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2023

Novas Comunidades e a Evangelização Hoje

MOVIMENTOS E NOVAS COMUNIDADES:


PANORAMA DE UM FENÔMENO

Dom Roberto Lopes, osb


Vigário Episcopal para os Institutos de Vida Consagrada,
Sociedades de Vida Apostólica, Movimentos Eclesiais e
Novas Comunidades na Arquidiocese do Rio de Janeiro

Refletir sobre as Novas Comunidades é evidenciar o papel fundamental do


pontificado de João Paulo II. Dirigindo sua palavra aos movimentos eclesiais,
reunidos por ocasião do 2º Colóquio Internacional (1987), o pontífice evidenciou a
profunda relação existente entre essas novas realidades agregativas e o Concílio
Vaticano II:
O grande florescimento desses movimentos e as manifestações de
energia e de vitalidade eclesial que os caracterizam devem ser
considerados certamente um dos frutos mais belos da vasta e
profunda renovação espiritual, promovida pelo último Concílio.

A fundação das Novas Comunidades iniciou-se na década de 1970 na França


e depois nos Estados Unidos. No Brasil as primeiras fundações foram nos anos
1978 e 1982, embora provenham de Movimentos Eclesiais, então ainda não
oficiais, que preparam o ambiente de suas fundações. A CNBB iniciou em 2009 um
estudo sobre este fenômeno para conhecer, acompanhar e garantir a comunhão
eclesial dos fiéis que compõem essas novas formas de agregação eclesial. O Brasil é
particularmente fecundo em relação ao nascimento dessas comunidades. Estão
cadastradas no Serviço Brasileiro de Comunhão do CHARIS cerca 613
Comunidades.
Retomando as linhas principais do Vaticano II a respeito da Igreja particular
e abrindo perspectivas para novas orientações pastorais. O Concílio Vaticano II, na
Gaudium et spes, faz uma indicação direta e simples, mas preciosa, no final do nº
31: “Podemos pensar com razão em depositar o futuro da humanidade nas mãos
daqueles que são capazes de transmitir às gerações de amanhã razões de viver e de
esperar”.

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O Concílio Vaticano II, na Constituição Dogmática Lumen Gentium, afirma


que “os carismas extraordinários, ou também os mais simples e mais comuns, dado
que são, sobretudo apropriados e úteis para as necessidades da Igreja, devem ser
acolhidos com gratidão e consolação” (LG nº12). Por isso mesmo, os carismas
devem ser acolhidos “tanto da parte de quem o recebe, como da parte de todos na
Igreja” (Christifideles laici, nº 24).

O fenômeno dos novos movimentos e das novas comunidades


Agostino Favale nos ajuda a perceber o florescimento das novas formas
agregativas como consequência de um longo caminho histórico das agregações
laicais. No belíssimo texto: Panorama del fenômeno agregativo laicale e dei
‘movimenti religiosi alternativi’ nella Chiesa Italiana. E Movimenti ecclesiale
contemporanei. Dimensioni storiche, teológico-spirituali e apostolich (4ª ed.: Roma:
LAS, 1991, p. 16-17) lemos:
Conjuntura inovadora, representada pelas recentes formas
agregativas laicais, não constitui uma novidade absoluta na vida
da Igreja. Se pensarmos no movimento monástico desde o final do
século III em diante, com a sua originária caracterização laical, e
no seu influxo positivo sobre grupos de cristãos fervorosos, que
normalmente gravitavam em torno dos mosteiros; no movimento
evangélico-pauperístico dos séculos XII-XIII, que originaram as
ordens mendicantes, os quais com suas ordens terceiras seculares
foram ao encontro do desejo de todos os que, homens e mulheres,
não podendo abraçar a vida religiosa, tinham a intenção de viver
seriamente os seus empenhos cristãos; nos sodalícios do século
XV, que se referiam às várias expressões da Devotio moderna; nos
fermentos de reforma dos séculos XVI-XVII, dos quais foram
promotores os Oratórios do Divino Amor, as Congregações dos
Jesuítas, as Confrarias e Companhias dos leigos, criadas pelos
membros dos Institutos dos Clérigos regulares; no despertar do
laicato no século XIX com toda uma série de obras caritativas e
apostólicas; e na retomada do associacionismo católico na
primeira metade do século XX. Foram manifestações carregadas
de dinamismo evangelizador, de maturação espiritual e de
crescimento de consciência eclesial, que, com outros movimentos
como aquele bíblico, patrístico, litúrgico, catequético, pastoral e
ecumênico, tornaram possível a revalorização dos fiéis leigos na
vida da Igreja.

