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EMOJIS E ACESSIBILIDADE BILINGUISMO EM SOBRE TER IRMÃOS

PARA AUTISTAS CRIANÇAS COM AUTISMO COM DEFICIÊNCIA

ANO VII - Nº 14 - SET/OUT/NOV 2021


@lucasksenhuk.art
Ilustração: Licas Ksenhuk -

MESSI
NÃO
É AUTISTA
00014

GRATUITA
DISTRIBUIÇÃO
ISSN 2596 - 0539

9 772596 053005
#RESPECTRO

EXPEDIENTE - Revista Autismo


Ano VII — número 14
EDITORIAL
Setembro de 2021
ISSN: 2596-0539 Há oito anos eu aguardo para pu- digitais, por demonstrar saber mais
Distribuição gratuita blicar esta reportagem sobre a fake ou saber primeiro que o outro, nos faz
Periodicidade trimestral news de que o mundialmente famoso cada vez menos leitores, cada vez mais
Tiragem deste número: 6.000 exemplares jogador de futebol Lionel Messi seria disseminadores de informação — falsa
Revista Autismo é uma publicação de circulação autista. Conforme o tempo passava, ou não — sem curadoria, sem cuidado,
nacional fundada em 2010 com o objetivo de
apareciam mais e mais evidências de sem o mínimo de atenção. Mal se lê o
levar informação de qualidade, isenta e imparcial.
A respeito de autismo, é a primeira revista periódica a notícia ser fraudulenta. Eu, sempre título! Aposto que muita gente verá
da América Latina, além de ser a primeira do mundo tentando um contato com o jogador a capa desta edição e nem ao menos
em língua portuguesa.
para ouvir diretamente dele tal infor- perceberá aquele “não” na manchete.
Editor-chefe e jornalista responsável:
Francisco Paiva Junior - MTb: 33.245
mação, ou da família, porém celebri- Pelo contrário, irá dizer algo como “Viu
editor@RevistaAutismo.com.br dades quase sempre são inacessíveis. que o Messi é autista? Está na capa da
Direção de arte e design: Recorri a amigos na Argentina, Portu- Revista Autismo. Eu já sabia!”, como
Alexandre Beraldo gal e Espanha… nada. Desisti. Resolvi se fosse uma confirmação. Recorro a
xberaldo@gmail.com
publicar sem ouvir o craque. James Hetfield numa das melhores
Revisão e Traduções:
Márcia F. Lombo Machado
O Messi até poderia ser autista. Mas, músicas do Metallica: “triste mas ver-
marciaflm@gmail.com quem teria o direito de revelar isso dadeiro”.
Consultores científicos: seria o próprio jogador, assim como fez Já que mencionei a capa, tenho de
Alysson R. Muotri e Diogo V. Lovato recentemente o bilionário sul-africano destacar que foi totalmente criada e
Arte da Capa: Elon Musk, ao vivo, num programa de desenhada por um autista, o talentosís-
Lucas Ksenhuk simo Lucas Ksenhuk, artista que já faz
TV nos EUA. Dizer isso contra a vonta-
Colaboradores deste número:
de dele já é um tremendo desrespeito. ilustrações para toda edição da Revista
Beatriz Raposo, Camila Alli Chair, Carol
Cardoso, Débora Goldzveig, Diego Lomac, Agora, inventar essa história é ainda Autismo há muito tempo. Desta vez
E d i s o n D ’a n d r é a Cin e lli , Fá b i o S o us a , pior. Um motivo a mais para lamentar nos brindou com uma capa digna de
Fátima de Kwant , Fernanda Barbi Brok ,
Haydée Freire Jacques, Lucas Ksenhuk,
foi isso ter tido origem no Brasil. ser emoldurada. Um craque!
Luciana Viegas, Marcelo Vitoriano, Numa era em que o acesso à infor-
Mauricio de Sousa, Natália Morais, Nícolas
mação nunca foi tão facilmente obtido,
Brito Sales, Pedro Henrique Quiste,
Rosana Ponomave nco, S amanta Paiva , ironicamente, é quando mais estamos
S e l m a S u e l i S i l va , S o p h i a M e n d o n ç a , suscetíveis a fake news, a notícias in-
Thaissa Alvarenga, Tiago Abreu, Wagner
Yamuto. tencionalmente criadas para enganar.
Impressão: Quase toda informação hoje pode ser
LaborPrint verificada em poucos minutos. Porém,
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do Giovani, de 14 anos, que tem autismo
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e é muito rápido para fazer contas de ca- redacao@RevistaAutismo.com.br
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Editado por: PAIVA JUNIOR


R. Bela Cintra, 336 - s.74-A, Consolação Como citar artigos publicados nesta revista (padrão ABNT):
São Paulo (SP), CEP 01415-000
AUTOR. Título do artigo ou da matéria, subtítulo. Revista Autismo, São Paulo, ano da revista,
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Os artigos assinados não representam Exemplo: MUOTRI, A.. Minicérebros humanos, um novo modelo experimental para o estudo do
necessariamente a opinião da TEA. Revista Autismo, São Paulo, ano V, n. 4, p. 44-46, mar. 2019.
Revista Autismo e seus editores.
ÍNDICE
EMOJIS E BILINGUISMO EM SOBRE TER
ACESSIBILIDADE CRIANÇAS COM IRMÃOS COM
PARA AUTISTAS AUTISMO DEFICIÊNCIA

pág.12 pág.28 pág.40


A CONSCIENTIZAÇÃO
O AMOR E O AFETO SOBRE INCLUSÃO
QUE DEIXAMOS UM TIME DE 30 PODE COMEÇAR
DE DAR AUTISTAS COM A LEITURA
pág.16 pág.30 pág.36

AUTISMO NO
FEMININO
pág.44

SESSÕES MESSI NÃO


o que é autismo? pág.08
hq - andré e a turma da mônica pág.09
É AUTISTA
fakenews pág.20
canal autismo pág.32 reportagem de capa pág.20
dica cultural pág.34
espectro artista pág.46

COLUNAS

matraquinha pág.10
uma mãe preta escrevendo pág.15
tudo o que podemos ser pág.19
trabalho no espectro pág.30
introvertendo pág.38 Leia este QR-code
liga dos autistas pág.48
com seu celular e
acesse a versão online
autismo severo pág.50 desta edição com
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MACHADO BRITTO CARDOSO SOUSA LOMAC
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GOLDZVEIG YAMUTO PAIVA ABREU DE SOUSA
publicitária empreendedor estudante jornalista desenhista

NATALIA HAYDÉE PEDRO THAISSA


MORAIS FREIRE QUISTE ALVARENGA
estudante dentista estudante empreendedora
As informações a seguir não dispensam a consulta
O QUE É AUTISMO a um médico especialista para o diagnóstico

Francisco Paiva Junior

O QUE É AUTISMO?
Saiba a definição do Transtorno do Espectro do Autismo
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EXTRA ONLINE
Use o QR-code
ao lado para
ir ao site.

O autismo — nome técnico ofi- apenas uma suspeita clínica, ainda — data celebrada originalmente em
cial: Transtorno do Espectro do Au- sem diagnóstico fechado —, pois 2005, pela organização britânica
tismo (TEA) — é uma condição de quanto mais cedo começarem as in- Aspies for Freedom (AFF).
saúde caracterizada por déficit na- tervenções, maiores serão as possi- Consulta médica
comunicação social (socialização e bilidades de melhorar a qualidade Veja a seguir alguns sinais de autis-
comunicação verbal e não verbal) e de vida da pessoa. O tratamento mo. Apenas três deles numa criança
comportamento (interesse restrito psicológico com maior evidência de de um ano e meio já justificam uma
ou hiperfoco e movimentos repe- eficácia, segundo a Associação Ame- consulta a um médico neuropediatra
titivos). Não há só um, mas mui- ricana de Psiquiatria, é a terapia de ou a um psiquiatra da infância e da
tos subtipos do transtorno. Tão intervenção comportamental. O trata- juventude. Testes como o M-CHAT
abrangente que se usa o termo mento para autismo é personalizado (com versão em português) estão
“espectro”, pelos vários níveis de e interdisciplinar. Além da psicolo- disponíveis na internet para serem
suporte que necessitam — há gia, pacientes podem se beneficiar aplicados por profissionais.
desde pessoas com condições as- com fonoaudiologia, terapia ocupa- Todas as referências, links e mais infor-
sociadas (coocorrências), como de- cional, entre outros, conforme a ne- mações estão na versão online.
ficiência intelectual e epilepsia, até cessidade de cada autista. Na escola,
pessoas independentes, que levam um mediador pode trazer grandes Sinais
uma vida comum. Algumas nem
sabem que são autistas, pois jamais
benefícios no aprendizado e na inte-
ração social.
de autismo:
Não manter contato visual por
tiveram diagnóstico. Alguns sintomas como irritabili- mais de 2 segundos;
As causas do autismo são majorita- dade, agitação, autoagressividade,
Não atender quando chamado
riamente genéticas. Confirmando es- hiperatividade, impulsividade, de- pelo nome;
tudos recentes anteriores, um trabalho satenção, insônia e outros podem
Isolar-se ou não se interessar por
científico de 2019 demonstrou que fato- ser tratados com medicamentos, outras crianças;
res genéticos são os mais importantes que devem ser prescritos por um Alinhar objetos;
na determinação das causas (estimados médico. Dentre os medicamentos
Ser muito preso a rotinas a ponto
entre 97% e 99%, sendo 81% hereditário indicados, a risperidona, que é da de entrar em crise;
— e ligados a quase mil genes), além de classe dos antipsicóticos atípicos, é o Não usar brinquedos de forma
fatores ambientais (de 1% a 3%) ainda mais comum. convencional;
controversos, que também podem estar Em 2007, a ONU declarou todo 2 de Fazer movimentos repetitivos
associados como, por exemplo, a idade abril como o Dia Mundial de Cons- sem função aparente;
paterna avançada ou o uso de ácido cientização do Autismo, quando Não falar ou não fazer gestos para
valpróico na gravidez. Existem atual- cartões-postais do mundo todo mostrar algo;
mente 1.023 genes já mapeados e impli- se iluminam de azul (cor esco- Repetir frases ou palavras em mo-
cados como possíveis fatores de risco lhida por haver, em média, 4 ho- mentos inadequados, sem a devi-
para o transtorno — sendo 102 genes mens para cada mulher com TEA). da função (ecolalia);
os principais. O símbolo do autismo é o quebra- Não compartilhar interesse.
-cabeça, que denota sua diversidade Girar objetos sem uma função
Tratamento e sinais e complexidade. aparente;
Alguns sinais de autismo já podem O dia 18 de junho é o Dia do Orgu- Apresentar interesse restrito
aparecer a partir de um ano e meio lho Autista (representado pelo sím- por um único assunto (hiperfoco);
de idade, e mesmo antes, em casos bolo da neurodiversidade, o infinito Não imitar;
mais graves. Há uma grande im- com o espectro de cores do arco-íris), Não brincar de faz-de-conta.
portância em iniciar o tratamento considerando o autismo como iden-
Hipersensibilidade ou hiper-reati-
o quanto antes — mesmo que seja tidade, uma característica da pessoa vidade sensorial;

08 R EVI STA AUTI SMO


C O L U N A

BEIJO NA
VAQUINHA

Wagner
Yamuto
é pai do Gabriel
(que tem autismo) e da
Thata, casado com a
Grazy Yamuto, fundador
@biabiaraposo

do Adoção Brasil, criador


do app Matraquinha, autor
e um grande sonhador.

matraquinhaoficial
Ilustração: Bia Raposo -

@matraquinhaoficial
matraquinha
matraquinha.com.br

Gabriel adora sentir a adrenalina correr


por seu corpo e os passeios preferidos dele e
da família são os parques de diversão e os que
têm contato com a natureza.
Nos parques de diversão a atração prefe-
rida dele é a montanha-russa, seja a seca ou
a molhada.
Geralmente nós vamos no vagão da frente, tripulantes da missão estão preparados (e onde
onde a emoção parece ser maior, e confesso somente os fortes sobreviverão).
que em algumas montanhas dá um medinho. A primeira etapa é a subida, e algumas
Quando os vagões começam a se mover, Ga- são bem altas, em seguida vem uma curva
briel abre um sorriso que só ele tem e começa que é feita lentamente para a direita e no
a olhar para trás, só pra conferir se os outros final da curva tem a descida bem acentuada,

