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#AutismoMaisInformacao
D E AB R I L
GRATUITA
DISTRIBUIÇÃO
MAIS INFORMAÇÃO,
MENOS PRECONCEITO
#AutismoMaisInformacao
EDITORIAL
EXPEDIENTE - Revista Autismo
Ano IX — número 20
março de 2023
ISSN: 2596-0539
“Nem parece autista”, “tão linda de certa forma, invisibilizam autistas
Distribuição gratuita
e é autista?”, “não acredito que esse que demandam mais suporte ou con-
Periodicidade trimestral
garoto inteligente é autista!”, “não vivem com déficits maiores ou menor
Tiragem deste número: 6.200 exemplares
Revista Autismo é uma publicação de circulação
percebi, ela não tem cara de autis- autonomia. Além disso, geram uma
nacional fundada em 2010 com o objetivo de levar ta”, “é autista e trabalha?”, “uma “romantizada” e falsa idealização do
informação de qualidade, isenta e imparcial. A
respeito de autismo, é a primeira revista periódica autista numa escola regular, como que é ser autista. Verbalizar alguma
da América Latina, além de ser a primeira do
mundo em língua portuguesa. assim?”, “vamos verificar, pois quem frase desse tipo ou pensar segundo
Editor-chefe e jornalista responsável: disse isso foi um autista”, “você está essas ideias é confundir deficiência
Francisco Paiva Junior - MTb: 33.245 muito autista hoje”, “autista e olha com doença ou incapacidade.
editor@RevistaAutismo.com.br
Direção de arte e design:
nos olhos?”, “se é autista, não pode Creio muito que a informação e a
Alexandre Beraldo estar mentindo, pois eles não sabem conscientização sejam, atualmen-
xberaldo@gmail.com mentir”, “qual é o superpoder do te, as melhores soluções para esse
Revisão e Traduções: seu filho autista?”, “ela tem autismo problema da sociedade. Não à toa,
Márcia F. Lombo Machado
marciaflm@gmail.com e fala?”, “autismo não é uma defi- o tema deste ano para a campanha
Consultores científicos: ciência, é uma habilidade diferente”. nacional do 2 de abril, o Dia Mun-
Alysson R. Muotri e Diogo V. Lovato
As frases acima, infelizmente, dial de Conscientização do Autismo,
Arte da Capa:
Alexandre Beraldo fazem parte da história e muitas vezes estampa a capa desta edição: “Mais
Colaboradores deste número: do cotidiano de muitas pessoas au- informação, menos preconceito”
Alysson Muotri, Bia Raposo, Camila All tistas, que enfrentam o preconceito, (você encontra o cartaz oficial da
Chair, Claudia Moraes, Fábio Sousa,
Fernanda Barbi Brock, Francilene Vaz, o capacitismo na sua jornada. Dizer campanha no centro deste exemplar,
Haydée Freire, Kamilla Brandão, Lucas
Ksenhuk, Mauricio de Sousa, Nicolas Brito, qualquer dessas frases — ou, de para você destacar e divulgar).
Paula Ayub, Patrícia Winck, Samanta Paiva,
Selma Sueli Silva, Sophia Mendonça, Tiago forma geral, que algo é “normal” ou Além do cartaz e da reportagem
Abreu, Wagner Yamuto, William Chimura
mesmo “anormal” —, segundo di- de capa, te convido a ler esta edição
Impressão:
LaborPrint
versos especialistas, na maioria dos inteira, que está recheada de bom
Patrocinadores:
contextos, pode ser uma maneira de conteúdo, feito por autistas e por
Grupo Método, Clínica Somar. reforçar que ter um transtorno ou não autistas.
Fundadores (2010): uma deficiência é algo ruim ou ver-
Martim Fanucchi gonhoso, que deve ser ocultado.
Francisco Paiva Junior
Para nos patrocinar: Em diversos contextos, muitas
comercial@RevistaAutismo.com.br dessas expressões, ao serem usadas,
Para nos apoiar: implicam dizer que autistas não pre-
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da Revista Autismo, é jornalista, pós- Você pode reproduzir nossos textos e arti-
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editorial, autor do livro “Autismo — Não que cite a fonte (Revista Autismo) e o autor
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do Giovani, de 15 anos, que tem autismo
Editado por: PAIVA JUNIOR cessário solicitar autorização, escrevendo para
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São Paulo (SP), CEP 01415-000 beça, e da Samanta, de 13 anos, que tem Para sugerir pautas e temas de reportagens,
CNPJ: 30.894.955/0001-09
chulé e é exímia desenhista. envie mensagem para o mesmo email citado acima.
Os artigos assinados não representam
necessariamente a opinião da Revista
Autismo e seus editores. Como citar artigos publicados nesta revista (padrão ABNT):
AUTOR. Título do artigo ou da matéria, subtítulo. Revista Autismo, São Paulo, ano da revista,
número da edição, páginas inicial-final, mês ano de publicação.
Exemplo: MUOTRI, A.. Minicérebros humanos, um novo modelo experimental para o estudo do
TEA. Revista Autismo, São Paulo, ano V, n. 4, p. 44-46, mar. 2019.
ÍNDICE
METAMORFOSES
— AUTISMO E
DIVERSIDADE
DE GÊNERO
12
AUTISMO +
SUPERDOTAÇÃO
18
ENTREVISTA COM OS SESSÕES COLUNAS
CRIADORES DO PECS
22 HQ ANDRÉ E
A TURMA DA
MÔNICA
MATRAQUINHA
10
CARTAZ DO DIA
MUNDIAL DE
09 LIGA DOS
CONSCIENTIZAÇÃO AUTISTAS
DO AUTISMO
25-28
HIPERFOCO
36 16
TUDO O QUE
MAIS CANAL AUTISMO PODEMOS SER
INFORMAÇÃO,
MENOS 44 30
PRECONCEITO
32 INTROVERTENDO
48
LAUDO AUTISMO SEVER:
PERMANENTE
34 50
IA & AUTISMO
38
MÃES AUTISTAS
COM FILHOS
AUTISTAS
40 Leia este QR-code
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MUOTRI MENDONÇA psicóloga SILVA
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O QUE É AUTISMO?
Saiba a definição do transtorno do espectro do autismo
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ir ao site.
O autismo — nome técnico ofi- quanto antes — mesmo que seja ape- identidade, uma característica da pes-
cial: transtorno do espectro do au- nas uma suspeita clínica, ainda sem soa — data celebrada originalmente
tismo (TEA) — é uma condição de diagnóstico fechado —, pois quanto em 2005, pela organização britânica
saúde caracterizada por déficit na mais cedo começarem as interven- Aspies for Freedom (AFF).
comunicação social (socialização e ções, maiores serão as possibilidades
comunicação verbal e não verbal) e de melhorar a qualidade de vida da
Consulta médica
Veja a seguir alguns sinais de autis-
comportamento (interesse restrito pessoa. O tratamento psicológico
mo. Apenas três deles numa criança
ou hiperfoco e movimentos repeti- com maior evidência de eficácia, se-
de um ano e meio já justificam uma
tivos). Não há só um, mas muitos gundo a Associação Americana de
consulta a um médico neuropediatra
subtipos do transtorno. Tão abran- Psiquiatria, é a terapia de interven-
ou a um psiquiatra da infância e da
gente que se usa o termo “espec- ção comportamental. O tratamento
juventude. Testes como o M-CHAT-
tro”, pelos vários níveis de suporte para autismo é personalizado e in-
-R/F (com versão em português)
que cada subtipo necessita — há terdisciplinar. Além da psicologia,
estão disponíveis na internet para
desde pessoas com condições as- pacientes podem se beneficiar com
serem aplicados por profissionais.
