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INTRODUÇÃO:
Como uma das evidências da importância que Paulo confere à família, encontra-
mos em uma de suas analogias referindo-se à Igreja, dizendo ser ela a “família de
Deus” (Ef 2.19), composta por judeus e gentios.
2
A família além de ser a primeira instituição na sociedade, é, também, o funda-
mento de qualquer sociedade; quando ela se destroça, a sociedade, sem dúvida al-
guma, herdará suas conseqüências. É na família onde se agregam valores e senti-
3
mentos. A família como instrumento de socialização primária, é de onde partem os
valores mais consistentes do indivíduo que, para o bem ou para o mal, são os mais
4
difíceis de serem desintegrados, os quais o acompanharão para sempre, que tenha
consciência disto, quer não.
Se formos examinar com algum vagar, poderemos constatar que a grande maioria
dos delinqüentes provém de lares destruídos ou em processo de destruição. Hen-
driksen (1900-1982), acertadamente diz: “Nenhuma instituição sobre a face da
terra é tão sagrada quanto a família. Nenhuma é tão básica. Segundo a at-
mosfera moral e religiosa da família, assim será na igreja, na nação e na so-
5
ciedade em geral”.
1
Palestra Ministrada para Federação de Homens do Presbitério Oeste Paulistano, no dia 10 de maio
de 2008, na Igreja Presbiteriana JMC, Jandira, SP.
2
Cf. Frank J. Kline, Família: In: Carl F. H. Henry, org. Dicionário de Ética Cristã, São Paulo: Cultura
Cristã, 2007, p. 294.
3
Veja-se: Peter L. Berger & Thomas Luckmann, A Construção Social da Realidade, 5ª ed. Petrópolis,
RJ.: Vozes, 1983, p. 175.
4
Veja-se: P. Berger & T. Luckmann, A Construção Social da Realidade, p. 188,190,191,227.
5
William Hendriksen, Exposição de Efésios, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992, (Ef 5.22),
p. 308.
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1. A ORIGEM DA FAMÍLIA:
Partamos do princípio: Os seres criados por Deus (peixes, aves, animais domésti-
cos, animais selváticos, etc.) o foram conforme as suas respectivas espécies. O ho-
mem, diferentemente, teve o seu modelo no próprio Deus Criador (Gn 1.26; Ef 4.24),
sendo distinto assim, de todo o resto da Criação, partilhando com Deus de uma iden-
tidade desconhecida por todas as outras criaturas, visto que somente o homem foi
criado “à imagem e semelhança de Deus”. Por isso, quando se trata de encontrar
uma companheira para o homem com a qual ele possa se relacionar de forma pes-
soal – já que não se encontra em todo o resto da criação –, a solução é uma nova
criação, tirada da costela de Adão e, transformada por Deus em uma auxiliadora i-
dônea, com a qual Adão se completará, passando a haver uma “fusão interpessoal”,
“unidade essencial”, constituindo-se os dois uma só carne (Gn 2.20-24; Mc 10.8), u-
nidos por Deus (Mt 19.6).
A constatação de Deus, é que não seria bom para o homem permanecer só. É
Deus mesmo quem percebe a necessidade ainda imperceptível ao homem. Tudo na
criação era bom, exceto a solidão do homem. “Deus pôs o dedo na única defici-
6
ência existente no Paraíso”. O homem ainda não havia percebido isso; no entan-
to, Deus sabe que a solidão lhe fará mal. A carência vai se tornar evidente: Deus
passou diante de Adão todos os animais, para que este pudesse nomeá-los, distin-
guindo cada espécie. Aqui vemos de passagem a inteligência de Adão, tendo condi-
ções de discernir as espécies, exercitando a sua capacidade de julgar, atribuindo
nomes que, certamente, estavam relacionados a características essenciais dos ani-
mais. Entre toda a Criação, não há uma companheira a altura do homem. Como ser
7
sociável que é, o homem necessitará de compartilhar conhecimentos e afetos; amar
e ser amado. O homem, de fato, foi criado por Deus para viver em companhia de
seus semelhantes, mantendo uma relação de idéias, valores e sentimentos. A per-
manecer assim, os seus sentimentos mais profundos permanecerão guardados; ele
não terá um ser igual com quem possa compartilhar, amar, se emocionar, ensinar,
aprender, se divertir... No entanto, o mesmo Deus que criou o homem, propõe-se a
criar a sua companheira. (Gn 2.21-22).