10 R EVI STA AUTI SMO


#RESPECTRO

daquelas que por milésimos alimentem os coelhos, cabras, galinhas, patos,


de segundos fazem você se porquinhos, ovelhas. O lugar tem até búfa-
arrepender de estar ali no los e emas.
primeiro acento. Gabriel sempre está acompanhado do tablet,
Nesse momento, toda a pois toda a sua comunicação depende desse dis-
tripulação já perdeu o fôlego positivo, mas por alguns minutos ele larga tudo
por alguns instantes, e quando e parece entrar em sinergia com os animais.
menos se espera, escutamos os gri- Andar a cavalo é uma das atrações que ele
tos de emoção dos demais vagões. mais ama.
E é nessa hora que o Gabriel olha Alimentar os patos é sempre um risco, pois
pra mim e solta a maior e mais alta eles ficam no lago e a água é um ponto fraco
gargalhada que ele consegue dar. Ele do meu filho. Ele sempre tenta entrar para um
também mordisca os dedinhos das mãos mergulho com os patinhos...
de tanta emoção. Os coelhinhos são fofos e ele adora passar a
Naquelas montanhas que em vez mão. Numa das visitas, a responsável pelo cerca-
de trilhos há um canal com água é a dinho entregou cenouras nas mãos das crianças
mesma coisa, e o adicional da água para que elas pudessem alimentar os coelhos, e,
torna tudo muito mais divertido e quando percebi, o coelhinho sob nossa responsa-
emocionante. bilidade não estava comendo nada, quem estava
Mas, nem só de adrenalina se comendo a cenoura era o Gabriel.
vive e o contato com a nature- Já os animais que comem capim e feno, esses
za também é fundamental. podem estar mais tranquilos e não perderão
Na praia por exemplo, o Ga- a refeição.
briel passa minutos e mais Na última vez em que estivemos nessa fa-
zendinha, resolvemos levá-lo para ordenhar a
vaca, e essa atividade tinha horário marcado.
Quando chegamos, a fila estava enorme.
Mesmo assim ficamos ali (e sempre tentamos
ficar). De repente, o Gabriel saiu correndo em
minutos apertando a areia e muitas horas direção à vaquinha que já estava preparada
dentro do mar. para a ordenha. Ele parou em frente à cabeça
Já tentamos ir ao zoológico, mas o distan- dela, fez carinhos nas orelhas por alguns mi-
ciamento em que os animais devem ficar dos nutos, suas mãos foram descendo pela testa
visitantes não o apetece, portanto aprendemos em direção ao focinho e deu-lhe um beijinho.
que temos de ir aonde o contato possa ser Também deu mais uns três pulinhos mor-
mais próximo. discando os próprios dedinhos e foi embora.
Vivemos na cidade de São Paulo e em uma Tentei entender o que tinha acontecido, mas
cidade bem próxima há uma fazendinha, resolvi deixar pra lá. Afinal de contas, a con-
daquelas onde é possível que as crianças versa era entre eles. E merece privacidade ;).

R EVI STA AUTI SMO 11


FRANCISCO PAIVA JUNIOR
é editor-chefe da Revista Autismo, além de
cofundador e CEO da Tismoo.me, a primeira
rede social do mundo dedicada ao autismo. www.tismoo.me
Tismoo.me
@tismoo.me/
@tismoome
App: Tismoo.me
#RESPECTRO

EMOJIS E
ACESSIBILIDADE
PARA PESSOAS
COM AUTISMO
Um pouco de empatia
e tecnologia

O
s emojis vieram para ficar mesmo. aplicativos de mensagens e redes
Como esses símbolos e desenhos sociais.
facilitam a comunicação e economi- Há quem já esteja reclamando
zam digitação no dia a dia de todo do uso excessivo e de quase uma
mundo, não é mesmo? Talvez não. “desalfabetização” das pessoas
Não para todo mundo! no ambiente online por conta de
Os emojis foram uma criação ja- usar mais símbolos que palavras
ponesa, do final da década de 1990. atualmente — quase voltamos à
O objetivo do primeiro conjunto, era dos hieróglifos egípcios. Mas
com 172 emojis, foi facilitar a co- não é bem esse o problema a que
municação por meios eletrônicos. me refiro aqui.
Dali em diante, virou uma febre
no Japão e em poucos anos alas- Interpretação
trou-se para o mundo todo, como Algumas pessoas autistas podem
vemos hoje em todos os celulares, se incomodar ou ter dificuldades

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ao interpretar os emojis. São emojis” (de setembro de 2020), questionaram sobre a ques-
dois grupos distintos dentro do podcast Introvertendo — tão de emojis e eu citei minha
do espectro, mas deve também feito somente por autistas dificuldade. Em seguida, no
haver uma intersecção entre — número 135, em que parti- mesmo dia, minha noiva fez
eles. O primeiro abrange as ciparam: Paulo Alarcón, Thaís um teste comigo, me passan-
pessoas que têm uma leitura Mösken, Tiago Abreu e Wil- do vários emojis aleatoria-
muito literal e muito concre- lian Chimura. “Uma conver- mente e pedindo pra eu dizer
ta (com dificuldade para en- sa pela internet já se tornou o que eles significavam. E aí
tender figuras de linguagem, confusa demais pra você por eu percebi que eu não conse-
como ironia, duplo sentido, causa de emojis?” Nossos po- guia entender esses emojis. Eu
sarcasmo e alguns trocadilhos) dcasters relacionam esse fe- só entendo a cara sorrindo e a
e também quem não tem facili- nômeno da interação online cara chorando, basicamente”.
dade para “ler” as emoções fa- com a dificuldade de autistas
ciais. Se é difícil compreender em reconhecerem o significa- Hipersensibilidade
a emoção expressada por uma do de expressões faciais e os O segundo grupo é de au-
face humana, imagine num contextos adequados para uso tistas com hipersensibilidade
“rosto” formado por uma bo- dessas “carinhas”, diz a des- visual ao ponto de os emojis
linha amarela minúscula com crição desse episódio. Paulo atrapalharem a leitura. Não
uma ou duas “dicas visuais”, Alarcón ainda conta o que ori- só os emojis, aliás. Há quem
como um olho fechado ou uma ginou essa pauta: “A ideia para cubra com a mão parte da tela
boca aberta. esse episódio surgiu quando do celular, ou do computador,
Esse assunto foi destaque eu estava na integração da ao tentar ler um texto permea-
no episódio “O problema dos empresa onde eu trabalho, do por anúncios animados ou

“No fim do dia,


este recurso de
acessibilidade
acaba ajudando
muita gente, não
só autistas”

R EVI STA AUTI SMO 13


muitos emojis. Alguns desses
relatos podem ser ouvidos no
episódio 116 do Introvertendo
— “Acessibilidade na internet”
(de julho de 2020). “​​Como, por
exemplo, ter um GIF (arquivo
de imagem com uma anima-
ção curta) no meio de um texto
prejudica e às vezes impossibi-
lita pra mim a leitura do texto.
É muito comum, se tem uma
alguma coisa piscando ou se
mexendo, eu ter que colocar
uma tela na frente daquilo ou
colocar minha mão na frente
da tela pra conseguir ler o con-
teúdo inteiro”, explicou Thaís
Mösken, no podcast.
Fica claro, portanto, uma ne-
cessidade de adequação em al-
gumas situações para pessoas
dentro do espectro do autismo,
principalmente no ambiente
digital. Necessidades estas não
só ignoradas pela sociedade
até então, como quase impossí- Desde a última versão, o
veis de ganharem repercussão aplicativo Tismoo.me possui “Há uma
suficiente para serem notadas o primeiro recurso de acessibi-
necessidade de
antes do aumento de casos lidade para autistas. Com ele, é
de diagnósticos de adultos possível simplesmente desligar adequação para
autistas. Esquecida também a exibição de emojis e todas as autistas em
tem ficado a conscientização pessoas que se sentem descon-
algumas situações,
da sociedade para a urgente fortáveis com essas “carinhas”
necessidade de dar voz aos au- se livram delas imediatamen- principalmente
tistas que têm condição de se te. Também é possível ligar a no ambiente
expressar em qualquer nível. descrição de emojis, assim,
mesmo com eles desligados,
digital”
Acessibilidade é possível saber o que as pes-
Pensando nessa adequação, soas postaram, através de um
vi o local ideal para desenvol- texto descritivo. Por exemplo: o que cada um deles significa.
ver um recurso de acessibilida- ☺
um texto com “Oi! 😁”, passa a Dessa forma, os emojis pas-
de pensando para os autistas: ser mostrado como “Oi! {emoji: sam a serem mostrados ao
a Tismoo.me, a ​​primeira rede rosto sorrindo}”. lado de sua descrição. Vamos
social do mundo dedicada ao Outra possibilidade deste re- a um exemplo. Um texto que
autismo. À frente deste proje- curso é manter ligada a exi- originalmente seria assim:
to, esta foi uma das primeiras bição dos emojis e também “Parabéns! 🎂♥ ️”, passa a ser
coisas que expliquei ao time de a descrição, o que auxilia exibido assim: “Parabéns! 🎂
programadores: faríamos um quem tem dúvida ao inter- 🎂{emoji: bolo de aniversário}❤️
recurso que ninguém tinha, pretar um emoji, pois poderá ♥ {emoji: coração vermelho}”.
nem as grandes redes sociais não só saber o significado de Prático, empático e simples
e aplicativos! cada símbolo, como aprender de resolver, não acham?

14 R EVI STA AUTI SMO


C O L U N A #RESPECTRO

@seeufalarnaosaidireito
Uma mãe
preta
escrevendo O QUANTO
Ilustração: tio .faso -
DE CULPA
PODE
EXISTIR
NA MULHER
NEGRA
Luciana
NEURODIVERGENTE?
Viegas Preciso iniciar esse texto confessando direito a autistar, rotulam-nos, e como não
Meca Andrade que esse ele não é sobre o passado, é sobre seguimos os rótulos sobra-nos a solidão,
o presente, o passado e talvez seja sobre sobram-nos as dores que precisamos car-
o futuro. regar sozinhas, porque deixam tudo em
É autista, mãe do Luiz (autista)
e da Elisa, professora da Eu sempre relato como o processo de nosso colo e sempre vão embora.
Rede Estadual de São Paulo. reconhecimento do meu autismo foi liber- Vivemos uma vida de negações, des-
Ativista pela neurodiversidade tador. Acho que deixei de mencionar que validações, violências e silenciamento.
e membro da ABRAÇA. me reconhecer como uma mulher autista O racismo é tão presente nos olhares
Atua nas redes falando preta mudou minha forma de me olhar e sobre nós, que o naturalizamos como
sobre a relação entre a luta de me relacionar. sendo algo nosso.
antiracista e anticapacitista. Há tanto tempo eu venho lendo e es- É um processo que todas nós passamos
tudando biografias de mulheres negras e seguiremos passando.
@umamaepretaautistafalando
ativistas e uma das coisas que mais me É hora de começar a se enxergar como
chama a atenção é como a dor nos une alguém que, mesmo em suas contradições,
(“dororidade”, segundo Vilma Piedade) tem o direito de existir na sua diversidade.
e como estamos sozinhas. E como temos Deixar de lado a culpa por ser diversa e se
culpa! Há culpa de muitas coisas. Culpa de sentir acolhida nesse processo é urgente!
não nos submetermos à posição de submis- Trata-se de uma operação de dentro pra
são, culpa de nos rendermos ao estereótipo fora, um processo interior de proteção,
de “dar conta de tudo”. para não ser engolida por essa estrutura
Mas, em mulheres negras neurodiver- neuronormativa, capacitista e racista que
gentes há culpa na forma singular em que nos envolve.
nos relacionamos, não correspondemos à O processo é individual, mas não precisa
validação da mulher negra que o outro ser solitário. Convido você, mulher negra
sempre impõe sobre nós. Somos fortes, neurodivergente, a dividir a sua dor e a
porém sensíveis, somos silenciadas, con- se curar entre as nossas. “Paciência com
fundidas e em muitos momentos violadas. o seu processo”.
R EVI STA AUTI SMO 15 Onde cabe tanta culpa? Não nos dão o
v
ROSANA PONOMAVENCO

é tradutora, publicitária, mestre em distúrbios do desenvolvimento, autonomianoautismo.com.br


pós-graduanda em análise do comportamento aplicada ao TEA e @rosanaponomavenco
desenvolvimento atípico, instrutora do IN Movimento INclusivo e
mãe de um moço com autismo, de 25 anos.

