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(HÁ MUITO) AMOR AUTISMO NOS EUA: UNIDOS POR UM

NO ESPECTRO 1 A CADA 44 ÚNICO GENE

ANO VII - Nº 15 - DEZ/JAN/FEV 2022


GRATUITA
DISTRIBUIÇÃO
ISSN 2596 - 0539
#RESPECTRO
EXPEDIENTE - Revista Autismo
Ano VII — número 15 EDITORIAL
Dezembro de 2021
ISSN: 2596-0539
O autismo é um alvo em movimento. E, com a mudança da sua versão,
Distribuição gratuita
A frase não é minha, é do neurocientis- atualizam-se todos os códigos en-
Periodicidade trimestral
ta brasileiro Alysson Muotri, da Uni- volvendo diagnósticos de autismo
Tiragem deste número: 6.000 exemplares
versidade da Califórnia em San Diego e de síndromes relacionadas ao es-
Revista Autismo é uma publicação de circulação
nacional fundada em 2010 com o objetivo de (EUA), ao falar sobre a definição de pectro. Aliás, oficialmente, somente
levar informação de qualidade, isenta e imparcial. autismo. agora passa a “não existir” a síndro-
A respeito de autismo, é a primeira revista periódica
da América Latina, além de ser a primeira do mundo Nesta edição, trazemos uma atua- me de Asperger, por exemplo, como
em língua portuguesa. lização (ainda que possa parecer até um diagnóstico na CID e o autismo
Editor-chefe e jornalista responsável: mesmo tardia) da CID — que tem um passa a, enfim, ter o nome técnico de
Francisco Paiva Junior - MTb: 33.245 nome oficial grande e pomposo: “Clas- “Transtorno do Espectro do Autismo”
editor@RevistaAutismo.com.br
Direção de arte e design:
sificação Estatística Internacional de (TEA), o qual já utilizamos no dia a dia
Alexandre Beraldo
Doenças e Problemas Relacionados à desde 2013 (após a quinta atualização
xberaldo@gmail.com Saúde” — da versão 10 para a seguinte, do DSM).
Revisão e Traduções: a CID-11, a partir de janeiro de 2022. Na prática, muito pouco muda. Mas,
Márcia F. Lombo Machado E o que uma coisa tem a ver com a agora alinhamos os dois principais
marciaflm@gmail.com
Consultores científicos:
outra? Muito. A CID, feita pela Orga- “guias” de diagnósticos médicos para
Alysson R. Muotri e Diogo V. Lovato
nização Mundial da Saúde (OMS), é o “guarda-chuva” de diagnósticos que
Arte da Capa: o instrumento oficialmente utilizado passou a ser o TEA, não só unificando
Alexandre Beraldo no Brasil para “codificar” as condições códigos, mas unificando direitos, ati-
Colaboradores deste número: de saúde e causas de morte. Portanto, vismo, conscientização e o reconheci-
Alessandra G. Buosi, Amauri de Araújo diagnósticos de autismo e síndromes mento de que autismo é uma questão
Sousa, Beatriz Raposo, Camila Alli Chair,
relacionadas vêm da CID, principal- muito mais comum do que se pensava
Fábio Coelho, Fábio Sousa (tio. faso), Fátima
de Kwant, Fernanda Barbi Brock, Graciela mente se estivermos falando de saúde a cada década do passado.
Pignatari, Gustavo Borges, Haydée Freire pública e de questões oficiais. Ainda Mas não é só isso que tem nesta
Jacques, Jonatas Ribeiro, Lucas Ksenhuk,
Luciana Viegas, Marcelo Vitoriano, Mauricio que muitos psiquiatras, por exemplo, edição. Tem muito mais e vale a pena
de Sousa, Nícolas Brito Sales, Nora Cavaco, utilizem já há alguns anos os critérios esmiuçar cada página desta Revista Au-
Patrícia Wink, Samanta Paiva, Tiago Abreu,
Wagner Yamuto, Willian Chimura. diagnósticos do DSM (Manual de tismo. E que você tenha um ótimo 2022!
Impressão: Diagnóstico e Estatística dos Trans-
LaborPrint tornos Mentais) — que é da Associação
Patrocinadores: Americana de Psiquiatria — na hora
Grupo Método, Academia do de fazer o laudo, só tem valor no Brasil
Autismo, Clínica Somar.
se contiver o código da CID.
Fundadores (2010):
Martim Fanucchi
Francisco Paiva Junior
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do Giovani, de 14 anos, que tem autismo
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Editado por: PAIVA JUNIOR beça, e da Samanta, de 12 anos, que tem Para sugerir pautas e temas de reportagens,
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chulé e é exímia desenhista. envie mensagem para o mesmo email citado acima.
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Autismo e seus editores. Exemplo: MUOTRI, A.. Minicérebros humanos, um novo modelo experimental para o estudo do
TEA. Revista Autismo, São Paulo, ano V, n. 4, p. 44-46, mar. 2019.
C
Í N
D
I E

NOVAS AUTISMO E O
DESCOBERTAS TRANSTORNO DE AUTISMO NOS EUA:
DA CIÊNCIA PERSONALIDADE 1 A CADA 44

pág.12 pág.16 pág. 19

OS MITOS DA
UNIDOS COMUNICAÇÃO NOVAS PRÁTICAS
POR UM SUPLEMENTAR DE ESTIMULAÇÃO
ÚNICO GENE ALTERNATIVA MULTISSENSORIAL
pág. 20 pág.26 pág28

MAPEAMENTO AUTISTA BRASILEIRA


GENÉTICO, EXOMA DUBLA AMOR
OU ARRAY? NO ESPECTRO
pág.30 pág. 47

SESSÕES AUTISMO NA
o que é autismo?
hq - andré e a turma da mônica
canal autismo
pág.08
pág.09
pág.42
NOVA CID-11
dica cultural pág.44 reportagem de capa pág.34

COLUNAS

matraquinha pág.10
tudo o que podemos ser pág.14
trabalho no espectro pág 24
introvertendo pág.33 Leia este QR-code
uma mãe preta escrevendo pág.38 com seu celular e
liga dos autistas pág.48
acesse a versão online
desta edição com
autismo severo pág.50 conteúdo extra.
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Artistas que ilustraram esta edição

LUCAS CAMILA BIA FÁBIO ALEXANDRE


KSENHUK CHAIR RAPOSO SOUSA BERALDO

Artista plástico, Formada em Artista plástica, Designer de Designer,


20 anos, autista, animação, cursou arte educadora e formação, ilustrador e
sua obra sempre biologia, tem 32 provocadora ilustrador gestor culural,
está nas principais anos, é vegana cultural, por paixão, é o responsável
exposições de e seu hiperfoco ilustra a coluna bonequeiro pela edição de
rua de SP. são dinossauros “matraquinha” profissional arte da Revista
e répteis, desde desde a primeira e autista Autismo e
os 10 anos. vez que a leu e diagnosticado outros projetos
se apaixonou. tardiamente. artísticos.

lucasksenhuk.com www.deviantart.com/ei2009/ @biabiaraposo @seeufalarnaosaidireito @xandeberaldo


@lucasksenhuk.art/ Escola da Insanidade Oficial

FERNANDA MAURICIO SAMANTA


BARBI BROCK DE SOUSA PAIVA

Desenhista, pai Estudante, irmã


Autista, ilustradora, da Turma da de autista, filha do
possui titulo de Mônica, colabora editor da revista,
licenciatura em com a Revista desenha nos tempos
educação artística Autismo desde livres, cria o tempo
(hab. artes plásticas) o início de 2019, todo, tem 12 anos,
e designer através do é fã da banda Now
de moda. Instituto Mauricio United e afirma Quer colaborar com
de Sousa. “Não tenho chulé!”. a Revista Autismo?
@fer.barbi.brock @institutomauriciodesousa
@turmadamonica

Se você é artista e autista, e também quer


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se apresentando e mandando um link
de seus trabalhos artísticos (pode ser
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As informações a seguir não dispensam a consulta
O QUE É AUTISMO a um médico especialista para o diagnóstico

Francisco Paiva Junior

O QUE É AUTISMO?
Saiba a definição do Transtorno do Espectro do Autismo
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ao lado para
ir ao site.

O autismo — nome técnico ofi- apenas uma suspeita clínica, ainda — data celebrada originalmente em
cial: Transtorno do Espectro do Au- sem diagnóstico fechado —, pois 2005, pela organização britânica
tismo (TEA) — é uma condição de quanto mais cedo começarem as in- Aspies for Freedom (AFF).
saúde caracterizada por déficit na- tervenções, maiores serão as possi- Consulta médica
comunicação social (socialização e bilidades de melhorar a qualidade Veja a seguir alguns sinais de autis-
comunicação verbal e não verbal) e de vida da pessoa. O tratamento mo. Apenas três deles numa criança
comportamento (interesse restrito psicológico com maior evidência de de um ano e meio já justificam uma
ou hiperfoco e movimentos repe- eficácia, segundo a Associação Ame- consulta a um médico neuropediatra
titivos). Não há só um, mas mui- ricana de Psiquiatria, é a terapia de ou a um psiquiatra da infância e da
tos subtipos do transtorno. Tão intervenção comportamental. O trata- juventude. Testes como o M-CHAT
abrangente que se usa o termo mento para autismo é personalizado (com versão em português) estão
“espectro”, pelos vários níveis de e interdisciplinar. Além da psicolo- disponíveis na internet para serem
suporte que necessitam — há gia, pacientes podem se beneficiar aplicados por profissionais.
desde pessoas com condições as- com fonoaudiologia, terapia ocupa- Todas as referências, links e mais infor-
sociadas (coocorrências), como de- cional, entre outros, conforme a ne- mações estão na versão online.
ficiência intelectual e epilepsia, até cessidade de cada autista. Na escola,
pessoas independentes, que levam um mediador pode trazer grandes Sinais
uma vida comum. Algumas nem
sabem que são autistas, pois jamais
benefícios no aprendizado e na inte-
ração social.
de autismo:
Não manter contato visual por
tiveram diagnóstico. Alguns sintomas como irritabili- mais de 2 segundos;
As causas do autismo são majorita- dade, agitação, autoagressividade,
Não atender quando chamado
riamente genéticas. Confirmando es- hiperatividade, impulsividade, de- pelo nome;
tudos recentes anteriores, um trabalho satenção, insônia e outros podem
Isolar-se ou não se interessar por
científico de 2019 demonstrou que fato- ser tratados com medicamentos, outras crianças;
res genéticos são os mais importantes que devem ser prescritos por um Alinhar objetos;
na determinação das causas (estimados médico. Dentre os medicamentos
Ser muito preso a rotinas a ponto
entre 97% e 99%, sendo 81% hereditário indicados, a risperidona, que é da de entrar em crise;
— e ligados a quase mil genes), além de classe dos antipsicóticos atípicos, é o Não usar brinquedos de forma
fatores ambientais (de 1% a 3%) ainda mais comum. convencional;
controversos, que também podem estar Em 2007, a ONU declarou todo 2 de Fazer movimentos repetitivos
associados como, por exemplo, a idade abril como o Dia Mundial de Cons- sem função aparente;
paterna avançada ou o uso de ácido cientização do Autismo, quando Não falar ou não fazer gestos para
valpróico na gravidez. Existem atual- cartões-postais do mundo todo mostrar algo;
mente 1.023 genes já mapeados e impli- se iluminam de azul (cor esco- Repetir frases ou palavras em mo-
cados como possíveis fatores de risco lhida por haver, em média, 4 ho- mentos inadequados, sem a devi-
para o transtorno — sendo 102 genes mens para cada mulher com TEA). da função (ecolalia);
os principais. O símbolo do autismo é o quebra- Não compartilhar interesse.
-cabeça, que denota sua diversidade Girar objetos sem uma função
Tratamento e sinais e complexidade. aparente;
Alguns sinais de autismo já podem O dia 18 de junho é o Dia do Orgu- Apresentar interesse restrito
aparecer a partir de um ano e meio lho Autista (representado pelo sím- por um único assunto (hiperfoco);
de idade, e mesmo antes, em casos bolo da neurodiversidade, o infinito Não imitar;
mais graves. Há uma grande im- com o espectro de cores do arco-íris), Não brincar de faz-de-conta.
portância em iniciar o tratamento considerando o autismo como iden-
Hipersensibilidade ou hiper-reati-
o quanto antes — mesmo que seja tidade, uma característica da pessoa vidade sensorial;

