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A ARTE É ALEGRE?

- prólogo ao Wallesntein, de Schiller, termina com o seguinte verso, “Séria é a vida, alegre é
a arte”

- inspiração pelos versos de Ovídio, em Tristia, “Vita verecunda est, Musa jocosa mihi”, ou
“Minha vida é contida, a musa me é um divertimento”

- Para Ovídio, era quase um pedido de perdão. (retorno do exílio; tentativa de mostrar
retidão; vida libertina insuportável ao regime de Augusto)

- Ovídio compunha uma alegre obra literária no momento, Ars Amandi, ou Amores & Arte
de Amar, traduzida para o Português

- Schiller não toca na disputa latina

“sua afirmativa aponta o dedo, mas não indica nada”

“citação disponível para qualquer ocasião apropriada, pois confirma a estabelecida e


popular distinção entre trabalho e tempo livre”

 remonta aos prosaicos tormentos do trabalho escravo e à bem justificada


aversão a ele

 lei eterna de duas esferas claramente separadas // nenhuma deve imiscuir-


se na outra

 arte incorporada à vida burguesa // Schiller, como filósofo idealista alemão,


precursor do Romantismo, ignora a possibilidade de que as coisas possam, em
algum tempo, se transformarem realmente // ele está, antes, preocupado com
os efeitos da arte

- Schiller no fundo antecipa a situação da indústria cultural

 arte receitada como vitaminas a cansados homens de negócios

- Hegel, no auge do idealismo alemão, se opôs a essa estética de resultados

 arte não era um instrumento para instruir ou para ser um deleite


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- Arte sobrevive na existência do mundo real, contrapondo-se a ele

- ... Mas, para alcançar essa façanha, ela deve ser ser fonte de alegria para muitos homens

“Embora as obras de arte não sejam conceituais nem formulem juízos, são lógicas. Nada
nelas seria enigmático, se a sua logicidade imanente não confluísse no pensamento
discursivo, cujos critérios, no entanto, ela regularmente decepciona. É no pensamento
concreto que elas se aproximam mais da forma do raciocínio e do seu modelo. Nas artes
temporais, o seguir-se isto ou aquilo de outra coisa dificilmente é uma metáfora”

Adorno: logicidade da obra de arte não é conceitual, nem formula juízos. Ou seja, até se
permite falar na obra de arte enquanto uma fórmula, cujos símbolos, porém, tal como na
Matemática, nada designam, ensina Adorno, nesse trecho da página 210:

“Também a matemática é aconceitual, devido ao seu caráter formal; os seus símbolos anda
designam e, tal como a arte, também não profere juízos existenciais; muitas vezes se falou
da sua natureza estética”.

A Matemática esta, segundo o mesmo Adorno, então, foi tida como possuidora de uma
natureza estética, devido justamente a esse seu caráter aconceitual. Tanto é assim, que, de
certa forma, a Matemática muitas vezes é lida não como algo racional, mas como uma
linguagem. Atesta esse fato, por exemplo, Galileu, ao afirmar que A Matemática é o
alfabeto com o qual Deus escreveu o universo.

Discurso esse que muito se aproxima do que seria o arranjo técnico de uma obra de arte,
que me pareceu muito com uma organização mental das coisas. A racionalidade estaria na
obra, porém, de modo subjacente. Isto é, os seus símbolos fariam aflorar o esquema,
estando manifestada a racionalidade em pleno desenvolvimento discursivo.

A obra de arte, porém, decepcionaria essa mesma racionalidade, o que é um paradoxo em


termos, porque ela só deixa de funcionar quando a razão de existência da obra é revelada.
Se a sua racionalidade fosse explícita, a obra não seria artística.

É bom lembrar que Ovídio, ao dizer “Minha vida é contida, a musa me é um divertimento”
foi gaiato. Se formos entender o contexto da situação, vemos que Ovídio não está
preocupado com os efeitos do que está dizendo, mas o faz entendendo a situação em que
se encontra: um ex-exilado que precisa simular um arrependimento, fingindo ser contido,
quando todos sabiam que era alegre. É como se ele dissesse uma coisa, mas, claramente,
fizesse outra, já que compunha uma obra depravada.

A sua fonte de alegria, que é a mesma que se encontra na obra de Proust, logo no início
desta, está no seu discurso enigmático, e não no simples fazer rir à plateia que precisa de
um descanso depois de tanto trabalhar.

“A arte é a promessa de felicidade que se quebra”, lembra Adorno.

A obra Em busca do tempo perdido, mencionada por ele na Teoria Estética, possui um
arranjo simétrico estético muito parecido com o utilizado em construções de catedrais
góticas, em que a um vitral corresponde outro vitral, idêntico; a um altar, um outro; a um
transepto, outro transepto. E, à medida que a igreja se eleva, suas partes mais opostas vão
convergindo, sem abandonarem nem a forma, nem a sua simetria, até se juntarem no alto
da torre. Tal como nesse modelo, Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, ergue,
com rigor formal, uma catedral, cujos elementos de simetria estão desenvolvidos em
episódios e acontecimentos de forma igualmente cíclica, a ponto de o enredo – leitmotif do
realismo naturalista de sua época – ser objeto secundário de todo o arranjo da obra. Assim,
o que se lê é, na verdade, não é nada além de uma sensação, e não um fio narrativo com
Apresentação de lugares e de personagens, em cena de abertura; Desenvolvimento de
ações, seguida de uma Complicação, à qual sucede um Clímax e, por fim, um Desfecho,
como em atos. A sensação na Recherche, de Proust, é a de que a história se repete, o que, à
primeira vista, é um procedimento técnico muito elaborado, que, no entanto, iludirá o
leitor desavisado, fazendo-o crer que tudo aquilo não passa de repetição gratuita.

“que este acontecimento seja numa obra causado por outro deixa, pelo menos, entrever
claramente a relação causal empírica. Uma coisa deve provir de outra, e não apenas nas
artes temporais; as artes visuais têm necessidade de igual rigor lógico. A obrigação de as
obras de arte se identificarem consigo mesmas, a tensão em que caem e que as liga ao
substrato do seu contrato imanente e, por fim, a ideia tradicional de homeostase a
conseguir precisam do princípio de consequência lógica: tal é o aspecto racional das obras
de arte. Sem a sua obrigação imanente (que, anteriormente, eu tomei a liberdade de
chamar de ‘subjacente’), nenhuma seria objetivada. (...) A lógica da arte, paradoxal segundo
as regras da outra lógica, é um processo raciocinante sem conceito e juízo. Tira as
consequências de fenômenos já naturalmente mediatizados pelo espírito e, em certa
medida, logicizados”.

O que Adorno parece querer nos dizer é que todos carregam o espírito sobre o que são os
fenômenos, porque eles foram mediatizados pelo próprio espírito. O dado novo, me
parece, é que a obra nos revela o que já sabemos, porque a coisa representada ganha um
sentido maior que a coisa raciocinada. Tal como diz o famoso crítico literário Antonio
Candido, ao definir o que ele próprio conceitua como a função total da Literatura, é como
se a representação individual e social transcendesse a situação imediata, inscrevendo-se no
patrimônio do grupo. Adiante, Adorno nos diz:

“O seu procedimento (o do fenômeno) lógico move-se num domínio de dados extralógicos.


A unidade, que as obras de arte assim obtêm, põe-nas em analogia com a lógica da
experiência, tanto quanto os seus procedimentos, os seus elementos e as suas relações se
agastam dos da empiria prática”.

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