#RESPECTRO

16 R EVI STA AUTI SMO


O AMOR
eo
AFETO
que deixamos
de dar!
Eu daria tudo para voltar àquele momento

H
á dois anos fui convidada para um
encontro com 25 adolescentes do en-
sino médio de uma escola particu-
lar aqui em Cotia (na grande SP).
conversar. Falamos sobre os desafios
da maternidade atípica, das expecta-
tivas, do preconceito e dos desafios
enfrentados pelos pais para vencer
O tema era inclusão e eu, como mãe o medo de soltar seus filhos (típicos
de um ex-aluno com TEA, fui com- ou atípicos) e deixá-los experimentar
partilhar um pouco da minha vivên- o mundo.
cia e tentar deixar esses jovens, ainda Então, no final eles resolveram fazer
em formação, mais sensíveis ao tema. um bate e volta de perguntas rápidas e
Nosso acordo, logo de cara, foi que uma delas foi: “Existe alguma coisa da
eles poderiam me perguntar qualquer qual você se arrependa?” Nesse mo-
coisa, e mesmo que fosse uma coisa mento parei e minha cabeça começou
dolorosa ou desconfortável eu diria a trabalhar rapidamente porque eu
a eles a verdade dentro do meu cora- tinha sim uma história muito valio-
ção. Sentamos juntos no tablado de sa para compartilhar com eles. Uma
uma das salas de aula e começamos a história que eu não havia verbalizado

R EVI STA AUTI SMO 17


nem para mim mesma, pois me trazia na areia olhando para mim.
vergonha, medo e arrependimento. Res- Andei uns 300 metros pensando sobre
pirei fundo e comecei a falar. aquilo e de repente me perguntei: por
“Quando eu tinha 15 anos, a idade quê? Por que eu saí correndo? Por que
de vocês (década de 1980) eu estava eu não fiquei ali apenas para trocar uma
sentada numa praia em São Sebastião, ideia com aquele menino e dar umas ri-
cidade do litoral paulista, tomando sol sadas? Imediatamente dei meia volta e
na areia e esperando meu grupo de voltei a passos largos com meu melhor
amigos que deveria chegar a qualquer sorriso, resolvida a perguntar se ele gos-
momento. A uns cinco metros de dis- taria de falar comigo, afinal eu havia me
tância estava uma família com um filho comportado tão mal!
adolescente, e percebi que ele estava Quando cheguei naquele ponto da praia
ficando muito agitado. Eu não olhava a família já tinha ido embora.
diretamente para eles porque estava Fiquei ali, parada por alguns minutos,
constrangida, percebi que o menino olhando para os lados sem saber muito
tinha alguma deficiência, falava estra- bem o que fazer, com um sentimento
nho, gritava, a cabeça estava um pouco ruim dentro de mim. Um sentimento do
caída para o lado e os braços curvados qual eu não tinha mais como me livrar.
para dentro. Ele estava bastante excita- Não havia nada que eu pudesse fazer, a
do, ficava olhando para mim fixamente oportunidade tinha passado e sentir-me
e aquilo estava me incomodando muito. envergonhada de mim mesma.
Eu não sabia direito o que fazer, nem Essa história ficou esquecida na minha
para onde olhar, achei melhor ignorar e memória por quase 20 anos, até me bater
como um soco na boca do estômago alguns
anos atrás, quando meu filho estava na es-
cola, sabe aquele soco que deixa a gente
Sim, eu daria tudo sem respirar?
Hoje eu sei que eu sou aquela mãe, eu
para voltar àquele sou aquela mulher. Cada vez que pedi para
momento, naquela praia algum adolescente ajudar meu filho em
alguma coisa da escola, cada vez que eu
e falar com aquele menino! pedi a outra mãe para, por favor, levar o
filho dela à festa de aniversário do meu
filho, cada vez que eu fiquei triste e incon-
olhar para o lado oposto. Então o pai e a solada quando alguém deixou meu filho
babá o levaram até o mar, e a mãe veio num canto, esquecido, ignorado, fingindo
na minha direção. Ela disse ‘Oi’, bem que ele não estava ali.
timidamente, e perguntou se poderia Recordar essa história foi um dos apren-
falar comigo. Começou a me contar que dizados mais doloridos que eu já tive na
alguns anos antes seu filho tinha sofri- vida, porque literalmente eu descobri o que
do um acidente e ficado com aquelas se- era estar no lugar daquela mulher. Eu e ela
quelas, mas que a mente dele era como éramos iguais, parte de uma mesma histó-
a de qualquer outro garoto de 16 anos, ria com uma roupagem diferente, separadas
que ele tinha me achado muito bonita 20 anos uma da outra e, mesmo assim, mais
e ela gostaria de saber se eu poderia unidas do que já estive a qualquer outra
conversar um pouco com ele. mulher neste mundo! Eu e ela somos uma.
Eu, do alto do meu corpo esguio, num Sim, eu daria tudo para voltar àquele mo-
biquíni amarelo cavado da década de mento, naquela praia e falar com aquele
80, fiquei desconcertada, me senti ex- menino! Porque um dos arrependimentos
tremamente desconfortável. E fui le- que levo até hoje é o amor e o afeto que eu
vantando, pegando minha canga na não fui capaz de dar naquele dia.”
areia e dizendo que estava esperando Ficamos em silêncio. Depois de eu enxugar
meus amigos, que eles já deveriam estar as minhas lágrimas, finalmente um dos ado-
chegando, que eu estava atrasada e pre- lescentes me perguntou: “E qual é a música
cisava ir embora. mais significativa para você?”
Saí andando e larguei a mãe parada Eu sorri e respondi: Paciência, do Lenine.
18 R EVI STA AUTI SMO
C O L U N A

#RESPECTRO

@lucasksenhuk.art

Tudo o que
podemos ser
Ilustração:Lucas Ksenhuk

MEU SEGUNDO
Nícolas
Brito Sales LIVRO INFANTIL
Recentemente eu escrevi e lancei o menos por enquanto). Mas isso ainda
meu mais novo livro infantil “Patovão: não é o fim, pois eu estou pretendendo
Uma Amizade Inesperada”! E devo lançar esse livro impresso o quanto
tem 22 anos, é fotógrafo, dizer que essa foi uma experiência ex- antes para poder compartilhar essa his-
palestrante e escritor. Desde 2011, celente, pois eu já havia escrito esse tória com muitas famílias. Eu tenho fé
juntamente com sua mãe, Nicolas livro na minha cabeça e aproveitei a que conseguirei fazer com que o meu
percorre vários lugares para dar
palestras sobre como é ser autista oportunidade para escrever “no papel”, mais novo livro veja a luz do dia, como
e estar inserido na sociedade. Em e assim poder compartilhar essa minha o da “Ivana”, para que os dois livros
janeiro de 2016, Nicolas deu início, mais nova obra. “irmãos” sejam bem vendidos para
como freelancer, a seus trabalhos de Bem, o que eu tenho a dizer sobre muitas famílias.
fotógrafo, profissão que ele pretende isso? Eu fiquei muito feliz em termi- E mais, eu pretendo escrever mais
seguir. Em 2014, foi coautor do
nar de escrever a minha nova história histórias infantis e tentar seguir o mais
livro “TEA e inclusão escolar – um
sonho mais que possível”. Em 2017, (depois do sucesso da “Ivana e a Cura longe possível com a minha carreira
Nicolas lançou seu próprio livro, Para o Preconceito”), mas eu confesso de escritor.
“Tudo o que eu posso ser”, no qual que não fiquei muito satisfeito com o Esse novo livro fala de pessoas terem
conta suas experiências, o que resultado… E por que eu digo isso? de aprender com as diferenças. É um
pensa e como vive em sociedade. Porque eu pretendia lançar esse livro universo formado somente por pássaros
impresso, mas por conta da pandemia e os personagens principais são um pato
e da falta de dinheiro, ele acabou tendo e um pavão, que ficam grudados devido
que ser lançado digitalmente pelo site a um acidente envolvendo uma expe-
da “Amazon”. Infelizmente, esse site riência científica e precisam aprender
não faz livros impressos para o Brasil, a se dar bem.
somente para os EUA e para os países Enquanto estão grudados, eles bri-
da Europa. Eu, honestamente, acho isso gam, enfrentam bullying e sofrem
totalmente injusto! muito, até aparecer uma solução.
Resultado: o livro, infelizmente, não É um livro necessário para as pes-
teve boas vendas e acabou não alcan- soas ensinarem a respeitar os outros e
19 R EVI STA AUTI SMO çando um resultado satisfatório (pelo a entender que todos somos diferentes.
FRANCISCO PAIVA JUNIOR Fakenews: Verdades ou notícias falsas envolvendo o autismo?

20

R EVI STA AUTI SMO


MESSI NÃO
É AUTISTA
Fake news foi criada no Brasil em
2013 e circula até hoje na internet
Ilustrações: Lucas Ksenhuk Fotomontagem: Revista Autismo

M essi jamais se declarou autista.


Também nunca houve um fami-
liar ou uma fonte minimamente
próxima a ele que confirmasse esse
diagnóstico. Mas, de onde saiu essa
“informação”, que pode ser encon-
trada em milhares de sites, e como
ganhou repercussão mundo afora?

R EVI STA AUTI SMO 21


FAKENEWS Verdades ou notícias falsas envolvendo o autismo?

Acredite! Foi uma fake news origi- boa fake news), depois de publicada
nada no Brasil. Mais que uma notí- na internet, se alastrou e ganhou o
cia falsa ou imprecisa, uma fake news planeta.
(termo tão citado nos últimos anos e
que foi considerada palavra do ano Romário no Twitter
pelo dicionário inglês Collins em 2017) Poucos dias depois, em 8 de setem-
é uma notícia fraudulenta, criada pro- bro de 2013, o ex-jogador Romário en-
positadamente para enganar as pes- trou na polêmica. Ele publicou na rede
soas e disseminar algo que interessa social Twitter: “Vocês sabiam que o
a seu criador, nem que seja apenas Messi tem Síndrome de Asperger? É
para obter mais atenção ou audiência. uma forma leve de autismo, que deu
E, muitas vezes, o criador dissemina a ele o dom do foco e concentração
a fake news sem se importar se isso acima de tudo e de todos. Newton e
prejudicará a imagem de outra pessoa Einstein também tinham níveis de
ou instituição. autismo. Espero que, como eles, Messi
Essa lenda urbana nasceu em 27 se supere a cada dia e continue nos
de agosto de 2013, quando o escritor apresentando esse belo futebol”. Em
e jornalista Roberto Amado (sobri- seguida, postou o link do artigo de
nho de Jorge Amado) publicou em Roberto Amado. Isso foi parar na
seu site, à época, o “Poucas Palavras”, mídia internacional e chegou a Jorge
um longo texto dizendo que o craque Messi, pai do craque, que disse que
Lionel Messi “foi diagnosticado aos processaria o brasileiro. Romário, no-
8 anos de idade, ainda na Argentina, vamente via Twitter, respondeu: “Sites
com a síndrome de Asperger”. da Espanha divulgaram que eu havia
Amado enumerou diversas carac- dito que Messi tem um transtorno
terísticas que “provariam” que Messi mental e estão fazendo sensaciona-
é autista, como a timidez com a im- lismo em cima do assunto. Divul-
prensa e a peculiaridade de sempre guei uma informação que veículos
dar dribles e chutar a gol da mesma no Brasil têm abordado. Até uma TV
maneira, o que seriam indícios de pa- abordou o assunto. Então fica aqui a
drões repetidos, típicos de um “por- informação: de acordo com o pai do
tador da síndrome” (sim, ele ainda Messi, ele não tem autismo. Não sou
usou o termo “portador”!). médico para confrontar a informação.
No mesmo texto — intitulado Ah, ele disse que vai me processar
“Como o autismo de Messi ajudou-o a por isso. Pode processar à vontade”,
ser gênio” —, Roberto Amado destaca escreveu Romário.
o famoso filme “Rain Man”, de 1988, No dia 26 de setembro de 2013, a re-
com Tom Cruise e Dustin Hoffman, portagem do UOL Esporte falou com
o que deixa o artigo mais atraente, e Diego Schwarzstein, médico que tra-
acaba por misturar pontos totalmen- tou o principal e conhecido problema
te diferentes do espectro do autismo, de saúde de Messi: uma deficiência
comparando síndrome de savant com hormonal que comprometeu seu cres-
asperger. Uma confusão só! cimento. O médico, que ainda mora
Após esse diagnóstico à distância em Rosário (Argentina), cidade natal
do brasileiro, a história (como toda de Messi, não deu margem a dúvidas:

