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ANIMAIS AMANDA AMA-SP FAZ

DE ASSISTÊNCIA NO ESPECTRO 40 ANOS

#AutismoMaisInformacao ANO IX - Nº 21 - JUN/JUL/AGO 2023

1
autista
em
cada
Assinante / Distribuição
VENDA PROIBIDA

36
Exemplar de
00021
ISSN 2596 - 0539

053005

crianças de
9 772596

8 anos
#AutismoMaisInformacao

EDITORIAL
EXPEDIENTE - Revista Autismo
Ano IX — número 21
junho de 2023
ISSN: 2596-0539
Venda avulsa proibida
O Dia do Orgulho Autista — todo mais importante, sejam felizes! Há,
Periodicidade trimestral
18 de junho — é uma oportunidade porém, muito trabalho a ser feito
Tiragem deste número: 4.000 exemplares
para promover a aceitação, a com- para chegarmos a isso.
Revista Autismo é uma publicação de circulação preensão e a valorização das pessoas Para a capa desta edição, enco-
nacional fundada em 2010 com o objetivo de levar
informação de qualidade, isenta e imparcial. A autistas, assim como para aumentar mendamos uma ilustração ao Fábio
respeito de autismo, é a primeira revista periódica
da América Latina, além de ser a primeira do a conscientização sobre suas expe- Souza (tio .faso), artista que trans-
mundo em língua portuguesa. riências, desafios e conquistas. Um borda talento, para mostrar o mais
Editor-chefe e jornalista responsável: dos objetivos é aumentar a visibi- novo número de prevalência de au-
Francisco Paiva Junior - MTb: 33.245
editor@RevistaAutismo.com.br lidade e promover a igualdade de tismo nos EUA, segundo o CDC, o
Direção de arte e design: direitos para a comunidade autista, Centro de Controle e Prevenção de
Alexandre Beraldo para criarmos uma sociedade mais Doenças (considerado uma referên-
xberaldo@gmail.com
inclusiva, desafiando estereótipos, cia mundial), de 1 autista a cada 36
Revisão e Traduções:
Márcia F. Lombo Machado reduzindo o estigma e valorizan- pessoas. Na arte de .faso, foi propo-
marciaflm@gmail.com
do as contribuições únicas que os sital não identificar quem seria “a
Consultores científicos:
Alysson R. Muotri e Diogo V. Lovato indivíduos autistas trazem para o pessoa autista” do grupo de 36, para
Arte da Capa: mundo. enfatizar que autista não tem cara e
tio .faso O autismo em si — e não falo de deve estar em todo e qualquer lugar.
Colaboradores deste número: suas coocorrências (ou comorbida- E seguindo a lógica da proporcio-
Alysson R. Muotri, Amanda Ramalho, Bia
Raposo, Camila Alli Chair, Fábio Souza des, numa linguagem mais médica) nalidade (por não termos nenhuma
(tio .Faso), Fátima de Kwant, Fernanda
Barbi Brock, Haydée Freire Jacques, Lucas — deve ser visto como uma forma evidência de que haja mais autistas
Ksenhuk, Mauricio de Sousa, Michael Ulian, de neurodivergência que enrique- nos EUA do que no Brasil ou em
Nicolas Brito Sales, Paula Ayub, Priscila
Jaeger, Samanta Paiva, Selma Silva, Sophia ce nosso mundo, em detrimento de qualquer outro lugar do mundo),
Mendonça, Tiago Abreu, Wagner Yamuto.
Impressão:
algo a ser “curado”. Cada pessoa é possível inferir que nosso país
MaisType autista é única, com habilidades, pode ter 6 milhões de autistas.
Patrocinadores: limitações e perspectivas diferen- Dentre eles, jornalistas, colunistas
Clínica Somar, PECS-Brasil, tes, e é fundamental valorizar e res- e ilustradores desta edição da Re-
Neuro Days.
peitar essa neurodivergência. Em vista Autismo, como de costume.
Fundadores (2010):
Martim Fanucchi vez de buscar a normalização, de- Venha ler o que nós, com toda essa
Francisco Paiva Junior vemos nos esforçar para criar um neurodiversidade — entre típicos e
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Autismo e seus editores.
AUTOR. Título do artigo ou da matéria, subtítulo. Revista Autismo, São Paulo, ano da revista,
número da edição, páginas inicial-final, mês ano de publicação.
Exemplo: MUOTRI, A.. Minicérebros humanos, um novo modelo experimental para o estudo do
TEA. Revista Autismo, São Paulo, ano V, n. 4, p. 44-46, mar. 2019.
ÍNDICE
ANIMAIS DE
ASSISTÊNCIA
16
AMANDA NO
ESPECTRO
12
A INCLUSÃO ESCOLAR
PEDE SOCORRO SESSÕES COLUNAS
31 ANDRÉ E A MATRAQUINHA
TURMA DA
MÔNICA 10
CAPA 09
PREVALÊNCIA DE LIGA DOS
AUTISMO: 1 EM 36 AUTISTAS
22 O QUE É
AUTISMO? 14
POR QUE O BRASIL
PODE TER 6 MILHÕES
08 TUDO O QUE
DE AUTISTAS? PODEMOS SER

27
CANAL AUTISMO
45 38
AMA-SP: 40 ANOS INTROVERTENDO
DE HISTÓRIA 48
32
AUTISMO SEVERO
LIVRO: AUTISMO(S)
34 50
ENTREVISTA: MUOTRI
— MINICÉREBROS TÊM
CONSCIÊNCIA?
40
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AMANDA MARCIA NICOLAS TIAGO


RAMALHO MACHADO BRITTO ABREU
jornalista arquiteta fotógrafo jornalista

MICHAEL
ULIAN
estudante

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Artistas que
ilustraram esta
edição

LUCAS KSENHUK CAMILA CHAIR BIA RAPOSO FÁBIO SOUSA FERNANDA


Artista plástico, 21 Formada em animação, Artista plástica, Designer de formação, BARBI BROCK
anos, autista, sua cursou biologia, tem arte educadora e ilustrador por paixão, Autista, ilustradora,
obra sempre está nas 33 anos, é vegetariana provocadora cultural, bonequeiro profissional possui titulo de
principais exposições e seu hiperfoco são ilustra a coluna e autista diagnosticado licenciatura em
de rua de SP. dinossauros e répteis, “matraquinha” desde tardiamente. educação artística
desde os 10 anos. a primeira vez que a (hab. artes plásticas)
lucasksenhuk.com leu. Se apaixonou. e designer de moda.
deviantart.com/freakyraptor
@lucasksenhuk.art/ @camila_alli @biabiaraposo @seeufalarnaosaidireito @fer.barbi.brock

MAURICIO ALEXANDRE SAMANTA


DE SOUSA BERALDO PAIVA
Desenhista, pai da Designer, ilustrador Estudante, irmã de
Turma da Mônica, e gestor culural, é autista, filha do editor
colabora com a o responsável pela da revista, desenha
Revista Autismo edição de arte da nos tempos livres, cria
desde o início de 2019, Revista Autismo. o tempo todo, tem 14
através do Instituto Tenta tocar piano e, anos, é fã do filme
Mauricio de Sousa. às vezes, consegue. Black Phone e da série
@institutomauriciodesousa @xandeberaldo Stranger Things.
@turmadamonica

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com a editor@RevistaAutismo.com.br,
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R EVI STA AUTISMO 7


As informações a seguir não dispensam a consulta
O QUE É AUTISMO a um médico especialista para o diagnóstico

Francisco Paiva Junior

O QUE É AUTISMO?
Saiba a definição do transtorno do espectro do autismo
CONTEÚDO
EXTRA ONLINE
Use o QR-code
ao lado para
ir ao site.

O autismo — nome técnico ofi- quanto antes — mesmo que seja ape- Consulta médica
cial: transtorno do espectro do au- nas uma suspeita clínica, ainda sem Veja a seguir alguns sinais de autis-
tismo (TEA) — é uma condição de diagnóstico fechado —, pois quanto mo. Apenas três deles numa criança
saúde caracterizada por déficit na mais cedo começarem as interven- de um ano e meio já justificam uma
comunicação social (socialização e ções, maiores serão as possibilidades consulta a um médico neuropediatra
comunicação verbal e não verbal) e de melhorar a qualidade de vida da ou a um psiquiatra da infância e da
comportamento (interesse restrito pessoa. O tratamento psicológico adolescência. Testes como o M-CHA-
ou hiperfoco e movimentos repeti- com maior evidência de eficácia, se- T-R/F (com versão em português)
tivos). Não há só um, mas muitos gundo a Associação Americana de estão disponíveis na internet para
subtipos do transtorno. Tão abran- Psiquiatria, é a terapia de interven- serem aplicados por profissionais.
gente que se usa o termo “espec- ção comportamental. O tratamento
tro”, pelos vários níveis de suporte para autismo é personalizado e in- Todas as referências, links e mais infor-
que cada subtipo necessita — há terdisciplinar. Além da psicologia, mações estão na versão online.
desde pessoas com condições as- pacientes podem se beneficiar com
sociadas (coocorrências), como de- fonoaudiologia, terapia ocupacio-
ficiência intelectual e epilepsia, até nal, entre outros, conforme a neces-
pessoas independentes, que levam sidade de cada autista. Na escola,
uma vida comum. Algumas nem um mediador pode trazer grandes Sinais de autismo:
sabem que são autistas, pois jamais benefícios no aprendizado e na inte-
Não manter contato visual por
tiveram diagnóstico. ração social. mais de 2 segundos;
As causas do autismo são majori- Até agora, não há exames de ima-
Não atender quando chamado
tariamente genéticas. Confirmando gem ou laboratoriais que sejam de- pelo nome;
estudos recentes anteriores, um tra- finitivos para diagnosticar o TEA.
Isolar-se ou não se interessar por
balho científico de 2019 demonstrou Alguns sintomas podem ser trata- outras crianças;
que fatores genéticos são os mais im- dos com medicamentos, que devem Alinhar objetos;
portantes na determinação das cau- ser prescritos por um médico.
Ser muito preso a rotinas a ponto
sas (estimados entre 97% e 99%, sendo Em 2007, a ONU declarou todo 2 de de entrar em crise;
81% hereditário — e ligados a quase abril como o Dia Mundial de Cons- Não usar brinquedos de forma
mil genes), além de fatores ambientais cientização do Autismo, quando convencional;
intrauterinos (de 1% a 3%) ainda con- cartões-postais do mundo todo se Fazer movimentos repetitivos
troversos, que também podem estar iluminam de azul (cor escolhida sem função aparente;
associados como, por exemplo, a idade por haver, em média, 4 homens para Não falar ou não fazer gestos para
paterna avançada ou o uso de ácido cada mulher autista). mostrar algo;
valpróico na gravidez. Existem atual- O símbolo do autismo é o quebra- Repetir frases ou palavras em mo-
mente 1.128 genes já mapeados e impli- -cabeça, que denota sua diversidade mentos inadequados, sem a devi-
da função (ecolalia);
cados como possíveis fatores de risco e complexidade.
para o transtorno — sendo 134 genes O dia 18 de junho é o Dia do Orgu- Não compartilhar interesse.
os principais. lho Autista (representado pelo sím- Girar objetos sem uma função
bolo da neurodiversidade, o infinito aparente;
Tratamento e sinais com o espectro de cores do arco-íris), Apresentar interesse restrito
Alguns sinais de autismo já podem considerando o autismo como iden- por um único assunto (hiperfoco);
aparecer a partir de um ano e meio tidade, uma característica da pes- Não imitar;
de idade, e mesmo antes, em casos soa — data celebrada originalmente Não brincar de faz-de-conta;
mais graves. Há uma grande im- em 2005, pela organização britânica Hipersensibilidade ou hiper-reati-
portância em iniciar o tratamento o Aspies for Freedom (AFF). vidade sensorial.

08 R EVI STA AUTI SMO


Matraquinha
Wagner Yamuto

é pai do Gabriel
(autista) e da Thata,
casado com a Grazy
Yamuto, fundador do
SEJA GENTIL
Adoção Brasil, criador do
app Matraquinha, autor
e um grande sonhador.
CONSIGO
matraquinhaoficial
@matraquinhaoficial
matraquinha
MESMO
matraquinha.com.br Recebi o diagnóstico de autismo do a buscar por terapias e acompanhar
meu filho em 2011. pelas redes sociais famílias que já ti-
Se você já acompanha esta coluna, nham passado pelas experiências que
deve conhecer o meu filho Gabriel, caso estávamos vivendo naquele momento.
@biabiaraposo

não conheça, deixo o convite para que Mas, infelizmente, caímos na ar-
leia as edições anteriores. madilha da comparação e como a
Desde março de 2019 eu compartilho Grazy diz:
nossas experiências em família, mas — A comparação é o ladrão da fe-
Ilustração: Bia Raposo -

hoje resolvi falar sobre mim. licidade.


