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A CENTRALIDADE DE CRISTO NA EXORTAÇÃO APOSTÓLICA

CATECHESI TRADENDAE (1979) DE SÃO JOÃO PAULO II

Pe. Dr. Fidelis Stöckl, ORC

1. São João Paulo II: um grande catequista

São João Paulo II sempre deu uma atenção especial à catequese. Como supremo
pastor da Igreja, ele teve a consciência de que era o primeiro catequista. Ele considerou
o seu ser catequista como “um dos maiores deveres do seu múnus apostólico”. E disse:
“A catequese, aliás, foi sempre uma preocupação central do meu ministério de sacerdote
e bispo” (no. 4). Esta tarefa de “sumo catequista” ele cumpriu-a fielmente ao longo de
todo o seu pontificado. Nas audiências das Quartas-feiras Papa João Paulo II apresentou
um ciclo de catequeses bem elaboradas sobre o Credo começando com a doutrina sobre
Deus Criador, o Filho Redentor e o Espírito Santificador, sobre a Igreja e sobre a
Virgem Maria. Ele mesmo desenvolveu com a ajuda de alguns colaboradores estes
catequeses que poderíamos considerar catequeses exemplares quanto ao conteúdo e à
metodologia.
A sua preocupação com a catequese se mostrou também pelo fato de que logo no
início do seu pontificado ele deu à Igreja um documento de suma importância em
relação à catequese, a saber, a exortação apostólica Catechesi Tradendae. Quanto à
gênese deste documento, podemos dizer o seguinte: A IV Assembleia Geral do Sínodo,
que em Outubro de 1977 estudou o tema: “A catequese no mundo contemporâneo, com
particular referência às crianças e aos jovens”, solicitara ao Beato Papa Paulo VI um
documento, como ele fizera anteriormente sobre a Evangelização, a Evangelii
nuntiandi. O trabalho foi começado, João Paulo I o continuou e João Paulo II retomou
a herança dos seus antecessores, dando-lhe a inconfundível marca do seu estilo e
finalmente o publicou em 16 de Outubro de 1979. Depois da sua carta encíclica
Redemptor hominis, sobre Cristo, o Redentor do Homem (04.03.1979) é o segundo

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grande documento do seu pontificado. E como o primeiro, também este é documento é
cristocêntrico.

2. Visão global da exortação apostólica Catechesi tradendae

Para termos uma visão geral da Catechesi tradendae vejamos primeiro a


estrutura do documento que é composto de nove (9) capítulos.

A estrutura do documento:

 Introdução: Ordem final de Cristo


 Capítulo I: Nós temos um único Mestre, Jesus Cristo
 Capítulo II: Uma experiência tão antiga quanto a Igreja
 Capítulo III: A Catequese na atividade pastoral e missionária da Igreja
 Capítulo IV: Toda a Boa Nova colhida na fonte
 Capítulo V: Todos precisam de ser catequizados
 Capítulo VI: Algumas caminhos e meios para a catequese
 Capítulo VII: Como dar a catequese
 Capítulo VIII: A alegria da fé num mundo difícil
 Capítulo IX: A tarefa diz respeito a todos nós
 Conclusão: O Espírito Santo, Mestre interior

Resumo da exortação apostólica Catechesi Tradendae:

A Exortação Apostólica Catechesi Tradendae coloca Cristo como centro e


fonte de toda catequese. Todo o texto poderá ser resumido na afirmação inicial: “Nós
temos um único Mestre, Jesus Cristo”. Por isso, é um cuidado constante do catequista “a
doutrina e a vida de Jesus Cristo.” (nº6).
João Paulo II dá todo apoio à renovação da catequese, mas sem “acarretar
dano à integridade do conteúdo” (nº17). Outro aspecto marcante é a inserção do ensino
na existência do Cristão. “Não se há de opor uma catequese a partir da vida a uma
catequese tradicional, doutrinária e sistemática” (nº22). É importante que o
catequizando seja orientado a relacionar, em profundidade, o que aprende na catequese
à própria vida. Na catequese, importa apresentar corajosamente o que o documento
denomina “exigências morais e pessoais” (nº29). Para se obter tal objetivo, “se evite

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reduzir Cristo à sua humanidade e a sua mensagem a uma dimensão simplesmente
terrena, mas que Ele seja reconhecido como Filho de Deus” (nº29).
A catequese deve ser integral quanto ao conteúdo, pois “nenhum verdadeiro catequista
poderia legitimamente fazer, por seu próprio arbítrio, uma seleção (...) para ensinar o
‘importante’ e rejeitar o resto” (nº30). A metodologia é necessária, mas permanece um
meio de transmitir a totalidade do ensinamento. A catequese tem também uma dimensão
ecumênica, enquanto inclui o sincero respeito aos outros mas não pode nunca renunciar
à doutrina completa: “Não poderá nunca significar uma ‘redução’ ao mínimo comum”
(nº33).

