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ANO IX - Nº 19 - DEZ/JAN/FEV 2023

V I S I TA AO P O D C A ST MU LH E R AUTI STA
M U OT R I L A B LÓ G I C A AU T I STA NA TI

#AutistaEmTodoLugar
Ilustração gerada por 10 ANOS DA
LEI BERENICE
inteligência artificial
(Midjourney Bot)
00019

e manipulada pela
Revista Autismo
ISSN 2596 - 0539

PIANA
GRATUITA
DISTRIBUIÇÃO
053005
772596
9
#AutistaEmTodoLugar

EDITORIAL
EXPEDIENTE - Revista Autismo
Ano IX — número 19
Dezembro de 2022
ISSN: 2596-0539
Dez anos atrás, estava em processo dessa conquista. Uma vitória coletiva.
Distribuição gratuita
de aprovação a Lei Berenice Piana — E, logicamente, o décimo aniver-
Periodicidade trimestral
oficialmente, a lei número 12.764/2012, sário da lei é o tema da reportagem
Tiragem deste número: 3.100 exemplares
Revista Autismo é uma publicação de circulação
que instituiu a “Política Nacional de de capa desta edição número 19 da
nacional fundada em 2010 com o objetivo de levar Proteção dos Direitos da Pessoa com Revista Autismo. Contar a história
informação de qualidade, isenta e imparcial. A
respeito de autismo, é a primeira revista periódica Transtorno do Espectro Autista”. completa, mostrando todos os atores
da América Latina, além de ser a primeira do
mundo em língua portuguesa. Para dizer o mínimo, foi um marco dessa ação e todas as perspectivas,
Editor-chefe e jornalista responsável: na história dos direitos dos autistas eu diria que é uma missão impos-
Francisco Paiva Junior - MTb: 33.245 no Brasil. sível. Seria necessário escrever um
editor@RevistaAutismo.com.br
Direção de arte e design:
Não há dúvida de que a ação de livro (fica aí uma ideia!) detalhan-
Alexandre Beraldo Berenice Piana e de Ulisses da Costa do as mais diversas visões e todos
xberaldo@gmail.com Batista, as duas pessoas que mais se os detalhes dessa jornada tão rica de
Revisão e Traduções: destacaram à frente da criação da lei personagens e de minúcias.
Márcia F. Lombo Machado
marciaflm@gmail.com (ou na reta final de sua criação) foram Para que tivéssemos uma reporta-
Consultores científicos: determinantes para o objetivo alcan- gem com tamanho “publicável” na
Alysson R. Muotri e Diogo V. Lovato
çado. É indiscutível. revista, optei por mostrar, majorita-
Arte da Capa:
Mas, precisamos aqui fazer justi- riamente, a perspectiva da mãe ho-
Manipulação de imagem gerada por
inteligência artificial (Midjourney Bot) ça e destacar que a lei também foi menageada com o nome da lei. É um
Colaboradores deste número: fruto da luta e do trabalho de muita recorte de uma história com tantos
Amauri Sousa, Alysson Muotri, Bia Raposo, gente, e de muito tempo antes de 2012, emaranhados.
Carol Cardoso, Érica M Araújo, Fernanda
Barbi Brock, Haydée Freire, Lucas claro. A maioria desses coadjuvan- Agora, temos que construir os pró-
Ksenhuk, Marcelo Vitorino, Mauricio de
Sousa, Nicolas Brito, Renata F. Tibyriçá, tes são anônimos que jamais serão ximos dez anos dos direitos dos au-
Samanta Paiva, Sophia Mendonça,
Thainá Carias, Thiago Castro, Tiago reconhecidos, mas que tiveram um tistas no Brasil.
Abreu, Wagner Yamuto, Wirla Pontes.
papel importante nessa conquista. Espero que goste desta revista! E
Impressão:
LaborPrint
Centenas, senão milhares de pessoas um Feliz 2023!
Patrocinadores: que contribuíram, alguns num árduo
Grupo Método, Clínica Somar. trabalho décadas atrás, singelamente
Fundadores (2010): enviando e-mails e mensagens para
Martim Fanucchi
Francisco Paiva Junior
cobrar as autoridades, alguns ainda
Para nos patrocinar: acionando os poderes locais para ten-
comercial@RevistaAutismo.com.br tar mudar a realidade do seu muni-
Para nos apoiar: cípio. Todos, sem exceção, são parte
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do Giovani, de 15 anos, que tem autismo
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e é muito rápido para fazer contas de ca-
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R. Bela Cintra, 336 - cj. 74-A, Consolação beça, e da Samanta, de 13 anos, que tem Para sugerir pautas e temas de reportagens,
São Paulo (SP), CEP 01415-000 chulé e é exímia desenhista. envie mensagem para o mesmo email citado acima.
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Os artigos assinados não representam


necessariamente a opinião da Revista Como citar artigos publicados nesta revista (padrão ABNT):
Autismo e seus editores. AUTOR. Título do artigo ou da matéria, subtítulo. Revista Autismo, São Paulo, ano da revista,
número da edição, páginas inicial-final, mês ano de publicação.
Exemplo: MUOTRI, A.. Minicérebros humanos, um novo modelo experimental para o estudo do
TEA. Revista Autismo, São Paulo, ano V, n. 4, p. 44-46, mar. 2019.
10 ANOS,
VISITA AO PODCAST TEMOS O QUE
MUOTRI LAB LÓGICA AUTISTA COMEMORAR?
pág.12 pág. 15 pág. 20

A APPLE
E OS MULHER
AUTISTAS AUTISTA NA TI
pág.24 pág. 38

SESSÕES 10 ANOS
o que é autismo?
hq - andré e a turma da mônica
pág.08
pág.09
DA LEI
canal autismo pág.42
BERENICE
PIANA
COLUNAS
reportagem de capa pág.32

matraquinha pág.10
liga dos autistas pág.18
tudo o que podemos ser pág.28
pediatria no autismo pág.30 Leia este QR-code
com seu celular e
trabalho no espectro pág.46
acesse a versão online
introvertendo pág.48 desta edição com
autismo severo pág.50 conteúdo extra.
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FLORES TIBYRIÇÁ NICOLAS
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R EVI STA AUTI SMO 6


Artistas que ilustraram esta edição

LUCAS CAMILA BIA FÁBIO


KSENHUK CHAIR RAPOSO SOUSA

Artista plástico, Formada em Artista plástica, Designer de


20 anos, autista, animação, cursou arte educadora e formação,
sua obra sempre biologia, tem 32 provocadora ilustrador
está nas principais anos, é vegana cultural, por paixão,
exposições de e seu hiperfoco ilustra a coluna bonequeiro
rua de SP. são dinossauros “matraquinha” profissional
e répteis, desde desde a primeira e autista
os 10 anos. vez que a leu. diagnosticado
Se apaixonou. tardiamente.

lucasksenhuk.com deviantart.com/freakyraptor @biabiaraposo @seeufalarnaosaidireito


@lucasksenhuk.art/ @camila_alli

FERNANDA MAURICIO ALEXANDRE


BARBI BROCK DE SOUSA SAMANTA THAINA
BERALDO PAIVA CARIAS

Autista, ilustradora, Desenhista, pai Designer, Estudante, irmã Ilustradora digital,


possui titulo de da Turma da ilustrador e de autista, filha do formada em Técnico
licenciatura em Mônica, colabora gestor culural, editor da revista, em Comunicação
educação artística com a Revista é o responsável desenha nos tempos Visual pela ETEC
(hab. artes plásticas) Autismo desde pela edição de livres, cria o tempo Carlos de Campos.
e designer de moda. o início de 2019, arte da Revista todo, tem 13 anos, Transforma ideias
através do Autismo. Tenta é fã da banda Now em ilustrações,
Instituto Mauricio tocar piano e as United e da série contando histórias
de Sousa. vezes, consegue. Stranger Things. através de imagens.

@fer.barbi.brock @institutomauriciodesousa @xandeberaldo


@turmadamonica

Se você é artista e autista, e também quer


colaborar com a Revista Autismo,
envie um email para
editor@RevistaAutismo.com.br,
se apresentando e mandando um link
de seus trabalhos artísticos (pode ser
um Instagram ou catálogo digital).

R EVI STA AUTI SMO 7


As informações a seguir não dispensam a consulta
O QUE É AUTISMO a um médico especialista para o diagnóstico

Francisco Paiva Junior

O QUE É AUTISMO?
Saiba a definição do transtorno do espectro do autismo
CONTEÚDO
EXTRA ONLINE
Use o QR-code
ao lado para
ir ao site.

O autismo — nome técnico ofi- quanto antes — mesmo que seja ape- identidade, uma característica da pes-
cial: transtorno do espectro do au- nas uma suspeita clínica, ainda sem soa — data celebrada originalmente
tismo (TEA) — é uma condição de diagnóstico fechado —, pois quanto em 2005, pela organização britânica
saúde caracterizada por déficit na mais cedo começarem as interven- Aspies for Freedom (AFF).
comunicação social (socialização e ções, maiores serão as possibilidades
comunicação verbal e não verbal) e de melhorar a qualidade de vida da
Consulta médica
Veja a seguir alguns sinais de autis-
comportamento (interesse restrito pessoa. O tratamento psicológico
mo. Apenas três deles numa criança
ou hiperfoco e movimentos repeti- com maior evidência de eficácia, se-
de um ano e meio já justificam uma
tivos). Não há só um, mas muitos gundo a Associação Americana de
consulta a um médico neuropediatra
subtipos do transtorno. Tão abran- Psiquiatria, é a terapia de interven-
ou a um psiquiatra da infância e da
gente que se usa o termo “espec- ção comportamental. O tratamento
juventude. Testes como o M-CHAT-
tro”, pelos vários níveis de suporte para autismo é personalizado e in-
-R/F (com versão em português)
que cada subtipo necessita — há terdisciplinar. Além da psicologia,
estão disponíveis na internet para
desde pessoas com condições as- pacientes podem se beneficiar com
serem aplicados por profissionais.
sociadas (coocorrências), como de- fonoaudiologia, terapia ocupacio-
Todas as referências, links e mais infor-
ficiência intelectual e epilepsia, até nal, entre outros, conforme a neces-
mações estão na versão online.
pessoas independentes, que levam sidade de cada autista. Na escola,
uma vida comum. Algumas nem um mediador pode trazer grandes Sinais de autismo:
sabem que são autistas, pois jamais benefícios no aprendizado e na inte-
Não manter contato visual por
tiveram diagnóstico. ração social. mais de 2 segundos;
As causas do autismo são majori- Até agora, não há exames de ima-
Não atender quando chamado
tariamente genéticas. Confirmando gem ou laboratoriais que sejam de- pelo nome;
estudos recentes anteriores, um tra- finitivos para diagnosticar o TEA.
Isolar-se ou não se interessar por
balho científico de 2019 demonstrou Alguns sintomas podem ser tra- outras crianças;
que fatores genéticos são os mais im- tados com medicamentos, que Alinhar objetos;
portantes na determinação das cau- devem ser prescritos por um mé-
Ser muito preso a rotinas a ponto
sas (estimados entre 97% e 99%, sendo dico. Dentre os medicamentos in- de entrar em crise;
81% hereditário — e ligados a quase dicados, a risperidona, que é da Não usar brinquedos de forma
mil genes), além de fatores ambientais classe dos antipsicóticos atípicos, é o convencional;
intrauterinos (de 1% a 3%) ainda con- mais comum. Fazer movimentos repetitivos
troversos, que também podem estar Em 2007, a ONU declarou todo 2 de sem função aparente;
associados como, por exemplo, a idade abril como o Dia Mundial de Cons- Não falar ou não fazer gestos para
paterna avançada ou o uso de ácido cientização do Autismo, quando mostrar algo;
valpróico na gravidez. Existem atual- cartões-postais do mundo todo se Repetir frases ou palavras em mo-
mente 1.095 genes já mapeados e impli- iluminam de azul (cor escolhida mentos inadequados, sem a devi-
da função (ecolalia);
cados como possíveis fatores de risco por haver, em média, 4 homens para
para o transtorno — sendo 134 genes cada mulher com TEA). Não compartilhar interesse.
os principais. O símbolo do autismo é o quebra- Girar objetos sem uma função
-cabeça, que denota sua diversidade aparente;
Tratamento e sinais e complexidade. Apresentar interesse restrito
Alguns sinais de autismo já podem O dia 18 de junho é o Dia do Orgu- por um único assunto (hiperfoco);
aparecer a partir de um ano e meio lho Autista (representado pelo sím- Não imitar;
de idade, e mesmo antes, em casos bolo da neurodiversidade, o infinito Não brincar de faz-de-conta.
mais graves. Há uma grande im- com o espectro de cores do arco-í- Hipersensibilidade ou hiper-reati-
portância em iniciar o tratamento o ris), considerando o autismo como vidade sensorial;

08 R EVI STA AUTI SMO #AutistaEmTodoLugar


C O L U N A

Matraquinha

Wagner
Yamuto
IPÊ ROXO
é pai do Gabriel
(que tem autismo) e da
Thata, casado com a
Grazy Yamuto, fundador
@biabiaraposo

do Adoção Brasil, criador


do app Matraquinha, autor
e um grande sonhador.
lucro. Descobri recentemente que nos Es-
matraquinhaoficial tados Unidos o gato tem nove vidas, mas
Ilustração: Bia Raposo -

@matraquinhaoficial Quando um homem avisa aos amigos que isso é discussão para outro momento.
matraquinha vai se casar, escuta diversos comentários de Chegou o momento em que meu filho
matraquinha.com.br que a vida vai acabar e blá, blá, blá. nasceu e foi uma festa linda, amigos e
Depois, os mesmos amigos dizem para apro- famílias todos enviando boas energias,
veitar o agora, porque depois que o filho che- e para minha surpresa descobri que
gar, acabou tudo. Acabou a sua vida e mais a vida não acabou!
blá, blá, blá. A chegada de uma criança
Se eu fosse um gato nascido aqui no Brasil é vida e se você tem filhos,
ainda me restariam cinco vidas, então estou no sabe que a vida realmente

R EVI STA AUTI SMO 10


#AutistaEmTodoLugar

saímos com um diagnóstico de AUTISMO.


