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A história

que talvez
você não
saiba

Giselda Barreto
Composer Gráfica e Editora Ltda.

Composer, Recife, 2008


ÍNDICE

Prefácio................................................................................. 7

Razões do livro..................................................................... 09

Os anglo-saxões precisam sempre de um inimigo?............. 22

América latina...................................................................... 59

Brasil.................................................................................... 120

Oriente.................................................................................. 170

Oceania................................................................................. 239

África.................................................................................... 241

Para finalizar........................................................................ 254


Devemos revolucionar nossos pensamentos, nossos atos e ter coragem de
revolucionar as relações entre as nações do mundo. (Einstein)

É de nossa convicção que são omissos ou desleais para com seu país aqueles
que, podendo ou sabendo falar, silenciam sobre o que viram, sobre o que estudaram,
sobre o que experimentaram, sobre o que aprenderam, sobre o que acertaram ou
erraram. (Emil Farhat)

Controlar o passado a dominar o presente e legitimar tanto as dominações como


as rebeldias. Ora, são os poderes dominantes – Estado, Igrejas, partidos políticos ou
interesses privados –que possuem ou financiam livros didáticos ou historias em
quadrinhos, filmes e programas de televisão.Cada vez mais eles entregam a cada um e a
todos um passado uniforme. E surge a revolta entre aqueles cuja história é proibida.
(Marc Ferro)
PREFÁCIO

Costuma-se dizer que a ganância está na raiz da maioria dos males e, em se


tratando de relações econômicas entre países, não resta dúvida disso. Claro, ela não é a
única causadora das aflições. Existe uma série de outros fatores, sendo possível citar a
falta de engajamento de grande parte da população quando o assunto envolve política.
Entretanto, até esse desinteresse das sociedades, de alguma forma encontra respaldo em
séculos de exploração, não só estrangeira, como também por parte de seletos grupos
locais. Um desinteresse composto em forte grau pela descrença nas instituições que
deveriam zelar pelo bem da população.
Em nome dessa ganância eclodiram guerras, pessoas mataram e morreram,
lembranças culturais foram apagadas, formas de vida foram condenadas, civilizações
inteiras exterminadas. Quantas pessoas não morrem todos os anos pela falta do básico: o
alimento? Quantas crianças não viram os pais morrerem, foram violentadas, agredidas,
mutiladas sem, muitas vezes, saberem o porquê? Quantos não se viram obrigados a fugir
do próprio país para não serem mortos ou torturados e, quantos deles, não sofreram com
humilhações e preconceitos em países estrangeiros?
Resultados como esses chamam a atenção. Mas existem outras formas de
misérias. Esses outros males são mais corriqueiros, mais cotidianos, tanto que muitos
esbarram com eles, quase diariamente, sem que se sintam tão impactados. São as crianças
que vivem nas ruas cheirando cola ou fazendo malabarismos nos sinais como se tentassem
equilibrar a própria vida; são os pedintes; são famílias que vivem em palafitas e em
morros orando para que não chova; são até os que saem todos os dias pela manhã, quase
de madrugada para empregos indignos de seres humanos, muitas vezes arriscando a vida e
saúde.
Enfim, não importa a proporção, o que importa é que por traz desses casos e de
tantos outros existe como ponto comum, políticas que visam, apenas a perpetuação de
formas de poder. E para isso, pouco importa quem ou quantos terão que “se apertar” e
sofrer as conseqüências.
Mas também há outro dito comum, o de que a informação tem o dom de libertar
– se não logra, pelo menos ajuda. E é por isso que este livro vale a pena. Resultado de
uma árdua pesquisa das mais variadas fontes ele reúne uma gama de informações sobre a
maneira como determinados potências, se fizeram impor nos continentes colonizados e
quais os mecanismo usados para manter o poder e usufruir dos privilégios.
Não se trata apenas de colocar a culpa em outros povos e tempos. É preciso
tomar esses fatos como exemplos para que não se repitam, abrindo espaço para o respeito
com o ser humano, pois, é através desse respeito que serão possíveis posturas capazes de
reais transformações sócio-econômicas.

Júlia Schiaffarino
Junho de 2008

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RAZÕES DO LIVRO
Foram várias. E vários os sentimentos que me levaram a pesquisar: orgulho do
meu país, revolta por acontecimentos que afetaram a humanidade como um todo,
curiosidade sobre as causas que levaram à intranqüilidade e insegurança no mundo inteiro,
inclusive o desespero visto em muitos lugares.
A primeira vez que me tocou, realmente, o problema do domínio econômico foi
na inauguração da nova sede do Karne Keijo e meu filho e eu nos lembrávamos dos
nossos começos, de como foram duros e sofridos. E pensávamos com orgulho: era uma
vitória nossa! E Junior lembrava que era exatamente de dez em dez anos que
inaugurávamos uma nova fase de crescimento da nossa firma. Da venda de queijo na
cabeça, oferecendo de porta em porta, quando ainda eram garotos, a uma sede tão bonita
agora...
Pergunto: daqui a dez anos o que virá? E Junior responde: se continuarmos a
crescer do mesmo jeito, talvez uma multinacional nos force a vender o Karne e Keijo.
E isto me doeu – uma dor de revolta, descrença, desesperança no progresso de
meu povo, principalmente de nosso Nordeste. O que me custara tanto sacrifício, tanta
dedicação, tanto trabalho, depois do sucesso seria de capital estrangeiro.
Já ouvi falar em dumping e outros processos semelhantes. Há alguns anos li, se
não me engano na revista Veja, o que as multinacionais haviam feito no Rio Grande do
Sul. Vieram para cá prevendo cinco anos de prejuízo, começaram a pagar caros pelas uvas
aos produtores, um preço mais caro que o oferecido pelas inúmeras pequenas fábricas da
região; e a vender o vinho mais barato. É claro que obtiveram a preferência dos produtores
e comerciantes. Embora os brasileiros saibam que “laranja madura na beira da estrada está
bichada ou tem maribondo no pé”, ninguém previu que a facilidade de preços fazia parte
de um plano: quebrar as pequenas indústrias e monopolizar a produção e o consumo de
vinhos. E eles conseguiram vencer. Só que depois a uva baixou de preço e o vinho subiu
anulando os prejuízos e, daí pra frente, dando grandes lucros. Os maribondos estavam
camuflados.
Eduardo Galeano afirma:
“A chantagem financeira e tecnológica se soma a concorrência desleal e livre do
forte frente ao fraco. Como as filiais das grandes corporações multinacionais integram
uma estrutura mundial, podem se dar ao luxo de perder dinheiro um ano ou dois, ou o
tempo que for necessário. Baixam, pois, os preços, e se sentam esperando a rendição do
acossado. Os bancos colaboram no cerco: a empresa nacional não é tão solvente como
parecia... encurralada a empresa não tarda em levantar a bandeira branca. O capitalista
local se converte em sócio menor ou funcionário de seus vencedores. Ou conquista a mais
ambicionada das sortes: cobra o resgate de seus bens em ações da casa-matriz
estrangeira e termina seus dias vivendo nababescamente uma vida de rendas. (...)
É ilustrativa a historia da conquista de uma fábrica brasileira de fitas adesivas,
a Adesite, por parte de uma poderosa Union Carbide. A Scotch, conhecida empresa com
sede em Minesota, e tentáculos universais, começou a vender a preços mais baixos suas
próprias fitas adesivas ao mercado brasileiro. As vendas da Adesita iam descendo. Os
bancos lhe cortaram os créditos. A Scotch continuava baixando seus preços: caíram em
30%, depois em 40%. E entrou, então, a Union Caribe em cena: comprou a fábrica
brasileira a preço de desespero. Posteriormente a Union Caribe e aScotch se entenderam

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para repartir o mercado nacional em duas partes. (...) E de comum acordo, elevaram os
preços das fitas adesivas em 50% ...”
Outro motivo que me fez conhecer e valorizar ainda mais minha terra foram as
viagens que fiz. Quem não tem oportunidade de conhecer outros mundos, ao menos a
maioria, fica a pensar que só o Brasil tem problemas, que o mundo inteiro é melhor que
aqui. E isto não é verdade.
Poucas pessoas falam sobre nossas possibilidades, nossas belezas sem par, a
alegria de nosso povo. Do Amazonas ao Rio Grande do Sul temos belezas e riquezas para
todos os gostos. Até para os que só gostam de grandes cidades, temos São Paulo –uma das
maiores do mundo.
E o povo é um dos melhores. Tem defeitos sim, se não tivesse talvez fosse
tedioso como outros que existem, mas sabe conservar a alegria e a esperança mesmo nas
maiores dificuldades. É um povo que se comunica, é um povo que é solidário quando
necessário.
Em minhas viagens comecei a dar valor a Otto Lara Rezende, de cujas
impressões nos fala Nelson Rodrigues:
“Vinha ele da fabulosa Escandinávia (...) e declarou o seguinte: o norueguês é
um bobo. (...) O que ele quis dizer, se bem eu entendi, é que falta ao norueguês a
luminosidade da molecagem brasileira. Por toda a Escandinávia, não ouviu ele uma
escassa piada. E como pode viver e sobreviver sem piada?
Otto desembarcara (...) e quinze minutos depois já bocejava...
O brasileiro tem por tudo um entusiasmo visual que não existe na Escandinávia.
Lá as pessoas olham pouco. E, por vezes, Otto perdia a noção da própria identidade. (...)
O Otto que partiu era um, e o que voltou era outro. Na sua viagem aprendeu estas coisa
estarrecedora: o desenvolvimento não é uma solução. Ao sair do Brasil era um paladino
do desenvolvimento, disposto a atirar seu dardo contra a soldadesca inimiga. Mas salta
(...) no país mais desenvolvido do mundo e percebe seu equivoco funesto. Imaginem que
entra numa fábrica. Ele e seus amigos são conduzidos por um bobo integral, de uma
palidez hedionda. Cada operário tinha um automóvel. Era uma espessa, incontrolável
tristeza...
O Otto foi varado por uma certeza inapelável: o desenvolvimento humaniza a
máquina e maquiniza o homem. O escritor patrício teve vontade de conversar com
maquinas e lubrificar as pessoas. E baixou-lhe uma náusea total das novas técnicas. (...)
Visitou outras fábricas. Em todas, o mesmo operário inverossímil. Não havia a menor
dúvida: na Escandinávia as máquinas são mais tratáveis, mais sensíveis, mais
inteligentes, de uma sensibilidade muito mais fina que as pessoas.
Como se não bastasse a padronização de caras, corpos, costumes, usos, idéias,
valores, há também a estandardização da paisagem. Tudo prodigiosamente igual. (...)
E há tanta ordem, tanto anseio, tanta disciplina, tanta organização da vida que o
Otto compreendeu porque os escandinavos se matam. Ao apertar a mão de um norueguês
tinha vontade de perguntar-lhe - quando é o suicídio? –. Quanto a amar o que se vê é um
amor sem mistério, suspense, angústia e abraços sem um mínimo de morbidez. Ora, sem
um mínimo de morbidez ninguém consegue gostar de alguém.
Em plena Oslo, o Otto experimentou uma dilacerada nostalgia do
subdesenvolvimento brasileiro. (...) Fosse como fosse, descobriria que o desenvolvimento
é burro. Ao passo que o subdesenvolvimento pode tentar um livre, desesperado, exclusivo
projeto de vida. Eis o vaticínio de Otto: as máquinas norueguesas de tão humanizadas
acabarão dando bananas em todas as direções...”
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Quando voltei da última viagem, cada vez mais entusiasmada com minha terra, li
um livro que me fez vibrar ainda mais: O Ócio Criativo, do italiano Domenico de Masi,
onde ele fala do “nascimento da sociedade pré-industrial, que privilegia a produção de
bens imateriais e os produtores de idéias.”
Já no termino do livro a entrevistadora pergunta a Masi qual o lugar do mundo
que “mais se concilia com a forma natural do ócio criativo.”
Não seria a África, nem a Ásia, muito menos a América do Norte: esta teria “seu
fascínio feito de cimento e frenesi, de desertos vermelhos, bairros efervescentes, artistas
enlouquecidos pelos seus excessos e yuppies enlouquecidos pelas suas carências. Mas a
América é longe demais, cada vez mais longe do mundo solidário com que eu sonho.”
Mas descarta, simplesmente, a possibilidade de uma vida natural, solidária,
criativa e feliz no país mais desenvolvido do mundo, o país que grande parte dos
brasileiros gostaria de imitar. Ao invés disto, o escritor italiano escolhe o Brasil como país
que tem possibilidade de crescer feliz, porque:
“Em nenhum outro país do mundo a sensualidade, a oralidade, a alegria e a
‘inclusividade´ conseguem conviver numa síntese tão incandescente.
A sensualidade é vivida pelos brasileiros com uma intensidade serena. Por
oralidade eu entendo a capacidade de expressar os próprios sentimentos, de falar. Aquela
atitude que no Japão, na China, nos países nórdicos, da Inglaterra à Suécia, é substituída
pela incomunicabilidade recíproca, e nos casos extremos de alcoolismo e pelo suicídio.
Por inclusividade entendo a disponibilidade de acolher a todos os diversos, de fazer
conviver pacificamente, sincreticamente, todas as raças da Terra e todos os deuses do
céu.
Todas essas coisas se tornam leves graças a uma disponibilidade perene e uma
alegria natural expressa através do corpo, da musicalidade e da dança.(...)
É este o lugar: é no Brasil que eu gostaria de alimentar meu ócio criativo.”
E Masi ainda nos tramite a frase de Borges:
“... o paraíso existe, e é nesta nossa terra. Mas o inferno também existe, e
consiste em não se dar conta de que vivemos num paraíso.”

“Um povo sem poder é constantemente lembrado de suas próprias fraquezas.


(...) è a reação de indivíduos a um mundo que não ouve mais, aos políticos que se
tornaram intercambiáveis, a corporações que visam apenas o lucro, e às redes de
informação global que pertencem às mesmas corporações e estão presas a um
relacionamento de dependência mútua com os políticos. Este é o sofrimento existencial
que gera a insegurança e provoca ódios mortais. Se o dano não for reparado, surtos
esporádicos de violência continuarão a se intensificar. (...) Há uma verdade universal que
os sábios de última hora e os políticos precisam reconhecer: escravos e camponeses nem
sempre obedecem a seus senhores.” (Takik Ali)

Um terceiro motivo foram os acontecimentos desencadeados pela destruição das


torres do Word Trade Center, em Nova York, num ato que pode ser classificado como
terrorismo. Comecei a pensar o porquê desse ato, o porquê de tanto ódio aos americanos.
Vimos o mundo todo solidário com a dor dos americanos. Mas havia outras dores
que não tinham recebido solidariedade de ninguém.

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Não sou de acordo com um dos leitores da revista Época (nº 178 de 15/10/01)
que isto não nos diz respeito:
“É lamentável o enfoque que os senhores vêm dando à questão da guerra – um
conflito que não nos diz respeito, exceto pelos reflexos econômicos. Trata-se de um
problema exclusivo do povo americano. Não interessa a política retrógada e tacanha do
sr. George W. Bush…”
Interessa sim e deve continuar interessando porque a política de Bush e de seus
antecessores se reflete não só no Oriente, mas no mundo todo, e neste mundo está o
Brasil. Além disso, creio que devemos ser solidários também com os demais povos que
são seres humanos como nós, que sentem os mesmos anseios de liberdade e felicidade e
que, como nós, não se sentem a vontade com quem procura impedir ou destruir a
realização de seus sonhos.
Diz o ditado que “quem vê a barba do vizinho arder põe a sua de molho”.E
quando a nossa não está tão longe do “fogo”, é necessária uma cautela ainda maior. É
sobre as barbas dos países longínquos e dos vizinhos latino-americanos que os brasileiros
devem refletir, conscientizar-se, para que possamos fazer da nossa terra uma nação
realmente livre, soberana e feliz.
Enquanto nos EUA o povo clamava “vingança” e “Deus salve a América”
milhões de pessoas no mundo todo protestavam contra a vingança americana, uma
vingança contra o que já era uma vingança mulçumana por verem seus povos sendo
explorados, atacados, aculturados, humilhados. Uma vingança que trará, talvez, outras
vinganças.
Enquanto os governantes de quase todo o mundo prestavam apoio, solidariedade,
etc. aos americanos, muitos povos protestavam contra eles. Em Calcutá, Índia, um homem
representando Bush foi queimado nas ruas (Época nº 178). Bandeiras americanas foram
queimadas, embaixadas agredidas. Em Londres e Paris a garotada ultra-chique-radical
chamava Bin Laden de Che Guevara. E lembrava que Che Guevara, considerado e morto
como um bandido terrorista, é hoje aceito como um herói.
Da França, um artigo da professora da Universidade de B. Pascal, pela qual
vemos que lá também há os que não torcem pelos EUA. (Isto É nº 1677 de 3/10/2001)
“Gostaria de sublinhar aos meus contemporâneos brasileiros que o
bombardeamento de um país –por mais que o horror dos ataques terrorista tenha feito
vítimas e danos –não tem cabimento em um novo século. E eles estão sendo praticados
pela potencia que se considera a mais desenvolvida do planeta. Se o desenvolvimento se
explica pelo genocídio, pela covardia de atirar bombas de até 900 quilos sobre crianças e
mulheres que não tem nada a ver com o terrorismo, continuaremos aqui na França, na
Itália e em outros países de primeiro mundo a protestar e a repetir que essa é a forma
mais burra de combater o terrorismo, já que, como foi dito pela televisão franco-alemã -
o canal da arte – o ódio aos americanos, e aos ocidentais em geral, só tem aumentado
depois dos bombardeios. Isso tudo sem falar de que a diabolização de Bin Laden no
ocidente equivale à deificação do mesmo no Oriente. (...)” (Prof. Dr. Roselis Batista Ralle
– Paris)

Outras cartas de alguns leitores da revista Isto É expressam um sentimento que,


mesmo sendo de pessoas que são contra o terrorismo, crêem que este é o resultado da
revolta contra uma política que fere e humilha o mundo todo:
Isto è nº 1668 de 19/09/01: “Pela primeira vez na história imagens típicas de
cinema americano se tornaram realidade (...) a tragédia de Nova York aborda uma
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questão mundial. Ao longo dos anos o poderio norte-americano, com seu estilo de vida
impondo sua cultura e dominando mercados em todo o mundo, fez com que os Estados
Unidos viessem a colecionar não apenas dólares, mas inimigos cada vez mais ousados,
cujo objetivo é chamar atenção para uma causa, no mínimo desconfortável e intolerante:
a supremacia americana sobre o mundo. Tal supremacia atinge em cheio os países
subdesenvolvidos como os da África, por exemplo, cuja situação em crise e miséria
muitas vezes são ignoradas pelos países ditos desenvolvidos. Em tal contexto de
insatisfação, não raro, encontram-se cidadãos inadequados com tal sistema
‘imperialista’. Culpados? Talvez todos nós sejamos um pouco vítimas e culpados dessa
tragédia. Talvez seja a hora, por mais trágica que pareça, de avaliarmos o quanto o
mundo desenvolvido plantou para colher tal fruto.Uma colheita árdua naquelas vítimas
diretas não seriam culpadas tragédia. (Ériton Bercaço – Vitória- ES)

Isto è nº 1669 –... O desfecho foi terrível, e a imagem dos aviões adentrando
pelas torres mais parece algo surrealista. No entanto, os EUA semearam esse terror com
sua política externa nefasta, fazendo da arbitrariedade, da miséria dos outros o
combustível de sua riqueza democrática. (Ronald F. Wigg –RJ)
Até onde querem chegar os EUA? Até quando o mundo suportará o peso desse
domínio?
Já as duas Grandes Guerras mundiais foram lutas provocadas por interesses de
potências no domínio do mundo: foi a 2º Guerra que cortou as enormes garras da
Inglaterra. Mas ao mesmo tempo fez crescer as dos EUA. Será preciso uma terceira guerra
para mostrar que o mundo não suporta ser dilacerado indefinidamente?

“Explicar essas reações não é justificar de modo algum a atrocidade de 11 de


setembro, e sim coloca-la em uma perspectiva que vai além do argumento simplista de
que ‘eles nos odeiam porque têm ciúmes de nossa liberdade e de nossa riqueza.’” (Tarik
Ali)

Na carta de Gabriel Garcia Márquez a Bush (divulgada na internet) sentimos a


mágoa do mundo contra o Império norte-americano.

Carta a Bush de Gabriel Garcia Márquez


Artículo de Gabriel Garcia Márquez sobre el 11 de september

¿Cómo se siente? ¿Cómo se siente ver que el horror estalla en tu patio y no en el


living del vecino? ¿Cómo se siente el miedo apretando tu pecho, el pánico que provocan
el ruido ensordecedor, las llamas sin control, los edificios que se derrumban, ese terrible
olor que se mete hasta el fondo en los pulmones, los ojos de los inocentes que caminan
cubiertos de sangre y polvo.
¿Cómo se vive por un día en tu propia casa la incertidumbre de lo que va a
pasar? ¿Cómo se sale del estado de shock? En estado de shock caminaban el 6 de agosto
de 1945 los sobrevivientes de Hiroshima. Nada quedaba en pie en la ciudad luego que el
artillero norteamericano del Enola Gay dejara caer la bomba. En pocos segundos habían
muerto 80.000 hombres mujeres y niños. Otros 250.000 morirían en los años siguientes a
causa de las radiaciones. Pero ésa era una guerra lejana y ni siquiera existía la
televisión.

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¿Cómo se siente hoy el horror cuando las terribles imágenes de la televisión te
dicen que lo ocurrido el fatídico 11 de septiembre no pasó en una tierra lejana sino en tu
propia patria? Otro 11 de septiembre, pero de 28 años atrás, había muerto un presidente
de nombre Salvador Allende resistiendo un golpe de Estado que tus gobernantes habían
planeado.
También fueron tiempos de horror, pero eso pasaba muy lejos de tu frontera, en
una ignota republiqueta sudamericana. Las republiquetas estaban en tu patio trasero y
nunca te preocupaste mucho cuando tus marines salían a sangre y fuego a imponer sus
puntos de vista.
¿Sabías que entre 1824 y 1994 tu país llevó a cabo 73 invasiones a países de
América Latina? Las víctimas fueron Puerto Rico, México, Nicaragua, Panamá, Haití,
Colombia, Cuba, Honduras, República Dominicana, Islas Vírgenes, El Salvador,
Guatemala y Granada.
Hace casi un siglo que tus gobernantes están en guerra. Desde el comienzo del
siglo XX, casi no hubo una guerra en el mundo en que la gente de tu Pentágono no
hubiera participado. Claro, las bombas siempre explotaron fuera de tu territorio, con
excepción de Pearl Harbor cuando la aviación japonesa bombardeó la Séptima Flota en
1941. Pero siempre el horror estuvo lejos.
Cuando las Torres Gemelas se vinieron abajo en medio del polvo, cuando viste
las imágenes por televisión o escuchaste los gritos porque estabas esa mañana en
Manhattan, ¿pensaste por un segundo en lo que sintieron los campesinos de Vietnam
durante muchos años? En Manhattan, la gente caía desde las alturas de los rascacielos
como trágicas marionetas. En Vietnam, la gente daba alaridos porque el napalm seguía
quemando la carne por mucho tiempo y la muerte era espantosa, tanto como las de
quienes caían en un salto desesperado al vacío. Tu aviación no dejó una fábrica en pie ni
un puente sin destruir en Yugoslavia. En Irak fueron 500.000 los muertos. Medio millón
de almas se llevó la Operación Tormenta del Desierto...
¿Cuánta gente desangrada en lugares tan exóticos y lejanos como Vietnam, Irak,
Irán, Afganistán, Libia, Angola, Somalia, Congo, Nicaragua, Dominicana, Camboya,
Yugoslavia, Sudán, y una lista interminable? En todos esos lugares los proyectiles habían
sido fabricados en factorías de tu país, y eran apuntados por tus muchachos, por gente
pagada por tu Departamento de Estado, y sólo para que tu pudieras seguir gozando de la
forma de vida americana. Hace casi un siglo que tu país está en guerra con todo el
mundo. Curiosamente, tus gobernantes lanzan los jinetes del Apocalipsis en nombre de la
libertad y de la democracia. Pero debes saber que para muchos pueblos del mundo (en
este planeta donde cada día mueren 24.000 pobladores por hambre o enfermedades
curables), Estados Unidos no representa la libertad, sino un enemigo lejano y terrible que
sólo siembra guerra, hambre, miedo y destrucción. Siempre han sido conflictos bélicos
lejanos para ti, pero para quienes viven allá es una dolorosa realidad cercana una guerra
donde los edificios se desploman bajo las bombas y donde esa gente encuentra una
muerte horrible. Y las víctimas han sido, en el 90 por ciento, civiles, mujeres, ancianos,
niños efectos colaterales).
¿Qué se siente cuando el horror golpea a tu puerta aunque sea por un sólo día?
¿Qué se piensa cuando las víctimas en Nueva York son secretarias, operadores de bolsa o
empleados de limpieza que pagaban puntualmente sus impuestos y nunca mataron una
mosca? ¿Cómo se siente el miedo? ¿Cómo se siente, yanqui, saber que la larga guerra
finalmente el 11 de septiembre llegó a tu casa?
Gabriel García Márquez
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Iniciado por el profesor: Dr. Juan Alberto Kurz
Profesor titular de la Universidad de Valencia, Salamanca
49-8 46005 valencia (España)
tel. (34) (9) 6 395 88 72
e-mail: kurz@uv.es

(Informaram-me depois que esta carta não era de autoria de Gabriel García
Márquez. Mas seja quem for o autor ele merece ser reconhecido.)

Bin Laden

Com quarenta e poucos anos, diploma universitário e conhecimentos de


informática (...). Se houvesse seguido o caminho escolhido por seu pai, Binm Laden
poderia ter sido um respeitado empreiteiro da Arábia Saudita e um bilionário por direito.
Em vez disso, escolheu abandonar a vida de riqueza e engajou-se em uma jihad sob
condições extremamente duras. (...) “Ele é um homem excepcional”, dizem todos.
O Dr. Auman al Zawahiri – braço direito de Bin Laden –poderia ter sido um dos
pediatras mais destacados do Egito. (...)
Apesar de Bin Laden e Zawahiri serem os terroristas islamitas mais famosos, há
centenas como eles (...). Esses líderes, oriundos de um segmento rico e privilegiado da
sociedade, são altamente cultos e relativamente ocidentalizados. Não são os indivíduos
isolados, desprivilegiados, empobrecidos e amargurados que normalmente constituem a
massa de terroristas radicais. (...) apenas Ernesto Che Guevara – o médico argentino que
se tornou revolucionário no início dos anos 60 – chegou perto de ser o tipo de líder
popular que esses islamitas são. (...)
Quando Osamar Bin Laden chegou ao Sudão, Hassan Abdallah al-Turabi já era
líder espiritual do país. (...) ele recebeu educação formal secular em várias escolas da
língua inglesa (...) e foi educado por seu pai (comerciante e intelectual mulçumano) no
Corão. (...) Seu pai ensinou-o também a amar a cultura clássica árabe e a poesia árabe
tradicional. (...) Formou-se em direito (...) mestrado em Londres...
(...)
Abdul-Bari Atwan, editor do Al-Quds al Arabi (...) ficou bastante impressionado
com o nível dos assessores e comandantes de Bin Laden: os mujadins que o circundam
pertencem a quase todos os Estados árabes e são de diferentes idades, mas na maioria
jovens. Possuem alta instrução: são médicos, engenheiros, professores. Deixam a família
e o trabalho e se aliaram à Jihad afegã. (...) os mujadins árabes respeitam seu líder,
embora aue estão prontos para morrer em sua defesa e que se vingariam de qualquer um
o ferisse. (...)
(...)
...observou Turabi “todos os jovens árabes e mulçumanos, acreditem-me, olham
para ele como um exemplo”. O ódio contra os Estados Unidos “criaria dez mil Bin
Laden.” (...)
(...)
Talvez o legado mais importante e duradouro de Bin Laden seja seu importante
impacto sobre a juventude mulçumana em todo o mundo, para quem ele é uma fonte de
inspiração. “Quando os Estados Unidos expressam seu ódio por Osama, sentimos que o
amor por ele se intensifica no mundo mulçumano. A grande maioria dos jovens
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mulçumanos considera Osama seu herói. Constroem lemas em seu apoio e cantam
canções em seu louvor., observou um editorial do jornal Paquistan. (...) “Não importa
onde ele esteja e onde decida viver, o número de pessoas que o amam nunca diminuirá.”
(...)
“Os Estados Unidos estabeleceram uma política externa implacável e hostil.
Impuseram suas idéias e modos de vida a pessoas que simplesmente não os desejam. A
esmagadora maioria dessas pessoas é mulçumana, e elas estão prontas para morrer, a
fim de manter essa política americana fora de suas terras.” (Abu-Hamzah al-Masri – um
dos companheiros mais próximos de Bin Laden)
(...)
“Hoje os Estados Unidos representam o baluarte do capitalismo que explora
mais países e povos do que qualquer outra nação na história da humanidade. Assassinos,
massacres, estupros, pilhagem e opressão constituem as ferramentas que alimentam tais
nações, que não sentem nenhum remorso pelas mortes de civis inocentes, contanto que
seus interesses estejam assegurados.” (xeique Osmar Bakri)
(...)
“Bem lá no fundo de seus corações e quando estão juntos, todos os nossos
governantes amaldiçoam os Estados Unidos. Mas quando se encontram em público não
podem dizer ‘não’. (...) Dizemos aos dirigentes dos Estados Unidos: embora tenham
conquistado alguns governantes do mundo islâmico, perderam o povo mulçumano.
Perderam nas ruas. Perderam mais de um milhão de mulçumanos do mundo inteiro. (...)
A maioria deles agora os odeia, especialmente depois de atacarem o Afeganistão.
Fizeram de Bin Laden um herói. As pessoas agora carregam suas fotos, não por amor a
ele, mas por ódio aos Estados Unidos. Vocês fizeram mal a si próprios. Vocês,
americanos, estão perdendo esses mulçumanos e as massas no Oriente. Não, isso não tem
lógica. Os dirigentes devem tentar conquistar as pessoas. É um triunfo importante. Os
governantes passam, mas os povos permanecem.” (xeique Yussuf al-Qaradawi)
(...)
Em todo o mundo mulcumano, das Filipinas ao Marrocos e em inúmeras
comunidades de emigrados mulçumanos da Europa Ocidental aos Estados Unidos, as
células terroristas e subversivas estão se preparando para atacar. Desde o final de 1998,
com a escalada do confronto entre os EUA e o sistema terrorista internacional islamita,
representado na pessoa de Osama Bin Laden, os terroristas tornam-se cada vez mais
preparados, com redes profusas e flexíveis, armas de destruição em massa e bombas
poderosas, além do fervor e da disposição para o martírio – tudo por aquilo que
consideram ser a nobre causa de levar o sofrimento e dor aos Estados Unidos.
(...)
O Hiz-ut-Tahrir (o Partido de Libertação com base no Reino Unido) argumentou
que não faz sentido tentar um acordo com os Estados Unidos. “A América trata as terras
islâmicas como se fossem sua própria fazenda. Trata os governantes mulçumanos como
se eles fossem ferramentas. Elas os explora em proveito próprio. (...) ... quando a América
nos atinge em nosso próprio solo e destrói nossas fábricas e lares, e nos mata sem
respeitar vínculos ou pacto, como se fossemos insetos sem qualquer sacralidade ou
dignidade, e sem qualquer justificativa, além de sua agressão anterior , o que o mundo
espera dos mulçumanos?
(...)
Do general de divisão aposentado, do Paquistão, Asad Durrami: ...”Nesse
conflito que evoluiu numa espiral, o dilema mais agudo é enfrentado por aqueles
16
governos ‘moderados’ e impopulares, sem legitimidade e que estão do lado errado dos
islamitas de seu país. A necessidade de buscar apoio externo para sustentar seus regimes
instáveis e a crescente aversão interna por aqueles que os apóiam no exterior colocam os
responsáveis pelas decisões políticas num dilema.” (...) não ousam enfrentar o Ocidente
diretamente (...) as massas mulçumanas (...) não têm, portanto, nenhuma opção a não ser
admirar, aplaudir e elogiar o único grupo que pode agir efetivamente, ferir o ‘ inimigo’ e
ter algum peso. O inimigo, também, não parece ser capaz de fazer coisa melhor do que
recorrer às ações punitivas e atingir o que puder. Dar o recado, acreditar ele, era mais
importante que pegar o ‘ culpado’. (...)
(...)
Osama Bin Laden emerge como um líder vital, não só o instrumento negável dos
Estados patrocinadores do terrorismo e perpetrador dos ataques mais chocantes, mas um
herói popular, cujo meio envolvimento faz crescer o apoio do povo para essas investidas
e a disposição para suportar retaliações. Conseqüentemente, Bin Laden passou a
simbolizar o vagalhão islâmico em confronto com o Ocidente.
(...)
Os islâmicos nunca tiveram dúvida de que os bombardeios americanos não
foram uma reação ao último confronto de Saddam Hussein com a ONU, mas uma etapa
no implacável confronto com o Islã. Um dos primeiros a explicitar esse argumento foi
Abdul-Bari Atwan, o editor do Al Quds al-Arabi: “Mais uma vez o presidente Clinton usa
o povo iraquiano como bode expiatório para se desembaraçar de suas próprias crises
domésticas, para evitar –ou adiar – a decisão do Congresso sobre seu impeachment. (...)
A sobrevivência de Clinton na Casa Branca por mais de dois anos é mais importante do
que a vida de centenas de milhares de iraquianos e seus filhos, que serão mortos por
mísseis cruise e bombas despejadas por aviões americanos em todas as direções. (...) Esta
campanha representa arrogância dos EUA em sua forma mais feia. Tem como alvo os
árabes, e ninguém mais, com a intenção de humilhá-los e enfraquecê-los, antes de
saquear suas riquezas e lhes impor a autoridade de Israel. Quando os especialistas do
Pentágono falam em matar, na pior das hipóteses, dez mil iraquianos nos primeiros dias
de ataque, falam como se esses mártires não fossem seres humanos, mas insetos.” Atwan
considera que os iraquianos não fazem jus a tal desprezo e hostilidade por parte de
Washington e conclui que o único pecado deles foi serem árabes orgulhosos tentando
fazer frente aos Estados Unidos. Portanto, todo mundo árabe deve considerar-se alvo dos
bombardeios. (...)
Atwan identifica uma explosão de violência e terrorismo islamita como resultado
mais importante e duradouro do ataque americano contra o Iraque. (...) “É o terrorismo
dos Estados Unidos que abalará a estabilidade de uma região que contém sessenta e
cinco por cento das reservas de petróleo do mundo. É o terrorismo porque não goza de
nenhuma autoridade internacional nem qualquer justificativa moral ou legal.
Provavelmente resultará no atiçamento de fogo do extremismo em uma região cheia de
frustrações, decepções e grupos que estão prontos a traduzir essa frustração em ações
violentas e terrorismo contra os Estados Unidos e todos os Estados Ocidentais.”(...)

De Bin Laden
EUA é Terrorista
...o xeique Omar Bakri Muhammad, representante de Bin Laden na Europa
Ocidental... ridiculariza a noção de que o confronto liderado pelos Estados Unidos, com
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o terrorismo internacional tenha algo a ver com a justiça ou retaliação por crimes
cometidos (...). “Longe de combater o terrorismo, algo que os Estados Unidos de fato
apóiam efetivamente através dos israelenses e do IRA, etc, o verdadeiro motivo para essa
iminente agressão, mais provavelmente é assegurar que o Talibã não consiga criar o
Khilafah (isto é, um Estado isolado islâmico em que a lei e a ordem sejam o Islã),
controlar a capacidade nuclear do Paquistão (atualmente em sua lista de Estados
terroristas) e estabelecer interesses econômicos com a China. De fato, o terrorismo é
definido como o uso sistemático da violência e da intimidação para atingir fins políticos”,
argumenta Bakri, “então a política externa dos Estados Unidos no Panamá, no Iraque,
na Palestina se encaixa muito mais facilmente na descrição de terrorismo que a luta dos
mulçumanos para se libertar da ocupação. (...) A não ser, é claro, que terrorismo seja
uma desculpa para justificar a exploração e a hegemonia.”
(...)
... o Ummat de Karachi, um jornal islamita escrito em urdo, publicou o texto de
uma conversa com Bin Laden (...)Bin Laden negou qualquer ligação com os ataques
(...)Bin Laden ressaltou que “a |América é uma potência antilislâmica e está
patrocinando forças antislâmicas. Os EUA estão determinados a permanecer como a
única superpotência do mundo, e para tanto sufocam outros Estados e povos. Os Estados
Unidos não têm amigo, nem querem ter, pois o pré-requisito para a amizade é estar no
mesmo nível que o amigo em considerá-lo um igual. A América não quer ver ninguém
igual a ela. Dos outros espera a escravidão. Portanto, os demais países ou são escravos
ou subordinados...”

Este não vai ser um livro escrito por mim, que pouco entendo de política e muito
menos de economia... Vai ser um “ajuntado” de textos de outros livros, de revistas e
jornais que abordarão muitos assuntos sobre os quais nós, brasileiros, precisamos e
devemos refletir, para que nossa pátria gigante “deitada eternamente em berço
esplêndido” –a frase caracteriza muito bem nossa “eterna” situação –resolva ficar de pé,
assumir suas grandezas e seus fracassos, e orgulhar-se de si mesma, porque tem demais de
que se orgulhar, desde sua beleza, sua terra toda que “em se plantando tudo dá” (atenção:
em se plantando), sua virtual auto-suficiência em tudo, desde suas riquezas até os cérebros
humanos que ela exporta para fazerem a grandeza de outras nações.
Os autores serão todos aqueles que ousaram encarar os problemas do mundo sem
temor algum, às vezes até arriscando a própria liberdade ou vida, mas reconhecendo as
deficiências e erros de seus países e denunciando-las.
Apenas estou reunindo fatos, pois eles chegam a nós dispersos tanto nos diversos
livros e revistas, como no tempo, o que nos faz dispersos também em nossas idéias e
conclusões.
A história nos mostra estes conflitos, tanto os de nossa América Latina como os
dos outros continentes como ações isoladas que não tem nenhuma conexão entre si. Mas
não é assim. Esses conflitos mostram a aspiração de soberania dos países da América
Latina, África e Ásia, contra um imperialismo que os deseja atrasados ignorantes e
alienados para melhor dominá-los.
Na revista Isto É (8/11/78) temos um artigo de Hugo Estensoro e Silvio
Lancellotti com o título “Independência. E como?” que continua atual e mostra o quanto
somos dirigidos pelas informações dadas pela imprensa, através dos donos da opinião
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pública: donos de poder, citando-nos um trecho do romance Scoop (Furo) de Evely
Wangh que “descreva a maneira pela qual o dono de um jornal londrino dá instruções a
um de seus correspondentes diz Lord Cooper, proprietário do The Best. ‘ O que o público
britânico quer, antes de tudo, sobretudo e o tempo todo, são noticias. Lembre-se de que
os patriotas sempre têm razão, eles são sempre os vencedores. The Best os apóia de todo
coração. Mas eles precisam ganhar depressa. O público britânico não se interessa por
guerras que se prolongam sem definição. Esperamos a primeira vitória dos patriotas
para meados de julho.´
Ao sair da sala do proprietário, o correspondente pergunta ao seu editor: quem
está lutando contra quem em Ismaíha?´e o editor respondeu: ´acho que os patriotas
contra os traidores. De novo pergunta o correspondente: ´Sim, mas quem é quem?´ Ao
sair o editor encerra: ´Ah! Isso eu não sei. Você deveria ter perguntado ao senhor
Cooper. Essa é uma questão da posição do jornal. ´
Como todo grande satirista, Wangh conseguiu, em tão curto episódio, dizer mais
verdades que todos os sisudos tratadistas especializados no funcionamento da grande
imprensa nacional (quando Scoop foi publicado, em 1939, a Inglaterra ainda dividia o
controle das informações mundiais com os Estados Unidos, que só obteriam sua hoje
inexpugnável hegemonia depois da Segunda Guerra Mundial). Mesmo que os grandes
centro de poder obtivessem desse modo suas informações sobre o resto do mundo, mesmo
que a metáfora fosse absolutamente verdade, não poderíamos nos queixar em demasiado.
Cada qual recebe as informações que merece. O problema cada vez maior, cada vez mais
grave, cada vez mais urgente, é que também nós da América Latina –os antípodas das
Ismaíhas da vida – compramos, traduzimos, lemos e observamos exatamente o tipo de
informação que os Lordes Coopers de Nova York decidem que interessa a seus leitores
locais. E esse tipo de informação é praticamente o único que podemos obter, merecendo
ou não.
Dois aspectos dessa questão parecem-nos sumamente graves. (...) Uma primeira
faceta é a qualidade intrínseca – em seus próprios termos – da informação que
compramos e absorvemos. A segunda é a realidade política, social e econômica dos
compradores e consumidores, do mundo inteiro, de informações made in USA. A
proeminência do oligopólio, das agencias norte-americanas, a AP e UPI, implica que a
quase totalidade do fluxo de informação mundial seja controlada por um pequeno grupo
de homens da cidade Nova York. Uma realidade que, aliás, se repete mesmo no plano
nacional dos Estados Unidos.
O resultado desse processo está ostensivamente exposto nas feições mais
características da imprensa norte-americana. Por exemplo, o tratamento superficial,
sobretudo pitoresco, das grandes questões – que o estilo da revista Times simboliza
gloriosamente. Ou o esquecimento das questões menores – embora cumulativamente elas
sejam básicas. Ou o volume cada vez mais avassalador das trivialidades ao alcance de
todo mundo. Quer dizer: junto ao perigo de monopolização do fluxo de informações,
adiciona-se, por favor, o abastecimento geral do tipo de informação que recebemos. (...)
Na América Latina, os meios de comunicação sempre foram instrumentos de
poder nas mãos das oligarquias tradicionais ou nouveaux riches. Aliás, ainda são. Na sua
imensa maioria os chamados grandes jornais latino-americanos continuam na posse de
algumas famílias que os administram e usam como suas fazendas, tratando os jornalistas
como seus colonos ou mordomos. Nada melhor para esses ‘jornalistas’ (assim
antibatizados pelo fato de terem um jornal), que adota os dogmas ‘ objetivos’ da

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imprensa norte-americana, evangelho importado via filho-do-patrão-com-diploma-em-
jornalismo, da universidade de Columbia”.

Esta mesma revista traz outro artigo sobre o mesmo assunto, assinado por Barry
Guttenplan, com o título de “A América Latina é uma Ilha”:
“...hoje em dia a UPI e a AP (United Press International e Associated Press) soa
extremamente influentes em relação ao que os leitores de jornais latino-americanos lêem
–não somente em relação aos ocorridos na Europa, África , Oriente Médio e Ásia. São
até mesmo bastante influentes em relação à interpretação dos acontecimentos sociais da
própria América Latina. (...)
Enquanto os fatos que são objetos de noticiário forem percebidos apenas pela
perspectiva dos interesses dos Estados Unidos ou da Europa, não crescerá a consciência
de um interesse latino-americano comum, de interesse comum ao terceiro mundo, e de
tantas e tão significativas questões econômicas e políticas.
Sem falar que a influencia cultural dos Estados Unidos, enorme desde o final da
Segunda Guerra Mundial, continua a ser alimentada pela imposição de valores que
tiveram sua origem no desenvolvimento societário anglo-americano, mas não se prestam
às necessidades da América Latina, estimulando valores de consumo que só levam a um
aumento de frustração da gente do continente. (...) A única coisa com a qual a maioria
dos observadores da atual situação do fluxo latino-americano de noticias concordam é
que a dependência das agencias internacionais de noticias precisa acabar. Como, ainda
não se sabe.”
Como vemos, a nossa imprensa não contribui a contento para que tenhamos uma
noção clara do quanto somos dependentes ainda, sob tantos aspectos.
Creio que, reunindo os acontecimentos e as tragédias que se sucedem pelo mundo
possa levar o leitor a compreender a gravidade da situação e a pensar mais seriamente
numa solução, mesmo que esta pareça utópica, a princípio, pela inferioridade de nossas
forças. Mas, se cada um de nós tiver boa vontade, a vontade de muitos se tornará uma
força maior que qualquer outra.

Para finalizar o capítulo, um artigo de Paulo Coelho para a Folha de São Paulo:

Obrigado, grande líder George W. Bush.

Obrigado por mostrar a todos o perigo que Saddam Hussein representa.


Talvez muitos de nós tivéssemos esquecido de que ele utilizou armas químicas contra seu
povo, contra os curdos, contra os iranianos. Hussein é um ditador sanguinário, uma das
mais claras expressões do mal hoje.
Entretanto essa não é a única razão pela qual estou lhe agradecendo.
Nos dois primeiros meses de 2003, o sr. foi capaz de mostrar muitas coisas importantes
ao mundo, e por isso merece minha gratidão.
Assim, recordando um poema que aprendi na infância, quero lhe dizer obrigado.
Obrigado por mostrar a todos que o povo turco e seu Parlamento não estão à
venda, nem por 26 bilhões de dólares.
Obrigado por revelar ao mundo o gigantesco abismo que existe entre a decisão
dos governantes e os desejos do povo.

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Por deixar claro que tanto José María Aznar como Tony Blair não dão a mínima
importância e não têm nenhum respeito pelos votos que receberam. Aznar é capaz de
ignorar que 90% dos espanhóis estão contra a guerra, e Blair não se importa com a
maior manifestação pública na Inglaterra nestes 30 anos mais recentes.
Obrigado porque sua perseverança forçou Blair a ir ao Parlamento com um
dossiê falsificado, escrito por um estudante há dez anos, e apresentar isso como "provas
contundentes recolhidas pelo serviço secreto britânico".
Obrigado por fazer com que Colin Powell se expusesse ao ridículo, mostrando
ao Conselho de Segurança da ONU algumas fotos que, uma semana depois, foram
publicamente contestadas por Hans Blix, o inspetor responsável pelo desarmamento do
Iraque.
Obrigado porque sua posição fez com que o ministro de Relações Exteriores da
França, sr. Dominique de Villepin, em seu discurso contra a guerra, tivesse a honra de
ser aplaudido no plenário, honra que, pelo que eu saiba, só tinha acontecido uma vez na
história da ONU, por ocasião de um discurso de Nelson Mandela.
Obrigado porque, graças aos seus esforços pela guerra, pela primeira vez as
nações árabes, geralmente divididas, foram unânimes em condenar uma invasão, durante
encontro no Cairo.
Obrigado porque, graças à sua retórica afirmando que "a ONU tem uma chance
de mostrar sua relevância", mesmo países mais relutantes terminaram tomando posição
contra um ataque.
Obrigado por sua política exterior ter feito o ministro de Relações Exteriores da
Inglaterra, Jack Straw, declarar em pleno século 21 que "uma guerra pode ter
justificativas morais" e, ao declarar isso, perder toda a credibilidade.
Obrigado por tentar dividir uma Europa que luta pela sua unificação; isso foi
um alerta que não será ignorado.
Obrigado por ter conseguido o que poucos conseguiram neste século: unir
milhões de pessoas, em todos os continentes, lutando pela mesma idéia, embora essa idéia
seja oposta à sua.
Obrigado por nos fazer de novo sentir que, mesmo que nossas palavras não
sejam ouvidas, elas pelo menos são pronunciadas, e isso nos dará mais força no futuro.
Obrigado por nos ignorar, por marginalizar todos aqueles que tomaram uma
atitude contra sua decisão, pois é dos excluídos o futuro da Terra.
Obrigado porque, sem o sr., não teríamos conhecido nossa capacidade de
mobilização. Talvez ela não sirva para nada no presente, mas será útil mais adiante.
Agora que os tambores da guerra parecem soar de maneira irreversível, quero fazer
minhas as palavras de um antigo rei europeu a um invasor: "Que sua manhã seja linda,
que o sol brilhe nas armaduras de seus soldados, porque durante a tarde eu o derrotarei".
Obrigado por permitir a todos nós, um exército de anônimos que passeiam pelas
ruas tentando parar um processo já em marcha, tomarmos conhecimento do que é a
sensação de impotência, aprendermos a lidar com ela e a transformá-la.
Portanto, aproveite sua manhã e o que ela ainda pode trazer de glória.
Obrigado porque não nos escutaste e não nos levaste a sério. Pois saiba que nós
o escutamos e não esqueceremos suas palavras.
Obrigado, grande líder George W. Bush. Muito obrigado!

21
OS ANGLO-SAXÕES PRECISAM SEMPRE DE UM INIMIGO?
Will Durant escrevendo sobre as admiráveis culturas da Índia pré-histórica, com
cidades como Moheujo-Daro já à frente da Babilônia no começo do terceiro milênio antes
de Cristo, comenta sobre a invasão prejudicial dos selvagens povos nódicos entre os povos
criadores da civilização:
“A invasão e conquista pelos arianos dessas tribos florescentes foram parte do
velho processo pelo qual, periodicamente, o norte violento tem-se derramado sobre o sul
pacífico. (...) Os arianos invasores caíram sobre os dravinianos; os aqueanos e dóricos
sobre os cretenses e os egeus; os teutônicos sobre os romanos; os lombardos sobre os
italianos; os ingleses sobre o mundo.”
Durant esqueceu de falar sobre os “ingleses norte-americanos”, os
estadunidenses, herdeiros diretos da raça, da cultura e de tudo o mais que a pátria-mãe, a
Grã-Bretanha. Inclusive de sua ânsia por poder e domínio.
Pergunta o historiador Baptista Pereira qual teria sido a civilização criada pelos
guerreiros nórdicos: “sem outras finalidades na vida que a de resistir aos frios polares,
sem outro ideal senão o de beber o hidromel nos serralhamos póstumos de Walhala? (...)
Nos rudes poemas bárbaros cuja crueldade arrepia como um sopro glacial... os deuses e
herói bebem sangue dos inimigos em crânios humanos. O aperfeiçoamento moral não
reside no sacrifício da própria vida, mas da vida alheia. (...) De gradação em gradação,
chegaram os teoristas de guerra à apologia da crueldade: aos inimigos não se deve
deixar senão os olhos para chorar.”
O primeiro relato sobre os povos nórdicos feito por um historiador latino
Cornélio Tácito (50/160 d.C) vem corroborar o pensamento de Baptista Pereira:
“Vivendo num ambiente hostil, em geral de floresta ou coberto de pântanos, há
uma imensa multidão de homens de olhos azuis, cabelos vermelhos, corpos de alta
estatura, com predileção pelas armas e vida guerreira, pois não tratam de qualquer
assunto, público ou particular, sem estarem armados. (...) A vida é ainda bárbara,
quando não selvagem; não existem cidades, nem mesmo se tolera contigüidade de
habitações...”
Enquanto no Oriente, desde a China, e por toda a bacia do Mediterrâneo, já
haviam florescido, morrido e renascido inúmeras civilizações, às quais devemos ainda
hoje a base de nossa cultura, filosofia, direito, política, religião, ciências, os nórdicos
ainda eram selvagens que, à procura de pastos para seus rebanhos, atacavam e por vezes
destruíam, essas civilizações. Dos pastos para seus rebanhos, depois herdam as
civilizações do sul, passaram à busca e apreensão das riquezas que os países possuem,
dominando-os à base da forca ou do dinheiro.
Como diz Masi, a revolução industrial na América enraizou-se rapidamente
porque existe a classe dos “patrões que está convencida de que quem possui fortuna neste
mundo a merece, já que esta é a vontade de Deus. São convictos de que Deus está do lado
dos Wasp, isto é, dos brancos anglo-saxões protestantes...”
James Monroe, presidente dos EUA (1817-1825), período em que foi aderida a
Flórida, promulgou a doutrina Monroe que afirma que são “as Américas para os
americanos”, e segundo a qual os EUA defendiam qualquer país das Américas vítima da
agressão externa, diga-se da exploração dos europeus colonialistas; o direito de
exploração seria exclusivo. Esse “direito divino” assumido pelos Estados Unidos tem base
num fundamentalismo religioso talvez mais grave que o dos mulçumanos, como nos

22
explica Karen Armstrong, afirmando que na época de sua independência, quando os
americanos “falavam em liberdade, os lideres revolucionários utilizavam um termo que já
possuía forte conotação religiosa. Relacionava-se com a graça, com a liberdade do
Evangelho e dos Filhos de Deus, como temas como o Reino de Deus (...) e com o mito do
Povo Eleito que se tornaria instrumento de transformação do mundo (...). John Adams via
a colonização dos EUA como um plano divino para o esclarecimento de toda
humanidade. Thomas Paine tinha plena convicção de que ‘cabe a nós refazer o mundo.
Só na época de Noé registrou-se uma situação como a atual. O nascimento de um novo
mundo está próximo...’ Os fundamentalistas se imaginavam na linha de frente,
controlando as forças satânicas que logo destruiriam o mundo.”
E este medo de forças satânicas provocaria a agressividade, a radicalização, na
procura pelo domínio de tudo e de todos, no intuito de se defender de tudo e de todos. Há
um trecho interessante no livro Segredos, Mentiras e Democracia, do norte-americano
Noam Chomsky:
“...“... O historiador Paul Bayer afirma que ‘segundo pesquisas, de um terço a
metade da população dos Estados Unidos acredita que o futuro pode ser interpretado a
partir de profecias bíblicas” (...) Não tenho conhecimento desses dados, mas já vi muitas
coisas do gênero. Há cerca de dois anos encontrei um estudo comparativo (...) que
analisava várias sociedades em termos de crenças deste tipo. Os Estados Unidos
sobressaiam –o único país industrializado. Com efeito, os indicadores referentes aos EUA
eram sempre os das sociedades pré-industriais.
Por que isso?
Uma pergunta interessante. A sociedade norte-americana é muito
fundamentalista, e seu grau de fanatismo religioso lembra o do Irã. Por exemplo, acho
que cerca de 75% da população acredita literalmente no diabo.
Há alguns anos foi feita uma pesquisa sobre a evolução, e as pessoas foram
interrogadas sobre várias teorias a respeito da origem dos seres vivos. Menos de 10%
acreditam na teoria darwiana da evolução, enquanto cerca de 50% acreditavam na
doutrina religiosa da evolução guiada por Deus. (...) Esses resultados são muito
peculiares, e durante algum tempo se discutiu a razão de os Estados Unidos terem uma
posição singular a esse respeito.(...)... Isso talvez reflita a despolitização do público, ou
seja, sua incapacidade de participar de modo significativo na arena política, e que pode
ter um efeito psicológico importante (...) As pessoas encontrarão modos de se identificar
com os outros, de se associar com eles, de participar de alguma coisa. Elas farão isso de
alguma forma. Se não podem participar em sindicatos ou em instituições políticas que
funcionam de verdade, buscarão outros caminhos e o fundamentalismo religioso é um
exemplo deles.
É o que vemos acontecer atualmente em outras partes do mundo. O crescimento
do que chamamos de fundamentalismo islâmico representa, em boa parte, o resultado de
um colapso das alternativas nacionalistas seculares, que se desacreditaram inteiramente
ou foram destruídas.
No século XIX chegava-se mesmo a ver esforços conscientes por parte dos
líderes do mundo dos negócios para promover pregadores entusiásticos que faziam com
que as pessoas vissem a sociedade de uma perspectiva passiva. O mesmo aconteceu na
Inglaterra durante o início da Revolução Industrial (...)
No seu relatório ao Congresso, o State of the Union, presidente Clinton disse:
“Só poderemos renovar o país se um número maior de pessoas – ou seja, se todos nós, -
estiver disposto a participar das igrejas” (...)
23
Não sei exatamente o que o presidente quis dizer, mas a implicação ideológica é
muito clara: se as pessoas se votarem a atividades que estão fora da arena política, nós,
que temos poder, poderemos levar as coisas do modo que queremos.”
Até 1970 os fundamentalistas americanos não haviam criado um “movimento
político destinado a redimir a sociedade”, mas nas eleições de 1980, Pat Robertson
declara: “temos votos suficientes para governar o país.”
E para termos uma idéia de como se tornarão os EUA (se já não estejam se
tornando), sob a direção desses fundamentalistas –41% dos americanos já o seriam -,
vejamos a descrição de Karen Armstrong sobre seus “ideais”:
“O movimento de Reconstrução, fundado pelo economista texano Gary North e
por seu genro Rousas John Rushdoony, afirma que é preciso implantar uma civilização
cristã que derrote o diabo e inaugure o reino de 1000 anos. O conceito chave do
movimento é domínio. Deus confiou a Adão e depois a Noé a missão de dominar o mundo.
Os cristãos herdaram essa missão e cabe-lhes a responsabilidade de instituir o reino de
Jesus antes de sua segunda vinda. (...)
Seu abandono dos etos da compaixão constitui uma distorção total do
Cristianismo. Quando o Reino de Deus vier, não haverá mais separação entre Igreja e
Estado; a moderna heresia da democracia desaparecerá, e a sociedade será organizada
em termos estritamente bíblicos. Em outras palavras, todas as leis da bíblia passarão a
vigorar literalmente. Ocorrerão o restabelecimento da escravidão, o fim do controle de
natalidade, (...) a execução de homossexuais, blasfemos, astrólogos e bruxos. Implantar-
se-á uma economia rigorosamente capitalista; os socialistas e esquerdistas em geral são
pecadores. Deus não está do lado dos pobres. Na verdade diz North, “existe uma estreita
relação entre maldade e pobreza”.Não se empregaram verbas de impostos em programas
de bem estar social, pois, “sustentar vagabundo é sustentar o mal”. O mesmo vale para o
Terceiro Mundo, que provoca problemas econômicos com seu gosto pela perversidade
moral, pelo paganismo e demologia. A bíblia proíbe ajuda estrangeira.
Enquanto aguardam a vitória (...) os cristãos devem preparar-se para
reconstruir a sociedade em conformidade com o plano divino, e apoiar as políticas
governamentais que se aproximem dessas normas políticas.”
A bíblia também dava o direito aos hebreus de invadirem e tomarem as terras dos
cananeus, dos filisteus, gebuseus, etc., destruindo-lhes os habitantes para que não restasse
semente. Seria uma idéia bem aceita pelos fundamentalistas; não haveria o temor de
nacionalistas, socialistas, comunistas e outros que pudessem contestar o “direito divino”.
Só teria um inconveniente, também não haveria mão de obra barata.

“Os discursos de Bush dão o tom, sempre repleto de referências a Deus e da


relação dos EUA e o bem, e os antiamericanos e o mal: ‘ mesmo que eu ande pelo vale da
sombra da morte, não sentirei medo porque o Senhor está comigo’, disse ele num
discurso no dia seguinte ao dos atentados. Tim Goeglein (um dos assessores do
presidente) chegou a dizer que o presidente acredita ser enviado dos céus. ‘Ele está certo
de que Deus o escolheu para liderar o país nesse período perigoso. E creio que ele é, de
fato, um homem de Deus nesse momento, e digo isso com um grande sentimento de
humildade.’”(Carlos Dornelas)

Temos um artigo de Roberto Pompeu Toledo publicado na revista Veja de


12/03/2003, com o título de George Bush, o procurador de Deus:

24
“O que há de mais assustador e George W. Bush é que ele pensa que Deus está
do lado dele. Pretensão maior não pode haver, nem sentimento mais arrogante. Se Deus
está do meu lado eu posso tudo. Mesmo que todos discordem de mim, nada abala a
convicção de que sou o único justo. O substantivo carisma e o correspondente adjetivo
carismático foram tão malversados nos últimos anos, que sofreram um irreversível
processo de desvalorização. Todo mundo foi dado como ‘carismático’, de cantores de
rock a técnicos de futebol. Dono de verdadeiro carisma na concepção original –teológica
–da palavra, que segundo o Dicionário Houaiss significa ‘dom extraordinário e divino
concedido a um crente ou grupo de crentes’, julga-se Bush. Pobre de nós se ele acha que
Deus está do seu lado, segue-se que se atribui o papel de intérprete de Deus, e executivo -
chefe da vontade divina. Salve-se quem puder.
A reportagem de capa da última revista Newsweek versa sobre “Bush e Deus”.
O colunista Nicholas Kristof, do New York Times, escreveu sobre tema semelhante, na
semana passada. Os dois textos iluminam o entendimento sobre o homem sentado na mais
poderosa cadeira do mundo e, por tabela, sobre o clima do país que ele dirige. ‘Este
presidente baseia-se mais na fé do que nenhum outro em tempos modernos’.afirma
Newsweek. Para a revista a presidência Bush é ‘um empreendimento fundado, apoiado e
guiado pela confiança no poder temporal e espiritual de Deus.’
A reportagem da Newsweek mostra como o ambiente de prece e de bíblia tomam
conta da Casa Branca. Bush cercou-se de colaboradores tomados, como ele de fervor
evangélico. Eles formam a vanguarda de uma direita cristã que encasquetou ter por
missão –missão é bem a palavra –reformar o mundo. A reportagem sugere que esse traço,
mais do que o petróleo ou as imposições da indústria bélica, explicaria a flama com que o
governo americano investe no ataque ao Iraque. Bush, como presidente não chega a dizer
que sua religião é a única verdadeira. Mas, antes de chegar à presidência, segundo
lembra a Newsweek, dizia sim. Em 1993, quando ensaiava candidatar-se governador do
Texas, defendeu a tese de que só quem acredita em Jesus vai para o céu. Houve uma
pequena gritaria a respeito, inclusive porque o repórter com quem dialogava era judeu,
mas ele não julgou necessário desculpar-se. Sabia que no Texas de tantos crentes tal
afirmação não pegaria mal.
Eis um fator que redobra o problema: o reinado do bushismo coincide com uma
maré montante de exaltação religiosa, não só no Texas, mas nos EUA em geral. Isso nos
remete ao artigo de Nicholas Kristof. Quarenta e seis por cento dos americanos se dizem
evangélicos ou cristãos convertidos, segundo pesquisa Gallup citada por ele. Tal dado, de
acordo com o colunista configura uma importante mutação na sociedade americana: ‘Os
evangélicos moveram-se das margens para o centro e isto é particularmente evidente
nesta administração.’ Claro que nem todos os evangélicos são belicistas ou donos da
verdade. Cometeríamos um grave erro, nós brasileiros, que convivemos com uma massa
evangélica em que despontam tanto Marisa Silva como Anthony Garotinho, se os
considerássemos todos iguais. Mas constituem uma audiência mais treinada para ouvir
discursos em que se fala da luta do Bem e do Mal.
O ponto de Kristof é o divorcio crescente entre ambientes intelectualmente
refinados de Nova York, Boston e outros centros do nordeste dos EUA e América
profundamente temente a Deus e leitora da Bíblia. Num jantar em Nova York, escreve o
colunista, quando o assunto é crime, faz-se ligação com miséria e injustiça. Quem falar
em Satã será olhado como um animal exótico. Na América da Bíblia Satã é associação
dominante. Bush é ‘criacionista’, quer dizer, acredita em Adão e Eva, e repudia o
evolucionismo. Quarenta e oito por cento dos americanos, ainda segundo o Gallup,
25
citado outra vez por Kristof, também são, e só 28% acreditam no evolucionismo. No
Brasil os dados talvez sejam parecidos, mas há diferenças: aqui esta não é uma questão.
Não divide a população nem causa tumulto nas escolas como causa nos EUA. O fato de
lá o criacionismo se digladiar sangrentamente com o evolucionismo, como talvez em
lugar algum do mundo, constitui um dos traços mais bizarros da civilização americana,
mais ainda do que ter um futebol que se joga com as mãos.
Para voltar à Newsweek, a revista afirma que as idéias de Bush sobre a arte de
governar se confundem com as idéias religiosas e têm origem nos mesmos círculos onde
se discute religião e fé. Eis o ponto a que chegamos, 200 anos depois do triunfo das Luzes
e da afirmação da idéia da separação entre a Igreja e Estado: a maior das potências
embrenha-se por uma senda onde política é religião, e religião é política. Osama Bin
Laden não acha outra coisa.”

“...as criticas à política externa dos EUA são tratadas como demonstrações de
‘antiamericanismo’, ou em uma cunhagem mais recente, ‘ocidentalismo’. Os dois termos
são usados para demonstrar um ódio cego pelos americanos e por todos os aspectos
seculares da vida, da política e da cultura americana.
Sem dúvida essa é a visão de muitos religiosos fundamentalistas, independente
da religião. Que outra coisa explica as primeiras reações dos fundamentalistas
evangélicos da TV nos Estados Unidos que explicaram o atentado de 11 de setembro
como uma ‘punição de Deus’ pelo pecado de tolerar o homossexualismo, o aborto, etc.
(...)
As seitas cristãs pentecostais americanas não estão nem um pouco satisfeitas em
ter apenas um dos seus ocupando a Casa Branca. Elas criticam as leis corruptas e anti-
cristãs que maculam os Estados Unido . Algumas sancionam a colocação de bombas ou
clínicas de aborto e o assassinato de médicos que trabalham nelas...(Tarik Ali)

A sede domínio e de poder dos EUA muitas vezes não consegue nem ser
camuflada. É exposta cruelmente:
“Em 1912 o presidente Willian H. Taft afirmava: ‘não estará longe o dia em que
três bandeiras de listas e estrelas marcarão em três lugares eqüidistantes a extensão de
nosso território: uma no Pólo Norte, outra no Canal do Panamá e a terceira no Pólo Sul.
Todo o hemisfério será nosso, de fato, como, em virtude de nossa superioridade racial, já
é nosso moralmente (cit. De Eduardo Galeno)
Logo, logo, a máscara usada seria o perigo do comunismo, um monstro que
engoliria o mundo se o novo São Jorge –os EUA –não conseguisse destruí-lo. Com a
máscara de ajuda humanitária, de defesa contra o perigo vermelho e outros monstros
como o terrorismo e a luta contra as drogas (o maior consumo cabe aos EUA) , eles lutam
apenas e unicamente pelo domínio do mundo, em vista de seus próprios interesses,
principalmente econômicos.
Tarig Alik nos fala do “início do banditismo do imperialismo americano, muito
antes que a revolução russa transformasse as relações internacionais depois de 1917.
A história das migrações e conquistas esteve firmemente entrelaçada durante
milhares de anos. A maior parte do mundo moderno é produto de imigração e
imperialismo. Durante dois séculos e meio, o que agora são os Estados Unidos era um
mundo auto-suficiente, alimentado pelas sobras da civilização européia e ajudada por um
grupo de imigrantes fortemente motivados. Fundamentalistas religiosos na primeira fase,
refugiados políticos fugindo da perseguição na Europa na segunda, e mais tarde aquelas
26
cujo único motivo seria o ouro. Foi uma mistura poderosa, mas sua riqueza de
possibilidades só pode se tornar lucrativa através de uma combinação de imperialismo
interno (genocídio da população nativa) , com o comércio armado na costa da África
(escravidão). O fato de o genocídio ter sido o método preferido dos recém-chegados,
tecnicamente mais avançados para afirmar sua superioridade sobre o povo nativo é bem
estabelecido, mas até mesmo no início do século XX historiadores liberais e educadores
freqüentemente negavam esse fato, preferindo acreditar que seus ancestrais tinham vindo
para ‘terras virgens’. Em outubro de 1948 o reitor Conant da Universidade de Harvard,
informou que (...) ‘desenvolvemos nossa grandeza em um período em que uma sociedade
fluida ocupou um continente rico e vazio...’
Pouco povoado, sim, mas vazio? Aos olhos de quem? As guerras contra os
índios não foram reais? Foram lutas fantasmas? Ou será que o fundamentalismo
protestante oferece uma justificativa para o roubo em grande escala de terras que
pertenciam em comum a diferentes tribos, além do assassinato em massa de ‘pagãos’?
(...)... O historiador Oliver La Farge em sua obra clássica As long as the Grass Shall
Grow (afirma que) ‘A lista de massacre do Grande Pântano em 1698, em Rhode Island ,
até a matança dos amigáveis índios cristãos no Wyoming, Pensilvânia, quando a
república era jovem, passando pelos amigáveis arivalpas do Arizona, pelo acampamento
de inverno dos cheyennes do Colorado até o espetáculo final e pavoroso do Wounded
Knee no ano de 1870.’ (...)
As mais antigas manifestações do destino imperial da América se tornaram
visíveis no século XIX, primeiro com relação a América Latina, mais tarde no Pacífico
(...) Alguns dos críticos mais eficazes à primeira fase da construção de império dos EUA
viria de alguém de dentro, alguém cujas credenciais não podiam ser questionadas mesmo
pelo americanófilo mais ardoroso. Foi o general da divisão Smedley Buther (1888 –
1940), do Corpo de fuzileiros dos EUA, descrito pelo general Douglas McArthur ‘como
um dos generais realmente grandes da história americana’(...) depois de dar baixa do
exército americano, o general Buther, passou algum tempo refletindo sobre sua carreira
antes de concluir: ‘Como todos os membros da profissão militar, eu nunca tive um
pensamento próprio até sair do serviço. Minhas faculdades mentais permaneceram em
animação suspensa, enquanto eu obedecia às ordens dos superiores. Isso é típico de todo
mundo do serviço militar (...) A guerra não passa de um negócio sujo. Creio que um
negócio sujo é mais bem descrito como algo que não é o que parece para a maioria das
pessoas. Só um pequeno grupo sabe do que se trata. É realizado para muitos poucos, à
custa das massas.’
Em um discurso feito em 1933, o general Buther expôs sua visão
‘antiamericana’ ou proto ocidentalista com clareza notável, revelando a natureza do
imperialismo dos EUA na América Latina:
‘Não há um truque na sacola dos negócios sujos que seja desconhecido da
gangue militar. Ela tem seus ‘homens-dedo-duro’ para apontar os inimigos; seus
‘homens-músculos’ para destruir os inimigos, seus ‘homens-cérebros’ para planejar os
preparativos da guerra, e um ‘chefão’ que é o capitalismo Super-nacionalista.
Pode parecer estranho que eu, um militar, adote essa comparação. A
sinceridade me obriga a isso. Passei trinta e três anos e quatro meses no serviço militar
ativo como membro da força militar mais ágil deste país, o Corpo de Fuzileiros. Servi em
todos os postos, de segundo tenente a general da divisão. E durante esse período passei a
maior parte do tempo sendo um ‘homem músculo’ de alta classe para os Grandes

27
Negócios, para Wall Street e para os banqueiros. Resumindo, eu era um bandido, um
gângster do Capitalismo.
Na época eu suspeitava de que fazia parte de um negócio sujo. Agora tenho
certeza.
Ajudei a tornar Honduras ‘certa’ para as empresas americanas de frutas em
1903. Ajudei a tornar o México, especialmente Tampico, seguro para os interesses
petrolíferos americanos em 1914. Ajudei a tornar o Haiti e Cuba um lugar decente para
os rapazes do National City Bank recolherem lucros. Ajudei no estupro de meia dúzia de
repúblicas da América Central para o benefício de Wall Street. O registro do banditismo
é longo. Ajudei a purificar a Nicarágua para a empresa bancária internacional dos
Brown Brother em 1909-1912. Levei luz a República Dominicana para os interesses do
açúcar americano em 1916. Na China, ajudei a garantir que a Standard Oil não fosse
molestada.
Durante esses anos, como diriam os rapazes lá na sala dos fundos, participei de
uma quadrilha fantástica. Relembrando o passado, acho que eu poderia dar umas dicas a
Alcapone. O melhor que ele poderia fazer era operar seus negócios sujos em três
distritos. Eu operei em cinco continentes.”

Vejamos mais alguns comentários, não de um russo ou comunista, mas de um


professor norte-americano, Leon Chomsky:
“A idéia de que a segurança requer a dominação mundial com maior facilidade
aos planejadores da Guerra Fria, pois seus elementos básicos eram muito familiares. Por
toda a história norte-americana tem sido praxe invocar grandes inimigos prontos a nos
esmagar. ´O exagero da vulnerabilidade norte-americana –no sentido mais básico da
vulnerabilidade da terra natal norte-americana a um ataque externo direto – tem sido
uma característica recorrente em debates sobre as políticas externa e de defesa norte-
americanas por no mínimo cem anos´, salienta o historiador John Thompson; e de fato
pode ser remontada a muito mais além. A construção naval nos anos de 1880 foi
justificada por ´imagens atormentadoras de vasos de guerra britânicos, chineses,
brasileiros e mesmo chineses canhoneando as cidades norte-americanas. A anexação do
Havaí foi necessária para rechaçar os ataques britânicos contra os portos continentais
que ´estão absolutamente à mercê de seus cruzadores´(senador Henry Calot Lodge). O
Caribe e a própria terra natal estavam ameaçados pela marinha alemã antes da Primeira
Guerra Mundial. Preparando o país para a entrada na Segunda Guerra, em outubro de
1941, o presidente Roosevelt descreveu um ´mapa secreto feito na Alemanha pelo
governo de Hitler´ em que se esboçavam planos de levar ´sua dominação a todo o
continente´, o mapa era real o suficiente , tendo sido plantado pela inteligência britânica.
E assim por diante. Os redatores de discursos de Ronald Reagan estavam simplesmente
mantendo a marcha quando o avisaram que os sandinistas estavam apenas ´duas horas
de vôo de nossas fronteiras´ e ´apenas dois dias por estrada de Harlingem, Texas.´A
demanda por ´preponderância´ é tão norte-americana quanto a torta de maçã.
A estrutura doutrinal que está subjacente à pretensão também estava firme no
lugar muito antes da Guerra Fria. Os Estados Unidos são, afinal, incomparavelmente
magnificentes. Foi, portanto, uma empresa altamente honrosa. Limpar o continente de
pessoas ´destinadas à extinção´ e ´como raça, não válidas para a preservação´;
´essencialmente inferiores à raça anglo-saxã , ´eles não são uma raça aperfeiçoável´;
assim ´sem desaparecimento da família humana não é uma grande perda´ (presidente
28
John Quincy Adams, que muito mais tarde se retratou, reconhecendo que as políticas que
havia implementado estavam ´entre os pecados mais hediondos desta nação, pelos quais,
acredito, Deus um dia levará a julgamento´(...) O extermínio era perfeitamente justo à luz
da doutrina legal anunciada pelo presidente Monroe, de que a raça inferior deve ´por
direito´ dar caminho ´à forma mais compacta e densa e à maior força da população
civilizada´, já que a terra foi dada à humanidade para sustentar a maior parte daqueles
que ela é capaz e nenhuma tribo ou povo tem o direito de deter-se com as carências de
outros mais do que o necessário para seu próprio sustento e conforto.´
Conseqüentemente, ´os direitos da natureza solicitam , e nada pode deter´ a expansão
´rápida e gigantesca do assentamento branco em território índio, com o justo extermínio
que, inevitavelmente, se segue. (...)
Tendo sido continente purificado do flagelo nativo, as doutrinas se estenderam
naturalmente ao mundo inteiro. A conquista do Ocidente forneceu o trampolim para a
milenar ´emancipação do mundo´ por meio do poder moral e pecuniário´norte-
americano, explicou o influente clérigo da Nova Inglaterra, Lyman Beecher em 1835,
adotando os termos que cativariam uma cultura profundamente religiosa e que são
reiterados com apenas um grau de mais de crueldade por seus sucessores seculares,
como o Memorando 68 e em muitos discursos públicos.
Durante a Guerra Fria as linhas foram tecidas pela necessidade de
preponderância, que é nosso direito e nossa necessidade: nosso direito pela virtude da
nobreza que nos é inerente por definição, e nossa necessidade dada a iminente ameaça
de destruição pelos inimigos diabólicos. O termo de fachada convencional é ´segurança´.
Com a Guerra Fria extinta, as máscaras podem ser removidas pelo menos
levemente, e as verdades elementares, algumas vezes expressas em instituições
acadêmicas serias, podem ser publicamente cogitadas. Entre elas está o fato de que o
apelo à segurança era em grande parte fraudulento, a estrutura da Guerra Fria tendo
sido empregada como um artifício para justificar a supressão do nacionalismo independe
–seja na Europa e no Japão, seja no Terceiro Mundo. ´A extinção da URSS tem ( ...)
forçado a elite da política externa norte-americana a ser mais suave na articulação das
pretensões da estratégia norte-americana´, observam dois analistas de política externa
em um dos principais artigos da Foreign Policy. Não podemos, por mais tempo, ocultar o
fato de que ´sustentar a estratégia da ordem mundial norte-americana é acreditar que a
América deve manter o que é , em essência, um protetorado militar em regiões
economicamente críticas para assegurar que as relações financeiras e comerciais vitais
da América não sejam interrompidas por sublevações políticas´; essa ´estratégia
economicamente determinante, articulada pela elite da política externa (talvez
inadvertidamente) abraça uma interpretação quase marxista.
Os crimes soviéticos claramente não foram um fator causador da hostilidade no
Ocidente. Como a história deixa claro, os Estados Unidos e seus sócios facilmente
toleram os crimes de atrocidade ou os cometem diretamente se, dessa maneira, os
interesses dos homens ricos forem atendidos. As atrocidades se tornam criminosas
quando mexem com esses interesses; de outro modo causam pouco comentário.
Quando a Rússia era necessária para absorver os golpes da máquina de guerra
de Hitler, Stalin era o querido ‘tio Joe’. Em discussão interna com seus conselheiros mais
próximos, Roosevelt defendeu os planos de Stalin para os Estados Bálticos e para a
Finlândia, e a mudança das fronteiras para a Polônia a oeste. Churchill assinou suas
notas a Stalin como ‘seu amigo e camarada de tempo de guerra’, enquanto a embaixada
britânica aconselhava que, tendo-se em mente os interesses e experiência comuns a
29
britânicos e soviéticos, uma aliança mais próxima poderia resultar do ‘bom começo’em
curso ‘em direção ao desenvolvimento de uma atmosfera de maior confiança com nosso
difícil aliado’ talvez impedindo os desígnios norte-americanos que a Grã-Bretanha via
com alguma inquietação. Em encontro dos Três Grandes, Churchill elogiava Stalin como
o ‘grande homem, cuja fama se espalhou não somente em toda a Rússia, mas em todo o
mundo’, e falava calorosamente sobre seu relacionamento de ‘amizade e intimidade’ com
o sanguinolento tirano. ‘Minha esperança’, dizia Churchill, ‘está no ilustre presidente
dos Estados Unidos e no marechal Stalin, em quem devemos encontrar os campões da paz
e, depois de golpear o adversário, nos guiarão na luta contra a pobreza, confusão, caos e
opressão.’(...)
Os impressionantes crimes de Stalin também não foram alvo de interesses para o
presidente Truman. Este gostava e admirava Stalin a quem olhava como tão ‘honesto’ e
‘inteligente quanto diabólico’; sua morte poderia ser ‘uma verdadeira catástrofe’ sentia
Truman. Privadamente, manifestava que poderia ‘negociar’ com Stalin, uma vez que os
Estados Unidos tomavam oitenta e cinco por cento de seu tempo. O que acontecia dentro
da URSS não era de seu interesse.(...) Os crimes dos inimigos, reais ou fabricados, são
úteis para os propósitos de propaganda.(...)

À parte sua política de contenção da ameaça política soviética, os Estados


Unidos emprestaram um apóio vigoroso a Mussolini a partir do momento de sua marcha
sobre Roma, em 1922, uma ‘boa revolução jovem’ como o embaixador norte-americano
descreveu a imposição do fascismo. Uma década mais tarde o presidente Roosevelt
elogiou ‘o admirável senhor italiano’ que demoliu o sistema parlamentar, e violentamente
manteve-se firme contra o movimento operário, os socialistas moderados e os comunistas
do país. As atrocidades fascistas eram legítimas porque bloqueavam a ameaça de uma
segunda Rússia, explicou o Departamento de Estado. Hitler recebeu apóio como um
moderado pelas mesmas razões. Em 1937, o Departamento de Estado viu o fascismo
como uma razão natural ‘das classes rica e média, em autodefesa’, quando ‘as massas
insatisfeitas, com o exemplo da revolução russa à sua frente voam para a esquerda.’ (...)
Ao mesmo tempo, o emissário britânico na Alemanha, lord Halifax, elogiou Hitler por
bloquear a expansão do comunismo, uma façanha que levou a Inglaterra a ‘um maior
grau de compreensão de todo seu trabalho’ do que antes, como relatou Halifax ao
chanceler alemão enquanto este conduzia seu reinado de terror. O mundo comercial
americano concordou. A Itália fascista era uma grande favorita dos investidores, e as
maiores corporações norte-americanas estavam pesadamente envolvidas na produção de
guerra nazista, algumas vezes enriquecendo-se à pilhagem de ativos judeus sob o
programa de arianização de Hitler.(...)

Em junho de 1956 o secretário de Estado John Forster Dulles disse ao chanceler


alemão Konrad Adenauer que ‘o perigo econômico da União Soviética era, talvez, maior
que o perigo militar’. A URSS estava se ‘transformando rapidamente (...) em um Estado
industrial moderno e eficiente’, enquanto a Europa Ocidental ainda se encontrava
estagnada. Um relatório do Departamento de Estado ao mesmo tempo adverte que ‘para
os países menos desenvolvidos da Ásia, as realizações econômicas da URSS são
altamente relevantes. Que a URSS foi capaz de se industrializar rapidamente e como a
viram sair do nada, isso é, apesar de quaisquer receios sobre o sistema comunista, um
fato encorajador para essas nações’.

30
Em 1961, o primeiro ministro britânico, Harold Macmillan, advertiu o
presidente Kennedy de que os russos ‘têm uma economia dinâmica, e logo superarão a
sociedade capitalista na corrida pela riqueza material’(...)

Seria difícil superar o fanatismo do principal documento da Guerra Fria, o


Memorando 68 do Conselho Nacional de Segurança, de abril de 1950, escrito por Paul
Nitze, com Dean Acheson examinando por trás de seus ombros, e adotado pela
administração liberal de Truman. Sua exaltada retórica é raramente citada, talvez
considerado algo como um embaraço, mas é bom que se acompanhe o objetivo de
planejadores altamente respeitados e intelectuais políticos.
O documento tem o tom de um insólito e simplório conto de fadas, contrastando
o mal final (eles) com a absoluta perfeição (nós). A ‘compulsão’ do ‘Estado escravo’ é
concluir a ‘completa subversão ou a destruição eficaz da maquinaria do governo ou da
estrutura da sociedade’ em todas as esquinas do mundo que não sejam ainda
‘subservientes e controladas pelo Kremlin’. Seu implacável propósito é ‘eliminar o
desafio da liberdade’ em todos os lugares, ganhando ‘o poder total sobre todos os
homens’ no próprio Estado escravo e a ‘absoluta autoridade sobre o resto do mundo’.
Por sua verdadeira natureza, o Estado escravo é um ‘militante inevitável’. Daí, nenhuma
acomodação ou determinação pacífica ser sequer imaginável. Nós, portanto, devemos
agir para ‘fomentar as sementes da destruição dentro do sistema soviético’ e ‘acelerar
seu declínio’ por todos os meios, com exceção da guerra (que nos é muito perigosa).
Devemos evitar a diplomacia e as negociações, exceto como um instrumento para aplacar
a opinião pública porque qualquer acordo ‘refletira as realidades presentes e iria,
portanto, ser inaceitável, se não desastrosa, aos Estados Unidos e ao resto do mundo
livre’, embora, depois do sucesso da estratégia de retrocesso, possamos negociar um
arranjo com a União Soviética (...)

Estando desgastados os pretextos da Guerra Fria (...) ‘a América deve manter o


que é, em essência, um protetorado militar em regiões economicamente críticas para
assegurar que as relações financeiras e comerciais vitais da América não sejam
interrompidas por sublevações políticas’(Gladdis)...
A interpretação convencional da Guerra Fria é plausível se atribuirmos aos
Estados Unidos a postura muito semelhante à imagem ‘do desejo do Kremlin pela
dominação mundial’, retratada tão vivamente no Memorando 68. Claro, os comentaristas
ocidentais serão rápidos em apontar a distinção óbvia entre os dois casos; nós somos
Bons, eles são Maus, e, portanto é apenas correto e justo que devêssemos ser os
encarregados. Nossa bondade não é afetada pelos desastres que levamos a grandes
partes do mundo, à medida que protegíamos nossa ‘segurança’.(...)
(...)
Como o plano Marshall, o programa Alimento para a Paz (PL 480) é comumente
descrito como ‘um dos atos mais humanitários jamais realizados por uma nação em
consideração às necessidades das outras nações’(R. Reagan).
Na realidade, o PL 480 serviu aos propósitos para os quais foi projetado;
fornecer um subsídio público aos negócios agrícolas norte-americanos; avançando as
metas políticas norte-americanas ao induzir os povos a ‘tornarem-se dependentes de
nossos alimentos’ (senador Hubert Humphery)... Solapando a produção de alimentos
para as necessidades domésticas e, assim, ajudando a converter os países do Terceiro
Mundo em agro-exprtadores, com benefícios associados para a poderosa indústria
31
transnacional norte-americana e para os produtores de fertilizantes e produtos químicos
(...).
As metas contra-revolucionárias das políticas de ajuda foram esboçadas em um
relatório confidencial do Departamento de Estado de 1958, intitulado ‘Moderando a
revolução afro-asiática’: ‘Não queremos evitar uma mudança nas áreas menos
desenvolvidas, mas não podemos aceitar a perspectiva de seu envolvimento com planos
que poderiam por a Ásia e a África no fogo descontrolado da ambição e do entusiasmo
nacional revolucionário. Queremos ajudar os novos governos a atingir suas razoáveis
metas’ –‘razoáveis’na medida em que as determinamos. Como na América Latina e no
Oriente Médio, podem ficar livres –desde que os senhores não ‘percam o controle’(...).
Em janeiro de 1963, o presidente Kennedy... (exortou) o Congresso a examinar
‘muito cuidadosamente’ as conseqüências para nós se os países ‘se voltassem ao
comunismo só porque não demos uma certa quantia de dinheiro’; devemos ‘determinar a
ajuda na base que melhor serve aos nossos interesses’(...).
É num lugar comum que ‘o principal motivo’ de ajuda ‘não tem sido dar fim a
pobreza, mas servir ao interesse próprio do doador, ao ganhar amigos úteis, dando apóio
as metas estratégicas, ou promovendo as exportações do doador’(Economust) (...).
O Programa de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas (UNPO) relatou
que o abismo entre as nações ricas e pobres dobrou de 1960 a 1989. Estes resultados são
atribuídos, em grande parte, às políticas duais perseguidas pelos governantes ricos:
princípios de ‘livre mercado’ são impostos aos pobres por meio de programas de ajustes
estruturais ditados pelo FMI e pelo Banco Mundial atuando como ‘agências cobradoras
de faturas para os países credores’, comenta com competência Susan George: enquanto
isso os países poderosos protegem suas próprias firmas de destruição do mercado a um
custo considerável para o Terceiro Mundo...
(...)
A estrutura convencional de interpretações tem servido muito bem aos interesses
daqueles que manejam as rédeas (...). A confrontação da Guerra Fria serviu fórmulas
para justificações criminosas ao nível externo e o entrincheiramento privilégio e do poder
do Estado em casa. (...); os atos foram empreendidos por razões de ‘segurança nacional’
em respostas à ameaça do superpoderoso inimigo, ameaçador e cruel. (...)
Tem sido intrigante observar a procura desesperada por algum novo inimigo
desde que os russos estavam visivelmente enfraquecendo-se nos anos 80: o terrorismo
internacional, os narcotraficantes hispânicos, o fundamentalismo islâmico ou a
instabilidade do Terceiro Mundo e a depravação generalizada. O projeto foi conduzido
com sua sutileza usual: assim, a categoria de terrorismo internacional é limpa de
qualquer referência às contribuições dos Estados Unidos e de seus dependentes, que
removem todos os registros históricos mas permanecem não sendo mencionados na mídia
e no respeitável mundo acadêmico; o frenesi da guerra das drogas elidiu o papel de
comando da CIA em criar e manter o mercado negro após a segunda Guerra Mundial,
assim como o papel do Estado em permitir aos brancos e corporações norte-americanas
obter lucros consideráveis na venda de narcóticos letais. (...)
Doutrinas padrão estão assim imunes à avaliação e critica como nas mais
extremadas formas de fundamentalismo religioso. É difícil acreditar que tais
pronunciamentos sejam levados a sério. Talvez não sejam, como sugerem os comentários
cínicos de Acheson. De modo idêntico, Huntnigton havia explicado antes que: ‘tem-se de
vender (intervenção ou outra ação militar ) de modo a criar a falsa impressão de que é

32
contra a União Soviética que está lutando. É isso que os Estados Unidos tem feito desde
a Doutrina Truman’ (...)
Dissimulações à parte, as conclusões são claras. O principal inimigo permanece
sendo o Terceiro Mundo, que deve ser mantido sob controle...”

Interessante, também, é a entrevista de Robert Bowman a Kátia Mello, publicada


na revista Isto É nº 1675, de 07/11/2001. Bowman não é nenhum Zé-ninguém, nem
tampouco um comunista. Tenente coronel nos Estados Unidos, ex-diretor do programa
Guerra nas Estrelas, chefe ultra-secreto do Departamento Nacional de Reconhecimento de
Satélites de Espionagem, além de ter sido candidato à presidência dos EUA.
Depois dos atentados contra as embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia,
em 1998, Bowman teria mandado uma carta a Clinton alertando sobre a hipocrisia da
campanha contra o terrorismo, enquanto critica as “boas relações” com governos
fantoches da Arábia Saudita. A carta a Clinton dizia: “Sr. presidente, o senhor disse que a
América é o alvo do terrorismo porque defendemos a democracia, a liberdade e os
direitos humanos do mundo. Conversa fiada! Somos alvo do terrorismo porque
defendemos ditaduras, escravidão e exploração humana no mundo. Somos alvos porque
somos odiados. E somos odiados porque nossos governos fizeram coisas horríveis. (...) Se
suas mentiras sobre o terrorismo foram mantidas, então a guerra continuará até o dia em
que os terroristas nos destruírem”.
Na entrevista a Kátia Mello ele afirma:
Quando ocorreram os ataques terroristas... Eu disse ao presidente Clinton que,
se ele continuasse mentindo sobre os atentados, então a guerra do terrorismo iria
continuar. (...) Se realmente os EUA fossem a favor da paz, da democracia, da liberdade
e dos direitos humanos, como afirmou Clinton em seu discurso, não seríamos alvos dos
terroristas. Precisamos reconhecer que somos alvo não porque promovemos a
democracia, mas, justamente porque negamos a liberdade e os direitos humanos a muitos
países. Os EUA têm sido responsáveis por muitos sofrimentos em várias partes do mundo.
Apoiamos ditaduras de extrema direita, sempre favorecendo as grandes corporações
multinacionais, em detrimento das populações. Isso aconteceu em 1973 no Chile, nos
anos 80 em El Salvador e na Nicarágua, e em muitos países, só para ficarmos na América
Latina (...) precisaríamos, genuinamente, ouvir as populações que estão contra nós, no
intuito de aliviar seus sofrimentos. E, por isso, entendermos a história e o porquê de eles
odiarem os EUA. Se eu tivesse sido eleito presidente, essa guerra não teria acontecido.
Como eu disse durante a campanha, no meu primeiro dia iria anunciar o fim do embargo
contra Cuba e das sanções contra o Iraque. Também traria de volta os soldados
americanos que estão na Arábia Saudita. E acabaria com a CIA - Agência Central de
Inteligência - que é uma grande causadora de sofrimento no mundo. (...) Supostamente, a
CIA foi criada para adquirir informações que ajudassem na segurança dos EUA.
Obviamente, eles falharam nessa missão. Basta ver o que aconteceu no dia 11 de
setembro. Minha visão é de que a CIA, infelizmente, está muito mais envolvida em jogos
sujos, corruptos, em desestabilizar as políticas de alguns países em vez de cuidar da
segurança dos americanos. Essa organização é tão corrupta que tentar reforma-la é
quase impossível.
...poderíamos mudar essa política externa na região para não ter que apoiar
ditaduras como a da Arábia Saudita. Não teríamos que apoiar nenhum governo de Israel
33
que violasse os direitos dos palestinos. E seriamos capazes de ter uma política externa em
que não tivesse de colocar os direitos humanos dos árabes, especialmente das mulheres,
abaixo dos lucros das companhias de petróleo. (...)
As tropas americanas na Arábia Saudita são uma ofensa ao povo mulçumano,
porque não há razão legal e legítima para estarem ali. A guerra contra o Iraque foi
fabricada, guerra na qual nunca deveríamos ter entrado. Nós americanos levamos
Saddam Hussein a invadir o Kuwait. Fizemos uma armadilha para que ele caísse e
depois, quando ele concordou em sair, nós não deixamos, e começamos a guerra assim
mesmo. Uma coisa muito estranha que fizemos e que custou muitas vidas naquela parte
do mundo. Existe uma perigosa relação entre os EUA família real saudita. Nossas tropas
não estão ali para defender os interesses das populações dos países da região, mas
preocupadas com os lucros do petróleo (...); é interessante notar que os países ou regiões
em que os EUA estiveram militarmente mais presentes nos últimos anos, como a Bósnia,
Kosovo, e Afeganistão, são pontos chaves para o transporte de petróleo do Mar Negro
para o Mediterrâneo, e, portanto, fundamentais para o lucro das indústrias petrolíferas.
(...) O fato de apoiar incondicionalmente Israel fez com que os palestinos nos odiassem.
Os EUA também são temidos e odiados pelas coisas que fizeram em outros países, como a
derrubada de líderes eleitos democraticamente para apoiar ditaduras (...). Os esquadrões
da morte na América Latina foram treinados pela Escola das Américas, e depois voltaram
para seus países e cometeram atrocidades. Muitas vezes isso aconteceu nos países latinos
onde a escola é chamada ‘escola de assassinos’. (...)
Guerra nas Estrelas... esse programa foi produzido para assegurar o domínio
militar dos EUA no mundo e não para nos defender de ataques de mísseis balísticos. (...)
É tentativa de manter militarmente a superioridade militar americana.(...) A grande
imprensa americana publicou apenas os pareceres positivos do programa e censurou
todas as discussões sobre a Guerra nas Estrelas. Questões como saber se ele é realmente
defensivo e se valeria a pena pagar os altos custos do programa foram ignorados. (...)

De Novas e Velhas Ordens Mundiais de Noam Chomsky:


“Os planejadores do pós-guerra confiaram em uma prática histórica, à medida
que se voltavam ao poder do Estado para recuperar o sistema de lucro privado, enquanto
brandiam a bandeira da livre empresa e dos mercados como uma arma contra os fracos.
Mais comumente, as sociedades industriais de sucesso têm consistentemente confiado no
afastamento das ortodoxias do mercado, enquanto condenam suas vítimas à disciplina
deste. (...) O significado contemporâneo dessa questão torna útil relembrarmos
brevemente algo da história anterior.
‘A fonte e a origem dos investimentos estrangeiros britânicos’e o ‘maior
fundamento e das conexões estrangeiras inglesas’, observou John Maynard Keynes, foi a
pirataria dos saqueadores elizabetanos –terrorismo, no jargão contemporâneo. Em
meados do século XVII, uma combinação de superioridade militar, monopólios do Estado
e apoio governamental assegurou a supremacia comercial do Mediterrâneo que ‘forneceu
muito do fundamento para o surgimento do poder comercial inglês através de todo o
mundo durante o século seguinte’, concluiu Robert Brenner em um dos principais estudos
da Revolução Inglesa, enquanto os mesmos fatores deram à Inglaterra uma poderosa
base no Oceano Índico para sua expansão posterior no sul da Ásia; a grande realização
da revolução foi aumentar o apoio governamental ao desenvolvimento comercial, ‘quase
ao nível de um princípio’. O poder do Estado deslocou os holandeses, comercialmente
mais avançados, mas militarmente mais fracos, para o Atlântico Norte, assim como
34
permitiu aos aventureiros e mercadores ingleses expulsar os poderosos mercadores da
Liga Hanséatica juntamente com os rivais italianos e flamengos. A conquista do Índia
trouxe enormes lucros à Inglaterra no século XVIII, ao mesmo tempo em que o Estado se
expandia em escala e eficiência sem precedentes, muito mais do que seus rivais
continentais.
As colônias da América do Norte seguiram em curso idêntico, graduando-se em
pirataria e terror nos dias coloniais e em intervenção de Estado, em larga escala na
economia, depois da independência, e em conquista de recursos e mercado – assumindo e
estendendo em muito o programa federalista ao qual haviam se oposto em termos de
democracia popular.(...)
O Reino do Algodão no sul, que abasteceu o desenvolvimento industrial
britânico assim como sua antiga colônia, dificilmente foi um tributo às maravilhas do
mercado. Ele se baseou na escravidão, tendo sido estabelecido pelo massacre e expulsão
dos nativos em um vigoroso exercício de terror de Estado, selvageria, cavilação e
violação de tratados. Como sempre, o exercício foi dissimulado com uma exibição de
grande humanitarismo e atenção aos escrúpulos legais, ilustrados – para nos atermos
somente aos expoentes mais humanos e civilizados –por meio do pensamento dos
presidentes Adams e Monroe. Uma das metas principais da anexação do Texas era
conquistar um monopólio de algodão (produzido pela escravidão), então a mais
importante mercadoria no comércio mundial, análogo ao petróleo hoje. A façanha
‘coloca todas as outras nações a nossos pés’ proclamou o presidente Tyler. ‘Duvido que
a Grã-bretanha pudesse evitar as convulsões’ se os Estados Unidos tivessem de bloquear
as exportações de algodão a seu desprezado rival. O poder recém-adquirido deveria
garantir ‘o comando do comércio mundial’, informou do Congresso a Secretaria do
Tesouro do presidente Polk. Só quando adquirido o esmagador domínio foi que os
Estados Unidos começaram a insistir nos duros princípios da ‘racionalidade econômica’,
continuando a violá-las quando achassem conveniente. (...)
A postura britânica sobre o liberalismo era idêntica. Somente em meados do
século XIX, quando se tornou poderosa o suficiente para superar qualquer competidor, a
Inglaterra realmente abraçou o livre comércio, deplorando os desvios de virtude e
racionalismo de outros que perseguiam um desenvolvimento industrial. Essas doutrinas
foram abandonadas quando o Japão provou também ser um competidor formidável nos
anos 20; o sistema imperial de primazia que a Grã-bretanha impôs em 1932, foi um fator
importante a contribuir para a Guerra do Pacífico. Os países sob governo colonial foram
‘desindustrializados’, essencialmente pela força. A mais velha colônia da Inglaterra, a
Irlanda, é um exemplo particularmente interessante em comparação com outros países
semelhantes na Europa, que estavam livres do poder imperial, portanto capazes de se
desenvolver. Um outro exemplo é a Índia, Bengala, a primeira parte da Índia a ser
conquistada, foi ‘desestabilizada e empobrecida por uma experiência desastrosa’.(...)
A terra foi privatizada, produzindo riquezas para clientes locais e para
governantes britânicos enquanto ‘a colonização elaborada com grande cuidado e
precaução tem para nosso doloroso conhecimento sujeitado quase todas as classes baixas
à mais dolorosa opressão’ concluiu uma comissão de investigação britânica, em 1832.(...)
Entretanto, o experimento da Índia não foi totalmente fracassado. ‘Se a
segurança foi insuficiente contra o tumulto ou a ampla revolução popular’, observou o
governador geral da Índia, lord Bentinck, ‘eu deveria dizer que a ‘colonização
permanente’, embora um fracasso em muitos outros aspectos e nos mais importantes
fundamentos, tem essa grande vantagem, pelo menos, de ter criado um vasto corpo de
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ricos proprietários de terra, profundamente interessado na continuação do Domínio
Britânico e em ter um comando completo sobre a massa do povo’, cuja crescente miséria
é, portanto, um problema menor do que poderia ter sido. A lição foi aplicada pelos
senhores em todos os domínios do Terceiro Mundo e na Europa Oriental hoje; ela tem
analogias internas óbvias. (...)
A história de miséria é arquivada em um canto poeirento quando as
conseqüências do padrão surgem mais uma vez. Novos ‘experimentos’ são projetados
para que apresentem os mesmos resultados: desastre para os animais da experiência, a
quem são dados, digamos, somente moscas-de-frutas em um experimento genérico, mas
um sucesso impressionante para aqueles que os conduzem. (...)
A conquista global da Europa também tomou várias formas. Há diferenças entre
a conquista direta e os controles indiretos do ‘neocolonialismo’, ‘império informal’,
imperialismo do livre comércio ou do FMI. Mas as principais características são comuns
em todo o complexo registro. Os modelos impostos séculos atrás, e muitas vezes desde
então, serão prontamente reconhecidos por aqueles submetidos ao fundamentalismo
neoliberal contemporâneo. (...) O que permanece uniforme é uma rede de truísmos; busca
da ‘máxima vil’: projeto político para o beneficio de seus principais arquitetos, ainda que
outros possam sofrer; as máximas churchillianas, retificadas para eliminar a camuflagem
doutrinal residual; e as histórias de benevolência, altruísmo, ingenuidade, etc.
engendradas pelos ‘homens responsáveis’, para limpar suas próprias consciências,
pacificar o público e preparar o terreno para o próximo experimento. (...)
No Oriente Médio, o maior interesse era (e permanece) as incomparáveis
reservas de energia da região, principalmente a península árabe. A meta política central
era estabelecer o controle norte-americano sobre o que o Departamento de Estado
descreveu como ‘uma fonte estupenda de poder estratégico e um dos maiores prêmios
materiais da história mundial’, provavelmente o mais rico prêmio econômico do mundo,
no campo do investimento externo –, a mais ‘importante área estratégica do mundo’, com
o Eisenhower descreveu a península. Como na América Latina, foi necessário deslocar os
poderes tradicionais locais: a França foi sem cerimônia expulsa, embora à Grã-bretanha
fosse dado um considerável papel nessa região, declinando gradualmente como ditavam
as relações de poder.
Às corporações norte-americanas foi garantido o papel principal na produção
de petróleo do Oriente Médio, enquanto dominavam o hemisfério ocidental. (...)
Os planejadores norte-americanos deveriam estender a Doutrina Monroe ao
Oriente Médio; que isso tenha logo se tornado praticável, é inteiramente compreensível.
As justificativas estavam prontamente à mão, comuns desde os tempos de coloniais. O
representante diplomático norte-americano para a Arábia Saudita, Alexander Kirk,
observou que foi razoável para que os Estados Unidos substituíssem a Grã-bretanha:
‘Não é necessário dizer que uma ordem mundial estável somente pode ser realizada sob o
sistema norte-americano’, que ‘ajudaria os países atrasados a ajudar a si mesmos a fim
de que possam preparar os fundamentos para a verdadeira autodependência’, o gênero
que os Estados Unidos já haviam levado com sucesso à região do Caribe e América
Central, e às Filipinas – este último um exemplo constantemente invocado com orgulho, e
pouca atenção às realidades.(...)
Para assegurar que a conivência britânica não ‘levaria Ibn Saud ou seus
sucessores a passar para trás (as companhias norte-americanas) nas concessões e incluir
os britânicos’, Willian Bullitt um dos principais consultores de política externa,
recomendou que os Estados Unidos dessem assistência Lend Lease (lei norte-americana
36
para sobre empréstimos para compras de armas e serviços durante a 2º Guerra Mundial)
(...). ‘A defesa da Arábia Saudita é vital à defesa dos Estados Unidos’, declarou Roosevelt
o ‘agressor’ sendo a Grã-bretanha.(...) Ibn Saud foi retratada como um monarca
progressista e prudente que, sob a tutela norte-americana, asseguraria que os ricos
sauditas fossem devidamente colocadas na Nova Ordem Mundial dominada pelos Estados
Unidos.(...)
Como em todos os lugares, a maior preocupação com o Oriente Médio era o
nacionalismo independente, na própria região, como também no sul da Europa. (...) A
primeira grande campanha de contra-insurgência do após-guerra, foi motivada, em
parte, pelo perigo do efeito da ‘maçã podre’ de uma vitória das forças baseadas nos
trabalhadores e camponeses que haviam lutado contra os nazistas sob a liderança
comunista. O ‘podre’ pode ‘infectar’ o Oriente Médio, advertiu Dean Acheson com
severidade ao Congresso, enquanto procurava acumular apoio à Doutrina Monroe(...) ...
a Grécia foi ‘pacificada’ por uma campanha sangrenta de terror e tortura que dizimou
cento e sessenta mil vidas, restaurou a velha ordem, incluindo colaboradores nazistas, e
abriu o país ao investimento e controle norte-americano, com as conseqüências que
persistem até hoje.(...)
A ameaça do nacionalismo independente levou ao golpe da CIA, que restaurou o
xá no Irã em 1953, depondo o governo parlamentar conservador de Mossadegh. Nasser
foi visado em termos idênticos, mais tarde Khomeini, levando os Estados Unidos a
fornecer a Saddam Hussein apoio decisivo na guerra Irã-Iraque. (...) Um dos principais
temores por toda a parte foi de que forças nacionalistas, que não estão sob influência e
controle norte-americanos, pudessem chegar a ter uma influência substancial sobre as
regiões produtoras de petróleo. As ditaduras familiares, em contraste, são consideradas
sócias adequados, gerenciando seus recursos em conformidade com os interesses norte-
americanos básicos e ajudando a financiar os projetos norte-americanos de terror e
subversão em todo o Terceiro Mundo.(...)”

Entrevista com Celso Furtado para o semanário Brasil de Fato (via Internet), feita
a João Pedro Stedila:
“(...)
No sistema mundial econômico a posição Brasil é demasiado subordinada. Isso
faz com que seja muito difícil propor uma estratégia, por exemplo, quando se diz ‘em qual
direção vamos agora?’ ‘Que espaço temos para agir?’ –essa é a dúvida maior. O Brasil
foi arrastado a uma situação de dependência que se consumará de vez se for levada
adiante essa idéia esdrúxula de integrar esse país à famosa ALCA. A ALCA é realmente o
fim da soberania do Brasil e, se o Brasil perde a soberania, não tem mais política própria
e, portanto, não tem mais destino próprio, será um joguete de forças maiores e,
provavelmente, tenderá a se desmembrar. O que está em jogo é o futuro do Brasil.”

O crime em nome do bem


Por Sérgio Kalili (jornalista correspondente de Caros Amigos nos EUA)

Para defender a “democracia” contra o “eixo do mal”, o presidente Bush


escolheu a dedo uma equipe envolvida até no Irã-Contras .

