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AUTISMO

CONHECER
BEM O
TRANSTORNO
É O MELHOR
CAMINHO
PARA UM
TRATAMENTO
DE SUCESSO!

DIAGNÓSTICOS, EXAMES,
CURIOSIDADES E DICAS PARA
MELHORAR A COMUNICAÇÃO
E A INTERAÇÃO SOCIAL
AS TERAPIAS CORRETAS MELHORAM O DESENVOLVIMENTO
DO AUTISTA E PODEM TORNÁ-LO INDEPENDENTE
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PREFÁCIO CAPÍTULO 1

UMA
ESPERANÇA
P ode soar desesperador lidar
com algo que ainda tem um diag-
nóstico difícil e requer tratamen-
tos que nem sempre apresentam
resultados precisos. Todo esse
processo é doloroso para os pais
e para quem convive de perto com
portadores do transtorno autista.
No entanto, quando os familiares e
os amigos estão bem informados,
os efeitos costumam ser bem po-
sitivos e favoráveis – sobretudo se

O ESPECTRO
a síndrome é descoberta logo no
início. Este é o intuito desta publi-
cação: ser um guia que o ajude e

AUTISTA
o oriente a respeito de como lidar
melhor com o autismo. Nas pági-
nas a seguir, você mergulhará a
fundo em peculiaridades, causas e Embora ele apresente uma forma clássica facilmente
origens dos Transtornos do Espec- reconhecível, na qual a criança vive num mundo à parte, há tipos
tro Autista (TEA). diferentes, que se enquadram no que os especialistas chamam de
Transtornos do Espectro Autista (TEAs)
Boa leitura!

OS EDITORES
redacao@editoraonline.com.br O Transtorno do Espectro Autista (TEA) engloba di-
ferentes síndromes. Elas são caracterizadas por per-
turbações do desenvolvimento neurológico que se
manifestam juntas ou isoladamente, como dificuldade
de comunicação por deficiência na linguagem e na ima-
ginação para lidar com jogos simbólicos, dificuldade de
aprendem a falar, não olham para as pessoas nos olhos,
não retribuem sorrisos, repetem movimentos estereoti-
pados e apresentam deficiência mental importante.

Autismo de alto desempenho (ou Asperger): os por-


tadores apresentam as mesmas dificuldades dos outros
socialização e comportamento restritivo e repetitivo. autistas, mas numa medida reduzida. São verbais e inte-
Recebe o nome de espectro porque tem situa- ligentes. Alguns chegam a ser confundidos com gênios,
ções diferentes – de graus leves a severos –, embo-
porque são imbatíveis nas áreas em que se especializam.
ra sejam relacionadas com as mesmas dificuldades.
Quanto menor a dificuldade de interação, mais conse-
A divisão é classificada da seguinte maneira, como
guem levar uma vida próxima à normal.
explica o Dr. Drauzio Varella:

Autismo clássico: o grau de comprometimento varia. Distúrbio global do desenvolvimento sem outra es-
Em geral, os portadores são voltados para si mesmos, pecificação (DGD-SOE): faz parte do espectro do au-
AVISO: ESTA PUBLICAÇÃO REÚNE CONTEÚDO COM não estabelecem contato visual; conseguem falar, mas tismo (dificuldade de comunicação e de interação), mas
CARÁTER INFORMATIVO BASEADO EM DADOS não usam a fala como ferramenta de comunicação. Em- os sintomas não são suficientes para incluí-los em ne-
FORNECIDOS POR LIVROS, REVISTAS, PESQUISAS, bora possam entender enunciados simples, têm dificul- nhuma das outras categorias, o que torna o diagnóstico
CONSULTORES E PROFISSIONAIS. ANTES DE ADOTAR dade de compreensão e apreendem apenas o sentido muito mais difícil.
QUALQUER MEDIDA, CONSULTE SEU MÉDICO. literal das palavras. Nas formas mais graves, demons- Confira, a seguir, mais características das subdivisões
tram ausência de contato interpessoal, são isolados, não que fogem do autismo clássico.

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TRANSTORNO DE RETT
Tal síndrome é classificada como uma desordem relativamente rara do desenvolvimento neurológico, tendo
sido propagada na década de 1980. A prevalência da Transtorno de Rett é de uma em cada 20 mil pessoas do sexo
feminino. Isso ocorre porque a síndrome decorre de uma mutação no gene MECP2, localizado no cromossomo X e
responsável pelo controle de outros genes. Pelo fato de as meninas possuírem dois desses cromossomos, se o gene
MECP2 sofrer mutação em um deles, a cópia normal presente no outro contrabalançará em parte o desequilíbrio
causado. Como os meninos têm apenas uma cópia de X (que forma par com Y), desenvolvem uma doença severa
que evolui com dificuldade respiratória. Poucos sobrevivem um ano ou dois.
Cerca de 99,5% dos casos de Rett são esporádicos, ou seja, sem antecedentes familiares. A análise da origem
parental (dos pais) nos casos esporádicos revelou que, na maioria deles, a mutação no gene MECP2 ocorreu no alelo
SÍNDROME DE ASPERGER de origem paterna. Isso explicaria a predominância clássica desse transtorno em meninas, já que os meninos não
Identificada pela primeira vez pelo pediatra herdam o cromossomo X paterno, mas sim o materno.
austríaco Hans Asperger, em 1944, a Síndrome Apesar de o diagnóstico clínico ser suficiente, exames com base em amostras de sangue podem indicar muta-
de Asperger só passou a fazer parte do DSM-IV ções do gene MECP2 e ratificar o diagnóstico. Os testes devem ser realizados quanto antes, porque até a idade de 1
(Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos ano as meninas apresentam desenvolvimento neuromotor e se comportam como outras crianças. Depois disso, em
Mentais) na edição de 1994. Ainda hoje, os pou- geral, não pronunciam palavras já conhecidas, tornam-se introspectivas e perdem a habilidade de executar certos
cos estudos, a falta de capacitação por parte dos movimentos. Daí para a frente, tornam-se ansiosas e passam a exibir movimentos estereotipados com as mãos.
profissionais e a dificuldade de sintetizar conjun- Embora no futuro haja chance de recuperação parcial da capacidade de interagir socialmente, o comprometimento
tos de sintomas padrões geram muita confusão das funções cognitivas e motoras costuma ser grave a ponto de impedir que a criança leve a vida por conta própria.
na hora do diagnóstico, o que deixa muitos pa-
cientes sem conhecer sua patologia.
O psiquiatra Ami Klin, pesquisador sobre au-
tismo da Universidade Yale, nos EUA, revela que é TRANSTORNO DESINTEGRATIVO DA INFÂNCIA
comum ver a Síndrome de Asperger ser confun- Descoberto em 1908 pelo austríaco Theodore Heller, o transtorno, também conhecido por Síndrome de Hel-
dida com uma obsessão compulsiva, como es- ler, geralmente atinge as crianças entre 2 e 10 anos de idade. A criança balbucia as primeiras palavras, brinca,
quizofrenia e depressão, ou mesmo outras per- interage com outras pessoas, tem um desenvolvimento normal. No entanto, de repente, já não consegue mais
turbações que apresentem um mesmo sintoma. fazer coisas simples, como pegar uma colher, e, assim, apresenta uma regressão motora e intelectual. Passa
O motivo para isso é que a criança com Asperger a evitar o contato visual, recusa abraços e beijos e sua expressão facial não reflete mais o que está sentindo.
não apresenta atrasos no desenvolvimento da O período da regressão dura de quatro a oito semanas e a maioria das crianças só recupera 20% do que foi
linguagem e nas habilidades cognitivas. Pode perdido. Nos casos mais graves, não apresentam melhoras. A síndrome atinge na maioria das vezes o sexo
apresentar problemas para se relacionar com os masculino.
demais e em certas ocasiões apresentam com- A incidência é de uma em 50 mil crianças, cerca de 70 vezes menor do que o autismo. E, pelo fato de se as-
portamentos inadequados, mas as dificuldades semelhar com o transtorno autista, exige trabalho para diagnosticar e acaba sendo tratada como se fosse igual.
e principais características começam a ser ob- O tratamento inclui medicamentos que diminuem sintomas secundários do transtorno, como os distúrbios
servadas quando começa a se desenvolver como de sono. Terapias sociais e fisioterapias são feitas para reintegrar a criança ao meio social em que vive.
adulto. O psiquiatra enfatiza a importância de se De acordo com o pediatra especialista no assunto, Rutger Jan van der Gaag, da Universidade Geert Grote,
fazer um diagnóstico: “Além das limitações e dos na Holanda, as causas do transtorno ainda são desconhecidas, embora a maioria dos pesquisadores o trate
prejuízos na interação social, bem como interes- como autismo tardio; outros, entretanto, defendem como causa uma má-formação de placas amiloides (depó-
ses e comportamentos limitados, nota-se uma sitos de proteínas que bloqueiam e matam neurônios do cérebro) ou algum problema no encéfalo.
falta de compreensão na linguagem falada ou Diante de tudo o que foi apresentado, conclui-se que o Transtorno Desintegrativo da Segunda Infância não
na percepção da linguagem, no desenvolvimento é tratado com a devida importância, nem recebe investigações avançadas. Como um quadro irreversível, a
cognitivo, nas habilidades de autocuidado e na criança, que antes tinha tudo para levar uma vida saudável, tem sua vida revirada pelo avesso, tornando-se
curiosidade sobre o ambiente”, informa. totalmente dependente pelo resto da vida. Sem sociabilização e autonomia nenhuma.
Os “aspies”, como se autoproclamam alguns “As equipes profissionais devem dar total apoio aos pais, pois enfrentarão uma nova fase da vida que não
portadores da síndrome, não apresentam sequer irá passar, fazendo que tenham paciência e compreendam que será difícil”, comenta van der Gaag.
traços físicos aparentes do transtorno e possuem
inteligência tão desenvolvida quanto a de qual-
quer outra pessoa (no entanto, em alguns casos,
têm alto desempenho em determinada área.
TRANSTORNO INVASIVO DO DESENVOLVIMENTO
O conceito de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento sem outra especificação (TID) foi con-
Dizem que Einstein era um possível portador de
cebido nos anos 1960, pelos cientistas Michael Rutter, Israel Kolvin e Baron Cohen, que o cons-
Asperger). Suas dificuldades de comunicação
são confundidas muitas vezes com timidez ou tituíram como um grupo de transtornos responsáveis por severos atrasos no desenvolvimento,
introversão, enquanto, na verdade, enfrentam incluindo a socialização, comunicação e relacionamento interpessoal. É composto por um grupo
problemas de primeira ordem relacionados à heterogêneo de crianças com tendências a comportamento inflexível, intolerância à mudança e
sociabilidade, à compreensão da linguagem e explosão de raiva quando submetidas às exigências do ambiente.
a interesses exclusivos por determinados as- “Quando afirmo que, na minha compreensão, se trata de um Transtorno Invasivo do Desen-
suntos, o que abala as estruturas convencio- volvimento sem outra especificação, a pessoa do outro lado da mesa ou do outro lado da linha
nais na formação de vínculos com a sociedade.
diz ‘aliviada’: ‘Ah! Que bom! Achei que pudesse ser um quadro de autismo!’ Esse é um duplo
Como consequência, da infância até a vida adul-
ta, são potenciais vítimas de bullying e podem equívoco: primeiro, porque o diagnóstico nessa área nada mais é do que a organização de um
apresentar tendências depressivas e tornar-se conhecimento, sendo que o comportamento da criança, por si só, já mostra quais são suas limita-
sedentários, entre outros problemas que depen- ções, possibilidades e incapacidades (‘chamá-la’ ou não de autista não modifica essa condição);
dem do indivíduo e do meio social que os rodeia. e segundo (aqui um desconhecimento do termo), porque dizer que é um transtorno invasivo do
O papel dos pais é de extrema importância nesse desenvolvimento tem o mesmo status, em termos da complexidade do quadro, que o transtorno
percurso e, como reforça o psiquiatra Ami Klin, autista”, relatou no livro Psicofarmacologia da criança: um guia para crianças, pais e profissionais
todos os portadores da síndrome podem apren-
Marcos Tomanik Mercadante, um dos fundadores da ONG Autismo & Realidade, de São Paulo.
der tudo, ter um trabalho, se relacionar afetiva-
mente e ter uma vida normal. Embora não haja cura para o TID, a intervenção precoce e o tratamento podem ajudar as crian-
ças a desenvolver habilidades e alcançar o seu potencial.

