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Número 198

Junho 2018

Por que chora


Maria Santíssima?
Nossa Senhora do
Sagrado Coração
P or mais variadas e belas que sejam as invocações
com que a Santa Igreja se refere a Nossa Senho-
ra, em nenhuma delas deixaremos de encontrar uma
relação entre Ela e o amor de Deus. Essas invoca-
ções, ou celebram um dom de Deus, ao qual Nossa
Senhora soube ser perfeitamente fiel, ou um poder
especial que Ela tem junto ao Seu Divino Filho. Ora,
o que provam os dons do Deus, senão um amor es-
pecial do Criador? E o que prova o poder de Nossa
Senhora junto a Deus, senão este mesmo amor?
Assim, pois, é com toda a propriedade que Nossa
Senhora pode ao mesmo tempo ser chamada “es-
pelho de justiça” e “onipotência suplicante”. Es-
pelho de Justiça, porque Deus a amou tanto, que
n’Ela concentrou todas as perfeições que uma cria-
tura pode ter, e por isto mesmo em nenhuma Ele se
espelha tão perfeitamente como n’Ela. Onipotên-
cia suplicante, porque não há graça que se obtenha
sem Nossa Senhora, e não há graça que Ela não
obtenha para nós.
Invocar Nossa Senhora sob o título do Sagrado
Coração é fazer uma síntese belíssima de todas as
outras invocações, é lembrar o reflexo mais puro e
mais belo da Maternidade Divina, é fazer vibrar a
um só tempo, harmonicamente, todas as cordas do
amor, que tocamos uma a uma enunciando as vá-
rias invocações da ladainha Lauretana, ou da Salve
Francisco Lecaros

Rainha.
Nossa Senhora do Sagrado Coração Plinio Corrêa de Oliveira. Nossa Senhora do
Museu de Valladolid (Espanha)
Sagrado Coração. In: Legionário. São Paulo.
Ano XIV. N.410 (21 jul., 1940); p.2.
SumáriO
Escrevem os leitores ���������������������������������������� 4 Por que o Direito e o Direito
Canônico?
Revista mensal dos
Jesus e Maria: um só Coração, ...................... 33
uma só Mentalidade (Editorial) . . . . . . . . . . . . 5

A voz dos Papas – Testemunhos – “O Mestre


Associação privada internacional de
fiéis de direito pontifício Também eu vim está aí e te chama”

Ano XVII, nº 198, Junho 2018 como peregrino a Fátima

ISSN 1982-3193 ........................ 6 ...................... 36


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uma mensagem do Céu
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E screvem os leitores

Antes considerava São José Ficamos muito tocados com o


como uma figura secundária fato! Agora ela diz que sente Anne
Estou muito agradecida por ha- de Guigné todo o tempo a seu lado.
ver recebido o belíssimo livro São E sempre que quer fazer algum pe-
José: quem o conhece?, de Mons. queno capricho, se lhe perguntamos
Zelo, amor e seriedade João Scognamiglio Clá Dias, funda- o que pensaria Anne a respeito, ela
na hora de redigir
dor dos Arautos do Evangelho. Pro- fica muito bem comportada.
Saudações! Não bastasse a re- curei-o nas livrarias, mas não conse- Comentamos o fato com alguns
vista Arautos do Evangelho ser ins- gui encontrar a agência de distribui- casais amigos nossos que também
trumento útil à educação religiosa, ção. Agora, graças a vocês o estou têm filhos pequenos, e eles, como
para a catequese em geral, contem- lendo com muito interesse, inclusi- nós, lhes contaram a história de
pla-nos com uma redação perfeita ve porque São José era para mim um Anne de Guigné publicada na Re-
no artigo da Ir. Giovana Wolf Gon- verdadeiro desconhecido. vista: mais de uma criança sonhou
çalves Fazzio, na edição número Quando estava no catecismo, em com ela, o que nos deixou impressio-
196, do mês de abril: Candura, bon- criança, e falo de muitos e muitos nados!
dade e isolamento. anos atrás, São José era apresenta- Agradecemos à Ir. Elizabeth Ve-
Levando em consideração que a do apenas como o pai putativo de ronica MacDonald e aos editores da
grande maioria dos nossos estudan- Jesus. Explicaram-me o que quer di- Revista por serem um instrumento
tes, até nas universidades, encontra zer putativo, mas o fato de saber que nas mãos da graça por meio de seus
uma imensa dificuldade em Reda- ele não era o Pai de Jesus levou-me a artigos. O que se passou com nos-
ção – haja vista o resultado nos con- considerar São José como uma figu- sa filha nos faz pensar que, afinal,
cursos públicos – é forçoso parabe- ra secundária, para não dizer inútil, o Céu não está tão longe da terra e
nizar a Arautos do Evangelho pelo na vida de Jesus. quase o podemos tocar…
zelo, seriedade e amor que dedica às Hoje estou muito contente de, fi- Kleber e Raísa Faria de Oliveira
suas edições. nalmente, o conhecer, graças a vo- Mairiporã – SP
Frei Fausto Fagundes cês e a Mons. Scognamiglio.
Três Ranchos – GO Letizia Lamberti Inspiramo-nos
Temos de descobrir sempre Montecchio – Itália no estilo das igrejas
dos Arautos
mais sobre este Santo Encantada com a Venerável
Quero agradecer a Revista de Anne de Guigné Gostaria de comentar-lhes que
março passado. Se são todas mui- em nossa paróquia temos uma sala
Nossa filhinha tem apenas qua- na parte posterior da igreja que
to ricas, esta dá vontade de ler e tro anos de idade e nós lhe conta-
voltar a ler! São José entra no nos- sempre me incomodava por seu as-
mos a história da Venerável Anne pecto, com um teto baixo que cor-
so coração. Eu sabia tão pouco so- de Guigné, publicada na edição de
bre ele que, ao ler a Revista, fiquei tava os vitrais, dos quais só se podia
abril passado, mostrando-lhe tam- ver a metade dos rostos dos Santos.
com a alma cheia; temos que desco- bém as fotos, o que a deixou encan-
brir mais sobre este Santo. Fizemos ali uma reforma e ago-
tada.
Eu tenho que dar sempre graças ra a chamamos “Sala dos Santos”, a
No dia seguinte ela nos acompa-
a Deus e a Nossa Senhora porque, qual foi inaugurada no dia 1º de no-
nhou à Missa e adormeceu, como é
apesar de tanto sofrimento, sei que vembro passado. Para dar-lhe a nova
seu costume. Ao despertar, contou
estão sempre comigo e com a minha configuração, o mestre de obras e
que havia sonhado com Anne e que
família. Por tudo tenho que agrade- eu nos inspiramos no estilo de suas
ela lhe dizia que devia rezar muito e
cer, e também a vocês, porque me igrejas, que observei em minhas vi-
ser santa! Até aquele momento nos-
têm ajudado muito. O meu obrigado sitas e que o mestre de obras viu nas
sa filha tinha dificuldade de pronun-
e um abraço amigo. fotos de sua Revista!
ciar seu nome, o que é explicável por
Maria Graça Silva Venda sua idade, mas depois do sonho pas- Pe. Ivan Sciberras
Serro Ventoso – Portugal sou a pronunciá-lo perfeitamente. Belleville (NJ) – Estados Unidos

4      Arautos do Evangelho · Junho 2018


Editorial
Jesus e Maria:
um só Coração,

uma só Mentalidade

O coração é símbolo da parte mais nobre do homem. Embora o senti-


mentalismo do século XIX nos tenha deixado dele uma ideia muito
fragmentária – como se consistisse apenas em afeto e bondade –, ele
representa a plenitude do dinamismo da vontade da pessoa, enquanto mode-
lada por certo ideal, envolvendo também todas as outras forças de alma que se
encontram à disposição da vontade para ser eficaz e atingir o seu fim.
Portanto, o coração simboliza uma parte meio volitiva da inteligência, e
meio cogitativa da vontade, a sede da mentalidade do homem, onde se alojam
os seus segredos mais íntimos. Meditar sobre o Sagrado Coração de Jesus é,
pois, considerar a sagrada mentalidade, ou psicologia, de Nosso Senhor, num
só todo formado por sua vontade divina e sua vontade humana.
O Imaculado Coração de Maria, por sua vez, é o puríssimo escrínio no qual
encontramos o próprio Coração de Jesus. Ao coração da mãe correspondem
Número
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especialmente a bondade, a generosidade e a indulgência, porque as boas mães
são mais levadas a isso pelo seu modo de ser. Assim, o Coração Imaculado de
8
Junho 201

