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Curso de Extensão EAD

Revitalização:
liderança corajosa
Prof. Rev. Mário Sérgio de Góis

1. FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA IGREJA


REVITALIZAÇÃO: LIDERANÇA CORAJOSA

INTRODUÇÃO

Eclesiologia ou doutrina da igreja é o tema que abordaremos nesta disciplina.


O objetivo básico é ajudar as lideranças a desenvolver uma visão reformada da
igreja e sua vida litúrgica, pastoral, missionária e de comunhão. Pretendemos
dar uma atenção maior à prática do dia a dia de uma igreja “viva” ou revitaliza-
da. Desse modo, os fundamentos teóricos ocuparão um espaço menor, aten-
dendo às necessidades da prática eclesial.
Parece, à luz das Escrituras, que Deus nunca abriu mão da liderança, então
as funções oficiais de liderança ocupam um papel altamente estratégico na vida
de uma igreja local. Entendemos também que uma compreensão do papel do
chamado “leigo” é de suma importância e até mesmo de sobrevivência para
uma igreja local no século 21. Desse modo, explorar a doutrina do “sacerdócio
universal de todos os crentes” muito pode nos ajudar com pistas neste labirinto
que é ser uma igreja viva hoje. Conquanto a ênfase da disciplina recaia sobre
a prática eclesial, cremos que boas práticas apenas não são suficientes. Não
podemos abrir mão de fundamentos teológicos e bíblicos que dão sustento às
ações práticas da igreja local.
Como ser uma igreja cristã no século 21? Com essa pergunta delimitaremos
nosso interesse na vida eclesial, mais especificamente nestas quase duas déca-
das do século 21. O grande desafio que se apresenta às igrejas locais de tradição
histórica é justamente o fato de terem uma estrutura organizacional forjada na
Idade Moderna e que precisam dar conta de responder às demandas de outra
cultura e sociedade denominadas de pós-modernismo. É necessário, pois, fazer
a autocrítica ao nos perguntarmos: por que nos últimos 50 anos as igrejas de
tradição histórica têm sofrido drasticamente a evasão de membros e de recur-
sos financeiros? Não bastasse isso, as lideranças das igrejas locais, independen-
te de denominações eclesiásticas, estão se fazendo as mesmas perguntas: Será
que temos uma identidade e propósito definidos? Por que nossos membros são
tão resistentes às mudanças? Somos relevantes para a comunidade ao nosso
redor? Por que é tão difícil desenvolver novos líderes? Como lidamos com os
conflitos que parecem nunca acabar? Para onde estamos indo como igreja?

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Para responder a essas questões tão pertinentes, as tentativas são várias
e variadas serão as respostas dependendo do país onde os que se propõem a
responder vivem e trabalham. Estamos falando de influências culturais, de cos-
movisão e movimentos dentro da Igreja cristã ao redor do mundo. É assim que
temos muita produção de livros e pesquisas de origem norte-americana, cuja
influência cultural traz um tom mais pragmático à literatura de lá procedente.
Se nos voltarmos para escritos latino-americanos, perceberemos que são livros
mais densos, reflexivos e profundos, por vezes desprovidos de aplicação prá-
tica. Aqui cabe aquele comentário atribuído ao missionário metodista Stanley
Jones quando viajou por vários países da América Latina: “Na América do Nor-
te as cidades começam a partir de um posto de gasolina; na América Latina as
cidades sempre começam a partir de uma praça com um jardim e um templo”.
Devemos também estar abertos para dialogar com as experiências e produções
autóctones oriundas dos países em outros continentes.
Cremos que, como a igreja cristã é universal e ampla, sua edificação não pode
abrir mão de todos os dons e talentos e colaborações de vivências localizadas.
Respeitando as diferenças culturais, podemos aprender uns com os outros,
pois as dinâmicas das igrejas locais, na prática, ao redor do planeta, são muito
parecidas. Considerando, conforme disse acima, que o foco desta disciplina será
mais para os aspectos práticos e menos aos fundamentos teológicos, nosso in-
teresse será nessa direção.
Nosso país, e, por conseguinte, a igreja brasileira, sofre uma forte influência
da produção literária eclesiástica norte-americana. Isso nos coloca diante do
que é bom e do que é ruim. Há uma tendência, por parte de pastores e líderes,
de buscarem soluções rápidas para o crescimento de suas igrejas. É o espírito da
época. Assim se entusiasmam com os modelos que vão se apresentando como
se fossem a solução última para os dramas das igrejas locais que não crescem.
O “Movimento de Igreja em Células”, conquanto não se apresente como um
modelo em si, mas um retorno aos princípios básicos do Novo Testamento do
“ser igreja”, sendo denominado inclusive de Segunda Reforma, é recebido por
muitos como um modelo. O aspecto prático e lógico com que são apresenta-
dos os conceitos e práticas atrai muitos que sinceramente desejam ver a igreja
viva e crescente. Há uma pressa em aplicar o modelo para conseguir resultados
rápidos. E, então, quando os mesmos não aparecem, o que fica é um rastro de