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CAPÍTULO 2

RAIO-X
DO AUTISMO
O misterioso transtorno psiquiátrico, que atinge uma a cada mil pessoas no mundo,


condiciona seus portadores a viver imersos em sua própria realidade

H oje em dia quase todo mundo já ouviu falar em autismo. Desde o


filme Rain Man (1980) até a novela Amor à Vida, da Rede Globo, o
tema sempre reaparece. Para quem não assistiu a nenhum deles,
adiantaremos: quem sofre desse transtorno não se difere muito da-
queles que não o têm. Só que seu olhar geralmente o revela. Ele não
se fixa em ninguém. Quando criança, o autista mal fala. Na escola,
O AUTISMO SE INSTALA NOS TRÊS PRIMEIROS ANOS
DE VIDA, QUANDO OS NEURÔNIOS QUE COORDENAM
A COMUNICAÇÃO E OS RELACIONAMENTOS SOCIAIS
não interage e, se brincar, não consegue entender os passatem-
pos. É comum para essas pessoas viverem limitadas a seu mundo
DEIXAM DE FORMAR AS CONEXÕES NECESSÁRIAS”
particular. Mesmo assim, a síndrome continua rodeada de mitos e José Facion, psicólogo
preconceitos. Muitos até podem achar que se trata de um traço de
insensibilidade, ou que a pessoa é “desligada”, pois costuma ficar
isolada, repetindo palavras.
A QUE SE ATENTAR
Você sabe quais são os sinais característicos do autismo? A Associação de Psiquiatria Americana, em
De acordo com o psicólogo José Facion, especialista do Departa- conjunto com a Associação de Pais dos Autistas nos EUA, organizou 73 sintomas típicos para o reco-
mento de Psiquiatria Infantojuvenil da Faculdade de Medicina da nhecimento do Transtorno Autista. Destes, 14 são considerados fundamentais. Mas, nada de pânico:
Universidade de Münster, na Alemanha, esse enigma acerca do os sintomas abaixo são apenas alusivos ao autismo. O diagnóstico preciso só pode ser realizado por
transtorno autista está relacionado às dificuldades de se entender um profissional especializado.
suas causas e de se realizar o seu diagnóstico. “Ainda hoje não se
conhece exatamente as causas da doença, mas tudo aponta para 1. Na presença de outras crianças, ela se afasta
uma confusão de origem neurobiológica. Não existem exames mé-
dicos para identificá-la, é necessário um esforço de procedimentos
2. Parece que é surda
e observações”, explica Facion. 3. Resiste ao aprendizado
Segundo o pesquisador, também não há como descobrir como os
aspectos do autismo intervêm na vida da pessoa nem em que grau,
4. Não demonstra sentir dor ou medo de perigos reais
ou se estão associados a alguma atitude, pois podem variar mui- 5. Resiste a mudanças de rotina
to. Há os casos mais severos, quando existe um retardo mental e 6. Não aponta com o dedo para o objeto que quer alcançar
a criança não fala praticamente nada e não reconhece as figuras
paternas ou de cuidadores. No entanto, há outros um pouco mais
7. Ri e movimenta-se de maneira inapropriada
amenos em que existe algum tipo de comunicação. É possível tam- 8. Foge do contato físico
bém encontrar crianças que falam e podem até repetir frases que 9. Parece que tomou um choque. É hiperativa
ouviram dentro de casa ou da TV, mas ainda assim não conseguem
se comunicar. Elas entendem acontecimentos simples, mas não
10. Evita o contato visual
interpretam nada além disso, muito menos figuras de linguagem, 11. Apega-se demasiadamente a objetos
como metáforas e metonímias.
“Algumas pessoas veem as crianças fazendo determinados mo-
12. Gira objetos de maneira peculiar
vimentos e já os associam ao autismo. Não é assim. É necessário 13. Às vezes é hostil e arredia
antes identificar, pelo menos, quatro sintomas persistentes por um 14. Tem modos e comportamentos indiferentes
período de seis meses. E, se assim for, deve-se procurar um neuro-
pediatra. Além disso, sabe-se que mais de 50% dos autistas apre- Para se ter uma ideia, algumas pessoas só vão descobrir o autismo na fase adulta, quando se subme-
sentam também algum tipo de retardamento mental”, comenta o tem a análises do histórico de comportamento. Elas se adaptam e aprendem a viver dessa maneira.
psicólogo José Facion. “Principalmente pela dificuldade do diagnóstico tanto em adultos como em crianças, muitas pessoas
Facion ainda menciona que existem graus de autismo. Os mais que apresentam traços leves do transtorno levam a vida sem imaginar que estão inseridas no espectro
severos, com sintomas acentuados, podem ser percebidos antes autista”, diz o neurologista, psiquiatra e presidente do Centro Pró-Autista (CPA) Wanderley Domingues.
de a criança completar 5 anos de idade. “O autismo se instala nos Devido à ausência de um diagnóstico preciso, podem pensar, na verdade, que sofrem de depressão ou
três primeiros anos de vida, quando os neurônios que coordenam apresentam uma personalidade introvertida, sem desconfiar do autismo.
a comunicação e os relacionamentos sociais deixam de formar as Existem três aspectos que todos que estão inseridos no transtorno autista manifestam em maior ou
conexões necessárias”, comenta. Embora o transtorno seja incurá- menor grau: esforço para se comunicar, disposição à introversão e falhas no desenvolvimento da lin-
vel, quando demora para ser reconhecido esses neurônios não são guagem – seja na fala ou na compreensão de expressões simples. Esses apontamentos nem sempre
estimulados na hora certa e a criança perde a chance de aprender. comprometem a rotina normal. Mas, se estiverem ocasionando problemas, quem poderá fazer um
“Nos casos mais brandos, alguns sintomas podem ser diminuídos diagnóstico detalhado é o psiquiatra. Quanto mais cedo o exame, melhor. “Se é providenciado logo na
com a experiência de profissionais bem treinados. Agora, cura mes- infância, a criança tem mais chances de começar o tratamento na fase de desenvolvimento e de se
mo os estudos mostram que não há”, explica. tornar independente”, conclui o especialista.