sociadas (coocorrências), como de- fonoaudiologia, terapia ocupacio-
Todas as referências, links e mais infor-
ficiência intelectual e epilepsia, até nal, entre outros, conforme a neces-
mações estão na versão online.
pessoas independentes, que levam sidade de cada autista. Na escola,
uma vida comum. Algumas nem um mediador pode trazer grandes Sinais de autismo:
sabem que são autistas, pois jamais benefícios no aprendizado e na inte-
Não manter contato visual por
tiveram diagnóstico. ração social. mais de 2 segundos;
As causas do autismo são majori- Até agora, não há exames de ima-
Não atender quando chamado
tariamente genéticas. Confirmando gem ou laboratoriais que sejam de- pelo nome;
estudos recentes anteriores, um tra- finitivos para diagnosticar o TEA.
Isolar-se ou não se interessar por
balho científico de 2019 demonstrou Alguns sintomas podem ser tra- outras crianças;
que fatores genéticos são os mais im- tados com medicamentos, que Alinhar objetos;
portantes na determinação das cau- devem ser prescritos por um mé-
Ser muito preso a rotinas a ponto
sas (estimados entre 97% e 99%, sendo dico. Dentre os medicamentos in- de entrar em crise;
81% hereditário — e ligados a quase dicados, a risperidona, que é da Não usar brinquedos de forma
mil genes), além de fatores ambientais classe dos antipsicóticos atípicos, é o convencional;
intrauterinos (de 1% a 3%) ainda con- mais comum. Fazer movimentos repetitivos
troversos, que também podem estar Em 2007, a ONU declarou todo 2 de sem função aparente;
associados como, por exemplo, a idade abril como o Dia Mundial de Cons- Não falar ou não fazer gestos para
paterna avançada ou o uso de ácido cientização do Autismo, quando mostrar algo;
valpróico na gravidez. Existem atual- cartões-postais do mundo todo se Repetir frases ou palavras em mo-
mente 1.118 genes já mapeados e impli- iluminam de azul (cor escolhida mentos inadequados, sem a devi-
da função (ecolalia);
cados como possíveis fatores de risco por haver, em média, 4 homens para
para o transtorno — sendo 134 genes cada mulher autista). Não compartilhar interesse.
os principais. O símbolo do autismo é o quebra- Girar objetos sem uma função
-cabeça, que denota sua diversidade aparente;
Tratamento e sinais e complexidade. Apresentar interesse restrito
Alguns sinais de autismo já podem O dia 18 de junho é o Dia do Orgu- por um único assunto (hiperfoco);
aparecer a partir de um ano e meio lho Autista (representado pelo sím- Não imitar;
de idade, e mesmo antes, em casos bolo da neurodiversidade, o infinito Não brincar de faz-de-conta.
mais graves. Há uma grande im- com o espectro de cores do arco-í- Hipersensibilidade ou hiper-reati-
portância em iniciar o tratamento o ris), considerando o autismo como vidade sensorial;
é pai do Gabriel
(que tem autismo) e da
Thata, casado com a
Grazy Yamuto, fundador
do Adoção Brasil, criador
do app Matraquinha, autor
e um grande sonhador.
matraquinhaoficial
@matraquinhaoficial
matraquinha
matraquinha.com.br Se você assistiu na televisão aos especiais Balão Mágico. Mostrei para minha esposa
do Trem da Alegria e Balão Mágico, ou aos Grazy e bastou apenas um olhar para que,
desenhos de He-Man, Thundercats, Pequeno segundos depois, tivéssemos garantido nossos
Príncipe e Cavalo de Fogo, acredito que tenha- ingressos.
@biabiaraposo
mos uma idade bem próxima. Gabriel pagou meia entrada e eu como acom-
De uns tempos para cá, muitas dessas pro- panhante paguei meia também. Grazy, que
duções tentam nos pegar pela nostalgia e lan- tinha abandonado a carreira e estudos para
çam novas histórias com traços modernos, cuidar do nosso filho, voltou a estudar e tam-
Ilustração: Bia Raposo -
cores vivas e assuntos atuais. Já tentei apre- bém garantiu a sua meia entrada, e a Thata
sentar as produções antigas para meus filhos, que tinha 4 anos também entrou no pacote
mas o engajamento e curtição foram zero. pela pouca idade.
Porém, sou resiliente e, assim como você, Sempre que programamos os nossos passeios
não desisto nunca. há a seguinte frase:
Recentemente, aqui na cidade de São Paulo, — Vamos tentar, talvez tenhamos que voltar
R EVI STA AUTI SMO 10 entrou em cartaz o espetáculo Em Busca do depois de 5 minutos, por outro lado, se ficarmos
10 minutos já estamos no lucro.
Ao chegar no teatro fomos bem recepcio-
nados, sentamos na terceira fileira e sempre
ao lado do corredor para podermos ter rota de
fuga caso necessário.
As luzes diminuíram de intensidade, as
cortinas subiram e o show começou; entre
uma canção e outra, momentos de emoção e
pura nostalgia tomaram conta. Ao olhar para
meus filhos, notei que eles estavam admira-
dos e encantados de verem outras crianças
cantando canções para crianças, algo raro
nos dias atuais.
Mesmo assim as férias foram divertidas,
O momento mais alto do espetáculo foi
muitos passeios e sorvetes completaram nosso
quando o Fofão entrou, os adultos foram ime-
merecido descanso.
diatamente transportados para a década de
Ao voltar do litoral e ainda em ritmo de fé-
1980 e as crianças ficaram hipnotizadas com
rias resolvemos enfrentar um novo desafio. A
aquele personagem bochechudo, com cabelos
Thata nunca tinha ido ao cinema e pensamos
de lã e que fala “apatralhado”.
ser uma boa ideia criar essa memória com a
Depois de mais de uma hora de espetáculo o
família inteira.
meu filho ainda estava lá, sem crises, choros ou
E aquela frase veio:
irritações. Em alguns momentos bateu palma
— Vamos tentar, talvez tenhamos que voltar
e deu seus gritos de felicidade.
depois de 5 minutos, por outro lado, se ficarmos
A Thata acenou para o Fofão que pronta-
10, já estamos no lucro. Desta vez houve um
mente retribuiu e foi o assunto mais comentado
adicional: para que ela não perdesse o filme,
daquele mês.
eu sairia com o Gabriel da sala do cinema.
Passados alguns meses, tiramos nossas me-
Foi o mesmo esquema do teatro — poltronas
recidas férias. Para não haver erros, sempre
próximas do corredor e “vamos na confiança!”.
vamos a lugares que tenham praia ou piscina,
Meia entrada para todos e com a economia
e se tiver os dois é melhor ainda.
deu até para comprar pipoca e água, afinal de
O Gabriel sempre gostou de água e, mesmo
contas, a experiência da primeira vez deve
que a temperatura estivesse baixa, nada po-
ser completa. E foi até o fim, superamos mais
deria impedi-lo de mergulhar. Até que, neste
um desafio.
ano, ele correu em direção ao mar, molhou as
Nos letreiros finais e com a canção que
canelas, cruzou os braços e deu uma baita
acompanhava o encerramento do filme o Ga-
resmungada.
briel ainda teve pique de ficar dançando em-
Sem entender o que estava acontecendo, me
baixo do telão do cinema.
aproximei e senti nas minhas próprias canelas
E quanto ao meu último pedido, ainda não
a baixa temperatura da água e também não tive
pensei nisso. Continuaremos vivendo nesta
a menor vontade de entrar. Mas, ao olhar para
montanha-russa com os altos e baixos, que em
o lado, minha filha estava lá e até parecia em
alguns dias nos dão esperança e noutros tiram.
outra dimensão, pois não era possível que ela
Feliz 2023!
estivesse na mesma água em que estávamos.
