirar os olhos de você.

— Por que, acha que vou me afogar?

— Acredite, se tivesse visto o que vi ficaria por perto também.

Ela ficou olhando para ele com os olhos arregalados e sem entender nada.

— Disse que eu estava muito nervosa e que desmaiei, te dei muito


trabalho?

Imagina, quase o tinha matado.

— Nenhum. Por favor, tome seu banho, eu não olharei se não quiser, mas
ficarei aqui.

Ela respirou fundo.

— Está tudo bem.

Ela se acalmou e se acomodou na água, suspirou sentindo a água quente


ao redor de si, porque era deliciosamente cálida e pareceu tirar a pressão de
seu corpo, como se fosse uma água capaz de curar, de fazer esvair as energias
negativas, sanar as dores, aliviar a alma.

Clere fechou os olhos por um minuto, porque a sensação foi maravilhosa.


Quando abriu e olhou para Aaron seu coração disparou mais. Ele estava
parado, encostado na parede, olhando-a seriamente com os braços cruzados
no peito, e assim, ficaram se olhando por longos minutos.

Foi difícil tirar os olhos dele. Sua mente rodava rápido quase a deixando
tonta e fortemente tentou se focar. Ela tocou a chemise branca longa que
agora estava molhada e colada em seu corpo.

Ela o olhou de canto de olho porque ele podia ver tudo dela, pois o tecido
ficou translucido e moldava seu corpo e seus seios e ficou envergonhada.
Nunca havia se lembrado de estar envergonhada antes por um homem olhá-la
e ver seu corpo, seus seios.

Nojo sim, sabia que sentia, mas não dele. Pensou em tirar a camisola, mas
achou melhor não. Ele a deixava tonta e confusa e seu corpo ficou estranho.

Ela engoliu em seco, pegou uma bucha e uma barra de sabão rústico que
estava na beirada, cheirou e era deliciosamente perfumado. Então começou a
lavar-se, deslizando a bucha em seu corpo, pelos braços, pescoço, mesmo
sobre o fino tecido de linho.

Aaron estava deslumbrado, vê-la na sua fonte de banho privada lavando-


se tão suavemente, como se ela se deleitasse com cada sensação que podia
tirar dali, como se nunca tivesse tomado um banho na vida, a visão era tão
forte que quase o cegava.

Fascinação... era o que sentia.

Aaron estava com os sentimentos atropelados, ainda não tinha conseguido


se livrar do pânico de tê-la perdido em seus braços horas atrás, agora estava
ali, mágica e etérea na sua frente, banhando-se. Delicada como um bater de
asas de borboleta. Uma pequena loba que tinha sido privada de tudo e
ganhado só horror.

Estava com raiva, sufocado, desesperado, em conflito consigo mesmo.

Queria matar alguns humanos pelo que tinham feito a ela, queria socar a
cara de algum deus pelo que tinha feito a ele.

Era uma presepada que tinham armado para ambos. Eles eram
companheiros, assim os deuses tinham determinado, mas o destino sempre
tentava separá-los, de um jeito ou de outro. Podia ser uma piada, mas no
fundo de seu coração sabia que era certo a fazer e nunca desistiria de tentar
mantê-la.

E isso era desesperador, porque ele não sabia se podia salvá-la do seu
inferno, que agora ele fazia parte. E se não pudesse?
— Ops...

Ela derrubou a terrina na água, olhou-o e riu docemente e isso o tirou do


seu desespero, fazendo-o olhá-la.

Clere tinha preferido usar a terrina para lavar o cabelo do que ir debaixo
da água que caía pelas pedras. A maneira doce com que ela riu e a pegou da
água o fez amá-la. Pelos deuses, queria dar o mundo a ela.

— Posso ajudar? — ele disse de súbito.

Ela o olhou espantada e não respondeu.

Aaron tirou as botas e entrou na fonte de roupas.

Clere o olhou espantada e com a respiração presa, foi para trás e ele parou
e esticou o braço para que ela parasse.

Então os dois ficaram paralisados por um minuto, olhando-se. Devagar,


ele se abaixou e se sentou para não assustá-la.

— Vire-se — ele sussurrou.

— O quê? — perguntou aturdida sem entender.

Ele sorriu no canto da boca, pegou a terrina, encheu de água e mostrou a


ela.

— Vire-se, vou tirar o sabão de seu cabelo.

Ela engoliu em seco, hesitou por um momento e meio tonta se virou.


Fechou os olhos quando ele pacientemente passou a mão em seus cabelos
derramando a água quente.

Uma carícia, doce e maravilhosa que a fez chorar, ela abriu os olhos e
ficou olhando para a água que caía, ouvindo seu doce som, sentindo o
acalento de suas mãos em seus cabelos, lavando-a com cuidado, com carinho.
Ela não sabia direito por que aquilo tudo lhe doía o peito, mas tocou
fundo. Sua cabeça atrapalhada não lhe permitia entender por que aquilo
atingia seu coração tão fortemente.

— Vire-se.

Ela não se mexeu. Então ele a pegou pelos ombros e lentamente a virou
até que seus olhos se encontraram. E ele ficou chocado porque ela estava
chorando e tocou suas lágrimas.

— Te incomoda minha presença? — ele sussurrou.

Ela pensou para ver se era isso que sentia, medo ou repulsa, mas não era,
era doloroso, mas novo, era de receber o carinho, até então desconhecido,
então negou.

— Nunca vou machucar você, nunca, entende-me?

Ela assentiu.

— Por que está fazendo isso?

— Porque eu quero. Se me permitir, vou cuidar de você.

— Por que faria isso?

Ela não se lembrava de que ele tinha dito todas aquelas coisas, que era seu
companheiro, não se lembrava do pesadelo que haviam passado. Vanora
havia apagado aquele momento e com isso sua declaração.

Ele respirou fundo.

— Porque sou seu amigo e fiz uma promessa de protegê-la.


— Por que um príncipe tão poderoso faria tal coisa por uma... plebeia
como eu? Com um passado tão obscuro?

— Porque, como homem e como príncipe, tenho honra e a considero


muito, então, fiz a promessa de cuidá-la e o farei. Mas espero que lhe agrade
minha companhia. Agrada-te?

Ela ficou o olhando seriamente por longos minutos, buscando a resposta


que precisava, então, ela deu um leve sorriso e assentiu.

— Obrigada. Estou lisonjeada que gostaria de minha companhia, também


me agrada a sua. Podemos ser amigos, se deseja.

— Desejo.

Então, ela tocou seus cabelos e ele quase rosnou pelo toque. Deuses,
previa uma nova leva de torturas em sua vida. Se ele tinha conhecido as
piores trevas da eternidade, agora havia começado outra fase e nem tinha
noção do sofrimento que viria. Mas era de uma forma boa, em partes. Não
desistiria.

— Seu cabelo está molhado...

— Já tinha me banhado antes de me deitar e dormir um pouco.

Ela riu levemente.

— E está banhando-se novamente... de roupas.

— Bem, eu queria te ajudar e pensei que se tivesse vestido não te


importaria, não queria ser rude contigo.

— Você é muito gentil — sussurrou emocionada.

Ele pegou água na terrina e despejou em seu ombro levemente alisando os


dedos em seu pescoço deslizando até o ombro, retirando sabão, ele pôde
senti-la mudar a respiração, mas não se atreveu a fazer o que se passava na
sua mente.

— Como a água da fonte pode ser quente?

— Muitas coisas em Kimera são possíveis.

Ela riu.

— O senhor já disse, mágica.

— Sim.

Ela o olhou por um longo minuto, que Aaron parou de respirar.

Como desejava beijá-la, um pequeno beijo que fosse, estava morrendo.


Mas seu devaneio foi cortado e francamente ela o desmontou com tanta
doçura.

— Obrigada por ser meu amigo, príncipe.

Oh, ele quis morrer. Então ele estendeu a mão e esperou. Ela ficou o
olhando sem entender e lentamente levou a mão na sua. Ele a virou, sem tirar
os olhos dela e beijou seus dedos demoradamente.

— Obrigado por ser minha amiga, pequena.

Ela sorriu emocionada e seu coração aqueceu de forma absurda. E


confiou nele.
Aaron entrou no quarto e parou bruscamente ao ver Clere. Uma criada
estava a ajudando a fechar uma fileira de botões pequenos das costas do
vestido.

Ele não sabia se ia para a frente ou para trás, pois a imagem dela pelo
espelho enorme no canto do quarto o fez paralisar.

Ela vestia um vestido carmim, que abria em sino, longo até o chão, um
pouco mais longo atrás, as mangas eram justas até os cotovelos e abriam
caindo em camadas mais longas nos punhos, a gola tinha uma larga faixa de
bordados, sobre o vestido, havia um corpete na cintura preto em brocado com
pequenos bordados de fio de ouro, que ia até abaixo do busto preso com
cadarços entrelaçados.

Seu cabelo curto estava penteado para trás e tinha uma delicada tiara de
ouro com pingentes longos presos nas laterais que caíam pelos seus ombros.

Ele suspirou inebriado quando o olhar dela prendeu no seu através do


espelho.
A criada fez uma mesura a ele e saiu do quarto numa corridinha ligeira.

— Nunca pensei que este espelho teria uma imagem refletida tão bela no
seu nobre estandarte — ele sussurrou e ela sorriu lindamente.

— Acha que estou bela? Quer dizer... amei essa roupa, faz eu me sentir
em casa, tipo como se eu estivesse num conto de fadas ou num filme de
época. Sempre que via Vossa Alteza na ilha e sua família, eu senti vontade de
usar uma dessas roupas.

— A mais linda para mim. Meus olhos estão encantados.

Ela tinha um príncipe a admirando e isso a fez suspirar encantada, mas ao


mesmo tempo incrédula.

— Não entendo o que acha de linda, além da roupa.

Ele franziu o cenho, se aproximou e ela foi se virar, mas ele a segurou
pelos ombros a fazendo olhar o espelho.

Ela arfou e prendeu a respiração ao senti-lo preso às suas costas e com as


mãos enormes em seus ombros.

Por um momento tentou fugir, mas ele a segurou, não de forma rude, mas
a travou, confusa. E ele a olhava no espelho sobre a sua cabeça.

— Como não? Olhe seu rosto... nariz arrebitado, pele perfeita e deve ser
sedosa como uma pele de pêssegos, seus olhos são como o sol radiante num
dia de verão, lábios rosados e perfeitamente delineados... — Que ele sonhava
em beijar. — Bela e fresca como uma manhã de primavera. Essa cor ficou
bonita em você, realçou sua beleza.

Clere parou de respirar com suas palavras, de alguma maneira a tocou


profundamente, era como se nunca tivesse tido alguém que dissesse tais
coisas ou que realmente tivesse acreditado.
Piscou aturdida e fascinada e palavras rudes vieram à mente e ela tragou
saliva, sim, os homens nunca tinham a admirado, somente desprezado e
machucado, então Aaron via o que nunca ninguém viu. Seu tom de voz e a
maneira que a olhava firmemente, lhe dizia que não estava mentindo,
realmente via isso e isso mexeu com seu coração que batia descontrolado, de
forma absurda.

— Sou mais baixa que as outras lobas.

— Eu percebi, mas não há nada de errado nisso.

— Não acha feio?

— Não.

— Não acha que sou frágil e fraca?

— Se olhe no espelho, Clere, é linda, charmosa e encantadora, forte e


guerreira e a sua força e beleza estão bem aí, precisa vê-las, somente isso.
Não ligue para o que os outros acham, ou o que disseram, eu a acho perfeita.

Emocionada, Clere lentamente se virou e olhou para ele.

Deus, como ele era lindo! Assim de tão perto deixava sua cabeça tonta,
seu aroma era forte e poderoso que a envolvia como se fosse um abraço
invisível, uma força que parecia puxá-la para mais perto dele.

Ela engoliu em seco.

— Pode estar mentindo, mas não me deixa zangada que o faça.

— Não estou, por favor, acredite, jamais irei mentir para você, minha
palavra é minha honra. Você significa mais para mim do que posso descrever
ou expressar.

— Não sou digna...


— Você é um presente para esse mundo e eu te darei ele e afastarei todo o
mal. Nunca, jamais permitirei que te digam palavras que quebrem seu
coração. Se caíres, estarei ali para te levantar. Porque eu sempre estarei
contigo para te proteger e de mim somente terá... respeito e carinho.

— Por que faria isso?

Ele estava sentindo um turbilhão no peito e não entendia como ela não
sentia nada por ele. Se ela pelo menos se lembrasse dele, o reconhecesse...

Seu coração doía perdido e com medo. E raramente sentiu algum medo na
sua longa vida. Talvez só precisasse de tempo para ela vê-lo como seu
companheiro, para reconhecê-lo.

Paciência, pediu.

— Porque eu me importo.

Clere sentiu sua garganta embolar sabendo que tinha algo muito errado na
sua cabeça, acreditou nele, e suas palavras tocaram fundo em seu coração.

— Deixe as feridas para trás. Deixe seu coração curar. Sei que pode estar
cansada e confesso que eu também estava, mas agora podemos nos revigorar.

— Não entendo.

— Vai entender, só preciso que confie em mim. Vai confiar?

Ela sorriu e assentiu e ele suspirou aliviado e contente. Ele pegou sua mão
e beijou seus dedos.

— A senhorita me daria a honra de dar um passeio comigo?

Aaron sorriu e, pelos deuses, era o sorriso mais encantador e sedutor que
ela já viu na vida, sua voz era hipnotizante, um som baixo e profundo. Sua
voz era muito mais rouca que a da de Noah, tinha uma cadência baixa, forte e
elegante.
E aquele rosto, nariz comprido, perfeitamente reto, uma linda boca com
lábios naturalmente perfeitos e uma pequena covinha nas bochechas quando
ele estava sorrindo. Perfeitas. Sobrancelhas arqueadas em um tom dourado
escuro. Cílios negros ao redor dos olhos com seu verde magnífico que não
tinha visto nos outros lobos, um verde-claro magnífico.

Uma mandíbula forte, o queixo que se projetava levemente e sua barba


era curta e bonita. Seu cabelo era grosso e parecia macio e sentiu vontade de
sentir sua textura entre os dedos, e ela percebeu, pela primeira vez, que seus
olhos tinham um brilho diferente que dançava quando parecia que seu olhar
esquentava, e mexia com ela. Via desejo no seu olhar, mas não se ofendia.

Ele ofereceu o braço dobrado a ela que enganchou e eles saíram pelo
castelo, e ele ia mostrando cada parte, o que era, onde dava os cômodos de
cada um.

Ela ficou encantada ao ver que estava em um castelo de verdade, parecia


um sonho. Mas se dentro era belo e encantador ela não tinha palavras para
descrever o encanto e beleza que era Kimera do lado de fora.

Ao andarem pelo jardim, ela se encantou com as flores coloridas, as


árvores frondosas e de uma beleza ímpar, arbustos diferentes que nunca havia
visto, tudo num ar etéreo e maravilhoso. As águas dos pequenos lados e
cascatas eram límpidas e algumas tinham um tom de azul surreal.

Aaron ia apresentando-a aos lobos que iam aparecendo pelo caminho e


sentiu-se um pouco confusa e temerosa pela forma como todos a olhavam.
Uma curiosidade misturada com incredulidade. Alguns pareciam contentes,
outros nem tanto, pois a olhavam como se tivesse algo errado.

Havia claramente algo oculto nos olhares, questionamentos velados que


ela não estava entendendo, mas a cada segundo, ela se encantava mais.

— Não entendo a língua que eles falam.

— Nem todos falam inglês ou outro idioma, somente nossa língua natal,
que no seu mundo seria uma língua morta.
— Qual é?

— É gaulês. Muitos dos guerreiros também falam o dinamarquês antigo.

— Gaulês... nunca ouvi falar.

— A língua gaulesa é uma língua celta falada na antiga Gália, depois,


com a dominação dos romanos a língua oficial era o latim. Deve ser
conhecida hoje em dia somente por historiadores, ou registrada em peças de
museu como inscrições em rochas, em vasilhames e outros artefatos
cerâmicos. Temos livros aqui, mas estão fora do alcance dos humanos.

— Uau, seria uma relíquia para os museus.

— Que nunca estarão lá.

— Oh, seu castelo então ficava na Gália? Ouvi as histórias de Erick, mas
não me localizei onde isso seria hoje em dia.

— Sim. Toda a região era a Gália, que hoje são Bélgica, França e Itália.
Nosso território era chamado de Gália Bélgica, depois se tornou Gália
Romana e hoje sei que chamam de Bélgica.

— Seu castelo ainda está lá?

— Não, foi destruído há muito tempo.

— Você viu?

— Vi, mas hoje está tudo muito mais diferente de nossa época, dois mil
anos é muito para conseguir preservar a história.

— Doeu quando viu que seu mundo não existia mais?

— Na época incomodou sim, mas hoje não mais.


— Entendo, eu ainda penso em ver minha casa na Irlanda, mas penso que
será doloroso. Coloquei no meu caderno, mas depois risquei, não sei se
gostaria de ver.

— O que mais gostava de lá?

— O bosque, e eu adorava o círculo das fadas, havia um no nosso bosque


e eu ficava encantada, parada lá por horas, esperando uma fada aparecer —
respondeu rindo.

— Temos um círculo das fadas aqui.

— Jura?

— Sim.

— Oh, pode me mostrar? Há fadas ali?

Ele sorriu pelo encantamento dela e curiosidade, pegou sua mão e a


ajudou a subir a colina.

— Está vendo lá ao fundo, onde há um bosque e flores amarelas?

— Sim, oh, meu Deus, lá está ele! Podemos ir lá, por favor?

— Podemos, mas precisamos de cavalos, amanhã podemos ir, ou...


podemos correr como lobos. Gostaria?

Ela titubeou confusa e o olhou.

— Não sei, acho melhor não.

— Não gostaria de correr? Garanto que é uma magia maravilhosa correr


aqui na forma de lobo.

Ela engoliu em seco porque houve um pânico no seu coração.


— Em outro momento, prefiro andar a cavalo, amo os cavalos e se ainda
me lembro de que eu montava antes de... antes de tudo, enfim.

— Amanhã então cavalgaremos.

— Estupendo!

Eles continuaram a caminhar e conversar.

— Como era viver naquela época? — ela quis saber.

— Nosso reino na Terra, na antiga Gália, era mesclado de antigas


tradições. Uma terra cheia de magia e esperança, apesar das infindáveis
guerras por todos os lados. O mundo estava lutando para ter poder e
conquistar. Até mesmo entre os celtas havia luta, as tribos celtas lutarem
umas contra as outras. Ou outros países invadiam os outros para conquistar
reinos e glória. Nós éramos conquistadores, até o dia que fomos conquistados
— disse num tom de nostalgia.

— Vocês eram celtas?

— Meu pai era um rei dinamarquês que saiu em busca de desbravar o


mundo. Ele conquistou muitos povos. Meu pai conquistou povos desde a
Dinamarca até a Germânia, então lá, ele conheceu minha mãe, filha de um
chefe de clã que se aliou a ele. Ela casou-se com ele e o seguiu para a Gália
onde suas conquistas foram prósperas. Quando ele morreu, Kayli o sucedeu e
depois eu.

— Não quiseram voltar para a Dinamarca?

— Não.

— Sua mãe vive aqui?

— Não, minha mãe morreu no parto de meu irmão mais novo, muito
antes, meu irmão morreu alguns anos depois de febre.
— Sinto muito. O que houve depois?

— Todos nossos infortúnios com maldições e lobos, como deve imaginar,


e Roma completou sua conquista da Gália. Então não existiu mais reino de
Nordur na Terra, e Kimera se tornou nosso reino.

— Sinto muito.

— Obrigado. Gália era muito bela, os lagos embelezavam os bosques, as


montanhas eram belas. Nosso reino foi próspero e feliz por um bom tempo,
terra fértil. Muitos nos invejavam.

— Devia ser lindo, apesar de sofrido.

— Sim, mas tudo aquilo acabou com a chegada da guerra às nossas


costas. — “E a traição de sua esposa”, pensou. — O todo-poderoso império
romano, em sua tentativa de dominar o mundo, pouco a pouco abriu caminho
por todo o território da Gália e eram invencíveis.

— Mesmo como lobos não podiam vencê-los?

— Apesar de nossas vitórias, nada do que nós fizéssemos faria Roma


abandonar o anseio pelas nossas terras.

— Eu soube que naquela época era comum os reis usarem druidas e


bruxas para ajudar a governar seus reinos, é verdade?

— Sim, era normal. Era sábio ter proximidade com o oculto, adquirir
sabedoria e apoio dos deuses para reinar. Muitos reis sentiam-se seguros em
saber que um mago ou uma bruxa estavam por perto para ajudar e assim,
sentiam maior proximidade com os deuses, sentiam-se mais confiantes e
fortes para reinar e ir à batalha. A religião celta era nosso dia a dia, naquela
região, principalmente por Vanora, pois nossos povos conquistados ali eram
celtas e gauleses. Com nossa chegada, nosso reino ficou miscigenado, meio
celta, meio nórdico, mas era permitido pelo rei. Os celtas faziam rituais e
predestinação, ouvir os oráculos era normal. Nada demais, nada anormal,
pois também tínhamos a crença forte das profecias e dos deuses nórdicos.
— Foi assim que nosso rei conheceu Vanora?

— Sim. Tínhamos um druida em nosso castelo, mas com a ascensão da


Senhora das Castas um dia ela foi nos visitar. Ela era uma pessoa muito
importante para nós. Era honrada e reverenciada e era fascinante. Quando
Kayli a viu entrando em seu salão, ela encheu Kayli de amor e alegria. Eu
pensei que era como uma estrela radiante entrando em nossa escuridão. Mas,
infelizmente, a união deles não era bem vista, pois parecia que suas tias
bruxas tinham outros planos para ela. Aqui em Kimera todos a amam e
morreriam por ela.

Clere suspirou com o que ele disse, pensou que nada mais seria tão lindo
como o jeito que ele descreveu Vanora, como todos a amavam. Sim, sentiu
uma pontada de ciúmes.

Aaron parou e a olhou.

— Não precisa ter ciúmes dela.

— O quê?

— Conheço seus pensamentos. Vanora é minha rainha amada e morreria


por ela, mas em nenhum momento, nem no passado, hoje ou no futuro, minha
companheira seria substituída por ela ou outra mulher.

Clere piscou aturdida o olhando sem entender nada. Ela não acompanhou
o raciocínio no primeiro momento.

— O senhor leu meus pensamentos?

— Sim, posso facilmente lê-los se eu quiser.

— Oh... desculpe, eu não estava com ciúmes, somente achei muito bonito
como falou dela.

Ele sorriu.
— Claro... Quando tiver minha companheira, nada mais será tão
importante quanto ela, morrerei por ela se for preciso. Erguerei meus
exércitos e matarei qualquer um que tente feri-la e ela será a estrela do meu
céu à noite e meu sol radiante de dia.

Clere suspirou encantada e sim, ainda sentia ciúmes, pois desejou ser
protegida e amada assim.

Pigarreou para afastar seu turbilhão de sentimentos sonhadores e Aaron


desejou com todas suas forças dizer que ela era tudo isso, mas ainda não era
tempo.

Ela suspirou e continuaram a andar.

— Os rituais de magia eram como vemos nos filmes? — perguntou para


desconversar o assunto. — Temos Kira na ilha, mas não a vejo praticar a
magia, pelo menos publicamente.

— Não posso afirmar. Estou curioso com esse negócio de filmes. Ouvi
Kayli e Vanora falarem sobre, parece que os encantou. Espero conhecer.

— Eu posso lhe mostrar, também adoro assistir filme com um grande pote
de pipocas com Coca-Cola ou café. Luca me viciou.

Ele assentiu com um lindo sorriso.

— Hum... eu não imagino o que seja pipoca, Coca-Cola ou café, mas


definitivamente devo provar isso, principalmente em sua companhia.

Ela sorriu encantada.

— Anotado. Eu assisto os filmes na tevê, mas eu gostaria de vê-los no


cinema, nunca fui, está na minha lista.

— Iremos.
— Se eu soubesse usar magia, agora mesmo eu faria aparecer uma bacia
de pipoca.

Aaron riu.

— Vanora sempre adverte sobre usar mal a magia. A magia fez a Terra
palpitar quando decidiram usar magia para seus ganhos pessoais, sem um
intento de bom coração. Vimos isso no passado. A magia mal usada
corrompeu os celtas, e em vez de se unirem para lutar contra os romanos,
dividiram-se e então perdemos. Os humanos se voltaram contra a magia e
contra nossos lobos, pois quando os viam, os achavam sobrenaturais demais,
e os lobos odiaram as bruxas e feiticeiros pelo que tiveram que suportar e
carregar para si. Pelo menos, os que ficaram na Terra depois que Kayli e eu
partimos. Os lobos que ficaram desejavam guerra, os que foram para Kimera,
desejavam paz.

— Sim, eu soube.

— Foi muito difícil quando Kayli virou aquela besta, Vanora quebrou a
maldição após longos anos de sofrimento.

— Então você pegou parte de sua maldição.

— Sim, a maior parte dela. E boa parte dos nossos guerreiros tomou um
bocado para si.

— Foi muito valente.

— Eu não pude ficar parado quando a rainha incansavelmente tentava


salvar o seu rei. Quando ela trouxe mais essa opção, depois de tantas
derrotas, eu aceitei.

— Podia ter morrido.

— Podia.

— O que houve?
— Os rios e as terras do meu reino se tornaram vermelhos pelo sangue
dos romanos, celtas, lobos e bruxas, tornaram a morte como uma nuvem que
pairava no ar, como uma névoa cinzenta.

— Naquele tempo era muito difícil perder uma guerra assim, não?

— Sim, nos tornaríamos escravos dos romanos ou morreríamos. Eu


escolhi criar um mundo onde não houvesse mais derramamento de sangue,
onde poderíamos ver as crianças crescerem em paz. Mas tive outra
motivação.

— Os anos passaram, mas a ignorância do desconhecido não mudou. Se


você aparecesse no jornal das oito, te caçariam como se fosse um cão
sarnento cheio da peste.

Ele assentiu, triste, pois sabia que era verdade.

— Pode morar aqui se quiser, para se sentir segura.

— Gosto daqui, é tão lindo e mágico, mas ainda não sei meu lugar no
mundo.

“Ao meu lado”, ele pensou. Ele assentiu e não sabia o que dizer.

Clere ficou o olhando séria.

— Qual foi a outra motivação? A que você disse que o fez mudar de ideia
de voltar e lutar?

— Eu... soube o nome dela.

— O quê?

— Eu soube o nome dela através do Oráculo e em meu coração eu soube


que era real. Não consegui partir e fiquei esperando. Naquele momento
estava impulsionado pelo ódio e vingança, que seria minha morte. Eu não me
importava mais, então saber seu nome mudou algo dentro de mim. Eu
acreditei, fiquei e esperei.

— Quem é?

— Alguém que é capaz de me tirar de minha escuridão e solidão.

— Sua companheira?

— Sim.

Clere arfou e ficou paralisada.

— Você encontrou uma companheira?

— Ainda não a tenho em meus braços, mas um dia espero ter. E quando
isso acontecer ela nunca mais partirá.

— Oh... Isso é tão... desesperador e... romântico.

Ele riu, pegou sua mão e beijou seus dedos.

— Bem, na época não foi nada romântico, mas os bardos podiam deixar
uma desgraça ser cantada de forma inspiradora.

— Vocês têm bardos aqui?

— Sim.

— Oh, eu adoraria conhecer.

— Bem, amanhã teremos uma celebração de Bealtaine. Terá música e


comida. Você gostaria de participar?

— Oh, eu adoraria!
— Então assim será.

Um inseto voou na sua frente e Clere ficou o observando se afastar.

— O que foi? O que está olhando?

— Esse bichinho me encanta, e, às vezes, eu o via. Muitas vezes pensei


que era só uma alucinação.

— Como assim alucinação?

— É que onde eu estava presa não havia acesso à luz do sol. Não sei
como ele entrou lá.

— E que animal era?

— Um pequeno, que voava na minha cela e pousava bem no cantinho e lá


ele ficava e eu sonhava que aquele ponto de luz era a luz do fim do túnel
escuro e sombrio que me encontrava, era um pequeno e brilhante vagalume.

— Vagalume?

— Sim, eu me lembro de chorar e pedir ajuda, que ele voasse para longe e
trouxesse alguém para me salvar.

— Entendo e lamento.

— Nunca pensei ter inveja dos pássaros, mas tenho. São livres para voar
aqui. Imaginava que era o vagalume lançando-me pelas janelas e voando pelo
céu azul, entre as nuvens, em liberdade.

— Está livre agora e pode voar.

— Eu sei, mas tem momentos que minha mente volta na cela fria, com
pouca luz, por isso não consigo dormir com as luzes apagadas. Sinto o frio do
aço gelado impregnado em meus ossos. Quando ando parece que ouço o
tilintar das correntes, sinto meu estômago embrulhado por gosto de sangue e
drogas.

— Lamento, espero que eu possa curar todas essas lembranças ruins que
ainda restaram.

— Se estas ainda restaram, me pergunto o que foi apagado?

— Não sei, mas espero que não volte.

— Eu também.

Um uivo atravessou o ar ecoando pelas montanhas e logo vieram outros.

Aaron uivou em resposta.

— O que vão fazer?

— Vamos caçar, precisamos de muita carne para alimentar todo mundo


para as celebrações que começam amanhã.

— O rei vai caçar também? — perguntou espantada.

— Ele pode ser rei, mas é um lobo e nós adoramos correr pelos bosques e
caçar nossa comida.

Ela sorriu. Eles pararam diante uma porta alta de madeira maciça e ele
sorriu.

— Se entrar aí, conhecerá o canto especial de Vanora, eu a deixarei aqui


em boas mãos até eu voltar. Estarei de volta para o jantar.

— Está bem. Boa caçada.


Embasbacada, ela viu vários lobos correndo em direção a um bosque
fechado ao fundo, alguns em forma de lobos, alguns na forma humana, que
saltavam e no ar se transformavam em lobos caindo em suas patas no chão e
continuavam correndo, uivos e rosnados encheram o ar e as montanhas se
encheram de energia e alegria.

Estavam contentes e celebrando e vê-los correr e se transformar foi


maravilhoso, seu coração se encheu de felicidade e de dor ao mesmo tempo,
não entendia por que aquilo a emocionava tanto, mas era a liberdade. Eles
eram livres naquele mundo, eram magníficos correndo e iriam caçar, sem
medo.

Ele sorriu lindamente, beijou o dorso de sua mão e saiu correndo. Ela
arfou quando ele saltou sobre um enorme tronco e no meio do salto se
transformou em lobo.

Ela arfou e riu, encantada o olhando. Seu lobo era enorme, maior que os
outros e era simplesmente magnífico, seu pelo era marrom com mechas
pretas, douradas e prateadas, fios longos que ela desejou embrenhar seus
dedos.

Ele parou, virou-se e a olhou, então uivou um adeus, que a fez sorrir e
sumiu entre as árvores.

Clere ficou ali por um momento e seu coração estava descompassado,


apertado, desesperado e teve vontade de chorar por tamanha beleza, queria
correr com eles, de se transformar, sua cabeça girou e a deixou um pouco
tonta e ela se encostou na parede e respirou fundo.

Olhou ao redor quando os pássaros pareceram se regozijar com a visão


assim como ela e começaram uma bela cantoria.

Ela respirou profundamente uma e outra vez, soltou a respiração num


bufo, passou as mãos nos olhos e se recompôs e ficou olhando para o vale.

“Ainda não a tenho em meus braços, mas um dia espero ter. E quando
isso acontecer ela nunca mais partirá.”
Clere revirou aquela frase na sua cabeça e seu coração se afligiu, e ali
estava o mesmo sentimento de antes, ele estava procurando uma companheira
e isso a perturbava, então ela percebeu que algumas lobas a olhavam de longe
e cochichavam dela.

Que maravilha, ali eles também cochichavam sobre ela. O que havia de
errado com ela, afinal? Ela se concentrou e tentou ouvir sua conversa.

Clere ia entrar até que um homem muito belo e com os cabelos muito
compridos e loiro, pareceu espantar as mulheres que saíram correndo
rapidamente, então veio em sua direção.

— Senhora — disse fazendo uma reverência com a mão no coração e com


um lindo sorriso.

— Olá.

— Sou Rainar, amigo do beta. É um prazer conhecê-la, Clere.

— Como sabe meu nome?

— Todo mundo em Kimera conhece seu nome. Não ligue para elas,
senhora, sempre há línguas afoitas para importunar.

— Oh, obrigada. Quem é alfa Kleiri? — Rainar se espantou com a


pergunta. — Era o que elas estavam cochichando. Disseram que eu era
parecida com ela, mas era pequena demais.

— Oh, como conseguiu ouvi-las de tão longe?

— Tenho bons ouvidos.

— Bem, era sua antiga alfa. Ela morreu há séculos. Elas eram de sua
alcateia e nós as resgatamos. Os lobos estão curiosos por você estar aqui.

— Oh, entendo. Mas isso é bom ou ruim?


Ele sorriu lindamente.

— Isso é ótimo. Estou muito contente por estar aqui e que está bem.
Aaron precisa de você.

Clere se espantou com o que ele disse, mas antes que ela perguntasse o
que queria dizer com aquilo, ele a interrompeu:

— Sou seu servo, se precisar de qualquer coisa é só me chamar.

— Eu estou bem, obrigada.

Ele assentiu, colocou a mão no coração e fez a reverência novamente, o


que espantou novamente Clere.

Por que a reverenciava daquele jeito? Ela abriu a boca para perguntar o
que estava acontecendo, mas o belo homem se transformou no lobo, ficou a
olhando por um minuto e saiu correndo para caçar.

Clere respirou fundo e entrou no castelo.


“A história é um sintoma da nossa doença.”
(Mao Tsé-Tung)

Clere andou pelos corredores que eram escuros e havia várias tochas
presas nas paredes e candelabros com velas acesas.

Ela entrou numa porta de carvalho e estacou olhando ao redor do imenso


salão, de um lado havia muitas estantes rústicas com uma imensidão de livros
com capas de couro, uns que podiam ser muito antigos e estavam
empoeirados, outros pareciam mais modernos e havia muitos pergaminhos
enrolados presos com uma tira de couro.

Ela olhou sobre a mesa grande e havia livros, pergaminhos, tinteiro e


folhas em branco.

Tocou alguns com os dedos, encantada, andou pela sala e do outro lado
havia duas mesas grandes cheias de coisas, assim como duas gigantescas
estantes nas paredes cheia de vidros com líquidos coloridos, pergaminhos,
potes e ervas de todos os tipos, sobre as mesas havia livros abertos,
almofarizes, muitas ervas e velas acesas, uma lareira que estava acesa e tinha
um pequeno caldeirão pendurado sobre o fogo com algo que fervia.

Era o recanto de Vanora e ficou encantada com tudo, curiosa.

— Poucas pessoas entram aqui.

Clere arfou assustada e se virou e paralisou olhando para Vanora na porta,


que carregava uma cesta na mão com algumas plantas dentro.

— Oh, perdoe-me, eu não quis invadir... eu... hum, o príncipe Aaron disse
que eu podia entrar.

Vanora sorriu e veio até a mesa. Colocou a cesta ali e pegou alguns
galhos da planta e colocou no caldeirão.

Clere olhou tudo, atenta. Vanora se virou e sorriu.

— O que acha que estou fazendo?

— Alguma poção mágica?

Vanora riu encantada e colocou duas xícaras com pires muito elegantes
sobre a mesa, o que Clere estranhou, pois a louça parecia de séculos atrás,
mas não medieval ou do período antes de Cristo, o que confundiu sua cabeça.

Ela observou curiosa quando Vanora pegou uma concha de madeira,


pegou o líquido do caldeirão e encheu as duas xícaras.

— É uma poção mágica, realmente. Tome.

— Eu? Tomar?

— Sim, ela fará muito bem ao seu estômago e ao seu humor.


Clere pegou a xícara meio ressabiada e ficou olhando Vanora pegar a sua
e beber um gole.

Ficou com medo de tomar, mas quando viu a rainha tomá-lo, achou que
não era nada de mais, então bebeu.

— Hum... tem gosto de maçã.

— Sim, pedaços de maçã verde, uns pauzinhos de canela e um galhinho


de alecrim. Um chá delicioso para receber minha visita.

Clere sorriu lindamente, pois a rainha era muito simpática e amorosa e


que tolice tinha pensado o que ela fazia no caldeirão.

— Delicioso. Como conseguiu essas xícaras?

— Bem, apesar de não morarmos na Terra e não interagirmos muito no


mundo humano ou dos lobos que ficaram lá, tivemos algumas passagens por
ela. Esse foi um presente que minha filha me trouxe em uma ida à Inglaterra,
quando o príncipe Kalyan nasceu há mais de duzentos anos.

— É tão estranho isso de tempo.

— Sim, é, mas já nos acostumamos.

— Príncipe Kalyan é o Erick, correto?

— Sim. Kalyan Ragnar Nordur. Foi a última vez que alguém de Kimera
colocou os pés na Terra. Depois Átika o levou embora e lacrou a passagem.

— E somente depois quando Kira chegou que ele se abriu novamente.

— Sim.

— Deve ter sido horrível.


— Foi uma tortura para nós.

— Sinto muito.

— Está no passado agora, devo me regozijar por ter meu filho de volta,
uma adorável cunhada e minha preciosa Safira. Foram muitos presentes que
fez apagar tanta dor.

— Safira é uma lobinha preciosa, coisa mais linda desse mundo.

— Sim, ela é, especial e mágica.

— Ela faz o mobile rodar, é uma bruxinha — disse rindo e Vanora riu
orgulhosa.

— Isso me deixa tão feliz.

— Que bom que não sofre mais pelo passado, é uma esperança que
podemos deixar tudo para trás. Espero que um dia eu consiga chegar a isso.

— Você vai, tenho fé em você. Algumas coisas, nós podemos deixar e


esquecer; outras, enterramos; e outras, tentamos ser evoluídas o bastante para
não pensar em vingança. Estará curada quando suas lembranças, mesmo
estando ali, não te farão sofrer.

— A senhora pensa em vingança?

— Penso na justiça. Um dia, encontrarei Átika e ela responderá pelo que


fez. A justiça não falhará comigo.

Justiça, Clere queria justiça para os desafortunados. Ou vingança? Não


sabia direito onde uma começava e outra terminava. Bebeu um gole do chá e
ficou pensativa.

Olhou para a rainha e a achou linda demais, usava um vestido rosa com
lilás que arrastava no chão com camadas de tecidos muito finas e delicadas, o
busto era ornado com pedras e bordados e ela não usava a coroa na cabeça, e
seu cabelo estava solto e caía até a cintura. Parecia estar à vontade, sem
cerimônias.

Clere reparou que havia uma larga mecha branca na frente, que parecia
que não existia antes.

Não quis perguntar, pois pensou que a ofenderia.

— Não me ofende.

— Oh, parece que aqui todos leem minha mente com mais facilidade.

Vanora riu.

— Pode ser, pois está mais aberta e receptiva aqui, Clere, e estou contente
que esteja. Nem sabe como alivia meu coração. Esta mecha eu ganhei por
ajudar alguém muito cara para nós. Um sacrifício para afastar a dor de
alguém.

— Sinto muito.

— Não sinta, pois eu não sinto.

Clere bebeu do chá e sorriu observando um pergaminho aberto sobre a


mesa.

— O que é isso?

— Calendário para medir o tempo.

— É estranho. Deve ser da sua época?

— Sim. O tempo era regido pela lua, que era amplamente estudada e
respeitada, o calendário foi suprimido pelo calendário romano. Chamavam
calendário lunar. Há alguns deles diferentes dependendo da região.
— Oh, esses romanos estão começando a me irritar. — Vanora riu. —
Como era? Não entendo essa língua, deve ser a celta, gaulesa?

— Sim, minha língua natal. Os nomes dos meses eram nomes de árvores.

— Que legal!

— Sim, as árvores contêm grande poder, por isso os celtas a amavam


tanto. Dávamos muita atenção aos períodos e tínhamos muitas festividades
para as datas comemorativas e da natureza. A maioria não são mais
festejadas. Uns que ainda temos conhecimento destacam alguns eventos
mensais na Terra como o Samonios, assim o chamávamos naquela época;
outros celtas, como os galeses, chamavam de Samhain. Eram três dias
principais do mês que levava o mesmo nome, o Trinouxtes Samoni.

— Conheço como o Samhain.

— Sim, muito forte ainda na Irlanda, onde era sua casa. Sabe, tínhamos o
mês negro, e não sei se foi consciência ou não, ele realmente se tornou negro,
o tempo em que aquele mago transformou Kayli naquela besta e tempo
depois quando eu perdi meu filho.

— Lamento muito. O que mais era diferente de hoje?

— Hum... Nós tínhamos somente duas estações no ano, verão e inverno,


não quatro como usam hoje. Eram o Samom, que vocês conhecem como
verão; e o Giamon, que conhecem como o inverno. Tínhamos quatro
festivais, o Samhain, Oimelc, o Bealtaine e o Lughasadh. Os solstícios e os
equinócios existiam, mas não os comemorávamos com festividades como os
neopagãos fazem hoje. Tínhamos o Candlemas, Lammas e Halloweén.

— É tão fascinante e todos estes livros... os estudiosos e historiadores


ficariam louquinhos aqui nessa sala.

— É por isso que eles nunca entrarão nessa sala.

Clere a olhou e respirou fundo.


— Sim, eu entendo. As mulheres eram respeitadas por serem bruxas
naquela época?

— Sim, ser uma bruxa, uma druida ou uma Senhora das Castas, como eu
sou, tinha muita importância. Nossas palavras eram respeitadas, nosso
conhecimento era admirado. As pessoas buscavam os curandeiros para sanar
suas doenças porque acreditavam no seu poder de cura. Não nos temiam nem
ridicularizavam.

— Acho que os homens nunca entenderam as mulheres.

Vanora sorriu.

— Muito difícil, mas acho que eles fazem muito esforço para não fazê-lo,
hoje o ego de um homem tem que sobrepor a todos, e não admitem ver uma
mulher superior a um homem ou ser poderosa — Ela baixou a voz,
sussurrando: — Mas somos.

Clere sorriu.

— As mulheres têm um poder extraordinário para se conectar com o


universo, captar as energias que a natureza exala. Ela as ama e respeita, por
isso são mais sensíveis aos poderes mágicos. São ligadas à lua com quatro
fases num mês. São poderosas, fortes, donas de uma delicadeza e de uma
destreza inigualável, são sensíveis e inteligentes. Os homens são ligados ao
sol, que faz seu ciclo em um ano, então...

— Eles são lentos.

Vanora riu.

— Somos seres místicos e difíceis de entender. Imagina como desvendar


como é uma loba.

— Muito complexo.
— Sim, nós sentimos a magia, nós somos a pura magia do divino —
Vanora disse e sorriu. — Com o passar dos anos, eles nos queriam submissas
a eles, com medo, mas não somos nada disso. Bruxas não são más e lamento
que nos viram assim durante séculos e séculos, mas o que mais os assustava
era que nós vemos o que os outros não veem.

— Mas há magia ruim?

— A magia é uma ferramenta. A maldade está em quem a usa e como a


usa. Há feitiços que não podem ser manipulados porque são poderosos
demais. Há um equilíbrio no universo, precisamos respeitá-lo. Se você quebra
as regras há consequências. Somos divinas como bruxas.

— Assim como os lobos?

— Sim... os humanos são na maioria fracos e corrompíveis, mas os


lobos... mesmo sendo homens, eles são diferentes, trazem um senso de justiça
e honra excepcional. E nos valorizam e respeitam muito. Kayli sempre foi
assim, eu tinha orgulho dele, então acredito que muitas características dele
misturaram com os lobos e eles se tornaram assim, maravilhosos. Foi uma
das minhas maiores criações. Infelizmente, por muito tempo, os lobos e as
bruxas estiveram em lados opostos. Fico feliz que agora possamos tentar
mudar esse quadro.

— Pena que os humanos criam um inferno para nós, podiam ser bons,
mas tem tantos ruins, tanto homens quanto mulheres. Tinha mulheres nos
laboratórios e elas não se importavam conosco.

— Eu lamento, isso foi horrível pelo que você passou e estarei aqui
sempre para ajudar.

Clere ficou olhando para ela como se quisesse perguntar algo, como se
quisesse dizer algo muito importante, mas a mensagem não chegava, não
esclarecia na sua mente.

— Você está bem?


— Sim... estou. Obrigada por me ajudar. Estou contente de ter saído
daquele inferno.

Vanora respirou fundo e assentiu.

— Vocês acreditam no inferno?

Vanora sorriu.

— Não acreditamos em inferno e diabos, exatamente. Isso foi inventado


depois de nós para infligir medo. Acredito que as pessoas criam o próprio
inferno.

— Outras são jogadas nele.

— Sim, mas podem sair. Chagas podem ser curadas.

Clere respirou fundo e colocou a xícara sobre a mesa.

— O príncipe parece... ter a intenção de me salvar da minha escuridão.


Não entendo suas intenções.

Vanora a observou e pensou em contar algumas coisas, mas sabia que não
era hora.

— Nunca terá um amigo tão fiel e protetor quanto Aaron. Ele é um


pacifista, carrega uma luz interior muito forte. Mesmo sendo um guerreiro
que banhou de sangue sua espada, nos milênios passados, ele nunca a
levantou injustamente. Ele tem muito amor em seu coração. É um estudioso e
explorador. Sempre estará ao seu lado para protegê-la.

— Não entendo o porquê.

— Um dia entenderá. Agora saiba que poderá confiar nele.

Clere sorriu pela descrição que ela deu, gostou daquilo.


— O que é aquilo?

— Um portal.

— Oh, por onde podem passar?

— Sim, se eu o deixar aberto. Também serve para ver coisas.

— Coisas?

— Há duas maneiras que podemos ver a Terra daqui: uma, é através do


portal; outra, é pelas águas.

Clere se dirigiu até a parede. Havia uma espécie de fumaça que dançava
pela parede, mas não parecia poder passar ou ver nada, dos dois lados
escorria um filete de água que parecia conter pontinhos azuis brilhantes nela.

— Por muitas vezes, ele somente observou; outras, ele se embrenhou no


meio deles, indo de país em país, olhando os rostos das pessoas que passavam
na rua, principalmente das mulheres, buscando alguma conexão, o rosto dela.
Olhava e aprendia com as atitudes e conhecimentos, como a tecnologia ia dia
após dia se desenvolvendo. Via as atitudes boas e ruins. Via o sofrimento e as
alegrias do mundo. Conquistas e guerras. Aprendeu e estudou de tudo um
pouco. Havia regras para a nossa sobrevivência, viveríamos no nosso mundo,
sem interferência no mundo humano. Os lobos que aqui ficaram tomariam
seu próprio rumo. Mas Aaron teve dificuldade de cumprir as regras.

— Por quê?

— Porque ele buscava algo muito precioso para ele. Ele ficava horas no
portal observando, buscando qualquer pista que pudesse obter. Algumas
vezes interferimos, e resgatamos lobos e até alguns humanos. Uns nos
chamaram, acreditando na nossa sobrevivência. Outros resolveram nos
ignorar passando a informação de que os reis haviam desaparecido
completamente, mortos há dois mil anos.

— Quem ele buscava?


— Sua companheira. Sua vida foi uma eterna busca por ela. Aaron sofreu
demais.

Isso chocou Clere, que perdeu a fala por um momento. Porém, mordeu a
língua porque queria perguntar, o fato de saber que ele procurava uma
companheira mexeu com sua cabeça.

— Quanto tempo ele procurou?

— Um milênio, viu muitas coisas, menos a sua companheira de alma.


Mas, então, aconteceu e a desgraça se abateu sobre ele novamente e acreditou
no Oráculo novamente e esperou e chegamos ao hoje. E assim, se passaram
mais mil anos.

— Não entendo, ele encontrou sua companheira de alma?

— Ele a encontrou.

Clere piscou aturdida, boquiaberta, e seu coração bateu descompassado.

— Mas... se ele a encontrou, onde ela está?

Vanora respirou fundo e pensou por um segundo se dizia ou não.

— Ele a perdeu e ainda hoje espera a oportunidade de estar com ela e


reivindicá-la.

— Perdeu?

— Sim, eles se perderam no tempo e entre os mundos. Eu pensei que ele


não se recuperaria de mais uma dor dessa magnitude, até que o Oráculo
reavivou suas esperanças.

— O que o Oráculo disse?

— Deixarei que ele lhe conte se for de seu desejo. Já disse demais. Mas
oro todos os dias para que ele finalmente encontre sua paz e seja feliz.
Clere não sabia por que o assunto a incomodou tanto, pior que, quando
ele mencionou, ela espremeu as mãos e olhou para a rainha que a observava.

— Eu lamento...

— Deve vigiar suas ações agora. Seja corajosa, forte e mantenha sua
mente clara, pois, quando a água está turva e poluída, quando há uma camada
de sujeira sobre a água, é impossível ver sua pureza.

— O que quer dizer?

— Você precisa sair desse lamaçal que está presa e, quando vir a luz que
está na sua frente, a escuridão vai sumir. Não será fácil, mas você consegue.
Vai ter que olhar para seus tormentos e dar as costas para eles.

Clere ficou comovida com seus conselhos, respirou fundo e assentiu.

— Eu vou tentar.

— Devo ir e ver se os preparativos para as nossas celebrações estão indo


bem.

— Eu vou voltar ao jardim, gostaria de andar mais no bosque, tudo bem?

— Fique à vontade, se precisar de algo, pode vir a mim ou pedir às lobas.

— Obrigada.

Clere fez uma reverência e foi sair do salão.

— Clere?

— Sim, Majestade?
— Uma coisa que eu aprendi é que o amor de companheiros de alma é o
mais forte que jamais existiu, mas é preciso calma e muita sabedoria. Quando
o coração e a mente estão em tempestade, a única coisa que vemos é o vento
forte, as nuvens negras, os trovões. Quando encontramos a calma e a
sabedoria, sabemos que as tempestades passam e depois vem a brisa fresca e
o sol. Você não conhece o amor, mas vai conhecer. Não conhece a calma,
mas precisa encontrar. Quando descobrir quem você quer ser, vai encontrar
força para lutar. No momento só posso dizer que vai encontrar suas respostas
ao lado de Aaron. Não tenha medo.

Clere estava chocada, mas não conseguiu dizer nada, então Vanora saiu e
ela ficou ali, atordoada.
Os preparativos correram por todo o dia e ao entardecer muitas fogueiras
estavam acesas com os espetos cravados em um animal, que era assado sobre
elas. As pessoas estavam por todos os lados rindo, dançando, brincando e
bebendo vinho, cerveja e hidromel.

O calor do verão dava um ar agradável e energia para a festividade que,


na antiga Irlanda, se comemorava na primavera, mas, como Vanora tinha
explicado, Kimera assim como os antigos celtas, tinham somente duas
estações: o verão e o inverno.

Havia uma fogueira baixa, estreita e comprida que chamou sua atenção.

— Por que aquela fogueira é diferente?

— Em Bealtaine, faz parte do ritual pular a fogueira, então, assim mais


lobos podem saltá-la ao mesmo tempo.

— Oh, que interessante.


Yasmin se aproximou, sorrindo, ergueu o vestido e saltou sobre a fogueira
e riu para eles e os cumprimentou se aproximando.

— Sua brincadeira favorita desde pequena.

— Está linda, Clere — elogiou.

— Obrigada pelo vestido.

— De nada, é seu.

— Percebi que as pessoas estão de verde, vermelho e rosa e o meu é


vermelho e o seu verde. Por quê? — indagou Clere.

— São as cores do Bealtaine e cada um também carrega uma pedra, a que


lhe dei é o Quartzo Rosa e a minha é a Tormalina. O Sabbat Bealtaine marca
a união do Deus celta Bell, que era o senhor da vida, da morte e do mundo
dos espíritos com a Deusa Hestia, deusa da sabedoria e da pureza,
representando a fertilidade dos animais e as colheitas do próximo ano, para
que venham sempre em abundância. Em Bealtaine comemoramos a
fertilidade, o amor que dá forças a tudo e o retorno do sol com toda a sua
intensidade. Todos pulam a fogueira para se livrar da má sorte, doenças e
atrair fertilidade.

— Oh sim, me recordei vagamente. As fogueiras são especiais.

— A preparação do fogo é feita pelos machos, desde o corte da lenha e


montagem das fogueiras. Pela tradição, a fogueira deve ser feita com as nove
árvores sagradas: o Freixo, Betula, Teixo, Sorveira, Salgueiro, Pinheiro,
Espinheiro e o Carvalho. É a festa mais alegre dentre todas, pois celebra a
vida em todas as suas manifestações.

Clere sorriu com tantas informações preciosas, gostava das tradições e da


magia. Sorriu mais ao ver os lobos que dançavam ao redor do mastro de
Bealtaine.
— Oh, venham, precisam fazer um pedido! — Yasmin disse animada,
pegou na mão de Clere e a puxou e Aaron as seguiu.

— Pedido?

Yasmin pegou três fitas e deu uma para cada um.

— Vamos, agora você amarra a fita num galho da árvore e faz um pedido
para o povo das Fadas, então pega uma vela e uma fruta e coloca no pé da
árvore, como oferenda para que elas fiquem contentes e realizem seus
pedidos.

Clere animou-se, pegou uma vela e acendeu, pegou uma maçã e colocou
junto às outras e respirou fundo, fez um desejo e amarrou a fita num dos
galhos da árvore que estava encantadora, cheia de lacinhos.

Clere sorriu ao observar Aaron amarrar sua fita. Um guerreiro fazendo


lacinhos numa árvore, foi adorável.

Ficou perguntando-se o que um guerreiro como ele pediria. Seria muito


pedir o mesmo que ela? Tinha pedido o amor verdadeiro, um homem bom
que a amasse e nunca a machucasse. Um companheiro de alma, se é que ela
tinha um.

Aaron pediu que ela o amasse e nunca mais fosse tirada dele.

Os dois ficaram se olhando intensamente e imaginando o que o outro


tinha pedido, e uma conexão absurda tomou conta deles.

Clere sentiu algo percorrer seu corpo e a deixou perturbada. Ela ficou sem
jeito, sorriu e respirou fundo tentando desviar o olhar abrasador dele, sim, ele
a olhava de uma forma que ninguém nunca olhou, era tão intenso que a
deixava tonta.

Uma loba se aproximou, fez uma mesura para os príncipes e entregou


uma guirlanda de flores para Yasmin e outra para Clere.
— O que fazemos com isso?

— Coloca na cabeça.

Contentes colocaram nas suas cabeças e Clere riu.

— Hum... eu vou deixá-los sozinhos para que se divirtam, até mais —


Yasmin disse sorridente e saiu, percebendo os olhares intensos.

Clere sorriu para ele, que a olhava encantado.

— Ficou muito bonita com a coroa de flores.

— Obrigada, é linda.

— Está contente?

— Sim, estou adorando, tudo é tão lindo aqui e sua festa é maravilhosa.
Seu reino é mágico e me enche de emoção estar aqui.

— Gostaria de ver algo?

— Claro!

Aaron a levou em um campo de flores, que estava somente um pouco


iluminado pelas tochas acesas mais distantes, então ele uivou e uma nuvem
de vagalumes levantou das flores e acenderam suas luzes iluminando o
jardim.

Clere abriu a boca espantada, emocionada, e seus olhos automaticamente


se encheram de lágrimas, pois não se recordava de ver algo mais lindo.

— Oh, que lindo! Eu amei!


Aaron sorriu observando como ela olhava os vagalumes com um lindo
sorriso. Ela se encantava com algo tão normal. “O que tinham feito a ela?”, se
perguntou. Ele respirou fundo.

Daria tudo o que a fizesse sorrir, pois assim, ele afastaria sua tristeza e
estaria mais próximo de recuperar sua loba. E vê-la rir daquela maneira,
realmente enchia seu coração de felicidade e esperança.

Ela foi alegre no meio das flores, abriu os braços e girou rindo dos
vagalumes que voavam ao seu redor e riu mais quando um se sentou em sua
mão e ela o observou.

— É tão bom ser livre, não é, pequena luz? Quando eu era criança, a
gente pegava os vagalumes, colocávamos dentro dos vidros somente para
observá-los, queria descobrir como era possível um animalzinho brilhar dessa
maneira, mas mamãe nos ensinou que não poderíamos ficar com eles presos,
porque animais não podem ficar presos, devem ser livres, então a gente os
pegava, os observava e depois soltávamos. Todos os animais devem ser
livres, inclusive os lobos. Estar em jaulas não é bom.

— Nunca mais estará em uma jaula novamente.

— Promete?

— Prometo.

Ela sorriu, respirou fundo e foi até ele.

— Obrigada pelo presente, eu amei.

Ele sorriu e acariciou sua mandíbula. Ela se espantou, deu um passo atrás
e o olhou com os olhos arregalados.

— Desculpe.

Piscou aturdida porque não esperou aquilo.


— Eu... eu só...

— Não, eu que fui atrevido, perdoe-me.

É que morria por tocá-la, era quase um inferno não tomá-la nos braços,
doía, realmente doía.

— Não precisa pedir perdão, é que eu não estou acostumada com carinho,
mas... gostei.

— Gostou?

— Sim. — Ela tocou sua mandíbula e ficou sem jeito. — Foi doce.

Ele sorriu porque amou o jeitinho dela, meigo, suave, amava as pequenas
coisas. E ele amava a ela.

Aaron engoliu em seco. Como podia amar alguém que mal conhecia?
Afinal, ela não era a mesma mulher, mas amava, sim, amava Clere. Era
estranho, diferente e doloroso. Mesmo sendo parecidíssima com a outra, ela
não era a mesma pessoa. Ele não sabia explicar, aquele negócio de
companheiros de alma realmente lhe dava um nó no cérebro e embaralhava
suas ideias, mas era o que era e ele não tinha como negar e nem queria, seu
tempo de negação já tinha passado há muito tempo.

— Pode fazer de novo.

Aaron piscou aturdido e ela o olhava apreensiva, com um misto de medo.

Suavemente acariciou sua bochecha com o polegar, sua mandíbula. Ela


fechou os olhos e suspirou. Aaron queria abraçá-la, mas já era o suficiente,
por hoje.

Ela abriu os olhos e ficou olhando para ele, tentando entender seus
sentimentos. Tocou a mão dele e Aaron poderia uivar aos céus de felicidade.
Quando ele tomou sua mão, ela não se afastou e ele a levou para comer,
beber e dançar, bater palmas ao embalo da música. Todos estavam contentes
e felizes, rindo e brincando.

Os reis estavam sentados na mesa principal muito animados.

E, apesar de Clere observar que era o centro das atenções dos fuxicos,
ninguém foi rude ou lhe disse algo ofensivo.

Os homens a olhavam com apreciação e as mulheres, algumas com


alegria, outras nem tanto. Podia sentir que queriam elas estar no lugar dela,
com toda a atenção do príncipe, mas ele só tinha olhos para ela.

Ela só não entendeu a reação espantada deles quando o príncipe a levou


para dançar. Todos pareciam muito estupefatos, mas ela estava contente e ria,
e quando ele a olhava com o mais lindo sorriso, rodopiando ao seu redor, ela
somente podia acompanhá-lo, porque ele a contagiava.

Ele estava feliz, e isso a deixava feliz.

Tudo foi maravilhoso e Clere foi dormir naquela noite com alegria e
parecia embalada em uma nuvem de lindos sonhos, e sim, uma coisa que não
conseguiu tirar da sua cabeça foi o lindo príncipe que não saiu de seu lado
nem por um momento. Gentil, lindo e fazia seu coração bater mais forte.

Clere suspirou sonhadora e reforçou seu pedido às fadas para que seu
desejo se realizasse, que um dia ela tivesse seu companheiro de alma como os
outros lobos e pudesse ser amada de verdade.

Mal sabia ela que ele já havia chegado.


Ilha dos Lobos, Grécia.

Aaron colocou uma bolsa de couro sobre a mesa fazendo um grande


barulho.

Erick olhou para a bolsa e para o seu tio com a sobrancelha erguida e
cruzou os braços.

— Posso usar estas moedas aqui na Grécia, ou em outro lugar?

Erick abriu e havia muitas moedas de ouro e sorriu pegando uma.

— Uau, você pelo menos foi meio modesto com um saquinho, diferente
de meu pai que chegou com um baú de moedas — disse rindo.

Aaron franziu o cenho.

— Preciso de um baú de moedas de ouro para bancar algumas viagens e


comida, uma hospedaria?
Erick riu e Noah sentou e cruzou os braços e colocou o tornozelo sobre o
outro joelho e ficou observando a cena com um sorriso. Aquilo era inusitado
e divertido.

— Bem, tio, não pode. Isso seria apenas uma peça rara e valiosa de
museu, nenhum lugar vai aceitar essas moedas.

— Oh, então eu preciso que troque essas moedas para mim, por dinheiro
que usam aqui. Tenho mais ouro se precisar e joias.

— Para que o senhor necessita usar dinheiro? E a propósito, chamamos de


hotel, hospedaria é um nome antigo.

— Entendi.

— Vai viajar por aqui?

— Bem... pensei em conhecer o lugar, este país que estamos, e levar


Clere comigo. Para passarmos um tempo juntos, para que me conheça e
preciso ficar de olho nela. Passear, como ela disse. Ela apreciaria.

— Sim... entendo...

— Ora essa... — Noah disse. — Ester havia me sugerido que o presente


dela fosse uma viagem, em algum lugar por aqui perto, para que ela se
divertisse um pouco, conhecesse um pouco da Grécia ou algum lugar que
quisesse ir. Clere reclamou que está presa aqui e se sente sozinha.

— Bem, isso me parece genial, porque então não juntamos as duas coisas
e o senhor será seu acompanhante nos passeios, afinal ela não poderá fazer
isso sozinha, precisa de um acompanhante — Erick concordou.

— Eu serei o acompanhante.

Noah respirou fundo, levantou-se e encarou Aaron, que nem por um


segundo se sentiu incomodado.
— Aquela garota saiu de um inferno, nem sabemos a profundidade do
buraco que a jogaram. Os cuidados com ela devem ser redobrados agora que
sua cabeça está mais fodida que antes e que cortou o próprio pescoço. Ela é
minha responsabilidade.

— Entendo sua preocupação com ela, alfa Noah, e o considero muito por
isso. Mas, como já disse antes, aquela garota é minha companheira e, de
agora em diante, ela será minha responsabilidade. Eu tomarei conta dela e
darei tudo o que necessita.

Os dois ficaram se encarando e Noah assentiu.

— Minha companheira se preocupa muito com ela. Ester é como uma


galinha que faz dos lobos seus pintos e os coloca debaixo de sua asa,
principalmente as mulheres.

— Sua companheira é fabulosa e agradeço sua preocupação por Clere.

— Ela é e detesto quando chora por causa de Clere.

— Acredite, nenhum coração chora mais do que o meu.

— Vou confiar no seu bom senso e seu coração nobre. Machuque-a e


arrancarei sua cabeça, mesmo sendo um príncipe.

Aaron assentiu e olhou para Erick, que passou a mãos pelos cabelos e
respirou fundo.

— A festa é amanhã, então receberá o presente e o senhor poderá pedir a


ela se aceita a sua companhia.

— Ela aceitará.

— Bom. Conseguirei seu dinheiro, mas aqui usamos um cartão de crédito.

— Cartão de crédito?
— Sim, uma única tarjetinha plástica que pagará qualquer coisa com ela
onde quer que vá.

— Essa coisa vale por dinheiro? Várias vezes? — perguntou confuso.

— Sim. Pedirei a Harley que lhe consiga uma identidade falsa,


passaporte, cartão de crédito, abrirei uma conta no banco e tudo mais, mas
isso pode levar alguns dias.

— Obrigado, ficarei muito grato e quando tiver tudo isso partiremos.

— Bem, tio, bem-vindo ao século XXI.

— Que os deuses me ajudem.

Erick riu.

— Quem diria que o senhor iria encontrar sua companheira na minha


alcateia.

— Quem diria, realmente. Os deuses são meio estranhos, não são?

— Definitivamente.
Ilha dos Lobos, Grécia.

Aaron não entendeu exatamente qual era o propósito de ninguém aparecer


quando Clere entrou no salão de festas do Clube de Recreação da alcateia de
Noah, e enquanto ela dançava com Nico Papolus, o beta de Alamus.

E quando viu que havia uma dança especial com o beta de Alamus, ele
não conseguiu segurar um rosnado de frustração, pois queria ele lhe dar esses
momentos memoráveis e não outro macho e, por mais que Erick tivesse lhe
explicado, ainda estava cheio de ciúmes.

Harley queria lhe compensar e pedir desculpas por algo, mas ele não tinha
entendido realmente o que era, pois o macho era acasalado e sua
companheira, uma loba realmente impressionante, estava junto e estava
prenhe, então não era um galanteio ou um pretendente que poderia ver como
um risco.
Achou aquela dança que chamavam de valsa muito perto um do outro, o
que lhe incomodou, mas respeitou, pois não quis tirar seus momentos, e
observou tudo quase como um mero espectador no canto do salão.

Ela estava contente e emocionada e percebeu que tudo isso era muito
importante para ela, então se conteve até que pudesse se aproximar. Estava
afoito demais para ficar pisando em ovos.

— Aaron, querido, é só uma dança — Vanora disse com um doce sorriso


e olhos brilhantes quando o viu tão frustrado.

— Eu sei.

— Então deveria parar de rosnar e espiar.

Yasmin riu.

— Ele está com ciúmes, mamãe.

— Não estou, não. Só não gosto que o beta de Alamus tenha tido essa
ideia e eu não.

— Como eu disse, ciúmes.

Aaron rosnou novamente.

— Ele é seu amigo e foi muito gentil em pensar em dar uma festa para o
seu aniversário, já que isso lhe foi privado por muitos anos.

Aaron rosnou e Kayli o pegou pelos ombros, o virou para que o olhasse e
ele parasse de olhar para Clere e Harley dançando.

— Ela é preciosa, Aaron — o rei disse.

— Eu também acho.
— Um pouco pequena para uma loba, mas muito graciosa e bonita.

— Foi por causa dos laboratórios, mas ela é perfeita.

— Sei que é.

— Eu que deveria estar lá dançando com ela.

— Quando tiver a oportunidade é só ir lá e convidá-la para dançar.

— Eu não sei dançar essa coisa moderna.

— Isso é uma valsa, tio, mas não precisa dançar uma valsa, apenas a
pegue nos braços e deixe que ela te veja, te sinta, somente se embale.

— Vocês poderiam parar de me rodear, como se fossem um bando de


pintos, não sou uma galinha.

Kayli riu debochado e Vanora sorriu lindamente.

— Ah, estamos apenas te distraindo um pouquinho.

— Dando uma mãozinha.

— Sou um macho de muitos anos de idade e não um adolescente, que não


sabe lidar com uma fêmea.

— Mas ela é muito jovem e somente necessita ser cortejada como uma
princesa merece.

Aaron bufou e soltou um rosnado.

— Não precisava ter me lembrado de nossa diferença de idade.

— O senhor é que disse.


— Yasmin, por que não vai lá conversar com seu novo amigo humano?
Lembra-se de que você é dois mil anos mais velha que ele?

Yasmin olhou para trás e viu Alexander na sua cadeira de rodas, junto
com os alfas de Alamus, e olhou de volta para Aaron fazendo um beicinho.

— Eu vi.

— Pelos deuses, mais essa agora — Kayli rosnou baixinho e Vanora riu.

— Isso não importa, Aaron, idade não importa, o importante é que o


tempo já passou, se encontraram e terão a oportunidade de ter uma vida
juntos. Você ainda tem muito que viver, ao lado dela. E Yasmin terá sua
própria história para desenrolar com seu companheiro e meu senhor, Kayli, se
ficar rosnando por causa de um e depois do outro vai me deixar com
problemas no ouvido.

Ela riu quando ele rosnou novamente.

Clere estava sorridente e eufórica, com o coração disparado depois de


tantas homenagens, da dança especial que Harley lhe presenteou e como quis
ajudá-la, que realmente não conseguiu manter nenhuma mágoa dele ou de sua
companheira.

Realmente desejava que fossem felizes e estava contente que ele tinha
salvado sua semideusa, não que aquilo de semideusa tivesse entrado na sua
cabeça, porque não tinha.

Tantas novidades que tinham chegado ao seu conhecimento depois que


foi liberta dos laboratórios, companheiros de alma, deuses, fadas, que era de
fritar os miolos.

E quanto ao presente do Petrus e Harley? Quase tinha morrido de


felicidade. Uma moto, eles lhe deram uma moto e estava tão feliz, que não
conseguia parar de sorrir, e depois os alfas lhe presentearam com uma
viagem. Era estupendo, tantas pessoas reunidas por ela, que ficou tonta.
Depois de cantarem os parabéns batendo palmas e cortarem um enorme
bolo, feito com muito amor por Dada, e distribuindo para todos, Clere foi até
a mesa de comidas e bebidas, bebeu uma Coca-Cola gelada, pegou um doce e
mordeu e, então, viu Aaron a observando e não conseguia tirar os olhos dele
ou piscar.

Ele estava usando uma calça marrom e botas e uma túnica azul-escura
com a gola bordada em fios de ouro, um cinto na cintura e um cordão largo
de ouro. Uma roupa distinta de um príncipe, estava escorado na porta do
terraço com os braços cruzados e a olhava.

Estava escorado mais para o lado de fora, então deu um passo adentro,
abaixou um pouco a cabeça quando passou pelo batente da porta, porque era
mais alto que ela.

Seus cabelos estavam mais curtos até os ombros, pois havia cortado e
pareciam mais bonitos e brilhantes e suas mechas loiras estavam mais
ressaltadas, assim como os fios prateados nas têmporas. Havia aparado um
pouco a barba também.

Divino, pecaminoso, e quando a viu que o olhava também sorriu


facilmente, com prazer, com expectativa, com carinho, o que a fez sentir um
rebuliço em seu coração.

Ele ainda estava ali por ela, não ia embora, ele tinha se mantido afastado e
ela ficou em dúvida se devia se aproximar, e com toda a agitação ela o tinha
visto, mas não se aproximou.

Mas sabia que ele gostava de sua companhia e ela gostava da dele, porque
era fácil, bom e tranquilizante. Quando ele estava perto havia algo palpitando
em seu coração e ficou mais do que contente que ele estava ali naquele dia
tão especial em que lhe presenteavam com uma linda festa.

Mas havia algo mais sobre ele. Uma atração que parecia quase perigosa.
Sentia que havia algo familiar e seu estômago ficava cheio de borboletas
voando, pelo menos era a sensação que sentia, como um frio no estômago,
suas mãos tremiam e, não conseguia parar de observá-lo e não gostava
quando o perdia de vista. Bonito, bonito demais para sua sanidade mental.

Mas ficou pensativa se ele era já bonito assim antes de ser lobo. Era um
homem a ser reparado, um que deveria ter o toque que seria prazer puro. Um
homem que desejou, mesmo sem entender como era realmente desejar um
homem. Havia amado quando ele lhe tocou a mão e o rosto, quando acariciou
e lavou seus cabelos. Queria descobrir mais.

E o jeito que a olhava, com aquele olhar quente, sem piscar, que dizia mil
coisas e a desconcertava, com desejo, mas era agradável, porque ele mantinha
o controle. Podia senti-lo lutando por isso. Senti-lo se esforçando por isso.

A intenção de se aproximar era clara em seu jeito de olhar e ficar de


braços cruzados parecia uma tentativa de não tocar.

Clere piscou aturdida com tantas informações aparecendo na sua cabeça


que ficou em dúvida se era ela que estava pensando nessas coisas ou ela
estava captando essas intenções e palavras dele ou outra pessoa, porque
parecia que tinha vozes dentro da sua cabeça.

Ela olhou rapidamente ao redor para ver se entendia o que estava


acontecendo, mas todo mundo estava entretido em outra direção,
conversando, comendo ou dançando.

Clere coçou o ouvido, porque o som alto e tantas pessoas falando ao


mesmo tempo faziam seus ouvidos doerem, mas estava feliz demais para se
incomodar com aquilo.

Se virou para ele novamente pensando se deveria ir falar com ele, pois
não queria ser inconveniente, mas ao olhar para ele novamente sentiu outro
baque e seu corpo ficou tenso, quando ele descruzou os braços e veio em sua
direção. Ela enfiou o resto de doce na boca para ver se a glicose a fazia se
centrar.

O jeito predador dele de andar, senhor, deixou-a deveras nervosa e


excitada.
Aaron chegou à sua frente e sorriu.

— Boa noite, pequena — disse com o sotaque carregado, que só o


deixava mais sexy, e fez uma reverência.

Ele fez o que sempre fazia, ofereceu a mão esperando que ela lhe desse
livremente e ela fez, encaixou sua mão na dele e ele beijou o dorso.

Senhor, sim, ele era saído de um livro de contos de fadas, com seu reino e
tudo.

— Boa noite, Alteza — disse fazendo uma mesura e sem saber como
reagir naturalmente.

— Parabéns pelo seu aniversário.

— Obrigada, fico contente que tenha vindo e eu... eu fiquei muito


surpresa por essa festa.

— Bonita festa. Está linda com esse vestido.

— Obrigada.

— Eu lhe trouxe um presente.

— Presente?

Ele colocou a mão em um pequeno bolsinho em sua túnica e tirou uma


pulseira de ouro com pequenas pedrinhas verdes.

Ela abriu a boca de espanto e o olhou.

— Oh, meu Deus, é tão linda! Isso é de verdade?

— Acha que lhe daria uma joia falsa? — perguntou aturdido e ela riu.
— Claro que não, mas pensei que seria uma bijuteria, isso é muito caro,
por que me dá algo tão caro?

Aaron respirou fundo e sorriu.

— Porque você merece.

Clere estava chocada e sorriu emocionada para ele e olhou a pulseira com
tanto amor, prazer e encanto, que Aaron ficou feliz.

— Isso são esmeraldas de verdade?

— Sim. Permita-me.

Ele colocou a pulseira no seu pulso e então passou o dedo num vergão e
ela puxou a mão.

— Desculpe — ele disse e ela ficou sem jeito.

— Passei maquiagem, mas de perto dá para ver — sussurrou


envergonhada. — É dos grilhões de ferro.

Ele quis rosnar e matar alguém. Então, carinhosamente pegou seu pulso,
se abaixou e lentamente beijou as cicatrizes, depois pegou sua outra mão e
fez o mesmo e a olhou, e Clere quase chorou.

— Suas cicatrizes são minhas.

Olhou-a tão de perto e colocou as mãos para trás das costas, porque
queria tocar mais nela, era quase impossível se controlar.

Então ele sorriu olhando sua roupa bonita, seus olhos maquiados e seus
cabelos.

O vestido verde-esmeralda ficou lindo nela, nunca tinha visto tal


maquiagem nos rostos, mas sabia que era uma coisa moderna.
O cabelo preto curto dava ao seu rosto lindo e delicado uma aparência
selvagem, e as mechas vermelhas realmente eram bonitas. O cabelo era bem
curto com a franja longa até a mandíbula e as cores mescladas como o fogo
lhe dava um ar exótico e quente. E aqueles olhos, ele realmente amava seus
olhos e amava mais quando estavam pousados sobre ele, como os raios de
sol, aquecendo-o.

Olhos tão ardentes. Olhos que quase o hipnotizaram.

Clere ficou desconcertada como a olhava daquele jeito, se ela não fosse
muito, muito cuidadosa, ele acabaria possuindo sua alma. E isso era bom?
Não sabia ainda. Ela tinha o pressentimento de que Aaron poderia ser um
pouco devastador, ou muito.

— Seu cabelo está diferente de ontem, quando a trouxe.

— Eu... sempre mudo a cor deles.

— Por quê?

— Porque eu gosto, nem sempre pude cuidar deles, na verdade eu gostava


dos meus cabelos compridos, mas nos laboratórios eles sempre o cortavam
quando crescia, eles cresciam muito rápido. E... eu não gostava de quando...

— Quando o quê?

Ela ficou olhando para ele como se tivesse esquecido o que ia dizer. Que
os guardas a machucavam agarrando seus cabelos.