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MENINOS E MENINAS
Segundo o estudo American Journal of Human Ge-
netics, da Organização Mundial de Saúde (OMS),
CIÊNCIA NADA EXATA
Como já foi mostrado aqui, um dos fatores res- é de 77%. Mas, notavelmente, não é de 100%.
distúrbios de desenvolvimento neurológico, como o ponsáveis pelo autismo é a genética. Mas, se “Não que os genes sejam responsáveis por todo
autismo, por exemplo, atingem uma em cada seis um irmão é autista, qual a probabilidade de o risco de autismo, mas são responsáveis por
crianças em países industrializados e os meninos outro irmão nessa família ser autista também? boa parte do risco, porque, quando analisados
têm entre 30 e 50% mais chances de propensão Podemos analisar três tipos de irmãos: gêmeos os gêmeos bivitelinos, essa chance é de apenas
para a doença. univitelinos, que compartilham 100% de sua in- 31%”, explica, em seu vídeo publicado no You-
Com o intuito de progredir na compreensão da di- formação genética e compartilharam do mesmo Tube, a geneticista Wendy Chung, diretora do
ferença de gênero, Sébastien Jacquemont, pesqui- ambiente intrauterino; gêmeos bivitelinos, que setor de pesquisas clínicas da Simons Founda-
sador do Hospital da Universidade de Lausanne, na compartilham 50% de sua informação genética; tion Austism Research Initiative, fundação que
Suíça, em parceria com o geneticista Evan Eichler, e irmãos comuns, que também compartilham é referência mundial em matéria dos aspectos
da Universidade de Washington, em Seattle, equi- 50% de sua informação genética, embora não genéticos do autismo. Por outro lado, há uma di-
parou a presença de alterações genéticas em cerca compartilhem do mesmo ambiente intrauterino. ferença entre os gêmeos bivitelinos e os irmãos
de 16 mil crianças com problemas de desenvolvi- E quando são analisadas as taxas de concor- comuns, o que sugere que há exposições para
mento neurológico. Os resultados revelaram que as dância, uma das coisas mais impressionantes os irmãos gêmeos bivitelinos que podem não
meninas com alguma disfunção do desenvolvimento é que, em gêmeos univitelinos, a probabilidade ser compartilhadas em irmãos comuns.
neurológico ou transtorno do espectro autista apre-
sentaram uma fração muito maior de mutações, o
que comprova que o cérebro feminino parece tolerar
um maior número de mutações genéticas até apre-
ACadaVIDA DE CARLY
caso de autismo tem suas particularidades, e ALGUMAS PERGUNTAS ENVIADAS À CARLY POR FAMI-
sentar os sintomas do autismo. isso pôde ser percebido na história da canadense LIARES DE CRIANÇAS AUTISTAS
No Brasil, especialistas do Instituto de Psiquiatria da Carly Fleischmann. Enquanto sua irmã gêmea se De acordo com os especialistas, a iniciativa de Carly de
Universidade de São Paulo consentem que existe, desenvolvia normalmente, o progresso de Carly era responder aos pais de crianças autistas é válida e posi-
sim, uma questão de gênero. “O autismo e o TDAH lento. Logo foi descoberto o motivo: aos 2 anos de tiva, mas é preciso ter cuidado para não relativizar essa
são mais comuns em meninos. Porém, após a pu- idade, ela foi diagnosticada com autismo severo. Os experiência.
berdade, distúrbios de ansiedade e depressão ficam médicos que a avaliaram não sabem ainda hoje se -EUlLHODEANOSlCATRISTEECHORACOMFREQU
mais comuns em mulheres”, explica o psiquiatra da um único gene, mutante e determinate, causou o ¾NCIA6OC¾TEMALGUMASUGEST¼ODECOMODESCO
USP Guilherme Polanczyk, que também defende autismo. Contudo, a combinação desse gene, em BRIROQUEEST·ERRADO
que, embora os resultados apresentem que as me- parte com o processo de desenvolvimento, traçou Carly: Podem ser muitas coisas. Será que ele está toman-
ninas sejam mais tolerantes a mutações que podem a vida de Carly. do algum medicamento? Eu tive muitas mudanças extre-
despontar os sintomas dos distúrbios, é preciso fa- Hoje, ela é uma jovem que não consegue falar – mas de humor, como chorar e sentir raiva sem motivo, por
zer mais testes desse tipo para que isso seja real- mas encontrou outro caminho para se comunicar. causa da medicação. Também poderia ser algo que acon-
mente comprovado. Aos 11 anos, ela foi até o computador, atônita, e teceu mais cedo ou dias atrás e que ele está processando
fez algo que deixou toda a sua família espantada: apenas agora.
digitou um pedido de ajuda e saiu correndo para !LGUMAVEZVOC¾GRITOUAPARENTEMENTESEMMOTI
HERANÇA FAMILIAR? vomitar no banheiro.
A partir desse momento, Carly encontrou o com-
VO-INHAlLHAFAZISSOºSVEZESEEUESTOUTENTAN
DODESCOBRIROPORQU¾
Evidências colocam a genética como a mais
putador como um aliado para expor como se Carly: Ela está fazendo uma filtragem dos sons e quebran-
provável causa do autismo. Entre irmãos gê-
sentia e usa as redes sociais (Facebook e Twitter) do os ruídos e as conversas que tem ouvido ao longo do
meos, essas chances são maiores.
para ajudar na conscientização sobre o trans- dia. Além dos gritos, você pode nos ver chorando ou rindo,
A partir dos anos 2000, a ciência começou a
torno e responder a perguntas de familiares de tendo convulsões e até manifestando raiva. É a nossa re-
encontrar padrões de variação genética co-
autistas – mas conta com a ajuda de seu pai, por ação ao, finalmente, entender as coisas que foram ditas e
muns entre autistas. Em um estudo publicado
exemplo, que também a auxiliou a escrever um feitas no último minuto, no dia ou até mês passado. Sua
pela revista científica Nature em 2010, foi de-
livro, Carly´s Voice. Ao todo, a garota tem mais de filha está bem.
tectada em autistas uma incidência 20% maior
300 mil seguidores. O comportamento de Carly é 0ORQUEMEUlLHOGRITANOCARROQUANDOPARAMOS
de uma anomalia incomum em que se duplica
visto pelos especialistas como uma boa maneira EMUMSEM·FORO%LEEST·BEMENQUANTOOCARROSE
ou subtrai certos genes – especialmente os re-
de entender o mundo vivenciado pelos autistas, mas MOVE MAS UMAVEZQUEPARAMOS ELEGRITA
lacionados ao desenvolvimento da criança. Já
não é padrão. Carly: Eu amo longas viagens de carro, elas são uma
outra pesquisa, encabeçada pelo Conselho de
ótima forma de estímulo sem você precisar fazer nada. O
Pesquisa Médica do Reino Unido e publicada
no períodico científico JAMA Psychiatry no iní-
cio de 2016, mostrou que o autismo é quase
TERAPIA COM FERAS movimento do carro e o cenário passando por ele permi-
tem que ele bloqueie qualquer outra entrada sensorial e se
Serpentes, lagartos e jacarés são alguns dos rép-
concentre em apenas uma. Meu conselho é colocar uma
inteiramente de origem genética, com a cons- teis que estão sendo usados para auxiliar crianças
cadeira de massagem no banco do carro. Assim, quando
tituição biológica sendo responsável por entre com autismo. De acordo com Daniela Gatti, psicó-
ele parar, seu filho ainda estará sentindo o movimento.
74% e 98% dos casos. A pesquisa se concen- loga da ONG Walking Equoterapia, de São Paulo, os
6OC¾PODEMEDIZERPORQUEMEUlLHOCOSPETODO
trou em um total de 516 gêmeos e descobriu animais são escolhidos segundo o perfil de cada
OTEMPO%LETEMTODOSOSOUTROSTIPOSDECOMPOR
que as taxas de Transtorno do Espectro Autista criança e o objetivo é traçado na terapia.
TAMENTOTAMB½MBATERACABE•A ROLAR BALAN•AROS
(TEA) foram prevalentes em irmãos idênticos “Uma das nossas criancinhas com autismo pas-
BRA•OS!LGUMAIDEIA
que partilham o mesmo DNA (as chances de sou a falar e a interagir mais depois que começou
Carly: Eu nunca cuspi quando era criança. No entan-
gêmeos desenvolverem a doença são 375 a cuidar de um dos animais. Forma-se um vínculo
to, eu babava, e sentia como se cuspisse. Hoje eu
vezes maiores), apontando, portanto, que a entre a criança, o terapeuta e o animal, e, assim,
percebo que eu nunca soube como engolir a saliva.
condição pode ser mais hereditária do que se vamos trabalhando os desafios, como a coordena-
Eu nunca usei minha boca para falar, e, por isso,
pensava. Essa pesquisa, porém, não descarta ção motora, por exemplo”, diz Gatti.
nunca usei os músculos da boca. Quando você tem
as influências ambientais no autismo, porque Outro ganho é na autoconfiança: “Há crianças
saliva presa na sua boca, existem poucas maneiras
o transtorno tem se tornado mais comum nos que sofrem na escola por causa do transtorno. E
de se livrar do desconforto. Tente dar a ele alguns
últimos anos, mas isso parece rápido demais elas se sentem especiais por limpar uma cobra e
doces por duas semanas. Isso vai fortalecer os mús-
para a genética para ser uma causa provável. alimentar um jacaré – coisa que os colegas não
culos e ensiná-lo a engolir a saliva.
fazem”, explica.

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CAPÍTULO 3

HISTÓRIA A A psiquiatria demorou para reconhecer patologias em crianças. Henry


Maudsley, um psiquiatra britânico do século 19, foi o primeiro a pres-
tar mais atenção a transtornos mentais severos, porém, estes ainda

DO AUTISMO
eram diagnosticados como psicoses. Em 1867, ele incluiu em seu livro
Physiology and Pathology of Mind (Fisiologia e Patologia da Mente, em
inglês) um capítulo denominado “Insanidade no início da vida”, com
uma tentativa ainda muito primitiva de correlação de sintomas com o
estado de desenvolvimento, sugerindo uma classificação que incluía os
O TRANSTORNO SÓ PASSOU A SER seguintes diagnósticos: monomania; mania coreica; insanidade catatô-
nica; insanidade epiléptica; mania; melancolia e insanidade afetiva. O
ESTUDADO A PARTIR DOS ANOS 1940 autismo mesmo só foi inicialmente observado em 1943.

1911 1943 1944 1950 1960 1980 1988 2014


SUÍÇA
No início do século XX,
o termo “autismo” foi
inicialmente introduzido
na literatura médica
pelo psiquiatra Eugen
Bleuler, para designar
pessoas que tinham
grande dificuldade para
EUA
Leo Kanner, psiquiatra
austríaco radicado na
América e diretor de
psiquiatria infantil do Johns
Hopkins Hospital, publica a
obra Distúrbios Autísticos
do Contato Afetivo. Nela,
descreveu casos de 11
ÁUSTRIA
Em Viena, o psiquiatra
Hans Asperger, quase
ao mesmo tempo que
Leo Kanner, escreve
o artigo “A psicopatia
Autista na Infância”. Ele
observou que o padrão
de comportamento
EUA
Durante o pós-guerra,
houve muita confusão
sobre a origem do
FOTOS:

autismo e sua etimologia,


e a crença mais comum
era a de que o transtorno
era causado por pais
não emocionalmente
EUA
SHUTTERSTOCK
Um crescente corpo de
evidências começou a se
acumular, sugerindo que o
autismo era um transtorno
cerebral presente desde
a infância e encontrado
em todos os países e
grupos socioeconômicos
INGLATERRA
Na década de 1960, o
psiquiatra infantil Michael
Rutter levou a cabo um
estudo que demonstrava
claramente a origem
biológica do autismo.
Duas décadas depois,
o trabalho de Rutter e a
EUA
Ivar Lovaas, psicólogo da
Universidade da Califórnia,
Los Angeles, publica
um estudo pioneiro no
qual demonstra como a
intensidade da terapia
comportamental pode
ajudar crianças com
SUÉCIA
Um estudo realizado com
mais de 2 milhões de
pessoas pelo Instituto
Karolinska de Estocolmo
mostra que fatores
ambientais são tão
importantes quanto a
genética (que tem um
A
interagir com as demais crianças que tinham em e habilidades que responsivos a seus e étnico-raciais crescente produção de autismo, dando uma peso de cerca de 50%)
e muita tendência ao comum “um isolamento descreveu ocorria filhos e pela falta de investigados. Leo Kanner pesquisas sobre o tema nova esperança para como causa do autismo.
isolamento. Mesmo assim, extremo desde o início da preferencialmente em calor maternal. Leo posteriormente se disse fizeram que o autismo os pais. Depois de dois Esses fatores poderiam
autismo para Bleuler vida e um desejo obsessivo meninos. Em virtude Kanner cunhou o termo, malcompreendido e fosse pela primeira vez anos, o quociente de incluir, segundo os autores,
não tinha o significado pela preservação da de suas publicações mas foi o psicanalista tentou se retratar no seu reconhecido e colocado inteligência (QI) de 19 o nível socioeconômico da
que conhecemos mesmice”, denominando-as terem sido publicadas Bruno Bettelheim que livro Em Defesa das Mães. em uma nova classe crianças entre 4 e 5 anos família, complicações no
modernamente. Bleuler “autistas”, e usou o termo em alemão e na época o popularizou. Nessa Mais tarde, a primeira de distúrbios: a de que se submeteram aos parto, infecções sofridas
trabalhava principalmente “autismo infantil precoce”, da guerra, seu relato época, ainda não eram teoria mostrou-se Transtornos Invasivos métodos de Lovaas havia pela mãe e o uso de
com pessoas psicóticas e pois os sintomas já recebeu pouca atenção (e considerados os papéis da totalmente infundada e do Desenvolvimento aumentado, felizmente, 20 drogas antes e durante
esquizofrênicas. apareciam na infância. só na década de 1980). biologia ou genética. foi arquivada. (TIDs). pontos, em média. a gravidez.