08 R EVI STA AUTI SMO


C O L U N A

Matraquinha
@biabiaraposo
Ilustração: Bia Raposo -

Wagner
Yamuto

é pai do Gabriel
(que tem autismo) e da
Thata, casado com a MEU FILHO
Grazy Yamuto, fundador
do Adoção Brasil, criador NÃO FALA.
do app Matraquinha, autor
e um grande sonhador. E AGORA?
matraquinhaoficial
@matraquinhaoficial
Quando minha esposa e eu adotamos o nosso Sempre vinham com a história da amiga, da
matraquinha
filho, ele tinha 10 meses de vida e seu desen- vizinha que tinha um afilhado que começou
matraquinha.com.br
volvimento estava de acordo com o esperado. a falar com 4 anos e agora é um cientista.
Logo após completar 1 ano, notamos que ele Discurso feito até pelo pediatra do meu filho.
não falava nenhuma palavra. Quando ele completou 2 anos e meio, resol-
Começamos a investigar, fizemos audio- vemos matriculá-lo em uma escolinha, pois
metria, ressonâncias, eletroencefalograma, ele vivera 10 meses em um abrigo e deviam
e chegamos ao ponto de fazer exames de ter faltado estímulos. Eu estava tão certo e tão
cariótipo, que nada mais é do que uma foto convicto dessa teoria que nem me preocupei.
dos nossos cromossomos. Ele começou na escolinha e, passados alguns
O tempo foi passando e ele completou 2 dias, a psicomotricista solicitou uma reunião
anos. Todos a nossa volta diziam que criança em que sugeriu que marcássemos uma consulta
é assim mesmo: cada uma tem seu tempo. com um neuropediatra. Fizemos o sugerido,

10 R EVI STA AUTI SMO


#RESPECTRO

Não Espere, Aja Logo!” saímos em busca de


ajuda. Iniciamos terapias e começamos com
a fono e a psicóloga.
Quando perguntamos para a fono se um
dia ele viria a falar, ela respondeu com toda
certeza do mundo:
– Não sei. Mas o fato de não falar, não sig-
nifica que ele não possa se comunicar. A co-
municação vai muito além da fala.
Com o passar do tempo, aprendemos a ou-
vi-lo e a traduzir suas tentativas de comuni-
cação verbal.
Boacha é bolacha, piti é pizza, gogó é
leite com achocolatado e batata ele sempre
falou certinho.
Quando estamos junto com ele a comu-
nicação é mais fácil, pois minha esposa e eu
viramos seu tradutor. Mas, e quando não es-
tamos, como ele poderia fazer?
Em terapia, ele aprendeu a usar a prancha
de comunicação e passou a ter uma qualidade
no relatório dela o Gabriel estava descrito de vida muito melhor. Quando ele quer alguma
exatamente como ele era, e seguimos em frente. coisa, basta pegar a figurinha e mostrar para
Até me lembro que, no dia da consulta, meu quem estiver próximo dele.
filho começou a uivar, imitando lobos que ele Com o passar do tempo, algumas figuras
tinha visto em algum desenho recente. Minha se perderam, transportar o fichário para
esposa e eu demos risada. todos os lados começou a se tornar uma
A doutora nos chamou, conversou conosco atividade complicada e começamos a usar
por 10 minutos enquanto observava o Gabriel aplicativos de comunicação alternativa.
e disse: As duas propostas funcionam muito bem
⎼ – Seu filho tem autismo. e podem ser até complementares.
Apenas choramos e foi assim até chegar Sei que sou suspeito para falar, mas super
em casa. recomendo o aplicativo Matraquinha ;)
E seguindo a orientação do livro “Autismo: Dê voz a quem você ama!

R EVI STA AUTI SMO 11


FABIO COELHO

é psicólogo clínico e idealizador da


Academia do Autismo academiadoautismo.com.br
Academia do Autismo
@academiadoautismo

#RESPECTRO

NOVAS
DESCOBERTAS
DA CIÊNCIA
Mais um degrau
rumo a intervenções
com evidências
científicas para os
autistas no país

12 R EVI STA AUTI SMO


baseada em evidência é necessá- precoce através de terapias que
rio, entre outros critérios, que ela visam potencializar o desenvol-
tenha sido estabelecida por meio vimento da criança. O documento

C
de pesquisa empírica publicada em prossegue afirmando que atual-
periódicos científicos revisados por mente as terapias com maior evi-
pares em estudos randomizados. dência de benefício são baseadas
O documento não é o primei- na ciência da Análise do Compor-
ro grande estudo na área das tamento Aplicada (ABA - Applied
intervenções baseadas em evi- Behavior Analysis), associada a te-
dências para o TEA. Em 2015, O rapias auxiliares, como fonoterapia,
National Autism Center (NAC) terapia ocupacional e que outras
tornou público o resultado do abordagens devem ser orientadas
National Standards Project, um de acordo com cada caso individual.
grandioso estudo que teve como O documento ainda traz ques-
objetivo principal fornecer infor- tões importantes sobre o uso de
mações críticas sobre quais inter- medicamentos, que eventualmente
venções se mostraram eficazes para pode ser necessário em casos de
ada vez mais a sociedade científi- indivíduos com autismo. presença de agressividade e hipe-
ca, os familiares e as pessoas com Os estudos acima, somados com ratividade, e faz um alerta sobre
Transtorno do Espectro Autista se uma maior disseminação de conhe- dietas, suplementações de vitami-
aprofundam para tentar esclarecer cimento sobre TEA no país, motivam nas e vários tipos de abordagens
como podemos oferecer serviços cada vez mais a comunidade a ele- terapêuticas/educacionais que têm
que promovam autonomia e bem- var a qualidade dos serviços ofere- sido propostas para o tratamen-
-estar, de forma efetiva e ética, para cidos por aqui. Mais recentemente, to do TEA, e que, entretanto, não
os indivíduos com TEA. O que já é em manifestação pioneira no país, a apresentam evidências científicas
consenso é que a intervenção para Sociedade Brasileira de Neurologia de que funcionem.
pessoas com TEA deve ser indivi- Infantil (SBNI) divulgou uma pro- Ainda há um longo caminho a
dualizada – levando em conta, sobre- posta de padronização para o trata- percorrer. Infelizmente, a inter-
tudo, a singularidade do aprendiz mento de pessoas com TEA no Brasil venção analítico-comportamental
– e multiprofissional. (ler: sbni.org.br/c/publicacoes/), es- é inacessível à maioria dos indiví-
Em 2020, o National Professional clarecendo pontos importantes sobre duos diagnosticados com TEA em
Developmental Center (NPDC) avaliação diagnóstica, exames que países em desenvolvimento como o
publicou uma revisão sistemática devem ser solicitados, e tratamentos Brasil, uma vez que uma interven-
com o propósito de descrever uma com evidências. ção intensiva, de longa duração e
série de práticas focais que têm evi- Segundo a publicação, a avaliação implementada de forma individua-
dências claras dos seus efeitos po- de crianças com TEA deve incluir, lizada, requer grande disponibili-
sitivos em crianças e jovens com entre outros fatores, a história do dade de profissionais devidamente
Transtorno do Espectro Autista. O desenvolvimento neuropsicomotor, capacitados, o que ainda é um de-
relatório é a terceira versão de uma antecedentes gestacionais e neona- safio que precisa ser rompido. A
revisão sistemática que examinou tais, comportamentos do sono e ali- fragilidade das redes públicas de
a literatura de intervenção em ar- mentar, a história médica da criança, educação e de saúde torna o acesso à
tigos publicados entre 1990 e 2017. a procura de sinais de convulsões, intervenção analítico-comportamen-
Após anos de coletas de dados de problemas gastrointestinais, defi- tal ao TEA (ABA) difícil de alcançar
análises de artigos, sendo que um ciência intelectual, síndrome do toda a população que dela necessita.
total de 972 artigos foram consi- X-frágil, além da investigação de No entanto, é visível que cada vez
derados aceitáveis para o estudo, outras possíveis comorbidades. mais caminha-se nessa direção: o
resultou uma lista de 28 práticas Já no tocante às intervenções, das práticas com evidências.
baseadas em evidência para o TEA. segundo a SBNI, o tratamento do
Para se considerar uma prática TEA caracteriza-se por intervenção

13 R EVI STA AUTI SMO


C O L U N A

MEU SONHO É 100%


Tudo o que Hoje eu estou aqui para dizer que eu
podemos ser e meus pais já estamos vacinados com
as duas doses contra a Covid-19. Isso
é um grande alívio, pois conseguimos
chegar até aqui sem nos contaminar-
#RESPECTRO mos. Mas, nem tudo são flores. Acho
que vocês já devem saber que eu tenho
baixa imunidade, e tive uma doença
chamada Púrpura de Henoch Schoen-
lein; minha mãe tem asma e meu pai é presenciais (pelo menos não ainda)
obeso. Então, todo mundo aqui em casa mesmo vacinado, pois eu quero evitar
estava no grupo de risco. Resultado: ao máximo correr riscos com outras
quase dois anos sem trabalhar e nossas pessoas que não se vacinaram ainda.
economias foram embora. Até um ter- Hoje (enquanto escrevo esta coluna),
reno que minha mãe tinha conseguido não temos nem 50% de pessoas total-
comprar para deixar para mim. Tudo se mente vacinadas e minha mãe disse
Nícolas foi, menos nossa saúde, graças a Deus! que será mais seguro quando tivermos
Brito Sales Com os problemas financeiros, eu sei pelo menos 75% a 80% da população.
que temos que voltar a dar palestras, Meu sonho é 100%! Até lá, eu conti-
mas com esses problemas de saúde, con- nuarei fazendo tudo virtualmente e
fesso que fico com receio e eu fico com vou continuar trabalhando com o nosso
tem 22 anos, é fotógrafo,
muitas dúvidas na minha cabeça sobre querido e amado Clube da Inclusão.
palestrante e escritor. Desde 2011, Que, inclusive, eu recomendo a vocês:
juntamente com sua mãe, Nicolas a minha volta às palestras presenciais.
Olha, muito provavelmente, isso ainda https://www.clubedainclusao.com.br/
percorre vários lugares para dar
está bem longe de acontecer. E eu me
@lucasksenhuk.art

palestras sobre como é ser autista


e estar inserido na sociedade. Em arrisco a dizer que nunca mais pode
janeiro de 2016, Nicolas deu início, acontecer, mas ainda é só um palpite.
como freelancer, a seus trabalhos de
fotógrafo, profissão que ele pretende E por que eu digo isso? Bom, porque
seguir. Em 2014, foi coautor do além de eu ter baixa imunidade, existem
livro “TEA e inclusão escolar – um pessoas que ainda não estão vacinadas e
Ilustração:Lucas Ksenhuk

sonho mais que possível”. Em 2017, podem se aglomerar com outras pessoas.
Nicolas lançou seu próprio livro, Eu, por exemplo, estou vacinado, mas
“Tudo o que eu posso ser”, no qual
também não quer dizer que eu vou vol-
conta suas experiências, o que
pensa e como vive em sociedade. tar a viajar ou até mesmo ir à casa de
amigos e ficar abraçando e beijando!
@nicolasbritosalesoficial
Longe disso. Eu vou continuar fazendo
tudooqueeupossoser@gmail.com
palestras virtuais, escrevendo livros,
escrevendo textos para nossa querida
Revista Autismo, além de trabalhar
com os cursos do Clube da Inclusão,
pelo qual, inclusive, eu sou apaixona-
do. Então gente, eu espero que vocês
entendam que eu estou muito ansioso
com tudo isso, mas ao mesmo tempo eu
estou feliz e bem com o que eu estou
fazendo atualmente.
14 R EVI STA AUTI SMO
Eu não vou voltar a fazer palestras
FATIMA DE KWANT

é especialista em Autismo & Desenvolvimento e Autismo & autimates@gmail.com


Comunicação, radicada na Holanda desde 1985. É mãe de www.autimates.com
um autista adulto, escritora de textos sobre o TEA e ativista Autimates
internacional pela causa do autismo @fatimadekwant

#RESPECTRO

AUTISMO, QUANDO
A COMORBIDADE É
UM TRANSTORNO DE
PERSONALIDADE (TP)

Pacote
O TEA costuma vir com um
“pacote’ de condições coexisten-
tes único para cada criança, jovem
ou adulto. Sendo assim, não é raro
Atente-se ao encontrar autistas com outros
transtornos. A maior dificuldade
duplo diagnóstico consiste na avaliação clínica por
neurologistas (TEA) e psiquiatras
té há pouco tempo, não se sabia ou psicólogos certificados no tra-
muito sobre a possibilidade de pes- tamento psicossocial (TP). Assim
soas autistas terem, também, um como o TEA, o diagnóstico do TP
Transtorno de Personalidade (TP). é clínico. No caso do TEA, o diag-
Todos que lidam com o Transtor- nóstico adicional de um transtorno
no do Espectro do Autismo -TEA de personalidade é bem mais com-
costumam verificar que cada autis- plexo de ser efetuado com precisão,
ta é diferente de outro. Na verdade, já que existe tão pouca literatura
todos os autistas possuem uma per- sobre o duplo diagnóstico de trans-
sonalidade, o que torna possível que torno neurológico associado ao
uma porcentagem deles tenha um de personalidade.
transtorno de personalidade (TP) Segundo o professor de psico-
ao mesmo tempo em que é autista. logia Richard Vuijk, do centro de