37
Em nome da “democracia” e do “bem”, George W. Bush desrespeita direitos,
reescreve leis e autoriza a CIA a matar. Sem a Guerra Fria, vamos à guerra ao
“terrorismo”. É a vez dos iraquianos, colombianos, venezuelanos, norte-coreanos... Para
isso, o presidente americano juntou o que há de mais linha dura, e ninguém esperava dele
coisa diferente. Vamos olhar certas figuras desse time sinistro que pode incendiar o
mundo a qualquer momento.
John Poindexter, almirante aposentado, é diretor do Information Awarness
Office do Pentágono e criador do TIA ( Total Information Awareness), programa que vai
vasculhar a vida dos 290 milhões de habitantes dos EUA para “evitar ataques
terroristas”, “identificar o inimigo”(veja artigo de José Arbex Jr.na página 18). Como
em muitos outros casos de estranha intimidade entre o setor privado e setor público,
Poindexter deixou a Syntek Technologies, uma contratada do governo americano, para
assumir o novo posto. Ele foi conselheiro de Segurança Nacional do ex-presidente Ronald
Reagan. A justiça o condenou por conspiração, por mentir ao Congresso e destruir
evidências relativas ao escândalo Irã-Contras. Em 1990, o congresso concedeu-lhe
imunidade em troca de seu testemunho. Ele é ardente defensor da política de
desinformação, esquema que há muito tempo faz parte do cardápio de governos
americanos. Quando conselheiro nacional de Segurança de Reagan defendeu a
desinformação como forma legítima para o avanço de interesses americanos.
John W. Rendon, diretor executivo do The Rendon Group, não tem cargo oficial,
mas suas ligações no alto escalão rendem-lhe poder e contratos milionários e fazem dele
uma figura influente no governo Bush. Começou do “outro lado”. Foi diretor executivo e
de política nacional do Partido Democrata, diretor de gabinete do ex-presidente Jimmy
Carter e analista político do BBC World TV. Mas, de repente, decidiu trabalhar
arduamente para quem paga melhor. Nos últimos dez anos, o grupo Rendon recebeu mais
de 100 milhões de dólares do governo para provocar instabilidades no Iraque, manter o
apoio internacional às sanções econômicas àquele país (a despeito de relatórios de
pesquisadores de Harvard e de outras instituições considerarem essa política de uma
crueldade indefensável) e preparar o público americano e mundial para a guerra.
Explica um dos membros do time de Rendon sobre a campanha de instabilidade contra o
Iraque: “A exibição de fotos das atrocidades (iraquianas) o e vídeo tinham sido mostrado
em doze países. Era tudo parte da campanha concebida para manter as sanções”. E,
quando Bush-pai saía esbravejando que os soldados iraquianos estavam roubando bebês
de incubadeiras de hospitais iraquianos, provou-se que era tudo fabricado. Hoje, o filho
fala das poderosas armas de destruição em massa de Saddam, e ano após ano, em nome
da “democracia”e dos “direitos humanos”, os EUA vêm conseguindo enrijecer o
embargo, proibindo até a ida de insulina para diabéticos. Neste momento, o grupo
americano Voices in the Wilderness está sendo processado pelo Tesouro americano por
levar medicamentos aos iraquianos.
Rendon está presente em quase toda ação militar americana. Diz o escritor
Franklin Foer, da revista The New Republic: “Durante a invasão do Panamá, ele
abrigou-se com lideres da coalizão anti-Noriega. Na guerra do Golfo, montou uma filial
na Arábia Saudita para trabalhar em nome do emir exilado Kuwait. Terminada a guerra,
a CIA o contratou para enfraquecer o poder de Saddam Hussein e promover seus
oponentes. Também ajudou nos conflitos do Haiti, Kosovo, Zimbábue e Colômbia.” Outro
exemplo do trabalho de Rendon e sua empresa foi a exibição na televisão, mundo afora,
de um balde de pó branco, supostamente 50 quilos de cocaína, na cozinha do general
Manuel Noriega, e outro balde com sangue aparentemente para ser usado num ritual de
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vudu. Mais tarde revelou-se que os baldes continham apenas ingredientes usados para a
preparação de um tradicional prato panamenho.
Segundo fontes do Pentágono, desde o ataque de 11 de setembro Rendon já
embolsou a pequena fortuna de 7,5 milhões de dólares por serviços prestados à recente
“guerra contra o terror”.
John Dimitri Negroponte, embaixador americano da ONU, protegido do general
Colin Powell, está a frente, junto com este, de muitas negociações entre Iraque, ONU e
aliados. Sua nomeação sofreu inúmeros adiamentos no Senado por causa de sua ficha. A
nomeação de Negroponte por Bush-filho recebeu apoio público de outra figura malquista
pelos direitos humanos: Henry Kissinger.
Negroponte tem um passado obscuro e, como embaixador da ONU, soa um
pouco estranha a idéia de que possui aval para condenar outras nações por abuso de
direitos humanos. Pesa sobre ele a acusação de acobertar atrocidades cometidas pelas
forças armadas de Honduras, quando embaixador naquele país nos anos da “Guerra
Suja”, de 1981 a 1985, durante a administração de Ronald Reagan. País vizinho a
Nicarágua, Honduras teve papel-chave como base para os “contras”. Negroponte chegou
a ser chamado por parte da mídia como o boss da operação “Contras”.
Nos anos 80, centenas de hondurenhos foram seqüestrados, torturados e
assassinados pelo Batalhão 316, unidade secreta do exército treinada pela CIA.
Documentos então confidenciais, agora abertos ao público e outras fontes, mostram que a
CIA e a embaixada americana tinham conhecimento de muitos crimes, incluindo
assassinatos e torturas cometidos pelo Batalhão. Os Estados Unidos não só treinaram
tais forças diretamente, como pagaram para militares argentinos fazer parte do serviço
sujo. “Os argentinos chegaram primeiro e ensinaram como desaparecer com uma pessoa.
Os americanos os fizeram mais eficientes”, disse Oscar Alvarez, ex-oficial das forças
especiais de Honduras.
A administração de Reagan lutou com todas as forças e métodos contra o regime
“marxista” da Nicarágua e contra os rebeldes de esquerda em El Salvador, Guatemala e
Honduras. Somente na Guatemala, 200.000 pessoas morreram na “Guerra Suja”.
Honduras foi usada por Washington de principal base para essa luta clandestina. Em
1981, Jack Binns, embaixador em Honduras, foi substituído às pressas por Negroponte,
depois de alertar o Departamento de Estado sobre a violência contra o país. Com essa
mudança, a ajuda militar a Honduras saltou de 3,9 milhões, em 1980, para 77,4 milhões
de dólares em 1984. Provada por equipamentos e pessoal americanos, Honduras passou
a ser chamada de “USS Honduras”. Diz Negroponte: “Não acredito que foi um problema
de política governamental de direitos humanos”. E acrescenta: “Existia uma tendência
positiva do país em direção à democracia”. O diretor da Human Rights Watch /
Americas, José Miguel Vivanco, apelidou Negroponte de “o embaixador avestruz”.
Otto Reich, outra figura importante na batalha contra “comunistas” e, agora,
contra “terroristas” é o enviado especial à América Latina. Reich trabalha diretamente
para a conselheira nacional de segurança, Condoleezza Rice. Ele acabou de assumir essa
nova tarefa, que não requer confirmação do Senado. Foi antes, em caráter provisório,
secretário assistente de Estado para assuntos do Hemisfério Oeste. Por seu passado, não
conseguiu o “sim” no Congresso para se manter no cargo. Também foi peça-chave no
escândalo Irã-Contras. E escolhido pela CIA para dirigir o extinto Office of Public
Diplomacy. Segundo investigações do próprio governo, o escritório de Reich “engajou-se
no planejamento de atividades de propaganda proibidas e secretas para influenciar a
mídia e o público”. Plantava notícias criava inverdades, lançava desinformação e
39
pressionava editores e diretores da mídia em favor dos “contras”. O objetivo era
espalhar o medo sobre a Nicarágua e seu governo de esquerda sandinista, influenciando
o Congresso a manter o financiamento aos paramilitares.
Os boatos do passado se assemelham muito às notícias divulgadas mais
recentemente em relação ao Iraque. Na época, anos 80, o escritório de Reich promoveu a
fábula de que a Nicarágua havia adquirido armas químicas de destruição em massa da
União Soviética, e que jatos do MIG soviético estavam chegando à Nicarágua. Por causa
disso, considerou-se a possibilidade de um ataque militar ao país de Sandino.
Como o time não muda muito de Reagan e Bush-pai para cá, a política da
desinformação se mantém. E assim, quando o Pentágono afirma que um de seus mísseis
atingiu o local de encontro de líderes da Al-Qaeda no Afeganistão, mas moradores locais
juram que as vítimas eram camponeses, quem está falando a verdade? E que as bombas
são “cirúrgicas” e que não representam perigo para nenhum dos 3 milhões de habitantes
de Bagdá?
Elliot Abrams, outro compadre do escândalo Irã-Contras presente no governo, é
o atual diretor do Conselho de Segurança Nacional. Abrams trabalhou como assistente
do secretário de Estado, Ollie North, buscando fundos ilegais para os “contras”. Em
1991, foi condenado depois de mentir ao Congresso americano a respeito do massacre,
noticiado por jornais da época, na pequena aldeia salvadorenha El Mozote. Ele
classificou a história de mentirosa, de propaganda comunista. Quando as Nações Unidas
concluíram que 85 por cento das atrocidades na guerra civil de El Salvador foram
cometidas por esquadrões assistidos pelo governo Reagan, Abrams retrucou: “o passado
da administração em El Salvador é fabuloso”.Mais tarde, Bush-pai concedeu-lhe o
perdão.
Collin Powell, o general secretário de Estado, é adorado pela mídia. “Pode
Collin Powell salvar a América?”, pergunta Newsweek. E continuava: “A figura mais
respeitosa da vida pública americana”. Até mesmo a Rolling Stone: Powell é
“confiante”, “cândido” e “um tônico ao espírito público”. New York Times: “honesto,
forte, inteligente, modesto e resoluto”. Mas sua história não é tão livre de controvérsias
assim. A morte de civis durante a guerra do Golfo e a invasão do Panamá são
consideradas triunfos. O colunista do Washington Post Colman McCarthy quebra a
lambeção da imprensa: “Em nome da paz, se matam mulheres e crianças que apareçam
no caminho das políticas americanas...”
Powell também sabia e esteve envolvido no escândalo Irã-contras. Mais tarde
reconheceu isso em testemunho questionável ao Congresso. Lembrava, dois anos atrás,
David Corn, editor da revista The Nation, em Washington: “Eu descobri em primeira
mão indícios de que Powell havia mentido em tentativa de esconder o escândalo Irã-
Contras”. O general conseguiu de Bush-pai perdão para seu antigo boss, o ex-secretário
de Defesa Caspar Weinberger, acusado de obstruir investigações sobre o Irã-Contras.
Com o perdão, Colin bloqueou qualquer tentativa de julgamento que pudesse ter
conseqüências desagradáveis para ele e o antigo chefe. Powell declarou: “Como
conselheiro de segurança nacional para Ronald Reagan, trabalhei duro, lutei para apoiar
os ‘contras’, os guerreiros da liberdade, que foram a resistência ao governo comunista de
Ortega na Nicarágua”. Mais no início da carreira, ainda durante a guerra do Vietnã, o
então major Colin Powell preferiu ignorar e encerrar denúncias de atrocidades e abusos
contra civis vietnamitas ocorridos na vila My Lai, em 1968. O caso ficou conhecido como
“O Massacre de My Lai”.

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Donald Rumsfeld e Dick Cheney, secretário de defesa e vice-presidente,
respectivamente, parecem mais estilo cowboy ainda. Rumsfeld vem da extrema direita. É
intimamente ligado ao Centro Para Política de Segurança, um pequeno grupo fundado
por Frank Gaffneey, ex-oficial do Pentágono da Era Reagan que faz lobby por uma
política armamentista, como o sistema de mísseis de defesa.
Depois das eleições de Jimmy Carter em 1976, Rumsfeld passou pelo setor
privado, onde enriqueceu. Tornou-se um CEO (chief executive officer) de sucesso em alta
tecnologia e companhias farmacêuticas.
O vice-presidente Dick Cheney também enriqueceu quando no setor privado.
Hoje é um milionário e influente homem de petróleo do Texas, tal como a família Bush.
Foi secretário de Defesa de Bush-pai e designado vice-presidente de audiência no caso
Irã-Contras. O homem é belicoso quando não se trata da própria pele. “Eu tinha outras
prioridades, nos anos 60, do que no serviço militar”; “Polarização sempre traz
resultados benéficos”; “Desnuclearização não é uma boa idéia”.
A linha tênue entre interesses privados e públicos é marca de muitos na equipe
de Bush, principalmente nos setores de petróleos e armas. Como secretário de Defesa de
Bush-pai, Cheney redirecionou milhões de dólares em negócios governamentais para
empresas privadas contratadas. Uma das que mais lucraram foi a Texas-based Brown &
Root Services, especializada em logística militar. Depois da vitória de Bill Clinton,
Cheney precisou deixar o governo. Mais não ficou muito tempo parado. Em 1995 tornou-
se CEO da Halliburton Compay, uma das maiores empresas de serviços em petróleo,
proprietária da mesma Brown & Root Services. Em meio a guerras, a companhia
continuou e continua a fazer alguns dos mais lucrativos contratos com o Pentágono.
Cheney vem sedo acusado de usar contatos no governo para enriquecer. “Você tem de
questionar os interesses de Cheney, se a privatização tem realmente beneficiado o
Departamento de Defesa ou as companhias privadas contratadas, como Brown & Root”
diz Tom Smith, diretor da ONG Public Citizen, de luta em defesa do consumidor.
Recentemente, a revista do New York Times perguntou para o ator e ativista
ambiental Robert Redford: “Se Dick Cheney fosse um animal, qual seria?” Resposta:
“Coiote”.Desde que voltou, Cheney fez da luta pela proteção do meio ambiente e
ecologia coisas fora de moda.
Cheney não está sozinho. Antes de assumir o posto de conselheira nacional de
Segurança Nacional, Condoleezza Rice foi diretora por dez anos da Chevron
Corporation, outra gigante do petróleo. E a ligação entre os dois... Uma dica: Cheney
negociou o oleoduto para transporte de óleo cru do mar Cáspio em nome da Chevron. O
projeto se estende do oeste do Cazaquistão ao mar Negro. E, agora, portas arrombadas,
quem sabe até o Afeganistão.
Resolvida uma guerra, rices, dickes e bushes voltam a olhar para a segunda
maior reserva de petróleo do planeta, o Iraque.

Terrorismo Americano

... operações norte-americanas... incluíram a derrubada do regime parlamentar


conservador no Irã em 1950, restaurando o xá e seu brutal governo; a destruição do
interlúdio democrático de dez anos na Guatemala, colocando no poder uma miscelânea
de assassinos em massa que teriam feito maneios de aprovação a Himmler e Goering,

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com as atrocidades culminando nos anos 80, sempre com a participação direta ou
indireta dos Estados Unidos e de seus Estados clientes; o apoio ao esforço francês em
reconquistar suas antigas colônias da Indonésia; o estabelecimento de um estado de
terror ao estilo latino-americano no Vietnã do Sul, em violação aos acordos de paz de
Genebra em 1954, e um ataque assassino no Vietnã do Sul sob o governo Kennedy,
quando os terroristas de Estado não puderam controlar sua própria população, levando a
uma guerra maior em que milhões foram massacrados e três paises devastados; o
estabelecimento e apoio a Estados de Segurança Nacional neonazistas na América
Central dos anos 60; a chacina e a destruição na América Central nos anos 80; e muitas
outras façanhas idênticas muito numerosas para se mencionar. (...)
... o alcance global e a violência dos Estados Unidos excediam em muito os da
segunda super-potência; a repressão interna na URSS era uma escala muito maior de que
qualquer coisa dentro do próprio Estados Unidos, embora na segunda fase, não chegasse
do nível dos satélites norte-americanos e seus clientes. (...)

De Bin Laden – Yossef Bodanski:


O xeque Omar Bakri Muhammad... ridicularizava a noção de que o confronto,
liderado pelos Estados Unidos, com o terrorismo internacional tenha algo a ver com a
justiça ou retaliação por crimes cometidos. (...) Bakin considera o resposta aos ataques
terroristas liderados pelos Estados Unidos, uma desculpa para confrontar o renascimento
islamita. “longe de combater o terrorismo, algo que os Estados Unidos de fato apoiaram
efetivamente através dos israelenses, do Irã, etc, o verdadeiro motivo para essa iminente
agressão mais provavelmente é assegurar que o Talibã não consiga criar o Khilafah (isto
é, um Estado Islâmico em que a lei e a ordem seguem o Islã), controlar a capacidade
nuclear do Paquistão (atualmente em sua lista de Estados terroristas) e estabelecer
interesses econômicos com a China.
De fato, o terrorismo é definido como “uso sistemático de violência e de
intimidação para atingir fins políticos”, argumentou Bakrin, “então a política externa
dos Estados Unidos no Panamá, no Iraque, na Palestina se encaixa, muito mais
facilmente, na descrição do terrorismo que a luta dos mulçumanos para se libertar da
ocupação, como na Chechênia e na Caxemira. A não ser, é claro, que terrorismo seja
uma desculpa para justificar a exploração e a hegemonia.”
(...)
O bombardeio do Iraque...
Não passou despercebido o fato que o bombardeio foi lançado no dia 16 de
dezembro, o mesmo dia em que a Câmara dos Deputados Americana debatia e se
preparava para votar o impeachment do presidente Clinton. Em Washington vários,
antigos e atuais, funcionários do governo denunciaram abertamente que a Casa Branca
orquestravam os eventos de forma tal que Saddan Hussein fosse provocado a desafiar os
inspetores de armas da ONU e o presidente Clinton pudesse justificar os ataques aéreos,
desviando a atenção do público americano de seus apuros no Congresso. “O que Richard
Butler (o chefe de inspecao de armas da ONU) fez na semana passada foi uma armação”,
disse ao ex-inspetor de armas da ONU, Scott Ritter, ao New York Post. “Não há outra
escolha, a não ser interpretar isso como a ‘a cauda abanando o cão’ : não há outra
escolha.”
Os islamitas nunca tiveram duvida de que os bombardeios americanos não
foram uma reação ao último confronto de Saddan Hussein com a ONU, mas sim uma
etapa no implacável confronto com o Irã. Um dos primeiros a explicar esse argumento foi
42
Abdul-Bari Atwan, editor do Al-Qadr al Arabi. “Mais uma vez o presidente Clinton usa o
povo iraquiano como bode expiatório para se desembaraçar de suas próprias crises
domésticas, para evitar –ou adiar – a decisão do Congresso sobre seu impeachment”,
escreveu Atwan. “A sobrevivência de Clinton na Casa Branca por mais de dois anos é
mais importante que a vida de centenas de milhares de iraquianos e seus filhos, que são
mortos por mísseis cruises e bombas despejadas por aviões americanos em todas as
direções” (...) “Esta representa a arrogância dos Estados Unidos em sua forma mais feia.
Tem como alvo os árabes e ninguém mais; com a intenção de humilhá-los e enfraquecê-
los, antes de saquear suas riquezas e lhes impor a autoridade de Israel. Quando os
especialistas do Pentágono falam em matar, na pior das hipóteses, dez mil iraquianos nos
primeiros dias de ataque, falam como se esses mártires não fossem serem humanos, mas
insetos.” (...)

Ameaças dos EUA e outras pressões... Violência dos EUA... Terrorismo dos
EUA. Ódio dos EUA

Preparar mísseis
Reportagem de Osmar Freitas Jr. (Isto É nº1668)

(...) Dois dias depois do maior atentado da história, o comandante chefe da


maior potencia militar do planeta delineou a política externa agressiva que será aplicada
pela nação num futuro muito breve. O quadro pintado vem carregado de tintas sombrias.
Escudado num fundo de emergência de US$ 40, bilhões de dólares iniciais, aprovado
bipartidariamente, o governo Bush prometeu não apenas perseguir os responsáveis e
fazê-los pagar pelo que fizeram, mas também eliminar os santuários, os sistemas de apoio
e “acabar com os Estados que patrocinam o terrorismo”, na definição do subsecretário
de defesa, Paul Wolfowitz. Em outras palavras: deixaram-se de lado as nuances
diplomáticas e se escancararam as fronteiras do conflito.
A dureza dessa estratégia intervencionista é o sinal equivoco de que os EUA
mudaram definitivamente. Os quatro boeings seqüestrados pelos terroristas arremeteram
contra as Twin Towers e o Pentágono (...) explodiram também o modus vivendi
americano, o icônico american way of life, substituindo liberdades individuais,
prosperidade e busca de felicidade, de que fala sua Constituição, pelo medo, a dor, e a
lógica marcial : olho por olho, dente por dente.
(...)

Entrevista de Leonel Rocha com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco


Aurélio Mello (Isto É nº 1669 – 26/09/2001)
Por Osmar Freitas Jr.

... Nada justifica a monstruosidade que se vê pela televisão. Devemos parar de


tentar perceber a origem disso, porque na vida nada surge sem uma causa. Será que não
houve erro na busca do entendimento e na correção das desigualdades? O poder da
força, que é a minoria, tem que parar para ouvir a maioria da população do mundo que
está na miséria (...)
Se é preciso buscar os responsáveis, também é fundamental a racionalização, e
não o mesmo radicalismo dos que derrubaram os aviões em Nova York e em Washington.

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(...) Receio que prevaleçam paixões condenáveis e a população civil de países que
abrigam terroristas pague por ações de grupos radicais. Não podemos voltar à lei do
Talibã...

(...)
No duro discurso que fez na noite de quinta-feira, 20, em sessão conjunta do
Congresso, o presidente deu um ultimato diretamente ao Talibã (...) Em tom de ameaça
velada, Bush alertou que os países “ou estão conosco ou estão com os terroristas.”

Enclopédia Britânica – Hiroshima


Cidade portuária fundada em 1591... uma das cidades comerciais mais
importantes. No curso da Segunda Guerra Mundial, quando ainda se desenvolviam as
operações contra o Japão, a 6 de agosto de 1945, A força aérea norte-americana lançou
contra Hiroshima a primeira bomba atômica. Numa área de 12km houve 150.000 vítimas,
entre as quais, 80.000 mortos.
Hoje, 1983, Hiroshima possui 5 hospitais públicos e 40 clinicas para promover
tratamentos gratuitos às vítimas da 1º bomba atômica.

Fim do império
Gastos militares e perdas de legitimidade apontam ocaso do domínio americano sobre o
mundo
Por Ivan Martins (Revista Dinheiro – Isto é – 02/04/2003)

Felipe II, rei de Espanha, vivia um dilema. No início do século XVII seu império
cobria do Atlântico ao Pacífico e os problemas teimavam em pipocar por toda parte.
Alguns dos conselheiros diziam que o rei deveria atacar os protestantes ingleses e os
rebeldes holandeses na Europa, para depois enfrentar os turcos otomanos. Outros
recomendavam o contrario. Por rico que fosse, o primeiro império global do planeta não
era capaz de conter simultaneamente todos os seus inimigos. Acabou definhando num
esforço militar inglório, que empobreceu a Espanha e abriu espaço aos práticos
imperialistas ingleses. Trezentos anos depois seria a vez dos súditos da rainha Vitória
confrontarem seu próprio oceano de demandas. Em meados do século XIX enfrentavam
uma guerra na África do Sul, um levante mulçumano no Sudão e a rebelião dos boxers na
China, voltada contra a dominação estrangeira. Estranhamente para os donos do império
britânico, montado na eficácia das finanças e nos canhões de Sua Majestade, o mundo
parecia não entender que o “fardo do homem branco” era levar a civilização e os
produtos de Manchester aos quatro cantos do planeta – e rebelar-se contra os
representantes da ordem natural das coisas. Afinal, também o Império Britânico acabou,
varrido pelas impaciências dos povos, por sua patente ilegitimidade e pela decadência
econômica que o continuo esforço bélico fizera precipitar.
Na semana passada, em Washington, os herdeiros do manto imperial achavam-
se na mesma encruzilhada. O presidente George W. Bush parecia ter arrastado os
Estados Unidos a um caro beco sem saída nas areias do Iraque. Se vencer rápido, terá ao
seu redor um mundo povoado de ressentimento e desconfiança. Se a vitória tardar, os
EUA mergulharão num pesadelo se insatisfação interna que fará o repúdio ao Vietnã
parecer uma festa de aniversário. Em qualquer hipótese terá uma vitória de Pirro. A

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superioridade moral americana, que atraiu boa vontade e simpatia desde a Segunda
Guerra, virou pó em Bagdá. Restou a força em lugar da persuasão. Ficou o medo em
lugar do sonho de consumo. Se as manifestações de rua revelam algo sobre os
sentimentos internacionais, nos últimos dias elas sugerem que os EUA são o país mais
odiado do mundo. Contra ele formou-se o maior movimento pacifista da história humana,
que se expressa em todas as cores, em todas as línguas e em todas as ideologias. A
arrogância de Bush feriu a economia dos EUA e desfez a imagem do gigante benevolente,
fundamental para a influencia dos Estados Unidos no mundo. Pode, com isso, ter
apressado a contagem regressiva da sua própria extinção como império. “O poder
militar, em si mesmo, não dura”,disse à DINHEIRO o professor Michel Hardt, autor do
best-seller Império. “Ele destrói, mas não cria o consenso necessário a globalização, que
depende da articulação voluntária de uma grande rede econômica. O poder militar é uma
forma frágil de poder.”
Compara-se esta situação a uma citação a seguir, extraída de um discurso do
início dos anos 60. “Precisamos encarar o fato de os Estados Unidos não serem nem
onipotentes nem oniscientes; de que representamos apenas 6% da população mundial e
não podemos impor nossa vontade oas 94% da humanidade”. Autor? John Fitzgerald
Kennedy, presidente dos Estados Unidos, morto em 1961. “Não podemos consertar tudo
o que está errado aqui dentro e muito menos lá fora; portanto, não pode haver uma
solução americana para cada problema do mundo”.Os tempos mudaram. Kennedy, que
não havia lutado na guerra da Coréia e dela saíra como herói, encarnava as virtudes da
coragem e da decadência ianques. Em sua visão ao mesmo tempo autoconfiante e
modesta do papel americano no mundo, ele pisava na senda aberta por Franklin D.
Roosevelt, o presidente da II Guerra que libertara a Europa do nazismo e batera os
agressores japoneses no Pacífico. Roosevelt sentara-se à mesa com Joseph Stalin para
tratar de igual para igual o futuro do mundo, num momento em que a elite empresarial e
alguns de seus melhores generais já sonhavam em invadir a União Soviética. Outros
tempos, mas não inteiramente esquecidos. Bill Clinton, o presidente democrata entre dois
Bush, inaugurou a nova ordem global depois da Guerra Fria com um show de eficácia
diplomática. Interveio na África, no Haiti e na Bósnia – nem sempre com apoio da ONU,
mas sempre com alguma justificativa humanitária plausível, que evitasse o isolamento
sofrido por Bush. Na Somália as tropas americanas foram humilhadas e Clinton aceitou
que era hora de se retirar. Contra o Iraque, ordenou bombardeios punitivos, mas
recusou-se a ouvir os falcões que pregavam a invasão. Terminou seu período com
superávit nas contas públicas, prestígio nos fóruns internacionais e forças armadas que
começavam a encolher, por desnecessárias. Sob Clinton os EUA gozaram o apogeu do
soft power –o poder econômico e diplomático, quase consensual, que dispensa uso de
armas. Os Estados Unidos tinham um presidente culto e bem falante e não se cogitava da
decadência americana. Agora é outra coisa.
Na semana passada circulava nos escritórios de Wall Street um artigo
preparado pela consultoria Independent Strategy, de Londres. Assinado pelo analista
Tom Mckee, o texto sustenta com todas as letras que a guerra do Iraque é o canto do
Cisne do império americano. Primeiro, porque os EUA estão cercados de desconfiança e
logo estarão às turras com uma legião de terroristas. Segundo, porque o unilateralismo e
o belicismo de Bush devem arrebentar com a economia americana – afinal, pergunta o
consultor, como se costura US$ 75 bilhões em gastos de guerra (“que são apenas a
primeira prestação da conta do Iraque”) com isenções fiscais de US$ 350 bilhões para os
ricos americanos? Bush herdou superávits fiscais de Clinton e em seu primeiro ano já
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está batendo recordes de déficit. Terceiro, em função dessa fraqueza econômica, o dólar
tende a derreter ainda mais rápido, repelindo investidores externos que financiam o
duplo déficit fiscal e comercial, ambos na casa de US$400 bilhões ao ano. “O dólar vai
se desvalorizar porque o império de bem tem a mesma falha que muitos outros impérios
na história: um padrão de vida insustentável no centro depende dos fluxos constantes de
riqueza da periferia”, escreve Mckee. “E os Estados Unidos não pagam mais o retorno
exigido para manter esse fluxo”. Finalmente, o texto da Independent Strategy concluiu
com a falência do projeto ideológico dos americanos – o chamado Consenso de
Washington –que deixou órfão os países emergentes na Ásia, África e América Latina.
Sem idéias viáveis e modelos aplicáveis, diz Mckee , não há liderança internacional.
“Bush implodiu a ONU e criou um mundo darwiniano”, diz Jeremy Rifkin, o
ativista americano que ficou famoso por seus livros sobre robotização e biotecnologia.
“Nele não há certeza, nada é previsível, não há regras”.É a lei do mais forte e o mais
forte são os EUA. O país de Bush cria e consome quase 30% do PIB mundial e é
responsável por 40% dos gastos mundiais em defesa. Os cálculos do historiador Paul
Kennedy indicam que o orçamento do Pentágono equivale ao orçamento militar dos dez
países que mais gastam no mundo depois dos EUA – o que nunca havia acontecido antes
na história. Nas mãos de homens equilibrados, um poder dessas proporções pode ser
embriagante. Manejado por um ex-alcoólatra de cultura rala, renascido em Cristo e
cercado de fanáticos de direita, o poderio americano pode ser a chave do Apocalipse.
“As pessoas que têm o ouvido de Bush são de extrema direita. Gostariam de liquidar a
fatura no Iraque e sair atrás do próximo homem mau”, diz Lary Wallach, presidente da
ONG Citizens Watch, de Washington. Se isso vai ou não ocorrer, depende em grande
medida dos eventos em Bagdá. “Uma vitória rápida no Iraque pode incentivar a Casa
Branca a agir de forma ainda mais unilateral”, teme Rifkin. Será possível? Com
desemprego chegando aos 10%, as bolsas em queda e a economia em direção a recessão,
Bush gostaria de seguir em guerra indefinidamente. Afinal, há eleições nos Estados
Unidos ano que vem e o rufar dos tambores pode protegê-lo do debate sobre o estado real
do país e a qualidade de suas decisões como líder. Vestido em jaqueta de piloto ou
discursando ao lado do primeiro ministro Tony Blair, seu único sócio na aventura do
Iraque, Bush pode cingir o manto imperial e pretender que o poder dos EUA vai durar
mil anos. Talvez. Mas pode ser, também, que o tempo dos EUA tenha acabado e que a
história esteja sendo irônica –ou não seria engraçado que o ocaso do Império americano
começasse na Mesopotâmia, berço da civilização?

A Gazeta Mercantil dos dias 4, 5 e 6 de abril de 2003, publica uma matéria sobre
O Declínio do Império, de Assis Moreira de Genebra:
“ O historiador e demógrafo francês Emmanuel Todd é escutado com atenção na
Europa. Sua reputação começou aos 26 anos de idade, recém saído de um doutorado na
Universidade de Cambridge, com um livro anunciando o desmoronamento da União
Soviética. No livro “A queda final”, publicado em 1976, Todd se baseou em dados
demográficos para avaliar a sociedade soviética e concluir que o sistema era inviável.
Em 1995, Emmanuel Todd foi o primeiro a demonstrar que uma “fratura social”
ameaçava a sociedade francesa. O tema foi “recuperado” por Jacques Chirac, candidato
vitorioso à presidência da República. Todd não se tornou um chiraquiano, e continuou
pesquisando.

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Agora, 25 anos depois de anunciar a queda do império soviético, o historiador
de 52 anos de idade persiste e publica um livro prevendo a decomposição do império
americano. “Após o Império” (“Après L’Empire”) tornou-se um best-seller. A tese de
Todd é de que a potencia americana é incontestável, mas que o declínio parece
irreversível por razões econômicas. O livro tem uma forte ressonância com a atualidade,
com os EUA endividados, isolados e bloqueados na direção de Bagdá. Eis a entrevista:

Gazeta Mercantil - Com a guerra no Iraque, os EUA demonstraram que querem


continuar uma potencia imperial. Onde há declínio nessa ação?
Emmanuel Todd - A intervenção no Iraque não é central. É micro militarismo teatral. É
uma tentativa de demonstração de força militar para compensar o sentimento de declínio
entre as elites americanas. A última força dos impérios é militar. Os russos tiveram o
mesmo problema e atacaram o Afeganistão em 1979. O paradoxo é que os EUA mostram
sinais de impotência. Os aliados se vão, como a França, a Alemanha, até a Turquia. Ou
seja, os EUA não conseguem mais controlar a Europa. A Alemanha retomou sua
liberdade, algo que a França esperava há décadas. Cada uma dessas defecções só foi
possível porque a impotência americana não tem poder de retorsão contra a Europa. A
potência industrial e financeira está na Europa. Se os americanos perturbam o circuito
financeiro e comercial transatlântico, o primeiro atingido serão os Estados Unidos com
seu enorme déficit comercial e necessidade diária de financiamentos. Está emergindo
uma política européia. E a aproximação Europa-Rússia é mais provável, porque os EUA
fazem uma guerra que para os europeus é uma ameaça estratégica e energética.

Gazeta Mercantil - A guerra esconde uma grande fragilidade da maior potência?


Todd - Sim. Os EUA escolheram o Iraque para atacar não apenas pelo petróleo, que
abastece os europeus, e sim porque o Iraque é fraco, como é fraco todo o mundo árabe. A
verdadeira motivação do aparelho estratégico americano com esse ativismo militar é
continuar no centro do mundo. O paradoxo é vermos que os EUA e a Grã-bretanha,
países desenvolvidos de 340 milhões de habitantes, fazem uma demonstração de força
contra 24 milhões de habitantes, mas até isso é difícil. Fazem guerra, mas fazem mal.

Gazeta Mercantil - Quais são os fatores do desmoronamento americano?


Todd - Os EUA são uma super-potência, têm meios militares enormes, mas seus mitos se
evaporam. Sua economia está longe de ser tão dinâmica quanto se acreditava. Esse mito
começou a esvaziar com os escândalos Eron e Anderson. Boa parte do crescimento dos
anos 80 deixou um déficit comercial gigantesco de US$ 500 bilhões por ano e
dependência financeira de US$ 1,5 bilhão por dia. Em seguida, na marcha para a guerra,
veio o desmoronamento na área estratégica e diplomática. Os EUA ficaram isolados, em
minoria na ONU e perderam antigos aliados como a França e a Alemanha. Agora
descobrimos que mesmo a potência do exercito americano repousa em parte num mito.
Grade parte da potência militar americana é herança de fase anterior de poderio
econômico. Se a guerra durar no Iraque, vamos constatar que os EUA não têm mais os
meios financeiros e econômicos para esse tipo de ação. A dificuldade que os militares
americanos enfrentam a lentidão em colocar um dispositivo militar no Iraque, atacando
com forças insuficientes, já é uma medida de ineficácia econômica. Logística rima com
economia. Além disso, os EUA são vistos hoje como uma ameaça, que é vivida de
maneira diferente pelos diversos níveis da população. Os governantes franceses e
alemães vêem a ameaça militar, a desordem de abastecimento energético do Golfo para a
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Europa e o Japão. Mas para a população européia, e mesmo na Espanha, Itália e na
Europa do Leste, onde os dirigentes apóiam Washington, os EUA começam a ser vistos
como uma ameaça civilizadora. O conflito de civilização agora não é entre cristãos e
islâmicos como imaginava Samuel Huntington. É entre americanos e europeus no interior
do mundo cristão. É a combinação de fatores que tornam inevitável uma política de
defesa européia e uma provável aproximação com a Rússia.

Gazeta Mercantil - Qual o elemento chave da decomposição do sistema imperial


americano até agora?
Todd - É o “não” da Alemanha a guerra. O acontecimento mais importante nos últimos
anos é a recusa alemã de seguir os EUA, porque a realidade estratégica dos EUA no
mundo se apoiava no controle das duas maiores potências industriais exportadoras, a
Alemanha e o Japão, uma herança da Segunda Guerra Mundial. O importante no futuro é
se os europeus e os russos vão conseguir ser o contra-poder, se o Japão vai passar a uma
posição mais ativa.

Gazeta Mercantil - Ou seja, o problema para os EUA não é o Iraque.


Todd - Exato, a verdadeira ameaça para os Estados Unidos, que poderia colocar fim a
sua predominância, é a potência industrial européia e a potencia nuclear russa. Há uma
nova relação de força. O mundo precisa de um regulador central e a Europa pode tomar
esse papel dos americanos com o apoio dos países árabes, da Rússia, do Japão. Os EUA
não impediram a introdução do euro, a moeda comum que é uma ameaça muito mais
considerável para os EUA do que Saddam Hussein ou Bin Laden. O euro e a integração
européia são a verdadeira ameaça para a hegemonia americana. A função real dos EUA
era de regulação econômica central, com o dólar como moeda de reserva, e também
consumidor de última instância. Isso continua, mas chegamos a um ponto em que a
contribuição americana à prosperidade do mundo é negativa. Se o Estado americano
fosse predador, mas mantivesse a ordem mundial, ainda seria aceitável. Mas agora os
EUA são predadores e um fator de desordem, tanto militar quanto econômica. A situação
é curiosa, porque a equipe dirigente americana parece ter uma ação de desestabilização
do capitalismo mundial. E isso não é mais tolerável para as classes dirigentes japonesas,
européias.

Gazeta Mercantil - Como explicar a reação americana desdenhando a dupla franco-


alemã como “Velha Europa?”
Todd - Pelo temor de da emergência de uma política européia que, repito, começa a se
manifestar com a reativação da dupla franco-alemã. A Europa é muito mais potente do
ponto de vista industrial do que os EUA. Os EUA herdaram da guerra fria um aparelho
militar superdimensionado. Os europeus não gastaram muito para se equipar
militarmente, mas se tornaram uma enorme potência econômica.

Gazeta Mercantil - Mas a Europa está dividida sobre a guerra e apoio aos EUA,
inclusive entre os candidatos a adesão à U.E.
Todd - A Europa não está dividida. Há um pólo de inovação, que é a Alemanha e a
França, e uma periferia que vai se juntar a ele. Há de fato esse discurso de divisão da
Europa. Mas quando a Alemanha obedecia aos Estados Unidos, a única política externa
da Europa era se submeter a Washington. Agora, há uma desordem na Europa, e nela há

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a emergência de uma política. Mesmo países da periferia, que supostamente apoiavam os
EUA, começam a diminuir seus ardores.

Gazeta Mercantil - Mas não se pode ignorar que os EUA estão longe de perder a guerra
no Iraque e podem ter condições de impor a estabilidade global que desejar.
Todd - Não sabemos o resultado real da guerra. O mais provável será a vitória
americana, seguida de uma enorme anarquia mortal tanto para a população como para o
ocupante. Mas o custo estratégico da guerra para os americanos é mais elevado do que
todos os ganhos possíveis. E justamente em razão da autonomia da Europa e da
aproximação com a Rússia, foi que pode fazer surgir um verdadeiro contra-poder.

Gazeta Mercantil - O sr. não enterra cedo demais a economia americana, motor de
inovação, atraindo capitais e mão-de-obra qualificada?
Todd - Nos computadores portáteis eles são predominantes. Mas na aeronáutica, a
Airbus supera o Boeing, no telefone portátil estão atrasados, metade dos satélites
enviados para o espaço são lançados pela Ariane. O mito dos EUA está sendo derrubado.
Nos próximos meses vão convergir a problemática militar e econômica. A questão é saber
se os EUA têm meios de fazer uma guerra que dure muito. Nunca vimos um país com
enormes déficits fazer guerra por longo tempo no outro lado do mundo. Vivemos uma
situação estranha, porque a realidade é que os EUA vão muito mal. Os próprios
americanos descobrem que dependem cada vez mais do resto do mundo, pois não podem
viver de sua própria produção. É como nos desenhos animados, em que um personagem
corre, chega num abismo e continua a correr no vazio, até olhar para cair e então cair.
Se examinarmos o que é realmente a economia americana, ela tomba. Essa tentativa de
demonstração de potência militar no Iraque é uma questão para os estrategistas e
para os psicanalistas. Cada vez que os EUA têm o sentimento de está forte, o dólar sobe.
Cada vez que parece frágil, o dólar cai. É como se a defesa do dólar fosse exercida pelo
Exército.

Gazeta Mercantil - Sua posição não reflete o típico antiamericanismo dos franceses?
Todd - Eu sou de uma tradição intelectual americana quando abordo esse tema. Ao falar
do declínio do sistema imperial americano, estou longe de ser original. Sou contra o
antiamericanismo. Mas é preciso entender o que se passa. Os EUA foram indispensáveis
ao equilíbrio do mundo, mas hoje não são mais. Foram indispensáveis na luta contra o
nazismo, na contenção do comunismo, mas o problema hoje é que os totalitarismos
desaparecem, a Rússia se transforma em sistema representativo. No momento mesmo em
que os EUA não são mais indispensáveis no mundo, eles percebem que não podem mais
dispensar o mundo, porque precisam de quase tudo.

Gazeta Mercantil - Como explicar a força dos ditos neoconservadores na administração


americana?
Todd - Os neoconservadores têm uma ideologia típica do declínio, se refugiando na
religião. É o fenômeno da falsa consciência. É curioso esse cruzamento estranho, de um
lado Bush e congressistas rezando, e de outro lado so terroristas islâmicos. A diferença é
que nos países mulçumanos, os fundamentalistas reagem à modernização. Isso produz
crise de transição violenta, mas numa fase de ascensão cultural, de desenvolvimento, é
quase como um adeus à religião. Já nos Estados Unidos, o fundamentalismo que
observamos é mais um produto de declínio.
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A Gazeta Mercantil de 4-5-6 de abril de 2003 publica um interessante estudo
sobre O Pensamento da Direita, de Luís Carlos Maciel de São Paulo:
“Em 1995, em plena Guerra Fria, Simone de Beauvoir publicou, no seu livro
‘Privilèges’, um ensaio intitulado ‘La Pensée de Droite, Aujourd’hui’, em que procura
traçar a evolução do pensamento da direita, desde seus fundamentos nas interpretações
da História de Oswald Spengler e Arnold Toynbee, até os direitistas franceses da época.
As analises de Beauvoir podem ser sintetizadas em algumas características
fundamentais. A primeira delas era um pessimismo que contrastava com o otimismo que
marcou a ascensão das classes médias. Spengler, para começo de conversa, anuncia a
morte da cultura ocidental. Há nele uma visão catastrófica da História que vêm de
Nietzsche. A civilização ocidental descobre que ela é mortal. Mas Spengler acredita que
ela poderá sobreviver por meio de uma forma contemporânea de cesarismo. Não deu
outra.
O pensamento de direita reage à própria paranóia em termos de um novo
cesarismo totalitário. É preciso enfrentar a ameaça designando um inimigo responsável e
se dedicar a destruí-lo. Nos anos cinqüenta, esse inimigo era claro – o comunismo,
materializado na União Soviética. O principal suposto da filosofia de direita é a
desigualdade; logo, o projeto da igualdade é considerado patológico, contrario à
natureza humana –e o que esse projeto promete é um verdadeiro apocalipse. “O
marxismo quer a minha morte”, dizia Thierry Maulnier.
Como era possível, então, que alguns seres humanos fossem de esquerda?
Alguns, como Arthur Koestler, tinham explicações filosóficas: o problema era uma
“fadiga de sinapse”, um enfraquecimento das conexões entre as células do cérebro dos
esquerdistas, coitados. Mais a explicação mais comum era psicológica: a origem da
esquerda é a frustração, por não deter o poder, e o ressentimento, conforme Max Scheler
proclamou e, depois, Raymond Aron e Monnerot repetiram.
Ainda hoje, dizem que o antiamericanismo que se espalha por quase todos os
países do mundo, é resultado da inveja.
Segundo Monnerot, no próprio título de seu livro, o comunismo é ‘O Islã do
século XX’. Hoje, numa simples reversão, poder-se-ia dizer que o islamismo é que é o
comunismo do século 21. Ambos expressam um mal metafísico. Informa Beauvoir que,
para Paul Claudel, por exemplo, condenar a exploração do homem pelo homem é tolice
porque o homem ‘pede’ para ser explorado. Não basta, portanto, segundo Claudel,
defender a ordem estabelecida; ele sustenta que ela merece o apoio divino, nada menos.
Beauvoir conclui que algum tipo de mística é necessário para a direita – e o próprio Deus
é invocado para sancionar seus objetivos, como Bush gosta de fazer.
Finalmente, nossa autora menciona um personagem fundamental; James
Burnham. De quem se trata? ‘Ele é americano: ele quer que a América domine o mundo’
–ela resume, já em 1955.
Sim, James Burnham foi o ideólogo que abriu caminho para a doutrina da
hegemonia americana absoluta dos atuais neoconservadores. Foi ele que exigiu uma
estratégica mais agressiva contra a União Soviética, uma estratégia que deveria
substituir a de contenção (‘détente’) que era a política oficial dos Estados Unidos. Ele a
chamou de ‘liberation’; seu obejetivo: não mais a paz, mas a vitória. Os atuais direitistas
americanos atribuem a essa estratégia, preconizada por Burnham, o colapso da União
Soviética e o fim da Guerra Fria.
Burnham era, na juventude, um intelectual de esquerda, um comunista mesmo,
de tendência trotskista que, portanto, se opunha à União Soviética stalinista. Ele
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colaborava na ‘Partisan Review’, era amigo de Sidney Hook e, em 1941, publicou um
livro, ‘The Managerial Revolution’, que previa a substituição tanto de capitalistas e
comunistas pelos ‘gerentes’. Já nessa época, Burnham afirmava que os Estados Unidos
viriam a ser o herdeiro do Império Britânico que estaria por se desintegrar
inevitavelmente.
O livro seguinte de Burnham, ‘The Machiavellians’, propunha uma ciência
política baseada nas idéias de Niccolo Machiavelli, Gaetano Mosca, George Sorel e
Vilfredo Pareto, segundo a qual, toda política é uma luta por poder entre grupos e
indivíduos; assim, o objetivo supremo da elite política é simplesmente a manutenção do
poder e se seus privilégios. É isso que conta. 1944 marca uma virada fundamental na
carreira de Burnham. Ele é contratado para fazer uma análise dos objetivos dos
soviéticos, no pós-guerra, para a OSS (Office of Strategic Services) do governo
americano – e suas conclusões seriam publicadas, sob o título de ‘The Struggle for the
World’, em 1947. Nele, afirmava que o comunismo soviético ameaçava dominar o mundo
e que os Estados Unidos deviam usar a estratégia adequada para evitá-lo. O inimigo
soviético encabeçava uma conspiração mundial que utilizava todos os meios ao seu
encalce e para qual a política de apaziguamento, contenção, dos Estados Unidos era
totalmente impotente e equivalia, mesmo, a um verdadeiro ‘suicídio’. A ‘détente’ seria
uma fórmula infalível para a vitória soviética e tinha de dar lugar a uma estratégia que
visasse ‘a destruição do poder comunista’. A essa nova estratégia agressiva e implacável,
chamou de uma política de ‘libertação’.
Como ela deveria agir? Contribuindo para piorar os problemas econômicos da
URSS, estimulando o descontentamento nas massas russas, encorajando defecções do tipo
Tito, fomentando divisões, etc. As semelhanças com a presente estratégia americana em
relação ao Iraque não são mera coincidência.
O anticomunismo de Burnham se acentuou com a passagem do tempo. Em 1954,
ele já escrevia ‘The Web of Subversion’, que denunciava a penetração comunista no
próprio governo americano, já, portanto em estilo abertamente paranóico. Em sua
coluna, na famigerada ‘National Review’, ele recomenda o uso de armas de destruição
em massa, nucleares e químicas no Vietnã, e, no que se diz respeito ao Oriente Médio,
escrevia que, se os Estados Unidos tivessem de escolher entre o petróleo e Israel,
devia escolher o primeiro, sem hesitar. Ele comenta o movimento pacifista americano
como uma reunião de comunistas e inocentes úteis e ataca Eleanor Roosevelt, Harry
Truman, George Keenan, j. Robert Oppenheimer e Linus Pauling por ajudar os
comunistas. Em suma: torna-se um radical de direita – um tipo que se denuncia quando,
inteiramente paranóico, começa a descobrir comunistas debaixo da própria cama.
O medo abriu os olhos de Burnham para o futuro. Ele, inclusive previu a
ascensão de um poder imperial, nos Estados Unidos, que viria romper o delicado
equilíbrio constitucional do país, estabelecido pelos chamados ‘Founding Fathers’, num
livro ousado, ‘Congress and the American Tradition’de 1959 – ou seja, ele praticamente
descreveu, antecipadamente, a obra atual de George W. Bush e seus colaboradores. Para
Burnham, os Estados Unidos possuem o poder econômico, político e militar para
assegurar sua hegemonia – e sua única limitação seria a falta de vontade em usar esse
poder. Bush e seu grupo partem desse suposto. Ele tem a vontade de usar o poder.
James Burnham morreu em 1987, de câncer. Dois anos depois houve a queda do
muro de Berlim. O êxito de sua estratégia começou a frutificar num novo pensamento da
direita nos Estados Unidos que resultou no surgimento dos chamados neoconservadores.

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Seus nomes estão se celebrizando: Bush filho, Dick Cheney, Donald Rumsfeld,
Condoleeza Rice, Colin Powell, Paul Wolfowitz, Willian Kristol, Richard Perle, Paula
Dobriansky, etc. A maioria faz parte do governo de Bush.
Não Kristol. Ele é editor da revista ‘The Weekly Standard’, publicada por Rupert
Murdoch, proprietário da ‘Fox News’ e os tablóides ‘New York Post’ e ‘The Sun’, os
veículos da mídia americana que mais apaixonadamente apóiam Bush e sua guerra. Em
1997, Kristol, apoiado por todos os acima mencionados, criou o ‘Projeto para um Novo
Século Americano’ (PNAC) que preconiza abertamente o domínio do mundo pelos
Estados Unidos através da força econômica e militar. O que assistimos, no momento, é a
execução desse PNAC –Project for a New American Century’.
Os neoconservadores são falcões ferozes. Não admitem que os Estados Unidos
faça acordos, assine tratados, etc; não acham que fique bem para sua posição
hegemônica absoluta no planeta. Assim Bush recusou-se a assinar o Tratado de Kioto e
abandonou o Tratado de Mísseis Antibalísticos, entre outras demonstrações de
arrogância. Os neoconservadores acreditam que os Estados Unidos devem resolver os
problemas internacionais pela força das armas. Assim Bush solicitou e conseguiu um
aumento para as forças armadas – e continua a pedir mais dinheiro para os custos
militares. O que, claro, agrada ao Pentágono.
Naturalmente, não fossem eles pensadores da direita, os neoconservadores
alimentam seu tipo próprio de paranóia e a disseminam no povo americano. James
Burnham tinha medo dos comunistas. Por causa de sua teoria, ou não, a Guerra Fria
acabou, a União Soviética acabou e, naturalmente, acabou também a conspiração
comunista. Mas o pensamento da direita precisa de algum tipo de paranóia foi ele que
iniciou a moda das teorias de conspiração. Os descendentes de Burnham precisavam,
portanto, de uma nova ameaça – e a descobriram: é o terrorismo. Já se observou que,
para tornar viável os audaciosos objetivos de domínio total do planeta, dos
neoconservadores, se não tivesse havido o 11 de setembro, seria preciso inventá-lo.
Graças a ele, declararam ‘guerra ao terrorismo’, suprimiram as liberdades democráticas
no interior dos Estados Unidos e atacaram o Iraque sem consideração às Nações Unidas.
E com o apoio popular! O pensamento da direita se alimenta basicamente do
medo. A paranóia atinge, hoje, nos Estados Unidos, níveis inimagináveis, principalmente
num país tão poderoso, graças à ação deliberada do governo. Toda semana, o FBI
anuncia o perigo de ataques terrorista, o tal alerta laranja é acesso, o país inteiro é
submetido a intenso policiamento. Embora, além do misterioso 11 de setembro, nunca
mais tenha acontecido nada! Tudo se passa como se o atentado às torres tivesse sido um
ardil inconfessável para criar as condições necessárias para a realização dos objetivos
dos neoconservadores. Não admira que, num país dominado por uma paranóia aguda,
setenta por cento da população apóiem Bush e sua guerra.
Segundo a psiquiatria, há um tipo de paranóia, o declínio de interpretação, que
se caracteriza pela alteração do significado da realidade. O paranóico a adapta aos seus
próprios desejos e emoções; para justificar seu medo, descobre em indícios fortuitos e
vagos um ‘sentido claro’. Por outro lado, tal tipo de paranóia ainda se caracteriza pela
conservação da clareza mental e, em termos psiquiátricos, pela ‘ausência de prejuízo
demencial’, o que lhe confere uma aparência de normalidade. Essa descrição clínica cai
como uma luva em Bush e seu grupo de falcões.”

52
Breve história do Imperialismo Americano
(Kcom Journal – 15/ 10/ 01 –via internet)

Desde 1945 os Estados Unidos interviram em mais de 20 países. Desde a


Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos lançaram bombas em 23 países. Estes
incluem China(1945-1946), Coréia (1950-1956), China( 1950-53), Guatemala (1954),
Indonésia (1958), Cuba (1959-60), Guatemala (1960), Congo (1964), Peru (1965) , Laos
(1964-1973), Vietnã (1961-73) , Camboja (1969-70) , Guatemala ( 1967) ,
Granada(1983) , Líbano (1984), Líbia (1986), El Salvador (1980), Nicarágua (1980),
Panamá (1989), Iraque (1991-99), Afeganistão (1998) e Iugoslávia (1999).
No pós Segunda Guerra os Estados Unidos ajudaram na perpetração de mais de
20 golpes de estado através do mundo; a CIA foi responsável pelo assassinato de meia
dúzia de chefes de estado.

Eis um sumário da estratégia imperialista americana desde 1890:

Argentina –1890 –tropas enviadas a Buenos Aires para proteger interesses econômicos
americanos.
Chile –1891 –fuzileiros navais enviados para esmagar rebeldes nacionalistas.
Haiti –1891 –tropas americanas suprimiram revolta de operários negros na ilha
Navassa, reclamada pelos Estados Unidos.
Havaí –1893 –marina enviada para suprimir o reinado independente; Havaí anexada
aos EE. UU.
Nicarágua –1894 –tropas ocuparam Bluefields, cidade no mar do Caribe, durante um
mês.
China –1894/ 95 –Marinha, Exército e Fuzileiros Navais desembarcam durante a guerra
sino-japonesa.
Coréia –1894 /96 –tropas permaneceram em Seul durante a guerra.
Panamá –1895 – Exército, Marinha e Fuzileiros Navais desembarcaram no porto de
Corinto.
China –1894 /1900 –tropas ocuparam a China durante a Rebelião Boxer.
Filipinas –1898 /1910 – Marinha e Exército desembarcam após a queda das Filipinas na
guerra hispano-americana: 600.000 filipinos foram mortos.
Cuba –1898 /1902 –tropas sitiaram Cuba na guerra hispano-americana: os Estados
Unidos mantêm soldados na base militar de Guantânamo até hoje.
Porto Rico –1898/ até o presente –tropas sitiaram Porto Rico na guerra hispano-
americana e lá permanecem até hoje.
Nicarágua –1898 - Fuzileiros Navais invadem o porto de San Juan del Sur.
Samoa –1899 –tropas desembarcaram em conseqüência de batalha pela sucessão do
trono.
Panamá –1901/ 14 –marinha apoiou a revolução quando o Panamá reclamou a
independência da Colômbia; tropas americanas ocuparam a Zona do Canal desde 1901,
quando teve início a construção do canal.
Honduras –1903 –Fuzileiros Navais desembarcaram e interviram na revolução.
República Dominicana –1903/ 04 –tropas invadiram para proteger interesses
americanos durante a revolução.
Coréia –1904/ 05 - Fuzileiros Navais desembarcaram durante a guerra russo-japonesa.
Cuba –1906/ 09 –tropas desembarcaram durante uma eleição.
53
Nicarágua –1907 –tropas invadiram e impuseram um protetorado.
Honduras –1907 – Fuzileiros Navais desembarcam durante a guerra de Honduras com a
Nicarágua.
Panamá –1908 - Fuzileiros Navais enviados durante uma eleição.
Nicarágua –1910 - Fuzileiros Navais desembarcam pela 2º vez em Bluefields e Corinto.
Honduras –1911 –tropas enviadas para proteger interesses americanos durante guerra
civil.
China –marinha e tropas enviadas durante repetidos combates.
Cuba -1912 –tropas enviadas para proteger interesses americanos em Havana.
Panamá –1912 –Fuzileiros Navais ocuparam o país durante eleição.
Honduras –1912 - tropas enviadas para proteger interesses americanos.
Nicarágua –1912/ 33 –tropas ocuparam o país e combateram guerrilheiros durante 20
anos de guerra civil.
México –1913 –marinha recolheu americanos durante a revolução.
Rep. Dominicana –1914 –marinha luta contra rebeldes em Santo Domingo.
México –1914/ 18 –marinha e tropas intervêm contra nacionalistas.
Haiti –1914/ 34 –tropas ocuparam o Haiti após uma revolução e lá se mantiveram
durante 19 anos.
Rep. Dominicana –1916/24 - Fuzileiros Navais ocuparam o país durante oito anos.
Cuba –1917/ 33 –tropas desembarcaram e permaneceram durante 16 anos; Cuba torna-
se protetorado econômico.
1º Guerra Mundial –1917/ 18 - Marinha e Exército combatem as potencias do Eixo na
Europa.
Rússia –1918/ 22 –marinha e tropas enviadas à Rússia Oriental para combater a
Revolução Bolchevista; o exército realizou cinco desembarques.
Honduras –1919 - Fuzileiros Navais em Honduras durante as eleições.
Guatemala –1920 –tropas ocuparam o país por duas semanas durante greve operária.
Turquia –1922 –tropas combateram nacionalistas em Smirna.
China –1922/ 27 -Marinha e Exército deslocados durante a revolta nacionalista..
Honduras –1924/ 25 –tropas desembarcaram duas vezes durante eleição nacional.
Panamá –1925 –tropas enviadas para debelar greve geral.
China –1927/ 34 - Fuzileiros Navais ficam estacionados durante sete anos através do
país.
El Salvador –1932 –navios de guerra deslocados durante revolta FMLN comandadas por
Marti.
2º Guerra Mundial – 1941/ 45 – militares combatem potência do Eixo Roma/ Berlim/
Tóquio.
No Dia “D” – 06/06/1944 – americanos e seus aliados invadem a França somente porque
percebem que os russos estavam ganhando a guerra sozinhos. Estrategicamente, a
invasão foi contra a Rússia.
Iugoslávia –1946 –marinha na costa do país em resposta a um avião abatido.
Uruguai –1947 –bombardeiros enviados para um show de força militar.
Grécia –1947/ 49 –operação dos Estados Unidos garantem vitória da extrema direita
nas"eleições”.
Alemanha –1948 –militares destacados durante o Bloqueio de Berlim; ponte aérea durou
444 dias.
Filipinas –1948 –CIA dirige guerra civil contra revolta Filipino Huk.
Porto Rico –1950 –militares ajudam a esmagar rebelião de independência em Ponce.
54
Guerra da Coréia –1950/ 53 –militares intervêm na guerra.
Iran –1953 –a CIA orquestrou a derrubada de Mossadegh, democraticamente eleito, e
restaurou o Xá no poder.
Vietnam –1954 –os Estados Unidos oferecem armas aos franceses na batalha contra Ho
Chi Minh e o Vietminh.
Guatemala –1954 –a CIA derruba Arbenz, democraticamente eleito, e impõe o Coronel
Armas no governo.
Egito –1956 - Fuzileiros Navais enviados para evacuar estrangeiros depois que Nasser
nacionalizou o Canal de Suez.
Líbano –1958 –Marinha apóia o Exército na ocupação do Líbano durante sua guerra
civil.
Panamá –1958 –tropas desembarcam após demonstração dos panamenhos ameaçando a
Zona do Canal.
Vietnam –1950/ 75 –Guerra do Vietnam.
Cuba –1961 –a CIA dirigiu a fracassada invasão da Baía dos Porcos, objetivando
derrubar Fidel Castro.
Cuba –1962 –Marinha isola Cuba durante a crise dos mísseis.
Laos –1962 –militares ocupam o Laos durante guerra civil contra guerrilhas do Pathet
Lao.
Panamá –1964 –tropas enviadas a panamenhos mortos enquanto protestavam contra a
presença americana na Zona do Canal.
Indonésia -1965 –CIA orquestrou golpe militar.
Rep. Dominicana –1965/ 66 –tropas enviadas durante eleição nacional.
Guatemala –1966/ 67 –Boinas Verdes invadem o país.
Cambódja –1969/ 75 –militares enviados depois que a guerra do Vietnam se expandiu ao
Cambódja.
Oman –1970 –Fuzileiros Navais desembarcaram preparando invasão ao Iran.
Laos –1971/ 75 –americanos bombardeiam a região rural durante guerra civil laociana.
Chile –1973 –CIA orquestrou o golpe que matou o presidente Allende, eleito
democraticamente, e ajudou na instalação do regime militar sob o General Pinochet.
Cambódja –1975 –28 americanos mortos na tentativa de resgatar a tripulação do
Mayaquez, que tinha sido seqüestrada.
Angola –1975/92 –CIA ajuda rebeldes na África do Sul na luta contra Angola marxista.
Iran –1980 –fracassou a tentativa americana de resgatar 52 reféns mantidos na
Embaixada Americana em Teerã.
Líbia –1981 –caças americanos abateram dois caças líbios.
El Salvador –1981/92 –CIA, tropas e assessores colaboram na luta contra a FMLN.
Nicarágua –1981/90 –CIA e NSC dirigem a guerra contra os sandinistas.
Líbano –1982/ 84 –Fuzileiros Navais ocuparam Beirute durante a guerra civil. 241
fuzileiros foram mortos em atentado ao quartel americano; Reagan retirou suas tropas
para o Mediterrâneo.
Honduras –1983 –tropas enviadas para construir bases em regiões próximas à fronteira.
Granada –1983/ 84 –invasão americana derrubou o governo de Maurice Bishop.
Iran –1984 –caças americanos abateram dois aviões iranianos no Golfo Pérsico.
Líbia –1986 –aviões americanos bombardeiam alvos em Trípoli e cercanias.
Bolívia –1986 –Exército americano ajuda tropas bolivianas em incursões nas áreas de
cocaína.
Iran –1987/ 88 -Estados Unidos intervêm ao lado do Iraque na guerra contra o Iran.
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Líbia –1989 –marinha abate mais dois jatos líbios.
Ilhas Virgens –1989 –tropas desembarcam durante revolta popular.
Filipinas –1989 –força aérea deu cobertura ao governo durante o golpe.
Panamá –1989/ 90 –27.000 americanos desembarcam para destruir o Presidente
Noriega; mais de 2.000 civis panamenhos mortos.
Libéria –1990 –tropas entraram no país para evacuar estrangeiros durante guerra civil.
Arábia Saudita –1990/ 91 –tropas americanas destacadas para a Arábia Saudita, que era
a base militar na guerra contra o Iraque.
Kuwait –1991 –tropas intervieram no Kuwait para repelir Saddam Hussein. Mais de
13.000 iraquianos trucidados.
Somália –1992/ 94 –tropas ocupam o país durante guerra civil. .
Bósnia –1993/ 95 –Força Aérea bombardeia a “zona proibida aos aviões” durante
guerra civil na Iugoslávia.
Haiti –1994/ 96 –Marinha e tropas americanas bloqueiam o país contra o militar no
Haiti. CIA restaurou Aristide no poder.
Zaire –1996/ 97 -Fuzileiros Navais enviados à área dos campos de refugiados Hutus,
onde a revolução congolesa começou.
Albânia –1997 –tropas deslocadas durante evacuação de estrangeiros.
Sudão - 1998 –mísseis americanos destruíram o centro industrial farmacêutico onde se
supunha que componentes do “gás nervoso” eram fabricados.
Afeganistão –1998 –mísseis lançados contra supostos campos de treinamento terroristas.
Iugoslávia –1999 –bombardeios e ataques com mísseis afetados pelos Estados Unidos e
OTAN conjuntamente, durante onze semanas contra Milosevic; não é conhecido o número
de inocentes massacrados.
Iraque –1998/ 2001 –mísseis lançados contra Baghdad e outras grandes cidades
iraquianas durante quatro dias. Jatos americanos patrulham a “zona proibida aos
aviões” e prosseguem os ataques contra alvos iraquianos desde dezembro de 1998.

Contra a guerra
José Saramago*

Eles acreditavam que nós tínhamos nos cansado de protestar e que havíamos lhes
deixado livres para seguir na sua alucinada carreira pela guerra. Eles se enganaram.
Nós, os que hoje estamos nos manifestando, aqui e em todo o mundo, somos como aquela
pequena mosca que, obstinadamente, volta uma e outra vez a fincar seu ferrão nas partes
sensíveis da besta. Somos, em palavras populares, claros e precisos, para que entendam
melhor, a mosca do poder.

Eles querem a guerra, mas nós não vamos deixá-los em paz. Nosso compromisso,
ponderado nas conseqüências e proclamado nas ruas, não lhes fará perder vigência e
autoridade (nós também temos autoridade), nem a primeira bomba nem a última que
venha a cair sobre o Iraque.

Não achem, os senhores e as senhoras do poder, que nos manifestamos para salvar a vida
e o regime de Saddam Hussein. Eles mentem com todos os dentes que têm na boca. Nós
nos manifestamos, isso sim, pelo direito e pela justiça. Nós nos manifestamos contra a lei

56
da selva que os Estados Unidos e seus aliados antigos e modernos querem impor ao
mundo. Nós nos manifestamos pela vontade de paz, de gente honesta e contra os
caprichos belicistas de políticos ambiciosos e o que lhes falta em inteligência e
sensibilidade. Nós nos manifestamos contra o concubinato dos Estados com os
superpoderes econômicos de todo o tipo que governam o mundo. A Terra pertence a
todos os povos que a habitam, não àqueles que, com o pretexto de uma representação
democrática e descaradamente pervertida, afinal, lhes exploram, manipulam e enganam.
Nós nos manifestamos para salvar a democracia em perigo.

Até agora, a humanidade tem sido sempre educada para a guerra, nunca para a paz.
Constantemente nos aturdem as orelhas com a afirmação de que, se queremos paz
amanhã, não teremos mais remédio a não ser fazer a guerra hoje. Não somos tão
ingênuos para acreditar em uma paz eterna e universal, mas, se os seres humanos têm
sido capazes de criar, ao longo da história, belezas e maravilhas que nos dignificam e
engrandecem, então é tempo de botar a mão na mais maravilhosa e charmosa de todas as
tarefas: a incessante construção da paz. Mas que essa paz seja a paz da dignidade e do
respeito humano, não a paz de uma submissão e de uma humilhação que diversas vezes
vêm disfarçadas com máscaras de uma falsa amizade protetora.

Já é hora de as razões da força deixarem de prevalecer sobre a força da razão. Já é hora


do espírito positivo da humanidade que somos dedicar-se, de uma vez, a sanar as
inúmeras misérias do mundo. Essa é sua vocação e sua promessa: não pactuar com
supostos ou autênticos “eixos do mal”.

Bush, Blair e Aznar estavam falando sobre o divino e o desumano, seguros e tranqüilos
em seu papel de poderosos feiticeiros, especialistas em truques e conhecedores eméritos
de todas as propagandas enganosas e de falsidade sistemática, quando, um despacho
oval, onde se encontravam reunidos, informou a terrível notícia de que os EUA haviam
deixado de ser a única grande potência mundial. Antes que Bush pudesse pôr a primeira
carta na mesa, o vosso presidente, José Maria Aznar, foi rapidamente declarar que essa
nova grande potência não era a Espanha: “Te juro, George”, disse: “Meu Reino Unido
também não”, completou rapidamente Blair, para combater a nascente suspeita de Bush.
“Se não é tu, quem é, então?”, perguntou Bush. Foi Colin Powell, mal acreditando no
que estava pronunciando sua própria boca, quem disse: “A opinião pública, senhor
presidente”.

Já devem ter compreendido que essa historinha é uma simples invenção minha. Peço,
portanto, que não lhe dêem importância. Mas que atentem para o que já é evidência para
todos, a mais exaltadora e feliz evidência destes conturbados tempos: os encantamentos
de Bush, Blair e Aznar, sem querer, sem propô-lo, por suas más ações e piores intenções,
têm feito surgir, espontaneamente, um gigantesco, um imenso movimento de opinião
pública, um novo grito de “Não passarão” que com as palavras “Não à guerra” corre o
mundo. Não há nenhum exagero em dizer que a opinião pública mundial contra a guerra
se converteu em uma potência com a qual o poder tem que contar.

Nós enfrentamos deliberadamente aos que querem a guerra. Dizemos: “Não”. E se ainda
assim seguem empenhados em seu demente afã e desencadeiam, uma vez mais, os cavalos
do apocalipse, então lhes avisamos desde agora que esta manifestação não é a última,
57
que continuaremos os protestos durante todo o tempo que dure a guerra, inclusive mais
adiante, porque, a partir de hoje, já não se tratará simplesmente de dizer “Não à
guerra”. Trata-se de lutar todos os dias e em todas as instâncias para que a paz seja uma
realidade, para que a paz deixe de ser manipulada como uma realidade, para que a paz
deixe de ser manipulada como um elemento de chantagem emocional e sentimental com
que se pretende justificar guerras. Sem paz, sem uma paz autêntica, justa e respeitosa,
não haverá direitos humanos. E sem direitos humanos, todos eles, um a um, a democracia
nunca será mais do que um sarcasmo, uma ofensa à razão.

Nós que estamos aqui somos uma parte da nova potência mundial. Assumimos nossas
responsabilidades. Vamos lutar com o coração e o cérebro, com a vontade e a ilusão.
Sabemos que os seres humanos são capazes do melhor e do pior. Eles (não preciso agora
dizer seus nomes) escolheram o pior. Nós escolhemos o melhor!

* Intervenção do escritor português José Saramago, na manifestação contra a guerra em


Madri, no dia 15 de março.

58
AMÉRICA LATINA
“Que a América se descubra a sí mesma. Y quando digo América, me refiero
principalmente a la América Latina que ha sido despojada de tudo, hasta del nombre, a lo
largo de cinco siglos del proceso que la puso al servício del processo ajeno: nuestra
América Larina (...)
En nuestros dias la conquista continua... La mision purificadora de la
Civilization no en mascara ahora el saque del oro, ni da plata: tras las banderas del
Progresso, avanzan las legiones de los piratas modernos, sin garfio, ni parche al ajo, ni
de palo, grandes empresas multinacionales que se alazan sobre el uranio, el petroleo, el
niquel, el maganesco, el tugstenio...” (Eduardo Galeano)

“Este ouro causará infinitas traições; será imposto aos homens, levando-os a
cometer assassínios, latrocínios e perfídias; escravizará as cidades livres; sacrificará
milhares de vidas; será o flagelo da Terra.” (Leonardo da Vinci –cit. Por Jose Lins
Rego)

“Aqueles que vazaram os olhos do povo, o recriminam por sua cegueira”. (John
Milton)

A América Latina
Do livro As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano.

“Há dois lados na divisão internacional do trabalho: um em que alguns países


especializam-se em ganhar, e outro em que se especializam em perder. Nossa comarca do
mundo, que hoje chamam de América Latina, foi precoce: especializou-se em perder
desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se abalançaram pelo mar
e fincaram os dentes em sua garganta. Passaram-se os séculos, e a América Latina
aperfeiçoou suas funções. Este já não é o reino das maravilhas onde a realidade derrota
a fábula e a imaginação era humilhada pelos troféus das conquistas, as jazidas de ouro e
as montanhas de prata. Mas a região continua trabalhando como um serviçal. Continua
existindo a serviço de necessidades alheias, como fonte de reserva de petróleo e ferro,
cobre e carne, frutas e café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países ricos que
ganham, consumindo-os, muito mais que a América Latina produzindo-os (...)
É a América Latina a região das veias abertas. Desde o descobrimento até os
nossos dias, tudo se transforma em capital europeu ou, mais tarde, norte-americano, e
como tal tem-se acumulado e se acumula até hoje nos distantes centros do poder. Tudo, a
terra, seus frutos, suas profundezas ricas em minerais, os homens e sua capacidade de
trabalho e consumo, os recursos naturais e os recursos humanos. O modo de produção é
a estrutura de classes de cada lugar têm sido, sucessivamente, determinados de fora, por
sua incorporação a engrenagem universal do capitalismo. A cada um dá-se uma função,
sempre em benefício do desenvolvimento da metrópole estrangeira do momento, e a de
dependências sucessivas torna-se infinita, tendo muito mais de dois elos, e por certo,
também incluindo, dentro da América Latina, a opressão dos países pequenos por seus

59
vizinhos maiores, e, dentro das fronteiras de cada país, a exploração que as grandes
cidades e portos exercem sobre suas fontes internas de mão-de-obra. (...)
Para os que conhecem a História como uma disputa, o atraso e a miséria da
América Latina são resultados de seu fracasso. Perdemos, outros ganharam; ganharam
graças ao que nós perdemos: a história do subdesenvolvimento da América Latina, como
já se disse, é a história do desenvolvimento do capitalismo mundial. (...)
Incorporadas desde sempre à constelação do poder imperialista, nossas classes
dominantes não têm o menor interesse em averiguar se o patriotismo poderia ser mais
rentável do que a traição, ou se a mendicância é a única forma possível de política
internacional. Hipoteca-se a soberania porque ‘não há outro caminho’; os álibis da
oligarquia confundem interessadamente a impotência de uma classe social com o
presumível vazio do destino de cada nação. (...)
O sistema é muito racional do ponto de vista de seus donos estrangeiros e de
nossa burguesia de intermediários que vendem a alma ao diabo por um preço que teria
envergonhado Fausto.”

Diz um antigo ditado que “a desgraça do protegido é o protetor” isto acontece,


por exemplo, com a criança adotada com qualquer outra finalidade que não o profundo
desejo de ter filhos e dar-lhes amor. A pessoa que a adota, socialmente considerada seu
protetor, às vezes não é mais do que um algoz. Muitas vezes, para a criança, não encontrar
um protetor teria sido melhor ou menos trágico, pois adotada para outros fins, ser-lhe-á
implantada, talvez para sempre, o espírito de dependência e subserviência em nome de
uma gratidão infundada, injustificada.
Será que nossa América vai continuar a ser a criança dependente que nunca terá
capacidade nem coragem de “crescer” e tomar seu destino em suas mãos?
Será que nossa América Latina vai continuar como uma mulher que tem um marido
perverso, mas que não tem capacidade e coragem de tomar uma atitude, se resignando ao
refrão “ruim com ele, pior sem ele?”
Demos uma olhada uma olhada nas relações mantidas entre a América Latina e
seu “protetor”, os EUA, segundo a obra de Gérson Moura:

“‘Os Estados Unidos são praticamente soberanos neste continente, e sua ordem
é lei para os súditos nas áreas em que intervêm’. Esta frase, dita por um alto funcionário
americano durante uma disputa sobre a Venezuela em 1985, sintetiza uma política para a
América Latina que iria vigorar pelo século XX afora. O que o governo americano
proclamara como intenção em 1823, com a doutrina Monroe, virou realidade no final do
século XIX e início do século XX. (...)
Nessa diversidade complexa chamada América Latina (...) consolidava-se, em
meados do século XIX, aquilo que alguns autores chamam de ‘um novo pacto colonial’.
Feita a independência nas primeiras décadas do século, isto é, abolido o velho pacto
colonial, os países latino-americanos ajustaram sua estrutura produtiva na direção dos
países industriais mais avançados, tornando-se em geral fornecedores de bens primários
(agrícolas ou minerais), e comprando deles bens de consumo industriais. A este ‘novo
pacto colonial’ soma-se, ao final do século, um permanente fluxo de capitais que chegava
sob a forma de empréstimos ou investimentos diretos.(...)
Uma certa industrialização havida no final do século XIX na América Latina foi
insuficiente para conferir um impulso próprio ao crescimento econômico, além de se dar
em forma altamente concentrada, beneficiando certos grupos sociais, determinadas
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regiões dentro de cada país e alguns ramos da atividade econômica. O resultado geral foi
o aprofundamento da dependência da economia latino-americana aos países mais
industrializados, especialmente Grã-bretanha, Estados Unidos, França, Alemanha (nessa
ordem os maiores exportadores de capital para o nosso continente) (...)
Os esforços de articulação política entre eles (países latino-americanos) foram
sempre débeis e parciais, a começar pela célebre Conferência do Panamá, convocada por
Simon Bolívar em 1826, à qual se seguiram as conferências de Lima (1847/ 48), Santiago
do Chile (1856) e Lima (1864/65). Cada um desses encontros se deu por reação de algum
tipo de ameaça externa, européia ou norte-americana, sobre o continente. Mas a fraca
representatividade e a falta de unidade de propósito, somadas à ausência de qualquer
mecanismo que regulasse as diferenças ou rivalidades dentro do Continente, acabariam
por impedir uma articulação latino-americana eficaz. Essa articulação seria afinal
realizada pelos EUA como instrumento de uma política exterior, a partir de 1890, por
meio do movimento pan-americano.
As grandes definições de política exterior americana no século XIX são bem
conhecidas. Em 1823, um discurso do presidente Monroe fixou duas diretrizes,
conhecidas daí por diante como Doutrina Monroe. (...) A doutrina continha duas
afirmações fundamentais: 1º- os EUA não permitiriam a reconciliação da América pelas
políticas européias. 2º- os EUA defenderiam o direito dos povos americanos à
autodeterminação nacional.(...) Nesse momento, a Doutrina Monroe traduzia mais uma
intenção do que uma realidade, mas já apontava para um papel internacional que os
EUA se reservavam (...); surgiu uma expressão que iria marcar, se não a política de
expansão, pelo menos o clima intelectual em que ela se dava. Tratava-se do ‘Destino
Manifesto’, expressão jornalística que se popularizou rapidamente e que via a expansão
territorial americana como um processo ilimitado que não se deteria nas praias da
Califórnia. (...)
Antes mesmo que se iniciasse a expansão nos oceanos, já começavam a se
formar o clima de oposição pública e as justificativas religiosas, políticas e econômicas
da nova expansão. (...)
Difundida pelo conjunto da sociedade americana, a noção de civilização
superior tornou-se também um argumento para políticas estatais de cunho
intervencionista e expansionista. É o caso do famoso Corolário de Roosevelt à Doutrina
Monroe em 1904 na presidência de Theodoro Roosevelt. Nele, os EUA aparecem como
depositário dos interesses coletivos (internacionais) e representativos do mundo
civilizado:
‘Incidentes crônicos, a incapacidade (de certos governos)... Podem, na América,
como em outros lugares, requerer a intervenção de uma nação civilizada, e, no hemisfério
ocidental, a adesão dos Estados Unida à Doutrina Monroe, pode forçá-los, mesmo contra
sua vontade, a exercer poderes da polícia internacional em casos claros de incidentes ou
incapacidades.’
Nesta definição de política exterior, a Doutrina Monroe, supostamente defensora
da não intervenção estrangeira na América Latina – constituiu-se um pilar do direito de
intervenção americana no continente (...); a implantação da democracia à americana no
continente, mais que uma necessidade, seria um dever dos estadistas de Washington. A
célebre frase do presidente Wilson: ‘Eu me proponho a ensinar as Repúblicas da América
do Sul a elegerem homens bons’, não implicava apenas a convicção de que os EUA
possuem um padrão de ‘bondade’ política, mas significava também a disposição de

61
intervir nos países latino-americanos para assegurar uma identidade política aceitável a
seus olhos.(...)
Que ‘a América para os americanos’ constituía uma articulação destinada a
assegurar a hegemonia política dos EUA no continente já ficaria claro na década de
1890. Em 1895 Washington impôs sua arbitragem numa disputa entre a Venezuela e a
Grã-bretanha, e em 1898 iniciou-se sua expansão além-mar, a partir de uma guerra
contra a Espanha. No primeiro caso, o governo viu numa disputa de limites entre
Venezuela e Guiana Inglesa a oportunidade de impor-se a uma potência européia sob a
alegação (real ou fictícia) de que essa potência estava intervindo no continente e poderia
transformar uma nação americana em colônia. Foi no contexto dessa imposição que o
secretário de Estado Olney disse a famosa frase: ‘Hoje em dia os EUA são praticamente
soberanos nesse continente. ’(...)
Nos vinte anos que se seguiram ao episódio do canal do Panamá, a intervenção
norte-americana em países do Caribe, e o crescimento de sua presença econômica no
restante do continente constituíram a regra básica das relações EUA-América Latina.
Uma grande variedade de situações definia a natureza e duração da intervenção:
presença de tropas para defender a propriedade e os bens de norte-americanos;
‘protetorado’ financeiro com ocupação das alfândegas; apoio ou repulsa explícitos a
políticos para favorecer os interesses econômicos ou estratégicos; e ocupação direta e
administração de países ‘instáveis’ (...)
A reação latino-americana... da Argentina, cujo chanceler Luiz Drago propôs
aos EUA o princípio de que ‘a dívida pública não pode ser causa de intervenção armada,
e, menos ainda, de ocupação material do solo de nações americanas por uma potência
européia’... Conhecida como 'Doutrina Drago’, o princípio não foi considerado pelo
governo Roosevelt. Este não somente aceitava o princípio da intervenção, como o
reservava, no caso do continente americano, para seu uso exclusivo. (...)
No final da década de 30 (na política de ‘boa vizinhança’) surgiu a proposta que
poderíamos chamar de ‘industrialização limitada’ e que pensava em empréstimos em
longo prazo para investimentos produtivos. O crescimento da produtividade industrial
latino-americana resultaria em aumento das exportações e no cumprimento tanto de suas
obrigações financeiras quanto comerciais, além de ampliar as relações comerciais com
os EUA. Esta abordagem estabelecia, porém, limites estreitos ao desenvolvimento
industrial latino-americano (...) O esforço de guerra dos EUA bloqueou certas iniciativas
de desenvolvimento latino-americano, e fez com que as suas economias voltassem ao seu
status anterior de fornecedores de matéria-prima (...); projetos de ajuda econômica e
financeira aos países latino-americanos estiveram rigidamente condicionados à definição
das necessidades do esforço de guerra americano. O que mais se desenvolveu no período
de guerra foi a aquisição de material estratégico, cuja produção total era absorvida pelas
empresas e pelo governo americano, mas cujos preços freqüentemente se colocavam
abaixo dos níveis do mercado internacional.
(...)
A Conferência Interamericana do México em fevereiro-março de 1945 (foi)
destinada a determinar a posição dos países latino-americanos na nova ordem
internacional (...) na qual se enfrentaram duas concepções antagônicas. Alguns países
latino-americanos queriam debater a melhor política para se obter o desenvolvimento
econômico, com ênfase na industrialização e numa política de proteção ao mercado
interno; para isso, visualizavam a necessidade da presença do Estado na vida econômica
e pensavam nos EUA como fonte de recursos para grandes empreendimentos, via
62
empréstimo de governo a governo (como fora o caso da usina siderúrgica de Volta
Redonda, no Brasil). Os EUA insistiam nos princípios consagrados em Bretton Woods :
não discriminação, abolição de práticas comerciais restritivas, redução de barreiras
alfandegárias, eliminação do nacionalismo econômico, tratamento justo à empresa
privada e conseqüente desestímulo à ação com intervenção do Estado na economia.
Nos anos seguintes, a mesma coisa. Na conferência do Rio de Janeiro em 1947,
o Secretário de Estado George Marshall disse francamente que o governo americano
estava concedendo prioridade à reconstrução européia e, portanto, a América Latina não
poderia esperar muita ajuda americana. Em 1998, na Conferência de Bogotá, a mesma
cantilena. (...)
A insistência norte-americana nos ataques ao nacionalismo econômico e à
intervenção estatal na América Latina tinha mais do que uma motivação ideológica, tinha
o propósito claro de proteger e assegurar os interesses privados norte-americanos –
um modelo de livre competição no qual a força do capitalismo americano prevalecia em
toda a linha no continente.
O máximo que se permitiu foi a montagem de programas de assistência técnica,
freqüentemente ligados ao fornecimento de produtos acabados de indústrias norte-
americanas aos vizinhos do sul. Um exemplo... o Programa Ponto Quatro (1949 ).
O Ponto Quatro era uma espécie de primo pobre do Plano Marshall; este era um
programa posto em ação na Europa desde 1947 com a finalidade de recuperar a
economia européia abalada pela guerra, e se contrapor à influência soviética. O
contraste entre o Plano Marshall e o Ponto Quatro era cruel: o primeiro dispunha de
US$ 3,1 bilhões de dólares, enquanto o segundo teria US$ 35 milhões. O primeiro
emprestava e doava com vistas ao reerguimento da economia industrial do Primeiro
Mundo; o segundo propunha-se a fornecer programas de assistência técnica e a
desenvolver a exploração de matérias-primas nas ‘áreas atrasadas’. No Brasil, por
exemplo, o Ponto Quatro interessou-se em programas de saúde e treinamento industrial,
e também na prospecção de minérios, alguns dos quais particularmente raros, como o
manganês, tório, urânio...
O Ponto Quatro era uma expressão clara do papel que a América Latina
representava aos olhos de Washington. Preocupado com suas recém assumidas
‘responsabilidades mundiais’, o governo americano se empenhava, através de múltiplas
agências civis e militares, numa investigação de caráter quase planetário, sobre recursos
do solo e do subsolo. O Ponto Quatro, entre outras coisas, fazia parte desse esforço. A
América Latina deveria continuar a ser uma área fornecedora de matérias-primas vitais,
e receptora amável de capitais americanos. (...)
Em 1946, um diplomata brasileiro resumiu nos seguintes objetivos a política
americana para o continente: consolidar uma frente anti-russa, eliminar os centros de
propaganda antiamericana e organizar politicamente a defesa do hemisfério. O
Secretário de Defesa, Patterson foi ainda mais claro ao definir em 1947, as políticas de
seu país como um meio de criar na América Latina ‘um flanco estável, seguro e amistoso’
de modo a promover a segurança nacional dos EUA. (...)
No plano de relações bilaterais, desde 1945 ocorreram acertos para
fornecimento da armas, treinamento de oficiais e envio de missões militares no
continente. Os países latino-americanos passaram a adotar modelos de organização e de
técnicas militares dos EUA e a padronizar seus armamentos segundo a matriz norte-
americana. (...)

63
Em 1947... Conferência Interamericana do Rio de Janeiro para discutir um tratamento
sobre assistência recíproca em caso de alguma ameaça de agressão (...) conhecida como
TIAR (Tratado Internacional de Assistência Recíproca). (...)
O TIAR deveria ajudar os objetivos estratégicos dos EUA na América Latina, a
saber: manter um fluxo contínuo de matérias-primas essenciais, assegurar a estabilidade
política para garantir aquele afluxo contínuo de matérias-primas, manter aberta a
possibilidade de utilização de bases latino-americanas por forças americanas, proteger
linhas de comunicação, e finalmente, assegurar o apoio latino-americano às posições
internacionais dos EUA. Pode-se perceber que o TIAR não era propriamente um tratado
de defesa hemisférica, mas um canal de articulação da hegemonia político-militar dos
EUA sobre o conjunto do continente.(...)
Com o governo Eisenhower , nos anos 50, praticamente nada mudou: se os
capitais privados americanos tivessem liberdade de ação, o desenvolvimento latino-
americano fluiria naturalmente. Políticas nacionalistas (como a de Perón) eram vistas
com desconfiança e até animosidade em Washington. Também com desconfiança eram
tratados os esforços industrializadores latino-americanos. Iniciativas originadas ao sul
do continente em matéria de desenvolvimento econômico, ou morriam no nascedouro,
como os primeiros apelos pela integração econômica latino-americana, ou eram
‘cozinhados em fogo lento’ até se derreterem no esquecimento, tal como ocorreu com a
OPA (Operação Pan-americana) proposta pelo presidente Kubitschek. (...)
O envolvimento americano na guerra da Coréia, a partir de 1950, acentuou a
necessidade de garantir o suprimento de materiais estratégicos latino-americanos, nos
ganchos da ‘defesa hemisférica’. Daí um reforço de assistência militar para certos países
do continente, com os quais se estabeleceram tratados bilaterais de segurança mútua (...)
Esses tratados forneciam assistência militar, o que incluía treinamento e equipamentos
(em especial material recondicionado ou excedente nos estoques norte-americanos). Até
meados da década de 60 mais de dois bilhões de dólares tinham sido utilizados nesses
programas. (...)
Nos anos 50, a luta contra o ‘comunismo internacional’ continuou ocupando os
melhores esforços políticos de Washington. A revolução boliviana de 1952, que produziu
um governo de centro-esquerda, teve a imediata oposição de Washington, que suspendeu
indefinidamente qualquer ajuda econômica ao país, e só mudou de posição quando um
governo moderado assumiu o controle da situação. (...)
Uma pequena mudança ocorreu ao final do período Eisenhower graças a dois
acontecimentos marcantes: a visita do presidente Nixon a sete países latino-americanos
em 1958, e a vitória da revolução cubana em 1959. No primeiro caso a hostilidade de
vários grupos (especialmente na Venezuela) à visita do vice-presidente reforçou nos EUA
o ponto de vista liberal de que as relações de Washington com o resto do continente
deveriam sofrer uma revisão de prioridades (...). No segundo caso, o da revolução
cubana, o governo Eisenhower começou a mudar sua retórica, passando a apoiar a
reforma social e um certo papel do Estado na promoção do desenvolvimento econômica
como parte de uma estratégia maior para obter apoio latino-americano contra o regime
revolucionário cubano.(...)
O terremoto político provocado pela revolução cubana não afetou somente os
países latino americanos, mas também as relações deles com os EUA. Sob a liderança do
presidente John Kennedy, o governo americano procurou atacar o problema cubano em
duas frentes distintas, mas interligadas: primeiro, tentando sufocar o regime
revolucionário e isolar sua influência, impedindo a proliferação de seu exemplo pelo
64
continente; segundo, buscando uma articulação política da América Latina em novas
bases.(...) Para isso, o governo Kennedy lançou mão de dois métodos complementares:
por um lado, financiando forças contra-revolucionárias e de aparatos repressivos que
deveriam acabar com o regime fidelista e evitar outras Cubas no continente; de outro
lado, procurando arrancar dos cubanos a bandeira da reforma e até da revolução social,
dando início a um amplo programa de ajuda econômica conhecido como Aliança para o
Progresso. O sobressalto da revolução cubana e o impulso reformista americano
duraram menos de uma década. Controlados os efeitos laterais mais virulentos da
revolução, a tendência dos anos 70 foi novamente tornar por conhecido que tudo ia bem
para as bandas do sul e que os novos programas de segurança (agora chamados de
contra-insurgência) seriam suficientes para manter a paz no continente. (...)
O governo Kennedy pôs em ação um ambicioso plano de assistência à América
Latina, a Aliança para o Progresso, com a finalidade de ‘transformar o continente
americano num campo de idéias e esforços revolucionários’ e ‘demonstrar ao mundo
interiro que o progresso econômico e a justiça social podem ser melhor obtidas no
quadro das instituições democráticas’. (...)
A esperança suscitada no continente foi muito grande, e o próprio Fidel Castro
estimou em 1961 que a Aliança era um esforço positivo, embora modesto, no sentido de
promover mudanças sociais na América Latina. (...)
O que mais se realizou no quadro da Aliança foram programas de assistência
imediata. (...); esses programas da Aliança para o Progresso mal ultrapassaram o nível
do assistencialismo, ou então estiveram rigidamente subordinados aos interesses dos
poderosos locais ou regionais. Não se pode falar de contribuição significativa da Aliança
ao desenvolvimento econômico, menos ainda à reforma das estruturas sociais, ou à
manutenção da democracia política.
Do ponto de vista do fortalecimento da democracia, a Aliança tornou-se rapidamente um
instrumento político destinado a sustentar os governos pró-americanos e a desestabilizar
os antiamericanos ou neutros. (...)
Muita tinta já se derramou para explicar por que razoes a Aliança não
promoveu o que anunciou. Entre outras, podemos lembrar as seguintes: 1º - embora
comprometida com mudanças em longo prazo (dez anos), a Aliança deu prioridade
àqueles investimentos de retorno publicitário rápido, essencial para manter em alta a
imagem do governo Kennedy, dentro e fora dos EUA; 2º -a burocracia estatal americana
envolvida na Aliança, inclusive a burocracia do Departamento de Estado, não via com
bons olhos um programa que procurava se afastar de tradicionais amigos dos EUA (elites
conservadoras, latifundiários, etc.). Muitos funcionários envolvidos na execução da
Aliança pensavam como Morrison, representante americano na OEA, para quem os
latino-americanos eram analfabetos e não tinham tradição democrática. Para ele, o
perigo maior era o comunismo, o processo de desenvolvimento era intrinsecamente
perigoso do ponto de vista político e o mais importante era o fortalecimento do aparato
policial para a manutenção da ordem. Para esse alto funcionário, Frondiri na Argentina,
quadros de Goulart no Brasil, assim como suas assessorias, eram ‘agentes encobertos de
Castro’, e intoleravelmente neutros na política interamericana. 3º - segundo os
programas da Aliança, as oligarquias latino-americanas deveriam receber os recursos
americanos para promover a reforma agrária, o progresso social urbano e a
democratização do sistema político, isto é, passar uma corda em torno de seu próprio
pescoço e pendurar-se numa árvore. Evidentemente elas não estavam dispostas a
desempenhar esse papel e não o desempenharam. (...)
65
Nas formulações iniciais da Aliança, a ordem e a segurança constituíam uma
condição para que a reforma das estruturas sociais e a manutenção da democracia
política se dessem pacificamente. Aos poucos, ordem e segurança foram ocupando a
parte central do palco e se tornando o próprio objetivo das realizações da Aliança (...) O
compromisso a longo prazo com a democracia permitia uma racionalização do apoio a
curto prazo a governos autoritários e anticomunistas. Ou, vendo do outro lado, regimes
de centro-esquerda, nacionalistas ou excessivamente independentes em sua política
exterior constituíam um problema a ser resolvido em curto prazo. (...)
...ao mesmo tempo em apoiava programas de reforma social, o governo
Kennedy punha em ação programas para ensinar os governos do sul a lidar com
movimentos ‘subversivos’ ou revolucionários, especialmente as guerrilhas. Convencido
de que os movimentos de libertação nacional tinham vínculos com os soviéticos (ou que
estes se utilizavam daqueles movimentos em seu jogo de poder mundial), o governo
Kennedy pôs ênfase num vasto programa de operações de contra-insurgências que
deveriam ser levados a efeito pelas forças policiais e militares latino-americanas. (...)
Quando John Kennedy foi assassinado em 1963 e Lyndon Johnson assumiu a
presidência, a Aliança reformista agonizava. Johnson promoveu o seu enterro deu um
tônico à Aliança repressiva. Àquela altura, a revolução cubana parecia não mais
constituir um perigo, e as atenções dos EUA se voltavam para o sudeste asiático, onde
centenas de milhares de soldados combatiam um inimigo invisível no Vietnam. O fluxo de
recursos para a América Latina cristalizou-se no fortalecimento das condições para o
capital privado e na ajuda aos regimes militares estabilizadores, o que significou uma
maior ajuda aos esforços de contra-insurgências.(...)
Animados pelo exemplo cubano, mas certamente desvinculados da URSS ou
mesmo de partidos comunistas locais, os movimentos guerrilheiros que surgiam no Peru,
Guatemala, Bolívia, Colômbia e Uruguai na primeira metade dos anos 60, foram
combatidas por forças treinadas e equipadas pelos EUA. Ao findar-se o mandato de
Johnson em 1968, os primeiros movimentos tinham sido controlados ou destruídos. (...)
Em 1984, Washington manifestou ‘preocupação econômico-sociais’ ao criar a Comissão
Kissinger, encarregada de fazer um diagnóstico sócio-econômicos da América Central. A
comissão reconheceu que a crise se enraizava em profundo autoritarismo e injustiças de
longa data na região. O governo Reagan ficou mesmo com a repressão. (...)
Foram totalmente diferentes as respostas latino-americanas à crise centro-americana. O
diagnóstico latino-americano aponta para causas estruturais, sócio-econômicas e
reforma social, e não por meios militares. Por isso, mesmo, México, Panamá, Venezuela e
Colômbia criaram no início de 1983 o ‘Grupo Contadora’ para buscar uma solução
pacífica e negociada para a crise. Também a América Latina reagiu em peso,
condenando a sabotagem dos portos e o boicote econômico aplicado pelos EUA à
Nicarágua em 1985. Naquele mesmo ano, Argentina, Brasil, Uruguai e Peru formaram o
‘Grupo de Apoio a Contadora’ para reforças e ação mediadora latino-americana. A
política norte-americana do apoio formal aos esforços da Contadora e de sabotagem
prática desses esforços, mediante a contínua provisão de recursos para a ação dos
‘contras’, acabou por bloquear a ação pacificadora.(...)” (Gérson Moura)

Quanto à política de repressão a movimentos nacionalistas e de “independência”


com relação aos EUA, feitos através da “infiltração” norte-americana nas forças policiais
e militares dos países latino-americanos, teremos uma melhor explicação com Martha
66
Huggins. “Convencidas” do grande “perigo vermelho” e outros monstros, as forças
criadas para defender os interesses e a soberania de cada país se transformavam em
defensoras dos interesses econômicos e políticos norte-americanos, em “apêndices” da
política externa dos EUA:

“Contribuindo para criar um clima de crise e de temor que justificasse a


necessidade de ajuda norte-americana à segurança interna, as ideologias de contenção
da Guerra Fria mantiveram-se fortes até a década de 1990, mesmo quando a ideologia
anti-insurrencional da Guerra Fria foi, cada vez mais, sendo substituída pelo discurso do
antiterrorismo, do controle do narcotráfico e do crime organizado. (...)
O verdadeiro objetivo da ajuda às polícias estrangeiras tem sido bem outro, o de
ganhar o controle político da segurança interna dos países beneficiários pelo aumento da
informação disponível para o país treinador - ou seja, os Estados Unidos -, e pela
expansão de sua influência sobre os sistemas de segurança interna dos governos
anfitriões. (...); ao invés de um recurso apolítico de transferência internacional de
tecnologia –como tem sido descrita muitas vezes a ajuda norte-americana a polícias
estrangeiras –o treinamento de polícias estrangeiras tem sido utilizado quase que
exclusivamente para promover interesses e objetivos políticos específicos da segurança
nacional dos Estados Unidos. (...)
...embora a sustentação ideológica da ajuda a polícias estrangeiras tenha sido
alterada com mudanças geopolíticas do sistema mundial (...) o objetivo de ajuda continua
sendo o de transformá-las em ‘correias de transmissão’ da política externa dos Estados
Unidos e os interesses econômicos a políticos no exterior. No decorrer do processo, esses
programas proporcionam um mecanismo para a penetração dos Estados Unidos em
países estrangeiros através de seus sistemas policiais, tornando as polícias estrangeiras
apêndices da política externa dos Estados Unidos - processo cujas raízes políticas e cujos
objetivos relacionados à política externa remontam ao século passado. (...)
O propósito fundamental da ajuda dos EUA às polícias latino-americanas foi o
de atuar como mecanismo para ganhar o controle político sobre os sistemas de
segurança interna dos países beneficiários, e não o de fomentar a democracia (...). No
decorrer do processo, os sistemas policiais e os Estados dos países beneficiários
tornaram-se mais militarizados (...); esse recrudescimento do autoritarismo significou
sobrepor novas organizações híbridas de segurança integradas pelas Forças Armadas e a
polícia interna aos órgãos policiais existentes, todos eles subordinados às Forças
Armadas nacionais e legitimadas pela ideologia da segurança nacional. Isso importava
em burocratizar, racionalizar e rotinizar o sigilo, a fraude, a violência e o terror; tudo a
pretexto de ‘modernizar’ o controle social para proteger a segurança interna contra o
comunismo. (...)
Na década de 1930, Washington já havia aprendido que instituir e treinar a polícia de um
país estrangeiro dava aos Estados Unidos grande influência sobre sua política local.
Contudo, na década de 1930, a influência internacionalizadora norte-americana, através
da ajuda às polícias, tinha que ser indireta, se os EUA quisessem manter o papel que
afirmavam ter de ‘bons vizinhos’ da América Latina, e demonstrar sua ‘aversão ao uso
da força como instrumento de política exterior nacional ou internacional’. Como ‘bons
vizinhos’ da América Latina, os Estados Unidos haviam anunciado que respeitariam a
‘igualdade de soberania dos Estados e a justiça conforme a lei internacional... ’(...)
A criação (em 1947) da Organização Central de Inteligência (Central
Intelligence Agency) - CIA (...) estabeleceu um mecanismo para a centralização e
67
coordenação da coleta de informações no exterior. (...) Essa infra-estrutura contribuiria
para a transformação da ajuda norte-americana a polícias estrangeiras em um
mecanismo permanente para a internacionalização da segurança americana, sob
os auspícios ideológicos da defesa do ‘mundo livre’ mediante seu desenvolvimento
econômico e técnico.
(...)
A maior barreira para a introdução da ajuda norte-americana à segurança
interna na América Latina era convencer os governos de que precisavam dessa ajuda,
(...) como explicou um instrutor policial norte-americano: ‘procuramos ter um homem no
país, seja qual for o programa. Assim que temos um pé na porta, podemos forçar para
que abra inteiramente.’”

