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Palavras chaves:

Criação do homem, Criação da mulher, Antropologia, Imagem e semelhança,


Auxiliadora idônea

Assuntos:
Cosmovisão Reformada

Tentando pensar e viver como um Reformado:


Reflexões de um estrangeiro residente (13)
C. O Homem foi Criado à Imagem e Semelhança do Deus Triúno1

Os seres criados por Deus (peixes, aves, animais domésticos, animais


selváticos, etc.) o foram conforme as suas respectivas espécies. Por isso, toda a
Criação revela, de algum modo, aspectos da glória de Deus, vestígios de seu Autor.
O homem, diferentemente, teve o seu modelo no próprio Deus Criador (Gn 1.26; Ef
4.24), sendo distinto, assim, de todo o resto da Criação. Partilha com Deus de uma
identidade desconhecida por todas as outras criaturas visto que somente ele foi
criado “à imagem e semelhança de Deus”.

Somente o homem pode usufruir de um relacionamento pessoal, voluntário e


consciente com Deus. No homem, como reflexo de seu Criador, Deus deve ser
visto, quer em sua natureza que expressa Deus, quer em seus atos uma vez que ele
está comprometido com os interesses de Deus. O seu propósito é glorificar a Deus a
quem ama e obedece.2

Quando se trata de encontrar uma companheira para o homem com quem ele
possa se relacionar de forma pessoal – já que não se encontra em todo o resto da
criação uma à altura – a solução foi uma nova criação. Não mais a partir do pó da
terra, mas tirada da costela de Adão, e transformada por Deus em uma auxiliadora
idônea. Adão se completará nela,3 passando a haver uma “fusão interpessoal”,
“unidade essencial”, constituindo-se os dois uma só carne (Gn 2.20-24; Mc 10.8),
unidos por Deus (Mt 19.6).

A constatação de Deus é que não seria bom para o homem permanecer só. É
Deus mesmo quem percebe a necessidade ainda imperceptível ao homem. Tudo na
criação era bom, exceto a solidão do homem. “Deus pôs o dedo na única deficiência

1
Veja-se: Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 264-268.
2
Veja-se: Anthony A. Hoekema, Criados à Imagem de Deus, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 81-
83.
3
Ver: O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1997, p. 69.
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existente no Paraíso”.4 Waltke acentua que a declaração “é altamente enfática.


Essencialmente, é ruim para Adão viver sozinho”. 5

Gênesis que inicia-se com uma demonstração do poder soberano de Deus


criando todas as coisas do nada, continua com uma belíssima descrição do cuidado
de Deus para com suas criaturas: “As cenas da criação são pintadas como se um
artista as visualizasse: Deus, como o oleiro, formando o homem; como jardineiro,
designando um jardim de beleza e abundância; e como um edificador de templo,
tomando a mulher da costela do homem”, comentam Waltke e Fredericks 6

O paraíso não era o céu.7 O homem ainda não havia percebido isso, no entanto,
Deus sabia que a solidão lhe faria mal. A carência vai se tornar evidente: Deus
passou diante de Adão todos os animais para que ele pudesse nominá-los, distinguir
cada uma das espécies.

Nesse contexto, notamos de passagem a inteligência de Adão. Ele possuía


condições de discernir as espécies, exercitando a sua capacidade de julgar,
atribuindo nomes que, certamente, estavam relacionados às características
essenciais dos animais.8 Aqui temos o início da ciência.9 O homem percebia a
essência da coisa, criando, assim, a linguagem. Ele tinha clareza, discernimento e
unidade de pensamento incomparáveis. Sem dúvida, perdemos muito disso com a
queda.10