— Hum... — Ela engoliu em seco, como se sua cabeça doesse. — Eu


escolho meu cabelo agora.

— Entendo e acho que é bom fazer isso, se te agrada.

— Acha?
— Sim, deve fazer tudo o que te agrada. Eu gosto assim e gostei da outra
cor também.

— Tem algum que gosta mais?

— Bem, em Kimera todas as mulheres possuem cabelos longos.


Dificilmente uma loba tem cabelo curto assim, mas eu gosto dos seus. Fica
linda com cabelo curto como deve ficar com eles compridos.

Clere sorriu e, sem jeito, tocou a ponta dos cabelos.

Um flash rápido passou por sua mente de um homem gritando com ela e
agarrando seus cabelos a dor pareceu picar seu couro cabeludo e ela tocou
sua nuca.

Ela tentou forçar para se lembrar mais, mas ele tocou sua face com as
pontas dos dedos, docemente e isso quebrou totalmente suas lembranças e ela
o olhou aturdida.

Aaron sentia isso sobre ela também, tudo era forte e diferente e tudo os
deixava desconcertados.

— Gostaria de dançar comigo?

— Dançar?

— Sim, bem... não sei dançar essa música que está tocando agora, mas se
me permite, eu gostaria de tentar.

— Hum... é uma música lenta, dança junto.

— Como a que dançou com o outro lobo?

— Mais ou menos, mais devagar, sem... hum... estar com os braços


esticados do lado, pois aquela era uma valsa, essa não.

— Ah, e o que é isso?


— É uma música dos anos 80, do White Snike. Luca a colocou porque
sabe que gosto das músicas dos anos 80 e 90.

— Devo dizer que é bem interessante. Mas não entendo, Yasmin disse
somente se embalar.

Clere riu.

— Acho que é mais ou menos isso, realmente. Posso ensiná-lo, se deseja.

— Sim, eu gostaria.

Então, ele ofereceu a mão e ela sorriu e a tomou, foram para o meio do
salão e eles se embalaram por três músicas seguidas e Luca, que estava dando
um de DJ, pareceu se esmerar de tocar músicas lentas e românticas para
incentivá-los a dançar mais e eles não perceberam nada ao seu redor, porque
ficaram perdidos nos olhares um do outro, mas todos se afastaram, deixando
o centro só para eles, olhando-os com curiosidade.

Com os corpos juntos se embalavam e se olhavam, e não conseguiam


pronunciar as palavras, porque a proximidade era nova, intensa e fazia a
mente girar.

Ele estava com as mãos na sua cintura e Clere com as suas nos ombros
dele.

— Está gostando da dança?

— Sim. Poderia dançar isso para sempre.

Ela sorriu encabulada, deu uma espiada ao redor e percebeu que vários
lobos estavam parados os olhando, o que foi estranho.

De repente, a música se tornou agitada e eles se soltaram e se olhando,


ficaram sem jeito.
— Hum... o senhor poderia me dar licença por um momento?

— Claro.

Ela fez uma reverência e saiu a passos rápidos e foi ao banheiro, se


escorou a pia e molhou a mão colocando na testa, seu corpo parecia tão
quente, como se estivesse dentro de uma estufa.

— Como está quente, credo!

Clere se abanou e com o papel toalha, secou a testa e respirou fundo,


acalmando seu coração descompassado. Estava acometida de sensações
estranhas. Era desconcertante, mas gostava.

Tinha sido estupendo, tudo naquela noite estava estupendo.

Ela saiu do banheiro e foi para a varanda, roubando um fone de ouvidos


da mesa de Luca.

Aaron ficou a observando por um tempo na varanda do clube. Ela tinha se


afastado do salão de festas e estava lá, com aquela coisa na cabeça e olhava o
mar e o céu lindo cheio de estrelas, refrescando-se na brisa fria.

Aaron tomou coragem, se aproximou e se escorou no balaústre e olhou o


mar ao seu lado.

Clere o olhou e tirou o fone dos ouvidos.

— O que é isso que tem na cabeça?

— Um fone de ouvidos.

— Para que serve?

— Ouço música com ele, amo música. Uso para outra coisa também, na
verdade.
— Que coisa?

Ela pensou um pouco.

— Meus ouvidos são muito sensíveis, mais do que os lobos normais e me


doem quando tem muito barulho, então eu uso o fone e coloco música.
Prefiro que doa com música, mas, às vezes, uso ele desligado, só para abafar
os sons. Gosto do barulho do mar e da sensação de areia debaixo dos meus
pés. Às vezes, ouço o barulho da chuva, tem bastante vídeos desses no
YouTube.

— Deve ser bom, realmente. A praia é bonita.

— Nunca vi nada tão bonito como esta ilha, mas o verde daqui é diferente
da Irlanda, o bosque lá era mágico e eu sempre esperava para ver se
conseguia ver as fadas. Eu e Rania costumávamos ir ao círculo das fadas nos
esconder atrás dos arbustos e ficávamos quietas, esperando para ver se
alguma fada aparecia.

— E você não gosta mais da companhia da sua amiga Rania?

— Eu não a vi mais depois que fomos capturados. Soube que ela foi
morta. Ela amava as fadas. Talvez uma fada veio e a salvou dos homens
maus. Aliás, quase não há crianças, moças da minha idade na verdade, na
ilha. Havia muitas crianças de minha idade quando fomos capturados.
Desapareceram todas.

Aaron respirou fundo, fechando os olhos por um momento.

— Sinto muito.

— Espero que ela tenha morrido logo.

— Por quê?
— Porque assim ela não sofreu. Não foi torturada e não teria sua cabeça
estragada como eu tenho agora. Tenho certeza de que uma fada a levou e está
feliz.

— Você também pode ser feliz.

— Não sei o nome de felicidade, quer dizer, conheço o nome, mas não sei
o que é ser feliz. Acredito que a última vez que fui feliz foi quando era uma
menina, antes de tudo. Mas... hoje estou feliz, porque amei a surpresa. É só o
que posso me lembrar, e os momentos com o senhor em Kimera.

— Se você deixar podemos descobrir, juntos.

— Também não a conhece?

— Há muito não conheço.

— Sabe... Nós podemos fazer uma lista de coisas que podem trazer
felicidade e então vamos fazendo e experimentando, o que acha?

Ele a olhou com os olhos brilhantes e sorriu.

— Eu acho uma boa ideia.

Clere sorriu lindamente.

— Então, Clere, aproveitando esse nosso acordo, tenho uma proposta para
você.

— Proposta?

Ela se virou para Aaron, o olhando curiosa. E ele parecia mais bonito à
luz do luar, deixava-a sem fôlego.

Quando ele dava aquele pequeno sorriso no canto da boca, tudo parecia
mais encantado e ela paralisou quando ele se aproximou.
Ele segurou seu rosto entre as mãos e acariciou suas bochechas
levemente.

— O... o que está fazendo, Alteza?

— Aaron.

— Aaron.

— Este é seu primeiro baile, sua primeira dança que eu gostaria de ter te
proporcionado.

Clere parou de respirar, o olhou com os olhos arregalados e não


conseguiu se mover, o primeiro impulso que teve foi se afastar, mas seus pés
não a obedeceram, as palavras se perderam e se perdeu no verde de seus
olhos.

— Por quê?

— Gostaria que se lembrasse... — sussurrou nostálgico, quase


dolorosamente.

— Lembrar-me do quê?

Ele queria dizer, mas não podia, não já.

— Nada... não importa.

Ele queria beijá-la estava morrendo.

— Que... proposta tem?

— Eu gostaria de te pedir algo, pequena.

Pequena, ela gostava quando a chamava assim, era tão carinhoso e com
seu sotaque era perfeito. Amava seu inglês com sotaque de um dialeto antigo.
— O que é?

Ele respirou fundo e tirou as mãos, tinha que se controlar.

— Você pensou em alguém para acompanhá-la na viagem que ganhou de


presente?

Ela suspirou desalentada e se afastou. Olhou-o, tentando raciocinar.

— O quê?

— A viagem que os alfas te deram, eu... bem, eu pensei... Se você


gostaria, aceitaria que eu fosse seu acompanhante?

— Meu acompanhante?

— Sim, lembra quando você falou da lista de felicidade e agora falou que
podíamos fazer coisas?

— Sim.

— Bem, talvez fosse um bom momento de colocarmos em prática. Juntos.

Ela piscou e, então, quando se deu conta do que ele estava pedindo,
realmente não conseguiu deixar de sorrir e suas bochechas ficaram
vermelhas. Jesus, tudo nela ficou quente e foi uma sensação nova, porque não
conhecia.

— Você gostaria?

— Sim. Mas um príncipe não tem mais o que fazer do que passear?

Ele riu e ela amou sua risada.


— Eu não reconheço o mundo que vivemos agora. Seria uma espécie de
exploração e conhecimento. E, no mais, no momento você é minha
prioridade.

Ela travou a respiração.

— Sou?

— Sim.

— Isso me deixa lisonjeada.

— Então, seria uma aventura, eu e você descobrindo o mundo dos


humanos e, assim, acredito que sua mãe e os alfas ficariam tranquilos, pois eu
te protegerei.

— O senhor me protegerá?

Solenemente, ele colocou a mão sobre o coração e a olhou nos olhos e


disse com todo seu coração, para que ela acreditasse e entendesse, e ele o
faria, pois não era em vão nem palavras jogadas ao vento.

— Com minha vida.

Clere não conseguia falar, respirar e engoliu em seco.

Senhor, ele queria viajar com ela? Protegê-la? Ela não estava
entendendo por que ele fazia todas aquelas coisas por ela. Ela iria viajar e
conhecer lugares? Era muita informação bombástica e inesperada.

— E, querida, tudo o que você quiser, eu estou aqui para fornecer, Clere,
o que mantiver você segura, feliz e perto de mim, eu estou aqui para te dar.
Apenas me diga o que quer e concederei.

— Eu... fico tão feliz com isso, pois é tão especial e com o coração, me
sinto segura com o senhor... Parece que nada de mal vai me acontecer. Que
ninguém vai me machucar de novo.
— Não vai. Juro-lhe isso. Então... você aceita?

Ela engoliu em seco e se sentiu muito feliz.

— Sim, príncipe, eu gostaria.

— Quando vai me chamar de Aaron, deixar de fazer reverência, me


chamar de príncipe ou senhor?

Ela riu lindamente, porque estava encantada e uma força nova surgiu
dentro dela. Uma esperança de que as coisas poderiam ser bonitas.

— Bem... eu acho que depois que me conceder mais uma dança.

Ele riu novamente, tão contente, que podia uivar.

— Não ficou decepcionada com minha dança horrível da primeira vez?

— Não, eu fiquei honrada e amei sua dança horrível.

Ele sorriu, estendeu sua mão e ela a olhou e lentamente colocou a sua na
dele, sentindo lentamente o calor que a acalmava e a agitava ao mesmo tempo
tomar conta dela, e assim fazia o mesmo com ele, ao sentir sua mão suave e
pequena dentro da dele.

E assim, eles seguiram para o salão novamente.

Quando a festa acabou e todos voltaram para suas casas, Aaron não queria
partir e não queria deixá-la na ilha, queria levá-la de volta para Kimera, mas
deixou que sua mãe a tivesse por um momento. Estava preocupada e feliz de
tê-la, como podia negar isso a ela?

Perturbado, voltou para casa. Fechou a porta e ficou parado no quarto


escuro que mantinha somente algumas velas acesas.

Aaron olhou para o teto e respirou fundo e colocou a mão sobre o


coração, pois doía e batia descompassado.
Foi difícil deixá-la na ilha e voltar, mas as coisas seriam assim, um passo
de cada vez. Ele já a tinha em sua companhia e em sua alma. Então devia
mantê-la dali para mais perto.

E ele sorriu, embriagado ainda com o toque de sua pele, com o seu
perfume delicioso e viciante.

Sua dança tinha sido um desastre em questão de elegância, mas


maravilhoso em questão de proximidade. E quando ela ria para ele, seu
mundo se iluminava, completamente.

Tudo tinha valido a pena e se algum arrependimento em sua vida tinha


tomado conta de seus pensamentos, estava perdido e esquecido.

Uma lição que seu pai havia ensinado.

“Nunca subestime o tempo, ele sempre mostra a solução dos problemas,


na hora certa. Mantenha sua mente clara e atenta.”

— Ei, você aí em cima, em algum lugar. Perdoe-me pelas vezes que te


amaldiçoei pela minha longa espera e meu desalento. Mas agora, eu te
agradeço. Ela é preciosa. Por favor, me dê forças para ajudá-la a ser feliz
novamente. Permita-me que eu possa protegê-la e deixá-la segura. Ser-lhe-ei
eternamente grato. Obrigado.

Ele fechou os olhos e respirou profundamente novamente. E por um lado


seu coração abrandou pela euforia e o repentino dever de proteção que o
consumia.

Mas ele soube que agora era a sua vez. Não seria fácil, mas estava forte
para fazer tudo o que fosse possível e até o impossível.

Finalmente ele tinha sua companheira.


Kimera, 800 d.C.

Aaron saiu do salão onde estava o portal. Ele não havia a encontrado, mas
podia sentir que ela estava se aproximando, mas se deu conta de algo. Tinha
coisas a resolver sobre si mesmo. Sua companheira não poderia chegar
quando ele ainda não tinha fechado aquela porta maldita da sua vida.

Respirou fundo e foi até as masmorras.

Aaron atravessou o corredor das celas das masmorras e parou na frente de


uma delas.

Seu olhar era frio e sem muitas emoções.

O lobo que cuidava das celas abriu-a e Aaron entrou e parou na porta. Ele
olhou para Audrea, que estava sentada em uma cadeira entrelaçando algumas
tiras de palha, havia somente duas velas acesas nos candelabros que
iluminavam a cela. Seu cabelo estava solto e longo até a cintura, usava um
vestido marrom surrado.
Não havia nenhum traço da esnobe e bela rainha do passado, que gostava
se ostentar suas joias e seu poder.

Ela tinha livros e pergaminhos com tinteiro e pena sobre a mesa, um prato
de comida e havia uma cama com cobertas quentes.

Ao longo dos anos, a cada vez, ele tinha lhe aberto a misericórdia para um
rogo, um pequeno alento na sua prisão, mas ele nunca tinha a perdoado a
ponto de libertá-la.

O peso do passado agora era uma grande cicatriz em seu coração.

— Que honra eu tenho para receber o príncipe de Kimera na minha


humilde cela — ela disse sem se virar.

— Não posso dizer o mesmo.

— Veio me matar dessa vez?

— Se eu quisesse matá-la, já teria feito há muito tempo.

— Não veio para isso?

— Não.

— Já não paguei pelos meus pecados?

— Não sei se algum dia pagará, mas vim libertá-la.

Audrea parou a trança e se levantou, o olhando espantada.

— O quê?

— Viverá numa cabana na floresta.

— Por quê?
— Porque não quero mais esse ódio em meu coração, agora tenho algo
mais importante para tratar.

— Perdoou-me?

— Já não sinto mais nada em relação a você. Quanto à sua vida daqui por
diante, é seu assunto.

— Como vou viver sozinha?

— Oh, que triste que não terá criadas para cozinhar seu alimento. Poderá
aprender algo por si mesma. O conhecimento engrandece a alma, Audrea, se
é que ainda tem uma. Ruri, leve a senhora até a sua cabana. Dê-lhe alguma
roupa, mantimentos e sementes, até que aprenda a plantar sua própria
comida. Somente o necessário.

— Sim, beta.

Aaron se virou e foi sair, mas parou na porta da cela e a olhou seriamente.

— Kayli anulou nosso casamento, não somos mais marido e mulher. Está
por si mesma.

Ele saiu da cela.

— Aaron, não pode me deixar sozinha na floresta! — ela gritou.

— Descobrirá que estar na floresta é uma dádiva. Quem sabe se


transforma, corre e caça sua própria comida, assim aprenderá alguma coisa,
uma redenção talvez. Talvez até ame sua loba.

— Bastardo! Transformou-me em loba para isso?

— Tenha uma boa vida, mulher.

— Aaron! Aaron, não pode me deixar sozinha! Volte aqui!


— Foi como me deixou...

Aaron voltou à sua busca e no ano de 1.110 d.C. ele encontrou sua
companheira de alma.

Atenas, Grécia.

Aaron e Clere entraram na casa de Kira em Atenas e, quando ela deixou a


mala e abriu as portas de vidro que davam para a praia, abriu um sorriso
gigantesco.

— É aqui que vamos ficar? — ele perguntou a seguindo.

— Sim, Kira me emprestou a casa, achei que aqui seria mais libertador do
que a casa do alfa, que fica aqui do lado.

— Parece aconchegante.

Clere se virou e o olhou.


— Bem, está limpa, é bonita e aconchegante sim, por isso quis ficar aqui,
olhe essa vista, teremos nossa própria praia!

— Sim, é realmente muito bonito aqui.

— Não há luxo, mas você disse que queria ser apenas Aaron aqui, então
acha que pode não gostar? Quer dizer, é um príncipe acostumado ao luxo.

Ah, se ela soubesse...

— Está perfeito para mim.

Ela riu encantada e correu até a praia chutando as sapatilhas longe e


remexeu os dedos na areia.

— Erick trouxe minha moto e um carro para que possamos usar. Eles
colocaram uma tevê nova, pois disse que a que tinha era antiga.

— Não sei manusear essas coisas.

— Eu sei.

— Oh sim, você sempre me pareceu muito inteligente.

Ela riu foi até ele, o puxou e o fez sentar numa cadeira de vime branca
que fazia jogo com uma mesa, que tinha na varanda. Ajoelhou-se e pegou seu
pé.

— O que está fazendo?

— Tirando suas botas.

— Por quê?

— Coloque os pés na areia, molhe os pés na água, se liberte!


Ele riu de sua euforia. Ela jogou suas botas longe, saiu correndo e saltitou
na água.

— Está contente, pequena?

— Estou! Está contente também?

— Estando com você aqui, está perfeito.

Aaron respirou fundo.

— Bem, vamos lá, Aaron, coragem.

Ele foi andando até a areia e parou na beira da água, era límpida e mansa,
sem ondas, de um azul que se encontrava com o céu e era realmente uma
beleza. Arfou quando recebeu uma jorrada de água na cara e ele piscou
aturdido e olhou para Clere, que ria.

Ele rosnou e quando viu que ela estava se divertindo, rosnou de novo,
mais alto e jogou água nela. Clere riu alto e gritou quando ele saiu correndo
saltitando na água para pegá-la, a alcançou e a derrubou na água e os dois
travaram uma luta jogando água um no outro, rindo e brincando, até se
cansarem.

Então ficaram estirados na água, e Aaron quase uivou quando ela


permitiu que ele a segurasse em seus braços, embalando-a na água. Ele a
apoiou nos braços e a deixou boiando, com os olhos fechados sentindo aquele
momento como se fosse pura magia.

Ela suspirou e ficou o olhando.

— Molhei sua roupa bonita.

— Não faz mal, fazia tempo que não fazia uma extravagância.

— Acredito que, como príncipe e beta, necessite estar sempre sério,


cumprindo suas obrigações.
— Assim é.

— Está livre aqui para fazer o que quiser. Essa casa será nosso porto
seguro, onde voltaremos de nossas aventuras.

Ele sorriu.

— Ok, concordo com isso.

— Acho que precisamos comprar roupas novas para você. Não pode sair
por aí usando uma túnica de antes de Cristo.

— Sim, acho que minhas roupas de Kimera não são bem-vindas aqui.

Ela riu.

— Acho que não. Precisamos ir ao supermercado também. Erick ia


abastecer a cozinha, mas eu quis fazer isso, nunca fui a um supermercado,
quer dizer, fui ao mercadinho da ilha, mas não é a mesma coisa.

— O que é um supermercado?

— Onde compramos comida, tudo que necessitamos para a cozinha, a


toalete e coisas de casa tem ali, carnes de todos os tipos, bebidas e tudo mais.

— Tudo num lugar só?

— Sim! Não é genial?

— Oh. E quem fará a comida?

Ela riu e ele sorriu.

— Nós. — Ela riu mais com a cara de espanto que ele fez. — Quer fugir?
É tarde para isso.
Ele rosnou e negou.

— Bem, faremos o que for necessário, nunca pensei que comprar comida
era uma aventura e nem fazê-la.

— Bem, saco vazio não fica em pé, precisamos comer.

Ele riu.

— Ok.

— Não se preocupe, eu sei cozinhar, Dada e minha mãe me ensinaram,


não sei muito, mas é o suficiente. Também ajudei Annelise algumas vezes no
restaurante quando tinha muita comida para fazer, então fui aprendendo.

— Eu só sei assar carne.

— Está ótimo. Oh, e aqui podemos pedir comida, por delivery, na ilha não
podíamos pedir, então aqui podemos. Será divertido.

— Acredito que aqui não podemos caçar.

— Definitivamente não — disse rindo.

— Vamos tomar um banho e ir às compras?

— Sim.

Ela soltou um gritinho quando ele a surpreendeu, levantou-a nos braços e


saiu da água. Espantada, ela se agarrou em seu pescoço e com o coração
descompassado ficou olhando para ele.

Ele entrou na casa e a explorando, encontrou a suíte do quarto, entrou e a


colocou dentro da banheira.
Quando ele olhou a torneira da banheira foi abrir e se abaixou então ao
mesmo tempo ela ligou o chuveiro e a água caiu em sua cabeça, ele se
assustou e saltou para trás e ela riu.

— Desculpe-me, foi sem querer.

Ele olhou o chuveiro e colocou a mão debaixo da água.

— Interessante.

— Isso é um chuveiro.

— Hum... entendo. Eu a deixarei só para que se banhe.

Queria banhá-la, mas conteve-se.

— Tem outro chuveiro no outro quarto.

Ele assentiu, rosnou, virou e saiu com os punhos cerrados.

Clere sorriu, tirou a roupa e se banhou.

Estava animada e anotou mentalmente que aquele era um dia feliz.


Aaron sentiu o coração na boca quando foram de carro até o centro.

Ela tinha dito que era o mesmo que andar numa carruagem sem cavalos e
ele tinha desejado que fosse mais simples, mas ela parecia dominar bem a
geringonça com rodas.

Eles causaram um furor na loja de roupas masculinas, as atendentes


estavam eufóricas para vestir a montanha maravilhosa.

Até então, Aaron não tinha óculos para esconder seus olhos, como Clere
estava usando, então, isso somente ajudou a causar maior impacto.

O que foi um sofrimento foi encontrar roupas que servisse nele pelo seu
tamanho. Puderam contar com um pequeno milagre.

E, pela primeira vez, Clere se incomodou pela atenção que todas as


mulheres davam para ele. Ela pegou um bocado de roupas e foi até o
provador e bateu na porta onde ele estava.

O cubículo realmente irritou Aaron, mas por ela ele faria qualquer
sacrifício.
Ele abriu a porta nu e ela rosnou, jogou as roupas em cima dele e fechou a
porta, após ouvir um gritinho histérico da mulher que estava perto dela.

Clere olhou para a mulher zangada. A mulher arfou e saiu quase


correndo. Clere teve a impressão de que teria rosnado para ela. Azar o dela.

— Quando vestir as roupas pode sair aqui, por favor, Aaron?

— Por quê?

— Para eu vê-lo, saber como ficou.

— Dará sua aprovação?

— Claro.

— Obrigado.

Clere se sentou na poltrona e foi servida de um café e, quando Aaron saiu


do provador e foi até ela, quase derrubou a xícara e olhou para as duas
atendentes, que suspiraram.

Ele estava com uma calça jeans e uma camisa de seda preta, um blazer
preto e óculos escuros.

— Jesus...

A calça jeans ficou estupenda nele, suas pernas longas e musculosas


fizeram sua boca salivar.

— Tem certeza de que preciso vestir todas para você olhar?

— Acredito que tudo ficará perfeito em você, mas precisamos provar para
que não levemos algo feio ou que não sirva. Foi difícil conseguir essas roupas
desse tamanho. Se não fosse tão demorado pediria por encomenda.
Ele suspirou e ela riu, porque soube que homens não apreciavam tal coisa
como as mulheres.

Ele fez um desfile e escolheram um bocado de roupas. E Clere finalmente


lhe mostrou como usar o cartão de crédito que Erick tinha lhe arrumado,
certamente aquelas roupas tinham custado alguns sacos de moedas.

Colocaram as diversas sacolas no carro e partiram para uma loja


feminina, e obviamente que também causaram uma comoção, mas, dessa vez,
foi o inverso, ele ficou sentado no sofá enquanto ela vestia várias roupas e
vinha até ele para mostrar.

A diferença é que ela estava se divertindo, saltitava dentro e fora do


provador, girava e fazia poses, fazia beicinhos e ria.

Aaron não estava nem um pouco interessado nos flertes das moças que os
estavam atendendo, pois ele só tinha olhos apara ela e, apesar das roupas
serem estranhas, eram bonitas. E tudo ficava lindo nela.

Depois ela escolheu mais um monte de coisa que não mostrou para ele.

Com muitas sacolas, saíram e ela olhou no mapa para ver onde tinha o tal
supermercado.

E foi outro encantamento, porque Aaron já tinha visto muitos armazéns


de comida por onde andou, e tinham o mercado ao ar livre, na maioria com
bancadas de madeira, mas nada comparado com aquilo.

Os armazéns eram enormes, as luzes eram brilhantes, estantes e mais


estantes de comidas enlatadas e empacotadas. Câmeras frias onde
armazenavam pedaços de carne.

Ele pegava tudo e olhava com genuína curiosidade e Clere se divertiu


enchendo o carrinho com tudo que via pela frente.

O casal causou outro furor no mercado, mas, por sorte deles, não havia
muitas pessoas.
— O que mais gosta de comer?

— Carne.

Ela riu e pegou muitos pedaços.

— Que pergunta, obviamente gosta de carne, mas você gosta de


macarronada? Arroz temperado? Gosta de purê de batatas?

— Acho que sim.

— Macarronada com almôndegas?

— Não sei o que é uma almôndega, mas deve ser gostoso.

— Bolo de carne?

— Bom.

— Ok, vamos pegar algumas. Frutas, verduras.

Ele pegou um pêssego e cheirou.

— Gosta de pêssegos? — ela perguntou sorridente.

— Sim, são saborosos.

— Ótimo, então pegaremos pêssegos.

— Qual sua fruta favorita?

— Gosto de uvas e morangos. Gosto de todas na verdade, figos são


deliciosos. Melancia, maçã.

— Todas, então. — Ele riu.


Eles foram ao corredor das bebidas e ela, com a mão na cintura, olhou a
tudo.

— Vamos pegar algo disso também. Vinhos... hum.... uns espumantes....


hum, umas cervejas.

— O que é isso?

Ela olhou a garrafa que ele segurava.

— Amarula, é um licor de chocolate, nunca tomei, mas se é de chocolate


deve ser gostoso, vamos levar. Ah... e isso me lembra de que precisamos
pegar chocolate.

Eles pegaram um bocado de cada e novamente pagaram com o cartão de


crédito, o que fez Aaron finalmente entender a beleza daquilo.

Voltaram para casa com o carro abarrotado de compras.

E foi simplesmente delicioso estarem juntos na cozinha colocando a carne


para assar, desvendando como funcionava o forno elétrico, a geladeira onde
guardavam quase tudo e gelavam bebida, liam uma embalagem ou outra.

Que novidade estar picando verduras para uma salada e tomando uma
taça de vinho cada um.

E entre o vai e vem havia as pequenas trombadas, o encontro de mãos, a


sintonia de fazer algo junto, os olhares, o sentir o cheiro um do outro, tão
próximo, o provar.

A beleza daquilo para os dois foi inusitado, nunca imaginariam que algo
tão banal seria prazeroso, porque entre tudo estavam ajudando um ao outro,
descobrindo as coisas e conversando.

Aaron jamais pensou na sua vida que faria tais coisas, mas com ela foi
estupendo, aqueceu seu coração de forma absurda, ele estava encantado com
ela, com sua maneira suave e como estar alegre trazia uma aura deliciosa ao
redor dela.

Era inteligente e esperta, e estava contente, parecia que aquilo valia o


mundo todo para ela, era a liberdade de sair, de viver, de fazer as coisas por si
mesma.

Então se era bom para ela, era bom para ele.

Aaron não podia acreditar que a tinha e estava naquela jornada com ela.
Fabuloso.

O mundo de descobertas, tanto do mundo quanto um do outro.

Eles se entendiam, numa harmonia bonita e fácil.

Aaron podia sentir que seu coração estava cheio de amor para dar a ela.

Clere estava encantada, porque ele a acompanhava e não reclamava, era


gentil e generoso e mesmo tendo a posição que tinha, estava ali fazendo
comida com ela.

Ela estava amando sua amizade, sua companhia. E, ainda sem saber, já
estava o amando.
Ela foi à frente do espelho e a fragrância de rosas penetrava em suas
narinas até alcançar o cérebro.

De repente, Aaron começou a sentir uma pressão nas coxas e os caninos


aumentarem de tamanho.

Passou a língua nos caninos e rosnou, cruzou os braços no peito


prendendo suas mãos, e se escorou no batente da porta do banheiro, porque
não sabia o que fazer com elas, sabia, na verdade, queria deslizar suas mãos
sobre ela e sentir a calidez de sua pele, suas deliciosas curvas.

Só de ela se mover já o deixava desfocado e todas aquelas vivências


íntimas estavam o deixando louco.

Era o dia a dia que ele amava, adorava acordar e saber que ela estava por
perto. Segura. Era um sofrimento delicioso. Nunca tinha achado uma mulher
tão linda usando somente um roupão branco.

Ela deu uma leve secada no cabelo e o penteou, então pegou a tesoura.
— Talvez a ideia de cortar seus cabelos não seja muito boa... Gosto dos
seus cabelos como estão.

— Eles crescerão em um mês até minha bunda.

Ele sorriu.

— Isso é verdade. Por que faz isso? Cortes e cores? Sei que gosta, mas há
algo mais.

— Hum... eu acho que estou tentando me achar, criar minha


personalidade. Então, quando eu achar uma que goste mais, o deixarei assim.

— Entendo, em partes.

— Eu sinto que minha identidade está quebrada, então preciso me


descobrir. Gostar de mim.

Ela suspirou e estreitou os olhos quando as frases rudes dos laboratórios


ecoaram na sua cabeça, ela esfregou a testa, como se tentasse tirar aquilo da
sua cabeça.

— Você é uma cadela sem valor, deve ser adestrada como a qualquer
cão, quem sabe assim ganha o direito de comer seu jantar. Talvez lhe
devesse servir isso numa tigela no chão como os cães comem. Se fosse mais
obediente poderia ter regalias, mas não, é só mais uma vira-lata teimosa.
Quem pode gostar de você assim?

Percebendo seu incômodo e captando o que ela estava pensando, Aaron


tocou sua bochecha chamando a atenção para si e ela o olhou.

— Eu gosto de ti.

Ela piscou aturdida olhando para ele através do espelho.


Virou-se e o encarou.

— Gosta?

— Gosto.

Ela engoliu em seco.

— Você não é uma vira-lata sem valor, Clere. É linda, inteligente,


adorável. Merece ser servida com todas as honras, das mais deliciosas
iguarias.

Seus olhos se encheram de lágrimas e sua garganta embargou.

— Você acha?

— Eu não acho, tenho certeza, na verdade. As pessoas deveriam se


ajoelhar diante de ti e te honrar.

Ele se abaixou e bem devagar beijou sua bochecha e ela suspirou.

Como um doce toque podia afastar seus pensamentos ruins e a dor. Ela
sorriu e acariciou sua barba.

— Obrigada. Você é tão gentil comigo.

— Só digo o que sinto.

— Aaron, que tipo de emoção você está sentindo para seus caninos
crescerem o tempo todo?

Ele pensou se diria.

— Desejo, acredito.

— Desejo?
— Sim, eu a desejo muito.

Ela ficou o olhando por um longo momento. Ele sentia desejo e não
avançava querendo que lhe desse sexo, ele era um cavalheiro e se importava
com seus sentimentos. Aquilo mexia com ela e com seu corpo.

Desejo, o que sentia em seu corpo seria desejo? Era estranho, porque
sentia aquelas sensações somente com ele.

Talvez fosse especial ter sexo com ele.

Mas percebeu que ele não estava brincando. Homens de sua espécie eram
muito eróticos, para dizer o mínimo, extremamente quentes. E a partir do
minuto em que o conheceu, sentia o olhar quente sobre ela. E mesmo tendo
pouca idade, era capaz de deixar a paixão de menina aflorar pelo homem
mais velho?

Ele era maduro, forte e exalava sensualidade máscula. E sem contar que
era simplesmente lindo. Ele estava usando um suéter azul em caxemira, que o
deixava elegante e calça jeans que mostravam deliciosamente suas coxas
musculosas. Um guerreiro em roupas de luxo.

Ela percebeu que ele sabia que o estava admirando e uma irresistível
vontade de se aproximar tomou conta dela. Adorava o jeito que ele a olhava e
ele também estava gostando de perceber como ela estava mudando a maneira
de olhá-lo, podia ver no ouro brilhante dos seus olhos que o cativava
instantaneamente, e teve que lutar para desviar o olhar dela.

Ele se aproximou e a beijou suavemente no canto dos seus lábios e ela


fechou os olhos para sentir.

Aaron segurou seu rosto entre as mãos e acariciou suas bochechas com os
polegares e a olhou profundamente.

— Isso mesmo, pequena, eu desejo você e um dia você também vai me


desejar, nosso momento vai chegar.
Então se afastou, olhando-a nos olhos e Clere, aturdida, sem saber o que
fazer ou dizer, se virou para o espelho e pegou a tesoura.

Aaron respirou fundo. Antigamente, as mulheres se ofereciam a ele com


frequência. Também não tinha pudor em tomar as que desejava. Era fácil. Ele
saciava suas necessidades de homem e só, não havia nenhum sentimento
envolvido ou compromisso.

E a fila de pretendentes tentando tirar o príncipe da solidão era grande.

Mas ela não era assim e ele tinha que ter paciência, conquistá-la, fazê-la
se sentir segura com ele, se entregar, então, ele sabia que ela se arriscaria, e
daria a chance de lhe mostrar que poderia amá-la como merecia e ela poderia
retribuir. E ela tinha deixado ele beijar seu rosto sem se afastar. Um grande
passo.

Aaron, estupefato, olhou ela pegar a tesoura e tosquiar o próprio cabelo.


O impressionante é que ela fez aquilo de forma ágil e rápida, então pegou o
secador e secou o cabelo ajeitando com a escova e diante de seus olhos surgiu
outra Clere. Com os cabelos curtos, mas alinhados, do mesmo tamanho dos
dois lados, ficou diferente e linda.

Ele olhou para o pescoço dela e chegou a salivar com o desejo de mordê-
la e reivindicá-la, sentiu uma forte dor na virilha e nos dentes.

— O que acha? — ela perguntou timidamente.

— Ele foi atrás dela e a olhou pelo espelho, e suavemente passou os


dedos em seus cabelos.

Ele mal podia acreditar na diferença.

— Você está linda! — murmurou, rouco.

Ela balançou a cabeça e os cabelos flutuaram junto à linha do queixo.

— Também gostei — admitiu.


— Como sabe cortar o cabelo tão bem? Pareceu uma profissional.

— Internet.

Ele riu e beijou o topo de sua cabeça.

— Linda, linda. O que queria me mostrar?

Ela sorriu e se virou, pegou sua mão e o levou para a cozinha onde a mesa
do café estava os aguardando.

Enquanto comia, ele pegou um livro que estava sobre a mesa.

— O que é isso?

— Um livro de poesias, um dos meus favoritos.

— Hum... O que está escrito aqui? Tem um coração desenhado na página.

Clere sorriu encabulada e pegou o livro.

— É o Poema de Orhan Veli “Oyle Bi Zamanda Gelki”, “Venha em tal


momento”.

— Leia um trechinho para mim.

— Sério?

— Sim.

— Ela respirou fundo e sorriu.

— Venha em tal momento em que desistir não será possível. Quando as


fendas em minhas mãos por tentarem quebrar minhas correntes deveriam
estar começando a se curar. Quando eu tiver tal escuridão em meus olhos,
que pensarão que eu estou cego. Minhas bochechas devem ter secado por
causa das lágrimas cansadas, e meus lábios estarão rachados. Venha em tal
momento que desistir não será possível...

Ela fechou o livro, o olhou e Aaron a olhava com o olhar tão intenso, que
ela teria caído e sorriu sem jeito.

Clere pegou e colocou um papel na frente dele e pegou um pedaço de pão


e rapidamente passou manteiga e mordeu.

— O que é isso? — Aaron perguntou despreocupado.

— Quero ir aí hoje.

Aaron pegou o papel e sorriu um tanto confuso.

— Isso é um balanço?

— Não é um balanço comum, ele está a 40 metros de altura e lá embaixo


estão a água deliciosa do Mediterrâneo.

— E algumas rochas que podem rachar o seu crânio.

Ela riu.

— Ora, prionsa na laochra, vamos. Para um homem que empunha uma


espada e guerreava nos campos de batalha, uma pequena altura não pode te
intimidar.

Ele riu por ela tê-lo chamado de príncipe guerreiro na sua antiga língua.

— Ok, catulus, vamos à sua aventura.

— Sim! E a propósito, não sou uma gatinha — disse de forma manhosa,


virando o rosto para o lado e sorrindo, em referência que a tinha chamado de
catulus.
Ele a olhou de forma arrebatadora e ela quase se arrependeu de provocá-
lo e jogar seu charme.

Sabia que não era muito seguro provocá-lo, mas adorava e seu corpo todo
agitava e esquentava quando ele a olhava daquele jeito, forte, poderoso, sexy
e quente como o inferno. Naquele inferno ela gostaria de se queimar.

Já não estava conseguindo conter que sentia algo por ele. E as coisas na
sua cabeça atrapalhavam muito, mas algo chamava mais forte do que as
advertências ou pesadelos.

Era tipo uma luta confusa entre medo e desejo que ela não sabia lidar.

— Para mim é uma gatinha manhosa que gosta de aventuras e ama um


pratinho de leite. — Ele riu, pois ela estava bebendo um copo de leite. — Por
outro lado, é uma loba forte e feroz que pode esmagar uma rocha.

— Sua visão sobre mim é bem... intensa.

— É como te vejo.

— Gosto de como me vê. Vê até coisas que eu não vejo.

— Precisa se olhar direito, pequena.

— Se for ao balanço prometo realizar algum desejo seu.

Ele rosnou baixo, medido e a deixou louca.

Ela quase mordeu a língua porque como a olhou soube que era algo
depravado e ela pensou que podia fazer algo, realmente. Como poderia? Ela
não dominava seu coração. Afinal, achava que não dominava nada sobre ela,
desde o conhecido ao desconhecido.

— Vou me trocar.

Ele rosnou quando ela passou por ele, porque seu cheiro deixou suas
vistas embaçadas.

— Paciência, Aaron, paciência... — sussurrou e mordeu um enorme


pedaço de pão.

Ao chegarem ao local havia vários turistas ao redor observando quem se


aventurava àquela loucura nos penhascos. Havia loucos para tudo na vida.

Aaron pagou os bilhetes para os dois, mas não estava muito propenso a
subir naquela geringonça.

— Não sei se isso é seguro.

— É sim, senhor, são cabos de aço e vocês usarão esse cinto de escalada
que está conectado a outro cabo de aço, para sua proteção, caso haja algum
acidente — explicou o rapaz.

— Que tipo de acidente?

— Cair do balanço.

— Pelos deuses — ele resmungou e Clere riu.

— Vamos, não seja medroso.

— Não sou medroso.

— Vamos juntos.

— Juntos? Isso aguenta nós dois de uma vez?

— Aguenta um elefante, correto? — Clere perguntou ao homem que


ajudava a colocar as pessoas no balanço, que assentiu, testando se sua corda
de segurança estava bem presa. Clere riu e ficou em pé sobre o balanço. —
Suba aqui comigo.
— Quer fazer isso em pé?

— É mais emocionante.

— Garota, você tem que saber que ser aventureira não é o mesmo que ser
louca.

Ela riu.

— Vamos, você disse que me acompanharia.

— Pensei que era para você ir e eu olhar.

— Ora, guerreiro, vai amarelar agora? Vamos, eu te desafio.

Ele rosnou, assentiu e o homem colocou o cinto nele, depois respirou


fundo, subiu no balanço e ficou em pé na frente dela, um de frente para o
outro, agarrando os cabos laterais.

— Prontos?

— Sim.

O homem deu mais uma checada nos cintos de segurança e os soltou.

— Ahhh! — Clere gritou, rindo, e fechou os olhos fortemente.

— Por Odin! — ele gritou e o balanço os levou alto e voltou.

Duas idas e vindas e ela abriu os olhos e olhava tudo estupefata e não
conseguia parar de rir e gritar, o que fazia ele rir.

— Senta! — ela gritou.


Aaron abaixou e sentou-se no balanço e ela deslizou e não havia como
sentar a não ser sobre suas pernas. Ela não mediu seus atos ou pensou numa
outra solução, escarranchou sobre seu colo e cruzou as pernas ao redor de sua
cintura e ainda ria abertamente.

— Você é loca, mulher, está me deixando louco.

— Você gosta que eu te deixe louco.

— Por Odin, sim! — Os dois riram.

Ele se firmou com a dobra dos braços e passou as mãos detrás das costas
dela e a trouxe, mas perto dele e ficaram se olhando, perdidos naquele vai e
vem, com a adrenalina alta, com o coração batendo forte e descompassado.

Aquilo não foi planejado e aquela posição era do tipo que enlouquecia
qualquer um, ainda mais dois lobos quentes que queriam rolar em uma cama
e ficavam pisando em ovos.

— Me segura?

— Estou segurando.

Ela sorriu, fechou os olhos inclinou a cabeça para trás e foi para trás e
abriu os braços e ele ficou a segurando na parte baixa das costas.

O balanço ia e vinha e o vento fazia seus cabelos voarem livres e ele viu,
aquela pequena e bela loba solta, confiando nele, vivendo aquele momento
louco com o máximo que podia, e assim, arrebatou mais uma parte do
coração dele, de forma absurda. O amor que já habitava o coração de Aaron
somente se alastrou tomando mais espaço e ele amou cada segundo, cada
batida de coração.

Eles estavam escrevendo sua história de maneira inusitada, intensa e por


pior que fosse alguns momentos, os bons eram espetaculares.
Aaron estava deixando de se culpar por tudo e estava pensando que os
dois mil anos de solidão havia valido a pena.

Ela veio para a frente e se agarrou ao seu pescoço e seus rostos estavam
tão pertos, seus lábios estavam quase se tocando, o momento quente estava
ali e ela se moveu mais e sentou sobre sua ereção o fazendo rosnar e seus
olhos cintilaram.

Então, não havia nada mais a fazer a não ser se entregar e ela o abraçou
forte.

E ele foi perfeito, quente, intenso e amoroso. Não havia nada mais
perfeito naquele momento e os dois desejaram que não estivessem ali e sim
numa cama.

O balanço diminuiu seu embalo embriagante e cheio de adrenalina e,


quando quase parou entre as duas muralhas de pedra, eles foram puxados
para cima das rochas novamente e os ajudaram a tirar as cordas e cintos e eles
não conseguiam parar de se olhar, de desejar que algo mais tivesse
acontecido.

Quisera ele que tivesse mágica para poder estalar os dedos e sumirem dali
e caírem em casa, num piscar de olhos.

Mas a mágica do feitiço que possuía, provinda de Vanora, era uma linha
reta, ele poderia sair e voltar de Kimera de apenas um ponto a outro e não
cruzar lugares dentro da Terra.

Então, pacientemente e com uma alegria renovada, eles foram para a praia
de Glyfada e era uma beleza inesquecível.

— Então, ficou satisfeita com sua nova aventura?

— Sim, eu amei e você?

— Foi divertido.
E quente.

— Bom, podemos nos preparar para algo mais então.

Ele gemeu e tremeu e ela riu.

— Tenho até medo do que virá.

— Bom, fizemos uma promessa e agora temos que cumprir.

— E eu não sou de quebrar promessas.

— Bom.

Eles deitaram nas espreguiçadeiras, tomaram um drink e tomaram um


banho de mar. Apesar de ainda não estar tão calor, a água era quente e
deliciosa.

Depois almoçaram num restaurante à beira-mar e foram de uma praia a


outra para conhecer, mais ao fim da tarde foram até as ruinas de Acrópole e o
Partenon, templo dedicado à deusa Atena. Uma deliciosa aventura e
encantamento.

Quando voltaram para casa estavam cansados e felizes, prontos para mais
aventuras.
A dor era excruciante e em seu último suspiro ela o viu, em meio às
chamas, correndo em sua direção.

— Kleiri! — gritou em desespero. — Kleiri!

Rosnados e uivos se seguiram, então a escuridão a consumiu.

Clere arfou, sentou-se na cama, gemendo fortemente, arfando em


desespero, as lágrimas correndo pelo rosto, bateu em seus braços como se
tudo doesse e formigasse e passou as mãos no pescoço que tinha uma
sensação horrível.

Saltou da cama e correu ao banheiro, abriu a torneira pegando água


gelada e molhando os braços, rosto e o colo. Arfando dolorosamente, ela se
olhou no espelho e piscou aturdida olhando sua imagem.

Engoliu em seco, agoniada.


— Mas que merda é essa? Calma, Clere, foi só um sonho idiota, só um
sonho idiota.

Ela gemeu e esfregou os olhos e secou-se com a toalha, ficou ali por um
momento até que todas as sensações dolorosas e o coração dolorido e que
batia descompassado voltasse ao prumo.

Ela ficou se observando no espelho, confusa, era como se seu rosto e


cabelos mudassem, então saiu do seu quarto, entrou no de Aaron e ele não
estava na cama, então sentiu cheiro de café.

Ela chegou à cozinha, estacou quando o viu e o ficou olhando. Ele estava
vestido com uma calça de agasalho preta, uma camiseta branca e descalço,
com os cabelos soltos e despenteados, mas nunca o achou mais divino, sorria
olhando a cafeteira passar o café, como se fosse a coisa mais brilhante que já
viu na vida.

Ele se virou e a olhou com o rosto lindo e perfeito, o sorriso grande e


estava feliz.

De repente, a sensação terrível do sonho que parecia mais real que o


inferno, desapareceu e um sentimento devastador atingiu seu coração.

— Bom dia, minha pequena. Olhe meu grande feito, consegui fazer essa
geringonça que faz café funcionar! Terá seu café esta manhã.

Clere engoliu em seco, correu e se jogou em seus braços, abraçando-o


pela cintura com a face em seu peito e Aaron arfou espantado a olhando sem
entender nada, mas a abraçou de volta.

— Clere, o que houve, está bem?

— Só me abrace por um momento, por favor.

Ele o fez e fechou os olhos e ficaram assim por longos minutos, então ela
se afastou e o olhou e ficaram perdidos por mais um momento. Ele sorriu e
acariciou seu rosto docemente.
— Se eu soubesse que ganharia um abraço caloroso desses por fazer um
café, eu teria feito isso há mais tempo. — Ela riu e foi difícil segurar as
lágrimas. — O que houve?

— Tive um sonho estranho e, de repente, senti muitas saudades suas.


Fiquei com medo de que não estivesse mais aqui.

Aaron ficou desconcertado.

— Um sonho, o que sonhou?

— Uma aldeia ou algo, eu estava presa e com medo... você estava lá,
vindo para mim entre as chamas, havia muito barulho, senti dor e acordei. Foi
doloroso e estranho.

Aaron a olhou aturdido e parou de respirar.

— O quê?

— Horrível, não é? Quem tem um sonho idiota desses?

Ela respirou fundo e o abraçou de novo e ele gemeu e a abraçou


fortemente e a agonia o atingiu.

Abraçou-a o mais forte que pôde e não queria soltá-la nunca mais.

Como poderia explicar a ela que não tinha sido um sonho e sim, eram
suas memórias de um tempo passado que tinham vivido.

Como explicar para a sua cabeça, já confusa, que ele a tinha encontrado e
a perdido, assassinada pela igreja que impunha a mãos de ferro sua religião e
que eles, os pagãos, os lobos, deveriam morrer.

A dor e as lembranças daquela época fatídica quase o fez tombar de


joelhos.

— Está tudo bem, querida, foi só um sonho, isso não faz mais parte de
nossa realidade agora. Você está aqui agora e estou com você, ninguém vai te
ferir ou nos separar.

Clere suspirou em seus braços e, deus, ele amou aquele abraço


desesperado.

Como Vanora tinha mexido com suas memórias talvez a magia tenha
aberto algumas portas do passado que a fizeram relembrar em forma de
sonho. Um terrível pesadelo que ele tinha vivido e a dor que se seguiu depois
quase o destruiu.

Ele pensou que tinha perdido sua companheira de alma para sempre e
estava relegado a viver sozinho para a eternidade, ou o tempo que Kimera lhe
submetesse.

Então os deuses tinham lhe dado mais uma chance e mandado Clere de
volta para ele em outro tempo.

E ele tinha visto-a morrer em seus braços, de novo.

Agora se perguntava quantas vezes teria que ver sua companheira morrer.

Ele respirou fundo, afastou-a e beijou sua testa demoradamente.

— Estamos seguros e juntos agora, querida, que tal bebermos esse café,
hum?

Ela riu e uma lágrima escorreu pela face quando viu que ele também
estava emocionado, com sentimentos que ela nem entendeu, porque estava
sofrendo naquele momento e, ao mesmo tempo, tão feliz de estar com ele
naquele abraço maravilhoso.

— Desculpe.

— Não precisa se desculpar por nada.


Sem querer explorar aquela confusão mental e de seus corações, que, de
repente, atingiu os dois, ela tentou se esquivar de explicações.

— Como conseguiu fazer a cafeteira funcionar? — ela perguntou sorrindo


e secando as lágrimas rapidamente.

— Eu achei o manual e o li. — Ela riu.

— Pensei que não sabia ler grego.

— Tinha uma parte em inglês e, apesar de meu inglês ser mais antigo do
que o que estava escrito ali, eu entendi muitas coisas.

Ela sorriu lindamente e tomou o rosto dele em suas mãos.

— Somente você e um café poderiam fazer eu me esquecer dessa noite


ruim.

— Fico contente que te faça feliz.

— Sim, estou imensamente feliz de estar aqui com você.

Aaron não conseguia respirar.

— Eu também estou muito feliz.

Ele precisava desesperadamente dela, de seu amor e de seu toque, sua


companheira. Não deixaria que o destino a tirasse dele novamente, nunca,
jamais, moveria céu e terra e mataria todos que tentassem.

O bom daquela época atual que estavam é que não queimavam mais
bruxas e nem lobos nas fogueiras, mas, por outro lado, os prendiam em
laboratórios e os abriam com bisturis. O mundo e os pensamentos arcaicos
pareciam que não haviam mudado muito, somente as técnicas de tortura e
morte.

Ele respirou fundo, passou os dedos em sua testa como se quisesse tirar as
coisas ruins. Afastou-se, sorriu e bateu as mãos.

— Podemos comer aquele bolo de chocolate que cheira divinamente, que


você fez ontem, com esse café para o nosso desjejum?

— Sim, seria delicioso, espere... vou fazer também uma coisa que acho
que gostará.

Aaron observava as coisas que Clere estava fazendo. Ele se lembrava de


ter provado o chocolate no século XVIII em uma de suas incursões às terras
da Suíça. Estava ansioso para comer a tal guloseima feita por ela e agora ela
faria mais uma guloseima, lhe parecia.

Clere pegou um liquidificador e colocou na bancada da cozinha.

— O que vai fazer aí nessa geringonça? — perguntou curioso.

— Chama liquidificador e vou fazer uma vitamina.

— Vitamina?

— De fruta, é muito gostosa, você vai gostar. Primeiro, colocamos alguns


morangos, agora um pouco de leite, hum... e um bocadinho de açúcar, então é
só apertar o botão e voilà.

Clere olhou ao redor e pegou a tampa do copo do liquidificador e quando


voltou, Aaron, curioso, apertou o botão sem a tampa. O leite e a fruta voaram
para fora dando um banho nos dois que saltaram assustados, arfando.

Clere saltou e desligou o liquidificador e olhou para Aaron, que estava


com os olhos arregalados com a bebida toda em cima dele.

Passado o primeiro minuto do susto, Clere começou a gargalhar, pois não


sabia se estava assustada, apavorada ou a cara dele era o mais divertido.

— Que inferno é isso? — Aaron rosnou aturdido.


— Tinha que ter tampado com isso primeiro, bobinho. Não pode ligar o
liquidificador sem a tampa.

— Você não mencionou isso, depois do açúcar vinha o botão!

Ela riu mais e se aproximou dele.

— Acho que nossas experiências na cozinha estão um tanto desastradas.

— Devíamos trazer criadas de Kimera para nos fazer comida, já que gosta
de ficar aqui.

— Não, eu quero aprender e viver isso, e faz parte das nossas descobertas,
você prometeu que as faria comigo.

Ele rosnou e ela riu mais e passou a mão no cabelo para tirar o leite,
pegou um pedacinho de morango que estava na sua bochecha e colocou na
boca.

— Isso é bom.

Ele rosnou de novo e deu um passo até colar nela e Clere não se afastou e
ficaram se olhando intensamente.

— Já disse que gosto quando rosna assim? — ela disse num sussurro.

Lá estava o prelúdio de algo grande, o que fez Clere vivenciar a


expectativa. Sim, sua cabeça e seu coração estavam ávidos para as
descobertas.

Ele rosnou de novo e ela riu.

— Posso provar? — ele perguntou sedutoramente.

Ela estacou e viu nos olhos dele que tinha pensamentos depravados.
Debateu-se se dizia sim ou não, sem entender o que implicaria aquilo.
— Pode...

Ele, lentamente se abaixou, chegou próximo de seus lábios e olhou


faminto para eles, então olhou para seus olhos e ela não se moveu. Pensou
que a beijaria.

Ele tocou seus lábios com os seus docemente, um roçar, depositando ali
um suave beijo, quase sem tocar, que quase a fez suspirar, então, devagar,
medindo seu ato e tirando todo o sabor que desejava, ele os lambeu, do
queixo aos lábios, depois lambeu o queixo deslizando pela sua mandíbula até
chegar à orelha. Clere fechou os olhos e parou de respirar.

Aaron lentamente lambeu sua bochecha de forma tão quente e depravada


que a mente de Clere deu uma parada brusca. Quando ele se afastou seus
olhos estavam em chamas e cintilavam, era lindo, parecia que minúsculos
raios verdes mais escuros dançavam e era quase hipnotizante, assim o mesmo
com seu corpo.

Que os deuses tivessem misericórdia dela.

— Deliciosa.

Então se afastou e suspirou deleitando-se com o sabor dela misturado com


a bebida em sua língua. Era um manjar dos deuses.

Sedutoramente, Aaron retirou a camiseta molhada que vestia, passou a


mãos nos cabelos, colocando-os para trás, lutando para não tombá-la no chão
e lambê-la toda, de cima à baixo. Um dia o faria, mas ficou contente que ela
permitiu tal ato.

Clere estava chocada e parecia que havia um rastro de fogo onde ele tinha
lambido. E tinha gostado.

Ela olhou para seu corpo e desviou o olhar. Ele rosnou novamente e ela o
olhou intrigada e quente.

— Você está bem? — ela perguntou.


— Não.

Ela franziu o cenho, preocupada.

— O que há de errado?

— É que não consigo ficar longe, deixar minhas mãos longe de você e
não quero que se espante ou fuja ou se sinta desconfortável.

Ela ficou o olhando seriamente.

— Desculpe.

— Não precisa se desculpar, e entendo que é difícil. Mas tenho observado


como me olha, pequena.

— Eu... bem...

— Sente desejo pelo meu corpo, curiosidade, mas isso causa um


problema na sua cabeça, não é?

— Nunca admirei o corpo de um homem, bem, não assim com tanta


intensidade... nunca senti vontade de tocá-los, porque odiava quando me
tocavam. Mas...

— Mas?

— Olhar para você é diferente, sinto coisas...

Ele engoliu em seco, porque seu coração descontrolou no peito.

— O que sente?

— É que sinto um desconforto o tempo todo e fico confusa como me toca.


Soa meio estranho, mas é que sou estranha e meus sentimentos e sensações
são tão confusas. É isso que acontece?
— Sobre o quê?

— Quando se está apaixonada, não uma paixonite boba e passageira, mas


aquilo que... une as pessoas de verdade?

— Eu não sei, mas com você é muito intenso e não me recordo que já
tenha sentido algo do tipo por ninguém.

— Mas o que sente é bom ou ruim?

— Ruim quando não posso te tocar e maravilhoso quando posso.

Isso emocionou seu coração e Clere engoliu em seco, pois ele a desejava.

— Gosta de mim?

— Gosto, gosto muito, é uma mulher linda.

Ele a achava linda? Nunca ninguém tinha dito que era linda.

— Você gosta do que vê?

— O quê?

— Gosta do meu corpo, Clere?

Se ela gostava? Estava morrendo.

— Você é um homem bonito. Muito bonito.

— Obrigado. Então, me toque.

Clere titubeou e o olhou espantada.

— Tocá-lo?
— Sim, como quiser, no seu tempo, meu corpo é seu para explorar e
perder seu medo, não te tocarei se não deseja, mas se me tocar pode perder
parte de seu medo, porque você domina a situação, entende?

— Sim.

Ele estava morrendo para que ela o tocasse, silenciosamente fez uma
oração aos deuses para que lhe dessem paciência e força para tal tortura, mas
o pensamento dela colocar suas delicadas mãos sobre ele quase turvou sua
mente.

Clere pensou por um momento, sentiu medo, mas seu desejo e vontade de
tocá-lo que a estava atormentando por dias era maior.

Ela o surpreendeu. Ele podia sentir a necessidade dela, cheirá-la e era


como um afrodisíaco. Ele não esperava que ela realmente o tocasse, mas não
havia dúvida de que ela ia fazer exatamente isso.

Lentamente ela levou a mãos no seu peito e Aaron fechou os olhos por
um momento, porque a sensação foi forte, então a olhou e seus olhos
brilhavam de puro deleite.

— Seu coração está batendo rápido — ela sussurrou.

— Por você.

Ela o olhou nos olhos e ficaram assim por um longo momento e ela
deslizou a mãos em seu peito, subiu pelo seu ombro e desceu pelo braço.

Seus músculos fortes eram deliciosos debaixo de seu toque.

Ela deslizou de volta pelo tórax e as pontas dos dedos deslizaram pelos
gomos marcados de sua barriga. Engoliu em seco quando viu que sua calça
de moletom estava volumosa e inchada, ele estava excitado.

Ela o olhou novamente quando seus dedos pairaram na barra da calça.


Aaron rosnou baixo na garganta.

— Tire-a se deseja me tocar aí.

— Não sei se posso.

Aaron respirou fundo e colocou as mãos para trás e cruzou-as.

Clere se emocionou com sua atitude, ele estava querendo que ela perdesse
o medo dos homens, e ela poderia fazer isso?

Sua mão estava tremendo, o coração pulsava loucamente e respirar estava


difícil, mas seu corpo estava quente, sentia sensações estranhas em sua
vagina, quase que a fazia contorcer-se.

— Eu quero me curar — sussurrou para si mesma. — Eu posso.

Ela o olhou e seus olhos marejaram.

— Você pode, querida, estou aqui por você.

Ela assentiu, engoliu em seco e tomou coragem. Lentamente ela desceu


suas calças.

Ela sorriu quando viu que ele usava a cueca boxer que haviam comprado.

— Estou me acostumando.

Ela respirou novamente e devagar baixou a cueca e ele tirou pelos pés
jogando para o lado e ela o olhou de cima abaixo, inteiramente nu e ele era
lindo, inteiro, e realmente fixou seu olhar em seu membro que estava
inchado, excitado e era grande e ela fechou os olhos quando imagens vieram
à mente, então ela olhou para ele, para ter certeza de que era ele.

— Sou eu aqui, nunca te machucarei, pequena.


Ela assentiu e lentamente, tocou em seu membro, sentindo-o quente e
pulsante.

Ele trincou os dentes para se controlar, senhor, ia morrer. Nem em seus


sonhos parecia tão maravilhoso ao senti-la tocando-o e agradeceu.

— Sua pele é tão quente. Como o fogo.

Então ele se surpreendeu quando ela se aproximou e beijou seu peito e


lentamente o lambeu.

— Tem razão, é delicioso.

Ela beijou seu mamilo e sugou-o devagar e ele rosnou. E seu membro
agitou-se em sua mão.

Ele apertou as mãos nas costas que chegaram a doer, porque ao fazer isso
ela envolveu seu pênis em sua mão. Poderia gozar bem ali somente com esses
pequenos toques torturantes.

Clere o estava tocando, livremente, provando-o e era um presente, um


sonho que não queria acordar jamais.

Soltou-o e deu um passo atrás e Aaron quase implorou para que ela
continuasse, não podia se afastar ou perder aquele momento glorioso.

Então ela o surpreendeu, estendeu a mão para que a tomasse e sem


entender ele tomou. Clere o conduziu para o banheiro e ligou o chuveiro.
Colocou sabonete líquido na mão e passou em seu peito e Aaron ficou
estático e impressionado, encantado.

Ela lavou-o lentamente tocando seu corpo com suavidade e carinho, com
curiosidade e encantamento, porque ele percebeu sua comoção ao enfrentar
seus fantasmas, ultrapassar as barreiras de seu horror, estava descobrindo que
podia ser bom e prazeroso.

Não havia nenhuma maldade ali, somente a descoberta e o carinho.


Ele se abaixou pelo seu pescoço, exalando a respiração quente, sem tocá-
la, porque seu cheiro estava o matando. Clere estava excitada e confusa com
seus sentidos porque nunca tinha o sentido. Desejo.

Clere fechou os olhos e sua respiração estava errática, coração acelerado.

— Permite-me fazer o mesmo?

Ela engoliu em seco, e assentiu.

Aaron lentamente tirou o pijama que ela usava, e ao fim ambos estavam
nus no chuveiro. Ele passou o dorso dos dedos em seu colo e deslizou pelo
seu seio.

Ela arfou e prendeu a respiração, e pensou em se afastar, mas seus pés


não permitiram, ela deixou que a tocasse e ele fez, suavemente e foi
maravilhoso.

Em completa sintonia, os dois o fizeram, suaves toques, explorando,


conhecendo e amando o corpo um do outro.

Não era nada depravado ou abrupto, era suave como toques de borboleta e
Clere estava encantada e não sentiu nenhum medo ou repulsa, mas porque era
ele, que de alguma forma tinha esse poder sobre ela. E gostou.

Aaron inalou seu perfume e deslizou a bochecha na sua num carinho de


lobo e então, no minuto seguinte, estavam abraçados debaixo do chuveiro,
numa forma cúmplice e perfeita.

Aquilo era mais prazeroso que o próprio sexo.

Era uma proximidade permitida, que aqueceu o coração dos dois.

Clere gemeu e se contorceu porque estava excitada. Estava tremendo


como uma folha e se afastou. A luz de fogo brilhava em seus olhos. Os olhos
verdes obscurecidos pelo desejo, suas unhas arranhando-as em sua pele
gentilmente.
Rápido como um relâmpago, maravilhosas sensações correram desde o
estômago diretamente para sua vagina e golpearam-na como uma tortura
sensual. Os músculos dela tremeram, desesperados por serem saciados. O
clitóris dela torceu-se, morrendo por um toque.

Os olhares fixos diziam mil palavras.

— Deuses, seu cheiro me deixa louco.

— Também o sinto.

— Posso fazer esse incômodo ir embora.

— Como?

— Posso fazer você ter sua satisfação, se me deixar tocá-la. — Ele


deslizou os dedos em sua barriga até sua pélvis e parou. — Aqui.

Clere ficou o olhando aturdida e queria dizer sim, mas algo a impediu e se
afastou. Nunca teve um orgasmo, nunca conheceu um corpo de homem que
lhe desse prazer, esta viagem mágica pelo qual os homens e mulheres faziam
sexo, esta explosão que se formava e era incômoda desejando mais,
desejando explodir, que a rasgava e enchia de desespero e ansiedade até sua
alma.

Ela não queria sexo, ela queria amor.

— Desculpe, eu não posso. Ainda não. Talvez precise fazer isso consigo.

Clere beijou sua face docemente e saiu do boxe.

Aaron ficou ali aturdido e estático, gemeu de dor e tocou seu membro.

Escorou-se na parede com a outra mão e com dois movimentos


massageando seu membro gozou.

Ele gemeu e rosnou, arfando com a respiração errática, encostou a testa


na parede fria e com os olhos fechados ficou ali, deixando que a água lavasse
tudo aquilo.

Riu, nervoso, porque não sabia se estava feliz, culpado ou mais


apaixonado.

— Ah, minha pequena, nossa viagem está sendo uma grande surpresa.

Seu amor era tão grande no peito que se sentia tonto, mas estava
preparado para aquilo e muito mais, uma grande descoberta que valia sua
vida inteira.

E sua pequena loba em breve seria sua, para sempre. Ela estava o tocando
livremente, curiosa e maravilhosa.

Aaron terminou o banho, se vestiu e foi para a cozinha e Clere havia


limpado a sujeira e parou, o olhando quando o sentiu entrar na cozinha.

Envergonhada, ela sorriu e nenhum dos dois soube o que dizer, ele
deslizou seu olhar carregado de prazer ao vê-la e admirando que estava
usando uma calça jeans justa e uma regata preta, linda.

— Você está bem? — ele perguntou tentando sair da sua nuvem de


prazer.

— Sim, e você?

— Bem.

— Hum... acho que vamos beber um café com o bolo, porque os


morangos já eram.

— Está perfeito, pequena.

— Posso lhe fazer uma pergunta? — ela perguntou meio sem jeito.

— Sim.
— Acha que todo lobo encontra sua companheira de alma?

Aaron se espantou com a pergunta e engoliu em seco.

— Não sei, acredito que sim, já temos visto muito sobre isso.

— Acha que sempre são bons um para o outro? Quer dizer, não os fazem
sofrer?

— Não, podem sofrer por outros motivos, não que se firam um ao outro.

— Mas o amor que nasce entre os companheiros de alma é inevitável?

— Acho que é verdadeiro e inevitável.

— Então, se acha que no seu peito não há nada maior do que sente por
ela, então, eis aí sua companheira verdadeira, acha que pode fazer tudo por
ela?

— Sim.

— E se não for o suficiente?

— Então dará mais — disse a olhando seriamente que a perturbou,


parecia querer lhe dar uma mensagem.

Ela ficou pensativa, respirou fundo, sorriu e arrumou o café que tinha
passado na cafeteira e colocou na mesa, cortou o bolo e sorriu observando o
enorme guerreiro pegar um bocado e virá-lo na boca devagar, olhando o
pedaço no prato com curiosidade.

Então, ele a olhou.

— Isso é muito delicioso! Suas mãos são mágicas.


— Obrigada.

Clere abriu o maior e lindo sorriso e ele pensou que elogiar as pequenas
coisas que ela fazia, faria que lhe brindasse com aquele sorriso maravilhoso e
a deixava contente. Devia fazer sempre isso.

Ela bebeu seu café e ficou pensando sobre companheiros, sobre o que
tinham feito e como tinha sido devastador em seu coração. Como ele
despertava sentimentos nela.

Ela teria um companheiro de alma que a amaria sem ressalvas algum


dia? Que não ficaria envergonhado dela ser pequena e esquisita? Que lhe
desse felicidade?

Suspirou sonhadora. E aquele tinha sido um dia glorioso de sua aventura.

Aquilo não estava na lista de atividades, mas a colocou mentalmente:


morrer no paraíso, anotado.

Com aquela experiência Aaron tinha certeza, ao tocá-la estava em casa,


onde o coração estava. Sua companheira. Sua. Seu presente, sua vida.

Restava-lhe saber se, quando ela acordasse, ele ainda a teria.


Aaron olhou ao redor e para Clere, que sorria para ele com aqueles óculos
ridículos na cara.

— Por que devo usar isso? Se apagar a luz, não verei nada.

— Porque o filme é 3D, precisamos dos óculos para enxergar direito o


filme.

Aaron rosnou e os colocou e as luzes apagaram e ele rosnou novamente.

Clere riu e pegou sua mão.

— Ainda bem que viemos a esta hora, assim a sessão está vazia, porque
se você rosnar desse jeito perto das pessoas elas sairão gritando.

— Que filme veremos?

— Jurassic Park, uma sessão especial.


Ele rosnou novamente e ela riu enchendo a boca de pipoca. E foram duas
horas de filme extremamente interessante.

Quando acabou, Clere ria tanto que sua barriga doía.

— Não sei quem rosnou mais, você ou os dinossauros.

— Isso é muita loucura, como é possível?

— É a magia do cinema, adoro muito. Você não gostou?

Ele rosnou de novo e ela riu novamente.

— Eu gostei, podemos vir mais vezes ao cinema.

Ela riu e beijou sua bochecha, o que o espantou, mas gostou, deveriam
fazer isso mais vezes, porque ela ficava contente, realmente. E o cinema era
realmente uma grande invenção.

— Ok, viremos sempre, eu também amei, mas não pode levantar, sentar e
rosnar quando tiver outras pessoas na sala.

— Ok, eu vou me conter da próxima vez, mas levei muitos sustos.

Ela riu.

— Vamos para casa, temos reservas para o jantar num bom restaurante
essa noite.

— Deuses, me protejam.

— Não se preocupe, é um lugar seguro e não saltará nenhum dinossauro


sobre você.

Ele rosnou novamente.


Aaron estava tentando lidar com a gravata, mas somente fazia virar e
torcer as abas para lá e para cá, sem acertar como fazia o nó. Ele estacou
quando a avistou pelo espelho, atrás dele, parada na porta do quarto.

Lentamente Aaron se virou e ficou paralisado olhando para ela.

Com um vestido preto, justo no corpo, que delineava suas curvas


deliciosas, longo até as coxas e com um decote tomara que caia que envolvia
o contorno de seus seios, com uma pequena faixa de renda. Seu cabelo estava
negro com mechas largas loiras e com a franja caindo do lado do rosto.

Maquiagem suave e bonita. Ela estava bela e maravilhosa. O seu perfume


suave atingiu suas narinas o que o fez gemer naturalmente e seu corpo todo
vibrou. Por ela.

Estaria insanamente louco se aquela tortura continuasse.

Seu coração batia descompassado no peito e só ficou mais louco porque


ela sorriu, docemente, um tanto encabulada, talvez pelo jeito devorador que a
olhava.
Ele amava quando ela fazia aquilo, balançava os ombros suavemente num
sinal claro de inocência que ela fazia sem nem mesmo perceber.

— Está... linda demais.

— Você acha?

— Por Odin... sim.

Ela sorriu mais ainda, então ela andou até ele e foi o caminho curto e mais
sexy dela que ele já tinha visto e Clere não estava fazendo esforço nenhum
para parecer sexy.

— Ainda estou me acostumando com os sapatos de salto alto, é a primeira


vez que uso.

— Linda.

Ele tocou a pulseira que ela estava usando, que tinha lhe dado.

— Hoje posso usá-la, é uma noite especial. As mulheres não usam


esmeraldas ou diamantes para irem ao supermercado.

— Eu percebi. Diferente das outras épocas e em Kimera onde as joias


fazem parte da vestimenta.

Ela assentiu e tocou as lapelas do seu terno.

— Você está muito elegante com esta roupa, fica bem de terno.

— É a primeira vez que visto esse tipo de roupa, confesso que é estranho,
mas no século XIX tinha umas gravatas parecidas com isso. Pelo menos em
dois períodos.

— O que estava procurando?


Ela sabia, pois Vanora tinha mencionado, mas queria ouvir dele.

Aaron não sabia se dizia ou não, já havia lhe dito, mas não acreditou e
depois tinha esquecido junto com suas memórias.

— Minha companheira.

Clere ficou o olhando.

O pensamento lhe trouxe tristeza, mas ela não deixou transparecer, pelo
menos tentou.

— E... a encontrou?

— Sim, mas a perdi. Mas depois continuei a procurá-la.

— Lamento. Você... vai continuar procurando?

— Não.

— Por que não?

— Eu encontrei você.

— Mas... e quando encontrar sua companheira...

Ele a fez parar de falar colocando o dedo indicador nos seus lábios.

— O dia que eu encontrá-la, você vai saber.

— Vai me contar?

— Vou.

— Podemos ficar juntos até lá? Quer dizer... como amigos?


— Sempre. Sempre me terá como amigo, para tudo o que necessitar.

— Não vai mentir para mim?

— Nunca.

E naquele momento Clere não queria que ele encontrasse nenhuma outra
mulher, queria que ele continuasse com ela, olhando-a e a tocando.

Porque ele era o único homem que ela não tinha medo que a tocasse.
Harley já nem fazia mais parte dos seus pensamentos. Era só a lembrança de
um amigo.

Estranho como os sentimentos eram desconexos para ela, mas o que


sentia por ele mexia com sua cabeça, seu coração e sua alma.

E na sua cabeça revirada ela ainda não tinha entendido que o que sentia
por ele era amor, pois ela não conhecia tal sentimento, então não conseguia
identificá-lo para nomeá-lo.

Seu coração doeu por pensar que ele ficaria com outra, mas tentou afastar
a dor.

Sorriu e acariciou a lapela do terno novamente.

— Eu gosto da sua roupa, te deixou bonito.

— Ah... e nos outros dias estou feio?

Ela riu e ele amou, o que o fez sorrir.

— Hum... — Ela tentou desviar seu desejo... o que estava difícil. — Não,
me parece sempre bonito. Ficou lindo com essas roupas modernas. Eu
também gosto de te ver naquelas roupas que usa em Kimera. Parece que faço
parte de um filme antigo.

— Fico contente. — Ele tentou arrumar a gravata, sem sucesso. — Isso é


meio complicado.

— Deixe que eu faço para você.

Ela, lentamente, começou a fazer o nó da sua gravata e ele não piscou ou


desviou o olhar de seu rosto. Amando e admirando cada traço, os cílios
longos e com rímel, as maçãs belas e seu nariz arrebitado, e seus lábios doces
e atrativos com tom suave de rosa. Ele morria pelo dia que poderia beijá-la.

Ele tinha aprendido a ter uma paciência e calmaria incrível. Mas diante
dela ficava ansioso, perdido e exultante, seu coração estava sempre
disparado, seus desejos sempre aflorados e seu membro sempre vivo e
sedento de sexo.

Mas tudo era por ela, nem um segundo lhe passaria desafogar-se com
qualquer mulher que fosse. Agora estando tão próxima, tão bela, seu perfume
era embriagador e ele ficou louco.

Fechou os olhos para respirar profundamente.

Clere era sua vida e ele esperaria o quanto precisasse pelo dia que ela
pediria que a tocasse.

Havia esperado por tantos anos, mas nada se comparava a esta tortura de
não poder tocar, não poder amá-la, não poder dizer as vontades e desejos,
tudo que estava entalado na garganta, uma doce e pecaminosa tortura.

Ela terminou e ele viu o nó perfeito.

— Como aprendeu a fazer nó de gravata?

— Internet.

Ele riu.

— Você usa muito essa coisa.


— Sim, é onde eu posso estudar e aprender, meus momentos de viajar.

— Entendo. Está gostando da viagem e tudo o mais?

— Estou, muito. — Ela pousou as duas mãos em seu peito. — Obrigada


por fazer isso comigo.

— É um prazer. Fazer-te feliz me deixa muito contente.

— Está contente de estar comigo esse tempo?

— Muito. Sabe o que eu gostaria de fazer?

Ela sorriu, encabulada.

— Quer me beijar.

— Como sabe?

— Sou uma loba.

Ele riu, e depois mordeu os lábios. Ele tentava ao máximo impedir que ela
lesse seus pensamentos, pois não queria que ela descobrisse as coisas desse
jeito. Se ela entrasse...

— Desculpe, é que está tão linda que eu realmente não consigo controlar
meus pensamentos.

— Se me beijar, seus lábios ficarão rosa por causa do batom.

Ele riu, arqueando-se para trás e sua gargalhada encheu o quarto. Sentir
alegria era maravilhoso.

