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Capítulo 8

Catequese e comunidade
A catequese em todas as formas em que é concebida ou sonhada,
está ligada por laços muito estreitos à comunidade cristã. A
referência à comunidade é fundamental: diz-se que não existe
catequese sem comunidade, que a comunidade é fonte, lugar e meta
da catequese (DGC n.158), que as novas formas de comunidade
oferecem possibilidades inéditas ao desenvolvimento da catequese.
É uma instância pastoral rica de promessas, mas não isenta de
dificuldades e problemas.

1. A DIMENSÃO COMUNITÁRIA DA CATEQUESE: ESPERANÇAS E PROBLEMAS

A exigência de que a toda catequese corresponda uma comunidade cristã autêntica muitas
vezes nos leva a uma constatação amarga: onde está essa comunidade? Onde estão hoje as
comunidades cristãs da fé adulta e do testemunho convincente?
 Hoje existe na Igreja um vasto movimento comunitário que assiste ao surgimento de
novas formas de comunidades desejosas de viver mais autenticamente a comunhão de fé
e de vida cristã. Nessas novas comunidades se desenvolve também um modo novo de
fazer catequese. Esse novo modo, porém, ao mesmo tempo em que goza de inúmeras
vantagens, padece de muitas problemas e tensões: problemas de comunhão entre as
novas comunidades e as paróquias e dioceses; problemas relacionados ao estatuto
eclesiológico, nem sempre claro, das novas experiências comunitárias: autenticidade
eclesial, critérios de discernimento, superação dos conflitos etc. É toda uma problemática
que também se reflete no terreno da catequese.
 Em especial, oferecem vantagens indiscutíveis, mas também dificuldades, as experiências
de alguns grupos e movimentos com uma tradição catequética própria, que, no entanto,
também suscitam dúvidas sobre sua autenticidade. Muitas vezes se cai num
“espontaneísmo” cheio de emotividade ou no subjetivismo; acontece também de surgir a
figura de um líder carismático que é seguido mais ou menos cegamente; ou então se
valoriza de forma unilateral o carisma do movimento. São situações que tornam
problemática a presença de uma catequese fiel à sua identidade eclesial e ao seu papel de
educação da fé.

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 E ainda: a instância comunitária às vezes põe em questão o valor de alguns lugares
tradicionais da catequese, como a paróquia, e sobretudo a escola. A propósito desta, cabe
perguntar: é a escola um autêntico lugar de catequese? Em que medida? Pode ser
considerado catequese o ensino da religião dado na escola (ERE) (“aula de religião”)?
Esses e outros problemas semelhantes convidam à reflexão que vamos iniciar. Trata-se de
apreender o significado da realidade comunitária (expressão do sinal da koinonia) na Igreja
de hoje e aprofundar-lhe as implicações para a compreensão da função catequética.

2. O MOVIMENTO COMUNITÁRIO NA IGREJA DE HOJE (Novas perspectivas do


sinal da koinonia)

O impulso renovador do Vaticano II e a redescoberta da eclesiologia de comunhão


estão na origem de um vasto movimento comunional e comunitário,1 caracterizado por
múltiplas iniciativas e exigências no âmbito eclesial: órgãos colegiais, sínodos e assembleias
eclesiais, novos grupos e movimentos, comunidades de base, novos ministérios etc. São
expressões variadas de um profundo desejo de comunhão, de participação e corresponsabilidade
no tecido da vida eclesial. É todo um mundo de ideias, perspectivas e tensões que,
entretanto, no seu conjunto, se anuncia como um sinal evidente da passagem do Espírito na
Igreja. Antes de mais nada, vamos procurar apontar alguns de seus pontos nodais e as
exigências mais significativas.

2.1 Raízes socioculturais do movimento comunitário

O movimento comunitário da Igreja, embora tenha motivações predominantemente


teológicas e pastorais, não é estranho a uma série de fenômenos típicos de nossa época, que
levam as pessoas de hoje à procura de novas formas de participação e de comunidade.
Na nossa sociedade é muito forte a socialização dos indivíduos e dos grupos. As pertenças
sociais se multiplicam, mas as pessoas do nosso tempo se sentem muitas vezes sem pontos de
referência, sós e perdidas na massa,2 sem uma comunidade que lhes permita sentir-se pessoas
acolhidas e valorizadas. Em muitos aspectos, a vida moderna é despersonalizante, massificante,
com exigências de eficácia e de produção que impedem os indivíduos de realizar-se como
pessoas. Assim se explica o grande desejo de experiências autênticas de comunhão e de
comunidade.

1
Cf. Max Delespesse, Revolução evangélica? São Paulo, Loyola, 1973.
2
Recorde-se a conhecida obra de D. Riesman - N. Glazer - R. Denney, The lonely crowd. Garden City, Doubleday,
1953 (La folla solitaria. Bolonha, Il Mulino, 1956).
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No campo da sociologia conhece-se a distinção entre comunidade (Gemeinschaft) e
associação ou sociedade (Gesellschaft).3 Na associação ou sociedade as pessoas se unem tendo
em vista um objetivo a atingir, e cada um vale de acordo com o que tem e de acordo com sua
atuação, deixando na sombra a pessoa em si, em seu ser. A comunidade, ao contrário,
toma a pessoa em seu valor original e único, criando relações fraternas de acolhimento e de amor
e propiciando a livre troca interpessoal. Na vida moderna, tão rica de organizações e de
instituições, sente-se a necessidade imperiosa de experiências de comunidade, em meio às quais
seja possível o encontro, a comunicação, o amor, a aceitação recíproca.4
Essa busca de uma comunidade exprime e canaliza diversas exigências do homem
contemporâneo: a necessidade de integração afetiva; o desejo de participação em todos os níveis;
a reafirmação da própria identidade cultural e histórica, contra todas as formas de alienação ou
colonização; o reconhecimento efetivo da própria dignidade pessoal e social.