Nunca me achei o melhor pai do A criança do post ao lado faz 40
mundo, mas sempre procurei ser o horas semanais de terapia, a outra faz
melhor pai dentro das minhas pos- musicoterapia, e outra faz equoterapia
sibilidades. e o meu faz apenas fonoaudiologia e
Logo que recebi o diagnóstico do meu psicologia.
R EVI STA AUTI SMO 10 filho, minha esposa e eu começamos De onde tiram tempo para
acompanhar essa criança nas tera- Aprendi as duras penas que estou
pias? E se eu não conseguir propor- fazendo o possível dentro das minhas
cionar todas as terapias, meu filho possibilidades e estou bem com isso.
vai regredir? Tenho que parar com essa auto co-
Até onde sei, as mesmas 24 horas brança exagerada, preciso estar bem
do dia valem tanto para mim, quanto para que seja possível cuidar da minha
para elas. família.
Na internet ninguém perde a pa- Só preciso ser mais gentil comigo
ciência com as crianças, chora ou se mesmo. #AutismoMaisInformacao
sente só.
Já perdi a conta de quantas vezes me
senti o pior pai do mundo.
Isso já me fez muito mal, não que eu
esteja melhor, mas essas armadilhas
não servem mais para mim. R EVI STA AUTISMO 11
AMANDA RAMALHO
é jornalista, nascida no Capão Redondo, periferia de SP, trabalhou na TV aberta @amandaramalho
por 8 anos e em rádio por mais de 15. Em podcasts, fala de saúde mental no @amandaramalho
“Esquizofrenoias” (em 2019 indicado ao APCA; em 2020 concorreu ao Miaw MTV) esquizofrenoias
e de variedades no ”Chá das 4:00 e 20 músicas”, além de apresentar e roteirizar o
Amanda no Espectro, série de 12 episódios sobre a sua descoberta como autista.

AMANDA
NO ESPECTRO
Primeiro
produto
audiovisual
do
Esquizofrenoias

inha autoestima nunca foi


das mais elevadas, muito pelo
contrário. Só que sempre “me
garanti” como comunicadora.
Repito à exaustão que a
única coisa que sei fazer bem
na vida é perguntar. Ok, posso
ter e sei que tenho outras habi-
lidades, mas, para mim, entre-
vistar sempre foi uma música
que eu sei tocar com tranquili-
dade e o mais importante, com
segurança.
O Esquizofrenoias é o meu
podcast de saúde mental,
muito bem consolidado, in-
dicado a prêmios e pioneiro
no assunto. Já o faço há quase

R EVI STA AUTI SMO 12


cinco anos e adoro tudo nele: de as meninas da minha idade,
alguma forma admiro a minha fazer amigos, mantê-los. Tudo
capacidade de falar de temas sempre foi complicado. Desde
infelizmente ainda delicados. contar sobre como foi meu dia
No ano passado, ao saber para os meus pais à maneira
que estou no espectro autista, como eu pintava os mapas na
tive a certeza de que precisava aula de geografia, ou como eu
usar minhas plataformas para nunca entendi a minha pró-
comunicar algo sobre este as- pria letra. Venho descobrindo
sunto também. Havia chegado até sobre os lápis que masti-
a hora de ampliar o foco do guei até hoje, sem perceber, ao
meu trabalho. longo dos meus 37 anos.
Se a saúde mental ainda é Bombei em telejornalismo
tabu, comecei a divagar comi- na faculdade “só” porque eu
go mesma sobre a necessidade não consegui olhar para a câ-
de falar também a respeito do mera e decorar um texto sim-
autismo. Foi então que decidi ples na prova final.
criar o “Amanda no Espectro”: Aquilo que eu acreditava ser
o primeiro produto audiovi- só meu, aquilo que me fazia
sual do Esquizofrenoias. sentir tanta vergonha de não
A ideia sempre foi deixar me adequar, ou o porquê eu
bem clara a minha completa sempre chorei tanto e nunca
ignorância sobre o assunto. consegui abrir os olhos na
As perguntas, desta vez, ao praia. Tudo está lá no Aman-
contrário do Esquizofrenoias, da no Espectro (e devo dizer
seriam mais primárias, afinal que da maneira mais honesta)
eu não sabia nada ou quase me conhecendo novamente e
Ilus
traç
ã o:
nada sobre autismo. Não me juntando peças para que eu
t i o.
fa s
o- constranjo por não saber e per- finalmente faça parte de uma
@s
eeu
fala
guntar. É meu novo assunto comunidade, de uma “galera”.
rna
osa
idir favorito, talvez um hiperfoco? Eu já havia desistido de fazer
eito
Ainda estou me acostu- parte de um grupo.
mando com os ter- Tem sido uma jornada muito
mos e me estressante, intensa e de alívio.
E eu não conseguiria aprender
tanto sem compartilhar isso
com quem me acompanha.
E mesmo não olhando para
a câmera da maneira tradicio-
nal, acho que estou me saindo
“reconhecendo” nas entrevis- muito bem e, se eu fosse a pro-
tas através dos personagens. fessora que me repetiu daquela
Eu nunca me senti parte de vez, me daria mais que dez,
uma “galera”, de uma turma no pois me garanto nessa de co-
sentido mais amplo da palavra. municação.
Na escola, tudo foi bem difí-
cil para mim: me conectar com

#AutismoMaisInformacao 13 R EVI STA AUTISMO


Liga dos Autistas

Priscila Jaeger Lucas

É TUDO EMOCIONAL
Diariamente somos invalidados por nosso estou sendo pessimista, sou direta e não con-
sistema de saúde, e isso não se resume à neu- sigo maquiar cenários para atender ao que as
rodivergência.. Mas na presença dela, existe pessoas dizem ser socialmente aceitável na
uma dinâmica de interação que define qualquer expressão de alguma opinião.
sintoma como sendo “emocional”. Já existem A sociedade estabelece o valor pessoal e o
tem 28 anos e mora em estudos sendo realizados com o tema de trans- reconhecimento de identidade de acordo com
uma pequena cidade da
torno de estresse pós-traumático que pacientes o pertencimento a um padrão distinto. A in-
região metropolitana de
Porto Alegre, Rio Grande adquirem nas interações com o sistema médico, teração com o mundo é baseada em normas
@camila_alli

do Sul. A criança que mas nada nessa estrutura parece mudar e co- que hoje são reproduzidas de modo automático.
observava padrões de meço a me perguntar se essa mudança algum E quando é dito ser uma estrutura errada,
interação cresceu para
se tornar antropóloga dia irá acontecer. as pessoas brigam para que um sistema que
e pesquisadora bolsista. Decidi seguir a pesquisa antropológica como segrega e oprime continue funcionando em
Ilustração: Camila Alli Chair -

Junto da família, de carreira e vejo cada vez mais lacunas, tópicos um ciclo infinito.
seus três cachorros ignorados, e o sentido de ignorado aqui diz Existe uma separação que define, na lin-
e duas gatas, os dias
se tornam menos respeito aos pesquisadores não considerarem guagem popular, o que é “normal”, e quem
difíceis de enfrentar. como opção temática ou abordagem de pes- não atende essas expectativas é excluído de
quisa, práticas que acolhem o público alvo e círculos sociais. Toda interação é sempre ba-
dão voz às vivências que trazem perspectivas seada nesses pré-rótulos. Sua palavra é válida
@liga.dos.autistas
além da observação do organismo biológico. E se, aos olhos do meio social, você é normal
alguns desses tópicos são reconhecidos apenas e atende ao padrão. Uma
pelo público neurodivergente. Quando se fala palavra é suficiente para
de pesquisa em autismo, existe uma tendên-
cia temática que cria essas lacunas. Muitos
desses tópicos são de extrema importância
para a vida prática tanto de crianças quanto
de adultos autistas.
A frase “o sistema está quebrado” ou “o
sistema falhou” não é a mais adequada aqui.
O sistema não foi feito para lidar com as dife-
renças. Ele não falhou conosco porque nunca
atendeu à expectativa mínima de atendimento
a pessoas que não correspondem ao padrão
R EVI STA AUTI SMO 14 considerado como “o correto”. Não, eu não
que todas as interações sejam acompanhadas O esgotamento gerado pelos sintomas não
de preconceitos que definem como a pessoa era maior do que o efeito do capacitismo em
será tratada. cada busca por ajuda. Eu sabia que não era
Não é novidade o que o senso comum pensa emocional, minha psicóloga também concor-
e como as pessoas agem quando se trata do dou que não era emocional. Eu precisava de
autismo. As consequências? Não vejo uma alguém que me ouvisse e acreditasse que havia
medida para quantificá-las. E confesso que a algo acontecendo em meu corpo que não era
maior parte dessas nuances que acompanham emocional, e meu psiquiatra foi essa pessoa. A
o capacitismo não eram visíveis para mim até conduta médica que deveria ser comum foi a
que eu estivesse em uma situação que torna exceção, que possivelmente salvou minha vida.
impossível não perceber a gravidade dos danos Após todos esses meses, finalmente des-
que o capacitismo gera na vida de uma pessoa. cobri em uma tomografia um meningioma
Comecei a apresentar alguns sintomas de- (tumor) pressionando meu cérebro e geran-
bilitantes há quase um ano, que em certos dias do os sintomas. Pela primeira vez em meses,
me impediam de caminhar. Senti progressi- eu dormi bem. O alívio de finalmente saber
vamente meu sistema cognitivo regredindo. o que estava acontecendo me proporcionou
Em virtude das minhas comorbidades, a ida uma das melhores noites de sono da minha
ao médico é extremamente desconfortável. É vida inteira. Sim, eu fiquei aliviada e feliz por
o motivo da maioria das crises de ansiedade descobrir um tumor no cérebro, após meses de
ao longo do meu tratamento, mas existe um profissionais duvidando da minha palavra. A
ponto em que é impossivel ignorar os sintomas minha exaustão me fez questionar se o que eu
e precisei buscar ajuda médica para mais uma estava sentindo era real. Foi nesse momento
vez ser invalidada. que percebi a letalidade da psicofobia e me
Os 28 exames que foram solicitados na pri- pergunto: quantas pessoas já morreram sem
meira consulta foram examinados em menos de receber ajuda porque ouviram que era tudo
um minuto e a conclusão foi que eu precisava emocional? Quantas pessoas mais o dualismo
retornar ao psiquiatra, pois meu problema cartesiano que separa o corpo da mente vai
era emocional. Entre idas e vindas, em um dizimar? Onde está a medicina humanizada
ambiente decorado com frases referentes ao quando precisamos? Sei que não são todos
Janeiro Branco, eu recebia olhares de deboche. os profissionais, mas infelizmente é a maio-
ria. O juramento de Hipócrates parece para
mim, agora, um rito de passagem sem sentido
e todas as vezes que vou em busca de ajuda
médica, espero o pior das pessoas.

#AutismoMaisInformacao 15 R EVI STA AUTISMO


PAULA AYUB
é psicóloga clínica, terapeuta de família, diretora do Centro de
Convivência Movimento – local de atendimento para autistas –, eumeprotejo.com
autora de vários artigos e capítulos de livros, membro do GT de
TEA da SMPD de São Paulo, membro do Eu me Protejo (Prêmio @eumeprotejobrasil
Neide Castanha) e colunista do Canal Autismo. @paulaayubb

ANIMAIS DE
ASSISTÊNCIA
Cães podem ser treinados para darem suporte a autistas
uitas perguntas surgem ao falarmos de
animais de assistência. Para esclarecer
tais dúvidas e contribuir para discussões
sobre um tema tão recente e tão impor-
tante em centenas ou milhares de lares,
Ronaldo Novoa, 51 anos, presidente do
Instituto Reddogs (@institutoreddoggs),

Foto de Ronaldo Novoa


concedeu uma longa entrevista que con-
tribui para entendermos melhor o que é
um cão de assistência (veja a primeira en-
trevista Cães de Assistência: você sabe o
que é?, no Canal Autismo).