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desilusões. Desse modo, surgem as reações de abandonar tudo e “joga-se fora
a bacia com a água, o sabão e a criança junto”. Mesmo antes de o “Movimento
de Igreja em Células” ter sua influência em nosso país, a igreja brasileira já ex-
perimentara na década de 80 do século passado o impacto dos grupos peque-
nos por meio do livro “Grupos familiares e o crescimento da igreja”, escrito pelo
pastor sul-coreano Paul Younggi Cho da Igreja do Evangelho Pleno de Yoido, em
Seul. Não foram poucos os pastores e líderes das igrejas no Brasil que encheram
aviões em viagens à Coreia do Sul para conhecer de perto o que estava ocorren-
do por lá e trazer ânimo e soluções para suas igrejas e ministérios.
O mesmo pode-se dizer da Saddleblack Church, igreja fundada na Califórnia
pelo Pr. Rick Warren e sua esposa Kay, tornada muito conhecida pelo livro best
seller escrito por ele chamado “Uma igreja com propósito”. Na mesma linha de
influência, dentro e fora dos EUA, temos a Willow Creek Community Church, se-
diada em Chicago, com a estratégia denominada Rede Ministerial, fundada e
pastoreada pelo Pr. Bill Hybels.
Mais recentemente temos lidado com um movimento forte que são as “Igre-
jas emergentes”. Jovens pastores, a maioria norte-americanos, que, perceben-
do a igreja institucionalizada perdendo vigor e presença na sociedade, buscam
um diálogo mais de perto com a cultura na pregação do evangelho e, assim, pro-
põem novas formas de ser igreja entre os heterogêneos grupos de moradores
das grandes cidades. Ainda temos como resposta ao enfraquecimento das igre-
jas históricas um movimento chamado de “Igreja orgânica”, que assim se define:
“é um movimento cristão evangélico que reinterpreta a natureza e a prática da
igreja, oriundo do descontentamento dos cristãos protestantes com o “universo
evangélico”, em uma busca por agrupamentos mais autênticos, menos rígidos,
com mais liberdade e que sejam menos hipócritas”.
Desse modo, essas tentativas são respostas a um desejo de renovação e bus-
ca de vigor das igrejas que estão cambaleantes e, em alguns casos, até mesmo
morrendo. O que o conflito cultural entre a cosmovisão da era moderna com a
cosmovisão da era pós-moderna faz é revelar de várias maneiras a necessidade
de renovação na igreja.
Os escritores dos evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João) registram ao
final de cada um dos seus livros uma versão da “Grande Comissão de Jesus”.
Mesmo em Atos, Lucas novamente repete as últimas palavras de Jesus antes da

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sua ascensão, que é a “Grande Comissão” de Atos dos Apóstolos. O que isso sig-
nifica? Aponta para o fato de que a igreja cristã tem um propósito definido pelo
Seu próprio Senhor e Salvador que é essencialmente missionário. Ao lermos em
João 20.21 (“Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio.”), entendemos
que a missio eclesiae (missão da igreja) deriva da missio Dei (missão de Deus).
Ao longo dos séculos, sempre que a igreja deixava de viver e perseguir seu
propósito missional, ela se fechava em si mesma e experimentava uma crise de
identidade e de relevância. Quando a manutenção, ou a sobrevivência, se tor-
na a missão de uma igreja local, ou mesmo de uma denominação, ela não tem
mais o que comunicar à sociedade ao seu redor e caminha a passos largos para
a morte. Não é sem verdade o ditado antigo que diz: “Para uma igreja enferma,
uma dieta missionária!”.
Humildemente, pois, façamos nossa autocrítica. Sim, valorizando os funda-
mentos do passado e inspirando-nos nos nossos pais espirituais e, por outro
lado, enchendo-nos de coragem para produzir as mudanças cabíveis, encon-
trando novos caminhos para uma nova realidade e, então, sermos esta nova
igreja para um novo mundo que já chegou.
Essa empreitada de enfrentar os novos tempos com o foco missional é algo
que não fazemos nas nossas próprias forças e estratégias somente. O próprio
Senhor da igreja que nos enviou é quem também nos concede o poder. Na se-
quência da narrativa de João 20.21, em que Jesus envia os discípulos, Ele os
capacita: “[...] havendo dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espí-
rito Santo.” (João 20.22; cf. Atos 1.8). De igual modo, podemos desfrutar desse
sopro renovador e impulsionador do Espírito de Deus para a igreja no século 21,
pelo mundo e na nossa pátria brasileira.