2.2 Raízes teológico-pastorais do movimento comunitário

Como já foi dito, a consciência eclesial redescobriu a centralidade da comunhão ou koinonia


no ministério da Igreja e no planejamento da atividade pastoral. 5 A comunhão eclesial, que é
antes de tudo dom do Espírito e reflexo da vida trinitária, exige ser vivida e traduzida na
experiência de comunidade, em todos os níveis da estrutura da Igreja: A comunidade cristã é a
realização histórica do dom da ‘comunhão’ (koinonia), que é um fruto do Espírito (DGC n.
253).

3
A distinção remonta ao sociólogo alemão F. Tönnies: cf. F. Tönnies, Comunità e società. Milão, Ediz. Di
Comunità, 1963.
4
Cf. André Tange, Análise psicológica da Igreja. São Paulo, Loyola, 1975.
5
Ver capítulo 6, item 3.1.2.
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Assim se explica a busca de novas formas de comunhão e de comunidade na Igreja de hoje;
ela se dá com tal força que se pode falar de “revolução evangélica”, de “novo nascimento” da
Igreja,6 através do tecido renovado das novas comunidades. Em sua base há a convicção,
apoiada no testemunho bíblico, de que a Igreja deve configurar-se sobretudo como
comunidade, como fraternidade,7 no sentido pleno da palavra. Não se ignora a sua dimensão
institucional, mas deve prevalecer o fato da Igreja como convocação por meio da fé,8 para que a
instituição não impeça o exercício autêntico da comunhão e da missão.
Pois bem, atualmente se constata na Igreja uma distância muito grande entre a
realidade e o que ela deveria ser. A Igreja se apresenta, de muitos pontos de vista, mais como
instituição do que como comunhão, mais rica de estruturas institucionais do que de
experiências autênticas de comunidade. Assim se explicam muitos becos sem saída da pastoral
sacramentária e catequética, muitas crises de pertença eclesial, não poucos casos de contestação
e de abandono da vida cristã, sacerdotal e religiosa. O relativo sucesso de tantas seitas e
movimentos esotéricos tem também em sua base a procura de uma fraternidade não
experimentada na comunidade eclesial.9 A excessiva institucionalização, o predomínio das
estruturas jurídicas, a prevalência de critérios de eficiência e visando à conservação obscurecem
com frequência o aspecto humano e libertador da comunhão de fé, sufocam o exercício da
vida comunitária e diminuem a credibilidade da Igreja.10
Compreende-se assim esse fenômeno típico da presente situação eclesial: a criação de novas
formas de viver a comunhão e de realizar a comunidade. Já apresentamos os traços principais
desse dinamismo, que entremostra a nova fisionomia da koinonia eclesial.11 Cabe agora
salientar o surgimento de um fenômeno de grande importância para o futuro da pastoral e
para a renovação da catequese: a decisão pela criação das pequenas comunidades.

6
Cf. Max Delespesse, Revolução evangélica? São Paulo, Loyola, 1973 e a conhecida obra de Leonardo Boff.
Eclesiogênese: as comunidades eclesiais de base reinventam a Igreja. Petrópolis, Vozes, 1977.
7
Cf. P. F. Schmid, Im Anfang ist Gemeinschaft. Personzentrierte Gruppenarbeit in Seelsorge und Praktischer
Theologie. Beitrag zu einer Theologie der Gruppe. Stuttgart/Berlim/Colônia, W.Kohlhammer, 1998, cap. 4 (“La
comunità è la forma sociale della Chiesa. L´ekklesia come luogo di convocazione dei credenti”).
8
Cf. Klostermann, Kirche, Ereignis und Institution. Viena, Herder 1976; P. A. Liégé, Lo stare insieme dei cristiani tra
comunità e istituzioni. Brescia, Queriniana, 1979.
9
“A Igreja faz a opção pelos pobres e os pobres optam pelas seitas”, in: Coincat, “Catequese para viver
num mundo pluralista e secularizado”. Revista de Catequese 15 (1992), n. 59, p. 59-64.
10
Cf. A. Tange, op. cit., p. 23-37.
11
Cf. cap. 6, item 3.2.
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2.3 Refazer o tecido comunitário: as pequenas comunidades

As pequenas comunidades nascem da necessidade de viver a experiência cristã em lugares


de comunhão autêntica. Elas surgem praticamente em toda parte, com formas e nomes
diversos (comunidades eclesiais de base, small christian communities, communautés éclésiales
vivantes etc.), e também com aspectos às vezes problemáticos (cf. EN n. 58). Constituem
certamente um sinal dos tempos. Muitas Igrejas locais e particulares fizeram delas objeto de
opções pastorais explícitas,12 e também em nível universal se reconheceu seu valor eclesial:

Essas novas comunidades oferecem novas possibilidades à Igreja: com efeito, podem ser um
fermento na massa e no mundo em transformação; contribuem para manifestar mais claramente a
13
verdade e a unidade da Igreja; devem ser sinal de caridade recíproca e de comunhão.

Menção especial merece o fenômeno das comunidades eclesiais de base (CEBs) na América
Latina, elemento propulsor de uma renovação geral do tecido eclesial. Já nessa perspectiva
saudava o evento a conferência de Medellín:

A vida de comunhão a que foi chamado, o cristão deve encontrá-la na “comunidade de base”: ou
seja, em uma comunidade local ou setorial que corresponda à realidade de um grupo homogêneo
com uma dimensão que permita a convivência pastoral fraterna entre seus membros [...]. A
comunidade cristã de base é, assim, o primeiro e fundamental núcleo eclesial, que, em seu
âmbito, deve responsabilizar-se pela riqueza e expansão da fé e pelo culto de que é expressão.
Portanto, ela é uma célula inicial da estrutura eclesial, centro de evangelização e atualmente um fator
14
primordial da promoção humana e do desenvolvimento.

12
Além da América Latina (cf. bibliografia no fim do capítulo), fizeram essa opção diversas Igrejas: cf. por
exemplo: Ásia (Cingapura 1995) III D; J. M. Calle, “Catechesis for the 80´s in the asian context”, East Asian Pastoral
Review 17 (1980), n. 2, p. 187-94; J. Guiney, “Les communautés ecclésiales de base: échos d´Afrique de l´Est”,
Lumen Vitae 43 (1988), n. 4, p. 407; L. Boka di Mpasi, Verso una cattolicità-Arcobaleno [...] Saggio documentario. I.
Problematica africana dell´inculturazione. Roma, 1998; Id., Verso una cattolicità-Arcobaleno [...] Saggio
documentario. II. All´appuntamento del dare e del ricevere: dinamica della missionarietà. Roma, 1999; Espanha CC
n. 277-80.
13
Mensagem do Sínodo de 1977, n. 13.
14
Medellín (Pastoral de conjunto), n. 10.