Maria é a máxima representação de todo esse afeto e doçura maternos para co-
nosco, num grau inimaginável, como ninguém teve! Mas seu Coração é sobre-
tudo a Sede da Sabedoria, uma virtude atinente não só à inteligência, mas tam-
bém à vontade. Então, o Coração Sapiencial é o coração que quer, que deseja
chora e que ama tudo de acordo com a fé, a reta razão e o bom senso.
Por que ?
a n tíssima Ao falar do “Sagrado Coração” de Jesus e Maria, em vez de “Sagrados Cora-
Maria S
ções”, São João Eudes indica formarem ambos uma só mentalidade, pois a men-
talidade enquanto tal é susceptível de união e fusão. Assim sendo, a devoção ao
Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria não seriam real-
Uma das ­Imagens mente a devoção à Sagrada Mentalidade de Jesus e de Maria? E não seria esta
do Imaculado devoção própria a produzir em nós uma mudança de mentalidade, mediante a
­Coração de Maria troca de corações com Jesus e Maria, pela qual a mentalidade d’Eles penetre em
que choraram inex- nós e leve nossos corações a pulsarem em uníssono com o d’Eles?
plicavelmente em Desta forma, podemos conceber o Reino de Maria como a era na qual Ela –
San José da Costa Rainha dos corações e Rainha das mentalidades – atrairia a Si todas as menta-
Rica, no dia 26 de lidades e sobre elas reinaria de modo a fundi-las numa só, que seria a mentali-
abril (ver p.16-19). dade de Jesus e de Maria.
Foto: Víctor Serrano
Esta transformação, contudo, se faz pelo sofrimento. Quando se pensa no Co-
ração de Jesus perfurado por uma lança, recorda-se também o Imaculado Cora-
ção de Maria transpassado pelo gládio da dor: são Corações cheios de sofrimen-
tos, por amor a nós. Assim, quando estivermos sofrendo, lembremo-nos que o
Coração regenerador de Jesus é a fonte de graças reservadas para as épocas di-
fíceis e esplendorosas que se aproximam, e que Nossa Senhora está espiritual-
mente ao pé de todas as cruzes do mundo, com sua intercessão e seus rogos. ²

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      5


A voz dos Papas

Também eu vim
como peregrino a Fátima

Com a família humana pronta a sacrificar os seus laços mais sagrados no altar
de mesquinhos egoísmos, veio do Céu a nossa bendita Mãe oferecendo-Se para
transplantar no nosso coração o amor de Deus que arde no seu.

I
rmãs e irmãos muito amados, aqui para celebrar o centenário da As Escrituras convidam-nos a
também eu vim como peregri- primeira visita feita pela Senhora crer: “Felizes os que acreditam sem
no a Fátima, a esta “casa” que “vinda do Céu”, como Mestra que terem visto” (Jo 20, 29), mas Deus –
Maria escolheu para nos falar introduz os pequenos videntes no mais íntimo a mim mesmo de quan-
nos tempos modernos. Vim a Fátima conhecimento íntimo do Amor Tri- to o seja eu próprio (cf. Santo Agosti-
para rejubilar com a presença de Ma- nitário e os leva a saborear o próprio nho. Confissões, III, 6, 11) – tem o po-
ria e sua materna proteção. Vim a Fá- Deus como o mais belo fato da exis- der de chegar até nós nomeadamen-
tima, porque hoje converge para aqui tência humana. te através dos sentidos interiores, de
a Igreja peregrina, querida pelo seu Uma experiência de graça que modo que a alma recebe o toque sua-
Filho como instrumento de evangeli- os tornou enamorados de Deus em ve de algo real que está para além do
zação e sacramento de salvação. Vim Jesus, a ponto de a Jacinta excla- sensível, tornando-a capaz de alcan-
a Fátima para rezar, com Maria e tan- mar: “Gosto tanto de dizer a Jesus çar o não-sensível, o não-visível aos
tos peregrinos, pela nossa humanida- que O amo. Quando Lho digo mui- sentidos. Para isso exige-se uma vi-
de acabrunhada por misérias e sofri- tas vezes, parece que tenho um lume gilância interior do coração que, na
mentos. […] no peito, mas não me queimo”. E o maior parte do tempo, não possuí-
Filha excelsa deste povo é a Vir- Francisco dizia: “Do que gostei mais mos por causa da forte pressão das
gem Mãe de Nazaré, a qual, revestida foi de ver a Nosso Senhor, naquela realidades externas e das imagens e
de graça e docemente surpreendida luz que Nossa Senhora nos meteu no preocupações que enchem a alma.
com a gestação de Deus que se estava peito. Gosto tanto de Deus!” (Me- Sim! Deus pode alcançar-nos, ofere-
operando no seu seio, faz igualmen- mórias da Irmã Lúcia, I, 40 e 127). cendo-Se à nossa visão interior.
te sua esta alegria e esta esperança Mais ainda, aquela Luz no íntimo
no cântico do Magnificat: “O meu es-
As Escrituras convidam-nos a crer dos pastorinhos, que provém do fu-
pírito se alegra em Deus, meu Salva- Irmãos, ao ouvir estes inocentes turo de Deus, é a mesma que se ma-
dor”. Entretanto não Se vê como pri- e profundos desabafos místicos dos nifestou na plenitude dos tempos e
vilegiada no meio de um povo estéril, pastorinhos, poderia alguém olhar veio para todos: o Filho de Deus fei-
antes profetiza-lhe as doces alegrias para eles com um pouco de inveja por to Homem. Que Ele tem poder para
duma prodigiosa maternidade de terem visto ou com a desiludida re- incendiar os corações mais frios e
Deus, porque “a sua misericórdia se signação de quem não teve essa sor- tristes, vemo-lo nos discípulos de
estende de geração em geração sobre te, mas insiste em ver. A tais pessoas, Emaús (cf. Lc 24, 32). Por isso a nos-
aqueles que O temem” (Lc 1, 47.50). o Papa diz como Jesus: “Não andareis sa esperança tem fundamento real,
Prova disto mesmo é este lugar vós enganadas, ignorando as Escritu- apoia-se num acontecimento que se
bendito. Mais sete anos e voltareis ras e o poder de Deus?” (Mc 12, 24). coloca na História e ao mesmo tem-

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As Escrituras
convidam-nos
a crer:
“Felizes os
que acreditam
sem terem visto”
L’Osservatore Romano

(Jo 20, 29)

Bento XVI recebe Mons. João


Scognamiglio Clá Dias, EP, no Palácio
Apostólico, 26/11/2009

po excede-a: é Jesus de Nazaré. E num amor que se sacrifica pelos ou- gunta: “Quereis oferecer-vos a Deus
o entusiasmo que a sua sabedoria e tros, mas não sacrifica os outros; an- para suportar todos os sofrimentos
poder salvífico suscitavam nas pes- tes – como ouvimos na segunda lei- que Ele quiser enviar-vos, em ato de
soas de então era tal que uma mu- tura – “tudo desculpa, tudo acredi- reparação pelos pecados com que
lher do meio da multidão – como ou- ta, tudo espera, tudo suporta” (I Cor Ele mesmo é ofendido e de súplica
vimos no Evangelho – exclama: “Fe- 13, 7). Exemplo e estímulo são os pas- pela conversão dos pecadores?” (Me-
liz Aquela que Te trouxe no seu ven- torinhos, que fizeram da sua vida uma mórias da Irmã Lúcia, I, 162).
tre e Te amamentou ao seu peito”. doação a Deus e uma partilha com os Com a família humana pronta a
Contudo Jesus observou: “Mais outros por amor de Deus. Nossa Se- sacrificar os seus laços mais sagra-
felizes são os que ouvem a pala- nhora ajudou-os a abrir o coração à dos no altar de mesquinhos egoís-
vra de Deus e a põem em prática” universalidade do amor. De modo mos de nação, raça, ideologia, gru-
(Lc 11, 27.28). Mas quem tem tempo particular, a Beata Jacinta mostrava- po, indivíduo, veio do Céu a nos-
para escutar a sua palavra e deixar- -se incansável na partilha com os po- sa bendita Mãe oferecendo-Se para
-se fascinar pelo seu amor? Quem bres e no sacrifício pela conversão dos transplantar no coração de quan-
vela, na noite da dúvida e da incerte- pecadores. Só com este amor de fra- tos se Lhe entregam o amor de Deus
za, com o coração acordado em ora- ternidade e partilha construiremos a que arde no seu.
ção? Quem espera a aurora do dia civilização do amor e da paz. Então eram só três, mas o exem-
novo, tendo acesa a chama da fé? A Iludir-se-ia quem pensasse que plo de suas vidas irradiou e se mul-
fé em Deus abre ao homem o hori- a missão profética de Fátima este- tiplicou em grupos sem conta por
zonte de uma esperança certa que ja concluída. Aqui revive aquele de- toda a superfície da terra, nomeada-
não desilude; indica um sólido fun- sígnio de Deus que interpela a hu- mente à passagem da Virgem Pere-
damento sobre o qual apoiar, sem manidade desde os seus primórdios: grina, que se votaram à causa da so-
medo, a própria vida; pede o aban- “Onde está Abel, teu irmão? […] A lidariedade fraterna. Possam os sete
dono, cheio de confiança, nas mãos voz do sangue do teu irmão clama anos que nos separam do centená-
do Amor que sustenta o mundo. da terra até Mim” (Gn 4, 9). rio das aparições apressar o anun-
O homem pôde desencadear um ciado triunfo do Coração Imacula-
Missão profética ainda ciclo de morte e terror, mas não con- do de Maria para glória da Santíssi-
não concluída segue interrompê-lo… Na Sagrada ma Trindade. ²
“A linhagem do povo de Deus será Escritura, é frequente aparecer Deus
conhecida […] como linhagem que o à procura de justos para salvar a cida- Bento XVI. Excertos
Senhor abençoou” (Is 61, 9) com uma de humana e o mesmo faz aqui, em da Homilia no Santuário
esperança inabalável e que frutifica Fátima, quando Nossa Senhora per- de Fátima, 13/5/2010

