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VIGIAR E MEDICAR

ESTRATÉG)AS DE MED)CAL)ZAÇÃO
DA )NFÂNC)A
Sandra Caponi
María Fernanda Vásquez
Marta Verdi
organizadoras

VIGIAR E MEDICAR
ESTRATÉG)AS DE MED)CAL)ZAÇÃO
DA )NFÂNC)A

ª edição

LiberArs
São Paulo -
Vigiar e medicar. Estratégias de medicalização da infância
© , Editora LiberArs Ltda.

Direitos de edição reservados à


Editora LiberArs Ltda

)SBN - - - -

Editores
Fransmar Costa Lima
Lauro Fabiano de Souza Carvalho

Revisão Ortográfica
As organizadoras
Editora LiberArs

Revisão técnica
Cesar Lima

Editoração e capa
Simone Alauk

Imagem da capa
)ntervenção sobre estudos de Leonardo Da Vinci

Impressão e acabamento
Gráfica Rotermund

Dados )nternacionais de Catalogação na Publicação – C)P

Caponi, Sandra org,


C v Vigiar e medicar: estratégias de medicalização na infância /
Sandra Caponi, María Fernanda Vásquez, Marta Verdi organi-
zadores - São Paulo: LiberArs, .

)SBN - - - -

. Psiquiatria . Patologia Mental – Crianças . Medicamentos ).


Título

CDD .
CDU

Bibliotecária responsável Neuza Marcelino da Silva – CRB /

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contato@liberars.com.br
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ........................................................................................ 7

TRANSFORMANDO CRIANÇAS
EM PACIENTES PSIQUIÁTRICOS:
FAZENDO MAIS MAL DO QUE BEM
Robert Whitaker ..............................................................................................................

VIGIAR E MEDICAR - O DSM-5 E OS


TRANSTORNOS UBUESCOS NA INFÂNCIA
Sandra Caponi...................................................................................................................

INFÂNCIAS MEDICALIZADAS:
PARA QUÊ PSICOTRÓPICOS
PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES?
Luciana Caliman ..............................................................................................................

“O SEGREDO ESTÁ NO INTERIOR” A NEUROPOLÍTICA


E A EMERGÊNCIA DAS NEURONARRATIVAS
NO CONSUMO DE ANTIDEPRESSIVOS”
Angel Martínez-(ernáez ..............................................................................................

ECONOMIA POLÍTICA DO SOFRIMENTO


João Matheus A. Dallmann ..........................................................................................

A PERSONALIDADE DOENTE: HIGIENE MENTAL E


MEDICALIZAÇÃO DA INFÂNCIA
María Fernanda Vásquez-Valencia ..........................................................................

LO NORMAL, LO ANORMAL
Y LO MONSTRUOSO: MIRADAS EUGÉNICAS
SOBRE EL SUJETO “MEDICALIZABLE”
Marisa A. Miranda ........................................................................................................
LA NIÑEZ COMO SÍNTOMA
DE MALES SOCIALES: PERVIVENCIAS
DE LA EUGENESIA AMBIENTAL EN ARGENTINA
Gustavo Vallejo..............................................................................................................

SOBRE O PAPEL DA AUTORIDADE


CULTURAL DA PROFISSÃO MÉDICA
NOS PROCESSOS DE MEDICALIZAÇÃO DA VIDA
Myriam Mitjavila ..........................................................................................................

DISCURSO BIOLÓGICO CEREBRAL E A EXPANSÃO


DE DIAGNÓSTICOS PSIQUIÁTRICOS
Fabíola Stolf Brzozowski ..........................................................................................

MEDICAMENTALIDADE
E MEDICALIZAÇÃO DA VIDA COTIDIANA
Luis David Castiel........ .................................................................................................

SAÚDE MENTAL EM RISCO: ESTRATÉGIAS


PARA INTERVENÇÕES PREVENTIVAS
Fernanda Martinhago
Oriol Romaní ..................................................................................................................

DIRECTRICES ÉTICO/POLÍTICAS EN LA
MEDICALIZACIÓN DE LAS INFANCIAS HOY
Marisa Germain.............................................................................................................