O fenômeno dos movimentos tem suas raízes já na época anterior ao


Concílio Vaticano II. Os textos conciliares favoreceram o crescimento dessas
experiências e abriram as portas para as novas comunidades. Isso está explícito na

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Constituição Dogmática Lumen Gentium, cap. IV, na Gaudium et spes, nº 43, na


Presbyterorum ordinis, nº 8, e, sobretudo, no decreto sobre o apostolado dos leigos,
Apostolican actuositatem.
No pontificado do Papa Paulo VI (1963-1978) surgem novos movimentos
que, paulatinamente, vão sendo acolhidos pela autoridade eclesiástica. Grande
incentivo receberão os movimentos no pontificado do Papa João Paulo II, já
manifestado em sua primeira Carta Encíclica Redentor hominis, quando assinala
que “um idêntico espírito de colaboração e de corresponsabilidade [...] se difundiu
também entre os leigos, não apenas criando outras novas, que não raro se
apresentam com um aspecto diferente e uma dinâmica especial” (RH nº 5). De fato,
nos primeiros anos dos movimentos, o Papa João Paulo II os reconhece como “um
dos frutos mais belos da vasta e profunda renovação espiritual promovida pelo
último Concílio” (Encontro com os Movimentos, em Rocca di Papa, 1987). Já
anteriormente, num Encontro da Igreja Italiana, em Loreto, realizado em abril de
1985, o Papa definira os movimentos como “canal privilegiado para a formação e
promoção de um laicato ativo e consciente do próprio papel na Igreja e no mundo”.

Novas comunidades, uma nova realidade


A expressão “novas comunidades”, embora recente, tem se difundido
largamente, para referir-se a uma forma associativa, em grande parte nova na
Igreja, diferenciando-se das comunidades paroquiais, das comunidades eclesiais de
base e das comunidades religiosas, bem como dos demais movimentos eclesiais.
Elas podem derivar de novos movimentos ou neles se integrar, mas tem a sua
especificidade em relação a eles. A Exortação Pós-Sinodal Vita Consecrata refere-se
a novas expressões de vida consagrada (nº 12) e novas formas de vida evangélica
(nº 62), utilizando também a denominação “novas comunidades”. As novas
comunidades não figuram como tal no atual Código de Direito Canônico, embora
tenham seus direitos e deveres nele fundamentados. As novas comunidades
surgem como agregação de fiéis, por iniciativa própria dos leigos ou, em alguns
casos, por iniciativa de algum sacerdote dirigida aos leigos. Algumas, com o passar
do tempo, recebem aprovação diocesana, na condição de associação de fiéis,
através de decreto do bispo da diocese onde se deu a fundação.

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No catolicismo, o surgimento desse tipo de comunidade religiosa é um