Entre toda a Criação, não havia uma companheira à altura do homem. Como ser
sociável já em sua gênese,11 o homem necessitaria compartilhar conhecimentos e
afetos, amar e ser amado. O homem, de fato, foi criado por Deus para viver em
4
Raymond C. Ortlund, Jr., Igualdade Masculino-Feminina e Liderança Masculina: In: John Piper; Wayne
Grudem, compiladores, Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja e na sociedade, São José dos
Campos, SP.: Editora Fiel, 1996, p. 38.
5
Bruce K. Waltke; Cathi J. Fredericks, Gênesis, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 104.
6
Bruce K. Waltke; Cathi J. Fredericks, Gênesis, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 94.
7
Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 584.
8
Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p.
591.
9
Cf. Veja-se: Vern S. Poythress, Redimindo a filosofia: uma abordagem teocêntrica às grandes questões,
Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 53.
10
Cf. Abraham Kuyper, Sabedoria & Prodígios: Graça comum na ciência e na arte, Brasília, DF.:
Monergismo, 2018, p. 47-62.
11
Ver: Aristóteles, A Ética, I.7.6. e A Política, I.1.9. Do mesmo modo, G.W. Leibniz, Novos Ensaios, São
Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 19), III.1.1. p. 167. Calvino (1509-1564), escreveu: “O homem é um
animal social de natureza, consequentemente, propende por instinto natural a promover e conservar esta
sociedade e, por isso, observamos que existem na mente de todos os homens impressões universais não só de
uma certa probidade, como também de uma ordem civil” (João Calvino, As Institutas, II.2.13). Em outro
lugar, entendendo que o princípio de que não seja bom que o homem viva sozinho não se restringe a Adão,
diz que “o homem foi formado para ser um animal social”, acrescenta: “Mas ainda que Deus declarasse, no
que respeita a Adão, que não lhe seria proveitoso viver sozinho, contudo não restrinjo a declaração
unicamente à sua pessoa, mas, antes, a considero como sendo uma lei comum da vocação do homem, de
modo que cada um deve recebê-la como dita a si próprio: que a solidão não é boa, excetuando somente
aquele a quem isenta como que por um privilégio especial” (John Calvin, Commentaries on The First Book
of Moses Called Genesis, v. 1, (Gn 2.18), p. 128).
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companhia de seus semelhantes, mantendo uma relação de ideias, valores e


sentimentos. Se permanecesse sozinho, os seus sentimentos mais profundos
permaneceriam guardados. Não havia para ele um ser igual, da mesma natureza
com quem pudesse compartilhar, amar, se emocionar, ensinar, aprender, se divertir.
O mesmo Deus que o criou, propõe-se, então, a criar uma companheira para sua
obra prima (Gn 2.21-22).

Deus, como uma espécie de “pai da noiva” 12 (“padrinho de casamento”), leva-a


até o noivo (Gn 2.22).13 Adão aprovou a nova criação de Deus. As primeiras
palavras do homem registradas nas Escrituras se configuram de forma poética:
“Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne; chamar-se-á varoa,
porquanto do varão foi tomada” (Gn 2.23). A partir daí, tornou-se possível uma
relação satisfatória para o homem e sua congênere. Ao mesmo tempo, eles
poderão, agora, se perpetuar por meio da procriação – como ato que reflete a sua
identidade de amor e complemento – encheriam a terra e sujeitando-a, conforme a
ordem divina (Gn 1.28). O Paraíso está pronto para se expandir.14

Robertson comenta: “O ‘ser uma só carne’ descrito nas Escrituras não se refere
simplesmente aos vários momentos da consumação marital. Em vez disto, esta
unidade descreve a condição permanente de união alcançada pelo casamento”.15

1) A Criação da mulher, a companheira do homem (Gn 2.18)


Não foi feita da sua cabeça, como para ter
domínio sobre ele, nem de seus pés, como
para não ser pisoteada por ele, senão de
seu lado, para ser igual a ele, de debaixo de
seu braço para ser protegida, e de junto ao
coração para ser amada. – Matthew Henry
16
(1662-1714).

