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"A Boa Notícia do Reino de Deus, que a Igreja - cumprindo sua missão - anuncia ao
mundo, é dirigida a todos e a todas, mas a partir dos pobres (a partir da “manjedora”). È o
caminho de Jesus de Nazaré!. Por isso, parafraseando João XXIII e Francisco, posso dizer:
'Como gostaria de uma Igreja Pobre, para os Pobres, com os Pobres e dos Pobres!'", escreve
Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral
(Assunção - SP), em Carta aberta dirigida à 52ª Assembleia Geral da CNBB, 23-04-
2014.
Eis a carta.
Pela presente Carta aberta, dirijo-me fraternalmente aos participantes da 52ª Assembleia
Geral da CNBB (bispos, assessores/as e outros/as) e a todos/as os interessados/as.
As CEBs são mencionadas nos números 160-161 e, de passagem, no número 238, mas sem
nenhuma relevância. Tem-se a impressão que o Documento só cita as CEBs, porque
existem pessoas que ainda teimam em falar nelas. Se não fossem citadas, na estrutura geral do
Documento, não fariam nenhuma falta.
Por amor à Igreja, permito-me fazer um pedido à próxima Assembleia Geral da CNBB:
que, na reelaboração do Documento - além de torná-lo mais claro, mais conciso e mais
objetivo - seja retomada a visão teológico-pastoral das CEBs dos Documentos de
Medellín, assumindo o método “ver, julgar, agir” (analisar, interpretar, libertar), que "nos
permite articular, de modo sistemático, a perspectiva cristã de ver a realidade; a assunção de
critérios que provêm da fé e da razão para seu discernimento e valorização com sentido
crítico; e, em consequência, a projeção do agir como discípulos missionários de Jesus Cristo"
(Documento de Aparecida - DA, 19).
Essa visão teológico-pastoral das CEBs - no Documento sobre uma Nova Paróquia -
deveria ser central, deveria ser seu eixo estruturante, sua espinha dorsal.
Não podemos esquecer - como nos lembra Clodovis Boff - “a originalidade histórica de
Medellín”. “O fruto maior da Assembléia da Conferência Episcopal Latino-
Americana (CELAM), em 1968, foi ter dado à luz a Igreja latino-americana como latino-
americana. Os Documentos de Medellín representam o ‘ato de fundação’ da Igreja da
América Latina (compreendendo também o Caribe) a partir e em função de seus povos e de
suas culturas”. “Esses textos constituem a ‘Carta magna’ da Igreja do Continente”.
Diz, ainda, Clodovis Boff: “o que nos interessa aqui não é o ‘Medellín histórico’: o que se
passou de fato na Assembléia do CELAM de 1968; mas sim o ‘Medellín querigmático’: o que
ele representa em termos históricos. Ora, relendo hoje os Documentos de Medellín fica-se
impressionado com o vigor e a audácia de sua expressão, ou, para dizer numa palavra, com
seu ‘pathos profético’, típico dos textos originários e fundantes de uma tradição. Aquilo é
linguagem de verdadeiros ‘Pais da Igreja’, Pais da Igreja latino-americana como tal, como
intuiu com penetração o Pe. José Comblin, benemérito teólogo do Continente”.
De fato - continua Clodovis Boff - “até Medellín, a Igreja no Continente era a reprodução do
modelo da Igreja européia, em seu modo de organização, em sua problemática teológica e em
suas propostas pastorais. Era uma ‘Igreja-reflexo’ não uma "Igreja-fonte", como se exprimiu o
Pe. Henrique de Lima Vaz, intelectual a quem muito deve a Igreja brasileira. Portanto, a
Igreja latino-americana, mais que ser Igreja da América Latina, era mais propriamente a
Igreja européia na América Latina. Era, de fato, uma Igreja em estado de minoridade,
tutelada, privada de sua legítima autonomia institucional” (era a extensão da Igreja européia
na América Latina: uma Igreja “colonial”, uma Igreja “romanizada”, uma Igreja
“extremamente centralizada no clero”).
Contudo - conclui Clodovis - “falta muito ainda para as "Igrejas locais" terem e gozarem
efetivamente dessa justa autonomia”.