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      7


Francisco Lecaros
Jesus expulsa o demônio de um homem mudo - Biblioteca do
Mosteiro de Yuso, San Millán de la Cogolla (Espanha)

a  Evangelho  A
Naquele tempo, Jesus voltou para casa
20 
poderá saquear sua casa. 28  Em verdade vos
com os seus discípulos. E de novo se reu- digo: tudo será perdoado aos homens, tan-
niu tanta gente que eles nem sequer podiam to os pecados, como qualquer blasfêmia que
comer. 21 Quando souberam disso, os paren- tiverem dito. 29  Mas quem blasfemar contra
tes de Jesus saíram para agarrá-Lo, porque o Espírito Santo, nunca será perdoado, mas
diziam que estava fora de Si. 22  Os mestres será culpado de um pecado eterno”. 30  Jesus
da Lei, que tinham vindo de Jerusalém, di- falou isso, porque diziam: “Ele está possuí-
ziam que Ele estava possuído por Belzebu, do por um espírito mau”.
e que pelo príncipe dos demônios Ele expul- 31 
Nisso chegaram sua Mãe e seus irmãos.
sava os demônios. 23 Então Jesus os chamou Eles ficaram do lado de fora e mandaram
e falou-lhes em parábolas: “Como é que sa- chamá-Lo. 32  Havia uma multidão sentada
tanás pode expulsar a satanás? 24 Se um rei- ao redor d’Ele. Então Lhe disseram: “Tua
no se divide contra si mesmo, ele não po- Mãe e teus irmãos estão lá fora à tua pro-
derá manter-se. 25  Se uma família se divide cura”. 33  Ele respondeu: “Quem é minha
contra si mesma, ela não poderá manter- mãe, e quem são meus irmãos?” 34 E olhan-
-se. 26 Assim, se satanás se levanta contra si do para os que estavam sentados ao seu re-
mesmo e se divide, não poderá sobreviver, dor, disse: “Aqui estão minha mãe e meus
mas será destruído. 27 Ninguém pode entrar irmãos. 35 Quem faz a vontade de Deus, esse
na casa de um homem forte para roubar é meu irmão, minha irmã e minha mãe”
seus bens, sem antes o amarrar. Só depois (Mc 3, 20-35).

8      Arautos do Evangelho · Junho 2018


Comentário ao Evangelho – X Domingo do Tempo Comum

A consanguinidade
sobrenatural

Ser parente do Messias seria, pelos nossos critérios, uma


honra inigualável. Para o Filho de Deus, ao contrário, mais
importante é fazer a vontade do Pai Celeste do que ser
parte de sua genealogia humana.

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

I – Os segredos da vida parentes, vizinhos e amigos não vislumbra-


oculta de Jesus ram em Jesus a divindade? Como não viram
Ao meditarmos nos mistérios da vida de n’Ele, pelo menos, o Messias? O plano divi-
Nosso Senhor, nossa imaginação é solicita- no, por uma alta sabedoria, exigia que Nos-
da de modo especial quando nos detemos nos so Senhor atravessasse esse longo espaço de
anos transcorridos no apagamento de Nazaré, trinta anos sem Se distinguir, aos olhos dos Em Nazaré,
a contemplar aqueles caminhos que em tantas seus, do jovem comum: honrando o trabalho,
ocasiões Ele percorreu; aquele panorama com exaltando a humildade, dando-nos exemplo
Jesus viveu
o Monte Tabor ao fundo e a planície que avan- em tudo. A Providência queria – além de uma numa
ça até o mar, inúmeras vezes por Ele divisado; glória completa para o Filho de Deus Encar-
aquela casa na qual Ele habitou desde o mo- nado – conferir maior mérito a Maria Santís- atmosfera
mento em que retornou do Egito, tão humilde, sima e submeter todos aqueles que com Ele
porém quão impregnada da presença sobrena- conviviam a uma prova: a do esforço e da de-
de pobre­za e
tural… Ali Ele viveu numa atmosfera de pobre- licadeza de atenção para descobrir que em Je- esquecimento,
za e esquecimento, mas de grandeza; de amor, sus havia algo de mais importante em relação
de paz, de um descanso suave, e ao mesmo tem- a qualquer outro homem. Para isso, lançou mas de
po de trabalho intenso. Ali Ele “crescia em es- Deus um véu sobre suas qualidades humanas
tatura, em sabedoria e graça, diante de Deus e e sobre sua natureza divina. grandeza,
dos homens” (Lc 2, 52), sendo preparado por
uma ação divina para sua grande missão.
Mas Ele causava admiração amor e paz
Houve, sem dúvida, os que corresponde-
Um véu cobria Jesus aos olhos dos seus ram a este convite. Se Ele assombrou os pró-
Como se pode explicar que em Nazaré o prios doutores no Templo, aos doze anos, não
Homem-Deus passasse despercebido? Como causaria admiração nas pessoas que O conhe-

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      9


ciam? Não é de se con-
ceber que alguns compa-
nheiros de infância, fami-
liares educados com Ele,
ou adultos que privas-
sem com Nossa Senhora
e São José, não tivessem
descerrado um tanto esse
véu e se tenham dado
conta, em algo, de quem
era Ele. Para estes – uns
mais e outros menos –, é

Gustavo Kralj
provável que Jesus dei-
xasse transparecer alguns
reflexos da sua misteriosa
divindade, incompreensí-
vel à razão humana. Ruínas da Sinagoga de Cafarnaum
Quão diferente terá sido
Pelos muitos para aqueles – decerto a maioria – que por infi- à eleição de que tinham sido objeto, Jesus fez
delidade sempre consideraram Jesus como sen- com que, no contato com o público, compro-
milagres do apenas um deles, “o carpinteiro, o filho de vassem a mudança ocorrida em suas vidas: “O
operados por Maria, o irmão de Tiago, de José, de Judas e de Senhor reconduz para casa os Apóstolos por
Simão” (Mc 6, 3). Assueta vilescunt… A nature- Ele eleitos na montanha, como para adverti-
Jesus em za humana, infelizmente, habitua-se a tudo e, na -los de que, depois de terem recebido a digni-
rotina, até as coisas mais extraordinárias se tor- dade do apostolado, deviam tomar consciência
Cafarnaum, nam vulgares. de sua missão”.1
as pessoas Quais teriam sido as reações de uns e de
outros, chegada a hora de Nosso Senhor par-
Jesus estava em Cafarnaum, provavelmente
na casa onde curara a sogra de Pedro (cf. Mc 1,
começavam a tir de Nazaré para dar início a sua vida públi- 29-31; Lc 4, 38-39). Por ser local já conhecido,
ca? Era o Homem-Deus que ouvia os gemidos pelos muitos milagres ali operados, as pesso-
se aglomerar da História e abria seus braços com amor para as começavam a se aglomerar ali antes do ama-
abarcar as misérias, não só daqueles, mas de nhecer, desejosas de ver o Messias.
ali antes do todo o gênero humano. Diante desta grandio-
Evangelizar pressupõe esquecer-se de si
amanhecer sa manifestação de benquerença, se tornaria
patente o valor de os familiares e próximos de E de novo se reuniu tanta gente que
20b 

