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Cosmovisão Reformada
Quando se trata de encontrar uma companheira para o homem com quem ele
possa se relacionar de forma pessoal – já que não se encontra em todo o resto da
criação uma à altura – a solução foi uma nova criação. Não mais a partir do pó da
terra, mas tirada da costela de Adão, e transformada por Deus em uma auxiliadora
idônea. Adão se completará nela,3 passando a haver uma “fusão interpessoal”,
“unidade essencial”, constituindo-se os dois uma só carne (Gn 2.20-24; Mc 10.8),
unidos por Deus (Mt 19.6).
A constatação de Deus é que não seria bom para o homem permanecer só. É
Deus mesmo quem percebe a necessidade ainda imperceptível ao homem. Tudo na
criação era bom, exceto a solidão do homem. “Deus pôs o dedo na única deficiência
1
Veja-se: Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 264-268.
2
Veja-se: Anthony A. Hoekema, Criados à Imagem de Deus, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 81-
83.
3
Ver: O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1997, p. 69.
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O paraíso não era o céu.7 O homem ainda não havia percebido isso, no entanto,
Deus sabia que a solidão lhe faria mal. A carência vai se tornar evidente: Deus
passou diante de Adão todos os animais para que ele pudesse nominá-los, distinguir
cada uma das espécies.
Entre toda a Criação, não havia uma companheira à altura do homem. Como ser
sociável já em sua gênese,11 o homem necessitaria compartilhar conhecimentos e
afetos, amar e ser amado. O homem, de fato, foi criado por Deus para viver em
4
Raymond C. Ortlund, Jr., Igualdade Masculino-Feminina e Liderança Masculina: In: John Piper; Wayne
Grudem, compiladores, Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja e na sociedade, São José dos
Campos, SP.: Editora Fiel, 1996, p. 38.
5
Bruce K. Waltke; Cathi J. Fredericks, Gênesis, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 104.
6
Bruce K. Waltke; Cathi J. Fredericks, Gênesis, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 94.
7
Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 584.
8
Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p.
591.
9
Cf. Veja-se: Vern S. Poythress, Redimindo a filosofia: uma abordagem teocêntrica às grandes questões,
Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 53.
10
Cf. Abraham Kuyper, Sabedoria & Prodígios: Graça comum na ciência e na arte, Brasília, DF.:
Monergismo, 2018, p. 47-62.
11
Ver: Aristóteles, A Ética, I.7.6. e A Política, I.1.9. Do mesmo modo, G.W. Leibniz, Novos Ensaios, São
Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 19), III.1.1. p. 167. Calvino (1509-1564), escreveu: “O homem é um
animal social de natureza, consequentemente, propende por instinto natural a promover e conservar esta
sociedade e, por isso, observamos que existem na mente de todos os homens impressões universais não só de
uma certa probidade, como também de uma ordem civil” (João Calvino, As Institutas, II.2.13). Em outro
lugar, entendendo que o princípio de que não seja bom que o homem viva sozinho não se restringe a Adão,
diz que “o homem foi formado para ser um animal social”, acrescenta: “Mas ainda que Deus declarasse, no
que respeita a Adão, que não lhe seria proveitoso viver sozinho, contudo não restrinjo a declaração
unicamente à sua pessoa, mas, antes, a considero como sendo uma lei comum da vocação do homem, de
modo que cada um deve recebê-la como dita a si próprio: que a solidão não é boa, excetuando somente
aquele a quem isenta como que por um privilégio especial” (John Calvin, Commentaries on The First Book
of Moses Called Genesis, v. 1, (Gn 2.18), p. 128).
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Robertson comenta: “O ‘ser uma só carne’ descrito nas Escrituras não se refere
simplesmente aos vários momentos da consumação marital. Em vez disto, esta
unidade descreve a condição permanente de união alcançada pelo casamento”.15
A mulher foi criada para ser companheira do homem. Deste modo percebe-
se a ideia de complemento. O homem sozinho estaria no paraíso. Contudo
permaneceria só, sem uma companheira. O paraíso sem a mulher seria um paraíso
12
Cf. Gerhard von Rad, Genesis: A Commentary, 3. ed. (Revised Edition), Bllombsbury Street London, SCM
Press Ltd., 1972, (Gn 2.21-23), p. 84.
13
Cf. Gerhard von Rad, El Libro del Genesis, Salamanca: Sigueme, 1977, (Gn 2.22), p. 101.
14
Diz a Confissão de Westminster: “O matrimônio foi ordenado para o auxílio mútuo de marido e
mulher, para a propagação da raça humana por uma sucessão legítima, e da Igreja por uma semente
santa, e para evitar-se a impureza. Ref. Gn 2.18 e 9.1; Ml 2.15; 1Co 7.2,9” (Confissão de
Westminster, XXIV.2).
