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Teologia

Sistemática I
TÓPICOS DE TEOLOGIA SISTEMÁTICA 1

Dr. Hermisten Maia Pereira da Costa


A SOBERANIA
DE DEUS
1
O homem foi
criado à imagem e
semelhança do
Deus Triúno
Os seres criados por Deus (peixes, aves, animais domésticos,
animais selváticos, etc.) o foram conforme as suas respectivas
espécies.

Por isso, toda a Criação revela de algum modo, aspectos da


glória de Deus, vestígios de seu Autor.
O homem, diferentemente, teve o seu modelo no próprio
Deus Criador (Gn 1.26; Ef 4.24), sendo distinto assim, de todo
o resto da Criação, partilhando com Deus de uma identidade
desconhecida por todas as outras criaturas, visto que somente
o homem foi criado “à imagem e semelhança de Deus”.

Somente o homem pode partilhar de um relacionamento


pessoal, voluntário e consciente com Deus.
"Embora todas as criaturas exibam vestígios de Deus,
somente o ser humano é a imagem de Deus. Ele inteiro é essa
imagem, alma e corpo, em suas faculdades e capacidades, em
todas as condições e relações. O ser humano é a imagem de
Deus porque, e na medida em que, é verdadeiramente
humano; e é verdadeiro e essencialmente humano porque, e
na medida em que, é a imagem de Deus" (BAVINCK, 2002, v.
2, p. 564).
No homem, como reflexo de seu Criador, Deus deve ser visto,
quer em sua natureza que expressa Deus, quer em seus atos,
visto que ele está comprometido com os interesses de Deus.
O seu propósito é glorificar a Deus, a quem ama e obedece.
Quando se trata de encontrar uma companheira para o
homem com a qual ele possa se relacionar de forma pessoal –
já que não se encontra em todo o resto da criação –, a solução
é uma nova criação, tirada da costela de Adão e, transformada
por Deus em uma auxiliadora idônea, com a qual Adão se
completará, constituindo-se os dois uma só carne (Gn 2.20-24;
Mc 10.8), unidos por Deus (Mt 19.6).
A constatação de Deus, é que não seria bom para o homem
permanecer só.

É Deus mesmo quem percebe a necessidade ainda


imperceptível ao homem.

Tudo na criação era bom, exceto a solidão do homem. “Deus


pôs o dedo na única deficiência existente no Paraíso”
(ORTLUND, JR., 1996, p. 38).
Waltke acentua que a declaração “é altamente enfática.
Essencialmente, é ruim para Adão viver sozinho” (WALTKE;
FREDERICKS, 2010, p. 104).

Gênesis inicia-se com uma belíssima descrição do cuidado de


Deus para com sua criatura:
“As cenas da criação são pintadas como se um artista as
visualizasse: Deus, como o oleiro, formando o homem; como
jardineiro, designando um jardim de beleza e abundância; e
como um edificador de templo, tomando a mulher da costela
do homem” (WALTKE; FREDERICKS, 2010, p. 94).

O paraíso não era o céu. O homem ainda não havia percebido


isso; no entanto, Deus sabe que a solidão lhe fará mal.
A carência vai se tornar evidente: Deus passou diante de Adão
todos os animais, para que este pudesse nominá-los,
distinguindo cada espécie.

Aqui vemos de passagem a inteligência de Adão, tendo


condições de discernir as espécies, exercitando a sua
capacidade de julgar, atribuindo nomes que, certamente,
estavam relacionados a características essenciais dos animais.
Entre toda a Criação, não há uma companheira à altura do
homem.

Como ser sociável que é, o homem necessitará de


compartilhar conhecimentos e afetos; amar e ser amado.

O homem, de fato, foi criado por Deus para viver em


companhia de seus semelhantes, mantendo uma relação de
ideias, valores e sentimentos.
A permanecer assim, os seus sentimentos mais profundos
permanecerão guardados; ele não terá um ser igual com
quem possa compartilhar, amar, se emocionar, ensinar,
aprender, se divertir.

No entanto, o mesmo Deus que criou o homem, propõe-se a


criar a sua companheira (Gn 2.21-22).
Deus como uma espécie de “pai da noiva”, leva-a até o noivo
(Gn 2.22).
Adão aprovou a nova criação de Deus.
As primeiras palavras do homem registradas nas Escrituras, se
configuram de forma poética:

“Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne;


chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada” (Gn
2.23).
Agora tornou-se possível uma relação satisfatória para o
homem e, ao mesmo tempo, eles poderão se perpetuar por
meio da procriação – como ato que reflete a sua identidade
de amor e complemento –, enchendo a terra e sujeitando-a,
conforme a ordem divina (Gn 1.28).

O Paraíso está pronto para se expandir.


1.1
A criação da mulher , a companheira
do homem (Gn 2.18)
“Não foi feita da sua cabeça, como para ter
domínio sobre ele, nem de seus pés, como
para não ser pisoteada por ele, senão de seu
lado, para ser igual a ele, de debaixo de seu
braço para ser protegida, e de junto ao
coração para ser amada”
(HENRY, 2000, v. 1, p. 58-59).
A mulher foi criada para ser companheira do homem.

Deste modo percebe-se a ideia de complemento.

O homem sozinho estaria no Paraíso.

Contudo, permaneceria só, sem uma companheira.

O Paraíso sem a mulher, seria um paraíso incompleto,


insatisfatório.
Visto que a mulher completaria o homem, esta, tornar-se-ia
da mesma forma incompleta se não cumprisse a sua missão.

