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Uma saudação cordial a todos que participam deste curso para bispos.
Agradeço ao Cardeal Tempesta pelo convite. O tema que me foi atribuído é:
“Desafios e caminhos: uma visão do Dicastério responsável pelas Novas
Comunidades”.
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movimentos. Por isso, se fossem ler por exemplo, os discursos dos Papas dirigidos
aos participantes dos Congressos Mundiais dos Movimentos organizados pelo
nosso Dicastério encontrariam a menção “Aos Movimentos eclesiais e às Novas
Comunidades”.
Eu fiz esses acenos só para lhes fazer compreender que a expressão novas
comunidades é ainda muito fluida: se bem que seja muito difusa na Igreja, é
utilizada em contextos diferentes e com significados diversos. Por isso, penso que
não seja oportuno dar aqui definições rígidas. Na minha fala, eu a utilizarei no
sentido amplo, incluindo todas as realidades que acabei de citar.
Um segundo esclarecimento diz respeito à natureza destas comunidades.
Como bem sabem, aqui no Brasil, um percentual altíssimo dos fiéis que praticam a
fé e frequentam a Igreja provém de alguma comunidade ou teve que lidar com
alguma comunidade. Mas, o que se entende por comunidade? Penso que é
importante distinguir entre grupos locais que se definem por comunidade e grupos
que são expressão de um carisma.
a) Muitos grupos locais que se definem como comunidades são
frequentemente grupos de oração, que surgiram por iniciativa dos leigos ou de
sacerdotes ou de religiosos, que começam a se encontrar em uma paróquia para
momentos de oração e de partilha. Na maioria das vezes, aproveitam formas de
oração da renovação carismática, leem a Palavra de Deus em grupo, sublinhando
alguns aspectos da mensagem evangélica (a esperança, a comunhão, a paternidade
de Deus etc.), fazem também algumas atividades de apostolado. Este tipo de
comunidades, que surgem quase diariamente aqui no Brasil e que por isso é até
mesmo difícil de inventariar, frequentemente permanece circunscrito ao nível
local, isto é, estão presentes só em algumas paróquias ou apenas em uma diocese.
Provavelmente para esses grupos não será necessário iniciar um percurso de
reconhecimento jurídico com a elaboração e a aprovação de estatutos próprios,
porque se trata de realidades pouco estruturadas, que permanecem vitais
enquanto são animadas por um ou mais líderes, mas depois, quando estes não
estão mais presentes, os grupos por eles iniciados se extinguem ou fundem com
outras comunidades maiores e mais estruturadas. Entretanto, o fato de não terem
necessidade de reconhecimento jurídico, não quer, porém, dizer que não tenham
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do encontro com o Senhor Jesus e a beleza da existência cristã vivida na sua integralidade.
Em tais realidades se exprime também uma peculiar forma de missão e de testemunho se
destina a favorecer e desenvolver seja uma viva consciência da própria vocação cristã,
mais que itinerários estáveis de formação cristã e percursos de perfeição evangélica. A
estas realidades agregativas, de acordo com os diversos carismas, podem participar fiéis
de estados de vida diferentes (leigos, ministros ordenados e pessoas consagradas),
manifestando assim a multiforme riqueza da comunhão eclesial» (IE n. 2).
4Cân 305 §2. Estão sujeitas à vigilância da Santa Sé as associações de qualquer gênero; e à
vigilância do Ordinário local, as associações diocesanas e outras associações, enquanto
exercem atividade na diocese. (Tradução do Código de Direito Canônico).
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Todavia, o impulso para renovação que vem do Espírito não traz jamais a ruptura
da comunhão, a desobediência ou a divisão.
Na carta da Congregação para a Doutrina da Fé, Iuvenescit Ecclesia, são
elencados alguns “Critérios para o discernimento dos dons carismáticos”. É útil
citá-los neste encontro e fazer referência a eles, quando os senhores precisarem
avaliar as novas comunidades que atuam no território das suas dioceses.
1) Primado da vocação de todo cristão à santidade. Todo carisma autêntico
promove sempre a santidade dos seus membros que, exatamente por
frequentarem a comunidade, crescem na caridade para com Deus e os irmãos.
2) Empenho à difusão missionária do Evangelho. Os carismas autênticos
suscitam sempre zelo missionário para compartilhar aquilo que de belo se
descobriu no Evangelho.
3) Confissão da fé católica. Todo carisma autêntico se torna um lugar
privilegiado de educação para a fé na sua integralidade e leva a abrir as mentes e o
coração àquilo que a Igreja ensina sobre Deus, sobre o homem e sobre o mundo.
4) Testemunho de uma comunhão efetiva com toda a Igreja. Os carismas
autênticos criam em quem os acolhe a atitude para estabelecer uma relação filial
com o Papa e com o Bispo e docilidade para acolher os seus ensinamentos e as suas
orientações pastorais.