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MÓDULO 1: FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA IGREJA

1. A IGREJA EM SUA SIMPLICIDADE E RELEVÂNCIA

INTRODUÇÂO

A doutrina da igreja se tornou um campo de batalha desde a Reforma Protes-


tante do século 16. Existem muitas perguntas a respeito da igreja, entre elas:
Qual é a igreja verdadeira? Qual é a igreja que é a noiva de Cristo e que um dia irá
se encontrar com o Noivo? Será que estou na igreja certa?
A palavra “igreja” tem sua origem no termo hebraico qaal que significa “a
congregação do povo” (Deuteronômio 9.10 e 10.4), traduzida no grego como
ecclesia. Essa palavra origina-se da união de dois termos gregos que são: a) ek
que é a preposição “de, de dentro” e b) klesia, kaleo, verbo que significa “cha-
mar”. Dessa forma, ganhou o sentido de “chamados para fora”. Assim, o concei-
to grego de ecclesia é: “assembleia, reunião dos chamados para tratar de deter-
minados assuntos ou negócio”. No conceito cristão, o termo se traduz em: “um
grupo de convocados por Jesus para cumprir Seu propósito na terra” (cf. Mateus
16.18). Concluímos então, pela etimologia do termo ecclesia, que “igreja” não
é um prédio ou edifício ou uma denominação eclesiástica e muito menos um
indivíduo.

1.1. A origem e o fundamento da igreja

A origem da igreja é divina. A igreja tem sua origem no coração de Deus. A pri-
meira ocorrência do termo “igreja” no Novo Testamento é o uso feito pelo pró-
prio Senhor Jesus em Mateus 16.18: “Pois também eu te digo que tu és Pedro, e
sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalece-
rão contra ela”. Dessa afirmação de Jesus sobre a igreja aprendemos o seguinte:

a) a igreja nasceu da iniciativa de Deus e não das pessoas: “EU (Jesus) edifica-
rei a minha igreja”;
b) a convocação é feita por Deus e não pelas pessoas: “Eu (Jesus) EDIFICAREI
a minha igreja”;

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c) a Igreja é propriedade exclusiva de Deus; as pessoas não têm direito sobre
ela: “Eu (Jesus) edificarei a MINHA igreja”;
d) Jesus convocou uma única igreja: “Eu (Jesus) edificarei a MINHA IGREJA”.

Os fundamentos da igreja são sólidos. As Sagradas Escrituras nos revelam a


clareza desses fundamentos, e, por isso mesmo, saber disso nos confere uma
grande segurança e ânimo redobrado para com o papel essencial da igreja no
propósito divino para a salvação das pessoas e edificação do seu povo.
A igreja está fundamentada, primeiramente, em Cristo, o Filho de Deus res-
surreto, a rocha (cf. Mateus 16.18, 1Coríntios 15.13-14, 1Pedro 2.4-8). Cristo é a
vida essencial da igreja, segundo o apóstolo Paulo (cf. 1Coríntios 12.12-13, 1Co-
ríntios 1.13). Segundo Efésios 2.20, outro fundamento da igreja são os “apósto-
los e profetas”, isto é, a Bíblia, que por eles foi escrita e interpretada. Em Gálatas
1.8-9 encontramos mais um fundamento da igreja que é o evangelho de Cristo,
o qual oferece salvação eterna pela fé no Filho de Deus como Senhor (cf. Efésios
2.8 e 2Coríntios 4.5).
Temos também o Espírito Santo como fundamento da igreja. Sem a presença
do Espírito Santo, a igreja não passa de uma organização totalmente humana e
apenas mais uma entre tantas sobre a face da terra. O apóstolo João nos ensi-
na isso no Evangelho escrito por ele (João 3.5-6), e o apóstolo Paulo corrobora
esse ensino (Romanos 8.9; 1Coríntios 3.16-17 e Efésios 2.19-22).