Já dentro do carro, voltando para casa,
a sensação é de que a vida realmente
tinha acabado.
Sofremos, choramos e ficamos de luto
como se realmente tivéssemos perdido
um filho. Por que comigo? Por que
com ele? Por quê?
Ao olhar para o lado, ele estava
lá. Com o mesmo olhar distante que
nunca tínhamos percebido até então.
O olhar estava perdido, mas não seu co-
ração, e foi este pequeno grande homem
que nos mostrou que a vida estava dando
uma oportunidade de começarmos uma
nova vida.
Você conhece aquela árvore
ipê roxo?
Alguns olham para ela e pensam:
— Nossa, isso vai fazer uma sujeira!
Enquanto isso, outros admiram sua beleza
e seus encantos.
O Gabriel é o nosso ipê-roxo, ele nos ensi-
nou a ver esse outro lado e nos mostrou que
cada conquista e cada momento deve ser vivido
intensamente. Tão intenso como os abraços
começa com a chegada deles. Depois que e beijos que ele faz questão de nos presentear
temos filhos, qualquer coisa que acontece todos os dias.
com eles é transportada aos pais e elevada Devo confessar que os beijos e abraços não
à milionésima potência. estão com tanta intensidade. O Gabriel está
Ao presenciar um simples tropeço que ter- entrando na adolescência e os hormônios estão
mina com leves arranhões no joelho, a dor é completamente descontrolados.
automaticamente transferida para o meu joelho Voz grossa, espinhas no rosto, pelos es-
com uma intensidade brutal. palhados pelo corpo, mas uma coisa não
Em uma bela manhã, minha esposa e eu muda: ele continua uma pessoa adorável,
levamos o Gabriel a uma neuropediatra. En- amorosa e carinhosa. Apesar da irmã não
tramos no consultório e 10 minutos depois achar nada disso. =)

R EVI STA AUTI SMO 11


FRANCISCO PAIVA JUNIOR

é editor-chefe da Revista Autismo


@PaivaJunior
@paivajunior

#AutistaEmTodoLugar

Visita ao laboratório
da UCSD, nos EUA,
revela os avanços da
pesquisa científica
em autismo
Ilustração: Samanta Paiva

um privilégio poder visitar ONG local Autism Tree. Publi-


um dos laboratórios mais quei tudo num vídeo que está
avançados em genética do au- imperdível para quem se in-
tismo e de condições de saúde teressa por ciência e autismo.
relacionadas, o Muotri Lab, Num misto de entrevista
nos Estados Unidos. Liderado e exploração do laboratório,
pelo neurocientista brasileiro pude falar por 38 minutos com
Alysson R. Muotri, o laborató- o Doutor Muotri, que é profes-
rio, que fica dentro da Univer- sor da faculdade de medicina
sidade da Califórnia em San da UCSD, diretor dos labora-
Diego (UCSD), realiza pesqui- tórios de genética da univer-
sas com repercussão mundial e sidade e agora será diretor do
em parcerias que vão da Nasa programa de células-tronco no
(a agência espacial dos EUA) à espaço, com “uma bancada”

R EVI STA AUTI SMO 12


“A pesquisa com
CBD envolve
autistas com nível
de suporte 3 e
sem epilepsia.“

organoides cerebrais que o


Muotri Lab aperfeiçoa cada
dia mais.
Essa pesquisa com CBD en-
volve autistas com nível de su-
porte 3 e sem epilepsia, para
verificar exatamente o efeito
dessa substância apenas no
autismo, o chamado “autis-
mo essencial”, com os testes
nos pacientes e nos organoi-
des derivados desses mesmos
pacientes — outro ineditismo
científico no planeta.
Aliás, os “minicérebros”
(entre aspas, pois o termo
tecnicamente correto seria
futuro das “organoides cerebrais”) são
pesquisas em produzidos aos milhares no
autismo e sín- laboratório, cada vez de forma
dromes relacionadas. mais eficiente e automatizada,
permanente para fazer expe- O congresso anual de neuro- graças aos esforços para enviar
rimentos na Estação Espacial ciência, que ele apoia junto à os organoides para a ISS. Além
Internacional (ISS, na sigla em fundação Autism Tree Project dos experimentos em micro-
inglês) — o que é inédito no (ATPF na sigla em inglês), que gravidade, levar remessas de
mundo! atende autistas e familiares em “minicérebros” para a estação
Falamos sobre diversos as- San Diego, também foi tema espacial também fomenta o de-
suntos. Sempre muito gentil, do papo. E será nesse evento senvolvimento de automações
Alysson Renato (quase nin- que serão divulgados, pela e miniaturizações envolvendo
guém sabe desse “Renato” no Dra. Dóris Trauner, os dados a produção desses organoides
nome dele!) contou sobre as preliminares de uma impor- — o que traz redução de preço
perspectivas do Muotri Lab tante pesquisa do Muotri Lab, (que significa fazer mais, com
para os próximos anos com um relativa a autismo e canabidiol menos investimento) e aumen-
grande investimento que rece- (CBD), envolvendo testes clí- to da capacidade de produção
beram recentemente e sobre o nicos e experimentos em “mi- (mais experimentos, mais pro-
que podemos esperar para o nicérebros”, os revolucionários dução científica).

R EVI STA AUTI SMO 13


O vídeo, num passeio sem verdade!), a vista da janela que
cortes pelo laboratório — que no fim do ano tem o privilégio
fica no prédio do Sanford Con- de testemunhar a migração de
sortium, dentro da UCSD, e baleias para o México.
tem uma vista para o oceano Em meio a todo esse cenário,
pacífico e um local de voos falamos também de temas po-
de paragliders —, mostra os lêmicos, como o uso do termo
equipamentos sofisticados e “cura” — motivo de diversas
várias etapas da produção de manifestações de desapro-
“minicérebros”, assim como o vação por parte de alguns
escritório de Muotri, cheio de autistas — que Muotri con-
livros (achei até um livro do textualiza em sua explicação.
personagem Horácio, do Mau- E temas agradáveis, como a
ricio de Sousa, lá na estante!), história da sua conexão com
a caixa automatizada da Space a fundação Autism Tree, (ONG
Tango (que foi ao espaço car- para a qual fiz trabalhos vo-
regando os organoides), répli- luntários quando morei em
cas de crânios, fotos do filho e San Diego, há 6 anos), os dez
“Falamos
da esposa, um robô feito para anos da Lei Berenice Piana também de temas
ser comandado por “minicére- no Brasil e a importância de polêmicos, como o
bros” e uma prancha de surf se fazer exames genéticos para
(sim, estamos falando de um o autismo e síndromes ligadas
uso do termo ‘cura’
neurocientista que surfa de ao espectro. para o autismo.”

Se eu fosse detalhar todo


o papo aqui, talvez gastás-
semos as 52 páginas de uma
edição inteira da Revista Au-
tismo. Portanto, deixo o link
e o QR-Code nesta página
para que você possa assistir
ao vídeo e me acompanhar
nessa visita que traz tanta in-
formação sobre ciência, futu-
ro e autismo.
Por fim, vale destacar: gra-
vei mais vídeos no laborató-
rio, que devo publicar em
breve no canal do Youtube
da Revista Autismo.

Leia este QR-code


com seu celular e
acesse a versão online
desta edição com
conteúdo extra.

R EVI STA AUTI SMO 14


#AutistaEmTodoLugar
TIAGO ABREU

é jornalista, mestre em comunicação, autor do livro


“O que é neurodiversidade?” e autista.

@otiagoabreu_ Introvertendo
otiagoabreu introvertendo.com.br /introvertendo

LÓGICA AUTISTA
Podcast produzido por autistas adultos tem
conversas descontraídas sobre o autismo

m 2021, um trio que con- var de julgamentos que


versava diariamente possam vir a afetar nos-
no “Um Discord Sobre sas vidas acadêmicas,
Autismo”, um grupo amorosas, familiares e
para autistas no apli- profissionais”, disse Lili.
cativo Discord, criado
pelo youtuber Willian A descoberta
Chimura, decidiu criar Os cinco integrantes
um podcast. Nascia ali do Lógica Autista foram
o Lógica Autista, um diagnosticados tardia-
programa que discute o mente com autismo. Luã
autismo na vida adulta. iniciou sua investigação
A ideia, que reuniu ainda durante a gradua-
Luã, Lili, Myt e, mais ção, quando professores
tarde, Lizzie e Vivs, nas- da Universidade Federal
ceu com o objetivo de do Pará (UFPA) o indi-
gerar conversas pessoais caram para a Coordena-
sobre o autismo. Tanto doria de Acessibilidade
é que os integrantes, (CoAcess).
apesar do diagnóstico O diagnóstico de Lili
formal, não deixam tan- também teve uma cone-
tos detalhes sobre suas xão com a universida-
identidades. “É preciso de. Tudo começou por
expor as vulnerabili- uma recomendação de
dades para falar sobre um professor e quatro
saúde mental e criar uma anos de Terapia Cogni-
conexão com o público. tivo-Comportamental
Acho interessante que (TCC). Myt, por sua
Ilustração: Depositphotos a gente tente se preser- vez, tinha problemas

R EVI STA AUTI SMO 15


relacionados ao sono, e Asperger. Conforme tudo meira pessoa. “Acho que
Lizzie recebeu um conse- foi fazendo sentido, decidi no Brasil, não só os
lho de seu psicólogo para procurar uma neuropsi- podcasts sobre autismo,
procurar um especialista cóloga especialista em mas os canais no You-
em autismo. diagnóstico de autismo em Tube também costumam
Apesar das diferenças adultos e foi confirmado ser direcionados para os
existentes nas histórias, quase instantaneamente”, pais de autistas. O Lógi-
o que os une é uma dis- contou Vivs. ca Autista é um podcast
paridade de habilidades sobre autistas, de autistas
sociais e uma reatividade O podcast para autistas. Falamos das
sensorial que foram ex- “A jornada do diag- nossas vivências pessoais e
plicados pelo autismo. nóstico na vida adulta”, procuramos mostrar para
Vivs explica que o incô- de outubro de 2021, é o outros autistas que eles
modo com os estímulos episódio de estreia do não estão sozinhos em suas
do ambiente no retorno Lógica Autista. Ao lon- experiências”, afirma.
pós-pandemia foi funda- go do tempo, eles foram
mental para evidenciar abordando suas vivências Autismo na
suas dificuldades. e de outros amigos autistas podosfera
“Os barulhos me inco- convidados. No catálogo, Apesar de ser uma mídia
modavam e assustavam, destaque para temas como em ascensão nos últimos
as luzes eram muito fortes, relacionamentos, vida anos, os primeiros pod-
chorava e entrava em crise e universitária, hiperfoco, casts sobre autismo do Bra-
etc. Foi quando consultei o socialização e jogos. sil existem há mais tempo.
Dr. Google e tudo apontava Foi a partir do episó- A Rádio Autismo, o projeto
para autismo. Daí lembrei dio “Mulheres Autistas” mais antigo do gênero, sur-
que já tinha passado por que Lizzie passou a fazer giu em 2007 e teve apenas
esse processo, que mem- parte da equipe, enquanto dois episódios. Alexandre
bros da família já tinham Vivs entrou no quadro de Costa, o apresentador do
dividido comigo sobre integrantes inicialmente programa, acabou criando
para colaborar com ideias, o Autismo Brasil Podcast
sugestões e estratégias em 2014, que durou cerca
de marketing. de 3 anos.
O design das capas dos No entanto, o primeiro
episódios, com títulos podcast brasileiro de autis-
brincalhões como “Co- tas foi o Introvertendo, de
ca-Cola com maçã” ou maio de 2018, que explorou
“Não ganhei o tutorial”, o famoso formato de ba-
é feito por Lili. “Recebemos te-papo conhecido como
um feedback muito impor- “mesacast”, algo também
tante de que seguíamos incorporado pelo Lógica
inicialmente uma linha Autista. Nos últimos 4
“No catálogo,
muito séria para a nossa anos, também surgiram destaque para
proposta, e optamos por Spectre, Café com Es- temas como:
utilizar mais cores, formas pectro, Atípicas Podcast
e imagens descontraídas a e Ondacast.
relacionamentos,
partir do EP5”, avalia Lili. As referências dos vida universitária,
O diferencial do Lógica integrantes do Lógica, hiperfoco,
em relação a outros proje- no entanto, não se limi-
tos, segundo Lizzie, é a ex- tam à podosfera autista. socialização
periência autista em pri- “Os meus favoritos são e jogos.”