FONTES Caderno Pandorga de Autismo, Vol. 1, de Fernando Gustavo Stelzer; livros Psiquiatria Infantil, de Leo Kanner, e Autismos, de Paulina Schmidtbauer; e site Autismo e Realidade

CAPÍTULO 4

NO BRASIL E NO MUNDO
A ONU estima que existam mais de 70 milhões de pessoas
com autismo no planeta. No Brasil, são quase 2 milhões,
A CADA
50 CRIANÇAS COMUM A TODOS
sendo que cerca de 90% não recebe diagnóstico As crianças negras e hispânicas iden-
tificadas com Transtorno Autista têm
maior probabilidade do que as brancas
1 É AUTISTA de apresentar déficit intelectual, reve-
lou em 2014 um estudo publicado pelo
LÁ FORA E AQUI CRESCIMENTO EXPRESSIVO CDC (Centro de Controle e Prevenção
de Doenças, em tradução livre), dos
Nos EUA, pediatras re- Segundo uma pesquisa do governo dos EUA, os casos de autismo subiram para
cebem treinamento para EUA. O relatório também mostrou
1 em cada 68 crianças com 8 anos de idade. O número foi estimado pelo CDC, diferenças entre etnias. As brancas
diagnosticar o transtorno órgão próximo do que representa, no Brasil, o Ministério da Saúde. Os dados são
autista em crianças de até têm maior probabilidade de ser identi-
referentes a 2010 e foram divulgados em 2014. Houve aumento de quase 30% ficadas com autismo (1 em 63) do que
3 anos. No Brasil, o exame em relação aos dados anteriores, de 2008, que apontavam 1 caso a cada 88
é feito geralmente entre as negras (1 em 81) e as hispânicas
crianças. Quase 60% em relação a 2006, que era de 1 para 110. A maioria das (1 em 93).
os 5 e os 7 anos de ida- crianças foi diagnosticada após os 4 anos.
de. E não se trata de um
distúrbio incomum! Dados
divulgados em 2013 pelo
ESTÁ NO ALERTA À SAÚDE FATOR CRONOLÓGICO
CDC (Centro de Controle CALENDÁRIO Segundo pesquisas do Centro Mu-
nicipal de Especialização do Autista
O JAMA também divulgou que, em comparação
aos filhos de casais com cerca de 20 anos de ida-
e Prevenção de Doenças) Para alertar a respeito dos núme-
ros elevados (seriam 70 milhões (CEMA) da cidade de Limeira (SP) de, as taxas de autismo entre crianças das quais o
dos EUA mostram que
de autistas em todo o mundo), e do Núcleo de Especialização e pai tem mais de 50 anos foram 66% mais eleva-
uma em cada 50 crian-
todo 2 de abril é celebrado o “Dia Socialização do Autista (NESSA) da das. Já para os que se encontravam na faixa dos
ças tem a doença. Não
Mundial de Conscientização do cidade de Mogi-Guaçú (SP), a rinite 40 anos, foi de 28%. A ocorrência também foi mais
há estatística oficial entre
Autismo”, data estabelecida pela alérgica é a patologia de maior pre- alta para as mães com mais de 40 anos (15%) e
os brasileiros, mas espe-
cialistas acreditam que a Organização das Nações Unidas valência entre os autistas estudados entre o os filhos de mulheres adolescentes (18%).
proporção seja semelhan- (ONU) desde 2008. O azul foi a por essas instituições. Em média, O risco de o filho desenvolver o problema também
te à de outros países – de cor designada para o autismo por 60,71% dos autistas também apre- aumentou de acordo com a disparidade entre as
cerca de 2 milhões de ter uma prevalência bem maior sentam sintomas gástricos, sen- idades maternas e paternas. As taxas foram maio-
pessoas. em meninos que em meninas — do o mais frequente a flatulência res quando a diferença era de dez anos ou mais
mais de 4 para 1. (39,90%). entre os parceiros.

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CAPÍTULO 5

OS SINTOMAS
A FUNDO
O grau e a gravidade variam muito. Os sintomas mais
comuns são dificuldade de comunicação e de interações
sociais, interesses obsessivos e comportamentos repetitivos

A Ao buscarem a Associação do Amigo do Autista


(AMA), uma das principais entidades do Brasil, as
famílias de autistas contam que foi complicado con-
seguir o diagnóstico. “É muito difícil encontrar um
médico que esteja inteirado com a síndrome”, co-
menta Carolina Ramos, coordenadora pedagógica
APÓS OS 3 ANOS
A maioria das suspeitas de autis-
mo em crianças ocorre somente
após os três primeiros aninhos,
A IMPORTÂNCIA DA PRECOCIDADE
Quanto mais cedo é identificado um transtorno, mais rápi-
do o curso normal do desenvolvimento pode ser retomado.
E os resultados costumam ser ainda mais efetivos quando
há aceitação e apoio da família
Quando não há a negação é incomparável velocidade na
de algumas unidades da associação. A auxiliar de justamente por dois motivos: um melhora clínica de crianças abaixo de 4 anos em compara-
enfermagem Luana Sales, 32, foi apontada como deles acontece porque a falta de ção àquelas que iniciam os tratamentos aos 6 anos. Outra
desinformada por uma psiquiatra e um neurologista experiência prévia com uma crian- questão importante é a conclusão da neurologista infantil
infantil por sugerir que sua filha fosse autista, já que ça de desenvolvimento normal de Michele Kleinman, do Hospital Flutuante (Floating) de Bos-
a menina apresentava um retardamento motor des- alguns pais (principalmente os de ton, nos EUA, de que aproximadamente 90% das crianças
de os primeiros meses de nascença. “Falavam que primeira viagem) impede a per- diagnosticadas como autistas aos 2 anos de idade mantêm
ela era mais devagar por ter nascido com 8 meses. cepção de que a criança está ten- tal diagnóstico posteriormente.
Mas, então, ela foi crescendo e reparamos que ela do um atraso no desenvolvimen-
não correspondia às nossas chamadas, não acena- to; e/ou porque alguns médicos
va, buscava se isolar e ficava muito irritada na hora pediatras ou dos Programas de
de fazer as refeições”, revela. Saúde da Família não foram de-
vidamente treinados a identificar ESTOU DESCONFIADO, COMO DEVO AGIR?
PERCEBA DESDE CEDO esses sintomas na fase infantil. 1. Tentar identificar as características – comunicação, linguagem,
De acordo com o que descreveu Luana, esses são, Isso acontece, em geral, porque os oralidade – e a frequência que elas ocorrem.
sim, alguns dos sintomas da síndrome em crianças pediatras costumam dominar bem
2. Se elas forem identificadas, procurar um pediatra.
com menos de 3 anos de idade. Acrescente-se, o desenvolvimento sensoriomotor,
ainda, um atraso no aprendizado da linguagem ou porém não os aspectos cognitivos 3. Se o diagnóstico não for satisfatório e, ainda assim, houver
uma nítida dificuldade de se comunicar com pala- e emocionais. Então, é comum a desconfiança de autismo, procurar um neuropedriatra.
vras e por contato visual. Recém-nascidos autistas, identificação de um atraso na fala, 4. Diagnóstico foi confirmado? Então é hora de agir e seguir as
por exemplo, podem não encarar os olhos da mãe por exemplo, mas nem sempre orientações do médico que acompanha o caso. O autista poderá
quando estão sendo amamentados. Há bebês que há a percepção de um atraso de precisar fazer tratamentos como fonoterapia, psicoterapia, terapia
só ficam no colo, ou dormem em posições dife- comunicação (olhar, mudança da
rentes, ou se alimentam com determinados rituais. ocupacional e outros métodos para obter avanços.
mímica numa brincadeira, apon-
Embora essas caracteristicas citadas não sejam tar, não responder ao nome etc.). O
determinantes para o diagnóstico do quadro, es-
pera-se que o bebê de 1 ano e meio, por exemplo,
questionário de triagem de nome
M-CHAT, indicado para utilização
AO CRESCER, OS SINTOMAS DESAPARECEM?
consiga pronunciar frases simples e curtas – o que De acordo com um estudo divulgado pela revista Child Psychology and Psy-
aos 18 meses, que é de fácil uso, chiatry, algumas crianças diagnosticadas com autismo quando pequenas
a maioria dos autistas não faz.
possui 23 itens, dos quais seis são tendem a perder seus sintomas quando crescem. “Apesar de o autismo co-
Segundo os especialistas consultados, existem fa-
os mais importantes a atentar: mumente persistir durante toda a vida, essa descoberta permite cogitar que
mílias que, num primeiro momento, cogitam que
interesse da criança por outras essa síndrome poderia experimentar evoluções diversas”, declarou Thomas
a criança seja surda. Por isso, para ter certeza e
crianças, atenção para apontar Insel, diretor do Instituto Americano de Saúde Mental (NIMH).
menos especulação, são realizados a audiometria
algo de seu interesse, trazer ob- O estudo, de autoria da doutora Deborah Fein, da Universidade de Connecticut,
e outros exames. Nessa fase, a criança também
jetos (brinquedos) para mostrar, foi feito com 34 jovens de 18 a 21 anos, que tinham sido diagnosticados em
pode manifestar movimentos peculiares: balança as
imitar os adultos, responder ou idades muito precoces e que, com o desenrolar dos anos, passaram a ter
mãos ou o corpinho para a frente e para trás. Em
olhar quando o(a) chamam pelo uma vida dentro dos padrões normais, não apresentando mais problemas de
crianças um pouco mais velhas, os sinais vão fican-
nome, acompanhar com o olhar expressão, comunicação, reconhecimento de rostos ou socialização.
do mais perceptíveis: quadros mais severos incluem
se os pais apontarem para um Os efeitos dessa pesquisa induzem a acreditar que as dificuldades de socia-
intolerância, impulsividade, irritabilidade, frustração,
brinquedo do outro lado da sala. lização quando eram crianças pareciam ser menos graves, embora tenham
autoagressão. Elas também podem despontar em
Na ausência desses comporta- sofrido problemas de comunicação e movimentos repetitivos tão severos
uma habilidade específica, como desenhar preco-
mentos, como se pode verificar já quanto os demais autistas.
cemente, fazer cálculos, decorar falas específicas.
nessa idade, há sinais de prejuízo Os cientistas usaram testes cognitivos e de observação comum, bem como
Exames adicionais podem diagnosticar outras
das três áreas (interação, comu- questionários remetidos aos familiares. E a condição imposta aos jovens foi a
doenças que possam provocar sintomas pareci-
nicação e comportamentos) que de que teriam de estar matriculados na escola ou na universidade e de não ser
dos. Se o médico não demonstrar clareza e os pais beneficiados por nenhuma assistência para autistas.
suspeitarem que há algo estranho, é aconselhável formam os critérios clássicos de
O estudo também concluiu que todas as crianças autistas são capazes de
procurar grupos de apoio a crianças autista para a diagnóstico de autismo infantil.
progredir com as terapias intensivas.
confirmação do quadro.

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CAPÍTULO 6

DIAGNÓSTICO
DO AUTISMO
O transtorno pode ser difícil de ser
detectado, mas há testes e estudos MODIFIED CHECKLIST FOR AUTISM IN TODDLERS (M-CHAT)
científicos em andamento que podem Preencha as questões abaixo sobre como seu filho geralmente se comporta.
indicar sua presença Caso o comportamento na questão seja raro (ex.: você só observou uma ou duas
vezes), por favor, responda como se seu filho não tivesse tal comportamento.