R EVI STA AUTI SMO 16


Muita gente acredita que se certificação de cães de serviço.
trata apenas de comprar um Esses cães passam por treina-
cãozinho para seu filho e que mento específico para desem-
aprender a cuidar dele fará penho de suas funções que
toda a diferença. O tema é bem começam desde a seleção na
mais complexo do que pode- infância, passando por largo
mos supor. São dois anos de e intenso período de educa-
treinamento de um animal de ção, socialização e dos treinos
tamanho e raças específicas, específicos de cada serviço a
feito por um treinador quali- ser executado por cerca de 24
ficado para as especificidades meses. Esses animais atendem
que a assistência exigir. normas rígidas de convívio so-
Em nosso bate papo inicial cial, controle e funções a que
sobre o tema (veja o link na se destinam.
versão online desta repor- Por outro lado, um CAE ou
tagem) entendemos que há cão de assistência emocional
treinamentos diferentes para pode oferecer segurança ao
cada tipo de cão de assistência. seu tutor em ambientes que
Aqui, vamos abordar quais são lhe causem estresse, mesmo
esses cães e o que eles fazem não tendo passado por treina-
pelos seus tutores. mento algum, principalmente
O primeiro deles é o CApD, no quesito convívio social. O
cão guia ou cão de assistência que isso significa? Que o ani-
para deficientes, que “capacita mal pode latir no cinema, por
e habilita o seu usuário a ati- exemplo, trazendo transtornos
vidades que sua deficiência o e impedimentos futuros para
impede de realizar sozinho”. o tutor de um CApD.
Para um deficiente visual: o A falta de legislação em rela-
cão deve guiar seu condutor ção ao treinador, ao treinamen-
desviando de objetos pelo ca- to e à família social impedem o
minho e o proteger de possí- bom encadeamento do treina-
veis acidentes. mento dos cães de assistência.
Para um cadeirante: recolher Um exemplo bem básico diz
objetos caídos no chão, acender respeito ao uso no ambiente
ou apagar luzes fora do alcance, social amplo do CApD pelo
puxar a cadeira de rodas. seu tutor como um passeio
Para um autista: controle ao shopping. Sem a legislação
emocional em suas crises, pro- devida, não há como treinar o
tegê-lo de autoflagelação e au- uso das escadas rolantes, por
toagressão, intervir em questões exemplo, pelo animal, pois
ligadas à fuga (quando criança), estes são proibidos de usá-
entre outras atividades sociais, -las. Um CApD pode usar as
motoras, psicológicas, sensoriais escadas rolantes, mas como
e mentais. treiná-lo sem o acesso dos
Um CApD é treinado para treinadores ao mecanismo?
tarefas como cães de serviço e Nesse ponto de nossa con-
se enquadra no programa de versa, já encontramos dois

Ronaldo Novoa, presidente do Instituto


Reddog, com os cães Dust, Ayra e Maya.

#AutismoMaisInformacao 17 R EVI STA AUTISMO


“O CAE pode ser problemas graves relacionados
à legislação vigente. Um sobre
acompanhante em as especificações de cada ani-
qualquer lugar, mal e outro sobre treinadores
e treinamento.
desde que seu tutor Embora as leis vigentes
possua um laudo amparem ambas categorias
de animais, o CAE pode ser
médico indicando a acompanhante em qualquer
necessidade do animal” lugar, desde que seu tutor pos-
sua um laudo médico indican-
do a necessidade do animal,
e o seu impedimento pode
gerar uma deficiência ao seu
tutor sem sua presença. Em
outras palavras, a ausência de
um bom treinamento social de
um CAE pode impedir o livre
acesso de um CApD que dei-
xará seu tutor à mercê das ina-
cessibilidades estruturais de
nossa sociedade. Ainda hoje
no Brasil, qualquer animal
pode ser um animal de apoio
emocional: cobras, ratos, ca-
chorros, etc.
Entender e estender a ne-
cessidade do mesmo direito
aos instrutores e treinadores
de cães de assistência e às fa-
mílias socializadoras é pré-re-
quisito para a excelência em
De
po

todas as fases do treinamento,


si
tp

incluindo as diferenciações de
ho
to

direitos entre os tipos de ser-


s

viços dos cães.

R EVI STA AUTI SMO 18


#AutismoMaisInformacao Entrevista

- Quais cães podem receber a classifi- do responsável, site) ou nome e No caso de companhias aé-
cação de “cão de assistência”? CPF do treinador responsável; reas, ferroviárias, marítimas e
Todo cão pesando menos - dados do usuário, nome, rodoviárias é necessário infor-
de 40 kg, desde que o animal idade, gênero, carteira de PcD; mar sobre o cão no momen-
seja dócil, educado, contro- - dados da família ou respon- to da compra da passagem e
lado e tenha sido aprovado sável legal do usuário/PcD; apresentar toda a documenta-
em todos os testes dentro dos - carteira de vacinação do cão ção necessária com pelo menos
processos de socialização, atualizada com assinatura do 5 dias de antecedência da data
educação, obediência básica médico veterinário responsável; do embarque.
e interações específicas. - cópias das leis que atestem O cão de assistência deve ir
seu acesso, permanência e in- sentado ou deitado no piso, à
- Quem pode preparar um cão de clusão no local ou transporte. frente ou ao lado do usuário,
assistência? sem prejuízo a passagens de
Entidades sem fins lucrati- - Quais os direitos do cão de as- emergência e tripulação.
vos com CNPJ e treinadores sistência? Em transporte público urbano
reconhecidamente capacita- Esses cães se igualam quan- (metrô, ônibus de linhas mu-
dos, que pertençam ou não a to ao processo de treinamento nicipais, trens, táxis, Uber e
uma entidade de treinamento a cães guia e outros serviços, e similares), o cão de assistência
de cães de assistência. Famí- por isso seus direitos podem e não pode ser impedido de in-
lias socializadoras são famílias devem ser igualados. gressar e permanecer ao lado
voluntárias, escolhidas pelas - Acesso e permanência em quais- do seu usuário e não deve ser
suas capacidades emocionais quer locais públicos e privados. cobrado pelo transporte. Da
e habilidades de socializar o - Acesso e utilização de qual- mesma forma descrita ante-
cão em treinamento, mostran- quer transporte público, privado riormente, o cão de assistência
do-lhe o mundo. ou particular. deve ir sentado ou deitado no
piso do meio de transporte ur-
- Como identificar um cão de as- - Quais os procedimentos no bano utilizado, posicionado à
sistência e seu condutor? transporte do cão de assistência? frente ou ao lado do usuário.
Todo cão de assistência deve
portar:
- colete que o identifique para
todos como cão de assistência
com seu nome, função e sta-
tus (em treinamento ou em
serviço);
- medalha em sua coleira com
as informações através de QR-
CODE mantido pela institui-
Foto de Ronaldo Novoa

ção responsável pelo cão;


- nome do cão, fotos que iden-
tifiquem o cão, raça, idade e
gênero do cão;
- dados da instituição que o
treinou (nome, CNPJ, telefone

Simba, cão da raça pastor australiano, entra na brincadeira


e prepara-se para uma “reuniao”.

#AutismoMaisInformacao 19 R EVI STA AUTISMO


O que se tem hoje é uma ampla e estruturadas para que auxi-
confusão entre os tipos de ani- liem seus usuários a saberem
mais de assistência e de apoio como se comportar, bem como
emocional. Os animais de apoio aos donos de estabelecimentos.
emocional não são treinados como Outro ponto relevante diz
os cães de assistência, até porque respeito aos estabelecimen-
cobras e lagartos podem ser con- tos como bares e restaurantes
siderados animais de apoio emo- onde a ANVISA e/ou Vigilân-
cional, se assim o laudo médico cia Sanitária proíbem a en-
de quem o portar determinar. trada de animais. Quem tem
Em 30.março.2023, o depu- mais voz nesse caso? A lei que
tado Caio França apresentou, garante a permanência do ani-
na Assembleia Legislativa de mal ou a lei que garante a qua-
São Paulo (ALESP), o Proje- lidade do produto vendido?
to de Lei 367/2023, dispondo O que acontece em uma
“sobre os direitos da pessoa sala de aula de 30 alunos, se
com deficiência, transtorno do 29 deles possuírem animais de
espectro autista, transtornos suporte emocional? A escola
psicológicos ou sensoriais de deverá receber todos?
ingressar em ambientes públi- Todas essas particularidades
cos e privados acompanhado precisam estar dispostas na
pelo seu a n i mal de supor- lei, para tornar o dia a dia de
te emocional em todo estado todos uma via de acesso e não
de São Paulo.” de perturbações e transtornos.
O PL define tais animais como Segundo o IBGE, no censo de
tendo fins terapêuticos, propo- 2010, cerca de 24% da popula-
sição da qual nosso entrevista- ção brasileira tinha algum tipo
do enfaticamente diverge: uma de deficiência — é quase uma
coisa é uma coisa, outra coisa é fatia de um quarto do bolo —
outra coisa”, já diriam muitos. É e muitos poderão se beneficiar
fato a necessidade de que esses de leis claras, profundas e de-
animais de assistência e apoio dicadas a assegurar os direitos
emocional sejam legislados, no dos cidadãos.
entanto não se trata apenas de A luta contra o preconceito
colocá-los todos em uma mesma começa pela informação.
categoria. São animais distintos
e com tarefas igualmente distin-
tas. Sua diferenciação é urgente
para que a lei assegure o treina-
mento adequado daqueles que
serão uma extensão de pernas,
braços, olhos e cuidadores de
muitas pessoas.
Uma das exigências propostas
no PL é que os animais tenham
crachás, coletes e certificado de
adestramento. Algo impossível
para uma serpente, por exemplo.
Precisamos de leis mais claras