Vejamos também as opiniões bastante esclarecedoras das pseudoproteções dos


EUA à América Latina, opiniões mais valiosas por serem dadas por um professor norte-
americano, Noam Chomski, e não por um latino-americano ressentido:

“A estrutura convencional de interpretações tem servido muito bem aos


interesses daqueles que manejam as rédeas. (...)
A confrontação da Guerra Fria forneceu fórmulas fáceis para justificações
criminosas ao nível externo e o entrincheiramento do privilégio e do poder do Estado em
casa. Sem a necessidade inoportuna de consideração e evidência crível, apologistas em
ambos os lados puderam explicar reflexivamente que, mesmo lamentáveis, os atos foram
empreendidos por razões de ‘segurança nacional’ em resposta à ameaça do
superpoderoso inimigo, ameaçador e cruel. (...)
Um corolário útil é que os problemas enfrentados pelas vítimas de nossas
depredações – vietnamitas, cubanos, nicaragüenses e multidão de outros, são culpa deles
mesmos, pois qualquer coisa que tenhamos feito é hoje relegada à antiga e irrelevante
história. Uma postura idêntica tem sido freqüente, tão comum como as formas mais
tradicionais do colonialismo são trocadas por modos mais eficientes de subjugação.
À medida que a União Soviética desaparecia do cenário, o sistema doutrinal
adotou procedimentos padrão sem perder o rumo. Todo o registro histórico dos anos da
Guerra Fria deverá ser depositado nos arquivos, o quadro negro limpo do terror,
agressão, guerras econômicas e outros crimes que foram pagos com uma impressionante
mortalidade. Qualquer coisa que tenha acontecido é produto das tensões da Guerra Fria,
a ser escondido, não nos ensinando nenhuma lição sobre nós mesmo e não oferecendo
nenhum guia para o futuro, em cuja direção pretensiosamente marchamos, com as
cabeças erguidas, observando com desalento o declínio de nossas tradicionais vítimas,
com o intuito de atingir nossos altivos padrões morais e materiais. (...)
Hoje, ‘os motivos norte-americanos são grandemente humanitários’, declara o
historiador David Fromkin. O perigo atual é o excesso de benevolência; nós podemos
empreender ainda uma outra missão altruísta de misericórdia, fracassando em entender
que ‘há limites àquilo que os leigos podem fazer’ e que ‘as Forças Armadas que enviamos
ao solo estrangeiro por razões humanitárias’ podem não ser capazes de ‘salvar os povos,
de outros e de si mesmos’. (...)
Um exemplo revelador é a interpretação padrão atual da campanha de chacina,
tortura e destruição que os Estados Unidos organizaram na América Central ao longo
dos anos 80, com o intuito de demolir as organizações populares que estavam tomando
68
forma, em parte sob os auspícios da Igreja. Estas ameaçavam criar uma base para o
funcionamento da democracia, permitindo talvez ao povo dessa miserável região, há
muito sob o domínio do poder norte-americano, obter algum controle sobre suas vidas; e,
portanto, tinham de ser destruídas. Esse vergonhoso episódio de violência imperial é hoje
rotineiramente retratado como uma ilustração de nossos grandes ideais e de nosso
sucesso em levar a democracia e o respeito aos direitos humanos a essa região primitiva.
Houve alguns excessos, reconhece-se, mas esses são atribuíveis às tensões da Guerra
Fria, nas quais a região estava enredada - um absurdo que sempre foi mantida em
segredo, pronto para ser varrido quando necessário.
(...)
Para as antigas colônias, os princípios do planejamento global impunham que as
tendências de ‘ultranacionalismo’ deveriam ser suprimidas. Os interesses americanos
foram vistos como ameaçados por ‘regimes nacionalistas radicais’ que são sensíveis às
pressões populares por uma ‘melhora imediata nos baixos padrões de vida das massas’ e
desenvolvimento das necessidades domésticas. As razões são claras: tais tendências
conflitam com a necessidade de ‘um clima político e econômico conducente ao
investimento privado’, com a repatriação adequada dos lucros (Memorando 5432-1-
1954) e com a necessidade de ‘proteção de nossas matérias primas’ (Kennan). Em um
abrangente estudo político secreto em 1948, Kennan advertiu que ‘deveríamos parar de
falar sobre objetivos vagos e irreais tais como direitos humanos, aumento dos padrões de
vida e democratização’; devemos ‘lidar diretamente com os conceitos de poder’, não
‘atrapalhados por slogans’ sobre ‘altruísmo e benevolência mundial’, se tivermos de
manter a ‘posição de desigualdade’ que separa nossa enorme riqueza da pobreza dos
outros.
O impulso profundamente antidemocrático da política norte-americana no
Terceiro Mundo, com o recurso recorrente ao terror para marginalizar ou destruir a
organização popular, segue-se rapidamente da oposição de princípios ao ‘nacionalismo
econômico’ comumente uma conseqüência das pressões populares. Quase independente
da Guerra Fria, estas têm sido características salientes da política. Têm-se todas as
razões para crer em sua persistência. (...)
No planejamento do pós-guerra, o destino do Sul permaneceu em grande parte
como antes, agora dentro de uma estrutura geral do internacionalismo liberal,
modificado como necessário aos interesses dos investidores norte-americanos e seus
associados em outros lugares. O conflito entre a política norte-americana e o
desenvolvimento independente do Terceiro Mundo estava profundamente enraizado na
estrutura do sistema mundial. O recurso persistente à violência e à guerra econômica é
um acompanhamento natural desses princípios fundamentais.
Os princípios são expressos e perseguidos com particular clareza em relação à
América Latina, onde estavam completamente livres dos fatores de complicação. No
período inicial do pós-guerra, os Estados Unidos eram poderosos o suficiente para
realizar uma meta política que pode ser reconhecida nos primeiros dias de república:
derrotar os rivais imperiais e realizar as metas da Doutrina Monroe. Seu significado foi
explicado pelo secretário de Estado, Lansing, com um argumento que o presidente Wilson
achava ‘incontestável’, embora fosse ‘um apolítico’, o reconhecia, ao declarar
abertamente: ‘Os Estados Unidos consideram seus próprios interesses. A integridade de
outras nações americanas é um incidente, não um fim’ – assim como os interesses
do ‘rebanho desnorteado’ em casa. ‘O papel da América Latina na Nova Ordem
Mundial’, da era do pós-Segunda Guerra, observa o historiador Stephen Rabe, era
69
‘vender sua matéria prima’ e ‘absorver o capital excedente norte-americano’. Na
formulação do historiador sênior da CIA, Gerald Haines, a meta de Washington era
‘eliminar toda competição estrangeira’ da América Latina para, assim, ‘manter a área
como um importante mercado para a produção industrial excedente norte-americana e
investimentos privados, explorar suas grandes reservas de matéria-prima e manter o
comunismo internacional distante’; a inteligência não poderia encontrar nenhuma
evidência de que ele estava tentando ‘entrar’, mesmo se isso fosse uma possibilidade, mas
temos de ter em mente a compreensão tácita de que ‘comunismo’ inclui todos aqueles
diabos que incitam os pobres a ‘pilhar os ricos’ na frase de Dulles.
Os latino-americanos tinham, sem dúvida, metas diferentes. Advogavam o que
um oficial do Departamento de Estado descreveu como a ‘a filosofia do Novo
Nacionalismo (que) abraça políticos projetados para efetuar uma distribuição mais
ampla da riqueza e elevar o padrão de vida das massas’. Um outro consultor do
Departamento de Estado comentou que ‘o nacionalismo econômico é o denominador
comum das novas aspirações à industrialização. Os latino-americanos estão convencidos
que o primeiro beneficiário do desenvolvimento dos recursos de um país deveria ser o
povo daquele país. ‘Essas prioridades erradas chocavam-se diretamente com os planos
de Washington. A questão chegou a um ponto crítico na conferência hemisférica de
fevereiro de 1945, em que os Estados Unidos propuseram a ‘Carta Econômica das
Américas’ que pedia um fim do nacionalismo econômico ‘em todas as suas formas’. Os
primeiros beneficiários dos recursos de um país devem ser os investidores norte-
americanos e seus associados locais, não ‘o povo daquele país’. (...)
Na América Latina, as administrações Truman e Eisenhower se opuseram ao
‘desenvolvimento industrial excessivo’ que transgride os interesses americanos. Os países
latino-americanos teriam de complementar a economia norte-americana, mas não
competir com ela; em resumo, não um desenvolvimento independente guiado pelas
necessidades domésticas (...)... O nacionalismo independente...é inaceitável, qualquer que
seja sua colaboração política. A ‘função’ do Terceiro Mundo é fornecer serviços para
ricos, oferecendo trabalho barato, recursos, mercados, oportunidades para investimento
e (ultimamente) exportação de poluição, juntamente com outras mercadorias (refúgios
para lavagem de dinheiro das drogas e outras operações financeiras irregulares.)...”

Outro modo indireto de exploração e domínio em beneficio das multinacionais é


constituído pelos tratados de comércio que camuflam os verdadeiros interesses daquelas.
Vejamos uma explicação de Eduardo Galeano sobre esses tratados comerciais; é uma
explicação antiga, mas que continua atual:

“Há anjos que ainda crêem que todos os países terminam à beira de suas
fronteiras. São os que afirmam que os Estados Unidos pouco ou nada têm a ver com
integração latino-americana, pela simples razão de que os Estados Unidos não fazem
parte da Associação Latino Americana de Livre Comércio (ALALC), nem do Mercado
Comum Centro Americano. Como queria o libertador Simon Bolívar, dizem, esta
integração não vai além dos limites que separam o México de seu poderoso vizinho do
Norte. Os que sustentam este critério seráfico esquecem, interessante amnésia, que uma
legião de piratas, mercadores, banqueiros, marines, tecnocratas, boinas-verdes,
embaixadores e capitães-de-indústria norte-americanos se apoderaram, ao longo de uma
história negra, da vida e do destino da maioria dos povos do sul, e que atualmente
70
também a industria da América Latina faz no fundo do aparelho digestivo do Império.
‘Nossa’ união faz ‘sua’ força, na medida em que os países, ao não romperem previamente
com os moldes do subdesenvolvimento e da dependência, integram suas respectivas
servidões.(...) O desarmamento alfandegário que libera gradualmente a circulação de
mercadorias dentro da área da ALALC está destinado a reorganizar, em benefício das
grandes corporações multinacionais, a distribuição dos centros de produção e dos
mercados da América Latina. (...)
Em setembro de 1969 Henry Ford II anunciou no Rio de Janeiro, que desejava
incorporar-se ao processo econômico do Brasil, ‘porque a situação está muito boa. Nossa
participação inicial constituiu na compra da Willys Overland do Brasil’, segundo
declarou em entrevista coletiva à imprensa, e afirmou que exportava veículos brasileiros
para vários países da América Latina.(...)
A revista Fortune (junho de 1967) avaliava as ‘sedutoras oportunidades novas’
que o mercado comum latino-americano abre aos negócios do norte: ‘Em mais de uma
sala de diretoria, o mercado comum se está tornando um sério elemento para os planos
do futuro. A Ford Motor do Brasil, que faz os Galaxies, pensa tecer uma linda rede com a
Ford argentina que faz os Falcons e alcançar economias de escala produzindo ambos
automóveis para maiores mercados. A Kodac, que agora fabrica papel fotográfico no
Brasil, gostaria de produzir filmes exportáveis no México e câmeras e projetores na
Argentina.’E citava outros exemplos de ‘racionalização de produção’ e extensão de área
de operações de outras corporações.(...)
Raul Prebisch, vigoroso advogado da ALALC escrevia: ‘Outro argumento que
escuto com freqüência, do México até Buenos Aires, passando por São Paulo e Santiago,
é que o mercado comum vai oferecer à industrias estrangeira oportunidades de expansão
que hoje em dia não tem em nossos limitados mercados... Existe o temor de que as
vantagens do mercado comum sejam aproveitadas por essa indústrias estrangeira, e não
pelas industrias nacionais... Compartilhei deste temor, e dele compartilho, não por mera
imaginação, mas porque comprovei na prática a realidade deste fato... ’ Esta
comprovação não o impediu de assinar, algum tempo depois, um documento no qual
afirma que ‘ao capital estrangeiro corresponde, sem dúvida, um papel importante no
desenvolvimento de nossas economias’, a propósito da integração em marcha, propondo
a constituição de sociedades mistas, nas quais ‘o empresário latino americano participe
eficaz e eqüitativamente.’ Eqüitativamente? Há que salvaguardar é certo, a igualdade de
oportunidades. Bem dizia Anatole France que a lei, em sua magnífica igualdade, proíbe
tanto o pobre como o rico de dormirem sob as pontes, mendigarem nas ruas e roubarem
pão.”

São todos os países da América Latina fracos e incapazes de uma luta solidária
para se tornarem realmente independentes e soberanos. Todos sofrem, em maior ou menor
grau, o domínio poderoso da grande potência mundial. Para esta grande potência é fácil
dominar um ou outro que, sozinho, queira alcançar sua liberdade e autogoverno, inclusive
até provocando desuniões para melhor dominar, ou convencendo os demais da existência
de um grande mostro que estaria a nascer para engolir os demais. Mas essa grande
potência talvez recuasse um pouco se toda a América Latina se unisse para enfrentar, em
bloco, o seu império.
Essa união de países cujos povos têm a mesma origem latina, herdeira e
transmissora das grandes civilizações antigas, foi o sonho de Simon Bolívar, e de muitos
outros que realmente pensam em uma verdadeira independência e soberania.
71
Foi Simon Bolívar - um dos mais importantes líderes da independência das nações latino-
americanas que nos advertiu que “os Estados Unidos pareciam destinados pela
Providência a espalhar miséria pela América em nome da liberdade.” (cit. de Everaldo
Oliveira Andrade)
Como dizia José Ingenieros há anos, “toda a história contemporânea tende a
predizer o progresso da justiça social e a reunião dos débeis Estados afins em comunhão
poderosa. Uma ilustrada minoria da nova geração julga que os povos de nossa América
Latina estão predestinados a confederar-se numa mesma nacionalidade continental.
Afirma-o solenemente e parece disposta a tentar a rota, crendo que se não se cumprisse
tal destino, seria inevitável sua colonização, em virtude do poderoso imperialismo que há
cem anos a espreita.
Os homens envelhecidos não vêem a magnitude de ambos os problemas. Negam
a urgência de assentar sobre mais justa base o equilíbrio social; negam a necessidade de
solidarizar nossos povos, como garantia única de sua independência futura. (...)
O ideal presente de aperfeiçoamento político deve ser uma coordenação
federativa de grupos sociológicos afins, que respeite as suas características próprias,
harmonizando-as numa poderosa nacionalidade comum. Nenhuma convergência
histórica pareceu mais natural do que a Federação dos povos da América Latina.
Desagregados há um século pela incomunicabilidade e pelo feudalismo, já podem
projetar de novo o problema de sua futura unidade nacional que se estende desde o Rio
Bravo até Magalhães. Essa possibilidade histórica merece que se converta em ideal
comum, pois são comuns a todos os povos as esperanças de progresso e os perigos da
vassalagem. É hora de se repetir que, se não chegar a cumprir-se tal destino, seria
inevitável a sua colonização pelo imperialismo que os espreita: -a obliqua doutrina
Monroe, firme vontade dos Estados Unidos, exprime hoje a sua decisão de tutelar e
explorar a nossa América Latina, escravizando-a sem violência pela diplomacia do dólar.
São cúmplices a tirania política, o parasitismo econômico e a superstição religiosa, que
precisam manter divididos os nossos povos, explorando seus ódios recíprocos, em favor
dos interesses criados durante cem anos de feudalismo tradicional.”

Ao Brasil talvez pudesse caber a iniciativa, não para substituir os EUA


dominando, mas liderando um movimento de independência, ou procurando dar um
exemplo neste sentido.
Segundo o embaixador Lincol Gordon que chefiou as operações da deposição de
João Goulart, esta teria sido ‘uma grande vitória para o mundo livre’; sem esta vitória
poderia ter havido a ‘completa perda para o Ocidente de todas as repúblicas sul-
americanas’.
Isto significaria que ao Brasil seria reconhecida a capacidade de liderança, e isto
provoca temores ao grande Império?

Democracia terrorista
Um histórico do imperialismo dos Estados Unidos na América
(via internet –ignoro o autor)

Os Estados Unidos da América, desde sua fundação têm defendido a liberdade e a


democracia, defendido esse sistema político no seu país e no mundo, principalmente
quando se coloca como o maior exemplo de democracia do mundo. Seu sistema

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democrático divide a eleição em duas partes, uma direta e outra indireta, possuindo
entraves burocráticos que permitem o controle do resultado final das eleições pelo
processo de voto indireto por meio do chamado Colégio Eleitoral. Este órgão foi criado
em 1787, logo após a independência, juntamente com a constituição, para evitar que a
escolha do presidente ficasse a mercê do voto popular direto, garantindo o controle do
poder pela elite política do país, que temia novas revoltas sociais como a de Shays. Para
manter o caráter democrático, as eleições diretas têm de acontecer e elas ocorrem, mas o
Colégio Eleitoral é quem dá a última palavra. O caso mais recente de problemas que
essa forma de democracia provocou foi a crise gerada pela eleição de George W. Bush,
vitorioso sobre Al Gore, respectivamente dos partidos Republicano e Democrata.
A estrutura partidária também é bastante burocrática, permitindo que por mais de dois
séculos esses partidos se alternem no poder sem dar oportunidade a nenhum outro grupo
político. Logicamente esses dois partidos foram o resultado da divisão do poder entre as
duas tendências do grupo de líderes políticos que declarou a independência norte-
americana, fez a constituição dos EUA e criou a estrutura eleitoral, incluindo o Colégio
Eleitoral e a parte das eleições que são indiretas, além de outras regras que dificultam a
ascensão de novos partidos. Tudo isso para que essa elite nunca mais saísse do poder e
evitasse que outros grupos políticos pudessem vir a crescer e dominar a vida política da
nação.
Os EUA sempre foram o maior defensor da democracia e da liberdade de expressão,
pregando a luta pela autodeterminação dos povos. Mas, na prática, têm um currículo
invejável de atrocidades, guerras, conquistas, intervenções e ocupações militares, e
ainda, a manutenção de governos ditatoriais ‘fantoches’ no mundo todo, financiando ou
armando grupos políticos que representem seus interesses no país em questão.
A própria formação do território norte-americano está manchada de sangue de 1 milhão
de indígenas de diferentes tribos (creeks, choctaws, cherokees, sioux, apaches,
chiekasaws, seminolas), todas consideradas ‘inferiores’, que foram expulsas de suas
terras simplesmente exterminadas. A ‘Doutrina do Destino Manifesto’ justificava essa
‘carga’ ao homem branco norte-americano: civilizar outros povos, em especial os
chamados povos bárbaros, como os indígenas. As guerras expansionistas começaram
com a invasão da Flórida ocidental em 1812 (totalmente anexada em 1819), numa guerra
envolvendo a Espanha e sua aliada, a Inglaterra, que voltou a ser enfrentada em 1814
numa disputa por territórios ao norte. Em uma grande guerra iniciada em 1845 e
prorrogada de 1847 a 1848, contra o México, os Estados Unidos tomaram metade do
território mexicano, localizado hoje onde estão os estados do Texas, Califórnia, Novo
México, Arizona, Nevada, Utah e partes do Colorado, Kansas e Oklahoma. Não é à toa
que o presidente mexicano Porfírio Díaz declarou: ‘Pobre México! Tão longe de Deus e
tão perto dos Estados Unidos’.
Em 1867, os EUA adquiriram e anexaram o Alaska. Em 1869 invadiram as Ilhas Midway
e em 1887 ocuparam Pearl Harbor. Em 1898 (onde morreram 100 mil filipinos) após
uma grande guerra imperialista contra a Espanha na qual os estadunidenses saíram
vitoriosos e transformaram as Filipinas em colônia. Em 1899 ocuparam o arquipélago de
Samoa. Em 1916 os EUA anexaram as Ilhas Virgens. A Doutrina Monroe (1823), ‘a
América para os americanos’, serviria de justificativa para centenas de intervenções na
América Latina. No final do mesmo século e no início do séc. XX, a América Central
começaria a sofrer cada vez mais com o imperialismo estadunidense, que considerava
esta região seu quintal e ali interviria cada vez mais freqüentemente. Em 1898 e 1901 os
EUA ocupam a ilha cubana e a partir de 1901 impõem um protetorado sobre Cuba, que
73
incluía a ocupação militar da ilha e a construção de uma base naval ao sul de
Guantánamo. Até a nova constituição cubana autorizava a intervenção militar
estadunidense no país, através da Emenda Platt de 1901. Na ilha cubana os EUA
mantiveram seu domínio com governos fantoches entre 1901 e 1906, de 1909 a 1917,
entre 1924 a 1933 e foi governada pelo ditador Fungêncio Batista de 1934 até 1944 e de
1952 até 1959, alternado por outros governos fantoches. Entre os períodos onde Cuba foi
governada por representantes diretos dos interesses dos Estados Unidos a ilha foi
invadida e ocupada por tropas estadunidenses (1906-1909, 1912, 1912, 1917, 1921-1923,
1933).
O domínio estadunidense na ilha cubana só acabou com a Revolução de 1959 e o
posterior alinhamento de Cuba com os soviéticos (1961), mas, mesmo assim, os EUA
deram apoio a diversos grupos de oposição ao governo cubano, chegando a organizar o
desembarque na Baia dos Porcos, para onde enviou rebeldes cubanos e agentes da CIA
para depor Fidel Castro. Entre 1959 e 1966 a CIA chegou a organizar 24 planos
diferentes para assassinar Fidel Castro, desses 8 foram levados adiante mas fracassaram.
Através do seu serviço secreto, os EUA introduziram em Cuba diversas doenças e pragas
até então desconhecidas na ilha como peste suína africana, praga de arroz, doença de
Newcastle em aves, carvão e ferrugem da cana de açúcar, mofo azul do tabaco, ferrugem
do café, conjuntivite hemorrágica e dengue.
Os EUA fomentaram o separatismo da província do Panamá, até então território da
Colômbia, onde queriam constituir um canal ligando o Atlântico ao Pacífico. Em 1903
ocuparam o recém-criado território panamenho para construir ali o Canal do Panamá,
tomando parte do território deste país (a zona do Canal). O presidente dos EUA, Teodoro
Roosevelt, o ‘fundador’ deste país declarou apenas: ‘Eu tomei o Panamá’. O Panamá
seria ocupado até 1918, quando os EUA interviriam novamente no país. As tropas
estadunidenses só sairiam em 1999, tendo intervindo militarmente no país em outras
situações como 1923 1964 e 1989. Mais recentemente o Panamá foi governado por
ditaduras militares pró-EUA de 1968 a 1981 e de 1983 a 1989.
Em 1903, ocorre a primeira intervenção estadunidense na República Dominicana (na
época São Domingos). A República Dominicana é ocupada pelos exércitos
estadunidenses em 1905 e novamente entre 1916 e 1924, sendo que de 1905 até 1941 foi,
na prática uma colônia estadunidense, num período em que os EUA recolheram os
impostos do país para si. Foi governada pelo ditador Rafael Trujillo de 1930 a 1960,
representante dos interesses estadunidenses. Outras ditaduras financiadas pelos Estados
Unidos governaram o país de 1960-61 e 1963- 1965. A ilha foi invadida em 1965 por
tropas da OEA (Organização dos Estados Americanos) liderada por 22 mil soldados dos
Estados Unidos e uma nova ditadura pró-EUA foi implantada entre 1965 e 1978. Ainda
em 1903 os EUA invadiram Honduras pela primeira vez em nome das companhias norte-
americanas exportadoras de frutas como a United Brands e a United Fruit Co., que até
hoje controlam o país, fato que lhe rendeu o apelido de “República das Bananas”, depois
estendido a outros países da região.
O Haiti foi ocupado por tropas norte-americanas em 1914 e esse domínio continuou até
1936, passando posteriormente por governos fantoches que incluíram ditaduras entre
1946 e 1950, de 1956 até 1986 e de 1987-1990. Em 1991 os EUA voltaram a intervir no
país e em 1994 o Haiti foi novamente invadido por tropas estadunidenses, que colocaram
um novo governo no poder. Na Guatemala, os EUA apoiaram governos fantoches de
1906 até 1944. Derrubaram governos democráticos e implantaram ditaduras militares
com intervenções militares em 1954, durando até 1965, e novamente de 1970 a 1985.
74
Durante essas ditaduras fortemente repressoras, o país passou por grandes conflitos
internos entre o governo ditatorial pró-EUA e terroristas de direita, de um lado, e
guerrilheiros de esquerda do outro, numa verdadeira guerra civil. Teve como trágico
resultado cerca de 120 mil mortos, a maior parte civis ou membros da oposição.
Tropas norte-americanas invadiram a Nicarágua em1909 e novamente em 1912. Entre
1912 e 1933 a Nicarágua foi uma colônia norte-americana, constantemente ocupada
pelos marines. Um pequeno grupo de oposição formado por camponeses lutava contra a
ocupação, liderados por Sandino. Após esse período, os EUA entregaram o governo do
país para a família Somoza, que governou o país com uma forte e opressora ditadura de
1936 a 1979, sempre representando os interesses estadunidenses no país. A pedido do
embaixador norte-americano, Sandino foi assassinado durante o que deveria ser uma
reunião para negociação de paz em Manágua. Graças ao apoio estadunidense e a
corrupção generalizada, a família Somoza construiu uma fortuna de mais de 1 bilhão de
dólares, sendo proprietária, direta ou indireta de quase todas as terras do país.
O domínio estadunidense no país se estende até 1979, quando o novo governo, formado
por sandistas, tentou implantar um regime de tendências socialistas. Mas os EUA
financiaram guerrilheiros anti-sandinistas (os chamados ‘contras’), que juntamente com
o embargo norte-americano, arrasaram a economia do país e permitiram a subida ao
poder de um governo pró-EUA em 1990, após a morte de mais de 30 mil nicaragüenses. A
Nicarágua chegou a apelar para o Tribunal Penal Internacional contra a atitude norte-
americana, onde venceu, mas os EUA não aceitaram acabar com o crime contra esse
país, nem pagar as indenizações que o tribunal lhe impusera. Posteriormente a
Nicarágua pediu a ONU que votasse uma determinação para que todos os países
respeitassem o direito internacional e o principio de autodeterminação dos povos, mas os
EUA vetaram.
El Salvador passou por ditaduras de direita apoiadas pelos EUA entre 1931 e 1944, de
1960 a 1967, de 1968 até 1979. Durante essas ditaduras o país passou por intensos
conflitos sociais e uma verdadeira guerra civil entre guerrilheiros de esquerda e de
direita. Estes últimos, conhecidos pelo apelido de “O Batalhão”, apoiados pelo governo e
pelos EUA, foram responsáveis por alguns dos mais violentos massacres da América
Latina, não poupando velhos nem crianças. Muitas vezes os membros da oposição eram
presos pelo “batalhão”, torturados e depois arrastados pelas ruas da cidade até que toda
a carne se desprendesse dos ossos. Os EUA chegaram a invadir o país em em1979 para
“regularizar a situação” e colocar no poder uma nova ditadura, extremamente
repressora, nos anos seguintes (1980-82), mas permitindo que os mesmos grupos
permanecessem no poder até 1994. Estes longos conflitos, mais intensos no final dos anos
70 e início dos 80, resultaram em mais de 60 mil mortos, a maior parte da oposição.
Em 1980, os EUA apoiaram a ascensão de uma ditadura no Suriname. Em 1983 os EUA
invadiram a ilha de Granada para depor um governo de esquerda que contrariava seus
interesses, implantando um governo pró-EUA.
No México, os EUA realizaram outra intervenção militar em 1914, dando suporte para a
ascensão de governos autoritários, que formariam nos anos 20 o Partido Revolucionário
Institucional (PRI), passando a governar o México com um governo de partido único,
mas de fachada democrática, sempre apoiado pelos EUA. Este grupo político
permaneceu no poder até o ano de 2000. Como resultado, hoje os EUA comandam
praticamente toda a economia mexicana, em especial os recursos naturais, como
minerais metálicos e o petróleo, sendo que 95% das exportações de petróleo mexicano,
hoje, vão para os EUA.
75
Na Venezuela, um grande produtor de petróleo já no início do século XX, os EUA
financiaram ditaduras como a de Juan V. Gómez, que escancarou as portas da economia
venezuelana para as empresas petrolíferas norte-americanas de 1908 até sua morte em
1935. Os EUA mantiveram outras ditaduras no país de 1936 a 1945 e de 1949 até 1958.
Durante toda a Guerra Fria os EUA financiaram diversas ditaduras no mundo, mas
principalmente no seu quintal: a América Latina. Além das já citadas na América
Central, temos na América do Sul governos fantoches ‘democráticos’ que reprimiram
violentamente toda a forma de oposição, mas principalmente movimentos de esquerda na
Colômbia e na Venezuela (principalmente após os anos 60). Temos também ditaduras
implantadas com o apoio dos EUA no Equador, (1963-1968 e 1972-1979), no Peru
(1968-1980 e 1992-2001) e no Uruguai (1972—1984). Na Bolívia foram vários golpes e
governos ditatoriais nos períodos de 1952-1964, 1965-1966, 1969-1970 e 1971-1982. No
Paraguai, além da ditadura de direita apoiada pelos Estados Unidos de 1940a 1947, o
General Stroessner ficou no poder de 1954 até 1989, uma das mais longas ditaduras
militares da história.
No Chile, após um curto governo de tendências socialistas, formado pelos social-
democratas e socialistas chilenos, que nacionalizou as minas de cobre, o presidente
Allende foi morto no sangrento golpe de 11 de setembro de 1973, organizado pela
próprio CIA e com participação dos marines norte-americanos, onde até o palácio
presidencial de La Moneda e a residência do presidente Allende foram bombardeados.
Este golpe marca o início de uma violenta ditadura liderada por Pinochet que durou até
1990, sustentado pelos escusos interesses estadunidenses.
Na Argentina (1966-1973 e 1976-1984), da mesma forma, os militares que dirigiram o
país foram responsáveis por milhares de desaparecimentos políticos, casos de torturas,
estupros, assassinatos e espancamentos, contabilizando um total de mais de 35 mil
mortos, em nome da “defesa da democracia”.
No Brasil, após um curto governo nacionalista, que tentou fazer um tímida reforma
agrária e algumas nacionalizações, foi organizado um golpe militar em 1964, também
com participação e supervisão da CIA, do Departamento de Informação do Pentágono
(Cel. Vermon Walters), da embaixada dos EUA (embaixador Lincoln Gordon) e apoio
militar estratégico dos EUA (na operação Brother Sam), que chegaram a enviar um
porta-aviões (o Forrestal), um porta-helicópteros, 6 destróieres, esquadrilhas de caças,
petroleiros e 100 toneladas de armas leves para apoiar o golpe. Caso a população
resistisse ao golpe, as tropas estadunidenses desembarcariam no país. A ditadura militar
no Brasil durou até 1984, mas somente em 1989 voltaram a ocorrer eleições diretas.
A repressão e perseguição política, o fim da liberdade de expressão, a censura, além de
prisões arbitrárias, desaparecimento de opositores, espancamentos e assassinatos foram
comuns em todas as ditaduras militares implantadas com o apoio dos EUA na América
Latina, lembrando ainda que as técnicas de tortura empregadas foram das mais violentas
e cruéis, muitas delas desenvolvidas inicialmente por militares estadunidenses e
aprimoradas pelos militares latino-americanos que receberam treinamento na Escola
Superior de Guerra dos EUA ou na sua filial, a Escola Superior de Guerra do Panamá.
Essas técnicas incluíam afogamentos, choques elétricos e mutilação de órgãos genitais,
mutilação provocada por mordidas de animais como cães e roedores, estupro dos mais
violentos, queimaduras de áreas sensíveis com fogo e ácido e até mesmo
esquartejamentos.

76
MÉXICO
Creio que a primeira “intervenção” dos EUA no México foi a que resultou na
tomada de metade do seu território.
Ao forçarem a Espanha a ceder-lhes a Flórida, os EUA haviam-lhe reconhecido a
posse do Texas. Em 1821 foram aí concedida terras ao americano Stephen Austin que
levou consigo cerca de 25 mil compatriotas, tornando-se assim maioria a população
americana. O governo do México resolve restringir a entrada de novos colonos, o que
irritou os norte-americanos. Proclamaram então a secessão do Texas. O presidente dos
EUA James Knox Polk, entusiasta do “destino manifesto”, anexa o Texas.
“A tendência para o messianismo nacional, acentuada pela crença de ser ele o
eleito de Deus, gerou a idéia segundo a qual o ‘destino manifesto’ dos Estados Unidos
consistia em expandir suas fronteiras. (...) Isto implicava a conquista da Califórnia e da
vasta área entre ela e o Texas, chamada Novo México. E a oportunidade surgiu quando, a
pretexto de uma disputa em relação à fronteira do Texas, os EUA, sob o governo de Polk,
entraram em guerra com o México que, uma vez derrotado, teve de ceder-lhes, ao assinar
em 1844, o Tratado Guadalupe-Hidalgo, todo aquele território, com um total de 2,4
milhões de quilômetros quadrados, onde ricas jazidas de ouro foram descobertas. Muitos,
como o secretário de Estado James Buchanan, defenderam então a conquista de todo o
México. (Luiz Alberto Moniz Bandeira).
Destas terras arrancadas ao México por 15 milhões de dólares, formaram-se os
estados atuais da Califórnia, New México, Arizona, Utah, Nevada e parte do Colorado
(1848).
O general mexicano derrotado na guerra contra os EUA, Santa Anna, homem
“astuto e oportunista, sem dotes de estadista”, ainda achou pouco, e depois, como
ditador do México, vendeu mais 45 milhas quadradas de território –“a compra do
Gadsden” , para a passagem da estrada de ferro do Pacífico...
A era de Porfírio Diaz (1876-1910) “foi de governo autoritário sob aparências
constitucionais cuidadosamente mantidas”.A ele é atribuído o lema “pan o palo” (pão ou
pau) por causa de sua política corrupta alternada com violência. Havia deposto o
presidente anterior com uma força organizada nos EUA. Dizia Eduardo Galeano que:
“John Keneth Turner, escritor norte-americano, denunciou. (...) que ‘os Estados Unidos
converteram virtualmente Porfírio Diaz num vassalo político e, em conseqüência,
transformaram o México em uma colônia escrava. (...). A norte-americanização do
México, da qual tanto se vangloria Wall Street –dizia Turner –está se executando como se
fosse uma vingança”.
Em lugar de limitar a expansão das grandes haciendas, o que houve foi a
absorção de terras públicas e de ejidos (terras comunais de lavoura e de criação). Cerca
de 5 mil aldeias foram despojadas de suas terras. Cerca de 100% dos camponeses não
tinha terra. Eram obrigados a trabalhar nas grandes fazendas. Os peões eram presos, ou
sofriam castigos físicos e até execução em caso de fuga. Somente 1/6 da população era
alfabetizada.
John Reed, jornalista norte-americano, narra em seu livro México Rebelde o que
era o pensamento de um mexicano na época:

“... sei muito bem que lutar é o último recurso a que deve apelar qualquer
pessoa. Só quando as coisas chegam a um ponto que não se pode agüentar, não é? E se

77
vamos matar nossos irmãos, disso deve resultar alguma coisa de bom, não? Vocês, nos
Estados Unidos, não sabem por tudo que nós, os mexicanos, temos passado! Vimos
roubar os nossos, o pobre, simples povo, durante trinta e cinco anos. Vimos os rurales
(polícia rural do governo) e os soldados de Porfírio Diaz matarem nosso país e irmãos,
assim como lhes negar justiça. Vimos como nos tiraram nossas pequenas terras, e nos
venderam a todos como escravos. Sonhávamos com escolas e lugares para instruir-nos e
zombavam de nossas aspirações. Tudo o que ambicionávamos era que nos deixassem
viver e trabalhar para progredir nosso país, mas já estamos cansados e fartos de sermos
enganados”.(citação de Everaldo Oliveira Andrade).
A revolução de Francisco Madero, Emiliano Zapata e Pancho Vila consegue
provocar a renuncia de Porfírio.
Medero é eleito presidente, desgostando os zapatistas por não fazer a reforma
agrária e os fazendeiros por não acabar com os zapatistas. O general Victoriano Huerta
com a ajuda do embaixador norte-americano Henry Lane Wilson derrubam o governo e
Madero e seu vice-presidente são assassinados. W. Wilson, presidente dos EUA, chamou
de volta o embaixador e exigiu a renuncia de Huerta.
Zapata, Carranza e Pancho Vila que haviam apoiado Madero, também se uniram
contra ele. Em 1914, “aproveitando um incidente entre os fuzileiros norte-americanos e
autoridades de Tampico, o presidente Wilson dos EUA mandou ocupar Vera Cruz, depois
de um bombardeio que indignou os próprios inimigos do ditador.
Seguem-se alguns governos, com as lutas de sempre, e, em 1935 sobe ao poder
Lázaro Cárdenas.
“A nacionalização dos campos de petróleo na Bolívia (...) estimulou
provavelmente o presidente Lázaro Cárdenas a tomar em 1938, idêntica medida contra as
companhias britânicas e norte-americanas que operavam no México. (...)
Cárdenas, que era general, exercera o comando militar da região em que os
campos de petróleo se localizavam, quando, em 1927, houve real possibilidade de que os
EUA novamente invadissem o México para defender os interesses das companhias norte-
americanas. Ele se ressentia da arrogância com que elas se comportavam, tratando o
México como território conquistado. E desde que substituíra, em 1935, P. Elias Calles
como presidente da República, passara a favorecer abertamente as reivindicações do
movimento operário, levando o governo de Washington a mostrar-se ‘sumamente
apreensivo’ com a sucessão de greves que causaram prejuízos aos capitais norte-
americanos investidos no país, e também com a ‘revivescência da propaganda comunista’
infiltrando-se nos EUA ao longo da fronteira com o México (...) Cárdenas não se filiava a
qualquer das correntes socialistas ou comunista (...). O que o impulsionava era um
profundo sentimento nacionalista, radicalizado empiricamente pelos constantes atritos
entre México e EUA, e por isso ele rompera com o ex-presidente Calles para encarnar,
segundo o diplomata brasileiro A Roças, o espírito original da Revolução Mexicana, que
tivera como bandeira a justiça social e a reforma agrária, ambas olvidadas pelos
generais vitoriosos, na medida em que, ‘enriquecidos com os despojos da antiga
aristocracia e com as rendas do país, foram pouco a pouco aburguesando-se, evoluindo
naturalmente para o conservantismo’. De fato, filho de camponeses pobres e a guardar
fidelidade ao primitivo espírito revolucionário, Cárdenas considerou necessário
expropriar, de acordo com a constituição de 1917, grandes latifúndios pertencentes tanto
a mexicanos quanto a estrangeiros.
(...) Este formidável ímpeto dado à reforma agrária podia afetar...cs interesses
das companhias petrolíferas britânicas e norte-americanas. (...) O que detonou, porém, a
78
decisão de expropriá-las em 1938, foi uma greve por aumento de salários e outras
reivindicações, envolvendo 18.000 trabalhadores (...) Cárdeno, após submeter a uma
perícia contábil a situação financeira daquelas companhias, ordenara o atendimento das
demandas trabalhistas e, uma vez que elas se recusaram a obedece-lo, ameaçando retirar
os capitais do país, não lhe restou alternativa senão nacionalizar toda a indústria
petrolífera, como já o fizera com as ferrovias.(...)
Esta medida, o segundo marco mais importante da Revolução Mexicana depois
da reforma agrária, causou assim enorme impacto internacional. A Grã-bretanha,
reclamando a devolução das propriedades, rompeu relações com o México. Os Estados
Unidos quase tomaram atitude idêntica, porém Roosevelt, comprometido com o Good
Neighbor Policy (Política da Boa Vizinhança), não podia deixar de reconhecer naquele
país o direito soberano da desapropriação e optou por exercer pressões econômicas, nem
sempre diretas, exigindo apenas uma ‘justa indenização’(...)
O boicote organizado pelas companhias petrolíferas, fechando ao México os
mercados tradicionais, como os EUA e a Grã-bretanha, para escoamento do petróleo e
obtenção de capitais tecnológicos, possibilitou que a Alemanha nazista se tornasse seu
principal parceiro, seguida da Itália e do Japão, que se dispunham a construir um
oleoduto desde os campos de produção, perto da fronteira com os EUA, até o Oceano
Pacífico. Tais fatos alarmaram naturalmente o governo de Washington. À segurança dos
EUA não convinha a presença nem da Alemanha nem do Japão nos portos ou no
território do México, nas proximidades de suas fronteiras ou no Canal do Panamá.
Assim, depois que o conflito armado a envolver a Grã-bretanha e a França, eclodira e se
irradiara por toda a Europa, Roosevelt tratou de forçar as companhias norte-americanas
a aceitar um entendimento com o México, cujas reservas de petróleo, naquelas
circunstâncias, tornaram-se essenciais para a defesa dos EUA, fossem elas exploradas
pela Pemex ou pelos capitais privados. ” (Luiz Alberto Moniz Bandeira).
Temos uma reportagem de Kátia Mello na revista Isto É 1711 de 17-07-2002;
que nos fala de outros governos ditatoriais no México, sob o título Passado Sombrio.
“‘Genocida, o povo te condena!’, gritavam os manifestantes para o ex-
presidente do México Luis Echeverría Álvares (1970-1976), o primeiro mandatário
mexicano a ser processado por violação dos direitos humanos. Ele seria o principal
responsável pelas chamadas décadas da Guerra Suja (anos 60 e 70), quando foram
presos, torturados e assassinados milhares de estudantes, membros de movimentos
sociais e guerrilheiros que atuavam nas zonas rurais mexicanas. Uma trágica ironia, já
que o regime criado pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI), que ficou no poder
entre 1929 e 2000, mantinha um discurso nacionalista e não alinhado, aproximando-se de
Cuba e dando exílio a milhares de esquerdistas latino-americanos. Em casa, no entanto, a
coisa era diferente. Echeverría, 80 anos, teve que responder na terça-feira 9, na
Promotoria Especial de Movimentos Sociais, a uma batelada de quase 200 perguntas
sobre a origem dessa guerra suja, o chamado massacre de Tlatelolco. Em 2 de outubro de
1968, dias antes dos Jogos Olímpicos do México, quando Echeverría era o então ministro
do Interior do falecido presidente Gustavo Díaz Ordaz, as forças de segurança
reprimiram uma manifestação estudantil na praça de Tlatelolco na cidade do México,
matando entre 150 e 500 pessoas.
Esta foi a segunda vez em menos de uma semana que Echeverría, acusado de
genocídio, privação ilegal e desaparecimento de pessoas, foi chamado a depor na
comissão presidida pelo jurista Ignácio Carrillo. Na trágica noite de 10 de julho de 1971,
quando ele já era presidente, uma falange parlamentar denominada Los Halcones (os
79
Falcões) ensangüentou as ruas da capital mexicana com o massacre de cerca de 30
colegiais e universitários durante uma marcha da Universidade Autônoma de Nova Leon.
Os interrogatórios sobre os mais tristes e vergonhosos períodos da recente
historia mexicana vão tentar estabelecer o grau de responsabilidade das autoridades das
forças repressivas da época. Foi depois desses massacres que surgiram as guerrilhas
urbanas no México. O julgamento de um ex-mandatário, e possivelmente de outros
políticos, como o ex-prefeito da Cidade do México, Alfonso Martínez Dominguez, o
próximo a sentar no banco dos réus, só foi possível graças a decisão do presidente
Vicente Fox – o primeiro oposicionista a chegar ao poder depois de 71 anos de domínio
do PRI –de abrir a caixa-preta de 34 anos de repressão. ‘Este é um acontecimento
histórico’, afirmou José Luis Soberanes, presidente da Comissão Nacional de Direitos
Humanos (CNDH), que há anos acompanha as famílias das vítimas da Guerra Suja. Pela
primeira vez, estão disponíveis os 80 milhões de fichas do Arquivo Geral da Nação que
estavam no Palácio Lecumberri, o chamado Palácio Negro, e foram depois transferidas
para a antiga penitenciária da Cidade do México, onde agora poderão ser consultadas.
São registros de 40 anos de investigação (de 1948 a 1985) de organizações políticas,
sociais e civis do México. (...)

Temos um estudo feito por Noam Chomski sobre o acordo comercial feito pelos
EUA com o México, que servirá para alertar sobre muitos outros acordos comerciais entre
as nações:

“Cerca de dez por cento do texto de duas mil páginas do Acordo de Livre
Comércio das Américas do Norte (NAFTA), envolve ‘regras’ intricadas ‘de origem’
projetadas para manter distantes os competidores rivais ao assegurar uma alta
porcentagem de valor agregado na América do Norte. Um dos principais especialistas em
comércio internacional, o economista da Columbia University, Jagdish Bhagwati,
observa que o NAFTA está ‘ornamentado como um grande avanço ao livre mercado’,
embora ‘seja evidente que a principal motivação seja protecionista: o México se torna o
mercado preferencial americano, com o Japão e a Comunidade Européia em
desvantagem’, daí o ‘apoio apaixonado’ ao NAFTA, se comparado ao GATT onde
‘qualquer vantagem para os ganhos norte-americanos(...) é igualmente repartida com os
rivais(...).
A doutrina dos dirigentes é direta: lucro para os investidores é o valor humano
supremo ao qual todo o resto deve estar subordinado. A vida humana tem valor na
medida em que contribua a este fim. À medida que a economia se torna globalizada,
padrões de vida e ambientais podem ser ‘harmonizados’ globalmente, mas harmonizados
para baixo, não para cima. É pouco provável que a integração na economia norte-
americana com o NAFTA leve a um aumento significativo dos salários no México, com
seus métodos bem estabelecidos de repressão às classes trabalhadoras e de milhões de
camponeses retirados da terra à medida que a agricultura local está sendo esmagada
pelo agro-comércio norte-americano sob o ‘livre mercado’. ‘Economistas prevêem que
milhões de mexicanos provavelmente perderão seus empregos nos primeiros cinco anos
depois que o acordo (NAFTA) se tornar efetivo’, relatou o New York Times depois de a
Casa Branca aprovar o acordo; o efeito sobre os salários é previsível. Um estudo
realizado pelo principal jornal financeiro do México, El Financero, previu que o México
perderia quase um quarto de sua industria manufatureira e quatorze por cento de seus
empregos nos dois primeiros anos.
80
Estas conseqüências são previstas em um país que viveu uma década de reforma
econômica que devastou grande parte da população, enquanto ganhava muitos aplausos
do mundo corporativo e nas instituições doutrinais. O número de pessoas que vivem em
condições de extrema pobreza em áreas rurais aumentou em quase um terço, e faltam
recursos a metade da população para satisfazer as necessidades básicas, um aumento
dramático desde 1980. Segundo as prescrições do Banco Mundial e do FMI, a produção
da agricultura foi desviada para a exportação de rações animais, beneficiando o agro-
comércio, consumidores estrangeiros e setores ricos do México; enquanto a subnutrição
se tornou um importante problema de saúde, o emprego na agricultura declinou, as terras
produtivas foram abandonadas, e o México, antigamente auto-suficiente na agricultura,
começou a importar maciçamente grandes quantidades de alimento (...).
Mas, enquanto promovia o empobrecimento da maioria e enriquecia a uns
poucos e os investidores estrangeiros, sua ‘eficácia econômica’ trouxe ‘pouca
recompensa’ à economia do México em geral, observa o Financial Times, estudando ‘oito
anos de políticas econômicas de mercados didáticos’ que produziram pouco crescimento
econômico, na maior parte atribuído à assistência financeira sem paralelo do Banco
Mundial e dos Estados Unidos, determinados a manter o ‘milagre’ em curso. As altas
taxas de juros reverteram parcialmente o enorme fluxo de capital que era um dos
principais fatores da crise da dívida mexicana, embora o serviço da dívida seja um fardo
crescente, sem grande componente agora sendo a dívida interna que se deve aos ricos
mexicanos. (...).
A retórica neoliberal tende ser seletivamente empregada como uma arma contra
pobres, dos quais se exige que se sacrifiquem em nome da eficiência neo-clássica; os
ricos e os poderosos continuarão a confiar no poder do Estado, violando as regras como
queiram.
É nesse contexto que os ‘acordos de comércio’ (GATT, NAFTA, etc.) deveriam
ser entendidos. (...)
A atração do NAFTA para muitos tecnocratas governamentais mexicanos, relata
a imprensa financeira, ocorre ‘precisamente porque ele ataria as mãos dos governos
atual e futuro’ quanto à política econômica. Ele pode desviar o perigo mencionado por
uma Oficina de Desenvolvimento Estratégico Latino Americano no Pentágono, em
setembro de 1990, que verificou que as atuais relações com a ditadura mexicana são
‘extraordinariamente positivas’, despreocupado com eleições roubadas, esquadrões da
morte, tortura endêmica, tratamento de trabalhadores e camponeses, etc. Eles, de fato,
viram uma nuvem negra no horizonte: ‘uma abertura democrática no México poderia
testar o relacionamento especial ao trazer ao poder um governo interessado em desafiar
os Estados Unidos em bases nacionalistas e econômicas’. O perigo são progressos que
possam desafiar o poder estatal–corporativo norte-americano, associando-se ao
trabalhismo e outros movimentos populares nos Estados Unidos, que podem não
concordar com as finanças internacionais sobre a conveniência de um ‘equilíbrio entre
baixo crescimento e desemprego alto’. (...)
Uma ‘Comunicação dos Bispos Mexicanos ao NAFTA’ de 1º de novembro de
1993, condenou o acordo juntamente com as políticas econômicas das quais ele é parte
por causa de seus efeitos sociais deletérios. Eles reiteraram a preocupação da
conferência de 1992 dos bispos latino americanos de que ‘a economia de mercado não se
torna algo absoluto ao qual tudo seja sacrificado, acentuando a desigualdade e a
marginalização de grande parte da população’ –o provável impacto do NAFTA e de
acordos idênticos sobre os direitos dos investidores. O acordo também recebeu oposição
81
de muitos trabalhadores (incluindo o maior sindicato não governamental) e outros
grupos, que advertiram sobre o impacto nos salários, nos direitos dos trabalhadores e no
meio ambiente, na perda da soberania, na proteção crescente dos direitos corporativos e
dos investidores, e, no solapamento das opções de crescimento auto-sustentável. Homero
Andjis, presidente de uma das principais organizações ambientalistas mexicanas,
deplorou ‘a terceira conquista que o México sofreu. A primeira foi por exércitos, a
segunda espiritual e a terceira econômica’.
Mesmo a comunidade empresarial mexicana ficou menos entusiasmada, à parte
os elementos mais poderosos. No Congresso Internacional das Câmaras de Comércio em
Cancun, México, em outubro de 1993, o diretor geral do Instituto Pan-Americano dos
Executivos Comerciais disse que as TNCO (corporações internacionais) estão exigindo
uma participação majoritária nas companhias mexicanas, ameaçando retira-las do
mercado mexicano por meio de seu poder econômico, tecnológico e financeiro se se
recusassem, perspectivas que serão aceleradas pelo NAFTA. O presidente de um dos
maiores grupos industriais mexicanos advertiu sobre uma ruína econômica próxima na
medida em que ‘pequenos e médios homens de negócios (...) estão sendo destruídos pela
competição externa e encurralados pela fraca demanda, pela falta de liquidez e crédito’,
pela estagnação do PIB, pelo aumento da dívida externa juntamente com o déficit
comercial, e pelo enorme fluxo de capital para o México direcionado à especulação mais
do que ao investimento produtivo. Um comentário no principal jornal mexicano, no
momento em que a votação do NAFTA pelo Congresso se aproximava, denunciou a
‘história dos Estados Unidos em nosso país’ como de ‘abusos e pilhagens desenfreadas’,
prevendo o mesmo para a nova iniciativa comercial, que iria beneficiar ‘aqueles
mexicanos que hoje são os senhores de quase todo o país (quinze por cento receberam
mais do que a metade do PIB), uma minoria desmexicanizada’ que sozinha promoveu o
tratado, ‘o elogia e está desesperada por ele’ na esperança de ‘imitar Houston (...) sua
medida atual de civilização’. ‘Uma coisa é certa, de tratado em tratado com os Estados
Unidos o México tem perdido’(...).
A conseqüência da votação do NAFTA não foi menos instrutiva. No México,
trabalhadores foram demitidos das fábricas Honeywell e General Eletric por tentativas
de organizar sindicatos independentes, prática padrão. A Ford Motor Company
despedira toda a sua força de trabalho em 1987, eliminando o contrato coletivo sindical,
e recontratando os trabalhadores por salários muito mais baixos, protegida dos protestos
por uma repressão brutal. A Volkswagen seguiu o exemplo em 1992, despedindo catorze
mil trabalhadores e recontratando somente os que renunciaram ao comando de um
sindicato independente, de novo apoiada pelo governo neoliberal.
Esses são os componentes centrais do ‘milagre econômico’ que tende ser
‘entrelaçados’ pelo NAFTA. À medida que o acordo entrava em vigor, em 1º de janeiro,
uma rebelião estourou entre os índios maias, o setor mais oprimido da população. Os
líderes chamaram o NAFTA de uma ‘sentença de morte’ para os índios, que aprofundará
a divisão entre a riqueza limitadamente concentrada e a miséria da massa, e destruirá o
que permanece da sociedade indígena, embora os problemas vão além do NAFTA.
Depois dos esforços iniciais em esmagar a rebelião à força e atribuí-la a desordeiros
externos, o governo mexicano recuou, provavelmente preocupado com que os pedidos dos
rebeldes pudessem provocar uma maior simpatia. Em poucas semanas, de fato, pesquisas
mexicanas mostravam que setenta e cinco por cento da população aprovava os motivos
alegados da insurreição de Chiapas e seu exército zapatista. (...)

82
O GATT, o NAFTA e os assemelhados são chamados de acordos de ‘livre
comércio’. Isso é uma má interpretação. Primeiramente, o termo ‘comércio’ dificilmente
se aplica a um sistema no qual algo em torno de quarenta por cento do ‘comércio’ é
intra-empresas, centralmente gerenciadas pelas mesmas muitas visíveis mãos que
controlam o planejamento, a produção e o investimento. Mais da metade das ‘
exportações’ norte-americanas ao México, por exemplo, não entra no mercado mexicano,
consistindo em transferência de um a outro braço de uma corporação norte-americana,
para maximizar os ganhos com os custos trabalhistas mais baixos e os padrões
ambientais. Tais operações internas (incluindo as políticas de preço dirigidas e benefícios
tributários e semelhantes), também introduzem várias distorções de mercados que
equivalem a barreiras não tarifárias não governamentais (NTBs) em uma escala não
pequena, embora não consideradas nos acordos de comércio e no fetichismo neoliberal
que os acompanham.(...)
No caso do comércio entre os Estados Unidos e o México, observa Herman
Daly, ‘o melhor norte-americano subsidiado por causa do esgotamento do solo arável,
aqüíferos, poços de petróleo e o erário federal podem ser livremente importados pelo
México’, tanto que ‘é provável que o NAFTA arruíne os camponeses mexicanos quando
as “baratas” exportações agro-comerciais norte-americanas, subsidiadas de tal forma,
os solapem e os levem às cidades, abaixando aí os salários, e também, indiretamente, nos
Estados Unidos.’”...

Já disse um mexicano: “Pobre do México; tão longe de Deus, tão perto dos
Estados Unidos”.

GUATEMALA
Já na época da colonização espanhola, quando abrangia grande parte da
América Central, piratas e flibusteiros a serviço da Grã-bretanha foram-se instalando
nas costas, incentivando índios e zambos contra espanhóis, enquanto o governo inglês
forçava a Espanha a assinar tratados que redundaram na tomada da Honduras
Britânica. (Belise).
Com a independência, sucederam-se lutas pelo poder, governos ditatoriais,
corruptos e violentos... O último destes foi o do demagogo Jorge Ubico, que se dizia
‘paizinho’ dos índios, mas nada fez de efetivo a favor deles. Em seus treze anos de
ditadura mandou matar centenas de estudantes, chefes sindicais e políticos. Depois de um
levante popular contra a ditadura, foi eleito José Arévalo, em 1945. Pela primeira vez,
desde a independência, surgia um governo disposto a reagir contra as oligarquias
nacionais e interesses estrangeiros. José Arévalo abole a servidão indígena, promulga leis
de proteção aos trabalhadores, torna a Universidade autônoma, a imprensa livre, e põe em
marcha um plano de educação.
Embora seu novo Código de Trabalho fosse moderado em relação a outros países
adiantados, na Guatemala foi tido como radical. Alguns de seus itens feriram os interesses
da United Fruit Company e de sua subsidiária Companhia Agrícola da Guatemala, que
tinham centenas de trabalhadores, como também a Internacional Railways of Central
American (IRCA). “Para elas esse código foi the symbol of its persecution”.(...)

83
A United Fruit era uma empresa norte-americana com vários tentáculos que
dominavam a vida social política e econômica da América Central, principalmente
Guatemala e Honduras. Em 1913 apoderou-se da companhia de Rádio e Telégrafos da
Guatemala, e com a rede ferroviária fechava o círculo de domínio. Fundada em 1899 para
cultivar bananas, cujo principal comprador eram os EUA, foi conseguindo concessões dos
governos de milhares de hectares de terra, isentos de impostos, em troca da construção de
linhas férreas e melhorias de portos que, afinal, facilitariam o escoamento de seus
produtos. Nunca construiu uma escola... Em 1930 já era a maior empregadora da América
Central, e a Guatemala e outros países sob sua influência eram apelidados de “repúblicas
das bananas”, e seus governos fechavam os olhos para não verem a exploração e a
insatisfação dos trabalhadores.
“De acordo com informações da firma de peritos contadores Dun Bradstreet Inc.
, a United Fruit, com 67 subsidiárias, estendia seus tentáculos pelos países do Caribe, a
monopolizar não apenas os transportes marítimos e ferroviários, mas também os serviços
elétricos, telefônicos, e o comércio de frutas, fibras, café e madeiras(...); controlando os
litorais do Caribe e do Pacífico, a United Fruit fechara o acesso ao mar e isolara a
economia da Guatemala, arruinado as firmas concorrentes e liquidando o pequeno
comércio de navegação costeira(...) Seu poder era tamanho que, pouco antes da
revolução de 1944, ela induzira o ditador Ubico a promulgar o Decreto nº2295,
autorizando os proprietários agrícolas a eliminar, sumariamente, as pessoas que fossem
encontradas sem licença dentro de suas terras.” (Luis Alberto Moniz Bandeira)
“...virtualmente, qualquer um que apelasse para reformas, fosse de esquerda,
centro ou direita, era estigmatizado como comunista. Com efeito, apesar de que o Partido
Comunista não houvesse desempenhado nenhum papel proeminente na queda da
ditadura de Ubico e permanecesse na ilegalidade até 1949(...) a imprensa nos EUA e
suas agências de notícias, alimentadas evidentemente pela CIA, empenharam-se em
difundir a imagem da Guatemala como cabeça-de-ponte da URSS, que pretendia utilizá-
la para penetração no continente e, devido à sua localização estratégica, ameaçar o
canal do Panamá. Entretanto, respondendo ao Itamaraty sobre um ofício da embaixada
do Brasil em Londres(...) o ministro Carlos da Silveira Martins Ramos, chefe da legação
do Brasil, ressaltou que: ‘Em Guatemala não há comunismo. Há comunistas, como em
todas as partes do mundo, mas em número insignificante... sem nenhuma expressão
política nem intelectual no país e no estrangeiro’.
O ministro Carlos Silveira ponderou que ‘a animosidade existente em
Guatemala contra os EUA não era maior nem menor do que a que prevalecia em todos os
países hispano-americanos e até mesmo em certos meios brasileiros, pois da antiga
política do big stick da qual os países centro-americanos e o México foram sempre as
primeiras vítimas, perduravam ainda alguns resíduos que só o tempo dissiparia’. Parte
dessa animosidade resultava da ‘conduta arrogante de certas companhias norte-
americanas, tai como a Standard Oil e a United Fruit Company, no trato com os
governos e os nacionais dos países latino-americanos, e do sistema de corrupção posto
em prática para a obtenção de seus propósitos monopolistas’; conforme o ministro
Martins Ramos observou, acrescentado que (...) ‘ainda em Honduras, a United Fruit
manda e desmanda a seu bel-prazer e em Guatemala resiste ou procura resistir por todos
os meios a legislação social do governo em favor das classes pobres. Convém ainda
salientar que essa legislação é menos adiantada do que a que prevalece no Uruguai,
Brasil, Chile e EUA.’” (L. A . Moniz Bandeira)

84
Depois de Arévalo, segue-lhe Jacob Arbeus que continua sua obra com capital
nacional e sem estender a mão a nenhum banco estrangeiro. Promove a reforma agrária
e impõem restrições aos grandes privilégios das imensas companhias estrangeiras, donas
de vastas terras virtualmente livres de impostos.
Quando Jacob Arbeus resolve fazer algo mais pelo seu sofrido povo, e confisca
algumas terras da poderosa companhia para distribuir entre os camponeses, foi
considerado um homem perigoso para os EUA, um comunista.
“Como o senador J. Willian Fulbright assinalou, o comunismo despertou o
puritanismo latente nos norte-americanos como nenhum outro movimento em sua
história, e levou-os a ver ‘princípios’ onde só havia ‘interesses’, e ‘conspirações’ onde
só havia ‘desgraça’, transformando conflitos em ‘cruzadas’ e convertendo a moralidade
em ‘engano e hipocrisia’. Esse espírito puritano da ‘cruzada’ – o senhor Fulbright aduziu
–teve muito a ver com alguns dos acontecimentos mais lamentáveis e trágicos da história
norte-americana (...)” (L. A. Moniz Bandeira).
O Departamento de Estado norte-americano, sob as ordens do anticomunista
fanático John Forster Dulles, viu no governo de Arbeus as garras do comunismo
internacional: “a Cortina de Ferro desceu sobre a Guatemala...”
Os EUA, diante desse “horrendo perigo” alegado (precisavam desta desculpa
para encobrir os interesses e lucros das grandes empresas), enviaram armamentos aos
antigos refugiados gualtematecos de Honduras e da Nicarágua, antigos servidores e
admiradores de Ubico, treinando e financiando os rebeldes sob a chefia de Castilho
Armas, um oficial gualtemateco treinado na U.S.Army Command and Staft School em
Forte Leavenworth (Kansas), e atacaram a Guatemala. O bombardeio dos F47, com
aviadores norte-americanos, apoiou a invasão... “Tivemos que nos desfazer de um
governo comunista que tinha assumido o poder”, reconheceu depois Dwith Eishenhower.
“O alarme dos vizinhos sobre o comunismo no seu país, -conforme salientou
Gillermo Toriello ao embaixador John Moors Cabot –era, na realidade, o alarme dos
ricos latifundiários em face da reforma agrária que estava a beneficiar mais de 100.000
famílias camponesas, ou cerca de 500.000, cabendo a cada qual aproximadamente 10,5
acres . Os ricos latifundiários, porém, eram, sobretudo empresas norte-americanas. (...) E
elas tinham íntimos contatos com o governo Eisenhower. Ambos os irmãos Dulles, tanto
John Fortes, secretário de Estado, quanto Allen diretor da CIA foram vinculados a
United Fruit através de sua associação com a firma de advocacia Sullivan e Cromwell e
seu cliente J. Henrry Schroder Banking Co. que assessorava financeiramente a IRCA. A
venda da IRCA à United Fruit fora, aliás, intermediada por John Forster Dulles, tendo a
CIA utilizado fundos do Schroder Bank, de cuja diretoria Allen Dulles participara. Com
ligações de outras, através do secretário de Estado assistente para Assuntos
Interamericanos, John Moors Cabot, que também possuía interesses na United Fruit, a
administração Eisenhower tinha poderosos motivos para agir contra o governo Arbeus, e
a ameaça comunista constituía, sem dúvida alguma, a melhor justificativa.” (L. A .
Moniz Bandeira)
Com o cerco e as ameaças, Arbeus renuncia. E os irmãos Dulles consideraram
sua queda “uma vitória do Mundo Livre”. Mas não foi um mundo livre que surgiu.
“O que veio na esteira da operação planejada, organizada e dirigida pela CIA,
em nome do ‘Mundo Livre’, foi, entretanto, uma ditadura. Como seus primeiros atos, a
junta militar, chefiada pelo coronel Monzón, dissolveu a Assembléia Nacional,
proscreveu o PGI e cassou o direito de voto dos analfabetos, com o que afastou do
processo eleitoral cerca de 70% da população do país, quase todos índios, e em 8 de
85
julho colocou na presidência da Guatemala o coronel Castilho Armas. Este, logo em
seguida, suspendeu as garantias constitucionais, mandou prender cerca de 4.000 pessoas,
instalou uma comissão para a defesa contra o comunismo, retomou 800.000 acres de
terra distribuídos aos camponeses, devolveu as propriedades à United Fruit e extinguiu
os direitos dos trabalhadores e dos sindicatos, revogando o Código do Trabalhador de
1947.” (L. A . Moniz Bandeira)
Acrescenta-nos Moniz Bandeira que, para Che Guevara, “a derrubada de Arbeus
se lhe afigurou frustrante, porque o Exército prevaricava. ‘En Guatemala era necesario
pelear e casi nadie peleó. Era necesario resistir y casi nadie quiso hacerlo.’ escreveu, e
em carta a sua mãe, contou que uma missão militar norte-americana entrevistara-se com
Arbeus, ameaçando-o com o bombardeio da Guatemala até reduzi-la a ruínas.(...) ‘Los
militares se cagaron hasta las patas y puseron un ultimatum a Arbeus, que no ha sabido
estar a la altura da las circustancias’ –ainda comentou, sustentando o conceito de que a
traição continuava sendo ‘patrimônio del ejército’(...) Che Guevara, a defender o
princípio de que o povo em armas ‘es uma arma invencible’, não se conformou com o fato
de que Arbeus, tendo podido armar o povo, não o quis e não o resistiu. A derrubada de
Arbeus (...) lhe ensinara ‘toda la falácia de que es capaz el yanqui y su maravilhosa
maquinaria de propaganda(...) ‘Cuba no sera outra Guatemala’, o que repetiria várias
vezes, durante a conversa com Jânio Quadros quando este visitou Havana em 1960...’
Comenta Eduardo Galeano que, em janeiro de 1968, “grupos terroristas da
direita assassinaram mais de dois mil e oitocentos intelectuais, estudantes, dirigentes
sindicais e camponeses que intentaram combater as doenças da sociedade guatemalteca
(...) Não chegaram à Guatemala os jornalistas ávidos de notícias, não se escutaram vozes
de condenação. O mundo virava as costas, porém a Guatemala sofria uma longa noite de
S. Bartolomeu.”
E norte-americano Noam Chomisky também se preocupa com os acontecimentos
da Guatemala: “... a morte em massa nos planaltos guatemaltecos não pode ser impedida,
e de fato pode ser favorecida, se os interesses dos governantes do mundo assim o
determinarem. (...) ... a heresia do nacionalismo independente com as prioridades
erradas –as ‘massas’ mais do que os investidores estrangeiros –torna-se mesmo uma
ameaça mais séria à ‘segurança nacional’ dos Estados Unidos, se a ‘estabilidade’ for
ameaçada pelo temível efeito demonstrativo do desenvolvimento independente bem
sucedido. Esse raciocínio é também, algumas vezes, claramente descrito em documentos
internos. À medida que Washington se preparava para reverter a breve experiência
democrática da Guatemala em 1954, um oficial do Departamento de Estado advertiu que
a Guatemala ‘se tornou uma ameaça crescente à estabilidade de Honduras e El Salvador.
Sua reforma agrária é uma poderosa arma de propaganda; seu amplo programa social
de ajuda aos trabalhadores e camponeses, em uma luta vitoriosa contra as classes mais
altas e as grandes empresas estrangeiras, tem um apelo forte às populações dos vizinhos
da América Central, onde condições idênticas prevalecem’.
‘Estabilidade’ significa segurança para as ‘classes mais altas’ e grandes
‘empresas estrangeiras’, o que comumente é denominado de interesse nacional.”

Comenta a norte-americana Martha Huggins que na campanha de Armas contra


os “indesejáveis sociais, o OBC (Operations Coordinating Board) dos EUA ‘recomendou
o aprimoramento da eficácia das forças de segurança interna guatemalteca para
expansão do programa de treinamento, nos EUA, de oficiais de polícia. (...) Desde
1954(...) a polícia participara, juntamente com o exército guatemalteco, de tortura e
86
morte ou desaparecimento de, pelo menos, cento e trinta mil civis.(...) Quando,em 1957,
Armas foi assassinado por um membro de sua própria guarda treinada pelos norte-
americanos, Eisenhower proclamou que a morte do presidente guatemalteco representava
‘grande perda para todo o mundo livre.’”

Quanto cabe de culpa à falta de resistência de Armas, à egolatria dos líderes que
pelo poder vendem a própria pátria, à falta de apoio do povo, ou à violência furiosa dos
EUA, é difícil saber. É difícil saber o que se passa na cabeça de um homem como Arbeus
sob a ameaça de um bombardeio em um país até reduzi-lo a cinzas. É uma decisão por
demais difícil.
O que nos parece também é que, resultante talvez do desprezo que era
dispensado ao povo guatemalteco pelos seus ricos empregadores, ele se convenceu talvez
de que fosse realmente inferior. E isto tenha acontecido com maior força com relação aos
soldados treinados pelos norte-americanos, talvez como uma lavagem cerebral que lhes
faça perder qualquer sentimento de solidariedade para com seus semelhantes. E é isto que
deduzimos do que nos fala Eduardo Galeano: os guatemaltecos se envergonharam de si
mesmos.

“En Guatemala, en tierras de los quichés, se ha descubierto el mayor yacimento


de petroleo de América Central. En la década del ocheto, ha ocurrido una mantanza. El
ejército –jefes mestizos, soldados índios –se ha ocupado de bombardear aldeas y
desalojar comunidades para que exporem y exploten el petroleo de la Texaco , la
Hispanoil , la Getty Oil y otras empresas. El racismo brinda coartadas al despojo. De
cada diez guatemaltecos, seis son índios, pero en Guatemala la palabra ‘índios’ es uso
como insulto.(...) El pais oficial, que vive del pais real pero se averguenza de el, quisiera
suprimirlo; considera a las lengas nativas meros ruidos guturales, y a la relgión nativa
pura idolatria, porque para los índios toda tierra es iglesia y todo bosque santuario.
Cuando el ejército guatemalteco pasa por las aldeas mayas, aniquilando casas,
cosechas y animales, dedica sus mejores esfuerzos a la sistematica matanza de niños y de
ancianos.(...) ‘Vamos a dejarlos sin semilla’, explica el coronel Horacio Macdonaldo
Shadd. Y cada anciano alberga un possible sacerdote maya, portavoz de la imperdonable
tradición comunitária. Los mayas todavia piden perdón al árbol cuando tienen que
derribarlo.
La represión es una cruel ceremonia de exorcismo. No hay mais que mirar las
fotos, las caras oficiales y los grandes figurones: estos nietos de índios, desertores de su
cultura, suenam con ser George Custer o Buffalo Bill y ansian converter Guatemala en un
gigantesco supermercado. ¿y los soldados? ¿Acaso no tienen las mismas caras de sus
victimas, el color de piel, el mismo pelo? Ellos son índios entrenados para la humilhación
y la violencia. En los cuartelos se opera la metamorfosis; primero los convierten en
cucarachas, después en aves presas. Por fim olvidan que toda vida es sagrada y se
covencen de que el horror está en el orden natural de las cosas...”

NICARÁGUA
A Nicarágua teve sua primeira constituição em 1838. As lutas com Honduras e
El Salvador por questões de fronteiras, e a rivalidade entre grupos de poder levaram-na à

87
instabilidade, do que se aproveitou a Grã-bretanha, alegando antigo protetorado sobre os
índios da Costa dos Moskitos. Mas, em meados do século XIX, defronta-se com a
expansão dos EUA, cujo imperialismo foi representado por Willian Walker, aventureiro
norte-americano. Fora contratado pelos liberais da Nicarágua em luta contra o partido
oposto; aproveita, toma a Nicarágua e se faz ele mesmo presidente. Tanto os partidos,
como alguns países limítrofes, se unem contra ele e conseguem derrotá-lo, e em Nova
York Walker é recebido como herói. As suas vitórias, como algumas outras intervenções,
tanto na Nicarágua como em outras repúblicas, foram possíveis devido à rivalidades e
desuniões entre partidos e repúblicas em formação.
Durante a ditadura de Zelaya (1893-1909) houve intervenção dos EUA. O
presidente exilou-se e o norte-americano Thomas Dawming se encarregou de ‘sanear as
finanças’. Em troca de um empréstimo de bancos particulares norte-americanos, houve a
exigência do controle da alfândega, do banco central e da rede ferroviária como garantia.
O ressentimento pela intromissão e humilhação sofridas levou os nicaragüenses e uma
revolução em 1912, logo sufocada pelos marines (força naval norte-americana).
Em 1914 o secretário de Estado “Willian Bryan firmou com o presidente da
Nicarágua em Washington, Emiliano Chamorro, um tratado mediante o qual o país
concedia aos EUA uma opção perpetua, pelo preço de US$ 3 milhões, para a abertura de
um canal interoceânico no seu território, ao mesmo tempo que lhes arrendava as ilhas
Great Corn e Little Corn, bem como uma área para a construção de uma base naval no
Golfo de Fonseca. O tratado, embora omitisse as estipulações sobre o protetorado nos
termos da Plantt Amendmentt, gerou fortes ressentimentos e atritos com Honduras, Costa
Rica e El Salvador, ao recearem igual enfraquecimento de sua autonomia, e o Congresso
norte-americano só o aprovou em 1916, quando as tensões com a Alemanha se
agravaram, por causa de seus submarinos e dos rumores de que ela também pretendia
obter aquela opção para abrir um canal interoceânico. (...) nesse mesmo ano, Emiliano
Chamorro elegeu-se presidente da Nicarágua com o voto dos navios de guerra dos EUA,
que estacionados em ambas as costas daquela país, impuseram a renúncia do seu
adversário, o candidato liberal Carlos Cuadra Passos...”(L. A. Moniz Bandeira).
Durante o governo liberal de José Moncada, o general Augusto César Sandino
denuncia o tratado, e passa à clandestinidade e à guerrilha, pois as forças americanas
ainda ocupavam o país. Depois da eleição seguinte, no governo de Sacasa, os EUA se
retiraram. Sandino se reconciliou com Sacasa, mas é assassinado (1934) por ordem do
general Anastácio Somoza, comandante da Guarda Nacional –uma criação dos marines.
Somoza depõe Sacasa e se torna o presidente. Durante 20 anos, direta ou indiretamente,
exerceria o poder, beneficiando e enriquecendo a si e a sua família.
Com o crescente descontentamento do povo, cresceram e se organizaram
movimentos de oposição entre os quais se destaca a Frente Sandinista de Libertação que
lutaria anos a fio pelo país.
Em 1978 o assassinato do líder Pedro Joaquim Chamorro precipitou o
movimento insurrecional popular e é deflagrada a Guerra Civil. A Guarda Nacional de
Somoza bombardeou as principais cidades do país.
Mas não contém a oposição, e em julho de 1979 Somoza renuncia e se refugia
nos EUA.
Eleito Reagan em 1981 nos EUA, estes intervêm novamente na Nicarágua,
acusando os sandinistas de apoio à guerrilha de esquerda de El Salvador. Os EUA
financiaram e treinaram o exército dos “contras” ou somozistas, e não reconheceram a
vitória eleitoral do líder sandinista Daniel Ortega Saavedia; e imporiam embargo
88
econômico até 1987. Com bases em Honduras, os “contras” sabotaram portos, depósitos
de combustíveis, indústrias, etc. O governo dos EUA admitiu que a CIA “participou da
sabotagem para impedir a exportação da revolução sandinista”.
Enciclopédia Britânica 1985 – EUA
... a ajuda norte-americana aos “contras” (rebeldes anti-sandinistas) da
Nicarágua foi posta em causa com a revelação, em abril de 1984, de que a CIA era
responsável pela colocação das minas que bloquearam o acesso a portos nicaragüenses.
O Congresso condenou a operação e o governo da Nicarágua submeteu o caso à Corte
Internacional de Justiça, com sede no Haia. Os EUA anunciaram que não aceitariam
nenhuma decisão da Corte, por dois anos, sobre assuntos relacionados com a América
Central. Também criou embaraço para a Casa Branca a revelação sobre a existência de
um manual de guerra psicológico, preparado pela CIA, para ser usado na América
Central, contendo instruções sobre atividades, tais como o assassinato de lideres
governamentais...
5 de abril de 1984 – o coordenador da junta de governo nicaragüense, Daniel Ortega,
afirmou que 8000 rebeldes anti-sandinistas, treinados e abastecidos pelos EUA, atacaram
a Nicarágua pelo norte e pelo sul. A imprensa norte-americana confirmou que a CIA
fornecera as minas colocadas em portos nicaragüenses, que causaram elevados prejuízos,
inclusive a embarcações estrangeiras...

Daniel Ortega apelou para o Conselho de Segurança da ONU, cuja única medida
foi a de apoiar o grupo Contadora (Colômbia, México, Panamá e Venezuela), sem força
para ajudar seu vizinho.
Em 1990, uma população cansada de lutas, guerras e escassez, eleva ao poder o
partido anti-sandinista, mais uma vitória do imperialismo...
“Quando a Nicarágua finalmente sucumbiu ao ataque dos EUA, a grande
imprenssa louvou o êxito dos métodos adotados para ‘arruinar a economia e proceder a
uma prolongada e mortal guerra por procuração, até que os nativos exaustos derrubaram
o governo por eles mesmos com um ‘custo mínimo’ para os EUA, deixando as vítimas’
com pontes desabadas, estações de energia sabotadas e fazendas arruinadas”. (Noam
Chomiski)
“A revista Times festejou a última ‘séries de surpresas democráticas’ como ‘uma
democracia que irrompe’ na Nicarágua, esboçando os métodos do ‘jogo limpo norte-
americano’ com admirável franqueza: ‘arruinar a economia e prosseguir com uma
grande e mortal guerra por procuração até que os nativos exaustos derrubem por si
mesmos o governo indesejado’, com um custo que para nós é ‘mínimo’, deixando a vítima
‘com as pontes arruinadas, centrais elétricas sabotadas e fazendas em ruínas’, e
fornecendo ao candidato de Washington ‘um resultado decisivo’, terminando com o
‘empobrecimento do povo da Nicarágua’. De fato, ‘vivemos em uma época romântica’,
quando as vitórias eleitorais podem ser obtidas por meio desses puros métodos
jeffersonianos” (Noam Chomiski)

Vejamos agora alguns comentários feitos pelo norte-americano Noam Chomiski


sobre a situação da Nicarágua:

“... a Nicarágua ‘agora pode desafiar o Haiti pela indesejável distinção de ser o
país mais miserável do hemisfério ocidental’, relata o experiente correspondente na
América Latina, Hugo O’Shaughnessy, estudando o sucesso da liderança norte-
89
americana na iniciativa política dos anos 80. A mortalidade infantil que havia declinado
rapidamente é agora, ‘a mais alta no continente, e de acordo com as Nações Unidas, um
quarto das crianças nicaragüenses é mal nutrida’, enquanto as doenças que havia sido
controladas sob as reformas da saúde dos sandinistas, ‘são galopantes’. Mulheres
preparam sopas de pobres nas esquinas, ‘a fim de salvar dezenas de milhares de jovens
da fome’, enquanto ‘os séqüitos de esfomeados e magras crianças esperam em cada farol
de esquina para limpar seu carro ou simplesmente esmolar’, ou cair na prostituição e no
roubo. O ministro de finanças ‘jacta-se de que a Nicarágua tem a menor inflação do
hemisfério ocidental’ –não se importando com que quatro milhões de pessoas estejam
morrendo de fome. Os ‘programas de saúde, educação, nutrição e agricultura sandinistas
têm sido sucateados por um governo pressionado pelo Fundo Monetário Internacional e
Washington para privatizar e cortar os gastos públicos’. A direita não está satisfeita: ‘Ela
quer destruir os sandinistas, mesmo que isso significasse a guerra’, e ‘sabe que tem o
apoio do governo norte-americano’. Ela, portanto, se recusa a se unir às conversações de
paz planejadas pelos ministros de Relações Exteriores da América Central e pelos
representantes da Organização dos Estados Americanos ‘que chegaram em missão de
mediação’, mas ‘partiram desesperançados’ depois da rejeição dos clientes de
Washington. Apesar do sucesso em levar a miséria aos níveis haitianos sob a aplicação
rigorosa das regras da racionalidade e econômica, Washington não está satisfeito. ‘Os
Estados Unidos têm uma necessidade visceral de aniquilar os sandinistas de uma vez por
todas’, disse um especialista em relações externas.(...)
Enquanto isso, o Senado norte-americano, tendo financiado uma guerra
terrorista assassina contra a Nicarágua, agora exige prova do governo de que a
Nicarágua não está engajada no terrorismo internacional como condição de receber uma
ninharia de ajuda - uma magra fração das reparações que a Nicarágua foi obrigada a
conceder com a decisão da Corte de Justiça que, ela mesma, se ocupou com apenas uma
fração dos crimes norte-americanos. Não contentes com esse abismo de covardia moral,
o Senado exigiu também que o FBI fosse admitido na Nicarágua para investigar seu
alegado envolvimento no terrorismo internacional. (...)
Apesar da vitória, os formuladores da política norte-americana não estão
satisfeitos. O povo da Nicarágua deve sofrer mais para reparar os crimes que cometeu
contra nós.(...)
Na costa atlântica da Nicarágua, cem mil pessoas estavam morrendo de fome no
final de 1993, relatam fontes da Igreja, recebendo ajuda somente da Europa e do
Canadá. A maioria é de índios méskitos. Nada foi mais inspirador do que os lamentos
sobre os miskitos depois que algumas dúzias foram mortos e muitos violentamente
removidos pelos sandinistas no curso da guerra terrorista norte-americana, uma
campanha de virtual genocídio (Reagan), a maior violação ‘maciça’ de direitos humanos
na América Central (Jeane Kirkpatrick), em muito superando a chacina, tortura e
mutilação de dezenas de milhares de pessoas pelos gângsteres neonazistas que estavam
dirigindo e armando, e louvando como democratas eminentes, exatamente ao mesmo
tempo. O que aconteceu aos lamentos, agora que dezenas de milhares estão morrendo? A
resposta é a própria simplicidade. Os direitos humanos têm valor puramente instrumental
na cultura política; eles fornecem um instrumento útil para a propaganda, nada mais. (...)
É apenas justo acrescentar que as maravilhas do livre mercado têm aberto
alternativas, não somente para os ricos proprietários de terra, especuladores,
corporações e outros seguimentos privilegiados, mas até para as esfomeadas crianças
que espremem suas faces nas janelas dos carros nas esquinas à noite, mendigando por
90
poucos centavos para sobreviver. Descrevendo o apuro miserável das crianças na
Manágua, David Werner, autor de Where There is no doctor e outros livros sobre saúde e
sociedade, escreve que ‘a venda de cola de sapateiro às crianças tornou-se um comércio
lucrativo’, e as importações dos fornecedores multinacionais estão crescendo
satisfatoriamente à medida que os ‘donos de lojas em comunidades desalentadas fazem
um comércio florescente com os refis semanais dos pequenos frascos das crianças’, para
que cheirem cola, o que, se diz, ‘acaba com a fome’. O milagre do mercado está de novo
em funcionamento, embora os nicaragüenses ainda tenham muito o que aprender.(...)
Os liberais norte-americanos, que clamam pela restauração ‘dos padrões
regionais’ e pelo retorno da Nicarágua ao ‘modo centro-americano’ por meio das
atrocidades norte-americanas dos anos 80, e que louvam ‘a vitória do fair play norte-
americano’, quando os ‘nativos exaustos’ finalmente jogaram a toalha, incapazes de
resistir a mais torturas, deveriam estar deliciados com suas realizações nessa ‘era
romântica’.
De novo podemos observar os privilégios do poder e seus atributos
convencionais, a capacidade dos poderosos de impor os termos da discussão, e a fúria
evocada por qualquer desafio ao seu direito de governar. Como vimos, esses privilégios
determinam quem é a vítima e quem é o opressor, as verdadeiras vítimas sendo
regularmente transmutadas em atormentadores selvagens de seus torturadores inocentes.
Desta forma, os vietnamitas devem se penitenciar por seus crimes contra nós, e a
Nicarágua deve provar a nós que não está engajada no terror. Os registros estão repletos
de reclamações acerca dos pobres que procuraram pilhar os ricos.(Dulles) (...)
A Nicarágua é um caso particularmente revelador. Tortura-la é um ritual que
remota a 1854, quando a Marinha norte-americana destruiu uma cidade costeira para
vingar um alegado insulto aos oficiais norte-americanos e ao milionário Cornelius
Vauderblet. Como é bem sabido, as leis internacionais são feitas para estabelecer direitos
pelo efeito da prática habitual. Portanto, há muito foi estabelecido que é nosso direito
torturar a Nicarágua, um direito exercido sem um segundo de reflexão por meio da
selvageria de nosso cliente Somoza, que chacinou dezenas de milhares com nossa ajuda e
aprovação (disfarçados com muita decepção) quando a população desesperada
finalmente se levantou. A recusa do novo governo em se ajoelhar de maneira apropriada
causou uma fúria absoluta. Um congressista descreveu ‘o desejo ardente que membros
(do Congresso) sentem em golpear com violência o comunismo’ na Nicarágua. A opinião
se dividiu entre aqueles que pediam pelo terror brutal para punir o crime da
desobediência, e aqueles que sentiam que o terror pode não ser ‘eficaz em termos de
custo’; assim deveríamos encontrar outros meios de ‘isolar’ o governo ‘repreensível’ em
Nicarágua e ‘deixá-lo se infeccionar em seus próprios humores orgânicos’ (Senador
apaziguador Alan Cranston). A ‘necessidade visceral de aniquilar os sandinistas’ não é
nada de novo.
Os esforços da Nicarágua em perseguir os meios para a paz, exigidos pelas leis
internacionais, provocaram uma fúria particular. Os oficiais superiores norte-americanos
exigiram que o convite para que Daniel Ortega visitasse Los Angeles fosse retirado ‘para
punir o senhor Ortega e os sandinistas por aceitar as propostas de paz de Contadora’,
relatou o Times sem comentário, referindo-se aos esforços de paz que o governo norte-
americano foi capaz de solapar. A condenação dos EUA pela Corte Internacional de
Justiça provocou ataques ulteriores de cólera. As ameaças de Washington finalmente
compeliram a Nicarágua a retirar as reivindicações de reparação concedidas pela
Corte, depois de um acordo entre a Nicarágua e os Estados Unidos, ‘que visou elevar o
91
desenvolvimento técnico, comercial e econômico à máxima extensão possível’, informou
o representante da Nicarágua na Corte. A retirada de tais reivindicações tendo sido
efetivada pela força, Washington agiu para ab-rogar o acordo, suspendendo sua ninharia
de ajuda com exigências de crescente perversidade e ódio. Em setembro de 1993, o
Senado votou por noventa e quatro a quatro o banimento de qualquer ajuda se a
Nicarágua fracassasse em restituir ou dar uma compensação adequada (como
determinada por Washington) pelas propriedades de cidadãos norte-americanos
confiscada quando Somoza caiu –espólio dos participantes norte-americanos em
esmagamento dos burros de carga pelos tiranos que, havia muito, tinham sido o favorito
norte-americano. Nada satisfará a ânsia de punir os transgressores, mesmo sua redução
aos padrões haitianos. Nem os Estados Unidos descansarão até que os militares estejam
sob o controle de Washington, um elemento crucial da política norte-americana em
relação à América Latina por quarenta anos, ou até que o mundo chegue a entender o
que o poder virtualmente ilimitado realizará se for, de algum modo, ofendido.”

GRANADA

Enciclopédia Britânica:
A experiência socialista de Granada, que já durou 40 anos, foi dramaticamente
encerrada em outubro de 1983 por um golpe militar seguido da invasão das tropas norte-
americanas (...). O premier Maurice Bishop teria sido preso, depois libertado por
manifestantes, novamente preso e executado em 19 de outubro. Foram executados
também ministros, inclusive Jacqueline Craft (da Educação), que estava grávida de
Bishop. Sessenta pessoas morreram no conflito.
Em 25 de outubro cerca de 3000 marines e pára-quedistas dos EUA invadiram a
ilha com apoio simbólico de soldados de (outros países). No fim do mês a força invasora
já contava com 6000 homens.
A invasão de Granada emocionou a opinião pública face à disparidade das forças
em jogo. Mais tarde, quando os jornalistas foram admitidos na ilha, revelou-se que aviões
americanos haviam bombardeado um hospital psiquiátrico matando 47 doentes e atacando
objetivos civis

EL SALVADOR
El Salvador (21.041km2)
De Noam Chomski

Em março de 1994, o projeto de “promoção da democracia” chegou a El


Salvador. As eleições conduzidas nos anos 80 para legitimar o Estado de terror apoiado
pelos EUA foram aclamadas, desta vez, como passos impressionantes em direção à
democracia. Mas, com o desaparecimento dos imperativos políticos, a pretensão foi
silenciosamente arquivada. São as eleições de 1994 que têm de representar o triunfo da
revolução democrática inspirada por Washington.
As eleições foram, de fato, uma inovação visto que, pelo menos as formas, foram
mantidas, muito bem mantidas. “Centenas de milhares de eleitores que tinham títulos
92
eleitorais e não estavam aptos a votar porque seus nomes não apareciam nas listas de
eleitores”, relatou o Financial Times, “enquanto cerca de setenta e quatro mil pessoas,
uma grande parte das quais era de áreas tidas como simpatizantes à FMLN (Frente
Farabundo Marte de Libertação Nacional) foram excluídas porque não tinham a certidão
de nascimento.”(...) Houve também “uma lista de votos suspeita de conter os nomes de
muitos salvadorenhos mortos” (...)
Nas eleições de 1994, os Estados Unidos apoiaram a Arena, o partido dos
esquadrões da morte, um fato sabido em toda a parte, embora negado por razões de
propaganda. A revelação parcial de documentos, a maioria do começo dos anos 80,
revelou tudo isso. Ela também ilustra, mais uma vez, a principal razão de porque os
documentos tornaram-se secretos em primeiro lugar:não por razoes de segurança, como
alegado, mas para solapar a democracia norte-americana ao proteger o poder dos
Estados escrutínio popular. Em fevereiro de 1985 a CIA relatou que “por trás da
aparência legitimada da Arena encontra-se uma rede terrorista liderada por
D´Ambuisson e financiada pelos expatriados salvadorenhos ricos que residem na
Guatemala e nos Estados Unidos”, usando “tanto pessoal da ativa quanto militares
aposentados em suas operações”; “esquadrões da morte nas Forças Armadas operam
fora dos quartéis-generais e dos postos avançados rurais”...71...A administração Reagan
negou firmemente os fatos detalhados legados a isso, atribuindo a atividade dos
esquadrões da morte a radicais de extrema direita sem nenhum envolvimento ou
responsabilidade institucional de alto escalão com os militares ou o governo.
Os próprios militares e policiais, claro, eram as maiores forças terroristas,
realizando grande número de atrocidade contra a população civil, e financiados
diretamente por Washington, que era também responsável por seu treinamento e direção.
Os documentos liberados revelam que o envolvimento da Arena com o terror é ainda
recente, em 1990, incluindo o vice-presidente e seu candidato à presidência em 1994...71
... os defensores de nossos valores e aspirações são os beneficiários de seis
bilhões de dólares em ajuda oferecida pelo governo norte-americano: os generais, os
líderes comerciais e seu partido político, a Arena, que realizou a Convenção logo depois
de receber o elogio de Broder, dedicando-se de novo a defender a memória de seu
fundador, Roberto D´Ambuisson, um dos grandes assassinos da América Central. (...)
Pouco depois as façanhas de D´Aubuisson e seus seguidores receberam alguma
atenção quando a Comissão de Justiça das Nações Unidas publicou seus relatório sobre
as atrocidades dos anos 80, atribuindo 85% das evidencias horrendas às forças de
segurança treinadas, armadas e aconselhadas pelos Estados Unidos, e outros 10& aos
esquadrões da morte ligados a ela e ao rico setor comercial que os Estados Unidos
esperam manter firmemente no poder. A mídia nesse meio tempo declarou-se chocada
com a revelação daquilo que havia decidido ocultar quando tinha importância.

HAITI
De Política e Política - Martha Huggins.
Analisando retrospectivamente sua intervenção militar de 1915 no Haiti,
analistas de Washington constataram, em 1930, que o Haiti estivera em estado de “caos

93
social, econômico e político”. Apenas entre 1886 e 1915, todos os presidentes haitianos
haviam sido depostos, muitos deles assassinados no exercício do cargo: às vésperas da
intervenção norte-americana, houve manifestações populares violentas após o
assassinato do presidente Guillaunie Sam. (...) O argumento de Washington foi que a
invasão era necessária para impedir o completo colapso do Haiti e evitar que esse país
do Caribe faltasse com suas obrigações financeiras para com os credores estrangeiros, o
que poderia ter justificado uma intervenção européia.
Na total ocupação norte-americana do Haiti, durante 19 anos (1915-1934) foi
extinto o grande exercito haitiano existente, sendo criado, para substituí-lo, uma força
policial nacional – A Garde d´Haiti. Os EUA assumiram também o controle de todas as
instituições haitianas, exceto os departamentos de Justiça, de Educação e os Correios.
Para assegurar o controle norte-americano sobre a nova Garde, os fuzileiros navais
assumiram os postos de comando. Assim, embora se presumisse que, em ultima instância,
essa nova força de segurança estivesse sob o controle do presidente do Haiti, “na
verdade o presidente parecia ter menos poder que o comandante norte-americano das
forças regulares da Marinha, que frequentemente emitia ordens diretamente ao chefe da
Gendarmeria”, isto é, da Garde d´Haiti. (...) A nova Garde d´Haiti, que tinha jurisdição
sobre todo o país, tornou-se uma extensão da ocupação norte-americana. (...) isso gerou
conflitos e resistência. Aborrecia os haitianos que fossem poucos os fuzileiros navais no
comando da Garde que falavam o crioulo ou o francês. Também provocava desprezo o
fato de alguns oficiais norte-americanos “tivessem atitudes radicais tendenciosas”. (...)
Irritava os haitianos que a prostituição e o nascimento de filhos ilegítimos tivessem
aumentado consideravelmente com a presença dos fuzileiros norte-americanos.
Contudo, a maior fonte de insatisfação dos haitianos com a Garde originou-se
do fato de que as tropas de ocupação houvessem, em 1916, restaurado uma antiga lei
haitiana da corvéia, que permitia a utilização de trabalho forçado na construção de
estradas. (...) O camponês que (depois de recebido o cartão de notificação) não se
apresentasse para trabalhar poderia pagar um imposto, mas como a maioria deles era
extremamente pobre, o trabalho forçado, sem remuneração, era sua única opção possível.
(...) Uma vez em serviço, a Garde “brutalizava os trabalhadores, tratando-os como
criminosos”. Do modo como muitos haitianos encaravam, a Garde foi usada pelos
Estados Unidos para oprimi-los e para explorar seu trabalho.
O comportamento da Garde levou a “um aumento drástico do anti-
americanismo” e contribuiu para o surgimento de um movimento guerrilheiro de
resistência, à medida que os camponeses partiam para as montanhas. Na primavera de
1919, nos distritos haitianos do norte e do centro, Charlemgne Peralte já havia
organizado um exercito caco de cinco mil homens e armado um ataque bem sucedido
contra a Garde apoiada pelos Estados Unidos. As forças norte-americanas no Haiti
ofereceram uma recompensa de 2.000 dólares ao haitiano Jean Conze pela captura ou
assassinato de Peralte. Conze foi acompanhado nessa missão por Herman Heneken,
capitão da Marinha dos Estados Unidos. Afinal, foi Hemeken quem assassinou Peralte e
trouxe “o corpo quase nu do líder caco para o quartel general do Geudemerie” onde ele
foi amarrado a uma porta. Heneken foi condecorado com a medalha de Honra do
Congresso dos Estados Unidos, Jean Couze recebeu a medalha de Honra e Mérito do
Haiti. (...)
A Garde era um braço invisível da intervenção norte-americana, que
evidenciava as conexões existentes entre os Estados Unidos e as elites econômicas e
políticas dominantes do Haiti. Assim, ao invés de acabar com a agitação, a nova força
94
policial com oficialato norte-americano havia aumentado o conflito interno ao centralizar
e consolidar o poder nacional nas mãos de líderes leais aos Estados Unidos.

...à medida que a Garde do Haiti, treinada pelos Estados Unidos se tornava uma
força decisiva na política nacional daquele país, François “Papa Doc” Duvalier utilizou
essa Geudarmeria nacional para consolidar sua posição como presidente vitalício.
(Martha Huggim)
Em 1957 assumiu o poder François Duvalier, Papa Doc (Papai Doutor) que
organizou um regime de terror, exilando ou exterminando políticos e intelectuais,
expulsando o clero...

Sobre o Haiti
Noam Chomski
Pouco antes da tomada dos bolcheviques, Woodrow Wilson invadiu o México, o
Haiti e a República Dominicana, com um impacto duradouro nos dois últimos casos e
particularmente terrível no Haiti. Uma razão era o racismo extremado da administração
de Wilson e das suas forças militares perversas o suficiente na República Dominicana e
uma desgraça total no Haiti, onde isso era patente. Um alto oficial do departamento de
Estado explicou ao secretario de Estado de Wilson, Robert Lansing, que:
“É bom distinguir prontamente entre os dominicanos e os haitianos. Os
primeiros, apesar de em muitos meios não estarem muito avançados no mais alto tipo de
auto-governo, ainda assim têm a preponderância de sangue e cultura brancos. Os
haitianos, por outro lado, são negros em sua maioria e, salvo poucos políticos altamente
letrados, estão quase em estado de selvageria e completa ignorância.”
Consequentemente, o Haiti requer “um governo tão completo (...) quanto
possível” pelos ocupantes norte-americanos “por um longo período de tempo.” (...)
Durante a campanha presidencial, Clinton condenou amargamente as políticas
desumanas de Bush. Ao assumir o poder em janeiro de 1993, ele as tornou ainda mais
duras, intensificando o bloqueio para evitar que os refugiados fugissem do Haiti, uma
grande violação das leis internacionais. (...)
A prática continuou enquanto o terror grassava sem cessar, demonstrando que,
mesmo que se permitisse a volta de Aristide, “ele teria dificuldade em transformar sua
popularidade pessoal em um apoio organizado e exercer a autoridade civil”, observa a
Americans Watch, citando clérigos e outros que temem que a destruição das organizações
populares que “deram esperança ao povo”, tivessem minado a grande promessa da
primeira experiência democrática haitiana.
Para muitos aplausos, Washington finalmente teve êxito ao alcançar o resultado
desejado – nenhuma grande surpresa. Sob grande pressão, em julho o presidente Aristide
acertou os termos das Nações Unidas e dos Estados Unidos para um acordo que lhe
permitia retornar quatro meses mais tarde por meio de um “compromisso” com os
gangsteres que o derrubaram e têm roubado e aterrorizado “à vontade”. (...) À medida
que a imprensa noticiava historias de terror, mortes e ameaças de extermínio de membros
de organizações populares, a administração Clinton anunciou que a missão das Nações
Unidas, incluindo elementos norte-americanos, “confiará na policia e nos militares
haitianos para manter a ordem”, ou seja, “nesses grupos que têm sido considerados os
grandes responsáveis pelas mortes politicamente motivadas.”
(...)

95
Depois do golpe militar que derrubou Aristede, a OEA instituiu um embargo, ao
qual a administração Bush com relutância se uniu, enquanto deixava claro a seus aliados
e clientes que ele não deveria ser levada a sério. As razões oficiais foram explicadas um
ano mais tarde por Howard French: “A ambivalência profundamente arraigada de
Washington acerca do nacionalista com inclinação à esquerda, cujo estilo os diplomatas
dizem ser algumas vezes indistintamente errado” obsta qualquer apoio significativo às
sanções contra governantes militares.” Apesar de muito sangue nas mãos dos militares,
os diplomatas norte-americanos os consideram um contra-peso vital ao Padre Aristide,
cuja retórica de luta de classes (...) ameaçou ou antagonizou os centros de poder
tradicionais, interna ou externamente.” O “apelo” de Aristede “por uma punição de
comando militar” que havia chacinado e torturado milhares de pessoas “reforçou a
visão de que ele seja um cruzado vingativo e inflexível”, e intensificou a “antipatia” dos
Estados Unidos em relação ao extremista “enálico” e “desajeitado” que gerou uma
enorme “raiva” em Washington por causa de “sua tendência a ingratidão”
O exercito de Woodrow Wilson dissolveu a Assembléia Nacional no Haiti,
ocupado “por métodos genuinamente do corpo de fuzileiros navais”, nas palavras do
comandante da Marinha, o major Smedly Butler. A razão foi a recusa haitiana em
ratificar uma constituição de impostos pelos invasores que dava às corporações norte-
americanas o direito de comprar suas terras. Um plebiscito realizado pelos fuzileiros
navais norte-americanos remediou o problema: sob as armas de Washington a
constituição projeta pelos Estados Unidos foi ratificada por uma maioria de 99,9% , com
cinco por cento da participação popular. (...)
De acordo com o historiador de Harvard, David Laudes, a benevolente
ocupação naval “forneceu a estabilidade necessária para fazer o sistema político
funcionar e facilitar o comercio com o exterior.” (...)
Os haitianos têm memórias bem diferentes das solicitudes norte-americanas.
Organizações populares, clérigo abrigados em esconderijos e outros que sofreram
amargamente com a violência das forças de segurança expressaram um oposição
marcante ao plano de despachar 500 policiais das Nações Unidas ao aterrorizado país
em 1993, vendo-os como uma fachada para a intervenção norte-americana que evoca
memórias amargas dos 19 anos de ocupação por fuzileiros navais – uma estranha visão
sustentada somente por “esquerdistas radicais” na terminologia da mídia. (...)
Apagados da história, juntamente com a eficaz dissolução da Assembléia
Nacional e a imposição da constituição ditada pelos Estados Unidos, estão a restauração
de uma virtual escravatura, os massacres e o terror dos fuzileiros, o estabelecimento de
uma força de Estado terrorista (a Guarda Nacional) que tem mantido desde então sua
mão de ferro sobre a população, e a tomada do Haiti pelas corporações norte-
americanas, assim como na vizinha República Dominicana, onde os exércitos invasores
de Wilson eram somente uma sombra menos destrutiva.
(...)
O Haiti descrito pelos conquistadores como próspero, dotado de riquezas... mais
tarde uma fonte enorme de riqueza para seus espoliadores franceses e britânicos e hoje
verdadeiro símbolo da miséria e do desprezo.
...
Atrocidades terríveis no Haiti poderiam ser interrompidas com poucos gestos,
mas os Estados Unidos e seus sócios não têm se mostrado ansiosos em restituir ao poder
um representante dos pobres eleito democraticamente, o presidente Jean-Bertrand

96
Aristede, cujos esforços em ajudar a vasta maioria da população foram condenados como
“atos provocadores” de “luta de classes” pelo governo e pela mídia...
Poucos meses depois de os bolcheviques dissolverem a Assembléia Constituinte,
ultrajando a opinião civilizada, o exercito de Woodrow Wilson dissolveu a Assembléia
Nacional do Haiti, ocupado “por métodos genuinamente do corpo de fuzileiros navais”
nas palavras do comandante da Marinha, o major Smeddley Butter.

HONDURAS
À medida que o Muro de Berlim caía em novembro de 1989, as eleições se
realizavam em Honduras, que havia sido convertida em base para o terror norte-
americano na região. Os dois candidatos representavam grandes donos de terra e ricos
industriais. Seus programas políticos eram virtualmente idênticos; nenhum deles
desafiava os militares, os governantes efetivos, sob o controle norte-americano. (...) A
fome e a miséria eram galopantes, tendo aumentado de forma chocante durante a
“década da democracia”, graças em grande parte, aos programas agroexportadores
neoliberais angariados pelos consultores norte-americanos e uma “ajuda” sem
precedente dos EUA, que causou uma inaudita catástrofe humana, como hoje é admitida
mesmo em jornais que apaixonadamente pediam aos Estados Unidos para trazer de volta
a errante Nicarágua que ao “modelo” norte-americano de “América Central” com os
Estados de Terror. Também crescendo satisfatoriamente estavam as evasões de capital,
os lucros para investidores estrangeiros e o peso da dívida.
Consequentemente, as eleições foram “um exemplo inspirador de promessa
democrática que hoje está se espalhando por todas as Américas”, declarou o presidente
Bush, não menos inspiradora do que aquela do Panamá em 1984, ou as de El Salvador
em 1982 e 1984, com os líderes de oposição seguramente mortos e a sociedade civil
demolida pelos terroristas apoiados pelos Estados Unidos (chamados “forças de
segurança). (Noam Chomski)

De Policia e Política – Martha Huggins


Em Honduras, no inicio de 1988, os relatórios revelaram que uma Diretoria
Especial de Investigação hondurenha, treinada pelos Estados Unidos – já famosa como
Batalhão 316 – estivera em operação como um esquadrão da morte responsável pelo
assassinato naquele período, de pelo menos 130 hondurenhos. Em 1988 e 1989, época em
que os Estados Unidos ofereceram um programa de treinamento anti-terrorista à policia
hondurenha –depois de trinta anos de quase continua ajuda policial norte-americana –
triplicou o número de casos de tortura e agressão física de civil pelas forças policiais e de
segurança, com pelo menos 78 mortes apenas durante os primeiros sete meses de 1989.

COSTA RICA
O domínio econômico estrangeiro decorrente das concessões territoriais e
privilégios outorgados por Tomás Guardiã e seus sucessores imediatos, aos Meggs e

97
outras campanhas estrangeiras. Empenhado na construção da ferrovia San José - Puerto
Limon, no Atlântico, para escoar os produtos agrícolas, Guardiã apelou para Henry
Meiggs, capitão da indústria que construía ferrovias no Peru e no Chile. Um sobrinho de
Meiggs, Minor Cooper Keith, terminou a obra, levantando capital em condições onerosas.
(...) 1874 Minor havia fundado a Uniterd Fruit Company. Organizou também em Londres
a Tropical Trading e Transport Co. para produção transporte e exportação de banana aos
EUA. Adquiriu o controle de companhias que produziam bananas na Colômbia e no
Panamá, absorvendo a sua principal compedidora – a Boston Fruits Co., cujas plantações
eram nas Antilhas, na United Fruit formada em 1899. (...)
Ao mesmo tempo em que construía a ferrovia, Keith estabelecia plantações de
bananas nas terras contíguas de ambos os lados. Depois estendeu suas plantações à
Guatemala. Em 1884 consolidou a dívida nacional costarriquenha e construiu mais 52
milhas de vias férreas em troca da concessão, por 99 anos, dos ramais já construídos e de
800 mil férreas de terras ao longo daquela e de outras partes do país. Obteve ainda a
isenção de impostos por 20 anos.

De Noam Chomski
Um país latino-americano, com tradicionais altos padrões de bem-estar infantil
e outros índices sociais, foi compelido pela pressão norte-americana a cortar os gastos e
de saúde e a privatizar os serviços, com a inevitável conseqüência de se tornar agudas as
desigualdades sociais e prejudicar os fracos: a Costa Rica. O fundador da Democracia
costa-riquenha, José Figueres, condenou amargamente o “esforço” de Washington “em
se desfazer das instituições sociais da Costa Rica, para virar de cabeça para baixo toda a
nossa economia para o empresariado, e abolir nosso seguro social” e as instituições
nacionais “virando-as de cabeça para baixo para a oligarquia local ou para as
companhias européias e norte-americanas”

PORTO RICO

Em 1897, preocupado com a iminente intervenção dos Estados Unidos em Cuba,


o governo espanhol concedeu-lhes, assim como a Costa Rica a autonomia. Bem acolhido
pelos porto-riquenhos, ao contrário dos cubanos, a autonomia não chegou a funcionar
porque inrompeu a guerra de 1898 entre os EUA e a Espanha. Após breve resistência,
Porto Rico foi ocupado por forças norte-americanas. (...) Seus habitantes receberam a
cidadania norte-americana. (...) em 1952 Porto Rico teve uma constituição aprovada pelo
congresso dos EUA, que a elevou de território a Estado Livre e Associado. Os assuntos
diplomáticos e militares continuaram reservados ao governo federal dos EUA. (...) Em
1953 a ONU rejeitou a acusação porto-riquenha de que a ilha não passava de uma
colônia disfarçada dos Estados Unidos. Mas em 1978 o Comitê dos 24 votou uma
resolução cubana que reafirma o “direito inalienável do povo porto-riquenho de à
autodeterminação”. Nas eleições de 1980 defrontaram-se os separatistas, de pouca
expressão eleitoral, os partidos da entrada para a união norte-americana como os 51º
Estado, e os defensores da manutenção do status quo, de Estado Livre Associado. Carlos
Romero Barcelo, governador eleito em 1980, filia-se a primeira corrente, mas a proposta
feita pelos americanos no governo Ford não foi renovada. (...)