8
Deus como uma espécie de “pai da noiva” (“padrinho de casamento”), leva-a até
6
Raymond C. Ortlund, Jr., Igualdade Masculino-Feminina e Liderança Masculina: In: John Piper &
Wayne Grudem, compiladores, Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja e na sociedade,
São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 1996, p. 38.
7
Ver: Aristóteles, A Ética, I.7.6. e A Política, I.1.9. Do mesmo modo, G.W. Leibniz, Novos Ensaios,
São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. XIX), III.1.1. p. 167. Calvino (1509-1564) escreveu:
“O homem é um animal social de natureza, consequentemente, propende por instinto natu-
ral a promover e conservar esta sociedade e, por isso, observamos que existem na mente de
todos os homens impressões universais não só de uma certa probidade, como também de
uma ordem civil” (João Calvino, As Institutas, II.2.13). Em outro lugar: “O homem foi formado
para ser um animal social” [John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Gene-
sis, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans Publishing Co., 1996 (Reprinted), Vol. I, (Gn 2.18), p. 128].
8
Cf. Gerhard von Rad, Genesis: A Commentary, 3ª ed. (Revised Edition), Bllombsbury Street Lon-
don: SCM Press Ltd., 1972, (Gn 2.21-23), p. 84.
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9
o noivo (Gn 2.22). Adão aprovou a nova criação de Deus. As primeiras palavras do
homem registradas nas Escrituras se configuram de forma poética: “Esta, afinal, é
osso dos meus ossos e carne da minha carne; chamar-se-á varoa, porquanto do va-
rão foi tomada” (Gn 2.23). Agora se tornou possível uma relação satisfatória para o
homem e, ao mesmo tempo, eles poderão se perpetuar por meio da procriação –
como ato que reflete a sua identidade de amor e complemento –, enchendo a terra e
sujeitando-a, conforme a ordem divina (Gn 1.28). O Paraíso está pronto para se ex-
10
pandir.
Palmer Robertson comenta: “O ‘ser uma só carne’ descrito nas Escrituras não
se refere simplesmente aos vários momentos da consumação marital. Em vez
disto, esta unidade descreve a condição permanente de união alcançada
11
pelo casamento”.
A mulher foi criada para ser companheira do homem. Deste modo percebe-se a
idéia de complemento. O homem sozinho estaria no paraíso. Contudo, permaneceria
só, sem uma companheira. O paraíso sem a mulher, seria um paraíso incompleto,
insatisfatório. Por sua vez, já que a mulher completaria o homem, esta, tornar-se-ia
da mesma forma incompleta se não cumprisse a sua missão.
“Far-lhe-ei uma auxiliadora [rez:( (‘ezer)] que lhe seja idônea [OR:gen:K (keneged)]”
12
a) Auxiliadora:
rez:( (‘ezer) “auxiliadora”, “ajudadora”. Esta palavra que nos tempos modernos
é com freqüência olhada como se fosse uma diminuição da mulher, tem na realida-
de, um tom extremamente significativo. Ela é empregada especialmente para des-
crever a ação de Deus que vem em socorro do homem. Deus mesmo é o ajudador
dos pobres (Sl 72.12), dos órfãos (Sl 10.14/Jó 29.12); daqueles que não podem con-
tar com mais ninguém (Sl 22.11). Por isso, podemos contar com Deus nos momen-
tos de enfermidade (Sl 28.7/28.1); nas opressões de inimigos (Sl 54.4) e em perío-
dos de grande aflição (Sl 86.17). Aqueles que vivem fielmente, buscando seu ampa-
ro em Deus, podem ter a certeza do Seu cuidado (Sl 37.40/Sl 89.21), sendo a Sua
9
Cf. Gerhard von Rad, El Libro del Genesis, Salamanca: Sigueme, 1977, (Gn 2.22), p. 101.
10
Diz a Confissão de Westminster: “O matrimônio foi ordenado para o auxílio mútuo de mari-
do e mulher, para a propagação da raça humana por uma sucessão legítima, e da Igreja
por uma semente santa, e para evitar-se a impureza. Ref. Gn 2.18 e 9.1; Ml 2.15; 1Co 7.2,9”
(Confissão de Westminster, XXIV.2).
