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A PALAVRA DE DEUS
NA VIDA E NA MISSÃO
DA IGREJA
INSTRUMENTUM LABORIS
Cidade do Vaticano
2008
ÍNDICE
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO
PRIMEIRA PARTE
O MISTÉRIO DE DEUS QUE NOS FALA
CAPÍTULO PRIMEIRO
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CAPÍTULO SEGUNDO
CAPÍTULO TERCEIRO
SEGUNDA PARTE
A PALAVRA DE DEUS NA VIDA DA IGREJA
CAPÍTULO QUARTO
CAPÍTULO QUINTO
TERCEIRA PARTE
A PALAVRA DE DEUS NA MISSÃO DA IGREJA
A missão da Igreja
CAPÍTULO SEXTO
CAPÍTULO SÉTIMO
CAPÍTULO OITAVO
CONCLUSÃO
A Palavra de Deus, dom à Igreja
PREFÁCIO
A Palavra de Deus por excelência é Jesus Cristo, homem e Deus. O Filho eterno é a
Palavra que desde sempre existe em Deus, porque ela mesma é Deus: «No princípio era o
Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus» (Jo 1, 1). A Palavra revela o mistério
de Deus Uno e Trino. Pronunciada desde sempre por Deus Pai no amor do Espírito Santo, a
Palavra exprime o diálogo, descreve a comunhão, introduz na profundidade da vida
beatífica da Santíssima Trindade. Em Jesus Cristo, Verbo eterno, Deus nos escolheu antes
da criação do mundo, predestinando-nos a sermos seus filhos adotivos (cf. Ef 1, 4-5).
Quando o Espírito pairava sobre as águas e as trevas cobriam os abismos (cf. Gen 1, 2),
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Deus Pai decidiu criar o céu e a terra através da Palavra, por meio da qual tudo o que
existe foi feito (cf. Jo 1, 3). Por isso, as marcas da Palavra encontram-se também no mundo
criado: «os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos»
(Sal 18, 2). A obra-prima da criação é o homem, feito à imagem e semelhança de Deus (cf.
Gen 1, 26-27), capaz de entrar em diálogo com o Criador, de descobrir na criação o sinal
do seu Autor, o Verbo criador, e de, por meio do Espírito, viver na comunhão com Aquele
que é (cf. Ex 3, 14), com o Deus vivo e verdadeiro (cf. Jer 10, 10).
Essa amizade foi quebrada pelo pecado dos nossos primeiros pais (cf. Gen 3, 1-24), que
também ofuscou o acesso a Deus através da criação. Deus, clemente e misericordioso (cf. 2
Cr 30, 9), na sua bondade, não abandonou os homens. Escolheu um povo em favor de todas
as nações (cf. Gen 22, 18) e continuou a falar-lhe ao longo dos séculos por meio dos
Patriarcas e dos Profetas, homens escolhidos para manter viva a esperança geradora de
consolação também nos acontecimentos dramáticos da história da salvação. As suas
palavras inspiradas estão recolhidas nos livros do Antigo Testamento. Mantiveram viva a
espera da vinda do Messias, filho de David (cf. Mt 22, 42), rebento da raiz de Jessé (cf. Is
11, 1).
Quando, depois, na plenitude dos tempos (cf. Gal 4, 4), Deus quis desvendar aos homens o
mistério da sua vida, escondido por séculos e gerações (cf. Col 1, 26), o Filho Unigénito de
Deus incarnou, «o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós» (Jo 1, 14). Em tudo semelhante a
nós, excepto no pecado (cf. Heb 2, 17; 4, 15), o Verbo de Deus teve de Se exprimir de forma
humana por palavras e gestos, que são narrados no Novo Testamento, sobretudo nos
Evangelhos. Trata-se de uma linguagem em tudo semelhante à dos homens, excepto no erro.
Com os olhos da fé, o crente descobre, na fragilidade da natureza humana de Jesus Cristo,
o esplendor da sua glória «como de unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade» (Jo 1,
14). De modo análogo, por meio das palavras da Sagrada Escritura, o cristão é convidado
a descobrir a Palavra de Deus, o esplendor do glorioso Evangelho de Cristo, que é imagem
de Deus (cf. 2 Cor 4, 4). É um processo exigente, paciente e constante, que pressupõe um
estudo histórico e crítico (também diacrónico) e a aplicação de todos os possíveis métodos
científicos e literários (em vista da compreensão sincrónica), a que se submete toda a
investigação de escritos humanos. Iluminados pelo Espírito Santo, dom do Senhor
ressuscitado, e sob a guia do Magistério, os fiéis perscrutam as Escrituras e aproximam-se
do seu significado pleno, encontrando a Palavra de Deus, a pessoa do Senhor Jesus, Aquele
que tem palavras de vida eterna (cf. Jo 6, 68).
Por conseguinte, o tema da XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos – A
Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja – poderia ser tomado em sentido cristológico:
Jesus Cristo na vida e na missão da Igreja. A perspectiva cristológica é necessariamente
acompanhada da pneumatológica, que juntas permitem descobrir a dimensão trinitária da
revelação. Essa leitura garante, por um lado, a unidade da revelação, enquanto o Senhor
Jesus, Palavra de Deus, unifica todas as palavras e gestos relatados na Sagrada Escritura
por autores inspirados e fielmente conservados na Tradição. Isso vale não só para o Novo
Testamento, que narra e proclama o mistério da morte, da ressurreição e da presença do
Senhor Jesus no seio da Igreja, comunidade dos seus discípulos convocados para celebrar
os santos mistérios. Permitindo à graça destruir o pecado (cf. Rom 6, 6), os fiéis procuram
conformar-se com o seu Mestre para que cada um possa viver Cristo (cf. Gal 2, 20). Uma
tal leitura vale também para o Antigo Testamento, que, segundo a palavra de Jesus, também
dá testemunho d’Ele (cf. Jo 5, 39; Lc 24, 27). Por outro lado, a leitura cristológica da
Escritura, unida à pneumatológica, permite elevar-se da letra ao espírito, das palavras à
Palavra de Deus. Com efeito, as palavras muitas vezes escondem o verdadeiro significado,
que é próprio dos géneros literários, da cultura dos escritores inspirados e da maneira de
conceber o mundo e as suas leis. É necessário, portanto, redescobrir na multiplicidade das
palavras a unidade da Palavra de Deus, que, depois desse necessário e fatigante percurso,
brilha com um inesperado esplendor, sobejamente compensador da fadiga da procura.
Lineamenta, documento de reflexão dos Sínodos das Igrejas Orientais Católicas sui iuris,
das Conferências Episcopais, dos Dicastérios da Cúria Romana, da União dos Superiores
Gerais, bem como de pessoas que quiserem dar o seu contributo na reflexão eclesial sobre
um tema tão importante. A reflexão foi orientada pelo Santo Padre Bento XVI, Pastor
universal da Igreja, que em numerosas intervenções se referiu ao tema da Assembleia
sinodal, desejando, entre outras coisas, que da redescoberta da Palavra de Deus, sempre
actual e que nunca envelhece, a Igreja possa rejuvenescer e ter uma nova primavera. Assim,
poderá desempenhar com novo dinamismo a sua missão de evangelização e de promoção
humana no mundo de hoje, que tem sede de Deus e da sua palavra de fé, esperança e
caridade.
Nikola Eterović
Arcebispo titular de Sisak
Secretário Geral
INTRODUÇÃO
«O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que
contemplámos, o que tocámos com as nossas mãos acerca do Verbo da Vida, é o que vos
anunciamos. Porque a Vida manifestou-Se e nós vimos e damos testemunho d’Ela. Nós vos
anunciamos a Vida eterna, que estava junto do Pai e nos foi manifestada. Nós vos
anunciamos o que vimos e ouvimos, para que estejais também em comunhão connosco. E a
nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. E vos escrevemos tudo isto,
para que a vossa alegria seja completa» (1 Jo 1, 1-4).
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1. A próxima XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que terá lugar de 5 a 26
de Outubro de 2008, tem por tema A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. O
argumento escolhido por Sua Santidade Bento XVI a 6 de Outubro de 2006 foi acolhido
com grande consenso do Episcopado e do povo de Deus. Para orientar a preparação
específica foram preparados os Lineamenta, com o intuito de se reflectir, à luz do Concílio
Ecuménico Vaticano II, sobre a experiência que a Igreja faz hoje da Palavra na variedade das
tradições e dos ritos, apelando para as motivações da fé e estimulando uma reflexão
articulada sobre diversos aspectos do encontro com a Palavra de Deus.
Pontos de referência
Especial atenção merecem o magistério dos Papas Pio XII, Paulo VI, João Paulo II e Bento
XVI sobre a Palavra de Deus e os documentos de alguns Dicastérios da Cúria Romana
nestes quarenta anos do pós-Concílio. Existem também os textos sobre a Palavra de Deus
das Igrejas particulares e de outros organismos eclesiais continentais, regionais e nacionais.
Por sua vez, o Sínodo tem outros dois pontos de referência. O primeiro é o precedente
Sínodo sobre a Eucaristia, com a qual se conjuga a Palavra de Deus, formando uma única
mesa do Pão da vida (cf. DV 21). O segundo é um outro acontecimento importante de graça,
que anima os trabalhos do Sínodo: o da sua simultaneidade com o Ano Paulino, na memória
viva do Apóstolo, que da Palavra de Deus foi testemunha e anunciador exemplar e é mestre
permanente na Igreja.
Expectativas comuns
3. Nos contributos dados pelos Pastores encontram-se muitos pontos comuns, que mostram
o que se espera do Sínodo. Das observações comuns sobressaem:
- o convite a reconhecer que a Palavra de Deus é Jesus Cristo, o que implica que
se leia toda a Bíblia à luz do seu mistério, de modo especial na celebração
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- o grande desejo dos fiéis de ouvir a Palavra de Deus, a que se responde com
apreciáveis iniciativas pastorais; mas, por outro lado, a percepção da
necessidade urgente de superar a indiferença, a ignorância e confusão sobre as
verdades da fé relativas à Palavra de Deus, a falta de preparação e de subsídios
bíblicos;
- a urgência de que o laicado não seja apenas um sujeito passivo, mas se torne,
ao mesmo tempo, ouvinte da Palavra de Deus e seu anunciador, devidamente
preparado e apoiado pela comunidade;
A finalidade do Sínodo
b. É desejo de muitos Pastores que o contributo final do Sínodo não seja apenas
de carácter informativo, mas incida na vida, provoque participação, de modo
que a Palavra de Deus se mostre viva, eficaz, penetrante (cf. Heb 4, 12), através
de uma linguagem essencial e compreensível às pessoas. A tal propósito,
convém lembrar que os termos Bíblia, Sagrada Escritura, Livro Sagrado têm o
mesmo significado, e do contexto se compreenderá quando também a expressão
“Palavra de Deus” tem o sentido de “Sagrada Escritura”.
PREMISSA
Itinerário histórico
Incertezas e perguntas
6. Outros aspectos, porém, permanecem ainda abertos e problemáticos. Sempre num plano
objectivo de dados, registam-se nas Igreja locais, um pouco por toda parte, as seguintes
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lacunas:
- o contacto que na liturgia da Missa se faz com a Palavra de Deus deixa muitas
vezes a desejar;
7. Olhando para a condição de fé neste quadro de luzes e sombras, dos contributos dos
Pastores emergem interessantes pontos de reflexão, que se podem agrupar em três níveis:
pessoal, comunitário e social.
a. A nível das pessoas. Há que ter presente que muitos fiéis hesitam em abrir a
Bíblia por diversas razões, sobretudo pela impressão de que se trata de um livro
demasiado difícil de compreender. Em muitos cristãos, o desejo intenso de ouvir
a Palavra de Deus dá-se numa experiência mais emotiva que convicta, pelo
escasso conhecimento que têm da doutrina. Esta ruptura entre verdades de fé e
experiência de vida nota-se, sobretudo, no encontro litúrgico com a Palavra de
Deus. Acrescente-se uma certa separação entre os estudiosos, por um lado, e os
Pastores e povo simples das comunidades cristãs, por outro. Em segundo lugar,
há que reconhecer que a relação directa com a Escritura muitos a vivem de
modo incipiente. Neste campo, os movimentos dão um especial testemunho e há
que reconhecer a função estimulante das pessoas consagradas.
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Cada parte está dividida em capítulos, para tornar a leitura mais leve e clara. Em síntese, o
Sínodo pretende meditar, propor e agradecer esse grande mistério da Palavra de Deus, seu
dom supremo.
PRIMEIRA PARTE
O MISTÉRIO DE DEUS QUE NOS FALA
«Muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais, pelos Profetas.
Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por seu Filho, a quem fez herdeiro de todas as
coisas e pelo qual também criou o universo» (Heb 1, 1-2).
Dos contributos dos Pastores tomam-se alguns temas teológicos mais significativos para a
acção pastoral, como são a identidade da Palavra de Deus, o mistério de Cristo e da Igreja
como centro da Palavra de Deus, a Bíblia como Palavra inspirada e a sua verdade, a
interpretação da Bíblia segundo a fé da Igreja, a correcta atitude de escuta da Palavra de
Deus.
CAPÍTULO PRIMEIRO
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A Dei Verbum propõe uma teologia dialógica da Revelação. Nesse diálogo, há três aspectos
que estão intrinsecamente ligados: a amplidão de significado que o termo “Palavra de Deus”
assume na Revelação divina; o mistério de Cristo, expressão plena e perfeita da Palavra de
Deus; o mistério da Igreja, sacramento da Palavra de Deus.
9. A Palavra de Deus é como um canto a várias vozes, enquanto Deus a pronuncia de muitas
formas e de diversos modos (cf. Heb 1, 1), numa longa história e com uma diversidade de
anunciadores, mas onde aparece uma hierarquia de significados e funções.
a. A Palavra de Deus tem como pátria a Trindade, donde provém, por quem é
sustentada e a quem regressa, testemunho permanente do amor do Pai, da obra
de salvação do Filho Jesus Cristo e da acção fecunda do Espírito Santo. À luz
da Revelação, a Palavra é o Verbo eterno de Deus, a segunda pessoa da
Santíssima Trindade, o Filho do Pai, fundamento da comunicação intra-trinitária
e ad extra: «No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era
Deus. No princípio, Ele estava com Deus. Tudo se fez por meio d’Ele e sem Ele
nada foi feito» (Jo 1, 1-3; cf. Col 1, 16).
b. Por isso, o mundo criado narra a glória de Deus (cf. Sal 18, 1). No princípio
do tempo, Deus cria com a sua Palavra o cosmo (cf. Gen 1, 1), pondo na criação
a marca da sua sabedoria e tornando-se assim tudo sua voz (cf. Sir 46, 17; Sal
67, 34). É em especial a pessoa humana, porque criada à imagem e semelhança
de Deus (cf. Gen 1, 26), que se torna para sempre sinal inviolável e intérprete
inteligente da sua Palavra. Da Palavra de Deus, de facto, a pessoa recebe a
capacidade para entrar em diálogo com Ele e com a criação. Assim, Deus faz de
toda a criação, e da pessoa in primis, «um testemunho perene de Si» (DV 3).