98
Com a anexação, os interesses açucareiros norte-americanos dominaram a
economia de Porto Rico. (...) A ilha importa metade dos alimentos que consome, a
despeito das possibilidades nacionais de cultivo, e a maior parte dos manufaturados que
precisa.
As questões de segurança, a cunhagem de moedas, as relações exteriores e
administração dos correios e da alfândega são, exclusivamente, da alçada das
autoridades norte-americanas. (Enciclopédia Britânica)

PANAMÁ

A guerra contra a Espanha em 1898 ressaltara a importância de um canal inter-


oceânico que teria de ser construído na Nicarágua ou no Panamá. Um tratado assinado
com a Inglaterra e o Panamá previa um canal neutro, não militarizado. Fora entregue a
Fernando Lesseps, o construtor do canal de Suez, a responsabilidade pela obra em 1879.
O clima, dificuldades técnicas, febre amarela, incompetência e corrupção, levaram à
falência o projeto.
Em 1881 já afirmara o secretário de Estado Blaine que os EUA não permitiriam a
perpetuação de “nenhum tratado que estorve nossa pretensão justa, há muito tempo
anunciada, de prioridade sobre o continente americano”. E assume o projeto.
A Colômbia, de que fazia parte o Panamá, recusou os termos do tratado proposto
pelos EUA como atentatório à soberania nacional. Mas o secretário de Estado norte-
americano, John Hay, afirmou: “não creio que se deva permitir às lebres de Bogotá que
continuem atrapalhando permanentemente a construção de um dos futuros caminhos da
civilização”. E Roosevelt resolveu o problema facilitando a separação do Panamá,
tornando-o independente da Colômbia. O preço do reconhecimento da nova nação seria a
concessão do canal. Um navio de guerra americano, e o superintendente da estrada de
ferro (que já era propriedade dos EUA), impediram a entrada no Panamá de qualquer
contingente colombiano.
“Os métodos utilizados por Roosevelt no episódio do canal consagraram a
expressão política do Big Stick (porrete grande) que iria caracterizar sua política para a
América Latina”. Ele mesmo se vangloria depois: I took Panamá (eu tomei o Panamá).
Pelo tratado, os EUA receberiam uma faixa de 16 km de largura por 80 km de
comprimento através do istmo - a Zona do Canal - sobre a qual os EUA teriam direitos
soberanos. Ainda se reconhecia aos EUA, fora da Zona, a concessão, sem qualquer limite,
e também sem caráter de perpetuidade, de terras e águas que tivessem necessidade para
assegurar o bom funcionamento do canal; e mais: o direito de intervir no Panamá para
proteger o Canal.
A Zona do Canal corta a republica ao meio, e aí se encontram os principais rios,
o melhor clima e as terras mais férteis do país. Os armazéns americanos que abasteceriam
apenas os navios em trânsito ampliaram “por cortesia” suas vendas aos inúmeros
empregados da Zona, e através destes, aos parentes e amigos dos mesmos, levando por
conseqüência o comércio panamenho a definhar. O salário de um panamenho que
trabalhasse na Zona era cinco vezes menor. Até o governo de Eisenhower, apenas a
bandeira americana era hasteada na Zona, se bem que os navios norte-americanos se
servissem da bandeira panamenha para o transporte de armas para a Inglaterra. A seguir
foi hasteada uma bandeira ao lado da americana. Em 1964 a retirada da bandeira

99
panamenha provocou uma sublevação popular e uma violenta reação militar dos EUA,
que levou ao rompimento de relações diplomáticas. Chiari apelou para a ONU e para a
OEA sem resultado algum. O comitê de juristas de Genebra considerou excessiva a reação
militar norte-americana. Mas não foi a última intervenção.
(...)
“A Guerra Fria chegou a um fim definitivo com a queda do muro de Berlim
em novembro de 1989. George Bush celebrou a ocasião invadindo o Panamá, não
perdendo tempo em anunciar que nada mudaria.(...) Também não houve demora na
demonstração de que o desprezo pela democracia (...) persistiria sem nenhuma mudança.
Um exemplo típico, à medida que terminava a Guerra Fria, foram as eleições de 1984 no
Panamá, vencidas por meio da fraude e da violência por um gângster e assassino, o
general Manuel Noriega, então um amigo e aliado norte-americano. A realização foi
aclamada pela administração Reagan, que tinha secretamente financiado o vencedor
designado, a quem enviou uma mensagem de congratulação sete horas antes que sua
‘eleição’ tivesse sido confirmada. O secretário de Estado George Schultz foi ao local
para legitimar a fraude, elogiando as eleições como ‘a inauguração da democracia’, e
desafiando os sandinistas a igualar os altos padrões do Panamá. A intervenção de
Noriega barrou com sucesso a vitória de Arnulfo Arias, visto pelo Departamento de
Estado como ‘ultranacionalista indesejável’, enquanto o vitorioso selecionado, um ex-
aluno de Schultz, era cliente bem educado, conhecido desde sempre como ‘fraudito’ no
Panamá.
Em 1989, Noriega roubou uma outra eleição, com menos violência desta vez,
obtendo um show de ira e fúria de Washington e da mídia. Nesse ínterim, Noriega tinha
mostrado sinais impróprios de independência, ofendendo o mestre com o pouco
entusiasmo pela campanha terrorista de Washington contra a Nicarágua, e de outras
maneiras. Ele tinha assim se unido ‘àquela fraternidade especial de vilões internacionais,
homens com Kadafi, Idi Amin e o aiatolá Khomeini, aos quais os norte-americanos
simplesmente adoram odiar’, discursou o proeminente comentarista de televisão Ted
Koppel. O colega de Koppel na ABC, o âncora Peter Jennings, denunciou Noriega como
‘uma das mais odiosas criaturas com as quais os Estados Unidos mantém relações’. Dan
Rather, da CBS, colocou-o no ‘topo da lista de ladrões e da escória do mundo’ -de novo
um ponto de vista ausente em 1984. Outros seguiram o exemplo. Quando a odiosa
criatura foi posta em julgamento nos Estados Unidos, sendo raptada pelas tropas
americanas que invadiram e ocuparam o Panamá, as acusações contra ele eram quase
inteiramente do período em que era um favorito dos Estados Unidos, um fato que ganhou
pouca repercussão.”(Noam Chomsky)

Noriega foi acusado de cumplicidade com o narcotráfico, corrupção eleitoral e


assassinato por razões políticas. O que há de verdade ou de exagero nas inúmeras
acusações, é difícil saber, pois os governos com o auxílio dos meios de comunicação,
transformaram bandidos em heróis e heróis em bandidos; como é difícil também saber
todas as razões políticas, econômicas e outras que estão por trás desta elevação ou
rebaixamento de muitas figuras da história.
Noriega fora por muito tempo colaborador dos serviços americanos de
informação (CIA); ajudou na transferência ilegal de armamento para os “contras”
somozistas da Nicarágua, e outras ajudas... Talvez arrependido das barbaridades
cometidas, começara a agir ao contrario das expectativas dos “patrões”; dar sinais de
independência, manter o Panamá no “Grupo Contadora”, um órgão de defesa dos países
100
latino-americanos, aproximar-se de setores nacionalistas panamenhos... E assim é
transformado de repente numa “vil criatura”, ou melhor, num ex-aliado incômodo e
perigoso para os EUA.
Ainda sobre o problema, temos outro comentário do norte-americano Noam
Chomsky:
“... Temos uma boa oportunidade para aprender com a resposta ao recurso de força de
Bush. Aqueles que aclamaram as mensagens ressoantes sobre a maravilhosa ‘era cheia
de promessas’ tinham de engendrar habitualmente o registro histórico, extirpando fatos
cruciais. Um desses fatos foi o apelo por uma Nova Ordem Mundial dedicada à ‘paz
segurança, liberdade e obediência às leis’ que foi lançado pelo único chefe de Estado a
permanecer condenado pela Corte Internacional de Justiça pelo ‘uso desleal de força’,
embora, claro, a condenação pela mesma Corte de guerra terrorista de Reagan e Bush
contra a Nicarágua fosse descartada com desprezo por Washington, mídia e opinião
intelectual em geral; o julgamento desacreditou a Corte, explicaram comentaristas
respeitáveis. Um outro fato crucial foi que ‘o missionário de mente nobre’ havia iniciado
a era pós-Guerra Fria em dezembro de 1989 ao invadir o Panamá (Operação Causa
Justa), bem conhecido quando ele anunciou a Nova Ordem Mundial e que ‘remover o
manto de proteção dos Estados Unidos resultaria rapidamente numa derrubada civil ou
militar de Endara e seus apoiadores’(Stephen Ropp, especialista em América Latina ) –ou
seja, o regime fantoche de banqueiros, homens de negócios e narcotraficantes instalado
pela invasão de Bush. Também ignorado foi o veto norte-americano a duas resoluções do
Conselho de Segurança condenando sua agressão (ajudado pela Grã-bretanha, para
ficar claro), juntamente com a resolução da Assembléia Geral que denunciava a invasão
como uma ‘violação flagrante das leis internacionais e da independência, soberania e
integridade territorial dos Estados’ e clamava pela retirada das ‘Forças Aramadas norte-
americanas do Panamá’ (...).
As reações panamenhas continuam a ser ‘fáceis de ignorar’, mesmo quatro anos
depois da liberação. Em seu relatório anual sobre os direitos humanos de janeiro de
1994, a Comissão de Direitos Humanos do Panamá afirmou que o direito à
autodeterminação e soberania do povo panamenho continua a ser violado pelo ‘estado de
ocupação por um exército de estrangeiros’.

CUBA

“O amor, mãe, à pátria


não é o amor ridículo à terra,
nem à relva que pisam nossos pés;
é o ódio invencível a quem a oprime,
é o rancor eterno a quem a ataca;
e tal amor desperta em nosso peito
o mundo de lembranças que nos chama
à vida outra vez....”
(José Marti –1853/1895) o apostolo da independência de Cuba

Desde 1821 começou o movimento de independência com a sociedade secreta


Sales y Rayos de Bolívar, cujos integrantes foram delatados e exilados. Anos depois,

101
alguns movimentos separatistas desejavam anexar Cuba aos EUA; os chefes eram criollos
ricos inconformados com o domínio espanhol. Um deles era Gaspar Betancourt Cisneiros
que fundou um jornal nos EUA, La Verdad , cuja direção ofereceu a José Antonio Saco
que a recusou e combateu a anexação. Outro líder pró-anexação, Narciso Lopez, teve em
1851 seu barco preparado para a invasão de Cuba capturado pelo governo norte-
americano. Mesmo assim, invade a ilha, quando, derrotados, morrem todos os patriotas. O
movimento liderado por Carlos Manuel de Céspede também fracassou.
José Marti, chamado ‘o apóstolo’, tornou-se a principal figura pró-
independência, organizando o Partido Revolucionário Cubano em 1891. Angariou
recursos, armas e navios, que foram apreendidos pelo governo norte-americano por ordem
do presidente Cheveland. Os interesses dos EUA eram outros.
“Em 1895... os capitalistas norte-americanos já controlavam o comércio de
exportação de Cuba por meio de um trust, a American Sugar Refining Co, (formada) com
a fusão de 19 pequenas refinarias, passando a monopolizar a compra de açúcar. E a
Espanha, a fim de não perder as colônias do Caribe, cedera às pressões dos EUA, após
muita relutância, ao firmar, em 1891, o acordo de reciprocidade comercial(...)...
convertera Cuba ‘virtualmente’ em uma possessão dos EUA.” (L.A . Moniz Bandeira)
(...)
“Os Estados Unidos se opuseram à independência cubana desde os seus
primórdios. Thomas Jefferson advertiu o presidente Monroe a não entrar em guerra com
Cuba, ‘mas a primeira guerra por outros motivos nos dará ela, ou a ilha se dará a nós,
quando estiver pronta para tanto’. O secretário de Estado de Monroe, John Quiriay
Adams, o autor intelectual do Destino Manifesto, descreveu Cuba como ‘um objeto de
importância transcendente aos interesses políticos e comerciais de nossa União’. Ele se
uniu a muitos outros para intensificar o apoio à soberania espanhola até que Cuba caísse
nas mãos dos Estados Unidos pelas ‘leis para a gravitação política’, uma ‘fruta madura’
pronta para a colheita.” (Noam Chomsky)
(...)

“Os homens que deflagraram, em 1895, a luta armada contra o domínio de


Madri (...) queriam a mais completa independência de Cuba, e repudiavam tanto o
projeto de autonomia quanto a idéia de anexá-la aos EUA. O general Antonio Maceo que
se insurgira contra uma ‘rendição desonrosa’ e voltara em 1895 a comandar os
insurretos, declarou certa vez que se Cuba viesse a tornar-se mais uma estrela na
‘cintilante constelação’ norte-americana, conforme o desejo manifestado pelo jovem
anexionista José Hernández, este seria o ‘único caso’ em que ele, provavelmente, estaria
do lado dos espanhóis. Por sua vez, José Marti (...) considerado apóstolo da
independência de Cuba, escreveu (...) um dia antes de tombar no combate de Dos Rios,
que arriscava a vida pelo seu país e pelo dever de impedir que os EUA se estendessem às
Antilhas, bem como ‘la anexación de los pueblos de nuestra América al Norte revuelto y
brutal que los depreciam’. Ele, que residia 15 anos em Nova York , de onde organizara a
luta armada pela independência de Cuba, podia dizer; ‘Vivi en el mostruo y le conozco
las entrañas: -y mi honda es la de Davi’. (L.A . Moniz Bandeira)
(...)
Em 1897 o governo espanhol concedera autonomia a Cuba, mas esta fora
recusada pelos cubanos que queriam completa independência, e continuava a revolta.
Os expansionistas norte-americanos viram nisto a oportunidade que esperavam.
O Congresso americano reconhece como legítimas as lutas cubanas, além de alegar que a
102
rebelião causava prejuízos aos interesses norte-americanos que dominavam a indústria
açucareira e o comércio externo de Cuba. O presidente Mckinley envia a Cuba a couraça
do Maime para proteger bens e vidas norte-americanos. Este navio explode - explosão
esta, até hoje não explicada - e os EUA responsabilizam a Espanha pelo fato, apesar de
seus protestos. Por seu lado, o jornalismo sensacionalista procurava o apoio do público
com relatos de “atrocidades” praticadas pelos espanhóis da ilha, justificativas políticas e
humanitárias para a invasão.
Na guerra contra a Espanha, a vitória dos EUA foi fácil. Exigem um armistício e
o papel de mediador nas negociações de paz. E se apoderam de Cuba com a promessa de
libertá-la. De quebra, tomam também da Espanha, Porto Rico, Guam e Filipinas e anexam
o Havaí.
“Os EUA, ao assumirem o domínio sobre o espólio colonial da Espanha,
revelaram o caráter imperialista de sua política, que se equiparou à de outras potências
da Europa, àquela época, e assustou povos da América Latina. Mesmo no Brasil, o único
país do hemisfério onde eles contavam com alguma simpatia, houve críticas ao desfecho
da intervenção em Cuba. Rui Barbosa (...) opôs-se à Doutrina Monroe, considerada por
ele uma falácia, e previu que, com a vitória dos EUA sobre a Espanha, a diplomacia
européia teria que encontrar um modus vivendi ‘adaptável à política imperialista à Casa
Branca’ (L.A . Moniz Bandeira)
A liberdade com que sonharam não se realizou. A Emenda Platt, aprovada pelo
Congresso Americano, estabelecia bases navais na ilha, limitava ou impedia sua
possibilidade de fazer tratados, contrair dívidas, e dava aos EUA o direito de interver na
ilha quando julgasse necessário para “assegurar a independência e manter a lei e a
ordem”. Cuba permaneceu como um protetorado americano até 1934. Teve vários
governos, sim; mas eram depostos assim que não satisfizessem as vontades das grandes
companhias, suspeito, por vezes, impropriamente, de serem comunizantes. Livre da
Espanha, Cuba continuou a alimentar um sentimento antiamericano cuja “causa estava na
atividade das grandes empresas”. Um movimento oposicionista surgiu entre os estudantes
e a classe média, e pôs fim ao governo Carlos Manuel Céspedes que subiria ao poder com
o apoio do embaixador norte-americano Summer Welles.
Pouco depois “os escalões inferiores do Exército e da Marinha insurgiram-se
liderados pelo sargento-estenógrafo Fulgêncio Batista que convidou os dirigentes do
Diretório Estudantil (...) e com eles decidem formar uma Junta de Governo... celebrizada
como Pentarquia. (Esta) nomeou o professor Ramón Grau San Martin presidente
provisório de Cuba por indicação do Diretório Estudantil. (...) (um dos membros da
Pentarquia, sem aprovação dos demais, promoveu) Fulgêncio Batista ao posto de coronel
com a função de chefe de Estado Maior. Essa medida desencadeou um motim de oficiais
superiores, cerca de 300... que se refugiaram no Hotel Nacional onde Summer Welles
estava hospedado, e cujo objetivo era provocar o desembarque dos fuzileiros navais
norte-americanos, (o que não aconteceu) (...)
Grau San Martin conseguiu restabelecer a ordem, pelo menos precariamente, em todo o
país.(...) Roosevelt continuou a não reconhecer o governo de Cuba. O propósito era não
permitir sua consolidação. O não reconhecimento naquelas circunstâncias constituía uma
forma de intervenção, na medida em que encorajava a rebeldia dos oficiais superiores.
Batista como coronel chefe do Estado Maior impedia a efetivação do programa
do Diretório Estudantil... e liquidava em todo o país as manifestações dos
comunistas.(...)” (L.A . Moniz Bandeira)
(...)
103
Detentor do poder, Batista força a renuncia de Grau San Martin e coloca no
governo Carlos Mendieta que é imediatamente reconhecido pelos EUA.
“Segundo o diplomata brasileiro Edgar Fraga de Castro, o governo Mendieta
‘impopular, conservador’, só se manteve graças ao apoio do coronel Batista por
‘inspiração’ do embaixador norte-americano Jefferson Caffery, até o dia em que a
‘mesma inspiração’ o obrigou a entregar o poder a José A Barnet. (...) E Caffery, naquela
situação, sentia-se ainda no ‘dever tutelar’ de fazer declaração à imprensa, ‘inconcebível
de se conceder em um país soberano’ conforme Fraga de Castro observou, salientando
que Cuba, um país pequeno, mas ‘imensa e abundantemente rico’, vivia ‘debaixo de um
jugo econômico mais duro que o jugo político’, submetido à ‘irrespondível ameaça de
fechamento de mercado norte-americano para seu açúcar, o que significaria a miséria e o
caos’. ‘Excluídos os EUA’, Fraga de Castro aduziu, o ‘verdadeiro poder’ em Cuba
potencia o coronel Batista (...) em cujos discursos era ‘difícil encontrar uma linha mestra,
uma inclinação clara para a direita ou para a esquerda’, pois os conceitos emitidos
poderiam ser subscritos por fascistas ou comunistas, quando não redundavam em
generalidades demagógicas. Porém ele, o ‘Cônsul’ Batista, na expressão do diplomata
brasileiro, jamais arriscaria ‘causar dano à República, ou seja, aos EUA, e por esta
razão, instalado na vila militar de Columbia, ‘uma das casernas mais luxuosas do
mundo’, continuou a mandar e desmandar no país” (L.A . Moniz Bandeira)
E assim, desde 1952, um “bom homem” para os EUA, Fulgêncio Batista, ditador
corrupto e violento, governou Cuba, até sua queda em 1º de janeiro de 1959.
O primeiro movimento para derrubar o ditador começou ainda em 1953, com um
grupo de 165 jovens universitários chefiados por Fidel Castro. Deles, metade foi
metralhada, e Fidel e seu irmão presos. Libertados, e unidos a Che Guevara, abrigam-se
em Sierra Mestra e iniciam as guerrilhas até a queda de Batista.
De início os EUA viram até com simpatia o novo governo. Era coisa comum a
deposição de presidentes... Mas logo a simpatia teve fim, diante da desapropriação de
poderosas companhias norte-americanas. A reforma agrária expropriava grandes
latifúndios pertencentes a empresas como a United Fruit Company. Bancos e minas
nacionalizados... Os cubanos não estavam de acordo com a Doutrina Monroe: as
Américas para os americanos. Achavam que Cuba era para os cubanos.
O “monstro” do “perigo vermelho” era temido, ou melhor, servia de desculpa
para as intervenções por interesses; embora Fidel Castro claramente afirmasse não ser
comunista:
“Nosotros no nos vamos poner a la derecha, no nos vamos poner a la
izquierda, ni nos vamos poner en el centro, que nuestra Revolución no es centrista.
Nosotros nos vamos poner um poco más adelante que la derecha y que la izquierda. Ni a
la derecha ni a la izquierda, un passo más allá de la derecha y de la izquierda(...)
Nuestra Revolución no es comunista (...) nuestros ideales se apartan de la doctrina
comunista; la Revolución cubana no es capitalista ni comunista; es una revolución
própia, tiene una ideologia própia, tiene razones cubanas, es enteramente cubana y
enteramente americana...”
(...)
Conta-nos Noam Chomsky que na época “as políticas após Guerra Fria
continuavam sem nenhuma mudança, à parte a modificação tática. Tomemos Cuba,
sujeita ao terror e a guerra econômica norte-americana logo após que Castro tomou o
poder em janeiro de 1959. Em outubro, aviões baseados na Flórida estavam executando
bombardeios e ataques contra o território cubano. Em dezembro, a subversão da CIA
104
avançava, incluindo o suprimento de armas aos bandos guerrilheiros e a sabotagem de
fábricas de açúcar e outros alvos econômicos. Em março de1960, a administração
Eisenhower formalmente adotou um plano para derrubar Castro em favor de um regime
‘mais devotado aos verdadeiros interesses do povo cubano e mais aceitável aos Estados
Unidos’, o qual determinará ‘os verdadeiros interesses do povo cubano’, não o povo
cubano que, como Washington sabia por meio de suas próprias investigações, estava
otimista acerca do futuro e apoiava Castro. Reconhecendo esse fato infeliz, o plano
secreto enfatizou que Castro deveria ser removido ‘de tal modo que evite qualquer
aparência de intervenção norte-americana’. Depois do fracasso de sua invasão (Baía dos
Porcos), os liberais de Kennedy aumentaram suas notáveis operações terroristas contra
Cuba. A campanha foi cancelada por Lyndon Johnson, retomada por Nixon. Enquanto
isso, o embargo esmagador foi mantido, garantindo que Cuba fosse levada às mãos dos
russos.
Por todos os lados, o pretexto era a ameaça soviética. Sua credibilidade é
facilmente avaliada. Quando a decisão de derrubar Castro foi tomada em março de 1960,
Washington estava totalmente consciente de que o papel russo era nulo. E, além disso,
com os russos fora de cena, a estrangulação norte-americana de Cuba foi apertada.
Durante a campanha presidencial de 1992, Bush estendeu o bloqueio, sob pressão de
Clinton clamou medidas mais severas contra Cuba. Protestos da Comunidade Européia e
da América Latina foram ignorados. A imprensa relata alegremente o colapso da
sociedade cubana e o sofrimento de seu povo, atribuído principalmente aos diabos do
comunismo, e não ao que os Estados Unidos fizeram.”
(...)
Os EUA estrangularam economicamente a ilha de Cuba e a isolaram.
conseguiram a exclusão de Cuba da OEA por margem mínima, mas conseguiram.
Abstiveram-se Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador e México. Em 1962 o ditador
argentino, e em 1964 o ditador brasileiro rompem relações com Cuba. Assim, um a um, os
países “irmãos de sangue” de Cuba a abandonaram, com exceção do México, para
satisfazer os ditames do poderoso império.
Do níquel importado pelo Japão, 0,3% era cubano. Os EUA ameaçaram-no de
suspender importações de automóveis e motocicletas japonesas, e mais um país deixa de
negociar com Cuba.
Grande vingança contra a pequena nação que cometeu o crime de querer sua
independência. Mas, como outras acusações que permaneceram na História contra a
poderosa nação, nada melhor do que as palavras do próprio Fidel Castro que talvez
demonstrem o sentimento de todas as nações latino-americanas, e outras pelo mundo
afora: “Nossos povos não são culpados do subdesenvolvimento nem da dívida. Nossos
países não são culpados de terem sido colônias, neocolônias, nem repúblicas bananeiras,
cafeeiras, mineiras ou petroleiras, destinadas a produzir matérias-primas, produtos
exóticos, combustíveis a baixo custo e mão-de-obra barata. (...) Aquilo que foi arrancado
dos nossos povos só no último decênio, pela troca desigual, os altos juros, o
protecionismo, o dumping, as manipulações monetárias e as fugas de divisas, é muito
mais do que o montante total dessa dívida (...). Nossos povos são bem mais credores, não
somente morais, mas também materiais, do mundo do ocidente industrializado e
rico”.(cit. por Otavio Ianni)

As palavras de Fidel Castro encontram eco nas palavras do presidente Kennedy:

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“Do mundo subdesenvolvido, que tem necessidade de capitais, temos retirado
1.300 milhões de dólares, enquanto só exportamos duzentos milhões em capitais de
inversão”.(discurso ante o congresso de AFL-CIO em Miami, no dia 8/12/1961 –cit. por
Eduardo Galeano).
Também confirma o texto a seguir (via internet)
A conferencia dos chefes de Estado da União Européia, Mercosul e Caribe,
encerrada no fim de semana passado, em Madri, viveu dois momentos surpreendentes.
Mas surpresas mesmo tiveram os chefes de estado europeus, que ouviram perplexos e
calados um discurso irônico, caustico e de exatidão histórica que lhes fez Guaicaipuro
Cuatemoc, cacique de um nação indígena da América Central. Eis o discurso:
“Aqui estou eu, descendente dos que povoaram a América há 40 mil anos, para
encontrar os que a encontraram só há 500 anos. O irmão europeu da aduana me pediu
um papel escrito, um visto, para poder descobrir os que me descobriram. O irmão
financista europeu me pede o pagamento, com juros, de uma dívida contraída por um
Judas, a quem nunca autorizei que me vendesse. Outro irmão europeu me explica que
toda a dívida se paga com juros, mesmo que para isso sejam vendidos seres humanos e
países inteiros sem pedir-lhes o consentimento. Eu também posso reclamar pagamento e
juros.
Consta nos arquivos das Índias que somente entre os anos de 1503 e 1660
chegaram a São Lucas de Barrameda 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de
prata provenientes da América. Terá sido isso um saque? Não acredito porque seria
pensar que os irmãos cristãos faltaram ao Sétimo Mandamento! Teria sido espoliação?
Guarda-me Tanatzin de me convencer que os europeus, como Caim, matam e negam o
sangue do irmão. Teria sido genocídio? Isso seria dar crédito aos caluniadores como
Bartolomeu de Las Casas ou Arturo Uslar Pietri, que afirma que a arrancada do
capitalismo e a atual civilização européia se devem a inundação de metais preciosos
retirados das Américas! Não, esses 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata
foram o primeiro de outros empréstimos amigáveis da América destinados ao
desenvolvimento da Europa. O contrário disso seria presumir a existência de crimes de
guerra, o que daria direito a exigir não apenas a devolução, mas indenização por perdas
e danos. Prefiro pensar na hipótese menos ofensiva. Tão fabulosa exportação de capitais
não foi mais do que o início de um plano “MARSHALLTESUNA”, para garantir a
reconstrução da Europa arruinada por suas deploráveis guerras contra os mulçumanos,
criadores da álgebra, da poligamia, do banho diário e de outras conquistas da
civilização. Para celebrar o quinto centenário desse empréstimo, poderemos perguntar:
os irmãos europeus fizeram usos racionais, responsáveis ou pelo menos produtivos desses
fundos? Não. No aspecto estratégico, dilapidaram nas batalhas de Lapanto, em navios
invencíveis, em terceiros reichs e outras formas de extermínio mutua, sem um outro
destino a não ser terminar ocupado pelas tropas estrangeiras da OTAN, como no
Panamá, mas sem Canal. No aspecto financeiro foram incapazes, depois de uma
moratória de 500 anos, tanto de amortizar o capital e seus juros, quanto independerem
das rendas líquidas, as matérias primas e a energia barata que lhes exporta e prove todo
e Terceiro Mundo. Este quadro corrobora a afirmação de Milton Friedman, segundo a
qual uma economia subsidiada jamais pode funcionar, e nos obriga a reclamar-lhes, para
o seu próprio bem, o pagamento do capital e dos juros que, tão generosamente temos
demorado todos esses séculos a cobrar.
Ao dizer isto, esclarece que não nos rebaixaremos a cobrar de nossos irmãos
europeus, as mesmas vis e sanguinárias taxas de 20% e até 30% de juros que os irmãos
106
europeus cobram aos povos do Terceiro Mundo. Nos limitaremos a exigir a devolução
dos metais preciosos, acrescida de um módico juro fixo de 10%, acumulado durante
apenas os últimos 300 anos, com duzentos anos de graça. Sobre esta base, aplicamos a
fórmula européia de juros compostos, aos descobridores que eles nos devem 185 mil
quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata, ambas as cifras elevadas a potência de
300, isso quer dizer um numero para cuja expressão seriam precisos mais de 300 cifras,
e, supera amplamente o peso do planeta Terra. “Muito peso em ouro e prata... quanto
pesaria calculando em sangue? Admitir que a Europa, em meio milênio, não conseguiu
gerar riquezas suficientes para pagar esses módicos juros, seria como admitir seu
absoluto fracasso financeiro e a demência e irracionalidade dos conceitos capitalistas.
Tais questões metafísicas, desde já, não nos inquietam, índios americanos. Porém
exigimos a assinatura de uma carta de intenções que discipline os povos devedores do
Velho Continente e que os obrigue a cumpri-la, sob pena de uma privatização ou
conversão da Europa, de forma que lhes permita entregar suas terras como primeira
prestação da dívida histórica...”

Quando terminou seu discurso diante dos Chefes de Estado da Comunidade


Européia, o cacique Guaicaipuro Cuatemoc, nem sabia que estava expondo uma tese de
Direito Internacional para determinar a Verdadeira Dívida Externa.
Agora só resta que algum governo Latino Americano tenha dignidade suficiente para
impor seus direitos perante os Tribunais Internacionais.
Os europeus ali reunidos devem ter percebido que nesse tempo de globalização e
tecnologia, índio já não quer mais apito, quer que lhe paguem o devido com juros.

E, para concluirmos que apesar de tudo, Cuba merece nossa admiração, vejamos
o que a revista Isto É de 16-04-2003 publicou, falando sobre o Expo Cuba, comandada
pelo ministro do governo cubano, o engenheiro Raul de La Nuez :
(...)
A ilha esbanja tecnologia em santuários de bem-estar, saúde e beleza, os
chamados spas –esportivos, médicos e de rejuvenescimento, até a bordo de cruzeiros que
passeiam nas águas do Atlântico e do Pacifico. A companhia Cubanacán Turismo y Salud
trabalha com empenho para o desenvolvimento de centros de spa através de acordos
comerciais com redes hoteleiras de primeiro nível que nos últimos anos desembarcam
com todo apetite no país. A industria de comércio entra nessa onda e também deslancha.
(...)
Mas Cuba - alegre como a musica de Chucho Valdés, inovadora e criativa
apesar do furioso bloqueio econômico americano –veio até aqui exibir sua raça. Cuba
tem suportado perdas diretas e indiretas acima de US$ 121 bilhões por causa da lei
intervencionista e autoritária americana, em vigor desde 1962, cujo nome é pura ficção:
‘lei para liberdade e solidariedade democrática cubana’. Estima-se que o dano é
equivalente 15 vezes o nível de exportação de 1989, o mais alto da história, o que
corresponde a cerca de 15 anos de desenvolvimento do país.

Convite para uma boa parceria

O ministro do Comércio Exterior de Cuba, Raul de La Nuez , é, com orgulho,


comunista desde criancinha. Tem 53 anos, é militante do partido desde 2000. Nascido em

107
havana é um engenheiro otimista que veio ao Brasil pela primeira vez para mostrar às
autoridades, empresários e investidores que seu país tem muito mais a oferecer do que o
melhor rum e os melhores charutos do mundo. La Nuez não tem a soberba que
desqualifica a maioria dos ministros da área econômica no mundo capitalista. Mas, como
a palmeira real, a árvore nacional da ilha, tem o indomável caráter cubano e suporta em
pé os mais furiosos vendavais que sopram dos Estados Unidos. Raul de La Nuez falou a
ISTOÉ na terça-feira 8, em São Paulo.

ISTOÉ –Qual sua impressão sobre a repercussão da Expo Cuba?


Raul de La Nuez –fui surpreendido pelo interesse e pelo número de pessoas que
compareceram à exposição. Creio que há condições para ampliar muito os negócios com
o Brasil. Há setores em Cuba que pode contribuir especificamente nos setores médicos,
tecnológicos, de produtos veterinários. O mesmo em relação aos investimentos do Brasil
em Cuba. Há diversos setores da economia cubana que estão abertos aos investimentos,
como a exploração de petróleo, álcool e gás.
ISTOÉ –O que dizem as leis cubanas ao investidor estrangeiro?
Raul de La Nuez –A lei número 77 regula todo o processo do investimento estrangeiro.
Existe a possibilidade de que esse investimento atinja 100% do empreendimento. O que
mais usamos é a empresa mista, 50 a 50. A lei dá alguns incentivos. Os dividendos, por
exemplo, podem ser repatriados sem nenhum tipo de imposto. Temos tido excelentes
resultados.
ISTOÉ –A força que massacrou o Iraque é a mesma que propagandeia contra Cuba. O
que o senhor pensa sobre isso?
Nuez –Há muita ignorância sobre Cuba, a imprensa em geral é contra Cuba, as
informações são manipuladas. O que eu posso dizer é que venham a Cuba e vejam Cuba
com os próprios olhos. Os indicadores macroeconômicos do país são reconhecidos por
organizações internacionais. Os de desenvolvimento social são muito parecidos ou iguais
aos dos países mais desenvolvidos do mundo. Não quero dizer que não temos
dificuldades. Cuba é um país pobre, com poucos recursos, mas aprendido a administrá-lo
muito bem e, sobretudo temos uma divisão mais eqüitativa da riqueza.
ISTOÉ –Os integrantes do governo cubano conversam sobre a inevitável morte do
presidente Fidel Castro e sobre os planos dos Estados Unidos de retomar seu poder sobre
o país?
Nuez –São planos que não se fundamentam em absolutamente nada. Os americanos estão
sonhando. Fidel preparou um governo de transição com uma ala jovem apoiada pelo
conselho popular, pelo conselho de ministros. Se os americanos têm alguma idéia de que
com o desaparecimento de Fidel eles vão entrar em Cuba, estão muito enganados. Claro
que todos vamos sentir muito. Será uma perda para a revolução, uma perda para o povo,
mas a ilusão dos americanos pode morrer porque já está tudo pronto para a transição.

REPÚBLICA DOMINICANA
Desde 1893 a firma norte-americana - San Domingo Improvement Corporation -
dominava a economia dominicana. O presidente Heureaux concedeu-lhe a arrecadação
dos direitos aduaneiros em troca de créditos para a construção de um ramal ferroviário e

108
outras obras. Para proteger-lhe os interesses durante alguns movimentos de oposição, os
EUA interviram militarmente em 1903 e 1904...
Por um tratado de 1905 com os EUA sob o governo Roosevelt, um norte
americano dirigiria a alfândega dominicana, pagando com uma parte da arrecadação
(55%) os credores... Em 1907 um novo tratado impede o país de assumir novas dívidas e
de elevar os direitos alfandegários sem a concordância norte-americana...
Durante a crise política na República Dominicana, na presidência de Woodrow
Wilson nos EUA, foram feitas sérias exigências ao país como a substituição do exército
por uma guarda nacional “selecionada, treinada e dirigida por oficiais norte-americanos”.
Tanto o presidente Carvajal como o Congresso, se negaram a aceitar essa imposição, e em
vista da recusa a ilha é ocupada militarmente pelos EUA em 1916. As autoridades navais
dos EUA destruíram qualquer resistência, com fuzilamentos sumários e prisões, como a
do poeta Fabio Fiallo e outros. A ocupação teve fim só em 1924, mas continuou o controle
alfandegário.
“A mais importante realização da ocupação militar foi a criação de uma guarda
nacional que tornasse desnecessárias futuras intervenções. Com base nessa força policial
de elite, estabeleceu-se em 1930 o período ditatorial do conhecido Rafael Leônidas
Trujillo...”(Gerson Moura)
O presidente dominicano Trujillo “ao mesmo tempo em que se enriquecia, com
sua família, desmedidamente e por meios ilícitos, consolidava a prosperidade financeira
do país, pagando toda a dívida externa”. Algumas medidas sociais mais de propaganda do
que reais, enquanto o povo vivia miseravelmente...
A queda dos ditadores da Venezuela e de Cuba deu esperanças ao povo, mas os
movimentos foram cruelmente reprimidos por Trujillo.
Em janeiro de 1961 a OEA aprovou a efetivação de sanções econômicas
limitadas contra a República Dominicana. Em lugar de atender ao pedido de Eisenhower
para suprimir a quota de importações do açúcar dominicano, o Congresso dos EUA
aumentou-a, concedendo à República Dominicana a parte de Cuba que havia sido
cancelada.
“O presidente Kennedy era prisioneiro de dois objetivos que se antagonizavam,
isto é, a reforma social e proibição de uma nova Cuba no hemisfério. (...) Ele mesmo
expressou esse dilema, por ocasião do assassinato do ditador... Trujillo, nas seguintes
palavras: Há três possibilidades (de governo na América Latina), em ordem de
preferência decrescente; um governo democrata decente, um regime à la Trujillo , um
regime fidelista. Nós devemos ter como objetivo o primeiro, mas não podemos realmente
renunciar ao segundo até estarmos certos de que podemos evitar o terceiro.” (Gerson
Moura)
Um grupo de militares havia matado Trujillo. Seu filho e herdeiro presuntivo
regressa da França, caça os assassinos do pai, e tenta depor o presidente Balaguer. O golpe
é impedido pela presença de barcos de guerra dos EUA, e os Trujillos obrigados a deixar a
ilha.
Na primeira eleição livre, em 1962, foi eleito Juan Bosh, há muito exilado por
chefiar a oposição a Trujillo. Mas os chefes militares se opuseram à sua reforma agrária, e
Bosh é deposto menos de um ano depois de eleito. O triunvirato militar coloca no poder
Donald Reid Cabral, um rico comerciante, que exerce por 16 meses. Há rebeliões que
pedem a volta de Bosh.
“A lógica da contra-insurgência gerou a intervenção norte-americana na
República Dominicana em 1965. A crise começou em abril daquele ano, quando um
109
grupo de oficiais legalistas procurou recolocar no poder o presidente Juan Bosh que
tinha sido derrubado em setembro de 1963 por um golpe militar. Após alguns dias de
luta, a balança pendia contra os oficiais golpistas, quando o presidente Johnson ordenou
o desembarque de tropas americanas no país, sob a alegação da necessidade de proteger
a vida de cidadãos americanos ali residentes. Alguns dias mais tarde, justificou a
intervenção armada como uma medida preventiva para evitar ‘o estabelecimento de um
outro governo comunista no Hemisfério Ocidental’. A lógica de ‘inimigo interno’ (aliado
tácito ou instrumento inocente dos desígnios soviéticos), produziu uma intervenção
americana desnecessária e um ataque injustificado ao legalismo democrático de oficiais
dominicanos não-comunistas. A intervenção foi amplamente condenada pelos maiores
países da América Latina, com exceção do Brasil, cujo primeiro governo militar (1964-
67) apoiava sem restrição a política norte-americana e suas doutrinas de ‘segurança
coletiva’ no continente.
Em busca do apoio a nível continental, Washington convocou uma Conferência
Interamericana, na qual obteve a duras penas os dois terços necessários para aprovar a
intervenção (um representante da justiça dos generais golpistas dominicanos votou em
nome do país). Estabeleceu-se uma ‘Força Interamericana de Paz’ sob o comando
nominal de um general brasileiro para restaurar a ordem na pequena república do
Caribe.” (Gerson Moura)
Em 8 de junho de 1978, o jornal O Pasquim publica uma nota que demonstra que
o povo brasileiro não seria tão de acordo com as resoluções de nossos ditadores de apoiar
regimes de força:
“Robert Sayre, o novo embaixador americano no Brasil... esteve por dentro da
invasão da República Dominicana em 1965. Era, na época, um dos assessores de Lyndon
Johnson para assuntos latino-americanos. Hoje, enquanto lava as mãos, pondera que os
marines só foram despachados porque o país estava a beira de uma guerra civil.(...)
Alegou-se, em favor da invasão, que a República Dominicana corria o risco de tornar-se
uma nova Cuba. Conversa fiada que até os militares brasileiros engoliram, alguns, é
verdade, de bom grado. O governo deposto queria apenas fazer uma reforma agrária, por
todos os motivos útil ao progresso do país, mas prejudicial aos interesses agrobusiness da
Gulf e Western. O que sucedeu, com as bênçãos da Casa Branca: instalou um dos
Estados policiais mais terríveis do continente...”

COLÔMBIA
“Hace algunos anos, el gobierno de Colômbia dijo a las comunidades índias del
Vale del Cauca: ‘El subsuelo no es de ustedes. El subsuelo es de la nación colombiana’. Y
aeto seguido entriegó el azufre a la Celanese Corporation. Al cabo de um tiempo surgiró
en el Cauca un paisage de la luna. Mil hectáreas de tierra índias quedaron estériles”
(Eduardo Galeano)

Texto de Noam Chomsky sobre a Colômbia:

“Uma ilustração altamente instrutiva da política persistente dos Estados Unidos,


é raramente discutida: a Colômbia, que chegou ao primeiro lugar na competição pela

110
liderança de Estado terrorista da América Latina, e, não é surpresa para aqueles
familiarizados com os ‘rumores e invectivas sobre política externa historicamente
diabólica de Washington’, se tornou o maior beneficiário da ajuda militar norte-
americana, acompanhada de muitos elogios por suas realizações estelares. (...)
O latino-americano John Martz escreve que ‘a Colômbia hoje goza de uma das
economias mais ricas e mais florescentes na América Latina. E, em termos políticos, suas
estruturas democráticas, não obstante falhas inevitáveis, estão entre as mais sólidas do
continente’, um modelo de ‘estabilidade política bem estabelecida’.
A administração Clinton está particularmente impressionada com as realizações
do presidente César Gavíria, a quem promoveu com sucesso a secretário-geral da
Organização dos Estados Americanos porque, explicou o representante norte-americano
na OEA, ‘ele tem estado muito propenso a construir as instituições democráticas em um
país onde tal predisposição era, algumas vezes, perigosa’, também ‘antevendo (...) as
reformas econômicas na Colômbia e a integração econômica no hemisfério’, palavras-
código que prontamente são interpretadas. Que tem sido muito perigoso construir
instituições democráticas na Colômbia, é muito verdadeiro, graças, em não pouca
medida, ao presidente Gavíria, seus predecessores e seus partidários de Washington.
As ‘inevitáveis falhas’ são revistas em alguns detalhes – uma vez mais – nas
publicações de 1993-94 dos maiores órgãos de direitos humanos, a American Watch e a
Anistia Internacional. Elas acham ‘estarrecedores os níveis de violência’, o pior do
hemisfério. Desde 1986, mais de vinte mil pessoas foram assassinadas por razoes
políticas, em sua maioria, por militares e policiais colombianos e por forças
paramilitares que estão muito próximas àquelas; por exemplo, o exército particular de
fazendeiros, comerciantes de esmeraldas e o reputado negociante de drogas Victor
Carranza, considerado o maior do país, dedicaram-se principalmente à destruição da
oposição política de esquerda, a União Patriota (UP), em aliança com os oficiais
militares e policiais (...) as forças paramilitares e assassinos de aluguel operam
livremente, executando massacres e assassinatos políticos. (...)
O pretexto de operações terroristas é a guerra contra as guerrilhas e os
narcotraficantes, a primeira uma verdade realmente parcial, a última, ‘um mito’ concluiu
a Anistia Internacional de acordo com outros investigadores; o mito foi planejado
em grande medida para substituir a ‘ameaça comunista’ na medida em que a ‘Guerra
Fria’ desaparecia, juntamente com o sistema de propaganda nele baseado. Na realidade,
as forças de segurança oficial e seus associados paramilitares trabalham de mãos dadas
com os senhores de droga, o crime organizado, os proprietários de terra e outros
interesses privados em um país onde os caminhos de ação social há muito têm sido
fechados, e terão de ser mantidos assim pela intimidação e pelo terror. A própria
Comissão de Superação da Violência concluiu que ‘a criminalização do protesto social’ é
um dos ‘principais fatores que permitem e encorajam as violações dos direitos humanos’
pelas autoridades militares e policiais e seus colaboradores paramilitares.
Os problemas se tornaram muito piores nos últimos dez anos, particularmente
durante o mandato do presidente Gavíria, quando a ‘violência alcançou níveis sem
precedentes’, relata o Washington Office of Latin American (WOLA), com a Polícia
Nacional assumindo o papel de principais assassinos oficiais. Mil novecentos e noventa e
dois foi o ano mais violento desde os anos 50, quando centenas de milhares foram
mortos; 1993 provou-se muito pior. As atrocidades cobrem uma gama bem familiar às
esferas de influência e apoio norte-americanos: esquadrões da morte,
‘desaparecimentos’, torturas, estupros, massacres de populações civis sob a doutrina da
111
‘responsabilidade coletiva’ e bombardeamento aéreo. A contra-insurgência de elite e as
brigadas móveis estão entre os piores infratores. Os alvos incluem os líderes
comunitários, profissionais dos direitos humanos e funcionários da saúde, sindicalistas,
estudantes, membros de organizações religiosas juvenis e jovens favelados, mas
principalmente camponeses. Só para dar um exemplo, de agosto de 1992 a agosto de
1993, duzentos e dezessete sindicalistas foram mortos (...). O conceito oficial de
‘terrorismo’ foi estendido virtualmente a quaisquer políticas governamentais de oposição.
(...)
Um dos projetos das forças de segurança e de seus aliados é a ‘limpeza social’ –
ou seja, a morte de vádios e desempregados, crianças de rua, prostitutas, homossexuais e
outros indesejáveis. O ministro de Defesa formulou a atitude oficial no que se refere a
esse assunto, em resposta ao pedido de indenização: ‘Não há razão para o pagamento de
qualquer indenização pela nação, particularmente por um individuo que não era nem útil
num produtivo, seja à sociedade ou à família’.
As forças de segurança também matam suspeitos, outra prática (...) que é
familiar aos domínios norte-americanos e aceita como rotina. O recursos a assassinatos
para a venda de órgãos, excessivo também em todos os domínios sob a influência norte-
americana, não tem poupado a Colômbia, onde os indesejáveis são mortos para que seus
cadáveres ‘possam ser cortados e vendidos no mercado negro de órgãos corporais’
(Anistia Internacional), embora não se saiba se a prática se estende ao rapto de crianças
com esse propósito, como em outros lugares da região.(...)
A Colômbia também tem gozado de assistência de mercenários alemães,
britânicos e israelenses, que treinam os assassinos e realizam outros serviços para a
combinação de narcotraficantes, proprietários de terra e militares em sua guerra contra
os camponeses e ativistas sociais. Parece não haver nenhuma tentativa de investigar o
relatório da inteligência colombiana de que os norte-americanos também têm estado
engajados nessas operações. (...) Uma investigação detalhada de 1992, feita por
organizações européias e latino-americanas de direitos humanos e religiosos, concluiu
que ‘o terrorismo de Estado na Colômbia é uma realidade: ele tem suas instituições, sua
doutrina, suas estruturas, suas disposições legais, seus meios e instrumentos, suas vítimas
e, acima de tudo, suas autoridades responsáveis’. Sua meta é ‘a eliminação sistemática
da oposição, a criminalização de grandes setores da população, recursos maciços aos
assassinatos e desaparecimentos políticos, uso geral da tortura, poderes extremos por
parte das forças de segurança, legislação de exceção, etc. (...)’ A versão moderna tem
suas raízes nas doutrinas de segurança pioneiras da administração Kennedy, que as
estabeleceu oficialmente em uma decisão de 1962 de importância verdadeiramente
histórica, a qual desviou a missão militar latino-americana de ‘defesa do hemisfério’
para ‘segurança interna’: a guerra contra o ‘inimigo interno’, entendido na prática como
sendo aqueles que desafiam a ordem tradicional e domínio e controle...”

Via internet:
“... na década de 1990, os norte-americanos têm financiado o violento governo
colombiano além de grupos paramilitares de direita e mercenários nas lutas contra as
guerrilhas de esquerda na Colômbia, com a justificativa de combater o narcotráfico,
apesar de os paramilitares e mercenários de direita já terem assumido sua ligação com o
tráfico de drogas e serem responsáveis por 70% dos massacres ocorridos no país nos
últimos anos. Vale lembrar ainda que os reais interesses são outros, já que o maior
importador de drogas do mundo são só EUA e que, segundo economistas especialistas em
112
mercados financeiros, algo em torno de 10 a 20 % do dinheiro que movimenta as bolsas
de valores norte-americanas hoje, vem da lavagem de dinheiro do narcotráfico. Além
disso, os EUA são responsáveis por 99% das exportações legais de folhas de coca da
Colômbia, e estão tentando manter seu controle monopólico sobre esse mercado.”

VENEZUELA
Noam Chomski:
Às corporações norte-americanas foi garantido o papel principal na produção
de petróleo do Oriente Médio, enquanto dominavam o hemisfério ocidental. (...) A
Venezuela é o caso mais importante, permanecendo um dos principais e maiores
exportadores de petróleo até 1970, quando foi substituída pela Arábia Saudita e pelo Irã,
também clientes norte-americanos. Depois da primeira Guerra Mundial, os Estados
Unidos apoiaram seu violento e corrupto ditador Juan Vicent Gómez, que abriu o páis às
corporações norte-americanas enquanto barravas as concessões britânicas sob a pressão
norte-americana. Na Nova Ordem Mundial, depois da Segunda Guerra, a indústria
petrolífera norte-americana tomou o controle sobre a economia do país. As relações
eram particularmente próximas e rentáveis para as corporações norte-americanas
durante a ditadura 1949-58 de Pérez Jimenez, que ultrapassou Vicente Gómez em
brutalidade e sagacidade; foi-lhe dada a Legião do Mérito pelo presidente Eisenwhower,
em reconhecimento de que “sua saudável política para assuntos econômicos e financeiros
tem facilitado a expansão do investimento externo, contribuindo sua administração, desta
forma, ao maior bem-estar do país e ao rápido desenvolvimento de seus imensos recursos
naturais” –e, nacionalmente, aos grandes lucros das corporações americanas, já então
incluindo as companhias de aço e outras. Cerca da metade dos lucros da Standard Oil de
New Jersey veio de sua subsidiaria Venezuela, para citar somente um exemplo. A
administração Kennedy seguiu sua política padrão latino-americana de apoio aos
militares para suprimir trabalhistas e outras forças populares. As políticas e os
resultados foram, não surpreendentemente, assim como no Brasil, a outra jóia da coroa
latino-americana.
As diretrizes políticas básicas foram esboçadas em um memorando do
Departamento de Estado de abril de 1944, intitulado “Políticas petrolífera dos Estados
Unidos”. Ele apelava para a “preservação da posição absoluta alcançada da atualmente
(no hemisfério ocidental) e, portanto vigilante das concessões existentes nas mãos dos
Estados Unidos, ligada com insistência ao principio de Portas Abertas, de igual
oportunidade para as companhias norte-americanas em novas áreas”. Em resumo, “a
doutrina do livre mercado realmente existente”: o que temos mantemos, fechando a porta
a outros, o que não temos, tomamos sob o principio das Portas Abertas. As políticas
foram implementadas, para grande consternação do principal rival: “O poder em
declínio levou a Grã-Bretanha a aceitar o arranjo que reservou uma posição privilegiada
à indústria petrolífera local norte-americana.”, escreve David Painter, “enquanto
expunha toda a produção de petróleo britânica, que estava em outros países, à
competição das poderosas companhias de petróleo internacionais norte-americanas.”

De EUA e a América Latina – Gérson Moura

113
...na ocasião em que condenava o governo Arbeus na conferência de Caracas, o
governo americano condenou o general Pérez Jimenez, o odiado ditador da Venezuela,
fato que simbolizou bem a natureza das relações EUA-América Latina nos anos
cinqüenta: reforma e democracia eram menos importantes do que a estabilidade política
e a garantia dos capitais norte-americanos ao sul do Rio Grande. (...)
Na Venezuela a visita de Nixon teve um desfecho quase trágico. Os venezuelanos
tinham vivas na memória a repressão brutal da ditadura de Pérez Ximenes, apoiada pelos
Estados Unidos, assim como a decoração da Legião do Mérito concedida ao ditador por
Eisenhower. Sabia-se também que ele e seu odiado chefe de política viviam muito bem em
Miami.
No desembarque no aeroporto de Caracas e no transporte da comitiva até o
centro da cidade, Nixon foi alvo de vaias, tomates, insultos e finalmente, quando o cortejo
parou devido ao tráfego intenso, teve os vidros do carro atacados com paus e pedras até
que alguns soldados conseguiram dominar a situação e colocar o vice-presidente a salvo
na embaixada americana. (...) Eisenhower, temeroso do que pudesse acontecer, autorizou
o envio de centenas de fuzileiros navais e pára-quedistas para Guatânamo e Porto Rico e
dois aviões para Caracas com a finalidade de resgatar o vice-presidente.
(...) Essa providência desastrada gerou uma reação indignada em toda a
América Latina. Ficou a impressão de que por trás dos abraços e das declarações de
igualdade e fraternidade americanas, jazia a inevitável tendência americana de apelar
para a força.

PARAGUAI
A partir da independência (14-05-1811) o Paraguai é a única república da
América Latina que não sofre a preseca dos caudilhos nem é conturbada por revoluções
ou golpes. (...)
Francia, El Supremo, assume o poder e exerce uma ditadura peculiar: usa o
absolutismo como método de governo em beneficio do povo. Agride os direitos dos
espanhóis e espanholitas, persegue os ricos, confisca propriedades e torna insuportável a
vida dos oligarcas que eram privilegiados pela Espanha. (...) praticamente fundou o
Paraguai. Como naturalmente essa classe privilegiada tem ramificações na bacia do
Plata, a de Francia é terrível: ele é tido como um bárbaro assassino, contrário a toda
forma de civilização. (...)
Na verdade, Francia tem uma visão cultural mais ampla que os governantes do
Plata e do Império do Brasil: ao seu tempo o ensino adquiria uma força extraordinária.
Ao final de seu governo 1840 já não há analfabetos no país. (...) El Supremo paga o preço
de ter organizado um país livre, quando o acusaram de bárbaro e outros julgamentos do
gênero. (...)
... esse absolutismo total – Francia dispunha simplesmente da vida e dos bens de
qualquer paraguaio – teve resultados práticos (...) ele cria um povo com uma nascente
consciência histórica (...) Carlos Antônio López (o sucessor) vai enfrentar os métodos
britânicos e promover o progresso do Paraguai sem precisar de um tostão dos
financiamentos ingleses. (...)
Constrói estradas de ferro, fábricas, hospitais, escolas... Em 1845 ... funcionava
a Fundição de Ibycui... tinha a capacidade de fundir a cada 24 horas uma tonelada de

114
ferro... Tinha seu estaleiro... fábrica de pólvora, papel e enxofre... Instala-se o
telegráfo....
Essa coesão moral entre governo e povo, sedimentada por uma estrutura sócio-
econômica que emancipou o país, estava levando o Paraguai a ser, em poucos anos, a
mais progressista república americana – o que já era potencialmente. Isso representava
um insulto aos padrões que o imperialismo inglês impôs à América do Sul, onde
predominava a hipocrisia cevada na corte imperial brasileira 4e nos salões da burguesia
portenha, para criar uma cortina de fumaça encobrindo o assalto econômico praticado
pela Grã-Bretanha no hemisfério sul. (...) O Paraguai conhece um desenvolvimento
econômico cuja base é totalmente nacional, com um nível de progresso técnico-industrial
superior aos seus grandes vizinhos; tem uma estrutura social excelente e um nível de
instrução e ensino que eliminou o analfabetismo do país. Mas tudo isso faz do Paraguai
um vizinho incômodo e uma presença inquietante para o imperialismo inglês. Por isso,
uma série de circunstancias políticas internacionais vão se unir para destruí-lo.
(...)
“Independência ou morte! Seja a vossa divisa. Sustenham essa divisa, soldados,
e o Paraguai se tornará memorável e admirável. (Carlos Antonio López – Assunción 21-
02-1855)
(...)
... para morrer, o Paraguai vai dar ao mundo o mais heróico exemplo americano
de resistência nacional. E vai provar, numa das mais trágicas lições da história, que,
quando um povo auto-determina o seu destino é invencível e incorruptível> (...) A
necessidade do opressor destruir totalmente um povo livre para estabelecer o seu domínio
foi cabalmente expressa pelo Duque de Caxias, em carta ao Imperador Pedro II datada
de 18 de novembro de1867, quando afirmou que para vencer o Paraguai, o Imperador
precisaria matar o último paraguaio no ventre de sua mãe.”
(...)
Em carta de Sarmento de 1869: “A Guerra do Paraguai concluiu pela simples
razão de que matamos a todos os paraguaios maiores de dez anos.”

CHILE

A história é sempre a mesma nos vários países de nossa América Latina.


Qualquer governo que alcance o poder e anseie por um desenvolvimento independente e
por satisfazer as necessidades de seu povo, e não os interesses estrangeiros, é tachado de
comunista que precisa ser exorcizado como um demônio.
Assim foi com Salvador Allende no Chile em 1970...
“O ultranacionalismo que parece ter sucesso em termos que podem ser
significativos para os povos pobres em todos os lugares, é ainda um crime mais
hediondo; o réu é denominado um ‘vírus’ que pode espalhar a ‘infecção’ por todos os
lugares, uma ‘maçã podre’ que pode ‘estragar o barril’, como a Guatemala de Arbens, o
Chile de Allende, a Nicarágua sandinista, e muitos outros. (...)
As reais preocupações são expressas com alguma clareza, como quando Henry
Kissinger advertiu que ‘o exemplo contagioso do Chile’ de Allende poderia ‘infectar’ não
somente a América Latina, mas também o sul da Europa; -não temendo que as hordas
chilenas avançassem sobre Roma, mas que os sucessos chilenos pudessem enviar aos

115
eleitores italianos a mensagem de que a reforma social-democrática era uma opção
possível e contribuísse para o crescimento da social democracia e do eurocomunismo,
que era muito temido em Washington...” (Noam Chomsky)
Noventa e seis por cento do cobre do Chile eram controlados por empresas
americanas, fora outras empresas de importância, como bancos, companhia telefônica
(ITT). E isto, provocava ressentimentos nos chilenos há muito tempo. Antes de sair
vitorioso nas eleições, a ITT já propusera ao governo Nixon ações contra a posse de
Allende.
Eleito, Allende impulsiona a reforma agrária e um novo padrão de distribuição
de renda, e inicia a ampla nacionalização das indústrias chilenas, deduzindo do seu valor
os lucros considerados excessivos entre 1955 e 1970, fazendo com que algumas das
empresas ainda ficassem devedoras para com o Chile. As empresas não aceitam essa
decisão, e as sanções econômicas de Washington não tardam, sendo cortados os
programas de ajuda vigentes do governo anterior de Eduardo Frei, e influenciando na
redução de ajuda de qualquer agencia internacional.
Vejamos os objetivos básicos do programa político de Allende:
“A política internacional do governo popular será dirigida no sentido da
completa autonomia política e econômica do Chile.
Haverá relações diplomáticas com todos os países do mundo, independentemente
as posições ideológicas e políticas, com base no respeito à autodeterminação e aos
interesses do povo do Chile.
A defesa ativa da independência do Chile implica a denúncia da atual OEA
(Organização dos Estados Americanos) como um instrumento e agência do imperialismo
norte-americano, e na luta contra todas as formas de pan-americanismo implícitas nessa
organização. O governo popular optará pela criação de uma organização que seja
verdadeiramente representativa dos países da América Latina.
Considera indispensável revisar, denunciar e abandonar, conforme cada caso,
os tratados ou acordos envolvendo compromissos que limitam a nossa soberania,
concretamente os tratados de assistência recíproca, os pactos de assistência mútua, que o
Chile assinou com os Estados Unidos.”(cit. Otavio Ianni )
Baseado em sua política externa, Allende restabelece relações com Cuba e recebe
a visita de Fidel Castro, ferindo assim duplamente os EUA.
“A CIA forneceu oito milhões de dólares para grupos de oposição no Chile,
inclusive caminhoneiros e outros grupos grevistas, cujas atividades foram importantes na
crise política final que precipitou o golpe militar em 1973. Um ano depois, Gerald Ford,
que substituira Nixon na presidência, admitiu numa entrevista coletiva que ‘o esforço que
se fez nesse caso foi ajudar a manutenção de jornais e da mídia de oposição e preservar os
partidos políticos de oposição. Penso que isso era do maior interesse para o povo do Chile
e certamente de maior interesse para nós’”.
Segundo Martha Huggins, a situação do Chile fora considerada perigosa pela
OCB (Operations Coordinating Board), e foram tomadas medidas para identificar
elementos subversivos, infiltrar-se entre eles e neutralizá-los, além de treinar os chefes da
segurança interna chilena:
“A intervenção secreta na política, extra-legal, mas gerida pelo Estado, foi
transferida para o campo internacional pelos planos do presidente Richard Nixon para
desestabilizar o Chile –o que resultou no violento golpe militar que derrubou e
assassinou o presidente Salvador Allende, democraticamente eleito. Segundo o
testemunho do diretor da CIA, Helms em 1975, perante a Comissão Especial da Câmara
116
dos Deputados sobre Inteligência,o presidente Nixon lhe havia dito –na presença do
secretário de Estado Henry Kissinger e do procurador geral John Mitchell –que a CIA
devia levar a cabo a desestabilização chilena, apesar das reservas que, segundo Helms, a
CIA teria demonstrado sobre a conveniência desse plano. Nixon disse para Helms não
informar ‘os demais membros da ultra-secreta Comissão dos Quarenta’ sobre o plano de
desestabilização do Chile.(...) Segundo o ex-secretário de Estado, U. Aléxis Johnson,
‘durante o governo de Nixon, o presidente e a CIA passaram para trás a Comissão dos
Quarenta em assuntos delicados, notadamente as campanhas para a desestabilizar o
regime do presidente chileno Salvador Allende”
Em setembro de 1973 um grupo militar ao qual Noam Chomsky chama de
“grupo de assassinos fascistas”, derrubou o governo, bombardeando e invadindo o palácio
presidencial onde se encontrava Allende, que lá morreu. E assume o governo um “homem
bom” para os EUA: o ditador Augusto Pinochet, cuja fama o mundo todo conhece, e que
permaneceu no governo por muitos anos sem “incomodar” os EUA.
No Diário de Pernambuco de 19-01-84, sai uma nota interessante sobre este
presidente do Chile:
“Pinochet constrói uma mansão fortaleza de mais de sete milhões de dólares.
Possui seis níveis, dois subterrâneos, cristais finíssimos, piscina, sauna, música
ambiental, sala de jogos, cozinha para duas mil pessoas, estacionamento com capacidade
para 256 veículos. Nos porões, alojamento para um regimento. Um sonho oriental, o luxo
férrico e exibicionista sobre a inflação econômica, o desemprego, a violência, as forças
do autoritarismo esmagando os direitos humanos. Como todo ditador, Pinochet
embriagou-se pelo poder, deve se considerar divino, acima do bem e do mal.
Alguém devia, caridosamente, lhe lembrar o bunker inexpugnável de Adolf Hitler. Que
resta, hoje, no Reich de mil anos? Como todo ditador, Pinochet é um primário. Se abrisse
seus livros de história aprenderia que essas mansões-fortalezas se parecem também com
os túmulos faustosos de opressão, pirâmides brutais onde os tiranos apodrecem sobre a
maldição dos povos”.
Não é só Pinochet que se devia aconselhar a leitura da História –a história dos
grandes tiranos e dos grandes impérios...
No dia em que foi bombardeado o palácio de La Moneda , “Pinochet expressa
sua preocupação diante da possibilidade de Allende fugir e deixa claro que estava disposto
a utilizar qualquer meio para apressar a vitória. ‘É preciso impedir a sua fuga. Se ele fugir,
é preciso prendê-lo. Seria melhor matar o cachorro e aí tudo se acaba’, impacientou-se.
Quando recebe a notícia do suicídio de Allende: ‘Que metam num caixão e embarquem
num avião velho, junto com a família’, reagiu Pinochet. ‘Que façam o enterro em outra
parte, em Cuba. Esse sujeito dá problema até na hora de morrer...’” (revista Veja 20-01-
1986).
E Cathy Schneider descreve a mudança do povo chileno depois de instalada a
ditadura:
“... a transformação do sistema político e econômico havia tido um profundo
impacto na visão de mundo de um típico chileno. A maioria dos chilenos, hoje, quer
tenham eles um negócio precário, pequeno, ou sub-contratem seu trabalho em base
temporária, trabalha sozinho. São dependentes de sua própria iniciativa e da expansão
da economia. Têm pouco contato com outros trabalhadores ou com seus vizinhos, e
somente tempo limitado com suas famílias. Seu comportamento com organizações
trabalhistas ou políticas é mínimo e, com exceção de alguns setores importantes do
serviço público, tais como a previdência (que os governantes fascistas foram incapazes de
117
demolir em face da resistência popular), faltam-lhes tanto os recursos quanto a
disposição de confrontar o Estado. A fragmentação das comunidades de oposição
completou o que a bruta repressão não pôde realizar. Ela transformou o Chile, tanto
cultural como politicamente, de um país de ativa participação de comunidades populares
em uma terra de indivíduos apolíticos, desunidos. O impacto cumulativo dessa mudança é
tal que provavelmente não vejamos qualquer desafio projetado à atual ideologia em um
futuro próximo.”(citação Noam Chomsky)

A revista ISTOÉ nº 771, de 10-09-2003, publicou uma reportagem sobre o Chile,


com o título Trinta Anos Daquela Noite, de Luiza Villaméa:
“Eram 6h da manhã de 11 de setembro de 1973 quando fuzileiros navais
chilenos ocuparam a cidade balneária de Valparaíso, começando assim uma fulminante
operação militar para derrubar o presidente socialista Salvador Allende. Às 9h30, na
capital, Santiago, soldados e tanques do exército abriram fogo contra o Palácio de La
Moneda , a sede do governo, de onde o presidente prometera resistir até a morte. Por
volta do meio-dia, caças Hawker Hunter da força aérea bombardearam o La Moneda ,
criando a cena que simbolizaria o dramático fim de uma era de sonhos generosos. Três
horas depois, Allende se suicidaria para evitar ser capturado ou morto pelos militares
rebelados. O golpe, que seria assumido pelo comandante do Exército, general Augusto
Pinochet –que na verdade aderiu na última hora –, provocou cerca de dez mil mortes
apenas no primeiro mês. Ao longo de 17 anos de vigência, o regime pinochista produziu
mais de três mil ‘desaparecidos’. Trinta anos depois, enquanto Allende é homenageado
pelo atual presidente chileno, Ricardo Lagos, o veleiro La Esmeralda , que serviu de
centro de tortura e prisão em Valparaíso, foi alvo de protestos ao aportar no Rio de
Janeiro, na semana passada. Ao mesmo tempo, descobre-se que, naqueles trágicos dias,
diplomatas brasileiros navegaram por mares nunca dantes navegados: atuaram nos
bastidores da conspiração que provocou a derrocada do governo e a consolidação da
ditadura liderada por Pinochet.
O primeiro e mais importante diplomata a dar respaldo aos conspiradores foi o
próprio embaixador do Brasil no Chile, Antônio Cândido Câmara Canto, que chefiou a
repressão entre 1968 e 1975. O outro é o diplomata de carreira Jacques Claude François
Michel Fernandes Vieira Guilbaud, assumido ‘araponga’ do serviço de informações
implantado pelo regime militar brasileiro em suas embaixadas. Guilbaud chegou ao Chile
em 1975, para ‘monitorar’ a movimentação de exilados brasileiros. Posteriormente, foi
demitido do Itamaraty por abandono de emprego, mas conseguiu distorcer tanto a sua
trajetória que recebe uma milionária indenização do governo federal, como se tivesse
perdido o emprego por perseguição política.
NOME DE RUA - anticomunista convicto, Câmara Canto ficou famoso por
entrar no sofisticado Club de la Unión , em Santiago, poucos dias depois do golpe e
gritar, para uma platéia repleta de militares: ‘Ganhamos!’ Recentemente, o jornal
chileno La Tercera revelou que o embaixador era conhecido como ‘o quinto membro da
junta’, dada sua profunda afinidade com o quarteto militar que assumiu com a derrubada
do governo e o fechamento do Congresso. Os laços de ternura permaneceram mesmo
depois de sua morte, em 1977, quando o embaixador virou nome de rua em Santiago. Os
serviços que prestou à ditadura chilena foram muitos.
(...)
A intervenção estrangeira a favor dos militares golpistas mais contundente e
eficaz foi a dos Estados Unidos. Paradoxalmente, um embaixador americano no Chile, foi
118
um dos primeiros a tornar pública a atuação de Câmara Canto. “O embaixador
brasileiro no Chile era muito admirado pelos militares chilenos”.
No Brasil, a participação do embaixador no movimento já havia sido denunciada
pelo atual prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, outro antigo exilado no Chile. Em uma
carta aberta ao Itamaraty, ele revelou que, em 1973, a festa de Sete de Setembro da
embaixada brasileira no Chile servira como palco para a conspiração contra o governo
de Allende. “Nossa embaixada foi transformada num mero cofre”, acrescentou o prefeito,
afirmando que amigos do embaixador haviam depositado na representação diplomática
suas jóias e outros objetos de valor. Por outro lado, os brasileiros que precisavam de
ajuda encontraram as portas da embaixada fechadas.
“ESQUADRÃO DA MORTE” –foi na condição de ‘araponga’ que o diplomata
Jacques Guilbaude serviu no Chile. Cumprida a ‘tarefa’ de espionar os exilados, ele
seguiu para Portugal em 1977. ‘Minha missão seria a de apurar, isto é, confirmar o
envolvimento de diplomatas brasileiros com os soviéticos (KGB)’, escreveu Guilbaude ao
advogado Francisco Arrais Rosal, referindo-se a polícia secreta da extinta União
Soviética. Apesar de ter desempenhado um papel pouco nobre no período, Guilbaude
conquistou do governo federal, no fim do ano passado, uma pensão mensal vitalícia de R$
8.500, além de uma indenização de R$ 955 mil, como se tivesse sido vítima de
perseguição pela ditadura brasileira.
O embaixador Raul Fernando Leite Ribeiro, que atualmente responde pelas
relações internacionais da Prefeitura do Rio de Janeiro, conheceu Guilbaud em Portugal.
‘Esse ex-colega era um homem que trabalhava para o regime militar, jamais sofreu
qualquer tipo de perseguição’, atesta Leite Ribeiro. ‘Nada justifica o governo conceder-
lhe essa indenização fabulosa, pois ele foi demitido por ser relapso.’ Integrante da
Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Suzana Lisboa faz eco à
indignação do embaixador Leite Ribeiro. ‘É um escândalo que um homem comprometido
com regimes assassinos seja premiado pelo governo brasileiro’, reclama Suzana.”

A última utopia

“Salvador Allende Gossens foi a encarnação da última utopia trágica da


América Latina, a ‘via chilena para o socialismo’ que pretendia uma transformação
socialista da sociedade sem arranhar as liberdades democráticas nem sair dos trilhos do
Estado de Direito. Tratava-se de um experimento único: até então, todas as revoluções
socialistas –Rússia, China, Albânia, Cuba –tinham sido forjadas a ferro e fogo, através
da subversão violenta dos regimes estabelecidos. ‘A tarefa é de uma complexidade
extraordinária, porque não há precedentes em que possamos nos inspirar’,
diagnosticava o presidente Allende em 1971.”

119
BRASIL

“A velha se inclinou e mexeu a mão para abanar o fogo. Assim, com as costas
torcidas e o pescoço esticado e todo enroscado de rugas, parecia uma antiga tartaruga
negra. Porém, aquele pobre vestido rasgado não a protegia como uma carapaça, e afinal
era tão lenta só por culpa dos anos. Às suas costas, também torcidas, sua choça de
madeira e lata, e mais além outras choças semelhantes do mesmo subúrbio de São
Paulo... Levantou uma latinha até seus lábios; antes de beber, sacudiu a cabeça e fechou
os olhos. Disse: O BRASIL É NOSSO.
No centro da mesma cidade, e neste mesmo momento, pensou exatamente o
mesmo, porém em outro idioma, o diretor executivo da Union Carbide, enquanto
levantava uma taça de cristal para celebrar a conquista de outra fábrica brasileira de
plásticos por parte de sua empresa...
Um dos dois estava equivocado... ( Eduardo Galeano )

“Digna de todos os louvores a terra do Brasil, pois primeiramente pode


sustentar-se com seus portos fechados sem socorro de outras terras.” ( Frei Vicente
Salvador 1564-1636 )

“O Brasil nasceu para o mundo como um achado do mercantilismo praticado


pelas potências européias no século XVI (...).
As marcas das origens e de alguns séculos de submissão aos interesses
estrangeiros continuam presentes, incluindo sua capacidade de auto-determinação (...).
Hoje, como no passado, as riquezas e frutos do trabalho dos brasileiros continuam a
beneficiar mais os estrangeiros que o próprio povo. (Paulo Martinez)

Com seus 8.511.965 km2 , o Brasil está em 5º lugar entre os maiores países do
mundo. Virtualmente auto-suficiente em minérios, com a maior bacia hidrográfica do
mundo, a maior floresta do mundo, a maior área agricultável do mundo, nunca foi nem
ainda é independente. Vive a estender a mão a pedir, entrega os recursos alegando não ter
recursos...

O maior país –o primeiro lugar cabe a Rússia, incluindo o Mar Branco (90.000
km2) e o mar de Azov (40.000 km2). Mais de 90 nacionalidades em seu território e mais
de 90 idiomas. E 2/3 de seu território apresentam mais de 4 meses de queda de neve. A
Ásia do norte tem invernos de 8 meses com temperaturas entre -20ºC e -50ºC. No verão,
de junho a setembro, seu subsolo permanece congelado. A parte central é árida, com
precipitações inferiores a 250 mm/ano. Rica em recursos naturais. Parece que não existe
analfabetismo.

O 2º cabe ao Canadá (9.976.177 km2).1/4 do país tem clima glacial ártico.


Temperatura de inverno –53ºC. Subsolo permanentemente congelado. Possui ¼ do

120
volume de água do mundo. Alfabetização 98%. Línguas: inglês e francês. Tem problemas
de separatismo da província franco-canadense de Quebec (com atos terroristas em 1970
severamente reprimidos por Trudeau).

O 3º lugar cabe à China: 9.551.000 km2.


Sua história quadrimilenar faz da China o país de mais longa evolução política e cultural
até os nossos dias. É um Estado multinacional - o povo Han (chinês) 93,9%. Principais
grupos lingüísticos: chinês, turco, tibetano e mongol.
Possui o deserto de Takla Makan onde a temperatura varia mais de 40º num
mesmo dia; além do deserto de Gobi...

Em 4º lugar os Estados Unidos com 9.363.933 km2, incluindo o Alasca (1540190


km2) separado por 800 km , e o Havaí (152.589 km2) separado por 3200 km . Sem o
Alasca (permanentemente gelado) e o Havaí, seria menor que o Brasil. Possui desertos
também.

À época do descobrimento, tanto Portugal como Espanha eram governados pela


nobreza e pelo clero. Confiantes em Roma que lhes doaram em nome de Deus todas as
terras descobertas e por descobrir, e mantendo uma classe governante ociosa, não viram
anecessidade de acompanhar o progresso dos demais países europeus, conservando
estruturas antiquadas, enquanto a Inglaterra em primeiro lugar, seguida da França e da
Holanda se lançavam com maior preparo à conquista dos continentes, inclusive cobiçando
colônias alheias. Navios que traziam riquezas do novo mundo eram assaltados por
corsários e piratas a serviço da Inglaterra.
Portugal, antigo aliado –devedor da Inglaterra em 1703 assina o tratado de
Methuen pelo qual se impedia o próprio desenvolvimento; impedindo de possuir teares e
indústrias, obrigando a importar tecidos ingleses e a exportar vinhos. E as clausulas do
contrato se estendiam às colônias portuguesas...
“Alvará de 1785: “Eu, a rainha, faço saber aos que este Alvará virem, que
sendo-me presente o grande número de fábricas e manufaturas que de alguns anos a esta
parte tem difundido em diferentes capitanias do Brasil, com grande prejuízo da cultura e
da lavoura, e da exploração das terras minerais daquele vasto continente; que havendo
nele uma conhecida falta de população, é evidente que quanto mais se multiplicar o
número de fábricas, mais diminuirá o de cultivadores(...)
Hei por bem ordenar que todas as fábricas, manufaturas ou teares (...) sejam
extintas e abolidas em quaisquer partes onde se acharem nos meus domínios do Brasil...”
Todos os produtos: o ouro, o açúcar, o pau-brasil, o tabaco brasileiros
destinavam-se não a Portugal, mas às potências nascentes... Colônia de uma metrópole
vassala da Inglaterra, o Brasil também ficaria à margem do desenvolvimento.
“O ouro começou a correr no exato momento em que Portugal assinava o
Tratado de Methuen (...) Foi a coroação de uma enorme série de privilégios conseguida
pelos comerciantes britânicos em Portugal. Em troca de algumas vantagem para seus
vinhos no mercado inglês, Portugal abria seu próprio mercado e o de sua colônia às
manufaturas britânicas. Dado o desnível de desenvolvimento industrial já então existente,
a medida implicava uma condenação à ruína para as manufaturas locais. Não era com
vinho que se pagavam os tecidos ingleses, mas com ouro, com o ouro do Brasil, e nesse
processo ficariam paralíticos os teares de Portugal.
121
Portugal não se limitou a matar o embrião de sua própria indústria, mas
também aniquilou os germes de qualquer tipo de desenvolvimento manufatureiro no
Brasil. O rei proibiu o funcionamento de refinarias de açúcar em 1715; em 1729 declarou
como crime a abertura de novas vias de comunicação na região mineira, e em 1785
determinou o incêndio de teares e fiadores brasileiros...
Da mesma forma que a Prata de Potosi repicava em solo espanhol, o ouro de
Minas Gerais só passava de trânsito por Portugal. A metrópole converteu-se em simples
intermediária. Em 1755, o marquês de Pombal, primeiro-ministro português, intentou a
ressurreição de uma política protecionista; mas já era tarde: denunciou que os ingleses
haviam conquistado Portugal sem os inconvenientes de uma conquista, que abasteciam as
duas terças partes de suas necessidades e que os agentes britânicos eram donos da
totalidade do comércio português. Portugal não produzia praticamente nada, e tão
fictícia era a riqueza do ouro que até os escravos negros que trabalhavam nas minas
eram vestidos pelos ingleses.
Celso Furtado fez notar que a Inglaterra, que seguiu uma política clarividente
em matéria de desenvolvimento industrial, utilizou o ouro do Brasil para pagar
importações essenciais de outros países e pôde concentrar inversões no setor
manufatureiro. Rápidas e eficazes inovações tecnológicas puderam ser aplicadas graças
a esta gentileza histórica de Portugal.(...) Sem esta tremenda acumulação de reservas, a
Inglaterra não teria podido enfrentar posteriormente, Napoleão.” (Eduardo Galeano).

Já dizia D. João IV que o Brasil era a ‘vaca de leite’ da coroa portuguesa, e aqui
se deveria estabelecer o reino em caso de guerra. O ministro de D. João V, Luis Cunha,
chegou a afirmar que “o dito principal para poder conservar Portugal necessita
totalmente das riquezas do Brasil, do que se segue que é mais cômodo e mais seguro estar
onde se tem o que sobeja.”
Quando D. João VI em 1808 vem para o Brasil, fugindo de Napoleão Bonaparte,
apesar de há três séculos já da descoberta, o Brasil ainda era extremamente atrasado
material e culturalmente. A primeira tipografia viera na bagagem real e ficaria a serviço
da corte. As tentativas anteriores haviam sido destruídas por ordem da coroa “para não
propagar idéias que poderiam ser contrárias aos interesses” reais. A imprensa
‘brasileira’ nascera em Londres; o Correio Brasiliense, de Hipólito José da Costa, que
lutava contra o obscurantismo de Portugal e do Brasil. Escrevera ele que ‘o atraso dos
conhecimentos naquela infeliz nação é tão proverbial na Europa que se julga andarem os
portugueses três séculos atrás das demais nações.”
Em 1808, D. João VI funda no Brasil a Escola Médico-Cirúrgica da Bahia, a
Academia de Artilharia e a Escola que seria a de Belas Artes. Nos Estados Unidos a
primeira universidade era de 1636. Quando terminou o período colonial já funcionavam
nos Estados Unidos as universidades de Harvard, Princeton, Columbia, Pensilvânia e
outras. Para manter a dependência ideológica de Coimbra, não fora permitida uma
universidade no Brasil.
No Brasil, nem a Corte, nem os primeiros imperadores, nem os aristocratas e
fazendeiros ricos, procuraram o desenvolvimento cultural ou material da nação. Na
segunda metade do século XIX o professor Louis Couty da Escola Politécnica afirmou:
“Uma personalidade resume essa nação de dez milhões de habitantes. Todos aqui, os que
desejam avançar e os que preferem estacionar, dela reclamam, de seu impulso, as
reformas fecundas ou os paliativos ilusórios de que o país tem urgente necessidade e, a
não ser numa província, a de São Paulo, a iniciativa privada nem ao menos tenta abordar
122
seriamente os problemas cuja solução se impõe. Tudo depende de uma vontade só, e
todos ficam a esperar dela”.
Parece-nos que não mudamos muito...
Se a rica colônia era importante para Portugal, tornou-se ainda mais para a
Inglaterra, transportando ela mesma a corte portuguesa para o Brasil, tratou de desfrutar
ao máximo a oportunidade. Primeiro, fez abrir os portos brasileiro para as “nações
amigas”, isto é, para a Inglaterra. Além disto, nem sequer esperando pelas necessárias
formalidades contratuais, as firmas inglesas foram se instalando por todas as partes do
Brasil. Os tratados, só assinados em 1810 –de comércio e navegação, e outro de aliança e
amizade –só vieram garantir o que já havia sido estabelecido,e assegurar “por lei”os
privilégios ingleses, incluindo tarifas e direitos de extraterritorialidade. Ficou a Inglaterra
com o controle total do mercado brasileiro até mesmo depois da independência, sem
admitir competidores do país ou de outras nacionalidades...
“ Após a independência, em troca do reconhecimento do novo Estado,
novas concessões foram feitas aos ingleses. Todos os acordos internacionais firmados
com D. Pedro I durante seu reinado, sem o prévio conhecimento do Parlamento, foram
lesivos aos interesses do Brasil e benéficos à Inglaterra, a Portugal e à França.
Pelos termos desses acordos, o Brasil ficou responsável pelas dívidas e compromissos de
Portugal, cujo cumprimento dependia das riquezas extraídas da ex-colônia. Além disso,
foram contraídos novos empréstimos que o Congresso Constituinte havia rejeitado
anteriormente. As dívidas assumidas por D. Pedro I só foram saldadas em 1890, pela
República, depois de se pagarem juros de 65 anos.
Durante a primeira metade do século XIX, quando o capitalismo industrial já se
consolidava em alguns países da Europa e nos Estados Unidos, o Brasil ficou pagando
compromissos passados, que ele mesmo não contraíra. Semelhante à dívida externa dos
dias atuais, que o povo tem de pagar sem ter sido consultado sobre os compromissos
assumidos. (Paulo Martinez)

Em meio milênio de história, partindo de uma constelação de feitorias, das


populações indígenas desgarradas, de escravos transplantados de outro continente, de
aventureiros europeus e asiáticos em busca de um destino melhor, chegamos a um povo
de extraordinária polivalência cultural, um país sem paralelo pela vastidão territorial e
homogeneidade lingüística e religiosa. Mas nos falta a experiência de provas cruciais,
como as que conheceram outros povos cuja sobrevivência chegou a estar ameaçada. E
nos falta também um verdadeiro conhecimento de nossas possibilidades, e principalmente
de nossas debilidades. Mas não ignoramos que o tempo histórico se acelera, e que a
contagem desse tempo se faz contra nós. Trata-se de saber se temos um futuro como
nação que conta na construção do devenir humano. Ou se prevalecerão as forças que se
empenham em interromper o nosso processo histórico de formação de um Estado-
Nação.” (Celso Furtado –Brasil –A construção interrompida )

“As más formações da sociedade brasileira são tão evidentes, tão grande o
contraste entre a penúria e o desperdício, que todos devemos questionar-nos como foi
possível que chegássemos a isso. Como conciliar essa realidade com as potencialidades
do país? E com o notável esforço de desenvolvimento já realizado? E como é possível que
essas questões não ocupem a mente de todas as pessoas que pretendem estudar
problemas sociais, ou simplesmente se interessam pela coisa pública? Não implica
123
deslizar em idealismo reconhecer que um país que pouco reflete sobre si mesmo está
condenado a repetir os erros e entrar em becos sem saída. (Celso Furtado –o Brasil Pós-
Milagre)

O Problema da Escravidão

No começo do século XIX a Inglaterra “caridosamente” resolve abolir o tráfico


de escravos, depois de ter sido a nação que mais se dedicou ao mesmo. Por volta de 1685
já eram traficados cerca de 5 mil escravos por ano; em 1710 já passava de dez mil. Na
segunda metade do século XVIII eram traficados 82 mil escravos por ano, cabendo à Grã-
bretanha 35 mil deles, à França 24 mil, a Portugal 18 mil, e o restante por holandeses e
dinamarqueses.
À alegação de razões humanitárias, precisa ser lembrado que a sorte dos
escravos, que não era boa em lugar nenhum, era mais aceitável nos países latino-
americanos, e católicos do que nas colônias anglo-saxônicas. Os códigos eram menos
cruéis, e o sentimento racista menos acentuado entre os portugueses e os espanhóis.
Por trás dessas razões humanitárias havia outras. A Inglaterra já detinha o maior
domínio sobre o comércio do mundo. Em sua penetração na África, precisava de mão-de-
obra para suas plantations e para suas minas, e também de consumidores para suas
manufaturas.
O tráfico de escravos, “além de desviar capitais dos investimentos industriais na
Europa, restringia a mão de obra africana necessária à nova produção e detinha o
aumento de consumidores.”
Noam Chomsky diz que nos Estados Unidos “a escravidão foi justificada em
termos humanitários, não inteiramente sem razão; os proprietários tendem a tratar os
escravos com mais cuidado que aqueles que simplesmente alugam e podem descartar sem
perdas. ‘Sob a escravidão, afinal, o nativo é comprado como um animal’, argumentava
um velho administrador na Angola portuguesa. ‘Seu proprietário prefere que ele
permaneça tão em forma quanto um cavalo ou um boi.’ Mas ‘quando o nativo não é
comprado’, somente alugado, e é ‘chamado de homem livre’, então seu empregador
pouco se dá se ele adoece ou morre(...) porque quando adoece ou morre, seu empregador
simplesmente solicitará outro’ –pelo menos se os sindicatos, os direitos dos
trabalhadores, a segurança do trabalho e outras interferências irracionais aos livres
mercados puderem ser superadas. Os fatos foram bem compreendidos pelos
trabalhadores norte-americanos que escarneceram da hipocrisia dos patrões ‘que
professavam ser abolicionistas (...) e praticavam escravidão em casa’ impondo uma
escravidão patrimonial. ‘Os pobres negros têm um senhor, mesmo na doença ou na
saúde’, os primeiros organizadores sindicais comentavam, ‘enquanto o pobre homem
branco é um escravo desde que seja capaz de labutar, e um indigente quando não mais
pode.’ Os trabalhadores se organizam para abolir a Escravidão Assalariada antes que
nós interferíssemos na Escravidão Patrimonial’, e depois da Guerra Civil amargamente
reclamavam que aqueles que lutaram pela liberdade dos escravos estivessem agora
sujeitos a uma forma de escravidão assalariada que dificilmente era menos abominável,
na medida em que a revolução industrial baseada no ‘trabalho livre’ rapidamente se
expandia. Brancos e negros, de modo semelhante, serviram a outros propósitos...”

124
A Guerra do Paraguai

O domínio econômico dos ingleses não aconteceu somente no Brasil. Estendeu-


se ao Uruguai, à Argentina, ao Chile. Mais da metade da América Latina vivia sob esse
domínio. Mas havia uma nação que os ingleses não conseguiam dominar: o Paraguai. Era
o único país que tinha um desenvolvimento independente e auto-sustentável, e que não
estendia a mão a banqueiros nem a ninguém. E isso era um péssimo exemplo para as
nações dominadas economicamente. Era preciso destruir esse exemplo. Vejamos um
pequeníssimo resumo da obra de Julio Jose Chiavenatto: Genocídio americano no
Paraguai, que nos mostra os verdadeiros motivos da Guerra, e nos alerta também para o
fato de que a
história continua a se repetir em nossos dias em muitas situações... Mostra-nos também, e
principalmente, a situação do Brasil na época., Uma situação de dependência que de uma
ou outra forma iria se perpetuar...
Sobre as atrocidades impostas aos paraguaios que, valentemente, defenderam sua
pátria até o último homem, ou melhor, até os meninos que os substituíram na luta
ajudados por suas próprias mães. Este fato deveria envergonhar para sempre as nações que
fizeram esta guerra, e que nos faz duvidar de nossa apregoada ‘civilização’.
Segundo Chiavanetto, o Paraguai estava se desenvolvendo como “uma nação
livre e demonstrando que é possível sobreviver sem a submissão aos interesses
estrangeiros e sem sustentar uma oligarquia parasita (...). (O Paraguai) era um Estado
livre e soberano. Suas conseqüências econômicas determinaram a longo prazo os motivos
econômicos que se cobriram de ‘razões políticas’ para a destruição do Paraguai pelos
títeres da Inglaterra. Para exportar, o Paraguai precisava deixar grande parte de seus
lucros nos portos de Bueno Aires, e não há outro meio de escapar a isso a não ser perder
a soberania do país, permitindo o que na época a Inglaterra apresentava como forma
suprema de civilização: o ‘livre comércio’. Esse conceito colonialista de ‘civilização’
tinha os seus beneficiários em todo o hemisfério sul –menos no Paraguai, que por não
aceitar uma ‘civilização’ que significava vender o país ao imperialismo britânico,
entregar a produção popular aos interesses alheios à nação... ficou definitivamente
isolado.(...)
Era norma para o imperialismo inglês... exportar sua tecnologia, financiada
pelos capitais resgatados a juros extorsivos e, principalmente, a serviço imediato dos seus
próprios interesses. Assim os ingleses financiavam e tinham o domínio acionário de
negócios básicos para o seu entranhamento na dominação econômica do país visado. (...)
Dentro desse aspecto, naturalmente não interessava ao imperialismo inglês a
emancipação nacional de país algum. Era preciso, para sustentar a grande potência
industrial, um mercado consumidor de suas exportações. Seria necessário manter os
países da América do Sul como simples fornecedores de matéria prima e consumidores de
produtos industrializados. A matéria prima a baixo custo, sustentava as indústrias
inglesas; manipuladas, manufaturadas, alargavam o mercantilismo auxiliadas por países
sul-americanos pelas ‘fontes de progresso’ exportadas pela Inglaterra - estradas de ferro,
telégrafo, a própria imprensa para manter o mito de que ‘livre-comércio’ era sinônimo de
civilização, etc. Quando essas matérias-primas se tornavam um bom negócio, lucrativo
ao ponto de chamar atenção, o capital estrangeiro acabava por absolvê-lo: a exportação
de minérios no Brasil é um exemplo clássico. A compra de terras, através de contratos
lesivos aos interesses nacionais (por exemplo: ao longo das ferrovias - o que possibilitou

125
inúmeras especulações e enriqueceu muita gente), também era uma prática, tanto no
império do Brasil como na Argentina, os grandes vizinhos do Paraguai.
Dentro desse quadro, tanto no império do Brasil como nas províncias
argentinas, especialmente Buenos Aires, nasce uma classe privilegiada e dissociada da
nação, usufruindo do capital inglês como seu representante ou mesmo diretamente
subordinada. Associadas ao capital inglês, uma nobreza corrupta no Império do Brasil e
uma burguesia nascente em Buenos Aires dominam todo o sistema político. Esses testas-
de-ferro do imperialismo britânico, para sustentação do domínio político, mantêm o
monopólio dos meios de comunicação: já insuficientes na época para formar qualquer
resistência popular. Dessa forma, não existe como conceito de nacionalismo nada mais
que a
grotesca exaltação de bravatas e uma nostálgica noção de honra, por mais nociva que se
apresenta a classe dominante.(...)
... a partir da completa dominação do capital inglês, imperialista e envolvente
politicamente, sedimenta-se uma mentalidade que aceita a intervenção estrangeira no
destino econômico da América do Sul como prova de ‘civilização’ e resultado normal do
progresso. Não se deve esquecer que estamos na metade do século XIX e ‘progresso’,
‘civilização’, ‘ciência’, etc., são mitos muito bem alimentados pelos ingleses. Com
raríssimas exceções, tão raras que nenhum resultado prático produziram, não há
resistência ante a avassaladora presença do imperialismo econômico inglês na América
do Sul (...).
...a nobreza sustentada pelos negros, repudiava qualquer mudança que
interferisse em seus privilégios. E justamente essa nobreza detinha o poder político,
simbolizado no imperador Pedro II.
Dentro desse quadro econômico, destinado fatalmente à morte, o Império sofria
outros graves problemas. Sua política era desvinculada da realidade social e econômica
da nação. Sua classe dirigente, representada pela nobreza latifundiária e as casas
exportadoras, estava intimamente ligada ao imperialismo inglês, sem o qual não
conseguia colocar no mercado mundial seus produtos. O gigantismo da nação e sua falta
de comunicação, seus problemas peculiares a cada região, faziam que as rebeldias
regionais não sensibilizassem o povo –os movimentos separatistas do Rio Grande ou as
revoluções populares do norte, apesar da autenticidade dessas últimas, não eram mais
que fenômenos locais, menos pela peculiaridade regional e mais pela inexistência de um
povo consciente de sua situação.(...)
O Brasil é neste período um gigante anêmico. Seu povo é formado da forma mais
deprimente. Menos pela balela de que para o país vieram ‘degradados’, ‘cristãos novos’,
e negros –e mais por uma evolução política e social que alienava seu povo da produção
econômica. Era um povo que apenas trabalhava, jamais participava - nem política, nem
economicamente. A máquina burocrática do Império, formada pelos parasitas
apaziguados da nobreza, era corrupta em todos os níveis (...). O Império herdou todos os
vícios do período colonial e não soube criar uma personalidade política capaz de
desenvolver o Brasil. No entanto, seus oito milhões de quilômetros quadrados, a
qualidade excepcional de suas terras, e a riqueza dos minérios continuava a atrair
investimentos. De forma anárquica e sem participação popular, o desenvolvimento do
Brasil imperial somava uma significativa produção. Mas trazia em si um espetacular
contraste - além de não corresponder à nossa potencialidade e nem utilizar os recursos
disponíveis na época –toda essa riqueza estava a serviço de um sistema mundial
imperialista nas mãos da Inglaterra; o que nos sobrava era malbaratado na sustentação
126
de uma nobreza cabocla, alimentando e se auto-alimentando do latifúndio improdutivo ou
de cargos burocráticos distribuídos pelo império. Enfim, o Brasil era o protótipo do
servilismo econômico e político –encoberto pela empáfia imperial –de que necessitava o
imperialismo inglês para manter o status quo de dominação internacional. (...)
Com todo o empenho inglês no domínio da América do Sul, nunca o seu
imperialismo foi tão sutil na forma e tão contundente no conteúdo. Isso porque a
Inglaterra inaugura aqui um novo tipo de domínio: deixa a grosseria das intervenções
armadas e não necessita de suas tropas de ocupação como em outras partes do mundo.

Mas arma-se com a corrupção - associando-se à burguesia mercantilista ou à


nobreza decadente; financiando governos através dos seus bancos e até mesmo
fabricando banqueiros nativos para proverem seus sócios no Brasil, Argentina ou
Uruguai, como o Barão de Mauá, testa-de-ferro da Rothschild. Assim, é ingenuidade
procurar uma prova documental (embora ela exista) da intervenção inglesa no Cone Sul,
embora as evidências sejam claras e a análise dos interesses e ações internacionais
sempre nos levem à Inglaterra. Quanto mais indelével é a marca do imperialismo inglês,
quanto mais liberal ele se torna na aparência, mais profundamente ele domina nessa
parte do hemisfério. (...)
E ao mesmo tempo em que implantam a liberdade de comércio para os seus produtos,
negam qualquer forma autônoma para o resto do mundo. Não é permitida nenhuma
concorrência à sua produção; para que essa concorrência não aconteça, é necessário
que não haja –sequer acidentalmente –a emancipação econômica de novos países. Por
isso, mantêm-se oligarquias retrógradas como a brasileira e a Argentina.
Paradoxalmente, esses países dominados pelo imperialismo econômico inglês,
desatualizados do processo de produção, arvoram-se em representantes da ‘civilização’
para destruírem –como fizeram com o Paraguai –as economias nacionalistas e
autônomas que só vingariam dentro de um sistema de proteção ao comércio nacional. É
que a liberdade comercial para o imperialismo inglês significa invadir o mercado alheio
mantendo as mesmas relações tradicionais na América do Sul: ‘nativos’ exportando
matéria-prima e importando manufatura. O livre câmbio nas mãos do imperialismo
econômico, sustentado por uma potência industrial, sufoca qualquer tentativa de
emancipação nacional. Portanto, é preciso manter a dependência argentina e
brasileira.(...)
O imperialismo inglês, destruindo o Paraguai, mantém o status quo na América
Meridional, impedindo a ascensão do seu único Estado livre (...). E, ao fazer isso, agrega
ao seu poder, como credor implacável, o Império do Brasil... a República Argentina e o
Uruguai. Esses três aliados da Tríplice Aliança, ganhando os territórios e dividindo o
butim de guerra, na verdade perdem. O Brasil fica com uma dívida externa espantosa e
só consegue saldar seus compromissos mais urgentes aumentando os empréstimos com
bancos ingleses, o que vale dizer, atrelando-se cada vez mais dos juros Rothschild (...).
Destruíram o Paraguai para o imperialismo inglês e pagaram por isso; em vidas
humanas e num endividamento crescente, que determinou inclusive a impossibilidade de
um desenvolvimento autônomo de suas economias, sempre ligadas, até hoje, ao capital
estrangeiro (...).
Destruiu-se o Paraguai assassinando um povo. Exterminando brutalmente uma
nação (...). Uma lição que seria tão mais útil se fosse ensinada ao povo – porque hoje
nenhuma potência mais pode ter o desprezo da Inglaterra ao saber do extermínio da nação

127
paraguaia, expressado nas cretinas palavras de Lord Palmerston: “A Inglaterra tem tanta
força que pode cagar em todas as conseqüências”.

Os Estados Unidos entram em cena

Talvez atualmente o imperialismo não repita as mesmas palavras de Lord


Palmerston publicamente. Mas age com o mesmo desprezo. O mundo todo que o
confirme.

Os Estados Unidos herdaram de seus ascendentes anglo-saxões o domínio sobre


o mundo. Desde a anexação do Texas em 1845, sua expansão para o sul (também para o
resto do mundo), não teve limites, comprometendo a economia e a política latino-
americanas cada vez mais, reduzindo ou eliminando a influência inglesa. A Doutrina
Monroe seria imposta a todo continente: “As Américas para os americanos”, lembrando
que são considerados americanos os estadunidenses (perdemos até o “direito” de nos
chamarmos de americanos).
“Paulatinamente, a Doutrina Monroe foi imposta ou assimilada pelos grupos
dirigentes dos países latino-americanos, seja por intermédio do Big Stick Policy (Política
do Grande Porrete), seja por meio do Good Neighbour Policy (Política da Boa
Vizinhança). (...)
Nas duas guerra mundiais, nos países latino-americanos, seja por intermédio do
Big Stick, seja por intermédio da dólar diplomacy, os Estados Unidos tiveram a
habilidade de tornar a classe dominante daqueles países beneficiária tanto dos resultados
da ‘economia de guerra’ como dos ‘despojos’ da guerra.
É o óbvio que esse processo de ‘conquista’ da América Latina não se desenrolou
sem contratempos para os Estados Unidos. Exigiu manobras políticas, lutas armadas,
compromissos econômicos, refinamentos diplomáticos, sofisticação intelectual, etc.
Exigiu tanto o estímulo à adoção de processos políticos eleitorais (de estilo democrático)
como o incentivo ou a preparação de golpes de estado. Além disso, a ‘conquista’ da
América Latina sofreu contratempos ainda mais graves. À medida que se instaurava,
geravam-se reações locais, ou acentuavam-se as contradições preexistentes. Neste
contexto, por exemplo, surgiu a vitória do socialismo em Cuba. E nesse contexto, também,
Porto Rico vem sendo paulatinamente incorporado pelos Estados Unidos. Aliás, talvez o
destino dos povos dessas duas ilhas simbolizem os limites das possibilidades históricas
dos povos da América Latina.
É nesses termos, em síntese, que as estruturas de dependência que caracterizam
as sociedades latino-americanas foram instauradas e desenvolveram-se. Por esses
motivos é que se pode afirmar que essas sociedades defrontam-se com a dependência
enquanto um processo histórico, constitutivo; como algo que lhes define a essência. É
claro que essas sociedades são capitalistas, antes de mais nada. Mas este é o seu caráter
geral. O que lhes é particular, é a dependência estrutural, que revela a feição específica
do capitalismo na América Latina.(...)
Assim como a dependência estrutural implica a formação de grupos sociais
parasitários (inclusive ao nível das classes assalariadas), provoca também a emergência
de tensões e contradições sociais entre grupos componentes da própria classe dominante,
encarada como uma classe social internacional. Essa é uma das razões por que a classe

128
dominante, na sociedade dependente, parece sempre ambígua, ideologicamente
descaracterizada, incapaz de formular projetos próprios além do nível conjuntural.
Por isso é que ela está sempre apta e disposta a submeter-se à liderança política,
econômica militar e intelectual dos governantes dos Estados Unidos. Tanto assim é que
sempre se aproveita das situações críticas (focos guerrilheiros, por exemplo) para obter
vantagens particulares das próprias relações de dependência; procura consolidar-se,
parasitariamente.
O problema é que o poder político nos países da América Latina nunca
conseguiu
libertar-se ou superar a contradição entre sociedade nacional, por um lado, e economia
dependente, por outro. Essa é a razão por que os governos latino-americanos são
instáveis, mesmo em condições ditatoriais. Os governantes da América Latina rejeitam o
‘jogo democrático’ sempre que os instrumentos de mando e decisão sobre diretrizes
econômicas e políticas (internas e externas) começam a ser disputados pelas classes
assalariadas. Sempre que se configura a possibilidade de uma reformulação real (ainda
que reduzida) das estruturas do poder, devido à participação das massas assalariadas no
processo político, então ocorre o golpe de estado.
Ocorre que boa parte dos grupos sociais que compõem a classe dominante (ao
longo de toda a história latino-americana), sempre esteve vinculado aos mercados e aos
centros de decisão externos. (...) Assim foi, assim é, com os grupos econômicos criados
em torno da produção e comercialização do salitre, guano, petróleo, ferro, estanho,
cacau, borracha, café, cana, lã, trigo, etc. Da mesma forma, na atualidade, assim é
também com os grupos econômicos formados em torno da produção e comercialização de
manufaturados.
Em geral, líderes desses grupos econômicos e políticos, quando são nativos,
recebem dos centros metropolitanos a palavra final ou a indicação definitiva para a
tomada de uma ‘decisão importante’. Da mesma forma, muitos candidatos a presidentes
ou ditadores... buscam também em Washington e Nova York a aprovação discreta ou
ostensiva.”(Otavio Ianni).

A República

E o Brasil imperial torna-se uma república. E não há mudanças notáveis que


denotem uma busca por a verdadeira independência. Não há grandes diferenças nas
pessoas que mantinham e continuaram a manter as rédeas do poder. A manutenção do
poder, ou a luta para obtê-lo continua sendo o interesse da maioria dos políticos. E como
até hoje, os que estão de “cima” sempre estão errados. Os do outro lado –a oposição –
estão sempre certos e têm solução fácil para todos os problemas; são honestos,
previdentes, capazes, por fim de todas as qualidades do grande estadista...
Um dia conseguem assumir o poder. Mas o filme continua o mesmo, não muda o
disco. Os que agora estão na oposição se tornam “os bons”, os que vão salvar o país e o
povo, e talvez o mundo.
Parece que a corrupção, a demagogia, a hipocrisia, são doenças contagiosas nos
meios políticos – ainda não erradicadas –e raros são os que a ela são imunes. Desde o
império até hoje.