BIOPOLÍTICA E EXPERIMENTAÇÃO
ENVOLVENDO CRIANÇAS: A DESPROTEÇÃO
COMO PERMANÊNCIA HISTÓRICA
Fernando (ellmann
Marta Verdi .....................................................................................................................
APRESENTAÇÃO

A existência inevitável de fronteiras difusas e pouco claras entre normali-


dade e patologia psiquiátrica tem permitido não só a multiplicação de novos
diagnósticos, mas também a aceitação da ideia de que seria possível identificar
pequenos signos anunciadores de uma patologia mental grave por vir, afir-
mando a necessidade de realizar intervenções preventivas no campo da saúde
mental. Tais intervenções, dirão, permitem identificar prematuramente os
diagnósticos psiquiátricos evitando que uma possível doença psiquiátrica se
cronifique. Desse modo a psiquiatria parece estar habilitada a agir antes que
um processo patológico efetivamente ocorra. Falar-se-á então de doenças men-
tais do desenvolvimento, isto é, de patologias que se apresentam na infância
com sintomas subclínicos , pequenos indícios de que um transtorno do com-
portamento ou da aprendizagem poderá vir a acontecer ou a agravar-se no
futuro.
Pesquisadores de diferentes países do mundo como Philippe Pignarre, Eli-
sabeth Roudinesco, )an (acking, Allan W. (orwitz, Robert Whitaker, junto a
grupos internacionais como Stop DSM, ou o coletivo francês denominado Pas
Zero de Conduit, apresentaram sólidas objeções a este modelo de identificação
precoce de diagnósticos. No Brasil, de igual modo, se somaram críticas proce-
dentes de campos diversos: intelectuais como Pablo Amarante, Maria Apareci-
da Moyses, Rui (arayama, dentre muitos outros, individualmente ou reunidos
em coletivos engajados e ativos como a ABRASME, o Fórum Sobre Medicaliza-
ção da Educação e da Sociedade, ou o grupo Despatologiza.
Diversas disciplinas contribuem para analisar o fenômeno crescente da
medicalização da infância, dentre outras, a pediatria, a psicologia, a psicanálise,
a saúde coletiva e as ciências humanas. Os debates internacionais multiplica-
ram-se nos últimos anos, algumas críticas tiveram um impacto particularmente
importante, como a realizada por Thomas )nsel, presidente do National Institu-
te of Mental Health N)M( . Uma semana após a publicação da quinta versão do
Manual, )nsel anunciava que o prestigioso )nstituto abandonaria a utilização da
classificação proposta pela APA American Psychiatric Association , argumen-
tando que, por tratar-se de uma lista de sintomas sem sustento científico sóli-
do, o DSM deixaria de ser utilizado como marco de referência para as pesqui-
sas científicas financiadas por esse instituto.
Ainda que existem inúmeras vozes críticas que destacam a fragilidade da
classificação diagnóstica hegemônica o DSM , já é bem conhecida a informa-
ção alarmante de que Brasil é o segundo maior consumidor de psicotrópicos na

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infância, particularmente metilfenidato Ritalina® , ficando atrás apenas dos
Estados Unidos EUA . No entanto, no mesmo momento em que tais críticas se
multiplicam, se renova o debate em torno a uma legislação que garanta o su-
posto direito de identificação e detecção precoce de transtornos mentais na
infância.
Nesse sentido, diversas iniciativas têm se multiplicado em diferentes ce-
nários. No dia de julho de , a Prefeitura de Florianópolis – estado de
Santa Catarina – tinha aprovado a Lei nº . / que institui a política muni-
cipal de prevenção e diagnóstico de distúrbios psicomentais na infância. Meses
mais tarde, em outubro de , a Comissão de Educação da Câmara dos Depu-
tados realizou uma audiência pública para discutir o encaminhamento do Pro-
jeto de Lei . / , especificamente para debater estratégias de identificação,
intervenção e prevenção de transtornos mentais na infância, definidos de
acordo com os critérios do DSM, fundamentalmente TDA( e dislexia.
Um processo semelhante teve lugar na França no ano de , quando se-
guindo uma solicitação do Ministério da Saúde do governo de Sarkozy, o )N-
SERM Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale , que é o maior
)nstituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da França, elaborou a proposta
de criar uma política de identificação e detecção precoce de transtornos men-
tais em crianças a partir dos três anos de idade. Diversos pesquisadores do
campo das ciências humanas e sociais, educadores e grupos sociais se articula-
ram para impedir que esta proposta fosse aprovada. Como resposta a esta
proposta um conjunto de reconhecidos pesquisadores de áreas médicas, far-
macológicas, epidemiológicas, assim como psicanalistas, filósofos e cientistas
sociais, após grandes debates, construíram um Dossier que reúne pesquisas
empíricas e argumentos teóricos sólidos, que muito contribuiu para impedir a
implementação da proposta.
Acreditamos que se impõe a tarefa de analisar e criticar a tentativa de
propor um programa de detecção precoce de patologias mentais na infância.
Um programa que independentemente de ter recebido duras críticas da comu-
nidade internacional, no entanto continua presente e ativo no âmbito escolar.
Considerando estes fatos, o livro que aqui apresentamos busca discutir a
partir de diversas perspectivas ética, sociológica, histórica, cultural os argu-
mentos, conceitos, teorias, dificuldades e certezas a partir das quais foram
construídos os saberes utilizados pelos defensores da detecção precoce de
patologias psiquiátricas na infância, particularmente aquelas consideradas de
maior prevalência no Brasil, como o TDA(. Analisamos também os diferentes
mecanismos e estratégias de prevenção e identificação de supostos transtor-
nos de comportamento e da aprendizagem em crianças principalmente em
idade escolar. Trata-se, em fim, de criar um espaço de interação e troca com