— Entendo, e isso não é permitido quando se está pronta para sair.

— Pois é, não pode.


— Posso beijar em outro lugar, então?

Ela paralisou e piscou aturdida.

— Outro lugar? Hum... eu não sei...

Ele sorriu com aquele sorrisinho no canto da boca que a deixava


perturbada e isso causou um frio na barriga, borboletas agitando no estômago
e a respiração travou.

Ela nem conseguiu dizer sim ou não ou se mover, e ele lentamente se


aproximou e, quando ela pensou que beijaria seus lábios, ele beijou no canto
de sua boca, lentamente, com seus lábios quentes e macios.

O contato pareceu que gravou na sua mente e ficaria eternamente, tanto


que a fez fechar os olhos, pois nem conseguia raciocinar, com um simples
toque.

Um beijo com reverência, suavidade, com lábios suaves e quentes, que


despertou muitas sensações e quase a fez chorar.

Um carinho que não somente atingiu sua pele, mas o seu coração. Então,
ele se afastou, lentamente passou a mão em seu pescoço e a fez virar a cabeça
para o lado e ele depositou um beijo em seu pescoço.

Quando ele se afastou, ela gemeu.

Céus, ele gostava de torturá-la e era... maravilhoso.

Queria mais e sua mente ficava confusa. Ela abriu os olhos e o olhou e
seus olhos estavam brilhantes, majestoso.

Aquele homem gigante e milenar era doce e carinhoso, cuidadoso e ela


estava caindo por ele, mais e mais.

E pelos céus ela queria mais dele, tudo dele.


— Vamos, minha rainha... estamos atrasados e vamos perder nossa
reserva.

— Ok.

Ela titubeou porque ele a chamou de sua rainha. Ele possuía um título de
rei e a colocava em seu patamar, o que a deixou confusa e ligeiramente
atordoada.

Mas ela não teve tempo de questionar sobre isso, uma leve brincadeira
devia ter sido.

Ele pegou em sua mão e a puxou para fora do quarto, antes que ele
perdesse a cabeça cheia de desejo descontrolado e a jogasse na cama,
amando-a até perder a sanidade.

O restaurante, no qual tinham feito reservas, era refinado e bonito, todos


os homens estavam de terno e as mulheres bem-vestidas e maquiadas com
joias refinadas. A mesa era impecavelmente arrumada com louça fina.

Clere sorriu quando Aaron puxou sua cadeira para que sentasse e sentou-
se do outro lado.

— É lindo aqui.

— O que gostaria de tomar?

— O que acha de tomarmos champanhe? Acho que a situação exige.

— Sim. Ainda não tomamos o que compramos no mercado.

— O faremos.

O garçom, muito educado, lhes trouxe o cardápio e pediram o champanhe


e a comida.

Clere olhou ao redor para as outras mesas observando as pessoas, e pôde


observar que na mesa ao lado havia uma mulher que estava com outras duas e
olhavam descaradamente para Aaron, com a baba quase escorrendo da boca.

Aquilo não lhe agradou, sentiu ciúmes. O garçom voltou com a garrafa e
serviu as taças e trouxe um prato com refinados canapés, o qual a fez sorrir
com a reação de Aaron.

— Isso é para comer? — Aaron perguntou e ela riu.

— Sim, uma entrada.

— Hum, por que tenho a impressão de que vou ficar com fome?

— Bem, estes restaurantes finos geralmente servem pequenos bocados


nos pratos. Vi na tevê.

— Pelos deuses, devia ter jantado em casa depois vindo.

Ela riu e tapou a boca.

— Acho que devo concordar, mas valerá a experiência, deve ser gostoso.

— Sim... — disse observando um prato na mesa vizinha, onde as pessoas


estavam apreciando suas pequenas porções.

Aaron ergueu a taça e ela fez o mesmo.

— Um brinde a nós.

— A nós e a nossa noite.

— Às vezes, olho para você e me pergunto se você é real — ela disse.

— Sou real.
— Assim com estas roupas parece, mas com as de Kimera realmente não
parece. Os dias que passei em Kimera parecia que estava num filme, numa
festa a fantasia ou algo assim. Foi tão encantador.

— Fico contente que gostou.

— Vai me levar lá mais vezes?

— Sempre que quiser. Como eu disse, pode morar lá se quiser.

— Talvez fosse bom, mas eu acho que tenho que aprender a estar no meio
dos humanos. Um pouquinho de cada seria interessante — disse sorrindo e
ele sorriu também. — Quando estava nas jaulas, eu sonhava, às vezes, como
seria se eu sobrevivesse e o que aconteceria, se eu teria uma família, um
companheiro, se eu voltaria a ter um lar. Amo muito a ilha, mas ainda não é
meu lar.

— Talvez com o tempo seus sentimentos mudem.

— Sim. Talvez, com o tempo tudo se resolva. — Jessy me disse um dia


que preciso criar momentos bons, pois isso faz com que os ruins fiquem mais
para trás.

— É um bom conselho, podemos fazer isso, criaremos muitos momentos


bons.

— Sim e não quero lembrar-me do que esqueci.

— A escolha é sua, fiz porque tentei te ajudar e foi no que pensei, mas se
quiser reverter isso e se lembrar de tudo, pediremos para Vanora.

— Não, não quero.

— Tudo bem, então vamos nos focar só nas coisas boas e aproveitar
nossa viagem e numa nova vida, ok?

— Ok.
— Até agora sua lista foi divertida.

— Pode fazer sua lista para que eu possa fazer com você.

Ele riu.

— Farei.

A moça da mesa ao lado não tirava os olhos de Aaron e cochichava com a


outra mulher, o que estava incomodando Clere. Às vezes, ter o dom de ouvir
de longe enchia o saco.

Aaron olhou para a mulher, que quase o engoliu com os olhos derretendo-
se sobre a mesa. Educadamente, ele acenou um cumprimento com a cabeça,
mas logo olhou para Clere.

— Ela te agrada? — Clere perguntou.

— Sim, ela é agradável de se olhar.

— A achou bonita?

— Sim, ela é bonita.

— Você... gostaria de sair com ela? Deveria sair com ela, se te agrada.

Aaron estreitou os olhos a observando.

— Por que eu deveria sair com ela?

— Bem... ela parece ser fina e rica e é toda bonita com seu salto agulha,
sua maquiagem perfeita e roupa de grife. Ela te olha como se quisesse te
devorar e o jeito que ela joga seus peitos para a frente, que eu acho que são
de silicone, porque vi isso na internet, demonstra que está muito interessada
em você.
— Sua lista de qualidades da moça são bem grandes.

— Sim, só não sei se seria boa de cama, mas eu não entendo muito bem
de nada disso, então, como eu não me encaixo no perfil, não saberia dizer,
mas... ela é do seu perfil, eu acho, não sei se é de linhagem nobre, mas é fina,
deve ser.

— Por que está dizendo isso?

— Porque é o que você olha, não é? Quer dizer, os homens.

Aaron estava chocado.

— Ela tem muitos atributos, sim, que poderiam servir para mim.

— Sim, claro, deve ser mais exigente.

— Deveria.

— Entendo.

— Acha que eu deveria sair com ela? Aceitar que me deitasse em sua
cama, e aceitasse seus beijos e carinhos?

Clere trincou os dentes e seus olhos cintilaram, mas ela engoliu em seco e
tentou se conter, mas sua loba estava dando piruetas raivosas dentro dela.

— Se te agrada...

— Bem, a moça realmente me agrada e sim, eu poderia tomá-la e levá-la


para a minha cama e ter o prazer que eu quisesse durante toda a noite.

— Poderia.

— Você sabe que também está em alta conta, não sabe, Clere?
— Eu? Não estou.

— Por que não?

— Minha mãe disse que um beta não... ela acha que eu não estava à altura
de um beta, imagine de um alfa ou... ou um príncipe, nem sonhar com um rei.

— Clere, você é uma mulher bonita. Certamente você não precisa que eu
lhe diga isso. Já falamos sobre isso.

— Os homens não me achavam bonita.

— Os homens no mundo humano são completamente idiotas!

Ela deu de ombros novamente, sentindo que era uma verdade ou talvez
não, não sabia responder.

— Se elas soubessem quem sou, acha que me quereriam como pensam


agora que me olham?

— Eu não sei, acho que as mulheres cairiam aos seus pés.

— E se elas me quiserem apenas pelo meu dinheiro ou minha linhagem?


Por eu ser um príncipe?

Ele encolhe os ombros.

— Seria normal eu acho, tanto como lobas desejam estar contigo assim
fariam as humanas, é muito bonito e um nobre. Quem não gostaria disso?

— Você gostaria?

Clere o olhou espantada e seu coração disparou.

— Bem, é um bom tipo, um cavalheiro.


“Quente como o inferno”, quase mencionou, mas somente pensou e ele
ouviu mentalmente e sorriu.

— Obrigado.

Eles pediram o prato e comeram.

— Não sabia se sua companheira seria uma loba ou uma humana?

— Não sabia.

— Isso mudaria algo?

— Não. Se fosse humana, eu a transformaria.

Ela sorriu.

— E se ela não quisesse morar em Kimera?

Ele a olhou e suspirou.

— Então moraríamos aqui na Terra.

— Faz diferença na quantidade de anos? Quer dizer, pelo que entendi, em


Kimera se vive muito mais e quando está aqui?

— Não sei, mas talvez a vida aqui seja mais curta. O efeito da magia de
Kimera dura por um tempo enquanto estamos aqui desse lado, se for
permanente creio que podemos voltar a ter uma vida mortal, quer dizer igual
aos lobos daqui.

— Isso te assusta?

— Muitas vezes pensei que estava cansado dessa longa vida.


— Pois estava sozinho, mas se achasse sua companheira pensaria o
mesmo?

Ele a olhou e Clere engoliu em seco, pois o olhar dele ficou quente e
intenso, o que a desnorteou.

— Acho que não, gostaria de estar com ela para a eternidade, nunca
quereria separar ou perdê-la. Não sei ao certo o que preferiria, mas viver mais
dois mil anos ao lado dela, me parece muito bom.

Ela ficou com as bochechas vermelhas e ele sorriu.

— Ela será uma mulher de muita sorte em ter você como companheiro.

— Você acha que ela seria feliz?

— Acho, e até sinto inveja dela.

— Sente?

— Bem... é que eu desejaria ter um companheiro como você.

Aaron poderia ter uma parada cardíaca depois dessa.

Uma emoção quente e forte se abateu em seu coração e seu corpo agitou-
se.

Ele pegou sua mão sobre a mesa.

— Eu me sentiria honrado de ter uma companheira como você. E sabe do


que mais?

— O quê?

— Eu adoraria te mostrar como um homem-lobo de verdade deve amar


uma mulher.
Clere engoliu em seco e pensou que o restaurante girou.

— Isso acontece entre amigos?

Ele deu aquele sorriso no canto na boca.

— Geralmente não. Mas conosco pode acontecer.

— Pode?

— Se você desejar, sim.

— Oh... Eu... vou ao toalete.

Ele assentiu, com um sorriso satisfeito e malandro e comeu um pedaço de


carne. Ela se levantou e foi ao banheiro, olhou-se no espelho e seus olhos
estavam brilhantes de excitação. Graças que estava usando lentes de contato,
senão seus olhos chamariam a atenção de todos, mas ainda estavam muito
brilhantes.

Deus, estava louca! Cutucar aquele homem não era muito sábio, ou era?

— Não sonhe demais, Clere.

E se estivesse enganada e iludida novamente? Por que estava tendo tantos


pensamentos sobre ele?

— Ele é só um amigo, logo ele encontrará sua companheira e irá embora.

Ela respirou fundo, molhou a mão na água fria e colocou na testa, estava
queimando, como sempre, mas sorriu, porque as palavras dele a deixaram
insana, seu coração batia descompassado.

— Coragem, mulher.
Ela saiu do banheiro e parou no corredor quando avistou ao longe a mesa
que Aaron estava e a mulher loira estava em pé ao seu lado um tanto
debruçada sobre ele.

Clere rosnou baixo e pensou que podia arrancar seus cabelos num puxão,
rasgar sua garganta, mastigar e cuspir fora.

Ela seguiu para a mesa, mas a mulher foi para a sua antes que chegasse.

Aaron estava segurando e lendo um cartão e colocou sobre a mesa.

Clere espichou os olhos para o cartão e viu que tinha seu nome e um
número que deveria ser seu telefone, mas não disse nada, mas a mulher
estava com um sorriso idiota e debochado na cara, o que irritou demais Clere.

Eles terminaram a refeição e a mulher continuava olhando, mas Aaron


não olhou nenhuma vez para o lado, somente olhava para ela.

— Vamos?

— Sim.

Aaron levantou e puxou a cadeira para ela se levantar, pegou na sua mão,
entrelaçando os dedos nos dela e pegou o cartão na outra.

Clere gelou porque ele nem disfarçou ou escondeu. Mas para seu espanto
maior, ele foi até a mesa da mulher e colocou o cartão sobre ela.

— Esqueceu isso, moça. Boa noite.

As três mulheres abriram a boca de espanto e Clere sorriu e saíram do


restaurante.

E o ego e coração de Clere foram inflados e ela gostou mais dele.

Quando estavam no carro, ela respirou fundo e o ligou. Clere ainda não
estava acreditando que Erick tinha emprestado o seu Porsche para ela e Aaron
andarem em Atenas, mas como ele ficou muito espremido nele, ela foi até a
casa da marina e tinha trocado, pegando uma Nissan Frontier. Ela não sabia
se tinha um dono específico, mas na casa ficavam todas as chaves e
documentos de todos os carros e motos.

Se alguém se zangasse, ela diria que a culpa era do Aaron, pensou


divertida.

— Gostou do restaurante, Aaron?

— Gostei, mas ainda estou com fome.

Ela riu e, de repente, sua fome também veio com a alegria do


comportamento dele.

Ela procurou um endereço no celular e ligou o GPS.

— Ok, faremos uma parada rápida.

Eles seguiram pelas ruas e entraram num drive-thru do McDonalds e ela


pediu dois Big Macs completos com porção extra de batatas.

Quando chegaram em casa, ela chutou os sapatos longe, pegou os pacotes


e foi para a varanda e tirou tudo sobre a mesa.

Curioso com a comida estranha, ele se sentou.

Clere foi até ele e tirou seus sapatos e meias, depois tirou o paletó e a
gravata.

— Por que sempre faz isso?

— Estamos na praia, liberdade.

Ele sorriu, mordeu o sanduíche e gemeu.


— Isso é bom.

Ela riu e abocanhou o seu.

— Hum... sempre via na televisão e morria para comer, realmente é muito


gostoso.

— Muitas comidas estranhas nesse tempo.

Clere riu e assentiu.

— Às vezes, o mais simples é mais gostoso.

— Devo concordar com isso.

Ela bebeu Coca-Cola e ele fez o mesmo e revirou a bebida gelada na


boca.

— Bom. O que é isso?

— Batata frita, não conhece?

— Conheço batata, mas assim em palitinhos não.

— Meu amigo, ninguém pode ser infeliz com batata frita.

Ele riu, comeu uma e adorou, pegou um punhado e encheu a boca.

Ela riu divertida com o jeito dele.

— São porcarias, minha mãe disse, mas de vez em quando uma porcaria é
um manjar.

Ele sorriu e aquela noite foi perfeita, mais do que perfeita, porque eles se
aproximaram mais e a cada minuto se entrosavam e se encantavam um com o
outro.
— O que faremos amanhã? — ele perguntou com a boca cheia do
sanduíche.

— Vamos para outra cidade. Vamos ampliar nossos horizontes


aventureiros.
Kardamyli, Peloponeso, Grécia.

A viagem de avião de Atenas até Kardamyli foi mais rápida do que


pensaram e tinha sido uma experiência realmente alarmante no início, ambos
voaram de mãos entrelaçadas, por medo, por susto, porque Aaron foi um
tanto reticente em andar em uma lata voadora. Pensou que ele tinha orado aos
deuses para acabar logo, mas, ao fim, o avião não caiu e eles desceram sãos e
salvos, o que havia rendido algumas risadas e foram de táxi ao Vardia Hotel
onde Clere havia feito reservas.

Já havia escurecido, mas o lugar era muito bonito e iluminado, uma


construção em pedras, no alto do morro que tinha uma linda vista para o mar.

O check-in foi rápido e cada um havia ido para seu quarto e, apesar de ser
um do lado do outro, a distância realmente incomodou ambos.

Clere não gostou de ficar só no quarto e depois que arrumou sua bagagem
foi até o dele e bateu na porta.
Rapidamente, Aaron a abriu e lhe brindou com um lindo sorriso.

— Eu incomodo?

— De jeito nenhum, estava mesmo pensando em convidá-la para me fazer


companhia.

Clere entrou no quarto dele e olhou ao redor, era muito parecido com o
dela com o mesmo luxo que ela havia ficado impressionada. Nunca tinha
visto nada parecido e amava.

— Bem, suas acomodações estão satisfatórias?

— Sim, senhor, eu gostei muito, o quarto é muito agradável e perfumado.

— Aaron.

— Aaron... Posso tomar um pouco de água?

— Claro.

Aaron foi ao frigobar, o que ele achou incrível, pegou uma garrafa de
água e serviu em um copo e deu a ela.

Ela riu.

— Do que ri?

— Você é o príncipe e me serve?

Aaron estacou e se deu conta do que fazia, sim ele servia a ela e isso não
incomodou, em nenhum momento.

Sorriu por isso, porque ele estava descobrindo outro Aaron dentro dele.
— Combinamos que não seríamos nobre e plebeu aqui, certo? Somente
duas pessoas em busca de uma aventura.

Extasiada, ela sorriu e assentiu.

— Obrigada, Aaron.

Ela pegou o copo e bebeu.

— Você gostaria de jantar aqui comigo? O homem disse que há jantar.

— Seria bom, obrigada.

— Podemos ir ao restaurante, se desejar.

— Não, está chovendo, estar aqui nesse bonito lugar já é um presente.

— Há um restaurante no hotel.

— Oh... mesmo assim, acho melhor ficar aqui.

— Medo dos humanos?

— Não... é que... bem, isso ainda é novo, é bom, mas vamos com calma.
Por hoje.

Ele sorriu.

— Entendo. Vamos abrir uma garrafa de vinho?

— Sim, por favor, seria delicioso.

Aaron foi até um aparador que continha várias bebidas e pegou um vinho,
abriu e serviu as taças e, enquanto Clere andou pelo quarto o olhando
admirada, era realmente um luxuoso e bonito quarto.
Tudo em cores neutras, com bonitos quadros nas paredes, ela olhava um a
um e foi até uma pequena estante onde havia botões eletrônicos e, curiosa, ela
tocou em um que fez um estalo alto.

Clere se retesou, arfou quando um flash de suas memórias apareceu na


sua frente, e juntamente com o som de um estalo de chicote e com ela a
sensação de dor reverberar em sua carne. Ela derrubou o copo de água que
estava tomando, que estilhaçou no chão.

— Você está bem? — Ele chegou até ela, preocupado.

— Eu... eu nem sempre era uma boa menina...

Ela piscou lentamente ao se lembrar dos seus rompantes de raiva e quanto


seus castigos eram dolorosos.

Havia sido amarrada com os braços esticados, e os grilhões de um


grosso ferro que ela não conseguia arrebentar, estavam presos na parede e
um dos guardas havia açoitado suas costas com um chicote até não haver
pele sã, então ele zombou dela.

— Sabe, Clere, eu sempre quis fazer isso, parece que os choques não te
importam mais, então tive que inventar um novo castigo para ver se para de
matar meus guardas. E como vai se curar dessas feridas, espero que esta
noite lembre-se de que se o fazes de novo a açoitarei na frente e atrás.

Clere engoliu em seco e seus olhos marejaram, porque, por um momento,


pôde se lembrar da dor horrenda que havia passado.

Aaron se aproximou totalmente assombrado e tocou suas costas como se


tocasse as feridas abertas e sangrentas.

Ela saltou e se virou olhando assustada para Aaron, que a olhava com o
olhar assombrado.
— Calma, sou eu, está tudo bem.

Ele lentamente a trouxe para si e a abraçou e lentamente deslizou as mãos


pelas suas costas.

Pior é que ele não somente conseguia ler os pensamentos dela, mas
conseguia ver flashes das imagens contidas em suas memórias. Era uma
espécie de poder que seu lobo tinha, um que desconhecia, mas somente
estava acontecendo com ela.

O que era apavorante e desgraçadamente doloroso.

Mas isso lhe servia de motivação para nunca desistir, se chatear com ela
ou pensar que não era digna dele. Ela era tudo e mais, o que tinha suportado
era terrível e ele tinha medo de saber tudo o que havia na sua cabeça, coisa
que ela não se lembrava.

A fez se aconchegar em seu peito e fechou os olhos para suportar tal


coisa.

— Eu sinto muito, pequena — disse num sussurro, agoniado e sofrido.

— Por quê?

— Eu pude ler seus pensamentos, suas memórias, senti a sua dor.


Imperdoável.

Ela fechou os olhos e respirou fundo, seu abraço foi um acalento.

— Não quero me lembrar dessas coisas.

— Vanora disse que as memórias poderiam voltar esporadicamente.

— Ela pode fazer sumir tudo?

— Sim, mas isso apagaria dez anos de sua vida, seria muito mais confuso.
Ela respirou fundo e o abraçou mais forte.

— Você está certo, não poderei fugir disso.

— Conseguirá superar, só precisa de tempo.

— Tempo... sim, conseguirei com o tempo.

E aquele abraço foi reconfortante, acalmando seus temores, ela respirou


profundamente tentando afastar as lembranças.

Sim, o jeito era conviver e superar, um dia ela conseguiria.

— O vinho vai nos relaxar.

Ele beijou sua testa e foi pegar a taça e ela ligou o aparelho de som que
ficava no painel na parede.

Foi à porta da varanda olhando a chuva cair, o som era magnífico e


fechou os olhos para ouvir as gotas baterem nas árvores e no chão, o mar
estava com poucas ondas, mas somente o seu leve quebrar já emitia seu doce
som.

Aaron chegou ao seu lado e lhe entregou a taça de vinho e ela agradeceu
com um sorriso e bebeu.

— Hum... isso é tão bom.

— Deve estar com fome, vamos pedir o jantar?

— Sim, estou faminta.

— O que gostaria de comer?

— Que tal provarmos o cordeiro grego?


— Parece bom. Qual deles é aqui no cardápio? — disse pegando-o sobre
o balcão e mostrando a ela.

— Tenho que lhe ensinar grego, Aaron.

— Sim — disse rindo.

Ela sorriu e mostrou com o dedo, vendo-o pegar o telefone e ligar para o
restaurante pedindo a refeição e como o achou encantador tentando falar as
palavras difíceis.

Sim, ele era encantador, adorável e um cavalheiro. Somente com o


pensamento, seu coração disparou.

Mas não poderia elevar aqueles pensamentos. Apesar de ele estar naquela
viagem com ela, eram somente amigos. Um príncipe poderoso como ele
jamais se apaixonaria por uma loba insignificante como ela. Apreciaria a
viagem, sua companhia e estava tudo bem, pois logo ele encontraria sua
companheira e esqueceria dela.

Ela bebeu mais do vinho e colocou a taça sobre a mesinha e saiu na


sacada, a chuva caindo sobre si. Fechou os olhos e virou a cabeça para cima e
abriu os braços, recebendo a bênção dos céus, a chuva abençoada que
irrigaria a terra, molharia as plantas e beijaria o mar, ela queria a energia das
nuvens, ela precisava dela. Talvez a água lavasse suas feridas.

Aaron veio até a porta e se espantou com o que via.

Então, ele entendeu algumas coisas. Ela não tinha nada e queria abraçar
tudo.

A liberdade que desfrutava com sede, as sensações novas que almejava e


que lhe davam força e esperança.

Como qualquer gesto de bondade, ela achava precioso e grande, mas


duvidava que merecesse.
Ela tinha a simplicidade e inocência que poucas pessoas conseguiam ter.

Clere era um poço profundo, escuro e desconhecido, mas, no fundo, suas


águas eram puras e cristalinas e ele via isso e amava.

E uma força nova o regia quando estava com ela, ele tinha esse frescor,
essa ânsia de vida, ele queria provar com ela essas sensações, queria viver o
frescor da descoberta.

Ele não pensou ou titubeou, seus pés simplesmente o levaram para a


chuva.

Aaron parou ao lado dela e abriu os braços, olhou para cima e fechou os
olhos, então vivenciou a chuva cálida beijar seu rosto.

Seu coração bateu mais forte, porque já tinha tido todo tipo de chuva
sobre si durante sua vida, mas nada se comparou àquilo.

Ele simplesmente se abriu para recebê-la e amou seu beijo.

Era libertador.

Clere sorriu lentamente quando o sentiu ao seu lado.

Aaron, sem sair de sua posição, tocou a mão dela, acariciou seus dedos
docemente, as mãos molhadas e frias se aqueceram, Clere sentiu seu coração
descompassar com seu toque mágico.

Assim como ele acariciava seus dedos, ela começou a retribuir


timidamente e ele sorriu.

Deuses amados, ele estava louco e encantado e nem ligava se estava


fazendo papel de bobo.

Ousou mais um toque, entrelaçou seus dedos nos dela. Então, ela abaixou
cabeça e o olhou, e ele fez o mesmo, sem soltar as mãos. Puxou-a devagar, a
fazendo andar até ele, até que se encostasse em seu peito, então, sua outra
mão deslizou para as suas costas e ergueu a que a segurava, puxando-a mais
para si.

Perdida naquela sensação maravilhosa, Clere colocou sua mão livre em


seu ombro e nada poderia tê-la espantado mais.

Ele começou a se embalar lentamente ao som da chuva e da música que


soava dentro do quarto.

Prazeroso, amoroso, paciente e magnético.

Clere se sentiu viva e protegida e aquele momento ficaria para sempre na


memória e a maneira que se olhavam, poderia cair o mundo que não existia
nada ao seu redor.

— Eu mereço lembranças boas — ela sussurrou.

— Sim, pequena, você merece. Eu te darei todas elas, pelo menos


tentarei.

— Obrigada.

Ele soltou de sua mão, abraçou-a forte, e ela o abraçou de volta, mas
continuaram a se embalar.

Dançando na chuva, foi maravilhoso.

Ouviram uma batida na porta e ele suspirou.

— Acho que nossa comida chegou.

Ela não queria se afastar, mas ele deu um passo atrás. Quem queria comer
e deixar aquele momento? Mas era o que tinham e tinham ganhado muito.

Um momento mágico e perfeito.


Aaron a olhou e seus olhos estavam brilhantes, olhando-o com
expectativa e espanto.

Ele se abaixou e arriscou, pois desejava beijá-la há muito tempo, estava


saudoso e sedento. Parou diante de seus lábios e esperou que ela se afastasse,
mas ela não fez, não se moveu, por algum motivo obscuro e perdido na sua
mente torta.

Então, ela fechou os olhos e ele sentiu seu mundo girar, porque ela lhe
dava permissão, tocou seus lábios levemente, num beijo tímido, suave, mas
ao mesmo tempo era tão significativo e intenso.

Tocar seus lábios molhados da chuva foi estupendo, tanto que pela suave
sensação de seus lábios ele fechou os olhos, pensou em se afastar, mas o
pensamento voou para longe, as batidas na porta foram esquecidas e ficaram
inaudíveis, porque tudo ao seu redor desapareceu.

Mesmo com a água fria da chuva molhando-os, os lábios estavam quentes


e Clere abriu-os permitindo-o entrar, e ele rosnou ao sentir o gosto de sua
boca. Morria por isso, simples assim. Ele a segurou pela nuca e a trouxe para
o seu corpo, beijando-a intensamente, mergulhando na sua boca deliciosa,
embrenhando sua língua na dela, amando sua boca.

Aquilo era beijar e Clere deixou-se voar naquele mágico momento.

Nunca soubera o que era um beijo e era mágico, sua imaginação tinha
sido torpe nas suas divagações e sonhos sobre um beijo, como seria, mas
agora sabia e pensou que era a coisa mais deliciosa que fez na vida. Um beijo
doce, carinhoso, temeroso, delicioso, com lábios cálidos e suaves, mas ao
mesmo tempo quente e intenso.

Ficaram se beijando por longos minutos debaixo da chuva, então, ele se


afastou com a respiração errática, excitado a ponto de doer, perdido na bruma
do desejo, na satisfação plena de um ato tão singelo. Ela piscou aturdida
olhando para ele, sem fôlego, sem noção do espaço-tempo enquanto seus
corpos e mentes rodopiavam nas sensações únicas de companheiros.
— Por que fez isso? — ela sussurrou, quase sem conseguir falar.

— Eu não resisti... desejo isso há muito tempo.

Aaron se afastou e eles ficaram se olhando espantados consigo mesmos.

— Sentiu isso? — ele sussurrou, com a mão sobre o coração dela e Clere
pousou sua mão sobre a dele.

Ela engoliu em seco e seu coração estava disparado, batendo


descontrolado.

— Diga-me, pequena loba, sentiu isso?

Ela assentiu, porque não conseguia falar.

Ele sorriu, beijou seu nariz, seu olho e depois o outro, sua testa e depois a
olhou nos olhos que estavam perdidos num mar infinito de confusão, mas ele
também viu o desejo, a surpresa, o despertar de algo grande que estava por
vir. Algo que eles não entendiam inteiramente, mas queriam tomar posse.

O silêncio tomou conta deles e os lábios se encontraram novamente e,


dessa vez, o beijo foi mais intenso, a sua boca tomou conta da dela e agora
ambos sabiam o que era beijar de verdade, por desejo, por prazer verdadeiro,
por entrega de um amor que poucos conheciam. E, mesmo confusos, os dois
permitiram que se mergulhassem naquele momento mágico e maravilhoso.

Clere sentiu uma lágrima quente escorrer pela bochecha, misturando-se


com a chuva que abrandava, então também ao senti-la ele se afastou e a
olhou.

— Eu a magoei?

— Não...

— Por que choras? Clere, desculpe-me, eu não queria te machucar,


ofender-te, o que foi?
— É que este foi meu primeiro beijo.

— O quê? — perguntou confuso.

— Eu nunca fui beijada.

— Mas...

Ele se calou e ficou aturdido, porque claro que nunca foi beijada, ela não
poderia com seu passado.

— Meu corpo foi violado, marcado e machucado de todas as formas que


você possa imaginar, este corpo não conheceu amor, carinho, uma carícia, eu
nem sequer me lembrava de como eram os abraços. Só os de minha mãe. E
isso foi tão suave e tão mágico...

Ele segurou seu rosto entre as mãos, limpando suas lágrimas com os
polegares e lentamente se aproximou, beijou uma lágrima e depois a outra,
então selou um doce beijo em seus lábios, com toda a ternura que ele pensou
que conhecia.

— Pois eu considero o ato de tocá-la uma honra, e sempre honrarei seu


corpo, suas vontades e seu coração. Guardarei este beijo no meu coração,
como um presente.

Ela ficou o olhando aturdida e podia ver luz dançando nos seus olhos de
lobo.

Ele a estava honrando, ela mal acreditava nas palavras, ou que pudesse
ser possível.

— Me toca com delicadeza e ao mesmo tempo com paixão. Nunca


imaginei que um beijo fosse assim — sussurrou com a garganta embargada.

— Confesso que também não.

— Mas você já tinha beijado antes.


— Sim, tinha, mas não era você.

Caramba, felicidade era aquilo que estava sentindo? Medo, desejo e


alegria e algo obscuro dentro dela tudo de uma vez?

— Tem diferença?

— Sim, minha pequena loba, tem muita diferença.

— Então isso deve ser uma coisa boa.

— Muito boa.

Ela fechou os olhos, respirou fundo e o desespero em seu coração deu


uma aliviada, como se um peso imenso saísse de suas costas e algo na sua
cabeça dizia que não deveria ter aquilo, mas suas memórias não diziam o que
era.

— Ficaremos bem?

— Sim, ficaremos bem, eu prometo.

Ele a abraçou e embrenhou os dedos em seus cabelos, acariciando sua


cabeça contra seu peito e ele fechou os olhos para sentir, apenas sentir aquele
momento, aquele abraço, apenas acalmar a tormenta. Mas o coração, ah, este
não acalmava, pois estava vibrante, pulsando com paixão latente, com o calor
de um amor que estava os abraçando.

Mesmo depois disso, ainda não se davam conta do tamanho do


sentimento que os estava unindo, o quanto eles eram um do outro, de forma
irrevogável e perfeita, não sabiam o quanto seriam tombados e arrebatados.

— Vamos, nossa comida nos aguarda, preciso te alimentar.

Ela suspirou desalentada, porque não queria soltá-lo, jamais teve um


abraço como o dele e era tão protetor, tão quente. Sentia-se segura e contente
ali daquele jeito e estava meio tonta. Talvez tenha sido o beijo ou o vinho,
talvez ambos.

Ele a pegou no colo, foi para dentro e a levou ao banheiro.

— Tome um banho quente, vou ver onde anda nossa comida.

— Ok.

Aaron saiu do banheiro quase correndo, porque ele mesmo não queria
deixá-la, queria despi-la e amá-la, beijá-la novamente, fazê-la sua, mas sabia
que devia ir devagar. Apesar de ela ter se aberto para ele, para sua presença,
sabia que ela tinha muitas ressalvas e não queria estragar sua chance com ela
ou causar-lhe dano.

Clere ficou ali, parada no meio do banheiro respirando erraticamente, se


virou e se olhou no espelho e tocou seus lábios e sorriu.

Ele a tinha beijado, tinha sentido desejo e a beijado.

Talvez ele tivesse algum interesse nela além da amizade. Afinal, amigos
não se beijavam assim. Pelo menos era o que pensava, não que fosse muito
entendida em relacionamentos.

— Aaron... — disse tocando seus lábios.

Tinha amado seu beijo, as sensações tão fortes, que seu corpo ainda
latejava, não sentia o frio da chuva, somente o calor do corpo dele que tinha a
envolvido.

Ele tinha a feito se sentir linda no dia do baile e sempre o dizia, então ela
compreendeu que talvez ele sentisse algo, um carinho por ela e que sim, suas
palavras sempre foram verdadeiras. Ele a tinha salvado, tinha desejado viajar
com ela e tinha a beijado. Disse que queria ter sido sua primeira dança.

A constatação de que havia um sentimento real a deixou atordoada.

Ela entrou no chuveiro quente e fechou os olhos por um minuto.


— Não crie ilusões, Clere, foi só um momento. Só um beijo, nada de
mais, sem importância.

Não, tinha importância, pelo menos para ela. Seu primeiro beijo. E tinha
sido maravilhoso. Maravilhoso demais, ela tinha amado e desejava mais.

Ela riu extasiada, retirou sua roupa e se banhou.

Como não tinha levado uma roupa, enrolou a toalha nos cabelos e vestiu o
roupão branco que o hotel oferecia e gostou porque era macio e perfumado.
Saiu do banheiro e foi até a saleta e ali estava ele com a mesa posta com os
pratos.

Quando ele se virou e a olhou, seu mundo deu um baque, a maneira de


olhar para ele tinha mudado e assim como ele tinha mudado sua maneira de
olhá-la.

E mesmo de robe, ele a achou linda.

— Eu... não tinha uma roupa para vestir.

— Tudo bem. O que acha de me aguardar aqui e eu tomarei um banho


rápido?

— Devo ir ao meu quarto pegar uma roupa para jantarmos.

— Que tal jantarmos ambos usando isso, vi que tinha dois no banheiro.

— O quê?

— Bem, se o objetivo é fazer coisas que nunca fizemos na vida, essa seria
uma.

Ela riu.

— Seria. Eu não me importo se você não se importar.


— Serei rápido.

Ele foi para o banheiro e ela sorriu, foi até a mesa e olhou tudo. Era tão
bonito e arrumado: a carne, os legumes, os pratos eram de louça fina, os
talheres arrumados harmoniosamente, o cheiro era magnífico, ela fechou os
olhos e aspirou o aroma delicioso.

Tinha passado tanta fome na vida...

O homem abriu a pequena portinhola da cela e colocou um pote com


comida no chão.

— Cães comem no chão, tem sorte que ganhou um bom pedaço de carne
hoje. Talvez se você se comportasse melhor e não nos desse tanto trabalho
comeria como uma pessoa.

Clere balançou a cabeça e empurrou a lembrança longe. Estava grata por


ter um alimento bom, uma mesa para se sentar civilizadamente, e o cheiro da
comida era estupendo.

Ela pegou a taça de vinho e sentou-se à mesa. Tomou um gole e sorriu,


pois era delicioso. Um jantar com requinte e ao mesmo tempo informalidade.

Logo Aaron retornou e ela riu quando o viu usando o robe branco e
sentou-se à mesa. Ela serviu um pouco mais de vinho e deu a ele. Fizeram um
brinde e beberam, depois comeram.

De repente, não sabiam o que dizer, não havia muitas palavras, mas os
olhares estavam ali, olhares diferentes e encantados.

E as sensações de mil borboletas voando no estômago, aquele frio sempre


que ele estava por perto estava presente de maneira mais forte.

— Estava delicioso, o que acha de vermos um pouco de televisão?


— Ótimo, tenho curiosidade sobre isso.

Eles sentaram no sofá e ficaram vendo a televisão. Admirado, ele ficou


questionando como funcionava, e achou incrível.

De repente, um trovão retumbou e Clere se assustou, desligou a tevê e


suspirou, colocou a taça de vinho sobre a mesinha de centro e colocou os pés
sobre o sofá e abraçou as pernas.

Olhou assustada para a varanda com um estrondoso trovão retumbou


novamente.

— Será que chove toda noite aqui?

— Contanto que amanhã faça sol, não há problema. Pelo menos


aproveitamos o dia.

— Por que desligou a televisão? Estava interessante. Impressionante


como as pessoas podem aparecer dentro dessa coisa. Eles estão do outro lado
do mundo e vemos aqui.

— Sim, a televisão é uma invenção estupenda. Mas acho que nossa sessão
de filmes hoje vai ter que ser cancelada. Não poderemos ficar com a tevê
ligada enquanto tiver raios e trovões, é perigoso queimá-la. Minha mãe disse.
Amanhã te mostrarei mais dela, prometo.

— Precisa me ensinar a usar o tal telefone que o Erick me deu. Ele disse
que posso falar com ele daqui até na ilha.

— Pode para qualquer lugar do mundo.

— Impressionante, tantas invenções que há nesse tempo, como as coisas


mudaram nos últimos dois séculos.

Ele sentou-se ao seu lado, Clere riu e aceitou a taça que lhe oferecia.
— Também gosto dessas invenções. Mas essa televisão é um pouco velha
para o nível do quarto, mas também gosto de um pouco de velharias.

— Sou uma grande velharia também, me aprecia?

Ela riu lindamente e o olhou, o que o fez sorrir.

— Você é a maior de todas.

— Imbatível.

— Eu gosto.

Eles se olharam intensamente, então soou um trovão forte e ela gemeu.

— Não precisa ter medo dos trovões, estou aqui contigo.

Ele ofereceu o braço para abraçá-la e ela deixou que ele a abraçasse.
Suspirou e se acalmou em seu peito.

— Sempre tive medo de tempestades. Uma vez, quando era pequena na


nossa vila na Irlanda, teve uma tempestade muito forte e uma árvore caiu
sobre nossa casa.

— Alguém se feriu?

— Não, mas foi um baita susto, ficamos no escuro, sem luz e estive no
quarto escuro até que minha mãe chegou para me pegar, eu fiquei com medo
do escuro e depois só piorou... nos laboratórios — disse pensativa.

— Eles te deixavam no escuro nos laboratórios?

— Eles gostavam de explorar nossas fraquezas, me deixavam muito no


escuro. À noite, não havia opção de ficar na luz, apenas uma luz vermelha
ficava acesa no canto das celas. Quando se descobre a vulnerabilidade do
inimigo, você pode derrotá-lo, usá-lo contra ele.
— Parece uma tática de guerra.

— Há muitos tipos de guerra. A pior delas é quando lutamos contra nós


mesmos.

Ele respirou fundo.

— Eu entendo disso, e acho que todos os lobos também.

Ele pegou sua mão e beijou seus dedos docemente.

— Então nós deixaremos sempre as luzes acesas.

— Eu... acho que vou para o meu quarto.

— Tudo bem, precisa descansar.

Ela levantou-se e foi até a porta e ele a acompanhou, saiu no corredor e


ficou o olhando. Não queria ir, e ele queria a impedir de ir.

— Se precisar de algo me chame.

— Está bem, boa noite.

— Boa noite.

Quando ela foi sair, ele segurou sua mão. Os olhares se prenderam e ele
se abaixou e beijou seus lábios docemente, um beijo e mais outro, até que,
com a língua, os abriu e dançou em sua boca.

Ela gemeu e ele a soltou e suspirou.

— Boa noite — ele disse, e meio tonta ela sorriu, entrou no seu quarto e
fechou a porta, se encostou nela e sorriu tocando os lábios com os dedos,
sonhadora.
Aaron fechou a sua se encostou nela e fechou os olhos. Colocou a mão
sobre o coração porque estava batendo forte. Desejava mais dela, precisava.

Ela tinha permitido o beijo e tinha retribuído. Ele havia imaginado como
seria, tinha até sonhado com seu beijo, mas tinha sido melhor do que
imaginara.

Sua jornada beirava ao desespero, a batalha era mais difícil do que uma
luta de espadas, mas estava amando cada minuto.
“As almas escuras não são aquelas que escolhem existir no abismo do
inferno, mas são aquelas que escolhem se libertar do abismo e se mover
silenciosamente entre nós.”
(Dr. Samuel Loomis)

Um relâmpago iluminou o quarto e logo seguiu um trovão, que acordou


Aaron. Ele se moveu na cama e passou a mão buscando a luz do abajur,
sentia uma agonia no peito. Quando a luz não acendeu, ele rosnou, pois viu
que não tinha luz. Lembrou-se do que ela tinha dito e xingou, saiu correndo
do quarto e com um solavanco abriu a porta do quarto de Clere e estava
vazio.

— Clere?

Ele olhou ao redor procurando-a e tentou ligar a luz do abajur, mas não
acendeu.

— Inferno! Clere!
Seu ouvido captou um sussurrar abafado e sua pele pinicou com um
desconforto, que ele sabia que era por causa dela.

Sempre que ela estava com medo, sua magia reverberava sob sua pele,
como um aviso de que ela precisava dele.

Eles estavam inegavelmente ligados, mesmo sem ele tê-la mordido e a


reivindicado como sua loba e suas magias tivessem sigo mescladas.

Isso despertou o restante de seus sentidos de proteção.

— Clere?

Ele seguiu pelo quarto e abriu a porta do closet e empurrou os cabides


com as roupas penduradas para o lado e a viu, sentada no chão, com os
joelhos encolhidos, segurando o celular com as duas mãos trêmulas, com a
lanterna acesa, que iluminava seu rosto banhado nas lágrimas.

Seu coração se partiu e sentiu o desespero tomar conta dele misturado


com puro ódio. Lentamente se ajoelhou tentando entender o que sussurrava e
não queria assustá-la mais do que estava.

— Clere? Querida, pode me ouvir?

Ela não respondeu, estava perdida em outro mundo, um mundo de terror,


e ele percebeu que ela estava cantarolando uma música que ele mal
compreendeu que se tratava de sua língua natal, o irlandês.

— Trí sióg bheag ag imirt cois an locháin,Thit duine isteach agus chaill
sí a sreangán. Ghlaoigh Mamaí an draoi a thug freagra:"Níl níos mó sióga
ag imirt ag an lochán!”.

— Três fadas brincando na lagoa, uma caiu e perdeu a varinha. Mamãe


falou para o mago que respondeu: “Chega de fadas brincando na lagoa!”.
Aaron sentiu a garganta embargar, entendeu que os trovões tinham a
assustado e isso serviu para os seus pesadelos retornarem, levando-a ao
passado, ao choro de uma pequena criança presa em jaulas, em celas frias,
chorando sozinha e desalentada, sendo maltratada e violada, perdida no
desespero, com medo do escuro.

— Ei, pequena, pode ouvir minha voz? Escuta minha voz e volta para
mim, Clere.

— Duas fadas brincando na lagoa... uma caiu e perdeu a varinha...

— Clere, ouça minha voz, volte para mim, está tudo bem, minha pequena.
Clere! — falou firmemente.

Ela parou de cantar, piscou e lentamente o olhou e Aaron sentiu vontade


de chorar.

— Oi, minha beag, me reconhece?

— O príncipe.

— Seu príncipe, volta para mim. Está tudo bem, está segura agora.

Duas lágrimas escorreram pela sua face e ela por fim saiu de seu surto.

— Estava escuro.

— Eu sei, mas está tudo bem agora. Venha, vamos voltar para a cama.

Ela assentiu e ele pegou o celular e viu a força em que ela o segurava,
quase ferindo as mãos, desligou-o e com cuidado a pegou no colo e a deitou
na cama e logo deitou puxando-a para seus braços.

Ao primeiro momento, ela retesou o corpo por ele tê-la prendido, mas o
poder da aura de Aaron a envolveu e a deixou sentindo-se segura, era um
bálsamo quando ele a abrandava. Ele puxou a coberta e logo o calor a
envolveu e parou de tremer.
— Está tudo bem, minha pequena loba, tudo vai ficar bem agora,
tranquilize-se e repouse, estarei aqui, está segura.

— Não tem luz.

— Eu sei, por isso vou ficar aqui te abraçando, para que se sinta segura,
não vou a lugar nenhum, pode confiar em mim.

Ele beijou sua testa e acariciou seu cabelo e sentiu que as lágrimas dela
ainda corriam molhando seu peito e isso o deixou louco, até que ela suspirou
profundamente e adormeceu.

Ele não sabia se ao fim daquilo ele venceria aquela batalha ou se estaria
inteiro, mas não podia desistir, nunca o faria. E aquilo era uma promessa.

Ao amanhecer, ele despertou e respirou fundo para afastar a bruma de seu


sono. Quando se deu conta de que sua pequena loba estava aninhada em seus
braços foi maravilhoso. Sua cama não estava mais fria e seu mundo não
estava mais solitário.
Acordar abraçado a ela foi maravilhoso, uma sensação que reconfortou
fortemente seu coração.

Acariciou suas costas com as pontas dos dedos e a malha fina de seu
pijama era suave e ainda sonhava como seria tocá-la, amá-la como sua
mulher. Sentir seu corpo contorcer-se debaixo dele, estar dentro dela, beijar
cada centímetro, sentir o gosto de sua pele. Se tocá-la assim já era
maravilhoso, como seria o dia que ela se entregasse a ele?

Ela sentiria prazer ou repulsa, amaria ou sofreria, aceitaria ou fugiria.

Ele respirou fundo e a abraçou mais forte.

Morreria se ela fugisse dele, se ela não conseguisse vê-lo como seu
companheiro. Ele simplesmente sucumbiria.

Ela estava adormecida e serena, nem pareceu que tinham passado por
aquele terror durante a noite. A luz havia voltado e a chuva estava suave e era
acalentadora e sem trovões.

Ele desejou ficar ali na cama para a eternidade, com ela segura em seus
braços, sua respiração em seu peito fazia cócegas de maneira suave e ele
fechou os olhos para sentir o perfume de seus cabelos. Acariciou suas costas
e amou como ela enroscou suas pernas nas dele.

Seu corpo delicioso era um banquete que ele desejava provar. Amava
olhar para ela e admirar as curvas do seu corpo.

Durante muitas vezes, ele ficou pensando, enquanto a esperava ou a


buscava na Terra, como ela deveria ou poderia ser. Tinha imaginado seus
cabelos, suas roupas ou seu corpo, até sua voz como soaria quando dissesse
seu nome.

Mas nada de seus devaneios tinha sido comparado ao que tinha sido
Kleiri ou o que Clere era, uma camaleoa que mudava de estilo e de cabelos
com tanta facilidade, que o deixava tonto.
Ele soube que ela acordou quando suspirou profundamente e sua
respiração mudou, mas não a soltou, continuava abraçado e esperou para ver
sua reação.

Por um momento, ela retesou o corpo e ele pensou que ela saltaria longe,
mas não, ficou ali, calada por alguns minutos, até que seu corpo relaxou.

Ela ergueu a cabeça para olhá-lo, mas não se afastou, ele acariciou seus
cabelos e a olhou e ficaram de frente um para o outro.

— Oi.

— Oi.

— Estou na sua cama — ela sussurrou.

— Na verdade, eu que estou na sua.

— O que aconteceu?

— Você teve um pesadelo, apagou a luz e se escondeu no armário, então


eu te encontrei e não quis deixá-la sozinha.

Ela respirou fundo.

— Desculpe.

— Não precisa se desculpar, fiquei para te sentir segura.

— Obrigada.

— De nada.

— Isso é bom.

— O que é bom?
— Acordar aqui, me sentindo segura.

— Fico contente. Acho que o dono do hotel não vai ficar muito contente,
porque acho que destruí sua porta.

— Arrombou a porta?

— Precisava chegar até você e não tinha chave.

Ela o ficou olhando com todo o choque, com o puro efeito que ele poderia
causar nela. Coisas que ela jamais imaginou que passaria estava acontecendo.

— Você é muito forte, pequena.

— Você acha? Trancar-me no armário de roupas não me parece ser muito


forte.

— Sim, é muita coisa para suportar, poucos o fariam, você luta, é uma
loba de muito valor. Sinto muito pelos seus temores.

— Obrigada.

— É uma filha de Odin, segundo os nórdicos, ou de Cernunos com a Mãe


Terra, pelos celtas. Uma loba fabulosa e forte.

Ele a valorizava e nunca tinham valorizado por ser uma loba. Na verdade,
tinha sentido raiva de ser uma, de ser punida por ser uma. Ela odiava sua loba
por muitos motivos, lembrava-se de uns, mas não se lembrava de outros e
ouvi-lo elogiá-la era um grande efeito sobre ela. Era muito importante que ele
a valorizasse.

Ele acariciou sua bochecha com a ponta dos dedos, deslizando sobre sua
mandíbula.

— Børnene får mange års glæde. Deres tid her vil altid være fuld af ros
og ære. Skæbnen vil være stærkere end nogen anden. De er sønner af Odin
og vil have deres styrke.
— O que significa?

— Os seus filhos terão anos de júbilo. O tempo deles aqui será sempre
cheio de louvor e glória. O destino será mais forte de qualquer outro. São
filhos de Odin e terão sua força.

— Que lindo. Que língua é essa?

— Dinamarquês.

— Gostaria de aprender essa língua e a outra, gaulês.

— Posso te ensinar. Se eu pudesse, pequena, eu tiraria todas as suas


dores, impediria qualquer sofrimento, somente te mostraria flores, arco-íris e
borboletas.

Clere sorriu emocionada, com o coração exultante.

— Isso soou um tanto piegas, mas amei.

Ele riu, encabulado.

— É, eu acho que não sou muito bom com as palavras bonitas para as
senhoritas.

— Teve muito tempo para treinar.

— Tempo eu tive, mas nunca tive alguém que eu realmente quisesse dizer
alguma poesia.

— Sou uma privilegiada?

— Bom, já que achou horrível, eu diria que não foi um privilégio, mas
sim uma coitada.

Ela riu e ele sorriu porque amava sua risada.


— Não, eu amei, juro. Amei tudo. Gosto de poesias. — Gostava dele. —
Acho que um pouco de comida seria bom — ela sussurrou.

— Sim, mas nunca amei tanto uma cama como agora.

Senhor todo-poderoso.

— Eu também.

Clere prendeu a respiração quando ele levantou os olhos dos seus lábios e
a olhou nos olhos. E lá estava o olhar ardente dele de novo. Eles estavam
calmos, brilhantes, mas demonstrando seu poder e mil desejos e promessas.

Ela não podia falar. As palavras pareciam presas em sua garganta, lhe
faltava o poder de expulsá-las.

Ele fitava-a como se realmente a adorasse, como se ela fosse perfeita,


bonita, uma mulher que valesse a pena ser desejada.

Clere via verdade nas suas palavras e atitudes, ele estava a adulando, mas
não tinha motivo escuso nenhum para fazê-lo. E ela não tinha medo dele,
gostava que a tocasse. Como seria ter mais? Como seria ter mais que um
beijo?

Nenhum homem jamais a fitara assim antes, nenhum homem jamais a fez
se sentir como se fosse o centro de seu desejo e somente ela pudesse saciá-lo,
de forma bonita. Apesar de sua péssima experiência com os homens, ela não
sentia repulsa dele e tinha curiosidade do que era ser realmente amada, fazer
sexo sem dor, com cuidado e carinho, com desejo de dar prazer em vez de dar
dor ou ser subjugada. Poderia fazer isso?

Ela engoliu em seco e sua garganta estava travada.

— Você está bem?

Ela assentiu.
Aaron estava no mesmo impasse, se fazendo as mesmas perguntas.

A maneira que ela ficou o olhando, com milhares de dúvidas e perguntas


para ele, foi tão especial e diferente; por um momento, o tormento que
sempre via em seus lindos olhos amarelos havia desaparecido.

Aaron passou os dedos na sua mecha de cabelo e sorriu ao sentir sua


textura, como era macio e ele se aproximou um pouco para sentir seu
perfume.

Ele lentamente soltou o cabelo e deslizou a ponta dos dedos em sua


mandíbula, até seu queixo e pelo seu pescoço, então ela não se moveu e
respirou erraticamente.

E quando ele ergueu o olhar encontrou o dela e não havia mais barulho,
zunidos, não havia tormenta.

Havia um carinho, havia algo grande e a curiosidade invadiu seu coração.

— Sinto uma paz em você agora, pequena... Sua aura mudou, sua energia
dolorosa me machuca, mas agora sinto outra coisa vindo de você.

Ela sempre o achou lindo, mas agora era mais, porque havia mais coisas,
mais encantamento. Teve vontade de beijá-lo, e seu coração estava
descompassado e a garganta ficou seca.

Sem tirar os olhos dos dela, medindo suas reações, ele lentamente
deslizou os dedos pelo seu colo e sobre seu seio, sobre o pijama, seu bico do
seio ficou duro e saliente sob a roupa e a sensação foi deliciosa.

Lentamente e quente como o fogo, ele observou seu corpo exalar o cheiro
da sua excitação.

Ela suspirou, porque por um momento somente quis que seu passado todo
sumisse e ela tivesse uma vida nova, com ele.
Lentamente ele se aproximou e a beijou, lento e quente, então sua língua
abriu seus lábios e encontrou a sua, dançando deliciosamente. Quando
aprofundou o beijo ele rosnou ao ouvir o gemido dela, gemido de prazer, sua
mente voou, livre e contente.

Ele se afastou de seus lábios, com a respiração errática e a olhou nos


olhos.

— Permite-me fazer uma coisa?

— Quer sexo? — perguntou aturdida.

— Não, somente quero te tocar aqui — disse deslizando os dedos sobre


seu seio. — Deixa-me beijá-los?

Ele queria beijar seus seios? Ela piscou aturdida, e por um momento não
sabia o que fazer, aquilo era uma coisa nova, então, um tanto encabulada
assentiu.

Quando ele abriu os botões de sua camisa com deliberada lentidão, Clere
teve que lutar para respirar enquanto a ponta dos dedos dele passava sobre a
sua pele.

Os pelos finos que cobriam seu corpo arrepiaram-se sob as pontas dos
dedos dele, quando um gemido ficou preso na garganta, ele desabotoou toda
a camisa e abriu e ela não o parou ou recuou.

Então ele tocou sua barriga, sua cintura com a ponta dos dedos, toques
suaves, mal roçando sua pele, subiu para seus seios e, olhando nos olhos, ele
repetiu o que havia feito antes, tocou seus mamilos eriçados e rosados. Seus
seios eram lindos, então ele abaixou a cabeça e, devagar, passou a língua em
um deles.

Clere gemeu alto e se contorceu e Aaron rosnou.

Que prazer memorável sentir o gosto de sua pele. Macia, perfumada e


cálida, o cheiro de excitação quase o matou e estava duro por ela.
Ele colocou o mamilo na boca e começou a chupá-lo, beijá-lo, massagear
seu peito, fazendo-a descobrir novas sensações.

Doces beijos reverenciando a beleza de seu corpo.

— Você é linda, Clere. Eu estava morrendo de desejo de tocá-la.

Havia desejo dela lá, no odor doce dela, na tensão que se formava entre
eles a cada vez que ele se aproximava dela havia fome. O odor era como uma
chuva de verão suave. Era fresca, como o odor da primavera, e uma umidade
doce que ele sabia que podia ficar muito viciante e estava louco para beber, e
só melhorava.

Ela era tudo o que ele podia ter desejado como companheira. Era o sonho
que ele se permitiria desejar. Era uma tentação que ele sabia que nunca
poderia se permitir perder. Uma promessa que ele havia feito a si mesmo, um
voto. E esta pequena mulher estava virando sua cabeça de uma vez, enchendo
seu coração e mesclando suas almas.

Ele tomou seu tempo com seus seios, e sua barriga.

E Clere arriscou tocá-lo, seus ombros, sua pele quente, seus músculos
fortes e poderosos, embrenhou os dedos em seus cabelos e fechou os olhos,
porque tudo era demais.

O carinho e cuidado era demais, poderia arrancar lágrimas de seus olhos.

Ele subiu beijando seu pescoço, sua mandíbula e alcançou sua boca e a
beijou profundamente, deitou sobre ela e gemeu por sentir seu corpo nu
contra o dele, beijou envolvendo sua língua na sua.

Então ele pegou sua mão e guiou-a pelo seu corpo e, quando ela sentiu
seu membro rijo em sua mão, ele afastou-se de seus lábios e se olharam e ela
piscou aturdida.
— Tudo bem, querida, vamos com calma, ok? — Ela assentiu, porque
não podia falar. — Um dia teremos tudo o que merecemos, te darei tudo o
que necessita.

Ele beijou seu seio novamente, deu uma lambida rodeando o mamilo,
fazendo-a gemer e, então, para espanto dela, ele respirou fundo, fechou sua
camisa e beijou seus lábios.

— Comida, agora.

Ela se virou e moveu as cobertas e percebeu que ele estava nu.

Ela dormiu com ele nu na cama, desviou o olhar para conter a luxúria que
a atingiu. Aaron pegou o telefone e ligou para o restaurante e ela sorriu como
ele já estava dominando o telefone e pediu que levassem o café no quarto.
Levantou-se e foi ao banheiro e não conseguiu parar de olhar para o corpo
dele, tinha um traseiro realmente estupendo.

Clere respirou fundo, abanou na frente do rosto para ter um vento e


afastar seus pensamentos e seu calor. Ficou ali, tombada na cama com o
corpo vibrando e tremendo, espantada com suas ações e suas palavras.

Doce céu, sua viagem estava ficando mais interessante e perigosa, e o


perigo nunca pareceu tão delicioso.

Finalmente ela conheceu o verdadeiro desejo, que ardia e queimava seu


corpo, fazia ter sensações tórridas e desesperadas. Ela gemeu, passou as mãos
em seus braços para ver se a sensação passava.

Aquilo tinha sido erótico, doce e quente, suave, como um carinho e amou,
amou ser tocada. Amou a atitude e cuidado com ela, e soube que ele sofria
com a ereção permanente, e mesmo assim ele a respeitava, pedia sua
aprovação.

Ela sentia o calor invadir seu corpo quando sentia seu olhar quente sobre
si, aquecendo sua pele, abrindo as portas de uma libido e de pensamentos que
ela não teve por ninguém, nem mesmo quando achava que sua paixonite por
Harley era algo verdadeiro.

Agora ela sabia a diferença, como sua mente e seu coração tinham vagado
nas águas da enganação. E não foi culpa de ninguém ela ter se enganado,
afinal, que tipo de sentimento de carinho tinha aprendido nos últimos anos?
Nada.

E como havia sido tão tola de não perceber antes que o que sentia por
Aaron era algo tão grande, como ele mexia com tudo nela, seu ser, sua alma e
seu coração, era carnal e era espiritual. Aaron mexia com todas as camadas
de sua existência.

E não podia negar que saber que um príncipe, ora rei, um beta de todos os
lobos do mundo a adorava e desejava era como massagear seu ego de forma
bem considerável.

Até agora não conseguia lidar se isso era bom ou ruim, o que sabia é que
não deveria mandá-lo embora para nada, porque sabia que sentiria sua falta, o
vazio que sentia antes não era mais bem-vindo.

Ela o queria por perto e isso não poderia mais negar, apesar de que
alguma coisa pinicava na sua nuca como uma advertência.

Só que ela não sabia identificar o que era porque não conhecia o amor ou
a paixão ou se era algo que havia esquecido.

Aquilo devia somente ser uma aventura para ele, assim como a viagem? E
esse pensamento a incomodou.

Talvez sentisse medo por saber que um dia ele partiria quando achasse
sua companheira que estava buscando.

Era como se os sinos de advertência badalassem, como se ao longe


pudesse ouvir os trovões de uma grande tempestade que se aproximava, mas
não podia mensurar o estrago que ela faria ou se somente poderia molhar um
pouco, mas queria descobrir.
Ela o desejava e não sentia medo.

E isso foi uma revelação espantosa.


Ela correu ao seu guarda-roupa e se trocou.

Como havia parado de chover e o sol estava generoso, tomaram café na


manhã juntos na varanda que era realmente magnífica com uma visão
privilegiada para o mar.

Aaron estava com a toalha de banho enrolada na cintura, pois tinha


corrido nu ao seu quarto na noite anterior.

— Como é lindo aqui, estou encantada.

— A Grécia me parece ser muito bonita pelo que pude ver.

— Sim. É maravilhosa.

Ela ficou olhando para ele, que parou a xícara do café no meio do
caminho.

— O que foi?
— Seu lobo é lindo, um dia me deixará vê-lo? Quer dizer, o vi em
Kimera, mas foi muito rápido — Clere perguntou e Aaron se espantou.

— Sim — disse com um sorriso, com a emoção enchendo o coração. —


Fico contente que queira vê-lo.

— Obrigada.

Clere olhou o horizonte e suspirou e eles ficaram em silêncio por um


momento terminando a refeição.

— Vamos à praia? Já estou com meu maiô.

Ela se levantou e ele a olhou vendo que estava com um bonito maiô preto
sob a saída de banho de crochê branco. Ela colocou uns óculos escuros e um
chapéu de abas largas.

— Está bonita.

— Obrigada. Acha elegante? Achei bonito nas madames.

— Creio que viu na internet?

Clere riu.

— Sim, mas minha alfa é bem elegante, ela usa também. Vou ao banheiro
um momento enquanto você vai ao seu quarto e veste sua roupa de banho.

— Está bem.

Clere pegou sua bolsa de praia, saiu do banheiro e estacou no quarto.


Havia um imenso e espetacular lobo marrom com mechas e seus olhos verdes
eram realmente brilhantes.

Ela abriu a boca de espanto e fascínio, a bolsa caiu no chão esquecida e


tirou os óculos escuros, que também caiu no chão.
— Oh meu Deus! Você é... maravilhoso!

— Disse que gostaria de ver meu lobo de novo.

Lentamente, ela se aproximou e com o coração pulsante embrenhou os


dedos em seu pelo.

Foi mágica a sensação que percorreu todo seu corpo, quase a fez chorar.
Aaron rosnou, porque senti-la tocando-o foi estupendo.

Clere se ajoelhou diante dele.

— É tão grande, maior que os outros lobos.

— Sim.

Seus olhos marejaram, a energia que ele exalava era estrondosa e ela o
abraçou.

O mundo girou tragicamente e ambos não sabiam o que fazer, não sabiam
como era tão forte aquela sensação, intensa, forte, arrebatadora, maravilhosa.

Ela segurou sua cara, acariciou docemente e encostou sua face na dele.

— Amo seu lobo.

Pelos deuses, Aaron quase tombou em suas patas.

— Posso ver sua loba?

Ela abriu os olhos e se afastou o olhando. Um rebuliço dentro dela


ocorreu e ficou confusa.

— Minha loba?

— Sua loba deve ser linda, por favor, deixe-me vê-la.


— Eu... eu não posso.

— Por quê?

— Eu não sei... não consigo me lembrar porque não deveria me


transformar, mas pode ser outro dia?

— Tudo bem, quando se sentir bem.

Aaron esperava que a loba seria magnífica e majestosa. Morria por vê-la,
queria correr com ela, caçar, brincar.

Ele suspirou, mas agradeceu, pois estavam mais próximos com isso.

— Obrigada por me mostrar seu lobo, eu realmente amei e gostaria de


levá-lo para a praia, mas com certeza as pessoas sairiam gritando.

Ele riu e ela o acariciou e, sem se controlar, ela beijou sua face.

E no momento seguinte Aaron se transformou em humano e ela arfou,


caiu sentada e olhou para ele com os olhos arregalados. Bem, e o homem
gigante estava nu, maravilhosamente excitado diante dela e, ele olhando para
baixo, colocou um sorrisinho sem-vergonha no rosto, o cabelo caindo em seu
rosto, selvagem e poderoso.

Clere teria caído se já não estivesse caída no chão.

Aaron a pegou e a levantou, devagar beijou seus lábios, segurando sua


nuca. Aquela manhã não poderia ser mais perfeita.

— Vou colocar uma bermuda de praia.

— Ok.

Ele abriu a porta e ela gritou.


— Ei! Não deveria retornar de roupas, a toalha que usava?

— Deveria? Ops, esqueci.

Ele fez uma cara de safado que ela arfou. Fez de propósito para se mostrar
nu para ela, e pior, saiu nu no corredor e foi para o seu quarto e Clere arfou
de susto e riu, porque se alguém o visse andando nu no hotel chamariam a
polícia, ele era louco... e adorável.

Suspirou com um enorme sorriso e tocou suas bochechas, pois estavam


queimando. Ela respirou fundo, ele estava a provocando e sim, ela estava
reagindo a ele, estrondosamente. Ele era maravilhoso e ela estava mais
encantada ainda.

Olhou para suas mãos, parecia que a sensação dos seus pelos ainda estava
ali, seu coração estava emocionado e apaixonado.

Mas não entendeu por que não podia se transformar, isso lhe deu medo. O
que havia esquecido?
A praia não era muito grande, mas havia um quiosque do hotel onde
ofereciam guarda-sóis e espreguiçadeiras e serviço de bar com garçom que os
atendia na areia. Muito requintado e fabuloso. Clere ficou encantada.

— Oh, olhe isso, o fundo da água é cheio de pedras arredondadas e azuis,


vários tons de azuis!

— Um belíssimo visual de muitos tons de azul.

— Lindo! — exclamou extasiada e pegando algumas nas mãos.

Clere ficou ali, encantada olhando para aquela beleza e ao fundo havia
alguns veleiros e lanchas brancas que somente deixavam a paisagem mais
linda.

Era como um grande quadro azul que alguém tinha pingado algumas
gotas de tinta branca. Clere sorriu com sua visão do lugar, e sentaram-se nas
espreguiçadeiras.

Suspirou ao olhar algumas garotas e rapazes na praia e ajeitou seu chapéu.

Aaron olhou para o lado e estavam cochichando e os olhando com olhares


cobiçosos. Achava que estavam chamando a atenção demais.

Ele respirou fundo, levantou-se, pegou Clere no colo, o que a fez arfar,
pois não estava esperando tal coisa.

— O que está fazendo? — perguntou aturdida.

— Está vendo aquele grupo de bobos ali?

Ela espiou para o lado.

— Parecem bobos mesmo.

— Que tal darmos alguns motivos para eles fofocarem de nós?


— Tipo o quê? Não vai saltar ou rosnar aqui, vai?

— Pensei em outra coisa. — Ele deu um sorriso maroto e ela riu.

— Um beijo?

Ele assentiu.

— Algo me diz que o senhor está se aproveitando da situação.

— Sério? Não pensei em nada disso.

Ela riu e deu um tapa no seu ombro.

— Vamos, garota, precisamos de um pouco de emoção.

Ela suspirou e olhou para ele, lindo de óculos escuros e ela o abraçou
mais forte e, sem que ela esperasse, ele a beijou, um beijo poderoso e lascivo,
quente e molhado. E quando Clere soltou de seus lábios sem fôlego e espiou
discretamente para o lado, ela sorriu.

— Estão se sentindo bem, invejosos?

— Bem, eles estão paralisados e de boca aberta.

Ele riu deliciosamente, que encheu a praia, beijou seus lábios e se abaixou
com ela em seus braços.

Clere tirou o chapéu e os óculos dela e os dele e colocou na


espreguiçadeira. Aaron foi até o mar e entrou com ela e ambos brincando,
fizeram bastante algazarra e risadas, jogando água um no outro, mergulhando
entre beijos e abraços. E, quando eles voltaram, Aaron ainda a carregava. Ele
a depositou na espreguiçadeira e se espichou na sua, feliz consigo mesmo.

Espiou o grupo e suspirou satisfeito com um sorrisinho, pois ainda


estavam os olhando com a boca aberta.
— Gostaria de velejar? — ela perguntou e sorriu.

— Você sabe velejar?

— Bem, isso eu não sei, acredito que estes barcos são diferentes dos
barcos de milênios atrás, e você também não saiba?

— Isso não.

— Podemos contratar alguém que saiba e possa nos levar para o alto-mar,
talvez visitarmos algumas outras ilhas por aqui. Tinha algo disso num papel
no quarto do hotel. Você gostaria?

— Sim, seria divino.

— Bem, então vamos pedir ali se há como contratar alguém que nos leve.
Eu vou, já que falo a língua.

— Certo. Não se preocupe com preço, seja qual for eu pago.

— Você não precisa pagar por tudo, eu tenho dinheiro que o alfa me deu.
Um cartão de crédito.

— Isso seria um insulto a mim.

— Oh, seria? — perguntou espantada.

— Sim.

— Bem, o senhor é o príncipe, então se diz...

Ela saiu pela areia e Aaron riu e ficou observando-a andar, como se
movia graciosamente rebolando com seu lindo maiô. Ele ficou espantado
com tais roupas e como, às vezes, ela se espantava com as coisas. Clere era
pura e transparente nas suas reações e falava o que pensava e era inocente em
muitas coisas.
Ele gostava disso, rosnou baixo engolindo de volta seu desejo. E pensou
que seria fácil de conter, pobre coitado.

Após conseguir um veleiro, embarcaram no píer e seguiram para o mar.

E a aventura foi prazerosa em muitos níveis. Com o celular, Clere batia


fotos e amava cada segundo e tudo que via.

Era realmente maravilhoso realizar desejos.

Aaron também parecia estar apreciando tudo, principalmente a


companhia.

Sentados nos sofás da popa, degustavam uma bebida gelada e deliciavam-


se com a deliciosa brisa do mar.

Ela tirou a saída de praia e deitou para tomar sol e ele não conseguia tirar
os olhos dela. O desejo o engolia e o fazia ficar excitado o tempo todo, o que
era um inferno.

O poder de companheiros de alma estava mais claro na sua cabeça, nada o


tinha preparado para isso, nada que tinha tomado conhecimento sobre
companheiros se igualava à sua realidade.

Tudo em seu corpo vibrava e seus sentimentos estavam desgovernados.

Ela era linda e sensual sem fazer nenhum esforço, era natural das lobas
serem assim, femininas, graciosas, muito belas. Mas nenhuma o perturbou
como ela, ele não tinha olhos para nenhuma outra loba, perdeu
completamente qualquer interesse em outra mulher.

Suas curvas eram belas e generosas e queria poder deslizar suas mãos por
ela. Sentia ânsia, morria somente de pensar. A pequena prévia que teve foi
maravilhosa.
Era inacreditável como ele estava apegado a ela, não conseguia imaginar
ela fora de sua vida e esperava que um dia ele conseguisse dissipar suas
dores.

Lembrou-se da primeira vez que a viu.

Quando o encantamento de Erick havia sido quebrado ao encontrar a


sua companheira, Vanora começou a buscá-lo e ele, a sua companheira. Viu-
a pela água, e ficou louco, mas, quando a viu pessoalmente, não tinha
palavras para descrever seu arrebatamento.

Estava lutando contra os inimigos de Erick, na guerra desencadeada na


Ilha dos Lobos, e uma estranha sensação tomou conta dele. Seu corpo vibrou
em agonia, sua companheira estava ali, podia sentir.

Ele olhou ao redor, para tentar identificar o que estava acontecendo, de


onde vinha, então o cheiro dela atingiu seu nariz.

No começo pareceu ficar tonto, até sua cabeça atinar que a pequena loba
estava em perigo, então ele rosnou alto e forte e correu através do bosque,
usando seu instinto de lobo, rosnou alto quando ao longe ele a avistou
lutando com um lobo enorme.

Ela lutava bravamente, apesar de ser pequena, não aparentava medo do


lobo que covardemente a agredia.

Ele rosnou alto e sua força a atingiu. Clere rosnou e chutou o lobo para
longe dela e se perdeu na imagem que tinha na sua frente.

Soube na hora, que ela havia sentido o baque igual a ele quando o viu.

Não havia dúvidas, era ela, um pouco diferente de Kleiri, mas era a sua
companheira. Sua alma e sua aura eram as mesmas, e se assim fosse, o
amor.
O lobo a agrediu e ela desmaiou, o que só impulsionou sua raiva,
rapidamente ele matou o lobo e quando a tomou nos braços, seu mundo
girou, e entregá-la para os lobos tinha sido muito difícil, doloroso, então
Vanora apareceu horrorizada pela morte da nova Senhora das Castas e os
levou a todos de volta à Kimera.

E, a partir daquele momento, a pequena loba não saiu de seu


pensamento, queria vê-la e conversar, conhecê-la, saber se estava bem.

Estava tomado novamente por sua companheira.

Se ela era seu presente, e estava tendo a segunda chance, então ela seria
dele.

Agora, ali estava ela, aos seus cuidados. E mesmo com todos os
problemas ele jamais desistiria dela, custasse o que custasse.

Ela era dele e quando ele disse a si mesmo “ela é minha” na sua cabeça,
sua vida mudou completamente.

— Você gostaria de entrar na água, pequena?

Ela sentou-se e sorriu.

— Podemos nadar aqui?

— Sabe nadar?

— Eu não sei nadar.

— Não aprendeu na internet?

Ela riu lindamente.


— Vi nos filmes, mas nunca realmente entrei no mar para nadar ou na
piscina do clube. Só fiquei na beirinha.

— Bem, eu te seguro.

— Ok. Se deixar eu me afogar voltarei para puxar o seu pé.

Aaron riu, tirou a camiseta e os óculos escuros ficando somente com a


bermuda e ela fez o mesmo. Ele ofereceu a mão e ela sorriu ao vê-lo sempre
fazendo isso, para que ela fosse livremente, ela a tomou e juntos pularam na
água. Ela emergiu rindo e tirando a água do rosto e Aaron a puxou para ele,
segurando-a.

Clere gritou, o agarrou pelo pescoço e ficar pele a pele com ele foi
chocante.

Ela arfou e o olhou com os olhos arregalados e ele rosnou. Ficou aturdida
com aquela proximidade, seu corpo tremeu e ao contrário do que pensava,
estar em seus braços a acalmava.

— Não te tocarei se não quer, se te incomoda.

Clere ficou aturdida e tentou raciocinar, mas sabia, tinha que lutar.

— Você não é como eles.

— Não sou. Só te tocarei se me permitires, nunca a machucarei.

Ela engoliu em seco e acreditou nele. Não queria deixar que suas
memórias a perturbasse e estragasse seu dia lindo.

Aaron ficou emocionado, porque ela estava lutando contra seus medos,
era forte e corajosa e ele apreciou muito.

Eles ficaram se olhando nos olhos, tão próximos, seus corações batendo
forte no peito que um podia sentir o outro.
— Posso fazer umas perguntas?

— Sempre pensei que era calada, agora sempre gosta de falar. Erick me
disse que você era fechada como uma concha.

— Oh... te aborreço com minhas perguntas?

— Nunca fui de muita conversa, principalmente com mulheres. Mas eu


quero que você fale comigo. Só você.

— Vai ver que, quando a rainha apagou algumas de minhas memórias,


destravou minha língua.

Ele gargalhou e ela sorriu.

