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ESPECIAL DESIGUALDADES
A luta em campo
Mulheres que desafiam a misoginia do futebol
Páginas 6 e 7
EDITORIAL//
Reitor Valder Steffen Jr. - Diretora da Faced Geovana Ferreira Melo - Coordenador do Curso de Jornalismo Vinicius Dorne - Professores Gerson de Sousa, Nuno Manna, Raquel Timponi,
Reinaldo Maximiano - Jornalista Responsável Reinaldo Maximiano Mtb 06489 - Editores-Chefe Luan Borges - Túlio Daniel - Lorena Sanches - Foto de capa Pedro Souza - Editores e
Diagramadores Ítana Santos (Capa) - Luan Borges e Laura Justino (Editorial/Crônica) - Gabriel Souza (Cotidiano) - Josias Ribeiro (Cultura) - Matheus Rabelo (Entrevista) - Betina
Scaramussa, Ítana Santos e Juan Madeira (Especial) - Lorena Sanches, Lorena Artemis e Emerson Soares (Política) - Jackeline Freitas (Saúde) - Túlio Daniel (Fotoensaio) - Finalização
Danielle Buiatti e Ricardo Ferreira de Carvalho - Tiragem: 1000 exemplares - Impressão Gráfica e Editora Scanner Ltda - Apoio (edições 46 e 47) Sintet-UFU. Acesse conteúdo exclusivo:
sensoincomumufu.wixsite.com/jornal
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COTIDIANO
ESPECIAL DESIGUALDADES
RESPONSÁVEIS POR FAZER CAMPANHA DE CONSCIENTIZAÇÃO, CATADORES AINDA SOFREM COM DESCASO DO MUNICÍPIO. FOTO: LUAN BORGES
O lugar já fala por si só. É um galpão com jane- Recicláveis do Bairro Taiaman (Assotaiaman), com coletar e vender materiais, tal como a
las quebradas, grama alta e com três grandes cerca de 15 associados. Ele abandona o caderno de Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Es-
portões do lado esquerdo. Em volta do espaço, anotações, senta no escritório de frente a uma sas colaborações são essenciais para conseguir
tem de tudo: portões, janelas, espelhos, caixas de prateleira cheia de esculturas santificadas e revela equipamentos, como uma balança conquistada
papelão e garrafas – que confundem o galpão da sua história de 30 anos como catador. através de uma parceria com a Coca-Cola e ou-
associação com um depósito de ferro velho. Por Mensalmente, toneladas de materiais são se- tras associações.
dentro, assemelha-se a um labirinto. Apesar dos lecionados e enviados para fábricas de recicla- Essas cooperações são importantes também
materiais estarem organizados em pilhas, a enor- gem. Só em outubro, entre vidro, plástico e para garantir a continuidade dos serviços das as-
papelão, foram 40. Ainda assim, o reciclador ex- sociações. Apesar da ajuda fornecida pela Prefei-
“De fato, o material [da coleta plica que até descartes eletrônicos são aprovei- tura Municipal de Uberlândia, que disponibiliza o
tados para reciclagem na associação, visto que espaço, o custeio das contas de energia e a reali-
seletiva] que a prefeitura alguns deles são treinados para desmontá-los e zação da coleta seletiva, Martins conta que ela
prepará-los. Contudo, reforça que é preciso ter deveria se preocupar mais com os catadores, já
passa para gente já é o estômago forte devido a muitos descartes ina- que eles são os responsáveis por fazer as campa-
dequados. “Tem gente que vai lá, varre as fezes nhas de conscientização populares e ensinar a
suficiente pra sobreviver, mas do cachorro em uma sacolinha e põe um monte fazer descartes de maneira adequada.
de garrafa pet em cima. Outro pega um gato No entanto, mesmo com o grande impacto pro-
eu gostaria de viver, sabe? Eu morto, coloca em uma caixa e manda pro cami- movido pelo seu trabalho, Roosevelt desabafa diante
quero algo mais”. nhão da coleta seletiva”, alerta.