Dado que «n’Ele (Cristo) foram criadas todas as coisas e em vista d’Ele [...] e
n’Ele todas subsistem» (Col 1, 16-17), «encontram-se nas pessoas e nas
tradições religiosas da humanidade “sementes do Verbo” (AG 11.15), “raios da
verdade que ilumina todos os homens” (NA 2)» [3].
d. Em vista da Palavra de Deus, que é o Filho incarnado, o Pai falou nos tempos
antigos por meio dos Profetas (cf. Heb 1, 1) e, pela força do Espírito, os
Apóstolos continuam a anunciar Jesus e o seu Evangelho. Assim, a Palavra de
Deus é expressa com palavras humanas no anúncio dos Profetas e dos
Apóstolos.
salvação. Assim, a Palavra continua o seu curso na pregação viva, que abraça as
diferentes formas de evangelização, onde sobressaem o anúncio e a catequese,
a celebração litúrgica e o serviço da caridade. A pregação no sentido apenas
afirmado é, sob o poder do Espírito Santo, Palavra do Deus vivo, comunicada a
pessoas vivas.
Deste quadro pode-se compreender que, quando se anuncia na fé a revelação de Deus, dá-se
um acontecimento revelatório, que se pode chamar verdadeiramente Palavra de Deus na
Igreja.
Consequências pastorais
10. Recordam-se aqui as muitas consequências pastorais, a que se ligam tantas respostas
vindas das Igrejas particulares.
- Nesta perspectiva, a religião cristã não se pode definir “religião do Livro” em termos
absolutos, uma vez que o Livro inspirado pertence de forma vital a todo o corpo da
Revelação [4].
- Convirá certamente retomar a linda noção de “história da salvação” (historia salutis), tão
cara aos Padres da Igreja e que tradicionalmente se tornou “História sagrada”. Deverá levar-
se a compreender tudo o que implica a “religião do Verbo incarnado”, ou seja, a Palavra de
Deus, que não está cristalizada em fórmulas abstractas e estáticas, mas tem uma história
dinâmica, feita de pessoas e acontecimentos, de palavras e acções, de evoluções e tensões,
como claramente aparece na Bíblia. A historia salutis, concluída na sua fase constitutiva,
continua a ser eficaz agora no tempo da Igreja.
- A totalidade da Palavra de Deus é assegurada por todos os actos que a exprimem, segundo
a função de cada um. Salta logo à mente, pela sua força, o facto de a Sagrada Escritura
constituir o âmbito vital da Igreja. Por outro lado, é necessário que todos os momentos do
ministério da Palavra de Deus estejam em interacção recíproca e harmónica. Entre estes, têm
um papel fundamental o anúncio, a catequese, a liturgia e a diaconia.
- Caberá aos Pastores ajudar os fiéis a terem esta visão harmónica da Palavra, evitando
formas erróneas ou redutoras ou de compreensão ambígua e tornando-os capazes de se
tornarem ouvintes atentos da Palavra, onde quer que ela ressoe, e a saborear também as
palavras mais simples da Bíblia.
Dessa relação citam-se aqui apenas algumas referências teológicas essenciais de evidente
incidência pastoral.
- Sempre à luz da Dei Verbum, há que recordar que Deus realizou um plano
inteiramente gratuito: «mandou o seu Filho para que habitasse entre os homens
e lhes explicasse os segredos de Deus (cf. Jo 1, 1-18). Jesus Cristo, portanto,
Verbo feito carne, [...] “diz as palavras de Deus” (Jo 3, 34) e realiza a obra de
salvação que Lhe foi confiada pelo Pai (cf. Jo 5, 36; 17, 4)» (DV 4). Assim,
Jesus, na sua vida terrena e agora celeste, assume e realiza a finalidade plena, o
sentido, a história e o projecto da Palavra de Deus, porque, como diz Santo
Ireneu, Cristo «trouxe-nos a novidade plena, ao trazer-nos a Si próprio» [5].
- Mas também é verdade que a Palavra de Jesus tem de ser compreendida, como
Ele mesmo dizia, segundo as Escrituras (cf. Lc 24, 44-49), ou seja, na história
do povo de Deus do Antigo Testamento, que O esperou como Messias, e agora
na história da comunidade cristã, que O anuncia com a pregação, medita n’Ele
com a Bíblia, e experimenta a sua amizade e guia. São Bernardo afirma que no
plano da Incarnação da Palavra, Cristo é o centro de todas as Escrituras. A
Palavra de Deus, que já se fez ouvir na primeira aliança, tornou-se visível em
Cristo [6].
- Não se pode esquecer que «por Ele e para Ele tudo foi criado» (Col 1, 16).
Jesus assume uma centralidade cósmica; é o rei do universo, Aquele que dá
sentido último a toda a realidade. Se a Palavra de Deus é como um canto a
várias vozes, a sua chave de interpretação, por inspiração do Espírito Santo, é
Cristo na globalidade do seu mistério. «A Palavra de Deus, que no princípio
estava com Deus, não é, na sua plenitude, uma multiplicidade de palavras; não é
muitas palavras, mas uma só Palavra que abarca um grande número de ideias,
de que cada uma é uma parte da Palavra na sua totalidade [...] E se Cristo nos
remete para as “Escrituras”, como sendo as que Lhe dão testemunho, considera
os livros da Escritura um único rótulo, porque tudo o que foi escrito acerca
d’Ele está recapitulado num só todo» [7].
12. A Igreja, porque é mistério do Corpo de Jesus, acaba por ter na Palavra o anúncio da sua
identidade, a graça da sua conversão, o mandato da sua missão, a fonte da sua profecia e a
razão da sua esperança. É intimamente constituída pelo diálogo com o Esposo e torna-se a
destinatária e testemunha privilegiada da Palavra amorosa e salvífica de Deus. Pertencer
cada vez mais a esse “mistério” que faz a Igreja é o resultado justo da escuta da Palavra de
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Deus. Por isso, o encontro contínuo com a Palavra de Deus é causa da sua renovação e fonte
de «uma nova primavera espiritual» [8].
Por outro lado, a consciência viva de pertencer à Igreja, Corpo de Cristo, será efectiva na
medida em que se puderem articular coerentemente as diferentes relações com a Palavra de
Deus: uma Palavra anunciada, uma Palavra meditada e estudada, uma Palavra pregada e
celebrada, uma Palavra vivida e propagada. É por isso que, na Igreja, a Palavra de Deus não
é um depósito inerte, mas torna-se regra suprema da fé e poder de vida; progride com a
assistência do Espírito Santo e cresce com a reflexão e o estudo dos crentes, com a
experiência pessoal de vida espiritual e a pregação dos Bispos (cf. DV 8; 21). Testemunham-
no de modo especial os homens de Deus que habitaram a Palavra [9]. É evidente que a
primeira missão da Igreja é transmitir a Palavra divina a todos os homens. A história atesta
que isso aconteceu e continua a acontecer hoje, depois de tantos séculos, no meio de tantos
obstáculos, mas também com vitalidade fecunda.
São objecto de permanente reflexão e fiel actuação as primeiras palavras da Dei Verbum:
«em religiosa escuta da Palavra de Deus e proclamando-a com firme confiança» (DV 1).
Resumem a essência da Igreja na sua dupla dimensão de escuta e proclamação da Palavra de
Deus. Não há dúvida nenhuma de que o primeiro lugar pertence à Palavra de Deus. Só
através dela se pode compreender a Igreja. Esta define-se como Igreja que escuta. É na
medida em que escuta que também pode ser Igreja que proclama. Diz o Santo Padre Bento
XVI: «Não é a si que a Igreja vai buscar a sua vida, mas ao Evangelho, e pelo Evangelho
que ela constantemente se orienta no seu peregrinar» [10].
Consequências pastorais
13. A comunidade cristã sente-se gerada e renovada pela Palavra de Deus para descobrir a
face de Cristo. A afirmação de São Jerónimo é clara e categórica: «Ignoratio enim
Scripturarum, ignoratio Christi est» [11] (Quem não conhece as Escrituras não conhece
Cristo). Recordam-se aqui algumas urgências pastorais indicadas nas respostas aos
Lineamenta:
- ajudar os fiéis a ver a Igreja, guiada pelo Magistério, como o lugar vital e
contínuo de anúncio da Palavra de Deus;
- instruir os cristãos que dizem não ler a Bíblia por preferirem estabelecer com
Jesus uma relação directa e pessoal;
CAPÍTULO SEGUNDO
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As perguntas
14. Um dos problemas mais sentidos pelos Pastores é a relação da Sagrada Escritura com a
Palavra de Deus, de modo especial a sua inspiração e a sua verdade. Distinguem-se três
níveis de perguntas:
- umas têm a ver com a natureza da Bíblia: que se entende por inspiração ou por
cânone, qual o tipo de verdade da Escritura e como entender a sua historicidade;
15. Muitas respostas aos Lineamenta levantam questões sobre o modo de explicar aos fiéis o
carisma da inspiração e da verdade das Escrituras. A tal propósito, é necessário, antes de
mais, fixar a relação entre Bíblia e Palavra de Deus, esclarecer a acção do Espírito Santo e
fixar alguns pontos sobre a identidade da Bíblia.
16. O Concilio Vaticano II insiste sobre a unidade de origem e sobre as muitas ligações entre
Tradição e Escritura, que a Igreja acolhe «com igual sentimento de piedade e reverência»
(DV 9). A tal propósito, recordamos que a Palavra de Deus, feita em Cristo Evangelho ou
Boa Nova (cf. Rom 1,16) e, como tal, entregue à pregação apostólica, continua o seu curso:
- depois, através da Sagrada Escritura, que conserva desta Tradição viva, por
inspiração do Espírito Santo e precisamente na imutabilidade da escrita, os
elementos constitutivos e originários. «Esta Sagrada Tradição, portanto, e a
Escritura Sagrada de um e do outro Testamento são como um espelho, no qual a
Igreja peregrina sobre a terra contempla Deus, de quem tudo recebe, até chegar
a vê-l’O, face a face, como Ele é (cf. 1 Jo 3, 2)» (DV 7).
Por fim, cabe ao Magistério da Igreja, que não é superior à Palavra de Deus, o encargo de
«interpretar autenticamente a Palavra de Deus escrita ou transmitida», enquanto «piamente a
ouve, religiosamente a guarda e fielmente a expõe» (DV 10). Em síntese, uma verdadeira
leitura da Escritura como Palavra de Deus não pode ser feita senão in Ecclesia, segundo o
seu ensinamento.
17. Um problema que católicos sentem tem a ver com o conhecimento do Antigo
Testamento como Palavra de Deus e, de modo especial, a sua relação com o mistério de
Cristo e da Igreja. Até por dificuldades exegéticas não resolvidas, depara-se com uma certa
resistência perante páginas do Antigo Testamento que se mostram incompreensíveis e que,
portanto, são expostas a uma selecção arbitrária e a uma recusa. Segundo a fé da Igreja, o
Antigo Testamento deve ser considerado como parte da única Bíblia dos cristãos, parte
constitutiva da Revelação e, portanto, da Palavra de Deus. Daí a necessidade urgente de uma
formação para a leitura cristã do Antigo Testamento, reconhecendo a relação que liga os dois
Testamentos e os valores permanentes do Antigo (cf. DV 15-16) [14]. Neste ponto, é de
ajuda a práxis litúrgica, que proclama sempre o Texto Sagrado do Antigo Testamento como
página essencial para uma compreensão plena do Novo Testamento, segundo a afirmação do
próprio Jesus no episódio de Emaús, onde o Mestre, «começando por Moisés e passando
pelos Profetas, explicou-lhes em todas as Escrituras o que Lhe dizia respeito» (Lc 24, 27). É
exacta a afirmação agostiniana «Novum in Vetere latet et in Novo Vetus patet»[15] (O Novo
Testamento está escondido no Antigo e o Antigo é desvelado no Novo). Diz São Gregório
Magno: «O que o Antigo Testamento prometeu, o Novo Testamento mostrou; o que aquele
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anuncia de modo oculto, este proclama-o abertamente como presente. Por isso, o Antigo
Testamento é profecia do Novo Testamento, e o melhor comentário do Antigo Testamento é
o Novo Testamento» [16]. As consequências práticas desta doutrina são numerosas e vitais.
Consequências pastorais
18. Cresce a consciência de que não é suficiente uma leitura superficial da Bíblia. Constata-
se que diversos grupos bíblicos, que partiram com entusiasmo à descoberta do Livro
Sagrado, foram-se depois progressivamente extinguindo por falta de bom terreno, ou seja, da
Palavra de Deus entendida no seu mistério de graça, como Jesus diz na parábola do
semeador (cf. Mt 13, 20-21). Nessa óptica, propõem-se aqui algumas consequências:
b. Deve-se também ter presente, nos seus efeitos práticos, a distinção entre
Tradição apostólica constitutiva e tradições eclesiais. Com efeito, enquanto a
primeira provém dos Apóstolos e transmite o que estes receberam de Jesus e do
próprio Espírito Santo, as tradições eclesiais nasceram ao longo dos tempos nas
Igrejas locais, e são formas de adaptação da «grande Tradição» [17]. Deve-se,
além disso, ter na devida conta o alcance decisivo do reconhecimento canónico
que a Igreja fez em matéria de Sagrada Escritura, garantindo a sua autenticidade
perante a proliferação de livros não autênticos ou apócrifos. As interpretações
gnósticas, hoje muito difusas, sobre a verdade das origens cristãs exigem que se
explique o que se entende por Cânone dos Livros Sagrados e como este surgiu.
Aí se justificam a oportunidade de orientação e a necessidade de
reconhecimento por parte da Igreja na tradução e difusão da Escritura. Por fim,
há que retomar em consideração o confronto entre Escritura e Tradição e os
sinais da Palavra de Deus no mundo criado, especialmente em relação ao
homem e à sua história, pois toda a criatura é Palavra de Deus, uma vez que
proclama Deus [18].
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caminho, por andar o povo de Deus um tanto afastado do uso directo e pessoal
da Escritura.
f. Quanto pois ao Antigo Testamento, este deve ser entendido como uma etapa
no crescimento da fé e da compreensão de Deus. O seu carácter figurativo e a
sua relação com a mentalidade científica e histórica do nosso tempo precisam
de um esclarecimento. Do mesmo modo, muitas suas passagens contêm uma
força espiritual, sapiencial e cultural única, permitem fazer uma rica catequese
sobre as realidades humanas e mostram as etapas do caminho de fé de um povo.
O conhecimento e a leitura dos Evangelhos não excluem o facto de o
aprofundamento do Antigo Testamento dar à leitura e inteligência do Novo
Testamento uma profundidade cada vez maior.
g. Por fim e numa óptica pastoral muito concreta, merecem ser assinaladas
algumas observações que permitem um melhor discernimento da relação dos
fiéis com a doutrina da fé. Os fiéis, em geral, distinguem a Bíblia dos outros
textos religiosos e consideram-na mais importante na vida de fé; na prática,
porém, muitos preferem textos espirituais de compreensão mais simples,
mensagens e escritos edificantes ou diversas manifestações da piedade popular.
Poder-se-ia dizer que o povo encontra a Palavra de Deus por via prática,
vivendo-a, mais do que conhecendo as suas origens e motivações. É uma
situação positiva, mas ao mesmo tempo frágil. Precisa saber falar ao povo,
reconhecendo a sua maneira de compreender. Ajudar os fiéis a compreender o
que é a Bíblia, porque existe, o que dá à fé, como se a usa, é um dever
imprescindível nas actividades pastorais.