11
O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1997, p. 68. “A re-
lação em ‘uma só carne’ envolve mais do que sexo; é a fusão de duas vidas em uma; é
consentir em compartilhar a vida juntos, através do pacto do casamento; é a completa en-
trega de si mesmo a um novo círculo de existência, ao lado de um companheiro” (Raymond
C. Ortlund, Jr., Igualdade Masculino-Feminina e Liderança Masculina: In: John Piper & Wayne Gru-
dem, compiladores, Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja e na sociedade, p. 39).
12
A Septuaginta traduz por bohqo\n, proveniente de bohqo/j, “útil”, “auxiliador”, “ajudador” (*Hb 13.6).
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lei e as Suas mãos os seus auxílios (Sl 119.173, 175). Por isso, os servos de Deus
suplicam a Sua ajuda na batalha e nas aflições (Dt 33.7/Sl 20.2; 30.10; 79.9; 109.26;
119.86). O rei Uzias tornou-se famoso internacionalmente porque por trás de todos
os seus empreendimentos, estava a maravilhosa ajuda de Deus (2Cr 26.15). Por ou-
tro lado, quando Israel deixou de confiar no sustento de Deus e buscou aliança com
os egípcios para a sua proteção, Deus diz que isso de nada adiantaria contra a Babi-
lônia (Is 30.5,7; 31.3/Os 13.9). Somos desafiados então, a confiar em Deus, porque
Ele cuida de nós; é o nosso amparo (Sl 33.20; 70.5; 72.12; 115.9-11; 124.8; Is 44.2):
de Deus vem o nosso socorro (Sl 121.1-2). Israel é feliz porque tem a Deus como
aquele que o socorre (Dt 33.26,29). Felizes são todos aqueles que têm a Deus por
auxílio (Sl 146.5). Devido ao Seu socorro, devemos entoar louvores ao Seu nome (Sl
28.7).
Harriet e Gerard fazem uma bela e real aplicação: “Que papel importante Deus
dá a mulher. Ela se coloca ao lado do seu marido como auxiliadora, assim
13
como Deus se coloca ao lado de seu povo”.
b) Idônea:
A mulher foi formada como uma “contraparte” do homem; é uma semelhança per-
feita dele, ainda que lhe seja oposta, no sentido de complemento. O homem aprovou
a criação de Deus, porque pôde perceber a mulher “não como sua rival mas co-
mo sua companheira, não como uma ameaça mas como a única capaz de
14
realizar seus desejos íntimos”.
Robertson analisa:
13
Harriet & Gerard van Groningen, A Família da Aliança, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p.
99.
14
Raymond C. Ortlund, Jr., Igualdade Masculino-Feminina e Liderança Masculina: In: John Piper &
Wayne Grudem, compiladores, Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja e na sociedade,
p. 39.
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deu a ele de tal maneira que fez dela o auxílio adequado de que ele ne-
cessitava.
“Este traço distintivo da mulher indica que ela não é menos significativa
do que o homem com respeito à pessoa dela. De maneira igual ao ho-
mem, ela traz em si mesma a imagem e semelhança de Deus (Gn 1.27).
Somente como igual em pessoalidade podia a mulher ‘corresponder’ ao
15
homem”.
Deus ao criar a mulher não a fez inferior; ela também foi feita conforme à imagem
e semelhança de Deus (Gn 1.27). A ordem divina quanto ao povoar a terra, dominar,
guardar e cultivar é responsabilidade de ambos. Os dois partilham dos deveres e
responsabilidades conferidos por Deus. Sozinhos, ambos são insuficientes para
cumprirem o propósito de Deus em sua vida.
15
O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, p. 69.
16
Vd. John Calvin, Commentaries on The First Book of Moses Called Genesis, Vol. 1, (Gn 1.26), p.
95-96.
17
Raymond C. Ortlund, Jr., Igualdade Masculino-Feminina e Liderança Masculina: In: John Piper &
Wayne Grudem, compiladores, Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja e na sociedade,
p. 40.
18
Harriet & Gerard van Groningen, A Família da Aliança, p. 94.
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e a mulher se completa no homem. Ambos são o que são enquanto são para o ou-
tro. A relação entre o homem e a mulher deve refletir a relação de amor e compre-
ensão que existe entre Deus e nós. A concretização de nossa humanidade dá-se na
comunhão com o outro. A nossa humanidade se plenifica na relação de troca e de
complemento. Homem e mulher são imagem de Deus, cabe a ambos, lado a lado,
viver em harmonia para a glória de Deus, realizando o propósito proposto por Deus
para eles, até que volte o Senhor. A Igreja deve ser a grande amostra dessa rela-
ção, ainda que imperfeita na presente vida, mas que caminha para a perfeição,
quando o Senhor restaurar toda a natureza e todas as relações. Maranata!