A mulher foi criada para ser companheira do homem. Deste modo percebe-
se a ideia de complemento. O homem sozinho estaria no paraíso. Contudo
permaneceria só, sem uma companheira. O paraíso sem a mulher seria um paraíso

12
Cf. Gerhard von Rad, Genesis: A Commentary, 3. ed. (Revised Edition), Bllombsbury Street London, SCM
Press Ltd., 1972, (Gn 2.21-23), p. 84.
13
Cf. Gerhard von Rad, El Libro del Genesis, Salamanca: Sigueme, 1977, (Gn 2.22), p. 101.
14
Diz a Confissão de Westminster: “O matrimônio foi ordenado para o auxílio mútuo de marido e
mulher, para a propagação da raça humana por uma sucessão legítima, e da Igreja por uma semente
santa, e para evitar-se a impureza. Ref. Gn 2.18 e 9.1; Ml 2.15; 1Co 7.2,9” (Confissão de
Westminster, XXIV.2).
15
O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1997, p. 68. “A relação em
‘uma só carne’ envolve mais do que sexo; é a fusão de duas vidas em uma; é consentir em compartilhar a
vida juntos, por meio do pacto do casamento; é a completa entrega de si mesmo a um novo círculo de
existência, ao lado de um companheiro” (Raymond C. Ortlund, Jr., Igualdade Masculino-Feminina e
Liderança Masculina: In: John Piper; Wayne Grudem, compiladores, Homem e Mulher: seu papel bíblico no
lar, na igreja e na sociedade, p. 39).
16
Matthew Henry, “Commentary on The Whole Bible,” The Master Christian Library, (CD-ROM), (Albany,
OR: Ages Software, 2000), v. 1, (Gn 2.21-25), p. 58-59.
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incompleto, insatisfatório. No céu, seremos como os anjos, não nos casaremos (Mt
22.30). Adão, no seu estado terreno, ainda precisa do auxílio de uma esposa.17

Visto que a mulher completaria o homem, ela tornar-se-ia da mesma forma


incompleta se não cumprisse a missão a ela conferida. Vemos então, aqui, que
somente os dois juntos, tornando-se uma só carne, se encaminham para a
plenificação como imagem e semelhança de Deus por meio da geração de filhos, a
proliferação da raça humana, e o uso de seus talentos de forma criativa e
construtiva.18

O rabino Cassuto (1883-1951) colocou esse evento de forma poética: “Assim


como a costela se encontra no lado do homem e lhe é anexa, da mesma forma a
boa esposa, a costela de seu esposo, fica a seu lado para ser sua auxiliadora-
contraparte, e sua alma está ligada a dele”.19

a) Auxiliadora idônea

“Far-lhe-ei uma auxiliadora (rz<[e) (‘ezer)20 que lhe seja idônea (dg<n<)
(neged)” (Gn 2.18), é a solução encaminhada por Deus.

1) Auxiliadora

(rz<[e) (‘ezer): “Auxiliadora”, “ajudadora”. Esta palavra que nos tempos


modernos é com frequência olhada como se fosse uma diminuição da mulher, tem
na realidade, um tom extremamente significativo. Ela é empregada especialmente
para descrever a ação de Deus que vem em socorro do homem.

Em sentido lato, Deus mesmo é o ajudador dos pobres (Sl 72.12), dos órfãos (Sl
10.14/Jó 29.12); daqueles que não podem contar com mais ninguém (Sl 22.11). Por
isso, podemos contar com ele nos momentos de enfermidade (Sl 28.7); nas
opressões de inimigos (Sl 54.4) e em períodos de grande aflição (Sl 86.17). Aqueles
que vivem fielmente, buscando seu amparo nele, podem ter a certeza do seu
cuidado (Sl 37.40/Sl 89.21), sendo a sua lei e as suas mãos os seus auxílios (Sl
119.173,175).21 Por isso, os servos de Deus suplicam a sua ajuda na batalha e nas
aflições (Dt 33.7/Sl 20.2; 30.10; 79.9; 109.26; 119.86).