À escuta da experiência
20. Das respostas dos Bispos conclui-se que a interpretação da Palavra, não obstante as
aparências em contrário, é acessível. Há muitos cristãos que, em comunidade ou
singularmente, perscrutam a Palavra de Deus, dispostos a compreender o que Deus diz e a
obedecer-Lhe prontamente. Pois bem, esta disponibilidade da fé é para a Igreja uma
possibilidade preciosa para tornar possível uma correcta compreensão e actualização do
Texto Sagrado. Hoje, esta oportunidade (kairòs) tem, de certo modo, ainda mais valor
porque se abre um novo confronto entre a Palavra de Deus e as ciências do homem, de modo
especial no âmbito da investigação filosófica, científica e histórica. Deste contacto entre
Palavra e cultura advém uma grande riqueza de verdade e de valores sobre Deus, o homem e
as coisas. A razão, portanto, interpela a fé e é levada por esta a colaborar para uma verdade e
vida em consonância com a Revelação de Deus e as expectativas da humanidade.
Mas também não faltam os riscos de uma interpretação arbitrária e redutora, resultantes
sobretudo do fundamentalismo, que faz com que, por um lado, se manifeste o desejo de
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permanecer fiéis ao Texto, mas, por outro, se ignore a própria natureza dos textos, caindo em
erros graves e até gerando conflitos inúteis [20]. Existem também as chamadas leituras
ideológicas da Bíblia, fruto de pre-compreensões rígidas de ordem espiritual ou social e
político ou simplesmente humanas, a que falta o suporte da fé (cf. 2 Pt 1, 19-20; 3, 16), até
formas de contraposição e separação entre a forma escrita, atestada antes de mais na Bíblia,
a forma viva do anúncio e a experiência de vida dos crentes. Nota-se, em geral, um
conhecimento fraco ou impreciso das regras hermenêuticas da Palavra.
21. À luz do Concílio Vaticano II e do Magistério sucessivo [21], alguns aspectos parecem
carecer hoje de uma atenção e reflexão específicas, em vista de uma adequada comunicação
pastoral: a Bíblia, Livro de Deus e do homem, deve ser lida unificando correctamente o
sentido histórico-literal e o sentido teológico-espiritual, ou mais simplesmente sentido
espiritual [22]. A citada Nota da Pontifícia Comissão Bíblica dá, a propósito, a seguinte
definição: «Como regra geral, podemos definir o sentido espiritual, entendido segundo a fé
cristã, como o sentido expresso pelos textos bíblicos, quando lidos sob a influência do
Espírito Santo no contexto do mistério pascal de Cristo e da vida nova que dele deriva. Este
contexto existe realmente. O Novo Testamento reconhece que nele se cumprem as
Escrituras. É normal, portanto, reler as Escrituras à luz deste novo contexto, o da vida no
Espírito» [23].
Isso significa que, para uma exegese correcta, é necessário o método histórico-crítico,
convenientemente enriquecido de outras formas de abordagem [24], mas para alcançar o
sentido total da Escritura é necessário servir-se dos critérios teológicos, repropostos pela Dei
Verbum: «conteúdo e unidade de toda a Escritura, Tradição viva de toda a Igreja, analogia da
fé» (DV 12) [25]. Neste ponto, sente-se hoje a necessidade de uma aprofundada reflexão
teológica e pastoral para formar as nossas comunidades numa inteligência recta e frutuosa.
Diz o Papa Bento XVI: «É meu grande desejo que os teólogos aprendam a ler e a amar a
Escritura como, segundo a Dei Verbum, quis o Concílio: que vejam a unidade interior da
Escritura – a que a “exegese canónica” (que certamente ainda se encontra num estádio
inicial) hoje ajuda –, e que depois se faça dela uma leitura espiritual, que não é uma prática
exterior de carácter edificante, mas é antes um mergulhar interiormente na presença da
Palavra. Considero uma tarefa muito importante fazer algo nesse sentido: contribuir para
que, a par, com e na exegese histórico-crítica, se faça verdadeiramente uma introdução à
Escritura viva como Palavra de Deus actual» [26].
Consequências pastorais
22. O povo de Deus tem de ser educado para descobrir esse grande horizonte, que é a
Palavra de Deus, evitando complicar a leitura da Bíblia. Sirva a verdade de que as coisas
mais importantes na Bíblia são também as mais directamente ligadas à existência, como é a
vida de Jesus. Recordamos alguns pontos cruciais para uma correcta interpretação do Livro
Sagrado.
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b. Convém observar que «o sentido espiritual não deve ser confundido com as
interpretações subjectivas ditadas pela imaginação ou pela especulação
intelectual». Esse provém de «três níveis de realidade: o texto bíblico (no seu
sentido literal), o mistério pascal e as presentes circunstâncias de vida no
Espírito» [28]. Há que partir, em todo o caso, do texto bíblico, como primário e
insubstituível também na acção pastoral.
CAPÍTULO TERCEIRO
Das respostas dos Bispos aos Lineamenta vê-se a necessidade de cultivar no povo uma
relação orante, pessoal e comunitária com a Palavra de Deus que suscita e nutre a resposta
da fé.
23. Os sujeitos do acontecimento da Palavra são Deus que a anuncia e o destinatário, pessoa
singular ou comunidade. Deus fala, mas sem a escuta do crente a Palavra é dita, mas não
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acolhida. Por isso, pode-se dizer que a revelação bíblica é o encontro entre Deus e o povo na
experiência da única Palavra, e que ambos fazem a Palavra. A fé opera e a Palavra cria-a.
O texto de Heb 4, 12-13, bem como o de Is 55, 9-11 e tantos outros, afirmam a eficácia
infalível da Palavra de Deus. Como entender tal eficácia? A pergunta ainda mais se impõe
pelo facto, relevado por diversos contributos dos Bispos, de alguns cristãos neófitos darem à
leitura do Livro Sagrado um valor quase mágico, sem um específico empenhamento pessoal
de responsabilidade. Na verdade, a Palavra de Deus tem a sua eficácia, como diz a parábola
do semeador (cf. Mc 4, 1-20), mas quando se tiram os obstáculos e se criam as condições
para que a semente da Palavra frutifique.
24. «A Deus que revela é devida a obediência da fé». A Ele, que falando Se dá, o homem
ouvindo «se entrega [...] total e livremente» (DV 5). O homem, que mesmo em virtude da
estrutura íntima da pessoa é ouvinte da Palavra, recebe de Deus a graça de responder na fé.
Isso implica, da parte da comunidade e de cada crente, uma atitude de plena adesão a uma
proposta de comunhão total com Deus e de entrega à sua vontade (cf. DV 2). Tal atitude de
fé comunional deverá manifestar-se em cada encontro com a Palavra de Deus, na pregação
viva e na leitura da Bíblia. Não é por acaso que a Dei Verbum aplica ao Livro Sagrado o que
globalmente afirma da Palavra de Deus: «Deus fala aos homens como amigos para os
convidar e admitir à comunhão com Ele» (DV 2). «Nos Livros Sagrados, o Pai que está nos
céus vem amorosamente ao encontro de seus filhos, a conversar com eles» (DV 21).
Revelação é comunhão de amor, que a Escritura muitas vezes exprime com o termo de
aliança. Em síntese, trata-se de uma atitude de oração, «diálogo entre Deus e o homem,
porque “a Ele falamos, quando rezamos; a Ele ouvimos, quando lemos os divinos oráculos”
[31]» (DV 25).
A Palavra de Deus transforma a vida dos que dela se aproximam com fé. A Palavra nunca se
esgota; cada dia é nova. Mas, para que isso aconteça, é necessária uma fé que escuta. A
Escritura afirma repetidas vezes que a escuta é que faz de Israel povo de Deus: «Se ouvirdes
a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis minha propriedade especial entre todos os
povos» (Ex 19, 5; cf. Jer 11, 4). A escuta cria uma pertença, um laço; introduz na aliança. No
Novo Testamento, a escuta é dirigida à pessoa de Jesus, o Filho de Deus: «Este é o meu
Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência. Escutai-O» (Mt 17, 5 e par.).
O crente é alguém que escuta. Quem escuta confessa a presença daquele que fala e quer
envolver-se nele; quem escuta abre em si um espaço à inabitação do outro; quem escuta
dispõe-se com confiança ao outro que fala. Por isso, os Evangelhos pedem discernimento
sobre o que se escuta (cf. Mc 4, 24) e como se escuta (cf. Lc 8, 18): de facto, somos o que
escutamos! A figura antropológica que a Bíblia quer construir é, portanto, a de um homem
capaz de escutar, habitado por um coração que escuta (cf. 1 Reis 3, 9). Sendo esta escuta,
não uma mera audição de frases bíblicas, mas discernimento pneumático da Palavra de
Deus, ela exige a fé e deve fazer-se no Espírito Santo.
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Nesta perspectiva, tem um papel central a figura da Virgem Maria, que viveu de forma
incomparável o encontro com a Palavra de Deus, que é o próprio Jesus. Por isso, ela se
tornou modelo providencial de toda a escuta e anúncio. Já educada à familiaridade com a
Palavra de Deus na experiência intensa das Escrituras do povo a que pertence, Maria de
Nazaré, desde o acontecimento da Anunciação até à Cruz, e mais precisamente até ao
Pentecostes, acolhe na fé, medita, interioriza e vive intensamente a Palavra (cf. Lc 1, 38; 2,
19.51; At 17, 11). Em virtude do seu sim, primeiro e nunca interrompido, à Palavra de Deus,
ela sabe olhar à sua volta e vive as urgências do quotidiano, ciente de que o que recebe do
Filho como dom é um dom para todos: no serviço a Isabel, em Caná e ao pé da cruz (cf. Lc
1, 39; Jo 2, 1-12; 19, 25-27). A ela se adapta, portanto, o que Jesus disse na sua presença:
«Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática»
(Lc 8, 21). «Estando intimamente penetrada pela Palavra de Deus, Maria pode tornar-se mãe
da Palavra incarnada». [32]
Recebendo a Boa Nova, Maria revela-se o tipo ideal da obediência da fé; torna-se ícone
vivente da Igreja no serviço da Palavra. Diz Isaac d’Étoile: «Nas Escrituras, divinamente
inspiradas, o que se atribui em geral à virgem e mãe Igreja aplica-se em geral à Virgem e
Mãe Maria [...]. A herança do Senhor é em termos universais a Igreja, em termos especiais
Maria e em termos singulares cada alma fiel. No tabernáculo do ventre de Maria, Cristo
habitou durante nove meses; no tabernáculo da fé da Igreja, permanecerá até ao fim do
mundo; no conhecimento e amor da alma fiel, habitará pelos séculos dos séculos» [33].
Maria ensina a não ser alheios espectadores de uma Palavra de vida, mas a tornar-se
participantes, fazendo próprio o “eis-me” dos Profetas (cf. Is 6, 8), deixando-se guiar pelo
Espírito Santo que habita em nós. Maria “magnifica” o Senhor, descobrindo na sua vida a
misericórdia de Deus, que a fez “bem-aventurada”, porque «acreditaste no cumprimento das
palavras do Senhor» (Lc 1, 45). Diz Santo Ambrósio que cada cristão que crê concebe e dá à
luz o Verbo de Deus. Se existe uma só mãe de Cristo segundo a carne, já segundo a fé Cristo
é o fruto de todos. [34]
Consequências pastorais
26. São notáveis as consequências pastorais no que diz respeito à fé na Palavra de Deus.
a. Pode-se ler a Bíblia sem fé, mas sem fé não se pode escutar a Palavra de
Deus. Um grupo bíblico é válido, se, ao ler a Bíblia, educa-se na fé,
conformando a vida cristã com as indicações que a Bíblia oferece e iluminando
com a fé os momentos difíceis.
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f. Finalmente, para as muitas pessoas que não sabem ler, haverá que preparar
oportunos serviços de comunicação da Palavra traduzida nas línguas
apropriadas.
SEGUNDA PARTE
A PALAVRA DE DEUS NA VIDA DA IGREJA
«Tanto quanto os céus estão acima da terra, assim os meus caminhos estão acima dos
vossos e acima dos vossos estão os meus pensamentos. E assim como a chuva e a neve que
descem do céu não voltam para lá sem terem regado a terra, sem a haverem fecundado e
feito produzir, para que dê a semente ao semeador e o pão para comer, assim a palavra que
sai da minha boca não volta sem ter produzido o seu efeito, sem ter cumprido a minha
vontade, sem ter realizado a sua missão» (Is 55, 9-11).
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CAPÍTULO QUARTO
Quando o Espírito Santo começa a mover a vida do povo, um dos primeiros e mais fortes
sinais é o amor pela Palavra de Deus na Escritura e o desejo de conhecê-la melhor. Isso dá-
se porque a Palavra da Escritura é uma Palavra que Deus dirige a cada um pessoalmente
como uma carta nas circunstâncias concretas da vida. Ela tem uma imediação extraordinária
e o poder de penetrar no centro do ser humano. Com efeito:
27. Nos Actos dos Apóstolos lê-se que Paulo e Barnabé, em Antioquia, «à chegada,
convocaram a comunidade, contaram tudo o que Deus fizera com eles e como abrira aos
gentios a porta da fé» (Actos 14, 27).
O Sínodo é o lugar onde certamente se poderão ouvir «os milagres e prodígios» da Palavra
de Deus, como aconteceu em Antioquia e na assembleia de Jerusalém, quando escutavam
Barnabé e Paulo (cf. Actos 15, 12). Em todas as Igrejas particulares, com efeito, se fazem
múltiplas experiências da Palavra de Deus: na Eucaristia, na Lectio Divina comunitária e
pessoal, no dia da Bíblia, nos cursos bíblicos, nos grupos do Evangelho ou de escuta da
Palavra de Deus, no caminho bíblico diocesano, nos exercícios espirituais, nas peregrinações
à Terra Santa, nas celebrações da Palavra, nas expressões da música, das artes plásticas, da
literatura e do cinema.
- Está a fazer-se um grande esforço, por parte da Igreja, para que o acesso à
Sagrada Escritura seja uma realidade de povo. Conferências Episcopais,
dioceses, paróquias, comunidades religiosas, associações e movimentos
enveredaram pela estrada-mestra da Palavra de Deus de forma totalmente
inesperada em relação a algumas décadas atrás.
- Não quer dizer que o grau de familiaridade com a Palavra de Deus seja
uniforme. No mundo de antiga cristandade, a Bíblia encontra-se hoje nas casas,
mais que noutros tempos, mas talvez nem sempre como Livro verdadeiramente
lido. Dados estatísticos mostram como, numa boa parte do mundo, ainda deve
crescer muito o uso significativo da Bíblia e como deve amadurecer a
consciência do papel fundante e decisivo da Palavra de Deus para uma vida de
fé.
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28. É um dado constante, na vida do povo de Deus, ir buscar força à Palavra, que mostra
assim não ser estática, mas ser Palavra que corre (cf. 2 Tes 3, 1) e cai do céu como chuva
fecunda (cf. Is 55, 10-11). Era o que acontecia quando os Profetas falavam ao povo, Jesus à
multidão e aos discípulos e os Apóstolos à comunidade primitiva, e é o que acontece nos
nossos dias. Pode-se muito bem dizer que o serviço da Palavra de Deus caracteriza as
diversas épocas no seio do próprio mundo bíblico e, depois, na história da Igreja.