Para mais informações, ver http://www.inserm.fr/.

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pesquisadores brasileiros e estrangeiros interessados em discutir os limites e
dificuldades do processo de medicalização da infância.
Para isso, resulta necessário articular diversos olhares que agrupamos
aqui em torno a três grandes eixos de análise.

.O DSM e a proliferação de novos diagnósticos: procura indagar


sobre a influência do DSM na multiplicação de novos transtornos
e os diferentes mecanismos de categorização dos sofrimentos
psíquicos.
. A medicalização da infância em perspectiva histórica: preten-
de compreender a partir da análise histórica o processo de cria-
ção dos chamados transtornos mentais da infância, o sistema
classificatório utilizado, o surgimento dos testes e os modelos es-
tatísticos, assim como as mudanças, continuidades e descontinui-
dades no saber médico psiquiátrico como parte da medicalização
infantil e a detecção de diagnósticos precoces.
3. Ética, indústria farmacêutica e medicalização da infância:
busca analisar criticamente o papel da indústria farmacêutica no
processo de medicalização infantil, suas implicações éticas e os
dispositivos de patologização dos sofrimentos psíquicos.

O primeiro eixo temático intitulado O DSM e a proliferação de novos diag-


nósticos, reúne cinco capítulos que abordam a problemática da medicalização
em geral e a medicalização da infância em particular. O primeiro capítulo apre-
senta um estudo inédito do pesquisador Robert Whitaker, intitulado, Trans-
formando crianças em pacientes psiquiátricos: Fazendo mais mal do que bem.
Esse texto, traduzido ao português pela professora Fabíola Stolf Brzozowski,
apresenta uma pesquisa original e rigorosa dedicada a entender uma dimensão
das classificações psiquiátricas que, ainda muitas vezes mencionada, poucos
pesquisadores abordaram em sua complexidade, proporcionando dados fiá-
veis. Whitaker apresenta aqui um estudo minucioso dedicado a mostrar este
frutífero negócio representado pelas doenças do cérebro, alertando, ao mesmo
tempo, para os graves prejuízos que causa a medicação com psicofarmacos.
Analisa e põe em evidencia as estratégias concretas utilizadas pela indústria
farmacêutica para explorar o milionário mercado aberto com a classificação do
DSM. Um negócio milionário que, como indica o autor, produz mais mal do que
bem.
O segundo capítulo deste eixo, intitulado Vigilar e medicar. O DSM-5 e os
transtornos ubuescos na infância, da professora Sandra Caponi analisa as mu-
danças existentes entre o DSM )V e o DSM- , particularmente no que diz res-
peito aos transtornos diagnosticados na infância e adolescência. O capítulo
mostra que a desaparição de um agrupamento diagnóstico exclusivamente
dedicado aos transtornos da infância no DSM- , está longe de ser uma boa