R EVI STA AUTI SMO16


#AutistaEmTodoLugar

e os integrantes começa- autistas e acolhê-los. Com “O objetivo


ram a sentir uma maior página no Instagram, a
responsabilidade com
dos integrantes
equipe também produz
o projeto. Além disso, publicações informati- é promover
eles também tiveram que vas sobre o autismo, re- aproximações
lidar uns com os outros, lacionadas ou não com
e a comunicação entre
com outros
os conteúdos lançados
autistas nem sempre é em áudio. autistas e
fácil. “Muitos autistas O episódio mais re- acolhê-los.”
trabalhando em conjunto cente, “A jornada do
‘dá ruim’ com certeza”, ouvinte”, conclui a pri-
Myt defende. meira fase do podcast.
Sobre a complexidade Atualmente em hiato,
das relações, Lili ob- o programa está sendo
serva que mesmo com repensado pela equipe.
a existência da rigidez E Lili destaca que os
cognitiva, o projeto é rumos do projeto são
mais importante. “Mi- incertos. “Planejamos
n h a pr e o c upaç ão a ir até o episódio 15, por
respeito disso é que a enquanto. Mas mesmo
mensagem que quere- que o projeto chegue ao
mos transmitir ao ex- fim, nossos objetivos já
terno, de acolhimento foram alcançados: criar
e inclusão, se perca nas uma comunidade e trocar
o Sc icast (as nossas nossas relações inter- experiências”, concluiu.
apresentações foram nas por falta de uma Os links das redes so-
inspiradas nele), Dra- boa comunicação, que ciais e do podcast (que
gões de Garagem e o é justamente uma das pode ser encontrado nas
Introvertendo”, disse características de estar maiores plataformas de
Lu ã, o r e s p o n s áve l no espectro”. áudio) estão na versão
pela edição e mixagem Isso também reflete online desta reportagem.
dos episódios. no próprio conteúdo. Você pode acessar len-
Além dos programas Os integrantes também do o QR-code no índice
citados por Luã, outros disseram que alguns desta edição ou indo ao
i ntegrantes também temas foram gravados CanalAutismo.com.br.
destacam podcasts como e nunca lançados pelo
Xadrez Verbal, Projeto peso das conversas e pe-
Humanos, Não Invia- las experiências ruins
bilize, Modus Operan- que tiveram no passado.
di, Segurança Legal e Apesar disso, eles tentam
PoupeCast. equilibrar o tom. “Sem-
pre rola uma ‘torta de
Planos e futuro climão’ ou outra, mas o
Tudo começou como Luã arrasa na edição e
lazer. Os convidados a Lili traz energia pu-
dos episódios também xando a gente pra fora
faziam parte do grupo do das bad vibes, Vivs disse.
Discord onde o podcast Por isso, o objetivo dos
surgiu. Mas, com o tempo, integrantes é promover
a audiência foi chegando aproximações com outros

R EVI STA AUTI SMO17


C O L U N A
MALEFÍCIOS DO
CAPACITISMO NOSSO
DE CADA DIA
Liga dos Autistas É comum pensar que pes- Incompreensão; dificul-
soas com necessidades espe- dade de aceitação; falta de
ciais são incapacitadas para conhecimento; incapacida-

@seeufalarnaosaidireito
realizar determinadas ativi- de profissional; desvalorizar
dades. Em outras palavras, ou desqualificar a capacida-
somos: pobres coitados, ví- de corporal e/ou cognitiva
timas, frágeis, alienados, (aquisição de conhecimen-
desprotegidos, inocentes, to); tratar como “especial”,
ingênuos, dentre outros ou seja, o centro das aten-
Ilustração: tio .faso -

adjetivos negativos e pre- ções, exaltar ou duvidar


conceituosos. Mas, é impor- de tudo que a pessoa faça,
tante que todos, incluindo negar que a pessoa possa ter
@liga.dos.autistas os próprios deficientes, sai- relacionamento ou filhos,
bam: deficiência não é algo são situações frequentes
a ser visualizado com des- na rotina e convivência fa-
Érica prezo, com sentimentos de miliar de deficientes. Esses
Matos pesar, com descrença, com comportamentos acarretam,
Araújo exaltação exagerada ou até em alguns, sentimentos de
mesmo com a frase típica: inferioridade, egocentris-
Ah! É “especial”! mo e manipulação, poden-
foi diagnosticada no TEA aos Há deficiências visíveis e do fazer a pessoa querer
35 anos; servidora pública,
casada com o homem mais invisíveis, ou seja, é possível exclusividade (ou não) em
engraçado e compreensivo perceber algumas ao olhar seus direitos e até em rela-
que já conheceu; apaixonada o indivíduo e outras não ‒ a ção a outros na mesma con-
pelos pais; amiga dos irmãos menos que seja dito para co- dição. Ser preferencial não
e enteado, adora seriados,
documentários investigativos nhecimento, esclarecimento. dá direito a ser arrogante,
e filmes; aventureira em Essas atitudes e falas sociais mal-educado, desrespeito-
culinária; amante dos trazem malefícios e o princi- so e querer ser “o exclusi-
pets da família (2 gatos,
5 cachorros); zoeira com pal deles é o capacitismo (se- vo” dentre todos os outros
colegas de trabalho (dizem). gundo Lau Patrón, a ideia de que estejam no contexto de
que pessoas com deficiência preferencial ou não. É ina-
são inferiores àquelas sem dequado ameaçar, usar de
deficiência, tratadas como xingamentos, e constranger
anormais, incapazes, em para ter direitos garantidos.
comparação com um referen- Tenho experiências com
cial definido como “perfei- capacitismo no dia a dia e,
to”). Tais manifestações são principalmente, em local de
ofensivas e podem gerar ma- trabalho com outros defi-
lefícios comportamentais bem cientes, mas recentemente a
como sociais ao deficiente. atitude de uma pessoa com

R EVI STA AUTI SMO 18


#AutistaEmTodoLugar

#AutistaEmTodoLugar

necessidades especiais foi desnecessária:


ameaças, constrangimento, xingamentos,
empurrões no ônibus na hora de descer as
escadas por não lhe darem o assento que
queria, nem mostrar o cartão de pessoa
com deficiência. Poderia ter explicado e
mostrado o cartão? Sim! Mas não o fez por
causa da falta de educação e desrespeito no
momento de abordar, além do mais, havia
outros assentos vazios e, por lei, todos os
assentos são preferenciais. Fora do ônibus
a abordagem foi mais ameaçadora e disse
para respeitá-la, pois era deficiente e eu
não sabia a condição dela. Respondi que
ela não sabia a minha, precisava respei-
tar a mim também, mas não era necessá-
rio agir de tal forma. A deficiência tanto
minha quanto da pessoa no ônibus é invi-
sível, mas isso não nos dá permissão para
querermos ser exclusivistas. Jamais peça
ou constranja alguém a sair do assento
somente por ser preferencial, não aborde,
não peça comprovação (não somos auto-
ridades para sermos convencidos de algo,
não somos justiceiros. Não basta a palavra
da pessoa? É necessário provar e compro-
var?). Consciência é algo importante, mas
somente é usada se for conveniente?
O preconceito capacitista segrega tanto
quanto qualquer outro tipo de discrimi-
nação, acarreta: marginalização, visão de

Ilustração: depositphotos
realidade paralela ao segregado, impede o
desenvolvimento de todo e qualquer ser
humano. Somos todos diferentes, inde-
pendente de deficiência ou não, e temos de
nos conscientizar: a pessoa vem antes da
deficiência ou de qualquer característica.
RENATA FLORES TIBYRIÇÁ

é defensora pública do Estado de São Paulo, coordenadora do Núcleo dos Direitos @renata.tibyrica
da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência da Defensoria. Bacharel em direito e aliberdadeehazul.com
especialista em direitos humanos, doutora e mestre em distúrbios do desenvolvimento
e pós-doutoranda em educação especial. Ministra a disciplina direitos das pessoas
com deficiência em cursos de pós-graduação.

10 ANOS DA
LEI 12.764/12
Será que
temos o que
comemorar?
N
o próximo dia 27 de dezembro,
a Lei 12.764/12, que trata da
Política Nacional de Proteção
dos Direitos das Pessoas com
Transtorno do Espectro Autis-
ta (TEA), completa 10 anos de
vigência. De lá para cá, o au-
tismo se tornou bem mais co-
nhecido, mas será que temos o
que comemorar, especialmente
quanto à implementação de po-
líticas públicas?
Em 2010, quando passei a
atuar na unidade da Fazenda
Pública da capital paulista, não
imaginava que, entre os 1.800
processos que estariam sob a
minha responsabilidade, en-
contrava-se a conhecida ação
civil pública (ACP) que con-
denou o Estado de São Paulo
a prestar atendimento adequa-
do às crianças, adolescentes
e adultos com TEA nas áreas
da saúde, educação e assis-
tência social. A referida ação,
fruto da luta de mães de pes-
soas com TEA e proposta pelo
Ministério Público, tramitava

Ilustração: DepositPhotos
R EVI STA AUTI SMO 20
há 10 anos, já com O Caminho até a Lei organizaram para a elaboração
condenação transi- Naquela oportunidade, para de um projeto de lei, que pre-
tada em julgado e em além do atendimento jurídico tendiam que fosse de iniciati-
fase de execução, porém, as prestado às pessoas com TEA va popular, para garantir uma
políticas públicas no Estado mais vulneráveis pela Defen- Política Nacional de Proteção
ainda não estavam adequa- soria, junto com um grupo de de Direitos das Pessoas com
damente organizadas. mães, organizamos uma carti- TEA, e que acabou, após muita
Mães, a maioria delas mães lha sobre os direitos das pessoas dedicação dos seus idealizado-
solo, que ficaram responsá- com autismo, que foi lançada res e ampla participação po-
veis sozinhas pelo cuidado em 2011 — a primeira com o pular, em se converter na Lei
do filho, continuavam a com- enfoque nos direitos. Cartilha 12.764/12, também chamada
parecer à Defensoria Pública construída de forma coletiva de Lei Berenice Piana.
do Estado de São Paulo para com as famílias e os profissio- A primeira questão sempre
denunciar a falta de atendi- nais com especialidade em au- foi a dificuldade de se reconhe-
mento adequado. Cansadas tismo. Realizamos, ainda, junto cer no país pessoas com TEA
de uma vida de muita luta e com o Movimento Pró-Autista, como pessoas com deficiência,
sem encontrar qualquer eco três seminários para levar infor- a despeito da Convenção Inter-
ao seu pedido de auxílio em mação às famílias e aos profis- nacional sobre os Direitos das
órgãos públicos. As denúncias sionais e percebemos o quanto Pessoas com Deficiência e seu
abrangiam várias violações de o interesse do público crescia, já status constitucional. Talvez,
direitos, como a completa falta que no terceiro seminário, reali- grande parte dessa dificulda-
de atendimento terapêutico zado em 2012, em parceria com de tenha relação direta com a
ao longo de toda a infância e o Programa de Pós-Graduação ausência, até os dias de hoje, de
adolescência, em razão do qual em Distúrbios do Desenvolvi- uma avaliação biopsicossocial
muitos adultos com TEA per- mento da Universidade Presbi- para identificação das condi-
maneciam em suas casas re- teriana Mackenzie, tivemos um ções que podem ser considera-
gredindo e se auto lesionando. público de cerca de mil pessoas. das como deficiência a partir
Não faltavam, também, Paralelamente, grupos de fa- do modelo social e a utilização,
denúncias de que crianças e mílias também se organiza- ainda no país, do modelo bioló-
adolescentes permaneciam nas vam em outros Estados, em gico de deficiência para acesso
escolas, excluídos no fundo da razão das mesmas dificulda- às políticas públicas.
sala de aula e realizando ati- des na implementação de po- Porém, a necessidade de garan-
vidades alheias ao currículo, líticas públicas. A Defensoria tia de direitos específicos para
além de mães sendo chamadas Pública do Estado do Rio de pessoas com TEA era urgente e
constantemente para buscar Janeiro também tinha ingres- exigia naquele momento a equi-
seus filhos, durante o perío- sado com uma ação civil pú- paração às pessoas com deficiên-
do letivo, a qualquer alteração blica com o mesmo objetivo cia, sem a qual a efetivação de
comportamental. Na área da da ACP proposta no Estado certos direitos era muito difícil,
assistência, centros de convi- de São Paulo, ou seja, de ga- com negativa do Poder Executi-
vência, centros-dia e residên- rantir atendimento adequado vo e do Poder Judiciário, que não
cias inclusivas também eram para pessoas com TEA, porém, reconheciam que pessoas com
inexistentes para pessoas com apesar de julgada procedente, TEA pudessem ser consideradas
TEA. Sem contar reclamações nunca se converteu em políti- pessoas com deficiência à luz da
de falta de esportes adaptados, cas públicas efetivas naquele Convenção. E, neste sentido, essa
ausência de transporte escolar Estado. Em razão disso, fami- equiparação com certeza acabou
e para atendimento de saúde. liares de pessoas com TEA se sendo a grande conquista para as