O rei Uzias tornou-se famoso internacionalmente porque, por trás de todos os


seus empreendimentos, estava a maravilhosa ajuda de Deus (2Cr 26.15). Por outro
lado, quando Israel deixou de confiar no sustento de Deus e buscou aliança com os
egípcios para a sua proteção, Deus diz que isso de nada adiantaria contra a
Babilônia (Is 30.5,7; 31.3/Os 13.9).

17
Cf. Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 574-575.
18
Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 587-589.
19
U. Cassuto, A Commentary on the Book of Genesis. Part 1: From Adam to Noah. Jerusalem: The Magnes
Press, 1961, (Gn 2.21), p. 164.
20
A Septuaginta traduz por bonqo\n, proveniente de bonqoj, “útil”, “auxiliador”, “ajudador” (*Hb 13.6).
21
“173Venha a tua mão socorrer-me, (rz:[')(‘azar) pois escolhi os teus preceitos. (…) 175 Viva a minha alma
para louvar-te; ajudem-me (rz:[')(‘azar) os teus juízos” (Sl 119.173, 175).
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Somos desafiados então, a confiar em Deus, porque ele cuida de nós, é o nosso
amparo (Sl 33.20; 70.5; 72.12; 115.9-11; 124.8; Is 44.2): de Deus vem o nosso
socorro (Sl 121.1-2). Israel é feliz porque tem a Deus como aquele que o socorre (Dt
33.26,29). Felizes são todos aqueles que têm a Deus por auxílio (Sl 146.5). Devido
ao seu socorro, devemos entoar louvores ao seu nome (Sl 28.7). Dentro das
profecias messiânicas de Isaías, vemos a confiança do Ungido do Senhor. Certo do
socorro do Senhor, sabe que não será envergonhado (Is 50.7,9).

Harriet e Gerard fazem uma bela e real aplicação: “Que papel importante Deus dá
a mulher. Ela se coloca ao lado do seu marido como auxiliadora, assim como Deus
se coloca ao lado de seu povo”.22

2) Idônea

(dg<n<) (neged): “Idônea”, tem o sentido de “correspondente a ele”,


“conforme”, “aquilo que corresponde”, ”sua contrária”. Significa também, “estar em
frente”, “defronte” (Êx 19.2; Js 3.16; 6.5,20; Dn 6.11).

A mulher foi formada como uma “contraparte” do homem. É uma semelhança


perfeita dele, ainda que lhe seja oposta, no sentido de complemento. O homem
aprovou a criação de Deus, porque pode perceber a mulher “não como sua rival,
mas como sua companheira, não como uma ameaça, mas como a única capaz de
realizar seus desejos íntimos”, comenta Ortlund.23

Robertson analisa:

O propósito da existência do homem como ser criado não é ser um auxílio


para a mulher no casamento. Mas o propósito da existência da mulher como
ser criado é glorificar a Deus sendo um auxílio para o homem.
... A mulher deve ser, na verdade, uma auxiliadora do homem. Mas deve ser
auxiliadora ‘correspondente a ele’. O todo da criação de Deus serviria de
auxílio ao homem de uma ou outra maneira. Mas em parte alguma da
criação poder-se-ia achar um auxiliar ‘correspondente’ ao homem (Gn 2.20).
Somente a mulher como ser criado do homem correspondeu a ele de tal
maneira que fez dela o auxílio adequado de que ele necessitava.
Este traço distintivo da mulher indica que ela não é menos significativa do
que o homem com respeito à pessoa dela. De maneira igual ao homem, ela
traz em si mesma a imagem e semelhança de Deus (Gn 1.27). Somente
24
como igual em pessoalidade podia a mulher ‘corresponder’ ao homem.

b) A igualdade entre o homem e a mulher

22
Harriet; Gerard van Groningen, A Família da Aliança, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 99.
23
Raymond C. Ortlund, Jr., Igualdade Masculino-Feminina e Liderança Masculina: In: John Piper; Wayne
Grudem, compiladores, Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja e na sociedade, p. 39.
24
O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, p. 69.
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Os textos também revelam a prioridade social e governamental do


homem, não a sua superioridade essencial (Ef 5.22; 1Co 11.3-12; 1Pe 3.6,7). 25 É
preciso que não confundamos a primazia e liderança com o domínio tirânico.

