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MENINAS DESCOLADAS: A LEITORA IDEALIZADA NAS REVISTAS

DESTINADAS AO PÚBLICO ADOLESCENTE

JOHN, Valquíria Michela


PIZZINI, Karina da Cunha1

RESUMO
Realizamos a análise de seis meses das revistas Capricho, Atrevida e Toda Teen. As três
publicações destinam-se ao público adolescente e contribuem para a formação de sua visão de
mundo. O objetivo da pesquisa foi analisar como a temática de gênero e a construção da
identidade feminina são abordadas nessas revistas. Descrevemos o vocabulário léxico
utilizado; temáticas e assuntos abordados; verificamos a relevância social e educativa das
matérias e os estereótipos ligados à formação do feminino. As matérias foram submetidas a
um processo de análise inspirado no conceito de Desenvolvimento Humano, seguindo a
proposta de categorização de conteúdo adotada pela Agência de Notícias dos Direitos da
Infância (Andi). Nos seis meses analisados, as matérias destaque da capa ou matéria principal
abordaram enfaticamente os conteúdos Lazer e Entretenimento, Moda e Beleza e
Comportamento, praticamente ignorando temáticas de relevância social.

Palavras-chave: gênero; adolescência; discurso das revistas.

Mini-currículo:
Valquíria Michela John
Possui graduação em Jornalismo pela Universidade do Vale do Itajaí (2000) e mestrado em
Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004). É professora titular da
Universidade do Vale do Itajaí nos cursos de Comunicação Social – Jornalismo e Relações
Públicas. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação e Comunicação,
atuando como pesquisadora principalmente nos seguintes temas: representações, cobertura
jornalística, gênero, análise do conteúdo e análise do discurso. Atua como pesquisadora do
grupo de pesquisa Monitor de Mídia da Univali.

INTRODUÇÃO

Desde que nascemos, nossa primeira identificação ou identidade está ligada ao sexo:

somos menina ou menino. Conforme ingressamos no mundo social, os papéis que deveremos

desempenhar como meninos e meninas nos vão sendo repassados. Esses papéis constituem o

nosso sexo social ou gênero. O gênero é, portanto, uma construção social, não nasce conosco.

1
Acadêmica do 6º período do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade do Vale do Itajaí.
A grande problemática das relações entre homens e mulheres se evidencia quando as

relações e definições de gênero são naturalizadas. Encarar, mesmo que de forma involuntária,

as diferenças entre os sexos como naturais é uma atitude que contribui para perpetuar a

desigualdade de prestígio e condição social entre homens e mulheres. Como afirma Suarez,2

“quando se pensa em termos de naturalização, é como se tivéssemos nascido para fazer coisas

diferentes e de valor desigual”

Essa naturalização é muitas vezes reforçada pelas instituições socializadoras pelas quais

passamos, como a família, a escola, a religião e a mídia. Com sua difusão massiva e amplo

alcance, os meios de comunicação constituem um dos espaços de maior influência na

construção dos papéis de gênero.

As revistas Capricho, Atrevida e Toda Teen são publicações voltadas especificamente

para as adolescentes. Como afirma Umberto Eco (1986), todo texto idealiza um leitor-modelo.

Ao analisar o conteúdo e, em especial o discurso em revistas dirigidas às adolescentes

podemos perceber qual a leitora idealizada e, portanto, o perfil feminino que essas revistas

estão ajudando a construir. Conforme o autor, aquele que emite a mensagem e aquele que a

recebe o fazem sem eximir-se de suas ideologias, de seus pressupostos. Não há texto ou leitura

totalmente ingênua, por assim dizer. Um texto não é algo solto, perdido no vazio, destinado a

qualquer pessoa que deseja lê-lo. Na verdade, segundo o autor, sempre temos em mente um

leitor-modelo. Sempre enviamos a mensagem para alguém idealizado e nesse processo

atuamos também no sentido de formar ou construir este “leitor-modelo”.