Jesus de Nazaré terem vencido aquela prova eles nem sequer podiam comer.
que Deus lhes mandou, trazendo um inesti-
mável ensinamento para todos nós, como po- Diferentemente de nossos dias, naque-
deremos constatar no Evangelho do 10º Do- le tempo as refeições eram realizadas a por-
mingo do Tempo Comum. tas abertas. Isto tem sua razão de ser, uma
vez que a alimentação é um momento propí-
II – Ver no Filho de Deus cio para a conversa e o relacionamento social.
apenas o Filho do Homem Também Nosso Senhor Se conformou a este
uso, como no banquete em casa de Simão, o
Naquele tempo, 20a Jesus voltou para casa fariseu, no qual entrou uma pecadora arre-
com os seus discípulos. pendida e Lhe lavou os pés com suas lágrimas
(cf. Lc 7, 36-38).
De onde “voltou para casa” o Divino Mes- No episódio aqui narrado, Jesus tinha dian-
tre com seus discípulos? Da montanha, depois te de Si uma multidão que ansiava por convi-
de haver escolhido os doze Apóstolos (cf. Mc ver com Ele e haurir seus ensinamentos, pois
3, 13-19). Para estes se compenetrarem da O estimava e se encantava com sua presença.
nova situação e da responsabilidade inerente Porém, havia ainda os que lá iam por egoís-

10      Arautos do Evangelho · Junho 2018


mo, interessados tão só em obter a cura de al- o foi depois – um rebelde. Já haviam surgido
guma doença ou outros benefícios. No entan- antes revolucionários, desejosos de liderar um
to, apesar do costume das portas abertas, era movimento para libertar Israel do jugo roma-
completamente inusitado tanto alvoroço e ta- no e de seus impostos, que fracassaram em
manha afluência de gente, que abarrotava a seu intento. Poderiam pensar tais parentes ser
sala e chegava até o divã em que Jesus toma- este também o intuito de Nosso Senhor. E, por
va a refeição. É de se imaginar que, ao esten- muitos prodígios que fizesse, estaria fadado
der a mão para apanhar, quiçá, um cacho de à ruína por insuficiência de meios. No fundo,
uvas, aproximava-se um cego, tocava impetu- como Ele vinha contradizendo os costumes
osamente em seu braço e, de imediato, recu- mundanos e estava empenhado numa missão
perava a vista; em seguida cedia o lugar a um diferente de tudo quanto era tido por normal,
surdo que suplicava lhe fosse restabelecida a não O aceitavam e pretendiam tratá-Lo como
audição… E assim, grande quantidade de do- um louco.
entes entrava e saía, a ponto de o Mestre e É de se notar, em sentido inverso, como es-
os discípulos ficarem impedidos de comer. Os tes mesmos familiares que agora buscam afas-
Apóstolos estavam experimentando, naquela tá-Lo do apostolado, por acharem que este de-
ocasião, o ônus que lhes fora confiado no alto põe contra sua reputação, mais tarde, consta-
da montanha. tando o sucesso de Nosso Senhor, pedir-Lhe-

O egoísta julga insensata a Sabedoria


-ão para Se manifestar na Judeia (cf. Jo 7, 3-5), As famílias
certamente para que o sumo pontífice e o Si-
Quando souberam disso, os parentes
21 
nédrio vissem a importância da família que ti-
formavam
de Jesus saíram para agarrá-Lo, porque nha em seu seio tal profeta taumaturgo. Su-
bindo Jesus na escala social, elevaria todos os
verdadeiros
diziam que estava fora de Si.
seus... Ora, que Ele não houvesse sido admira- batalhões, tão
Os sinais e a palavra do Redentor difundi- do pela maioria em sua cidade, Nazaré, já é di-
ram sua fama por toda a região. E, como era fícil entender; todavia, que diante das maravi- coesos que a
de se esperar, começaram a circular boatos,
às vezes os mais desencontrados e exagerados
lhas que se seguiram ao início de sua vida pú-
blica não O aceitassem é inconcebível! “Veio
ação de um
possíveis. Nessas circunstâncias, este versícu- para o que era seu, mas os seus não O recebe- dos membros
lo relata algo dramático: determinados paren- ram” (Jo 1, 11)...
tes de Jesus, daqueles que em nada atinaram Com frequência, quem ousa se opor ao repercutia
para a grandeza d’Ele, começaram a tê-Lo por mundo não é compreendido e pode ser rejei-
desvairado. Ao contrário dos dias atuais, na- tado e perseguido até por sua família, quando
em todo o
quele tempo o senso familiar era fortíssimo, o esta quer os seus membros para si e não para conjunto
que é uma coisa sadia. As famílias, bem cons- Deus, de quem os recebeu para depois Lhe se-
tituídas e muito unidas, formavam verdadei- rem restituídos… Trata-se de uma apropria-
ros batalhões, tão coesos que a ação de um dos ção injusta de algo pertencente ao Criador.
membros repercutia em todo o conjunto. Era A vocação significa o selo divino cobrando o
incalculável a alegria e a honra de ser paren- que, de iure, é seu. Por isso, é das piores, na
te próximo do Messias! Mas alguns se reuni- face da terra, a maldição contra os pais que
ram para comentar o que se dizia d’Ele, de sua desviam os filhos do chamado religioso! Rou-
doutrina e milagres. Tinham-No visto crescer bar algo a um pobre acarreta um castigo me-
em Nazaré, onde não frequentara a escola de nor do que arrancar de Deus a pessoa desig-
nenhum mestre, e de repente têm notícia de nada por Ele para seu serviço. Quantas vezes
quanto suas pregações arrebatam multidões. presenciamos isso na História! O pai do gran-
Onde teria Ele aprendido tudo isso? Como de São Francisco de Assis, Pedro Bernardo-
não compreendiam o que se passava, indispu- ne, por exemplo, em certo momento o deser-
seram-se contra Ele. Julgaram-No talvez ridí- dou e lhe retirou todos os bens, até a própria
culo e receavam que suas atitudes manchas- roupa do corpo, por não aceitar a vida virtu-
sem o nome de sua estirpe. Temiam inclusi- osa do filho. E a mãe e os irmãos de São To-
ve a má repercussão junto às autoridades, pois más de Aquino prenderam-no numa torre,
Jesus poderia ser considerado – como de fato para impedi-lo de se tornar frade dominica-

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      11


no. Este é o problema da família que não está tra si mesmo e se divide, não poderá so-
constituída com vistas ao amor a Deus, cujos breviver, mas será destruído”.
membros procuram tirá-Lo do trono que Lhe
pertence, a fim de que os acontecimentos gra- A resposta de Nosso Senhor visava mostrar
vitem em torno de cada um. quão infundada era a acusação levantada con-
A afeição dos familiares de Nosso Senhor tra Ele. Se dois exércitos travam batalha, o ge-
por Ele é tipicamente a do egoísta; conclui- neral de um dos lados mandaria seus soldados
-se daí que todos os egoístas são parentes da- combater os próprios companheiros no teatro
queles parentes de Jesus. Como eles, tam- de guerra? Este seria, sem dúvida, derrotado!
bém nós, se procuramos nos colocar sempre Se realmente Jesus estivesse agindo por obra de
no centro de tudo, consideraremos insensatez Belzebu para expulsar os demônios, significa-
as obras de Deus e exageradas as exigências ria estar o inferno em “guerra civil”, em conse-
da Religião. Eis uma importante lição desta quência da qual os demônios em breve se des-
Liturgia: devemos evitar tal delírio, tomando troçariam. Ora, quando numa cidade os habi-
enorme cuidado com a sede de elogios e o de- tantes se digladiam entre si, o inimigo exter-
sejo de chamar a atenção sobre nós, para que no pode dispensar o envio de homens de armas
Jesus os outros nos adorem. Saiamos de nós mes- para atacá-la, porquanto ela acabará por se des-
mos e seja a glória de Deus o eixo de nossa truir. Qualquer estrategista deixará livre curso
expulsava existência! a essas lutas intestinas, para só depois subjugar
os sobreviventes. Portanto, os sinedritas não de-
demônios, Por inveja, uma acusação contraditória veriam se preocupar, pois toda a obra de Nos-
curava Os mestres da Lei, que tinham vindo
22 
so Senhor soçobraria sem demora. Por que ha-
de Jerusalém, diziam que Ele esta- veriam de estar aflitos? A este respeito diz São
todo tipo de va possuído por Belzebu, e que pelo
doenças e príncipe dos demônios Ele expulsa-
va os demônios.
ressuscitava Homens sem fé, os mestres da Lei
mortos, mencionados neste versículo foram inca-
pazes de compreender quem era Jesus.
causando Expulsava demônios, curava todo tipo
de doenças e ressuscitava mortos, cau-
inveja sando-lhes inveja, pois eles gostariam de
naqueles ter igual poder; mas, como não o possu-
íam, receavam perder a posição privile-
homens sem fé giada da qual desfrutavam naquela so-
ciedade. Começaram, então, com supino
mau espírito, a atribuir o império do Sal-
vador sobre os demônios a um conchavo
com Belzebu.