A Catechesi Tradendae, enfatiza que todos precisam ser catequizados


destacando a importância de uma adequada catequese para as crianças e jovens. Ela dá
normas e sugestões sobre como catequizar os diversos destinatários da catequese: as
criancinhas, as crianças, os adolescentes, os jovens, os deficientes, os jovens sem apoio
religioso, os adultos etc. (n°36 a 44); o documento dá uma revalorização das
peregrinações, das missões populares, “abandonadas, muitas vezes, precocemente e que
são insubstituíveis para uma renovação periódica e vigorosa da vida cristã” (nº47).
Adverte sobre livros catequéticos: “quer pela omissão (...) quer, sobretudo, por uma
perspectiva de conjunto demasiado horizontalista” (nº49) (...) “misturar indevidamente
com o ensino catequético perspectivas ideológicas, sobretudo de natureza político-
social, ou então opções pessoais” (nº52). O Papa João Paulo II pede os catequistas
valorizarem a piedade popular, as orações do povo simples, a memorização como
valiosos meios de evangelização. Esse documento nos fala de uma catequese que seja
adaptada aos nossos tempos modernos, sem jamais usar “uma linguagem que engane ou
que seduza”, e que transmita “todo o conteúdo doutrinal de sempre, sem deformações”
(nº59).

Assim a Catechesi Tradendae é um apelo a todos, aos bispos, presbíteros,


diáconos, religiosos, catequistas, à comunidade paroquial, à família, aos movimentos,
aos colégios católicos etc. Se há muito que agradecer a Deus pelo que se realiza, pelo
trabalho desenvolvido, o Papa João Paulo II deixa bem claro que existem também
correções a fazer. Ele destaca que a catequese é o grande desafio da Igreja. Sem dúvida,
todo o futuro da comunidade eclesial está posto sobre esse alicerce: a catequese.

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A exortação apostólica Catechesi Tradendae, fielmente executada, ainda hoje,
poderá produzir abundantes frutos na vida da Igreja, pois ela é de fato a Magna carta
da catequese nos tempos modernos.

3. A centralidade de Cristo na Catechesi tradendae

Na introdução o documento sublinha que a catequese é uma das tarefas


primordiais da Igreja porque Cristo ressuscitado, antes de voltar para junto do Pai, deu
aos Apóstolos uma última ordem, a saber, a ordem de fazerem discípulos de todas as
nações e ensinarem-lhes a observar tudo aquilo que Ele lhes havia mandado (cf. Mt 28,
19s).

Como sabemos bem depressa se começou a chamar de “catequese” ao conjunto


dos esforços da comunidade eclesial de fazer discípulos, ou seja, de ajudar os homens a
acreditarem que Jesus é o Filho de Deus e os educar e instruir nesta mesma fé. O
documento também dá a seguinte definição da catequese:
A catequese é uma educação da fé das crianças, dos jovens e dos
adultos, a qual compreende especialmente um ensino da doutrina
cristã, dado em geral de maneira orgânica e sistemática, com o fim de
os iniciar na plenitude da vida cristã. (n° 18)

O primeiro capítulo apresenta o fundamento teológico da atividade


evangelizadora e catequética da Igreja. Este capítulo é intitulado “Nós temos um único
Mestre, Jesus Cristo” e contém cinco (5) parágrafos. Uma vez que o texto é
relativamente breve, mas muito rico em conteúdo, seja aqui transmitido na íntegra. Isto
facilitará o nosso acesso ao texto original e nos ajudará na nossa reflexão e partilha
sobre o tema proposto: a centralidade de Cristo na Catechesi tradendae.

