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3.

Abordagem histórico-dogmática

neamente, sucumbir à tentação, estreitamente reladonada a isso, de uma subordi• racionais como uma atuação planejadora. Assim, p. ex., Lactdncio (t d~~ois de 317)
nação do Logos ao Pai: o Filho é "consubstancial como o Pai", "o Criador do céu e da já Incluiu expressamente a estrutura tripartida do tempo em suá descnçao da previ-
terra". O Filho "nasceu antes de todo tempo". "Por meio dele tudo foi criado" (d. DH dência divina relacionando-a com a preservação do passado por parte de Deus, com seu
150). Enquanto os primeiros sfmbolos batismais n,a Igreja Ocidental latina já re- conheciment~ do presente e com sua previsão do futuro (d. LACTÃNCIO, ~ i~a dei _9).
nundaram muito cedo a um enunciado cristológico-criacional, a cristologia da
No contexto de sua controvérsia com os maniqueus, Agostinho (t 430) se viu mclustve
criação neotestamentária permaneceu, a princípio, ·viva na Igreja Oriental - e, pela
compelido a distinguir com rigor. terminológ:co os conceitos criação ~ previdência, reser-
recepção do Niceno-Constantinopolitano, finalmente em toda a Igreja. vando o momento do governo (gubernatlo) final para a atuação proodente de Deus. Ca-
racterístico para o pensamento de AgCJstinho também é sua associação da ideia da pr~-
3.1.4. "Previdência" de Deus e a doutrina da creatio ex nihilo dência com à de umà predestinação divina do destino humano. A vontade humana reali-
Também com vistas à ideia de que a história do mundo estaria sendo "dirigida" za livremente o qu~:oeus quer e sabe antecipadamente (cf. AGOSTINHO, Civ. Dei V
por um poder ordenador, ocorreu uma alternância entre adoção e paulatina modifica- 9). Essa concepç.AÓ da previdência do Criador na forma da ideia da predestinação leva
ção de ideias filosóficas centrais no contexto da teologia cristã primitiva. Com o concei• ao centro da problemática da controvérsia da Igreja Antiga em tomo da graça.
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to da 1tpovoia. (pr6noia), o estoicismo associcu a iáeia de que uma razão divina (não
pessoal) estaria conduzindo o mundo a um alvo que poderia permanecer oculto à com• 3.1.5. Desenvolvimento da doutrina cristã do pecado.ori~al e hereditário
preensão de alguns indivíduos. Sobretudo as leis ~ nos fenômenos da natureza,
bem como no surgimento e no desaparecimento da vida humana, eram consideradas Na questão da origem da matéria, os teólogos patrísticos dos séculos 11/111 se ha-
viam colocado, por fim, em oposição nítida a um dualismo cosmológico, e haviam, des-
fundamento da confiança humana de que há sentido·no curso do mundo. se modo, resistido à tentação de considerarem mau o mundo, a realidade empírica
Em analogia com o pensamento da tradição estoica, a Primeira Epfstola de Clemente (material). No entanto, também no século IV/V existiram influentes correntes dualis-
enaltece a ação ordenado'ra de Deus na natureza (d. lClem 20,8). A benevolência de Deus e tas. Tornou-se determinante de medo trágico para a antropologia cristã e à relação
sua provisão revelam-se, p. ex., no fato de fazer brotar a semente, de modo que venha a produ• com o mundo o fato de o pensamento dualista do maniqueísmo ter influenciado os es-
zir fruto abundante (cf. lClem 24,5). critos tardios de Agostinho, deixando para as gerações seguintes a herança de uma vi-
Também Ireneu de Lião coloca acentos próprios neste contexto, na medida em são pe::simista das possibilidades humanas para o bem, bem como um juízo cético a
que também ele concebe a "manutenção" do mundo criado como obra do Logos. respeito das forças impulsoras do ser humano. ·
Enquanto ele próprio não tem necessidade de absolutamente nada, Deus concede ás A motivação para a concepção do maniquefsmo, assim denominado por seu· fundador
criaturas, de pura bondade, vida e incorruptibilidade (cf. IRENEU, Adv. Haer. IV 14). Mani (t e. 277), deverá ter sido a experitncia (aparentemente inevitável) da inferioridade hu-
Centrada cristologicamente de modo semelhante é a doutrina da "previdência" de Cle• mana na luta contra i\S seduções do mal. O maniquelsmo partiu da existência de um principio
mente de Alexandria (t antes de 215), que se dedicou intensivamente a essa temática bom e u:n principio mau. O tempo do mundo era entendido como fase de transição, na qual as
em seu livro Peri prónoias. Clemente descreveu a atuação do Logos como a de um realidades do bem e do mal (inicialmente separadas) ainda estão misturadas, e na qual essas
mestre, educador e redentor da humanidade em sua totalidade como também do indi• duas forças existentes em cada ~r humano pod.!m ser se:,aradas novamente por um comporta-
mento humano correspondente. A redenção do homem p~essupõe seu conhecimento desses
víduo. O momento pedagógico em sua doutrina da previdência, bem como a <lesi~- nexos e dos procedimentos comispondentes a· eles. Nesse sentido também o maniquelsmo
ção expressa da atividade preservadora de Deus como creatio continua (d. CLEMENTE podt ser considerado uma doutina gnóstica de redenção. Especialmente a concupiscência do
DE ALEXANDRIA, Strom. VI 16) sáo características para seu pensamento. Tamblm no homem, ,tu desejo de satisfazer prazeres carnais, sobretudo sexuais, era cons!derada, no manl-
tempo posterior, a tradiçdo oriental preservou em seu melo uma compreensdo da qnelámo, umél prova d;. exlst~ncla de mal no homem, de sua propensão à mundanidade, a qual
previdtncia que ndo tinha em mente uma prevlsdo divina de acontecimentos futu- deverá ser combatida pM um modo de vida rigorosamente ascético.
ros, nem um planejamento teórico do curso do mundo, mas que expre.ssava, primor- Inicialmente Agostinho combateu o dualismo millllqueu ,;om veemência; n1 controvérsia com
dialmente, a atividade criadora de Deus para preservação do mundo criado. Assim, P.!lállio, porém, ele se revelou Irreversivelmente influenciado P,Or essa lnterpreta,ão da realidadt.
p. ex., ainda para Jodo Crisóstomo (t 407) a sujeição dos fenômenos da natureza a de-
terminadas leis e a beleza do cosmo são as verdadeiras provu do cuidado divino com O p1:aalmlsmo iUco de Agostinho assumiu forma cc,ncreta em sua doutrina do pec·
sua criação. Em contrapartida, na Igreja ocidental fortaleceu-se progruslvamente a catum origina/e (do "pecado original"), que ele havia formulado no debate com Pelágio.
tendênda de interpretar a atuaçdo divina no mundo com o emprego de categorlaJ Peldglo (t após 418), um moniie leigo de origem britânica, comhateu, a exemplo
do Agostinho Jovem, o dualismo maniqueu. Firmado na tradição da ética grega anti-

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C. OOUTRINÃ DÃCRIAÇAO
3. Abordagem histórico-dogmálic.:
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ga, Peldglo s, at,1111 ~ convicçdo de que uma pessoa com o desejo de fazer o bem tam- Sobre o pano de fundo do discurso da corrupção total da vontade humana para e
~m ataria, ,m prlndpio, capacitada para decidiNe pelo bem. Peláglo·explicou de b,m, Agostinho queria pôr em evidência sua convicção da atuação da graça de Deus.
modo tradicional a experltncla efetiva, 4ue levou tanto a Paulo (cí, Rm 7,15-20) quanto
a Aao1Unho a admitir que o ser humano quer o bem, mas não o pratica e faz o mal, que A tradlçlo teolóaico-ecleslástica no Ocidente latino adotou, nos séculos subse
na verdade nlo quer, lembrando o mau exemplo de outcos e o,; efeltoa do coalume de quentes, a concepção do pecado "original" de Adão (do peccatum origina/e origi
praticar o mal que a tentação reforça para cometer outroa ato1 maua. Peláglo recorre à nans), formulada por Aizoatlnho, da pecaminosidade "hereditária" de todos os sere:
imagem otimlata do homem d<! ética antiga, para, desse modo, incentivar seu5 contem• humanos (do peccatum origina/e origínatum), da concupiscência e da graça redento
porâneos ao esforço mo:-al, pelo qual quis combater uma lassidão amplamente difundi- ra (graça batismal). Dessa maneira ela também assumiu, de princípio, a tendência d1
da t:ambé!II na Igreja. Agostinho de ver no prazer sexual do ser humano a causa e o sinal evidente da corrup
ção da natureza humana.
O protesto de .Agostinho contra o oti.miswo ético de Pelâgio teve causas diversas.
Agostinho já fora sensibilizado para a pergunta pela origem do maJ na época de sua
controvérsia com o marúqueísmo.Agostinho tinha feito pessoalmente a dolorosa ex- 3.1.6. Teologia cristã da criação no final da Antiguidade
1
periêr.ciu de que por si mesmo o ser humano não é capaz de nenhum bem, que todo A obra teológica de Agostinho não influenciou apenas o subsequente desenvolvi
bem ~obrada _qraça divina. A tentativa de e\ider.ciar as implicações teológicas doba- mento da doutrina do pecado e da graça; ela também lançou os fundamentos par;
tismo de crianças, que se havia firmado desde a virada constanUna, fortaleceu a ideia uma teologia da criação mais~ mais filosófico-especulativa e menos voltada para o ~
agostiniana, que no fim da Antiguidade proporcionou uma nova compreensão da exis- pecto da economia salvífica no mundo ocidental. Agostinho foi o primeiro teólogo cri~
tência. Pois Agostinho viu a causa da depravação radical da natureza humana, efetiva tão que se ocupou intensivamente com o fenômeno do tempo; suas reflexões a respeit<
já na raiz, num éaráter negativo {p!é-pessoal) preestabelecido do ser humano. estavam comprometidas tanto com o pensamento neoplatõnico quanto com o pensa
Como prova da Escritura para sua compreensão desses nexos, Agostinho aduiiu, sobretu- mento biblico. À pergunta como a eternidade de Deus deveria ser posta numa relaçã«
do, Rm 5,12, cujo enunciado ele interpretou equivoca.damente com graves consequências. A adequada à temporalidade da .coisa criada, Agostinho respondeu afinnando que o pré
Vulgata traduz essa passa3em wim: •Per unum nominem peccatunr intrauit ln mundum, et prio tempo é uma realidade c~ada. O tempo existe somente desde que existe algo cria
per peccatum mon et lta in omn.es lwmlnes pertransiit, in quo (grego: eph ho) omnes pecca- do. "Antes do princípio" não existiu tempo, "no fim" ele deixará de existir. Essa ligaçã1
ucrunt" ("Por um homem o pecado mtrou no mundo, e, por meio de, pecado, a morte, e de criação com temporalidade levou Agostinho a uma concepção linear (não circular) d:
este/esta passou pata todos os hom<?ru, porque todos pecaram"). Agostinho tomou a palavra história, mais próxima da visão bíblica do decurso do tempo do que, p. ex., do pensamer
peccatum (pecado) por sujeito do verbo pertransiit (pa.S&Ou para) e wnsiderou ln quo (ntJ to filosófico no esquema de uµi ciclo eterno. Sua concepção do tempo precipuamenb
qual) co:no relativo a unum hominem (um homem). Essas duu interpretações equivocadas do "psicológlca" (cf. AGOSTINHO, Conf. XI), seu sofrimento sob a mudança dos tempos ,
texto levaram Agostinho a crer que Rm 5,12 afinaa que o pecado de Adão teria pauado para .eu anseio por um descanso sem tempo na consumação, porém, impediram-no de incluh
todos os homens, visto que "em Adão" todos teriam pecado.
neste ponto, o decurso concreto da história salvífica com maior nitidez em seu pense
Uma compreensão condizente com o texto original de Rm 5,12 deveria considerar mor~ mento teológico-criacional. Tumbém a orientação teológico-trinitária da teologia d.
(morte), não peccatum (pecado) como sujeito de pertranslíl A expressã'> latina ln quo deve criação de Agostinho, fascinada pela consubstancialidade das pessoas divinas, contr
ser lida no sentido da palavra grega e,$ co (eph ho • em -ro1.mn Otl [epf toutô hói()) e deve ser buiu para que o mundo ocidental negligenciasse, cada vez mais, a importãncia cósm
traduzida como conjunção caU5al: "Porque todos pecaram, todos têm que morrer".
ca do Logos e, concomltante111ente, para a acentuação da diferença entre a ação cri;:
Apesar de todas as restrições justificadãS em relação à forma concreta da doutrina dora e redentora de Deus, em evidência crescente na teologia da Igreja ocidental.
do pecado hereditário, porém, é importante perceber sua intençfo principal e tomá-la
em coi:islderaçáo: Agostinho viu na transmissdo do "p~cado original" (peccatum ori•
ginaJe~ ~ Ad4o a'lodas as geraçôes subsequentes a chave para a compreensdo da .1.2. Idade Média
realidade por 11/e experimentada: de estar sem querer sujeito ao mal Não é a imita- Toctos os grandes teólogos medievais se ocuparam com a teologia da criação, mu
ção de um rau exemplo dado por outros, mas a transmissão do mal na sequência das •. tas vezes com respeitável intensidade de raciocínio. À semelhança dos teólogos patríi
gerações é que lhe parecia, por isso, ser a razão da universalidade do pecado. Justa• ticos, também os pensadores cristãos da Idade Média se mostraram fortemente irr
mente 'na concuplldncia (experimentadéJ sobretudo no prazer sexual) Agostinho acre- pressionados pela tradição filosófica da Antiguidade em sua definição da relação entr,
ditava poaaulr a prova viva de sua tese de que o castigo pelo pecado original de Adão, o Deus eterno e a realidade criada. É verdade que a cosmologia (neo)platônica de cu
a con~pl1clnda, atingiria a todos os seres humanos e os seduziria ao mal. nho agostiniano foi eclipsada, na alta Idade Média, pelas influências da incipiente rE

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;j_ Aooroagem OISlOnco-oogmatJCa

-
ce~ção de Aristóteles, mas jamais totalmente desbancada por ela no acervo argumen 3.2.2. Unidade de criação e redenção
tativo da teologia cristã da criação. .,
Alguns teólogos medievais do século XII, que se esforçaram enfaticamente para
\

. ;·
Na pergunta por uma definição adequada da rel1ção entre Deus e o mundo criado oferecer uma fundamentação racional das verdades de fé, também revelaram, em prin-
de várias·m a- ·
por Ele, a teologia da criação magisterial da Idade Média se distanciou cípio, abertura para o reconhecimento de uma interligação interna entre a ação cria-
ne~ras da solu~o ~ualista ou panteísta desse problema oferecida na concepção dos dora e a ação redeQtora de Deus.
·.
filosofos da Antiguidade. Tanto o IV Concílio de Latrão de 1215 (cf. DH 800) quanto Anselmo dE: Cantuária (t 1109), p. ex., definiu a redenção como "necessária• com v1atu à
(cf. DH 1333) acentua ram que o mundo permane ce condi-
o _Concíl~o de Florença de 1442 restauração da orde~ original da criação (d. ANSELMO DE CANTUÁRIA, CDh l 19). Esse
diferenc1ado de Deus em virtude de sua contingência e temporalidade, sem, contu- cionamen to reciproco fica menos evidente em Abelardo (t 1142) e Pedro Lombard o (t 11~).
si
do, abandonar a doutrina bíblica de que, pelo fato de as ter criado, Deus-vinculou a que consideravam é\ doutrina das origens do mundo antes de tudo um questionamenf.ó.fllosdftco
.
todas as coisas visíveis e invisíveis de modo perman ente. Expressão clássica dE'.ssa defi-
A perspectiva histórico-salvffica bíblica também se manteve na doutrina d a ~
nição equilibrada de relação é a regra da analogia do IV Concílio de Latrão (cf. DH d~ Hugo de São Vítor (t 1141); sua expressão mais clara encontra ela, na)1«µde M~
,
800), segundo a qual, na verdade, existe uina "semelhança" entre Criador e criatura
., 1

excedid a por uma respecti va "dessem elhan- dia, na obra do abade beneditino Ruperto von Deutz (t 1135), que inte~~~ com • 11
mas essa sempre deve ser concebida como maior repr~scntatividade a cristologia da criação em suas reflexões, sobretudo 'em sua
ça" maior(➔ Doutrina sobre Deus 3.2.). obra De Trinitate et operibu.t eius. Ruperto entende a emanação intratrinltária do FI-
Observando-se - acima de toda especulação teológica - o sentimento de vida do iho do Pai como um evento visando a atuação do Logos como mediador Ja criação.
homem medieval, pode-se falar, em termos gerais, de uma grande familiaridade com
a Em sua opinlao, todavia, também a encarnação do Filho já está contida no original pla-
natureza e da consciência de uma natural integração nela. O espaço de vida imediato , no de criação de Deus. A vt.rdadeira razão para a "humanação" de Deus não é a-queda
observado no ritmo das estações do ano (o microcosmo), encontra -se numa relação dos homens no pecado, mas a criação para possibilitar a encarnação do Logos. Sem
análoga com a realidade global (o macrocosmo). Apesar das variadas experiências
de dúvida, o Filho (bmbém) se fez hor.1em por causa da humanidade "caída", como·diz a
ameaça por meio de fenômenos da natureza. o pequeno mundo oferece abrigo ao indi- Escritura, mas, além disso e desde a eternidade, Jesus Cristo é o protótipo;· ~ ~rigem
víduo e transmite segurança. Nessa experiência tem sua origem o "otimismo cosmoló
- (mediador da ,criação) e o alvo (redentor e consumador) de toda a realidade cria:da.
gico", característico para grandes partes da teologia medieva l da criação. Esse cristocentrismo se associa, na doutrina de Ruperto sobre a criação, a uma dimen-
são pneumatológica: como expressão do amor entre Pai e Filho, o Espírito vivifica a
3.2.l. Influência permanente da cosmologia (neo)platônica
obra divina da cr;ação e a leva à consumação.
A teologia m,ditval concretizou a presumida unidad, de criaçiJ.o , r11dnição no
Pensamentos (neo)platõnicos influenciaram a doutrina da criação das escolas teo-
os evento da encarnaçi:o: a vida intradivin'l I condiçdo e motivaçdo para a criaçilo do
lógicas medievais por intermédio de teólogos cristãos da Antiguidade tardia, entre
tõnico-p loti- ndo divino. A criaçilo do mundo jd tem em vista a humanaçdo do Logos.A pergunta
quais merece destaque sobretudo Boécio (t 1524). A cosmovisão (neo)pla
di- pela cÓntingtncia do histórico e, portanto, pela importilncia da queda:passa para
na se caracteriza pela pressuposi~o de que tudo que se fez seria uma emanação do
Boédo, po- segundo plano nzssa visão histórico-salv{fica global
vino, ao qual também retornaria. Empréstimo do estoicismo - no caso de
rém integrado no ideário platônico - era a ideia de que a razão divina providenciaria Maiot afinidade com a h·adição platônico-agostiniana do que com a c;n~ loQla
uma combinação ordenada das rea!idades. Essa visão otimista global de fenômen
os (embora também in'luenciada por esta) revela também a teoloaia da criaçãó @ teólo-
cósmicos estava associada a uma relativização de eventos históricos concretos. go frandscano Boaventura (t 1274), que ele deseuvol\'eu sobretudo em suá,.6rW~o
sobr~ a "Obra dos seis dias" (Hexaemeron), uma s!ntese abrangente do sur~en1 to
O pensamento (neo)platônico encontra sua expressão mais evidente na Escola de
gradual do mundo exterior (relatado em Gn 1) com·o gradual caminho interior'd.0 ho-
Chartres, que, nos séculos XI/XII, influenciou decisivamente a tradição doutrinária mem a Deus. Sua concepção teológlco-crlacional se <2.racteriza pela ideia de que'àa col-

teológica. É verdade que cada um dos teólogos de Chartrea apresentou sua formula saa crlad:a deveriam ser entendi du e interpretadas como "vestfQlos de Deu1" (v11sti•
ç!o própria da doutrina da criaç!o. Todos, porém, têm em comum seu Interesse filoaó-
o,n
1ta no mundo, ~amo l11dle1dor11 do caminho I D1u1, ;amo tm111n1, 1lnll11 for-
ftco-natural co1mold•tco e a tendlnda da "1acral111r" a realidade ems,frfca criada, a mu de eY.preallo da divina vida lntratrlnltárla. Boaventura descreve expre11amente a
natureza, Isto é, de Interpretá-la como "sinais de Deus". Dease modo tentaram expres- ativldad~ criadora de Deus em lln&loaia com os processos intratrinitárlos. O mundo
sar e fixar o testemunho bíblico da aç!o criadora, preservadora e condutora de Deus
em 11ua forma concreta revela a nature1.a de sua ori~em.
no mundo e a convi~ o, também fundamentada biblicamente, de çue o mundo é bom.