2
Suarez apud Andi, 2005, p. 38.
Partindo desse pressuposto, os conteúdos destinados ao público jovem têm uma carga

extremamente importante na formação de suas identidades, não apenas de gênero, mas como

sujeitos sociais, na formulação de suas representações e visão de mundo.

A proposta desta pesquisa foi, justamente, a de fazer uma reflexão sobre as revistas

voltadas para adolescentes, neste caso Capricho, Atrevida e Toda Teen, as duas primeiras as

mais antigas publicações do gênero ainda em circulação. Buscou-se verificar se os conteúdos e

discursos presentes nessas revistas contribuem para a desmistificação dos papéis de gênero ou,

ao contrário, apenas reforçam os mitos envolvendo a condição social de homens e mulheres.

Utilizamos a técnica de análise de discurso para decodificação dos dados levantados.

Existem várias formas de condução ou modelos teóricos possíveis para desenvolver uma

análise de discurso, entretanto, o modelo escolhido para esta análise é o desenvolvido por

Umberto Eco em “Lector in Fabula” (1986). O modelo de Eco tem várias conexões entre os

níveis de cooperação textual, podendo ser usado apenas parte dele, associando-se ou não com

outros modelos de análise. Após considerar estas possibilidades, Silva (1999) realizou um pré-

teste utilizando em alguns textos o modelo completo e reconhecendo que alguns níveis

tornam-se repetitivos, resolveu então simplificá-los, retirando parte dos tópicos do nível das

“extensões” em sua análise. Como esta pesquisa também analisa documentos da imprensa,

opta-se aqui pelo modelo simplificado de Silva, do qual selecionamos apenas os três primeiros

níveis.

Níveis De Cooperação Textual – Modelo Simplificado (Silva, 1999):


INTENSÕES
1. nível da expressão ¾ Manifestação linear do texto (síntese do texto)
2. nível das circunstâncias de ¾ Contexto da matéria
enunciação
3. nível dos códigos e ¾ Dicionário de base (palavras ou termos significativos para a ação do
subcódigos texto);
¾ Regras de co-referência (expressões ou termos ambíguos relacionados ao
tema estudado);
¾ Seleções contextuais e circunstanciais (palavras ou frases que se reportam
a um contexto temporal e espacial);
¾ Hipercodificação ideológicas (frases ou palavras estereotipadas ou com
duplo sentido);
¾ Frames ou encenações comuns intertextuais (parecidas com as
hipercodificações podem induzir a um pensamento ou idéia estereotipada).
4. Estruturas
4.1 Estruturas Discursivas: ¾ Aventam uma hipótese sobre determinada circunstância textual;
Topic ¾ Isotopias (termos guarda-chuva que dão ênfase a temática expressa no
texto);
4.2 Estruturas Narrativas ¾ Macroproposições (síntese ou contração das estruturas discursivas do
texto);
4.3 Estruturas Actanciais ¾ Caracterização dos personagens do texto, seus atributos e participação na
ação ou situação apresentada;
4.4 Estruturas Ideológicas ¾ Apresentação dos juízos de valor e os papéis sugeridos e dirigidos ao
leitor-modelo.
Foram analisadas as edições referentes aos meses de agosto de 2006 a janeiro de 2007,

totalizando 12 edições3 da revista Capricho, uma vez que é uma publicação quinzenal e seis

edições das revistas Atrevida e Toda Teen, com periodicidade mensal. Devido ao volume de

dados coletados, optamos por discutir aqui apenas o material referente às matérias principais

ou matérias de capa, as quais foram submetidas tanto à análise do conteúdo como do discurso

a partir do modelo de Eco. Essas matérias foram primeiramente submetidas a um processo de

análise inspirado no conceito de Desenvolvimento Humano, dividido em quatro eixos

principais (Índice de Desenvolvimento Humano, Direitos Humanos e Liberdade, Diversidade

e Outros), seguindo a proposta de categorização de conteúdo adotada pela Andi.4

GÊNERO E MÍDIA

As questões relacionadas ao gênero e aos chamados “papéis sexuais” ainda são um

debate modesto, na verdade constitui-se como uma preocupação quase que exclusiva das

cientistas mulheres, convertendo-se numa luta política.5 Historicamente, a mulher sempre