Preocupado com o meio ambiente, o catador
da precariedade em que trabalha e o menosprezo
das organizações públicas. “Tô com 60 anos, aí eu
Roosevelt Martins dos Santos enfatiza que seu trabalho afeta a vida de todos no vou parar de trabalhar e vou viver de um salário
planeta. “Você pega uma fotografia das tartaru- mínimo de aposentadoria. Não vou conseguir viver
me quantidade deixa a sensação de bagunça. No gas enroscadas em garrafa pet e abre alguns pei- com isso e vou ter que voltar a catar, pra eu conse-
sopé de cada pilha, há pessoas selecionando o xes aí que dentro deles é só plástico”, exemplifica. guir ganhar alguma coisa e conseguir comprar pelo
que será reciclado e o que será descartado. Essa Ele reforça: “é um absurdo, uma pessoa educada menos os meus remédios”, lamenta.
triagem é necessária devido a chegada de resídu- achar que o material que ela tá mandando pra Logo após a conversa, ele se levanta e vai
os inadequados juntos ao material reciclável, coleta tá ajudando só os catadores Não sabe que atender os catadores autônomos que o procura-
mesmo havendo uma coleta específica. tá se ajudando, tá ajudando as gerações futuras vam em busca de ajuda. No caminho até a saída,
Ao fundo, na terceira entrada, há uma cozinha da família dele”. sentada em meio às pilhas, segurando uma bone-
e um escritório improvisado. Lá, de pé e com olhar Administrada com carinho, Roosevelt conta ca que deve ter achado nas montanhas de lixo,
atencioso, está Roosevelt Martins dos Santos, pre- que a associação disponibiliza os materiais para uma criança se despede da repórter que pensa
sidente da Associação de Catadores de Materiais preservar o catador e faz diversas parcerias para alto: “eu vi a desigualdade de perto”.
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CULTURA Dez/2019
ESPECIAL
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SAÚDE
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DESIGUALDADES
BEATRIZ EVARISTO
Quando você era criança e começou a sentir curiosidade adolescentes sem acesso à educação estão propensas a
sobre seu corpo, como seus pais reagiram? Na adolescência, engravidar quatro vezes mais.
quando sentiu vontade de tocar sua vagina por estar com Ainda neste relatório, é possível ver formas para erradi-
um desejo diferente, como contou para suas amigas? Já adul- car essa situação. Algumas delas são: aumento na distribui-
ta, quando transou com aquela pessoa que tanto queria e não ção de contracepção, promover medidas e normas que
sentiu prazer algum, o que você fez? Essas são situações vi- proíbam o casamento infantil e as uniões precoces, ou se-
venciadas por mulheres todos os dias e a culpa é de quem? ja, antes dos 18 anos de idade e aumentar os cuidados
Crescemos com uma cultura enraizada de desaprovação e qualificados de pré-natal, parto e pós-parto. Porém,
proibição de tocarmos nossos próprios corpos e falarmos essas estratégias não são pensadas para conscientizar
sobre sexo, pois é visto como pecado, algo sujo ou errado. a população e evitar o problema, são dadas para
Não conversar com os jovens e não ensinar de forma ade- conter um cenário em que já há gravidez na ado-
quada sobre sexualidade só constrói uma sociedade pre- lescência, uma possível explicação é de fato não
conceituosa e desinformada. poder falar sobre sexualidade.
“Qualquer assunto voltado a vida sexual é um tabu na
minha família, então me sinto desconfortável e com ver- CONHECENDO O CORPO
gonha”. Essa foi uma das respostas dadas em anônimo no
questionário produzido pelo Senso Incomum. Foram 126 Quando o assunto é masturbação, é co-
mulheres, entre 18 e 60 anos, que se abriram e falaram mum associar a homens. Para as mulheres, a
sobre sexualidade feminina. O assunto tem sido pauta palavra “segredo” está completamente liga-
de debates e artigos acadêmicos, mas ainda é um te- da. Basta fazer uma busca sobre mastur-
ma muito velado na sociedade. No mesmo questioná- bação feminina no Google que aparecem
rio, a maioria das mulheres respondeu que sentem vários sites prometendo ensinar as “téc-
vergonha ou medo ao falarem sobre sexo. nicas secretas” para atingir o orgasmo. A
Somos caladas todos os dias, desde pequenas, problemática está no fato de transfor-
pelos órgãos públicos, pelos pais que não falam do mar o ato feminino em algo completa-
assunto, pelos homens que se recusam a utilizar o mente difícil e misterioso.