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C. DOUiRINA DA CRIAÇÃO 3. Abordagem histórico-dogmática

• A onltorme aabcdorla de Deus está "derramada em lodaa as coisas" (BOAvENTURA, Coll


Hax. IJ 21). Toda, a, co111, refletem, em seu ser-próprio mlatente, o poder (pot,nlla) de Deus,
ente com vistas a um alvo, sendo que uÂ.11 ((h11/1] 1 mat~rla, em latim) deve ser entendi·
da. em Arl~tdtele1 nlo primariamente no ,,mtldo de uma aubatlnda material, e, alm,
• tm l\la ordem artloulada, aabtdorta (1opl1ntla), em HU vir à lua emplrlco, a bondade (bonita,)
d1 Deu,. No.entanto, pelo ptcado eua realidade u~ oculta ao noaao olhar. Somente l ''lu1 de
. aobretudo como ~ndlçlo fundamental da poulbllldade do vir a 11r. Portanto, na re,
• · ftexlo aobre a tranalçlo, cauu.da pela cau.ra ,fflct,ru, da po11lbilldade (pot,mtta)_para
J11u, Crllto• (1. •• por melo da açlo aalvlftca de Deua) ela ,e toma novamente leglvel com vlalAa arealidade (actus), Aristóteles Já pressupôs a existência da ma~rla como princlp10 da
► a Deua, Tomando em conalderaçJo a obra teológica corr,pleta de Boaventura, pode-ae falar de
poulbllltação. Por laao aeu alttema de pensamentos era pouco apropriado para funda-
uma ctntrallnç&o crlatol6111ca que conccme t.lnto à açlo criadora de Deu, em aua totalidade
mentar filosoficamente a doutrjna judeu-cristA da creatlo ex nihllo.
• (a "exprea&10• do Pai no Filho é o "protótipo• de todiis as coisas crlad:\s) quanto l aua atuação
redentora em e,pecl~ (a encarnação do I.oiios para a redenção da humanidade 4 li ubr11 m11l1 ' ' o,
Entre teóloiios medievais foi sobretudo Tomds de Aquino (t 1274) que adotou
•t ~. sublime da crtaçlo e, consequenlt:mente, também II causa-alvo 1111 açlu crln~ura de D~u•). De.,
.sa maneira a doutrina da criação do pensamento l1•<1hígico d<, Hõn\'ehl ur11 ~strt h,s,•rltf;, numa
n •l~témt, aristotélico das causas. Tomás difundiu a tese de que uma refutação filosófi-
' '· cada doutrina da eternidade do mundo não é possível, mas também _não é necessária.
r~ vl5ão hl1t6rlco-1aMtlca iiJobal.
A adoç4o da designação (neo)platõnica de Deus como "bonum diffusivum sui#
Bastaria mostrar que a interprétação do mundo pela fé não é incompatível c?m a filo-
sofia. No mais, aduziu argumentos de conveniência para mostrar que a doutrina teoló-
tãi- (o bem que se difunde a si mesmo) na teologia cristd, deu d doutrina medieval da
criaçdo, por um lado, uma caraderlstica otimista: a realidade criada é boa, pois é ·
gica da criação temporal é adequada. Portanto, Tomás concebe a criação de Deu_s
como um evento livre, que não pode ser demonstrado filosoficamente como necessa-

,~.
~ -
t· emanaçdo e imagem de Deus. Por outro lado, ela possibilitou uma "fundamenta-
çdo" teolúgico trlnitdria da r.riação, realizando uma assor.iaçã" teológico-racional
das emanaçôes intradivinas de Palavra e Espfrito (também como fonte de todo o ser
ndo divino) com a aceitaçdo redentora do mundo em humanaçdo e inabitaçclo do
rio, mas que pode ser estabele~ido com conhecimentos filosóficos. Nesse assunto _To-
más ensinou uma cau11alldade univ.?rsal de Deus, que do nada chamou tudo que existe
à existência (cf. Sth I q. 45 a. 1). A recepção da ideia aristotélica de que também a "rela-
ção" (relatia) seria uma "categoria", isto é, uma das dez determinações fundamentais

i
~...::- ·

r ';
&pfrito (como alvo de toda a açdo de Deus para fora).

3.2.3. Recepção crítica da metafísica aristotélica


do ente, proporcionou a Tomás a possibilidade de tomar a criação compreens ível (não
como transformação ou movimentação do já existente, e sim) como estabelecimento
inicial de uma relação entre Criador e criatura. Deus (o ens a se, o ser por si), no qual
não se pode discernir entre "essência" (essentia) e "existência" (existentia), porque,
Por volta dos meados do século XII, a obra filosófica de Aristóteles se tomou co- como ser de liberdade suprema, é o "ser necessario". e sem sua existência não existiria
• nhecida a um circulo maior dos teóloaos medievais graças e6pecialmente a pensado-
res árabes e judeus. Maia do que o enginamento platônico das ideias, com sua concen•
nenhum ser, mas apenas o nada, concede existência e subsistência a todo ser contin-
• tração na "causalidade exemplar" e ~ue continuava atuante, a doutrina aristoté!i~ cli·
gente (ao ens ab alio, ao ser a partir de outro). O ser contingente, não necessário, é
constantemente mantido na existência por Deus. Portanto, a atividade criadora de
• ferenciada das causas (ainat, em grego; causae, em latim) iriam influenciar, no perío- Deus não é apenas uma creatiq ex nihilo, mas também um governo (guber.zatio) per-
• do subsequente, a reflexão soore a teologia da criação. manente de preservação do ser (cf. Sth I q, 103 a. 3).

• 3.2.3.1. A pergunta sobre a eternidade do mundo


Embora se possa constatar em Tomás uma evidente concentração da atenção na
ação de Deus como causa eficiente, isso não significa que tivesse abandonado a ideia
• A uma primeira prova de resistência tiveram que submeter-se os teólogos cristãos platônica de uma causalidade .exemplar estabelecida na atividade criadora de Deus.
• que se empenhavam por recepcionar pensamentos aristotélicos ao perceberem que a
ideia de um começo do mundo "no tempo", fu:1damentada. em última análise, bíblica-
,. Antes, a produção criadora (no sentido da causa efficiens) é concretizada por ele na
ideia (platônica) da participação: Deus concede à criação participação em seu ser, em
• mente, não podia ser explicada com os ensinamento:; aristotélicos da causalidade. Na ~u ser verdadeiro, em seu ser bom. A"semelhança" entre Criador e criatura, assim es-
• procura pelas razões internas e externas de um ente, Aristóteles sempre oferece uma tabelecida, todavia, tem seus limites no discernimento rigorosamente ontológico entre

• razão como respos\a à pergunta pelo que, de que, para que e de onde. Por isso di!ltin-
guldqu_atro "causas": a causa formal (causa forma/is) responde à pergunta pelo que; a
o ser necessário de Deus e o ser não necessário das criaturas.

•t causa ttlaterfal (causa materialis) à pergunta pelo de que; a causa final (causa fina/is), 3.2.Z.2. Previdência e causalidade final
,, à pergunta para que; a causa eficiente (causa efficiens), à pergunta pelo de onde. A
comtilnàçlo dessas causas com vista.,; a uma mudança visada do ente pressupunha, no
. pehsáihénto ar!Jtotilico, a existência de uma "matéria" a ser formada pela. causa efici·
A recepção crítica do sistema aristotélico das causas fez com que Tomás definisse
os rumos decisivos para a reflexão teológica posterior também na pergunta pela rela-

,, ' ,
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, /
v . 1.J'--'V • 1 111 ~n IJI"'\ v1 unynv 3. Abordagem histórico-dogmática

-
~o entre criação (creatio) e providência (providentia). Tomás ocupa-se da providên do homem desenvolvida a partir da autorreallzação do espírito, Tomás expressou com
oa no contexto dos atributo s essencia is de Deus e compree nde a providen tia como
os conceitos aristotélicos ÚÂ.'J'I ([hyle), materla, em latim) para o eiemento físico, bem
um "plano" (ratio) existente no espírito de Deus, no sentido de direcionar a realidade como µopcpri ([morphé), forma, em latim) para a "alma... Em sua formulação rigoro-
criada para o alvo, em última análise, para o próprio Deus. Tomás faz uso da causalida
- samente metafísica do chamado hilemorfismo, a alma-espírito {; o único prinéíplo da
de final na atividade criadora de Deus para mostrar que Deus coloca a si mesmo como realidade do homem existente fisicamente (anima unica forma corporis).
alvo de s~a criação, pois seu "plano" na criação do mundo já previa que Ele O qµe, ani- O Concílio de Viena (1312), na verdade, favoreceu, com sua definição antrbpolóQI•
mar consigo mesmo. A "providência", portanto, descreve a ideia da finalidade da ordem
ca (... quod a~ima rationalis seu intellectiva ... sit forma corporls per se-ef~ ffl'tlàll·
da criação. ~~ modo T~más obtém, a principio, um conceito de providência rig~rosa- ter [DH 902) - ~que a alma radonal e dotada de inteligência é, por si e essérfclal~ ~nte;
mente teologico: Deus cnou o mundo de tal maneira que ele volta para ele m~mo a forma do ce>rpo"), uma visao do homem que, apesar de toda a percepçã'o d~ ,çoi;ilpll!•
.
quando deixa que se cumpra em si a vontade de Deus. Por isso o movimento da criação' · xidade do ser humano, quis, não obstante, expressar a estreita relaçã<> de espillflüàllda•
o curso do m~do, deve ser entendido, em primeiro lugar, como um "retomo " a Deus
de e corporahda~e. C~m vistas ao poste~ior_ dese~volvimento_da antropologi~tedN~•
como um movimento em dir~ção à sua origem que é, ao mesmo tempo seu alvo em di'. ca, porém, é preciso dizer que estava mais d1fund1da e que se impôs amplant~ ~
reção à consumação em Deus. Assim. na verdade, é um ato de Deus ~ corres~onde
à
experim enta a "beatitud e" (beatitudo) e a "salvação " crição dos "componentes" humanos corpo e alma como entidades constituf~ W '
uma para si, de "matéria" e "forma", "autônomas", separáveis, da escola fraft'dita111,
vontade de Deus quando a criatura
te que Tomás distingue entre a providên cia de Dem:
especialmente interessada n.u questões do devir e desaparecer (geração e.:ni&tit.dlt
(salus). Nesse contexto é importan
no sentido descrito de um direáonamento da realidade criatura! para seu alvo (Deus),
~ -
tio) desse plano da criação homem e argumentando mais em termos de ciênef'as naturais do que n i e ~~1
a execução_(erecutio) histórico-temporal e governo (gubema Escatologia II. 3.2.). "-'·" ·? i
e da salvaçao. Somente nesse domínio do governo divino do mundo existe a possibilidade
de uma ação própria da criatura, aqui Deus conduz as criaturas, por meio de sua ativi- Na Interpretação do fato <!e o ser humano existir como homem e mulher,~ vla,
d_ade própria, para o alvo. Nesse processo, a atividade de Deus e a da criatura não se o recurso à doutrina aristotélica da natureza perverteu enunciados centrais ~~s dp,~!•
"complementam", antes, encontram-se em planos totalmente diferentes na medida em mentos de revelação judeu-cristãos. Tomás assumiu, como a maioria de seus.ÇO!)~m-
que a ação de Deus primeiramente possibilita a atividade própria da criatura. porâneos, a tese aristotélica da geração, segundo a qual somer,te o homem te~-~ úma
virtus activa (força geradora ativa), enquanto a mulher estaria participando apenas de
3.2.3.3. Imagem do homem forma passiva na geração de uma vida hlJJ1laD.s, pondo-lhe à disposição um espaço
para desenvolvimento e nutrição, A inferioridade da mulher aí expressa é reforçada
De modo ainda mais consequente do que seu mestre Alberto Magno (1· 1280), To- uma vez mais pelo fato de Tomás, se!luindo a Aristóteles, considerar a geração de uma
más se empenhou no sentido de aproveitar a descoberta fascinante da sabedoria filo- criança do sexo feminino como "acidente infeliz", no qual influências exteriores estariam
sófica de Aristóteles para todos os temas da teologia tradicional. Nesse sentido adotou Impedindo o nascimento de um ser completo, ou seja, um varão. A mulher seria um
pensamentos aristotélicos também em pontos decisivos de sua antropologia. Na des- mas occasionatu..~, um homem impedido pelo "acaso" (pelo vento sul, p. ex.). Olhando
crição da unidade corpo-alma do ser humano, a terminologia aristotélica se revelou a história do passado desde a perspectiva moderna, é preciso dizer que a aceitaçAo de-
surpreendentemente útil para expressar de forma nova a imagem bíblica do ser huma• masiadamente acrítica de (aparentes) noções das ciências humanas da époéa -lêvou a
no em linguagem filosófica.
uma rlistorção e falsificação de importantes enunciados da antropologia bfolkál·com~
r~
Tomás concebeu sua antropologia teológica a partir da compreensão do homem
!.,
.consequências devastadoras até a atualidade. l~.

como anima, ou seja, da autorrealização espiritual do homem como criatura destina- . No final do século XIII surgiram veementes debates sobretudo no atnbito da Uhí!·
da e capacitada para o autoconhecimento e o conhecimento de Deus. Para a realiza- vers;dade de Paris, mas também em Oxford, em tomo da recepção da metafísica àristq-
ção de _si mesma (~to é, para o conhecer), a anima depende da percepção sensual, ela. télica e dos efeitos de sua conceitualidade específica na doutrina teológica. Isso teve
necessita dos sentidos corporais (cf. TOMÁS, ScG li 83). Sob o titulo anima, Tomás por Cl)nst:ouência, entre outras, que a ênfase na causalidade efetiva na cosmologia;
considera, assim, o ser humano como centro do cosmo espiritual-material como uma que remonta a Aristóteles, não·ae lmpõs inteiramente na Idade Média tardia, enquanto
espécie de s~ntese de tudo que é criado (quodammodo omnia •decert o rr:odo O todo) a acentuação_da causalidade exemplar de Platão teve maior penetração. O ceticismo
em que a cnatura alcança seu alvo: no homem o mundo criado vem "a si mesmo", ao oficial da Igreja em face de uma especulação demasiadamente diferenciada e de argu-
ponto onde ele busca a Deus de modo consciente e voluntário o conhecimento da ver- mentação filosófica sobre as poaslbllldades de Deus tem por consequência (em contra-
dade divina (cf. TOMÁS, ScG 1168; III 25; Sth I q. 91 a. 1 e; q: 96 a. 2c): Essa irnaQem

172 173
,
C, 00\JTRINA OA CRIAÇÃO
3. Abordagem histórico-~ogmátíca •

► partida) qu,, ,m manlfestaç0es magisterlals sobre a temática da crlaçãu, cumo, por
3.~.5. Recordação da doutrina da criação econômico-salvífica bíblica
► exemplo, naa condenações pronunciadas pelo blapo parisiense Templer, em 12'17, pas-
sou,ae a en(atlsar mais a onipotêncla de IJeus nessa matéria. Com !si.o Já se encami•
no tempo da Reforma
• nhava ~ dlferenclaç!o metódica e objetiva, progressivamente característica para o tem• O reformador Martinho Lutero lt 1546) viveu e pensou numa época em que des-

• po subaequente, entre uma cosmologia que argumenta em termo~ de filosofia natural


e uma teoloata da criação orientada blhliramente.
pertava a consciência da individualidade humana. A an~ústia existencial do homem me-
dieval tardio, muitas vezes descrita, porém não era causada exclusivamente por um sen-
•t - 3.2.4. 'Dúvidas crescentes quanto a um acesso racional à tcmiltlca da criação
timento maior de indlviduallzaç!o; ela pode ser atribuída também aos traços caracterís-
ticos dll imagem de Deus daquela época: Deus se apresentava como um soberano
todo-poderoso distante, sendo que por esforço humano era quase impossível conquistar
•t-~- Já na obra de lodo Duns Scotus (t 1308) pode-se reconh~:'.llr umn tendência que
se acentuou mais e mais na Idade Média tanli;1: " Jorça de co/wc111:imcnto da argumen-
tação filosófi~ perde importância na mec:lida em que se descobre que a visão crente
sua clemência. O artigo central da teologia luterana, o anúncio da misericordiosa, cle-
mente dispem:11::io de Deus aó ser humano, somente pode ser compreendido de modc
e;__ do ~undo ac.e1ta verdades que não p11dcm ser demonstradas racionalmente. Scotus
correto e em sua dimensao libertadora sob o conhecimento desse pano de fundo.
ensinou que a causalidade onipotenli· l 1C l)eus não pode ser demonstrada por meros Os enunciados teológico-criacionais nos escritos de Lutero estão apoiados estrei-
C; argumentos da filosofia nah.ual. A vontade, tfo característica do pensamento de Duns tamente - como, aliás, toda a sua teologia - no discurso bíblico. Lutero se posicionou

~
~
- Scotus, também se faz sentir em sua doutrina da criação, quando a aceita como único expressamente contra o tratamento sofistico de questões minuciosas da cronologiz
.

,:-, motivo para a ação criadora:de Deus. Tudo é possível para a potentia Dei absoluta·
por princípi?, a ação d~ Deus não está condicionada a nenhuma necessidade, que fo;
cósmica. Expressou sua fé - no Catecismo Maior, p. ex. - na atividade criadora dE
Deus, que ele entendia sobretudo como conservadora e vivificadora. Em conexão corr.
.:- se reconheovel para nos, porque foi revelada por Deus somente a potentia Dei ordi-
nata. Co:n isso Duns Scotus se pronuncia nitidamente a favor da contingência das coi·
a ênfase na plenipotência e inescrutabilidade da vontade divina, a doutrina da criaçãc
de Lutero pôde, por meio da acentuação da atividade criadora permanente, destacar e
E-· sas criadas. A extensiva ênfase na ilimitada plenipotência de Deus pode ser encontra- relacionamento da fé na criação com a atualidade. Lutero estava menos interessadc
t ". da, na continuidade da teologia escotista, também em Guilherme de Ockham (t após
1347). A teologia medieval tardia quis destacar sobretudo a radical liberdade e im•
em fundamentações filosóficas da obra criadora de Deus revelada na Bíblia, mas re
fletia, sobretudo, sobre as consequências práticas do conhecimento crente da açãc
t:,.: perscrutabilifiade de Der.u, sua transcendente diversidade de tudo que é criado. For de Deus para a vida: as criaturas devem conscientizar-se de sua nulidade perante e
' isso a reflexão teológica negou-se paulatinamente a aceitar um direcionamento in• Criador todo-poderoso. Deve._m responder-lhe com louvor e gratidão, mas tambérr
t teriot de Deus para sua criaçdo. Com isso, todavia, ela também abandonou os sere.t com uma vida de acordo com as exigências reveladas de Deus.

•• humanos da Idade Média tardia a suas angústias existenciais, que resultavain da


crescente distãnda em relação ao Deus "capaz de tudo". · · Foi na doutrina do pecado original que se desencadeou uma controvérsia entre é
doutrina da criação "ortodoxa" e a teologia de Lutero. A compreensão do pecado here


Quase simultaneamente c.om o nominalismo medieval tardio começou a florescer o misticis- ditário de Lutero estava, a ex~mplo da de Agostinho, determinada essencialmente pel,
mo alemào. Na verdade, os dois movü.oentos eram muito diferentes, ma.s, ao mesmo tempo, esta-
vam unidos pela convicção comum da •impossibilidade de se conhecer" a essência de Deus e pel.i experiência pessoal da incapacidade de o ser humano se decidir pelo bem. Assim tam
t nova consciência Ja individualidade (humana). Por um lado, DeUJ e mundo se distanciavam no bém Lutero ensinou a oni e 11riieficiência da graça divina e viu no pelagianismo uma pe

•• pensamento e na fé. Por outro. o misticismo procurava justamente superar esse abismo.
Assim reapareceu, p. ex., na obra de Mestre Eckhart (t 1328), a doutrina platõn1ca das
idew. Sua visão mística da wúcude entre Deus e mundo também o levou a formulações que
rigosa contradição, ainda viva em sua época, ao testemunho (paulino) das Escrituras
Segundo Lutero, a natureza humana e a vontade humana estão afetadas pelas conse
quências (castigos) do pecado,original de Adão de maneira tal que, por sua vontade, <
ser humano somente pode fazer o mal. Também a concupiscência remanescente depoi:
t poderiam augerir que ele ensinava a eternidade do mundo. Es:;e de.~o levou o Papa João

•• XXII a concluir que fafirmação que o mwulo existe ab ae/ernv (desde a eternidade) é um enga- do batismo, que livra do reah,ls cu[pae (da dimensão da culpa) do pecado original, é
' no (á. DH 952). Uma tentativa impressionante de recepcionar a tendência platónica de acentu- segundo Lutero, realmente pecado, e não apenas algo como propensão ao pecado.
ar ~ " ~de• de Deus e do mundo na doutrina cmtá da criaç!c foi empreendida por Nicolau Desafiados pela doutrina luterana do pecado hereditário, os padres conciliares tri
de éuia (t 1464). O esforço de Nicolau de Cusa, no sentido Je relacionar a atividade de Deus dentinos reconsideraram as respostas dadas pela tradição às questões doutrinárias co
t em áua"vlvtnda Interna c.om a abertura, o movimento e a dinãmlca do mundo é coisa nova em

•• seu ~ento, e f um proi&ruso, comparado com o, moderno, conhecimentos das ciências lxadas. Os enunciados trideiltinos rP.ferentes à compreensão do pecado hereditáric
nat~!IIÍ,(p, ex., 11 lnfinltude do universo). • devem ser lidos, em primeiro lugar, como rejeição de interpretações equivocadas da
tradiçã:> (a~ostiniana) corrente até agora; de modo algum tentam oferecer um trata-