22 R EVI STA AUTI SMO


“Leo nunca foi diagnosticado como que ele tem. Maior precisão, maior
Asperger ou qualquer outra forma de foco”. Mas, a apresentadora corrigiu-o
autismo. Isso é realmente uma boba- de imediato, dizendo que isso é uma
gem”, afirmou categoricamente. lenda urbana que não tem confirma-
Outro aspecto muito importante ção. E, minutos depois, ainda refor-
que corrobora a falsidade da afirma- çou: “Olha, a gente tá aqui recebendo
ção é o “autismo” de Messi ter sido [a informação de] que o médico do
ignorado pelas principais e mais res- Messi, por conta disso [a suspeita de
peitadas biografias (em texto e em que o atleta tem autismo] deu uma
vídeo) já lançadas sobre sua vida e declaração dizendo que ele não tem
carreira em 2009, 2010, 2011, 2012 e autismo”.
2015. Um exemplo vem do jornalista Recentemente, a história voltou à
e escritor espanhol Guillem Balague, tona, em julho de 2020, quando o ex-jo-
especialista em futebol e em biografias gador francês Christophe Dugarry, ao
de craques, que naquele mesmo ano comentar sobre a polêmica envolven-
de 2013 publicou o livro “Messi”, uma do o compatriota Griezmann, acabou
biografia autorizada do argentino. atingindo também o craque argentino.
“Essa história é um lixo!”, exclamou “De que ele [Griezmann] tem medo?
ele ao ser perguntado sobre o assunto. De um garoto de um metro e meio
Dois anos depois, em 2015, no jor- de altura que é meio autista? O que
nal Extra, o sobrinho de Jorge Amado precisa fazer é se impor de vez em
reafirmou a história e ainda desafiou: quando. Faz um ano que se diz que
“Conversei com pessoas envolvidas ele tem problemas com Messi. O que
com o assunto e ninguém sequer con- tem que fazer é dar um soco na cara”,
testou o contrário. Se eu cometi uma disse Dugarry, de maneira rude, em
imprudência é problema meu. Não entrevista à RMC Sport. Três dias de-
preciso provar nada para ninguém. pois ele se desculpou.
Se ele quiser me processar, que vá
provar na Justiça. Há dois anos que A construção de uma
falo isso porque eu conheço o olhar fake news
e pessoas envolvidas nessa questão. O jornalista Tiago Abreu destacou,
Não é demérito nenhum ter autismo. no episódio “Messi não é autista” do
É só uma curiosidade mesmo (sic)”, podcast Introvertendo, de junho de
argumentou. 2020, sete pontos que mostram a fra-
gilidade dessa fake news:
Uma mentira contada “1º ponto — Roberto Amado se baseia
mil vezes... numa informação difícil de se verifi-
Em 2017​​, no programa de TV “En- car. Ele fala que Messi foi diagnostica-
contro” (Rede Globo), Fátima Bernar- do com Síndrome de Asperger aos oito
des teve que corrigir um convidado anos de idade, e que o diagnóstico foi
que fez novamente tal afirmação sobre pouco divulgado como uma maneira
o autismo de Messi. O convidado Gus- de protegê-lo. E aí ele já levanta aquela
tavo Cerbasi disse: “Um bom exemplo, suspeita de que o Messi esconde algo
Messi, astro do futebol, tem no autis- e, como ele esconde, seria difícil o jo-
mo uma explicação para as qualidades gador assumir que é autista. Aliás, se

R EVI STA AUTI SMO 23


FAKENEWS Verdades ou notícias falsas envolvendo o autismo?

Messi tivesse sido diagnosticado com Asperger Amado é uma completa ‘bobagem’.
como Amado afirmou, seria em meados de 1995, 7º ponto — nenhuma biografia séria
período em que o diagnóstico era extremamente e bem construída sobre o Messi tem
recente (e raro) nos manuais médicos. qualquer menção ao autismo.”
2º ponto — Ele tenta produzir uma evidência Aliás, vale ouvir (ou ler) aquele epi-
anedótica. Você já deve ter ouvido falar naque- sódio todo do Introvertendo, pois há
las histórias de: ‘eu ouvi dizer que a pessoa tal muitos comentários e informações
é isso ou aquilo’, você tenta passar isso de boca interessantes vindas de quem real-
em boca e aí, à medida que as pessoas vão re- mente pode falar de um diagnóstico
petindo, isso se transforma numa verdade. Esse de autismo: os próprios autistas.
texto é todo construído dessa forma. Ele procura Muitas vezes, porém, uma mentira
relatos de pais e mães, se justifica dizendo que é “floreada” pode ser muito mais agra-
filho de profissionais médicos, tenta juntar vários dável e desejável que a verdade nua e
elementos que são frágeis por si só para poder crua. Tiago conta que muitos pais re-
construir essa opinião de que o Messi é autista. pudiaram um texto seu, publicado um
Pra dizer: ‘não só eu penso que o Messi é autista, ano antes, com argumentações de que
outras pessoas pensam da mesma forma’. Messi não é autista e contestaram essa
3º ponto — ele usa verdades para sustentar oposição ao que muitos chamaram de
um ponto de vista geral questionável. Então, por “uma história tão inspiradora” — de
exemplo, Amado cita o surfista Clay Marzo, que que o Messi seria autista. “Pais e mães
é realmente diagnosticado com autismo, como que tiveram contato com aquele meu
exemplo de autistas nos esportes. texto vieram xingar a gente!” conta o
4º ponto — o autor coloca outras fake news den- jornalista, abismado.
tro dessa pra endossar a visão. Então, ele fala
que Einstein e Bill Gates são autistas e gênios.
Famosos autistas,
O texto gira em torno da ideia de que o autista autistas famosos
é um gênio. Quer citar pessoas famosas que
5º ponto — o mais óbvio é que ele inverte o estão no espectro do autismo? Cite
ônus da prova. Ele publicou o texto, foi contestado, quem declara isso abertamente, como
e teve uma reação do tipo: ‘são eles que têm que se a escritora e especialista em ciência
virar e provar que o Messi não é autista. Eu estou animal Temple Grandin, o ator An-
afirmando, e vocês tem que provar o contrário’. É thony Hopkins, a ecoativista Greta
uma linha de raciocínio completamente bizarra. Thunberg, ou o mais recente famoso
6º ponto — o médico a mencionar publicamente seu diag-
pessoa l do nóstico de autismo, o bilionário Elon
Messi afir- Musk, e tantos outros.
mou que
o que foi
dito pelo Com colaboração do jornalista Tiago Abreu
Roberto Ilustrações e capa: Lucas Ksenhuk
(@lucasksenhuk.art)

24 R EVI STA AUTI SMO


A história de Messi

Pedro Henrique Quiste


Nasceu na Argentina no final da década de oitenta e começou
a jogar no Newell’s Old Boys, que era o time da sua cidade
natal, Rosário, aos seis anos. Quando criança, mostrava muita
habilidade com a bola, mas tinha um problema hormonal que
dificultava o seu crescimento.
Entre nove e dez anos, ele foi diagnosticado com esse problema
hormonal e teve de começar um tratamento complicado, que
custava mil pesos argentinos por mês, em que ele precisava apli-
car, uma vez por noite, uma injeção em sua perna. Ele mesmo a
aplicava e ficava tudo tranquilo. O Newell’s Old Boys se recusou
a pagar o tratamento e a família decidiu levar o garoto para fazer
um teste no time do Barcelona, na Catalunha (Espanha) — um
dos maiores times da história do futebol.
No ano 2000, Messi foi levado para lá, fez um teste e, poucos
meses depois, foi aprovado. Chegaram a um acordo e o Barcelona
passou a ajudar naquele tratamento. Messi finalmente cresceu 30
centímetros em estatura após o começo do tratamento — quando
ele começou ali, aos 10 anos, tinha um metro e quarenta e hoje
tem um metro e setenta. Uma história de superação.
Estreou em 2005 como profissional e em 2008 chegou ao seu
auge. Há quem diga que, depois do Pelé e do Maradona, ele é o
maior, o mais conhecido. Com uma lista imensa de premiações
pessoais, as principais foram: Bola de Ouro da FIFA (2010, 2011,
2012 e 2015) e Melhor jogador do mundo pela FIFA (2009 e 2019).

Pedro Henrique Quiste é estudante de jornalismo, apaixonado por


esportes e pela criação de conteúdo nessa área. Twitter: @ph_quiste.

R EVI STA AUTI SMO 25


A COMUNICAÇÃO
ALTERNATIVA NO
DESENVOLVIMENTO DE
CRIANÇAS COM AUTISMO.
1 A Comunicação Alternativa vem para auxiliar àqueles que
sofrem com algum tipo de deficiência que afeta a fala, Imagem 1: Chaveiro de Comunicação Alternativa do Fernando Coelho;
garantindo assim a interação efetiva nos ambientes. Ela Imagem 2: Fernando Coelho utilizando camisa de Comunicação Alternativa.
permite que a criança exponha suas ideias, dúvidas,
dificuldades e, assim, se comunique de forma eficaz com os INDICAÇÕES DE APLICATIVOS
colegas de classe e professores, por meio de recursos
especialmente desenvolvidos.
DE COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA:
Matraquinha, LetMeTalk, Falaê, Spe@k, Livox, Bela
2 Nas imagens abaixo, temos como exemplo, a recepção na
escola após retorno às aulas, assim como a rotina de
Tagarela CAA e PictoTEA. Todos eles disponíveis para
Android. Os dois primeiros, também estão disponíveis
domingo, do Guilherme Coelho, filho mais velho de Fábio para iOs.
Coelho e Mayara Coelho, sócios-diretores da Academia do
Autismo, que incluem a Comunicação Alternativa em seu ONDE VOCÊ PODE ENCONTRAR
cotidiano. Em casa e na escola, com o apoio de uma
mediadora. Nas adaptações, os pais procuram adicionar
SÍMBOLOS PARA COMUNICAÇÃO?
interesses do Guilherme no uso de imagens, como a Turma da ARASAAC: O Portal é uma referência internacional na área
Mônica, criada por Maurício de Sousa, (vale lembrar, que a de CSA, os símbolos estão traduzidos em 15 idiomas,
Revista Autismo é parceira do Instituto Maurício de Sousa). possui mais de 12.000 pictogramas coloridos, 9.500
Gui, desde pequeno, demonstra apreço pelos personagens pictogramas em preto e branco, e 1.400 fotografias. As
da Turma. ferramentas disponíveis online no Portal ARASAAC
permitem a construção de pranchas de comunicação,
modificação de símbolos e construção de materiais
pedagógicos. PICTO4ME: É um aplicativo da web, gratuito,
para o navegador Google. O aplicativo permite criar,
editar, reproduzir e compartilhar pranchas de
comunicação e os arquivos do projeto são armazenados
diretamente na conta do Google Drive. SCALA: O projeto
Scala é um sistema de comunicação alternativa para
letramento de pessoas com autismo. O projeto foi
desenvolvido da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), tem como objetivo principal propiciar
Guilherme Coelho sendo recepcionado na Escola. ferramentas, sistemas e estratégias para mediar e
promover não apenas a linguagem expressiva, mas
também a alfabetização.

Rotina de Domingo, de Guilherme Coelho.