R EVI STA AUTI SMO 21

#AutistaEmTodoLugar
pessoas com TEA, pois permitiu de direitos sociais mais básicos Na área da educação, a Po-
o exercício de vários direitos, não como saúde, educação e assis- lítica Nacional de Educação
só previstos na Lei 12.764/12, mas tência social. Diariamente, na Especial na Perspectiva In-
também na Convenção Internacio- Defensoria Pública do Estado clusiva não prevê de forma
nal sobre os Direitos das Pessoas de São Paulo, recebemos fa- clara apoios dentro da sala
com Deficiência e na posterior Lei mílias e pessoas autistas que de aula, o pri ncipal apoio
Brasileira de Inclusão. denunciam violação de seus da Política é baseado espe-
direitos. A ação civil pública cialmente no atendimento
continua ainda sendo executa- educacional especializado
Falta de Políticas da coletivamente em São Paulo, (AEE) prestado na sala de
Públicas acompanhada pela Defenso- recursos multifuncional no
Ocorre, entretanto, que a equi- ria e pelo Ministério Público; contraturno. Dessa forma, o
paração com pessoas com defi- também não faltam execuções único apoio garantido den-
ciência e garantia dos direitos individuais visando garantir t ro da s a l a de au l a ac aba
não acompanhou a implementa- atendimento adequado nas di- sendo de um acompan han-
ção de políticas públicas especí- versas áreas. te e spe c i a l i z ado prev i sto
ficas, seja pelo governo federal, O que percebemos é que na na Lei 12764/12. Porém, a
seja por governos estaduais e área da saúde, conforme o
municipais. A sensação das fa- Decreto que regulamentou a
mílias, especialmente as mais Lei 12.764/12, o atendimento
vulneráveis, é de um abandono via Sistema Único de Saúde “Tudo depende
pelo Poder Público, pois tudo (SUS) para pessoas com TEA ainda de muita
que necessitam depende ainda foi atribuído a duas redes de
de muita luta e muitas vezes de atendimento (Rede de Aten-
luta e, muitas
judicialização, recorrendo com ção Psicossocial e Rede de vezes, de
frequência às Defensorias Pú- cuidados à Saúde da Pessoa judicialização.”
blicas, Ministério Público ou com Deficiência). São duas
advogados particulares. redes que não possuem um
Não há dúvidas que todos os olhar específico para aten-
direitos devem ser garantidos dimento do autismo e que profissão do acompan hante
para as pessoas com TEA, já nem sempre trabalham con- especiali zado até hoje não
que elas devem estar incluídas juntamente para garantir o foi reg u la ment ada; ade -
em todos os espaços. Assim, há atendimento necessário. Não mais, a sua dispon ibi l i za-
que se garantir apoios nas esco- faltam reclamações de diag- ção e at ividades a reali zar
las, atendimento especializado nóst icos ai nda tardios em geram diversas discussões
na saúde, benefícios assisten- razão da falta de profissio- entre as famílias e as esco-
ciais, mobilidade nas cidades, nais especializados e de te- las, leva ndo at ua l mente a
moradia para vida independen- rapias que são realizadas de uma intensa judicialização.
te, residências inclusivas, entre forma coletiva e por tempo Na área da assistência so-
outros tantos direitos. E cada extremamente reduzido ou, cial, ainda faltam especial-
indivíduo deve ser considerado ainda, de “alta” após poucas mente centros de convivência
a partir das suas características sessões. Para os locais de e centros-dia para aqueles que
especificas e em relação às bar- atendimento especializado são adultos e sequer tiveram
reiras que enfrenta. sobram filas de espera, com acesso à educação inclusiva e
Mas, passados 10 anos da Lei mais de centena de pessoas a atendimentos terapêuticos
12.764/12, sequer há implemen- com TEA aguardando uma e são dependentes para reali-
tação efetiva de política pública vaga para atendimento. zação das atividades diárias.

R EVI STA AUTI SMO 22


O serviço de residência in- das pessoas com deficiência, das lutas são
clusiva, que busca garantir e esta conquista veio por meio idênticas e ga-
moradia para aqueles que de centenas de pessoas, espe- nharão com a soma
já não contam com respaldo cialmente familiares de pessoas de esforços.
da família, ou cujo respaldo com TEA, que se engajaram de Apesar da falta, ainda,
está fragilizado, é bastante corpo e alma nessa luta. Avan- de políticas públicas efetivas,
reduzido e incapaz de aten- çamos muito na formação de temos que continuar acre-
der, no momento, toda a de- profissionais com cursos em ditando que a mobilização
manda. Da mesma forma, o vários Estados do país e com popular tem poder de trans-
benefício da prestação conti- cartilhas sobre direitos e iden- formação da realidade e não
nuada (BPC) da Lei Orgânica tificação de sinais precoces. podemos perder a esperança
da Assistência Social (LOAS) Porém, ainda engatinhamos em de um futuro mais inclusivo
não atende a todos que dele políticas públicas que possam para pessoas com TEA.
necessitariam, sendo ainda de fato garantir qualidade de
muito restrito. vida e dignidade para as pes-
Somam-se à violação desses soas com TEA e suas famílias,
direitos a falta de políticas pú- principalmente as mais vulne-
blicas de moradia, transporte, ráveis, público-alvo da Defen-
lazer, cultura e esporte, o que soria Pública, que dependem
gera sofrimento e muita dor, totalmente do serviço público
notadamente daqueles que não para efetivação de seus direitos
têm condições de custear quais- sociais mais básicos.
quer serviços de forma privada. Diante disto, a união dos “O movimento
O movimento pela luta dos movimentos de familiares e pela luta
direitos das pessoas com autis- de autistas, bem como de pro-
mo já mostrou sua força, seja fissionais, é essencial para que
dos direitos
na própria aprovação da Lei possamos continuar avançan- das pessoas
12.764/12, seja na aprovação do; mas não só. É importante com autismo
da Lei 13.977/20 e, mais recen- a união com outros segmentos
temente, na luta pela garan- do movimento de pessoas com
já mostrou
tia do rol exemplificativo da deficiência, já que algumas sua força”
Agência Nacional de Saúde
(ANS), que foi encabeçada
especialmente por familiares
de pessoas com TEA e que se
converteu numa conquista não
só para pessoas com deficiên-
cia, mas para toda a sociedade.
Assim, em termos de mobili-
zação popular e de informação
para a sociedade, certamente
avançamos muito. O autis-
mo hoje é muito mais co-
nhecido do que há 12
anos, quando come-
cei a trabalhar na
área dos direitos

R EVI STA AUTI SMO 23


FRANCISCO PAIVA JUNIOR

é editor-chefe da Revista Autismo


@PaivaJunior
@paivajunior

DO B RASIL
PARA OS EUA
Após sugestão
brasileira, Apple
faz 1ª sessão
para autistas nos
Estados Unidos

R EVI STA AUTI SMO 24 Ilustração: Thainá Carias - thainacarias


#AutistaEmTodoLugar

Apple fez sua primeira sessão ex-


clusiva para autistas nos Estados
Unidos, na sexta-feira, 23.set.2022,
a chamada “Today at Apple”, uma
espécia de aula rápida sobre diver-
sos assuntos envolvendo o uso de
tecnologia e (claro) seus produtos.

O evento foi
feito em conjun-
to com a f u ndação
Autism Tree, que atende
autistas e suas famílias na região A história por trás
Fotos de Francisco Paiva Jr. / Revista Autismo

de San Diego, na California (EUA). da conquista


A sessão aconteceu depois de Raramente escrevo reportagens
uma sugestão brasileira para a em primeira pessoa. Neste caso,
maior loja da Apple em San Diego, creio que seja necessário. Há ape-
a do shopping Fashion Valley. Após nas duas lojas da Apple no Brasil (no
sessões para autistas feitas no Bra- Rio e em São Paulo). No fim de 2017,
sil (a última aconteceu no fim de a loja paulista encontrou de alguma
agosto), a ideia chegou na Califór- forma o grupo “aMAis”, de apoio a
nia e autistas atendidos pela Autism famílias de autistas, liderado pela
Tree puderam participar do evento, incansável mãe Tatiana Ksenhuk.
cuidadosamente preparado pelos Ela me indicou para ajudar a Apple
funcionários da loja, liderados pela a organizar a primeira sessão para Evento exclusivo para autistas na Apple
criativa Tracy Cornish. autistas no Brasil, que aconteceu de San Diego (EUA).

R EVI STA AUTI SMO 25


em 12.nov.2017, liderada pelo criati- nas atividades e gostaram do resultado no mês de aceitação do TEA e já incluiu
vo Gabriel Basilio, que foi impecável da sessão. Uma área da loja foi isola- vídeos mostrando a acessibilidade de
com todos (quem quiser, veja meu re- da com fitas para os participantes fica- seus produtos em grandes eventos,
lato aqui). A inspiração veio do Reino rem mais confortáveis e todos saíram como a história de Dylan usando iPad
Unido, de uma loja da Apple no Oeste muito felizes do evento. Consegui fazer para se comunicar, em 2016. Mas, uma
de Londres que, alguns meses antes, a ponte entre a Apple de San Diego e a sessão “Today at Apple” exclusiva para
atendeu ao pedido de uma mãe e fez Autism Tree, a semente foi lançada ao autistas ainda não encontrei registros
uma sessão exclusiva para autistas. Os solo para que haja mais e já começaram de ter acontecido nos Estados Unidos.
voluntários da Apple Brasil souberam a planejar mais uma próxima sessão ex- Essa foi a primeira. Primeira de muitas,
de tal iniciativa e resolveram fazer a clusiva para autistas — quem sabe isso pois a Autism Tree agora está conectada
mesma ação inclusiva por aqui. se alastre para outros locais dos EUA e à Apple Store de San Diego com a pro-
Diversas sessões foram feitas entre do mundo!? Quem sabe? messa de fazerem mais sessões, cada
2017 e 2019, algumas com a loja fecha- vez mais inclusivas.
da, para ter menos estímulos visuais Apple + autismo Em resumo, uma mãe de Londres
e sonoros por conta de hipersensibi- A Apple foi sempre uma empresa viu a necessidade. Um grupo do Brasil
lidade de muitos autistas e todas as à frente do seu tempo quando se fala quis repetir a iniciativa. E agora, a ideia
vantagem de uma loja vazia, o que se em acessibilidade para pessoas com veio de fora para a casa da Apple. Para
tratando da Apple não é nada comum, deficiência. Tem um dos melhores lei- mim, foi mais uma experiência incrível
no mundo todo. Veio a pandemia, tores de tela (“voice over”) para cegos, que presenciei no mundo do autismo.
parou tudo. Retomamos no fim do diversas funcionalidades para quem Claro que temos muito ainda a cami-
mês de setembro.2022, com mais uma tem pouca mobilidade ou restrição de nhar nessa área, mas é realmente grati-
sessão de portas fechadas. movimentos, entre outras tecnologias. ficante testemunhar o mundo se tornar
Eu estava me preparando para ir a Para o autismo, a empresa da maçã já cada vez mais inclusivo. E a sociedade e
San Diego, nos EUA, para um curso fez diversas iniciativas como a funcio- as empresas cada vez mais conscientes
de um mês por lá. Então sugeri ao nalidade “Acesso Guiado”, explicitamen- e responsáveis. Passo por passo.
Gabriel Basílio e sua equipe da Apple te feita para autistas, lançada em 2016,
Brasil: “Por que não fazer o mesmo na no maior evento anual da empresa, a
Califórnia, na ‘casa’ da Apple? Ousa- WWDC. Em 2017, fez excursões esco-
dia demais?”. E a resposta foi imediata: lares para crianças de 12 anos às suas
“Vamos tentar!”. Não havia muito tempo lojas, fez no mesmo ano uma página
para planejamento e contatos “diplomá- com aplicativos direcionados ao autismo
ticos”. Então, pensei em ir à loja e tentar
convencê-los pessoalmente. Foi o que
fiz, nos primeiros dias ao chegar em San
Diego. Conversei com Louie na Apple
Store do maior shopping da cidade, o
Fashion Valley, um dos responsáveis
pelas sessões na loja, mostrei a ele o tra-
balho que temos feito no Brasil, as fotos
da última sessão com autistas e recebi Fotos de Francisco Paiva Jr. / Revista Autismo
um “Sim!” dele. Uhuuuu! Imediatamen-
te contei sobre a confirmação do evento
para Dayna Kay Hoff, diretora executiva
da fundação, e ela ficou extremamente
empolgada e surpresa com a conquista.
“Vamos fazer isso logo!”, disse ela.
A sessão foi um sucesso, organizada
pela Rebecca Barron, da Autism Tree.
Teve fila de espera para um próximo
evento, de tantas famílias que se inscre-
veram. Todos ficaram muito engajados Evento para autistas da Apple Brasil, na loja do Morumbi Shopping, em São Paulo (SP).