•t 174

/
175
- - . . .. . - . - · . - · . . . •y• · -
3. Abordagem histórico-<logmátlca

mento abrangente conclusivo dessa matéria. O Concílio Tridentlno enfatizava (como · são_étlcp,prática da fé na criação. A tradição antirreformatória católica, por sua vez,
L~tero) que é impossível ao livre-arbítrio humano ~iver de modo justo e merecer a . -~ prendeu-se mais na convicção de que argumentaçlo filosófica e doutrina teológica se
vida eterna sem o auxfüo da graça divina (cf. DH 1552). Não obstante, o Concílio Tri• apoiariam ·mutuamente. Ambas as.posições dificultaram. nos anc,s subsequentes, um diá-
dentino reconfirmou (contra Lutero) a convicção de que o livre-arbítrio do homem não logo com as modernas ciências naturais, cujas descobertas questionavam progressivamen-
se perdeu totalmente após o pecado origina! de Adão (cf. DH 1555). No entanto, o ser te a cosmovisão aristotélice>ptolomaica, transmitida até" então em gJande parte acrítica-
humano age sempre sob as condições da concupiscê,ncia, que o próprio Concilio (di- mente. Pois tanto a constante tentação de argumentar ~ente com o sentido verbal
vergindo de Agostinho e Lutero) não quer chamar tie pecado. visto que é '(apenas) de enunciados biblicos quanto a insistência na terminologia e na metódica de uma tra-
uma consequência do pecado e toma propenso a ele (cf. DH 1515). Mas o Concílio Tri- dição filosófia considerada clássica retardaram o desenvolvimento de uma adequada
dentino também relaciona expressamente toda a pecaminosidade atua! de cada pessoa diferenciação e coordenação dP. métodos das ciências naturais e da teoloela- .
humana ao pecado original de Adão. Para preservar a convicção bíblica da universali-
dade do pecado, o Concfüo afirma que o pecado de Adão é transmitido Mpor descen- 3.3. Época Moderna . .
dência, não por imitação" (propagatione, non imitatione), que é inerente a todos e é Somente sob grande dificuldade a reflexão teolóQica moden1a encontrou um cami-
próprio de toda pessoa (cf. DH 1513), de sorte que cada indivíduo ratifica o pecado ori- nho pan lidar de modo objetivamente adequado com descobertas das ciêuclas naturais
ginal de Adão no próprio comportamento. Ao lado dessa universalidade do pecado, ex- ·· emp{riras, que, aparentemente, conflitavam com o testemunh('I bíblico. A história da
pressa-se (indiretamente), pela acentuação da inter-relação das gerações, que •pecado doutrina cris~ da criação evidencia essa problemática de modo especialmente doloroso.
hereditário" significa uma realidade pré-pessoal, que se encontra numa relação mera-
mente análoga com o conceito do pecado pessoal (pi:óprio).
3.3.1. A controvérsia .em torno da (nova) cosmovisão heliocêntrica
O tratamento acentuadamente orientado para a •vida prática" de questões teoló-
gicas na literatura reformatória também se revela na doutrina da providência do refor- Avirada para a noção, que por fim se impôs, de que não é a terra, como se pressu-
mador de Genebra, Joilo Caloino (t 1564). A exemplo dos teólogos medievais tardios põe na cosmovisão geocêntrica de tradição aristotélic»ptolomaica, e, sim, o sol que se
e também de Lutero, Calvino acentuava a onipotência de Deus, que a tudo governa se- encontra no centro do sistema planetário observado a partir da terra, associa-se ao
gundo sua vontade, e dirige tudo por sua providblcia. Nessa consciência, os crentes nome de Nicolau Copérnico (t 1543).
devem encontrar o caminho para a alegria, gratidão, obediência e paciência no sofri- Na cosmovi~o geocêntrica de Cláudio Ptolomeu (t e. 160 dC), a tem (Imaginada em for-
mento. A ligação da doutrina da providência com a ideia da predestinação feita por ma de l&lobo) fonna o centro de um coamo dt Htrutura uíérica. Ela é clrcundad;a anelarmcnte
Calvino - também isso é uma herança df: Agostinho - de modo algum produziu, nos pelas esferas dos elementos água, ar e fogo, depois, mais distante da terra, •mora• Deus. Em
anos subsequentes, uma resignação "fatalista"; pelo contrário, essa maneira de pensar sua tese de que não era a terra, e, sim, o sol que constitui o centro do cosmo, Copérnico pôde
mobilizou de modo surpreendente a iniciativa humana, pois bem-estar e (também) su- ba:iear-se no filósofo natural da Antiguidade, Aristarco de Samos (t 250 aC), no entanto, sua
cesso (financeiro) eram considerados sinais evidentes do favor de Deus, de sua predes- descoberta se apoiava so!iretudo em·observações próprias devidamente aproveitadas.
tinação para a salvação. O fato de não ter ocorrido uma violenta controvérsia em tomo da cosmovisão co-
pemicana no século XVI se deve, por um lado, à clrcunstãncia de as teses, publicadas e
3.2.6. Doutrina cristã da criação no final da Idade Média discutidas primeitamente na área da Reforma (por Joaquim Rético), terem chegado ao
conhecimento de um púJ,lico mais amplo somente no ano de falecimento de Copérni-
'
A apresentação resumida da história em épocas simplifica a realidade histórica em 'e., co. O fator decisivo para a reação moderada de clrculos teológico& deve ter sido o P_re-
vários sentidos: por um lado, ela abstrai de muitos fenômenos que não correspondem fácio de André Osia,1dtr (t 1552), encarregado da publicação da obra de Copérruco
diretamente à característica de uma época, e, por outro, possibilita ganho de conheci- .
1 ~-
1,
De revoiutior.ibus orbium coelestium, destacando que se tratava de reflexões ~hipoté-
mento pela descoberta de inter-relações. Tendo consciência dessa problemática, ticas" que nãC' ünhàm a pretensão de expressar verdades. Dessa maneira as descober-
pode-se caracterizar a teologia crlst.a da criação da baixa e alta Idade Média de teocên• tas d~ Copérnico permaneceram, por enquanto, relegadas à área das_especulaçõ~ das.
trica em seu conteúdo, e, quanto à metódica, como pré-critica. O ceticismo que se ma- ciências naturais. Filipe Melanchthon (t 1560), porém, já as considerava pengosas
nifestou, na Idade Média tardia, em relação à pressuposição de que as reflexões da filo- para a fé, ~e tiveuem t,retenaão de expressarem uma verdade.
sofia natural seriam apropriadas para descobrir a nab.Jreza da ação criadora de Deus, AI Cóntrovênlu eçltt16ttlcu com 01 en1lnament.01.de Giordano Bruno (t 1600) acaba•
estava associado, na época da Reforma, a uma remiaslo enfática aos escritos bíbllco1 ram em trai1édla. Ele foi condenado pela Inquisição e queimado na fogueira. Bruno assumiu a
como única fonte da revelação de Deus, bem como a uma nova valorização da dimen- .
177
3. Abordagem hlstórtco-dogmá11Ca
C. DOUTRINA DA CRIAÇÃO

bfblicos é, em primeiro lugar, soteriológica. Colocados mais e mais na defensiva, círcu•


cosmovlllo de Copirnlco, mas ioi além, pois tomou o sistema heliocêntrico por fundamenta• los eclesiásticos oficiais negaram, a principio, aos representantes das ciências naturais
çlo dt um tnU'lclado teológico: a Infinidade do espaço cósmico seria a neces8'ria correspon- qualquer competência na esfera teológica. Com isso estava bloqueado, por enquanto,
clinQa9111 o Ili' lntlnito de Oeua; Deua nio poderia ter criado outro mundo (melhor) do que o
que ~rrapondt a NU ter. Na concepção de Bruno /que argumentava puramente em tennos de o caminho proposto por Belannino no sentido de tomar as descobertas das ciências
e1mell~1dt mmplar), portanto, nlo havia mais e1paço para a doulrinil da conlini&encla dP. reali- naturais por ensejo para repensar o método e a prática da interpretação da Escritura.
dade tmp(nca. Multo SMnot ainda o lial2ma de Brnno parecia ilumltir um evento aalvfJko media-
do hlltorlcamlnte, a a('.lo redentora de Deus em Cristo Jesm. Portanto. certamente foram dlver• 3.3.2. Antropocentrismo e cosmovisão mecanicista
gêndas _doutrlnúiu que levaram a uma condenação. A rejeição oficial por :,arte da Igreja foi
uma quatlo de principio, o procedimento concreto, porém, foi absolutamente inadequado. ./" A grande confiança na capacidade humana, característica da Era Moderna, e o an-
A controvérsia em tomo da cosmovisão heliocêntrica ati?giu seu auge no proces- seio das pessoas por liberdade e autodeterminação já se manifestaram no século XV
1; (reconhedvel, p. ex., no discurso Subre a dignidade do homem de Giovanni Pico Dei-
so promovido pela Inquisição Eclesiástica contra Galileu Gal."lei (t 1642). Em seu
Didl"!'o sobre os dois sistemas do universo, publicado em 1632, Gallleu se havia pro- ; . la Mlrandola [t 14941), mas a nova consciência criou vulto somente depois da virada
nuncado a favor da tese de Copérnico. O processo tenninou numa retratação pública '.; ccpemicana supramencionada. A descoberta do homem de não viver no centro local
f ' do sistema do universo, e, sim, em um lugar qualquer num sistema planetário inco-
(feita sob coação) de Galilei, que, a partir de então, era mantido em "prisão domiciliar".
---=- t'. mensurável, fortaleceu a retlexãQ moderna do homem sobre si mesmo e sobre sua pró-
êi=->··:,_ Quanto ao assunto, portanto, estava em discussão, no século XVII, a questão fun- -~ pria capacidade de percepção. No pensamento de René Descartes (t 1650) pode-se
i:::LJ.. ~ damental se as descobertas das ciências naturais, que entram em conflito claro com o -,. mostrar de modo exemplar como'o antropocentrismo moderno promoveu a tendência
...
sentido literal de enlíllciados bíblicos, podem ter i pretensão de veracidade. Em con-
~

.': para uma cosmovisão mecanicista. Ao ser humano pensante (ao eu, ao espírito, à res
trovérsia semelhante com Paulo Antônio Foscarini (t 1616), o Cc1rdeal Belarmino (t ··: cogitans), que percebe a si mesmo como meio de seu próprio mundo, contrapõe-se a
1621) opinou que, se estivesse demonstrado condusivamente que a terra gira em tor- ;~ natureza não humana (o objeto mensurável, ares extensa). A distinção cartesiana en•
no do soL dever~ proceder com cautela na explicação de passagens bíblicas que, _k tre espírito pensante, "não estenc;lido", e, assim, concebido em abstração de sua corpo-
aparentemente, afirmavam o contrário. Com isso pelo menos cogitou da possibilidade Í' ralidade, e a natureza não humaqa, "destituída de espírito", levou, por um lado, a uma
de interpretar '>S re.spectivos·enunciados bíblicos de modo diferente do que no tradi- -~ colsiflcação, objetivação e utilitatização da natureza (o homem se toma seu "senhor e
cional sentido literal Ao mesmo tempo advertiu. que não se atribuíssem precipitada- ·} proprietário"), e, por outro, provocou a ideia de que os fenômenos da natureza obe-
~~-- mente a visão de fé e·a viaão çientífü::a do mundo a esferas diferentes, irreconciliáveis.
E-.,,.- -. !1: deceriam a leis puramente mecâhicas, ou seja, "destituídos de espírito".
Em contrapartida. as autoridades eclesiásticas argumentaram no sentido absoluta• • 1

mente tradicional oo "caso Galilei•: a inescrutável onipotência de Deus atuaria de um No~ anos subsequentes, o pensamento mecanicista se impôs mais e mais na área das ciên-
modo inacessível às possibilidades intelectuais do ser humano, visto que não estaria ~;' cias naturais e revelou sua utilidade na fascinante riqueza de novas "descobertas". Em cone-
xão com o interesse despertado nu~ aproveitamento (também eçonõmico) da natureza, esse
condicionada a qualquer sistema de leis. 0:>nsequentemente, as descobertas científi- !)eDSilroento fomentou, todavia, também o desenvolvimento da mentalidade de exploração e a
cas feitas através da observação não teriam nenhuma força de expressão na área da · crença no progresso do ser hwnano moderno. Essa tendência, radicada na consequência do
verdade (fundamentada bíblicamente). Os adversários eclesiásticos de Galilel acredita- antropocentrismo, cresceu na mediqa em que se começou a duvidar, em princípio, de uma ori-
vam póder preservar a pretensão universal da \'erdade da doutrina bíblica pela simples gem metafísica da realidade, a qual[Descartes ainda não questionava.
rejei~o das desco~ científicas que conflitavam com enunciados bíblicos, como
A opinião de que o curso d0: mundo como um todo poderia ser explicado como 0
falsas; Em contrapartida. Galilei defendia a opinião de que, em face da racionalidade
respectivo efeito de causas reconhedveis levou também, na época moderna, a tentati-
do mun.do empírico, conhecimentos científicos permitiriam, perfeitamente, concluir
' vas de uma redefinição da ação de Deus no mundo. Estreitamente ligado à cosmovisão
pará a ª?º ~adora de Deus, que, portanto, tangeria"! a esfera de verdades te.ológi•
mecanicista de tradição cartesiana, Baruch de Spinoza (t 1677) entendeu a ação de
ca.s. A_causa para u contradições entre enunciados bíblicos e científicos deveria ser Deus.não.mais como interferência planejada (historicamente constatável) nos fenõme-
procu~da na respectiva linguagem distinta do "livro da Bíblia" e do "iivro da nature-
nosida natureza, e, sim, identificou a ação de Deus com as leis da natureza. Segundo
za": ~ ·~elhança de Belarmino, também Galilei apontou uma saída "hermenêutica".
Spfnoza, a ação de Deus não aqula a ordem da natureza, ela mesma é a vontade de
Nó-~o-XVII, porém, não houve a possibilidade de uma conciliaçãQ com Galilel, por•
Deus. Deus é uma "causa imanente, e não uma causa [transcendente), visto que faz
q~'. ~ ~~OiOI parceiros de diálogo liam, em grande parte, os enunciado4 teólógi-
tudo nele mesmo e nada fora dele mesmo, porque for.. dele não existe absolutamente
~tffll• dos ll.vros bíblicos como informação sobre fatos da ordem da natuteµ, nada" (SPINOZA, B. Abhand/ung 40). Com seu princípio, Spinoza pôde evitar que
~ . , pomn, por outro lado, a consciência de que a intenção dos enunciádos

179
178

/
r v. LJUU I HINA UA GRIAÇAO 3. Abordagem histórtco-dogmá11ca
·-~ ..

Deus ~e tomasse um mero "substituton, que sempre se aprese~ta quando os fenôme- quis conceder ils suas criaturas a maior perfeiçllo possfveL Para isso, por4m, t,v,
nos nao podem ser explicados naturalmente; ao mesmo tempo, porém, surgiu o perigo que conceder-lhes liberdade. Em fac, da multipliddade d2 sequlndas de ~ço·~itct•
de afirmar com isso a necessidade do que existe efetivamente. Essa interpretação de- me/'l.tos possfveis, que Deus conh~ce lamb4m quanto aos males associad<as. «_~,
tenninista não convenceu sobretudo aqueles pensadores modernos que perguntavam Ele escoiheti um mundo que, entre os mundos possfvels, 4 o melhor. ·,, , -:: .<j,
1 • , • ',!'.
pelas causas da evidente imperfeição da realidade e,mpírica. Ateodiceia de Leibniz (especialmente na forma documentada p<>r Christfatj:~clff
[t 1754)) foi aceita, em grande parte, com agrado e reconhecimento pelos mcf~tosdo
3.3.3. Teodiceia filosófica tempo do Iluminismo. No lelJ)a do •otimismo" de Leibniz, que se apoiava no dlicúr10
do mundo existente como o "melhor" (oplimum) de todos os mundos possN~lá,~ o- ·
A pergunta pela origem do mal e, concomitan~mente, por um possível sentido,
rém, em breve também concentrou-se veemente crítica a essa conceituaç!o. .
por uma razão do sofrimento experimentado certamente comoveu os homens de to- • 1 '' )

dos os tempos. Em sua variante especificamente mq<tema, essa questão se apresenta Em face de um violento terremoto, que abalou Lisboa em 1755 e que custou a.'Vi~~itnó-
como a problemática da teodiceia: a teodiceia filosófica tenta uma justificaç!o a ser mer~ pessoas, Voltaire (t l 778j escreveu seu romance CIJndide, ou l'optlmi.sm,, no qual q~II .11 ,

lmr ao absurdo, na forma de sátira, a teodlcela de Leibniz, a dem!ncla de afirmarfj~;twió;• ' '!'' ...
produzida pela razão, uma defesa do Deus acusado,·do Criador e Regente do mundo, l!t/ , ,•
bom, tamMm quando se vai mal. ·,.',~~ ;:
.
1o1 ......
cuja onipotência, sabedoria e bondade são postas em dúvida em vista da imperfeição , , . ,.,,, lCJ>I~>~
co~J~4Jp
• " " ,,; 1

do mundo dolorosamente sentida. A disposição de sentar a Deus no banco dos réus ,:, No plano racional.filosófico, a teodlceia de Leibniz pode, de fato, ser ' /•;""'"
~• ' , l f>
perante o bibunal da razão humana e a rejeição de qualquer tentativa dualista de atri- .: . uma tentativa impressionante no sentido de resolver, de fonna condudente,'11~0
buir a realidade do mal a um outro que não ao Deus uno, que age em liberdade, canc- ;- .racional a tensão entre a bondade e plenipotlnda dt Deus, de sua perfeiç4o '(Jf'!' li
teriza a teodiceia moderna. _. nhecida im~rfeiç4o. No conceito do mal apenas admitido, por4m, elajd tmo.q(a, , dl·
Essa recebeu sua primeira forma clássica nos escritos de Gottlried Wilhelm Leibniz reção para a nova fr,rma teoldgica de tratar o problema; na experilncia ~ d,
sofrimento, porém, ela não t! capaz nem de consolar 'nem de transmitir es,,-erlm ~
(t 1716), que em 1710 publicou seus Essays de TModicée. A tese fundamental de sua . . ·•5•-1 •
teodiceia é que, entre as possibilidades imagináveis, Deus teria escolhido "o melhor de ·· Também lmmanuel Kant (t 1804) considera a teodiceia de Leibniz um-emífr.éen•
todos os mundos". Leibniz rejeitou, por um lado, a interpretação detenninista do mun- dimento fra~sado - como todas as tentativas filosóficas feitas até agora nessa ·4dês--
do, segundo a qual tudo é necessariamente como é, e, ao mesmo tempo, opôs-se também tão. Ele argumenta: Todas essas tentativ~ acreditam poderem atribuir o múnêlo,
à ideia de que tudo aconteceria por mera "e&ualidade" (em linguagem teológica: por como ele é de fato, a um Deus responsável por este estado de coisas - a sua providên-
mera "arbitrariedaden). Em oposição a isso, Leibniz era defensor de uma causalidade fi. d;a res,ectivamente a su;a direção - quer dizer: acreditam poderem reconhecMo
nal, de um finalismo, de uma teleologia dos eventos dada por Deus ao mundo. como intencionado po.- Deus como ele t Com isso transc.endem a capacidade do co-
Sob as condições colocadas por Leibniz, o mundo existente é o "melhor dos mun- nhecimento (teórico) nos limites da esfera do perceptf'lel pelos sentidos: esse tonheci-
dos possfveis", porque foi criado por Deus, o mundo do qual a maior variedace po!sí- mento não pode Inferir do mundo percebido pelos sentidos um criacor como funda-
vel dos fenômenos se combina com a maior ordem possível Adiferencialidade do Cria- mentação desse mundo, nem pode descobrir no 1..-urso d, mundo uma razão divina pla-
dor de sua obra, na qual Leibniz insiste, revela-se num grau menor de perfeiç!o por nejadora. A crítica filosófica da razão somente pode levar à conclusão de que "no~
parte das criaturas contra o mais elevado grau de perfeiç!o realizado em Deus. Por- razão é totalmente incapaz para reconhecer a relação em que se encontraria-lHri mim- -
tanto, também el_e entendeu o mal, a exemplo de Tomás, como carência de perfelç!o, _,. do, como quer que o conheçamos pela experiência, com a suprema SaLedoria" (KÀNT,
não como uma realidade de qualidade ontológica própria. A imperfeição das c,:iaturas 1. M/ssli:1gen, 211). Caso se quisesse perscrutar o mundo como "manifestação divipa
é possível porque Deus admite que elas rejeitem o bem. Deus não quer a existência do das intenções de sua vontade", ele, não obstante, sempre permaneceria - para Ó.co-
mal, mas permitiu a possibilidade de seu surgimento por causa de um valor mais eleva- nhecimento teórico - um "llvroJechado"(KANT, l. M/sslingen, 212). Uma teodiceia
do, a saber, para poder conceder liberdade e razão à~ criaturas. "Por amor ao melhor,· ,1
•doutrinal" (conhec1?dora) é impossível: com essa noç!o, porém, apenas está criado o
Deus [.._.] também permitiu o mal. Enquanto, na verdade, não quer o mal físico positi- espaço para a "teodlcela autêntica". Ela atribui a realidade do mundo com intenção
vamente como objetivo, pode quer~o como melo - para t.este ou comprovação; e nial prdtica a um demiurgo moral e 14blo, para, deue modo, poder Ulá-la como upaÇQ de
moral, todavia, ele não quer nem como objetivo, nem como meio, e, sim, somente co, r,,alfzação para a autodetermlriaçlo do homem que aeaue a rallo pritfca. O homem
mo conditio sine qua non do melhor" (JANSSEN, H.G. Gotl, 29). Leibniz dcf1nd1u a que aie moralmente subentende que a realidade do mundo remonta a um demiul10
ideia de que Deus não ordena a hlsltJria universal de modo determinista, oorque divino moral e sábio, vfsto que somente assim ele pode crer na rea/lzaçtlo da razão

I
]80 181
C. DOUTRINA DA CRIAÇÃO 3. Abordagem hist6ríc0-dogmátíca
J
t 1110 alguns dogmas da constituição dogmática Dei Filius, do Vaticano I, se dirigiram
• P~ti~ - no waentldo" da moralidade (cf. KANT, I. Misslingen, 212s.). Portanto, ateo-
• dictla iütlnti~a exlQ• - e coloca c:omo postulado - a po111lbllldade da real11açlo de contra a comprecnalo heaeliana da realidade criada, ,.,ndo c:ontrovertldo ae nela a po-
ah;lo de Hegel foi Interpretada corretamente. Ne&ae contexto, porém, é importante o
• mor&lldadt ar,aar da Imoralidade efetivamente reinante, ape11r do "pendor para o
mal", da "p1rv1r1lo do, corações", na qual o• hom1n, •• 11,1J1ltam a m,xlmH Imoral• ' ,nunc.lado: O Concfilo enfatfu a dlftrtnclaçlo essencial de Deus e mundo, a livre ati•

• (naactdu do mero "pendor", portanto do cálculo da vantaQem). vidade criadora de Deus aem qualquer ndcetaldade, e a motivaçlo para sua obra c:rla•
dora caracterizada como "bondade". Rejeita-se a ideia de que Deus teria criado o mun-
•t_ _ Kant rutrlnglu-se, em sua teodicela, conscientemente a ttm tratamento li/oi;dfl-
co do malum morale, do mal existente por culpa do homem, enquanto um conheci-
mento,abrang•nte da intenção final de Deus lhe parecia impos.filJfl; du.,r1 moda,
1
do J)àra aumentar sua bem-aventurança, ou conquistar perfeição para si mesmo (cf.
eap, t>H 3002.3023-3025; ➔ Doutrina de Deus 3.7.).
t- - em 111/ima andlise, a compreensão do curso do universo p1•rma,1ece fora dt1 nlt•t1ttt'I! 3.3.5. Desafio à doutrina cristã da criação pela teoria da evolução
da raztlo humana.
-
~ -
3.3.4. Unidade dialética de Deus e do mundo
O surgimento e a crescente:consolidação da teoria científica de uma evolução
constatável em todas as áreas dos seres vivos (um desenvolvimento por meio de vari-
ação do existente) desafiou a doutrina crist! da criação a repensar radicalmente po-
~~ Distinguindo-sP. totalmente dos filósofos do Iluminismo, que enfatizavam justa- sições até então assumidas acriticamente. Foi com muita hesitação que a tradição
~ --
mente a difereQciação entre Deus e mundo, Georg Wilhelm Friedrich Hegel (t 1931), _ doutrinária da Igreja encontrou um caminho para associar a teoria da evolução de
sem dúvida o filósofo ma1s importante do idealismo alemão, empreendeu a pretensio- } : modo profícuo com a herança te9lógico-criacional própria. Somente após um perfo-
~ -
sa tentativa de fundamentar racionalmentP. a unidade dialética de Deus e mundo. O ' !tt'•. do de desastrada controu4rsia, que onerou profundamente o futuro diálogo, o de-
pressupostQ básico para a compreensão da ideia hegeliana da criação é o conhec:imen- _i; . ; bate entre cientistas e teólogos sobre as questões da evolução conduziu finalmente
~
~
~ :.
-
to da base dialética e da orientação antes de tudo trinitária e filosófico-espiritual de ,
seu pensam1mto (➔ Doutrinada Trindade 3.5.2; Pneumatologia 3.4.5.3). Segundo He-
geí, a existência da realidade criada, em sua concreção histórica, deve ser considerada ,,
3. ao reconhecimento de que o pensamento evolucionista (das ciincias naturais)
t não se encontra em contradição com a doutrina (teológica) da criação. Tanto os
( defensores da teoria da evolução daquele tempo, que tinham, na maioria dos casos,