3 Com o filho mais novo do casal, Fernando Coelho, a


Fábio Coelho, Diretor da Academia do Autismo com seu filho mais
inclusão da Comunicação Alternativa não é diferente,
velho, Guilherme Coelho, usando um aplicativo de Comunicação
respeitando as individualidades do caçula, Fábio e
Mayara montaram um chaveiro, com as figuras ATENÇÃO, É INDISPENSÁVEL O ACOMPANHAMENTO
DE UM PROFISSIONAL DA FONOAUDIOLOGIA.
ilustradas, como na imagem a seguir. Na segunda
imagem, Fernando está com uma camisa que possui CONTRIBUIÇÃO: Fga Valéria Santos. - Profª do Curso Avançado
figuras de Comunicação Alternativa. de Comunicação Alternativa, da Academia do Autismo
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é especialista em Autismo & Desenvolvimento e Autismo autimates@gmail.com


& Comunicação, radicada na Holanda desde 1985. É mãe www.autimates.com
de um autista adulto, escritora de textos sobre o TEA e Autimates
ativista internacional pela causa do autismo @fatimadekwant

#RESPECTRO

BILINGUISMO EM
CRIANÇAS AUTISTAS
Novas descobertas da ciência

U
m estudo recente, publicado no Famílias bilíngues sabem o quan-
jornal Autism Research no dia to é difícil usar um ou outro idioma
19 de maio deste ano, revela que quando uma criança tem atraso de
o bilinguismo de crianças autis- linguagem ou autismo. Meu pró-
tas compensa, parcialmente, os prio filho (autista) cresceu numa
déficits na Teoria da Mente e nas família bilíngue. Não sendo verbal
Funções Executivas. até seus 7 anos de idade, sempre

28 R EVI STA AUTI SMO


fomos aconselhados por especia- de 6 a 15 anos, dos quais 43 eram cérebro, já que atua exatamente nos
listas a usarmos uma só língua, bilíngues. Todos foram agrupados déficits relacionados ao TEA.
no caso, o holandês. A sugestão de acordo com idade, gênero, e in- Outros resultados da pesquisa
faz sentido, a priori, seguindo a tensidade (grau) de autismo. Os apontaram que o nível socioeco-
dedução de não complicar (ainda participantes executaram diversas nômico não influenciou o resulta-
mais) o desenvolvimento das habi- tarefas com a intenção de acessar do, já que a maioria das crianças
lidades comunicativas da criança suas teorias da mente e funções autistas participantes vinha de
autista. Por isso mesmo, o resulta- executivas. Os bilíngues, rapida- famílias com baixa renda/status
do da pesquisa desenvolvida pela mente, se sobressaíram em relação socioeconômico.
Universidade de Genebra (UNIGE, aos não bilíngues. Apesar de relativamente peque-
na Suíça) surpreende os terapeutas Eleni Peristeri, outra co-autora do no, o estudo é um breakthrough
acostumados a lidar com crianças estudo, da Universidade de Thes- para especialistas de autismo de
autistas de famílias bilíngues. saly, diz: “Bilinguismo exige que a todo o mundo, que costumavam
Com apoio da Universidade criança primeiro trabalhe as habili- indicar o uso de uma só língua em
Thessaly (Grécia) e da Universi- dades que envolvem conhecimento casa para a comunicação com o au-
dade de Cambridge (Grã Bretanha), de outras pessoas: A pessoa com a tista. A partir dessa pesquisa, fica
os pesquisadores concluíram que qual eu falo, fala grego ou albanês? comprovado o benefício do bilin-
falar/ouvir mais de um idioma Em que língua eu devo falar com guismo para o neurodesenvolvi-
pode beneficiar crianças com déficit ele? Numa segunda fase, a criança mento de crianças autistas.
na teoria da mente (habilidade de usa suas funções executivas para A sugestão, portanto, é para que
compreender as intenções, crenças, focar sua atenção em uma só lín- famílias bilíngues sigam usando
perspectivas, e emoções de outras gua, enquanto inibe a segunda”, ambos idiomas, ainda que, apa-
pessoas), assim como nas funções explica Eleni. rentemente, isso possa compro-
executivas, responsáveis pelo pla- meter o aprendizado do autista.
nejamento, organização, e controle Não somente não prejudica, como
de pensamentos, emoções e ações. Ginástica para o cérebro, auxilia as crianças a superarem
Uma das co-autoras do estudo é uma terapia natural vários aspectos do TEA. Ou,
Stéphanie Durrleman, pesquisado- Segundo os estudiosos, a prática como a linguista Stéphanie Dur-
ra no Departamento de Linguística de lidar com dois ou mais idiomas rleman diz: “Bilinguismo é como
da UNIGE. Ela explica que uma seria como uma ginástica para o uma terapia natural.”
das dificuldades do TEA é colo-
car-se no lugar do interlocutor,
focando o próprio ponto de vista
e se distanciando da perspectiva
do outro.
E onde entra o benefício do bi-
linguismo no autismo?
“Já havia estudos sobre o bilin-
guismo apontando que crianças

Você fala
bilíngues aperfeiçoavam a teoria da
mente e as funções executivas. O
bilinguismo traz benefícios preci-
samente onde os autistas demons-
tram dificuldades, por isso, nós nos outra
perguntamos se crianças bilíngues
autistas conseguiriam suavizar os
desafios do seu transtorno do neu-
língua?
rodesenvolvimento usando dois
idiomas todos os dias”, diz Stépha-
nie Durrleman.
Desse modo, os pesquisadores
das três universidades acompa-
nharam 103 autistas com idade

R EVI STA AUTI SMO 29


FRANCISCO PAIVA JUNIOR MARCELO VITORIANO

é psicólogo, especialista em terapia comportamental cognitiva


em saúde mental, mestre em psicologia da saúde. Há 4 anos
faz parte do grupo de trabalho sobre Direitos Humanos nas
Empresas da rede brasileira do Pacto Global da ONU e é diretor
geral da Specialisterne no Brasil, organização social de origem
dinamarquesa presente em 20 países, que atua na formação
e inclusão de pessoas com autismo no mercado de trabalho.

UM TIME
DE

30
Casa Batlló é um
museu, projeto de
Antoni Gaudí (1852-
1926), famoso ar-

AUTISTAS quiteto espanhol

I
e figura que mar-
cou o Modernismo
catalão, mas nunca se
encaixou no perfil de
nenhum movimento
Museu na artístico. Sua geniali-
dade é o selo de seus
Espanha edifícios e seu estilo é ímpar na his-
tória da arquitetura, com a maioria
contrata magine uma empresa em que de suas obras na cidade de Barcelona
todos os seus funcionários — como sua obra-prima, o inacabado
autistas para fossem neurodivergentes, a templo da Sagrada Família. O edifício
maioria autistas. Treinados
atender mais para acolher e dar informações
do museu projetado por Gaudi figura
na lista do patrimônio mundial da
de 3 mil a quem chegasse à empresa e
com total empatia para com os
Unesco, e fica na Ilha da Discórdia
(um bairro modernista da cidade),
visitantes visitantes neurodivergentes,
afinal, os autistas saberiam
aberto para visitação e já muito en-
volvido com projetos sociais.
por dia melhor que ninguém o que é Conversamos com o espanhol Fran-
ter hipersensibilidade audi- cesc Sistach, CEO da Specialisterne
tiva, por exemplo, ou outras Espanha, que foi a empresa respon-
Casa Batló, questões que tornam o dia a sável pelo programa de recrutamento
em Barcelona
dia dessas pessoas um desafio. e treinamento
Agora, pare de ima- do time de autis-
ginar e saiba que tas do museu. A
essa iniciativa já missão da Spe-
existe! Sim, um cialisterne, que
museu na Espa- é uma empresa
nha fez isso: a dinamarquesa
Casa Batlló, de impacto so-
em Barcelona. cial fundada por

30 R EVI STA AUTI SMO


controlado, esporádico”, explicou ele.
Com uma metodologia específica
para este projeto, hoje há mais de 30
pessoas com autismo trabalhando lá e
mais outras pessoas, com outras carac-
terísticas, como TDAH e dislexia. Um
dos pontos turísticos mais buscados da
Espanha, recebendo em média (antes
da pandemia) mais de um milhão de
visitantes por ano, teve uma abertura
parcial em abril, após o início do con-
de trabalho (150 no Parte do time de autistas
trole da pandemia e vacinação naque-
Brasil). A meta da le país, e veio aumentando os dias e
Specialisterne é che- horários de abertura gradualmente.
gar a 1 milhão! Atualmente já abre diariamente, com
Sistach, três grupos alternando os turnos de
mu it o e n t u - trabalho.
siasmado com a “Está funcionando muito bem, e
iniciativa, contou o discurso de cada funcionário está
que após meses fe- sempre muito bem preparado e a ha-
chados por conta da bilidade de trabalhar muito bem, fa-
pandemia de Covid- zendo a mesma coisa por muitas horas,
19, havia planos de o dando sempre a mesma resposta, sem-
museu reabrir para pre muito correta e precisa. E penso
visitação. “Eles que teremos uma baixa rotatividade
já tinham de funcionários, evitando algo que é
uma pessoa muito comum nesta área, pois muitos
com autismo na autistas não se incomodam em fazer a
área administrati- mesma coisa exatamente todos os dias,
va, portanto já esta- como é preciso num museu desses”, ar-
vam muito contentes gumentou Francesc Sistach, que tam-
um pai de autista, em ter um autista um grande traba- bém foi responsável por implantar as
é preparar e in- na equipe. Então, lho de neurodiversi- filiais da Specialisterne na Itália, Brasil
cluir pessoas com falamos: ‘Agora é dade!’ No princípio e em outros paíse da América Latina.
autismo no merca- a oportunidade de pairou uma dúvida “Os autistas têm a capacidade de ficar
do de trabalho. A ampliar o escopo se autistas seriam num trabalho rotineiro por muito mais
filial brasileira da do projeto e fazer as melhores pessoas tempo”, completou ele.
empresa abriu as para interagir com Para o mês de setembro está progra-
portas no final de visitantes do museu. mada uma campanha de comunicação
2015. Hoje a empre- Mas, para essas fun- para mostrar à sociedade a iniciativa
sa já tem presença ções, encontramos da Casa Batlló. “Isso será muito posi-
em 23 países — o pessoas dentro do tivo para eliminar alguns obstáculos
último deles foi a espectro que tinham de preconceito contra autistas. Aqui
França —, tendo, mais habilidades temos um museu com 30 autistas
no mundo todo, sociais, pois, num coordenando a visitação de mais de
incluído mais de museu, não se exige 3 mil pessoas por dia. Creio que isso
10 mil pessoas au- tanta interação social, vai ajudar a romper diversas barreiras
tistas no mercado é algo mais limitado, mentais em todo o planeta, a respeito
do amplo espectro do autismo, que é
muito diverso, e que podemos pensar
em muitas outras oportunidades para
autistas”, contou Sistach com um sor-
riso de orelha a orelha.

R EVI STA AUTI SMO 31


C A N A L

#RESPECTRO

VEJA ALGUNS DESTAQUES RESUMIDOS DO CANAL AUTISMO, QUE


PUBLICA CONTEÚDO DIÁRIO SOBRE AUTISMO. PARA LER OS TEXTOS
COMPLETOS DE CADA NOTÍCIA, ACESSE O SITE CANALAUTISMO.COM.BR

Startup fundada por autista


entrega acessibilidade a
Coletivos de autistas expandem PcD no Pão de Açúcar
entre universidades públicas

Reprodução da internet
Autistas universitários têm criado, em todo o
país, os chamados “coletivos autistas”, articu-
lações coletivas de autistas universitários com
foco em inclusão e permanência de estudantes
dentro do espectro. O primeiro, o Coletivo Au-
tista da USP, foi criado em maio de 2021, e várias
outras universidades pelo Brasil têm adotado o
mesmo estilo.
Saiba mais no
canalautismo.com.br

Duas unidades do hi- recebendo assistência


permercado Pão de personalizada. A ini-
Ônibus do Rio estampam campanha pela Açúcar estão oferecen- ciativa é feita em par-
conscientização da síndrome de Rett do serviços especiali- ceria com a startup
zados de atendimento Inclue, criada por Ro-
para pessoas com de- drigo Piris, que é autis-
Reprodução da internet

ficiência (PcD). O obje- ta, e Sonny Pólito, que


tivo é que clientes com é cego.
diferentes tipos de de-
ficiência, como pessoas
cegas, consigam fazer
suas próprias com-
pras com autonomia,

A Associação Brasileira de Síndrome de Rett (Abre-te) lançou Saiba mais no


uma campanha pela conscientização e diagnóstico da síndrome canalautismo.com.br
em ônibus da cidade do Rio de Janeiro. Com duração de 30
dias, a campanha foi estampada em 20 veículos de diferentes
bairros da metrópole.

R EVI STA AUTI SMO 32


Mais de AUTISMO —
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diagnóstico ou
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de autismo.