preservativo ou que acham graça quando falamos da A ginecologista e terapeuta sexual,
vagina, pelas igrejas que julgam as mulheres como pe- Thaís França, enumera alguns proble-
cadoras, quando falam abertamente sobre sexualida- mas da sexualidade feminina: “um
de. Tornar secreto é uma forma de repressão. terço das brasileiras nunca conseguiu
Não conversar sobre sexualidade é tão enraizado chegar ao orgasmo, as causas podem
na nossa cultura que essa dificuldade vem desde a ser as mais variadas, como emocio-
formação dos professores. As universidades não se nais, culturais e físicas, mas uma das
importam em ensinar essa temática. “Durante toda razões mais comuns é o desconhe-
minha graduação eu tive 14 disciplinas pedagógicas, cimento do próprio corpo”.
que abordaram muitos temas importantes, mas se- Em muitos casos, não chegar
xualidade, não”, relata a professora de biologia, ao orgasmo, tanto na masturba-
Bruna Nobile. ção quanto na relação sexual, é
Nobile é professora de Ciências Biológicas, há associado a falta de autoconfian-
doze anos, Atualmente, ela trabalha na rede públi- ça e autoestima . Mas não é exa-
ca da cidade de Ribeirão Preto, interior de São tamente assim, França afirma
Paulo. Quando o assunto é sexualidade, ela per- que “o prazer sexual não é in-
cebe algumas dificuldades para o aprendizado tuitivo, ele precisa ser apren-
das alunas e dos alunos, em essencial, para os dido”, ou seja, a forma ideal
estudantes da rede estadual. “A apostila, tra- para desfrutar dos prazeres é
balha a sexualidade apenas na 1ª série do en- a educação.
sino médio. Esse ano a recebemos em uma Modelo: Beatriz Evaristo
qualidade bem inferior [em relação aos Foto: Beatriz Evaristo
anos anteriores]”
Os alunos não estão habituados com
esse tema, obrigando os professores a se
desdobram para conseguir atenção e a
seriedade dos estudantes. “Eu faço to-
da uma preparação psicológica com
eles antes de começar a trabalhar a
sexualidade. Eu explico as regras, fa-
ço acordos com eles”, conta Nobile.
Não ensinar temas como esse
dentro da escola reflete no cres-
cimento dos jovens. Um relatório
divulgado em 2018, pela Organi-
zação Pan-Americana da Saúde/
Organização Mundial da Saúde
(OPAS/OMS), informa que, na
grande maioria dos países, as
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Estádio Municipal Parque do Sa- convite para campeonatos em ou- postas do amador feminino de retoria já pensa em estratégias
biá, casa do Uberlândia Esporte Clu- tras cidades e o time não possui ver- Uberlândia para desenvolver traba- financeiras para atender essa de-
be (UEC), time masculino de futebol ba para a participação. Damas conta lho conjunto. Para ele é inviável pro- manda.
da cidade. Não só homens jogaram que há casos de meninas que che- fissionalizar a partir do amador O diretor afirma que entrando
nesse gramado. O estádio também faz gam sem se alimentar, não possuem feminino, que são projetos embriões nas séries do brasileiro e recebendo
parte da história do futebol feminino nem uma bolacha em casa, que vêm se comparados ao amador masculi- as cotas de transmissão da TV, parte
do Brasil e da América do Sul, pois se- de longe a pé ou de bicicleta. Não há no, centenário na cidade. “Para fazer dos valores serão repassados para o
diou, em 1995, o Campeonato Sul condições de custear a viagem, não um projeto profissional, teria que desenvolvimento do time feminino.
Americano Feminino. Porém, a cidade têm patrocínio e nem apoio munici- contratar muito material de fora, in- Atualmente, o Uberlândia não dis-
palco do segundo título do país na pal. Por falta de recursos financeiros clusive atletas, pelo nível técnico puta nenhuma das quatro divisões
competição, que viu Sissi marcar 12 para transporte, o time deixou de atual do futebol uberlandense”, diz. do brasileiro e somente a série A é
gols e ser artilheira do campeonato, participar dos dois principais tor- Embora existam muitas promessas transmitida em canal aberto.