1.2. O propósito da igreja

Para chegarmos ao motivo fundamental pelo qual a igreja existe, temos que
perguntar: “Por quê?”. Por que, de fato, foi a igreja trazida à existência? Por que
o prédio da igreja ocupa um determinado terreno? Por que erigimos paredes e
um teto sobre os prédios nos quais nos reunimos? Por que nos envolvemos em
um ministério de música? Por que apoiamos o trabalho da igreja com os nossos
fundos? Por que enviamos missionários pelo mundo afora?
Se fizermos essas perguntas no próximo fim de semana aos participantes do
culto, com certeza ouviremos uma porção de respostas, muitas delas boas, mas
quase com certeza não representariam o propósito básico da existência da igre-
ja. Possivelmente algumas das respostas seriam:

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• Levar o evangelho aos perdidos. Ter a oportunidade de participar de cul-
tos e instrução regulares.
• Dar esperança aos que sofrem.
• Ser um farol na comunidade.
• Equipar os santos para a obra do ministério.
• Afirmar e apoiar valores saudáveis (lar, pureza moral e ética, dignidade
dos indivíduos, viver santo, casamentos saudáveis, integridade etc.).
• Enviar o evangelho por todo o mundo através de empenho missionário.
• Buscar a juventude de hoje e desafiá-la a fazer de Cristo o centro de sua
vida, sua escolha de carreira e seus planos para o futuro.
• Orar.
• Edificar os santos.
• Consolar os entristecidos; encorajar os solitários; alimentar os famintos;
ministrar aos deficientes; ajudar os idosos, os que sofrem abusos e os
confusos.
• Estimular a ação e o envolvimento em questões sociais críticas.
• Servir como modelo de autêntica retidão.
• Ensinar as Escrituras tendo em vista uma vida eterna.

Cada uma dessas razões é válida, saudável e valiosa. A igreja precisa, com
certeza, se dedicar a essas atividades. Mas nenhuma delas é absolutamente bá-
sica. Nada nessa lista declara o propósito fundamental da existência da igreja.
Qual, então, é o propósito básico? O apóstolo Paulo em 1Coríntios nos dá
a resposta. E, talvez, vermos esta verdade em sua simplicidade será algo ex-
tremamente renovador e animador. Todavia, quanto mais a compreendermos,
mais cumpriremos nosso propósito pessoalmente como discípulo de Jesus Cris-
to e corporativamente como igreja, o Seu Corpo. Foi assim que Paulo escreveu:
“Portanto, quer comais, quer bebais, ou façais outra coisa qualquer; fazei tudo
para a glória de Deus” (1Coríntios 10.31, negrito nosso).
De modo simples, eis aí a resposta à pergunta sobre por que existimos. O pro-
pósito básico da igreja é glorificar ao Senhor nosso Deus.
O ensino amplo do apóstolo Paulo em suas cartas sobre o tema da glória de
Deus é impressionante. É assim, então, que devemos glorificar a Deus em uma
base pessoal conforme indicado em 1Coríntios 6.19-20, que diz: “Ou não sabeis