Jesus ridiculariza seus inimigos


23 
Então Jesus os chamou e falou-
-lhes em parábolas: “Como é que
satanás pode expulsar a satanás?
Francisco Lecaros

24 
Se um reino se divide contra si
mesmo, ele não poderá manter-se.
25 
Se uma família se divide contra si
mesma, ela não poderá manter-se.
Nosso Senhor na Sinagoga de Cafarnaum - Biblioteca do
26 
Assim, se satanás se levanta con- Mosteiro de Yuso, San Millán de la Cogolla (Espanha)

12      Arautos do Evangelho · Junho 2018


João Crisóstomo: “Vede quanto ridículo há na ser absolvido é o reconhecimento do erro, se-
acusação, quanta estupidez, quanta íntima con- guido da dor de o ter cometido, pois sem ela
tradição! Porque é contradição dizer, primeiro, tal ato perde o sentido. A impenitência final
que satanás está firme e expulsa os demônios, e “exclui os meios que levam à remissão dos pe-
logo acrescentar que está firme justamente pelo cados”,4 e o pecador acabará, no fundo, atri-
que devia perecer”.2 buindo sua falha ao próprio Deus. Esta ati-
tude “é o espírito de blasfêmia, que não se
“Ninguém pode entrar na casa de um
27 
perdoa nem neste século nem no futuro. […]
homem forte para roubar seus bens, Embora a paciência de Deus convide à peni-
sem antes o amarrar. Só depois poderá tência, pela dureza de coração, por seu co-
ração impenitente, [o pecador] acumula ira
saquear sua casa”. para o dia da cólera e da revelação do justo
Esta imagem deixava ainda mais evidente Juízo de Deus, o qual pagará a cada um con-
a incoerência dos mestres da Lei. Todos sa- forme suas obras”. 5
biam perfeitamente que para se roubar uma Haveriam de ser perdoados estes escribas e
casa é preciso antes imobilizar o dono. Então, fariseus, cuja maldade chegava a tal extremo?
seria verossímil que, segundo diziam os es- Depois de testemunharem a cura de cegos, le-
cribas e fariseus, Jesus repelisse os espíritos prosos e paralíticos, bem como a expulsão dos A primeira
maus pelo poder de Belzebu, seu príncipe, e, mais terríveis demônios – obras todas indiscu-
em combinação com ele, arruinasse seus su- tivelmente messiânicas –, negavam a verdade exigência para
balternos? “Vede como” – observa o mesmo conhecida como tal ao ficar com ódio e desejo
Crisóstomo – “o Senhor demonstra o contrá- de matar Jesus, declarando que agia em função
obter o perdão
rio daquilo que seus inimigos tentavam afir- do príncipe das trevas. E depois de serem ven- é que Deus o
mar. […] Ele mantinha atado com absoluta cidos em todas as ciladas que tramaram contra
autoridade não só os demônios, como tam- o Divino Mestre, ainda não admitiam seu desa- queira dar; e
bém seu próprio capitão”. 3 Mais uma vez, com tino, mas, pretendendo-se detentores da razão,
uma simples parábola, o Divino Mestre des- caíam em impenitência e obstinação. Por fim,
Ele está cons-
mascarava seus adversários. cheios de perfídia, eles rejeitavam os carismas tantemente
de Nosso Senhor, a atuação do Espírito Santo
Gravidade do pecado contra o Espírito Santo através da sua humanidade santíssima e, por in- com as mãos
28 
“Em verdade vos digo: tudo será per- veja da graça fraterna, desprezavam os benefí-
doado aos homens, tanto os pecados, cios que Ele derramava às torrentes por onde estendidas
como qualquer blasfêmia que tiverem passava.
Cabe-nos, em relação à ação do Espírito
para nos
dito. 29 Mas quem blasfemar contra o
Espírito Santo, nunca será perdoado,
Santo, ser totalmente flexíveis, sem a menor acolher
sombra de inveja. Devemos, então, alegrar-
mas será culpado de um pecado eterno”. -nos com os benefícios concedidos a outrem,
30 
Jesus falou isso, porque diziam: “Ele “para que a abundância da graça em um nú-
está possuído por um espírito mau”. mero maior de pessoas faça crescer a ação de
graças para a glória de Deus” (II Cor 4, 15),
Tornando mais grave sua argumentação, como nos ensina São Paulo na segunda leitu-
Nosso Senhor acrescenta que, ao fazer esta acu- ra (II Cor 4, 13-18–5, 1). Se a nós o Senhor
sação, eles incorriam em pecado contra o Espí- deu pouco ou muito, é desígnio d’Ele. O im-
rito Santo, para o qual não há perdão. Entretan- portante é cada um receber tudo quanto está
to, se Jesus Cristo veio ao mundo para resgatar destinado por Deus para a sua maior glória.
os pecadores, como explicar que existam faltas Ao vermos alguém favorecido com um dom
irremissíveis? que não temos, seja natural ou sobrenatural,
A primeira exigência para obter o perdão se admirarmos a obra de Deus naquela alma,
é que Deus, sendo o ofendido, o queira dar; progrediremos na vida espiritual. Se, pelo
e Ele o quer, a ponto de estar constantemen- contrário, procedermos à maneira daqueles
te com as mãos estendidas para nos acolher. familiares de Jesus ou dos fariseus, afundare-
Não obstante, outra condição essencial para mos como eles.

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      13


Maria Se apresenta
bros, os sobrenaturais incluem irmãos numerosos
para enfrentar os parentes
“como as estrelas do céu, e como a areia na praia
Nisso chegaram sua Mãe e seus ir-
31 
do mar” (Gn 22, 17). Aplica-se, neste caso, o belo
mãos. Eles ficaram do lado de fora e princípio de São Tomás: “Os bens espirituais po-
mandaram chamá-Lo. 32 Havia uma dem ser possuídos ao mesmo tempo por muitos,
não, porém, os bens corporais”.7
multidão sentada ao redor d’Ele. Então O Filho de Deus veio exatamente para nos tor-
Lhe disseram: “Tua Mãe e teus irmãos nar participantes da sua família, de forma a ser-
estão lá fora à tua procura”. mos seus irmãos e filhos, num imbricamento com
Conforme comentam certos Padres da Igre- Ele muito mais estreito do que o originado no san-
ja, Nossa Senhora, sabendo que alguns planeja- gue. “Não há senão um parentesco legítimo, o
vam fazer mal a Jesus, apresentou-Se para en- qual consiste em fazer a vontade de Deus. E este é
frentá-los: “Como os que estavam próximos do um modo de parentesco melhor e mais importan-
Senhor iam apoderar-se d’Ele por julgá-Lo lou- te que o da carne”.8 Assim, o Divino Mestre olhou
co, eis que acorreu sua Mãe, movida por um para os mais fervorosos, isto é, aqueles que procu-
sentimento de amor e piedade”.6 Bonita inter- ravam aproximar-se d’Ele com o desejo de ouvi-
O Filho de pretação, que mostra a combatividade de Ma- -Lo e de ser por Ele instruídos, que estavam, por-
ria, aspecto frequentemente esquecido. Junto tanto, com predisposição para aceitar e abraçar
Deus veio com Ela estavam os “irmãos”, termo que, na lin- seus ensinamentos, e afirmou: “Aqui estão minha
guagem bíblica, designava os parentes em geral, mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de Deus,
exatamente como primos e tios. esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. In-
para nos Tão coesa era a muralha humana formada comparavelmente mais do que a qualquer pessoa
ao redor de Nosso Senhor, que impedia Nos- na terra, por muito que a esta devamos, precisa-
tornar sa Senhora e seus acompanhantes de entrarem mos ser gratos a Deus, abandonar-nos em suas
na casa e se aproximarem d’Ele. Os presentes, mãos e obedecer-Lhe, pois fomos por Ele criados.
participantes de acordo com o arraigado conceito familiar da Ele enviou seu Filho para nos redimir, a fim de
da sua época, consideravam a maternidade como algo
supremo e, por isso, avisaram Jesus da chegada
que tenhamos a vida – a própria vida de Deus! – e
a tenhamos em abundância (cf. Jo 10, 10).
família, de sua Mãe, julgando normal interromper a pre- Por tal motivo, o Menino Jesus, aos doze anos
gação para atendê-La. de idade, quando após três dias de busca foi en-
de forma contrado por Nossa Senhora e São José no Tem-
As relações sobrenaturais, muito plo ouvindo e interrogando os doutores da Lei, de-
a sermos mais fortes que as do sangue clarou: “Não sabíeis que devo ocupar-Me das coi-
seus irmãos Ele respondeu: “Quem é minha mãe,
33 
sas de meu Pai?” (Lc 2, 49). Suas palavras nos re-
e quem são meus irmãos?” 34 E olhando cordam que nossa filiação primeira é a divina, e só
e filhos para os que estavam sentados ao seu re- em segundo plano havemos de considerar a do san-
gue. Ao ser concebida, a criança encontra-se numa
dor, disse: “Aqui estão minha mãe e meus total sujeição aos pais e vai aos poucos crescendo,
irmãos. 35 Quem faz a vontade de Deus, ainda amparada, orientada e governada por eles,
esse é meu irmão, minha irmã e minha até se tornar independente. No campo sobrena-
mãe”. tural ocorre o oposto: a partir do nascimento, isto
Cristo, todavia, aproveitou a ocasião para con- é, do Batismo, o relacionamento com Deus e a de-
trariar a tendência do povo judeu a um excessivo pendência d’Ele vão aumentando, e atingem o seu
apreço à família. Se Ele, levantando-Se, fosse ao grau máximo quando a alma chega à visão beatífi-
encontro de sua Mãe e de seus irmãos, respaldaria ca. Permanece, então, numa inteira e completa fa-
e solidificaria este afã… Em vez disto, sua respos- miliaridade com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
ta deixa clara a superioridade da relação espiritu-
al sobre a natural. Prezam-se tanto os vínculos do
Um altíssimo elogio à sua Mãe Santíssima
sangue! Sem dúvida têm seu peso, mas não consti- Longe de desprezar Nossa Senhora – o que
tuem o essencial e só adquirem sentido se conside- seria impensável! –, Jesus Lhe dirigia o maior
rados em função de Deus. Enquanto os laços hu- elogio possível, pois afirmava ser Ela mais sua
manos abrangem pequena quantidade de mem- Mãe por fazer a vontade de Deus do que por