verdadeiro fenômeno, dada a intensidade com que se formam e crescem variados
grupos em diversas partes do mundo. O movimento pentecostal católico destaca-se
nessa matéria. No interior da Renovação Carismática emergem grandes, ou
pequenas, associações de cristãos dispostos a fazerem da vida um instrumento de
resistência à atomização da sociedade.
As Novas Comunidades de vida no Espírito apresentam duas configurações:
1ª - a convivência e 2ª - a missão evangelizadora. Isso faz com que, embora
pareçam típicas “comunidades fora do mundo”, essas comunidades não escapem
nem evitem o diálogo com o mundo globalizado quando, por exemplo, investem
intensamente em recurso midiático de alta tecnologia como meio de evangelização
de massa. O compartilhamento diário de concepções e práticas entre os que
escolheram conviver em comunidades de vida intensifica a proposta de “viver no
Espírito”, proposição essa assumida em certa medida por todo o movimento
carismático.
Os Movimentos Eclesiais e as Novas Comunidades encontram seu
significado mais profundo a partir de uma experiência, de um encontro
extraordinário e misterioso com o evento Cristão. Deus se manifesta na história,
tornando-a, portanto, história de salvação, deixando-se experimentar por homens
e mulheres que, por sua vez, sentem esse divino encontro. Tais relatos podem ser
verificados a partir dos tempos apostólicos, passando pelas diversas etapas da vida
da Igreja até os nossos dias.
A realidade agregativa dos fiéis na Igreja não é uma novidade absoluta.
Alguns dados históricos nos ajudam a constatar que o surgimento dos movimentos
eclesiais ocorreu em momentos de crise cultural eclesial ou, segundo a afirmação
do teólogo suíço Von Baltasar, nos momentos de mudança de época: os grandes
dons de santidade com os quais o Esposo (Cristo) presenteia a Igreja sua Esposa (a
Igreja).
No magistério de S. João Paulo II:
Diz um grande teólogo do século XX, Uns Von Balthasar, que
quando se lança um olhar retrospectivo à grande tradição católica
à história da Igreja, percebe-se que em geral os carismas são
concedidos em forma de ‘cacho’, ou seja, a providência

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normalmente concentrou, em algumas fases cruciais da história


humana, numerosos e fecundos carismas, diferentes, em formas
de vida em Cristo, revitalizando com isso a tradição, a comunhão e
a missão da Igreja. Em tempos de profunda transição cultural, de
mudança de época, de viragem histórica, quando emergem novas
condições e mentalidades que colocam em xeque a tradição cristã,
que parecem enfraquecer a sua capacidade de ‘oferecer’, de
comunicação, de transmissão, uma florescência de carismas gera
novas correntes de santidade, novos movimentos de
evangelização e de enculturação do Evangelho, convidando para ir
a própria fonte da tradição católica (Gusmán - Uma nova
primavera na Igreja, 2004 – Foggia: Gradiche Grilli, p. 17-18).

Com o Concílio Vaticano II, a Igreja conscientizou-se da necessidade de


estabelecer um fecundo diálogo com a família humana, à qual o povo de Deus
pertence, para iluminar com o Evangelho os diversos problemas surgidos com a
evolução moderna do mundo, evidenciando também os sinais de esperança (GS nº
4). O dever de perscrutar os sinais dos tempos impulsionou as diversas categorias
constitutivas do povo de Deus a se comprometer com o empenho evangelizador.
Significativamente, deve-se evidenciar que o Concílio reconheceu a
importância do lugar e da missão dos fiéis cristãos leigos e leigas tanto na
sociedade como na Igreja. Ressaltando a particularidade da índole secular da
missão dos leigos, afirma o Concílio:
É especifico dos leigos, por sua própria vocação, procurar o Reino
de Deus exercendo funções temporais e ordenando-as segundo
Deus. Vivem no século, isto é, em todos e em cada um dos ofícios e
trabalhos do mundo. Vivem nas condições ordinárias da vida
familiar e social, pelas quais sua existência é como que tecida. Lá
são chamados por Deus para que, exercendo seu próprio ofício,
guiados pelo espírito evangélico, a modo de fermento, de dentro,
contribuam para a santificação do mundo. E assim manifestam
Cristo aos outros, especialmente pelo testemunho de sua vida
resplandecem em fé, esperança e caridade (LG, nº 31 - 33).