129
Certas vez li que Rui Barbosa era um homem de caráter admirável, mas não sabia
ser político. Isto nos faz pensar: não era político porque não usava artimanhas, não era
capaz de acordos e conchavos não publicáveis, de fazer promessas que sabia não poder
cumprir? Ou por quê?
O que ele falou num discurso pronunciado em 1919, na Câmara Comercial do
Rio de Janeiro, exprimia o que passava em seu tempo, ou previa o que seria atual quase
cem anos depois?
“Mentira toda ela. Mentira em tudo e por tudo. Mentira na terra, no ar, e até no
céu, onde segundo Padre Vieira, o próprio sol mentira no Maranhão, e direis que hoje
mente o Brasil inteiro.
Mentira nos protestos.
Mentira nos progressos.
Mentira nas reformas.
Mentira nas convicções.
Mentira nas transmutações.
Mentira nas soluções.
Mentira nos homens, nos atos e nas coisas.
Mentira nos rostos, na voz, na postura, no gesto, na palavra e na escrita.
Mentira nos partidos, nas coligações e nos blocos.
Mentira dos caudilhos aos seus apaziguados.
Mentira dos seus apaziguados à Nação.
Mentira nas instituições.
Mentira nas eleições.
Mentira nas apurações.
Mentira nas mensagens.
Mentira nos relatórios.
Mentira nos inquéritos.
Mentira nos concursos.
Mentira nas embaixadas.
Mentira nas candidaturas.
Mentira nas garantias.
Mentira nas responsabilidades.
Mentira nos desmentidos.
Mentira geral.
O monopólio da mentira. Uma impregnação tal das consciências pela mentira,
que se acaba por não discernir a mentira da verdade, que os contaminados acabam por
mentir a si mesmos, e os indenes, ao cabo, muitas vezes não sabem se estão ou não
mentindo.
Um ambiente, em suma, de mentiraria que, depois de ter iludido ou desesperado
os contemporâneos, ocorre o risco de lograr ou desesperar os vindouros, a posteridade, a
história, no exame de uma época em que, à força de se intrujarem uns aos outros, os
políticos, afinal, se encontram burlados pelas suas próprias burlas e colhidos nas malhas
de suas próprias intrujices, como é precisamente agora o caso.” (Rui Barbosa)

130
A era Vargas

Político que por mais longo tempo exerceu a presidência, Getulio Vargas
governou de 1930 a 1945, e de 1951 a 1954. Tomou medidas econômicas de tendência
nacionalista, como o Conselho Nacional de Petróleo e a Cia. Siderúrgica Nacional com a
construção do complexo de Volta Redonda. Criou a Justiça do Trabalho e decretou a
consolidação das Leis Trabalhistas; instituiu a Previdência Social, trabalhou pelo controle
dos lucros para o exterior, fundou a Universidade do Brasil, criou o Ministério da
Educação e da Saúde...
Valeu-se da divisão de forças no plano internacional antes da Segunda Guerra, para tirar
proveito político e econômico.
“Em 11 de junho de 1940, ao evidenciar-se, três dias antes da queda de Paris, o
colapso total da França ante as tropas de Hitler, Vargas, a bordo do encouraçado Minas
Gerais, pronunciara para as Forças Armadas um discurso de cunho nacionalista a
posição do Brasil, distanciando-o dos Estados Unidos, ao declarar que a época dos
‘liberalismos imprevidentes’ passara e o que se assistia era a exacerbação dos
nacionalismos, as nações fortes impondo-se pela organização no sentimento da Pátria e
sustentando-se pela convicção da própria superioridade. Segundo ele, a ‘economia
equilibrada’ não mais comportava ‘o monopólio do conforto e do benefício da civilização
por classes privilegiadas’, daí por que o Estado devia assumir a ‘obrigação de organizar
as forças produtivas’, não para garantir lucros pessoais ou ilimitados a grupos cuja
prosperidade se baseia na exploração da maioria, e sim para o engrandecimento da
coletividade (...); lugar não mais havia para ‘regimes fundados em privilégios e
distinções’ –acentuou.
Este discurso que até os comunistas brasileiros, presos ou no exílio, aplaudiram
por lhes afigurar um ‘grande golpe na política de submissão ao imperialismo norte-
americano’ (...) foi percebido como ‘germanófilo’ e, entreluzindo a ameaça de
alinhamento do Brasil com as potências do Eixo, consternou Roosevelt. Era, sem dúvida,
o que Vargas pretendia (...).
Como Cárdenas no México, Vargas percebia que a política dos EUA sempre
fora contrária à industrialização do Brasil, razão pela qual tratara de explorar ao
máximo aquelas circunstâncias, a fim de forçá-los a atender às suas necessidades
econômicas e interesses militares. E teve êxito. No dia seguinte ao discurso... ele recebeu
a notícia de que Roosevelt estava disposto a conceder o crédito para que uma empresa do
estado brasileiro instalasse no seu território um grande complexo siderúrgico, evitando
assim, que a Krupp, da Alemanha , assumisse o empreendimento, uma vez que a United
States e outras empresas privadas norte-americanas não queriam fazer. Ainda assim, de
modo a assegurar que o governo norte-americano cumprisse a promessa, Vargas, no dia
27 de junho, reafirmou o que dissera no Minas Gerais, ressaltando que ‘motivo de
espécie alguma’, de ordem moral ou material, aconselhava o Brasil a tomar partido de
qualquer dos povos em guerra, e que sua solidariedade com os estados americanos, para
a defesa comum em face da ameaça ou intromissão estranhas, não obrigava em intervir
em lutas ‘fora do continente’.(...).
Evidentemente, os EUA necessitavam não apenas da solidariedade como da
cooperação efetiva do Brasil, dada a importância de sua posição estratégica na América
do Sul, e seria difícil obtê-la se a Krupp investisse na implantação da
siderúrgica, fortalecendo os setores nazi-fascistas, sobretudo na cúpula das Forças

131
Armadas, dentro do governo Vargas. O alastramento do conflito armado com a Alemanha
ao continente americano tornar-se-ia inevitável, uma vez que os nazistas, já ocupando o
norte da África, poderiam atravessar o oceano Atlântico, se o Brasil não permitisse que
os EUA instalassem bases militares ao longo do seu litoral e reagisse militarmente a
qualquer tentativa de ocupação pela força, conforme o planejado no Pentágono. O
general Lehmann Miller, chefe da missão militar americana, chegara a ameaçar o
Ministro de Guerra de Vargas, general Eurico Dutra, com essa medida extrema, e ouviu
a resposta, em clima de exaltação, que os soldados norte-americanos seriam recebidos a
bala se desembarcassem em território brasileiro sem autorização. A Roosevelt, tal
cenário em nenhuma hipótese convinha e ele optou pela negociação. Por volta de 27 de
agosto de 1941, o governo norte-americano assegurou então o crédito de US$ 20 milhões
para que uma empresa estatal (Cia. Siderúrgica Nacional), criada pelo governo Vargas,
construísse em Volta Redonda (Rio de Janeiro) o maior complexo siderúrgico da América
Latina, assentando os alicerces da industrialização no Brasil.” (Luiz A .Moniz Bandeira)
(...)
“Em 1945 a política dos EUA na Argentina sofreu dura derrota. O coronel Juan
Domingo Perón, destituído de todos os cargos e preso (...) reassumiu a plenitude dos
poderes (...) como resultado de ampla mobilização da massa, que assumiu características
de insurreição operária. (...)
A vitória de Perón... refletiu-se imediatamente no Brasil. Com receio de que um
eixo nacionalista no Cone Sul se formasse, unindo a Argentina e o Brasil, o embaixador
dos EUA no Rio de Janeiro, Adolf Berle Jr., insuflou abertamente a deposição de Getulio
Vargas (...).”
Getulio é deposto, e nas eleições que se seguem ganha o general Eurico Gaspar
Dutra, apoiado por Vargas. Este assegura ao povo que ficaria “contra o presidente se
não fossem cumpridas as promessas do candidato”.
Durante seu governo, Dutra concedeu a Bethlehem Steel as “quarenta milhões
de toneladas de manganês do estado do Amapá, uma das maiores jazidas do mundo, em
troca de 1,4% para o Estado sobre as rendas das exportações”.
Em 1946 Vargas se declara em oposição ao governo, e quebra o silêncio,
atribuindo o golpe que o depusera a manobras dos “agentes de finanças internacionais”.
Em 1951 Vargas ganha as eleições para presidente. A oposição tenta impedir
sua posse sem o conseguir, mas logo nos primeiros dias de seu governo move campanha
contra ele.
Os Estados Unidos que haviam apoiado a ditadura de Vargas em seu regime de
força e em sua “caçada” dos comunistas, não viam o novo governo eleito pelo povo com
bons olhos.
Vargas queria um governo reformista, mas não encontrou apoio. Sua política
nacionalista criou a Petrobrás. Mas foi obrigado a fazer concessões.
Designou João Goulart para o Ministério do Trabalho a fim de estabelecer um
contato maior entre o governo e os trabalhadores, e isto provocou reação nos círculos
militares, políticos e empresariais, e Vargas se viu obrigado a substituí-lo.
“Em 1952, o acordo militar assinado com os EUA proibia o Brasil de vender as
matérias primas de valor estratégico – como o ferro – aos países socialistas. Esta foi uma
das causas da trágica queda do presidente Vargas, que desobedeceu esta imposição
vendendo ferro à Polônia e a Tchecoslováquia em 1953 e 1954, a preços muito mais altos
do que os que pagavam os EUA.” (Eduardo Galeano)

132
Em meados de 1954 a oposição pede o impeachment de Vargas, e ele responde
com o aumento salarial de 100% planejado por Goulart.
Com a tentativa de assassinato de Carlos Lacerda, quando morre o major-
aviador Rubens Vaz, precipitasse a crise, e forçam Vargas a renunciar. Ele concorda em
se afastar da presidência enquanto são apuradas as responsabilidades. O exército não
aceita a proposta. E Getulio se suicida, deixando sua cara-testamento que ainda hoje
deveria servir de alerta a nossos governantes:
“Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e
novamente se desencadeiam sobre mim. Sigo o destino que me é imposto. Depois de
decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais,
fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o
regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A
campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais
revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi
detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os
ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da
Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás
foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem
que o povo seja independente. Nada mais vos posso dar, a não ser o meu sangue. Se as
aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro,
eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. E
aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era de povo e hoje
me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não será mais escravo
de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço
de seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo.
Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo.
Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente
dou o primeiro passo no caminho da eternidade, e saio da vida para entrar na história.”

Getúlio Vargas estava morto. Quando em edição extraordinária o repórter Esso


dá a notícia, o povo se lança às ruas, e por dois ou três dias não obedece aos soldados que
lhes apontavam as metralhadoras. Em quase todas as capitais foram depredados rádios e
jornais da oposição, casas comerciais, bancos e quaisquer empresas que indicassem
qualquer ligação com capitais estrangeiros. O Brasil estava à beira de uma guerra civil.
Se os militares, já nesse tempo, ansiavam por “tomar conta” do Brasil, o que
fariam dez anos depois, recuaram ante as manifestações populares, o que assegurou a
eleição de um continuador da obra de Vargas: Juscelino Kubitschek. Os Estados Unidos
intensificam a falsa propaganda de “perigo vermelho” e ajudam os militares nos seus
anseios.

A economia e as multinacionais na era Vargas


(de Paulo Martinez )
“A crise da cafeicultura derrubou a Primeira República. A olirural, que vencera
as tentativas anteriores nas revoluções de 1922 e 1924, não podia mais resistir e cedeu
terreno em 1930. Iniciou-se a Segunda República com Getúlio Vargas.
O governo da Segunda República assumiu o poder com os cofres vazios. O ouro
acumulado em vários anos sumira. Ninguém acusou ninguém. Ouvimos de um combatente

133
da Revolução de 30 o relato de que as tropas revoltosas, ao tomarem a cidade do Rio de
Janeiro, não chegaram a tempo de impedir o embarque do governo deposto. No cais do
porto teriam sido apreendidos dezoito barricas cheias de ouro, que não houvera tempo de
embarcar. Embarcado ou apreendido, ninguém sabe com certeza, o ouro sumiu e nunca
mais se teve notícias dele.
As mudanças, contudo, não foram tão profundas como seria desejável. As
camadas sociais interessadas no desenvolvimento capitalista industrial ganharam espaço
na economia, mas os interesses dos cafeicultores e dos exportadores mereceram as
primeiras e maiores atenções. O momento seria oportuno para liquidar a monocultura e
estimular a formação de uma agricultura diversificada. Uma reforma agrária que
premiasse no Brasil, além de eliminar o desemprego e a miséria no campo, melhorar e
baratear o abastecimento das cidades sem prejuízos para as exportações. (...)
A política adotada foi a de proteger os preços do café sem diminuir a produção,
que excedia o consumo.
Os estoques de café foram queimados em 1931, e daí por diante, até 1939,
queimava-se, todos os anos, cerca de um terço da produção. Os excedentes a serem
queimados eram comprados pelo governo, de modo que, os fazendeiros, os atacadistas ou
mesmo os exportadores, entre eles empresas estrangeiras, não tinham qualquer prejuízo.
(...)
Companhias multinacionais, principalmente americanas, retomaram o caminho
de investimentos no Brasil (...). Nessa época já se falava que a concentração de poder
econômico podia competir com o Estado moderno e até substituí-lo como força
dominante. De fato, por necessidade de recuperar a economia da depressão, o Estado
passou a ser concedente de favores aos monopólios, gerando estímulos nas formas de
despesas governamentais.
Exercendo influência sobre a imprensa, os fundos eleitorais dos partidos e dos
políticos e a opinião pública em geral, os monopólios começaram a controlar o próprio
governo, que passou a agir como porta-voz deles na conquista de contratos e mercados.
A indústria automobilística e a de aviação, entre outras, encontraram nos EUA um campo
fértil de desenvolvimento. Em conseqüência, o petróleo, a borracha, o aço e outros
minérios tornaram-se componentes indispensáveis à industria e à vida moderna.
Ficaram famosas as “missões religiosas” americanas que atuaram muitos anos no
interior do Brasil, a pretexto de evangelizar índios e caboclos, mas na verdade fazendo
prospecção de petróleo e minerais.
Multinacionais do ramo da borracha, americanas e italianas, ganharam
concessões para se instalarem no Brasil, com fábricas e plantações de seringueiras.
Essas empresas, Firestone, Goodyear e Pirelli, até hoje dominam nosso mercado de
pneumáticos.
Além das companhias americanas que passaram a ser predominantes, também franceses,
ingleses, alemães, suecos, suíços e outros foram instalando aqui suas fabriquetas, que
haveriam de crescer mais com os lucro auferidos do que com o capital investido,
geralmente muito pouco(...).
Os investimentos feitos pelas multinacionais obedeceram sempre a uma
seletividade muito grande. Elas não investiam em nenhuma indústria de base que pudesse
servir de apoio para a emancipação econômica do país, como, por exemplo, a siderurgia.
Priorizaram indústrias leves de bens de consumo e, tanto quanto possível, usando
matérias-primas ou qualquer componente mais sofisticado fornecidos pela matriz ou
subsidiária.
134
Também foram instaladas empresas de serviços que não aportaram nenhum
capital, nenhuma tecnologia, tais como de representações comerciais, de exportações, de
urbanização, de assessoria e de outros tipos absolutamente indispensáveis.
A criação da Companhia Siderúrgica Nacional (Volta Redonda) e da Companhia
Vale do Rio Doce, obras do nacionalismo de Estado, não se sabe a que preço, foi o único
gesto de industrialização de base segundo os interesses nacionais. (...)
O novo período, que se vai iniciar por volta de 1946, representou muito para o
Brasil, pois foi a partir de então que se consolidou o modelo de desenvolvimento
brasileiro baseado no esquema capitalista comandado pelas multinacionais (...). Com os
mercados internacionais a seu favor durante três ou quatro anos (1946-1949), a indústria
americana, funcionando a plena capacidade, inundou o mundo com seus produtos.
O Brasil foi um grande comprador. As reservas de divisas foram consumidas
com generosidade. O mais grave foi consumir grandes quantidades de coisas inúteis,
novidades como o petróleo, material bélico obsoleto, etc.
Em 1949, nosso país já não tinha mais capacidade de importar sequer as coisas
essenciais que não produzíamos. Ao mesmo tempo, uma grande depressão ameaçava a
economia americana, sufocada pelo excesso de produção industrial.
A solução desse problema para as multinacionais foi incrementar a política
armamentista, através de programas de rearmamento financiado pelos Estados. A Guerra
Fria (...) serviu de pretexto para o fornecimento de material bélico aos aliados (...). A
Guerra da Coréia (1950-1953) consumiu vidas de vinte países, mas rendeu alguns
dividendos. (...)
A celebração de acordos militares e de “ajuda mútua” dos EUA com vários
países garantiu contratos de fornecimento de armas e outros materiais. Esses acordos
feitos com Brasil, em 1949, foram denunciados anos mais tarde no governo do presidente
Geisel. (...)
A partir de 1949, a instalação de empresas americanas em outros países, inclusive no
Brasil, intensificou-se por razões estratégicas das multinacionais. O parque industrial
americano estava com grande parte de suas máquinas e equipamentos obsoletos e
desgastados pelo uso intensivo. (...)
Tudo o que foi desativado constituía um capital fixo que interessava às
multinacionais americanas colocar em funcionamento e gerar lucros em outros países
menos exigentes com a qualidade, a segurança de seus operários, a preservação de sua
ecologia ou sua autonomia econômica.
A instalação de indústrias leves e de outros ramos de negócios não era o único
nem o maior interesse das multinacionais no Brasil. Acima de tudo, seus interesses
estavam voltados para os nosso minerais radioativos usados na produção de energia
atômica, e para as reservas petrolíferas, de minérios de ferro e outros. Alguns exemplos
serão úteis para ilustrar o fato. No norte, a Bethlehem Steel (multinacional americana)
explorava o minério de manganês a preços baixíssimos e sem controle das quantidades
levadas. No Espírito Santo, as areias monazíticas, também usadas na produção de
energia atômica, foram completamente esgotadas e carregadas de graça, com a desculpa
de que serviam de lastro para navios.
O monopólio estatal do petróleo foi o único ponto que mobilizou as forças mais
ativas da nação, em campanhas que duraram alguns anos (...)... o monopólio do petróleo
não excluiu as multinacionais da distribuição de seus derivados no comércio interno.
Em muitos países, inclusive no Brasil, houve resistência às multinacionais e tentativas de
controle de suas ações e de seus lucros. Estas resistências foram vencidas ou amortecidas
135
de varias maneiras, conforme o caso. Seja por meio de governos “amigos”, pela
perseguição aos opositores mais ativistas, pela associação com capitalistas locais, pelo
uso de testas de ferro, pelo suborno, pelo combate à intervenção do Estado na economia,
seja acenando com o fantasma do comunismo, as multinacionais têm sabido manter seus
privilégios. (...)
No Brasil, os primeiros anos da década de 50 foram caracterizados por conflitos
de interesses que se encerram com vantagens para as multinacionais. Apesar das regalias
de que já dispunham, queriam mais, e não hesitaram em contribuir para desestabilizar a
vida política da nação, que culminou com o suicídio do presidente Vargas.”

A interferência dos EUA na “defesa” do Brasil; o policiamento através da “Boa


Vizinhança”, segundo a norte-americana Martha K. Huggins:
“No início da década de 1930, as forças policiais instituídas pelos Estados
Unidos na América Central e no Caribe haviam se tornado poderosas Guardas Nacionais
que podiam ser utilizadas para a tomada do Poder Executivo.(...) Washington já havia
aprendido que instituir e treinar a polícia de um país estrangeiro dava aos Estados
Unidos grande influência sobre sua política local. Contudo, na década de 1930, a
influência internacionalizadora norte-americana, através da ajuda às polícias, tinha que
ser indireta, se os Estados Unidos quisessem manter o papel que afirmavam ter, de ‘bons
vizinhos’ da América Latina, e demonstrar sua ‘aversão ao uso da força como
instrumento de política exterior nacional ou internacional.’(...)
Em novembro de 1935, uma série de revoltas militares nas cidades de Recife e
Natal, nordeste do Brasil, e na capital federal, Rio de Janeiro, ‘contestavam a ordem
estabelecida em nome da revolução popular e da ANL (Aliança Nacional Libertadora). A
ANL havia se ampliado no início de 1935, quando o Partido Comunista Brasileiro se
juntara a ela, transformando-a em uma organização do tipo Frente Nacional, tendo como
líder honorário o herói popular Luís Carlos Prestes (...) com uma base de apoio ampla e
diversificada que propunha uma contestação viável ao poder Vargas.
As revoltas militares deram a Vargas um pretexto para por em ação o Governo
Federal contra essa ameaça política. Nos meses seguintes, logo após novembro de 1935,
perto de vinte mil pessoas foram presas no Brasil; nos anos imediatamente seguintes as
detenções por motivação em geral política, oscilaram entre dois e cinco mil por ano.(...)
Para consolidar ainda mais seu poder, Vargas criou em 1937, seu ‘Estado Novo’
repressivo e extremamente centralizado.(...) A nova Constituição de 1937 fortalecia
enormemente o poder presidencial –especialmente quanto aos dispositivos sobre o estado
de sítio e à ‘Lei Monstro’, uma nova lei de segurança nacional, assim chamada devido
aos seus dispositivos extremamente duros. A ‘Lei Monstro’ proporcionava fundamento
legal para perseguir a esquerda, prender jornalistas liberais e deportar estrangeiros
‘indesejáveis’.(...)
O envolvimento do governo dos Estados Unidos com a polícia brasileira foi
discreto, porém de apoio. O adido militar norte-americano no Rio de Janeiro afirmou que
a nova legislação de segurança nacional de Vargas ‘enfatiza os direitos individuais dos
cidadãos e exige que as autoridades policiais ajam dentro da lei’. O embaixador
americano Hugh Gibson trabalhava em contato estreito com a polícia política da capital
federal., o DOPS, como comprovam seus memorandos ao Departamento de Estado.(...)
Gibson não poderia deixar de estar ciente dos maus-tratos à luz da colaboração íntima
do embaixador com três importantes funcionários da polícia política (DOPS) do Rio de
136
Janeiro. Eram eles Filinto Muller, chefe do DOPS... e os capitães do DOPS Henrique de
Miranda Correia e Francisco Jullien. Gibson informou ao Departamento de Estado que
Jullien e Miranda Correia haviam ‘sido extraordinariamente cordiais cooperativos’ com
a embaixada dos Estados Unidos em seu empenho em perseguir comunistas no Brasil.
Entre outras coisas, o DOPS havia permitido à embaixada dos Estados Unidos o ‘acesso
a seus arquivos secretos, embora recusasse esse privilégio a quem quer que fosse,
inclusive ao próprio Ministério de Relações Exteriores. (Gibson 1936c) (...)
Na opinião de Gibson ‘o Brasil continuaria a ser, por muitos anos, um centro
importante de atividades radicais’, e os Estados Unidos ‘deveriam começar a traçar
planos... para assegurar-se do maior volume possível de informações.(...)
Segundo a idéia de Gibson, ajudar a polícia brasileira a ter treinamento policial nos
Estados Unidos era ‘algo como dar ao ganso um curso por correspondência sobre como
botar ovos de ouro’. (Gibson 1936c;2)
Em 5 de março de 1936, um esquadrão da polícia liderado pelo capitão Jullien
prendeu Prestes e sua esposa Olga Gutman Beuano (Maria Prestes). O chefe da polícia
Filinto Muller devolveu Olga, judia de origem alemã... à Gestapo alemã,
presumivelmente conforme o acordo internacional entre o Brasil e a Gestapo alemã para
perseguir e capturar ‘indesejáveis’ políticos.(...)
O embaixador norte-americano no Brasil tinha plena ciência da colaboração do
governo dos Estados Unidos nesse acordo com a Gestapo alemã, tanto quanto tinham, no
Brasil, Eurico Gaspar Dutra, Ministro da Guerra, Góis Monteiro, chefe do Estado Maior
das Forças Armadas brasileiras e, evidentemente, o próprio Filinto Muller. (...)
Olga – na ocasião grávida da filha de Prestes –foi deportada pelo Brasil para a
Alemanha nazista, via oficiais de Gestapo. Depois que sua filha Anita nasceu foi
transferida para o campo de concentração... onde foi executada em 1942 na câmara de
gás.(...)
O Departamento de Estado providenciou para Jullien uma estada nos
departamentos de polícia de Chicago e de Nova York e uma visita ao quartel general do
FBI em Washington. (...)
(...)
O Ministério das Relações Exteriores no Brasil havia solicitado a ajuda do FBI
em outubro de 1938, depois de as autoridades brasileiras haverem acabado com um
suposto complô nazista para fomentar a rebelião no Brasil, Uruguai e Argentina.
Segundo o ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, havia ‘evidências
indiscutíveis de uma organização ampla e bem planejada dirigida por um general
alemão, o qual visava o restabelecimento de um regime nazista no Brasil.’(...) Oswaldo
Aranha queria que Washington enviasse ao Brasil vários elementos do FBI para
‘organizar e dirigir um serviço secreto brasileiro adequado.’(...)
Apesar da agitação entre os funcionários brasileiros sobre em quem poderia
confiar – ou talvez, por causa disto –os Estados Unidos atenderam à solicitação de
Oswaldo Aranha.(...)
No decorrer do tempo, os novos serviços secretos – originalmente instituídos
para descobrir agentes nazistas; bem como ‘subversivos’ comunistas, ‘tornaram-se
instrumentos para oprimir qualquer oposição local’, e, como antes delas, as forças
policiais nacionais ‘ajudavam governos já repressivos –tais como o de Getulio Vargas no
Brasil, e de Jorge Ubico, na Guatemala –a se manterem no poder.(...)
Em 1942... o FBI já possuía 137 agentes do SIS (Special Intelligence Service) na
maior parte do Caribe e em toda América Central e do Sul.(...)
137
Esses agentes ‘mantinham... amplos programas de contra-espionagem utilizando os
serviços de empresas norte-americanas’. Esse disfarce permitia que os agentes do SIS
entrassem nas cidades latino-americanas sem conhecimento ou aprovação do governo do
país ou do embaixador ou cônsul norte-americano local.(...)
(...)
...o embaixador norte-americano no Brasil, Jefferson Coffrey, era extremamente
influente nos círculos policiais brasileiros;; chegara a recomendar a admissão, promoção
e demissão de pessoal da polícia do Rio de Janeiro. Por exemplo, em 1942, quando
Alcides Etchegoyen tornou-se o chefe do DOPS, depois da renúncia forçada de Filinto
Muller como diretor desse órgão (ele afirmara que ‘não queria nenhum estrangeiro
xeretando dentro ou fora de seu departamento), o embaixador Caffrey insistiu que o novo
chefe da polícia demitisse imediatamente ‘dez pró-nazistas’ que eram funcionários de seu
departamento de polícia no Rio de Janeiro. Caffrey relacionou para Etchegoyen ‘um
núcleo de quinze funcionários para sua polícia política’ nos quais o embaixador confiava.
Etchegoyen seguiu seu conselho e logo depois chegou a dar à embaixada dos Estados
Unidos o poder de coordenar todo o trabalho de contra-espionagem no Brasil.(...).
O agente do FBI escolhido para auxiliar Etchegoyen (...) foi Rolf Larson,
membro do SIS, que vinha trabalhando no Brasil desde 1941 (...); entre 1937 e junho de
1940 fora missionário mórmon na Argentina (...). Recorrendo a seu trabalho missionário,
Larson começou montando uma rede secreta de informantes no Brasil, entre os quais
missionários mórmons. Larson acreditava que os mórmons representavam ‘excelente
fonte de informação... quando adequadamente coordenados’, porque os Santos dos
Últimos Dias no Brasil eram freqüentemente transferidos de um lugar para outro – o que
lhes dava oportunidade de interagir com pessoas de muitas partes do país.(...).
O SIS do FBI foi bem sucedido ao infiltrar-se no sistema policial brasileiro.
Plantou os fundamentos para que a CIA e o Departamento de Estado
internacionalizassem ainda mais a segurança norte-americana depois da Segunda
Grande Guerra.’”

O Diário de Pernambuco de 20-03-1984 publicou um artigo de Aldo Paes


Barreto, sob o título Os Ingênuos:
“’A concentração do poder econômico gerou o capitalismo financeiro. A paixão
pelo lucro substitui o senso de utilidade e de serviço. Os valores em vez de servirem ao
homem, passaram a contribuir para o seu aniquilamento. Os ‘trustes’, desorganizando a
pequena indústria, colocaram as classes médias e as classes trabalhadoras à sombra da
inteligência econômica.’
O atualíssimo texto aí em cima, consta da Exposição de Motivos feita pelo então
ministro do Trabalho, o pernambucano Agamenon Magalhães, ao encaminhar ao
presidente Getúlio Vargas, o texto do decreto-lei nº 7.666 de 22 de junho de 1945, a
chamada lei Anti-Trust, ou ‘Lei Malaia’, criada com o propósito de defender a economia
nacional da manipulação dos ‘trustes’ e dos cartéis internacionais.
Logo depois Vargas era deposto e cinco meses após a deposição, precisamente
no dia 9 de novembro de 1945, o presidente provisório José Linhares, anunciava a Lei
Malaia.
De lá para cá, as benesses ao capital estrangeiro, foram tamanhas que o Brasil é
internacionalmente conhecido como ‘Paraíso das Multinacionais’, sempre disposto a
abrir as portas para o capital estrangeiro e seguir sobrevivendo com a maior dívida

138
externa já contraída por um país latino. E o que é melhor, para os credores: o Brasil
paga.
Mau aluno, o Brasil jamais aprendeu uma frase atribuída ao secretário de
Estado americano John Foster Dulles, dos anos 50 que dizia: ‘Uma nação não tem
amigos, tem interesses’.
A frase correu o mundo e ainda hoje é a melhor e mais expressiva síntese dos
Estados Unidos da América e do seu relacionamento com seus dedicados aliados, como
demonstrou, recentemente, a viagem do também secretário de Estado George Shultz,
durante visita que era esperada pelo ingênuo governo brasileiro como prova da ‘amizade
entre as duas Nações’, mas que terminou ficando mesmo como mais um capítulo da
chegada do cobrador, sempre ávido por mais lucros.
Aguardando como enviado da ‘boa vontade’ do presidente Reagan, de quem se
esperava uma abertura para o que seria o início da discussão informal sobre a dívida
externa brasileira, permitindo negociações de governo a governo, o sr. Shultz deixou
nosso governo surpreso. Afinal, no lugar da esperada abertura econômica, o que pautou
as conversações foi exatamente a defesa da sobretaxa norte-americana imposta ao aço
brasileiro, além de uns duvidosos acordos, incluindo uma sobre cooperação industrial-
militar, no rastro evidente do sucesso alcançado pelo Brasil na indústria bélica.
Fora da pauta, outros assuntos assustaram ainda mais nossos ingênuos
negociadores: além das benesses atuais, com as quais o Brasil brinda o capital
estrangeiro, os Estados Unidos querem aplicar a participação dos grandes bancos
americanos e da indústria de informática no nosso País.
É possível que, no futuro, os estudiosos registrem esse negro período da História
brasileira como fruto da ingenuidade dos nossos governantes. Contudo, é provável que
não seja assim. Como se sabe, os historiadores costumam ser bem mais francos e muito
mais severos.”

O governo Juscelino

As mesmas forças que apoiaram Vargas elegeram Juscelino Kubitschek em 1956,


e impediram as manobras que tentaram impedir sua posse.
As metas de Juscelino de acelerar o processo de industrialização entravam em
contradição com os interesses norte-americanos que não desejavam esse desenvolvimento.
Na metade do século XX ainda permanecia o desejo imperialista do tempo da colônia, só
que os donos do poder haviam mudado: da Grã-bretanha que proibia qualquer indústria no
Brasil por meio de seus vassalos reis de Portugal, no século XX o interesse era dos
Estados Unidos que o Brasil continuasse a exportar suas riquezas em benefício alheio.
Juscelino criou o Conselho de Desenvolvimento sob a direção do engenheiro
Lucas Lopez, anunciando que o Brasil tinha condições de crescer cinqüenta anos em
cinco, tal era o atraso e tais as possibilidades do país. As metas incluíam energia e
transporte, implantação da indústria automobilística e de construção naval, incentivos à
industrialização, a construção de Brasília e da estrada Belém-Brasília que deu início à
integração da Amazônia. Pela sua política de desenvolvimento em desacordo com as
instruções do FMI, encontrou dificuldades, tendo que transigir várias vezes, pois
necessitava de investimentos externos.

139
Juscelino tentou formular uma nova política para o continente, a OPA (Operação
Pan-Americana) que, segundo alguns, foi fonte para a Aliança para o Progresso de
Kennedy.
No encontro de presidentes no Panamá, em junho de 1957, Juscelino exorta
Eisenhower “a rever sua política em relação à América Latina, colaborando com o seu
desenvolvimento, como forma de evitar o comunismo. Eisenhower, preocupado apenas
com medidas de repressão ao comunismo, sob aspecto policial e militar, perguntou-lhe
então se ele cria que alguma nação sul-americana pudesse, em breve, transformar-se em
estado comunista. Sua resposta foi franca: ‘Acredito, se os EUA persistiram em apoiar e
prestigiar as ditaduras de direita e o militarismo’(...)”.
Em 1959, numa reunião do Comitê dos 21, em Buenos Aires, encarregada de
estruturar a Operação Pan-Americana, o discurso de Fidel Castro, “refletindo ‘melhor do
que os demais, dada a crueza que ressaltava de suas palavras, a tragédia da América
Latina causou na conferência ‘verdadeiro impacto’, conforme as palavras do presidente
Kubitschek cujas demandas, consubstanciadas na Operação Pan-Americana, Castro
reforçara, diante da má vontade do governo Eisenhower, ao reclamar dos EUA uma
ajuda financeira à América Latina no valor de US$ 30 milhões, com o objetivo, ao que
tudo indicava, de ‘desmascaramento’ de sua política. Kubitschek, após conversar com ele
em Brasília e ter ‘a oportunidade de conhecer, em profundidade, seu pensamento’,
concluíra que Castro era ‘um idealista amargurado, que sofrera na carne as
conseqüências do apoio dado pelos EUA às ditaduras na América Latina’, uma vez que
Cuba fora massacrada'por longa tradição de tirania’.
As calorosas manifestações de simpatia com que o povo recebera Castro, quer
em Buenos Aires, quer no Rio de Janeiro, onde ele falara em praça pública, contrastaram
com o escorraçamento de Nixon no ano anterior, o que provavelmente deleitou
Kubitschek, pois o sentido anti-EUA da revolução em Cuba seus pronunciamentos
estavam a confirmar os postulados da Operação Pan-Americana.(...).
A revolução cubana despertava ainda enorme simpatia entre os povos da
América Latina, na medida, sobretudo, em que exprimia seu profundo inconformismo com
a política dos EUA para a região, conforme, aliás, o próprio Kubitschek já manifestara
ao propor em 1958 a Operação Pan-Americana.”(J.A. Moniz Bandeira)

“Segundo a NSC (National Security Council), ‘a maior parte dos governos e dos
povos latino-americanos... acredita que os Estados Unidos dão ênfase excessiva ao
comunismo como ameaça ao Hemisfério Ocidental.’ Em conseqüência disso, esses
governos tomaram ‘precauções insuficientes contra a subversão comunista interna’. Por
exemplo, o presidente Juscelino Kubitschek não concordava com a proposição de que o
desenvolvimento econômico brasileiro poderia ser incentivado pelo aumento da
segurança interna. Kubitschek julgava que o desenvolvimento econômico era, ele próprio,
a melhor estratégia para promover o progresso brasileiro, acreditando que ‘a repressão
policial não era o meio para mudar a opinião de um homem’. O OCB (Operations
Coordinating Board) afirmava que, no Brasil, a ‘falta de interesse das altas esferas do
governo em combater a infiltração comunista retardava o desenvolvimento do programa
policial naquele país.’
A esse modo de pensar, Kubitschek contrapunha sua proposta de um Plano
Marshall para a América Latina –intitulado Operação Pan-Americana –argumentando
que ‘o modo de derrotar o totalitarismo de esquerda é combater a pobreza onde quer que
se encontre’. Segundo Kubitschek, ‘o problema do subdesenvolvimento terá que ser
140
resolvido se se quiser que os países latino-americanos sejam capazes de resistir à
subversão de maneira mais eficiente, e servir à causa ocidental.’ O secretário de Estado
John Foster Dulles, que via a equação de maneira diversa, pressionava o Brasil para
intensificar seu programa anticomunista. Para Dulles, não podia haver desenvolvimento
sem segurança interna nacional.(...) O Brasil recebeu da OCB, na escala de segurança
interna, a classificação de ‘potencialmente perigoso’. Os planejadores da OCB
consideravam que ‘o poder político poderia cair nas mãos de pessoas que tolerariam a
expansão da influência comunista, (uma vez que) muitos membros do governo brasileiro
possuem uma compreensão inadequada da natureza e da extensão da ameaça comunista.
Juscelino Kubitschek conquistara a presidência no Brasil tendo João Goulart – Ministro
do Trabalho progressista de Getúlio Vargas, -como seu vice-presidente. Como havia
‘pouca disposição desse governo brasileiro em adotar medidas anticomunistas’, o OCB
recomendava ‘uma vigorosa campanha de informação anticomunista com estímulos
discretos e informais... ao sentimento anticomunista existente nas Forças Armadas.’(...).
Reconhecendo que ‘em praticamente todos os países existiam instrumentos de
informação pública que poderiam ser mais bem utilizados para mobilizar a
opinião pública em apoio aos programas norte-americanos, como segurança interna, o
USIA (United States Information Agency) expandiu sua persuasão de política na América
Latina (...). O USIA colocou duas séries de histórias em quadrinhos anti-comunistas em
mais de trezentos jornais latino-americanos(...); o tema principal era a ameaça
internacional do Partido Comunista da União Soviética.(...) Filiados do USIA, a Cruzada
Brasileira Anti-Comunista (CBC) do Rio de Janeiro, distribuía cartazes, panfletos,
histórias em quadrinhos, cartões postais e carteirinhas de fósforos anticomunistas. Um
dos panfletos da OCB mostra o romancista Jorge Amado deitado sossegadamente em
uma rede presa à parede externa do edifício da Justiça Federal do Rio de Janeiro; três
juízes – identificados no panfleto como membros de organizações comunistas –estão
destruindo os alicerces do edifício a golpes de talhadeira. Jorge Amado, na época
persona non grata aos Estados Unidos, por haver estado em 1951 em Moscou para
receber Stalin, é mostrado orientando os juízes sobre onde aplicar a seguir a talhadeira.
O texto de caricatura diz: ‘Cuidado, Jorge, um dia o prédio pode cair em cima de você!’”
(Martha Huggins)

Juscelino cumpriu todo o seu mandato e realizou grande parte de suas promessas.
Lembro-me bem que na sua ‘despedida’ do governo, a multidão gritava nas ruas: “JK65”;
todos esperavam que em 1965 ele fosse novamente presidente do Brasil.
Segundo a cientista política Maria Victória Benevides, (Istoé 18-09-2002) “no
governo Juscelino havia uma perspectiva de vida. O pecado mortal, imperdoável de um
governante é tirar a esperança do povo. (...) Juscelino, por piores que tenham sido seus
defeitos, criou uma euforia de se acreditar no Brasil. Naquela época ninguém queria sair
do país.”...
Jânio Quadros ganha as eleições e se mostra incapaz... Em 1964, o golpe
militar... Artur da Costa e Silva, então ministro da Guerra, solicitou e obteve a cassação de
Juscelino e a suspensão de seus direitos políticos. Ele é exilado. Volta ao Brasil para
morrer em um acidente cuja investigação deixou até hoje muitas dúvidas de que tenha
sido realmente um acidente ou um assassinato...

141
João Goulart (Jango)

Com a renúncia de Jânio Quadros, que nunca explicou a contento os motivos de


seu ato, os auto-denominados defensores da democracia, mas que na realidade eram
defensores do capital, especialmente o capital estrangeiro, se opuseram a que João
Goulart, eleito pelo povo para vice-presidente (na chapa de Teixeira Loot), assumisse o
poder.
João Goulart que, como ministro do trabalho de Vargas, havia iniciado uma
política de reformas para o melhoramento da vida do povo, e que como vice-presidente de
Juscelino havia continuado com a mesma política, apesar de ser um latifundiário, foi
acusado de ser comunista, logo, um perigo para o Brasil (diga-se: para os Estados
Unidos).
Segundo Darcy Ribeiro, o “governo Goulart caiu por suas qualidades, não por
seus defeitos (...). O que Jango tentava fazer não tinha nada de muito ousado nem de
radical. Ele dizia sempre que, se o mínimo de proprietários rurais fosse elevado de 2 para
10 milhões, a propriedade seria muito melhor defendida e, simultaneamente,
possibilidades maiores seriam abertas a mais gente de comer mais, de se educar melhor,
de viver mais dignamente. Por isso é que Jango, latifundiário, queria fazer a reforma
agrária, para defender a propriedade e assegurar a fartura, evitando o desespero popular
e a convulsão social.” (citado por Caio Navarro de Toledo)
Há uma história interessante sobre multinacionais escrita por Eduardo Galeano,
que talvez nos mostre tanto os motivos da renúncia de Jânio Quadros como da queda de
Goulart:
“No Brasil, as esplêndidas jazidas de ferro do vale do Paraopeba derrubaram
dois presidentes –Jânio Quadros e João Goulart –antes que o marechal Castelo Branco,
que tomou o poder em 1964, as cedesse a Hanna Mining Co.
Em 1957, a Hanna Mining Co. comprou ,por 6 milhões de dólares, a maioria das
ações de uma empresa britânica, a Saint John Mining Co., que se dedicava à exploração
do ouro de Minas Gerais desde os longínquos tempos do Império.(...) A Saint John
operava no vale do Paraopeba onde há a maior concentração de ferro do mundo inteiro,
avaliada em 200 bilhões de dólares. A empresa inglesa não estava legalmente habilitada
para explorar esta riqueza fabulosa, nem estava a Hanna, de acordo com disposições
claras constitucionais e legais que Osni Duarte Pereira enumera em sua obra sobre o
tema.
George Humphrey, diretor presidente da Hanna, era então membro proeminente
do governo dos EUA, como secretário do Tesouro e como diretor do Eximbank, o banco
oficial para o financiamento das operações de comércio exterior. A Sanit John tinha
solicitado um empréstimo do Eximbank; não teve sorte até que a Hanna se apoderou da
empresa.
Desencadearam-se, a partir de então, as mais furiosas pressões sobre os
sucessivos governos do Brasil. Os diretores, advogados ou assessores da Hanna – Lucas
Lopes, José Luís Bulhões Pereira, Roberto Campos, Mário da Silva Pinto, Octávio
Gouveia Bulhões –eram também membros, ao nível mais alto, do governo do Brasil, e
continuaram ocupando cargos de ministros, embaixadores ou diretores de serviços nos
ciclos seguintes. A Hanna não tinha escolhido mal seu estado-maior.
O bombardeio se fez cada vez mais intenso, para que se reconhecesse à Hanna o
direito de explorar o ferro que pertencia, a rigor, ao Estado. No dia 21 de agosto de

142
1961, o presidente Jânio Quadros assinou uma resolução que anulava as ilegais
autorizações dadas de favor à Hanna e restituía as jazidas de ferro de Minas Gerais à
reserva nacional. Quatro dias depois, os ministros militares obrigaram Jânio Quadros a
renunciar; “Forças terríveis se levantaram contra mim...” dizia o texto da renúncia. O
levante popular encabeçado por Leonel Brizola em porto Alegre frustrou o golpe dos
militares e colocou no poder o vice-presidente João Goulart. Quando em julho de 1962
um ministro quis por em prática o decreto fatal contra a Hanna –que tinha sido mutilado
no Diário Oficial, o embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, enviou a Goulart um
telegrama protestando com viva indignação pelo atentado que o governo ameaçava
cometer contra os interesses de uma empresa norte-americana.
O Poder Judiciário ratificou a validade da resolução de Quadros, porém
Goulart vacilava. Enquanto isto, o Brasil dava os primeiros passos para estabelecer um
entreposto de minérios no Adriático, com o intuito de abastecer de ferro vários países
europeus, socialistas e capitalistas: a venda de ferro direta implicava um desafio
insuportável para as grandes empresas que manejam os preços em escala mundial. O
entreposto nunca se tornou realidade, porém outras medidas nacionalistas – como a
restrição à drenagem dos lucros das empresas estrangeiras –foram colocadas em prática
e proporcionaram o estopim à explosiva situação política.(...).
Por fim, o golpe de Estado explodiu, no último dia de março de 1964, em Minas
Gerais que, casualmente era o cenário das jazidas de ferro em disputa (...) Homens da
Hanna passaram a ocupar a vice-presidência do Brasil e três dos ministérios. (...) Castelo
Branco pôs mãos à obra: entregou o ferro e todo o resto. A Hanna recebeu seu decreto no
dia 24 de dezembro de 1964.”
(...)
Ao regulamentar a Lei de Remessa de Lucros, ao mesmo tempo que decretava
uma revisão de todas as concessões governamentais na indústria de mineração, João
Goulart acabou com as dúvidas da ‘direita’brasileira e da embaixada americana quanto
à ‘esquerdização’ de seu governo
Na sexta-feira 13 de março de 1964, João Goulart fala num comício anunciando
a nacionalização das refinarias com mais de 100 hectares que ladeavam as rodovias e as
ferrovias. Atacou os monopólios nacionais e internacionais, as associações de classes
conservadoras e a campanha dos “rosários da fé contra o povo”.
“A caminho do comício que faria na Central do Brasil, no dia 13 de março de
1964, quando falaria a uma multidão sobre as reformas de base, o presidente da
República, João Goulart, viria do carro oficial em que viajava acompanhado da mulher
Maria Teresa, ornar as janelas da praia do Flamengo – bairro de classe média do Rio de
Janeiro –panos pretos e velas. A manifestação... foi orquestrada por um grupo de
mulheres católicas que brandiam seus rosários, acusando Jango de estar compactuando
com a ‘invasão comunista’ no País. (...)
A Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi (...) o ponto alto de um
trabalho iniciado pela Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE), o braço
feminino do IPE (Denise Assis –adiante veremos o que ele era no IPES).
A sublevação para derrubar Goulart partiu de Minas Gerais dirigida pelos
generais Olimpio Mourão Filho e Carlos Luis Guedes, com o apoio do governador
Magalhães Pinto.
Algum tempo atrás, o general Mourão Filho havia estado envolvido em outro golpe de
Estado. Quando ainda era coronel, forjou um documento falso: o Plano Cohen, que esteve
na origem dos acontecimentos que levaram à implantação do Estado Novo, de Vargas.
143
Lido em fins de 1937 na voz do Brasil e publicado pela imprensa, tratava-se de um
suposto plano de ação comunista que estava preparando as massas para desencadear o
terrorismo...
Vejamos agora um pequeno resumo do livro de Denise de Assis sobre o IPES
(que ela denominava IPÊS).
“O golpe de Estado ocorrido em 1964 não foi apenas militar. A sustentação
estava o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), organização iniciada em agosto
de 1961(...)... alarmados com a chegada do comunismo à América Latina através de
Cuba, em 1959, um grupo substancial de ‘empresários e democratas para o progresso’
reuniu-se ‘cônscios de sua responsabilidade na vida pública do país’(...)
No documento (da fundação) ela é descrita como ‘sociedade civil sem fins lucrativos com
tempo indeterminado, de caráter filantrópico e intuito educacional, e tendo por finalidade
a educação cultural, moral e cívica dos indivíduos’(...)
Do conjunto de quatro salas em um dos principais prédios da Avenida Rio
Branco, saíram documentos, seminários e filmes que, disseminados em empresas,
sindicatos e grêmios estudantis, tinham o objetivo claro de influir nesses seguimentos a
fim de que a derrubada do poder transcorresse sem resistências. Todo esse material foi
confeccionado com o único propósito de angariar simpatia para a causa defendida pelo
IPES: a formação de um governo paralelo que viria, por fim, substituir o do presidente
João Goulart, classificado por eles de ‘híbrido’.
A propaganda massiva e cientificamente preparada por aquele Instituto durante
dois anos, hoje se sabe, pavimentou a queda do governo Jango. Foi a reação da direita
conservadora à mobilização da classe trabalhadora em torno das chamadas reformas de
base.(...).
‘O que o ocorreu em abril de 1964 não foi um golpe militar conspirativo, mas,
sim, o resultado de uma campanha política, ideológica e militar travada pela elite
orgânica, centrada no complexo IPES – IBAD’ (René Dreifuss).
O IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática – era a entidade que canalizava
fundos multinacionais para o IPES. Foi fechado após ser investigado pela mesma
Comissão Parlamentar de Inquérito que inspecionou as atividades do IPES, e, no caso do
IBAD, constatou irregularidades como a captação de recursos estrangeiros sem
autorização. Dentre as corporações que desviavam dinheiro para o IBAD estão:
Promotion AS, Texaco, Shell, Esso Brasileira, Standart Oil fo New Jersey, Texas Oil Co.,
Gulf Oil, Bayer, Enila, Shering, Ciba, Gross, General Eletric, IBM, Remington Rand,
AEG, Coty, Coca-Cola, Standard Brands, Cia. De Cigarros Souza Cruz, Belgo-Mineira,
US Steel, Hanna Mining Corp., Bethlehem Stell, General Motors, Willys Overland e o
IBEC. (...).
No entender do empresariado, parte da Igreja Católica, e da oficialidade militar, as
reformas propostas por Jango alterariam as relações econômicas e sociais do país
ameaçando as tradições, a família e a propriedade (...).
Com a vitória dos militares e conservadores, o IPES ampliou suas ações para a
área de Informação sob a orientação do general Golbery do Conto e Silva. Essa manobra
deu origem ao temido SNI, fundado no mesmo ano, logo após o golpe, tendo como base
arquivos do IPES.(...).
Durante os dez anos de sua existência, o IPES atuou nos mais diversos setores
do governo e da sociedade, sempre protegendo como órgão orientador das políticas
governamentais, não os princípios democráticos, como constava de seus postulados
básicos de fundação, mas o capital, esse sim, sua real preocupação. Imbuídos desse
144
propósito, os integrantes da organização montaram um eficiente programa de
propaganda, que incluía desde panfletos apócrifos a livros e filmes com vista a
disseminar suas idéias. (...).
Com a incumbência de colocar na rua as mensagens do IPES, formou-se uma
comissão composta por ensaístas, escritores, personalidades literárias e outros
intelectuais que produziam e assinavam artigos consoantes com as análises ideológicas
feitas dentro do Instituto. Os mais importantes jornais, rádios e canais de televisão da
época se engajaram nas propostas do grupo responsável por moldar a opinião pública
(...)

Quando vitorioso o golpe que derrubou Goulart e instituiu um regime de torturas


e perseguições, não houve nenhuma passeata de mulheres brandindo rosários em defesa
da Democracia, da Família, dos inúmeros filhos ou irmãos –estudantes mortos, mutilados,
desaparecidos.

“Quando do golpe de Estado contra Goulart, os EUA tinham no Brasil sua


maior embaixada. Lincoln Gordon, que era embaixador, reconheceu treze anos mais
tarde que seu governo financiara tempos atrás as forças que se opunham às reformas.
‘Que diabos’, disse Gordon, ‘isso era mais ou menos um habito naquele período. A CIA
estava acostumada a dispor de fundos políticos.’” (Veja nº444 _ 9-3-77)
Na mesma entrevista, Gordon explicou que nos dias do golpe, o Pentágono
deslocou um enorme porta-aviões e quatro navios-tanque para as costas brasileiras, “para
o caso de que as forças anti-Goulart viessem a pedir nossa ajuda”.

“Gordon era assíduo freqüentador do palácio presidencial. Sugeria normas para


compor os Ministérios, censurava as escolhas de ‘esquerdistas’ para assessorias se
presidente, criticava abertamente projetos e iniciativas governamentais (...). Entidades
políticas e sindicais que faziam sistemática oposição a Goulart foram generosamente
contempladas com recursos financeiros do governo norte-americano. Tudo o que visava a
minar o poder do Executivo federal era incentivado pelos EUA. (...).
Documentos do Departamento de Estado norte-americano, recentemente
revelados à opinião pública, evidenciaram o grau de participação e de envolvimento dos
EUA na conspiração e execução do golpe de 1964. Examinemos apenas o caso da
chamada ‘Operação Brother San’(...). Aprovou-se numa reunião do Depto. de Estado um
plano militar que consistia no envio às costas brasileiras de um porta-aviões de tanque
pesado, destróieres de apoio, petroleiro bélico, navios de munições e navios de
mantimentos, aviões transportando armas e munições (110 toneladas), aviões de caça,
aviões tanques e um posto de comando-transportado deveriam se deslocar para o Rio de
Janeiro... (com o objetivo) de fornecer ‘apoio logístico, material e militar’ aos golpistas
(...).
Três dias após o golpe, Carlos Lacerda ouviria de Mr. Gordon a seguinte
declaração: ‘Vocês fizeram uma coisa formidável! Essa revolução sem sangue e tão
rápida! E com isso pouparam uma situação que seria profundamente triste, desagradável
e de conseqüências imprevisíveis no futuro de nossas relações; vocês evitaram que
tivéssemos que intervir no conflito’” (Caio Navarro de Toledo).
Lincoln Gordon deveria ter dirigido seus elogios e agradecimentos pela
revolução ‘sem sangue’ e sem intromissão militar dos EUA, a João Goulart.

145
Os que deram ou foram a favor do golpe não teriam hesitado em ‘convidar’ os
norte-americanos para ‘bombardearem’ o Brasil. Pelo que vimos, chegamos perto de
experimentar o que os nicaragüenses e outros povos latino-americanos e, de outros
continentes já haviam experimentado: a fúria dos EUA.
Havia setores militares, inclusive o Exército, dispostos a defenderem a legalidade
e dar apoio a Jango. “Foram dissuadidos por Goulart a não se envolverem numa luta
fratricida... Goulart invocou a inutilidade dos gestos heróicos que implicariam no
derramamento de sangue inocente.”

O Golpe

Comentário da norte-americana Martha K. Huggins, professora titular de


sociologia do Union College (Schenectady, Nova York), que faz pesquisas sobre o Brasil:
“Em 31 de março de 1964, um golpe militar promovido e apoiado pelos Estados
Unidos, depôs João Goulart (...). Menos de dezoito horas depois de o presidente Mazzili
prestar juramento, Lyndon Johnson enviou um telegrama com ‘os mais calorosos votos’
ao povo brasileiro por haver resolvido ‘as dificuldades (de seu país) no quadro da
democracia constitucional e sem uma guerra civil”. O embaixador norte-americano no
Brasil, Lincoln Gordon, declarou que a “deposição de fato” de Goulart representara
“uma grande vitória para o mundo livre”, sem a qual poderia ter havido uma “completa
perda para o Ocidente de todas as repúblicas sul-americanas”. (...).
Trezentos e setenta e oito líderes políticos e intelectuais foram despojados de
seus direitos civis pela cassação, que os impedia de votar e ser votado durante dez anos.
Essa punição foi imposta aos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart, ao
líder das Ligas Camponesas Francisco Julião e ao economista Celso Furtado... Leonel
Brizola... Oscar Niemayer (...).
No fim da primeira semana depois do golpe militar, mais de sete mil pessoas
haviam sido presas. Em maio, três meses depois, perto de cinqüenta mil brasileiros foram
detidos(...). O embaixador Gordon não acreditava que essas prisões fossem sintomáticas
de desrespeito aos direitos humanos: ele afirmou que a Operação Limpeza estava sendo
executada com o característico ‘senso de moderação brasileira.’ Mas a revista Times
(1964: 49) noticiou que ‘em certos lugares (do Brasil) a prisão ( de suspeitos) havia
degenerado em horrível brutalidade.’(...).
O fato de dois dos cinco presidentes (Figueiredo e Médici) indicados durante o
período militar (sem contar o triunvirato interino inicial) terem sido diretores do SNI
(Serviço Nacional de Informações) antes de assumirem a presidência, indica a
importância desse órgão no fortalecimento do Estado Militar brasileiro. No final da
década de 1970, a comunidade de informações do país –tendo o SNI como seu núcleo
central –empregava duzentas mil pessoas(...).
A Operação Bandeirantes (OBAN) foi criada secretamente na cidade de São
Paulo em 1969, e veio a ser utilizada nacionalmente em 1970 como uma nova
organização de segurança interna chamada DOI –CODI ... O objetivo da OBAN era
coordenar as atividades das diversas organizações policiais e militares de segurança
interna do Estado e facilitar a coleta rápida de informações.(...) A OBAN de São Paulo
era extra-oficial e privatizada, financiada por empresários locais e por empresas
nacionais e multinacionais, entre as quais a Ford e a General Motors.(...) A OBAN

146
assumiu também um papel de ‘conscientização’ dedicando-se a uma campanha de
propaganda para ‘motivar a população civil no sentido de sua própria defesa contra o
terrorismo.’ Essa campanha incluía e estímulo e ajuda para que fossem organizadas
‘correntes telefônicas’ e ‘correntes postais’. Estas fomentariam a lealdade do governo
militar e conteriam a difusão de boatos ‘terroristas’, com a advertência de que se você
romper a corrente, você ou algum ser amado, poderá ser vítima de um assalto ou de uma
bomba incendiária de um subversivo.’(...).
Segundo um relatório da Anistia Internacional de 1973, a OBAN foi responsável
por algumas das torturas mais brutais da ditadura militar brasileira.
(...)
À medida que o Estado militar do Brasil se desvinculava cada vez mais da
influência e do controle dos civis, as instituições que poderiam ter feito a mediação entre
os cidadãos e o governo –tais como partidos políticos, associações de empresas,
sindicatos, grupos religiosos, organizações estudantis e movimentos sociais de base,
foram um a um, sistematicamente, empurrados para a clandestinidade. Ao longo do
caminho, a tortura, os desaparecimentos e o assassinato, armas arsenal do governo
militar contra a subversão interna, haviam se tornado a estratégia militar para preencher
‘ ausência de legitimidade’: à medida que porções cada vez mais significativas da
população, capazes de demonstrar eficiência política, eram excluídas da participação
política civil, a repressão passava a ser cada vez mais empregada para garantir a
estabilidade do governo. (...).
A utilidade dessa série de acontecimentos que normalizaram a violência estatal
extremada no Brasil ultrapassou os interesses nacionais brasileiros, conforme parece
indicar o fato de os Estados Unidos haverem proporcionado treinamento, tecnologia e
apoio moral e político a uma polícia e a um governo envolvidos com torturas,
desaparecimento e assassinatos. Não só os Estados Unidos deixaram de denunciar esse
tipo de violência, como colaboraram ativamente com policiais e militares que Washington
sabia estarem praticando esse tipo de abuso do poder...”

Vejamos o comentário do sociólogo brasileiro Paulo Martinez, sobre a pressão do


governo militar com respeito à economia e à “abertura” para as multinacionais:
O regime autoritário em 1964 alterou as posições, as funções e as diretrizes dos
órgãos de representação popular, e das leis e interesses em jogo. De um lado as
multinacionais, do outro, o Brasil, inclusive uma parte dos capitalistas nacionais
autenticamente interessados no desenvolvimento do país.
O governo instalado pela força usou desta para legitimar-se, através da
decretação de atos institucionais que modificaram a Constituição e transferiram para o
poder Executivo prerrogativas do Legislativo e do Judiciário.
A intervenção federal em empresas multinacionais foi cancelada. Adotou-se a
intervenção em sindicatos de trabalhadores, com prisões e cassação de mandatos de
diretores eleitos pelas respectivas categorias.
Associações de classes foram fechadas, como, por exemplo, a União Nacional
dos Estudantes. Órgãos públicos dedicados a programas de reforma foram extintos ou
reformulados. Programas bem concebidos foram anulados, como o de alfabetização de
adultos, transformando no inútil Mobral, Bibliotecas particulares e livrarias foram
saqueadas, universidades invadidas e professores presos e cassados. O grande pensador

147
católico, Tristão Ataíde, rotulou de ‘terror cultural’ a ação da ditadura contra toda a
expressão do pensamento.(...).
Ao mesmo tempo em que as resistências nacionais eram eliminadas, os atos em
favor das multinacionais iam se sucedendo.
Ainda em 1964 foi revogada a lei da remessa de lucros aprovada em 1962. Com
poucas exceções foram eliminados os limites, ficando as empresas livres para remeter ao
exterior quanto quisessem. Além disso, os lucros obtidos no país que foram reaplicados
aqui mesmo passariam a ser considerados capital original, como se fossem investimentos
trazidos de fora.
Obtendo lucros sobre lucros e com o poder de decidir o que fazer com eles, se
manda-los para outros países ou deixa-los aqui para se multiplicarem ainda mais, as
multinacionais têm provocado uma verdadeira sangria na economia brasileira.
Acontece que a remessa de lucros para o exterior não se faz em moeda nacional,
isto é, reais, e sim em moeda forte, dólar e divisas. As divisas são obtidas com as
exportações nacionais. Assim, para conseguir divisas com as quais se paga os lucros das
multinacionais, o país tem que incrementar continuamente suas exportações. Para isso é
necessário aviltar os preços de nossos produtos, de modo a interessar os compradores no
exterior, que são outras multinacionais ou as mesmas instaladas aqui. Não é à toa que,
em geral, certos produtos de exportação são vendidos mais caros internamente que para
o exterior.(...)
Quando se depara com tal circulo vicioso, no qual as multinacionais ganham
sempre e o país sempre perde, não pode haver dúvida de que a associação com elas é um
mal negócio a quem lhes faz concessões(...).
O Milagre Brasileiro: com os trabalhadores coagidos ao trabalho sob um
regime de força, sem o direito a greves e protestos, intensificou-se a produção, que
cresceu a um nível nunca antes alcançado. A esse aumento de produção conseguido
durante três ou quatro anos sucessivos, chamaram ‘o milagre brasileiro’. Bastou,
entretanto, um primeiro aumento significativo dos preços do petróleo, em fins de 1973,
para revelar a falsidade do milagre. Os recursos obtidos com as exportações não davam
para pagar os impostos do petróleo e os lucros das multinacionais. (...).
Para os investimentos de infra-estrutura necessários, como a construção de
hidrelétricas, portos, ferrovias para exportar minérios, instalação de pólos industriais e
petroquímicos, a construção de metrôs em São Paulo e no Rio de Janeiro, de aeroportos e
estradas de rodagem, inclusive as impraticáveis como a Transamazônica, tudo passou a
ser feito com empréstimos no exterior, elevando a dívida externa aos níveis que
conhecemos...” (Paulo Martinez)

O comentário do norte-americano Noam Chomsky:


“...Como em todos os lugares da América Latina, ‘a violência tem sido
exacerbada por fatores externos’, principalmente as iniciativas da administração
Kennedy, que ‘causaram dor ao transformar nossos exércitos regulares brigadas de
contra-insurgência, aceitando a nova estratégia dos esquadrões de morte’, introduzindo
‘no que é conhecido na América Latina como a Doutrina de Segurança Nacional,(...) não
a defesa contra um inimigo externo, mas uma forma de torna o establishment militar os
senhores do jogo, (...) (com) o direito de combater o inimigo interno, como disposto
publicamente na doutrina brasileira, na doutrina argentina, na doutrina uruguaia e na
doutrina colombiana; é o direito de lutar e exterminar os operários, os sindicatos,

148
homens e mulheres que não apóiam esse stablishment e que são vistos como sendo
extremistas comunistas.’(Comitê Colombiano dos Direitos Humanos) (...)
Nós temos que entender... que quando a administração Kennedy preparou a
derrubada do governo parlamentar do Brasil, instalando um regime de assassinos e
torturadores neonazistas, isso foi ‘a contenção da ameaça global às democracias
de mercado’. Essa foi com certeza a alegação; o embaixador dos Estados Unidos,
Lincoln Gordon, que ajudou a assentar as bases do golpe e, então, mudou para uma alta
posição no Departamento de Estado, saudou os generais por sua ‘rebelião democrática’,
‘uma grande vitória para o mundo livre’ que foi empreendida ‘para preservar e não para
destruir a democracia do Brasil’. Essa revolução democrática foi ‘a única e mais decisiva
vitória da liberdade do século XX’, que evitou uma ‘perda total das repúblicas sul-
americanas por parte do Ocidente’, e deveria ‘criar um clima muito melhor para os
investimentos privados’ – o último comentário oferecendo pelo menos um lampejo sobre o
mundo real.(...)
O estudo de casos particulares lança uma luz considerável sobre os princípios
guia. Poucos exemplos são mais reveladores do que o do Brasil. Um país com vantagens
naturais extraordinárias, o potencial ‘Colosso do Sul’ há muito foi visto pelos
observadores norte-americanos como ‘um reino imenso de potencialidades ilimitadas’;
‘nenhum território do mundo é mais merecedor de exploração que o Brasil’, escreveu em
tom de rapsódia o Wall Street Journal, em 1924.
Os Estados Unidos tomaram conta em 1945, removendo os rivais tradicionais
europeus, e convertendo o Colosso em uma ‘área de teste para métodos científicos
modernos de desenvolvimento industrial’, observa Gerald Haines em seu estudo
monográfico altamente respeitado.
Sob o comando direto dos Estados Unidos, o Brasil seguiu a aprovada doutrina
liberal, embora com desvios periódicos para evitar as conseqüências que eram
catastróficas para os ricos, não somente para a população geral. Desde os anos 60, os
Estados Unidos emprestaram um apoio vigoroso à ditadura militar para a qual o pano de
fundo foi disposto pela administração Kennedy. Nossos clientes neonazistas foram
capazes de impor mais rigorosamente uma ortodoxia econômica, a posição popular tendo
sido sufocada por amplas doses de tortura e ‘desaparecimentos’.
Construíram um ‘milagre econômico’ que foi muitíssimo admirado, apesar de
algumas reservas quanto à violência sádica por meio da qual ele foi instituído. O Brasil
se tornou ‘o latino-americano querido da comunidade comercial internacional’, relatou o
Business LatinAmerica em 1972, quase como Mussolini e Hitler haviam sido nos
primeiros anos. O presidente do Banco Central norte-americano, Arthur Burns, elogiou o
trabalho ‘milagroso’ da tortura governamental a seus tecnocratas neoliberais, que
escrupulosamente aplicaram as doutrinas econômicas dos ‘Chicago boys’. Quando esses
especialistas foram chamados por um outro grupo de assassinos fascistas no Chile, um
ano mais tarde, apresentaram o Brasil ‘como o exemplar de um brilhante futuro sob o
liberalismo econômico’, relembra David Felix.
Na verdade, o ‘milagre’ tinha pequenas falhas. Mais de noventa por cento da
população vivia sob condições de miséria crescente, para muitos, comparável à África
Central. Nas áreas rurais com amplas terras férteis – nas mãos de proprietários de terra
protegidos pelas forças de segurança e devotados a agroexportação como o recomendado
– os pesquisadores médicos descreveram uma ‘nova espécie’, os pigmeus, com um
cérebro equivalente a quarenta por cento do tamanho do dos humanos, resultado da fome
prolongada. As cidades disputam no campeonato mundial da escravidão infantil e morte
149
de meninos de rua por forças de segurança. O professor de teologia da universidade de
São Paulo, padre Barruel, informou às Nações Unidas que ‘setenta por cento dos
cadáveres (de crianças assassinadas) revelam mutilações internas e a maioria tem olhos
removidos’, supostamente para a rede de transplantes de órgãos internacional. Os que
têm mais sorte sobrevivem, cheirando cola para aliviar a fome. A litania de horror é
infinita...
Os manuais da CIA para lidar com o Brasil pós-64.
Reportagem de Paulo Sérgio Pinheiro, publicada na revista Istoé de 30-03-
1977.(alguns trechos)
A Biblioteca Lyndon Johnson em Austin, mausoléu que abriga todos os
documentos e objetos ligados à vida do antigo presidente dos Estados Unidos - inclusive
os vestidos de casamento de suas filhas –continua a liberar documentos
interessantíssimos. O que de certa maneira acalmará os historiadores interessados em
desvendar os anos 60. Pois os documentos brasileiros somente estarão acessíveis depois
do ano de 2014.(O prazo para liberação no Brasil é de cinqüenta anos.).
Todos esses textos são provenientes da CIA, incansável na pretensão de decifrar
os rumos do novo regime instaurado pelo movimento militar de 31 de março de 1964.
(...)
Todos esses documentos tentam interpretar os caminhos do novo regime e
propõem orientações políticas no governo de Washington nas suas relações com o Brasil.
Felizmente, muitas das longas pretensões dos planos da CIA não foram, porém,
conseguidas.
(...)
Certamente a data de 31 de março foi motivo de grande jubilo na
correspondência oficial norte-americana. É o que se pode depreender das três peças
recentemente liberadas. A primeira delas provém de Thomas Corcoran, velho amigo de
Lyndon Johnson e antigo membro da administração Roosevelt. Pelo visto a atuação firme
e decidida do presidente Johnson foi o melhor presente que o coelhinho da páscoa trouxe
em meio do turbilhão familiar.
A referência ao Panamá diz respeito à atuação do governo norte-americano na
repressão do levante na Zona do Canal. Para o presidente, conforme a resposta, os
cumprimentos entusiásticos foram um verdadeiro raio de luz.
A terceira carta é uma resposta quase fraternal do embaixador Lincoln Gordon
a uma mensagem de felicitações de Ralph Dungan, assessor especial da Casa Branca.
Essa mensagem havia sido precedida de outra do secretário de Estado, Dean Rusk, dando
seu total apoio à desenvoltura do embaixador Lincoln Gordon na montagem da operação
Brother San. Através dessa operação, o governo norte-americano montou um plano de
emergência para o que desse e viesse em relação ao movimento de 31 de março.

A carta do amigo (Thomas) 06-04-1964


(...)
‘... eu me lembrei de que não havia tido ainda a oportunidade de dizer-lhe do
espetacular significado de sua solução dupla para o Brasil e o Panamá.
No Brasil você mostrou a nação como se deve agir. Não haverá nenhuma Baía
dos Porcos brasileira porque você agiu a tempo – decididamente. Não ligue para as
lamentações do reduto das carpideiras melancólicas do New York Times e do Washington
Post.

150
Há muito mais a fazer, mas você salvou um continente. ‘Reconhecimento
público’ uma semana mais tarde, e pode ser que nada mais pudesse ser feito.
No Panamá você mostrou à nação como resistir. Toda a América Latina – e mais do que
a América Latina –agora sabe muito bem que não pode assustar você nem vir com
choramingo, e o país está profundamente aliviado.
(...)
Política a curto prazo:
(...)
Vejamos as linhas de ação. Recomenda-se o máximo possível de estabilidade,
eficácia e orientação democrática ao governo brasileiro e ao sistema político.
‘Dar um máximo de prioridade e encorajar e apoiar medidas que produzam
mudanças materiais e psicológicas que visem trazer às massas volantes (ou não) uma
forte convicção de que seu regime e as instituições mantêm a promessa de melhorar sua
sorte. Isso implica não somente a adoção e implementação de tais medidas mas também
que elas sejam eficientemente divulgadas.
‘Reforçar, com os recursos orçamentários disponíveis, a assistência dos Estados
Unidos para o Brasil, visando estabelecer um aparelho de segurança interno eficaz, tanto
ao nível estadual como federal, levando em conta a determinação dos governos estaduais
e do federal para enfrentar esse problema. Devemos estar preparados para ajustar o
programa de treinamento oficial de modo que nós sejamos capazes de ajudar a
implantação de uma agência federal de política semelhante ao FBI, se tal força vier a ser
criada, e para trabalhar junto a outros governos estaduais. Do lado militar, devemos
explorar qualquer manifestação de interesse pelas técnicas de contra-insurreição através
de programas móveis de treinamento ou em outras modalidades.
(...)
‘Quando um programa de estabilização-desenvolvimento tomar corpo, empregar
nossos bons ofícios para apoiar os esforços brasileiros no sentido de obter assistência
para a balança de pagamentos e para o desenvolvimento de assistência do FMI, do
Banco Mundial e de outras nacionais e internacionais.
‘Estabelecer um clima favorável para a empresa privada, tanto nacional como
estrangeira. Para tanto, encorajar a empresa estrangeira no Brasil, relatando a história
dos lucros no emprego, na produtividade, na tecnologia e na riqueza nacional, que o
investimento privado estrangeiro trouxe para cá. O contingente de cidadãos norte-
americanos no Brasil deve esforçar-se para incorporar essa história aos textos
disponíveis para a universidade e para os estudantes secundaristas, através de
conferências, seminários, discursos e publicações de autoria de brasileiros sempre que
possível; desenvolver uma campanha intensa, mas discreta, para construir uma imagem
favorável para o investimento estrangeiro. Pressionar discretamente para obter emendas
e mudanças necessárias na administração a respeito das leis de remessa de lucros.”(...)
A área da educação não é deixada de lado:
‘Expandir seletivamente o programa de bolsas em administração para poder
fornecer um aparelho administrativo. Aumentar o número de estudantes e professores
‘politicamente orientados’ indo para o Brasil sob auspícios oficiais, providenciando
medidas mais rigorosas de treinamento e seleção, de modo a assegurar sua adaptação,
sensibilidade política e habilidade para articular e defender a política americana e
os valores democráticos.

151
Encorajar e apoiar os movimentos estudantis que orientem as energias dos
jovens para longe da agitação política e em direção a canais construtivos, tais como
campanhas de alfabetização e as atividades de desenvolvimento da comunidade. (...).
‘À medida que for necessário promover as fontes de financiamento e
organização para realizar as sugestões anteriores.’

Doutrinação dos militares –são ainda lembrados os militares. Aqui o objetivo


geral é ‘a manutenção e o fortalecimento de um pensamento democrático e de amizade
para com os Estados Unidos e entre os militares brasileiros.
‘Manter o programa de assistência militar através de doações num nível
necessário para ir de encontro às necessidades de segurança interna e de ação cívica e
para promover a boa vontade nesse grupo político tão influente.
‘Quando e onde for possível, providenciar a assistência em treinamento,
publicações e outros materiais que possam ser utilizados para instilar idéias
democráticas, pró-ocidentais, por intermédio do programa de doutrinação das tropas das
Forças Armadas Brasileiras.
‘Desencorajar a compra de equipamento militar de origem não-americana pelos
militares brasileiros, especialmente aqueles de prestigio.’
Finalmente são sugeridas varias medidas para aprofundar a compreensão e a
amizade em relação aos Estados Unidos e seu sistema de livre empresa. Nada melhor do
que intensificar o programa de intercâmbio de visitas, incluindo as mulheres nos grupos-
chaves: governo, congressistas, estudantes e líderes sindicais. Pode servir como fecho
desse alentado esforço a seguinte recomendação:
‘Refinar a tradução de livros de compêndio e os esforços de publicações de
livros de e panfletos de modo a atuar separadamente para a elite intelectual e para o
homem da rua. Apelar para a psicologia de bolso no último grupo, continuando a
descrever os Estados Unidos como a nação mais poderosa da Terra, liderando um
movimento democrático para o futuro. Se for apropriado, tal material deve também ser
disseminado entre os militares brasileiros.”

Na revista Istoé de 28-08-2004, a reportagem de Kátia Mello, Era Tudo Verdade,


afirma que “o documento revelou que os americanos fizeram vista grossa as crimes das
ditaduras do Cone Sul”:
“No mínimo, de braços cruzados. Essa foi a postura do governo dos Estados
Unidos perante o horror dos crimes de tortura, dos seqüestros e das execuções sumárias
de cerca de 30 mil pessoas durante a última ditadura militar da Argentina (1976/1983).
Pior: a embaixada americana em Buenos Aires tinha informações de primeira mão sobre
cada passo dos opositores aos regimes ditatoriais na América Latina e nada fez para
impedir que caíssem nas garras de seus algozes. ‘Os Estados Unidos promoveram o
terrorismo de Estado em países latino-americanos, nas décadas de 70 e 80 para manter a
hegemonia da região’, declarou o arquiteto e escultor argentino Adolfo Pérez Esquivel,
Prêmio Nobel da Paz em 1980. Nada disso é novo, só que agora as provas foram
liberadas pelo Departamento de Estado americano. Quase três décadas depois, 4.677
telegramas e cartas confirmam o que era um segredo de polichinelo, com detalhes de
como os regimes militares do Cone Sul instalaram suas máquinas de matar e cooperaram
entre si através da Operação Condor –que uniu as ditaduras da Argentina, do Brasil, da
Bolívia, do Chile, do Paraguai e do Uruguai, para, em conjunto, levantar e coordenar
informações e caçar os opositores desses países.
152
Os papéis também revelam as operações das grandes multinacionais com a
Washington no apoio a violações da legalidade, como foi o caso do general argentino
Jorge Videla, que assumiu o poder com o golpe de Estado em março de 1976. ‘Não fomos
acusados de estar por trás deste golpe e a embaixada (americana em Buenos Aires)
espera que continue sendo assim (...). Não seria bom nem para eles nem para nós. Não há
dúvidas de que os melhores interesses para a Argentina e para nós mesmos estão no êxito
deste governo moderado (sic) que agora segue adiante com o general Videla (...) Eles nos
prometeu resolver rapidamente nossos problemas de inversões’, relata o documento
assinado pelas empresas Exxon, Chase Manhattan, Standart Electric e outras
companhias. Em outro documento de 1977, o ex-presidente argentino Fernando de La
Rúa, tido como crítico da violação dos direitos humanos, é tratado pelos americanos
como um ‘cínico’ por ser ‘o mais aberto defensor da junta militar’.
A liberação dos papéis, alguns deles até manuscritos, foram negociados durante
o governo de Bill Clinton a pedido dos familiares dos desaparecidos. Em agosto de 2000,
diante das Mães da Praça de Maio, a então secretária de Estado, Madeleine Albright,
comprometeu-se a liberar os documentos e a envia-los a Buenos Aires.
(...) A revelação mais importante para o Brasil é um telegrama de 20 de agosto
de 1976, no qual fica claro a cooperação entre as ditaduras brasileira e argentina. Nesse
telegrama, que teve alguns trechos divulgados em 1999, o então secretário de Estado
americano, Henry Kissinger admite: ‘Uma confiável fonte brasileira descreveu um
acordo Brasil-Argentina, segundo o qual os dois países caçam e eliminam terroristas que
tentam fugir da Argentina para o Brasil. Unidades militares brasileiras e argentinas já
teriam operado conjuntamente e dentro das fronteiras do outro (país) quando
necessário’. Até agora, o juiz espanhol Baltazar Garzón (o mesmo do processo do ex-
ditador chileno Augusto Pinochet) não conseguiu interrogar Henry Kissinger e é pouco
provável que o consiga. O Nobel argentino Esquivel afirmou que apenas parte dos
documentos americanos foi divulgada. Os que implicariam diretamente os EUA na
‘guerra suja’ continuarão bem guardados.”

Brasil – líder ou imperialista?

Lincoln Gordon, em seus “elogios” ao golpe de 1964 no Brasil, afirma algo que
nos chama a atenção: a revolução brasileira evitou a “perda total de todas as repúblicas
sul-americanas por parte do Ocidente”. E durante a visita do Presidente Médici a
Washington, o presidente Nixon declarou: “Sabemos que para onde se inclinar o Brasil,
também se inclinará o restante do continente latino-americano (New York Times,
publicado pelo O Estado de São Paulo de 11-07-1972, cit. por Octávio Yanni).
Será que o Brasil impondo reformas de base, ficando mais independente do
“enforcamento” das multinacionais e das diretrizes norte-americanas, seria um exemplo
tão importante que levaria seus vizinhos a agirem do mesmo modo?
Gostaria que assim fosse: que nosso país e nossa América Latina, toda ela,
pudesse encontrar um desenvolvimento autônomo, pudesse crescer livre e independente.
Mas, o que criticamos nos outros, o que nos dói sofrer, o imperialismo, a procura
de domínio sobre os outros, não devemos repetir. No livro Genocídio Americano –a
Guerra do Paraguai, o autor nos fala sobre pretensões imperialistas do Brasil, citando
declarações do Duque de Caxias, segundo Washburn –representante dos EUA no Planta,
no século XIX (talvez um testemunho falso):

153
“Há anos que o Peru e Equador nos estão embromando sobre a navegação do
rio Amazonas; mas a qualquer momento temos de resolver a questão tirando-lhes a
matéria de discussão. É tempo que o Império acerte seus limites com essas velhacas
Republiquetas, e seguramente não temos que ceder o ápice de nossas antigas pretensões,
mas assentarmos o princípio de que o Rio Amazonas nos pertence por inteiro, com todos
os seus afluentes, até onde se estenda a navegação deles.
O Brasil não pode admitir que essas Republiquetas nos insultem e nos puxem a
barba, como se comprazem em fazer agora, nem menos que com seus Congressos de Lima
nos pretendam impor leis internacionais. Faz tempo que temos a vista fixa sobre aqueles
mundos, e a expedição de Pinzon era o resultado de uma combinação que havíamos feito
com a Espanha, e como V. Exia. pode recordar, a esquadra dele demorou muito tempo no
Rio de Janeiro, para não deixar incompleto o acordo. Ademais, todo aquele aparato de
uma expedição cientifica não era mais que uma parte da farsa que jogamos então com a
Espanha, para introduzir nossos espiões em todas as partes. Aqueles sábios naturalistas
da expedição tiveram grandes consultas com nossos ministros e com o Imperador mesmo,
e o menos que se tratava era de assuntos científicos. (...) Não está longe que o Império
faça uma aliança ofensiva com a Espanha, contra as Repúblicas do Pacífico e já temos
sido consultados em efeito pelo ministro espanhol Gonzáles Bravo, que é o verdadeiro
diretor de política da Espanha...”
Se forem verdadeiras, essas declarações nos deixam de mãos atadas para criticar
qualquer imperialismo.
Em alguns países sul-americanos vi placas com os dizeres: “Abajo el
imperialismo brasileño”. Essas coisas nos fazem pensar se existe a tendência brasileira
para o imperialismo, ou o Brasil se deixa conduzir pelos interesses das grandes potências
para se intrometer nos outros países, como o fez na Guerra do Paraguai a serviço dos
interesses ingleses.
Seja como for, precisamos, antes de mais nada, seguir a Lei Áurea que vem desde
Confúcio, Cristo e outros: “Não faças aos outros o que não queres que se te façam.”
Octavio Ianni nos cita a declaração norte-americana de David Bronhein que nos mostra o
interesse dos EUA nos três maiores países sul-americanos:
“Devemos estar oficialmente preparados para reconhecer que, para nós,
algumas regiões do hemisfério são mais importantes do que outras. De fato, algumas
podem nem mesmo ser de grande importância para nós. Devemos compreender não
apenas que México, Brasil e Argentina são mais importantes para nós do que Barbados,
Nicarágua e Paraguai, mas também que nossas relações com os três maiores países
modelam a nossa imagem no hemisfério muito mais do que as nossas relações com os
outros”.
Com a diplomacia do “aliado preferencial” os norte-americanos fazem o jogo
do imperialismo “em suas relações com os ‘três grandes’”.
“Ocorre que a política latino-americana dos Estados Unidos é, também e com
freqüência, peça importante de sua diplomacia mundial. O bloco latino-americano é um
contingente de votos muitas vezes decisivos nas resoluções da Organização das Nações
Unidas (ONU), do Fundo Monetário Internacional para a Reconstrução e
Desenvolvimento (Banco Mundial) e outras organizações intergovernamentais mundiais.
Além disso, os norte-americanos consideram os recursos minerais dos países da América
Latina de importância altamente estratégica para os programas econômicos e militares
dos Estados Unidos, em âmbito mundial. (...) Por fim, as contradições de classes nos
países do continente põem em evidencia, continuamente, as possibilidades de rompimento
154
ou enfraquecimento das condições políticas de hegemonia dos Estados Unidos na
América Latina.(...)
É significativas a formação do Pacto Andino-Bolívia, Chile, Colômbia, Equador
e Peru –que adotaram “em conjunto as medidas que eles consideram necessárias e
possíveis, nas condições em que se encontram, para fazer face tanto ao imperialismo
norte-americano como às condições vantajosas de que desfrutam as empresas nacionais e
internacionais localizadas na Argentina, Brasil e México. São as empresas situadas
nestes países, particularmente as internacionais, de base norte-americana, que desfrutam
de melhores posições de barganha nos quadros da ALCA. Daí o cunho não só
nacionalista, mas duplamente anti-imperialista das diretrizes adotada pelos governos
associados pelo Pacto Andino...”
Eduardo Galeano nos comenta alguns fatos que demonstram a lei da selva que
predomina no mundo dos negócios; um servindo de alimento a outro enquanto pode se
servir a si próprio de outros, e nos confirma que para onde se inclinar o Brasil, se inclinará
a América Latina:
“Sob o regime militar de Castelo Branco, o Brasil assinou um acorde de
garantias para as inversões estrangeiras que descarrega sobre o Estado os riscos e
desvantagens de cada negócio. É muito significativo que o funcionário que aceitara o
convênio defendesse suas humilhantes condições perante o Congresso, afirmando que,
num futuro próximo, o Brasil estará investindo capitais na Bolívia, Paraguai ou Chile e
então necessitará de acordos deste tipo...”
No seio dos governos que sucederam o golpe de Estado de 1964, se afirmou, de
fato, uma tendência que atribui ao Brasil uma função ‘sub-imperialista’ sobre seus
vizinhos. Um elenco militar de grande gravitação postula o país como o grande
administrador dos interesses norte-americanos na região, e chama o Brasil para exercer,
no sul, uma hegemonia semelhante a que, frente aos Estados Unidos, próprio Brasil
padece. O general Golbery do Couto e Silva invoca neste sentido, ‘Destino Manifesto’;
este ideólogo do sul imperialista escrevia em 1952... ‘Tanto mais, quando ele não roça,
no Caribe, com os nossos irmãos maiores do norte...’ O general Golbery da Costa e Silva
presidiu, pouco depois, o Dow Chemical do Brasil. A desejada estrutura do sub-domínio
conta, por certo, com abundantes antecedentes históricos, que vão desde a Guerra do
Paraguai, a partir de 1865, até o envio de tropas brasileiras, para encabeçar a operação
solidária com a invasão das marines, em São Domingos, exatamente um século depois.
Nestes últimos anos, recrudesceu em grande medida a concorrência entre os
gerente dos grandes interesses imperialistas, instalados nos governos do Brasil e
da Argentina, em torno do agitado problema de liderança continental. Tudo indica que a
Argentina não está em condições de resistir ao poderoso desafio brasileiro: o Brasil tem
o dobro da superfície e uma população quatro vezes maior.; é três vezes mais ampla a
produção de aço; fabrica o dobro de cimento, e gera mais que o dobro de energia.(...)
O Brasil oferece à inversão estrangeira, a magnitude de seu mercado potencial,
suas fabulosas riquezas naturais, o grande valor estratégico de seu território que limita
com todos os países sul-americanos menos com o Equador e o Chile, e todas as condições
para que as empresas norte-americanas radicais em seu solo avancem com botas de sete
léguas (...).
Este é o país que constitui o eixo da libertação ou servidão de toda América
Latina.”

155
Numa entrevista com Celso Furtado, João Pedro Stedila afirma que ela é
“considerado o mestre de todos os economistas e dos brasileiros que sonhavam com um
projeto nacional”, e em certo trecho ele fala sobre a dívida externa que engessa nossa
economia...
Celso Furtado:
Engessa, e a possibilidade de se autogovernar se reduz. Você só pode mudar
esse quadro mudando o projeto social, o estilo de desenvolvimento do Brasil e isso é o
que eu imagino que a geração nova fará. Creio que as pessoas já estão compreendendo.
Essa eleição foi uma alerta para mostrar que já tem muita gente convencida de que o
Brasil tem de se reconstruir, ter um sistema de decisões, levar adiante uma estratégia
política muito diferente da que teve no passado. Mas, para isso, o Brasil precisa de um
governo que estabeleça outra relação com a sociedade. Eu fico pensado o que foi que
levou o país a essa situação. Então, me recordo que, na época em que tive alguma
importância no país, quando escrevia e era muito lido, particularmente nos anos 50,
quando publiquei Formação Econômica do Brasil – e que muita gente ‘descobriu’ o
Brasil lendo aquilo –, tínhamos a idéia de que, se o país conseguisse atingir certo grau de
desenvolvimento industrial, de desenvolvimento econômico propriamente dito, um certo
nível de desenvolvimento, ganharia autonomia. Daria um salto enorme que significa sair
de uma economia de dependência econômica para uma autentica independência. Era
nada menos do que isso o que estava em jogo. E eu escrevi sobre isso, e disse que
estávamos nas vésperas de dar esse salto. Foi nos anos 50, quando houve o debate sobre
Brasília etc. Na verdade, houve uma tomada de consciência, de um lado e de outro, e o
Brasil viveu seu período mais intenso de construção política, de renovação do
pensamento. Para mim, a história do Brasil tem um período extraordinariamente
significativo, esse período que vai do fim do primeiro governo de Vargas até o começo da
ditadura militar, cerca de 20 anos. Foi uma ebulição política na qual todas as idéias
vieram a debate, tudo veio à tona, e foi um entusiasmo muito grande. Pelo Brasil afora,
fui paraninfo de dezenas de turmas de estudantes... Era uma coisa empolgante, o país se
industrializando, se transformando, incorporando massas de populações à sociedade
moderna. E isso tudo veio abaixo. E não veio abaixo porque a economia brasileira deixou
de crescer, ao contrário, houve anos em que o Brasil cresceu mais ainda, mas veio abaixo
porque mudou o estilo de desenvolvimento, e desapareceram as forças sociais que
estavam presentes antes.
Antes de 1964 houve uma enorme confrontação de forças sociais, era aquele
caldeirão, que causou tanto medo na grande burguesia e nos americanos... Os Estados
Unidos se apavoraram com o rumo que vinhaamos tomando; essa fase se encerrou e
entramos – como alguém disse – na paz dos cemitérios, foi a época da ditadura.
Passaram-se trinta anos sem poder pensar propriamente, ou sem poder participar de
movimentos, a juventude mais agressiva e mais corajosa sendo perseguida. Desmantelou-
se o processo de construção do Brasil. Foi recomeçar uma vida política extremamente
primitiva, o parlamento que foi eleito na ditadura era de uma mediocridade enorme. E o
pior é que não foi possível abrir um debate sobre nada importante, porque toda a
imprensa já estava controlada, tudo aferrolhado, a juventude estava desmobilizada, era
outro país. Hoje eu me pergunto: o que fazer para tirar o Brasil desse marasmo? Ele
começou a sair dele agora, com essa promessa de que haverá um país pensando nos seus
problemas reais, nos seus problemas sociais.

156
Nesta mesma entrevista, José Arbex Jr. pergunta se “a ALCA não seria um bom
estímulo para a modernização da economia brasileira”, ao que responde Celso Furtado:
A ALCA é uma renúncia à soberania nacional. É preciso entender isso. Se há
uma coisa à qual você não pode renunciar é à soberania, porque, se você tem um pouco
de soberania como tem o Brasil ainda, pode ter uma política econômica que responda às
necessidades e aspirações do povo. Mas, se estiver enquadrado pela ALCA, as grandes
empresas é que vão traçar a política econômica do Brasil. As grandes empresas que já
são poderosíssimas no Brasil, e vão ficar ainda mais poderosas. É o seguinte: a gente tem
hoje um setor muito importante de empresas internacionais, que pesam positivamente no
PIB brasileiro, como a indústria de automóveis, a de equipamentos, etc., mas essas
empresas não atendem aos requisitos de prioridade nacional, não atuam a partir de uma
visão global da economia brasileira, elas são comandadas pela racionalidade típica de
qualquer empresa: o lucro. O que é racional para a Ford é que, se necessário ela fecha a
fábrica aqui e passa para outro país. Você tem de partir da seguinte questão: somos ou
não um sistema econômico? Se somos um sistema econômico, temos um lógica própria e
essa lógica não combina com nenhuma racionalidade internacionalizada. Se você não
tem essa autonomia e tiver de se subordinar – o que acontecerá se entrarmos na ALCA –,
não poderá evitar que as transnacionais decidam por conta própria o que deve ser feito, e
qual a tecnologia a ser utilizada. A tecnologia do automóvel avançou enormemente, mas
avançou de forma completamente negativa para o Brasil, porque engendrou o
desemprego: o governo brasileiro ajudou, por exemplo, a Ford a se modernizar, a ficar
mais eficiente, para exportar mais. Com isso, criou o desemprego.

Na reviste Época, 11ª edição, nº 767 de maio de 2002, temos uma entrevista de
Ângela Pimenta com Joseph Stiglitz, norte-americano, prêmio Nobel de economia em
2001, na qual ele alerta; “que o Brasil deve fazer alianças com outros países emergentes
para enfrentar as medidas protecionistas dos Estados Unidos no comércio internacional.
(...)
... Tenho críticas à globalização, mas acho que ela é o fenômeno responsável
pela melhoria do nível de vida de milhões de pessoas em todo o planeta. Portanto, sou
otimista. Espero que o exemplo de países como os Tigres Asiáticos, que tiveram
tremendos avanços sociais e econômicos nas últimas décadas, seja seguido por outros
países. Foi a globalização do comércio e da tecnologia que possibilitou isso, elevando a
qualidade de vida e reduzindo a pobreza em níveis nunca vistos em qualquer outra parte
do mundo.(...) Há uma série de outros benefícios: a globalização do conhecimento, a
globalização da sociedade civil (...). Mas, por outro lado, também vejo problemas
enormes. Minhas críticas são endereçadas à maneira como a globalização vem sendo
administrada, sobretudo por três instituições que governam o processo globalizador: o
FMI, a Organização Mundial do Comércio e o Banco Mundial.(...).
...Acontece que, na prática, uma das razões pelas quais a globalização não tem
funcionado da maneira como deveria, é que as regras do jogo têm sido estabelecidas
pelos países ricos. Essas regras vêm sendo estabelecidas por lobbies, grupos de interesse
dos países ricos para o seu benefício individual. Por exemplo: os tratados de comércio
internacional da OMC têm procurado criar uma agenda desequilibrada, com pesados
subsídios para produtos agrícolas e têxteis de países ricos, erguendo enormes barreiras
comerciais para países pobres e em desenvolvimento, que têm suas vantagens
competitivas anuladas nesses setores. Por outro lado, os países ricos têm insistido para
157
que os países pobres e em desenvolvimento abram seus mercados para os produtos
industriais deles. Isso é injusto (...).
Sou contra a maneira pela qual o FMI empurra certas políticas aos países em
desenvolvimento, como a liberalização do mercado de capitais, que atende aos interesses
do mercado financeiro internacional (...). Sei que o FMI acredita estar cumprindo a sua
missão de promover a estabilidade global e de ajudar os países em desenvolvimento a
alcançar um crescimento sustentável. Mas creio que o FMI não tem conseguido cumprir
sua missão. E isso acontece justamente porque ele não compreende que missão é essa.(...)
...Antes de mais nada, quero deixar claro que sou absolutamente contrário às
medidas protecionistas adotadas pelo meu país. Nos Estados Unidos, todo mundo adora o
livre-comércio, desde que essa liberdade não afete seus negócios. Ou seja, quando se
trata de competir com o produto estrangeiro, os prejudicados dirão, como os agricultores
e as siderúrgicas têm feito, que existem problemas específicos e que eles precisam de
proteção. (...) Para mim, as novas medidas protecionistas do governo Bush significaram
apenas a continuidade dos grupos de interesses atuando no congresso americano. Os
lobbies continuam firmes por lá, trabalhando para defender seus interesses particulares.
(...).
Hoje, seja na Europa, seja nos Estados Unidos, todo mundo reconhece as injustiças dos
tratados de comércio do passado. (...).
Acho que o Brasil deve deixar bem claro para os Estados Unidos que qualquer
progresso em negociação comercial entre os dois países se tornará impossível se essas
medidas protecionistas forem implementadas. Uma posição firme o Brasil teria um efeito
enorme nas negociações para a criação da ALCA, agora ameaçada pelo protecionismo
americano. É importante que o Brasil use todas as ferramentas disponíveis na OMC para
lutar contra essas medidas unilaterais americanas, mostrando que a nova lei agrícola
viola os acordos feitos anteriormente. É verdade que os Estados Unidos estão fazendo
uma pressão enorme para evitar retaliações de outros países contra suas novas tarifas,
mas é preciso que o Brasil se mantenha firme.”

Engrandeçamos o Brasil, nós, os brasileiros

Há mais e oitenta anos (em 1921) Rui Barbosa em sua ‘Oração aos moços’ ,
pede-lhes que façam do Brasil um país realmente livre. Os moços de 1921 já devem estar
todos mortos. Se algum deles tentou fazer algo que aconselhava Rui, não sabemos. E os
novos moços de hoje, o que farão? Seguirão os conselhos tão antigos do mestre, ou
continuarão a aceitar tudo como se fosse uma fatalidade? Ouçamos Rui Barbosa:
“... Não busquemos o caminho de volta à situação colonial. Guardemo-nos das
proteções internacionais. Acautelemo-nos das invasões econômicas. Vigiemo-nos das
potências absorventes e das raças expansionistas. Não nos temamos tanto dos grandes
impérios já saciados, quanto dos ansiosos por se fazerem à custa dos povos indefesos e
mal governados. Tenhamos sentido nos ventos que sopram de certos quadrantes do céu.
O Brasil é mais cobiçável das presas; e, oferecida como está, intacta, ingênua, inerme a
todas as ambições, tem de sobejo com que fartar duas ou três das mais formidáveis”.
Mas o que lhe importa é que dê começo a governar-se a si mesmo; porquanto
nenhum dos árbitros da paz e da guerra leva em conta uma nacionalidade adormecida e
amenizada na tutela perpetua dos governos que não escolhe. Um povo dependente em seu

158
próprio território e nele mesmo sujeito ao domínio dos senhores, não pode almejar
seriamente nem seriamente manter a sua independência para com o estrangeiro.
Eia, senhores! Mocidade viril! Inteligência brasileira! Nobre nação explorada!
Brasil de ontem e de amanhã! Dai-nos o de hoje que nos falta.
Mãos à obra da reivindicação de nossa perdida autonomia; mãos à obra da
nossa reconstrução inteira; mãos à obra de reconciliarmos a vida nacional com as
instituições nacionais; mãos à obra de substituir pela verdade o simulacro político da
nossa existência entre as nações. Trabalhai por essa que há de ser a salvação nossa. Mas
não buscando salvadores. Ainda podereis salvar a vós mesmos. Não é sonho, meus
amigos: bem sinto eu nas pulsações do sangue, essa ressurreição ansiada. Oxalá não se
me fechem os olhos antes de ver os primeiros sinais do horizonte. Assim o queria Deus.”
(R.B.)

Também Baptista Pereira escreveu, em 1934, com otimismo e emulação sobre o


Brasil, e suas palavras continuam atuais: o mesmo desencanto em relação ao nosso país
existe em milhares de brasileiros, que se sentem inferiorizados com relação a outros países
mais adiantados; que não procuram conhecer o Brasil em suas grandezas, suas
potencialidades; que só fazem críticas, mas incapazes de fazer algo que dignifique e
engrandeça nossa pátria. Reflitamos, pois, sobre o que Baptista Pereira escreveu há
setenta anos:
“O brasileiro não conhece o orgulho de o ser. Nasceu ouvindo desdenhar dos
antepassados. Herdou, sem examinar-lhe, a prescrição imemorial, a prevenção com que o
brasileiro colonial olhava a metrópole. (...)
Saindo do terreno da vida para o da ciência, aceitou sem verificação axiomas
firmados em doutrinas ainda conjeturais. Maldisse o malogro do Mauricio de Nassau:
‘ah! Se tivéssemos sido colonizados pelos holandeses!’ Convenceu-se, sincera e
fundamente, de que é inferior o tipo brasileiro. E desse principio tirou a dedução de que
‘o Brasil é um país perdido’.(...)
A teoria da nossa inferioridade estriba na convicção de que a prosperidade
material é o único índice de julgamento. A generalização desse conceito, que confunde o
instrumento com a finalidade, e abandona a essência pelo assessório, é o característico
de nosso tempo. Se a opulência terminasse na escala de valores históricos, a suprema
hierarquia, Tiro e Cartago, não teriam passado como sombras (...).
Chegou o tempo de construí-lo (o Brasil). Quais os empecilhos para a
construção? Dois principalmente: primeiro – a demissão dos operários separados por
questões de lana-caprina. Segundo – a sua autodesmoralização, seu desalento, a falta de
confiança em si próprios.
Estamos, pois, diante de um problema vital. Temos de unir os operários da
grandeza brasileira e de insuflar-lhes a confiança que lhes falta, e que uma série de erros
e de sofismas de toda espécie têm contribuído para esmorecer. Quem pode realizar esse
milagre?
Em nome de quem espancar as sombras e trazer claridade?
Não nos iludamos. Não cabe nas forças dum ou de vários homens produzir esse
milagre. O raiar dessa madrugada que se altera no horizonte, estriando de uma luz nova
a imensa opala do oriente, é uma função solar. Só a pode realizar uma entidade que
tenha em si o dom divino de presidir às forças da Natureza. Só a pode realizar o próprio
Brasil, em cujo seio cabem todas as auroras.
159
Só o Brasil é capaz de fazer o Brasil maior.
Nós podemos ajudá-lo no preparo das gerações que vêm vindo. Mas o primeiro
passo dessa tarefa consiste em reabilitar a seus próprios olhos os brasileiros, e o segundo
em uni-los uns aos outros num terreno neutro, acima do em que se entrechocam as
paixões, as lutas e as opiniões contemporâneas.
Tudo está por fazer nesse sentido.(...).
Temos a riqueza, a resistência, a força, a eugenia atávica, isto é, a adaptação
tropical, a imunização contra os males do meio físico, todas as potencialidades para
atingir uma grande civilização. Não nos deixemos iludir sobre o conceito desta, que
sabemos ser, em última análise, de ordem econômica, substractum material indispensável
para a construção moral.
Tudo o que aos outros falta, a nós nos sobra. (...)
O nosso trabalho preparatório, de que se encarregou a monarquia, foi manter a
integridade territorial. A república, no meio a todas as suas vicissitudes, tem procurado e
procura resolver os nossos problemas dinâmicos segundo a escala de sua imprescritível
imperiosidade. Temos tudo de uma grande nação, menos a alma. Falta-nos a
coordenação moral, o sensório coletivo, o ideal comum. Perdidos nos rincões mais
remotos de nosso território, um sem número de patrícios nossos nunca recebeu, para a
fome de orgulho racial, que vive no cerne de todas as criaturas, o pão da Pátria
magnificada no pensamento dos seus historiadores. Repontam por toda a parte de nossa
superfície, como cabeços de ilhas sobre a vastidão do oceano, núcleos de cultura onde se
sabe o que foi, o que é, o que pode vir a ser o gigante sul-americano. Mas entre esses
arquipélagos de cultura, existem, nadando nas águas dormentes e profundas, os esqualos
da ignorância e do derrotismo.
O Brasil precisa fazer a propaganda do Brasil ante os próprios brasileiros. Urge
mostrando-lhes o que somos, antes que o estrangeiro lhes meta pelos olhos adentro a
imagem do que quer que sejamos. Urge não cruzarmos os braços ante a detração
peregrina, fenômeno sugestivo que opera sobre inteligências primarias com a mesma
ascendência das palavras do mestre sobre o espírito dúctil e informe do discípulo. Quanto
aos maus brasileiros, precisamos atirar-lhes argumentos que lhes estoirem as entranhas
como a abóbora fervendo as dos tubarões. (...)
Nada mais convincente aos interesses entocaiados para o dia de nosso
retalhamento territorial. Para que esse dia não chegue, para que nunca sejamos a rez
morta em que cada churrasqueador corte o tasalho do seu apetite, precisamos, como
homens e como brasileiros, defender as fontes vivas da nacionalidade.(...)
Estamos em miséria?Estamos às portas da bancarrota? Estamos no período em
que estoiram como uma bomba os explosivos de muitos erros acumulados? Não importa.
As forças vivas do nosso espírito hão de criar o homem de amanhã, que resgate
os nossos erros.
Valorizemos o homem que ele valorizará o Brasil.(...)
Não acrediteis somente nas forças visíveis da opulência e do progresso material.
Procuremos as idéias antecipadoras da realidade futura. (...) Procuremo-las.
Descubramo-las. Realizemo-las. O Brasil ainda é, como o Amazonas, um rio que procura
seu leito. Procuremos consolidar-lhes as margens. (...) Convençamo-nos de que os
destinos do Brasil estão no coração dos brasileiros.
Capacitemo-nos de que somos uma raça capaz das maiores realizações. São as
depressões que fazem as derrotas. Conheçamo-nos. Não nos temamos de encarar frente a

160
frente as acusações de mesclagem, com que nos malsinam certos escritores estrangeiros.
(...)
Não aceites conclusões precipitadas. Examina. Não te conformes com sentenças
injustas. Apela. Não te amedrontes com autoridades consagradas. Analisa. Não te
compenetres de malsinações preconcebidas. Discute. Não aceites resignado a afirmação
da tua inferioridade racial. Confronta. Não te contentes em alegar. Prova...
Só o Brasil é capaz de fazer o Brasil Maior.

O problema do Amazonas - Indignação


(Celso Santos –Via Internet)

Para ficar indignado!


No dia 24/05 o jornal ‘Estadão’ publicou sem destaque nenhum, e em três
minúsculas linhas, a denúncia gravíssima de uma brasileira residente nos EUA.
Os livros de geografia de lá, estão mostrando o mapa do Brasil amputado, sem
o Amazonas e o Pantanal. Eles estão ensinado nas escolas, que essas áreas são
internacionais... Ou seja, em outras palavras, eles estão preparando a opinião pública
deles, para dentro de alguns anos se apoderarem de nosso território com legitimidade.
Nós somos brasileiros, e para que eles saibam que, embora eles não noticiem o fato, nós,
povo, estamos sabendo.
Houve quem duvidasse que nos Estados Unidos havia mapas do Brasil sem a
Amazônia.
Pois vejam a pagina deste livro, no anexo, onde a Amazônia é dita como da
responsabilidade dos Estados Unidos e das Nações Unidas, pois ela está localizada na
‘...América do Sul, uma das regiões mais pobres do mundo’, é parte de ‘...oito países
diferentes e ‘estranhos’... irresponsáveis, cruéis e autoritários...’, povos cruéis, trafico de
drogas, e o ‘...povo é inculto, ignorante ...’, podendo ‘...causar a morte do mundo todo
dentro de poucos anos...’.
É só conferir na página 76 do livro DIDÁTICO norte-americano ‘Introdução à
Geografia’, do autor David Norman, utilizado na Junior HighSchool (equivalente à 6º
série do 1º grau brasileiro) anexo a esta.
Isso explica a ‘Operação Colômbia’, as tropas americanas (80 mil) homens! No
Suriname, a aproximação da base aérea (da FAB) de lançamentos de Alcântara, a
intenção dos Estados Unidos de colocar um escritório da CIA na tríplice fronteira (Foz
do Iguaçu), e a implementação de DUAS bases militares na Argentina, uma na Patagônia
e outra próxima a Buenos Aires.
Ou seja, a Amazônia está CERCADA, sitiada por forças americanas, que garantirão a
posse da região a qualquer hora dessas.Esta notícia eu havia escutado há mais ou menos
8 anos atrás, em uma palestra, proferida pelo professor J.W. Batista Vidal, da
Universidade Federal da Bahia.
Como já foi mostrado (ou justificado?) que a ‘guerra’ contra Osama Bin Laden
(de quem não se tem a MÍNIMA prova de que tenha realizado os ataques de 11 de
setembro) e o Talibã é muito mais uma questão de passar um oleoduto para o Afeganistão
(para tirar o petróleo russo do Mar Cáspio), que o Talibã não concordava, é de uma
clareza solar os motivos dos Estados Unidos na sua pretensão de ‘pacificar’ a América

161
162
do Sul, e de ‘combater’ o narcotráfico na Colômbia, enviando para lá imenso
arsenal de 100 mil homens!
Vamos ficar de braços cruzados e boca calada? Ou vamos reagir?
Dos parlamentares, esperamos AÇÃO IMETIATA.
Dos cidadãos, que REPASSEM esta notícia a todos os seus conhecidos!
Dos jornalistas, que DIVULGUEM este absurdo, para que a Nação se levante
contra essa violência inominável! Fiquem em Paz !(UNQUOTE) (Plínio Robson a Panse)

Show brasileiro nos EUA


(via internet)

Essa merece ser lida. Afinal não é todo dia que um brasileiro dá uma lição nos
americanos...
Durante debate em uma Universidade, nos Estados Unidos, o ex-governador do
Distrito Federal, CRISTOVAM BUARQUE, foi questionado sobre o que pensava da
internacionalização da Amazônia. O jovem americano introduziu sua pergunta dizendo
que esperava a resposta de um humanista e não de um brasileiro. Esta foi a resposta do
Sr. Cristovam Buarque;
“De fato, como brasileiro eu simplesmente falaria contra a internacionalização
da Amazônia. Por mais que os nossos governos não tenham o devido cuidado com esse
patrimônio, ele é nosso.
Como humanista, sentindo o risco da degradação ambiental que sofre a
Amazônia, posso imaginar a sua internacionalização, como também de tudo o mais que
tem importância para a humanidade.
Se a Amazônia, sob uma ética humanista, deve ser internacionalizada,
internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão
importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro.
Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a
extração de petróleo e subir ou não o seu preço. Da mesma forma, o capital financeiro,
os países ricos deveriam ser internacionalizados. Se a Amazônia é uma reserva para
todos os seres humanos, ela não poder ser queimada pela vontade de um dono, ou de um
país. Queimar a Amazônia é tão grave quanto o desemprego provocado pelas decisões
arbitrarias dos especuladores globais.
Não podemos deixar que as reservas financeiras sirvam para queimar países
inteiros na volúpia da especulação. Antes mesmo da Amazônia, eu gostaria de ver a
internacionalização de todos os grandes museus do mundo. O Louvre não deve pertencer
apenas à França.
Cada museu do mundo é um guardião das mais belas peças produzidas pelo
gênio humano. Não se pode deixar que esse patrimônio cultural, como o patrimônio
natural amazônico, seja manipulado e destruído pelo gosto de proprietário ou de um país.
Não faz muito tempo um milionário decidiu enterrar com ele, um quadro de um grande
mestre. Antes disso, aquele quadro deveria ter sido internacionalizado. Durante este
encontro, as Nações Unidas estão realizando o Fórum do Milênio, mas alguns
presidentes de países tiveram dificuldades em comparecer por constrangimentos na
fronteira dos EUA. Por isso, eu acho que Nova York, como sede das Nações Unidas, deve
ser internacionalizada. Pelo menos Manhata deveria pertencer a toda a humanidade.