R EVI STA AUTI SMO 20


CanalAutismo.com.br/assine
FRANCISCO PAIVA JUNIOR
é editor-chefe da Revista Autismo
@PaivaJunior
@paivajunior
CDC divulga nova
prevalência de
autismo nos EUA
T
emos um novo número: 1 em cada mundo, pois não há evidência de
36 crianças de 8 anos são autistas que tanto essa variabilidade quanto
nos Estados Unidos, o que signi- as mutações genéticas aconteçam
fica 2,8% daquela população. O de forma diferente em outras re-
dado divulgado em 23.mar.2023 giões do planeta. Nesse aspecto,
vem da principal referência mun- o que acontece nos EUA, deve ser
dial a respeito da prevalência de uma representação do que acontece
autismo, o CDC (Centro de Con- no resto do mundo”.
trole e Prevenção de Doenças do A segmentação percentual por
governo dos EUA), que publicou raça foi também comentada pelo
sua atualização bienal, com dados pesquisador: “Outra parte interes-
de 2020, um retrato daquele ano. sante do estudo é o aumento da
Pela primeira vez, as porcenta- prevalência entre minorias aqui
gens de diagnósticos de autismo nos EUA, como asiáticos, latinos e
entre asiáticos (3,3%), hispânicos negros. Isso mostra que o diagnós-
(3,2%) e negros (2,9%) foram maio- tico está chegando nessas popula-
res do que entre as crianças bran- ções, que estavam sendo excluídas
cas de 8 anos (2,4%). Isso é o oposto e, portanto, apareciam menos nos
das diferenças raciais e étnicas ob- dados anteriores do CDC. De novo,
servadas nos estudos anteriores essa relação entre minorias e diag-
do CDC. Essas mudanças podem nósticos provavelmente aconteça
refletir uma melhor triagem, cons- nos outros países do mundo, inclu-
cientização e mais acesso a serviços sive o Brasil”, disse Dr. Muotri, que
entre grupos historicamente mal também é cofundador da Tismoo
atendidos nos EUA. Biotech e da Tismoo.me.
O número de prevalência resul-
tante desse estudo científico, reali-
zado com mais de 226 mil crianças, Homens x mulheres:
é 22% maior que o anterior, divul- 3,8 para 1
gado em dezembro de 2021 — que A divisão entre gêneros na preva-
foi de 1 em 44, com dados de 2018. lência de pessoas com diagnóstico
No Brasil, não temos números de de autismo continua apresentando
prevalência de autismo. Se fizer- um número bem maior de homens.
mos a mesma proporção desse A relação do estudo apresentado
estudo do CDC com a população hoje é muito próxima a dos anos
brasileira, o resultado indica que anteriores, de 3,8 homens para cada
pode haver cerca de 5,95 milhões mulher (variando de 3,2 a 4,3 entre
A divisão entre gêneros de autistas no Brasil. as 11 regiões do estudo). Há dis-
Para o neurocientista brasileiro cussões mundo afora acerca dos
de pessoas autistas Alysson R. Muotri, que é profes- critérios diagnósticos sempre terem
diagnosticadas sor da faculdade de medicina da sido direcionados às características
Universidade da Califórnia em San mais comuns no sexo masculino e
continua com Diego (EUA), “Os novos números também nas habilidades femininas
um número bem do CDC mostram que a prevalên- de mascarar alguns sinais de autis-
cia de autismo continua subindo, o mo, o que indicaria a possibilida-
maior de homens: 3,8 que não acreditamos ser algo bio- de de termos números diferentes
para cada mulher. lógico, mas sim uma melhoria no dessa relação de gênero.
diagnóstico, pois o autismo tem Vale lembrar que a pesquisa
aparecido mais, está mais conhe- aponta pessoas com diagnóstico
cido. Acredita-se que essa reali- de autismo e não pessoas autistas
R EVI STA AUTI SMO 24 dade seja a de todos os países do — ou seja, o acesso ao diagnóstico
médico formal, seja por questões Minnesota, Missouri, Nova Jer-
sociais ou aspectos ligados ao gê- sey, Tennessee, Utah e Wisconsin.
nero, interfere nesse resultado. No Nessa pesquisa, cada uma das 11
geral, a prevalência de autismo comunidades selecionou uma área
nas 11 regiões estudadas continua geográfica de seu estado para mo-
quase quatro vezes maior para me- nitorar o transtorno do espectro do
ninos (4,3% dos homens avaliados autismo (TEA) em crianças. Foram
no estudo) do que para meninas utilizados registros e dados de
(1,1% das mulheres). Ainda assim, saúde e educação anonimizados
este é o primeiro relatório do CDC dessas crianças, conforme as leis
em que a prevalência de autismo nos EUA.
entre meninas de 8 anos excedeu
1%. Do total de crianças autistas Mais abrangente:
no estudo, há 4.984 homens e 1.255
1 em 30
mulheres, além de 6 registros sem
Em julho de 2022, um estudo pu-
informação do sexo biológico.
blicado na Jama Pediatrics, realiza-
do com 12.554 pessoas, com dados
Um retrato de 2020 do CDC de 2019 e 2020, revelou um
Como de praxe, os estudos bie- número de prevalência de autismo
nais do CDC tratam de dados de nos Estados Unidos de 1 autista
3 a 4 anos anteriores à publicação, a cada 30 crianças e adolescentes
com todo o rigor científico exigido entre 3 e 17 anos.
para isso. Os novos números têm A principal diferença entre aquele
como base dados de 2020, a respei- estudo e o divulgado em março de
to de crianças de 11 comunidades 2023 é a abrangência deles: um limi-
diferentes (em 11 estados dos EUA) ta-se a crianças de 8 anos; o outro, a
da rede de Monitoramento do Au- pessoas de 3 a 17 anos de idade. São
tismo e Deficiências do Desenvolvi- pesquisas, portanto, diferentes e não
mento (ADDM na sigla em inglês) devem ser comparadas.
nascidas no ano de 2012.
O estudo, que portanto é um re- Crianças de 4 anos
trato do ano de 2020, encontrou Um segundo relatório sobre
6.245 autistas entre 226.339 crian- crianças de 4 anos nas mesmas 11
ças nascidas em 2012. As taxas comunidades destaca o impacto
de autismo nessas comunidades da pandemia de Covid-19, mos-
variaram de 1 em 43 (2,31% em trando interrupções na detecção
Maryland) a 1 em 22 (4,49% na precoce do autismo, o que coincide
Califórnia). Essas discrepâncias, com as interrupções nos serviços
de acordo com o CDC, podem ser de assistência à infância e saúde
atribuídas à maneira como as di- durante a pandemia nos Estados
ferentes comunidades identificam Unidos. “Interrupções devido à
crianças autistas, além do fato de pandemia na avaliação oportuna
algumas dessas comunidades de crianças e atrasos em conectar
terem acesso a mais serviços de essas crianças aos serviços e apoio
saúde (e, portanto, ao diagnóstico) de que precisam podem ter efei-
e educação destinados a crianças tos a longo prazo”, disse a médica
autistas e suas famílias. Karen Remley, diretora do Centro
As 11 comunidades estudadas Nacional de Defeitos Congênitos e
estão nos seguintes estados nor- Deficiências de Desenvolvimento
te-americanos: Arizona, Arkan- do CDC. “Os dados deste relatório
sas, Califórnia, Geórgia, Maryland, podem ajudar as comunidades a
podem ajudar
entender melhorascomo
comunidades
a pandemia a necessidades
após o ensinopotenciais
médio nos de Estados
serviços
afetou a identificação
entender melhor como aprecoce
pandemiade Unidos.
após o ensino médio nos Estados
autismoa em
afetou identificação
crianças mais
precoce
novasdee Unidos.
O Estudo do CDC para Explorar
anteciparem
autismo as crianças
necessidades
mais novas
futurase o Desenvolvimento
O Estudo do CDCPrecoce
para Explorar
(SEED,
à medidaas
antecipar que
necessidades
essas crianças
futuras
vãoà naDesenvolvimento
o sigla em inglês) começou
Precoce (SEED,
a iden-
ficandoque
medida maisessas
velhas”,
crianças
completou
vão fican- tificar
na siglacrianças
em inglês)
autistas
começou ema mea-
iden-
Remley.
do mais velhas”, completou Remley. dos doscrianças
tificar anos 2000autistas
e essasemcrianças
mea-
agora
dos dosestão
anosiniciando
2000 e essasa transição
crianças
Adultos autistas da adolescência
agora estão iniciando
para a aidade
transição
adul-
Sobre autismo em adultos, o CDC ta. adolescência
da Por meio do paraSEED a idade
Teen (uma
adul-
publicou um estudo. em 2022, que versão
ta. Por meio
do estudo
do SEEDem adolescen-
Teen (uma
estima haver 2,2% da população tes), o CDC
versão do estudo
está acompanhando,
em adolescen-
dos Estados Unidos acima dos 18 nos Estados
tes), o CDC Unidos,
está acompanhando,
as mudanças
anos no espectro do autismo, com que Estados
nos ocorremUnidos,
duranteas esse
mudanças
período
dados referentes ao ano de 2017 de transição
que ocorrem durante
para aprender
esse período
sobre
(quase 5,5 milhões de autistas). os fatores
de transiçãoquepara
podem
aprender
promover
sobre
Essa prevalência de adultos nor- transições
os fatores que
maispodem
bem-sucedidas
promover
te-americanos com TEA variou e melhores mais
transições resultados
bem-sucedidas
em jovens
de 1,97% no estado de Louisiana a eadultos
melhoresautistas.
resultados em jovens
2,42%, em Massachusetts. Os es- adultos autistas.
tados com o maior número abso- Brasil
luto estimado de adultos autistas Brasil
No Brasil não há números oficiais
foram: Califórnia (701.669), Texas deNoprevalência
Brasil, não deháautismo,
números temos
ofi-
(449.631), Nova York (342.280) e apenas
ciais deumprevalência
pequeno estudo
de autismo,
de pre-
Flórida (329.131). valência
temos apenas
de TEA umatépequeno
hoje, um estudo
estu-
Assimcomo
Assim comoasasestimativas
estimativas de au-
de do-piloto,
de prevalência
de 2011,
de TEA
em Atibaia
até hoje,(SP),
um
autismo
tismo emem crianças
crianças
em emidade
idade
escolar
es- de 1 autista para
estudo-piloto, decada
2011,367
emhabitan-
Atibaia
colarEUA,
nos nos a EUA,
prevalência
a prevalência
foi maior
foi tes (ou
(SP), de27,2
1 autista
por 10.000)
para cada
— a pesqui-
367 ha-
maior
em homens
em homens
do quedo emque
mulheres.
em mu- sa foi feita(ou
bitantes apenas
27,2 por
em um10.000)
bairro —de a
lheres. Aproximadamente
Aproximadamente 4.357.6674.357.667
homens 20 mil habitantes
pesquisa foi feita da
apenas
cidade.emLeia
um
homens(3,62%)
adultos adultos seriam
(3,62%)autistas,
seriam de o textode
bairro da20próxima
mil habitantes
página,dasobre
cida-
autistas,com
acordo de acordo
o mencionado
com o mencio-
estudo a analogia
de. Leia o texto
dos da
números
próxima dospágina,
EUA
nado
— comestudo
estimativas
— comestaduais
estimativas
varian- com oaBrasil
sobre analogia— edosa possibilidade
números dos
estaduais
do de 3,17%variando
(Dakotade do3,17%
Sul) a(Dako-
4,01% de termos
EUA com o6Brasil
milhões— e de
a possibili-
autistas
ta do Sul) a 4,01%
(Massachusetts) —,(Massachusetts)
havendo apro- brasileiros.
dade de termos 6 milhões de au-
—, havendo aproximadamente
ximadamente 1.080.322 mulheres tistas
Um brasileiros.
mapa online, do site Spec-
1.080.322 adultas
autistas mulheres(0,86%)
autistasnaquele
adultas trum
Um News,
mapa traz
online,
todos
doossite
estudos
Spec-
(0,86%)
país, comnaquele
estimativas
país, comporestimati-
estado científicos
trum News, detraz
prevalência
todos osde estudos
autis-
vas por estado
variando de 0,72%
variando
(Arkansas)
de 0,72% a mo publicados
científicos de prevalência
em todo o de planeta.
autis-
(Arkansas)
0,97% (Virgínia).
a 0,97% (Virgínia). moOpublicados
CDC continua em todo
rastreando
o planeta. a
No ano passado, o CDC anun- prevalência
O CDC continua do autismo
rastreando
nas re- a
ciou investimento em suporte para prevalência
giões atuais do dosautismo
EUA e, nasno diare-
acompanhar jovens de 16 anos, que 18.abr.2023,
giões atuaisanunciou
dos EUA quee, planeja
no dia
foram identificados com TEA aos expandir suaanunciou
18.abr.2023, vigilânciaquepara
planeja
5 lo-
8 anos de idade em estudos ante- cais adicionais
expandir sua vigilância
— incluindo paraum5 emlo-
riores, em 5 regiões dos EUA. Essa Portoadicionais
cais Rico — para — incluindo
o próximo umciclo
em
é uma nova atividade para o CDC de financiamento.
Porto Rico — para o próximo ciclo
e fornecerá informações valiosas de financiamento.
sobre o planejamento de transição
em serviços de educação especial e
R EVI STA AUTI SMO 26 necessidades potenciais de serviços
N
PO R Q U E
O B R ASI L
PO D E TER
6 MI LH Õ ES
DE
AUTI STAS? este artigo busco explicar os mo-
tivos, com base em estudos cien-
tíficos, pelos quais conseguimos
estimar que o Brasil pode ter
Para ser exato, atualmente 6 milhões de autistas,
ou mais! Não há nenhuma pes-
podemos ter quisa no país, nem o Censo trou-
xe qualquer resultado a respeito
hoje pelo menos disso ainda. Trata-se puramente
de projeção comparativa, estatísti-
5.997.222 ca e lógica, com as pesquisas cien-
tíficas realizadas mundo afora e,
pessoas autistas principalmente, com a atualiza-
no país (e ção, no último dia 23.mar.2023,
da prevalência de autismo nos
aumentando…) Estados Unidos, divulgada pelo
Centers for Disease Control and
Prevention (CDC) — em portu-
guês: Centro de Controle e Pre-
venção de Doenças —, um órgão
do governo estadunidense.
O cálculo é bem simples: se a
prevalência nos Estados Unidos
é de 2,8% da população de crian-
ças de 8 anos (e não são dados de
hoje, são referentes ao ano de 2020!)
— e entre adultos isso só pode au-
mentar com diagnósticos tardios e
considerando que autismo é uma
condição de saúde para a vida
toda — no Brasil é possível que o

#AutismoMaisInformacao 27 R EVI STA AUTISMO


número seja semelhante, já que nenhuma evidência
“É um consenso que o
indica que a prevalência seja diferente em qualquer
aumento progressivo outro país, segundo o neurocientista Alysson Muotri,
professor da faculdade de medicina da Universidade
dessa prevalência seja
da Califórnia em San Diego (EUA). Tendo mais de
principalmente resultado 213,3 milhões de habitantes, de acordo com a proje-
ção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
de mais informação,
(IBGE) para 2021, 1 em cada 36 habitantes equivale a
mais conscientização”