Assim, no tempo dos Padres, a Escritura encontra-se no centro como fonte aonde ir buscar
teologia, espiritualidade, orientação pastoral. Os Padres são os mestres insuperáveis dessa
leitura espiritual da Escritura, que, quando genuína, não é um ignorar a letra ou o correcto
sentido histórico, mas capacidade de ler a letra no Espírito. Na Idade Média, a Sagrada
Página constitui a base da reflexão teológica; para encontrá-la bem, elabora-se a doutrina
dos quatro sentidos: literal, alegórico, tropológico e anagógico [38]. No período antigo, a
Palavra de Deus na Lectio Divina constitui a forma monástica da oração; serve de fonte à
inspiração artística; transmite-se ao povo nas tantas formas da pregação e da piedade
popular. Na Idade Moderna, o surgir do espírito crítico, o progresso científico, a divisão dos
cristãos e o consequente empenho ecuménico estimulam, com algumas dificuldades e
contrastes, um estudo mais correcto e, ao mesmo tempo, uma melhor compreensão do
mistério da Escritura no sentido da Tradição. Na Época Contemporânea, afirma-se o
processo de renovação, baseado na centralidade da Palavra de Deus, que a partir do Concílio
Vaticano II se mantém até ao presente Sínodo.
Na linha da grande Tradição, cada Igreja particular vai-se desenvolvendo no tempo com
modos e características próprias. Sobretudo, como mostra a história, é possível descobrir
ligações, influências e contributos recíprocos. Para já, há que assinalar um dúplice dado: por
um lado, pode-se constatar que a Palavra de Deus se propaga e evangeliza as diversas
Igrejas particulares dos cinco continentes: incarna-se progressivamente nelas, tornando-se
alma vivificante da fé de tantos povos, factor fundamental de comunhão, fonte de inspiração
e transformação das culturas e da sociedade; por outro, parece que a pastoral bíblica sofre
por razões históricas ligadas ao momento da evangelização, mas também por problemas
reais de fé no diferente contexto de vida ou por carências económicas.
A Palavra de Deus permeia e anima, na força do Espírito Santo, toda a vida da Igreja
29. Existe uma correlação entre o uso da Bíblia, a concepção da Igreja e a prática pastoral. A
justa relação dá-se quando o Espírito Santo cria harmonia entre Escritura e Comunidade.
Daí a importância que se respeite a necessidade interior que leva a comunidade ao encontro
da Palavra de Deus, mas também se procure controlar a sensibilidade que exalta a
espontaneidade, a experiência eminentemente subjectiva e a sede do prodigioso. Do mesmo
modo, há que prestar atenção ao que diz o texto da Escritura, procurando centrar-se nele
para colher o sentido literal, antes de aplicá-lo à vida. Nem sempre é fácil. Alerte-se para o
risco do fundamentalismo, um fenómeno com reflexos antropológicos, sociológicos e
psicológicos muito difusos, mas que se aplica de modo especial à leitura bíblica e à
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30. Há que ter presente que, como afirma Jesus, o Espírito guia a Igreja à verdade plena (cf.
Jo 16, 13), que, portanto, faz compreender o verdadeiro sentido da Palavra de Deus, levando
finalmente ao encontro com o próprio Verbo, o Filho de Deus, Jesus de Nazaré. O Espírito é
a alma e o exegeta da Sagrada Escritura. Por isso, a Escritura não só deve ser «lida e
interpretada com o mesmo espírito com que foi escrita» (DV 12), mas nela a Igreja, guiada
pelo Espírito, esforça-se por obter uma inteligência cada vez mais profunda para alimentar
os seus filhos, servindo-se de modo especial do estudo dos Padres do Oriente e do Ocidente
(cf. DV 23), da investigação exegética e teológica, da vida das testemunhas e dos Santos.
A esse respeito, é preciosa a linha traçada nos Praenotanda do Leccionário, onde se afirma:
«Para que a Palavra de Deus realize de facto nos corações aquilo que ressoa aos ouvidos,
requer-se a acção do Espírito Santo, por cuja inspiração e auxílio a Palavra de Deus se torna
o fundamento da acção litúrgica e a norma e sustento de toda a vida. Por conseguinte, a
actuação do Espírito Santo não só precede, acompanha e segue toda a acção litúrgica, mas
também sugere ao coração de cada um (cf. Jo 14, 15-17.25-26; 15, 26 - 16, 15) tudo aquilo
que é proferido na proclamação da Palavra de Deus para toda a assembleia dos fiéis; e,
consolidando a unidade entre todos, também reanima os diversos carismas e suscita
múltiplas actividades».[41]
A comunidade cristã, portanto, constrói-se todos os dias, deixando-se guiar pela Palavra de
Deus, sob a acção do Espírito Santo, que dá iluminação, conversão e consolação. De facto,
«tudo o que foi escrito no passado foi escrito para nossa instrução, a fim de que, pela
paciência e consolação que vêm das Escrituras, tenhamos esperança» (Rom 15, 4). Torna-se
dever primário dos Pastores ajudar os fiéis a compreender o que significa encontrar a
Palavra de Deus sob a guia do Espírito e como, em concreto, isso se dê na leitura espiritual
da Bíblia, na atitude da escuta e da oração. A tal propósito, diz Pedro Damasceno: «Quem
tem experiência do sentido espiritual das Escrituras sabe que o sentido da mais simples
Palavra da Escritura e o da excepcionalmente mais sábia são uma só coisa e têm por
finalidade a salvação do homem». [42]
Consequências pastorais
31. Se a Palavra de Deus é fonte de vida para a Igreja, é essencial considerar a Sagrada
Escritura como alimento vital. Isso comporta:
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CAPÍTULO QUINTO
Ministério da Palavra
32. «É preciso que a pregação eclesiástica, assim como a própria religião cristã, seja
alimentada e regida pela Sagrada Escritura» (DV 21). Com esta afirmação, o Concílio
Vaticano II lembra empenhos específicos que pedem intervenções concretas.
Note-se que o serviço da Palavra nas Igrejas particulares está a ser actuado, nos diferentes
âmbitos e expressões de vida, segundo um programa que leva a fazer do momento litúrgico
da Eucaristia e de todo o sacramento o aspecto primário da experiência da Palavra de Deus.
Adverte-se a necessidade de considerar a leitura orante na forma da Lectio Divina, a nível
comunitário e pessoal, como a meta alta e comum, e de promover uma catequese que seja
iniciação à Sagrada Escritura, vivificando com ela os programas catequéticos e os próprios
catecismos, a pregação e a piedade popular. Sente-se igualmente a necessidade de estimular
o encontro com a Palavra de Deus através do Apostolado bíblico, fomentando a criação de
grupos bíblicos e a sua orientação, e de fazer com que a Palavra, pão de vida, se torne
também pão material, ou seja, leve a socorrer os pobres e os que sofrem. Sente-se ainda a
urgência de valorizar a Palavra também com estudos e encontros que realcem as suas
relações com a cultura e com o espírito humano, num confronto interreligioso e intercultural.
Para realizar tais objectivos, requerem-se fé atenta, dedicação apostólica e acção pastoral
inteligente, criativa e contínua, num exercício que favoreça o espírito de comunhão. Neste,
como em nenhum outro campo, sente-se a exigência de uma pastoral continuamente
animada pela Bíblia.
33. Da experiência das Igrejas particulares emergem alguns pontos comuns: para uma
grande maioria de cristãos, em todas as partes do mundo, o encontro com a Palavra de Deus
dá-se apenas na celebração eucarística dominical; cresce no povo de Deus a consciência da
importância da liturgia da Palavra de Deus, graças também à renovação do seu ordenamento
no novo Leccionário; não falta, porém, quem hoje deseje uma revisão do Leccionário para
uma melhor sintonia das três leituras, para além de uma maior fidelidade aos textos
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originais; relativamente à homilia, espera-se uma clara melhoria; por vezes, a liturgia da
Palavra torna-se uma espécie de Lectio Divina; e, por fim, o Ofício Divino não teve uma
larga difusão entre o povo. Por outro lado, nota-se que o povo de Deus não está
verdadeiramente introduzido na teologia da Palavra de Deus na liturgia; vive-a ainda de
modo passivo, não se apercebendo do seu carácter sacramental e ignorando as ricas
Introduções dos Livros litúrgicos, e isso porque nem sempre os Pastores mostram interesse
por eles; o vasto mundo dos sinais próprios da liturgia da Palavra não poucas vezes se reduz
a formalidades rituais, sem uma compreensão interior; a relação entre a Palavra de Deus e os
sacramentos, de modo especial o sacramento da Reconciliação, é pouco valorizada.
34. A todos os níveis da vida eclesial, haverá que amadurecer a compreensão da liturgia
como lugar privilegiado da Palavra de Deus, que edifica a Igreja. É importante, portanto,
fazer algumas afirmações basilares.
- A assembleia litúrgica, graças ao Espírito Santo, escuta Cristo, «pois é Ele que
fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura» (SC 7), e acolhe a aliança que
Deus renova com o seu povo. Escritura e liturgia convergem, portanto, no único
objectivo de levar o povo ao diálogo com o Senhor. A Palavra saída da boca de
Deus e testemunhada nas Escrituras volta a Deus em forma de resposta orante
do povo (cf. Is 55, 10-11).
35. Embora na prática a liturgia da Palavra muitas vezes peque de improvisação e, outras
vezes, tenha pouca ligação com a Liturgia Eucarística, a unidade intrínseca da Palavra com a
Eucaristia está radicada no testemunho escriturístico (cf. Jo 6), é afirmada pelos Padres da
Igreja e reafirmada pelo Concílio Vaticano II (cf. SC 48.51.56; DV 21.26; AG 6.15; PO 18;
PC 6). Na grande tradição da Igreja, encontramos expressões significativas, como «Corpus
Christi intelligitur etiam, [...] Scriptura Dei» (Também a Escritura de Deus considera-se
Corpo de Cristo) [46], «ego Corpus Iesu Evangelium puto» (Considero o Evangelho Corpo
de Jesus) [47].
A maior consciência que se tem da presença de Cristo na Palavra é benéfica, tanto para a
preparação imediata da celebração eucarística, como para a união com o Senhor nas
celebrações da Palavra. Por isso, este Sínodo está em continuidade com o precedente sobre a
Eucaristia e pede uma reflexão específica sobre a relação entre Palavra de Deus e Eucaristia
[48]. Diz São Jerónimo: «A carne do Senhor, verdadeira comida, e o seu sangue, verdadeira
bebida, esse é o verdadeiro bem que nos é reservado na vida presente: alimentar-se com a
sua carne e beber o seu sangue, não só na Eucaristia, mas também na leitura da Sagrada
Escritura. É, de facto, verdadeira comida e verdadeira bebida a Palavra de Deus que se
obtém do conhecimento das Escrituras».[49]
36. A Palavra tem de ser vivida, na economia sacramental, como acolhimento de força e
graça, e não apenas como comunicação de verdade, doutrina e preceito ético. A Palavra
provoca um encontro em quem escuta com fé, tornando-se celebração da aliança.
Preste-se a mesma atenção a todas as formas de encontro com a Palavra na acção litúrgica:
nos sacramentos, na celebração do Ano Litúrgico, na Liturgia das Horas, nos sacramentais.
Especial atenção deve ser dada à Liturgia da Palavra na celebração dos três sacramentos da
Iniciação cristã: Baptismo, Confirmação e Eucaristia. Pede-se uma nova consciência sobre o
anúncio da Palavra de Deus na celebração, sobretudo individual, do sacramento da
Penitência. A Palavra de Deus deve também ser valorizada nas variegadas formas da
pregação e da piedade popular.
Consequências pastorais
37. Na atenção pastoral, o primeiro lugar cabe à Eucaristia, enquanto é «mesa quer da
Palavra de Deus quer do Corpo de Cristo», intimamente unidos (DV 21), sobretudo no Dia
do Senhor. A Eucaristia «é o lugar privilegiado onde a comunhão é constantemente
anunciada e cultivada» [50]. Tendo em conta que a Missa dominical é, ainda hoje, para a
maioria dos cristãos o único momento de encontro sacramental com o Senhor, a mesma
torna-se dom e tarefa a promover, com paixão pastoral e com celebrações autênticas e
alegres. A Eucaristia, celebrada nesta íntima fusão de Palavra, sacrifício e comunhão,
constitui um objectivo primário do anúncio e da vida cristã.
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Procure-se que as diversas partes da liturgia da Palavra – anúncio das leituras, homilia,
profissão de fé, oração dos fiéis – se processem de forma harmoniosa, pondo em evidência a
sua íntima ligação com a liturgia eucarística [51]. Aquele de quem os textos falam torna-Se
presente no sacrifício total de Si ao Pai.
Também sobre as traduções, pede-se menos fragmentação dos trechos e mais fidelidade ao
texto original. Tendo presente que, na liturgia, o rito e a Palavra devem permanecer
intimamente unidos (cf. SC 35), o encontro com a Palavra de Deus deve fazer-se na
especificidade dos sinais que fazem parte da celebração litúrgica. São os casos, por exemplo,
da colocação do ambão, do cuidado com os Livros litúrgicos, de um conveniente estilo de
leitura, da procissão e incensação do Evangelho.
Além disso, ter-se-á o maior cuidado com a liturgia da Palavra, com a proclamação clara e
compreensível dos textos e com a homilia, que se faz ressonância da palavra [52]. Isso
implica a escolha de leitores capazes e preparados. Para o efeito, são necessárias escolas,
inclusive diocesanas, de formação de leitores. Nesta óptica de melhor compreensão da
Palavra de Deus na Missa, são úteis as breves monições que dão o sentido das leituras a
proclamar.
A Lectio Divina
38. O encontro orante com a Palavra de Deus tem uma experiência privilegiada,
tradicionalmente chamada Lectio Divina. «A lectio divina é uma leitura individual ou
comunitária de uma passagem mais ou menos longa da Escritura, acolhida como Palavra de
Deus e que, sob o estímulo do Espírito, se processa em forma de meditação, oração e
contemplação» [53].
Pode-se dizer que, em todas as Igrejas, dá-se uma atenção nova e específica à Lectio Divina.
Nalgumas partes, é já uma tradição secular. Em certas dioceses, foi-se afirmando
progressivamente a partir do Concílio Vaticano II. Em muitas comunidades está-se a tornar
uma nova forma de oração e espiritualidade cristã, com notáveis vantagens ecuménicas.
Nota-se, de facto, a necessidade de adaptar a forma clássica às diferentes situações, tendo
em conta as possibilidades reais dos fiéis, de modo a conservar a essência desta leitura
orante e favorecendo, ao mesmo tempo, a sua qualidade de alimento nutritivo para a fé de
todos.