tem uma equipe masculina com vaga neios de futebol nas equipes ama- Enquanto isso, o Divas segue jo-
garantida no Mineiro A1, enquanto de campo e soci- doras, elas devem gando com as condições que pos-
não tem um time feminino, nem es- ety da região. “Falta uma quadra. ser trabalhadas suem e conquistando espaço e
trutura ou apoio para os projetos que Muitas equipes gradualmente. títulos. A equipe de Damas ganhou
tentam formar um. amadoras fizeram Talvez liberar uma ou Segundo Gomide, o Torneio Regional em Guimarania
Os treinos do Divas do Dom Almir parcerias com seria possível fa- de futsal feminino, dois torneios em
não têm um local fixo. Eles ocorrem clubes masculinos um horário para gente. zer um trabalho Indianópolis e um campeonato sub-
na quadra pública do bairro Dom Al- profissionais para de mescla, reu- 17. Além das conquistas coletivas,
mir ou na escola Ederlino Lannes. terem melhores Tem mais horário para nindo amadoras e algumas jogadoras atuam em outras
Os problemas não abalam o em- condições de trei- profissionais. cidades e estados, também colecio-
penho. O técnico e coordenador do no e participarem os meninos jogarem do O clube já nando títulos. Três foram vice-
projeto, Alexsandro Damas, afirma de outros campe- pensou em ter campeãs no Campeonato Mato-
que elas reclamam quando só tem onatos, como o que para nós”. uma equipe femi- grossense, quatro estão jogando no
bate-bola: “Elas querem toda siste- Mineiro Feminino nina, mas o fator Ceilândia Esporte e duas pela cida-
matização, chegar, alongar, aquecer, 2019. O Divas não Tálita Fernandes financeiro invia- de de Guará.
ter educativos e, só no final, uns 15 a teve contato dire- biliza sua criação. Em meio a dificuldades pessoais,
20 minutos de coletivo”. Ele observa to com o UEC so- Manter a modali- financeiras e estruturais, elas bus-
que há pouco trabalho técnico dire- bre a possibilidade da parceria. Alguns dade, de acordo com Gomide, com- cam soluções para continuar o proje-
cionado ao futebol feminino. “Você apoiadores do grupo prometeram fa- prometeria 25% do orçamento to. Como afirma Alexsandro Damas,
vai nas escolinhas e tem uma ou ou- zer a ponte com o clube, mas houve mensal de um departamento de fu- “a gente não vai desanimar. Podem
tra menina treinando com os meni- nenhum resultado até o momento. tebol, prejudicando o setor masculi- tirar o que quiser, mas enquanto ti-
nos, mas não tem um trabalho Enquanto Uberlândia não mostra in- no e acarretaria em duas ver uma rua ou terreno baldio, a gen-
específico com elas. As carências do teresse pelas atletas, outras cidades, instituições fracas. Como a partir de te joga”. O Divas encerra a temporada
futebol feminino são totalmente di- como Araguari, Patrocínio, Patos de 2021 todos os clubes que estiverem com o tradicional Torneio Solidário
ferentes do masculino”, constata. Minas e Uberaba vem realizando nas séries A, B e C do Brasileirão se- em dezembro. Para a temporada de
Não é por falta de local ou treino convites para montar um time. rão obrigados a ter representantes 2020, a aquipe já se prepara para o
técnico que as jogadoras desani- O diretor do UEC, Flávio Gomide, femininos e o UEC anseia em retor- regional de society em janeiro e o in-
mam. O problema vem quando surge confirma que nunca recebeu pro- nar para as divisões nacionais, a di- ternacional em março.
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Em outubro de 2016, o governo anunciou me- tória pela UFU, Isabella Ribeiro, que integrou escola. Decidida a realizar a ocupação, no dia
didas impopulares que geraram revolta em alu- as atividades na Escola Estadual Antônio Luís seguinte Karenina e seus colegas estavam pron-
nos secundaristas. A PEC 241, popularizada como Bastos na época. tos para iniciar o movimento: “chegamos com
“PEC do teto”, congelaria, por 20 anos, investi- Além de gerar proximidade entre alunos e pro- cartazes, megafones e nos posicionamos no pá-
mentos em áreas como saúde e educação. Dentre fessores, as ocupações possibilitaram o “contato tio prontos para ocupar uma das maiores esco-
as reivindicações dos alunos estava também a com universitários que, com os aulões, nos ensina- las de Uberlândia”.