Gráfico de prevalência
5,295 milhões de brasileiros. Considerando a projeção de autismo nos EUA
de 2004 a 2023,
para hoje — 215,9 milhões —, o número de autistas com dados do CDC
projetado pode chegar a 5,997 milhões! E esse núme-
ro, logicamente, só aumenta, pois mesmo mantendo
a mesma prevalência, todo dia a população brasileira
cresce, né? E, com essa nossa inferência, a cada 36
nascimentos ao menos 1 pode ser um bebê autista.
É um consenso que o aumento progressivo dessa
prevalência, de acordo com os maiores especialistas
na área, seja principalmente resultado de mais infor-
mação, mais conscientização, melhor capacitação de
profissionais de saúde e educação nos Estados Unidos
— não há mais autistas, há mais diagnósticos (e com
critérios muito mais ampliados em relação ao pas-
sado). Tanto que, pela primeira vez, os diagnósticos
de autismo entre asiáticos (3,3%), hispânicos (3,2%) e
negros (2,9%) foram percentualmente maiores do que
entre as crianças brancas de 8 anos (2,4%). Isso é o
oposto das diferenças raciais e étnicas observadas nos
R EVI STA AUTI SMO 28
estudos anteriores do CDC. Essas mudanças podem
refletir melhor triagem e mais aces- única “pista” inicial, o único estu-
so a serviços de saúde entre grupos do-piloto brasileiro, de 2011, que
historicamente mal atendidos nos resultou em 1 autista para cada
EUA. Imagine no Brasil! 367 crianças.
Numa reportagem que fiz em
Capa da edição
Diagnósticos tardios nº 4, de março
de 2019
A prevalência pode ser ainda
maior, pois o estudo dos EUA limi-
ta-se a crianças de 8 anos. Quando o
estudo amplia a faixa etária, como o
divulgado em julho de 2022, o núme-
ro já é maior, pois considera os diag-
nósticos “tardios”, após os 8 anos de
idade (confira os detalhes do texto
anterior). Mas fica aqui meu ques-
tionamento: e se considerarmos os
maiores de 17 anos? E os diagnósti-
cos tardios na vida adulta, tão fre-
quentes atualmente? Toda semana
recebo a notícia de um pai ou mãe
de autista que acabou de ter seu
próprio diagnóstico (relatado por
eles mesmos a mim), isso consi-
derando apenas a minha rede de
contatos! Será que esse número seria
ainda maior que 1 em 30? Se fosse
assim, passaríamos facilmente dos 7 2019 (vale ler: “Quantos autistas há
milhões de brasileiros com autismo. no Brasil?“, capa da Revista Autis-
Aguardo ansioso pela atualização mo nº 4, onde cito também Portugal
desse estudo do CDC com maior e a América do Sul), entrevistei a
abrangência. psicóloga Sabrina Bandini Ribeiro,
Outro ponto muito importante é doutora em psiquiatria e psicologia
deixar bem claro que estou falando médica, e uma das autoras daquele
de pessoas autistas. Não estou fa- estudo pioneiro. Naquela ocasião,
lando apenas de pessoas diagnos- ela destacou a importância desse
ticadas ou com laudo de autismo tipo de pesquisas: “A importân-
em mãos. O espectro do autismo é cia maior é ajudar a pensar polí-
enorme e abrange as mais variadas ticas públicas, pois conseguimos
formas dessa condição, dessa neu- ter ideia de quem são e onde estão
rodivergência. Temos 6 milhões de nossos autistas”.
laudos? Lógico que não! Temos po- Sabrina participou ainda de um
líticas públicas eficazes para essas, outro estudo-piloto no Brasil, reali-
pelo menos, 6 milhões de pessoas? zado somente na cidade com maior
Infelizmente, também não. É uma PIB (produto interno bruto) do país,
batalha que ainda perdurará por São Paulo, em 2018, a respeito da
muito tempo! idade média de diagnóstico de au-
tismo: chegou ao número de 4 anos
Sem números e 11 meses e meio (4,97), mas com
O Brasil, porém, não tem nenhum
uma variação bem grande — por
número oficial a respeito da preva-
isso, mais estudos devem ser feitos.
lência de autismo no país. Há uma 29 R EVI STA AUTISMO
#AutismoMaisInformacao
Para efeito de comparação com algo verdade!) com o objetivo de tra- outubro do ano passado, mas foi
minimamente semelhante, a idade çar um perfil sociodemográfico das finalizada no primeiro trimestre
média de diagnóstico nos EUA era pessoas autistas no Brasil, chama- deste ano. O resultado final do
de 4 anos de idade, segundo um do “Mapa Autismo Brasil” (@mab. Censo está previsto para até 2025.
estudo bem mais abrangente (em autismo). É uma iniciativa liderada Apesar de ser um pedido de
11 estados), também em 2018. pela pesquisadora e musicotera- mais de uma década da comuni-
peuta Ana Carolina Steinkopf, de dade junto ao IBGE, a pergunta só
Brasília (DF), que visa unir univer- entrou no Censo atual por conta
Mapa Autismo Brasil sidades para realizar a pesquisa da Lei 13.861, sancionada em julho
Vou dar um spoiler aqui: há um
(inicialmente, não governamental) de 2019, com a ajuda do apresenta-
projeto (ainda embrionário, é
em nível nacional. Ana Carolina, dor Marcos Mion, que foi à Brasília
que já colocou o autismo em pauta para isso. “Depois de quatro horas
no programa Fantástico, da Globo, de reunião e muita discussão para
em 2015 com “Uma Sinfonia Dife- todos os lados, a comunidade au-
rente“, um musical estrelado por tista foi ouvida, respeitada e con-
autistas, explicou: “Através desses templada”, disse Mion, na época.
dados, vamos conseguir pensar em
estratégias eficientes para as neces- Estudos mundo afora
sidades da comunidade”. O site norte-americano Spectrum
A Revista Autismo está apoiando News, especializado em autismo e
esse projeto e contribuindo para ciência, publicou um mapa online
que o estudo aconteça. Quem sabe global, em 2018 — prevalence.spec-
esse não venha a ser um primeiro trumnews.org —, com uma coleção
passo para, futuramente, termos dos principais estudos científicos
um estudo de prevalência de au- publicados a respeito da prevalên-
tismo em todo o país? cia de autismo em todo o mundo,
que promete ser constantemen-
Censo do Brasil te atualizado (inclusive os dados
No Censo 2022, o Instituto Bra- podem ser baixados por quem qui-
sileiro de Geografia e Estatística ser). E o estudo-piloto brasileiro
(IBGE) fez a inclusão de uma per- está lá, vale conferir!
gunta sobre autismo no seu Ques-
tionário de Amostra, que é mais
detalhado e utilizado numa parcela
menor da população: 11%. Estima-
-se que tenhamos 78 milhões de
domicílios particulares perma-
nentes do país. O questionário da
amostra — com a pergunta sobre
autismo —, portanto, abrange uma
amostragem de aproximadamente
8,5 milhões de domicílios.
A pergunta é a seguinte: “Já foi
diagnosticado(a) com autismo por
algum profissional de saúde?”,
tendo sim ou não como resposta.
A coleta de dados do Censo esta-
va programada para terminar em

R EVI STA AUTI SMO 30


FÁTIMA DE KWANT
é especialista em Autismo & Desenvolvimento e Autismo & autimates@gmail.com
Comunicação, radicada na Holanda desde 1985. É mãe de www.autimates.com
um autista adulto, escritora de textos sobre o TEA e ativista Autimates
internacional pela causa do autismo @fatimadekwant

A INCLUSÃO ESCOLAR
PEDE SOCORRO
A luta não termina, só aumenta

N
o passado mês escolas por fora; dentro, há falta de mediado-

Ilustração: Samanta Paiva


de abril, mês da res capacitados a acompanharem alunos autis-
conscientização ta”, diz Lena Ribeiro, mãe de autista, ativista
do autismo, ti- de Manaus, após participação em audiência
vemos inúme- pública na cidade.
ras iniciativas de A insatisfação das famílias de autistas re-
conscientização. flete-se no feedback de várias outras que se
A campanha manifestam em redes sociais ou em redes
nacional “Mais municipais de tv: a inclusão é falha e os mu-
informação, nicípios não se interessam em ceder os direi-
menos preconceito” repercutiu em todo o Brasil, tos aos autistas, conforme o estabelecido nas
e trouxe mais conhecimento sobre o transtor- leis 12.764, de 2012, e 13.146, de 2015 — a Lei
no do espectro do autismo (TEA) para o povo Brasileira de Inclusão.
brasileiro em forma de caminhadas, eventos e Um dos pontos mais citados pelas famílias
outros projetos voltados para o autismo. é o da ausência de professor de apoio, respon-
A importância dessa data é imensa. Ainda sável pelo aprendizado adaptado do aluno
que nós, das comunidades TEA, falemos de autista que o necessita. Algumas mães citam
autismo o ano todo, o mês de abril sempre a “brecha” na lei federal 12.764, que menciona
nos traz mais reconhecimento público. o profissional de apoio, o que daria margem
Apesar de ter sido positivo, em geral, outro à interpretação deste como um cuidador, ou
fenômeno — inesperado na época de pro- estagiário — como muitas escolas oferecem,
tagonismo do autismo — surgiu em vários no lugar do professor que os autistas precisam
municípios do Brasil: os pedidos de socorro para permanecerem em sala de aula, respon-
de pais e mães de autistas às suas respectivas derem a situações que envolvem a comunica-
prefeituras e secretarias de educação para a ção social e acompanharem o aprendizado
inclusão escolar. pedagógico. As famílias temem que a situação
Mães de diversas cidades buscam redes não mude sem a compreensão, por parte das
de divulgação para dar-lhes espaço, a fim escolas e secretarias de educação, das espe-
de serem ouvidas pelas autoridades muni- cificidades do TEA, como são as deficiências
cipais responsáveis pela inclusão de seus fi- invisíveis de muitos alunos autistas.
lhos autistas nas escolas públicas e privadas. Portanto, a luta não termina, ao contrário,
Algumas dessas mães estão sozinhas, sem o só aumenta, visto que os pais e mães de
aval de uma associação de TEA da cidade, e autistas da atualidade já compreenderam
buscam as redes sociais como último recurso. que têm direitos e não admitirão essa forma
“Os governantes da cidade só cuidaram das de exclusão.

#AutismoMaisInformacao 31 R EVI STA AUTISMO


FRANCISCO PAIVA JUNIOR
é editor-chefe da Revista Autismo
@PaivaJunior
@paivajunior

40 ANOS DE
HISTÓRIA
AMA de SP completa quatro décadas de fundação
a sala de sua se transformou em uma organização que
casa, na Vila impactou e impacta a vida de inúmeras
Mariana, em famílias. Ao longo desses 40 anos, a ins-
São Paulo (SP), tituição tornou-se referência no apoio ao
a engenhei- autismo, oferecendo assistência multidis-
ra naval Ana ciplinar, orientação, terapias e atividades
Maria Serra- educacionais. Com uma equipe dedicada e
jordia Ros de comprometida, a AMA-SP luta por políticas
Mello, numa públicas abrangentes, visando à inclusão
tarde fresca, e ao bem-estar de todos os indivíduos no
tipicamente espectro do autismo.
paulistana,
me contou diversos episódios envolvendo Metodologia própria
a história da Associação de Amigos do Au- Hoje, com um total de quase 500 autistas
tista (AMA-SP), a mais antiga instituição em suas unidades, a AMA-SP não recebe
para atendimento de pessoas autistas na mais matrículas ou pedidos individuais
América Latina. Na conversa, falou desde de atendimento. Quem encaminha essas
os malabarismos econômicos para manter a pessoas e decide que serão atendidas pela
instituição ativa e pagar o salário de todos os instituição é o governo estadual, por meio
funcionários, até decisões grandiosas como da Secretaria da Saúde. Com uma metodo-
criar seu próprio método de ensino e trata- logia própria chamada Seta (Sistema Edu-
mento para autistas. cacional e Terapêutico da AMA) — baseada
Sempre animada, Ana Maria faz parte em teorias, técnicas e abordagens com evi-
do grupo fundador da AMA-SP (a maioria, dências científicas e 40 anos de experiência
mães de autistas, como ela). A entidade é trabalhando com autistas dos mais diversos
precursora no Brasil nesse segmento e serviu níveis de suporte — a instituição conta hoje
de base, de inspiração e de apoio para a cria- com quatro unidades na capital paulista.
ção de muitas outras (com o nome “AMA” e Ainda não há estudos a respeito do
com outros nomes) e também para a forma- uso da metodologia Seta com autistas
ção de diversos profissionais, muitos deles (fica a dica para os pesquisadores de
atualmente tendo suas próprias clínicas em plantão!), mas a coordenadora geral da
São Paulo, no interior e nas mais diversas instituição, Franciny Mancini, garante
regiões do país. que os resultados são muito positivos
Nascida de um desejo profundo de pro- com o público atendido pela AMA-SP
porcionar uma vida digna a seus filhos, e que um estudo sobre a metodologia
diversos pais e mães de autistas começa- seria muito interessante.
ram uma busca pessoal por soluções, o que

R EVI STA AUTI SMO 32


Podcast Espectros
Nós, da Revista Autismo, lançaremos, dia
25 de julho, próximo do aniversário da AMA,
um episódio do podcast Espectros com uma
entrevista com Ana Maria, com muitos detalhes
sobre a história da AMA. No podcast — que
já foi gravado —, ela compartilha sua jornada
pessoal e os desafios enfrentados no apoio a pes-
soas com autismo. Ana destaca a importância
de uma rede de suporte, a luta por inclusão e os
serviços oferecidos pela associação.
Ressalta ainda a necessidade de políticas
públicas abrangentes para o autismo, além
da valorização das diferentes facetas desse
transtorno, e deu detalhes tanto do trabalho
árduo para tratar problemas de comporta-
mento quanto da falta de acompanhamento
governamental adequado. Seu desejo é que
a AMA continue crescendo e que o autismo
seja parte de uma política pública integrada.
Depositphotos

No episódio, Ana enfatiza a importância da


doação automática da Nota Fiscal Paulista
(tem um tutorial no site da ama.org.br e um
link na versão online desta reportagem) como
uma maneira simples de contribuir com a
associação. No final, Ana Maria incentiva as
pessoas a se unirem à causa para promover
um futuro melhor para pessoas no espectro
do autismo e suas famílias.
Aliás, em breve essa história poderá ser lida
num livro sobre a AMA-SP que Ana Maria
Mello está escrevendo e pretende publicar
em breve.