16 R EVI STA AUTI SMO


expertise emautismo SARR
(Holanda), há pouca literatu-
ra sobre autismo e personali-
dade, caráter e temperamento.
O cientista considera que a
heterogeneidade do autismo
se deve à personalidade de
cada indivíduo autista. Isso
explicaria por que alguns au-
tistas dentro do mesmo nível
de suporte, e com as mesmas
comorbidades, permanecem
tão diferentes entre si. No
caso, o modo de interagir com
outra pessoa seria marcado
pelo autismo e pela persona-
lidade do autista. Em outras
palavras, a eficiência de um
mesmo treinamento de habi-
lidades sociais para diferentes
pessoas autistas pode trazer
diferentes resultados em au-
tistas com personalidades
distintas: com ou sem trans-
torno de personalidade; mais
extremas a ponto de prejudica- é dificultado. Até uma década
ou menos sociáveis; mais ou

@xandeberaldo
rem sua adaptação às situações atrás, isso dava a impressão
menos introvertidas, de acor-
e interpelações no seu dia a de que uma pessoa autista não
do com suas características
dia. Pessoas com TP permane- teria os dois transtornos, o que
de temperamento.
cem “presas” por mais tempo já sabemos ser incorreto.
O professor Vuijk e outros
aos desafios da vida, tanto em
cientistas holandeses reali-

Ilustração:Beraldo
casa quanto no trabalho, e em
zaram uma pesquisa sobre
a personalidade em pessoas
relações afetivas. Geralmente, Quais os tipos de TP?
são padrões generalizados e O s t ra n stor nos de per-
neurotípicas e em pessoas au-
persistentes que causam so- sonalidade são padrões de
tistas, cujo resultado mostrou
frimento significativo ou com- comportamento pouco adap-
uma substancial porcentagem
prometimento funcional. Os tativos generalizados que
de pessoas autistas com pro-
TP variam em suas manifes- comprometem as relações so-
blemas acarretados pela perso-
tações, mas acredita-se que ciais de um indivíduo e seu
nalidade, ou um transtorno de
todos sejam causados por fa- próprio bem-estar. Pessoas
personalidade. Apesar desse
tores genéticos e ambientais. com TP costumam perceber
estudo inicial, o cientista diz
Cerca de 50% dos casos de TP a si mesmas e ao mundo de
que ainda é preciso muito
são hereditários, ao contrário modo inadequado. À medida
mais pesquisas sobre o tema.
do pensamento geral de que que crescem (personalidade
sejam decorrentes das expe- em formação), desencadeiam,
Transtornos de riências vividas em um am- por vezes, comportamentos
personalidade biente adverso (ambiental). intensos e incontroláveis.
Fala-se de transtorno quan- Assim como no TEA, no O DSM-5 def i ne vários
do as características da perso- transtorno de personalidade, transtornos de personalida-
nalidade de um indivíduo são o contato com outras pessoas de, sendo os mais conhecidos:

R EVI STA AUTI SMO 17


“48% a 64% de
pessoas autistas
transtorno de personalida- apresentam,
de borderline, transtorno
de personalidade narcisista,
também, problemas
transtorno de personalida- de personalidade”
de antissocial, transtorno de (Professor Richard autistas. O professor Vuijk
personalidade obsessivo-com- aconselha os autistas com
pulsivo (TOC). Existem outros
Vuijk, SARR, problemas de personalidade
mais, e vale a pena ler sobre Holanda) a pedirem a seus médicos um
todos eles, assim como seus laudo que viabilize o trata-
respectivos sintomas e formas mento com este tipo de terapia.
de tratamentos. Além das terapias psicosso-
ciais (principal tratamento),
pacientes podem ser tratados
Terapia Esquemática com medicação, lembrando
Em 2020 iniciou-se uma pes-
que estas ajudam a contro-
quisa sobre a efetividade da
lar sintomas como ansiedade
schemapsicotherapie (psicote-
extrema, explosões de raiva e
rapia esquemática) no trata-
depressão, não atuando como
mento de pessoas autistas com A Terapia Esquemática se
solução para o transtorno
transtorno de personalidade. concentra no entendimento e
de personalidade.
Essa é uma forma de psicote- mudança de padrões limitan-
rapia que utiliza elementos de: tes de comportamento. Esses
Terapia cognitivo compor- padrões são chamados de “es- Mantenha
tamental (Aaron Beck) – psi- quemas”, ou seja, padrões de o positivismo
coterapia direcionada para comportamento que se repe- Os transtornos de persona-
solucionar problemas atuais tem constantemente na vida lidade são muitas vezes resis-
e ensinar clientes a desenvol- do indivíduo e definem como tentes à mudança, mas muitos
verem habilidades a fim de ele encara a própria vida, a se tornam menos graves ao
modificar pensamentos cons- vida dos outros e o mundo longo do tempo. Existe ajuda
cientes e comportamentos. à sua volta, assim como os para o autista que não parece
Psicoterapia experiencial sentimentos, pensamentos obter resultados com a terapia
(Eugene Gendlin; Carl Ro- e comportamentos influen- focada somente no autismo.
gers) – processo de atenção à ciados por essa percepção. Profissionais da saúde mental
própria experiência, buscan- Esquemas (negativos) têm devem estar atentos à possi-
do esclarecer o que contribui origem na infância, quando bilidade de haver um duplo
para a mudança terapêutica as necessidades básicas não diagnóstico (complexo) e ofe-
de personalidade. foram supridas: segurança, recer ao paciente a combinação
Terapias psicodinâmicas proteção, autonomia, reco- de terapias que, com certeza,
(Freud, Klein, Jung, Lacan) nhecimento e limites. Quando farão alguma diferença posi-
– abordagem da psicologia adultos, os esquemas negati- tiva na qualidade de vida da
diretamente ligada às teorias vos (ou prejudiciais) alteram pessoa dentro do TEA com
trabalhadas pela Psicanálise; a maneira sadia de encontrar problemas de personalidade.
uma terapia profunda com o satisfação, cuidar de si mesmo,
foco de revelar o conteúdo in- física e emocionalmente.
consciente da psique de um Apesar de suas qualidades, Na versão online deste texto
cliente com a finalidade de ali- a Terapia Esquemática ainda você pode acessar links com dicas
viar a tensão psíquica. é pouco aplicada em pessoas de leitura sobre TP.

18 R EVI STA AUTI SMO


paivajunior.com.br
FRANCISCO PAIVA JUNIOR
@paivajunior
é editor-chefe da Revista Autismo
#RESPECTRO

1 A CADA 44 e Deficiências do Desenvolvimento


(ADDM). As taxas de autismo nessas

CRIANÇAS comunidades variaram de 1 em 60


(1,7%) no Missouri a 1 em 26 (3,9%)
na Califórnia.
Essas diferenças podem ser devi-
EUA publica nova prevalência de autismo do à forma como as comunidades
identificam crianças com autis-
precoce de crianças com autismo. mo, de acordo com o CDC, que
Essas crianças tinham 50% mais observou que algumas comuni-
chances de receber um diagnósti- dades também têm mais serviços
co de autismo ou classificação de de saúde e educação para crianças
educação especial até os 4 anos, com autismo e suas famílias.
quando comparadas às crianças “O diagnóstico e o tratamento
de 8 anos. precoces do autismo otimizam a
“Os resultados desses dois novos capacidade das crianças de apren-
relatos de prevalência [de autismo] der, envolver-se com os outros e
— com resultados variados em di- desenvolver independência”, expli-
ferentes configurações geográficas cou Deborah Bilder, professora de
e grupos sociodemográficos — re- psiquiatria infantil e adolescente
fletem os muitos desafios que pes- e pediatria do Huntsman Mental
ma em cada 44 crianças aos 8 anos quisadores e autoridades de saúde Health Institute da University of
de idade nos Estados Unidos é pública têm ao tentar determinar Utah Health, em nota à imprensa.
diagnosticada com o Transtorno a verdadeira prevalência [do au- Ela ainda completou: “É por isso
do Espectro do Autismo (TEA), se- tismo]”, disse Andrew Adesman, que esses estudos são tão impor-
gundo relatório do CDC (Centro de chefe de pediatria comportamental tantes. Eles não apenas nos ajudam
Controle de Doenças e Prevenção), e de desenvolvimento do Cohen a ter uma ideia melhor da crescente
publicado em 2.dez.2021. O número Children’s Medical Center, em New prevalência do autismo, mas tam-
— com dados de 2018 — represen- Hyde Park, Nova York (EUA). bém podem melhorar políticas, ser-
ta mais um aumento de 22% em viços e pesquisas direcionadas a
relação ao estudo anterior (1 para ajudar crianças e suas famílias afe-
54 — divulgado em 2020). Numa Dados de 2018 tadas pelo autismo”, ressaltou ela.
transposição dessa prevalência (de A nova estatística foi baseada em O estudo original (em inglês)
2,3% da população) para o Brasil, dados de 2018 de 11 comunidades da pode ser acessado na versão onli-
teríamos hoje cerca de 4,84 milhões rede de Monitoramento do Autismo ne desta reportagem.
de autistas no país. Porém, ainda
não temos números de prevalência
de autismo no Brasil.
Um segundo estudo do CDC,
publicado na mesma data, trouxe
outra perspectiva: depois de olhar
para crianças de 4 anos nas mes-
mas 11 comunidades analisadas
nos EUA, no primeiro relatório, os
pesquisadores descobriram que
houve progresso na identificação

R EVI STA AUTI SMO 19


FRANCISCO PAIVA JUNIOR

@paivajunior
paivajunior.com.br

#RESPECTRO

UNIDOS Variantes genéticas


motivam união
POR UM de famílias para

O
se apoiarem
ÚNICO mutuamente
e estimularem
GENE a ciência
que motiva um grupo a se unir Outra motivação — mais em sin-
pode ter diversas origens. Pen- tonia com tempos de pandemia e
sando em autismo e condições de de uso de redes sociais — são in-
saúde relacionadas — como, por teresses em comum, como a busca
exemplo, diversas síndromes que por direitos dos autistas, ou infor-
estão dentro do Transtorno do Es- mações sobre educação ou mesmo
pectro do Autismo (TEA) — talvez dicas para o dia a dia de uma pes-
a primeira que possa vir à mente é soa autista, nas suas mais diversas
geográfica: pessoas da mesma ci- variações do espectro. Esses gru-
dade ou região se reúnem para se pos todos já existem e continuarão
ajudar, promover eventos e fazer existindo e ajudando muita gente.
ações que as beneficiem, ou bene- O que tenho percebido, porém, é
ficiem seus filhos (no caso de pais um aumento nos grupos voltados a
de autistas). quem já sabe qual é seu “subtipo”

20 R EVI STA AUTI SMO


Ilustração: Samanta Paiva
de autismo (geralmente por
meio de um exame de se- para investimento científico,
quenciamento genético), qual seja simplesmente se orga-
mutação (ou mutações — pois, nizando em grupo, com in-
podem ser várias) genética é a formações estruturadas para Segunda camada
causa do autismo ou de uma facilitar (e até mesmo estimu- do diagnóstico
síndrome recém-diagnostica- lar) que cientistas façam seus Em 2019, fiz uma reporta-
da. Mas, qual a razão desse estudos a respeito de uma gem sobre o que chamei de
movimento? Simples: pessoas condição de saúde específi- “segunda camada do diag-
com “autismos” semelhantes ca — desde o teste de drogas nóstico”, com um grupo de
geralmente têm necessidades e até uma terapia inovadora ou quatro famílias que se jun-
características semelhantes. O uma solução específica para tou por conta de seus filhos
caminho que um percorreu, ou algum sintoma. com síndrome de Helsmoor-
a solução que encontrou para Aliás, foi pensando nisso tel-Van Der Aa (ou simples-
determinada questão, pode tudo acima que criamos a mente “síndrome de ADNP”,
ajudar o outro com um ata- primeira plataforma social nome do gene envolvido), que
lho imensurável, desde uma do mundo dedicada ao au- fundaram a ADNP Brasil, um
questão comportamental de tismo, a Tismoo.me, que pre- grupo de amigos e familiares
menor relevância, até o efeito tende organizar e estruturar da síndrome de ADNP.
colateral pelo uso de algum os dados de saúde de todo o Falamos justamente sobre o
medicamento. Cada troca é ecossistema ligado ao autis- que pode estar oculto em um
valiosa nesses casos! mo e síndromes relacionadas. diagnóstico de autismo sem
Por fim, mais uma razão é Mas, esse já é outro papo! — se saber a causa genética — ou
incentivar a ciência a estudar você ainda não conhece, acesse como dizem os médicos e cien-
um determinado gene ou “sub- o site www.tismoo.me e peça tistas, “sem causa genética co-
tipo” de autismo. Seja doan- seu convite para explorar os nhecida” — e os benefícios de
do ou arrecadando fundos recursos do aplicativo. ter a informação e a união para