14      Arautos do Evangelho · Junho 2018


Lhe ter transmitido a vida hu-
mana. “Não fala assim para ne-
gar sua Mãe, mas para manifes-
tar ser Ela digna de honra não
só pelo fato de haver engendra-
do Cristo, como também por
todas as suas virtudes”.9 Ao
longo de cerca de trinta anos
de convívio com seu Filho, Ma-
ria foi perfeitíssima na realiza-
ção da vontade d’Ele, guardan-
do todas as coisas no seu cora-
ção (cf. Lc 2, 51). Porque acre-
ditava que Jesus era a Verdade,
a Virgem Santíssima – em con-
traste com aqueles que O jul-
gavam louco – Se conservava
sempre numa postura de sub-
missão a Ele, mesmo em face No Céu

Gustavo Kralj
daquilo que não entendia.
não estão
III – Sejamos apenas os ino-
familiares de Jesus,
como o foram Os bem-aventurados, detalhe do Juízo Final, centíssimos,
Maria e José por Fra Angélico - Museu de São Marcos, Florença (Itália)
mas também
A Liturgia de hoje é de uma importância
fundamental para compreendermos o valor
riseus sentissem a miséria que tisnava seu inte-
rior, talvez tivessem olhado para Nosso Senhor
aqueles que se
desta “consanguinidade espiritual” com Nosso com despretensão e acolhessem em sua alma confessaram
Senhor Jesus Cristo, à qual jamais podemos re- a salvação. No Céu estão, de fato, não apenas
nunciar. Quantas vezes, infelizmente, nos com- os inocentíssimos, mas também São Dimas – o culpados e
portamos de modo egoísta, nos colocamos no bom ladrão, canonizado em vida pelo Redentor
centro de tudo e cometemos uma falta! Fazer (cf. Lc 23, 43) –, Santo Agostinho, Santa Maria
obtiveram
a vontade de Deus significa sermos retíssimos Madalena… e tantos outros que se confessaram perdão
e íntegros, sob todos os pontos de vista, à seme- culpados e obtiveram perdão. Em sentido opos-
lhança da Mãe de Jesus. to, no inferno padecem todos os pecadores que,
Para isso precisamos admitir nossa debilida- por orgulho, persistiram no erro. Eis o grande
de, cientes de que, conforme nos ensina o Divi- problema da natureza humana decaída.
no Mestre, a podridão nasce dentro do homem Peçamos a Maria Santíssima o dom extra-
(cf. Mc 7, 21-23). Devemos, isto sim, nos surpre- ordinário da humildade, para nos serem aber-
ender quando praticamos um ato bom, reco- tas as portas da eterna bem-aventurança e che-
nhecendo que este provém da filiação espiritu- garmos à plenitude da familiaridade com Nosso
al que Ele nos concedeu pela graça. Se os fa- Senhor Jesus Cristo! ²

1
SÃO BEDA. In Marci Evangelium 4
SÃO TOMÁS DE AQUINO. 7
SÃO TOMÁS DE AQUINO.
expositio. L.I, c.3: PL 92, 162. Suma Teológica. II-II, q.14, a.3. Suma Teológica. III, q.23, a.1,
ad 3.
2
SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Ho- 5
SANTO AGOSTINHO. Sermo
milía XLI, n.1. In: Obras. Homilí- LXXI, n.20. In: Obras. Madrid: 8
SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Ho-
as sobre el Evangelio de San Mateo BAC, 1983, v.X, p.326. milía XLIV, n.1. In: Obras. Homi-
(1-45). 2.ed. Madrid: BAC, 2007, lías sobre el Evangelio de San Ma-
6
TEOFILATO, apud SÃO TO-
v.I, p.795. teo (1-45), op. cit., p.841.
MÁS DE AQUINO. Catena Au-
3
Idem, n.2, p.799. rea. In Marcum, c.III, v.31-35. 9
TEOFILATO, op. cit.

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      15


Imagens da Virgem de
198
Número 8
Junho 201

chora
Fátima choram
Por que a?

na América Central
antíssim
Maria S

Nove imagens de Nossa Senhora de Fátima, um azulejo da Mãe do Bom


Conselho e uma imagem de São José verteram copiosas lágrimas na
Costa Rica e Guatemala. Humanamente falando, não há explicação…

Pe. Víctor Andrés Jiménez Navarro, EP

O dia 21 de abril passado


marcou o início de um
impressionante fenôme-
no ocorrido com ima-
gens peregrinas de Nossa Senhora
de Fátima veneradas em casas dos
var lágrimas nos olhos da imagem e
ao longo de sua face.
Tal acontecimento, de si carregado
de simbolismo para um filho da San-
tíssima Virgem, revelou-se ainda mais
eloquente por ser apenas o início de
com as diferentes imagens da Virgem
de Fátima. Algumas delas se mostra-
ram tão copiosas que as lágrimas caí-
ram sobre o Coração, as mãos e a pe-
quena esfera dourada que se encon-
tra à altura da cintura, e outras desli-
Arautos do Evangelho na América uma série de lacrimações que se suce- zaram pelo vestido até atingir os pés
Central e por eles conduzidas em di- deriam após algumas horas e nos dias e a nuvem que serve de base.
versas atividades de evangelização. subsequentes, acompanhadas com Numerosas testemunhas consta-
Essas imagens apresentam ­Nossa devoção por várias testemunhas. taram a veracidade dos fatos. O iní-
Senhora tal como Ela Se manifes- cio de uma dessas lacrimações foi
tou nas aparições na Cova da Iria.
Mais quatro imagens choram contemplado por sete pessoas adul-
Em umas, encontra-se com as mãos
na Costa Rica tas, uma delas juiz de Direito.
postas, em atitude de oração; em ou- Com efeito, passadas as quatorze
tras, Maria Santíssima mostra seu horas deste dia 21 de abril, outra ima-
Lacrimações na Guatemala
Imaculado Coração rodeado de es- gem de Nossa Senhora de Fátima, lo- A tocante manifestação de Maria
pinhos, enquanto seu nobre porte e calizada em uma das salas da residên- estendeu-se ainda a outro país cen-
delicado gesto parecem nos pergun- cia, foi vista com lágrimas no rosto, tro-americano. No dia 23 de abril,
tar: “Meu filho, veja como sua Mãe nas mãos e na parte inferior do ves- três imagens de Nossa Senhora de
sofre pelos pecados da humanidade. tido. E à noite ambas as imagens vol- Fátima choraram na casa de forma-
Você não quer vir Me consolar?” taram a chorar, seguidas pouco de- ção que os Arautos do Evangelho
pois por duas outras, que começaram possuem em San José Pinula, mu-
A primeira de uma série a verter lágrimas concomitantemente. nicípio próximo à Cidade da Guate-
de lacrimações No dia 22 de abril, uma quinta mala. Dois dias depois uma quarta
O primeiro desses inexplicáveis imagem veio somar-se a esse conjun- imagem também verteu abundantes
fatos se passou na capela da casa to, tendo chorado em duas ocasiões, lágrimas, algumas das quais chega-
dos Arautos situada na cidade de numa das quais foi possível contem- ram a umedecer o Imaculado Cora-
San José, na Costa Rica. Pouco de- plar um de seus olhos marejados e lá- ção.
pois das onze horas da manhã, um grimas que desciam até o queixo, for- Estes acontecimentos foram pre-
sacerdote da instituição e vários jo- mando um leve sulco na face. senciados por alguns sacerdotes e
vens que ali estavam preparando-se Até o dia 26 de abril, as lacrima- vários jovens que se encontravam
para a Santa Missa puderam obser- ções se repetiram por mais seis vezes na residência, além de professores,

