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Missão na gênese dos céus e da terra

Será que podemos falar de missão em Gênesis 1 e 2 antes mesmo da queda do homem e
a entrada do pecado no mundo?
A pergunta em si pode causar estranhamento porque para muitos, a missão é definida
exclusivamente como soteriológica, isto é para salvação. Em outras palavras, quando se
fala de missão, logo vem a ideia de que a única tarefa é de pregar as boas novas de
salvação da condenação eterna. Sim, pregar a salvação de Cristo é fundamental na obra
missionária da igreja, mas há um outro aspecto ainda mais importante. É uma questão
de foco, onde o homem deixa de estar no centro e se volta para Deus.

A essência da missão é adoração

A salvação da humanidade é com certeza um pilar fundamental da missão, mas o


aspecto doxológico da missão antes do soteriológico.
A glória de Deus vem antes da felicidade humana. Assim, podemos afirmar que a
missão começa antes mesmo da queda, no propósito de Deus em trazer toda a criação
para a sua finalidade ontológica: a adoração.
O sentido do verbo hebraico barah (criar) não é apenas trazer a existência o mundo
material a partir do nada ex nihilo, mas também de designar funcionalidade à criação.
A função da criação é adorar e glorificar a Deus. Cada aspecto, detalhe, complexidade,
imensidão e diversidade na criação aponta para o criador soberano, infinito em poder e
sabedoria, em criatividade de beleza.
Antes mesmo da queda e da devastação do universo pelo mal, a missão de Adão
consistia em levar toda a criação a glorificar e a louvar a Deus por meio a sua
representatividade sacerdotal e seu domínio real. Ao ser criado a imagem de Deus,
Adão era o reflexo perfeito de Deus e quanto mais ele olhasse para Deus mas ele se
parecia com Ele. Quanto mais adorarmos a Deus hoje, mas nos tornaremos como a
imagem perfeita dele: Jesus Cristo. Jonathan Edwards nos lembra que tudo que é dito na
escritura, como a finalidade última das obras de Deus, está incluída nessa última frase a
glória de Deus. John Piper prossegue nessa mesma linha afirmando que as missões não
são alvo fundamental da igreja: adoração é. As missões existem porque não há
adoração. Adoração é fundamental não as missões porque Deus é essencial não o
homem.
Ao limitarmos missão a soteriologia, podemos perder essa dimensão doxológica mais
abrangente.

O Deus de todos os povos

A história da criação do universo em Gn 1:1- 2:3 demonstra que o propósito de Deus é


global não se resume apenas ao povo de Israel.
A narrativa da criação bíblica, ao contrário dos demais povos não privilegia uma
localidade ou uma etnia específica, demonstrando que a sua jurisdição e autoridade não
tem limites territoriais e culturais. O seu aspecto universal engloba toda a terra e toda a
criação conforme Gn 2:1.
Todos os povos foram criados por Deus e portanto são igualmente amados pela pelo
criador.
Gn 1:28 - Mandato Cultural ou Mandato Missionário?

É dentro do contexto de adoração que Adão recebe uma ordem direta de Deus: Sede
fecundos, multiplicai e, enchei a terra, sujeitai e dominai (Gn 1:28). Esse texto é
comumente conhecido como o mandato cultural. Alguns elevam essa ordem apenas ao
cuidado com a criação e outros ao nosso chamado na família e no trabalho. Devemos
cuidar sim da criação, mas tanto quanto como devemos ser bons profissionais no
trabalho, boas donas de casa ou bons alunos na escola. A missão não pode ser definida
fundamentalmente como ações de justiça social ou preservação da criação que buscam
remediar todos os problemas e males existentes no mundo. O mandato de Gn 1:28 não
deveria ser isolado do seu contexto cúltico, uma de cada elemento da criação, inclusive
o homem, são chamados para a adoração.