R EVI STA AUTI SMO 21


Shank2 Foundation
A norte-americana Polly
essa ajuda mútua. Junto com Appel é um exemplo disso.
eles, estavam ainda Keli Melo, Ela criou uma fundação para
mãe do Idrys (um rapaz autis- apoiar pessoas não só nos Es-
ta que tem síndrome do Singap tados Unidos, mas em todo o
1 e síndrome de Ehlers-Danlos, mundo, com foco em quem
com hipermobilidade), e liga- tem mutação no gene Shank2.
da ao grupo norte-americano Mesmo tendo um filho já adul-
SynGAP the Bridge e também to e sabendo que os benefícios
Claudia Spadoni, outra mãe são sempre maiores para os
que sabe mais que muito cien- mais novos, ela não pensa em
tista sobre a síndrome Phelan- si, mas na sociedade e no fu-
-McDermid (PMS na sigla em turo dessas pessoas, que po-
inglês), com a qual sua filha derá ser muito melhor com a
foi diagnosticada. Claudia está Shank2 Foundation. “Nosso
ligada a associações no Brasil objetivo é fornecer aos pes-
e nos EUA. quisadores as informações
Segundo Claudia Spadoni, necessárias para acelerar o
num artigo para o Portal da Tis- desenvolvimento de tratamen-
moo, no mês passado, por conta tos para transtornos do neuro-
do Dia Mundial de Conscienti- desenvolvimento associados
zação da PMS, 22 de outubro, ao gene Shank2. Além disso,
a AFSPM (Associação Amigos estamos nos esforçando para
e Familiares da Síndrome de aumentar a conscientização
Phelan-McDermid no Brasil) sobre os transtornos do neu-
organizou o 5º Encontro anual rodesenvolvimento associados
com a participação das famí- ao Shank2 e apoiar as famílias
lias, pesquisadores, médicos, envolvidas”, explicou ela.
terapeutas e apoiadores de PMS. “No meio de 2020, um amigo
“O evento foi realizado em dois me contou sobre uma funda-
sábados – 2 e 9 de outubro de ção chamada CureShank. Falei
2021. Foi uma oportunidade com eles, pensando que eles
única de troca de experiências estavam focados no Shank2,
com palestras sobre genética, mas descobri que eles apoiam
apresentação de estudos publi- principalmente famílias e pes-
cados sobre a síndrome, terapias quisadores do Shank3 (outro
que se aplicam no tratamento gene). Mas um dos fundadores
e muito mais. Algumas destas do CureShank me apresentou
sessões e palestras foram dis- a vários cientistas pesquisa-
ponibilizadas”, contou Claudia. dores do Shank2 e a alguns
Os links para todas as asso- pais de crianças afetadas por
ciações citadas aqui estão no essa mutação. Meu parceiro
final desta reportagem. na fundação foi um desses

“Percebemos a necessidade de um esforço


unificado para apoiar a comunidade Shank2
e decidimos criar uma base”

22 R EVI STA AUTI SMO


pais. Assim que começamos comprometimento, nós acre-
a conversar, percebemos a ditamos que a pesquisa pode
necessidade de um esforço auxiliar a cada uma dessas
unificado para apoiar a co- pessoas a ter mais qualidade
munidade Shank2 e decidi- de vida, de comunicação, de
mos criar uma base”, narrou participação social”.
Polly, a respeito do nascimento Outro exemplo brasileiro é
da associação. a Abre-te, Associação Brasi-
leira da Síndrome de Rett, que
promove ações de conscien-
Síndrome de tização e organiza os dados
Rett e DEAF1 das pessoas com Rett, além de
Outro grupo que se formou estimular a ciência a produzir
recentemente foi o de pais mais estudos relacionados à
de autistas com alteração no síndrome e ao MECP2, gene
gene DEAF1, presidido pela ligado a Rett.
jornalista e publicitária Ana Esses todos são exemplos
Karine Bittencourt, de Brasília práticos que validam o slo-
(DF), que é mãe de um menino gan “juntos somos mais for-
com essa alteração genética. tes”, fazendo da união dos
Além de profissionais e espe- grupos um combustível, não
cialistas, o grupo é formado só para que a ciência acelere,
também por familiares — não mas para a ajuda mútua e, por
só pais e mães! —, como avós vezes, ao menos provendo um
e tios de pessoas com a sín- ouvido para dividir os dias di-
drome, que é outra com nome fíceis ou comemorar as vitó-
oficial bem complexo: “síndro- rias diárias. Parabéns a todos
me de Vulto-Van Silfhout de pela atitude!
Vries”. Outro nome ligada ao
gene é o do transtorno causa-
do: DAND (DEAF1-Associated Sites das associações citadas:
Neurodevelopmental Disorder)
sigla em inglês para transtor- AFSPM:
pmsbrasil.org.br
no do neurodesenvolvimento
associado ao DEAF1. Instituto DEAF1:
No site do Instituto DEAF1 www.deaf1.com.br
há uma declaração de inten-
ções logo na primeira página: Abre-te:
“Muito já foi visto, mas para abrete.org.br
as nossas crianças ainda há
muitas perguntas, dificulda- SynGAP the Bridge:
www.bridgesyngap.org
des, convulsões e outros de-
safios diários sem resposta.
Shank2 Foundation:
Nós queremos ir além. Com shank2.org
responsabilidade, transpa-
rência, proximidade entre ADNP Brasil:
as famílias e a ciência, fé e www.adnpbrasil.com.br

R EVI STA AUTI SMO 13


23
C O L U N A

VAMOS
FALAR DE
Trabalho no
Espectro

#RESPECTRO

Marcelo
Vitoriano

é psicólogo, especialista em
terapia comportamental
cognitiva em saúde mental, mestre
em psicologia da saúde. Desde
2015 faz parte do grupo de
trabalho sobre Direitos Humanos
E INCLUSÃO?
No competitivo mercado de trabalho em negativamente, resultando na desvalori-
que vivemos, as empresas têm buscado di- zação de sua marca. Situações de racismo,
nas Empresas da rede brasileira ferentes formas de se manterem competi- que têm caráter criminoso, por exemplo, e
do Pacto Global da ONU e é tivas. As empresas já perceberam que a podem ocorrer dentro dos estabelecimentos
diretor geral da Specialisterne
forma como se comunicam com a sociedade, de empresas que atuam com atendimento
no Brasil, organização social
de origem dinamarquesa apoiando diferentes causas, investindo re- ao público, fazem com que essas empresas
presente em 20 países, que cursos em projetos e associando suas marcas tenham sérios problemas legais, além do
atua na formação e inclusão a importantes iniciativas, impactam dire- impacto negativo incalculável para sua
de pessoas com autismo no tamente no valor de sua marca em relação imagem. Ou seja, uma situação de discrimi-
mercado de trabalho. ao mercado. nação faz com que o valor dessas empresas
@specialisterne_br Hoje em dia, muito tem se falado do ESG, diminua muito frente ao mercado.
Specialisterne-Brasil que nada mais é que a sigla em inglês para A partir disso, começa um movimento
SpecialisterneBrasil “Environmental, Social and Governance” em algumas bolsas de valores do mundo,
specialisternebrasil.com (ambiental, social e governança, em portu- em que empresas onde mulheres não te-
guês). Esse termo começa a ser utilizado nham cargos de liderança, por exemplo,
como um modelo para avaliar possíveis não possam operar na bolsa ou tenham
investimentos, seja em relação à sustenta- suas ações prejudicadas por causa disso.
bilidade, à adequação da governança ou ao Torna-se imperativo olhar para questões
impacto social que as empresas causam na de diversidade e inclusão.
sociedade em função do seu negócio. Então, quando a gente fala de ESG, a
Como exemplo, se eu tenho uma empresa questão do social e da governança estão
que contamina um rio, prejudicando todo o diretamente ligadas aos temas de diver-
24 R EVI STA AUTI SMO
meio ambiente, sua imagem ficará marcada sidade, equidade e inclusão, e também da
neurodiversidade. Quando falamos do “social”,
referimo-nos a como as empresas olham para
questões de direitos humanos, se têm uma política
de direitos humanos, de forma clara e transparen-
te, e também programas de diversidade e inclu-
são ‒ programas estes onde temos indicadores e é
possível monitorar como essas questões têm sido
gerenciadas pela empresa.
Um bom exemplo é a Nasdaq (bolsa de valores
americana de empresas de tecnologia) que aprovou
um projeto em que todas as empresas listadas devem
ter em seus conselhos de administração, no mínimo, UniTEA,
dois diretores considerados diversos, que podem ser CONSTRUINDO
mulher ou pessoa dentro dos considerados “grupos O FUTURO HOJE!
minorizados”, como negros, pessoas com deficiência,
LGBTQIA+. Ou seja, por causa dessa questão da
Trabalhamos pela
governança e do social, isso já começa a impactar
Ilustração: Samanta Paiva

as empresas para que sejam mais diversas.


inclusão em todos
O que o ESG tem a ver com inclusão de pessoas os âmbitos sociais,
autistas no mercado de trabalho? Tem tudo a ver! promovendo
O ESG, quando olhado para questões sociais e de cidadania, educação
governança, nos dá a oportunidade de incentivar, e empoderamento
contribuir e cobrar resultados para que todas as das pessoas com
autismo e suas
famílias.
“Governança também se
refere aos aspectos de atração
e contratação de talentos,
incluindo os diversos” JUNTE-SE A NÓS
NESTA CAMINHADA!
empresas tenham políticas de contratação que per-
mitam às pessoas autistas a possibilidade de par-
(54) 3538.0171
ticipar, com igualdade de condições, dos processos
de recrutamento e seleção. Como pessoas atuantes
unitea.com.br
nesta causa, temos o direito e o dever de incentivar
que essas políticas façam com que as pessoas neuro- contato@unitea.com.br
divergentes com autismo, TDAH, dislexia tenham
oportunidades de entrar e permanecer nas empresas (54) 99269.1651
e construir uma carreira profissional. E, quando
falamos do social, é uma grande oportunidade para
o movimento das pessoas autistas, de familiares e Nos acompanhe nas
pessoas que atuam na causa, de levarem o tema às redes sociais
empresas como possibilidade de investimento em @institutounitea
prol da qualidade de vida deste público, seja na área
educacional, de saúde ou cultural. @institutounitea
E, para finalizar, quando no ESG falamos de go- UniTEA -
vernança, também nos referimos aos aspectos de Unidos pelo Autismo
políticas e de atração e contratação de talentos, in-
cluindo os talentos diversos. Sendo assim, para que @unitea-autismo
as empresas tenham uma plena gestão do ESG, as
pessoas neurodivergentes precisam estar presentes,
fazendo parte dos quadros de colaboradores de todas
as companhias do Brasil.
ALESSANDRA G. BUOSI

é fonoaudióloga, mestre em ciências da saúde,


formadora do Método PODD, responsável
pela clínica Clarear Fonoaudiologia. @clarearfonoaudiologia
clarearfonoaudiologia3086@gmail.com

#RESPECTRO

OS MITOS DA
COMUNICAÇÃO
SUPLEMENTAR
ALTERNATIVA Além de ser um direito humano,
a comunicação eficiente é funda-
mental para o desenvolvimento do
Comunicação é um direito de todos indivíduo em todos os aspectos.
Nesse sentido, temos relatos de
pessoas dentro do espectro que não
desenvolveram fala, desenvolveram
tardiamente ou têm uma fala que
não dá conta de todas as necessida-
des de comunicação, que vão muito
além de conseguir pedir um item
desejado. Comunicamo-nos, sim,
para ter nossas necessidades aten-
didas e nossos desejos considera-
dos, mas também para estabelecer
proximidade social, relatar fatos,
demonstrar o que sabemos e es-
clarecer o que não sabemos, enfim,
são muitos os motivos pelos quais
nós nos comunicamos.
Comunicação Aumentativa ou Su- Embora a intervenção com CSA
plementar Alternativa (CAA ou seja baseada em evidências, ainda
CSA) é a área de prática clínica existem muitos mitos acerca do uso
que dá suporte às necessidades de recursos alternativos de comu-
complexas de comunicação (NCC), nicação, o que acaba atrasando esse
caracterizadas por comprometi- tipo de intervenção e prejudican-
mento temporário ou permanente do o desenvolvimento das pessoas
da produção e/ou compreensão da com NCC.
fala e da linguagem. Essa definição Elegi aqui os sete mitos mais ci-
é dada pela American Speech-Lan- tados ainda hoje:
guage-Hearing Association-ASHA 1- “Ele ainda é muito novo para
(Associação Americana de Fala, esse tipo de intervenção”.
Linguagem e Audição) e resume - Todos nós recebemos estimula-
bem como podemos dar suporte ção de linguagem muito precoce-
ao desenvolvimento de linguagem mente nas nossas vidas, então, por
de pessoas dentro do transtorno do que uma pessoa que tem uma ne-
espectro do autismo. cessidade complexa de comunicação

26 R EVI STA AUTI SMO


teria uma idade mínima para por exemplo, pessoas com au- deve ser precedida de uma

@xandeberaldo
iniciar sua estimulação auxilia- tismo que se comunicam no avaliação especializada para
da por símbolos? cotidiano com fala, muitas a indicação da melhor orga-
2- “Se usarmos comunicação vezes não conseguem se co- nização de linguagem para
alternativa, ele vai ficar pre- municar efetivamente. Além cada fase do desenvolvimento
guiçoso e não vai falar” ou “o disso, é preciso diferenciar fala da criança. O recurso deve