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LIVRARIAS autismo.paivajunior.com.br
Dica Cultural

Ficha Técnica
ATYPICAL
Depois de um ano e meio de saber o desfecho para os dilemas
ATYPICAL espera, a tão aguardada quarta mais marcantes de sua vida: car-
Título original: Atypical temporada de Atypical chegou reira e relação amorosa. A série,
Elenco: Keir Gilchrist (Sam); às telas de streaming no início de mais uma vez, traz o inespera-
Brigette Lundy-Paine (Casey); julho e não decepcionou os fãs. do, e debate os desafios “sobre-
Jennifer Jason Leigh (Elsa); Michael
Desde seu lançamento em 2017, -humanos” que a jovem tem de
Rapaport (Doug); Nik Dodani (Zahid)
Criadora: Robia Rashid a série teve um processo de ama- enfrentar como aspirante a uma
Gênero: Série teen; drama- durecimento paralelo ao de seus vaga na UCLA (Universidade da
comédia de costumes para TV. personagens, com o mérito de Califórnia em Los Angeles) – top
Disponível em: Netflix ter lidado com temas relevantes: 10 entre as universidades – in-
abandono, separações, relações gressando como atleta. A trama
extra-conjugais, homoafetividade questiona se a espiral em que os
e muito, muito papo sobre o polo dias de Casey se transformam é
sul e, claro, pinguins. Tudo isso a realização que ela busca de fato,
sem perder o fio da meada: a tra- e se valerá a pena no fim.
jetória do personagem adolescente Já que as relações complexas
autista, Sam (Keir Gilchrist), rumo entre autistas e seus irmãos têm
à sua maturidade e autonomia. sido pouco exploradas nas telas,
Desde o início, o recado da cria- outro mérito da série é manter a
dora da série, Robia Rashid, era de atenção e se aprofundar em Casey,
ajudar o mundo a entender como é que com boa atuação de Brigette
viver para as pessoas no espectro Paine, não apenas convence, como
do autismo e entregar essa “lição” chega a roubar o foco de episódios
num pacote com humor e sensi- para si, sem abandonar Sam.
bilidade. Outro ponto a favor nesta tem-
Já no primeiro episódio fica claro porada é aumentar a participa-
que Sam ama pinguins e tem um ção dos colegas de faculdade de
hiperfoco: a Antártida. Nesta Sam – que são majoritariamente
quarta temporada, ele faz do seu interpretados por atores que têm
Diego Lomac hiperfoco um objetivo de vida – ao algum tipo de deficiência ou ne-
é videomaker, menos de sua vida no momento – e cessidade especial. Melhor ainda é
fotógrafo e editor, busca todos os meios de viabilizar constatar que essa estratégia resul-
graduado em o sonho de viajar e estudar a vida ta em mais sinceridade na atmos-
Cinema, Rádio e TV dos pinguins. fera e no humor proposto, e que ao
e irmão de Rafael, Mas, uma qualidade de Atypical dar mais espaço a esses persona-
autista de 24 anos. é ser sobre mais que os desafios de gens, os realizadores aumentaram
Sam. Casey (Brigette Lundy-Pai- a empatia com o público.
diegolombomachado@ ne), a irmã mais nova, de pavio Por outro lado, para quem con-
gmail.com curto e ao mesmo tempo prote- vive em família com o autismo,
@diegolomac tora, continua competindo com ainda fica a desejar no quesito de
o próprio irmão. A personagem, ir além e reconhecer os “atípicos”
que vai crescendo em complexi- não verbais, tipicamente esqueci-
dade durante a série e causa tanto dos no espectro quando se trata de
interesse no público quanto Sam, retratá-los em texto ou em telas.
tem seu próprio fã-clube querendo Frustra-se, nesse aspecto, o desejo
34

R EVI STA AUTI SMO


de querer aplaudir mais. forçar um espírito infantil, tanto decisões), a quarta temporada
Outro ponto fraco a ser aponta- como mãe quanto como mulher. mostra uma boa conclusão para
do, agora que podemos analisar a Idealmente, ao se escrever uma uma boa série. O suporte que ele
série como um todo, é a persona- história, é bom ter a personali- recebe dos amigos e da família
gem Elsa Gardner (Jennifer Jason dade de seus personagens bem nos faz perceber o progresso de
Leigh), a mãe de Sam. Depois de estabelecida. Com isso, a expe- Sam ao longo dos anos. Sua jor-
um começo interessante na pri- riência da escrita pode até levar nada em busca da Antártida é
meira temporada, com o seu caso a narrativa a lugares inesperados fantástica sem ser piegas, e nos
com um bartender, sua expulsão para o próprio escritor, em vez mostra que ele nunca esteve ou
de casa e posterior arrependimen- de seguir um plano restrito. Este estará sozinho nas horas impor-
to, a personagem parece ter tido não parece ser o caso aqui. Ou tantes de sua vida.
uma completa mudança de perso- houve uma mudança brusca no Pode-se dizer que essa é uma
nalidade na sequência da história, que pretendiam que a personagem série que muitos fãs, inclusive eu,
sendo excessivamente protetora e fosse, ou tinham um objetivo final certamente desejarão, em algum
se sentindo na necessidade de se para ela com o qual as mudanças momento, rever.
fazer presente em um nível quase ocorridas ao longo do caminho A quarta e última temporada
caricato. Parte do problema recai acabaram não combinando. de Atypical está exclusivamente
na atuação: Jennifer Leigh, que já Entre prós e contras (como na Netflix.
não “veste” a personagem, parece nas listas de Sam para tomar
THAISSA ALVARENGA

é fundadora da ONG Nosso Olhar e criadora ONGNossoOlhar


do portal Chico e suas Marias. @ongnossoolhar
nossoolhar.org
thaissa@thaimarketing.com.br
ONGNossoOlhar

A CONSCIENTIZAÇÃO
SOBRE INCLUSÃO
PODE COMEÇAR
COM A LEITURA
pensadas para levar o debate
Respeitar o outro, ouvir e lidar sobre as deficiências intelec-
tuais à sala de aula, às biblio-
com as diferenças.

L
tecas e aos demais espaços
públicos voltados à educação
e cultura. Afinal, é possível
er é uma das ferramentas mais desmistificar as deficiências,
importantes para estimu- levar informação e conscien-
lar a criança. O contato com tização de uma forma didática
o mundo dos livros permite e acessível para todos.
imaginar, descobrir e encon- A série de cartilhas, que
trar inúmeras possibilida- traz o personagem mais fa-
des. É a partir da leitura que moso do escritor Ziraldo, tem
os pequenos se tornam mais a missão de contar histórias
criativos, adquirem cultura e sobre as diferenças, com
expandem o vocabulário. Eu, um olhar diverso e inclusi-
que sou mãe de três, vivo essa vo. Trata-se de um material
experiência. Mas, se o hábito bastante rico, feito com exce-
de ler pode trazer tantos bene- lente curadoria, que carrega
fícios, por que não usá-lo para a responsabilidade de falar
debater assuntos considerados sobre síndrome de Down, au-
tão difíceis? tismo e outras deficiências
Foi pensando nisso que a intelectuais para as crianças,
ONG Nosso Olhar, fundada famílias e educadores.
por mim, construiu um im- As aventuras vividas pelo
portante projeto por meio da Menino Maluquinho e sua
parceria com a Ziraldo Artes turma, o Chico, meu primei-
Produções. As histórias escri- ro filho, que tem síndrome de
tas por Manuel Filho foram Down, e suas irmãs, Maria

36 R EVI STA AUTI SMO


A meta é
fer.barbi.brock/

construir uma
sociedade mais
inclusiva,
Ilustração: Fernanda Barbi Brock

empática e que
esteja aberta às
diferenças.

tempo vem sendo discutida


por quem luta pela inclusão.
As cartilhas podem ser usadas
nas salas de aula para discutir
a própria educação inclusiva:
um modelo educacional idea-
lizado através de políticas pú-
blicas que garantam o direito
de educação a todos, pensando
na igualdade de oportunida-
des e na valorização das di-
Clara e Maria Antonia, abor- informação. As pessoas com ferenças. Pois a sala de aula
dam o tema de maneira ani- deficiência precisam ter seus é o local onde a criança tem
mada, divertida e simples, direitos garantidos, assim o seu primeiro contato com
possibilitando que pessoas como acesso a todos os setores a experiência de vivência so-
de todas as idades possam da sociedade: educação, saúde, cial, onde aprende a respeitar
compreender o conteúdo tão cultura, transporte e outros. o outro, a ouvir e a lidar com
importante. É um projeto A série de nove cartilhas é as diferenças.
fundamental para “plantar distribuída gratuitamente a fim
a semente” da diversidade e de levar informação e construir,
estimular o debate sobre as a partir da formação dos peque-
diferenças. Afinal, as pessoas nos cidadãos, uma sociedade
com deficiência podem ter mais inclusiva, empática e que
dificuldades de acordo com esteja aberta às diferenças. O
suas especificidades, mas conteúdo é tão completo que
não são incapazes. também aborda temas fun-
De acordo com o Censo 2010, damentais para o desenvol-
o país tem 45 milhões de bra- vimento das crianças, como
sileiros com deficiência, o que alimentação saudável, ativida-
corresponde a 24% da popula- des físicas, sustentabilidade,
ção. As pessoas com deficiên- amizade e respeito.
cia intelectual correspondem O projeto é mais uma con-
a 6,7% da população. Por isso, tribuição para uma pauta tão
é fundamental distribuir importante, que há bastante

R EVI STA AUTI SMO 37


C O L U N A
#RESPECTRO

camila_alli
Ilustração: Camila Alli Chair
AC ES S I B I LI DAD E NA
Introvertendo AR Q U IT E T U R A PAR A
PES S OA S COM

Carol
Cardoso

Carol Cardoso é estudante


de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal
do Amapá, diagnosticada A Política Nacional de Prote- a edificações, mobiliário, espaços e
com Transtorno do ção dos Direitos da Pessoa com equipamentos urbanos –, regula-
Espectro do Autismo
aos 21 anos, em 2018. Transtorno do Espectro do Au- menta as condições mínimas para
tismo (Lei 12.764/12), passou a viabilizar a mobilidade e a percep-
introvertendo considerar, para os efeitos legais, ção desses ambientes.
@introvertendo que autistas são como pessoas A norma sugere que, para serem
introvertendo com deficiência, e estabeleceu considerados acessíveis, todos os es-
www.introvertendo.com.br como seus direitos básicos: vida paços devem atender aos requisitos
digna, integridade física e moral, nela descritos, porém o documento
livre desenvolvimento de sua per- não faz menção ao Transtorno do
sonalidade, segurança, lazer e o Espectro Autista e suas demandas,
direito a ações e serviços de saúde, ou a suas necessidades de adapta-
educação e mercado de trabalho. ções. Assim, mesmo atendendo a
Reconhecida a necessidade todos os requisitos da NBR 9050,
de acessibilidade aos ambientes os ambientes permaneceram, em
construídos nos espaços urbano muitos casos, inacessíveis às pes-
e rural, a Associação Brasileira soas com o transtorno.
de Normas Técnicas, por meio A escassez de enfoque na acessi-
da NBR 9050 – Acessibilidade bilidade arquitetônica para pessoas
38
R EVI STA AUTI SMO
com o Transtorno do Espectro Au- Escape: Lugares seguros em que contribui para a má adaptabilidade
tista não se restringe à realidade o indivíduo possa se recompor após dos espaços públicos e instituições
brasileira. A arquiteta canadense sobrecargas ou momentos de crise. necessárias à inclusão e pleno exer-
Magda Mostafa, quando requisi- Compartimentalização: Espa- cício de sua cidadania. Espera-se
tada a projetar o primeiro centro ços pequenos de acordo com tarefas que o crescente movimento de au-
terapêutico para autistas no Egito, específicas a serem desenvolvidas tistas pelo Brasil estimule futura-
surpreendeu-se ao recorrer aos ma- para reduzir a quantidade de infor- mente o interesse pelo tema entre
nuais de acessibilidade e não en- mação ambiente (estímulos). arquitetos e pesquisadores da área
contrar nada sobre o tema. Transição: ambientes neutros de acessibilidade.
Como tópico de sua pesquisa de entre uma atividade e outra, para evi-
doutorado, a arquiteta se propôs a tar excesso de informação sensorial.
responder à pergunta: “O que é Zoneamento Sensorial: Orga-
uma arquitetura apropriada para nização dos espaços de acordo com os
o autismo?”. Realizando experi- diferentes estímulos sensoriais.
mentos para avaliação dos espaços Segurança: Garantir que os
educativos e terapêuticos, Magda ambientes mantenham a integri-
Mostafa estabeleceu como critérios dade física e psicológica de todos
preliminares de uma arquitetura os usuários.
acessível a autistas: Ainda não há, em língua portu-
Acústica: Item mais frequente guesa, pesquisas específicas no âm-
nos relatos de autistas e seus cui- bito da acessibilidade arquitetônica
dadores primários como um dos para autistas, o que certamente
fatores determinantes no conforto
dos usuários.
Sequenciamento Espacial:
Previsibilidade no encadea-
mento dos espaços con-
forme as rotinas
diárias dos in-
divíduos.