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que o nosso corpo é o santuário do Espírito Santo, que habita em vós, provenien-
te de Deus? Não sois de vós mesmos. Porque fostes comprados por bom preço.
Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo”. Seja o que for que façamos com nossos
corpos, devemos nos assegurar que nossa existência física dê glória a Deus!
Por outro lado, devemos ser despertados para o nosso propósito na pers-
pectiva comunitária e corporativa como Corpo de Cristo na Terra. Na carta aos
Efésios, o apóstolo Paulo encerra uma oração a Deus dizendo: “A ele seja glória,
na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém.”
(Efésios 3.21). Nestes tempos de estilos religiosos criados por agências de pu-
blicidade e marketing, é fácil perder o caminho e imaginar que a igreja tem como
meta crescer, construir prédios atrativos e imponentes e duplicar a frequência
rapidamente em pouco tempo. E, assim, a igreja que cresce torna-se invejada
pelas que não o fazem. Outros fazem do “impressionar” seu propósito popular,
como pregar ótimos sermões, prover boa música etc. São coisas boas em si,
desde que mantidas em perspectiva e feitas por motivos dignos. Mas tudo isso
não é básico!
Para isso tudo ser prático para nós, como líderes de igrejas locais, constan-
temente devemos nos perguntar: Por que estou fazendo isto? Por que eu disse
que sim? Por que concordei com aquilo? Por que estou ensinando? Por que canto
no coro? Por que estou tão envolvido neste grupo de adultos? Por que planejo
em meu orçamento dar esta quantia no ofertório? Por quê? Por quê? POR QUÊ?
Quando essas perguntas são feitas, a única resposta possível e assertiva, se-
gundo as Escrituras Sagradas, é: Para glorificar a Deus! Jesus já havia ensinado
no Sermão do Monte: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para
que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus”
(Mateus 5.16). Repetindo: o propósito básico da existência da igreja é glorificar
a Deus!
O despertar para esse conceito pode nos levar a imaginar que ele seja algo
novo. Todavia, ele é tão antigo quanto as Escrituras Sagradas. Mas, então, é
novo na história da igreja? Novamente, é tão antigo quanto o Breve Catecismo
de Westminster, elaborado em 1647, em sua primeira pergunta que os presbite-
rianos escoceses faziam aos jovens aprendizes de teologia.
Pergunta: Qual é o fim principal do homem?
Resposta: O fim principal do homem é glorificar a Deus e alegrá-lo para sempre.

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1.3. Os objetivos da igreja

Seguindo em nossa jornada de entendermos a igreja de Cristo em sua simpli-


cidade e relevância, encontramos quatro objetivos importantes quando se trata
do ministério da igreja neste mundo. Não importa o que fazemos, deve estar
dentro dos parâmetros desses objetivos essenciais e fundamentais. Podemos
encontrá-los em todo o capítulo de Atos 2, entremeados no quadro maior de
todo o capítulo, que narra o primeiro momento histórico da igreja cristã. Então,
temos o Espírito Santo descendo sobre os que estavam reunidos no cenácu-
lo (Atos 2.1-4), dando aos temerosos e tímidos discípulos uma grande ousadia
para declarar ao povo das ruas de Jerusalém as palavras de vida (Atos 2.5-13).
Em seguida, o apóstolo Pedro levantou-se e pregou o evangelho em um sermão
não muito longo, mas poderoso (Atos 2.14-36) que resultou na salvação de cer-
ca de três mil pessoas (Atos 2.37-41). Tendo esse quadro maior, podemos então
focar em Atos 2.41-47:

Os que de bom grado receberam a sua palavra foram


batizados, e naquele dia agregaram-se quase três mil
almas. E perseveravam na doutrina dos apóstolos, na
comunhão, no partir do pão e nas orações. Em cada alma
havia temor; e muitas maravilhas e sinais eram feitos pelos
apóstolos. Todos os que criam estavam juntos e tinham
tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens, e
repartiam com todos, segundo a necessidade de cada um.
Perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo
o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de
coração, louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo.
E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que
iam sendo salvos.

Não devemos perder o frescor desses versos e o fato de que a Palavra de Deus
deve ser entendida com os princípios hermenêuticos, entre eles o “princípio da
atualidade”, em que aprendemos que Deus está falando o que Ele já falou. Ali
estavam esses quase três mil novos crentes, sem prédio onde se reunir, sem
pastor, sem senso de direção, sem conhecimento da vida cristã, sem constitui-
ção eclesiástica ou estatuto, sem um conjunto de credos, sem muita compreen-

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são da presença ou do poder do Espírito Santo, com uma Bíblia incompleta etc.
Eles, na verdade, não tinham nada! Tornaram-se os membros fundadores da
igreja. A partir deles a chama se espalhou por todo o mundo.
É dessa narrativa original de suas atividades que podemos compilar este
conjunto básico de objetivos, que são essencialmente quatro: Culto (liturgia);
Aprendizagem (didaskalia), Comunhão (koinonia) e Expressão (martiria).
Ao lermos o versículo de Atos 2.42, todos esses quatro objetivos surgem: “E
perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas
orações”. O que se segue a partir daí, Atos 2.43-47, é a ilustração de cada um
desses objetivos. O fato é que ainda hoje esses objetivos principais são relevan-
tes. Eles constituem o ministério da igreja, mesmo no século 21.
Ao buscarmos a glória de Deus, que é nosso propósito básico, focalizamos
nos quatro objetivos: culto, instrução, comunhão e expressão.

