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A IMAGEM DE DEUS (Gn 1.27) pág. orig.

A Escritura ensina (Gn 1.26,27; 5.1; 9.6; 1Co 11.7; Tg 3.9) que Deus fez o homem e a
mulher à sua própria imagem, imagem que não se vê em nenhuma outra criatura
terrena. A dignidade especial dos seres humanos está no fato de, como homens e
mulheres, poderem refletir e reproduzir — dentro de sua própria condição de criaturas
— os santos caminhos de Deus. Os seres humanos foram criados com esse propósito e,
por isso, num sentido, só serão verdadeiros seres humanos na medida em que
cumprirem esse propósito.

O objetivo da imagem de Deus na humanidade não está especificado em Gn 1.26,27,


mas o contexto da passagem nos ajuda a defini-lo. O texto de Gênesis 1.1-25 descreve
Deus como sendo pessoal, racional (dotado de inteligência e vontade) como criador que
governa o mundo que criou, e como ser moralmente admirável (pois tudo o que criou é
bom). Assim, a imagem de Deus reflete claramente estas qualidades. Os versículos 28-
30 mostram Deus abençoando os seres humanos que acabou de criar, conferindo-lhes o
poder de governar a criação, como seus representantes e delegados. A capacidade
humana para comunicar-se e para relacionar-se tanto com Deus como com outros seres
humanos aparece como outra faceta dessa imagem.

Por isso, a imagem de Deus na humanidade, que surgiu no ato criador de Deus, consiste
em: a) existência do homem como uma "alma" ou "espírito" (Gn 2.7), isto é, como ser
pessoal e auto-consciente, com capacidade semelhante à de Deus para conhecer, pensar
e agir; b) ser uma criatura moralmente elevada — qualidade perdida na Queda, porém
agora progressivamente restaurada em Cristo (Ef 4.24; Cl 3.10); c) domínio sobre o
meio ambiente; d) ser o corpo humano o meio através do qual experimentamos a
realidade, nos expressamos e exercemos domínio e e) na capacidade que Deus nos deu
para usufruir a vida eterna.

A Queda deformou a imagem de Deus não só em Adão e Eva, mas em todos os seus
descendentes, ou seja, em toda a raça humana. Estruturalmente, conservamos essa
imagem no sentido de permanecermos seres humanos: funcionalmente, porém, por
sermos agora servos do pecado, somos incapazes de usar nossos poderes para espelhar
a santidade de Deus. A regeneração começa em nossas vidas o processo de restauração

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da imagem moral de Deus. Porém, enquanto não formos inteiramente santificados e
glorificados, não podemos refletir, de modo perfeito, a imagem de Deus em nossos
pensamentos e ações — como fomos criados para fazer e como o Filho de Deus
encarnado refletiu na sua humanidade (Jo 4.34; 5.30; 6.38; 8.29, 46).

CORPO E ALMA, MACHO E FÊMEA (Gn 2.7) pág. orig.10

Cada ser humano neste mundo é dotado de um corpo material animado por um eu
pessoal imaterial. As Escrituras chamam a este eu de "alma" ou "espírito". "Alma" dá
ênfase àquilo que é distinto na personalidade consciente de uma pessoa; "espírito"
carrega consigo não só as nuances da personalidade derivadas de Deus, mas também a
dependência dele e a distinção do corpo como tal.

A Bíblia leva-nos a dizer que temos e somos tanto corpo, quanto alma e espírito, mas é
erro pensar que alma e espírito são entidades diferentes; o ponto de vista tricotômico do
homem, como corpo, alma e espírito, é incorreto. A idéia comum de que a alma é
apenas um órgão de percepção deste mundo, enquanto o espírito é um órgão distinto,
que nos permite estabelecer comunhão com Deus, conduzido à vida na regeneração,
está fora dos padrões do ensino bíblico. Além do mais, um tal ponto de vista nos leva a
um anti-intelectualismo aleijado, que separa a intuição espiritual da reflexão teológica,
empobrecendo a ambos — pois a teologia passa a ser considerada como humana e não
espiritual, enquanto a percepção espiritual como não relacionada com a tarefa de
ensinar e aprender a verdade revelada de Deus.

A personificação da alma é integral no desígnio de Deus para a humanidade. Através do


corpo experimentamos nosso meio, usufruimos e controlamos as coisas que estão ao
redor de nós e relacionamo-nos com outras pessoas. Nada há de mau ou corruptível a
respeito do corpo, como criado por Deus, no início. Se o pecado não tivesse ocorrido, o
envelhecimento físico e o declínio que conduz à morte, como a conhecemos não seriam
parte da experiência humana (Gn 2.17; 3.19, 22; Rm 5.12). Agora, porém, a corrupção
atingiu a todos na sua natureza psico-física, como claramente mostram os desejos
desordenados da mente e do corpo, guerreando um contra o outro, bem como contra
todas as regras da sabedoria e da justiça.

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Na morte, a alma deixa o corpo, mas esta não é a libertação que a filosofia Grega e
algumas seitas têm imaginado. A esperança cristã não consiste na redenção da alma em
relação ao corpo, mas consiste na redenção do corpo. Aguardamos nossa participação
na ressurreição de Cristo com a ressurreição dos nossos corpos e por meio dessa
ressurreição. Ainda que desconheçamos, no presente, a exata composição dos nossos
corpos glorificados, sabemos que haverá uma continuidade dos nossos corpos atuais
(1Co 15.35-49; Fl 3.20,21; Cl 3.4).

Os dois gêneros, macho e fêmea, pertencem ao padrão da criação. Os homens e as


mulheres trazem em si, igualmente, a imagem de Deus (Gn 1.27) e, em conseqüência, a
dignidade deles é igual. A natureza complementar desses dois gêneros visa ao
enriquecimento da cooperação (ver Gn 2.18-23), não só no casamento, na procriação e
na vida familiar, porém também nas mais amplas atividades da vida. A percepção da
diferença entre uma pessoa do outro sexo e de si mesmo torna-se uma escola para
aprender a prática e a alegria da apreciação, da abertura, da honra, do serviço e da
fidelidade.

A QUEDA (Gn 3.6) pág. orig. 13.

Na carta aos Romanos, Paulo afirma que toda a humanidade está sob a culpa e o poder
do pecado, sob o reino da morte e sob a inescapável ira de Deus (Rm 1.18,19; 3.9, 19;
5.17, 21). Ele relaciona a origem desse estado ao pecado de um homem — Adão —,
que ele trata como nosso ancestral comum (At 17.26; Rm 5.12-14, cf. 1Co 15.22).
Paulo, como apóstolo, deu sua interpretação autorizada à história registrada em Gn 3,
onde encontramos a narrativa da Queda, a desobediência humana original, que afastou
o homem de Deus, da santidade, atirando-o para o pecado e à perdição. Os principais
pontos dessa história, vista pelas lentes da interpretação de Paulo, são:

1. Deus criou o primeiro homem como representante de toda a sua posteridade,


exatamente do mesmo modo como fez de Cristo o representante de todos os eleitos
(Rm 5.15-19, cf. 8.29,30 e 9.22-26). Em ambos os casos, o representante envolveu
aqueles a quem representa nos frutos de sua ação pessoal, quer na sua riqueza (no caso
de Cristo) ou no seu infortúnio (no caso de Adão). Este arranjo divinamente
estabelecido, pelo qual Adão determinou o destino de seus descendentes, tem sido

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chamado de a "Aliança das obras", ainda que esta frase não ocorra nas Escrituras.

2. Deus colocou Adão num estado de felicidade e prometeu a ele e a sua posteridade
confirmá-los nesse estado permanentemente se, nesse estado, Adão mostrasse
fidelidade, obedecendo ao mandamento de Deus, não comendo da árvore descrita como
a "árvore do conhecimento do bem e do mal" (Gn 2.17). Aparentemente, a questão era
se Adão aceitaria Deus determinar o que era bom e mal ou se procuraria decidir isso por
si mesmo, independentemente do que Deus lhe tinha dito.

Adão, levado por Eva — que por que vez foi induzida pela serpente (Satanás
disfarçado, 2Co 11.3, 14; Ap 12.9) — afrontou a Deus comendo do fruto proibido.
Como consequência, primeiro de tudo, a auto-exaltadora disposição da mente, contrária
a Deus e expressa no pecado de Adão, tornou-se parte dele e da natureza moral que ele
transmitiu aos seus descendentes (Gn 6.5; Rm 3.9-20). Em segundo lugar, Adão e Eva
foram dominados por um senso de profanação e culpa que os tornou envergonhados e
cheios de medo de Deus — com justificada razão. Em terceiro lugar, eles foram
amaldiçoados com expectação de sofrimento e morte, e foram expulsos do Éden. Ao
mesmo tempo, contudo, Deus começou a mostrar-lhes graça salvadora. Fez para eles
vestimenta para cobrir sua nudez e prometeu-lhes que um dia a Semente da mulher
esmagaria a cabeça da serpente. Esta promessa prenunciou a Cristo.

Ainda que esta história, de certo modo, seja contada em estilo figurativo, o livro de
Gênesis pede-nos que a leiamos como História. No Gênesis, Adão está ligado aos
patriarcas e, através deles, por genealogia, ao resto da raça humana (Caps. 5, 10 e 11),
fazendo dele uma parte da História, tanto quanto Abraão, Isaque e Jacó. Todas as
principais personalidades do livro do Gênesis, depois de Adão — exceto José — são
mostradas claramente como pecadoras, de um modo ou de outro, e a morte de José,
como a morte de quase todos os outros na história, é cuidadosamente registrada (Gn
50.22-26). A afirmação de Paulo — "em Adão todos morrem" (1Co 15.22), só torna
explícito aquilo que o Gênesis implica claramente.

É razoável afirmar que a narrativa da Queda sozinha dá qualquer explicação


convincente para a perversão da natureza humana. Pascal disse que a doutrina do
pecado original parece uma ofensa à razão, porém, uma vez aceita, dá sentido total à

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condição humana. Ele estava certo; e a mesma coisa podemos e devemos dizer a
respeito da própria narrativa da Queda.

A ALIANÇA DA GRAÇA DE DEUS (Gn 12.1-3) pág. orig. 30

Nas Escrituras, as alianças ou pactos são acordos solenes negociados ou impostos


unilateralmente, acordos que ligam as partes umas às outras em relações permanentes,
definidas, com promessas específicas, com reivindicações e obrigações de ambos os
lados (Exemplo, a aliança do casamento, em Ml 2.14).

Quando Deus faz na Aliança com suas criaturas, só ele estabelece as condições, como
mostra seu pacto com Noé e seus descendentes (Gn 9.9). Quando Adão e Eva
fracassaram em obedecer os termos do pacto das obras (ver Gn 3.6 e a nota teológica a
respeito da Queda), Deus não os destruiu, mas revelou o sua Aliança da graça,
prometendo-lhes um Salvador (Gn 3.15). O pacto de Deus descansa sobre sua
promessa, como fica claro do sua Aliança com Abraão. Ele chamou Abraão para ir à
terra que ele lhe daria e prometeu abençoá-lo e a todas as famílias da terra através dele
(Gn 12.1-3). Abraão considerou a chamada de Deus porque creu na promessa de Deus;
foi a fé de Abraão na promessa de Deus que lhe foi creditada como justiça (Gn 15.6;
Rm 4.18-22). A Aliança de Deus com Israel, no Sinai, está na forma de tratados de
Suzeranos do antigo Oriente Médio. Estes são alianças impostas unilateralmente por
um rei poderoso sobre um rei vassalo e um povo servo.

Ainda que a aliança do Sinai exigisse obediência às leis de Deus, sob a ameaça de
maldição, ele era continuação do pacto da graça (Êx 3.15; Dt 7.7,8; 9.5,6). Deus deu
mandamento a um povo que ele já tinha redimido e reivindicado (Êx 19.4; 20.2). A
graciosa promessa do pacto de Deus foi posteriormente definida por meio de tipos e
sombras da lei dada a Moisés. O fracasso dos israelitas em guardar a aliança de Deus,
mostrou a necessidade de um novo pacto que assegurasse o poder para obedecer (Jr
31.31-34; 32.38-40, cf. Gn 17.7; Ex 6.7; 29.45,46; Lv 11.44,45; 26.12).

O pacto de Deus com Israel foi uma preparação para a vinda do próprio Deus, na
pessoa do seu Filho, para cumprir todas as suas promessas e para dar substância às
sombras apresentadas pelos tipos (Is 40.10; Ml 3.1; Jo 1.14; Hb 7—10). Jesus Cristo, o

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Mediador da nova aliança, ofereceu-se a si mesmo como o final e verdadeiro sacrifício
pelo pecado. Ele obedeceu à lei de modo perfeito e, como o segundo Adão (segundo
representante da raça humana), ele se tornou o herdeiro — com todos os que pela fé se
unem a ele — de todas as bênçãos do pacto de paz e comunhão com Deus, na sua
criação renovada. Os arranjos temporários do Velho Testamento para comunicar essas
bênçãos, tornaram-se obsoletos, quando se concretizou aquilo que eles prefiguravam.

Como a carta aos Hebreus (caps. 7 a 10) explica, através de Cristo Deus inaugurou a
melhor versão do seu único e eterno pacto com pecadores (Hb 13.20) — uma aliança
melhor com melhores promessas (Hb 8.6), baseada sobre melhor sacrifício (Hb 9.23),
oferecido por um melhor sumo sacerdote num melhor santuário (Hb 7.26—8.6, 11,
13,14). Essa melhor aliança garante uma esperança melhor do que a que jamais se
tornou explícita pela versão anterior do pacto — glória com Deus numa "pátria
superior, isto é, celestial" (Hb 11.16, cf. v. 40).

O cumprimento do velho pacto em Cristo abre a porta da fé aos gentios. A "semente de


Abraão" — a comunidade com a qual o concerto foi feito — foi redifinida em Cristo,
que é a Semente final e definitiva de Abraão (Gn 3.16). Os gentios e os judeus que se
unem a Cristo pela fé, tornam-se nele, semente de Abraão (Gl 3.26-29), ao passo que
ninguém, fora de Cristo, pode estar na relação salvadora da aliança com Deus (Rm 4.9-
17; 11.13-24).

O objetivo da negociação, no pacto de Deus é, como sempre foi, a reunião e a


santificação do povo do pacto, de "todas as nações, tribos, povos e línguas" (Ap 7.9),
que um dia habitarão a Nova Jerusalém, numa ordem mundial renovada (Ap 21.1,2).
Aqui o relacionamento da aliança a sua plena expressão — "Eles serão povos de Deus e
Deus mesmo estará com eles" (Ap 21.3, cf. Gn 17.7, nota; Êx 29.45,46). Deus continua
a moldar os eventos do mundo rumo a esse alvo.

A estrutura do pacto abrange toda a economia da graça soberana de Deus. O ministério


celestial de Cristo continua a ser o de "Mediador da Nova Aliança" (Hb 12.24).
Salvação é salvação do pacto; regeneração, justificação, adoção e santificação são
misericórdia do pacto; a eleição é a escolha de Deus dos membros da comunidade do
pacto, que é a Igreja. O Batismo e a Ceia do Senhor — que correspondem aos ritos da

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circuncisão e da Páscoa do antigo pacto e os substituem, são ordenanças do pacto. A lei
de Deus é a lei do pacto e, observá-la, é a mais verdadeira expressão de gratidão pela
graça do pacto e de lealdade ao nosso Deus do pacto. O nosso pacto com Deus em
resposta ao seu pacto conosco deve ser o exercício devocional regular de todos os
crentes, tanto em particular como na Mesa do Senhor. A compreensão da aliança da
graça nos conduz através de todas as maravilhas do amor redentor de Deus e nos ajuda
a apreciá-las.

BATISMO INFANTIL (Gn 17.12) pág. orig.. 38

O batismo de crianças, filhos de crentes (prática às vezes denominada pedobatismo), na


convicção de que esta prática está de acordo com a vontade revelada de Deus, tem sido
a prática histórica de muitas Igrejas. Contudo, a comunidade Batista em todo o mundo
— que inclui notáveis pensadores Reformados — discorda dessa prática.

Os Batistas insistem em que a filiação a uma igreja local é só para aqueles que
publicamente declararam sua fé pessoal. O argumento frequentemente inclui a alegação
de que Cristo instituiu o batismo, primeiramente como uma profissão pública de fé e
que esta profissão é parte da definição de batismo, resultando disto que o batismo
infantil, na verdade, não é realmente batismo. Com base nisto, as igrejas Batistas
rebatizam as pessoas que professam a fé, mesmo que já tenham sido batizadas na
infância, pois, do ponto de vista dos Batistas, essas pessoas nunca foram batizadas. A
teologia histórica Reformada contesta o ponto de vista de que somente o batismo de
crentes adultos é verdadeiro batismo e rejeita a exclusão de filhos de crentes da
comunidade visível da fé. Estas diferenças — que consideram a natureza da Igreja
visível — constituem o fundo de todas as discussões sobre o batismo infantil.

A prática do batismo infantil não é nem prescrita nem proibida no Novo Testamento,
nem é explicitamente ilustrada (ainda que alguns defendam que a prática de batismos
nas casas, provavelmente inclua batismos de crianças e recém-nascidos). Mas do que
isto, o argumento bíblico para o batismo das crianças dos crentes se apoia sobre o
paralelo entre a circuncisão, do Velho Testamento, e o batismo, do Novo Testamento,
como sinais e selos da aliança da graça (Gn 17.11; Rm 4.11; Cl 2.11,12), e sobre a
alegação de que o princípio da solidariedade familiar na comunidade do pacto (a Igreja

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como é agora chamada) não foi afetado pela transição da "velha" para a "nova" forma
do pacto de Deus realizada pela vinda de Cristo. As crianças dos crentes gozam do
status de filhos do pacto e, portanto, devem ser batizadas, do mesmo modo que os
filhos meninos dos judeus eram anteriormente circuncidados. O precedente do Velho
Testamento exige esta prática e não há instruções divinas revogando este princípio.

Que o princípio da solidariedade familiar continua no período do Novo Testamento,


fica evidente em 1Coríntios 7.14, onde Paulo nota que mesmo os filhos de apenas um
cônjuge cristão, do ponto de vista dos relacionamentos e do pacto são santos (isto é, são
separados para Deus junto com a mãe ou pai cristão). Assim, o princípio de
solidariedade entre pais e filhos ainda permanece, como Pedro declara no seu sermão,
no dia do Pentecoste (At 2.39). Se as crianças são consideradas membros da
comunidade visível do pacto, junto com seus pais, é apropriado dar-lhes o sinal de
status do pacto, e do lugar deles na comunidade do pacto; de fato, seria impróprio à
igreja negar-lhes esse sinal e essa filiação à comunidade. A correção desse prática é
demonstrada pelo fato de, quando a circuncisão foi instituída como sinal de status do
pacto e sinal da inclusão na comunidade da aliança, Deus haver ordenado que ela fosse
aplicada aos meninos (Gn 17.9-14).

Contra esses argumentos, os Batistas alegam primeiro que a circuncisão era,


primariamente, um sinal da identidade étnica dos judeus e, por isso, um paralelo entre a
circuncisão e o Batismo cristão não é correto; em segundo lugar alegam que, sob o
novo pacto, a exigência da fé pessoal antes do Batismo é absoluta; em terceiro lugar
alegam que as práticas não reconhecidas e não aprovadas explicitamente nas Escrituras,
não devem ser adotadas na vida da Igreja.

Certamente, todo membro adulto da Igreja deve professar a fé pessoalmente diante da


Igreja. As comunidades que batizam crianças providenciam para que isso ocorra na
confirmação ou algo equivalente. A orientação cristã das crianças batistas ou
padobatistas é semelhante: são dedicadas a Deus na infância ou pelo batismo ou
mediante rito de consagração; são orientadas a viverem para o Senhor e conduzidas ao
ponto de fazerem sua pública profissão de fé, pela confirmação ou pelo batismo.
Depois disto desfrutarão do status de pleno comungantes. O debate que se trava não é
sobre a preparação das crianças, mas sobre a maneira de Deus definir a Igreja.

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Diz-se, às vezes, que o batismo infantil leva à falsa presunção de que o rito, por si
mesmo, garante a salvação da criança. Na ausência de instruções bíblicas sobre o
significado do batismo, essa infeliz conclusão é possível. Deve-se lembrar, no entanto,
que uma tal má compreensão é igualmente possível no caso de batismo de adulto
crente. Ver a advertência sobre o Batismo (Rm 6.3).

"ESTE É O MEU NOME: A AUTO-REVELAÇÃO DE DEUS” (Êx 3.15) pág. orig.98

No mundo moderno o nome de uma pessoa pode ser apenas um rótulo, sem revelar
nada a respeito dela. Os nomes bíblicos, contudo, têm como fundo uma ampla tradição,
segundo a qual o nome de uma pessoa oferece significativa informação a respeito de
quem o usa. O Velho Testamento freqüentemente celebra o fato de Deus tornar seu
nome conhecido a Israel e os Salmos, muitas e muitas vezes, elevam louvores ao nome
de Deus (Sl 8.1; 113.1-3; 145.1,2; 148.5, 13). "Nome" aqui significa o próprio Deus,
como ele se revelou por palavras e ações. No coração dessa auto-revelação está o nome
pelo qual Deus autorizou Israel a invocá-lo, nome comumente traduzido por "O
SENHOR" (tradução do termo hebreu Yahweh, como os eruditos modernos o
pronunciam, ou "Jeová", como é às vezes escrito).

Deus declarou esse nome a Moisés, quando lhe falou a partir da sarça que se queimava
mas não se consumia. Deus primeiro identificou-se como o Deus que tinha se
empenhado num pacto com os patriarcas (Gn 17.1-14); mas quando Moisés perguntou-
lhe o que deveria dizer ao povo quando este quisesse saber qual era o seu nome (pois os
antigos supunham que a oração só seria respondida se o destinatário fosse nomeado
corretamente), Deus primeiro respondeu: "Eu Sou o Que Sou", depois abreviou para
"Eu Sou". O nome "Yahweh" (SENHOR) soa como "Eu Sou" em hebraico; e Deus,
finalmente, chamou-se a si mesmo "O SENHOR, Deus de teus pais" (Êx 3.15,16). O
nome, em todas as suas formas, proclama a realidade eterna e soberana que se auto-
sustenta e se auto-determina, ou seja, o seu modo sobrenatural de existência, que a
sarça ardente representou (Êx 3.2). A sarça que não se consumia ilustrava a própria vida
inesgotável de Deus. Ao designar "Yahweh" como "Meu nome eternamente" (Êx 3.15),
Deus indicou que seu povo deveria sempre pensar nele como Rei vivo, poderoso e
sempre reinando, Rei que a sarça ardente o mostrava ser.

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Mais tarde Moisés pediu para ver a glória de Deus. Em resposta, Deus proclamou o "o
nome": "SENHOR, SENHOR Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em
misericórdia e fidelidade; que guarda a misericórdia em mil gerações que perdoa a
iniqüidade, a transgressão e o pecado, ainda que não inocenta o culpado" (Êx 34.6,7).
Na sarça ardente Deus tinha manifestado a questão do modo de sua existência. Agora
ele responde à questão de como podemos descrever as suas ações. Esta proclamação
fundamental do seu caráter moral ecoa, com freqüência, em passagens posteriores das
Escrituras (Ne 9.17; Sl 86.15; Jl 2.13; Jn 4.2). Todas estas revelações são parte do seu
"nome"e revelam a sua natureza, em função da qual ele deve ser reverenciado e
glorificado para sempre.

No Novo Testamento, as palavras e atos de Jesus, o Filho encarnado de Deus,


constituem a plena revelação da mente, do caráter e do propósito de Deus, o Pai (Jo
14.9-11, cf. 1.18). A frase "Santificado seja o teu nome", na oração do Pai Nosso,
expressa o desejo de que Deus seja reverenciado e louvado como merece o esplendor
da totalidade de sua auto-revelação.

A LEI DE DEUS (Ex 20.1) pág. orig. 122

Os seres humanos não foram criados autônomos (isto é, seres livres para seguirem sua
própria lei), mas foram criados seres teônomos, ou seja, para estarem sujeitos à lei de
Deus. Isto não constituía uma privação para o homem, porque Deus o criou de tal
maneira que uma obediência agradecida poderia proporcionar-lhe a mais alta felicidade.
Dever e prazer seriam coincidentes, como ocorreu com Jesus (Jo 4.34, cf. Sl 112.1;
119.14, 16, 47,48, 97-113, 127, 128, 163-167). O coração humano decaído odeia a lei
de Deus, tanto pelo fato de ser uma lei quanto por ela vir de Deus. Os que conhecem a
Cristo, contudo, descobrem não só que amam a lei e querem guardá-la — tanto para
agradarem a Deus e como gratidão pela graça (Rm 7.18-22; 12.1,2) — mas também
que o Espírito Santo os conduz a um grau de obediência que nunca tiveram antes (Rm
7.6; 8.4-6; Hb 10.16).

A lei moral de Deus está abundantemente exposta nas Escrituras, no Decálogo (Os Dez
Mandamentos), em outros estatutos de Moisés, em sermões de profetas, no ensino de

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Jesus e nas cartas do Novo Testamento. A lei reflete o caráter santo de Deus e seu
propósito para os seres humanos que criou. Deus ordena o comportamento que lhe
agrada e proibe aquilo que o ofende. Jesus resume a lei moral nos dois grandes
mandamentos: o amor a Deus e o amor ao próximo (Mt 22.37-40). Ele diz que destes
dois dependem todas as instruções morais do Velho Testamento. O ensino moral de
Cristo e de seus apóstolos é a velha lei aprofundada e reaplicada a novas circunstâncias,
as da vida no reino de Deus, onde o Salvador reina, e na pós-pentecoste era do Espírito,
quando o povo de Deus é chamado a viver vidas santificadas no meio de um mundo
hostil (Jo 17.6-19).

A lei bíblica é de várias espécies. As leis morais ordenam o comportamento pessoal e


comunitário, que sempre é de nosso dever observar. As leis políticas do Velho
Testamento aplicavam princípios da lei moral à situação nacional de Israel, quando
Israel era uma teocracia, como povo de Deus na terra. As leis do Velho Testamento a
respeito de purificação cerimonial, regime alimentar e sacrifícios eram estatutos
temporários, com o objetivo de instruir o povo. Estas leis foram canceladas pelo Novo
Testamento porque o seu significado simbólico foi cumprido (Mt 15.20; Mc 7.15-19; At
10.9-16; Hb 10.1-14; 13.9,10).

A combinação de leis morais, judiciais e rituais, nos livros de Moisés, comunicam a


mensagem de que a vida, sob a orientação de Deus, não deve ser vista nem vivida em
compartimentos, mas como uma unidade multifacetada e comunicam também que a
autoridade de Deus, como legislador, deu força igual a todo o código. Contudo, as leis
eram de diferentes espécies e tinham diferentes propósitos. As leis políticas e
cerimoniais tinham aplicação limitada, porém, fica claro, tanto do contexto imediato
quanto do ensino de Jesus, que a afirmação de Jesus a respeito da imutável força
universal da lei se refere à lei moral como tal (Mt 5.17-19; cf. Lc 16.16,17).

Deus exige total obediência de cada pessoa a todas as implicações de sua lei. Como diz
o Catecismo Maior de Westminster, P. 99: "a lei... obriga a todos à plena conformidade
do homem integral à retidão dela e à inteira obediência para sempre"; "a lei é espiritual
e, assim, se estende tanto ao entendimento, à vontade, às afeições e a todas as outras
potências da alma, quanto às palavras, às obras e ao procedimento". Em outras
palavras, tanto os desejos quanto as ações devem ser retos. Jesus condena a hipocrisia

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que oculta a corrupção íntima com fingimentos exteriores (Mt 15.7,8; 23.25-28). Além
disso, as decorrências da lei são parte de seu conteúdo: "onde um dever é ordenado, o
pecado contrário é proibido; e onde um pecado é proibido, o dever contrário é
ordenado".

A PALAVRA DE DEUS: A ESCRITURA COMO REVELAÇÃO (Êx 32.16) pág. orig.


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No Cristianismo estão o verdadeiro culto e serviço do verdadeiro Deus, Criador e


Redentor da humanidade. É uma religião que descansa sobre revelação: ninguém
conheceria a verdade a respeito de Deus, nem seria capaz de relacionar-se com ele de
um modo pessoal, se Deus não tivesse primeiro agido para fazer-se conhecido. Porém,
Deus fez-se conhecido e os sessenta e seis livros da Bíblia — trinta e nove escritos
antes da vinda de Cristo e vinte e sete depois de Cristo — são, juntos, o registro, a
interpretação e a expressão de sua auto-revelação. Deus e santidade são temas ligados
na Bíblia.

De certo ponto de vista, as Escrituras são o fiel testemunho dos piedosos ao Deus que
eles amam e servem; de outro ponto de vista — pelo fato de terem sido redigidas por
meio de um exercício singular de supervisão divina, chamada "inspiração" — eles
constituem o testemunho e o ensino do próprio Deus, em linguagem humana. A Igreja
dá a esses escritos o nome de "Palavra de Deus", porque a autoria e conteúdo deles são
de origem divina.

A certeza decisiva de que as Escrituras procedem de Deus e todas elas consistem


inteiramente de sua sabedoria e verdade nos vem de Jesus Cristo e seus apóstolos, que
ensinaram em seu nome. Jesus, Deus encarnado, considerou sua Bíblia (o nosso Velho
Testamento) como instrução escrita de seu Pai celestial, que ele, não menos do que
outros, precisava obedecer (Mt 4.4, 7, 10; 5.17-20; 19.4-6; 26. 31, 52-54; Lc 4.16-21;
16.17; 18.31-33; 22.37; 24.25-27, 45-47; Jo 10.35), e que ele veio cumprir (Mt 26.24 e
Jo 5.46). Paulo descreveu o Velho Testamento como totalmente inspirado ou "soprado
por Deus" — produto do Espírito de Deus, como também o é toda a Criação (Sl 33.6;
Gn 1.2) — e escrito para nossa instrução (Rm 15.4; 1Co 10.11; 2Tm 3.15-17). Em sua
segunda carta, 1.21, e em sua primeira carta, 1.10-12, Pedro afirma a origem divina do

12
ensino bíblico e o mesmo faz, por sua maneira de citar, o autor da carta aos Hebreus
(Hb 1.5-13; 3.7; 4.3; 10.5-7, 15-17, cf. At 4.25; 28.25-27).

Uma vez que o ensino dos apóstolos a respeito de Cristo é, em si mesmo, verdade
revelada nas palavras ensinadas por Deus (1Co 2.12,13), a Igreja considera que o Novo
Testamento — registro do testemunho apostólico — completa as Escrituras. Durante o
próprio período do Novo Testamento, Pedro se refere às cartas de Paulo como Escritura
(2Pe 3.15,16), e Paulo, aparentemente, chama o Evangelho de Lucas de Escritura (1Tm
5.18, cf. Lc 10.7).

A idéia de diretivas escritas do próprio Deus, como base para a vida piedosa, retrocede
à inscrição dos Dez Mandamentos sobre tábuas de pedra, impelindo Moisés a escrever
suas leis e a história de seu contato com o seu povo (Êx 32.15,16; 34.1, 27,28; Nm
33.2; Dt 31.9). Assimilar estas leis e viver por elas foi sempre central à verdadeira
devoção tanto para os líderes de Israel como para o povo (Js 1.7,8; 2Rs 17.13; 22.8-13;
1Cr 22.12,13; Ne 8; Sl 119), e o princípio de que tudo deve ser governado pelas
Escrituras passou para o Cristianismo.

Aquilo que a Escritura diz, Deus diz; pois, de um modo só comparável ao mistério mais
profundo da Encarnação, a Bíblia é tanto plenamente humana como plenamente divina.
Assim, todo o seu múltiplo conteúdo — histórias, profecias, poemas, cânticos, escritos
de sabedoria, sermões, estatísticas, cartas e tudo o mais — deve ser recebido como
procedente de Deus, e tudo aquilo que os escritores bíblicos ensinam deve ser
reverenciado como instruções autorizadas da parte de Deus. Os cristãos devem ser
gratos a Deus pelo dom de sua Palavra escrita e conscientes ao basear sua fé e sua vida
inteira e exclusivamente nela.

DEUS É LUZ: SANTIDADE E JUSTIÇA DIVINAS (Lv 11.44) pág. orig. 167

Quando as Escrituras chamam de "santo" a Deus ou cada uma das Pessoas da Deidade
(como faz com freqüência: Lv 11.44,45; Js 24.19; 1Sm 2.2; Sl 99.9; Is 1.4; 6.3; 41.14,
16, 20; 57.15; Ez 39.7; Am 4.2; Jo 17.11; At 5.3,4, 32; Ap 15.4), essa palavra significa
tudo o que, a respeito de Deus, o separa de nós e o torna objeto de admiração, de
adoração e de temor para nós. Essa palavra cobre todos os aspectos da grandeza

13
transcendente e da perfeição moral de Deus e é característica de todos os seus atributos,
apontando para a Deidade de Deus, em todos os aspectos. A essência desta verdade,
contudo, é a pureza que não pode tolerar qualquer forma de pecado (Hc 1.13) e chama
os pecadores a humilhar-se constantemente em sua presença (Is 6.5).

Justiça — que significa agir retamente em todas as circunstâncias — é uma expressão


da santidade de Deus. Ele mostra a sua justiça como Legislador e Juiz e, também, como
Cumpridor de promessas e Perdoador de pecado. Sua lei moral, que exige do homem
comportamento semelhante ao seu, é santa e justa e boa (Rm 7.12). Ele julga com
justiça de acordo com o merecimento verdadeiro (Gn 18.25; Sl 7.11, 96.13; At 17.31).
Sua ira, sua hostilidade judicial ativa contra o pecado é totalmente justa em suas
manifestações (Rm 2.5-16), e seus julgamentos particulares (punições retributivas) são
gloriosas e louváveis (Ap 16.5, 7; 19.1-14). Quando Deus cumpre o compromisso
envolvido no seu pacto, e age para salvar o seu povo, isso é um ato de sua justiça (Is
51.5,6; 56.1; 63.1; 1Jo 1.9). Quando Deus justifica os pecadores por meio da fé em
Cristo, ele o faz com base na justiça feita — a punição dos nossos pecados na pessoa de
Cristo, o nosso substituto. A forma tomada por sua misericórdia perdoadora mostra que
ele é absoluto e totalmente justo (Rm 3.25,26), e nossa justificação se revela
judicialmente justificada.

Quando João diz que Deus é "luz" e nele absolutamente não há trevas, a figura da luz
afirma a pureza santa de Deus, o que torna impossível a comunhão entre ele e a
impiedade obstinada, e exige que a busca da santidade e da justiça seja uma
preocupação central na vida do povo cristão (1Jo 1.5-2.1; 2Co 6.14-7.1; Hb 12.10-17).
A convocação dos cristãos — regenerados e perdoados como são — para praticarem
uma santidade que se assemelhará à do próprio Deus e para assim agradá-lo, é
constante no Novo Testamento como, em verdade, era também no Velho Testamento
(Dt 30.1-10; Ef 4.17-5.14; 1Pe 1.13-22).

OS TRÊS PROPÓSITOS DA LEI (Dt 13.10) pág. orig. 259

As Escrituras mostram que Deus pretende que sua lei funcione de três modos, que
Calvino cristalizou numa forma clássica para benefício da Igreja, como o tríplice uso da
lei.

14
Sua primeira função é a de ser espelho que reflete para nós a perfeita justiça de Deus e
a nossa própria pecaminosidade e deficiência. Como escreveu Agostinho, "a lei nos
obriga a saber como pedir auxílio da graça, quando tentamos cumprir suas exigências e
nos cansamos na nossa fraqueza sob ela". A lei foi dada para nos transmitir
conhecimento do pecado (Rm 3.20; 4.15; 5.13; 7.7-11) e, mostrando-nos a nossa
necessidade de perdão e o perigo da condenação, levar-nos a Cristo em arrependimento
e fé (Gl 3.19-24).

Uma segunda função da lei — o uso civil — é a de refrear o mal. Ainda que a lei não
possa mudar o coração ela pode, até certo ponto, inibir as desordens com ameaça de
julgamento, especialmente quando apoiada num código civil, que aplica punição a
ofensas comprovadas (Dt 13.6-11; 19.16-21; Rm 13.3,4). Desse modo, ela assegura a
ordem civil e serve para proteger os retos dos injustos.