Ortlund, avalia corretamente:

A masculinidade e a feminilidade identificam seus respectivos papéis.


Conforme Deus determinou, o homem, em virtude de sua masculinidade, é
chamado a liderar. E a mulher, em virtude de sua feminilidade, é chamada
para ajudar. (...) Mas, observe: dominação masculina é uma falha pessoal e
26
moral, não uma doutrina bíblica.

Deus, ao criar a mulher, não a fez inferior. Ela também foi feita conforme à
imagem e semelhança de Deus (Gn 1.27). A ordem divina quanto ao povoar,
dominar, guardar e cultivar a terra é responsabilidade de ambos. Os dois partilham
dos deveres e responsabilidades conferidos por Deus. Sozinhos, ambos são
insuficientes para cumprirem o propósito de Deus em suas vidas.

Harriet e Gerard comentam:

A passagem [Gn 1.26-31] claramente indica que na sua origem a fêmea foi
criada da mesma substância do macho; ela não é inferior quanto ao seu ser
ou pessoa. Ela não é inferior como portadora da imagem, representante ou
espelho de Deus na vida diária. A mulher é uma pessoa tanto quanto o
homem. Assim como o macho é, a fêmea é feita à imagem e semelhança
do Deus triúno e consequentemente tem o seu próprio relacionamento
pessoal e espiritual com Deus. Neste particular ela é absolutamente igual ao
homem. Ela também recebeu o mesmo mandato que o seu marido recebeu.
Ele deveria cultivar o jardim com ele, dominar sobre ele e com o marido, ser
frutífera e povoar a terra. No capítulo 2 ela, juntamente com o seu marido,
recebeu o mandato espiritual de continuar a andar com Deus. Ela e o seu
marido são proibidos de comer do fruto da árvore. Ambos recebem o
27
mandato social de serem frutíferos.
2) Significado dos termos: Imagem e Semelhança

Os termos imagem meelec (Tsëlëm)28 e semelhança tUm:D (Demüth)29


usados no texto de Gênesis, são entendidos, ainda que não o sejam perfeitamente,
como sinônimos, sendo empregados para se referirem, de forma enfática, ao ser
humano como um todo, com todas as suas características essenciais, uma
“verdadeira imagem”.

Calvino (1509-1564), após criticar aqueles que procuravam fazer uma distinção
inexistente entre palavras, diz:

25
Veja-se: Bruce K. Waltke; Cathi J. Fredericks, Gênesis, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, (Gn 2.18), p. 104.
26
Raymond C. Ortlund, Jr., Igualdade Masculino-Feminina e Liderança Masculina: In: John Piper; Wayne
Grudem, compiladores, Homem e Mulher: seu papel bíblico no lar, na igreja e na sociedade, p. 40.
27
Harriet; Gerard van Groningen, A Família da Aliança, p. 94. Veja-se também: Gerard van Groningen,
Criação e Consumação, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, v. 1, p. 86.
28
A LXX traduz aqui por ei)kwn.
29
A LXX traduz aqui por o(moi/wsij.
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Quando, pois, Deus decretou criar o homem à Sua imagem, porque não era
tão claro, explicitamente o repete nesta breve locução: à semelhança, como
se estivesse a dizer que iria fazer um homem no qual, mediante insculpidas
marcas de semelhança, se haveria de a Si Próprio representar como em
uma imagem. Por isso, referindo o mesmo pouco depois, Moisés repete
30
duas vezes a frase imagem de Deus, omitida a menção de semelhança.