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As CEBs, nascidas principalmente em ambientes populares, se tornaram uma esperança de
renovação eclesial e um lugar de redescoberta da comunhão evangelizadora. Elas foram
saudadas como “Igreja que nasce do povo”,15 sinal dos tempos,16 lugares de conscientização,
primavera promissora para a Igreja.17 Elas receberam um reconhecimento oficial na
Evangelii Nuntiandi, que as chama de “lugar de evangelização” e “esperança para a Igreja
universal” (EN n. 58), e principalmente no documento de Puebla:

As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), uma experiência que mal começava em 1968,
amadureceram e se multiplicaram, principalmente em alguns países, e agora constituem um dos
motivos de alegria e de esperança para a Igreja. Em comunhão com o bispo, como se postulou em
Medellín, elas se transformaram em polos de evangelização e em agentes de libertação e de
desenvolvimento (Puebla n. 96).

Puebla afirma também que as comunidades de base, quando atendem a critérios de


autenticidade eclesial, são expressões do amor preferencial da Igreja pelo povo simples
(n.643), instrumento para a criação de um homem novo na Igreja e na sociedade (n. 1308-
1309), um modo novo de ser Igreja (n. 273), um lugar privilegiado de evangelização e de
catequese (n. 640. 100. 1147).

15
Cf. Una Chiesa che nasce dal popolo: le comunità di base. Roma, Quaderni Asal 1975, n. 21-22.
16
Cf. Comunidades cristianas de base: signo de los tiempos, opción pastoral. Chapinero-Bogotá, Indo-American
Press Service, 1970.
17
J. F. Marins, “Comunidades eclesiais de base”. Nuevo Dic. Cat., p. 505.
270
2.4 Critérios de autenticidade e sintomas patológicos dos grupos e das comunidades eclesiais

A presença de grupos, movimentos e novas comunidades na Igreja levanta o problema de


sua autenticidade e sentido eclesial. Em que condições se pode reconhecer como autêntico um
grupo de cristãos que reivindica para si a qualificação de comunidade eclesial? Quem merece de
fato o nome de “comunidade cristã?” Quando se pode dizer que um grupo eclesial é sadio e
maduro?
O problema requer a atenção de diversas autoridades eclesiais, como Evangelii Nuntiandi
(n. 58), Puebla (n. 638-647) e diversos episcopados.18 Está presente também na reflexão
teológica e pastoral contemporânea.19 E aqui cabe não apenas mencionar os principais
critérios de autenticidade eclesial, mas também apontar as limitações ou “doenças” mais
frequentes dos grupos e das comunidades, dado que elas prejudicam o bom andamento da
vida pastoral. Com efeito, são bastante conhecidas as acusações de que são objeto alguns
grupos e movimentos: isolamento pastoral, autoexaltação, espírito sectário, fanatismo e
emocionalismo, dificuldade de integração etc.
Existe um consenso básico sobre alguns elementos considerados essenciais, que podemos
resumir assim:

2.4.1 O Evangelho como fato fundador

No coração de toda comunidade cristã, como realidade-fonte, existe sempre a escuta do


Evangelho e a confissão de fé no Senhor Jesus. Nesse sentido, a fé é sempre a raiz última de
toda convocação eclesial, e é a referência a essa fé professada e vivida que torna genuína a
organização comunitária.20 Quaisquer outras motivações (amizade, fraternidade vivida, a
convergência de certos objetivos etc.) só têm sentido se ancorados e subordinados à
referência essencial à fé.

2.4.2 O critério da comunhão eclesial

Toda comunidade cristã autêntica deve ser reconhecida pela Igreja e viver em
comunhão com a Igreja, aberta, portanto, à universalidade eclesial. Não se pode conceber
uma comunidade cristã nascida por iniciativa própria e atuando de forma autônoma,
autossuficiente. Vão contra esse critério fundamental as diversas formas de isolacionismo e
fechamento nas relações com a comunidade mais vasta: grupos incoerentes, espírito de seita ou
gueto, isolamento de atuação, situação de conflito ou de contestação exasperada etc.

18
Assim se expressou a CNBB: “A tarefa de construir “comunhão e participação” deve ser encarada com
continuidade e perseverança. Exige uma mudança de mentalidade, que muitas vezes ainda não aconteceu. Em alguns
casos, existem queixas de retrocesso na prática da comunhão e participação para um “clericalismo” incompatível com
os ideais evangélicos e a eclesiologia de comunhão” (Diretrizes gerais 20032-2006, n. 108). Cf. também: Espanha CC
n. 257-265; Servicio pastoral a las pequeñas comunidades cristianas: documento de la Comisión Episcopal de
Pastoral. Madri, Edice, 1982; o documento da CEI: criteri di ecclesialità dei gruppi, movimenti, associazioni, Nota
Pastorale (1981).
19
Ver bibliografia no fim do capítulo.
20
Cf. P. A.Liégé, Lo stare insieme dei cristiani, p. 18-22.
271
2.4.3 O critério da globalidade das funções eclesiais

Toda comunidade autêntica deve dar o devido espaço às funções próprias da mediação
eclesial: a caridade-serviço (diaconia) a fraternidade (koinonia) o ministério da palavra
(martyria) e a celebração da fé (liturgia). Se falta alguma dessas funções, ou se é realizada
de forma inadequada, não se pode qualificar um grupo ou uma associação como comunidade
cristã. Isso acontece, por exemplo, no caso do desenvolvimento inadequado do anúncio da
palavra ou das celebrações, ou pelo modo de conceber a atuação social e política etc. Por vezes
não se respeita a globalidade das funções eclesiais, concentrando-se a atenção em alguma delas e
negligenciando as outras.