Foi aí que percebi que o Gabriel sempre en- #AutismoMaisInformacao
trava na água porque ele era criança e agora,
com 13 anos, algumas coisas mudaram e vão
continuar mudando. Eu mesmo tenho fotos
em piscinas onde as pessoas do lado de fora
estavam de blusa.
R EVI STA AUTISMO 11
SOPHIA MENDONÇA @autista_mundo
é jornalista, escritora, apresentadora e mestranda em Mundo Autista
comunicação social. Foi diagnosticada autista aos 11
anos, em 2008. Mantém o site “O Mundo Autista” no mundoautista.selmaevictor/
Portal UAI, é autora de dez livros, incluindo “Outro Olhar” @mundo.autista
e “Neurodivergentes”. omundoautista.com.br
a
iv
Pa
ta
an
Sam
o:
çã
ra
st
Ilu
m meu décimo livro, intitu- há um consenso de que ambas
lado Metamorfoses, eu busco, as condições são estigmatiza-
por meio de uma perspectiva das e receberam pouco apoio
etnográfica de pesquisa, a ela- na maior parte das culturas.
boração de diálogos afetivos Dessa forma, autistas LGB-
entre as minhas experiên- TQIAP+ são historicamente
As controvérsias cias como uma mulher au- negligenciados pelos profis-
sobre autismo tista transexual de 25 anos e
os relatos de autistas trans-
sionais de saúde, mesmo com
evidências suficientes para que
e diversidade gênero no Twitter. Afinal, a percebamos uma maior preva-
lência de transgeneridade em
incongruência de gênero é
de gênero 7,59 vezes mais comum em autistas. Ocorre, entretanto,
autistas do que na população que são justamente esses pro-
em geral, segundo estudo di- fissionais os responsáveis por
vulgado na revista científica fazer a ponte entre autistas e o
Nature. Porém, as discussões restante da sociedade, no que
sobre autismo são arraigadas tange à comunicação. E ainda,
em controvérsias sobre gêne- autistas trans enfrentam per-
ro, sexualidade e autonomia. calços diários específicos, como
A obra é fruto de uma longa pode ser percebido nos achados
pesquisa sobre comunicação me- de pesquisa que deram origem
diada por tecnologia e narrativas ao livro e a este artigo.
de vida, a qual pude conduzir em
conjunto com a doutora Sônia
Pessoa, na Universidade Fede-
Relação entre autismo
ral de Minas Gerais. O interesse e transgeneridade
pela problemática veio por- não é falso positivo
que, ao lançarmos um olhar O pesquisador Wenn Lawson
ao longo dos tempos aos indi- critica, no prefácio do livro
víduos no TEA e transgênero, Gender Identity, Sexuality and
#AutismoMaisInformacao 13
Autism, os muitos estereótipos (da Universidade de Berkeley,
arraigados às características na Califórnia) e Paul Preciado
do TEA, que cont r ibuem (do Centre Georges Pompidou,
para perpetuar uma visão em Paris), a perspectiva de que
de que a incongruência de as manifestações de gênero e
gênero trata de um pensa- sexualidade são naturais e es-
mento obsessivo ou disfun- tanques vem caindo em descré-
ção sensorial proveniente do dito. Isso porque as identidades
autismo. Porém, uma série de estão ligadas a um processo de
pesquisas mostram uma corre- autopercepção, podem não ser
lação maior de diversidade de congruentes com o sexo desig-
gênero entre pessoas autistas nado no nascimento e vão além
do que neurotípicas. de uma ideia binária de macho
Segundo o estudo da Natu- e fêmea.
re, que contou com a co-auto- Contudo, esses são estudos
ria do psicólogo e professor da complexos porque o gênero,
Universidade de Campbridge, embora seja construído, eviden-
Simon Baron-Cohen, existem cia-se especialmente na mate-
várias razões para que a rela- rialidade dos corpos. Assim,
ção entre transgeneridade e existem diferentes maneiras de
TEA não seja vista como um expressá-lo, embora elas se en-
falso positivo. Isso porque os contrem restritas e impossibi-
pesquisadores observaram vá- litadas por domínios culturais.
rios conjuntos de dados com Nesse sentido, expressão de gê-
estratégias de recrutamento, nero refere-se à maneira de uma
vieses de apuração, origens pessoa se portar em sociedade e
culturais e faixas etárias muito considera traços comportamen-
diferentes. tais relacionados desde a apa-
Então, uma hipótese para essa rência até maneirismos e modos
relação é que o gênero tem forte de agir.
ligação com os padrões socio- Em outras palavras: o gênero
culturais. E apesar de pessoas representa uma sequência inces-
autistas serem consideradas sante de atos sem a qual é impos-
com maior inflexibilidade cog- sível existir como agente social.
nitiva, elas tendem a ser mais Entretanto, o caráter imaterial
libertas dos entraves sociocul- não significa que ele seja faculta-
turais. Nesse sentido, a identi- tivo. Afinal, essa performance é
ficação de sexo/gênero pode ser limitada por uma multiplicidade
mais fluida e se importar mais de fatores sociais e estruturas de
com o modo como a pessoa se poder. Portanto, as identidades
percebe legitimamente. de gênero se referem à adequa-
ção do sujeito a uma categoria
específica e são consideradas
O que é a incongruên- mais sérias e menos passíveis
cia de gênero? de escolha do que a expressão
A partir de uma série de de gênero.
pesquisas desenvolvidas por Dessa forma, as transgenerida-
R EVI STA AUTI SMO 14
estudiosos como Judith Butler des ocorrem quando a identidade
de gênero é incongruente com Gender Identity, Sexuality Muitos autistas LGBTQIAP+
aquela que foi designada no and Autism, a existência de
assumem a identidade
nascimento. Aliás, não se pode uma percepção equivocada de
confundi-la com a homosse- que autistas não são capazes primeiro para si antes de
xualidade, a qual se refere a de apreender a própria identi- revelá-la a outras pessoas.
experimentar atração sexual, dade de gênero. Elas identifi-
romântica e emocional por pes- caram grupos de pessoas com
soas do mesmo sexo/gênero. Já esse diagnóstico que, embora
a disforia de gênero, por sua tivessem consciência desde
vez, refere-se às sensações de muito jovens acerca de suas
infelicidade e angústia extre- identidades de gênero discre-
mas em relação à discrepân- pantes àquelas designadas no
cia entre como se percebe o nascimento, relataram ter essa
próprio gênero e como ele é percepção invalidada por mui-
experienciado e observado tos avaliadores em função da
pelos outros. Este é um termo deficiência. As estudiosas per-
comum entre os profissionais ceberam que nomear a identi-
da saúde, embora tenha sido dade foi uma parte importante
substituído por transtorno de para a aceitação e autoestima
identidade de gênero (TIG) de alguns dos colaboradores
nos manuais médicos. da pesquisa.