Cabe aqui recordar que a Lectio Divina é uma leitura da Bíblia, que vem já das origens
cristãs e que acompanhou a Igreja ao longo da sua história. Mantém-se viva na experiência
monástica, mas hoje o Espírito, através do Magistério, propõe-na como elemento
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pastoralmente significativo e a valorizar para a vida da Igreja enquanto tal, para a educação
e formação espiritual dos presbíteros, para a vida quotidiana das pessoas consagradas, para
as comunidades paroquiais, para as famílias, para as associações e movimentos e para os
simples crentes, tanto adultos como jovens, que podem encontrar nesta forma de leitura um
meio acessível e prático para aceder pessoal e comunitariamente à Palavra de Deus (cf. OT
4).[54]
Escreve o Papa João Paulo II: «É necessário que a escuta da Palavra se torne um encontro
vital, na antiga e sempre válida tradição da Lectio Divina, que permite colher no texto
bíblico a Palavra viva que interpela, orienta e plasma a existência» [55]. O Santo Padre
Bento XVI recomenda que se a faça «recorrendo também aos novos métodos,
cuidadosamente ponderados de acordo com os tempos» [56]. Em particular, o Santo Padre
recorda aos jovens que «é sempre importante ler a Bíblia de forma muito pessoal, num
colóquio pessoal com Deus, mas, ao mesmo tempo, é importante lê-la na companhia de
pessoas com que se caminha» [57]. Exorta ainda «a adquirir familiaridade com a Bíblia, a
tê-la ao alcance da mão, para que seja como uma bússola que indica a estrada a seguir» [58].
Que a difusão da Lectio Divina esteja no coração de Bento XVI e que ele veja nela um ponto
decisivo para a renovação da fé nos nossos dias, resulta da mensagem dirigida a diversas
categorias de pessoas, sobretudo jovens, a quem recomenda: «Gostava, sobretudo, de
lembrar e recomendar a antiga tradição da Lectio Divina: a leitura assídua das Santas
Escrituras, acompanhada da oração, realiza o colóquio íntimo com Deus, que escutamos
quando lemos e a quem respondemos na oração com um coração aberto e confiante (cf. DV
25). Esta prática, se eficazmente promovida, levará a Igreja – estou convencido disso – a
uma nova primavera espiritual. A pastoral bíblica deve, portanto, insistir de modo especial
sobre a Lectio Divina e encorajá-la com métodos novos, cuidadosamente elaborados e de
acordo com os nossos tempos. Nunca devemos esquecer que “a tua Palavra é lâmpada para
os meus passos e luz para os meus caminhos” (Sal 118, 105)».[59]
A novidade da Lectio Divina no povo de Deus exige uma oportuna pedagogia de iniciação,
que leve a compreender bem do que se trata, e contribua para esclarecer o sentido dos
diversos graus e uma sua aplicação tão fiel quanto sabiamente criativa. Existem, de facto,
diferentes modalidades de Lectio Divina, como a chamada dos Sete Passos (Seven Steps),
praticada em muitas Igrejas particulares em África. Chama-se assim, porque o encontro com
a Bíblia é como um caminho feito de sete momentos: presença de Deus, leitura, meditação,
paragem, comunicação, colóquio e oração comum. O próprio nome de Lectio Divina em
certas partes muda, por exemplo, para Escola da Palavra ou então leitura orante.
A Lectio Divina deve ser capaz de tornar-se fonte inspiradora das várias práticas da
comunidade, como exercícios espirituais, retiros, devoções e experiências religiosas. Um
objectivo importante é levar a pessoa a amadurecer para uma leitura da Palavra, capaz de
discernimento sapiencial da realidade. A Lectio Divina não é, de modo nenhum, uma prática
reservada a alguns fiéis muito empenhados ou a um grupo de especialistas da oração. É uma
realidade, sem a qual não seremos cristãos autênticos num mundo secularizado. Este mundo
quer personalidades contemplativas, atentas, críticas, corajosas. De vez em quando, pede
formas novas e inéditas. Pedirá intervenções especiais que não provenham do simples
habitual nem da opinião comum, mas da escuta da Palavra do Senhor e da percepção
misteriosa do Espírito Santo nos corações.
39. A diakonia, serviço da caridade, é vocação da Igreja de Jesus Cristo, como resposta à
caridade, que o Verbo de Deus manifestou com as suas palavras e as suas obras.
É
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Urge realçar esta relação entre Palavra de Deus e caridade, uma vez que a caridade, para
crentes e não crentes, dá um vigoroso impulso ao encontro com a Palavra de Deus. Essa
ligação é afirmada na Encíclica do Santo Padre Bento XVI Deus caritas est, que apresenta
de forma unitária os três elementos constitutivos da natureza profunda da Igreja:
proclamação da Palavra de Deus (kerygma-martyria), celebração dos sacramentos
(leitourgia) e exercício do ministério da caridade (diakonia). Escreve Sua Santidade: «A
Igreja não pode transcurar o serviço da caridade, como não pode transcurar os sacramentos»
[62]. A Encíclica Spe salvi afirma que «a mensagem cristã não era (e não é) somente
“informativa”, mas “performativa”. Quer dizer que o Evangelho não é apenas uma
comunicação de coisas que se podem conhecer, mas é uma comunicação que produz factos e
muda a vida» [63]. Na base desta relação entre Palavra e caridade está o claro exemplo da
própria Palavra feita carne, Jesus de Nazaré, que «passou fazendo o bem e curando todos os
que eram oprimidos pelo demónio, porque Deus estava com Ele» (Actos 10, 38).
Recordando as muitas páginas da Sagrada Escritura que não só recomendam, mas mandam
praticar a justiça com o próximo (cf. Dt 24, 14-15; Am 2, 6-7; Ger 22, 13; Tg 5, 4), só haverá
fidelidade à Palavra de Deus, quando a primeira forma de caridade forem o respeito dos
direitos da pessoa humana e a defesa dos oprimidos e de quantos sofrem. A tal fim, tenha-se
presente a importância das comunidades de fé, formadas também de pobres e animadas da
leitura da Bíblia. É preciso dar consolação e esperança aos pobres do mundo. O Senhor, que
ama a vida, quer com a sua Palavra iluminar, guiar e confortar toda a vida dos crentes em
qualquer circunstância – no trabalho e na festa, no sofrimento e no tempo livre, nas tarefas
familiares e sociais e em cada acontecimento da vida –, de modo que cada um possa
discernir todas as coisas e conservar o que é bom (cf. 1 Tes 5, 21), descobrindo assim a
vontade de Deus e pondo-a em prática (cf. Mt 7, 21)
40. «O estudo dos Livros Sagrados deve ser como que a alma da Sagrada Teologia» (DV
24). Não há dúvida que os frutos alcançados neste âmbito, depois do Concílio Vaticano II,
levam-nos a louvar o Senhor. Emerge hoje como ponto relevante o empenho de um grande
número de exegetas e teólogos que estudam e explicam as Escrituras “segundo o sentido da
Igreja”, interpretando e propondo a Palavra escrita da Bíblia no contexto da Tradição viva,
valorizando a herança dos Padres, confrontando-se com as indicações do Magistério (cf. DV
12) e ajudando com dedicação o serviço dos Pastores, no que são merecedores de uma
palavra de agradecimento e de estímulo.[64]
Por outro lado, tendo a Palavra de Deus posto a sua tenda entre nós (cf. Jo 1, 14), não há
dúvida que o Espírito nos leva a meditar nos novos itinerários que a mesma Palavra entende
realizar entre os homens do nosso tempo e, por outro lado, o Espírito convida a aceitar as
expectativas e desafios que a humanidade de hoje põe à Palavra. Daí derivam alguns novos
empenhos a nível do estudo, como também do serviço à comunidade.
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texto inspirado. Em particular, pede-se ao teólogo que faça uma teologia da Sagrada
Escritura, que ajude a compreender e a valorizar a verdade da Bíblia na vida de fé e no
diálogo com as culturas, reflectindo sobre as actuais tendências antropológicas, sobre as
instâncias morais, sobre a relação entre razão e fé e sobre o diálogo com as grandes
religiões.
O tipo de relação com a Palavra de Deus é claramente determinado por uma visão de fé. Da
análise da experiência, nota-se que para alguns a Bíblia corre o risco de ser um simples
objecto cultural, sem incidência na vida; para outros, ao contrário, é um Livro que amam,
sem se aperceberem do motivo. Por fim, há aqueles que, como os diferentes terrenos da
parábola do semeador, produzem fruto: quem trinta, quem sessenta e quem cem por um (cf.
Mc 4, 20). Tem fundamento a afirmação de que, com o progresso catequético, o espiritual
constitui um dos aspectos mais belos e promissores do encontro da Palavra de Deus com o
seu povo.
As razões de uma relação vital com a Bíblia estão resumidas na Dei Verbum segundo a qual
è necessário conservar um contacto constante com as Escrituras, mediante a leitura assídua e
o estudo diligente (cf. DV 25), porque a Bíblia é a «fonte pura e perene da vida espiritual»
(DV 21). Para uma genuína espiritualidade da Palavra, recorde-se que «a leitura da Sagrada
Escritura deve ser acompanhada da oração, para que possa haver o colóquio entre Deus e o
homem; pois “a Ele falamos, quando rezamos, a Ele ouvimos, quando lemos os divinos
oráculos” [66] » (DV 25). Confirma Santo Agostinho: «A tua oração é a tua palavra dirigida
a Deus. Quando lês a Bíblia é Deus que te fala; quando rezas, és tu que falas a Deus» [67]. É
necessário iluminar os fiéis sobre aquilo que a leitura crente da Bíblia oferece à vida do
cristão, quando ele mesmo tiver feito do seu coração uma biblioteca da Palavra. [68]
A Palavra de Deus contribui para a vida de fé, uma vez que não exprime, em primeiro lugar,
um compêndio de questões doutrinais ou uma série de princípios éticos, mas o amor de Deus
que convida ao encontro pessoal com Ele, e manifesta a sua inexprimível grandeza no
acontecimento pascal. A Palavra de Deus propõe um projecto salvífico do Pai para cada
pessoa e cada povo. Interpela, exorta, estimula para um caminho de discipulado e de
seguimento, dispõe a aceitar a acção transformadora do Espírito, favorece enormemente a
fraternidade ao criar vínculos profundos, suscita um empenhamento evangelizador. Tudo
isso vale de modo especial para as pessoas consagradas.
Isso leva a cultivar diligentemente certas atitudes. Antes de mais, deve-se encontrar a
Palavra de Deus com o ânimo do pobre, interior e também exteriormente, como «Nosso
Senhor Jesus Cristo, que era rico e fez-Se pobre para vos enriquecer com a sua pobreza» (2
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Cor 8, 9) e, portanto, com um modo de ser baseado no de Jesus, que escuta a Palavra do Pai
e a anuncia aos pobres (cf. Lc 4, 18). Há pessoas, nomeadamente mulheres, que trabalham
em condições por vezes penosas: cuidam do lar, dedicam-se aos filhos, fazem tantos
serviços aos seus vizinhos, com uma fé viva e uma referência espontânea aos Salmos e aos
Evangelhos. É o testemunho da vida que dá credibilidade à leitura da Bíblia.
TERCEIRA PARTE
A PALAVRA DE DEUS NA MISSÃO DA IGREJA
«Jesus foi a Nazaré, onde Se tinha criado. Segundo o seu costume, entrou na sinagoga a um
sábado e levantou-Se para fazer a leitura. Entregaram-Lhe o livro do Profeta Isaías e, ao
abrir o livro, encontrou a passagem em que estava escrito: “O Espírito do Senhor está
sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres. Enviou-me a
proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos,
a proclamar o ano da graça do Senhor”. Depois enrolou o livro, entregou-o ao ajudante e
sentou-Se. Estavam fixos em Jesus os olhos de toda a sinagoga. Começou então a dizer-
lhes: “Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir”» (Lc 4,
16-21).
A missão da Igreja
42. No anúncio da Boa Nova, a missão da Igreja está intimamente ligada à experiência da
Palavra de Deus na vida. Na escola da própria Palavra incarnada, a Igreja tem consciência de
que a sua frequentação de Cristo é, por disposição do próprio Senhor, uma Palavra, uma
experiência de vida a comunicar a todos. Hoje, a missão da Igreja, ao serviço da Palavra de
Deus, é dirigida a diversos âmbitos: a povos e grupos humanos, a contextos sócio-culturais,
em que Cristo e o seu Evangelho não são conhecidos ou não estão ainda bem enraizados; há
comunidades cristãs cheias de fé e de vida, e há a situação de grupos inteiros de baptizados
que já se consideram membros da Igreja, mas vivem à margem de Cristo e do seu Evangelho
[69]. Impõe-se, portanto, uma reflexão adequada sobre esse diversificado dinamismo
missionário da Palavra de Deus na Igreja.
CAPÍTULO SEXTO
43. A missão da Igreja nos albores deste novo milénio é alimentar-se da Palavra, para ser
serva da Palavra na tarefa da evangelização.[70]
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O anúncio do Evangelho é, sem dúvida, a razão de ser da Igreja e da sua missão. Isso
implica que a mesma viva o que prega. Esse é o caminho decisivo para que apareça credível
o que ela proclama, não obstante as fraquezas e pobrezas. O povo de Israel, quando
respondia à Palavra de Deus, dizia: «Faremos e executaremos tudo quanto o Senhor
ordenou!» (Ex 24, 7); também Jesus, ao terminar o Sermão da Montanha, convidava os seus
discípulos a darem a mesma resposta (cf. Mt 7, 21-27).
O anúncio da Palavra de Deus, na escola de Jesus, tem como força íntima e conteúdo o
Reino de Deus (cf. Mc 1, 14-15). O Reino de Deus é a própria Pessoa de Jesus, que com as
palavras e as obras oferece a todos os homens a salvação. Ao pregar Jesus Cristo, a Igreja
participa, por conseguinte, na construção do Reino de Deus, ilumina a sua dinâmica de
semente que germina (cf. Mc 4, 27) e convida todos a acolhê-lo.
O «Ai de mim, se não anunciar o Evangelho!» (1 Cor 9, 16) de São Paulo ecoa ainda hoje
com urgência na Igreja, tornando-se para todos os cristãos, não uma simples informação,
mas vocação ao serviço do Evangelho para o mundo. Na verdade, como diz Jesus, «a seara
é grande» (Mt 9, 37) e diversificada: há tantos que nunca ouviram o Evangelho e estão à
espera do primeiro anúncio, sobretudo nos continentes de África e Ásia, e há muitos que
esqueceram o Evangelho e aguardam uma nova evangelização. Dar um claro e partilhado
testemunho de uma vida segundo a Palavra de Deus, proclamada por Jesus, torna-se critério
indispensável de verificação da missão da Igreja.
É verdade que não faltaram nem faltam dificuldades que entravam o caminho do anúncio do
Evangelho e da escuta do Senhor. Os motivos são vários: a cultura actual, por diversos
factores desembocada no relativismo e no secularismo; as múltiplas solicitações do mundo e
o activismo de vida que abafam o Espírito, donde uma certa dificuldade em interiorizar a
mensagem evangélica; a falta de subsídios bíblicos, que em muitas regiões não permitem a
utilização do texto bíblico e a sua tradução e difusão. E são também, de modo especial, as
seitas e o fundamentalismo, que dificultam uma correcta interpretação da Bíblia. Levar a
Palavra de Deus é uma grande missão que implica um profundo e convicto sentir cum
Ecclesia.
44. Desde sempre, na história do povo de Deus, o anúncio da Palavra faz-se com a
evangelização e a catequese. A partir do Concílio Vaticano II, a relação entre Bíblia e
evangelização, nas suas diversas formas, desde o primeiro anúncio à catequese permanente,
aparece muito estreita. Em toda a parte, os Catecismos nacionais e os Directórios que os
inspiram são biblicamente qualificados e dão o primeiro lugar à Palavra de Deus vinda da
Escritura. Pede-se para clarificar, sobretudo, o que se refere ao nó central da integração da
inteligência de fé, proposta pela Tradição e pelo Magistério, com o texto bíblico.