O fenômeno associativo
responde adequadamente às exigências humanas e cristãs dos
batizados, visto que o ser humano é social por natureza e Deus
quis reunir os fiéis em Cristo no povo de Deus. Por isso as
realidades associativas são também sinal da comunhão e da
unidade da Igreja. Este mistério de comunhão atuante entre os
fiéis por meio do Espírito se torna apelo à consciência dos
membros do Povo de Deus, de modo que a atividade apostólica
seja realizada de forma associativa. Para a edificação da
comunidade dos povos na paz e na fraternidade, além disso, (os
cristãos) podem servir de muitas maneiras as diversas

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associações católicas internacionais. Devem ser consolidadas,


dotando-as de pessoal mais numeroso e bem formado,
aumentando os subsídios de que precisam e coordenando
harmoniosamente suas forças. Pois em nossos tempos a eficácia
das ações como a necessidade de diálogo reclamam iniciativas
coletivas. Tais associações, além disso, contribuem não pouco para
desenvolver o sentido do universal, que certamente convém aos
católicos e é próprio para formar a consciência de solidariedade e
responsabilidade verdadeiramente universais (GS, nº 90).

Na exortação apostólica pós-sinodal Christifideles laici, João Paulo II, em


breve síntese sobre esse fenômeno da agregação dos cristãos leigos, constata que
isso assumiu uma variedade e vivacidade extraordinárias na atualidade. Assim,
disse o pontífice:
Se na história da Igreja tal fenômeno representou sempre uma
linha constante, como o provam até aos nossos dias as várias
confrarias, as ordens terceiras e os diversos sodalícios, ele
recebeu, todavia, um notável impulso nos tempos modernos que
têm visto o nascer e o irradiar de múltiplas formas agregativas dos
fiéis leigos. Com efeito, ao lado do associativismo tradicional e, por
vezes, nas suas próprias raízes, brotaram movimentos e sodalícios
novos, com fisionomia e finalidade específicas: tão grande é a
riqueza e a versatilidade de recursos que o Espírito infunde no
tecido eclesial e tamanha é a capacidade de iniciativa e a
generosidade do nosso laicato (CfL, nº 29).

São João Paulo II, confirma o direito dado pelas prescrições canônicas (CIC,
cân. 215.298-329), sobre a liberdade associativa dos fiéis leigos na Igreja:
Essa liberdade constitui um verdadeiro e próprio direito que não
deriva de uma espécie de ‘concessão’ da autoridade, mas que
promana do Batismo, qual sacramento que chama os fiéis leigos
para participarem ativamente na comunhão e na missão da Igreja
(CfL, nº 29).

Entretanto, esse direito associativo não tem caráter absoluto, mas está
condicionado a manter “a devida relação com a autoridade eclesiástica” (AA, nº
19). Em todos os casos,
é dever da hierarquia incentivar o apostolado dos leigos,
apresentar princípios e subsídios espirituais, orientar o exercício
deste mesmo apostolado para o bem comum da Igreja e
permanecer vigilante para resguardar a doutrina e a ordem (AA,
nº 24).

Independente, de sua atuação perene na história da Igreja, os movimentos


eclesiais encontram sua vitalidade, sua dinamicidade, enfim, uma nova guinada, a

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partir da eclesiologia de comunhão do Concílio Vaticano II que, por sua vez, soube
valorizar todas as vocações, incluindo a dos fiéis leigos, para a realização da missão
da Igreja no mundo contemporâneo.
No livro, “Il Vaticano II e i movimenti ecclesiali: uma recezione carismática”.
Christoph Hegge, no prefacio, Gianfranco Ghirlanda diz:
O ponto de partida, portanto, é a igualdade de todos os fiéis,
chamados à santidade, iguais na dignidade e no agir quanto à
cooperação na edificação do Corpo de Cristo e no cumprimento da
missão que Cristo confiou à Igreja s se realizar no mundo (LG
nº32,3; cc.204, & 1; 208). Nesta se inserem as específicas
vocações, portanto os particulares carismas dados pelo Espírito e
as diversas funções e ministérios, de modo que se entendam na
sua complementaridade, para que cada um, dócil ao Espírito,
realize fielmente a tarefa que lhe foi confiada por Deus (Città
Nuova, 2001, p. 10).