CAPÍTULO I: NÓS TEMOS UM ÚNICO MESTRE, JESUS CRISTO


PÔR-SE EM COMUNHÃO COM A PESSOA DE CRISTO

5. A IV Assembléia Geral do Sínodo dos Bispos insistiu muitas vezes no


cristocentrismo de toda a catequese autêntica. Nós podemos fixar aqui os dois

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significados da palavra, os quais nem se opõem nem se excluem, mas antes se exigem e
se completam um ao outro.

Deseja-se acentuar, antes de mais nada, que no centro da catequese nós


encontramos essencialmente uma Pessoa: é a Pessoa de Jesus de Nazaré, “Filho único
do Pai, cheio de graça e de verdade” (cf. Jo 1, 14), que sofreu e morreu por nós, e que
agora, ressuscitado, vive conosco para sempre. É este mesmo Jesus que é “o Caminho, a
Verdade e a Vida” (cf. Jo 14, 6); e a vida cristã consiste em seguir a Cristo, sequela
Christi.

O objeto essencial e primordial da catequese, pois, para empregar uma expressão


que São Paulo gosta de usar e que é freqüente também na teologia contemporânea, é o
Mistério de Cristo. Catequizar é levar alguém, de certa maneira, a perscrutar este
Mistério em todas as suas dimensões: “expor à luz, diante de todos, qual seja a
disposição divina, o Mistério... Compreender, com todos os santos, qual seja a largura,
o comprimento, a altura e a profundidade... conhecer a caridade de Cristo, que
ultrapassa qualquer conhecimento... (e entrar em) toda a plenitude de Deus” (Ef 3,
9.18s). Quer dizer: é procurar desvendar na Pessoa de Cristo todo o desígnio eterno de
Deus que nela se realiza. É procurar compreender o significado dos gestos e das
palavras de Cristo e dos sinais por Ele realizados, porquanto eles ocultam e revelam ao
mesmo tempo o seu Mistério. Neste sentido, a finalidade definitiva da catequese é a de
fazer com que alguém se ponha, não apenas em contato, mas em comunhão, em
intimidade com Jesus Cristo; somente Ele pode levar ao amor do Pai no Espírito e fazer-
nos participar na vida da Santíssima Trindade.

Transmitir a doutrina de Cristo


6. O cristocentrismo na catequese, entretanto, significa também que, mediante
ela, se deseja transmitir, não cada um sua própria doutrina ou então a de um mestre
qualquer, mas os ensinamentos de Jesus Cristo, a Verdade que Ele comunica ou, mais
precisamente, a Verdade que Ele é (cf. Jo 14, 6). Tem que se dizer, portanto, que na
catequese é Cristo, Verbo Encarnado e Filho de Deus, que é ensinado - e todo o resto
sempre em relação com Ele; e que somente Cristo ensina; qualquer outro que ensine, fá-
lo na medida em que é seu porta-voz, permitindo a Cristo ensinar pela sua boca. A
preocupação constante de todo o catequista, seja qual for o nível das suas

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responsabilidades na Igreja, deve ser a de fazer passar, através do seu ensino e do seu
modo de comportar-se, a doutrina e a vida de Jesus Cristo. Assim ele há de procurar que
não se detenha em si mesmo, nas suas opiniões e atitudes pessoais, a atenção e a adesão
da inteligência e do coração daqueles que ele catequiza; e sobretudo ele não há de
procurar inculcar as suas opiniões e as suas opções pessoais, como se elas exprimissem
a doutrina e as lições de vida de Jesus Cristo. Todos os catequistas deveriam poder
aplicar a si próprios a misteriosa palavra de Jesus: “A minha doutrina não é tão minha
como d'Aquele que me enviou” (Jo 7, 16; cf. Jo 3, 34; 8, 28; 12, 49s; 14, 24; 17, 8. 14).
É isso o que faz São Paulo, ao tratar de um assunto de grande importância: “Eu aprendi
do Senhor isto, que por meu turno vos transmiti” (1Cor 11, 23). Que freqüente e assíduo
contato com a Palavra de Deus transmitida pelo Magistério da Igreja, que familiaridade
profunda com Cristo e com o Pai, que espírito de oração e que desprendimento de si
mesmo deve ter um catequista para poder dizer: “A minha doutrina não é minha!”