É o desejo de todos os médicos e da população em geral,


mas ainda não existe nenhum exame laboratorial capaz
de confirmar uma hipótese diagnóstica de autismo. O
possível a ser feito, até o momento, é uma observação
clínica da criança, pela história de vida e pelo preenchi-
1
2
3
4
Seu filho gosta de se balançar, de pular no seu joelho etc.?
Tem interesse por outras crianças?
Gosta de subir em coisas, como escadas ou móveis?
Gosta de brincar de esconder?
Já brincou de, por exemplo, fazer de conta que está falando ao tele-
SIM
SIM
SIM
SIM
NÃO
NÃO
NÃO
NÃO

mento de alguns questionários que ajudam a formular o


5 fone ou que está cuidando da boneca, ou qualquer outra brincadeira SIM NÃO
diagnóstico, como, por exemplo, o M-CHAT (questioná-
parecida?
rio que tem uma versão em português). Além disso, por
vezes podem-se investigar causas relacionadas com 6 Aponta com o dedo indicador para pedir alguma coisa? SIM NÃO
deficiências auditivas e visuais, erros inatos do meta- 7 Aponta com o dedo indicador para mostrar interesse em alguma coisa? SIM NÃO
bolismo (exame feito na urina ou no sangue), intoxica- Consegue brincar de forma correta com brinquedos pequenos (car-
ção por chumbo e por cobre, entre outros. O processo
8 ros ou blocos), sem apenas colocar na boca, remexer no brinquedo SIM NÃO
também pode levar anos (filas de espera), benefician-
ou deixar o brinquedo cair?
do poucos e garantindo que milhares de centenas de
autistas jamais receberão seu diagnóstico ou alguma
9 Alguma vez trouxe objetos para mostrá-los a você? SIM NÃO
forma de tratamento.
O seu filho olha para você no olho por mais de um segundo ou
10 SIM NÃO
M-CHAT (MODIFIED CHECKLIST 11
dois?
É muito sensível aos ruídos (por exemplo, tapa os ouvidos)? SIM NÃO
FOR AUTISM IN TODDLERS) 12 Sorri como resposta às suas expressões faciais ou ao seu sorriso? SIM NÃO
Desenvolvida em 2001 pelos pesquisadores neurais
O seu filho o imita (por exemplo, você faz expressões ou caretas e
Robins D.L., Fein D., Barton M.L. e Green J.A., é uma 13 SIM NÃO
escala para rastreamento de autismo precoce, que visa seu filho o imita)?
identificar indícios desse transtorno em crianças entre 14 Responde/olha quando o chamam pelo nome? SIM NÃO
18 e 24 meses. Apesar de ser aplicada durante visitas Se você apontar para um brinquedo do outro lado da sala, ele
pediátricas, a M-CHAT é extremamente simples e não 15 SIM NÃO
acompanha com o olhar?
precisa ser administrada por especialistas. Essa escala
consiste em 23 questões do tipo “sim” e “não”, que 16 Já sabe andar? SIM NÃO
devem ser preenchidas pelos pais que sejam ao me- 17 Olha para as coisas que você está olhando? SIM NÃO
nos alfabetizados e estejam acompanhando o filho em 18 Faz movimentos estranhos com os dedos perto do rosto dele? SIM NÃO
consulta pediátrica. Do número total de questões, 14
delas foram desenvolvidas com base em uma lista de 19 Tenta atrair a sua atenção para a atividade dele? SIM NÃO
sintomas frequentemente presentes em crianças com 20 Você alguma vez já se perguntou se seu filho é surdo? SIM NÃO
autismo. Resultados superiores a “3” (falha em 3 itens 21 Ele entende o que as pessoas dizem? SIM NÃO
no total) ou em “2” dos itens considerados críticos, que
22 Às vezes fica aéreo, "olhando para o nada" ou caminhando sem direção? SIM NÃO
são eles os de números 2, 7, 9, 13, 14 e 15, após con-
firmação, justificam uma suspeita e, então, as crianças 23 Olha para o seu rosto para conferir a sua reação quando vê algo estranho? SIM NÃO
devem ser avaliadas por um médico.
Fonte: site autismoerealidade.org.br
COTAÇÃO: a tabela abaixo registra as respostas consideradas falhas para cada um dos
itens do M-CHAT. As questões em negrito representam os itens CRÍTICOS.

1 - Não 2- Não 3 - Não 4 - Não 5 - Não 6 - Não 7 - Não 8 - Não 9 - Não 10 - Não

11 - Sim 12 - Não 13 - Não 14 - Não 15 - Não 16 - Não 17 - Não 18 - Sim 1 9- Não 20 - Sim

21 - Não 22 - Sim 23 - Não

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ANTES DOS SEIS MESES BASTA UMA PICADA
Ainda que os sinais do espectro autista passem a
eclodir a partir do primeiro ano de vida, os proces-
sos cerebrais atrelados à comunicação sofrem alte-
TEORIA DA MENTE
As principais diferenças encontradas estavam
“O diagnóstico de autismo é clínico, com questionários aplica-
dos por médicos, familiares e responsáveis nas escolas. Mas
em áreas visuais do córtex ligadas à produção de o aCGH (Hibridização Comparativa do Genoma por Array) é um
rações que desencadeiam o transtorno antes disso. exame que pode confirmar o autismo”, explica o geneticista
É o que implica os resultados preliminares de uma expressões faciais e à chamada “teoria da men-
te”: a habilidade de tentar entender emoções de Filippo Vairo, do Lig Diagnósticos.
pesquisa conduzida pelo pesquisador Jason J. Wolff, Para o teste, pedido por um neurologista pediátrico, basta uma
da Universidade Chapel Hill, Carolina do Norte, nos outras pessoas e de si próprio e de criar empatia.
Algumas partes do cérebro relacionadas à sensa- coleta de sangue simples em clínica laboratorial para extração
EUA, publicada pelo American Journal of Psychiatry. de DNA. “O exame é uma ferramenta que detecta algumas
Os pesquisadores investigaram o desenvolvimento ção do self (a noção de presença de um eu dentro
do corpo) também estavam subativadas durante causas genéticas de autismo, como ganho ou perda de regiões
cerebral de 92 recém-nascidos, todos com um ir- cromossômicas. Por meio do resultado, é possível fazer o acon-
mão mais velho autista, e assistiram às mudanças as análises de Feng.
O cientista e seu grupo descrevem suas descober- selhamento genético do casal para o caso de uma próxima gra-
na organização neurológica ao longo do tempo por videz, por exemplo”, conta.
meio de exames de ressonância magnética. Por vol- tas em um estudo na revista Brain. O trabalho su-
gere que o novo método também pode ser usado Segundo Filippo, o aCGH deve ser feito por pessoas com atraso
ta dos 2 anos, 28 crianças haviam desenvolvido o do desenvolvimento, autismo ou más-formações congênitas,
autismo, enquanto 64 não. A incidência do transtor- para isolar áreas cerebrais envolvidas em Trans-
torno Obsessivo-Compulsivo e esquizofrenia, independentemente da idade. “Muitas vezes, os sintomas des-
no entre irmãos sugere, então, correlação genética. sas alterações cromossômicas somente se manifestam ou são
Na busca pela prevenção, principalmente se você já outras doenças malcompreendidas do ponto de
vista funcional. percebidos quando a criança já estiver mais crescida”, lembra.
tem um filho autista, há a recomendação de testes
Os pesquisadores afirmam que ainda é preciso
de DNA, que têm excelente precisão. Como os sin-
tomas da síndrome do cromossomo X frágil se as- realizar mais testes para comprovar se o exame é SALIVA COMO PROVA
realmente eficiente, mas estão otimistas. Em exa- Um grupo de pesquisadores da Clarkson e da State Uni-
semelham aos de outros distúrbios que envolvem o versity of New York, EUA, liderados pelos pesquisadores
desenvolvimento intelectual, como o autismo, esse mes com 60 pessoas, entre 7 e 26 anos, a eficiên-
cia foi de 95%. “O paciente mais jovem que testa- Armand Wetie e Alis Woods, propôs em 2015 um método
modelo de diagnóstico pode ser feito para confirmar para o diagnóstico de autismo: um simples exame de saliva.
alguns indícios. mos tinha 7 anos, mas estamos realizando testes
em crianças de 3”, diz Nicholas Lange, da Harvard Examinando a saliva de seis jovens autistas na faixa de 6 a 16
O exame do X frágil deve ser recomendado para anos e comparando a um grupo controle constituído por jovens
indivíduos de ambos os sexos que apresentem Medical School.
Além da rapidez no diagnóstico, o exame pode neurotípicos (sem sintomas do transtorno), os pesquisadores
histórico familiar de deficiência intelectual ou de detectaram na saliva dos jovens autistas um aumento signifi-
desenvolvimento, como o autismo. contribuir também para o tratamento, que, con-
forme já se sabe, precisa começar quanto antes cativo de nove proteínas e a diminuição ou ausência de outras
O diagnóstico pré-natal pode ser feito no embrião, três. As proteínas identificadas tinham uma função diretamente
do qual uma célula é retirada para análise dos ge- para dar resultados satisfatórios. Atualmente, há
um caso de autismo no mundo para cada grupo relacionada ao sistema imunológico e a distúrbios digestivos.
nes. Casais com histórico de autismo submetem-se Para a realização do exame científico, os pesquisadores
a um procedimento de fertilização in vitro para que de 100 pessoas.
Método parecido, por meio de exame de imagem, lançaram mão de uma tecnologia sofisticada: a espectro-
os embriões gerados sejam analisados. metria de massa amparada por conhecimentos fornecidos
Segundo a Associação de Amigos do Autista, demais vem sendo desenvolvido no Brasil. Os pesquisa-
dores do Instituto Fernandes Figueira, da Fiocruz por um novo ramo da ciência: a proteômica, que tem por
exames como EEG, RNM, erros inatos do metabolis- objetivo estudar a estrutura e função de milhares de proteí-
mo, teste do pezinho, sorologias para sífilis, rubéola (Fundação Oswaldo Cruz), no Rio de Janeiro, uti-
lizam o eletroencefalograma computadorizado nas produzidas em nosso organismo obedecendo a instru-
e toxoplasmose, audiometria e testes neuropsicoló- ções fornecidas pelos nossos genes.
gicos podem ser necessários para investigar causas para fazer uma varredura cerebral no paciente.
O exame amplia e mede as correntes eletromag- Se confirmado por outros grupos de pesquisadores, o estudo
e outras doenças associadas. poderá oferecer um diagnóstico rápido do autismo, permitindo
néticas no cérebro em diversas frequências e
permite verificar as ligações entre os grupos de uma intervenção terapêutica precoce, garantindo um bom prog-

MAPA CEREBRAL
Já se sabia por estudos em cérebros de cadáve-
neurônios.
Adaílton Tadeu Alves de Pontes, neurologista in-
fantil e um dos coordenadores da pesquisa, afir-
nóstico para os pacientes.