Sua terceira função é a de guiar o regenerado às boas obras que Deus planejou para ele
(Ef 2.10). A lei diz aos filhos de Deus que agrada ao seu Pai celestial. Ela pode ser
chamada de código da família. Cristo estava falando deste terceiro uso da lei, quando
disse que os que se tornam seus discípulos devem ser ensinados a fazer tudo o que ele
mandou (Mt 28.20), e que a obediência aos seus mandamentos provará a realidade do
amor que seus discípulos têm por ele (Jo 14.15). O cristão está livre da lei como
sistema de salvação (Rm 6.14; 7.4,6; 1Co 9.20; Gl 2.15-19; 3.25), mas está sujeito à lei
de Cristo, como regra de sua vida (1Co 9.21; Gl 6.2).

PROFETAS (Dt 18.18) pág. orig. 266

Os profetas canônicos, cujos livros constituem um quarto do Velho Testamento, eram


chamados por Deus para serem canais de revelação. Eram homens de Deus que agiam
por seu conselho (Jr 23.22), conheciam a mente de Deus e foram capacitados para
declará-la. Deus, o Espírito Santo, falava neles e através deles (2Pe 1.19-21; Is 61.1;
Mq 3.8; At 28.25-27; 1Pe 1.10-12). Eles sabiam que Deus procedia desse modo, por
isso eles ousavam começar suas proclamações dizendo: "Assim diz o Senhor",
atribuindo ao próprio Yahweh aquilo que diziam.

15
Profecia envolvia predição, porém, usualmente isso ocorria num contexto de
advertências e admoestações de Deus ao povo de seu pacto. Os profetas aguardavam a
vinda do Rei messiânico e seu reino, depois dos julgamentos de expiação; porém, sua
principal preocupação era a de exortar para o arrependimento, na esperança de que
julgamentos iminentes pudessem ser desviados. Os profetas eram primeiramente
reformadores que defendiam a lei de Deus, chamando de volta o povo de Deus para a
fidelidade à Aliança, da qual se havia afastado.

Junto com sua pregação dirigida à nação, oravam também por ela — falavam a Deus a
respeito dos homens tão seriamente quanto falavam aos homens a respeito de Deus.
Eles cumpriam seu ministério singular como intercessores (Ex 32.30-32; 1Sm 7.5-9;
12.19-23; 2Rs 19.4, cf. Jr 7.16; 11.14;14.11).

Falsos profetas eram uma praga para Israel. Profissionalmente ligados ao culto
organizado de Israel, eles diziam aquilo que o povo queria ouvir e falavam com base
nos próprios sonhos e opiniões, ao invés de ministrarem a Palavra de Deus (1Rs 22.1-
28; Jr 23.9-40; Ez 13).

No Novo Testamento, um livro (o Apocalipse) se anuncia como profecia verdadeira e


fidedigna recebida diretamente de Deus (de Deus o Pai através de Jesus Cristo, Ap 1.1-
3; 22.12-20). O ministério dos apóstolos trouxe instruções diretamente de Deus ao seu
povo, exatamente como fizera o ministério profético do Antigo Testamento, ainda que a
forma de apresentação fosse diferente. Os profetas do período do Novo Testamento
foram ligados aos apóstolos no alicerce da Igreja (Ef 2.20; 3.5) como expositores do
cumprimento em Cristo das profecias do Antigo Testamento (Rm 16.25-27).

DEMÔNIOS (Dt 32.17) pág. orig. 285

"Demônio" ou "diabo" (como a palavra é traduzida em algumas versões) vem do grego


daimon ou daimonion, que são os termos empregados pelos Evangelhos para designar
os seres espirituais corruptos e hostis tanto a Deus como ao homem, seres que Jesus
exorcizou de suas vítimas, durante o seu ministério terreno. Os demônios são anjos
caídos, criaturas imortais que servem a Satanás (Jesus equiparou Belzebu, o alegado
chefe deles, a Satanás, Mt 12.24-29). Tendo-se aliado à rebelião de Satanás, foram

16
expulsos do céu e esperam o juízo final (2Pe 2.4; Jd 6). A mente deles é
permanentemente oposta a Deus, ao bem, à verdade, ao reino de Cristo e ao bem-estar
dos seres humanos. Eles têm real, porém, limitado poder e liberdade de movimento,
embora, na frase descritiva de Calvino, "eles arrastem suas cadeias para onde quer que
vão", e jamais podem esperar sobrepujar a Deus.

O nível e a intensidade das manifestações demoníacas no meio do povo durante o


ministério de Cristo foram singulares, não encontrando paralelo nos tempos do Velho
Testamento ou desde então; indubitavelmente, foi parte da desesperada batalha de
Satanás em favor do seu reino contra o ataque de Cristo sobre ele (Mt 12.29). Os
demônios têm conhecimento e força (Mc 1.24; 9.17-27). Eles provocavam doenças
físicas e mentais ou tiravam vantagens delas (Mc 5.1-15; 9.17,18; Lc 11.14). Eles
reconheceram e temeram a Cristo a cuja autoridade estavam sujeitos (Mc 1.25; 3.11,12;
9.25), embora ele tenha dito que era preciso muito esforço e oração para expeli-los (Mc
9.29).

Cristo dotou os doze apóstolos e os setenta de poder para expulsar demônios em seu
nome (isto é, por seu poder, Lc 9.1; 10.17) e o ministério do exorcismo continua a ser
uma eventual necessidade pastoral. No século dezesseis a Igreja Luterana aboliu o
exorcismo, crendo que a vitória de Cristo sobre Satanás tinha suprimido para sempre a
invasão demoníaca, mas essa medida foi prematura.

O exército de demônios de Satanás emprega também estratégias sutis — engano e


desencorajamento de muitas formas. Opor-se a estas coisas é a tarefa da batalha
espiritual (Ef 6.10-18). Ainda que os demônios possam causar perturbações de
diferentes espécies aos regenerados, em quem habita o Espírito Santo, eles não podem
impedir o propósito final de Deus, que é de salvar seus eleitos e, mais ainda, eles não
podem escapar de seu próprio tormento eterno. Como o diabo é diabo de Deus (como
Lutero disse), do mesmo modo os demônios são demônios de Deus, inimigos
derrotados (Cl 2.15), cujo poder limitado só lhes é permitido para o progresso da glória
de Deus, enquanto o povo de Deus luta com eles.

A CONSCIÊNCIA E A LEI (I Sm 24.5) pág. orig. 414

17
A consciência é um poder alojado dentro de nossas mentes para formular juízos morais
sobre nós mesmos, aprovando ou desaprovando nossas ações, pensamentos e planos e
dizendo-nos se aquilo que fizemos é tido por errado e se merecemos sofrer por isso. A
consciência tem em si dois elementos: a percepção de certas coisas como certas ou
erradas e a capacidade de aplicar lei e regras a certas situações específicas. A
consciência insiste em julgar-nos pelos mais altos padrões que conhecemos. Por isso a
chamamos de a voz de Deus na alma e, em certo sentido, ela o é.

Paulo diz que Deus insculpiu um certo conhecimento de sua lei em cada coração
humano (Rm 2.14,15), e a experiência confirma isso. Mas a consciência pode estar
enganada ou condicionada a considerar o mal como bem, ou tornar-se cauterizada ou
entorpecida por meio de pecados repetidos (1Tm 4.2). Os julgamentos da consciência
podem ser considerados a voz de Deus somente quando refletem a própria verdade de
Deus e a sua lei, segundo as Escrituras. A consciência dever ser educada a julgar
segundo as Escrituras.

A superstição ou o escrúpulo pode levar uma pessoa a considerar pecaminosa uma ação
que, segundo a Palavra de Deus, não é. Porém, para uma tal consciência "fraca" (Rm
14.1,2; 1Co 8.7, 12) seria pecado violentar-se e fazer o que equivocadamente julga ser
errado (Rm 14.23). Aqueles cuja consciência é "fraca" nunca devem ser pressionados
ou persuadidos a fazerem aquilo que destrói sua boa consciência.

O ideal do Novo Testamento é uma consciência livre de culpa e capaz de guiar-nos


numa direção santa. A consciência só pode ser libertada da culpa pelo poder do sangue
de Cristo. Uma vez libertada e protegida em sua liberdade, pelo dom da justificação, a
consciência é capaz de crescer na vida cristã através do ensino das Escrituras e pelos
meios de graça.

MILAGRES (I Rs 17.22) pág. orig. 504

As Escrituras não têm apenas uma palavra para traduzir a idéia de milagre. O conceito
inclui pensamentos expressos por vários termos: "maravilha", "obra poderosa" e
"sinal". O termo "maravilha" chama a atenção para a impressão causada pelo milagre.
"Milagre", do Latim miraculum, significa algo que evoca maravilha. Milagre é um

18
evento além do normal que evoca a consciência da presença e do poder de Deus.
Surpreendentes providências e coincidências, tanto quanto fenômenos da natureza,
podem provocar admiração semelhante, quando evidenciam o eterno poder e divindade
de Deus (Rm 1.20).

"Obra poderosa", na história bíblica, aponta para a presença de atos sobrenaturais de


Deus, envolvendo o poder que criou o mundo sem material pré-existente. Trazer um
morto à vida, obra que Jesus fez mais de uma vez (Lc 7.11-17; 8.49-56; Jo 11.38-44);
obra que Elias, Eliseu, Pedro e Paulo também fizeram (1Rs 17.17-24; 2Rs 4.18-37; At
9.36-41; 20.9-12), é obra do poder criador e não acaso ou coincidência, e não pode ser
explicada a partir do curso natural das coisas.

"Sinal" é um termo regularmente usado para milagres no Evangelho de João, onde sete
milagres chaves são registrados, indicando que os milagres apontam para algo; são
portadores de mensagem. Os milagres, nas Escrituras, estão quase todos agrupados no
tempo do Êxodo, de Elias e Eliseu, de Cristo e seus apóstolos. Eles dão autenticidade
aos que os operam como representantes e mensageiros de Deus (cf. Ex 4.1-9; 1Rs
17.24; Jo 10.38; 14.11; 2Co 12.22; Hb 2.3,4) e, além disso, mostram o poder de Deus
trazendo a salvação e executando o seu juízo, a despeito de toda oposição. Os milagres
da Bíblia não são absurdos, nem irracionais ou mera exibição de poder, nem são
realizados por causa de si mesmos. Eles cumprem diretamente o propósito de Deus e
são consistentes com sua majestade e santidade.

A crença no miraculoso é essencial no Cristianismo. A encarnação e a ressurreição de


Jesus são os dois supremos milagres das Escrituras, definindo a fé cristã. Ninguém
pode rejeitar a vida de Jesus ou a sua ressurreição, sem rejeitar a própria fé. Nada há de
irracional na crença de que o Deus que criou o mundo, pode intervir nele criativamente
em qualquer tempo. Na verdade, seria irracional crer em qualquer outro Deus.
Finalmente, o irracional não é a fé nos milagres bíblicos, mas a dúvida a respeito deles.

O MODELO DE DEUS PARA O CULTO (1Cr 16.29) pág. orig. 584

O culto bíblico é a devida resposta das criaturas racionais à auto-revelação do seu


Criador. O culto honra e glorifica a Deus, ofertando a ele agradecidamente de todas as

19
suas boas dádivas e todo conhecimento de sua grandeza e graça que ele tem concedido.
Seus servos louvam-no por aquilo que ele é, agradecem a ele aquilo que ele tem feito,
desejam que ele aumente a sua glória por meio de contínuos atos de misericórdia, juízo
e poder; confiam nele com suas orações, pedindo por seu bem-estar e pelo bem-estar de
outros. Aprender de Deus também é cultuá-lo: atentar para a sua palavra de instrução,
honra-o; a desatenção à sua palavra o ofende. Culto aceitável exige mãos limpas e
coração puro (Sl 24.4), e disposição para expressar devoção em obras de serviço tanto
quanto em palavras de adoração.

A base do culto é a relação do pacto pelo qual Deus se tem ligado àqueles a quem Ele
salvou e reivindicou (ver "O Pacto da Graça de Deus" em Gn 12.1). Esta
fundamentação no pacto era uma verdade no culto do Antigo Testamento, como o é
agora no culto cristão. O espírito do culto do pacto, como o AntigoTestamento o revela,
é uma mistura de reverência e alegria pelo privilégio de aproximação do poderoso
Criador, com radical auto-humilhação e honesta confissão de pecado e necessidade.
Uma vez que Deus é santo e o homem é pecador, é preciso que seja sempre assim neste
mundo. O culto será central na vida do céu (Ap 4.8-11; 5.9-14; 7.9-17; 11.15-18; 15.2-
4; 19.1-10) e, do mesmo modo, deve ser central na vida da Igreja na terra. A adoração
já deveria ser a atividade principal tanto particular como comunitária, na vida de cada
crente (Cl 3.17).

Na lei Mosaica, Deus deu ao povo do pacto um modelo para o culto que lhe deviam
prestar. Todos os elementos do verdadeiro culto estavam incluídos nesse modelo, ainda
que alguns desses elementos fossem típicos e apontassem para Cristo e devessem cessar
depois dele. Hoje os cristãos usam os salmos no culto, fazendo distinção entre as
exigências das administrações do pacto da graça no Antigo e no Novo Testamentos.

As principais características do modelo para o culto público, que Deus deu a Israel, são:

a) O Sábado, o sétimo após cada seis dias de trabalho; um dia santo de descanso para
ser observado como memorial da criação (Gn 2.3; Êx 20.8-11) e redenção (Dt 5.12-15).
Deus exigia a guarda do Sábado (Êx 16.21-30; 20.8-9; 31.12-17; 34.21; 35.1-3; Lv
19.3, 30; 23.3, cf. Is 58.13,14) e fez da quebra do Sábado uma ofensa capital (Êx 31.14;
Nm 15.32-36);

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b) Três festas anuais deviam ser celebradas (Ex 23.14-17; 34.23; Dt 6.16), nas quais o
povo se reunia no santuário de Deus e oferecia sacrifícios, celebrando a generosidade
de Deus. O povo buscava e agradecia a reconciliação e a comunhão com Deus, comiam
e bebiam juntos como expressão de sua alegria. A Páscoa era celebrada no décimo
quarto dia do primeiro mês e comemorava o Êxodo (Êx 12; Lv 23.5-8; Nm 28.16-25;
Dt 16.1-8). A Festa das Semanas, também chamada de a Festa da Colheita, das
Primícias ou Pentecoste, era celebrada cinquenta dias depois da Páscoa e marcava o fim
da colheita de grãos (Êx 23.16; 34.22; Lv 23.15-22; Nm 28.26-31; Dt 16.9-12). A Festa
dos Tabernáculos (ou das Tendas) era celebrada no sétimo mês e comemorava o fim do
ano agrícola, lembrando ao povo como Deus o tinha conduzido pelo deserto (Lv 23.39-
43; Nm 29.12-38; Dt 16.13-15);

c) O Dia da Expiação era celebrado no décimo dia do sétimo mês. Uma vez por ano o
sumo sacerdote tomava o sangue e o oferecia no Santo dos Santos do Santuário, para
expiar os pecados de Israel, e o bode emissário era enviado ao deserto como sinal de
que aqueles pecados tinham sido perdoados (Lv 16);

d) O sistema sacrificial regular exigia ofertas queimadas diárias e mensais (Nm 28.1-
15), bem como exigia que fossem oferecidos certos sacrifícios pessoais. As
características comuns destes sacrifícios eram que as ofertas fossem sem defeito e o
sangue do sacrifício devia ser espargido sobre o altar, para fazer a expiação (Lv 17.11).

Rituais de purificação pessoal (Lv 12—15; Nm 19) e de devoção (por exemplo,


consagração do primogênito, Ex 13.1-16) eram também parte do modelo dado por
Deus.

Sob o novo pacto, no qual os tipos do Velho Testamento dão lugar aos seus antítipos, o
sacerdócio, sacrifício e intercessão de Cristo, supera todo o sistema Mosaico, por
eliminar o pecado (Hb 7-10). O batismo (Mt 28.19) e a Ceia do Senhor (Mt 26.26-29;
1Co 11.23-26) substituem a circuncisão (Gl 2.3-5; 6.12-16) e a Páscoa (1Co 5.7-8). O
calendário judaico de festas não se aplica mais (Gl 4.10; Cl 2.16); impureza cerimonial
e os ritos de purificação passaram (Mc 7.19; 1Tm 4.3,4); e o Sábado foi renovado com
a mudança do último dia da semana para o primeiro dia da semana. Os apóstolos e toda

21
a igreja cristã primitiva cultuavam no primeiro dia da semana (At 20.7; 1Co 16.2),
celebrando o dia em que Jesus ressuscitou dentre os mortos, o "dia do Senhor" (Ap
1.10) e considerando-o como o Sábado Cristão. Estas mudanças do velho para o novo
foram importantes, mas o modelo para o verdadeiro culto, com seus elementos
essenciais, continua imutável até hoje.

A GRANDEZA DE DEUS (1Cr 29.11) pág. orig. 599

Deus é grande (Dt 7.21; Ne 4.14; Sl 48.1; 86.10; 95.3; 145.3; Dn 9.4), maior do que a
nossa capacidade de entender. A teologia afirma esta verdade, descrevendo-o como
"incompreensível" — não que ele seja irracional ou ilógico, para impedir-nos de seguir
os seus pensamentos, absolutamente, mas para dizer-nos que nossas mentes não podem
compreendê-lo porque ele é infinito e nós finitos. As Escrituras falam de Deus como
quem habita não só em trevas densas e impenetráveis, mas também em luz inacessível
(Sl 97.2; 1Tm 6.16). Estas duas imagens expressam o mesmo pensamento: nosso
Criador está acima de nós e medi-lo está além do nosso poder.

Deus nos diz na Bíblia que a criação, a providência, a Trindade, a encarnação, a obra
regeneradora do Espírito, a união com Cristo em sua morte e ressurreição e a inspiração
das Escrituras — para não ir além — são fatos, e nós os aceitamos com base na sua
palavra, sem saber como tudo isto pôde ser feito. Como criaturas somos incapazes de
compreender plenamente o ser ou as ações do Criador.

Contudo, assim como seria errado supor que sabemos tudo sobre Deus (e deste modo
aprisioná-lo no estojo da nossa própria limitada noção a respeito dele), seria errado
também duvidar de que o nosso conceito de Deus constitua um real conhecimento dele.
Uma das consequências de termos sido feitos à imagem de Deus é que nós somos
capazes de conhecer a respeito dele, e de conhecê-lo relacionalmente de um modo
verdadeiro, embora limitado. Calvino fala de Deus dizendo que ele condescende com as
nossas fraquezas e acomoda-se à nossa incapacidade, tanto na inspiração das Escrituras
como na encarnação de seu Filho, com o objetivo de permitir-nos genuína compreensão
a seu respeito. Por analogia, a forma e a substância da linguagem dos pais, quando
falam com a criança não se comparam com o pleno conteúdo da mente dos pais,
quando se expressam em conversações com outro adulto; porém, ainda assim, mesmo

22
com a linguagem infantil, a criança recebe verdadeira informação a respeito dos pais, e
responde com crescente amor e confiança.

Esta é a razão pela qual o Criador se apresenta para nós antropomorficamente, como
tendo rosto (Êx 33.11), ouvidos (Ne 1.6) e olhos (Jó 28.10); ou como tendo pés (Na
1.3) sentando-se sobre o trono (1Rs 22.19), voando nas asas do vento (Sl 18.10) ou
combatendo em batalhas (2Cr 32.8; Is 63.1-6). Estas não são descrições daquilo que
Deus é em si mesmo, mas daquilo que ele é para nós: Deus transcendente que se
relaciona com o seu povo como Pai e Amigo. Deus vem até nós para nos conquistar em
amor e confiança, mesmo que, de certo modo, sejamos sempre crianças e entendamos
só em parte (1Co 13.12).

Nunca devemos esquecer que o propósito da teologia é a doxologia; estudamos com o


objetivo de louvar. A mais verdadeira expressão de confiança em Deus será sempre o
culto e louvar a Deus por ser maior do que compreendemos será sempre o culto mais
apropriado.

LINGUAGEM, JURAMENTOS E VOTOS HONESTOS (Ne 5.12) pág. orig. 670

A verdade nos relacionamentos especialmente entre cristãos, é divinamente ordenada


(Ef 4.25; Cl 3.9) e o falar a verdade é essencial ao autêntico piedoso (Sl 15.1-3). Deus
proibe a mentira, o engano e falsos testemunhos (Êx 20.16; Lv 19.11). Jesus faz a
mentira remontar a Satanás (Jo 8.44). Aqueles que, como Satanás, mentem com o
objetivo de enganar, de injuriar outros, são severamente condenados nas Escrituras (Sl
5.9; 12.1-4; 52.2-5; Jr 9.3-6; Ap 22.15). Um modo de reconhecer a dignidade do nosso
próximo, que traz em si a imagem de Deus, é reconhecer que ele tem direito à verdade.
O falar a verdade mostra respeito devido ao nosso próximo e a Deus, e é fundamental à
verdadeira religião e ao amor ao próximo.

No nono mandamento Deus proíbe o falso testemunho (Ex 20.16). Empregando o


princípio de que os mandamentos ordenam aquilo que é bom, quando proibem o que é
mau, o Catecismo Maior de Westminster (P. 144), observa que o nono mandamento
exige:

23
"Conservar e promover a verdade entre os homens e a boa reputação do nosso próximo,
assim como a nossa; evidenciar e manter a verdade, e de coração, sincera, livre, clara e
plenamente falar a verdade, somente a verdade, em questões de julgamento e justiça e
em todas as mais coisas, quaisquer que sejam".

Juramentos são declarações solenes que invocam a Deus como testemunha das
declarações e promessas feitas, pedindo a Deus que puna qualquer falsidade. As
Escrituras aprovam os juramentos como apropriados em ocasiões solenes (Gn 24.1-9;
Ed 10.5; Ne 5.12, cf. 2Co 1.23 e Hb 6.13-17). Durante a Reforma os Anabatistas se
recusaram a fazer juramentos como parte de sua rejeição do envolvimento na vida do
mundo secular. Eles entendiam que a condenação do juramento feita por Jesus, tivesse
sido feita contra o juramento como tal, mais do que uma condenação do juramento
falso ou impróprio, feito para criar uma falsa impressão, para manipular ou enganar (Mt
5.33-37, cf. Tg 5.12).

Votos a Deus são o equivalente devocional dos juramentos e devem ser tratados com
igual seriedade (Dt 21.23; Ec 5.4-6). Aquilo que alguém jura ou vota fazer, deve ser
feito a qualquer custo (Sl 15.4, cf. Js 9.15-18). Deus exige de nós que levemos a sua
palavra a sério, bem como a nossa também. Contudo, "Ninguém deve prometer fazer
coisa alguma que seja proibida na Palavra de Deus, ou que impeça o cumprimento de
qualquer dever nela ordenado" (Confissões de Fé de Westminster, XXII, 7).

SATANÁS (Jó 1.6) pág. orig. 701

Satanás é o chefe dos anjos caídos e, como eles, vem à plena luz somente no Novo
Testamento. Seu nome significa "adversário" (o que faz oposição a Deus e a seu povo),
e o Velho Testamento o apresenta como tal (1Cr 21.1; Jó 1—2; Zc 3.1-2). O Novo
Testamento dá a Satanás títulos reveladores: Diabo (diabolos) que significa "acusador"
(isto é, acusador do povo de Deus: Ap 12,9,10); Apollyon, que significa "destruidor"
(Ap 9.11); "tentador" (Mt 4.3; 1Ts 3.5); "maligno" (1Jo 5.18,19); "Príncipe deste
mundo" (Jo 12.31; 14.30; 16.11) e "deus deste século" (2Co 4.4), apontando Satanás
como presidindo sobre o estilo de vida anti-Deus da humanidade (cf. Ef 2.2; 1Jo 5.19;
Ap 12.9). Jesus disse que Satanás foi sempre um assassino e é o pai da mentira. Como
tal ele é o primeiro mentiroso e o patrocinador de toda falsidade e trapaças

24
subsequentes (Jo 8.44). Finalmente, ele é identificado com a serpente que enganou Eva
no Éden (Ap 12.9; 20.2). O retrato dele é de malícia, de fúria e crueldade dirigidas
contra Deus, contra a verdade de Deus e contra aqueles a quem Deus ama.

A esperteza enganadora de Satanás é realçada pela afirmação de Paulo, quando nos diz
que Satanás se transforma em anjo de luz, apresentando o mal como bem (2Co 11.14).
Sua ferocidade destrutiva aparece na descrição dele como leão que ruge e devora (1Pe
5.8) e como dragão (Ap 12.9). Como ele foi adversário de Cristo (Mt 4.1-11; 16.23; Lc
4.13; cf. Lc 22.3), do mesmo modo ele se opõe aos cristãos, explorando as fraquezas,
orientando mal as forças e minando a fé, a esperança e o amor (Lc 22.32; 2Co 2.11;
11.3-15; Ef 6.16). A malícia e a astúcia de Satanás devem ser levadas em conta
seriamente, porém, o cristão não precisa ficar tomado de terror por causa dele,
porquanto ele é um inimigo derrotado. Satanás é mais forte do que os seres humanos,
mas Cristo triunfou sobre ele (Mt 12.29) e os cristãos também triunfarão sobre ele,
resistindo às suas investidas com as armas que Cristo nos proporciona (Ef 6.10-18; Tg
4.7; 1Pe 5.9,10), "porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no
mundo" (1Jo 4.4).

Reconhecer a realidade de Satanás, levar a sério a sua oposição, notar sua estratégia,
levar em conta a guerra contínua com ele não é cair num conceito dualista de dois
deuses, um bom e outro mau, guerreando um contra o outro. Satanás é uma criatura
sobre-humana, mas não é divino; ele tem muito conhecimento e poder, mas não é
onisciente nem onipotente e nem onipresente: ele é um rebelde já derrotado e não tem
mais poder do que aquele que Deus lhe permite exercer, e está destinado ao lago de
fogo (Ap 20.10).

REVELAÇÃO GERAL (Sl 19.1) pág. orig. 772

O mundo de Deus não é um véu que esconde o poder e a majestade do Criador: "Os
céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras de suas mãos" (Sl
19.1). A ordem natural prova que existe um Criador poderoso e cheio de majestade.
Paulo diz a mesma coisa em Rm 1.19-21 e em At 17.28 cita Aratus, um poeta grego,
como testemunha de que todo ser vivo foi criado pelo mesmo Deus. Paulo afirma
também que a generosidade do Criador é evidente nas suas bondosas providências (At

25
14.17; cf. Rm 2.4), e que pelo menos algumas das exigências de sua lei estão patentes
em cada consciência humana (Rm 2.14,15), acompanhadas da inconfortável certeza de
julgamento definitivo (Rm 1.32). Essas certezas evidentes são o conteúdo da revelação
geral.

A revelação geral é assim chamada porque vem a cada um de nós simplesmente por
vivermos no mundo de Deus. Deus tem se revelado deste modo desde o começo da
história humana. Ele descobre estes aspectos de si mesmo a todos de modo que deixar
de agradecer e servir ao Criador é sempre um pecado contra o conhecimento. No final,
nenhuma negação de termos recebido este conhecimento será admitida. Paulo usa a
revelação universal do poder e da bondade de Deus como base para a sua acusação
contra toda a raça humana, como pecadora e culpada diante de Deus, por causa do
nosso fracasso em serví-lo como devemos (Rm 1.18—3.19).

À revelação geral Deus acrescentou posteriormente a revelação de si mesmo como


Salvador de pecadores, através de Jesus Cristo. Esta revelação realizada na história e
registrada nas Escrituras é chamada "revelação especial". Ela inclui afirmações verbais
explícitas de tudo o que a revelação geral nos comunica a respeito de Deus.

PECADO ORIGINAL E DEPRAVAÇÃO TOTAL (Sl 51.5) pág. orig. 809

As Escrituras diagnosticam o pecado como uma deformidade universal da natureza


humana, deformidade que se manifesta em cada pormenor da vida de cada pessoa (1Rs
8.46; Rm 3.9-23; 7.18; 1Jo 1.8-10). Ambos os Testamentos descrevem o pecado como
rebelião contra as normas de Deus, deixando de atingir o alvo que Deus estabeleceu
para nós, transgredindo a lei de Deus, ofendendo a pureza de Deus pela nossa
corrupção, e incorrendo em culpa diante de Deus, o Juiz. A deformidade moral é
dinâmica: o pecado é uma energia de reação irracional, negativa e rebelde contra Deus.
É um espírito de combater Deus para fazer o papel de Deus. A raiz do pecado é o
orgulho e a inimizade contra Deus, o espírito visto na primeira transgressão de Adão. E
os atos pecaminosos têm sempre, atrás de si, pensamentos e desejos que, de um modo
ou de outro, expressam oposição voluntariosa do coração pecaminoso às reivindicações
de Deus sobre nossas vidas.

26
O pecado pode ser definido como quebra da lei de Deus ou falta de conformidade com
essa lei, em qualquer aspecto da vida, quer nos pensamentos, nas palavras ou nas ações.
As Escrituras ilustram diferentes aspectos do pecado (Jr 17.9; Mt 12.30-37; Mc 7.20-
23; Rm 1.18—3.20; 7.7-25; 8.5-8; 14.23 — Lutero disse que Paulo escreveu aos
Romanos para "ampliar o pecado" —; Gl 5.16-21; Ef 2.1-3; 4.17-19; Hb 3.12; Tg
2.10,11; 1Jo 3.4; 5.17).

"Pecado original" que quer dizer pecado derivado de nossa origem, não é uma frase
bíblica (a frase é de Agostinho), mas coloca em foco a realidade do pecado no nosso
sistema espiritual. A expressão "pecado original" não significa que o pecado faça parte
da natureza humana como tal, pois "Deus fez o homem reto" (Ec 7.29). Nem significa
que o processo de reprodução e nascimento seja pecaminoso; a impureza associada à
sexualidade na Lei (Lv 12,15) era típica e cerimonial e não moral. Mais exatamente,
"pecado original" significa que a pecaminosidade marca a cada um desde o nascimento,
na forma de um coração inclinado para o pecado, antes de quaisquer pecados de fato
cometidos. Essa pecaminosidade secreta é a raiz e a fonte desses pecados. Ela nos foi
transmitida por Adão, nosso primeiro representante diante de Deus. A doutrina de
pecado original nos diz que nós não somos pecadores porque pecamos, mas pecamos
porque somos pecadores, nascidos com uma natureza escrava do pecado.

A frase "depravação total" é comumente usada para tornar explícitas as implicações do


pecado original. Significa a corrupção de nossa natureza moral e espiritual, que é total
em princípio, ainda que não em grau (porque ninguém é tão mau quanto poderia ser).
Nenhuma parte de nós está isenta de pecado e nenhuma das nossas ações é tão boa
quanto devia ser. Em consequência, nada do que fazemos é meritório aos olhos de
Deus. Não merecemos ganhar o favor de Deus, seja o que quer que façamos; se a graça
não nos salvar, estamos perdidos.

Depravação total inclui incapacidade total, que significa não ter poder para crer em
Deus ou na sua Palavra (Jo 6.44; Rm 8.7,8). Paulo diz que essa incapacidade é uma
forma de "morte", pois o coração caído está "morto" (Ef 2.1,5; Cl 2.13), como diz a
Confissão de Fé de Westminster (IX, 3):

"O Homem, ao cair no estado de pecado, perdeu inteiramente todo poder de vontade

27
quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação; de sorte que um homem
natural, inteiramente avesso a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo seu
próprio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso". Para essa escuridão só a
Palavra de Deus traz a luz (Lc 18.27; 2Co 4.6).

A AUTO-EXISTÊNCIA DE DEUS (Sl 90.2) pág. orig. 855

As crianças às vezes perguntam: Quem fez Deus? A resposta mais clara é que Deus
nunca precisou de ser feito, porque sempre existiu. Ele existe de um modo diferente do
nosso: nós existimos de uma forma derivada, finita e frágil, mas nosso Criador existe
como eterno, auto-sustentado e necessário. Sua existência é necessária no sentido de
que não há possibilidade de ele cessar de existir.

A auto-existência de Deus é uma verdade básica. Na apresentação que faz do "Deus


desconhecido" aos atenienses, Paulo explica que o Criador do mundo não "é servido
por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem a
todos dá vida, respiração e tudo mais" (At 17.23-25). O Criador tem vida em si mesmo
e tira de si mesmo a energia infindável e de nada necessita. A independente auto-
existência de Deus é uma verdade claramente afirmada na Bíblia (Sl 90.1-4; 102.25-27;
Is 40.28-31; Jo 5.26; Ap 4.10).

Na teologia, muitos erros são resultado da suposição de que as condições e limites de


nossa própria existência finita se aplicam a Deus. Na vida da fé podemos também
facilmente empobrecer-nos, se alimentarmos uma idéia limitada e pequena a respeito de
Deus. A doutrina da auto-existência de Deus é um anteparo e defesa contra esses erros.
O princípio de que só Deus existe por si mesmo o distingue de toda criatura e é o
fundamento daquilo que pensamos a respeito dele. Saber que a existência de Deus é
independente, protege nossa compreensão a respeito da grandeza dele e portanto tem
claro valor prático para a nossa saúde espiritual.

ENTENDENDO A PALAVRA DE DEUS (Sl 119.34) pág. orig. 890

Todos os cristãos têm o direito e o dever não só de aprender a respeito da herança da fé


ensinada pela Igreja, mas também de interpretar as Escrituras por si mesmos. A Igreja

28
de Roma, durante certa época, proibiu esta prática, alegando que os indivíduos
facilmente interpretariam mal as Escrituras. A Confissão de Fé de Westminster
concorda que nas Escrituras "não são todas as coisas igualmente claras em si, nem do
mesmo modo evidentes a todos", mas afirma também claramente a autoridade dos
crentes individualmente de lerem a Bíblia por si mesmos... "não só os doutos, mas
ainda os indoutos, no devido uso dos meios ordinários, podem alcançar uma suficiente
compreensão delas" (I.VII). "Meios ordinários" incluem princípios de interpretação tais
como os que seguem.

A Bíblia é inspirada por Deus e suas palavras continuam sendo palavras de Deus, mas a
Bíblia é também produto de escritores humanos. Compreender isso em é essencial.
Nenhuma alegoria — ou outro método fantasioso que ignora o sentido original
expresso do escritor — será apropriada.

Cada livro foi escrito não em código, mas de um modo que pudesse ser entendido pelos
leitores a quem foi dirigido. Isto é verdade mesmo a respeito de livros tais como
Daniel, Zacarias e Apocalipse, que empregam primariamente simbolismo; mas a
verdade principal é sempre clara, mesmo que os detalhes sejam nebulosos. Por isso,
quando entendemos as palavras usadas, o fundo histórico, as convenções culturais do
escritor e de seus leitores, estamos na direção certa para entender os pensamentos
comunicados. Porém, a compreensão espiritual — isto é, o discernimento da realidade
de Deus, seu modo de tratar com o seu povo, sua vontade presente e a própria relação
do homem com ele — não serão alcançados por nós, no texto, até que o véu seja
removido dos nossos corações e sejamos capazes de participar da própria paixão que o
escritor tem por Deus (2Co 3.16; 1Co 2.14). Devemos orar para que o Espírito de Deus
gere em nós essa paixão e nos mostre Deus no texto (Ver Sl 119.18, 19, 26, 27, 33, 34,
73, 125, 144, 169; Ef 1.17-19; 3.16-19).

Cada livro tomou a sua forma em um tempo específico no processo da revelação da


graça de Deus. Esse tempo e lugar devem ser levados em conta quando se interpreta o
texto. Os Salmos, por exemplo, apresentam o coração piedoso de qualquer época, mas
expressam suas orações e louvores em termos das realidades da vida da graça antes da
vinda de Cristo — tal como a lei cerimonial, o sistema sacrificial e o papel especial de
Israel como reino teocrático.

29
Cada livro procede da mesma mente divina, por isso o ensino dos sessenta e seis livros
da Bíblia é complementar e consistente. Se não podemos perceber isso, a falta está em
nós e não nas Escrituras. As Escrituras em parte alguma se contradizem; mais do que
isso: uma passagem explica a outra. Esse sadio princípio de interpretar as Escrituras
pelas Escrituras é, às vezes, chamado de analogia das Escrituras ou analogia da fé.