#
A
O gênero é um dos primei- Também, as cientistas iden-
ut
is
ros aspectos do autoconheci- tificaram que autistas com
m
oM
mento. Portanto, a dissonância orientações sexuais ou identi-
ai
sI
em relação ao sexo designado dade de gênero não normativa
nf
or
no nascimento pode ocorrer tendem a relatar maior preo-
m
ac
ainda na primeira infância. cupação com rejeição e discri-
ao
Mas, o afastamento de uma minação do que a população
perspectiva biofísica não sig- LGBTQIAP+ em geral. E ainda,
nifica uma postura de negação a aceitação da transgeneridade
do papel da medicina em rela- pode ocorrer mais tardiamen-
ção às transexualidades, uma te em autistas em função da
vez que há sofrimento psíquico falta de percepção de identi-
associado à percepção de ca- dades não convencionais, ou
racterísticas físicas. Portanto, seja, a dicotomia entre macho
o foco da disforia de gênero e fêmea.
como diagnóstico evoluiu para Dessa forma, muitos autistas
uma percepção do desconforto LGBTQIAP+ assumem a iden-
como mote da ação terapêuti- tidade primeiro para si antes social. Porém, eles também
ca, em vez da patologização da de revelá-la a outras pessoas. evidenciaram a necessidade
identidade em si. Inclusive, alguns autistas en- de pertencerem a comunida-
volvidos na pesquisa perce- des, especialmente aquelas
A realidade das pessoas beram impactos negativos na formadas por pessoas que
autistas e transgênero percepção de outros sobre sua compartilham identidades e
As pesquisadoras Eva Men- capacidade, depois de revela- interesses similares. Aliás,
des e Meredith Maroney, da rem o diagnóstico. Outros tive- muitos deles relataram que
Un iversidade de Calgar y ram o laudo questionado pelas suas identidades eram respei- 15
(Canadá) observam, no livro habilidades de camuflagem tadas nesses grupos.
R EVI STA AUTISMO
#AutismoMaisInformacao
Liga dos Autistas
Kamilla Brandão
Contrariando muitos que dizem que o meu de superação! Nas minhas últimas férias, eu
autismo é bem leve, eu o sinto pesar em meus viajei sozinha! Saí da minha cidade, deixei
ombros todos os dias. Com o apoio do meu meu marido e meu cachorrinho, e fui passar
@liga.dos.autistas marido, Antonio, e de pessoas maravilhosas seis dias em Brasília. Aproveitei para conhecer
Ilustração: Camila Alli Chair -
que me cercam, tenho conseguido superar os a Érica, fundadora da Liga, que só conhecia
desafios do dia a dia. E o texto de hoje é um por meio virtual, e a Débora, que também co-
relato de um desses momentos de superação. nhecia de grupos, da época que eu não tinha
Um dos meus maiores medos é ter uma diagnóstico de TEA e transitava pelos grupos
crise sozinha em um lugar desconhecido, mais de TDAH.
ainda se for um local público. Fico pensando E eu consegui! Peguei o avião, me hospedei
em quantas pessoas vão passar, olhar, sentir no hotel, fiz turismo pela cidade, conheci as
pena, talvez filmar, talvez achar graça – “olha duas amigas (que agora não são mais só amigas
a doida!”. Será que vão me internar em hos- virtuais), fiz massagem pela primeira vez (e
pital psiquiátrico? Apesar de não ter tanta detestei!). Senti medo várias vezes, não soube
hipersensibilidade, um dos lugares que mais o que fazer algumas vezes, acabei ficando mais
me causa esse medo e uma grande ansiedade do que gostaria no quarto de hotel, tive crise
é o aeroporto. É muita gente, você tem que pela sobrecarga de coisas novas, mas no fim
procurar seu portão, e te trocam de portão, e deu tudo certo e voltei ainda mais confiante,
16
acreditando ainda mais na minha capacidade.
Tudo bem que minha atual condição me pro-
porcionou regalias, como escolher um assento
mais confortável do avião, poder esperar o vôo
em um lugar mais calmo, ter acesso a um hotel
tranquilo e bem localizado, poder contratar
carro por aplicativo pra me deslocar, além
de que as duas amigas me ajudaram, embora
não podendo estar muito presentes comigo.
Mas, nada disso diminuiu, nem um pouco, o
orgulho que eu senti de mim mesma.
Eu venci! Fui com medo e voltei com or-
gulho! Para alguns que estejam lendo pode
parecer uma conquista tão boba, mas pra mim,
não há palavras pra descrever o quão signi-
ficativo isso foi.
A mensagem que deixo para quem chegou
até aqui é: não duvidem um dia sequer de sua
capacidade. Sim, é assustador! Mas você pode
fazer, com planejamento, com apoio. Com o
suporte adequado, o autista pode ir aonde
ele quiser!
AUTISMO +
SUPERDOTAÇÃO
O reconhecimento pessoal na dupla
excepcionalidade e a arteterapia
CLÁUDIA
COELHO FRANCILENE PATRÍCIA
DE MORAES VAZ WINCK
tem diagnóstico de tem diagnóstico é arteterapeuta,
TEA/SD, é mãe de de TEA/SD, é mãe especialista em
um autista adulto, de duas crianças autismo, membro
nível 3, Mestre autistas, pedagoga internacional do
em Educação e e Conselheira The Nora Cavaco
vice-presidente da Estadual da Onda- Institute, conselheira
Onda-Autismo. Autismo, Amapá estadual (SC) da
Onda-Autismo.
@releiturafeminina
@superdotacao_entreirmas
20
#AutismoMaisInformacao
francilenevaz
por causa dessa falta de voz, edição é da Editora Brilliant
de reconhecer-se e validar-se, Minds, do competente Dr.
iniciei uma proposta terapêu- H.C. Alas Alvarenga, tam-
tica de fazer do meu perfil no bém autista, com a colabora-
COMUNICAÇÃO
ALTERNATIVA
Entrevista com o casal criador do PECS,
Andy Bondy e Lori Frost
22
as estratégias de ensino desenvolvidas em torno
da ciência da aprendizagem por muito tempo”,
argumentou Andy Bondy.
Comunicação tangível
O protocolo do PECS tem seis fases e começa
com a utilização de apenas uma figura. Pude
“confessar” aos criadores que utilizei o PECS
com meu filho (que à época tinha pouco mais
de 3 anos) começando com 32 figuras. Eu com-
prei o livro, li os primeiros capítulos e já come-
cei a aplicar o sistema de CAA. Só depois de ter
começado, continuando a leitura, me deparei
com essa importante informação: era para
começar com somente uma fi-
gura! Aproxima-
damente
s ei s me s e s
depois, meu
filho começou a falar.
Mas nem todos os autis-
tas adquirem a fala, e uma
CAA pode ajudá-los a se comu-
nicar de outras formas e diminuir sua
“invisibilidade” social.
O sistema implica em “trocar” um cartão
com uma figura por uma ação ou um item,
um objeto, um brinquedo, o que a pessoa tiver
interesse. E, ao introduzir mais figuras, pros-
segue ensinando a discriminação de cada fi-
gura e, mais à frente, a formação de frases,
juntando-as. Nas fases mais avançadas, as pes-
soas aprendem a comentar, responder pergun-
tas e iniciar uma conversa. O maior uso é com
autistas, mas o sistema é apropriado para pes-
soas com dificuldades cognitivas, físicas e de
comunicação. O objetivo principal do PECS é
ensinar comunicação funcional.