R EVI STA AUTI SMO 26


C O L U N A

Tudo o que
podemos ser
E XP O S I Ç ÃO
S O LO

Nícolas
Brito Sales

tem 23 anos, é fotógrafo,


palestrante e escritor. Desde 2011, o motivo principal é o quão im-
juntamente com sua mãe, Nicolas portante foi para a minha carreira
percorre vários lugares para dar de fotógrafo, pois essa foi a minha
palestras sobre como é ser autista primeira exposição solo.
e estar inserido na sociedade. Em No início, eu estava
janeiro de 2016, Nicolas deu início,
como freelancer, a seus trabalhos de super confiante e feliz,
fotógrafo, profissão que ele pretende mesmo que fosse um
seguir. Em 2014, foi coautor do evento com pouquís-
livro “TEA e inclusão escolar – um simas pessoas que
sonho mais que possível”. Em 2017, Quem me conhece e já me acom- estivessem ali para
Nicolas lançou seu próprio livro, panha por um bom tempo sabe que prestigiar as minhas
“Tudo o que eu posso ser”, no qual
conta suas experiências, o que eu sempre falo que a melhor noite obras de arte. E, de
pensa e como vive em sociedade. da minha vida foi a da minha for- verdade, não teria ne-
lucasksenhuk.art

@nicolasbritosalesoficial
matura do ensino médio, em 2016, nhum problema se isso
tudooqueeupossoser@gmail.com em que eu fiz o meu discurso de acontecesse, pois só de aconte-
formatura para as pessoas e fui cer, a minha primeira exposição
aplaudido de pé. Mas, em meados solo de fotografia já seria uma
de setembro de 2022, na cidade grande vitória pra mim. No en-
Ilustração: Lucas Ksenhuk -

de Curitiba (PR), tive uma noite tanto, confesso que foi melhor
extremamente memorável e his- do que eu imaginava. O salão
tórica, e considero essa a melhor simplesmente ficou cheio de pes-
noite da minha vida junto com a soas e muitas delas prestigiaram
R EVI STA AUTI SMO 28 noite da minha formatura. E eu as minhas obras de arte e até
considero essa noite como memo- mesmo fizeram compras dessas
rável por inúmeros motivos, mas minhas obras.
#AutistaEmTodoLugar

acabou participando da exposi-


ção, porém, ela não foi vendida.
Mas, uma outra coisa grande aca-
bou acontecendo. Por mais que a
minha obra “Cappuccino” tenha
voltado com a gente pra São Paulo,
a galeria onde aconteceu a expo-
sição acabou gostando tanto da
minha obra que eles decidiram
ficar com ela e colocar no seu
acervo de venda. Apesar de
ela não ter sido vendida até
o momento, já é uma grande
honra pra mim só pelo fato de
eles quererem ter ficado com a
minha obra em um lugar muito
importante para a arte.
Eu vendi 11 obras ao todo
e isso já foi uma con-
quista para mim, e
com certeza farei
mais exposições
solo e pretendo
seguir longe
com a minha
c a r re i ra d e
fotógrafo. Só
tenho a agra-
decer aos meus
pais, às pessoas
que organizaram
o local, às pessoas
do leilão, às pessoas
que apreciaram e às que
Eu não sou nada emotivo, mas sejam elas positivas ou ne- compraram as minhas obras.
confesso que vieram algumas lá- gativas. Confesso também que E um agradecimento mais que
grimas nos meus olhos de emo- foi muito emocionante, e muito especial para a Patricia Castro,
ção. Foi muito emocionante para duro pra mim também, ter que da Facilita Pais. Ela acreditou em
mim as pessoas daquele evento desapegar das minhas fotos que meu trabalho e proporcionou uma
maravilhoso admirarem e fazerem foram vendidas para as pessoas das noites mais importantes da
críticas às minhas obras, porque, que as compraram, pois são obras minha vida!
como eu disse uma vez, eu não totalmente únicas que as pessoas Nota: 25% das vendas foram
quero ser reconhecido como um (e até mesmo eu que sou o “pai” doados para o Instituto IcoProject,
coitado. Eu quero ser reconhecido dessas fotos) não conseguiriam que também esteve presente e me
como um artista. E críticas nessas ver em outro lugar. apoiou desde o início.
ocasiões de prestígio são extrema- Uma das minhas maiores obras, Meus próximos passos como
mente necessárias e bem vindas, que eu chamo de “Cappuccino”, fotógrafo? Aguardem novidades!
C O L U N A #AutistaEmTodoLugar

POR QUE A MAIORIA


Pediatria
no Autismo DOS MÉDICOS PEDIATRAS
NÃO ESTÁ PRONTA
PARA DIAGNOSTICAR
O AUTISMO?

Thiago
Castro

é pai do Noah (TEA), médico


pediatra, pós-graduando em
tratamento do autismo e pós-
graduado em emergências
e urgências pediátricas. Eu já pertenci a essa parcela de mé- Recordo-me dos meus primeiros
dicos e a minha história pode te ajudar plantões médicos. Houve uma noite em
a compreender o motivo pelo qual isso que uma mãe me perguntou sobre seu
drthiagocastro.com.br acontece. Um médico, e principalmente filho de 2 anos que não falava. A minha
@dr.thiagocastro o pediatra, deveria estar pronto para resposta foi: “É normal ter atraso, ele
xandeberaldo

atender o autismo. ainda tem 2 anos”. Hoje, é exatamente


Nos anos 2010, lembro-me da grade essa atitude médica que mais reprovo.
curricular rica em disciplinas empol- Não tive oportunidade de pedir per-
gantes para um acadêmico de medicina: dão àquela mãe e carrego um peso em
Ilustração: Alexandre Beraldo -

farmacologia, imunologia, fisiologia, minha memória, ao lembrar do menino.


entre outras. Em meio a tantas maté- Eu me formei e, como a maioria dos
rias havia uma perdida, de não mais pediatras, meu conhecimento era pífio.
de 40 minutos, pouco “interessante”, Aprendi sobre autismo porque Deus
sobre o transtorno do espectro autista. viu em mim um propósito e me per-
Durante a especialização em pedia- mitiu viver o diagnóstico do meu filho
tria, aprendemos muitas coisas, mas e, através dele, fazer diferença na vida
sobre o autismo o ensino é falho, a base de outras famílias.
em neurologia foi toda hospitalar: doen- Não desejo que o médico precise
ças como neurotoxoplasmose, sequelas viver o diagnóstico em sua própria casa
de meningite, paralisia cerebral e crises para que possa aprender mais sobre
R EVI STA AUTI SMO 30
epilépticas — conhecimento importan- ele. Desejo que a cada dia aumente a
tíssimo —, mas lembro de ser muito conscientização sobre a relevância do
pouco sobre o TEA. pediatra e médico da Unidade Básica
de Saúde (UBS) diante do transtorno
do espectro autista.
Nossa formação é falha, por isso fa-
lhamos. A cada atendimento médico em
que normalizamos os sinais de atrasos,
ceifamos o desenvolvimento e a inde-
pendência na vida daquela criança.
As faculdades, universidades, con-
selhos e residências médicas estão
sensíveis a essa informação e estão se
adaptando, mas há uma lacuna a ser
corrigida, e precisamos preencher essa
“falha” na formação dos pediatras para
ontem. Isso é uma necessidade e res-
ponsabilidade do médico. O autismo
é uma queixa latente no consultório.
A atenção médica primária deve
ser capacitada para o atendimento
e diagnóstico de pacientes autistas:
saber tratar, conhecer os diretos, o
papel da escola, entender a relevân-
cia da ciência ABA e o que é Pecs,
Prompt, Ayres.
Quando há dúvidas, as fa-
mílias sempre buscam infor-
mações através do médico da
atenção básica e do pediatra.
E, ao contrário do que as
crenças limitantes dizem,
esses profissionais podem
fazer o diagnóstico precoce
de Autismo — na verdade,
eles precisam fazer!
É necessário estudar e
se capacitar além da for-
mação acadêmica. A pre-
valência de autismo, entre
crianças, é de 1 caso a cada
44, logo a capacitação não é
algo opcional, mas obrigatória.
A responsabilidade médica não é
encaminhar o paciente para uma
fila quilométrica de outros espe-
cialistas (via SUS ou planos de
saúde), agir dessa maneira é ser
conivente com o sistema ineficaz
que condena o desenvolvimento
dessas crianças.
Ser um médico capacitado em autis-
mo é estar pronto para levar esperança
a diversas famílias.

R EVI STA AUTI SMO 31


FRANCISCO PAIVA JUNIOR

é editor-chefe da Revista Autismo


@PaivaJunior
@paivajunior

10
AN
OS
Lei Berenice Piana
faz seu 10º aniversário,
nascida de uma sugestão
da sociedade

R EVI STA AUTI SMO 32 Ilustração: Depoistiphotos,


com manipulação da Revista Autismo
#AutistaEmTodoLugar

mãe de três filhos, sendo o caçula me ajudar. Fiz, então, um curso de


um rapaz autista, o Dayan, nascido uma semana na Embrapa. Conheci
em maio de 1994 (hoje, com 28 anos). muitas pessoas que me indicaram
A busca pelo diagnóstico, no iní- vários parlamentares e ministros,
cio da infância do filho, e que só se entrei em contato com todos, alguns
concretizou entre seus 6 e 7 anos de pessoalmente, fui no gabinete deles,
idade, a levou a uma militância por outros por email, mas foi em vão.
direitos dos autistas, por diagnóstico Ninguém me respondeu nada”, nar-
e, principalmente, por tratamento na rou Berenice, que não desanimou e
rede pública de saúde. que, nessa época, já havia conhecido
Ulisses da Costa Batista.