2.4.4 O critério da ministerialidade

Uma comunidade é autêntica quando respeita a diversidade orgânica dos carismas e


ministérios, em particular do ministério ordenado, fator essencial de coordenação e
orientação. Por isso toda comunidade de Igreja reporta-se ao ministério episcopal, seja
diretamente (Igrejas particulares) ou através da função subordinada do presbítero (comunidades
locais), e promove a diversidade harmônica dos carismas e ministérios. Ora, essas interações
muitas vezes mostram-se comprometidas por insuficiências ou formas desequilibradas de
funcionamento: “espontaneísmo” exagerado, exercício inadequado da autoridade (autoritarismo,
paternalismo, culto da personalidade etc.), problemas de comunicação e participação etc.

2.4.5 O critério da fecundidade

É próprio também da maturidade comunitária a fecundidade catecumenal e batismal


(geração de novos membros), expressão essencial da maternidade da Igreja. 21 Também lhe é
própria a fecundidade vocacional (que assegura à comunidade o desenvolvimento e a
continuidade) e o ardor missionário (que faz da comunidade lugar de irradiação para outras
comunidades).

21
Cf. M. Dujarier, “Le catéchuménat, fonction de l´Église”, Spiritus 35 (1994), n. 134, p. 46-54. Luiz Alves de
Lima, “Catequese com adultos e iniciação cristã”, in: CNBB-Grecat, Segunda Semana Brasileira de Catequese. São
Paulo, Paulus, 2002, p. 318-54 (Estudos da CNBB n. 84).
272
2.4.6 A conciliação dos conflitos

Além disso, a estrutura eclesial, em seus diversos níveis, demonstra sua maturidade (ou a
sua imaturidade) no modo de gerir e conciliar – sem os suprimir – os conflitos e as tensões
presentes em seu interior. Tradicionalmente, três princípios ou valores são considerados critérios
para a resolução de conflitos eclesiais: a fé (pístis), o amor (ágape) e a edificação (oikodomé).22
A aplicação desses critérios nem sempre é fácil, mas é através deles que se podem enfrentar e
resolver as questões conflituosas.

Eis, pois, um quadro dos critérios de discernimento comunitário que permite esboçar os
traços característicos e os diversos níveis de maturidade da comunidade eclesial, assim como
já vimos as exigências da maturidade da fé das pessoas.23 São dois aspectos de grande
urgência pastoral, especialmente no que se refere à catequese.

3. DIMENSÃO COMUNITÁRIA DA CATEQUESE

A redescoberta da comunidade (em especial da pequena comunidade) e do grupo como


recurso pastoral tem aplicações muito relevantes no campo catequético.

3.1. Opção comunitária na pastoral catequética

A relação estreita entre catequese e comunidade é hoje um fato universalmente reafirmado e


colocado no centro da atenção pastoral:

A experiência catequética moderna confirma, mais uma vez, que em primeiro lugar vêm os
catequistas e depois os catecismos; ou melhor, as comunidades eclesiais vêm ainda antes. Com
efeito, não se concebe uma comunidade cristã sem uma boa catequese, assim como não se pode
conceber uma boa catequese sem a participação de toda a comunidade (RdC n. 200).

Pode-se falar, nesse sentido, de opção comunitária na catequética moderna, opção que
proclama a comunidade cristã como condição, lugar, sujeito, objeto e meta da catequese (cf.
DGC n. 158, 254). Examinemos mais de perto seus aspectos significativos.

22
Cf. G. Chiaretti, “Comunità”, in: V. Bo et al. (eds.). Dizionario di Pastorale della comunità cristiana.
Assis, Cittadella, 1980, p. 173.
23
Cf. cap. 5, item 3.4.
273
3.1.1 A comunidade, condição necessária para a catequese

O testemunho da comunidade eclesial é condição essencial de uma catequese


significativa:

A pedagogia catequética se faz eficaz na medida em que a comunidade cristã se torna referência
concreta e exemplar para o caminho da fé dos indivíduos. Isso acontece se a comunidade se
apresentar como fonte, lugar e meta da catequese (DGC n. 158).

A exigência é amplamente partilhada. Pode-se dizer que “a comunidade cristã é em si


mesma catequese viva” (DGC n. 140), e que esta corre o risco de se tornar estéril se não se
apoiar no acolhimento e no testemunho da comunidade (CT n. 24). Daí também a ideia de
que o catequista, ou o animador da catequese, deve, no fundo, desempenhar a função do
intérprete,24 isto é, daquele que ilumina e explica o que a comunidade vive e professa. E
pode-se concluir que, em sentido pleno, só pode ser objeto de catequese aquilo que se realiza
verdadeiramente na comunidade.25
A experiência mostra claramente a falência de uma catequese que apresenta apenas a
mensagem cristã como deveria ser, isto é, abstratamente, sem correspondência visível na
realidade vivida da comunidade.26 Podemos formular uma espécie de lei estrutural: “sem
comunidade de fé não existe comunicação da fé”; “sem compartilhamento da fé não existe
amadurecimento da fé”.

24
DCG (1971), n. 35. “O catequista é enviado. Sua missão possui duplo sentido: é enviado por Deus, constituído
ministro da Palavra pelo poder do Espírito Santo, e é enviado pela comunidade, pois é em seu nome que ele fala”
(CNBB. Formação de catequistas. 7ª ed. São Paulo, Paulus, 1990, n. 46 (Documentos da CNBB n. 59).
25
R. Mendes de Oliveira, “A comunidade: fonte, lugar e meta da catequese”. Revista de Catequese 6 (1983), n. 21,
p. 7-16. Cf. B. Dreher, “La catechesi in seno all´organismo complessivo della pastorale generale”, in: B. Dreher et
al., La sterilità della catechesi infantile. Modena, Paoline, 1969, n. 71. “Em certo sentido, ela [a catequese] nada
mais faz senão explicitar, com todos os recursos da Tradição, aquilo que a comunidade vive, aquilo por que ela
o vive, para que possa servir de referência.” A. Fossion, La catéchèse dans le champ de la communication:
ses enjeux pour l´inculturation de la foi. Paris, Cerf, 1990, p. 354.
26
Cf. J. Colomb, “De quelques conditions doctrinales et spirituelles pour l´annonce de Jésus Christ à
l´homme d´aujourd´hui”. Vérité et Vie 20 (1967-68), série 78, n. 577.
274
3.1.2 Comunidade, lugar natural da catequese