Ele inicia pelas esposas, que figuradamente representam a Igreja: “As mulheres
sejam submissas a seus próprios maridos, como ao Senhor” (Ef 5.22). Pode parecer
estranho falar desta forma em nossos dias; contudo, a Palavra de Deus assim nos
ensina e mostra, que o Espírito toca, modifica e recria todas as relações, mesmo
aquelas que temos como mais caras. No entanto, quando os princípios bíblicos se
assemelham a alguma manifestação cultural de determinada época, enganamo-nos
se entendermos que aqueles são decorrentes desta, isto porque a Palavra de Deus
nos conduz à motivações diferentes, ainda que em determinados momentos o com-
19
D.M. Lloyd-Jones, Vida No Espírito: No Casamento, no Lar e no Trabalho, São Paulo: Publicações
Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 108.
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portamento possa ser semelhante. Paulo compara a esposa à Igreja, dizendo que
assim como a Igreja deve ser submissa a Cristo, que é o seu Cabeça, as esposas
devem ser submissas aos seus maridos, por ser este seu cabeça. Esta submissão
bíblica deve ser precedida de respeito; “pois não existe submissão voluntária sem
20
que seja precedida de reverência”.
“Nós reenfatizamos que, para que uma esposa reconheça seu marido
como o cabeça da família, ela não deve, de maneira alguma, suprimir
sua personalidade, seu papel, e os dons e posições que ela tem como
21
uma pessoa real”.
Um aspecto que deve nortear a nossa abordagem, é que conforme o ensino Es-
criturístico, o homem e a mulher se completam harmoniosamente, sendo um depen-
dente do outro (1Co 11.11,12): ambos provêm do mesmo Deus que os criou.
“Em seu próprio lar, o pai da família é considerado o rei. Portanto, ele re-
flete a glória de Deus, por causa do controle que se acha em suas mãos. (...)
20
João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 5.33), p. 177.
21
Harriet & Gerard van Groningen, A Família da Aliança, p. 102.
22
William Hendriksen, Exposição de Efésios, (Ef 5.23), p. 308.
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Os maridos são comparados a Cristo, que se deu pela Igreja para preservá-la e,
continuamente dela cuida, auxiliando-a inclusive, em sua santificação. Cabe aos ma-
ridos amar as suas esposas de forma que procure sempre o seu bem-estar, dispos-
tos ao sacrifício se necessário para que o objeto do seu amor permaneça saudável
seja em que aspecto for. “É somente quando compreendemos a verdade so-
bre a relação de Cristo com a Igreja, que podemos realmente agir como os
24
maridos cristãos devem agir”, acentua Lloyd-Jones.
Aqui, surge um outro ponto: quando o marido assim procede para com a sua es-
posa, quando ele consegue sair de si mesmo para objetivar prioritariamente o seu
amor, está cuidando de si mesmo; os dois são uma só carne e, é impossível ser feliz
fazendo o outro infeliz. Daí percebermos a relação essencial dos dois princípios: a
mulher é submissa e respeita o seu marido que a quer feliz e dela cuida prioritaria-
mente... O marido, por sua vez, esquece-se de si em prol de sua esposa que, por
ser-lhe submissa, está sempre à procura de melhor agradar-lhe... Assim, as Escritu-
ras apresentam uma cadeia perfeita de relação: ambos são uma só carne, que se
ama, preserva e protege. Deste ponto, fica ainda mais evidente as dificuldades ine-
25
rentes a um matrimônio com jugo desigual (2Co 6.14-18).
23
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 11.4), p. 331.
24
D.M. Lloyd-Jones, Vida no Espírito, p. 108.
25
Admito que o texto de 2 Coríntios não esteja se referindo diretamente ao matrimônio; no entanto,
temos de convir que este assunto ali está incluído (Vd. João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, espe-
cialmente p. 139).
26
D.M. Lloyd-Jones, Vida no Espírito, p. 21.