Vemos então aqui, que somente os dois juntos, tornando-se


uma só carne, se encaminham para a plenificação como
imagem e semelhança de Deus por meio da geração de filhos,
a proliferação da raça humana, e o uso de seus talentos de
forma criativa e construtiva.
1.1.1 Auxiliadora idônea

“Far-lhe-ei uma auxiliadora


(rz<[e) (‘ezer) que lhe seja
idônea (dg<n<) (neged)” (Gn
2.18), é a solução encaminhada
por Deus.
1.1.1.1 Auxiliadora

(rz<[e) (‘ezer): “Auxiliadora”, “ajudadora”.


Esta palavra que nos tempos modernos é com frequência
olhada como se fosse uma diminuição da mulher, tem na
realidade, um tom extremamente significativo.

Ela é empregada especialmente para descrever a ação de


Deus que vem em socorro do homem.
Deus mesmo é o ajudador dos pobres (Sl 72.12), dos órfãos (Sl
10.14/Jó 29.12); daqueles que não podem contar com mais
ninguém (Sl 22.11).

Por isso, podemos contar com Deus nos momentos de


enfermidade (Sl 28.7); nas opressões de inimigos (Sl 54.4) e
em períodos de grande aflição (Sl 86.17).
Aqueles que vivem fielmente, buscando seu amparo em
Deus, podem ter a certeza do seu cuidado (Sl 37.40/Sl 89.21),
sendo a sua lei e as suas mãos os seus auxílios (Sl 119.
173,175).

Por isso, os servos de Deus suplicam a sua ajuda na batalha e


nas aflições (Dt 33.7/Sl 20.2; 30.10; 79.9; 109.26; 119.86).
O rei Uzias tornou-se famoso internacionalmente porque por
trás de todos os seus empreendimentos, estava a maravilhosa
ajuda de Deus (2Cr 26.15).

Por outro lado, quando Israel deixou de confiar no sustento de


Deus e buscou aliança com os egípcios para a sua proteção,
Deus diz que isso de nada adiantaria contra a Babilônia (Is
30.5,7; 31.3/Os 13.9).
Somos desafiados então, a confiar em Deus, porque Ele cuida
de nós; é o nosso amparo (Sl 33.20; 70.5; 72.12; 115.9-11;
124.8; Is 44.2): de Deus vem o nosso socorro (Sl 121.1-2).

Israel é feliz porque tem a Deus como aquele que o socorre


(Dt 33.26,29).

Felizes são todos aqueles que têm a Deus por auxílio (Sl
146.5).
Devido ao seu socorro, devemos entoar louvores ao seu nome
(Sl 28.7).

Dentro das profecias messiânicas de Isaías, vemos a confiança


do Ungido do Senhor.

Certo do socorro do Senhor, sabe que não será envergonhado


(Is 50.7,9).
Harriet e Gerard fazem uma bela e real aplicação:

“Que papel importante Deus dá a mulher. Ela se coloca ao


lado do seu marido como auxiliadora, assim como Deus se
coloca ao lado de seu povo” (VAN GRONINGEN; VAN
GRONINGEN, 1997, p. 99).
1.1.1.2 Idônea

(dg<n<) (neged): “Idônea”, tem o sentido de


“correspondente a ele”, “conforme”, “aquilo que
corresponde”, “sua contrária”.

Significa também, “estar em frente”, “defronte” (Ex 19.2; Js


3.16; 6.5,20; Dn 6.11).

A mulher foi formada como uma “contraparte” do homem; é


uma semelhança perfeita dele, ainda que lhe seja oposta, no
sentido de complemento.
O homem aprovou a criação de
Deus, porque pôde perceber a
mulher “não como sua rival mas
como sua companheira, não
como uma ameaça mas como a
única capaz de realizar seus
desejos íntimos”.

(ORTLUND, JR., 1996, p. 39).


Robertson analisa:

“O propósito da existência do homem como ser criado não é


ser um auxílio para a mulher no casamento. Mas o propósito
da existência da mulher como ser criado é glorificar a Deus
sendo um auxílio para o homem.
“(...) A mulher deve ser, na verdade, uma auxiliadora do
homem. Mas deve ser auxiliadora ‘correspondente a ele’. O
todo da criação de Deus serviria de auxílio...
...ao homem de uma ou outra maneira. Mas em parte alguma
da criação poder-se-ia achar um auxiliar ‘correspondente’ ao
homem (Gn 2.20). Somente a mulher como ser criado do
homem correspondeu a ele de tal maneira que fez dela o
auxílio adequado de que ele necessitava.