É uma convicção que se tornou comum: “[a comunidade] por aquilo que é, anuncia, celebra,
opera, permanece sempre lugar vital, indispensável e primário da catequese” (DGC n. 141).
A complexidade do fato comunitário levará a distinguir, no interior da comunidade eclesial,
diversos lugares para a catequese ou a falar de novos lugares da catequese, em referência a
novas formas de comunidade.27 Na França prefere-se falar de “lugar catequético”28 para
designar o contexto comunitário da catequese. Mas resta sempre a convicção de que a ação
catequética encontra seu ambiente de referência natural e fundamental na comunidade eclesial.29
A exigência comunitária obriga, assim, a repensar e verificar os ambientes da
catequese, quer os tradicionais (paróquia, escola, associações etc.), quer os novos (grupos,
comunidades, movimentos etc.) Critério decisivo é a qualidade comunitária ou a
possibilidade de referência comunitária nos diversos ambientes de catequese.

3.1.3 A comunidade, o próprio sujeito da catequese

Também essa é uma convicção bastante comum: toda a comunidade eclesial deve
considerar-se agente solidariamente responsável pela obra catequética.30 O verdadeiro sujeito da
catequese é a comunidade, ainda que concretamente se utilize de pessoas ou de estruturas
particulares.
Portanto, está superada a concepção verticalista da catequese, concebida como relação entre
alguém que ensina e que se encontra em posição elevada e o grupo de discípulos que recebe a
instrução. Em um contexto comunitário não existem propriamente destinatários, mas
participantes da catequese, todos sujeitos de palavra e de experiência, ainda que com papéis
diferenciados: “Na comunidade todos somos ao mesmo tempo catequistas e catequizandos,
mestres e discípulos, agentes e destinatários da ação catequética, dado que somos todos servos
da única palavra que nos edifica através da boca e do testemunho de todos” (México GP n. 71).

27
Mensagem do Sínodo de 1977, n. 13.
28
“Um lugar de acolhimento que significa a Igreja [...] Esse lugar pode ser assim definido: é um lugar de
acolhimento no qual se levam em conta as realidades vividas por uns e por outros; é um lugar no qual os desejos
profundos e os projetos dos participantes são considerados em si mesmos; é um lugar no qual a Boa Nova de Jesus
Cristo é expressa em vista da vida de cada um; é um lugar no qual o testemunho daqueles que nele se reúnem [...]
permite que a fé seja realmente vivida em conjunto”: França (Texte de référence) 3.1.1.1. Cf. G. Vogeleisen,
“Lieu catéchétique”, Diz.Cat., p. 382-83; J. Audinet - S. Duguet - J. Joncheray, “Dans quels lieux catéchiser?”,
Lumen Vitae 43 (1988), n. 4, p. 377-86.
29
Ásia (Cingapura 1995) III D, insiste na necessidade de uma catequese comunitária, exatamente pela falta
desta dimensão na práxis catequética concreta.
30
Cf. DGC n. 220; Brasil CR n. 118, Celam-Decat, A comunidade catequizadora no presente e futuro da América
Latina: conclusões da I Semana Latino-Americana de catequese. Quito, 3-10 de outubro de 1982. São Paulo,
Salesiana, 1983 (Coleção Pastoral Catequética n. 9); Alemanha KWK A 4; Puebla n. 983; Espanha CC n. 266;
CAL n. 184.

275
3.1.4 A comunidade, destinatário último da catequese

A catequese não se destina exclusivamente a indivíduos, mas tem ante si a comunidade e o seu
crescimento na fé como verdadeiro destinatário de sua atuação: “A catequese conduz à maturidade
da fé não apenas os catequizandos, mas também a própria comunidade enquanto tal (DGC n.
221).
Com efeito, a catequese é “a ação eclesial que conduz as comunidades e os indivíduos cristãos à
maturidade da fé” (DGC [1971] n. 21); ela “se dirige à comunidade, sem descuidar dos fiéis, tomados
individualmente”.31 Dada a lei de salvação em comunidade (LG n. 9), a ação catequética tem em
mira a comunidade e seu amadurecimento na fé, e no interior dessa ação comunitária também faz
crescer a vida religiosa dos indivíduos. A catequese apresenta-se assim como o processo de
crescimento de uma comunidade eclesial que acolhe a palavra de Deus e a aprofunda, caminhando
rumo à maturidade da fé.
Portanto, também está superada a concepção individualista de uma catequese concebida
como relação entre um catequista e catequizandos tomados individualmente. A relação pessoal se
insere num contexto de comunidade, verdadeiro sujeito e ambiente da obra catequética.
Sob essa luz revê-se também a tradicional setorialização da catequese segundo o estado ou
condição (catequese para crianças, jovens, adultos, operários, intelectuais etc.). Sem negar a
conveniência de algumas separações parciais e temporárias, para responder melhor às exigências dos
participantes, são preferíveis formas globais de catequese na comunidade cristã, que se enriquece
com as trocas entre participantes de condições e sensibilidade diversas (cf. CT n. 45). A
experiência comprova a ineficácia de uma catequese que priva as crianças ou os jovens do diálogo
entre gerações e do contexto vital e enriquecedor da comunidade.

31
Ibid. n. 31.
276
3.1.5 A comunidade, objetivo e meta da catequese

A comunidade é “a origem, o lugar e a meta da catequese” (DGC n. 254). A comunidade é,


sim, um pressuposto importante para o sucesso da obra catequética, mas é verdade também que a
própria catequese constrói comunidade (cf. Puebla n. 992, 995) e acompanha seu crescimento,32
fazendo com que, na catequese, “a Igreja edifique a Igreja” (Puebla n. 993). Essa exigência, que
nasce da natureza da Igreja como convocação em torno do anúncio da palavra, é amplamente
confirmada pela experiência pastoral. Com efeito, não poucas vezes a catequese deu origem a
formas diversas de grupos e comunidades eclesiais.
Uma observação importante: a opção comunitária que ilustramos, não deve ser tomada em
sentido unívoco e excludente, como se apenas em comunidade fosse possível a catequese. Também
são legítimas as formas de catequese individual, ocasional, de massa, ou através da mídia.33 Mas
continua sempre, mesmo nesses casos, a referência vital à comunidade, se se quiser ter garantia
de solidez e de eficácia.