163
Assim como Paris, Veneza, Roma, Londres, Rio de Janeiro, Brasília, Recife, cada cidade,
com sua beleza específica, sua história do mundo, deveria pertencer ao mundo inteiro.
Se os Estados Unidos querem internacionalizar a Amazônia, pelo risco de deixá-
la nas mãos dos brasileiros, internacionalizemos todos os arsenais nucleares dos EUA.
Até porque, eles já demonstraram que são capazes de usar essas armas,
provocando uma destruição milhares de vezes maior do que as lamentáveis queimadas
feitas nas florestas do Brasil. Nos seus debates, os atuais candidatos à presidência dos
Estados Unidos têm defendido a idéia de internacionalizar as reservas florestais do
mundo em troca da dívida. Comecemos usando essa dívida para garantir que cada
criança do mundo tenha possibilidade de COMER e de IR À ESCOLA.
Internacionalizemos as crianças tratando-as, todas elas, não importando o país
onde nasceram, como patrimônio que merece cuidado do mundo inteiro. Ainda mais do
que merece a Amazônia. Quando os dirigentes tratarem as crianças pobres do mundo
como patrimônio da Humanidade, eles não deixarão que elas trabalhem quando deveriam
estudar, que morram quando deveriam viver.
Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas,
enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa. Só
nossa!
PS: ESTA MATÉRIA FOI PUBLICADA NO NEW YORK TIMES / WASHIGTON
POST / TODAY E NOS MAIORES JORNAIS DA EUROPA E JAPÃO NO MÊS DE
AGOSTO DE 2001.
NO Brasil ESTA MATÉRIA NÃO FOI PUBLICADA.

O Escândalo de Jarí
Por Mauro Gomes ( Jornal Movimento de 10-12-78)

O bilionário norte-americano, Daniel Ludwing, dono da Jarí Florestal e


Agropecuária Ltda – que ocupa milhões de hectares na divisa do Pará com o Amapá –
parece acalentar uma esperança muito forte sobre o futuro de seu nebuloso
empreendimento na Amazônia. Esse sonho foi transmitido no último dia 26, em São
Paulo, pelo gerente da Jari, durante o IX Congresso da Associação Brasileira de
Celulose e Papel. Nei Monteiro da Silva impressionou os participantes do Congresso, não
somente ao fornecer os principais dados do projeto de Jarí para a produção da celulose
branqueada, mas sobretudo ao transmitir a visão do seu chefe sobre a Amamzônia.
“A orientação básica”, disse o gerente de Ludwing “é a de que estamos
ocupando uma área verde muito extensa que amanhã poderá ser internacionalizada. Algo
assim, como a Antártida.
(...)
Independentemente das declarações do gerente da Jari as irregularidades e
favorecimentos que a Ludwing já obteve até hoje são tão grandes, que por si só mereciam
ser objeto de minuciosa investigação pelo Congresso Nacional. Soma-se agora a visão
transmitida por um dos prepostos diretos de Ludwing a respeito da “orientação básica do
projeto” de que a Amazônia é uma espécie de Antártida, o que significa dizer que ela é
uma terra de ninguém.”
A instalação de uma CPI para apurar as atividades de Daniel Ludwing no
Brasil, no sentido de destruir seus eventuais sonhos de aqui estabelecer um enclave

164
colonial, tornou-se um imperativo imediato, já que a Jari representa uma ameaça direta à
soberania do país, alguns dos fatos que devem ser devidamente apurados: (...)
Que porção do território nacional é controlada por Daniel Ludwing? Até hoje
ninguém sabe direito, em virtude da confusão que a própria Jari fez em torno de seu
tamanho e do completo descaso do governo em verificar a legalidade dos títulos que ela
dizia possuir. São várias – e conflitantes – as informações que a Jari forneceu até hoje
sobre o seu tamanho: em 1966, ao antigo BRA 428 mil hectares; em 1968 o gerente
general João Bastita Tubino, seu presidente, informou à CPI da Câmara dos Deputados,
que investigava o controle de terras por estrangeiros, que a Jari possuía, 1,25 milhão de
hectares; no recadastramento realizado pelo Incra em 1972, a empresa declarou ter 1
milhão de hectares; posteriormente, ao encaminhar as informações para a Sudan
solicitando a isenção de imposto para seus projetos, declarou uma extensão de 3,6
milhões de hectares; finalmente soubesse este ano que a Jari ingressou com uma ação no
Instituto de Terras do Pará (Iterpa) pretendendo regularizar títulos de posse abrangendo
um área de 2,78 milhões de hectares que, somados aos 334 mil que têm legalizados, lhe
daria uma área de 3,2 milhões de hectare, área maior que a de Sergipe (que tem 2,2
milhões de ha) e quase do tamanho da Holanda (3,6 milhões de ha).
(...)
Para que um grupo estrangeiro pretende controlar no Brasil uma área tão
grande? Sob o aspecto estritamente econômico de exploração de terras, a enorme
dimensão da Jari não se justifica. Do ponto de vista empresarial-capitalista, o que vale
um empreendimento agrícola não é tanto a extensão territorial, mas a intensidade da
exploração do solo. Somados todos os empreendimentos que a Ludwing fez na Jari – o
reflorestamento para a fabricação de papel de celulose, a extração de caulim , a criação
de gado, a cultura do arroz e da soja, etc – a área utilizada economicamente, num cálculo
bastante otimista, não suplantaria nunca os 15 mil hectares, o que representa menos de
5% da área da Jari, supondo que ela ocupe mais de 3 milhões de hectares, como quer
dizer Ludwing. Que pretende fazer o bilionário norte-americano com os restantes bilhões
de hectares? Transformá-lo em reserva cativa de matéria-prima agrícola e de minerais
estratégicos? Deixar as terras se valorizarem visando uma grande especulação futura?
Para muita gente, todas essas hipóteses não passam de histórias da carochinha, mas na
verdade, a grande historia da carochinha é aquela que mister Ludwing quer passar para
o povo brasileiro, pois fica a pergunta: para que ele quer controlar uma Holanda inteira
dentro da Amazônia?
(...)
Ele não só conseguiu importar uma fábrica flutuante, causar um enorme rombo
na balança comercial, mas também obteve aval do governo brasileiro para tomar
empréstimos financeiros internacionais para realizar a importação. No ano passado, o
general Geisel autorizou o Tesouro Nacional a avaliar um empréstimo de 200 milhões de
dólares para a compra de fábrica de celulose. E o último dia 24, o Diário Oficial da
União publicou autorização do ministério da fazenda para o BNDE conceder aval a
empréstimo externo de 30 milhões de dólares a ser contratado pela Jarí para completar o
pagamento das usinas flutuantes. Afinal, porque o “homem mais rico dos Estados
Unidos” precisaria de garantia do governo brasileiro, além de abrir as portas do país
aos monopólios internacionais ainda se mete a assumir o risco de suas operações? Por
acaso Daniel Ludwing anda fazendo alguma ação de caridade ao Brasil? (...)
O fato é que o governo não controla e nem fiscaliza nada, pregando que
empresas como a Jari estão ocupando a racionalmente a Amazônia. E no caso da Jarí,
165
ainda existe outro detalhe: sua fábrica de celulose, construída sem a autorização da
Secretaria Especial de Meio Ambiente (Sema), apesar das atividades industriais mais
poluidoras do mundo. Mas, seguramente, agora que a fábrica já está instalada, a
autorização virá.
(...)
Não é de se admirar que o gerente de Ludwing fale que a Jarí ocupa uma “área
verde muito extensa que amanhã poderá ser internacionalizada”. Pelas informações que
se tem do projeto, ele tem todas as características de um enclave, ou seja, um território
administrado e controlado por um grande monopólio internacional de forma autônoma e
sem nenhuma integração econômica com o país.
Todas as atividades econômicas desenvolvidas na Jeri visam o exterior, o
suprimento dos mercados externos. Ao mesmo tempo, na implantação de seus projetos,
Ludwing não faz pedido e nem encomendas a indústria instalada no país. A fábrica de
celulose veio completamente pronta do exterior. E, como revelou o gerente da Jari, a
fábrica só vai comprar no mercado nacional,enxofre e sal, produzindo todos os demais
componentes químicos que serão usados na produção de celulose. A Jari pretende
também construir sua própria usina hidrelétrica e neste sentido já fez consulta ao
Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica. Tem seu próprio porto, entrada de
ferro e rodovia. E sua própria policia .
No Brasil o projeto Jari só usa mesmo os recursos naturais, a mão-de-obra
barata dos peões e as benesses do governo, como a isenção de impostos concedida pelo
BNDE. Para realizar seus planos, ele parece contar com uma enorme rede de
favorecimento oficial, já amplamente denunciada à opinião pública. Sempre que deseja,
Ludwing é recebido no Palácio do Planalto, onde está um de seus ex-funcionários, o
major, Heitor de Aquino, secretário particular do general Geisel.

Do jornal Movimento 26-03-79


(...)
Com esse verdadeiro maná de incentivos, os projetos se multiplicaram. Destaque
absoluto para projetos agropecuários, através dos quais, áreas gigantescas (algumas
maiores que o Rio de Janeiro) passaram para as mãos dos trustes (1). Até dezembro do
ano passado, a Sudan já havia aprovado 337 desses projetos, cuja área somada vai a
milhões de hectares e que receberam cerca de Cr$ 7 bilhões de incentivos fiscais. Qual a
área de cada um desses projetos? Quem os controla? Esses são dados que a Sudan
procura esconder. A reportagem de Movimeto, ao tentar obtê-los na representação da
Sudan no Rio de Janeiro, recebeu a lacônica resposta de que “essas informações só
existem na sede da Sudan em Belém. Lá é que se faz a análise dos projetos.”
O despistamento é total. Segundo a geógrafa, Irene Garrido, do IBGE, que faz
uma pesquisa sobre o capital estrangeiro naAmazônia, “fala-se constantemente em
fazendas de ‘capital paulista’; e, entretanto, muitas assim consideradas são, na realidade,
de capital estrangeiro.” Fazendo um levantamento na porção sul e leste da Amazônia, ela
descobriu fazendas de ITT, Gulf Oil, Mercedez Benz, Volkswagen, Swift King Ranch,
Liquigásd SPA (italiana), Mitsui, Heulein Inc., Sifcon, etc. (2). Os grandes grupos
nacionais também estão usufruindo dos incentivos fiscais. Espalhadas pela Amazônia há
fazendas do Bradesco, Banco Nacional, Atlêntica-Boavista de Seguros, Tamakavy (Silvio
Santos), Jumbo-Eletroradiobraz, Aços Villares, etc.

166
O mais gostoso (para os trustes) dos projetos agropecuários é o dinheiro dos
incentivos fiscais que pode ser malbaratado sem susto algum. Afinal, a Sudan não
fiscaliza.
Eis aqui e fórmula mágica que fez com que os trustes nacionais e internacionais
corressem para a Amazônia (outros fatores ajudaram, como se verá mais adiante). Pela
lei nº 5714, os grandes grupos ganharam o direito de descontar até 50% do Imposto de
Renda a pagar, desde de que os recursos fossem utilizados em projetos na Amazônia que
recebessem o sinal verde da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudan).
Esses projetos poderiam criar novas empresas ou apenas servir para a ampliação e
modernização da empresa já existente. Em que setores? Em qualquer um. Agropecuária,
pecuária, indústria e serviços básicos. Mas a brincadeira não parou por aí. Os benefícios
ficais, adoção feita com o dinheiro da coletividade (pois os impostos não são outra coisa),
foram muito além. Incluíam também:
• Isenção total ou redução de 50% do imposto de renda devido, por 10 anos, para
os empreendimentos instalados ou que viessem a se instalar até 31 de dezembro
de 1974;
• Isenção de qualquer imposto ou taxa que recaia sobre a importação de
máquinas e equipamentos necessários à implantação de projetos na área da
Sudan (o que permitiu ao norte-americano Daniel Ludwing, do projeto Jari,
importar uma fábrica completa de papel e celulose sem pagar um tostão de
imposto);
• Benefícios estaduais e municipais (como, por exemplo, o não pagamento do
ICMS).
(...)
Oitenta e cinco projetos agropecuários do nordeste de Mato Grosso receberam
incentivos. Pois bem, 13 desses projetos “sumiram”. Apesar do uso de mapas
geográficos, imagens de satélites, cálculos comparativos de limites através de
computadores e tentativas de localização direta através de viagens de barco, de avião e
de jipe os projeto não apareceram. E os incentivos fiscais que eles receberam também. (3)

Mais desastres
Os incentivos fiscais chegam a representar, em alguns casos, 75% dos
investimentos num projeto agropecuário. A agropecuária Sula-Missu (do grupo italiano
Liquafarma) investiu Cr$ 26,8 milhões e depois aplicou mais Cr$ 15 milhões, o que da
pouco mais de Cr$ 40 milhões. Pois bem, recebeu Cr$ 80,5 milhões de incentivos. A
Volkswage (Cia. Vale do Rio Cristalino) aplicou Cr$ 38,8 milhões e reinvestiu Cr$ 2,5
milhões. Pouco mais de Cr$ 41 milhões. Já de incentivos fiscais recebeu quase três vezes
mais: Cr$ 116,4 milhões. Mas para mostrar que não só os trustes internacionais se
enriqueceram com o dinheiro da coletividade, eis os dados da Tamekavi (que talvez
explique porque Silvio Santos vive sempre rindo): investimentos de pouco mais de Cr$ 20
milhões e incentivos fiscais de quse Cr$ 55 milhões.
Diante de tanta generosidade surge, inevitavelmente, a pergunta: a entrega dos
inventivos fiscais aos trustes valeu a pena? Os projetos agropecuários contribuíram para
o desenvolvimento da Amazônia? Para o economista Miranda Neto “a implantação
indiscriminada de grandes projetos agropecuários age como uma fonte de expulsão dos
colonos. Está sendo questionado pelo próprio governo, o valor destes projetos para uma
boa ocupação da Amazônia: eles absorvem recursos; criam poucos empregos; ocupam

167
terras que poderiam estar servindo para agricultura; derrubam árvores que deveriam
estar sendo exploradas racionalmente e provocam a expulsão do ocupante tradicional,
além de serem responsáveis por um dos maiores contingentes de população flutuante do
país: aproximadamente 500 mil trabalhadores no Maranhão, Pará e Pauí,
principalmente, que todos os anos são contratados, durante seis meses, para realizar
desmatamento nas terras das fazendas e, depois, são sumariamente despedidos. Assim,
embora o grande projeto agropecuário continue sendo o mais beneficiado, seus
rendimento para a Amazônia ainda não foram sentidos”.

Vale Tudo
Para formar seus “impérios” na Amazônia, os trustes freqüentemente se
utilizaram de intermediários, ou seja, “testas-de-ferro”. Essa prática foi utilizada a mais
de dez anos pela Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a venda de terras
brasileiras e pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras, instituídas pela Câmara Federal
em 1968. Eis o que dizia o relatório final da CPI:
Compra a antigos proprietários ou posseiros – “nesse processo, um
intermediário entra em contato com o proprietário ou posseiro de determinado lugar, de
interesse de um grupo, e propõe a compra da mesma. De um modo geral, o proprietário
ou posseiro, sem recursos para explorar suas terras, com dificuldades em obter
financiamentos, e premiado pelos impostos, aceita com prazer a proposta, sempre feita
com dinheiro à vista.”
Requisição de terras devolutas aos governos estaduais - “nesse processo, o
elemento nacional intermediário, geralmente com a violência de funcionários dos
departamentos de terras estaduais, requer em nome de pessoas, verdadeiras ou fictícias,
individualmente, um grande número de lotes, cada um dentro dos limites constitucionais
de modo a cobrir toda a zona cobiçada. Após a obtenção dos títulos definitivos, de acordo
com o interesse, ou não, do comprador, os títulos individuais passam por meio de compra
simulada, para o nome da pessoa ou grupo, nacional ou estrangeiro, interessado na
compra daquela região.”
“Grilagem” – “por intermédio desse processo, todos os tipos de fraudes são
aplicados, desde escrituras falsificadas, aparentando documentos antigos, até títulos
definitivos de compra de terras devolutas, também falsos. Por intermédio desse processo,
o cidadão norte- americano Stanley Amos Seling conseguiu a posse de todo o município
de Ponte Alta do Norte, em Goiás, e por intermédio desse mesmo processo, o seu
intermediário, João Inácio já tinha sob o seu controle várias extensões em toda a
Amazônia, prontas para serem transferidas para grupos nacionais e estrangeiros.”
Expulsos, os posseiros transformaram-se, em muitos casos, em empregados das
grandes fazendas. Estas, mesmo utilizando um mínimo de mão-de-obra em caráter
permanente (cada fazenda gigantesca gera, em média, apenas 48 empregados) procuram
superexplorá-la. Além dos posseiros da região, há mão-de-obra trazida pelos “gatos” de
outras áreas do país. E um documento da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
mostra que “as condições de trabalho são as mais precárias possíveis. Na Cordera, por
exemplo, muitos tiveram que trabalhar com água pela cintura. A incidência de malaria é
espantosa, sobretudo em algumas companhias de onde poucos saem sem a te-la
contraído. Códera, Brasil Novo, Tamakavy, são bem conhecidos quanto a isso. Os
medicamentos sempre são insuficientes e em muitas, pagos inclusive amostras grátis. Por
tudo isso os peões trabalham meses e ao contrair malária ou qualquer outra doença, todo

168
o seu saldo é devorado, sendo tomadas providências quando o caso já é extremo, não
havendo possibilidade de cura”. E mais: “Não há com os peões nenhum contrato de
trabalho. Tudo fica em simples combinação oral com o empreiteiro. Acontece mesmo que
o empreiteiro foge, deixando na mão todos os seus subordinados. Os pagamentos são
efetuados ao bel prazer das empresas. Muitas vezes usa-se o esquema de não pagar, ou só
com vales ou só no fim de todo o trabalho realizado, para poder reter os peões...”
(...)
Porque os trustes continuam se interessando pelos projetos agropecuários? Uma
resposta imediata seria: para se aproveitar dos incentivos fiscais. Mas essa explicação é
incompleta. Debaixo desse angu há outros caroços. Um deles é que os trustes compram
terras para especular, ou seja, “sentam” em cima de terras durante anos esperando que
elas valorizem. E até agora têm sido premiados, pois, no Norte do Mato Grosso, por
exemplo, o preço da terra rural subiu cerca de 70% ao ano, no período de 1970/75 .
Logo os trustes estão utilizando o dinheiro da coletividade (incentivos fiscais)
para realizar ganhos fabulosos sem produzir nada (ou produzindo muito pouco). Denis
Mahar concluiu que “muitos proprietários de projetos pecuários da Sudan obtiveram (ou
têm condições de obter) enormes e imereciados ganhos de capital (e não taxados) sobre
os investimentos.
(...)
Mas os trustes desejam as terras da Amazônia, também pelo interesse que têm
“em garantir regiões com possibilidades de minerais valiosos”, como assinou a CPI
sobre compra das terras (de 1968). Está lá, em seu documento final, que “dado o grande
volume de informações a respeito de prospecções clandestinas nas áreas adquiridas essa
pode ser uma hipótese explicativa do interesse pela compra de terras na região. Nesse
caso, elementos ou grupos estrangeiros estariam interessados na compra de terras em
zonas de grandes possibilidades mineralógicas, procurando garantir sua propriedade,
para no futuro, quando verificado o valor comercial das jazidas, explora-las com grande
margem de lucros.”
Os projetos agropecuários não passam, portanto, de um meio através do qual os
trustes internacionais e grandes grupos nacionais devoram as entranhas da Amazônia e
queimam o dinheiro do povo.
(...)
1- A agropecuária Suia Missu tem uma área de 695.843 hectares, que é cinco
vezes maior que a cidade do Rio de Janeiro.
2- Não é fácil precisar o número de fazendas localizadas na Amazônia de
propriedade de grupos estrangeiros e sua extensão territorial. A Sudam não fornece as
áreas das fazendas e dá apenas uma parte dos acionistas. A esse respeito, veja-se o artigo
de Sérgio Buarque “Quanta terra ele têm?”, publicado na Movimento nº 156, que,
baseado em várias fontes, apresenta dados acerca de 29 grandes projetos situados na
Amazônia e controlados por grupos estrangeiros. Desses, conseguiu-se apurar as áreas
de apenas 15 projetos, cuja soma atinge a impressionante cifra de 6,6 milhões de hectares
– área maior que o Estado da Paraíba.
3 – Movimento aproveita para prestar aqui um serviço de utilidade pública,
divulgando o nome dos 113 projetos que “sumiram”. São eles: Agropecuária Alvorada
Matogrossense, Agropecuária Médio Araguaia, Fazendas Associadas do Araguaia,
Agropecuária Tanguro, Companhia Agropastorial do Sul da Amazônia, Cobrasa,
Agropecuária Noirumbá, Agropecuária Nova Esperança.

169
ORIENTE
“A penetração colonial na Ásia foi um choque que significou a destruição do
estilo de vida tradicional nesses países, imediatamente rebaixados a um status
secundário. (...)
A fim de garantir a adequação da nova colônia à ordem moderna foi preciso
reorganizar a polícia e o exército em conformidade com os padrões europeus, adaptar o
setor financeiro, comercial e produtivo da economia e familiarizar os ‘nativos’ com as
idéias modernas. A população subjugada sentiu a modernização como algo invasivo,
coercitivo e profundamente desconcertante.(...) Os países do Oriente Médio dominados
pelo Ocidente não puderam desenvolver-se em seus próprios termos. Os colonialistas
reduziram uma civilização viva a um bloco dependente, e essa falta da autonomia induziu
uma atitude e habito de subserviência estranha ao espírito moderno. Inevitavelmente o
amor e a admiração pela Europa que (alguns) expressaram, cederam lugar ao
ressentimento.” (Karen Armstrong)

O Império Otomano

“No século XVI o Islã ainda era a maior potencia do planeta (...). Correspondia
a cerca de um terço da população do globo, mas estavam tão amplamente e
estrategicamente situados no Oriente Médio, na Ásia e na África, que compunham um
microcosmo da história mundial, exprimindo as preocupações da maioria das religiões
civilizadoras nos primórdios da modernidade. Essa época também foi empolgante e
inspiradora para eles; no começo do século XVI, surgiram três novos impérios islâmicos:
o Otomano na Ásia Menor, Anatólia, Iraque, Síria e norte da África; o Safávida no Irã , e
o Mongol no sub-continente indiano.(...)
Esses três impérios constituíram um novo ponto de partida. Eram instituições
modernas, governadas sistematicamente, com precisão burocrática e racional. O Estado
Otomano era, então, muito mais eficiente e poderoso que qualquer reino europeu. Sob
Solimão, o Magnífico (1520 –1566) alcançou o apogeu.(...) No Irã dos Safávidas, os xás
construíram estradas e caravançarás, racionalizaram a economia e colocaram país na
linha de frente do comércio internacional. Os três impérios desfrutaram uma renovação
cultural comparável ao Renascimento Italiano. O século XVI foi o grande período da
arquitetura otomana, da pintura sáfavida e do Taj Mahal.(...)
Os impérios constituíram de fato a última grande expressão política do espírito
conservador e, sendo também os Estados mais avançados do início da modernidade,
representavam sua culminância. Hoje a sociedade conservadora enfrenta problemas. Ou
foi efetivamente tomada pelo moderno etos ocidental, ou está passando pela difícil
transição do espírito conservador para o moderno. O fundamentalismo é, em grande
parte, uma reação a essa penosa transformação. (...)
...Considerava-se a civilização inerentemente precária. Sabia-se que toda uma
sociedade podia mergulhar na barbárie, como ocorrera com a Europa Ocidental após a
queda do Império Romano no século V. No início da Era Moderna o mundo islâmico
ainda guardava na memória a lembrança das invasões mongóis do século XIII. Ainda se
lembrava, com horror, dos massacres, da fuga de populações inteiras, da destruição de
uma grande cidade após outra. Bibliotecas e instituições culturais também

170
desapareceram, e, com elas, perderam-se séculos de conhecimentos arduamente
adquiridos. Os mulçumanos se recuperaram; os místicos sofistas lideraram um
renascimento espiritual que se revelou tão salutar quanto a Cabala uriânica, e os três
novos impérios constituem em sinal desse reerguimento (...).
O Estado Otomano era o mais moderno do mundo no século XVI.
Extraordinariamente eficiente para a época, criara um novo estilo de burocracia e
incentivava uma vibrante vida intelectual. Os otomanos estavam abertos a outras
culturas. Admiravam a ciência da navegação ocidental, empolgavam-se com as
descobertas dos exploradores e apressavam-se a adotar invenções militares do Ocidente,
como as armas de fogo. (...)
Ao terminar o século XVIII os impérios otomano e iraquiano estavam
desorganizados. Haviam sucumbido ao destino inevitável de uma civilização agrária que
excedera seus recursos.(...) (Karen Armstrong –Em nome de Deus)

Ao findar do século XVI, os portugueses chegaram à Índia. Começara a invasão


do Oriente pelo Ocidente. Seguindo-lhe as pisadas, chegaram os holandeses, os ingleses,
os franceses... Cada um desses povos procurando abocanhar o seu quinhão. Nos fins do
século XVIII, com a revolução industrial, torna-se preeminente a situação do Reino
Unido...
A compra crescente de produtos industriais da Europa pela Ásia, principalmente
os do Reino Unido, foi empobrecendo-a, e fazendo decair o seu artesanato. A Ásia
acabou por transformar-se em fornecedora de matérias-primas para as industrias
européias e em consumidoras dos produtos destas; seus estados tornaram-se colônias ou
protetorados das potencias do Ocidente.
Da década de 1930 à primeira guerra mundial, uma de cujas conseqüências foi o
seu desaparecimento, o Império Otomano deu ensejo à chamada Questão do Oriente, isto
é, o jogo de interesses que sua decadência motivou entre as potencias européias.
O Império Otomano, depois de uma ofensiva frustrada contra o canal Suez, pela
península do Sinai, não somente não conseguiu que a guerra santa proclamada pelo
Sultão, levantasse contra os Aliados todo o mundo islâmico, mas teve que enfrentar uma
revolta geral da Arábia, instigada pelos agentes secretos britânicos, e que culminou com
a conquista da Síria pelas forças anglo-árabes...
As potências européias prevendo a decadência do império otomano procuravam
aumentar sua influência na área. A França se apoderou da Argélia e fez da Tunísia um
protetorado; o Reino Unido ocupou o Egito; a Rússia quis ser reconhecida como
defensora das comunidades ortodoxas da região; a Alemanha pretendeu estender sua
influência na área, aliando-se à Turquia e ameaçando o poderio britânico.
Em 1914, o império britânico compreendia, além da Índia, a alta Birmânia, os
Estados Federados Malaios Hong-Kong, Ceilão, Kuwait, Adem, Chipre, etc. A Pérsia
(Irã) era, desde 1907, um condomínio russo britânico.
A disputa pela supremacia mundial provocou a Primeira Guerra Mundial.
França, Reino Unido e Rússia desejavam destruir o poder da Alemanha e vice-versa.
Visto estes verdadeiros motivos não poderem ser expostos publicamente, foi
preciso imaginar “nobres razões” pra justificar o sacrifício de milhões de homens.
O Reino Unido e a França batiam-se pela democracia contra o militarismo
britânico. A aliança com a Rússia czarista tornava essa explicação duvidosa. Foi
171
necessário, então, incluir na fórmula a esperança de uma ordem internacional que
mantivesse a paz para sempre: a guerra seria a última, “a guerra para acabar com as
guerras”. E a opinião pública vibrou entusiasmada com esta “guerra para a paz”,
criando uma união nacional espontânea que surpreendeu os “fazedores” da guerra.
Mas em 1918 o público já havia mudado de opinião; manifestações populares e
motins militares na França, na Alemanha, na Itália, na Áustria, no Reino Unido, pediam
uma paz sem vencedores. Ao todo morreram 8.538.315 pessoas, com maior número de
mortes para a Alemanha, a Rússia, a França, a Áustria...
A Alemanha se havia aliado à Turquia, e tal aliança levou o Reino Unido a
seguir três linhas de ação conflitantes que teriam profundas conseqüências na história da
Palestina e de todo o Oriente Médio.
1. Os ingleses tentaram induzir os árabes a se revoltarem contra os turcos
(império Otomano), prometendo em troca, após a guerra, a criação de um Estado árabe
unificado e independente, com sede em Damasco, incluindo a Palestina - o velho sonho
dos árabes. Este acordo está consubstanciado na correspondência trocada entre Hussein
ibn ‘Ali’, grande xerife de Meca e rei do Hedjaz, e Sir Henry Mc. Mahon, alto comissário
britânico no Cairo. O compromisso foi mantido pelos árabes, e em virtude dele, em
outubro de 1918, Allenby e Faiçal (filho de Hussein) capturam Damasco, depois de terem
combatido através do Egito e da Arábia.
2. Ao mesmo tempo em que negociava com os árabes, o Reino Unido, tendo um
vista assegurar um caminho terrestre para a Índia, se entendia secretamente com os
franceses e russos, visando dividir o Oriente Médio em várias esferas de influência. Os
artigos do tratado Sykes-Picot (1916), como ficou conhecido o pacto anglo-franco-russo,
estipulavam a hegemonia francesa na Síria e no Líbano; a supremacia britânica no
Iraque e porções da Palestina; um regime internacional na Terra Santa (nenhuma das
três potências confiava entregar o controle da zona a uma das outras); a Rússia czarista
receberia Constantinopla, territórios em ambas as margens do Bósforo e o leste de
Anatólia.
Quando o acordo foi publicado pelos bolchevistas em dezembro de 1917, os
ingleses, em resposta a um pedido de explicações de Hussein, deram claramente a
entender que o ajuste em nada interferiria com as promessas feitas aos árabes.
3. Por último, sempre com o fito de garantir uma rota terrestre do Mediterrâneo
à Índia, e depois de obter dos líderes do movimento sionista a promessa de apoio para a
instalação de um mandato britânico na Palestina após a guerra, o governo, através da
Declaração Balfour (de Arthur James Balfour – Ministro dos Negócios Estrangeiros do
Reino Unido ), de 2 de novembro de 1917, comprometeu-se a facilitar a criação de um
“lar nacional” para os judeus na Palestina.
O Reino Unido, como se viu, assumiu obrigações internacionais de todo
incompatíveis umas com as outras.
Quando, terminou o conflito, os árabes perceberam, profundamente irritados,
que suas esperanças de independência haviam sido frustradas pelas manobras das
grandes potências, decidiram agir por conta própria. Proclamaram, então, a
independência da Síria (que incluíam o Líbano e Palestina), em 8 de março de 1920,
entregando o trono Faiçal. Da mesma forma, o emir Abdula, outro filho de Hussein, foi
aclamado rei do Iraque.
Em abril de 1920, entretanto, na conferencia de paz de San Remo (cujas decisões
foram depois confirmadas pela Liga das Nações), a França recebeu o mandato sobre a
Síria e Líbano, e o Reino Unido sobre a Palestina e o Iraque. Conseqüentemente, Faiçal
172
foi deposto pelos franceses e tornou-se mais tarde rei do Iraque, sob a proteção inglesa,
enquanto Abdula ganhava a Transjordânia, Estado recém-criado pelos britânicos a leste
do rio Jordão, a fim de aquietar os desejos de vingança do emir. Ambos os tronos, porém,
dependiam dos ingleses, e o sonho de um grande território árabe fora totalmente
destruído. (dados da Enciclopédia Britânica)

A Descolonização

O Tratado de Versalhes (1918) que instituiu a Sociedade das Nações (SDN), cuja
criação foi defendida pelo presidente norte-americano Wilson, propôs o estatuto para as
colônias, e instituiu o sistema de mandatos que confiava os antigos territórios coloniais
alemães e turcos às grandes potências mandatárias da SDN, encarregada de administra-
los, de favorecer a educação das populações e preparar a sua progressiva emancipação.
No Tratado tudo muito bonito... Mas a realidade não correspondeu às intenções.
Deve ter havido muitos discursos em todas as colônias, tentado convencê-las de
que eram livres, mas não tinham capacidade de assumir a liberdade, por isso os
colonizadores se tornariam protetores que visavam apenas à felicidade e à prosperidade de
seus povos...
Financeiramente, não tendo mais responsabilidade com as despesas, começaram a
fornecer empréstimos “necessários” muitas vezes para o desenvolvimento de áreas úteis
aos mandatários. E a dívida seria uma maneira de perpetuar a dependência...
Com respeito à educação que seria o item mais importante para que esses povos
se tornassem realmente livres, foi um fracasso. Ou melhor, nem sequer fracassou, não foi
tentada. Um povo instruído é um perigo...
Sessenta anos após o Tratado, o quadro de analfabetismo (inf. Da Enciclopédia
Britânica), é desanimador, e pior ainda quando se sabe que o índice populacional desses
países é altíssimo. Na década de 1980, pouquíssimas nações asiáticas tinham índice de
analfabetismo inferior a 20%: Israel, Mongólia, China, Coréia do Norte e sul, Vietnam do
Norte e do Sul, e Chipre.
Entre 20% e 30 %: Líbano, Tailândia e Filipinas.
Em 35%: Ceilão.
Entre 40% e 50%: Birmânia, Indonésia e Turquia.
Entre 50% e 60%: Camboja e Irã.
65%: Jordânia, Kuwait, Malásia e Síria.
75%: Índia e Bahrein
80%: Iraque, Laos, Paquistão e Bengala.
90%: Afeganistão e Nepal.
95%: Butã, Iêmen e Qatar.

Nova Ordem Mundial

Vejamos o que nos diz Noam Chomsky sobre a “Nova Ordem Mundial”:
“O mundo deve ser governado pelas ‘nações ricas’ que por sua vez têm de ser
governadas pelos homens mais ricos dentro deles, de acordo com a máxima dos Pais

173
Fundadores da democracia norte-americana de que ‘as pessoas que possuem o país devem
governá-lo’.(...)
No Oriente Médio o maior interesse era (e permanece) as incomparáveis reservas
de energia da região, principalmente a península árabe. A meta política central era
estabelecer o controle norte-americano sobre o que o Departamento de Estado descreveu
como ‘uma fonte estupenda de poder estratégico e um dos maiores prêmios materiais na
história mundial’, ‘provavelmente o mais rico prêmio econômico do mundo no campo de
investimento externo’ – a mais ‘importante área estratégica do mundo, como Eisenhower
mais tarde descreveu a península. Como na América Latina, foi necessário deslocar os
poderes tradicionais locais: a França foi sem cerimônia expulsa, embora à Grã-Bretanha
fosse dado um considerável papel nessa região, declinando gradualmente como ditavam as
relações de poder.(...).
As diretrizes políticas básicas foram esboçadas em um memorando do
Departamento de Estado de abril de 1944, intitulado ‘Política Petrolífera dos Estados
Unidos’. Ele apelava para a ‘preservação da posição absoluta alcançada atualmente (no
hemisfério ocidental), e, portanto, proteção vigilante das concessões existentes nas mãos
dos Estados Unidos, ligada com insistência ao princípio de Portas Abertas, de igual
oportunidade para as companhias norte-americanas em novas áreas.’ Em resumo, ‘a
doutrina do livre mercado realmente existe’; o que temos, mantemos, fechando a porta a
outros; o que não temos, tomamos, sob o Princípio das Portas Abertas.(...)
Os planejadores norte-americanos deveriam estender a Doutrina Monroe ao
Oriente Médio, que isso tenha logo se tornado praticável é inteiramente compreensível. As
justificativas estavam prontamente à mão, comuns desde os tempos coloniais. O
representante diplomático norte-americano para a Arábia Saudita, Alexandre Kirla,
observou que foi razoável que os Estados Unidos substituíssem a Grã-Bretanha: ‘Não é
necessário dizer que uma ordem mundial estável somente pode ser realizada sob o sistema
norte-americano’, que ‘ajudaria os países atrasados a ajudar a si mesmos a fim de que
possam preparar os fundamentos para a verdadeira autodependência’, o gênero que os
Estados Unidos já haviam levado com grande sucesso à região do Caribe e da América
Central e às Filipinas –este último exemplo constantemente invocado com orgulho e
pouca atenção às realidades (...).
Como em outros lugares, a maior preocupação com o Oriente Médio era o
nacionalismo independente, na própria região como também no sul da Europa.(...) A
primeira grande campanha de contra-insurgência do pós-guerra, na Grécia, foi motivada,
em parte, pelo perigo do efeito da ‘maçã podre’ de uma vitória das forças baseadas nos
trabalhadores e camponeses que haviam lutado contra os nazistas sob a liderança
comunista. O ‘podre’ pode ‘infectar’ o Oriente Médio, advertiu Dean Acheson com
severidade ao Congresso, enquanto procurava acumular apoio à Doutrina Monroe. (...)... a
Grécia foi ‘pacificada’ por uma campanha sangrenta de terror e tortura que dizimou
cento e sessenta mil vidas, restaurou a velha ordem, incluindo colaboradores nazistas, e
abriu o país ao investimento e controle norte-americanos com conseqüências que
persistem até hoje.
A ameaça do nacionalismo independente levou ao golpe da CIA que instaurou o
xá no Irã, em 1953, depondo o governo parlamentar e conservador de Mossadegh. Nasser
foi visado em termos idênticos, mais tarde Khomeini, levando os Estados Unidos a
fornecer a Sadan Hussein apoio decisivo na guerra Irã-Iraque (...). Um dos principais
temores por toda a parte foi de que forças nacionalistas que não estão sob influência e
controle norte-americano pudessem chegar a ter uma influência substancial sobre as
174
regiões produtoras de petróleo. As ditaduras familiares, em contraste, são consideradas
sócias adequadas, gerenciando seus recursos em conformidade com os interesses norte-
americanos básicos e ajudando a financiar os projetos norte-americanos de terror e
subversão em todo o Terceiro Mundo.(...).
“Um número crescente de líderes religiosos e intelectuais árabes’, escreve Dilip
Hiro, estão em vias de compartilhar o ponto de vista articulado por Sadam Hussein em 10
de agosto de 1990, por mais que desprezem o autor da opinião. Nas palavras de Sadam:
‘Por meio da partição das terras árabes, o imperialismo ocidental fundou mini-Estados
fracos e instalou famílias que lhe executaram serviços que facilitaram sua missão (de
exploração). Assim, evitou que a maioria dos filhos dos povos das nações árabes se
beneficiassem de sua própria riqueza. Como resultado da nova riqueza passando às mãos
da minoria da nação árabe a ser explorada em benefícios dos estrangeiros e dos poucos
novos governantes, a corrupção social e financeira espalhou-se nesses mini-Estadso (...) e
daí a muitas regiões da maioria dos paises árabes.’
Os Estados Unidos se opuseram à democracia na região, escreve Hiro, porque ‘é
muito mais simples manipular poucas famílias governantes – para garantir gordas
compras de armas e assegurar que o preço do petróleo permaneça baixo –do que uma
grande variedade de personalidades e políticas engendradas por um sistema democrático’,
com governos eleitos que podem refletir os apelos populares por ‘autoconfiança e
solidariedade islâmica’. Por isso a persistência da política de Washington em ‘apoiar as
ditaduras para manter a estabilidade’(Ahmad Chalabi) e a preferência admitida pela ‘Mão
de Ferro’(...).”

O Oriente e os Estados Unidos


(Via Internet)

Os EUA sempre atuaram em várias partes do mundo, todas as vezes que uma
‘ameaça externa’ podia ser usada como justificativa para apoiar grupos pró-EUA
interessados pelo poder e sem escrúpulos, criando governos corruptos, ditatoriais e
sanguinários. Ou ainda, essa ‘ameaça à segurança nacional’ era usada para justificar
guerras e invasões. Corporações norte-americanas apoiaram a ascensão do fascismo na
Europa, como o regime fascista espanhol, ou o nazismo na Alemanha e Áustria, pelo
medo da ‘ameaça comunista’.
Quando os interesses mudaram, se uniram à URSS para destruir a ‘ameaça
nazista’ e o ‘imperialismo fascista’ japonês, cometendo inúmeras atrocidades durante a II
Guerra Mundial, como a morte de 300 mil civis (1945) em grandes cidades no sul da
Alemanha, como Colônia, bombardeada incessantemente com Napalm (bombas
incendiárias). Ou ainda a morte de quase 300 mil japoneses com os ataques nucleares em
Hiroxima e Nagasaki, apenas para terminar a guerra antes que o Japão se rendesse e
antes que os soviéticos ocupassem os territórios japoneses da Manchúria (norte China) e
da Coréia. Além disso, teve a clara função de mostrar a força da nova potência
hegemônica para o mundo e principalmente para a União Soviética.
O Japão e a Alemanha foram desmilitarizados e ocupados. Até hoje as tropas
norte-americanas ocupam bases no Japão e na Coréia do Sul, além de manter exércitos
em toda Europa Ocidental, inclusive na Alemanha, através da OTAN.

175
O socialismo volta a ser a grande ‘ameaça’ após a II Guerra Mundial e os EUA
iriam se envolver em novas disputas na Europa (guerra civil na Grécia em 1946, divisão
da Alemanha de 1946 / 48) e em novos conflitos, como a Guerra da Coréia (1950 / 1953),
quando foram mortas mais de 3 milhões de pessoas, sendo a maior parte civis. Nesta
guerra, os Estados Unidos jogaram cerca de 3 bombas para cada habitante da Coréia,
fazendo uso de armas químicas e biológicas em grande quantidade (incluindo a hoje
famosa bomba de Antraz) resultando em cidades inteiramente devastadas como
Pyongyang (Coréia do Norte).
Nos anos 50 os EUA apoiaram a reocupação francesa na antiga colônia da
Indochina e a luta contra os ‘rebeldes’ socialistas. Em 1962 os EUA começaram a apoiar
militarmente os capitalistas do Vietnã do Sul na luta contra os socialistas do Vietnã do
Norte. Em 1964 invadem o Vietnã, só se retirando em 1972, deixando um saldo de dois
milhões de mortos (sendo 1,95 milhões de vietnamitas). A guerra provocou até mudanças
na geografia física do Vietnã ao eliminar florestas inteiras, desfolhadas com armas
químicas como o Agente Laranja, ou incendiadas por Napalm II (versão melhorada do
Napalm, que não apaga com água e queima até os ossos), ou pelas toneladas e toneladas
de bombas que os EUA despejavam diariamente no país e em vizinhos como Camboja e
Laos (Os EUA jogaram mais bombas contra o Vietnã do que todas as usadas por todos os
lados em luta na II Guerra Mundial). Neste processo de genocídio indiscriminado, mais
de 70% das vilas do Vietnã do Norte foram destruídas.
A violência dos soldados estadunidenses é até hoje camuflada pelo governo dos
EUA, existindo relatos dos próprios soldados de que eram comuns a tortura,
espancamentos, estupros, a mutilação e decapitação de prisioneiros, além do
massacre de vilas inteiras, incluindo mulheres, crianças e velhos por supostamente
terem dado apoio aos vietcongs (guerrilheiros socialistas do Vietnã do Norte). Dentre os
relatos mais estarrecedores, estão os dos soldados norte-americanos que colecionavam
orelhas de vietcongs, o que era algo comum em alguns agrupamentos pequenos e uma
prática generalizada em grupos maiores como a 173ª Brigada Aerotransportada e os 1º e
14º batalhões da 3ª Brigada da 25ª Divisão de Infantaria, onde o soldado que tivesse mais
orelhas bebia toda e a cerveja e uísque que conseguisse beber no acampamento, sedo
considerado o ‘número 1’ do batalhão.
Ainda no continente asiático, os EUA ajudaram a implantar e manter o governo
do ditador Suharto na Indonésia (1966-1998), com um golpe militar sangrento (1966) que
levou ao poder um governo que matou mais de meio milhão de pessoas, massacrando
todas as formas de oposição dentro do país. Ajudaram a colocar no poder o ditador
Ferdinando Marcos, nas Filipinas, que governou o país com mão de ferro e muita
corrupção de 1965 a1986, quando fugiu para os EUA com uma fortuna pessoal avaliada
em 2 bilhões de dólares.
Na Tailândia, os Estados Unidos ainda apoiaram uma ditadura de 1977 a 1983.
No Paquistão, sustentaram governos ditatoriais de 1977 a 1988 e apoiaram a ascensão
de uma nova ditadura militar em 1990, que dura até os dias de hoje.
Nesta segunda metade do século XX, os EUA mantiveram regimes fantoches em
diversos países como no seu tradicional aliado, o Irã do xá Reza Pahlevi. O xá Pahlevi
governou de 1941 até 1979, quando foi deposto pelo aiatolá Khomeini, que era contra os
EUA e implantou uma república islâmica.
Os EUA apoiaram a subida de Saddan Hussein ao poder em 1979 e jogaram o
Iraque contra o Irã numa guerra de oito anos (1980-88), a guerra Irã-Iraque, onde as
armas norte-americanas transformaram o Iraque numa potência local. Mas com toda a
176
guerra é um grande negócio, os EUA vendiam armas secretamente ao Irã, de onde
conseguiam dinheiro sujo para financiar os ‘contras’ na Nicarágua. Após 8 anos de
conflitos sangrentos, o resultado foram mais 600mil mortos e 1 milhão de feridos.
Quando, em 1990, o aliado Saddan Hussein, invade o Kuwait, um dos maiores
fornecedores de petróleo dos EUA, deixa de ser um aliado e se torna um inimigo
‘perigoso’, sendo rapidamente demonizado pela mídia estadunidense. O Iraque foi
atacado por uma coalizão de aliados dos EUA (1991) autorizados pela ONU, onde
morreram cerca de 200 mil iraquianos, sendo cerca da metade deles civis (os chamados
‘efeitos colaterais’ das armas de ‘precisão cirúrgica’). Após 1991 os EUA criaram duas
zonas de exclusão aérea no território Iraquiano, para ‘proteger’ minorias locais como os
curdos e xiitas. Mas os EUA continuam a bombardear o Iraque até hoje, quase que
semanalmente (inclusive alvos civis como pontes, estradas, depósitos de alimentos), por
desrespeitar suas imposições como as zonas de exclusão aérea, onde só aviões dos EUA
podem voar (que diferentemente do que a mídia divulga, nunca foram aprovadas pela
ONU). Até hoje os iraquianos sentem os efeitos nocivos das bombas e mísseis de Urânio
empobrecido, que os EUA usaram na guerra, causando incontáveis casos de câncer e
leucemia na região, tendo contaminado até soldados estadunidenses e ingleses, num total
que ultrapassa 30 mil homens (que apenas passaram por lá). O embargo econômico ao
Iraque, que os EUA mantêm até hoje, já provocou cerca de 1 milhão de mortes por fome e
doenças, sendo metade crianças.
Durante a guerra do Afeganistão (1979-1989), na qual os soviéticos tentaram
manter o frágil governo socialista ocupando o país, os EUA financiaram, armaram e
treinaram grupos guerrilheiros islâmicos anti-soviéticos, os mujahidin (de onde saíram
grupos como o Taleban) ou grupos terroristas (como Maktab al Khidmat, que se tornaria
a rede Al’Kaida), mergulhando o Afeganistão numa guerra civil que devastou o país.
Através de uma poderosa estrutura organizada pela CIA, (numa operação secreta
dirigida pelo Gen, Willian Casey e por Zbigniev Brzezinski), grupos terroristas como a
rede Al Kaida recrutam em mais de 30 países, cresceram e enriqueceram pelo apoio
norte-americano dado até 1990. Neste ano o grupo se voltou contra o seu criador, por ser
contra a ocupação militar da Arábia Saudita pelos estadunidenses iniciada em 1990 e
1991 para a Guerra do Golfo, mas permanecendo no país até hoje.
Na Arábia Saudita e Kuwait, as tropas dos EUA que permanecem lá desde a
Guerra do Golfo, dão sustentação a dois governos extremamente impopulares, ditatoriais
e discriminatórios. Foi no modelo saudita e kuwaitiano de tratamento da população
feminina que o Taleban havia se ‘inspirado’ para tratar as mulheres afegãs. Mas como a
Arábia Saudita e o Kuwait vendem petróleo mais barato para os EUA, a mídia toma os
devidos cuidados para não divulgar as formas de tratamento das mulheres nesses países.
E para manter um governo impopular, num país onde 45% da população saudita está
desempregada, enquanto os cerca de 7.000 príncipes e nobres da família real vivem no
‘paraíso’, somente com tropas de elite como as estadunidenses.
Os EUA apoiaram a ocupação dos territórios palestinos por Israel nas guerras
de 1948-49, 1967 e de 1973. Também apoiaram a intervenção militar israelense na
Guerra Civil do Líbano em 1982, onde supervisionaram a entrega dos campos de
refugiados palestinos de Sabra e Chatila, às mãos de guerrilheiros maronitas, que
massacraram mais de 3 mil prisioneiros (1982), sob tutela do atual dirigente de Israel,
Ariel Sharon. Até hoje, os estadunidenses financiam o Estado sionista de Israel, na sua
campanha de dominação e colonização dos territórios palestinos, onde este Estado tem
massacrado sistematicamente o povo palestino, apesar de a ONU já ter aprovado
177
determinações exigindo a retirada de tropas israelenses desde as guerras de 1967 e 1973.
Em 2001, nos bombardeios contra o Afeganistão, as armas de ‘precisão cirúrgica’
acertaram pontes, bairros residenciais, comboios de agricultores, delegacias de polícia,
escolas, mesquitas e hospitais. Talvez a ‘precisão cirúrgica’ de que eles tanto falam, seja
porque ‘só acertam hospitais’... por isso precisão ‘cirúrgica’...
Em 2001 os EUA começaram a bombardear o Afeganistão (cerca de 6 a 8 mil
civil mortos) e derrubaram o governo Taleban alegando que o grupo defendia terroristas,
o que justificou dar suporte para a ascensão de um novo governo que correspondesse aos
seus interesses de construir gasodutos e oleodutos na região, para escoar petróleo e gás
natural da Ásia Central para o Índico. Esta guerra contra o terrorismo talvez seja uma
das quais os interesses econômicos escusos estejam mais evidentes nos últimos tempos, já
que os grupos econômicos que mais lucraram com ela são a indústria bélica e a indústria
petrolífera, os dois grupos que dois grupos que financiaram a campanha eleitoral de
Bush.
Entretanto, os Estados Unidos apoiaram, financiaram, treinaram e armaram
movimentos guerrilheiros de direita ou grupos terroristas anti-soviéticos (muitos
treinados pela própria CIA) em diversos países da América Latina e da África, como os já
citados, ou ainda, no continente asiático, como o Iêmen, Afeganistão, Síria, Paquistão,
Iraque, Irã,
Líbano, Indonésia, Filipinas, Tailândia, Camboja, Vietnã e Laos.
Nos anos 90, os EUA começaram a dar auxilio financeiro a movimentos
guerrilheiros e terroristas na própria ex-URSS, como os separatistas islâmicos da
Chechênia e Daguestão, ou grupos guerrilheiros na ex-Ioguslávia, Bósnia, Croácia e
Kosovo. Na Turquia, desde os anos 80, os EUA financiam a campanha genocida do
governo turco contra a minoria separatista dos curdos, que já resultou em mais de 300
cidades destruídas e 2 milhões de refugiados (os mesmos curdos que os EUA se diz tão
preocupados em defender no Iraque).
Em decorrência desses inúmeros conflitos, guerras e intervenções, os Estados
Unidos são o país que mais investe no setor bélico do mundo. Os gastos mundiais em
armas, ou seja, as indústrias bélicas, movimentam cerca de 850 bilhões de dólares por
ano, sendo que somente o orçamento militar dos EUA é de 340 bilhões. Além disso, os
EUA são o maior vendedor de armas do mundo, responsável por metade das exportações
mundiais. Só para uma comparação, poderosos setores industriais modernos como os de
chips computadores ou o setor farmacoquímico de remédios movimentam cerca de 150 e
200 bilhões de dólares, respectivamente, por ano no mundo todo.
Os EUA têm dificultado os tratados mundiais para banir armas químicas,
rejeitaram um tratado internacional contra armas biológicas e boicotaram abertamente
todas as tentativas da ONU e de organizações pela paz mundial de proibir a produção
mundial de minas antipessoal, que matam mais de 30 mil e mutilam 1 milhão de pessoas
por ano, no mundo todo, sendo mais da metade crianças. Na recente guerra contra o
Afeganistão, os EUA despejaram toneladas de minas antipessoal sobre o país, usando
grandes bombardeiros B-1. Ainda mais recentemente (abril-2002), os EUA conseguiram
destituir o brasileiro José Maurício Bustani da presidência da Opaq (Organização para
Proscrição de Armas Químicas), porque este queria realmente fiscalizar e inspecionar as
instalações iraquianas, de maneira séria, para permitir que o Iraque chegasse até a
assinar o acordo de banimento de armas químicas. Ou seja, poderia acabar provando
que este país não fabrica mais armas químicas, o que acabaria por retirar os últimos
pretextos dos EUA para bombardear o país.
178
E, por fim, num dos mais recentes exemplos da ‘campanha de combate mundial
ao Terror’, os Estados Unidos se uniram aos países que acusam de terroristas
(Iraque,Síria, Líbano) para rejeitar a criação de uma Corte Penal Internacional para
punir crimes contra a humanidade, crimes de guerra e terrorismo.
E apesar de tudo isso, os Estados Unidos são tidos como o maior exemplo de
democracia do mundo...
Esta imagem de ‘democracia’ é forte principalmente dentro do próprio país.
Dois terço dos formadores de opinião (cientistas, jornalistas, professores) norte-
americanos acreditam que os outros países do mundo os admiram pela liberdade e
democracia. Após os atentados de 11 de setembro, até a liberdade individual que existia
dentro dos EUA passou a ser restringida, sendo que atualmente está sendo
institucionalizado o desrespeito aos direitos humanos, principalmente dos estrangeiros,
permitindo a prisão sem processo, sem direito a recorrer e por tempo indeterminado de
qualquer suspeito estrangeiro de ser terrorista, permitindo inclusive o julgamento e até a
pena de morte realizados secretamente, sem direito a defesa e no mais absoluto sigilo. A
luta contra o terror está terminando de corroer os direitos e instituições democráticas
que existiam dentro do país. Já se fala até em oficializar a tortura.
No plano social ainda temos o fato de que a estrutura político-econômica
mundial capitalista e atual ordem de poder mundial, que os EUA tanto lutam para
manter, inclusive com o uso da força contra os mais fracos, é um sistema econômico
baseado na injustiça e na exploração, que só aumenta as desigualdades e a distância
entre ricos e pobres. É um sistema que permite que mais de 2 bilhões de pessoas vivam
abaixo da linha de miséria, mais de 1 bilhão de pessoas passem fome no mundo e
tenhamos a morte de 36 mil pessoas, de fome, por dia no mundo. Ou seja, os Estados
Unidos mantém e lutam para manter um sistema político-econômico que mata por dia 12
vezes mais que os 3.000 mortos do World Trade Center, só que de fome! Pela lógica, os
EUA deveriam investir 12 vezes mais na luta contra a fome e a miséria do que na luta
contra o terrorismo que, aliás, eles próprios criaram. Ao invés disso aumentam ainda
mais seus gastos com armas, aumentaram o orçamento militar em mais de US$ 20 bilhões
em 2002 e planejaram aumentar ainda mais esses gastos (chamados de ‘investimentos’)
em 2003.
Se o nosso sistema democrático, ou melhor, o que chamamos de ‘democracia’,
permite a manutenção dessas desigualdades, dessas guerras, dessa miséria, dessa falta de
liberdade, dessa opressão, permitindo o uso freqüente da força pelos grupos dominantes,
além de milhares de mortes constantes, devemos reconsiderar se realmente vivemos numa
democracia, se esse sistema é realmente democrático e, principalmente, se desejamos a
manutenção desse sistema, que podemos observar que é extremamente cruel, frio e
assassino. Mais ainda devemos refletir sobre as alternativas que temos e lutar para tentar
mudar esse sistema. Porque se sabemos de tudo isso, não concordamos, mas não fazemos
absolutamente nada, não lutamos contra esse sistema, nem combatemos sua opressão,
então somos coniventes e a conivência neste caso acaba nos tornando, também culpados.

ARÁBIA SAUDITA
O adjetivo saudita é derivado do nome Sa’ud, dos príncipes da dinastia dos
Wahhabitas.

179
Em 1744, o fundador da seita Wahhabita chega à província de Nedj. A cidade de
Deraiya era conhecida por seus pomares e plantações de tâmaras, e pelo notório emir-
bandoleiro Muhammad Ibn Saud que compreendeu que os ensinamentos de Ibn Wahhab
podiam ser úteis em suas ambições militares. Eram feitos um para o outro.
“Ibn Wahhab proporcionou a justificativa teológica para quase tudo que Ibn
Saud queria alcançar: um jihad permanente que envolvia pilhar outros povoados e
cidades mulçumanas, ignorando o califa, impondo uma disciplina férrea sobre seu
próprio povo, e, em última instância, garantindo seu governo sobre as tribos vizinhas em
uma tentativa de unir a península...”(Tarik Ali)
O acordo entre os dois foi selado com o casamento de Saud com a filha de
Wahhab. “Esta combinação de fanatismo religioso, implacabilidade militar, vilania
política e recrutamento forçado de mulheres para cimentar alianças foi a pedra
fundamental da dinastia que governa a Arábia Saudita até hoje”(Tarik Ali)
Dois séculos mais tarde, “os ingleses davam apoio para um cliente mais
confiável e brutal: o emir Abdal Aziz Ibn Saud, do Nedj, cujo antepassado tinha assinado
o pacto com Ibn Wahhab (...) Ibn Saud não tinha necessidade de um pregador. Os tempos
haviam mudado. Os malditos otomanos tinham desaparecido para sempre. Seu lugar
estava sendo ocupado pelos ingleses. Ibn Saud tinha percebido isso havia muito tempo.
Fora orientado o tempo todo por seu grande admirador, o agente árabe-britânico H.A.R.
Philby, que o encorajou a seguir a liderança do Profeta e unir as tribos dispersas da
península(...). Philby patrocinou a criação de uma cleptocracia feudal na península
árabe.(...)
A península recusou-se a ser tomada silenciosamente (...). Eles tiveram de ser
derrotados militarmente. Os britânicos forneceram as armas. Os guerreiros de Ibn Saud
usaram-nas bem. (...) Como seus antepassados tinham feito havia muito tempo, o novo
Sultão casou-se à força com as mulheres de seus rivais derrotados (...).
Os Estados Unidos estavam determinados a não permitir um monopólio
britânico das riquezas que havia debaixo da areia. Os prospectores de petróleo
americanos chegaram no início da década de 1930, e estabeleceram contato com Ibn
Saud que concordou em lhes dar uma concessão.(...) O governo dos Estados Unidos com
medo de uma competição com os ingleses, fundiu a Standar Oil com a Esso, a Texaco e a
Mobil para formar a Arabian American Oil Comppany (ARAMCO) (...).
O monarca saudita recebeu milhões de dólares para o ‘desenvolvimento’ do
país. Os regime foi reconhecido como um despotismo confessional, mas suas qualidades
pouco atraente era compensada pelas enormes reservas de petróleo que ele possuía (...).
De modo pouco surpreendente, os Estados Unidos salvaguardaram seus interesses
econômicos e imperiais, e optaram por ignorar o que acontecia dentro das fronteiras do
reino (...). O reino saudita nem mesmo finge pensar nos direitos humanos (...) para não
falar do modo como trata as mulheres, que não seria aprovado na Rússia Medieval. Mas
nenhum Estado do mundo árabe é mais brindado em Washington”.
Segundo o romancista saudita exilado Abdelrahman Munif:
“O século XX quase acabou, mas quando o Ocidente olha para nós, só vê
petróleo e petrodólares. A Arábia Saudita ainda não tem uma constituição, o povo está
privado de todos os direitos elementares, até o direito de apoiar o regime sem permissão.
(...) Tudo o que os nossos governantes fazem é aumentar a própria riqueza enquanto
investem o mínimo possível no desenvolvimento intelectual de nosso povo. Por quê?
Porque têm medo da educação, têm medo da mudança.”(cit. Tarif Ali)

180
A Arábia Saudita: apesar de ser eternamente pró-ocidental, a pátria de Bin Laden
é um Estado teocrático islâmico sumita, dominado pela família Saud e pelas concepções
religiosas Wahhabites que prevêem a estrita aplicação da Sh’aria, a lei islâmica. A
monarquia financia grupos como o Hamas e a Jihad...
Bin Laden deixou, em definitivo a Arábia Saudita após a guerra do Golfo de 1991,
acusando a monarquia saudita de permitir a profanação dos lugares santos pela presença
de tropas americanas no solo do Islã (...). Bin Laden e sua rede terrorista são financiados
por famílias milionárias da elite saudita. A monarquia faz vista grossa, pois conhece a
fragilidade de seu próprio poder...

IRAQUE

Correspondendo a mais ou menos a antiga Mesopotâmia, sucessivamente


conquistada pelos persas, gregos, romanos, árabes, mongóis, tártaros, e finalmente, no
século XVII, pelos turcos, fazendo parte do império otomano.
Com a entrada da Turquia na Primeira Guerra, os ingleses ocuparam a região de
Chat-el-Arab, no norte do Golfo Pérsico, com o fim de proteger suas reservas petrolíferas
e impedir a invasão à Pérsia (Irã). Dessa base, o exército britânico tentou, durante quatro
anos, a conquista da Mesopotâmia. A ocupação não foi fácil. O sentimento nacionalista
era incentivado pela Síria e pelas promessas feitas a Hussein pelo inglês McMahon sobre
um Estado árabe independente. Com a desilusão pós-guerra, houve a revolta que os
ingleses debelaram, e aí mantiveram um governo provisório; deram o trono a Faysál, filho
de Hussein, quando nasceu o Estado Iraquiano, mas o mandato continuou. Mesmo depois
da independência, os ingleses ficaram com o direito de manter bases militares no país.
O filho e sucessor de Faysál, sem a mesma habilidade, não conseguiu evitar a
instabilidade política, e golpes de Estado se sucederam. Em1941 um golpe cria um
governo revolucionário. É assassinada a família real. Outros golpes, até que em 1971
Saddam Hussein el Tabrit assume a liderança do Iraque.
Após a queda do xá do Irã e o governo Komeini, “os pequenos Estados do Golfo,
todos emires dos americanos, tiveram medo que a doença iraquiana contaminasse suas
populações. (...) Eram esses homens amedrontados que agora balançavam suas bolsas
grávidas diante dos olhos cobiçosos do ditador de Bagdá. Eles elogiavam Saddam.
Banhavam-no em moedas de ouro. Um coro de puxa-sacos liderado por um membro da
família governante do Kuwait, a poetisa Sauad-el-Sabah, cantava seus elogios em versos,
homenageando-o como ‘a espada do Iraque...’”(Tarik Ali)
Como antes a Inglaterra incentivara a luta dos árabes contra os turcos, os Estados
Unidos incentivaram Saddam Hussein a invadir o Irã. Esta invasão provocou a suspensão
das reformas do Khomeini no Irã, desestabilizando seu governo.
Enquanto era “amigo”, Saddam recebia armas, incentivos militares e apoio dos ocidentais.
Até a França, em 1984, enviou ao Iraque grande remessa de armas, além de 5 aviões
Super Étendart, cujo raio de ação poria em risco os poços de petróleo do Irã...
“A vida humana tem valor na medida em que contribua à riqueza e ao poder dos
privilegiados (...). O princípio é muito bem ilustrado pelo tratamento dado a Saddam
Hussein, Noriega, e numerosos outros tiranos: são bons amigos à medida que servem aos

181
nossos interesses; vermes a serem exterminados se estiverem em nosso caminho.” (Noam
Chomsky)
A invasão do Kuwait: Depois da guerra do Irã, Washington se convenceu de que
realmente o Iraque estava fora de controle... As asas de Saddam Hussein tinham de ser
cortadas, mas como?
A invasão do Kuwait foi uma oportunidade mandada pelo céu.(...).
Todos os governos iraquianos, desde o mandato de 1922, reivindicavam o direito
territorial sobre o Kuwait, que de fato fora governado por Bagdá nos últimos dois mil
anos.(...).
Até hoje autoridades iraquianas insistem que o encontro fatal de Saddam com
o embaixador americano April Glaspie selou o destino de seu país. Glaspie foi simpático
à causa deles, foi informado dos planos do Iraque, e deu a aprovação de fato... A Guerra
do Golfo irrompeu. Saddam Hussein, anteriormente aliado de Washington, era agora
rotulado de ‘Hitler Árabe’.” (Tarik Ali)
Como diz Robert Bowman:
“A guerra contra o Iraque foi fabricada... Nós, americanos, levamos Saddam
Hussein a invadir o Kuwait. Fizemos uma armadilha para que ele caísse e depois, quando
ele concordou em sair, nós não o deixamos e começamos a guerra assim mesmo.
A ocupação do Kuwait pelo Iraque não estava de acordo com os interesses, já
que representavam uma ameaça de que dois quintos das reservas de petróleo do mundo
seriam controladas por um Estado árabe moderno, com política externa independente,
diferentemente da dependência feudal ao Ocidente no Kuwait, no Golfo e na Arábia
Saudita. Daí, a Tempestade no Deserto...” (Tarik Ali)
No bombardeio de junho de 1993, ordenado por Clinton, dos 23 mísseis
lançados sobre o Iraque, sete erraram o alvo atingindo bairros residenciais. Mas os EUA
acham naturais as falhas técnicas, pois esse tipo de bombardeio não põe em risco a vida
dos pilotos americanos. Os iraquianos civis que morreram, pouco importam. Como disse
Noam Chomsky: “o termo ‘guerra’ dificilmente se aplica à confrontação em que um lado
massacra o outro a uma distância segura, enquanto se destrói a sociedade civil”.
“O bombardeio foi criticado por todo o mundo árabe, mesmo pelos aliados de
Washington, e condenado pela Liga dos Estados Árabes como um ato de agressão. Um
editorial no diário Akhbar-al-Khalif, de Bahrein, observou que ‘a terra árabe se tornou
um tal campo de jogo para os Estados Unidos, que Clinton nem mesmo se incomodou em
descobrir um pretexto convincente e razoável com o qual justificou a última agressão’
confiante no apoio do Conselho de Segurança da ONU que ‘tem se tornado um pouco
mais do que um apêndice do Departamento de Estado norte-americano’... ‘O que
realmente está acontecendo é que os Estados Unidos estão humilhando o povo árabe
sempre que tenham chance’(...). No outro lado do mundo árabe, a imprensa oficial no
Marrocos acusou Clinton de explorar ‘a Nova Ordem Mundial a fim de escravizar os
países e os povos do mundo’, e usar o Conselho de Segurança como um ‘órgão de
política externa norte-americana.’” (Noam Chomsky)

“Um número crescente de líderes religiosos e intelectuais árabes, escreve Dilip


Hiro, está em vias de compartilhar o ponto de vista articulado por Saddam Hussein em 10
de agosto de 1990. Nas palavras de Saddam: ‘Por meio da partição das terras árabes, o
imperialismo ocidental fundou mini-Estados fracos e instalou famílias que lhes
executaram serviços que facilitaram sua missão (de exploração). Assim, evitou que a
maioria dos povos e das nações árabes se beneficiassem de sua própria riqueza. Como
182
resultado da nova riqueza passando às mãos da minoria da nação (árabe) a ser
explorada em benefício dos estrangeiros e dos poucos novos governantes, a corrupção
social e financeira espalhou-se nesses mini-Estados... (e daí) a muitas regiões dos países
árabes.’
Os Estados Unidos se opuseram à democracia na região, escreve Hiro, porque
‘é muito mais simples manipular poucas famílias governantes – para garantir gordas
compras de armas e assegurar que o preço do petróleo permaneça baixo –do que uma
grande variedade de personalidades e políticos engendrada por um sistema
democrático’, com governos eleitos que podem refletir os apelos populares por ‘auto-
confiança e solidariedade islâmica’”(Noam Chomsky)

“A política de manter a população do Iraque como refém requer uma eficiente


guerra econômica, uma prática na qual Washington tem muita experiência, incluindo
embargos contra Cuba, Nicarágua e Vietnã nos últimos anos, para puní-los por sua
intolerável desobediência e assegurar que os outros aprendam o que tal comportamento
pode acarretar. O embargo contra o Iraque deixou o poder de Saddam Hussein
inalterado, causando muito mais baixas civis do que o próprio bombardeamento. Um
estudo conduzido por especialistas e dirigentes estrangeiros e norte-americanos estimou
que ‘mais de quarenta e sete mil e novecentas crianças morreram entre janeiro e agosto
de 1991’ e, de lá para cá, muito mais, um massacre que está muito bem posicionado na
lista contemporânea.” (Noam Chomsky)

Um diálogo citado por Tarif Ali:


Lesley Stalal: – “Nós ouvimos dizer que meio milhão de crianças morreram no
Iraque. Puxa, isso é mais criança dos que as que morreram em Hiroxima. E a senhora
acha que o preço vale a pena?”
Madeleine Albright: – “Eu acho uma escolha muito difícil, mas o preço? Nós
achamos que o preço vale a pena”. (CBS News 1996)

Artigo de Eduardo Galeano (da agência Envolverda) –fonte internet –sobre a


nova guerra contra o Iraque:

A náusea e as bombas que mais sabem

Os invasores procuram armas de destruição em massa. Não acharam mais que


armas de museu. Mas são armas de construção mássiça os mísseis que eles disparam?
As bombas inteligentes –que tão burras parecem –são as que mais sabem. Elas
revelam a verdade da invasão. Enquanto Rumsfeld dizia: “Estes são bombardeios
humanitários”, as bombas destripavam crianças e arrasavam mercados de rua.
O país que mais armas e mais mentiras fabrica no mundo despreza a dor dos
demais. “Não contamos os mortos”, respondeu o general Tommy Franks, quando alguém
lhe perguntou sobre os “danos colaterais”, como são chamados os civis que voam em
pedaços. Babilônia, a rameira do Antigo Testamento merece esse castigo. Por seus
muitos pecados por ter muito petróleo.
Os invasores procuraram as armas de destruição em massa que venderam –
quando o inimigo era amigo –ao ex-ditador do Iraque, e que foi o principal pretexto para
a invasão. Até agora, que se saiba, não encontraram mais que armas de museus.

183
Mas são armas de construção maciça os mísseis gigantes que eles disparam? Os
invasores têm à vista as armas tóxicas e as armas proibidas: as estão usando. O urânio
empobrecido envenena a terra e o ar, e os estilhaços de aço das bombas de fragmentação
matam e mutilam em um raio que vai muito além de seus alvos.

Em 1983, quando fuzileiros navais ocuparam a ilha de Granada, a Assembléia


das Nações Unidas condenou, por enorme maioria, a invasão. O então presidente Ronald
Reagan, respeitoso, disse: “Isto não perturbou em nada meu café da manhã”.
Seis anos depois, foi a vez do Panamá. Os libertadores bombardearam os
bairros mais pobres, fulminaram milhares de civis, reduzidos a 560 no números oficiais, e
elegeram o novo presidente do país na base militar de Fort Clayton. O Conselho de
Segurança da ONU, quase por unanimidade, se pronunciou contra. Os Estados Unidos
vetaram a resolução, e se puseram a trabalhar em suas invasões seguintes.
As Nações Unidas aplaudiram as invasões seguintes, ou vaiaram ou olharam
para o outro lado, e foram as Nações Unidas que decretaram o embargo internacional
contra o Iraque, que assassinou muito mais gente do que a guerra de Bush pai: mais de
meio milhão de crianças mortas por falta de remédios ou alimentos.
Agora –surpresa –as Nações Unidas se negam a acompanhar a nova carnificina
de Bush filho. Para evitar que nas próximas guerras se repita esse episódio de má
conduta, temo, não haverá outra saída do que contar os votos do Conselho de Segurança
no Estado da Flórida.
Não havia aparecido os primeiros mísseis nos céus do Iraque quando já se havia
cozinhado o governo de ocupação, democrático governo integralmente formado por
militares dos EUA, e já se fazia a divisão dos despojos dos vencidos. Ainda se continua
disputando o botim, que não é pouco: as fabulosas jazidas de ouro negro. As empresas
agraciadas comemoram suas conquistas nos painéis da Bolsa de Valores de Nova York.
Ali está a melhor notícia da guerra. Os índices variam ao som da carnificina humana.
E que parte caberá a mim? Perguntam alguns membros da coalizão. Mas que
coalizão? Os cúmplices dessa missão libertadora, que são 40, como no conto de Ali Babá,
integram um coro em que abundam os violadores dos direitos humanos e as ditaduras.
E de onde se lançou a cruzada? Onde estão as bases militares dos EUA? Basta
lançar uma olhada no mapa: essas monarquias petrolíferas, inventadas pelas potências
coloniais, se parecem tanto com a democracia quanto Bush se parece com Gandhi.
E as alianças de dois. Um que acredita no império de hoje, e o outro que encolhe
o império de ontem. Os demais servem o café e esperam a gorjeta.
Essas alianças de dois pela liberdade do petróleo, que o Iraque nacionalizou,
nada tem de novo. Em 1953, quando o Irã anunciou a nacionalização do petróleo,
Washington e Londres responderam organizando, juntos, um golpe de Estado. O mundo
livre ameaçado fez correr sangue, e o xá Reza Pahlevi, estrela das revistas românticas, se
converteu no carcereiro do Irã durante um quarto de século.
Em 1965, quando a Indonésia nacionalizou o petróleo, Washington e Londres
também responderam organizando, juntos, um golpe de Estado. O mundo livre ameaçado
instalou a ditadura do general Suharto sobre uma montanha de mortos. Meio milhão,
segundo cálculos mais conservadores. De cada árvore pendia um enforcado. Todos
comunistas, explicava Suharto.
Ele seguiu matando. Ficou com o “tique”. Em 1975, poucas horas depois de um
visita do presidente Gerald Ford, invadiu o Timor Leste e assassinou a terça parte da
população. Dez resoluções das Nações Unidas obrigavam Suharto a se retirar do Timor
184
Leste “sem demora”. Ele sempre surdo. A ninguém ocorreu bombardeá-lo por isso, nem
as Nações Unidas decretaram algum embargo universal contra ele.
No ano passado, Ana Luisa Valdés esteve em Jenin, um dos campos de
refugiados palestinos bombardeados por Israel. Ela viu um imenso buraco cheio de
mortos sob os escombros. O buraco de Jenin tinha o mesmo tamanho que o das torres
gêmeas de Nova York. Mas quantos o viam, além dos sobreviventes que revolviam os
escombros procurando pelos seus? As tragédias comovem o mundo na proporção direta
da publicidade que têm.
Existem jornalistas honestos, que contam a guerra tal como a vêem. Alguns
pagaram com a vida. Mas existem jornalistas disfarçados de soldados, que mais parecem
soldados disfarçados de jornalistas, que oferecem versões adaptadas ao paladar das
grandes redes de desinformação globalizada. Matanças nos mercados cheios de gente?
Foram bombas iraquianas. Civis mortos? Escudos humanos que Saddam usa. Cidades
sitiadas, sem água nem comida? A invasão é uma missão humanitária. Resistiram as
cidades, e muito mais do que o previsto? Na televisão, se rendiam todos os dias. Os
invasores são heróis. Os invadidos que os enfrentam são instrumento da tirania: os
acusam de se defenderem.
A maioria dos americanos está convencida de que Saddam Hussein derrubou as
torres de Nova York. Também acredita que seu presidente faz o que faz pelo bem da
humanidade e por inspiração divina. Os meios de comunicação em massa vendem
certezas, e as certezas não precisam de provas. Mas o mundo está farto de uma vez mais
ser obrigado a engolir, a cada dia, os sapos desse cardápio.
O país dedicado a bombardear os demais países, que vem infligindo ao planeta
uma incontável quantidade de 11 de setembro, proclamou a terceira guerra mundial
infinita. O presidente, que não foi ao Vietnã graças ao papai que só conhece as guerras
de Hollywood, manda matar e manda morrer. Não em nosso nome, dizem os familiares
das vitimas das torres. Não em nosso nome, clama a humanidade. Não em meu nome,
clama Deus. (Eduardo Galeano – escritor e jornalista uruguaio)

Outro artigo de Eduardo Galeano publicado na Folha de São Paulo em 20 de


março de 2003, sob o título; A Guerra: curiosidades.

Em meados do ano passado, enquanto uma guerra estava sendo incubada,


George W. Bush declarou que ‘devemos estar prontos para atacar em qualquer obscuro
rincão do mundo’. O Iraque é, portanto, um obscuro rincão do mundo. Acreditará Bush
que a civilização nasceu no Texas e que seus compatriotas inventaram as escrituras?
Nunca ouviu falar da biblioteca de Nínive, nem da Torre de Babel, nem dos Jardins
Suspensos da Babilônia? Não ouviu nem um só dos contos das Mil e Uma Noites de
Bagdá?
Quem elegeu o presidente do planeta? A mim, ninguém chamou para votar
nessas eleições. E a vocês? Elegeriam um presidente surdo? Um homem incapaz de ouvir
nada, além dos ecos de sua voz? Surdo diante do troar incessante de milhões e milhões de
vozes que nas ruas do mundo declaram a paz ao invés da guerra? Nem mesmo foi capaz
de ouvir o carinhosos conselho de Günter Grass. O escritor alemão, compreendendo que
Bush tinha necessidade de demonstrar algo muito importante ao seu pai, recomendou que
consultasse um psicanalista em lugar de bombardear o Iraque.

185
Em 1898, o presidente William McKinley declarou que Deus havia dado a ordem
de ficar com as Filipinas, para civilizar e trazer para o cristianismo seus habitantes.
McKinley disse que falou com Deus enquanto caminhava, à meia-noite, pelos corredores
da Casa Branca. Mais de um século depois, o presidente Bush garante que Deus está do
seu lado na conquista do Iraque. A que horas e em que lugar recebeu a palavra divina? E
porque Deus teria dado ordens tão contraditórias a Bush e ao papa em Roma?
Declara-se a guerra em nome da comunidade internacional, que está farta de
guerras em nome da paz. Não é pelo petróleo dizem. Mas, se o Iraque produzisse
rabanetes em lugar de petróleo, a quem ocorreria invadir esse país? Bush, Cheney e a
doce Condoleezza realmente renunciaram a seus altos empregos na indústria petrolífera?
Por que essa mania de Tony Blair contra o ditador iraquiano? Não será porque a trinta
anos Saddam nacionalizou a britânica Irak Petrleum Company? Quantos poços Aznar
espera receber na próxima partilha?
A sociedade de consumo embriagada de petróleo, tem medo da síndrome de
abstinência. No Iraque, o elixir negro é menos caro e, talvez, em maior quantidade. Em
uma manifestação pacifista em Nova York, um cartaz perguntava: ‘Porque o nosso
petróleo está debaixo da areia deles?’.
Os Estados Unidos anunciaram uma longa ocupação militar, depois da vitória.
Seus generais cuidarão de estabelecer a democracia no Iraque. Será uma democracia
igual à que acertaram para o Haiti, a República Dominicana ou a Nicarágua? Ocuparam
o Haiti durante 19 anos e fundaram um poder militar que desembocou na ditadura
Duvalier. Ocuparam a República Dominicana por nove anos e fundaram a ditadura de
Trujillo. Ocuparam a Nicarágua durante 21 anos e fundaram a ditadura da família
Somoza.
A dinastia dos Somozas, que os fuzileiros navais colocaram no trono, durou meio
século, até que, em 1979, foi varrida pela fúria popular. Então, o presidente Reagan
montou a cavalo e se lançou a salvar seu país ameaçado pela revolução sandinista. A
Nicarágua, pobre entre os pobres, tinha, no total, cinco elevadores e uma escada rolante,
que não funcionava. Mas Reagan denunciava que a Nicarágua era um perigo; e,
enquanto falava, a TV mostrava um mapa dos EUA pintado de vermelho desde o sul, para
ilustrar a iminente invasão. O presidente Bush copia seus discursos que semeiam o
pânico. Bush diz Iraque onde Reagan dizia Nicarágua?
Títulos dos jornais, nos dias prévios à guerra: ‘Os EUA estão prontos para
resistir ao ataque’. Recorde de vendas de fitas isolantes, máscaras anti-gás, pílulas anti-
radiação... Por que o verdugo tem medo das vítimas? Apenas por este clima de histeria
coletiva? Ou teme porque pressente a conseqüências de seus atos? E se o petróleo
iraquiano incendiar o mundo? Não será esta guerra a melhor vitamina que o terrorismo
internacional está precisando?
Dizem-nos que Saddam alimenta os fanáticos da Al Qaeda. Um criador de
corvos para que lhe arranquem os olhos? Os fundamentalistas islâmicos o odeiam. É
satânico um país onde se assiste a filmes de Hollywood, colégios ensinam inglês, a
maioria mulçumana não impede que os cristãos andem com a cruz no peito e não é muito
raro ver mulheres mulçumanas vestindo calças compridas e blusas audaciosas.
Não houve nenhum iraquiano entre os terroristas que atacaram as torres de
Nova York. Quase todos eram a Arábia Saudita, o melhor cliente dos EUA no mundo.
Também Bin Laden é saudita, esse vilão que os satélites perseguem enquanto foge a
cavalo pelo deserto e que diz presente cada vez que Bush precisa de seus serviços como
ogro profissional.
186
Sabia que o presidente Eisenhower disse, em 1953, que a ‘guerra preventiva’ era
uma invenção de Hitler? Ele disse: ‘Francamente, não levaria a sério alguém que me
viesse propor semelhante coisa.’ Os EUA são o país que mais armas fabrica e vende no
mundo. Também são o único país que lançou bombas atômicas contra a população civil.
E sempre está, por tradição, em guerra contra alguém. Quem ameaça a país universal? O
Iraque?
O Iraque não respeita as resoluções das Nações Unidas? Elas são respeitadas por Bush,
que acaba de desferir a mais espetacular patada na legalidade internacional? São
respeitadas por Israel, país especializado em ignorá-las? O Iraque desconheceu 17
resoluções das Nações Unidas. Israel, 64. Bombardearam Bush e seu mais fiel aliado?
O Iraque foi arrasado, em 1991, pela guerra de Bush pai e deixado esfomeado
pelo posterior bloqueio. Quais armas de destruição em massa pode esconder esse país
maciçamente destruído? Israel, que desde 1967 usurpa terras palestinas, conta com um
arsenal de bombas atômicas que garante a impunidade. E o Paquistão, outro fiel aliado
que também é um notório ninho de terroristas, exibe suas próprias ogivas nucleares. Mas
o inimigo é o Iraque, porque ‘poderia ter’ essas armas. Se tivesse, como a Coréia do
Norte proclama possuir, se animariam em atacá-la?
E as armas químicas ou biológicas? Quem vendeu a Saddam Hussein a matéria-
prima para fabricar os gases venenosos que asfixiaram os curdos e os helicópteros para
lançar esses gases? Por que Bush não mostra os recibos? Naqueles anos, guerra contra o
Irã, guerra contra os curdos, era Saddam menos ditador do que é agora? Até Donald
Rumsfeld o visitava em missão de amizade. Por que os curdos são comoventes agora, e
antes não? E por que só são comoventes os curdos do Iraque, e não os curdos muito mais
numerosos que a Turquia sacrificou?
Rumsfeld, atual secretário da Defesa, anuncia que seu país usará ‘gases não-
letais’ contra o Iraque. São gases tão pouco letais como esses que Putin usou, no ano
passado, no teatro de Moscou e que mataram mais de cem reféns?
Durante muitos dias as Nações Unidas cobriram com uma cortina o quadro
‘Guernica’, de Picasso, para que essa desagradável obra não perturbasse os toques de
clarim de Colin Powell. De que tamanho será a cortina que esconderá a carnificina do
Iraque, segundo a censura total que o Pentágono impôs aos correspondentes de guerra?
Para onde irão as almas das vítimas iraquianas? Segundo o reverendo Billy
Graham, assessor religioso do presidente Bush e agrimensor celestial, o paraíso é bem
pequeno: mede nada mais do que 1.500 milhas quadradas. Poucos serão os eleitos.
Adivinhação; qual será o país que comprou quase todas as entradas?

Artigo Dominar o mundo a força, de Noam Chomsky, publicado no Diário de


Pernambuco 21-03-2003:

Dominar o mundo à força

Escritor e diretor do departamento de lingüística e filosofia do Instituto de


Tecnologia de Massachusetts, Noam Chomsky é uma exceção dentro de seu país. Fora do
Eixo intelectual Democrata-Republicano, ele encontrou um espaço próprio e hoje é o
crítico mais contundente do sistema político dos EUA. Há anos, por exemplo, ele afirma
que o discurso de liberdade de Washington não passa de maquiagem para esconder o

187
apoio à grande parte dos regimes tirânicos do mundo. Horas depois do ultimato de
George Bush a Saddam Hussein ele deu entrevista –da qual publicamos trechos a seguir
–afirmando que os Estados Unidos querem dominar o mundo ‘através da força’.

Pergunta; Há alguma razão para a guerra?


Noam Chomsky; há várias. Uma é que o Iraque não é subordinado ao poder dos EUA.
Portanto, é um possível alvo. Também é um país indefeso. Não é realmente uma guerra,
se se olhar para a distribuição forças. Outra razão é: o Iraque tem a segunda maior
reserva de petróleo do mundo. E os EUA querem o controle dela. Há também a questão
crucial do momento político interno. Não há forma alguma de o atual governo ganhar as
eleições se a população estiver atenta a questões como a economia, atendimento médico,
qualquer coisa na arena sócio-econômica. É necessário minimizar estas preocupações em
favor da segurança.

Pergunta; Praticamente todos os países do mundo são contra esta guerra. Por que os
americanos, em sua maioria, apóiam a guerra?
Noam Chomsky; Se se olhar para as pesquisas, pode-se encontrar as razões. Em
perguntas como ‘Saddam é um ameaça iminente para a sobrevivência dos EUA?’ Cerca
de 60% dos entrevistados diz: ‘sim’. Coincidentemente isso só acontece desde setembro,
quando o governo Bush começou essa propaganda. Quase metade da população acredita
que o Iraque é responsável pelo 11 de setembro. Antes de setembro do ano passado quase
ninguém acreditava nisso. É uma fabricação completa. Este é um país muito assustado. É
muito fácil para um líder inescrupuloso espalhar o medo. E há que se lembrar quem são
as pessoas que estão em Washington agora. São os mesmo que mandaram no país nos
anos 80. E foi assim que eles mantiveram o poder. ‘O Exército da Nicarágua está a dois
dias de marcha do Texas’, disse Ronald Reagan. Foi declarado estado de emergência.
‘Há uma base aérea em Granada que os russos vão usar para nos bombardear’. A
população foi mantida em pânico por uma década. Eles têm de fazer isso para manter o
poder.

Pergunta; É possível que a guerra leve a democracia para o Oriente Médio, como diz
Bush?
Noam Chomsky; Há 40 anos, um golpe militar no Brasil colocou no poder um regime
neonazista. O embaixador de John Kennedy no Brasil, Lincoln Gordon, que estava no
Departamento de Estado, saudou o golpe como ‘a maior vitória da democracia da metade
do século XX’. Talvez ocorra algo neste sentido lá. E há casos e casos como este. É só
olhar para as regiões controladas pelos EUA mais fortemente no último século, como
a América Central e o Caribe. Os EUA irão permitir um tipo de democracia formal,
àquele que segue suas ordens.

Pergunta; George Bush, pai do atual presidente, afirmou que vivemos numa Nova Ordem
Mundial após o fim da Guerra Fria. Desde então os EUA decretaram guerras contra as
drogas e contra o terror, e usaram estes motivos para atacar outros países. Há alguma
diferença na ordem mundial?
Noam Chomsky; Sim, há. Quero dizer, temos que nos lembrar como George Bush pai
definiu a Nova Ordem Mundial. ‘O que dizemos é o que vale’. As pessoas que estão agora
nos escritórios de Washington são, quase todos, dos governos Reagan e do primeiro
Bush. Então é horrível, mas faz sentido acreditar que ‘o que dizemos é o que vale’ é de
188
fato a Nova Ordem Mundial. Foi apenas estendida na estratégia nacional relatada pelo
segundo Bush setembro passado, que diz que nós iremos dominar o mundo através da
força e vamos assegurar que nunca haverá qualquer desafio ao poder dos EUA, porque
temos um poder militar devastador, e vamos usa-lo em guerras preventivas para ter
certeza de que desafio algum irá surgir.

Trecho de: A face do terror – revista IstoÉ 16-04-2003.


De Fernando F. Kadaoka
(...)
Saddam assumiu o poder através de um golpe palaciano em 1979. No ano
seguinte, lançou-se numa guerra contra o Irã onde tinha sido instaurado um regime
islâmico anti-ocidental. Durante oito anos, a guerra devastou os dois países. Com o apoio
velado ou explícito do Ocidente, o ditador usou e abusou das armas químicas contra os
iranianos, primeiro, e, depois, contra os iraquianos curdos, no final do conflito, em 1988.
O homem do terror foi o mesmo que iniciou um vistoso processo de
modernização do Iraque. Em 1972, ele nacionalizou a indústria petrolífera, devolvendo
ao Iraque o monopólio de exploração sobre suas reservas. No Iraque de Saddam, mesmo
com a brutal repressão aos dissidentes, as mulheres freqüentavam universidades. Os
indicadores socioeconômicos também cresceram bastante. Em 1976 e 1986, por exemplo,
o total de estudantes primários cresceu 30%. Se comparado aos vizinhos do Oriente
Médio, o Iraque era um país razoavelmente próspero.
Mas a obsessão belicosa e o erro de cálculo do ditador iraquiano entraram em
conflito com os interesses de Washington quando ele invadiu o Kuwait em 1990.
Derrotado na guerra do Golfo (1991), Saddam ainda contou com o beneplácito
americano para reprimir as revoltas dos xiitas e dos curdos depois da guerra. Nos 12
anos seguintes, o ditador sobreviveu sob embargo da ONU, que colocou por terra todas
as conquistas provenientes dos petrodólares e deixou visível apenas a face sanguinária do
regime.

Trecho de IstoÉ Dinheiro 09-04-2003


De Leonardo Attuchi
(...)
Salte agora para o mundo regido pelo Islã. É um império que se estende da
África do Norte ao Sudeste asiático, passando países como Argélia, Egito, Sudão, Arábia
Saudita, Paquistão, Irã e Indonésia. Juntas, as nações islâmicas formam um mercado de
1,2 bilhão de pessoas e PIB de US$ 3 trilhões – mais de duas vezes a China. Observe,
então, as imagens das manifestações contra a invasão do Iraque por tropas anglo-
americanas. Lá estarão as mensagens pacifistas, os enterros simbólicos de Bush e Tony
Blair, além das bandeiras americanas incendiadas. Mas também surgirão, ali e acolá,
cartazes com a imagem de um líder visto pela população local como paternal e corajoso,
capaz de enfrentar a opressão imperial. É ele mesmo, Saddam Hussein. ‘Os bombardeios
a Bagdá e as mortes de civis fizeram dele o nome mais popular nas ruas do mundo
árabe’, diz o professor Bansidhar Pradhan, especialista em relações internacionais da
Universidade de Nova Délhi, na Índia. ‘É o símbolo vivo do antiamericanismo.’ Oito
séculos depois de Saladino, o guerreiro árabe que derrotou os cruzados cristãos e

189
defendeu as terras palestinas, Saddam encarna o redentor. E, coincidência ou não, tanto
ele quanto Saladino nasceram na mesma cidade: TiKrit, ao norte do Iraque.

O genocídio de Bush
Ivan Martins
As pessoas morrem com bombas e tiros, mas antes que isso aconteça elas são
assassinadas por idéias. À frente das legiões americanas que se preparam para marchar
sobre Bagdá, avança uma idéia violenta, racista e economicamente inconfessável de
Império. Os Estados Unidos vestem a máscara do combate ao tirano para esconder um
ardil geopolítico, o de controlar pela força uma região que consideram vital. E há que
fazê-lo antes que europeus, asiáticos ou os nativos estranhos o façam. O discurso liberal
diz liberdade e democracia, mas a voz das bombas é mais eloqüente.
E o que ele conta é um desprezo profundo contra a vida do outro, sobretudo, e
talvez sempre, se o outro não é branco, europeu ou cristão.
Nada disso é novo na História. No século 16 os índios da América tombaram aos
milhões, vítimas de uma idéia européia e cristã de expansão imperial nascida no berço
sangrento das cruzadas. Foi um genocídio praticado com a bíblia em uma mão e a
espada em outra. Portugueses e espanhóis matavam e escravizavam enquanto os doutores
da Igreja discutiam se os nativos americanos tinham ou não alma. Trezentos anos depois,
sob a tutela do Império Britânico, foi a vez dos asiáticos sentirem o peso da civilização
européia. Quando o imperador da China tentou coibir o uso do ópio, que havia se
tornado epidêmico no início do século 19, foi atacado pelos canhoneiros de Sua
Majestade. As companhias britânicas detinham o monopólio do cultivo e venda da droga
e não admitiam perder dinheiro.
No século 20, nazistas e stalinistas seguiram nos passos de seus antecessores.
Sacrificaram milhões de vidas às suas próprias convicções de pureza racial e ideológica,
com mais de uma pitada de imperialismo. Hitler precisava das teorias de supremacia
racial para justificar o desejo alemão de colonizar o leste da Europa. Stalin valeu-se da
ditadura e do proletariado para manter e expandir o império russo. Logo, o desprezo do
cristão renascido George W. Bush pelas vidas estrangeiras não é novo. Quando se
somam os interesses econômicos e políticos do Império com o messianismo de um ex-
alcoólatra convertido, o resultado é obsceno, mas não surpreendente. Em seus cinco
séculos de hegemonia global a civilização ocidental e cristã tem demonstrado um
descarado pendor para a violência. Bush, com suas limitações morais e intelectuais, é
apenas mais uma longa tradição de cruzados imperialistas. Quer controlar o mundo e
reformá-lo. Ou matar milhares de pessoas tentando.

No livro Deus é inocente e a imprensa não, Carlos Dorneles nos fala sobre o
papel da imprensa nas questões que envolvem potências:
“George Bush não inventou o controle da mídia, não foi o precursor na política
de supremacia dos Estados Unidos, não foi o primeiro a promover guerras mantendo a
imprensa contra a parede, não foi o único a bombardear outros povos para aumentar o
prestigio junto à população e nem foi o arauto do desrespeito às organizações
internacionais.

190
Mas George Bush certamente foi o primeiro a fazer tudo isso ao mesmo tempo e
com tamanha eficiência. O 11 de setembro e seus horrores, deu a Bush condições de
implantar seu projeto político de maneira muito mais rápida. A mídia colaborou
intimamente.
A imprensa pediu a guerra e foi atendida. Ignorou massacres, desrespeito aos
direitos humanos e às liberdades individuais, a destruição de um país miserável pela
maior potência militar do planeta, e deu vazão ao patriotismo como senha para a
obediência ao poder. Numa guerra que os americanos jamais combateram em solo, a
mídia descreveu um conflito diferente, muito mais limpo e heróico.
A imprensa brasileira, com outras do mundo ocidental, apenas seguiu os passos
da americana – foi refém e cúmplice.(...).
A utilização da mídia na preparação do ataque: (...) O New York Times,
reproduzido no Estadão, divulgou um artigo de mais de meia página escrito por um tal
Michel Rubin, ‘acadêmico visitante’ do Instituto (American Enterprise Institute). O título
é: ‘Iraquianos debatem como será a vida pós-Saddam’.
Pelo título supõe-se que são entidades e cidadãos do Iraque que discutem o
futuro do país. Na verdade, foi um artifício utilizado desde a Guerra do Golfo. As fontes
foram curdos que vivem no norte do Iraque e que odeiam qualquer dirigente iraquiano, e
não apenas Saddam, porque lutam por sua independência. A matéria fez essa mistura sem
distinção. Um professor universitário perguntou: ‘Por que vocês, povos do Ocidente,
acham que nós queremos viver sob o domínio de Saddam?’
O texto todo é genérico: ‘Após 34 anos de ditadura do Parido Baath, os civis
iraquianos querem a liberdade e uma vida melhor.’
Mas em nenhum momento foram ouvidas organizações ou cidadãos que não
sejam os curdos. A imagem a ser passada é a de um tirano isolado, sem apoio nenhum da
população, que só se mantém no poder pela força das armas. É o mal, e ponto final. O
que nenhuma matéria na imprensa ocidental tentou explicar é como ainda se mantém no
poder um ditador sem qualquer apoio, bombardeado freqüentemente há dez anos, isolado
economicamente e tendo contra si a força do império mais poderoso da história do
planeta. A resposta está naquilo que é inaceitável para o governo americano: Saddam
conta com o apoio da maioria da população. E isso não se explica apenas por um
‘lavagem cerebral.’
O Iraque é um dos países que mais se modernizaram no mundo árabe. É
também um dos governos mais seculares, afastado da influência religiosa. As mulheres
iraquianas são as que conquistaram mais avanços nessas últimas décadas. E a pobreza
não era tão grave como em muitos outros países árabes antes de ser devastado pelos
bombardeios e de sofrer um poderoso bloqueio econômico. Mas esses são temas jamais
discutidos pela mídia...”

Irã
Significa ‘terra dos arianos’. Antiga Pérsia (6000 a.C.).
O governo do xá Fath Alixá (1797-1834) teve de se defrontar com as ambições
dos europeus. Quando o emir Keluil, Zaman Xá, invade a Índia em 1798, os britânicos
temerosos de ver seu controle diminuir na zona, solicita ajuda aos persas...

191
Pouco depois os persas incorrerão em perigo bem maior: Napoleão I e seu
aliado, o czar Paulo, planejavam invadir a Índia através da Pérsia. O projeto,
geograficamente impossível, foi levado a sério na época, e os ingleses enviaram missões a
Teerã para negociar um tratado político e comercial, assim como discutir meios de
impedir a execução do plano. (...)
Em 1801 os russos anexaram a Geórgia e outras províncias...
O tratado com os franceses de assistência militar... falhou com a paz assinada
entre Napoleão I e o czar Alexandre. A Pérsia foi forçada a concordar com a perda...
No governo de Nasir ad-Din-xá (1848-1896), a Rússia e o Reino Unido
invadiram o país, controlando mais de perto os negócios internos e externos da Pérsia...
Por suas excessivas concessões às potências estrangeiras, Nasir perdeu popularidade e
acabou sendo assassinado.
Em 1907... a Rússia e o Reino Unido haviam estabelecido um acordo, dividindo
a Pérsia em 3 zonas de influência: norte aos russos, sudeste aos ingleses e sudoeste
neutro... A despeito das declarações anglo-russas de que o referido tratado visava a
impedir uma intervenção na área (da Alemanha especialmente), a reação dos persas às
clausuras do ajuste foi de hostilidade e desilusão.
Depois de 1909, várias crises no país, inclusive a crescente rivalidade anglo-
russa. Reza Khan, comandante da brigada corraca, invade Teerã e derruba o governo.
O novo governo denunciou o tratado anglo-iraniano, assinou um tratado com a
URSS estabelecendo a não intervenção nos assuntos do Irã e, cancelando concessões e
dívidas anteriores...
Num regime militar autoritário, o Xá governava com amplos poderes uma
pretensa democracia.
Durante a Segunda Guerra, por desconfiança em relação ao Reino Unido e a
URSS, eram favorecidas as potências do Eixo...
O Reino Unido e a URSS, ao verem recusado pelo governo iraniano seu
ultimato, em vista de enviar equipamentos militares para URSS (atacada pela Alemanha
em 1941) através do Irã, invadiram o país e o xá Reza abdicou.
Seu filho, Muhammad Reza Pachavi assina um tratado com o Reino Unido e a
URSS; prometeram estes evacuar suas tropas no fim da guerra... O Reino Unido e os
EUA retiraram suas forças, mas a URSS não.
Os EUA consideraram que estava em jogo não só a violação do acordo do Teerã, como
também as imensas jazidas de petróleo no sul do Irã e do Iraque... Escudado em seu
monopólio atômico, os EUA reagiram, mandando um ultimato a Stalin... E o Irã foi
evacuado... (dados da Enciclopédia Britânica)

De Em nome de Deus
Karen Armstrong

O programa de modernização concebido por Reza Xá era ainda mais acelerado


do que o do Egito e o da Turquia, pois o Irã mal começava a se modernizar quando ele
assumiu o governo. Implacável, Reza simplesmente eliminou seus opositores; um dos
primeiros a desaparecer foi o aiatolá Mudarris preso em 1927 e assassinado em 1937,
porque se pronunciara contra o Xá na Majlis (assembléia representativa do Irã). Reza
conseguiu centralizar o poder pela primeira vez; porém, para isso utilizou os meios mais
brutais, reprimiu rebeliões e empobreceu as tribos nômades, até então virtualmente
192
autônomas. (...) Tentou industrializar o Irã. (...) No final da década de 1930 a maioria da
cidade tinha eletricidade e usinas energéticas. Todavia, os controles do governo sustaram
o desenvolvimento de uma economia capitalista realmente forte, os salários eram baixos
e a exploração era comum. Esses métodos draconianos se revelaram infrutíferos; o país
não conseguiu conquistar a independência econômica. A Inglaterra ainda controlava a
florescente indústria petrolífera, e o Irã ainda dependia de empréstimos e investimentos
estrangeiros. O programa do Xá era inevitavelmente superficial. (...) Os noventa por
cento da população que viviam de agricultura foram ignorados e continuaram usando
métodos tradicionais e improdutivos. A sociedade não passou por nenhuma reforma
fundamental. Reza não tinha o menor interesse pelos sofrimentos dos pobres, e
enquanto o Exército abocanhava 50% do orçamento e da educação, que continuava
sendo um privilégio dos ricos, ficava com apenas 4%. Como no Egito, duas nações
estavam surgindo no Irã e entendendo-se cada vez menos. Uma ‘nação’ compreendia a
pequena elite ocidentalizada das classes alta e média, que se beneficiava com o programa
de modernização; a outra consistia na vasta massa de pobres que, confusos com o novo
nacionalismo secular do regime, dependiam como nunca da orientação dos ulemás.
(ulemás = erudito – guardião das tradições jurídicas e religiosas entre sunitas e xiitas).
Reza detestava o clero e decidira cercear seu considerável poder. Professava um
nacionalismo que visava banir o islamismo e se baseava na antiga cultura persa. (...)
As leis sobre a Uniformidade da Vestimenta, promulgada pelo xá em 1928,
mostram a superficialidade e a violência desse processo de modernização. O traje
ocidental tornou-se obrigatório para todos os homens (exceto para os ulemás...) e mais
tarde proibiu-se o uso do véu. Os soldados arrancavam o véu das mulheres com a
baioneta e o rasgavam na rua. (...) Em 1935 a polícia disparou sobre uma multidão que
protestava contra as Leis da Vestimenta. (...) Centenas de manifestantes desarmados
foram mortos e feridos. Não surpreende que muitos iranianos experimentassem a
secularização como um processo letal, concebido não para libertar a religião do Estado
coercitivo (como no Ocidente), e sim, para destruí-la. (...)
... década de 20, os ingleses exilaram alguns dos maiores ulemás do Iraque e
dois deles estabeleceram-se em Qum. A cidade começou a reviver. Estudiosos ilustres
passaram a lecionar nas madrasahas reformadas, atraindo melhores alunos (...).
Qum... nos anos de 1960 e 1970 se imporia como ‘capital’ religiosa do país e o
centro de oposição a Teerã, a capital monárquica. Nessa época, porém, seus mulás
(funcionário encarregado da mesquita) seguiam a tradição xiita de manter distância da
política. (...) (Em 1920 chega a Qum o homem) que se converteria no mulá mais famoso
de seu país: o jovem Ruho Llah Musavi Khomeini (1902-89). (...) os ingleses haviam
obrigado Reza Shah a abdicar, por causa de suas simpatias pela Alemanha, mostrando
que, apesar de todas as suas ruidosas declarações de independência, ele era tão escravo
das potências européias quanto os Qajar (dinastia do Irã). Em 1941 sucedeu-o o seu
filho, Muhammad Reza uma personalidade muito mais tranqüila e por ora, mais fraca. A
sucessão ocorreu num momento difícil. A Segunda Guerra Mundial transtornava o Irã... a
fome se alastrava...; nessa fase de agrura econômica havia um crescente
descontentamento com o controle dos ingleses sobre o petróleo iraniano. (...).
Em 1945 o aiatolá Sayyid Mustafá Kashani, que os ingleses aprisionaram
durante a guerra (atividades pró-germânicas) pôde retornar ao Irã. Multidões imensas o
recepcionaram, estendendo tapetes para o seu carro passar (...).