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A paternidade humana é uma honra concedida por Deus ao ser humano; Pai de
forma absoluta é somente Deus. Somos pais, “porque Deus outorgou fazer-[nos]
29
participantes da honra que é própria exclusivamente dEle”. Portanto, “ao
intentar contra nosso pai ou mãe, fazemos guerra com Deus. Pois ele impri-
miu a sua estampa neles, e o seu título faz-nos saber que Deus os coloca,
30
como se estivessem, em Seu lugar”. Ele afirma que quando “menosprezamos
nossos pais e mães, e desprezamos o cumprimento do nosso dever perante
eles, Deus é expressamente ofendido por isso, não apenas porque quebra-
mos um dos mandamentos da lei, mas também porque desprezamos a sua
31
majestade, a qual pais e mães tem de certa forma”.
Ele argumenta afirmando ser este o motivo de haver severa punição na lei para
os filhos desobedientes. Aqueles que desobedeciam aos seus pais não ofendiam a
eles primariamente, mas afrontavam a Deus, Quem os instituiu, investindo-lhes de
poder e lhes imprimindo Sua imagem. Em suma, a desobediência aos pais, é uma
negação do próprio homem, que é a imagem e semelhança de Deus. “Quando a
criança não consegue encontrar em seu coração submissão aos seus pais e
mães, e Deus assim fala [condenando], é para nos mostrar que este é um
crime tão ultrajante e perverso, pois é como se eles estivessem completa-
32
mente dispostos a abolir sua [própria] natureza”.
27
João Calvino, Efésios, (Ef 6.1), p. 178. Em outro lugar, Calvino explica o significado de honrar os
pais: “Que os filhos sejam humildes e obedientes a seus pais, os honrem e reverenciem; que
com seus próprios trabalhos lhes ajudem em suas necessidades, e que estejam a seu man-
dado, como são a eles obrigados” [João Calvino, Catecismo de Genebra, Perg. 186. In: Cate-
cismos de la Iglesia Reformada, p. 69]. Acrescenta: “Pouco importa que sejam dignos ou indig-
nos de receber esta honra, pois, sejam o que sejam, o Senhor nos deu por pai e mãe e dese-
ja que lhes honremos” [Juan Calvino, Breve Instruccion Cristiana, Barcelona: Fundación Editorial de
Literatura Reformada, 1966, p. 24]. Ver: J. Calvino, As Institutas, II.8.35-36.
28
João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 5.1), p. 128.
29
John Calvin, Sermons on Ephesians, Carlisle: Banner of the Trulth, 1987 (reimp), p. 623. “Aqueles
a quem faz partícipes destes títulos ilumina-os como que com uma centelha de Seu fulgor,
de sorte que sejam, cada um, dignos de honra de conformidade com sua posição de emi-
nência. Destarte, aquele que nos é pai, nele é próprio reconhecer algo divinal, porquanto
não sem causa é portador do título divino” [João Calvino, As Institutas, II.8.35].
30
John Calvin, Sermons on Ephesians, p. 623.
31
John Calvin, Sermons on Ephesians, p. 623.
32
John Calvin, Sermons on Ephesians, p. 623.
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Mais uma vez insisto no ponto de que a nossa vida espiritual não pode estar dis-
sociada do nosso viver cotidiano; o Espírito deu-nos uma nova ótica na qual a nossa
compreensão da vida foi mudada e, consequentemente, as nossas relações foram
refeitas à luz da nossa nova compreensão e do poder do Espírito. O tratamento dig-
no e respeitoso que conferimos aos nossos pais é uma evidência da nossa comu-
nhão com o Espírito (Cl 3.20). Essa obediência no Senhor é justa diante de Deus e,
na obediência fiel a Deus, somos abençoados por Ele mesmo.
Os pais devem educar os filhos dentro dos princípios bíblicos: a Bíblia tam-
bém é a verdade no campo educacional; Ela deve ser a norma de todo o nosso pen-
sar e agir.
Como pais, temos também a responsabilidade de não provocar a sua ira, com um
comportamento que reflita o eqüívoco de predileções, falta de apoio, menosprezo,
36
provocações, ironias, excesso de proteção, etc. (Cl 3.21; Gn 25.28; 37.3,4; 2Sm
14.13,28; 1Rs 1.6; Hb 12.9-11). A palavra “criai-os” (e)ktre/fw) (Ef 6.4) em contra-
37
posição à “ira”, indica que devemos criá-los ternamente, com brandura e amor, sem
38
contudo, excluir a disciplina (paidei/a) e admoestação (nouqesi/a) no Senhor. Cal-
33
Vd. J. Calvino, As Institutas, II.8.38; Juan Calvino, Breve Instruccion Cristiana, Barcelona: Funda-
ción Editorial de Literatura Reformada, 1966, p. 24-25.