A narrativa de Gênesis cap. 1 não trata apenas do surgimento de todas as coisas como
ato criador, mas também como atribuição de funcionalidades para cada elemento criado.
Com o ser humano não é diferente. No sexto–dia, além de ser criado, ele recebe pelo
menos funções a serem desempenhadas na qualidade de imagem de Deus:

1- Função de multiplicar: neste aspecto é semelhante às demais criaturas;


2- Função de dominar: o ser humano é colocado sobre todos os demais animais
ganhando assim status especial;
3- Função de serem homem e mulher: funcionar dentro de suas atribuições;
4- Função de sujeitar a terra: exercer a função real de autoridade suprema;
5- Função de encher a terra: espalhar-se expandindo a glória de Deus no restante do
mundo criado;
6- Função de exercer a imagem de Deus: a principal e mais importante função da qual
depende de todas as anteriores.

O Pr. Chun Chung comenta que o deve histórico do homem de sujeitar a terra seria
desempenhado de forma gloriosa também por seus descendentes reais que se
espalhariam por toda terra. A missão dada ao homem em Gn 1:28 é portanto
essencialmente doxológica, ou seja, manifestar a Glória de Deus.

O clímax da criação

O sétimo dia não é um mero apêndice no final da obra da criação o ensinamento para
guardá-lo cerimonialmente, mas é de fato, o grand finale onde Deus completa a sua
obra. Em Gênesis 2:3 está escrito que Deus “descansou de toda obra como criador
fizera.” A ideia de descanso não é o sentido principal de palavra hebraica sabat, mas de
“parar” ou “cessar” a obra da criação.
Aqui a Escritura “evita toda a possibilidade do uso das expressões antropomórficas para
nos ensinar, particularmente na descrição da criação, com grande é a distância entre o
criador e a criatura.” Tentar imaginar que o processo de criação foi tão trabalhoso que
Deus presenciou precisou recobrar o fôlego e as suas forças do descanso é justamente o
que o texto não nos permite.
No relato dos sete dias da criação vemos três verbos principais sendo usados: criou
(barah), haja, fez (hayah) e separação, separar (badal) de maneira formar um padrão
onde Deus cria e atribui uma função.
Dia 1- Haja luz . E, e ouve luz. Viu Deus que a luz era boa e fez separação entre a luz e
as trevas
Dia 2 - Haja firmamento no meio das águas de separação entre águas e águas.
Dia 3 - Ajunte-se as águas debaixo do céu em um só lugar, e apareça porção seca e
assim se fez. Após um seca chamou Deus Terra e ao ajuntamento das águas, Mares.
Dia 4 - Haja luzeiros no firmamento dos céus para fazer de separação entre dia e noite.
Dia 5 - Criou pois Deus os grandes animais marinhos de todos os seres viventes que
rastejam os quais povoaram as águas, segundo as suas espécies e todas as aves segundo
as suas espécies.
Dia 6 - E fez Deus os animais selváticos, segundo a sua espécie, Criou Deus, pois o
homem a sua imagem; homem e mulher os criou
Dia 7 - E, havendo Deus terminado no sétimo dia a sua obra que fizera descansou nesse
dia de toda a sua obra que eu tinha feito. E abençoou Deus o dia sétimo e o santificou
(separou)
Olhando para todos os verbos usados dessa passagem podemos notar claramente o
padrão de trazer à existência os elementos e na sequência atribuir a sua devida função e
finalidade ao fazer a separação. Mas além de atribuição de função pela separação dos
elementos, o povoamento também traz este mesmo efeito para a criação dos dias 4, 5 e
6.
A glória de Deus na adoração é o fim de todas as coisas criadas e a missão é o meio para
que isso aconteça.

A MISSÃO PÓS QUEDA

O pecado original foi essencialmente um ato de desobediência de um homem a uma


ordem Clara de Deus e ela se dá no contexto cúltico. Ao falhar em sua função sacerdotal
de “guardar e servir” o jardim-templo, permitindo a entrada daquele animal impuro (Nm
1:53; Lv 3:8; ml 1:8), Adão acaba sendo subjugado pela Serpente, profanando o local
sagrado.
As consequências são trágicas para o homem. A imagem de Deus é distorcida nele, a tal
ponto que o homem perde o seu estado real e a autoridade de dominar e sujeitar toda a
criação.