EXAME DE URINA
res que uma parcela da população autista tem o ma que as imagens obtidas com o mapeamen- Em 2010, cientistas do Imperial College de Londres descobriram
córtex (a camada de superfície do cérebro) mais to são comparadas com as do cérebro de uma uma forma de detectar o transtorno em crianças a partir dos 6
espesso do que a população sem o transtorno. criança sem o transtorno. Na verificação da rela- meses de vida. O autor do estudo, Jeremy Nicholson, explicou
Um novo estudo, proposto em 2015 e liderado ção de uma área com outra, segundo o médico, que as crianças autistas têm uma bactéria nos intestinos que
por Jianfeng Feng, da Universidade de Warwick, as crianças com autismo apresentam uma res- pode ser detectada por meio do exame de urina EAS tipo 1, an-
na Inglaterra, conseguiu uma resolução para posta diminuída no hemisfério cerebral direito em tes que apareçam os primeiros sintomas do transtorno. O EAS
estudos funcionais do cérebro. Nesse tipo de relação ao esquerdo, ou seja, há uma deficiência é o exame de urina mais simples, feito por meio de coleta de
trabalho, a ressonância magnética é usada para de ativação no hemisfério direito do autista. 40/50 ml de urina em um pequeno pote de plástico, e que pode
produzir pequenos “filmes” do cérebro em ação. O estudo continuará e pretende ampliar a amos- ser solicitado pelo psiquiatra.
Com uma nova técnica de geração das imagens, tra de crianças analisadas, incluindo autistas com Essa descoberta faz que um intenso tratamento centrado na
Feng conseguiu separar cérebros humanos em inteligência normal e outros com problemas de conduta social do paciente possa começar antes que o autismo
mais de 37 mil áreas distintas, que poderiam ser linguagem para que futuramente possa ser efe- cause danos psicológicos permanentes.
analisadas independentemente. Para o estudo tuada uma comparação dessas crianças com ou- A equipe científica que realizou a pesquisa considera que a re-
sobre autismo, os cientistas compararam re- tras que possuam patologias neuropsiquiátricas lação entre a bactéria intestinal e as dificuldades na aprendiza-
sultados da análise do cérebro de 523 pessoas diferentes e conhecer como funciona a resposta gem pode abrir o caminho para tratamentos probióticos contra
autistas com 452 não autistas. cerebral nesses casos. o autismo.
De acordo com Dirk Belau, psicólogo pela Uni- Há pesquisas anteriores realizadas com cérebros Os pesquisadores submeteram crianças entre 3 e 9 anos, das
versidade de Brasília (UnB), hoje em dia não de autistas que já relatam desequilíbrios em neu- quais 39 com autismo, 28 sem autismo (esses dois grupos com
existe ainda tal exame que demonstre isso. No rotransmissores, que são substâncias químicas irmãos autistas) e 34 sem autismo (sem irmãos autistas), a res-
entanto, caso haja suspeita, o encaminhamento que ajudam as células nervosas a se comunicar. sonâncias magnéticas, endoscopias e análise químicas.
para o neurologista é a melhor solução, que, de Estas explicam o comportamento do autista, mas O estudo revelou que as crianças não autistas, mas com irmãos
acordo com o caso, poderá ou não pedir um exa- ainda não há nada definitivo ou que ajude na que tinham a doença, apresentavam uma análise química dife-
me de ressonância magnética. identificação da doença. rente da dos que não tinham irmãos autistas, enquanto a das
crianças com autismo era diferente das dos outros dois grupos.

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CAPÍTULO 7

O CURSO DO
TRANSTORNO
A percepção sensorial do autista é desordenada e afeta
diretamente o corpo e a mente. Isso quer dizer que ele está sujeito
a ter os cinco sentidos afetados por hiper ou hipossensibilidade

A ciência nunca fez tantas descobertas sobre o desen-


volvimento da mente autista como tem feito recente-
mente. A procura por diagnósticos cresceu também e
a divulgação pela mídia tem feito que os estudos sobre
o autismo recebam mais dedicação – e mais patrocínio.
OLHAR DESVENDADO
Fora os testes com ressonância magnética, os cientistas da Yale usaram uma máquina, que lem-
bra um capacete e possui duas microcâmeras de raios infravermelhos, para monitorar a direção
dos olhos do autista diante de um rosto humano e assim entender melhor como ele encara a
realidade. Uma das lentes da máquina filma os olhos e registra as oscilações oculares. A outra
Pouco tempo atrás, os médicos apenas sabiam que os
grava, a partir da perspectiva do autista, o que está sendo mostrado. Em uma sala, os especialis-
portadores de autismo não possuíam o que a psiquiatria
tas acompanharam pelo monitor como os pacientes estão reagindo. E qual a conclusão? “Quase
classificou de Teoria da Mente: a noção de que temos
todos miram a boca das pessoas, dificilmente o autista foca o olhar ou a face completa”, revela
de perceber que existe o “eu” e uma visão particular o pesquisador Ami Klin.
das coisas em oposição ao “outro” e sua também visão O teste confirmou a dificuldade que os autistas têm para interpretar rostos humanos. Sem essa
única de mundo. Isso sintetiza bem o desafio que o au- percepção, o convívio social fica seriamente comprometido. Afinal, como ele pode criar ou manter
tista tem de perceber o estado emocional dos outros e relacionamentos se é incapaz de perceber a alegria ou tristeza dos outros? Se não demonstra
de prever suas reações, mesmo que sejam corriqueiras. atenção ou mesmo não encara alguém? Sem falar na apatia às segundas intenções, ao sentido
A fim de compreender esse distanciamento das pesso- implícito de uma conversa, ou de um gesto e de um olhar.
as, cientistas da Universidade de Yale, nos EUA, reali- Num cérebro considerado normal pela medicina, a visão de faces humanas é tarefa do giro fu-
zaram um exame, por meio de um específico aparelho siforme, uma pequena região no córtex cerebral, que é ativada no reconhecimento facial. Nosso
de ressonância magnética, para entender o que ocorre olhar tende sempre a seguir a trajetória dos rostos. No cérebro de um autista, as imagens de
dentro do cérebro de um autista quando ele interage rostos são processadas pela região usada para a percepção de objetos inanimados, chamada
com outros seres humanos. O que se descobriu a par- de giro inferior temporal, de acordo com Kim Dalton, cientista-assistente da Universidade de
tir das imagens mostradas é que, enquanto as pessoas Wisconsin-Madison, nos EUA.
sem o transtorno usam certas áreas do cérebro para fa- Dalton, com a ajuda de Richard Davidson, professor de psiquiatria e psicologia da universidade,
zer o reconhecimento de faces humanas e outras para também descobriu por meio desse tipo de teste de visão que as crianças que sofrem de autismo
discernir objetos, quem tem autismo ativa a mesma passam menos tempo com o olhar fixo nos olhares das fotografias. O grupo autista “mostrou uma
região para exercer as duas funções. “Isso esclarece a maior ativação da amígdala e do giro orbifrontal”, áreas integradas a respostas emocionais, se-
indiferença no contato humano”, concluiu Ami Klin, psi- gundo Dalton. Essas conclusões revelam que, para os autistas, focar em rostos causa a ativação
quiatra da Universidade de Yale. de centros emocionais, terminando em uma postura arisca.

VANTAGENS DA AUDIÇÃO
Alguns autistas têm um excelente ouvido para a música e uma memória excep-
cional. Em compensação, também podem sofrer para entender o significado de
melodias e não conseguem escrever redações até o fim, simplesmente porque não
conseguem abstrair. O curioso é que essas dificuldades que eles têm para criar
fantasias e imaginar situações podem estar profundamente relacionadas à sua
aguçada capacidade de ouvir e reter informações e lembrar delas depois. “Quando
era menina, lembro de minha mãe dizendo sempre: ‘Temple, está me ouvindo?
Olhe para mim’. Às vezes eu tentava, mas não conseguia. E nenhum som se intro-
metia na minha fixação. Era como se eu fosse surda. Nem mesmo um barulho forte
e repentino conseguia me assustar ou fazer-me sair do meu mundo”, afirmou uma
vez Temple Grandin, autista e autora do livro O Cérebro Autista: Pensando Através
do Espectro. Por causa de relatos como esse, pesquisadores da Universidade Esta-
dual de Ohio, nos EUA, se propuseram a examinar cerca de 20 pessoas, sendo oito O ENIGMA DA FALA
delas autistas, e concluíram que o segundo grupo foi superior em alguns testes. Algumas crianças autistas desenvolvem mais a capacidade de linguagem
O motivo? O desafio que eles têm de perceber o contexto transmuta-se numa do que outras, pois desde que são bebês apresentam uma maior atividade
vantagem para registrar coisas específicas, como letras e números. Entre as pes- neuronal nas áreas do cérebro responsáveis pela função, segundo um
soas comuns geralmente acontece o inverso: ao ouvir a palavra sol, por exemplo, recente estudo publicado na revista científica americana Cell.
o cérebro faz instantaneamente uma série de associações indiretas: calor, fim de De acordo com um dos autores dele, Eric Courchesne, do Centro de
semana, verão, praia, churrasco... Enfim, aciona tudo que remete ao contexto da Autismo da Universidade da Califórnia, nos EUA, o autismo pode gerar
palavra, aceita interpretações etc. Já os autistas não coordenam sol com verão ou consequências clínicas variadas em crianças pequenas, já que algu-
com fim de semana. “A dificuldade é que a contextualização é decisiva em quase mas apresentam capacidade de linguagem desenvolvida e outras não.
todas as etapas de aprendizado”, afirma David Beversdorf, coautor do estudo pro- Nos bebês autistas que desenvolvem uma boa habilidade para falar, a
posto pela Universidade de Ohio. atividade neuronal nas áreas do cérebro responsáveis pela linguagem é
similar à das crianças sem o transtorno.