Cada livro mostra a imutável verdade a respeito de Deus, sobre o mundo e sobre a
vontade de Deus para as pessoas, aplicada e ilustrada por situações particulares. O
estágio final da interpretação bíblica resulta na aplicação de suas verdades às situações
de nossa vida hoje. Este é o modo de discernir aquilo que Deus nos está dizendo neste
momento. Exemplos de tais reaplicações são a compreensão por Josias da ira de Deus
ante o fracasso de Judá em observar a sua Lei (2Rs 22.8-13), o arrazoado de Jesus sobre
Gn 2.24 (Mt 19.4-6) e o emprego que Paulo fez de Gn 15.6 e Salmos 32.1,2, para
mostrar a realidade da presente justificação pela fé (Rm 4.1-8). Nenhum significado
deve ser atribuído às Escrituras que não possa, com certeza, ser encontrado nela —
mostrado como sendo inequivocamente expresso por um ou mais dos escritores
humanos. Observação piedosa e devota destas regras é a marca de todo cristão que
"maneja bem a palavra da verdade" (2Tm 2.15).

DEUS É AMOR: BONDADE E FIDELIDADE (Sl 136.1) pág. orig. 907

A afirmação de que "Deus é amor" é feita frequentemente em termos da revelação que


nos vem através da vida e ensino de Jesus Cristo, da vida infinita do Deus triuno, vida
de mútua afeição e honra (Mt 3.17; 17.5; Jo 3.35; 14.31; 16.13,14; 17.1-5, 22-26). Com
esta idéia está relacionado o reconhecimento de que Deus criou os anjos e os homens
para glorificá-lo compartilhando do alegre de dar e receber desta vida divina, de acordo
com sua respectiva criação. Porém, quando João diz que "Deus é amor" (1Jo 4.8), ele
quer dizer, como explica adiante, que Deus, através de Cristo, salvou pecadores: "Nisto
se manifestou o amor de Deus em nós, em haver Deus enviado seu Filho unigênito ao
mundo, para vivermos por meio dele. Nisto consiste o amor, não em que nós tenhamos
amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho como propiciação pelos
nossos pecados" (1Jo 4.9,10).

30
Como sempre, no Novo Testamento, o "nós" — como objetos e sujeitos beneficiários
do amor redentor — significa "nós os que cremos". Esse "nós" não se refere a cada
indivíduo que pertence à raça humana. Quando se diz que o "mundo" foi amado e
redimido (Jo 3.16,17; 2Co 5.19; 1Jo 2.2), a palavra "mundo" significa o grande número
dos eleitos de Deus espalhados por todo o mundo, de todas as nações (cf. Jo 10.16;
11.52). O mundo redimido não é cada pessoa e toda pessoa que viveu ou viverá.

O soberano amor redentivo é uma faceta da qualidade que as Escrituras chamam de


bondade de Deus (Sl 100.5; Mc 10.18), isto é, a gloriosa benevolência e generosidade
que alcança todas as suas criaturas (Sl 145.9, 15, 16), e que deve levar todos os
pecadores ao arrependimento (Rm 2.4). Outros aspectos desta bondade são a piedade
que mostra benevolência aos homens em angústia e os livra de sua dificuldade (Sl 107,
136), e a paciência que não suspende a benevolência em favor daqueles que continuam
em pecado (Ex 34.6; Sl 78.38; Jo 3.10—4.11; Rm 9.22; 2Pe 3.9). A suprema expressão
da bondade de Deus é o amor que salva os pecadores que só merecem a condenação;
salva-os, além disso, à custa da morte de Cristo no calvário (Rm 3.22-24; 5.5-8; 8.32-
39; Ef 2.1-10; 3.14-18; 5.25-27).

A fidelidade de Deus é outro aspecto de sua bondade e é digna de louvor. Os homens


mentem e faltam com sua palavra; Deus, porém, não faz nem uma coisa nem outra. Nas
piores situações pode-se afirmar: "Suas misericórdias não têm fim... grande é a tua
fidelidade" (Lm 3.22,23; Sl 36.5; cf. Sl 89, especialmente os versículos 1, 2, 14, 24, 33,
37, 49). Mesmo quando as circunstâncias são inesperadas e desnorteadoras — e
ameaçam esconder a sua fidelidade — ainda assim, sabemos que Deus cumpre suas
promessas a nós, os que cremos: "todas vos sobrevieram, nem uma delas falhou (Js
23.14).

DEUS, O CRIADOR (Sl 148.5) pág. orig. 919

"No princípio criou Deus os céus e a terra" (Gn 1.1). Não houve material pré-existente;
Deus criou a partir do nada, apenas com o poder do fiat divino. Ele decidiu que todas as
coisas passassem a existir e chamou-as à existência por meio de sua Palavra: "Haja..."
Deus deu à criação existência dependente dele, contudo distinta dele. Na obra da
criação, Pai, Filho e Espírito Santo atuaram juntos (Gn 1.2; Sl 33.6,9; 148.5; Jo 1.1-3;

31
Cl 1.15,16; Hb 1.2; 11.3).

O ato de criação é mistério para nós: há nele mais do que podemos entender. Nós não
podemos criar por um mero ato de vontade, e não sabemos como Deus pôde. Dizer que
ele criou a partir do nada é confessar o mistério, não explicá-lo. Particularmente, não
podemos conceber como uma existência dependente pode ser distinta, ou como anjos e
homens, em sua existência dependente, podem tomar decisões livres e moralmente
responsáveis para com o seu Criador. Contudo, as Escrituras, em toda parte, ensinam-
nos essa verdade.

Como a ordem do cosmo não é autocriada, do mesmo modo não é auto-sustentada,


como Deus é. O universo é constantemente sustentado por Deus. Sem essa atividade do
Filho divino (Cl 1.17; Hb 1.3), cada criatura de toda espécie — inclusive nós mesmos
— cessaria de existir. Como Paulo disse aos atenienses: "Pois ele mesmo é quem a
todos dá vida, respiração e tudo mais" (At 17.25-28).

Deus não está no "espaço" nem no "tempo". Espaço e tempo são dimensões da ordem
criada e Deus não está sujeito a eles como nós estamos. Ele pode agir na ordem criada
por meios que são inacessíveis à nossa compreensão.

Saber que Deus nos criou e criou o mundo que existe ao redor de nós é fundamental à
verdadeira religião. Deus deve ser louvado como o Criador, conhecido pela
maravilhosa ordem e beleza de suas obras (ver, por exemplo, o Sl 104). Deus é o
Senhor soberano cujo plano eterno cobre todos os eventos e destinos, sem exceção. Ele
tem poder para redimir, recriar e renovar. Reconhecer que dependemos de Deus
momento a momento de nossa existência, impele-nos a viver vida de devoção, gratidão
e lealdade para com ele.

DEUS VÊ E CONHECE: A ONISCIÊNCIA DIVINA (Pv 15.3) pág. orig. 952

"Onisciência" significa "conhecer todas as coisas". Os olhos de Deus estão em toda


parte (Jó 24.23; Sl 33.13-15; 139.13-16; Pv 15.3; Jr 16.17; Hb 4.13), e ele sonda todos
os corações bem como observa os caminhos de cada um (1Sm 16.7; 1Rs 8.39; 1Cr
28.9; Sl 139.1-16, 23; Jr 17.10; Lc 16.15; Rm 8.27; Ap 2.23) — em outras palavras, ele

32
sabe tudo a respeito de tudo e conhece a todos todo o tempo. Conhece o futuro não
menos do que o passado e o presente, e possíveis eventos que nunca acontecem, não
menos do que eventos que de fato ocorrem (1Sm 23.9-13; 2Rs 13.19; Sl 81.14,15; Is
48.18). Nem precisa ele procurar informações a respeito das coisas, como um
computador recupera um arquivo; todo o seu conhecimento está imediata e diretamente
diante dele. Todos os escritores bíblicos se mostram espantados com a capacidade da
mente de Deus com respeito a tudo isto (Sl 139.1-6; 147.5; Is 40.13, 14, 28, cf. Rm
11.33-36).

O conhecimento de Deus está ligado à sua soberania. Ele conhece todas as coisas
porque ele as criou, sustenta-as e as faz funcionar a todo momento, de acordo com o
seu plano (Ef 1.11). A idéia de que Deus pode conhecer e pré-conhecer todas as coisas,
sem controlar tudo, não só é anti-escriturística como também ilógica.

Os crentes são encorajados pela onisciência de Deus, porque ela lhes assegura que
todas as coisas a respeito deles são conhecidas por aquele que os ama e não descuidará
de coisa alguma que lhes diga respeito (Is 40.27-31; Mt 6.8). Para o descrente, a
verdade do conhecimento universal de Deus deve trazer terror, porque se constitui uma
advertência de que ninguém pode esconder-se ou esconder de Deus seus pecados (Sl
139.7-12; 94.1-11; Jn 1.1-12).

PROVIDÊNCIA (Pv 16.33) pág. orig. 957

"As obras da providência de Deus são a sua maneira muito santa, sábia e poderosa de
preservar e governar todas as suas criaturas e todas as ações delas" (Breve Catecismo, P.
11). Se a criação do mundo foi um exercício único da energia divina que criou todas as
coisas, a providência é o exercício continuado da mesma energia. Por meio dela o
Criador, de acordo com sua própria vontade, preserva todas as criaturas, envolve-se em
todos os eventos e dirige todas as coisas aos seus fins determinados. Deus está
totalmente no comando do seu mundo. Sua mão pode estar escondida, mas seu governo
perfeito abrange todas as coisas.

Imagina-se, às vezes, que Deus conhece o futuro mas não tem controle sobre ele; que
ele sustenta o mundo mas não interfere nele, ou que ele dá ao mundo uma direção geral,

33
mas não se preocupa com detalhes. A Bíblia exclui todas as limitações de sua
providência.

A Bíblia ensina claramente o controle providencial de Deus (1) sobre o universo em


geral, Sl 103.19; Dn 4.35; Ef 1,11; (2) sobre o mundo físico, Jó 37; Sl 104.14; 135.6;
Mt 5.45; (3) sobre a criação irracional Sl 104.21, 28; Mt 6.26; 10.29; (4) sobre os
negócios das nações, Jó 12.23; Sl 22.28; 66.7; At 17.26; (5) sobre o nascimento e sorte
na vida do homem 1Sm 16.1; Sl 139.16; Is 45.5; Gl 1.15,16; (6) sobre o sucesso
externo e fracassos na vida do homem, Sl 75.6,7; Lc 1.52; (7) sobre coisas
aparentemente acidentais ou insignificantes, Pv 16.33; Mt 10.30; (8) na proteção dos
justos, Sl 4.8; 5.12; 63.8; 121.3; Rm 8.28; (9) em suprir as necessidades do seu povo,
Gn 22.8, 14; Dt 8.3; Fp 4.19; (10) em responder às orações, 1Sm 1.19; Is 20.5,6; 2Cr
33.13; Sl 65.2; Mt 7.7; Lc 18.7,8; (11) no desmascaramento e punição do ímpio, Sl
7.12,13; 11.6 (L. Berkhof, Systematic Theology, 2ª edição revista (Grand Rapids: Wm.
B. Eerdmans Publishing Co. 1941), p. 168.

Descrever o envolvimento de Deus no mundo e nos atos das criaturas racionais exige
considerações complementares. Por exemplo, uma pessoa deseja uma ação, um evento
é produzido por causas naturais ou Satanás mostra sua mão — contudo, Deus governa.
Pessoas podem ir contra a vontade do mandamento de Deus — contudo, cumprem sua
vontade nos eventos. O motivo das pessoas pode ser mau — contudo, Deus usa suas
ações para o bem (Gn 50.20; At 2.23). Embora o pecado humano esteja sob o decreto
de Deus, Deus não é o autor do pecado (Tg 1.13-17).

O envolvimento "concorrente" ou "confluente" de Deus em tudo o que ocorre, não


viola a ordem natural, os processos naturais em andamento, ou a agência livre e
responsável dos seres humanos. O controle soberano de Deus não anula a
responsabilidade e o poder das segundas causas; ao contrário, essas causas foram
criadas e exercem suas funções por determinação divina.

Dos males que infectam o mundo de Deus (males espirituais, morais e físicos), a Bíblia
diz: Deus permite o mal (At 14.16); usa o mal como punição (Sl 81.11,12; Rm 1.26-
32); do mal tira o bem (Gn 50.20; At 2.23; 4.27,28; 13.27; 1Co 2.7,8); usa o mal para
testar e disciplinar aqueles a quem ama (Mt 4.1-11; Hb 12.4-14); um dia, porém, Deus

34
redimirá totalmente seu povo do poder e da presença do mal (Ap 21.17; 22.14,15).

A doutrina da providência ensina aos cristãos que eles nunca estão presos à sorte cega,
ao acaso, ou ao destino. Tudo o que lhes acontece é divinamente planejado e cada
evento é tido como um novo convite a confiar, a obedecer e a regozijar-se, sabendo que
todas as coisas ocorrem para o seu bem espiritual e eterno (Rm 8.28).

UM E TRÊS: A TRINDADE (Is 44.6) pág. orig. 1102

O AntigoTestamento insiste constantemente na afirmação de que há somente um Deus,


o auto-revelado Criador, que deve ser cultuado e louvado com exclusividade (Dt 6.4,5;
Is 44.6—45.25). O Novo Testamento concorda (Mc 12.29,30; 1Co 8.4; Ef 4.6; 1Tm
2.5), mas fala de três agentes pessoais, Pai, Filho e Espírito Santo, que operam juntos
para trazer a salvação (Rm 8; Ef 1.3-14; 2Ts 2.13,14; 1Pe 1.2). A formulação histórica
da Trindade (do Latim trinitas, que significa "estado de ser três"), não é uma tentativa
de explicá-la, propósito este que estaria além da nossa capacidade. Apenas oferece
limite e salvaguarda aos nossos pensamentos a respeito deste mistério, que nos faz
confrontar-nos com o talvez mais difícil pensamento que a mente humana pode
elaborar. Não é fácil de entender, mas é verdadeiro.

A doutrina surge dos fatos históricos da redenção registrados e explicados no Novo


Testamento. Jesus orou a seu Pai e ensinou seus discípulos a fazerem o mesmo.
Contudo, Jesus os convenceu de que era pessoalmente divino. Crer na sua divindade e
no seu direito de receber culto e orações é básico na fé do Novo Testamento (Jo 20.28-
31; cf. 1.1-18; At 7.59; Rm 9.5; 10.9-13; 2Co 12.7-9; Fp 2.5,6; Cl 1.15-17; 2.9; Hb 1.1-
12; 1Pe 3.15). Jesus prometeu enviar outro "Consolador" ou "Parácleto" (do Grego; ver
nota no texto de João 14.16), para continuar sua obra como primeiro Ajudador (Jo
14.16,17). Um "Parácleto" é um advogado, ajudador, aliado e sustentador (Jo 14.26;
15.26,27; 16.7-15). O Ajudador prometido é o Espírito Santo, que desceu no Pentecoste
para cumprir o seu ministério. Desde o início ele foi reconhecido como terceira Pessoa
divina; mentir a ele — disse Pedro não muito depois do Pentecoste — é mentir a Deus
(At 5.3,4).

Cristo prescreveu o batismo "em nome (singular: um Deus, um nome) do Pai e do Filho

35
e do Espírito Santo" — três Pessoas que são o Deus a quem os cristãos se dedicam (Mt
28.19). Do mesmo modo encontramos as três Pessoas no batismo do próprio Jesus: o
Pai reconheceu o Filho e o Espírito mostrou sua presença na vida e ministério do Filho
(Mc 1.9-11). A bênção de 2Co 13.14 é trinitariana como o é a oração para a graça e paz,
do Pai, do Espírito e de Jesus Cristo, no Ap 1.4,5. João inclui o Espírito entre o Pai e o
Filho só porque ele ensina que o Espírito é divino no mesmo sentido em que o Pai e o
Filho o são. Estes são alguns dos mais notáveis exemplos do ensino trinitariano, no
Novo Testamento. Embora a linguagem técnica da teologia posterior não se encontra no
Novo Testamento, a fé e o pensamento trinitarianos estão presentes em todas as suas
páginas. Neste sentido, a Trindade é uma doutrina bíblica.

Basicamente, a doutrina é que a unidade do Deus único é complexa. As três


"substâncias" pessoais, como são chamadas, são centros coiguais e coeternos de
autoconsciência, cada um sendo um "Eu" em relação aos outros dois que são "Vós", e
cada um possuindo a plena essência divina de Deus, a existência específica que
pertence só a Deus. Deus não é uma só Pessoa que desempenha três papéis separados.
Este é o erro denominado "modalismo"; nem são três deuses que parecem ser um por
atuarem sempre juntos. Isto é "triteísmo". O teólogo B. B. Warfield coloca o problema
de modo simples: "Quando dizemos estas três coisas — então, que não há senão um só
Deus, que o Pai, o Filho e o Espírito, cada um é Deus; que o Pai, o Filho e o Espírito,
cada um é uma pessoa distinta — anunciamos a doutrina da Trindade em sua inteireza".
Isto sumariza o que foi revelado através das palavras e obras de Jesus, e é a realidade
que subjaz à salvação do Novo Testamento.

Praticamente falando, a doutrina da Trindade exige que demos honra igual a cada uma
das três pessoas na unidade do Deus único. Além do mais, conhecer esta doutrina
estabelece fé pessoal e enriquece não menos o forte senso de unidade com outros
cristãos.

A NATUREZA ESPIRITUAL DE DEUS (Is 66.1) pág. orig. 1141

"Deus é Espírito", disse Jesus à mulher samaritana junto ao poço (Jo 4.24). Ainda que
plenamente pessoal, Deus não vive num corpo nem através de um corpo como nós
vivemos e, por isso, não está sujeito aos limites de espaço e tempo. Nada do que foi

36
criado pode ser onipresente mas Deus, em toda a sua plenitude, está presente em toda
parte, continuamente. Todas as coisas criadas estão limitadas pelo tempo porém, para
Deus, não há "momento presente", no qual ele esteja encerrado como nós.

Os teólogos se referem à liberdade de Deus como consistindo na sua infinitude e na sua


imensidade, como algo que não está sujeito a limites nem a fronteiras (1Rs 8.27; Is
40.12-26; 66.1). Todas as coisas subsistem em Deus e ele tem todas as coisas diante de
sua mente, em sua relação própria com seu plano e propósito para cada coisa e para
cada pessoa, em seu universo (Dn 4.34,35; Ef 1.11).

Deus é imutável ou invariável. Coisa alguma pode aumentar ou diminuir a perfeição de


Deus, e ele não muda para melhor ou para pior. Pelo fato de ele não estar sujeito ao
tempo, não sofre mudanças como suas criaturas (2Pe 3.8). Contudo, Deus, em todo
tempo, está em plena atividade em seu universo, fazendo com que novas coisas
continuem surgindo (Is 42.9; 2Co 5.17; Ap 21.5). Em todas as suas obras, com perfeita
consistência, Deus imprime seu perfeito caráter. Fiel ao seu caráter invariável, ele
cumprirá toda palavra que falou e os planos que fez (Nm 23.19; Sl 33.11; Ml 3.6; Tg
1.16-18). Sua imutabilidade explica por que, quando os homens mudam a sua atitude
para com ele, ele muda sua atitude para com os homens (Gn 6.5-7; Êx 32.9-14; 1Sm
15.11; Jn 3.10).

A invariabilidade da perfeição de Deus não significa que ele seja impassível ou


insensível, mas significa que o que ele sente é assunto de sua própria escolha e está
incluído na unidade do seu ser infinito. Deus não é impulsionado por sua reação a
eventos ou pela atuação de sentimentos que surjam dentro dele. Porém, muitos textos
das Escrituras falam de Deus como tendo emoções, tais como: alegria, tristeza, ira e
prazer. É um grande erro esquecer que Deus sente — ainda que necessariamente Ele
sinta de um modo que transcende a experiência de emoção de um ser finito. Todos os
pensamentos e ações de Deus envolvem a seu ser integral; ele é em si mesmo íntegro,
não composto de partes. Esse atributo é denominado simplicidade. Deus não é
distraído, dividido por interesses conflitantes, ou forçado a concentrar sua atenção.
Simultaneamente ele concentra sua atenção total e integral não apenas em um alvo de
cada vez mas em tudo e em todos onde quer que seja, no tempo e no espaço (Mt
10.29,30).

37
O Deus que é Espírito deve ser adorado em espírito e em verdade (Jo 4.24). Adorar "em
espírito" significa cultuar com um coração renovado pelo Espírito Santo. Rituais,
cerimônias ou formalidades devocionais não se constituem adoração real sem um
coração anelante, o que o Espírito Santo apenas pode produzir. "Em verdade" significa
na base da revelação de Deus que culminou na Palavra encarnada, Jesus Cristo, a
Verdade (Jo 14.6). No Espírito, "perto está o Senhor de todos os que o invocam, de
todos os que o invocam em verdade", onde quer que isso ocorra (Sl 145.18; cf. Hb
4.14-16). Através da revelação de Cristo, Deus convida criaturas limitadas e pecadoras
para que o invoquem, o Deus eterno e imutável, como o seu Deus. Deus comprometeu-
se com o seu povo por meio de uma Aliança de divinas promessas tão seguras quanto à
própria fidelidade divina (Hb 6.17,18).

O VERDADEIRO CONHECIMENTO DE DEUS (Jr 9.24) pág. orig. 1167

Em 1Tm 6.20-21, Paulo adverte a Timóteo contra "as contradições do sabe, como
falsamente lhe chamam, pois que alguns, professando-o, se desviaram da fé". O ataque
de Paulo é contra tendências religiosas que culminaram no Gnosticismo, no segundo
século d.C. Mestres de tais idéias diziam aos crentes que vissem seu compromisso
cristão apenas como primeiro passo no longo caminho para o "conhecimento" (gnosis,
do Grego) e insistiam com os cristãos para que avançassem mais nesse caminho. Esses
mestres consideravam a ordem natural como indigna e o corpo como prisão da alma.
Sua resposta às necessidades espirituais humanas era a iluminação, isto é, era preciso
atingir um certo "conhecimento" reservado a poucos. Negavam que o pecado fosse
parte do problema e o "conhecimento" que eles ofereciam fazia uso de senhas celestiais
e de disciplinas de desprendimento e misticismo. Para eles, Jesus era apenas um mestre
sobrenatural, e humano só em aparência; negavam a Encarnação e a Expiação;
substituíam o apelo de Cristo ao amor santo pelo ascetismo ou licenciosidade. As cartas
de Paulo a Timóteo (1Tm 1.3,4; 4.1-7; 6.20,21; 2Tm 3.1-9); Judas 4.8, 19; 2Pedro 2, e
as duas primeiras Cartas de João (1Jo 1.5-10; 2.9-11, 18-29; 3.7-10; 4.1-6; 5.1-12; 2Jo
7-11), opõem-se explicitamente às crenças e práticas que, mais tarde, foram
reconhecidas como Gnosticismo.

38
Em contraste, as Escrituras falam em "conhecer" a Deus como o ideal espiritual de uma
pessoa, ou seja, a plenitude da relação de fé que traz salvação e vida eterna, e que gera
amor, esperança, obediência e alegria (Êx 33.13; Jr 31.34; 8.8-12; Dn 11.32; Jo 17.3;
Gl 4.8,9. Fl 3.8-11; 2Tm 1.12; Hb 8.8-12). As dimensões deste conhecimento são
intelectual (conhecer a verdade a respeito de Deus: Dt 7.9; Sl 100.3); volitiva (confiar,
obedecer e cultuar a Deus); moral (praticar justiça e amor: Jr 22.16; 1Jo 4.7-8). O
conhecimento propiciado pela fé concentra-se em Jesus Cristo, o Deus encarnado e
mediador entre Deus e o homem. A fé busca especificamente conhecer a Cristo e seu
poder (Fp 3.8-14). O conhecimento promovido pelo pacto de Deus estabelecido
conosco é recíproco, afetando ambos os lados: conhecemos a Deus como nosso, e ele
nos conhece como seus (Jo 10.14; Gl 4.9; 2Tm 2.19).

LIBERDADE E ESCRAVIDÃO DA VONTADE (Jr 17.9) pág. orig. 1181

A compreensão apropriada da liberdade da vontade, na condição humana decaída, é


auxiliada pela distinção entre livre agência e livre arbítrio.

Livre agência é uma característica da humanidade como tal. Todos os seres humanos
são agentes livres no sentido de que eles podem tomar suas próprias decisões a respeito
daquilo que querem fazer, escolhendo como lhes agrada, à luz de sua própria
consciência, inclinações e pensamentos. São responsáveis perante Deus e perante o
resto da humanidade pelas escolhas que fazem. Adão era um agente livre antes da
Queda e depois também, pois continuou a ter desejos e pensamentos, que punha em
ação por meio de sua vontade. Do mesmo modo nós agora, também, somos agentes
livres. Continuaremos a ser assim depois da ressurreição. Os santos glorificados
exercem sua vontade, porém, por serem confirmados na graça, não podem pecar. As
escolhas deles são produto de sua livre agência, escolhas feitas de acordo com a sua
natureza, porém, agora essas escolhas são boas e certas. A transformação do coração
deles foi completa e eles desejam praticar só o que é reto.

Livre arbítrio foi definido pelos mestres cristãos do século II como a capacidade de
escolher qualquer das opções oferecidas em dada situação. Agostinho ensinou que esta
capacidade se perdeu na Queda. Essa perda é parte do peso do pecado original. Depois

39
da Queda, nossos corações naturais não são mais inclinados para Deus; eles estão
escravizados sob o jugo do pecado e não podem livrar-se dessa escravidão a não ser
pela graça da regeneração. Esse modo de entender a escravidão da vontade é ensinado
pelo apóstolo Paulo em Rm 6.16-23.

Somente a vontade que foi libertada é capaz de escolher a justiça livremente e de


coração. O amor permanente para com a justiça, isto é, a inclinação do coração para o
modo de viver que agrada a Deus, é um aspecto da liberdade que Cristo assegura (Jo
8.34-36; Gl 5.1,13).

ONIPRESENÇA E ONIPOTÊNCIA (Jr 23.24) pág. orig. 1191

Deus está presente em todos os lugares. Contudo, não podemos pensar que sua
presença encha todos os espaços, porque ele não tem dimensões físicas. É como
espírito que ele está em todo lugar. Ainda que isso exceda a compreensão de criaturas
como nós, presas ao corpo, Deus está presente em toda parte, em sua majestade e poder.
Almas necessitadas que oram a ele de toda parte no mundo estão à sua vista e recebem
sua atenção pessoal. A crença na onipresença de Deus é ensinada no Sl 139.7-10; Jr
23.23,24; At 17.24-28. Quando Paulo fala do Cristo que subiu ao céu como enchendo
todas as coisas (Ef 4.8-10), a disponibilidade de Cristo em toda parte, na plenitude do
seu poder, certamente faz parte do significado. Pai, Filho e Espírito Santo são
onipresentes, ainda que a presença pessoal do Filho glorificado não seja física (no
corpo).

"Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado" (Jó 42.2). Jó
testifica que Deus é onipotente. Ele é o todo-poderoso. Deus tem poder para fazer tudo
aquilo que, em sua perfeita sabedoria e vontade, ele deseja fazer. Onipotência não
significa que Deus possa fazer literalmente tudo. Deus não pode pecar, não pode
mentir, não pode mudar sua natureza ou negar as exigências do seu caráter santo (Nm
23.19; 1Sm 15.29; 2Tm 2.13; Hb 6.18; Tg 1.13,17). Não pode fazer um círculo
quadrado, porque a noção de um círculo quadrado é contraditória. Deus não pode
cessar de ser Deus. Porém, tudo o que ele quer e promete, ele pode e fará.

Teria sido exagero de Davi dizer: "Eu te amo, ó Senhor, força minha. O Senhor é a

40
minha rocha, a minha cidadela, o meu libertador, o meu Deus, o meu rochedo em que
me refugio; o meu escudo, a força da minha salvação, o meu baluarte" (Sl 18.1,2)?
Teria sido exagero um outro salmista declarar: "Deus é o nosso refúgio e fortaleza,
socorro bem presente nas tribulações" (Sl 46.1)? Teria sido um engano dizer essas
coisas se Deus fosse menos que onipotente e onipresente. Porém, o reconhecimento da
grandeza de Deus, incluindo sua onipresença e onipotência, produz grande fé e alto
louvor.

A GLÓRIA DE DEUS (Ez 1.28) pág. orig. 1260

O objetivo de Deus é a sua glória, porém isto precisa de cuidadosa explicação porque é
facilmente mal compreendido. Esse objetivo aponta para um propósito não de egoísmo
divino, mas de amor divino. Certamente, Deus procura ser louvado por seu caráter
meritório e exaltado por sua grandeza e bondade; procura ser reconhecido por aquilo
que ele é. Mas a glória que é seu propósito, tem dois lados, um relacionamento com
duas etapas: de um lado ele revela sua glória em atos de livre generosidade e, de outro,
seu povo responde com adoração, dando-lhe glória com ações de graças por aquilo que
tem visto e recebido. Os seres humanos foram criados para esta recíproca comunhão de
amor e a redenção oferecida por Cristo torna isso possível para os que caíram. A
natureza humana é completada pela contínua visão da glória de Deus e por
corresponder a ele com louvor, do mesmo modo que Deus tem prazer em revelar-se (Sf
3.14-17).

"Glória", no AntigoTestamento, está associada com valor, riqueza, esplendor e


dignidade. Quando Moisés pediu para ver a glória de Deus, Deus proclamou seu nome
a Moisés, isto é, revelou a Moisés alguma coisa de sua natureza, caráter e poder (Êx
33.18—34.7; ver nota "Este é Meu Nome: A Auto-Revelação de Deus", em Êx 3.15).
Acompanhando a proclamação, veio uma assombrosa manifestação física, uma nuvem
luminosa como fogo ardente (Êx 24.17). Esta glória da presença de Deus é
freqüentemente chamada "glória Shequiná". Aparecia em momentos significativos
como um sinal da presença ativa de Deus (Êx 33.22; 34.5, cf. 16.10; 24.17; 40.34; Lv
9.23,24; 1Rs 8.10,11; Ez 1.28; 8.4; 9.3; 10.4; 11.22,23; Mt 17.5; Lc 2.9; cf. At 1.9; 1Ts
4.17; Ap 1.7). Os Escritores do Novo Testamento proclamam que a glória de Deus está
agora revelada em Jesus Cristo (Jo 1.14-18; 2Co 4.3-6; Hb 1.1-3).

41
Deus é glorificado nos atos de salvação, porque esses atos exibem sua incomparável
condescendência, seu inexaurível amor e seu ilimitado poder. "Salvação é do
SENHOR" (Jn 2.9) e os que ele salva em nada contribuem para isso, exceto com sua
necessidade (Is 42.8; 48.11). O louvor pela salvação não pertence a ninguém mais
senão só a Deus. Esta é a razão pela qual a teologia da Reforma insistiu tanto neste
princípio: "Glória a Deus somente" (Soli Deo gloria) e é a razão pela qual devemos
manter esse princípio com igual zelo hoje.

A SABEDORIA E A VONTADE DE DEUS (Dn 2.20) pág. orig. 1333

"Sabedoria" nas Escrituras, significa escolher os melhores e mais nobres fins a serem
alcançados, empregando os mais apropriados e efetivos meios que permitam alcançar
esses fins. A Literatura de Sabedoria, no AntigoTestamento, incluindo Jó, Provérbios,
Eclesiastes e alguns dos Salmos (19, 37, 104, 107, 147, 148), trata não apenas da vida
do culto ou do exercício religioso, no sentido restrito, mas também de comportamentos
morais diários, na família, nas relações sociais e nos negócios. No Novo Testamento, a
carta de Tiago também pode ser considerada "Literatura de Sabedoria", com sua
descrição em linguagem direta da vida cristã prática. À luz da Literatura de Sabedoria
das Escrituras, a sabedoria cristã consiste em fazer do "temor do Senhor" — cultuá-lo
com reverência e servi-lo — o objetivo da vida (Pv 1.7; 9.10; Ec 12.3).

A sabedoria de Deus é vista nas suas obras de criação, preservação e redenção: é a


escolha de sua própria glória como seu objetivo (Sl 46.10; Is 42.8; 48.11) e sua decisão
de alcançar este objetivo primeiro pela criação de uma maravilhosa variedade de coisas
e de pessoas (Sl 104.24; Pv 3.19,20); em segundo lugar, pelas graciosas providências
(Sl 145.13-16; At 14.17); e, em terceiro lugar, pela "sabedoria redentiva" de Cristo
crucificado (1Co 1.18—2.16) e a resultante igreja de Cristo no mundo (Ef 3.10).

A concretização da sabedoria de Deus envolve a expressão de sua vontade em dois


diferentes sentidos. No primeiro, a vontade de Deus é "seu eterno propósito, segundo o
conselho de sua vontade, pelo qual, para a sua própria glória, ele preordenou tudo o que
acontece" (P. 7, Breve Catecismo de Westminster). Este "eterno propósito" é a vontade
decretiva de Deus referida em Ef 1.11. No segundo sentido, a vontade de Deus são seus

42
mandamentos, isto é, suas instruções dadas nas Escrituras, concernentes a como seu
povo deve crer e comportar-se. Esta é às vezes chamada sua "vontade preceptiva" e é
referida em Rm 12.2; Ef 5.17; Cl 1.9; 1Ts 4.3-6). Algumas destas exigências estão
enraizadas no seu santo caráter, que devemos imitar: tais são os princípios do Decálogo
e os dois grandes mandamentos (Êx 20.1-17; Mt 22.37-40, cf. Ef 4. 32—5.2). Algumas
dessas exigências surgem simplesmente da instituição divina. Tais eram a circuncisão e
as leis sacrificiais de purificação do AntigoTestamento, e tais são o Batismo e a Ceia do
Senhor, hoje. Porém, todas, em seu respectivo tempo, são obrigatórias para a
consciência, e o plano de Deus nos eventos (seu eterno propósito) já inclui as "boas
obras" de obediência, que os que crêem praticarão (Ef 2.10).

Às vezes é difícil, e mesmo impossível, para seres humanos mortais, compreender


como a obediência — que nos põe em desvantagem no mundo — é parte de um plano
predestinado que promove a glória de Deus e o nosso bem (Rm 8.28). Nós, porém,
glorificamos a Deus por acreditarmos que é assim, pois Deus, que não pode mentir,
assim o disse. Um dia veremos que, de fato, é assim porque a sua sabedoria é perfeita e
nunca falha.

DEUS REINA: A SOBERANIA DIVINA (Dn 4.34) pág. orig. 1339

A afirmação de que Deus é absolutamente soberano na criação, na providência e na


salvação é básica à crença bíblica e ao louvor bíblico. A visão de Deus reinando, de seu
trono, é repetida muitas vezes (1Rs 22.19; Is 6.1; Ez 1.26; Dn 7.9; Ap 4.2, cf. Sl 11.4;
45.6; 47.8,9; Hb 12.2; Ap 3.21). Somos constantemente lembrados, em termos
explícitos, que o Senhor (Yahweh) reina como rei, exercendo o seu domínio sobre
grandes e pequenos, igualmente (Êx 15.18; Sl 47; 93; 96.10; 97; 99.1-5; 146.10; Pv
16.33; 21.1; Is 23.23; 52.7; Dn 4.34,35; 5.21-28; 6.26; Mt 10.29-31). O domínio de
Deus é total. Ele determina como ele mesmo escolhe, e realiza tudo o que determina e
nada pode deter seu propósito ou frustrar os seus planos. Ele exerce o seu governo no
curso normal da vida, bem como nas mais extraordinárias intervenções ou milagres.

As criaturas racionais de Deus, angélicas ou humanas, gozam de livre agência, isto é,


têm o poder de tomar decisões pessoais quanto àquilo que desejam fazer. Não seríamos
seres morais responsáveis perante Deus, o Juiz, se não fosse assim. Nem seria possível

43
distinguir — como as Escrituras fazem — entre os maus propósitos dos agentes
humanos e os bons propósitos de Deus que, soberanamente, governa a ação humana,
como meio planejado, para seus próprios fins (Gn 50.20; At 2.23; 13.26-39). Contudo,
a livre agência nos confrontar com um mistério: o controle de Deus sobre os nossos
atos livres — atos que praticamos por nossa própria escolha — é tão completo como o
é sobre qualquer outra coisa. Mas não sabemos como isto pode ser feito. A despeito
deste controle, Deus não é e não pode ser autor do pecado. Deus conferiu
responsabilidade aos agentes morais, no que concerne aos seus pensamentos, palavras e
obras, segundo sua justiça. O Salmo 93 ensina que o governo soberano de Deus: a)
garante a estabilidade do mundo contra todas as forças do caos (vs. 1-4); b) confirma a
fidedignidade de todas as declarações e ensinos de Deus (v. 5) e c) exige a adoração do
seu povo (v. 5). O Salmo inteiro expressa alegria, esperança e confiança no Todo
poderoso.