Do mesmo modo, Von Rad (1901-1971): “A segunda [palavra] interpreta a


primeira, salientando a noção de correspondência e de semelhança”. 31 Seguindo
Bavinck, talvez possamos dizer que imagem aponta para uma espécie de protótipo.
A semelhança indica um ideal espiritual.32

30
J. Calvino, As Institutas, I.15.3.
31
Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: ASTE, 1986, v. 1, p. 152. Do mesmo modo,
Veja-se: Gerhard von Rad, El Libro del Genesis, Salamanca: Sigueme, 1977, p. 69.
32
Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 541.
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Em geral as duas palavras são simplesmente explicativas uma da outra: uma


define a outra,33denotando uma semelhança exata, correspondendo ao original
divino. Por isso, imagem e semelhança são usadas indistintamente nas Escrituras,
referindo-se ao homem. (Vejam-se: Gn 5.1,3; 9.6; 1Co 11.7; Cl 3.10; Tg 3.9). 34
Portanto, seja qual for a possível diferença existente entre os termos, nada de
essencial indica.

Maringá, 28 de julho de 2023.


Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

33
No entanto, as interpretações são variadas quanto ao significado e aplicação das expressões: Vejam-se: C.F.
Keil; F. Delitzsch, Commentary on the Old Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, [s.d.], v. 1, p. 63;
Victor P. Hamilton, Dãmâ: In: R. Laird Harris, ed. Theological Wordbook of the Old Testament, v. 1, p. 191-
192; Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos, 2001, p. 555; Herman Hoeksema, Reformed
Dogmatics, 3. ed. Grand Rapids, Michigan: Reformed Free Publishing Association, 1976, p. 204; A.H.
Strong, Systematic Theology, p. 521; L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho,
1990, p. 203; James Oliver Buswell, A Systematic Theology of the Christian Religion, Grand Rapids,
Michigan: Zondervan Publishing House, 1962, v. 1, p. 232; C.F.H. Henry, Imagem de Deus: In: Walter A.
Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v.
2, p. 310; J. Calvino, As Institutas, I.15.3; J. Calvino, Commentaries on The First Book of Moses Called
Genesis, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (Reprinted), v. 1, p. 93ss.; Gordon J. Spykman,
Teologia Reformacional: Um Nuevo Paradigma para Hacer la Dogmática, Jenison, MI.: The Evangelical
Leitarature League, 1994, p. 248; Anthony A. Hoekema, Criados à Imagem de Deus, p. 25-26,27; Morton H.
Smith, Systematic Theology, Greenville: South Carolina: Greenville Seminary Press, 1994, v. 1, p. 234-236;
Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 541-
543; Bruce K. Waltke; Cathi J. Fredericks, Gênesis, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, (Gn 2.26), p. 76-77;
Emil Brunner, Dogmática: A Doutrina Cristã da Criação e da Redenção, São Paulo: Fonte Editorial, 2006, v.
2, p. 84-93; Gerard van Groningen, Criação e Consumação, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, v. 1, p. 80-85;
Raymond C. Van Leeuwen, Forma e Imagem: In: Willem A. VanGemeren, org. Novo Dicionário
Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 4, p. 647-652.
(Para uma visão panorâmica e bibliográfica das diversas interpretações de Gn 1.26,27, veja-se: Claus
Westermann, Genesis 1-11: An Commentary, Menneapolis: Augsburg Publishing House, 1987 (Reprinted), p.
142ss.).
34
“1Este é o livro da genealogia de Adão. No dia em que Deus criou o homem, à semelhança (tUm:D)
(Demüth) de Deus o fez; (…) 3 Viveu Adão cento e trinta anos, e gerou um filho à sua semelhança (tUm:D)
(Demüth), conforme a sua imagem (meelec) (Tsëlëm), e lhe chamou Sete” (Gn 5.1,3). “Se alguém derramar
o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem
(meelec) (Tsëlëm)” (Gn 9.6). “Porque, na verdade, o homem não deve cobrir a cabeça, por ser ele imagem e
glória de Deus, mas a mulher é glória do homem” (1Co 11.7). “E vos revestistes do novo homem que se
refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl 3.10). “Com ela, bendizemos
ao Senhor e Pai; também, com ela, amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus” (Tg 3.9/Pv
14.31).

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