Na sua mensagem final, Lori Frost disse:
“Não são somente profissionais, os pais tam-
bém podem aprender. São pais apaixonados que
Ilu são minha motivação! Eu conheço os filhos e
str
aç os ajudo a se comunicarem, mas, para mim, o
ão
:S
am
an
ta maior benefício é ver o impacto na família e,
Pa
i va na minha opinião, os pais é que são os heróis!”,
revelou Lori Frost.
Vale à pena assistir ao vídeo completo da
entrevista — que foi toda em inglês, mas tem
legendas em português —, de 30 minutos, no
canal da Revista Autismo no Youtube ou na
versão online desta reportagem (tem um QR-
-code para isso na página do índice).
Arquivo pessoal
24
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podemos ser
Nícolas Brito Sales
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E CONFIANÇA
tem 24 anos, é fotógrafo,
palestrante e escritor. Desde 2011,
juntamente com sua mãe, Nicolas Em setembro de 2022, eu fui Bom, eu fui super confiante,
percorre vários lugares para dar contratado para fotografar um mas ao mesmo tempo meio tí-
palestras sobre como é ser autista
evento em São Paulo, muito mido para a entrevista. Eu res-
e estar inserido na sociedade. Em
janeiro de 2016, Nicolas deu início, bom por sinal. Foi o Tearteiro, pondia às perguntas e, de vez
como freelancer, a seus trabalhos de promovido pela Grazi Gadia em quando, tirava algumas
fotógrafo, profissão que ele pretende e a Flávi a Gusm ão. Para dúvidas quando não entendia
seguir. Em 2014, foi coautor do
livro “TEA e inclusão escolar – um mim, seria só mais um even- alguma pergunta. Enfim, a
sonho mais que possível”. Em 2017, to comum, até que eu conheci entrevista foi excelente e bem
lucasksenhuk.art
Nicolas lançou seu próprio livro, duas mulheres maravilhosas, direta ao ponto. Quem me en-
“Tudo o que eu posso ser”, no qual Kaká e Leila, que me oferece- trevistou foi o Márcio e ele me
conta suas experiências, o que
pensa e como vive em sociedade. ram uma proposta de trabalho deixou bem à vontade.
@nicolasbritosalesoficial
de assistente terapêutico (AT), Quando fiquei sabendo que
que eu achei muito interessan- passei, fiquei muito feliz e
Ilustração: Lucas Ksenhuk -
tudooqueeupossoser@gmail.com
te. Fiquei super maravilhado muito animado, pois eu ia co-
e super interessado pela pro- meçar meu primeiro emprego
posta e marquei uma entre- oficial e trabalhar com outros
vista de emprego para ver se jovens com autismo, o que é
daria certo e eu, enfim, teria bem interessante e legal. O que
a oportunidade de trabalhar! eu faço é auxiliar outros ATs a
MAIS
INFORMAÇÃO,
MENOS
PRECONCEITO
32
#AutismoMaisInformacao
brasileira objetivando a conscienti- a campanha, possa dar um passo
zação e aceitação do autismo e das além, a fim de aprofundar-se no
pessoas autistas em todos os âmbi- tema, rumo a mais conscientização
tos da sociedade. A hashtag deste e aceitação.
ano é #AutismoMaisInformacao Uma novidade para este ano é
para ser usada nas redes sociais. um guia para orientação a quem
Um sem-número de autistas quiser organizar uma caminhada
ouvem, frequentemente, frases ou evento para o Dia Mundial de
preconceituosas e capacitistas, na Conscientização do Autismo na sua
maioria das vezes, simplesmen- cidade, com diversos detalhes e su-
te por falta de informação. Quan- gestões. O documento foi feito pela
to mais informação de qualidade Revista Autismo, em colaboração
pudermos propagar a respeito da com a associação Caminho Azul,
pessoa autista e do transtorno do a fundação Mundo Azul, ambas
espectro do autismo (TEA), cer- do Rio de Janeiro (RJ), e o Núcleo
tamente, será cada vez menor a de Estudos e Pesquisa em Autismo
chance de situações capacitistas, (NEPA), da Universidade Federal
preconceituosas e de exclusão so- Fluminense (UFF), de Niterói (RJ).
cial acontecerem no país.
O tema escolhido para 2023 ficou,
por uma diferença muito pequena, A volta das
em segundo lugar na enquete feita caminhadas e eventos
no ano anterior (entre líderes de Com a amenização da pandemia
movimentos ligados ao autismo) de Covid-19, a maioria das cida-
e por isso foi o utilizado para este des terão novamente caminhadas e
ano. Em 2022, o tema foi “Lugar eventos pelo Dia Mundial de Cons-
de autista é em todo lugar”, com a cientização do Autismo — inclusi-
hashtag #AutistasEmTodoLugar, ve as maiores, Rio e São Paulo, que
tendo repercussão na mídia em já foram confirmadas. Sem esses
todo país. eventos desde 2020, a expectativa
é de recorde de público para todo o
Brasil, e que tenhamos, neste 2023,
Cubo mágico o dobro de público do último ano
O cartaz oficial do 2 de abril traz em que tivemos caminhadas pelo
um cubo mágico como imagem Dia Mundial de Conscientização
central, entre a discussão de usar do Autismo, 2019. A sugestão é que
o símbolo do autismo, o quebra-ca- as cidades façam caminhadas so-
beça, e o da neurodiversidade, o lidárias, com arrecadação de itens
infinito com o espectro de cores do de necessidade para as ONGs e as-
arco-íris, o cubo mágico também é sociações locais de cada município.
um quebra-cabeça e apresenta seis
cores em suas faces, com múltiplas
possibilidades. União e tema nacional
A peça publicitária tem um Desde 2019, a Revista Autismo
QR-Code que leva para a página lança um tema nacional para que
oficial do Dia Mundial de Cons- todos possam enviar a mesma
cientização do Autismo, da Revista mensagem para a sociedade e a
Autismo, com informações sobre o mídia, com o prop[ósito de favo-
2 de abril e sobre o transtorno do recer uma campanha mais efetiva
espectro do autismo (TEA), para e mais forte, pela união de todo o
que a sociedade em geral, ao ver ecossistema do autismo. 33
L AU
de exercerem seus
direitos, e a busca
nos mobilizou para
refletir e buscar saídas
DO
por políticas públicas na mais permanentes e menos
educação e saúde foi ficando cada impulsivas. Estivemos juntas,
vez mais intensa. além de outros representantes do
Leopoldina Martins Paes de Oli- movimento, incluindo autistas, na
veira, 74 anos, é uma dessas mães. elaboração da Lei 17.502 assinada
luta e o ativismo pelos direitos Professora, conseguiu o diagnósti- pelo prefeito Bruno Covas, em
das pessoas com autismo é um co de seu filho André, de 43 anos, 03.nov.2020, que garante direitos
fato reconhecido desde o início apenas em 2015. Uma verdadeira de atendimento aos autistas e seus
da década de 1980, com congres- via crucis de profissional em pro- familiares. Devemos deixar claro
sos, simpósios, livros publicados fissional, escola em escola. Embora o que muito do que está na lei ainda
e grandes nomes da classe médica diagnóstico tenha sido tardio, André não constitui uma realidade.