SINCRETISMO E IDOLATRIA (Os 2.13) pág. orig. 1362

Posto que haja um único Deus e uma só e verdadeira fé, como ensina a Bíblia, o mundo
apóstata (Rm 1.18-25) tem estado repleto de religiões. Desde longa data o mundo
insiste em praticar o sincretismo (assimilação de crenças de uma religião e práticas de
outras), prática esta que existe ainda hoje. Na verdade, essa prática tem revivido em
nosso tempo por meio de renovadas tentativas de unir todas as religiões através de
persistente amálgama de idéias orientais e ocidentais, que surgem e alcançam
popularidade.

A pressão em favor da transigência não é nova. Depois de entrar em Canaã, Israel foi
constantemente tentado a absorver, no culto a Yahweh, o culto aos deuses e deusas
cananitas da fertilidade, e também a fazer imagens do próprio Yahweh — ambas as
práticas proibidas na Lei (Êx 20.3-6). A questão espiritual em pauta era se Israel se
lembraria que o Deus da Aliança era todo-suficiente, e que Deus reivindicava exclusiva
lealdade do povo, tornando o culto a outros deuses um adultério espiritual (Jr 3; Ez 16;
Os 2). Neste teste a nação foi reprovada com freqüência.

O sincretismo espalhou-se no império romano durante os primeiros séculos do


Cristianismo. O politeísmo era corrente e floresceu todo tipo de cultos de mistério. Os

44
mestres cristãos da Igreja Primitiva lutaram diligentemente para preservar a fé e evitar
que ela fosse assimilada pelo gnosticismo, uma espécie de teosofia que não aceitava a
Encarnação de Cristo nem a Expiação, uma vez que considerava a raiz do problema do
homem a ignorância mais do que o pecado. O néo-platonismo e o maniqueísmo
consideravam o meio de salvação principalmente como matéria de desprendimento
ascético e fuga do mundo físico. A resistência cristã a estes movimentos foi bem
sucedida e a formulação clássica da doutrina da Trindade e da Encarnação, nos Credos,
constitui o permanente legado dessas lutas.

As Escrituras condenam toda idolatria como má. Os ídolos são ridicularizados como
entidades não-existentes, ilusórias (Sl 115.4-7; Is 44.9-20), mas, não obstante,
escravizam seus cultuadores em cega superstição (Is 44.20). Paulo acrescenta que os
demônios operam através dos ídolos, fazendo deles uma ameaça espiritual (1Co 8.4-6;
10.19-21). As advertências bíblicas contra a idolatria (por exemplo 1Co 10.14; 1Jo
5.19-21) devem ser levadas a sério na cultura ocidental pós-cristã, que está disposta a
preencher o vácuo espiritual que o povo sente, abraçando o sincretismo religioso, a
bruxaria e experimentos com o ocultismo.

ANJOS (Zc 1.9) pág. orig. 1467

Os anjos (do Grego angelos, significa mensageiro) se constituem em uma das duas
espécies de seres pessoais criados por Deus (a humanidade compreende a outra
espécie). Multidões em número (Mt 26.53; Ap 5.11), os anjos são agentes morais
inteligentes. Não têm corpo nem são ordinariamente visíveis, ainda que possam
manifestar-se e aparecer em forma física (Gn 18.2—19.22; Jo 20.12,13; At 12.7-10).
Não se casam nem estão sujeitos à morte (Mt 22.30; Lc 20.35,36). Eles podem mover-
se de um ponto a outro no espaço e muitos podem concentrar-se numa pequena área (Lc
8.30, onde a referência é aos anjos caídos).

Como os seres humanos, os anjos também foram provados e alguns deles caíram em
pecado. Os muitos que passaram no teste estão agora, segundo parece, num estado de
santidade e glória imortal. Os céus são o seu lugar de habitação (Mt 18.10; 22.30; Ap
5.11), onde cultuam a Deus constantemente (Sl 103.20,21; 148.2), e de onde Deus os
envia a prestarem serviços aos cristãos (Hb 1.14). Estes são os anjos "santos" e

45
"eleitos" (Mt 25.31; Mc 8.38; Lc 9.26; At 10.22; 1Tm 5.21; Ap 14.10), aos quais a obra
da graça de Deus em Cristo continua a manifestar uma crescente medida de sabedoria e
glória divinas (Ef 3.10; 1Pe 1.12).

Os santos anjos protegem os crentes (Sl 34.7; 91.11,12), aos pequenos em particular
(Mt 18.10) e observam constantemente aquilo que ocorre na igreja (1Co 11.10). Está
subentendido que eles desenvolvem importante ministério junto aos crentes na hora da
morte (Lc 16.22), mas não temos detalhes a respeito disto. O mundo pode vigiar os
cristãos na esperança de vê-los cair, porém, os anjos os observam para ver o triunfo da
graça em suas vidas.

O misterioso "Anjo do Senhor" ou "Anjo de Deus", que aparece com freqüência nas
primeiras partes do Antigo Testamento é, às vezes, identificado com Deus e, outras
vezes, é distinto de Deus (Gn 16.7-13; 18.1-33; 22.11-18; 24.7,40; 31.11-13; 32.24-30;
48.15,16; Êx 3.2-6; 14.19; 23.20-23; 32.34—33.5; Nm 22.22-35; Js 5.13-15; Jz 2.1-5;
6.11-23; 9.13-23). Em certas ocasiões, pelo menos, esse Anjo, em alguns sentidos, age
como seu próprio mensageiro e é comumente visto como o Filho de Deus pré-
encarnado.

A atividade angélica foi proeminente nos grandes momentos cruciais do plano divino
da salvação (nos dias dos patriarcas, nos tempos do Êxodo, na outorga da Lei, no
período do Exílio e Restauração, no nascimento, ressurreição e ascensão de Jesus
Cristo). Os anjos estarão de novo em proeminência na segunda vinda de Cristo (Mt
25.31; Mc 8.38).

O PROPÓSITO DE DEUS: PREDESTINAÇÃO E PRÉ-CONHECIMENTO (Ml 1.2)


pág. orig. 1487

Predestinação é uma palavra usada com freqüência para significar a pré-ordenação de


todos os eventos determinados por Deus na História do mundo — passado, presente e
futuro. Este uso é muito apropriado. Contudo, nas Escrituras, e na teologia histórica
protestante, "predestinação" se refere especificamente à decisão de Deus tomada na
eternidade, em relação às pessoas individuais, antes de o mundo existir. Em geral, o
Novo Testamento fala da predestinação ou eleição de pecadores para a salvação e para a

46
vida eterna (Rm 8.29; Ef 1.4,5,11), ainda que as Escrituras ocasionalmente atribuam a
Deus antecipada decisão a respeito dos que, finalmente, não são salvos (Rm 9.6-29; 1Pe
2.8; Jd 4). Por esta razão é freqüente, na teologia protestante, definir a predestinação
mediante a inclusão da decisão de Deus de salvar alguns do pecado (a eleição), e a
correspondente decisão de não salvar outros (reprovação).

Com frequência afirma-se que a escolha que Deus faz de indivíduos para a salvação
está baseada no seu pré-conhecimento de que eles escolheriam a Cristo como seu
Salvador. Pré-conhecimento, neste caso, significa que Deus prevê passivamente o que
os indivíduos farão, independentemente da pré-ordenação de Deus com relação às
ações deles. Porém, há pesadas objeções ao ponto de vista de que a eleição está baseada
numa previsão passiva.

"Conhecer de antemão", em Rm 8.29; 11.2 (cf. 1Pe 1.2, 20) indica não só o
conhecimento antecipado, mas também a escolha antecipada feita por Deus daqueles a
quem ele salva. Não expressa a idéia de previsão passiva de um espectador daquilo que
vai acontecer espontaneamente. O conhecimento que Deus tem do seu povo implica
uma relação especial de escolha por amor (Gn 18.19).

Posto que todos estão naturalmente mortos no pecado (separados da vida de Deus e
indiferentes para com ele), ninguém que ouve o Evangelho pode chegar ao
arrependimento e à fé, sem receber a renovação interior, que só Deus pode conferir (Ef
2.4-10). Jesus disse: "Ninguém poderá vir a mim se, pelo Pai, não lhe for concedido"
(Jo 6.65, cf. 6.44; 10.25-28). Pecadores escolhem a Cristo porque Deus os escolheu
primeiro e levou-os a essa escolha pela renovação de seus corações mediante a graça.

Ainda que todos os atos humanos sejam livres, no sentido de uma auto-determinação
imediata, esses atos são também executados dentro da pré-ordenação e propósito eterno
de Deus. Temos dificuldade em compreender precisamente de que maneira se
compatibilizam a soberania divina e a liberdade e responsabilidade humanas, mas as
Escrituras, em toda parte, tomam por certo que esses atos são assim compatibilizados
(At 2.23; 4.28 e notas).

Os cristãos devem agradecer a Deus por sua conversão, buscar que ele os guarde em

47
sua graça e esperar, com confiança, por seu triunfo final, de acordo com o seu plano
(Ver "Eleição e Reprovação", em Rm 9.18 e Vocação Eficaz e Conversão em 2Ts 2.14).

CASAMENTO E DIVÓRCIO (Ml 2.16) pág. orig. 1491

O casamento é uma relação exclusiva na qual um homem e uma mulher se entregam


mutuamente um ao outro, num pacto vitalício e, com base neste voto solene, eles se
tornam "uma só carne" (Gn 2.24; Ml 2.14; Mt 19.4-6).

A Confissão de Fé de Westminster (XXIV, 2) afirma: "O matrimônio foi ordenado para


o mútuo auxílio de marido e mulher, para a propagação da raça humana por sucessão
legítima, e da igreja por uma semente santa, e para impedir a impureza" (licença sexual
e imoralidade; Gn 1.28; 2.18; 1Co 7.2-9). O ideal de Deus para o casamento é que
homem e mulher se completem um ao outro (Gn 2.23) e participem da obra criativa,
criando filhos. O casamento é para os cristãos e para os não-cristãos, mas é da vontade
de Deus que os do Seu povo se casem só com cônjuges da mesma fé (1Co 7.39, cf. 2Co
6.14; Ed 9;10; Ne 13.23-27). A intimidade, na sua mais profunda dimensão, é
impossível quando os cônjuges não estão unidos na fé.

Paulo usa o relacionamento entre Cristo com a sua igreja para explicar o que é o
casamento cristão, de modo que ressalta a especial responsabilidade do marido, como
cabeça e protetor da esposa, e conclama a esposa para aceitar seu marido nessa
condição (Ef 5.21-33). A distinção de papéis não implica em que a esposa seja pessoa
inferior, pois como portadores da imagem de Deus, o homem e a mulher têm igual
dignidade e valor, e devem cumprir seus papéis com mútuo respeito, baseados no
conhecimento deste fato.

Deus odeia o divórcio (Ml 2.16), contudo determina disposições para o divórcio, que
protegem a mulher divorciada (Dt 24.1-4). Essas disposições foram promulgadas "por
causa da dureza dos vossos corações" (Mt 19.8). A compreensão mais natural do ensino
de Jesus (Mt 5.31,32; 19.8,9) é que o adultério — o pecado da infidelidade conjugal —
destrói o pacto do casamento e justifica o divórcio (ainda que a reconciliação fosse
preferível) e aquele que se divorcia de sua esposa por qualquer razão menor, torna-se
culpado de adultério, quando se casa de novo, e leva a esposa a cometer adultério, se

48
ela também se casar de novo. O princípio é que todos os casos de divórcio e de novo
casamento envolvem o rompimento do ideal de Deus para a relação sexual. Perguntado
quando o divórcio seria legítimo, Jesus respondeu que o divórcio é sempre deplorável
(Mt 19.3-6), mas não negou que os corações continuavam a ser duros e que o divórcio,
ainda que mau, podia às vezes ser permitido.

Paulo diz que o cristão que é abandonado por um cônjuge não-cristão não está sujeito à
servidão (1Co 7.15). Isto parece significar que a parte não-cristã pode considerar
acabada a relação. Se este fato permite ou não um novo casamento, tem sido matéria de
muita disputa e a opinião Reformada tem estado dividida sobre a questão.

A Confissão de Fé de Westminster (XXIV, 5, 6) afirma, com sábia cautela, que os


cristãos Reformados, refletindo sobre as Escrituras acima referidas, no correr dos
séculos, têm chegado a um acordo a respeito do divórcio:

"No caso de adultério depois do casamento, à parte inocente é lícito propor divórcio e,
depois de obter o divórcio, casar com outrem, como se a parte infiel fosse morta. Posto
que a corrupção do homem seja tal que o incline a procurar argumentos a fim de,
indevidamente, separar aqueles que Deus uniu em matrimônio, contudo nada, senão o
adultério, é causa suficiente para dissolver os laços matrimoniais, a não ser que haja
deserção tão obstinada que não possa ser remediada pela igreja nem pelo magistrado
civil. Para a dissolução do matrimônio é necessário haver um processo público e
regular, não se devendo deixar ao arbítrio e discrição das partes o decidir em seu
próprio caso".

O ENSINO DE JESUS (Mt 7.29) pág. orig. 1517

Jesus é o Filho de Deus encarnado e seu ensinamento, dado a ele por seu Pai (Jo 7.16-
18; 12.49,50) permanecerá para sempre (Mc 13.31) e finalmente julgará seus ouvintes
(Mt 7.24-47; Jo 12.48). A importância de se prestar atenção ao seu ensinamento nunca é
suficientemente enfatizada. Jesus ensinou como geralmente ensinavam os rabinos
judeus, por meio de ditos breves, mais do que por discursos fluentes, e muitas de suas
mais vitais elocuções são constituídas de parábolas, provérbios e pronunciamentos
isolados, respondendo a perguntas e reagindo a situações. Todo seu ensino público foi

49
marcado por uma autoridade que provocava assombro (Mt 7.28,29; Mc 1.27; Jo 7.46),
mas alguns de seus ensinamentos eram enigmáticos, exigindo raciocínio e intuição
espiritual ("ouvidos para ouvir": Mt 11.15; 13.9, 43; Lc 14.35), desconcertando o
ouvinte enfatuado e ocasional. A razão de Jesus para ensinar tão enigmaticamente a
respeito do seu papel messiânico, da sua expiação, ressurreição e reino futuro era,
parcialmente, porque só esses eventos poderiam tornar as coisas claras e, parcialmente,
porque ele estava chamando as pessoas para serem seus discípulos através do seu
impacto pesoal sobre elas para, em seguida, ensinar-lhes a respeito de si mesmo dentro
desse relacionamento, ao invés de oferecer detalhadas instruções teológicas aos não
comprometidos (Mt 11.25-27; Mc 4.11,12). Porém, as afirmações de Jesus são
freqüentemente claras e muitas das mais completas apresentações, nas cartas do Novo
Testamento, são melhor interpretadas como expansão e explicações daquilo que Jesus
disse.

O ensino de Jesus tinha três pontos regulares de referência. O primeiro era o seu Pai
divino, que o tinha enviado e o dirigia, e com quem os seus discípulos precisavam
aprender a relacionar-se como seu Pai no céu. O segundo era o povo como indivíduo e
grupo, recipientes de suas constantes e multifacetadas chamadas ao arrependimento e à
nova vida. O terceiro era ele mesmo, como o Filho do Homem e o Messias de Israel.

Do testemunho de Jesus a respeito de seu Pai, das pessoas em suas necessidades e de


seu próprio papel messiânico emergem três temas teológicos:

1. O reino de Deus. Este reino é a realidade que veio com Jesus, como cumprimento do
plano de Deus para a História, do qual os profetas do Antigo Testamento falaram com
freqüência (Is 2.1-4; 9.6,7; 11.1—12.6; 42. 1-9; 49.1-7; Jr 23.5,6). O reino está presente
com Jesus, e seus milagres são sinais desse reino (Mt 11.12; 12.28; Lc 16.16; 17.20,21).
O reino toma conta da vida de uma pessoa, quando ela se submete em fé ao Senhorio de
Cristo, solene compromisso que traz salvação e vida eterna (Mc 10.17-27; Jo 5.24). O
reino será pregado e crescerá (Mt13.31-33; 24.14) até que o Filho do Homem — agora
reinando no céu — volte para reunir seus eleitos de todos os cantos do mundo.

2. A obra Salvífica de Jesus. Tendo vindo do céu, segundo a vontade do Pai, para levar
à glória os pecadores escolhidos, Jesus morreu por eles, chama-os e os traz para si

50
mesmo, perdoa seus pecados e preserva-os seguros até o dia da ressurreição (Lc 5.20,
23; 7.48; Jo 6.37—40, 44, 45; 10.14-18, 27-29; 12.32; 17.1-26).

3. A Ética da Família de Deus. A nova vida é dada aos pecadores, como dom da livre
graça de Deus e deve expressar-se num novo estilo de vida. Os que receberam a graça
devem ser agradecidos; os que são grandemente amados precisam mostrar grande amor
aos outros; os que vivem porque são perdoados devem, eles mesmos, perdoar; os que
conhecem a Deus como seu Pai amoroso, devem aceitar sua providência sem amargura,
honrando-o todo tempo, confiando em seu cuidado protetor. Em outras palavras, os
filhos de Deus devem ser como seu Pai e seu Salvador, e ser completamente diferentes
do mundo (Mt 5.43-48; 6.12-15; 18.21-35; 20.26-28; 22.35-40).

DISCIPLINA ECLESIÁSTICA E EXCOMUNHÃO (Mt 18.15) pág. orig. 1536

Fazer discípulos cristãos envolve ampla extensão de atividades para nutrir, instruir e
treinar. Para produzir discípulos maduros, a erudição, a devoção, a adoração, a justiça e
o serviço cristãos todos devem ser ensinados num contexto de cuidado e
responsabilidade (Mt 28.20; Jo 21.15-17; 2Tm 2.14-26; Tt 2; Hb 13.17) entre os demais
crentes. Não abstratamente, mas neste contexto, a teologia Reformada tem dado ênfase
à importância da disciplina na igreja, como procedimento oficial que lhe permite definir
seu quadro de membros e manter seus padrões de fé e prática, derivados da Bíblia.

Desde que se exija que os crentes sejam santos, sem as máculas morais do mundo, a
própria igreja é separada do mundo e precisa definir os limites entre ela e o mundo. O
Novo Testamento mostra, claramente que, em todo contexto, o procedimento judicial
na vida da Igreja tem lugar significativo na saúde das igrejas e dos indivíduos (1Co 5.1-
13; 2Co 2.5-11; 2Ts 3.6,14,15; Tt 1.10-14; 3.9-11).

Jesus instituiu a disciplina na Igreja ao autorizar os apóstolos a proibirem ou


permitirem certos tipos de comportamento, outorgando-lhes o poder de "ligar" e
"desligar" pecados (Mt 18.18; Jo 20.13). As "chaves" do reino dadas primeiro a Pedro
e definidas como poder de "ligar" e "desligar" (Mt 16.19), têm sido entendidas
comumente como a autoridade para supervisionar a doutrina e impor disciplina. Esta
autoridade foi dada à Igreja em geral e à sua liderança em particular. A Confissão de Fé

51
de Westminster (30.3) explica:

"As censuras eclesiásticas são necessárias para chamar e ganhar para Cristo os irmãos
transgressores, a fim de impedir que outros pratiquem ofensas semelhantes, para lançar
fora o velho fermento que poderia corromper a massa inteira, para vindicar a honra de
Cristo e a santa profissão do Evangelho, e para evitar a ira de Deus, a qual, com justiça,
poderia cair sobre a Igreja, se ela permitisse que o pacto divino e seus selos fossem
profanados por ofensores notórios e obstinados".

As censuras eclesiásticas podem ser aumentadas, começando pela admoestação,


passando pela exclusão da Ceia do Senhor e indo até à expulsão da congregação
(excomunhão), que é descrita como uma pessoa sendo entregue a Satanás, o príncipe
deste mundo (Mt 18.15-17; 1Co 5.1-5, 11; 1Tm 1.20; Tt 3.10,11). Pecados públicos,
isto é, os pecados que são conhecidos de toda a Igreja, devem ser publicamente
corrigidos na presença da igreja (1Tm 5.20, cf. Gl 2.11-14). Jesus ensina como proceder
privativamente com aqueles que praticam delitas pessoais na esperança de que não será
necessário pedir a censura pública da igreja para eles (Mt 18.15-17).

O propósito da censura da igreja, em todas as suas formas, não é punir por amor à
punição, mas para levar ao arrependimento e para receber de volta a ovelha desgarrada.
Essencialmente há apenas um pecado pelo qual um membro da igreja deve ser
excomungado — é a impenitência. Quando o pecador se mostra arrependido, a igreja
declara seu pecado perdoado e recebe novamente o infrator à sua comunhão.

LEGALISMO (Mt 23.4) pág. orig. 1544

O Novo Testamento considera a obediência cristã como a prática de "boas obras". Os


cristãos são ricos em boas obras (1Tm 6.18, cf. Mt 5.16; Ef 2.10; 2Tm 3.17; Tt 2.7,14;
3.8,14). Boa obra só o é quando realizada pelo padrão da vontade revelada de Deus,
com base num justo motivo, no amor a Deus e aos outros e com o correto propósito de
glorificar a Deus.

O legalismo é uma distorção da obediência e nunca pode produzir boas obras neste
sentido. O legalismo distorce os motivos e propósitos, vendo as boas obras como meio

52
de se obter o favor de Deus. O legalismo pode levar à arrogância e a desdenhar
daqueles que não agem de acordo com os seus padrões. Finalmente, o propósito egoísta
do legalismo exclui do coração a bondade despretenciosa e a compaixão.

No Novo Testamento encontramos diferentes espécies de legalismo. Os legalistas entre


os fariseus pensavam que, por serem descendentes de Abraão, tinham aprovação
garantida da parte de Deus, enquanto, paradoxalmente, formalizavam a observância da
lei no dia-a-dia, apelando para os menores detalhes como regra de vida. Agindo desse
modo, eles evitavam aquilo que a lei verdadeiramente exigia. Judaizantes eram os
legalistas que ensinavam aos crentes cristãos que eles precisavam tornar-se judeus,
circuncidando-se e observando o calendário religioso e as leis rituais para, deste modo,
obterem o favor de Deus. Jesus atacou o legalismo dos fariseus, e Paulo, o dos
judaizantes.

Os fariseus que se opunham a Jesus consideravam-se fiéis guardadores da lei mas,


enquanto davam ênfase aos menores detalhes, negligenciavam o que era mais
importante (Mt 23.23-24). Substituíam a lei autorizada de Deus pelas tradições
humanas, subjugando as consciências ao passo que Deus as deixar livres (Mc 2.16—
3.6; 7.1-8). No íntimo eram hipócritas pois buscavam a aprovação dos homens para si
mesmos e condenavam os outros (Lc 20.45-47; Mt 6.1-8; 23.2-7).

Os judaizantes aos quais se opunha Paulo acrescentavam ao Evangelho exigências para


a salvação, exigências estas que obscureciam e negavam a suficiência absoluta de
Cristo (Gl 3.1-3; 4.21; 5.2-6). A idéia de que era necessário acrescentar exigências para
aperfeiçoar o evangelho era a raiz do erro deles. Paulo se opõe a esta idéia, não
importando quem a propusesse (Cl 2.8-23), porque ela corrompia o caminho da
salvação. Assim como Jesus, Paulo não tolerava aqueles que traziam novos fardos para
sobrecarregar as ovelhas.

O JUÍZO FINAL (Mt 25.41) pág. orig. 1549

A certeza do juízo final é o contexto da mensagem da graça salvífica do Novo


Testamento. Paulo, não menos do que Jesus, sublinha esta certeza. Segundo Paulo,
Jesus nos salva da "ira vindoura" (1Ts 1.10), do "dia da ira e da revelação do justo juízo

53
de Deus" (Rm 2.5, cf. Jo 3.16; Rm 5.9; Ef 5.6; Cl 3.6; Ap 6.17; 19.15). Por toda parte,
nas Escrituras, a "indignação" e a "fúria" de Deus são judiciais; estas palavras referem-
se ao santo Criador, como ativo Juiz do pecado. A mensagem do juízo vindouro para
toda a humanidade — com Jesus completando a obra do seu reino mediador e agindo
como Juiz em favor do Pai — corre por todo o Novo Testamento (Mt 13.40-43; 25.41-
46; Jo 5.22-30; At 10.42; 2Co 5.10; 2Tm 4.1; Hb 9.27; 10.25-31; 12.23; 2Pe 3.7; Jd 6,7;
Ap 20.11-15). Quando Cristo voltar e a História for completada, todas as pessoas, de
todos os tempos, ressurgirão para o julgamento e tomarão seu lugar diante do trono de
Cristo. Esse evento supera a imaginação, mas a imaginação humana não é a medida
daquilo que Deus fará.

No juízo, toda pessoa prestará conta individual diante de Deus e Deus, através de
Cristo, "retribuírá a cada um segundo o seu procedimento" (Rm 2.6, cf. Sl 62.12; Mt
16.27; 2Co 5.10; Ap 22.12). Os regenerados que, como servos de Cristo, aprenderam a
amar a justiça e desejam a glória dos céus, serão reconhecidos e, à base do mérito de
Cristo, em seu favor, serão recompensados com a justiça que buscam. Os demais
seguirão o destino apropriado ao modo ímpio de vida que escolheram, recompensa
atribuída a eles com base no seu próprio demérito (Rm 2.6-11). O tanto quanto
conheceram a vontade de Deus determinará a severidade de sua condenação (Mt 11.20-
24; Lc 11.42-48; Rm 2.12).

O juízo final demonstrará a perfeita justiça de Deus. Num mundo de pecadores, onde
Deus "permitiu que todos os povos andassem nos seus próprios caminhos" (At 14.16), o
mal grassa livremente e a dúvida surge a respeito de como Deus, se é soberano, pode
ser justo ou, se é justo, como pode ser soberano. Mas Deus será glorificado em retribuir
justo julgamento; e o juízo final responderá a cada suspeita de que ele deixou de se
importar com a justiça (Sl 50.16-21; Ap 6.10; 16.5-7; 19.1-5).

Para aqueles que professam pertencer a Cristo, o exame de suas palavras e obras (Mt
12.36,37) mostrará se sua profissão de fé é fruto de um coração bom e honesto (Mt
12.33-35) ou se é falaz hipocrisia (Mt 7.21-23). Tudo será desmascarado no Dia do
Juízo (1Co 4.5) e cada pessoa receberá de Deus, equitativamente, aquilo que lhe
pertence. Aqueles cuja fé professada não se expressou numa nova vida — marcada pelo
ódio ao pecado e amor à justiça — estarão perdidos (Mt 18.23-35; Mt 25.34-46; Tg

54
2.14-26). Contudo, Deus tem anunciado o Dia do Juízo em tempo hábil, ordenando a
cada um que se arrependa e ame mais a vida do que a morte (Dt 30.19; Lc 13.24).

OS SACRAMENTOS (Mt 28.19) pág. orig. 1557

Cristo instituiu dois ritos para seus seguidores observarem: o batismo, o rito de
iniciação de uma vez para sempre (Mt 28.19; Gl 3.27), e a Ceia do Senhor, como rito
regular de recordação (1Co 11.23-26). Estes são chamados "sacramentos" na Igreja
Ocidental e "mistérios" na Igreja Ortodoxa Oriental; ou "ordenanças". As Escrituras
não têm termos técnicos para estes dois ritos ou para as correspondentes observâncias
do AntigoTestamento, isto é, para a circuncisão dos meninos, como rito de iniciação
(Gn 17.9-14, 23-27) e a páscoa anual como rito de recordação (Êx 12.1-27). O ensino
bíblico, contudo, justifica a classificação de todos eles como sinais e selos do
relacionamento com Deus, segundo a Aliança.

"Sacramento" vem do Latim e significa "sagrado". O estudo dos ritos cristãos leva a
uma definição de sacramento como ação ritual instituída por Cristo, na qual os sinais
percebidos pelos sentidos expõem diante de nós a graça de Deus em Cristo e as bênçãos
da sua Aliança. Comunicam e confirmam estas bênçãos aos crentes que, ao receberem
os sacramentos, correspondem à graça de Deus e declaram sua fé e sua lealdade a ele.
Os sacramentos determinam a diferença visível entre os pertencentes à igreja e o resto
do mundo. Os sacramentos "obrigam solenemente os regenerados no serviço de Deus
em Cristo, segundo a sua palavra" (Confissão de Fé de Westminster, XXVII, 1).

Foi um erro da Igreja Medieval acrescentar mais cinco sacramentos (confirmação,


penitência, matrimônio, ordenação e extrema unção). Estes cinco não são selos de um
relacionamento pactual com Deus, não foram instituídos por Cristo e não têm qualquer
sinal ou cerimônia visível ordenada por Deus (Trinta e Nove Artigos, XXV).

Os Sacramentos são meios de graça que Deus usa para fortalecer a confiança da fé em
suas promessas e criar atitudes de fé para receber as boas dádivas (por eles)
significadas. A eficácia do Sacramento não está na fé ou na virtude do ministrante, mas
na fidelidade de Deus que, tendo dado os sinais, se apraz agora em usá-los. Cristo e os
apóstolos falavam do sinal como se fosse a coisa significada, e como se receber aquele

55
é o mesmo que receber esta (Mt 26.26-28; 1Co 10.15-21; 1Pe 3.21,22). Do mesmo
modo que a pregação da Palavra torna o evangelho audível, assim os Sacramentos o
tornam visível.

Os Sacramentos fortalecem a fé por relacionar as crenças cristãs com o testemunho dos


nossos sentidos. O Catecismo de Heidelberg, em sua resposta à pergunta 75, diz (com a
expressão-chave "tão certo como"):

Cristo me mandou, assim como a todos os fiéis, comer do pão partido e beber do cálice,
em sua memória. E ele acrescentou esta promessa: primeiro: que, por mim, seu corpo
foi sacrificado na cruz e que, por mim, seu sangue foi derramado, tão certo como vejo
com meus olhos que o pão do Senhor é partido para mim e o cálice me é dado;
segundo: que ele mesmo alimenta e sacia minha alma para a vida eterna com seu corpo
crucificado e seu sangue derramado, tão certo como recebo da mão do ministro e tomo
com minha boca o pão e o cálice do Senhor. Eles são sinais seguros do corpo e do
sangue de Cristo.

O BATISMO DE JESUS (Mc 1.9) pág. orig. 1561

Há continuidade entre o batismo de João para o arrependimento (Mc 1.4) e o batismo


trinitariano instituído por Jesus (Mt 28.19). Ambos eram símbolos de purificação e
visavam à remissão de pecados (Mc 1.4; At 2.38). Porém, não eram idênticos. Os que
foram batizados por João necessitavam também do batismo cristão (At 19.5). O
batismo cristão é um sinal de iniciação que indica o relacionamento com Cristo, que já
veio; o batismo de João foi um rito preparatório, significando preparação para a vinda
de Cristo e seu juízo (Mt 3.7-12; Lc 3.7-18; At 19.4).

Jesus insistiu com João, seu primo, que o batizasse, passando por cima dos protestos de
João (Mt 3.13-15). Em seu papel de Messias, "nascido sob a lei" (Gl 4.4), Jesus tinha de
submeter-se a todas as exigências da lei de Deus para Israel, e identificar-se com
aqueles pecadores que ele tinha vindo buscar. Seu batismo proclamava que ele viera
para tomar o lugar do pecador sujeito ao juízo de Deus. Neste sentido é que ele foi
batizado por João para cumprir toda justiça (Mt 3.15, cf. Is 53.11).

56
No batismo de Cristo há a manifestação da Trindade: o Pai fala do céu, a pomba desce
como sinal de unção do Espírito. A significação da pomba descendo e permanecendo
não era que Jesus estava sendo enchido pelo Espírito, pela primeira vez, porém,
significava que ele estava sendo marcado como Aquele que tinha o Espírito, e que
batizaria com Espírito (Jo 1.32-33) e, desse modo, estava inaugurando a era do Espírito,
que ia cumprir a esperança de Israel (Lc 4.1,14, 18-21).

O PECADO IMPERDOÁVEL (Mc 3.29) pág. orig. 1567

A solene advertência de Jesus a respeito de um pecado que não será perdoado, nem
neste mundo nem no vindouro, é registrada pelos três Evangelhos Sinóticos (Mt
12.31,32; Mc 3.28-30; Lc 12.10). Especificamente esse pecado é a "blasfêmia contra o
Espírito Santo". Essa blasfêmia é um ato consumado pela palavra, entendida como
expressão do pensamento do coração (Mt 12.33-37, cf. Rm 10.9-10). No contexto
específico, os opositores de Jesus, estavam dizendo que o poder de operar boas obras
entre eles — dado a Jesus — não era de Deus mas do diabo. Jesus faz distinção entre
essa blasfêmia e outros pecados, tanto da língua como outros pecados em geral. Como a
Bíblia ensina, Deus perdoou pecado de incesto, assassinatos, mentira e, mesmo, os
pecados de Paulo como perseguidor da Igreja, pecados que Paulo cometeu quando
"respirava ameaças e morte contra os discípulos do Senhor" (At 9.1).

O que torna diferente dos outros o pecado imperdoável é a sua relação com o Espírito
Santo, pois é a obra do Espírito Santo que ilumina a mente dos pecadores (Ef 1.17,18)
para revelar e ensinar o Evangelho (Jo 14.26), persuadindo as almas a arrepender-se e a
crer na verdade (cf. At 7.51). O Espírito não só explica a Palavra de Deus, mas também
abre a mente do modo que ela passa a entender (2Co 3.16,17). Quando a influência do
Espírito é deliberada e conscientemente recusada, em oposição à luz, então o pecado
irreversível é cometido como um pecado voluntário, ato deliberado de malícia. Em
resposta a essa atitude, há um endurecimento do coração, vindo da parte de Deus, que
retira o arrependimento e a fé (Hb 3.12-13). Neste caso Deus permite que a decisão da
vontade humana seja permanente. Deus não faz isto levianamente e sem causa, mas em
resposta a um ultraje cometido contra seu amor.

Uma pessoa que quer arrepender-se, isto é, que quer desfazer-se dos pecados que tenha

57
cometido, não sofreu este endurecimento e não cometeu o profundo ato de ódio que
Deus determinou não será perdoado. Qualquer pessoa que nasceu de novo não
cometerá este pecado, porque o Espírito vive nela e Deus não está divido contra si
mesmo (1Jo 3.9).

Os outros versículos que tratam do pecado imperdoável são: Hb 6.4-6; 10.26-29; 1Jo
5.16,17. Estes versículos mostram que a possibilidade de este pecado ser cometido
depende de ter havido iluminação e entendimento específicos da parte de Deus, e que
isso não é matéria comum de todo dia. Jesus disse: "todos os pecados" e "quaisquer
blasfêmias" serão perdoados, exceto este.

A TRANSFIGURAÇÃO DE JESUS (Mc 9.2) pág. orig. 1578

Registrada em três Evangelhos (Mt 17.1-8; Mc 9.2-8; Lc 9.28-36) e testemunhada por


Pedro e João (cf. 2Pe 1.16-18; Jo 1.14), a transfiguração foi uma revelação da
divindade de Jesus. A transformação na aparência de Jesus, quando ele orava (Lc 9.29),
foi uma transição momentânea do ocultamento da sua glória divina, que marcava seus
dias sobre a terra, para a manifestação da glória que será revelada quando ele voltar.

A resplandecente luz que brilhou de Jesus quando seu rosto foi transfigurado (Lc 9.29)
era a glória intrínseca a ele, como o Filho divino, o "esplendor de sua glória" (Hb 1.3).
A voz que veio da nuvem confirmou a identificação que a visão já havia fornecido.

A transfiguração foi também um evento significativo na revelação do reino de Deus.


Moisés e Elias representaram a Lei e os Profetas, testemunhando a Jesus e sendo
suplantados por ele. A "partida" (do Grego êxodus) a respeito da qual eles e Jesus
conversaram (Lc 9.31), referia-se à morte, ressurreição e ascensão de Jesus. Estes
eventos não eram apenas um modo de deixar este mundo, mas de redimir seu povo,
exatamente como o Êxodo do Egito, conduzido por Moisés, foi a libertação de Israel da
escravidão.