R EVI STA AUTI SMO 27


DÉBORA GOLDZVEIG

é irmã do David (com síndrome de Down) projetoirmaos


e fundadora do Projeto Irmãos. @projetoirmaos2018
projetoirmaos.com.br
linklist.bio/projetoirmaos.

SOBRE TER IRMÃOS


COM DEFICIÊNCIA
Um olhar responsável refletirá em um
futuro saudável, físico e emocional

“A
potencial do outro, independente de
qualquer diversidade funcional, respei-
tando a dinâmica de cada um, inclusive
o nosso próprio tempo.
“Quando eu tinha cinco
anos de idade, perguntei
afetividade se dá numa relação
para minha mãe o que o Ma-
de alteridade, onde eu existo teus tinha de diferente. Ela
na minha individualidade por- me explicou que ele tinha
que o outro existe, é um espaço
relacional que permite que eu
autismo e que eu teria duas
reconheça a mim e ao outro.” opções: amá-lo ou rejeitá-lo.
(Fernandes, 2002) Então, respondi: eu quero
Ser irmã de uma pessoa
amar, mamãe!”, escreve Fernanda
com necessidades específicas
Ferreira Azevedo, no blog Eu sou Irmã
é como ser irmã de qualquer
do Matheus.
outra pessoa. Dependendo da
perspectiva que escolhemos
enxergar, podemos encarar Contar aos irmãos
como oportunidade de poten- Outro aspecto muito importante é que
cializarmos nossas habilidades o momento da notícia seja pensado na
socioemocionais, como apren- perspectiva dos irmãos. A informação
der a sermos mais empáticos, cuidadosa é uma forma de acolhimento
mais resilientes, gratos pelas num momento em que naturalmente nos
pequenas conquistas e, princi- sentimos preteridos, simplesmente pela
palmente, valorizar o melhor chegada de mais um membro à família.

40 R EVI STA AUTI SMO


O olhar holístico da equipe médica para os irmãos de
pessoas com deficiência é um grande diferencial na
saúde emocional da família e pode ajudar a fortalecer
vínculos de apoio nessa etapa. Acredito que não haja
um momento certo para contar sobre o autismo, ou a
trissomia 21, ou a síndrome de Williams, ou qualquer
tipo de deficiência. O importante é que os irmãos sejam
sempre tratados com muito carinho e atenção, igualmen-

Ilustração: Samanta Paiva


te. Em algum momento eles poderão questionar sobre
diferenças percebidas e, nessa hora, é importante explicar
‘Ser irmã de
de forma clara e aberta as características da deficiência, uma pessoa com
sem gerar estigmas ou regras, lembrando que cada ser
humano é único em seu potencial e linguagem.
deficiência é
Também é recomendado manter a escuta ativa, praticar como ser irmã
a Comunicação Não Violenta (CNV), o não julgamen-
to, evitando que haja assuntos tabus, como relacionar
de qualquer
a deficiência à doença, o que pode criar uma relação outra pessoa.’
capacitista até mesmo entre irmãos. Esse tipo de olhar
impossibilita o protagonismo dos irmãos (com e sem
deficiência) e o impulso à construção de seus próprios
projetos de vida.
Incentivar momentos de convivência entre irmãos
e convivência inclusiva com outras pessoas com defi-
ciência, desde a infância, fará com que todos se sintam
pertencentes ao processo de desenvolvimento, em todas
as fases da vida, até o envelhecimento.
Quando esse acolhimento não ocorre é muito comum
a sensação de que nós, irmãos, não somos mais impor-
tantes, por constatar maior investimento de tempo de
nossos pais em cada etapa de desenvolvimento, quando
deixamos de ser vistos, ouvidos e até mesmo percebidos
dentro do círculo familiar. Isso pode acontecer extrapo-
lando nossa própria casa, estendendo-se a toda família,
Ensine seu filho(a) ou aluno(a)
em encontros com primos, tios, avós, e também na escola. as habilidades necessárias
Pode haver a sensação de que só querem saber sobre para comunicar funcionalmente
nossos queridos irmãos porque eles são, muitas vezes,
estereotipados, erroneamente, como carinhosos, fofos,
delicados, inteligentes, com altas habilidades, entre ou-
tros adjetivos que nem sempre fazem sentido, e poderiam
ser atribuídos a nós também, não é mesmo? Viramos “a
irmã do fulano”, esquecem-se até do nosso nome pró-
prio! Toda essa situação somatiza, acumula sensações
que não sabemos verbalizar, e podemos sentir raiva,
angústia, tristeza, ciúmes, medo do futuro e até vontade
de ser como eles, por que não? Assim conseguiríamos, PECS Nível 1, PECS Nível 2
ilusoriamente, toda atenção de volta. e Habilidades de
Comunicação Críticas
Ou, ao contrário, podemos ser apáticos, não sentir nada

Cursos e Produtos:
www.pecs-brazil.com
em relação ao volume de novas Paulo, de 32 anos, autista, refe- Inclusão para
informações que recebemos, e rindo-se ao impacto na constru- todos os filhos
quando nos damos conta, esta- ção da sua personalidade e na É muito importante que a
mos descontando esse vazio in- maneira de se relacionar, além família inclua os irmãos de
terno em outras áreas da nossa da grande influência do irmão pessoas com deficiência de-
vida, como na dificuldade de na decisão de sua profissão, em dicando um tempo exclusivo
nos posicionarmos profissio- tecnologia oftálmica. Ela assu- apenas a eles, seja para um
nalmente, por exemplo. Essas me que já quis ter a deficiência passeio, almoço ou conversa.
sensações devem ser respeita- do irmão para conseguir aten- Não precisa ser muito tempo,
das e validadas, pois junto com ção dos pais, e hoje, ante a idade mas que seja um tempo de
cada uma delas existe, na maio- qualidade para sentirem que
“como
avançada deles, sente
continuam sendo importantes.
ria das vezes, um amor infinito.
“Ele fez com que eu se o cajado estivesse Esses momentos de convivên-
me interessasse em sendo passado” para as- cia promovem reconhecimento
sumir em breve a tutoria do e prazer de estar junto, mesmo
trabalhar com pessoas depois de adultos. Falar sobre
Luis Paulo.
na área da saúde”, diz assuntos diferentes também
Tatiana Olles, irmã do Luiz ajuda a criar uma identidade
afetiva própria, entre pais e fi- meus pais pedia que Trata-se da discriminação ve-
lhos, para além da deficiência. lada através da subestimação,
Além disso, os irmãos podem eles não discutissem inferiorização da capacida-
compartilhar responsabilida- na frente dele e aju- de e de aptidões, em virtude
des durante toda a trajetória das diversidades funcionais.
de vida, permitindo aos pais
dassem colocando Por exemplo: permitir que o
que tenham momentos indivi- limites e atribuindo filho/irmão com deficiência
duais, para que a mãe ou o pai faça uma série de coisas que
sintam-se menos sobrecarrega-
responsabilidades que outros irmãos não podem ou
dos. Mas, calma, isso não quer o ajudassem na orga- das quais discordam. Regras
dizer que os irmãos assumiram devem valer para todos! Esse
o papel dos pais. Pelo contrá-
nização da casa e, con-
tipo de desigualdade, além de
rio, o objetivo é estimular que sequentemente, [na gerar sentimentos negativos, faz
tenham momentos de prazer e com que a pessoa com necessi-
organização] interna
aprendizagem juntos, como em dades específicas se acomode
dividir tarefas domésticas (sem dele mesmo. Tudo in- e se sinta incapaz. Mesmo que
que outra pessoa faça isso por fluencia no equilíbrio possa não parecer, ela percebe
eles) por exemplo: cuidar para que está sendo superprotegi-
manter suas camas arrumadas, e satisfação pessoal. da. Resultado? No futuro, essa
limpar cômodos da casa em Saber que temos au- pessoa terá mais dificuldade
dias específicos, lavar a louça, em se relacionar, ter amigos, ou
preparar o almoço em conjun- tonomia e somos capa- conseguir um emprego, o que
to, enquanto os pais saem para zes de cumprir tarefas será mais penoso tanto para
um passeio. É possível montar sua própria vida, quanto para
um cronograma, uma agenda demandadas é gratifi- os pais ou quem assumir sua
doméstica em que cada um seja cante para todos”, Débo- tutoria (na grande parte dos
responsável por sua tarefa. ra Goldzveig. casos, os irmãos). Por isso, todo
“Eu me preocupo Essa pode ser uma forma di- esse processo de convivência e
vertida de um zelar pelo outro sentimento de pertencimento
com o futuro do meu estabelecendo confiança. É im- são essenciais desde a infância.
irmão, David, de 29 portante reforçar que não haja a É um olhar responsável, de me-
anos, que entre outras troca de papéis como “irmães” diação constante, que refletirá
ou “irpais”, ou seja, cada um em um futuro saudável, físico
características tem sín- deve respeitar o espaço do outro, e emocional.
drome de Down. Com sendo a relação fraterna saudável
o advento da pande- e, mesmo com os conflitos natu-
rais, nunca tendendo ao domínio
mia, ele ficou recluso, ou controle, nem à sobrecarga
não quer socializar por atribuições de cuidado ine-
tanto, e começou a rentes aos pais ou responsáveis.
É ainda muito importante que
apresentar sinais de
o capacitismo, também conheci-
agressividade. Desde do como preconceito disfarçado
quando morava com de mérito, não esteja presente.

R EVI STA AUTI SMO 43


SOPHIA MENDONÇA

é jornalista, escritora, apresentadora e mestranda em @autista_mundo


comunicação social. Foi diagnosticada autista aos 11 Mundo Autista
anos, em 2008. Mantém o site “O Mundo Autista” no mundoautista.selmaevictor/
Portal UAI, é autora de sete livros, incluindo “Outro @mundo.autista
Olhar” e “Neurodivergentes”. omundoautista.com.br

NO FEMININO
Livro tem artigos científicos e
relatos de experiências todos
escritos por mulheres autistas

A utismo no Feminino - A Voz


da Mulher Autista” apresen-
ta treze capítulos escritos por
mulheres autistas, diversifi-
cados e reflexivos, mesclando
artigos científicos e relatos de
experiências. Todas as autoras
tiveram como mote o “grito”:
“O que você pensa que a so-
as mangas e partiram para dis-
seminar informações necessá-
rias à transformação positiva
de toda a sociedade. O livro
pretende falar a profissionais
da saúde, (como médicos e psi-
cólogos), educadores,, além das
pessoas envolvidas direta e in-
diretamente com a neurodiver-
ciedade precisa saber sobre o sidade humana.
autismo no feminino?”.
Por muito tempo, a mulher Quem são essas
foi ignorada nos estudos sobre mulheres e qual
o autismo e, mais recentemen-
te, muitas delas estão saindo é o seu grito?
da invisibilidade ao procurar O livro conta com o prefácio
profissionais competentes que “Diagnóstico é Identidade”,
entendam sobre o amplo es- da neuropsiquiatra Raquel
pectro do autismo. Mais que Del Monde, e com o posfácio
isso, levam o assunto às redes “Diagnóstico é Esperança”, de
sociais, à academia, dão pales- Ana Amélia Cardoso, docente e
tras, pesquisam, criam empre- pesquisadora no Departamen-
sas para difundir informações to de Terapia Ocupacional e do
confiáveis. Curso de Pós-Graduação em Es-
O ativismo dessas mulheres tudos da Ocupação da Escola
nasceu da constatação da falta de Educação Física, Fisiotera-
de conhecimento e até da dis- pia e Terapia Ocupacional da
torção sobre as características Universidade Federal de Minas
do autismo no feminino. Todas Gerais (EEFFTO - UFMG).
passaram por experiências de Ao longo de toda a obra, as
não validação de suas falas, autoras vão tecendo as noções
apontamentos e ponderações de “identidade” e “esperança”
pela classe médica. que pulsam na construção da
Entretanto, elas arregaçaram história de cada uma delas.

44
R EVI STA AUTI SMO
SELMA SUELI SILVA

é jornalista, radialista, youtuber, escritora e


especialista em comunicação e gestão empresarial.
Foi diagnosticada com TEA (transtorno do espectro
do autismo) em 2016. Mantém o site “O Mundo
Autista” no Portal UAI. É autora de três livros.