O início de uma batalha


Mas, o que fez essa mãe lutar por A luta de um pai
direitos dos autistas? “Havia um Neste ponto, temos que voltar um
desconhecimento total sobre pouco na linha do tempo para bre-
primeira legislação esse assunto com qualquer vemente contar quem é esse Ulis-
federal que garante di- pessoa que eu falava, prin- ses que apareceu na história agora.
reitos aos autistas e os equipa- cipalmente por parte Ulisses da Costa Batista, nascido na
ra a pessoas com deficiência (PcD) da s autor idade s. cidade do Rio de Janeiro, em 1966, é
— contemplando a eles todos os pai do Rafael, um rapaz de 26 anos,
direitos já conquistados por essa diagnosticado com autismo em 1999,
população — no Brasil é a lei nº entre os 3 e 4 anos de idade.
Ninguém sabia nem “Em 2001 e 2002, vendo a dificul-
12.764, de 27 de dezembro de 2012. o que era autismo. Levei
Portanto, neste final de 2022, a cha- dade de muitos pais em tratar
esse sentimento com meu pai,
mada “Lei Berenice Piana” completa quando o visitei, no Paraná. Ele or-
seu décimo aniversário. Quero, aqui, ganizava uma reunião com várias
resgatar os detalhes do “nascimen- mães locais para eu conversar com
to” dessa lei e provocar a reflexão elas, orientá-las quando ia para lá.
para os próximos dez anos dos di- Aí me veio a ideia de que estáva-
reitos dos autistas no país.
Berenice Piana de Piana — nasci-
mos precisando de uma legislação “Havia um
federal”, recordou Berenice.
da em Dois Vizinhos, no interior do A ação prática que ela tomou
desconhecimento
Paraná, a 419 km da capital, em 1958 aconteceu ao voltar para Itaboraí. total sobre autismo
e hoje moradora de Itaboraí (RJ) — é Parou na capital paranaense para com qualquer
fazer contato com um senador curi-
tibano. Quem a recebeu foi seu as-
pessoa que
sessor, anotou sua demanda e a eu falava.”
colocou numa gaveta. “Vi que não
ia acontecer nada, pela forma que
fui recebida. Então, decidi que tinha
que procurar outros senadores e de-
putados federais. Foi quando deci-
di fazer um curso em Brasília, para
me aproximar de quem pudesse
conhecer um político que pudesse R EVI STA AUTI SMO 33
seus filhos autistas, tive a ideia de internacional pelos direitos dos diagnóstico tardio, apesar de a mãe
uma lei, pois o autista não era con- autistas no país. desconfiar de autismo aos 2 anos,
siderado pessoa com deficiência Esse movimento foi ganhando no- mas o diagnóstico efetivamente veio
(PcD). Levei a sugestão à Câmara toriedade e Ulisses foi conhecendo aos 12. Na época da audiência na
de Vereadores do Rio de Janeiro mais pais ativistas. Convencido de Alerj, ela era a presidente da Apa-
entre 2003 e 2004, o que resultou que era necessário termos uma lei dem, em Volta Redonda — e já era
naquela que foi a primeira legis- federal em prol dos direitos dos au- ativista pela causa desde o ano 2000.
lação municipal reconhecendo [a tistas, ele fez contato com o senador Claudia atuou muito nos bastidores,
pessoa] autista como pessoa com Cristovam Buarque, do Distrito Fe- numa época em que mandar emails
deficiência no Brasil, a lei nº 4.709, de deral, que era, então, presidente da para todos os senadores e deputa-
2007”, narrou Ulisses. Mas, o prefei- Comissão de Direitos Humanos e dos federais, por exemplo, era algo
to entrou com uma ação na Justiça, Legislação Participativa (CDH), e que demandava tempo e dinheiro,
alegando que reconhecer um trans- agendou uma audiência para no- quando ainda se contava com in-
torno como uma deficiência caberia vembro de 2009. “Nessa época, fui ternet discada (por linha telefôni-
somente a uma legislação federal. conhecendo mais pessoas e amigos ca) e o ativismo digital não era tão
Ulisses ainda relembrou: “Essa dis- em comum me disseram que havia acessível como hoje. “Era uma época
cussão acabou indo para o Supremo uma mãe, de Itaboraí, que também de ‘internet à manivela’. Cheguei a
Tribunal Federal (STF), mas essa lutava pelos direitos dos autistas passar um dia inteiro para enviar
é outra história”. Ulisses destacou e que deveríamos nos conhecer. 200 emails”, citou nostálgica, Clau-
que “aquela lei originou o Cema- Assim, fomos estreitando laços, pois dia. Liderando um grande grupo de
-Rio, Centro Municipal de Atenção ela também estava em contato com o famílias e tendo uma rede de con-
à Pessoa com Autismo, inaugurado Senado, com conversas bem adian- tatos em diversos estados, Claudia
em 2009, com psicólogos, fonoaudió- tadas com o senador Paulo Paim (do era uma das primeiras a atender às
logos e terapeutas ocupacionais”. Rio Grande do Sul), então vice-pre- demandas de Berenice e seu grupo
Determinado, enquanto lutava sidente da mesma comissão, a CDH, quando era preciso fazer pressão
pela lei municipal, ainda em 2005, também pedindo uma audiência. Aí sobre as autoridades e divulgar in-
Ulisses Batista foi à Defensoria nos unimos”, detalhou Ulisses, que formações para a comunidade em
Pública para cobrar do Estado do relatou conseguirem, inicialmen- geral. “A audiência na Alerj foi o
Rio de Janeiro que disponibilizas- te, fazer uma audiência pública na ponto de partida para ganhar mais
se tratamento para autistas na rede Assembleia Legislativa do Rio de relevância e trazer mais gente para
pública, o que originou uma ação Janeiro (Alerj) com a presença de apoiar essa iniciativa. Os pais tive-
civil pública contra o Estado. Ainda mais de 100 pessoas, muitas delas ram uma atuação muito forte, não
em 2005, ele entrou com denúncia vindas de Volta Redonda (RJ), lide- havia autistas ainda participando
contra o Brasil na Organização radas e incentivadas por Claudia ativamente do processo, porque
dos Estados Americanos (OEA), Coelho Moraes, da Associação de ainda não tínhamos contato com os
a fim de conseguir uma pressão Pais de Autistas e Deficientes Men- que participavam mais”, comentou
tais (Apadem), que lotou um ôni-
bus (de linha) para levar famílias
ao evento, num total de aproxima-
damente 40 pessoas daquela cidade.
Mais uma pausa na nossa linha
do tempo se faz necessária. Claudia
Moraes é mãe de dois garotos, um
deles autista, o Gabriel (nascido em
1989, hoje com 33 anos), que teve um
R EVI STA AUTI SMO 34
ente
v ic e - presid
oa h er
a a i n s-
p oca, El e lá — e
— à é aç ã o d efone.
r u po, m a associ i t a p or t e l
m g e u s er f e pela
r i n d o -se a u ut i st as d o t i n ha de n v e r s a ra m
ã
ia, refe o, de a criç el a s co
Claud e q ue n u e eles ua ndo
mu i t o p o e q F o i q
. contou
a i nd a n o at ivism omento. e i ra vez i a — que ,
on i s t a s
aquele passado,
m p r i m aud iê n c Laucas
protag i a m n A p a r i r da ã o d e Saulo t o u
de s c o
n he c no a no - sentaç e nc a n
a c a r que, ó p r i o d i ag c o m a apre a n t o r q ue a su a
Vale d
e s t
e u s eu p r
u m a t a c ego, c
o p oder d
ia re ce
b er a ut i s
o s t ra n
d o ma
Claud t i s m o. E l a l e a t i - a l ic o m s a s s u m i ra
u e o pú b d o ç ão
o de a do aqu sso. r —, to e g i sl a
nó st ic o n i z a n
ad i e t e n o u m a l
protag o s a bi voz d rever erado
aut ista as ai nda nã N i lto n ã o de e s c 0 0 9 e, l id
cit a r i s s e r a 2 o de
v i s mo
,m
d e i xar de t iv i s ta
m
r a l . O a no s e s , o t ra ba l h t a
po d e pa i a ed e li s os
Não se ue foi out ro a lu t a f e r e n ice e U ã o s , a prop
su p or B s m eva-
Salvad
or, q
, i n i c i a n do s e s , e t r u i r , a vária r que seria l
te s
at ua n odos e co n s popul
a ciado.
mu ito t e s de t m no s ic iat iva a l foi i n i
a no s a n m b é d e i n e d e r ce, ela
vár ios u m u ito ta eu u ma S e nado F d e B er e n i
nt r ib u i ev da a o tó r i a ntato
q ue c o a u d ia esc r v i s ta t a n d o à h is a f a z e r co
l
ores. C le, aqu i na
R e V o l ad a e ou-
b a s t id e d o s u a a d e t e r m i n u e l h e de s s
agem
a
0, cita n eceu est
a v rq l he u
homen em dez/202 a l u m s enado u e e l a e s co
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o, Nilton com atég ia ome ço
Aut ism nfelizmente, i d o s . A e st r i n u s i t ad a : c o m -
o. I v o, oc
at uaçã i , n o m í n i m l T V S e n ad e ,
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fo a ver qu
em 20
20.
t i r ao c a n e r i a
ass i s Q u ce s -
i v a m e n t e. “ u e m e pa r e
pu l s a q se
a m a fa l c ontato
nad o l aud i
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a l i, t e r i a u
vel, a n o t e i
ter ia
T V Semos, então, à tase encontram se mais confioáu menos, quemer”, ex-
Volte de h. is o nd
A ler j, on udia e Eloa a b i a, m a m e re sp ação
públic
a n a
s e s , Cla A n t u-
s
c h a nc e d e
r e s u a avali
ice, Ul
i s ah a i s so b r os
B ere n e n o vo : Elo i v i s t a m u Beren ice, r a i d e nt ifica
t plico pa l he u
m no m t ista, a nador a e s co
Ma is u a mãe de au en ice, que de c a d a s e u s a . E l
ut r B er i s à ca E q ue m
n e s é o e a m ig a de it a s a ções, a i s s ensíve e m p oucos. foi o
u m b
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e l a em m s, no R io s p oucos, u a t e n ç ão
ao lad
o d i lg u n e d e du -
at uou t e a ç õ es loca E l o a h a r e s p o n de u i m , q ue co n e
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pa l m e
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Niteró
i. “Fo l he u lo Pa projet
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pri nci e m e u pr e - a dor Pa m it ação do oi
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Eu p e r - o d a a O c a m
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i s s e s. ziu t n ice. “ liou ela, que
a a m ig n h e c e r o U l a d isse n t o u B ere , ava e-
s a v a co o n h e c e? ’, e l
i l s . o r i e
t o t o r t uoso” ia, em i núm
ci ê o c
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um t a n B r a s í l 20 9,
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g u nte p o r iss e s p a ra
as s o u a o d i a 2
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ão, só u o Ul s p r e u n i õ e s . “ N B r a s í l i a, n
q ue n v i d o o n o
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on q u a n d t ou r a s o s em
Então d a A ler j, , c o n s e s t áva m ”. e i,
a u d iê nc i a
s o a l m en t e ”
l o g a n ó
c i a n a CDH projeto da l
a pe s u a bi
ó audiên dig i r o a nte
c e mo s n he c e
co n he u e c o c o n v ite
Pa ra r
e
r e n i c e, q e m a i l, um R J )
Be m por t e r ói (
t a mbé em Ni
Eloah i n á r i o
m s em
pa r a u

R EVI STA AUTI SMO 35


muitas pessoas colaboraram, Bere- o projeto, enfim, seguiria adiante. por ter sido uma iniciativa popu-
nice admite nem lembrar o nome Uma sessão pública foi realizada lar protocolada diretamente no Se-
de todos. “Muitas coisas que es- para comemorar essa primeira vitó- nado, o projeto foi para a Câmara
crevemos eram inconstitucionais”, ria, no próprio Senado Federal. Foi dos Deputados — onde recebeu o
confessa ela, mas o texto foi sendo quando, inclusive, eu fiz um pro- nome de PL 1631/2011 — para de-
lapidado pouco a pouco até tomar nunciamento (já como cofundador pois seguir para a sanção da pre-
forma de algo apresentável para ser e editor chefe da Revista Autismo, sidente. Lá, houve mais percalços,
protocolado como uma sugestão de além de pai), logo após Ulisses Ba- para resumir, cito uma modificação,
projeto de lei de iniciativa popular. tista, e recebemos o Prêmio Orgu- que fez o projeto ter de ser votado
Na comunidade ligada ao autismo lho Autista, do Movimento Orgulho novamente no Senado e, então, apro-
também havia gente contrária à cria- Autista Brasil (Moab), liderado por vado na Câmara. Fácil dizer isso em
ção dessa lei, mas o trabalho seguiu Fernando Cotta. um parágrafo, mas foram mais 15
em frente. Está aí outro nome que precisa ser meses de idas e vindas de Berenice
lembrado. Pai de um rapaz autista, a Brasília, além de inúmeras articu-
Cotta liderou um movimento que lações e “chuvas de emails” (como
De sugestão a um iniciou em Brasília e se alastrou Bra- ela e Ulisses mesmo diziam quando
projeto aprovado sil afora, o Moab. O Prêmio Orgulho enviavam mensagens à comunidade
Em maio de 2010, Berenice levou Autista anualmente premiava as me- para pressionar os legisladores) e
à Brasília o anteprojeto que rece- lhores iniciativas na comunidade e ajuda das então deputadas Mara Ga-
beu o nome oficial de “Sugestão nº ajudava a divulgar informações sobre brili (SP), Rosinha da Adefal (AL),
1, de 2010”, e o protocolou na CDH autismo, além de lutar pelos direitos do deputado Hugo Leal (MG) e ou-
do Senado Federal,para iniciar a tra- dos autistas no Distrito Federal (com tros. O projeto foi aprovado na Câ-
mitação do que se tornaria o projeto diversas conquistas de leis locais) e, mara em 4.set.2012, após três dias,
de lei (PL) nº 168, em 2011, uma das depois, até mesmo leis federais. Al- foi reenviado ao Senado e, só então,
pouquíssimas sugestões de inicia- gumas vezes, quando Berenice não encaminhado ao Poder Executivo,
tiva popular para uma lei. O sena- pôde viajar à Brasília, Fernando Cotta em 7.dez.2012.
dor Paulo Paim citou esse momento fez as vezes dela e a representou em “Recebi uma ligação do senador
em um de seus pronunciamentos no reuniões e demandas. Paulo Paim, em meados de dezem-
Senado: “Me foi apresentada uma bro de 2012, me perguntando como
sugestão de projeto que trata da po- deveria se chamar essa lei, pois um
lítica nacional para proteção dos au-
Na Câmara nome específico ajudaria muito para
tistas”, relembrou ele em 27.jun.2011, dos Deputados que a lei fosse divulgada e conheci-
após a aprovação. Ao contrário do que acontece com da. Ele queria batizá-la, mas estava
Com aprovação das comissões e, a maioria dos projetos, que vão da indeciso. Tive a ideia de sugerir que
depois, com a aprovação em plená- Câmara para o Senado e, depois, a lei se chamasse Berenice Piana,
rio no Senado no dia 16.jun.2011, para a Presidência da República, pois, após mais de 20 anos militando
nessa causa, vi que grande maioria
dos lares dos autistas tem somente
sua mãe como referência para cui-
dar deles. Eu sei que conhecemos
“Tive a ideia de alguns casos de pais ativistas, mas
sugerir que na grande maioria são as mães que
lutam, e esse impacto seria grande.
a lei se chamasse E as mães seriam as grandes propa-
Berenice Piana.” gadoras dessa lei”, detalhou Ulisses.
R EVI STA AUTI SMO 36
“Foi muito engraçado quando a defensora pública e coordenadora pais e familiares; que o tratamento
Berenice ouviu que a lei teria seu do Núcleo Especializado dos Direi- para o TEA seja de fácil acesso às
nome. Ela me ligou e disse que não tos da Pessoa Idosa e da Pessoa com famílias brasileiras; que nenhuma
seria justo a lei ter o nome dela e Deficiência da Defensoria Pública do criança com autismo seja privada de
não ter meu nome. Foi quando a Estado de São Paulo, “Ainda temos um lar e de uma família. E, por fim,
tranquilizei e disse que a suges- enormes desafios para os próximos que as pessoas com autismo vivam
tão havia sido minha: ‘E a garota anos. A despeito da criação da lei, em uma sociedade acolhedora”.
propaganda dessa lei vai ser você’. ainda temos uma precariedade na Sem dúvida, há muito ainda por
Ela cumpre com louvor esse papel”, implementação das políticas públi- ser conquistado. Para Berenice
rememorou Ulisses. cas, referentes à saúde, educação, as- Piana, o futuro é incerto, mas ela
Vinte dias depois de chegar ao sistência social, sem contar questões é otimista: “Não sei o que será no
Executivo, o projeto foi sancionado referentes à moradia, lazer e outras futuro. Mas espero que aconteça o
pela então presidente, Dilma Rous- tantas demandas não reconhecidas. melhor para nós. Espero que, de
seff, em 27.dez.2012, com vetos em Hoje, ainda é preciso exigir no Ju- verdade, alguém possa olhar com
três trechos, sendo publicado, no diciário alguns dos direitos sociais carinho e humanidade para uma
dia seguinte, no Diário Oficial e se mais básicos, o que não deveria causa tão sofrida e que se arrasta há
tornando efetivamente uma lei em ocorrer, passados esses dez anos da tantos anos”, finalizou ela.
prol do autismo. . lei”, avaliou a defensora pública, que Logicamente, muito mais gente,
também é doutora em distúrbios do centenas, senão milhares, de anôni-
Os próximos 10 anos desenvolvimento. “Os movimentos mos estiveram envolvidos e colabo-
Olhando para trás nessa história de direitos das pessoas com autismo raram com a criação da Lei Berenice
que começou há mais de dez anos, é têm que se unir e fazer um grande Piana em diferentes proporções.
importante olhar para o futuro, para barulho para exigir que esses di- Seria impossível fazer jus a todos
os próximos dez anos. reitos sejam colocados em prática nesta reportagem, mas optei por um
“Não podemos pensar que vamos e possam se reverter em bem-estar relato majoritariamente baseado na
parar no tempo e que a lei de 2012 vai e uma vida digna para as pessoas perspectiva da mãe que deu nome
contemplar todo mundo por muito com autismo”, completou Renata Ti- à lei.
tempo. Creio que vão vir modifica- byriçá, que escreve, nesta edição da
ções, outras leis que possam somar. Revista Autismo, um artigo sobre
Que nós saibamos construir e que, os dez anos da lei 12.764/12.
daqui para frente, as coisas se tornem “A grande luta nossa agora é tirar
mais fáceis pelo conhecimento que essas leis do papel. Não consegui-
temos. Que esqueçam um pouco os mos aplicar muito disso no cotidia-
egos e os ‘likes’ das redes sociais e no das pessoas. Estamos precisando
que possamos pensar no autista lá da muito recorrer à Justiça. Talvez es-
ponta, que não tem acesso, que a fa- tejamos precisando de penas mais
mília não tem condições de bancar [o severas para aprimorar a lei”, ava-
tratamento]. Espero que as mudanças liou Fernando Cotta.
venham, que sejam bem-vindas, mas Ulisses Batista também nos dá
que não esqueçamos a história desse sua visão de futuro: “Faço votos de
movimento, que aprendamos com o que, quando a Lei Berenice Piana
passado e construamos um presen- completar 20 anos, tenhamos uma
te e um futuro melhores”, filosofou sociedade em que o diagnóstico pre-
Claudia Moraes. coce não seja mais uma surpresa
Para Renata Flores Tibyriçá, ou momento de grande dor para os