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No entanto, nos que não aprendem a falar ou aparentam pou- ou na pele, repetição de ruídos ou frases desconexas, tronco
ca capacidade de comunicação, essa atividade se demonstrou balançando de frente para trás, estalada de dedos e batidas O QUE PODE
quase inexistente.
Para realizar o estudo, que tem por objetivo encontrar, por
de cabeça.
Em casos mais graves, o comportamento repetitivo às vezes
SUPERESTIMULAR
meio da fala dos autistas, causas e tratamentos específicos inclui autolesões. “Algumas pessoas com autismo envolvem- A MENTE DE UM
para esses dois diferentes tipos de casos, os cientistas anali-
saram 60 crianças e bebês com autismo e 43 sem a síndrome,
se em acidentes provocados, por exemplo, por baterem a ca-
beça várias vezes contra a parede ou esfregarem a pele até
AUTISTA?
Antes de tudo, é necessário
e usaram imagens de ressonância magnética funcional, que sangrar, como se tivessem algum tipo de coceira”, observa ser realizada uma avalia-
revela as regiões cerebrais que executam determinada tarefa. Akin-Little. ção na criança autista para
Para essa avaliação, os pesquisadores utilizaram uma me- Algumas teorias sugerem que a causa disso esteja relacio- ver o que ela sabe e não
todologia própria do Centro de Autismo da Universidade da nada a um tipo de resposta a uma sensação ou experiência. sabe e o que ela deveria já
Califórnia que registra a atividade cerebral enquanto os pa- Por exemplo, uma pessoa com autismo pode balançar o corpo ter aprendido em relação
cientes escutam fábulas infantis. A capacidade de desenvol- para a frente e para trás quando se vê angustiada, a fim de à sua idade. Deve-se tam-
ver a linguagem na infância demonstrou estar diretamente se acalmar. Em algum outro caso, pode bater palmas quando bém considerar que não se
ligada a padrões normais de atividade neuronal nas regiões se sente animada, como, por exemplo, excitada em ver que pode apenas focar em ati-
do cérebro, incluindo a face superior do lóbulo temporal. seu filme favorito está passando na TV. Outros estudos pro- vidades pedagógicas, mas
“Porém, as crianças autistas com pouca ou quase nenhuma põem que os gestos repetitivos podem estar relacionados à também nas de vida práti-
capacidade de linguagem mostraram muito pouca atividade maneira como os autistas processam informações. Por exem- ca e básica, que, na maioria
na face superior do lóbulo temporal desde que eram recém- plo, podem estalar os dedos repetidamente enquanto ouvem das vezes, são as que mais
nascidas”, observou Michael Lombardo, da Universidade do música. Essas observações conduzem os cientistas a ques- devem ser trabalhadas,
Chipre, que também participou do estudo. tões mais complexas, como saber ou não se a repetição seria pois delas dependem a
Os cientistas concluíram, além disso, que quando são com- uma forma de comunicação. “As ações repetitivas poderiam coordenação motora, a au-
binadas a testes de comportamento, as diferenças neuronais ser interpretadas como mensagens, como ‘Eu não gosto dis- tonomia, a compreensão do
ajudariam a prever o nível de desenvolvimento da linguagem so’, ou ‘Isso me faz feliz’”, observa a pesquisadora Akin-Little. mundo e, por fim, a alfabe-
na infância. A eficácia dos resultados dessa combinação foi de Embora as causas a respeito do comportamento repetitivo tização de um autista.
80%, comparado com 68% quando feita isoladamente. precisem de mais aprofundamento, estudos recentes sugerem Um trabalho inicial de es-
que pessoas autistas apresentam determinadas anormalida- tímulo pode ser o de en-
MOVIMENTOS REPETITIVOS des cerebrais, com deformidades. Em maio de 2008, a Univer-
sidade de Hofstra anunciou que essas deficiências no cérebro
contrar coisas que atraem
Pessoas com autismo podem apresentar também variá- essas crianças, como
veis nos níveis de comportamento repetitivo. “Geralmente afetariam as habilidades cognitivas dos autistas e produziriam alimentos, brinquedos, fi-
começam aos 2 ou 3 anos de idade e às vezes podem ser desequilíbrios nos neurotransmissores, podendo, assim, pro- guras ou qualquer coisa
extremos durante os anos pré-escolares”, comenta Ange- duzir o comportamento incomum. que elas constantemen-
lique Akin-Little, professora e psicóloga da Universidade No estudo feito pela instituição com 18 autistas e 15 pessoas te busquem e gostem de
de Hofstra, nos EUA. A pesquisadora, porém, afirma que, com desenvolvimento cerebral médio, os cientistas usaram o ter. Por exemplo, supondo
como as crianças afetadas se desenvolvem com o pas- recurso da ressonância magnética funcional para descobrir que ela se interesse por
sar dos anos, isso não acontece em todos os casos, es- como as diferentes regiões do cérebro responderiam às ativi- ursinhos, pode-se fazer
pecialmente naqueles em que há tratamento com terapia. dades cognitivas. O resultado mostrou que os autistas manti- o seguinte treino: o tera-
Essas condutas podem variar de um simples movimento de nham menor atividade no córtex pré-frontal, no córtex parietal peuta fisicamente sugere
mão a um complexo ritual físico. Os mais comuns de ser ob- e nos gânglios da base do que as pessoas com um nível de a ela que apanhe o que
servados são: palmas a todo instante, puxões no próprio braço desenvolvimento cerebral médio. está na mão de sua mãe,
por exemplo, e coloque-o
na mão aberta do pai. En-
PALADAR ALTERADO quanto o ursinho é tirado
de uma mão e colocado em
Um estudo encomendado pela Universidade do Estado da Pensilvânia, nos EUA, com- outra, o terapeuta diz: “Ah!
parou os hábitos alimentares de crianças comuns com os das diagnosticadas com Você quer um ursinho!” E
transtornos do espectro autista. Ele sugeriu que as com algum grau de autismo têm um
imediatamente devolve o
nível maior de seletividade alimentar (cerca de 80% delas). Elas apresentaram hábitos
bicho para a criança. O te-
similares às do Transtorno Alimentar Seletivo (TAS), que previne o consumo de certos
rapeuta não diz mais nada
alimentos. Esse transtorno geralmente é observado como uma fase da infância que
até que a criança devolva
desaparece com a idade. Porém, o que não é raro de acontecer, o transtorno pode não
o ursinho a um dos pais.
desaparecer e continuar até a fase adulta.
Lentamente, a ajuda física
Os indivíduos autistas afetados pelo TAS têm dificuldade com alimentos com textura
para apanhar o brinquedo é
ou aroma. Para eles, os “alimentos seguros de se ingerir” podem ser limitados a certos
retirada e, da mesma forma,
tipos de sabores ou até mesmo a marcas específicas. Em alguns casos mais graves,
a ajuda para deixá-la nas
chegam até a excluir grupos inteiros, como frutas ou verduras. Também podem re-
mãos dos pais. Com pouco
cusá-los pela cor. Ou ainda podem preferir somente os de preparo bem quente ou bem
tempo de várias interações,
gelado, bem crocante ou bem macio, ou ainda alimentos sem nenhum molho.
a criança tem a iniciativa
A maioria dos indivíduos possui um corpo saudável ou um peso normal. “Isso quer dizer
de começar a interagir, to-
que não é possível identificar um autista afetado pelo Transtorno Alimentar Seletivo por
mando o urso e entregan-
meio da sua aparência”, explica Dasha Nicholls, psiquiatra do Hospital Great Ormond,
do-o para o pai ou a mãe.
em Londres, na Inglaterra.
Jogos, exercícios e até
Os indivíduos afetados podem ter reações gastrointestinais como náuseas, vômito ou
mesmo a tela sensível de
engasgos ao tentar ingerir alimentos que não fazem parte da sua rotina. Alguns estudos
um tablet estimulam a con-
identificaram sintomas de evasão social devido aos seus hábitos alimentares. Apesar
centração e se tornam com-
disso, a maioria dos adultos que sofrem desse mal não se interessa em mudar isso.
plemento das terapias rea-
As crianças são mais propensas a superar seus hábitos alimentares seletivos, mas mes-
lizadas com profissionais.
mo assim é recomendado levá-las a um nutricionista para resolver os seus problemas
Não há contraindicação.
com o garfo e a faca.

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CAPÍTULO 9

MEDICAMENTOS
E INTERVENÇÕES
PSICOEDUCACIONAIS
Os tratamentos mais empregados são da linha comportamental
(ABA e Teacch). Já para a comunicação, é usada a técnica
alternativa PECS. Remédios também atenuam alguns sintomas

ABA (APPLIED a criança possa reconhecer onde ficam as atividades


relacionadas a ela e assim colocá-las em prática.
BEHAVIOR ANALYSIS) Mônica Ximenes, presidente da Associação dos Ami-
gos dos Autistas (AMA-AL), relatou que o TEACCH tra-
O ABA decorre da linha de tratamento classificada
como terapia comportamental, que é usada para balha com aprendizagem mediante sinalização visual.
reduzir os comportamentos inadequados e aumen- “Quando a criança olha para a tarefa, a própria ativi-
tar os desejados por meio de recompensas. Por dade já indica o que precisa ser feito. Então, isso traz
exemplo, se um menino consegue atrair a atenção uma autonomia e uma independência para a criança,
dos pais ao bater a cabeça contra a parede (muitas porque ela não precisa de ajuda para entender a pro-
crianças com autismo se autoagridem), ele assimi- posta, o que ajuda a evitar distrações. A porta de en-
la que, com esse comportamento, pode alcançar o trada de aprendizagem do autista é visual, por isso ele
que deseja. precisa de estruturas apoiadas neste modelo.”
É importante que a modificação de comportamen- O recomendado é que o espaço não tenha nenhum
tos desafiadores seja feita gradualmente, sendo a estímulo que possa distrair a criança, como barulhos,
redução da ansiedade e do sofrimento o objetivo. pessoas circulando toda hora, janela com visão para
Isso é feito pelo estabelecimento de regras claras a rua, objetos chamativos pendurados na parede e
e consistentes (nas quais o comportamento não é brinquedos visíveis. A classe é separada em pequenos
admitido ou permitido); uma modificação gradati- setores para a criança não ter desatenção, com ante-
va; identificação de funções subjacentes, tais como paros entre um aluno e outro.
ansiedade ou incerteza; mudanças ambientais Dependendo do grau de gravidade do transtorno, ela
(mudança nas atitudes ou tornar a situação mais não precisa frequentar um ambiente pedagógico com
previsível) e transformação das obsessões em ati- esse método, e, sim, uma escola regular.
vidades adaptativas. Num primeiro instante os atendimentos podem ocorrer
O programa de ensino também é individualizado, ge- de forma sistemática durante três vezes por semana
ralmente ocorrendo em situação de “um para um” e com duração de duas horas, aumentando progressiva-
envolvendo as diversas áreas do desenvolvimento: mente, para não sobrecarregar a criança com o início
acadêmica, de linguagem, social, verbal, motora, de do processo.
brincar, pedagógica e atividades da vida diária.
O ABA é um programa intensivo e deve ser feito de
20 a 30 horas por semana. É importante ressaltar PECS (PICTURE EXCHANGE
que ele não cria aversão e que rejeita qualquer tipo
de punição.
COMMUNICATION SYSTEM)
É um método de comunicação alternativa para indi-
A participação dos familiares é de grande contribuição víduos que não conseguem falar, mas apontam para
para seu sucesso e assegura a generalização e ma- figuras – que representam objetos ou situações –
nutenção de todas as habilidades aprendidas por ela. como forma de conversação. Segundo José Salomão
Schwartzman, especialista em neurologia infantil, é
TEACCH (TREATMENT AND errado pensar que o método pode atrapalhar o de-
senvolvimento da fala das pessoas com autismo. Pelo
EDUCATION OF AUTISTIC AND contrário, ele ensina uma forma alternativa de comu-
RELATED COMMUNICATION nicação, que pode até ajudar a fala.
A metodologia também enfatiza o ensinamento de
HANDCAPPED CHILDREN) como uma pessoa se aproxima da outra para iniciar a
Desenvolvido na Universidade da Carolina do Norte, comunicação interativa. Muitas pessoas são capazes
em Chapel Hill, e iniciado em 1972 por Eric Scho- de falar usando uma linguagem rica, porém só o fazem
pler, o TEACCH também é um método comporta- se alguém iniciar uma abordagem.
mental que se baseia no pressuposto de que os au- Há terapeutas que exploram o PECS para expandir o
tistas respondem bem aos sistemas organizados, vocabulário. Para pessoas que falam apenas palavras
ou seja, o ambiente deve ser preparado por meio soltas, mas não formulam frases simples, por exemplo,
de rotinas exibidas em quadros e murais, para que pode ajudar a melhorar o discurso.