discutindo informações sobre o, nunca deixou de ser estimulado, tra- Por ocasião das eleições de 2022,
chamado na época, “distúrbio”. balhado, incentivado e inserido em fomos surpreendidos com uma
Em 1989, a Asteca (Associação sua família e comunidade. grande quantidade de candidatos
Terapêutica Educacional para Leopoldina deparava-se com di- levantando a bandeira do autis-
Crianças Autistas) promoveu o I ficuldades legais e interesses que mo, com um número exagerado de
Congresso Nacional de Autismo; mais geravam exclusão do que projetos de lei (PL) prometendo até
eu estive lá. acessibilidade. Decidiu, então, par- mesmo o que não é possível prome-
Posteriormente, com a assinatura ticipar de movimentos e grupos ter. É sabido que PL para direitos
da Declaração de Salamanca, em que lutavam pelas tais políticas dos autistas em época de eleição
1994, mudanças na educação foram públicas. Em 2015, iniciou seu en- é para ganhar votos, não significa
propostas com foco na criança e volvimento no Movimento Pró Au- nada e, após cada eleição, há uma
em suas necessidades e habilida- tista, em 2017, ingressou no GT-TEA gaveta de cemitério de projetos.
des, inserindo todas as crianças no da SMPED (Grupo de Trabalho do Entretanto, Leopoldina trouxe à
sistema regular de ensino. transtorno do espectro autista da discussão, recentemente, o PL 4065,
Lentamente, pais, autistas e pro- Secretaria Municipal da Pessoa de 2020, da deputada federal Maria
fissionais uniram-se pelo direito com Deficiência da cidade de São Rosas, que se refere a problemas
Paulo), grupo onde me encontrei que ela enfrenta todos os anos: é
com Leopoldina pela primeira “pega na malha fina” da Receita Fe-
vez. Mulher decidida, coerente e deral para provar que o filho é seu
de fala mansa, mas crítica, sempre dependente por ter uma condição
R EVI STA AUTI SMO
34
sária
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permanente
chamada autismo e
a cada vez de renovar o Ilus
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bilhete único especial da São tio
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Paulo Transportes (SPTrans). para @s
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fala
seu filho, precisa correr para mais rna
osa
irei id
um laudo, porque ele tem data de é esvaziar a de- to
validade. O projeto, que já tem manda das UBS, por
dois anos, trata exatamente dessa exemplo, é evitar filas, cons-
questão, altera a Lei nº 12.764/2012, trangimentos e, acima de tudo, com partici-
de Proteção dos Direitos da Pes- burocracia. Para quem tem um pação voluntária;
soa com Transtorno do Espectro psiquiatra particular, solicitar vê o movimento perden-
Autista e altera também o § 3º do um laudo a cada 6 ou 12 meses do força a cada dia. Os encontros
art. 98 da Lei nº 8.112/1990, “para pode ser uma dor de cabeça, mas do GT de TEA da SMPED foram en-
incluir como permanente o cará- a conclusão é rápida. Precisar de cerrados pela própria Secretaria, há
ter do laudo que diagnostique o uma atualização de laudo para mais de um ano, e nós, do grupo,
transtorno do espectro autista”. quem depende do SUS pode gerar mantemos nossos diálogos pelo
O PL encontra-se na Comissão de até mesmo a interrupção de um whatsapp onde nos organizamos e
Constituição e Justiça e de Cida- tratamento por falta de dinheiro lutamos pelos canais que possuímos.
dania da Câmara Federal desde para o transporte público, no caso Não queremos mais políticos fa-
1.junho.2022. da renovação do bilhete único es- bricando PLs que serão engaveta-
O PL 4065 é de uma simplicidade pecial pelo SPTrans. Apenas mais dos. Precisamos de efetividade na
pueril, de uma obviedade incon- um detalhe: o SPTrans solicita o luta, coerência e acesso aos direitos.
testável e está há dois anos para envio de dois laudos, um médico Precisamos ouvir mais as Leopol-
ser aprovado. Vale citar também e outro de um psicólogo ou tera- dinas e desistir jamais.
outro projeto semelhante, o PL peuta ocupacional.
2352/2022, da senadora Ivete da Sil- Leopoldina é membro do Con-
veira (MDB-SC), que tramita no Se- selho de Inclusão da Câmara Mu- 35
nado. Aprovar um laudo definitivo nicipal e do Fórum de Entidades
R EVI STA AUTISMO
#AutismoMaisInformacao
S E S S Ã O
H ip e r fo c o UMA
A R T I STA
PR ECI SA E
CIENTÍFICA
Me chamo Camila Alli Chair,
tenho 33 anos e desde que me
conheço por gente tenho um
fascínio enorme por animais.
Quando eu era criança, meu
foco eram os insetos. Lembro-me
direitinho dos meus pais falan-
do que iríamos passar a tarde na
casa de algum parente ou amigo
e eu logo pensava: “Será que
terá jardim pra eu procurar in-
CAMILA ALLI CHAIR
setos?” E foi assim até os meus
Formada em animação,
8 anos de idade.
cursou biologia, tem
Qualquer coisa relacionada
33 anos, é vegetariana
ao mundo natural me encanta-
e seu hiperfoco são
va ou chamava a minha atenção
dinossauros e répteis,
de alguma forma. Junto ao meu
desde os 10 anos.
interesse por insetos, os
www.deviantart.com/freakyraptor pinípedes (focas) tam-
www.artstation.com/camilaalli bém estavam lá
@freakyraptor89/
@freakyraptor
presentes — minha
pelúcia favorita da
época era uma fo-
quinha branca. Os
dinossauros? Eu já
havia apresentado
um interesse relati-
vamente grande ao
#AutismoMaisInformacao
37
FRANCISCO PAIVA JUNIOR
é editor-chefe da Revista Autismo
@PaivaJunior
@paivajunior
IA & AUTISMO
O que a inteligência artificial sabe sobre autismo
e o que considerar em suas respostas
38
Adivinhação autista (TEA). O TEA é um distúr-
Se eu pergunto ao ChatGPT bio neurocomportamental que afeta
quantos autistas há no Chile, ou a comunicação, a interação social e o
qual o percentual de autistas adul- comportamento da pessoa, e pode ter
tos que estão empregados atual- diferentes níveis de gravidade...”
mente no Brasil, ou ainda, com Portanto, é essencial não tratar
quantos anos, em média, é feito o suas respostas como uma verdade
diagnóstico de autismo no conti- (ou mentira) absoluta, apenas como
nente africano, a IA não sabe as uma probabilidade — algo que um
respostas e vai tentar inventar algo humano poderia ter redigido numa
(exatamente: inventar!), fazendo prova, por exemplo, ainda que não
uma espécie de “adivinhação”. estivesse 100% seguro das informa-
Entre aspas, pois, na verdade, é ções utilizadas.
matemática pura, já que ele é um A eficácia do ChatGPT está muito
modelo probabilístico. mais em produzir conteúdo plau-
Usando o exemplo de quantos sível e verossímil (que aparenta
autistas há no Chile, ao fazer tal estar correto) do que realmente
pergunta, a IA me responde algo verdadeiro. Pode-se afirmar que
praticamente de uma vez, mas lá, o compromisso maior dele é com
internamente, nos seus bits e bytes, a plausibilidade; não com a vera-
ela vai fazendo contas e pesquisas e cidade ou precisão.