16      Arautos do Evangelho · Junho 2018


Fotos: Renato Recinos
Guatemala – Uma imagem de São José também chorou no dia 26 na Guatemala, dando a impressão
de que o glorioso Patriarca não queria permanecer alheio às lágrimas de sua virginal Esposa.
À direita uma das imagens que choraram na Guatemala, fotografada no dia 25 de abril.

Fotos: Víctor Serrano


Costa Rica – Lágrimas abundantes percorreram o rosto e a túnica das imagens, caíram sobre o coração
e outras deslizaram pelo vestido até atingir os pés e a nuvem que serve de base.

a­ lunos e um funcionário do colégio similar se deu com um azulejo que copioso pranto. As lágrimas podiam
que acorreram para comprovar o su- representa Maria Santíssima sob ser vistas sulcando sua face até a bar-
cedido. E, tal como foi feito na Cos- essa invocação: foram vistas lágri- ba, e numerosas gotas cintilavam na
ta Rica, informou-se oportunamen- mas que desciam até a borda inferior. túnica e parte inferior do manto. O
te o ocorrido ao Ordinário e às auto- Simples, mas muito convidativo à glorioso Patriarca não poderia per-
ridades eclesiásticas dos lugares em piedade, esse azulejo se encontra fi- manecer alheio às lágrimas de sua
que os fenômenos se deram. xado na entrada de uma das salas da virginal Esposa… Indissoluvelmen-
casa de San José da Costa Rica. te unido a Maria pelo Padre Eterno
A Mãe do Bom Conselho e São José Por fim, na noite desse mesmo dia no tempo e na eternidade, quis ele
No dia 26 de abril, data em que a uma imagem de São José, venerada assim associar-se à celeste manifes-
Igreja comemora a festa da Mãe do em uma das capelas da mencionada tação de Nossa Senhora a seus ama-
Bom Conselho de Genazzano, fato casa da Guatemala, também verteu dos filhos. ²

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      17


Número
198
Junho 201
8

Lágrimas de Maria:
uma mensagem do Céu
chora
Por que a?
antíssim
Maria S

“Homens e mulheres, prestai atenção, a mensagem de Fátima


não está escondida! Pelo contrário, ela brilha mais do que nunca, pois
houve no mundo quem assumisse a missão de encarná-la”.

C omo permanecer indiferente ao con-


templar as lágrimas da Mãe de Deus?
Como estar com o coração frio diante
do pranto da Rainha dos Anjos? Como
resistir ao desejo de se aproximar de Maria San-
Com espírito filial, procuremos agora interpre-
tar a mensagem de Maria.

Por que chora Maria Santíssima?


Comecemos por repetir a pergunta: por que
tíssima e, genuflexo, Lhe perguntar: “Senhora, chora Maria Santíssima?
Medo, por que chorais?” Muitas razões podem levar alguém a chorar.
tristeza, dor, Fato inédito na História: tantas imagens ver- Medo, tristeza, dor, indignação, emoção e ale-
tendo lágrimas nas casas de uma mesma insti- gria costumam ser as mais frequentes. Quais
indignação, tuição. E por tratar-se de representações da destes sentimentos podem estar na causa do
Virgem de Fátima, nossa atenção deve se redo- pranto da Senhora de Fátima?
emoção, brar, pois sem dúvida, neste fim de centenário, Superior em poder a todas as forças do uni-
alegria... Ela nos traz algum sinal, algum aviso, alguma
mensagem.
verso, a Santíssima Virgem com certeza não
chora de medo. Pois ainda que os potentados
Quais destes Provas científicas?
do mundo e dos infernos se conjugassem para
combatê-La, uma só gota de suas lágrimas seria
sentimentos Antes de qualquer consideração, dispensa- suficiente para vencer todas as armas e bombas
mos da leitura deste artigo os espíritos céticos, da face da terra!
podem estar positivistas e racionalistas, os quais desejariam De tristeza, porém, Nossa Senhora bem
na causa do encontrar aqui as provas científicas deste extra- pode chorar, pois há cem anos Ela revelou aos
ordinário fenômeno. Não, que não percam seu homens o caminho da felicidade, da tranquili-
pranto de tempo, como nós não perderemos o nosso em dade e da paz, e não foi ouvida. Ah, se houvés-
provar não serem estas lacrimações produto de semos escutado as mensagens da Cova da Iria,
Maria? uma farsa. Tão aberrante nos é a hipótese de si- como o mundo seria diferente!
mular um milagre, que não nos ocuparemos em Mas não haverá neste pranto da Mãe de Deus
refutá-la. algo de semelhante à dor de Nosso Senhor Jesus
Contemplar o sereno rosto de Nossa Senhora Cristo diante da Cidade Santa? Maria Santíssi-
sulcado por doces lágrimas basta para infundir ma parece repetir à humanidade algo das pala-
nos corações dos filhos a certeza de que a Mãe vras de seu Divino Filho, quando chorou sobre
de Deus e dos homens nos traz algum recado. Jerusalém: “Se tu compreendesses hoje o que te

18      Arautos do Evangelho · Junho 2018


pode trazer a paz! Agora, porém, isto está escon-
dido aos teus olhos! Dias virão em que os inimi-
gos farão trincheiras e te sitiarão, apertando-te
de todos os lados. Porque não reconheceste o
tempo em que foste visitada!” (cf. Lc 19, 41-44).
Para alguns poderia parecer absurda a hipó-
tese de ser a indignação uma das causas das lá-
grimas da Rainha dos Anjos. Mas se pararmos
para refletir um pouco, chegaremos à conclu-
são de ter Ela boas razões para Se encolerizar.
Mencionemos apenas uma.
Nossa Senhora Se digna aparecer em Fátima
e, transbordando de afeto e bondade, transmite
uma mensagem a seus filhos. Pois bem, houve
quem abafasse suas palavras e até quem trans-
formasse sua mensagem em um segredo! Que
“Meus filhos e
mãe não se indignaria contra quem sabotasse minhas filhas,

Renato Recinos
seu intento de salvar um filho em perigo?! Ima-
ginemos, pois, o sentimento da Mãe das mães choremos
ao ver seus filhos e filhas caminhando para a
perdição devido ao silêncio e omissão daqueles
juntos pela
que deveriam ter pregado ao mundo a sua men- Uma das imagens que choraram na Guatemala tris­te situação
sagem de salvação!
Tudo isso, sem dúvida, faz Maria chorar. deste mundo
Mas a principal causa de suas lágrimas parece todas a torres, aos quatro ventos da terra: “Ho-
ser outra. mens e mulheres, prestai atenção, a mensagem
que meu
Maria chora de alegria!
de Fátima não está escondida! Pelo contrário, ela Divino Filho
brilha mais do que nunca, pois houve no mundo
Paremos um pouco e detenhamos nossa quem assumisse a missão de encarná-la, relem- e Eu tanto
atenção em qualquer uma destas imagens mi- brando aos homens os avisos da Mãe de Deus e
lagrosas. Chegaremos, sem dificuldade, a uma bradando a vitória de Maria!” amamos!”
conclusão: Maria chora de alegria! E com este pranto, Nossa Senhora parece nos
Sim, de alegria! Pois apesar de todos os in- sorrir, dizendo com afeto materno: “Meus filhos
tentos dos infernos para ocultar seus avisos, a e minhas filhas, unamos nossas lágrimas! Chore-
Senhora de Fátima atravessou vitoriosa um sé- mos juntos pela triste situação deste mundo que
culo, e hoje nos volta a falar, não mais com pa- meu Divino Filho e Eu tanto amamos! Lamen-
lavras que possam ser escondidas, mas pela temos os inúmeros pecados constantemente co-
eloquente linguagem das lágrimas, as quais metidos contra o Bom Deus! Mas, sobretudo,
não serão postas em segredo. tende confiança! E procurai ver em minhas lá-
Tantos homens há que dedicam boa parte grimas não o choro da derrota, mas a emoção e
de suas vidas em descobrir o conhecido “Ter- o júbilo de vos confirmar e repetir a minha pro-
ceiro Segredo de Fátima”. Não condenamos messa: ‘O mal pode parecer vencer sobre a ter-
tal empreendimento. Mas a nós cabe ou- ra e o bem aparentar já não ter forças. Não desa-
tra missão. Nós queremos proclamar em nimeis! Confiai, confiai, confiai, pois em breve o
cima de todos os telhados, no alto de meu Imaculado Coração triunfará!’” ²