Ilustração:Beraldo
uso de símbolos vai impedir o de comunicação efetiva e fun- se adequar às necessidades
desenvolvimento da fala”. cional; existem ainda as pes- e favorecer as potencialida-
- Existem evidências cientí- soas que conseguem articular des de cada um. Treinar par-
ficas de que a CSA estimula o as palavras, mas não se comu- ceiros de comunicação para
desenvolvimento das funções nicam com elas efetivamente. serem eficientes fornecedores
comunicativas, o vocabulário, 6- “Só é útil para crianças de modelos que possam ser
a construção de sentenças e até muito novas”. reproduzidos pelas pessoas
a fala. - Quanto mais cedo melhor, com NCC é de fundamental
3- “Primeiro precisamos me- mas nunca é tarde demais. importância para uma imple-
lhorar o comportamento para Temos relatos de autistas mentação de sucesso
depois iniciarmos com CSA”. adultos que, embora tenham Assim, com um recurso
- Não existe nenhum pré- desenvolvido fala, encontra- bem indicado, personalizado,
-requisito para implementa- ram na CSA uma forma de parceiros treinados e ambien-
ção de CSA, seja de ordem expressar assuntos de maior te preparado, cada indivíduo
motora, sensorial, cognitiva complexidade, ou em situações tem a oportunidade de se
ou comportamental. Aliás, é de muita tensão, por exemplo. desenvolver no máximo das
muito frequente que a pessoa 7- “As crianças devem passar suas potencialidades, pois
utilize um comportamento por uma hierarquia de apren- a comunicação é um direito
inapropriado socialmente dizado de como os símbolos de todos.
como forma de se comunicar. representam o significado, co-
Ensinar uma modalidade de meçando com objetos e progre-
comunicação alternativa só dindo para palavras escritas”
vai ajudar na melhora das - Nós não somos expostos a “A implementação
questões comportamentais uma hierarquia de estímulos
relacionadas a uma comuni- relacionados à comunicação
de CSA deve ser
cação ineficiente. oral. Desde muito cedo rece- precedida de
4- “CSA é o último recurso bemos modelos de fala a todo uma avaliação
na intervenção da fala e lin- momento e com o desenvol-
guagem das crianças”. vimento de habilidades sen- especializada”
- CSA deve ser usada para soriais e motoras passamos
prevenir falhas no desenvolvi- a reproduzir os modelos aos
mento da comunicação ANTES quais somos expostos. Da
que isso aconteça. Crianças mesma forma, pessoas com
com NCC estão em risco, pois NCC, precisam receber mode-
a literatura relata desamparo los que elas possam reprodu-
aprendido, passividades, co-de- zir. Precisamos, portanto, usar
pendência e falta de iniciativa o recurso de CSA apoiando a
em função das experiências re- nossa fala como forma de esti-
petidas de falha ao tentar comu- mular seu uso e sua validação
nicar suas mensagens. como um meio de comunica-
5- “Só ‘autistas não verbais’ ção efetivo entre as pessoas a
precisam de CAA”. sua volta.
- Em momentos de estresse, A implementação de CSA

R EVI STA AUTI SMO 27


NORA CAVACO, DE PORTUGAL

é PhD em autismo, psicóloga da educação e reabilitação.

www.centroclinicoalgharb.com
@noracavaco
@noracavacoinstitute
@centroclinicoalgharb
#RESPECTRO

MAPEANDO bio-sócio-psico-histórico e cultu-

O MUNDO DO ral, ela passa pelo estigma das in-


capacidades e inabilidades como
sendo definidoras do seu destino

AUTISMO
durante toda a vida. Desse modo,
leva-se em consideração muito
mais os aspectos sintomáticos do
transtorno do que a procura de
As novas práticas de estratégias intervenientes para a
superação das dificuldades en-
estimulação multissensorial contradas. É na prática que tudo
se vislumbra, dado que a maneira
para um desenvolvimento como agimos reflete os nossos va-
pleno no Autismo lores, as nossas atitudes e a sen-
sibilidade que temos em relação
a determinadas situações e pro-
blemas com que nos deparamos

O
diariamente no contexto educa-
tivo, com as crianças com quem
trabalhamos.
Após longos anos de estudo e
pesquisa, com evidências na prá-
tica profissional, foi elaborado um
plano de ação pelo The Nora Cava-
co Institute – International Center
conhecimento que as pesquisas of Neuropsychology & Autism e
atuais nos dão sobre o autismo
possibilita-nos, numa fase preco-
ce do desenvolvimento humano,
enquanto técnicos e pais, uma
atuação cada vez mais ajustada
e eficaz, no sentido de, após co-
nhecer o potencial da pessoa au-
tista na fase em que se encontra,
poder conduzi-la a uma maior
funcionalidade na sociedade em
que se insere.
Na ausência de um trabalho
multidisciplinar que visualize a
pessoa com autismo como um ser

28 R EVI STA AUTI SMO


o Centro Clínico Al Gharb, de técnicas possíveis de utilização barreiras ao desenvolvimento,
Portugal. Tal plano visa o desen- diária nos mais diversos con- assim como os facilitadores a
volvimento pleno, harmonioso e textos (casa, escola) que ajudem serem reforçados.
equilibrado da pessoa, conside- o indivíduo a lidar com as cir- Esse processo de observação,
rando a faixa etária em que ela cunstâncias da vida, superando avaliação, intervenção e reava-
se encontra, assim como o poten- assim possíveis limitações (au- liação permite à equipe trans-
cial preservado e as capacidades tolimitações e limitações am- disciplinar incluir a cooperação
cognitivas, psicossociais, afetivas bientais/sociais). e o acompanhamento dos pais
e comportamentais que revela. A Intervenção Psicocompor- através de um trabalho comple-
A intervenção psicológica é tamental Multissensorial visa mentar efetuado em casa e em
assim desenhada para a pessoa proporcionar, de forma gradual, clínica. O desenvolvimento de
nas suas singularidades, respei- indo do mais simples ao mais ações e estratégias adaptativas,
tando os seus interesses, motiva- complexo, novos ambientes de visando a flexibilidade das prá-
ções e em simultâneo utilizando aprender. Além de modificar ticas e dos objetivos e conteúdos
os recursos materiais e tecnoló- ambientes que inicialmente que se quer desenvolver e ver
gicos da actualidade. Através podem ser considerados “pro- atingidos utilizando uma rela-
da utilização de jogos interati- blema” no processo de aprender ção proximal baseada na empatia,
vos projetados nos ambientes (projeção de ambientes, casa, na assertividade, na afetividade e
circundantes da criança, jovem escola, sala de aula, palavras, clareza das informações é, assim,
e/ou adulto, com enfoque moti- letras, sono, alimentação, relaxa- uma realidade e o objetivo maior.
vacional, permite-se à pessoa a mento, canalização de energia) O ambiente de apoio que se de-
aquisição e consolidação de ha- para que novas crenças (posi- senvolve, de ajuda mútua atra-
bilidades em prol de desenvolvi- tivas e estruturantes) surjam e vés da cooperação de todos os
mento mais sustentável e feliz. se consolidem, visando maior intervenientes é fundamental,
Essa intervenção, com a utili- e mais ajustada funcionalidade assim como o reconhecimento
zação dos mais variados estímu- na sociedade. da importância de um trabalho
los – sonoros, visuais, imagéticos Esse passo-a-passo é desen- conjunto visando o sucesso do
concretos e abstratos –, contribui volvido minuciosamente numa todo. Essas experiências posi-
para a assimilação e consolida- interface lúdica e psicoterapêuti- tivas proporcionam a todos os
ção das mais variadas aprendiza- ca visando o melhor para crian- envolvidos uma oportunidade
gens. A prática terapêutica com ças, jovens e adultos. Estratégias de crescimento social e emocio-
incidência no entendimento de e recursos lúdico-terapêuticos nal, nomeadamente nas crianças
crenças existentes, assim como as levam a alterações significativas e famílias com autistas!
emoções presentes e adquiridas nos comportamentos, no enten-
e os comportamentos, desde os dimento das emoções, na ela-
mais peculiares aos mais gene- boração do processo linguístico
ralizados dentro do quadro do significativo e na reconstrução
neurodesenvolvimento presen- e alteração de crenças rígidas e
“O mais
te, pretende proporcionar à pes- impeditivas para um caminhar importante é
soa em questão outras formas de saudável e harmonioso. O foco focalizar os
aprender, respeitando as bases é desenhar sorrisos, promover
do processo de ensino-aprendi- aprendizagens, permitir sonhar
pontos
zagem (se é autista, disléxico ou a quem, muitas vezes, é roubado fortes dessas
ansioso, depressivo), do quadro esse direito pelas inflexibilidades crianças, em
clínico e, ludicamente, ativando de terceiros.
todos os sentidos do ser – sempre O mais importante para os pais lugar dos
na atmosfera do respeito pelo seu e para os técnicos é focalizar os pontos fracos”
potencial e suas limitações. pontos fortes dessas crianças, em
Além disso, a prática terapêuti- lugar dos pontos fracos, e poten-
ca pretende proporcionar e pro- cializar suas competências em
mover novos saberes e propiciar a detrimento das fragilidades,
aquisição de conhecimentos sobre identificando e eliminando as

R EVI STA AUTI SMO 29


GRACIELA PIGNATARI

é bióloga, cofundadora e CSO (chief scientific


oficcer) da Tismoo Biotech. É mestre e doutora em
biologia molecular, com estágio no Departamento tismoo.us
de Farmacologia no Mount Sinai School of Medicine, /Tismoo
em Nova York (EUA), com pós-doutorado e ampla @_tismoo
experiência em pesquisa nas áreas de biologia @_tismoo
celular e molecular, células-tronco, terapia celular @grapignatari
e modelagem de doenças com foco em autismo.
#RESPECTRO

MAPEAMENTO
GENÉTICO
Qual exame
genético é mais
útil, exoma
ou array?
om o objetivo de comparar os exames de mi-
croarranjo genômico (também conhecido como
CGH-array ou SNP-array) e o sequenciamento
do exoma completo, um grupo formado por 12
revisores experientes – geneticistas clínicos e
laboratoriais, neuropediatras, aconselhadores
genéticos e especialistas em comportamento – se
reuniu, em 2019, para uma meta-análise compa-
rando tais exames e visando analisar qual seria
o impacto deles no gerenciamento clínico dos
pacientes com transtornos do neurodesenvolvi-
mento (transtorno global do desenvolvimento
(TGD), deficiência intelectual (DI) e transtorno
do espectro do autismo (TEA)).
Esse estudo publicado teve como objetivo prin-
cipal comparar o rendimento do exame de mi-
croarranjo genômico, que hoje é o primeiro teste
a ser sugerido para pessoas com transtorno do
neurodesenvolvimento (TND), com o exoma, vi-
sando o uso clínico do sequenciamento do exoma
completo para análise molecular do transtorno.
Para tanto, esses especialistas estudaram artigos

30 R EVI STA AUTI SMO


científicos publicados entre 01 de janeiro de 2014
e 29 de junho de 2018, até chegarem à seleção
de 30 artigos mundiais envolvendo trabalhos
dos EUA, Europa e Ásia. Nesse grupo de 30 ar-
tigos, 21 foram exclusivamente para transtornos
do neurodesenvolvimento e em nove, além dos
transtornos do neurodesenvolvimento, foram
também incluídos achados clínicos específicos
(sistêmico, sindrômico, ou outra característica
clínica, por exemplo, microcefalia, neutropenia,
ou síndrome Coffin-Siris).
Após a análise dos artigos (n=30, sendo TND
n=21 e TDN e condições associadas n=9), foi
possível observar que o rendimento do exame
de sequenciamento completo foi, no geral, em
torno de 36-31% para transtorno do neurode-
senvolvimento isolado e 53% para os transtor-
nos do desenvolvimento associados a outras
condições – e de 15-20% no exame de microar-
ranjo genômico. Analisando mais especifica-
mente o TEA, podemos dizer que TEA sem
comorbidades teve rendimento de 16% (inter-
valo de confiança — IC=11-24%, n=5 artigos);
TEA associado à deficiência intelectual primá-
ria de 39% (IC=29-50%, n=10 artigos) e TEA
associado a deficiência intelectual heterogênea
de 37% (IC=29-46%, n=6 artigos).
Dessa forma, podemos sugerir que em alguns casos, pacientes com
transtorno do neurodesenvolvimento (em especial, alguns casos de
autismo e de deficiência intelectual) seriam mais beneficiados com o
estudo do exoma do que com a análise de microarranjos genômicos.
Isso evidencia a importância da participação e do conhecimento clínico
e genético para a escolha de um exame genético adequado (Srivastava
et al., 2019).
Esse estudo propõe um novo algoritmo para indivíduos com transtor-
nos do neurodesenvolvimento não explicados, e sugere que o exame de
exoma seja o primeiro a ser realizado, como mostra a Figura 1.
Além disso, foi demonstrado nesse estudo que as pessoas tiveram
trocas no gerenciamento médico (conduta/medicação) em torno de 30%
e auxílio no planejamento reprodutivo em 80% dos casos.
Observe na Figura 1 que o sequenciamento do exoma permite a rea-
nálise de dados, o que também é uma recomendação da American
College of Medical Genetics and Genomics – ACMG. A reinterpretação
dos dados à luz dos conhecimentos científicos e de informações clínicas
atuais pode apresentar resultados diferentes dos que foram previamente
reportados, o que não significa um erro no resultado do exame anterior
e sim a evolução do conhecimento (Deignan et al., 2019).