INFERNO (Mc 9.43) pág. orig. 1580

O Novo Testamento considera o inferno como o lugar de habitação final dos

58
condenados à punição eterna, no Juízo Final (Mt 25.41-46; Ap 20.11-15). É descrito
como um lugar de "fogo" e "trevas" (Jd 7,13), de "choro" e ranger de dentes" (Mt 8.12;
13.42,50; 22.13; 24.51; 25.30), de "destruição" (2Ts 1.7-9; 2Pe 3.7; 1Ts 5.3), de
"tormento" Ap 20.10; Lc 16.23). Estes termos provavelmente são mais simbólicos do
que literais, porém, de qualquer modo, a realidade será mais terrível do que o símbolo.
O ensino do Novo Testamento a respeito do inferno visa mais a nos alarmar e encher-
nos de horror, persuadindo-nos de que embora, o céu será melhor do que podemos
sonhar, assim o inferno será pior do que podemos imaginar. Estas serão as
conseqüências da eternidade que precisam ser realisticamente enfrentadas.

O inferno não é tanto a ausência de Deus, quanto a conseqüência do sua ira e


indignação. Deus é um fogo consumidor (Hb 12.29), e será experimentada no inferno
sua justa condenação daqueles que o desafiam apegando-se aos pecados que ele detesta
(Rm 2.6, 8, 9, 12). Segundo as Escrituras, o inferno nunca terá fim (Jd 13; Ap 20.10).
Não há fundamento bíblico para especulação acerca de uma "segunda oportunidade"
depois da morte, ou da aniquilação dos ímpios em alguma ocasião futura.

Os que estão no inferno compreenderão que se condenaram a si mesmas para estarem


ali, porque amaram mais as trevas do que a luz, recusando-se a terem o seu Criador
como seu Senhor. Preferiam a autogratificação do pecado ao altruísmo da justiça,
rejeitando ao Deus que os criou (Jo 3.18-21; Rm 1.18, 24, 26, 28, 32; 2.8; 2Ts 2.9-11).
A revelação geral coloca cada um diante da incontestável evidência de Deus e, deste
ponto de vista, o inferno tem sua base no respeito de Deus pela escolha humana. Todos
recebem o que escolheram, ou estar com Deus para sempre, ou estar sem ele. Os que
estão no inferno saberão não só que seus feitos mereceram a sua punição, mas, também,
saberão que escolheram isso em seus corações.

O propósito do ensino bíblico sobre o inferno é fazer-nos aceitar com gratidão a graça
de Deus em Cristo, que nos salva dele (Mt 5.29-30; 13.48-50). Por esta razão a
advertência de Deus para nós é misericordiosa: "Ele não tem prazer na morte do
perverso, mas que o perverso se converta do seu mau caminho e viva" (Êx 33.11).

O NASCIMENTO VIRGINAL DE JESUS (Lc 1.27) pág. orig. 1603

59
Mateus (1.18-25) e Lucas (1.26-56 e 2.4-7), em duas histórias complementares, porém,
independentes, concordam em seu registro do nascimento de Jesus, como resultado de
uma concepção miraculosa. Sua mãe, Maria, ficou grávida pela ação criativa do
Espírito Santo, antes que ela tivesse qualquer relação com um homem (Mt 1.20; Lc
1.35).

A maioria dos cristãos aceitava o nascimento virginal de Jesus, sem hesitação, até o
século XIX. Daí em diante, o assunto se tornou a questão central no debate acerca do
supernaturalismo cristão e da divindade de Jesus. O modernismo, esperando interpretar
Jesus como não mais do que unicamente um mestre divino e dotado de sabedoria
intuitiva, cercou o nascimento virginal de um espírito de desnecessário ceticismo.

Na realidade, o nascimento virginal faz parte do resto da mensagem do Novo


Testamento a respeito de Jesus. A dignidade e a glória eternas que Jesus teve antes de o
mundo ser criado (Jo 1.1-9), tornaram natural que ele entrasse na vida encarnada de um
modo que proclamasse o glorioso papel que ele veio cumprir (Mt 1.21-23; Lc 1.31-35).

Mateus e Lucas estão interessados em como, através desse nascimento singular como
ser humano, Jesus veio cumprir o propósito de Deus para a redenção, especialmente em
experimentar a tristeza e a morte pelos pecadores. Eles estão menos preocupados com a
concepção virginal como um prodígio físico ou uma arma apologética.

É impossível dizer se o nascimento virginal era o único modo pelo qual Jesus poderia
vir à terra e identificar-se com o seu povo. O modo como este nascimento é relatado
testifica a divindade de Jesus e o distingue de todos os outros. É apropriado que ele
nascesse desse modo incomum, desde que ele não estava envolvido em pecados como
todas as outras (pessoas) desde a Queda. Maria não foi exceção nesse aspecto, não mais
do que Davi e Pedro, ainda que os pecados dela não tenham sido registrados como o
foram os deles. Através de sua morte Jesus se tornou o Salvador dela e de todo o resto
da Igreja com ela.

ORAÇÃO (Lc 11.2) pág. orig. 1626

Deus nos criou e nos redimiu para termos comunhão com ele, e a oração é uma parte

60
importante do nosso relacionamento com Deus. Ele nos fala na Bíblia e através dela a
qual o Espírito Santo descerra e aplica aos nossos corações, e nos capacita a entender.
Nós, então, falamos a Deus a respeito dele mesmo, a respeito de nós mesmos e do povo
em seu mundo, configurando aquilo que dizemos como modo de corresponder ao que
ele tem dito. Esta forma incomparável de conversação bidirecional continua enquanto
dura a vida. A Bíblia nos ensina a orar tanto privativamente (Mt 6.5-8), como em
companhia uns dos outros (At 1.14; 4.24). Na oração, o povo de Deus expressa
adoração e louvor; confessa seus pecados e pede perdão; dá graças pela bondade de
Deus e faz petições por si mesmo e pelos outros. A oração do Pai Nosso (Mt 6.9-13; Lc
11.2-4) inclui adoração, petição e confissão; o saltério nos fornece modelos para estes
três tipos de oração e, também, de petição e intercessão.

Na petição, a pessoa que ora torna suas necessidades conhecidas a Deus, expressando
sua fé e dependência dele para todas as coisas. A petição é a dimensão da oração mais
freqüentemente realçada através da Bíblia. Como ocorre com outros aspectos da
oração, as petições ordinariamente devem ser dirigidas ao Pai, como mostra o Pai
Nosso; porém, a oração pode ser dirigida a Cristo como nos dias de sua encarnação
(Rm 10.8-13; 2Co 12.7-9), e ao Espírito Santo (Ap 1.4).

Jesus ensina que a petição ao Pai deve ser feita em seu nome (Jo 14.13,14; 15.16;
16.23,24). Isto significa que devemos invocar sua mediação como Aquele que assegura
nosso acesso ao Pai, olhando para ele como nosso esteio, como nosso intercessor na
presença do Pai.

Devemos orar a Deus com fervorosa persistência, quando lhe apresentamos nossas
necessidades (Lc 11.5-13; 18.1-8), sabendo que ele atenderá as nossas orações. Porém,
Deus sabe o que é melhor para nós, ao passo que nós não sabemos e ele, por isso, pode
recusar nossos pedidos específicos. Se ele no-los nega é porque tem alguma coisa
melhor para nós, como quando Cristo se recusou atirar o espinho da carne de Paulo
(2Co 12.7-9). Dizer "seja feita a tua vontade", submetendo nossas preferências à
sabedoria do Pai, como Jesus fez no Getsêmane (Mt 26.39-44), é um modo explícito de
expressar fé na bondade daquilo que Deus tem planejado.

Na intercessão apresentamos a Deus as necessidades e preocupações dos outros. Ao

61
fazer isto, exercitamos a dádiva do amor de Deus por eles. No Antigo Testamento
Moisés é um modelo para este tipo de oração. No Novo Testamento ela está no centro
daquilo que Jesus veio fazer, como João 17 revela. A mesma oração mostra que a glória
de Deus estabelece o propósito final da intercessão. Do mesmo modo o Pai Nosso
coloca a glória de Deus em primeiro lugar, fazendo do nome de Deus o guia tanto para
as nossas petições como para as nossas confissões.

O REINO DE DEUS (Lc 17.20) pág. orig. 1638

O tema reino de Deus percorre ambos os Testamentos, focalizando o propósito de Deus


para a História mundial. No Antigo Testamento, Deus declarou que exerceria a sua
soberania (Dn 4.34,35), governando a vida e circunstâncias do povo, através do seu Rei
escolhido, o Messias davídico (Is 9.6,7), na idade áurea da bênção. Este reino veio com
Jesus e é conhecido onde quer que o Senhorio de Cristo seja reconhecido. Jesus está
entronizado no céu como soberano de todas as coisas (Mt 28.18; Cl 1.3), Rei dos reis e
Senhor dos senhores (Ap 17.14; 19.16). A idade áurea da bênção é uma era de salvação
de pecado e comunhão com Deus, que leva a um futuro estado de completa alegria,
num universo reconstruído. Esse reino é presente em seus começos, porém, a sua
plenitude será no futuro; em certo sentido já está aqui, mas num sentido mais rico,
ainda virá (Lc 11.20; 16.16; 17.21; 22.16, 18, 29,30).

O reino veio trazendo graça, mas também juízo, exatamente como João Batista, seu
precursor, havia dito (Mt 3.11-12). Os que receberam a palavra de Jesus e lhe confiaram
seu destino, encontraram misericórdia, enquanto os que não o fizeram, foram julgados.

A tarefa da igreja é tornar visível o reino invisível de Deus, através da vida e do


testemunho de cristãos fiéis. O evangelho de Cristo é ainda o evangelho do reino (Mt
4.23; 24.14; At 20.25; 28.23,31), as boas novas de justiça, paz e alegria no Espírito
Santo. A igreja torna a mensagem do evangelho digna de crédito, manifestando a
realidade da vida do reino.

A vinda do reino envolveu um novo estágio no programa redentivo de Deus. Tudo


aquilo que era típico, temporário e imperfeito — nas disposições que Deus fez para a
comunhão de Israel com ele — tornou-se coisa do passado. O Deus de Israel, a semente

62
de Abraão, foi revelada como convivência de crentes em Jesus (Gl 3.16, 26-29). O
Espírito foi derramado e um novo modo de vida passou a ser uma realidade para este
mundo. Nasceu um novo internacionalismo de comunhão eclesiástica global e de
evangelismo global (Mt 28.19-20; Ef 2.11-18; 3.6, 14,15; Cl 11.28,29; Ap 5.9,10; 7.9).

A RESSURREIÇÃO DE JESUS (Lc 24.2) pág. orig. 1653

A ressurreição de Jesus foi um ato divino que envolveu todas as três Pessoas da
Divindade (Jo 10.17,18; At 13.30-35; Rm 1.4). Não foi mera restauração do corpo
físico desfalecido, tirado da cruz e sepultado. Foi uma transformação da humanidade de
Jesus, que o capacitou a aparecer e a desaparecer e mover-se de forma invisível de um
lugar para outro (Lc 24.31,36). Foi a renovação criativa do seu corpo, que o tornou
agora corpo glorificado e não mais sujeito à morte (Fp 3.21; Hb 7.16,24). O Filho de
Deus, no céu, vive no corpo e através do corpo e assim será para sempre. Em 1Co
15.50-54, Paulo ensina que os cristãos que estiverem vivos quando Jesus voltar,
passarão por transformação semelhante. Os que morreram em Cristo, antes da sua
vinda, serão transformados do mesmo modo e jamais voltarão a morrer.

O cristianismo se apóia na certeza da ressurreição de Jesus, como fato ocorrido na


História. Os evangelhos têm-na como sua finalidade, com o túmulo vazio e os
aparecimentos do ressurreto, e o livro de Atos insiste nisso (At 1.3; 2.24-35; 3.15; 4.10;
5.30-32; 13.33-37). Paulo considera a ressurreição como prova indisputável de que a
mensagem a respeito de Jesus, como Juiz e Salvador, é verdadeira (At 17.31; 1Co 15.1-
11, 20).

A ressurreição de Jesus demonstra sua vitória sobre a morte (At 2.24; 1Co 15.54-57),
vindicando-o como Justo (Jo 16.10) e revelando sua identidade divina (Rm 1.4). Ela o
conduziu à ascensão e ao seu atual reino celestial. Garante o atual perdão e justificação
do crente (Rm 4.25; 1Co 15.17), e é a esperança de vida eterna para o crente em Cristo
(Jo 11.25,26; Rm 6; Ef 1.18—2.10; Cl 2.9-15; 3.1-4).

A ASCENSÃO DE JESUS (Lc 24.51) pág. orig. 1655

A ascensão de Jesus foi um ato de seu Pai que consistiu em elevá-lo numa nuvem, de

63
diante dos olhares levantados de seus discípulos (um sinal de exaltação, sendo a nuvem
um sinal da presença de Deus, At 1.9-11). Este ato não foi uma forma de viagem
espacial, mas o passo que se seguiu à ressurreição, o retorno de Jesus da morte às
alturas da glória. Jesus predisse a ascensão (Jo 6.62; 14.2, 12; 16.5, 10, 17,28; 20.17), e
Lucas descreve-a (Lc 24.50-53; At 1.6-11). Paulo a celebra e afirma o conseqüente
Senhorio de Cristo (Ef 1.20; 4.8-10; Fp 2.9-11; 1Tm 3.16). O autor da carta aos
Hebreus aplica esta verdade para encorajar os corações desfalecidos (Hb 1.3; 4.14;
9.24). Jesus Cristo é o Senhor do universo, fonte de enorme encorajamento para todos
os crentes.

A ascensão, de certo ponto de vista, foi a restauração da glória que o Filho tinha antes
da encarnação; de outro ponto de vista, foi a glorificação da natureza humana de um
modo que nunca ocorreu antes e, de um terceiro ponto de vista, foi o começo de um
reino que antes não tinha existido desta forma. A ascensão estabelece três fatos:

1. O poderio pessoal de Cristo. Ascensão significa elevação. Assentar-se à direita do


Pai, é ocupar a posição de um soberano em nome de Deus (Mt 28.18; 1Co 15.27; Ef
1.20-22; 1Pe 3.22).

2. A onipresença espiritual de Cristo. No santuário da Sião Celestial (Hb 9.24; 12.22-


24), Jesus é acessível a todos os que invocam o seu nome (Hb 4.14) e poderoso para
auxiliá-los, em qualquer lugar do mundo (Hb 4.16; 7.25; 13.6-8).

3. O ministério celestial de Cristo. O Senhor, como Rei, intercede por seu povo (Rm
8.34; Hb 7.25). Embora pedir ao Pai seja parte de suas atribuições (Jo 14.16), a essência
da intercessão de Cristo é a intervenção em nosso favor, mais do que súplica em nosso
benefício (como se sua posição fosse de mera compaixão, sem status de autoridade).
Na sua soberania ele prodigaliza em nosso favor os benefícios que adquiriu por nós na
cruz. Do seu trono, ele envia o Espírito Santo constantemente para enriquecer seu povo
(Jo 16.7-14; At 2.23) e os equipa para o serviço (Ef 4.8-12).

JESUS CRISTO, DEUS E HOMEM (Jo 1.14) pág. orig. 1660

A Trindade e a Encarnação estão mutuamente integradas. A doutrina da Trindade

64
declara que Cristo é verdadeiramente divino. A doutrina da Encarnação declara que o
mesmo Cristo é também plenamente humano. Juntas, essas doutrinas proclamam a
plena realidade do Salvador revelada no Novo Testamento, o Filho que veio da parte do
Pai e, pela vontade do Pai, tornou-se o substituto do pecador na cruz (Mt 20.28; 26.36-
46; Jo 1.29; 3.13-17; Rm 5.8; 8.32; 2Co 5.19-21; 8.9; Fp 2.5-8).

A doutrina da Trindade foi definida no Concílio de Nicéia (325 d.C.), quando a igreja se
opos à idéia ariana de que Jesus era a primeira e a mais nobre criatura de Deus; a igreja
afirmou que Jesus era da mesma "substância" ou "essência" do Pai. A distinção entre
Pai e Filho está dentro da unidade divina, de modo que o Filho é Deus da mesma
maneira que o Pai o é. Ao dizer que o Filho e o Pai são de uma única e mesma
"substância", e que o Filho "é gerado, não feito" (ecoando o "unigênito" em Jo 1.14,18;
3.16,18), o Credo Niceno reconhece, inequivocamente, a divindade de Jesus Cristo.

A confissão que a igreja faz da doutrina da Encarnação foi expressa no Concílio de


Calcedônia (em 451 d.C.), onde a igreja se opôs à idéia nestoriana de que Jesus era
duas pessoas e não uma, e à idéia eutiquiana de que a divindade de Jesus havia
absorvido sua humanidade. Rejeitando ambas as idéias, o Concílio afirmou que Jesus é
uma só pessoa com duas naturezas (isto é, com dois conjuntos de capacidades para a
experiência, expressão e ação). As duas naturezas estão unidas nele, sem mistura e sem
confusão, sem separação ou divisão, e cada natureza retém seus próprios atributos. Em
outras palavras, tudo o que está em nós, bem como tudo o que está em Deus, está e
sempre estará verdadeira e distintivamente presente no único Cristo. Deste modo a
fórmula de Calcedônia afirma enfaticamente a plena humanidade do Senhor.

A Encarnação, o misterioso milagre no âmago do cristianismo histórico é fato central


no testemunho do Novo Testamento. Jesus veio primeiro para os judeus, cuja afirmação
central de fé é de que há um só Deus. Os apóstolos eram israelitas e, contudo, eles e os
escritores do Novo Testamento ensinaram que Jesus, o Messias, devia ser cultuado e
devia-se crer nele. Isto quer dizer que ele é Deus não menos do que ele é homem. É
espantoso que este testemunho pudesse prevalecer entre eles.

O Evangelho de João (1.14; 19.35; 21.24) abre suas narrativas de testemunha ocular
com a declaração de que Jesus é o eterno Logos divino, agente da criação e fonte da

65
vida e da luz (vs. 1-5, 9). Tornando-se carne, o Logos foi revelado como o Filho de
Deus, e a fonte da "graça e da verdade", o "unigênito do Pai" (vs. 14, 18). O Evangelho
está pontilhado com a expressão "Eu Sou" que tem relevância especial porque "Eu Sou"
era a expressão usada como nome divino, segundo a tradução grega do Êx 3.14; quando
João revela Jesus como "Eu Sou", a reivindicação de sua divindade está explícita.
Exemplos disto temos em Jo 8.28, 58, e sete declarações de Jesus como: a) o pão da
vida, alimento espiritual (6.35, 48, 51); b) a luz do mundo banindo as trevas (8.12; 9.5);
c) a porta das ovelhas que dá acesso a Deus (10.7, 9); d) o bom pastor que protege dos
perigos (10.11,14); c) a ressurreição e a vida sobrepujando a morte (11.25); f) o
caminho, a verdade e a vida, que leva ao Pai (14.6); g) a videira verdadeira em quem
podemos dar frutos (15.1-5). No clímax de sua fé, Tomé cultuou a Jesus, dizendo: "Meu
Senhor e meu Deus" (20.28). Jesus pronuncia sua bênção sobre todos os que participam
dessa fé de Tomé (20.29-31).

Paulo diz a respeito de Jesus que "nele, habita, corporalmente toda a plenitude da
Divindade (Cl 2.9, cf. 1.19). Paulo aclama Jesus, o Filho, como a imagem do Pai e
como seu agente na criação e conservação de todas as coisas (Cl 1.15-17). Paulo
declarou que ele é o Senhor a quem se deve orar pedindo salvação, do mesmo modo
pelo qual se invoca Yahweh (Jl 2.32; Rm 10.9-13). Jesus é "sobre tudo, Deus bendito"
(Rm 9.5), nosso "Deus é Salvador" (Tt 2.13). Paulo ora a Jesus pessoalmente (2Co
12.8,9), e o considera como a fonte da graça divina (2Co 13.14). O testemunho é
explícito: a fé na divindade de Jesus é fundamental na teologia e religião de Paulo.

O autor da carta aos Hebreus, revelando a perfeição do sumo sacerdócio de Cristo,


declara a plena divindade e singular dignidade do Filho de Deus (Hb 1.3, 6, 8-12). Em
seguida, celebra a plena humanidade de Cristo (cap. 2). O sumo sacerdócio que ele
descreve como exercido por Cristo depende da conjunção de uma vida divina sem fim e
infalível, com uma experiência plenamente humana de tentação e sofrimento (Hb 2.14-
17; 4.14—5.2; 7.13-28; 12.2,3). O Novo Testamento proibe o culto a anjos (Cl 2.18; Ap
22.8,9), porém, manda cultuar a Jesus. De modo bem franco, ele apresenta o Salvador
divino-humano como objeto próprio da fé, da esperança e do amor. Uma religião sem
esta ênfase não pode ser cristianismo.

REGENERAÇÃO: O NOVO NASCIMENTO (Jo 3.3) pág. orig. 1664

66
Regeneração é um ato realizado só por Deus, no qual ele renova o coração humano,
fazendo-o reviver depois de estar morto. Na regeneração Deus age no âmago, no ponto
mais fundamental da pessoa humana. Isto significa que não há preparação nem
disposição precedente da parte do pecador, que solicite ou contribua para a nova vida
que lhe é dada por Deus.

A regeneração é necessária porque todos os descendentes de Adão e Eva herdaram o


pecado deles e são moralmente incapazes de fazer o que é bom. Paulo escreveu aos
efésios que os homens estão mortos em seus delitos e pecados. Neste estado estão sem
Deus e sem esperança no mundo. Não como recompensa do seu mérito, mas livremente
e em amor, Deus pronuncia a palavra que faz o morto reviver.

Os versículos clássicos de João 3, que usam a linguagem do "novo nascimento" ou


"nascer de cima", dão ao perfil da regeneração, seus pormenores mais nítidos. Jesus
disse que a menos que se nasça de novo, não se pode ver o reino do céu. Sem a graça de
Deus, os pecadores não podem encontrar a porta, se deixados sozinhos para encontrar o
seu caminho. Em outro lugar Jesus diz: "Sem mim, nada podeis fazer" e, em se tratando
da salvação, "sem Deus nada é possível".

Jesus mostrou-se surpreso pelo fato de Nicodemos ficar perplexo com a exigência de
um novo nascimento. Nicodemos devia ter compreendido, com base no Antigo
Testamento, que ele era um pecador e necessitava de uma nova vida; e ele deve ter
conhecido os profetas que prometeram que Deus haveria de remover os corações de
carne e substituí-los por corações prontos a fazer a vontade de Deus. Deus ressuscitaria
os mortos, daria vista aos cegos, pregaria as boas novas àqueles que não poderiam
salvar-se a si mesmos.

A regeneração é o dom da graça de Deus. É obra imediata, sobrenatural do Espírito


Santo, realizada em nós. Seu efeito é fazer com que nós, da morte espiritual, passemos
à vida espiritual. Muda a disposição de nossas almas, inclinando nossos corações para
Deus. O fruto da regeneração é a fé. A regeneração antecede a fé.

As crianças podem nascer de novo, ainda que a fé, exercida por elas, não possa ser tão

67
visível como a dos adultos. Para muitos cristãos, o momento em que nasceram de novo
é claramente conhecido; porém, para outros não, especialmente se receberam o novo
nascimento na infância. Somos responsáveis por saber se somos espiritualmente
renascidos, e não por conhecer a ocasião ou o lugar em que nascemos de novo.

A HUMILDE OBEDIÊNCIA DE CRISTO (Jo 5.19) pág. orig. 1670

Humildade, nas Escrituras, não significa pretender ser inútil e recusar posições de
responsabilidade, mas conhecer e guardar o lugar que Deus determinou para ser
ocupado. Ser humilde é questão de aceitar a disposição por Deus, quer signifique
ocupar um lugar de alta posição de liderança (Moisés foi humilde como líder, Nm
12.3), quer signifique ocupar um lugar obscuro de servo. Quando Jesus disse que era
"humilde de coração" (Mt 11.29), quis dizer que estava seguindo o plano de Deus para
a sua vida terrena.

As três Pessoas da Trindade são eternas e auto-existentes, e gozam igualmente de todos


os aspectos e atributos da Divindade, e atuam juntas. Porém, as Pessoas são distintas
em suas mútuas relações. Algo do que isso significa é revelado na humilde submissão
de Cristo à vontade do Pai e, também, pelo modo como o Espírito Santo é enviado pelo
Pai e o Filho, para confirmar a obra de salvação nos corações humanos.

A vontade do Pai para Cristo é, às vezes, chamada Aliança de redenção. É chamada


"Aliança" porque é um acordo entre duas partes. A Confissão de Fé de Westminster
sumaria esse acordo (o propósito do Pai aceito pelo Filho) da seguinte maneira:

"Aprouve a Deus, em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus Cristo,
seu Filho unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, o Profeta, Sacerdote e
Rei, o Cabeça e Salvador de sua Igreja, o Herdeiro de todas as coisas e Juiz do mundo;
e deu-lhe, desde toda a eternidade, um povo para ser a sua semente e para, no tempo
devido, ser por ele remido, chamado, justificado, santificado e glorificado" (Confissão
de Fé de Westminster, VIII, 1).

Cristo cumpriu essa Aliança através de dois estágios chamados sua "Humilhação" e sua
"Exaltação". Em sua humilhação, ele deixou para trás a glória eterna que era sua,

68
assumindo uma perfeita e completa natureza humana: corpo e alma ou espírito. Na sua
Encarnação ele teve uma vida de pobreza e sofrimento para, finalmente, morrer a
vergonhosa morte de um condenado comum (2Co 8.9; Gl 3.13; Fp 2.6-8).

Em sua exaltação, Cristo ressurgiu dentre os mortos, ascendeu aos céus e reina como
Rei sobre o mundo e a igreja. Junto com o Pai, ele enviou o Espírito Santo para
completar a obra de redenção que realizou por nós.

A obediência redentiva de Cristo teve dois lados chamados "ativo" e "passivo". Em sua
obediência ativa Cristo cumpriu os mandamentos positivos de Deus em favor do seu
povo, servindo a Deus e fazendo o bem. Esta justiça positiva é assegurada como um
dom concedido aos crentes através da fé, garantindo para eles uma posição de justos
diante de Deus. Em sua obediência passiva, Cristo pagou a Deus a penalidade devida
pelos pecadores. Fez isso sofrendo a morte de cruz. "Passiva" significa "permitir",
"consentir" e não ser inativo, alheio e insensível. Jesus veio para fazer a vontade do Pai,
não para evitá-la, e seu coração estava inteiramente conformado com ela.

REDENÇÃO DEFINIDA (Jo 10.15) pág. orig. 1682

Redenção definida, também chamada redenção "particular" ou "expiação limitada" é a


doutrina histórica Reformada a respeito da intenção do Deus Triúno, na morte de
Cristo. Sem questionar o valor infinito do sacrifício de Cristo ou a genuinidade do
sincero convite de Deus, para que todos ouçam o evangelho (Ap 22.17), essa doutrina
afirma que Cristo, na sua morte, tencionava realizar aquilo que realizou: tirar os
pecados dos eleitos de Deus e assegurar que todos eles alcancem a fé através da
regeneração e pela fé sejam preservados para a glória. Cristo não pretendeu morrer por
todos dessa mesma maneira eficaz. A prova disto, que as Escrituras e a experiência nos
ensinam, é que nem todos são salvos.

Ao debater a expiação, alguns dizem que Cristo morreu por todos e que todos, sem
exceção, serão salvos. Esse é o universalismo. Uma segunda doutrina ensina que Cristo
morreu por todos, mas que sua morte não tem efeito salvador sem a adição da fé e do
arrependimento, não previstos na sua morte. Em outras palavras, ele morreu com o
propósito geral de tornar a salvação possível, mas a salvação de indivíduos específicos

69
não estava incluída na sua morte. Este é o universalismo hipotético. Uma terceira
doutrina é aquela que ensina que ainda que a morte de Cristo tenha sido infinita no seu
valor, ela só visava a salvar alguns — aqueles que foram conhecidos de antemão. Essa
é a expiação limitada ou definida.

As Escrituras não ensinam que todos serão salvos, o que exclui o universalismo. Os
outros dois pontos de vista não diferem entre si sobre quantos serão salvos, mas a
respeito de qual é o propósito pelo qual Cristo morreu. As Escrituras tratam dessa
questão. O Novo Testamento ensina que Deus escolheu para a salvação um grande
número dentre os da raça decaída, e enviou Cristo para salvá-los (Jo 6.37-40; 10.27-29;
11.51, 52; Rm 8.28-29; Ef 1.3-14; 1Pe 1.20). Diz-se que Cristo morreu por um povo
específico, com a clara implicação de que sua morte assegurou a salvação dele (Jo
10.15-18, 27-29; Rm 5.8-10; 8.32; Gl 2.20; 3.13,14; 4.4, 5; 1Jo 4. 9,10; Ap 1.4-6;
5.9,10). Antes de morrer, Cristo orou por aqueles que o Pai lhe tinha dado e não pelo
mundo (Jo 17.9,20). A oração de Jesus animou aqueles por quem ia morrer e prometeu-
lhes que jamais deixaria de salvá-los. Tais passagens apresentam a idéia de uma
salvação limitada. O Antigo Testamento, com sua ênfase sobre a eleição da graça,
oferece grande apoio a essa doutrina.

A livre oferta do Evangelho e a ordem de pregar as boas novas em toda parte não é
inconsistente com o ensino de que Cristo morreu por seu povo eleito. Todos os que se
chegam a Cristo encontrarão misericórdia (Jo 6.35, 47-51, 54-57; Rm 1.16; 10.8-13). O
evangelho oferece Cristo, que conhece suas ovelhas; ele morreu por elas; chama-as
pelo nome, e elas ouvem a sua voz; este é o evangelho que ele ordenou fosse pregado
por seus discípulos em todo o mundo, para salvar pecadores.

O ESPÍRITO SANTO (Jo 14.26) pág. orig. 1693

Antes de sua morte, Jesus prometeu que ele e o Pai enviariam aos seus discípulos
"outro Consolador" (Jo 14.16, 26; 15.26; 16.7). A palavra grega traduzida por
"Consolador" é parakletos e significa advogado ou assistente em questões jurídicas.
Num contexto mais amplo significa uma pessoa que provê encorajamento, conselho e
força. Jesus enviará "outro" Consolador, um que, como ele mesmo, continuará depois
dele o ensino e o testemunho que ele começou (Jo 16.7-15).

70
A obra desse Consolador é realizada por um Ser pessoal. O AntigoTestamento revela
muito a respeito da atividade do Espírito na Criação (Gn 1.2; Sl 33.6), na revelação (Is
61.1-3; Mq 3.8), na concessão de poder (Êx 31.2-6; Jz 15.14,15; Is 11.2), na renovação
interior (Sl 51.10-12; Ez 36.25-27). Porém, coube ao Novo Testamento revelar
claramente o Espírito como uma distinta Pessoa da Divindade, coigual com o Pai e o
Filho. Do Espírito se diz que ele fala (At 1.16; 8.29; 10.19; 13.2), ensina (Jo 14.26),
testemunha (Jo 15.26), esquadrinha (1Co 2.10), quer (1Co 12.11) e intercede (Rm
8.26,27). Todos estes atos são próprios de uma Pessoa.

A divindade do Espírito aparece quando o Pai, o Filho e o Espírito Santo são nomeados
juntos nas bênçãos (2Co 13.13; Ap 1.4-6), na fórmula batismal (Mt 28.19). Mentir ao
Espírito é mentir a Deus (At 5.3,4). O Espírito é chamado "sete Espíritos" no Ap 1.4;
3.1; 4.5 e 5.6 como expressão de sua plenitude e a diversidade de sua obra na igreja e
em muitos lugares, obra esta representada pelas sete igrejas da Ásia (Ap 1.11-20). Esta
perfeição divina foi prefigurada em Zc 3.9; 4.2, 10; o número "sete" expressa a
perfeição do único Espírito. O Espírito é a terceira Pessoa da Trindade, igual ao Pai e ao
Filho em glória e, como eles, digno de culto, amor e obediência.

A obra do Espírito é glorificar a Jesus Cristo, mostrando aos seus discípulos quem ele é
(Jo 16.7-15), e o que Jesus significa para eles (Rm 8.15-17; Gl 4.6). O Espírito ilumina
(Ef 1.17,18), regenera (Jo 3.5-8), santifica (Gl 5.16-18) e transforma (2Co 3.18; Gl
5.22-23). Dá ao povo de Deus aquilo de que ele precisa para servir o Senhor (1Co 12.4-
11).

O pleno ministério do Espírito começa no Pentecostes, depois da ascensão de Jesus ao


céu (At 2.1-4). João Batista predisse que Jesus batizaria no Espírito (Mc 1.8; Jo 1.33),
como cumprimento da promessa feita no Antigo Testamento e repetida por Jesus (Jr
31.31-34; Jl 2.28-32; At 1.4,5). O Pentecostes marcou o início da era final da História
do mundo, que terminará quando Jesus voltar.

No momento em que nascem de novo, os crentes em Jesus recebem o Espírito, segundo


a plenitude do Novo Testamento (At 2.28; Rm 8.9; 1Co 12.13). Todos os dons para a
vida de serviço que aparecem subseqüentemente na vida dos cristãos, fluem deste

71
batismo inicial no Espírito, porque por meio deste batismo o pecador está unido a
Cristo ressurreto.

A MISSÃO DA IGREJA NO MUNDO (Jo 20.21) pág. orig. 1705

"Missão" vem de uma palavra latina que significa "enviar". Jesus ordenou aos seus
primeiros discípulos, como representantes daqueles que os seguiriam — "Como o Pai
me enviou, eu também vos envio" (Jo 20.21, cf. 17.18). Esta missão é ainda válida: a
igreja universal, incluindo cada igreja local e cada cristão é enviada ao mundo para
cumprir uma tarefa específica.

A tarefa dada à igreja tem duas partes. Primeiro e fundamentalmente é obra de


testemunho perante todo o mundo, fazendo discípulos e plantando igrejas (Mt 24.14;
28.19-20; Mc 13.10; Lc 24.47-48). A igreja proclama Jesus Cristo por toda parte, como
Deus encarnado, Senhor e Salvador, e anuncia o convite de Deus aos pecadores para
que entrem na vida, voltando-se para Cristo por meio do arrependimento e da fé (Mt
22.1-10; At 17.30). O ministério de Paulo como plantador de igrejas e evangelista por
todo o mundo, tanto quanto possível, é um modelo para se levar adiante esta tarefa
primária (Rm 1.14; 15.17-29; 1Co 9.19-23; Cl 1.28,29).

Em segundo lugar todos os cristãos são chamados para realizar obras de misericórdia e
compaixão. Confiando nos mandamentos de Deus para amar ao próximo, os cristãos
devem responder com generosidade e compaixão a todas as formas de necessidades
humanas (Mt 25.34-40; Lc 10.25-37; Rm 12.20-21). Jesus curou doentes, alimentou
famintos e ensinou a ignorantes (Mt 15.32; 20.34; Mc 1.41; 10.1), e os que são novas
criaturas em Cristo devem pôr em prática a mesma compaixão. Ao agirem assim, darão
credibilidade ao evangelho que pregam a respeito de um Salvador cujo amor transforma
pecadores, levando-os a amar a Deus e ao próximo (Mt 5.16 cf. 1Pe 2.11-12).

Embora Jesus tenha previsto a missão aos gentios (Mt 24.14; Jo 10.16; 12.32), seu
ministério terreno foi dirigido às "ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mt 15.24). Paulo,
o apóstolo aos gentios, sempre ia primeiro aos judeus, quando pregava (At 13.42-48;
14.1; 17.1-4, 10; 18.4-7, 19). Isso porque o direito dos judeus em ouvir primeiro o
evangelho era determinação divina (At 3.26; 13.46; Rm 1.16). Por esta razão é

72
importante para os cristãos continuarem testemunhando aos judeus. Como Paulo disse,
foi de Israel, segundo a carne, que Cristo veio salvar o mundo (Rm 9.5).

OS APÓSTOLOS (At 1.26) pág. orig. 1712

Ainda que os Evangelhos chamem às mesmas pessoas de "discípulos" e "apóstolos"


(Mt 10.1,2; Lc 6.13), os termos não são sinônimos. "Discípulo" significa "aluno",
"aquele que aprende"; "apóstolo" significa "emissário", "representante", alguém
enviado com autoridade por aquele que o enviou. Os doze apóstolos (Ap 21.14) como
distintos dos apóstolos ("mensageiros") das igrejas (2Co 8.23) e do resto dos discípulos,
foram escolhidos e enviados por Jesus (Mc 3.14), exatamente como o próprio Jesus, "o
apóstolo da nossa confissão" (Hb 3.1) foi pré-ordenado e enviado pelo Pai (1Pe 1.20).
Assim como rejeitar Jesus é rejeitar o Pai, rejeitar os apóstolos é rejeitar Jesus (Lc
10.16).