34
João Calvino, Instrução na Fé, Goiânia, GO: Logos Editora, 2003, Cap. 8, p. 27
35
João Calvino, As Institutas, (1541), IV.16.
36
Hendriksen faz uma lista de erros comuns cometidos pelos pais. Vd. William Hendriksen, Exposi-
ção de Efésios, (Ef 6.4), p. 325-326.
37
Ocorre apenas duas vezes no NT., unicamente em Efésios: 5.29 e 6.4. A palavra apresenta a idéia
de alimentar, sustentar, nutrir, educar. Calvino diz que este verbo “inquestionavelmente comunica
a idéia de gentileza e afabilidade” [J. Calvino, Efésios, (Ef 6.4), p. 181].
38
Ocorre três vezes no NT.: 1Co 10.11; Ef 6.4; Tt 3.10.
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No Antigo Testamento, Eli foi repreendido por Deus porque os seus filhos que
transgrediam a Lei (1Sm 2.22-25), não foram admoestados por ele: “Porque já lhe
disse que julgarei a sua casa para sempre, pela iniqüidade que ele bem conhecia,
porque seus filhos se fizeram execráveis, e ele não os repreendeu (nouqete/w)”
(1Sm 3.13). Salomão por sua vez, instrui: “A estultícia está ligada ao coração da cri-
ança, mas a vara da disciplina (LXX: paidei/a) a afastará dela” (Pv 22.15).
39
João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa,
São Paulo: Cultura Cristã, 2006, Vol. 1, (III.68), p. 207.
40
F. Selter, Exortar: In: NDITNT., Vol. II, p, 176.
41
* At 20.31; Rm 15.14; 1Co 4.14; Cl 1.28; 3.16; 1Ts 5.12,14; 2Ts 3.15. A prática da admoestação
deve ser natural entre os crentes visando a sua correção (Rm 15.4; 1Ts 5.14; 2Ts 3.15) e aperfeiço-
amento (Cl 1.28); no entanto ela deve ser feita com amor (1Co 4.14; 2Ts 3.15) e sabedoria (Cl 3.16).
Considerando que esta é também uma tarefa dos líderes da igreja, aqueles que se esforçam neste
serviço devem ser estimados pela igreja (1Ts 5.12).
42
Platão (427-347 a.C.) faz também a combinação de Paidei/a com Nouqesi/a, sendo traduzidas
por “ensinamento e admoestação” (Platão, A República, 399b. p. 128). Vd. Richard C. Trench,
Synonyms of the New Testament, 7ª ed. London: Macmillan and Co. 1871, § xxxii, p. 104-108.
43
Revista Veja, 17/02/82, nº 706, p. 6.
Uma Família Cheia do Espírito Santo – Rev. Hermisten M.P. Costa – 12/05/08 – 12
Escrevendo a Timóteo, Paulo diz que "Toda Escritura é inspirada por Deus e
útil para (...) a educação (paidei/a) na justiça" (2Tm 3.16).
A palavra paidei/a (de onde vem a nossa “pedagogia”), significa "educação das
crianças", e tem o sentido de treinamento, instrução, disciplina, ensino, exercício,
castigo.
Cada cultura tem o seu modelo de homem ideal e, portanto, a educação visa
formar esse homem, a fim de atender às expectativas sociais. Paulo sabia muito
bem disso; ele mesmo declarara durante a sua defesa em Jerusalém que fora
instruído por Gamaliel, o grande mestre da Lei. "Eu sou judeu, nasci em Tarso da
Cilícia, mas criei-me nesta cidade e aqui fui instruído (paideu/w) aos pés de Gama-
liel, segundo a exatidão da lei de nossos antepassados....” (At 22.3).
EGITO: Preparar o educando para uma vida essencialmente prática, que o levas-
se ao sucesso neste mundo e, por meio de determinados ritos, alcançasse o favor
dos deuses, e a felicidade no além.
44
João Calvino, Efésios, (Ef 6.4), p. 181.