R EVI STA AUTI SMO 31


SEM SEM SEM
DIAGNÓSTICO CGH - DIAGNÓSTICO NOVA DIAGNÓSTICO
OU ARRAY OU AVALIAÇÃO OU
INCONCLUSIVO INCONCLUSIVO INCONCLUSIVO

REANÁLISE
DI, TEA, WES
COM OU 1 - 3 ANOS
SEM WES
SÍNDROME

DIAGNÓSTICO DIAGNÓSTICO DIAGNÓSTICO DIAGNÓSTICO DIAGNÓSTICO

Figura 1 – Algoritmo de diagnóstico incorporando o sequenciamento do exoma completo (WES,


na sigla em inglês) como primeiro exame a ser realizado na avaliação de indivíduos com trans-
tornos do neurodesenvolvimento não explicado (atraso global do desenvolvimento, deficiência
intelectual e/ou Transtorno do Espectro do Autismo).

Um diagnóstico incompleto representa um genético e pode auxiliar


diagnóstico que explica somente uma parte do no prognóstico e pers-
fenótipo. Fatores como tempo e variabilidade do pectiva terapêutica, uma
teste devem ser considerados nesse algoritmo na vez que, além de aju-
rotina clínica. dar na identificação da
No Brasil, a portaria nº 18 do Ministério da etiologia, ele consegue
Saúde, de 27 de março de 2019, incorporou o se- identificar áreas que ne-
quenciamento completo do exoma para investiga- cessitam de suporte. Em-
ção etiológica da deficiência intelectual de causa bora um exame genético
indeterminada no âmbito do Sistema Único de tenha todos esses bene-
Saúde, e em 24 de fevereiro de 2021, a Agência fícios, um estudo ameri-
Nacional de Saúde Suplementar também aprovou cano demonstrou que os
a Resolução Normativa (RN) 465/2021, que incor- exames genéticos estão
pora o sequenciamento completo do exoma para longe de serem recomen-
investigação etiológica da deficiência intelectual dados pelos médicos, e
de causa indeterminada e outras especialidades. apenas 17% prescrevem
Os exames genéticos visam a identificação da exames genéticos aos
etiologia do TEA (Schaaf et al., 2020). Encontrar seus pacientes (Little;
a causa genética específica do TEA pode ser uma Gunter, 2021).
oportunidade de conexão a outras com o mesmo
perfil genético, permitindo a formação de gru-
pos, terapias individualizadas e possíveis testes
clínicos. Nos EUA, temos a Simons Search Light
para a divulgação de pesquisas de genes espe-
cíficos com o objetivo de conexão de pessoas,
e a Tismoo.me tem proposto essa ligação para
pessoas no Brasil.
O exame genético permite também a avaliação
do risco de recorrência familial e aconselhamento

32 R EVI STA AUTI SMO


C O L U N A

L AU D O É APENA S
Introvertendo U M PEDAÇO D E PAPEL
Este ano, finalmente lidamos
com o início da vacinação con-
#RESPECTRO tra a Covid-19. Mas, apesar de
as pessoas autistas fazerem parte uma resistência por parte do médi-
do grupo prioritário, alguns de co, mas na verdade não é. Muitas
nós — diagnosticados por profis- vezes, o que acontece é que o médi-
sionais, vale reforçar — tiveram co vai emitir documentos a partir
sua dose recusada nos postos de das demandas que forem surgindo
saúde. Muitos ficaram confusos: ao longo da vida da pessoa autista.
afinal, a chancela do diagnóstico Eu, por exemplo, tenho vários
a partir de um laudo não é o su- atestados, e cada um foi escrito e
ficiente? emitido especificamente para uma
É importante não ter a falsa sen- situação determinada. Então, por
sação de que um pedaço de papel, exemplo, eu fui me vacinar e tinha
que muitas vezes chamamos de um atestado para essa situação. E,
Willian “laudo”, vai ser a chave para todos inclusive, o documento dizia clara-
Chimura os nossos problemas ao longo da mente que a pessoa poderia entrar
vida, como tendemos a pensar. em contato com a profissional que
Não só porque é impossível resu- me acompanhava, caso fosse ne-
é mestrando em Informática mir todo um histórico de vida em cessário. Nesse sentido, não é um
para Educação pelo Instituto linhas de um papel, mas pelo fato
Federal do Rio Grande do Sul único laudo em si que trará toda
(IFRS), youtuber, programador, de diagnóstico fechado não ser a segurança para a pessoa autista,
autista e integrante do um ponto final na trajetória com mas sim o suporte de um profissio-
podcast Introvertendo. o autismo. nal de confiança.
Pesquisa como aplicativos e Idealmente, como pessoas com
jogos podem contribuir para No entanto, também sabemos que
avaliação e aprendizagem deficiência, entendo que preci- muitos autistas não conseguem
de crianças com TEA. samos ter um acompanhamento manter o acompanhamento com os
profissional, seja de um médico, profissionais que os diagnosticaram
introvertendo um psicólogo — assim como exis- por conta dos preços das consultas.
@introvertendo te a figura do “advogado da famí- Vivemos em um país marcado por
introvertendo lia”. Esse profissional pode emitir desigualdades e isso não pode ser
www.introvertendo.com.br laudos, pode entrar em contato e ignorado. Por isso, precisamos de
pode ajudar a resolver situações políticas públicas para garantir que
urgentes no dia a dia. Acredito pessoas autistas, independentemen-
que isso ainda seja pouco com- te da idade e do poder aquisitivo,
preendido e difundido na comu- possam sempre ter um profissional
nidade do autismo. que as acompanhe.
Frequentemente, eu vejo autis-
tas solicitando laudos para o seu
médico e o médico pergunta o mo-
tivo da solicitação. Em seguida, os 33

autistas pensam que talvez seria R EVI STA AUTI SMO


FRANCISCO PAIVA JUNIOR

é editor-chefe da Revista Autismo paivajunior.com.br


@paivajunior
#RESPECTRO

AUTISMO E A feita em 2013, no Manual de Diag-


nóstico e Estatística dos Transtor-

NOVA CID-11 nos Mentais, o DSM-5 (sigla para:


Diagnostic and Statistical Manual
of Mental Disorders), que reuniu
todos os transtornos que estavam
A nova CID (11) une os transtornos dentro do espectro do autismo num

do espectro num só diagnóstico só diagnóstico: TEA.


A versão anterior, a CID-10, tra-
alinhando-se ao mais atual DSM (5) zia vários diagnósticos dentro dos
Transtornos Globais do Desenvol-
vimento (TGD — sob o código F84)
como: Autismo Infantil (F84.0), Au-
tismo Atípico (F84.1), Síndrome de
Rett (F84.2), Transtorno Desinte-
grativo da Infância (F84.3), Trans-
torno com Hipercinesia Associada
a Retardo Mental e a Movimentos
Estereotipados (F84.4), síndrome
de Asperger (F84.5), Outros TGD
(F84.8) e TGD sem Outra Especi-
ficação (F84.9). Agora, a versão 11
une todos esses diagnósticos no
Transtorno do Espectro do Autis-
mo (código 6A02 — em inglês: Au-
tism Spectrum Disorder — ASD),
as subdivisões passaram a ser
apenas relacionadas a prejuízos
aneiro de 2022 é o mês em que na linguagem funcional e defi-
passa a vigorar a nova Classifi- ciência intelectual. A intenção é
cação Estatística Internacional de facilitar o diagnóstico e simplificar
Doenças e Problemas Relaciona- a codificação para acesso a servi-
dos à Saúde, mais conhecida pela ços de saúde. A exceção ficou por
sigla CID-11 (no original em in- conta da síndrome de Rett (antigo
glês, ICD-11 — International Sta- F84.2), que fica com um código se-
tistical Classification of Diseases parado: LD90.4 e, portanto, fora do
and Related Health Problems),lan- “guarda-chuva” de diagnósticos do
çada em junho de 2018 pela Or- TEA. A atualização chega 21 anos
ganização Mundial da Saúde depois da CID-10 ter sido lançada,
(OMS). em 1990.
Para o autismo e síndromes re- “Quem já tem um laudo ou um
lacionadas, o novo documento documento citando um código da
entra em sintonia com a alteração CID-10 não precisa ‘atualizar’ seu

34 R EVI STA AUTI SMO


diagnóstico para a CID-11, a
menos que alguma legislação
exija. Os diagnósticos anterio-
res continuam valendo. Nessa
transição para a CID-11, não Autismo na CID-10
haverá adequação automática. código diagnóstico
O médico deverá se adequar à
Transtornos globais
classificação escrevendo o có- F84 do desenvolvimento (TGD)
digo que compete a seu diag-
F84.0 Autismo infantil;
nóstico. Dar um código CID
cabe ao médico, então não será F84.1 Autismo atípico;
automático. Muitos ainda con-
tinuarão usando a CID-10 até F84.2 Síndrome de Rett;
que a legislação para os novos Outro transtorno desintegrativo
F84.3 da infância;
laudos deixe de aceitar a an-
tiga classificação”, explica a Transtorno com hipercinesia associada
médica Iara Brandão, de São F84.4 a retardo mental e a movimentos
estereotipados;
Paulo (SP), que é neuropedia-
tra e geneticista. F84.5 Síndrome de Asperger;

Outros transtornos globais


F84.8 do desenvolvimento;
Asperger
Outra consequência com F84.9 Transtornos globais não especificados
essa nova versão é o “fim”
do termo “síndrome de As-
perger”, que já não consta no Autismo na CID-11
DSM desde 2013 e agora, em
código diagnóstico
2022, sai também da CID e
não é mais mencionada como LD90.4 Síndrome de Rett
um diagnóstico. Em tese, 6A02 Transtorno do Espectro
do Autismo (TEA)
esse diagnóstico passa a ser
Transtorno do Espectro do
de TEA com nível 1 de supor- Autismo sem deficiência intelectual
te, ou seja, na CID-11, código 6A02.0 (DI) e com comprometimento leve
ou ausente da linguagem funcional;
6A02.0: Transtorno do Espec-
tro do Autismo sem deficiência Transtorno do Espectro do Autismo
com deficiência intelectual (DI)
intelectual (DI) e com compro- 6A02.1 e com comprometimento leve
metimento leve ou ausente da ou ausente da linguagem funcional;
linguagem funcional. Transtorno do Espectro do Autismo
O pesquisador Willian Chimu- 6A02.2 sem deficiência intelectual (DI)
e com linguagem funcional prejudicada;
ra fez um vídeo bem didático
Transtorno do Espectro do Autismo
sobre isso, intitulado “O último 6A02.3 com deficiência intelectual (DI)
dia da Síndrome de Asperger” e com linguagem funcional prejudicada;
— que pode ser visto no canal Transtorno do Espectro do Autismo
dele no Youtube. Lá, Chimura
6A02.5 com deficiência intelectual (DI)
e com ausência de linguagem funcional;
explica as questões polêmicas
Outro Transtorno do Espectro
envolvendo o médico austría- 6A02.Y do Autismo especificado;
revista_autismo

co Johann “Hans” Friedrich Transtorno do Espectro do Autismo,


Karl Asperger, que deu nome 6A02.Z não especificado.
à síndrome. Oficialmente, por-
tanto, o termo passa a estar
em desuso.

R EVI STA AUTI SMO 35


Autismo na
CID-10
F84.3 F84.4
O
de utro sia
ine tal e os
sin tr
te an i p ercmen ipad
gra sto h t
F84.2 tiv rno m do reo
od co etar ste F84.5
Sín ai rno a r os e
dro nfâ stoiada ent r
rge
n
m nc Trassocovim
ed ia a m pe
eR a As
F84.1 ett de
me F84.8
Aut dro ais
ismo Sín glob
atíp rnos ;
ico nsto ento
t r o s travolvim
F84 Ou dese n
F84.0 do
Autism

TGD
s F84.9
o infan globais
til ornos o
Transtspecificad
não e
F84

“Como no Brasil, oficialmente qual a OMS realmente se orgu-


usa-se a CID — e não o DSM lha. Ela nos permite entender
— como base para codificar os muito sobre o que faz as pes-
diagnósticos e causas de morte, soas adoecerem e morrerem,
é apenas a partir de janeiro de e agir para evitar sofrimento
2022 que o termo ‘síndrome de e salvar vidas,” disse o etíope
Asperger’ sai de cena nacional- Tedros Adhanom Ghebreye-
mente para todos os efeitos”, sus, diretor-geral da OMS, no
detalha o médico psiquia- lançamento da nova CID, em
tra Thiago Cabral Pereira, de junho de 2018.
Curitiba (PR).