“Este traço distintivo da mulher indica que ela não é menos


significativa do que o homem com respeito à pessoa dela.
...De maneira igual ao homem, ela traz em si mesma a
imagem e semelhança de Deus (Gn 1.27). Somente
como igual em pessoalidade podia a mulher
‘corresponder’ ao homem” (ROBERSTON, 1997, p. 69).
1.1.2.
A igualdade entre o
homem e a mulher
“A masculinidade e a feminilidade identificam seus
respectivos papéis. Conforme Deus determinou, o homem,
em virtude de sua masculinidade, é chamado a liderar; e a
mulher, em virtude de sua feminilidade, é chamada para
ajudar. (...) Mas, observe: dominação masculina é uma falha
pessoal e moral, não uma doutrina bíblica” (ORTLUND, JR.,
1996, p. 40).
Deus ao criar a mulher não a fez inferior; ela também foi feita
conforme à imagem e semelhança de Deus (Gn 1.27).
A ordem divina quanto ao povoar a terra, dominar, guardar e
cultivar é responsabilidade de ambos.
Os dois partilham dos deveres e responsabilidades conferidos
por Deus.
Sozinhos, ambos são insuficientes para cumprirem o
propósito de Deus em sua vida.
1.2
Significado dos
termos: imagem e
semelhança
Os termos imagem meelec (Tsëlëm) e semelhança tUm:D
(Demüth) usados no texto de Gênesis, são entendidos, ainda
que não o sejam perfeitamente, como sinônimos, sendo
empregados para se referirem, de forma enfática, ao ser
humano como um todo, com todas as suas características
essenciais; uma “verdadeira imagem”.
Calvino (1509-1564), após criticar àqueles que procuravam
fazer uma distinção inexistente entre palavras, diz:

“Quando, pois, Deus decretou criar o homem à sua imagem,


porque não era tão claro, explicitamente o repete nesta breve
locução: à semelhança, como se estivesse a dizer que iria fazer
um homem no qual, mediante insculpidas marcas de
semelhança, se haveria de a Si Próprio representar como...
...em uma imagem. Por isso, referindo o mesmo pouco
depois, Moisés repete duas vezes a frase imagem de
Deus, omitida a menção de semelhança” (1985-1989,
I.15.3).

Do mesmo modo, Von Rad:


“A segunda [palavra] interpreta a primeira, salientando a
noção de correspondência e de semelhança” (1986, v. 1,
p. 152).
Em geral as duas palavras são simplesmente explicativas uma
da outra; uma define a outra, denotando uma semelhança
exata, correspondendo ao original divino.

Por isso, imagem e semelhança são usadas indistintamente


nas Escrituras, referindo-se ao homem:
“1Este é o livro da genealogia de Adão. No dia em que
Deus criou o homem, à semelhança (tUm:D) (Demüth)
de Deus o fez; (…) 3 Viveu Adão cento e trinta anos, e
gerou um filho à sua semelhança (tUm:D) (Demüth),
conforme a sua imagem (meelec) (Tsëlëm), e lhe
chamou Sete” (Gn 5.1,3).
“Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se
derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua
imagem (meelec) (Tsëlëm)” (Gn 9.6).

“Porque, na verdade, o homem não deve cobrir a cabeça, por


ser ele imagem e glória de Deus, mas a mulher é glória do
homem” (1Co 11.7).
“E vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno
conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl
3.10).
“Com ela, bendizemos ao Senhor e Pai; também, com ela,
amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus” (Tg
3.9/Pv 14.31).
Portanto, seja qual for a possível diferença existente entre os
termos, nada de essencial indica.
1.3
A imagem e
semelhança criadas
Aqui, a título de advertência, devemos frisar que temos
algumas pistas bíblicas – suficientes, é verdade –, para
orientar-nos quanto ao significado da imagem e semelhança
de Deus no homem; no entanto, estas indicações não são
sistemáticas ao ponto de possibilitar um estudo exaustivo e
definitivo sobre o assunto.
O homem foi criado por Deus segundo o próprio modelo
divino (Ef 4.24).

Isto não significa que o homem seja fisicamente igual a Deus.

Deus não tem forma, é espírito (Jo 4.24), nem significa que
seja da mesma essência, visto que esta é incomunicável.
A imagem e semelhança refletem, em Adão, características
próprias por intermédio das quais ele poderia relacionar-se
consigo mesmo, com o mundo e com Deus.

A imagem de Deus é uma precondição essencial para o seu


relacionamento com Deus, e expressa, também, a sua
natureza essencial: o homem é o que é, por ser a imagem de
Deus:
Não existiria humanidade senão pelo fato de ser a imagem de
Deus; esta é a nossa existência autêntica e toda inclusiva.

Barth (1886-1968), com propriedade, escreveu:


“Ele não seria homem se não fosse a imagem de Deus. Ele é a
imagem de Deus pelo fato de que ele é homem“ (2010, III/1,
p. 184).
Deste modo, “ser humano é ser a imagem de Deus. Portanto,
imago Dei descreve nosso estado normal. Não assinala algo
que está dentro de nós, ou a algo acerca de nós, senão a
nossa humanidade” (SPYKMAN, 1994, p. 248-249).
A imagem de Deus não é algo colado ou anexado a nós
podendo ser tirado ou recolocado. Antes, é algo essencial ao
nosso ser.

“A imagem de Deus é intrínseca à humanidade. Não seríamos


humanos sem ela. De toda a criação, somente nós somos
capazes de ter um relacionamento pessoal consciente com o
Criador e de reagir a Ele” (ERICKSON, 1997, p. 207).
Portanto, o homem não simplesmente possui a imagem de
Deus, como algo externo ou acessório, antes, ele é a própria
imagem de Deus.

Estudemos algumas características do homem como imagem


de Deus, dentro de uma perspectiva estrita:
1) Personalidade

O homem foi criado como um ser pessoal que tem


consciência e determinação própria.