A partir das CEBs, Medellín redefine a Paróquia, que passa a ser “um conjunto pastoral
unificador das Comunidades de Base” (Ib. 13). É verdade que, em sentido amplo, a Paróquia
pode ser chamada de Comunidade, mas a verdadeira vivência comunitária acontece nas
CEBs. É nelas e delas que irrompe o anúncio da Boa Notícia do Reino de Deus no mundo
de hoje e a denúncia profética de tudo aquilo que é contrário ao Reino. É nelas e delas que
irrompe o compromisso com as Pastorais sociais e ambientais. É outra Eclesiologia!
Nessa Eclesiologia todos e todas são iguais, todos e todas - na diversidade dos ministérios
(serviços) - são irmãos e irmãs e ninguém é mais importante do que o outro ou a outra.
Vejam o que disse recentemente o nosso irmão, o papa Francisco: “eu faria esta pergunta:
quem é mais importante na Igreja? O Papa ou aquela velha senhora que todos os dias reza o
Rosário pela Igreja? Que o diga Deus, eu não posso dizê-lo. Mas a importância é de cada um
nesta harmonia, pois a Igreja é a harmonia da diversidade. O Corpo de Cristo é esta harmonia
da diversidade, e quem faz a harmonia é o Espírito Santo: Ele é o mais importante de todos.
(...) É importante: buscar a unidade e não seguir a lógica de que o peixe grande engole o peixe
pequeno” (Discurso aos membros da Associação “Corallo”, que reune as emissoras
televisivas católicas italianas, 22/03/14).
Gostaria muito que na reelaboração do Documento acima citado, a CEB aparecesse como
“célula inicial da estrutura eclesial”. É o que os Documentos de Medellín pedem à Igreja
da América Latina e do Caribe. Se esse ensinamento dos Documentos de Medellín (que,
como vimos, são Documentos fundantes da Igreja latino-americana e caribenha como tal) são
esquecidos ou deixados propositalmente de lado, qualquer outro Documento perde sua
autoridadade moral.
O papa Francisco, em diversas ocasiões, fez críticas ao clericalismo como um dos males da
Igreja. Cito só a última - feita em tom coloquial - que é muito contundente e nos faz refletir
seriamente sobre o assunto.
“O clericalismo é um dos males, é um dos males da Igreja. Mas é um mal ‘cúmplice’, porque
aos sacerdotes agrada a tentação de clericalizar os leigos, mas tantos leigos, de joelhos, pedem
para ser clericalizados, pois é mais cômodo, é mais cômodo!. E isto é um pecado num duplo
sentido! Devemos vencer esta tentação. O leigo deve ser leigo, batizado, tem a força que vem
do seu Batismo. Servidor, mas com a sua vocação laical, e isto não se vende, não se negocia,
não se é cúmplice com o outro...Não! Eu sou assim! Porque está na identidade!, alí. Tantas
vezes escutei isto, na minha terra: ‘Eu na minha paróquia, sabe? Tenho um leigo bravíssimo,
este homem sabe organizar... Eminência, porque não o tornamos diácono?’. É a proposta do
padre, imediata: clericalizar. Este leigo façamo-o... E por que? Por que é mais importante o
diácono, o padre, do que o leigo? Não! É este o erro! É um bom leigo? Que continue assim e
cresça assim. Porque está na sua identidade de pertença cristã, alí. Para mim, o clericalismo
impede o crescimento do leigo.
Mas tenham presente aquilo que eu disse: é uma tentação cúmplice a duas mãos. Pois não
existiria o clericalismo se não existissem leigos que querem ser clericalizados. Está claro isto?”
(Ib.).
As CEBs - na enorme diversidade de suas expressões, que é uma riqueza - são a base da Igreja
e a base da Igreja são os pobres. Por isso, nos Intreclesiais das CEBs e outros Encontros, fala-
se que as CEBs são “um jeito novo e antigo de ser Igreja”, “um jeito de toda a Igreja ser”, “um
jeito normal de ser Igreja”. Por serem uma Igreja inserida, encarnada, pode-se dizer que as
CEBs - com seus diferentes dons, carismas e ministérios - são “o jeito evangélico de ser
Igreja”, são “o jeito de ser Igreja que Jesus quer”.
A Boa Notícia do Reino de Deus, que a Igreja - cumprindo sua missão - anuncia ao
mundo, é dirigida a todos e a todas, mas a partir dos pobres (a partir da “manjedora”). È o
caminho de Jesus de Nazaré!. Por isso, parafraseando João XXIII e Francisco, posso dizer:
“Como gostaria de uma Igreja Pobre, para os Pobres, com os Pobres e dos Pobres!”.
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