“montando” a resposta. Algo como:
“A quantidade de autistas… no A lógica da IA
Chile… atualmente é…” e, assim por O professor Edney Souza, o “In-
diante. Atualmente, na maioria das terNey”, especialista em tecnologia,
o ChatGPT (pela primeira vez na- tentativas, o ChatGPT tem avisado tem um texto muito interessante
quele país), em 30.jan.2023, pois essa que só tem dados até 2021 e gerado no site dele e outro no LinkedIn
IA consegue escrever como se fosse uma resposta, muitas vezes, convin- (acesse os links na versão online
um “humano”, como se fosse um cente, mas precisão não é seu forte desta reportagem) que explica bem
juiz e “fez o trabalho” para ele, ao — e não foi feito para isso (ainda)! com utilizar o ChatGPT de forma
menos em parte. Padilla decidiu a Veja o resultado dessa pergunta bem objetiva e assertiva, com suas
favor da criança e, em sua sentença, que fiz para o ChatGPT: diversas particularidades.
revelou ter interrogado o robô para “Não tenho acesso a informações
sustentar sua deliberação. atualizadas sobre o número de pes-
Isso é muito diferente dos resul- soas com autismo no Chile, pois meu
tados que conseguimos com bus- conhecimento se limita até setembro
cadores, como o Google, que tenta de 2021 e não possuo acesso a dados
encontrar a resposta mais precisa em tempo real.
a respeito de qualquer assunto, No entanto, posso afirmar que de
pesquisando dentro do gigantes- acordo com estimativas da Organiza-
co banco de dados que é a internet ção Mundial da Saúde (OMS), cerca
(em sua maior parte, indexada por de 1 em cada 160 crianças em todo
esse gigante das buscas). o mundo tem transtorno do espectro
39
DIA
INTERNACIONAL
DA MULHER
Mães autistas de filhos autistas: relatos
de vantagens e desvantagens
Fernanda Coelho Moreira, 39 anos, é mãe ela vê o filho sozinho e ele está bem, ela
de dois garotos, um autista de 12 anos, Sa- entende que aquela é uma opção dele. Mães
muel, e Isa, de 8. Ela é mestre em Direito e típicas minimizam outros sofrimentos por
psicóloga, e considera como o maior desafio não entenderem a situação [do autismo], já
da maternidade conciliar a rotina das crian- que não são autistas.
ças com a dela própria. Fernanda reconhece Em contrapartida, a procuradora e psicólo-
que possui um patamar de auto exigência ga enxerga como vantagem das mães típicas,
maior, como mãe, e acredita que essa seja o fato de elas poderem ensinar habilidades
a causa de seu cansaço intenso, agravado sociais aos filhos que estão dentro do espec-
pelas questões sensoriais. tro. Algo que Fernanda não conseguiria, por
Para Fernanda, é como se fossem duas apresentar a mesma dificuldade que o filho.
linguagens usadas por uma mesma mãe:
com a criança neurotípica, uma linguagem A experiência de um casal
que ela aprendeu e à qual tem se adaptado, Márcia Moreira Machado e Giovani Ra-
ao longo da relação. Com o filho autista, gazzon têm 46 e 45 anos e estão no segun-
a linguagem é uma linguagem que se ex- do casamento. Ambos são autistas. Márcia
pressa de forma leve, fluente e espontânea. tem um filho do primeiro casamento, Eric,
Como mãe autista, Fernanda maneja natu- autista de 12 anos, Giovani tem dois filhos
ralmente as situações. Não há sofrimentos de 13 e 15 anos, Josué, autista, e Eliseu, em
diferentes, exceto quando envolve outras investigação diagnóstica.
condições coexistentes ao autismo. Por O casal divide a responsabilidade dos filhos.
exemplo, a falta de socialização. Quando Para Márcia, manter as crianças seguras num
40
mundo doente é o maior desafio. E mais, cada e o pai conclui: “Como trato as crianças
criança é única. Assim, umas vão ter mais de forma lógica, mesmo essas mudanças
comprometimento em uma área e apresen- podem ser previsíveis.”
tar maior vantagem em outras. Portanto, o Como é ser a “Mamãe Tagarela”
segredo é respeitar essas diferenças. A mamãe tagarela vem da família tagare-
Porém, um ponto é comum: crianças autis- la, uma família neurodivergente. Ela é Thaís
tas precisam de mais estrutura, mais orga- Bastos Cardoso, a Thata, fisioterapeuta, es-
nização, uma rotina mais bem estabelecida, critora, youtuber e, aos 39 anos, recebeu o
mas, certamente, esses cuidados também diagnóstico de autismo. Hoje, ela está com
beneficiam as crianças neurotípicas. 41 e tem 2 filhos: o Eric de 9 anos, e a Mia
Muitas mães autistas consideram que ser de 6, ambos autistas. A família mora em
mãe autista é mais desafiador de acordo Malta, uma pequena ilha ao sul da Itália.
com as fases do filho autista. Mas, Márcia Thaís inicia a entrevista dizendo que não
considera tais mudanças esperadas. O olhar sabe como é ser mãe de uma criança neu-
dos pais autistas apresenta mais equidade rotípica. Mas, ela explica que como mãe de
e noção de diversidade. E é exatamente por autista a sensação é de que está sempre de
isso que as mudanças são mais bem aceitas. vigília, o tempo todo. Isso porque, segundo
E não são tão desafiadoras. Exceto quando ela: “Se eu baixo a guarda eles botam algu-
tais alterações possam comprometer a se- ma coisa que não devem na boca (muitas
gurança e a saúde das crianças. vezes pegam do chão mesmo), ou sobem
Por outro lado, a segurança em se ter um em algum móvel alto, ou saem andando
comportamento metódico torna alguns pais por aí sem prestar atenção”. Os filhos não
mais previsíveis, o que facilita para os filhos têm muita noção de perigo, o que é muito
autistas. É o caso de Giovani que explica: estressante para uma mãe, contudo, seu
“Eu sou constante, então as crianças sabem maior desafio é lidar com a rigidez cogniti-
sempre o que esperar de mim. Desta forma, va. Em outras palavras, sustentar as mesmas
por não terem surpresa, acredito que mante- ideias e comportamentos, sem possibilidade
nha uma constância no relacionamento.” E de mudança.
é exatamente a constância que leva o autista É importante ressaltar que nem tudo é
a se sentir mais seguro. estresse na vida de uma mãe autista, pois
Giovani ressalta que questões como pu- há vantagem de entender as dificuldades
berdade trazem mudanças no relaciona- que os filhos têm. Thaís exemplifica: colocar
mento. Isso independe de ser ou não autista, meia porque a costura incomoda, pisar na
grama ou na areia da praia. A mãe autista
também consegue entender de forma leve
e mais imediata, a necessidade dos stims
para autorregulação e entende que, muitas
vezes, tudo o que a pessoa autista precisa
é ficar num quarto escuro porque o mundo
tem estímulos demais. “Por ser autista eu
consigo “colocar os sapatos deles” e enten-
der onde o calo aperta”, conclui Thaís.