— Pergunte o que quiser, pequena.

— Quando foi que esteve casado?

— Fui casado quando era humano, antes de ser lobo.

— Então, o que houve com ela?

— Ela está em Kimera, mas está morta para mim.

— Oh... Sinto muito.

— Eu não.

Clere piscou aturdida e ficou calada por um momento, mas a curiosidade


de saber mais não permitiu que continuasse calada.

— Vejo na ilha como os casais se amam tanto. Dizem que a felicidade


que um companheiro traz quando estão juntos é indescritível. Algo
inimaginável, é como preencher todas as lacunas e não digo que é fácil que
estala os dedos e todo o mal some e é felizes para sempre, mas tenho certeza
de que os lobos ganham força, e eu acredito que vale qualquer sacrifício.

— Eu faria qualquer sacrifício por minha companheira.

Ela o olhou emocionada e queria aquilo para ela, que alguém fizesse
qualquer sacrifício por ela, que a amasse sem reservas. Gostaria que ele a
amasse.

O pensamento a assustou. Queria?

Pensar que ele poderia encontrar sua companheira e se afastar dela não
lhe caiu bem. Não gostou da sensação de outra mulher ter sua atenção. Ele
merecia uma boa mulher, que o amasse e não lhe ferisse o coração, mas...

Tentou afastar a súbita tristeza que foi acometida.

— Você também tem um companheiro, Clere.

— Não acho que não sou digna de ter um.

— Por que diz tal coisa? É claro que é digna de ter um, os deuses fizeram
um companheiro para você. Acredite, pequena, ele vai te amar e te honrar por
toda a vida. E ele está mais perto do que imagina.

Ela assentiu e sorriu, emocionada e confusa. Seria mesmo?

Então, olhou para seus lábios e ficou pensando no beijo que ele havia lhe
dado e sua respiração ficou difícil. Quando ela ergueu os olhos, viu o calor
emanar de seus olhos, olhando-a com fome.

— Beije-me se deseja, sou todo seu.

Valha-me que ela rosnou porque mesmo na água fria estava quente. Ela se
aproximou dos seus lábios e lhe deu um suave beijo no canto da boca. Aaron
ficou tão espantado que ela lhe beijou, que ficou parado, sentindo a sensação
deliciosa, então ela beijou o outro canto da boca e depois seus lábios, ele
rosnou em sua boca e a beijou de volta, um delicioso e provocante beijo,
envolvendo sua boca com reverência.

Ele a segurou pelo traseiro e a puxou mais para ele e ela enlaçou sua
cintura com as pernas.

Acariciando suas costas com uma mão e com a outra seu traseiro, ele
lentamente batia os pés para não afundarem.

Clere espantou-se consigo mesma de desejar seu beijo, de se permitir


estar daquela forma com ele. Era um sonho.

Podia sentir que ele estava excitado, sentir seu membro inchado contra
seu maiô, excitado por ela e isso fez sua mente voar. Ele era grande e
poderoso, e imaginou como seria tê-lo dentro dela.

Ela se moveu, seu sexo roçando em seu membro e ele rosnou, olhando-a
com fome e o pensamento de desejar aquilo a atordoou.

— Não posso negar que desejo isso, pequena, queria muito estar dentro
de você. Senti-la quente e apaixonada, dizendo meu nome enquanto te tomo,
montando-a e dando-lhe todo o prazer que merece. Garanto-lhe que não
haverá dor nem sofrimento, somente prazer e alegria, desejo de verdade. O
dia que estiver pronta, eu estarei aqui para reverenciar seu corpo e seu
coração, como merece.

Clere não podia respirar ou dizer nada.

— Está tudo bem, um dia você virá e eu estarei esperando.

Ela assentiu e ele beijou seus lábios.

— Vamos sair?

Ela assentiu novamente, ele nadou para o veleiro, a ergueu para a escada e
depois subiu.
Ficaram mais algumas horas andando de barco e passando por bonitos
lugares e curtindo pequenas carícias e doces beijos, depois voltaram para o
hotel.

Clere estava febril, desejando ir além, mas não sabendo como enfrentar
seus medos. Queria prová-lo, mas não sabia se podia. O desejo começou a
turvar sua mente.

Aaron entrou no quarto, empurrou a porta com o pé, a puxou pela mão e a
colocou contra a porta, a ergueu fazendo-a entrelaçar sua cintura com as
pernas, pressionando-a com seu corpo e se esfregou nela, beijando-a
loucamente, devorando sua boca.

Deslizou as mãos pelo seu corpo a deixando louca, então rosnou e


respirou fundo, a colocou no chão e ela quase caiu porque estava trêmula, se
afastou dela, passou as mãos pelos cabelos e ficou a olhando, sem dizer nada,
nervoso, tentando se controlar.

— Acho que preciso de um banho.

— Sim.

Ofegante, Clere ficou perdida, sem saber se fugia ou pedia mais. Foi para
o seu banheiro e colocou a banheira encher, ficou olhando por um longo
tempo no espelho por ver se acalmava o calor que seu corpo estava
acometido. Estava louca de desejar sexo com ele, depois de tudo. Queria, mas
não sabia se conseguiria.

Que inferno era ter a sua cabeça fodida. Como os homens podiam destruir
uma mulher com suas atitudes violentas e desumanas? Tinha lido que
algumas mulheres nunca se recuperam de serem violadas uma vez, imagina
ela por dez anos e todo o resto? Ela não queria ser uma delas. Queria viver.
Queria viver o amor plenamente, conhecer o prazer.

Aaron deu umas voltas pelo quarto, rosnou dolorido tocando a si mesmo.
Seu membro estava implorando por ela, mas não podia ir em frente.
— Juro que, se eu não enlouquecer, vou morrer antes da hora. Deuses!

Ele rosnou e riu de sua própria desgraça, mas o sorriso ficou nos lábios,
ela o tinha beijado, ela tomou a iniciativa e seu coração estava exaltado e
contente.

— Vai me matar, pequena. Vai me matar — sussurrou.

Ela o ouviu através da porta e suspirou abraçando a si mesma,


imaginando como seria permitir que ele a amasse. Ele estava a desejando.
Olhou no espelho e seus olhos estavam acesos como uma luz amarela.

— Posso fazer isso? Eu desejo fazê-lo, mas minha cabeça não deixa...

Ela apertou as pernas, pois estava excitada e, por mais que sua cabeça e
seu coração fossem contraditórios, ela queria vencer seus medos.

— Clere, estou indo para o meu quarto, até mais tarde! — Aaron gritou.

Não queria que fosse, ela tomou coragem, respirou fundo e saiu do
banheiro.

— Espere! — Ele parou na porta e a olhou. — Você disse que não me


machucaria.

Ele franziu o cenho e a olhou.

— Eu disse, nunca faria.

Ela passou a língua nos lábios, nervosa, e foi até ele.

— Mostre-me... mostre-me como é ter prazer sem dor. Um dia disse que
poderia me tocar e me aliviar, então me mostre. Se existe algo entre nós além
da amizade, então me mostre.

Aaron fechou os olhos por um segundo e, quando abriu estava escuro de


desejo, a olhando daquele jeito que a atordoava.
Ela se aproximou mais, tocou seu peito e deslizou a mão pela sua barriga
e sobre a bermuda de praia e no seu membro excitado, grosso e vibrante,
implorando por sexo.

— Está sofrendo.

Emocionado e com o coração pulsando forte cobriu a mão dela com a sua.
Clere lentamente abriu a bermuda e a deslizou pelas pernas deixando-o nu.

— Não precisa fazer isso. Eu me aliviarei sozinho.

Ela o olhou nos olhos e tomou coragem.

— Eu também estou sofrendo e não quero mais ter medo. Você é a única
pessoa que confio para fazer isso.

Ele engoliu em seco e acariciou seu rosto.

— Quer que te mostre?

— Por favor, quero conhecer o amor, mesmo que você não o sinta. Tem
carinho por mim, disse que desejava.

Ele sentia, estava cheio e abarrotado de amor e quase disse, mas as


palavras ficaram emboladas na língua e não saíram.

— Eu te desejo mais que tudo nesse mundo. Eu te darei o que necessita.


— Ela suspirou guardando aquelas palavras no coração. — Se ficar com
medo, peça-me para parar. Eu pararei.

Isso a emocionou e, quando ele se abaixou e a beijou, ela afastou o medo


e se abriu para ele.

Beijou-a lento no começo, então passou a mão nas costas dela e a trouxe
para seu corpo, colocou as mãos abaixo do seu traseiro e a ergueu, e andou
pelo quarto com ela escarranchada em sua cintura e quando chegou à cama
deitou sobre ela.

Ele aprofundou e beijou loucamente a deixando tonta e se afastou.

— Vou te mostrar algo que nunca recebeu.

— O que é?

— Verá. Confie em mim.

Ele beijou seus lábios, desfez o laço do maiô, se ajoelhou e lentamente ele
deslizou-o pelas suas pernas ela pousou os pés em suas coxas.

Ele a olhou inteira, com os olhos famintos.

— Linda, minha loba.

Ele veio por cima dela novamente beijando sua mandíbula, o pescoço,
desceu pelo seu colo e tomou o seio na boca sugando o mamilo rígido
fazendo-a gemer.

Clere o surpreendeu. Ele podia sentir a necessidade dela, cheirá-la. Ela


não estava tentando escondê-la. Ele não esperava que ela se abrisse daquela
maneira, mas ela queria tocar e sentir, deslizava suas mãos em seus cabelos e
ombros e era delicioso.

Ele beijou sugou e lambeu seus seios reverenciando-os, amando-os,


fazendo-a saber que ele se importava, com seu corpo, seu coração, todos os
seus sentimentos.

Escorado em um braço ele tinha a outra mão livre para tocá-la, deslizando
a mão em sua pele deliciosa, tocando e sentindo suas curvas que ele tinha
sonhado tocar, beijar. Beijou sua barriga e desceu e ela gritou, arfando, e o
olhou quando ele lentamente lambeu seu sexo.

Ela estava assustada e espantada, pois não esperava tal coisa.


— O que vai fazer?

— Você quer ter o que nunca teve, pois te darei isso e mais.

Ela engoliu, mas a garganta estava seca de arfar.

Ele abriu seu sexo com os dedos e lentamente se deliciou com sua língua.
Aaron gemeu porque simplesmente amou fazer isso com ela.

Clere gemeu e se contorceu na cama, mas ele a mantinha no lugar, as


sensações irrompiam em seu corpo, esquentando como o fogo, aumentando a
cada segundo.

Ela gemeu alto quando ele introduziu um dedo dentro dela, depois dois,
movendo devagar, preparando-a, excitando-a, fazendo com que sentisse
prazer e não dor, que ela sentisse como era ser amada com respeito. Ele
banqueteou-se e se empenhou em arrancar um orgasmo dela, fazendo as
chamas queimaram dentro dela como uma corrente de lava e ela gemeu alto,
quase desesperada com aquelas sensações novas.

— Aaron...

Ele rosnou ao ouvir seu nome, o que só o fez se esmerar.

Ela gritou mais alto quando, de repente, seu corpo reagiu de forma
absurda, ela gritou e se contorceu fortemente. Suas vistas turvaram, estrelas
pipocaram, quando sentiu algo forte acontecer dentro de si e ele rosnou
sentindo sua excitação intensa.

— Não aguento...

Ele subiu e deitou-se sobre ela, que arfava como se o ar não chegasse o
suficiente, trêmula com as reações intensas de seu corpo.

— Isso é prazer, querida, isso é prazer.


Uma lágrima escorreu de seus olhos e ele a secou com os dedos e beijou
seus lábios.

— Não pare...

— Tem certeza? Podemos parar aqui, está tudo bem.

— Eu desejo você inteiro... Por favor.

Ele fechou os olhos e a beijou, tocou seu sexo, e estava molhada e


escorregadia e ele a estimulou com o dedo em seu clitóris, fazendo-a arfar
desesperada, porque estava muito mais sensível e inchada. e sorriu.

— Está pronta pra mim...

— Estou.

— Me quer?

— Eu quero...

Aaron gemeu, tocou seu membro ereto e dolorido, ardendo de desejo,


morrendo por estar naquela cama com ela, abrindo sua alma, escancarada.

Ele se posicionou em sua entrada e entrou levemente. Ela arfou e algumas


imagens tentaram vir a sua mente e arfou temerosa se movendo para fugir.

— Olhe para mim, minha loba, olhe para mim e saberá que sou eu te
amando com todo o meu coração.

Ela assentiu e empurrou o medo longe.

Ele penetrou-a, lentamente, fazendo-a se acostumar com seu tamanho,


abrindo-a e fazendo-a relaxar, dentro e fora, quase numa tortura e, quando a
preencheu totalmente, Clere estava arfando, sentindo, recebendo-o e algumas
imagens pipocaram na sua cabeça que ela não conseguiu parar, mas não
foram dos laboratórios.
Era de outro tempo, beijos, risadas, sexo, mas era bom, era quente, era
familiar. Ela piscou aturdida, era Aaron com os cabelos e a barba mais
compridos num ambiente à luz de velas. Olhou para ele, seus lindos olhos
verdes a olhavam intensamente, apaixonado.

Ela fechou os olhos fortemente e as imagens foram embora.

E, quando ele começou a se mover dentro dela, ela o amou, ficou


desesperada de medo que o perdesse, abraçou-o forte com a cabeça girando,
o coração descompassado.

Não entendia o desespero, talvez suas emoções desgovernadas, talvez sua


mente fodida a estivesse confundindo, mas ela o abraçou forte, gemeu e o
agarrou com tudo. Era bom, era prazeroso, era ele, dentro dela, em toda parte.
O guerreiro forte e maravilhoso estava a amando e ela não queria soltá-lo
jamais.

Ele moveu-se mais algumas vezes, entrando fundo e ela gemeu alto e
disse seu nome novamente. Ele a beijou, sufocando seus gemidos, e então ele
se desfez dentro dela, soltando seu gozo e seu prazer, soltando sua alma.

Aaron rosnou alto e forte, que ressoou no quarto e sem controlar ele
soltou sua magia e a onda poderosa do seu lobo derrubou algumas coisas
dentro do quarto, as cortinas voaram, e Clere olhou para a onda colorida e
então as lágrimas caíram, ela estava arrebatada.

Não podia ser nada, apenas um descontrole, o arco-íris era lindo e ela
tentou tocar com a mão e era pura energia, seu coração estava transbordando,
ela engoliu em seco tentando se controlar, mas não conseguiu, pois a emoção
era forte demais.

Aaron, respirando erraticamente, suado e perdido no mundo, se escorou


em seus cotovelos envolveu sua cabeça e acariciou suas têmporas secando as
lágrimas que escorriam pelas laterais de sua cabeça e ela o olhou com os
olhos cintilantes.
Ele beijou lentamente seus lábios.

— Você está bem?

Ela assentiu, porque não conseguia falar.

— Eu te machuquei?

Negou.

Ele respirou fundo e olhou ao redor e nem ele mesmo conhecia a tal
magia desgarrada de seu corpo. Ele gemeu, porque suas presas crescidas
doíam.

— Pelos deuses, sentiu isso?

Ela assentiu.

— Pode me sentir, querida?

— Eu sinto.

E ela estava perdida de medo que ele partisse, e ele leu seus pensamentos.

— Não vou a lugar nenhum, Clere, nem agora, nem nunca.

— Mas...

Ele não a deixou falar, beijou-a.

— Tudo vai ficar bem, prometo.

— Não imaginei que era assim.

— O que imaginou?
— Bom...

Ele sorriu e beijou seu nariz.

— Fico contente que gostou. Que pude afastar seus temores.

Ele fechou os olhos e acariciou sua bochecha num carinho de lobo, lento
e delicioso. Clere o abraçou forte, suspirando.

Aaron girou na cama e a trouxe para deitar em seu peito.

E ambos desejaram jamais sair daquela cama, se soltar de seus braços, ela
chorou silenciosamente e ele somente a abraçou o máximo que pôde para que
ela soubesse que era ele.

Deus, ele pensava que seu coração sairia pela boca, pois era realmente
intenso o que seu corpo sentia, o sofrimento que era evitar reivindicá-la, seu
coração arrebatado que ele mesmo teve vontade de chorar.

E ambos ficaram calados somente sentindo, e assim como Aaron, Clere


sentiu também, as presas alongadas e doloridas, desejando reivindicar. Isso
foi outra coisa nova que a arrebatou. Ficou assustada com tal coisa, ela queria
reivindicar seu lobo.

Ela queria reivindicar Aaron e isso a chocou como o inferno, pois agora
ela sabia o que era ser amada e cuidada. E queria reivindicá-lo como
companheiro, isso era algo grande. E estava fodida.
“Aquele que luta com monstros deveria tomar cuidado para não se tornar
um.”
(Friedrich Nietzsche)

Ilha de Paxos, Grécia.

— Vamos explorar sua loba, Clere, vamos ver o quanto de dor pode
suportar e quanto de força pode nos dar. Espero que sobreviva, porque as
outras lobas não o fizeram.

Os guardas abriram a cela e entraram para pegá-la, os sprinters tinham


jogado aquela droga miserável e ela estava dormente, tentou fugir e agredir
os guardas, em vão.

Quatro guardas entraram na jaula e cada um agarrou seus braços e


pernas e a levaram fora da sala.

Clere podia ouvir os rosnados de Naya, Shay e Catarine, das outras


celas, pedindo que a soltassem, que não a machucassem. Tentou se soltar
lutando contra a inconsciência, então se debateu o mais que podia puxando
seus braços e chutando com os pés, mas a colocaram sobre uma maca em
uma sala médica e o medo a tomou.

— Por favor... me soltem, por favor, me deixem ir, por favor! Não!

Eles colocaram uma espécie de mordaça metálica que a impedia de


morder com suas presas alongadas e aquilo ficava entre seus dentes e
trancava sua mandíbula e seus gritos eram abafados.

Suas garras estavam alongadas e ela tentou arranhar, mas logo seus
braços e pernas foram presos com fortes correias de ferro grosso na cama.

Com os olhos arregalados e com medo do que viria, ela tentou lutar e
gritar, mas estava contida e seu corpo tremeu com a forte descarga elétrica
que a coleira que estava no seu pescoço deu.

Ela tremeu, girou os olhos e, quando parou, sentia todo seu corpo
queimar e formigar e a dor era atroz e todas suas forças se foram.

Injeções foram aplicadas, tubos de líquidos que não sabia o que era
foram injetados em suas veias e a última coisa que viu foi o cientista pairar
sobre ela.

— Agora, Clere, seja uma boa menina e vamos iniciar seu novo ciclo de
testes. Temos grandes planos para você.

Então veio a dor, terrível e excruciante.

E a imagem virou para uma imensa sala de metal e havia sangue e gente
morta para todo lado, e seus próprios gritos quase a deixaram surda.

Clere gemeu e sentou-se na cama, arfando, com o rosto banhado nas


lágrimas e suor e colocou a mão na barriga, olhando desesperada para ver
seus cortes, mas não havia nada.
Ela olhou ao redor e tentou se localizar, mas sua cabeça girava e seus
olhos estavam embaçados.

Aaron estava dormindo pesadamente ao seu lado, sereno e maravilhoso,


tinham viajado até Paxos e entrado no hotel como um casal, ficando no
mesmo quarto. Aquilo seria um grande passo para sua nova relação que
estavam descobrindo.

Ela levantou e cambaleou até o banheiro, caiu de joelhos, vomitando no


vaso sanitário, depois gemeu, contorcendo-se e se arrastou até conseguir se
escorar no balcão da pia, arfava tentando respirar, apertou as têmporas com as
mãos em punho e gemeu.

Então seus olhos cintilaram e suas garras alongaram.

Ela fechou os olhos e tentou dominar a confusão de sua cabeça, flashes


pipocavam na mente, gritos ecoavam dentro da sua cabeça, o cheiro de
sangue e drogas pareciam tão reais que embrulhavam seu estômago e sua
loba saltava dentro dela, furiosa.

Clere tomou um copo de água e saiu. Quando chegou ao quarto, tudo


girava e algo se desligou dentro da sua cabeça. Ela precisava de ar, sair,
correr ou sufocaria.

Calçou os tênis de correr, mas não retirou a camiseta longa até as coxas
que usava e assim, com as pernas nuas ela saiu na sacada do hotel que ficava
no primeiro andar, e saltou sobre o balaústre caindo silenciosamente no
térreo.

Olhou ao redor e tudo estava escuro e silencioso, as luzes da recepção do


hotel estavam distantes e ninguém poderia vê-la. Então correu para a praia,
sem rumo, sem propósito, além do apaziguar a raiva imensa que tomava
conta dela.

Ela correu pela praia até chegar ao final, saltou algumas pedras e entrou
num pequeno bosque, saltando os arbustos, desviando das árvores e, quando
chegou ao bairro com asfaltos e casas, saiu correndo pelo asfalto e parou
numa esquina. Não havia movimento, carros passando, pessoas, nada, devia
ser alta madrugada.

Ela gemeu e apertou as têmporas, nenhum alerta de perigo contra sua


pessoa fazia algum efeito na sua cabeça, muito menos o bom senso. Mas
devia voltar ao hotel, não era uma boa ideia entrar na cidade daquele jeito e
naquela hora.

Logo começou a voltar e, antes de entrar no bosque para voltar à praia e


chegar ao hotel, parou e olhou para o bairro com as ruas escuras e era
aterrorizante, pois nada de bom poderia vir dali.

Arfando pelo cansaço, olhou ao redor, com seus sentidos ligados e lhe
chamando a atenção que algo estava errado, sua pele pinicou e o sangue
correu mais rápido em suas veias, o coração fora do prumo.

Alerta de perigo, cheiro de medo. Então, seus ouvidos aguçados captavam


algumas vozes, um som de música, meio longe, gente rindo, e ela tentou
separar os diversos sons que vinham de todas as direções e focar em um som
em especial, gemidos e gritos abafados, medo e terror.

Ela reconheceu aquilo, rosnou com os olhos cintilantes e correu. E ao


entrar num beco da rua, entre os prédios, ela avistou três homens atacando
uma mulher contra a parede de tijolos e jogando-a no banco de trás de um
carro e um deles entrou.

— E aí, gracinha, vamos, não seja resistente, somente vamos brincar um


pouquinho — um disse, aterrorizando-a e rasgando sua roupa.

Ela gritou, mas uma mão tapou a sua boca.

A visão nojenta e sabendo o que aconteceria, desencadeou uma raiva


bruta em Clere e ela somente reagiu.

Rosnou alto, que ecoou pela noite, suas garras e suas presas alongaram
querendo sangue.
Ela correu e rosnou furiosa, bateu no peito do homem que estava do lado
de fora, que nem sequer teve tempo de perceber sua presença, ele voou pelo
beco batendo na parede de tijolos e caiu desmaiado com o peito sangrando.

O outro olhou para ela com os olhos arregalados e ela rosnou para ele,
que gritou como uma menininha histérica, o que só irritou Clere, porque era
um covarde. Ele bateu numas caixas que estavam no beco, jogando nela,
como se surtisse algum efeito.

Ela saltou sobre ele, cravou o punho cerrado no seu peito, que o
atravessou até as costas, e rosnou na sua cara.

O homem com sangue saindo de sua boca, olhos arregalados de medo,


arfou num último suspiro.

Em um puxão, Clere tirou a mão do seu tórax e ele tombou no chão sem
vida. Ela se virou para carro com a mulher ainda gritando. Cerrou o punho e
deu um soco no vidro traseiro do carro estilhaçando-o. O homem se assustou
e a mulher gritou histérica.

Clere rosnou, com os olhos cintilantes, agarrou o homem pelo pescoço e o


puxou para fora, jogando-o e ele rolou pelo chão, com cortes e arranhões.
Abriu a porta traseira do carro num supetão, arrancando a porta, fazendo a
mulher gritar e olhá-la com os olhos arregalados.

— Saia daqui, agora! — Clere disse com a voz aterrorizante.

A mulher, em choque, com as roupas rasgadas e o rosto banhado em


lágrimas, com sangue escorrendo da sua boca, não se moveu.

Clere a pegou pelo braço e puxou-a para fora. Abriu a porta da frente e a
fez sentar-se no volante.

— Saia daqui e vá para casa, agora. E você nunca me viu, ouviu-me? —


disse com a voz grossa e animalesca.
A moça assentiu, desesperada, e com as mãos trêmulas ligou o carro e
saiu da rua cantando os pneus.

Lentamente, Clere se virou olhando para os dois homens, que,


cambaleantes, se levantavam sem entender o que os tinha atingido.

— Agora, seus vermes, a conversa é só comigo.

Clere cintilou os olhos, lentamente suas garras e presas ferozes alongaram


mais do que já estava.

Os dois homens arregalaram os olhos e olharam ao redor para tentar achar


um jeito de escapar, mas teriam que passar por ela, pois o beco era sem saída,
o que não parecia nada promissor.

— Gostam de machucar as mulheres, seus vermes humanos? Bem, podem


tentar comigo agora.

Um dos homens gritou histericamente borrando-se de medo.

— Hum... tsc... tsc... Covardes medrosos, mas, para subjugar uma mulher
arrancando sua dignidade, se sentem grandiosos. Bom, tenho uma notícia
para vocês: odeio estupradores.

Clere rosnou furiosamente e saltou do início do beco até o final


alcançando-os, cravou as garras em um, em sua barriga, ergueu-o do chão e o
jogou sobre os tonéis de lixo. O outro não conseguiu se mover e somente
gritou e arfou quando ela cruzou suas garras sobre seu peito e rosnando
furiosa em sua cara, rasgou-lhe de cima a baixo.

Ensanguentada e respirando fortemente, com sua raiva reverberando,


brutal e poderosa, solta ao redor dela, somente ficou olhando, com prazer e
raiva e então rosnou alto e uivou e, para sua desgraça, sua mente se apagou.
Aaron acordou com um gemido doloroso, gemido dela. Quando viu que
Clere não estava na cama, saltou e correu até a saleta que dava para a varanda
e ali estava ela. A visão o chocou.

Ela estava em pé em frente à porta de vidro, que dava para a praia e


tremia.

Usava a camiseta comprida até as coxas, com o tênis, mas estava


ensanguentada de cima a baixo.

— Clere! Está ferida?

Ele foi à sua frente e ela estava com o olhar parado olhando pela vidraça e
para o mar e não respondeu.

— Clere!

Ele a sacudiu levemente pelos ombros e ela piscou lentamente e respirou


fundo e o olhou.

— O quê?
— O que aconteceu? Onde estava? De onde é esse sangue? Machucou-se?

Ela baixou o olhar e olhou suas mãos e seus dedos estavam alongados, as
garras salientes. E havia muito sangue, por toda ela.

— Não sei.

Aaron olhou a porta do quarto e viu que estava fechada, olhou o balaústre
e viu que tinha marcas de sangue, havia pulado ali.

— Por Hell.

Foi até ela novamente e a trouxe até o sofá e a fez sentar.

— Você saiu?

Ele olhou suas mãos, mas não havia ferimento nenhum, pelo menos
nenhum corte aparente.

O sangue-púrpura e grosso estava nos cabelos, rosto, seu peito e pernas,


braços totalmente cobertos dele, gotejando no chão. Suas feições se
retorceram, tentando se lembrar de voltar na forma humana. Ela abriu a boca,
exibindo suas presas e gemeu em agonia.

— De quem é esse sangue, Clere?

— Não me lembro.

— Precisa se lembrar. Talvez nem seja uma pessoa que você machucou,
um animal talvez? Você saiu do hotel?

Ela forçou sua mente a se lembrar, e flashes apareceram.

— Há uma linha tênue entre vingança e justiça — ela sussurrou.

— O quê? — perguntou sem entender.


— Quero ser generosa e boa, mas tenho raiva no meu coração. Mesmo
que não me lembre direito do que eu fiz, eu sinto raiva, ódio e culpa. E eu
não sei direito quem eu feri, mas havia uns homens.

— Por que se culpar?

— Culpa por não salvá-las.

— Quem?

— As mulheres estão lá fora, sendo atacadas pelos homens maus.

Ele trincou os dentes, estava começando a entender o que ela pode ter
visto e feito.

— Você viu um homem mau atacar alguém?

— Estupradores merecem morrer. Por mim devem ser mortos. Imagina


quantos homens sobrariam no mundo se todos os estupradores que fazem,
fizeram ou vão fazer fossem mortos? De cem sobraria uns cinco. Como os
homens podem ser tão desprezíveis de fazer aquelas coisas com uma mulher,
com uma criança?

Um ódio se abateu sobre ela. Queria poder matar todos eles.

— Eu só a salvei. — Seus olhos brilharam, sua expressão foi ficando mais


selvagem quando estendeu a mão e passou pelo rosto limpando uma lágrima,
mas se sujou mais de sangue. — E eles deviam morrer por isso.

O sangue e sua dor eram uma afronta ao animal rosnando dentro dele. Ele
sentia seu lado selvagem ameaçando assumir o controle, a liderança.

Aquela era sua companheira. Não importava que ele não a tivesse
reclamado ainda. Ela era sua, e que os deuses o ajudassem queria ele mesmo
matar os bastardos.
Ele sentia o cheiro de sua dor, o corpo dela estava tenso com o sofrimento
que circulava por todo seu corpo. A cabeça dele girou, os misteriosos olhos
verdes piscaram com raiva viva enquanto a fitava.

O cheiro do medo e raiva era uma afronta aos seus sentidos, o


conhecimento de que a tinham ferido e ferrado com sua cabeça fez o animal
dentro dele gritar de raiva.

— Entendo sua raiva, mas não pode sair por aí e matar estupradores,
como uma renegada ou justiceira.

— Alguém precisa fazer isso. Que mundo é esse? A polícia só chega


depois que o crime foi cometido, que a pessoa foi assaltada, agredida, morta
ou estuprada. E daí, como vai resolver? Tem que parar essas pessoas antes de
cometerem os crimes.

— Como pode fazer isso, querida?

— Sei lá, por acaso esse tal Oráculo não serve pra nada? Diga quem vai
cometer um crime e vai lá e prende essa raça bandida e impede que
machuquem mais mulheres. Nem todas conseguem se defender e fugir. A
prisão não cura ninguém da maldade, e somente infla seus demônios. Um
estuprador não tem cura, não se redime.

— Eu sei e entendo, mas você não pode. Um dia pode ser pega e ser presa
e daí o que faremos, Clere?

Ela respirou fundo.

— Acho que tem razão, em partes.

Ele sorriu, mas seu coração estava perdido de terror no peito.

— A crueldade faz parte da existência, e de um jeito ou de outro nós


temos que conviver com ela, nos proteger e nos cuidar, mas vamos sofrer
com ela, e morrer por causa dela. Sendo lobo ou humano, temos que aprender
a conviver com isso.
— Eu sinto culpa por não poder salvá-las.

— Não tem culpa disso, Clere.

— Se eu não faço nada, então tenho culpa. Eu deveria fazer justiça, por
elas, a polícia não faz e a lei não faz. Alguém precisa fazer isso, e... as
crianças... precisam ser protegidas.

Ela respirou fundo e fechou os olhos esfregando fortemente as têmporas


tentando se lembrar.

— Sim, lembro-me vagamente do que houve agora. Eu vi três homens


atacando uma mulher. Foi isso. Salvei-a e os ataquei, mas não consigo me
lembrar se os matei.

— Bem, pela quantidade de sangue sobre você, acredito que os feriu e


muito. Foi perto daqui?

— Não sei, acho que foi no bairro, na cidade, havia prédios.

— Fazer justiça com as próprias mãos pode trazer uma boa parcela de
alívio. Entendo o que é querer vingança, já bebi dessa taça. Mas não podemos
deixar que a sede de vingança nos envenene a mente.

— Tenho a impressão de que isso é confuso na minha cabeça. E quer


saber? Não me importo. Só quero que estes vermes sumam da face da Terra e
são muitos. Em toda a parte, no vizinho, nos lares, nos becos, nas estradas.
Dentro de casa, maridos estupram as esposas, as filhas. Quem deveria
proteger as crianças e amá-las são cruéis e as estupram. Eu não ligo para estas
pessoas que têm essa demência, essa mente deturpada e podre de infligir
poder e dominação, que veem as mulheres como nada... Alguém tem que
fazer justiça! — falou entredentes. — Aqueles homens nos laboratórios, a
maioria deles eram casados, Aaron. Tinham família, filhas. Que tipo de
homem tem uma esposa e filha e se mostra um homem honrado de família,
mas fora dele estupra crianças e tortura pessoas?
— Eu entendo e concordo, mas quem te machucou não está mais aqui...
estão mortos. Noah matou todos. Acabou.

— Parece que eu não sou tão boazinha assim como tenho me mostrado.

Aaron olhou para suas mãos ensanguentadas e lentamente pegou suas


mãos e tirou de seu rosto.

— Está confusa, querida.

— Sim, minha cabeça está confusa.

— Não se transformou em loba, pois está vestida.

— Sim.

— É sonâmbula?

— Não que eu saiba. Mas... tenho tido clarões e memórias confusas que
fazem minha cabeça doer, pesadelos. Às vezes, correr ou fazer algum
exercício me acalma.

— Alguém te viu, alguém te seguiu?

— Não me lembro.

— Está tudo bem. Guarde suas garras, vamos, volte à humana.

Ela respirou fundo e suas mãos voltaram ao normal e seus olhos pararam
de cintilar e suas presas diminuíram.

Ele orou aos deuses para que ninguém a tivesse visto daquele jeito, pelo
menos que quem a viu estivesse morto.

Isso lhe causou um arrepio pela espinha. Tinha que protegê-la melhor,
aquilo foi uma loucura sem fim.
— Pode ter tido um sonho ruim que a fez sair, mas seria bom se lembrar
de quem é esse sangue, se é daqui perto ou não, se essa pessoa pode te
reconhecer... se está viva.

Ela assentiu e ficou pensativa.

— Quando se está desesperada e quer somente ser livre e se livrar do


tormento, de tanta dor, chega num ponto que perdemos a prudência. Acho
que estou louca.

— Não está louca. Está tudo bem, você vai ficar bem.

Uma lágrima escorreu e ele passou o polegar secando-a.

— As pessoas não sabem demonstrar bondade? Não há bondade em


nenhum lugar?

— Há bondade, mas há muitas pessoas realmente más.

— Por que aquelas pessoas me odiavam tanto? Por que odiavam minha
loba?

— Porque eram realmente estúpidas. Como alguém pode não gostar de


você, de sua bondade, de sua beleza, de sua loba? Você é mágica, Clere, é
linda e tenho certeza de que sua loba é maravilhosa, porque somos uma raça
linda e não temos que ter vergonha do que somos. Pobres de espírito e
ignorantes são aqueles que nos temem e nos ameaçam. Humanos temem o
desconhecido, não suportam a força e a magia.

— Parece que os homens odeiam as mulheres, por quê?

— Não suportam ver uma mulher forte e maravilhosa, querem destruir. A


humanidade é assim, temos que sobreviver. Nunca deixe que depreciem sua
loba, é linda.
— Eu não gosto de minha loba, quando penso nela... eu não me lembro
dela, não me lembro que cor são meus pelos, se minhas mechas são nas
costas ou na barriga, eu nem me lembro quando a vi alguma vez. Só sinto
raiva quando penso em me transformar, não quero.

Aaron estava horrorizado, nem sabia o que dizer.

— Sinto muito, querida, mas tenho certeza de que sua loba é linda,
perfeita e um dia esse trauma vai passar, você vai ficar bem e pode trazer sua
loba de volta e, então, vamos correr juntos no bosque, em Kimera, na praia e
será muito divertido.

Ela chorou e ele chorou com ela e beijou sua testa e a abraçou.

— Eu só quero um lugar seguro que tenha um pouco de esperança e paz.

— Está segura e em paz comigo.

Ela o olhou e aquela desolação e desalento estava ali de novo. Aquele


olhar que ele odiava.

— Estou segura?

— Sim, está, mas não pode sair sozinha e fazer estas coisas que fez hoje,
precisa me prometer que não sairá mais assim. Pode prometer isso pra mim?
Vamos deixá-los lá fora e agora aqui, estamos só eu e você. Seguros. Vamos
tomar um banho e descansar, está bem? Está segura comigo. Juro-te.

Ela respirou fundo e assentiu.

— Promete que não sairá mais sozinha para correr?

— Prometo.

— Vamos àquele banho.

Ele pegou-a no colo e seguiu para o banheiro, depositou-a


cuidadosamente no chão e foi tirando sua roupa.

Então, ele ligou a ducha e a colocou embaixo e entrou no boxe com ela.

Pegou o sabonete líquido, despejou nas mãos e começou a lavá-la, e com


o xampu lavou seu cabelo. Secou-a com a toalha, a pegou no colo e a levou
para a cama, deitou-a e a abraçou e ela deixou-se descansar em seus braços,
como sempre, era um bálsamo.

— Durma, querida, estou aqui, vamos descansar e amanhã será outro dia.
Lidaremos com o que vier.

Ela fechou os olhos e ficou quieta, mas sua cabeça rodopiava e demorou a
se apaziguar.

Ele acariciou seus cabelos, respirou fundo e beijou sua testa.

— Durma agora, amanhã falaremos.

Ah, como seria difícil! E Aaron não tinha ideia de onde estava se
metendo.
Quando acordou, Clere estava em seus braços, piscou aturdida o olhando
dormir placidamente.

Ela sorriu tristemente e teve pena dele.

— Não imaginou que seria guarda-costas de uma doida, não é, príncipe?


— sussurrou.

Ela ficou olhando seu lindo rosto, então seu olhar deslizou pelo seu corpo
nu e o lençol lhe cobria o quadril.

Tão forte e másculo e sorriu ao ver que seu pé ficava para fora da cama
porque era muito alto.

— O que está fazendo aqui, príncipe?

Clere respirou fundo, se escorou no cotovelo e ficou ali, divagando e o


olhando.
Ela ainda não entendia o que ele estava fazendo ali, seguindo-a para
aquele passeio. Mas estava contente por tê-lo. Ele poderia ter sentimentos tão
fortes suficientes para ficar com ela e esquecer de buscar sua companheira de
alma? Depois da noite anterior, se ele não a largasse ali e voltasse para
Kimera, seria um milagre.

Sentiu um formigamento percorrer seu corpo e gemeu baixinho trincando


os dentes. Era uma sensação horrenda e desconfiava que o que tinha era um
frenesi, tinha visto nos lobos e só devia ser aquela porra toda. Ficar perto dele
somente fazia piorar, mas franziu o cenho com isso, porque não era acasalada
para ter um frenesi tão forte. Mas tudo nela era descontrolado.

Ela levou a mão pelo seu braço musculoso e o tocou com a ponta dos
dedos, mas temeu que ele acordasse. Tocou cada tatuagem que ele tinha e
amou todas. Eram tão lindas. Ele era lindo, cada parte dele.

Ela o queria como seu companheiro, mas somente precisava encontrar um


meio de ele ficar.

Tentando ignorar fortemente sua libido aflorada gemeu porque seu sexo
se contraiu.

— Merda!

Ela levantou cuidadosamente para não o acordar, mas quando se virou ele
estava com os olhos abertos, olhando-a, e foi como ligar o interruptor do
desejo, impossível de fugir.

— Bom dia.

— Bom dia.

— Tudo bem?

— Sim.

Não estava, o queria.


Sem nenhum pudor, porque parecia que algo tinha avivado dentro dela,
um lado selvagem seu, ela voltou para a cama, sentou escarranchada em seu
quadril e o beijou.

Aaron gemeu a beijando de volta e com a mão na sua nuca a puxou mais
para ele e aprofundou o beijo, sedento e desejoso.

Clere afastou os lençóis e ambos estavam nus. Beijou sua mandíbula, seu
pescoço e ele rosnou alto quando ela mordeu e lambeu seu mamilo.

Ela desceu beijando seu corpo e ela parou olhando seu membro, olhando
com calor e questionamentos, então ela o tocou com a mão, sentindo-o.

Ela não disse uma palavra, mas ele imaginou e leu alguns pensamentos
desconexos na sua cabeça. Clere estava curiosa, lutando com o prazer e a dor
na sua cabeça.

Ela o olhou e ele rosnou quando massageou sua ereção para cima e para
baixo e sentir sua mão era mais que delicioso, era mais do que esperava.

— Posso fazer o que fez comigo?

Ele rosnou desesperado e assentiu, então, lentamente ela lambeu seu


membro. Aaron viu estrelas, sentiu seu mundo girar.

Ela estava o mesmo tempo tímida e selvagem, quebrando seus próprios


limites, lambeu-o, massageou-o e arriscou colocá-lo na boca e ele quase teve
um orgasmo, porque sentir sua boca quente foi demais para aguentar. Com
um sorriso malandro, ela o sugou fortemente, então subiu sobre seu quadril
novamente e beijou sua boca.

Ela estava selvagem e ele amou aquilo, linda e poderosa sobre ele,
tomando o que queria, soltando-se e tentando conhecer o sexo de uma outra
forma. Era um presente que não imaginou que ganharia. Sua loba estava
cheia de desejo e queria tomar. Surpreendente e fascinante.

Ele acariciou seus seios em suas mãos e ela fechou os olhos para sentir.
— Monte-me se me deseja, Clere. Tome o que quer.

— Deseja-me?

— Sempre.

Ela o beijou e ele deslizou as mãos pelas suas costas e sua bunda,
fazendo-a roçar seu sexo em sua ereção e gemeu. Estava quente e ele ficou
louco.

Clere ergueu-se e o olhou e ele entendeu o que ela queria, ele agarrou seu
membro e posicionou-o em sua entrada e ela, no seu tempo, o tomou.

Aaron fechou os olhos porque o queimava de tão quente que estava.

— Clere, minha Clere.

— Não me deixará?

— Nunca, você é minha.

Mas o que ele viu não parecia contente, parecia que ela não acreditou nas
suas palavras. Precisava falar a verdade. Ele rosnou quando ela se moveu
com mais força, cavalgando-o e cravou as unhas em seu peito, fazendo-o
rosnar.

Ela o montou como queria, trazendo o prazer para os dois enquanto ele a
acariciava em seus seios, sua cintura, suas costas e seu traseiro ajudando-a a
montá-lo, aumentando seu prazer, mostrando que amava tocá-la, que amava
seu corpo, que amava estar com ela.

O sexo foi alucinante, ela se soltou, trouxe o orgasmo para ambos e


exausta e alucinada pelo prazer que conheceu, tombou em seu peito, nem
sequer conseguiu controlar suas presas ou seus olhos cintilantes, assim como
seu rosnado feroz. Com muito custo, segurou um uivo de regozijo.
Aaron estava com seu cérebro frito e não conseguia raciocinar, abraçou-a
fortemente tombada em seu peito, ainda dentro dela.

Ele retirou os cabelos de seu rosto e beijou sua testa. Então, cansada, ela o
olhou e beijou seus lábios, lhe brindando com um sorriso tímido misturado
com um malandro.

— Eu amei isso — ela sussurrou e ele sorriu e beijou seus lábios.

— Você é maravilhosa. Estou feliz que esteja vindo para mim, pequena.

— Também estou feliz.

— Precisamos de um banho.

— Que tal juntos na banheira?

— Adoraria.

Ela beijou seus lábios e saiu para o banheiro e Aaron ficou ali, confuso,
inebriado e apaixonado.

Fez uma leve oração aos deuses, porque ele estava no céu.

Clere se olhou no espelho e suspirou, estava louca, amada, apaixonada,


mas algo estava bem errado na sua cabeça, mas que tudo se danasse, somente
queria viver e ser feliz, com ele.

Ela colocou a banheira para encher e ele a acompanhou no banho e se


renderam às carícias novamente, como se nunca pudessem cansar um do
outro, ter tudo um do outro.

Era tarde quando pediram almoço e ela limpou o sangue que havia no
quarto. Ele chegou do banheiro de banho tomado e sentou-se à mesa.

Clere mordeu o pão de pita com carne e queijo derretido e ele não tirava
os olhos dela.
Paralisou quando ele se inclinou e lentamente passou o polegar em seus
lábios limpando o queijo derretido, um arrepio desceu pela sua espinha pelo
carinho que pareceu tão fácil e espontâneo, e ela não conhecia nenhuma
sensação assim, não que pudesse se lembrar.

— Tinha um pouco de queijo aqui.

Ele lambeu seu dedo tão sedutoramente que a mente de Clere deu um
baque.

— Obrigada por cuidar de mim ontem à noite e desculpe se te deixei


preocupado.

— Sempre vou cuidar de você.

A cabeça dela girava pelo grande guerreiro, porque a tratava com tanto
encantamento, era generoso e paciente, amoroso e sexy como o inferno.

Ela pegou o celular e procurou as notícias dos jornais da manhã.

— Ai, Jesus...

— Achou algo?

— Se o alfa vir isso vai arrancar minha cabeça.

— O que foi?

— A polícia encontrou os corpos esquartejados e estripados.

Aaron se engasgou com o café e a olhou com os olhos arregalados.

— Você esquartejou os homens?


— Bem, contando que havia um braço de um lado e a cabeça de outro, e
tripas para todo lado, pernas para outro, acho que é esse o termo.

— Pelos deuses!

— Mas não há pista nenhuma, nem falaram de uma moça que tenha me
visto, nada, parece que não havia câmeras na rua por ali e ninguém viu nada.

— Graças aos deuses! Acha que ainda podem aparecer?

— É possível, mas rezarei para que não. E que seja abafado, aqui diz que
parece ser um ataque de um grande animal, que não tem rastros ou pistas.

O celular tocou e ela quase o derrubou pelo susto. Quando viu que era
Erick que ligava, soltou o celular sobre a mesa e olhou para Aaron com os
olhos arregalados.

— É Erick! Será que ele viu a notícia? Estará me caçando?

— Atenda e, se ele disser que soube, diga que não...

— Não o quê?

— Sei lá, diga alguma coisa. Que não estamos em Paxos, estamos em
outro lugar.

— Fale você. Você é uma autoridade, diga qualquer coisa e ele acreditará.

Ele riu da bobeira.

— Eu falo com o Erick como, aqui nessa coisa? — Ela riu. — Está
achando isso divertido?

— Não, estou rindo de nervoso. Aperta aqui e fala com ele, como se ele
estivesse na sua frente.
Ele rosnou e colocou o celular na frente da boca e ela pegou sua mão e
levou ao ouvido.

Quando Erick disse “olá”, Aaron rosnou e olhou o aparelho e Clere riu
mais.

— Vamos, responda, ele pode te ouvir.

— Vejo que não está usando seu celular, tio, está desligado.

— Não precisava dele.

— Certo — disse rindo e suspirou. — Como está a viagem?

— Perfeita, Clere está se divertindo.

E rasgando bandidos.

— O senhor está se divertindo?

— Sim.

— Precisam de alguma coisa?

— Não...

— Ok, onde estão?

— Em Kardamyli, algo assim.

— O senhor e Clere estão se dando bem?

— Muito bem.

— Muito bom, se precisarem de algo me chamem.


— Ligou para isso?

— Somente para saber se estão bem.

— Estamos perfeitamente bem.

— Ok, falarei para o alfa.

— Ok.

— Adeus, tio.

— Adeus.

Erick desligou e ele olhou para Clere.

— Ele não sabe, senão tinha gritado e rosnado.

Clere respirou aliviada com a mão no coração.

— Jesus amado, foi por pouco.

— Prometa-se que não fará mais isso.

— Prometo. Mas eu tenho muita raiva dentro de mim, minha ira foi mais
forte e parti para cima deles sem dó. Talvez tenha exagerado partindo-os em
pedaços, mas não podia permitir que estuprassem aquela garota. Pode ter sido
errado, mas não me arrependo, aquela garota estaria morta ou com a mente
destroçada. Isso é imperdoável. A justiça faria o quê? Nem prenderia os
vermes e a moça estaria marcada para sempre e amanhã eles estuprariam
outra mulher. Minha loba não permitiu, ela é muito forte.

— Todos os lobos são fortes, você tem que saber lidar com ele, tem que
controlá-lo. Todos nós temos que encontrar o equilíbrio. Somos dois seres
num corpo e podemos controlar.
Ela respirou fundo.

— Acha que estou com alguma espécie de TDI?

— O que é isso?

— É um transtorno de identidade dissociativa, cria múltiplas


personalidades.

Isso a estava matando, podia sentir. E isso que tinham apagado muitas de
suas memórias.

— Não sei te responder, não conheço esses termos modernos.

— Mais de uma personalidade, que varia de acordo com meu humor... ou


dor. Numa hora, sou a Clere sonsa; e na outra, uma besta desgovernada que
não controla seus próprios pensamentos, desmemoriada.

— Talvez.

— Louca, resumindo.

— Você não é louca, só precisa se curar dos seus traumas. Foram muitos
anos. Com o tempo vai passar. Sua cabecinha está confusa, mas vai ficar tudo
bem. Vamos cuidar disso. Você precisa ser forte, Clere.

— Estou cansada de ser forte.

— Tudo bem, querida, não há problema nenhum em cair, mas somos


lobos e mesmo que fiquemos um tempo estirados no chão, precisamos
levantar, rosnar e nos proteger... morder umas gargantas se precisar.

Ela riu e esfregou os olhos cansados e ele a puxou para si fazendo-a


sentar-se em seu colo e a abraçou.

— Farei.
— Ótimo. Você é uma guerreira e mesmo ferida, vai se levantar e seguir
em frente.

— O ser humano é provido de uma mente sombria e, quando o colocam


em uma situação de poder, onde ele pode dominar, ele mostra sua verdadeira
face. Dê a situação e ele se revelará — ela sussurrou.

— Isso parece ser uma visão bem pessimista da humanidade.

— Acredite, eu conheci o lado mais perverso e cruel dos humanos.

— Há pessoas boas, generosas, que possuem empatia pelos outros.

— Já se vingou de seus inimigos?

— Sim, eu fiz, e por isso que estou te dizendo. Primeiro deixei a dor me
consumir, então depois veio o ódio. Busquei a vingança. Então veio mais
ódio e dor.

— E o que escolheu seguir, sua dor ou sua paz?

— Eu escolhi a paz.

— Se tivesse escolhido a dor e sua raiva, o que teria acontecido?

— Eu não estaria aqui, estaria morto e nunca teria a encontrado.

— Valeu a pena?

Ele beijou seus lábios.

— Cada minuto.

— Então devemos honrar cada minuto e vamos encontrar felicidade e


paz. Acha que podemos?
Ele sorriu emocionado e tocou sua face com a ponta dos dedos.

— Se estivermos juntos, sim, podemos.

— Podemos deixar o que aconteceu ontem em segredo entre nós?

— Noah não olha na tevê o que acontece na Grécia?

— Bom, sim, de vez em quando, oremos que não hoje ou nos próximos
dias.

Clere nem conseguia respirar, sentindo as mãos fortes e enormes dele


passeando pelo seu corpo, no gesto de acalmá-la.

Ele pegou um pedaço de carne, molhou no molho e colocou na frente da


sua boca e ela abriu e olhando-o nos olhos comeu, sugando seus dedos no
processo.

Ele rosnou de satisfação.

Como era bom ser mimada por ele. Ele representava tudo de novo,
esperança, alegria, proteção. Era lindo e perfeito.

Ela acariciou sua barba macia, pegou um pedaço de carne e deu a ele, que
apreciou o gesto como uma carícia bem no coração e assim um alimentou o
outro entre beijos e carícias, lentas e deliciosas. E foi divino.

— Por que me olha assim, pequena?

— Sabe, eu tenho a impressão de que o conheço de muito tempo —


sussurrou. — Parece-me tão familiar. Quando o vi naquele dia da guerra,
minha mente chegou a parar e, quando o vi vindo em minha direção, foi
como um déjà vu.

Aaron sentiu seu peito inflar e o coração desgovernado batia no peito.

— Talvez, de outra vida.


— Outra vida? Nós lobos temos outra vida?

— Bem, os celtas acreditavam que podemos viver mais de uma vida.

— Sério? Acha que eu o vi em outra vida? Mas... você não teve outra
vida.

Aaron sentiu a garganta embargar e acariciou uma mecha do seu cabelo.

— Muitas coisas são possíveis nesse mundo.

Como queria contar a verdade a ela, deveria fazê-lo, estava chegando o


momento em que os véus deveriam cair e todas as verdades fossem reveladas.
Em breve, o faria, mas apesar de estar amando tudo, mantinha a preocupação
sobre seus traumas e seus surtos.

Eles se beijaram longamente e Clere se assustou quando o celular tocou.

Gaguejando, ela atendeu.

— Oi... oi, mãe. Sim, es-estou bem, está tudo bem. Não, eu estava
distraída e me assustou, nada de mais.

Clere pensou que estava ligando porque viu algo no jornal sobre os
cadáveres, mas não, somente para saber se estava bem.

— Tudo bem, mãezinha, não se preocupe, está tudo bem, hoje vamos
passear na praia, são belíssimas e estou me divertindo. O príncipe? Bem... ele
está bem. Sim... ele é muito respeitoso. — Ela sorriu olhando para ele, que
rosnou baixo. — Não, ele não foi rude nem me obrigou a fazer nada que eu
não quisesse. É um cavalheiro... Não se preocupe, eu estou muito feliz,
prometo. Ok, beijos. Sim, ligarei, prometo.

Ela desligou e respirou fundo.

— Se eu acreditasse que existe um inferno, eu iria para lá. — Ela riu e ele
fez o mesmo.

O evento com os humanos foi esquecido, pelo menos não fizeram mais
nenhum comentário e Clere cuidava das notícias e o tal animal não foi
encontrado e nem a moça apareceu para testemunhar.

Ela não se importava em nada com os defuntos, porque não ligava que
tinha matado os bastardos estupradores. Os humanos podiam investigar o que
fosse, mas nunca chegariam até ela. Porque os lobos não possuíam nem o
sangue e nem um DNA considerado humano. Os testes dariam inconclusivos.
O que preocupava eram as imagens, mas não acreditava que tivesse alguma.

Eles foram para a praia e ficaram estirados nas espreguiçadeiras


divertindo-se.

— Por que as pessoas ficam deitadas desse jeito? — Aaron perguntou


confuso olhando algumas pessoas na praia e a eles mesmos.

— Para se bronzear.

— Bronzear?

— Tomar sol, ficar moreno do sol, fazer marquinhas, fica bonito estar
bronzeado, é sexy.

— Hummm...

Ele assentiu como se entendesse, tirou a camiseta e deitou-se na


espreguiçadeira.

Clere sorriu e bebeu do seu coquetel que tinha um guarda-chuvinha


vermelho e algo delicioso dentro com morangos.

Deitada na espreguiçadeira na areia da praia privada do Paxos Beach


Hotel, com a vista deslumbrante do mar, ela não sabia dizer se a beleza maior
estava no mar na sua frente ou deitada ao seu lado em outra espreguiçadeira,
usando óculos de sol, somente com uma sunga preta de praia.
Ela quase riu, porque o melhor era os dois, ele na praia. E aquela não
parecia uma cena usual para Aaron, mas ele estava parecendo estar relaxado e
contente, aproveitando tudo tranquilamente, mas sempre atento, e isso a
deixava muito feliz.

Ele estava pegando uma cor dourada pelo sol grego e isso somente o
deixava mais lindo do que nunca.

Tinha tomado uma cerveja gelada e respirado com prazer ao se


espreguiçar e despojar dois metros de corpo delicioso naquela pequena praia
paradisíaca.

Clere o olhou e sentiu desejo, seu corpo estava levemente dolorido pelo
sexo da noite e pela manhã, mas não se importou, era diferente e bom, estava
tão emocionada, tinha conhecido o paraíso e agora precisava mais.

— Está na hora de irmos ao quarto tomar um banho, está me dando fome


— ele resmungou.

— Como quiser, está delicioso aqui, mas eu quero pintar meu cabelo hoje,
então vai demorar um pouquinho para irmos ao restaurante.

— De novo?

— Sim, mas garanto que não perderemos o famoso pôr do sol de Paxos.

— Ok, vamos dar um mergulho naquela água ali primeiro.

Ele saltou da espreguiçadeira e a pegou no colo e ela riu tirando o chapéu


e os óculos e o dele e, às gargalhadas e gritinhos, ele correu para a água se
jogando com ela e rindo.

Clere se agarrou ao seu pescoço quando mergulharam e ele rosnou


emergindo com ela em seus braços.
Doce céu. Eles estavam num sonho lindo e não queriam acordar jamais.
Não queriam voltar a nenhuma realidade, queriam criar um mundo deles,
novo e lindo.

Após o banho, ambos saíram da água de mãos dadas. Ela pegou seu
chapéu e bolsa na espreguiçadeira e seguiram para o hotel.

Clere estava meio constrangida e aprendendo a lidar com o fato de


estarem no mesmo quarto de hotel. Aquilo os tinha tornado um casal e estava
amando tal coisa. Se fosse para ter um conto de fadas, teria tudo o que
merecia.

Ela só tinha medo de que, em alguma badalada noturna, seu conto de


fadas acabasse e ela virasse a gata borralheira de novo ou as sirenes da polícia
saltariam sobre ela.

Não era fácil ter a sua cabeça ferrada, mas estava contente demais para
esquecer os beijos e a vontade de estarem juntos. Havia se formado uma
ligação forte demais entre eles, mas sabia que era somente algo temporário,
porque ela ainda tentava se convencer de que era um flerte legal de
companheiros de viagem, e como ela estava a fim de curar sua cabeça fodida,
seus traumas e se divertir, Aaron era mais do que bem-vindo.

A questão era que a proximidade era irrevogável e, mesmo com ressalvas,


ela desejava ficar com Aaron. Devia conquistá-lo para que não fosse embora.

Após pintar os cabelos, ela saiu do banheiro, parou no meio do quarto e o


avistou na sacada olhando para o magnífico mar Jônico. O dia estava tão
perfeito, de um azul tão belo, que se misturava com o azul esplêndido do mar
e o emoldurava com perfeição.

Ele estava usando uma calça jeans que mostrava uma bunda deliciosa e
coxas musculosas e uma camiseta preta justa que agarravam seu corpo forte e
grande e ele tinha feito um rabo de cavalo. Ela suspirou ao admirá-lo.

Suas costas largas e musculosas e de braços cruzados no peito o deixavam


numa pose imponente e perigosa e ela amava.
Um lobo tão majestoso e imponente e um homem tão honrado e
carinhoso. Como alguém pode não gostar dos lobos?

Quem imaginaria que ali num hotel da Grécia haveria um casal de lobos
de verdade? A Grécia era mágica na sua mitologia, mas nenhum humano
poderia sequer imaginar que naquele país havia tanta magia de verdade, o
príncipe e ela ali, tantos outros na Ilha dos Lobos e uma alcateia enorme em
Creta.

Pena que os humanos não conseguiam ficar felizes com sua existência,
odiavam-nos e isso lhe trouxe tristeza em seu coração.

Gostaria que fossem amigos e pudessem ir e vir sem ter que se esconder e
ela ter que usar lentes de contatos para esconder seus olhos.

Ele não escondia, porque não havia modernidade que o fizesse colocar
algo em seus olhos, então, usava os óculos escuros o tempo todo ou os
mostrava.

Ele sentiu sua presença, se virou e eles ficaram se olhando ao longe.

Seu coração deu um tombo no peito, parecia que sua saudade dela nunca
mais findaria e esperava que pudesse viver mais mil anos ao seu lado,
desfrutando dela de todos os jeitos, mimando-a para fazê-la feliz.

Então, Clere veio até ele com um doce sorriso.

Deus, ele amava seu sorriso e seu jeito doce e quente!

Ela parou na sua frente e ele pegou sua mão, beijou seu dorso e depois
beijou sua bochecha e apareceu suas covinhas que ele amava.

— Seu cabelo está rosa — comentou com um sorriso, espantado.

— Sim, ficou legal, não ficou?


Ele riu e tocou docemente uma mecha, sentindo sua textura e enrolando
em seu dedo.

— Hum... Sim, ficou interessante. Parece aquele algodão-doce que se


encontra nos parques de diversões. O que mostraram ontem na TV.

— Comparação interessante. É doce.

— Sim, doce... como você, e me dá certas ideias.

— Ideias? Tipo o quê? Quer comer algodão-doce?

Ele rosnou e ela riu.

— Era outra coisa, mas você com lábios de sabor algodão-doce me parece
delicioso. Não imagino como é o sabor, mas deve ser bom.

Ela riu e o abraçou pela cintura e suspirou encostando-se em seu peito e


ele a abraçou.

— Somente precisamos encontrar um parque de diversões e comprar o


algodão-doce para que eu possa comer e deixar meus lábios doces.

— Então me deixará beijá-la?

— Sim. Mas nada impede que o faça agora. A não ser que não queira.

— É o mesmo que me perguntar se quero uma carne assada e uma caneca


de cerveja. Só que você é como ambrosia. Um doce que jamais poderei ficar
sem na minha vida.

— Eu também não.

Ele a beijou docemente e ficaram ali, somente abraçados.


A mente de Clere voou numa bruma de sonhos e o gosto dos seus lábios a
deixou tonta, então sua mente vagou para um lugar distante e diferente.

Estavam cavalgando juntos num prado belo e verde e ela ria feliz ao
estar na frente de Aaron que cavalgava um cavalo branco.

Ela estava segurando um arco e flecha numa mão e a rédea na outra.

Então se aproximaram de um bosque fechado e ela saltou do cavalo num


salto de loba estupendo e caiu no chão com uma leveza que Aaron admirou e
ele saltou também e correu atrás dela.

Ambos entraram no bosque e seus pés na terra e na relva pareciam uma


pluma, pois não faziam barulho.

Ela se embrenhou atrás de umas moitas e avistou sua presa, Aaron


espiou atrás dela e com o arco ela mirou no cervo e atirou, acertando-o. Ela
riu e o olhou com os olhos amarelos brilhantes e ele sorriu de volta.

— Bela pontaria, minha alfa.

— Precisamos de mais dois cervos, Alteza.

— Que tal os pegarmos como lobos?

— Hum, por que acho que está testando minhas habilidades? — zombou.

— Eu? Por que faria tal coisa? Tenho certeza de que as outras
habilidades de minha companheira, que ainda não conheço, são perfeitas
como sua pontaria e... a maneira que me toca.

Ele deslizou o dorso dos dedos em seu braço desnudo até onde chegava a
braçadeira de couro que ela mantinha nos pulsos até o cotovelo.

Riu divertida.
— Bem, Alteza, eu tenho certeza de que me esmerarei ao seu contento,
mas vai ter que se esmerar para me agradar.

— Te darei o mundo que quiser, companheira.

Ela riu lindamente, roubou-lhe um beijo de seus lábios e se transformou


em loba, uma linda e majestosa loba de pelagem cor de pérola com pequenas
mechas marrom nas orelhas, cauda e ancas, e correu pelo bosque.

Aaron, vendo a sua loba, riu de deleite que encheu seus olhos de prazer,
ele se transformou em lobo e correu atrás dela.

No primeiro momento, eles somente estavam brincando de correr um


atrás do outro, rosnando, uivando e saltando entre as árvores.

Divertiram-se como nunca, acariciaram-se com os carinhos de lobos em


suas faces, depois espreitaram um cervo, o caçaram e o agradeceram aos
deuses.

Após colocar os servos nos alforjes dos cavalos, voltaram para a alcateia
onde naquela noite seria preparado um banquete, onde haveria festa, muita
cerveja e dança ao redor da fogueira.

Os amantes estariam na festa, onde estariam unindo os lobos de Kimera


com os da alcateia e, no dia seguinte, Aaron levaria parte de sua alcateia
para Kimera e dali uns dias levaria o restante e sua alfa, Kleiri Haugen, alfa
da alcateia escandinava, ao sul da Noruega, para Kimera para ser
apresentada ao rei, como a companheira do beta, selando seu compromisso
na cerimônia do seu acasalamento.

Clere arfou, se soltou dele e deu um passo atrás, olhou para Aaron com os
olhos arregalados e ficou paralisada.

— Clere, você está bem?


— Hum... não sei, sim, estou bem, mas eu... Foi estranho, eu estava me
lembrando de algo.

— Algo que te fez sofrer?

— Não... foi algo maravilhoso e tão bonito, mas não era real, porque era...
eu e você, mas era em outro lugar, outra época, eu estava vestida de roupas
de couro, tipo essas que usam em Kimera. Foi um sonho, isso, eu estava
sonhando acordada. Como vi das outras vezes.

Aaron se esticou e respirou fundo.

— Essas memórias ou esse seu sonho te deixaram feliz?

— Sim, muito feliz.

Porque estava com ele e o coração dela batia tão cheio de sentimentos e
euforia, mas sua cabeça confusa não entendeu exatamente o que estava
acontecendo.

— Você só me dá boas memórias, Alteza, mas era um sonho, pois não era
real.

— Um bonito sonho.

— Eu dei para sonhar acordada agora?

O coração de Aaron tombava no peito quando ela lhe chamava de Alteza,


porque era assim que sua Clere de outra vida sempre o chamava, mas eles já
não eram aquelas pessoas. Ele segurou sua mão e beijou a palma e sorriu
emocionado.

Sim, Vanora tinha mexido com suas memórias, que tinha misturado tudo.
Senhores dos céus, que bagunça que tudo tinha ficado!
Ao entardecer, eles foram caminhar na Praia de Mongonissi, uma das
pequenas de Paxos, e era realmente deslumbrante.

Sentaram na varanda rústica do restaurante à beira da praia e as mesas


quadradas de madeira eram cobertas por toalhas xadrezes e era tudo simples,
mas muito agradável.

As mesas ficavam na sombra de várias oliveiras, árvores frutíferas


características da ilha, onde produziam o azeite de oliva tão especial da
Grécia.

Pediram cerveja e alguns camarões empanados para petiscos e as


insuperáveis e deliciosas azeitonas gregas, verdes e pretas que pareciam
derreter na boca, temperadas com óleo, alecrim e pimenta.

Clere tinha descoberto que amava frutos do mar, azeitonas e queijos, tanto
quanto Aaron. Lobos eram mais chegados à carne vermelha, mas, naquela
praia, na beira do paraíso, com a brisa quente que os brindava como um beijo
de amante, com o pôr do sol avermelhado no horizonte, nada mais perfeito
que frutos do mar e, claro, uma cerveja gelada.
Ela colocou uma azeitona na boca e gemeu de prazer.

— Hum... isso é delicioso. Sabia que a produção de azeitonas era a base


na civilização Minoica? Uma das mais importantes da Grécia antiga? Já
produziam azeite de oliva em 3.800 a.C.

Ela foi pegar mais uma, mas Aaron segurou sua mão sobre a travessa e
ela o olhou espantada. Sem tirar os olhos dos dela, ele afastou sua mão,
pegou uma azeitona e lentamente ofereceu diante de sua boca.

— Abra — sussurrou rouco, que fez um calafrio atravessar a coluna de


Clere.

Ela engoliu em seco e seu estômago revirou. Ele ia fazer aquilo de novo?
Alimentá-la? Na frente de todos?

Lentamente, ela abriu a boca e ele colocou a azeitona em sua boca e ela
fechou os lábios e ele não retirou os dedos, aquele movimento fez com que
ela agarrasse seus dedos com os lábios e ele puxou devagar e gemeu de
prazer.

Era uma tortura deliciosa e o prazer era gigantesco e ele lambeu seus
dedos para sentir o sabor da oliva e dos seus lábios que era um maldito
afrodisíaco, então não resistiu, se aproximou e beijou seus lábios, invadiu sua
boca e mordeu a azeitona em meio à dança erótica de sua língua e se afastou.

Ele colocou aquele sorriso malandro no canto da boca e ela ficou


chocada, extasiada e derretendo na cadeira.

Então, Clere mastigou a azeitona e engoliu com dificuldade antes que


engasgasse, sem tirar os olhos dos dele.

Aaron fez de conta que nada aconteceu, pegou sua cerveja e bebeu, jogou
outra azeitona na boca e respirou fundo com ar de vencedor, olhando o mar.
Clere rosnou baixo em sua garganta e apertou os punhos porque uma
enorme excitação atravessou seu corpo, mas se controlou e respirou fundo,
tomou um enorme gole da cerveja gelada, o que fez Aaron sorrir mais.

O demônio estava jogando com ela, e estava ganhando, porque ela ficava
chocada com seus movimentos e atitudes sem nenhum aviso, deixando-a
tonta.

— Esse lugar é muito bonito, por que o escolheu na sua lista de lugares?
— perguntou despreocupado.

— Bem, apesar de ser pequeno é um dos lugares mais lindos. E é ao lado


de Corfu, que podemos ir para conhecer.

— Ok.

— Paxos é muito bela e é a segunda maior das Ilhas Jônicas, é tranquila,


pois não há muitos turistas nessa época do ano, e achei que gostaríamos de
privacidade.

— Sim, eu gosto.

— Pelas fotos vi que aqui o pôr do sol é realmente mágico e tem o melhor
ouzo e mariscos também, além disso que estamos comendo.

— Ouzo? O que é isso?

— Um licor grego com um forte sabor doce e cheiro de alcaçuz. É


produzido a partir da fermentação da casca de uva e de graduação alcoólica
alta, muito parecido com o Arak, além disso, é adicionado ervas e especiarias
como o anis.

— Hum... Provaremos.

O garçom trouxe mais cerveja e dois copos de ouzo e Aaron ficou


olhando para os copos, curioso.
— Parece um copo de leite de cabra com água.

Clere riu e quase se engasgou com o gole de cerveja que bebia.

— Sim, pode parecer mesmo, vamos provar?

— Ok, se eu morrer envenenado a culpa será sua, saiba que o preço de


matar o príncipe de Kimera pode ser bem ruim.

— Tipo o quê, cortariam minha cabeça?

— Acho que sim, após arrancar-lhe os braços e as pernas.

Ela riu, pegou o pequeno copo e esperou ele pegar o dele.

— Vamos lá, quem toma sua cerveja forte não deve ser pior que isso.

Ele riu e ambos tomaram em dois goles da bebida e Clere tossiu e bateu
no peito e Aaron riu e os dois caíram na gargalhada.

— É delicioso, mas forte.

— Eu também gostei — disse tossindo novamente. — Se ficarmos


bêbados essa noite podemos dormir naquelas espreguiçadeiras.

Aaron riu e balançou a cabeça, comeu um camarão e saboreou com gosto,


realmente estava gostando demais daquilo tudo.

— Vamos somente em lugares aqui na Grécia?

— Bem, por enquanto sim, pois quero conhecer tudo aqui, é tão lindo que
parece que nunca terei o bastante, mas em outro momento poderemos ir a
outro país, gostaria de conhecer a Itália, talvez conhecer o Brasil, tenho um
primo, Gael, que é o alfa da alcateia de lá. Mas no momento não queria
abusar do presente que os alfas me deram comprando passagens exorbitantes.
— Tenho dinheiro, pode ir onde quiser.

Ela sorriu emocionada.

— Obrigada, aprecio muito sua oferta.

Então ele a surpreendeu e a beijou novamente e, quando soltou de seus


lábios, ficou o observando.

Oh, Deus, todos os lobos beijavam como ele? Não importava, porque só
queria os beijos dele. Só esperava que sim, porque toda mulher deveria ser
beijada daquela maneira.

Pela primeira vez em muito tempo, ou talvez era a primeira, sentia-se


feminina, poderosa, porque conseguia sem esforço tomar toda a atenção dele.
No começo, ela não tinha notado isso, mas agora notava e gostava, e
começou a perceber que ele tinha sido assim desde o início, mas não tinha
reparado.

O garçom chegou e limpou a garganta e Aaron se afastou dela e ela sorriu


sem jeito, encabulada de ter sido pega em algo tão pecaminoso.

Ela riu com o pecaminoso, era só um beijo e sabia que era normal
humanos beijarem-se em público, mas ela não era acostumada.

Clere ouviu um rosnado baixo e o olhou. Aaron estava olhando para o


garçom, que estava parado na frente deles a olhando com olhos cobiçosos,
um tanto paralisado, mas não era nem depravado, era admirando a beleza. Ela
sorriu e Aaron rosnou novamente e, dessa vez, o garçom piscou aturdido,
olhou para ele e ao redor.

Clere riu baixinho e o cutucou nas costelas com o cotovelo. Aaron deu
um gemido baixo, lhe deu sorriso e passou os dedos pelos cabelos, e quando
olhou para o garçom depositou os pratos sobre a mesa e a olhou novamente,
um olhar rápido para o brutamonte ao seu lado e o moço quase saiu correndo.

— O assustou.
— Não conhece o que é estar assustado, mas estava desejando você.

Então ele gentilmente pressionou seus lábios nos dela, deslizou sua língua
ardente e ávida, explorando as cavidades sensíveis da sua boca.

À medida que o beijo se aprofundava, Aaron segurou seu queixo e ela


passou a mão em sua nuca, entrelaçando os dedos em seus cabelos e
puxando-o para obter mais dele.

Como se seus lábios fossem preciosos, como se estivessem quase


desesperados para ter tudo um do outro, importantes demais para deixar para
lá, mas gostariam de estar em um lugar mais reservado, afinal, nem sabiam
mais onde estavam, em que tempo ou espaço.

Quando ele finalmente se afastou, sem fôlego, deixando-a aquecida, seu


olhar permaneceu fixo no seu e Clere juraria que um tornado havia passado
em sua mente, que havia um ímã poderoso os atraindo, quase impossível de
desviar o olhar.

Ela passou a língua nos lábios molhados do beijo e podia sentir o peito
doer e ouvir as batidas descontroladas de seu coração.

A única coisa que queria era que não parasse.

Senhor, que a acudisse, porque ela não estava tentada a ser acudida.
Atenas

Aaron achou melhor irem embora de Paxos, embora não tivessem


nenhuma pista do que havia acontecido. Paxos era um lugar pequeno e as
pessoas ainda comentavam das mortes dos três homens aos cochichos, mas a
autoridade da cidade parecia estar tentando abafar o caso para não afastar os
turistas, porque, por um milagre, tinham identificado os homens como
criminosos de muitos delitos.

Clere não estava com medo e nem arrependida do que fez e ele também
não se importava, mas somente queria protegê-la, então voltaram para a casa
de Kira.

Aaron estava do lado de fora da porta do banheiro, ouvindo a água do


chuveiro cair e Clere cantarolar docemente enquanto se banhava.

Ele esfregou a testa e respirou fundo, com os olhos fechados.


Não aguentava mais mantê-la sem saber, sabia que ela estava se
entregando com seus sentimentos por ele e sabia que tinha que dizer, talvez
isso fosse um grande passo, mas tinha medo que ela se afastasse. Mas
companheiros desejavam estar juntos e eles estavam juntos, em muitos
níveis. Só que Clere estava sofrendo, pois ele tinha lido alguns de seus
pensamentos de que tinha medo que ele a deixasse quando encontrasse sua
companheira de alma.

Ambos ficaram tão fascinados com a descoberta de uma atração física


entre eles, fascinados que seus corações estivessem abarrotados, que Aaron
tivesse alcançado a loba ferida e ela tivesse o permitido entrar em seu coração
e o pensamento de dividi-los com outras pessoas bateu forte.

O despertar dos instintos primitivos de seus lobos, da luxúria louca e


atrativa e dos fortes sentimentos, que eram tremendos em seus corações, já
eram suficientes para que tudo fosse esclarecido.

E, agora, na cegueira em que ela se encontrava, o amor desabara de uma


só vez sobre ela e ele percebeu um sentimento de desespero que começava a
crescer dentro dela e machucá-la.

Foi desencadeado no pensamento de ele deixá-la para a sua companheira


e ele devia acabar com aquilo de uma vez, pois era a hora de reivindicá-la.

Estivera cega o suficiente para acreditar que se tratava de amizade ou


simples desejo e que ele estava ali por qualquer outro motivo, mas não, era
por ela.

Ele abriu a porta e entrou, se escorou na pia do banheiro, cruzou os braços


e ficou admirando Clere tomar banho através do vidro. Quando o viu, ela
titubeou e ficou sem jeito.

A forma como ele a olhava sempre era um misto de desejo com


admiração, seus olhos ficavam brilhando e ele sempre tinha aquele meio
sorriso que ela simplesmente amava.
Ela se aproximou do vidro do boxe, soltou seu ar quente esfumaçando um
círculo e, então, com o dedo desenhou um coração e sorriu.