,,
~~'
li;:
um momento necessário no evento dialético da alienação e conciliação de Deus consi-
go mesmo. "O mundo é o destino necessário de Deus. Isso signLfica autoesvaziamento
[...] para dentro do estar.fora-de-si da natureza e redenção dele no tomar-se-consciente
da unidade do espírito humano com o espírito em si" (KERN, W. Hegel, 58).
:; uma visao de mundo mecanicisti-materialista quanto os teólogos que, em virtude de
; uma interpretação historicizante' das nanativas bíblicas da criação, não conseguiam
,( subsistir nessa situação de conflitp, consideravam a evolução e a criação como realida-
.i des alternativas. A apresentação do motivo e do transcurso da controvérsia em tomo

E -
·•
·- .
. .
Hegel também entendeu a reconciliação do espírito humano com o es~í~~ divino
absolutl como um processo dialético. Isso lhe permitiu compreender a poss1bdidade do
\ do pensamento evolucionista oferece uma noção preliminar da problemática que deve
/ ser retomada mais a seguir(➔ 4.3.1.).
mal como wna "necessidade"; por meio dessa compreensão Deus fica livre da acusação Obotânico e geólogo Jean-Bapllste Lamarclc (t 1829) é considerado o precursor da teo-
J- :
t - ' de impotência e arbitrariedade em vista da existência do mal A teodkeia de He~el parte :• ria da evolução, que -todavia ainda na base da já antiga ideia de uma ordem •escalonada• dos

•J da pressuposição de que uma i-econdJJação do eu indMdual, do ~pírito humano, com o


· Absoluto e Bom. com Deus, somente é possível, se antes reinar um estado de sep~ção.
Visto que Hegel concebe o proces51) de reconciliação como um acontecimento em liber· .
-~seres vivos - defende a tese de que os oraanismos se adaptariam ao novo ambiente e que trans-
'.f mitlrlam as novas características adquiridas hereditariamente a seus descendentes.
O pensamento evolutivo-biológico alcançou sua forma de maior repercussão na

• dade, ele tem que pressupor que ó homem está em condições ao menos potencialmente
o movúnento de reconciliação, de permanecer no estado ~ ~paração. O ~ai
de cieijJ_
i obra do naturalista Charles Darwin (t 1822), (de boa formação teológica) que em
f - 1859 publicou seu livro: Origem das espécies no reino animal evegetai_ Segundo
•t n ~ o (apenaai potencialmente se torna atual, se o ser humano ms1ste em sua sm-
gú~ ~e,·sé ·resiste ao movimento em_direção de sua união com Deus.
\ _ Darwin, existe um nexo evolutivo ;entre todos os seres vivos pelo fato de as novas espé-
,;- eles no reino dos seres vivos se desenvolverem a partir das respectivas espécies prece-
, dentes. Como princípios ativos nesse processo ele menciona seleção e mutação.
•t · -A*ritativa~de Hegel de entender, a partir de seu conceito de Deus, tudo que é real
· eom,:.-nw:endo necessariamente no pensamento contradizia à n~o teológica da
,~ .fundamental, da necessidade do que existe efetivamente. Em úl~ àná·
J,I, duclS condições básicas da teoria darwinista da seleção são, por um lado, a pressuposi-
ção de um excedente de descendentes reinante na natureza e, por outro, a constatação de uma
t ,- ,.~poufvel expressar ineQuivocamente no pensamento hegeliano nem.a 1~ amplitude de variação dada entre os indivíduos de uma espécie. Segundo Darwin, as varieda-
.., ~rdttdtYfnaido Criador, nem a !nderivável ação redentora de Deus na história. Por

• 182
,83

• I
··..--~--·-
a. ADOraagem tilS10rtco-dogmatk:a
C. DOUTRINA DA CRIAÇÃO

em dúvida sem prejuízo para os fundamentos da fi cristã (d. DH 3514). O mesmo


Jjal-
melhores
des melhor adaptadas às condições ambientais têm maior chance de sobrevida e as na- zo foi emitido acerca da peculiaris creatio homlnl s (peculia r criação do h ~tP, r
promiss ora. Na •tuta pela existênc ta• se Impõe uma seleç!o
perspectivu de uma procriação Deus e da negação da formatlo prlmae mulierl s ex primo homine (formaç ão da:Prl-
As qualidad es resultantes da seleç!o são hereditá ria:;, são transmit idas à~ ge-
tural de criação.
rações subsequentes, até que, por fim, toda uma populaç!o as adaptou.
melra mulher do primeiro ·homem).
4 declaração da Pontiflcia Comissão Bfblica de 1909, com sua afirmação, rttro.spectlva•
Com base em reflexões já feitas no século XVIII; Darwin incluiu, posteriormente, ~
Em mente um tanto constrangedora, da historicidade das narrativas do Cêneae, ~ •
também o desenvolvimento da vida humana em sua conceituação evolutiva global. de, uma determinação interpret ativa, na medida em que, em l!M8, num texto d a ~ G:omll-
desenvo lvi-
1871 foi publicado seu livro sobre a Origem do homem, no qual defende o slo, afirma-se que à declaração "de 1909 não quis excluir outros estudos sobre o,problem
a.,em
mento da vida humana a partir da vida animal. Acreditava que a lei da seleção
natural
sobre questão (d. DH 3862-3864}. Essa tentativa de um cautelos o autodist anciame nto da poal*ou-
atuou também na evolução do homem - na formação da capacidade de andar trora assumida reflete, no mínimo, a virada na di5CUSSã o do tema entreme ntes verificada.
encontr ou rápi- '#,~
dois pés e das capacidades espirituais, p. ex. O pensamento de Darwin A discussão teológica somente pt,de entrar num debate objetivament~
mente Henry Huxley (t . ·' ·
da difusão e reconhecimento. Contribuíram para isso decisiva do com ateoria da evolução depois de se ter tomado possfvel - com ba#tít1- f1,gl'_J
.
apaixon ada e
1895) na Inglaterra e, na Alemanha, Ernst Haeckel (t 1919). Sua defesa
bfblica histórico-critica - uma compreensão adequa da da intençd o da,ç'.n ~ ~ ,
scer o incipien te conflito sobre a cos- pelo·p- -tfté·
antieclesiástica da ideia da evolução fez recrude bfblicas da criação. Um grande passo nessa direção foi dado, em 1943,
da evo-
movisão, conflito esse que não estava no interesse do próprio Darwin. A teoria Xllna endclica Divino amante Spiritu, na qual reconheceu a forma de exp
~. .
virada do século problem as de princípi o 1,;m i ~
lução causou à maioria dos teólogos da pecfflca dos docume ntos bfbllcos, conclam ando a estabele cer a intençã o db
atribuíd os, em grande parte, à compre ensão ·que se esp. DH 3826-38 30),. '~ '• ', '
vários sentidos. Esses podem ser
mente, ensi- .-. -por meio do estudo exato de seu genus litterarlum (d.
dos bíblicos sobre a criação que, suposta ções da endclic a Hu "
tinha naquele tempo dos enuncia
vida, meira concessão nessa matéria são consideradas formula
navam uma atividade direta de Deus no surgimento das multiformes formas de a por Pio XII em 1950, conq1..anto nela naturalistas crentes. ' .
f;··
,-: , neris, publicad I
recebem a permissão de examinar cientificamente a.teoria da evoluçlo com ~
constân cia das espécies criadas por Deus. Natural mente essa proble-
bem como uma
: com a humana ,,JJ.t)i;~ ,
mática se tomava mais aguda com visbs ao desenvolvimento da vida humana pergunta pela origem da vida humana. Com relação à criação da alma
ser qµ·
da singular idade se declara expressamente (remetendo a tendências de uma imagem dualista do
adoção da ideia da evolução parecia ter-se tomado impossível falar iuÍlét•
teológica do ser humano, de sua relação diretz com Deus, de seu pecado, de sua salva- mano): •animas enim a Deo immediate creari catholica fiáes nos retinere
tudo isso. Com efeito, os darwi- ordena ater-se à crença de que as almas foram criadas di-
ção e responsabilidade e que se tivesse renunciado a (DH 3836: "Pois a fé católica
em pr;ncfpi o ainda se
se te- ão para o diálogo
nistas radicais defendiam a opinião de que a tese da criação do homem por Deus retamente por Deus"). A importa nte disposiç
A perguii tà pelo poli-·
ria tomado supérflua. O monogenismo bíblico, a ideia de que todos os seres humano s manifestava, portanto, em forma muito preliminar e insuficiente. -
são descendentes de um casal de pais, ficou abalado . Embora o pensam ento evolucio - ·· genismo foi relacionada por Pio XII à doutrina da universalidade do pecadd hereditá
rava necessá ria a defesa do monoge nismo. Desse
nista não postulasse necessariament e, a partir da perspec tiva das ciências natur<IÍS , rio, para cuja preservação conside
ntar
uma concepção poligen ética, segundo a qual a vida humana teria surgido em épocas ,, modo, porém, ao menos deixou em aberto a possibilidade de também se argume
compre ensão
distintas e em lugares diferentes, ambas as perguntas estavam, nessa situação
históri- • em termos do potlgenismo, desde quE: com isso não se impedisse uma
relación adas. Sem o monoge nismo, porém, i.e., sem a pressup osição correta da doutrina do pecado hereditário.
ca, intimamente
o da Aprimeira tentaUva mais abrangente no sentido de uma recepção do pensam~pto
de uma inter-relação das gerações entre toda a humanidade, o discurso teológic ..
So- lo-
necessidade universal da salvação dos homens parecia não ter mais fundam ento. evolucionista na esfera teológica foi empreendida pelo jesuíta geólogo e paleontó
inici- .• dimen *{di·
bre esse pano de fundo pode-se entander perfeitamente que a teolc,gia se propõs go francês Pierre Tellhard de Chardin (t 1955), que via justame nte na
a5 preli• ení
almente a defender a herança bíblica, mas, naturalmente, as decisões metódic nãmica da cosmovisão evolutiva uma possibilidade para expressar em linguag'
, uma interpre tação lite• nova, mais adequada à sua atualidade, a ligação bfbllca e patriarcal entre a cristolo-
minares (a insistência obstinada num sentido verbal imediato
na ida evolu-
ral decorrente de uma compreensão equivocada do gênero literário , e presum gia e a cosmologia. Teilhard escreveu, em 1934: •creio que o universo é uma
não convenc em mais hoje: espírito . Creio que o espírito se aperfei-
historicidade das narrações bíblicas 4a criação) certame nte ção. Creio que a evolução vai em direção ao

o çoa no pe~soal - no sei' humano. Creio que o pessoal supremo i o Chrlstus•Unlv•r
No ano de 1909 a Pontifícia Comiss!o Bíblica publicou uma declaração sobre saiu" (CHARD IN, r. Tellhatd de. Glaub,, 116). Tellhard entende a história do univer-
caráter histórico dos capítulos Iniciais do Gênese, no qual o discurso bfbllco dll un//(JJ
um so como um evento teleológico, que leva a formas da organização da matéria sempre
generls humani (unidade do gênero humanc,) é designado expressamente como mais com11lrras e diférencladas,
us (sentido literal histórico ) não pode ser posto
discurso, cujo sensus lltteralis historlc

185
184
C, 00\JTRINA OA CRIAÇÃO
• 4, Reflexão sistemática

• Se11undo T1llh1rd, pode-se reconhecer, nesse sentido, foco& caracterl1tlco, no desenvolvi- to crlatico é de importância decisiva, pois "a Ele [...), por meio do qual também criou o
• mento em atrih • o alllr criador de Deu• "no principio" que possibilita a exl1têncla de algo
(c:rlaçlo); • formaçlo de eatruturas moleculares cria as condições para a vitalização do real
,,:,- mundo, constituiu herdeiro de todas as coisas, para nele restaurar tudo" (AG 3).
• (moleculartnçlo, vltallzaçJo); o desenvolvimento do cérebro possibilita o surgimento de vida O Concílio vê o valor e a dignidade do homem fundamentados no fato de ser ima-

• humana (cefali1açlo, homlnlz.:.çJo); a evolução codetermlnada hvremenle desde a aparlçlo do


homem atln,e MU auae na humanaçlo do Loaos, aendo que, por ocasião de aeu esperado re-
' gcm de Deus, que o capacitaria "a reconhecer e a amar seu Críador", e que se concreti-
., zaiia no domínio sobre todas as criaturas terrenas (cf. GS 12). Ainda sem grande sensi-
• tomo, atart atinllldo o alvo de toda a evolução (encarnação, consumação). '. bilidade para as consequências ameaçadoras da vida advindas da destruição da natu-

• . J~~~~er,,te em face ela dissecação da realidade, procedic'a pelas ciências naturais, \ reza pelo homem, os enunciado• conciliares sobre a relação do homem com o mundo
e,
~· documentam uma no proi&resto, naquele tempo em grande parte ainda irrestrita.
• em_uma Infinidade de eJemento_s, Teilhard con:Mcrn nece11:1ário recordar a orlQcm, o
me_10 e o ,,fim de tod? desenvolVIDlento: .para Ele, Cristc.: "o,princípio da consistência ~. _ Reconhec<i•se que "a figura desse mundo[...] está deformada pelo pecado" (CS 39) e
·1 que na consumação surgirá uma "nova terra". Isso, porém, não deveria ~diminuir apre-
•f::~
-· uruversaI , nele o uruverso subsiste, para Ele, o ponto õmc~a. converge o movim,mto do
mundo, Ele é o ChrlstusEvolulor. O pensamento de Teilhard estava muito na dianteira
de seu tempo e_foi visto, m':Ütas vezes, com desconfiança da parte oficial da Igreja. Seu
,;, ocupação com os aspectos ecológicos, ambientais, de uso e preservação desta terra" (GS
,: 39). Essa preocupação se realiza, segundo o pensamento dos padres conciliares, sobre-
k, esforço no sentído de associar a nova cosmovisão evolutiva de modo positivo à herança _:- tudo no "progresso terreno", no aumento da produção dos bens naturais e culturais (cf.

r-
~ - teoló_gica e sua redescoberta da dimensão cristológica da cosmologia merecem elevada , ~; CS 39). O trabalho do homem, sua atuação criadora no mundo, recebe, consequente-
cons1d~ção. Sua especulação cosmológica, considerada, em grande parte, como ... mente, uma apreciação condigna (d. esp. GS 34). Rejeita-se expressamente a ideia de
a-his~nca, no entanto, parecia meno& apropriada para exrre~r. de modo adequado, / · que "a criatura dotada de razão se opõe ao Criador como rival" (GS 34). Depois, se
o res1StenÚ: ~ realidade, de modo que se pergunta, com frequência, se o pecado, e concede às realidades criadas certa autonomia, na medida em que estas possuem "fun-
portanto a ideia da. redenção, encontra uma posição <ldequada em sua concepção. damento próprio, verdade, bondade, leis e ordens específicas" (CS 36). Com referência
expressa ao "caso Calilei", o Cono1io manifesta seu pesar pelo fato de que cristãos,
O Vaticano II não se posicionou frent~ às questões teológicas objetivas surgidas que não consiáeraram condignamente a autonomia legítima das ciências, deram a la-
com a teoria da evolução. No entanto, sua avaliação, em princípio benevolente e de re- mentável impressão de que existiria uma contradição entre fé e saber (cf. GS 36).
~ '
r- conhecimento da "transição de um entendimento mais estático da ordem da realidade
em seu todo para um entendimento mais dinâmico e evolutivo" (CS 5), ocorrida num A grande atenção que os bispos dedicaram às condições humanas de vida também
( passado rea:nte, pode ser tomada por uma conclamação a enfrentar as novas questões os motivou a emitir um juízo muito positivo do convívio social, sobretudo, porém, na
sem pre~nceitos. Um diálogo interdisciplinar também eséá facilitado hoje por parte ,. '; forma da vida conjugal e matrimonial (cf. esp. CS 47-52). A corporalidade e a espiritua-
t.. . ' lidade do homem são descritas igualmente como boas dádivas de Deus (cf. GS 14).

1··
das dências naturaic;, pois parecem renunciar a seu pathos cosmológico na medida em
que tomaram consciência da complexidade dos prob!P.mas e do grande número de per• O Vaticano II ocupou-se com algumas questões da doutrina cristã da criação no
guntas não resolvidas na área da. cosmogênese e da hominização. \ espirita de cortfiança nas boas dddivas de Deus, em amplitude aberta para o mundo e
,.._ ": com grande otimismo. Em face da preocupaçdo angustiante com a preservação das
3.3.6. Ênfases do Concílio Vaticano ll i possibilidades de vida de todas as criaturas, coloca-se hoje, com urgênda crescente, a
··_. tarefa de cobrar das pessoas sua responsabilidade pela preservação da cn·ação.
Embora noa documentos aprovados pelo Vaticano II não se encontre uma teolo-
gia sijteJDática da criação, pode-se reconhecer, em diversas passagens, referências às ..
'('

questões ~ quais uma doutrina aistã da criação hoje tem que dar respostas. A confi. s;- 4. Reflexão sistemática
ança nas forças criadoras do homeru, presente em muitos textos, associa-se, qos 4ocu•
mentos conpiliarea, a uma análise sóbria dos espaços de"vida do homem, nos quais de-
i:.: 4.1, Preliminares hermentuticos
ver!~ ser wssível experimentar o evento redentor concretamente. Essa perspectiva
histótjco-sa'lvffica concentra-se nos enunciados cristológico-criacionals do Concílio: ·) Uma apresentação da fé cristã na criação com os recursos metódicos da dogmáti-
a~_g~e esbitamente ao testemunho bíblico, Jesus Cristo é recordado como a "Pala• '\ cà hodierna visa, essencialmente, dois objetivos: ela quer manter viva a lembrança dos
Jril•~F,'Oeus, pela qual tudo se fez" (CS 38), como o homem perfeito, 'que devolveu aos , '.! conteúdos proclamatórios da doutrina da criação, preservados no testemunho bíblico
!i_!_lis>J.e ~ fll,bJa de Adão a imagem de Deus (cf. GS 22), e como "o alvo da hi11tória hu- e da tradição. Ao mesmo tempo, quer ser uma ajuda de orientação nas questões fim-
mana (GS 45), No "plano de Deus para a salvação do gênero humano" (AG 3), o even- darnentais e atuais que surgem com relação à existência e ao ser-assim da realidade

186 187

I
r v, VVV I Mll'IA UA vMIAyAU
. i

delra esperança" num mundo que se tomou tAo insalubre em consequ~da do pecad~ hâma·
4. Reflexão sistemática
, ,l

empírica. Identidade (relação com o passado) e relevância (relação com o presente) de no (cf. Würzburger Syriode, Unsere Hoffnung, I 7). O enfoque cristológico de ~-~ ~•u-
enunciados teológicos condicionam-se reciprocamente: somente se for possível elaborar cfa reflexão teoló,ilco-criacional até os anos 1970 do skulo XX se reflete. p. ex., tam~
ge11tão de Giuseppe Colombo no r.entido de modificar a sequencia clássica dos ba~~ ~".~º11-
a mensagem que os enunciados bíblicos sobre a criação querem transmitir e o conheci- m,uca católica, e tratar futuramente a doutrina da criação somente depois da cnstcl~gla (d,
mento da história da tradição como respostas às perguntas dos homens hoje, está asst•
COLOMBO, G. Theo/ogie, 61s.).
J
gurado que a mensagem salvífica a respeito da realidade do mundo, fundamentada na
plenitude de vida de Deus e que perdura em seu amor, permanece a mesma. o desenvolvimento de uma doutrina da criação mais orientada histó ri~~fflca•
; mente, que atingiu seu auge-nos anos 1960/19 70 do século xx; também~ .! ~~~º
O tratamento atual da temática da criação na teologia sistemática (católicá) reve-
de uma nova compreensão ("forçada" pelo questionamento da pQSiçãp, ·~ ·\ l'itlo.
~~J~!°" , ,.

la-se, numa análise mais profunda, como uma concretização da nova reflexão geral de
conteúdos e métodos da dogmática como ela ocorreu antes e em tomo do Vaticano JJ f transmitida acriticamente, por parte das ciências naturais) dos enunda dos
entendimento errôneo, { bre a criação, possibiJitada pelo empre.zo de métodos hJstórico-afticos na . ,,,e, ·. •·; ,.
(➔ Prolegômenos 2.2). Por correr o risco de um possível bíblica da e i. ·, 1 ~
estrutur almente semelha nte, com a escatologia cris- Pois justamente neste contexto se evidenc iou que a doutrina
como acontece também, de modo os e soteriol 6gi_~ ,~ ,::;,, ..:,., ·
protolog ia acentua com mais ênfase, em tempos recentes, sua rela- ·· tem motivações e interesses cosmológicos, e, sim. teológic
tã. também a cristã
no muitf e, ] '
ção com o presente: ~im como estamos diante de um entendim ento errôneo da e:;ca- tos bíblicos querem dar testemunho da fé do povo na aç!o de Deus
tologia quando esperamos dela mera •informa ção" sobre aconteci mentos esperados . . do mundo, !! querem louvar a esse Deus por seu cuidado de todas as s~tffi~
para o futuro, vale analogam
•no principio
ente
" do
a mesma
tempo. Nem
coisa para
escatolo
a protolog
gia, nem
ia em
protolog
relação
fa
aos
enten• \ . Sobre a base desse importante esclarecimento, aconteceu, já desde Ó~,·;,. ,.,âj
aconteci mentos ~ dé
dem as •verdades", reveladas racionalmente por elas d fé humana, como separadas } ·1980,·uma mudança significativa na reflexão teológicoaiacional: a "crise ecó.l~gi 1
da situação saluífica atual de seus endereçados. Ambas querem encorajar a uma · · sobrlNivência", cada vez mais aflitiva, também confron tou a reflexão com
ii~ijitá i:~• .
em curto espaço: de tempo, grande a ~i~. f i~e~ .
existencia crente, na confiança de que ela est4 envolvida e é sustentada, desde sua fas e conferiu à doutrina da criação,
s 4ticos da ~ão
.... ... ,n:'t \4:t"
na.li, ~ ~~
f.,.

ração em aspecto
origem, em sua realidade histórica e em seu fim, pela ação salvífica de Deus. Juntamente com uma sensível concent
f,
ra de data mais recente, modificou-se também o "çlima" no diálogo interdisciplj~~9
Um segundo fator comum com a recente história da reflexão escatológica, que deve parceiro s requerid os na luta conjur.t a pela-co. f filf'
ser mencionado, é o enfoque cristológico da doutrina da aiação dado especialmente na
teólogos se tomaram, mais e mais,
dação de uma consciência ecológica dos problemas. Cabe sobretudo à ética cristã,-.,.,
primeira metade de nosso século, tanto pela ala evangélica quanto pela católica. a·
refa de f.mdamentar a exigência .de uma mudança radical de comportamento; sem
A compreensão do evento crútico como fonte de conhecimentos, a~
e centro da ação qual a superação da crise é inconcebível. . ·
saMfica de Deus, levou, na •teologia dialética", que remonta essencialmente ao sistemático
evangélico Karl Barth (t 1968), a uma rejeição consequente de qualquer tentativa de uma "teo- A consciência das condições ecológicas da terra, que ameaçam toda a vida, tam-
logia natural" e a um discurso sobre a criação de forte cunho cristológico. Também do lado cató-a bém influencia o método é o conteúdo da teologia criacional: nessa situação se faz ne-
lico multiplicaram-se as vozes que (não por último sob a impressão causada pela cristologi cessário um esforço ,lUt: trabalha na base do diálogo interdisciplinar e de orientação
cosmológica de Pierre Tejlhard de Chardin (t 1955)) pleiteavam um reavivamento da cristolo- ' ecumênko-unlversal, para preservação da possibilidade de sobrevivência. Em face
da
gia bíblica da criação. Karl Rahner (t 1984) já discutiu, 110 início da década
de 1960, a questão icas, políticas e religiosa s da situação de crise, so-
o evento crístico sob a pressupo sição de uma vi- concomitância de ~usas econôm
de como deveria ser entendido teologica mente r
mente um esforço comum dos jiversos grupos sociais tem perspectivas de prov'ôçà
são evolutiva do mundo (cf. RAHNER, K. Christologie).
uma mudança de consciência. Todas as religiões mundiais e também as religiões natu-
Com seus enunciados cristológi~adonais, o Vaticano li atacou temél$ essendalA da rais em suas respectivas circunscrições locais têm uma "interpretação do mundo",
té-:
discussao teológica daquele tempo (cf. LG 22.62; GS 22.38.45; AG 3). Em decorrência do Con- matizam a relaç:io entre o divino e o mundo. Uma concent ração nesse question amen-
olio: foi elaborado o Crundrlss einer heilsgesch,chtUchen Dogmatlk (Compêndio de dogmátf. to no diáloiio ecumênico inter-reliatoso poderia contribuir para uma ampliação in~r-
ca h1stórlco-salvffica), à disposição inicialmente na obra de cinco volumes sob o t'tulo Mpslerl•
um Salutis (1965-1976); esta obra trata a criação como Minício da salvação", que culmina
n~ cultural da crescente ocupação com questões teológico-criaclonais na área ecumênica
qu! consta no volume 2, compreen de-se como apreten- mundial crista. Uma primeira tentativa de ábrangencia mundlal neue.sentido aconte-
evento a;!'tfco. A doutrina da criação~
taçao d~ história salvífica antes de Cnsto . O evP.nto crfstico se toma, por.anto centro e ponto ceu no processo conciliar de comprometimento mútuo com justiça, paz
e preservaçao
de partida de todo labor teológico. · ' da l.Tlação (➔ 1.1.), '
. O Sínodo Conjunto dos Bispados da RFA, de WQrzburgo (1971-1975), tematlzou a ti na .. <}uanto 1101 conteódoa da doutrina da criação, cabe-nos, no pano de fundo da situa-
cnaçao em sua confissão da esperança somente depois de ter recordado Jesus Cristo, a Mverr.la• ,. ção atual, a tarefa de repehsar a ação de Deus que gera (cria) existência e proporc
iona

188 189
, r·
4. Reflexão sistemática
C. DOUTRINA DA CRIAÇÃO ..