‘O que
você pensa que
a sociedade
precisa saber UniTEA,
sobre o autismo CONSTRUINDO
O FUTURO HOJE!
no feminino?’
Trabalhamos pela
inclusão em todos
Tudo começou com os âmbitos sociais,
promovendo
mãe e filha autistas cidadania, educação
Mãe e filha estão à frente do e empoderamento
site O Mundo Autista. Selma das pessoas com
Sueli (mãe) e Sophia Mendonça Sophia Silva de Mendonça é
@xberaldo
autismo e suas
(filha) são jornalistas e compar- jornalista, escritora, apresen- famílias.
tilham as suas vivências. O site, tadora, cineasta e mestranda
que tem uma abordagem plural, em Comunicação Social pela
Ilustração: Alexandre Beraldo -

trata a inclusão de uma manei- Universidade Federal de Minas


ra geral e dá voz às minorias, Gerais (UFMG). Bolsista da
através de trocas com pessoas Fundação de Amparo à Pesqui- JUNTE-SE A NÓS
com deficiência, diversidade de sa de Minas Gerais (FAPEMIG). NESTA CAMINHADA!
gênero, raça, religião e outros Foi diagnosticada autista aos 11
temas. Saber conviver pressu- anos, em 2008. Mantém o site
põe aprender a debater sobre “O Mundo Autista” no Portal (54) 3538.0171
as situações conflitantes, pois é UAI. É autora de sete livros e
a partir do conflito que amadu- diretora do documentário “Aut- unitea.com.br
recemos, crescemos e, por fim, Work – Autistas no Mercado de
nos desenvolvemos. Trabalho”. Em 2016, recebeu o contato@unitea.com.br
O “Mundo Autista” é o Grande Colar do Mérito Le-
canal de autistas mais antigo gislativo de Belo Horizonte, a (54) 99269.1651
em atividade no YouTube bra- maior honraria do legislativo
sileiro, com vídeos disponíveis municipal, tornando-se a pes-
desde 2015. Selma Sueli Silva é Nos acompanhe nas
soa mais jovem a receber essa redes sociais
jornalista, radialista, youtuber, homenagem. O site “O Mundo
escritora, cineasta, relações @institutounitea
Autista” agora é parceiro pre-
públicas e pós-graduada em mium do UAI, o maior portal @institutounitea
Comunicação e Gestão Empre- de notícias mineiro.
sarial. Foi diagnosticada com UniTEA -
TEA (Transtorno do Espectro Lançamento Unidos pelo Autismo
Autista) em 2016. É autora de O livro deverá ser lançado
@unitea-autismo
três livros e diretora do docu- durante o mês de setembro e
mentário “AutWork – Autistas estará disponível na Amazon
no Mercado de Trabalho”. (veja o link na versão online).

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ESPECTROARTISTA #RESPECTRO
A arte e o talento
dentro do espectro

O cantor Fernando
Pavone durante
uma apresentação.

F ER NAN D O
PAVO N E
Fernando Pavone Cinelli
@pavonecinelli
Fernando Pavone
Os pais de Fernando Pavone Ci- a música “Frevo mulher”, da
nelli desconfiaram de algo fora do Amelinha, no violão, e Fernando
padrão no desenvolvimento do ga- lhe disse: “Pai, eu sei cantar essa
roto, com três anos e meio de idade, música”. Daí pra frente, o garoto
e o levaram a um neuropediatra. mergulhou no mundo da música,
Apesar de não fechar um diagnós- inspirando-se no pai e no irmão,
tico, o tratamento foi iniciado com que também toca violão.
profissionais da psicologia, fonoau- Uma cantora chamada Tânia
diologia e psicopedagogia. O diag- Cruz deu o microfone para ele can-
nóstico fechado veio somente entre tar numa churrascaria e logo isso
os 6 e 7 anos de idade. virou um hábito. Depois a dupla
Nascido em 2001, Fernando Raul e Renan começou a convidá-
atualmente faz aulas de canto, -lo para cantar em pequenos even-
de MPB, de sertanejo, violão, tos, em aniversários e bares.
bateria e saxofone, de inglês e “Quando se apresentou pela
ginástica, além de tratamento primeira vez, ele cantou de lado,
com uma psicóloga e uma psico- virou de costas para o público e
pedagoga. eu quase infartando na plateia”,
O interesse pela música veio contou o pai, com muito bom
aos 9 anos. O pai, Edson, tocou humor, relembrando a primeira

46
R EVI STA AUTI SMO
apresentação do filho, então com ‘A música
13 anos, no restaurante Florestal,
em São Bernardo do Campo, na mudou
Grande São Paulo. Em 2015 ele completamente
abriu o show do cantor sertanejo
minha vida!’
Daniel, em Bertioga, litoral de SP.
Em 2019, em Caieiras (SP), com a
dupla Rubens e Ruan (que o inclui
em vários shows), abriu o show de
Gustavo Lima. A veterana dupla
sertaneja Roberto e Mineirinho
também inclui Pavone em inúme-
ras de suas apresentações.
Antes da pandemia, Pavone se
apresentava em diversos eventos
e agora está ansioso para voltar
aos palcos. Atualmente, o cantor
Vanilli Villi o tem ajudado em um
projeto musical.
“A música mudou completamen-
te minha vida”, afirma Fernando
Pavone, que tem na música seu
hiperfoco e fica muito feliz ao se
apresentar para uma plateia “seja
do tamanho que for”.
Para quem quiser conhecer o tra-
balho artístico de Fernando Pavo-
ne, abaixo estão as redes sociais e o
canal do Youtube do cantor.

Fotos: acervo pessoal

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C O L U N A
#RESPECTRO

Liga dos Autistas

Natalia
PAN D E M IA E
Morais V U LN ER AB I LI DAD ES
é estudante de nutrição,
E X AC ER BADA S
@xberaldo

nascida em Brasília
(DF), tem 25 anos e
recebeu o diagnóstico de Há mais de um ano estamos essas medidas durariam alguns
autismo aos 13 anos.
vivenciando uma pandemia, e meses, mas os meses foram se pas-
Ilustração: Alexandre Beraldo -

o pior é que ainda não sabemos sando, e cada vez mais a pandemia
quando isso irá terminar. Duran- foi se agravando sem a previsão de
te esse período, tive de me adaptar quando tudo iria terminar. Toda
@liga.dos.autistas por diversas vezes e confesso que essa incerteza me deixava mais an-
ainda tenho receio de mudanças, gustiada.
mas tenho ciência de que todas Durante a pandemia surgiram
elas foram necessárias. estratégias sobre o que fazer, e os
A pandemia veio em um mo- coaches falavam em aproveitar o
mento inesperado, e tive que tempo, já que todos estavam em
parar tudo por causa do distan- casa, indicando que seria uma
ciamento social imposto. No en- época de estudar para concursos,
tanto, sei que essa é uma medida aprender um novo idioma, co-
de suma importância para dimi- nhecer novas receitas ou praticar
nuir a propagação do vírus. Dian- exercícios em casa, entre outras ati-
te disso, deixei de ir à faculdade, vidades. Contudo, eu estava mais
à igreja e, consequentemente, não cansada do que nunca e me sentia
via mais meus amigos. Pensei que pressionada já que todos estavam
48

R EVI STA AUTI SMO


Eu gostava da matéria? A aula
já estava acabando? Parecia que
minha mãe ficava sempre me ob-
servando, e que eu não tinha mais
tempo só para mim.
Julgo essencial ter esse tempo
para estar de bom humor. Mui-
tas vezes quero ficar quieta no
meu canto, ouvindo minha músi-
ca, mexendo em meu celular, sem
interagir com ninguém, e isso
não significa que aconteceu algu-
ma coisa, ou que eu esteja de mau
humor, significa apenas que gosto
de ter momentos só para mim.
Assim, durante a pandemia, esses
momentos “só meus” diminuíram
bastante, pois meus pais e meus
irmãos estavam o tempo todo em
casa. Eu estava a todo momento
sob algum estímulo, ou sob vários,
o que me deixava extremamente
cansada. As discussões se tornaram
mais frequentes, a TV estava sem-
pre ligada e eu recebia, em um dia,
fazendo coisas novas, e eu não notícias equivalentes às de um mês.
conseguia fazer o básico. Tantas notícias ruins me deixa-
Em muitas manhãs nem arru- vam ansiosa e chorei diversas vezes
mei minha cama. Deixei matérias por medo de perder alguém que eu
da faculdade acumularem-se, não amo. Outras vezes chorei por me
tive ânimo algum para fazer coi- comover com a perda do outro, o
sas novas e, muitas vezes, faltou que me fez perceber o quanto somos
vontade de fazer até mesmo as vulneráveis diante da morte. E ape-
coisas que eu gosto. sar de muitos questionarem a empa-
Na faculdade, tive que me adap- tia dos autistas, quando as pessoas
tar ao ensino online. No come- começam a conviver conosco perce-
ço, as aulas foram terríveis para bem que autistas são pessoas como
mim, achei bem cansativo e não as demais, que somos seres huma-
conseguia me concentrar. Eu me nos com sentimentos presentes.
sentia incomodada sempre que Embora tenhamos dificuldades em
minha mãe entrava no meu quar- retratar o que sentimos, principal-
to durante a aula e me perguntava mente durante esta pandemia em
o que eu estava fazendo. Era aula que, inúmeras vezes, não consegui
de que? Eu estava entendendo? colocar o que eu sentia em palavras.
C O L U N A
#RESPECTRO

@seeufalarnaosaidireito
Ilustração: tio .faso -
Autismo
Severo

percebia a cozinha estava inundada


e o filtro vazio!

TRINTOU Imagino que o fato, realmente, é


que Pedro era levado demais. Uma
vez ele desapareceu dentro do Car-
Meu filho completou trinta anos. refour, meu Deus, que desespero!
Que susto! Impossível não fazer Ele estava brincando, pelo que deu
Haydée um retrospecto dessa jornada, às para entender.
Freire vezes muito difícil, às vezes plena Depois veio a adolescência e suas
Meca Andrade
Jacques de satisfação, mas sempre amorosa. questões. Aqui em casa foi uma
O início desesperado, incompreen- época tenebrosa. Deixou profun-
sível, solitário e, ato contínuo, par- das marcas em todos nós. Até que
é casada e mãe de dois tir para a luta, o que quer que isso
filhos, sendo o mais moço um anjo em forma de amiga veio e
significasse. Estávamos nos anos 90, me aconselhou. Aí partimos para
autista severo. Formou-se
em odontologia, exerceu nada de internet. Quantas surpre- modificar nossos comportamentos
a profissão até 2006, sas, quantas dificuldades. Meu filho e disciplinar nossas emoções.
quando decidiu dedicar- não dormia, logo, eu também não.
se integralmente ao filho. Não foi fácil, mas deu certo. E
Lembro-me do cansaço mortal, das então começamos a aproveitar:
noites em claro. Até que, finalmente, viagens curtas, praia, montanha,
o neurologista receitou o neuleptil andar a cavalo, tirolesa, ir ao cine-
gotas pediátrico. Que santo remé- ma e curtir muito. Passear na casa
dio eheh. de amigos e parentes. Ir às festas
E as fases... A fase de bater portas: formais, casamentos e outros que
mas ele batia no sentido oposto ao tais. Ir às baladas da vida, aniver-
de fechar, era um tal de porta caída sários de amigos, restaurantes com
das dobradiças, tínhamos que amar- os amigos. Depois, saltos mais arro-
rar todas. A de escalar: Senhor, ele jados, viagens maiores, várias horas
escalou a televisão (de tubo) e caiu de avião, muitos museus e praças
de costas, abraçado possessivamente e trens e barcos. O melhor compa-
com a TV, ainda bem que havia uma nheiro de viagem que já vi.
montanha de almofadas no chão. Es- E, assim, resumidamente, vive-
calava as estantes de livros, e nós mos trinta anos de nossas vidas.
temos muitas aqui em casa. Um dia Nem sempre foi um mar de rosas,
peguei o meliante no ato... tenho até mas sobrevivemos, fortes e sempre
uma foto! Abrir a torneira do filtro dispostos a ousar cada vez mais,
de água e sair de fininho ‒ quando eu afinal o autismo não nos define.
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A IMPORTÂNCIA RECORTES EMPREENDEDORISMO SOCIAL


DO TEACCH DE RAÇA COM FOCO EM AUTISMO

ANO VI - Nº 11 - DEZ/JAN/FEV 2021

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ISSN 2596 - 0539

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