E ela teve certeza de que seria capaz de fazer qualquer coisa por ele, para
ele lhe brindar com o mais lindo sorriso que já viu na vida.

— Sabe, pequena... se continuar mais tempo aí vai acabar a água da casa


e eu ficarei sem banho — ele disse divertido.

Ela riu e mordeu o lábio.

— Bem, eu gosto de água, às vezes tenho a sensação de que senti muita


falta dela.

— Sei.

— Eu poderia dividi-la com você.

— Oh, e o que eu fiz para merecer tal presente? Um pouquinho de água


quente? — Ela riu de novo e ele sorriu lindamente.

— Posso te pedir algo, um presente?

— Pode.

— Sempre sorria para mim.

Ele respirou fundo. Pensou que pediria algo material como presente, mas
ela pediu seus sorrisos. Pelos deuses, ele lhe daria o mundo se pudesse e ela
tinha todos seus sorrisos.

Ele não a esperou mudar de ideia, deu um passo à frente e tirou a


camiseta deixando-a perdida e esquecida em algum lugar no chão e então,
lentamente, desfivelou o cinto e sem tirar os olhos dela tirou a calça jeans e
os sapatos.

Ela foi para trás e deu espaço para ele entrar e fechar a porta do boxe e,
quando ele chegou até ela deixou que a água o banhasse, então olhou-a com
aquele olhar quente que quase a desmontava.

Ele acariciou suas bochechas e soltou de seu rosto e lentamente a puxou


para se escorar em seu peito e, quando ele a abraçou, foi outra avalanche de
emoções.

Aaron se aproximou lentamente e depositou seus lábios nos seus. E o


mundo se apagou, girou e deixou não somente Clere tonta como a ele
também.

Então gentilmente pressionou seus lábios nos dela para abri-los, deslizou
sua a língua em sua boca e a beijou ardentemente, deslizou seus lábios pela
sua mandíbula, seu pescoço e com a voz rouca e a respiração entrecortada
sussurrou ao seu ouvido:

— Eu devo confessar algo a ti.

— O que é? — indagou sem fôlego.

— Os seus lábios serão os únicos que beijarei nessa vida, nunca haverá
ninguém mais, porque desejo que somente tu estejas comigo, hoje e sempre.
Você é minha e eu sou seu para sempre.

Clere arfou e se afastou, olhando-o e ficaram assim por um longo minuto


e a mente dela rodopiou nas lembranças.

— Você... você disse que...

— O que eu disse?

— Que... era o meu príncipe, meu companheiro...

Ele ficou paralisado, havia dito isso no dia terrível da cozinha.


Clere tocou o pescoço confusa com as imagens que pipocaram na sua
cabeça, mas de forma confusa, sem ver tudo plenamente, mas a imagem dele
dizendo que era seu companheiro e estava ali para salvá-la de algo ruim foi
nítida.

— Do que se lembrou?

Aaron parou de respirar, não queria que se lembrasse do que ela tinha
feito.

— De estarmos na cozinha de casa, eu estava confusa, mas você estava ali


e falava comigo.

— Só se lembra de estar confusa?

— Sim, porque eu estava confusa e sofrendo por algo e não sei o que é.
Está um tanto embaralhado na minha cabeça. Devo ter me lembrado de coisas
ruins ou tive um pesadelo, mas então você estava ali...

— Sim.

— Eu devo ter desmaiado, foi quando você me levou para Kimera.

— Eu levei.

Ela ficou o olhando seriamente, tentando encaixar as peças.

— Por que está aqui comigo? Por que veio na viagem comigo? Tem me
rondado, me abordado com suas visitas há muito tempo.

Aaron sentiu seu coração dar uma parada e a garganta embargou. Era o
momento.

— Eu fiz. Desde a guerra.

Ela se lembrou e arfou olhando-o com os olhos arregalados.


— Você disse que era o meu companheiro?

— É porque é verdade.

— O quê?

— Eu tenho te buscado e te esperado há muito tempo, foram muitos anos


de solidão sem ti, alguns desencontros bem infelizes. No começo pensei que
era uma tolice de menina, mas o Oráculo estava certo. Você é minha
companheira, minha companheira de alma. Os deuses me presentearam com
você, e estou imensamente grato.

Clere o olhava em choque.

— O quê?

— É por isso que estou aqui, que tenho estado todo esse tempo,
navegando perdidamente desesperado nas suas lembranças, tentando te
proteger do mundo que a atormenta, de suas próprias memórias e tentando te
conquistar, conquistar sua confiança e seu amor. Mostrar-te o grande amor
por ti que guardo no peito.

Ela tocou seus lábios, aturdida.

— Sou seu companheiro de alma, Clere. Fomos criados para estarmos


juntos.

— Repita isso.

— Eu, Aaron Nordur, rei do reino dos humanos, príncipe e beta de


Kimera, um shifter de lobo criado, sou seu companheiro de alma. Você foi
determinada como minha companheira pelos deuses há dois mil anos.

Clere não conseguia respirar, estava engasgada, seu coração estava


batendo tão forte, sua alma estava inflada e seus olhos marejaram.

Não conseguia balbuciar nada.


— Eu te esperei por dois mil anos, sofri, desesperei e resignei e então
sofri novamente. Em um momento desse tempo te encontrei e te perdi e
pensei que tudo estava perdido, mas os deuses me deram outra chance. Uma
tortura constante e prolongada. E agora sofro por ti, mas estou aqui por você.
Sinto meu coração sangrar quando te vejo sofrer; sinto uma alegria infinita
quando ouço sua voz; quando sorri, parece que vejo a estrela mais brilhante
bem na minha frente. Queria poder te mostrar o amor imenso que tenho no
peito. Queria poder te abraçar e venerar como a princesa e rainha que és.
Dona de meu coração e de minha alma. Sou um lobo cativo em suas mãos e
quero que me dê o seu coração, sua vida e suas esperanças, todos os seus
desejos, porque irei realizá-los todos, para te fazer feliz.

Clere estava em choque com aquela declaração bombástica. Estavam no


chuveiro e o homem simplesmente abriu seu coração para ela.

— Não pode ser verdade — sussurrou.

— Por que não? Sou tão horrível assim, que não gostaria que eu fosse o
seu companheiro?

— Horrível? Não... És perfeito e maravilhoso. Por que um deus daria uma


loba tão problemática a um ser tão valioso como você?

— Não sei quem meteu na sua cabeça que não é importante e que não é
valiosa, mas, acredite, para mim é valiosa e linda, inteligente, forte e nobre.
Eu, como um ser da realeza, acho que és perfeita para mim. — Clere não
conseguia respirar. — Você sabe, não sabe, Clere? Você sente aqui.

Ele colocou a mão sobre o coração.

— Somos companheiros? — perguntou emocionada e chocada.

— Sim.

— Mas... eu não...
— Sim, você. Porque você é digna de ser uma princesa, digna de ser uma
rainha. Digna de mim e eu espero ser merecedor de você.

Clere estava sufocada e sua garganta começou a doer porque a emoção e


confusão que sentia doía, no coração, a garganta queimava por segurar para
não chorar como um bebê, porque as palavras dele a atingiram tão forte que
sua mente girava.

Espantada e estupefata, não sabia o que dizer, pois tudo cintilava na sua
mente e a esperança de algo ter realmente sentido na sua vida era
maravilhoso.

Estava tão emocionada que não conseguia responder ou respirar.

Devia estar bêbada ou delirando, mas seu coração gritava que sim.

— Eu estarei contigo, sempre, e espero que um dia tenha sentimentos por


mim, assim como já tenho por você.

— Tem sentimentos por mim?

— Sim, já sabes.

— Tenho sentimentos também.

— Bom, então estamos indo bem.

— Realmente está contente de pensar que sou sua companheira?

— Sim, estou contente.

— Não se importa que eu seja problemática?

Ele deu de ombros, despreocupado.

— Bem, eu não sou uma pessoa sem problemas.


Ela engoliu em seco e suas lágrimas misturaram com a água do banho, e
lentamente tocou sua bochecha acariciando sua barba.

Aaron respirou fundo, segurou sua mão e beijou sua palma.

— Eu espero que esteja feliz.

— Nunca estive mais feliz na minha vida. Você está?

— Nunca estive melhor.

Ele encostou sua testa na dela e ficaram um momento assim, somente


sentindo e deixando a informação assentar em seus corações.

— Pensei que iria embora...

— Jamais vou te deixar, nunca, minha loba. Você é minha e nem a morte
pode nos separar. Posso te mostrar quão feliz estou?

— Pode. — Ela riu e fungou enxugando as lágrimas. — Mostre-me seu


amor, Alteza, que mostrarei o meu. Maior que o mundo inteiro.

— Eu nunca vou te machucar ou te deixar, nunca. Acredita em mim?

— Acredito.

Ela se jogou em seus braços, abraçando-o apertado, desesperada. Riu e


chorou ao mesmo tempo porque estava explodindo e Aaron respirou fundo
com os olhos fechados, deixando que a felicidade do momento os abraçasse.

— Somos companheiros?

— Sim, pequena, somos companheiros.

Ele a ergueu e ela o abraçou com as pernas e o beijou, regados pela água
quente e deliciosa que os banhava.
Ele rosnou pelo desejo e seu membro que estava ereto e pulsante,
gloriosamente excitado.

— Olhe como me deixa. Sempre louco por você.

— Está sempre assim.

Ele assentiu.

— Somente por ti. Estamos acasalados, pequena.

Ah, e agora ela entendeu a maioria das coisas que sentia em seu corpo.
Era uma loba acasalada e nem sabia. Por isso sentia vontade de reivindicá-lo,
quando suas presas cresciam, por isso as presas dele estavam sempre
crescidas, queria reivindicá-la.

Tudo fazia sentido e Clere finalmente entrou no seu conto de fadas,


verdadeiramente. E seu coração explodiu de amor por ele, livremente.

— Todo meu corpo é seu para tomar, minha pequena.

— Não consigo acreditar que somos companheiros... parece um sonho...

— Bem, então vou ter que te convencer. — Ela riu e chorou, pois era
difícil de acreditar. — Gostaria que eu fosse seu companheiro?

Ela passou as mãos para tirar a água e as lágrimas misturadas e suspirou.

— Eu amaria que fosse, já o é em meu coração. Tudo de mim é seu.

Aaron a beijou, deslizou pelo pescoço e colo e a olhou nos olhos e


suavemente deslizou a mão pelo seu peito e tomou seu seio na mão,
deslizando o polegar no bico do seu seio, eriçando-o.

Ela abriu a boca soltando o ar e arfou beijando-o loucamente.


— Todo seu prazer é o meu. Sua paixão será para mim, sua necessidade
de mim. Você é como uma virgem, amor, tão virgem e pura como qualquer
moça é antes de ter um marido, um amante. Vamos nos descobrir e crescer
juntos.

Ela piscou, emocionada, com suas palavras.

Sim, assim era e suas emoções descarrilharam. Ele era tudo o que ela
desejou e sonhou.

Ela tinha um príncipe aos seus pés.

Suspirou, emocionada, quando sentiu seu membro excitado sondar sua


entrada e rosnou com os olhos cintilantes.

Aaron estava ardendo. O fogo estava varrendo seu corpo, o pré-sêmen


vazando da ponta de seu membro, e ele jurou que o seu calor interno o
consumiria antes dele poder explodir dentro dela.

Era o mais primoroso, o maior prazer doloroso que ele conheceu em sua
vida.

— Inferno, eu amo quando você rosna assim, pequena, é tão quente.


Deixe-me te sentir quão quente está.

Ela suspirou e fechou os olhos. Deus, a voz dele rouca e sensual. Falando
lentamente era demais para gerir, mexia com sua mente e corpo e ela assentiu
porque estava queimando por ele.

Encorajando-se a deixar viver o prazer que ela queria conhecer.

Aaron deslizou as mãos pelas suas costas, desceu para seus quadris e
beijou seus lábios, encostou-a contra a parede e a penetrou lentamente, e ela
estava quente e escorregadia.

Ele deslizou a mão pela sua virilha e tocou seu sexo circulando o dedo em
seu clitóris, o que a deixou louca e se agarrou em seus ombros, gemendo.
Deus, como ele amou seus doces gemidos, como ela se permitia ser
tocada por ele.

Ele se movimentou dentro dela, entrando e saindo, empurrando-a contra a


parede, entrando fundo, tomando-a completamente.

— Quer continuar, minha preciosa? Quer que te mostre mais?

Ela assentiu, com a respiração entrecortada.

Aaron abriu a porta do boxe e saiu paro o quarto, sem se importar se


molhava o chão ou a cama. Ele tombou com ela sobre a cama e a beijou
profundamente.

Clere arfou quando sentiu o peso dele sobre seu corpo nu, e arfou
sentindo um pouco de medo, então ela abriu os olhos e olhou para os dele,
verdes e brilhantes, quentes de desejo e seu medo foi embora, porque era ele.

Seu companheiro de alma, e não podia acreditar que estava vivendo


aquilo, mas uma coisa ela teve certeza: o queria mais do que tudo na vida e
estava aberta a se arriscar e a sentir o carinho e desejo, pela primeira vez na
sua vida.

Mas ele nunca tinha conhecido tal prazer ou necessidade, tampouco. Isso
estava queimando dentro dele, roubando seu controle, deixando-o tão faminto
por seu beijo e seu corpo que ele tinha de cerrar os dentes para evitar
implorar por misericórdia.

— Eu posso morrer em seus braços, mas não quero me afastar, nunca.


Minha, minha loba.

Mudando seus quadris, ele moveu-se até que ele se ajoelhou na cama,
separando as pernas dela, e olhando seu sexo, deslizando lentamente o olhar
sobre seu corpo. Adorando-a e vendo como se movia dentro e fora dela.
Como era bela a união de seus corpos e sua conexão.
Ele deslizou mãos sobre seu seio, deslizou pela sua barriga e pelo seu
sexo, então olhou nos olhos e acariciou seu clitóris, fazendo-a se contorcer e
saiu dela.

Dono da situação, deslizou seus dedos dentro dela, sentindo-a quente e


molhada.

— Deseja-me, Clere?

Ela assentiu soltando a respiração e gemendo, quase desesperada.

— Shhh... — Ele a acalmou. — Não há perigo aqui, pequena. Apenas me


deixe amá-la.

Ele entrou nela novamente, se debruçou e tomou sua boca


profundamente, abafando seu gemido quando ele entrou fundo nela, rosnou
em sua boca e movimentou-se rápido e forte.

Ela se segurava em seus ombros, suas unhas raspando sua pele, o que o
fazia rosnar.

Seus quadris empurravam num movimento instintivo; na ânsia, o instinto


corria através dele, movimentando-se dentro e fora dela intensamente,
rosnando, arfando, lambendo e beijando.

— E eu estou com medo disso — sussurrou.

— Medo de quê? O que há a temer, querida? Mais prazer do que você


pode imaginar? Um homem que morreria por você?

Ela fechou os olhos e gemeu, porque a sensação era deliciosa e dolorosa.

Ele morreria por ela. É o que toda mulher sonharia ouvir. Ela tinha aquele
homem maravilhoso tocando-a e amando-a. Coisas que ela sonhou em ter e
pensou que não podia obter. Não foi o amor ou a devoção que a assustaram,
no entanto.
Foi que seu corpo reagia a ele de forma despudorada e o medo que
sempre pensou que nunca mais a abandonaria estava perdido em algum lugar.
Ela o desejava, não tinha medo que o queria dentro dela, tinha medo de
perder aquilo, perdê-lo, porque os alertas na sua cabeça não cessavam.

Queria tudo dele e o tinha, mas não entendeu porque o medo de perdê-lo
anda estava ali.

Ele lhe deu todo o prazer que conhecia, explorou seu corpo, chupou,
sugou e mordeu, suas presas cresceram e ela gemeu quando as sentiu roçar
seu mamilo dolorido.

O sabor dela deixou-o mais louco e rendido a cada segundo.

Ela rosnou e gemeu, agarrando os lençóis e sentiu suas presas crescerem.

Aaron ficava louco com ela, simplesmente rendido a ela. Deuses! Amava-
a debaixo dele, então ele a olhou enquanto ela respirava desesperada e o
olhou nos olhos. Ele beijou docemente seus lábios.

Havia perfeita sintonia entre eles, carinho e amor sendo oferecido


livremente.

Ele deu um leve sorriso a olhando, sua lobinha sexy, desmanchada em


seus braços, saciada e contente, tudo isso o deixava feliz.

O coração de Clere nunca bateu tão desesperado, um coração machucado


que acreditava ter murchado e morrido antes que soubesse o que era emoção
e amor, agora pulsava com um vigor.

Ela possuía uma alma quebrada, que jamais conheceu a necessidade que
tinha do toque de alguém até ele chegar. E ele pertencia a ela, seu
companheiro.

Ela possuía o homem, os seus sonhos, suas esperanças, suas batalhas e


fracassos. Ele esteve a esperando por tanto tempo, e era dela.
— Você é minha, Clere! — O rugido em sua orelha foi um rosnado, uma
forte e primitiva vibração de som que a fez tremer e gemer. — Lembre-se de
que você é minha... E eu pertenço a você.

— Sim... eu sou sua e você é meu...

Aaron enterrou seu rosto em seu pescoço, e ela o abraçou forte e ambos
rosnaram em um êxtase intenso, explodindo num prazer que os deixou com
as vistas nubladas, sentidos desgovernados e mente voando por um orgasmo
estupendo. O mundo todo pareceu rodar.

Ele girou na cama e a trouxe para deitar em seu peito, abraçando-a forte,
com os corações batendo forte.

Sua companheira, toda sua. Criada para ele. Presenteada a ele.

Sua mulher.

Ela estava nos seus braços e não a soltaria nunca mais.

Ele gemeu pela dor em seus dentes e passou a língua para senti-las,
grandes desejando mordê-la, e reivindicar a loba em seus braços. Ele faria,
em breve.

— Amo você, pequena — sussurrou fechando os olhos.

Clere arfou ao ouvir as palavras, um choque descomunal a atingiu em seu


coração e não respondeu, mas se aferrou mais a ele.

— Também amo você, Aaron — sussurrou e sorriu deitada em seu peito,


quando ele suspirou ouvindo suas palavras.

Sim, ela tinha descoberto o que era o amor, o amor verdadeiro.

Uma lágrima escorreu de seus olhos, mas eram de felicidade. Nunca


pensou que um dia choraria de felicidade.
Ele era um homem que sabia todos os movimentos certos do sexo. Um
lobo quente e sedento, com a paciência e experiência para deixar qualquer
mulher louca.

Um amante predador do passado que tinha quase desistido de encontrar


sua companheira, que tinha conhecido a solidão, por tempo demais. Que
havia deixado para trás suas loucas noites vazias. E era dela.

Ele tinha se resignado a esperar, ao ponto de chegar a não desejar mais


nenhuma noite de sexo com ninguém, porque ele somente desejava encontrá-
la e ser somente dela. Para ele, não havia maior prazer que segurá-la contra
ele, sentir as suaves e hesitantes pequenas mãos que o tocavam, seu corpo nu
sobre o seu.

Embora cada toque somente fazia crescer mais o desejo, ansiava por mais,
tudo dela. A pequena loba tocava sua alma, aquecia-a. Construía um fogo
dentro dele onde não tinha havido nada, a não ser um frio, um vazio, um
buraco, uma assombrada concha de um homem do que um dia fora.

E agora a tinha e ninguém jamais a tiraria dele novamente.

As mãos dele desceram por suas costas, até suas ancas, e voltaram a subir,
numa deliciosa carícia.

Somente ficaram ali, tombados e amados e o mundo se apagou e


dormiram daquela maneira, saciados, esgotados e presenteados.
Clere respirou profundamente em seu sono.

Ela estava sentada em uma cadeira forrada de peles, seu cabelo loiro
longo estava preso de forma antiga com frisos e tranças, que caíam sobre
seu vestido simples, mas que destacava sua posição social dentro da sua
aldeia.

Ao seu redor havia lobos e lobas, uns em forma humana e outros em


forma de lobos. Sua alcateia ficava no interior, cravada no meio dos bosques
longínquos da Escandinávia e com os pastos mais férteis para suas colheitas.

— Alfa, ele está aqui! — avisou um lobo afoito que entrou no salão.

Nervosa e, ao mesmo tempo, ansiosa, com o coração batendo


descompassado, ela se ajeitou na cadeira e fez sinal para que abrissem a
grande porta dupla do salão. Era construído em madeira, mas tinha o
requinte de alguém de posses para a época.
Então, o príncipe de Kimera adentrou, seguido de seu amigo fiel, Rainar,
e seus guerreiros. Lobos altos, fortes e poderosos, maiores do que os seus de
sua alcateia e vestidos com roupas mais antigas que as do seu tempo.

O príncipe usava uma armadura dourada, e uma espada na sua cintura


num coldre de couro e um machado magnífico com a lâmina grande e
curvada, brilhante e toda talhada com desenhos nórdicos, preso numa cinta
de couro nas costas.

Ele parou diante dela e fez uma reverência honrosa com a mão sobre o
coração.

Ela se encantara com sua cordialidade e respeito, porque ela é que


deveria fazê-lo por ele ser o príncipe dos lobos, mas Aaron Nordur era, além
de príncipe, um cavalheiro honrado e merecedor de toda honra e glória.

Ele a respeitava como alfa da alcateia e via a força nela, via a guerreira
forte que era e isso somente enchia o seu coração de amor por ele.

Um lobo que vivia em outro mundo e que poucos lobos acreditavam em


sua existência, já que não acreditavam que um lobo pudesse viver mais de
500 anos de idade, sendo que estavam no ano de 1.110 d.C. e era sabido que
os primeiros lobos criados existiram antes do ano de Cristo.

— Minha senhora.

— Seja bem-vindo novamente ao nosso humilde lar, Alteza — Kleiri disse


levantando-se e fazendo a reverência com a cabeça e uma mesura, assim
como todos os lobos presentes também o fizeram.

Aaron abriu o mais lindo e perfeito sorriso cheio de saudade e com fome
em seus olhos, que fez seu coração se revirar no peito.

— Não pude alongar mais minha ausência, minha senhora.

— Nosso dia se alegra com sua presença, é dia de festa e regaremos esta
noite com muita carne e vinho.
Os olhos de lobo cintilaram em apreciação de sua dama e de sua loba e,
mentalmente, ele falou com ela dizendo quanto a desejava em seus braços e
como estava saudoso.

Então, a imagem mudou e eles estavam em um quarto iluminado somente


por velas e tochas e ele a beijava loucamente, onde Kleiri correspondia com
semelhante fome e desejo.

— Senti sua falta, meu príncipe.

— E eu também, minha senhora. Diga-me que pensou e aceita minha


proposta.

— Sim. Eu aceito ser sua companheira. Eu falei com meu povo e iremos
com você para Kimera. O cerco dos humanos está se fechando e receio que
seja perigoso estarmos aqui por mais tempo, temo pelo meu povo.

— Seu povo estará seguro em meu lar... nosso lar. — Ela sorriu. — Está
pronta para se tornar minha princesa, minha companheira?

— Estou pronta. Ser sua companheira é o que mais desejo nesse mundo.

Eles se beijaram novamente e com suas respirações descompassadas


soltaram de seus lábios.

— Somente peço que espere nossa colheita acabar e então pode nos
buscar e nos levar para Kimera. Não podemos desperdiçar comida, pois
seria uma afronta aos deuses que nos abençoaram com abundância e fazer
caso ao trabalho de nossos lobos. Só mais uns cinco dias e estaremos
prontos para partir.

— O farei, e então virei buscá-la, definitivamente, sem mais delongas,


mas, esta noite, desejo-a em meus braços.

— Sou toda sua, meu senhor. Tens meu corpo, minha alma e meu
coração, para a eternidade.
— Para a eternidade.

Aaron a beijou intensamente e Kleiri desamarrou o cordão de sua capa


com a gola de peles e caiu no chão e, ávidos, tiraram suas roupas e se
amaram sobre a cama forrada de peles.

Kleiri escarranchada em seu quadril movia-se com fome tomando seu


lobo com paixão desenfreada, cavalgando-o e sentindo todo o prazer que ele
podia lhe dar.

Aaron tomou seus seios nas mãos e rosnou quando ela, sem parar de
mover-se sobre seu membro quente e poderoso, abaixou-se para tomar a sua
boca com fome, e a carícia que seus cabelos longos fizeram sobre seu peito o
deixou inebriado.

Ela era maravilhosa, sexy e dona de si e ela tomava o que queria, tudo
dele e ele amava.

Aaron rosnou, tombou-a na cama e saiu dela, virou-a contra a parede, de


quatro, e a penetrou implacavelmente, tirando gemidos altos e prazer dela,
então os olhos cintilaram e as presas cresceram e ele ficou mais ávido e
selvagem, e quando se debruçou sobre suas costas, mordeu-a em seu ombro.

Kleiri rosnou alto pela reinvindicação e exigiu a sua.

Os rosnados e o prazer dos seus sonhos atingiram Clere que gemeu e se


virou na cama, retorcendo as pernas como se estivesse sentindo as sensações,
acordou ofegante e aturdida, olhou ao redor para se situar e ver que estava no
quarto, na casa de Kira.

A luz estava acesa, como sempre, com o coração pulsante tocou seu
ombro e olhou para Aaron, espantada. Ele estava ao seu lado e dormia
tranquilo.
Clere estava suada e ofegante, tomou um gole de água do copo que estava
na mesinha de cabeceira e caiu na cama olhando para o teto.

O que diabos estava acontecendo com sua cabeça com aqueles sonhos?
Não conseguia entender.

— Sua louca. Clere, você está louca.

Sua mente ainda não tinha atinado que os sonhos tinham relação com a
alfa morta e com a companheira que ele perdeu, um detalhe importante que
ela ainda não tinha feito a conexão.

Ela suspirou e se virou para Aaron e sorriu. Como o amava, Aaron era seu
companheiro e ela o amava perdidamente.

Essa era a única coisa que tinha certeza na sua vida bagunçada.

Respirou fundo e foi tomar banho.

Aaron acordou e se moveu na cama e sentiu um frio, a falta de um corpo


pequeno pressionado contra o seu.

Sentou-se na cama rapidamente e olhou ao redor, inalou profundamente


para sentir seu cheiro e encontrá-la.

— Clere?

Ela tinha fugido? Se arrependido? Ele a tinha machucado? Ela tinha


saído sozinha?

O pavor tomou conta dele e saltou da cama quase desesperado.

— Clere?

Sem se vestir, ele correu para a cozinha e estacou.


Ela estava na pia revirando uma salada de frutas em uma tigela, estava
somente com uma camiseta, pés descalços, cabelo molhado do banho e
exalava um perfume delicioso. Estava com aqueles fones no ouvido e
cantarolava uma música, ao som da música ela se sacudia deliciosamente
enquanto remexia as frutas.

Ela se virou e eles ficaram se olhando intensamente.

Aaron piscou aturdido, pois, Senhor, ela estava linda, sem nenhuma
maquiagem, cabelo molhado e uma descuidada camiseta sobre sua nudez,
então sorriu um pouco encabulada.

E o mundo de Aaron deu um giro completo quase o tombando em seus


joelhos.

A doce memória dos seus lábios, dos seus beijos, de como o olhava, o
beijava e o desejava, tudo tão mágico, as memórias do que haviam vivido na
noite anterior tomou conta dos dois.

Clere ficou um tanto encabulada e suas bochechas ficaram rosadas. E a


achou adorável.

— Bom dia — ela sussurrou e tirou os fones.

Ele engoliu em seco e pigarreou porque estava meio engasgado.

— Bom dia.

— Eu ia te chamar para tomar o café da manhã.

Ele olhou para a mesa e estava bonita e arrumada com pães quentes e um
cheiroso café.

— Você fez isso?

— Sim.
Ele andou até ela e acariciou sua bochecha docemente.

— Você está bem?

Essa preocupação a encheu de emoção.

— Sim, companheiro, eu estou bem.

Ele abriu o maior e lindo sorriso de sua vida. Estava sonhando, não era
possível.

— Você é minha companheira.

— Sim, foi o que me disse ontem à noite. Fiquei pensando sobre isso hoje
de manhã quando acordei e fiquei te olhando dormir.

— Gosta disso?

— Sim, eu gosto.

— Como se sente sobre a noite de ontem?

— Nunca me senti tão maravilhosa na minha vida. Obrigada.

Ela se aproximou, o enlaçou pela cintura e o abraçou. E Aaron retribui o


abraço e respirou fundo.

— Deuses, obrigado — ele sussurrou na sua língua materna.

Ele sentou-se na cadeira e a colocou em seu colo. Ficaram abraçados


assim e era acalentador, quente e maravilhoso.

Algum tipo desconhecido de paz tomou conta dos dois.

— Nunca mais vou permitir que te tirem de mim. Cuidarei melhor de


você.
Ela respirou fundo e o abraçou pelo pescoço.

— Sei disso.

— Então hoje vou te alimentar, minha pequena loba. Permite-me?

— Sim.

Aaron sorriu lindamente, pegou um morango de dentro da tigela e lhe


ofereceu diante de seus lábios.

Clere o mordeu, olhando para seus olhos e a fruta nunca lhe pareceu tão
deliciosa. E assim ele pegou um grão de uva e repetiu o gesto. Ela pegou
outro grão e ofereceu a ele.

Aaron abriu a boca para receber. Então, ela depositou uma uva e um doce
beijo.

Aquele carinho era bom demais para ambos, que não conheciam tanta
gentileza e carinho entre duas pessoas.

Sagrados, eram momentos sagrados que estavam sendo criados e que


ficariam em suas memórias, guardadas para sempre.

Ele rosnou segurou seu rosto entre as mãos e a beijou. Automaticamente,


ela parou de pensar e então ele até pensou em parar, pois beijá-la era bom
demais, somente quis mais de seus beijos, de sua boca e de seu corpo, queria
tudo dela.

Queria que jamais pensasse nada ruim, que somente tivesse pensamentos
e memórias boas, sentimentos bons, que o desejasse sem medo ou pudores. E
sorriu ao captar seus pensamentos ousados, ainda um tanto tímida.

E ele gostou de saber que causava esse efeito nela, sinal de que o negócio
era recíproco, o que encheu seu coração de felicidade.
E assim um alimentou o outro e não viram o tempo passar. Entre um
bocado de comida e outro trocavam suaves carícias, desfrutando de conhecer
o corpo um do outro. De conhecer seu companheiro.

Seu coração estava carregado de ansiedade e euforia, podia dizer que era
felicidade, amor.

Nunca pensou que esse sentimento existisse. Seus algozes que povoavam
sua mente agora estavam afastados, empurrados para baixo, que mal se
lembrava de sua fisionomia.

Pois estando com ele somente queria pensar nele, estar segura em seus
braços e o sentimento que tinha dentro de seu coração era tão forte e pleno
que lhe dava coragem de seguir em frente e não desistir novamente, porque
não queria que ele sofresse.

Ela acariciou seu rosto, observando seus lindos olhos, admirando como
ele era lindo.

E, encantados um com o outro, vivendo o auge da paixão, fizeram amor


de novo.
Atenas

Aaron veio da cozinha e com um lindo sorriso, entregou uma xícara de


café a ela, que estava no sofá, mexendo no notebook e com os pés descalços
escorados na mesinha de centro, sorriu e agradeceu, bebendo um gole.

— Obrigada. Parece-me que está gostando de tomar café.

— Sim, eu gostei dessa bebida — disse sorrindo.

— Conseguiu colocar as louças na lava-louça?

Ele rosnou sentando-se ao seu lado no sofá e ela riu.

— Se as louças não explodirem dentro daquela geringonça, seria um


milagre dos deuses. As modernidades de agora me dão dor de cabeça.

Ela riu e bebeu um gole.


— Tem muitas coisas diferentes de Kimera, realmente, demora um pouco
a se adaptar. Estamos somente nós dois aqui, temos que nos virar sozinhos.

— Vou trazer uma loba de Kimera para nos ajudar.

— Temos que aprender.

— Ok, temos. Mas uma coisa que não pensei em aprender na minha vida
era cozinhar e lavar pratos.

Ela riu e beijou sua bochecha.

— Lá em Kimera entendo, pois sempre foi servido e reverenciado como o


nobre que é, mas você mesmo disse que aqui queria ser um homem somente,
então...

— Sim, eu disse, e estou gostando da aventura contigo.

Ela sorriu lindamente e seu coração inflou.

— Também estou gostando muito.

— Mas arrumaremos alguém para cuidar das coisas domésticas, limpar,


essas coisas, ok? Não quero que se canse, quero que se divirta.

— Ok. Obrigada. Há uma loba que limpa a mansão sempre, ela poderia
vir aqui, foi ela que limpou a casa para que viéssemos aqui.

— Ok, pode ser ela. Você me parece muito contente quando voltamos
aqui nessa casa. — Suspira.

— Sim, eu realmente gosto dessa casa, me dá um ar tão de... lar.

— Também gosto. E qual será nosso novo destino? O que está na sua
lista? O que está olhando aí?
— Quero fazer uma tatuagem. Estou buscando imagens. Está na minha
lista.

— O que pensa?

— Quero fazer uma loba e uma borboleta. Escolhi essas duas. O que
acha?

Aaron olhou as fotos e franziu o cenho.

— São bonitas, mas...

— Mas o quê?

— Me parecem tristes, a loba está caída e parece ferida e a borboleta com


as asas fechadas e murchas? Tem certeza de que quer essas? Acredito que há
outras mais bonitas para escolher. Por que escolheu essas?

— Quando vi essas imagens, eu me identifiquei, mas quero essas duas.


Coisas da minha cabeça fodida.

Aaron ficou a olhando sério e respirou fundo, não concordava, mas era o
que desejava.

— Está bem, então vamos procurar se na cidade há alguém que faça para
você.

— Liguei para Konan e ele pediu para a sua humana do clube, Cassandra,
uma indicação, já que ele disse que ela tem muitas tatuagens. Virá comigo?

— Claro.

— Poderia escolher uma para você.

Ele riu.
— Já tenho algumas.

— As tatuagens são muito antigas, não é? Os guerreiros nórdicos


costumavam usar tatuagens, assim como os celtas?

— Sim, geralmente são representações de deuses e de força que


buscávamos na batalha, como a que tenho aqui.

— O que significa essa tatuagem? — indagou tocando a tatuagem no


dorso de sua mão. Era um círculo central a partir do qual saíam oitos tridentes
e ao redor do círculo havia símbolos de runas e havia outras runas tatuadas
sobre seus dedos.

— É um Aegishjalmur, que significa Elo do Terror. Este símbolo


costumava ser tatuado nos guerreiros antes de irem para as batalhas, devido à
crença de que o elo poderia garantir proteção e vitórias. Muitas saíam depois,
pois eram feitas com óleo de porco misturado ao pó de carvão, mas podia
fazer permanente usando agulhas ou a ponta afiada de uma adaga.

— Como a sua.

— Sim.

Ela tocou o lobo que tinha no peito.

— E o lobo é no que se transformou.

— Sim. É o que sou.

— E essas runas, o que significam?

— As runas eram o sistema alfabético comum dos antigos. No entanto,


não eram muito utilizadas para fins comunicativos, as runas serviam,
normalmente, para apelar aos deuses e pedir-lhes ajuda.

— Me parecem mais recente essas aqui.


— Fiz depois, muitos anos depois que tatuei o lobo, é em gaulês.
Significa: “Fique forte”.

— O que está escrito nessas runas dos seus dedos? Têm cinco, uma em
cada dedo.

— Um dia te contarei.

Ela sorriu curiosa.

— Para alguma batalha?

— Sim, para uma específica. Algo que eu esperava muito. Minha vida era
uma espera longa.

— Deve ter lutado muitas batalhas.

— Sim, muitas, de todos os jeitos.

— Bem, o que gostaria de tatuar agora?

— Hum... Mostre-me algo das valquírias ou guerreiras.

Clere procurou no site de busca e várias imagens e desenhos apareceram e


ela sorriu, porque eram realmente bonitas.

— Uau, essa tecnologia é eficiente, o que é essa coisa?

— Chama-se notebook, um computador portátil que podemos levar para


todo lugar. Com internet conseguimos ver de tudo aqui, desde falar com
pessoas, assistir vídeos, ver fotos, ler notícias, estudar, enfim, o que quiser
fazer.

— Hum... Gostei dessa.

— Realmente linda.
A imagem era o rosto de uma belíssima mulher guerreira, loira com
tranças nos cabelos e algumas pinturas no rosto. Ela passou as imagens para o
celular.

Quando saíram para o pátio, ela lhe entregou um capacete e colocou o


seu.

— O que é isso? Que tipo de elmo é esse?

— Esse “elmo” se chama capacete e vamos de moto, portanto tem que


usá-lo.

— Vamos nessa coisa? Você vai pilotar isso?

— Sim.

— Ah, de jeito nenhum subo aí!

— Vamos, guerreiro, é divertido.

— Por Odin, você vai me matar, mulher!

Ela riu deliciosamente e ele rosnou. Pegou o capacete e o colocou nele e


sentou-se na moto, abriu o portão eletrônico da propriedade com o controle e
esperou ele subir.

— Vamos, ou vai ficar aí? Seja corajoso, enfrenta mil guerreiros com um
machado e tem medo de uma motinha?

Ele rosnou pelo desafio e, a passos largos, subiu na moto.

— Coloque os pés aqui no pedal e segure-se na minha cintura.

Ele rosnou novamente e ela riu mais.


Clere pensou que tombaria a moto de tanto rir dele o caminho todo, pois
ele foi rosnando da casa até o tatuador, agarrado à sua cintura.

Como havia dois tatuadores, cada um seguiu para uma sala e passaram a
tarde vendo os desenhos sendo tatuados sobre suas peles. E, por sorte, ela
tinha levado os fones, porque o barulho da máquina de tatuagem realmente
lhe doía os ouvidos.

Quando saíram estavam satisfeitos e olharam a tatuagem um do outro.


Aaron tatuou a guerreira no braço e Clere o lobo num braço e a borboleta no
outro.

Clere tocou a dele e sorriu.

— Fez os olhos amarelos, no desenho era verde.

— Sim, eu gosto dos olhos amarelos — disse olhando-a


significativamente e Clere sorriu, porque ela tinha olhos amarelos e soube
que ele lhe fez um agrado, um forte que a fez sorrir e ser admirada.

— O que está escrito aqui nessa frase nova?

— Vou deixar você descobrir.

Ela riu.

— Ok, vou pesquisar na internet.

— Você e sua internet.

— Graças a ela achamos essas tattoos lindas e o local onde podíamos


fazê-las, é muito útil quando usada sabiamente.

— E você obtém muito conhecimento dela.

— Sim. Gosto de alimentar meu cérebro, pena que a maioria das pessoas
a usa somente para fazer porcarias.
Ele tocou a imagem da loba em seu braço.

— Ficou bonita, mas ainda me parece triste.

— Talvez porque minha alma ainda está triste.

Ele sorriu, mas com tristeza.

— Vamos mudar isso, certo?

— Sim, vamos. Eu estou imensamente feliz de estar com você, não


imagina como me trouxe paz e amor que eu não conhecia, mas os pesadelos
ainda estão lá.

— Passarão.

— Sim, vou confiar nisso, um dia conseguirei que minhas lembranças


ruins fiquem bem lá no fundo e que eu não sofra mais por elas. Então, minha
loba e minha borboleta estarão alegres e as tatuarei. Para mostrar que venci.

Aaron acariciou sua bochecha docemente.

— Esperarei ansioso para ver isso.

— Bem, cumprimos mais um item da minha lista. Isso já me deixa mais


feliz.

— Sim, estou vendo. E eu faço parte dela como companheiro de viagem.


Só espero que não me leve mais para comprar roupas íntimas.

Ela riu da sua cara de desesperado, o que o fez sorrir.

— Aonde vamos agora, pequena?

— Nós vamos para o Vale das Borboletas.


— Onde é isso?

— Rhodes, aqui na Grécia mesmo.

— Bravo. E como chegamos lá?

— De avião.

Ele fez uma careta e rosnou.

— Não dá para ir de barco ou carro, sem ter que subir naquela lata
voadora?

— Daria, mas viajaríamos um dia inteiro e de avião durará só alguns


minutos.

Ele rosnou fazendo uma careta novamente. Ela riu, colocou os óculos
escuros e o capacete, ele fez o mesmo e foram para casa fazer as malas.
Sentado na janela do avião, Aaron arriscava dar umas espiadas para a
paisagem e as nuvens. Pensou que já tinha vivido tudo na sua vida, mas não,
ele não estava preparado para todas as aventuras no mundo humano com sua
pequena loba. Interessante, mas estressante.

Clere, vendo seu nervosismo, pegou na sua mão.

— Depois de algumas vezes acho que acostumamos.

Ele rosnou novamente e ela apertou mais sua mão, trouxe até seus lábios,
beijou-a e a segurou contra o coração. O gesto emocionou muito Aaron, que
respirou fundo e sorriu. Como sua companheira era preciosa e carinhosa, tão
diferente de tudo que já conhecera. Em vez de ele acalentá-la, ela o fazia,
porque ele que estava nervoso.

Ela estava aberta para ele depois de tudo e percebia quão maravilhosa ela
era, como seu coração era bom e caloroso, como queria agradá-lo e lhe
demonstrar carinho, via como seu olhar sobre ele havia mudado. Agora ela o
olhava como se fosse a coisa mais importante do mundo.

Havia o equilíbrio onde os dois queriam dar e receber. Isso devia ser
como os companheiros deveriam viver, um acalentando o outro, um fazendo
coisas para agradar e em outro momento deveria ser agradado, sendo um o
companheiro do outro.

Devia ser assim que seu irmão vivia com Vanora, porque ele nunca tinha
presenciado uma briga sequer na longa vida. Pequenos problemas ou
discussões pareciam desaparecer brevemente.

Tão diferente do que ele e Audrea foram, pois sempre foi uma eterna
tempestade.

— Nunca vou me acostumar a andar nessa coisa, mas por você farei o
sacrifício.

Ela riu, fazendo-o olhar para ela e sorriu nervosamente.


— Quando chegarmos lá verá que o sacrifício valeu a pena e eu te
recompensarei.

— Hum... isso soou bom.

Ela riu lindamente. Aaron beijou sua bochecha, num beijo doce e suave e
ambos ficaram de mãos dadas e ela se escorou em seu ombro, num meio
abraço delicioso e a viagem foi suave e fácil.

Obviamente, não deixaram de ser notados pelas aeromoças e passageiros.


Pois, além de lindos de viver, o espaço do banco era pequeno e incômodo
para o seu tamanho. Uma visão impossível de não ser notada quando o
gigante de óculos escuros e cabelos com mechas, abaixando a cabeça pela
altura do teto, entrou, acompanhado da moça bela como uma deusa e cabelos
rosa.

Mas Aaron, apesar de cauteloso e protetor com a pequena loba, pairando


sobre ela como um lobo que poderia estraçalhar quem sequer a olhasse
perigosamente, estava achando a aventura interessante.

Levaram uma hora num voo direto para chegar a Rhodes e Clere parecia
uma criança inebriada com o lugar.

No hotel Best Wester Plus Plaza, escolheram uma suíte no último andar,
que podiam ter uma grande sacada privada e poderiam ver o mar e tinha uma
Jacuzzi privada na varanda.

E a primeira coisa que fizeram foi enchê-la, divertir-se e se amarem na


banheira, tomando bebidas geladas entre beijos e carinhos quentes.

Pediram um almoço delicioso servido numa mesa na varanda e, depois de


um descanso na cama, seguiriam para o Vale das Borboletas, que ficava em
Petaloudes, próximo a uma antiga aldeia.

O lugar era encantador e magnífico com muito verde e cachoeiras.


Encheu Clere de amor em seu coração ao ver as árvores, pedras e arbustos
com milhares de belas borboletas, que voavam felizes para todo lado.
— Isso é impressionante — disse Aaron.

— Elas são uma subespécie, Jersey Tiger Moth. Elas vêm aqui, onde
passam o verão para se reproduzirem. Depois as fêmeas voam para um lugar
mais seco e escuro para colocarem seus ovos, depois morrem.

— Sua vida é curta.

— Sim, curta demais para tanta beleza.

Clere esticou o braço e várias borboletas voaram ao seu redor e pousaram


em sua mão, batendo as asinhas, contentes.

Era suspirou encantada.

— É silencioso aqui.

— É proibido barulhos altos, para não perturbá-las. É seu lar por um


tempo.

— Por que quis vir aqui?

— Amo as borboletas, são delicadas e coloridas, o desenho de suas asas é


encantador, um perfeito desenho do Divino. Fico realmente impressionada
como a natureza pode ser tão enigmática e maravilhosa. Tantas belezas, e
apesar de suas vidas serem curtas, o que acho uma pena, elas estão livres,
como um dia eu estarei. Por isso fiz a tatuagem da borboleta.

Ele sorriu e acariciou sua bochecha, docemente.

— Você é preciosa para mim.

— E você para mim.

Aaron a puxou para ele e a abraçou e Clere suspirou em seu peito e


ficaram abraçados por longos minutos observando as borboletas, depois
andaram pelos caminhos sinalizados, atravessaram pontes de bambu que
entremeava a mata silvestre, encantados com a beleza.

E Clere abriu o mais lindo sorriso quando chegaram a uma cachoeira.

— Olha essa cachoeira, que linda! Vamos entrar?

— Não trouxe roupa de banho.

— Podemos nadar sem roupas, não há ninguém aqui.

— Não te importa? Os humanos podem nos ver.

— Não. E me espanta que esteja preocupado que te vejam nu, para quem
andou nu no corredor do hotel.

Ele soltou uma gargalhada maravilhosa.

— Não estou preocupado por mim, mas sim por ti, não quero que te sinta
desconfortável se os humanos te virem despida.

Clere sentiu seu coração aquecer, pois ele se preocupava com tantas
coisas para protegê-la, não queria que a assediassem ou a constrangessem.

— Ninguém nos verá.

Ele assentiu e tiraram a roupa e entraram na água e Clere riu e gritou


fazendo Aaron rir.

— Oh, Jesus, está gelada!

Aaron rosnou, mas achou bom, quem sabe a água gelada apagasse seu
fogo eterno.

Eles nadaram na água cristalina e fresca e era encantador e revigorante.


Clere mergulhou e nadou até ele, que riu com sua alegria.
Ele a segurou pelos braços trazendo-a para mais perto, Clere respirou
enfeitiçada e deixou ser levada por ele.

Aaron passou os braços um pelas costas e outro pelas suas pernas, a


tomou nos braços, fazendo-a dançar na água e ela riu e o abraçou seu
pescoço.

Seus olhos se fixaram e ficaram se olhando intensamente.

Ela piscou aturdida quando uma imagem apareceu na sua cabeça.

Ela estava numa cachoeira muito maior que aquela, que era pequena.
Aaron estava na água a olhando intensamente, com o olhar quente, e ela,
nua, entrou na margem e nadou até ele, deleitando-se em seus braços e
beijando-o sedutoramente.

Clere piscou aturdida ao voltar a si e olhar para Aaron, era estranho, pois
era ela, mas não se parecia com ela em algo que já tinha vivido, parecia uma
memória perdida no tempo.

Não entendeu nem a imagem nem a sensação estranha e maravilhosa,


arrebatadora, que invadiu seu coração. Mas o olhar para Aaron mudou, foi
como se algo os aproximasse mais.

Sentiu ciúmes, mas o estranho é que a mulher era ela, sem ser ela. A
mesma que vinha sonhando... e ele.

— Você está bem, pequena?

— Sim, isso é divino.

Ele sorriu e a fez deslizar novamente pela água. Tê-la nos seus braços era
maravilhoso e o mundo inteiro se apagava.
Lentamente ela acariciou sua barba enchendo a ambos de uma carícia
amável e perfeita.

— Minha cabeça é que se perde às vezes.

— Eu entendo.

— Vejo coisas estranhas.

— Talvez uma memória que se apagou e retorna?

— Às vezes sim, desse tempo. Mas, às vezes, não parece eu. Nunca vivi,
parece mais um sonho, um bonito sonho.

— Com o que é esse sonho?

— Com você.

Aaron rosnou em apreciação.

— É um sonho bom?

— Sim, muito bom.

— Se te deixa contente espero que tenha mais sonhos bonitos. Eu só


quero te dar sonhos bons.

Ela sorriu e suspirou deitando a cabeça em seu ombro.

— Você me dá, príncipe.

— Conte-me como era.

— Hum... não sei se posso contar... Melhor não.


Sim, isso seria admitir abertamente que estava louca. Não sabia se era
uma boa ideia.

— Por favor, pequena, conte-me, quero muito saber.

Clere ficou apreensiva se deveria contar, mas olhando para ele, em seus
olhos, sua língua simplesmente destravou:

— Você estava na água e tinha uma cachoeira maior que essa, eu ia até
você, mas meu cabelo era longo até a cintura, loiro com tranças, ela tinha
uma tatuagem ou uma pintura de linhas finas na testa e sobre o nariz.

Aaron parou de respirar e a olhou, aturdido. Soltou uma maldição em


gaulês, mas era de desespero, pois ela estava se lembrando de sua outra vida,
realmente e de forma tão clara. Como isso era possível?

— Foi um sonho tolo, eu sei. Como posso sonhar com outra pessoa e
pensar que era eu?

— Não acho que seja tolo. E não são sonhos, pequena, são memórias.

Ela o olhou espantada, tentando atinar.

— Esses sonhos do passado que ando tendo... eu tenho a sensação de que


sou eu... somos nós. Eu sinto, no meu coração, que isso aconteceu de
verdade. — Aaron sentiu seu coração tombar. — Não estou louca?

— Não, não está.

Ele ficou a encarando e ela piscou, pois viu que Aaron queria dizer algo, e
começou a ligar um ponto no outro.

— A companheira que você encontrou e perdeu há séculos, é isso que


estou vendo, não é?

Ele respirou fundo.


— Sim.

— Era eu... e você me perdeu porque fui morta, não foi?

Aaron sentiu seus olhos marejarem. Ele pensou que morreria junto com
ela no passado, pois sua dor foi horrenda.

— Sim, era você. Eu a encontrei e a perdi.

Clere não conseguia respirar, seu coração saltava descontrolado.

— Os humanos me mataram? Você chegou para me salvar, mas não deu


tempo. Você veio me buscar para irmos para Kimera, onde eu seria sua
princesa, a beta de Kimera e levaríamos meu povo.

— Sim... a perdi por alguns minutos. Se eu tivesse chegado um pouco


antes, eu teria te salvado e estaria segura em Kimera. Eu pensei que estava
tudo acabado, mas os deuses me devolveram você. Teve a oportunidade de
nascer novamente para que eu a encontrasse. Sinto muito que cheguei tarde
novamente — disse dolorosamente.

Ela olhou com horror para ele, e uma lágrima de Aaron escorreu em sua
face e ela o beijou e o abraçou tão forte quanto pôde.

— A alfa Kleiri que ouvi as mulheres comentarem em Kimera...

— Sim.

— Não posso acreditar... Como é possível?

— Acredite, é verdade.

Ela tocou seu ombro, pois na sua memória ela soube que ele tinha sido
reivindicado.

— Você me reivindicou como seu lobo, mas com os séculos passando, ela
desapareceu e eu fiquei vazio de novo.
Clere arfou horrorizada. Que tamanha dor ele tinha sentido!

— Não pode me deixar de novo, nunca mais.

— Não irei... não irei...

Clere chorou, porque seu coração ia explodir no peito. Abraçaram-se e


beijaram-se emocionados, encantados e desesperados. Ele rosnou e a beijou
loucamente, e se abraçaram fortemente.

— Eu te amo, Clere, só você, em minha eternidade, minha loba.

Ela riu e chorou, pois era como um sonho que não queria acordar. Não
podia acreditar em tamanha loucura.

Ele tinha sofrido tanto, e necessitava curá-lo de suas dores. Seu rei, seu
príncipe, seu lobo, era seu companheiro e a amava.

Seu coração explodiu com o conhecimento do amor que ela sentia, que
estava enterrado nas profundezas de sua alma e seu coração, vindo à tona.
Dos sacrifícios que ele fez por ela, de tanto sofrimento e injustiça que ambos
tinham sofrido.

— Eu te amo, Aaron.

E o amor se tornou urgente, necessário, porque queriam mais, queriam


tudo, o desespero e amor eclodiram de forma forte e irrevogável em seus
corações e era inacreditável.

— Eu sou sua, sempre serei.

— E eu sou seu.

O coração de Aaron transbordou, beijaram-se lascivamente, entregando-


se ao amor e nus naquela água límpida e pura precisavam se unir, unir seus
lobos, unir seus corações, para sempre.
Aaron beijou seu pescoço, quando seus dedos a tocaram, estimulando-a
para recebê-lo, porque os lobos precisavam se reivindicar. Era a hora, era o
momento que ambos tinham conseguido alcançar.

E mesmo que tudo parecesse cedo, rápido e ousado demais, suas almas já
estavam unidas há muito tempo e Clere se deu conta disso e esse
conhecimento a levou ao extremo.

Aaron suspirou, roçou sua bochecha na dela e seus lábios pairaram sobre
os seus por um momento, então a beijou, lento no início, uma carícia, então
ela retribuiu seus avanços, abrindo-se a ele, permitindo que a tomasse.

Aaron a beijou intensamente, deslizando os lábios em sua mandíbula e


pescoço. E ele rosnou ao baixá-la para a frente e tomar nos lábios o bico de
seu seio eriçado pelo frio da água.

Ele passou a beijá-la e afagá-la nos pontos que sabia serem os mais
sensíveis e encorajava-a a fazer o mesmo com ele.

Não demorou para que Clere estivesse totalmente úmida e preparada para
recebê-lo no interior do corpo ávido.

Ele a fez entrelaçar suas pernas em sua cintura enquanto ela respirava
ofegante e o olhou com os olhos cintilantes de desejo.

Lentamente, ele foi penetrando-a para que seu corpo se adaptasse a ele.
Ouvir seus doces gemidos e arfados era um som maravilhoso para os seus
ouvidos. Ele rosnou quando estava dentro dela completamente e fechou os
olhos para reverenciar a sensação maravilhosa, então se moveu dentro dela,
em movimentos ritmados, acelerou o ritmo das estocadas e ambos foram
levados a uma turbulência erótica e desenfreada.

Soltando-se do beijo, ele olhou para ela, sabendo que tinha que esforçar-
se por mostrar algum controle sobre o animal que surgia para tomar tudo de
uma vez, mais do que apreciar o doce sabor dela.
— Você é minha.

Deus, ele não podia resistir!

Tentando controlar sua fome desesperada, ele afagou-a, alimentou a


necessidade rasgando por suas bolas quando lentamente começou a perceber
que tal como o homem, o animal tomava o controle sobre ele e não tinha
outra intenção a não ser reivindicá-la.

Olhando para a sua pele pálida e suave, o contorno belo dos seus seios, as
gotas cristalinas da água banhando seu corpo, era como uma linda fantasia.
Não podia ser real. Nada na vida dele tinha parecido tão belo. Nem as visões
mágicas que tinha visto em toda sua vida podiam se comparar a ela, nada era
tão imperativo para a sua vida quanto esta mulher o era.

Ao sentir a língua dele lambendo seu ombro, Clere sentiu uma urgência
desconhecida, suas presas cresceram e seus olhos cintilaram.

Aaron a olhou, deleitou-se com a visão dela.

— Minha companheira... Deseja ser minha para sempre, me deseja como


seu companheiro?

— Sim, é o que meu coração mais deseja.

— Já fomos um do outro em outra vida, somos um do outro nessa e para a


eternidade, nada pode mudar isso, se me aceita, então me reivindique como
seu companheiro. Eu reivindico você com todo meu coração e minha alma.

Clere estava emocionada, seu coração batia descontrolado. Sim, era o que
ela queria, não havia dúvida de quem eram um para o outro.

— Eu amo você, Aaron, esse sentimento que tenho no peito é maior do


que tudo, e somente pode ser amor de companheiros de alma.

— Sim, assim é.
— Eu reivindico você, Aaron Nordur, como meu companheiro, e dou
minha vida a você, para a eternidade. Todo o meu amor é seu, o único que
conseguiu afastar minhas tristezas e me mostrou o que é o amor e que posso
ser amada e valorizada.

Ela deixou as lágrimas escorrerem, porque seu coração estava


transbordando e a emoção era enorme. Mas não esperou, rosnou e mordeu o
ombro dele.

Aaron rosnou pela dor e prazer, seus olhos cintilaram e não esperou mais
nada, mordeu-a. Suas magias se soltaram, vagando sobre eles, ao seu redor, e
ambos tiveram seu orgasmo. Tão forte que ambos gemeram alto aferrando-se
um no outro.

Clere se aferrou a ele, e as águas mansas do pequeno lago formado pela


água cristalina que caía pelas pedras se moveram turbulentas. Suas magias se
mesclaram e a reivindicação aconteceu.

Seus ouvidos zuniram e o gosto metálico do sangue invadiu suas bocas.

Ao se soltarem aferraram-se num abraço, como se não pudessem soltar-se


nunca mais.

E eles ficaram ali, banhando-se suavemente abraçados e numa conexão


incrível, com os olhos fechados, perdidos na bruma mágica, até que tudo
acalmasse, as águas, o vento, seus corações e suas magias.

Aaron saiu da água e sentou-se numa pedra, com ela no seu colo.

Que loucura que fizeram, alguém poderia tê-los visto. Ele olhou para o
céu e suas vistas estavam embaçadas, seu coração estava fora de prumo e
carregado de uma emoção louca.

Ele a tinha, segura em seus braços; e ela o tinha reivindicado.

Não podiam mensurar a alegria que sentiam.


Ficaram abraçados fortemente até que ele sentiu que lágrimas quentes
molhavam seu ombro e acariciou seus cabelos.

Clere estava emocionada, e ele entendia, pois ele estava também. E


depois de tudo, ela tinha dado um grande passo, estava disposta a enfrentar
tudo para estar com ele, estava disposta a lutar por sua felicidade.

Algo se agitou ao redor deles. Ele olhou para as árvores que se moviam
ao vento e sentiu algo estranho. Franziu o cenho olhando ao redor, mas não
conseguiu identificar o que aconteceu, o que estava errado.

Somente sentiu algo pinicar na sua nuca em advertência. Um temor


invadiu seu coração, pois algo iria acontecer, sabia, temeu por ela, mas não
identificou o perigo.

Ela estava fraca, tombada em seus braços e Aaron não queria soltá-la. A
pequena loba suspirou e passou o polegar sobre as runas tatuadas nos cinco
dedos de Aaron, da mão pousada em sua coxa.

— Sabe o que está escrito nas runas tatuadas?

— Não tive tempo de pesquisar.

— Quer saber, companheira?

— O que é?

— Clere.

Ela o olhou espantada.

— O quê?

— Clere. Em cada dedo há uma letra do seu nome.

— Tem meu nome tatuado? Quando fez isso?


— Depois de Yasmin me dizer que você voltaria como Clere no futuro.
Então, eu renasci da morte em vida e esperei. Foi em 1.489.

Clere não conseguia respirar.

— Você sabia meu nome?

— Eu sempre soube.

— E a guerreira que tatuou no braço agora?

— É você, foi uma guerreira naquela época e é uma agora. E a frase em


gaulês significa: “Pela eternidade”.

Clere ficou ali, estática, boquiaberta e, Senhor amado, se não estivesse


sentada teria caído.

— Buscava a mim?

— Sim, sempre a busquei, sempre lutei para estar com você. E


continuarei lutando até a minha morte e além dela.

Ela o beijou, emocionada, com o coração aos pulos que doía no peito.
Quando se soltaram encostaram as testas e ficaram ali, unidos e emocionados.

— Me tem agora, companheiro.

— Sim, eu te tenho e você me tem.

Aaron gemeu ao levantar e ir para a margem e colocá-la no chão. Clere


olhou ao redor e parecia que a natureza estava sussurrando, mas não podia
entender.

— O que há de errado?

— Não sei, querida, nada errado.


Ela o olhou e ele secou suas lágrimas docemente e ela tocou seu ombro
que havia mordido.

— Somos companheiros.

— Sim, somos companheiros.

Ele beijou seus lábios suavemente e respirou fundo.

— Gostaria de ficar aqui para o resto da vida, mas temos que ir. — Ela
assentiu, ainda dormente. — Você está bem?

— Sim, só me sinto um pouco tonta.

— Eu te tenho, companheira.

Ela suspirou e o abraçou forte, como se não quisesse perder aquele


momento jamais.

A forma que eles se aproximaram foi tão sutil, suave e natural que Clere
se sentia compelida a ficar perto e não sentir repulsa ou medo dele, nunca
sentiu. Ela tinha se entregado abertamente e a felicidade que conheceram era
atordoante.

Clere estava rendida ao nobre guerreiro e agora era oficialmente sua


companheira.

Eles se vestiram e naquele dia voltaram para o hotel e não saíram mais,
pois estavam necessitando estarem sozinhos e seguros.

Mas, no outro dia, continuaram seus passeios por Rhodes e aquela viagem
parecia um conto de fadas, porque Clere se abriu para Aaron como um botão
de uma rosa que desabrochava.

Era quase inacreditável que depois de tudo, ela estivesse andando na rua,
entre os humanos com um homem maravilhoso, amoroso e milenar, de mãos
dadas, ambos aprendendo e conhecendo ao mundo e a si mesmos.
Os passeios somente serviram para trazer prazer e felicidade ao casal,
tudo estava perfeito e maravilhoso, desfrutaram do Palácio do Grão-Mestre
dos Cavaleiros de Rhodes, ao Colosso de Rhodes. Amaram a praia de
Prasonisi, banhos deliciosos e prazerosos na Kallithea Spings, grandes
descobertas no Museu Arqueológico, no Aquário de Rhodes e nas ruínas
Dóricas.

Passaram dias encantadores na praia deserta com água morna de Saint’s


Paul, passeios ao pôr do sol pelas vielas e cafés, desfrutando e saboreando da
comida típica – os frutos do mar frescos e deliciosos – e comprando as belas
ourivesarias do mercado.

Os passeios de barco às ilhas próximas ou furtivas visitas para banhos em


Pallas, Lindós e Vlikhá, como dois adolescentes enamorados e apaixonados.

Quando finalmente voltaram para Atenas, uma coisa era certa: os


companheiros de alma, Clere e Aaron, eram mais unidos do que nunca e a
magia da Grécia finalmente tinha envolvido os dois numa bruma de sonhos.

Os traços de tristeza e receios de Clere haviam ficado enterradas nas


profundezas de suas memórias. Pelo menos, os pesadelos haviam dado uma
pausa.

Aquilo era a liberdade que ela ansiava. Tudo estava bem aparentemente, e
eles estavam felizes.

Ao voltarem, todos saberiam que estavam acasalados e tinham se


reivindicado e estava perfeito.

Mas, o que eles não haviam percebido ao soltarem suas magias e unirem-
se como companheiros de alma naquele dia na cachoeira, é que a magia de
Clere não era suave e brilhante com as cores do arco-íris, comum a todos os
lobos.
Atenas

— O que vamos fazer agora?

— Bem... Eu quero sair de moto.

— E vamos onde? — Ela olhou para Aaron com um sorriso maroto. —


Ei, eu conheço esse sorrisinho, vai aprontar alguma.

— Eu? Imagina, eu não apronto nada, somente estou fazendo coisas da


minha lista.

— Hum... sei. Sua lista parece bem inofensiva, apesar de enorme. Então,
quando vejo, estamos em algo perigoso. Como quando disse que queria andar
de balanço e veja, o balanço era num penhasco.

Ela riu.
— Oh, como reclama esse guerreiro que cortava cabeças com sua espada,
enfrentou uma legião de romanos bárbaros e tem medo de uma motinha!
Pensei que tinha superado da outra vez.

— Não tenho medo da moto e sim da sua cabeça maluca.

Ela riu, ficou na ponta dos pés e beijou sua bochecha.

— Eu deixarei você seguro dessa vez, juro.

— Hum... Ok, por mim tudo bem.

Ela pegou a moto e seguiram para o outro lado da cidade de Atenas e


entraram em um autódromo.

Havia muitas pessoas nas arquibancadas e tudo parecia divertido.

— Esse é o seu lugar. Fique aqui e eu voltarei depois.

— O que é isso?

— Vai ter uma corrida de motos.

— Ah, viemos assistir isso?

— Você vai assistir, eu vou correr.

— O quê?

— Isso mesmo, eu aluguei uma moto de corrida que é semelhante à


minha com ajustes e vou correr ali e vou conseguir aquele troféu.

— Está brincando? — perguntou chocado.

— Não, fique aqui e observe.


Ela beijou sua bochecha e saiu.

— Aonde vai? Clere, volte aqui! Não acho uma boa ideia, mulher!

— Preciso fazer isso. Fique aqui e não saia.

— Não pode se meter no meio de tantos humanos sozinha.

— Eu vou ficar bem. Fique aqui, por favor, e observe a moto número 8,
porque eu estarei nela.

— Por que não disse isso antes?

— Porque você não viria e ficaria dando sermões e provavelmente me


amarraria na cadeira.

— Sim, eu a amarraria e amordaçaria para não dizer loucuras.

Ela riu.

— Não pode me prender.

— Tenho obrigação de te manter segura!

— Estarei segura. Confie em mim, preciso fazer isso, ok?

— Não vai desistir?

— Não.

Ele respirou exasperado.

— Men den ledsager, jeg gik for at finde, vil gore mig skor!

— Não sei o que disse, mas irei do mesmo jeito, tchau.


— Por Odin! — disse exasperado.

— Eu amo você, Aaron! — gritou já longe, acenando.

Aaron ficou aturdido olhando para ela. E quando ia abrir a boca para dizer
algo mais, ela sorriu na multidão, girou nos calcanhares e sumiu de suas
vistas. Aaron ficou ali, paralisado.

— Merda!

Aaron sentou e olhou, esquadrinhando o local e passou a mão nos


cabelos, nervoso. Deveria ir atrás dela, impedi-la de fazer tal sandice? Ele
nem imaginava exatamente o que era a tal corrida de moto. Estava cheio de
humanos e lhe incomodou estar ali e deixá-la ir sozinha sei lá onde. Devia ser
algum jogo humano.

Rosnou baixo e se escorou nas pernas, impaciente.

A corrida ia começar e ele olhou para ver se enxergava Clere. Então as


motos foram se posicionando e ele arregalou os olhos e a avistou. Estava no
meio de todos eles, com o macacão azul com um monte de tarjas brancas e
emblemas e com o capacete. E deveria dizer, estava quente como o inferno.

— Meus deuses...

Ele desceu os degraus e pensou em correr atrás dela e tirá-la de lá, então
ele pensou em quem ela era, uma loba forte e precisava fazer suas coisas,
desafiar seus limites, mas isso ia matá-lo do coração no processo.

A corrida iniciou e ele não conseguiu tirar os olhos da moto número oito,
a velocidade era alucinante, e ela era perfeita, dominava a moto como
nenhum deles. Era como se as duas fossem uma só.

Ele parou de respirar quando viu ela que estava mais atrás, ultrapassava
um e outro piloto, entre voltas e mais voltas.
Tudo pareceu levar uma eternidade e na última volta Clere passou a
última moto que estava na sua frente e passou a linha de chegada.

Aaron estava tão estupefato que ficou ali, estático.

Clere desceu da moto e começou a saltitar na pista e sumiu de suas vistas


e o povo gritava e acenava bandeiras, contentes pelo espetáculo e era tudo
uma bandalheira.

Aaron rosnou, e humanos saíram da sua frente assustados, ele saiu dali
apressadamente dando a volta nas arquibancadas, até chegar onde ela deveria
estar, com o coração aos pulos.

E então, quando ele conseguiu chegar, ele a viu subindo num pequeno
pódio. Em primeiro lugar.

Aaron abriu caminho entre as pessoas parecendo uma jamanta demolidora


e parou na frente.

Clere riu lindamente, acenando um adeus quando o viu.

— Companheira, irei bater em seu traseiro por isso — disse mentalmente


e ela riu, ouvindo-o.

— Eu ganhei, Aaron, eu ganhei o primeiro lugar!

— Meus deuses.

Aaron se abrandou por ela estar bem, mas a atenção de tantos humanos
sobre ela era aterrorizante, não por ele, mas temeu por ela. Se alguém a
tocasse...

Ela recebeu o troféu, e ao fim saiu correndo e saltou em seus braços e


Aaron nãos sabia como reagir. Abraçou-a com amor e alívio.

— Vamos sair daqui, chega de atenção por hoje.


Ele a puxou e ela estava mais do feliz com isso. Quando chegaram ao
estacionamento e pegaram sua moto e saíram, Aaron só teve calma quando
estava dentro da sua propriedade com ela segura.

Clere ria com o sorriso mais lindo do mundo quando colocou o troféu
sobre a bancada da lareira e o olhou, com as mãos na cintura.

— Lindo.

— Como conseguiu participar disso?

— Ah, era uma corrida amadora, qualquer um podia se inscrever.

— E você ganhou...

— Eu ganhei.

— Espero que esteja feliz.

— Eu estou nas nuvens!

Ela riu, correu e se jogou em seus braços. Ele riu a agarrou e a rodou no
ar e depois a beijou loucamente.

— Você é louca, mulher, quase me mata do coração.

— Bem, sou um bom piloto, ganhei meu primeiro troféu na vida. Poderia
fazer isso mais vezes.

Ele rosnou e ela riu e respirou fundo, contente e Aaron não conseguiu
mais brigar com ela, porque podia sentir nas batidas de seu coração
descompassado o quanto estava feliz. E ele seria a última pessoa que tiraria
algo dela. Ele fechou os olhos e a abraçou forte.

Como era bom conquistar algo que queria, como era bom ter a satisfação
de realizar algo desafiador e conseguir.
Como era bom ser livre, sentir-se livre e que podia fazer muitas coisas,
ser normal, apesar de saber que eles não eram normais, isso dava uma
sensação inimaginável. E ele a amou por isso.

O celular de Clere tocou e ela atendeu.

— Olá, alfa!

— Oh, que maravilha, sinto que está contente, sua voz soa divina — Ester
disse contente.

— Sim, estou muito contente!

— Fico feliz que seus passeios estejam sendo agradáveis. Como está seu
relacionamento com o príncipe, ele está sendo agradável?

— Oh, sim, ele é muito agradável, um cavalheiro e estamos aprendendo


muitas coisas.

— Estão seguros?

— Sim, estou bem, não se preocupe.

— Estão em Atenas?

— Hoje sim.

— Bom, hoje à noite vamos nos reunir no Olimpo, se vocês quiserem se


juntar a nós, estarão seguros lá.

— O que é o Olimpo?

— É a casa noturna de Cassandra, tem dança, bebidas, apresentações.


Konan está trabalhando lá por um tempo.
— Oh, parece interessante, eu gostaria de conhecer, vou falar com Aaron.
Konan me disse que estava em um clube, mas não tinha me dito o nome.

— Bom, então os encontraremos lá, e assim, poderá me contar as


novidades. Até mais.

Sim, eles estariam chocados que eles tinham se reivindicado. Clere


desligou o telefone e olhou sorrindo para Aaron.

— Vamos comemorar hoje.

— Como?

— Vamos à casa noturna da Cassandra, os lobos estarão lá visitando, algo


da humana de Konan.

— O que é uma casa noturna?

— Onde as pessoas bebem, dançam e se divertem.

— Parece o salão do castelo em dia de festa.

Clere riu lindamente e assentiu.

— Algo como isso.

— Por que acho que terei outro ataque do coração?

Clere riu e o abraçou.

— Eu te salvarei.

— Que os deuses permitam. Sabe que se eu morrer o reino de Kimera te


enforcará?

Ela riu de novo.


— Quero te matar somente de amor.

Aaron se afastou e a olhou seriamente.

— É o que sente? — disse sorrindo.

— Sim, é o que sinto. Meu coração está transbordando disso.

— Aaron, pode retornar a Kimera por um momento? Há assuntos que


devemos tratar com o beta.

— Estou de férias, como dizem os humanos.

— Um momento somente. Depois pode retornar à sua companheira.

Aaron suspirou ao ouvir a voz de Kayli na sua mente.

— O que houve? — Clere perguntou.

— Pode pedir que a alfa que a pegue aqui e a leve lá no tal clube? Preciso
ir a Kimera.

— Oh, gostaria que você fosse, será divertido.

— Talvez em outro momento. Acho que preciso que alguém me substitua


por um tempo como beta — disse suspirando. — Voltarei o mais rápido que
posso e irei ali por ti, prometo.

— Jura?

— Sim.

— Ok, vou ligar para a alfa me buscar.

Clere saiu para o quarto e Aaron franziu o cenho e coçou a nuca, a


sensação de que algo ruim iria acontecer estava ali novamente.
Ele rosnou e desapareceu.
Clere tinha cometido dois erros naquela noite: o primeiro foi ir ao Olimpo
sem levar seus fones de ouvido, pois o barulho alto demais a estava deixando
tonta.

Tinha amado tudo, o clube era lindo, a música fantástica, tinha amado a
humana, dona dele, e sacou na hora que Konan estava caidinho por ela, tudo
o mais, amou as dançarinas nos pole dance e jurou que queria aprender
aquilo.

Bebeu uns goles de champanhe e tinha dançado, até tudo parecer girar.

O segundo erro foi ir sem Aaron para ajudá-la a contar para os alfas que
tinha se acasalado com o príncipe de Kimera, que ambos tinham se
reivindicado.

Sua mãe ficaria louca quando soubesse. Até explicar tudo e convencê-los
de que Aaron tinha feito tudo direito e não a obrigado a nada, o alfa tinha
rosnado bastante. Ela entendia, pois ele somente queria que ela ficasse bem.
Noah era protetor ao último e isso ela admirava, mas estava feito e ela não se
arrependia nem um milímetro.
Tudo estava bem até que sentiu que precisava ir para casa, porque algo
estava errado com ela e foi até o banheiro.

Suava frio, os ouvidos zuniam e parecia tonta, talvez aquele ambiente


fosse demais para ela.

Esperaria mais um pouco, antes de pedir que alguém a levasse à casa de


Kira, pois Aaron prometeu encontrá-la ali. Onde ele estava?

Então, Clere saiu do banheiro e ficou encostada na parede do corredor


tentando respirar. Rosnou com o mal-estar e estava sufocando, de repente
suas vistas começaram a ficar embaçadas.

Ela foi até o fim do corredor e empurrou a porta de saída de emergência


com toda força que quase a arrancou das dobradiças.

Apoiou-se nos joelhos e puxou o ar o mais que pôde, tentando respirar,


tentando melhorar e resfriar seu corpo, que parecia queimar.

Fechou os olhos e ritmadamente respirava tentando se acalmar, inspirar,


expirar, inspirar, expirar...

— 10... 9... 8... 7...

Parecia estar funcionando, até que seus ouvidos pararam de zunir e captou
algo que fez todos os pelos do seu corpo eriçar, um choro... um choro suave e
abafado.

Não era com ela, devia entrar e cuidar da sua vida. Ela caminhou para a
porta e ia entrar, então, ouviu o choro novamente, doloroso, uma voz suave
de alguém pequena e assustada.

Todos os pelos de seu corpo eriçaram mais e seus olhos cintilaram,


porque um alerta, um aviso poderoso e raivoso, retumbou por todo seu corpo
e seus sentidos.

Alguém estava assustada e com medo, talvez sofrendo.


Clere andou pelo beco, esgueirando-se e não pôde conter sua curiosidade
e raiva. Era algo mais forte que ela.

Não suportaria que uma mulher ou criança estivesse sofrendo. Rosnou


baixo em sua garganta quando o choramingo ficou mais forte. Era
imperceptível pelos ouvidos humanos, mas não aos dela, e ao longe escutou
risadas e conversas, pessoas estavam saindo do clube, alienadas do que
acontecia ao redor, mas sua loba estava atenta.

Clere olhou para o outro lado, para o prédio no final da rua e o cheiro
impregnou em suas narinas. Cheiro de sexo, de sujeira e de medo. Uma voz
masculina rebuscada encheu seus ouvidos e outro choramingo.