• (preserva) continuidade. Sobretudo os enunciados bíblicos e históricl)-leológicos so-
i .
i, lado a lado (e, neste nso, justamente excludentes entre si), e, sim, como dois enuncia-

~
bre a reapo_naabllidade do homem na preocupação com a preservação da criação de- :.4os que se condicionam reciprocamente, que somente se revelam nessa bilateralidade:
vem receber novo enfoque. A noção da dependência fundamental reciproca de todas " ;:porque Deus, como transcendente, não é um ente como qualquer outro, e, sim, radi-
-
;
as formu criaturals de existência mostra o ser hum;ino como enfeixado no mundo :":' calmente distinto de tudo que é, é possfvel conceber que Ele fundamenta todo ente
• de suu·cocrlaturu, sem aa quais não pode e:xistlr e por cuja sobrevivência (também) é ' •..' th modo causal, o libera para sua realidade própria justamente ao sustentar, vivifi-
respolldveL ?C(lr e consumd-lo de modo permanente no seu Intimo.
• . A tradição teológico-filosófica considera o discurso da analogia entis como ajuda
• 4.2. A açdo criadora de Deus f no plano do raciocínio para entender a simultaneidade de imanência e transcendência
• Uma i'eflexao teológica...da_açao criadora de Deus tem, cs:·cnclalmente, duas tare-
· · . de Deus: tudo que é é, tem caráter de ser. Deus é, e o mundo criado é. Comum a ambos é
l. o fato de "serem", porém, diferente, é o modo de seu ser. O ser de Deus é radicalmente
•L fas: por um lado, propõe.se a responder a pergunta por que não existe o nada, e, sim, a _
realidade empírica e reconhecida na fé como criação de Deus. Por outro lado, confron- ,:
ta-se com a pergunta como Deus é ativo criadoramentc. Uma resposta crente ~nto à ,:
; distinto do ser não divino, conquanto somente Ele é o ente "necessariamente", cujo ser
··: se fundamenta nele próprio, enquanto o ser criado é um ser permanentemente contin-
·:: ' gente, chamado à existência por Deus e que tem que ser preservado na existência. A re-
~
.....,, -pergunta-pela razão da existência do não divino quanto à pergunta pelos modos da
:: !ativa autonomia da realidade criada é possibilitada pela vontade de Deus de relacio-
• ação criadora de Deus é possível porque Decs se revelou como Criador de tudo que é
~-=~ '. nar-se. a liberdade das criaturas é uma liberdade possibilitada por Deus, e por isso de-
e capacitou os seres hwnanos para o conhecimento e reconhecimento dele mesmo. O
f~ ---: Vaticano I descreve esses nexos do ~uinte modo: 0.5 bens da criação revelam a bon- ,
7-pendente dele, concedida por Ele. Existência e transformação do ser não divino são
e'- possibilitadas por Deus. Do lado das criaturas somente se pode falar de liberdade e au-
dade do Criador. Oe\11 não age criadomnente a fim de aumentar sua bem-aventuran- ,,
t
1: ---
ça. nem para adquirir perfeição, e, sim, para revelar sua perfeição às criaturas (cf. DH :•
3002). Portanto, é a vontade de Deus de relacionar-se, seu desejo motivado por amor
> tonomia de modo adequado; quando também se considera que a liberdade da criatura
:~ é uma liberdade que procede da liberdade de Deus e permanentemente ligada a ela.
de conceder ao outro de si mesmo, ao não divino, parte em sua plenitude de vida, que · ' ; Deus concede a sua criação existência e subsistência. O discurso da imanência
~
b, fundamenta 1ua ação criadora. Deus não tem que estar ativo criadoramente a fim de .- dP- Deus quer expressar que Deus "habita·" em tudo que é, conquanto a existência do
~t vir a si mesmo, Ek o quer para qua o mundo tenha parte em sua vida. Somente na
ba.se da suposição da 11ão nece55idade. da contingência da coisa criada, pode-se enten-
" não divino não é possfvel de outro modo. Em sua imanência, Deus permanece 0
\. transcendente, distinto do ente individual, aquele que fundamenta o ser do ente ini-
~ -
der os testemunhos da Escritura que atestam o "interesse" de Deus no mundo criado, \' da/mente e permanentemente.
r-
Íf'
seu cuidado para com as criaturas, 1ua •compaixão• com os enlutados, sua procura de
caminhos da salvação. O Novo Testunento confessa a Jesus Cristo, o Logos divino hu.'
Cabe-nos, no que segue, desenvolver esse enunciado básico com vistas aos diferen-
r~ manado, como origem, subsistência e alvo da criação (cf. Cl 1,12-20). Segundo a con-
vicção cristã, o olha: para Jesus Cristo possibilita o conhecimento último da vontade
tes aspectos da ação criadora de Deus, sua atuação criadora, pr~servadora e diretora.

l de Deus com o mundo criado: o Deus triúno, que é para si mesmo origem, parceiro e 4.2.2. Criação "do ,1ada" - da píenitude do ser de Deus
t- comunhão, permite, por amor, que o outro de si mesmo tenha parte em sua vida.
t. .. A tradição teológico-doutrinária descreve a ação criadora de Deus com vistas à ori-
Expressão ll)áxima da vontade de Deus de relacionar-se é sua autorrevelação em Cris- ; '. _ge.m, ao surgimento de todo o não divino, como uma creatio ex nihilo, uma "criação do
.. to Jesuf, no qual renova sua~ e em cuja vida e destino se fundamenta a esperan- · 'l nada" (cf._decre~ do IV Concílio de Latrão [OH 800)) e do Vaticano I (OH 3025)). Com
ça cris~ de que Dem irá coruumar sua aiação. ·
1
,, essa tenrunologia ela faz afirmações tanto em intenção negativa (eliminando mal-enten-
• 4.2.1. I~ncla e transcendência
/ di~os da ação criadora) quanto positiva (descrevendo a ação criadora de D-eus): O pró-
. prro Dell.$, e nada mais, era e é a fonte original de tudo que é. De sua fonte de vida
• (1 ~ternunho da Escritura e da tradição confessa a Deus, o Criador, como .aquele i
{ l}~ce o 1er não divino. Deus não formou uma matéria (equiorigindria como Ele).
• que ·é';~o rilealllo tempo, transcendente à sua criaçAo (essenciaJmente diferente dela, · '. .·1 Odiscurso teológico da creatio ex nihilo tem sua história própria(➔ 3.1.2.), cujo c.onhe-

~ • t

nlo:apenu em IIJ'IU. opo1to a ela) e imanente a ela (ligado a ela no intimo, "um" com :.
'
-~ ~nfo revela a complexidade P. também a problemática dessa conceituação. No louvor bíblico
efa}: ·~ e,nunclado somente é realizável no plano racional, se a imanência e a tran. :. ..~? Criador, que chama à existência o que não existe (cf. 2Mc 7,28), está expresso o reconheci-
• ·• llte11to crente da arandeza e do poder de Deus. Desse conhecimento nasce a esperança dos
ce~ ~ d! Deus nlo forem entendidas como duas determinações que se ~ncnntram : .·. crentes de que Deus também irá mudar a situação de desgraça ora experimentada. Os testemu-
• .
• .;
190 191
• I

4. Reflexão slstemtuca
C. DOUTRINA DA CRIAÇÃO

r termo "criação": um evento atemporal não é concebfvel para a consciência humana. ~


., . 1

nhos protocristàos permanecem, inicialmente, nesse horizonte de compreensão, que foi ultra• dicionada a categorias de espaço e remr,o. No sentido de uma confissão de fé, por,ém, ?
passado somente a partir do momento em que pensamentos dualistas passaram a questionar a
concepção bíblica da "mono-originariedade" do mundo criado. Nessa situação de diálogo, o· \f" discurso da creatio ex nihilo quer transcender essa negação e apontar para a.,; posslblh•
discuTSO da creatio ex nihilo sofre um estreitamento delimitador-polêmico: o mundo criado e - ,;'. dades maiores do Deus eterno, atemporal, cuja plenitude do s~r abrange tu~o e•~ ,reali•
bom, pois Deus não está limitado em sua obra criadora por uma matéria (concebida como im- .t dade criada, empírica e conhecível revela sua natureza deseJosa de relacionar-se.
perfeita). Aresistência da realidade experimentada não pode ser interpretada como consequên- Uma tentativa de relacionar essas reflexões em tor'llo da intenção do discúr.so da
cia de possibilidades restritas existentes na ação criadora de Deus. creatio ex nihilo com as deSGObertas das ciências naturais sobre os acontecimentos no
O discurso da creatio ex nihilo é inusitado porque, ao usar a partícula ex- (de), su- 1-' "começo do mundo" pode contribüir para o esclarecimento da Intenção e cio alcance d?
gere inicialmente a ideia de um "material ji existente", negando-a em seguida justa- enunciado teológico. Na cosmologia moderna há amplo consenso de que os conhe<:1• ' -11
mente pela palavra nihil (nada). Desse modo esse discurso profere um enunciado pard mentos possíveis hoje sobre acontecimentos no universo empiricamen~·comprováveis
L0: ••il•-......i

e matematicamente descritíveis levam a con~uir que, há cerca de 20..biIB~ ~~ ~~s,


' '~ \J.Â
o qual falta qualquer analogia na área criacional. .,, 'I L t-'
, •11
Isso corresponde ao uso linguístico da Bíblia. que expressa uma aç1o do Criador semana- houve um acontecim~nto que deve ser entendido como com_eço,;como faísca llll~riie
logia, pois o verbo bara (criar, em hebraico) é empregado somente quando se quer denominar desenvolvimento posterior. Base para esse enunciado das aênaas é, so~retudo,J ~upo-
a atuação criadora de Deus(➔ 2.3.1.1.). sição de que o universo se expande a uma vel~dade ?ªº mais ;<>~cebível à cap~c•~a~e
O discurso da creatio ex nihilo quer expressar, em especial, a transcendência de imaginativa do homem, e que isso aoontece 1sotropicamente , 1Sto é, de mo_dp 1g~âl . ,,
Deus, sua soberana diversidade de tudo que é criado. Incluindo-se af o pensamento de . para qualquer observador, não importando a posição em que se encontra no umvmo.
que ex nihilo (do nada) quer excluir toda cocausaJidade não divina na atuação criad<> · os indlcios mais importantes au hoje para fundamentar essa.tese são o •efeito de .Jiubble"
ra de Deus, apontando, porém, com isso, para o ser de Deus como a única origem, a -t; (desvio para o vermelhJ) e a "radiação cósmica de fundo•. .~ .1"'44
._q,.
única fonte do ser não divino, toma-se evidente que nessa formulação está coexpressa
Em 1929 o astrõnon,o americano Edwin Hubble (t 1953) observou que as linhas e s ~
também a relacionalidade espontânea do Criador com sua criação; a criação nasce da da luz de galáxias distantes estão desviadas em direção ao final vermelho do espectro, n9i:n {n-
transbordante plenitude do ser de Deus. dice proi>orcional à distlncia da referida galáxia (quanto nláls distante, tanto mais ve~!ijio),
No entanto, também em relação a esse enunciado é preciso cautela em v4rios sen- independente da pcslção do obser~ador. Na cosmologia moderna, o desvio para o v~rme)fto
tidos: em primeiro lugar, a obra da criação de Deus4eve ser entendida como uma obra ., ainda é ampl;.mente entendido como embasamento da hipóte~ de que as galáxias se distancia-
que não se realiza por necessidade, cujo "resultado" não pode aumentar a plenitude ' riam, na forma de um movimento radical de fuga de qualquer posição arbitrária.
de ser do Criador, visto que, do contrário, a hberdade e a perfeição de Deus não estariam A observação da presença de uma constante radiação de micro-ondas (ainda inacesslvel
preservadas. Deus se toma criador de. pura bondade, doando desinteressadamente e até agora a ir.edições correspondentes) em todos os pontos do universo é hoje interpretada ge-
concedendo à sua criação autonomia (~entem ente dependente dele). O conheci- , ralmente como remanescência do estágio primitivo do desenvolvimento cósmico: os fótons sur-
mento da natureza trinitária de Deus, possibilitado por sua autorrevelação, entende gidos depois dt: cerca de 300 mil anos desde o inlào do universo {part(culas energéticas mini-
sua "autossuficiência" como fundamentada em wa relacionalidade interior, essencial, mas de radiação eletromagnética), considerados os causadores da constante radiação cósmica
que sempre abrange·o não divino. , de fundo, poderiam ser as •tei;temunhas contemporãneas• daquele estiglo de transição, no
:~ qual a densidade de radiação e d3. matéria Justamente havia alcançado um equillbrio, enquan-
Em segundo lugar, a "prioridade" de Deus antes da criação também não deve ser to, a partir de então, a densidade da matéria superou a radiação.
entendida em tennos cronológicos, visto que o evento da criação abrange o surgimen-
to de espaço e tempo, de modo que sequer faz sentido perguntar o que '1avia "antes" A constante e:r.pansão do universo observável hoje torna (retrospectivamente)
da criação. Como não houve um tempo em que Deus ainda não era criador, como provável que tudo Isso começoµ alguma vez, que, portanto, deve-se supor um estado
Deus é criador "em eternidade", a prioridade de Deus antes de sua criação pode ser Inicial, no qual as pré-formas da matéria estavam reunidas numa densidade máxima in-
concebida sensatamente somente como ôntka, não cronológica. Também neste ponto concebfvel. A tentativa, de rt>.sponsabllldade dos cientistas, de descrever o decurso do
o raciocínio humano não 111! depara com llmltea, vilto que em noasa concepçao o 11urg~ acontecimento Inicial, conhecl~ó. (e1't termoa coloquiais) como a "grande exploalo"
mento de algo sempre parece possível somente como uma transição (cronoló~ca) de (b/11 bang, em lnglêa), ae depai·a, ~vldentemente, com grandes dificuldades, visto que
um antes (ainda-não) para um depois (agora). no 11 ponto -zero" reconstruído deveria pressupor-se uma simultaneidade de densidade
material máicln11 e de volume mínimo, o que, porém, não se pode tornar lntellg(vel na
Como fonna concreta de um discurso apofátlco (de neAAç!o) de Deus, a doutrina ·1 base da«1 kit. r,aturnis aceitas como v~lldas. Por Isso se admite multas vezes, da parte
da creatfo ex nihi/o chama a atençlo para os limites do que se quer expressar com o I '. '

193
192
'+. n t:uc:Ai:tV .,,.,,c-,11a u1,,,a


► das clencias, que as primeiras frações de segundos da história do universo não podem Nesse sentido, "criação" e "preservação" são dois conceitos que descrevem realidades
► ser descritas cientificamente, porque representam uma "singularidade cósmica". não realmente diferentes, mas que, para melhor compreensão do que se quer expres-
Em penpectlva teológico-criacional, os conhecimentos clentflkos podem ser lu, aar, diferenciam a mesma realidade no plano do raciocínio: "preservação" . quer dizer

. .

terpretados do HQuinte modo: a cosmolojJla moderna conta, em ~r,mde parte, com "criação" com relação à duração temporal do permanentemente contingente. O termo
1 uma tvoluç!o cóamlca, que, portanto, também houve um evento Inicial que, em última "desenvolvimento", por sua vez, pressupõe a existência do contingente e descreve sua
1n~11 nlo pode ser compreendido pelas clini:iu (ao mwno1 at6 a,iora), s, ;, aqui modlfkação1 ,ua mudança, Somente o que é é mu~vel, Ne11e sentido o evento do de•
► po11lv1lmente a capacidade cognitiva do homem se depara com utn limite, a questão ,envolvimento nca condicionado à poulbllltaç!o divina da existência do que se modifi-
metaflsica P.m ai ainda nem foi tomada em consideração: enquanto II cosmologia sem- ca. Com isso a constante atuação criadora de Deus já pode ser entendida como condi·
• pre pressupõe a existênci? de "algo" em suas considi\r11çõ111 8i.>bre um poaaívcl trnns- f. ção para a possibilidade do desenvolvimento. Além disso, porém, surge a pergunta
► curso do evento inicial, a teologia pergunta p,,r l(lll: afinal t•,xísle algo e ntonatla, e da qual seria o modelo teologicamente adequado para uma possível associação da ação
)' própria da coisa criada e a ação criadora de Deus.
• responde a essa pergunta afirmando que IJeus criou ludo "<lo nada", que Eh-. cfP. sua
plenitude de ser, .chamou tudo do não ser ao ser, que tempo, espaço e matéria dc·vcm O conceito "evolução" é usado em contextos distintos. Com relação a fenõmenos
't2. -'
sua existê_ncia a seu querer espontâneo. A tentativa de colocar essa Mensagem em ter•
mos racionais permanece presa nas limitações da capacidade imaginativa do homem,
na esfera cultural, em política e economia, o discurso de "processos evolutivos" refere-
.,; se ao fato de que a realidade moldada por seres humanos se modifica constantemente.
~·::· No sentido mais resbito, o conceito da evolução biológica resume a descoberta das ciên-
~:'
p~..a qual o vir a ser não é concebível senao como modificaçãc, enquanto(", discurso
~ -
da creatio ex nihilo entende o vir a ser como uma simultaneidade eterna atemporal das nall1rais de que as respectivas novas formas dos seres vivos se desenvolveram num
~ em Deus. Em seus esforços de investiga,;ão científica do começo do mundo, sempre processo de desenvolvimento a ser concebido como ocorrido no tempo, por meio de aJ.
r-: concebido "no tempo", as ciências não podem superar o fosso metafisico, nem alcan-
çar o plano (teológico), no qual o mais importante não é descrever o "como" do curso
:., teração de formai; já existentes. A pesquisa da evolução também se ocupa com pergun-
.. tas que surgem quanto ao surgimento do cosmo. No que diz respeito ao conjunto dos fe-

~ ,z
do mundo, mas tomar o seu "quê" por motivo para louvar o ::::riador pela existência e
beleza da criação e por toda a bondade experimentada.
~-.' nômenos atualmente conhecidos, pode-se falar, em termos gerais, de uma crescente dife•
rencialidade e complexidade na esfera dos seres vivos e, visto globalmente, de um desen-

-
~
r=-,J
4.2.3. A possibilitaçáo cru.dora de Deus de ação criadora própria
volvimento constante do mais complexo a partir do mais simples, embora haja a necessi-
dade de modificar essa característica global em relação a alguns fenõmenos no processo
evolutivo. Ela evidentemente também não pode determinar com rigor cada um dos pro-

i-
fi:
O discurso da ação cr'.adora de Deus fah de sua atividade que proporciona origem
e duração, de sua ação tanto para possibilitar a transição do não ser para o ser quanto
para preservar o ser criatural. Também a atividade de Deus para a preservação do não
divino deve ser descrita como creatio ex nihilo, pois a coisa criada não é capaz de
' cessos que ocorrem nas numerosas transições no processo evolutivo a partir da perspec-
tiva das ciências naturais, isto é, no caso de uma situação inicial descritível com preci-
;.· são, não é possível prever os efeitos "necessários", nem definir as condições "necessá-
r':· rias" para o desenvolvimento constatado. O conceito da "~ut0-0rganização" do univer-
e-. manter sua existência por forças próprias, mas tem que :;er chamada, por assim dizer, so, usado pelos naturalistas nesse contexto, é uma tentativa de fazer jus a essa abertura,