O Proto-Evangelho

Antes de pronunciar o juízo, sobre os atos de pecado do homem e sobre a Serpente,


Deus dá a Boa Nova onde Jesus Cristo é prometido pela primeira vez. É assim, que em
Gênesis 3:15 aparece pela primeira vez a profecia messiânica. Em Rm 16:20, o apóstolo
Paulo diz que “o Deus da Paz, em breve, esmagará Satanás debaixo dos pés de vocês”.
A Serpente recebe assim a maldição: por causa do que você fez, você é maldito em
todos os animais domésticos e em todos os animais selvagens. Você rastejará sobre o
seu ventre e comerá pó todos os dias da tua vida (Gn 3:14).
Boa parte de Gênesis 1-11 fala do fracasso humano em relação à sua
incumbência dada por Deus, da mesma forma que boa parte do Antigo Testamento
focaliza o fracasso do povo escolhido em relação ao seu papel diante de Deus e diante
do mundo.
Com o fracasso humano, surge uma necessidade de reparo e restauração. O
Deus que age na história e no mundo é o Deus que resgata e que restaura. Com a queda,
já surge uma promessa, ainda que enigmática, de restauração (Gn 3.15). Ao longo das
Escrituras, esta promessa de endireitar o mundo e a humanidade caídos é ação divina,
mas também envolve a participação humana (Gn 12.3). Assim, junto com a queda
nasce, em primeiro lugar, a missão salvadora de Deus e, depois e eventualmente, a
missão evangelística da igreja.
Os capítulos que se seguem em Gênesis parece ter uma fórmula usual: a genealogia de
ponto a ponto... E assim a genealogia de Adão e dos seus descendentes retomam a
adoração na nova linhagem de Sete, culminando como é a causa do Dilúvio Gênesis
2.1-8 e a benção Divina é novamente confirmada aos portadores da imagem e
semelhança de Deus.

Os atributos de graça, razão, personalidade, ética, espiritualidade, representatividade


real, domínio e sacerdócio estão presentes nos descendentes de Adão, na semente de
Sete, mas não na semente de Caim. A humanidade apresenta-se dividida entre aqueles
que adoram a Deus e os que buscam apenas "comer e beber".

Um dos propósitos mais importantes das genealogias na Bíblia é de mostrar o grande


quadro, apontando o mover da história numa direção muito específica. No livro das
gêneses, ela começa com Adão, passando por Sete, Enoque, Matusalém, Noé, Sem,
Abraão, terminando no capítulo 49, com Judá.

Sobre este último é dito: o cetro não se afastará de Judá... e a ele obedecerão os povos
(Gn 49:10). E outra genealogia no livro de 1 Crônicas, Adão é o primeiro até chegar em
Davi, da tribo de Judá. Depois Davi há uma grande expectativa numa futura semente de
quem Deus diz: “farei surgir depois de você o seu descendente, um dos seus filhos, e
estabelecerei o seu reino. Este edificará um templo para mim e eu estabelecerei para
sempre meu seu trono. Eu lhe serei por Pai e ele me será por filho” (1Cr 17:11-13).

O dilúvio sua causa e a perda da missão

Noé e seus filhos aparece no final da lista, introduzindo o tema do dilúvio e as suas
causas. (Gn 6:1-8), neste que é um trecho de transição para a próxima seção.

Assim como as consequências do pecado original foram trágicas, também se deu com o
dilúvio que também foi ocasionado pelo ver, desejar e tomar.

Quanto ao pecado específico que levou Deus a destruição de sua própria criação,
existem três interpretações principais.

A primeira interpretação é que os filhos de Deus eram reis cruéis que tomaram para seu
harém as filhas dos homens e de forma forçada cometiam todo tipo de abuso e violência
sexual. No entanto, a Bíblia não menciona estrupo ou lascívia como o problema, pois é
dito que tomaram para si esposas (Gn 6:2).