3
Na verdade foram analisadas 13 edições da revista Capricho uma vez que no mês de outubro (aniversário da
publicação) foram publicadas três edições.
4
ANDI – mídia para crianças (Relatório 2003 e 2004)
5
Lavinas, 1997
ocupou um papel inferior na organização da sociedade e durante quase toda a história da

humanidade, foi preparada para gerar e criar os filhos e cuidar dos afazeres domésticos.

Somente nos últimos dois séculos, sobretudo no século XX, as mulheres começaram a

conquistar outros espaços até então exclusivos do sexo masculino, como o direito ao voto e o

acesso ao mercado de trabalho.

O fator masculino/feminino sempre foi utilizado, e em muitas culturas e ou situações

ainda é, como diferenciador dos papéis a serem desempenhados por homens e mulheres.

Segundo Lavinas (1997) “o sexo social – portanto o gênero – é uma das relações estruturantes

que situa o indivíduo no mundo e determina ao longo de sua vida, oportunidades, escolhas,

trajetórias, vivências, lugares, interesses.”6

Esses modelos são reforçados e construídos desde a infância. Conforme Lavinas,

enquanto “(...) meninas correspondem ao senso comum dos atributos tipicamente femininos de

‘passividade e obediência’, meninos seriam portadores de perfis considerados tipicamente

masculinos, ‘agressivos e auto-afirmatórios”.7 A autora afirma ainda que as crianças e

adolescentes são socializadas essencialmente por duas instituições – a família e a escola - que

se constituiriam como dois espaços de (re) produção dos papéis sexuais em sua formação

social. Acrescentamos como terceira instituição socializadora a mídia. Sendo os meios de

comunicação importantes disseminadores das práticas culturais, o discurso sobre gênero na

mídia constitui-se como um dos focos principais no estudo dos papéis sociais de homens e

mulheres.

Levando-se em conta que as relações de gênero não são naturais e sim construídas social

e historicamente, o discurso atua decisivamente na construção de nossas representações quanto

6
Lavinas, 1997, p. 16.
7
Lavinas, 1997, p. 25.
ao mundo e quanto às atribuições dos papéis de homens e mulheres. Como afirmam Funck e

Widholzer (2005), “os estudos contemporâneos de gênero e da cultura em geral têm, portanto,

suas bases solidamente firmadas na materialidade do discurso.”

Nesse contexto, o discurso da mídia ocupa papel privilegiado na narrativa e na

construção das representações acerca do feminino e do masculino na sociedade. Ainda citando

Funck e Widholzer (2005), as “convenções discursivas (...) tendem a traduzir e perpetuar

relações sociais naturalizadas pelo senso comum”. Como a história diária é narrada pelos

meios de comunicação de massa, sua construção discursiva pode contribuir para a

desmistificação de tabus, mitos e estereótipos ou, ao contrário, contribuir para reforçá-los e

legitimá-los. Neste sentido, é fundamental verificar como a identidade feminina é construída

na mídia impressa.

CAPRICHO, ATREVIDA E TODA TEEN: QUE ADOLESCENTE É ESSA?