A promoção do laicato na Igreja é um fator determinante para o surgimento


das Novas Comunidades. Neste sentido, o Concílio Vaticano II muito contribuiu,
pois, através da concepção de uma Igreja toda ministerial, mesmo tendo presente
as distinções próprias das funções de cada parcela do povo de Deus, procurou-se
superar lentamente aquela visão de uma Igreja marcadamente clerical, na qual aos
leigos eram confiadas funções unicamente subordinadas e executivas. Todo o povo
de Deus, formado por leigos e leigas, ministros ordenados, membros da vida
consagrada, é sujeito da missão da Igreja. Sendo assim, supera-se o perigo de
considerar os leigos somente como uma parte adicional do organismo eclesial e
simples colaboradores do apostolado, cujo protagonismo respeitava aos ministros
ordenados.
Os carismas devem ser recebidos com gratidão: tanto da parte de quem os
recebe, como da parte de todos da Igreja.
[Eles] constituem uma especial riqueza de graça para a vitalidade
apostólica e para a santidade de todo o corpo de Cristo, desde que
sejam dons verdadeiros provenientes do Espírito e se exerçam em
plena conformidade com os autênticos impulsos do Espírito (CfL,
nº 24).

Tarefa não simples de se realizar é aquela de definir uma realidade tão nova
e complexa como as Novas Comunidades, porém, utilizando as palavras do então
prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Ratzinger, eles são “novas
irrupções do Espírito Santo”. Uma vez que essas novas realidades eclesiais

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encontram seus fundamentos principais no impulso renovador do Concílio


Vaticano II, constatamos sua originalidade carismática no texto conciliar.
“Não é apenas através dos sacramentos e dos ministérios que o Espírito
Santo santifica e conduz o Povo de Deus e orna de virtudes, mas, repartindo seus
dons ‘a cada um como lhe apraz’” (1 Cor 12,11), distribui entre os fiéis de todas as
classes mesmo graças especiais. Por elas os torna aptos e prontos a tomarem sobre
si os vários trabalhos e ofícios, que contribuem para renovação e maior incremento
da Igreja, segundo estas palavras: “A cada um é dada a manifestação do Espírito
para utilidade comum” (1Cor 12,7). Estes carismas, quer eminentes, quer mais
simples e mais amplamente difundidos, devem ser recebidos com gratidão e
consolação, pois que são perfeitamente acomodados e úteis às necessidades da
Igreja. Os dons extraordinários, todavia, não devem ser temerariamente pedidos,
nem deles devem presunçosamente ser esperados frutos de obras apostólicas. O
juízo sobre sua autenticidade e seu ordenado exercício compete aos que governam
a Igreja. A eles em especial cabe não extinguir o Espírito, mas provar as coisas e
ficar com o que é bom (cf. 1 Tess 5,12 e 19,21) (LG, nº 12).
Um dos critérios de eclesialidade apresentados por João Paulo II na
exortação CfL aponta para
a conformidade e a participação na finalidade apostólica da Igreja,
que é a evangelização e a santificação dos homens e a formação de
suas consciências, de modo a conseguir permear de espírito
evangélico as várias comunidades e os vários ambientes (CfL, nº
30).

Nesse critério, vê-se uma clara referência ao texto de AA nº 20, no qual se


sublinha a importância da cooperação dos leigos com a hierarquia. Todas as
formas agregativas de fiéis devem manifestar um autêntico entusiasmo
missionário, de modo que se tornem sujeitos de uma nova evangelização.
Confirmando esse ardor missionário, testemunhado pelos movimentos
eclesiais, João Paulo II declara em sua encíclica Redemptoris Missio:
No interior da Igreja, apresentam-se vários tipos de serviços,
funções, ministérios e formas de animação da vida cristã. Recordo,
como novidade que emergiu em muitas Igrejas em tempos
recentes, o grande desenvolvimento dos movimentos eclesiais,
dotados de forte dinamismo missionários. Quando se inserem com
humildade na vida das Igrejas locais e são acolhidos cordialmente
por bispos e sacerdotes nas estruturas diocesanas e paroquiais, os