Paulo, o "apóstolo aos gentios" (Rm 11.13; Gl. 2.8), declara-se como um apóstolo nas
palavras de abertura da maioria de suas cartas. Pelo fato de ter visto a Cristo no
caminho de Damasco e ter sido comissionado por ele (At 26.16-18), ele foi tão
verdadeiramente uma testemunha da ressurreição de Jesus (que um apóstolo tinha de
ser, At 1.21,22; 10.41,42) como foram todos os outros. Tiago, Pedro e João aceitaram
Paulo no colégio apostólico (Gl 2.9) e Deus confirmou sua condição de apóstolo pelos
sinais de um apóstolo (milagres e sinais, 2Co 12.12; Hb 2.3,4), e pelos frutos do seu
ministério (1Co 9.2).

Os apóstolos eram agentes da revelação das verdades de Deus, que se tornariam as


regras cristãs da fé e da vida. Como tais — e através da escolha deles feita por Cristo,
como seus representantes autorizados, 2Co 10.8; 13.10) — os apóstolos exerceram sua
autoridade única na Igreja. Não há apóstolos hoje, ainda que alguns cristãos realizem
ministérios que, de modo particular, são apostólicos em estilo. Nenhuma nova
revelação canônica está sendo dada; a autoridade do ensino apostólico reside nas
Escrituras canônicas. A ausência de nova revelação não coloca a igreja contemporânea
em desvantagem, quando comparada com a igreja dos dias dos apóstolos, porque o
Espírito Santo interpreta e aplica as Escrituras ao povo de Deus continuamente.

73
SALVAÇÃO (At 4.12) pág. orig. 1718

O tema central do evangelho cristão é a salvação. O evangelho proclama que, assim


como Deus salvou Israel do Egito e o salmista da morte (Ex 15.2; Sl 116.6), do mesmo
modo salvará do pecado e suas conseqüências a todos os que confiam em Cristo. Esta
salvação do pecado e da morte é obra inteiramente de Deus. "Porque pela graça sois
salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus" (Ef 2.8). "Ao SENHOR
pertence a salvação" (Jn 2.9).

As palavras hebraicas que expressam a idéia de salvação, no Antigo Testamento, têm o


sentido geral de "livramento" de perigo físico ou sofrimento moral (Sl 85.8,9; Is 62.11).
Em tais passagens, a Septuaginta (versão grega do Antigo Testamento), emprega
palavras gregas que significam salvar da morte ou de perigos, bem como preservar ou
curar. Passagens do Novo Testamento que falam de salvação usam todas estas idéias
para explicar os atos de Deus em favor do perdido.

A salvação livra o crente do juízo de Deus, do domínio do pecado e do poder da morte


(Rm 1.18; 3.9; 5.21; 1Ts 5.9). Deus livra os pecadores da condição natural de serem
dominados pelo mundo, pela carne e pelo diabo (Jo 8.23,24; Rm 8.7,8; 1Jo 5.19). Deus
livra os crentes dos temores gerados por uma vida pecaminosa (Rm 8.15; 2Tm 1.7; Hb
2.14,15) e dos hábitos viciosos que os escravizam (Ef 4.17-24; 1Ts 4.3-8; Tt 2.11—
3.6). A salvação é não apenas a promessa de integridade espiritual e de paz, mas
também a cura física (Mt 9.21,22; Mc 10.52; Tg 5.16). Não obstante os cristãos terem
já recebido a salvação, eles a experimentarão, na sua plenitude, somente quando Cristo
voltar, no fim desta era (Hb 9.28; 1Pe 1.3-5).

A salvação é completada através daquilo que Cristo fez na História e por aquilo que ele
continua a fazer nos crentes através do Espírito Santo. A base de nossa salvação é a
morte de Jesus na cruz (ver "A Expiação", em Rm 3.25) e a justiça que ele alcançou
para nós em sua obediência ativa. A salvação é realizada em nossa vida quando Cristo
vive em nós (Jo 15.4; 17.26; Cl 1.27) e nós vivemos em Cristo, unidos a ele em sua
morte e em sua vida ressurreta (Rm 6.3-10; Cl 2.12, 20; 3.1). Esta união vital
sustentada pelo Espírito através da fé e realizada em nós pelo novo nascimento,
pressupõe nossa eterna eleição em Cristo (Ef 1.4-6). Jesus foi pré-ordenado para

74
representar-nos e pagar nossos pecados, como nosso substituto (1Pe 1.18-20, cf. Mt
1.21). Fomos escolhidos para sermos eficazmente chamados e conformados à sua
imagem, e glorificados pelo poder do Espírito (Rm 8.11, 29,30).

O REINO CELESTIAL DE JESUS (At 7.55) pág. orig. 1725

Do atual papel de Cristo na glória é comumente dito que ele está sentado à mão direita
de Deus. O Novo Testamento retrata a atividade celestial de Jesus como estar em pé,
pronto para agir (At 7.56; Ap 1.12-16; 14.1), andando entre seu povo (Ap 2.1) e
cavalgando para a batalha (Ap 19.11-16); mas o Novo Testamento expressa
regularmente a autoridade de Cristo, dizendo que ele está sentado à mão direita do Pai
— não para descançar, mas para governar. Não é uma figura de inatividade, mas de
autoridade.

Em Sl 110 Deus coloca o Messias à sua mào direita, como Rei e Sacerdote — como Rei
para pôr seus inimigos debaixo dos seus pés (v. 1) e como Sacerdote para servir a Deus
e transmitir a graça de Deus para sempre (v. 4).

Cristo governa sobre todas as esferas de autoridade, quer angelicais, quer humanas (Mt
28.18; 1Pe 3.22). Seu reino, num sentido direto, é a igreja, corpo cuja Cabeça é ele, e
ele governa por sua palavra e Espírito (Ef 1.22,23). Quanto ao estado, não está
relacionado com o reino de Deus, como o era no Antigo Testamento. A espada não deve
ser usada para impor o reino (Jo 18.36); porém, Cristo usa a autoridade secular para
manter a paz e a ordem civil, e ordena a seus discípulos que se submetam às
autoridades (Mt 22.21; Rm 13.1-7). Os cristãos procuram, em todas as esferas da vida,
fazer a vontade de Deus, lembrando-se, e também aos outros, que todos responderão a
Cristo como Juiz, qualquer que seja a sua posição na vida (Mt 25.31; At 17.31; Rm
2.16; 2Co 5.10).

Esse sentar-se de Cristo continuará até que seus inimigos — e os nossos também,
inclusive a morte — sejam reduzidos a nada. A morte, o último inimigo, cessará de
existir, quando Cristo, ao retornar, ressuscitar os mortos para o julgamento (Jo 5.28,29).
Uma vez realizado o julgamento, a obra do reino mediador terminará e Cristo,
triunfalmente, entregará o reino ao Pai (1Co 15.24-28).

75
ARREPENDIMENTO (At 26.20) pág. orig. 1756

Arrependimento significa mudança de mente, de modo que os pontos de vista de uma


pessoa arrependida: seus valores, objetivos e comportamentos são mudados e toda a sua
vida é vivida de um modo diferente. Sua mente, seu modo de avaliar, sua vontade, suas
afeições, seu comportamento, seu estilo de vida, seus motivos e seus planos, tudo está
envolvido nessa mudança. Arrepender-se significa começar a viver uma nova vida.

A chamada ao arrependimento era a convocação fundamental na pregação de João


Batista (Mt 3.2), de Jesus (Mt 4.17), dos Doze (Mc 6.12), de Pedro no Pentecostes (At
2.38), de Paulo aos gentios (At 17.30; 26.20) e do Cristo glorificado a cinco das sete
igrejas da Ásia (Ap 2.5, 16, 22; 3.3, 19). Era parte do resumo feito por Jesus do
evangelho que devia ser pregado em todo o mundo (Lc 24.47). Corresponde ao
constante apelo dos profetas a Israel, para que retornasse a Deus, de quem se tinha
extraviado (exemplo, Jr 23.22; 25.4,5; Zc 1.3-6). O arrependimento é sempre descrito
como o caminho para a remissão de pecados e a restauração do favor de Deus, ao passo
que a impenitência é o caminho para a ruína (exemplo, 13.1-8).

A fé e o arrependimento são, em si mesmos, frutos da regeneração. Porém, como uma


questão prática, o arrependimento é inseparável da fé. Voltar-se para Cristo em fé é
impossível sem o abandono do pecado pelo arrependimento. A idéia de que pode haver
fé salvadora sem arrependimento e de que alguém pode ser justificado, apenas
abraçando a Cristo como Salvador, mas recusando-se a aceitá-lo como Senhor, é um
erro perigoso. A verdadeira fé reconhece a Cristo como o que, de fato, ele é: nosso Rei
escolhido por Deus, bem como nosso Sacerdote que Deus nos deu, e a fé que confia
nele como Salvador, se submeterá a ele como Senhor também. Recusar isto é a procurar
justificação com uma fé impenitente, que não é fé nenhuma.

A Confissão de Fé de Westminster declara que, no arrependimento,

"Movido pelo reconhecimento e sentimento não só do perigo, mas também da impureza


e odiosidade de seus pecados, como contrários à santa natureza e justa lei de Deus, e
conscientizando-se da misericórdia divina manifestada em Cristo aos que são

76
penitentes, o pecador, pelo arrependimento, de tal maneira sente e aborrece seus
pecados que, deixando-os, se volta para Deus, tencionando e procurando andar com ele
em todos os caminhos de seus mandamentos" (Confissão de Fé de Westminster, XV, 2).

Sentimentos de remorso, auto-reprovação e tristeza pelo pecado, gerados pelo temor de


punição — sem qualquer desejo ou decisão de deixar de pecar — não devem ser
confundidos com o arrependimento. Davi expressa o verdadeiro arrependimento no Sl
51, revelando em seu coração o claro propósito de não pecar mais e de viver uma vida
justa (Lc 3.8; At 26.20).

CONHECIMENTO E CULPA (Rm 1.19) pág. orig. 1767

Todos os povos são naturalmente propensos a alguma forma de religião; contudo,


deixam de cultuar seu Criador, cuja revelação geral o torna universalmente conhecido.
O pecado do egoísmo e a aversão às reivindicações do nosso Criador têm levado a
humanidade à idolatria, ao erro de prestar culto e homenagem a qualquer outro poder
ou objeto, ao invés de cultuar a Deus (Is 44.9-20; Rm 1.21-23; Cl 3.5). Em sua
idolatria, os humanos apóstatas "suprimem a verdade" e têm "mudado a glória de Deus
incorruptível em imagem de homem corruptível — de aves, quadrúpedes e répteis"
(Rm 1.18, 23). Eles asfixiam e extinguem, tanto quanto podem, o conhecimento que a
revelação geral oferece do Juiz e Criador transcendente, transferindo o inerradicável
senso de divindade para objetos indignos. Isto, em conseqüência, conduz a um drástico
declínio moral e à desgraça, como primeira manifestação do juízo de Deus contra a
apostasia (Rm 1.18, 24-32).

Deus não permite que os seres humanos suprimam inteiramente o conhecimento dele e
de seu juízo. Alguma consciência do certo e do errado, bem como de responsabilidade
para com Deus, sempre permanece. Mesmo no mundo caído, cada um é dotado de uma
consciência que fala nestes termos, e fala com a voz de Deus.

Em certo sentido, a humanidade caída não conhece a Deus, uma vez que aquilo que os
povos acreditam a respeito dos objetos que cultuam, falsifica e distorce a verdade a
respeito de Deus. Noutro sentido, todos os seres humanos conhecem a Deus, porém
com culpa, com desconfortáveis premonições do juízo que não podem evitar. Somente

77
o Evangelho de Cristo pode falar de paz a este aspecto da condição humana.

A EXPIAÇÃO (Rm 3.25) pág. orig. 1772

A expiação é uma reconciliação de partes alienadas entre si, a restauração de uma


relação rompida. A expiação é realizada por ressarcir os danos, apagando-se os delitos e
oferecendo satisfação pelas injustiças cometidas.

Segundo as Escrituras, toda pessoa peca e precisa fazer expiação de suas culpas, porém,
faltam o poder e os recursos para isso. Temos ofendido o nosso Criador, cuja natureza
odeia o pecado (Jr 44.4; Hc 1.13) e o pune (Sl 5.4-6; Rm 1.18; 2.5-9). Os que têm
pecado não podem ser aceitos por Deus e não podem ter comunhão com ele, a menos
que seja feita expiação. Desde que há pecados nas melhores ações das criaturas
pecadoras, qualquer coisa que façamos na esperança de nos emendarmos, só pode
aumentar a nossa culpa ou piorar a nossa situação, porque "o sacrifício dos perversos é
abominável ao SENHOR" (Pv 15.8). Não há modo de a pessoa poder estabelecer a
própria justiça diante de Deus (Jó 15.14-16; Is 64.6; Rm 10.2,3); isso simplesmente não
pode ser feito.

Porém, contra este fundo de desesperança humana, as Escrituras revelam a graça e a


misericórdia de Deus que pessoalmente providencia a expiação que o pecado torna
necessária. A maravilhosa graça de Deus é o enfoque da fé bíblica; do Gênesis ao
Apocalipse a graça brilha com glória estupenda.

Quando Deus tirou Israel do Egito, ele estabeleceu como parte do relacionamento da
Aliança, um sistema de sacrifícios, que tinha seu âmago no derramamento de sangue de
animais "para fazer expiação por vossas almas" (Lv 17.11). Esses sacrifícios eram
"típicos", isto é, como "tipos" prenunciavam alguma coisa melhor. Pecados eram
perdoados quando os sacrifícios eram fielmente oferecidos, mas não era o sangue dos
animais que apagava os pecados (Hb 10.4). Era o sangue do "antítipo", Jesus Cristo,
cuja morte na cruz expiou os pecados já cometidos, bem como os pecados que seriam
cometidos posteriormente (Rm 3.25-26; 4.3-8; Hb 9.11-15).

De acordo com o Novo Testamento, o sangue de Cristo foi derramado como sacrifício

78
(Rm 3.25; 5.9; Ef 1.7; Ap 1.5). Cristo redimiu o seu povo por meio de um resgate. Sua
morte foi o preço que nos livrou da culpa e da escravização de pecado (Rm 3.24; Gl
4.4,5; Cl 1.14). Na morte de Cristo Deus nos reconciliou consigo mesmo, vencendo a
própria hostilidade que nossos pecados provocam (Rm 5.10; 2Co 5.18,19; Cl 1.20-22).
A cruz tornou Deus favorável. Isso significa que ela aplacou a ira de Deus contra nós,
expiando nossos pecados e, desse modo, os removeu de diante de seus olhos (Rm 3.25;
Hb 2.17; 1Jo 2.2; 4.10). A cruz produziu este resultado porque, em seu sofrimento,
Cristo assumiu nossa identidade e suportou o juízo retributivo que pesava contra nós,
isto é, "suportou a maldição da lei" (Gl 3.13). Ele sofreu como nosso substituto, com o
registro condenatório de nossas transgressões pregado na sua cruz, como lista de crimes
pelos quais ele morreu (Cl 2.14, cf. Mt 27.37; Is 53.4-6; Lc 22.37).

BATISMO (Rm 6.3) pág. orig. 1776

O batismo cristão, que tem a forma de uma lavagem cerimonial (como o batismo pré-
cristão de João Batista) é um sinal de Deus para significar nossa purificação interior e
remissão de pecados (At 22.16; 1Co 6.11; Ef 5.25-27), a regeneração operada pelo
Espírito e uma nova vida (Tt 3.5), e a permanente presença do Espírito Santo, como
selo de Deus, testificando e garantindo que aquele que o recebe está seguro em Cristo
para sempre (1Co 12.13, cf. Ef 1.13,14). Fundamentalmente o batismo significa união
com Cristo na sua morte, supultamento e ressurreição (Rm 6.3-7; Cl 2.11,12), e esta
união com Cristo é a fonte de cada elemento de nossa salvação (1Jo 5.11,12). Receber o
sinal do batismo com fé assegura, aos batizados, que o dom de Deus da nova vida em
Cristo lhes é livremente garantido. Ao mesmo tempo, os incumbe de viver de modo
novo e diferente, como discípulos de Jesus.

Cristo ordenou aos seus discípulos que batizassem em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo (Mt 28.19). Esta fórmula significa que o relacionamento da Aliança que
o batismo confere formalmente está ligada às três Pessoas da Deidade. Quando Paulo
diz que os israelitas foram batizados "com respeito a Moisés" (1Co 10.2), ele significa
que os Israelitas foram colocados sob o controle e direção de Moisés. O batismo em
nome do Deus triúno significa ficar sob o controle e direção de Deus.

O sinal exterior não significa automática ou magicamente, que ele confere as bênçãos

79
interiores que ele representa. No Novo Testamento não há nenhuma prescrição de um
modo específico de batizar. A determinação de batizar pode ser cumprida, por imersão,
afusão ou aspersão. Todos estes três modos satisfazem o sentido do verbo grego baptizo
e a exigência simbólica de passar sob a água purificadora e emergir dela.

PERSEVERANÇA DOS SANTOS (Rm 8.30) pág. orig. 1781

Ao declarar-se a eterna segurança do povo de Deus, tavlez seja mais claro falar mais de
sua preservação do que — como se costuma fazer — de sua perseverança. Perseverança
significa contínuo apego a uma crença a despeito do desencorajamento e da oposição. A
razão por que os crentes perseveram na fé e na obediência, contudo, não está na força
de sua própria dedicação, mas em que Jesus Cristo, através do Espírito Santo, os
preserva.

João nos diz que Jesus Cristo se comprometem com o Pai (Jo 6.37-40) e diretamente
com seu povo (Jo 10.28,29), no sentido de guardá-lo, de modo que esse povo nunca
perecerá. Na sua oração por seus discípulos, depois de terminar a última Ceia, Jesus
pediu que aqueles que o Pai lhe tinha dado (Jo 17.2, 6, 9, 24) fossem preservados para a
glória. Cristo continua a interceder por seu povo (Rm 8.34; Hb 7.25), e é inconcebível
que sua oração em favor deles fique sem resposta.

Paulo celebra a presente e futura segurança dos santos no amor onipotente de Deus (Rm
8.31-39). Ele se regozija na certeza de que Deus completará a boa obra que começou
nas vidas dos crentes (Fp 1.6, cf. 1Co 1.8,9; 1Ts 5.23,24; 2Ts 3.3; 2Tm 1.12; 4.18).

A Confissão de Fé de Westminster diz:

"Os que Deus aceitou em seu Bem-amado, eficazmente chamados e santificados pelo
seu Espírito, não podem cair do estado de graça, nem total nem finalmente; mas com
toda certeza, hão de perseverar nesse estado até o fim, e estarão eternamente salvos"
(XVII, 1).

Os regenerados são completamente salvos, perseverando na fé e na vida cristã até o fim


(Hb 3.6; 6.11; 10.35-39), como Deus os preserva.

80
Esta doutrina não significa que todo aquele que professou a fé cristã seja salvo. Os que
tentam viver a vida cristã baseados em sua própria capacidade, decairão (Mt 13.20-22).
A falsa profissão de fé de muitos que dizem: "Senhor, Senhor" não será reconhecida
(Mt 7.21-23). Os que buscam a santidade do coração e o amor ao próximo e, assim,
mostram ter sido regenerados por Deus, adquirem o direito de se considerarem crentes
seguros em Cristo. A crença na perseverança propriamente entendida não nos leva a
uma vida descuidada e à presunção arrogante.

Os regenerados podem mostrar-se relapsos e cair em pecado. Quando isto ocorre, é


porque eles se opõem à sua nova natureza, e o Espírito Santo os convence do seu
pecado (cf. Jo 16.8) e os compele a arrepender-se e a serem restaurados à sua condição
de justificados. Quando os crentes regenerados mostram o desejo humilde e grato de
agradar a Deus, que os salvou, o reconhecimento de que Deus se comprometeu a
guardá-los salvos para sempre, aumenta esse desejo.

ELEIÇÃO E REPROVAÇÃO (Rm 9.18) pág. orig. 1784

"Eleger" significa selecionar ou escolher. De acordo com a Bíblia, antes da criação,


Deus escolheu — dentre os da raça humana — aqueles que seriam redimidos,
justificados, santificados e glorificados em Jesus Cristo (Rm 8.28-39; Ef 1.3-14; 2Ts
2.13,14; 2Tm 1.9-10). A escolha divina é expressão da graça livre e soberana de Deus.
Não é merecida por coisa alguma por parte daqueles que são escolhidos. Deus não deve
aos pecadores nenhuma espécie de graça, pois eles só merecem condenação. Por isso, é
maravilhoso que ele escolhesse salvar qualquer um entre nós.

Como toda verdade a respeito de Deus, a doutrina da eleição envolve mistério e, muitas
vezes, levanta controvérsia. Porém, nas Escrituras é uma doutrina pastoral, que ajuda os
cristãos a verem quão grande é a graça que os salva, e os move a responder com
humildade, confiança e louvor. Não sabemos quais outros Deus escolheu entre os que
ainda não são crentes, nem por que ele nos escolheu, especificamente. Sabemos que
somos crentes agora só porque fomos escolhidos e sabemos que, como crentes,
podemos confiar em que Deus acabará a boa obra que começou (1Co 1.8,9; Fp 1.6; 1Ts
5.23,24; 2Tm 1.2; 4.18). Por estas razões, termos conhecimento da nossa eleição é

81
fonte de gratidão e confiança.

Pedro nos diz que devemos procurar "com diligência... confirmar a (nossa) vocação e
eleição" (2Pe 1.10) — isto é, devemos torná-la certa para nós. A eleição é conhecida
por seus frutos. Paulo sabia que os Tessalonicenses tinham sido escolhidos, porque viu
sua fé, sua esperança e seu amor, a transformação de suas vidas, realizada pelo
evangelho (1Ts 1.3-6).

Reprovação é o nome dado à eterna decisão de Deus, com relação àqueles pecadores
que não foram escolhidos para a vida. Deus determinou que eles não fossem
transformados. Eles continuarão em pecado e, finalmente, serão julgados por aquilo que
tiverem feito. Em alguns casos, Deus pode ir mais longe e remover as influências
restritivas que protegem uma pessoa da desobediência extrema. Este abandono,
chamado de "endurecimento" é, em si mesmo, uma penalidade do pecado (Rm 9.18;
11.25; cf. Sl 81.12; Rm 1.24, 26, 28).

A reprovação é ensinada na Bíblia (Rm 9.14-24; 1Pe 2.8), porém seu significado sobre
o comportamento cristão é indireto. O decreto de Deus sobre a eleição é secreto. Quais
pessoas são eleitas e quais são reprovadas não será revelado antes do Juízo Final. Até
esse tempo, Deus ordena que o arrependimento e a fé sejam pregados a todos.

OS CRISTÃOS E O GOVERNO CIVIL (Rm 13.1) pág. orig. 1790

O governo civil é um meio ordenado por Deus para reger e manter a ordem nas
comunidades. É um dentre vários desses meios, inclusive ministros na Igreja e pais na
família. Isto significa que cada um deles tem a sua própria esfera de autoridade sob
Cristo, que agora governa e sustenta a criação, e os limites de cada esfera são
estabelecidos mediante referência a outras esferas. Em nosso mundo decaído essas
autoridades são instituições como anteparo contra a anarquia e contra a dissolução da
sociedade ordenada.

Com referência a Rm 13.1-7 e a 1Pe 2.13-17, a Confissão de Fé de Westminster


explica, como segue, a esfera do governo civil:

82
"Deus, o Senhor supremo e Rei de todo o mundo, para a sua própria glória e para o bem
público, constituiu sobre o povo magistrados civis, a ele sujeitos, e para este fim os
armou com o poder da espada para defesa e incentivo dos bons e castigo dos
malfeitores. Os magistrados civis não podem tomar sobre si a administração da Palavra
e dos Sacramentos, ou o poder das chaves do Reino de Deus" (XXIII, 1 e 3).

Pelo fato de o governo civil existir para o bem de toda a sociedade, Deus lhe confere o
"poder da espada", o uso legal da força para aplicar as leis justas (Rm 13.4). Os cristãos
devem reconhecer isto como parte da ordem de Deus (Rm 13.1,2). O governo pode
cobrar impostos pelos serviços que presta (Mt 22.15-21; Rm 13.6,7). Porém, se o
governo civil proíbe aquilo que Deus exige, ou exige aquilo que Deus proíbe, os
cristãos não devem submeter-se, e alguma forma de desobediência civil se torna
inevitável (At 4.18-31; 5.17-29).

A esfera da autoridade da igreja relaciona-se com o governo civil a nível de moralidade.


A igreja tem a responsabilidade de comentar a moralidade do governo e as suas
políticas, com base na Palavra de Deus, mas não deve, ela mesma, apropriar-se do
poder e ditar essas políticas. Ao passo que essas avaliações podem promover ações
políticas entre os cristãos, eles devem agir na sua capacidade de cidadãos mais do que
como representantes da igreja. Deste modo, o evangelho opera através da persuasão
moral e da operação da graça de Deus entre os cidadãos.

Os cristãos devem exigir que os governos civis cumpram com o seu papel. Devem orar
pelos governos civis, obedecer-lhes e estar atentos com relação a eles (1Tm 2.1-4; 1Pe
2.13,14), lembrando-os de que Deus os estabeleceu para governar, proteger e manter a
ordem.

ILUMINAÇÃO E CONVICÇÃO (1Co 2.10) pág. orig. 1801

O conhecimento dos cristãos a respeito das coisas divinas é mais do que o


conhecimento das palavras e das idéias teológicas da Bíblia. É uma compreensão da
realidade e da relevância das obras de Deus testemunhadas pelas Escrituras. O "homem
natural" (1Co 2.14), que não tem o Espírito, mesmo que esteja familiarizado com idéias
cristãs, padece da falta desta compreensão mais profunda, e é como um cego que

83
conduz outros cegos (Mt 15.14). Só o Espírito Santo, que "discerne as profundas coisas
de Deus" (1Co 2.10) pode levar esta compreensão às mentes e corações obscurecidos
pelo pecado. Isto é chamado "discernimento espiritual", porque é uma compreensão
dada pelo Espírito de Deus (Cl 1.9, cf. Lc 24.25 e 1Jo 5.20). Aqueles que, além de um
conhecimento correto das Escrituras, "possuem unção que vem do Santo..." conhecem
todas as coisas (1Jo 2.20).

A obra do Espírito Santo em comunicar esta compreensão, é chamada "iluminação" ou


esclarecimento. Não é uma nova revelação, mas uma obra, dentro de nós, que nos
capacita a compreender e a afirmar a revelação da Bíblia, quando é lida, pregada e
ensinada. O pecado obscurece nossas mentes e vontades, de modo que deixamos
escapar e resistimos à força das Escrituras. O Espírito, contudo, abre e desanuvia nossa
mente e harmoniza nosso coração, de modo a podermos entender aquilo que Deus tem
revelado (2Co 3.14-16; 4.6; Ef 1.17,18; 3.18,19). Iluminação é a aplicação da verdade
revelada de Deus aos nossos corações, de modo que nós passamos a entender a
realidade que o texto sagrado revela.

Os teólogos protestantes, logo depois da Reforma, falaram da iluminação como um ato


da graça que ocorre em dois estágios. O primeiro estágio da iluminação toma lugar
quando o homem se depara com o ministério da Palavra. Esta iluminação externa
prepara a pessoa para o segundo estágio, que é o ministério interno do Espírito Santo,
que nos conduz à salvação. O Espírito fala através da lei, que convence do pecado, e do
evangelho que transmite o conhecimento da graça e perdão de Deus (cf. Lc 1.79). É
através da iluminação do Espírito que o ministério da Palavra realiza a chamada eficaz
para a salvação.

Embora a iluminação pelo Espírito comece o processo ou seqüência da salvação (Hb


6.4; 10.32), ela continua durante toda a vida do crente. O Espírito Santo conduz-nos a
uma mais profunda compreensão de Deus (Jo 16.13), inspirando-nos tanto o
arrependimento dos pecados que cometemos, quanto a segurança da graça de Deus e a
certeza da nossa eleição. Recebemos essa iluminação através do ministério da Palavra,
da oração e da meditação a respeito de Deus e de sua revelação, e do esforço para viver
nossa vida de modo consistente com a revelação.

84
SANTIFICAÇÃO: O ESPÍRITO E A CARNE (1Co 6.11) pág. orig. 1806

De acordo com o Breve Catecismo de Westminster (P. 35), a santificação é "obra da


livre graça de Deus, pela qual somos renovados em todo o nosso ser, segundo a imagem
de Deus, e habilitados a morrer cada vez mais para o pecado e a viver para a retidão". É
uma mudança contínua operada por Deus em nós, livrando-nos dos hábitos
pecaminosos e formando em nós afeições, disposições e virtudes semelhantes às de
Cristo. Isto não significa que o pecado seja instantaneamente erradicado, porém, é mais
do que uma ação contrária pela qual o pecado seja apenas restringido ou reprimido, sem
estar sendo progressivamente destruído. A santificação é uma real transformação, não
mera aparência.

O significado básico de "santificar" é separar para Deus, para seu uso. Porém, Deus
opera naqueles a quem ele reivindica como sua propriedade, de maneira a torná-los
semelhantes à "imagem de seu Filho" (Rm 8.29). Essa renovação moral pela qual
somos crescentemente mudados, daquilo que éramos outrora, ocorre pela habitação do
Espírito em nós (Rm 8.3; 12.1,2; 1Co 6.11, 19,20; 2Co 3.18; Ef 4.22-24; 1Ts 5.23; 2Ts
2.13; Hb 13.20,21). Deus chama seus filhos para a santidade e, graciosamente, lhes dá o
que ele mesmo exige (1Ts 4.4 e 5.23-24).

Regeneração é nascimento; santificação é crescimento. Na regeneração Deus implanta


em nós desejos que antes não tínhamos; desejos por Deus, desejos pela santidade, de
glorificar o nome de Deus no mundo; desejo de orar, de cultuar; desejo de amar e de
fazer bem aos outros. Na santificação, o Espírito "efetua em nós tanto o querer como o
realizar", segundo o propósito de Deus, que capacita os seus a cumprirem seus novos e
santos desejos (Fp 2.12,13). Os cristãos se tornam crescentemente semelhantes a Cristo,
quando o perfil moral de Jesus (o "fruto do Espírito") é progressivamente formado
neles (2Co 3.18; Gl 4.19; 5.22-25).

A regeneração é um ato instantâneo de Deus, que leva a pessoa da morte espiritual para
a vida. É obra exclusiva de Deus. A santificação é um processo crescente, que depende
da ação contínua de Deus no crente, e consiste da contínua luta do crente contra o
pecado. O método de santificação (usado por Deus) não é nem ativismo (atividade
auto-confiante), nem apatia (passividade confiante em Deus), mas o esforço humano

85
dependente de Deus (2Co 7.1; Fp 3.10-14; Hb 12.14). Sabendo que sem a capacitação
dada por Cristo não podemos fazer boas obras, mas, também sabendo que ele está
pronto a fortalecer-nos em tudo o que devemos fazer (Fp 4.13), nós "permanecemos"
em Cristo, pedindo seu auxílio constante — e o recebemos (Cl 1.11; 1Tm 1.12; 2Tm
1.7; 2.1).

A obra divina de santificação segue o padrão da lei moral, exposta e exemplificada pelo
próprio Cristo. O amor, a humildade e a paciência de Cristo constituem o supremo
padrão para os cristãos (Rm 13.10; Ef 5.2; Fp 2.5-11; 1Pe 2.21).

Os crentes encontram dentro de si mesmos impulsos contrários à santificação. O


Espírito sustenta seus desejos e propósitos regenerados, porém, seus instintos decaídos
(a "carne") obstruem seu caminho e os arrastam para trás. Assim, está formado o
conflito. Paulo diz que é incapaz de fazer o que é certo e incapaz de evitar fazer o que é
errado (Rm 7.14-25). Este conflito e frustração acompanharão os cristãos enquanto
viverem no corpo. Contudo, vigiando e orando contra a tentação, e cultivando virtudes
opostas ao pecado, eles podem, através da ajuda do Espírito, "mortificar" maus hábitos
específicos (Rm 8.11-13; Cl 3.5). Assim, os cristãos experimentarão muitos livramentos
e vitórias específicos em sua batalha contra o pecado, ao mesmo tempo em que não
serão expostos a tentações que não possam resistir (1Co 10.13).

A CEIA DO SENHOR (1Co 11.23) pág. orig. 1814

A Ceia do Senhor é um ato de culto que tem a forma de uma refeição cerimonial, na
qual os servos de Cristo participam do pão e do vinho, para comemorar a morte de
Cristo e celebrar o novo relacionamento segundo a Aliança que eles desfrutam com
Deus.

"Na noite em que foi traído, nosso Senhor Jesus Cristo instituiu o sacramento de seu
corpo e sangue, chamado Ceia do Senhor, para ser observado em sua igreja até ao fim
do mundo, para ser uma lembrança perpétua do sacrifício que em sua morte ele fez de
si mesmo; para selar, aos verdadeiros crentes, todos os benefícios provenientes desse
sacrifício para o seu nutrimento espiritual e crescimento nele, e seu compromisso de
cumprir todos os seus deveres para com ele; e ser um vínculo e penhor de sua

86
comunhão com ele e uns com os outros, como membros do seu corpo místico"
(Confissão de Fé de Westminster, XXIX, 1).

Os textos bíblicos que tratam da Ceia, e nos quais se baseia a declaração supra, são: Mt.
26.26-29; Mc 14.22-25; Lc 22.17-20; 1Co 10.16-21; 11.17-34. O sermão de Jesus (Jo
6.35-58) a respeito de si mesmo como o pão da vida e da necessidade de alimentar-se
dele, comendo a sua carne e bebendo o seu sangue, foi pregado antes da instituição da
Ceia, e é melhor entendido como tratando daquilo que a Ceia significa; a comunhão
com Cristo pela fé, mais do que a Ceia em si.

Nos tempos da Reforma, questões a respeito da natureza da presença de Cristo, na Ceia,


e da relação da Ceia com sua morte vicária, foram focos centrais na tormenta das
controvérsias. A Igreja Católico-Romana ensina que Cristo está presente na Ceia pela
transubstanciação, como definida pelo Quarto Concílio Lateranense, em 1215.
"Transubstanciação" significa que a substância do pão e do vinho é miraculosamente
transformada em corpo e sangue de Cristo. O pão e o vinho não são mais pão e vinho,
embora pareçam ser. A doutrina de Lutero, depois chamada "consubstanciação", ensina
que o corpo e o sangue de Cristo estão presentes "em, com e sob" a forma de pão e
vinho que, em si mesmos, permanecem sendo pão e vinho. As Igrejas Ortodoxas
Orientais e algumas Igrejas Anglicanas têm crenças semelhantes. Zuínglio negou que o
Cristo glorificado, agora no céu, esteja presente de qualquer modo que palavras tais
como "corporalmente", "fisicamente" ou "localmente" possam sugerir. Calvino ensinou
que enquanto o pão e o vinho permanecem imutáveis, o Espírito eleva o crente através
da fé, para gozar da presença de Cristo, de um modo que é glorioso e real, ainda que
indescritível.

Todos os Reformadores insistiram no fato de, na Mesa de Comunhão, darmos graças a


Cristo pela obra da expiação acabada e aceita. Denunciaram a doutrina Católico-
Romana da Missa porquanto ela, segundo o ensino dessa Igreja, repete o sacrifício da
cruz, ou o renova, ou ele é reapresentado de um modo que obscurece a sua suficiência.

A Ceia do Senhor tem uma referência passada à morte da Jesus e tem uma referência
presente à nossa participação corporativa, em Cristo, mediante a fé. E tem uma
referência futura pelo fato de ser uma garantia da sua Segunda Vinda. Encoraja o fiel

87
em sua caminhada diária e em sua expectação. Esse serviço de culto no qual os cristãos
recordam o sofrimento que Cristo suportou por eles, é uma marca distintiva da religião
cristã por todo o mundo.