~· constantemente por Deus do não ser ao ser. Com o conceito da creatio continua a tru•
dição teológica expre.ssa que Deus está em atividade criadora permanente e cons•
tante, proporcionando, desse modo, subsistência à realidade criada. Justamente,
pois é sua característica a ideia "de que, no campo intermediário entre acaso e necessi-
dade, de processos não determinados e que respondem a leis da natureza, o micro e o
macrocosmo se estruturam por autoatuação" (BOSSHARD, St. N. Welt, 12).
~ --: -
..,_._ considerando a duração, a subsistência e o desenvolvimento da., coisas criadas, a refie• Toda tentativa de refletir teologicamente o surgimento do ente existente haverá
""11"=::t~ --- xão .t.eológica tem, hoje, a tarefa de relacionar as descobertas das ciências naturais que perguntar, na base do avanço do conhecimento atual, se está tomando adequada-
~ - com_as intençõe& próprias dos enunciados. mente em consideraçlio o agir específico do já existente na produção do novo. Ao mes-
·- .
Nesse contexto parece inicialmente útil o pensamento de que as questões designa- mo tempo é preciso manter o testemunho bíblico da revelação do agir criador de Deus
►.. das com oi termos "criação", "preservação" e "desenvolvimento" são cada qual uma também com relação ao surgimento das formas concretas dos seres vivos. Por isso
·questão para si, mas que tambéw se sobrepõem; Deus coloca o contingente ~não ne• deve ser rejeitado como insuficiente um modelo filosófico, segundo o qual, "no princí-
• éeasárlo) no tempo e o consena no tempo. A própria conces~o de temJ>Qralidade ·- pio", Deus teria chamado à existência apenas um algo ainda indefinido, que, depois,
► C:Orndcondlção para o poder-durar do contingente é uma ação criadora deDeus, que 1'. desenvolveu-se por forças próprias. Essa concepção contradiz, além disso, de modo
• tém que acontecer sempre, para que o contingente não caia novamente fora.dQ.:tempo. . fundamental, o conhecimento teológico-filosófico da contingência permanente do não
t
l 194
195


• 4. Reflexão slstemâtlea

r d à · ºada origem, du-


divino, cuja existência está baseada na confirmação da parte de Deus, a ser renovada a também sua ação mantenedora e condutora: Deus conce_e coisa cn .
cada momento, de manter a relação com o não divino, de lhe permitir participar no ser ração e sentido (alvo). Em analogia à ne~ldade de relacionar a ~ e n t e = = -
dora de Deus para a preservação do não divino com a açã~ próp~ da ~isa ,. õea a
ge com relação à obra éondutora de Deus no mundo, a tarefa de mel~ nas ~
não contingente de Deus. Também a ideia de que Deus já poderia ter colocado um pla-
no nos inícios, nas ªcausas seminais" (rationes seminales), que simplesmente se cum•
priria no processo evolutivo (entendido como agir puramente criacional), fica presa a~o histórica da criação libertada por Iieus com liberdade e au~nomia. Com
rém vêm à tona as perguntas por que Deub concedeu às suas cnaturu ª ~ ~6
-~J:
nas amarras de um pensamento que reduz a atividade criadora de Deus a um evento
inicial imaginado em termos de tempo, não podendo, porém, com isso, expres5ar de de ~rverter a boa ordem da çriação e como trata os ef~itos d.:>s atos pe : ~..:, ~- .
modo adequado a concordância de Deus, criadora de existência e livre, expressa no A ação condutora de Deus do cur~ ~~ ~undo é tematizada. i~icialmen~~~-0. tí-
conceito da criação, com o que está surgindo concretamente. tulo "previdência". A irteia que se associa trudalmente com ~ênda a e s s e ~
Se não quisermos que a afirmação da ação própria dos seres criados seja feita às
custas da convicção da permanente ação criadora de Deus, é preciso descob1ir um mo-
delo de compreensão, no qual as duas forças atuantes não entrem em concorrência,
de um Deus Cjue planeja :,revidentemente e determina antecipadamenteº,.
indivíduo. E:;sa interpretação racionalista da ação ~e ~ que afirma a ~
de" do curso do mundo, é, antes. estranha aos e.;critoS bfbhcos. Em contra~
:u:~.,
~ !l,J . ~
, _ , _ , ,.
mas, pelo contrário, cada qual efetue o que lhe compete. É essa a preocupação do dis- temwlhada com clareza a condamação de atu povo no sentido de tomar ~o ~~~,,d, ,:_ ~:
curso sobre a •autotranscendência ativa da coisa aiada•, desenvolvido teologicamen- Deus que pode ser ex;,erimentado por sua ação na natureza e_ na hist6ria. ~ ~ I.Pll;. ,,_.
, ,,,. ' .. f
te por ~I Rahner (t 198:')· De acordo com ele, a atuação da coisa criada no processo vá-lo. A obra saMflca de Deus tamhffll estará presente em sua criação no ~ , .
cuidado dela. Nesse sentido a mensagem contida no-nome "Javé• já é uma ~~
1

evolutivo deve ser entendida como uma atuação própria possibilitada por Deus. Deus
capacita a coisa criada para modificar e desenvolver-se, sendo que o resultado da mo- confiança na atuação r.ompreensi'la e provedora. de Deus (➔ Doutri~ ··~~~ ,
dificação não poderia ter sido atingido pela coisa aiada "por forças próprias" visto 2.1.i.7.). Segundo os escritos bíblicos, a benevolênaa <!e Deus abrange os m~ osl
que toda coisa criada (em seu ser e sua mudança) permanece, a cada momento 'amea- ·a comun'1ão, sua vontade salvífica é simultaneamente individual e universal.
çada de cair no não ser, e não seria, se Deus não lhe desse parte em seu ser. A ~isa cri- Tomás de Aquino (t 1274) verbalizou de modo clássico, em suas reflexões sD1>r~ à
ada que se desenvolve "transcende", supera, em virtude da ação criadora de Déus no causalidade final na ação criadora de Deus, a convicção de fé de que Deus conduzin\ a
processo evolu_tivo, as próprias possibilidades e é agraciada por Deus com nova quali- criação a seu alvo, lhe concederá a felicidade na perfeita comunhão com seu Criador
dade de ser. Simultaneamente o ser criado deve ser concebido como ser criado por (➔ 3.2.3.2.). '.l'ambén Tomás não tem a visão estreitamente voltada à pergunta pelo
Deus de um _modo _tal que, potencialmente, permite um desenvolvimento no sentido
~r Ele deseJado, VJSto que efetua criadoramente todo o novo por meio de uma ativa-
sentido que pcderia ter, p. ex.,
um acontecimento isolado, experimentável histórico-ca-
tegorialmente, nó pensamento planejador de Deus. Muito antes, em virtude de sua am-
çao das forças criaturais próprias. Num processo criador permanente (creatio contí-
nua), a coisa criada é capacitada por Deus para aproveitar as pos.,;ibilidades nela co'o-
biguidade, os respectivos acontecimentos específicos fogem à possibilidade de serem
cadas por Deus e nisso "superar" ativamente as próprias possibilidades. ' compreendidos adequadamente em sua importância. Um saber seguro a respeito do
modo como Deus leva sua criação ao alvo ndo se pode adquirir a partir da percep-
O discurso_ teológiéo do"criar de Deus n~ coisa criada" (MOLTMANN, J. Gott, ç4o de acontecimentos concretos, ainda que a esperança da consumação da criação
~16! eª pesqu1.Sa do processo evolutivo pelas ciências naturais não têm em mente seja sempre de novo alimentada por um cumprimento sinalizador, preliminar do anseio
enomenos que acontecem em sequência cronol6gica, nem em fenômenos que por salvação. "Certo~ porque prometido por Deus e aceito por pessoas na fé, porhn,
sob pressupoSta s~multaneidade, se..excluem: Deus é criadoramente ativo em todo; é que Deus conduz o mundo ao seu.destino. Portanto, em última análise, o discurso
os tempos, capaatando o ente contingente por Ele mantido na existi 1,
da prertidlnda divina é uma confirinaçtJo•da vltdrla de sua vontade salvffica sobre
u~ autod';5envolv~mento, cujo resultado é algo inderivavelmente nov/~:~ :~::.
gwe1por ,orças crzaturais. ' os poderes do mal: uma vitó'ftitl'que,se,tórnou definitiva escatologicamente em Jesus
Cristo. Na Ideia da prevldênci·á~ohverge a·fé-cristã na criação, na redenção e na consu-
4.2.~. A ação (condutora) de Deus no mundo e a pergunta pel
mação: Deus não fràcaisara.c~ ~• uà•alaçao, embora se deva contar, no plano racio-
0 nal, com a J'Olllbllléfade,dl!)'• llt\iaulaeifécbarem definitivamente a seu amor, para que o
sofrimento da criatura
discurso da liberdade criitã'não fique deitituído de sentido.
o que se quer expressar com o dlacurao dl\ ação criadora de Deus nao ' .. ! 11 , '

nas sua ação doadora e criadora de


. origem, doadora e preservadora de dabrange ~
uração, mas
Com bueno que,fol~ltQ;.il,con,~,;eensfvel que o discurso da previdência de Deus
na verdade não que~ dl"t q1.1e De.ua se tome atuante "antecipadamente;, pára deter- '
I
196
197
4. Reflexão sist,emática •
• .,

• mlnadoa atoa humanos, mas antes que Deus providenci


qutn ciu da açao humana não ponham em risco sua vonta
e "a posteriori" que as conse-
'
Na teologia mais recente p~rcebe-se a crescente ten dIncra· d - se querer jus-
e nao
• gu,, naturalmente, Introduz, no plano do racloclnlo humade aaMfica. Esae enunciado - .
no, o fator tempo na ação de ,
tlflcar teologlcam1nt1 o lndlzlvil sofrl:ento da cr:7
s os tem-
;dde ::::; :/~:; ~~1: e assocl-
• Deua t que, por laao, só tem validade condicional -· conduz
ela da atuaçlo humana no evento salvfflco. Acas-;, Deus à pergunta pela lmportân- -:
pos, e, sim, em vez disso, sup;rtart: o1:':: ';!':: a solida
, ar-se ao lamento e il tristeza os a n~ ~ cristllos sabemriedade com os sofredores
• ae, em conaequêncla da pouibllldade concedida ao home
não fracassa, em última análl- '.
m de não querer aceitar sua ' ' e com os ameaç:idos pela m~rte n~~ : ~edímiu todos os que se encontram em co-
absurdos, aceitando-os, e
► prevldtncla? J4 em Agostinho está comprovada a ideia
de que Deuh ~om,mte põde con- ' ,; munhdo com Deus que, em es::5 . ~ da absurdidade de todo mal nos comove ao
ceder liberdade ao homem, e, portanto, arcar con: a pOS$ ': os tornou para.º bem. ~ recon ecu~en da criatura na medi
• do", porque ~ capaz de transformar o mal em bem: "Deu
s
ibllldade da •queda no peca- ·
jamai s adniitiril' a existência .
da do possível,
t esforço no sentidobde minorar o sotmpeen:gógico (pretensamente intencionado
em vez
por
•t 4_e qualquer mal, se Ele não fosse suficientemente poder
inclusive e mal em bem. Ele considerou
oso e bum para transfonnar
r de tolerá-lo com ase num provei
,/ Deus\ ou at~ pro: ~:ê: ~~;; :::~;:~ :~~: 1v':
. rendam
mim- mal nenhum" (AGOSTINHO, Ench.melh or fazer dos mate:; o bem do que não ad- ;
XI 3). As possibilidades de Deur efetuar a sal- ·
n~~ :r:~~ ~:;:~: :;ap oste -
? corlmie e, e, ~unà, dqes-1....r:1 do sofrimento faz com que inclus
ive o sofrimento ainda pos-
,, or. se opoe
••~: vação para sua criaç1 o sem dúvida sofrem limitação,
de~ o humana a favor do absurdo, mas elas não lhe
em determinadas situações, pela •
são tiradas. Em seus previdentes ·
'
. sa servtr P
...
. ara levar os~-v- '
homens à sua consu maçã o •
or Deus de que por fim, escatológica . m , .
(cf R 8 28) A possibi-

"cuidados de recuperaçlo" _do homem convalescente,


tudo ainda possa acabar bem para to-
•:.~ para o bem, revelada no evento crístico como realidade
Deus sempre intenta a virada '
escatológicodefmitlva. À per- ·
;, ~:d~ :~e: ,:;:: ::esperança escatológica, sem a qual
, r com a sofrida realidade e suas Injustiças concretas,se nos afigura im~~ss;el li-
~ gunta por que Deus concedeu a sua criação a possibilida
de de virar-lhe as costas e de ·; ~ero consolo para O alim, não pode diminuir o esforç mas que, ~o senti o. e um
o para amenizar o sofrimento
encetar por caminhos de desgraça, a tradição teolóp i;' p<1r meio de ações salulficas.
,ica responde apontando para o
amor de Deus. Deus cc,loca a coisa oiaJ a numa liberd
ade e autonomia (permanente-
mente dependente dele), ao invés de efetuar a salvação
de modo determinista, porque ( 4.3. O homem na criação
seu amor busca uma resposta espontânea. porque quer
"com1uistar~o homem. A bon- --:
dade de Deus, que se retira, cria espaço para a ação criatu Cada uma à sua maneira, as narrativas bíblicas da criaçã
raJ própria, no entanto, não · de fé de que a criatura homem está, por um lado, embu o expressam ª. convicção
se toma dependente dessa ação com relação ao cump tida de muitas_maneiras na res-
rimento da vontade salvífica de tante realidade criacional, e, por outro, també
Deus. Se, desse modo, pode-se tomar inteligível por que m é diferente dela em v1rl1;1de da respon-
Deus não impede o sofrimen- 1:- sabilidade por seus próprios atos, que lhe foi conce
to provocado pelo homem (malum mora/e), essa teodic dida(➔ 2.3.2.2.). Se Já a le~b ran~
eia fracassa em vista de fatali- ~ da elementar dependência do homem da criação não
dades, como doenças raras, p. e:x., e ca~t rofet da natur humana, de espaço~ de vida e ah-
eza (malum physicum) que .. mento, preserva de um antropocentrismo autoconfia
não podem ser atribuídas ~ mais nem menos à livre nte ':1ª contemplaçao do mundo
decisão da criatura. ·d
Analogamente à argumentação em tomo do malum moral .. ena o, também a lembrança da posição especial do homem no cosmo pode ser enten-
corre à liberdade dada por Deus à criação no caso do mafum e, Cishert Greshakc também re- dida como desafio para tomar consciência do que é propn , . d h
o o ornem co~ r~laç_ao - a
to teologicamente inteligfvel Conforme ele, valeria o
physícum para tornar o sofrimen- toda a criação. Por isso uma reflexão sobre a importânc
seguinte: "Um anteprojeto de estruturas ia do homem na cnaçao e um
de liberdade Já existe na evolução pré-humana do mundo, ; serviço que se presta à criação.
apre;;enta como definido e determinado, mas se desdobra, e isso justamente onde ele não se
jo&õ-!la,s-força.'I, onde o acidental sempre de novo rompe o de moJo comprobatório, no livre
neces
umá 6~ para.entender o fenõmeno do sofrimento, da desint sário. Essas objeções oferecem 4.3.1. Hominização evolutiva e criação do homem
da renitêncià•do mundo. O fato de existir algo como
egração, da conta que não fecha,
câncer, doenças provocadas por vírus, cri• Já desenvolvemos o enunciado básico de que o que se
anças ~#o~ ,,aci dent es, enchentes e semelhantes é uma consequência necessária do fato expressa co~ "e~olução" se
encontra em dois níveis, de modo que não existe ~ma rel~çã
o de co?c~rrenoa entre ~ -
áe;J' tvoluçãó k processar como anteprojeto de liberdade,
não determinada, não necessária, bos (➔ 4.2.3.). Esse enunciado é próprio para _evitar ~oJe
·i:iáe:~ ...-ajm;-no jogo, .aperimentando pouibilidades, no controvers1as que se haviam
acaso• (GRESHAKE, G. Prels, originado sobretudo na pergunta pela fonnaçao da _vida
43~ }~9 1 ~ru humanos que sofrem sob os eventos aqui hum ~a num p~ocesso evol~-
tivo (➔ 3.3.5.). A Ideia de que a vida humana pode~a
i9.w·1 r, ,ÇOJllO_
mencionados, essas observações ,
Íldoru. Elas que~em chamar a atenção para o fato de o déstin
esw. ~ ao ,evento !21obal maior, nw são entendidas o dos ln~fduos _._í as" animais num processo evolutivo histórico pareoa
te~-se de~vado de formas prév~-
por em nsco o testemunho bíbh
p q erradamente quando.apreãentadas ' co da criação do homem diretamente por Deus, bem
tM-.r o aofrimento experimentado.
_ -= ~omo o tes~emunho da descen-
, • ,"l.t../.._ . -·. ,_ dência de todos os seres humanos de um casal. Além
• • • ~:--~ , .-: ·'!_'.. disso, parecia, consequentemen-
-!:••*if;-
196
199

/

6t. nUIIGACIU OIO•.DIIIOIAICI
- . - - - ••• •• - • - · • - · •·• "Tº •-

te, pôr em risco a doutrina cristã da redenção, visto que Jesus Cristo é o "novo Adão", •0 maior mistério científico" (BRESCH. C. Alpha Prlnzlp, 79). A respeito do que se
que liberta da maldição do pecado que tem sua origem no "primeiro Adão" (cf. Rm f quer expressar com "vivente", descritfvtl como matéria capaz de me~!i5 ~ (aut&
5, 18s.). Alguns teólogos procuram hoje com maior intensidade o diálogo com biólogos preservação), reprodução (multipliação) e mutação (mudança herec!i~ ); ~ se
pode conseguir amplo consenso. As ophiões sobre os critérios que pemn~ ~ de
e paleontólogos justamente com relação à pergunta pelo surgimento do ser humano,
para poderem formular enunciados bíblicamente fundados, especificamente teológi- vida (não mais animal, e, sim,) humana são.muito divt:rgent~. As de.~b~~ ~tque ~
tão à disposição da paleontologia são, além disso, antes "fotografias ms:I "' ·~ e
cos, sobre a origem e a essência do homem, sem entrar em contradição (evitável) com . sem la~as a evolução dos prima~ até o homo · .... ... , , Iao
não permitem traçar
descobertas insofismáveis das ciências naturais. Aliás, também nesse contexto st com• ta;nbém para important es ~ evoluttvas no chàmado . ,• po d~
vale justament e
prova que o enunciado teológico não se pode perfilar apenas pela delimitação em rela- _Mi"!~
transição animal-h1Jmem", cujo início data de aproximadamente 60 an01
ção a teses das ciências humanas, mas também pode recorrer a elas de modo proficuo. n~ •pápo
atrás e que, no mais tardar, há 250 mil anos alcançou, com o aparecime
Assim, p. ex., o discurso de um "princípio antrópico" preestabelecido na evolução, homo saplens, um estágio que nos dá o _direito de faJ~ de vida ~umana. ~~ • .,.. ,
defendido entre os pesquisadores da história do mundo e da humanidade desde os ções feitas no plano das ci!ndas naturais não estão em contradiçã~ co~~~P".~ttl~.~ ,. :.
- ;-~ ~ '.
anos de 1960, presta-se para apoiar a cc,nvicção de fé de que o surgimento da vida não

-$~- •·
são teológico-filosófica da atuação criadora de Deus, pela qual a coisa CFJ ,,
t." • · ··
=· ~ -

se deve a um acaso, mas está fundamentado na vontade criadora de Deus. tada para uma "autotranscendência ativa" (➔ 4.2.3.): Na criaç4o do,'"!;., . t' . ,..
efetua uma açdo pi"6pria das criaturas, que excede e tramcende as , ,~d~·, ...
A "versão fraca" do principio antrópico, difundido iniàalmente nos Estados Unidos pur
Robert H. Dicke, quer entender a história do universo como uma história que tomou possível o h.-.,. n..s Ia -az4o t,ans<,nd,nlr, a condf~ ,,,,,. a
.~ .
surgimento de um *observador" com consciência humana. Enquanto essa visão se limita ades- no caso, de uma açao-,.
,voluçdo, na qual surgiu vida humana. Trata-se, .•· i

nao poderia ter , . . ·:


cobrir as condições necessárias para a formação da existência humana. a "versão forte" do verdaC:eiro sentido, porque o novo que surgiu, que SE. fez,
·
principio antrópico afirma que o universo é de natureza tal que tiveram que surgir seres pen- clusivamente por forças criaturais próprias, justament e porque e na medt(I;(~
santes, que sob outras condições não poderiam ter surgidt'. · atingiu nele um novo "estágio de ser". A declaração de Pio ~I _que, zm l9~01~~ ~'u
a criação da alma humana diretamente por Deus, em sua enáclica Human= · .1 .. . (d,
Biólogos e paleontólogos chamam a atenção de modo insistente para a enorme
profusão e complexidade de acontecimentos e constelações que contribuíram para DH 3896), pode ser as.sumida, co~ rel~ção ~o ~rimeiro ~'?to de vida h_ . -~r . .,~ •
confissão de uma direcionalida<le, não ocas1onal i~de do p11 . . ,;:/fêlU•
possibilitar o surgimento do homem. Modificações mínimas, não mais imagináveis gênese), como
em sua insignificância nos processos denominados *leis naturais", teriam determina• tivo, de uma intenção divina determinada no surgimento da vida. h~-~~
do o curso da evolução de maneira que, certamente, teriam impossibilitado a exi:;- do-se "alma" como conceito para o ser integra), tisico-espiritual do hoJD~ID, ~evi •
tência das condições necessárias para o surgimento de vida. Descobertas das ciên· tara impressão de uma divisão dualista em um surgimento do corpo h ~ , explicável
cias naturais, todavia, são possíveis somente na retrospectiva do que surgiu efetiva• meramente pelas ciências naturais, e uma ação aiadora direta (somente) com relação à
mente; uma afirmação segura sobre possíveis efeitos de outras leis observáveis que dotação do ser humano de espírito. Também na formação de cada vida humana (ontogê-
não das leis da natureza não é imaginável. Reflexões sobre o que teria acontecido se nese) deve-se admitir uma intenção divina, a concordância de Deus e sua von~e ~e re-
estes ou aqueles estágÍos do desenvolvimento·não tivessem sido atingidos !;Omente fa. lacionar-se: cada "alma", cada criança, é aiada diretamente por Deus, que capacita os
zem sentido sob a suposição de processos conhecidos e, por i5so, "previsíveis". Elas · pais ffslcos para a geração e nutrição da criança, Ele efetua sua ação sem restringir a Ji.
deixam espaço para o pensamento teológico de que Deus poderia ter escolhido dentre berâade e a autonomia das criaturas. Portanto, o discurso da •criaçt10 direta da alma
por Deus" pode ser entendido como conlissdo da relaçdo especial de toda criatu_ra huma•
as inúmeras possibilidades nas quétis eram dadas as condições para o surgimento de
vida humana. Em seus limites, porém, justamente a noção da vida humana, dependen•
na com Deus, possibilitada por Deus, baseada em sua vontade criadora de relaaonar-se.
te de inúmeras condições, ameaçada pela possibilidade do não-poder-tornar-se em es- A explicação da ação criadora de Deus como realização de sua v?ntade de rela~lo-
paços de tempo inimagináveis, pode fortalecer a consciência crente da ação maravilho- nar-se é útil também·em vlsta1 da-cornpreensão do evento da encamaçao: se o propnum
sa de Deus na criação do homem. humanum (o que é proprlamente'humano) consiste na capacidade CC!ºc~d!~! por ~e':!•
Do ponto de vista das ciências naturais, ainda não está respondida i,atisfatorla• ao homem de relacionar4'l~ lll'Íietfte-com Ele, é possível entender a Karl Rahner, que
mente a pergunta como pôde acontecer, no rroce110 evolutivo, a transição da m~n- entende I enCélmaçao, a hurnanaÇlo·do Logos, como uma revelação lrrcvol&ável do dl•
cia de uma (mera) matéria sem vida para formas vl.vu. Tentatlvu no sentido de peaqul• reclonamento da au~JnunlCJçlO de Deus "bem-sucedida" e perfeita para uma rea-
sar os processos necessários nesse evento sempre de novo esbamm em fatores inex• posta criatura!.
plicáveis, de modo que justamente os começos da evolução biológica são considerados
201
200
4. Reflexão slsti)'nátlca •·

caça~~:
to
1
iuo ae pode afirmar "que esse momento de Irreversibilidade dessa autocomunl•
rica de Deus, que ai está sendo revelada, expressa tanto a própria comunicação quan- Se a diferenciação da existência relacional do ser humano nas diversas formas de
dl:aua lceltaçlo. Ambaa as coisas estão contidas no conceito Jo men&agelro da lalvaç:io. Na me, aua relaç~o com Deus, com o mundo e consigo mesmo parece, inicialmente, apropria-
nimlem. que um movimento histórico já vive de seu fim também em seu decurso, porque sua dJ. ' · da para compreender melhor o que se quer expressar, uma análise mais profunda re-