Versão eletrônica
Organização Mun- O trabalho de elaboração do
dial da Saúde documento levou mais de 10
A CID fornece uma lingua- anos, e a CID-11 é a primeira
gem comum que permite aos versão totalmente eletrônica.
profissionais compartilhar in- A ferramenta foi projetada
formações de saúde em nível para uso em vários idiomas:
mundial. O documento da uma plataforma de tradução
OMS, hoje com aproximada- central garante que suas ca-
mente 55 mil códigos únicos racterísticas e resultados es-
para lesões, doenças e causas tejam disponíveis em todas as
de morte, é a base para iden- línguas traduzidas.
tificar tendências e estatísticas “Um dos mais importan-
de saúde em todo o planeta. tes princípios desta revisão
“A CID é um produto do foi simplificar a estrutura de

36 R EVI STA AUTI SMO


codificação e de ferramentas
eletrônicas. Isso permitirá
que os profissionais de saúde Autismo na Síndrome
registrem os problemas (de CID-11 de Rett
LD90.4

saúde) de forma mais fácil


e completa”, afirma Robert TEA
6A02
Jakob, líder da equipe de clas- com
DI e to
TEA
não e
sem imen spec
TEA prometsente dna al ificad
sificação de terminologias e come ou au funcio om T
de EA c
o
6A02.z
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padrões da OMS. 6A02.0 ling om metimnte d nal ge
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6A02.1 al nci 6A02.Y
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om ad
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Novos capítulos
e
s a
A on

lin a
TE unci

gu
6A02.5

a
f

ge
Essa é a primeira grande

m
6A02.2
revisão da CID em quase três 6A02.3
décadas, que agora traz capí-
tulos inéditos, um deles sobre
medicina tradicional. Embora
milhões de pessoas recorram
a esse tipo de cuidado médico,
ele nunca havia sido classifica-
do neste sistema. Outra sessão
inédita, sobre saúde sexual, F84.3
reúne condições que antes
eram categorizadas ou des-
critas de maneiras diferentes
— por exemplo, a incongruên-
cia de gênero estava incluída
em condições de saúde mental.
O distúrbio dos jogos eletrô-
nicos foi adicionado à seção
de transtornos que podem cau-
sar dependência.
A 11ª versão da CID reflete
o progresso da medicina e os
avanços na pesquisa científi-
ca. Os códigos relativos à re-
sistência antimicrobiana, por
exemplo, estão mais alinhados
ao GLASS (Global Antimicro-
bial Resistance Surveillance
System), o sistema global de
vigilância sobre o tema. As re-
comendações da publicação
também refletem, com mais
precisão, os dados sobre segu-
rança na assistência à saúde.
Ou seja, situações desneces-
sárias com risco de prejudi-
car a saúde — como fluxos de
trabalho inseguros em hospi-
tais — podem ser identificadas
e reduzidas.

R EVI STA AUTI SMO


C O L U N A

Uma mãe
preta
escrevendo

#RESPECTRO

A FALA DE UMA
@seeufalarnaosaidireito

MULHER NEGRA
E AUTISTA NO STF
Ilustração: tio .faso -

Foram dois dias de audiência pública no Porque é a primeira vez na historia deste
Supremo Tribunal Federal, com o objetivo pais que um movimento negro de pessoas
de instruir os ministros na decisão pelo com deficiencia é convocado a falar sobre
Luciana retrocesso do Brasil, ou não, com a (re) educação inclusiva dentro de uma pescpec-
Viegas criação e promoção de escolas especiais e tiva interseccional entre raça e deficiência.
Meca Andrade classes especiais. Mas, por que hoje é um marco histórico
Venho aqui como mulher, negra, autista, da Educação do Brasil? E o que está em
favelada, e professora da rede pública, em julgamento, para além da inconstitucio-
É autista, mãe do Luiz (autista) nome do Movimento Vidas Negras com nalidade do decreto 10.502, é a concepção
e da Elisa, professora da Deficiência Importam. sobre o que é Educação inclusiva e o que é
Rede Estadual de São Paulo. Não há nada de novo que eu possa Educação no nosso país.
Ativista pela neurodiversidade dizer aqui que já não tenha sido dito Nas periferias não há acesso ao diagnós-
e membro da ABRAÇA. contra o decreto 10.502, que institui a tico correto e nem comprometimento com
Atua nas redes falando Política Nacional de Educação Especial a identificação de barreiras no processo
sobre a relação entre a luta Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado de ensino, gerando assim dificuldade de
antiracista e anticapacitista.
ao Longo da Vida (PNEE), mas gostaria inclusão no ensino regular, apesar de ga-
@umamaepretaautistafalando de chamar atenção para a história e tra- rantido por lei.
jetória do nosso país por uma educação O olhar médico sobre o processo de
inclusiva, levando em consideração a aprendizagem dos alunos prejudica e faz
perspectiva de raça e deficiência. com que a gente patologize comportamen-
Historicamente o nosso país tem uma tos, tirando o direito da criança com defi-
trajetória racista e capacitista, e para en- ciência de ser quem é.
tender a dinâmica segregadora desse de- Essa prática é mais recorrente em alunos
creto nós precisamos recorrer à história periféricos e pretos.
da luta das pessoas com deficiência por Mas todas essas problemáticas dentro
uma educação inclusiva no Brasil. Pensar da escola não são em função da nossa de-
em educação inclusiva sem levar em con- ficiência, e sim em função de um sistema
sideração a realidade do povo preto com educacional que não inclui e nem investe
deficiência desconsidera como os processos em inclusão.
educacionais são diversos. A mentalidade capacitista de toda co-
Hoje é um dia histórico! munidade escolar somada à falta de debate
38 R EVI STA AUTI SMO
Recentemente nós nos deparamos com
falas extremamente absurdas e capacitistas
do nosso ministro da Educação, que disse:
“há pessoas com níveis de deficiência que
são impossíveis de conviver”.
Se nós entendermos que a deficiência
faz parte da diversidade humana, como
vamos pensar em propor políticas que
incitam à intolerância e naturalizam que
corpos de diversos não devem coexistir
sobre como o capacitismo oprime e atinge compreensão dos alunos e de curiosidade em espaços sociais?
as pessoas com deficiência ﹘ e pessoas diante do inesperado: a forma diversa de E apesar da minha realidade dizer que
pretas com deficiência nas favelas ﹘, faz aprender! a minha existência foi abandonada pelo
com que nós nos enganemos que o nosso Naquele dia, eu pude perceber e acreditar Estado, eu sonho com um futuro verda-
inimigo é a diversidade e não a falta dela que todos têm condições de aprender e se deiramente anticapacitista.
nos espaços escolares. desenvolver na escola regular. Basta um Eu luto por uma educação que não
A Educação inclusiva na periferia acon- ambiente seguro, acolhedor e inclusivo. segregue.
tece antes da entrada do aluno com defi- Entretanto, faltam espaços de debates Eu luto por uma escola que inclua, ver-
ciência na escola. A favela é diversa! sobre Educação inclusiva na escola regular dadeiramente, pessoas com deficiência,
Não nos faltam exemplos de como a in- que levem em consideração o protagonismo pessoas pretas, pessoas dentro de toda a
clusão deu certo dentro das escolas regula- das pessoas com deficiência. diversidade humana.
res, eu mesma como professora, já vivenciei Não existem soluções fáceis para proble- Escola Especial não é inclusiva.
experiências positivas muito singulares e mas complexos . E não é só por mim! É pelo meu filho
importantes para minha jornada. Não é construindo ambientes segregados autista com alto nível de suporte. E por
E aqui eu penso em meus alunos com para receber crianças com deficiência que todos os alunos que eu atendi como pro-
paralisia cerebral, com alto nível de supor- daremos conta da educação. A existência fessora de apoio.
te, que no ano de 2019 ensinou pra toda de alguém não deve [atrapalhar] e não Vidas negras com deficiência lutam,
escola que estavam: O que era inclusão a atrapalha o processo de existir e de apren- existem e resistem.
partir de uma atividade sobre “pangeia” der de outros. Nada, absolutamente nada sobre nós,
proposta em um livro no qual, eles, inicial- O papel da escola no processo da apren- sem nós!
mente, não tiveram total compreensão do dizagem é de derrubar barreiras de impe-
conceito apenas sendo exposto de forma dimento e garantir o ensino. Esse processo
oralizada. E ao questionar, nos fez pen- é educacional, ele não pode em hipótese
sar uma nova forma de ensinar através nenhuma ser confundido com clínica, te-
do concreto. rapia e afins.
Sem precisar de muitos materiais, leva- A escola não é lugar de médico.
mos pra sala de aula: uma bacia com água, A escola não é lugar de laudo.
um mapa mundi cortado e a explicação, É de responsabilidade do Estado, junto
por meio da prática, para todos os alunos da comunidade escolar, pensar em formas
da sala de aula sobre o processo da pangéia. de educar, possibilitar, acessibilizar e faci-
Vimos uma resposta imediata de litar os processos educacionais.
R EVI STA AUTI SMO 39
R EVI STA AUTI SMO 17
C A N A L

#RESPECTRO

VEJA ALGUNS DESTAQUES RESUMIDOS DO CANAL AUTISMO, QUE


PUBLICA CONTEÚDO DIÁRIO SOBRE AUTISMO. PARA LER OS TEXTOS
COMPLETOS DE CADA NOTÍCIA, ACESSE O SITE CANALAUTISMO.COM.BR

Pais e profissionais inauguram

Divulgação
Ico Project em Curitiba
No dia 10.nov.2021 foi inaugurado, em Curitiba (PR), o Ico
Project, com a missão de “incluir crianças e adolescentes com autismo
nos mais diversos exercícios físicos possíveis e mostrar resultados
diariamente no tratamento do espectro”. “Entendemos que nosso
centro esportivo pode beneficiar não apenas os jovens, mas os pais
que podem encontrar no nosso centro um espaço de acolhimento e
bem-estar”, explicaram Emiliano e Elyse Matos, o casal idealizador
do projeto. Saiba mais no
canalautismo.com.br
Autistas diagnosticados
tardiamente falam
de características na
Projeto no interior de infância em podcast
SP torna supermercados
silenciosos para autistas O podcast Introvertendo — produzido por
Um projeto em Rio Claro (SP) teve como ênfase autistas adultos e com diálogos sobre o au-
pessoas autistas: “A Hora do Silêncio” — da pre- tismo — lançou dia 5.nov.2021 o seu 194º
feitura do município em parceria com o Instituto episódio, chamado “Autismo na Infância
Incluir — prevê uma hora em que a luminosi- sem Diagnóstico”. O episódio contou com
dade e os sons de estabelecimentos comerciais, três integrantes do podcast: o jornalista
como supermercados, sejam diminuídos. Tiago Abreu, a arquiteta Carol Cardoso
e o programador e pesquisador Willian
Chimura, todos autistas.
O podcast está disponível para ser ouvido
Saiba mais no em diferentes plataformas de podcast e
canalautismo.com.br
streaming de música, ou na versão online
deste texto, no CanalAutismo.com.br (veja
o QR-code no índice desta edição).
GUSTAVO BORGES DICA CULTURAL

formou-se em comunicação social (habilitação em publicidade e propaganda) prensa.li/@gustavo.borges/


“apenas para provar que existem formas melhores de se comunicar que emojis @Gustages
e áudios longos”. Junto há 9 anos com uma mulher no espectro autista, foi
informalmente diagnosticado por ela e alguns amigos também no espectro. Seu
laudo apenas colocou no papel a diferença que sempre sentiu dos demais.

#RESPECTRO

(HÁ
MUITO)
AMOR
NO

N
osso mundo está re- dificuldades de iniciar interações
pleto de caos e po- e relações, além da grande caracte-
larização, creio que rística comum a todos: querer amar
isso seja incontestá- e ser amado.
vel. A questão é que Achou que eu iria dizer “o autis-
esse mesmo mundo mo”, não foi? Mas é aí que vem a
cede espaço a “Amor compreensão do termo espectro:
no Espectro”, um uma representação das amplitudes
reality documental e intensidades. Ou seja, autistas,
sobre autistas bus- assim como japoneses e outros ter-
cando romance, que mos generalistas preconceituosos,
dá até um “quenti- não são todos iguais.
nho no coração” de Não existe um autista modelo ou
quem assiste. uma autista padrão, o que existe
Na mesma reali- é uma série de características, al-
dade em que existe “De Férias com gumas das quais cada pessoa no
o Ex” e sua praia repleta de corpos espectro demonstra. Exatamente
malhados e mentes que carecem de
“Foi o melhor mais exercícios, também se faz pre-
como você pode comprovar assis-
tindo, os participantes são únicos
dos tempos, sente “Amor no Espectro”. Assista à
história de pessoas autistas que têm
e diferentes entre si.

foi o pior amigos, empregos, famílias que os


Nada de Rain Man,
dos tempos” aceitam e tudo o mais, só faltando
alguém pra chamar de “mozão”. Good Doctor e afins
(Charles A série atualmente tem duas
temporadas (dedos cruzados por
Autistas podem ser tagarelas,
gostar de música alta, de abraço
Dickens, 1859). mais) e mostra jovens adultos e (se for uma pessoa muito próxima),
suas pacatas vidas na terra dos podem até mesmo formar grupos
cangurus. Conhecemos um pouco humorísticos como o Asperger’s
de cada um, seus hobbies, suas Are Us.