Culto

Atos 2.42 diz que os discípulos “perseveravam”, palavra que Lucas usa ainda
em Atos 1.14 e 6.4, relacionada com a oração e cujo significado é uma fidelidade
constante e sincera. Ainda lemos que eles “partiam o pão e oravam”. Isso apon-
ta para uma realidade de intensidade e ardente devoção. Ao lermos ainda sobre
a “alegria e singeleza de coração” fica mais completo o entendimento de que o
ambiente que permeava o culto era de júbilo espontâneo e reações de louvor.
Aqui entra nossa autocritica ao refletirmos sobre os cultos em nossas comu-
nidades locais. O culto tornou-se uma arte perdida, a joia perdida desta geração
apressada e eficiente e em um mundo muito barulhento.
Temos programas e atividades, mas pouca adoração. Há cânticos, hinos e pro-
gramas musicais, mas pouca adoração. Há avisos, leituras e orações, mas pouca
adoração. Os cultos são regulares, mas monótonos e previsíveis. Os eventos são
conduzidos no horário, por pessoas bem intencionadas, sustentados por gen-
te que é fiel e dedicada, mas aquela ardente expectativa e respeitoso deleite
misturados com um senso misterioso de temor ao Deus Todo-Poderoso estão
ausentes. Charles Swindoll (1996, p. 27), escrevendo a respeito disso, nos leva
à seguinte reflexão:

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Sua igreja está experimentando a verdadeira adoração?
Você está frequentemente em lágrimas ou à beira do
êxtase [...] ou tão absorvido em encanto, amor e louvor que
se esquece momentaneamente de onde se encontra? Há
realmente uma liberdade em sua alma, uma avassaladora
gratidão em seu espírito, uma intensidade de oração que
bloqueia tão completamente o não essencial que você
consegue concentrar-se sem a intromissão de quaisquer
outros pensamentos?

Aprendizagem

A instrução bíblica é a espinha dorsal do Corpo de Cristo. O relato de Atos 2.42


nos afirma que os cristãos primitivos “perseveravam na doutrina dos apósto-
los”, e Atos 2.44 registra que foram conhecidos como “os que criam”, dando a
entender haver um corpo objetivo de verdades que acolhiam, uma espécie de
Declaração de Fé. Um pouco mais à frente, em Atos 4.4, a igreja cresceu à medi-
da que “muitos [...] dos que ouviram a palavra creram” (cf. Atos 8.4-8).
Nestes dias de sermões superficiais, devocionais açucaradas e críticas car-
regadas de emoção, é essencial a igreja firmar este objetivo fundamental da
educação cristã, do discipulado e do ensino consistente e prático da Palavra de
Deus. Pela Constituição da IPI do Brasil, por exemplo, fica claro que Ministros
Ordenados, Presbíteros e Conselhos possuem atribuições cristalinas na super-
visão e orientação na obra de educação cristã, em geral em uma igreja local.
Há muitos benefícios para o rebanho quando de fato uma igreja local possui um con-
sistente ensino e pregação bíblicos. Reflitamos sobre alguns deles:

• Dá estabilidade à nossa fé.


• Estabiliza-nos nas horas das provações.
• Capacita-nos a usar a Bíblia corretamente.
• Equipa-nos para detectar e confrontar o erro.
• Torna-nos confiantes em nosso caminhar.
• Acalma nossos temores e cancela nossas superstições.

Para evitar excessos e orgulho espiritual, lembremos que a igreja deve ser
uma comunidade de aprendizagem ao lado de uma comunidade de adoração.

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Há três ênfases nas quais podemos ter atenção para saber se nossa ênfase no
ensino está caminhando para um extremo doentio: a) quando o conhecimen-
to permanecer teórico, cuidado (ele logo gerará indiferença ou arrogância; b)
quando a pregação e o ensino não são equilibrados pelo amor e pela graça, cui-
dado (a intolerância não está longe); c) quando o ensino se torna um fim em si
mesmo, cuidado (nessa altura, o ensino bíblico está perigosamente perto de ser
bibliolatria).