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notícia. De acordo com a autora o DSM- apresenta uma verdadeira inflação
dos transtornos mentais atribuídos à infância, que estão presentes em cada um
dos agrupamentos que compõem o Manual. O artigo se detém na análise dos
Transtornos Disruptivos de Controle de )mpulsos e de Conduta, prestando
particular atenção ao Transtorno de Oposição Desafiante TOD .
O terceiro capítulo que compõe este primeiro eixo temático da professora
Luciana Caliman se intitula Infâncias medicalizadas: Para quê psicotrópicos
para crianças e adolescentes? Tal e como o indica o nome deste artigo trata-se
aqui de questionar a prescrição de potentes psicotrópicos a crianças e adoles-
centes, um fato que parece ter sido naturalizado por pais, professores e médi-
cos. O texto procura, especificamente, analisar a experiência de uso de psico-
trópicos por crianças e adolescentes, principalmente no que se refere aos pro-
cessos de psicofarmacologização das infâncias a partir da análise das narrati-
vas apresentadas por pacientes num CAPsi de Vitória.
O quarto capítulo escrito pelo professor Angel Martínez (ernáez, aborda
uma temática instigante e atual. O texto intitula-se O segredo está no interior. A
neuropolítica e a emergência das neuronarrativas no consumo de antidepressi-
vos. Neste texto o antropólogo espanhol nós convida a pensar na temática das
neunarrativas, isto é, a refletir sobre uma nova estratégia de construção da
subjetividade que se articula em torno a uma narrativa sobre si que aparece
mediatizada por explicações neurológicas ou neuroquímicas. O autor denomi-
na esse processo como self neuronal, e ainda que, segundo afirma, o self não é
omnipresente nem hegemônico no pensamento contemporâneo, sem dúvida
parece ocupar um lugar central no modo como muitas pessoas pensam sua
subjetividade, possibilitando um crescente, imenso e lucrativo mercado dedi-
cado às aflições.
Por fim, o quinto e último capítulo deste eixo temático se intitula Econo-
mia política do sofrimento, de João Matheus A. Dallmann. Apelando a autores
como Michel Foucault, Pierre Bourdieu, Emmanuel Renault e Philippe Pignar-
re, o autor explora o conceito de economia política do sofrimento, utilizando
noções e construindo hipóteses sobre a intrincada relação que existe entre os
campos científico, econômico e político. O texto insiste em sublinhar o caráter
social do sofrimento psíquico, afirmando que é a partir de um lugar no mundo
que o sujeito sofre . Na sociedade contemporânea caracterizada pela naturali-
zação dos processos de medicalização das aflições de adultos e crianças, parece
ser urgente a tarefa proposta pelo autor: realizar uma crítica a partir da eco-
nomia política do sofrimento, incorporando os aspectos micro e macro da vida
social. Pois, jamais podem ser esquecidos os aspectos psíquicos, sociais e polí-
ticos concretos nos quais está inserido o sujeito que sofre.
O segundo eixo temático, Medicalização da infância em perspectiva históri-
ca, contém quatro textos relacionados com as mudanças históricas que permi-
tiram o processo de legitimação da medicalização infantil e os transtornos
mentais na infância. O primeiro capítulo intitulado A personalidade doente.

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Higiene mental e medicalização da infância, da pesquisadora Maria Fernanda
Vásquez, analisa de maneira comparativa duas obras médicas, uma colombiana
e outra brasileira, para compreender como foi entendida a medicalização da
infância em cada uma delas e suas diferenças e semelhanças no marco de con-
solidação de um campo de saber relativo à psiquiatrização e psicologização dos
afetos e do desenvolvimento da personalidade das crianças, assim como das
formas de adaptação ou de ajustamento social.
O segundo capítulo da pesquisadora argentina Marisa Miranda intitulado
Lo normal, lo anormal y lo monstruoso: miradas eugénicas sobre el sujeto “medi-
calizable”, analisa a maneira como se institui o sujeito medicalizado a partir
do discurso eugênico. Dito sujeito, segundo a pesquisadora, se entende como
uma entidade cuja descendência pode ser optimizada para melhorar a apti-
dão da raça através do uso de algumas estratégias farmacológicas.
La niñez como sintoma de males sociales. Pervivencias de la eugenesia am-
biental en Argentina, do pesquisador argentino Gustavo Vallejo, terceiro capítu-
lo deste eixo temático, mostra a continuidade de políticas relacionadas, com o
que o autor denomina, a eugenia ambiental ou controle da sexualidade para o
bom nascer , próprias da primeira metade do século XX, e que atualmente
renascem no novo cenário político argentino.
O quarto e último capítulo do segundo eixo, intitulado Sobre o papel da au-
toria cultural da profissão médica nos processos de medicalização da vida, da
professora Myriam Mitjavila, analisa os atributos sobre os quais se apoia a
autoridade do saber médico, especificamente em sua dimensão cultural. A
autora sublinha que os processos de medicalização e desmedicalização dos
objetos sociais são afetados pelo grau de confiança que instituições e atores
sociais depositam no saber médico.
O terceiro eixo temático, Ética, indústria farmacêutica e medicalização da
infância, reúne os textos que buscam analisar criticamente o papel da indústria
farmacêutica no processo de medicalização infantil, suas implicações éticas e
os dispositivos de patologização dos sofrimentos psíquicos. No primeiro capí-
tulo, Discurso biológico cerebral e a expansão de diagnósticos psiquiátricos, a
professora Fabíola Stolf Brzozowski aborda a relação entre o discurso biológi-
co cerebral e a ampliação de diagnósticos psiquiátricos, a partir da análise
sobre a legitimação da proliferação de novos diagnósticos e o alargamento de
suas fronteiras no contexto das explicações neurobiológicas e tratamentos
medicamentosos. Buscando ilustrar sua reflexão, a autora utiliza como exem-
plo um artigo científico estudo genético para o TDA( e uma matéria jornalís-
tica de divulgação dos resultados do mesmo estudo.
O professor Luis David Castiel assina o segundo capítulo deste eixo, no
qual discute a Medicamentalidade e medicalização da vida cotidiana. De modo
incisivo, denuncia o insidioso processo de medicalização da vida cotidiana e os
interesses da indústria farmacêutica, abordando o que denomina de medica-
mentalidade numa clara alusão à ideia foucaultiana de governamentalidade
entendida como o encontro entre as técnicas de dominação exercidas sobre os
outros e as técnicas de si . Enfatiza o biopoder mais como uma perspectiva que