= ca vila à meta final em seu verdadeiro ser, porque encerra em si a este como o desejado e 60- ·
~ente nele H revela propriament~ em aua própria essência, é perfeitamente justificado, Inclusive
ecesaúio, conceber todo o movimento da autocomunica<;ão de Deus à humanidade também
acontece cronologicamente antes deste evento de sua irrevogabilidade no iro'rtador da
, como carregado por esse evento, portanto, pelo portador da salvaçllo. Todo o movimen-
to desta história vive do che~ ao seu destino, ao seu auge, no evento de tl:a irre-,ersibllidade,
portanto, daquele que ~ o s de portador da salvação" (RAHNER, K. Christologie, 203).
vela que todas as diversas relacionalidades sempre estão envolvidas em cada nível:
Na questionabilidade de sua própria vida ameaçada pela morte, a capacidade do
individuo de confiar no amor de Deus, que socorre em toda a necessidade, e que tem
poder sobre a vida, não pressupõe apenas autoconhecimento e autoconsciência, ela
também nasce de experiências inter-humanas de ser aceito, desejado e amado, e en-
contra seu sustentáculo nos "vestígios" da admirável grandeza de .Deus, inteligíveis
Segu~do a co~vicção cristã, Deus revelou em Jesus Cristo, de modo ir"evogdvet por meio da contemplação do mundo. A fé individual em Deus está permanentemente
escatológic~efinitivamente, que o alvo da criação, sua consumação na comunhão . na dependência do testemunho de fé das cocriaturas humanas e se articula em louvor,
com seu Crzador, , atingfvP.l e serd atingido. Essa promessa em si "atemporal" ; agradecimento, prece e lamento na comunidade.
lad D à • , ,reve-
. a ~r. eus s~ ena~ ~~nas •no tempo", na vida e no destino de Jesus,-não di- · · Os escritos bíblicos entendem a relação dos homens com o mundo, sua condição
mmw a unportãncia da hiscona humana da liberdade, mas dá a certeza esperançosa ti de estarem opostos à criação não humana, comó ordem do Criador, que conclama os
de que para todos tudo pode acabar bem. Cada P.stdgio evolutivq no processo da hu- ·:_:. homens à corresponsabilidade pela preservação e o bem-estar de sua criação. Nesse
~naçdo de Deus visa a esta .como sua causa-meta, e adquire dela seu üalor pr6-
?
p~o. evento da autorrevelação de Deus no homem Jesus de Nazaré é, como aiento
.> sentido o "serviço" do homem prestado "ao mundo" também é sempre serviço a Deus,
i as possibilidades humanas para uma conformação do mundo em liberdade também
histónco, um momento ooncreto do processo evolutivo, segundo a convicção cristã, "': sempre têm limites que resultam da necessidade de ter (como Deus) sempre em mente
porém, um momento q1.1eabrange todo o desenvolvimento precedente e subsequente. ~: o bem-estar do todo. Dentro de limites certamente existentes, o homem pode criar seu
J respedivo ambiente de vida. Parcelas essenciais do trabalho humano podem ser en-
4.3.2. O homem como ser relacional t tendidas r.omo uma conformação do mundo nesse sentido, outras formas de trabalho,
Segundo o Wtemunbo bíblico, o ser humano, como uma das inúmeras criaturas _.; p. ex., os serviços sociais, realizam a preocupação humana com a existência das cocria-
de Deus, está inserido.de maneira multiforme no conjunto da realidade criacional mas '.:f l-uras, outros ainda, como as ciências, estão a serviço de uma reflexão da existência hu-
tem nisso uma importância e responsabilidade especial O relato sacerdotal da criação ' ~-: mana em passado, presente e futuro. Assim como o ser humano tem consciência de
expres:;a a dignidade destacada do homem através do discurso de sua criação como . f sua relação com Deus e de seu ser-próprio, também a tem da relação com o mundo, ele
"imagem", "retrato" d.! Deus, como "semelhante• a Ele (cf. Gn 1,26;;,), As interpreta- ;;'. a pode planejar prospectivamente e aprovar ou lamentá-la.retrospectivamente. Muitas
1it- ções da doutrina da imago (imagem), apresentadas em grande número na história da .{ ;,essoas percebem o espaço natural de vida como menos marcante para a prática de
. i'. · sua existência do que a união com o mundo dos semelhantes, nas relações com pes-
-~·
[,"~
tradição cristã, colocam suas respectivas ênfases próprias, que nem sempre se comple-
li!!!:. .
mentam numa compreensão global conclusiva. O contexto bíblico direto em que o ho- soas próximas, experimentadas como felizes ou dolorosas.
f= -- -
'~ mem "l·denominado imagem de Deus autoriza compreender o ser-homem essencial• A autopercepção do homem como ser corporal-espiritual, portanto, também sem-
~-,·-
1 . mentê'a,mo um ser capacitado a uma existência relacional A capacidade dialogal . pre histórico, manifesta-se justamente na experiência da comunhão inter-humana. O
i,,,,' ·. do _h~m~",' a( ~ressa, sua orientação para comunhão, é de ordem tal que o pró- ser-humano se realiza como ser-mulher ou ser-homem, o fato de os sexos serem cria-
t:.·, ·. prio h'c;,~m. tem consdlnda dela, pode dar-lhe formfl em liberdade e é responsável dos um para o outro encontra expressão simbólica na possibilidade da união, da qual
t .·_·_ par·~ .iEàla relaçio pode invocar a seu favor a revelação bíblica na medida em que a
oVop~d";reladonal de Deus, que fundamenta toda a relação humana com Deus está
pode surgir nova vida, na qual, portanto, acontece de modo eminente a ação criadora
criaclonal, a fecundidade criadora. Os escritos bíblicos, na verdade, enxergam uma ní•
t::~.:- qç~J~~ente na intenção radical de Deus de formar o homem à sua imag~m. A tida ligação entre a existência do ser humano como homem e mulher e geração e mul-
r ·-,
,..
l.ii,.L,
_re~~J.<>:,!l.q~ell) com o mundo, sua condição de oposto à criação,não humana, ex-
l>~-se.na çnamada or~em de domínio (Gn 1,26). O ordenamento do homem para as
_co~túrQS,lwm9nas existentes como homem e mulher, existente em unidade corpo-
tiplicação da vida humana, possibilitadas desse modo (cf., p. ex., Gn 1,28), mas o senti•
do da diferença dos sexos justamente não se esgota nisso, antes a capacidade geradora
bissexual se apresenta como embutida no molde maior de uma relação integral de par-

',,
"'-= . :~ ~P,irituàl, eati•enunciado em Gn 1,27. - . .. __ ceria, na qual cada parceiro e parceira é para o outro e a outra a ajuda correspondente
r·~ . ~~
202 r..• •
203

l,
, •
- - - . - - . .. · y · · -

a ele e a ela, para v· .


mulher o ser hum ive~~m uma vida humana digna (cf. Gn 2,20-23
). Como homem e
\ com wa terminologia - estJo preservadas nos escritos bíblicos. Preocu
4. Hettexao SISt8111811C1l

paç4o·c,ntral
ge rela~o e co ~~ e i;agem de Deus, retrato de sua natureza amoros
a que abran-
\: de toda nova tentativa de um tratamento teoldgico-sistemdtico desse comp(Fque a
o t,-
mun ao. egundo o testemunho
excl w'da quaiquer subordinação d ,
da narrati
-
va
. . .e um sexo a pretensao de poder e às necessi Com
bíblica da criar'lio está
,... ' ·
dades
< mdtico deve ser a de presemar o testemunho bíblico e enunci d-lo, qual sef.a;J:)-_
.i:divJna); 2) ...
.....4
do outr b a um dos sexos ·. origem do mal se encontra no comportamento humano (não na essêndr • 1 ,ii
o, em co_mo toda d1mmu1ção da dignidade concedida . · •;. que a liberdade do rer humano para o hem não est4 totalmente destrufda:p,c;i ntra
ie, n4o • 1 •
base nesse enunciado fundamental ·
.. '. porem,_permanece legítimo reconhecer os conhe- 1 obstante, 3) de fato todos os homens sempre tambhário, i sofrem derrotas na~lil1aco
caracte~:
cimentos d . .d
qum osJ:°r expenenc1a própna e por pesquisa científica, das respect
~ espec cas do ser-humano como homem e mulher , e defend er um
ivas
mo- \ a tentação para o mal Na ~mátk a do pecado heredit tanto as descobertàs·~a mais
o, que.se impµs&
1 ' ••
, ..:;
-j
delo de
ça dos sexos, que se vale dos atribut os , recente exegese históricoaítica. bem como as da pesquisa da evoluçã ~
ão da diferen stiça e
polanddadde para a descriç
específjcos e ca a sexo e os reflete. i rara progressivamente no s~etdo XX, obngaram a um reexame da doutrina ecleslá .
.- 1 •

dos que ela quer realmente exprP..ssar. O debate verificável desde os an~e
·,.:,, •,••,.._P4:~

· dós conteú .......,.,,4


Com sua figura inconfundível e seu aspecto es cífi d
1960 levou a noções no campo exegético e hermenêutiaH
logmático (-+ 2.3l>.l . e. - ... '4. •

o sua semelh ança exteri pe co, ca a P~oa existe como •~ ,.J,1o.." .. ....,
i 4
individ uo, no entant naturaisL~.f,e;, .·
3.1.5.\ que facilitar..m e!sencialmente um diálogo com as ciências
. .J ~...
Já aponta nitida-
mente para o fato de que toda pessoa é fund or co~s antepassado~ comportamen- históri co d~fµi,r6~4-, · ~ ..t . • • r

to e das decisões de outras So amen . ente produt o do ~história bíblica não quer descrever aconteclmentos;no início .~.re•· j ·f
de um opost i d ada ~ (l'~Qtj~ '- ' ..
o à
pessoas. mente a expenêncla
autoco nsciên cia e conhec imento d tu o na o_nna e humanidade; a narrativa do "fim" do primitivo estado salutar planej IJJ
('

tu leva o ser human expres sat',-,Ã 'MIIIU


não CXIste eu do por Deus, provocado pelo agir do homem, quer, muito antes,
toda PTno · - • do tu modifica a experiência do eu. Uma pessoa a rende .
---~i:iencia
autocoI1SCJente de sua relação com o mundo através da
O eu, sem

experiê ~ d "pe,ce
·'
pçao de um evento estruturado cronologicamente, que o a.,frimento experim efi~
r·~ ~ IQO•
•4
relacionam com ela, a_ amam' eln<1b. ... 'ti A ncia e que outros se dos os homens de todos os tempc,s não é a vontade de Deus para a criaçjo
~_.... e cn carn. o mesmo tempo se lhe toma possí- s da evoluç ão, tf01!qlt~ e
da disti - desor,era da necessidade de entrar num debate com os teórico 4
ve1~roteger-se da açao de outros, adquirir autoconsciência por meio na medida em que a doutrina eclesiástica pode ser preserv ada também sob-.tp ie'DH'Ha
~:uva de ou_tros. A_ autoconsciência assim constit uída, porém, depend e da possi~fu;a~:
situaçã o é u.m • tl~m l• 4
de modo compre ensível para outros , a fim da cosl'Jlovisão evolucionista. O que se faz necessário nessa
uma manifestaçao,_ ela quer _expressar-se do pecadq j
}l.f;l êd.l~o
s1 mesma . Toda manife stação do ente homem físico-e s ·. mento entre os meios de expressão e os conteúdos da doutrina
d_e pe~an ece~ consaente de to PI inten~ ~~~ -
ntual e comumcaça· .
o e, portan tid · •
, no sen o mais -lmp1o, linguagem: suas roupas, seu que se fixou de modo específico em Escritura e tradição e com uma
sobreµ i~p~ ~tlca
~paço de mo~d1a, seus gestos, seu jeito de ser e suas palavras. Portan
to, toda pessoa camente condicionada) concreta. Além disso, os teólogos tomam
~i ,tóáo
vive em r_elaçao com_ os outros; ao menos intenci onalm ente, procur a compr eensão e do pecado hereditário por motivo para exigir o questionamento n
existên cia. cial-pe ssoal, sua ~~~•.pro-
reconhecimen to, e DISSO descob re a fundam entaçã o de sua enunciado teológico com relação à sua função existen
unho da tradiçã o-~ <toutri•
rode enten- clamatória. Tentativas mais recentes de elaborar o testem
Ob_servando o todo da realidade do ser relacional do homem, não se na do pecado hereditárip destacam sobretudo duas intençõ es: no concei to dp "tlf~ado
por Del!S, como uma afirmaç ão da eman-
d_er o_d1~rso de sua liberdade pessoal, dada hereditário" enuncia-se, em primeiro lugar, a universalidade da necess
idade d• ,,.
e de todas as cocriat uras; pelo contrár io, ela
:ipaçao e mde~endência humana de Deus dençdo da humanidade, e, em segundo lugar, o enraiz ament o no todo de µmair,all•
l (somen te) ao homem em seu ordena men-
e uma concessa~ da ~utoafirmação possíve ho- àade insalutar, preestabelecida à decisão individual pelo ma, ao ato p~Jjt oso
r e a criação . A verdad eira liberda de do
to, em sua _ralaaonahdade com o Criado não se enc o~1 -
ação de sua pt.ssoal Universalidade e socialidade do pecado humano, porém.
m~m co~rste n? reconhecimento, na aceitação e consciente confirm item mutua.- a lado sem qualquer ligação, pelo contrário, a universalidade se fuom. enta na-~
existência relacional ~ogam ente._ à experiência que amantes se transm
indmijiual,
ade liberta para de do pecado, numa dimensão da pecaminosidade precedente à livre decisão
m~nte, também na relaçao humana com Deus a mais profunda intimid conliante- de miitis
a liberdade suprema, para uma vida fantasiosa, para uma vida consolada, ão
1) A universalidade da necessidade de redençdo do homem é expressa
de aceitaç prin1itl.voi'!
mente esperançosa, na certeza de a existência própria e alhe:.a ser digna ' formas nos escritos bíblicos. O gênero literário da •narrativa dos tempos
no Livro do Cên~ls aflrma·e:(lue:nele é·narràdo como válido para todas as aeraçõ
apesar de todas u adversidades. i!II.
stações sobru .
01 eacrlto1 veteru te1tam en~ôu ontlm um ..-.nde número de manife 1111 tutímU-
p,camlno1ldl4e de t&Hlo oOnet~~ humano, No lvan1elho 1e1und o Joio
4.S.S. UnfverNJfdade • aoclalldade do pecado humano ". Espeelal-
de hereditárl~., ~a nho I vertfl~velde :m ~o-.q o~tn do no dlac:uno do "pecado do mundo ão tem, so-
O discurso do "pecado original" de Ad1o e da "pecaminosida mr.nte no1 eac:rlto1 p1ullno1, o dlacuno da necessidade univer sal de redenç
etadas na fé, que _ ainda que n!o dos ju-
humanidade quer conceituar experiências interpr .bretudo, funÇcio cri11tolóitca: Jesus Cristo, o novo Adão, é o Reden tor de todos,
.. / --·.,·
204 205
4. Reflexão slste~

deus, bem como dos gentios. A exclusão da possibilidade de uma autorredenç!o hu• 2) Com o dlacuno da soclalldad, do picado h,r,dttario, no sentido de uma reali-
mana e, conaequentemente, o enunciado de uma dependlncla fundamental da lnlclatl• da4• "prê-peasoal", preçedente • decido pecamlnoo do lndMduo • q\le caraderlaa
• va divina para· a r,d,nçlo da hum1mldad1, rave!ada 1m J11u1 Crl1to, • a preoi:upaçlo eaía declalo, ae quer dizer o aell\,llnte: o lndMduo est4 llmltado em 1ua cap~e d~
da doutrina do pecado heredl~rlo de AgosUnho, de Martinho Lutero e também do escolher O bem, e!e é gerado dentro de um contexto de vida que, de fato, exclui a posst•
Concilio de Trento(➔ 3.1.5. e 3.2.5.). Mais condicionada pelas circunstâncias históri•
•billdade de viver sem pecado.
cas (sobretudo no caao de Agostinho) parece ser a aaaociação da teologia do ptcado
heredlt4rio à pr4tlca do batismo de crianças. Entendendo-se o dlacurso da pecaminosi- Sobretudo nos documentos veterotestamentários se expressa com clareza que o
dade heredlttrfa da criança pequena como tentativa para ex,unpllflcar no exb:emo que povo tem consciência de seu enredamento num contexto unive~ de desgraça, do q~al
a necessidade humana de redenção não depende de um1t declAlio pHAoal pelo bem ou não pode livrar-se por forças próprias. Especialmente o reconh~c1mento das conseque1;
das nccessariame:ite dolorosas de um ato mau que, como reahdade permanente, conti-
pelo mal, mas que, pelo contrário, justanwntc o enfeixa11m1fo .r,n lnl:er-relaça,_. 11:i~ ge-
nuam tendo seus efeitos posteriores mesmo quando o ato mau está perdoado, ~ da-
rações exige necessariamente a liberta~'.ãn de cada indivíduo da des~raça, cnt.io ·se
menta a convicção bíblica de que as pessoas individuais são geradas p~ uma realida~e
~e tornar inteligível como foi possível uma ligação d~ ambos os temas teológicos, não salutar. o Novo Testamento descreve a ação de Deus em Jesus Cnsto como açao
cuJa mensagem total, porém, é mais abran~ente em cada caso. pela qual se tomou possível uma libertaçã~ ~ amarras do -~d_o e da m~rte. Esse
A compreensão das narrativas bíblicas da criaçào, amplamente aceita com natura• evento redentor se toma realidade para os md1V1duos na participaçao_no d~tino de Je-
tidade até o presente século, il'lai-entendendo o que ali está escrito como relato históri- sus, efetivada pelo Espírito, cuja celebração simbólico-sacramental e o Batismo.
co, sugeria, em associação coa, uma exege.c;e análoga da teologia paulina, aduzir ades- Na tradição teológica se aduziu - na base de um monogenism~ defendido'. e~
1.=--c - cendência de todos os seres humanos de um casal (monogenismo) como razão para a grande parte, de modo acrítico, aparentemente legitimado pela Bíblia-, na maiona
universalidade da necessidade humana de redenção. Se, porém, for possível mostrar das vezes um nexo de geração que une todo o gênero humano para ilustrar um mal
t·· ~ que também se pode afirmar essa necessidade sob a premissa de um desenvolvimento pro?estabe'iecido, pré-pessoal. Em oposição a isso, fez.se, na teologia mais rece~te,. a
r- poligenético d.. humanidade, deixa de existir a necessidade de se ater ao monogenis- tentativa de entender o discurso do Concilio Tridentino de que o pecado hereditário
mo por razões teológicas. Pois justamente estudos que pesquisam o surgimento do seria transmitido non imitatione, sed propagatione (não por imitação, e, sim, por: ge-
·mal (p. ex.·,-pela pesquisa das origens da agressão) no contexto de fundamentação da raçAo [que estabelece o nexo entre as gerações]) numa perspectiva teológico-soc_ial.
teoria evolucioniata podem ~mar provável ~ difusão universal de um nexo de vida ex- Karl Rahner (t 1984) chamou a atenção para o fato de que as ações humanas pratica-
perimentado como desgraça. Todavia, a ,arur da perspectiva teológica é necessário das em liberdade se "objetivam" necessariamente, isto é, gravam-se, de modo perma-
compreender a origem do mal n1o como um evento natural, que acontece obrigatoria- nente na realidade categorial, experimentável no tempo e no espaço. Por isso todo ato
mente, e, sim, igualmente como uma ação intencional, que somente tem sentido com " mau ;produz" efeitos que transcendem o ato e que, como consequências doloros~,
relação.à.existência de vida humana. Portanto, no plano racional, o conceito do peca• rredeterminam a vida de outras pessoas. Foi, porém, sobr,etudo o teólogo holandes
do hereditário permG11ece necessariamente condicionado a um pecado que,já no prin- PietSchoonenberg (* 1911) que conbibuiu para uma explicação útil para a compreen-
cípio, concerne o principio da humanidade. Um princípio evolutivo para a fundamen- são moderna do que se quer expressar aqui. No conceito do "estar situado", ou seja,
tação da universalidade do pe:ado, como o esboçamos aqui apenas em tem1os rudi- ' da determinação constitutiva pela "situação", para a qual todo indivíduo é gerado ~
mentares, aliás também vai ao encontro de partes da experiência e interpretação não que é determinada pelas consequências de decisões pecaminosas de outros, conceb1-
europeia·.d'o mundo, que penetraram sobretudo na teologia africana na forma de uma <la..~ pessoalmente de caso em caso, Schoonenberg é capaz de conceber o envolvimen-
doutriní"~mlça do' pecado. _ to de cada indivíduo na realidade de desgraça do nexo das gerações como não apenas
... ''
Eri~dido como.ato linguístico, o discurso da universalidade do pecado e, por ex- biológico. Nesse caso, o discurso do pecado hereditário se refere à situação do ato in-
tensl~; ,da-nec~ida~~-humana de redenção, pode s~r entendido como um chamado à dividual em liberdade, que precede a respectiva decisão em liberdade e a "situa". Nes-
conv~ã~ c;ue, _na forma de exortaçlo, de advertênc~ contra uma superestimação au- se modelo de compreensão, o homem é visto como ser que vive necessariamente de re-
~ t elda;vont.ade humana para o bem, foi vazada em forma linguística, queren· lações e em relações, que, no processo de tomar-se ele mesmo, dep~nde de seus seme-
do;--~~ põ, apontar a direção para a realização de uma vida salutar. Entendido lhantes, internallzando seus modelos de vida, mas adotando tambem suas estruturas
dêiwttl~ )-~ énü~dado é, simultaneamente, uma promessa de que; em Jesus Cris- de comportamento pecaminosas.
··:- to,. ~ ~>aalvaçlô para todos, .uma promessa cujo efeito consolador já deve ser Enquanto Schoonenberg concentra suas reflexões em grande parte numa explica-
• ~~ -~~~~~d;':~~ e que será resgatada plenamente no fim dos tempos. ção do que se quer dizer com o conceito do "mal pré-pessoal" com relação a um desti-
·!. , - ~ . ~-
• ~~i-1~• .t 206 207