Ela correu, rosnou e saltou sobre uma escada de incêndio e mais um salto
caiu na outra varanda, espiou pela janela, e todo seu mundo deu um baque.

A luz estava apagada e somente havia uma luz amarela no abajur e havia
um homem nu, estuprando uma menina pequena, bem pequena, que não
deveria ter nem três anos de idade. Ele tapava sua boca e olhava para os seus
olhos arregalados e aterrorizados enquanto o verme tentava enfiar seu
membro grotesco em sua vagina.

A menina, magra e pequena, não tinha nenhuma chance de gritar ou


escapar.

Clere viu suas vistas escurecerem, seu corpo tremeu e sua loba rosnou
descontrolada dentro dela.

As imagens chocantes dos laboratórios invadiram sua mente.

Os gritos e a dor, seu sexo sendo invadido com movimentos bruscos. Os


gritos de socorro e misericórdia que saíam de sua boca quando rasgavam
seu ânus.
Era uma menina e aqueles homens não tinham pena dela, não tinham
nenhuma misericórdia ou clemência.

Era uma pequena loba fraca de tantos tranquilizantes, sem forças para
lutar ou combater tantos homens que insistiam em violentá-la. Riam dela,
chamando-a de nomes ruins.

Eles haviam começado os estupros quando tinha somente dez anos.

Não tinha qualquer noção do tempo, mas parecia tempo demais, e então,
quando cansou de chorar e gritar pedindo por sua mãe, recebeu vários
dardos de tranquilizantes em seu magro corpo, e aos choros recebeu seu
violador dentro da cela.

Tropeçava e caía tentando se afastar, inutilmente.

— Pare de choramingar, sua cadela, vai se acostumar à sua rotina e


fazer o que mandamos.

Puxou seus cabelos, bateu em seu rosto, arranhou seu corpo pequeno e
frágil. Ele agarrou-a pelos braços e segurou-os por cima da cabeça com uma
mão enquanto erguia a camiseta igual a que todos usavam. Depois lhe abriu
as pernas à força com o joelho e entrou nela, arrebentando sua virgindade,
fazendo-a sentir a dor atravessar seu corpo e o sangue escorrer.

— Ela é gostosinha, Lorn, devíamos fazer isso mais vezes. É só desligar


as câmeras por um minuto e ninguém vai saber.

— Os doutores não ligam, contanto que ela ainda respire.

O homem a agarrou, rosnou metendo mais fortemente enquanto ela


gritava pela dor.

Clere gemeu e apertou as têmporas com as mãos em punho e as lágrimas


escorreram de seus olhos. Queria parar as lembranças, mas não conseguiu.
Várias imagens pipocaram, diversas, diferentes, com abusos de todos os
tipos, os gritos chamando por sua mãe, por seu alfa, por alguém que a
salvasse.

Todas as vezes que tentou lutar, a coleira de choque era acionada e a dor
atravessava seu corpo tão fortemente que pensava que seu cérebro estava
sendo frito.

As surras, os golpes, os estalos, murros e os gritos estridentes da pequena


mulher atravessaram o seu cérebro, embora estivesse soluçando baixinho
jogada no canto da cela fria.

E pensar que não havia só homens, mas também mulheres naquele lugar.
Era inacreditável pensar que uma mulher pudesse fazer aquilo, mas sim,
havia.

Clere gemeu, engoliu a bílis que subiu pela garganta e tentou lutar contra
as lágrimas.

Ela virou-se e olhou fixamente para a criança através da janela, que


proferiu o choro desesperado, de medo e desolação. Era quase ensurdecedor.

Clere sentiu a dor violenta em suas entranhas, foi para trás e bateu nas
grades da varanda, arfou e perdeu a voz. A dor pulsou latente no seu corpo, o
sangue, o nojo, o desespero, tantos gritos, tantos que tapou os ouvidos para
tentar pará-los. Gemeu fortemente e as lágrimas correram soltas. E então viu
a si mesma novamente.

Ela era quase um fantasma, um resto de uma criança, depois tornou-se


uma adolescente, encolhida no canto da jaula, desnuda, seu cabelo longo
cobrindo a maior parte de seu corpo, ora curtos cortados desalinhados, ora
sujos e desgrenhados, seus olhos amarelos sem vida, totalmente
atormentados pelo sofrimento.
Não era mais uma criança inocente. Era uma jovem que se tornou uma
máquina, sem sopro de vida, com a ira no coração. A criança-loba que ela se
forçou a esquecer, forçou a enterrar tão profundamente quanto possível.

Bisturis que cortaram mais fundo que um humano podia suportar, seus
cortes abertos e expostos que lhe infligiram. Tentou se lembrar de sua loba e
não conseguiu, porque ela não existia mais.

Ela sacudiu sua cabeça. Não estava aqui. Era só um sonho. Isso era tudo.
Precisava resistir, mas não conseguiu.

Clere sentiu o frio e o medo em sua alma novamente. Ela não estava mais
em um lugar a salvo. Estava lá dentro do inferno novamente.

Os laboratórios subterrâneos eram enormes e muito bem fechados, quase


impossível arrebentar as portas e fugir, e os centros de treinamentos onde a
forçavam a lutar e revidar, para ser a soldado que queriam, para domar sua
loba.

E as jaulas que prendiam os lobos quando elas eram teimosas ou quando


ficavam loucas de dor das experiências realizadas em seus corpos jovens.

— Eu não quero ficar aqui! — Clere gritava zangada. Tentava lutar,


inutilmente.

A menina de apenas dez anos deitou sua cabeça contra as barras da


jaula. Abatida e sem esperança sentiu seu aperto no peito com dor.

Ela quis tentar se confortar, embora soubesse que não existia nenhum
conforto que ela podia ter. E não havia nada que os outros lobos pudessem
fazer. Sua mãe, seu pai e Gael estavam mortos, foi o que disseram. Então ela
parou de gritar e chamá-los.

— Vamos, Clere, se transforme no que queremos! Você nos pertence, é


nossa cadela para treinar. Você será nossa arma.
Ela gemeu fortemente sentindo a dor pulsar novamente, como uma onda
em seu corpo.

As garras alongaram, as presas ficaram salientes, gemeu e rosnou perdida


nas suas memórias, mas ainda tentava ferozmente não se transformar.

Ela trincou seus dentes e rosnou, enfurecida, o animal dentro dela rasgava
em sua mente com garras malignas querendo fugir.

Rosnou forte tentando se segurar, não queria se transformar, não podia,


mas a dor era um gatilho impiedoso, sua mente entrou mais fundo nos
laboratórios.

A mesa gelada de metal que haviam a prendido, sendo tomada por trás,
sem dó, sem remorso.

Outra mesa onde estava tão dopada de drogas, ligada a vários aparelhos
e piscou aturdida os olhando, os frascos com um líquido azul ligados a canos
que eram injetados em seus braços através de grossas agulhas, entrava em
suas veias como fogo, queimando seu corpo e seu sistema.

Tantas mortes, tanto sangue em suas mãos.

Ela tinha matado, matado muitos, não só humanos, estavam lá, jogados
aos seus pés ensanguentados.

Clere tombou de joelhos na varanda, rosnou de dor, tão alto, que as


janelas tremeram e sua mente se perdeu. Ela se esqueceu de quem era e onde
estava, perdeu-se no inferno da escuridão.

Então, sua transformação à loba começou, as garras alongaram mais do


que os lobos normais, os olhos passaram do amarelo-ouro ao laranja, um
forte vento se abateu no local, algumas vidraças estouraram e os cacos
voaram para todos os lados.
Sua magia foi solta completamente, mas não era o arco-íris lindo e
mágico que todos os lobos tinham; era vermelha, uma névoa sangrenta e
fúnebre.

Os pelos de sua loba apareceram, mas não como a magia dos lobos, eles
cresceram pelo seu corpo, sua coluna arqueou e os olhos ficaram salientes e
tortos, suas patas eram deformadas e as garras maiores que o normal. Suas
juntas eram grossas e tortas, seus ossos tortos e fora do lugar.

Sua mandíbula alongou revelando uma boca com dentes tortos e longos,
entremeados um sobre o outro, mortais e afiados.

Sua pelagem original de loba desaparecera e os pelos escureceram numa


mistura de preto e marrom ficando somente algumas mechas loiras dispostas
de forma desconexa.

Sua loba aumentou três vezes de tamanho do normal, levantou-se nas


patas traseiras e rosnou, então seus olhos ficaram vermelhos cor do sangue e
ela não teve mais nenhuma forma de conter o monstro que eles haviam
criado.

As lacunas escuras e escondidas na sua mente se iluminaram e a clareza


de sua desgraça fez com que suas forças ruíssem, e a loba deformada e
transformada numa besta saísse.

Clere rosnou furiosa que retumbou pelo ar da noite, bateu com as patas na
janela, estilhaçando tanto o vidro como os batentes de madeiras.

O homem gritou assim como a criança, que foi jogada da cama. O homem
gordo e imundo caiu para trás e bateu no armário.

A fera saltou para dentro do quarto, cravou as garras no peito do homem,


rosnando tão fortemente que se podia ouvir por quilômetros.

Um corte, dois, dez. Clere batia suas garras incessantemente uma e outra
vez, sobre o imundo homem estraçalhando sua cara, mordeu sua garanta
arrancando um pedaço, rasgou o resto do corpo, rasgando sua vergonha e sua
imundície e a fera não teve nenhuma piedade dos gritos e dos olhos
arregalados apavorados do homem.

Agarrou um braço e o arrancou jogando para o outro lado do quarto, mais


um golpe e as vísceras caíram do corpo que tombou. A poça de sangue e
pedaços humanos que se formou era algo que ninguém poderia pensar em ver
algum dia, sua cabeça foi separada do corpo e as pernas esmagadas com seus
fortes golpes.

Uma mulher abriu a porta, de camisola, cheirava a álcool e parecia


drogada. Gritou ao ver a fera dentro do quarto.

A fera cheirou e rosnou furiosa. Como que aquela mulher podia permitir
que aquele homem molestasse sua filha daquele jeito? Sabia e não fazia
nada? Quem se importava com as crianças sofrendo? Estavam mais
interessadas nos seus prazeres mundanos que a segurança de pequenas
criaturas que deveriam ser protegidas a todo custo.

Mas a fera não estava interessada em questionar, raciocinar ou justificar


nada, quem era o quê, ou quem tinha culpa, porque sua mente não estava
mais naquela realidade, não via certo ou errado, via somente ódio, puro,
cruel, que impulsionava sua loba perdida.

Clere bateu a pata na cabeça da mulher arrancando-a e a cabeça rolou


pelo quarto, jorrando sangue para todo lado, o corpo caiu e não satisfeita
cravou as garras em seu corpo estraçalhando-o.

Os gritos agudos e desesperados no fundo do quarto chamaram a atenção


da fera, que olhou para trás e rosnou alto e forte. O choro da pobre criança
pequena, o choro somente, impulsionou a fera ainda mais.

Ela saiu do quarto e encontrou outro homem na sala em meio a uma


névoa de cigarros, drogas e uísque barato, e não perdeu nenhum tempo, não
houve nem a menção da pessoa reagir.

Clere cravou as mãos enormes no seu peito. Com um puxão o homem se


partiu em dois, caindo num amontoado de carne podre para todo lado.
A fera rosnou alto, voltou ao quarto e pegou a criança. Uma porta de
saída não deteve a fera, que rosnava e saltava pelas escadas. A porta do
prédio da portaria voou longe, dando acesso à rua.

Não era consciente de quem atravessou a sua frente, ela simplesmente


correu pela rua e estraçalhou quem se pôs a sua frente. Não havia nada que
pudesse parar a fera. Pessoas e carros, nada a parava.

Ela estava no meio da rua e um carro veio em alta velocidade, o motorista


bateu na buzina e tentou desviar, assustado de ver tal criatura no meio da
cidade, sem saber exatamente o que era, mas ao passar com o carro por ela,
Clere bateu com o braço na traseira do carro e ele saiu rodando pelo asfalto.

Uma mulher que andava na rua topou com ela e começou a gritar
estridentemente e ficou acossada contra a parede de uma loja. Clere, em
retorno, rosnou de volta. A mulher emudeceu, com os olhos arregalados.
Então um silêncio se fez e a fera colocou a criança no colo da mulher e saiu
correndo.

Ela corria pelo meio da rua, na contramão e os carros vinham contra ela.
Mas Clere não se abalou, isso somente a assustou com as luzes fortes em seu
rosto e com o barulho das buzinas e freadas, um dos carros ia bater nela, mas
ela juntou as duas mãos e bateu no capô do carro que afundou, travou e sua
traseira levantou no ar, girou passando por cima dela e tombou estilhaçando
no chão.

Um carro de polícia surgiu à sua frente e Clere parou, rosnou para ele,
irritada, pois as luzes azuis e vermelhas que piscavam feriam seus olhos.

Ela desviou do carro, bateu com um braço na lateral dele e o carro voou
longe, caindo e capotando três vezes.

Logo outro carro apareceu, os policiais gritaram saindo do carro, sacaram


a arma e descarregaram sobre ela, apavorados.
Clere rosnou alto ao levar os tiros, no ombro, dois no peito e em sua coxa,
o que a fez cambalear, mas isso não a parou. Deu dois passos, rosnou mais
alto e chutou a porta imprensando a policial e fazendo o carro voar longe
dando três cambalhotas e batendo na parede de um prédio. Clere rosnou
novamente e correu pelas ruas nas quatro patas.

Ela bateu em outro carro, que voou e bateu num poste de luz que caiu
arrebentando os fios e soltando faíscas por todo lado, fazendo as luzes dos
prédios ao redor apagarem.

Clere correu pelos becos e ruelas tentando se esconder, levando o terror


pelas ruas de Atenas e gritos vinham de todas as direções.

Naquela altura o pânico estava instalado e os lobos no clube já tinham


dado falta dela. E saíram farejando pelas ruas.

— Liam! Onde ela está, porra? — Noah gritou zangado pelo


intercomunicador em seu ouvido. — Acredito que ela deve estar na forma de
loba ou Dhálea porque fez um estrago aqui na rua. Se não chegarmos a ela de
uma vez estaremos ferrados.

Liam olhou novamente para o aparelho rastreador dando uma freada


brusca na esquina.

— A uma quadra daí, à esquerda. Entrou em um beco sem saída. Estou


vendo, alfa... mas.... aquela não é Clere.

— Sinto o cheiro, mas não é o cheiro de Clere — disse Erick.

— Merda! — Noah rosnou e saiu correndo e o grupo de lobos correram


pela noite escura.

— Vou por este lado! — Konan gritou e saiu correndo.

Noah, Erick, Kirian, Julian e Sasha entraram correndo no beco e


estacaram quando avistaram a criatura que batia na parede de tijolos tentando
atravessar e, estupefatos, eles viram pedaços dele voarem para todo lado.
— Mas que porra é essa?

— Jesus Cristo... — Erick sussurrou com os olhos arregalados.

— Puta que pariu! — Konan gritou atrás dela.

A fera se virou para eles, respirou fundo e rosnou tão alto e com um urrar
distorcido, que eles gemeram pela dor nos ouvidos.

Ela tinha mais de dois metros de altura, o focinho muito alongado e


orelhas longas e pontudas, seus olhos eram vermelhos vibrantes como o fogo,
e dançavam como se fosse lava líquida.

Era maior, musculosa, peluda inteira, suas mãos eram enormes e as garras
longas e afiadas, era como o lobo em pé, deformado.

— Ela parece aqueles lobisomens dos filmes de terror.

— Não pode ser Clere — Kirian disse olhando-a com os olhos


arregalados.

— Liam!

Ele entrou no beco e estacou horrorizado olhando para ela.

— É ela, alfa, está com o rastreador. Essa coisa é Clere! — Liam gritou.

Foi difícil sair do estupor e reagir ao choque.

— Temos que tirá-la daqui rápido, podemos ser vistos e estaremos


triplamente ferrados.

— Merda!

Todos os lobos começaram a rodear Clere e a cercá-la e ela rosnou,


preparando-se para atacar.
— Clere! Retorne à humana, agora! — Noah exigiu forte e poderoso.

Ela nem titubeou, pois não sabia mais o que era seguir a ordem de um
alfa. Seu convívio de alcateia estava muito desfocado para que sua besta
sequer cogitasse obedecer Noah, sua besta não reconhecia tal comando e sua
mente parecia distante de reconhecer algum deles, o que espantou a todos.

Liam saltou sobre ela tentando contê-la, mas ela o agarrou pela camisa,
girou-o no ar e o tombou no chão, rasgando a camisa e seu peito. Foi pisar
em seu peito, mas Erick segurou sua pata e tentou tombá-la, dando tempo de
Liam rolar para longe.

Ela bateu no rosto de Erick e o jogou longe. Liam foi se levantar e se


afastar, mas ela girou rapidamente e bateu em sua lateral com a pata, que o
fez voar longe caindo sobre um vidro do carro, que estilhaçou.

Ver todos a rodeando, encurralando-a contra o beco, a estava irritando.

Ela soltou um rosnado tão alto, que todos gemeram pela dor nos ouvidos.

— Merda, isso que eu chamo de chamar a atenção da cidade inteira sobre


ela — Konan sussurrou ao chegar até eles e frear, estupefato.

— Ela vai atacar.

Clere se virou e bateu num outro carro jogando-o em sua direção.

Konan rosnou, se abaixou e o carro passou raspando por cima dele, ele
olhou para trás e depois para ela com os olhos arregalados.

— Meu Deus, isso é a Clere? — Ester perguntou estupefata chegando


correndo.

— Não sei, mas é bom que tenhamos reforços — Noah disse.

Erick agarrou seu celular, ligou e gritou se abaixando quando Konan


tentou se aproximar.
— Ei, você! Clere, precisa parar! Se transforme agora em humana!

A fera somente se zangou, rosnou, tentando bater em Noah, que saltou


para trás e conseguiu se desvencilhar, mas com um golpe muito rápido ela
bateu no peito de Konan, fazendo-o voar longe e bateu na parede de tijolos e
tombou no chão.

— Konan!

— Oh, merda! — gemeu com dor, segurando seu peito e tentando se


levantar do chão.

— Chame Kira, rápido, Erick. Precisamos de um pouco de magia aqui!

— Estou tentando!

Zian entrou correndo no beco com Virna e eles a olharam horrorizados.


Saltou sobre ela tentando impedi-la de correr, mas Clere o agarrou sobre o
ombro e o jogou longe fazendo bater nos tonéis de lixo. E rodar pelo chão.

Kirian olhou com os olhos arregalados para a besta, que rosnou tão alto
que eles tiveram que tapar os ouvidos novamente.

— Acho que temos um problema — Ester disse.

— Onde está Aaron?

— Boa pergunta.

— Clere! Sou eu, Ester, pode me reconhecer? Por favor, querida,


precisamos que se acalme e volte à humana, por favor.

Clere rosnou e tentou agredir Ester, que segurou seu braço e, com toda
força tentou segurá-la, mas logo a fera a jogou longe caindo e rolando sobre
um carro, que estilhaçou seus vidros.

— Sua força é descomunal. O que infernos aconteceu com ela?


Noah saltou sobre ela, golpeando-a, e mesmo não querendo machucá-la
usou toda sua força. Ela sentiu o golpe e rosnou, mas não surtiu o efeito que
ele pensou.

Ela o socou debaixo do queixo, o jogando pelo ar, atravessando o


quarteirão e batendo num poste.

Os lobos atacaram de uma vez e ela rasgou o peito de Konan, que rosnou
pela dor, cambaleando para trás, bateu na lateral das costelas de Kirian, que o
fez gritar pela dor. Ester gritou e o amparou-o assustada.

— Pegue ela, agora! — Noah gritou, pois haviam chegado ao limite.

Não poderiam mais ficar na rua arriscando serem pegos pelos humanos.

Julian saltou por trás com os punhos fechados golpeando suas costas, o
que fez ela rosnar pela dor e tombar nas quatro patas.

— Clere!

Todo mundo congelou e se virou e ali, parado no início do beco, estava


Aaron, olhando horrorizado a sua companheira, vestido com suas roupas de
guerreiro, segurando seu machado.

Todos se afastaram assustados e, de certa forma, aliviados.

Um carro da polícia com as sirenes ligadas foi entrar no beco, mas Aaron
rosnou alto, furioso, pois os humanos tinham conseguido de novo atingir sua
companheira, bateu com o machado de baixo para cima na frente do carro,
que travou num solavanco, e sua frente foi destruída, voando pela rua, então
ele rosnou furioso, agarrou com uma mão o que sobrou da frente do carro e
com um puxão para cima, fez o carro voar no ar e rodopiar e capotar pela rua.

Aaron rosnou furioso e, chocado, olhou para Clere e o rosnado dela ecoou
pela noite.
Outro carro veio correndo pela rua, Aaron rosnou furioso com os olhos
cintilando, jogou o machado que saiu girando pelo ar, bateu contra o vidro
dianteiro do carro que se desgovernou, girou bruscamente para o lado, travou
as rodas e capotou duas vezes pela rua ficando de cabeça para baixo.
Aaron jurou poder sentir as mãos suarem e uma sensação de pânico
começou a enchê-lo, sufocando sua garganta e ameaçando roubar sua
sanidade.

Ele, mais uma vez, conhecia o terror e medo de perder sua companheira.
Inferno, ele tinha a ideia do que era medo verdadeiro, mas agora sentia terror,
sentindo o eterno looping de sua vida cair na sua cabeça e ele poderia perder
sua companheira.

Começou a se aproximar, devagar, mas com passadas poderosas.

Ela podia ver a sua pequena companheira, bonita e delicada, graciosa,


com o corpo bem definido, cintura fina, seios empinados, quadril redondo.

Toda deliciosa com seu ar jovial e toda bonita num vestido preto com
seus cabelos com aquele corte moderno, curto e despojado, ora rosa, ora azul,
preto, que a deixava totalmente o contrário do que um dia tinha esperado de
sua mulher, mas que ele amava, ser destruído e virado naquela coisa.
— Com mil demônios, está parecendo Kayli, há dois mil anos, mas muito
pior — Aaron disse pesaroso e consternado, mas ficou chocado, pois ela não
era como Kayli. Ela era uma loba deformada.

Aaron a olhava assustado, tentou jogar seus sentimentos conflitantes e seu


pesar longe e foi lentamente se aproximando com um dos braços esticados,
tentando mostrar a ela que não a machucaria.

— Clere, precisa se transformar, querida, precisa voltar à sua forma


humana, agora — Aaron disse se aproximando.

Clere, que estava de quatro, rosnou alto e ficou em pé novamente e ela


arreganhou seus dentes afiados.

Quando a besta rosnou, foi um rosnado forte e grotesco, e uma onda de


energia emanou dela atingindo a todos que deram passos atrás, bateram nos
carros e nas paredes e alguns rolaram pelo chão e era como um grande vento
forte que se abateu no local, as vidraças dos prédios estouraram e os cacos
voaram para todos os lados.

As lâmpadas dos postes de luz estalaram e as ruas ficaram no escuro.

Eles se recomporam e formaram um semicírculo diante dela novamente,


dessa vez, mais cautelosos e espantados.

— Ela vai te atacar, Aaron. Está fora de si.

— Se afastem, estão a assustando!

— Acho que nós que estamos bem assustados — Ester sussurrou e Noah
rosnou, segurando o peito ensanguentado.

Eles se afastaram e ele se aproximou mais.

— Oi, minha companheira, me reconhece? Sou seu companheiro, se


lembra de mim?
Aaron foi dando passos lentos em sua direção com o braço estendido,
olhando-a fixamente.

Ela rosnou e bateu num latão de lixo jogando contra Aaron, que desviou,
mas não recuou e continuou se aproximando.

— Ei, lobinha, fique calma. Está tudo bem, não vou machucar você.
Precisa se transformar, Clere, eu sei que pode fazer isso.

Clere rosnou alto, mas não se moveu do lugar e Aaron pareceu ter tocado
e chamado sua atenção, no primeiro momento ela titubeou como se quisesse
reconhecê-lo, confusa.

— Oi, loba. Que tal devolver minha Clere, hã? Volte para mim, meu
amor. Você pode e está tudo bem.

Em um arfado e uma bufada, a fera pensou em recuar quando Aaron


tocou sua face.

— Oi, amor, pode me ouvir? Está tudo bem, vim para te levar para casa.
Está segura, eu estou aqui. — Aaron fez o que todos temiam, ele segurou o
rosto dela entre as mãos olhando bem dentro dos seus olhos. — Volta para
mim, amor, minha princesa, por favor, volta pra mim. Lute com a fera, Clere,
domine-a, dome-a, você consegue... Precisa domá-la, faça-a te obedecer.
Você é mais forte do que sua fera, lute e volte pra mim.

A loba choramingou e todos, espantados, que nem respiravam, puderam


ver a mudança dela, em seus olhos. Quando ela reconheceu Aaron, a dor foi
visível e dolorosa.

— Oh, mas que merda... — Ester sussurrou. — Ela o atende.

A fera parecia estar se acalmando, seguindo a voz de Aaron, que não


aparentava ter medo dela, mas seu coração estava despedaçado, e Noah
poderia jurar que ninguém faria algo assim por alguém, a não ser que fosse
seu companheiro.
— Shhh... Está tudo bem, querida, está tudo bem, te tenho agora — disse
com a voz embargada, nem conseguia acreditar no que estava vendo e os
sentimentos desesperadores que habitavam seu peito poderiam rasgá-lo, de
ódio, de tristeza por ela.

— Os humanos estão vindo, precisamos sair daqui, agora! — Noah


exclamou.

Nisso Kira cintilou e apareceu no beco.

— O que está acontecendo, Erick? Oh, meu Deus! — exclamou chocada


ao ver a fera.

— Precisa nos tirar daqui, Kira, agora.

— Ok. Eu dou um jeito nisso. — Suspirou consternada.

Nisso sirenes se aproximavam e um helicóptero da polícia sobrevoou


sobre eles num rasante com um holofote tentando encontrá-los.

Ao ouvir o barulho e o choque das luzes, Clere rosnou alto, empurrou


Aaron golpeando-o no peito e o sangue jorrou e ele voou longe contra os
outros lobos, derrubando todos.

— Agora, Kira!

Noah, Erick, Julian e Konan saltaram juntos sobre ela tentando-a segurá-
la para não fugir, mas a fera rosnou zangada, e num solavanco jogou todos
longe de uma vez.

Um carro parou na entrada da rua, os policiais saíram do carro, um


policial atirou a atingindo no ombro e ela rosnou, cambaleando e rosnou.

Foi correr com violência, mas Kira movimentou as mãos, sussurrou


palavras de um feitiço e todos eles desapareceram, no mesmo segundo que
dois carros da polícia entraram pela outra rua do beco e o helicóptero
iluminava o local.
Mas em tempo não puderam ver nada direito, a não ser um clarão.

— Mas que diabos foi aquilo? Você viu aquilo? — um dos policiais
perguntou assustado, sem entender o que tinha visto.

O outro policial franziu o cenho, mas não conseguia dizer o que tinham
visto exatamente, um animal grande, muitas pessoas altas, um flash de luz,
tudo borrado, estranho e incompreensível.

Os carros saíram para as ruas adjacentes, mas não encontraram nada


novamente, enquanto Kira e todos os outros lobos reapareciam na Ilha dos
Lobos, numa das salas do clube.

Aaron olhou ao redor aturdido para ver o que tinha acontecido e,


horrorizado, viu Clere dentro de uma jaula e todos os lobos ao redor. Ele
gemeu segurando o peito que sangrava e pensou que somente queria acordar
daquele pesadelo.

Clere parecia tonta e cambaleou, tropeçando em seus pés.

Ninguém conseguia dizer muita coisa, a não ser observar consternado,


sem saber o que fazer.

Ela arfou, bufou e agora parecia muito cansada, desolada então rosnou
uma e outra vez batendo nas grades.

Noah rosnou ao se sentir seguro em casa, mas não conseguia acreditar no


que estava vendo.

— Kira, tire-a da jaula! — Aaron rosnou.

— É somente para ela se acalmar, e não machucar mais ninguém.

— Ela está ferida, meu Deus, preciso cuidar dela.

— Não vai se aproximar até que ela esteja assim.


— E se ela não voltar? O que fizeram com ela? — Ester perguntou.

— Maldição se eu sei! — Noah rosnou zangado.

É que o inferno parecia nunca deixá-los.

— Preciso sanar seu ferimento, Noah — Ester disse alarmada.

— Não precisa, estou bem.

Erick xingou, porque a situação tinha saído do controle tão rápido e, por
mais que estivessem seguros em casa, haviam humanos estripados pela
cidade, carros tombados, outros pegando fogo, postes derrubados, carros
batidos e uma loba que virava um lobisomem como nos filmes de terror e
agora nem ele sabia o que pensar ou o que fazer, mas respirou fundo e tentou
atinar os pensamentos.

— Eu preciso de uma bebida, acho que minhas costelas estão quebradas


— Kirian disse rosnando pela dor.

— Não pode deixar Clere numa jaula, Noah! — Ester exclamou chorosa.

— Tem alguma ideia melhor? O que temos são os grilhões ou a jaula.


Temos que achar um jeito de trazê-la de volta. Não podemos deixá-la solta
agora porque pode escapar, causar mais danos em nós ou a si mesma. E
chamem Harley para que possa entrar no computador da polícia, jornal ou o
que seja e apagar tudo que possa ter sido descoberto ou visto essa noite,
câmeras de segurança, tudo! Temos que apagar nossos rastros.

— Muitas pessoas nos viram, a viram.

— Então torceremos para que nossas fotos não estejam na internet


amanhã ou estampadas nas capas dos jornais.

— Merda!
Clere rosnou, chacoalhou, bateu nas grades as entortando, mas não o
suficiente para sair, mas as grades começaram a entortar e os lobos arfaram.

Kira sussurrou um feitiço e as grades ficaram brilhantes e mais fortes que


ela, então não poderia entortar.

Aaron se aproximou da jaula e seu coração estava totalmente quebrado.

— Acalme-se, Clere, por favor, por favor, precisa voltar para mim —
Aaron sussurrou. — Eu prometi que ela nunca mais estaria presa numa jaula.
Olhe onde está.

A sua loba, amorosa e querida, estava atônita, prostrada, sacudiu a jaula e


rosnou e pôde ver raiva e dor, desespero, por não conseguir sair, o que
somente a atordoou e o olhou por um momento então começou a andar pela
jaula bufando e rosnando.

— Perdoe-me, Clere... Isso é tão errado! — Aaron sussurrou. — Era isso


que ela escondia... era isso que a impedia de se transformar em loba de novo.
Todas as vezes que pedi que virasse loba ela negou, dizia que não queria
correr, mas havia uma tristeza em sua voz, chegou a me dizer que não
gostava de sua loba. Naquele dia que a salvei, ela me disse que estava
quebrada, que não era mais uma loba, que a morte era a única coisa que lhe
restava, que não conseguia mais, que a odiaríamos se soubéssemos a verdade.
Que ela continuava presa.

Todos arfaram horrorizados e seus corações choraram por ela.

— Estava tentando se livrar disso — Noah sussurrou.

— Eu não entendi... achei que eram somente seus traumas, que não falava
de uma fera de verdade. Eu apaguei sua memória e isso impediu que eu visse
a verdade.

— Não foi sua culpa, Aaron. Se formos nos condenar com o que poderia
ter sido ou o que não vimos então também sou culpada, pois eu não vi quão
depressiva estava e que o fato de nunca ter visto sua loba era isso, o que ela
queria se livrar — Erick disse.

— Eu pedi que o fizesse.

Aaron sentiu suas forças fraquejarem, tentou alcançá-la através das


grades, mas ela estava longe e se afastou mais.

— Perdoe-me, mein hers, perdoe-me — sussurrou.

— Aaron, não adianta apontarmos culpados ou nos culpar. Cometemos


erros, mas ninguém podia prever algo assim, ela devia ter nos contado —
Noah disse.

— Ela estava com medo, talvez, com medo que a julgássemos — Ester
disse e secou uma lágrima.

— Como podemos culpá-la de algo que aqueles malditos fizeram?

— Ela disse que se soubessem nunca a deixariam cuidar dos bebês. Ela
disse que nunca os machucaria, mas achava que não entenderiam e a
matariam. Ela não tinha mais nenhum amor-próprio, aqueles bastardos
destruíram tudo e quando pensei que a tinha a salvo... — Aaron discorreu.

— Foi um gatilho, algo a fez acordar e soltar sua fera. Não foi por querer
que ela fez isso, transformando-se no meio da cidade, matando pessoas —
Ester disse.

— Oh, inferno!

Clere moveu-se e rosnou, saltando e batendo com o corpo contra as


grades e eles se afastaram da jaula, olhando-a com os olhos arregalados.

— Ela é muito forte.

— Nunca vi nada como isso.

— Infelizmente, eu vi algo semelhante... Ela se parece muito com a besta


em que Kayli se transformava, só que ela é um pouco menor e deformada.
Eles quebraram sua loba.

— Temos que trazê-la de volta.

Clere saltou dentro da jaula rosnando tão alto que os lobos taparam os
ouvidos pela dor em seus tímpanos.

Começou a andar de quatro patas, de um lado a outro e bater nas grades


novamente, jogando seu corpo contra elas, o que parecia que somente serviu
para irritá-la mais e, para espanto de todos, as grades começaram a entortar
mesmo com o feitiço.

— Puta merda, olha a sua força!

— Como que ela nunca conseguiu escapar?

— Talvez por isso que ela não ficava com os outros lobos, sua cela era
especial, para mantê-la presa, e as drogas que usavam para que estivesse
controlada deveria ser muito forte.

— A força que ela precisou fazer para manter esta coisa oculta é que
estava a destruindo.

— Eu senti o cheiro dela, uma das drogas que usaram em mim e Logan,
que nos fazia perder a mente e não reconhecer ninguém. Quase matei Petrus
por causa disso.

— Por que não disse?

— Como poderia saber que era isso, somente achei que ainda tinha o
cheiro, mas que não podia ser grave.

— Sim, ela o derrubou no ginásio, muito forte — Kirian disse.


Então ela rosnou alto novamente e uivou. Todos a olharam, chocados.
Seu uivo era de raiva, dor, mas havia um lamento tão doloroso. Ele foi tão
sofrido, carregado de dor e sofrimento, que todos na sala sentiram seus
corações partirem.

— Clere, por favor, não vamos machucá-la, por favor, se acalme —


Aaron pediu e ela o olhou e rosnou. Choramingou quando viu o sangue e
soube que ela que tinha feito. Seus olhos estavam laranjas e ela pareceu
começar a tomar alguma consciência.

— Temos que tirá-la daí, Noah! Somos sua família, não podemos deixá-la
numa jaula!

— Ótimo, então pense em outra coisa, porque não consigo pensar no


momento.

A sua mãe entrou correndo e foi se aproximar, mas Clere rosnou e bateu
contra as grades e choramingou.

— Clere... Oh, meu Deus, o que fizeram com minha filha? — Lana
exclamou horrorizada.

Kirian a puxou para trás.

— Não se aproxime, ela pode te ferir.

— Clere! Por favor, querida, volte à sua forma humana.

— Não adianta pedir, ela não consegue voltar — Liam disse e respirou
fundo, triste.

— Clere, olhe para mim, meu amor — Aaron disse se aproximando


mansamente e agarrou as grades.

Clere uivou sua dor, pedindo que a matassem. A voz dela ecoou na
cabeça de todos, de forma distorcida, não como sua loba deveria ser se
comunicando com eles. A dor era palpável. Todos se calaram, mudos e
estáticos e Aaron engoliu o nó de sua garganta que estava o sufocando.

— Clere, sou eu, seu companheiro, por favor, vamos consertar isso.
Precisa se acalmar e se transformar.

Todos estavam sem ação, sem saber como ajudá-la; e pior, podiam
imaginar a dor que Aaron estava sentindo ao ver sua companheira daquele
jeito.

Um momento tão maravilhoso que deveriam comemorar que um casal se


formou e tudo tinha desandado naquela tragédia.

Clere estava tão feliz no clube que não conseguiu atinar como as coisas
tinham piorado em questão de meia hora.

Aaron respirou fundo, pois sabia a sensação de tal caso, pois tinha
passado algo semelhante e sabia a dor que aquilo tudo representava para
todos, também lamentou por si mesmo, novamente passava uma provação
pesada demais para qualquer um.

Foi então que a viram arfar, como se tivesse atingido seu limite, cansada.
A tristeza agora estava surgindo mais forte e talvez, na sua cabeça estragada,
sua loba e seu lado humano estivessem lutando.

Ela se virou foi até o fundo da cela e se encolheu, sentada no chão, de


costas para todos. Sua besta se rendeu à dor e escuridão.

Havia desistido, como se aquelas grades a tivessem levado de volta aos


laboratórios. Aaron soube que sua consciência havia voltado e o choque de
estar onde estava, de estar na sua forma de fera, tinha-a atingido ferozmente e
quebrado seu coração. Agora o que sobraria dela?

Clere inalou lentamente, ela estava cansada, mas quieta porque também
estava amedrontada.

Ele ouviu o minúsculo choramingo, um choro sentido. A fera estava


rendida e seu coração morreu mais uma vez.
Clere retrocedeu sua loba um pouco, ficando o que seria sua forma
intermediária e ainda assim era muito peluda e deformada.

Aaron teve dificuldade de segurar seu pranto, porque estava despedaçado.

Ela era frágil aparentemente, mas ele sentiu a força nela, o coração de aço
de determinação e a resolução obstinada que a enchia, mas sabia que tinha
uma coisa horrorosa apagada dentro dela pela magia, mas jamais imaginou tal
coisa.

Noah sentiu seu mundo desabar, porque ele não se conformava que os
malditos humanos tivessem destruído uma fêmea como ela, tão doce e meiga,
uma criança, como eles haviam quebrado sua loba.

Isso pesava em seus ombros, porque, como alfa, era responsável pela sua
alcateia e ele não tinha conseguido salvá-la por tanto tempo. Ela tinha ficado
nas mãos dos bastardos por longos dez anos.

Não era de se admirar que ela tivesse tentado tirar a própria vida, e teria
conseguido se não fosse Aaron impedi-la.

Noah se virou ao ouvir um soluço e Ester estava com os olhos cheios de


lágrimas, com o coração partido.

Ele a puxou para si e a abraçou.

— Como não soubemos disso todo este tempo que ela esteve aqui?

— Ela escondeu o que houve, ninguém sabia.

— Não sabemos lidar com tudo que aqueles malditos fizeram, como
podíamos imaginar tal coisa?

Ester se virou para a porta quando sentiu o cheiro de seu filhote.

E ele, em forma de lobinho, entrou no salão, passou correndo entre suas


pernas, assustando a todos.
— Lucian! — Ester gritou.

Antes que Ester pudesse pegá-lo, Noah rosnou e o pequeno lobinho


passou entre as pernas de todos, desviando das mãos que tentaram segurá-lo
e, para espanto de todos, ele correu para a jaula e passou entre as grades,
tendo um pouco de dificuldade entre as barras com sua barriga gordinha.

Aaron saltou até a jaula, agarrou sua patinha, mas ele conseguiu se soltar.
Ele foi até Clere e se escorou em sua perna e começou a latir e resmungar,
tentando escalar em sua coxa.

— Lucian! — Ester gritou apavorada, agarrando-se à jaula. — Abram a


porta!

Noah rosnou e enfiou o braço entre as grades, mas a jaula era grande e ele
não alcançou Lucian, pois a jaula era presa na parede, onde ela estava.

— Lucian, sai dessa jaula agora, venha para o papai.

Ele resmungou ignorando Noah, olhou para ele e uivou curto, bateu as
patinhas em Clere, que rosnou.

— Oh, meu Deus! — Ester disse apavorada.

Jessy entrou correndo e estacou com um arfado, assustada vendo tudo.

— Ester, perdoe-me, ele fugiu quando abri a porta. Pensei que estava
dormindo, saiu em disparada como se soubesse exatamente aonde ir. Pelos
deuses, quem é essa?!

— Foram os humanos, Jessy. É Clere.

— O quê?

Jessy olhou para a jaula, com os olhos arregalados e se dando conta do


perigo e do que Clere havia se tornado, seu coração quebrou por ela. Não
sabia se chorava ou rosnava de raiva.
Ela mais do que ninguém sabia o que era ser torturada, estuprada e
machucada de todos os níveis, em ser testada como uma cobaia de
laboratório, matando sua loba.

Clere se moveu, para espanto de todos, que pararam de respirar. Ela


lentamente empurrou Lucian para longe dela, mas ele foi teimoso e voltou a
querer subir em sua perna, ela o empurrou de novo.

— Ela o está afastando.

— Não vai feri-lo.

— Isso não é possível...

Todos arfaram quando Lucian se transformou em bebê humano,


engatinhou nu até ela e deitou a cabeça sobre suas pernas e começou a fazer
aquele som que ele fazia sempre que estava com sono.

Ele puxou sua mão deformada com as garras afiadas e, mesmo sem Clere
querer, deixou, e ele levou sua mão até seu bumbum e bateu a sua mãozinha
ali. Ele estava pedindo que ela o ninasse para dormir como sempre fazia.

Clere ficava dando palmadinhas no seu bumbum enquanto cantarolava


uma música e ele adormecia.

Ester sentiu as lágrimas escorrerem de seus olhos, porque a visão deixou


todos mudos e sem ação.

Lucian não tinha medo dela e amava tanto sua babá, que não se importou
de ela estar naquele estado, como uma besta selvagem e Clere havia abaixado
sua fúria e animosidade para não machucar o bebê.

— Meu Deus!

— Hum... hum... hum... Kere... — Lucian resmungava sonolento.


Clere se virou um pouco, puxou Lucian para o seu colo e todos pararam
de respirar achando que o machucaria, mas não, cuidadosamente ela pegou o
bebê em seus braços monstruosos, deitou-o em suas pernas e lentamente batia
a mão em seu bumbum, como ele queria, balançando o corpo, para frente e
para trás.

— Abra a porta — Aaron pediu a Kira, que fez um suave movimento com
a mão e a porta da jaula se abriu.

Ester e Noah queriam correr e ir até ela e pegar seu bebê, mas em seus
corações eles souberam que ela não o machucaria. Ela tinha consciência dele
e de Aaron.

Aaron entrou na jaula e com o coração doendo por ela se aproximou, se


ajoelhou e lentamente a abraçou por trás.

— Está tudo bem, meu amor. Estou aqui.

Todos ouviram um choramingo e não podiam ver, mas as lágrimas dela


estavam lá, rolando sem piedade.

— Volte para mim, Clere, por favor, volte para mim — ele sussurrava
docemente. — Vou cuidar de você agora.

A fera parecia rendida, cansada e sua dor era grande demais, que emanava
pela sala como uma onda de energia ruim que deixava o estômago de todos
enjoado.

Clere estava perdida, mas ao sentir o amor verdadeiro que vinha de Aaron
e daquele pequeno filhote que não tinha tido medo dela, ela conseguiu que
sua mente distorcida e raivosa se acalmasse.

Então, lentamente, diante de todos, ela começou a se transformar. Não


como os lobos faziam num piscar de olhos, ela foi retrocedendo sua loba
devagar, os pelos começaram a sumir, seu tamanho começou a diminuir, seus
músculos, as presas retrocederam e seus longos dedos com garras voltaram
ao normal e, ao fim, Aaron embalava sua pequena loba, na sua forma humana
e nua.

Todos puderam ver Clere respirar cansadamente, fungando pelas lágrimas


que caíam incessantemente e o sangue que escorria pelo chão, proveniente
dos buracos de balas por seu corpo, balas que os policiais haviam atirado.

Eles jamais tinham visto um lobo se transformar daquele jeito. Eles eram
rápidos em se tornar lobo à humano, mas ela não, seu processo era lento e as
transformações visíveis. Era realmente tenebroso.

— Amaldiçoados sejam os humanos bastardos que fizeram isso, espero


que estejam queimando no inferno — Erick sussurrou horrorizado.

E ela chorou, aos soluços, abraçada a Lucian e se deixando abraçar por


Aaron, sem poder olhar para ninguém.

— Está tudo bem, querida, vai ficar tudo bem, eu prometo. Shhh...
tranquila agora.

— Parece que Lucian e Aaron tem um efeito muito grande sobre ela. Não
os ataca — Noah disse.

— Sua besta não ataca porque é má, ela ataca porque está com raiva e
dor... — Ester disse secando as lágrimas.

— Sim. Quem ela matou não foi porque somente sua besta queria sangue.
Ela matou para se defender e defender quem não podia fazê-lo. Talvez uma
maneira de se vingar quando ela não pôde fazê-lo — Kira disse.

Todos olharam para Kira, que observava a cena.

— O que quer dizer? — Erick perguntou, confuso.


— Quando atacou vocês estava se defendendo porque vocês queriam
pará-la. Nos laboratórios estava se defendendo. Não acredito que seja má,
mas está num estado animal que não conseguimos alcançar. Ela matou quem
era mau ou fazia mal a alguém, e para se proteger. Clere estava agindo com
instinto de proteção, punindo os homens que machucaram uma pequena
criança.

— Oh, meu pai amado, era isso que ela viu?

— Creio que sim, e acredito que as mortes há semanas em Paxos foi coisa
dela, não é, Alteza?

Aaron respirou fundo.

— Sim, foi ela. Numa madrugada saiu sem que eu visse, atacou três
homens que atacaram uma moça.

— Merda — Ester sussurrou.

— Estava tentando defender inocentes. Como ninguém a tinha protegido


— Aaron sussurrou. — Eles a transformaram numa arma, mas não
conseguiram corromper seu coração bom, mesmo perdendo o controle de sua
loba.

Erick respirou fundo.

— O que mais ela necessita agora são seu companheiro e um bebê


inocente, que a ama como ela é, sem temer seu lobo deformado.

— Lucian, mesmo sendo um bebê já é um alfa, destemido e forte — Noah


respondeu abraçando Ester.

— Oh, tão lindo... — Ester sussurrou emocionada. — Ele vai me deixar


de cabelos brancos, pois desse tamanho me dá tantos sustos. Quando não
foge para ver Safira, foge para ver Clere.
Ester respirou fundo, soltou-se de Noah e foi até a jaula, lentamente
entrou e foi até Clere.

Clere fungou e olhou para ela e Ester viu tanta dor ali, que era impossível
não chorar.

— Eu nunca o machucaria, alfa — Clere sussurrou.

— Eu sei, querida. Eu sei. É melhor eu levá-lo para casa para pô-lo no


berço e, então, se você permitir, eu devo olhar seus ferimentos e saná-los.
Ok? Temos vários furos de bala aí. Vai ficar tudo bem.

Clere assentiu, mas Ester viu que ela não acreditou muito naquilo. Estava
triste demais. Beijou Lucian na testa, que estava adormecido e entregou para
Ester.

Ester gemeu ao ver que Lucian estava sujo de sangue de Clere, mas não
quis dizer nada, só o desespero tomando conta.

Aaron foi abraçá-la novamente e falar com ela, mas Clere se afastou dele
e se isolou embolada no canto da cela e sua respiração ficou pesada e
pesarosa e todos ali ao redor olhavam horrorizados e doentes.

E não doía somente seu corpo cravejado de balas, que ninguém conseguia
explicar como não estava morta, mas a dor de suas memórias que voltaram e
estavam enchendo sua mente, frescas como o inferno.

E Aaron sentiu uma dor descomunal, ao ver que ela não queria nem que
ele se aproximasse dela. O medo de perdê-la tomou conta e não sabia o que
fazer.

Quando Clere olhou para o futuro, só viu escuridão e nada mais. Ninguém
poderia amar uma casca vazia e quebrada, uma loba que não era loba.

Só havia desespero em seu coração, sua felicidade tinha acabado. Se a


matassem seria um alívio, não se importava mais, porque não tinha mais uma
alma para sofrer.
Estava lá, morta, completamente, não havia mais dor possível ou
esperança, pois nos laboratórios eles pensaram que ela era um fracasso, um
experimento que deu errado, descartável e agora tinha colocado em risco sua
alcateia e seu companheiro. Como isso poderia ficar pior?

Mesmo com a porta aberta da jaula, Clere não saiu e chorou o restante da
noite até amanhecer, até cansar, até não haver mais nada.

As horas que se seguiram foi uma tortura para todos, as memórias saíram
todas de uma vez, uma atrás da outra, bombardeando a mente de Clere como
um filme de terror, como se todos os dez anos de sofrimento estivesse a
torturando novamente.

As memórias eram cruéis, ela sendo mergulhada em água gelada,


deixando-a tanto tempo submersa até se afogar, suportando o calor extremo,
ao ponto de queimar sua pele.

Surras, choques elétricos, aulas de lutas de todos os tipos, até tombar de


cansaço, até seus ossos estarem quebrados. Drogas e estupros. Podiam ver
como as memórias e suas dores a estavam castigando, a maneira que tremia e
gemia, como apertava as grades com tanta força que quase poderia entortá-
las.

As torturas que as fêmeas tinham aguentado as tinham machucado


psicologicamente de um modo que os machos não tinham sido. Isto tinha
marcado a ferro sua mente, corpo e coração.

Dor que poderia acabar com a vida de uma fêmea, que talvez nunca
superasse ou conseguisse seguir em frente.

As mulheres, como se supunha, eram o sexo mais frágil e doce, mas eram
mais fortes do que todos pensavam, mas dez anos era muito tempo para gerir
ou suportar. Quão ferida ela estava sem ter mais sua loba, sua identidade.

Noah rosnou e queria matar alguém, porque sentia muita raiva ao pensar
como os homens podiam ser nojentos e infligir estupros às mulheres e isso
podia quebrar suas almas de forma irrevogável, e sim, eles estavam por todos
os lados, mas ele nunca tinha visto isso nas alcateias, muito menos na sua.

E toda a ilha foi inundada num pesar de luto e sofrimento. Havia o


completo silêncio, parecia que até as ondas pararam de quebrar na praia, o
vento parou de rodar e os animais se calaram.

Aaron não a forçou a sair, e não conseguiu fazê-la tratar os ferimentos, ou


forçou seu abraço, mas a zelou por toda a noite, sentado dentro da jaula.

Quando clareou, ela se rendeu ao cansaço e adormeceu. Aaron respirou


fundo, pegou sua companheira no colo e saiu da cela. Ele parou na frente de
Noah, que o olhava sério.

— Não queria magoar sua companheira, Aaron, mas foi necessário


colocá-la na cela.

Aaron rosnou baixo e profundo e seus olhos cintilaram numa advertência,


mas Noah não se abalou.

— Entendo.

— Minhas lobas cuidarão dela e do senhor também.

— Obrigado.

— Venha, tio, vou lhe mostrar onde é a clínica — disse Erick, cansado.

Aaron inclinou a cabeça em respeito ao alfa e em agradecimento pela


ajuda.

Noah retribuiu o gesto educado e honroso, e respirou fundo.

Era espantoso, mas sabia que aquele lobo faria de tudo por ela e que com
o tempo talvez pudesse curar suas feridas, como tinha acontecido com os seus
lobos acasalados.

Nunca poderiam desistir um do outro, pois cada um tinha um trauma


diferente, inclusive ele, mas eles tinham quebrado profundamente Clere e,
pior, deformado sua loba, ele não achava que aquilo poderia ter algum
conserto.

Como um lobo poderia viver sem seu animal? Não podia imaginar tal
coisa.

E ele não se ofendeu com a advertência de Aaron, ele provou o quanto


estava disposto a proteger sua fêmea. Noah teria feito a mesma coisa.

Mas respirou fundo para tentar pensar e resolver o pepino que tinham
causado em Atenas.

Não sabia o que fazer, mas a decisão não era muito boa.

Noah olhou quando Liam e Ester entraram na sala.

— Merda, Liam, você está bem?

— Sim, a alfa já cuidou dos meus ferimentos.

— Falou com Harley? Precisamos monitorar a polícia e a imprensa para


sabermos o que estamos enfrentando. Se alguém a viu e se quem a viu ainda
respira e quantas pessoas foram mortas. Quero que você esteja com ele a par
de tudo.

— Sim, alfa, eu já me comuniquei com ele. Cuidaremos de tudo.

— Ótimo. Quero que reúna todos aqui daqui duas horas.

Liam assentiu, fez uma mesura, rosnou e saiu.

— Eu gostaria de poder ressuscitar cada maldito humano que fez isso, só


para poder matá-los dolorosa e lentamente. Gostaria de pisar em seus
corações negros e mandá-los ao inferno.

— Preciso cuidar desses cortes, Noah — Ester pediu cansada.


— Tire as balas de Clere, está sangrando ainda e já perdeu muito sangue,
eu depois.

— Teimoso! — resmungou.

Ester rosnou e saiu, indo para a clínica seguindo Erick e Aaron com uma
Clere desacordada no colo, afinal, tinha curativos para fazer.

Noah estava com o peito rasgado pelas garras de Clere, mas a sua dor
maior era outra: era a loba destruída que ele não conseguiu salvar.

E isso doía como o inferno.


“Quando se olha muito tempo para o abismo, o abismo olha pra você.”
(Friedrich Nietzsche)

— Precisa de um banho — Aaron sussurrou a pegando no colo e a tirando


da maca quando Ester terminou de cuidar de seus ferimentos e os dele.

— Ela toma o banho e a devolveremos aqui, a colocaremos no quarto


com soro e medicação para que durma, assim se recuperará logo.

— Os ferimentos não foram tão ruins?

— Inacreditável como os ferimentos das balas estavam cicatrizados,


nunca vi um lobo se curar tão rápido — sussurrou para Aaron e Noah, que
franziu o cenho confuso.

— Deve ser alguma coisa que deram a ela, que acelera sua recuperação.

— Sim, aqueles loucos fizeram isso com ela, se curar mais rápido é até
um doce de criança.
— Onde posso banhá-la? — Aaron perguntou.

— Nosso banheiro tem banheira, um boxe grande, creio que ela precisará
de ajuda para banhar-se. Esses curativos podem molhar, não descolará.
Hum... os chuveiros do clube são muitos bons também e é espaçoso.

— Serve.

Aaron, com ela no colo, saiu e foi em direção ao clube novamente.

Ester respirou fundo e o seguiu e, quando chegaram, ele a colocou no


chão, nua e estava acordada, mas meio anestesiada. Tirou suas próprias
roupas, ligou o chuveiro e delicadamente a banhou.

Ester ficou do lado de fora segurando as toalhas, escorada na parede.


Logo, Konan e Kirian montaram guarda. Ela soube que foi Noah que os
enviou para sua segurança. Noah jamais descuidava da segurança dela em
nenhum momento.

Aaron passou suavemente a bucha macia em seu rosto lavando o sangue e


Clere o olhou, finalmente.

— Ainda está aqui — ela sussurrou.

— Você está aqui, então não há outro lugar que eu deva estar. — Ela deu
um leve sorriso, apagado e triste. — Está com dor, pequena?

— Estou acostumada a ela.

Ele rosnou trincando os dentes.

— Talvez precise de mais remédio.

Clere negou e suspirou, cansada.

— Não suporto os pensamentos e receios que gritam na sua mente. Você


pode suportar dor no seu corpo, mas não pode deixar esses pensamentos
consumi-la, é uma tortura que está afligindo a si mesma. Machuca meu
coração.

— Não posso fazer nada se sinto essa dor, meu coração está quebrado.
Deve estar decepcionado.

Ele negou e segurou seu rosto entre as mãos.

— Não, querida, nunca poderá me decepcionar. Nunca. Resolveremos


isso.

— Como?

— Ainda não sei, mas estarei ao seu lado, sempre. Você nunca estará só
novamente, sabe disso, não é, Clere? Companheiros estão juntos, no bem e
no mal, na alegria e na tristeza, e eu cuidarei que isso aconteça.

— Eu deveria morrer pelo que fiz — sussurrou desalentada.

— Se você morrer, eu morrerei também, porque sua dor é minha dor.


Ninguém a tocará.

Ela o olhou e sabia que não recuaria, estavam ligados e imaginava como
estava sendo difícil para ele lidar com isso, era um fardo pesado demais para
suportar depois de tudo.

Clere olhou para o enorme curativo que ele tinha no peito e com a mão
trêmula o tocou e seus olhos se encheram de lágrimas, porque era o inferno
saber que foi ela que tinha o machucado, arrebentava seu coração.

Ele segurou sua mão e ela o olhou.

— Eu sinto muito...

— Estou bem, não se culpe por isso, eu sei que você não fez de propósito.

— E se acontecer de novo? E se eu matar você?


— Não vai.

Ela soluçou dolorosamente e ele a abraçou forte, aferrada aos seus braços.
Deuses, queria morrer!

— Eu não sou um lobo fraco e não desistirei de você. Você tem medo do
que eu poderia suportar em sua vida, Clere? Você pode ter alguns defeitos,
mas não é uma covarde. É uma guerreira, corajosa, boa e forte, que cuida da
vida de todos, e luta melhor que qualquer guerreiro. Seu sacrifício está
cravado na minha carne e eu a honro como fiz séculos passados, como farei
agora e sempre. Entendo o que fez agora, tentou tirar sua vida para proteger
os seus. Mas sou seu companheiro e não vou me afastar, esta não é uma
opção.

— Você também é um cabeça-dura.

Ele sorriu, engoliu o nó atravessado na sua garganta e, lentamente, a


afastou e beijou sua testa.

— Você não é forte pelo que você sofreu, e sim como deseja viver e lidar
com seus problemas, precisa continuar vivendo, encontrar a essência que
estava perdida e fazer dela seu rumo. O que era seu sonho, sua vontade e sua
força. Encontrar sua loba. Ela é mais forte que tudo e pode não parecer, mas
está aí. Eu vi a mulher que é, como estávamos, precisa se agarrar a isso.

— Você viu o que é minha loba.

— Não, aquilo é o que fizeram com ela, mas você a trará de volta. Se
resistir, sempre será pior, é mais dor que sentirá. Aceite seu destino e
enfrente.

— Eu tenho medo.

— Tudo bem ter medo, todos temos medo, eu também.

— Como um príncipe pode ter medo de algo?


— Oh, querida, eu tenho, eu te garanto, de muitas coisas. — Sim, ele
morria de medo de perdê-la novamente. — Não é ruim ter medo, só sucumbir
a ele, deixar que ele te domine. Você consegue deixar o seu medo, vou estar
contigo. Nós temos um futuro para construir, juntos. Você sabe disso e agora
é uma princesa. Todos os lobos têm que reverenciar você.

Ela suspirou e assentiu, mas ele viu que não estava convicta com suas
palavras. O fato de ser uma princesa ainda não tinha entrado na sua cabeça.

— Isso mesmo, Clere, Aaron tem razão, a dor pode transformar ou pode
matá-la, então você tem que escolher. Vai se agarrar ao fio de esperança,
viver e tentar encontrar a felicidade? É possível, Clere, é possível. — Clere
sorriu e secou uma lágrima ao ouvir Ester. — Espelhe-se nos outros lobos, foi
difícil para todos, mas eles encontraram um meio. Olhe para Jessy, ela passou
por semelhante coisa e sofreu muito para dar o primeiro passo. Sasha ficou
cinco anos correndo atrás dela. Sei que é difícil, mas eu te garanto que vamos
achar um jeito de te consertar e, um dia, você vai olhar para trás e mandar
aqueles filhos da puta para o inferno, porque eles tentaram, mas não
conseguiram nos vencer.

Aaron respirou fundo, saiu do chuveiro e Ester lhe entregou uma toalha e
outra para Clere. Ele se secou rapidamente e colocou sua roupa e foi ajudá-la
a secar-se, pois estava lenta.

— Vista isso, querida, vai ficar aquecida até sua mãe te trazer uma roupa.
Precisa descansar e dar o tempo para se curar, colocarei um soro e te
colocarei para dormir por alguns dias se quiser, para se curar e ficar forte —
Ester disse entregando um roupão, com as mãos tremendo, pois também
estava em choque.

Clere respirou fundo e não respondeu. Poderia dormir o resto da vida?

— Eu sei que tem medo de machucar quem ama, mas eu acredito que não
vai.

— Mas eu machuquei vários deles.


— Eu sei, querida, mas não queria machucar ninguém, por isso tentou
suprimir isso dentro de você, pensou que conseguiria, não deu certo, mas
precisamos fazer alguns ajustes — Ester disse.

— Pode dizer a eles que sinto muito?

— Não preciso dizer, meu amor, eles sabem e não estão com raiva de
você. Sabem que foi algo que os humanos fizeram, todos conheciam sua doce
loba antes dessa tragédia toda. E depois, poderá dizer você mesma. Todos
querem ajudar e estarão com você hoje e sempre. Sempre damos um jeito nos
nossos.

Clere respirou profundamente, tão dolorosamente que Ester mordeu o


lábio para segurar sua agonia e sofrimento. Sabia que a cabeça e o coração de
Clere estavam terrivelmente machucados, com medo de ser jogada ao
estoicismo.

— Vamos, precisa comer alguma coisa.

— Minha mãe quer me ver?

— É claro que eu quero, minha filha. Eu estarei aqui por você hoje e
sempre, não importando quão ruim as coisas estejam.

Clere se virou e viu sua mãe na porta e as lágrimas escorreram


novamente.

— Desculpe, mãe.

— Está tudo bem, meu anjo, eu trouxe uma muda de roupa.

Clere chorou em seu abraço forte e caloroso, sua mãe estava triste, mas
não derramou lágrimas, pois já tinha chorado todas.

— Alfa, Noah pediu que retornassem agora para o salão — Kirian disse
da porta do banheiro, sem ser intimidado com o rosnado que Aaron deu, pois
ele estava plantado como uma montanha sobre a loba, com medo, pavor,
raiva e desespero, mas pronto para proteger Clere do que fosse.

Kirian não tinha se movido longe de Ester para a sua proteção, estava
chocado e seu instinto protetor estava ligado. Konan estava no fim do
corredor, escorado na parede com os braços cruzados, atento e a postos.

Nunca imaginaram que um dia teriam que estar alertas para proteger
algum lobo de Clere, da pequena e doce loba que todos amavam.

— Acho que Clere precisa descansar — Ester disse.

— Não antes de dar explicações.

— Está tudo bem, alfa — Clere disse consternada. — Eu sabia que isso
aconteceria.

Ester esfregou a testa, nervosa, ajudou-a a vestir a roupa.

Clere olhou para Aaron que estava sério.

— Si vis pacem, para bellum – “se quer paz, prepare-se para a guerra” —
Aaron sussurrou e estendeu sua mão para que ela tomasse, como sempre. Ela
titubeou sem saber que a tomava ou não, respirou fundo, assentiu e a tomou,
saiu do banheiro seguida de Ester e Kirian e Konan foram atrás.

Quando chegaram ao salão, Clere sentiu um baque em seu coração. Todos


os lobos da ilha estavam ali. Assombrados, mudos e com o olhar apreensivo.

— Sente-se ali, Clere, é hora de esclarecer tudo isso — Noah disse.

— Sim, alfa.

— O que vai fazer? — Aaron perguntou.

— Vamos julgá-la.
— Ah, não vai, ela é minha companheira e já passou por muita coisa. Não
vou deixar que seja humilhada.

Noah rosnou e se aproximou de Aaron, olhando-o severamente com


apenas poucos centímetros de distância, o que fez todo mundo parar de
respirar. O ato foi ameaçador da parte de Noah, que o enfrentou sem
nenhuma hesitação, medo ou se sentindo inferior.

— Sei muito bem quem você é, Alteza. Mas Clere é minha


responsabilidade, está no meu território e colocou minha alcateia em risco.

— Entendo sua situação e respeito sua posição, alfa, mas eu tenho a


autoridade sobre ela.

— Aaron, ele está certo. Noah é meu alfa e sim, eu devo ser julgada,
porque ataquei sua alcateia.

Todos olharam estarrecidos para Clere. Estava serena e ela respirou fundo
quando Noah a olhou zangado.

Clere olhou ao redor e foi horrível ter o olhar inquisitivo de todos sobre
ela, sentiu-se mal e envergonhada, desesperada, na verdade.

— Estou pronta.

Ester respirou fundo e foi até Noah e o fez sentar na cadeira e começou a
tratar seus cortes no peito.

— Entendo que não me deixou costurá-lo, mas pelo menos me deixe


desinfetar por um momento, por favor. Pode fazer as perguntas enquanto faço
isso.

Ele rosnou querendo negar, mas assentiu.

Tinha belos rasgos das garras de Clere no peito e braços, com sangue
seco, e parte que ainda escorria.
Noah havia ficado tão nervoso que não deixou Ester cuidar de seus
ferimentos, não parava de andar de um lado a outro, fazendo ligações,
falando com um e outro e no tempo que Clere permaneceu na jaula, Ester
cuidou de todos os feridos e estava sem dormir e muito cansada.

Clere o olhou e a todos que mantinham certa distância dela, olhando para
ela com cautela, medo e susto. Que ótimo, ela tinha alcançado o cume de sua
desgraça. Tinha quase matado seu alfa e seus amigos... e seu companheiro.

— Quem eu feri? — por fim ela perguntou.

— Bem, além de meia dúzia dos nossos, o apartamento que invadiu não
sobrou muita coisa para juntar, mas, segundo a polícia, você destroçou dois
homens e um mulher, nas ruas deixou meia dúzia de corpos humanos feridos,
um rastro de sangue pela cidade, um monte de destroços e vou dizer, garota,
essa coisa que se transformou é realmente forte e assassina — Erick disse
nervoso.

— Eu matei algum lobo?

— Não. Só alguns talhos e ossos quebrados, nenhuma baixa.

Ela respirou aliviada, sentia pelos humanos, parte deles não, pois os
mataria de novo, mas não se perdoaria se matasse um lobo.

— Clere, por que infernos estava escondendo essa coisa de mim? Tem
ideia do perigo que expôs toda a alcateia diante dos humanos? Polícia ao
nosso encalço, humanos estripados. Você vivia dentro da minha casa
cuidando do meu filhote! — Noah gritou zangado.

Ela fez uma careta e isso realmente era uma merda. O alfa parecia muito
zangado, e decepcionado. Ela merecia isso e pior.

— Perdoe-me, alfa. Eu tentei controlar, juro que tentei. Pensei que se


vivesse em paz minha loba ficaria quieta no lugar dela, mas me enganei.

— O que infernos é isso?


— Isso é o resultado dos experimentos nos laboratórios. Eu sinto muito
que não contei, porque se contasse seria o fim para mim e eu nem tinha um
começo para ter um fim.

— Sua loba está deformada, sua força é descontrolada, você perdeu a


razão, não nos reconheceu, você feriu seu alfa. Você nem sequer reconheceu
seu companheiro direito. Tem noção de quanta merda fez hoje e que eu teria
o direito de arrancar sua cabeça? — Noah disse nervoso.

Clere olhou para todos esperando explicações, podia ver muitas emoções
em seus rostos. Sabia que todos queriam perguntar, entender ou matá-la.
Aquilo era um julgamento, sua sentença seria naquele dia e ela soube que era
seu fim.

Noah rosnou zangado e Aaron deu um passo à frente. Ester apertou o


algodão com remédio no corte de Noah, que tentou se levantar e ele sentou-se
novamente rosnando pela dor e voltando a si pela chamada de Ester.

— Querido, sei que está nervoso, mas se acalme! A última coisa que
precisamos é de dois lobos aos socos. Aaron está protetor com sua
companheira. Se fosse comigo, você também estaria. Ela pode ter errado,
mas é a vítima aqui — sussurrou mentalmente para ele, que fechou os olhos
por um minuto.

— Infernos! — Noah rosnou.

Noah estava louco de ódio, mas sabia que precisava esfriar a cabeça para
ser justo. Sentimentos no calor das emoções sempre deixavam os lobos com
ar assassinos. E ele queria matar, mas seu alvo não era Clere, então buscou o
foco para ser justo, saber e entender quem era o vilão ali.

— Príncipe Aaron, ninguém aqui quer fazer mal à sua companheira, nossa
querida Clere. Somos uma família e estamos em choque com o que vimos e
tivemos que ligar. Somente precisamos de explicações agora, e sei que nos
entende. A situação é delicada e precisamos acalmar os ânimos — Ester
disse. — Nosso alfa é justo e confiamos nele e em suas decisões. Noah cuida
de nós como ninguém, daria sua vida por qualquer lobo aqui, incluindo Clere.
Será sábio e justo, como sempre foi.

— Sim, eu entendo, alfa — Aaron disse respirando para se acalmar, mas


ele mesmo estava com os nervos à flor da pele e sua mente estava girando
mais rápido que um redemoinho. O Pacificador não estava funcionando
naquele momento.

— Clere, relate o que aconteceu nos malditos laboratórios! — Noah


exigiu.

Clere respirou fundo e tentou organizar as ideias. Já que sua memória


total tinha voltado como um tsunami, seu peito doía fervorosamente e sua
mente estava destroçada com tantas lembranças, uma zona total, mas ela
sabia ser calma e fria como o gelo. Tinha aprendido isso também. Ela era
como o fogo e o gelo dentro de um corpo.

— Eles criaram um soro que tinha a finalidade exponencial de fortalecer


minha loba, uma fera poderosa que pudessem controlar. Eles queriam ter
domínio dela para seus comandos, mas as drogas não reagiram muito bem,
porque eles não podiam controlar a besta que criaram e eu também não. Era
potente e fui exposta a ela por muito mais tempo. “Treinar uma pequena
cadela, desde criança fará com que nos obedeça” disseram.

Clere ouviu muitos rosnados furiosos na sala.

— Havia alguns sons sonoros de uma intensidade que são capazes de


comandar um lobo e conseguiram me domar por um tempo. Efeitos dessa
tecnologia fizeram com que meus ouvidos fossem danificados. Não ouço bem
alguns sons, alguns ficam distorcidos; por outro lado, eu escuto três vezes
mais do que um lobo normal. Por isso eu vivia com os fones no ouvido. Às
vezes, eu ouvia música; às vezes era somente para abafar o barulho ao meu
redor e parar de doer.

— Merda! — Ester rosnou.


— Eles usavam essa coisa como um timer, um tipo de liga e desliga.
Depois de um tempo parou de funcionar porque minha loba era mais forte.
Eles estavam fazendo teste de nanotecnologia. Desenvolveram alguns tipos
de soros para tentar deixar o corpo mais forte, como soldados militares.

— Pelo que soubemos, eles fizeram um soro para curar a doença de


Alexander.

— Sim, eu sei sobre o rapaz que agora vive em Creta.

— Quando ele parou de tomar o soro definhou rapidamente.

— Os corpos dos lobos são mais fortes do que os humanos. Curamos as


feridas, cortes e quebraduras até certo ponto, mantemos a vida mais longa. Eu
ficava sempre muito doente, na minha cela tinha um tipo de sprinter, ele
jogava um gás do tal M-99 várias vezes por dia. Quando eu não estava
completamente apagada, estava dormente e a coleira de choques era
realmente dolorosa. Eu consegui arrancar a coleira muitas vezes, então eles
colocaram o implante na minha nuca.

— Sim, aquilo que Ester tirou de você! — Noah rosnou, zangado.

— Sim. Outros lobos morreram no mesmo processo, eu era a última que


ainda conseguiu sobreviver a estes testes.

— Quer dizer que é mais forte do que nós somos, mesmo sem estar na
forma da loba?

— Pelo menos três vezes mais. Mais forte, mais rápida, resistente, mais
perigosa. Não é só minha audição que é mais aguçada, olfato mais forte,
visão, tolerância à dor. Mas o fato de tentarem dominar a loba, dar-lhe
comandos com que ficasse obediente às suas ordens, ela parou de ouvir.

— Como?
— Eu perdia a consciência e não a comandava quando me transformava.
A loba é aquilo que viram. Só mantenho controle quando meus olhos estão
laranjas e minhas garras estão semidespidas. Depois disso, quando se tornam
vermelhos, a transformação toma conta e minha loba fica sem raciocínio, sem
memória, sem piedade tanto com humanos ou lobos, homem ou mulher.

— Jesus Cristo — Erick sussurrou.

— Por isso nunca a vi em forma de loba, nesse tempo depois que foi
resgatada. Nunca a vi ir correr no bosque, pela praia, nunca vi sua loba —
Ester disse.

— Eu nunca me transformei. Eu consegui segurar por todo esse tempo,


mas estava ficando doloroso demais, todos os lobos sentem o lobo furioso
dentro de si, mas a minha causava dor física, tipo a sensação de alguém estar
arrancando suas entranhas.

— Por isso sempre dizia que sentia dor no estômago e comia mal — sua
mãe comentou e Clere assentiu.

— No começo pareceu mais fácil, porque estava tão aliviada de ter sido
liberta, mas com o passar do tempo a loba queria sair. Eu estava sendo
engolida pela minha depressão e desespero, pela escuridão, e quando vi que
iria me transformar eu tentei... — As lágrimas escorreram pela sua face e a
voz lhe fugiu.

— Se matar... foi por isso que cortou sua garganta no dia que a resgatei.
Porque estava prestes a se transformar, vi seus olhos laranjas, e para proteger
a todos cortou a própria garganta — Aaron disse desolado. — Estava se
sacrificando pela sua alcateia. Queria protegê-los e a mim, que estava com
você. E estava cansada de lutar.

Todos olharam para Aaron e depois para Clere, em completo choque.

Ela respirou fundo, olhou para Aaron e assentiu.

Aaron soltou um palavrão e esfregou o rosto.


— O problema é que, quando a loba atingia seu maior estágio de
violência, ela não distinguia quem estava ao seu lado ou não. Qualquer um
que se aproximasse estava morto, então vi que feriria vocês, minha mãe...
Nos laboratórios matei humanos e lobos. Eu era uma assassina sem controle
de emoções.

— Espere aí... O que quer dizer que matou lobos?

Ela respirou fundo e espremeu as mãos.

— Eu matei alguns lobos da nossa alcateia nos laboratórios.

Bem, se uma agulha caísse naquele momento seria ouvida, porque


pareceu que eles até pararam de respirar.

— O quê?

— Matei muitos humanos que se puseram na minha frente, além dos


guardas quando tentava fugir. Havia uma sala de testes onde me colocavam,
me transformavam e muitos homens fortes e armados eram colocados para
me testar e lutar. E... eles pensaram que, se eu fosse colocada diante de lobos,
eu teria a consciência e não os mataria. Ledo engano. Como não a controlava,
eu matava qualquer um, lobo, humano, homem ou mulher. Matei cinco lobos
machos e uma loba fêmea da nossa alcateia e muitos humanos.

Ela segurou o choro e o silêncio foi infernal. Todos a olhavam com os


olhos arregalados, sem respirar. Mas todos puderam ver a dor nos olhos dela,
a dor de uma alma quebrada e destruída.

— Eles me drogavam e me davam choques até soltar a loba, então eles


colocavam os lobos ou humanos lá dentro e eu... eu os matei a todos. — Ela
chorou e se lembrar disso era como arrancar seu coração. — Depois de eu
retornar à minha forma humana, eles me deixavam lá com os corpos
mutilados por um dia inteiro, então me levavam para a minha cela.

— Pelo inferno! — Noah rosnou.


Noah estava em choque, levantou-se e deu um passo à frente em direção
dela e Aaron rosnou e se pôs diante dela e rosnou para Noah.

— Não tocará nela, Noah. Terá que passar por cima de mim.

— Dê um passo atrás, príncipe, não me importa quem é. Essa é minha


alcateia e quem resolve isso sou eu. Não vou repetir.

Noah rosnou e Aaron fez o mesmo.

— Parem com isso! Aaron, eu quero que o senhor vá embora! — Clere


disse firmemente e todo mundo paralisou. Aaron se virou e a olhou, chocado.

— O quê?

— Não somos companheiros, não mais. Eu não quero que esteja aqui.

— Sou seu companheiro.

— Eu não tenho um futuro para te dar. Nossa história acabou.

Aaron a olhou com os olhos arregalados sem entender o que ela estava
fazendo.

— Clere, sei que está assustada e revoltada, mas não pode me afastar.

— Por quê? Por que não tenho o direito de dizer não?

— Querida, eu entendo...