193
Um observador atento teria percebido, pela extraordinária popularidade de
Kashani que, no plano político, um clérigo podia despertar nos iranianos mais
entusiasmo que um leigo. (...)
Enquanto Khomeini perseguia um objetivo com disciplina e determinação,
Kashani tinha alguns projetos moralmente indefensáveis (...); em 1949 emitiu uma fatwa
favorável à nacionalização do petróleo. (...).
A crise do petróleo eclodiu em 1951 quando os Fedayin assassinaram o
primeiro ministro Ali Razmara favorável a Anglo-Persian Oil Company.
Mossadegh se torna primeiro ministro. Dois dias depois a Majlis, recomendou a
nacionalização da indústria petrolífera (...); embora a Corte Internacional de Haia
reconhecesse o direito do Irã de nacionalizar seus próprios recursos, as empresas
petrolíferas inglesas e americanas se associaram num boicote não oficial ao petróleo
iraniano. Na Inglaterra e nos Estados Unidos a mídia apresentou Mossadegh como um
fanático perigoso, um ladrão (apesar de ele ter prometido indenização), um comunista
que entregaria o Irã à União Soviética (embora ele fosse um nacionalista empenhado em
libertar seu país de toda dominação estrangeira). Para seus compatriotas, no entanto,
Mossadegh era um herói mais ou menos como Nasser depois da nacionalização do canal
de Suez. Começou então a arrogar-se mais poder, em detrimento do xá. Quando
reivindicou o controle das Força Armadas em 1952, o soberano o demitiu, porém as
massas lhe demonstraram seu apoio com manifestações turbulentas que alarmaram os
monarquistas (...), e também inquietaram Londres e Washington que queriam a saída de
Mossadegh... Dois dias depois o xá readmitiu Mossadegh (...).
Em 1953, o prestigio de Mossadegh declinara. Ele nunca tivera a lealdade
absoluta do exército, mas agora o embargo do petróleo estava provocando uma grave
crise econômica (...). Os ulemás lhe viravam as costas... Enquanto os velhos aliados o
desertavam, o Tudeh, o partido socialista, passou a apoiá-lo. Foi o suficiente para
alarmar Dwight Eisenhower, presidente dos Estados Unidos, que com medo de um golpe
pró-comunista, aprovou a participação de seu país na Operação Ájax, concebida pela
inteligência britânica e pela CIA para depor Massadegh. Entretanto em agosto de 1953 o
premier tomou conhecimento do plano; conforme o que se combinara para o caso de a
trama ser descoberta, o xá e a rainha deixaram o país para só voltar sob a égide da CIA,
que três dias depois conduziu os descontentes e os homens-chave do exército num levante
que derrubou Mossadegh. Mais tarde, ele foi julgado por um tribunal militar, defendeu-se
brilhantemente e escapou da pena máxima, porém passou o resto da vida em prisão
domiciliar. (...) Os iranianos sentiam-se traídos e humilhados pelos americanos que até
então consideravam seus amigos. Agora, os Estados Unidos seguiam o exemplo da Rússia
e da Inglaterra que cinicamente manipularam os acontecimentos em proveito próprio.
Isso ficou claro em 1954, quando se firmou um novo acordo de petróleo, restabelecendo o
controle da produção e da comercialização e destinando cinqüenta por cento dos lucros
ao cartel mundial. Os iranianos mais conscientes se revoltaram. Haviam tentado
controlar sua própria riqueza, com o aval da corte internacional, porém esse aval não
fora respeitado. O aiatolá Kashani observou, estarrecido, que a ajuda americana
beneficiava apenas alguns de seus compatriotas e não chegava nem à centésima parte
que os Estados Unidos tiraram do Irã sob a forma de petrodólares. “Por causa de
centenas de milhões de dólares que os imperialistas colonialistas americanos ganharão
com o petróleo”, profetizou, “a nação oprimida perderá toda a esperança de liberdade e
terá uma opinião negativa sobre o mundo ocidental”. (...)

194
A revolta se intensificou no início dos anos de 1960, quando o soberano se
tornou mais autocrático e cruel (...). Ao mesmo tempo em que proclamavam sua fé na
liberdade e na democracia, os Estados Unidos apoiavam um xá que não admitia oposição
ao governo e negava aos súditos os direitos humanos fundamentais. Depois de 1953 o Irã
se tornou um aliado americano privilegiado. Como importante produtor de petróleo,
constituía um excelente mercado para serviços e tecnologia americanos. Era uma mina
de ouro para os Estados Unidos que, durante anos, utilizaram a tática dos ingleses: uso
da força no mercado de petróleo, influência indevida sobre o monarca, exigências de
imunidade diplomática, concessões comerciais e uma atitude condescende para com a
população local. Empresários e consultores americanos instalaram-se no país e
ganharam fortunas. (...) Essa política tacanha e interesseira acabaria por revestir os
Estados Unidos de uma aparência diabólica. (...)
Os xiitas iranianos sofreram mais uma agressão secularista quando o xá Reza
Pahlevi anunciou sua Revolução Branca em 1962, (...); começou uma dissolução da
Maylis, certo de que só conseguiria realizar suas reformas instaurando um regime
ditatorial e silenciando a oposição. Para isso contava com a Savak, sua polícia secreta,
formada em 1957 com a colaboração da CIA americana e do Mossad israelense. Os
métodos brutais e a tática da tortura e da intimidação utilizados pela Savak suscitavam
entre a população a sensação de ser mantida prisioneira no próprio país, com a
conivência de Israel e dos Estados Unidos. (...)
Os intelectuais usavam idéias como armas. Estavam preocupados com o mal-
estar reinante no país, e cientes de que a modernização se processara depressa demais e
resultara numa alienação generalizada. (...)
Os ulemás iranianos eram bem diferentes dos egípcios. Muitos sabiam que
teriam de modernizar a si mesmos e a suas instituições para ajudar o povo. Estavam cada
vez mais revoltados com o governo autocrático do xá que feria princípios fundamentais
do xiismo. (...) Os reformadores achavam que os ulemás não deviam ser tão cautelosos
em relação à política, já que o islamismo abrange todos os aspectos da vida. (280...). Seu
movimento de reforma envolveu apenas um pequeno grupo de ulemás; não chegou às
massas e não esboçou nenhuma crítica ao regime.(...)... os ulemás tiveram uma surpresa
quando um clérigo, até então obscuro se destacou de repente com uma postura muito
mais radical... o aiatolá Khomeini (...) (ministrava em 1960 o curso de ética islâmica).
(...); em sua condição oficial, deu início a um ataque continuo e direto contra o xá, ao
qual retratava como inimigo do Islã. Numa época em que ninguém ousava falar mal do
regime, Khomeini protestava contra a crueldade e a injustiça do governo, a dissolução
inconstitucional de Maylis, a tortura, a supressão de toda oposição, a subserviência dos
Estados Unidos e o apoio de Israel, país que desalojara os palestinos.(...) recomendava
ao xá que saísse de seu esplêndido palácio e visitasse os casebres da parte sul do Teerã
(...). Em 22 de março de 1963, aniversário do martírio do Sexto Imame (envenenado pelo
califa Al-Mansur em 765) a Savak investiu contra a madrasah, matando vários
estudantes, e prendeu Khomeini.(...)
Khomeini achava que para haver reforma social era preciso empreender uma
reforma espiritual. Em seu último pronunciamento aos iranianos, pediu-lhes que
continuassem estudando e praticando a irfan (tradição mística iraniana) que os ulemás
tendiam a negligenciar. A seu ver a busca mística, associada com o mithos, sempre devia
acompanhar as atitudes práticas do logos. (...).
Libertados depois de alguns dias na prisão, Khomeini retomou sua ofensiva (...),
foi preso novamente. Quando a notícia se espalhou, milhares de iranianos saíram às ruas
195
para protestar em Teerã, Mashahad, Shiraz, Kashan e Varamim. A Savak recebeu ordens
de atirar para matar; tanques cercaram as mesquitas da capital para sustar as preces da
sexta-feira. (...) Universitários e alunos das madrasahs, laicos e mulás lutaram lado a
lado. A rebelião, sufocada só depois de alguns dias, revelou a tensão e o ressentimento
latente (...); centenas de iranianos estavam mortos.
Khomeini escapou da execução por um triz. O aiatolá Muhammed Kazim Shariatmadari,
um dos mujtahids mais eminentes, salvou-lhe a vida, promovendo-o à categoria de grande
aiatolá – matá-lo nessa posição seria arriscado demais para o governo. Libertado pela
segunda vez, Khomeini se tornou um herói popular. Sua fotografia onipresente
simbolizava a oposição. (...)
Os ocidentais tendiam a vê-lo como um retrocesso à Idade Média, mas na
verdade boa parte de sua mensagem e de sua ideologia era moderna (...). No fim
Khomeini foi longe demais. Em 27 de outubro de 1964 proferiu um violento ataque contra
a recente concessão de imunidade diplomática a militares e consultores americanos, e a
aceitação por parte do xá de 200 milhões de dólares para armamentos. Afirmou que o Irã
era virtualmente uma colônia dos Estados Unidos. Que outra nação se submeteria a
tamanha indignidade? Uma criada americana que cometesse um crime no Irã ficaria
praticamente impune, mas um cidadão iraniano que sem querer atropelasse um cachorro
de um americano iria a julgamento. Durante décadas, estrangeiros exploraram o petróleo
iraniano; a população local nada ganhou com isso e os pobres continuavam sofrendo (...)
Khomeini foi deportado (...), o regime estava decidido a silenciar o clero (...); começou a
confiscar as propriedades doadas às instituições religiosas (...). Em 1970 o aiatolá Riza
Said foi torturado até a morte por discordar de uma conferencia para promover o
investimento americano no Irã e por qualificar o regime de ‘tirânico agente do
imperialismo’.
(...)
A Revolução Iraniana foi o acontecimento que pela primeira vez atraiu a
atenção do mundo para a potência fundamentalista. (...) A vitória de Khomeini mostrou
que o islamismo não estava fadado à destruição, mas podia lutar contra grandes forças
seculares e vencê-las. Ao mesmo tempo a Revolução horrorizou muitos ocidentais. A
barbárie aparentemente triunfara sobre o Iluminismo. Para numerosos secularistas
Khomeini e o Irã representavam tudo o que a religião tinha de errado – e até mesmo o de
mau –principalmente porque a Revolução revelou o ódio de muitos iranianos pelo
Ocidente em geral e pelos Estados Unidos em particular.
O Irã antes da revolução
Os americanos se escandalizaram ao ver sua nação qualificada de satânica
durante e após a Revolução. Mesmo os que sabiam da aversão que muitos iranianos
sentiam pelos Estados Unidos desde o golpe da Cia em 1953, repudiaram essa imagem
demoníaca. Por mais equivocada que fosse, a política americana não merecia ser
condenada dessa maneira. Tal condenação apenas confirmava o que geralmente se
pensava dos revolucionários iranianos: que eram todos fanáticos, histéricos e
desequilibrados. Entretanto a maioria dos ocidentais não entendeu a imagem do Grande
Satã. No cristianismo satã representa o mal esmagador, porém no islamismo é uma figura
muito mais controlável. (...) Os iranianos que chamavam os Estados Unidos de ‘Grande
Satã’ não estavam classificando-os de diabolicamente malvados, e sim dizendo algo mais
precioso. No xiismo popular, Shaitau, o Tentador, é uma criatura ridícula, cronicamente
incapaz de apreciar os valores espirituais do mundo invisível. Uma história o mostra
reclamando dos privilégios que Deus conferiu aos humanos e dos dons inferiores que lhe
196
couberam. Shaitan não tem profetas, contenta-se com adivinhos, faz do bazar sua
mesquita (...). Para muitos iranianos, os Estados Unidos, o Grande Shaitan, eram o
‘Grande Trivializador’. Os bares, os cassinos e os etos secularistas da ocidentoxicada
zona norte do Teerã representavam os etos americanos, que parecia ignorar
deliberadamente as realidades ocultas que dão sentido à vida. Ademais, o Grande
Shaitan tentara o xá até afasta-lo dos verdadeiros valores islâmicos e levá-lo a um
superficial secularismo. (...).
A Revolução Iraniana não foi meramente política (...); foi também uma rebelião
contra os etos secularistas que excluía a religião e que muitos iranianos viam como uma
imposição contraditória à sua vontade. A imagem dos Estados Unidos como o grande
Satã evidencia isso. Muitos achavam, acertadamente ou não, que Pahlevi não agiria
como agiu se não contasse com o respaldo de Washington (...) Os iranianos não
compreendiam como o presidente podia continua operando um governante que em 1978
começara a matar seu próprio povo. (...)
Em 8 de janeiro de 1978 (...) um artigo infamante publicado no jornal semi-
oficial Ettelaat chamou Khomeini de ‘aventureiro descrente preso aos centros do
colonialismo’, atribuindo-lhe uma vida dissoluta e informou que ele havia sido espião dos
ingleses e ainda estava a serviço da Inglaterra que desejava acabar com Revolução
Branca. Com esse ataque grosseiro e absurdo o xá cometeu um erro fatal. No dia
seguinte quatro mil estudantes saíram às ruas de Qum, exigindo liberdade de expressão,
a retomada da Constituição de 1906, a libertação dos prisioneiros políticos, reabertura
da madrash e o retorno de Khomeini. O que obtiveram foi um massacre. A polícia
disparou contra os jovens desarmados (...); para Pahlevi, assinalou o começo do fim...
Milhões de iranianos se enfureceram. E eclodiu a Revolução (...) os ulemás assumiram a
liderança (...). Jovens estudantes, muitas das quais usavam o véu para dissociar-se do
regime, e mulheres de xador geralmente encabeçavam a marcha, como se desafiassem a
polícia a disparar contra elas. A polícia realmente disparou, produzindo mais mártires.
(...)
Em agosto (...) um incêndio criminoso no cinema Rex resultou em quatrocentas
mortes (...); se atribuiu o incêndio a Savak, e dez mil pessoas compareceram aos funerais
gritando ‘morte ao xá! Queimem o xá!’
Pahalevi fez mais concessões... Tarde demais... Em setembro decretou lei
marcial e proibiu aglomerações (...). Manifestantes (vinte mil) ignoraram as medidas;... o
povo tomou as ruas, ergueu barricadas, incendiou edifícios, sob os disparos dos tanques
(...) novecentos mortos.
Jimmy Carter liga para o xá assegurando-lhe seu apoio (...). Mas, depois do
massacre da praça Jeleh, nem mesmo o apoio do Grande Satã conseguiu salvar o xá...
Khomeini (de Paris) ordenou protestos contra o regime... Passeatas em Teerã... quase
dois milhões de pessoas... faixas com as frases ‘Vamos matar o ditador do Irã’ e ‘Vamos
destruir o poderio ianque no Irã’... Convidado Khomeini assumiu o governo...
A família real partiu para o Egito onde Sadat a hospedou... Para alguns
iranianos a volta de Khomeini parecia um milagre e, inevitavelmente, se assemelhava ao
mítico retorno do Imane Escondido. Certas de que se iniciava no país uma nova era de
justiça, multidões saudavam o aiatolá pelas ruas de Teerã.(...) A idéia de um levante
popular inaugurando um Estado teocrático parecia absurda, quase constrangedora em
sua rejeição aparentemente ingênua da sabedoria ocidental. Ninguém esperava que o
regime de Khomeini sobrevivesse. (...)

197
Entretanto, os ocidentais tiveram de admitir que a maioria dos iranianos queria
um governo islâmico. (...)
Khomeini se viu diante de crise (...) Até então optara pelo pragmatismo,
orquestrando habilmente uma coalizão de esquerdistas, islamitas intelectuais,
nacionalistas e liberais para derrubar o xá. No final de 1979, porém, estava claro que
essa aliança de grupos que perseguiam objetivos mutuamente contraditórios não tardaria
a desfazer-se, e o futuro da Revolução –como Khomeini a via –corria perigo. Foi então
que os Estados Unidos inadvertidamente o ajudaram. (...) Pahlevi desembarcou em Nova
York para tratar de um câncer... Especialistas do governo americano e Teerã advertiam
Washington para que não recebessem o ex-xá, porém Carter não conseguiu negar esse
serviço humanitário a seu velho e leal aliado. Imediatamente Khomeini adotou uma
retórica mais contundente contra o Grande Satã; exigiu que Pahlevi voltasse para o Irã
para ser punido e determinou que se expurgassem do governo todos os que se mantinham
leais ao antigo regime. O Islã islâmico abrigava traidores que ainda dependiam do
Ocidente, declarou, e cumpria expulsá-los. Não precisava ser um gênio para entender
que esse ataque tinha por principal alvo todos os que se opunham ao projeto da
Constituição. (...)
Paralelamente teve de enfrentar uma guerra contra o Iraque. Em 20 de setembro
de 1980 as forças de Saddam Hussein, presidente iraquiano, invadiram o sudoeste do Irã,
com o incentivo dos Estados Unidos. O conflito provocou a suspensão das reformas
sociais concebidas por Khomeini. (...)
O novo regime parecia tão autocrático quanto seu predecessor. Cercado de
inimigos, Khomeini começou a insistir na conformidade ideológica... Os ocidentais se
horrorizaram ao saber que Khomeini incitava os pais a denunciar filhos hostis ao regime
e que os iranianos que zombavam da religião eram considerados apostatas dignos da
pena de morte... Todavia tinham de admitir que Khomeini nunca perdeu o amor das
massas, especialmente dos bazaaris (comerciantes e artesãos), dos estudantes das
madrashs, dos ulemás menos destacados e dos pobres. (...)
As dificuldades enfrentadas pelo povo constrangiam um regime que, por motivos
religiosos, elegera o bem-estar social como prioridade máxima, quando chegara ao
poder. Khomeini fez o possível pelos pobres. Para aliviar o sofrimento dos que mais
padeceram sob os Pahlevi, criou a Fundação dos Oprimidos. Nas fábricas e oficinas,
associações islâmicas concediam empréstimos sem juros aos trabalhadores. Nas áreas
rurais a Jihad da Construção empregava jovens na edificação de casas para os
camponeses e em projetos agrícolas, de saúde pública e de bem-estar social, sobretudo
nas zonas de guerra. Entretanto, o conflito com o Iraque comprometeu esses esforços...
O programa de reconstrução competia a ‘especialistas, em particular os
ministros, aos adequados comitês da Maylis (...) aos centros de ciência e pesquisa (...)
aos inventores, descobridores e peritos.’(...)
A polarização entre religiosos e secularistas se evidenciou quando Khomeini
morreu em junho de 1989. A dor dos iranianos em seu funeral pasmou os ocidentais, que
o consideravam um inimigo. A multidão se empilhou em torno do esquife com tamanho
ardor que o corpo caiu do caixão...
... ao invés de esfacelar-se após a morte de Khomeini, a República Islâmica
mostrou sinais de maior flexibilidade...

198
AFEGANISTÃO
Dados da Enciclopédia Britânica:
A tradição afegã se explica sob várias versões: uma diz ser o povo Benei Israel,
“filhos, descendentes de Israel” em linha direta com o rei Saul, dito pelos afegãs Tabit,
via um filho deste, Jeremias, que teria tido um filho, Afghana, tronco desse povo...
A história do Afeganistão tem mais de 2500 anos. Naturalmente os limites do atual
Estados não coincidem com os do império que o antecederam. O próprio território
mudou: áreas outrora férteis transformaram-se em desertos e no lugar de grandes
cidades só existe desolação e areia. Pouco se sabe dessas civilizações primitivas...
A primeira menção do país como entidade histórica foi feita no Avesta que é pré-
aquemênida. Sob Dário I (500 a.C.) integrava o império persa. Alexandre ocupou-o de
329 a 328 a.C. Ao retirar-se deixou núcleo importante na Báctria que se tornou reino
independente, depois de um curto período selêncida, e se expandiu até o Ganges.
Em 128 aC., premidos pelos Hsíung-nu, antepassado dos hunos, os yue-chih
passaram a Oxur e, sobre a estrutura helênica, levantaram o Império dos Kushan que
durou 800 anos...; teve grande papel a esse tempo na difusão do budismo levado à China
nas rotas das caravanas da seda. No século III, Ardashir, fundador da dinastia persa-
sasânida, reinou sbre a Báctria e Sundjab. No século IV, o indu Kush foi invadido pelos
hunos brancos. Seguiram-lhes os persas (até o século VI), os turcos (séculos VII) e os
árabes, isto é, Islam (século VIII).
No século X, um escravo turco ghaznévida fundou a dinastia dos Yamini, cujo
sultão mais importante, Mahmud de Gahazni, fez 12 incursoes contra a Índia. A ocupação
mongol, sob o famigerado Gengis Khan, durou 100 anos.
Dois viajantes celebres visitaram o Hindu-Kush quando as grandes cidades
saqueadas se recuperavam dessa catástrofe: Marco Pólo (1.275) e Ibn Bahúta. O
segundo assinalou uma tribo de fronteira que dera trabalho à sua caravana: os afegãos...
É a primeira menção histórica do povo que ia dar nome ao seu país.
No fim do século XIV, a maior parte de Hindu-Kush caiu sob o domínio de
Simur-i-lang... No fim do século XV o império começou a desfazer-se. No séculos XVI foi
tomado de assalto por Babur... que fundou na Índia o império mongol...
No século XVIII Mir Vais Khan libertou Kandahar. Seu filho, Mahmud fez-se xá
da Pérsia e, foi sucedido por seu primo, Ashraf. Este foi derrotado por Nadir com o nome
de Nadir Shah... Este foi assassinado por seu guarda persa. Sucedeu-lhe o comandante da
guarda afegã, Ahmad Shah (1747-1773), ‘pérola das pérolas’, fundador da dinastia
Durrani. Com ele, afegão das tribos dos Abdalas, o país teve seu primeiro rei nativo. Ao
norte levou os limites do Afeganistão à linha que hoje tem como fronteira; ao sul invadiu
por duas vezes a Índia. Ao morrer dominava do Tibet ao mar de Omar...
Começou uma acelerada decadência. Seu filho morreu envenenado...; uma série
de príncipes incapazes ocupou o poder...
Os ingleses mostravam grande interesse pelo Afeganistão...Um dos descendentes
dos Durrarri... apoderou-se da Fath-Khan (vizir e eminência parda do pai dele), cujos
olhos fez arrancar. Os vinte e um irmãos do vizir levantaram-se em armas contra os
Durrani...
Por estes, tempos os ingleses já estavam de olho no Afeganistão. “Lord
Lyffon decidiu-se à intervenção no país. Àquela época escreve a Lord Crambrook: ‘Estou
persuadido de que a existência de um Estado Afegão forte e independente, sobre o qual

199
não tenhamos absolutamente nenhum meio de controle, não é desejável para nós, como a
experiência tem demonstrado. Se uma guerra ou a morte do atual emir nos oferecer a
ocasião de abater e arruinar o poderio afegão, espero sinceramente que não a deixemos
passar.’”(K. M. Pamikar)
Dost Muhammad proclamou-se amir...; pediu desastradamente conselho à
intervenção britânica na área e levou à primeira guerra afegã. (1838-1842)
O Afeganistão foi ocupado, e Shah Shuja instalado no trono... O povo rebelou-
se. Dost Muhammad escapou da prisão, bateu os ingleses, mas inexplicavelmente rendeu-
se. Nem por isso mudou a situação. Foi preciso negociar a evacuação. Em meio às
conversações, um filho de Dost Muhammad assassinou a agente político inglês
Macnagen. A guarnição abandonou a cidade, malgrado o inverno, numa das mais
trágicas retiradas da história. De 4.500 homens, poucos sobreviveram...; o Shah Shuja foi
morto logo que seus protetores saíram...
No mesmo ano o país foi reocupado. Os ingleses ocuparam Cabul, onde
começaram “ a enforcar e queimar a torto e a direita para ensinar aos afegãos o quanto
custava resistir à Inglaterra. Todavia os afegãos eram maus alunos (...) e tornaram a
posição dos invasores tão insustentável que tivera de decidir-se por um acordo
político.”(Pamikar) Mas já em 1843 Dost Muhammad era autorizado a voltar... Em 1855
reconheceram a autoridade de Dost que viveu até 1863. Sucedeu-lhe o filho, Sher Ali, em
cujo reinado houve uma terceira invasão inglesa... Seu filho, Yakub Khan, atendeu a
todas as exigências britânicas, inclusive a da abertura de uma nova missão. O pronto
massacre de todos os seus membros, a começar pelo próprio enviado, Cavag Naria, levou
à abdicação forçada do amir e à reocupação das principais cidades. A questão afegã –
vital para o Reino Unido por interessar à segurança das fronteiras noroeste da Índia –
chegava a um impasse... em 1879... se estabelecera um virtual protetorado inglês. O
Reino Unido se reservava a guarda do passo Khyber e o controle da política externa...
Um neto de Dost... Abdur Rahman... governou habilmente; foi um soberano independente.
Foi sucedido pelo filho Habibullah, que deu início a modernização do país... morreu
numa caçada...Seu irmão pretendeu reinar, mas o filho Amanullah tinha o apoio do
povo... em 1919 rejeitou as restrições inglesas à soberania do reino, cujo reconhecimento
conseguiu, como Estado independente... tentou ocidentalizar o país. Seu programa
radical foi mal recebido, sobretudo pelo clero.
(...)
“A Revolução Russa de 1917 e a derrubada do califado otomano pelo novo
exército modelo de Kemal em 1919 provocou ambições modernizastes no jovem rei
afegão Amanullah. Irritando-se com a tutela britânica e, rodeado por intelectuais
radicais que observavam os ideais iluministas da Europa e o ousado exemplo de
Petrogrado, Amallah uniu brevemente uma pequena elite educada com grosso das tribos,
e conseguiu uma famosa vitória militar contra os exércitos britânicos em 1919. Isso
também lhe garantiu 10 anos no trono.
O sucesso no campo deu a Amanullah a confiança para lançar um Programa de
Reformas, parcialmente inspirado pela revolução Kemal na Turquia. Uma nova
Constituição afegã foi proclamada (...) Se fosse implementada faria do Afeganistão um
dos primeiros países do mundo a dar a todas as mulheres o direito do voto. Seguindo o
exemplo turco, Amanullah tinha implementado medidas que dispensavam o véu,
encorajavam as mulheres a usar roupas ocidentais, mandavam afegãos para estudar em
outros países e autorizava a educação mista em escolas de Cabul. (...) (buscou assistência
em Moscou)... Amanullah não conseguiu mais do que amizade e conselho dos
200
bolcheviques. Os britânicos, compreensivamente nervosos, estavam agora decididos a
derrubá-lo. Nova Délhi importou T.E. Lawrence como conselheiro, comprou os serviços
de duas tribos importantes, fomentou a oposição religiosa ao rei e finalmente o derrubou
com um golpe militar em 1929. Dentre outras coisas, Lawewnce tinha forjado fotografias
da rainha Sorayya (uma feminista ferrenha) em ‘poses comprometedoras’, e distribuído
entre os homens das tribos.” (Tarik Ali)

Um chefe de bandidos, Habibullah Khan, Bachha-i-Sagao, canalizou em seu


proveito a insatisfação geral e tomou Cabul. Amanullah abdicou (1929).
Nessa hora de crise, os quatro irmãos Musabihan, membros de uma das mais
ricas e influentes famílias do Afeganistão... em virtual exílio na França... voltaram ao
país para restabelecer a ordem... O Saqao foi morto... Nadir Shah governou com punhos
de ferro... Cometeu um erro político... a execução sumaria de um inimigo político... Um
ano depois era morto pelo filho da vitima... Sucedeu o filho adolescente...
Em julho de 1973 um golpe liderado pelo general e antigo primeiro ministro,
Mohammed Daud Khan, depôs o rei que se encontrava na Itália e instituiu no país o
sistema republicano.
(...)
...Daud declarou uma república com o apoio dos comunistas locais e ajuda
financeira da URSS.(...) começaram a implantar um programa de reformas. A educação,
em particular, recebeu um importante impulso por parte do novo regime. (...) Em 1978 o
analfabetismo entre os homens era de 90 por cento, ao passo que entre as mulheres era
de 98 por cento. Dez anos depois, tinha sido substancialmente reduzido. Uma nova
geração de rapazes e moças afegãos surgiu como médicos, professores, cientistas e
técnicos. Apesar de suas muitas características negativas – especialmente em
enlouquecido expurgo no estilo Pol Pot daqueles que se opunham às reformas –o regime
do PDPA tinha recomeçado o processo de modernização que fora interrompido com a
derrubada do rei Amanhllah.
Assumindo o papel histórico da Grã-bretanha, os Estados Unidos logo
começaram a minar o regime armando a oposição religiosa, usando o exército
paquistanês como intermediário. Isso aumentou a violência nos povoados enquanto os
membros das tribos recebiam dinheiro e armas para começar uma guerra civil. Sob
pressão cada vez maior, os comunistas afegãos começaram uma violenta guerra interna.
Nessa conjuntura, Brejnew deu o mergulho que os bolcheviques não ousaram –
despachou uma enorme coluna militar para Cabul, para tentar salvar o regime.
Era exatamente isso que o chefe de segurança nacional de Carter, Zbigniew
Brzazinshi, estivera esperando. A entrevista publicada pelo semanário francês Lê Mouvel
Observateur de 15-21 de janeiro de 1998, deixa pouco espaço para dúvidas:
P – o ex-diretor da CIA, Robert Gates, declarou em suas memórias (From the
Shadows) que os serviços de inteligência americanos começaram a ajudar os mujahidin
no Afeganistão seis meses antes da intervenção soviética. Nesse período o senhor era o
conselheiro de segurança nacional do presidente Carter. Portanto, o senhor representou
um papel nesse caso. Isso é correto?
Brzezinski: Sim. Segundo a versão oficial da história, a CIA ajudou os mujahidin
durante 1980, isto é, depois de o exercito soviético invadir o Afeganistão em 24 de
dezembro de 1979. Mas a realidade, guardada até agora, é completamente diferente; de
fato, foi em 3 de julho de 1979 que o presidente Carter assinou a primeira diretriz para
ajuda secreta aos opositores do regime pró-soviético em Cabul. E naquele mesmo dia eu
201
escrevi um bilhete para o presidente explicando que em minha opinião essa ajuda iria
induzir uma intervenção militar soviética.
P - Apesar do risco, o senhor defendeu essa ação secreta. Mas será que vocês
mesmos não desejavam essa entrada soviética na guerra e tenham desejado provocá-la?
B - Não é bem assim. Nós não forçamos os russos a intervir, mas aumentamos
intencionalmente a probabilidade de que intervissem.
P - Quando os soviéticos justificaram a intervenção afirmando que pretendiam
lutar contra um envolvimento secreto dos Estados Unidos no Afeganistão, as pessoas não
acreditaram. Mas havia uma base de verdade. O senhor não se arrepende de nada hoje?
B - Me arrepender de que? Aquela operação secreta foi uma idéia excelente.
Teve o efeito de atrair os russos para a armadilha do Afeganistão, e você quer que eu me
arrependa? No dia em que os soviéticos atravessaram a fronteira, eu escrevi para o
presidente Carter: agora nós temos a oportunidade de dar a URSS sua guerra do Vietnã.
De fato, durante quase dez anos, Moscou teve de manter uma guerra insuportável para o
governo, um conflito que trouxe a desmoralização e finalmente o rompimento do império
soviético.
P - O senhor não se arrepende de ter apoiado o fundamentalismo islâmico, de
ter dado armas a futuros terroristas?
B –O que é mais importante para a história do mundo? O Taliban ou o colapso
do império soviético? Alguns pouco mulçumanos enlouquecidos ou a libertação da
Europa Central e o fim da guerra fria?(...)
Os líderes russos entraram de cabeça na armadilha. (...) A entrada das tropas
soviéticas no Afeganistão transformou uma guerra civil desagradável financiada por
Washington em Jihad que permitiu os mijahidin aparecerem como únicos defensores da
soberania afegã contra o exército estrangeiro de ocupação. Brzezinsk logo estava
posando para fotografias usando turbante pashtun no Passo Khyber, e gritando ‘Alá está
do lado de vocês’, enquanto fundamentalistas islâmicos eram festejados com ‘lutadores
pela liberdade’ na Casa Branca e em Downing Street.’”(Tarik Ali)
(...)
Segundo os soviéticos, grande parte das exportações afegãs originaram-se de 170
projetos implantados com a ajuda da URSS. Em 1983 mais doze projetos financiados
pelos soviéticos entraram em operação, proporcionando em aumento global de 3,7% na
produção industrial e 5% no produto nacional bruto.
(...)

Isto É 07-11-01 –entrevista com Robert Bowman por Kátia Mello:

“Em termos genéricos, acredito que os Estados Unidos deveriam se manter


longe de outros países. Entretanto, já havíamos colocado o nariz no Afeganistão dando
assistência aos mujahidin. (...) Nós nos envolvemos num país, e, depois que obtivemos
sucesso em nossas operações, simplesmente o abandonamos. No Afeganistão, deixamos
um país pobre em ruínas, com vários grupos lutando entre si para assumir o poder. O que
era preciso fazer no momento em que os russos saíram era dar todo o apoio financeiro
para a reconstrução do país em termos realmente democráticos. E isso nós não fizemos.
(...)”
(...)
“... O Talibã era o símbolo do mal, eleito e empossado pelo governo americano e
pela mídia ocidental. Mas, se as conveniências fossem outras, a Aliança do Norte poderia
202
ocupar o lugar com louvor. Seus comandantes têm uma longa trajetória de atividades,
desde os tempos de luta contra a ocupação soviética. A Aliança não costumava manter os
prisioneiros acusados de comunismo. A regra era tortura e a execução. Mas, no
Ocidente, não se ouviram vozes denunciando, não havia nenhum registro. (...) Antes da
tomada de poder pelo Talibã, em 1996, os grupos que constituem a Aliança do Norte
tinham como prática o estupro, a mutilação, a tortura e os rituais bárbaros. Uma das
execuções preferidas era esfolar a pessoa ainda viva. Outra, torrar os prisioneiros dentro
de recipientes expostos ao sol do deserto.
O general Abdul Dostum, figura chave da Aliança, é lembrado como ‘perverso
em todos os campos’ pelo Ibuman Rights Watch, organização de defesa dos direitos
humanos com sede em Nova York. Seu subalterno imediato, o general AbdulMalik,
comandava uma divisão da Aliança que em 1997 matou 3 mil prisioneiros de guerra
integrantes do Talibã em Mazae-e-Sharif... Alguns foram atirados dentro de poços e
depois explodidos com granadas. Pelo menos 1250 morreram dentro de recipientes
lacrados (...)
Em Nazar-e-Sharif ocorreu uma das maiores atrocidades em tempos de guerra.
Mas não há fatos, não há testemunhas que relatem o horror. E não há investigação, seja
da ONU, seja de governos, seja da imprensa...
Em setembro de 2001, a Aliança do Norte ganharia um aliado caído do céu. Os
Estados Unidos estavam dispostos a varrer o Talibã do poder sem perder nenhum
soldado. A tarefa de guerra propriamente dita, em solo, ficaria para os afegãos da
Aliança. (...)
Um ano depois a ajuda econômica não chegou a um terço do prometido: 1,8
bilhão de dólares. A torneira foi fechada rapidamente depois que o objetivo americano se
tornou o Iraque. (...) Ninguém mais dá importância ao Afeganistão.
A miséria continua a mesma. A fome é devastadora. A economia está estagnada.
A destruição causada pelos bombardeios jamais foi mensurada pela imprensa ocidental,
nem o número de mortos. (...) Mas o tráfico de drogas vai de vento em polpa.
Desmantelado no ultimo ano de governo do Talibã , o tráfico de ópio e a heroína
voltaram a ser a fonte de renda... (Carlos Dorneles –Deus é inocente, a imprensa não)

Isto É nº 1676 –14/11/01 –Aposta Arriscada, de Omar Freitas Jr.


“... Fontes do Departamento de Estado Americano pintaram a Isto É um quadro
complicado: ‘Essa Aliança do Norte é composta por grupos variados, com interesses
próprios e diferentes, e algumas dessas tropas têm objetivos que não interessam aos EUA.
Alguns líderes da oposição são piores do que os talebans. É a tal história: com amigos
como estes quem precisa de inimigos? E em termos de estratégia, é melhor deixar esses
grupos se desgastarem agora para que não possam ter força num futuro governo da
coalizão. Por isso o suporte aéreo e o apoio material americano para alguns
contingentes da Aliança não se concretizarem ‘diz a fonte militar’. Estaria nessa
explicação as razoes pela penúria e surra que o comandante Rashid Dostum vem sendo
submetido nos subúrbios de Cabul. Dostum personifica à perfeição a imagem do aliado
indesejável. Ele foi o chefe da polícia secreta do governo marionete instalado pelos
soviéticos no Afeganistão. Seus métodos e ética fazem o Talibã parecer um convento de
carmelitas.
Na semana passada, Dostum implorava ajuda: suas tropas estavam cercadas
pelo Talibã e já não tinha sequer balas para se defender. (...) Não se sabe se foi atendido.
203
Outros senhores de guerra têm experimentado a mesma sorte em outras frentes de
batalha. ‘Há uma clara disposição de podar a árvore que ocupará o palácio do governo
em Cabul em breve’, diz a fonte da IstoÉ.
Nem tudo, porém, nos campos de batalha, é fruto de oportunismo tático dos
pensadores do Pentágono. As bombas que deveriam ajudar os aliados desejados pelos
americanos não tiveram trajetórias maquiavélicas. Simplesmente erraram o alvo...”
(...)

“‘A história do ataque ao Afeganistão não diz respeito a Bin Laden e sua
posição religiosa, embora ela guarde algumas relações com isso, mas há um grande
golpe por parte dos Estados Unidos para apoderar-se de todo petróleo e gás natural da
Ásia Central’ a afirmação do escritor norte-americano Gore Vidal foi feita numa rara
entrevista dele publicada depois do 11 de setembro na revista Salon e transcrita pela
Folha de São Paulo.(...)
Para Vidal, com participação ou não de Bin Laden, o Afeganistão acabaria
sendo alvo dos Estados Unidos: já tínhamos planejado invadir o Afeganistão em outubro
de 2001. (...) Mas o trecho mais audacioso da entrevista de Vidal seria outro: ele disse
que há a possibilidade de que o governo norte-americano soubesse de antemão sobre um
ataque aos Estados Unidos, e tivessem planejado fazer uso dele como pretexto para
atacar o Afeganistão...” (Carlos Dorneles)

De IstoÉ nº 1668: Uma Internacional Terrorista de Cláudio Camargo.


“Os Estados Unidos vencerão a ‘monumental batalha do bem contra o mal’,
prometeu aos aturdidos americanos o presidente George W. Bush, que comparou os
ataques terroristas em Nova York e Washington, a ‘atos de guerra.’ Desde o colapso do
comunismo, Tio Sam estava órfão de inimigos externos do porte do ‘Império do Mal’,
como convém a uma nação que sempre se viu como guardiã da liberdade do mundo. (...);
o inimigo agora é o terrorismo islâmico, definido como uma espécie de ‘internacional do
terror’, composta por diversos Estados (Afeganistão, Iraque, Irã, Sudão) que dariam
guarda a uma extensa rede de organizações que atuam globalmente de maneira
coordenada. A reação americana, proposta pelo ex-secretário de Estado, Henry
Kissinger, deve ser a destruição total dessa internacional terrorista. (...)
Um relatório da CIA de 1996, já definira Bin Laden como ‘um dos mais notórios
financiadores das atividades islâmicas extremistas em todo o mundo.’(...) A Casa Branca
passou a demonizar Bin Laden, acusando-o por qualquer atentado contra os americanos
mundo afora. (...)
É evidente que Bin Laden conhece a maioria dos autores dos atentados
praticados por grupos radicais islâmicos em diversos países mulçumanos. A origem
desses grupos remonta ao Afeganistão dos anos 80. Na época, Bin Laden liderava um
contingente de voluntários sauditas que foram ajudar os mujahedins (guerrilheiros
islâmicos afegãos), na luta contra a ocupação soviética. Tratava-se de uma operação
montada pelo 151 (Serviço Secreto do Paquistão) e pela CIA, que consistia em recrutar
radicais islâmicos de vários países árabes pra participar da jihad. (guerra santa) contra
os soviéticos no Afeganistão. Bin Laden passou a controlar o Makhitab al Khidmat, a
organização responsável por recolher os polpudos fundos enviados pelos príncipes e
entidades da Arábia Saudita, que custeavam a operação. (...) Em 1989, o milionário
saudita montou a Al Qaeda, um centro de serviços para ajudar esses voluntários (mais ou
204
menos 35.000 de mais de 40 países mulçumanos islâmicos) que ficariam conhecidos
como’ árabes-afegãos’. As divergências entre as diversas facções guerrilheiras
arrefeceram o espírito de luta dos voluntários. Mas a Guerra do Golfo em 1991, quando
as tropas de 27 países liderados pelos Estados Unidos atacaram o Iraque, iria fornecer o
novo pretexto de que os radicais estavam precisando para combater os americanos e seus
aliados –inclusive nos países mulçumanos. (...)
Tio San, que ajudou a criar esses monstrengos na sua cruzada anti-soviética,
agora pode encontrar nelas o paradigma do inimigo externo que perdeu com o fim da
URSS. A história se repete como (trágica) farsa.
(...)

Da revista Época nº 178 –15/10/01: Reação Incandescente de Pepe Escobar.


...As condenações ao ataque americano espalharam-se como fogo. Para o líder
religioso moderado Qazi Hussain Ahmad, o ataque é ‘um ato covarde e exemplo de
depravação moral.’ Para o maulam (líder religioso) Fazlur Rahman –detido 24 horas em
prisão domicialiar –,‘a nação deve se unir aos mujahedins’. Ele foi um dos primeiros a
convocar uma jihad anti-América. O professor Said Mir, respeitado sholar e líder
religioso disse que ‘Bush e Blair agora começaram a matar mulçumanos.’(...)
O sholar paquistanês Igbal Ahmad, professor emérito em Massachusetts,
observa que o conceito de jihad “praticamente havia desaparecido do mundo mulçumano
nos últimos 40 anos. Foi revivido, de repente, no Afeganistão ocupado pelos soviéticos
porque os Estados Unidos viram uma oportunidade caída do céu de mobilizar um bilhão
de mulçumanos contra o que Ronald Reagan definia como Império do Mal.”
Arif Jamal, o maior especialista em Jihad na Ásia, adora recordar uma ocasião
nos anos 80 em que Reagan recebeu um grupo de barbudos de turbantes na Casa Branca
e declarou: “Estes são dos equivalentes morais dos Pais Fundadores (dos EUA)”. Jamal
lembra que entre esses muhajedins bem que poderia se encontrar um certo Osama Bin
Laden...
(...)

Isto É nº 1674 – Na contracorrente – reportagem de Kátia Melo:


Para o escrito paquistanês Tariq Ali, o Ocidente não compreende o Islã...
“Não adianta matar Osama Bin Laden. Ele é um líder da juventude mulçumana
porque é o único capaz de resistir, enquanto outros líderes árabes só fazem enriquecer.
Não haverá paz se não houver um Estado Palestino independente e se não puserem fim às
sanções e campanhas anglo-americanas de bombardeios contra o Iraque.”
O comentário não é de nenhum defensor do terrorismo saudita, muito menos do
Taleban, mas de um homem paquistanês gentil, de boa prosa, que se tornou um dos
maiores respeitados intelectuais no Oriente e no Ocidente (...). Aos 20 anos deixou sua
cidade natal, Lahore, no Paquistão, para estudar na universidade de Oxford, não foi por
livre e espontânea vontade, mas foi porque um tio não queria vê-lo nas manifestações
contra a ditadura paquistanesa. (...)
Hoje, este pensador continua na contra corrente da história, opondo-se
violentamente aos ataques contra o Afeganistão. “Esta é uma guerra cruel, vingativa. Seu
objetivo declarado de combater o terrorismo é falso. E ela está causando mais
descontentamento, mais desespero, e desencadeando a formação de mais terroristas. São
semanas de bombardeios que matam civis. Bombardearam até a sede da Cruz Vermelha!
E quem será a próxima vítima? Essa guerra insana e irracional não tem outra intenção a
205
não ser mostrar ao povo americano que algo está sendo feito. Mas o que mais assusta é
que o Oriente está cobrindo os olhos com o véu do conformismo”, afirmou (...)
Para ele, é incoerente o Ocidente criticar os fundamentalismos islâmicos
enquanto fecha os olhos às mazelas de regimes mulçumanos teocráticos como o da
Arábia Saudita e outras monarquias do Golfo Pérsico, só porque são aliados. “Para o
Ocidente, a Arábia Saudita resume-se à família real e ao petróleo. A população,
convivendo com um bom índice de desemprego de quase 40%, foi abandonada. O
Ocidente ignora completamente as condições em que vive o povo saudita, especialmente
as mulheres. O Taleban, por exemplo se inspirou no tratamento dado às sauditas para
confinar as afegãs à clausura”, disse Ali.
O escritor também ressalta o elo existente entre o conflito no Oriente Médio e a
Guerra no Afeganistão. “Bin Laden deixou clara a ligação dos ataques aos EUA com a
situação dos palestinos e iraquianos. A contínua opressão dos palestinos e as sanções
contra o Iraque estão ligadas aos atentados. Seis mil pessoas foram mortas nos EUA;
mas também seis mil iraquianos morrem todos os meses devido às sanções. E isso é
invisível aos olhos da mídia e dos líderes ocidentais. Mas para o mundo árabe está tudo
muito claro”, sentencia Ali.
Para o escritor paquistanês, os ocidentais geraram “monstros que se voltam
contra eles mesmos”. “Agora eles dizem: venham nos ajudar a combater esses monstros.
Mas quem os criou e porque eles foram criados? Se não houver compreensão dos erros
que foram e continuam a sendo cometidos, eles se perpetuarão. Depois do atentado de 11
de setembro, muito lixo está sendo escrito por ignorantes que não sabiam nem encontrar
o Afeganistão no mapa...”

“...Os fatos são os seguintes: a situação do Afeganistão é inerentemente instavel.


Só quem é fantasioso poder sugerir o contrário. A idéia de que a Aliança, em sua forma
presente, pode durar alguns anos é risível. As guerras sectárias já começaram na Cabul
‘libertada’, ainda que os choques ostensivos tenham sido evitados. Há muita coisa em
risco. O Ocidente está observando. Dinheiro foi prometido. Putin e Khatami estão
insistindo na cautela. Mas a represa vai estourar mais cedo do que se espera.(...) a
Aliança descobrirá que hoje em dia não há dinheiro para nada além da guerra. A
propaganda de escoteiro de que ‘estamos refazendo o mundo’, destina-se a consumo
interno. Escolas, hospitais e casas não brotarão na primavera que vem ou na seguinte no
Afeganistão ou em Kosovo. (...) A história nunca é previsível e, eu temo que esta história
não esteja terminada...” (Tarik Ali)

PALESTINA E ISRAEL
Dados da Enciclopédia Britânica:
Por coincidência, ou ironia da história talvez, o nome dado à Palestina pelos
próprios hebreus não confirma o direito que hoje eles alegam sobre esta terra. O nome,
em hebraico, é Paleshth: ‘terra dos filisteus’. E as primeiras cidades conhecidas na
região: Jericó e Megido, não são hebraicas, e os historiadores afirmam que os primitivos
habitantes da área foram os cananeus (de Canaã). Alguns afirmam que os cananeus e os
amorreus são um só povo; são designações dadas às mesmas tribos semitas provenientes

206
da Arábia que ocuparam a região por volta os século XXIII aC. Tribos asiáticas –os
hiscos –conquistaram a Palestina (cerca de 1700 aC), e invadiram o Egito onde
fundaram uma nova dinastia, e daí só foram expulsos quase um século e meio depois.
Daí por diante a Palestina foi invadida muitas vezes, tornando-se campo de
batalha de egípcios, babilônios, hititas, assírios, mitanitas, filisteus e israelitas.
Os historiadores acreditam que os hebreus, que afirmam terem abandonado a
Palestina rumo ao Egito impelidos pela fome, realizaram a migração de volta (êxodo)
após a expulsão dos hicsos (1300aC). Alguns historiadores afirmam que os hebreus eram
nômades, e a própria Bíblia, em vários pontos indica este modo de vida. (‘Jacó habitava
nas tendas’ –Gn 25).
Os hebreus foram derrotando vários príncipes cananeus e ocupando terras ao
norte (Galiléia) e partes do litoral – dizem que sob as ordens de Jeová
Quando os hebreus entraram no país de Canaã, já encontraram culturas e
civilizações seculares. O Israel bíblico não teve que criar tudo: língua, escrita, costumes,
religião, já eram antigos nos séculos XIII e XII antes de Cristo.
Com a morte de Salomão (930 aC), o Estado hebreu dividiu-se em dois: Israel
ao norte e Judá ao sul, e durante 200 anos se guerrearam –lutas sobre tudo de cunho
religioso.
E há um farto interessante na Bíblia que nos mostra, serem os judeus um povo
que gosta de fazer guerras:
‘Isaac casou com Rebeca e ela concebeu...(gen. 25,22)... Mas as crianças
lutavam em seu ventre, e ela disse: Se assim me havia de acontecer, que necessidade
havia de que eu concebesse? E foi consultar o Senhor, o qual respondendo, disse: - Duas
nações estão no teu ventre, um povo vencerá o outro, e o mais velho servirá ao mais moço
(Esaú –pai dos idumeus –sul do mar Morto, e Jacó, dos israelitas).
Isso é uma mensagem bíblica prometendo que Israel dominará outros povos?
O destino de Israel nos meados do século IX aC continuou a declinar, até que
Tiglath –PibsierIII, rei da Assíria começa a conquista da região, e a queda da Samaria,
capital, em 721 aC marcou o fim do reino de Israel. Começara a grande diáspora.
Judá sobreviveu por mais 150 anos, pagando pesados tributos aos assírios. Em 587 aC os
hebreus foram vencidos pelos babilônicos; tiveram Jerusalém e o Templo destruídos,e
foram juntar-se aos hebreus de Israel no cativeiro.
Em 539 aC o rei da Pérsia, vence a Babilônia e ordena a restauração de Judá,
apesar da hostilidade dos habitantes de Samaria, Amon e Iduméia (estes, segundo a
bíblia dos descendentes de Esaú)
Após a morte de Alexandre, o Grande, Selêncidas e Ptolomeus lutam pela posse
da Palestina, que é incorporada ao domínio dos selêncidas em 198 aC por Autiócio III.
A helenização da Palestina desperta repulsa no judaísmo, e a Revolta dos Macabeus (167
aC) nasceu desta reação.
As guerras civis entre fariseus, adeptos da tradição, e saduceus, mais abertos
aos costumes e idéias novas, levaram o general romano Pompeu a intervir em 63 aC,
incorporando a Palestina ao domínio de Roma.
Mais de 2000 anos se passaram para que, em 1948, um novo Estado judeu
independente surgisse na Palestina.
Em 395, com a divisão do Império romano, a Palestina passou ao domínio do
império Bizantino...
Em 683 os árabes conquistaram Jerusalém, e depois Cesaréia, terminando por
tomar conta de tudo.
207
Conquistada e reconquistada várias vezes, entre 1099 e 1144, os cruzados
dominaram a região. O sultão Saladino e o sultão Qalaum expulsaram os cristãos. Os
mamelucos tornam-se senhores da Palestina até o século XVI.
Destruindo o que restava do império árabe, os otomanos – descendentes de
Otomão, um monge turco –se apoderaram em 1517da Palestina e do Egito. Durante 4
séculos, até a Primeira Guerra Mundial, a Palestina pertencia ao jugo turco...
Quando o Estado de Israel foi fundado em 1948, a Palestina abrigava mais de
650 mil árabes (outros afirmam um milhão). Os defensores do movimento sionista
afirmavam que era “uma terra sem povo para um povo sem terra”. Os 650 mil árabes (ou
um milhão) não eram ninguém...
Expulso de suas terras, perdendo seus lares e sua nacionalidade, os palestinos se
dispersaram pelo Oriente Médio, alguns conseguindo se ajustar, outros tiveram que viver
em acampamentos localizados na Jordânia e na Faixa de Gaza...
“Os sucessos militares de Israel na guerra de 1948 impressionaram o chefe de
estado-maior norte-americano, que descreveu o novo Estado como maior poder militar
regional depois da Turquia, oferecendo aos Estados Unidos meios de ‘obter uma
vantagem estratégica no Oriente Médio que iria compensar os efeitos do declínio do
poder britânico na área’. Quanto aos palestinos, os planejadores norte-americanos não
tinham razão para duvidar da avaliação dos especialistas governamentais israelenses, em
1948, de que os refugiados ou iriam se incorporar a outros lugares ou ‘seriam
esmagados’: ‘alguns deles morreriam e a maioria deles viraria a escoria da humanidade
e o refugo da sociedade, e se uniria às classes mais empobrecidas nos países árabes’.
Conseqüentemente, não havia necessidade de se preocupar com eles...”. (Noam
Chomsky)

As razões por que os Estados Unidos apoiaram Israel nos seus massacres,
encontras explicações em Noam Chomsky e numa reportagem da revista Época (nº 178 –
15/10/01) de Victor Javoski; vejamos o que nos diz Victor:
“Os Estados Unidos continuam comprometidos com a segurança de Israel, diz
Charles Duelfer, do Centro de Estudos Internacionais de Washington: ‘Nenhuma
administração pode pensar em se afastar dessa posição. Israel tem um papel único na
política norte-americana. Os cerca de 6 milhões de judeus do país –número maior do que
a população inteira de Israel –concentram-se nos Estados Unidos, com maior peso
eleitoral, como Nova York e Califórnia. Além disso fazem lobby e financiam
campanhas. Isso dá a
Israel seu imenso poder de fogo sobre decisões do Capitólio e da Casa Branca.
Com divertida franqueza, o professor Leonard Dimenstein, da Universidade do Arizona,
autor de o anti-semitismo na América, costuma dizer que qualquer um que for contra os
interesses do lobby judaico nos Estados Unidos corre o risco de ser excluído da vida
política.”
Mas não é só isso e Noam Chomsky nos explica outros motivos e outras
‘realidades’ que não aparecem comumente na imprensa:
“...Os sucessos egípcios e sírios na guerra de 1973 tornaram-se um grande
choque. Reconhecendo que o Egito não poderia ser simplesmente considerado como um
caso descartável, Kissinger mudou de rumo, decidindo aceitar as ofertas implícitas de
Sadat de converter o país em um cliente dos Estados Unidos. Nessa estratégia de recuo, o
Egito não seria ignorado, mas sim neutralizado por um arranjo que deixaria Israel livre
para perseguir suas metas na região, com o apoio dos Estados Unidos.(...)
208
Os acordos de Camp David removeram o principal impedimento árabe,
deixando Israel livre com um enorme aumento da ajuda econômica e militar norte-
americana, prosseguir com seus planos de integrar os territórios ocupados e atacar um
vizinho do norte. Como sumariado pelo analista israelense, Avner Ianiv, o efeito da
‘defecção egípcia’ foi que ‘Israel estaria livre para sustentar operações militares contra a
OLP (Organização para Libertação da Palestina) no Líbano, assim como atividades de
colonização na Cisjordânia.’
Visto que os acordos de Camp David foram intermediados pelos Estados Unidos,
devem ser entendidos como triunfo diplomático, apesar de suas conseqüências.(...)
Com o principal impedimento árabe neutralizado, e o apoio norte-americano atingindo
novos níveis sob Carter, depois de Reagan, Israel prosseguiu com sua tomada dos
territórios e seus ataques ao Líbano, que estavam ligados. Nos Estados Unidos, a linha
oficial é que Israel estava respondendo ao terror da OLP e outras ameaças árabes,
embora um estudo dos arquivos de intervenção nos anos anteriores solapasse por
completo essa tese.
As razões de fato, para a invasão de 1982 nunca foram ocultas em Israel,
embora sejam classificadas como ‘X’ (secretas) nos Estados Unidos. Poucas semanas
depois de a invasão se iniciar, o principal especialista acadêmico israelense sobre os
palestinos, Yehohua Porath, salientou que a decisão de invadir ‘derivou do verdadeiro
fato de que o cessar-fogo havia sido observado pela OLP’, uma ‘verdadeira catástrofe’
para o governo de Israel porque punha em perigo a política de se evitar um acordo
político. A OLP estava ganhando respeitabilidade graças a sua preferência por
negociações em vez de terror. O governo de Israel tinha esperança de compelir ‘a
atacada OLP’ a ‘voltar a seu antigo terrorismo’, desta forma ‘cortando pela raiz o
perigo’ das negociações. Como mais tarde declarou o primeiro ministro Yitz Rabin, Israel
foi à guerra porque havia ‘um terrível perigo. (...) Não tanto, militar mas político.’ A
invasão deveria ser chamada de ‘guerra para salvaguardar a ocupação da Cisjordânia’,
tendo sido motivada pelo ‘temor’ de Begin ‘pelo momentum do processo de paz’, de
acordo com o antigo chefe de inteligência militar e arabista, general Yehoshuaphat
Harkabi. O chefe de Estado Maior, Rafael (‘Raful’) Eitan, descreveu a operação como
um sucesso: ‘Destruímos a OLP como uma candidata a negociações conosco sobre a
terra de Israel’. O apoio norte-americano à agressão de Israel, incluindo o vetor aos
esforços do Conselho de Segurança de se parar a chacina, foi presumivelmente baseado
no mesmo raciocínio.(...)
No ano seguinte, Israel tentou com incrível desespero alguma resposta da OLP
que pudesse ser usada como pretexto à invasão planejada do Líbano, projetada para
destruir a OLP como força política, estabelecer o controle israelense sobre os territórios
árabes e em suas versões mais extremas – estabelecer a ‘Nova Ordem’do ministro de
defesa Ariel Sharon no Líbano e talvez mais além. Esses esforços, incluindo o
bombardeio de alvos civis no Líbano com muitas baixas, fracassaram na realização de
seu objetivo. Israel, então, usou o pretexto da tentativa de assassinato do embaixador
Argov por Abul Nidal –que havia estado em guerra com a OLP por uma década e nem
sequer tinha um escritório no Líbano –para lançar a Operação Paz para a Galiléia.
De novo, tudo isso é falsificado naquilo que chega ao público norte-americano.
(...)
Poucos anos mais tarde, era claro que o sul do Líbano não havia sido
pacificado, assim como a história foi levemente revista: ‘as duas incursões militares ao
Líbano (1978-1982) foram desastres militares que fracassaram em fornecer segurança de
209
longa duração para a fronteira norte de Israel’ (especialista em Oriente Médio do Times,
Elaine Sciolino –1993). A expressão ‘desastre militar’ não se refere ao assassinato de
cerca de vinte mil libaneses e palestinos em 1982, em sua maioria esmagadora civis, à
destruição de grande parte do sul do Líbano e da capital, Beirute, ou às operações ‘mão
de ferro’ de Shimon Peres e outras atrocidades no Líbano ao longo dos anos 80 (...). No
mundo real ‘a abordagem fundamentalmente estratégica à questão da OLP’ reconhece
que ‘uma OLP moderada – política mais do que terrorista –(...) poderia se tornar muito
mais perigosa do que a OLP violenta dos anos anteriores’, explicou Yaniv em 1987. Foi a
moderação de Arafat e a virada em direção à democracia que ‘alarmaram o governo de
Israel mais do que qualquer outra coisa’ e foi, portanto, necessário conduzir ‘as pressões
militares mais ferozes’ para ‘solapar a posição dos moderados dentro das fileiras da
OLP’, bloquear a ofensiva de paz da OLP’e evitar que Arafat recebesse o apoio da OLP
para ‘um grande gesto’. (...)
A cobertura predominantemente norte-americana do ataque de 1993 de Israel ao
Líbano (...) gradualmente mudou a marcha, finalmente adotando a versão preferida de
que os ‘israelenses lançaram os assaltos no último sábado em resposta ao assassinato de
sete soldados na zona de segurança, no início do mês, e aos ataques a foguetes nas áreas
de colonização no Norte de Israel’ –ataques a foguetes que, como sabia a imprensa, eram
uma resposta às agressões de Israel. Essa ‘Grande Mentira’ como denomina Nabeel
Abraham, foi estabelecida passo a passo, e agora entra na história. Fora da história
estão as ‘mulheres e crianças que gritam de dor nas enfermarias dos hospitais, seus
corpos cobertos de queimaduras dos obuses fosfóricos israelenses’, disponíveis pela
liberalidade e tolerância norte-americanas, observou Robert Fisk, um dos poucos
repórteres a ter coberto o assalto do Líbano, onde ouviu o presidente Clinton culpando a
Hezbollah pelos eventos. (...)
Em janeiro de 1976, os ‘Estados em confrontação’ (Egito, Síria e Jordânia)
propuseram um acordo nos termos do consenso internacional das Nações Unidas, com o
apoio da maior parte do mundo, incluindo a URSS e a OLP.(...) A Revolução proposta
pelo Conselho de Segurança apelava para um acordo sobre as fronteiras pré-junho 1967,
com ‘ajustes adequados para garantir a soberania, integridade territorial e
independência política de todos os Estados na área e seu direito a viver em paz
dentro das fronteiras seguras e reconhecidas’, incluindo Israel e o novo Estado
Palestino; a redação da resolução 242, suplementada com o reconhecimento dos direitos
políticos palestinos.
Israel se opôs fortemente a essa proposta e recusou-se a assistir à sessão. Os
Estados Unidos vetaram a Resolução do Conselho de Segurança, como fizeram de novo
em 1980, efetivamente tirando o Conselho das Nações Unidas da diplomacia do Oriente
Médio. (Entre 1973 e 1987, os Estados Unidos vetaram dezenove resoluções do Conselho
de Segurança que diziam respeito a Israel e à paz no Oriente Médio). (...)
Os aliados da OTAN, o bloco soviético, os Estados Árabes e os países não alinhados
estavam unidos havia muito na defesa de um acordo político... Mas os Estados Unidos
não iriam permiti-lo. (...).
A razão para a rejeição norte-americana de tais propostas já foi discutida. Os
palestinos não executam nenhum serviço para os Estados Unidos; de fato são irritantes
em seus compromissos que incitam o sentimento nacionalista árabe, portanto, não têm
direitos (...).
Todo um novo vocabulário tem sido inventado para disfarçar a realidade. Dessa
forma, o termo ‘processo de paz’ não se refere ao progresso da procura pela paz; antes,
210
ao que quer que os Estados Unidos estejam fazendo, muitas vezes bloqueando as
iniciativas de paz. O registro diplomático –incluindo a famosa ‘oferta’ de Sadat em 1971,
e as propostas palestinas e árabes mais tarde, as promovidas pela Europa e a URSS, e
todo o registro nas Nações Unidas desde que os Estados Unidos as desprezaram em 1976
–não é, portanto, parte do ‘processo de paz’, de fato, não é parte da história. (...)
Os termos ‘moderado’ e ‘extremista’ obtêm seu significado dentro dessa
estrutura, os moderados sendo aqueles que se ajustam aos planos norte-americanos, os
extremistas aqueles que têm suas próprias idéias. (...)
Os acordos Israel-OLP adotam a posição norte-americana sobre: 1-retirada
parcial, 2-negação dos direitos palestinos e 3-negação do direito de resistência. Não
somente Yasser Arafat, mas todo o mundo, capitulou na ‘negociação histórica’,
reconhecendo, depois da Guerra do Golfo, que os Estados Unidos agora se sentiam
capazes de estender a Doutrina Monroe ao Oriente Médio, e usariam a força arbitrária,
se a ocasião justificasse, para estabelecer que ‘o que dizemos acontece’ –slogan de
George W. Bush, quando anunciou a Nova Ordem Mundial, enquanto as bombas e
mísseis estavam no ar.”

Dados da Enciclopédia Britânica:


Israel – antropônimo hebraico, significa ‘venceu’ ou ‘lutou’(isra) com Deus (El).
É o segundo nome atribuído a Jacó na Bíblia. (...) Os ‘filhos de Israel’ (bnei Israel)
continuam a se referir à Palestina segundamente conquistada... como Eretz Israel (Terra
de Israel); ao ser proclamada em 1948, a independência do Estado Judaico na Palestina,
recebeu o nome de Medinat Israel (Estado de Israel).
O moderno Estado de Israel resultou de processos históricos que levaram a uma
acelerada concentração demográfica de judeus na Palestina, desde os fins do século XIX,
e à sua estruturação econômica, social, cultural e política em função do objetivo definido
de reconquistar sua pátria histórica. (...)
Este anseio só veio a ser defendido em 1897, em Basiléia, quando foi
fundado o movimento sionista mundial... por Theodor Herzel, jornalista austríaco (...)
profundamente impressionado com a manifestação anti-semita na Europa, sobretudo o
processo Dreyfus. (...)
Uma facção do movimento chegou a admitir territórios – como a Uganda que
lhe foi oferecida –mas violenta reação da maioria... levou a definir-se pela Palestina. (...).
Em fins do século XIX... começam a chegar à Palestina levas de imigrantes
judeus... Começaram a criar uma infra-estrutura econômica judaica na Palestina,
estabelecendo colônias coletivas, drenando pântanos e abrindo estradas. O movimento
sionista adquiria a árabes palestinos terras devolutas que eram em seguida objeto de
fomento e recuperação agrícolas (...). A 2 de novembro de 1917, o governo britânico
reconheceu... o direito judeu ao estabelecimento de um lar nacional na Palestina, sem
prejuízo das coletividades não-judaicas da região. O exército inglês conquistara a
Palestina aos turcos ao fim da 1º Guerra Mundial. (...) A Liga das Nações outorgou o
mandato tendo em vista a declaração de Balfour. Em 1922 o Reino Unido separou a
Transjordânia da área mandatária, propiciando a criação do reino árabe hachemita
independente.
Aos poucos, porém, diante da crescente resistência árabe à idéia do lar nacional
e do Estado judaico, o governo mandatário começou a criar restrições à imigração e ao
estabelecimento judaico na Palestina, apesar dos protestos dos líderes judaicos que
211
alegavam estar o governo britânico contradizendo a própria razão de seu mandato. (...) A
imigração judaica continuou, apesar da repressão. O hebraico ressurgiu como língua
nacional, falada e viva.(...). Em 1918 fora lançada a pedra fundamental da Universidade
Hebraica (...). Em 1922 foi publicado o livro branco de Winston Churchill, então Ministro
das Colônias do governo britânico, restringindo oficialmente a imigração. (...)
Os árabes, cujos anseios nacionalistas iam obtendo vitórias no Oriente Médio,
não transigiam com o nacionalismo judaico e se opunham categoricamente à imigração,
ao lar nacional e ao Estado judaico. O governo mandatário repudiava, na prática, o
objetivo original do mandato, criando restrições crescentes ao estabelecimento judaico
na Palestina. (...)
Enviado à Palestina pelo governo britânico uma comissão, chefiada pelo Lord
Peel, publicou em julho de 1937 relatório em que recomendava a partilha da Palestina
entre árabes e judeus, cabendo a estes 3.200 Km2 ...
Em 1930 foi publicado novo Livro Branco que pareceu aos líderes das
comunidades judaicas um golpe final contra a idéia de Estado judeu autônomo: somente
75 mil imigrantes seriam admitidos na Palestina, no espaço de 5 anos, ao cabo dos quais
o mandato seria extinto...
Uma comissão anglo-norte-americana recomendou a admissão imediata de 100
mil refugiados judeus na Palestina, com endosso do presidente Truman. Mas o governo
trabalhista britânico, sendo Ernest Bevin seu ministro de Exterior, permaneceu fiel às
determinações do Livro Branco. (...)
Aumentaram os choques entre as forças irregulares judaicas da Palestina e o
exército inglês... A 2 de abril de 1947 o governo britânico, declarando-se sem poder de
ação para solucionar o problema, transferiu-o para a ONU. Uma comissão especial de
11 membros recomendou a divisão da Palestina em dois Estados, um árabe e um judaico.
A população árabe era então cerca de 1 milhão de habitantes, e a judaica crescera de
cerca de 70 mil no fim do século XIX para cerca de 700 mil.
A questão da Palestina foi levada à Assembléia Geral da ONU, presidida pelo
embaixador brasileiro Oswaldo Aranha. (...)
Todas as questões políticas que foram mobilizadas, de lado a lado. Os judeus...
contavam com o apoio das duas grandes potências, os EUA e a URSS, a que se juntou a
França. Os países árabes acenavam com a guerra, inevitável, em caso de resolução
favorável à partilha. A votação, 33 votos a favor, 13 contra e 10 abstenções... A reação
árabe foi imediata... tentando provar pela força a inexequibilidade da partilha. Na
realidade, quase o conseguiram. O exército irregular judeu não pôde armar-se
devidamente, obstado pelo governo mandatário... A perspectiva de um banho de sangue
na Palestina fez o presidente Truman recuar de seu apoio à partilha... Em maio de 1948...
fim do mandato britânico, e a proclamação de independência do Estado Judaico (...).
Oito horas após a proclamação de independência, o Estado de Israel foi invadido pelo
Líbano, Síria, Iraque, Transjordânia, Egito, contingentes da Arábia Saudita (...).
Centenas de milhares de árabes residentes em Israel abandonaram suas casas,
espontânea ou forçadamente. (...)
...O Estado árabe-palestino, causa da oposição árabe e origem do conflito, não
foi proclamado na parte da Palestina que permanecera árabe. Com isso, os milhares de
refugiados árabes que haviam abandonado seus lares no início da guerra, e a cuja
grande maioria não era agora permitido voltar, permaneceram nas condições de
refugiados, não foram absorvidos nos países em que se abrigaram e passaram a
constituir, a par de problema humano e social, um fator político atuante no litígio. (...)
212
Em 1956 recrudesceram as atividades terroristas dos sabotadores árabes
(fedaym) no sul de Israel, infiltrados no Egito. O Egito concentrara grande quantidade de
tropas e armas na península do Sinai, depois de receber armamento em grande escala da
URSS que passara a apoiar a política do presidente Nasser. Quando Nasser nacionalizou
o canal de Suez, em outubro de 1956, tropas britânicas e francesas intervieram,
bombardeando aeroportos egípcios e lançando pára-quedistas na zona do canal.
Aproveitando-se da situação e em combinação com as tropas anglo-francesas, as forças
de Israel, sob o comando do chefe de Estado-maior, general Moshé Dayan, invadiram a
península do Sinai, destruíram grande parte do equipamento militar egípcio e chegaram
quase ao canal de Suez. A enérgica reação soviética e norte-americana obrigou ingleses,
franceses e israelenses a se retiraram. (...)
(Entendimentos com o Egito e Israel –Sadat e Begin –foram feitos em 1981)... em
17 de junho, bombardeiros israelitas de fabricação norte-americana atacaram e
destruíram a central nuclear em construção em Bagdá, Iraque. Israel envolveu-se cada
vez mais no Líbano, alegando como justificativa a necessidade de acabar com bases de
guerrilheiros palestinos apoiados pela Síria. Em 17 de julho a aviação israelense
bombardeou Beirute causando vítimas entre a população civil.
... As reinteradas ações militares israelenses, apesar de seu alegado caráter
preventivo, suscitaram fortes críticas. Israel ficou cada vez mais isolado da ONU, onde se
sucederam resoluções condenatórias da Assembléia Geral e do Conselho de Segurança. À
hostilidade crescente por parte dos países do Terceiro Mundo e uma tomada de posição
da Comunidade Econômica Européia que Israel considerou hostil a seus interesses,
somaram-se também restrições dos EUA. Mas o governo Reagan entendeu que não se
impunha uma ‘reavaliação fundamental’ de suas relações com Israel, prosseguindo no
fornecimento de material bélico, inclusive aviões F-16. (...)
Em conseqüência da chamada Guerra dos Seis Dias, conflagrada em 1967,
Israel passou a ocupar todas as terras a oeste do rio Jordão, inclusive o setor árabe de
Jerusalém, pertencentes à Jordânia; a área das colinas de Golan, à Síria; a Faixa de
Gaza e a Península do Sinai do Egito; englobando assim uma área que veio a ser de
89.359 Km2 .
Trechos do livro de Tarik Ali, Confronto de Fundamentalismos:
“... Os palestinos expulsos pelos colonos sionistas tornaram-se um povo sem
Estado, tendo de passar a vida no exílio ou nas condições debilitantes dos campos de
refugiados. (...)
Eu me conscientizei da escala da catástrofe pela primeira vez enquanto visitava
os acampamentos de palestinos na Jordânia e na Síria em 1967, poucas semanas depois
da Guerra dos Seis Dias. Fui profundamente atingido pelos ferimentos infligidos a
crianças palestinas, pelas condições em que os refugiados eram compelidos a viver e
pelas histórias contadas por mães, irmãs e esposas. (...) Foi então que pensei seriamente,
pela primeira vez, na tragédia dupla que havia acontecido. O sofrimento dos judeus
irrompem, desde os pogrons da Rússia czarista até os matadouros de Auschiwitz e
Treblinka, eram responsabilidade da civilização burguesa, os árabes palestinos estavam
sendo obrigados a pagar por esses crimes, enquanto o Ocidente armava Israel e lhe
pagava ‘dinheiro de consciência’. (...).
Fora do mundo árabe, e até mesmo para alguns dentro desse mundo, os
palestinos tornaram-se os filhos descartados da história. (...)
(...)

213
O cinismo dos pioneiros ateus do Estado sionista e a brutalidade que eles
usaram para ajudar o Estado colonial britânico e esmagar a primeira intifada palestina
(1936-1939) foram um sinal do futuro. O levante palestino era um protesto contra a
colonização judaica que eles teriam impedido havia muito tempo se os britânicos não
estivessem presentes. A erupção da raiva popular foi esmagada por 25000 soldados
britânicos e auxiliares sionistas ajudados pelos esquadrões de bombardeios da Royal Air
Force. (...) No auge da ofensiva colonialista contra os palestinos, Winston Churchill
respondeu à comissão de Inquérito Peel em 1937 e justificou a ação, baseado na
superioridade racional dos judeus, que ele enfatizou ainda mais com uma imagem mal
escolhida:
‘Eu não concordo com que o cão que está na manjedoura tenha o direito final à
manjedoura, mesmo que ele esteja lá há um tempo muito longo. Não admito esse direito.
Não admito, por exemplo, que um grande mal tenha sido feito aos Peles Vermelhas da
América, ou ao povo negro da Austrália. Não admito que tenha sido feito um mal a esses
povos pelo fato de uma raça mais forte, uma de nível mais alto, uma raça que conhece
melhor o mundo, para colocar desse modo, tenha vindo e ocupado seu lugar’. (...)
Churchill não fazia um paralelo com os acontecimentos que ocorreram na época
da Alemanha nazista, onde ‘outra raça de nível mais alto’ buscava afirmar sua
superioridade...
(...)
Foram os campos de refugiados da Jordânia que me deram a primeira lição dobre
a história palestina. Eu tinha visto vítimas de guerra em grande escala naquele ano no
Vietnã, mas eles estavam em seu próprio país, eram cuidados por seus próprios médicos
e, pessoas de todo mundo estavam mandando ajuda medica e de outros tipos. Nos
campos, também, eu vi e fotografei crianças que haviam sofrido queimaduras de Nalpan,
mas este era um povo sem Estado, ignorado pelo mundo árabe e deixado para apodrecer.
(...) No Hospital Civil de Damasco eu vi mais evidencias de armas químicas. Vários
pacientes tinham sido queimados por Nalpan...

Entrevista feita por Carlos Graeb com o intelectual palestino Edward Said – Veja
25-06-2003
Edward Said é o único intelectual palestino de renome mundial. Passou, no
entanto, a maior parte da vida distante de seu país de origem. Nascido em Jerusalém, em
1935, mudou-se para os Estados Unidos em 1951 e vive lá até hoje. Ensina literatura
comparada na Universidade Colúmbia, em Nova York, e mantém uma coluna de crítica
musical no jornal The Nation.

Veja – O plano de paz firmado há três semanas entre as lideranças palestina e israelense
o deixou otimista?
Said – Não, nem um pouco. A única fonte de otimismo, a meu ver, continua sendo a
coragem dos palestinos para resistir. Foi por causa da Intifada e porque os palestinos se
recusaram a capitular diante dos israelenses que chegamos à mesa de negociação – e não
apesar de tudo isso, como alguns insistem em dizer. O povo palestino vai continuar se
opondo aos assentamentos ilegais, ao exército de ocupação, aos esforços políticos para
pôr um ponto final em sua aspiração legítima de ter um Estado. A sociedade palestina vai
subsistir, apesar de todos os esforços que têm sido feitos para sufocá-la.

214
Veja – Não há futuro, então, para o plano de paz da maneira como ele foi traçado?
Said – Esse plano não aborda os problemas e as reivindicações reais do povo palestino.
Estamos falando de uma nação que foi destruída mais de cinqüenta anos atrás. Sua
população foi privada de suas propriedades, 70% dela ficou desabrigada. Ainda hoje, 4
milhões de palestinos vivem refugiados no Oriente Médio e em outras regiões do mundo.
Desde 1948 a ONU reafirma a ilegalidade dessa situação e diz que essas pessoas
deveriam ser indenizadas ou repatriadas. O plano de paz, no entanto, não toca nesse
ponto. O plano também não diz nada sobre a ocupação militar que começou em 1967.
Estamos falando da mais longa ocupação militar da história moderna. Milhares de casas
foram destruídas e, em seu lugar, surgiram quase 2 000 assentamentos israelenses
habitados por cerca de 200 000 colonos. A seção leste de Jerusalém foi indevidamente
anexada por Israel, que, além disso, nos últimos dois anos e meio, manteve os 3 milhões
de habitantes da Faixa de Gaza e da Cisjordânia sob toque de recolher e restrições de
direitos humilhantes. Nada disso é mencionado pelo plano de paz. E tampouco a questão
das fronteiras de um futuro Estado palestino é abordada com clareza. Não há menção às
fronteiras que existiam antes de 1967, muito menos à idéia de restabelecê-las. Ou seja,
Israel se propõe a reconhecer um Estado palestino – mas provisório e sem território
estabelecido. Na essência, tudo que o plano diz é que os palestinos devem abrir mão da
resistência, parar de lutar. Em contrapartida, Israel eventualmente levantaria algumas
das restrições que impõe ao povo palestino – mas isso é dito sem maiores especificações.
O plano não prevê mecanismos efetivos de implementação de suas fases. Assim como
ocorreu nas negociações de Oslo, em 1993, as decisões ficariam a cargo dos israelenses.
Em resumo, estamos falando de um plano que não leva a lugar algum.
(...)
... sempre hesito muito em discutir a questão do terrorismo, porque o tema é sempre
abordado num vácuo de referências históricas e políticas. Os palestinos, repito, foram
privados de sua terra há mais de cinqüenta anos, foram submetidos a uma pesada
ocupação militar, e viram seu cotidiano transformado num inferno. Já houve estados de
sítio decretados por Israel que duraram 89 dias. Nesses períodos, as pessoas só podiam
sair de casa umas poucas horas por dia, para conseguir água e comida. Mesmo em
situação “normal” um palestino não pode mover-se livremente em sua própria cidade.
Ele é humilhado em barreiras, quando não é proibido de trabalhar e prover seu sustento.
Some-se a isso o fato de que Israel emprega táticas que podem ser consideradas de
terrorismo de Estado.

Veja – O senhor está dizendo que não existem terroristas na Palestina?


Said – Estou dizendo que sou contra todos os tipos de terrorismo, e não somente contra
aqueles de que os americanos não gostam. Para conversar a sério, temos de reconhecer
que Ariel Sharon é um terrorista que mata mais gente do que qualquer garoto de 18 anos
que se explode com uma bomba. Estou dizendo, também, que não podemos confundir
causas e conseqüências. Se os jovens palestinos acabam nas garras de ideologias
políticas e religiosas que professam a violência, é porque antes disso se afundaram no
niilismo e no desespero, porque tiveram de atirar pedras contra tanques. Eu odeio os
atentados suicidas. Eles são contra a vida, e é disso, de vida, que os rapazes que as usam
precisam na verdade.

Veja – O senhor se opõe sistematicamente à mediação dos Estados Unidos na questão


Israel-Palestina. Por quê?
215
Said – Os EUA são um império e agem, como qualquer império, buscando consolidar e
ampliar seu poder. Não é uma questão de decisões individuais, não se trata dos desejos
de um único presidente, seja ele Bush, Carter ou Roosevelt. Apesar das diferenças de
estilo e abordagem, todos agem essencialmente da mesma maneira quando se trata do
Oriente Médio. Pois essa é uma região de enorme importância estratégica – talvez a
região mais importante do mundo nesse sentido. Há 250 anos a luta pelo seu controle é
contínua. O cinturão que vai do Golfo Pérsico ao norte do Mar Cáspio é vital para o
planejamento americano – ou de qualquer país de pretensões imperiais. Assim, tudo que
tenha a aparência de um movimento por independência e autodeterminação nessa região
contará com a oposição deles. O aliado privilegiado dos americanos na região é Israel.
Eles encaram essa nação como um posto avançado do Ocidente. É tolice esperar que um
plano de paz que responda aos interesses palestinos saia da cabeça de um político
americano.

... Nosso embate, por outro lado, é com os judeus da Europa, um povo trágico que chegou
ao Oriente Médio carregando o velho fardo do anti-semitismo e um crédito moral em
relação ao Ocidente, empenhado em compensá-los depois da barbárie que foi o
holocausto. Nós somos vítimas das vítimas, e essa é uma posição muito difícil.

Veja – Até que ponto as instituições da sociedade civil estão organizadas no mundo
árabe?
Said – Há muita ignorância e distorção sobre o mundo árabe. Dizem, por exemplo, que
os árabes não têm a mais vaga idéia do que seja democracia, que eles abraçam uma
cultura da violência, que desistiram de manifestar-se sob regimes que os controlam
ferreamente. Tudo isso é um acúmulo de tolices. Comecemos por uma das instituições-
chave da sociedade civil, a imprensa. Pois eu diria que em alguns sentidos as idéias
circulam de maneira mais ampla no Oriente Médio, inclusive em países com censura forte
como o Egito e a Jordânia, do que nos Estados Unidos. Você pode, se quiser, comprar um
jornal do Partido Comunista numa esquina de Amã ou no Cairo – e isso é absolutamente
impossível nos Estados Unidos. Todo tipo de opinião é transmitido por satélite. Veja o
caso da rede de televisão Al Jazira. Ali falam liberais e maoístas, islâmicos e
antiislâmicos, gente de todas as frentes. Isso não acontece na CNN ou na Fox News. Em
segundo lugar, os regimes linha-dura se mantêm num estado de tensão constante com
movimentos de direitos civis, movimentos femininos, ONGs e instituições representativas
dos mais diversos tipos. A propaganda faz os árabes parecerem todos selvagens e
atrasados, mas isso é mentira. Compor uma representação mais refinada do que seja o
mundo árabe é uma tarefa urgente para os ocidentais.

ÍNDIA

Desde a remota antiguidade, a Índia era conhecida. Grécia, Roma e Egito


mantinham comércio com ela. Veneza e Gênova tinham bastantes informações sobre o
comércio da Índia e os produtos indianos tinham fama.

216
“Segundo observação de Hegel: ‘Índia, como terra do Desejo, é elemento básico
da História Geral. Desde os tempos mais remotos todas as nações dirigiram suas paixões
para o objetivo de abrir caminho aos tesouros dessa terra de maravilhas, as mais
preciosas que a Terra conhece, tesouros da Natureza – pérolas, diamantes, perfumes,
essências de rosas, leões, elefantes, etc. –tanto quanto tesouros de Sabedoria. Como
passaram tais tesouros para o Ocidente? Eis uma questão importante para a história do
mundo e que se encontra ligado ao destino das nações”.(citação de Pamikar)
Era a época dos descobrimentos de Portugal, e em 1454 o papa Nicolau V deu-
lhe o direito às terras até a Índia:
“Sentimos uma imensa alegria em saber que o nosso amado filho Henrique,
príncipe de Portugal (...) levou o nome de Jesus aos países mais longínquos e ignotos, e
reconduziu ao seio da Igreja pérfidos inimigos de Deus e de Cristo, como os sarracenos e
os infiéis. (...) Submeterá, com a permissão do Rei, as nações pagãs ainda não
contaminadas pela peste islamita, e lhe ensinará o nome de Cristo. (...)
Após deliberarmos cuidadosamente, e considerarmos que concedemos ao Rei
Afonso, por nossas cartas apostólicas, o direito total e absoluto de invadir, conquistar e
dominar todos os países que estão em poder dos inimigos de Cristo –sarracenos ou
pagãos -; desejamos, por nossa epístola apostólica, que o mesmo Rei Afonso, o Príncipe e
seus demais sucessores sejam reconhecidos como únicos senhores e possuidores das
ilhas, portos e mares acima mencionados; e proibimos a todos os fieis servidores de
Cristo de usurpar sua soberania, sem a permissão do dito rei e de seus sucessores. No
presente e para o futuro, todas as conquistas que se estendem até o cabo Bojador, o cabo
Não e a costa de Guiné e todo o Oriente estão sempre e até a consumação dos séculos sob
a soberania do Rei Afonso.”
Mas, nas pisadas dos portugueses, seguiram os holandeses e ingleses que,
protestantes, não deviam obediência ao papa nem ao rei de Portugal.
Isabel da Inglaterra concede o monopólio do comércio oriental à Companhia das Índias
Orientais.
Além das especiarias, os tecidos indianos obtiveram uma incrível aceitação, e
sua importação para a França e a Inglaterra tornou-se um perigo para a economia destes
países. Em fins do século XVII o Parlamento inglês foi coagido a proibir a entrada dos
tecidos indianos, e também das tapeçarias, leques, xales e brocados indianos...
“Sanson observa com justeza: ‘a diversidade de pretextos dados para tal
oposição não deve mascarar o fato fundamental de que ela decorre: o velho medo de ver
o ouro sair. E de que não o tinham revestido! Os panfletários chegaram a invocar o
pudor das mulheres inglesas para condenar a transparência das sedas indianas. Tudo
isso porque se temia prosaicamente a fuga do ouro e da prata para o estrangeiro e, mais
em particular, a ruína das industrias nacionais.’”(cit. Pamikar)
Como podemos ver, as indústrias da Índia na época de sua invasão pelos
europeus eram muito superiores a destes.
Em 1980 a Grã-Bretanha já havia conquistado um terço da Índia; em 1818 a
Companhia das Índias já era o grande poder da Índia. O último Estado independente, o
reino Panjab, foi conquistado e anexado em 1848, e os ingleses haviam expulsados os
rivais holandeses e franceses.
Lord Hardings levara a efeito, quase sem resistência, várias anexações nos
termos da Doutrina da Vacância, todo Estado hindu cujo soberano morresse sem herdeiro
natural, era automaticamente anexado às possessões inglesas.

217
A “Revolta dos Cipaios”, em 1857, foi a última tentativa das velhas classes
dirigentes, os maratas e mongóis, para expulsar os ingleses. Foi sufocada impiedosamente
após 18 anos de lutas. Daí por diante, o governo inglês nacionalizou a Companhia e
tomou a si a administração do país.
Dezenas de anos depois Gandhi começa o movimento não violento da não
cooperação, incitando as massas a voltarem aos teares que haviam sido inutilizados pelos
ingleses, a não comprar produtos ingleses, até o sal que era monopólio deles. E a Índia
obteve sua independência em 1947...
É bastante interessante o comentário de Noam Chomsky sobre o sofrimento do
povo da Índia, até o “domínio” dos EUA – depois da independência.
“A primeira parte da Índia a ser conquistada ‘foi desestabilizada e empobrecida
por uma experiência desastrosa, apadrinhada pelo governo’, observa John Keay em sua
História da Companhia das Índias Orientais. O conquistador Robert Clive descreveu o
centro têxtil de Dacca em 1757 como ‘tão extenso, rico e populoso quanto a cidade de
Londres’; em 1840 sua população havia caído de cento e cinqüenta mil, para trinta mil,
testemunhou à Casa de Londres Sir Charles Trevelyan, ‘e a floresta e a malária estão
rapidamente invadindo (...) Dacca, a Manchester da Índia decaiu de uma cidade
florescente a uma cidade pequena e muito pobre’. Ela é hoje a capital de Bangladesh.
No momento da tomada inglesa, a Índia era comparada à Inglaterra no
desenvolvimento industrial. O conquistador se industrializava enquanto a indústria era
destruída pelas regulamentações e interferências. Observadores britânicos, embora de
orientação liberal, reconheciam a necessidade de tais medidas. Não tivessem elas sido
tomadas, escreveu Horace Will em sua History of British India em 1870, ‘os moinhos de
Paishy e Manchester teriam sido fechados em seu início, e dificilmente poderiam ser
postos em movimento de novo, mesmo pelo poder do vapor. Eles foram criados por meio
do sacrifício de fabricantes indianos’.
Os contemporâneos descrevem vividamente a ‘opressão e os monopólios’
viciosos dos conquistadores britânicos que roubaram e destruíram a riqueza agrícola e os
avançados produtos têxteis de Bengala, semeando a terra com cadáveres à medida que
convertiam riqueza em miséria, transformando ‘carência em escassez absoluta’, muitas
vezes lavrando ‘um rico campo de arroz ou outro grão (...) a fim de dar espaço a
plantações de papoula’, se oficiais da Companhia ‘previssem os lucros extraordinários
que provavelmente seriam colhidos com o ópio.’(Adam Smith) A Colonização Britânica
de 1793 estendeu a ‘experiência’ para além de Bengala. A terra foi privatizada,
produzindo riquezas para clientes locais e para os governantes britânicos enquanto a
‘colonização elaborada com grande cuidado e precaução tem para nosso doloroso
conhecimento sujeitado quase todas as classes baixas à mais dolorosa opressão.’,
concluiu uma comissão de investigação britânica em 1832. O diretor da Companhia
das Índias Orientais reconheceu que ‘a miséria dificilmente encontra paralelo na
história do comércio. Os ossos dos tecelões de algodão estão alvejando as planícies da
Índia.’(...)
No século XIX a Índia estava financiando mais de dois quintos do déficit
comercial britânico, fornecendo um mercado para fabricantes britânicos, assim como
tropas para as suas conquistas coloniais e o ópio –que era o principal produto de seu
comércio com a China-compelida pelos exércitos britânicos a importar narcóticos letais.
(...)
Depois de contribuir maciçamente para a riqueza e poder britânicos durante
séculos, a Índia finalmente ganhou sua independência – indigente, esmagadoramente
218
agrária, com uma população que era absolutamente pobre, sofrendo taxas de
mortalidade entre as maiores do mundo. (...)
Como outras colônias, a Índia visava entrar no mundo moderno depois de se
libertar do governo externo – no caso da Índia, retornar ao curso da industrialização que
a Grã-Bretanha havia bloqueado, de fato revertido. (...)
Nos anos Eisenhower e brevemente além deles, os Estados Unidos ofereceram
alguma ajuda à Índia, embora com considerável relutância por causa de neutralismo e
esforço em perseguir um desenvolvimento independente com planos estatais
protecionistas clássicos. Revendo recentemente, documentos até então secretos Dennis
Merrill encontrou pouca preocupação com as necessidades da Índia. Em 1950, os oficiais
norte-americanos reconheceram que a Índia enfrentava uma fome terrível. (...) Mas a
administração Truman não tinha interesse em fornecer trigo dos abundantes excedentes
que o governo havia adquirido, com parte de subsidio público em grande escala à
agricultura dos Estados Unidos. Alguns oficiais eram favoráveis à ajuda por causa dos
benefícios dos Estados Unidos: alimentos para salvar milhões de pessoas da fome
iminente conter a ‘subversão comunista’ e prevenir a chegada ao poder de um governo
que ‘seria decididamente pior do nosso ponto de vista’ do que o muito antipático Nehru.
(George Ma Ghee). Depois que a guerra da Coréia estourou, Dean Acheson ofereceu
ajuda à Índia estabelecendo que ela desse mostras de ‘entender a profundidade do perigo
que enfrentamos’ aos se unir à cruzada anti-comunista; do contrário, não tínhamos
nenhuma obrigação de ‘entender a profundidade do perigo que a Índia enfrentava’.
Cinco meses depois de a Índia ter requisitado ajuda, foi-lhe dado um empréstimo pagável
em matéria-prima estratégica. (...)
Nada mudou nos últimos anos. O governo e a imprensa clamaram por ajuda não
para socorrer a Índia, mas porque ‘o que acontece na Índia terá um tremendo impacto
sobre decisões tomadas em outros países na Ásia, no Oriente Próximo, na África mesmo
nas Américas’. (vice-presidente Richard Nixon) A Índia será ‘o maior teste para o
desenvolvimento econômico apoiado pelo Ocidente na Ásia’, comentou o Business Week.
O senador John F. Kennedy pediu auxilio com o intuito de ajuda-la a vencer a corrida
contra a China, que estava perseguindo um ‘esforço de planejamento levado em
consideração em todo o mundo’. Não podemos viver ‘cercados por um mar de inimigos’,
disse o presidente Eisenhower: para proteger ‘nossos próprios interesses e nosso próprio
sistema’, devemos tentar entender a ‘ânsia profunda’ do Terceiro Mundo por padrões de
vida melhores, mesmo que seus modelos de desenvolvimento afastem-se de algum modo
de ‘livre empresa’ que tentamos impor aos outros. Em janeiro de 1963, o presidente
Kennedy reiterou esse raciocínio, exortando o Congresso a examinar ‘muito
cuidadosamente’ as conseqüências, para nós, se os países ‘se voltarem ao comunismo só
porque não demos uma certa quantia em dinheiro’; devemos ‘determinar a ajuda na base
que melhor servirá aos nossos interesses’.
O principal caminho pelo qual a ajuda pode ‘servir a nossos interesses’ é um
subsídio público indireto para as corporações baseadas nos Estados Unidos, um fato bem
entendido por líderes empresariais. (...)
A Índia ‘provavelmente preferiu importar técnicas e know-how mais do que
corporações estrangeiras’, mencionaram mas ‘tal não é possível; portanto a Índia aceita
o capital estrangeiro como um mal necessário.’
Os fundamentos para a submissão da Índia foram colocados pela ajuda externa
que ‘forçou uma modificação de abordagem indiana ao capital privado externo (para)
uma atitude mais obsequiosa’. Como um exemplo, citam as negociações para duplicar a
219
produção de fertilizantes que são ‘desesperadamente necessários à Índia’. O consórcio
norte-americano ‘insistiu que obter o tipo apropriado de controle majoritário da
propriedade era, de fato, necessário’, mas a Índia se esquivou. Ela logo cedeu,
abandonando sua objeção de que ‘o governo norte-americano e o Banco Mundial
gostariam de arrogar a si e direito de estabelecer a estrutura em que nossa economia
deve funciona’, relatou com aprovação o New York Times, sob o título ‘Desvio do
socialismo ao pragmatismo’. A Índia garantiu termos acessíveis aos investidores
estrangeiros privados sob ‘pressão contínua’ dos Estados Unidos e do Banco Mundial,
tendo pouca escolha. (...) As companhias norte-americanas que a Índia estava compelida
a admitir sob os termos norte-americanos, insistiam em importar todos os equipamentos e
o maquinário, apesar da admitida capacidade da Índia de satisfazer tais exigências, e
importar amônia líquida, um matéria-prima básica, mais do que usar a nafta nativa
disponível em abundância que, se desenvolvida, poderia aumentar a independência da
Índia. (...)
Os efeitos são estudados pelos economistas de desenvolvimento da Universidade
de Otawa, Michel Chossudovsky, em um dos principais jornais econômicos da Índia. O
país ‘tinha um alto grau de autonomia em relação ao governo britânico’, salientou ele,
enquanto, ‘sob a tutela do FMI, -Banco Mundial-, o ministro das Finanças da União se
reporta diretamente aos quartéis-generais do Banco Mundial em Washington, passando
por cima do processo democrático e parlamentar’. As propostas de orçamento do
governo são ‘repetitivas e redundantes’, repetindo os acordos assinados com o Banco
Mundial. (...) Os principais ministros do governo são assessorados por antigos
empregados do FMI e do Banco Mundial, parte do ‘governo paralelo’ estabelecido na
Índia pela ‘burocracia’ internacional baseada em Washington. Sem o impedimento dos
processos democráticos, os governantes à distância podem prosseguir com o
‘esmagamento dos pobres urbanos e rurais’ e o enriquecimento dos ricos, conforme o
estilo habitual. Como na América Latina, sob a Aliança para o Progresso, - e desde então
–grande parte a população rural está definhando devido à fome crônica e o consumo de
alimentos está caindo enquanto as exportações aumentam. (...)
É um lugar-comum que o ‘principal motivo’ de ajuda não tem sido dar um fim à
pobreza, mas servir ao interesse próprio do doador, ao ganhar amigos úteis, dando apoio
a metas estratégicas ou promovendo as exportações do doador.” (Economist)

China
Habitada há cerca de 100 mil anos. 9.557.000 Km2.
Em 1517 chegaram à China os portugueses, e depois de conflitos, estabeleceram-
se em Macau. Mas os chineses tratavam com desprezo os estrangeiros e não permitiam
livre trânsito no país...
Os manchus dominaram militarmente a China (1644 a 1912) – dinastia Ch’ing. A
travessia da muralha ocorreu a pedido dos próprios chineses que solicitaram apoio militar
para expulsar o grupo de aventureiros que se haviam instalado em Pequim... Os manchus
adotaram a língua chinesa, assimilaram sua vasta literatura, considerando-se herdeiros de
suas tradições...
Os ingleses dominaram as relações comerciais em Cantão e outro pontos no sul
da China... Enviam uma embaixada ao imperador sob a chefia de Lord Macarteney. Suas

220
exigências foram rejeitadas em sua maior parte. Ao deixar Pequim levou a Jorge III uma
carta de Chi’ien-lung redigida em tom altivo e desdenhoso: “Meu império regurgita de
todas as riquezas e de nada necessita...” Ele encarava como inútil e, sobretudo contrário
ao prestigio da China, trocar produtos com países estrangeiros. Abrir a China ao
comércio estrangeiro, mesmo pela força, era então servir à paz, ao progresso, à
civilização. (Pamikar)
A China era virtualmente auto-suficiente, e o comércio com o estrangeiro foi
imposto pela força, principalmente pelos ingleses, que lhe impuseram sua presença e suas
condições...
Os chineses continuavam a não permitir negociações em pé de igualdade. A
embaixada inglesa (Lord Amherst –1816) foi expulsa brutalmente de Pequim por recusar
obediência ao protocolo real que obrigava o estrangeiro, fosse ele ou não representante de
Estado, a inclinar-se diante do imperador até que sua testa tocasse o chão. Mas nessa
época, o Reino Unido era responsável por 80% do comércio exterior chinês... (Pamiker)
O principal comércio dos ingleses era o do ópio, produzido na Índia com o
estímulo dos ingleses, embora há muito sua importação tivesse sido proibida pelo
governador manchu. O contrabando, porém, se generalizava com a conivência de
funcionários chineses corruptos. Em 1795 o consumo anual da droga já chegava a quatro
mil caixas. Em 1860 alcançava sessenta mil caixas. Em 1906 cerca de cem milhões de
chineses eram viciados em ópio, o que destruía as finanças e a Moral da China.
Novamente o governo chinês proíbe, esclarecendo a sua população a cerca do
enfraquecimento da vitalidade que o uso do ópio provocava. Mas não adiantou; os
chineses eram ávidos em adquirir a droga, e os ingleses ainda mais em vendê-la. Em
1838 o governador de Pequim tomou uma atitude através da Hin-tze-hsu, que joga os
estoques de ópio das importadoras ao mar...
“As enérgicas medidas de Lin só encontraram explicações nas ilusões que
mantinha. Para um homem honesto como ele, o contrabando de ópio só podia ser obra de
traficantes sem escrúpulos e de piratas inconscientes. Acreditava, na maior ingenuidade,
que o governo britânico nada tinha a ver com aquilo”.
“Pensamos”, escrevia à Rainha Vitória, “que essa substância perniciosa é
fabricada clandestinamente por artificiosos maquinadores que dependem de vossa nação.
Seguramente, honrada Soberana, vós não haveis ordenado a cultura e a venda dessa
planta...” Lin fazia observar que na Inglaterra era proibido fumar ópio: “Se é
reconhecido que é tão nocivo, como poderíeis obter lucros expondo os outros ao seu
poder maléfico?”
Mas Lin enganava-se totalmente. O governo da Rainha participava bem e
deliberadamente do comércio de ópio (...). A verdade é que o Governo Britânico estava
mergulhado até o pescoço naquele tráfico ilegal tanto quanto imoral, e na pirataria que
era o seu corolário. Mas como poderia Lin supor isto, ele que, como confuciano
autêntico, via no Imperador um delegado do Céu, encarregado de manter a moral e a
honestidade? É dessa ingenuidade fundamental que decorriam sua convicção de que a
Marinha Britânica não interviria para proteger os malfeitores...”(Panikar)
E os ingleses iniciam a Primeira Guerra do Ópio, o pretexto da arrogância do
governo chinês. Bombardearam Cantão e centros populacionais ao sul do Yang-Tsé. O
governo chinês afasta Lin-Tze-hsu e aceita as condições impostas pelo Tratado de
Nanquim, que evitava qualquer menção ao ópio, cedia Hong-Kong aos ingleses, baixava
as tarifas para 5%, abolia o comissariado especial para o controle do ópio, cedia vários
portos e estabelecia uma indenização pelas perdas do comércio britânico.
221
Não satisfeito, o Reino Unido exige novo tratado, apoiado pela França e pelos
Estados Unidos, que fixavam a taxa para o ópio e legalizavam o comércio, autorizava o
livre trânsito pelo país dos missionários cristão...
Em 1889 os chineses recusam e impedem, pelas armas, o acesso a Pequim. Nova
expedição é organizada com forças franco-britanicas.
“A França, que não sabia manifestar sua amizade a Grã-Bretanha, a não ser
acompanhando-a em todas as agressões, juntou-se a ela na nova guerra.”(Panikar)
Capturam Tientsin e Pequim, pilham e incendeiam o Palácio de Verão. E é assinado do
Tratado de Tientsin.
“Todos os europeus sempre se comportaram em relação aos asiáticos como se
os princípios do Direito Internacional não se pudessem aplicar fora da Europa; como se
a dignidade moral dos povos da Ásia não pudesse colocar-se no mesmo pé que eles. O
incêndio do Palácio de Verão, que em Paris e Londres seria considerado digno de
vândalos ou criminosos, em Pequim parecia a decorrência de uma justa cólera. Que
espécie de dignidade os ingleses reconheciam nos chineses para restabelecer, afrontando
as leis imperiais, o comércio do ópio que era proibido na Inglaterra? (...)
Mas o insaciável Lord Elgin, após ter entrado em Pequim, ordenou que tocasse
fogo a todos esses ‘esplendores’ que os próprios conquistadores haviam considerado
‘difíceis de descrever’. Elgin imaginava que o incêndio do Palácio de Verão
impressionaria os orientais e deixaria aos chineses um duradouro pavor dos europeus,
(...) de que seu prestigio crescia aos olhos dos asiáticos na proporção de sua crueldade e
selvageria (...). Os chineses jamais puderam esquecer ou perdoar a barbaria cruel e
imbecil que considerava a destruição dos esplendores asiáticos de um país como um ato
de profunda política...” (Panikar)
Animados com as vitórias dos ingleses, outras nações – França, Rússia,
Alemanha, Japão –começaram a tomar pedaços da China.
Neste tempo, Tzu Hsi, a imperatriz viúva, assume o governo impiedosamente.
Uma organização – Grêmio dos Pulsos justiceiros ou historicamente Boxer – fora
formado para derrubar a imperatriz e por fim a dinastia.
Tzu-Hsi convenceu-os a se unirem a ela e voltarem-se contra os estrangeiros. E
o grupo começa a chacinar os ‘intrusos’... A sociedade chegou a unir quase todos os
chineses, e começaram a perseguir os chineses convertidos ao cristianismo, que eram
considerados traidores, os missionários e os estrangeiros.
As tropas da Inglaterra, França, Alemanha, Japão e Estados Unidos, que tinham
interesse na China, se uniram em 1900, saquearam a cidade de Pequim, mataram
chineses, roubaram e arruinaram valiosas construções...
Bunkley escreve: “arrepiamo-nos de horror ao saber que 40 missionários e 25
crianças foram massacradas pelos Boxers. Mas somente em Túngchoww cidade chinesa
que não ofereceu resistência aos europeus, 573 mulheres chinesas da classe alta
suicidaram-se para não sobreviverem às indignidades sofridas (cit. Will Durant)
A China foi vencida, aceitando uma paz humilhante. E foi destroçado, dividido,
humilhado, que o país iniciou o século XX.
Na Primeira Guerra, acordos secretos do Reino Unido, França e Itália
asseguraram ao Japão a posse das concessões alemãs na China. Os Estados Unidos
reconheceram os interesses japoneses e o Tratado de Versalhes confirmou os direitos.
A decisão da Conferência de Paz provocou na China uma reação de protesto: o
Movimento de 4 de maio (1919), e este protesto foi o começo da reação dos chineses

222
contra a imposições estrangeiras, e das reformas decisivas que a transformaram
rapidamente em grande potência.
Na Segunda Guerra Mundial a China estava dividida em 3 partes: nacionalista,
comunista e japonesa.
Em 1949 foi criada a República Popular da China. Mão-tsé-tung unificou o país.
Depois de confiscar escolas e universidades sob a orientação ocidental, lançou uma
vigorosa campanha de erradicação do analfabetismo e da educação das massas.
Emancipou a mulher e equiparou-a ao homem em direitos e obrigações.
Mas, apesar da diferença exterior para com Stalin, nunca abriu mão de seu próprio
julgamento sobre assuntos chineses. Terminou por romper com a Rússia...
“O Politburo de Pequim mostrou-se mais inteligente que o russo. Os dois países
tinham compartilhado características semelhantes; uma fraca tradição democrática, um
aparato que fundiu partido e Estado, um longo monopólio de poder por parte do Partido
Comunista e a necessidade de esmagar todas as manifestações de dissensão vindas de
baixo. Os líderes dos dois países tinham tomado a estrada capitalista, assim como o
falecido comandante Mao havia previsto, mas ali terminou o companheirismo. (...) O
crime e a corrupção também grassavam a China; muitos burocratas do partido estavam
usando o poder para se transformar em capitalistas comprando propriedades do Estado,
mas havia uma diferença importante. O caos ao modelo russo fora evitado. A economia
tinha registrado sucessos importantes. O capitalismo chinês funcionava relativamente
bem. Sua taxa de crescimento era maior do que a de muitos países ocidentais, e nos
Estados Unidos ele possuía um enorme mercado para seus bens. A China começou a
olhar para o futuro com muito mais segurança e autoconfiança. (...)
...uma cerimônia emocionante em Nova York em dezembro de 2000 para
homenagear o dissidente chinês Wang Rouwang, que morrera na cidade. Ele tinha 83
anos, passara a maior parte da vida tentando melhorar as condições sociais e políticas
da China. (...) A oração fúnebre foi feita por outro distinto exilado, o jornalista e escritor
Lin Binyan, cujas observações enfatizavam as estranhas repulsivas do regime:

‘Wang começou a vida com grandes ideais e o vigor da juventude; investiu tudo
isso no Partido Comunista, cujos líderes logo o expulsaram, depois o baniram, depois o
prenderam, depois o fizeram passar fome e o torturaram, depois arruinaram sua família,
depois o ‘perdoaram’, readmitiram-no, reexpulsaram-no, reaprisionaram-no e finalmente
forçaram-no ao exílio. (...)
Quando olhamos para a China de hoje, vemos a China que eu e Wang
esperávamos há sessenta anos? Nós esperávamos uma China onde a corrupção, a
mentira, o cinismo prosperam? Onde a exploração, a doença, a prostituição e o
gangsterismo encontram seus caminhos? Onde a taxa de suicídio no campo é a mais alta
do mundo? Onde as pessoas ‘espertas’ não têm valores morais e nenhum interesse neles?
Onde o meio ambiente natural levará décadas para se recuperar, se é que isso vai
acontecer?
Governada por um regime que não quer olhar de frente as dezenas de milhões de mortos
que causou e a fome do Grande Salto, mas que ainda reprime violentamente qualquer voz
ou organização que fala –ou que ao menos poderia falar –contra eles? É aí que Wang
Ruowang achava que nós terminaríamos quando começou a jornada de sua vida?’”