Esses aspectos da opção comunitária convidam a uma revisão em profundidade da identidade


da catequese e de sua posição no quadro da ação pastoral da Igreja. Mais uma vez se impõe a
necessidade de harmonizar e coordenar os diversos ambientes e modalidades da ação
catequética no interior da comunidade, sem isolacionismos ou parcialidade. Por outro lado, a
atividade catequética está sempre estreitamente ligada a outras funções pastorais da Igreja
(liturgia, comunhão, compromisso etc.), sem solução de continuidade.

3.2 Catequese comunitária: características e perspectivas

Cumpre agora apontar alguns aspectos fundamentais da catequese comunitária: em que lugares
se dá, com que identidade, com quais catequistas?

32
Cf. Brasil CR, IV Parte: A comunidade catequizadora.
33
Parece-nos ser esta a exigência de uma “diversificação dos lugares de catequese” defendida, com razão, por A.
Fossion, op. cit., p. 333-71.

277
3.2.1 O papel do grupo e das pequenas comunidades

Na realização da catequese comunitária, tem uma importância toda especial a estrutura


do grupo e da pequena comunidade.

O grupo como lugar de catequese


Atualmente já não há mais dúvidas sobre a importância do grupo na pastoral e na
catequese:

O grupo tem uma função importante no processo de desenvolvimento das pessoas. Isso vale
também para a catequese, quer das crianças, às quais propicia uma boa socialização, quer dos
jovens, para os quais o grupo constitui quase uma necessidade vital na formação da
personalidade, quer dos adultos, entre os quais promove uma atitude de diálogo, de
compartilhamento e de corresponsabilidade cristã (DGC n. 159).

No interior do grupo desenvolve-se uma dinâmica que predispõe à aprendizagem.


Com efeito, o grupo é muito mais que a soma dos indivíduos, porque cada membro pode se
tornar uma referência importante para os outros. Das relações em seu interior surgem
ideias novas e novas possibilidades que antes não estavam presentes, de forma explícita,
em nenhum membro do grupo. É no próprio grupo e graças a ele que se estimula a
integração dos conhecimentos e do aprendizado.34
São notórias as virtudes do grupo, do ponto de vista pedagógico. No grupo se geram
processos de identificação e de conformidade que levam à aceitação de normas de
comportamento e de convicções comuns. Esses processos dão origem a uma dinâmica
educativa que motiva e dá ânimo ao indivíduo, ajudando-o a interiorizar os valores
comuns.35
Mas o grupo tem também uma dimensão eclesiológica e pastoral de grande
importância. Se, como disse Tertuliano, ubi tres, ecclesia est,36 o grupo representa a
mediação normal para fazer experiência de Igreja e para interiorizar o sentido da Igreja. 37
É no grupo que “palavras como comunhão, corresponsabilidade e presença se tornam
experiência vivida”.38

34
Cf. P. Scilligo, “Gruppo”, in: J. Vecchi - J. M. Prellezo (eds.), Progetto educativo pastorale: elementi
modulari. Roma, LAS, 1984, p. 389-90.
35
L. Berrical de la Cal, “Grupo en la catequesis, el”. Nuevo Dic. Cat., p. 1059.
36
“Onde há três, aí está a Igreja”: De exhortatione castitatis 7,3.
37
Cf. P. F. Schmid, Im Anfang ist Gemeinschaft, p. 110.
38
L. Berrocal de la Cal, “Grupo en la catequesis, el”, p 1.061.

278
É fácil entender a importância catequética do grupo como lugar de aprendizagem da
fé e de crescimento na fé. No grupo vivenciam-se atitudes e experiências de grande valor
educativo: a comunicação, a liberdade, a criatividade, o diálogo. Ele pode se tornar um
grupo de referência eficaz, essencial para a socialização e a educação. O grupo permite o
amadurecimento de verdadeiras experiências religiosas e em seu interior podem
amadurecer processos de identificação. Essas são características ideais para a
aprendizagem da fé e para a interiorização das atitudes de fé, objetivo principal da
catequese. Desse ponto de vista, pode-se dizer que aprender a crer é antes de mais nada
começar a crer juntos.

A pequena comunidade, lugar de catequese


Aquilo que se diz dos grupos aplica-se também às pequenas comunidades cristãs,
especialmente às “comunidades eclesiais de base”, que são, também elas, lugares privi-
legiados para o desenvolvimento de processos catequéticos mais comunitários e permanen-
tes”.39 E isso por algumas características que lhes aumentam a eficácia formadora: são
grupos de dimensão humana, que permitem relações pessoais intensas; são
lugares de compartilhamento da fé; nelas é possível o exercício do amor fraterno;
nelas se estimula a criatividade e a busca comum; elas permitem uma experiência
global de vida cristã, como celebração, compromisso e comunhão fraterna. Como
ressaltou o documento de Puebla, as pequenas comunidades, principalmente as
Comunidades Eclesiais de Base, criam maiores inter-relações pessoais, aceitação da
Palavra de Deus, revisão de vida e reflexão sobre a realidade à luz do Evangelho;
acentua-se o compromisso na família, no trabalho e na comunidade local (Puebla n.
629).

Numa sociedade complexa e pluralista parece necessária a experiência da pequena


comunidade para reencontrar a identidade cristã e para amadurecer a própria fé:

Para defender-nos das famosas “intempéries”, na sociedade secularizada, não é necessário criar
uma espécie de submundo católico na sociedade, com seus próprios meios de comunicação,
seus partidos políticos e serviços de todo tipo, como se poderia pensar. Basta poder ter pequenas
comunidades cristãs nas quais exista fé compartilhada e calor humano.40

A propósito de grupos e pequenas comunidades, cumpre insistir numa condição


essencial de autenticidade: isto é, a exigência de que permaneçam abertos, prontos para o
diálogo e para o confronto, em atitude de comunhão com a equipe eclesial maior. Só desse
modo o grupo se torna lugar de amadurecimento pessoal e de construção de Igreja (Cf.
CAL n. 193).