R EVI STA AUTI SMO 37


SOPHIA MENDONÇA

é jornalista, escritora, apresentadora e mestranda em @autista_mundo


comunicação social. Foi diagnosticada autista aos 11 Mundo Autista
anos, em 2008. Mantém o site “O Mundo Autista” no mundoautista.selmaevictor/
Portal UAI, é autora de sete livros, incluindo “Outro @mundo.autista
Olhar” e “Neurodivergentes”.
omundoautista.com.br

ap
e

Ilustração: Depoistiphotos,
com manipulação da Revista Autismo
#AutistaEmTodoLugar

oje eu vou falar sobre a expe- comunicação social, fiz mestra-

Desafios, riência de uma mulher autista


na TI (Tecnologia da Infor-
do em Comunicação, Territo-
rialidades e Vulnerabilidades,
prendizado mação). Afinal, sou desenvol-
vedora numa grande rede da
na UFMG.

e autonomia área da saúde desde março de


Desafios na Comuni-
2022. Eu tenho vinte e cinco
anos. E sou diagnosticada com cação de uma mulher
o transtorno do espectro au- autista na TI
tista, o TEA. Ou seja, sou au- Até por ser autista, eu sem-
tista. Tive o diagnóstico aos pre quis me dedicar a traba-
11 anos de idade. Além disso, lhar a minha comunicação.
venho de uma formação em Isso porque
R EVIela
STA era o aspecto
AUTI SMO 39
mais desafiador ao longo da um desafio na parte da inte-
minha trajetória. Entender ração, da comunicação social.
esse código das pessoas era di- Mesmo hoje, atuando como
fícil. Assim como saber como jornalista e formada como
se dava esse processo de in- comunicadora. Tanto como
teração social para eu poder pesquisadora, quanto como
me sentir mais em equidade produtora de conteúdo au-
com os outros. Mas, quando eu diovisual e nas redes sociais
terminei o mestrado eu ainda digitais. Essa interação sem-
estava muito confusa. Logo, pre foi problemática. Certo,
ainda queria saber muito como agora menos. Mas, ao longo
se daria esse meu trabalho da minha trajetória, ela sem-
mais formal na comunicação. pre foi um motivo de desafio e
Tive, então, a oportunidade às vezes de desgaste pra mim.
de conhecer um treinamento Então, a grande surpresa da
oferecido pela empresa e, em área da programação foi essa
um processo seletivo, tornei- possibilidade de troca. Ou seja,
-me desenvolvedora. Hoje, eu de crescer junto, de poder coo-
curso Ciências da Comunica- perar com os colegas, e não
ção e pude fazer as pazes com competir. Logo, é buscar ser
meu raciocínio lógico. Isso é sempre a melhor versão e cres-
algo que sempre foi intrínseco cer junto com o outro. Então,
a mim. Afinal, eu via lógica se eu fosse pensar em algo tão Como autista, eu
e padrões na comunicação e bacana que eu vivi, foi justa- sempre tive um
na linguagem. E com as lin- mente esse treinamento, que
guagens de programação não foi uma oportunidade mara-
desafio na parte
é diferente. Então, esta foi uma vilhosa oferecida pela empre- da interação, da
oportunidade de resgatar esse sa. Lá, tive a oportunidade de comunicação
espírito que está em tudo o conhecer pessoas fantásticas.
que eu faço: ser curiosa, pes- Elas são hoje parte do meu
social.
quisadora. Porque é isso que time na empresa. E também
um bom desenvolvedor pre- possibilitaram, primeiro, aque-
cisa ser. Ter essa curiosidade, la sensação gostosa de ‘estar-
esse espírito de busca. Afinal, mos discutindo e aprendendo
é isso que constrói um perfil juntos’. Em momentos chaves
bacana. Claro, não é simples- de minha trajetória profissio-
mente um conhecimento téc- nal, essas pessoas estiveram
nico. Mas, principalmente, a presentes e conseguiram me
capacidade de como você quer dar um suporte. Sei que tam-
aprender, a sua abertura para bém consegui dar um suporte
o aprendizado. a elas, e eu acho que a grande
história passa muito por isso.
Aprendizado Ou seja, você construir víncu-
conjunto no los com as pessoas do trabalho
ambiente e transformar um ambiente
profissional (programação de computado-
Como autista, eu sempre tive res) que, dizem, ser formado

R EVI STA AUTI SMO 40


pelo estereótipo de ‘pessoas de diálogo. Isso porque quan-
mais reservadas’, aquela ideia do a gente está escrevendo bom para a sociedade. Porque,
dos nerds. Enfim, transformar códigos de programação, nota- além de não ter que investir
esse ambiente num cenário de mos que podemos ter sempre para minimizar os consequen-
troca contínua e aprendizado bons exemplos, boas referên- tes malefícios da não-inclusão,
mútuo. Assim, todos ganham. cias. E a partir disso a gente a sociedade pode investir na
cria algo que é nosso. Tem um causa. Ou seja, buscar essas
Autonomia e quê até autoral no código. É pessoas no mercado de traba-
independência como como criar algo novo. Você vai lho. Com isso, construir uma
desenvolvedora absorvendo a bagagem de ou- comunidade não só mais equâ-
O trabalho é importante na tras pessoas e transformando nime e humanizada, mas tam-
vida de qualquer pessoa por em algo que é seu. bém mais produtiva. Porque a
diversos motivos. Eu acredito A convivência com os meus criatividade vem dessa diver-
que o principal, sem querer colegas é muito proveitosa. sidade. Ela surge da possibili-
dourar a pílula, é a autono- Eu passei por momentos de- dade de visões e perspectivas
mia, a independência financei- licados de saúde nos últimos diferentes sobre a mesma
ra. Isso está ligado a você ter tempos e eles sempre estive- coisa.
uma autoestima, se valorizar. ram presentes. Nesse apoio Então eu vejo com muito
Eu sempre tive muito receio profissional, esse suporte me bons olhos iniciativas como
de não conseguir me encaixar deu a segurança de que eu vou essa da empresa de inclusão.
no mercado de trabalho. Mesmo estar plena. E quando voltei eu E aqui eu me sinto muito à
com uma formação na comuni- estava mais plena ainda. vontade porque eu vejo tam-
cação que era bem mais ampla. Aliás, a gente não pode per- bém que não é só o discurso.
Então, com essa vaga, a empresa der valores. As pessoas com Ou seja, não é apenas a lei que
me proporcionou autoestima e deficiência têm todo um po- pesa. A gente realmente tem
independência financeira. Inclu- tencial. Primeiro, ao trazer um trabalho muito humani-
sive tornar-me indenpendente um olhar diferenciado para zado. Isso me encanta.
de minha mãe. Ela também é áreas que, muitas vezes, pre- Aqui na empresa eu des-
uma mulher autista. E é mais cisam de diversidade na ma- cobri como eu posso crescer.
velha, com uma série de ques- neira como aquilo é feito. Ao E agora eu tenho uma ideia
tões dela mesma. Ou seja, eu mesmo tempo, são pessoas que mais completa de onde eu
não poderia ficar contando com não precisam necessariamente quero chegar. Graças a essa
ela para sempre. Porque ela não ser um peso e receber só bene- visão de vanguarda, de uma
daria conta a partir de um de- fícios. Ou seja, ficarem depen- inclusão humanizada, hoje eu
terminado ponto. dentes. Sim, elas vão precisar não tenho mais medo do futu-
O dia a dia do trabalho é de suporte em vários pontos. ro. Eu sei que posso ser feliz e
realmente algo muito prazero- Mas, sobretudo, a gente con- contribuir positivamente para
so. Afinal, é uma oportunidade segue o que quiser. E isso é toda a sociedade.

R EVI STA AUTI SMO 41


#AutistaEmTodoLugar

C A N A L

VEJA ALGUNS DESTAQUES RESUMIDOS DO CANAL AUTISMO, QUE


PUBLICA CONTEÚDO DIÁRIO SOBRE AUTISMO. PARA LER OS TEXTOS
COMPLETOS DE CADA NOTÍCIA, ACESSE O SITE CANALAUTISMO.COM.BR

Maior estudo genômico do autismo revela 134 genes ligados ao TEA


transtorno. Ao todo, eles fizeram uma lista com 134 genes
como sendo os principais ligados ao TEA.
O estudo, publicado na revista Cell, no último dia
10.nov.2022, avaliou o sequenciamento do genoma com-
pleto (WGS, na sigla em inglês) de mais de 7.000 indi-
víduos com autismo, bem como outros mais de 13.000
irmãos e familiares que não estão no espectro do autismo.
Depositphotos

Além dos 134 genes ligados ao TEA, a equipe descobriu


uma série de alterações genéticas, principalmente varia-
ções do número de cópias dos genes (CNVs, na sigla em
inglês), provavelmente associadas ao autismo, incluindo
Fachada do Hospital SickKids, em Toronto, no Canadá, em 2017. variantes raras associadas ao TEA em cerca de 14% dos
Pesquisadores do Hospital for Sick Children (SickKids), participantes com autismo. Vale destacar, porém, que há
do Canadá, descobriram novos genes e alterações gené- atualmente 1.095 genes (nov.2022), entre uma variedade
ticas associadas ao transtorno do espectro do autismo com mais e com menos importância, sendo estudados
(TEA) na maior análise de sequenciamento do geno- com alguma relação com autismo, segundo o Sfari Gene
ma do autismo até o momento, fornecendo uma melhor — um dos mais respeitados bancos de dados do mundo
compreensão da ‘arquitetura genômica’ por trás desse sobre genética do autismo.

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Podcast Espectros entrevista ícones
da história do autismo no Brasil
Com Berenice Piana como entrevis- da Onda-Autismo. E outubro teve
tada de dezembro, em celebração a doutora Fátima Dourado, da Casa
pelo 10º aniversário da lei que leva da Esperança, como a entrevistada
seu nome, o podcast Espectros traz do mês. O podcast pode ser ouvi-
entrevistas imperdíveis nos últimos do no Spotify e nas principais pla-
episódios. Em novembro foi a vez taformas de áudio, basta buscar
de Claudia Moraes, vice-presidente por “Espectros”.
Podcast Espectros

R EVI STA AUTI SMO 42


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STF reafirma o rol Tismoo Biotech, que fez a palestra de abertura.


O evento gratuito, que teve duração de um dia,
exemplificativo da ANS
apresentou descobertas e inovações de ponta
No último dia 9.nov.2022, o plenário do Supre- no campo da neurociência e do autismo com o
mo Tribunal Federal (STF), última instância do objetivo de promover colaboração, novas ideias
Direito nacional, reafirmou o rol exemplifica- e aumentar a conexão da comunidade neuro-
tivo da ANS, ao decidir pela perda de objeto científica global com autistas e suas famílias.
das ações diretas de inconstitucionalidade Uma das mais esperadas divulgações científi-
(ADIn) e as ações de descumprimento de pre- cas foram os dados preliminares da pesquisa
ceito fundamental (ADPF) propostas contra a do Muotri Lab com Canabidiol, unindo dados
decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) clínicos, dados genéticos e experimentos em
e contra o rol taxativo. “minicérebros” (organoides cerebrais).