Em linha de princípio, há que ter presente, na sua nitidez, a afirmação conciliar: «Também o
ministério da Palavra, isto é, a pregação pastoral, a catequese e toda a espécie de instrução
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cristã, onde a homilia litúrgica deve ter um lugar principal, se alimenta com proveito e
santamente se revigora com a palavra da Escritura» (DV 24). O Papa João Paulo II afirmou
que «a obra da evangelização e da catequese estão a revitalizar-se, graças precisamente à
atenção dada à Palavra de Deus» [73]. O Directório Geral da Catequese dá o sentido de
“Palavra de Deus, fonte da catequese”, ao afirmar que «a catequese deve ir sempre buscar o
seu conteúdo à fonte viva da Palavra de Deus, transmitida na Tradição e na Escritura».[74]
Pela sua particular relevância cultural, deve-se valorizar o ensino da Bíblia na escola e
nomeadamente no ensino da religião, para propor um percurso completo de descoberta quer
dos grandes textos bíblicos quer dos métodos de interpretação adoptados na Igreja. Nesse
sentido, o Catecismo da Igreja Católica é «instrumento válido e legítimo ao serviço da
comunhão eclesial, como norma segura no ensino da fé» [78]. Não se entende com isso
substituir a catequese bíblica, mas integrá-la na mais completa visão da Igreja.
Dadas as grandes mudanças culturais que se verificaram, torna-se necessária uma catequese
que ajude a explicar as “páginas difíceis” da Bíblia. Tais dificuldades situam-se a nível da
história, da ciência e da vida moral, de modo especial no que se refere a certos modos de
representar Deus e o comportamento ético do homem, sobretudo no Antigo Testamento. Na
procura de uma solução, faz falta uma reflexão orgânica de carácter exegético-teológico,
mas também antropológico e pedagógico.
Finalmente, a pregação, nas suas mais variadas formas, continua a ser na Igreja um dos
meios proeminentes da comunicação da fé, mas também a forma talvez mais exposta ao
juízo dos fiéis. Ter-se-á que pensar num projecto estratégico de formação para a pregação da
Palavra (cf. DV 25). Quanto ao processo de comunicação, a Exortação Apostólica Evangelii
nuntiandi do Papa Paulo VI mantém toda a sua actualidade, nomeadamente ao afirmar que
se deve respeitar a primazia a dar ao testemunho pessoal no anúncio da Palavra de Deus e à
sua transmissão em estruturas familiares ou nos ambientes que cada um habitualmente
frequenta.
CAPÍTULO SÉTIMO
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A formação dos fiéis para o acolhimento e transmissão da Palavra de Deus constitui uma
tarefa pastoral essencial. É o que claramente resulta da Dei Verbum que, ao lembrar o
multíplice valor da Palavra Deus, indica com precisão as tarefas, os responsáveis e o
caminho dessa formação.
Hoje vislumbram-se outros nós que se devem ter presentes: a dificuldade de ler, pelo
persistir do analfabetismo em muitos lugares; para muitos, a aprendizagem faz-se,
sobretudo, através dos canais audiovisuais e, portanto, rápidos e fragmentados; em certas
partes do mundo, por fim, a cultura religiosa dominante não tem como referência imediata o
Livro Sagrado.
47. A este propósito, pode-se dizer que o Espírito sugere às Igrejas particulares de retomar os
documentos do Concílio Vaticano II, de modo especial as quatro Constituições, com a Dei
Verbum no centro, tornando-as objecto de catequese para todo o povo de Deus, nas
modalidades mais adequadas às pessoas. Teologia da Revelação, teologia da Escritura,
relação entre Antigo e Novo Testamento, pedagogia de Deus são temas substanciais que só
uma catequese orgânica e cursos bíblicos estruturados podem ilustrar.
Põe-se aqui a necessidade de repensar de modo novo e mais correcto tudo o que diz respeito
à nova forma da comunicação. A familiaridade com a Sagrada Escritura não é fácil. Como
aconteceu com o ministro da rainha da Etiópia, para compreender o que o texto diz é
necessária uma pedagogia que, partindo da Escritura, abra à compreensão e aceitação da Boa
Nova de Jesus (cf. Actos 8, 26-40). Há que enveredar por esse caminho e, sobretudo, inspirar
formas criativas e evangélicas de actualizar o ensinamento da Dei Verbum, que, por sua vez,
permita um acesso crente, em quantidade e qualidade, à Palavra de Deus consignada nas
Escrituras.
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48. O Concílio Vaticano II ensina que «compete aos sagrados Pastores [...] ensinar
oportunamente os fiéis que lhes foram confiados no uso recto dos Livros Divinos» (DV 25).
Portanto, essa função cabe directamente e em primeira pessoa aos Bispos, quer como
ouvintes da Palavra, quer como servidores da mesma, segundo o seu munus docendi [79]. O
Bispo, num mundo de comunicações, deve ser um comunicador qualificado da sabedoria
bíblica, não tanto pela sua ciência, quanto pela sua habitual familiaridade com os Livros
Sagrados, tornando-se assim um guia para todos os que diariamente abrem a Bíblia. Fazendo
da Palavra de Deus e da Sagrada Escritura a alma da pastoral, o Bispo está capacitado para
levar os fiéis ao encontro com Cristo, fonte viva. O Santo Padre Bento XVI realçou a
necessidade de educar o povo para a leitura e meditação da Palavra de Deus como alimento
espiritual, «para que, por experiência própria, os fiéis vejam que as palavras de Jesus são
espírito e vida (cf. Jo 6, 63).[...] Devemos alicerçar o nosso empenhamento missionário e
toda a nossa vida sobre a rocha da Palavra de Deus, o que encoraja os Pastores a dá-la a
conhecer» [80]. Por isso, o melhor modo de fomentar o gosto da Sagrada Escritura é a
própria pessoa do Bispo, plasmado pela Palavra de Deus. Ele tem a possibilidade contínua
de ajudar os fiéis a saborear a Escritura. Todas as vezes que fala aos fiéis, de modo especial
aos sacerdotes, pode dar algum exemplo e amostra de Lectio Divina. Se aprendeu a fazê-la
como deve ser e se a apresenta de forma simples, os fiéis aprenderão. Eis um objectivo
acertado do ministério dos Pastores: a prática da Bíblia e todas as iniciativas que a
promovem devem ser consideradas como caminho eclesial e base de toda a devoção.
No uso quotidiano da Palavra, os presbíteros e diáconos encontram a luz necessária para não
se conformarem com a mentalidade do mundo e fazerem um sadio discernimento pessoal e
comunitário, que lhes permita guiar com zelo, na acção apostólica, o povo de Deus nos
caminhos do Senhor. Tudo isso mostra a necessidade de uma educação e formação pastorais
iluminadas pela Palavra. O progresso das ciências bíblicas e, ao mesmo tempo, a variedade
das necessidades e a evolução das situações pastorais exigem uma actualização permanente.
A tarefa do anúncio exige que se adoptem iniciativas específicas, como por exemplo a
valorização plena da Bíblia nos projectos pastorais. Em cada diocese, um projecto de
pastoral bíblica, sob a orientação do Bispo, ajuda a levar a Bíblia às grandes acções da
Igreja, à evangelização e à catequese. Ao fazê-lo, procure-se que seja na Palavra de Deus
que se baseie e se manifeste a comunhão entre clérigos e leigos e, portanto, entre paróquias,
comunidades de vida consagrada e movimentos eclesiais.
Na perspectiva do serviço presbiteral, a formação nos seminários exige cada vez mais um
conhecimento vasto e actualizado no campo da exegese e da teologia, uma formação não
superficial no uso pastoral da Bíblia, uma iniciação verdadeira e própria à espiritualidade
bíblica, sem nunca descurar a educação para uma grande paixão pela Palavra ao serviço do
povo de Deus. Deseja-se, portanto, que muitos clérigos se dediquem aos estudos, mesmo
académicos, em Sagrada Escritura.
50. A renovação bíblica e litúrgica fez ver a necessidade de servidores da Palavra de Deus,
antes de mais na acção litúrgica e, depois, em todas as formas de comunicação da Bíblia. No
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que diz respeito ao serviço litúrgico, o ministério da Palavra de Deus realiza-se tanto na
proclamação das leituras, como e sobretudo na homilia. Só o ministro ordenado pode fazer a
homilia; já a proclamação na liturgia é função própria do leitor, que é um ministério
instituído e, na sua falta, é feita por leigos, homens e mulheres.[82] Nalguns casos,
canonicamente previstos, os leigos podem ser admitidos a pregar numa igreja ou oratório.
[83]
51. Tornados membros da Igreja pelo Baptismo e investidos da função sacerdotal, profética
e real de Cristo, os fiéis leigos participam na missão salvífica que o Pai confiou a seu Filho
para a salvação de todos os povos (LG 34-36).[84] Para exercer a sua missão «tornam-se
participantes quer do sentido de fé sobrenatural da Igreja, que “não se pode enganar no
crer”(LG 12), quer da graça da Palavra (cf. Actos 2, 17-18; Ap 19, 10); são também
chamados a fazer resplandecer a novidade e a força do Evangelho na sua vida quotidiana,
familiar e social».[85] Dão assim o seu contributo para a construção do Reino de Deus, na
fidelidade à sua Palavra.
Cabe aos leigos, no desempenho da sua missão no mundo, proclamar a Boa Nova aos
homens nas suas situações de vida. Seguindo o estilo profético de Jesus de Nazaré, o
anúncio da Palavra de Deus «deve ser visto por cada um como uma abertura aos próprios
problemas, uma resposta às próprias interrogações, uma abertura aos próprios valores e, ao
mesmo tempo, uma satisfação das próprias aspirações».[86]
O leigo, no caminho com a Palavra de Deus, não seja apenas um ouvinte passivo, mas
participe activamente em todos os campos onde entra a Bíblia: no estudo científico, no
serviço da Palavra em âmbito litúrgico ou catequético e na animação bíblica nos diversos
grupos. O serviço dos leigos requer competências diversificadas, que exigem uma formação
bíblica específica. Recordam-se aqui como tarefas preferenciais: a Bíblia na iniciação cristã
das crianças; a Bíblia para o mundo juvenil, por exemplo nos Dias Mundiais da Juventude; a
Bíblia para os doentes, para os soldados, para os presos.
Um meio privilegiado para o encontro com Deus que nos fala é a catequese no seio das
famílias, com o aprofundamento de alguma página bíblica e a preparação da liturgia
dominical. Cabe à família iniciar os filhos na Sagrada Escritura, com a narração das grandes
histórias bíblicas, nomeadamente a vida de Jesus, e com a oração inspirada nos Salmos ou
noutros livros revelados.
Também se deve prestar uma grande atenção aos movimentos ou aos grupos, como
associações, agregações, novas comunidades. Com efeito, embora muito diferentes entre si
nos métodos e campos de acção, têm como traço comum a redescoberta da Palavra de Deus
e a sua colocação privilegiada no projecto espiritual-pedagógico para suscitar e alimentar a
sua vida espiritual. Dispõem de eficazes itinerários formativos, centrados na assimilação
existencial da Palavra de Deus. Ensinam como viver a liturgia e a oração pessoal, dando
grande atenção à Palavra e privilegiando a liturgia da Igreja. Também fazem a oração do
Ofício e a Lectio Divina como momentos de nutrição espiritual.
É um dever imprescindível verificar se, nesse fervoroso encontro com a Palavra de Deus, a
comunhão eclesial e a caridade com os fiéis não pertencentes às agregações são sempre
testemunhadas.
52. Neste caminho da Palavra de Deus no povo cristão, têm um papel específico as pessoas
de vida consagrada. Como sublinha o Concílio Vaticano II, «tenham [elas] todos os dias
entre mãos a Sagrada Escritura, para que aprendam, pela leitura e pela meditação dos Livros
Sagrados, “a eminente ciência de Jesus Cristo” (Fil 3, 8)» (PC 6) e encontrem um renovado
impulso no seu trabalho de educação e evangelização, mormente dos pobres, pequeninos e
últimos, através dos escritos do Novo Testamento, «sobretudo os Evangelhos, que são “o
coração de todas as Escrituras” [...], promovendo, nos moldes adequados ao próprio carisma,
escolas de oração, de espiritualidade e de leitura orante da Escritura».[87]
Para as pessoas consagradas, o texto bíblico deve tornar-se objecto de uma quotidiana
ruminatio e de confronto para um discernimento pessoal e comunitário em vista da
evangelização. Quando o homem começa a ler as divinas Escrituras – observava Santo
Ambrósio – Deus volta a passear com ele no paraíso terrestre [88]. A leitura orante da
Palavra, feita com os jovens, é a estrada de um renovado crescimento vocacional e de um
fecundo regresso ao Evangelho e ao Espírito dos fundadores, tão recomendado pelo Concílio
Vaticano II e recentemente reproposto por Sua Santidade Bento XVI às pessoas de vida
consagrada [89]. Em particular, valorizem as pessoas consagradas o confronto comunitário
com a Palavra de Deus, que produzirá comunhão fraterna, alegre partilha das experiências
de Deus na sua vida, e ajudá-las-á a crescer na vida espiritual [90]. O Papa João Paulo II
afirmava: «A Palavra de Deus é a primeira fonte de toda a vida espiritual cristã. Ela alimenta
uma relação pessoal com o Deus vivo e com a sua vontade salvífica e santificadora. Por isso
é que a Lectio Divina, desde o nascimento dos Institutos de vida consagrada, de modo
particular no monaquismo, foi tida na mais alta consideração. Por meio dela, a Palavra de
Deus é transferida para a vida, projectando sobre ela a luz da sapiência, que é dom do
Espírito».[91]
53. A Igreja considera «necessário que os fiéis tenham largo acesso à Sagrada Escritura»
(DV 22) [92], porque as pessoas têm direito a encontrar a verdade [93]. Hoje, é um requisito
indispensável para a missão. Dado que, não poucas vezes, o encontro com a Escritura corre
o risco de não ser um facto de Igreja, para se expor ao subjectivismo e à arbitrariedade, é
indispensável uma promoção pastoral robusta e credível da Sagrada Escritura para
anunciar, celebrar e viver a Palavra na comunidade cristã, dialogando com as culturas do
nosso tempo, pondo-se ao serviço da verdade, e não das ideologias correntes, e
incrementando o diálogo que Deus quer ter com todos os homens (cf. DV 21).
Para o efeito, é necessário difundir a prática da Bíblia com oportunos subsídios, criar o
movimento bíblico entre os leigos, cuidar da formação dos animadores dos grupos, com
especial atenção aos jovens [94], propondo o conhecimento da fé através da Palavra de
Deus, inclusive aos imigrados e a quantos procuram o sentido da vida.
Porque «o primeiro areópago do tempo moderno é o mundo da comunicação que está a unir
a humanidade [...] o uso dos média tornou-se essencial para a evangelização e para a
catequese [...] A Igreja sentir-se-ia culpada diante do seu Senhor, se não recorresse a esses
poderosos meios [...] Neles, ela encontra uma versão moderna e eficaz do púlpito. Graças a
eles, consegue falar às multidões»[95] (cf. IM 11). Dê-se, portanto, amplo espaço, com
sapiente equilíbrio, aos métodos e às novas formas de linguagem e comunicação na
transmissão da Palavra de Deus, como são a rádio, a televisão, o teatro, o cinema, a música e
as canções, até aos novos média, como o CD, o DVD, a Internet, etc. Não se esqueça,
porém, que o bom uso dos média exige dos agentes pastorais um sério esforço e
competência. Há que integrar a própria mensagem na “nova cultura”, criada pela
comunicação moderna, com novas linguagens, novas técnicas e novas atitudes psicológicas.
