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haja algo de errado com o prazer sexu- orgulhosos. Note-se ainda que o orgu-
al mais do que com o prazer de comer, lho é sempre de ordem comparativa: os
e sim que você não deve isolar o prazer homens “se orgulham por serem mais
sexual e tentar obtê-lo sozinho, da mes- ricos, mais inteligentes e mais boni-
ma forma que você não deve tentar obter tos do que os outros” (p. 166). O orgu-
os prazeres do gosto, sem engolir e dige- lho consiste na principal desgraça do
rir, mastigando o alimento e cuspindo-o mundo, um verdadeiro câncer espiritu-
de novo” (p. 146). al “que corrói a própria possibilidade de
Outra questão debatida por Lewis é amor, ou de contentamento, ou mesmo
que o casamento não pode se basear no de bom senso” (p. 170).
mero fato de “estar apaixonado”. A pro- Em oposição à soberba, portanto,
messa nupcial continua válida mesmo nenhuma virtude é tão necessária quan-
quando a paixão vai embora. É impos- to a caridade, tema do capítulo 9. O
sível, pois, prometer estar sempre apai- Autor desmistifica o sentido de carida-
xonado, tanto quanto se comprometer de de, reduzido a “dar esmolas”. Para ele,
jamais ter dor de cabeça ou sentir fome. a caridade significa “amor no sentido
Os sentimentos são essencialmente ins- cristão” (p. 175), que reside não no senti-
táveis. Por isso, o Autor estimula os mento, mas sim na vontade. A caridade
casais a viver novas emoções que reno- supera o mero gosto ou a simpatia com
vem o pacto matrimonial. os demais. “Nós gostamos e ‘simpatiza-
O perdão é o tema do capítulo 7. mos’ com certas pessoas e outras, não.
Trata-se, sem dúvida, de uma atitu- É importante entender que esse ‘simpa-
de difícil, mas que se encontra no âma- tizar’ natural não é nem um pecado nem
go dos ensinamentos de Jesus, que con- uma virtude, assim como não o são nos-
vidou a perdoar até mesmo os inimigos. sas preferências alimentícias, e sim ape-
Entretanto, isso não significa cair num nas um fato” (p. 176). É impossível, ade-
pacifismo à outrance. Lewis salienta mais, simpatizar-se com toda humanida-
que o preceito “amar os inimigos” sig- de.
nifica desejar-lhes o bem e não necessa- Sobre a virtude da esperança, Lewis
riamente ter simpatia por eles, tampouco comenta que os que deixaram a sua mar-
aprovar o mal (p. 164). Como já demons- ca na terra foram justamente aqueles
trou Aristóteles, é impossível ser amigo cujas “mentes estavam ocupadas com
de um número considerável de pessoas. o Céu. [...] Aspire ao Céu, e terá a ter-
O capítulo 8 aborda o grande peca- ra de ‘lambuja’; aspire à Terra, e não terá
do, isto é, o orgulho. De fato, foi esse nenhum dos dois” (p. 180). Neste pon-
vício que tornou o diabo o que ele é. E to, não se compreende porque se escreve
o paradoxo é que quanto mais alguém é “terra” na primeira vez em letra minús-
orgulhoso, mais julga que os outros são cula e em seguida em maiúscula. No ori-
ginal inglês ambas as formas estão em é necessário para recordar o que acredi-
minúsculas. tamos.
Nesse tópico, também aparece o cha- O livro IV e último contém tópi-
mado “argumento do desejo de Deus” cos bem variados. No primeiro capí-
para a prova de sua existência, que, tulo, Lewis desmistifica a ideia de
embora sem valor apodítico, oferece que as pessoas não querem conhecer
bons indícios no plano da analogia. Eis Teologia, mas apenas uma “religião sim-
a sua formulação: “As criaturas não nas- ples”. Reconhece, porém, que as pesso-
ceriam com desejos, se não existisse a as andam desanimadas com a Teologia,
satisfação para esses desejos. Um bebê com o pretexto de que ela não serviria
sente fome: muito bem, existe a comi- para nada.
da. Um pato deseja nadar: muito bem, Para o Autor, a Teologia se asseme-
existe a água. Os seres humanos sen- lha a um mapa. As doutrinas não equi-
tem desejo sexual: muito bem, existe o valem ao próprio Deus, mas são apenas
sexo. Ao descobrir em mim um desejo placas de sinalização, baseadas na expe-
que nenhuma experiência desse mun- riência de inúmeros cristãos. O mapa
do poderia satisfazer, a explicação mais não é tudo, mas ajuda a desbravar o ter-
provável é que eu tenha sido feito para reno, sobretudo considerando a Teologia
outro mundo” (p. 183). Efetivamente, hodierna, cada vez mais prática.
é impossível que um aborígene tenha O cristianismo vai além dos bons
desejo de tomar champanhe, se ele nun- conselhos. Contém toda uma doutri-
ca tiver experimentado a bebida ou ao na profunda sobre a própria natureza de
menos tiver ouvido falar a seu respei- Cristo, sobre a Redenção e outros temas
to. Se temos, pois, um desejo por algo complexos. De nada adianta, entretanto,
transcendente, este algo deveria forçosa- reclamar que essas matérias são difíceis.
mente existir. Embora o argumento não “O cristianismo afirma algo sobre outro
seja de todo convincente do ponto de mundo” (p. 207). Mais difícil ainda é a
vista filosófico, oferece uma faceta bas- doutrina sobre a Trindade, tema do capí-
tante original do pensamento lewisiano. tulo 2.
Para Lewis, a fé significa “a arte de O capítulo terceiro versa sobre o tem-
aderir a coisas que a sua razão já acei- po, recordando que Deus está absoluta-
tou, apesar de seus estados de espíri- mente fora dele. Assim, “você está tão a
to inconstantes, pois os humores vão sós com ele quanto se fosse o único ser
mudar independentemente da visão que que ele já criou. Quando Cristo morreu,
sua razão assuma” (p. 188). De fato, nos- ele morreu por você individualmente,
sos estados de espírito mudam, e, por como se você fosse o único ser humano
isso mesmo, o exercício do culto divino do mundo” (p. 220).