#AutismoMaisInformacao 33 R EVI STA AUTISMO


SOPHIA MENDONÇA @autista_mundo
é jornalista, escritora, apresentadora e mestranda em Mundo Autista
comunicação social. Foi diagnosticada autista aos 11
anos, em 2008. Mantém o site “O Mundo Autista” no mundoautista.selmaevictor/
Portal UAI, é autora de dez livros, incluindo “Outro Olhar” @mundo.autista
e “Neurodivergentes”. omundoautista.com.br

AUTISMO(S)
Em livro, nós, mãe e filha, dialogamos e
refletimos sobre nossos autismos

O
liv r o Aut is - registra que o livro traz as diferenças do que
mo(s), publi- é ser um bebê com dificuldades relacionadas
cação da Juruá ao autismo. Ou seja, quais são os desafios
Editora, acom- durante o crescimento, os entraves relacio-
panha nossa nados à comunicação, ao comportamento e
trajetória, de à interação social. Com isso, “Autismo(s)”
mãe e filha, mostra que o autismo é um espectro. Afinal,
ambas autis- cada pessoa manifesta as características de
tas. Essa ob- uma forma diferente da outra.
servação ocorre Segundo a professora da UFMG, “talvez
por meio de uma perspectiva afetiva de o mais bonito dessa história é o quanto nos
pesquisa. Ou seja, a obra visa dialogar as convoca à intimidade com a diferença, sejam
experiências singulares das autoras com as diferenças entre elas – Selma e Sophia –;
debates científicos sobre o tema. Portanto, seja perceber o TEA, um espectro, sem li-
traz reflexões de pesquisadores acadêmi- nearidade; ou ainda, e sobretudo, a afir-
cos costurando a narrativa de nossas vidas mação do autismo como um modo de ser
de escritoras e influenciadoras. Aliás, nós no mundo, diferente de outros, e pleno de
nos tornamos vloggers autistas com carrei- possibilidades”. Isso porque, no livro, o foco
ra das mais duradouras no YouTube bra- não se restringe à reprodução da literatura
sileiro. Isso porque apresentamos como científica, também se abre para a observa-
mãe e filha o canal Mundo Autista desde ção dos autistas adultos.
2015, com vídeos que compreendem as Dessa forma, alguns conceitos foram am-
nuances e possibilidades diversas da con- pliados e outros, descartados. Como aquele
dição neurodivergente. de que o autista vive em seu mundo pró-
prio e não gosta de contato social. Afinal,
Um guia sobre TEA o autista decodifica o mundo de maneira
No prefácio da publicação, a pesquisadora diferente. Isso o limita na comunicação com
e neuropediatra Liubiana Araújo (Univer- o outro. Porém, se o outro não se dispu-
sidade Federal de Minas Gerais-Harvard) ser a interagir, a procurar entender como

R EVI STA AUTI SMO 34


SELMA SUELI SILVA
é jornalista, radialista, youtuber, escritora e especialista em
comunicação e gestão empresarial. Foi diagnosticada com
TEA (transtorno do espectro do autismo) em 2016. Mantém o
site “O Mundo Autista” no Portal UAI. É autora de três livros.

o autista funciona, independentemente da


classificação no espectro, esse autista vai
se fechar e acreditar que o contato com o
outro é sempre ruim.
Muita gente não deseja que o filho saiba
do diagnóstico com medo de ele se sentir
frágil e vulnerável, o que são rótulos que
se colocam. No livro, Sophia narra que já
se sentia dessa forma desde antes do diag-
nóstico. Portanto, o laudo a fez perceber o
porquê, que a levou para o “como vou agir
agora”. Ou seja, “somos autistas, mas não o
autismo”. Além disso, a obra revela a per-
cepção da família de que o autista parece se
interessar mais por objetos do que propria-
mente por pessoas: “mãe e filha perceberam
que é muito mais divertido lidar com os ob-
jetos, afinal, eles se tornam o que o autista
quiser. Já na interação com as pessoas, há
muita informação visual no rosto, na fala,
nos gestos e, como se não bastasse, o contato
entre sujeitos envolve troca, ação e reação”.
Além disso, Autismo(s) problematiza a
noção de que somos do tamanho de nossa
linguagem. Afinal, é ela que confere sen-
tido a todos os fenômenos e acontecimen-
tos e antecede a existência de cada um de
nós. Porém, a obra defende que o autismo
veio para dar uma mexida nesse paradig-
Depositphotos

ma, embora ele seja facilmente aplicável à


maioria das pessoas. Isso leva ao seguinte
questionamento: como trazer ao mundo
da linguagem essas pessoas que têm vasto
universo interior, mas dificuldades variadas
e severas em se comunicar, tanto no âmbito
verbal como no não verbal? Há uma série de
entrevistas que visam esclarecer angústias
muito comuns entre os pais e mães: “será
que o atraso de fala do meu filho é autis-
mo?” e “será que o meu filho vai falar?”.

#AutismoMaisInformacao 35 R EVI STA AUTISMO


Vivências autistas em diálogo Também, a obra reflete sobre conceitos de
com pesquisas acadêmicas empatia no autismo. Afinal, com a descober-
Sophia: Há um trecho no qual me lembro ta de que Sophia era autista, eu, Selma, es-
que minha primeira melhor amiga, certa tranhava alguns comportamentos que antes
vez, me chamou na escola para passar o passavam despercebidos. Assim, depois do
recreio com ela. A menina sentia pena por diagnóstico, explicaram-me que autista não
eu estar sempre sozinha. Isso era realmente tinha empatia. Será? Eu podia estar muito
um incômodo para mim, em determinados triste e se não explicasse isso à Sophia ela
momentos. A partir dessa amiga, que me não percebia. Mas, quando explicava, ela
transportou para o grupo dos “populares” sofria junto. Se alguém morria, aquilo era
do qual fazia parte, passei a procurar por algo natural da vida, porém ela ficava infeliz
uma pessoa para esse apoio nos grupos em quando entendia as consequências daquela
que convivia. Antes disso, assim como já morte na vida de muita gente.
aconteceu com a minha mãe, eu até intera- Sobre a seletividade alimentar, nos ba-
gia bem com outras pessoas e colegas, mas seamos na literatura sobre fonoaudiologia
não criava laços de amizade. Não conhecia e e terapia ocupacional para concluir a im-
nem dominava as regras sociais para manter portância de determinados rituais, como
uma amizade. Os momentos mais difíceis manter o horário das refeições. Afinal, “o
foram quando me via desamparada, em um ato de se alimentar não é só comer e pronto.
grupo que não tinha uma pessoa amiga Envolve todo um ritual, um processo. No
para decodificar as situações para mim. A tratamento com a terapeuta ocupacional,
importância de alguém de suporte num pode-se trabalhar a sensibilidade sensorial.
grupo é que essa pessoa traduz a lingua- Primeiro, o autista aprende a estar na mesa.
gem das outras crianças e dos adolescentes O ritual da alimentação deve ser especial
para o autista. e marcante”.
Em outro momento do livro, são definidas Além disso, relatamos a vida em socie-
as diferentes manifestações de crises no au- dade de um adulto autista que apresenta
tismo com exemplos de vida. Selma: conto dificuldades nas funções executivas. Isso
casos que vivenciei como chefe da assesso- significa que ele tem dificuldade de orga-
ria de imprensa do Instituto Nacional do nizar e definir prioridades; focar e mudar
Seguro Social de Minas Gerais (INSS-MG). o foco; regular o estado de alerta; manter
Certa vez, pedi para que uma funcionária o esforço; administrar os resultados; re-
se relacionasse com sua faceta democrática. gular a velocidade de processamento de
Afinal, eu me esforçava para ver uma situa- informações na mente; utilizar a memória;
ção por vários ângulos e do ponto de vista monitorar e controlar atitudes.
das pessoas envolvidas. Então, eu implorei
para que as funcionárias evitassem minha
faceta autoritária. Isso porque, “nisso ela Participações de pesquisadores
era muito hábil e competente, com a sutileza Autismo(s) conta com várias participa-
de um elefante.” Nesse capítulo, também é ções especiais. Uma delas é do professor
abordado o sentimento de culpa pós-crise. universitário Maurício Guilherme Silva

R EVI STA AUTI SMO 36


Júnior, que atuou como orientador científi-
co de Sophia. Ele conta: “Se, a meu modo,
busco organizar processos, tempos e lógicas
teóricas – de maneira a proporcionar con- erros, ao contrário de muitos escritores com
forto psíquico à Sô –, ela, com intensidade os quais tive a oportunidade de trabalhar
similar, redefine, realinha e reaviva meus nos últimos trinta anos, alguns deles con-
próprios parâmetros do que seja a busca sagrados. Além da competência no trato
pelo conhecimento”. Também, a inclusão com as palavras, Sophia é objetiva, sensível
no ensino superior ganha espaço no depoi- e crítica ao imprimir ideias e narrativas.”
mento da psicóloga e intérprete educacional Outras aparições são da professora da
Ana Pascotto: “Não significa que negamos Universidade Federal de Minas Gerais
as dificuldades que Sophia possuía, mas (UFMG) e coordenadora do grupo de pes-
direcionamos nossa atuação para o que ela quisa em Comunicação, Acessibilidade e
podia fazer de uma outra forma, para che- Vulnerabilidades (Afetos), Sônia Caldas
gar nos resultados assim como seus colegas Pessoa, e da saudosa professora da Univer-
de sala. Isso é equidade.” sidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)
Além disso, o livro conta com a participa- Raquel Romano, cujo trabalho se voltava à
ção do pai de Sophia, Roberto Mendonça. arte-educação. Enquanto Sônia assina um
Ele, que já foi definido como o pé-de-coelho capítulo sobre o impossível e os sonhos,
da crônica mineira por autores como Rober- Raquel registra que “ Sophia ultrapassou
to Drummond e Luís Giffoni, revela pela os padrões convencionais de estimulação
primeira vez que muitas pessoas julgavam específicos para autistas, numa jornada
ser ele o autor das primeiras obras de So- que abre brechas à revisão de práticas e de
phia. Ele relata: “sempre que questionado, novas possibilidades libertadoras para tan-
respondi que Sophia Mendonça era sur- tas crianças e, também, para muitos jovens
preendente. Ela é assim: raramente comete e adultos diagnosticados com autismo.

#AutismoMaisInformacao 37 R EVI STA AUTISMO


Tudo o que
podemos ser
Nícolas Brito Sales

I N F I N I TO
C R I AT I V O
tem 24 anos, é fotógrafo,
palestrante e escritor. Desde 2011,
juntamente com sua mãe, Nicolas Uma das maiores vontades Zumak e o Henrique Ferreira.
percorre vários lugares para dar que eu já tive na minha vida, Um deles, vocês já devem
palestras sobre como é ser autista
felizmente, está se tornando conhecer, é o Lucas Ksenhuk,
e estar inserido na sociedade. Em
janeiro de 2016, Nicolas deu início, realidade. Nos últimos tempos, que já fez e continua fazendo
como freelancer, a seus trabalhos de estou tendo o prazer enorme de várias pinturas lindas, inclu-
fotógrafo, profissão que ele pretende trabalhar com grandes parcei- sive aqui para esta revista, e
seguir. Em 2014, foi coautor do
livro “TEA e inclusão escolar – um ros meus em um projeto super que sempre aparece fazendo as
sonho mais que possível”. Em 2017, bacana que está acontecendo e ilustrações na minha coluna.
lucasksenhuk.art

Nicolas lançou seu próprio livro, que também será porta de en- Eu gostaria de agradecer
“Tudo o que eu posso ser”, no qual trada para várias outras exposi- imensamente ao nosso amigo,
conta suas experiências, o que
pensa e como vive em sociedade. ções. Esse é o “Projeto Infinito Rapha Preto, pois nós não es-
@nicolasbritosalesoficial
Criativo”, que dá oportunida- taríamos onde estamos agora,
des para autistas artistas mos- depois de muitas aventuras
Ilustração: Lucas Ksenhuk -

tudooqueeupossoser@gmail.com
trarem os seus talentos. que passamos e ainda vamos
Então, no caso, o projeto tem passar, se Deus quiser, se não
eu e mais outros colegas meus fosse pelo empenho e altruís-
que inclusive são extremamente mo dele. Pra quem não sabe
talentosos e super criativos, que quem é o Rapha Preto, ele é um
são o Lucas Kesnhuk, a Chris grande artista que trabalha com

R EVI STA AUTI SMO 38


design e esculturas. Eu o conhe- E eu só tenho que agradecer
ci através de um evento e ele foi a outras pessoas que nos abri-
super legal e super atencioso co- ram portas para outras opor-
migo, falando sobre artes, sobre tunidades, como os arquitetos
os seus projetos e também dando que acreditam muito nas nos-
algumas dicas muito legais em sas artes para outros projetos e
relação à arte. nas empresas envolvidas nesse
Eu só posso dizer pra vocês o projeto, como a Woodmobili e
seguinte: Deem oportunidades a Tapetah. E um agradecimen-
para outras pessoas com autis- to especial à Grazi Gadia, que
mo, sem autismo ou qualquer sempre nos ajuda em tudo re-
outra deficiência para mostrarem lacionado à arte.
os talentos escondidos dentro de Eu espero, do fundo do meu
cada um, pois isso ajuda muito coração, que esse seja só o come-
a compartilhar mais a arte, como ço de muitas outras coisas que
também ajuda os artistas a mostra- podem vir por aí. #AutismoMaisInformacao
rem seus trabalhos para outras
pessoas. Por isso eu acho que esse
projeto é de extrema importância.