[96]
É um dever, por fim, recordar que desde 1968 existe e opera a Federação Bíblica Católica
Mundial (CBF), instituída pelo Papa Paulo VI ao serviço da difusão das orientações do
Concílio Vaticano II sobre a Palavra de Deus.
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CAPÍTULO OITAVO
54. A unidade plena e visível de todos os discípulos de Jesus Cristo é considerada pelo Santo
Padre Bento XVI uma questão de primordial importância, que incide sobre o testemunho do
Evangelho [97]. São duas as realidades que unem os cristãos: a Palavra de Deus e o
Baptismo. Acolhendo estes dons, o caminho ecuménico poderá alcançar a sua meta. As
palavras de despedida de Jesus no Cenáculo põem em grande destaque que esta unidade se
manifesta no dar um testemunho comum da Palavra do Pai, transmitida pelo Senhor (cf. Jo
17, 8). Diz o Papa Bento XVI: «A escuta da Palavra de Deus é prioritária no nosso empenho
ecuménico. Não somos nós, com efeito, que fazemos ou organizamos a unidade da Igreja. A
Igreja não se faz a si mesma e não vive de si mesma, mas da Palavra criadora que sai da
boca de Deus. Ouvir juntos a Palavra de Deus, fazer a Lectio Divina da Bíblia, ou seja, uma
leitura unida à oração, deixar-se surpreender pela novidade, que nunca envelhece e nunca se
esgota, da Palavra de Deus, superar a nossa surdez para essas palavras que não concordam
com os nossos preconceitos e opiniões, ouvir e estudar na comunhão dos crentes de todos os
tempos: tudo isso é um caminho a percorrer para alcançar a unidade da fé, como resposta à
escuta da Palavra» [98].
Em geral, nota-se com satisfação que a Bíblia é hoje o maior ponto de encontro para a
oração e o diálogo entre as Igrejas e as comunidades eclesiais. Tomou-se consciência de que
a fé que nos une e as diferentes acentuações na interpretação da mesma Palavra são um
convite a redescobrir juntos as motivações que provocaram a divisão. Mantém-se, por outro
lado, a convicção de que os progressos alcançados no diálogo ecuménico com a Palavra de
Deus podem produzir outros efeitos benéficos. É digna de realce uma válida experiência das
décadas recentes, isto é, o reflexo positivo e reconhecido da Traduction oecuménique de la
Bible (TOB) e a colaboração entre as várias Associações bíblicas cristãs, que promoveram a
compreensão e o diálogo com diferentes Confissões. O fio condutor porém que liga o
caminho ecuménico, do início do século passado aos nossos dias, é a oração comum de
invocação a Deus, animada pelo Espírito Santo, que promove entre os cristãos o
ecumenismo espiritual, de que o Concílio Vaticano II afirmava: «A conversão do coração e a
santidade de vida, juntamente com as orações privadas e públicas pela unidade dos cristãos,
devem-se considerar a alma de todo o movimento ecuménico» (UR 8).
55. Uma peculiar atenção deve ser dada às relações com o povo judeu. Cristãos e judeus são
todos filhos de Abraão, radicados na mesma aliança, pois Deus, que é fiel às suas promessas,
não revogou a primeira aliança (cf. Rom 9, 4; 11, 29).[99] Confirma o Papa João Paulo II:
«Este povo é chamado e guiado por Deus, Criador do céu e da terra. A sua existência não é,
portanto, um simples facto natural ou cultural, no sentido de que o homem, através da
cultura, usa os recursos da própria natureza. Trata-se, ao contrário, de um facto sobrenatural.
Este povo persevera, resistindo a tudo, porque é o povo da Aliança e porque, não obstante as
infidelidades dos homens, o Senhor é fiel à sua Aliança» [100]. Cristãos e judeus partilham
grande parte do cânone bíblico, as “Sagradas Escrituras” (cf. Rom 1, 2), que os cristãos
chamam Antigo Testamento. Essa estreita relação fundada na Bíblia dá ao diálogo entre
cristãos e judeus um cunho singular. A esse respeito, o importante documento da Pontifícia
Comissão Bíblica, O povo judeu e as Escrituras Sagradas na Bíblia cristã [101], leva a
reflectir sobre a íntima ligação de fé, já assinalada pela Dei Verbum (cf. DV 14-16). Para
uma melhor compreensão da própria pessoa de Jesus de Nazaré, é necessário reconhecê-l’O
como «Filho deste povo», [102] Jesus é judeu e é tal para sempre.
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O diálogo inter-religioso
56. Fazendo referência a quanto até aqui foi dito pelo Magistério da Igreja (cf. AG 11; NA 2-
4) [105] e aos diversos contributos dados, recordam-se os seguintes pontos em vista de uma
reflexão e avaliação. Enviada a levar o Evangelho a todas as criaturas (cf. Mc 16, 15), a
Igreja encontra a multidão dos aderentes a outras religiões, tanto às chamadas religiões
tradicionais, como às detentoras de Livros Sagrados, com a própria maneira de entendê-los;
confronta-se em toda a parte com pessoas que procuram ou simplesmente esperam a Boa
Nova. A todos a Igreja sente-se devedora da Palavra que salva (cf. Rom 1, 14). Em
perspectiva positiva, procurar-se-á discernir as “sementes evangélicas” (semina Verbi)
espalhadas entre os povos, que podem constituir uma autêntica preparação ao Evangelho
[106]. Sobretudo as religiões e tradições espirituais que se impõem à atenção mundial pela
sua antiguidade e difusão, como o hinduísmo, o budismo, o jainismo, o taoismo, devem ser
objecto de estudo por parte dos católicos, em vista de um diálogo respeitoso e leal.
Em particular, «a Igreja olha com estima para os muçulmanos que adoram o Deus Único,
vivo e subsistente, misericordioso e omnipotente, criador do céu e da terra, que falou aos
homens» (NA 3). Comos os cristãos e os judeus, também eles se refazem a Abraão,
procurando imitá-lo na sua submissão a Deus, a Quem prestam culto, sobretudo com a
oração, a esmola e o jejum. Embora não reconheçam Jesus como Deus, os muçulmanos
veneram-n’O como profeta e honram Maria, a sua mãe virginal (cf. NA 3). Aguardam o dia
do juízo e têm em apreço a vida moral.
O diálogo dos cristãos com os muçulmanos e com os membros de outras religiões reveste-se
de urgência e permite um melhor conhecimento recíproco e a colaboração na promoção dos
valores religiosos, éticos e morais, contribuindo para a construção de um mundo melhor.
O encontro de Assis de 1986 recorda que a escuta de Deus deve levar à superação de toda a
forma de violência, para que essa escuta se torne activa no coração e nas obras para a
promoção da justiça e da paz [107]. Como disse o Santo Padre Bento XVI, «queremos
procurar os caminhos da reconciliação e aprender a viver, respeitando cada qual a identidade
do outro». [108]
Quando for o caso de se procurar confrontar a Bíblia com os textos sagrados das outras
religiões, seria lamentável que se caísse em sincretismos, aproximações superficiais e
deformações da verdade, até em consideração das diferentes maneiras de conceber a
inspiração desses textos sagrados.
Especial atenção merecem as numerosas seitas, que actuam em diversos continentes e que se
servem da Bíblia para fins impróprios e com métodos estranhos à Igreja.
A Bíblia não é propriedade exclusiva dos cristãos, mas é um tesouro para toda a
humanidade. Através de um contacto fraterno e pessoal, pode tornar-se fonte de inspiração
para os que não crêem em Cristo.
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57. No decorrer dos séculos, o livro da Bíblia entrou nas culturas, a ponto de inspirar os
diversos âmbitos do saber filosófico, pedagógico, científico, artístico e literário. O
pensamento bíblico penetrou de tal maneira que se tornou síntese e alma da própria cultura.
Como afirmava o então Cardeal Ratzinger num comentário à Encíclica Fides et Ratio: «Já
na própria Bíblia se elabora um património de pensamento religioso e filosófico pluralista
derivado de diferentes mundos culturais. A Palavra de Deus desenvolve-se no contexto de
uma série de encontros com a procura que o homem faz de uma resposta às suas perguntas
últimas. Não caiu directamente do céu, mas é propriamente uma síntese das culturas». [109]
As influências económicas e tecnológicas de inspiração secularista e potenciadas pelo amplo
serviço dos mass-média exigem um diálogo mais intenso entre Bíblia e cultura, diálogo por
vezes dialéctico, mas cheio de potencialidades para o anúncio, uma vez que é rico de
pedidos de sentido, que encontram na Palavra do Senhor uma proposta libertadora.
Isso significa que a Palavra de Deus pede para entrar como fermento num mundo pluralista e
secularizado, nos areópagos modernos, levando «a força do Evangelho ao coração da cultura
e das culturas» [110] para purificá-las, elevá-las e torná-las instrumentos do Reino de Deus.
Isso requer uma inculturação da Palavra de Deus, feita não com superficialidade, mas com
uma adequada preparação para o confronto com posições alheias, de modo a emergir a
identidade do mistério cristão e a sua eficácia benéfica para cada pessoa. Nesse contexto,
deve-se dar especial atenção à busca da chamada “história dos efeitos” (Wirkungsgeschichte)
da Bíblia na cultura e no ethos comum, que leva justamente a chamá-la e considerá-la o
“grande código”, sobretudo no Ocidente. Afirmou o Santo Padre Bento XVI: «Hoje, mais
do que nunca, a abertura recíproca entre as culturas é um terreno privilegiado para o diálogo
entre os homens empenhados na procura de um humanismo autêntico, para além das
divergências que os separam. Também em campo cultural, o Cristianismo tem para oferecer
a todos a mais poderosa força de renovação e de elevação, ou seja, o Amor de Deus, que se
faz amor humano» [111]. De tudo isto se ocupam com grande empenho e mérito os muitos
centros culturais católicos espalhados pelo mundo.
58. Durante o Concílio Vaticano II, o Papa Paulo VI descreveu a Igreja como «serva da
humanidade» [112] para orientar o mundo ao Reino de Deus, segundo a medida de Jesus
Cristo, o Homem perfeito (GS 22). A Igreja, portanto, vê o sinal de Deus na história,
construída pela liberdade dos homens e apoiada pela graça divina.
Neste contexto, a Igreja é ciente de que a Palavra de Deus tem de ser lida nos
acontecimentos e sinais dos tempos, com que Deus se manifesta na história. Diz o Concílio
Vaticano II: «Para levar a cabo esta missão [de servir o mundo], é dever da Igreja investigar
a todo o momento os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, para que assim
possa responder, de modo adaptado a cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca
do sentido da vida presente e futura, e da relação entre ambas» (GS 4). A Igreja, portanto,
mergulhada nas vicissitudes humanas, deve «esforçar-se por discernir nos acontecimentos,
nas exigências e aspirações, em que participa juntamente com os homens de hoje, quais são
os verdadeiros sinais da presença ou da vontade de Deus» (GS 11). Assim, realizando
através de todos os seus membros a sua função profética, poderá ajudar a humanidade a
encontrar na história o caminho que a afasta da morte e leva à vida.
Para o efeito, o Espírito Santo chama toda a Igreja a anunciar a Palavra de Deus como fonte
de graça, de liberdade, justiça, paz e salvaguarda da criação, cumprindo a Palavra do Senhor
segundo as diferentes competências e em colaboração com pessoas de boa vontade. São
ponto de referência e de encorajamento as primeiras palavras ditas por Deus na Bíblia a
respeito da criação do mundo e da pessoa humana: «Deus viu que [...] era uma coisa boa
[...] muito boa» (Gen 1, 4.31), e sobretudo as palavras e os exemplos de Jesus. Da Bíblia,
portanto, recebem inspiração e motivação, não sem uma necessária mediação cultural, o
efectivo empenhamento em prol da justiça e dos direitos humanos, a participação dos
católicos na vida pública, o cuidado do ambiente como casa de todos.
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Deste modo, a Palavra que Jesus semeou como semente do Reino faz o seu curso na história
dos homens (cf. 2 Tes 3, 1) e, quando Jesus voltar na glória, ecoará como convite a participar
plenamente na glória do Reino (cf. Mt 25, 24). A esta segura promessa, a Igreja responde
com uma ardente oração: «Marana tha» (1 Cor 16, 22), «Vem, Senhor Jesus» (Ap 22, 20).
CONCLUSÃO
«Habite em vós com abundância a palavra de Cristo, para vos instruirdes e aconselhardes
uns aos outros com toda a sabedoria; e com salmos, hinos e cânticos inspirados, cantai de
todo o coração a Deus a vossa gratidão. E tudo o que fizerdes, por palavras ou por obras,
seja tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças, por Ele, a Deus Pai» (Col 3, 16-17).
59. Na sua grande bondade, Deus Uno e Trino quis comunicar ao homem o mistério da sua
vida escondida nos séculos (cf. Ef 3, 9). No seu Filho Unigénito Jesus Cristo, Deus Pai
pronunciou, na graça do Espírito, a sua Palavra definitiva, que interpela todo o homem que
vem a este mundo. A condição fundamental para que o homem encontre Deus é a escuta
religiosa da Palavra. Vive-se a vida segundo o Espírito na proporção em que se é capaz de
dar espaço à Palavra, de fazer nascer o Verbo de Deus no coração humano. Não é, de facto, o
homem que pode penetrar na Palavra de Deus, mas é só esta que pode conquistá-lo e
convertê-lo, levando-o a descobrir as suas riquezas e os seus segredos e abrindo-lhe
horizontes de sentido, propostas de liberdade e de plena maturação humana (cf. Ef 4, 13). O
conhecimento da Sagrada Escritura é obra de um carisma eclesial, que é posto nas mãos dos
crentes abertos ao Espírito.
Diz São Máximo, o Confessor: «As palavras de Deus, se são simplesmente pronunciadas,
não são escutadas, porque não têm como voz a prática dos que as pronunciam. Se, ao
contrário, são pronunciadas juntamente com a observância dos mandamentos, têm com essa
voz o poder de fazer desaparecer os demónios e levar os homens a construir o templo divino
do coração com o progresso nas obras de justiça».[113] É questão de se entregar ao louvor
silencioso do coração num clima de simplicidade e de oração adoradora como Maria, a
Virgem da escuta, uma vez que todas as Palavras de Deus se resumem e devem ser vividas
no amor (cf. Dt 6, 5; Jo 13, 34-35).
60. A Igreja, como comunidade dos crentes, é convocada pela Palavra de Deus. Ela é o
âmbito privilegiado em que os crentes encontram Deus que continua a falar na liturgia, na
oração, no serviço da caridade. Por meio da Palavra celebrada, de modo especial na
Eucaristia, os fiéis inserem-se cada vez mais na Igreja comunhão, que tem a sua origem na
Trindade, mistério da comunhão infinita.
O Pai, que no amor do Espírito Santo cria tudo o que existe por meio do Filho e em vista
d’Ele (cf. Col 1, 16), continua essa sua obra originária naquilo que o próprio Filho opera (cf.