desaprovação da reforma do ensino médio, ação ram coisas importantes para o ENEM”, avalia. Com
unilateral iniciada pela Medida Provisória 746, as ocupações, a graduanda percebeu que poderia DESIGUALDADE E ENSINO
proposta no governo Temer, com a intenção de fazer parte de uma universidade federal e que de-
modificar o currículo escolar. veria lutar por tal direito. Parte fundamental para alcançar o tão sonhado
Mesmo diante das manifestações, o governo Em todo o país, os estudantes mobilizaram-se ingresso no ensino superior, como diz Isabella, é o
avançou com as propostas e ambas foram apro- contra essas ações. Em Uberlândia, 64% das es- acesso a uma educação de qualidade. Em 2018, o
vadas. Apesar disso, três anos depois, os inte- colas de ensino médio foram ocupadas. Kareni- IBGE divulgou dados da Síntese de Indicadores So-
grantes das ocupações não se veem como na Milosevic, hoje com 20 anos e graduanda em ciais. Eles apontam que apenas 36% dos alunos que
vencidos. Para alguns, o movimento teve êxito Filosofia, também pela UFU, participou da ocu- completam o ensino médio na rede pública ingres-
e trouxe contribuições para a realidade de suas pação na Escola Estadual Messias Pedreiro e en- sam em uma faculdade, em contraste com 79% dos
escolas. É o que observa a graduanda em His- frentou resistência por parte da direção da alunos da rede privada.
A discrepância fica ainda mais visível quando para a formação política e conscientização de cada culares é a intensa participação dos pais na vida
observado os dados locais da Superintendência aluno, bem como os aproximou da comunidade ex- escolar. Para Eugenia, é essencial que os pais e
de Ensino de Uberlândia. No município, a comu- terna e trouxe novos olhares para o ensino e para a responsáveis acompanhem o estudante para que
nidade escolar de ensino médio é composta por educação. Além da “valorização do ensino formal e o aprendizado seja efetivo. Reconhece, contudo,
34 escolas estaduais, dez colégios privados e três não formal”, Eugenia vê as ocupações também co- que nem sempre isso é possível, visto que parte
institutos federais. As instituições particulares, mo um lugar de aprendizado: “hora nenhuma per- de seus alunos não convivem com uma família
mesmo representando minoria do total, colocam cebi que o aprendizado deles havia sido afetado estruturada. Mesmo diante de tais questões, os
mais que o dobro de alunos nas universidades durante o movimento. Pelo contrário”. As aulas estudantes seguem lutando.
que as escolas públicas. também não deixaram de acontecer. Em 2019, o movimento estudantil manifestou-
Os alunos da rede pública, acessando pouco o Segundo a professora, o momento das ocupa- se contrário à política de contingenciamento de
Ensino Superior, conciliam a rotina de estudos com ções também foi dedicado a relembrar conteú- 30% da verba de instituições de ensino federais.
momentos de reivindicações por melhores condi- dos. “Deixei um pouco do meu conhecimento Seus protagonistas, advindos do ensino médio e
ções de ensino, como nas ocupações de 2016. Para com eles e aprendi muito também." A professora superior, lutam para melhorá-los. Os abismos
Eugenia Pires, professora de física na Escola Esta- acredita que um dos fatores que contribuem para continuam, mas o legado da educação pública e
dual do Parque São Jorge, o movimento contribuiu o bom desempenho dos alunos de escolas parti- gratuita permanece lutando para reduzi-los.
ENQUANTO ESTUDANTE DE ESCOLA PARTICULAR VAI EMBORA DE CARRO. FOTOS: MILENA FÉLIX
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ENTREVISTA
ESPECIAL DESIGUALDADES
FLAVIANE MARQUES COM OBRAS EM EXPOSIÇÃO: DIANTE DO RACISMO, ARTE POSSIBILITOU AFIRMAÇÃO DE IDENTIDADE E LUTA POR RECONHECIMENTO. FOTO: JOÃO MARCELO POZATTI
JOÃO MARCELO POZATTI Em Uberlândia, como é o campo artístico? E o que tenham prazer no que vai ser desenvolvido,
campo artístico negro? eles não vão ver sentido algum. Como professora
A artista Flaviane Malaquias, dedicada ao movi- de Artes, você precisa o tempo todo tentar mos-
mento negro e que se expressa, principalmente, Na cidade, a arte é muito valorizada. A gente trar para o seu aluno que ele precisa ser educado
através da arte, apresentou ao público de vê isso com a Secretaria da Cultura e outros ór- para a estética, para a arte, para o sensível e para
Uberlândia, fotografias, pinturas, desenhos e cha- gãos. Claro que não dá pra dizer que tudo é “mil a crítica. A arte é essa porta, mas os próprios
péus típicos a fim de demonstrar a história e as maravilhas”, mas muitos projetos são realizados alunos subestimam isso.