39
CAL n. 189. Cf. DGC n. 263; Mensagem do Sínodo de 1977, n. 13; Brasil CR n. 118; Espanha CC n. 277-
280.
40
L.Gonzalez-Carvajal, Evangelizar en un mundo postcristiano. Santander, Sal Terrae, 1993, 100. Ítalo
Gastaldi, Educar e evangelizar na pós-modernidade. 4ª ed. São Paulo, Salesiana, 2003.
279
3.2.2 Catequese comunitária: uma mudança qualitativa

A catequese comunitária ou de grupo não o é apenas porque muda de lugar: seria


ilusória, nas novas estruturas comunitárias, uma catequese não renovada em seu estilo e em
seus conteúdos. A catequese deve mudar de aspecto. Não basta que seja feita em
comunidade, deve ser feita de comunidade.41 Que significa tudo isso?
Antes de tudo, a catequese comunitária assume logicamente a visão renovada do
exercício da palavra de Deus na Igreja. Em termos concretos, no grupo ou na comunidade,
a catequese assume a fisionomia de uma busca comum, na fé,42 de um caminho que se
percorre juntos, onde “os membros da comunidade anunciam uns aos outros o mistério de
Cristo”, 43 onde é possível descobrir o potencial evangelizador dos mais humildes e
mais simples (Puebla n. 1147). Em comunidade, a catequese se torna em certo sentido
autocatequese, aprofundamento da fé através da mediação do grupo.
Não podemos ignorar a novidade qualitativa representada pelo caráter comunitário na
concepção da catequese. Em lugar da relação catequista-catequizandos (mestre-discípulos)
e da tradicional centralidade do conteúdo a transmitir, torna-se determinante a relação
interpessoal, o processo de interação pessoal, a “relação catequética” como lugar e
condição de anúncio e amadurecimento da fé.44 Isso quer dizer que adquire grande
importância o funcionamento correto das relações interpessoais no grupo ou na
comunidade, e que a sanidade e autenticidade do grupo se tornam questões de
fundamental importância.45 Daí também a utilidade das diversas ciências e técnicas para a
condução dos grupos: dinâmica de grupo, técnicas de animação, psicologia social, teoria e
prática da comunicação etc.

41
Cf. a análise de N. Mette, “De la catéchèse dans la communauté à la catéchèse de la communauté”. Lumen
Vitae 43 (1988), n. 4, p. 387-96.
42
Cf. DGC n. 159; Espanha CC n. 283-285;
43
Mensagem do Sínodo de 1977, n. 13.
44
Cf. “Session Nationale de Notre-Dame de Laus (Juillet 1969)”, Catéchèse 10 (1970), n.40, p. 350.
45
Cf. A. Aparisi, Invitación a la fe. Madri, ICCE, 1972, p. 42-52; R. Tonelli, La vita dei gruppi ecclesiali.
Leumann (Turim), Elledici, 1972.
280
3.2.3 Catequese comunitária: uma nova abordagem da mensagem cristã

Uma catequese autenticamente comunitária deve também repensar em


profundidade o próprio conteúdo da fé, motivada pela exigência da reflexão comum e
pelos novos ângulos de visão emergentes. Em especial:
 O primado não diz respeito a um programa ou conteúdo fixado a priori, mas às
pessoas em situação, que se tornam, de qualquer modo, critério seletivo e
interpretativo do conteúdo da catequese. A comunidade se torna assim instância
hermenêutica, e nesse sentido se confronta com uma mensagem que não é
simplesmente assimilada, mas também reinterpretada, recriada.
 A instância antropológica, enquanto esforço de integração entre mensagem cristã
e experiência vivida, reveste-se, aqui, de especial urgência e possibilidades.
Assim, a catequese comunitária se configura como reflexão de grupo sobre
experiências do grupo:

Com esses grupos, a Igreja se mostra em pleno processo de renovação da vida paroquial e
diocesana, por meio de uma nova catequese, não apenas na sua metodologia e no uso dos
meios modernos, mas também na apresentação dos conteúdos que se orientam no sentido
de introduzir na vida motivações evangélicas para um crescimento em Cristo (Puebla n.
100; cf. DCG n. 76).

 Também o diálogo entre fé e cultura, e portanto o processo de inculturação da


experiência cristã, encontra na comunidade um campo de aplicação efetiva e
providencial.

281
3.2.4 Uma metodologia de caráter comunitário

Trata-se de uma conclusão evidente, se encaramos com seriedade as características da


dinâmica comunitária ou de grupo. O método da catequese assume necessariamente alguns
aspectos que caracterizam o caminho de fé em comunidade:
 É um caminho de participação e de responsabilização. Em comunidade os
indivíduos não devem sentir-se simples destinatários do anúncio da fé, mas
sujeitos ativos, responsáveis. Especialmente com os jovens e os adultos, é
importante criar a convicção de que sem empenho pessoal e responsabilidade —
também no que diz respeito à fé dos outros — não se consegue amadurecer a
própria identidade de fé.
 É um caminho no interior de uma experiência integral cristã. Em sentido pleno, a
comunidade não faz apenas catequese, mas vive também as diversas dimensões da
experiência eclesial: compromisso, compartilhamento, celebração, missão.
Nenhum exercício da catequese é enriquecedor sem união vital com essa
totalidadede experiência.
 É um exercício da criatividade, que permite uma relação nova entre linguagem
constituída e novas expressões da experiência cristã (cf. Puebla n. 99).