Cristo que ensina


7. Depois, esta doutrina não é um corpo de verdades abstratas: ela é a
comunicação do Mistério vivo de Deus. A qualidade d'Aquele que ensina no Evangelho
e a natureza dos seus ensinamentos ultrapassam de todas as maneiras as dos “mestres”
em Israel, em virtude daquela ligação única que existe entre aquilo que Ele diz, aquilo
que Ele faz e aquilo que Ele é. Contudo, permanece o fato de os Evangelhos nos
relatarem claramente momentos em que Jesus “ensina”. “Jesus foi fazendo e ensinando”
(At 1, 1): nestes dois verbos que introduzem o livro dos Atos dos Apóstolos, São Lucas
une e distingue ao mesmo tempo os dois pólos da missão de Cristo.

Jesus ensinou. É esse o testemunho que Ele dá de Si mesmo: “Eu estava todos os
dias sentado no Templo a ensinar” (Mt 26, 55; cf. Jo 18, 20). É essa também a
observação que fazem cheios de admiração os Evangelistas, surpreendidos por verem
ensinar sempre e em qualquer lugar, e fazê-lo duma maneira e com uma autoridade
desconhecidas até então: “De novo concorreu a Ele muita gente e, como de costume,
pôs-se outra vez a ensiná-la” (Mc 10, 1). “E maravilhavam-se, por causa da sua
doutrina, porque os ensinava como quem tem autoridade” (Mc 1, 22; cf. Mt 5, 2; 11, 1;
13, 54; 22, 16; Mc 2, 13; 4, 1; 6, 2. 6; Lc 5, 3. 17; Jo 7, 14; 8, 2 etc.). O mesmo atestam
os seus adversários, para daí tirarem um motivo de acusação e de condenação: “Ele
subleva o povo, ensinando por toda a Judéia, a começar da Galiléia até aqui” (Lc 23, 5).

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O único “Mestre”
8. Aquele que ensina deste modo merece por uma razão, que é única, o nome de
“Mestre”. Quantas vezes, ao longo do Novo Testamento, e especialmente nos
Evangelhos, é atribuído a Cristo esse título de Mestre! Aí se refere claramente que os
Doze, os outros discípulos e as multidões de ouvintes lhe chamam “Mestre”, com uma
entonação ao mesmo tempo de admiração, de confiança e de ternura (cf. Mt 8, 19; Mc 4,
38; 9, 38; 10, 35; 13, 1; Jo 11, 28). E até mesmo os Fariseus e Saduceus, os Doutores da
Lei e os Judeus em geral não lhe recusam essa designação: “Mestre, quereríamos ver-te
fazer um prodígio” (Mt 12, 38); “Mestre, que devo fazer para obter a vida eterna?” (Lc
10, 25; Mt 22, 16). Mas é sobretudo o próprio Jesus, em momentos particularmente
solenes e muito significativos, que se denomina Mestre: “Vós me chamais Mestre e
Senhor, e dizeis bem visto que o sou” (Jo 13, 13; cf. Mt 10, 25; 26, 18 e par.); e
proclama a singularidade e o caráter único da sua condição de Mestre: “... um só é o
vosso Mestre, Cristo.”

Assim se compreende que, no decorrer de dois mil anos, em todas as línguas da


terra, homens de todas as condições, raças e nações lhe tenham dado este título, com
veneração, repetindo à sua maneira a exclamação de Nicodemos: “Sabemos que vieste
como Mestre da parte de Deus” (Jo 3, 2).

Esta imagem de Cristo a ensinar, ao mesmo tempo majestosa e familiar,


impressionante e tranqüilizadora, imagem desenhada pela pena dos Evangelistas e com
frequência evocada depois pela iconografia desde os primeiros séculos da era
paleocristã, tão atraente ela se apresentava, é-me grato também a mim evocá-la no
inicio destas considerações sobre a catequese no mundo contemporâneo.

Cristo ensina com toda a sua vida


9. Ao fazer esta evocação, eu não esqueço que a majestade de Cristo que ensina,
a coerência e a força persuasiva únicas do seu ensino não se conseguem explicar senão
porque as suas palavras, as suas parábolas e os seus raciocínios não são nunca
separáveis da sua vida e do seu próprio ser. Neste sentido, toda a vida de Cristo foi um
contínuo ensinar; os seus silêncios, os seus milagres, os seus gestos, a sua oração, o seu
amor pelo homem, a sua predileção pelos pequeninos e pelos pobres, a aceitação do
sacrifício total na cruz pela redenção do mundo e a sua ressurreição são o atuar-se da

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sua palavra e o realizar-se da sua revelação. De modo que para os cristãos o Crucifixo é
uma das imagens mais sublimes e mais populares de Jesus que ensina.