nuances do Congado uberlandense. A exposição aqui. O núcleo de estudos afro-brasileiros da
ocorreu no ITV Cultural durante novembro, mês UFU também abre muitos caminhos pra quem Durante a sua exposição “Cores do Congado”,
da Consciência Negra. trabalha com a cultura negra na região. peças artísticas foram produzidas pelos seus
Flaviane tem 35 anos, nasceu e cursou todo alunos. Por que você decidiu colocá-los nesse
seu ensino básico em Uberaba-MG. Em 2004, in- Como você vê essa relação entre ser artista e projeto?
gressou no curso de Artes Visuais da Universida- professora? E de que forma a arte afro entra
de Federal de Uberlândia e, atualmente, reside na nessa junção? Quem teve a ideia da exposição, foi o Sérgio.
cidade, onde divide casa com o amigo Sérgio Ro- Decidimos partir para um trabalho em conjunto,
drigues, outro artista local. Malaquias é professo- Enquanto professora, considero bem impor- a partir da especialidade de cada um. Eu tenho
ra de Artes no ensino municipal e vinculada ao tante porque eu tenho alunos que também vivem alguns alunos que fazem parte do Congado e
Núcleo de Pesquisa em Pintura e Ensino (Nuppe) essas crises identitárias. Quando eles te vêem pude trazê-los para serem os protagonistas.
do Instituto de Artes da UFU. Nessa entrevista, como um exemplo, que atua nos dois lados da Eles explicaram qual a estrutura dos ternos do
ela conta a sua trajetória, fala sobre a importân- moeda, eles se sentem representados. Em Uber- Congado para os colegas. Pegamos também o
cia da arte afro na cidade e sobre como é ser uma lândia as manifestações são bem fortes e foi esse trabalho do artista Gleyson Archanjo, que já ti-
professora negra no cenário atual. contato que me fez despertar para novos olhares, nha realizado um trabalho sobre o Congado, e
onde eu consegui trazer essa cultura para as mi- pudemos fazer desenhos sobre esse olhar do
Quem é Flaviane Malaquias no mundo? nhas áreas de trabalho. próprio Gleyson.
Por ter sofrido racismo, a arte me fez ter Há interesse dos alunos nas artes? A arte mudou a sua vida?
um encontro comigo mesma, tendo sempre
que reafirmar: “eu sou negra”. Às vezes, as Eu acho que os alunos até se interessam bas- A arte é mais forte do que a gente. Se eu não
pessoas falam que sou parda e isso me traz tante, porque, na escola onde dou aula, temos al- tivesse feito Arte, ela me perseguiria a vida intei-
questões sobre onde eu pertenço e qual a mi- guns projetos, como o Recreio Cultural, que ra, porque o artista tem uma sensibilidade que
nha raiz. A princípio, eu fui bem limitada por acontece uma vez por mês. Nele, os alunos pe- traz a necessidade de colocar imagens, sons ou
questões religiosas. Porém, quis encontrar no- dem para mostrar suas artes, seja uma dança, um movimentos para fora. Eu não sei se posso dizer
vos caminhos para a minha vida. Então, abri a teatro ou as próprias artes visuais. Na sala de au- que a arte transformou a minha vida, porque ela
porta, entrei e me encontrei naquele perten- la, o professor precisa ter algumas sacadas, ainda caminha comigo desde de criança. Porém, eu
cimento, que seria o início do meu trabalho mais porque a maioria dos alunos não cresceu li- sempre digo que a cultura e a arte afro me trans-
com a cultura negra. gado à arte. Se você não achar caminhos para formou para que eu me encontrasse.
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FOTO ENSAIO Dez/2019
ESPECIAL
ESPECIALDESIGUALDADES
DESIGUALDADES
A segregação de um shopping
ANNA JÚLIA, BETINA SCARAMUSSA, KAMILA CRISTINA, LORENA ARTEMIS, LORENA BARBOSA E TÚLIO DANIEL
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