Conferência de neurociência nos


EUA mostrou dados de pesquisa
com Canabidiol e autismo
No dia 4.nov.2022, aconteceu a Conferência
Anual de Neurociência da fundação Autism Divulgação
Tree Project, em parceria com a Universida-
de da Califórnia em San Diego (UCSD), nos
Estados Unidos, liderada pelo neurocientista
Evento que aconteceu no auditório da UCSD.
brasileiro Dr. Alysson Muotri, cofundador da
#AutistaEmTodoLugar

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As We See It, série sobre autistas


adultos, é cancelada pela Amazon

A série As We See It, distribuída pela


Amazon Prime, está oficialmente
cancelada. A produção, cuja primei-
ra temporada foi lançada no início
de 2022, trazia a história de três jo-
vens autistas chamados Jack (Rick
Glassman), Harrison (Albert Rutec-
ki) e Violet (Sue Ann Pien), que vi-
viam juntos em busca de autonomia.
Divulgação/Amazon Prime Video

Os motivos do cancelamento da série


não foram divulgados. Apesar do
fim, a obra chegou a receber boas
avaliações da crítica e do público. As
We See It também ficou conhecida
pelo fato de todos os atores protago-
nistas serem pessoas diagnosticadas
com autismo na vida real.

Os três personagens principais da série.


‘A gente carrega esse fardo dos anjos azuis’, diz Tabata Cristine

A designer e influenciado- O programa, na íntegra,


ra digital Tabata Cristine pode ser visto na ver-
participou do programa são online desta notícia.
Provoca, da TV Cultura, Você pode assistir lendo
exibido dia 18.out.2022. Na o QR-code no índice desta
ocasião, ela fez uma crítica e d iç ão ou ac e s s a ndo
ao termo “anjo azul” como CanalAutismo.com.br.
um dos estereótipos dados
a autistas. “A gente carrega
esse fardo dos anjos azuis
e eu falo e repito: é muito
perigoso. A partir do mo-
mento que você desumani-
za uma pessoa, colocando Saiba mais no
Reprodução / TV Cultura

no lugar de um anjo, você canalautismo.com.br


pode estar fechando os olhos
para vários problemas, como
o consumo de álcool e outras
substâncias dentro do espec-
tro autista”, afirmou.

A designer e influenciadora digital Tabata Cristine.


C O L U N A #AutistaEmTodoLugar

Trabalho no
Espectro
LEI DE COTAS –
POSSIBILIDADE
REAL DE
Marcelo
EQUIDADE E
Vitoriano
INCLUSÃO
Na última edição da Revista Autismo, Dr. Kal: A assim chamada Lei de
Ilustração: DepositPhotos

é psicólogo, especialista em tivemos um brilhante artigo da Renata Cotas é, na verdade, o artigo 93, da Lei
terapia comportamental
Friedman falando sobre a Lei de Cotas e 8.213/91, que trata dos Benefícios da
cognitiva em saúde mental,
mestre em psicologia da saúde, como ela é uma ferramenta importante Previdência Social. Ela determina que
com experiência na gestão de para a busca de equidade e inclusão das todas as empresas com 100 ou mais em-
programas de diversidade e pessoas com deficiência no Brasil. pregados devem reservar um percentual
inclusão em empresas como Como este tema é muito importante, fiz de 2 a 5% dos seus postos de trabalho
Sodexo no Brasil. Há 4 anos um bate papo com o médico José Carlos para pessoas com deficiência ou reabili-
faz parte do grupo de trabalho do Carmo, também conhecido como Dr. tadas do INSS. A Lei de Cotas faz parte
sobre Direitos Humanos nas Kal, auditor fiscal do trabalho, coorde- das políticas afirmativas que têm como
empresas da rede brasileira
do Pacto Global da ONU e é nador do Projeto de Inclusão da Pessoa objetivo contribuir para reparar injusti-
CEO da Specialisterne no Brasil, com Deficiência da Superintendência ças históricas. É considerada por todos
organização social de origem Regional do Trabalho em São Paulo e que militam pela inclusão social como a
dinamarquesa presente em 22 da Câmara Paulista para Inclusão da principal ferramenta legal que dispomos
países, que atua na formação e Pessoa com Deficiência, que em minha para garantir o direito ao trabalho para as
inclusão de pessoas com autismo opinião é uma das principais referências pessoas com deficiência, direito esse que
no mercado de trabalho. no tema no Brasil. historicamente lhes tem sido negado. Por
@specialisterne_br fim, importante é destacar que não basta a
Specialisterne-Brasil Marcelo Vitorino: Para quem não existência da lei. A sua fiscalização, que
SpecialisterneBrasil conhece com mais detalhes, você pode- é feita pela auditoria fiscal do Ministério
specialisternebrasil.com ria falar brevemente sobre a Lei 8.213/91, do Trabalho, é fundamental para que as
também conhecida como Lei de Cotas, bem empresas não deixem de cumpri-la.
como sobre seus resultados para a comuni- Marcelo: A partir de 2012, foi criada
R EVI STA AUTI SMO 46 dade das pessoas com deficiência no Brasil? a Lei Berenice Piana, que proporcionou
SIM

às pessoas autistas as mesmas garantias enquadrar as pessoas autistas para os atividades e a restrição de participação.
e direitos assegurados às pessoas com efeitos da Lei de Cotas? Seguramente, a Lei de Cotas tem feito
deficiência no Brasil. Qual o impacto Dr. Kal: A avaliação para a carac- a diferença para muitas pessoas com defi-
para as pessoas autistas quando o foco é terização da condição de pessoa com ciência no Brasil e devemos garantir que
sua inclusão profissional? deficiência deve ser biopsicossocial, a mesma seja cumprida pelas empresas.
Dr. Kal: A caracterização da pessoa idealmente realizada por equipe mul- Cabe lembrar que a nossa legislação, de
com deficiência até hoje não dispõe de tiprofissional e interdisciplinar, que proteção às pessoas com deficiência para
um instrumento para avaliação, apesar registrará num laudo, neste caso, dentre inclusão no mercado de trabalho, é con-
de previsto na Lei Brasileira de Inclusão outras informações, o diagnóstico do siderada como uma das referências para
da Pessoa com Deficiência que o Poder transtorno do espectro autista. Para muitos países, e sim, é motivo de grande
Executivo Federal deva criá-lo. Como a efeitos da Lei de Cotas são as empresas orgulho para nós, brasileiros.
Lei Berenice Piana (Lei nº 12.764/2012) que devem apresentar esse laudo no
“estabelece que a pessoa com transtorno momento da fiscalização.
do espectro autista é considerada pessoa Marcelo: Apenas para esclarecer, po-
com deficiência para todos os efeitos le- demos enquadrar outras neurodivergên-
gais”, isso permitiu que, na fiscalização cias, como dislexia, dispraxia, discalculia,
do trabalho, não houvesse dúvidas quanto síndrome de Tourete, TDAH, para efeitos
ao direito de sua aceitação para o cumpri- de Lei de Cotas? Como elas podem ser
mento da Lei de Cotas, garantindo o seu classificadas?
direito à inclusão profissional. Dr. Kal: Podemos, desde que, além
Marcelo: Para as pessoas autistas, da explicitação dos impedimentos que
qual documentação elas necessitam a pessoa apresenta, sejam relatados os
apresentar para as empresas e como fatores socioambientais, psicológicos e
as empresas devem classificar ou pessoais, a limitação no desempenho de
R EVI STA AUTI SMO 47
C O L U N A

AUTISTAS EM CARGOS
DE LIDERANÇA
Quando se fala em inclusão no am- Nos últimos meses, tive a oportu-
biente de trabalho, comumente isso nidade de atuar na gestão de uma
se refere apenas ao ingresso. Mas, e equipe de oito pessoas em uma or-
quando autistas que têm currículos ganização importante na minha
exemplares conseguem sobreviver área de atuação. Passada a euforia
aos processos seletivos e ingressam inicial por ter acessado esse es-
Introvertendo em cargos de liderança? Que desafios paço, não demorou para o autis-
surgem nesse contexto? mo mostrar a cara: não conseguia

Carol
Cardoso
Ilustração: DepositPhotos

é arquiteta e urbanista,
mestranda em arquitetura e
urbanismo, foi diagnosticada
com Transtorno do
Espectro do Autismo
aos 21 anos, em 2018.

introvertendo
@introvertendo
introvertendo
www.introvertendo.com.br

R EVI STA AUTI SMO 48


#AutistaEmTodoLugar

permanecer “quieta” durante a for- preceito, visto que o capacitismo um pequeno número de pessoas,
mação devido ao excesso sensorial, subordina pessoas com deficiência estas participaram ativamente.
não conseguia dar instruções a toda às sem deficiência. As adaptações Após a roda de conversa, observei
a equipe simultaneamente e tinha necessárias no ambiente de trabalho que a equipe se mostrou mais aber-
perdas ocasionais da fala, me comu- são vistas como fragilidade e falta ta à minha forma de comunicação,
nicando apenas por escrito através de aptidão para o cargo. mais receptiva às adaptações e foi
do bloco de notas. Estar nesse ambiente foi um possível estreitar meus vínculos de
Sempre tinha a impressão de ser grande exercício para reconhecer amizade sem o estigma de ser uma
deixada para trás. Qualquer pessoa, em mim mesma as habilidades de pessoa que não entende e nem ri
mesmo aquelas que eu era encarre- gestão para além dos prejuízos. O das piadas. É necessário reconhecer
gada de gerenciar, pareciam muito próprio conceito de liderança pode que, embora não apresentasse uma
mais aptas para realizar a minha ser redirecionado para contemplar linguagem corporal compatível com
função. Em um espaço que eu deve- outras habilidades, como sistema- meus colegas, embora precisasse me
ria gerenciar, sentia que as minhas tização de dados, coordenação de dirigir a cada um individualmen-
dificuldades eram um fardo. atividades, proposição de dinâmi- te e às vezes me comunicar apenas
A liderança em geral está associa- cas e escrita e análise de relatórios. por escrito, nenhuma dessas adap-
da à hierarquia, e a presença de au- Ainda assim, autistas podem desen- tações indica fracasso profissional
tistas nesses espaços tensiona este volver uma comunicação assertiva, ou inaptidão.
ainda que divergente. Gerenciar pessoas envolve lidar
Em geral, as empresas não estão com suas nuances comunicativas,
dispostas a despender meios para portanto, abrir um espaço para co-
garantir acessibilidade no ambiente municação livre nas empresas, em
de trabalho, porém tive a sorte de que momentaneamente se rompa a
propor uma roda de conversa nesse rigidez hierárquica, pode indicar
ambiente, aberta a convidados ex- caminhos para uma maior produti-
ternos, e embora tenha contado com vidade e coesão interpessoal.

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C O L U N A

A MONTANHA
RUSSA
Autismo Severo

Quando ingressei nesse mundo es- que toda nossa rotina de mais de uma
pecífico do TEA comecei a ouvir este década foi completamente alterada, li-
axioma: vivemos numa montanha teralmente de um dia para o outro.
russa. Era muito verdadeiro. Pedro Outra imensa roda gigante. Com um
era hiperativo, não verbal e levadíssi- agravante: somos bem mais velhos,
mo. Por outro lado, eu era completa- nossa resistência física e emocional
mente ignorante no ofício de ser mãe, é bem menor.
que dirá no ofício de ser mãe atípica! Tem uma letra do Chico Buarque
Sem referências (década de 1990, que me define bem “vida veio e me
Ilustração: Fernanda Barbi Brock - @fer.barbi.brock

Haydée nada de internet), primeiro usei levou”. E assim nós fomos, num tur-
minha história familiar (rígida bilhão outra vez. Mas, se o tempo
Freire educação disciplinadora), o que foi traz algumas dificuldades, traz tam-
Meca Andrade
Jacques um erro, daqueles erros de boa fé. bém vantagens. Conhecimento e ex-
Vivíamos em sobressalto, sem saber periência, por exemplo. Então, com
é casada e mãe de dois o que o minuto seguinte nos traria. base em toda a vida pregressa com
filhos, sendo o mais moço Por volta dos quatro anos as coisas meu filho, comecei a trabalhar para
autista severo. Formou-se começaram a se acalmar. Um alívio levá-lo, de novo, a um porto seguro.
em odontologia, exerceu
a profissão até 2006, muito bem vindo. Mas, sempre com Pedro também já tem bem claro o
quando decidiu dedicar- um pé atrás, sabem como é. Então conhecimento de que nós, seus pais,
se integralmente ao filho. vieram a puberdade e a adolescência, já conseguimos ajudá-lo antes e, pre-
e o céu caiu sobre nossas cabeças, sumivelmente, conseguiremos outra
como diziam os gauleses, eheh. vez. Difícil, emocionalmente exaus-
Voltamos para uma baita monta- tivo, desgastante. Sair de uma zona
nha russa, agora lidando com um ra- de conforto de quase vinte anos não
pazinho já bem crescido. Mas, e é um é fácil. Mas, vejo agora que estamos
“mas” imenso, eu já tinha um grupo nos encaminhando para o fim da
de mães atípicas, e uma delas me montanha russa, era necessário. Pois,
orientou, com afeto e muita empatia; apesar do caos, ou por causa dele, o
e conseguimos mudar o curso das coi- Pedro está adquirindo novas habili-
sas, com muito sofrimento e lágrimas, dades e tentando novas experiências,
mas com muito aprendizado também. o que é ótimo. Como esse texto já está
Então, entramos na fase adulta, que, bem extenso, se for possível, conta-
segundo constava, era muito mais rei nossas experiências nessa fase de
tranquila. É sim, mais tranquila, mas mudanças profundas futuramente.
a vida é movimento, nunca para, e eis Grande abraço e vamos em frente!

R EVI STA AUTI SMO 50


CanalAutismo.com.br/assine

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