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Ao longo dos anos, por meio de uma inserção crescente entre os pobres, porção
significativa da igreja continental foi tomando sempre mais consciência da
complexidade daquilo que poderíamos chamar de “mundo dos pobres”. E a explicitação
dessa consciência foi se dando mediante um duplo processo, simultâneo e recíproco:
desdobramento e ampliação da concepção de pobre e reconhecimento do rosto do
próprio Cristo nas feições concretíssimas dos empobrecidos.
No primeiro caso, foi-se compreendendo sempre mais o pobre mediante uma
abertura às alteridades como tais e às minorias subjugadas e marginalizadas: culturais,
raciais, de gênero, religiosas, etc. Assim, em Puebla, as feições nomeadas eram
praticamente todas de pessoas economicamente empobrecidas: crianças, jovens,
indígenas, afro-americanos, camponeses, operários, subempregados, desempregados,
marginalizados e anciãos (cf nn. 31-39). Santo Domingo fala de “rostos desfigurados
pela fome”, “desiludidos”, “humilhados”, “angustiados”, “sofridos”, “cansados”,
“envelhecidos” (n. 178). Aparecida concebe o pobre como o conjunto dos “novos
excluídos” (cf. n. 402): deslocados e refugiados, vítimas do tráfico humano, da
prostituição e do tráfico sexual, entre tantos outros. No segundo caso, aprofundou-se em
igual medida a experiência mística de reconhecer o rosto sofredor de Cristo nas
concretíssimas feições dos vários pobres, vítimas dos vários mecanismos de exploração
e de morte em ato no continente latino-americano e caribenho.
A confirmar o que estamos dizendo é a imagem do rosto dos pobres em sua
relação íntima com o rosto de Cristo que, a partir de Puebla, tem marcado presença
constante nos textos das assembleias continentais do episcopado. Nesse sentido seria
interessante verificar esse processo em curso comparando os vários parágrafos das três
conferências a esse respeito: Puebla (cf. nn. 31-39), Santo Domingo (cf. nn. 178-179) e
Aparecida (cf. n. 402).
Essas “feições concretíssimas”, esses “rostos desfigurados” ou ainda esses
“novos excluídos” nos questionam e nos interpelam, no dizer de Puebla; desafiam-nos a
uma profunda conversão pessoal e eclesial, segundo Santo Domingo; e, finalmente, na
linguagem de Aparecida, devem ser acolhidos e acompanhados em suas respectivas
esferas pela Igreja, sobretudo através de sua Pastoral Social.
A partir de Puebla, sobretudo, vai ficando cada vez mais claro que a opção pelos
pobres se constitui em perspectiva a partir da qual evangelizar a todos, sem exclusão. E
isso implica no fato de que, segundo Puebla, a imprescindível condição para que a
Igreja possa “evangelizar os ricos” (n. 1156) e “evangelizar o poder” (n. 144, 515) é
colocar-se em comunhão com os pobres, assumindo a “denúncia profética” (n. 1138).
Um exemplo claro dessa opção solidária pelos pobres como perspectiva que
atravessa todas as instituições e prioridades pastorais pode ser visto na decisão de fundo
tomada pelo episcopado por ocasião da Conferência de Santo Domingo (1992). Não
obstante o clima de censura e a intenção de substituir leituras estruturais da realidade
latino-americana pela abordagem cultural, o episcopado continental colheu a ocasião
das celebrações em torno dos 500 anos de evangelização do continente para prestar mais
atenção aos desafios e questões provenientes das culturas marginalizadas presentes e
atuantes na formação das culturas latino-americanas e caribenhas: a cultura dos povos
indígenas autóctones, a cultura afro-americana e a cultura da mulher, vítima da opressão
machista. Nesse sentido, a proposta de inculturar o Evangelho nas diversas culturas
presentes no continente surgiu como alternativa à proposta inicial da IV Conferência de
criar uma cultura cristã para fazer frente à cultura moderna secular.