Diferentemente de todos os outros animais, faz a


distinção entre o eu, o mundo e Deus; daí a capacidade
de se relacionar com Deus (Gn 3.8-14; Jr 29.13; Mt
11.28-30) e com o seu semelhante, podendo entender
(racionalmente) a vontade de Deus, fazer-se entender e
avaliar todas as coisas (Gn 1.28-30; 2.18,19).
2) Justiça e Santidade

O homem não foi criado como um ser neutro entre o bem e o


mal; ele foi formado bom, santo, como Deus o é de forma
absoluta.
Daí que, segundo a própria avaliação do seu Autor, tudo “era
muito bom” (Gn 1.31).
Ele foi formado em "retidão" e "verdadeira santidade" (Ec
7.29; Ef 4.24; Cl 3.10).
O homem tinha condições de entender a Palavra de Deus e a
sua lei.
A santidade e retidão originais do homem não significam
simplesmente inocência, mas, sim, o desejo inerente de ter
maior comunhão com Deus e agradar-lhe.

Havia uma perfeita harmonia entre o seu ser e a Lei Divina.

O homem conhecia e tinha prazer na vontade divina.


A justiça e a santidade eram derivadas de Deus, dependiam
fundamentalmente desta sua comunhão com o Criador.

Portanto, ao mesmo tempo em que não era impossível ao


homem pecar, também não havia nele nada que o
constrangesse a fazê-lo.
O homem é a “expressão mais nobre e sumamente admirável
de sua justiça, e sabedoria e bondade” (CALVINO, 1985-1989,
I.15.1).

Calvino explica o que significa "retidão" e "verdadeira


santidade":
"Portanto, por esta palavra se designa a perfeição de toda
nossa natureza, como apareceu quando Adão foi dotado com
um reto juízo, tinha os afetos em harmonia com a razão, tinha
todos os seus sentidos íntegros e bem regulados e realmente
excedia em tudo o que é bom" (CALVIN, 1996, v. 1, p. 94-95).
3) Liberdade

Adão e Eva dispunham de plena liberdade dentro do que lhe


foi permitido escolher, não havendo em sua natureza a
semente do pecado para influenciá-los à desobediência, ao
uso inadequado desta liberdade.

C.S. Lewis, coloca a questão nestes termos: “Se uma coisa é


livre para ser boa, também é livre para ser má. E o livre-
arbítrio foi o que tornou possível o mal...
...Por que Deus deu então o livre arbítrio? Porque o livre-
arbítrio, apesar de tornar o mal possível, é também a única
coisa que faz com que todo amor, bondade ou alegria valham
a pena. Um mundo de autômatos, de criaturas que
trabalhassem como máquinas, não valeria a pena ser criado”
(1979, p. 26).

A liberdade pressupõe responsabilidade. Deus criou o homem


livre e responsável pelos seus atos (Gn 2.16,17; 3.6-24).
Aliás, seja qual for a escolha que o homem faça, ele não perde
a sua responsabilidade, ainda que sua resposta seja a negação
do uso das capacidades que lhes foram conferidas, quer a
negação do próprio Deus Criador.
4) Conhecimento Espiritual

Cl 3.10. Adão, antes de pecar, tinha uma compreensão


genuína a respeito de Deus.

No entanto, “após a sua rebelião, ficou privado da verdadeira


luz divina, na ausência da qual nada há senão tremenda
escuridão” (CALVINO, 1998, p. 137).

O seu conhecimento tornou-se totalmente nulo quanto à


salvação.
É bom lembrar que a compreensão não era exaustiva, visto
ser Deus infinito e inesgotável e, também, que Adão ignorava,
em seu primeiro estado, aspectos do Ser de Deus, tais como o
seu amor redentor, o seu plano salvífico, a sua misericórdia,
etc.

A queda trouxe sérias consequências: a morte e a escravidão.


“Como a morte espiritual não é outra coisa senão o estado de
alienação em que a alma subsiste em relação a Deus, já
nascemos todos mortos, bem como vivemos mortos até que
nos tornamos participantes da vida de Cristo” (CALVINO,
1998, p. 51).
O homem perdeu totalmente seu discernimento espiritual:
ele está morto!
O pecado traz num outro estágio, a idolatria, visto que o
homem sozinho não consegue se relacionar com Deus, e até
mesmo ignora o Deus verdadeiro (At 17.22-29).
O Catecismo de Heidelberg (1563), à pergunta 6, responde:

“Deus criou o homem bom e à sua imagem, isto é, em


verdadeira justiça e santidade, a fim de que ele conhecesse
corretamente a Deus, seu Criador, o amasse de todo coração e
vivesse com ele em eterna bem-aventurança, louvando-o e
glorificando-o”.
5) Imortalidade

O homem foi criado para viver eternamente – corpo e alma –;


ele teve princípio mas, não teria fim.

Fomos criados para viver eternamente em comunhão com


Deus (Gn 2.17; 3.19; Rm 5.12; 6.23; 1Co 15.20,21).
Devemos enfatizar que, a fonte de nossa vida não estaria em
nós mesmos, mas em Deus, o único que é eterno e possui a
imortalidade:

“O único que possui imortalidade, que habita em luz


inacessível, a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de
ver. A ele honra e poder eterno. Amém!” (1Tm 6.16).
6) Espiritualidade

(Gn 2.7). O homem não é apenas corpo, ele foi criado e


dotado de corpo e alma, com anseios espirituais que se
concretizam na sua comunhão com o Criador.
O homem, como parte da criação, é tomado do pó da terra;
todavia, como imagem de Deus, recebe deste uma alma
eterna e imortal, a qual retornará ao seu Criador:
“E o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus,
que o deu” (Ec 12.7).