As três publicações destinam-se ao público adolescente, em particular das classes A, B

e C. Nos seis meses analisados, as matérias destaque da capa ou matéria principal abordaram

os seguintes conteúdos:

Tabela 1 – Conteúdos das matérias de capa (matéria destaque da edição)8

TEMA ATREVIDA CAPRICHO TODA TEEN


Educação - 019 -
Cultura - - -
Atualidades - - -
Trabalho - - -
Saúde - 02 -
Temas de Diversidade - - -
Etnia - - -

8
Optamos por listas todas as categorias sugeridas pela Andi para visualisar o baixo índice de matérias
consideradas relevantes nas três publicações.
9
Escolha profissional
Desigualdades Sócio-Econômicas - - -
Gênero - - -
Orientação Sexual - - -
Questões Regionais - - -
Política - - -
Eleições e Política em Geral - - -
Políticas Públicas de Juventude - - -
Voto Facultativo do Adolescente - - -
Participação/Protagonismo Juvenil - - -
Informática & Internet - - -
Sexualidade - - -
Projetos Sociais - - -
Drogas - 01 -
Violência - - -
Família - - -
Mídia - - -
Direitos & Justiça - - -
Gravidez - - -
Aids & DST - - -
Meio Ambiente - - -
Lazer & Entretenimento* 02 0510 04
Moda & Beleza* - 03 -
Comportamento* 0411 01 02
* Considerados pela Andi como não relevantes.

Pressupomos, a partir da inserção das temáticas nas edições analisadas, que matérias

sobre saúde, drogas, sexualidade, não fazem parte do interesse e das expectativas das

adolescentes que lêem as revistas. Mesmo que isso fosse verdade, o jornalismo tem a

obrigação de levar ao conhecimento de seu público aspectos de importância social, visando

dar subsídios e informações para a mudança de comportamento e da realidade em que

vivemos. A partir dessas temáticas podemos vislumbrar também quais os supostos interesses

das adolescentes: lazer e entretenimento, ou seja, alguém pouco preocupada com os outros,

apenas com sua própria diversão.

10
Muitas delas ligadas à entrevista com algum ídolo.
11
Destas, duas destacavam comportamento ligado a algum ídolo (ator, cantor, etc).
Do modelo aplicado a todas as 24 matérias analisadas, destacamos três aspectos para a

compreensão de qual a identidade adolescente foi retratada. Optamos por destacar o dicionário

base, que apresenta os termos-chave das matérias, as palavras mais significativas e a

hipercodificação ideológica com a ilustração de algumas frames, para destacar a construção

identitária propriamente dita da leitora das três publicações, ao menos no plano da idealização

discursiva dessa leitora-modelo.

Tabela 2 - Dicionário base12


Atrevida Capricho Toda Teen
Tímido (2) Modelo/s (4) Amigo/as (4) Comuns (4) Charme (3)
Legal (2) Balada (3) Anorexia (3) Dieta (3) Impossível (2)
Simpatia (2) Normal/normais (3) Paquera/do (2)
Estereótipo/ado (2) Mulheres (2) Feliz Visual/visu (4)
(2) Orkut (2) Estilo (2) Amizade (2) Estilo (2)
Fashion (2) Patis/patricinhas (2) Queimar o seu filme (2)
Psicólogo (2) Nutricionista (2) Beleza (3)
Magro/a (2) Moda (2) Make (2) Destaca/destaque (3)
Beleza (2) Rola/rolou (2) Popular (2)
Auto-estima (2) Galera (2)
Os termos são bastante similares nas três publicações, mas a Atrevida trabalha com

uma diversificação maior de expressões, daí o quadro destacar apenas três palavras com mais

de uma inserção. É preciso levar em conta também que da revista Capricho foram analisadas o

dobro de edições. Como se vê, os principais termos estão diretamente ligados aos conteúdos

priorizados: moda, beleza, lazer, comportamento.