— Eu amei cada segundo que estivemos juntos, você me considera como


sua, mas isso não pode ser, não entende? Você é da realeza e eu nem sou
mais uma loba, não a controlo e seus súditos jamais me aceitariam. Acredito
que nem o rei abençoaria tal união e, além do mais, como poderia viver com
você sabendo que um dia eu poderia surtar e arrancar sua cabeça? Eu não o
quero aqui, vá embora, por favor. Eu renuncio a você!
Depois do choque, Aaron foi à frente dela.

— Vai deixar estas pessoas arruinarem sua vida para sempre, ou vai lutar
e colocá-los sob suas patas? Se você acha que é o monstro que eles criaram,
então será, mas se acredita que é a pessoa maravilhosa que eu amo, então
será.

— Eu tentei.

— Pois tentaremos de novo. Se essas pessoas te quebraram, então


consertaremos. Estou aqui para você e lamento que não tenha estado antes,
mas você não é como a fera de Kayli, mas se preciso for, eu a tomarei para
mim.

Todos olharam para Aaron com os olhos arregalados.

Clere soube que ele faria e isso poderia destruí-lo, não podia permitir. Ele
já tinha feito sacrifícios demais pelos outros.

— A vingança pode ser alcançada de várias maneiras, Clere, pode sair e


matar, ou pode mostrar aos vermes que eles perderam e que é superior a eles.

— Já estão mortos.

— Eu sei, Noah os matou, mas você não e então essa raiva ainda dói em
você porque quer vingança por suas próprias mãos. Então, como isso não é
mais possível, precisa matá-los aí, dentro da sua cabeça. Mate-os, Clere,
então se libertará. Precisa fazer isso e não haverá mais sacrifícios, de
ninguém — Aaron falou.

— Não o quero aqui. Nossa história acaba aqui. Vá embora!

Aaron foi se aproximar mais, mas Erick o segurou.

— Tio, deixe-a. Nós cuidaremos dela, prometo, apenas deixe a poeira


abaixar. Quando os ânimos estiverem mais calmos, conversarão.
Aaron não sabia o que dizer. Ele não podia fazer isso, desistir de sua
companheira. Em toda sua vida, ele a esperou, lutou por ela. Sua mulher. Os
deuses haviam a criado somente para ele, haviam o presenteado, e controlar-
se por ela foi a coisa mais difícil que ele já tinha feito em toda a sua vida.

— Por favor, não. — O apelo em sua voz machucou, mas ela não recuou.
— Não pode retroceder assim, Clere, tinha evoluído muito.

— Porque esqueci quem sou. Foi uma fantasia que vivemos, mas acabou.

— Aí no fundo, dentro dessa casca quebrada há uma mulher maravilhosa,


mais forte que todos nós juntos e eu sei que ela pode mandar esta fera
embora. Você acha que pode me mandar ir embora, então?

— Eu estou fazendo.

Ele se inclinou para a frente, as palmas das mãos apoiadas dos lados da
cadeira e o olhar dele era como duas labaredas quentes e zangadas e quase a
queimou.

— Nunca a deixarei, não tenho medo de você.

O estrondo do rosnado que arrancou de sua garganta era de amedrontar


qualquer um e ninguém respirou na sala.

Ela fungou e ele soube o quanto doía nela dizer isso, porque ele estava
sentindo, rasgando seu peito.

— Vá agora. Um homem valoroso como você não merece uma loba


estragada como eu.

Primeiro Aaron estava em choque, então ele ficou aturdido, que mal
conseguiu ligar um pensamento no outro, depois veio a indignação e a ira.

As lágrimas banharam seus olhos e ele estava no limite, mas ela virou-se
na cadeira que estava sentada e deu as costas para ele.
— Vá, tio, eu cuidarei dela, prometo — disse Erick, baixinho, o olhando
significativamente com palavras veladas.

Aaron rangeu os dentes para evitar desatar uma ladainha para convencê-la
de que aquilo não era o que iria acontecer. Mas sabia que com os ânimos
exaltados não adiantaria argumentar, confiava em Erick.

Clere precisava entender algumas coisas, que um companheiro jamais


abandona sua companheira e precisava entender o conceito de alcateia
novamente.

— Eu vou, te darei o tempo para se acalmar e pensar, mas saiba que eu


voltarei, porque não existe nenhuma besta nesse mundo ou fora dele que me
deixe longe de minha companheira. Esperei-te dois mil anos e não haverá
nada que me faça abrir mão de você, nem você mesma. Precisa se lembrar de
quem você é. Quando enxergar isso, então colocaremos a sua loba no lugar
novamente. Mas precisa vir, Clere, vir para mim. Eu nunca desisti, espero
que não desista de mim.

Ele saiu da sala e Clere quase tombou pela dor em seu coração, mas era
aquilo que tinha na sua vida, uma merda total e, ao fim, ela morreria de
qualquer maneira. Mandá-lo embora foi a mesma coisa que cortar seu
pescoço, de novo.

Aaron saiu, mas, sem ela saber, ele ficou no corredor onde podia ouvi-la.

Ela respirou pesadamente para tentar não tombar e secou as lágrimas e se


virou novamente, olhando-os.

— Erick, cuide de Aaron, tive que mandá-lo embora, pois ele lutaria e
não posso permitir que faça mais nenhum sacrifício. Eu o amo demais para
permitir que ele se machuque. Ele merece uma boa loba, uma inteira. Talvez
as lobas que ouvi cochichando em Kimera tivessem razão, um príncipe
merece mais do que uma criança problemática e impura. O que falariam
agora em saber que sou realmente estragada?

Erick assentiu, nervoso, mas rosnou zangado.


Clere respirou cansada e não sobrava nada mais que dor e cacos em seu
coração. E, dessa vez, ela não sabia se poderia juntá-los.

Ela ergueu a cabeça respirou fundo olhando a todos.

— Estou pronta para morrer.


Noah piscou aturdido e todos nem se moveram, em choque.

— Sei que mereço morrer pelo que fiz, não culpo vocês. Eu já estou
acostumada a morrer de qualquer maneira. Só me mantenha morta dessa vez.

— O quê? — Ester perguntou chocada.

— Somente será mais uma vez, conheço a sensação. Não tenho medo,
tenho almejado isso por mais de dez anos. Não poderei ser banida, porque
colocaria em risco pessoas e lobos lá fora, então a única saída para mim é a
morte.

— O que quer dizer que conhece a morte mais de uma vez, para não
trazermos você de volta. Que merda é essa?

— Bom, além do dia que morri e a rainha me trouxe de volta, nos


laboratórios morri diversas vezes, durante os testes e treinamentos, morri de
todas as maneiras possíveis, mas eles sempre me traziam de volta e todo o
inferno recomeçava.
— Eles a mataram e ressuscitaram?

— Sim. Faziam aqueles choques no coração que a senhora tem na clínica


e injetavam algo no meu coração e eu voltava. Suas experiências lhes
custavam milhões e eu frustrava todas elas, negando-me a cooperar e fazer o
que me diziam. Minha loba foi deformando-se até o ponto de eu não
conseguir mais controlá-la. Pensei que se me matassem, meu martírio
acabaria.

— Desejou morrer.

— Eu já morri há muito tempo, apenas estava respirando. Quando matam


sua estima, destroem quem você é e a faz matar os seus de sua raça, então
não sobra nada de você. Naquele dia que me encontraram eu tinha recebido
meu veredito.

— Que veredito?

— Eu seria executada no dia seguinte e era definitivo. Por isso estava


naquela sala, tinham me tirado da ala isolada e me prendido ali, drogada.

— Iam matar você? — sua mãe gritou assombrada e desesperada.

Clere deu de ombros, despreocupadamente, sem se importar com nada.

— Há muitas maneiras de morrer, conheci muitas, a pior delas era estar


morta e ainda respirar. Morrer era um bálsamo que implorava todos os dias.

Ester sentiu seu rosto banhar nas lágrimas e sua mãe sentou-se numa
cadeira porque não aguentava suas pernas. Os lobos mal respiravam.

Jessy estava paralisada, ela tinha uma ideia do que Clere tinha passado,
pois seu passado não era muito diferente, mas Clere tinha outros tipos de
demônios além dos seus. Não imaginava que não existia mais uma loba.
Um lobo não ter mais seu lobo para se transformar era como estar oco,
vazio, desolado e perdido num mundo sombrio. Sua alma estava morta e seu
corpo flutuava nas brumas do inferno.

As lágrimas banharam seu rosto e Jessy não conseguia respirar.

Clere olhou para Jessy seriamente e leu seus pensamentos.

— Não se culpe, por Rania, Jessy, salvou-a de uma vida miserável. Ela
não teria sobrevivido. Ela deve estar com as fadas agora no Outro Mundo.
Coisa que rezei por tantos anos de minha vida. Quiçá alguém tivesse
quebrado meu pescoço e me poupado de viver no inferno.

Jessy arfou e cobriu a boca com a mão. Clere tinha lido sua mente. Houve
arfados, sussurros e gemidos de dor tão fortes que os lobos sentiam a pele
pinicar.

Houve um silêncio terrível até que Noah deu um passo à frente, atônito, e
cerrou os punhos. Queria matar, queria ressuscitar todos aqueles malditos
humanos e matá-los novamente. Queria sangue, queria vingança. Seu
tormento nunca findava. Cada lobo que caía era uma parte dele que caía
junto.

Noah teve esperança de que Clere tivesse sido salva, mas não, ela estava
enjaulada, na ilha, dentro de si mesma.

Aaron ouviu tudo através da parede e seu coração sangrava, mas a amou
por tentar protegê-lo. E sim, ela estava certa, se a condenassem à morte ele
interferiria e a tiraria dali, lutaria.

Ela respirou fundo e olhou com o olhar vazio para a parede.

— Eu tive esperança quando fui resgatada, pensei que teria uma chance
de viver, de ser amada, eu só tentei sobreviver, mas muitas vezes eu quis
morrer. Aaron me trouxe de volta e apagou minhas memórias e então,
conheci a vida, o amor, conheci Aaron. Eu esqueci quem eu era, que tinha
essa loba deformada.
— Eu entendo, mas devia ter me contado.

— Devia, me perdoe se traí sua confiança, alfa, acho que eu perdi o


sentido de alcateia, de família, de como os lobos confiam uns nos outros e se
protegem. Tive medo de perder o pouco lar que estavam me dando, de ver
asco nos olhos de todos, como vi por anos. Eu só queria ser normal, queria
que me amassem. Mas eu não fui forte o suficiente.

Todos estavam engasgados e sabiam qual era o sentimento. Os humanos


não tinham apenas os maltratados fisicamente, tinham destruído suas mentes,
quebrado seus corações, pisoteado em seu orgulho de lobo.

— Você não perdeu. Foi valente e tentou o mais que pôde — Ester disse e
engoliu um soluço, tentando ficar firme diante da alcateia. — Não é fácil
combater uma depressão que te engole, você passou por muita coisa. Estava
com medo e eu não percebi.

— A senhora sempre tentou me alegrar, me fazer sentir em casa. Uma


humana de valor, rara. Eu achei esse lugar tão lindo, então pensei que tudo ia
ficar bem. Mas com o tempo, o céu foi perdendo seu azul, as nuvens se
tornaram negras. Os verdes das árvores se tornaram cinzas, as flores não
tinham mais seu cheiro doce, eu não sentia o cheiro da terra molhada. Eu não
me conectava mais com a natureza. E nada mais fazia sentido. Eu estava
livre, mas por dentro ainda estava presa.

— Clere, por que você matou aquelas pessoas do apartamento e roubou a


criança?

Ela engoliu o enorme nó em sua garganta e as lágrimas caíram forçando


sua mente a lembrar o que aconteceu antes de perder os sentidos.

— Como sabem?

— Querida, saiu no jornal local esta manhã.

Ela fez uma careta e respirou fundo.


— O homem estava estuprando um bebê. Eu ouvi seu choro.

— Merda! — Noah xingou e rosnou zangado.

— Eu vi pela janela. Então, eu matei todos. Eles deveriam amá-la e cuidá-


la com todo o amor que os pais devem ter, mas eles não se importavam...
Como um homem pode estuprar uma criança tão pequena, um bebê?

Houve um silêncio tenebroso na sala e todos ficaram olhando para Clere


assombrados assimilando todas as revelações.

— Bem, por mim aqueles bastardos mereciam morrer. O que estes


homens têm na cabeça, estuprar crianças? — Ester disse zangada.

— Parece que a humanidade está voltando à barbárie, não têm mais medo
de mostrar sua índole. Os humanos bons parecem que estão se tornando
raros... — Kira disse, arrasada e todos rosnavam e falavam indignados. — Se
algo acontecesse a Safira, eu ficaria louca.

— Eu matei o bebê? — Clere sussurrou em profunda dor.

Todos pararam de falar e olharam com os olhos arregalados para Clere.

Ester se aproximou e se abaixou na sua frente e pegou suas mãos.

— Clere... Você não matou o bebê.

Clere a olhou e piscou espantada, com o rosto banhado nas lágrimas.

— Mas... eu a peguei.

— Sim, pegou e a tirou do apartamento. O bebê foi encontrado com uma


mulher. Parece-me que estava histérica e disse que era um cão enorme, em pé
com as patas traseiras, um lobisomem, mas Harley vai invadir os
computadores e vai sumir com tudo. A pequena menina está no hospital, mas
está bem. Você entregou o bebê, pensando que ela estaria a salvo. Você a
salvou!
Clere estava espantada e um brilho de esperança apareceu em seus olhos.

— Eu a salvei?

— Sim, querida, você salvou! Entrou lá, estripou aquelas pessoas nojentas
e salvou o bebê! Vê? Não é esta besta selvagem animalesca que pensa, Clere.

Ela respirou aliviada.

— Eu entendo que fiz algo inusitado, mas ainda foi um desastre na cidade
e aceito minha punição, seja ela qual for, alfa. Mas não resta muitas opções,
minha morte é o único meio de parar a besta.

— Acha que vamos condená-la à morte? — Noah interrogou exasperado.


— Devia ter nos contado para que tivéssemos te ajudado a consertar isso.
Mas não se preocupe, daremos um jeito agora.

Clere estava realmente confusa, pois não esperava tais palavras. Ela olhou
para todos, que a olhavam e não havia fúria naqueles olhares. Não a matariam
ou a expulsariam?

Ester segurou seu rosto entre as mãos.

— Entendo que foi um pesadelo para você. A mente é poderosa, ela tem o
poder de criar ou destruir. Ou você a domina ou ela te domina. É normal
sentir medo, mas não podemos deixar que ele nos domine. Não é errado cair
e se sentir tão triste e desesperada ao ponto de cometer tolices, mas precisa
levantar e continuar andando. Você consegue, eu acredito e tenho fé em você.
Eu entendo e desculpo por não ter contado, entendo seu medo. Vamos
consertar toda essa bagunça, juntos — Ester disse firmemente. — Esse é meu
veredito. Não haverá punição aqui.

Clere estava tão emocionada com sua alfa, que as lágrimas escorreram
livremente e acreditou nela. Olhou para Noah, que estava sério as olhando e
esperou seu veredito.
Noah respirou fundo, foi mancando até sua frente e ele pôde ver a
desolação no olhar dela ao ver que o tinha ferido.

— Clere, eu sinto que não tenha confiado em nós para contar seu segredo
e não estamos zangados com você. Bem, talvez um pouco zangado, sim. Mas
você é uma vítima dos humanos, então se eles sofreram algumas baixas, não
me importo, mereceram, mas você tem que tomar cuidado, pois não podemos
ser descobertos e você não pode correr o risco de ser apanhada por eles. Não
podemos estar nos jornais, entende?

— Não entendo... Não vai me prender ou me expulsar? Ou me matar?

— Não. Sou sua família ainda, mas você é uma loba acasalada, agora
pertence à Kimera.

— Eu disse a ele que não éramos mais companheiros. Eu não pertenço a


eles, eles me consideram uma fraca.

— Você precisa aprender sobre alcateias, Clere. Você é uma alfa, é mais
forte que meia dúzia de machos juntos. Se eu não tivesse visto, não teria
acreditado. Não sei por que ninguém te contou isso, mas você é uma alfa.

Clere a olhou sem entender.

— O quê? Não pode ser.

— É. E se alguém tem forças para superar isso é você — Noah disse.

— Por muitos momentos as vibrações que vinham de você eram tão


fortes, que nos deixavam confusos. Pode aceitar isso, pois é um fato — Ester
inteirou. — E foi forte demais por conseguir segurar isso por mais de dois
anos.

Clere respirou fundo, tentando assimilar a informação. Era uma alfa?


— Eu... estava fazendo terapia pela internet, pagava uma psiquiatra que
fazia sessões on-line, porque eu disse à doutora que tinha fobia e não
conseguia sair. Tentei falar, me ajudou muito, não contei as coisas de loba,
mas outras coisas, tinha tomado calmantes escondida, antidepressivos. Ela
comprava os remédios e enviava para a casa da marina.

— Eram os pacotes que trazíamos e sempre dizia que era coisa de


mulher? — Liam perguntou.

Ela assentiu e respirou fundo.

— Fiz meditação, tentava ficar focada e tranquila. Quando os bebês estão


por perto parece que fica mais fácil, era uma proteção, tipo uma âncora. Por
isso eu queria cuidar das crianças, Lili, Lucian, Safira ou os bebês do Kirian.
Ajudava-me a focar que não podia me transformar. E depois quando ele...
Aaron me acalma, sinto... felicidade, proteção e...

— Sente amor, sente a conexão de companheiros.

— Sim.

— Acabou de mandá-lo embora, rechaçou seu companheiro.

— Eu quase o matei, o que acha que aconteceria comigo que eu tivesse


feito, ou faça? Eu estaria morta, sem ele não me parece muito diferente —
disse com a dor do seu coração dilacerando-a.

— Querida, sua inocência e seu amor por ele podem salvá-la.

— Isso pode ser certo, vimos como Aaron te freou no beco, como que por
um momento ele foi o único a alcançar sua mente, então, se assustou e se
zangou com a polícia e o agrediu, mas não teria feito e ele teria conseguido te
controlar, te alcançar, assim como aconteceu com Lucian. Não queria feri-lo,
tentou afastá-lo, salvou aquela criança daquela família horrível.
— Aaron é seu porto seguro, e as crianças são tão puras que não sentem
medo de sua fera, você se sente livre com eles. Eles são um acalento para a
sua alma, e acredito piamente que, com o tempo, poderá dar um jeito nisso
sem que machuque ninguém, mas não posso negar que estripar um estuprador
de crianças faz muito bem à alma — disse Ester.

— Com isso concordo, apesar de não ser correto diante as leis dos
humanos — Noah disse.

Ester sorriu para Noah e olhou Clere com um sorriso.

— Eu estava brincando, amor, não vamos sair por ai estripando


estupradores, senão teremos um novo Jack Estripador na Grécia e eles
acabariam nos descobrindo.

Aaron respirou fundo e esfregou o rosto, já tinha ouvido suficiente e


como viu que eles não a tocariam ficou aliviado, mas, mesmo assim, estava
quebrado, então despareceu e voltou a Kimera.

— Talvez minha mãe tenha algum jeito de ajudar nisso — Erick disse.

— Sua mãe?

— Bem, ela consertou meu pai quando foi transformado numa besta
selvagem, não imagino como ele era naquela época, mas, pelo olhar
horrorizado de Aaron quando viu Clere, não me parece muito diferente.

— Claro, como não pensamos nisso antes? Um bocado de magia pode


ajudar — Ester disse animada.

Clere olhou para ela, como se tivesse chifres; depois olhou para Erick,
que a olhava sério; e depois para Noah, que estava intimidante na sua postura
poderosa com os braços cruzados no peito. Então olhou para o restante dos
rostos perplexos com tudo aquilo.

— Eu... não sei o que dizer...


— Diga que aceita que tentemos te ajudar e não cometerá mais tolices.

— Bem, eu causei um bocado de danos, menti para todos, ocultando


minha loba deformada, coloquei a alcateia em perigo, me transformei na
cidade, matei um monte de pessoas e estive estampada por aí, muitas pessoas
me viram. E se descobrirem quem sou e se descobrirem sobre a ilha, e
prenderem vocês? E me perdoam?

— Sim.

Noah se virou e olhou para todos os lobos.

— Alguém aqui tem alguma objeção?

Para espanto de Clere, todos negaram e disseram palavras de conforto e


força.

— Acredito que todo lobo aqui tenha seu inferno, Clere, e se há uma
coisa que aprendi nos meus longos anos nessa alcateia, é que todos têm uma
segunda chance — Liam disse e Clere o olhou intensamente.

Se eles tinham acolhido um pária, por que não acolheriam uma loba com
problemas? E sim, cada dia a alcateia lhe surpreendia, nunca tinha visto tanta
bondade em sua vida.

— Somos justos e ninguém vai nos descobrir e, como vimos hoje no


jornal matinal, as pessoas não souberam descrever o que viram. Um
lobisomem na cidade, tipo, as imagens piores Harley conseguiu pegar que era
das câmeras de segurança, está rastreando tudo para impedir qualquer coisa
que fique on-line como fotos vídeos ou o que seja. A televisão está
especulando de forma sensacionalista e querendo imagens, mas Harley não
vai deixar acontecer. Tivemos até alguém dizendo que tinha um urso
correndo na rua, os policiais disseram ter visto um viking com um machado,
que foi encontrado num dos carros destruídos e, vejam, o machado sumiu,
pois Kira o recuperou. Sem provas cabais, isso acabará morrendo na praia.
Daqui um tempo, ninguém mais falará sobre isso. Afinal, quem acreditaria
em lobisomens e guerreiros milenares com machados destruindo carros e
fazendo-os voar quilômetros pelas madrugadas e estripando pessoas?

— Verdade, eles não terão nenhuma prova e eles vão esquecer essa
história — Erick disse.

— Eu retornei à Atenas e fiz um feitiço emitindo uma onda de


interferência eletrônica, onde todos os tipos de aparelhos se danificariam e
deixei todos os quarteirões onde Clere passou sem luz, evitando que acessem
internet, tevê, celular, estas coisas. Não sei se algo vai passar, mas foi o que
pude fazer. Se algo passar lidaremos com o fato. Com Harley vasculhando os
arquivos da delegacia e jornais, varrendo a internet, acho meio difícil passar,
mas há celulares particulares, câmeras. Isso é mais difícil.

— Nesse quesito a tecnologia de hoje pode atrapalhar, os humanos tiram


fotos 24 horas por dia de tudo e, convenhamos, Clere não era nada silenciosa.

— Talvez se transforme numa lenda urbana — Sasha complementou


dando de ombros.

Clere estava chocada, e estava com a garganta embargada sem acreditar


no que estavam dizendo.

— Eu matei lobos nos laboratórios... — disse triste.

— Sei que isso te machuca demais, toma todas suas energias e quebra seu
coração, assim como o nosso, o meu, pois eram nossa família, mas eu não
perguntarei quem eram esses lobos e ninguém aqui o fará. Isso morre aqui e é
uma ordem minha. O que aconteceu nos laboratórios fica nos laboratórios.
Nosso foco agora será te curar — Noah disse.

— Eu acredito que devemos tentar. E se pensa que Aaron vai desistir, está
redondamente enganada, Clere. Companheiros não se abandonam, nunca, ele
virará céu e terra para achar uma cura para você. Virá novamente por você —
Erick disse e Clere sentiu um fio de esperança e seu coração bateu mais forte.
Noah respirou fundo e esfregou os olhos cansados.

— Em uma situação normal, se um lobo expusesse sua alcateia da forma


que você fez aos humanos, colocando todos nós em perigo, sim você seria
banida ou morta. Mas eu fiz um juramento quando fui libertado, que nenhum
de meus lobos sofreria novamente. E você é uma de minhas lobas, então,
como seu alfa, devo proteger você. Eu entendi que não é sua culpa. Vou estar
contigo até o fim e, como Ester disse, vamos achar um jeito de te curar.
Clere, se baníssemos você ou a condenássemos a morte, estaríamos
destruindo nós mesmos. Cada um de nós tem segredos terríveis que
aconteceram naqueles laboratórios, já engoli muita história escabrosa que me
contaram depois que foram libertados. Você é uma menina inocente, nossa
loba preciosa e não podemos te perder. Não depois de tudo isso — Noah
disse. — A Ilha dos Lobos é seu lar, a não ser que queira estar com seu
companheiro, em Atenas ou Kimera, mas sempre terá um lugar para ti nessa
alcateia e sempre poderá contar conosco, não é, lobos?

Todos os lobos concordaram e Clere sentiu algo tão forte que estava
sufocando.

Sua mãe correu até ela a abraçou fortemente, e ambas choraram juntas e
Ester foi até elas e as abraçou. Noah se virou e olhou para os seus lobos.

— Há um velho ditado, muito antigo e sábio que diz, que quando um lobo
passa por muitas atribulações e alguém lhe diz: “Você não pode passar por
esta tempestade”. Mas o lobo com seu espírito guerreiro, mesmo ferido, caído
e à beira de sucumbir, se levanta e diz: “Eu sou a tempestade”. Então, ele luta
de novo e de novo até que a tempestade se abrande, que as nuvens negras se
dissipem e os ventos parem de derrubar as árvores, então ele respira fundo,
rosna ferozmente, acendendo a magia de seu lobo, urrando para o universo e
sua esperança se acende e, então, luta mais. E ao fim... ele vence. Nós
venceremos. Unidos, sempre! — Noah disse e todos os lobos rosnaram e
gritaram e uivavam.

Pela primeira vez, Clere se sentiu bem-vinda na alcateia, sem nenhuma


mentira, porque agora eles sabiam quem ela era e não se importavam e
lutariam por ela.
Finalmente, ela entendeu como uma alcateia funcionava.

Talvez agora ela tivesse uma chance.

Kimera

Aaron entrou em seu quarto e andou de um lado a outro tentando


amenizar a dor em seu coração, entender tudo que tinha visto e ouvido.

Era tudo demais para entender, raciocinar estava difícil, pois sua mente
estava uma bagunça.

Era inacreditável que o mundo tivesse girado daquela maneira e caído na


sua cabeça novamente, como uma grande roda que gira e para no mesmo
lugar.

Suportaria tudo novamente? Poderia agora passar por tudo novamente?


Não, seu coração não suportaria, as feridas abriram e sangravam.
E ao fim, a culpa daquilo era de quem? Dele mesmo, pois tinha tido a
brilhante ideia de apagar suas memórias, o qual a fez esquecer-se de sua
besta.

E quando se deparou com algo que a jogou lá no fundo do poço de suas


lembranças a fera tinha saído.

Se ela se lembrasse desde o início poderia ter evitado?

Ele parou na janela e puxou o ar com força com a mão no coração, pois
parecia que havia um corte profundo e exposto.

Os planos que ele tinha feito estavam caindo agora no esquecimento em


prol de uma vida que ele tinha prometido a si mesmo que não abriria mão e
queria viver de todos os modos.

O destino tinha interferido, de novo, e agora Aaron só poderia rezar para


que ela tivesse alguma ideia do que diabos ela estava fazendo. Porque ele
estava perdido. Se ele soubesse...

Deveria ter saído e a deixado lá? E se os lobos a matassem?

Erick não permitiria.

Olhou para a porta e queria voltar, porque deixá-la para trás foi quase tão
doloroso, que parecia que lhe tinham arrancado o coração do peito.

A dor de seu coração era tão grande que não podia respirar.

Seus olhos marejaram e sua garganta queimava. E então ele olhou para o
céu com as lágrimas escorrendo e não sabia o que fazer.

— Por que todo o meu sacrifício se não posso salvá-la agora? Pra quê?

— Um guerreiro nunca desiste. Mesmo recuando, ele está lutando.

Aaron não se moveu ao ouvir seu irmão atrás dele, mas a dor só
transbordou e ele chorou aos soluços.

Kayli andou rapidamente e abraçou Aaron por trás, que agarrou seu braço
e se deixou abraçar, tombado em seu peito.

— Vai dar tudo certo, Aaron, tenha fé.

Ele não acreditava naquilo no momento e somente chorou; e Kayli lhe


deu todo o amor e força que podia, pois sofria por seu irmão.

O homem forte, que raramente tombava, estava dolorosamente quebrado


de novo e não havia o que fazer a não ser dar apoio.

Aaron era de seu sangue e daria seu sangue por ele. Eram irmãos, amigos,
guerreiros unidos como nunca, e estariam até o fim.

— Não posso perdê-la novamente.

— Não irá.

Kayli chorou com ele e o abraçou mais forte.

— Estou aqui, irmão. Ela não vai desistir, ela é uma guerreira, conseguirá.
Ela virá por você e lutará.
“Loucura é esperar resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual”
(Albert Einstein)

Ilha dos Lobos, Grécia.

Semanas depois...

Ester deu duas batidinhas na porta e espiou pela fresta.

— Posso entrar?

— Por favor, é bem-vinda — Clere respondeu girando na sua cadeira do


computador.

Ela entrou no quarto de Clere com Dada, trazendo uma bandeja e a


colocou sobre a mesa.
— Boa tarde, Clere, como se sente hoje? — Ester perguntou animada.

— Estou bem, alfa.

— Ih, que “estou bem” mais sem graça, não senti firmeza, tente de novo.

Clere sorriu, era impossível não amar Ester, sua alegria e dedicação para
com os lobos era contagiante.

— Boa tarde, alfa, eu estou bem, obrigada!

Ester riu e a beijou na bochecha e Clere sorriu, também beijando Dada.

— Melhorou. Por que está de lentes em casa?

— Estava fazendo a sessão com a psicóloga. Tinha faltado as sessões


porque tinha me esquecido delas.

— Oh, isso é ótimo.

— Alguma novidade sobre os jornais?

— Bem, parece que o assunto está começando a morrer, porque a polícia


perdeu suas provas e pistas, as imagens que foram ao ar nos jornais estavam
muito danificadas. O retrato falado feito pelas pessoas que nos viram não
chegaram a lugar algum. Ninguém sabe explicar os fenômenos que
aconteceram. Os nossos temores estão desaparecendo. Acredito que não
conseguirão chegar até nós. Apenas alguns vídeos caíram na rede
internacional, mas Harley e Alexander foram rápidos para acabar com tudo.
Noah acredita que nosso lar não foi comprometido. Tomaremos cuidado
agora por um tempo e não desfilaremos por Atenas.

— Entendo.

— Mas seu olhar está muito triste e isso eu sei o motivo e não vai ser aqui
que vai fazer sumir isso.
Clere suspirou.

— Como se cura um coração partido?

— Com o bem amado ao seu lado.

— Certo. O que trouxe dessa vez, querida Dada?

— Jesus amado, como seu cabelo cresceu rápido! Quase não te reconheci!
— Dada disse espantada, com as mãos na cintura.

— Sim, ele cresce mais rápido que o de vocês.

— Mas está linda assim, eu amei, olhe essas tranças, que maravilhosas!

— Obrigada.

— Oh, minha menina linda, eu te trouxe um chá delicioso de frutas


vermelhas e biscoitos de chocolate com amêndoas. Testei uma receita nova,
tenho certeza de que vai gostar, já que ama biscoitos e esse pãozinho doce
com creme, que era uma receita alemã de minha mãe, deliciosa — Dada disse
sorridente com seu sorriso doce e beijou Clere na bochecha e acariciou seus
cabelos.

— Dada, você vai me engordar desse jeito, todo dia me traz alguma
guloseima. Se já não bastasse minha mãe — disse sorrindo.

— Bom, eu entendo que aquele mal-estar que sentia no estômago antes


não está mais aí, porque vomitou tudo para fora de uma vez depois dos
acontecidos. Então pode comer minhas guloseimas e precisa estar forte para
voltar com seu companheiro.

Isso fez Clere suspirar, cansada.

— E eu que pensei que podia superar isso.

— Não se supera companheiros de alma, Clere, se vive com eles — Ester


disse sentando-se na cama.

— E ele não me procurou mais.

— Bem, faz duas semanas que o mandou embora. Ele prometeu que lhe
daria tempo, mas disse que não desistiria.

— Pode ter desistido, superado a ideia que os deuses são sábios e me


fizeram para ele.

— Duvido, acredito que se podem superar muitas coisas nessa vida de


lobo, mas não renegar um companheiro de alma — Ester disse.

— Acho que eu mesma tenho que traçar meu destino.

— Exatamente, sempre há chance de recomeçar. Eu resgatei Noah e você


precisa resgatar Aaron!

Isso balançou Clere fortemente, fazendo-a titubear.

— Resgatar Aaron?

— Acha que é só você que precisa ser resgatada? Um vai resgatar ao


outro. Ele está sofrendo tanto quanto você. E não subestime os deuses,
querida, porque, por mais torto que pareça, todos os companheiros dos lobos
são enviados a eles exatamente no tempo certo. Acho que os deuses, às vezes,
podem ter um humor negro, sei lá, mas eu te garanto, não há nada mais certo
nesse mundo dos lobos que seus companheiros de alma. Nada, Clere. Se
torne empoderada, fabulosa e gloriosa. Essa é sua essência. Agarre seu
macho, segure-o forte, pois ele é só seu, um dos lobos mais poderosos de toda
a Terra, e ele é louco por você, arrastaria correntes pela eternidade para poder
salvá-la. E foi embora porque você pediu, para te dar uma chance de ver a
verdade por si mesma. Então, se isso não é um bom motivo para se levantar e
lutar como a guerreira e a alfa que sei que você é, então, não sei de mais
nada.

Ester levantou e foi até sua frente.


— A pergunta que vou te fazer agora é: Você o ama, verdadeiramente
para lutar? O ama, Clere? Quer que aquela aventura que passaram juntos se
torne para sempre? Quer ser amada e mimada por seu amor para o resto da
vida? Acordar com ele todos os dias? Essa marca de reivindicação apareceu
aí por acaso? A marca no pescoço de Aaron não foi feita livremente por
você?

— Sim, eu o amo, desesperadamente!

— E por que não foi atrás dele ainda?

— Kira... Ela me disse que os lobos de Kimera estão contra mim, dizem
que sou fraca para Aaron. Que não posso ser sua princesa e beta. É o que
estão cochichando.

Ester rosnou, bufou e xingou.

— Mais essa agora. As lobas estão com inveja porque elas desejariam ser
a princesa de Aaron e os machos, bem, eles viram a fraqueza e não viram sua
força. Vai ter que conquistar. Vai ter que se impor, Clere. Acredite, pois
passei por algo semelhante e não foi fácil. Aaron vale isso, então, saberá o
que fazer para tratar sua loba. Kira está pesquisando sobre isso junto de
Vanora.

— Sim, ela me disse.

— O que você mais deseja agora?

— Estar com Aaron.

— Então lute, minha loba. Empine esse lindo nariz, faça todos os lobos de
Kimera se ajoelharem, colocarem a mão sobre o coração e uivar para o céu, te
honrando, porque é o que você merece. Se conseguir fazer isso, então o
mundo estará aos seus pés. Lembre-se: você é a princesa companheira,
ninguém mais.

— Está certa, alfa, lutarei e farei eles se ajoelharem.


Ester deu um gritinho de alegria, abraçou Clere, que a abraçou de volta.

Dada riu e bateu palminhas.

— Oh, meu Deus glorioso! Eu amo tanto meus lobinhos, amo sim, e
quero fazer um enorme bolo de casamento! — Clere e Ester olharam
espantadas para Dada. — O quê? Casamento sem bolo não é casamento.

Todas riram, emocionadas.

Clere estava andando pela estrada, que a levaria até a casa de Erick, com
o coração cheio de ansiedade e amor, quando estacou. Olhou ao redor, porque
sabia que somente poderia sentir aquelas sensações com ele por perto. Aaron.

Ela saiu da estrada e andou no pequeno bosque, entre as árvores, andou


mais à frente e olhou ao redor, então fechou os olhos e respirou fundo,
sentindo o aroma dele mais forte, sua presença, a energia poderosa que ele
exalava envolvendo-a como um forte abraço.

O cheiro dele era como um bálsamo e agia no seu corpo como um


calmante ao mesmo tempo que a acendia toda.
Era como se seu corpo recebesse uma carga de energia e poder que lhe
permitia ter a coragem de lutar e ir em frente. Como tinha sentido falta dessas
sensações.

Ela fechou os olhos e inalou seu aroma.

— Venha em tal momento em que desistir não será possível... — ela


sussurrou o que seu coração desejava. E continuou:

Quando as fendas em minhas mãos por tentarem quebrar minhas correntes,


deveriam estar começando a se curar.
Quando eu tiver tal escuridão em meus olhos, que pensarão que eu estou
cego. Minhas bochechas devem ter secado por causa das lágrimas cansadas,
e meus lábios estarão rachados.
Venha em tal momento que desistir não será possível...

Ela lentamente abriu os olhos e ali estava ele, escorado numa árvore,
olhando-a intensamente. Tudo em seu interior saiu do lugar, a garganta
embargou e queria correr e abraçá-lo.

Então, uma lágrima escorreu pela sua face, porque a emoção ao vê-lo era
demais e Aaron continuou a recitar o poema, para total espanto dela:

“Talvez eu tenha me apaixonado milhares de vezes e não me lembrado de


nenhuma delas, pois nenhuma delas pode completar minhas frases.
Nenhuma delas transformou minha noite em dia.
Nenhuma delas está esculpida em minha mente como você.
Nenhuma delas encontrou lugar em minha mente, mesmo da melhor maneira.
Nenhuma delas deixou vestígios em meu corpo.
Venha em tal momento que desistir não será possível.
Quando ninguém será capaz de tornar meu choro silencioso em gritos altos.
E minhas mãos não se derreteriam no corpo de ninguém, mesmo se o
tocasse.
Quando meus lábios não deveriam tremer, como tremem quando pronuncio
seu nome.
Quando cada corpo que tentou substituí-la devesse desaparecer como areia
caindo uma a uma.
Quando acho que esqueci, quando penso que desisti, que não a amo.
Venha em tal momento em que... cada parte de mim, que me mantém vivo,
luta contra a gravidade.
Venha em tal momento em que desistir não será possível.

Clere não conseguia respirar, sua garganta estava embargada e as


lágrimas estavam caindo livremente.

Emocionada, ela andou até ele e parou.

— O que está fazendo aqui?

— Eu não pude desistir, não consegui ficar longe.

— Decorou o poema.

— Você disse que era seu preferido, então quis lê-lo todo. Queria me
sentir próximo, e tudo o que sentimos um pelo outro não desaparecerá. Eu só
queria te olhar, mesmo sem falar com você. Eu estava com saudade. É que,
na verdade, eu não estou sabendo lidar muito bem com o fato de que não
posso ficar com minha companheira. Será que poderia pelo menos sair para
jantar, ou tomar um café? Sei que prometi te dar um tempo para se adaptar,
mas a saudade me obrigou a vir te espiar.

Ela ficou o olhando e, quando ele pensou que ela negaria ou iria embora,
ela lentamente sorriu e o coração de Aaron falhou uma batida pela
expectativa. Ela se aproximou e tocou seu rosto docemente, acariciando sua
barba rala.

Se soubesse que ele não havia a cortado por todos aqueles dias, e ela tinha
crescido muito e ficado embriagado solitariamente pelas noites frias.
Aaron fechou os olhos para sentir seu toque mágico e poderoso, um
simples toque que virou sua alma do avesso e aqueceu seu corpo gelado.

Poderia se ajoelhar e implorar por um pouco de carinho, estava


desesperado. Então a olhou, esperando sua resposta.

— Eu também estava com saudade. Adoraria um jantar e depois um café.

Então ele se espantou quando ela o abraçou com os braços ao redor da sua
cintura e encostou a face em seu peito.

Ele a envolveu com os braços e soltou o ar, amando o abraço, amando o


fato de ela estar em seus braços novamente.

— Eu sinto muito — ela fungou e deixou as lágrimas correrem e ele


sentiu os olhos marejarem, quis chorar também, pois estava desmontado e
amando-a mais do que nunca.

— Oh, minha pequena, eu é que sinto muito.

Ela se afastou e o olhou. Ele carinhosamente secou as lágrimas com os


polegares, respirou fundo e encostou sua testa na dela e fechou os olhos.

— Já lidei com muita coisa na minha longa vida, tenho certeza de que
posso lidar com você porque eu acredito e confio em você e estamos juntos
nisso.

— Como companheiros?

— Sim, como companheiros. Somos um do outro e nada nesse mundo vai


nos separar, nem isso. Porque estou aqui por ti e não vou me afastar, nem
desistir... então espero que não desista de mim, porque, por mais vigoroso
que tenha sido seu pedido de me rechaçar, não veio do coração.

— Mas você foi.


— Fui porque soube que não te machucariam e depois você se acalmaria
e eu poderia voltar para te buscar. Meu pai me ensinou, e eu aprendi por mim
mesmo que um rei precisa ter paciência e sabedoria e esta lição vale muito
para os lobos e seus infortúnios.

Clere engoliu com dificuldade. O turbilhão dentro dela era quase demais
para suportar. Como poderia desistir dele se ele não se importava que ela
fosse toda errada.

Era um príncipe poderoso e poderia dar a vida por ela. Amá-la sem
ressalvas.

Então ela faria tudo por ele, faria o impossível para se curar e colocar sua
cabeça torta no lugar.

— Deuses, como senti saudade.

Ele a beijou loucamente e ela retribuiu, saudosamente, beijaram-se por


longos minutos, como se o mundo fosse acabar.

Ele suspirou e a beijou docemente, selando seu amor em seus lábios.

O celular de Clere tocou os tirando de sua bruma de acalento, ela suspirou


e se afastou, tirou-o do bolso da calça jeans e atendeu, sem tirar os olhos de
Aaron, porque não queria deixar de olhá-lo.

— Alô.

— Sou eu.

— Olá, beta Erick.

— Está vindo?

— Eu estava indo para sua casa, mas encontrei algo lindo no caminho.

— Lindo? Hum, e o que seria isso?


— Agradeço muito por aceitar me levar em Kimera para que eu
encontrasse seu tio, mas não será mais necessário.

— Mudou de ideia de estar com seu companheiro ou essa coisa linda que
encontrou no caminho tem dois metros de altura?

Clere riu, primeiro pela brincadeira de Erick; e segundo, pela cara de


espanto que Aaron fez quando ouviu que ela estava indo por ele. Seu coração
disparou louco no peito, carregado de... tudo.

— Ele está aqui, obrigada de qualquer maneira.

— Espero que se acertem, eu e Kira estaremos aqui para o que necessite.


Lembre-se disso e nunca mais esqueça.

— Obrigada, não esquecerei.

Clere desligou e o guardou no bolso traseiro e sorriu para Aaron.

— Estava indo à Kimera? — ele perguntou aturdido.

— Sim...

— Ia atrás de mim?

— Sim, eu ia implorar seu perdão por eu ter te ferido e... saber se estaria
disposto a tentar, comigo, encontrar um jeito de me consertar. Não quero
mais me esconder, não quero mais sentir repúdio por mim mesma, não quero
mais sofrer. Quero um futuro, quero uma vida, uma que não conheci... antes
de você chegar. Então, se o alfa não arrancou minha cabeça e está me dando
mais uma chance, eu vou agarrar e fazer de tudo para conseguir estar com
meu companheiro e ser digna de ser sua princesa. — Aaron estava
engasgado, mal conseguia respirar. — Lamento todos os sacrifícios que fez
por mim, Aaron. Lamento ter feito você sofrer. Os deuses estavam um pouco
de mau humor no dia que disseram que eu seria sua companheira.
Ela riu vendo aquele homem maravilhoso e perfeito que estava na sua
frente e segurou seu rosto entre as mãos, e seu corpo tremeu, porque o toque
dele a deixava desequilibrada e ele sorriu quando viu sua brincadeira.

— Você merece todos os sacrifícios, faria tudo novamente, porque você


merece ser amada, respeitada e merece uma vida, boa, linda e quero ser eu a
te dar.

— Não sei como consertar minha loba, mas quero tentar.

O coração de Aaron se partiu, se é que ainda havia algo para se quebrar,


ele secou suas lágrimas com os polegares.

— Encontraremos um jeito, confie em mim. Temos uma rainha muito


inteligente e a bruxa mais poderosa que conheci do mundo todo, ela vai achar
um jeito.

— E se não achar?

— Domaremos sua fera, de um jeito ou de outro. Ela achou um jeito de


consertar Kayli, então acredito que achará um jeito de consertar você. Confie
em mim.

— Vou confiar.

Aaron sentiu vontade de chorar, seus olhos marejaram e sua garganta


ardia, por segurá-la.

— Você é minha rainha, minha princesa, minha loba e companheira e


nunca mais esqueça isso, entendeu?

Ela assentiu.

Então uma lágrima rolou pela face de Aaron e ele a beijou, porque ele
mesmo estava destruído e precisava ser forte, e morria por ela, sofria por ela e
a amava perdidamente.
Beijaram-se com paixão, loucura e sofrimento, entre lágrimas e com seus
corações carregados de loucura, de amor e esperança.

— Eu te amo, Aaron.

O coração de Aaron que já estava fora do prumo perdeu-se de vez, se


pensou que poderia morrer de amores por aquela pequena pensou pouco,
porque a amou mais. Ela era tudo que desejava e a tinha e faria de tudo por
ela, ou morreria tentando.

— E eu amo você, minha pequena. Nunca mais me mande embora.

— Nunca mais.

— Sua alcateia te magoou de algum jeito?

— Não. Eles confiam em mim, os tolos. — Ele riu.

— Devemos achar um meio, contanto que estejamos juntos.

— Para sermos livres.

— Sim, minha querida, para sermos livres.

Beijaram-se novamente, um beijo poderoso e amoroso, carregado de


desespero, saudade e sentimento de esperança que poderiam seguir em frente.

Quando eles se soltaram, ofegantes, se olharam.

— Agora que está aqui, este incômodo parece que triplicou.

— Que incômodo?

— Meu corpo parece que está febril e minha pele está quente, sinto... meu
corpo vibrar e realmente acho que tem alguma coisa de lobo louco dentro de
mim. Como se estivesse ligada.
— Está com frenesi.

— Estou com esta merda eternamente. Está um pouco pior agora.

— Precisamos curar minha companheira. Só há um jeito de curar um


frenesi.

Ela riu quando viu ele dar aquele sorrisinho malandro no canto da boca.

— Então me cure, meu amor. Cure-me.

Aaron a abraçou e a beijou e, quando ela sentiu seu corpo vibrar, abriu os
olhos e arfou, pois estava no quarto dele em Kimera.

Ela riu e olhou ao redor.

— Seu quarto.

— Sim, uma ponte aérea, como dizem na Terra. Não posso ir a pontos
diferentes. — Ela riu da brincadeira. — Podemos ir jantar agora? Tenho
reserva em Atenas.

— Atenas?

— Sim.

— Ok, vou adorar, mas preciso trocar de roupa para ir em um restaurante.

— Ah, isso não será necessário.

— Não?

Ele a abraçou pela cintura e um clarão se fez e ela gritou quando colocou
os pés no chão e olhou aturdida ao redor, por um segundo pensou que ele a
tinha levado para a ilha novamente ou a um restaurante, mas ficou
boquiaberta quando viu onde estava. Na frente da casa de Kira.
— O que... por que estamos aqui?

Ele lhe estendeu uma chave.

— Bem, achei que gostaria de ver algo.

— Kira pediu que olhasse sua casa de novo?

— Sim.

— Oh, ok. Uau, ela mandou pintar, está linda. E há mais vasos de flores e
esse jardim não tinha antes.

Ela foi até a porta e abriu e estacou quando olhou a sala.

Tudo estava pintado e arrumado e tinha alguns móveis novos e bonitos.


Havia uma bela mesa arrumada com velas acesas e o cheiro da comida estava
no ar.

Ela olhou para ele aturdida.

— Quem está aqui?

— Nós.

— Oh, vamos jantar aqui?

— Sim e... morar.

— O quê?

— Esta casa agora é sua.

— Minha?
— Você amou esta casa, encontrou um lar em seu coração. Então Kira me
vendeu a casa.

— Não posso acreditar nisso, comprou a casa para nós?

— Onde estiver eu estarei, este é nosso lar. E teremos nosso lar em


Kimera, estaremos aqui ou lá quando quisermos, pois sei que ainda há muitas
coisas na sua lista que quer fazer e eu tenho coisas também.

Boquiaberta, não conseguia dizer nenhuma palavra, ela correu e abriu as


portas de vidro que davam para a praia particular e fechou os olhos e respirou
fundo o cheiro do mar e seu coração se encheu de felicidade.

Clere se virou e o olhou. Como poderia não amar aquele homem, que era
tão poderoso forte e com títulos tão nobres e estava ali numa casa simples e
bonita, mas nada condizente com a realeza, somente porque a amava e queria
lhe dar um lar que amasse, com ele.

— Eu amo você, Aaron.

Ele sorriu com o coração aos pulos e andou até ela e segurou seu rosto em
as mãos.

— E eu amo você, minha pequena.

Ele a beijou trazendo seu corpo para o seu.

— Está com fome?

— Sim, faminta. Mas o jantar pode esperar.

— Pode?

Ela enlaçou seu pescoço com os braços ficando na ponta dos pés e ele
rosnou baixinho sentindo-a se encaixar em seu corpo.

Deus, estava morrendo de alegria, de amor e paixão. Não esperava muito


naquele dia e estava ganhando tudo.

— Eu quero ter você, meu rei particular, e eu quero ser sua de verdade,
me entregar de corpo e alma somente a ti, meu companheiro, e jamais
seremos separados. Porque minha vida não tem sentido nenhum sem você.
Luz da minha vida, o que me dá força para lutar.

— Você é a única para mim, minha rainha.

Ela beijou seus lábios, com paixão arrancando um gemido sufocado de


Aaron.

Então, ela se afastou, deu um daqueles sorrisinhos sexys, misturado com


sensualidade e inocência que ele amava mais que tudo na vida e retirou sua
blusa pela cabeça.

— O senhor me quer? Tem que me pegar.

Ele rosnou e ela riu, saiu correndo para a praia, deu um salto enorme e
caiu na água e ele ficou a olhando por um minuto, vendo-a rir e chamá-lo.

Ele rosnou sensualmente, tirou a camisa social que usava com um puxão,
fazendo os botões voarem para todo lado, mas isso não importava e num
segundo ele abandonou a calça jeans preta no chão.

Parou na areia e respirou fundo, com os olhos cintilando.

Aquilo era felicidade, era amor, era vida e ele tinha e os problemas eles
resolveriam, mas agora somente queria amar sua companheira. E ele iria.

Saiu correndo, saltou na areia e caiu na água e, quando emergiu, agarrou


Clere que gritou e se agarrou em seu pescoço, rindo, e ele a beijou e a amou.

Como deveria ser, sempre assim, um casal de companheiros.


Teófilo Otoni, Brasil.

Gael estava compenetrado observando o computador, informações dos


rendimentos de suas joalherias espalhadas pelo Brasil e no exterior.

Rosnou ao olhar a pasta que Gabriel tinha colocado sobre a mesa


referente aos problemas estranhos que estavam surgindo ao redor de sua
alcateia, alguém estava querendo prejudicá-lo, mas resolveria.

Estava confortável na cadeira giratória do escritório de sua casa e com o


cotovelo escorado no braço da cadeira, que a movimentava levemente de um
lado a outro com o pé, roçando suavemente os lábios com os dedos.

Seu celular tocou e ele rosnou, não gostava de ser incomodado quando
estava trabalhando, mas era insistente e ele franziu o cenho ao ver que não
era uma ligação e sim uma chamada de vídeo.

Ele o pegou vendo que era de Clere. Rapidamente se endireitou na


cadeira, arrumou o terno que usava e atendeu.
— Clere!

— Olá, primo, como está?

— Eu estou bem e você?

— Estou muito bem.

— Fico contente, está muito bonita.

— Obrigada. Eu estou ligando para te deixar a par das novidades, sei


que te interessa.

— Tudo que diz respeito a você e tia Lana me interessa.

— Bem, eu me acasalei.

— Sério? Com quem?

— Com Aaron Nordur, o príncipe de Kimera.

Gael veio para a frente porque pensou que não tinha ouvido direito.

— Quem?

— Acho que você deve ter ouvido falar que os reis, os originais, lá de
dois mil anos atrás, existem, não é?

— Ouvi os rumores, mas achei que não era certo, liguei para Erick e ele
me confirmou, ainda custo a crer, mas não posso duvidar de Erick.

— Bem, é certo. Erick é um príncipe, não é demais?

— Demais... Sim, demais para entrar na cabeça. E você se acasalou com o


tio dele? Clere...
— Ele é meu companheiro, Gael. Meu companheiro de alma.

Gael ficou espantado e por um minuto não soube o que dizer.

— Inacreditável.

— Bem, acredito que em alguns dias, se tudo der certo, vamos fazer uma
cerimônia, sei que é longe, mas está convidado.

Gael colocou a mão no coração e sorriu.

— Clere, eu estou muito contente por você, desejo que seja muito feliz e
que finalmente deixe o inferno para trás.

— Eu estou tentando.

— Conseguirá. Mas não posso te prometer que eu possa ir.

— Eu entendo, somente queria te dar a notícia e convidá-lo, mas sei


perfeitamente que é muito ocupado e o Brasil é bem longe da Grécia.

— Seria uma honra para mim, mas Penélope está prestes a dar à luz e
receio que não seja o momento para me ausentar do Brasil.

— Oh, ela vai ter um bebê?

— Sim, um menino.

— Oh, que maravilha! Estou tão contente, pode dizer a ela que lhe desejo
toda felicidade do mundo com seu bebê?

— Eu direi e tenho certeza de que ela adoraria estar com você. Quem
sabe, mais para a frente, eu não vá à Grécia te visitar? Estou devendo, mas
está muito complicado sair daqui com meus negócios.
— Eu entendo perfeitamente. Quem sabe, eu possa ir ao Brasil também,
gostaria de conhecer e quem sabe o rei vá também, pois sei que ele está
visitando as alcateias.

— Acha que ele viria aqui? — disse espantado.

— Por que não?

— Bem... Seria estupendo.

— Mencionarei isso com Aaron.

— Perfeito.

— Então, adeus, tchau, como dizem aí.

— Tchau. Seu português está melhorando.

— Tenho estudado. Um abraço, primo. Nos veremos em breve.

— Um abraço. Novamente, meus parabéns, te desejo toda a felicidade do


mundo.

— E eu desejo o mesmo a ti.

Clere desligou o telefone e Gael se escorou na cadeira giratória e rosnou


espantado.

— Ora essa, isso que é uma novidade.

Gal ficou preocupado com Clere, mas percebeu que estava bonita e
contente, talvez o companheiro pudesse ajudá-la a se recuperar. Olhou para o
porta-retratos de sua filha e sorriu. Ela era preciosa e linda, estava
construindo sua família com um lobo valoroso que a amava muito.
Família... ele sentia falta. Se Clere tinha se acasalado com um príncipe de
dois mil anos seria mesmo possível que as companheiras de alma existissem?
E ele teria uma?

O pensamento o atordoou, esfregou o peito como se houvesse uma dor


ali.

Mal sabia ele que sim, ele tinha uma companheira de alma e que, em
breve, ela estaria chegando a Teófilo Otoni e viraria sua vida de cabeça para
baixo.

Kimera

Vanora entregou a taça de prata com a poção dentro para Aaron.

— Sabem o que devem fazer. Beber, reivindicarem um ao outro e mesclar


suas magias e hum...

— Só isso? — Aaron perguntou aturdido.


— Parece-me muito fácil — Clere concordou.

— Para fazer a poção não foi fácil, o feitiço será ativado quando
mesclarem suas magias, reivindicarem seu companheiro e dividirem... tudo.
As magias serão unidas e separadas e com isso deve curar as deformações da
loba de Clere, sem que corra perigo de vida, pelo menos, o perigo que dê
errado será menor do que tentar curar sua loba da outra maneira.

— Mas nós éramos acasalados e com isso nossa magia se misturou, não?
Mas eu me transformei e parece-me que não mudou nada.

— Sim, mas não o suficiente para que consertasse sua loba, por isso
precisa de um feitiço de cura específico. Você precisa despertar para uma
nova vida, se conectar profundamente com a magia, com o universo e com a
magia de Aaron. A cura está dentro de você, a magia do lobo está dentro de
você, mas só você tem que encontrar a força para retomar sua loba de volta.
Você precisa se abrir e aceitar a luz da magia. Precisa acreditar.

— E se o feitiço não funcionar?

— Você é uma alfa, forte, poderosa e a força está aí e nós vamos resgatá-
la. Vai funcionar.

— Por que acho que não está contando tudo, Vanora? — Clere disse
estreitando os olhos.

— Sim... você está estranha — Aaron concordou.

— Bom... não sei se devo dizer.

— Fale, por favor! — Clere disse quase ameaçadora.

— Não é apropriado falar assim com a rainha.

Clere se virou e olhou para a loba, que era sua criada privada designada a
ela sempre que esteve ali.
— Cale a boca você também. E pare de fazer fofocas do que acontece
comigo no palácio pela Kimera toda ou arrancarei sua língua.

A loba arregalou os olhos e Vanora rosnou para a loba.

— Saia, Kara!

A loba fez uma mesura e saiu correndo e Vanora respirou fundo.

— Perdoe-me por isso. Kara tem a língua maior do que a boca.

— O que está me escondendo, Majestade, por favor? Realmente estou de


saco cheio das pessoas comandarem minha vida e tirarem minhas escolhas.

Vanora respirou fundo.

— Está certa, querida, desculpe. Bem, esse feitiço vai mesclar suas
magias, seus poderes e sua força na forma mais crua, Aaron vai absorver
parte de sua magia e você parte da dele. Mas não é uma simples transferência
como mesclar as magias na reinvindicação normal.

— O que é então? — Aaron perguntou.

— A magia de seus lobos será sugada totalmente de seus corpos, se


fundirão completamente, depois, separada e devolvida, com isso sua
longevidade também será mesclada.

Aaron franziu o cenho e não entendeu.

— O que isso significa? — Clere perguntou.

— Energia vital, elas estarão ligadas. Se um de vocês morrer, o outro


também morre.

Aaron e Clere ficaram olhando para Vanora sem respirar e Kayli que
estava ao lado de Vanora, xingou entredentes.
— Bem, então isso não vai acontecer — Clere disse com a voz baixa.

— Clere... — Aaron tentou falar.

Clere movimentou as mãos e gaguejou fazendo ele parar de falar.

— Sei que eu disse que íamos tentar tudo e que eu lutaria até o fim, faria
de tudo para consertar isso, mas não, esse feitiço não posso fazer.

— Não há outra coisa?

— Sim, há, posso consertar parte de sua loba fisicamente, mas seria
extremamente doloroso e ela pode morrer. Há também a possibilidade de que,
mesmo que a transição dê certo, ambos podem ficar com alguma deficiência
física de sua loba.

— Tipo o quê?

— Patas tortas, olhos vermelhos, hum... dentes acavalados, alguma coisa


da sua loba estragada. Há o risco de não curar 100%.

— Merda...

Clere arfou exasperada.

— Não, não farei isso, colocar sua vida em risco não, nem pensar, Aaron.
Obrigada pela ajuda, Majestade, mas a resposta é não.

Clere saiu da sala e foi para o quarto. Aaron respirou fundo e olhou para
Vanora e Kayli.

— Aquela magia que você fez da outra vez poderia ser feita de novo?

— Não, não poderia, é diferente.

— Um deus não poderia consertar isso?


— Um deus não respondeu dessa vez.

— Mas que... — Ele rosnou e respirou fundo estendeu a mão e Vanora


lhe deu a taça. — Bem, então é o que faremos.

Aaron saiu e foi para o quarto e Clere estava andando de um lado a outro.
Ele colocou a taça sobre a mesa e foi até ela.

— Clere...

— Não posso colocar você nessa situação, não deixarei que faça tal coisa.

— Está tudo bem.

— Não está. Se eu morrer você morrerá também, não posso permitir que
se sacrifique desse jeito por minha causa. E se ficar com alguma deformação?
E se eu morrer?

Aaron foi até ela e segurou seu rosto entre as mãos.

— Querida. Não vai acontecer de novo e eu acredito que não tenha maior
sacrifício do que já fiz, para poder estar com você durante dois mil anos ou
todas as outras coisas que fiz por Kayli, por Kimera.

— Por isso mesmo, não posso machucá-lo mais.

— Nunca me machucou, pequena, porque nunca fez nada para isso, não
foi você. E eu não me arrependo de nada que eu fiz, porque sacrificaria mais
mil anos para ficar com você, mas não posso mais viver sofrendo sua perda, é
como arrancar meu coração e esmagá-lo entre os dedos. Ainda sinto a dor
dentro de minhas entranhas pelas outras vezes. Vi-te morrer por duas vezes,
não posso ver mais uma, nunca mais e não suporto que você não tenha sua
loba, imagino como deve ser doloroso.

— O que está dizendo?


— Se você morrer, então morrerei também. Não quero estar em nenhum
outro lugar longe de você de novo. Se você morrer, morrerei e iremos juntos
para o Novo Mundo ou para Valhala, ou onde seja que os lobos vão depois da
morte. Mas vamos juntos.

Clere estava engasgada, ela não pensou nem por um momento que ele
aceitaria tal coisa. Que faria tal sacrifício por ela. Isso encheu seus olhos de
lágrimas e sua garganta embargou.

— Não é sacrifício, querida, eu não desejo estar em qualquer outro lugar


sem você. Eu amo você com tudo o que tenho e estou cansado, só quero ter
paz e estar com minha companheira, com o amor de minha longa vida, você.
Quero uma família, quero ter um filho com você, muitos lobinhos correndo
para cima e para baixo. Agora, eu posso morrer; então se você não quiser me
seguir, eu vou entender. Não posso obrigá-la a sacrificar ou me seguir. As
companheiras são livres, para aceitar ou não. Eu te aceito como é agora ou
com isso de qualquer jeito, porque eu te amo de qualquer jeito. Morreria por
você se isso pudesse salvá-la.

Clere não conseguia respirar, estava atordoada demais para assimilar


todas aquelas palavras poderosas com tamanha entrega e amor.

Seu coração transbordou e ela se jogou em seus braços.

Aaron a ergueu do chão a abraçando fortemente com os olhos fechados e


em queda livre.

— Eu amo você, amo muito, Aaron, só de pensar que posso te perder me


mata. Não quero ficar sem você, nunca.

Ele respirou fundo, a soltou e a beijou.

Respirando com dificuldade e com lágrimas nos olhos eles se olharam e


sorriram nervosos e extasiados.

— Imagino o que tenha sofrido quando me viu morrer por duas vezes,
sinto muito.
— Isso é passado, não me importa mais, tenho você agora e quero estar
junto a ti e usufruir de tudo o máximo que posso. Podemos fazer isso; e se
sobrevivermos, podemos ir a muitos lugares que queria: viajar, conhecer o
mundo. Te darei e realizarei todos seus desejos, te darei o mundo e nunca
mais permitirei que nenhum humano ou lobo te machuque.

As lágrimas escorreram de emoção e seus corações estavam


desgovernados no peito.

— Não preciso do mundo, só de você. E não tenho mais medo de nada.

Ela o beijou e depois riu.

— Mas adoraria conhecer o mundo.

Ele riu e assentiu, beijou-a, respirou fundo e encostou sua testa na dela.

— Vamos fazer isso e se tivermos que viver ou morrer, então estaremos


juntos.

— Juntos — assentiu.

Ele pegou a taça de prata e colocou sobre a mesinha ao lado da cama e a


pegou pela mão e ambos se ajoelharam sobre a cama.

Ele fechou os olhos e deslizou o nariz pela sua bochecha e pescoço. Com
os olhos fechados, fez o carinho de lobo, extasiado com sua suavidade.

— Como amo seu cheiro, pequena. Quando ele ficou muito fraco, porque
estava longe, era como se eu não conseguisse respirar. Preciso de você por
perto. Meu mundo é o céu quando está nele, e quando estava longe somente
havia escuridão e trevas.

— Sim, senti o mesmo, um imenso poço escuro. E senti muita falta da sua
risada e das nossas trapalhadas.

Ele sorriu, agarrou sua nuca e a trouxe para si, num beijo avassalador.
Era um prazer puro ser amada por ele, esquentava seu corpo, seu coração
e alma, seu interior ficava banhado na lava quente com apenas um toque, um
beijo. Poderoso, um alfa que finalmente queria somente ter felicidade para si
mesmo e sua companheira.

Um homem que a abraçou com força e ainda com uma delicadeza sem
machucá-la, sem violência e com puro amor. Um animal cheio de fome que a
defendia como um lobo feroz que era.

Um homem que balançava na superfície do animalesco e do mais puro


prazer e, o melhor de tudo, levava-a junto, na onda do prazer e amor.

Ela arfou quando ele rosnou e seu vestido partiu-se em farrapos e foi
jogado longe e ele se desfez de sua roupa então ela tocou seu peito e admirou
o homem poderoso que tinha diante de si e que ia reivindicá-la como sua
novamente, do jeito que mudaria suas vidas profundamente.

— Você é minha, para sempre, Clere.

— E você é meu.

Pelos deuses, eles se pertenciam! Simples assim.

Seu corpo ficou tenso, sentindo o prazer dentro dela quando ele a beijou e
alcançou seu sexo quente e acariciou-a, tocando explorando, incitando-a ao
prazer.

Seus dedos impulsionaram mais profundamente, acariciaram,


aprofundando-se dentro dela com velocidade crescente até que ela começou a
ofegar por ar, por mais, por misericórdia.

— Ah, inferno! Clere, como é bom te tocar.

Ele olhava fixamente seus seios nus, seus mamilos rígidos e estendeu uma
mão para eles e apertou, girando o mamilo entre os dedos e então a olhando,
ele baixou a cabeça e o levou à boca, sugando e mordendo com força, a
fazendo-a gritar.
A mulher que ele tinha segurado nos braços morta já não estava mais ali,
não havia a menina assustada, a mulher sem vida e sem futuro, não; ali estava
a loba forte, quente e sensual que ele amava. As duas eram dele e ele estaria
ali para cuidar da frágil e tomar a forte, e tudo o que necessitasse.

Ele não viu nenhum medo nos seus olhos, só fome, desejo e calor. Ela era
uma mulher tentadora, selvagem, sedutora, faminta. Estava molhada e
desesperada por seu toque, sussurrando seu nome e pedindo por mais.

Clere havia passado do botão de rosa fechado para a rosa desabrochada e


viva. Ele rosnou e introduziu dois dedos dentro dela e girou; e ela gemeu e
cravou as unhas em suas costas, que o fez rosnar de prazer e seu cheiro o
deixou louco.

Qualquer outro homem não teria valorizado ou dado prazer, ela nunca
tinha recebido e ele lhe dava, queria seu toque porque ele lhe dava prazer,
amor e paixão.

Aaron sentia o que passava em seu corpo, em sua mente e em seu


coração, ele não só pedia, ele dava, pois o prazer dele estava refletido no dela.

Ela jurou que podia sentir as vibrações atravessando seu corpo.

Seu membro estava duro, quente e pulsante, e ela sorriu ao ouvi-lo rosnar
em seu seio quando ela o pegou em sua mão e o massageou, pensou que ele
gozaria e gostou de fazê-lo rosnar de prazer, sim, ela amava.

Então, ela fez mais, tocou acima e abaixo, até a base, em suas bolas,
sentindo o sangue pulsando e estremeceu sentindo-o pesado e quente.

Para ele, não havia maior prazer que segurá-la contra ele, sentir o gosto de
sua pele nas suas suaves lambidas e sugadas. E ele amava quando ela o fazia.
E ele a faria se soltar mais com o tempo, até que o devorasse todo.

Cada toque de sua língua, também tocava sua alma, aquecia-a. Colocava
fogo dentro dele, deixava o desespero do amor urgente.
As mãos dele desceram por suas costas, até suas nádegas, enquanto seus
dedos a deixavam louca, exalando o calor de dentro dela, agarrando-a mais
perto.

Aaron deitou-a no colchão, tirando um arquejo dela enquanto ela se


aferrava a ele ansiando seu beijo e todo seu corpo.

— Clere... — A voz dele estava quebrada, rouca, mais animal que


humana agora, um som primário que fê-lo lutar para não mordê-la de uma
vez.

Enquanto a parte animal rosnava feroz e animalesca, sua mente


concentrou-se no pensamento que, mesmo sendo feroz e selvagem, ele nunca
poderia magoá-la e sempre respeitaria seus limites.

Ela arfava, buscando ar, as mãos dela seguravam seus ombros enquanto
os dedos dele lutavam para não agarrarem as nádegas dela e tomá-la de uma
vez.

Ele pode senti-la começar na borda. Sentiu os fogos começando já a


acender-se dentro dela, quando eles começaram vagarosamente e
sensualmente a queimar com mais força, sentia em seus dedos.

O cheiro do doce sabor da luxúria e necessidade feminina correram pelos


sentidos dele fazendo sua mente flutuar.

Eles estavam perdendo todo o sentido de lugar e tempo. Nada mais


interessava, apenas os toques, os gostos, os cheiros e o amor em seus
corações, nada mais.

Os lábios dele cobriram os dela novamente, a língua dele empurrando-se


dentro da sua boca.

E mais ainda ela se abriu para ele dando espaço para se encaixar em seu
corpo, recepcionando-o, ele rosnou, pois sabia exatamente quando ela
deixava suas ressalvas para trás e se abria, se entregava, sentia seu aroma
mudar e o desejava intensamente.
— Você me quer, princesa?

— Sim. Fomos feitos um para o outro, então creio que não há meio de
fugir, se negar, isso pode ser a cura para nós dois.

— Assim é.

Seus lábios moveram-se sobre sua boca, bombeando sua língua pelos
lábios dela, sugando-a, ele rosnou de novo quando ele a penetrou.

Ele teve que fechar seus olhos enquanto baixava sua cabeça uma vez
mais, seus lábios acariciando o pescoço dela, movendo-se dentro dela outra
vez. Ele passou sua língua em seu ombro e pescoço, preparando sua pele tão
doce e suave, sempre perfeita.

O homem e lobo juntaram-se, moldaram-se e, como uma única entidade,


esforçou-se para dar prazer à única companheira, que ele conhecera e amaria
enquanto durasse sua vida, mas ainda a amaria além dela, na sua eternidade.

Clere estremeceu nos braços de Aaron, sua vida e seu coração


transbordava amor, um que pensou que nunca fosse merecedora, e saber que
era, lhe dava outra perspectiva de vida.

Quando estavam na beira do orgasmo ele sentia que todo seu ser queria
mordê-la, e parar o ato foi difícil, ele rosnou puxou-a e sentou na cama
colocando-a escarranchada em seu quadril, sem sair de dentro dela, então a
olhou e ela estava com os olhos brilhantes, suada, bochechas rosadas,
respirando com dificuldade, selvagem e poderosa.

Sentia-se intensa, então se concentrou nele, na forma como ela o sentia,


como ele a enchia, fazia-a implorar por mais, em vez de sentir assustada ou
diminuída.

— Pelos deuses, como você é linda, minha preciosa! Está pronta?

Ela assentiu com uma ponta de medo fazendo-a tremer, mas não recuou.
— Por ti estou pronta para qualquer coisa.

Ele sorriu, beijou seus lábios suavemente, pegou a taça e colocou entre
eles.

— Estaremos sempre juntos, na nossa vida ou na morte.

— Eu juro. E seremos felizes.

Ele respirou fundo e bebeu da taça, logo deu a ela que bebeu a outra
metade. A taça foi jogada no chão e ambos, com os olhos cintilando, unidos
pelo sexo, uniram-se pelo amor.

Ele a abraçou com mais força fazendo-a mover-se sobre seu membro,
arrancando um gemido deles e aumentaram seus movimentos, e a loucura
voltou, e na borda, eles fizeram suas presas alongarem e juntos, um mordeu o
ombro do outro, reivindicando seus lobos.

O gemido alto misturado com o grito de dor tornou-se um prazer


arrebatador invadindo seus corpos e os dois tiveram seus orgasmos, juntos.

Houve a explosão de dentro de seus corpos e a poção fez sua parte, reagiu
e, quando eles soltaram suas magias como ondas de arco-íris da dele, com a
cor mais forte que todos os outros lobos; e a dela, com cores suaves e
manchas negras e cinzas e vermelhas, elas se encontraram e começaram a
dançar juntas.

Ela explodiu através do quarto, derrubando tudo, então as magias deles


rodopiaram em um redemoinho violento, girando uma com a outra sem se
mesclar.

Clere gritou de medo e dor e Aaron rosnou pelo mesmo, segurou-a entre
os braços, protegendo-a, então elas formaram redemoinhos no ar sobre eles,
forte e ruidoso balançando a cama.
Aaron ficou assustado e a protegeu com seu corpo, então a magia
aconteceu, a magia foi totalmente sugada de seus corpos, e eles sentiram um
gelo tomar suas veias, numa sensação agonizante que fizeram ambos
gemerem, como se a vida estivesse se esvaindo deles arrancada a ferro.

— Aaron!

— Te tenho, pequena.

Clere gritou porque doía, assim como ele, como se suas vísceras
estivessem sendo arrancada de seus corpos.

Os olhos de Clere ficaram laranjas e ela se desprendeu dele, sendo jogada


na cama e ele tombou do outro lado.

Seus rosnados e gritos atravessaram todo o castelo de Kimera.

Então toda a aura colorida saiu deles e eles ficaram tombados navegando
nas brumas da inconsciência, como se a vida estivesse se esvaindo
lentamente.

Então, pontos de luz começaram a saltar do redemoinho e as duas foram


se mesclando, unindo-se naquele vento tenebroso; e, quando as duas magias
se uniram e fundiram-se, as cores ficaram confusas e foram clareando.

De repente, o grande redemoinho como um grande tornado, fazia tudo


girar e tombar dentro do quarto. A cômoda pesada de carvalho tombou, as
louças quebraram, as piras de fogo tombaram, as águas da sua fonte ao lado
do quarto agitaram-se a ponto de transbordar por todo o chão, a cama
arrastou para o meio do quarto.

O redemoinho se separou em dois, mostrando uma harmonia total das


cores e foram jogadas para baixo atingindo seus corpos num baque violento e
ambos gritaram pela dor, e quando foram totalmente absorvidas pelos seus
corpos, todo o mundo se apagou.

E o silêncio se fez.
Aaron e Clere estavam desacordados na cama sobre os lençóis
bagunçados, presos nas brumas do inconsciente.

E o turbilhão foi ouvido pelo castelo inteiro, as nuvens ficaram agitadas e


o vento surpreendeu a todos.

Ninguém soube exatamente o que aconteceu, mas Vanora, Kayli, Kane e


Yasmin estavam sentados no salão, ao redor da mesa de jantar e, quando tudo
parou, estavam paralisados, apreensivos, esperando. Vanora acendeu as velas
com sua magia que haviam apagado.

— Acabou? — Kayli perguntou espantado, e já tinha visto tudo na sua


vida ou estava enganado.

— Acho que sim.

— Será que funcionou?

— A magia está vibrando, as árvores estão contentes. A magia dos lobos


está mais forte que nunca.

— Os deuses estão sussurrando — Yasmin sussurrou e Vanora olhou para


ela e sorriu.

— Então que os sussurros dos deuses sejam felizes e que os abençoem e


os curem e que tragam felicidade.

— Pelos deuses, eu preciso de mais vinho — Kayli disse rosnando e


todos riram.

E assim eles também conseguiram sua paz naquela noite, esperando que o
dia nascesse com nova vida para os amantes e companheiros de alma, que por
fim mereciam a felicidade, ansiosos para ver se estavam curados ou não.
— Essa é a ideia mais louca que você já teve, Clere! — Aaron exclamou
espantado. — Foi para isso que chamou os lobos de Noah e os de Kimera e
pediu que se reunissem no pátio?

— Sabe, você é a única pessoa na minha vida que me acha louca e fala na
minha cara.

— Isso deveria ser bom? Eu estava achando bom, mas agora tenho
minhas dúvidas.

Ela riu, e para seu espanto, não estava nervosa ou com medo. Era algo
sem precedentes.

— Posso ser louca sim, mas eu preciso fazer isso.

— Não precisa. Não posso permitir tal coisa.