#AutismoMaisInformacao 39 R EVI STA AUTISMO


FRANCISCO PAIVA JUNIOR
é editor-chefe da Revista Autismo
@PaivaJunior
@paivajunior

MINICÉREBROS
TÊM CONSCIÊNCIA?
Pesquisadores estão criando organoides
cerebrais – até onde eles podem ir?

N
uma entrevis- O quanto esses organoides se assemelham
ta à revista ao nosso complexo órgão humano?
alemã GEO, o Alysson Muotri: Ainda existem grandes
neurocientis- diferenças. No momento, os organoides
ta brasi lei ro crescem em esferas de alguns milímetros
Alysson Muo- de tamanho; em vez de bilhões de células
tri, professor nervosas, eles contêm dois a três milhões
da faculdade de neurônios apenas. Eles também não têm
de medicina da vasos sanguíneos para suprir as células no
Universidade centro com oxigênio e nutrientes. É por isso
da Califórnia em San Diego (EUA) fala de que eles não podem crescer mais. Há muitos
sua pesquisa sobre neurodesenvolvimen- tipos diferentes de células no cérebro, os
to utilizando organoides cerebrais — co- organoides não formam todas as variações.
mumente chamados de “minicérebros”. Eles também não desenvolvem as diversas
A seguir, publicamos uma versão tradu- regiões que desempenham diferentes fun-
zida da entrevista, feita por Nora Saager e ções no cérebro. E eles não estão conectados
Klaus Bachmann. a um corpo, então não percebem seu am-
biente e não recebem estimulação sensorial.

ENTREVISTA Fazer experimentos com tecido cerebral


GEO: Em seu laboratório, os neurônios hu- humano é um campo delicado. Como você
manos amadurecem em placas de Petri e se justifica sua pesquisa?
ligam para formar cérebros em miniatura. Uma em cada quatro pessoas em todo o

R EVI STA AUTI SMO 40


mundo desenvolverá uma condição neu- de pequenas quantidades de tecido para o
rológica ao longo de sua vida. Essas con- grande cérebro humano. Em nosso estudo
dições podem ocorrer mais tarde na vida, com Pitt-Hopkins, entregamos uma versão
como esquizofrenia ou Alzheimer, ou se funcional do gene em neurônios usando
manifestar precocemente, como o autismo. vírus inofensivos. Isso nos permitiu reparar
Nosso objetivo é usar organoides cerebrais as alterações moleculares em provavelmente
para entender o que está alterado durante 10% das células. Mas isso foi o suficiente
o desenvolvimento do cérebro do feto. So- para permitir que o cérebro se desenvolves-
mente agora que aprendemos a reproduzir se normalmente. Isso é empolgante porque
os primeiros estágios do desenvolvimento significa que você não precisa atingir todos
neuronal em laboratório é que temos acesso os 86 bilhões de neurônios em nosso cére-
a esses processos. bro, talvez até um por cento seja o suficiente.

Como essas descobertas ajudam as pessoas Querer modificar geneticamente o cére-


com essas condições de saúde? bro humano alimenta o medo em muitas
Podemos usar organoides cerebrais para pessoas e levanta a questão de saber se é
testar novas drogas em potencial. Testes eticamente permitido. Você acha que um
com tecido humano fornecem resultados comitê de ética aprovará o tratamento?
mais conclusivos do que aqueles com ani- Algumas das doenças são tão graves que as
mais. Mas há outra perspectiva empolgante: crianças morrerão se nada for feito. Acho
algumas doenças são causadas por muta- que um comitê de ética, mas também a so-
ções em um único gene. Se substituirmos ou ciedade em geral, dirão: se há evidências
restaurarmos esse gene, podemos reverter científicas sólidas de que isso pode fun-
completamente o desenvolvimento alte- cionar e ajudar essas pessoas a terem uma
rado e suas consequências. Acabamos de vida mais saudável, devemos tentar fazê-lo.
demonstrar que isso funciona em princípio
com a síndrome de Pitt-Hopkins. Uma em Os diagnosticados concordam?
cerca de 40.000 crianças sofre desta síndro- A maioria deles não consegue nem falar.
me. Os pacientes são severamente afetados. As famílias com quem conversamos são
Alguns não podem andar nem falar. muito solidárias. Frequentemente, eles não
têm nenhuma esperança. E nem estamos
Você já tratou uma criança diagnosticada? prometendo uma cura. Qualquer coisa que
Ainda não, mas pretendemos. Desenvol- melhore a situação, por exemplo, evitando
vemos organoides cerebrais de células de convulsões ou facilitando a respiração do
crianças com essas condições de saúde. Em paciente, seria de grande ajuda para eles.
alguns deles, consertamos o gene mutado.
Tanto a estrutura dos organoides quanto Em um de seus estudos, você mediu impul-
sua função normalizaram, em comparação sos elétricos espontâneos em minicérebros.
com os organoides não tratados. Isso foi Os padrões dessas oscilações se asseme-
uma grande surpresa. Muitos pesquisado- lhavam às ondas cerebrais de bebês pre-
res da neurociência diriam: esses defeitos maturos. Os organoides têm consciência?
não podem ser reversíveis. Mas mostramos Acho que ainda não desenvolveram to-
que é possível. O cérebro humano é muito talmente uma consciência como a nossa.
mais plástico do que jamais imaginamos. Eles podem ter algum nível de consciência
diferente do que a maioria dos humanos
Você quer tentar a terapia genética no cé- experimenta. Não podemos descartar a
rebro humano? possibilidade de que em algum momento
Sim, nosso trabalho com organoides deri- eles apresentem características que consi-
vados de pacientes mostra que funciona, deramos indícios de consciência em huma-
em princípio. O desafio agora é avançar nos. Assim, juntamente com neurobiólogos,

#AutismoMaisInformacao 41 R EVI STA AUTISMO


filósofos da mente, especialistas em ética e Afinal, os sinais elétricos são a linguagem
médicos, desenvolvemos um esquema para natural dos neurônios. Usar pulsos únicos
determinar se um organóide exibe um certo de eletricidade funcionou bem. Mas a es-
nível de consciência. Para isso, deve atender timulação crônica queimou os organoides.
a alguns critérios. Neuro-oscilações são uma O método não era gentil o suficiente. Agora
característica. Podemos fazer certos testes usamos optogenética: incorporamos infor-
para reunir mais pistas. mações genéticas que permitem produzir
proteínas estranhas às células humanas.
Isso você terá que explicar. Essas proteínas fazem com que os neurônios
Um exemplo é o teste Zap-and-Zip. É usado disparem em resposta à luz. Assim, pode-

Divulgação
por pesquisadores que querem entender a mos estimular as células apenas acendendo
consciência. Você envia um pulso magnéti- uma luz azul. Acho que eles gostam disso.
co, um zap, para o cérebro de seres humanos Porque nosso cérebro é peculiar assim: ele
e mede as ondas cerebrais reverberantes está constantemente em busca de estímulos.
resultantes. Um algoritmo reduz essas lei- No formulário de consentimento que as pes-
turas a um único número, um coeficiente soas precisam assinar quando doam tecidos
de impacto — ele as compacta ou “zipa”. para sua pesquisa, você aponta que os or-
Quanto mais complexa a resposta do cérebro ganoides podem desenvolver a consciência.
ao pulso, maior o número. Varia dependen- É por isso que algumas pessoas agora se
do se a pessoa está acordada ou dormindo, recusam a fornecer suas células. Eles ficam
anestesiada ou em coma. O nível de cons- desconfortáveis com a ideia ou citam preo-
ciência pode ser derivado desse valor. A cupações religiosas.
consciência não é uma questão de estar pre-
sente ou não, é um continuum. Dadas as questões sobre riscos médicos e
permissibilidade ética, precisamos de dis-
Que resultados produziu o teste Zap-an- cussão pública e diretrizes para trabalhar
d-Zip em organoides? com minicérebros?
Ainda não fizemos isso. Existem algumas Nós fazemos isso. Até o momento, não há
limitações técnicas que estamos tentando regras específicas para cientistas e pesqui-
superar primeiro, por exemplo, como “za- sadores como eu, que trabalham com essa
pear” uma estrutura tão minúscula. Não há tecnologia. Mas há uma diferença entre
ferramentas para fazer isso, estamos desen- fazer pesquisas com organoides do pân-
volvendo as nossas. creas ou do coração e fazer pesquisas com
Também estamos trabalhando com um teste organoides do cérebro. O cérebro contém
mais simples. Expomos os organoides a vá- nossa mente, nossa individualidade. Pre-
rios anestésicos e vemos se as oscilações cisamos de um foco mais forte sobre isso
desaparecem. Estes são experimentos em em nossas discussões.
andamento. Nada disso é prova de cons- Se os minicérebros alcançam algum tipo de
ciência, mas nos permite reunir pistas. consciência, então nossas ações em relação a
Um grupo de pesquisa desenvolveu orga- eles devem levar em consideração questões
noides com estruturas semelhantes a olhos. morais. Mas que status eles terão? O de um
Quando a luz atinge esses órgãos visuais recém-nascido? Ou de um rato? Precisamos
primitivos, as células nervosas do mini- chegar a um acordo sobre as regras de como
cérebro disparam. Isso significa que ele proceder com a pesquisa.
recebe e processa sinais do ambiente. Cer-
tamente esse é outro passo em direção à (Nota do editor da GEO: Na Alemanha, um
consciência potencial. grupo de trabalho da Academia Nacional de
Também trabalhamos com estimulação sen- Ciências Leopoldina está investigando questões
sorial. No início, usamos impulsos elétricos. éticas relacionadas aos organoides cerebrais).

R EVI STA AUTI SMO 42


“É inevitável que os Se não podemos ter certeza se os orga-
noides têm consciência, não seria sensa-
organoides alcancem alguma to proceder de acordo com o princípio da
forma de consciência à precaução, tratando-os como tal?
Isso iria contra as evidências científicas e
medida que melhoramos os você corre o risco de inibir o desenvolvi-
métodos para cultivá-los” mento científico que poderia ajudar milhões
de pessoas.

Existe um ponto no desenvolvimento de


um organóide cerebral além do qual não
devemos ir, qual é esse ponto em que de-
vemos parar de explorar?
Não há razão para parar, embora, do meu
ponto de vista, seja inevitável que os orga-
noides alcancem alguma forma de consciên-
cia à medida que melhoramos os métodos
para cultivá-los.

Por quanto tempo você consegue manter


os organoides vivos?
Cultivamos alguns deles por até três anos.
Após cerca de um ano, eles atingem um
platô em seu desenvolvimento: a ativida-
de elétrica não se torna mais complexa e
nenhum novo neurônio é formado. Ainda
assim, provavelmente poderíamos mantê-los
vivos por muitos anos, exatamente como os
neurônios em nossos cérebros: nascemos
Alysson Muotri em seu laboratório com eles e eles morrem conosco.

E o que acontece com os minicérebros


quando não são mais necessários?
Nós os “tratamos” com formaldeído, que
interrompe todos os processos bioquími-
cos nas células. Então nós os descartamos.
Se descobríssemos que os organoides têm
alguma forma de consciência, provavelmen-
te teríamos que mudar isso. Teríamos que
anestesiá-los antes de destruí-los.

Em um experimento, você substituiu a va-


riante moderna de um gene envolvido no
desenvolvimento do cérebro pela versão
neandertal em células-tronco. Em seguida,
você cultivou organoides a partir dessas
células-tronco geneticamente alteradas. O
que podemos aprender com isso?