Van Groningen amplia o conceito, dizendo que homem e


mulher são “extracósmicos no sentido de que não devem ser
considerados só como matéria que pode funcionar de uma
maneira altamente desenvolvida. Ser espiritual é ser capaz de
se comunicar e exercer comunhão íntima com Deus ‘que é
Espírito’ (Jo 4.24)” (2002, v. 1, p. 84).
7) Domínio sobre a natureza

Um dos aspectos da imagem de Deus no homem, é o seu


domínio legítimo, pacífico e prazeroso sobre a Criação (Gn
1.26,27; Sl 8.5-8).

“Deus criou Adão e Eva e os colocou nele [reino cósmico] para


serem seus representantes e agentes. Ele os fez ser realeza;
Ele lhes deu um status real” (VAN GRONINGEN, 2002, v. 1, p.
71).
Deste modo, a Criação estava naturalmente sob o seu
domínio.

Deus demonstrou o poder concedido ao homem, partilhando


amorosamente com ele, conforme vimos, o direito de dar
nome (classificando as espécies, revelando um conhecimento
das características distintivas de cada uma) aos animais (Gn
2.19,20).
Por derivação da autoridade divina, “ao homem competia
refletir o governo de Deus mediante um governo real exercido
sobre a terra” (ADAMS, 1977, p. 129).

Desta forma, como pontua Brunner:


“O homem não é chamado para um domínio absoluto,
arbitrário, da natureza, mas para um domínio que permaneça
sob a ordem do Criador, e, portanto, honra e ama o universo
criado como criação de Deus” (2006, v. 2, p. 102).
Portanto, o domínio sobre a Criação não significa destruição e
matança, antes o conhecimento e o interesse próprio pelo que nos
fora confiado e o desejo de preservá-lo para poder apresentar a
Deus o resultado de nosso trabalho, feito em obediência à sua
vontade e, portanto, realizado para a sua glória.

O homem glorifica a Deus cumprindo o propósito de Deus para a


sua Criação.

Renunciar a este governo ou transformá-lo em destruição, significa


rejeitar algo de característico na sua natureza essencial de imagem
de Deus.
8) Corporeidade

Deus não tem corpo, nem por isso, o corpo humano é menos
importante do que a sua alma.
Deus é quem cria o espírito e a matéria.
É por meio de seu corpo que o homem reflete as maravilhas
de ter sido criado à imagem de Deus.
Não há no homem uma espiritualização em detrimento do
corpo. O homem é um ser integral.
A salvação é integral, assim como será a nossa morada eterna
após a nossa ressurreição final.
Portanto, cremos que a imagem de Deus abrange o seu corpo.
Jesus Cristo se encarnou para salvar o homem todo.

Herman Bavinck, escreve:


"O corpo não é uma prisão, mas uma peça de arte
maravilhosa produzida pela mão do Todo-Poderoso e tão
constituinte da essência da humanidade quanto a alma (Jó
10.8-10; Sl 8; 139.13-17; Ec 12.2-7; Is 64.8)...
...Ele é nossa morada terrena (2Co 5.1), nosso órgão ou
instrumento de serviço, nossa ferramenta (1Co 12.18-26; 2Co
4.7; 1Ts 4.4) e os membros do corpo são as armas com as
quais pelejamos na causa da justiça ou da injustiça (Rm 6.13).
Ele é tão integral e essencialmente parte de nossa
humanidade que, embora tenha sido violentamente
arrancado da alma pelo pecado, será reunido com ele na
ressurreição dos mortos. (...)
...Ora, esse corpo, que está tão intimamente ligado à alma,
também pertence à imagem de Deus. (...) O corpo humano é
uma parte da imagem de Deus em sua organização como
instrumento da alma, em sua perfeição moral, não em sua
substância material como carne. (...) A encarnação de Deus é
prova de que os seres humanos, e não os anjos, são criados à
imagem de Deus e que o corpo humano...
... é um componente essencial dessa imagem" (2012, v. 2, p.
568-569).

Em essência, se queremos saber mais sobre a imagem e


semelhança de Deus, olhemos para Cristo, porque nele, temos
de forma inconfundível e perfeita, “a imagem do Deus
invisível” (Cl 1.15).
2
O homem caído:
a imagem desfigurada
Para Pensar
“Na verdade, o que torna o pecado humano realmente
grande é o fato de que ele ainda é alguém que traz a
imagem de Deus. O que faz o pecado tão hediondo é que
o homem está prostituindo dons tão esplêndidos.
Corruptio optimi pessima: a corrupção do que é ótimo é
pior”
(HOEKEMA, 1999, p. 101-102).
“O coração da rebelião de satanás e do homem estava no
desejo de ser autônomo” (SCHAEFFER, 2002, p. 256).

“A natureza de Satanás consiste em pensar, falar e agir em


constante e maliciosa oposição a Deus, o Criador, e, por
conseguinte, em oposição ao povo de Deus também”
(PACKER, 1994, p. 78).
Como os nossos primeiros pais foram levados ao pecado
numa atmosfera perfeita?
“Apesar de ter sido colocado num Paraíso, cercado de
abundantes bênçãos de Deus, o homem escolheu resistir ao
direito de Deus de governar sobre ele” (LAWSON, 2012, v. 1,
p. 76).
Talvez devido ao “interesse existencial” do problema é que
esta pergunta tem atravessado os séculos.
A resposta para mim é simples e me contento com ela; não
pelo prazer da ignorância, antes como uma confissão de meu
limite dentro da esfera do revelado na Escritura: Não sei.