— Se eu não provar meu valor a eles, nunca me aceitarão, ficarão


cochichando pelos cantos como estão fazendo sempre, pensando que não sou
forte para você ou merecedora de ser sua princesa, uma beta, mesmo sendo
uma alfa, o que é uma bagunça, mas não desejo isso. Quero que tenham
orgulho de mim. Quero que me vejam como uma guerreira, uma loba de
valor, que amem sua princesa.

— Você é uma guerreira, é uma loba de valor, não precisa empunhar uma
espada e um escudo para mostrar isso. Você é diferente da outra Clere e está
tudo bem com isso. Os lobos não são burros, Clere, sabem que não é a
mesma pessoa.

— Mas é a mesma alma e minha guerreira está nela. Eu me sinto assim


agora e eu quero fazer isso, não só por eles ou por você, mas por mim. Eu
tive que me fechar dentro de um ovo para esconder minha loba e isso quase
me matou, preciso ser livre, preciso que as pessoas saibam o que sou, o que
quero ser.

— Não me importo com o que eles pensam, já me importei tempo demais.


Nossa cerimônia será daqui dois dias e nada do que eles digam vai mudar
isso.

— Aaron, eu quero entrar nisso de cabeça erguida. Nós fizemos o feitiço,


agora precisamos testar para ver se funcionou.

— Então podemos somente nos transformar em lobos para ver se estamos


bem e você está curada.

— Lutar e aumentar minha adrenalina vai fazer com que eu consiga


provocá-la. Se eu lutar com eles e não me transformar, então funcionou. Vai
que não funcionou e nosso casamento nunca se realizará.

Aaron rosnou.

— Você já é minha, não precisamos de uma cerimônia.

— Quer queira ou não, você é o príncipe de Kimera, é o beta deles. É o


exemplo a ser seguido, eles te amam e eu gostaria que me amassem também,
como sua companheira.
— E você é a princesa e ponto.

— Se eu vencer esse desafio, eles me respeitarão e você sentirá orgulho


de mim.

— Eu já tenho orgulho de você. É uma guerreira não somente em carne e


osso, mas em sua cabeça, pois encarou lutar na jornada infeliz dos
laboratórios e agora, vencendo todos esses problemas que teve.

— Eu sei, você sabe, mas eles não sabem, precisam ver. Você sabe que
tenho que fazer isso. Acredite, esta sou eu, nua e crua. Demorei a me
encontrar e não quero esconder mais nada de ninguém, seja bom ou ruim.

Ele inclinou a cabeça e olhou para ela com um sentimento de


compreensão. Clere queria se sentir aceita e, às vezes, essa era a última coisa
que ela sentia e precisava.

— Você não me assusta, no mínimo, Clere. Embora, às vezes, tenho


medo de você com suas ideias malucas.

Ela assentiu e sorriu.

— Às vezes, sou louca, tem que se acostumar.

Ele rosnou novamente e ela sorriu e acariciou seu rosto docemente.

— Eu amo você e amo quando rosna assim quando te deixo louco, mas
não vou voltar atrás da minha prova.

Ele respirou fundo, exasperado.

— Está bem! Pelos deuses, estou envelhecendo neste último mês tudo que
não envelheci em dois mil anos.

Ela riu e o abraçou.

— Mas me ama mesmo assim.


— Mais que tudo no mundo.

— Então confie em mim, vou conseguir.

Ele bufou.

— Depois lhe darei uns tapas em seu traseiro por me desafiar, loba.

Ela riu novamente e ele a abraçou de volta fortemente, segurou seu rosto
entre as mãos e, nervoso, a olhou nos olhos.

— Precisa voltar para mim, ok, pequena?

— Eu vou. Mas se meus olhos ficarem vermelhos e eu me transformar


como em Atenas, terá que me matar, atire uma dúzia de flechas no meu
coração, ok?

— Clere...

— Prometa.

— Não posso prometer isso.

— Prometa!

— Prometo.

Ele rosnou, beijou seus lábios com sofreguidão e desespero e ela retribuiu
apaixonadamente.

Eles seguiram para o pátio e Aaron xingou quando viu os lobos de


Kimera aglomerados em um círculo aberto no meio. Xingou novamente
quando viu sua família em seus trajes reais.
Era uma fodida cerimônia e ele estava sentindo um bolo no estômago e,
para sua surpresa, ali também estavam Noah e Ester, Erick e Kira e muitos
outros lobos de sua alcateia.

Kayli, mesmo contrariado com a situação, pois achava que aquilo era uma
loucura, acatou ao pedido de Clere. Ela soube que ele não acreditava que ela
conseguiria tal feito, o que só a impulsionou a seguir em frente.

— Povo de Kimera, nós estamos reunidos aqui para um desafio. A


companheira de Aaron, Clere, contra os lobos de Kimera ou de sua alcateia
— Kayli disse.

Todos arfaram espantados sem entender nada, cochichando e


questionando uns aos outros. Que loucura estava propondo?

Clere, dona de si, demonstrando seu poder e força, andou até o círculo e
todos olharam para ela espantados.

Se uma coisa teve que elogiar a si mesma é que não demonstrou medo,
nenhuma ressalva perante todo aquele povo e ela sabia o que viria, porque
tinha observado os lobos de Kimera, e não seria fácil vencê-los.

Ela vestia uma calça de couro marrom justa, bota até os joelhos, uma
chemise branca e uma armadura dourada cheia de desenhos em relevo que
emoldurava seu corpo. Uma armadura que somente a família real usava, o
que já espantou a todos.

Braceletes dourados que cobriam do punho até o cotovelo e seu cabelo


loiro estava comprido até quase sua cintura e estava trançado com pequenas
tranças nas laterais e em cima da cabeça e depois caíam soltos.

No seu rosto havia uma linha pintada na testa que descia pelo seu nariz e
descia no queixo uma que atravessava sobre as sobrancelhas e uma runa
desenhada em cada têmpora.

Numa mão empunhava uma espada e na outra um escudo. Nas laterais de


seu quadril carregava um cinto com duas adagas presas.
Uma verdadeira guerreira antiga. Essa era parte de sua alma que ela
queria resgatar. Toda sua força de mulher e loba que esteva dentro dela e
queria demonstrar a eles.

A caracterização era para impressionar, talvez assim tocasse mais


facilmente seus corações.

Vanora estava certa, estava tudo dentro dela, devia usar para algo que
valesse a pena, para salvar a si mesma e sua loba, porque, se ela falhasse,
destruiria Aaron no processo.

— Minha nossa senhora, estão vendo o que estou vendo? — Ester


sussurrou boquiaberta. — Foi para isso que nos chamou? Ela desafiou os
lobos para lutar?

— Estou vendo e não acredito que fomos chamados aqui para isso. Disse-
nos que era um torneio, Erick! — Noah disse chocado.

— Sim, um torneio de uma loba contra todos.

— Estão loucos? Desde quando Clere sabe lutar com espadas? — Ester
exclamou.

— Bem, é o que veremos agora e isso deve ser algo muito importante,
senão não estariam fazendo. Acha que Aaron permitiria isso se não tivesse
um grande propósito? — Erick disse.

— Inferno! — Noah rosnou.

Kayli levantou a mão para que todos parassem de falar, porque todo
mundo estava chocado e todos se calaram.

— As armas serão a espada, adaga, luta corporal e o machado. O desafio


é a princesa Clere derrotar qualquer um que se candidatar... um por um.

Houve outra comoção, e todos falavam ao mesmo tempo, arfando com


espanto, mas Kayli levantou a mão novamente e o silêncio se fez.
— A luta deve ser real e seguirá até a derrota do oponente, sem morte.
Quem quiser lutar dê um passo à frente.

Ninguém se moveu e Clere respirou fundo e deu um passo à frente.

— Ah, o que há pessoal, estão com medo de uma loba pequena chutar
suas bundas? Podem acreditar, sou mais forte do que pareço e isso não é um
treinamento.

Vários guerreiros se olharam, mas ainda ninguém foi à frente.

— Alfa, não pode permitir tal loucura, vão matá-la. Olha o tamanho dela
para aqueles lobos! — Lana implorou para Ester e Noah, que estavam tão
espantados quanto os outros.

— Não posso impedi-la, ela lançou um desafio. Se impedi-la agora, será


desonrada perante todos — Noah disse.

— Ah, pelo amor de Deus! — Ester exclamou preocupada.

— Lembra quando aceitou o desafio de Shay, Ester? Então, você não


podia recuar, e eu impedir, agora eu não posso impedir Clere.

— Merda!

Então Kirian rosnou, pegou sua espada e foi à frente de Clere, no meio da
roda.

Quando Clere olhou para o gigante de kilt negro, cabelos soltos e


selvagens, ela não sentiu nenhum medo. Todos arfaram espantados.

— Acredito que é importante para você fazer isso, garota — Kirian pediu,
sério.

— Sim, Kirian, é muito importante e não pode me poupar. Uma parte da


Clere vai morrer aqui hoje, ou toda ela.
Ele assentiu em entendimento. Entendia porque os lobos precisavam se
livrar dos seus demônios. Tinha visto muito disso nos lobos resgatados e ele
mesmo o fez e ajudou Jessy, então ele ajudaria Clere.

— Vamos lutar.

— Desculpe pelas suas costelas.

— Tudo bem, já estão curadas. Dê tudo de si.

— Posso quebrar outra costela.

Kirian riu lindamente.

— Eis-me aqui com todos os meus ossos e sangue, cara guerreira.

— Vamos lá, Clere, você consegue! Mostre a que veio, garota! — Ester
gritou nervosa. Clere a olhou e colocou a mão em punho em seu coração em
forma de respeito à sua alfa.

Então, ela respirou fundo, olhou para Kirian e ficou na posição de luta.

Kirian rosnou furiosamente e atacou, ela bloqueou o golpe com a espada,


outro com o escudo, outro com a espada, golpes fortes e rápidos.

Então ela rosnou e agrediu e Kirian, jogando-o longe, mas ele se


recuperou, saltou sobre ela golpeando sem piedade e foi defendendo um
golpe atrás do outro com uma força que o surpreendeu. Ela saltou sobre ele,
bateu com o escudo e derrubou Kirian e todo mundo arfou espantado.

Ela atacou com a espada com ele no chão, que rolou e desviou do seu
golpe, saltou ficando em pé e girou se defendendo de um dos golpes e depois
outro que ela dava com força, que quase ele não conseguia defender.

Ele deflagrou o golpe na barriga, mas ela rebateu, girou enrolando a


espada na sua num giro tão rápido que a espada dele voou longe, ela gritou
bateu nele e derrubou o lobo e saltou sobre seu peito, colocou a espada na sua
garganta e parou.

Por um momento todos arfaram e pararam de gritar pensando que ela o


mataria. Arfando, ela olhou para Kirian que a olhava com os olhos
arregalados e com as mãos erguidas em rendição.

— Você é uma caixa de surpresas, Clere. Venceu-me.

— Parece...

Então ela se afastou, levantou-se e houve uma gritaria. Kirian, ainda


espantado, levantou-se, pegou sua espada, colocou a mão no coração, fez
uma reverência e saiu do círculo.

Clere olhou ao redor esperando mais alguém.

Então, um lobo enorme de Kimera entrou na roda. Ela respirou fundo


tomando coragem e concentrando-se nele.

Ele rosnou, atacou com golpes fortes e ela se defendeu bravamente com a
espada e o escudo. E quando ela atacou, o fez com uma rapidez que deixou o
lobo aturdido, e seus golpes eram violentos e fortes.

O homem era muito grande e todos ficavam espantados como ela era forte
a ponto de não tombar com aqueles golpes brutais, e o lobo não parecia estar
a poupando de nada.

Clere gritou, girou, bateu com o peito derrubando o lobo, saltou sobre ele
e o prendeu com o braço. Saltou, girou numa estrela no ar e saltou novamente
indo para longe dele. Rosnou e chutou nas suas costas e ele voou longe, bateu
no grupo de lobos derrubando quatro no processo.

Clere venceu o combate e foi ovacionada. Ela se animou, porque pareceu


que os lobos estavam gostando do que viam e ela precisava vencer. Nenhum
deles a derrubaria, isso jurou.
Outro lobo saltou num voo imenso para o meio do círculo sobre ela, bateu
as espadas num golpe brutal. Clere caiu, mas não se abalou, ela saltou
ficando em pé novamente, rebateu todos os golpes, girou e defendeu o golpe
pelas costas, o que arrancou arfados da multidão, ela saltou e girou a espada
de um lado a outro e atacou.

Golpes pesados, rápidos e de uma força que o lobo não conseguia se


defender rápido o bastante.

Ela bateu num golpe baixo, girou a espada sobre a cabeça e gritou,
rosnando, bateu tão forte que a espada se quebrou e o lobo caiu do chão.
Rápido, ela chegou até ele, mas a espada estava em sua garganta.

Quem estava assistindo estava cada vez mais espantado e entusiasmado e


começaram a torcer, impulsionados pelos lobos de Noah que, aos urros,
incentivavam Clere a lutar e derrotar todos.

Então recuou, respirando pesadamente, com sinais de cansaço, mas ela


não desistiria, nunca.

Outro lobo entrou na roda usando um machado e um escudo, ela largou a


espada, olhou para o lado e um lobo jogou o machado e ela pegou no ar.

Bem, certo que ela tinha pedido o desafio, mas eles estavam empenhados
em provar sua bravura e, diferente do torneio, eles não estavam brincando, se
ela bobeasse teria um machado cravado em seu coração.

Ela girou o machado na mão com destreza e o empunhou.

— Pode desistir se está com medo — o lobo disse e ela bufou irônica.

— Amigo, se cheguei até aqui, acha que desistirei? Por meu príncipe farei
qualquer coisa. Não era uma princesa forte e que o merecesse que queriam,
que não o envergonhasse? Então, eu mereço e vou arrastar sua bunda no
chão.
O lobo rosnou alto e furioso e os golpes começaram com força bruta, o
metal tilintando alto, e ela revidou seus golpes brilhantemente. O machado
era pesado e ela o girou somente com uma mão, bateu contra ele que revidou.

O lobo saltou sobre ela como uma montanha, bateu contra ela, quebrando
seu escudo e a derrubou, cortando seu rosto e braço.

Todos arfaram e Aaron chegou a dar dois passos para a frente, mas parou.

O lobo rosnou e a atacou com o machado, mas ela ligeiramente se


esquivou e o machado cravou no chão. Ela o chutou na barriga o jogando
longe, saltou ficando de pé, girou e se defendeu da machadada que o lobo
deflagrava por trás, defendendo-se com bravura.

Clere rosnou, saltou e o atacou de cima, ele tentou se defender com o


escudo, mas o machado e a força do golpe quebrou o escudo de madeira e
grossas placas de metal se partiram em três pedaços e o homem caiu e olhou
para ela com os olhos arregalados.

Num salto espetacular saltou sobre ele com um joelho no chão e o outro
em seu peito, sacou a adaga e colocou-a em sua garganta.

— Está morto, colega. Ficou com medo?

O lobo piscou aturdido e não respondeu e ela se levantou.

Houve um momento de silêncio, então houve outra comoção na multidão.


Aaron rosnou espantado, assim como Kayli, pois não conseguiam acreditar
no que viam.

Noah rosnou espantado e andou até chegar mais à frente para ver tudo
melhor.

— Santo Cristo... — Ester sussurrou estarrecida.

Sasha foi ao meio da roda, sem arma.


— Vamos lutar mano a mano, loba? Ouvi dizer que luta artes marciais.

Ela engoliu em seco, não de medo, mas porque sua garganta estava seca.
Assentiu, um tanto cansada, então Audrea, que era da sua altura, se
aproximou com uma jarra de barro e uma taça, encheu de água e lhe ofereceu.

Clere piscou aturdida, olhou espantada para Aaron, que fez uma carranca
e deu um passo à frente.

A mulher olhou para ele com o olhar significativo e bebeu da água para
mostrar que não estava envenenada nem nada.

— É só água fresca, Alteza.

Aaron piscou aturdido, assim como todos fizeram, e Clere sorriu, pegou a
taça e bebeu.

— Obrigada.

A mulher sorriu, saiu da roda e Aaron piscou mais aturdido ainda, quando
Audrea sorriu para um lobo que estava ao seu lado, e ele colocou a mão em
seu ombro, abraçando-a e saíram. Eles eram um casal? Ela tinha oferecido
água para a princesa?

Após um minuto de choque, Aaron entendeu que Audrea fez aquilo para
selar uma trégua, um momento de deixar seu passado para trás.

Ela também estava seguindo em frente, sem rancor, e aquilo causou um


choque em Aaron. Finalmente as portas do seu passado estavam sendo
fechadas e isso causou um alívio em seu coração. Assim seria.

Então ele olhou para Clere. Sim, ela era seu futuro.

Clere olhou para Sasha se concentrando na luta.


Os dois fizeram o Morotouke, flexionaram as pernas e mãos em punho
frente ao corpo, preparando-se para a luta. Sasha deu um soco no rosto, um
no estômago e outro nas costelas, mas ela rapidamente defendeu todos os
golpes com Nagashi.

Girando o corpo, Sasha deu um Mawashi Gery chutando-a na lateral,


depois um Mae Guerie Kekome no estômago, mas ela girou o braço para
baixo e defendeu o golpe. Outro no rosto, mas Clere o bloqueou com
eficiência e força.

Então ela foi para o ataque, um soco, mais outro, intercalando socos e
chutes, golpes perfeitos de Karatê, até que rosnou alto, saltou no ar e
deflagrou um Yoko Tobi Gueri, com uma perna dobrada e a outra estirada,
batendo com toda força o pé no estômago de Sasha, pois ela foi tão rápida
que ele não conseguiu se defender.

Ele perdeu o ar, arfou e foi jogado metros longe, rolando pelo chão e
quase ficando desacordado, sem conseguir se levantar.

Liam e Jessy correram até ele e o tiraram da roda, estava sem ar e tonto,
mas ficaria bem.

— Não creio no que vejo — Erick sussurrou.

— Sua loba é... sem precedentes, tio — Kane disse para Aaron, que nem
piscava vendo tudo. Ele sabia que era forte e tinha dons peculiares, mas
aquilo era excepcional. O orgulho latejava em seu peito.

Sem aviso nenhum, um lobo de Kimera saltou da multidão, com uma


adaga na mão. Clere estava de costas, mas saltou, girou no ar, retirou as duas
adagas que tinha na cintura, as cruzou em cruz no peito do lobo em pleno ar,
que se desequilibrou e caiu.

O lobo levantou-se aturdido e com os olhos arregalados e olhou seu peito


rasgado e que sangrava e ela saltou sobre ele, que tentou se defender.
Com uma adaga em cada mão, ela atacou com uma e depois a outra,
golpes rápidos e duros. Ele se defendeu e atacou com toda força, mas Clere
cruzou as adagas diante de si e bloqueou o golpe de sua adaga.

Era inacreditável que com os golpes de espada ela não derrubasse as


adagas. Urik era violento e ela sentia os músculos ferirem, mas não recuou.

Ele impôs contra ela um golpe poderoso e forte que a fez tombar no chão
num baque surdo que lhe roubou o ar, ela gemeu pela dor, mas não desistiu.

Quando ele vinha em sua direção como uma jamanta, ela saltou e ficou de
pé, mas não a tempo dele bater nela e seu golpe a fez ferir o peito e derrubar
suas adagas e bateu nela, que rolou pelo chão.

Ele saltou sobre ela, mas ela chutou seu peito e ele voou longe, ela saltou
para trás, saltou de novo, alcançou Kane que estava assistindo a tudo perto de
seus pais e Aaron.

Ela caiu na frente dele e numa rapidez incrível, pegou seu arco, duas
flechas de sua aljava, girou e atirou as duas de uma vez só, e cada uma delas
acertou as pernas do lobo, que caiu.

Todo mundo congelou, não respirou e estavam tão aturdidos que não
conseguiram emitir outra reação nos minutos seguintes.

Arfando de cansaço, Clere se virou e sorriu para Kane, que a olhava como
se tivesse chifres.

— Obrigada, Alteza.

Kane pegou o arco e não disse uma palavra.

Clere estava cansada, com cortes e hematomas pelo corpo e sangrava,


mas nada que a fizesse tombar de vez.

Ela olhou ao redor esperando mais alguém, mas ninguém se moveu a


olhando como se fosse de outro mundo.
— Mais alguém?

Depois de um minuto sem ninguém se mover, Aaron tirou sua espada da


bainha e entrou na roda.

— Que tal lutar comigo, companheira?

Clere se virou e olhou para ele, espantada, demorou um minuto para


aceitar e limpou o sangue dos lábios com o punho.

— Sou toda sua, companheiro — disse com um sorriso, respirando


ofegante, mas espantada.

Ele rosnou porque não gostou de ver sangue nela, isso deixava seu lobo
louco, mas era um guerreiro e isso não devia impeli-lo de lutar e ela engoliu
em seco e sentiu um frio no estômago e todos continuavam chocados.

Aaron nunca tinha sido derrotado, nenhum lobo de Kimera conseguiu


alguma vez derrotá-lo em lutas, torneios ou nos treinos, salvo Kayli.

— Vai lutar comigo, pequena?

— Por que não o faria?

— Você me surpreende a cada dia, princesa Clere.

Ela sorriu pela forma que a chamou na frente de todos.

— Obrigada.

— Realmente estou impressionado, mas não vou facilitar para você.

— Não esperava que o fizesse.


— Espada! — Aaron gritou e um lobo jogou uma espada e ela a pegou no
ar e gemeu, seu braço estava dolorido, e as espadas que lutara pesava uns
quatro quilos, uma espada para homem.

Ela respirou fundo e se posicionou, segurando a espada com as duas


mãos.

Rosnou e atacou, e Aaron defendeu. E assim seguiu seguidos golpes. Ela


batia e defendia, ele batia e ela defendia.

A golpeou e bateu com a espada na sua, a empurrou para baixo e a


golpeou no rosto, que tombou no chão. Ela gemeu pela dor e perdeu o ar.

Aaron rosnou por machucá-la e derrubá-la, mas ele não podia dar a
entender que estava brincando ou a poupando e não estava.

Todos arfaram e pensaram que ele tinha vencido, pois ela demorou a se
levantar.

Com passos pesados e fortes, ele foi até ela. Clere viu as vistas nubladas e
sentiu o sangue escorrer, mas rosnou alto, saltou agarrando sua espada caída
e se pôs de pé e num impulso rápido ela bloqueou o golpe dele e segurou.

Aaron empurrou até chegar muito próximo ao seu rosto, somente


separados pelas espadas e mediram forças, um empurrando contra o outro.
Aaron a forçou a recuar e ela rosnou medindo força contra ele e todos se
espantaram com sua força.

Clere rosnou, e seus olhos cintilaram, ela empurrou Aaron e ele não
conseguiu segurar e foi para trás e cambaleou, segurou o equilíbrio com uma
perna atrás.

Os golpes de espada se sucederam rápidos e fortes brandindo as espadas,


golpeando e defendendo.

Ela puxou a sua espada para trás e com a outra mão bateu com a palma da
mão em seu estômago e ele voou longe, caiu e derrubou a espada.
Todo mundo arfou espantado.

Quando ele foi se levantar, ela soltou sua espada, rosnou e saltou sobre
ele, e o tombou no chão. Ele a agarrou, e com o joelho a jogou por cima da
sua cabeça.

Ela bateu no chão, mas agarrou os braços dele e o puxou, Aaron foi
levantado do chão, voou e tombou num golpe seco.

Ela saltou e caiu de joelhos no chão, apoiando com as mãos e rosnou, ele
se virou e ajoelhou com um joelho, pronto para dar impulso e saltar, a
olhando, e, para seu choque, seus olhos estavam laranjas.

— Merda! — Aaron resmungou entredentes.

Ela rosnou e saltou num impulso poderoso, como um lobo saltando bateu
com as mãos nos seus ombros e os dois rolaram pelo chão, saltaram mais de
dois metros e tombaram mais adiante e os lobos do círculo arfaram
assustados e se afastaram abrindo espaço para não serem derrubados.

Aaron se desvencilhou de suas garras, que lhe rasgaram a carne e rosnou


pela dor.

Ela saltou novamente, rosnou olhando para ele e suas presas estavam
longas, atacou Aaron, que não teve tempo de se levantar completamente e se
firmar e quase caiu com o soco que ela deflagrou em seu rosto, outro e mais
outro intercalando os braços e depois de dois ele segurou seu golpe e bateu
em seu estômago.

Ela arfou e foi para trás, saltou novamente sobre ele, cruzou as pernas em
seu pescoço, girou e os dois caíram no chão e ela o enforcou com as pernas.
Aaron arfou e tentou se soltar, mas não conseguiu.

Quando ele estava sufocando, o rei veio à frente e Vanora fez o mesmo,
arfando de susto e, quando o rei abriu a boca para parar a luta, ela rosnou, o
soltou, girou e escarranchou sobre Aaron, puxou uma adaga da sua bota e
colocou na sua garganta, e rosnou na sua cara.
Tudo parou, ninguém se moveu ou respirou, um movimento e ela mataria
Aaron.

Clere estava arfando, selvagem, e Aaron a olhava com os olhos


arregalados, mas ela fez o que ninguém imaginava: seus olhos cintilaram e
ficaram amarelos novamente, as presas voltaram ao normal e, cansada como
nunca, ela sorriu lindamente e beijou docemente seus lábios.

— Eu venci, companheiro.

Aaron piscou aturdido para assimilar tudo, estava numa espécie de surto,
então sorriu de volta e assentiu.

— Sim, você venceu.

Clere sentiu algo cutucar e baixou os olhos e Aaron tinha uma pequena
adaga cravada logo abaixo de sua armadura. Ela o olhou aturdida e ele ainda
sorria e ela riu alto, beijou-o novamente num beijo apaixonado, que todos
riram e sussurraram pela sensualidade de tudo, aflorada e escancarada.

Clere saltou de cima dele e ficou em pé e olhou para todos os lobos ao


redor que a olhavam ainda chocados, então ela olhou para sua família e para
os reis, fez uma reverência com a mão no coração, se virou e ofereceu a mão
a ele, que se levantou.

Clere tinha vencido o desfio, ela tinha derrotado todos e estava moída,
mas em pé. Bom, talvez se batesse um vento forte a derrubasse.

Aaron foi até ela e ela ficou paralisada, porque a cara dele não parecia
muito boa, parecia muito sério.

Ele estava zangado?

Então ele fez algo que jamais imaginou.

Aaron, com a mão em punho, bateu sobre o coração e se ajoelhou sobre o


joelho direito.
Ela piscou aturdida e arfou espantada, olhou para trás, pois pensou que
estava louca e Noah veio para a frente aturdido e sério. Ele também estava
zangado?

Noah fez o mesmo, colocou a mão no coração e se ajoelhou.

E assim fez Ester, Lana e os outros lobos de sua alcateia e com os olhos
marejados de lágrimas, com a garganta embargando, quase a sufocando, ela
viu cada lobo de Kimera se ajoelhar.

Eles estavam a honrando, homenageando-a, eles a respeitavam.

Clere não conseguia respirar, falar nada, pensou que cairia porque suas
pernas estavam dormentes e bambas.

Ela segurou o estômago porque pensou que alguma costela estava


quebrada, ou vomitaria, pois de repente tudo estava embrulhado e tudo doía.

Olhou para os reis que vieram à frente olhando espantados, extasiados, e


os dois não se ajoelharam, pois eram os reis e jamais se ajoelhariam para
ninguém, mas colocaram a mão sobre o coração e a honraram.

Clere sentiu as lágrimas escorrerem.

— Viva a princesa Clere! — Aaron gritou alto e todos gritaram, urraram e


uivaram.

Aaron se levantou, foi até ela e emocionado – porque seu coração estava
entalado na garganta –, orgulhoso, a pegou nos ombros.

— Eles te honram, Clere, estão orgulhosos.

— Eu não virei a besta.

— Não virou e derrotou todos.

— Eu ganhei.
— Sim, minha pequena e forte guerreira.

— Obrigada.

— Deixe-me ver sua loba.

Ela arfou e deu um passo atrás.

— Não.

Todos estavam esperando para ver o que estava acontecendo, sem saber
do significado daquilo.

— O teste final, me mostre sua loba.

Clere arfou e Aaron se transformou em lobo. Todos arfaram. Ali estava o


lobo criado, magnífico, maior que todos os lobos de Kimera. Perfeito.

Ela ficou olhando para ele em choque, procurando se havia alguma


deformidade, mas não havia nada e os reis olharam espantados, também
curiosos para ver se a magia havia funcionado.

— Vamos, Clere, você consegue.

Ela assentiu, porque era para aquele momento que tinham seguido em
frente e ela fechou os olhos por um minuto para tomar coragem, abriu os
olhos e olhou nos seus lindos olhos verdes e com isso teve a coragem que
precisava.

Seu lobo magnífico precisava dela e isso a impulsionou... e se


transformou.

E ali estava ela, uma gigante e fenomenal, do mesmo tamanho que ele,
uma loba com pelos loiros, longos e macios, com pequenas mechas escuras
nas pontas das orelhas, costa e rabo. Ela abriu os olhos e estavam amarelos,
brilhantes da cor do sol, não estava deformada, suas patas estavam normais,
seu focinho, suas presas estavam normais.

— Está perfeita, Clere! — Aaron disse. — Meus deuses, você... é uma


loba normal de novo e a mais linda que eu já vi.

— Sou? — perguntou aturdida.

— Sim!

Ele riu e veio até ela lhe fazendo o carinho de lobo, indo ao redor dela,
olhando e tocando-a toda e Clere olhou a si e chorou.

Ester cobriu a boca com a mão e tentou segurar as lágrimas de emoção,


mas era impossível. Noah rosnou de desespero, susto e alegria e Ester, como
usualmente, gritou de alegria, rindo e saltou no pescoço de Noah, que riu, e
todos vibraram abraçando-se e Lana ria aos prantos.

— Eu estou normal, sou uma loba, eu sou uma loba de novo!

Ela se transformou em humana rápido e fácil, sem dor, como era a magia
dos lobos.

— Conseguimos! Conseguimos! — Ela olhou para a sua mãe, que correu


até ela e a abraçou chorando de alegria. — Eu consegui!

— Oh, deuses, obrigada, obrigada, estou tão orgulhosa de você, meu


amor.

Noah ergueu o braço e rosnou um grito de guerra e honra e seus lobos


todos rosnaram porque a tinham visto deformada e haviam chorado por ela.

Agora mais uma loba havia sido curada, pelo menos parte de suas dores e
sofrimentos, o que era possível naquele momento.

Ela voltou até Aaron, riu, chorou e se ajoelhou, abraçou-o, que ainda se
mantinha em forma de lobo. Chorou abraçando seu companheiro.
— Eu te amo, Clere, minha guerreira, eu te amo.

— Eu te amo, meu príncipe, meu companheiro. — Ela segurou o olhando


nos olhos e acariciou seu pelo macio. — Eu consegui, graças a você que me
deu um novo mundo, me deu forças e amor.

— Sim, conseguiu.

— Acha que nunca mais vai aparecer.

— Não. Está curada.

Ela fechou os olhos para assimilar a palavra. Curada.

— Sem mais sacrifícios agora?

— Sem mais sacrifícios.

— Obrigada.

Ela o beijou e chorou de alegria, de alívio, de vitória.

— Vamos correr? Correria comigo? — ele perguntou feliz.

— Sim! Sim!

Clere respirou fundo, deu o comando e puff, era uma loba de novo, riu às
gargalhadas e saltitou ao redor de Aaron como uma criança feliz e contente,
ria e chorava e todos em Kimera estavam loucos e emocionados.

Alguns entenderam, outros não, mas ao fim, tinham a aceitado e a


honrado.

Ao fim, ela era a escolhida, o presente do lobo, feito por um deus, e era
forte e poderosa, como uma princesa de Kimera deveria ser, digna do
príncipe dos lobos.
Aaron saiu correndo para os campos verdes e floridos e Clere o
acompanhou e ela correu como nunca, sentindo o chão em suas patas,
sentindo o vento em seus pelos, saltou arbustos e flores, rosnou e uivou, riu
aos céus e, então, a natureza mágica de Kimera respondeu ao seu regozijo e a
abraçou.

Clere ouviu os sussurros da natureza dando-lhe boas-vindas.

A vida entrava dentro dela, revigorando, curando, dando esperança. As


cores voltando e encantando seus olhos, o cheiro rico da natureza a enchendo.
Vida.

Enquanto corria ao lado de seu companheiro, as lágrimas banhavam seu


pelo, mas eram de felicidade, de um sentimento que nunca havia sentido.

E, ao olhar para Aaron, correndo ao seu lado, ela sentiu o verdadeiro


amor, grande e forte criando raízes em seu coração de forma irrevogável.

Ela finalmente havia se encontrado e estava pronta para se curar, em


todos os âmbitos, deixar seu passado para trás e começar uma nova vida.

Ela tinha vencido a batalha e seus demônios.

E todos os lobos, agitados e em festa, observaram os príncipes de Kimera,


os guerreiros mais fortes de seu reino correrem livres e felizes.

Mais uma mágica no mundo dos lobos havia acontecido.

Ester olhava tudo com as lágrimas caindo livremente e ela olhou para
Noah quando ele secou uma com os dedos suavemente.

— Tudo bem, companheira?

— Eu já disse que amo os lobos hoje?

Noah gargalhou lindamente, se abaixou e beijou seus lábios.


— Ainda não, eu estava esperando.

Ela riu e saltou em seu pescoço e ele a rodou no ar, rindo, e a festa seguiu
pelo resto do dia com carne e muita bebida e dança.

Kimera e a Ilha dos Lobos estavam em festa.


“O que sabemos do mundo é uma gota,
o que ignoramos é um oceano.”
(Isaac Newton)

Kimera

Clere quase não conseguia respirar de nervosismo quando chegou ao


campo onde o altar, feito com um arco de flores, estava preparado para a
cerimônia.

Aaron esperava por ela na frente dos lobos, usando uma roupa suntuosa,
calças marrons, botas, uma jaqueta de brocado grossa, azul-escura, com o
colarinho cravejado de pequenas pedras preciosas.

Havia uma larga corrente de pedras, como se fosse um colar que caía em
seu peito, e seus cabelos estavam trançados no topo da cabeça e caíam pelos
ombros.
Tão lindo e perfeito que ela sentiu seu coração derreter e não foi diferente
com ele quando a viu.

Clere estava vestida como uma princesa de Kimera deveria estar. Um


vestido branco com nuances de rosa com tecidos suaves e brilhantes que
arrastavam pelo chão em uma cauda. O corpete bordado em fios de ouro com
flores e um colar ricamente trabalhado que cobria seu colo e subia até o
pescoço numa gola, de intrincados e pequenos desenhos trançados de ouro e
pedras preciosas.

Seu bonito cabelo longo e loiro de mechas castanho-escuras estava solto e


ondulado, a coroa era delicada e bela com uma cascata de fios brilhantes que
caía sobre seu cabelo. Em suas mãos, uma luva de delicadas correntes de
ouro que prendia em um elo em cada dedo.

Clere observou seu amado Aaron, ele não estava vestido como um
guerreiro e sim como um príncipe, mas ele era grandioso em todas as suas
versões, como rei, como príncipe, alfa ou beta, ou um homem simples
tentando dominar uma cafeteira ou o controle remoto da TV.

Ele era tudo e todos e ela amava cada pedacinho, cada face, cada batida
de coração.

Eles não conseguiam parar de se olhar, se admirar um ao outro e o brilho


dos seus olhos demonstrava o puro amor.

Quando ela chegou à frente dele parecia que o mundo ao redor não
existia. Ele pegou em suas mãos e beijou o dorso de uma e depois a outra.

— Está linda, companheira, cintilante como uma deusa.

— Você também, companheiro.

Ele sorriu lindamente e beijou sua testa.

Clere olhou para o lado e viu um tapete de flores no chão onde eles
passariam por cima para chegar ao altar e ficou encantada.
Os lobos de Kimera estavam ali e todos os lobos de sua alcateia, lindos e
sorridentes, com as crianças que lhe acenaram adeus, sua mãe.

Clere quis chorar, sua garganta estava embargada, todos estavam ali por
ela e Aaron.

Ela nunca imaginou que seria o centro das atenções, de forma bonita, era
um conto de fadas que estava se tornando realidade e mal podia acreditar.

Ela ia se casar com um príncipe de verdade de um reino mágico e


maravilhoso.

O seu príncipe do cavalo branco e espada em riste e armadura dourada


que veio lhe salvar. Por fim, ela não era mais o dragão, havia se tornado a
princesa.

Se os humanos a vissem, quem seria a cadela pulguenta e insignificante


agora?

Ela respirou fundo e afastou os pensamentos, aquele dia não era para ter
pensamentos tristes, pois seu coração estava transbordando de felicidade.

Olhou para o céu e estava ensolarado, sem nuvens, quente e perfeito, mas
estranhou que havia pequenos floquinhos caindo do céu, pairando no ar e ela
ergueu a mão para pegar algum, curiosa.

— O que é isso?

— É um presente para o nosso casamento. Para você, na verdade.

— Presente?

— Pensei que gostaria de conhecer alguém especial, então a convidei para


a nossa cerimônia.

— Quem?
Aaron indicou atrás dela com a cabeça. Ela se virou, ficou boquiaberta e
parou de respirar, agarrando a mão dele com força.

— Jesus...

Numa aura encantada, como se o ar estivesse mágico, diferente e


iluminado com luz brilhante, surgiu a mulher mais bela que algum dia viu.

Um passo atrás dela havia duas mulheres que pareciam suas


acompanhantes e atrás delas dois homens guerreiros com cabelos loiros lisos
e compridos com armaduras douradas, muito belos, o que a espantou
imensamente.

A mulher da frente, loira com um vestido de gases, que parecia flutuar ao


vento, lilás e roxo e um cabelo loiro claríssimo que caía até sua cintura, usava
uma coroa de flores brilhantes que pareciam de cristal.

Ela usava um corpete de ouro na cintura fina sobre o vestido e camadas


de tule com pequenas flores arrastava pelo chão, seus olhos verdes com uma
auréola negra e orelhas levemente pontudas.

Clere piscou rapidamente, pois pensou que estava sonhando. Era uma
visão extremamente chocante. Depois do povo de Kimera e seu luxo e beleza,
jamais pensou que veria algo num nível mais elevado, mas estava vendo.

— Estou sonhando?

— Não é um sonho — Aaron disse.

A mulher se aproximou, sorriu e seu rosto se iluminou.

— Olá, princesa Clere. Está belíssima e estou muito contente de conhecê-


la e ver sua cerimônia com este valoroso guerreiro.

— Encanta meu coração que tenha nos brindado com sua presença,
Cristal — Aaron disse fazendo uma reverência formal.
— Você... você é uma fada?

— Sim, eu sou.

Seu encantamento foi tanto, que Clere encheu os olhos de lágrimas.


Docemente pegou na sua mão e sentiu a pele suave.

Cristal não se ofendeu e sorriu pelo encantamento da loba, ela gostava de


ser admirada.

— É de verdade... — Ela beijou sua mão em sua honra, em êxtase, sem


acreditar. — Veio por mim?

— Aaron e Vanora me chamaram, e eu fiquei muito contente e agraciada


de terem me contado de seu apreço e encantamento pelas fadas. Hoje em dia
já são tão poucas pessoas que acreditam na nossa existência, que acabamos
nos isolando do seu planeta. Os que acreditam esperam nos capturar e
prender dentro de um vidro de pepinos.

Clere riu e chorou pela sua graça.

— Espero que nunca o façam, mas estou imensamente feliz que me deu
essa honra.

— Eu vim lhe trazer um presente.

Clere tapou a boca para não dizer mil coisas que voavam na sua cabeça.
Queria rir e saltitar como uma criança ao ganhar um presente.

Cristal se virou e pegou um colar que a moça atrás dela segurava e


entregou a ela, era de um fio trançado de prata brilhante, diferente da prata
normal que conhecia, e com um pingente em forma de gota feito de uma
pedra branca.

Clere olhou e dentro da pedra parecia que havia uma fumacinha suave
branca com pontinhos brilhantes em tom de azul.
— Oh, que lindo!

— Para que sua vida se encha de bondade e alegrias, para sua proteção e
para que se lembre de que o mundo é mágico e poucas pessoas têm a dádiva
de conhecer sua magia. Que os deuses os abençoem na sua união e que
reinem juntos para a eternidade.

Clere estava chocada e sorriu embasbacada.

— Obrigada, é o presente mais lindo que já ganhei.

Aaron pegou o colar de sua mão e colocou em seu pescoço.

— Oh!

Clere se assustou quando pareceu que um pequeno passarinho brilhante


passou diante dos seus olhos rapidamente e, boquiaberta, viu que sobre o
grupo havia umas três outras.

— Oh, essas danadinhas queriam vir, e achei que gostaria. — Cristal se


inclinou para a frente e cochichou: — Elas gostam de festa e pêssegos.

Clere riu quando uma pairou na sua frente e não era um passarinho. Era
uma pequena fadinha brilhante que batia suas asinhas, ela deu uma risadinha,
acenou e saltitou pelo ar e riu quando pairou na frente de Lucian e o fez rir e
depois de Lili e os outros bebês, que tentaram pegá-las.

Estavam brincando, encantando os lobos de Noah, e os lindos lobinhos,


que estavam extasiados com a bela visão.

Clere olhou para Aaron, que sorria contente por ver sua felicidade.

Ela riu e saltou em seu pescoço e ele riu e a abraçou.

— Obrigada, foi o melhor presente que me deu, meu amor.

— Tudo por ti.


— Bem, então o que estamos esperando? Vamos logo fazer essa
cerimônia linda e depois brindar aos companheiros e sua felicidade! —
Cristal gritou e todos os lobos gritaram.

Aaron pegou na mão de Clere e eles seguiram pelo caminho curto de


flores, pararam na frente de Kayli e Vanora que estavam ricamente vestidos
para uma cerimônia, ostentando suas coroas de ouro e pedras preciosas, que
estavam de costas para os convidados e, diferentemente dos casamentos
humanos, os noivos ficavam de frente para os convidados.

— Os anos se arrastaram, mas hoje me regozijo e agradeço aos deuses por


este dia e que finalmente vocês estejam juntos e felizes, que assim permaneça
para a eternidade. Estão prontos? — Kayli disse contente.

— Sim — ambos disseram.

Kayli disse mais algumas palavras, umas no inglês carregado de sotaque,


que Clere entendeu, e outra parte em gaulês, que não entendeu, mas achou
lindo.

Aaron ergueu sua mão unida na dela e Kayli enrolou uma fita larga azul
com bordados florais e recitou uma oração, abençoando-os.

— Amem e cuidem um do outro, como assim desejou os deuses. Aaron


Nordur, aceita Clere como sua esposa e companheira?

— Eu aceito, eu aceito, eu aceito.

— Clere Murray, aceita Aaron Nordur como seu esposo e companheiro?

— Eu aceito, eu aceito, eu aceito.

— Que os deuses os abençoem.

Vanora ofereceu uma taça de vinho, Aaron bebeu um gole e Clere outro.
Depois, numa almofada trouxeram os anéis com o brasão dos Nordur e
cada um colocou no dedo do outro.

Kayli disse mais algumas palavras em gaulês e deu um passo atrás e se


posicionou com Vanora ao lado.

Então os dagdas, assim chamavam os padrinhos, lhes trouxeram suas


oferendas: Noah e Ester lhes trouxeram uma mandala branca, que lhes
trariam paz; Naya e Ronan colocaram na mesa laços de fita, para lhes trazer
união. Kane colocou um pote de ouro com sementes dentro, que significava
prosperidade ao casal; e Yasmin trouxe velas, que trariam sabedoria.

Emocionado, Aaron beijou Clere docemente e os lobos começaram a


urrar, rosnar e uivar, e batiam palmas, alegres.

Clere riu emocionada porque foi tudo tão rápido e lindo, que parecia que
estava num sonho, flutuando numa nuvem.

— Viva o príncipe Aaron e a princesa Clere!

— Viva!

E houve muita gritaria e uivos e todos foram abraçá-los. Bem, os lobos de


Noah o fizeram, porque os lobos de Kimera ficaram um tanto espantados
como os outros lobos abraçavam Aaron e Clere sem ressalva por serem
nobres.

Mas riram pela festividade.

E a festa se seguiu durante todo o dia e varar da noite. Havia música e


dança, mesas cheias de muita comida e bebida.

Aaron se aproximou de Kayli e Vanora, que conversavam com Erick e


Noah, suas companheiras e Kane.

— Então, Aaron, disse que tinha algo a dizer. Vamos, diga — o rei disse
feliz.
Aaron respirou fundo e olhou para Clere.

— Bem, eu tenho algo a dizer realmente, eu e minha adorada


companheira vamos sair na... como chama?

— Lua de mel — Clere respondeu sorridente.

— O que é isso? — Kayli perguntou confuso.

— Oh, algo que os casais na Terra fazem hoje, passam um tempo


sozinhos depois que se casam, fazem coisas de casais, geralmente viajam
para se divertir — Vanora respondeu sorridente.

— Sim, nós queremos viajar para mais alguns lugares da lista de minha
companheira, ir em outros lugares fora da Grécia também e queremos
aprender um pouco mais sobre as coisas modernas.

— Eu entendo, irmão, fico contente.

— Nosso lar será aqui e um pouco lá, mas eu acredito que é hora de você
ter um beta que fique responsável pelas minhas funções enquanto estou fora.

— O quê? Mas não precisa deixar de ser beta porque se acasalou, Aaron.

— Bem, eu sei, mas não sei quanto tempo tiraremos para nós, mas Kane
pode cuidar melhor de Kimera do que eu no momento, não quero que fiquem
desassistidos em minha ausência.

Kane olhou para Aaron espantado.

— Eu?

— Eu estive preparando você para isso há muito tempo.

Kayli rosnou e assentiu.


— Pensei o mesmo, sabia que estava fazendo algo.

— Foi uma honra estar ao seu lado por tantos séculos, irmão, mas agora
Kane tomará conta dos lobos na minha ausência e sempre poderá vir a mim
para conselhos. Minha espada sempre estará empunhada por Kimera.

— É uma honra, tio, nem sei o que dizer.

— Faça o que te ensinei, com paciência. Lembre-se: como um beta deve


ser um pacificador e não arranjar brigas.

Todos riram, porque Kane era um espírito aventureiro, mas muito


responsável.

— Honrarei seus ensinamentos. Desejo-lhe toda a felicidade do mundo


para o senhor e sua companheira.

Yasmin veio até eles e abraçou Clere e demoradamente abraçou Aaron.

— Minha pequena, devo isso a ti.

— Não, não me deve nada. Estão felizes e desejo que sua jornada agora
seja só de alegrias.

— Pergunto-me quando começará a sua jornada feliz, Yasmin.

— Ela já começou, tio.

Ele respirou fundo e assentiu em entendimento, pois Yasmin também não


recuou de suas convicções para encontrar seu companheiro de alma e sua
espera também foi tortuosa, longa e não seria fácil.

— Sempre que precisar estarei aqui por ti.

— Eu sei.
Ele beijou Yasmin na testa e ela se afastou.

Aaron olhou para Clere e sorriu. Então ela, com um sorriso gigante,
enfiou a mão no seu decote, tirou um papel e o desdobrou, tirou um
minúsculo lápis e riscou.

Aaron franziu o cenho.

— O que está fazendo?

— Riscando alguns itens da minha lista.

— No dia do seu casamento, mantém uma lista e lápis no vestido?

Ela riu lindamente e ficou com as bochechas vermelhas.

— Nunca se sabe quando necessitarei riscar ou colocar algo na lista.

Ele pegou a lista e riu, estava enorme com itens que ele nem imaginava o
que eram, e ela havia acabado de riscar três itens: “Ver uma fada”, “Ser a
princesa e não o dragão” e “Ser feliz”.

Aaron suspirou, emocionado, com sua pequena loba, dobrou o papel e


colocou escondido no seu decote e a puxou para seus braços.

— Está feliz, minha princesa?

— Nunca estive tão feliz em toda minha vida. Jamais pensei que um dia
eu seria uma princesa de verdade e você não somente trouxe minha loba de
volta, me trouxe vida, me libertou da minha prisão, me mostrou o que é o
amor e que eu o mereço.

— Nunca pensei que os deuses fariam uma loba tão especial para mim.
Estarei sempre aqui para te ver protegida e amada como merece.

— Eu amo você e amarei para sempre.


— Eu também a amo.

Eles se beijaram e se abraçaram, então, felizes, prontos para seguir numa


nova vida, foram beber e festejar.

E aquele foi o dia mais feliz que Clere e Aaron pensaram em viver, pelo
menos até ali, pois muitos outros viriam.

Eles não eram completamente humanos, mas tampouco eram


simplesmente animais. Eram duas metades dentro de um corpo e alma e que
finalmente encontraram o equilíbio.

Aaron passou as mãos dos ombros e desceu pelos braços e sorriu ao olhar
suas novas tatuagens, uma loba majestosa e feliz e uma borboleta com as asas
abertas e imponentes.

As tristes embaixo e as alegres em cima.

Ela ainda tinha traumas, ainda retesava o corpo, se assustava e dormia


com as luzes acesas ou muitas velas acesas. Ainda se lembrava e sofria com
muitas das lembranças.

Mas agora se abrandava mais rapidamente, se sentia forte e confiante,


pronta para lutar e não tombar mais como havia feito tantas vezes. E quando
ficava difícil, ela tinha os abraços dele que lhe davam força.

A cura completa demoraria ainda, mas a cada dia dava para ver a
diferença de sua melhora.

Clere finalmente foi libertada de sua prisão e conheceu como é ser amada
por um homem e ser reverenciada por ser uma loba e uma mulher.

Agora podia correr com sua loba, voar como uma borboleta e brilhava
como um vagalume, com sua luz própria.

Ela finalmente se vingou dos humanos, vencendo.


Depois de dois mil anos, Aaron finalmente estava com sua companheira,
maravilhosa e forte.

E os dois, juntos, escreveriam uma nova história.

Juntos e verdadeiramente amados, porque nada era maior no mundo, e


fora dele, do que o amor de companheiros de alma.

E os sacrifícios, por fim, acabaram.


Kimera, dois anos depois...

Aaron estava no corredor do castelo, em frente à porta do seu quarto e


andava de um lado a outro, com as mãos nas costas, a respiração errática e o
coração aos saltos no peito.

Ali também estavam Kayli, Kane, Noah, Erick e Liam, e reunidos no


pátio, em frente ao castelo, estava o povo de Kimera.

Todos esperançosos, ansiosos e nervosos, esperando o nascimento do


príncipe.

— Será que está tudo bem? Grita e sofre, não acaba nunca? — perguntou
nervoso e rosnando.

— É assim mesmo, não se recorda do nascimento dos meus filhotes? —


Kayli disse divertido.

— Deuses, é que parece uma eternidade!


Noah riu divertido, ele sabia bem o que era esse momento, assim como
Erick.

— Ester e Virna são ótimas médicas, estão cuidando bem de sua


companheira e do seu filhote — Noah disse e Aaron rosnou, mas continuou
andando.

Kayli riu divertido, encheu uma taça de vinho e deu a Aaron.

— Tome e se acalme, ele será forte e saudável e chegará em breve.

Aaron bebeu e rosnou, então parou e olhou para a porta quando ouviu o
choro do bebê e, com ele, uma explosão de energia eclodiu no quarto e os
atingiu como uma onda, os fazendo arfar e gemer.

Eles ficaram chocados olhando de um ao outro.

— O que foi isso?

— Acho que foi seu filho.

— O quê?

— É um alfa e poderoso.

Aaron estava petrificado. Seu filho nasceu alfa? Com aquele nível de
energia?

A porta se abriu e Vanora apareceu com um gigantesco sorriso.

— Venha conhecer seu herdeiro, Aaron! Um menino forte e perfeito.

Os homens riram e bateram em suas costas para cumprimentá-lo.


Ele entrou e foi até a cama onde Clere estava, segurando seu filho envolto
em uma manta, nu e gordinho, lindo e poderoso. Ela o olhava emocionada
com os olhos cheios de lágrimas e passava delicadamente o dedo em sua
bochecha.

Quando ela o olhou, Aaron pôde ver sua alegria e encantamento, chorava
de felicidade. Seu coração batia forte no peito, desgovernado, ao ver a cena
maravilhosa que encheu seu coração de amor.

— Olhe, Aaron, é perfeitinho — disse segurando suas mãozinhas e


olhando seus dedinhos.

Aaron engoliu em seco, tão emocionado que as palavras se perderam,


sentou ao seu lado, pegou o bebê, olhando-o atentamente.

O menino choramingou e se remexeu querendo soltar um choro.

— Você está bem, pequena?

— Sim, só estou cansada, mas muito feliz.

Ele riu e as lágrimas escorreram e ele a beijou uma e outra vez.

— Obrigado, meu amor, ele é lindo, um forte guerreiro, um alfa e sua


força é inegável e absoluta. Bem-vindo, filho — disse emocionado e beijou
sua testa.

— Qual o nome que daremos a ele? — ela perguntou.

— O que acha de Ulf, Ulf Nordur?

— O que significa?

— “O Lobo” em nórdico.

Clere sorriu e acariciou seus cabelinhos loiros e assentiu.


— Oi, Ulf.

— Ei, filho, estou aqui, seu pai. Estarei aqui sempre para ti, te protegerei
com minha vida. Bem-vindo, Lobo.

Quando Aaron falou com ele, o pequeno o olhou com lindos olhos verdes
como os seus.

Aaron ficou mais emocionado. Era inegável a onda de energia que vinha
dele.

Nunca tinha sentido o poder de um lobo emanar assim.

Ele tinha um filho lobo, nascido e amado, e Clere o amaria com todo o
coração. Seria aceito por sua mãe e por todo o seu povo.

O coração de Aaron se encheu de amor e felicidade, assim como o de


Clere. Ele mandou uma oração para o seu filho morto. Nunca o esqueceria e
nunca deixaria de amá-lo, mas agora seu pequeno filho viveria, cresceria e se
tornaria um valoroso guerreiro, escreveria sua história e levaria seu nome
adiante.

Os Nordur viviam e viveriam para sempre e nunca seriam esquecidos na


história.

Ele estava rendido.

Aaron olhou para Clere, emocionado, sorriu e beijou seus lábios.

— Com certeza, um lobo que marcará sua história. Com uma força
excepcional. Um príncipe lobo legítimo — Vanora disse enquanto ele olhou
para ela e Kayli e assentiu.

— Você viu as crianças? — Clere perguntou.


— Sim, contei que você estava prestes a ter o bebê e as cinco pequenas
ficaram empolgadas, estão ansiosas para conhecer o pequeno Ulf. Quando
voltei do abrigo e passei em casa para pegar algumas das suas roupas ouvi
Vanora me chamar dizendo que você entrou em trabalho de parto.

— Oh, fico contente, elas estavam felizes?

— Bem, estavam devorando o seu almoço com muito entusiasmo. E


ficaram muito felizes com os brinquedos novos. As tutoras estão cuidando
bem delas, não se preocupe.

Clere sorriu e ele beijou sua testa.

— Confesso, querida companheira, que no início não aprovei sua ideia de


fazer o tal abrigo para as crianças que sofrem abusos, mas hoje as vendo
contentes, recuperando-se e que vieram me abraçar com tanto carinho quando
cheguei, vendo-as seguras, eu te reverencio por isso.

— Obrigada, fico contente que está junto comigo nisso, significa muito
para mim. Acha que o casal que adotou a pequena Karina cuidará bem dela?

— Penso que sim, mas ficaremos de olho. Muitos quiseram adotá-la


depois que o tal monstro misterioso estripou seus pais e a resgatou, acho que
o tal conselho foi bem cauteloso e principalmente mantendo sua identidade
em sigilo, ninguém saberá quem a adotou.

— O assunto já foi esquecido?

— Sim, o mundo moderno tem a memória muito curta me parece e os


lobos são bons em sumir com as coisas. As imagens que apareceram nos
jornais estão esquecidas, pelo menos ninguém mais publica sobre isso e as
investigações não avançaram. Se alguém tinha algo significativo, se calou.

— Assim é. E a pequena que resgatei semana passada?

— Terá alta daqui dois dias e poderemos levá-la para o abrigo.


Clere o olhou espantada.

— Jura? Conseguiu que cuidássemos dela até arrumarem seu novo lar?

— Sim, estará sob nossos cuidados por um tempo, acho que a identidade
de um rico empresário e filantropo que Erick criou para mim tem bastante
credibilidade. Como advogado, o homem tem uma lábia invejável.

— Erick é bom nisso. Fico tão feliz que os lobos estão nos apoiando,
contanto que sejamos discretos.

— Bem, com isso concordo. A triste notícia é que a polícia soltou o tio
estuprador.

— O quê?

— Mas a outra boa notícia é que acho que ele se afogou no mar Egeu e
virou comida de tubarão.

Clere piscou aturdida o olhando.

— Você o jogou no mar?

— Eu fui obrigado a me defender depois que ele tentou me matar com um


pé de cabra, na minha inocente visita. Após ser libertado por falta de provas,
minhas garras automaticamente pousaram na sua garganta e depois Sasha lhe
deu um tapinha nas costas e o pobre homem tropeçou no barco e caiu no mar.
Foi uma fatalidade. — Suspirou, fingindo inocência.

Clere riu espantada, tapou a boca e cochichou:

— Você disse que não poderíamos fazer justiça com nossas mãos,
companheiro.

Aaron deu de ombros, despreocupado.

— Bem, podemos abrir algumas exceções por legítima defesa de vez em


quando.

Clere respirou fundo e se escorou em seu braço, sorriu acariciando os


cabelinhos de seu filho.

— Vamos ensiná-lo a ser um bom lobo.

— Sim, pequena, e a respeitar e proteger, como um lobo honrado deve


fazer.

— Com o pai que tem, será o homem mais valoroso de toda Kimera e da
Terra, não é, meu amorzinho? Temos muito orgulho e amor por seu papai.

O bebê deu um gorgulho que fez os dois rirem, emocionados. Para um


bebê lobo recém-nascido era muito esperto.

— Acha que um dia deveríamos contar para as crianças quem somos?

— Não sei, no momento acho que devemos mantê-las seguras, apenas


pensando que somos seus protetores, e que estão seguras no nosso lar. Se um
dia desejarmos, as traremos para viver em Kimera. Mas agora nossa
identidade precisa ficar protegida, devemos nos mover silenciosamente entre
os humanos.

— Ok, deixando-as livres de seus torturadores, seguras e recebendo


tratamento necessário para que curem seus corpos e mentes e que recebam
nosso amor. É o que podemos fazer.

— Sim, minha querida, e estou orgulhoso de você. E devo dizer, o povo


de Kimera também está.

— Está?

— Sim, seus feitos são vangloriados, pequena. Todos estão orgulhosos e é


o que mais sussurram por aí: sobre o grande coração que a princesa Clere
possui, como é corajosa e forte.
Clere olhou para Ester, Lana e Virna, que os olhavam emocionadas, assim
como os reis, e pôde ver o orgulho estampado em seus rostos, com palavras
que não necessitavam ser ditas, o que encheu seu coração de alegria e uma
paz renovada.

Pela primeira vez na vida, Clere tinha conhecido o conceito da palavra


paz. Ela sorriu, suspirou e o olhou com os olhos marejados.

— Obrigada, meu amor, por me dar uma vida nova e esperança.

— E a você por dar a mim.

Eles se beijaram docemente.

— Quando quiser ir para o nosso lar é só me dizer, a jovem loba que


ajudará a cuidar de Ulf irá conosco e ficará permanente em Atenas.

— Ok, companheiro. Depois de dois anos de muita aventura e viagens


teremos uma nova aventura: aprender a cuidar de um bebê.

Aaron riu com gosto e olhou seu filho.

— Vamos, garoto, sua mamãe é doida. E agora tem que me ajudar e nos
acompanhar nas aventuras.

O bebê soltou um gorgulho, que parecia querer conversar, e eles riram


novamente.

— Vamos primeiro deixar Kimera conhecer nosso bebê maravilhoso.


Nosso precioso lobo. Acha que seu lobo será perfeitinho?

— Sim, será.

Ele se levantou e foi até a varanda do quarto, ergueu o menino e sussurrou


uma oração aos deuses, apresentando-o e para que o protegessem.

— Meu filho. O príncipe Ulf Nordur! — Aaron gritou.


Todos os lobos aglomerados no pátio gritaram, rosnaram e uivaram em
honra do pequeno príncipe.

O grito da águia de Maddox ecoou pelo ar e Aaron sorriu ao pássaro, que


sobrevoou contente sobre eles.

Felizes, todos se abraçavam e a música começou a tocar, flautas e


tambores ressoavam e embalavam a dança e a alegria rodopiou pelo ar. Os
lobos começaram a dançar e a festa correria ali abertamente celebrando o
nascimento do pequeno lobo.

O lobo que teria muitas aventuras para viver e uma história para escrever,
um lobo inigualável com a força e espírito dos antigos guerreiros e alfas.
Valkirk, Gália Bélgica.

Kayli se retorceu em seu banco ao lado de seu pai e bebeu um gole de


vinho. Respirou fundo e colocou a taça sobre a mesa, não entendeu porque a
informação lhe causou um arrepio em sua nuca.

— Espere um momento, o que está dizendo? — o rei Kundan perguntou


confuso ao druida.

— Senhor, a missiva diz que a Senhora das Castas passará uma


temporada em Valkirk.

— E o que a Senhora das Castas, que pensei ser uma mulher que ninguém
colocaria os olhos em vida, porque é uma fantasia, faria em Valkirk? —
Kayli perguntou.

— Senhor, a Senhora é de verdade.

Ao mencionar a senhora, logo a imagem de uma velha enrugada e feia


passou pela cabeça de Kayli, que o fez sorrir.

— Hum... E o que eu fiz para ter tal honra? — Kundan perguntou.

— Bem, meu senhor, eu acho que ela mesma poderá responder suas
perguntas, porque está a caminho. Acredito que deva estar chegando.

Um dos seus guerreiros entrou no salão esbaforido.

— Majestade, temos a presença da Senhora!

— Ora essa, a missiva chegou quase depois que a própria Senhora. E por
que está pálido desse jeito, homem? Parece que viu a própria Hell.

— É que a mulher é... não sei achar uma palavra.


Kayli e Aaron riram do homem.

— Imagino o quão assustadora a tal mulher é para quase matar de susto o


pobre homem — Kayli sussurrou para Aaron, que riu alto.

— Assim é, irmão.

Eles se levantaram da mesa e o rei foi até sua cadeira de madeira, de


respaldo alto, e Kayli ficou do seu lado direito e Aaron do seu lado esquerdo.

As pessoas que estavam no salão abriram espaço e a tal mulher misteriosa


com sua comitiva e aias e três guerreiros celtas entrou no grande salão.

E o impacto que ela causou em todos, principalmente em Kayli, que


parou completamente de respirar, foi realmente grande.

Eles não sabiam se era a mulher ou o lobo que andava ao seu lado que
causava mais impacto.

Um dos guerreiros veio à frente com a espada e Kundan ergueu a mão


para que ele parasse.

Ninguém respirou ou disse uma palavra, mas as pessoas se afastaram


mais com medo do lobo.

Eles não viram seu rosto completamente, pois o capuz de sua longa capa
marrom com uma barra de peles cobria parte dele, somente deixando visível
sua boca e mandíbula, mas a energia poderosa que ela emanava era quase
palpável.

Ela vestia um vestido lilás e azul, que arrastava no chão e era a única
coisa que podia ver sob a capa, com as mãos cobertas repousadas na frente do
corpo que saíam de uma pequena entrada de uma pequena manga e estavam
pousadas levemente uma em cima da outra, cobertas por correntes e pequenas
pedras preciosas presas em seus dedos. Ela andou tão suavemente que parecia
flutuar.
Ao chegar a frente ao rei, ela parou e o lobo parou e sentou, o que deixou
todos ainda mais estarrecidos, nunca tinham visto um lobo domesticado e
eram muito raros naquela região.

Ela fez uma reverência cordial e lentamente puxou o capuz para trás e o
choque foi completo, principalmente de Kayli. Quando ela sorriu, suas vistas
pareceram embaçar e seu coração bateu descontrolado.

A mulher era simplesmente magnífica e jovem.

O cabelo liso e negro como a noite, intensos olhos azuis e a pele alva e
perfeita, lábios rosados e desejáveis e a voz melodiosa como um canto de
sereia.

— Rei Kundan, é uma honra conhecê-lo, sou Vanora Artein, a Senhora


das Castas das Bruxas.

— Meus deuses... — Kayli sussurrou engasgado e olhou para Aaron, que


estava tão chocado quanto ele.

Seu pai também estava, mas foi mais rápido em se recompor e omitir seu
espanto.

— Seja bem-vinda, Senhora. A que devo a honra? — o rei perguntou.

Vanora olhou para Kayli, porque seu esforço de parecer indiferente a ele
foi inútil e sentiu um baque em seu coração. O guerreiro era lindo, forte e
muito alto. Desestabilizou Vanora completamente que, de repente, perdeu as
palavras. Pessoalmente, ele era ainda mais impactante.

Os dois ficaram se olhando sem piscar, como se estivessem somente os


dois no salão. Até que o pigarrear de Aaron os tirou do transe. Vanora olhou
para o Aaron e para o rei, que tinha um sorriso no canto da boca.

— Perdão, o que disse?

O homem riu.
Vanora estava totalmente desconcertada .

Quando tinha visto Kayli nas águas, seu coração tinha saído do prumo e
uma ansiedade tinha tomado conta dela, mas agora, diante dele, o choque foi
mais absurdo e a maneira que a olhou, como se estivesse no mesmo grau de
entorpecimento que ela, foi também chocante.

Foi quase demais, e sua mente tinha se apagado e claro que seu
desconcerto não tinha passado despercebido.

— O que posso fazer pela Senhora? — o rei perguntou divertido e ela se


recompôs.

— É conhecido que é um grande rei, meu senhor. Quando o druida falou


em seus feitos na última visita eu fiquei encantada e gostaria de oferecer
meus préstimos por um tempo como ... proteção e orientação.

Vanora olhou para o velho druida, que tinha um sorriso no rosto,


misturado com incredulidade, ele sabia que ela estava fazendo algo que não
era sua função. Nenhuma Senhora seria serva de algum rei.

Se ela fosse uma bruxa comum sim, mas uma Senhora, nunca.

Então ela fez algo que os deixou mais estupefatos, retirou a capa e deu a
sua aia.

Kundan olhou para a sua roupa e suas joias, vestia-se com uma rainha de
posses. Ele só não sabia se uma rainha se vestiria assim no todo, mas ela era
uma bruxa e isso poderia ser interessante.

Sobre o belo vestido, ela tinha um corpete trançado em ouro que


emoldurava seus seios. O decote do vestido era ousado e bordado de fios de
ouro e pequenas pedras preciosas, umas correntes trançadas com arabescos
celtas subia até o pescoço e se juntava a um colar ricamente cravejado.

Eles jamais tinham visto tanta riqueza e luxo sobre uma pessoa só.
Todos arfaram e ficaram a olhando espantados.

Kayli, naquele exato momento, olhando seu corpo moldado naquela roupa
estranha e magnífica, desejou ter aqueles seios empinados sob suas mãos e
lábios.

Ele devia ter feito algum som alto, um resmungo ou um gemido, porque o
lobo o olhou e rosnou e ela sorriu e acariciou sua cabeça.

— Está tudo bem, querido, estamos entre amigos.

Após um silêncio, o rei pigarreou.

— Esses são meus filhos, Aaron e Kayli.

Aaron fez uma reverência com a mão no coração e ela assentiu com a
cabeça, então olhou para Kayli, que a olhava fixamente e fez o mesmo e
soltou uma missiva.

— É um prazer, Senhora.

Sua voz abalou suas estruturas, forte, medida e profunda. Vanora sentiu
seu corpo reagir a ele e esquentar. O que havia de errado com ela?

— Vou mandar lhe preparar um aposento. Mas já aviso que não temos
luxo aqui.

— Obrigada, não se preocupe com isso — disse desviando o olhar do


homem, mas era difícil parar de olhá-lo.

O rei fez um sinal com a mão e uma serviçal veio para guiar os servos de
Vanora para seus aposentos.

As duas mulheres e um homem seguiram com suas bagagens, no entanto,


os guerreiros deram um passo à frente e não se afastaram dela.

Ela se virou e olhou para os guerreiros.


— Não há perigo aqui.

— Onde a Senhora estiver, nós estaremos, ordem de sua tia.

Ela somente os olhou em entendimento e suspirou.

— Acredito que possa se unir a nós para a refeição?

— Seria muito agradável, obrigada.

O rei se levantou e Vanora piscou aturdida, porque o homem era grande,


por isso seus filhos também eram altos demais, nunca tinha visto homens tão
altos, não que conhecesse muitos na sua vida.

Kundan era um homem admirável, mesmo com a avançada idade, seu


cabelo grisalho e longo estava preso num rabo de cavalo, mas era cheio de
tranças e raspado nas laterais rente à orelha.

Sua barba era longa e dividida ao meio, presa com dois elos de metal, em
seus ombros mantinha uma grossa pele de animal, pois o inverno estava indo
embora, mas ainda se fazia presente ao entardecer.

— Por favor, Senhora, comeremos e brindaremos sua visita.

Ela sorriu e os acompanhou até a mesa e sentou, Aaron cedeu seu lugar a
ela como cortesia, portanto, ela ficou sentada ao lado do rei que ficava na
cabeceira e de frente para Kayli na mesa retangular.

Ela teria muita sorte se não engasgasse com o veado que tinham servido,
ou morresse afogada com o vinho.

O restante da mesa foi ocupado por grandes guerreiros e havia outros


tantos espalhados em outra mesa nos fundos. No entanto, seus guerreiros
particulares ficaram um pouco mais afastados, mas de olho nela.

Podia ver que quem ocupava a grande mesa de madeira rústica, eram os
guerreiros mais próximos do rei e a família e ela pousou os olhos sobre a
mulher que a olhava, não muito contente.

Vanora sorriu educadamente.

— Essa é minha esposa, a princesa Audrea — Aaron disse ao seu lado.

— É um grande prazer conhecê-la, Alteza.

— Igualmente.

A criada encheu sua taça de vinho e ela bebeu, porque estava com a
garganta seca.

Ela olhou para Kayli sobre a borda do copo e ele pegou um pedaço de
carne e comeu, sem tirar os olhos dela, e ela pensou que seu calor era
resultado do olhar predador dele, mas era uma sensação desconhecida, nova e
intrigante.

Talvez não tivesse sido uma boa ideia suas peripécias para fugir um
pouco das tias e cair no colo de um guerreiro como ele.

Não podia recuar agora, tinha tido muito trabalho para convencer suas tias
de que ela devia fazer aquilo para o bem do reino de Valkirk e aprimorar seus
conhecimentos.

— O que é uma Senhora, exatamente? — Kayli perguntou e ela engoliu o


nó da garganta, bebeu mais um gole do vinho e sorriu lindamente.

— Senhora é um título, como um título de nobreza do sobrenatural, do


nosso povo. A protetora elegida é chamada de Senhora e possui o
conhecimento de todas as Castas juntas, nascida com a magia, imersa no
mundo oculto.

— Como uma rainha das bruxas?

— É, pode-se dizer que sim.


— O que são essas Castas?

— As Castas das Bruxas são formadas por cinco castas: a Predestinação,


a Feitiçaria, a Magia, a Cura e a Guerra.

— A senhora domina todas?

— Sim.

— De onde a senhora veio?

— Eu moro no castelo das Castas, nas Ilhas Faroé, arquipélago da Aland,


em uma das mais antigas vilas celtas das terras do Norte existentes. Muitos
druidas vieram de lá, como Rorgan, seu druida.

— Sim. Rorgan está conosco há muitos anos.

— Desde muitos séculos, os celtas habitam as terras do Norte. Possuem


conhecimento de tempo, espaço, astronomia e alquimia. São como sacerdotes
e sacerdotisas para orientar o povo celta na sua religiosidade, como deve
saber. Guardo os segredos das Castas das Bruxas. Devo dominar todas.

— Você possui todos estes conhecimentos? — Kayli perguntou


interessado.

— Sim. Eu nasci uma Senhora.

Vanora olhou para todos à mesa e ninguém estava comendo e sim


olhando para ela, prestando atenção em suas palavras como se tivessem
enfeitiçados, mas a cara de Audrea não parecia muito amigável.

Ela sorriu, mas não recebeu um sorriso de volta e ela olhou para Aaron
que estava prestando atenção nas suas explicações, muito interessado.

Vanora suspirou em entendimento, a mulher estava com ciúmes. Que


maravilha, mal tinha chegado e já tinha conseguido um olhar inquisidor.
Mas Aaron não estava a olhando como um flerte, somente estava
interessado em saber da história e ela muito menos estava interessada em
Aaron que parecia muito gentil, bonito como um deus, mas sua estima estava
toda voltada para o gigante na sua frente, que ainda a olhava com profundo
interesse.

Vanora continuou a comer e a cada pedacinho da carne que colocava na


boca sugava seus dedos pelo suco delicioso.

Kayli sentiu o desejo cru e selvagem tomar conta da sua mente. Desejou
sugar aqueles lindos e delicados dedos, beijar aqueles lábios rosados e
perfeitos, sentir o gosto de sua boca.

A luxúria nunca tinha batido tão forte nele como com aquela mulher e
podia jurar que sua cabeça girava.

Ele observou como ela pegou um pedaço grande de carne e deu na boca
do lobo que estava sentado ao seu lado no banco.

Kayli olhou para o seu pai e viu que ele também estava encantado com a
mulher e seu lobo. Quem não ficaria? Ele estava e não era pouca coisa.

— Como ele se chama?

— Lars. Eu o achei no bosque quando era um filhotinho, eu o levei para


casa e o criei.

— Interessante, nunca tinha visto tal coisa. Lobos são ferozes e selvagens.

— Lars pode ser bem selvagem quando ele quer — disse sorrindo.

— Hum...

Os homens começaram a contar seus feitos com o intuito de agradar e


impressionar a bela mulher, e ela, encantada, ria e se divertia. Incrível como
um pouco de vinho pode levar as pessoas a destravar a língua.
Aaron, muito animado, contava as aventuras de Kayli, porque ele
percebeu o interesse mútuo entre os dois.

Kayli não tinha problema nenhum em encontrar alguém para esquentar


sua cama, mas parecia que o homem não estava muito interessado em
encontrar uma esposa.

Reinos eram feitos de alianças e Kundan estava interessado em unir Kayli


com a filha do rei do Gália do Sul, pois as batalhas estavam iminentes.

Mas, de repente, essa possibilidade foi totalmente descartada por Kayli,


porque aquela mulher na sua frente, mágica e maravilhosa seria dele.

E isso era uma promessa.


JANICE GHISLERI é catarinense, estilista e pós-graduada em
Comunicação e Artes Visuais. Sempre foi apaixonada por livros de romance
e filmes. Por isso, a linha literária dos seus livros são os romances de época e
fantasia. Além da série Os Lobos de Ester com sete livros, um spin-off e um
conto, possui o livro Entre o Amor e a Fé: A Profecia, e a saga Paixões no
Oeste, com quatro livros. Três de seus livros foram finalistas no 4º Concurso
Literário do Clube de Autores. Seu conto A Noite Sombria foi selecionado
para o livro O Corvo, da Editora Empíreo. E conta com mais contos como:
Sweet Alabama, O Pecado em Veneza, A Sombra de um Amor, Meu Anjo na
Terra. E o romance O Conde Del Rei, além de outros projetos de romances
em andamento.

SITE

PÁGINA NO FACEBOOK

GRUPO NO FACEBOOK
Leia outros livros da autora, que estão disponíveis na Amazon:

Série Os Lobos de Ester

A Herdeira
O Despertar
Quando os Lobos Choram
O Alfa de Alamus
O Regresso
O Lobo Solitário (conto)
O Conde Lobo
A Redenção
O Vale das Pedras

***

Entre o Amor e a Fé – A Profecia

***

O Conde Del Rei

***

Paixões no Oeste
(Saga de quatro volumes)
***

Contos:

Sweet Alabama
O Lobo Solitário
A Noite Sombria
A Sombra de um Amor
O Pecado em Veneza
Meu Anjo na Terra

Você também pode gostar