Jo 5, 17) sobre a terra. A sua obra é a sua Igreja, Igreja do Verbo incarnado, caminho que de
um lado é descendente – de Deus para o homem – e do outro é ascendente – do homem para
Deus (cf. Jo 3, 13). Nesta Palavra viva e eficaz (cf. Heb 4, 12), a Igreja nasce, edifica-se (cf.
Jo 15, 16; Actos 2, 41s.) e encontra a plenitude de vida (cf. Jo 10, 10).
Por mandato do Senhor Jesus ressuscitado, a Igreja, comunidade dos seus discípulos, guiada
pelos Apóstolos, é convidada a anunciar a salvação, sempre e em toda a parte, na fidelidade
à Palavra do Mestre: «Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura» (Mc 16,
15).
Notas
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[1] Cf. Synodus Episcoporum, Relatio finalis Synodi episcoporum Exeunte coetu secundo:
Ecclesia sub verbo Dei mysteria Christi celebrans pro salute mundi (7.12.1985), B, a), 1-4:
Enchiridion del Sinodo dei Vescovi 1, EDB, Bologna 2005, pp. 2316-2320.
[2] Benedictus XVI, Adhort. Apost. post-syn. Sacramentum caritatis (22.2.2007), 6; 52: AAS
99 (2007) 109-110; 145.
[3] Ioannes Paulus II, Litt. Enc. Redemptoris missio (7.12.1990), 56: AAS 83 (1991) 304.
[4] Cf. Benedictus XVI, Litt. Enc. Deus caritas est (25.12.2005), 1: AAS 98 (2006) 217.
[6] Cf. S. Bernardus, Super Missus est, Homilia IV, 11: PL 183, 86.
[8] Benedictus XVI, Ad Conventum Internationalem La Sacra Scrittura nella vita della
Chiesa (16.9.2005): AAS 97 (2005) 957. Cf. Paulus VI, Epist. Apost. Summi Dei Verbum
(4.11.1963): AAS 55 (1963) 979-995; Ioannes Paulus II, Udienza Generale (22.5.1985):
L’Osservatore Romano (23.5.1985), p. 6; Discorso sull’interpretazione della Bibbia nella
Chiesa (23.4.1993): L’Osservatore Romano (25.4.1993), pp. 8-9; Benedictus XVI, Angelus
(6.11.2005): L’Osservatore Romano (7-8.11.2005), p. 5.
[10] Benedictus XVI, Ad Conventum Internationalem La Sacra Scrittura nella vita della
Chiesa (16.09.2005): AAS 97 (2005) 956.
[14] Cf. Pontificia Commissio Biblica, Le peuple juif et ses Saintes Écritures dans la Bible
Chrétienne (24.5.2001), 19: Enchiridion Vaticanum 20, EDB, Bologna 2004, pp. 570-574.
[17] Cf. Catechismus Catholicae Ecclesiae, 83; Ratzinger J., Commento alla Dei Verbum, L
Th K, 2, pp. 519-523.
[18] Cf. S. Bonaventura, Itinerarium mentis in Deum, II, 12: ed. Quaracchi, 1891, vol. V, p.
302s. Cf. Ratzinger J., Un tentativo circa il problema del concetto di tradizione: Rahner K. -
Ratzinger J., Rivelazione e Tradizione, Morcelliana, Brescia 2006, pp. 27-73.
[23] Pontificia Commissio Biblica, L’interprétation de la Bible dans l’Église (15.4.1993), II,
B 2: Enchiridion Vaticanum 13, EDB, Bologna 1995, pp. 1648-1650.
[27] Missale Romanum, Ordo Lectionum Missae: Editio typica altera, Libreria Editrice
Vaticana, Città del Vaticano 1981: Praenotanda, 8.
[28] Pontificia Commissio Biblica, L’interprétation de la Bible dans l’Église (15.4.1993), II,
B 2: Enchiridion Vaticanum 13, EDB, Bologna 1995, p. 1650.
[30] Cf. Benedictus XVI, Ad sacrorum alumnos Seminarii Romani Maioris (19.2.2007):
AAS 99 (2007) 254.
[32] Benedictus XVI, Litt. Enc. Deus caritas est (25.12.2005), 41: AAS 98 (2006) 251.
[34] Cf. S. Ambrosius, Evang. secundum Lucam 2, 19: CCL 14, 39.
[35] Ioannes Paulus II, Epist. Apost. Rosarium Virginis Mariae (16.10.2002), 1; 3; 18; 30:
AAS 95 (2003) 5; 7; 17; 27.
[40] Cf. Ioannes Paulus II, Discorso sull’interpretazione della Bibbia nella Chiesa
(23.4.1993): L’Osservatore Romano (25.4.1993), pp. 8-9.
[41] Missale Romanum, Ordo Lectionum Missae: Editio typica altera, Libreria Editrice
Vaticana, CittB del Vaticano 1981: Praenotanda, 9.
[42] Petrus Damascenus, Liber II, vol. III, 159: La Filocalia, 3, Torino 1985, p. 253.
[43] Cf. Congregatio pro Clericis, Directorium generale pro catechesi (15.8.1997), 47-49:
Enchiridion Vaticanum 16, EDB, Bologna 1999, pp. 662-664.
[44] Cf. Euchologion Serapionis, 19-20, ed. Johnson M.E., The Prayers of Serapion of
Thmuis (Orientalia Christiana Analecta 249), Roma 1995, pp. 70-71.
[45] Ioannes Paulus II, Epist. Apost. Dies Domini (31.5.1998), 41: AAS 90 (1998) 738-739.
Dei, ideoque Corpus Christi intelligitur etiam Evangelium Dei, doctrina Dei, Scriptura Dei».
[48] Cf. Benedictus XVI, Adhort. Apost. post-syn. Sacramentum caritatis (22.2.2007), 44-
46: AAS 99 (2007) 139-141.
[50] Ioannes Paulus II, Litt. Apost. Novo millennio ineunte (6.1.2001), 36: AAS 93 (2001)
291.
[51] Cf. Benedictus XVI, Adhort. Apost. post-syn. Sacramentum caritatis (22.2.2007), 44-
48: AAS 99 (2007) 139-142.
[54] Cf. Ioannes Paulus II, Adhort. Apost. post-syn. Pastores dabo vobis (25.3.1992), 47:
AAS 84 (1992) 740-742; Benedictus XVI, Incontro con i giovani romani (6.4.2006):
L’Osservatore Romano (7.4.2006), p. 5; Messaggio per la Giornata Mondiale della
Gioventù (22.2.2006): L’Osservatore Romano (27-28.2.2006), p. 5.
[55] Ioannes Paulus II, Litt. Apost. Novo millennio ineunte (6.1.2001), 39: AAS 93 (2001)
294.
[56] Benedictus XVI, Ad Conventum Internationalem La Sacra Scrittura nella vita della
Chiesa (16.9.2005): AAS 97 (2005) 957.
[57] Benedictus XVI, Incontro con i giovani romani (6.4.2006): L’Osservatore Romano
(7.4.2006), p. 5.
[58] Benedictus XVI, Messaggio per la Giornata Mondiale della Gioventù (22.2.2006):
L’Osservatore Romano (27-28.2.2006), p. 5.
[59] Benedictus XVI, Ad Conventum Internationalem La Sacra Scrittura nella vita della
Chiesa (16.9.2005): AAS 97 (2005) 957. Cf. DV 21.25; PO 18-19; Catechismus Catholicae
Ecclesiae, 1177; Ioannes Paulus II, Adhort. Apost. post-syn. Pastores dabo vobis
(25.3.1992), 47: AAS 84 (1992) 740-742; Adhort. Apost. post-syn. Vita consecrata
(25.3.1996), 94: AAS 88 (1996) 469-470; Litt. Apost. Novo millennio ineunte (6.1.2001), 39-
40: AAS 93 (2001) 293-295; Adhort. Apost. post-syn. Ecclesia in Oceania (22.11.2001), 38:
AAS 94 (2002) 411; Adhort. Apost. post-syn. Pastores gregis (16.10.2003), 15: AAS 96
(2004) 846-847.
[60] Cf. Ioannes Paulus II, Adhort. Apost. post-syn. Vita consecrata (25.3.1996), 94: AAS 88
(1996) 469-470.
[62] Benedictus XVI, Litt. Enc. Deus caritas est (25.12.2005), 22: AAS 98 (2006) 234-235.
[63] Benedictus XVI, Litt. Enc. Spe salvi (30.11.2007), 2: AAS 99 (2007) 986.
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[69] Cf. Ioannes Paulus II, Litt. Enc. Redemptoris missio (7.12.1990), 33: AAS 83 (1991)
277-278.
[70] Cf. Ioannes Paulus II, Litt. Apost. Novo millennio ineunte (6.1.2001), 40: AAS 93
(2001) 294.
[72] Cf. Benedictus XVI, Litt. Enc. Deus caritas est (25.12.2005): AAS 98 (2006) 217-252.
[73] Ioannes Paulus II, Litt. Apost. Novo millennio ineunte (6.1.2001), 39: AAS 93 (2001)
293.
[74] Congregatio pro Clericis, Directorium generale pro catechesi (15.8.1997), 94:
Enchiridion Vaticanum 16, EDB, Bologna 1999, pp. 738-740; cf. Ioannes Paulus II, Adhort.
Apost. Catechesi tradendae (16.10.1979), 27: AAS 71 (1979) 1298.
[76] Cf. Congregatio pro Clericis, Directorium generale pro catechesi (15.8.1997), I, 2:
Enchiridion Vaticanum 16, EDB, Bologna 1999, pp. 684-708.
[77] Ibidem, 127, p. 794; cf. Ioannes Paulus II, Adhort. Apost. Catechesi tradendae
(16.10.1979), 27: AAS 71 (1979) 1298.
[78] Ioannes Paulus II, Const. Apost. Fidei depositum (11.10.1992), IV: AAS 86 (1994) 117.
[79] Cf. Ioannes Paulus II, Adhort. Apost. post-syn. Pastores gregis (16.10.2003), III: AAS
96 (2004) 859-867.
[82] Cf. Missale Romanum, Institutio generalis, 66, editio typica III, Typis Vaticanis 2002,
p. 34.
[84] Cf. Ioannes Paulus II, Adhort. Apost. post-syn. Christifideles laici (30.12.1988), 8.14:
AAS 81 (1989) 404-405; 409-411; CIC can. 204; CCEO can. 7, 1.
[85] Ioannes Paulus II, Adhort. Apost. post-syn. Christifideles laici (30.12.1988), 14: AAS
81 (1989) 411.
[86] Paulus VI, Voti e norme per il IV Congresso Nazionale Francese dell’insegnamento
religioso (1-3.4.1964): L’Osservatore Romano (4.4.1964), p. 1.
[87] Ioannes Paulus II, Adhort. Apost. post-syn. Vita consecrata (25.3.1996), 94: AAS 88
(1996) 469.
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[89] Cf. Benedictus XVI, Allocuzione in occasione della Giornata Mondiale della Vita
Consacrata (2.2.2008): L’Osservatore Romano (4-5.2.2008), p. 8.
[90] Cf. Ioannes Paulus II, Adhort. Apost. post-syn. Vita consecrata (25.3.1996), 94: AAS 88
(1996) 469.
[91] Ibidem
[92] Cf. CIC can. 825; CCEO can. 662 §1; 654.
[93] Cf. Congregatio pro Doctrina Fidei, Nota dottrinale su alcuni aspetti
dell’evangelizzazione (3.12.2007): L’Osservatore Romano (15.12.2007), pp. 4-5.
[94] Cf. Benedictus XVI, Messaggio del Santo Padre per la XXI Giornata Mondiale della
Gioventù (22.2.2006): L’Osservatoro Romano (27-28.2.2006), p. 5.
[95] Congregatio pro Clericis, Directorium generale pro catechesi (15.8.1997), 160:
Enchiridion Vaticanum 16, EDB, Bologna 1999, p. 844; Cf. Paulus VI, Adhort. Apost.
Evangelii nuntiandi (8.12.1975), 45: AAS 68 (1976) 35; Ioannes Paulus II, Litt. Enc.
Redemptoris missio (7.12.1990), 37: AAS 83 (1991) 284-286; CIC can. 761; CCEO can. 651
§ 1.
[96] Cf. Congregatio pro Clericis, Directorium generale pro catechesi (15.8.1997), 161:
Enchiridion Vaticanum 16, EDB, Bologna 1999, p. 846.
[98] Benedictus XVI, Allocutio Il mondo attende la testimonianza comune dei cristiani
(25.1.2007): L’Osservatore Romano (27.1.2007), pp. 4-5.
[99] Cf. Ioannes Paulus II, Allocutio Mogontiaci ad Iudaeos habita Veteris Testamenti
Haereditas ad pacem et iustitiam fovendas trahit (Mainz, 17.11.1980): AAS 73 (1981) 78-
82.
[101] Cf. Pontificia Commissio Biblica, Le peuple juif et ses Saintes Écritures dans la Bible
chrétienne (24.5.2001): Enchiridion Vaticanum 20, EDB, Bologna 2004, pp. 506-834.
[102] Ibidem, 2, p. 524; cf. Ratzinger J., Gesj di Nazaret, Rizzoli, Milano 2007, pp. 127ss.
[103] Cf. Pontificia Commissio Biblica, Le peuple juif et ses Saintes Écritures dans la Bible
chrétienne (24.5.2001), 22: Enchiridion Vaticanum 20, EDB, Bologna 2004, pp. 584-586.
[104] Cf. Ioannes Paulus II, Messaggio agli Ebrei polacchi in occasione del 50º
Anniversario dell’insurrezione (6.4.1993): Insegnamenti di Giovanni Paolo II, 16/1,
Libreria Editrice Vaticana, CittB del Vaticano 1993, p. 830: «Come cristiani ed ebrei,
seguendo l’esempio della fede di Abramo, siamo chiamati ad essere una benedizione per il
mondo. Questo P il compito comune che ci attende. O dunque necessario per noi, cristiani
ed ebrei, essere prima una benedizione l’uno per l’altro».
[105] Cf. Congregatio pro Doctrina Fidei, Declaratio Dominus Jesus (6.8.2000), 20-22: AAS
92 (2000) 761-764.
https://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20080511_instrlabor-xii-assembly_po.html 49/50
05/09/2023, 19:30 A Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja
[106] Cf. Congregatio pro Clericis, Directorium generale pro catechesi (15.8.1997), 109:
Enchiridion Vaticanum 16, EDB, Bologna 1999, pp. 764-766.
[107] Cf Benedictus XVI, Nuntii ob diem ad Pacem fovendam Nella veritB, la pace
(8.12.2005): AAS 98 (2006) 56-64; La persona umana, cuore della pace (8.12.2006):
L’Osservatore Romano (13.12.2006), pp. 4-5.
[109] Ratzinger J., Allocutio Fede e Ragione in occasione dell’incontro su "La Fede e la
ricerca di Dio" (Roma 17.11.1998): L’Osservatore Romano (19.11.1998), p. 8.
[110] Ioannes Paulus II, Adhort. Apost. Catechesi tradendae (16.10.1979), 53: AAS 71
(1979) 1320.
[112] Paulus VI, Homilia ad Patres conciliares (7.12.1965): AAS 68 (1966) 57.
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