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movimentos representam um verdadeiro dom de Deus para a


nova evangelização e para a atividade missionária, propriamente
dita. Recomendo, portanto, difundi-los e valorizá-los para restituir
vigor, principalmente entre os jovens, à vida cristã e à
evangelização, numa visão pluralista de modo de associar-se e de
expressar-se (RMi, nº 72).

Percebemos com isso o quanto é importante a articulação concreta entre a


pastoral orgânica das Igrejas locais e as estratégias pastorais dos vários grupos e
movimentos, de modo a evitar dispersão de forças e a fragmentação.
A contribuição das Novas Comunidades na tarefa evangelizadora tem sua
importância principalmente por causa da sua índole secular, uma vez que, em sua
maioria, contam com a afiliação de leigos e leigas.
Imersas em um mundo, cambaleante entre fé e incredulidade e
dilacerador por ideologias contrastantes, as hodiernas agregações
laicais, mesmo em meio a tensões em busca de sempre novas vias
para dialogar com os homens, testemunham que a pessoa
humana, para reencontrar a si mesma, não pode contentar-se
somente dos bens materiais e muito menos de um cristianismo
‘parcial e insípido’, mas tem a necessidade de um anúncio convicto
e corajoso da fé que se coloque diante de alternativas precisas e
permita que se façam escolhas para a própria vida, radicais e
libertadoras (Agostino Favale. Uma nuova stagione agregativa dei
fideli laici nella Chiesa, op. Cit., p. 148).

A experiência comunitária, testemunhada pelas Novas Comunidades, traz


também uma contribuição nova para a vida da Igreja, pelo fato de aglutinarem em
seu interior diferentes estados de vida – homens e mulheres, pessoas solteiras e
casadas, clérigos, leigos, religiosos, pessoas de outras confissões religiosas que,
segundo o específico de cada vocação, compartilham as mesmas tarefas apostólicas
e missionárias. Nestas comunidades, faz-se uma experiência interessante de
partilha e comunhão de diferentes estados de vida e vocações, de tal modo que
alguns a denominam comunidade de comunidades.
É importante ressaltar esta capacidade que as Novas Comunidades tiveram
e continuam tendo em assimilar o espírito conciliar em diversos campos, tais
como: a espiritualidade, a formação, o apostolado (mídia, educação, promoção
humana), a promoção das vocações para a vida religiosa, o sacerdócio ministerial,
o matrimônio cristão e a vida familiar, o incremento do testemunho cristão no
campo da política, das diversas ciências humanas, tecnológicas, sociais, etc. Tudo

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isso é sinal da receptividade do espírito conciliar que se verifica nas Novas


Comunidades, mesmo percebendo que muitos de seus membros ainda
desconhecem os textos do Concílio.
Por fim, muitas comunidades novas exercem um significativo papel valioso
na evangelização do nosso Brasil e no mundo. As primeiras comunidades do Brasil,
Canção Nova e Shalom, comunidades no diálogo ecumênico, de acordo com as
motivações do Concílio Vaticano II. Na Arquidiocese do Rio de Janeiro, a
Comunidade Coração Novo, com a Missão Somos Um.
Sem sombra de dúvida, tomar parte na atividade missionária da Igreja é um
elemento característico das Novas Comunidades, como se constata nas palavras do
Cardeal Rylko:
os carismas, dos quais nasceram essas realidades, originaram
itinerários pedagógicos de iniciação cristã de extraordinária força
persuasiva e percursos de educação cristã que conduzem à
vivência da fé com radicalismo evangélico e a um empenho
missionário alimentado por uma sólida e profunda espiritualidade
(La bellezza di essere cristiani).

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