223
PAQUISTÃO

As discórdias entre mulçumanos e hindus remotam ao século VII quando a religião


maometana penetrou na Índia pelo noroeste. Em muitas áreas, os militares e
administradores mulçumanos passaram a controlar a população de maioria hindu,
chegando, como o império mongol no século XVI, e alcançando o domínio de todo o
país. Essa hegemonia, entretanto, foi perdida no século XVIII, em conseqüência da
desagregação do império, cedendo lugar à dominação colonial britânica do século
XIX.
Os ingleses procuraram inicialmente apoiar-se no elemento hindu. Entretanto, à
medida que ganhava vulto o movimento do Congresso Pan-Indiano, fundado em 1825, os
mulçumanos sentiram a necessidade de criar sua própria organização, vindo também
constituir motivo de preocupação para as autoridades britânicas. Assim surgiu, em 1906,
a Liga Mulçumana Pan-Indiana, destinada a proteger a autonomia cultural e política da
comunidade mulçumana. (...).
Muhammad Ali Jinnah tornou-se o líder do movimento nacionalista pela criação
de um Estado mulçumano separado... A comunidade hindu, representada por seus líderes
Gandhi e Nehru, era contrária à partilha da Índia...
A lei de independência da Índia aprovada em Londres em 1947 previa a
transmissão dos poderes britânicos a dois Estados: União da Índia e Paquistão. A guerra
civil se alastrou...; 500 mil pessoas morreram de modo violento...; outras centenas de
milhares morreram de fome ou em conseqüência de inundações... ; entre 12 e 14 milhões
de pessoas fugiram de um Estado para outro... O Paquistão manteve-se dentro do
Commonweath britânico com estatuto de domínio... Em 1956 o Paquistão se transformou
em República islâmica, sem abandonar, no entanto, o Commoweath. (dados da
Enciclopédia Britânica)
(...)
“Concebido às pressas e vindo à luz prematuramente – uma cesariana de último
minuto feita pelos médicos que cuidavam do império britânico –, e o Paquistão emergiu
em agosto de 1947, e o nascimento foi acompanhado por uma enorme perda de sangue.
No primeiro ano do novo Estado foi privado de um membro (a Caxemira) e depois perdeu
o pai (Muhammad Ali Jinnah). (...) Presumia-se que a única rota para a sobrevivência
seria tornar-se um paciente da guerra fria sob supervisão permanente do imperialismo
ocidental. À medida que o império britânico desbotava, os Estados Unidos assumia a
responsabilidade pelo Paquistão. (...)
A Assembléia Constituinte havia concordado que a primeira eleição geral do
país seria feita em março de 1959. Para impedir o estabelecimento de um governo eleito
democraticamente, o exército, sob as instruções da burocracia dos Estados Unidos,
tomou o poder em outubro de 1958. O general Ayub Khon tornou-se o chefe do governo
de fato do país. O fato de ele ser intelectualmente deficiente não era segredo no
Paquistão. (...)
O New York Times, como sempre generoso com os ditadores pró-EUA, deixou de
ver a ameaça implícita nessa estupidez (...) Em 12 de outubro de 1958 o jornal comentou
em um editorial sobre o novo regime: ‘No Paquistão, tanto o presidente Mirza quanto o
general comandante do Exército, Ayub Khan, declararam claramente que o que eles
propõem e desejam é estabelecer no devido tempo um governo bom, honesto e
democrático.’

224
O ‘devido tempo’ de Ayub levou dez anos. Uma década da ditadura apoiada pela
China e pelo Ocidente. Uma década de repressão e guerra e de desenvolvimento
econômico unilateral.(...) ... as democracias liberais do Ocidente temiam a democracia
em todos os outros lugares. A fera foi retirada, não por interferência externa, mas através
de uma luta épica travada pelo próprio povo. (...) Impedidos de exercer o direito de
escolher seu próprio governo, o povo tinha se unido de baixo para cima. Foi a única vez
na curta história do Paquistão em que o povo se uniu. (...)
Desde 1951 até o fim da guerra fria em 1989 –90, poucas decisões importantes
foram deixadas somente com a elite paquistanesa. A principal exceção foi a decisão
tomada pelo primeiro ministro a ocupar o cargo por eleição direta, Zulfigar Ali Bhuto
(1971-77), de adquirir capacidade nuclear durante seu período no cargo. Durante uma
visita a Lahore em agosto de 1976, o secretario de Estado norte-americano ofereceu a
Bhuto apoio material e político se ele se abandonasse todos os planos nucleares (...)
Kissinger disse: ‘Nós podemos desestabilizar seu governo e torná-lo um exemplo
horrível.’ Kissinger manteve a palavra. Seis meses depois da ameaça Butho foi
desestabilizado. (...)
Em 1988 o general Zia comemorou o décimo aniversário de seu governo
informando ao país que não tinha intenção de renunciar. No ano seguinte foi
assassinado. (...) Seu sucessor foi obrigado a anunciar uma eleição geral (...) Benazir
Bhuto ganhou a eleição e se tornou primeiro ministro. (...) De seu lado, ela era rodeada
por mediocridade e carreiristas de todo o tipo. (...) Seu governo paralisado foi dissolvido.
A burocracia ajudou Nawas Sharif a voltar ao poder. A rivalidade entre a filha de Butho
e o filho de Muhammad, Nawas, tinha ricos antecedentes. (...)
Nawas Sharif tornou-se o protegido do general Zia e foi levado para a política
como o desajeitado e sujo chefe dos Serviços de Inteligência Interna (ISI), a instituição
mais poderosa do país. (...)
Benazir voltou ao poder pelo voto e com grande maioria. Ela poderia ter
realizado as reformas tremendamente necessárias. Em vez disso, o governo mergulhou na
corrupção (...). Benazir tinha se isolado de seu eleitorado e não percebia a realidade. Na
eleição geral que se seguiu à sua remoção do poder, o Partido do Povo sofreu uma
derrota humilhante. (...)
Os Sharif estavam de volta ao poder. (...) Pouco mudou. (...) A corrupção, com
os tentáculos espalhando-se de cima para baixo é disseminada (...) A elite, liderada pelos
políticos, continuou a saquear a riqueza do país. (...) E debaixo de tudo isso o país
continuou a apodrecer. Um Estado que jamais propiciou educação e saúde gratuitas não
pode mais garantir trigo, arroz ou açúcar subsidiados, nem pode proteger vidas inocentes
dos assassinatos aleatórios. (...)
Nessas condições o povo tem de se virar sozinho. A taxa de suicídio cresce
assustadoramente, geralmente são homens e mulheres levados à loucura pela pobreza
que os deixou incapazes de alimentar os filhos. (...)
Os grupos que atualmente paralisam o país foram criação do falecido general
Zia-ul-Hag, que recebeu apoio político, militar e financeiro dos Estados Unidos e da
Grã-Bretanha durante seus onze anos como ditador do Paquistão. O Ocidente precisava
de Zia par lutar sua guerra no Afeganistão contra a ex-União Soviética. Nada mais
importava. A CIA fechou os olhos para a venda da heroína, supostamente destinada a
financiar a guerra no Afeganistão. O número de viciados em heroína, registrados
oficialmente no Paquistão cresceu de 130 em 1977 para 30 mil em 1988. (...)

225
Com o colapso da União Soviética, a guerra fria terminou, deixando Estados
órfãos em todos os continentes. O efeito no Paquistão foi catastrófico. Os grupos
fundamentalistas tinham servido ao seu propósito e, de modo pouco surpreendente, os
Estados Unidos não sentiram mais a necessidade de lhes fornecer verbas e armas. Da
noite para o dia eles se tornaram violentamente antiamericanos e começaram a sonhar
com vingança. Os líderes políticos e militares do Paquistão, que tinham servido aos
Estados Unidos leal e continuamente desde 1951, sentiram-se humilhados com a
indiferença de Washington. (...)
Quando a guerra do Afeganistão começou em outubro de 2001, Washington não
fez segredo de seu medo de que uma intervenção maciça do ocidente no Afeganistão, que
abertamente usava o Paquistão como base de lançamento, poderia provocar uma grande
inquietação, ou mesmo um golpe contra o regime colaboracionista. Os EUA fizeram de
tudo para manter uma aparência decorosa para o general Musharraj, governante do
Paquistão, ao mesmo tempo em que se certificavam da complacência prática de
Islamabad. Em troca disso foram retiradas as sanções, e dinheiro e armas do último tipo
começaram a fluir de novo para o Paquistão. (...) ...o regime do general Musharaf é, em
si, uma criação recente e não muito forte, com o apoio civil e agora, de novo, dependente
de Washington. (...)
A escala da derrota do Paquistão é tamanha que, assim que o fluxo de dinheiro
acabar o general Musharraf pode muito bem ser derrubado de dentro. Os generais
famintos de poder nunca foram uma mercadoria rara no Paquistão. (...) O general
Musharraf pode obviamente ser sacrificado em nome de volta à democracia no
Paquistão. O problema é que, lá, nenhum político civil é forte ou incorruptível o bastante
para desafiar o exército, que governa o país há mais tempo do que qualquer partido
político...”

INDONÉSIA
A República da Indonésia (= Ilha das Índias) é o maior país do Sudoeste
Asiático, estendendo-se por mais de 10.000 ilhas. O arquipélago indonésio caracteriza-se
por ser uma das principais zonas de instabilidade da Terra; é uma das mais ativas áreas
vulcânicas do planeta, com mais de 70 vulcões ativos, além de muitos semi-extintos...
Sua capital, Jacarta (Djakarta) foi fundada em 1619 pelos holandeses com o nome de
Batávia. A língua nacional é a bahava Indonésia, mas subsistem mais de 210 dialetos em
toda a nação.
A ocupação de Java é datada do Paleolítico inferior. Vários reinos se
desenvolveram desde o século VII. O século XV assinala a introdução do islamismo que
logo conquistou várias ilhas, e dedicou-se ao comércio de cravo, pimenta...
Em 1522 os portugueses se introduziram na Indonésia; os mercadores
mulçumanos fizeram-lhe guerra, e só descansaram quando os viram expulsos pelos
holandeses (1641). Em 1602 fora fundada a Companhia das Índias Orientais Holandesas
que dominaria por 196 anos os negócios das ilhas...
No começo do século XX o movimento nativista já era incipiente. Em 1920, o
Partido Comunista Indonésio... Em 1927, o Partido Nacionalista (PNI) foi dissolvido e seu
presidente, Sukarno foi deportado.

226
A ocupação japonesa em 1942 foi de começo simpático aos nativos. Sukarno e
Hatta, outro respeitado líder, foram libertados e postos à testa de uma administração
colaboracionista... Os excessos da polícia secreta (Gempetai) cedo, alienaram a simpatia
popular. A resistência se formou.
Em agosto de 1945, a bomba atômica foi lançada sobre Hiroxima, e o Japão
capitulou. No mesmo mês, Sukarno e Hatta proclamaram a independência da Indonésia e,
assumiram a presidência e vice-presidência do país. O domínio econômico holandês se
manteve, asfixiante até 1957.
Sukarno governou como o grande líder, sustentado pelo povo e pelas forças
armadas... Mas o crescente esquerdismo do governo alarmou as forças armadas...
Com a saída do presidente Sukarno agravada em 1965, a animosidade entre
esquerdistas e militares veio à tona. Houve repressão. Houve um golpe de Estado e
Suharto se tornou presidente a partir de 1968.
Desencadeou-se, então, no país, um verdadeiro terror branco; mais de 400.000
pessoas acusadas de comunismo foram executadas...
“Uma repressão cega e criminosa contra os comunistas estendeu-se a toda a
Indonésia. O racismo anti-chinês também levou a inúmeros massacres de famílias
inteiras, que, a maioria das vezes, nada tinha a ver com os comunistas, tampouco com os
progressistas.
Segundo fontes, o número de vítimas dos massacres ordenados pelo general
Suharto varia de quinhentos mil a um milhão de pessoas. Todos os dirigentes do PKI que
estavam no país foram executados sem julgamento; centenas de milhares de famílias
suspeitas de serem simpatizantes do comunismo foram exterminadas seja de forma
clássica ou em incêndios ateados em suas casas pelos militares. (...)
‘É certo que a tomada de poder pelos militares foi facilitada pela CIA,
organização do imperialismo americano que não tardaria a operar uma reentrada a
força na Indonésia.’(Regis Bergeroon) (...)
Hoje o imperialismo domina inteiramente a economia Indonésia e,
conseqüentemente, sua política.
A glória do regime da ‘Nova Ordem’ deve-se ao fato de este ter aberto
inteiramente o país aos investimentos estrangeiros. O dinheiro corre fácil nas caixas de
Suharto sob a forma de empréstimos, de ajudas, etc. que numerosos organismos
internacionais (americanos e japoneses) lhe concedem. (...)
Naturalmente, seria fácil acrescentar a todos esses dados específicos uma
verdadeira enciclopédia de crimes e outros atos bárbaros do fascismo indonésio, cuja
instauração foi apoiada pelo capitalismo ocidental. Mas é desde logo evidente que o
general Suharto tomou a seu cargo o genocídio dos comunistas de seu próprio país, sem
poupar, aliás, todos aqueles que, progressistas ou pura e simplesmente nacionalistas anti-
imperialistas, foram igualmente vítimas de sua ferocidade.
Foi com o apoio do imperialismo americano, dos países capitalistas do ocidente
e do Japão, que ele pôde impor a sua ‘Nova Ordem’, ordem fascista que se mantém até
hoje. (...) Está, assim, bem estabelecida a prova de que o capitalismo, quando se trata de
seus interesses, não hesita um instante em apoiar um criminoso de guerra contra a
humanidade.’ (de Jacques Jurguet –em O livro Negro do Capitalismo, organizado por
Gilles Perrault)

(...)

227
Em termos de morte e tortura, Saddam nunca foi páreo para Suharto, cujos
massacres na Indonésia excederam qualquer um que tenha acontecido no Iraque. Mas
nenhum de Terceiro Mundo foi mais premiado pelo ocidente, desde sua criação sangrenta
até os anos em que o governo de Saddam foi declarado uma iniqüidade tamanha que sua
remoção era um imperativo de toda a ‘comunidade internacional’. Em 1995, enquanto o
poderio aéreo americano e britânico atacava o fora-da-lei de Bagdá, Clinton e Gore
estavam recebendo de braços abertos um velho amigo de Jacarta (Suharno), e Blair
estava despachando armas para a ditadura indonésia até 1997. (...) ‘Ele é gente nossa’,
disse uma importante autoridade administrativa . (New York Times 31-10-1995) - Tarik
Ali

VIETNAM
O país chama-se Vietnam desde 1804. Nome de origem chinesa que significa
“estrangeiros do sul”.
O Vietnam localiza-se no sudoeste da Ásia (península da Indochina) e foi divido
em até 1976 em dois Estados, a República Democrática do Vietnam ou Vietnam do Norte,
e a República do Vietnam ou Vietnam do Sul. Habitado desde o Neolítico.
As diferenças entre o norte e sul são antigas. O Norte sofreu influência chinesa.
O sul desenvolveu uma civilização própria de influência hindu.
Datam do século XVI os primeiros contatos com os europeus, estabelecido por
nativos portugueses. Seguiram-nos no século XVII, comerciantes ingleses e holandeses. A
chegada e missionários católicos franceses e espanhóis levaria a sangrentos conflitos
religiosos.
Nguyen Anh, com o apoio de Luis XVI, ocupou a Cochinchina, Huê e Hamor, e
assumiu como imperador de todo o Vietnam, o nome Gia-Long. A dinastia de Nguyen
duraria 150 anos. Gia-Long fez governo reacionário, aumentou os impostos, perseguiu
rebeliões do povo (budismo e taoísmo). Seus sucessores hostilizaram estrangeiros,
missionários e conversos. Em 30 anos, 130.000 mil cristãos foram massacrados, inclusive
8 bispos e 15 sacerdotes.
Napoleão III usou esse pretexto para intervir e, enviou uma expedição punitiva
franco-espanhola. Províncias e ilhas foram “cedidas” à França. No Camboja já se
estabelecera as bases de um protetorado francês.
Durante a ocupação francesa, a ocidentalização do Vietnam chegou a fazer de
Saigon a “pequena Paris do oriente”.
Dirigida por um conselho superior da Indochina, convertido em Conselho de
Governo (1898), e um conselho econômico e financeiro (1928), a obra de colonização da
França foi grande e variada... No campo cultural houve iniciativas meritórias, mas que não
atingiu o povo... Na ordem material foram grandes esforços, mas a indústria permaneceu
estacionaria...
O progresso se fez com sacrifício da população nativa, cujo nível de vida
permaneceu sempre extraordinariamente baixo, com salários de fome...
Nessas condições o movimento nacionalista ainda insignificante, fez rápidos
progressos. Foi fundada uma Liga Revolucionaria pelo futuro Hô Chi Minh.

228
A crise mundial de 1929-1930, precipitou a revolta na Indochina... Trouxeram
com ela a fome e o desespero... O Partido Comunista foi dissolvido e passou a
clandestinidade. Houve revoltas e uma feroz repressão...
A derrota da França em 1940 abriu as portas da Indochina aos japoneses... A
economia do país foi deformada para servir à maquina de guerra japonesa.
A Frente pela independência do Vietnam ou Vietminh, apelou para as Nações
Unidas; Hô Chi Minh proclamou em 1945 a República Democrática do Vietnam, cuja
presidência assumiu.
Guerra do Vietnam é o nome das campanhas militares que se sucederam, com
breves períodos de trégua, de 1945 a 1975. Por razoes geográficas, o Laos e Camboja
viram-se envolvidos desde o início. Transformada em guerra civil em que se defrontam as
forças conservadoras, apoiadas pelos EUA, e as forças comunistas pela China e URSS.
A decisão do presidente Truman de fornecer material de guerra ao exército
colonial francês, envolveu diretamente os EUA no conflito...
Em 1952 e 1953 a ajuda norte americana chegou a 500 milhões de dólares por
ano. Em 1954 financiavam 80% do esforço militar francês no Vietnam.
No acordo de Genebra o Vietnam se dividiu em 2 partes: a parte norte,
administrada por Hô Chi Minh e a parte sul governada pelo governo Bao-Daí.
Os EUA não assinaram os acordos. Em 1954, Ngo Dinh Dien destituiu Bao Daí.
Os EUA passaram a fornecer-lhe ajuda econômica e militar. A França havia evacuado o
Vietnam...
Ngo Dinh Dien, anticomunista e antifrancês, manteve-se independente dos norte-
americanos e acabou abandonado por eles. Foi massacrado no veículo que o conduzia à
prisão. A responsabilidade da administração Kennedy pela sua morte nunca foi provada.
A 5 de agosto de 1964 o presidente Lyndon Johnson ordenou um bombardeio de
represália a bases navais do norte. Em março de 1965 desembarcava no Vietnam do Sul o
primeiro contingente de fuzileiros navais (3200 homens). No mesmo mês, tiveram início
os bombardeios sistemáticos acima do paralelo 17.
Tidos como ineficazes, mesmo pelos serviços de inteligência, duraram até 1973.
Não dobraram o governo de Hanor. Apenas serviram para levantar contra os EUA a
opinião mundial. Um grupo de personalidades com Bertrand Russel, Jean Paul Sartre e
Simone Beauvoir formou em 1967 um tribunal popular que condenou os EUA por crimes
de guerra. Os anos seguintes foram de crescente envolvimento dos EUA.
A economia do país continuava inviável e dependia inteiramente dos EUA (750
milhões de dólares por ano). O inimigo, armado pela China e pela URSS, permaneceu
irredutível...
Ao fim de 1972 a Guerra do Vietnam tinha custado aos EUA, segundo cifras do
Departamento de Defesa, cerca de 55.000 mortos e mais de 300.000 feridos. Em termos
financeiros, o conflito exigiu 107.700.000.000 de dólares. As perdas do lado comunista
foram estimadas em 900.000 mortos e mais de 2 milhões de feridos. No governo de
Saigon 600 mil mortos e 1 milhão de feridos...
A guerra foi marcada pela brutalidade e por atrocidades contra a população civil,
tanto por parte dos comunistas como por parte dos EUA e seus aliados.
(...)
“O senador Willian Fulbright desafiou as fantasias de seus generais, refutou as
inverdades tecidas por seus líderes e ajudou a acabar com a guerra. Esta foi a maré alta
da democracia americana. Muitos soldados que voltaram da guerra tinham-se tornado
deficientes devido ao conflito, mas haviam começado a pensar por si mesmos. (...)
229
A partir de 1966 o fundamentalismo imperialista usou a guerra química contra
os vietnamitas. O massacre de populações civis sempre fez parte das estratégias de
guerra americana. O uso de desfolhantes, herbicidas e gases tóxicos transformou parte
do campo numa paisagem lunar. Áreas inteiras tornaram-se impossíveis de ser cultivadas
e continuam assim até hoje. Apesar de tudo isso os vietnamitas recusaram as rendições.
Foi esse conhecimento que levou os que estavam sendo convocados, os que tinham lutado
e os que perderam parentes e amigos na guerra a questionar seus motivos e sua eficácia,
e a insistir que ela fosse terminada. (...)
Apesar de repetidas exigências, nenhuma autoridade americana, militar ou civil,
jamais foi julgada por crimes de guerra. Geralmente os tribunais são para os derrotados,
mas não neste caso, porque o país vitorioso não teve apoio necessário para impor um
tribunal destes.” (TarikAli)
(...)
“Em 1973, Thieu, apoiado por Eisenhower, toma o lugar de Dien à frente do
Vietnam do Sul em um golpe de Estado militar. A Frente Nacional de Libertação (FNL),
apoiada pelo norte Hô Chi Minh, nasce no mesmo momento. Os EUA, com Kennedy, e
depois com Johnson, envolveram fortemente seu país na guerra. Thieu é finalmente
apoiado por Nixon. (...)
...durante o chamado período de ‘vietnamização’ iniciado por Nixon em 1969,
por intermédio de seu de seu fantoche Thieu que, apoiado pela logística americana, irá
revelar-se um dos mais sanguinários carcereiros desta região do mundo que, nisso não
foi avara. Thieu que, após a demissão de Nixon em 1974, com o avanço decisivo e
vitorioso da FNL, fugiu em 1975, (...) para gozar uma reforma dourada no país de seus
protetores. (...)
O apoio dos Estados Unidos à polícia ocupou um lugar primordial no dispositivo
americano no Vietnam o Sul. Consistiu em financiar largamente o aparelho de repressão
de Saigon, em manter o pessoal especializado e em dirigir as operações por intermédio
de um corpo de ‘conselheiros’ onipresentes.
Como é costume, o colonialismo delega as tarefas menores aos elementos mais
corruptos do país ocupado, preferindo ficar na sombra para puxar a cordéis e não se
expor ao ataque direto dos defensores dos direitos humanos. No entanto, as provas do
envolvimento americano nas mais sinistras campanhas de tortura, de carceramento e de
extermínio são muitas. Não satisfeitos em ter bombardeado durante anos o Vietnam do
Norte, ter tratado a maior parte do Vietnam do Sul a ferro e fogo, ter queimado com
Napalm dezenas de milhares de inocentes, ter destruído as culturas do país e ter reduzido
à fome milhões de agricultores durante a guerra terrestre, o neocolonialismo americano
conduziu uma outra guerra, dissimulada e sanguinária contra a resistência nacional e
política de todo um povo perseguido. (...)
De 1968 a 1971, mais de 100 bilhões de dólares foram gastos pela CIA, pelo
Departamento de Defesa. (...)
... o governo americano não deixou de afirmar que o tratamento dos prisioneiros
era um assunto interno do Vietnam do Sul. E, no entanto, como escreveram os jornalistas
Holmes Brown e Don Luce, ‘nós criamos o governo Diem e destituímo-lo; bombardeamos
sem autorização e ‘desfolhamos’ o país deles, contudo, por respeito a sua independência,
permitimos que maltratassem seus prisioneiros.’” (François Derivery em O Livro Negro
do Capitalismo)

230
FILIPINAS

Primeiro contato com os europeus em 1521, com Fernão de Magalhães. Sob o


domínio espanhol desde 1565, os poderes dos chefes locais eram teoricamente rejeitados.
Houve freqüentes revoltas contra os colonizadores.
Emílio Aguinaldo chefiou uma rebelião (1896-1898) contra a Espanha, e aliou-
se aos Estados Unidos durante a guerra com a Espanha. Chegou a proclamar a
República Filipina da qual se tornou presidente.
Antes da declaração de guerra dos EUA à Espanha em 1898, um esquadrão
norte-americano estava estacionado em Hong-Kong, na expectativa. Iniciado o conflito,
destruiu em Manila a esquadra espanhola. A conquista foi facilitada pelo auxilio dos
insurretos filipinos; mas ao lhes negaram a independência, tiveram que enfrentar sua
obstinada resistência.
As Filipinas foram anexadas pelos EUA. Houve movimentos nacionalistas dos
filipinos, decepcionados com a atitude do governo norte-americano. A repressão exigiu
uma força dicionária de 60 mil homens e três anos de luta contra as guerrilhas.
Somente em 1946 se efetivou a independência das Filipinas, prometida desde 1916. Mas
os EUA conservaram no arquipélago 23 bases navais.
(...)
“Em 1965, Ferdinand Marcos tornou-se chefe de Estado. Dois episódios na vida
de Marcos merecem atenção especial. Durante a ocupação japonesa ele dirigia um grupo
de marginais chamados Maharlika. O grupo pratica a resistência anti-japonesa, e
contrabando e o tráfico de armas. Mas Marcos é demasiado inteligente para colocar
todos os ovos no mesmo cesto; agente japonês, trai numerosos de seus camaradas
resistentes. Quando da libertação é julgado pelas autoridades americanas, escapa da
execução... e torna-se o protegido da potência ocupante.
Em 1954 encontra Imelda Romualdez, Imelda é simultaneamente atriz, cantora e
rainha da beleza...; teve uma infância e uma adolescência de humilhação e miséria. A sua
sede de vingança é considerável (...). Ferdinand partilha o ódio de Imelda pela
oligarquia. (...)
Até 1972 Marcos é reeleito sem problemas. (...) A sua paixão por palácios, jóias
e dinheiro é ilimitada, e o casal literalmente pilha o país. Marcos, lentamente transforma-
se em um déspota asiático, Imelda, em Lady Macbeth. (...)
Em 1973 o déspota decreta estado de sítio, regularmente renovado até 1986 (...).
Em 1986, Ferdinand Marcos mais uma vez frauda astuciosamente as eleições nacionais...
A insurreição popular varre Maniba. (...) O protetor americano ordena a fuga;
helicópteros das forças aéreas dos EUA pousam sobre o gramado do palácio de
Malacanang. Resgatam Imelda, Ferdinand e 83 de seus familiares e associados para a
base americana de Subia Bay... Marcos morreu em 1989 num hospital americano no
Havaí. (...)
Em 1986, quando o protetor americano deixa cair o cleptocrata, instala no
palácio de Malacanang uma mulher da oligarquia, Cory Aquino, viúva de um opositor
assassinado por Marcos em 1983. (...)
Assim que desceu do avião em Honolulu, agentes do FBI avançaram para
Marcos e para seus familiares e confiscaram-lhe as malas e os sacos que continham os
nomes de códigos, os números e a localização das contas bancarias distribuídas pelo

231
mundo. O FBI entrega esses documentos à nova presidente das Filipinas, Cory
Aquino.(...)
Se Cory Aquino quer sobreviver tem de rapidamente fazer investimentos maciços
na cidade, um reforma agrária conseqüente... Tudo isto custará centenas de milhares de
dólares. Para o presidente Reagan, não há qualquer razão para que os contribuintes
paguem esses elevadíssimos e despropositados créditos... enquanto bilhões de dólares,
roubados por Marcos e pelos seus, repousam tranqüilamente nos bancos suíços. (...)

Perante a importuna insubmissão do povo esfomeado, Marcos teve que


rapidamente proclamar o estado de emergência e renová-lo ano após ano. Concentrando
nas suas mãos quase todos os poderes civis e militares, Marcos usava o exército para
ocupar e depois expropriar as centenas de plantações, sociedades comerciais, sociedades
imobiliárias e bancos pertencentes a seus críticos, para atribuir as propriedades a seus
próprios generais, cortesãos e conselheiros. Numerosas sociedades e plantações
passaram assim, diretamente para as mãos de sua família e de Imelda. (...)
Manila é a capital asiática da prostituição. Milhares de cortadores de cana-de-
açúcar vivem na mais absoluta miséria. (...) Em 1997 o produto nacional bruto, pouco
ultrapassou os 40 bilhões de dólares... dois terços dos 58 milhões de filipinos vivem no
que o Banco Mundial chama publicamente de ‘pobreza absoluta’ (...) (de O Livro Negro
do Capitalismo –Jean Ziegler)

CORÉIA (DO NORTE E DO SUL)

O nome da Coréia deriva de Koryo (“alto e belo”), dinastia que governou de


918 aC. A 1392. O nome que aparece na historia da Coréia e o mais conhecido pelo
povo, é Choson “terra de manhã serena”, revivido pela dinastia Yi (1392-1910).
O antigo país asiático teria sido fundado em 2.333 aC., por um personagem
mítico –Tangum.
Em 108 aC. o imperador chinês Wu-ti da dinastia Han, submeteu grande parte
do norte da Coréia ... Depois a suserania chinesa se tornou apenas teórica, enquanto os
indígenas conseguiam elaborar a civilização mais desenvolvida da Ásia do Norte,
excetuando a China.
Em 57 aC. foi fundado o reino de Sil-la e mais 2 reinos, que foram vencidos por
Sil-la, e foi unificado o país. A unificação do país sob o domínio de Sil-la durou até 935...
Um dos “bandos” de camponeses revoltosos, teria dado origem ao reino de
Koyo (918) que dominou toda a península.
Em 1231 os mongóis subjugaram a península obrigando o rei de Koryo a
submeter-se ao seu domínio.
Em 1592, as ambições territoriais do Shogum japonês, levaram-no a enviar
tropas à Coréia, de onde deviam atacar a China. Depois de sete anos de luta, as tropas
japonesas bateram em retirada. Em 1644 os manchus invadiram e ocuparam a Coréia
que foi transformada em Estado tributário da China manchu.
Em 1894 o governo coreano solicitou a intervenção chinesa para debelar uma
rebelião. Os japoneses responderam com novo envio de tropas e um declaração de guerra

232
à China sob o pretexto de preservar a independência da Coréia. A China foi derrotada. A
forte pressão japonesa levou a corte coreana a procurar apoio na Rússia. O confronto
russo japonês levou à guerra em 1904. A Rússia derrotada reconheceu a hegemonia
japonesa na Coréia, transformando em protetorado nipônico e anexado em 1910...
A política do Japão visava à completa absorção da Coréia. O japonês tornou-se
língua obrigatória nas escolas, as tradições culturais e costumes coreanos passaram a
ser olhados com suspeita, enquanto a economia do país totalmente integrada à economia
japonesa.
A reação coreana, no início tímida, foi assumindo feição nacionalista,
violentamente reprimida pelos nipônicos.
A ocupação japonesa perdurou até o fim da Segunda Guerra Mundial. As forças
soviéticas penetraram na Coréia pelo norte, e as tropas americanas pelo sul. O país foi
dividido pelo paralelo 38.
Em 1947, a ONU enviou um grupo de peritos à Coréia para ajudar na
reunificação do país e terminar com a ocupação.
A vitória comunista da China em 1949 encorajou a Coréia do Norte na luta
surda travada entre as duas zonas rivais, e levou à guerra civil em 1950.
Em 25 de junho de 1950, o exército norte-coreano desencadeou uma grande
ofensiva através do paralelo 38. A ONU ordena o recuo das tropas. O presidente ordena
às forças navais e área norte-americana a dar apoio e cobertura às tropas sul-coreanas.
As primeiras tropas americanas a desembarcar encontraram as forças do sul em plena
retirada. Dominaram todo o território da Coréia do Sul. As forças norte-coreanas
retiraram-se em desordem, deixando mais de 125 mil prisioneiros em mãos aliadas. O
presidente Truman autorizou pessoalmente a invasão da Coréia do Norte, e a ONU
aprovou a medida.
Unidades sul-coreanas atingiram o rio Yalu e a fronteira chinesa. Surgiu um
grave problema: forças chinesas começaram a intervir em escala crescente em apoio aos
norte-coreanos. Investidas da China fizeram com que o esforço aliado se concentrasse em
evitar o desastre iminente, e a uma manobra de evacuação das tropas da ONU. A
Assembléia da ONU condena a China como nação agressora.
A República da Coréia (Coréia do Sul) tornou-se independente em 1948. A
República Democrática Popular da Coréia (do Norte), também independente em 1948.

JAPÃO
O Japão é tragicamente pobre em combustíveis e minerais indispensáveis à
industria... Esta situação faz nascer o imperialismo, isto é, o esforço de um sistema
econômico para exercer controle sobre regiões estrangeiras de que o país depende para
obtenção de combustíveis e mercados, matérias-primas e dividendos. Não lhe é permitido
olhar para a Indochina, a Índia, a Austrália e as Filipinas, porque são zonas dominadas
pelos ocidentais. A China e a Manchúria, ‘por destino manifesto’ pertencem ao Japão.
Mas com que direito se apossaria ele da Manchúria? Com o mesmo que permitiu
que a Inglaterra se apossasse da Índia e da Austrália, a França da Indochina, a
Alemanha de Xantum, a Rússia de Porto Artur, e a América do Norte das Filipinas: o
direito da necessidade do mais forte. (Willian Durant)

233
Os contatos com o Ocidente começaram com os portugueses em 1543. Estes
introduzem armas de fogo e alteram a organização militar do país. Segue-se a unificação
do país, e, uma vez pacificado, começa a conquistar a China e a Coréia, mas foi
derrotado.
Em 1600 o inglês Will Adam, piloto de um navio holandês, alerta o xogum para o perigo
que representava o imperialismo religioso dos países ibéricos. Em 1612 e 1614 foram
expulsos os missionários e os japoneses obrigados a voltaram ao budismo. Uma
embaixada de Macau, na esperança de restabelecer as relações com o xogum, todos
foram decapitados...
No último quartel do século VXIII os países europeus procuravam escoadouro
para seus produtos. O governo japonês via na atividade da marinha européia uma seria
ameaça à sua independência. Os russos foram os primeiros, nada conseguindo... Em
1808 um navio inglês, o Phaeton, invade o porto de Nagasaki, aprisiona reféns e sai sem
ser molestado. Em 1844 o rei Guilherme II da Holanda escreveu ao xogum, aconselhando
uma abertura ao mundo exterior antes que isso fosse forçado pelas potências marítimas.
Os EUA, além de outros fatores predominantemente econômicos, queriam se
antecipar ao Reino Unido que já exercia domínio sobre a China. Depois de várias
pressões, foi assinado um tratado abrindo os portos, e a aceitação de um agente dos EUA
em Shiomodo. O aumento dos direitos resultou no fortalecimento da classe dos
negociantes capitalistas, destruindo os fundamentos do bakufu (governo de campanha
militar), no descrédito do xogum, e no movimento nacionalista.
As palavras de ordem deste movimento eram: “Reverenciai o Imperador!
Expulsai os bárbaros!”
Em 1862 abriram fogo contra as embarcações norte-americanas, francesas e
holandesas... Os ingleses arrasaram a cidade de Kagoshima, capital do clã Satsuma,
responsável pelo assassinato de súdito britânico. Os japoneses viram-se impossibilitados
de expulsar os estrangeiros.
Na última década do século XIX –a revolução industrial japonesa. Guerra à
China em 1889, a vitória do Japão parecia completa com a assinatura de um tratado.
Ocorre a ocorre a triplica intervenção: Rússia, França e Alemanha “aconselham” o
Japão a devolver à China a península LiaoTung, incluindo Port Arthur, a fim de “não
perturbar a paz do extremo Oriente.” Apesar da indignação popular, o Japão cedeu... Em
1898 a China cede à Rússia a península de Port Arthur.
Numa mesma aliança com o Reino Unido, este reconhece a existência de
interesses especiais japoneses na Coréia. Os japoneses vencem...
Tanto a Rússia como o Japão ficaram em crise, e ambos pediram ajuda para Roosevelt
(EUA) para negociar a paz. A Rússia reconhece os “direitos” japoneses.
A Primeira Guerra Mundial enfraqueceu a Europa e deixou o Japão com as
mãos livres no Oriente. Apodera-se, então, das possessões germânicas na península de
Shantung.
Em 1915, invade Xantum; pretendia reduzir a China a país vassalo. Um ano
depois a China recebeu as “vinte e uma Exigências”, que, satisfeitas, transformá-la-iam
em uma enorme colônia do minúsculo Japão... O Grupo III propunha que as maiores
empresas de mineração do continente fossem sino-nipônicas. O Grupo IV; que “nenhuma
ilha ou porto seria concedido a uma terceira pessoa”. O Grupo V exigia que dali por
diante os chineses deveriam tomar os japoneses como seus conselheiros em matérias
políticas, econômicas e militares... que nas maiores cidades a polícia fosse sino-japonesa.

234
Os Estados Unidos alegaram em protesto que algumas dessas exigências
violavam a integridade territorial da China e o Princípio de Portas Abertas. O Japão
retirou o grupo V, modificou os outros e apresentou um ultimato à China que foi aceito
no dia seguinte...
O Japão tornou-se na Ásia a mais forte potência militar.
A Conferência do Desarmamento em Washington em 1922 teve como um de seus
principais objetivos reduzir a influência nipônica....
Com os êxitos hitleristas, o Japão assina o pacto com a Alemanha e a Itália em
1940. Em 1941 assina um acordo com a França de Vicky estabelecendo um protetorado
conjunto sobre a Indochina.
Os EUA, com o Reino Unido e os Países Baixos reagiram à iniciativa
congelando os bens japoneses e embargando os suprimentos de petróleo. O governo de
Tóquio via-se num dilema; apoderar-se das fontes produtoras de petróleo nas Índias
Orientais holandesas, ou entrar em contato com os EUA. O Príncipe Konove propôs um
encontro pessoal com Roosevelt, que foi recusado.
Em 1941 o Japão propõe a retirada da Indochina depois de resolvida a questão
com a China, com a promessa de restabelecer os suprimentos de petróleo, etc.
Em dezembro de 1941 os japoneses atacam a base naval norte-americana de
Pearl Harbor, Hong-Kong, Cingapura e Filipinas. Em abril de 1942 as força Navais
japonesas dominavam a baía de Bengala, ameaçando as costas da Índia e da Austrália.
Ataques aéreos norte-americanos em 1945 levaram à destruição os centros
populacionais da maior importância com exceção de Kyoto. O Japão pede à URSS para
mediar as negociações de paz e não é atendido.
A 6 e 9 de agosto os norte-americanos lançam a bomba atômica em Hiroshima e
Nagasaki.
O Japão foi ocupado. As dificuldades com a URSS, a resolução chinesa e a
guerra da Coréia modificaram a posição norte-americana ante o Japão, e ajudaram a
sua recuperação econômica; chegaram a treinar e equipar as tropas de defesa nipônicas.

JORDÂNIA
Narrativas bíblicas já fazem referência, a partir da Idade do Bronze, aos reinos de
Gileade, no norte, Moab, no centro, e Edon, no sul, assim como às guerras travadas pelas
tribos israelitas contra as populações que em tal ou qual período habitavam a região. Entre
essas cabe citar os amoritas, edonitas, assírios e natabeus. Mais tarde o território foi
sucessivamente conquistado pelos neobabilônicos, persas, gregos, romanos, árabes... Com
a captura de Jerusalém pelos cruzados em 1099, o reino de Jerusalém incluía partes da
Jordânia. No século XVI foi incorporado ao impero otomano. Durante a Primeira Guerra
Mundial, as tribos da Transjordânia aderiram à revolta contra os turcos e contribuíram
substancialmente para a conquista anglo-árabe da Transjordânia e da Síria. Ao Reino
Unido foram concedidos mandatos sobre o Iraque e a Palestina, em cujo território se
incluía a Transjordânia. (...)
Em julho de 1920, quando os franceses obrigaram o rei Faysãl a abandonar o
trono da Síria, seu irmão Abdullah Ibn Hussein (Husayn) tentou sublevar as tribos da
Transjordânia com o intuito de atacar os franceses. Os ingleses, porém, conseguiram
persuadir Abdullah a esquecer seus planos de vingança e aceitar o governo do emirado da

235
Transjordânia, criado propositalmente para tal fim, pelo secretário das colônias, sir
Winston Churchill... Houve necessidade de uma revisão –aprovada pela Liga das Nações
–dos termos do mandato da Palestina.
Em maio de 1923, o emir Abdullah proclamou a independência da Transjordânia,
mas só em 1928 foi assinado um Tratado com Reino Unido que, por esse acordo, retinha
em mãos o controle dos assuntos militares. (...) Abdullah reinou quase sempre de maneira
autocrática, o que lhe valeu, juntamente com sua subserviência aos ingleses, severas
críticas por parte dos liberais e nacionalistas. Independente em 1946... algumas cláusula
do contrato reconheciam ao Reino Unido o direito de manter bases militares em
determinadas posições estratégicas... Teve conflitos com Israel.
Em 1951, com o assassinato do rei Abdullah, ascende ao trono o filho Talal, logo
destituído por sua incapacidade mental. Um filho desde, Hussein ibn Talal, é coroado aos
17 anos. Foi acusado de “lacaio do imperialismo”, e é forçado a demitir seus assessores
britânicos, inclusive Sir John Ghubb, comandante da famosa Legião Árabe (soldados
treinados pelos ingleses).
Nasser oferece subsídios a Hussein para compensar a suspensão do auxílio
britânico, mas sua oferta é recusada. Tendo aderido à doutrina Eisenhower, a Jordânia
passou a receber ajuda dos EUA.
Em 1958, em contrapartida à formação da RAU (Repúblicas Árabes Unidas) pelo
Egito e pela Síria, os monarcas hachemitas da Jordânia e do Iraque constituem a
Federação Árabe. O golpe de Estado de Abdul Karm Kassem no Iraque, entretanto,
provocava o desembarque de tropas britânicas no território jordaniano, a dissolução da
Federação e ruptura com a RAU. Daí por diante, salvos raros períodos, Hussein e Nasser
se engajaram numa furiosa batalha de críticas e acusações recíprocas...
Em 1983 foi revelada, primeiro pela rádio de Israel, depois por Washington, a
existência de plano para uma “força de emergência” jordaniana a ser treinada e equipada
pelos Estados Unidos a fim de defender os Estados Árabes conservadores no Golfo
Pérsico, com um custo para os Estados Unidos de 225 milhões de dólares.

KUWAIT
Com apenas 16.000 Km2 , solo desértico com um único oásis, de Al Jaharah,
possui 15% das reservas de petróleo do Oriente Médio.
Independente em 1961, quando terminou a vigência de um tratado de proteção
assinado com o Reino Unido em 1899.
O petróleo é explorado pelo Kuwait Oil Company , um consorcio da Britsh
Petroleum Company e da Gulf Oil Corporation dos EUA.
As atividades econômicas anteriores, como a pesca da pérola, o comércio de
entrepostos e a construção de barcos acham-se praticamente estagnadas. O Kuwait
importa praticamente tudo, sendo o Reino Unido e os Estados Unidos os principais
fornecedores.

236
QATAR
Território independente no século XIX por Thani, fundador da dinastia ainda
reinante. Seu filho, Muhammad, assinou o primeiro Tratado com o Reino Unido em 1866.
Sob protetorado britânico, com um “conselheiro” residente, permaneceu por 103 anos.
Entre 1970 e 1980 tinha 95% de analfabetos, o que significa que o Reino Unido não
“protegia” tanto.
Abdullah al-Thani, em 1971, assinou um tratado de amizade com o Reino Unido,
liquidando as obrigações e estabelecendo a completa independência.
Qatar tornou-se famoso durante a Guerra do Afeganistão.
Da revista IstoÉ nº 1672: A Ilha do Oriente, por Kátia Mello.
Emissora do pequeno Qatar causa polemica ao transmitir fala de Osama Bin Laden:
“Nós não vamos ceder às pressões dos Estados Unidos. Nossa televisão é livre e
assim continuará. E o governo de Qatar nos apóia totalmente porque acredita que somos
independentes. Trabalhamos como qualquer outra redação de jornalistas, não
inventamos a notícia. Se os jornalistas americanos tiveram independência para cobrir um
escândalo como o caso Watergate, por que nós também não podemos ter?” Esta foi a
resposta dada a IstoÉ pelo editor chefe da televisão Al Jazeera, Ebraim Helal, sobre a
solicitação feita pela Casa Branca ao governo de Qatar para que barrassem quaisquer
transmissões consideradas ‘anti-americanas’.(...)
A rede se transformou num incomodo à política de Washington depois de
divulgar a fitas de vídeo as falas de Osama Bin Laden. O presidente George W. Bush
pressionou o sheik catariano, Hamad Bin Khalifa al Katani, para dar um fim à
divulgação das fitas. O sheik se recusou. “A questão esta encerrada, pois a vida
parlamentar exige que tenhamos uma mídia livre”.
O pronunciamento de Bin Laden, transmitido mundialmente no domingo, logo
após o discurso de Bush sobre os ataques no Afeganistão, caiu como uma bomba nos
lares americanos. (...) Bin Laden discursou em fala mansa, mas ameaçadora. O terrorista
jurou, em nome de Alá, que os Estados Unidos nunca mais poderão viver em paz, e
convocou os mulçumanos para uma guerra santa. (...)
Nos domínios do Talibã, apenas os jornalistas de Al Jazeera tiveram permissão
para permanecer, enquanto a mídia ocidental foi expulsa...
(...)
Da revista Época nº 178, de 15-10-01. - A Luta Pela Mente de Fabio Altman:
...Ao dar voz ao mesmo tempo a palestinos e israelenses, a islâmicos moderados
e fundamentalistas, a Al Jazeera ganhou a antipatia de diversos governos do Oriente
Médio e da Ásia Central por razões diametralmente opostas. Já foi acusado de semita e
de anti-semita, incitadora de violência e sensacionalista, contrária ao Islã e
antiamericana. O regime da Arábia Saudita, por exemplo, chegou a provocar apagões no
próprio território para impedir os habitantes de ver assuntos delicados sendo tratados
sem meios. (...)
... assistira-se a uma cena constrangedora para um país, os Estados Unidos, que tem
direito de exibir a faixa de campeão mundial de liberdade de imprensa. Incomodado com
a audiência da Al Jazeera, o secretário de Estado Colin Powell foi queixar-se ao emir
Khalifa daquilo que definiu como tom antiamericano de seus telejornais. Na quarta-feira,
Condoleezaa Rice, chefe do Conselho de Segurança Nacional e assessora de peso da
Casa Branca, pediu cautela na exibição das imagens da Al Jazeera.

237
O combate pelos corações e mentes, em toda a guerra, trava-se numa trincheira
sutil: “ao defender o que a CNN chamou de ‘a nova guerra da América’, o presidente
Bush pavimentou o caminho para outra disputa, também longa e feita de lances secretos e
sujos –a batalha pela informação”, escreveu o analista Todd Purdum no The New York
Times. “Como o conflito será demorado e difícil, as noticias serão fundamentais para
manter a sociedade americana informada e, em última instância, para sustentar o apoio
da opinião pública”. Nesta batalha de convencimento da população, convém sempre
lembrar a celebre máxima do senador Hiriam Johnson, proferida em 1917, quando os
Estados Unidos se preparavam para ingressar na Primeira Guerra Mundial, e os jornais
enfrentavam os rigores da censura: “Em tempos de guerra, a primeira vítima é a
verdade”. (...)
... Em 1969, o jornalista Seymour Hersh descreveu em detalhes o massacre
cometido pelos soldados americanos em My Sai. (...) O relato de Hersh publicado
originalmente pelo The New York Times, pôs a participação dos Estados Unidos no
Vietnam na mira dos pacifistas e dos Intelectuais. Contribuiu para suscitar a idéia de que
a intervenção dos EUA num distante país do Sudeste Asiático se destinava a preservar os
valores democráticos que tanto orgulhavam os países ocidentais. Viu-se, por textos e
imagens, que homens de pele branca, cabelo escovinha e diploma universitário cometiam
barbaridades muito parecidas com aquelas que atribuíam a seus inimigos. O presidente
Richard Nixon diria, anos depois, que a Guerra do Vietnam fora a “primeira em nossa
história em que a imprensa tratou com mais simpatia os inimigos que os aliados”.(...)
O britânico Robert Fisk, veterano correspondente do Oriente Médio, relatou um
episódio em 1982, quando cobria o massacre de campo de Sabra e Chantila, no Líbano.
“Descrevi em detalhes o sofrimento humano causado pelos ataques israelenses, e fui
acusado de anti-semitismo”. (...)
Durante a Guera do Golfo, em 1991, Peter Arnett foi denunciado por 21
congressionistas, todos do Partido Republicano de Bush pai, por estar “promovendo
propaganda de um ditador demente para mais de cem países”. O crime de Arnett: ele
anunciara que um alvo atingido pelos mísseis americanos em Bagdá não era militar, e
sim, uma fábrica de leite infantil. (A informação era corretissima). A BBC de Londres, ao
fazer a mesma coisa, foi alcunhada pelo Parlamento Britânico de “BBC de Bagdá”.

238
OCEANIA

No começo do século XVI, os portugueses e espanhóis inauguraram o ciclo dos


grandes descobrimentos na Oceania, seguidos pelos holandeses, ingleses e franceses.
Aos exploradores seguiram-se os missionários, católicos e protestantes... Os aborígines,
sem fazer muita distinção entre dominação estrangeira e pregação religiosa, ergueram-se
em numerosas sublevações, fazendo mártires entre os missionários.
Nas ilhas Marquesas, por exemplo, a instalação da missão católica, constituiu-se
de fato numa ocupação militar francesa. Os missionários combatiam antes o
protestantismo e a influência britânica, para depois converter os indígenas à fé católica...
Na esteira dos missionários vieram os negociantes... trocavam com os indígenas
sobretudo especiarias, até o século XVIII. Em fins do mesmo século, navios baleeiros
britânicos passaram a explorar o Pacífico. Entraram em choque com os indígenas da
Melanésia, de índole mais belicosa; os polinésios, notáveis por sua cordialidade, foram
aproveitados pelos ingleses em suas frotas para completar a tripulação dizimada pelo
escorbuto.
Aos comerciantes misturavam-se aventureiros de toda a sorte, inclusive desertores e
fugitivos da Justiça. Inicia-se uma fase de brutal violência contra os nativos...
O Reino Unido foi a grande metrópole colonizadora da área, com participação
de franceses, alemães e norte-americanos.
No século XIX, com a partilha dos territórios da Oceania entre as grandes
potências, verifica-se um declínio acentuado da população nativa. Dos 5.000
tansmanianos existentes por ocasião do estabelecimento inglês em 1802, restavam, 30
anos depois, apenas 203 e, em 1877 esse grupo étnico estava completamente extinto. Na
Austrália o número de indígenas puros baixou de 250, 200 mil em fins do século XVIII a
cerca de 50 mil hoje.
(...)
“Os políticos e os teóricos do século XIX tinham preconizado as colônias de
povoamento. Esta aposta foi ganha na Oceania: Austrália, Nova Zelândia e Tasmânia
tornaram-se, a exemplo da América do Norte, colônias de povoamento habitadas quase
exclusivamente por europeus. A colonização inglesa quase não deixou chance de
sobrevivência para povos oceânicos. Os tasmanianos foram completamente exterminados.
(o último morreu em 1874); aborígines da Austrália e maoris da Nova Zelândia foram
massacrados, expulsos para terras menos produtivas, colocados em reservas.
No final do século XVIII, os aborígines eram sem dúvida entre 300 e 400 mil espalhados
sobre o conjunto do território. Em 1989, estavam recenseados 40 mil, bem com 30 mil
mestiços. Recentemente, o governo australiano foi interpelado sobre a política praticada
desde os anos 50 que consistia em tirar as crianças aborígines de suas famílias e entregá-
las a instituições do Estado. Centenas de crianças foram vítimas destas práticas.
Ainda hoje os aborígines continuam a morrer lentamente: desemprego, delinqüência e
alcoolismo são o seu quotidiano.
A colonização da Austrália teve início no século XVIII. (...) Inicialmente povoada por
condenados às galés (eram cerca de 150 mil no início do século XIX). A Austrália atraiu
depois criadores de gado e mais tarde garimpeiros, a partir de 1851, com a descoberta
do ouro. Esta colonização continuou até mais tarde, uma vez que a partir de 1946 o
governo australiano forneceu a instalação de 1,5 milhão de imigrantes, essencialmente

239
britânicos. Este movimento migratório ainda hoje continua: desde o fim do apartheid,
numerosos ‘brancos de segunda’ da África do Sul fixaram-se na Austrália.

240
ÁFRICA
O mercado de escravos provocou para a África “uma regressão histórica e
cultural sem paralelo, bastando um colapso demográfico para fazer estagnar a população
africana, criando ódios definidos, a desestruturação econômica, anulação do crescimento
e um atraso que a invasão colonial só viria a agravar mais. (...)
O missionário (principalmente católico no domínio francês) e´, para conquistar
almas, associado aos soldados e ao administrador. Em 1984-1985, a conferencia africana
de Berlim, que reuniu as principais potências européias e os Estados Unidos, afirmará,
em nome desses princípios, o direito das potências européias de partilhar a África. (...)
A resistência dos chefes de Estado africanos, Lat Dior no Senegal, Ahmadou no
Sudão (hoje Mali), Samory na Alta Guiné , Behanzi no Daomé (hoje Benin), etc. , será
quebrada em função da superioridade dos conquistadores em armamentos. (...) Os
métodos da guerra são rápidos e impiedosos. Sendo os efetivos europeus em número
reduzido, haverá o recrutamento local, e serão essencialmente soldados africanos que
conquistarão a África para a França. (Jean Suret-Canale em O Livro Negro do
Capitalismo)
(...)
A partir do começo do século XIX, com a expansão européia, o continente
africano foi retalhado em colônias, protetorados, zonas de confluência, de acordo com os
interesses e rivalidades das potencias européias então em desenvolvimento. Nesse
retalhamento não se escutaram as vozes dos nativos, não foi dada a menor importância às
diferenças éticas nem às rivalidades existentes entre os diversos povos que eram os
verdadeiros donos da África...
Após a independência, o traçado arbitrário das fronteiras feito pelos interesses
europeus, ainda é, atualmente, uma grave dificuldade pra a unidade nacional dos paises
africanos. A partilha foi regulamentada pela Conferência de Berlin em 1984-85, para
evitar confrontações entre as potencias européias. (...)
As populações africanas, sem o menor benefício para elas, tiveram que ser
submetidas e exploradas para que as potências se beneficiassem. Sob a bandeira da
“liberdade do comercio” e da “superioridade e destino manifesto” das raças brancas, os
povos africanos foram explorados, massacrados, culturalmente destruídos, empobrecidos.
E isto, em muitos lugares, dura até hoje.
Como no Oriente Médio, as potências européias também tiveram seus tratados
contraditórios.
Apesar de sua aliança secular com Portugal, a Inglaterra impôs-lhe, em 1890, a
retirada de um destacamento português em terras disputadas pela South África Company,
da Cecil Rodes. No ano seguinte, um tratado anglo-português consagrou a desistência
lusa aos territórios situados entre Moçambique e Angola. (...) em 1898, um tratado
secreto anglo-germânico previu a partilha eventual das colônias portuguesas, devendo
caber Moçambique à Inglaterra e a Angola à Alemanha. No ano seguinte, porém, a
Inglaterra garantiu a Portuga, mediante novo acordo, a integridade de suas possessões
africanas. Entretanto, em 1913, a Inglaterra voltou a negociar com a Alemanha a
partilha das mesmas. Somente a Primeira Guerra evitou a consumação desse esbulho.
(...)
Durante praticamente um século de dominação, não foi preocupação das
potencias colonizadoras o desenvolvimento dos povos africanos, nem mental, nem

241
materialmente. Neste aspecto, as colônias continuaram a ser exploradas, pois não
industrializadas, dependentes de seus antigos “donos”, continuaram a ser países
exportadores de matéria-prima e importadores de bens industrializados, bens estes cujos
preços são determinados pelos ex-exploradores, e claro, a favor dos mesmos.
Quanto à educação, nos anos 80, apesar da independência, continuavam a
apresentar um índice de analfabetismo escandaloso: Lesotho, Líbia, Madagascar e Quênia
com 60 a 70%; Marrocos, Nigéria, Libéria, Egito, Suazilândia, Uganda, Gama e Congo,
entre 70 e 80%; superior a 80% e por vezes a 90%, o Alto-volka, Camarões, Techad,
Zaire, Daomé, Etiópia, Gabão, Gâmbia, Guiné, Malauí, Mauritânia, República Centro-
Africana, Senegal, Neger, Tanzânia, Sudão. Na África do Sul a população branca é
alfabetizada e a negra apresenta 70% de analfabetismo.
Isto vem provar que o bem estar e a melhoria dos povos africanos nunca foi
interesse prioritário; muito ao contrário: esses povos seriam mais facilmente dominados e
explorados se não tivessem cultura.
No pouco de educação dada, eram os estudantes incentivados ao trabalho e à
poupança (da África?) comovemos na canção “Lê Chaut à l’école indigìme” de Georges
Hardy:
Para que a nossa África seja rica,
amigo, vamos trabalhar, trabalhar...
Em vez de dormir ou conversar, vamos
vamos limpar a terra.
Antes de convidar parentes e vizinhos,
paguemos os impostos, saldemos as dívidas,
e coloquemos de lado um saco de grãos.
Então, sim, poderemos cantar em voz bem alta:
Salve, França, e Glória ao teu nome,
nós te amamos como à nossa mãe,
porque é a ti que devemos
o fim de todas as nossas misérias.”
(cit. Por Marc Ferro)

Sem comentário. A não ser alguns dados fornecidos por Noam Chomski em
Segredos, mentiras e democracia (1984)
Um relatório da Unesco calculava que na África cerca de meio milhão de
crianças morrem a cada ano em conseqüência da divida externa. Não em decorrência de
todo o conjunto de reformas, mas simplesmente aos juros que os seus paises precisam
pagar sobre a dívida externa. Estima-se em cerca de 11 milhões o numero de crianças
que morrem todo o ano com doenças que poderiam ser tratadas facilmente (...). Mas os
economistas não informam que isso resultaria numa interferência no sistema de mercado
livre. Nisto não há nenhuma novidade; faz lembrar os economistas britânicos que,
durante a fome da batata na Irlanda, em meados do século XIX, decidiram que a Irlanda
precisava exportar alimentos para a Inglaterra (o que continuou a acontecer durante
todo o período da fome), e que não devia receber ajuda alimentar porque essa violaria os
sagrados princípios da economia política. São atitudes que têm sempre a curiosa
propriedade de beneficiar os mais ricos e prejudicar os pobres.
Em Novas e Velhas Ordens Mundiais Noam Chomski volta ao assunto:
Incluída entre os “países em desenvolvimento” que financiam a riqueza, está a
África subsariana onde a fome e a miséria são ferozes graças não em pequena escala à
242
tão admirada política norte-americana de “aliança construtiva” que ajudou a África do
Sul a provocar um milhão e meio de mortos e mais de sessenta bilhões de dólares em
danos aos países vizinhos período em que mantinha seu domínio ilegal sobre a
Namíbia.(...) Não hesitaram a descrever essa política como de genocídio se ela fosse
implementada por algum inimigo oficial. (...)

A promoção do petróleo africano convém a Israel. No segmento de um simpósio


promovido em Washington em 25 de janeiro de 2002 pelo Instituto de Estudos Políticos e
Estratégicos Avançados, um think tank sediada em Jerusalém, foi constituída o African
Policy Initiative Group (AOPIG). Este lobby é integrado por congressistas membros da
administração Bush e representantes da indústria petrolífera.
Entre as propostas da AOPIG destacam-se a declaração do Golfo de Guiné
como área de interesse vital para os EUA –“sem o que se permite o avanço de rivais
como a China, adversários como a Líbia e organizações terroristas como a Al-Qaada” -,
a criação de uma armada militar para a área e a instalação de uma base militar em São
Tomé e Príncipe. (...)
China e Japão procuraram as boas graças dos produtores com ajuda ao
desenvolvimento, via construção de infra-estruturas como escolas, hospitais, estradas e
ferrovias, refinarias, centrais elétricas e barragens, concessões de bolsas, envio de
médicos ou concessões de empréstimos em condições mais favoráveis e perdão/ redução
da dívida. Por outro lado, Washington intensificará relações com regimes que se
destacam pela repressão, corrupção e opacidade na gestão dos dinheiros públicos, desde
logo, as receitas petrolíferas, como asseguram instituições como o Fundo Monetário
Intenacional, o Banco Mundial, a Golbal Witness e Transparência Internacional.
(internet)
(...)

Nos primeiros anos após o fim da Guerra Fria, o destino do continente pareceu
ser a marginalização completa e definitiva. Seu valor estratégico havia minguado. Suas
matérias-primas agrícolas e minerais foram brutalmente desvalorizadas pelo súbito
colapso da demanda do bloco soviético e pelo aumento da concorrência e da oferta
global. “A África suporta um destino pior, em alguns aspectos, do que ser disputada
pelas armas – ser ignorada”, escreveu em 1990 um editor do jornal The Washington
Post, Stephen Rosenfeld. (...)
A abertura comercial, a desregulamentação e as privatizações impostas pelo
FMI e pelo Banco Mundial – que nos anos 90 governaram a economia de 30 dos 53
países da África Negra – visavam baratear as exportações, atrair investimentos e tirar
recursos das mãos de governos que julgavam incapazes e corruptos. Na prática, em troca
de ganhos para as transnacionais e uns poucos empresários locais, lançaram milhões de
camponeses e funcionários públicos nas favelas e desmoralizaram os já frágeis governos
africanos. (por Antônio Luiz Monteiro Coelho da Costa – Carta Capital de 16 de março de
2007 – Ano XIII – nº 436)
(...)
Israel foi recrutada para executar serviços secundários para os Estados Unidos.
Nos anos 60, Israel fez incursões na África Negra com um grande subsidio da CIA,
ajudando a estabelecer e a manter o governo Mobutu no Zaire, Idi Amin em Uganda, e
outros... (Noam Chomski)

243
EGITO
Quando invadiram o Egito, em 1798, Napoleão inaugurou uma nova etapa nas
relações entre Oriente e Ocidente. Pretendia estabelecer uma base em Suez para, a partir
dali, assaltar os navios ingleses que seguiam para a Índia e, talvez, atacar o império
Otomano através da Síria. Em outras palavras, o Egito e a Palestina serviam de palco na
guerra travada entre a Inglaterra e a França pelo domínio do mundo. Tratava-se de um
jogo de poder entre europeus, mas Napoleão se apresentou aos egípcios como o portador
do progresso e do conhecimento. (...) Os ulemãs não se deixaram impressionar. “Tudo
isso não passa de um embuste para nos engordar”, disseram. Apesar de toda sua
retórica, seu medo não era inteiramente infundado. A partir da invasão napoleônica o
Ocidente passou a controlar o Oriente Médio.. (..)
Em 1801 os ingleses expulsaram os franceses do Egito (...) e devolveram o país
aos turcos (...). A mudança foi caótica (...) Na confusão, o jovem oficial libanês
Muhammad Ali assumiu o poder. (...) Ao lutar contra os franceses, impressionara-se com
o exercito inimigo; agora queria ter um exercito atualizado e eficiente, e estava decidido
a implantar no Egito um Estado Moderno independente. (...) Homem inculto, de origem
camponesa, aprendeu a ler com mais de 40 anos, e tudo o que buscava nos livros eram
informações sobre as artes de governar e de guerra. (...) Foi uma figura extraordinária e
realizou uma façanha: quando morreu, em 1849, havia, praticamente sozinho,
modernizado o Egito, uma província atrasada e isolada do Império Otomano. (...)
Em pouco mais de uma década Muhammad tornou-se o único proprietário de
terras, o único comerciante e o único industrial do Egito. A população tolerava tudo isso
porque as compensações eram enormes. (...) Sua maior realização foi o cultivo de
algodão que se converteu em valioso produto de exportação e rica fonte de renda,
proporcionando-lhe as divisas necessárias para comprar máquinas, armas e
manufaturados na Europa. (...) Muhammad Ali não estava enchendo os bolsos, mas
desenvolvendo o Egito. (...)
Só mediante absoluto controle despótico Muhammad poderia ser dono de um
Egito independente da Europa. Só teria sucesso se conseguisse construir uma base
industrial sólida. Assim instalou uma refinaria de açúcar, um arsenal, minas de cobre,
cotonifícios, fundições, tinturarias, vidraçarias e tipografias. (...)
Seu neto, Abbas que o sucedeu como paxá do Egito em 1849, odiava a Europa e
tudo o que era ocidental. (...) Impopular também entre os egípcios, acabou sendo
assassinado. Sucedeu-o seu extremo oposto: o francófilo Muhammad Said Pasha, quarto
filho de Muhammad Ali, que adora um estilo de vida ocidental. (...)
De todos os projetos europeus o mais espetacular foi a construção do canal de
Suez. Muhammad Ali sempre se opusera a qualquer plano de unir o Mar Vermelho ao
Mediterrâneo, temendo que o Egito, mais uma vez, atraísse as atenções das potencias
ocidentais. (...) Já Said encantou-se com a idéia e, prontamente, ourtogou uma concessão
ao seu velho amigo Ferdinand Lesseps, cônsul francês.(...)
O Egito forneceu praticamente todo o dinheiro, a mão-de-obra e o material,
além de doar 520 quilômetros quadrados de seu território. (...)
Em 1881 a Inglaterra ocupou o Egito. A Europa estava invadindo o mundo
islâmico e começado a desmantelar o império (...)
(...)

244
Na década de 1870 o Egito também achava a Europa moderna, empolgante,
inspiradora e compatível com o espírito islâmico, apesar das dificuldades e do sofrimento
implícito no processo de modernização. Esse entusiasmo reflete-se claramente na obra do
escritor Rifah al Tahtawi que era grande admirador de Muhammad Ali (...) e foi um dos
primeiros estudantes que Muhammad Ali mandou aprimorar em Paris. (...) Encantou-se
principalmente com as idéias do iluminismo europeu. (...) Impressionou-se com o fato de
até as pessoas do povo saberem ler e escrever e abordar assuntos importantes. (...)
Ao voltar para seus país, Tahtawi (...) passou a dizer que seus compatriotas
deviam aprender com o Ocidente. (...) Para ele, ingleses e franceses eram apenas
portadores do progresso. Mas em 1871 chegou ao Cairo um indivíduo que temia o
Ocidente.. o iraniano e xiita Jamal al Din, que auto-denominava-se “al Afghani”. (...)
Afghani viajou pela Arábia, Turquia, Rússia e Europa e se alarmou com a ubiqüidade e
poderio do Ocidente que, tinha certeza, logo esmagaria o mundo islâmico. Quando se
instalou no Cairo, em 1871, estava decidido a ensinar os mulçumanos a unir-se sob a
bandeira do Islã e usar a religião para neutralizar a ameaça do imperialismo ocidental.
(...)
Afghani tinha uma concepção da religião alimentada pelo medo da aniquilação
que constituía uma reação comum às dificuldades da modernidade. (...) Os mulçumanos
poderiam ser modernos ao seu próprio modo. Se simplesmente copiassem os ingleses e os
franceses, sobrepondo valores ocidentais às suas tradições, se perderiam. (...)
Afghani queria que os mulçumanos se modernizassem e evitassem a
transformação de sua sociedade numa cópia inferior da Europa. O colonialismo
impossibilitou a realização de seu desejo. Os países do Oriente Médio, dominados pelo
Ocidente, não poderiam desenvolver-se em seus próprios termos. Os colonialistas
reduziram uma civilização viva a um bloco dependente. (...) Inevitavelmente o amor e a
admiração pela Europa que Tahtawi e reformadores iranianos expressaram, cederam
lugar ao ressentimento. (...)
Em 1882 os ingleses ocuparam militarmente o país e, apesar da reintegração
oficial de Tewfig no cargo de quediva, estava claro que o verdadeiro governante do Egito
era o procônsul britânico, Lord Cromer.
Colonialista típico, Lord Cromer considerava os egípcios um povo
inerentemente atrasado, que precisava ser colonizado para o seu próprio bem. (...) Porém
mais prejudicial que tudo, talvez, foi a tendência dos próprios egípcios de internalizarem
as opiniões negativas dos colonialistas. (...)
No Egito um jovem professor difundia as idéias de Afghani, Abdu e Rida, até
então restritas a um pequeno circulo de intelectuais. Tratava-se de uma postura
modernizadora. Hasan-el-Banna (1906-49) encontrou um modo de converter suas idéias
reformadoras em movimento de massa. (...) Sabia que os egípcios precisavam da ciência
e da tecnologia ocidental; sabia também que sua sociedade precisava modernizar-se no
plano político, social e econômico. (...) Quando estudava no Cairo, Banna e seus amigos
se entristeceram com a confusão política e social da cidade (...). Os partidos se
dedicavam a um debate estéril e ruidoso e ainda eram manipulados pelos ingleses que,
apesar da “independência” egípcia, em grande parte continuavam comandando o país.
Quando começou a lecionar em Ismailiyyah, na zona do canal de Suez, repleta de súditos
britânicos, Banna sentia na alma a humilhação de seu povo. Outros expatriados não
tinham o menor interesse pela população local, mas controlavam a economia e as ações
das empresas de utilidade pública. (...)

245
Em 1928 surgiu a Sociedade dos Irmãos Mulçumanos, que logo se expandiu.
Quando Banna faleceu, em 1949, a Sociedade tinha dois mil estabelecimentos no Egito.
(...) Seu principal objetivo era a educação. (...)
Avesso à violência e ao radicalismo, Banna visava basicamente a reforma
fundamental da sociedade mulçumana abalada pela experiência colonial e apartada de
suas raízes. Os egípcios se acostumaram a julgar-se inferiores aos europeus. (....)
Enquanto imitassem os outros povos, os mulçumanos continuariam sendo “vira-latas
culturais”. (...)
Talvez fosse inevitável que a Sociedade dos Irmãos Mulçumanos, agora um
elemento importante no cenário político, tivesse também sua ala terrorista. (...) Banna
não poderia controlar a unidade terrorista, cuja atuação desencadeou uma série de fatos
que levaram a sua morte, comprometeram a credibilidade moral da irmandade e
acabaram por destruí-la. (...)
Em 1950 a Sociedade começou a reagrupar-se secretamente. Nessa época
governava o Egito o formidável e jovem oficial do Exercito Gamal Abdel Nasse. (...)
Nasser optou por um regime socialista e cortejava os soviéticos. Pretendia expulsar os
ingleses de uma vez por todas e em relação a Israel e ao Ocidente mantinha uma atitude
ousada para seu povo.
A principio cortejou a Irmandade. Precisava deles e, como gostava de usar a
retórica islâmica, conquistou seu apoio. (...) Em 1954 o gabinete de Nasser dissolveu a
Sociedade. (...) Nasser destruira a Irmandade e sufocava o único movimento islâmico
progressista do Egito. (...) Mas seu triunfo sobre a Sociedade acabou se revelando uma
vitória de Pirreo. Os irmãos que passaram anos de sua vida confinados nos campos de
concentração sentiram na pele os efeitos mais violentos do secularismo, e alguns
abandonaram o reformismo de Banna e criaram um fundamentalismo sunita
potencialmente violento.
Após a derrota em 1967 Nasser se afastou um pouco do socialismo e deu inicio a
uma nova aproximação com os Estados Unidos. (...) Voltara a rechear seus discursos
com referencias islâmicas embora mantivesse os irmãos mulçumanos presos. Sadat
acentuou essas duas tendências. Em 1972 demitiu 1500 consultores soviéticos (...) e
anunciou uma nova política que introduziria o Egito no mercado capitalista mundial.
Chamou-a de infitah (“porta aberta”) (...). A Porta Aberta certamente propiciou uma
enxurrada de dinheiro e produtos estrangeiros. (...) Uma pequena parcela da burguesia
ascendente também se beneficiou. (...) A vasta maioria, porém, sofreu. (...) Centenas de
milhares de egípcios partiram em busca de trabalhos nos ricos paises produtores de
petróleo. (...) Enquanto os americanos se instalavam no Egito com suas empresas e com
sua cultura., grande parte da população local achava o país cada vez mais estranho e
mais ocidentalizado. O próprio Sadat estava se distanciando de seu povo (...). Nos últimos
meses de Sadat o regime se tornou opressivo. (...)
A religião se tornou mais violenta quando reprimida. Foi o que se evidenciou no
Egito em 1987 quando o mundo ocidental recebeu consternado a noticia do assassinato
de Amar Sadat por fundamentalistas sunitas. (...) Os ocidentais se estarreceram com a
ferocidade do ataque (...). Admiravam sua iniciativa de paz com Israel e sua política de
Portas Abertas. Príncipes, políticos e presidentes americanos e europeus compareceram
ao funeral. Nenhum líder árabe se apresentou, e naquela noite as ruas de Cairo
mergulharam num silêncio sepulcral. Os egípcios não choraram por Sadat. (...) Mais uma
vez, o Ocidente Moderno e as sociedades mais tradicionais do Oriente Médio situavam-se
em pólos opostos e não partilhavam a mesma visão dos acontecimentos.
246
ÁFRICA DO SUL
“Nós nos tornamos escravos de seus compassos e esquadros. O Império dos
Homens do Céu terá outro nome: África do Sul. E os nossos deuses o permitirão. Os
nossos intelectuais cochicharão pelos bares em volta de garrafas. E os nossos padres
também o permitirão. E os nossos irmãos nos espancarão até a morte por causa de um
punhado de arroz. Menos que aos cães, ser-nos-á vedado o direito a andar. Dos trens
espaciais, os homens virão contemplar a nossa miséria com lágrimas que logo serão
secadas por um diamante. Porque, oh mulheres, darão a luz na dor, para a dor. Vozes se
levantarão, mas impotentes. Nós conheceremos mais mártires do que nas planícies da
Judéia. (de Os Amaluz, ato II – Dramatização da Vida de Chaca, chefe zulu - citado por
Mara Ferro)

Pouco sabemos da história dos hotentotes, bantos e zulus, os primeiros donos da


terra. Na África existe “a história do homem branco e não daqueles que ela oprime,
violenta, pilha e mata” (Franz Farron)
Quando os ingleses chegaram à África do Sul, já estavam estabelecidos, aí, os
boêres, descendentes dos primeiros europeus da época da colonização holandesa. Com a
chegada dos ingleses e a “abolição da escravidão negra, os bôeres resolveram emigrar.
Isso era contrário à lei de Deus e oposto à diferença natural de raça e religião. Para todo
bom cristão, tal humilhação seria intolerável; por isso preferimos nos afastar a fim de
preservarmos toda a nossa doutrina e pureza.”
E os bôeres emigraram para o Transvaal do Orange.
Em 1865, com a descoberta de diamantes, Disceli ordena a anexação do
Transvaael e Orange, ocupados pelos bôeres. Estes, a principio, vencem. Os ingleses
começaram a persegui-los invadindo suas fazendas, queimando suas casas e plantações e
confinando-os em campos de concentração (os primeiros da história), onde morreram
cerca de 20.000 boêres. Houve criticas mundiais aos ingleses, porque os nativos eram
brancos. O colonizador branco torna-se o colonizador da Inglaterra.
Em 1902 Transval e Orange tornaram-se colônias britânicas. O posterior
“apartheid” foi obra dos bôeres, fundamentalmente segregacionistas, mas o Partido
Unificado dos ingleses não se opôs à segregação.
Os brancos da África do Sul (cerca de 20%) são funcionários, comerciantes,
industriais ou proprietários agrícolas. A população mestiça (cerca de 10%) fornece mão-
de-obra às lavouras e indústrias manufatureiras. Os africanos (cerca de 70%) constituem
mão-de-obra das minas, fábricas e “plantations”, ou vivem semi-nômades em reservas
tribais. Os asiáticos (3,9%) vivem do comercio intermediário em Durban.
As crianças africanas recebem ensino limitado com orientação artesanal.
É um país rico. O Reino Unido é o maior investidor (mais da metade do capital
estrangeiro no país) seguem EUA, França, Suíça e RFA. É o maior produtor de ouro do
mundo, o segundo produtor mundial de diamantes e figura entre os maiores produtores de
urânio, platina, amianto, cromo e vermiculite.
Entre as figuras de destaque dos negros, está Luthuli, chefe zulu, preso várias
vezes e que recebeu o prêmio Nobel da Paz em 1960, e Nelson Mandela, preso durante 27
anos, e que se tornou o primeiro presidente negro da África do Sul.
Apesar de toda a luta de Nelson Mandela e outros, além do fim do apartheid, os
negros continuam bem no pé, ou abaixo, da pirâmide social.

247
NAMÍBIA
Antes da chegada dos europeus a Namíbia era habitada por povos bantos.
Descoberta pelos portugueses, tornou-se protetorado alemão em 1884. Durante a Primeira
Guerra, em 1915, foi ocupada pela África do Sul que recebeu das Nações Unidas um
mandato para administrá-la. Depois da Segunda Guerra, em 1946, as Nações Unidas
vetaram a pretensão sul-africana de anexar o sudoeste da África. Em 1950 a Corte de
justiça dispôs que a área fosse entregue a ONU. Em 1968 a ONU exige que a África do
Sul desocupe a região, mas o governo sul-africano não acata a ordem e, a partir de 1975
usa a Namíbia para realizar incursões militares em Angola, país vizinho acusado de dar
abrigo a guerra de Swapo. Em 1971 o domínio da África do Sul foi considerado ilegal
pela Corte de Justiça. Em 1976, nova ordem para a retirada das forças. Em 1981 os EUA,
o Reino Unido e a França vetaram uma resolução do Conselho de Segurança que
decretava sanções contra a África do Sul.
A luta pela independência eclode em 1966, com a guerrilha da Organização dos
Povos do Sudoeste da África (Swapo, na sigla em inglês) de orientação marxista.
A África do Sul inicia a desocupação da Namíbia no final dos anos 80; em
novembro de 1989 são realizadas eleições parlamentares supervisionadas pela ONU. A
independência entra em vigor em março de 1990. Samuel Nujoma, líder da Swapo, é
eleito para presidente, e a seguir, reeleito.
A Namíbia é o segundo produtor mundial de chumbo e tem grandes reservas de
diamantes e urânio.
A nação carrega herança do apartheid imposto durante décadas pela África do
Sul. O analfabetismo é elevado entre os negros e os salários pagos às maiorias brancas
(7% da população) são em média 20 vezes mais altos.
A economia da Namíbia é fortemente baseada na extração e processamento de
minerais para a exportação. Possui uma das rendas per captas mais altas da África, mas,
por outro lado, a concentração de riqueza é brutal: 5% da população detém 70% da renda,
e 25% detém 57% das terras.

ARGÉLIA
Habitada pelos berberes, sofreu a invasão de fenícios, romanos, vândalos,
bizantinos... A conquista árabe do Maghreben em 683 encontrou forte resistência berbere
comandada pela rainha Kabina. Com a conquista concluída em 709, plantaram-se
fundamentos religiosos, culturais e políticos islâmicos vigentes até hoje.
Conquistada pelos franceses em 1857, fixando grande número de colonos
europeus, o governo francês possibilitou a expropriação de terras que foram concedidas a
imigrantes franceses.
Os massacres durante a colonização foram inomináveis. Por exemplo, em 1832,
o massacre da tribo d´el Oufia, em Mitidja (Argélia), relatado por um oficial (Christie)
nas suas memórias: “um corpo militar surpreendeu.... a tribo adormecida... e degolou os
infelizes... sem que nenhum deles tivesse tentado defender-se... não houve qualquer
distinção de idade ou sexo. No regresso dessa vergonhosa expedição, os nossos
cavaleiros traziam cabeças espetadas nas suas lanças. Todo o gado foi vendido... o resto
do saque, despojos sangrentos... foi exposto no mercado de Bab-Azoun... braceletes

248
femininos ainda em punhos cortados, brincos pendentes de pedaços de carne... tudo foi
partilhado entre os matadores, e uma ordem do dia, em 8 de abril... proclamou a grande
satisfação do general.”
A destruição foi sistemática. Lembremos que para Montagnac “todas as
populações que não acatem nossas condições devem ser tomadas, saqueadas, sem
distinção de idade ou sexo.” (cit. por André Premant em O Livro Negro do Capitalismo)
Em 1924 começa o movimento nacionalista.
Da entrevista de Henri Alleg a Nestor Kohan e Rémy Herrerra:
A partir de 1950 Henri Alleg foi diretor do mítico jornal Alger Républiccan, uma
das principais vozes da imprensa que na Argélia apoiava a luta pela sua independência
da França (...). Em setembro de 1955 o Alger Républicaim foi encerrado pelas
autoridades coloniais. Em novembro de 1956, Henri Alleg, militante do Partido
Comunista Argelino passa à clandestinidade... Em 12 de Junho de 1957 foi capturado
pelos pára-quedistas franceses do general Massu, o temível corpo militar dos
colonialistas. É selvaticamente torturado em El Biar, campo de tortura nos arredores de
Argel. (...) É em seguida transferido para o campo de concentração de Lodi. A partir
desse campo, Henri Alleg faz chegar a França as suas denúncias sobre as torturas a que
fora submetido. (...) O seu requisitório... torna-se conhecido com o título La Question.
Jean-Paul Sartre escreve o prólogo onde traça um paralelo entre a tortura francesa na
Argélia e as torturas nazis da Gestapo. (...) Entre os métodos utilizados por eles
encontrava-se o de atirar prisioneiros vivos (com os pés metidos em cimento) dos
helicópteros e fazer desaparecer pessoas. Os mesmos que foram utilizados anos mais
tarde no Vietname e na maior parte da América Latina. (...)
Entre os torturadores nazis da Gestapo, os torturadores franceses da Argélia, os
torturadores norte-americanos no Vietname e no Iraque e os torturadores argentinos da
ESMA (Escola Superior de Mecânica da Armada) não há diferença alguma. (...)
Os colonialistas franceses foram verdadeiramente professores de tortura tanto
na América Latina como na África do Sul. (...)
Um caso particular e peculiar da tortura tem a ver com as humilhações de
caráter sexual. (...) Do lado argelino também houve um silêncio total devido à cultura de
tradição islâmica. (...) Muito recentemente houve mulheres de mais de 70 anos, com uma
magnífica coragem, que revelaram terem sido violadas. Um oficial colonialista do
exército francês revelou em Le Monde que todas as mulheres capturadas e feitas
prisioneiras pelos militares franceses, numa proporção de 90% (noventa por cento) foram
sistematicamente violadas. (...)
Os que se levantam para lutar pela libertação de um país... não são os mesmos
que têm todo o poder militar do mundo. Já no tempo dos alemães, durante a Segunda
Guerra Mundial, os nazis caracterizaram invariavelmente os seus opositores como
"terroristas". Mas todos aqueles que combatem os nazis não são terroristas, são
combatentes pela liberdade. (...)
Então o que eles — os poderosos — denominam "terrorismo" é frequentemente o
último meio que um povo tem para resistir. Os autênticos terroristas são eles, os militares
colonialistas.
(...)
A Argélia obteve a independência em 1962. Bem Bella que fora acusado de
terrorista e condenado a à prisão perpétua, fugira e se exilara no Cairo. Regressou a Argel
em 1962 para assumir a presidência do país.

249
QUÊNIA
Desde o século VIII, os árabes miscigenado-se com os bantos do litoral criaram a
civilização ruali cuja língua é a mais importante da África Oriental. Entre os séculos XV e
XVII o domínio árabe foi substituído pelo dos portugueses. Comerciando com escravos,
ouro e marfim, durou até o fim do século XIX, quando, a pretexto de combater o tráfico,
os ingleses se aproximaram da região. Uma companhia inglesa constrói uma estrada de
ferro para atingir a Uganda empregando como mão-de-obra 30 mil indianos. Nas terras do
planalto cortadas pela via férrea, os ingleses tencionavam fazer uma colônia indiana de
povoamento. Contestando a fertilidade do solo e a amenidade do clima, os ingleses
expulsaram os remanescentes africanos e proibiram os asiáticos de ocupar as terras que
foram destinadas exclusivamente aos brancos.
A instituição do imposto indígena forçava a participação dos africanos na
economia, levando-os a trabalhar nas plantações européias pois lhe era vedado o cultivo
de produtos de exportação. Em 1948 os 5 mil fazendeiros europeus possuíam 42 mil
quilômetros quadrados de terra, contra os 10 mil quilômetros quadrados para o 1 milhão
de kikiyu. A impossibilidade de subsistência nessas condições carreava um contingente
ainda maior de mão-de-obra africana para as plantações dos colonos.
A resistência africana recrudesceu em 1919 quando a administração obrigou os
indígenas ao uso permanente do Kipande, carteira de trabalho que continha indicações
sobre a conduta do portador e lhe restringia a liberdade de locomoção.
Após uma revolta contra o imposto indígena que redundara no trabalho forçado,
os africanos se sublevaram novamente m 1922 quando as autoridades coloniais proibiram
associações nacionais ou inter-tribais. Os africanos reivindicavam a restituição das terras
que tinham sido espoliadas, acesso a um ensino moderno e participação no conselho
legislativo.
A participação africana na Segunda Guerra Mundial, ao lado das tropas
britânicas, estimulou o nacionalismo queniano. Foi fundada a KAU – Kenia African
Union – presidida por John Kenyatta. Ex-combatentes desmobilizados se tornaram, dada
sua experiência, líderes da agitação e da revolta.
Por trás da revolta estava uma sociedade secreta, os Mau-Mau, que impunha a
cada membro da seita, eliminar um europeu e um rival convencionado. Em 1952 os Mau-
Maus começaram a eliminar os europeus: o estado de emergência é declarado e o governo
inglês prende John Kenyatta e os principais líderes da KAU. Começou, então, a chacina
dos colonos e dos europeus negros – negros que colaboravam com os brancos.
O hino dos combatentes afirmava: “Nossa luta pela terra jamais cessará. Esta
terra sempre foi nossa e para sempre o será.”
Reforços militares foram trazidos da Rodésia e do Reino Unidos. As áreas
suspeitas bombardeadas pela aviação. Presos 162.000 africanos. A luta causou a morte de
32 colonos e 63 militares e, do lado africano, 10534 rebeldes e 2737 civis. Em outras
fontes o número de africanos mortos chega a 30 mil.
Descrito pela imprensa como rebelião selvagem, o movimento Mau-Mau vem
sendo estudado pela historiografia moderna como luta pela libertação nacional
desencadeada pela repressão colonial.
Em 1964 Jomo Kenyatta foi eleito presidente da república. E Joshua Nkkomo,
chefe da luta armada pela independência, que fora exilado, volta para ser primeiro
ministro.

250
As lutas no Quênia não terminaram com a independência. No livro sobre Bin
Ladem há uma “carta aberta ao povo do Quênia.” A mensagem do 18 de agosto da Frente
Mundial Islâmica para a Jihad:
Aquelas duas embaixadas explodidas tinham supervisionado a morte de pelo
menos 13 mil somalis na traiçoeira agressão conduzida pelos Estados Unidos contra esse
país mulçumano (...). Os dias vindouros, se Deus o permitir, farão com que os Estados
Unidos enfrentem um destino amargo, semelhante àquele da União Soviética.
Enfrentarão sucessivos golpes vindos de todos os lados, e grupos islâmicos surgirão e
ressurgirão outros grupos, e todos estarão combatendo os interesses americanos que se
baseiam no roubo e na pilhagem. (...) O objetivo de um exercito islâmico não é atacar
cidadãos quenianos. (...) Foi seu governo que trouxe a morte para vocês e arruinou o país
quando permitiu que os americanos usassem o território para matar povos islâmicos e
sitiar sua economia. (...) O Quênia e Tanzânia tornaram-se as maiores bases dos Estados
Unidos contra os mulçumanos...

ANGOLA
Antiga província portuguesa tornou-se independente em 1975. Entre 1920 e 1930
manifestaram-se os primeiros sinais de nacionalismo angolano, mas em movimentos
clandestinos.
Em 1975 o MPLA, chefiado por Agostinho Neto com o auxilio da URSA e de
forças cubanas, é intitulado governo oficial.
Diz-nos Noam Chomski falando sobre a África:
O principio operativo é que as ações sejam guiadas pelo interesse próprio. (...)
Fiéis a este princípio os EUA podem enviar tropas terrestres de grande força à Somália,
muito depois que a fome tenha retrocedido e em que boas fotos estejam garantida,
esperando uma resistência curta e de pouca duração de adolescentes com rifles. (...)
Em Angola, onde a chacina pode ser pior, mas em que não há necessidade de
reagir ou de ir além de ocasionais relatórios, desde que os interesses do ocidente não
estejam em risco, e seu agente principal, Jonas Savimbi, continue a ser um cliente de
longa-duração, exaltado como “um guerrilheiro da liberdade” por lideranças políticas,
ou mesmo declarando ser “um dos poucos antiéticos heróis do nosso tempo” por Jeane
Kirkpatrich, depois de seus exércitos terem se gabado de derrubar linhas aéreas civis,
além de numerosas outras atrocidades, enquanto matava e destruía em uma escala
verdadeiramente heróica, com a ajuda dos Estados Unidos e da África do Sul.

SUDÃO
Dominado pelo Egito desde 3.000 a.c., e a seguir pelos ingleses, proclamaram a
independência em 1956. Posteriormente sucederam vários golpes de estado.
Um fato que chamou a atenção da imprensa mundial foi o bombardeio a uma
indústria farmacêutica pelos americanos. Vejamos os comentários de Noam Chomski:
“...vamos falar da destruição das instalações farmacêuticas de Al-Shifa, no
Sudão (...).Qual teria sido a nossa reação se Bin Laden tivesse destruído metade dos
suprimentos farmacêuticos dos EUA, bem como as instalações indispensáveis para repô-
los? (...) Se os EUA ou Israel, ou a Inglaterra, fossem o alvo de tal atrocidade, que

251
reação teriam? No nosso caso, dizemos: "Ora, que pena, uma pequena falha nossa,
vamos para o próximo item, e que as vítimas se danem.” (...) O número de vítimas do
"crime horrendo" de 11 de setembro, cometido com "absoluta e medonha crueldade"
(citando Robert Fisk), poderia ser comparado às conseqüências do bombardeio que
Clinton dirigiu contra as instalações de Al-Shifa, em agosto de 1998. (...)
Quanto às conseqüências da destruição da Al-Shifa, temos apenas estimativas. O
Sudão procurou abrir um inquérito na ONU sobre as razões do bombardeio, mesmo isso,
foi bloqueado por Washington, e muitos poucos nesse país parecem desejosos de
investigar mais a fundo o episódio. (...) Quando estimarmos o número de vítimas de um
crime, não podemos considerar apenas aqueles que literalmente foram assassinados no
ato em si, mas também os que morreram em conseqüência do que foi praticado. (...)
Um ano depois do ataque, sem os remédios mais básicos produzidos para
salvar vidas... o número de mortos no Sudão em conseqüência do bombardeio, continuava
silenciosamente a crescer. Dezenas de milhares de pessoas, muitas delas crianças, foram
acometidas e morreram de malária, tuberculose e outras doenças tratáveis. Al-Shifa
fornecia remédios a preço acessível para seres humanos, assim como toda a medicação
disponível no Sudão para uso veterinário. (...)
O embaixador alemão no Sudão escreve que “é difícil calcular quantas pessoas
nesta África tão pobre, morreram em conseqüência da destruição da fábrica da Al-Shifa,
mas um bom palpite seria várias dezenas de milhares.”
(...)

Em outra reportagem publicada na Veja de 9 de fevereiro de 2005, André Petry


fala sobre o Sudão.

Deus do Mundo
A mentalidade fundamentalista do presidente George W. Bush, um político que
tem a si mesmo na conta de interlocutor direto com Deus, está produzindo uma era de
trevas – infortúnio que em seu país se materializa no combate ao aborto, na guerra ao
casamento homossexual, no boicote a pesquisas cientificas e até mesmo na mal
disfarçada tolerância com a tortura de terroristas. Agora cegada por seu belicismo e
imbuída do espírito cruzadista, a Casa Branca está sendo empurrada para um caminho
ainda mais obscuro: a defesa enviesada de um crime contra a humanidade. Aconteceu o
seguinte: funcionários do governo americano estão, neste momento, empenhados em
impedir que os governantes do Sudão, o maior país da África, sejam processados pelo
Tribunal Penal Internacional pelo genocídio étnico que estão fazendo na região de Dafur,
matança que inclui crucificar as vítimas, joga-las na fogueira, arrancar-lhes os olhos e
queimar barracos com crianças dentro.
Bush não é um simpático aos genocidas do Sudão, que, além de tudo, ainda
usam o estupro como tática de guerra. O problema é que o governo americano não quer
nem pensar na possibilidade de que, um dia qualquer, seus próprios militares - aqueles
que torturam prisioneiros no Iraque ou na base de Guantánamo – também sejam
conduzidos ao banco de réus do Tribunal Penal Internacional. Para tanto, os EUA não
querem legitimar o tribunal, aceitando que proceda a um julgamento de sudaneses. O
resultado prático é que, para proteger seus militares de uma eventual acusação, o
governo americano está circunstancialmente aliado aos matadores do Sudão. É
companhia da pior qualidade. Examinando-se à primeira vista, parece curioso que,

252
apesar disso tudo, apesar de ter indicado como procurador - geral da República um
sujeito que já defendeu publicamente a tortura, apesar de ter se enrolado numa
constrangedora fieira de mentiras para justificar a invasão do Iraque, apesar de tudo
isso, ainda se diz que George W. Bush foi eleito numa crescente maré de defesa de
“valores-morais”.
E o pior é que foi isso mesmo. Só que, voltando ao ponto inicial, Bush parece ser
hoje o mais poderoso representante de valores da escuridão, do atraso, da estreiteza
conservadora e, é claro, do patriotismo – aquilo que pensador inglês Samuel Johnson
dizia ser “o último refúgio dos velhacos”. É natural que um governo se empenhe na
defesa de seus cidadãos, civis ou militares, mas é uma má notícia que tal defesa atropele
até a condenação de crimes contra a humanidade – e que isso venha justamente da terra
da liberdade e da democracia. Bush já tem toda a razão de achar que pode – mais que
isso: sendo um fundamentalista, ele acha que deve – invadir outro país mesmo sem
consenso internacional, como fez com o Iraque. Tem razão ainda de fazê-lo com os
argumentos que bem entender, pois, quando se descobriu que os tais estoques de armas
de destruição em massa eram história da carouchinha, ficou tudo por isso mesmo. É um
sinal perigoso que tenha agora conseguido barrar o julgamento dos assassinos em massa
do Sudão.
Todos os paises da África têm mais ou menos a mesma história dos já citados.
Todos têm seus heróis que lutaram pelos seus países. No Malawi Kamuzu Banda foi preso
com mais de dois mil dos seus seguidores na luta pela independência. No Congo-Belga,
hoje Zaire, Patrice Lumbaba, chefe do Movimento Nacional Congolês, foi preso em 1956.
Pediu auxilio da ONU que o isolou de seus aliados e do povo, interditando seu acesso ao
rádio e aos aeroportos. Lumunba foi assassinado em 1961 com a ajuda da CIA.
Para contar com o sofrimento do povo africano desde a colonização até os dias
de hoje, seriam necessários vários livros. E eu não posso fazê-lo.

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Para finalizar, a transcrição de um texto de Maurice Cury em O Livro Negro do
Capitalismo:
A virtude do capitalismo reside na sua eficácia econômica. Mas em benefício de
quem e a que preço? Nos países ocidentais, que são a montra do capitalismo (enquanto o
resto do Mundo será mais ou menos o seu armazém das traseiras), examinaremos os
fatos.
Após o seu grande período de expansão no século XIX, devido à industrialização
e à feroz exploração dos trabalhadores, o movimento que se acelerou nas ultimas décadas
levou à quase extinção o pequeno produtor rural, devorado pelas grandes produções
agrícolas, trazendo consigo a poluição, a destruição das paisagens e a degradação dos
produtos (e tudo isto à custa do contribuinte, uma vez que a agricultura foi sempre
subsidiada); o quase desaparecimento do pequeno comércio, particularmente de
alimentação, em benefício da grande distribuição e dos hipermercados, a concentração
das indústrias em grandes empresas nacionais e depois transnacionais que tomam mais
proporções que chegam a ter tesourarias mais importantes que as dos Estados Unidos e
até fazem a lei (ou pretendem faze-la), tomando medidas para reforçar o seu poder sem
controle, como por exemplo, através do Acordo Multinacional sobre o Investimento
(AMI), acima dos Estados (a United Fruit é patrão de vários estados da América Latina)
(...) Após o despovoamento dos campos, assistimos, agora, ao das fábricas e dos
escritórios. Como o capitalismo não sabe nem partilhar o lucro e o trabalho (vemos isso
nas reações incidentes e histéricas do patronato à jornada de 35 horas – medida de resto
bem tímida), chegamos inelutavelmente ao desemprego e a sua corte de desastres sociais.
(...)
Cerca de vinte milhões de desempregados na Europa, eis o balanço positivo do
capitalismo!
E o pior está por vir. As grandes empresas européias e americanas, cujos lucros
nunca foram tão grandes, anunciam a demissão de centenas de milhares de
trabalhadores. É preciso “racionalizar” a produção, concorrência oblige!
(...)
Os paladinos franceses do liberalismo – do “modernismo”! (ver Alain Madelin)
– não se cansam de citar os exemplos da Inglaterra e dos Estados Unidos – os campeões
do sucesso econômico e da luta contra o desemprego. Se a destruição das proteções
sociais, a precariedade do emprego, os baixos salários e a não indenização dos
desempregados, fazendo-os desaparecer das estatísticas, são o ideal do sr. Medelin, não
creio que seja o ideal dos trabalhadores desse país.
Nos EUA, o paraíso do capitalismo, 30 milhões de habitantes (mais de 10% da
população) vivem no limiar da pobreza, e, entre estes, os negros são a maioria.
A supremacia dos Estados Unidos no mundo, a propagação imperialista e
uniformizadora do seu modo de vida e de sua cultura só podem satisfazer os espíritos
servis. A Europa fazia bem em alertar e reagir, já que ainda possui os meios econômicos
para isso. Mas precisaria também de vontade política.
Para ajudar os investimentos produtivos, na indústria ou nos serviços, o
capitalismo pretende torna-los competitivos em face dos investimentos financeiros e
especulativos a curto prazo. Como? Impondo taxas a estes últimos? De forma alguma:
baixando os salários e os custos sociais!
É também uma forma de tornar o Ocidente competitivo em relação ao Terceiro
Mundo. Na Inglaterra até já se começou a fazer as crianças voltarem ao trabalho. De

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resto, o vassalo dos Estados Unidos, assim como o seu suserano, não ratificou o acordo
proibindo o trabalho infantil.
Preso no círculo infernal da concorrência, o Terceiro Mundo deverá baixar
ainda mais os custos e mergulhar um pouco mais os seus habitantes na miséria, depois
será de novo a vez do Ocidente...
Até que o mundo inteiro esteja nas mãos de umas poucas multinacionais,
majoritariamente americanas, e que praticamente não haja necessidade de
trabalhadores, senão de uma elite de técnicos... o problema para o capitalismo será,
então, o de encontrar consumidores fora dessa elite e dos seus acionistas... e de suportar
a delinqüência nascida da miséria.
(...)
As devastações, no espaço de um século e meio, pelo colonialismo e o
neocolonialismo, são incalculáveis, como é impossível calcular os milhões de mortos que
lhe são imputáveis. Todos os grandes países europeus e os Estados Unidos são culpados.
Escravatura, repressão impiedosa, torturas, expropriação, roubo de terra e dos recursos
naturais pelas grandes companhias ocidentais, americanas ou transnacionais ou por
potentados locais a seu soldo, criação ou desmembramento artificial de países, imposição
de ditaduras, monoculturas substituindo as culturas tradicionais, destruição dos modos
de vida e das culturas ancestrais, desmatamento e desertificação, desastres ecológicos,
fome, êxodo das populações rumo à megalópoles, onde as esperam o desemprego e a
miséria.
(...)
A guerra contra os países rebeldes que não respeitam os interesses ocidentais.
Aquilo que foi outrora apanágio da Inglaterra e da França, na África e na Ásia (os
últimos sobressaltos do colonialismo nas Índias, em Madagascar, na Indochina, na
Argélia, fizeram milhões de mortos), é hoje em dia dos Estados Unidos, nação que
pretende reger o mundo. Os Estados Unidos não pararam, para tal, de praticar uma
política de acumulação de armas (que proíbe aos outros). Assistimos ao exercício desse
imperialismo em todas as intervenções na América Central (Nicarágua, Guatelamala, El
Salvador, Honduras), na Ásia, no Vietnã, na Indonésia, em Timor (genocídio
proporcionalmente mais importante do que o dos Khmers Vermelhos de Camboja – cerca
de dois terços da população – e, perpetrado com a indiferença – quando não com a
cumplicidade – do Ocidente), na guerra do Golfo, etc.
A guerra não se faz só pelas armas, mas pode assumir formas inéditas: por
exemplo, os Estados Unidos não hesitaram em ajudar a seita Moon na Coréia para lutar
contra o comunismo, não hesitaram em armar ou subsidiar os fundamentalistas islâmicos
contra os irmãos mulçumanos ou os Talibãs no Afeganistão. A guerra pode tomar
também a forma de embargos contra os Estados indóceis (Cuba, Líbia, Iraque), que são
mortíferos para as populações (várias centenas de mortos no Iraque).
A espoliação é a causa evidente da utilização da força. Se queremos assaltar
uma casa habitada é melhor levarmos uma arma.
As práticas do capitalismo são próximas das da máfia; é com certeza por isso
que esta prolifera tão bem em seu terreno.
Tal como a máfia, o capitalismo protege os dirigentes dóceis, que
desavergonhadamente permitem que seus paises sejam explorados pelas grandes
sociedades americanas e transnacionais. Deste modo, ele consolida – quando não é ele
próprio que as instala – as ditaduras, mais eficazes na proteção das empresas que as
democracias.
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As suas armas são indistintamente a democracia e a ditadura, o negocio ou o
gangsterismo, a intimidação ou o assassinato. Assim, a CIA é, sem dúvida, a maior
organização criminal em escala mundial.
A usura, outro procedimento mafioso. Assim como a máfia faz empréstimos ao
comerciante, que nunca consegue livrar-se de sua dívida e acaba por perder sua loja (ou
a vida), os países são estimulados a investir, muitas vezes artificialmente; armas são
vendidas para que possam lutar contra os países rebeldes, e estes são obrigados pagar
eternamente os juros acumulados na sua divida; passa-se a assim a ser dono da sua
economia.
(...) Para impor o seu credo e justificar a corrida armamentista, os delitos e os
seus crimes sangrentos, o capitalismo sempre invoca ideais generosos: defesa da
democracia, da liberdade, luta contra a ditadura “comunista” e defesa dos valores do
Ocidente, quando, na verdade, ele apenas defende, na maioria das vezes, os interesses de
uma classe poderosa, ou quer apoderar-se das matérias-primas, comandar a produção do
petróleo ou controlar as regiões estratégicas. Essa propaganda é difundida por
autoridades econômicas e políticas, por uma imprensa e por meios de comunicação
servis. São os “cães de guarda” já denunciados por Nizan, a Traição dos Clérigos
vigilipendiadas por Julien Benda.
Partidários do liberalismo, arautos dos Estados Unidos, não ouvi a vossa voz
elevar-se contra a destruição do Vietnã, o genocídio indonésio, as atrocidades
perpetradas em nome do liberalismo na América Latina, contra a ajuda americana ao
golpe de Estado de Pinochet, um dos mais sangrentos da Historia, a execução dos
sindicalistas turcos; a vossa indignação era um pouco seletiva: Solidários mas não o
Disk, Budapest mas não a Argélia, Praga mas não Santiago, o Afeganistão mas não
Timor; não vos vi indignarem-se quando se matavam comunistas ou simplesmente
aqueles que queriam dar o poder ao povo ou defender os pobres. Pela vossa
cumplicidade ou pelo vosso silencio, não vos ouço pedir perdão.

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