Oxalá todas estas considerações que se situam na esteira das grandes


tradições da Igreja consolidem em nós o fervor para com Cristo, o Mestre que revela
Deus aos homens e revela o homem a si mesmo; o Mestre que salva, santifica e guia,
que está vivo e que fala, desperta, comove, corrige, julga, perdoa e marcha todos os dias
conosco pelos caminhos da história; o Mestre que vem e que há de vir na glória. É
somente numa profunda comunhão com Ele que os catequistas encontrarão luz e força
para uma desejável renovação autêntica da catequese.

A Catechesi Tradendae fala da centralidade de Cristo também no capítulo


III intitulado “A catequese na atividade pastoral e missionária da Igreja”. No no. 20
sobre a finalidade específica da catequese o Papa João Paulo II diz:

A catequese há de tender a desenvolver a inteligência do mistério de


Cristo à luz da Palavra, a fim de que o homem todo seja por ela
impregnado. Deste modo, transformado pela ação da graça em nova
criatura, o cristão põe-se a seguir Cristo e, na Igreja, aprende cada vez
melhor a pensar como Ele, a julgar como Ele, a agir em conformidade
com os seus mandamentos e a esperar como Ele nos exorta a esperar.

Mais precisamente, a finalidade da catequese, no conjunto da evangelização,


é a de constituir a fase de ensino e de ajudar a maturação, .... [isto é, ajudar o
catequizando] a melhor conhecer o mesmo Jesus Cristo, ao qual se entregou: conhecer o
seu “mistério”, o Reino de Deus que Ele anunciou, as exigências e as promessas
contidas na sua mensagem evangélica e os caminhos que Ele traçou para todos aqueles
que O querem seguir.

No n°. 25 João Paulo II diz, quanto à finalidade específica da catequese:


“Em última análise, a catequese é tão necessária para a maturação da fé dos cristãos
quanto para o testemunho desta no mundo: ela pretende levar os cristãos “à unidade da
fé, ao pleno conhecimento do Filho de Deus e ao estado de homem perfeito, até alcançar
a medida da plena estatura de Cristo” (Ef 4, 13)

No capítulo IV com o título “Toda a Boa Nova colhida na fonte” São


João Paulo II fala do conteúdo da catequese: “A catequese há de haurir sempre o seu
conteúdo na fonte viva da Palavra de Deus, transmitida na Tradição e na Escritura” (no.
27). Ele se mostra preocupado com a integridade do conteúdo, ou seja, que o mistério

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de Cristo, centro de nossa fé, não seja apresentado em sua plenitude ou que sejam
omitidas em parte as implicações práticas para a vida cristã. Ele lembra aqui alguns
elementos que devem ser destacados na catequese (cf. no. 29):

 Se evite de reduzir Cristo à sua humanidade e a sua mensagem a uma dimensão


simplesmente terrena, mas que Ele seja reconhecido como Filho de Deus e o
Mediador que nos proporciona livre acesso ao Pai, no Espírito (cf. Ef 2, 18).
 Importa tornar patente aos olhos da inteligência, assim como aos olhos do
coração, sob a luz da fé, este sacramento da presença de Cristo que é o mistério
da Igreja, assembléia de homens pecadores, mas ao mesmo tempo santificados e
a constituírem a família de Deus,
 E igualmente importante explicar que a história dos homens, com suas marcas
de graça e de pecado, de grandeza e de miséria, é assumida por Deus em seu
Filho Jesus Cristo.
 Finalmente, importa apresentar sem rodeios as exigências, que se constituem em
renúncias mas também em alegrias, daquilo que o Apóstolo São Paulo gostava
de chamar “vida nova” (Rm 6, 4), “nova criatura” (2Cor 5, 17), estar ou existir
em Cristo (cf. ib.), “vida eterna em Jesus Cristo” (Rm 6, 23).
Portanto, os catequizandos têm o direito de “receber a palavra da fé (Rm 10,
8) não mutilada, falsificada ou diminuída, mas sim plena e integral, com todo o seu
rigor e com todo o seu vigor”. João Paulo II frisa enfaticamente que quando uma
pessoa, ao pressentir “a superioridade do conhecimento de Jesus Cristo” (Fl 3, 8)
encontrado pela fé, tem em si mesma, talvez inconscientemente, o desejo de o alcançar
mais e melhor por “um anúncio e uma instrução segundo a verdade que existe em
Jesus” (Ef 4, 20s), nenhum pretexto pode ser válido para lhe recusar parte alguma desse
conhecimento (no. 30).