#AutismoMaisInformacao 43 R EVI STA AUTISMO


Queremos saber por que o cérebro humano e tratá-las, muita neurodiversidade seria
é diferente do cérebro de outras espécies. O perdida. E isso faz parte do ser humano.
objetivo é ter um catálogo de genes ou mu- Pessoas autistas, por exemplo, geralmente
tações genéticas que são essenciais para o têm sua própria perspectiva; eles podem
nosso funcionamento cerebral. Começamos nem querer ser tratados.
trabalhando com o gene NOVA1. A variante O autismo é um bom exemplo. Eu traba-
carregada pelos humanos modernos difere lho com muitas famílias que vivem com
daquela de nossos parentes arcaicos, nean- autismo. Algumas pessoas afetadas pelo
dertal e denisovano, em uma região im- autismo administram a vida perfeitamente.
portante do gene. O fato de o gene em sua Eles vão para a escola, podem ter problemas
forma atual estar presente em quase todos de socialização, mas estão se esforçando.
os humanos modernos mostra que ele nos Eles querem ser respeitados e fazer parte
deu uma vantagem evolutiva em compara- da sociedade. Eles até veem o autismo como
ção com outras espécies do gênero Homo. seu “superpoder”, uma vantagem. Mas na
Mas essas vantagens evolutivas têm uma com- outra ponta do espectro, as coisas não são
pensação. Já se sabe há algum tempo que o assim, há crianças como meu filho, que tem
NOVA 1 desempenha um papel no desen- 100 convulsões por dia, que não fala, que
volvimento do autismo e da esquizofrenia. mal consegue se mexer. São para eles que
Conseguimos mostrar que os organoides trabalho. São eles que precisamos ajudar a
com a variante do gene arcaico evoluíram de contribuir para a neurodiversidade. Claro,
maneira diferente. Eles amadurecem mais há uma área cinzenta. Temos que ouvir as
rapidamente e os neurônios se conectam de famílias, a pessoa afetada e os médicos para
maneira diferente. Algumas das alterações decidir o que fazer. Cada caso merece aten-
se assemelhavam fortemente às dos orga- ção personalizada.
noides que desenvolvemos a partir de célu-
las de pessoas autistas, embora ainda não Você concordaria em tratar seu filho com
saibamos exatamente o que isso significa uma terapia genética do tipo que você ima-
gina para Pitt-Hopkins?
Mas está ficando cada vez mais claro que Absolutamente sim. Quero dar a ele a opor-
os neandertais são cognitivamente muito tunidade de explorar a vida como a maio-
semelhantes a nós. ria de nós. Ser capaz de comunicar seus
Eu discordo um pouco. No começo, as pes- sentimentos, adicionar sua perspectiva ao
soas viam os neandertais como habitantes mundo, encontrar o amor e ser amado.
de cavernas sem graça. Agora que sabemos
mais, muitos acreditam que se encaixam no Se em algum momento no futuro eu for-
espectro normal do pensamento e compor- necer a você uma das células da minha
tamento humano. Na minha opinião, isso é pele, você será capaz de transformá-la em
ir longe demais. Não há evidências arqueo- um minicérebro com o qual eu possa me
lógicas de que os neandertais estivessem comunicar?
construindo computadores ou tentando ir Acho que seremos capazes de fazer isso.
à lua. A verdade está em algum lugar entre Mas não será o seu cérebro. Faltarão as ex-
as duas interpretações. periências que formaram a sua personali-
dade. O organóide tem vontade própria.
Supondo que a pesquisa pudesse rastrear
as causas de todas as alterações neuronais

R EVI STA AUTI SMO 44


#AutismoMaisInformacao

C A N A L

VEJA ALGUNS DESTAQUES RESUMIDOS DO CANAL AUTISMO, QUE


PUBLICA CONTEÚDO DIÁRIO SOBRE AUTISMO. PARA LER OS TEXTOS
COMPLETOS DE CADA NOTÍCIA, ACESSE O SITE CANALAUTISMO.COM.BR

Rio TEAma
Nos dias 24, 25 e 26 de março último, programação contou com nomes famo- brasileiro Alysson Muotri, cofundador
aconteceu o 5º seminário Rio TEAma, no sos da comunidade do autismo e temas da Tismoo Biotech, que, direto dos Esta-
hotel Rio Othon Palace, no Rio de Janeiro de interesse da causa, como Paulo Li- dos Unidos, mais precisamente, da Uni-
(RJ), com o tema “Autismo tem trata- beralesso, Hélio Van Der Linden, Rosa versity of California San Diego (UCSD),
mento”, evento presencial com opção Magaly Morais, Meca Andrade, entre apresentou online e ao vivo o tema: “Dos
de assistir online. muitos outros, todos autoridades no as- fundamentos neurais do autismo às in-
Comandado por Andréa Bussade, a sunto. Destaque para o neurocientista tervenções clínicas”.

Reprodução / Instagram

#AutismoMaisInformacao 45 R EVI STA AUTISMO


#AutismoMaisInformacao

Saiba mais no
canalautismo.com.br
Caminhada do 2 de abril
Em um filme de 3 minutos,
Diego Lomac registrou o even-

álbum pessoal / Silvia Grecco


to do 2 de abril, o Dia
​​ Mundial
de Conscientização do Autis-
mo, em São Paulo (SP), que
neste ano trocou a Av. Paulis-
ta pelo Memorial da América

Vinicios Lima /Reprodução


Latina, e teve um público de
pelo menos 8 mil pessoas —
segundo informações da Pre-
feitura de São Paulo.
O minidocumentário mostra Público no Memorial da América Latina,
a caminhada, com imagens em São Paulo (SP), no dia 2.abr.2023.
também dos anos anteriores,
e a reflexão sobre a pausa por
Capa do Espectros de abril.

Espectros
conta da pandemia de Covid-
19, em que tantos morreram,
entre eles, autistas, pais, mães O podcast de entrevistas da de maio, com o neurocien-
e familiares de autistas, dentre Revista Autismo, “Espec- tista Alysson Muotri; em
tantas perdas de pessoas im- tros”, continua trazendo junho será a vez de Ale-
portantes para a causa. pessoas que atuam ativa- xandre Mapurunga; e, em
mente no ecossistema do julho, pela celebração de 40
autismo. O episódio de anos da AMA-SP, será com
abril foi com Kaká Lobe; o Ana Maria Mello.
#AutismoMaisInformacao

Musical em Goiânia
Curso PECS
Em agosto próximo, João Pessoa
(PB) e São Paulo (SP) terão o curso
“Autismo 24/7 — Autismo 24 horas
por dia, 7 dias por semana”, apre-
sentado por Andy Bondy, Ph.D., e
Lori Frost, MS, CCC-SLP, os cria-
dores do PECS (Picture Exchange
Communication System — o siste-
divulgação / Naia Autismo

ma de comunicação alternativa por


troca de figuras) e baseado no livro
“Autism 24/7”.
Esse curso descreve um estilo sis-
temático e integrado que capitaliza
as atividades do dia a dia, criando
oportunidades para ensinar habi-
lidades funcionais de comunicação
Personagens do musal “O Ciclo da Vida”
que podem reduzir significativa-
No Dia do Orgulho Autista, 18 de junho próximo, em Goiânia (GO), mente comportamentos desafia-
o NAIA apresenta o musical “O Ciclo da Vida”, baseado no filme Rei dores.
Leão. A apresentação acontece às 18h00, no Teatro FacUnicamps (Av. Inscrições podem ser feitas no site
Anhanguera, 2365, St Coimbra), com ingressos a R$ 50,00. pecs-brazil.com/treinamento/au-
Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (62) 99995-8649. tism-24-7/.
um exemplo bastante comum
são os busólogos, pessoas ob-
cecadas por ônibus. Eu vejo
muitos grupos de pessoas,
especialmente na engenharia
mecânica, que são apaixonados
#AutismoMaisInformacao por algum tipo de equipamen-
to, às vezes até sendo autistas.
Introvertendo Há comunidades enormes,
como aficionados por trens,
que produzem horas e horas de
Michael Ulian vídeos falando sobre a história
e detalhes desse assunto.
Além da paleontologia e do
estudo de aves, eu tenho um
hiperfoco com equipamentos

HIPERFOCOS militares, e a fascinação vem


de saber tudo sobre eles, sua

E ST R A N H O S história, uso e funções. É uma


parte importante da minha

E BIZARROS personalidade e gosto muito de


compartilhar esse conhecimen-
Michael “Gaivota” é ex-aluno de to com outros interessados.
geologia na Universidade Federal Outro hiperfoco que tenho é
de Goiás (UFG), autista e integrante O hiperfoco é simplesmente em worldbuilding, ou seja,
do podcast Introvertendo.
um ponto de interesse muito construção de mundos. É usado
forte, geralmente voltado para como uma ferramenta literá-
um assunto específico. E desde ria para criar as bases de um
sempre eu tive a visão de que mundo e pode ser usado como
ser diferente e bizarro é algo uma forma de entretenimento,
positivo. Sempre fui curio- como parte de uma história ou
so e quando vejo algo fora do como um exercício acadêmico.
comum, quero saber mais. Uma subárea de worldbuild-
Isso é algo que também vejo ing, a evolução especulativa,
em minhas áreas acadêmicas, é um exemplo de como isso
a Biologia e a Geologia, onde pode ser útil na academia, es-
há coisas tão estranhas e sur- pecialmente para aqueles que
preendentes que, mesmo para trabalham com paleontologia
introvertendo quem já está acostumado com e evolução. E, para autistas, o
Ilustração: Samanta Paiva

@introvertendo coisas inusitadas, ainda conse- worldbuilding permite a cria-


introvertendo guem surpreender. É incrível ção de um mundo com regras e
www.introvertendo.com.br o que a mente humana é capaz elementos que eles entendem e
de criar e descobrir. controlam, dando-lhes um senso
Dependendo do interesse, de segurança e estabilidade em
alguns hiperfocos podem ser um mundo que, às vezes, pode
R EVI STA AUTI SMO 48 socialmente considerados es- ser incerto e confuso.
tranhos e inúteis. No Brasil,
Mais de
5.000
exemplares
vendidos

Um livro ideal
para quem acabou
de receber o
diagnóstico ou
está em dúvida
sobre uma suspeita
de autismo.

AUTISMO —
NÃO ESPERE,
A JA LOGO!
NAS autismo.paivajunior.com.br
MELHORES
LIVRARIAS
EDITORA M.BOOKS
#AutismoMaisInformacao
percebo que, no geral, sempre se
anda para a frente. E, apesar de
um impulso – muito natural – de
querer proteger a cria, nem sem-
pre conseguimos esse intento, e
isso é bom.
A vida cobra participação de
nossos filhos. Quando maiores,

AO SAB O R mesmo com suas específicas di-


ficuldades, temos que deixá-los

DA V I DA tentar, experimentar e, eventual-


mente, sofrer com as voltas que
a vida traz. Nossos sentimen-
tos, então, são bastante difíceis.
Autismo Severo O medo, acho eu, nos tempos
atuais, é uma constante. O mais
Haydée Freire Jacques difícil, para mim, é saber que
a dor faz parte do processo de
crescimento. Como proteger um
Filhos são dádivas. Nos per- filho, qualquer filho, das dores do
mitem descobrir reservas quase crescimento? Vontade não falta,
inesgotáveis de sentimentos. De mas é impossível. Nesse processo
todos os tipos de sentimentos. Às de aceitação da vida como edu-
vezes nos causa grande surpresa cadora e formadora, apesar dos
saber que os possuímos. Quan- pesares, venho percebendo que
do pequenos trazem uma carga meu filho não é tão frágil, e que
de cansaço, físico e emocional, tem sobrevivido às demandas do
muito grande. Quando crescem dia a dia e, maravilha das ma-
é casada e mãe de dois
filhos, sendo o mais moço uma de preocupação. E, per- ravilhas, tem crescido e se for-
autista severo. Formou-se meando o transcorrer do tempo e talecido.
em odontologia, exerceu as mudanças inevitáveis, exaspe- Nosso apoio emocional — dos
a profissão até 2006,
quando decidiu dedicar- ração, irritação, satisfação, orgu- pais, da família, cuidadores,
se integralmente ao filho. lho, felicidade, impaciência, etc, professores, terapeutas e tais —
haydeejacques@gmail.com etc, tudo bem mesclado com um é necessário, mas o trabalho de
amor sem fim. processamento desses percalços
Minha jornada com um filho é de nossos filhos. E, ó surpresa,
Ilustração: Fernanda Barbi Brock - @fer.barbi.brock

dentro do TEA tem sido assim. percebemos que, mesmo na pos-


A cada fase do meu filho, com sibilidade de retorno às situações
suas necessidades peculiares, vividas, em que eles foram felizes
tenho respondido com uma gama e que nos foram tiradas pelo ir e
de sentimentos e expectativas. vir da vida, não será mais con-
Normal. Fases difíceis corres- veniente retomar aquela rotina,
pondem a sentimentos dolorosos. pois eles cresceram, amadurece-
Tanto no meu filho quanto em ram, e buscam outros horizontes,
mim. O oposto nas fases boas. mais amplos e com novos desa-
A eterna montanha russa de fios. E os nossos sentimentos,
nossas vidas. Acontece que es- como ficam? Eu, particularmen-
tamos nessa jornada há mais de te, fico profundamente agradeci-
R EVI STA AUTI SMO 50 trinta anos, e, dando uma ava- da e, como dizem na roça, feliz
liada nesse transcurso de tempo, como um pintinho no lixo!

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