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um conceito, no sentido de se constituir como um espectro de iniciativas mais
ou menos racionalizadas desenvolvidas por autoridades no sentido intervir no
âmbito da vitalidade humana – seu nascimento, desenvolvimento, adoecimento
e morte.
O terceiro capítulo Sáude mental em risco: estratégias para intervenções
preventivas traz a contribuição da pesquisadora Fernanda Martinhago e do
professor Oriol Romani para o debate da temática do risco no âmbito da aten-
ção à saúde mental. A partir do diálogo com diferentes pesquisadores, os auto-
res buscam promover reflexões sobre algumas práticas de intervenções ditas
preventivas. Nesse exercício crítico, emergiram importantes questionamentos,
tais como: É possível prever que determinado comportamento de uma criança
poderá futuramente ser um transtorno mental? Como uma pessoa que mani-
festa sentimento de tristeza, de angústia poderá desenvolver futuramente uma
depressão? Como podemos prevenir, com base no risco, algo tão subjetivo e
algumas vezes transitório, como o uso de drogas e o sofrimento psíquico? Co-
mo o risco tornou-se uma estratégia para promover intervenções preventivas
no âmbito da saúde mental?
No quarto capítulo, a professora argentina Marisa Germain, discute algu-
mas Diretrizes ético-políticas na medicalização das infâncias, em especial, aque-
las presentes na recente legislação de Saúde Mental produzida na Argentina.
Analisa também as estratégias de proteção infantil, problematizando sua di-
mensão biopolítica, bem como a relação entre medicalização e desmedicaliza-
ção operada na Lei de )dentidade de Gênero.
Por fim, no capítulo quinto do terceiro eixo, Biopolítica e experimentação
envolvendo crianças: a desproteção como permanência histórica do professor
Fernando (ellmann e da professora Marta Verdi, discute a experimentação
envolvendo crianças, na ótica da biopolítica das populações, a permanência
histórica da desproteção de uma parcela de crianças submetidas à experimen-
tação científica, mesmo com a proliferação de novas normas éticas . Para tan-
to, são abordados exemplos de pesquisas eticamente questionáveis ocorridas
ao longo da história da criação das principais normativas de princípios éticos
para as pesquisas envolvendo seres humanos.
Esperamos que o presente livro possa contribuir para fortalecer o debate
e as reflexões atuais referidas à temática da medicalização e medicamentaliza-
ção da infância, e que as análises aqui apresentadas possam ser aproveitadas
em diversos âmbitos acadêmicos, sociais e culturais.
Agradecemos especialmente ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico CNPq pelo apoio econômico para a elaboração deste
livro, através do financiamento do projeto / - , Prevenir e me-
dicar: Uma abordagem sóciohistórica à medicalização de transtornos mentais
na infância .
Finalmente, agradecemos também às autoras e aos autores que, com suas
valiosas contribuições, permitiram a realização deste livro.

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