No Capítulo V que trata da necessidade de catequizar a todos (“Todos precisam


ser catequizados”), João Paulo II, depois de constatar que as crianças e os jovens são o
futuro da Igreja, pergunta: “Com a nossa solicitude pastoral, nós havemos de pôr-nos a
pergunta: como apresentar a tal multidão de crianças e jovens Jesus Cristo, Deus feito
homem?” (no. 35).

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Depois de tratar dos caminhos e meios e da diversidade de métodos da catequese nos
capítulos VI e VII, o Papa conclui o capítulo IX sobre “a alegria da fé num mundo
difícil” com a seguinte afirmação (no. 61):

O dom mais precioso que a Igreja poderá oferecer ao mundo contemporâneo,


desorientado e inquieto, é o de nele formar cristãos bem firmados no essencial e
humildemente felizes na sua fé. A catequese há de ensinar-lhes isto e ela própria daí
tirará proveito para si mesma: “O homem que quiser compreender-se a si próprio
profundamente (...) deve, com a sua inquietude, incerteza e também fraqueza e
pecaminosidade, com a sua vida e com a sua morte, aproximar-se de Cristo, deve, por
assim dizer, entrar n'Ele com tudo o que é em si mesmo, deve 'apropriar-se' e assimilar
toda a realidade da Encarnação e da Redenção, para encontrar-se a si mesmo”
(Redemptor Hominis 10).

4. Conclusão: Uma catequese centrada sobre a pessoa de Cristo

Na Catechesi tradendae São João Paulo II destaca que a catequese deve ser
centrada sobre a Pessoa de Jesus Cristo. Num outro documento, na exortação apostólica
Novo millennio ineunte (2001), falando da ação pastoral da Igreja nos alvores do
terceiro milênio, ele observa que, para responder aos desafios que a Igreja é chamada a
enfrentar, não é necessário inventar nenhum novo “programa”:
“O programa já existe: é o mesmo de sempre, expresso no Evangelho e na
Tradição viva. Concentra-se, em última análise, no próprio Cristo, que temos de
conhecer, amar, imitar, para n'Ele viver a vida trinitária e com Ele transformar a história
até à sua plenitude... É um programa que não muda com a variação dos tempos e das
culturas, embora se tenha em conta o tempo e a cultura para um diálogo verdadeiro e
uma comunhão eficaz. Este programa de sempre é o nosso programa para o terceiro
milênio” (NMI, 29).
São João Paulo II não poderia ser mais explícito e categórico acerca da
centralidade de Cristo no anúncio do Evangelho. O Evangelho é Cristo. E Cristo é o
Evangelho. O conteúdo das palavras é, de fato, a Palavra.
O Cristo do Evangelho, porém, deve ser representado na integridade ou
totalidade, e não de maneira parcial, fragmentária. É o próprio Pontífice que adverte
contra toda a deturpação da figura de Cristo, contra todo o modo unilateral de apresentar

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a sua Pessoa. Portanto, apresentar Cristo na sua integridade significa apresentá-Lo não
só como modelo ético, mas primariamente como o Filho de Deus, como a própria
Palavra do Pai, feita tempo e história. Significa apresentá-Lo como o Cristo da Páscoa,
como o Senhor morto e ressuscitado, pondo em evidência o inseparável laço entre a sua
morte na cruz e a sua ressurreição. Significa apresentá-Lo como o Salvador único e
necessário de todos, recusando toda a tentativa de tornar relativa a universalidade da sua
obra redentora. Significa, por fim, apresentá-Lo como Aquele que vive e atua na sua
Igreja, mediante a qual Ele continua, através dos séculos, a sua obra de salvação. A
Igreja, de fato, não é outra coisa, no fundo, como comunidade de fé, de esperança e de
amor, que o Corpo terrestre do Senhor Ressuscitado.