45
Currículo" é uma transliteração do latim "curriculum" que é empregado tardiamente, sendo deriva-
do do verbo "currere", "correr". "Curriculum" tem o sentido próprio de "corrida", "carreira"; um sentido
particular de "luta de carros", "corrida de carros", "lugar onde se corre", "hipódromo" e um sentido fi-
gurado de "campo", "atalho", "pequena carreira", "corte", "curso". A palavra currículo denota a com-
preensão que ele não é um fim em si mesmo; é apenas um meio para atingir determinado fim [Vd.
Hermisten M.P. Costa, A Propósito da Alteração do Currículo dos Seminários Presbiterianos, São
Paulo: 1997, p. 8ss. (Trabalho não publicado)].
46
Veja-se um bom sumário disso em Thomas Ransom Giles, Filosofia da Educação, São Paulo:
EPU., 1983, p. 60-92.
Uma Família Cheia do Espírito Santo – Rev. Hermisten M.P. Costa – 12/05/08 – 13
47
Thomas Ransom Giles, Filosofia da Educação, p. 64.
48
Henri-Irénée Marrou, História da Educação na Antigüidade, São Paulo: E.P.U. (5ª reimpr), 1990, p.
35.
49
Henri-Irénée Marrou, História da Educação na Antigüidade, p. 42.
50
Platão, A República, 376e ss. p. 86ss.
51
A palavra "sofista" provém do grego Sofisth/j, que é derivada de Sofo/j (= “sábio”). Originaria-
mente, ambas as palavras eram empregadas com uma conotação positiva. É importante lembrar que
foram os próprios sofistas que se designaram assim.
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"Já desde o começo a finalidade do movimento educacional comandado pelos sofistas
não era a educação do povo, mas a dos chefes. No fundo não era senão uma nova forma
da educação dos nobres (...). Os sofistas dirigiam-se antes de mais nada a um escol, e só a
ele. Era a eles que acorriam os que desejavam formar-se para a política e tornar-se um dia
dirigentes do Estado" (Werner Jaeger, Paidéia: A Formação do Homem Grego, 2ª ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1989, p. 236).
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A Retórica Sofística, inventada por Górgias (c.483-c.375 a.C.), era famosa. Górgias dizia:
"A palavra é uma grande dominadora que, com pequeníssimo e sumamente invisível
corpo, realiza obras diviníssimas, pois pode fazer cessar o medo e tirar as dores, infundir a a-
legria e inspirar a piedade (...) O discurso, persuadindo a alma, obriga-a, convencida, a ter
fé nas palavras e a consentir nos fatos (...) A persuasão, unida à palavra, impressiona a alma
como quer (...) O poder do discurso com respeito à disposição da alma é idêntico ao dos
remédios em relação à natureza do corpo. Com efeito, assim como os diferentes remédios
expelem do corpo de cada um diferentes humores, e alguns fazem cessar o mal, outros a
vida, assim também entre os discursos alguns afligem e outros deleitam, outros espantam,
outros excitam até o ardor os seus ouvintes, outros envenenam e fascinam a alma com per-
suasões malvadas” (Górgias, Elogio de Helena, 8, 14).
Uma Família Cheia do Espírito Santo – Rev. Hermisten M.P. Costa – 12/05/08 – 14
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vencer, persuadir o seu oponente independentemente da veracidade do argu-
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mento.
preço. É claro que isto sofrerá alterações em cada área de estudo e, também, se-
rá diferente entre os países, contudo, esta visão geral nos parece pertinente.
Parece-nos que é neste sentido que Salomão diz: "O temor do Senhor é o prin-
cípio do saber, mas os loucos desprezam a sabedoria e o ensino (LXX: paidei/a)”
(Pv 1.7; Vd. Pv. 9.10; 15.33; Sl 111.10). "Ouvi o ensino (LXX: paidei/a), sêde sá-
bios, e não o rejeites” (Pv 8.33).
A educação significa também "disciplina". Deus muitas vezes usa este recurso
para nos educar, a fim de que sejamos salvos. Paulo diz: "Mas, quando julgados,
somos disciplinados (paideu/w) pelo Senhor, para não sermos condenados com o
mundo” (1Co 11.32).