O meu não saber não invalida o fato, nem elimina a razão de


sua existência, apenas, resume uma ignorância pessoal.
A Palavra relata que Adão e Eva, criados em perfeita retidão,
tendo perfeita liberdade de escolha optaram por
desobedecerem a Deus e comeram da árvore do bem e do
mal que lhes fora expressamente proibida por quem tinha
poderes para fazê-lo (Gn 2.15-17).

No Paraíso, Satanás tentou os nossos primeiros pais por meio


do desejo, que certamente de alguma forma cultivavam, de
serem iguais a Deus.
Eles se esqueceram de todo o histórico de sua relação com o
Deus fiel, amoroso, justo e sábio; o seu desejo falou mais alto
aos seus corações.

O desejo ainda que por vezes momentâneo tende a eternizar-


se na brevidade de seu ardor.

Aqui eles conceberam o que pode ser chamado de mal moral.


“Mal moral é o mal resultante das escolhas e das ações dos
seres humanos” (NASH, 2006, p. 247).
Paulo interpretando o acontecimento histórico registrado em
Gênesis, diz:
“Mas receio que, assim como a serpente enganou (e)capata/w
= desviou, seduziu, desencaminhou) a Eva com a sua astúcia
(panourgi/a = “ardil”, “truque”, “maquinação”, “trapaça”),
assim também sejam corrompidas as vossas mentes, e se
apartem da simplicidade e pureza devidas a Cristo” (2Co
11.3).
Novamente: “A mulher, sendo enganada, (e)capata/w) caiu
em transgressão” (1Tm 2.14).

O verbo grego (e)capata/w) tem o sentido de enganar


completamente, conseguindo totalmente o seu objetivo;
deste modo, Eva, segundo o texto nos diz, foi completamente
enganada por Satanás.
Assim, quando ela cede à tentação, está plenamente
convencida de que o que faz é certo dentro de seus objetivos
duvidosos.

Daqui podemos concluir que a certeza subjetiva não significa


necessariamente a correta interpretação dos fatos.

Satanás enganou Eva e Adão.


Após isso, os fez crer que a mentira em que creram era a
verdade.
Satanás, que tem pretensões divinas, fez com que Eva o
seguisse.
Adão, a seguiu.
Ninguém seguiu Deus.
O caos se instalara.
Nossos primeiros pais demonstraram que seguiriam a um
novo senhor.
As consequências viriam de forma intensamente perceptível.

A proximidade de Satanás os afastará cada vez mais de Deus.

No tempo próprio, que não demoraria, eles se esconderiam


da presença de Deus (Gn 3.8-10).

A presença abençoadora e alegre de Deus no cair da tarde,


tornou-se uma presença terrificante e assombrosa.
Deus continuava a ser o mesmo. O homem, no entanto, não.

O pecado nos afasta de Deus, rejeitando a sua presença que,


por si só, revela o nosso estado de desobediência, tornando
notória a nossa infelicidade conquistada autonomamente.

Na realidade, Eva e Adão desejaram a autonomia; ter um


conhecimento independentemente de Deus.
Queriam ser iguais a Deus, autossuficientes.

O limite é, com frequência, o atrativo maior do desejado.

"Os homens pecaminosos nunca se dispõem a andar dentro


das fronteiras que Deus impõe às suas criaturas. Em sua
arrogância, declaram sua suposta liberdade e reivindicam ser
senhores de seus próprios destinos" (HARMAN, 2011, p. 79).
Mas, ao mesmo tempo, o limite é o teste de nossa fidelidade
e caminho de crescimento.

Satanás, que cita a Palavra de Deus - afinal, ele “sabe


empregar a Palavra de Deus como arma na luta”
(BONHOEFFER, 1968, p. 52) -, insinua que há algo mais
profundo e rápido do que o árduo estudo das Escrituras; ele
propicia “revelações especiais”, sonhos, “luz interior”.
Satanás sempre objetiva nos afastar de Deus e, quando damos
crédito às suas insinuações, ele consegue o seu objetivo.

O pecado é enganoso, dando-nos a impressão, num primeiro


momento, de plena e completa satisfação.
Ele tende a satisfazer os nossos desejos mais imediatos,
muitos dos quais até legítimos em determinadas
circunstâncias – ainda que nem sempre –; no entanto,
fornece-nos caminhos que conflitam com a Palavra de Deus,
que nos conduzem ao fracasso ou à perda da oportunidade de
nosso amadurecimento, da lapidação do nosso caráter e vida
espiritual.
Na narrativa bíblica da Criação, lemos: “Do solo fez o SENHOR
Deus brotar toda sorte de árvores agradáveis à vista e boas
para alimento; e também a árvore da vida no meio do jardim
e a árvore do conhecimento do bem e do mal ([r;)(ra`)” (Gn
2.9).

Lemos também a respeito da proibição divina aos nossos


primeiros pais:
“16E o SENHOR Deus lhe deu esta ordem (hw"c') (tsavah): De
toda árvore do jardim comerás livremente, 17Mas da árvore
do conhecimento do bem e do mal ([r;)(ra`) não comerás;
porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás”
(Gn 2.16-17).

Eles desobedeceram.
A chave da questão não está na árvore, antes, na
desobediência à ordem de Deus:
“Perguntou-lhe Deus: Quem te fez saber que estavas nu?
Comeste da árvore de que te ordenei (hw"c') (tsavah) que não
comesses?” (Gn 3.11).