Diversos são os modos com que o anúncio de Cristo através da catequese pode
ser realizado. No entanto, é necessário que os evangelizadores sejam credíveis, que a
sua vida irradie a beleza do Evangelho. O Bem-aventurado Paulo VI tinha dito que “o
homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os
mestres, ou então, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas” (EN, 41). Mais
do que nas palavras, o homem de hoje acredita nas ações. A linguagem do testemunho é
e será sempre, a mais inteligível, mais incisiva e, por isso, a mais eficaz.
Não basta, pois, que Jesus Cristo seja proclamado com a palavra nos encontros
de catequese e na celebração dos sacramentos; é necessário que Ele seja acolhido e
vivido no dia-a-dia da vida. Cristo é anunciado, vivendo-o. Os evangelizadores devem
viver e agir como Cristo. Sobre o seu rosto deve resplandecer o próprio rosto do Cristo.
Seja-me permitido de fazer uma observação final: é muito evidente que a exortação
apostólica Catechesi Tradendae é centrado no mistério de Cristo. A conclusão deste
documento chave, porém, é pneumatológica, ou seja, fala do Espírito Santo como
mestre interior e assim complementa a sua dimensão cristocêntrica. João Paulo II diz
(no. 72):

Ao terminar esta Exortação Apostólica, o olhar do coração volta-se para aquele


que é o princípio inspirador de todas as atividades catequéticas e daqueles que as
realizam: o Espírito do Pai e do Filho, o Espírito Santo. Ao descrever a missão que este
Espírito havia de ter na Igreja, Cristo usa estas palavras significativas: “Ele ensinar-vos-
á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos disse” (Jo 14, 26). (...) A catequese, que

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é crescimento na fé e maturação da vida cristã em vista da plenitude, por conseqüência é
uma obra do Espírito Santo, obra que só Ele pode suscitar e manter na Igreja. (...)

Antes de mais nada é claro que a Igreja, quando realiza a sua missão de
catequizar (...), deve estar bem consciente de agir como instrumento vivo e dócil do
Espírito Santo. Assim, invocar incessantemente esse mesmo Espírito, estar em
comunhão com Ele e esforçar-se por conhecer as suas autênticas inspirações tem de ser
a atitude da Igreja que ensina, bem como de todo e qualquer catequista. É a missão da
Igreja catequizante e o sinal de uma autêntica “renovação no Espírito” de “levar o maior
número possível de fiéis, pelos caminhos da vida de todos os dias, ao esforço humilde,
paciente e perseverante por conhecerem cada vez melhor o mistério de Cristo e por
darem testemunho dele”.
Como é seu costume, no final desta exortação apostólica, São João Paulo II faz
uma referência à Virgem Maria, Mãe e modelo do discípulo (no. 73). Por uma vocação
singular Maria foi o primeiro catequista, pois ela “catequizou” o próprio Filho de Deus
formando-o “no conhecimento humano das Escrituras e da história do desígnio de Deus
sobre seu povo, assim como na adoração do Pai”. Do outro lado, ela foi também a
primeira catequizanda do seu Filho, “a primeira, sobretudo, porque ninguém foi assim
“ensinado por Deus” (cf. Jo 6, 45), num tal grau de profundidade “Mãe e ao mesmo
tempo discípula”, dizia a respeito dela Santo Agostinho”. E São João Paulo II conclui:
“Que a presença do Espírito Santo, pois, pelo valimento de Maria, possa lograr para a
Igreja um impulso sem precedentes na atividade catequética que para ela é essencial!”

Perguntas para reflexão:

1. Qual foi a importância da catequese para São João Paulo II?


2. O que é a catequese? Como ela se originou?
3. Porque toda catequese autêntica deve ser centrada em Cristo?
4. Em que sentido Cristo é o sujeito e objeto da catequese?
5. Porque a profunda comunhão com Cristo é essencial para aquele que catequiza?
6. O que significa proclamar o mistério de Cristo na sua integridade?
7. Qual deve ser a relação entre o ensino catequético e a vida?
8. Como apresentar o mistério de Cristo às crianças e jovens de hoje?
9. Qual é o papel do Espírito Santo na obra da evangelização?
10. Como podemos evangelizar eficazmente?

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