41
Ilustração: Bia Raposo - @biabiaraposo
R EVI STA AUTISMO
#AutismoMaisInformacao
são mulheres, ainda não conseguiu fechar desafios de cada fase do desenvolvimento do
o diagnóstico de nenhuma delas. filho autista. Não há vantagem ou desvan-
Para Paloma, um dos desafios da mater- tagem em ser mãe autista de filho autista.
nidade atípica é tentar conseguir que as O importante é se entender em que mundo
filhas entendam que nem tudo pode ser essas pessoas estão inseridas. Então, quando
na hora. Além disso, é preciso ensiná-las a falamos de dois autistas inseridos no mundo
lidar com a frustração e com a ingenuidade. de neurotípicos, estamos dobrando os de-
Mas, para Paloma, “a relação é divertida e safios dessas pessoas. Andressa chama a
posso compartilhar os meus aprendizados atenção das mães autistas e orienta: “Você
e vivências com minhas filhas.” não está sozinha. Se é difícil, se está desa-
Paloma se considera uma mãe atípica no fiador, procure ajuda, procure sua rede de
sentido estrito da palavra. E observa: “Eu apoio. Você não precisa dar conta de tudo
vejo muitas vantagens, pois não me encaixo sozinha. Se você percebe que a maternida-
no padrão de mãe da sociedade em nada. de traz desafios pessoais, cuide de você, de
Então, ajo do meu jeito que é bem peculiar, suas características, trabalhe a sua autocons-
segundo as pessoas de fora. ‘As mães não ciência, trabalhe as suas habilidades, o seu
são assim com as filhas’ – é o que dizem.” ser psicológico. Faça isso com a ajuda de um
Mas, ela faz como acredita ser correto, sem profissional. Cuide primeiro de você, você
seguir uma fórmula estabelecida. Paloma precisa estar bem para cuidar de seu filho.”
não se apega a regras sociais e protocolos Pensando no Dia Internacional da Mulher,
da sociedade que não façam sentido. “Eu Andressa pondera que a mulher autista tem
não fico esquentando minha cabeça, pois uma capacidade de mascaramento muito
aprendi a racionalizar o medo e as preocu- grande. E explica: “Ela tem a capacidade
pações, ao invés de deixá-los me dominar”, de oferecer ao outro o que o outro precisa.
explica a mãe autista. Por isso, é tão difícil de entender o perfil
Paloma enfatiza que “ser mulher é bem mais de autismo em mulheres. Por causa dessa
difícil. As mulheres ainda não têm direito capacidade de mascaramento. Então, o reca-
igual ao diagnóstico. Uma grande parte de do que eu dou para as mulheres autistas é:
mulheres autistas sofrem ou sofreram abusos, entenda quem você é, entenda qual é o seu
assim como outras meninas e mulheres com jeito. Nem sempre você precisa esconder o
deficiências” “é necessário que saibamos que seu jeito. Você tem que se conectar com você.
temos umas às outras e, juntas, vamos mais Esse jeito também é belo. Muitas mulheres
longe e transpomos barreiras”. acreditam que esconder é melhor, porque o
jeito dela é pior. Mas não, essa mulher au-
O que diz a especialista tista precisa descobrir a beleza do ser quem
Andressa M. Antunes, 30 anos, é psicóloga ela é. E esse recado funciona para todas as
que atende essa demanda em seu consul- mulheres. Por causa da cultura machista
tório, em Belo Horizonte, MG. Para ela, ser em que vivemos, nós não acessamos toda
mãe já é um desafio em si, mas há desafios a nossa beleza, toda a nossa feminilidade.
diferentes para mães típicas e autistas. Ela Portanto, estamos numa constante desco-
ressalta que, independente do perfil da mãe, berta do que é ser mulher”.
para todas há o senso de preocupação, do
cuidar e a culpa, que é inerente a esse ‘cui- Tem muito mais conteúdo! Veja o texto completo
dar do outro’. na versão online desta reportagem através do
Ela não associa o estar no espectro aos QR-code na página do índice desta edição.
42
#AutismoMaisInformacao
C A N A L
Saiba mais no
Matrícula em canalautismo.com.br
Introvertendo
William Chimura
Wallace D’ Lira
P O R U M AT I V I S M O
P R A G M ÁT I C O ?
O que seria um ativismo a cabeça para buscar qualida-
pragmático? O fato é que a de de vida para suas crianças?
maior dificuldade na comuni- Devemos crucificar a análise
dade do autismo consiste na do comportamento ou deve-
conciliação entre pais, mães, mos fazer uma autoanálise do
William Chimura é ativista autista
e divulgador científico no Youtube. profissionais e autistas... É nosso próprio comportamento?
Pesquisa tecnologias digitais de fato uma comunidade? Ou Estimular o autodiagnóstico é
para educação e é professor seria mais um reflexo de uma válido ou seria necessário mais
de metodologia científica na polarização sem contexto? responsabilidade?
Academia do Autismo.
As adversidades têm nos São tantas questões cercean-
Wallace D’ Lira é autista, escritor, rodeado a cada semana, ba- do o que de fato importa, que
palestrante, ativista e youtuber. nhadas a retrocessos cada vez podemos acabar entrando em
mais constantes. Em nossa um limbo onde o ativismo se
perspectiva, o ato de fazer torna raso e as “ações” são
introvertendo ativismo tem ficado cada vez meras palavras prometidas
@introvertendo mais escasso, enquanto posi- ao vento. Acreditamos que o
introvertendo cionar-se tem sido uma tarefa diálogo seja sempre o cami-
www.introvertendo.com.br cada vez mais árdua. nho mais salutar, com deba-
O que importa é o quebra-ca- tes engajados sobre questões
beça ou mães e pais quebrando que sejam plausíveis de se
R EFLE XÕ ES
em terras tupiniquins, as coisas
são desesperadoras. Ao fim e ao
cabo, só podemos contar com o
apoio familiar. Do Estado não
Autismo Severo vejo ajuda.
Todos vamos morrer, mais dia,
Haydée Freire Jacques menos dia, e aí? Meu filho não
tem autonomia para viver sozi-
nho, ele precisa de apoio, muito
Estava vendo uma foto do apoio. Até estou sabendo de al-
ano novo. Passamos em casa, guns projetos de residências
só a nossa família. Somos cinco assistidas, mas são iniciativas
adultos — meu marido, meus privadas e custam caro. Com a
dois filhos e minha nora. Todos grande concentração de renda
nós alegres, sorridentes, bem que existe por aqui, pouquíssi-
próximos, para caber na selfie. mos poderiam bancar essa solu-
Observando a foto, percebi que ção, ainda que fossem muitas as
formamos uma moldura para o residências, o que não é o caso. E
é casada e mãe de dois
filhos, sendo o mais moço Pedro. Ele é a figura central. E ficamos em uma sinuca de bico!
autista severo. Formou-se me coloquei a pensar que assim Há alguns anos, soube que
em odontologia, exerceu tem sido nossa vida há 31 anos. nosso filho mais velho tinha
a profissão até 2006,
quando decidiu dedicar- O Pedro sempre no centro. como certo se responsabilizar
se integralmente ao filho. No início, com o susto do diag- pelo Pedro, de forma que antes
haydeejacques@gmail.com nóstico, nossa reação de pais e de casar-se, uma das questões co-
irmão foi cerrar fileiras em torno locadas entre o casal foi: o Pedro
do membro mais frágil. E con- vai acabar morando conosco,
tinuamos assim, procurando você topa? Minha nora topou,
suprir as necessidades, compen- é uma “pessoinha” fantástica.
Ilustração: Fernanda Barbi Brock - @fer.barbi.brock