15
O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1997, p. 68. “A relação em
‘uma só carne’ envolve mais do que sexo; é a fusão de duas vidas em uma; é consentir em compartilhar a
vida juntos, por meio do pacto do casamento; é a completa entrega de si mesmo a um novo círculo de
existência, ao lado de um companheiro” (Raymond C. Ortlund, Jr., Igualdade Masculino-Feminina e
Liderança Masculina: In: John Piper; Wayne Grudem, compiladores, Homem e Mulher: seu papel bíblico no
lar, na igreja e na sociedade, p. 39).
16
Matthew Henry, “Commentary on The Whole Bible,” The Master Christian Library, (CD-ROM), (Albany,
OR: Ages Software, 2000), v. 1, (Gn 2.21-25), p. 58-59.
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incompleto, insatisfatório. No céu, seremos como os anjos, não nos casaremos (Mt
22.30). Adão, no seu estado terreno, ainda precisa do auxílio de uma esposa.17
a) Auxiliadora idônea
“Far-lhe-ei uma auxiliadora (rz<[e) (‘ezer)20 que lhe seja idônea (dg<n<)
(neged)” (Gn 2.18), é a solução encaminhada por Deus.
1) Auxiliadora
Em sentido lato, Deus mesmo é o ajudador dos pobres (Sl 72.12), dos órfãos (Sl
10.14/Jó 29.12); daqueles que não podem contar com mais ninguém (Sl 22.11). Por
isso, podemos contar com ele nos momentos de enfermidade (Sl 28.7); nas
opressões de inimigos (Sl 54.4) e em períodos de grande aflição (Sl 86.17). Aqueles
que vivem fielmente, buscando seu amparo nele, podem ter a certeza do seu
cuidado (Sl 37.40/Sl 89.21), sendo a sua lei e as suas mãos os seus auxílios (Sl
119.173,175).21 Por isso, os servos de Deus suplicam a sua ajuda na batalha e nas
aflições (Dt 33.7/Sl 20.2; 30.10; 79.9; 109.26; 119.86).
17
Cf. Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 574-575.
18
Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 587-589.
19
U. Cassuto, A Commentary on the Book of Genesis. Part 1: From Adam to Noah. Jerusalem: The Magnes
Press, 1961, (Gn 2.21), p. 164.
20
A Septuaginta traduz por bonqo\n, proveniente de bonqoj, “útil”, “auxiliador”, “ajudador” (*Hb 13.6).
21
“173Venha a tua mão socorrer-me, (rz:[')(‘azar) pois escolhi os teus preceitos. (…) 175 Viva a minha alma
para louvar-te; ajudem-me (rz:[')(‘azar) os teus juízos” (Sl 119.173, 175).
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Somos desafiados então, a confiar em Deus, porque ele cuida de nós, é o nosso
amparo (Sl 33.20; 70.5; 72.12; 115.9-11; 124.8; Is 44.2): de Deus vem o nosso
socorro (Sl 121.1-2). Israel é feliz porque tem a Deus como aquele que o socorre (Dt
33.26,29). Felizes são todos aqueles que têm a Deus por auxílio (Sl 146.5). Devido
ao seu socorro, devemos entoar louvores ao seu nome (Sl 28.7). Dentro das
profecias messiânicas de Isaías, vemos a confiança do Ungido do Senhor. Certo do
socorro do Senhor, sabe que não será envergonhado (Is 50.7,9).
Harriet e Gerard fazem uma bela e real aplicação: “Que papel importante Deus dá
a mulher. Ela se coloca ao lado do seu marido como auxiliadora, assim como Deus
se coloca ao lado de seu povo”.22
2) Idônea
Robertson analisa:
22
Harriet; Gerard van Groningen, A Família da Aliança, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 99.
23
Raymond C. Ortlund, Jr., Igualdade Masculino-Feminina e Liderança Masculina: In: John Piper; Wayne
Grudem, compiladores, Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja e na sociedade, p. 39.
24
O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, p. 69.
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Deus, ao criar a mulher, não a fez inferior. Ela também foi feita conforme à
imagem e semelhança de Deus (Gn 1.27). A ordem divina quanto ao povoar,
dominar, guardar e cultivar a terra é responsabilidade de ambos. Os dois partilham
dos deveres e responsabilidades conferidos por Deus. Sozinhos, ambos são
insuficientes para cumprirem o propósito de Deus em suas vidas.
A passagem [Gn 1.26-31] claramente indica que na sua origem a fêmea foi
criada da mesma substância do macho; ela não é inferior quanto ao seu ser
ou pessoa. Ela não é inferior como portadora da imagem, representante ou
espelho de Deus na vida diária. A mulher é uma pessoa tanto quanto o
homem. Assim como o macho é, a fêmea é feita à imagem e semelhança
do Deus triúno e consequentemente tem o seu próprio relacionamento
pessoal e espiritual com Deus. Neste particular ela é absolutamente igual ao
homem. Ela também recebeu o mesmo mandato que o seu marido recebeu.