Comunhão

Continuamos a ser orientados pela narrativa de Atos 2 em que a igreja deve ser
um lugar de comunhão, ou seja, uma comunidade de fiéis que demonstram inte-
resse sincero e genuíno uns pelos outros. Quando a expressão koinonia ocorre
no Novo Testamento, sempre traz ideia de união, do compartilhar de algo juntos
ou de tomar parte em algo juntos (cf. Lucas 5.10; Hebreus 10.33; 13.5; Gálatas
2.9). A ideia central é que quando temos verdadeira comunhão, damos; quando
damos para as necessidades de um grupo reunido, participamos da comunhão.
A koinonia resulta em duas expressões bem definidas, sendo a primeira aquela
em que você compartilha algo com alguém, alguma coisa prática, tangível, aju-
dando a satisfazer uma necessidade objetiva, e a segunda expressão é quando
você participa de algo com alguém, como “chorar com os que choram e alegrar-
-se com que se alegram” (Romanos 12.15).
Novamente, no exercício de autocrítica, atentemos para as palavras duras,
porém verdadeiras, de Marion Jacobsen, em um livro intitulado “Santos e Esno-
bes” (apud Swindoll, 1996, p. 62):

Se qualquer grupo de cristãos, que alega crer e praticar tudo o


que Deus falou em seu Livro e confrontar sua responsabilidade
pessoal dentro da família de Cristo e as necessidades reais
dos cristãos à sua volta, impressionará a comunidade com a
resplandecente bondade e amor de Deus a eles e entre eles.
Essa transformação possivelmente faria mais para atrair
outros a Jesus Cristo do que qualquer trabalho de casa em
casa, campanha evangelística ou novo prédio da igreja. As
pessoas estão famintas por aceitação, amor e amigos, e
a menos que os encontrem na igreja, elas podem não ficar

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ali o tempo suficiente para relacionar-se pessoalmente com
Jesus Cristo. As pessoas não são persuadidas, são atraídas.
Precisamos ser capazes de comunicar muito mais pelo que
somos do que pelo que dizemos.

A vivência da comunhão dentro da igreja é um poderoso meio de sermos ins-


truídos além da educação organizada e do púlpito. Aprendemos com os mode-
los das vidas uns dos outros. Aprendemos por experiência. Aprendemos com
os fracassos, perdas e provações. Aprendemos com os grandes hinos, com os
cânticos de fé. Somos edificados na mutualidade de “uns para com os outros”. A
fé cristã é essencialmente comunitária (cf. Efésios 5.18-21, Colossenses 3, 1Co-
ríntios 12 e Romanos 12.9- 21).

Expressão

A quarta característica distintiva da igreja é sua “expressão”. A igreja é um


corpo vivo e em movimento em busca dos outros. Adoramos um Deus em mo-
vimento, logo a vida da igreja deve ser uma expressão do mover de Deus entre
as pessoas. Mas será que a mensagem da morte e ressurreição do Senhor ficou
confinada à igreja? Os cristãos primitivos guardaram para si as boas novas do
evangelho da graça de Deus? Desfrutavam das bênçãos divinas dentro das pa-
redes do seu lugar de culto?
Em Atos 2.43-46, percebemos uma situação em evolução: havia amor, acei-
tação, vulnerabilidade, compaixão, interesse, atração e doação. Necessidades
estavam sendo supridas. Não nos surpreende que Atos 2.47 aponta para o fato
de que, dia a dia, Deus acrescentava à igreja os que iam sendo salvos.
A narrativa de Atos dos Apóstolos revela, nos capítulos 3, 4 e 5, um excelente
exemplo de como a igreja estava expressando seu testemunho em palavras e
obras. Pedro e João são os personagens desse episódio, em que há cura, teste-
munho, oposição, prisão, açoites, perseguição, mas o final da história é glorioso
e inspirador. Vamos relembrar como Lucas descreve isso: “Os apóstolos retira-
ram-se da presença do Sinédrio regozijando-se, porque tinham sido julgados
dignos de padecer afronta pelo nome de Jesus. E todos os dias, no templo e nas
casas, não cessavam de ensinar e anunciar a Jesus, o Cristo” (Atos 5.41-42).