Tabela 3 – Hipercodificação Ideológica

ATREVIDA TODATEEN CAPRICHO


Loira; Musa; Diferencial; Fácil; Impossível; Patis / patricinhas; Indies; Tranceiras;
Gênero educado- Desleixada; Delicadeza; Atirada; Perua; Básicas; Moderninhas;
tímido; Tímido; Sério; Arrumada; Charme; Hardcore; Fashion; Não-tô-nem-aí;
Galinha; Despenteada; Gata borralheira; Normais; Metida; Regras do jogo da
Esportista; Mal vestida; Pobrezinha; Beleza; fama; Chato; Famoso; Mal-estar;
Machão; Estilo Magia; Princesa; Estilo; Bacana; Diferente; Bem; Comum;

12
São vários os termos mais significativos de cada matéria, mas optamos por destacar aqui apenas aqueles que
apareceram em mais de uma matéria.
light; Risonha; Look; Patuá; Descolada; Imperfeição; Modelo; Modelo ideal;
Tipo; Tímida; Do Maquiagem; Chato; Legal; Imagem real; Realidade; Padrão;
contra; Sou-a- Vitoriosa; Amarrada; Feitiço; Bonitas; Feias; Maconheiro; Bob
dona-do-mundo; Delícia; Comum; Especial; Marley; Comuns; Sexy; Gueto;
Normal; Popular; Bonitas/tos; Atraentes; Marmanjos; Musa; Gostosa; Fama;
Obrigação; Descontraídas; Bela; Bobos; Machista; Equilíbrio; Normal;
Perfeita; Verdade; Gentis; Educados; Bem- Comum; Modelo; “Grupo religioso
Tímida; Inveja. humorados; Valem a pena; radical”; Ciência; Defeitos;
Humor; Charme; Visual; Superioridade; Sentimentos
Sintonia; Agradável; Bacana; estranhos; Felizes; Ricos; Pobres;
Beleza; Sorriso; Bom humor; Natural; Sorriso meio amarelo; CDF;
Inteligência; Brilhar; “Chamar Pegava; Lindo; Ator; Modelo;
atenção”; Cobiçados. Estereotipado; Velha; Malícia.
As palavras bom-humor, modelo, charme, normal, comum, tímida e bonita foram as

hipercodificações que mais se repetiram nas edições analisadas. A palavra “bom-humor”

sempre como uma característica necessária para uma garota conquistar o “gato”.

A palavra “Modelo” é repetida em quatro edições da revista Capricho, na forma de um

“exemplo”, como “modelo ideal”: “O problema: parece que estamos elegendo no primeiro

turno só um modelo ideal: liso, comprido e claro. Que monotonia...” (CAPRICHO, edição

1003). Porém, ao mesmo tempo em que faz essa advertência, a revista estampa na capa e na

matéria duas modelos loiras de olhos claros (o modelo ideal?). Mostra fotos de várias leitoras

que se consideram bonitas e as que se consideram feias. Dessa forma, a revista reforça o

estereótipo de “modelo ideal” ao colocar em suas páginas fotos de garotas dentro de um

padrão de beleza, e só diversificam quando colocam na matéria fotos das leitoras.

“Charme” é uma palavra comum nos textos da revista TodaTeen, utilizada como uma

forma de atrair o “fofo”. Somente com charme a garota pode conquistar o “príncipe

encantado”.

A timidez é vista nas matérias como um fator negativo para se atrair um garoto ou para

ter amigos, uma minoria, como se repete em várias edições, principalmente na Atrevida, “Se é

do time que sempre espera que a convidem para entrar na roda, mude o jogo. Procure estar
perto da menina mais risonha do grupo. Esse tipo de garota costuma ter a maior boa vontade

em ajudar as tímidas, como você a se enturmarem” (edição 149).

A palavra “comum” se repete três vezes na revista Capricho só na edição 1003 “Você

se acha feia?”, que ao falar sobre as modelos, diz que elas são comuns; duas vezes a palavra é

usada para desmistificar que modelos são superiores às garotas “comuns”, como o exemplo

retirado desta edição: “Mas talvez isso tenha a ver com o fato de elas serem meninas comuns,

como eu e você – se você reparar bem nas fotos, vai perceber uma imperfeição ali, outra aqui.”