O salmista narra a sua experiência: “Foi-me bom ter eu passado pela aflição (hfnf(),
A palavra hebraica (hfnf() (‘ãnãh) tem o sentido de “aflito”, “oprimido”, com o sentimento de impotên-
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cia, consciente de que o seu resgate depende unicamente da misericórdia de Deus. Esta palavra é
contrastada com o orgulho, que se julga poderoso para resolver todos os seus problemas, relegando
Deus a uma posição secundária, sendo-Lhe indiferente.
hfnf( (‘ãnãh) apresenta também a idéia de ser humilhado por outra pessoa: (Gn 16.6; 34.2; Ex 26.6;
Dt 22.24,29; Jz 19.24; 20.5).
Uma Família Cheia do Espírito Santo – Rev. Hermisten M.P. Costa – 12/05/08 – 16
para que aprendesse os teus decretos” (Sl 119.71). As aflições corretamente com-
preendidas podem ser instrumentos utilíssimos para a prevenção e correção de nos-
sos desvios espirituais.
O que a Palavra de Deus nos mostra, e por certo temos confirmado isto em nossa
experiência, é que buscamos a Deus mais intensamente em meios às aflições: “Es-
tou aflitíssimo (hfnf(), vivifica-me, Senhor, segundo a tua palavra” (Sl 119.107). “Antes
de ser afligido (hfnf() andava errado, mas agora guardo a tua palavra” (Sl 119.67).
A Palavra de Deus visa formar homens tementes a Deus, sensíveis à Sua Pala-
vra, atentos aos seus ensinamentos. (Hb 12.5-13).
Portanto, os pais cheios do Espírito buscam, por meio da Palavra em oração, dis-
cernimento para poderem aplicar os princípios bíblicos às situações concretas na
sua tarefa de educar os filhos. Isto implica no fato de que as suas responsabilidades
com a educação de seus filhos, podem ser compartilhadas com a escola e a igreja,
porém, não podem ser substituídas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Como cristãos Reformados reconhecemos a centralidade real de Deus em todas
as coisas, tendo como alvo principal, não o tão decantado bem-estar humano – que
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por certo tem a sua relevância –, mas a Glória de Deus, sabendo que as demais
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Calvino comentando a respeito desta vida e da futura, diz: ".... Esta vida, por mais que esteja
cheia de infinitas misérias, com toda razão se conta entre as bênçãos de Deus, que não é lí-
cito menosprezar" (Institutas, III.9.3). À frente, acrescenta: "E muito maior é essa razão, se refle-
tirmos que nesta vida nos está Deus de certo modo a preparar para a glória do Reino Celes-
te" (Institutas, III.9.3). “....nossos constantes esforços para diminuir a estima por este mundo
presente, não devem nos levar a odiar a vida ou a sermos mal agradecidos para com Deus.
Se bem que esta vida está cheia de incontáveis misérias, não obstante, merece ser contada
entre aquelas bênçãos divinas que não devem ser desprezadas” (João Calvino, A Verdadeira
Vida Cristã, São Paulo: Novo Século, 2000, p. 62). “Porém, à vida presente não se deve odiar,
com exceção de tudo o que nela nos sujeira ao pecado, este ódio não deve aplicar-se à
vida mesma” (João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 64). Do mesmo modo, ver Idem.,IbIdem.,
p. 69 e 71.
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coisas serão acrescentadas (Mt 6.33; Ef 1.11-12).
Para nós Reformados, é a Palavra de Deus que deve dirigir, aprimorar e, quando
for o caso, corrigir toda a nossa abordagem e interpretação teológica, bem como de
toda a nossa compreensão do real; a epistemologia cristã é determinada pelas “len-
tes“ da Palavra. O Espírito por meio da Palavra é Quem deve nos guiar à correta in-
terpretação da Revelação.
60
J.I. Packer, O “Antigo” Evangelho, p. 1ss., traça uma boa distinção entre o "Antigo" e o "Novo" E-
vangelho, mostrando que o "antigo" , buscava a Glória de Deus, enquanto que o "novo" está preocu-
pado em "ajudar" o homem. Em 1768, Abraham Booth (1734-1806) observara que a mensagem dos
cristãos primitivos gerava a perseguição "porque a verdade que pregavam ofendia o orgulho
humano (...) não dava lugar ao mérito humano" (A. Booth, Somente pela Graça, São Paulo:
Publicações Evangélicas Selecionadas, 1986, p. 9,10).
61
J.I. Packer, O "Antigo" Evangelho, p. 8.
62
Abraham Kuyper, Calvinismo, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 62-63.
63
Colin Brown, Filosofia e Fé Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1989, p. 36.