5) Reconhecimento e estima da recíproca complementariedade de outros
componentes carismáticos na Igreja. Um carisma é autêntico se não se considera a
si mesmo como o único válido na Igreja, mas reconhece a riqueza dos outros
carismas, é disposto à colaboração e a integrar-se de modo harmônico na vida de
todo o Povo santo de Deus para o bem de todos.
6) Aceitação dos momentos de prova no discernimento dos carismas. Um
carisma é autêntico se as pessoas que o acolhem se demostram humildes no
suportar com paciência eventuais incompreensões, momentos de prova e de
sofrimento sem se endurecer, mas vivendo tudo, segundo uma visão de fé, como
uma purificação e um momento de amadurecimento mais profundo. O carisma de
fato não é jamais separado da cruz.
7) Presença dos frutos espirituais. Os carismas autênticos produzem em
quem os acolhe alegria, paz, crescente benevolência e caridade (cf. Gal 5,22), mais
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intensa participação na vida da Igreja, o amor à Palavra de Deus, gosto pela oração,
vida litúrgica e sacramental, florescer de vocações ao matrimônio cristão, ao
sacerdócio ministerial e à vida consagrada.
8) Dimensão social da evangelização. Os carismas autênticos, partindo do
kerygma, renovam toda a vida das pessoas, fazem surgir no coração um espírito de
desapego e de pobreza evangélica gerando assim uma nova sensibilidade para as
necessidades dos outros, sobretudo para os mais pobres, e um forte desejo de
construir condições mais justas e fraternas dentro da sociedade.
Estes critérios podem servir para orientar-se e para realizar um primeiro
discernimento. Quando estão presentes no seu conjunto, podem fornecer ao Bispo
segurança sobre a autenticidade do carisma e sobre a eclesialidade de toda nova
comunidade que surge. Quero reafirmar, porém, que não se deve limitar ao
primeiro discernimento, mas é necessário acompanhar a vida de toda nova
comunidade no seu aparecimento, no seu crescimento e desenvolvimento, na fase
da sua maturidade. É possível, de fato, que um carisma seja autêntico e que as
origens sejam boas, mas as pessoas que o acolheram podem ser infiéis àquele
mesmo carisma, ou desvirtuá-lo, ou vivê-lo mal, e, portanto, aquilo que iniciou bem
pode se desviar e corromper ao longo do caminho. Por esse motivo o pastor não
pode dar um nihil obstat inicial, mas depois abandonar uma nova comunidade aos
cuidados de si mesma. Deve, porém, seguir passo a passo o desenvolvimento.
4. O papel do Bispo
Passemos à tarefa do Bispo em relação às novas comunidades. Esta tarefa é
bem ilustrada no cânon 305 do Código de Direito Canônico, do qual cito o primeiro
parágrafo:
Todas as associações de fiéis estão sujeitas à vigilância da
autoridade eclesiástica competente, à qual, portanto, cabe cuidar
que nelas se conserve a integridade da fé e dos costumes e velar
que não se introduzam abusos na disciplina eclesiástica, cabendo-
lhe, portanto, o dever e o direito de visitar essas associações de
acordo com o direito e os estatutos; ficam sujeitas ao governo
dessa autoridade, de acordo com as prescrições dos cânones
seguintes (Can. 305 - §1).
Estão aqui indicados três aspectos da tarefa de vigilância que compete à
autoridade eclesiástica, que em nível diocesano, é precisamente o Bispo: 1) cuidar
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que seja conservada integridade da fé e dos costumes; 2) velar para que não se
introduzam abusos; 3) visitar tais associações.
Começo do último. Não é só um direito, mas é um dever para o Bispo visitar
as comunidades que estão presentes na sua diocese.5 Infelizmente é preciso
reconhecer que muitos bispos negligenciam este seu dever, que, no entanto, é
fundamental. Gostaria de sublinhar que acompanhar as novas comunidades
significa visitá-las pessoalmente! Não é suficiente receber esporadicamente, nos
gabinetes da diocese, algum representante destas comunidades, ou também, pior
ainda, enviar o vigário episcopal ou um outro sacerdote. O Bispo, como pastor,
deve ir pessoalmente a visitar estas comunidades, deve participar de algum de
seus encontros, deve conhecer os responsáveis ou eventuais fundadores e a sua
história. Deve dar-se conta do estilo de oração e de celebração litúrgica que têm,
dos percursos formativos que propõem, das formas de apostolado e de missão que
desenvolvem. Tudo isto requer tempo, mas é um trabalho indispensável. De fato,
só o conhecimento direto, de primeira mão, faz conhecer o estilo de uma
comunidade e a atmosfera que nela se respira. O Santo Padre repete
frequentemente que a “proximidade é o estilo de Deus” e por isso deve ser também
o estilo dos pastores da Igreja.6 Mais que a simples leitura de um dossiê escrito, é
exatamente a proximidade que permite intuir qual é a qualidade espiritual de uma
comunidade e se eventualmente existem aspectos problemáticos.