Uma única vez nesta matéria a palavra é usada para indicar uma ação “comum”, que se repete:

“Cuidado: diminuir os outros é um método eficiente e popular para se sentir melhor. Por isso é

comum que num grupo de amigas sobre veneno. Com bom senso, dá para distinguir o que

considerar e o que ignorar”. Desta forma, afirma como algo “comum” ter falsas amigas num

ciclo de amizade, podendo causar desconfiança, uma dúvida no teor da amizade que possui.

“Bonita” se repete em várias matérias, porém se torna uma hipercodificação a partir do

momento que é utilizada como uma característica necessária ou como um valor de conquista:

“É claro que a beleza conta bastante (por isso é importante cuidar do visual), mas, depois de

chamar a atenção pelo rostinho bonito ou o jeito de se vestir, o que vai unir os corações de

duas pessoas é uma certa sintonia de idéias” (TODATEEN, edição 134).

Com base nas hipercodificações ideológicas e nas frames que as explicam (entre

aspas), podemos então descrever a identidade feminina das leitoras das três publicações.

As leitoras da Todateen e da Atrevida têm muito em comum. Garotas sonhadoras e

românticas que buscam incansavelmente conquistar o “fofo”, seja nas férias ou na escola.

Fazem de tudo para chamar a atenção do “gatinho” e ser a “queridinha da turma”. Estão

atentas ao signo do “gato” para saber como conquistá-lo, assim como estão dispostas a usar de
“magia” para “enfeitiçar” o garoto. A legítima “gata borralheira” em busca do príncipe

encantado. Aqui fica claro o perfil da leitora da TodaTeen: “A fábula da Cinderela deixa isso

bem claro: foi uma garota bem arrumada e cheia de charme que ganhou o coração do príncipe.

Se ela continuasse como a gata borralheira, escondida dentro de casa, despenteada e mal

vestida, provavelmente, o príncipe não enxergaria a pobrezinha. Parece cruel, mas pense bem:

toda garota tem o seu charme, mas a beleza fica oculta quando ela não se arruma e,

principalmente, quando nem põe a carinha para fora de casa” (edição 131).

As matérias de capa da TodaTeen e Atrevida costumam trazer dicas para as garotas

conseguirem arranjar um namorado, ter mais amigos, ou entrevistas com artistas. As matérias

sugerem às leitoras modos de agir, ações a serem feitas para conquistar o “gato”, ou serem

aceitas pelas amigas ou pelos garotos. Este trecho, retirado da edição de janeiro de 2007, da

TodaTeen reflete bem isso: “Mas, para chamar atenção de um gato fofo como esse, não basta

estar presente nos locais interessantes. É preciso ainda estar bem ligada e saber separar o joio

do trigo, quer dizer, aqueles meninos bobos, que não têm nada a ver, daqueles que merecem

sua atenção. Como saber? Garotos que valem a pena costumam ser gentis e educados, o que

não quer dizer que não possam ser bem-humorados (aliás, o bom humor traz certo charme.

Seu coração com certeza vai reconhecer”.

Já a leitora da Capricho é a “moderninha”, a garota “sou mais eu”. Aquela que está por

dentro da moda, ou quer estar. A garota de classe A e B (conforme a própria proposta da

revista) que possui iPod, celular e Orkut. Uma menina “antenada” no mundo “fashion” e nas

“tendências da moda” e dos “makes”. Preocupa-se em estar sempre bonita e atraente e manter

o corpo saudável. Nessa revista, o uso de gírias e expressões é mais comum, assim como o uso

de termos ou palavras que se pressupõe que as leitoras já conheçam.