“E a Adão disse: Visto que atendeste a voz de tua mulher e


comeste da árvore que eu te ordenara (hw"c') (tsavah) não
comesses, maldita é a terra por tua causa; em fadigas obterás
dela o sustento durante os dias de tua vida” (Gn 3.17).
O contraste posterior com Noé é evidente. Este, fez tudo
quando o Senhor ordenara (hw"c') (tsavah) (Gn 6.22,
7.5,9,16).
Os mandamentos de Deus são para serem literalmente
cumpridos:
“Tu ordenaste (hw"c') (tsavah) os teus mandamentos, para
que os cumpramos à risca” (Sl 119.4).
Observe a ênfase dada à ordem divina.
Somente Deus tem autoridade para estabelecer leis e critérios
para a sua criação
Na realidade pouco importaria para Deus o que o homem
comeria no Jardim do Éden, exceto pelo fato dele estabelecer
a sua proibição como sinal de sua autoridade absoluta,
demarcando o limite que caracterizaria a obediência ou não
do homem e da mulher, suas criaturas.
Apesar de o pecado ter comprometido, de forma gravíssima
todas as faculdades originais do ser humano, o homem não
deixou de ser a imagem e semelhança de Deus – visto que
isto implicaria em deixar de ser homem.

Nele “esses atributos ainda estão presentes em ‘pequenas


reservas’ remanescentes da sua criação” (BAVINCK, 2001, p.
18).
Contudo, ele se tornou uma imagem desfigurada, pervertida,
desfocalizada, mais propriamente uma “caricatura” do seu
Criador.

Em outras palavras: continuamos sendo homens, ainda que


em franca rebelião contra Deus.
Perdemos, assim, algo de nossa humanidade.
Agora a sua maneira de perceber a realidade e responder a
ela passou por uma mudança drástica, sofreu uma virada
antropológica.
O homem deseja satisfazer unicamente seus interesses.
A realidade tornou-se egorreferente.
A condição de pecador, é a expressão negativa por livre
escolha, de ser e existir criado à imagem de Deus.
A consciência da escolha torna-se real e relevante na condição
de pecador.
Na obediência em amor, não ocorre a possibilidade da
desobediência.
Portanto, o pecado nos identifica como criados à imagem de
Deus e, ao mesmo tempo, como alguém que usou
terrivelmente deste privilégio.
Calvino (1509-1564), comentando este assunto, disse que,
“quando de seu estado [original] decaiu Adão, não há mínima
dúvida de que por esta defecção se haja alienado de Deus.
Pelo que, embora concedamos não haja sido nele aniquilada e
apagada de todo a imagem de Deus, foi ela, todavia,
corrompida a tal ponto que, o que quer que resta, é horrenda
deformidade” (1985-1989, I.15.4).
O pecado como consequência da desobediência voluntária do
homem (Gn 3.1-6; Is 48.8; Rm 1.18-32), trouxe sobre ele
efeitos danosos, tornando-o necessitado de salvação, a qual
estava além de sua capacidade de obtê-la.

Analisemos agora o significado do pecado e as suas


consequências.
2.1
O significado do pecado

(HOEKEMA, 1999, p. 101-102).


O Catecismo Menor de Westminster define bem a questão:
“Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus,
ou qualquer transgressão desta lei” (Vejam-se: Tg 2.10; 4.17;
1Jo 3.4).
Pecar significa agir de maneira contrária aos princípios
expressos por Deus em sua Palavra.
No pecado de nossos primeiros Pais, encontramos a
expressão da falta de amor por Deus que já cultivavam em
seus corações.
2.2
O pecado é universal

(HOEKEMA, 1999, p. 101-102).


Todos pecaram.
O homem além de não querer, nada pode fazer para deixar de
pecar.
Após a queda, a natureza humana se corrompeu total e
intensamente, se estendendo essa contaminação a todas as
áreas da sua vida.
O pecado trouxe um quadro de irreversibilidade pecaminosa
que se perpetuou em todos os seres humanos devido o seu
pecado.

Ou seja: o homem continuou nesta prática (Gn 6.5; 8.21; Is


64.6; Rm 3.9-12).

A Escritura nos fala que o pecado, comum a todos nós, nos fez
cativos, habitando em nós, mantendo-nos sob o seu domínio:
“Em verdade, em verdade vos digo: todo o que comete pecado
é escravo do pecado” (Jo 8.34).

“Porque, quando éreis escravos do pecado, estáveis isentos


em relação à justiça” (Rm 6.20).

“Mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando


contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do
pecado que está nos meus membros” (Rm 7.23).
“Neste caso, quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que
habita em mim. (...) Mas, se eu faço o que não quero, já não
sou eu quem o faz, e sim o pecado que habita em mim” (Rm
7.17,20).

Portanto, negar a nossa condição de pecadores, é negar a


própria Palavra de Deus, que diz:
“Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo
mentiroso e a sua palavra não está em nós” (1Jo 1.10).

“Não ser consciente de pecado algum é o pior pecado de


todos” (BARCLAY, 1985, p. 118).

O pecado é o grande nivelador de toda a humanidade: todos


pecaram; todos estão no mesmo nível.
Não há lugar para arrogância ou supostas boas obras
justificadoras (Rm 3.19-20).

Se todos pecaram, isso significa que nós também pecamos; se


todos precisam de salvação, significa que nós também
precisamos.