AMOR (1Co 13.13) pág. orig. 1818

O Cristianismo do Novo Testamento é a resposta humana para a revelação do Criador


como Deus de amor. Além do amor por aqueles que não amavam, o Pai deu o Filho, e o
Filho deu sua vida, e o Pai e o Filho juntos enviaram o Espírito, para salvar os
pecadores da miséria e levá-los à glória. Crer e desfrutar desta tremenda realidade do
amor divino sustenta o amor por Deus e pelo próximo, que os dois grandes
mandamentos exigem (Mt 22.35-40). O nosso amor expressa nosssa gratidão pelo amor
gracioso de Deus para conosco, e o imita como um modelo (Ef 4.32-5.2; 1Jo 3.16).
O amor cristão é a marca indispensável da vida cristã. A medida e a prova do amor a
Deus é a obediência a ele de todo o coração (Jo 14.15,21,23; 1Jo 5.3); a medida e a
prova do amor ao próximo é dar a própria vida em favor dele (1Jo 3.16; cf. Jo
15.12,13). Esse amor sacrificial envolve dar, gastar, e até empobrecer-se pelo bem-estar
do próximo. A história apresentada por Jesus acerca da bondade do samaritano a um
inimigo tradicional é o seu modelo de como devemos amar (Lc 10.25-37).
O amor cristão é descrito em 1 Coríntios 13. A sua total ausência de interesse próprio é
marcante. O amor busca o bem do próximo, e a sua verdadeira medida é quando
consegue alcançar esse fim. Mais do que simples emoção, o amor é um princípio de
ação. É uma questão de fazer algo pelos outros por compaixão a eles, sem levar em
conta se sentimos ou não afeição por eles. É pelo amor ativo de uns para com os outros
que os discípulos de Jesus podem ser reconhecidos (Jo 13.34,35).

RESSURREIÇÃO E GLORIFICAÇÃO (1Co 15.21) pág. orig. 1822

Jesus foi o primeiro a ser ressuscitado dentre os mortos para uma existência glorificada,
não mais sujeita à morte como castigo pelo pecado (At 26.23). Quando voltar a este
mundo, ele levantará seus servos da morte para a vida ressurreta, como a sua própria
vida (1Co 15.20-23; 2Co 5.1-5; Fp 3.20-21). Na verdade, ele ressuscitará da morte toda
raça humana. Porém, os que não são seus ressurgirão para a condenação (Jo 5.29) e

88
estarão sujeitos "à segunda morte" por causa de seus pecados (Ap 2.11 e 21.8). Os
cristãos que estiverem vivos na sua vinda, naquele instante passarão por uma
maravilhosa transformação (1Co 15.50-54).

Há uma continuidade entre o corpo mortal e o corpo imortal. Jesus ressurgiu com o
mesmo corpo com que morreu. Paulo compara o corpo mortal e o corpo da ressurreição
com uma semente e a planta que dela brota (1Co 15.35-44). Embora haja continuidade,
há também descontinuidade. Nossos corpos atuais, como o de Adão, são naturais e
terrenos, sujeitos à fraqueza e à morte. O corpo da ressurreição, como o de Cristo, será
espiritual, criado e sustentado pelo Espírito Santo, e pertencerá à ordem celestial, eterna
e imperecível (1Co 15.45-54).

Depois da ressurreição, os discípulos de Jesus puderam reconhecê-lo, a despeito da


diferença de seu novo corpo. Do mesmo modo os cristãos se reconhecerão uns aos
outros e haverá reuniões jubilosas, quando cessar a separação causada pela morte. Isto
se deduz de 1Ts 4.13-18. Nesta passagem Paulo assegura aos que estão aflitos, que eles
verão outra vez seus amados que são cristãos.

Glorificação é a obra de transformação que remove de nós todo pecado e nos coloca
num estado de perfeita comunhão com Deus (1Co 13.12). Os santos cultuarão e
servirão a Deus com uma natureza transformada e um coração libertado. Nosso desejo
de estar com Deus e desfrutar de seu amor, será cumprido na presença do Deus triuno
(Jó 19.26; Mt 5.8; Ap 22.3,4).

A descrição de Paulo, em Rm 8.30, do processo pelo qual Deus salva seus eleitos,
termina com um notável tempo verbal passado: "Glorificou" aqueles que estavam
salvos. Literalmente, a glorificação está ainda no futuro, para cada um dos eleitos, com
exceção do próprio Jesus. O pensamento de Paulo, aparentemente, é que nossa
glorificação já foi decidida por Deus, como parte do seu plano soberano, e pode ser
considerada como absolutamente certa.

A AUTENTICAÇÃO DAS ESCRITURAS (2Co 4.6) pág. orig. 1833

Por que os cristãos crêem que a Bíblia é a Palavra de Deus, sessenta e seis livros que,

89
juntos, revelam a redenção de Deus através de Jesus Cristo, o Salvador? A resposta está
no fato de que Deus mesmo tem confirmado isto, por meio do que chamamos o
"testemunho interno do Espírito Santo". Nas palavras da Confissão de Fé de
Westminster (de 1647), lemos:
Pelo Testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente
apreço pela Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, a eficácia da sua
doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu
todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que faz do único meio de
salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências incomparáveis e completa
perfeição são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a Palavra de
Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina
autoridade provém da operação interna do Espírito Santo que, pela Palavra e com a
Palavra, testifica em nossos corações (Confissão de Fé de Westminster 1.5).

O testemunho do Espírito com relação às Escrituras é semelhante ao seu testemunho


com relação a Jesus, que encontramos referido em Jo 15.26 e 1 Jo 5.7 (cf. 1Jo 2.20, 27).
Não se trata de fornecer novas informações, mas de iluminar mentes que doutra forma
seriam obscurecidas para discernir a divindade e perceber seu impacto único — o
impacto, no primeiro caso, do Jesus do evangelho e, no segundo caso, o impacto das
palavras das Santas Escrituras. O Espírito brilha em nossos corações para dar-nos a luz
do conhecimento da glória de Deus na face de Jesus Cristo (2Co 4.6), e também a luz
de sua glória no ensino das Santas Escrituras. O resultado desse testemunho é um
estado de mente no qual tanto o Salvador quanto as Escrituras tornam-se evidentes para
nós como divinos: Jesus, uma Pessoa divina; as Escrituras como Palavra divina, e isso
de um modo tão direto e imediato, como os gostos e as cores impressionam nossos
sentidos. A consequência disto é que nós não achamos mais possível duvidar da
divindade de Cristo ou da origem divina da Bíblia.

O próprio Deus autentica as Sagradas Escrituras como sua Palavra, indo além do
argumento humano (por mais forte que este seja), e do testemunho da Igreja (por mais
impressionante que seja). Deus faz isso, pelo contrário, por meio de abrir nosso coração
e iluminar a nossa mente para perceberem a luz perscrutadora e o poder transformador
mediante os quais as Escrituras comprovam ser divinas. Esse impacto é, em si mesmo,
o testemunho do Espírito "pela Palavra e com a Palavra em nossos corações".

90
Argumentos, testemunhos doutras pessoas, e nossas próprias experiências poderão
apoiar e esclarecer esse testemunho, mas transmmiti-lo, assim como transmitir a fé em
Cristo como o Salvador divino, é a prerrogativa exclusiva do soberano Espírito Santo.

JUSTIFICAÇÃO E MÉRITO (Gl 3.11) pág. orig. 1852

A doutrina da justificação — o núcleo tormentoso da Reforma — era, para Paulo, o


âmago do evangelho (Rm 1.17; 3.21—5.21), e dava forma à sua mensagem (At
13.38,39) e a sua devoção (2Co 5.13-21; Fp 3.4-14). Ainda que outros escritores do
Novo Testamento afirmem a mesma doutrina em substância, os termos em que
Protestantes a têm afirmado e defendido, por quase cinco séculos, são tirados
primeiramente de Paulo.

Justificação é o ato de Deus pelo qual ele perdoa pecadores e os aceita como justos por
causa de Cristo. Por esse ato, Deus endireita o anterior relacionamento alienado que os
pecadores tinham com ele. Esta sentença justificadora é a concessão por Deus do status
de aceitação de pecadores por causa de Jesus Cristo (2Co 5.21).

O Juízo justificador de Deus parece estranho, por pronunciar justificados os pecadores,


pois pode parecer uma espécie de ação injusta praticada por um juiz, ação esta que a
própria lei de Deus proibe (Dt 25.1; Pv 17.15). Contudo é um julgamento justo porque
sua base é a justiça de Jesus Cristo. Como o "último Adão" (1Co 15.45), agindo em
nosso favor, como nosso Cabeça representativo, Cristo cumpriu a lei que nos prendia e
suportou o castigo que merecíamos pela desobediência à lei e, assim, "mereceu" a nossa
justificação; por isso, nossa justificação tem base justa (Rm 3.25,26; 1Jo 1.9), com a
justiça de Cristo creditada em nosso favor (Rm 5.18,19).

A decisão justificadora de Deus é, na prática, do Último Dia, no tocante a onde


devemos estar na eternidade; esta decisão já é trazida para o presente, e é pronunciada
aqui e agora. É juízo sobre o nosso destino eterno, pois Deus nunca volta atrás, por
mais que Satanás possa apelar contra o veredito (Zc 3.1; Rm 8.33,44; Ap 12.10). Estar
justificado é estar eternamente seguro (Rm 5.1-5; 8.30).

O meio necessário para a justificação é a fé pessoal em Jesus Cristo, como Salvador

91
crucificado e como Senhor ressurreto (Rm 4.23-25; 10.8-13). A fé é necessária porque o
fundamento meritório de nossa justificação está totalmente em Cristo. À medida que
nos entregamos a Jesus com fé, ele nos concede seu dom da justiça, de modo que no
próprio ato de "fechar com Cristo" — como os mais antigos mestres Reformados
diziam — recebemos o perdão e a aceitação divinos, que não podemos encontrar em
nenhum outro lugar (Gl 2.15,16; 3.24).

A teologia histórica católica-romana inclui a santificação dentro da definição da


justificação, considerada mais como um processo do que como um único evento
decisivo, e afirma que embora a fé contribui para a nossa aceitação diante de Deus,
nossas obras de satisfação e mérito devem contribuir também. Os católicos vêem o
batismo como portador da graça santificante, que nos justifica primeiramente. Depois
do sacramento da penitência, segue-se o mérito suplementar a ser alcançado através das
obras, se a graça da aceitação inicial por Deus (no batismo) se perder por causa do
pecado mortal. Este mérito suplementar não obriga Deus a ser gracioso, embora seja o
contexto normal para recebê-lo. Segundo o conceito católico-romano, os fiéis efetuam
sua própria salvação, com a ajuda da graça que procede de Cristo, através do sistema
sacramental da igreja. Os Reformadores ressaltaram que este conceito da salvação
solapa o sentido de confiança que só a livre graça pode oferecer àqueles que não têm
méritos. Paulo já tinha mostrado que todos os homens, seja qual for o grau de sua
piedade, estão sem méritos e necessitam da livre justificação para serem salvos. Uma
justificação que precisa ser completada pelo beneficiado, não oferece repouso sólido.

ADOÇÃO (Gl 4.5) pág. orig. 1854

O dom da justificação, isto é, a presente aceitação por Deus, o Juiz do mundo, é


acompanhada pelo dom da adoção, isto é, o dom de o homem poder tornar-se filho do
Pai Celestial (Gl 3.36; 4.4-7). No mundo de Paulo, a adoção se fazia ordinariamente de
jovens adultos, homens, de bom caráter, que se tornavam herdeiros e mantinham o
nome da família de pessoas ricas que, de outro modo, não teriam filhos. Paulo, contudo,
proclama a adoção graciosa de Deus, que adota indivíduos de mau caráter, para se
tornarem "herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo" (Rm 8.17).

A justificação é a bênção básica sobre a qual se fundamenta a adoção; a adoção é a

92
bênção culminante para a qual a justificação abre caminho. O status de adotado
pertence a todos os que recebem Cristo (Jo 1.12). Em Cristo e através de Cristo, Deus
ama seus filhos adotivos, como ama seu Filho unigênito, e partilhará com eles a glória
que Cristo usufrui agora (Rm 8.17, 38, 39). Os crentes estão sob o cuidado e disciplina
paternais de Deus (Mt 6.26; Hb 12.5-11). Eles devem orar a Deus como seu próprio Pai
do céu (Mt 6.5-13), devem imitar suas virtudes (Mt 5.44-48; 6.12, 14, 15; 18.21-35; Ef
4.32—5.2), devem confiar em seu amor paternal (Mt 6.25-34), expressando desse modo
o amor filial que o Espírito Santo implantou em seus corações (Rm 8.15-17; Gl 4.6).

Adoção e regeneração constituem duas realidades que permanecem juntas, como dois
aspectos da salvação assegurada por Cristo (Jo 1.12,13), porém, são realidades que
devem ser distinguidas entre si. A adoção resulta numa nova relação, enquanto a
regeneração é uma mudança de nossa natureza moral. Contudo, a conexão entre elas é
clara. Deus quer que seus filhos, a quem ele ama, tenham o seu caráter e, para isso, ele
toma providências.

LIBERDADE CRISTÃ (Gl 5.1) pág. orig. 1856

A salvação em Cristo é libertação e a vida cristã é uma vida de liberdade — pois Cristo
nos libertou (Gl 5.1, cf. Jo 8.32-26). A ação libertadora de Cristo não é basicamente de
melhoramento social, político ou econômico, como hoje, às vezes, se sugere; é a
libertação do jugo da lei como meio de salvação; é libertação do poder do pecado e da
superstição.

Primeiramente, o cristão é libertado da lei como sistema de salvação. Sendo justificado


pela fé em Cristo, não está mais sob o jugo da lei de Deus, mas sob o império de sua
graça (Rm 3.19; 6.14,15; Gl 3.23-25). O seu status diante de Deus (a "paz" e o "acesso"
de Rm 5.1,2) é assegurado porque eles foram aceitos e adotados em Cristo. Não
dependem e jamais dependerão daquilo que fazem, e nem jamais estarão em perigo por
aquilo que deixarem de fazer. Eles vivem não porque são perfeitos, mas porque são
perdoados.

Embora sejam caídos, os seres humanos pensam poder ganhar o direito de se relacionar
com Deus, mediante disciplinas de obediência, de rituais e ascetismo. Sem a justiça de

93
Deus, "eles procuram estabelecer a justiça própria" — como Paulo descreve a ação dos
judeus (Rm 10.3). Paulo sabia que esse é um empreendimento sem esperança. Nenhum
desempenho humano jamais será bom o suficiente, pois há sempre desejos errados no
coração, não importando quão corretas sejam as ações exteriores (Rm 7.7-11, cf. Fp
3.6). Deus olha primeiro para o coração.

Longe de abrir o caminho para a vida, a obra da lei é despertar, desmascarar e condenar
o pecado que permeia nossa vida moral, fazendo-nos cientes de sua realidade e
conseqüências (Rm 3.19; 1Co 15.56; Gl 3.10). A futilidade que existe em considerar a
lei como um sistema de salvação — e em procurar justiça por meio dela, torna-se
plenamente evidente (Gl 3.10-12; 4.21-31). Esta futilidade é escravidão à lei, da qual
Cristo nos liberta.

Em segundo lugar, os cristãos foram libertados do domínio do pecado (Jo 8.34-36; Rm


6.14-23). Foram sobrenaturalmente regenerados e vivificados para Deus, através de sua
união com Cristo na sua morte e na sua vida ressurreta (Rm 6.3-11). O desejo de seus
corações agora é servir a Deus em justiça (Rm 6, 18, 22). O domínio do pecado envolve
não só constantes atos de desobediência, mas também constante menosprezo da lei
moral de Deus, criando, às vezes, ressentimento ou, mesmo, ódio para com a lei. Agora,
contudo, tendo transformado o coração, sendo motivados pelo sentimento de gratidão
pelo dom da graça, e energizados pelo Espírito Santo, os cristãos "servem em novidade
de espírito, e não na caducidade da letra" (Rm 7.6).

Em terceiro lugar, os cristãos foram libertados da superstição, inclusive da idéia de que


a matéria e o prazer físico são intrinsecamente maus. Contra esta idéia, Paulo insiste em
que os cristãos são livres para desfrutar de todas as boas coisas como dádivas de Deus
(1Tm 4.1-5), na condição de não transgredirmos a lei moral, nem atrapalharmos o
nosso bem-estar espiritual ou o dos outros (1Co 6.12,13; 8.7-13).

A IGREJA (Ef 2.19) pág. orig. 1864

A igreja existe em Cristo e através de Cristo e, por isso, ela é uma realidade distintiva
do Novo Testamento. Ao mesmo tempo, a Igreja é uma continuidade de Israel, a
semente de Abraão e o povo da Aliança de Deus. A nova Aliança sob a qual a Igreja

94
vive (1 Co 11.25; Hb 8.7-13) é uma nova forma da relação, na qual Deus diz à sua
comunidade escolhida: "Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo" (Jr 7.23;
31.33; cf. Êx 6.7).

Segundo a nova Aliança, os sacerdotes, sacrifícios e santuário foram substituídos pela


mediação de Jesus (Hb 1—10). Os crentes em Cristo são a semente de Abraão e o povo
de Deus (Gl 3.29; 1Pe 2.4-10). Em segundo lugar, a limitação da Antiga Aliança a uma
só nação (Dt 7.6; Sl 147.19,20) é substituída pela inclusão, em Cristo, em igualdade de
condições, de crentes de todas as nações (Ef 2; 3; Ap 5.9-10). Em terceiro lugar, o
Espírito é derramado sobre a igreja, de modo que a comunhão com Cristo (1Jo 1.3), o
ministério de Cristo (Jo 14.18; Ef 2.17) e o antegozo dos céus (2Co 1.22; Ef 1.14) se
tornam realidades na experiência da Igreja.

A descrença de muitos judeus (Rm 9—11) e a maioria de gentios existentes na Igreja, é


retratada por Paulo como a poda feita por Deus dos ramos naturais de sua oliveira (a
comunidade histórica da Aliança), e a substituição deles, por rebentos novos da oliveira
brava (Rm 11.17-24). A nova Aliança não exclui os judeus e Paulo ensina que a rejeição
geral da nova Aliança por parte deles um dia será revertida (Rm 11.15, 23-31).

O Novo Testamento ensina que a Igreja é o cumprimento por Jesus Cristo das
esperanças e disposições do Antigo Testamento. A Igreja é a família e o rebanho de
Deus (Jo 10.16; Ef 2.18; 3.15; 4.6; 1Pe 5.2-4), é o seu Israel (Gl 6.16), o corpo e a
noiva de Cristo (Ef 1.22,23; 5.23-32; Ap 19.7; 21.2, 9-27), e o templo do Espírito Santo
(1Co 3.16, cf. Ef 2.19-22).

A Igreja é uma única comunidade que presta culto a Deus, permanentemente reunida no
verdadeiro santuário, a Jerusalém celestial (Gl 4.26; Hb 12.22-24) e o lugar da presença
de Deus. A Igreja é uma só, ainda que a comunidade que presta culto seja constituída da
igrejas militante — as pessoas que ainda estão na terra — e da igreja triunfante,
constituída daquelas que já morreram e estão na glória. Sobre a terra a Igreja aparece
em suas congregações locais, cada uma sendo um microcosmo da Igreja como um todo.
Segundo Paulo, a única Igreja universal é o corpo de Cristo (1Co 12.12-26; Ef 1.22,23;
3.6; 4.4), mas também o é cada congregação local (1Co 12.27, "A Igreja Local" em Ap
2.1).

95
A igreja sobre a terra é uma em Cristo, a despeito do grande número de denominações e
congregações locais (Ef 4. 3-6). A Igreja é santa porque é consagrada a Deus
comunitariamente, como o é cada cristão individualmente (Ef 2.21). Ele é católica (o
que significa universal), porque existe no mundo inteiro. Finalmente, ela é apostólica
porque está fundada no ensino apostólico (Ef 2.20). Todas essas quatro qualidades
podem ser vistas em Ef 2.19-22.

Há uma distinção que deve ser observada entre a Igreja conforme as pessoas a vêem e a
Igreja conforme só Deus a vê. Essa diferença é a distinção histórica entre a Igreja
visível e a Igreja invisível. "Invisível" não significa que nenhuma parte dela possa ser
vista, porém, significa que seu exato limite não é conhecido por nós, uma vez que só
Deus sabe (2Tm 2.19) quais membros das congregações terrenas são de fato renascidos
e, por isso, pertencem à Igreja como uma comunhão espiritual e eterna. Jesus ensinou
que, na Igreja organizada, sempre haveria pessoas aparentemente cristãs — não
excluindo líderes — que, não obstante, não são renascidas em seus corações e serão
desmascaradas e rejeitadas no juízo (Mt 7.15-23; 13.24-30, 36-43, 47-50; 25.1-46). Não
há duas Igrejas, uma visível e outra escondida nos céus, porém uma só Igreja conhecida
perfeitamente por Deus e conhecida imperfeitamente na terra.

O Novo Testamento toma por certo que todos os cristãos participarão da vida de uma
congregação local, prestando culto no corpo, aceitando sua nutrição e disciplina (Mt
18.15-20; Gl 6.1), e participando do seu ministério e testemunho. Os cristãos que se
recusam a unir-se com outros crentes desobedecem a Deus e se empobrecem
espiritualmente (Hb 10.25).

DONS E MINISTÉRIOS (Ef 4.7) pág. orig. 1867

O Novo Testamento retrata dois tipos genéricos de ministérios dentro das igrejas locais.
Ao passo que todos os cristãos desempenham papéis de ministério informal, alguns
mantêm cargos ministeriais formais e oficiais. Paulo chamava estes ministros oficiais
de "bispos" e "diáconos" (Fp 1.1), e às vezes referiu-se a "bispos" (literalmente
"supervisores") como "anciãos" (Tt 1.5, 7 e notas). Os "bispos" ou "anciãos"
desempenhavam a responsabilidade primária de governar e ensinar a igreja (1Tm 5.17,

96
nota), e os "diáconos" eram aparentemente encarregados do ministério de suprir as
necessidades materiais dos crentes (At 6.1-6; 1Tm 3.8, nota; cf. Tg 1.15,16).

Fica claro, porém, que esses oficiais que supervisionam as igrejas locais, não devem
restringir os ministérios informais, mas, pelo contrário, devem facilitá-los (Ef 4.11-13).
Pela proposição inversa, os que ministram informalmente não devem ser rebeldes ou
desagregadores, mas devem permitir que os anciãos dirijam seus ministérios de modos
ordeiros e edificantes (isto é, fortalecedores e construtivos, 1Co 14.3-5, 12, 26, 40; Hb
13.17). O corpo de Cristo (a Igreja) cresce para a maturidade da fé e do amor "com a
justa cooperação de cada parte" (Ef 4.16), e realiza sua forma particular de serviço,
como é concedido pela graça de Deus (Ef 4.7-12).

A palavra "dom" (literalmente "dádiva" ou "doação") aparece em conexão com o


serviço espiritual só em Ef 4.7-8. Paulo explica a frase "Ele deu dons aos homens" (Ef
4.8, nota), no sentido de o Cristo ascendido aos céus dando à sua Igreja pessoas
chamadas e equipadas para o ministério de apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e
mestres (Ef 4.11, nota). Também através da habilitação do ministério dessas pessoas,
Cristo exerce o papel de ministro sobre todos os cristãos. Em outro lugar (Rm 12.4-8;
1Co 12—14) Paulo chama as habilidades divinamente concedidas para servir de
carismata (manifestações específicas de charis, "graça", 1Co 12.4), e de pneumatika
(demonstrações específicas do ministério do Espírito Santo, que é o pneuma de Deus,
1Co 12.1).

Em meio às muitas questões debatidas a respeito dos dons espirituais, no Novo


Testamento, três certezas podem ser afirmadas: Um dom espiritual é uma habilidade
para expressar, celebrar, demonstrar e, portanto, comunicar Cristo de um modo que
edifica e fortalece a fé de outros cristãos e faz a Igreja crescer. Em segundo lugar, os
dons espirituais podem ser amplamente classificados entre habilidades para falar, ou
para prestar ajuda prática com amor. Em Rm 12.6-8, a lista de dons feita por Paulo
alterna-se entre as categorias de profecia, ensino e exortação, que são dons da língua;
serviço, doação, direção e demonstração de misericórdia, que são dons de auxílio. Por
mais que as formas dessas atividades humanas possam ser diferentes, todas elas são de
igual dignidade, quando alguém usa o dom que tem (1Pe 4.10,11). Em terceiro lugar,
não há cristão que não tenha algum dom de ministério (1Co 12.7; Ef 4.7). É de cada

97
crente a responsabilidade de descobrir, desenvolver e usar plenamente quaisquer que
sejam as capacidades para o serviço, que Deus lhe deu.

A FAMÍLIA CRISTÃ (Ef 5.22) pág. orig. 1870

A família é a mais antiga e a mais básica das instituições humanas. Tanto na cultura
israelita do Antigo Testamento como na cultura helênica do Novo Testamento, a
estrutura da família consiste em pais e filhos, parentes de várias gerações, servos e,
mesmo, amigos, dependendo dos recursos econômicos do chefe da família. A Bíblia
acentua sua importância como uma unidade espiritual e base do treinamento para o
caráter adulto maduro.

A Bíblia descreve uma clara estrutura da autoridade dentro da família, pela qual o
marido conduz a esposa e os pais conduzem os filhos. Porém, como toda liderança deve
ser exercida como uma forma de ministério, mais do que como uma tirania, esses
papéis de liderança doméstica devem ser cumpridos em amor (Ef 5.22—6.4; Cl 3.18-
21; 1Pe 3.1-7). O quarto mandamento exige que o chefe de família conduza toda sua
família na observância do Sábado; o quinto mandamento exige que os filhos respeitem
os pais e se submetam a eles (Êx 20.8-12; Ef 6.1-3). Jesus mesmo deu exemplo disso
quando criança (Lc 2.51). Mais tarde, Ele se opôs ferozmente a supostos gestos de
piedade que, na realidade, eram formas de evitar a responsabilidade para com os pais
(Mc 7.6-13), e seu próprio último ato, antes de morrer, consistiu em tomar providência
quanto ao futuro de sua mãe (Jo 19.25-27).

A família deve ser uma comunidade de ensino e aprendizado a respeito de Deus e da


piedade. As crianças devem ser instruídas (Gn 18.18,19; Dt 4.9; 6.6-8; 11.18-21; Pv
22.6; Ef 6.4) e encorajadas a usarem essas instruções como base para sua vida (Pv 1.8;
6.20). A disciplina deve ser usada como meio de conduzir as crianças para além de suas
tolices pueris, à sabedoria do domínio próprio (Pv 13.24; 19.18; 22.15; 23.13,14;
29.15,17). Assim como na família de Deus a intenção é disciplinar com amor (Pv
3.11,12; Hb 12.5-11), assim deve ser também na família humana.

A família foi instituída para funcionar como uma unidade espiritual. A Páscoa, no
Antigo Testamento, era uma observância da família (Êx 12.3). Josué estabeleceu um

98
exemplo quando disse: "Eu e minha casa serviremos ao Senhor" (Js 24.15). As famílias
se tornaram as unidades de dedicação cristão nos tempos do Novo Testamento (At
11.14; 16.15, 31-33; 1Co 1.16). A aptidão dos candidatos a oficiais, na igreja, era
avaliada pelo seu modo de governar bem a própria família (1Tm 3.4, 5, 12; Tt 1.6).

Desenvolver uma vida familiar forte é sempre uma prioridade no serviço de Deus.

MORTE E ESTADO INTERMEDIÁRIO (Fp 1.23) pág. orig. 1876

Não sabemos como os seres humanos deixariam este mundo, se não tivesse havido a
Queda. Alguns duvidam que isso aconteceria. Porém, depois da Queda, o fruto do
pecado e o juízo de Deus sobre ele trazem a separação do corpo e da alma, pela morte
do corpo (Gn 2.17; 3.19, 22; Rm 5.12; 8.10; 1Co 15.21), tornando a morte uma certeza
para todos. Esta separação entre a alma e o corpo é a conseqüência da separação
espiritual de Deus que, primeiro, trouxe a morte física (Gn 2.17; 5.5), e esta separação
será agravada depois da morte para aqueles que deixam este mundo sem Cristo. Em si
mesma, a morte é um inimigo (1Co 15.26) e um terror (Hb 2.15).

Para os cristãos, o terror final da morte física é abolido. O próprio Jesus, o Salvador
ressurreto, passou por uma morte terrível e suportou a ira de Deus. Tirou de nós a ira de
Deus e vive para ajudar-nos quando deixarmos este mundo e formos para o lugar que
ele nos preparou (Jo 14.2-3). Os cristãos sabem que sua própria morte futura é um
encontro marcado com seu Salvador, que ele cumprirá fielmente. Paulo pôde dizer:
"Para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro". Ele deseja "partir e estar com Cristo, o
que é muito melhor" (Fp 1.21-23), sabendo que "o estar ausente no corpo "é" estar
presente com o Senhor" (2Co 5.8).

Na morte, a alma dos crentes é aperfeiçoada em santidade e entra para a vida de


adoração nos céus (Hb 12.22-24). Resumindo: eles são glorificados. Alguns não
aceitam isto, mas ao contrário ensinam que há uma disciplina purgatorial depois da
morte, que conta como um posterior estágio de santificação. Neste purgatório, a alma é
preparada por um período de tempo para ser purificada, a fim de poder ver a Deus. Essa
doutrina não tem base bíblica. Os santos que vivem sobre a terra, na vinda de Cristo,
serão aperfeiçoados moralmente para estar com ele, no momento em que seu corpo for

99
transformado (1Co 15.51-54), e parece que Paulo e o ladrão da cruz esperavam a
mesma admissão à presença de Deus. Outros dizem que os crentes (quando morrem)
passam para o sono da alma, e ficam inconscientes entre a morte e a ressurreição. A
Bíblia, contudo, apresenta os falecidos como conscientes (Lc 16.22; 23.43; Fp 1.23;
2Co 5.8; Ap 6.9-11; 14.13).

Em si mesmo, estar sem o corpo é uma desvantagem, pois nós vivemos através do
nosso corpo e estar sem o corpo é uma situação de limitação e empobrecimento. Paulo
deseja "ser revestido" com o corpo da ressurreição e não deseja, de modo algum, estar
"despido" (2Co 5.4). A ressurreição do corpo é uma esperança distintiva do cristão,
confessada por todos os ramos da Igreja na face da terra.

A morte é decisiva para o destino. A Bíblia não ensina que, após a morte, haja outra
possibilidade de salvação para o perdido (Lc 16.26; Hb 9.27). Depois da morte, tanto os
piedosos como os ímpios colherão o que tiverem semeado neste mundo (Gl 6.7,8).

CRISTÃOS NO MUNDO (Cl 2.20) pág. orig. 1889

A palavra "mundo", no Novo Testamento, às vezes é usada no sentido


veterotestamentário para significar esta terra, a boa ordem natural que Deus criou.
Usualmente, contudo, ela designa a humanidade como um todo — agora caída em
pecado e em desordem moral — radicalmente oposta a Deus. Os habitantes do mundo
incorrem em culpa e vergonha pelo mau uso que fazem das coisas criadas. Paulo pode
mesmo falar da criação em si como gemendo pelo livramento do mal provocado pela
Queda de Adão e Eva (Rm 8.20-23).

Os cristãos são enviados por seu Senhor (Jo 17.18) à humanidade caída para dar
testemunho perante ela a respeito do Cristo de Deus e de seu reino (Mt 24.14, cf. Rm
10.18 e Cl 1.6, 23) e para servir em suas necessidades. Mas eles devem agir assim, sem
cair vítima do materialismo do mundo (Mt 6.19-24, 32) e da sua falta de interesse por
Deus e pela eternidade (Lc 12.13-21), e sem imitar o mundo na busca de prazer e de
status acima de tudo o mais (1Jo 2.15-17). A perspectiva e a atitude mental das
sociedades humanas refletem mais o orgulho visto em Satanás que, por agora, continua
a influenciá-las (Jo 14.30; 2Co 4.4; 1Jo 5.19, cf. Lc 4.5-7), do que a humildade vista em

100
Cristo. Os cristãos, como o próprio Cristo, devem sentir empatia pelas ansiedades e
necessidades dos homens, de maneira a servi-los e comunicar-lhes efetivamente o amor
que Deus tem por eles.

Os cristãos devem considerar-se peregrinos neste mundo decaído, através do qual estão
passando momentaneamente, enquanto viajam para o lar com Deus (1Pe 2.11). A Bíblia
não sanciona nem o recolhimento monástico (que separa do mundo — Jo 17.15), nem o
mundanismo (Tt 2.12). Jesus encoraja seus discípulos a imitar a engenhosidade dos
não-redimidos, que usam seus recursos para promover seus próprios fins, mas
especifica que os objetivos próprios dos discípulos têm de ser alcançados, não mediante
a segurança terrena, porém com vistas à glória celestial (Lc 16.9). Os cristãos devem
ser diferentes dos que estão ao seu redor, observando os absolutos valores morais de
Deus, praticando o amor, e não perdendo a sua dignidade de portadores da imagem de
Deus (Rm 12.2; Ef 4.17-24; Cl 3.5-11). A separação dos valores da humanidade caída e
de seu estilo de vida é um pré-requisito para viver a vida semelhante à de Cristo, em
termos positivos (Ef 4.—5.17).

Portanto, a tarefa atribuída aos cristãos é tríplice. O principal mandato da Igreja é


evangelizar (Mt 28.19-20; Lc 24.46-48) e cada cristão deve procurar promover a
conversão de descrentes, não menos pelo exemplo da sua própria vida transformada
(1Pe 2.12). Também o amor ao próximo deve levar os cristãos a praticar obras de
misericórdia em favor de todas as pessoas, tanto de crentes como de descrentes.
Finalmente, os cristãos são chamados para cumprir seu "mandato cultural", que Deus
deu à humanidade na criação (Gn 1.28-30; Sl 8.6-8). A humanidade foi criada para
administrar o mundo de Deus, e esta mordomia é parte da vocação humana em Cristo,
para a honra de Deus e o bem dos outros, como seu objetivo. A "ética do trabalho"
protestante é, essencialmente, uma disciplina religiosa para o cumprimento da chamada
divina para administrar a criação de Deus.

Sabendo que Deus, com providencial benevolência e paciência, em face do pecado


humano, continua a preservar e a enriquecer seu mundo desviado (At 14.16,17), os
cristãos devem envolver-se em todas as formas de atividades humanas lícitas. Agindo
de acordo com os valores cristãos, eles se tornarão sal (um agente profilático) e luz
(uma iluminação que mostra o caminho) na comunidade humana (Mt 5.13-16). Quando

101
os cristãos cumprirem sua vocação dessa maneira, eles transformarão as culturas ao seu
redor.

A MÚSICA NA IGREJA (Cl 3.16) pág. orig. 1891

Alguns ramos da fé Reformada, impacientes por proteger a Igreja contra acréscimos da


tradição humana, impressionados pela continuidade entre Israel e a Igreja — e notando
que os termos "salmos", "hinos" e "cânticos" — são usados no livro dos Salmos, crêem
que Paulo previu só o cântico dos Salmos do Antigo Testamento no culto público. Essa
restrição, contudo, compreende mal o ensinamento de Paulo. Ele reúne os termos para
realçar a ampla gama de expressão musical, que o louvor agradecido e profundamente
sincero suscita do corpo de Cristo.

A palavra "salmos" se refere, no mínimo, ao uso do saltério do Antigo Testamento (Lc


20.42; 24.44; At 1.20; 13.33), mas pode também referir-se a novas composições para o
culto (1Co 14.26). A palavra "espiritual" (pneumatikos, no Grego) qualifica o
potencialmente secular termo "cântico", como sendo ensinado ou dirigido pelo Espírito
Santo (cf. 1Co 2.6; 15.44,45, notas).

A obra redentiva de Cristo provocou uma efusão de hinos de louvor por parte de seu
povo, freqüentemente moldados segundo os cânticos do Antigo Testamento (e.g., Lc
1.46-53, 67-79; 2.14, 29-32). Paulo pessoalmente usou a música na sua adoração culto
(At 16.25) e tem sido, desde há muito, observado que suas cartas contêm porções de
hinos cristãos primitivos (Ef 5.14; Fp 2.6-11; Cl 1.15-20; 1Tm 3.16 e notas). Cânticos
de louvor do cristianismo primitivo também parecem subjazer Jo 1.1-14; Hb 1.3; 1Pe
1.18-21; 2.21-25; 3.18-22. Os "novos cânticos" do Apocalipse são, em si mesmos, um
estudo da qualidade vibrante do louvor cristão primitivo (Ap 4.8,11; 5.9,10,12,13;
7.10,12; 11.15,17,18; 12.10-12; 15.3,4; 19.1-8; 21.3,4).

AGRADANDO A DEUS (I Ts 2.4) pág. orig. 1895

É uma verdade familiar que o propósito de todo cristão deve ser, acima de tudo, o de
glorificar a Deus. Tudo o que dizemos ou fazemos, nossos relacionamentos, o uso que
fazemos dos dons e oportunidades que Deus nos dá e, mesmo, a maneira como

102
suportamos situações adversas e hostilidades humanas, tudo deve ser levado a efeito de
modo a glorificar e a louvar a Deus, pela sua sabedoria e bondade (1Co 10.31; cf. Mt
5.16; Ef 3.10; Cl 3.17).