Vários estereótipos são reforçados direta e indiretamente no decorrer das matérias. Há

uma evidente construção de uma identidade em que a mulher é inferior ao homem, um

discurso voltado para a mulher, neste caso adolescente, que faz de tudo para conquistar o

homem, ignorando, por exemplo, a homossexualidade feminina. A problemática, clara

principalmente nas revistas TodaTeen e Atrevia, não está no fato de adolescentes buscarem ter

um namorado, e sim da generalização de que todas as garotas nessa faixa etária têm como

maior necessidade conseguir um. Podemos usar como exemplo a frame retirada da edição 149

da Atrevida: “Por que funciona: qualquer menino, seja ele tímido, galinha ou esportista, adora

competição. E, se você falar com jeitinho, ele vai achar o programa mais atraente ainda”. Os

três “gêneros” expostos aqui são estereótipos de meninos, os quais são generalizados pela

revista por suas características evidentes (para a revista). A matéria dá dicas de como a garota

deve abordar um rapaz, sendo que cada dica diz para que tipo de rapaz ela funciona.

As patricinhas, as indies, as CDFs, as moderninhas, cada qual reforça um perfil de um

grupo, como se as pessoas que formam esse grupo fossem homogêneas ou iguais. Muitas

vezes essas características são passadas de forma pejorativa, por exemplo, na edição número

1008 da Capricho, que ao dizer que o ator Reynaldo Gianechini era “CDF” tenta justificar que

ao contrário do fato de ser CDF, pertencia à turma do “fundão”. Ou seja, reforça um

estereótipo de que todo CDF “senta na frente” e é “chato”, ao contrário da turma do fundão,

que é a “galera da bagunça”. “Fácil foram os tempos de colégio, quando ele era CDF, mas

desses que tiram nota boa e sentam no fundão e que, apesar das espinhas no rosto, e do pacote

clássico de problemas da adolescência, pegava várias meninas, sim”. Meninos CDF, portanto,

não pegam ninguém a menos que convivam com os mais “descolados”.


As revistas falam como se somente as garotas “bem-humoradas”, simpáticas e bonitas

conseguissem conquistar o gato. As “tímidas” têm que se esforçar para mostrar simpatia e

serem mais comunicativas. A diferença das características de cada garota exemplificada nas

matérias é muitas vezes de forma negativa. Os garotos, que a revista trata como alvo para suas

leitoras, gostam ou se atraem somente por um perfil de garotas reforçando o que diz Tomaz

Tadeu da Silva que “a diferença pode ser construída negativamente – por meio da exclusão ou

da marginalização daquelas pessoas que são definidas como ‘outros’ ou forasteiros”.13

É criada uma disputa indireta entre mulheres, como se todas buscassem o mesmo

“macho”. Alguns textos dizem que a garota deve chamar a atenção do rapaz pelo seu “visu”,

seu “charme” e por ser “diferente” das suas amigas. Como mostra a matéria “Paquera na

escola” da edição número 135 da TodaTeen: “Agora, se você realmente deseja brilhar e

chamar a atenção dos garotos mais cobiçados, é muito importante que se destaque entre as

demais garotas. Para isso vale a pena seguir algumas dicas”.

Considerando que foram analisadas mais edições da revista Capricho, por ela ser

quinzenal, a variedade de matérias é maior do que as outras revistas analisadas. Esta abordou,

além de entrevistas, temas como anorexia, drogas e profissões, o que abriu mais o leque de

informação da revista.

Todas as revistas analisadas utilizam várias gírias, expressões e técnicas de discurso

que aproximam a leitora. Como a própria Editora Alto Astral afirma “suas leitoras são ativas,

ligadas em tudo que acontece e tratam a todateen como uma amiga”. O que torna um vínculo

de confiabilidade entre a “amiga TodaTeen e a leitora”. Por isso o cuidado com as temáticas e

o discurso deve ser redobrado.