Ele deveria cultivar o jardim com ele, dominar sobre ele e com o marido, ser
frutífera e povoar a terra. No capítulo 2 ela, juntamente com o seu marido,
recebeu o mandato espiritual de continuar a andar com Deus. Ela e o seu
marido são proibidos de comer do fruto da árvore. Ambos recebem o
27
mandato social de serem frutíferos.
2) Significado dos termos: Imagem e Semelhança
Calvino (1509-1564), após criticar aqueles que procuravam fazer uma distinção
inexistente entre palavras, diz:
25
Veja-se: Bruce K. Waltke; Cathi J. Fredericks, Gênesis, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, (Gn 2.18), p. 104.
26
Raymond C. Ortlund, Jr., Igualdade Masculino-Feminina e Liderança Masculina: In: John Piper; Wayne
Grudem, compiladores, Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja e na sociedade, p. 40.
27
Harriet; Gerard van Groningen, A Família da Aliança, p. 94. Veja-se também: Gerard van Groningen,
Criação e Consumação, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, v. 1, p. 86.
28
A LXX traduz aqui por ei)kwn.
29
A LXX traduz aqui por o(moi/wsij.
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Quando, pois, Deus decretou criar o homem à Sua imagem, porque não era
tão claro, explicitamente o repete nesta breve locução: à semelhança, como
se estivesse a dizer que iria fazer um homem no qual, mediante insculpidas
marcas de semelhança, se haveria de a Si Próprio representar como em
uma imagem. Por isso, referindo o mesmo pouco depois, Moisés repete
30
duas vezes a frase imagem de Deus, omitida a menção de semelhança.
30
J. Calvino, As Institutas, I.15.3.
31
Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: ASTE, 1986, v. 1, p. 152. Do mesmo modo,
Veja-se: Gerhard von Rad, El Libro del Genesis, Salamanca: Sigueme, 1977, p. 69.
32
Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 541.
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33
No entanto, as interpretações são variadas quanto ao significado e aplicação das expressões: Vejam-se: C.F.
Keil; F. Delitzsch, Commentary on the Old Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, [s.d.], v. 1, p. 63;
Victor P. Hamilton, Dãmâ: In: R. Laird Harris, ed. Theological Wordbook of the Old Testament, v. 1, p. 191-
192; Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos, 2001, p. 555; Herman Hoeksema, Reformed
Dogmatics, 3. ed. Grand Rapids, Michigan: Reformed Free Publishing Association, 1976, p. 204; A.H.
Strong, Systematic Theology, p. 521; L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho,
1990, p. 203; James Oliver Buswell, A Systematic Theology of the Christian Religion, Grand Rapids,
Michigan: Zondervan Publishing House, 1962, v. 1, p. 232; C.F.H. Henry, Imagem de Deus: In: Walter A.
Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v.
2, p. 310; J. Calvino, As Institutas, I.15.3; J. Calvino, Commentaries on The First Book of Moses Called
Genesis, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (Reprinted), v. 1, p. 93ss.; Gordon J. Spykman,
Teologia Reformacional: Um Nuevo Paradigma para Hacer la Dogmática, Jenison, MI.: The Evangelical
Leitarature League, 1994, p. 248; Anthony A. Hoekema, Criados à Imagem de Deus, p. 25-26,27; Morton H.
Smith, Systematic Theology, Greenville: South Carolina: Greenville Seminary Press, 1994, v. 1, p. 234-236;
Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 541-
543; Bruce K. Waltke; Cathi J. Fredericks, Gênesis, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, (Gn 2.26), p. 76-77;
Emil Brunner, Dogmática: A Doutrina Cristã da Criação e da Redenção, São Paulo: Fonte Editorial, 2006, v.
2, p. 84-93; Gerard van Groningen, Criação e Consumação, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, v. 1, p. 80-85;
Raymond C. Van Leeuwen, Forma e Imagem: In: Willem A. VanGemeren, org. Novo Dicionário
Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 4, p. 647-652.
(Para uma visão panorâmica e bibliográfica das diversas interpretações de Gn 1.26,27, veja-se: Claus
Westermann, Genesis 1-11: An Commentary, Menneapolis: Augsburg Publishing House, 1987 (Reprinted), p.
142ss.).
34
“1Este é o livro da genealogia de Adão. No dia em que Deus criou o homem, à semelhança (tUm:D)
(Demüth) de Deus o fez; (…) 3 Viveu Adão cento e trinta anos, e gerou um filho à sua semelhança (tUm:D)
(Demüth), conforme a sua imagem (meelec) (Tsëlëm), e lhe chamou Sete” (Gn 5.1,3). “Se alguém derramar
o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem
(meelec) (Tsëlëm)” (Gn 9.6). “Porque, na verdade, o homem não deve cobrir a cabeça, por ser ele imagem e
glória de Deus, mas a mulher é glória do homem” (1Co 11.7). “E vos revestistes do novo homem que se
refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl 3.10). “Com ela, bendizemos
ao Senhor e Pai; também, com ela, amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus” (Tg 3.9/Pv
14.31).