Acrescento também que esta proximidade deve ser a proximidade de um
pastor, não aquela de um policial e, portanto, não deve limitar-se a visitas oficiais,
quase de inspeção, de verificação e de relatório, mas procurar se fazer presente
nos vários momentos da vida de uma comunidade, também naqueles mais
informais, de festa, de fraternidade, de troca de ideias. Deste modo, o Bispo, pouco
a pouco, começa a ser visto pela comunidade como um pai que se interessa pelos
seus filhos, que se empenha com o seu crescimento humano e espiritual e também
5Se veja a propósito também o Can. 397 §1: « Estão sujeitos à visita episcopal ordinária as
pessoas, as instituições católicas, as coisas e os lugares sagrados que se encontram no
âmbito da diocese. ».
6 Uma recente ocasião na qual falou foi o Discurso aos seminaristas e sacerdotes que
estudam em Roma, ocorrido na Sala Paolo VI, segunda-feira, 24 de outubro de 2022.
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5. Desafios e percursos
No tema que me foi atribuído se fala de desafios e percursos. Faço alguma
breve indicação a propósito. O desafio principal que o florescer de tantas novas
comunidades apresenta aos pastores é aquele de fazer crescer nelas o senso
eclesial assim que se tornem uma presença e uma força no coração da Igreja e não
ao lado da Igreja, ou pior ainda, fora da Igreja. O Bispo, portanto, com muita
sabedoria pastoral, com muita prudência e com muita paciência, deverá ajudar as
comunidades a superar alguns riscos que são típicos destas novas realidades. O
risco do unilateralismo, quando se pensa que a verdadeira Igreja está só na minha
comunidade, ou também que só nós vivemos verdadeiramente o Evangelho. O
risco do intimismo, quando a fé cristã é reduzida a uma experiência interior
puramente emotiva e sentimental. O risco da alienação, quando se tende a refugiar-
se no ambiente espiritual da comunidade para fugir das problemáticas da própria
vida pessoal, sem jamais afrontá-las e procurar resolvê-las. O risco de excessivo
espiritualismo, quando tudo aquilo que se faz ou se diz em comunidade é
considerado como inspirado pelo espírito e, portanto, aceito incondicionalmente e
sem verificação pessoal. O culto da personalidade, quando aquilo que dizem e
aquilo que fazem os líderes das comunidades é absolutizado e as suas pessoas
quase idolatradas. O risco de confronto com a comunidade local, paroquial e
diocesana, considerada apagada, formalística e superada. Eu poderia continuar,
mas paro aqui. Com isso não quero ser pessimista, quero somente fazer
compreender que o Bispo, na sua sabedoria e paternidade, conhece bem tanto os
méritos como os defeitos da Igreja e os de seus filhos que vivem com entusiasmo a
fé nas novas comunidades. Por isto procura pouco a pouco corrigir os seus defeitos
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harmonia, mas não uniformidade. Neste sentido o Bispo não deve seguir um falso
conceito de comunhão, onde cada tensão e cada variedade de acentuações
espirituais e pastorais desapareceriam para dar lugar a uma vida eclesial em uma
única direção.
Definitivamente, o justo equilíbrio que o Bispo prudentemente deve saber
conservar consiste nisto: de um lado promover uma autêntica e efetiva comunhão
eclesial, de outro respeitar os carismas e a sua identidade consentindo a legítima
variedade de expressões e de manifestações do Espírito.
Uma última observação. É muito importante que os pastores saibam que a
maturidade espiritual e eclesial, no interior de cada comunidade, não é um ponto
de partida. É um ponto de chegada! Ou seja, é fruto de um percurso, de uma
pedagogia que podem durar anos. Consequentemente, não se pode esperar que
tanto as pessoas individualmente como a comunidade em seu conjunto estejam
perfeitamente maduras, perfeitamente formadas, perfeitamente integradas na
comunhão eclesial desde o início. Esta meta se alcança gradualmente e os bispos
devem saber guiar, orientar e sustentar este caminho de crescimento. Portanto, o
pastor não pode tirar conclusões apressadas nem tomar medidas drásticas quando
surge algum sinal de imaturidade espiritual ou eclesial, mas saberá usar de
paciência e discernimento para corrigir eventuais defeitos, conservando, ao
mesmo tempo, os frutos bons do Espírito que tenha reconhecido nas pessoas e nas
comunidades.
Conclusão
Para concluir gostaria de convidá-los a considerar as novas comunidades
como um grande dom que Deus faz à igreja no Brasil. Quem dera que em cada país
existissem tantas comunidades como aqui no vosso país! Diria que é muito melhor
enfrentar os problemas que surgem da efervescência e da riqueza dos carismas
que os dolorosos problemas que muitos de vossos coirmãos bispos enfrentam em
outros países. Penso no contínuo fechamento das paróquias e na venda dos
edifícios sagrados, no abandono dos sacramentos, no desaparecimento dos jovens
da Igreja, na total falta de vocações.
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