44 R EVI STA AUTI SMO


Divulgação Netflix
“Foi o melhor
dos tempos,
foi o pior
dos tempos.”
Dickens, Charles
(1859)

São pessoas como você e eu Autistas podem ser homens e ninguém falou nada sobre a
— até porque eu sou um deles mulheres de qualquer etnia e cara metade estar ou não den-
mesmo —, contadores, moto- idade, dotados da mesma ca- tro do espectro. Então, não se
ristas, estudantes universitá- pacidade de se parecerem com assuste ao perceber que autis-
rios. Quem está no espectro um “humano normal” que os tas podem namorar pessoas
apenas tem um cérebro que skrulls ou a Mística, dos qua- que não têm nada de autista,
funciona de maneira atípica. drinhos dos X-men. não é uma regra nem um tabu.
Inclusive, taí outra ótima dica Assistindo aos depoimentos,
na Netflix, “Atypical”. à preparação para os encon- Uma ajudinha
A nd rew, Ch lo e, Kev i n, tros em si — aos dates que dão sempre vai bem
Maddi, Mark, Michael, Olivia. certo e aos que dão errado, as Algumas das pessoas que
Você vai conhecer cada um famílias desejando boa sorte a série documental acompa-
desses solteiros, além dos ca- ou mesmo dando uma carona nha recebem a visita de Jodi
sais já estabelecidos: Thomas e até o local —, você se encontra- Rodgers, especialista em rela-
Ruth, Jimmy e Sharnae. E isso rá torcendo para que esses jo- cionamentos que trabalha há
só na primeira temporada! Tal- vens descubram o amor. Mais mais de uma década ajudando
vez você suspeite que alguém que isso, você vai se identificar autistas a melhorarem suas ha-
seja neurodiverso logo de cara, com eles, a ansiedade, o “será bilidades de socialização.
talvez conversasse com um que vai dar certo?”... Afinal, Jodi mentora os jovens antes
deles sem nem perceber que encontrar um amor verdadeiro de alguns encontros, ajudan-
é uma pessoa autista. nunca foi fácil para ninguém. do para que se sintam melhor
Não busque reconhecê-los Um ponto que é bom dei- preparados, dando pequenas
através de atributos físicos. xar claro, eles buscam amor, dicas, ensaiando como devem

R EVI STA AUTI SMO 45


“A maioria está tendo
o primeiro encontro
da vida, mas já sabe
o que busca”

se portar na ocasião e como manter familiares e, obviamente, começar Para dar uma noção do quanto o
uma conversa. Honestamente, eu um namoro ou um flerte. pessoal tem as prioridades no lugar
recomendaria umas aulinhas com Dito isso, é preciso destacar certo, eles dão mais valor ao fato de
ela até para alguns conhecidos que o quanto são bem resolvidos. A a pessoa ser fã de “O Senhor dos
estão fora do espectro. maioria ali está tendo o primeiro Anéis” ou ser contra Donald Trump,
A segunda temporada chegou encontro de toda a vida, mas já do que ao detalhe de ficar em pé ou
com novos autistas e uma nova sabe o que busca. sentado quando vai ao banheiro.
chance para alguns da temporada Entre os participantes, uma Eu juro que esses tópicos, e mui-
anterior que ainda buscam o amor. quantidade considerável se decla- tos outros, rolaram nos encontros.
“Mas e a pandemia?”, você pergun- ra bissexual ou pansexual antes Acho ótimo como “Amor no Es-
ta. Acontece que, na Austrália, eles mesmo de ter um encontro de ver- pectro” trata de forma banal que
souberam tratar do problema, e não dade. Seguindo a própria orien- autistas queiram namorar, casar e
foi com cloroquina. Então, por lá tação, alguns têm encontros com formar família. Que ninguém es-
era seguro andar na rua ou mesmo homens e mulheres. teja nem aí se uma pessoa quer ter
ir num encontro sem máscaras. um encontro romântico com uma
Para os inexperientes partici- mulher ou um homem. É nesse tipo
pantes, cada pequena conquista de sociedade, nesse “tempo” (para
é celebrada: desde conseguir não voltar ao começo do texto) que o
ter um ataque de pânico durante o mundo poderá evoluir, e em que
encontro (infelizmente é algo que vale a pena se viver.
chega a acontecer), até a alegria Agora só resta esperar por mais
de terem se dado bem o suficiente temporadas, quem sabe versões
para marcar um segundo encontro. em outros países ou mesmo um
spinoff que arrume um par românti-
Autismo e sexualidade co para a querida Greta Thunberg.
Autistas enfrentam uma gran- Essa jovem autista sueca que ga-
de dificuldade para formar vín- nhou fama mundial ao protestar
culos, fazer amigos, interagir com pela defesa do meio-ambiente.

(Artigo originalmente
publicado em Prensa.li)

46 R EVI STA AUTI SMO


FRANCISCO PAIVA JUNIOR

Autista brasileira
#RESPECTRO
faz dublagem em
Amor no Espectro
na Netflix
A escritora Kenya Diehl fez
participação especial dublando a
voz da personagem Charlotte na
segunda temporada da série

U ma das melhores
surpresas da es-
treia da segunda
temporada da
série Amor no
Espectro, em 21 de setembro, foi a
participação especial de uma pes-
soa autista, Kenya Diehl, dublando a
voz da personagem Charlotte (como
todo. Durante a entrevista
exclusiva em junho último
(que foi capa da Revista Au-
tismo daquele trimestre), o
apresentador me revelou que
sugeriu à produção o en-
volvimento de uma autista
adulta para as dublagens da
série Amor no Espectro. E o
pode ser visto nos créditos ao final nome não poderia ser outro:
da série). A influencer, consultora Kenya Diehl, que trabalha
em autismo e escritora foi indicada com Mion na Comunidade
por Marcos Mion à equipe da Netflix Pró-Autismo, no Facebook.
no Brasil. Kenya teve seu diagnós-
A série documental, uma produ- tico de autismo aos 9 anos
ção australiana que traz autistas de idade (hoje ela tem 38), e
adultos em encontros amorosos, teve nos falou sobre sua satisfa-
sua primeira temporada original- ção em fazer essa participa-
mente lançada em 2019, pela ABC ção especial: “Não tenho a
TV, e foi transmitida no Brasil pela pretensão de me tornar uma
Netflix, em 2020. A nova temporada dubladora como profissão,
apresenta personagens já introduzi- mas foi muito especial para
dos na primeira fase, mas também trazer uma veracidade maior
inclui novas pessoas, todas dentro à dublagem desta série”, de-
do espectro do autismo. clarou ela.
Além de fazer uma con-
Autismo e sultoria para a versão brasi-
neurodiversidade leira da dublagem da série,
Com sua contratação pela Netflix, Kenya Diehl também deu
Marcos Mion levou junto uma visão contribuições para a áudio-
de maior importância para o autis- -descrição das temporadas
mo e a neurodiversidade como um um e dois.

47 R EVI STA AUTI SMO


C O L U N A
#RESPECTRO

Liga dos Autistas

A T R A N S I Ç ÃO
DE CARREIRA
D E U M AU T I STA
P Ó S - D I AG N Ó ST I C O

Jonatas
Ribeiro

Jonatas Silva Ribeiro é


camila_alli

analista de infraestrutura,
nascido em Oliveira (MG), Para um autista, o momento do ingressei, comecei a adoecer e os
tem 37 anos e recebeu seu diagnóstico é quase como se sintomas foram piorando aos pou-
diagnóstico aos 35 anos. ele nascesse novamente, em espe- cos. Fui a vários médicos e nunca
Ilustração: Camila Alli Chair

cial quando já está na vida adulta descobri a causa. Para resumir, foi
e vivenciou inúmeros momentos graças a isso que surgiu a suspeita
traumatizantes que moldaram e confirmação do meu diagnóstico,
@liga.dos.autistas seu jeito de ser. Após a complexa aos meus 35 anos.
fase de aceitação desse diagnós- Tentei, por um período de apro-
tico, vem a sensação de passar a ximadamente 2 anos, me readaptar
enxergar tudo ao seu redor com dentro da empresa (era concurso
outros olhos, e uma dessas coisas público), aceitei me sujeitar a ficar
é justamente o trabalho. interno, fazendo algo que não gosta-
Ao longo dos anos, fui mudan- va, e estava reivindicando ficar na
do de trabalho e percebendo cer- minha cidade. A empresa não abriu
tos incômodos que vinham com mão e o processo foi sendo esticado.
o tempo, mas sempre ficava com Quase desisti de vez e aceitei que
eles só para mim, pois não faziam aquilo era o que eu merecia. Eu não
sentido aos olhos da sociedade em tinha outra opção.
geral. Em especial, no meu último Foi então que vi uma oportuni-
emprego (onde lidava com muita dade em um programa de formação
48 gente diariamente), desde quando em Tecnologia da Informação - TI
R EVI STA AUTI SMO
voltado para iniciantes na área, a você que é autista, ou a você que co-
ou pessoas querendo fazer tran- nhece e apoia um autista, que nunca
sição de carreira, que era direcio- desista dos seus sonhos. O mercado
nado a pessoas com deficiência de trabalho ainda é preconceituoso
— PcD e neurodiversos. Eu tenho para com os neurodiversos e as pes-
graduação e duas especializações soas com deficiência, mas isso não
em TI, mas quase não trabalhei significa que você seja incapaz, muito
na área, pois moro em uma cidade pelo contrário, se você se dedicar e
do interior e mudar pra uma ca- correr atrás das oportunidades, sua
pital estava fora do meu contexto, hora chegará, com certeza.
mas essa vaga tinha a possibili- Dedique-se a estudar e especia-
dade de ser um trabalho remoto. lizar a procura de vagas nos lu-
Mesmo afastado há anos da área, gares certos. E nunca aceite algo
eu me dediquei novamente a estu- que vá fazer mal a sua saúde ou
dar, me empenhei ao máximo, e hoje reprimir sua essência. Nunca se
posso dizer que consegui a vaga! esqueça disso!
Vou fazer algo que gosto, ligado ao
meu hiperfoco, ganhando mais do
que já imaginei que poderia e ainda
será em regime de home office.
A intenção do meu relato é dizer
C O L U N A

Autismo Severo

EFEITOS DA
QUARENTENA
#RESPECTRO
Ilustração: Fernanda barbi brock - @fer.barbi.brock

Para meu filho Pedro, a quarente- que seria o normal, em nosso caso?
na, em termos práticos, significou Difícil dizer, mas passa bem longe
ver sua vida, organizada e satisfa- da normalidade das famílias com
tória, desaparecer de um dia para filhos fora do espectro. Ficar bem,
o outro. Literalmente. Sua escola, tranquilos e aproveitando o que a
seus amigos, o trajeto na perua com vida nos oferece me parece bem ló-
os colegas, os encontros para comer gico. Meu filho tem duas referên-
Haydée pizza, as baladas, as idas ao cinema, cias básicas (pai e mãe), as outras
Freire etc. As visitas do irmão e da cunha- desapareceram, e está inseguro da
Jacques da, dos tios e primos. Sem falar nas permanência delas. Tudo bem fi-
Meca Andrade viagens, das quais ele é um grande carmos todos juntos e misturados.
apreciador. Tudo sumiu, da noite Mas, em outubro ele voltou ao colé-
é casada e mãe de dois para o dia. Ficamos ele, o pai e eu gio, aos amigos e à rotina. Está ple-
filhos, sendo o mais moço ⎼– a mãe. E Sissi, a cachorra, claro. namente imunizado (viva o SUS!).
autista severo. Formou-se
em odontologia, exerceu Foi impactante. Procuramos expli- E vai voltar ao quarto dele, e à sua
a profissão até 2006, car, mostrar o que estava acontecen- cama. Talvez seja um pouco estra-
quando decidiu dedicar- do e apoiar. nho no começo, mas vamos superar
se integralmente ao filho. O que percebemos: o sono foi o essa transição. Claro que eu pode-
mais afetado. Voltou a dormir muito ria ter colocado um colchãozinho ao
mal ou a não dormir de todo. De lado da cama dele e dormido lá. Já
resto, poucas mudanças. Depois de fiz muito isso, mas agora, aos 67
mais de um ano ele começou a per- anos, não tenho mais vontade, nem
der muito da tolerância que tinha pique, para dormir em colchão no
para os pequenos percalços do dia a chão. E, sabem de uma coisa? Não
dia. Com muito suporte emocional me sinto nem um pouco mal por
isso foi contornado. Mas, o sono… isso. Aprendi ao longo desses trinta
O que fizemos? Seguimos as pistas anos que eu importo, e não sou nem
e achamos uma fórmula que funcio- melhor e nem pior do que ninguém
na, mas que, aos de fora da nossa ao levar em consideração meu bem
realidade, deve parecer absurda! estar!
Pedro dorme na cama comigo ou
com o pai. Todas as noites. Gruda
em mim e segura a minha mão, ele
que não é chegado em contato físico,
e dorme seguro. Vou me preocupar
com isso? Eu? Não, não mesmo. O
50 R EVI STA AUTI SMO

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