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REMÉDIOS AJUDAM?
Embora não haja medicamentos específicos para o autismo, eles atenuam sintomas como agressividade e depressão. Um deles, conhecido como ris-
peridona, é usado para tratar psicoses. Isso quer dizer que ele tem um efeito benéfico sobre certo número de problemas relacionados ao pensamento
e às emoções. Segundo o fabricante, a risperidona é recomendada para o tratamento de transtornos do comportamento, nos quais os sintomas como
agressividade, problemas psicomotores ou sintomas psicóticos são comuns. Além do uso em pessoas com autismo, o medicamento é usado para os
tratamentos de esquizofrenia e transtorno bipolar. A risperidona está disponível em comprimidos e em solução oral que facilita à administração em
pacientes pediátricos, que normalmente demandam ajuste fino da dose.
Antidepressivos, que estimulam a produção cerebral de serotonina, um neurotransmissor, também seriam eficazes em amortizar os movimentos de
mão repetidos nos transtornos obsessivo-compulsivos, mas um estudo, encomendado pela Colaboração Cochrane, organização internacional da área
da saúde, revelou que essas drogas não aliviaram os movimentos repetidos comuns no autismo. Por outro lado, outra pesquisa, realizada pelo Centro
Nacional de Pesquisa Científica francês, com 13 adolescentes portadores da Síndrome de Asperger, descobriu que medicamentos à base do hormônio
ocitocina desencadeariam a fase REM – o que é positivo, pois, em geral, há uma forte ligação entre a síndrome e os distúrbios do sono –, além de
propiciarem um melhor desempenho na identificação de imagens faciais.

CONTRIBUIÇÃO DO ESPORTE
O autista tratado com esporte e não somente com medicamentos pode ter
uma evolução mais rápida e humana.
Em 2006, no IX Congresso de Educação Física e Ciências do Desporto dos
Países de Língua Portuguesa, a professora Sonia Toyoshima revelou, por meio
de um estudo, que as práticas esportivas auxiliam na autoestima, interação e
na autoconfiança e ampliam os meios de comunicação interpessoal.
A professora listou as seguintes atividades: correr, subir (escadas), lançar
bolas ou objetos, atividades de equilíbrio, danças, caminhadas, rolar, saltar,
sentar, levantar, deitar em diferentes posições, habilidades simples com bola
e outras que expandem os relacionamentos interpessoais, assim como as
atividades de relaxamento.
O único cuidado enfatizado é para a não realização de atividades que façam
os alunos se agitarem excessivamente – como saltar e fazer agachamento.
Outra questão é para que os professores considerem a medicação utilizada,
pois ela interferirá na frequência, duração e intensidade do trabalho.

DROGAS DE ALTO RISCO


Alguns médicos prescrevem para o autismo, na verdade, remédios aplicados
para outras doenças. Os compostos incluem Lupron (usado também para tra-
tar câncer de próstata), que reprimiria comportamentos agressivos ou expli-
citamente sexuais de crianças autistas com eventuais níveis excessivos de
hormônios. Os médicos também receitam Actos (medicamento utilizado na
diabetes e em pacientes com leucemia e Aids), que demonstraria efeitos an-
ti-inflamatórios em crianças autistas. De acordo com o neurologista Carlos
Pardo, alguns médicos apostam na teoria de que o autismo seria provocado
por um tipo inflamação cerebral que teria diversas fontes, como uma encefalite
ou otite, ou pelo fato de boa parte daqueles que apresentam a síndrome ter a
massa branca do cérebro aumentada.

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COLUNA

REFLEXÃO SOBRE
O AUTISMO


Roselinda Capellato é
psicóloga clínica especialista
em autismo e psicose

O autismo é um transtorno invasivo do desenvolvimento (TID), marcado


pelo início precoce de atrasos e por desvios no desenvolvimento das habi-
lidades sociais e comunicativas. Tais sintomas são caracterizados por uma
grande variedade de apresentações clínicas – tanto em relação ao perfil
da sintomatologia quanto ao grau de acometimento –, mas são agrupados
por apresentarem em comum uma interrupção precoce dos processos de
sociabilização. A LINGUAGEM
Esses transtornos de neurodesenvolvimento estão relacionados aos me-
canismos cerebrais de sociabilidade básicos e precoces, em que, conse- É UM DOS
quentemente, ocorre uma interrupção dos processos normais de desen-
volvimento social, cognitivo e de comunicação. A consciência de que as TRIPÉS QUE
manifestações comportamentais são heterogêneas e de diferentes graus,
e que há provavelmente múltiplos fatores etiológicos, deu origem ao termo SUSTENTAM O
Transtorno do Espectro Austista (TEA).
O diagnóstico, por vezes difícil de ser detectado, se dá nos três primeiros DIAGNÓSTICO
anos de vida por meio do desenvolvimento anormal em pelo menos um
dos seguintes aspectos: social, linguagem, comunicação ou brincadeiras AUTÍSTICO E
simbólicas/imaginativas.
Há quatro critérios de definição. O primeiro é o prejuízo qualitativo nas DIRECIONAM
interações sociais, que inclui dificuldades no uso de formas não verbais
de comunicação, falta de relacionamentos com colegas, ausência de com- O PROCESSO
partilhamento de experiências (habilidades de “atenção conjunta” – mos-
trando, trazendo ou apontando objetos de interesse para outras pessoas) TERAPÊUTICO”
e falta de reciprocidade social ou emocional. Já o segundo é relacionado à
comunicação, com atrasos no desenvolvimento da linguagem verbal, sem
uma tentativa de compensação por meio de modos alternativos para se
expressar (como a gesticulação), prejuízos em manter uma conversa (nos
que falam), uso estereotipado e repetitivo da linguagem e falta de brinca-
deiras de faz de conta ou de imitação social. O terceiro diz respeito aos
padrões restritivos repetitivos e estereotipados de comportamento, inte-
resses e atividades, o que é uma preocupação abrangente com o autismo
e a Síndrome de Asperger. E, por último, vêm os padrões estereotipados
e restritos de interesse, que demonstram adesão inflexível a rotinas ou
rituais não funcionais específicos, maneirismos (como abanar a mão ou
o dedo ou balançar todo o corto) e preocupação excessiva e persistente
com partes de objetos (como a textura de um brinquedo ou as rodas de
um carro em miniatura).
O tipo de intervenção realizada na criança autista, bem como o seu desfe-
cho prognóstico, leva em consideração três fatores determinantes: a idade
com a qual é diagnosticada, o início do tratamento e o grau de comprome-
timento de aspectos como linguagem, interação social e funcionamento
cognitivo. Quanto mais comprometido, pior é o prognóstico.
Basicamente, os tratamentos têm como alvos principais as habilidades de
interação social e linguagem, a fim de torná-las o mais funcional possível,
e os comportamentos desadaptativos, trabalhando-os para atenuá-los.
A linguagem é um dos tripés que sustentam o diagnóstico autístico e di-
recionam o processo terapêutico psicológico com trabalhos multidiscipli-
nares com profissionais das áreas da psicologia, da fonoaudiologia e da
neuropsiquiatria (em casos de grande dispersão e intensa agressividade).

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ONDE ENCONTRAR

SITES ESPECIALISTAS CITADOS


AMA (Associação do Amigo de Autista) Alysson Muotri Lourdes Atié
www.ama.org.br E-mail: muotri@ucsd.edu Site: www.omotiro.com.br/lourdes-atie
APAEA – Associação de Pais, Amigos e Educadores de Autistas Amanda Bueno Luciano Passianotto
Site: www.caminhosdoautismo.blogspot.com.br
www.autismoerealidade.org Site: www.passianotto.com
Daniela Gatti
Associação Brasileira de Autismo Maria F. Olivier Sudbrack
Tel.: (11) 5667-7733
www.autismo.org.br Site: www.equoterapiawalking.com.br Tel.: (61) 3477-7746

Associação Brasileira de Síndrome de Rett Dirk Belau Maria Teresa Mantoan

www.abrete.org.br/sindrome_rett.php Tel.: (11) 95430-7054 Tel.: (19) 3521-5586


Elisabete Giusti Mariane Wehmuth
Centro de Autismo da Universidade da Califórnia
E-mail: contato@atrasonafala.com.br Tel.: (41) 9789-7881
www.autismresearch.uci.edu Estevão Vadasz
Mariana Tolezani
Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA Site: www.estevaovadasz.com.br
Site: www.inspiradospeloautismo.com.br
www.cdc.gov Evelyn Vinocur
Pedro Paulo Andrade
Centro de Otimização para Reabilitação do Autista (CORA) Site: www.evelynvinocur.com.br
Filippo Vairo E-mail: ppdasantos@gmail.com
www.corautista.org
Tel.: (27) 3324-0492 Rudimar Riesgo
Drauzio Varella Jocelem Mastrodi Salgado Tel.: (51) 3359-8293
www.drauziovarella.com.br Site: www.jocelemsalgado.com.br Roselinda Capellatto
Everyday Health Johanna Franco Blog: roselindacapellatto.blogspot.com.br
www.everydayhealth.com E-mail: contato@joterapeuta.com.br
Sabrina Helena Bandini Ribeiro
José Facion
Harvard Medical School Tel.: (11) 4414-4140
Tel.: (41) 3342-7397
hms.harvard.edu José Salomão Schwartzman Wanderley Domingues
Instituto Fernandes Figueira Site www.schwartzman.com.br Tel.: (11) 5571-8272
www.iff.fiocruz.br
Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo
www.ipqhc.org.br BIBLIOGRAFIA
Ministério da Saúde do Brasil Autismos, de Paulina Schmidtbauer
www.portalsaude.saude.gov.br Autismo Infantil, de José Salomão Schwartzman
National Autism Resources Autismo - Não Espere, Aja Logo!, de Francisco Paiva Junior
www.nationalautismresources.com Caderno Pandorga de Autismo, Vol. 1, de Fernando Gustavo Stelzer
ONG Autismo & Realidade
Educação para o Futuro, de Maria C. Kupper
www.autismoerealidade.org
Journal of Autism and Developmental Disorders
Revista Autismo
Psicofarmacologia da Criança, de M.T Mercadante
www.revistaautismo.com.br
Psiquiatria Infantil, de Leo Kanner
University College de Londres
Síndrome de Rett. Rev. Bras. Psiquiatria, de J.S. Schwartzman
www.ucl.ac.uk
The Complete Guide to Asperger Syndrom, de Tony Atwood
Universidade de Cambridge
www.cam.ac.uk Transtornos Comportamentais na Infância e Adolescência, de G. Teixeira

Universidade do Chipre Um Antropólogo em Marte (cap. 6 e 7), de Oliver Sacks

www.ucy.ac.cy Uma Menina Estranha, de Temple Grandin

Universidade de Hofstra
www.hofstra.edu

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