13
Silva, 2000, p. 50.
Verbos no imperativo e interrogações são comuns nos textos, por exemplo: “Se você

quer ser uma amigona de verdade e ajudar qualquer um que a procure, apenas ouça. Não

critique, não condene e tente, a todo custo, ser positiva. Quem precisa desabafar é a outra

pessoa e sua obrigação é apenas ouvi-la. Deixe suas opiniões para momentos menos tensos.

Na verdade, somente para quando pedirem.”

Deve-se observar que as leitoras das três revistas possuem a mesma faixa etária. A

adolescência já é uma fase em que surgem muitas dúvidas, assim como as inseguranças. Os

textos podem influenciar as garotas a terem atitudes sem analisá-las, sem ao menos

concordarem com a ação, ou ainda as deixarem mais inseguras. Por exemplo, na edição 134 da

TodaTeen: “É claro que a beleza conta bastante (por isso é importante cuidar do visual), mas,

depois de chamar a atenção pelo rostinho bonito ou o jeito de se vestir, o que vai unir os

corações de duas pessoas é uma certa sintonia de idéias”. Nem todas as meninas consideram

ter o rosto bonito, ou consideram ter um “visu bacana”. A partir do momento que a revista diz

que beleza é importante, como podem se sentir aquelas garotas que não se consideram

bonitas? Além do que, beleza é uma qualidade, que assim como todas as outras, depende de

um ponto de vista. A problemática aqui é que, ao mesmo tempo em que a revista fala de

beleza estampa nas fotos e nas capas das revistas garotas com o modelo padrão de beleza:

loiras, de olhos claros e magras.

Outro exemplo que pode ser destacado é da edição 1003 da revista Capricho: “Se você

não tem paciência para tanta metodologia, acredite em mim: sim, beleza importa. Há algum

tempo, essa era só uma intuição. Mas depois de meses sentados em mesinhas da padaria, de

câmeras escondidas em consultórios médicos (outro lugar onde as bonitas são melhor tratadas
que as feias) e de entrevistas com todo tipo de gente, os cientistas provaram coisas tão exatas

quanto: as bonitas têm salários até 5% maiores que as feias, com o mesmo cargo”.

Embora não tenha sido foco de análise a questão da diversidade étnica, um aspecto

bastante preocupante constatado na análise das capas é a invisibilidade de afro-descendentes.

Apenas uma capa, na revista Atrevida, edição de setembro de 2006. A adolescente está na

capa porque ganhou um concurso realizado pela revista e a marca Nescau: “Promoção Nescau:

dá gosto ser capa da revista”.

Esta não foi uma pesquisa fechada que considera encerrada a problemática do discurso

para adolescentes do sexo feminino. Deixamos aqui o desejo de que novas pesquisas sobre o

assunto sejam realizadas e a necessidade de ser feita uma pesquisa de recepção, para

confrontarmos as informações sobre a leitora-modelo das revistas TodaTeen, Atrevida e

Capricho com as reais leitoras dessas revistas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDI. Agência de notícias dos direitos da infância. Relatório A Mídia Dos Jovens. Ano 8, n.
11, junho de 2005.
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
ECO, Umberto. Lector in Fabula: a cooperação interpretativa nos textos narrativos. São
Paulo: Perspectiva, 1986.
FUNCK, Susana Bornéo; WIDHOLZER, Nara. Gênero em discursos na mídia. Santa Cruz:
Edunisc, 2005.
LAVINAS, Lena. Gênero, Cidadania e Adolescência. In: MADEIRA, Felícia Reicher (org.).
Quem mandou nascer mulher? Estudos sobre crianças e adolescentes pobres no Brasil. Rio
de Janeiro: Record/Rosa dos Tempos, 1997.
SILVA, Yolanda Flores e. Cuidado de si ou violência corporal? Os discursos sobre
envelhecimento feminino em revistas. Florianópolis: UFSC/Université du Laval, 2000 (Tese
de Doutorado), Universidade Federal de Santa Catarina.
SILVA, Tomaz Tadeu (Org). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.
Petrópolis: Vozes, 2000.

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