“Pecado não é algo peculiar a uns poucos, senão que permeia


o mundo inteiro” (CALVINO, 1998, p. 52).
O pecado nos impossibilita totalmente de nos salvar a nós
mesmos.

Na Oração do Senhor temos um indicativo da universalidade


do pecado.

“O fato de Jesus ensinar a todas as pessoas a fazerem esta


oração demonstra a universalidade do pecado; e para repetir
esta oração se requer um sentido de pecado” (BARCLAY, 1985,
p. 118).
2.3 A comunhão com Deus foi interrompida

O pecado gerou a separação entre o homem e o Deus Santo,


Justo, Puro e Sublime (Is 59.2).

O homem encontra-se num estado de rebelião contra Deus (Is


65.2).
2.4 O homem está morto

O pecado como algo universal, trouxe como justo pagamento,


a morte de todos: o salário do pecado é a morte:

“Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no


mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte
passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5.12).
“Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de
Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm
6.23).

A Bíblia nos fala de três tipos de morte decorrentes do


pecado:
1) A Morte física

Separação da alma e corpo, pela qual todos os homens  com


exceção dos que estiverem vivos quando Cristo retornar em
Glória  terão de passar:

“E o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que


o deu” (Ec 12.7).
“Eis que vos digo um mistério: nem todos dormiremos, mas
transformados seremos todos, num momento, num abrir e
fechar de olhos, ao ressoar da última trombeta. A trombeta
soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos
transformados” (1Co 15.51-52).

“E, assim como aos homens está ordenado morrerem uma só


vez, vindo, depois disto, o juízo” (Hb 9.27).
Adão e Eva ao desobedecerem a Deus, tiveram a sua sentença
de morte decretada.

Eles morreram espiritualmente imediatamente – ficando


separados de Deus –; todavia, a morte física, que veio
também como consequência do pecado (Gn 2.16,17; 3.11-24;
Rm 5.12), não foi imediatamente executada, porque Deus
usou de sua graça comum, protelando, adiando a plena
execução da sua sentença (Gn 3.15,19).
Deus concedeu oportunidade para o arrependimento do
homem (Is 48.9; Jr 7.23-25; Lc 13.6-9; Rm 2.4; 9.22; 2Pe 3.9).

Entretanto, o seu juízo entrou em processo de concretização,


tornando a vida uma caminhada para a morte.

A condenação de Deus indica como Deus leva a sério o


pecado.
O pecado passou a ser o selo de todas as suas obras:
“Viu o SENHOR que a maldade do homem se havia
multiplicado na terra e que era continuamente mau ([r;)(ra`)
todo desígnio do seu coração” (Gn 6.5).
Desde então, o pecado sujeitou o homem ao juízo histórico e
eterno (Mt 5.21-22; 12.36; Rm 5.16; 1Tm 5.24); por isso, parte
deste juízo já é manifesto nesta vida (Jo 3.16-18), mas não
totalmente.

Daí a perplexidade de alguns servos de Deus em


determinados momentos da história, quando o mal parece
oprimir e esmagar o bem (Sl 73.1-14; Hc 1.1-17; Ml 3.14-15).
As consequências, portanto, não foram simplesmente
visivelmente imediatas.
Elas ainda iriam aparecer.
A natureza humana foi corrompida.
O processo de morte entrou em cena na vida humana.
A morte, portanto, soa como algo anormal, contrária ao nosso
desejo de viver.
O nosso desejo vislumbra a perpetuidade da vida; os nossos
esforços se concentram neste ideal, enquanto que o nosso
organismo caminha de forma cada vez mais célere para a
morte.
Esta é a terrível geografia da humanidade.
“O que distingue os humanos de todas as outras criaturas é a
autoconsciência. Sabemos que estamos vivos e que
morreremos, e não conseguimos deixar de questionar por que
a vida é assim e qual é o seu significado” (COLSON; FICKETT,
2008, p. 20).
2) A morte espiritual

Interrupção da comunhão com Deus.


O pecado gerou a quebra de nossa comunhão com Deus; isto
significa a nossa morte espiritual, pois a vida está em Deus, e
sem comunhão com Ele estamos mortos (Is 59.2; Ef 2.1,5; Cl
2.13), expressando em nossa vida, paradoxalmente, as
propriedades próprias de um cadáver.
“Uma vez que, de acordo com as Escrituras, o significado mais
profundo da vida é a comunhão com Deus, o significado mais
profundo da morte tem de ser a separação de Deus”, conclui
Hoekema (1989, p. 108).
3) A morte eterna

A interrupção eterna e definitiva da comunhão com Deus.


Os homens que morrem fisicamente, estando mortos
espiritualmente, estão mortos eternamente para Deus, não
tendo mais oportunidade de arrependimento (Hb 9.27).
Em síntese, o pecado lançou o homem num estado de miséria
espiritual contra o qual ele nada pode fazer:

“Ouvindo isto, os discípulos ficaram grandemente


maravilhados e disseram: Sendo assim, quem pode ser salvo?
26 Jesus, fitando neles o olhar, disse-lhes: Isto é impossível aos

homens, mas para Deus tudo é possível” (Mt 19.25-26).


“Sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras
da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos
crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé
em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei,
ninguém será justificado” (Gl 2.16).

Isto torna todos os homens dependentes única e


exclusivamente da salvação de Deus manifestada em Cristo.
Referências
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