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O Novo Testamento pode nos ensinar verdades muito atuais e necessárias
para a igreja no que diz respeito ao evangelismo e missões. Vejamos algumas
dessas verdades.
Primeira verdade: os crentes do Novo Testamento nunca se limitaram à reu-
nião da igreja. Enquanto reunidos, estavam adorando e sendo instruídos e,
enquanto dispersos, estavam ajudando e afirmando, encorajando e evangeli-
zando. Não encontraremos no Novo Testamento um momento sequer no qual a
igreja estava reunida estritamente com a finalidade de evangelizar. As pessoas
não iam à igreja para ganhar os perdidos. Elas se reuniam para adorar, ser ins-
truídas e ter comunhão íntima; depois elas se dispersavam para evangelizar na
convivência do dia a dia com as pessoas.
A segunda verdade é que o evangelismo era sempre iniciado pelo cristão. Não
podemos ficar com a ideia falsa e equivocada de que as pessoas se quiserem
conhecer a Cristo virão nos perguntar. Novamente, se dermos uma olhada nos
evangelhos revisando as últimas palavras de Jesus antes de voltar aos céus para
o Pai, fica claríssimo que a “Grande Comissão” prevê que tenhamos a iniciativa
de ir, pregar, fazer discípulos, batizar, ensinar etc. Não dá para ficarmos aguar-
dando alguém chegar e nos dizer: “Olha! Estou preocupado com minha alma e,
como você é um cristão, gostaria que me ajudasse a descobrir como estar bem
com Deus e o meu futuro após a morte.”. Simplesmente não é isso que ocorria no
Novo Testamento e definitivamente não é assim no século 21.
A terceira verdade é que muito do que vemos no evangelismo neotestamen-
tário é que frequentemente ele estava associado a outro evento ou experiência.
Podemos identificar como eventos paralelos uma intensa perseguição, uma cura
realizada, uma conversão, uma discussão, um acontecimento sobrenatural, um
episódio cataclísmico. O vir a crer em Cristo muitas vezes derivava desses acon-
tecimentos e realidades.
A quarta verdade sobre o evangelismo no Novo Testamento é que ele nunca
foi algo que alguém fosse forçado ou manipulado a fazer. Não encontraremos
nas Escrituras nenhum relato de cristãos manipulando homens e mulheres
descrentes com o fim de levá-los à salvação. Na realidade, preocupar-se com
as pessoas, interessando-se de fato por seu mundo, sua situação e seus cui-
dados, ainda é o “método” mais eficaz de ganhar as pessoas distantes de Deus
para Ele.

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CONCLUSÃO

Ao finalizar este texto, em que refletimos sobre a origem, o fundamento, o


propósito e os objetivos da igreja, voltemos então nossos olhos para as duas di-
mensões da missão da igreja neste mundo: a sua profundidade e a sua largura.
Sim, ao fixar nossa atenção nos quatro objetivos essenciais da igreja de Cristo,
podemos perceber que eles se juntam em dois pares que estabelecem de um
lado a profundidade da igreja e doutro a sua largura.
A profundidade da igreja é definida e determinada por sua qualidade de culto
e instrução. Não dá para abandonar o culto porque cremos no evangelismo e
focamos nele. Não é possível também deixar de instruir porque amamos demais
o culto. Focar nos dois, culto e instrução, confere profundidade e esta é cada vez
mais sólida e firme pela qualidade da adoração e da instrução que estão presen-
tes na igreja.
A outra dimensão, a largura da igreja, é determinada pelo compromisso da
igreja com a comunhão e evangelismo. A igreja não se alargará se deixar de
evangelizar. Se esquecermos do mundo carente, perderemos o equilíbrio. É im-
perativo que busquemos continuamente as pessoas que estão necessitadas.
Afinal, é disso que se trata o amor. Sim, é o amor que nos empurra para fora de
nossa complacência e imobilidade e nos desperta para buscarmos e tocarmos
os outros.
Assim, a igreja glorificará o seu Senhor ao manter em perspectiva e equilíbrio
esses quatro objetivos do seu ministério e missão. Quanto mais profunda e sadia
sua teologia (instrução), maior o impacto de sua adoração (culto), ou seja, pela
qualidade de seu culto se saberá no que de fato ela crê e como está o ensino na
comunidade. Por sua vez, quanto maior a intensidade da vida comunitária de
seus membros (comunhão), maior o alcance que ela poderá ter (expressão), im-
pactando o mundo com a pregação do Evangelho da graça e com atos de amor,
misericórdia e justiça.

BIBLIOGRAFIA

SWINDOLL, Charles. A noiva de Cristo. São Paulo: Vida, 1996.

WARREN, Rick. Uma igreja com propósito. São Paulo: Vida, 1997.

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