?º humano individual, sobretudo teólogos latino-americanos, mais e mais porém i · osucesso na vida humana, sabendo, pela fé, que u origens e a continuidade da aia-·
1g~~mente teólog~s europeus, referem-se à dimensão social das situações de Injustiça ( têncla 11e encontram na vontade relacional criadora de Deus. Além disso, ela eh~ a
ongmadas por muitos pecados pessoais, depois consolidadas nas estruturas cconõml- _::· atenção para a responsabilidade do _homem pela pr~rvação _do mundo, da terra:-é~ua
cas e políticas, que denominam de "pecado estrutural", sob o qual sofrem justamente ,_. natureza, da criação não humana, expostos à SWl influênaa. Ela também ~ a
o~ ~o~r_es. Na teologia feminista há opiniões que seguem igualmente uma intenção ( atenção para o conjunto dos espaços e tempos criados, que, na ver~~e~em qltlma
soc1oetica, quando apontam para as consequências dolorosas (para mulheres e ho- <; análise foge à capacidade imaginativa humana, mas que, nessa expenenaa.do ll~te,
mens) do patriarcado institucionalizado através dos séculos.
1
!, é significativo tanto para a confissão de DP.us quanto para a autoconsciência hµnt~
. r•
Essas reflexões sobre a origem e forma do mal pré-pessoal tomam a sério a dimen- Com sua ideia de que •a alma é, de certo modo, tudo" (anima qulJdammodo omnià), To- ·
são comunitária do ser-humano, como o envolvimento de todos numa comunhão de nw de Aquino expressou o ordenamento redproco do todo do mundo (omnia) para o es?fpto
destino, na qual o ato de uns não fica sem efeito sobre o fazer e sofrer dos outros. Ao inteligente. o homem possui a capaddade de entrar em relação (no mínimo no plano raaonal)
e~inar que no batismo acontece a libertação do pecado hereditário, a teoiogia cristã com tudo de que tem conhecimento e que lhe acontece, para tomar uma atitude e~ re!_ação a
nao afirma que as dolorosas consequências dos atos pecaminosos de outros doravante tudo para interpretá-lo como angustiante ou entlo consolador. Portanto, conhedine!lto 40
' sempre é um evento · • 1e, msso,
· ... ___._ P"'... a -n·ênda d,. Deus!· .,,J-l '~ ·t
não mais atingiriam a pessoa batizada, mas a sabe inserida numa nova realidade relacio- mundo existeneta a,.,.,, w ... .. _,,V , ~ '""_1;"(s•~'J.
. ·•,,·..
nal, na qual - orientada na vida de Jesus, no poder de seu espírito - é possfvel vida nova
salutar, que - como contramovimento aos poderes da desgraça - produz consequênciêl!i
No Credo Niceno-Constantinopolltano, que une as t'adições oriental e_ ~ ~~fA--~~-
crist!os confessam sua fé em Deus •que rudo criou, céu e terra, o mund~ VIS~ ~-1•;q_. ..·
salutares para todos e que tem garantido um final feliz. A Igreja, a comunhão dos batiza- sfvel" (r.f. DH 150). O.; documentos veterotestamentários (➔ 2.3.4.) acei~ ~.se
dos, é o espaço em que a vida redimida deve revelar-se concretamente. Como um ato que de maneira diferente nas diversas épocas históricas - a convicção, não qúf '
(eclesial) de linguagem, portanto, o discurso da socialidade do pecado como realidade no tempo bíl-lico, da existência e atividade de seres •invisíveis", de anjos e d .
pré-pessoal é, ao mesmo tempo, uma lembrança do envolvimento do destino humano in•
anunciam a Deus como Criador também do mundo invisível É Deus quem erfY!~~f,
dividual no contexto das gerações, e uma advertência no sentido de compreender a serie-
dade da deásão própria pelo bem ou pelo mal, saben<lo que as consequências do ato con- anjos aos hom~m;, para socorrê-los no perigo e garantir-lhes sua vontade salvífi~ i ~,
creto não serão sentidas apenas pelo praticante desse ato. Por fim, a promessa de poder que em Jesus Cristo venceu todos os poderes do mal escatológico-definitivame~ . ,'1:•:
entrar numa comunhão de destino com Jesus Cristo concede serenidade e alegria em Enquanto a linguagem figurativa da Bíblia foi desenvolvida ricamente na ~ ·· · .
face da salvação que, em última análise, não depende do próprio fazer, mas já foi con- litúrgica (especialmente de cunho oriental), encontramo5 surpreendentemen~ ( P:.
quistada por Deus de modo escatológico-definitivo como possibilidade para todos: cos documentos na proclamação doutrinária da Igreja em que se íites$'e referêftelá •
como redimidos, somos "<»herdeiros com Cristo" (d. Rm 8,17). consciente ao mundo dos anjos e demônios. O texto mais importante nesse sentido foi
redigido, em 1215, pelo IV Concílio de Latrão (cf. DH 800).
4.4. O (tempo do) mundo e sua consumação No jogo linguístico de um texto confessional, os padres conciliares formularam: "Cremos
., (...) que Deus é a única origem de todas as coisas, o Criador das (coisas) visíveis e invisíveis.;~as
4.4.1. O mundo visível e· o mundo invisfvel (anjos e demônios) ·~: espirituais e corporais. Em seu poder onipotente, criou, no princípio dos tempos. do ~ -cw,i·
.. bas ilS ordens da criação de igual modo, a espiritual e a corporal, isto é, o mundo dos a1:1Jps e,o
Oestranho fato de o termo "mundo" ser empregado de diversos modos na lingua- t mundo terreno, e depois a humanidade que, de certo modo, abrange ambos os mundos;,visto
gem cotidiana pode ser entendido como um indício para os vários níveis em q•Je experi- f que é constitufda de espírito e corpo. O diabo e os demais espfritos maus foram criados,bP.f!:5,
mentamos nosso espaço de vida: com6 designação da totalidade da realidade criada, de por Deus, segundo sua natureza, mas tornaram-se maus por si mesmos". ·
todos os espaços e tempos, o conceito "mundo" quase não se associa mais a qualq•Jer Amotivação histórica para essa formulação conciliar foi a controvérsia eclesiástica comt~s
ideia concreta. A concepção vai mais no sentido de considerarmos lugares e tempos da cátaroa, que fundamentavam sua conclamação a um modo de vida radicalm~nte ascético ronu ·
t.erra como nosso "mundo", projetar atlas mundiais e escrever histórlu do mundo. Fi- · doutrina de que aabnás.teria criadQ,o mµndo (mau), J,.aus, porém, apontaria o caminho para,,a
nalmente, o discurso do pequeno mundo próprio dirige o olhar para aa condJçõeu.'exi• . redenção, que aomepte aeri~ e")1U.C~~jd.q por meio de uqia renúncia total ao mundo.
gências do ambiente pessoal e, desse modo, vem ao enéontro da necaaldade de termos · Esse enunc~cfo. éó~fe~i1~-~1;,r,epetldo quase literalmente pelo yat1cano I (d, DH
uma visão geral de nossa situação de vida e de sermqs capazes de enfrentá-la. ' 3002), tem por o~Mlvo '?c~i~ !'? compreensão dualista das onitens da realidade
do mündo: "No prf~ l~ 'túatr~fltiom, poli tudo, o vlsfvel e o tnvlsfvel, foi criado pelo
Uma reflexão teológlc»crlacional do mundo faz referência ao, três níveiJ mencio-
nados: ela sabe que todo enunciado teológico visa, em última análise, a aubsistêncla e _Oeua ~no bom. T~dd-~~,,~r.ov4ln do comportamento errado da llber~ade criadL
1 •
1

208 209
C. DOUTRINA DA CRIAÇÃO
4. Reflexão slstemátlêà

Na bue do testemunho bíblico e sobre o pano de fundo da tradição doutrinária da . , perigoaa porque propicia a tentação de atribuir o mal em nosso agir à vontade de um
IQrtJa, u 1111ulnte1 obaervaçõea podem çonstitulr uma orlentaçllo bá1lca Inicial no 1.,
forço clt falar de modo teoloatcamente reapona,vel do "mundo tnvlafvel" no contexto :.
'., f aer nlo humano. 1110, porim, fu com que ae perca de viata o enunciado teolóQico da
1 llberdaJe humana pilra o bem. Entendendo-ae, porém, o diacurao da "per1onalidade"
da moderna expertencla da realidade: · · .: 'dos anjos e demônios como expressão da convicção de que sua atuação se manifesta-
1)-ôa testemunhos da Escritura e da tradiçã(.I sobre anjos e demônios, em seu todo i ; rlano~ se,es humanoE no plano existencial-pessoal, pode-se evitar essas dificuldades.
multo discretos, estao inequivocamente a serviço de uma definição mais clara da situa- : sj Jwtamente o caráter funcional do discurso sobre anjos e demônios, como acon-
çAo de vida do homem inserida num molde cósmico-universal: falam do acompé\nha- 1 ·, tece no t1Bt1munho bíblico, deveria levar-nos a tomar, também hoje, esses "fenômenos
• mento pela ·Mnção de Deus, ou ent!o da ameaça por parte de poderes do mal. Por 1110 •· , ; margh1nl1w d1 uma prática de vida em fé a aerviço da proclamação da mensagem salví-
todas as tentativas especulativas, que abandonam ei-se envolvimento e désenvolvem ''. '; nca crl11ta c,ntrnl: em Crl11to Jesus o poder e a fidelidade de Deus venceram todos os
uma "doutrina de anjos e demônios" independente, muitas vezes curiosa e amedronta- ' _'; poderes da~ trevas de ,,,, ,do escatológico-definitivo. Deus faz uso da realidade visível e
dora, devem ser rejeitadas como falsificação da revelação. ... _ .. ' ., .-invisível, para que sua mensagem sabífica alcance todas as criaturas.
Y. .
2) O discurso de anjos e demônios e do didbolos não fala de "deu!-es seci;ndá~ios" ; ..-r
. ou "~~de~es~. Segundo a convi~o judeu-cristã, também o mundo das "forças e po- ;, ? 4.4.2. O tempo do mundo como grandeza criada
~eres tnVJS.fveis ~ parte da ~ealidade criada. Existência, subsistência e atuação de · Segundo o testemunho da narrativa do Documento Sacerdotal da criação, Deus
seres esplntuals devem. por ISSO, ser entendidas como contingenciais, como perma- criou, "no princípio", sol, lua e estrelas, para separar dia e noite, luz e trevas, para ga-
nentemente dependentes da livre vontade de Deus de lhes concedP.r realidade. '- , rantir orientação no escuro e possibilitar um cálculo dos tempos, anos e dias (cf. Gn
3) Na tentativa de traduzir o testemunho da Bíblia para conceitos mudemos, é útil 1,14). A mudança dos tempos tem sua origem na ação criadora de Deus, tem a mesma
lembrara expe!iência de que a realidade é mais abrangente do que a totalidade do visf. origem que o surgimento dos espaços, do céu e da terra, da água e dos continentes. A
vel, empiricamente demonstrável Corresponde à ~riência cie muitas pessoas a afir- ,. . tradição judeu-cristã entende o tempo corno grandeza criada, da qual se pode falar
maç1o de.que existem "poderes e potestades• do mal (uma abnosfera da resignação e J somente com relação às demais realidades criadas, a seu surgir e desaparecer.
da desesperança, nacionalismo, racismo, alucinação de m:issa, "espírito do tempo"...) ~. Estendido entre um principio e um fim atemporal, o tempo do mundo é um presen-
que tentam e assediam os indMduos e os prendem em seu fasdnio. Por outro lado, ex• t te de Deus, no qual a realidade não divina, portanto, temporal, pode alcançar co-
periências libertadoras,·inespera.das,.que irrompem no dia a dia, transmitem a conflan- _; .'{ nhecimento de Deus e participação na vida temporal-eterna de Deus.
ça de que, em última análise, tudo aeria bom e estaria sendo guiado pela mão de Deus. ::
Não somente seres humanos e fenõmeno!; da natureza, mas t2.mbém coisas invisíveis e ·
,t Enquanto na tradição teológico-agostiniana se encontram precipuamente refle-
incomp~eensíveis podem, desse modo, ser experimentadas como "anjos de Deus•, '.
·;•ões psicologizantes sobre o fenômeno tempo(➔ 3.1.6.), preseryando, desse modo, na
':; memória a compreensão qualitativa de tempo da Bíblia (kairós, plenitude do tempo,
como men&ageiro1 de salvação. .

-~ --.-
~- ..
~ -
4) A pergunta ~la "personalidade" desses poderes espirituais se depara hoje com · ,
especiais dificuldades de compreensão, na medida em '1Ue (quase) sempre também se :
associa ao conceito de "personalidade• a ideia de um ser de autonomia individual, :·
.t tempo final), o discurso do tempo como grandeza criada recebeu, no século XX, um
,
!_novl) contexto pelo desenvolvimento do conceito de tempo da teoria da relatividade.
Assim, p. ex., Albert Einstein (t 1955) conseguiu explicar resultados de medição, até então
~' Incompreensíveis, com referência ao tempo de movimento de partículas que se movem a veloci-
H=-,~
--
·. · que, conro tal, se encontra em relação com nutras peuoas. Na descrição da realidade · ; i!ade muito alta, como efeitos de uma real dilatação do tempo, que aumenta no mesmo sentido
.. que se quer expressar com salan, dútbolos (ne~, recusa, ruptura das relações, co- : ;.ila velocidade do objeto que se move no tempo. Adescoberta que, a principio, não parece inteli-
. muni~ ~rturbada), porém, essa "estrutura relacional" justamente tem que ser ' . :ilfvtl para a percepção humana de tempo, de que, no estado de alta velocidade, o tempo passa
~-~:· excluídá. A,, iirandes figuras míticas do di4bolos deveriam fortalecer sobretudo nossa a'
.: viQ?l~cta:~tace ~o medonho ~er do mal, do "~istério do mal" (mysterlum iniqui- :i
J mais devagar, •aumentando" portanto, enquanto simultaneamente distâncias no espaço "se
..~ncolhem", o espaço fica mais apertado, é considerada por ora como convicção básica da física
~~-~~ , · ta/is~ l1tii dlsctirao leviano da peMoa do mal" (diabo) facilmente Incorre no erro de :' · :!Jlodema, que parte de um contínuo de espaçoompo e - p. ex., no cálculo de viagens espaciais -
; trabalha com o conceito de tempo da teoria da relatividade.
,;l-t;c , ' reduzir- como o conflnnam assustadoramente certos fenômenos da história da pieda•
~ ;: ' de:~~pck'lér "supraludividual do ma1• (com relação ao homem) à (horripilante ou ri• l Se o tempo não pode mais ser considerado uma grandeza "absoluta", independen-
.....,..,._ • · dío...) 8,ura de um •adversário divino". Essa reduçao da que~tão à pergunta pela i. te de todos os demais condicionamentos, devendo ser, antes, entendido como uma rea-
~ :;,- •,.. · indiv18uàlldade de aatanú (nlo exigi.da pela inten~o dos escritos bíblicos) támbém é --';-. Udade "relativa", enunciável sempre somente como relacionada ao estado de movi-
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1.,. L)I.II.) 1HINA UA l.,;HIAyAU c,1011ogra11a unponarne •

~en~o e das con~_ições de gravitação do objeto, cujo tempo se quer calcular, então é t veis: em bilhões de anos, o Sol poderia ter desenvoMdo uma temperatura qu~ ·a
mteh~el que - Ja do mero ponto de vista da física "" não pode existir um agora defini- ·r Terra derreter, enqu3nto o próprio Sol esfriaria aos poucos, visto que asjco~dlte,
do de igual modo para toda a realidade: o agora de um objeto em alta velocidade, dis-
J para mais produção de calor deixaram de existir. Esse prognóstico lúgubre:.t;emi>l'•
tante da superffci_e da terra e, portanto, menos exposto às forças de gravitação, somen-
- · tensão de validade em relação a espaços de ~mpo ~ue, simultaneamente~i™~~•e
;1 Inquietam. Compar~ndo o tempo qu~ os cientistas amda concedem à duraçp~I ~-~.1no•
te pode_ ser relaoonado com o agora de um objeto·que se move lentamente m:. terra t so sistema planetário com o brevíssuno espaço de tempo no qual, até ag'.q~!'~~tlµ
por meio de um cálculo comparativo; não existe u~ critério absoluto de tempo. ;,' vida humana e influenciou intencionalmentE: a forma do mundo, de qualqtlêr,-.Hfariêlra-
Por m~s inusitadas que ~ossam ser essas reflexões, elas podem, não obstante, aju- , · todas as especulações sobre.o futuro do cosmo apresentam inter~e ape,n~:léf~~~Q.
dar~ definir m~lhor o con~e1to de tempo: como tudo·que é criado, também o tempo é Esse prognóstico_não elimina a esperança da fé numa cons~mação da cri~~ .~ ·ir~t.~4, ·
contingente, nao ne~essanam_ente sempre idêntico "consigo mesmo", mas é depen• ela não é concebida como uma consumação no tempo, e, sun, como ttma ~ r~o8na,
dente de outras realidades cnadas. Ao lado de comprimento, largura e profundida- ção do mundo em uma forma imperecível, sendo, portanto, que aqui (analà~nte •
de, o tempo é considerado hoje a quarta dimensão, calculável para determi~ada cons- . creatio 2X nihilo) se está falando em níveis diferentes. O espaço de vi~~ ~Q
telação. Nisso, porém, empregam-se procedimentos matemáticos que, diferentemente "céu", a "nova criação", é, para c1 consciência humana, uma realidade EI\ J ~ ~ -
do qu_e oc~rre_ na geografia ~espacial) de Euclides, fogem em grande parte à capaci•
As descobertas da ciência, todavia, obrigam a uma autocertlficação.dai~&lç4e~'tfi~ ,
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Em toco caso, a tomada de conhecimento dos inimaginavelmente imensoí·ell'~fÓÍ;a,
dad~ 1~agínativa. O conhec1men~ de que os efeitos descritos são constatáveis por traterrestres pode conclamar a um assombro mudo diante das possibili~ej s(;e'·Í1,!Í:11,
medtçoes apenas no caso de velocidades extremamente elevadas poderia levar-nos a A reiludo taol6gico-r.rladonal entende forma e duraçdo de toda·a r~~R_daif_t-cq~o·
ver nisso um fato em grande parte irrelevante para a vida humana sem maior in• sempre e permanentemente dependente da vontade de Deus co113!iti'(i~,'il ,:f!,ó'r
fluência sobre a sensação de tempo estruturado pelo ciclo regular d~s dias e horas. isso jamais •<.ohrdvel" de que o mundo seja. Visto que a partir de ni1s · . 1'1i-
Não obstante, essa descoberta das ciências natu--ais desencadeou inseguranças salu- quer podemos saber se também amanhd o sol nascerd para n6s, a atertçliti,~&
tares, que podem abrir um novo acesso à reflexão teológico-criacional sobre a confis- para o significado de cada momento sempre único é a atitude de vidà-álAtliíãt/ii~
são de Deus que, juntamente com os espaços, também criou os tempos e que é a ori- fé. De modo algum, porém, o futuro da realidade criada é incerto, pe(d •~ o,
gem não temporal de todo agora. nosso mundo jd se tomou, pela açdo de Deus em Jesus Cristo, uma "nàvd cff./i!JR,,~
Mais acessível à experiência humana do que o conceito de tempo da traria da rela- que tem da parte de Deus a promessa da consumação. '·, -~~
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tividade, permanece, porém, um conceito qualitativo de tempo, a saber, a experiência Crer em Deus, o Criador de toda realidade, significa confiar no testem •·
do quanto o tempo é determinado pelos conteúdos de vida, pela sensação, p. ex., de da automanifestação de Deus, segundo o qual tudo qae é tem sua origem nÓ iJ~
que os tempos felizes passam mais depressa do que os tempos dolorosos. O tempo é i, e está chamado à eterna comunhão com Ele.
percebido menos como um contínuo uniforme de momentos de igual valor, e, sim, por
experiência, como determinado qualitativamente, podendo ser amedrontador ou com-
pensador, interessante ou monótono. O desejo de que coisas salutares, gratificantes Bibliografia Importante • • 'l
...
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durem, faz com que os tempos em que elas acontecem sempre j)assam depressa demais
para nossa percepção. 1. Introdução · :~.,. ; .'/~{'
ALTNER, G. Die Oberlebenskrise in der Gegenwart. Ansãt2e zum Dialog mlt der Nafufifh~"-·
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4.4.3. O fim do tempo do mundo e consumação 4a criação senschaft und Theologle. Dannstadt [s.e.), 1987. l'Y}fl~
A investigação da forma e do futuro do cosmo, iiossfvel por meio de equipa!lléntos . KASPER, W. Die ~õpíungsl~hre ln der gegenwãrtlgen Dlskussion. ln: Bl'ITER, G. & ~ - /
de tecnologia moderna, torna provável que o univetiso que, desde seu prindpiocron~ G. (org.~.). Konture~ heutiger Theologie. Munique: [s.e.), 1976, p. 92-107. . i;
lógico, ~plia-se em espaços inima~náveis, també~ terá um fim em termos de teptpo,. · ·: I(ESSLER, H. Das.$t6hnen (/~r Natur. Plãdoyer ffir elne Schõpfungssplntualltãt und Scll~p-
sobre CUJO decurso exato os estudiosos discutem. Nease contexto sempre se pensa , ' fungsethlk. DOsseldprf:.[s,e.J, '1~90.
1 terra depende, em sua aubsistên•
numa catástrofe cósmica, que acontece no tempo. .,,. · ,,
1
'·· ·,· · · • '

eia, d~ uma constelação cósmica que - ao men~s spb a pr~uposição da cons~da' . ' a'. Flindªm'ntQI ~~llc~;·::r '. •l I 1, .'
i ..
das l~ts naturais, observadas até ag~ra, n ~ a para a validade deua previsão·- se- . .. / ALBERTZ, R. W•l~~p.~ ni,,~~~lf.•n,ch•tucMpfung. Untenucht bel Deuterojeaa,la, Hlob
modificará em espaços de tempo immagináve1s, nq entanto, aparentemente cal~1.1lá~:_'·~z
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