Igualmente importante é a verdade que todo cristão tem uma vocação pessoal para
agradar a Deus. Jesus não viveu para agradar a si mesmo, nem nós para agradarmos a
nós mesmos (Jo 8.29; Rm 15.1-3). A fé (Hb 11.5,6), o louvor (Sl 69.30,31), a
generosidade (Fp 4.18; Hb 13.16), a obediência à autoridade divinamente constituída
(Cl 3.20), e a dedicação no serviço cristão (2Tm 2.4), todos esses são meios de agradar
a nosso Criador. Deus nos capacita a viver de acordo com a Bíblia e tem prazer em nós,
quando o servimos. Em sua graça soberana, ele concede aquilo que exige e se deleita
no resultado (Hb 13.21; cf. Fp 2.12,13).

Agradamos a Deus através do nosso relacionamento com ele. Abraão foi chamado
amigo de Deus (2Cr 20.7; Is 41.8; Tg 2.23) e Cristo chamou seus discípulos de seus
amigos (Lc 12.4; Jo 15.14). Sob inspiração divina, Paulo compara a Igreja à Noiva de
Cristo (Ef 5.32, cf. Ap 21.2). Como amigos e membros da família, Deus e seu povo têm
prazer um no outro.

Nós também agradamos a Deus imitando seus feitos. Seu amor em nós é vivo e ativo,
compelindo seu povo a usar seus talentos e energias em toda espécie de atividades.
Porém, os cristãos são especialmente chamados para obras de misericórdia, porque
Deus é misericordioso (Dt 10.17-19; Lc 6.35-36).

A SEGUNDA VINDA DE JESUS (1Ts 4.16) pág. orig. 1898

O Novo Testamento anuncia, repetidamente, que Jesus Cristo um dia voltará. Sua
segunda "vinda" ou "presença" (parousia, no Grego) será a visita de um rei. O retorno
de Cristo será pessoal e físico (Mt 24.44; At 1.11; Cl 3.4; 2Tm 4.8; Hb 9.28), visível e
triunfante (Mc 8.38; 2Ts 1.10; Ap 1.7).

Na Segunda Vinda Jesus porá fim à História, ressuscitará os mortos e julgará o mundo
(Jo 5.28,29), e conferirá aos filhos de Deus sua glória final (Rm 8.17,18; Cl 3.4). Paulo
diz que, então, Cristo "entregará o reino a Deus Pai" e se sujeitará ao Pai (1Co 15.24-

103
28, nota). Ao declarar isto, Paulo não quer dizer que Cristo terá sua honra reduzida, mas
que ele terá completado o plano que lhe foi atribuído, que é o de redimir os eleitos. No
céu, os eleitos honrarão o Cordeiro que abriu o livro da salvação de Deus (Ap 5).

Segundo 1Ts 4.16,17, a vinda de Cristo será uma descida do céu, proclamada por uma
trombeta, um brado e a voz do Arcanjo. Os que tiveram morrido em Cristo serão
ressuscitados e os cristãos vivos, sobre a terra, serão elevados para se encontrar com
Cristo. Este evento marcará o fim da vida neste mundo, como a temos conhecido, e o
começo da vida de comunhão ininterrupta com Deus. A idéia de que os cristãos serão
levados deste mundo por um período após o qual Cristo aparecerá ainda uma terceira
vez para a "Segunda Vinda", tem sido amplamente defendida, mas falta-lhe fundamento
bíblico.

O Novo Testamento especifica muito daquilo que terá lugar entre as duas vindas de
Cristo. Contudo, além da queda de Jerusalém no ano 70 d.C., Lc 21.20, 24, estas
predições tratam mais de processos contínuos do que de eventos individuais, e não
oferecem nem mesmo uma data aproximada para a Segunda Vinda de Jesus. O mundo
gentílico será convidado à fé (Mt 24.14) e os judeus serão trazidos ao reino (Rm 11.25-
29, uma passagem que pode prever ou não uma conversão nacional). Haverá falsos
profetas e falsos cristos (Mt 24.5, 24; 1Jo 2.18, 22; 4.3). Haverá apostasia da fé e
tribulação para os fiéis (2Ts 2.3; 1Tm 4.1; 2Tm 3.1-5; Ap 7.13,14, cf. 3.10). O "homem
do pecado" deve aparecer (2Ts 2.3-12). Nenhuma data pode ser deduzida destas
predições; a ocasião da Segunda Vinda de Jesus permanece completamente
desconhecida (Mt 24.36).

Cristo ensina que será um trágico desastre não estar pronto quando ele voltar (Mt
24.36-51). A lembrança da sua Segunda Vinda deve estar sempre em nossas mentes,
encorajando-nos no nosso presente serviço cristão (1Co 15.58) e ensinando-nos a viver
prontos para nos encontrarmos com Cristo a qualquer momento (Mt 25.1-13).

VOCAÇÃO EFICAZ E CONVERSÃO (2Ts 2.14) pág. orig. 1904

"Vocação Eficaz" é o título de capítulo 10 da Confissão de Fé de Westminster. Esse


capítulo começa, dizendo:

104
"Todos aqueles a quem Deus predestinou para a vida, e só esses, é ele servido chamar
eficazmente pela sua Palavra e pelo seu Espírito, no tempo por ele determinado e
aceito, tirando-os daquele estado de pecado e morte em que estão por natureza, e
conduzindo-os para a graça e salvação em Jesus Cristo. Isto ele faz, iluminando os seus
entendimentos, espiritual e salvificamente, a fim de compreenderem as coisas de Deus,
tirando-lhes os seus corações de pedra e dando-lhes corações de carne, renovando as
suas vontades e determinando-as, pela sua onipotência, para aquilo que é bom, e
atraindo-os eficazmente a Jesus Cristo, mas de maneira que eles vêm mui livremente,
sendo para isso dispostos pela sua graça".

O que está descrito acima é o processo da conversão cristã, que envolve iluminação,
regeneração e transformação da vontade. É obra soberana de Deus, que age
"eficazmente", isto é, "eficientemente", obra que é executada pelo poder do Espírito
Santo.

A doutrina corresponde ao emprego que Paulo faz da palavra "vocação" no sentido de


"trazer à fé", e da palavra "chamado", que significa "convertido" (Rm 1.6; 8.28, 30;
9.24; 1Co 1.9, 24, 26; 7.18, 21; Gl 1.15; Ef 4.1, 4; 2Ts 2.14). Esta vocação ou chamada
é diferente do convite geral, como é descrito na parábola das Bodas, contada e
explicada por Jesus (Mt 22.14). O convite geral, externo, pode deixar de ser atendido,
mas a chamada ou vocação eficaz é um ato específico de Deus, que resulta em
regeneração, e não pode ser recusado (Jo 10.3-4).

O pecado original significa que todos os seres humanos estão "mortos" por natureza, ou
insensíveis a Deus. Através da vocação eficaz, Deus dá vida ao morto. A vocação
externa de Deus à fé em Cristo é comunicada, em toda parte, através da leitura,
pregação e explicação do evangelho. Na vocação interior eficaz, o Espírito Santo
ilumina a mente e renova o coração daqueles que Deus escolheu de modo que o
evangelho é aceito como verdade de Deus e, Deus, em Cristo, torna-se o objeto de amor
e afeição. Uma vez regenerado — e tendo a vontade libertada para escolher a Deus e ao
bem — o pecador passa a rejeitar o seu padrão de vida anterior e, recebe a Jesus Cristo
como Senhor e Salvador e começa uma nova vida com ele.

105
CRISTO, O MEDIADOR (1Tm 2.5) pág. orig. 1910

O ministério salvífico de Jesus Cristo se resume na afirmação de que ele é "o Mediador
entre Deus e os homens" (1Tm 2.5). Mediador é aquele que aproxima partes que estão
sem comunicação e que podem estar alienadas, separadas ou em guerra uma com a
outra. O Mediador deve tratar com ambos os lados, identificando-se com ambos e
defendendo os interesses dos dois, e representando cada uma das partes com base na
boa vontade. Foi assim que Moisés foi mediador entre Deus e Israel (Gl 3.19), falando
a Israel da parte de Deus, quando Deus outorgou a lei (Êx 20.18-21) e falando a Deus
da parte de Israel, quando Israel pecou (Êx 32.9—33.17).

Todos os membros de nossa raça rebelde e decaída estão, por natureza, em "inimizade
contra Deus" (Rm 8.7), estando por isso sujeitos à ira de Deus, à rejeição punitiva pela
qual, como Juiz, ele expressa ira ativa contra os nossos pecados (Rm 1.18; 2.5-9; 3.5,6).
A reconciliação das partes alienadas é necessária, porém, ela só pode ocorrer se a
indignação de Deus for aplacada e o coração humano — que se opõe a Deus e instiga a
vida contra Deus — for mudado. Por misericórdia, Deus enviou seu Filho ao mundo
para propiciar a necessária reconciliação. Não foi o Filho bondoso que agiu para
aplacar o Pai severo, mas a iniciativa foi do próprio Pai. Nas palavras de Agostinho, "de
um modo maravilhoso e divino, mesmo quando nos odiava, nos amou" (Comentário
em João 110.6: cf. Jo 3.16; Rm 5.5-8; 1Jo 4.8-10). Em todo o seu ministério mediador,
o Filho estava fazendo a vontade do seu Pai (ver "Humilde Obediência de Cristo", em
João, 5.19).

Objetivamente e de uma vez por todas Cristo completou a reconciliação de seu povo
através de uma substituição penal. Na cruz, ele tomou o nosso lugar, identificou-se
conosco, suportou a maldição que pesava sobre nós (Gl 3.13) e pelo derramamento
sacrifical de seu sangue fez a paz por nós (Ef 2.16-18; Cl 1.20). Paz aqui significa o
fim da hostilidade, da culpa, da exposição à retribuição punitiva que, de outro modo,
seria inevitável. Em outras palavras, o perdão para o passado inteiro e a aceitação
pessoal e eterna para o futuro. Os que receberam a reconciliação pela fé em Cristo estão
justificados e gozam de paz com Deus (Rm 5.1, 10). A presente obra do Mediador, que
ele continua realizando, por meio de mensageiros humanos, é persuadir aqueles por
quem ele realizou realmente a reconciliação, a fim de que a recebam (Jo 12.32; Rm

106
15.18; 2Co 5.18-21; Ef 2.17).

Jesus é "o Mediador da nova aliança" (Hb 9.15; 12.24), o iniciador de um novo
relacionamento de consciente paz com Deus, indo além daquilo que era conhecido
segundo as disposições do Antigo Testamento, para tratar com a culpa do pecado (Hb
9.11—10.18).

Uma das grandes contribuições de Calvino para a compreensão cristã, foi sua
observação de que os escritores do Novo Testamento expusarem o ministério mediador
de Jesus em termos de três "ofícios" (papéis definidos): de profeta, sacerdote e rei.
Estes três aspectos da obra de Cristo são encontrados juntos na carta aos Hebreus, onde
Jesus é tanto rei messiânico, exaltando em seu trono (1.3, 13; 4.16; 2.9), bem como o
grande Sumo Sacerdote (2.17; 4.14—5.10; caps. 7—10), que se ofereceu a si mesmo
como sacrifício por nossos pecados. Além disso, Cristo é o mensageiro ("Apóstolo",
3.1), que pregou a mensagem concernente a si mesmo (2.3). Em At 3.22, Jesus é
chamado de "Profeta" pela mesma razão que Hebreus o chama de "Apóstolo", ou seja,
porque ele instruiu o povo, declarando a eles a Palavra de Deus.

Enquanto no Antigo Testamento os papéis mediadores de profeta, sacerdote e rei eram


cumpridos por indivíduos separados, todos esses três ofícios, agora, se fundem na
pessoa única de Jesus. É sua glória, dada a ele pelo Pai, ser, deste modo, o todo-
suficiente Salvador. Nós, os que cremos, somos chamados a entender isto e a
demonstrar que somos seu povo, obedecendo-o como nosso Rei, confiando nele como
nosso Sacerdote e aprendendo dele como nosso Profeta e Mestre. Centralizar em Jesus
Cristo desse modo é a marca inequívoca do Cristianismo autêntico.

A AUTORIDADE DAS ESCRITURAS (2Tm 3.16) pág. orig. 1922

O princípio cristão da autoridade bíblica significa que Deus é o autor da Bíblia, e deu-a
para dirigir a crença e o comportamento do seu povo. Nossas idéias a respeito de Deus
e a nossa conduta devem ser medidas, testadas e, onde necessário, corrigidas e
ampliadas de acordo com a Bíblia, como padrão de referência. Autoridade é também o
direito de ordenar. A Palavra escrita por Deus, em sua verdade e sabedoria, é o meio
que Deus escolheu para exercer o seu governo sobre nós, e as Escrituras são o

107
instrumento do Senhorio de Cristo sobre a igreja. A obra das Escrituras na Igreja, é
ilustrada pelas sete cartas do Apocalipse (Ap 2.3).

O ponto de vista católico romano a respeito da Bíblia tem comprometido sua autoridade
única, combinando com a tradição da Igreja. Os católicos romanos aceitam a Bíblia
como verdade dada por Deus, mas insistem em dizer que a Bíblia é incompleta sem a
interpretação oficial da Igreja, conforme esta é dirigida pelo Espírito. No passado, a
autoridade que a Igreja se arrogava sobre a Bíblia, levou-a a desencorajar ou a proibir
que os cristãos comuns lessem as Escrituras. Nos tempos presentes, a Igreja Católica
Romana encoraja todos os cristãos a ler a Bíblia.

Muitos protestantes consideram a Bíblia como tendo sua autoridade no conteúdo


subjetivo ou na experiência ou intuições de seus autores humanos. A pressuposição
central (neste caso) é a de que a Bíblia permanece fundamentalmente um livro humano
e não uma revelação divina. A Bíblia é um guia para suas experiências religiosas, mas
não é claramente distinta de outras fontes, tais como de movimentos políticos e forças
sociais. Muito frequentemente, a Bíblia é substituída por vozes que se opõem a ela.

O Protestantismo Histórico aceita as Escrituras como a única revelação escrita de Deus.


Elas são inspiradas ou "sopradas" por Deus (2Tm 3.16), o que as distinguem de todas as
outras palavras. Como resultado, as Escrituras são infalíveis e verdadeiras em tudo o
que afirmam. São suficientes e contêm tudo o que é necessário saber para a salvação e a
vida eterna. São claras, de modo que uma pessoa sem preparação especial pode
entender aquilo que Deus exige, sem a intervenção de um intérprete oficial.

As Escrituras canônicas são a voz de Deus no mundo. Têm a autoridade e o direito de


ordenar, que corresponde ao seu autor divino. Por essa razão, submetemos às Escrituras
nossos pensamentos e nossos padrões morais. Foi através do reconhecimento de que a
Bíblia não pode estar sujeita a qualquer pessoa ou grupo, por mais nobres que sejam,
que os Reformadores libertaram suas consciências das tradições e autoridades humanas.

A IMPECABILIDADE DE JESUS (Hb 4.15) pág. orig. 1940

O Novo Testamento ensina que Jesus foi completamente livre de pecado (Jo 8.46; 2Co

108
5.21; Hb 4.15; 7.26; 1Pe 2.22; I Jo 3.5). Esta afirmação significa não só que ele nunca
desobedeceu a seu Pai, mas também, que ele amava a lei de Deus e tinha sincera alegria
de coração em observá-la. Nos seres humanos decaídos há sempre alguma relutância
em obedecer a Deus e, às vezes, há ressentimentos que beiram o ódio contra as
reivindicações que Deus nos faz (Rm 8.7). Porém, a natureza moral de Jesus era íntegra
como a de Adão, antes de pecar, e em Jesus não havia qualquer inclinação para desviar-
se de Deus, que Satanás pudesse explorar, como há em nós. Jesus amou a seu Pai e a
vontade dele, com todo o seu coração, mente, alma e força.

Hb 4.15 diz que Jesus "foi tentado em todas as coisas, à nossa semelhança", porém, sem
pecado. As tentações com que nos defrontamos — tentações para satisfazermos
erradamente nossos desejos naturais, para fugirmos às questões espirituais e morais,
evitando as questões morais e optando por caminhos mais fáceis, deixando de amar e
de ter simpatia pelos outros, ficando egoístas e perdidos em autocomiseração, todas
essas tentações se abateram sobre Jesus, mas ele não se rendeu a nenhuma delas (Ver a
Humanidade de Jesus, em 2Jo 7). No Getsêmani e na cruz ele lutou contra a tentação e
resistiu ao pecado até à morte. Os cristãos devem aprender dele e fazer como ele (Lc
14.25-33; Hb 12.3-13).

Para nossa salvação era necessário que Jesus fosse isento de pecado. Ele foi um
"cordeiro sem defeito e sem mácula", capaz de oferecer seu precioso sangue por nós
(1Pe 1.19). Se ele tivesse sido pecador, ele também necessitaria de um Salvador e sua
morte não nos teria ajudado. Cristo obedeceu em nosso lugar os mandamentos morais
aplicados a toda humanidade. Ele também cumpriu toda a vontade de Deus — aplicada
a ele em particular — como aquele que foi chamado para ser o Messias. Sua perfeita
obediência o qualifica para ser o nosso todo-suficiente Salvador.

ESPERANÇA (Hb 6.18) pág. orig. 1943

Os cristãos antegozam o futuro com a esperança da alegria de estar com Cristo, na


glória, para sempre. A fé é definida como "a certeza das coisas que se esperam" (Hb
11.1), porque as coisas invisíveis que se esperam, no futuro, são alcançadas pela fé. A
esperança é certa; é "Uma âncora da alma, segura e firme" (Hb 6.18,19). De acordo
com a Bíblia, Cristo é a nossa esperança (1Tm 1.1) e o nosso Deus é chamado "o Deus

109
da esperança" (Rm 15.13).

Uma ética de esperança permeia todo o Novo Testamento. É uma ética de


peregrinação de estrangeiros, que caminham para o lar (Hb 11.13; 1Pe 2.11). É uma
ética de pureza, já que quem espera ser como Jesus quando ele aparecer, "a si mesmo se
purifica... como ele é puro" (1Jo 3.3). É uma ética de preparação uma vez que devemos
estar prontos para deixar este mundo a qualquer tempo (2Co 5.6-8; Fp 1.21-24, cf. Lc
12.15-21). A esperança produz paciência (Rm 8.25, cf. 5.1-5). A esperança dá força e
confiança para completar a carreira, para combater o bom combate e suportar as
tribulações que continuam nesta vida (Jo 16.33; At 14.22; Rm 8.18; 2Tm 4.7,8).

Embora a vida cristã seja marcada mais por sofrimento do que por triunfo (At 14.22;
1Co 4.8-13; 2Co 4.7-18), nossa esperança é certa e nosso ânimo deve ser livre de
desespero (1Jo 4.18).

FÉ E OBRAS (Tg 2.24) PÁG. ORIG. 1962

A fé é o meio ou o instrumento pelo qual uma pessoa é salva. Os cristãos são


justificados, diante de Deus, pela fé (Rm 3.26; 4.1-5; Cl 2.16). É pela fé que eles devem
viver sua vida (2Co 5.7) e sustentar sua esperança (Hb 10.35—12.3).

A fé não pode ser definida em termos subjetivos como um sentimento ou uma


determinação otimista. Nem é uma ortodoxia passiva. A fé é uma reação positiva
dirigida a um objeto e definida por aquilo que é crido. A fé cristã é confiança no Deus
eterno e em suas promessas garantidas através de Jesus Cristo. Ele é produzida pelo
evangelho, quando o evangelho é entendido através da obra graciosa do Espírito Santo.
A fé em Cristo é um ato pessoal, que envolve a mente, o coração e a vontade, uma vez
que é dirigida ao Deus pessoal e não a um ídolo ou a uma idéia.

É comum analisar-se a fé como envolvendo três passos: o conhecimento, o


assentimento e a confiança. Primeiro, o conhecimento ou a familiaridade com o
conteúdo do evangelho; segundo, é o consentimento ou o reconhecimento de que o
evangelho é verdadeiro; terceiro, é a confiança, passo essencial para a entrega do eu a
Deus. Estes passos andam juntos no sentido de que só pode haver fé em Cristo quando

110
o evangelho é conhecido e sua verdade aceita (Rm 10.14). Calvino definiu a fé como
"um firme e seguro conhecimento do favor divino para conosco, fundado sobre a
verdade da livre promessa em Cristo e revelado às nossas mentes e selado em nossos
corações pelo Espírito Santo" (Calvino, Institutas, III, 2.7).

Através da fé recebemos a Cristo, que satisfez a lei em nosso favor. Deste modo somos
justificados através da fé somente, sem as obras da lei. Porém, uma vez que a fé nos
une a Cristo, ela não pode ser sem vida. Dirigida para Deus e firmada nele, ela é ativa e
"atua pelo amor" (Gl 5.6), procurando fazer todas as boas obras que Deus preparou de
antemão para que andássemos nelas (Ef 2.10). A justificação é só pela fé, mas a fé
justificadora nunca está só.

Quando Tiago diz que a fé sem obras é morta, está descrevendo a fé que conhece o
evangelho e até mesmo concorda com ele, mas não tem chegado à confiança em Deus.
A falta de crescimento, de desenvolvimento, e a ausência de frutos de justiça mostra
que o livre dom de Deus, em Cristo, nunca foi recebido. A resposta para aqueles que
têm esse tipo de fé não é a de salvar-se a si mesmos, estabelecendo uma justiça própria
— como se pudessem criar fé por seus próprios esforços — mas invocar o nome do
Senhor (Rm 10.13). Só Deus pode salvar aqueles para quem a salvação é impossível de
outro modo (Mc 10.27). Paulo mostra que as boas obras não podem desfazer essa
impossibilidade; Tiago mostra que a fé exigida é a fé que descansa no Deus vivo.

Mesmo depois de termos crido, as boas obras que fazemos nunca são perfeitas. Elas são
aceitáveis a Deus só por causa da misericórdia de Cristo (Rm 7.13-20; Gl 5.17).
Expressamos nosso amor para com Deus, fazendo aquilo que agrada a ele e ele, em sua
bondade, promete recompensar-nos por aquilo que fazemos (Fp 3.12-14; 2Tm 4.7,8).
Com isto, não tornamos Deus nosso devedor, assim como também ele nada nos devia
quando primeiro cremos nele. Como Agostinho observou, Deus, quando nos
recompensa, está coroando graciosamente seus próprios dons graciosos.

PASTORES E CUIDADO PASTORAL (1Pe 5.2) pág. orig. 1976

Os apóstolos mandaram todos os cristãos velar uns pelos outros com amorosa solicitude
e oração (Gl 6.1,2; Hb 12.15,16; 1Jo 3.16-18; 5.16), mas também designaram para cada

111
congregação tutores chamados "anciãos" (At 14.23; Tt 1.5), que deviam cuidar do povo
como os pastores cuidam das ovelhas (At 20.28-31; 1Pe 5.1-4), conduzindo-os
mediante seu exemplo (1Pe 5.3) de tudo o que é nocivo para tudo o que é bom. Em
virtude de seu papel, os anciãos (presbíteros) são também chamados "pastores" (Ef
4.11) e "supervisores" (At 20.28, cf. v.17; "bispos", Tt 1.7, cf. v.5; 1Pe 5.1-2), e são
chamados por outros termos que expressam liderança (1Ts 5.12; Hb 13.7, 17, 24). A
congregação, por seu lado, deve reconhecer a autoridade dada por Deus a seus líderes e
seguir a orientação deles (Hb 13.17).

Esse modelo está sempre presente no Antigo Testamento, onde Deus é o pastor de Israel
(Sl 80.1), e onde reis, profetas, sacerdotes e anciãos (dirigentes locais) são chamados a
agir como agentes de Deus no papel de pastores subordinados (Nm 11.24-30; Dt 27.1;
Ed 5.5; 6.14; 10.8; Sl 77.20; Jr 23.1-4; Ez 34; Zc 11.16,17). No Novo Testamento,
Jesus, o Bom Pastor (Jo 10.11-30) é também o Supremo Pastor (1Pe 5.4), e os anciãos
são seus subordinados. O Apóstolo Pedro chama-se a si mesmo um "ancião" sujeito a
Cristo (1Pe 5.1), lembrando talvez que o pastorear foi a tarefa específica que Jesus lhe
deu, quando o restaurou ao ministério (Jo 21.15-17).

Alguns, mas não todos os anciãos, ensinam (1Tm 5.17; Tt 1.9; Hb 13.7) e Ef 4.11-16
diz que Cristo deu à Igreja "pastores e mestres" para equipar cada um para o serviço,
por meio da descoberta e aperfeiçoamento dos dons espirituais de cada um (vs. 12-16).
Na liderança congregacional exercida pelos apóstolos pode ter havido mestres que não
eram presbíteros, bem como presbíteros que não ensinavam, e, também, pode ter
havido aqueles que tanto ensinavam quanto governavam.

O papel pastoral dos presbíteros exige caráter cristão maduro e estável e uma bem
ordenada vida pessoal (1Tm 3.1-7; Tt 1.5-9). O ancião que serve fielmente será
recompensado (Hb 13.17; 1Pe 5.4, cf. 1Tm 4.7,8).

ANTINOMISMO (1Jo 3.7) pág. orig. 1990

Antinomismo significa "oposição à lei". Conceitos antinomianos são os que negam que
a lei de Deus, nas Escrituras, deve controlar a vida dos cristãos.

112
O antinomismo dualístico surgiu muito cedo nas heresias gnósticas, como aquelas
repudiadas por Pedro e Judas (2Pe 2; Jd 4-19). Os gnósticos ensinavam que a salvação
era só para a alma, tornando irrelevante o comportamento do corpo, tanto para o
interesse de Deus quanto para a saúde da alma. A conclusão era que uma pessoa podia
comportar-se desenfreadamente, sem que isso tivesse a menor importância.

O antinomismo "espiritual" atribui uma tal confiança à atuação interior do Espírito


Santo, que nega a necessidade da pessoa ser ensinada pela lei em seu modo de viver. A
liberdade em relação à lei como meio de salvação traz consigo, segundo eles, a negação
da necessidade da lei como guia para a conduta. Nos primeiros 150 anos da era da
Reforma, essa espécie de antinomismo era comum. A igreja de Corinto pode ter sido
vítima deste erro, uma vez que Paulo adverte os crentes de Corinto de que uma pessoa
verdadeiramente espiritual reconhece a autoridade da Palavra de Deus (1Co 14.37, cf.
7.40).

Outra espécie de antinomismo tem seu ponto de partida na idéia de que Deus não vê o
pecado nos crentes, porque os crentes estão em Cristo, que cumpriu a lei por eles. Disto
tiram a falsa conclusão de que o comportamento dos crentes não faz diferença, desde
que eles continuem crendo. Porém, 1Jo 1.8—2.1 e 3.4-10 indicam uma conclusão
diferente. Não é possível estar em Cristo e, ao mesmo tempo, adotar o pecado como
meio de vida.

Alguns dispensacionalistas têm sustentado a idéia de que os cristãos, desde que vivem
sob a dispensação da graça — e não da lei — não têm a necessidade de observar a lei
moral em nenhuma etapa da vida. Rm 3.31 e 1Jo 6.9-11 mostram claramente, contudo,
que observar a lei continua ser obrigação dos cristãos.

Às vezes se diz que o motivo e intenção do "amor" é a única lei que Deus exige dos
cristãos. Os mandamentos do Decálogo e outras partes éticas das Escrituras — ainda
que sejam diretamente atribuídas a Deus — são considerados não mais do que meras
pautas que o amor pode, em qualquer tempo, deixar de levar em conta. Porém, Rm 3.8-
10 ensina que ordens específicas revelam o que o verdadeiro amor é. A lei de Deus
desmascara a falsidade do amor que não aceita suas responsabilidades para com Deus e
o próximo.

113
A lei moral revelada no Decálogo, e exposta em outras partes das Escrituras, é
expressão da integridade de Deus, outorgada para ser o código de prática para o povo
de Deus, em todas as eras. A lei não se opõe ao amor e à bondade de Deus; porém,
demonstra que esse amor e bondade são na prática. O Espírito concede aos cristãos o
poder para cumprir a lei, tornando-nos cada vez mais semelhantes a Cristo, o cumpridor
arquetípico da lei (Mt 5.17).

A HUMANIDADE DE JESUS (2 Jo 7) pág. orig. 1995

Jesus foi um homem que convenceu aos que estavam mais próximos dele de que
também era Deus. Sua humanidade não é posta em dúvida. Ao condenar aqueles que
negavam que "Jesus veio em carne" (1Jo 4.2-3; 2Jo 7), João tinha por objetivo os
mestres que substituíam a encarnação pela idéia de que Jesus era um ser sobrenatural
(não Deus), que apenas parecia humano, um mensageiro que não podia morrer pelos
pecados.

Os Evangelhos mostram Jesus experimentando limitações humanas: (fome, Mt 4.2;


fadiga, Jo 4.6; ignorância de fato, Lc 8.45-47); tristeza (Jo 11.35, 38). A carta aos
Hebreus insiste em que, se Jesus não tivesse compartilhado de todas estas facetas da
experiência humana — fraqueza, tentação, sofrimento — não estaria qualificado para
ajudar-nos em tais provações (Hb 2.17,18; 4.15,16; 5.2, 7-9). Nas circunstâncias reais,
sua plena experiência humana garante que, em todo momento de nosso relacionamento
com Deus, podemos recorrer a ele, confiando em que ele tem passado por isso antes de
nós, e é o ajudador de que necessitamos.

Cristãos que se concentram na divindade de Jesus têm, às vezes, pensado que


minimizar sua humanidade, é motivo de honra para Jesus. Por exemplo, sugere-se, às
vezes, que Jesus esteve sempre consciente de sua onisciência, e só fingia
desconhecimento de fatos. Ou podia-se pensar que ele só pretendia estar faminto e
cansado porque, como uma espécie de Super-Homem, ele estava acima das
necessidades diárias da existência. Porém, a Encarnação significa que o Filho de Deus
possui uma só Pessoa, que existia com duas naturezas, e que nada faltava à sua natureza
humana, exceto o pecado. A idéia de que as duas naturezas de Jesus eram semelhantes a

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circuitos elétricos alternativos, de modo que, às vezes, ele agia em sua humanidade e,
às vezes, em sua divindade, é também uma idéia errada.

Jesus não podia pecar, mas podia ser tentado. Satanás tentou-o a desobedecer ao seu Pai
através da auto-satisfação, da auto-exibição e da auto-exaltação (Mt 4.1-11), e a
tentação para fugir à cruz era constante (Lc 22.28, cf. Mt 16.23, e a oração de Jesus no
Getsêmani). Como ser humano, Jesus não podia vencer a tentação sem luta; porém,
como ser divino, sua natureza era a de fazer a vontade de seu Pai (Jo 5.19, 30) e,
portanto, sua natureza era a de resistir a tentação até vencê-la. Desde que a sua natureza
humana era conformada à sua natureza divina, era impossível que ele falhasse na sua
resistência. Era inevitável que ele suportasse as tentações até o fim, sentindo toda a sua
força, e emergisse vitorioso para seu povo. Do que ocorreu no Getsêmani, ficamos
sabendo quão agudas e agonizantes foram suas lutas. O resultado feliz para nós é que,
"naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que são
tentados" (Hb 2.18).

A IGREJA LOCAL (Ap 2.1) pág. orig. 2011

Cada igreja local é uma manifestação da única Igreja Universal e deverá incorporar a
natureza desta Igreja, como a família regenerada do Pai, o corpo ministerial de Cristo e
a comunhão sustentada pelo Espírito Santo. No processo de separar-se da Igreja
Católica Romana, os Reformadores precisavam estar certos a respeito de quais seriam
as marcas da Igreja verdadeira. Nas Escrituras, eles acharam a resposta em termos de
dois critérios.

1. A fiel pregação da Palavra de Deus: isto significa que a igreja ensina o evangelho
cristão, de acordo com as Escrituras. Qualquer grupo que nega a Trindade, a divindade
de Cristo, a expiação pelos pecados ou a justificação pela fé somente, se comporta
como os separatistas dos tempos primitivos da Igreja, cuja negação da Encarnação
levou João a dizer "não eram dos nossos" (1Jo 2.19).

2. O correto uso dos sacramentos. Este critério significa que o Batismo e a Ceia do
Senhor são usados e explicados como exposições do evangelho da fé em Cristo.
Transformar esses Sacramentos em superstições — que anulam a suficiência da fé em

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Cristo — é solapar a identidade da igreja, como qualquer coisa mais que obstruir a fé
em Cristo. Um propósito do Batismo é marcar aqueles que são recebidos na igreja
visível. A Ceia do Senhor confirma, para os fiéis, sua condição de membros da igreja e
sua comunhão uns com os outros e com Cristo.

Os cristãos têm encontrado outras marcas de identidade além destas duas. Lutero
especificou as chaves da disciplina (Mt 16.19), um ministério autorizado (At 14.23;
20.28), o culto público (Hb 10.25) e "sofrimento sob a cruz" (At 14.22; 20.29). As
igrejas Reformadas especificaram o funcionamento de um sistema de disciplina,
freqüentemente chamando a disciplina como a terceira marca da igreja visível (Tt 1.13;
2.15; 3.10). Os carismáticos indicam o ministério ativo de cada crente como uma marca
da verdadeira igreja (Ef 4.6-16).

Estas marcas adicionais, contudo, não são essenciais da mesma maneira que as duas
primeiras. Uma igreja à qual faltam estas marcas adicionais é seriamente deficiente,
porém, não seria verdadeiro dizer que ela não é igreja de Cristo.

O CÉU (Ap 21.1) pág. orig. 2032

"O Céu" é o termo bíblico para designar o lugar de habitação de Deus (Sl 33.13,14; Mt
6.9), o lugar de sua presença para onde o Cristo glorificado retornou (At 1.11). A Igreja
militante e a igreja triunfante se unem ali para o culto (Hb 12.22-25), e um dia o povo
de Deus estará ali com Cristo para sempre (Jo 17.5, 24; 1Ts 4.16,17). Os céus são o
lugar de descanso de Deus (Jo 14.2). É descrito como uma cidade (Hb 11.10) e uma
pátria (Hb 11.16).

Pensar nos céus como um "lugar" é mais correto do que errado, ainda que a palavra
(lugar) possa enganar. As Escrituras descrevem o céu como uma realidade espacial, que
toca e interpenetra o espaço criado. Segundo a carta aos Efésios, o trono de Cristo à
mão direita do Pai (Ef 1.20) e a vida dos cristãos em Cristo, estão ambos nos "lugares
celestiais" (Ef 1.3, 20; 2.6). Paulo alude à sua experiência no "terceiro céu" ou
"paraíso" (2Co 12.2, 4). Uma ressurreição corpórea adaptada à vida do céu, nos espera
(2Co 5.1-8). Enquanto estamos em nossos corpos atuais, as realidades do céu são
invisíveis para nós e só as conhecemos pela fé (2Co 4.18; 5.7). A esperança fundada

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sobre o que a fé vê, dá-nos coragem para perseverar (Rm 8.25, cf. Gl 5.5; 1Jo 3.3).

Podemos formar uma idéia da perfeita vida do céu, baseados naquilo que conhecemos
imperfeitamente agora (1Co 13.12). Nossa comunhão com Deus e com outros cristãos
jamais se quebrará (Sl 23.6). Segundo o Apocalipse, lá não haverá lágrimas, tristeza ou
morte (Ap 21.4). Segundo a carta aos Romanos, a própria terra, com a vida sobre ela,
"está sujeita à vaidade" por causa do pecado (Rm 8.20). Através do Espírito sabemos
que esta corrupção será destruída, e as possibilidades vagamente percebidas na criação
decaída serão realizadas "na gloriosa liberdade dos filhos de Deus" (Rm 8.21).

Segundo o Breve Catecismo, fomos criados "para glorificar a Deus e gozá-lo para
sempre". As coroas, festas e celebrações da vitória descritas nas Escrituras, colocam um
aspecto desta alegria diante dos nossos olhos. O triunfo do Cordeiro que foi morto, e de
seus santos com ele (Ap 5.6; 14.1) é outro aspecto. No centro está a união de Deus com
o seu povo (Ap 22.4). Esta era a recompensa oferecida pela promessa segundo a
Aliança (Jr 30.22), e está destinada a ser realizada de um modo que vai além da nossa
imaginação (Ef 2.7; 3.9, cf. 1Co 2.9).

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