3.2.5 O novo perfil do catequista-animador

A catequese comunitária implica também uma revisão em profundidade do perfil do


catequista ou animador da catequese. Dado o primado da “relação catequética” sobre o
conteúdo, é fundamental, para quem assume um papel de animação, ter uma “personalidade
comunicativa”, isto é, ser capaz de criar e fortalecer a participação e a maturidade do grupo.
A exigência da personalidade comunicativa é hoje muito viva na sociedade e na Igreja.
Em lugar das personalidades fortes e arrebatadoras, cheias de concepções geniais, grande
força de vontade e fascínio carismático, sente-se a necessidade de um novo tipo de
personalidade acolhedora e aberta, capaz de relações profundas, disposta a ser influenciada
pela comunidade, mas também capaz de guiá-la, valorizá-la, estimular ao máximo a
contribuição de todos.46 Não convencem as personalidades fortes, mas centralizadoras, pelo
fato de imporem as próprias convicções e decisões. Existe sempre o risco do culto da
personalidade. O mundo de hoje, e em especial as comunidades eclesiais, em todos os níveis,
sentem acima de tudo a necessidade de “personalidades comunicativas”:

46
Cf. P. Scilligo, “Gruppo”, loc. cit., p. 397-98; P. Babin, Opzioni per una educazione della fede dei giovanni.
Leumann (Turim), Elledici, 1967, p. 99.
282
A época moderna, felizmente, está forjando um novo tipo de personalidade mais de acordo –
esperamos – com a natureza fundamentalmente social do ser humano, uma personalidade que lhe
permitirá finalmente encontrar-se em plena harmonia com seu ser-em-comunicação. Se
quiséssemos tentar descrever essa nova personalidade, diríamos que ela não busca
desenvolver e ostentar qualidades individuais que revelem a própria perfeição, mas se traduz
numa atitude fundamental de acolhimento e de abertura para a experiência pessoal e para a dos
outros. Essa nova personalidade não atrai para si os olhares admirados e extasiados das massas
que desejam venerar o herói, mas antes, promove as capacidades dos outros, permitindo que esses
também desabrochem. O homem de amanhã se sentirá mais dependente dos outros. Mas longe de
o empobrecer, essa dependência o enriquecerá.47

Também no âmbito da catequese sente-se hoje a necessidade urgente de personalidades


comunicativas, de animadores e guias que, longe de querer se impor aos outros, saibam
sentir-se membros da comunidade para caminhar junto com todos e valorizar a contribuição
de todos.48

4. CATEQUESE E ESCOLA

A centralidade da dimensão comunitária da catequese leva logicamente a uma avaliação


de seus ambientes tradicionais. Entre estes a escola que, ela própria, objeto de reflexão e de
reforma, repensa hoje sua relação com a catequese; será a escola, e especialmente a escola
pública, um lugar adequado para o desenvolvimento da catequese?

4.1 Religião na escola: uma realidade em movimento

Sabe-se que, por muito tempo e em muitas nações, a escola foi um ambiente normal de
catequese, geralmente na forma de ensino da religião (ou instrução religiosa, ou catequese
escolar). Em muitos casos, foi o lugar privilegiado e praticamente exclusivo para o
desenvolvimento da obra catequética na idade escolar.49 Em alguns países, motivos de ordem
política ou cultural levaram à exclusão, de forma mais ou menos violenta, do ensino religioso
na escola pública.50 Em algumas Igrejas jovens, a escola dos missionários constituiu o
instrumento principal que, em conjunto com a obra educacional, desenvolveu também a
atividade evangelizadora e catequética, não sem aspectos problemáticos e ambíguos.51

47
André Tange, Análise psicológica da Igreja. São Paulo, Loyola, 1975.
48
Sobre a figura do catequista falaremos de forma mais aprofundada no capítulo 11.
49
É o caso, por exemplo, da Alemanha, Áustria, Holanda, Inglaterra. Cf. F. Pajer (ed.), L´insegnamento
scolastico della religione nella nuova Europa. Leumann (Turim), Elledici, 1991; Istituto di Catechetica
dell’Università Salesiana (ed.), Scuola e religione, I. Una ricerca internazionale: situazioni, problemi,
prospettive. Leumann (Turim), Elledici, 1971. Ver também os verbetes relativos às diversas nações in Diz.Cat.
50
É o caso clássico da França, dos países comunistas e de diversas repúblicas latino- americanas.
51
Para uma visão da situação brasileira quanto ao ensino religioso cf. Anisia de Paulo Figueiredo, O ensino
religioso no Brasil: tendências, conquistas, perspectivas. Petrópolis, Vozes, 1996; para conhecimento da discussão
atual cf. bibliografia em português no final do capítulo. Cf. W. Bühlmann, O terceiro mundo e a terceira Igreja:
uma análise do presente e do futuro da Igreja. São Paulo, Paulinas, 1976, cap. XVI; M. Fievet, École,
mission et l´Église de demain. Paris, Cerf, 1969.

283
Essa práxis tradicional sofreu um forte questionamento, principalmente no período
pós-conciliar, que em alguns casos se tornou contestação polêmica. Isso estimulou não
apenas o estudo do problema e a experimentação de novas fórmulas, mas também
importantes posicionamentos autorizados.52 É verdade que as situações locais são muito
diversas no que se refere aos sistemas escolares, mas podemos tentar apontar as tendências
mais gerais do problema e apresentar um quadro que sirva de orientação sobre as relações
entre catequese e escola nos dias de hoje.

4.1.1. Um olhar para o passado: o ensino da religião (ER) como “catequese escolar”

O problema do ensino religioso na escola (ERE) sempre está condicionado ao peso da


história. No passado, a época moderna viu na Europa a presença pacífica da catequese no
interior da instituição escolar. Na origem há o fato de que a escola na Europa nasceu e se
desenvolveu por iniciativa e sob o controle das Igrejas. Além da herança cristã, oriunda da
Idade Média, teve também um peso determinante o forte processo de “confessionalização”
das nações europeias ocorrido nos séculos XVI e XVII, quando as denominações cristãs,
católica ou protestantes praticamente se identificaram com a instituição estatal e plasmaram
um conjunto indissolúvel de leis, tradições, normas éticas e patrimônio cultural fortemente
marcado pela pertença confessional.53

52
Cf. bibliografia no fim do capítulo.
53
Cf. Rémond, Religion et société en Europe: essai sur la sécularisation des sociétés européennes aux XIX e XXe
siècles (1789-1998). Paris, Éditions du Seuil, 1998.
284

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