A segunda aponta para o casamento de anjos com seres humanos. Essa é uma posição
plausível e que não pode ser facilmente desconsiderada importante teólogos na
atualidade defesa a posição assim como os judeus antigos e os pais da igreja entenderam
no passado a base disso é a frase filhos de Deus usados para anjos em salmo 29, Jó 1:6 e
o texto de Judas 6 no NT. “E os anjos __ guardaram o seu estado original, mas
abandonaram o seu próprio lugar__ele tem guardado sob trevas em algemas eternas,
para o juízo do grande Dia”

A terceira interpretação, que entendemos como correta, é a mistura da genealogia de


Sete e Caim fazendo com que a adoração e a missão se perdessem. O ponto mais
importante nessa posição é afinidade com o contexto anterior dos capítulos 4 e 5. A
consequência do casamento misto foi a multiplicação na maldade e o nascimento dos
Nefilins, guerreiros temidos por sua forma violenta e o desígnio do coração de toda a
humanidade se tornaram continuamente mal.

O uso da expressão filhos de Deus na passagem é importante, indicando a intenção, a


presença e influência satânica por detrás do pecado da contaminação da semente santa.

A decisão difícil e drástica de destruir toda a vida se deu porque toda a criação havia
perdido o propósito para qual for a criada: a adoração. OS missionários da linhagem
santa apostataram com o passar das gerações caindo na tentação da serpente. Não havia
mais esperança para o mundo, a não ser a única família (Noé) de adoradores que
cumpriu sua missão pregando durante 120 anos.

A torre de Babel e a dispersão das nações

Pastor Chung apresenta tese de que a confusão da linguagem Babel não pode ser
considerada o marco do surgimento de novas línguas como é popularmente empregada,
por uma questão arqueológica (no que se refere a tijolos queimados usados para a
construção) e também por uma questão semântica ao que se refere ao termo usado para
traduzir idioma. A interferência divina ao confundir os construtores não foi um ato de
juízo punitivo, mas uma intervenção de preservação das nações preparando-as para
serem alcançadas e abençoadas por uma personagem e seus descendentes: Abraão.

No livro missão primordial: os fundamentos da missão em Gênesis 1-11, o pastor


Chun K. Chung aborda as motivações para que as línguas fossem confundidas por
Deus.

Primeira motivação: tornemos célebre o nosso nome. Se a criação existe para


glorificar a Deus, os construtores da torre queriam exaltar o próprio nome. Na raiz da
revolta em Babel, estava o aspecto doxológico: a idolatria e a auto exaltação dão o tom
da primeira motivação dos construtores da grande torre que alcançariam os céus como
que invadindo a habitação divina.

Segunda motivação: não sejamos espalhados. Se a primeira motivação era


antidoxológica, a segunda é admissional ao desobedecer o mandato de se espalhar e
encher a terra (Gn1:28;9:1). Os construtores de Babel buscavam muito mais do que a
mera segurança e estabilidade, eles queriam se tornar um grande império para
conquistar os demais povos e implementar uma agenda homogeneizadora. Ao
completarem a obra da grande torre zigurate, eles unificariam muitos povos ao redor das
imponentes fontes de fertilidade e energia vital dos deuses para levar a cabo o seu
projeto de império. A construção da torre não poderia levar a vida toda diante dessa
agenda mais importante. Os povos e as nações da terra sucumbiriam diante da
superioridade cultural de um povo capaz de erigir uma torre que alcançava os céus.

Babel como prefácio chamado de Israel: nessa intersecção entre a história da


humanidade caída (Gn 3) e a história de um novo povo (Gn12 a 50) a dispersão tinha
um propósito: em ti serão benditas todas as famílias da terra diante de Gn 12:3. A
missão de Abraão e seus descendentes era buscar ser benção para cada uma dessas
nações espalhadas e preservadas. O pecado das nações reunidas em Babel é diluído na
sua dispersão, dando um tempo para que o povo eleito de Deus se torne uma grande
nação (Gn12:2) a fim de abençoar cada uma delas, ao invés de conquistá-la de subjugá-
las como nos projetos de império. Feliz é a Nação cujo Deus é o SENHOR (Sl 33:12)
Essa é a diferença entre uma grande nação e o império.

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