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      19


Santa Blandina e os Santos Mártires de Lyon

Bravura diante da dor


Última dentre os companheiros a consumar o martírio, a frágil Blandina
suportou com indizível fortaleza os mais terríveis tormentos. Venceu com
heroísmo a derradeira batalha, para voar alegre e pressurosa aos Céus.

Ir. Maria Beatriz Ribeiro Matos, EP

P
asseando pelas ruas de os homens tiram o chapéu e, acom- todo aquele harmônico movimento
uma antiga cidade da panhados por damas e crianças de e sussurrando, cheio de sabedoria:
França, ainda hoje pa- mãos postas, recitam devotamente — Nada se conquista nesta ter-
vimentadas com pedras o Angelus. ra sem muito esforço e sacrifício. A
rústicas e sólidas, no melhor esti- A algumas quadras dali, num am- vida orgânica e abençoada que ani-
lo romano, parece-nos ouvir os ecos biente assaz diverso, o toque do sino ma esta cidade foi comprada a pre-
da movimentação que ali se dava há exerce idêntico efeito. Cavaleiros de ço muito alto! Ao Sangue do Divino
muito tempo, quiçá no mesmo horá- porte sério e nobre, reunidos para Redentor uniu-se o de muitos cris-
rio. E ao contemplar a catedral e os tratar de assuntos bem mais com- tãos. Alguns deles são venerados
prédios medievais, despontam diante plexos que o preço da maçã ou da como Santos; de inúmeros outros ig-
dos nossos olhos cenas imaginárias cereja, suspendem suas discussões, nora-se até o nome… Deus, porém,
de um passado que marcou cada po- põem-se de pé e rezam também conhece o valor de seu sacrifício!
legada daquele solo bendito. para louvar a visita do Arcanjo Ga- Nosso venerável personagem tal-
Temos a impressão de ouvir o briel a Nossa Senhora. vez não fosse capaz de medir a pro-
ranger de uma carroça, pronta a vi- fundidade de seu piedoso raciocí-
rar a esquina, abarrotada de frutas,
Nada se conquista sem nio, nem de entender quanto o san-
verduras e legumes, levando à bo-
esforço e sacrifício gue vertido pelos primeiros cristãos
leia um honesto camponês. Do ou- Afinal, para onde nos transpor- havia marcado a fundo o Reino da
tro lado da praça, cremos vislum- tou o voo de nossa mente? Para a ci- França. Apenas o Criador perscruta
brar uma família de tecelões trazen- dade francesa de Lyon, exuberante os recônditos arcanos da História;
do peças fabricadas com grande es- de vigor e de fé, no auge do perío- só Ele e aqueles a quem Lhe apraz
forço durante a semana. E não tarda do medieval. revelar são capazes de correlacionar
muito para sentirmos chegar certa Os homens e as mulheres que po- inteiramente uma semente de martí-
jovem carregando uma cesta reple- voam nossa imaginária cena são des- rio com um dos mais belos períodos
ta de flores por ela cultivadas. É dia cendentes daqueles que fizeram Lug- da Civilização Cristã.
de feira e todo o povo ali se congre- duno – antigo nome galo-romano de Vejamos como tudo aconteceu…
ga. Em pouco tempo o barulho das nossa Lyon – ser a primeira colônia ro-
vozes e do alarido dos animais torna mana da Gália a abraçar o Cristianis-
Violenta perseguição contra
difícil manter uma conversa. mo. Simbolicamente reunidos em tor-
os cristãos
Em determinado momento, por no da catedral, toda a sua existência se Corria o ano do Senhor de 177.
cima do bulício, uma grave e sole- desenvolve em função da Religião. Contando já com cerca de quaren-
ne badalada proveniente da catedral E bem podemos conceber um dos ta mil habitantes, Lugduno havia ex-
faz a turba parar como por encanto: anciãos da cidade contemplando travasado amplamente a colina de

20      Arautos do Evangelho · Junho 2018


Fourviéres, onde fora fundada, es- de carne intumescida. Mas o heroi- onde quer que brilhasse a luz do sol
tendendo-se à beira do Ródano e do co defensor da Fé suportou com ina- ou da lua.
Saône. Por sua importância econô- balável firmeza tais atrocidades, por Os cristãos de Vienne e Lyon des-
mica e administrativa, já no sécu- amor a Cristo e sua Igreja. crevem a crueldade com que eram
lo II ela podia “reivindicar o título tratados, numa famosa carta diri-
de metrópole de toda a Gália”.1
Tudo eclodira de forma súbita gida aos seus irmãos da Ásia e da
Na primavera daquele ano, a per- A par de acontecimentos como Frígia:3 “A intensidade da opressão
seguição contra os cristãos tinha se este, a doçura do clima primaveril que aqui suportamos, a magnitude
tornado bastante violenta: parecia querer lembrar à comunida- da cólera dos pagãos contra os san-
— Qual é o teu nome? de cristã que as belezas deste mundo tos e tudo o que suportaram os bem-
— Sou cristão. estão sempre interligadas com as do -aventurados mártires, nós não so-
— Onde nasceste? Céu, nossa Pátria definitiva, pois en- mos capazes de transmitir com exa-
— Sou cristão. quanto da terra brotavam belas flo- tidão, nem é possível, decerto, regis-
— A que família pertences? res, floresciam novos mártires para trar em um escrito”.4
— Sou cristão. o Paraíso. Alguns escravos de famílias cris-
O governador romano perdeu as Súbita e violentamente eclodira tãs também foram presos e, temen-
esperanças. Este não era o primeiro a perseguição. Não se sabe ao cer- do os castigos de que eram ameaça-
interrogatório e o prisioneiro conti- to qual foi o estopim de tão acirra- dos, acusaram seus senhores de ati-
nuava sem responder a qualquer per- da explosão de ódio, pois apenas tudes suspeitas e crimes nefandos,
gunta. Toda sorte de torturas já tinha consta que ela se iniciou por oca- como ceias canibalescas e práticas
sido aplicada àquele diácono chama- sião da solenidade anual que reunia, imorais, aumentando ainda mais o
do Santo – e o era de nome e de fato! das regiões circunvizinhas, “lega- ódio aos seguidores de Jesus Cristo.
–, a fim de arrancar-lhe alguma pala- dos das três Gálias ao redor do altar
vra imprudente, e tudo fora debalde. de Roma e de Augusto”, 2 no famo-
Vigiai e estai preparados!
Movidos por ódio furibundo, avi- so santuário de Lugduno, para lhes Até poucos dias antes de se de-
vado por sua persistência, os verdu- prestar culto. Julgando-se ofendidos sencadear tal “furacão”, a Igreja
gos empregaram um novo gênero de pela Religião Cristã, foram eles ao da Gália vivia em relativa tranqui-
tormento: aqueceram numa forna- encalço dos que a praticavam. Não lidade. Esta província romana esta-
lha placas de metal e as aplicaram só os expulsaram das casas, praças e va, havia vários anos, sob o domínio
sobre diversas partes do corpo do lugares públicos, como os proibiram de Marco Aurélio que, apesar de ter
diácono, até reduzi-las a uma massa de se apresentar em qualquer local, tido pontos de atrito com o Cristia-
nismo, era considerado um impera-
dor benévolo para com as novas co-
munidades da Religião de Cristo. 5
Nesse contexto, duas atitudes
opostas podiam ser adotadas pelos
cristãos gauleses: a das virgens lou-
cas e a das prudentes, da parábola
ensinada pelo Divino Mestre (cf. Mt
25, 1-13). E quando lhes adveio a di-
ficuldade, muitos deles demonstra-
ram ter aproveitado bem o tempo da
calmaria para unir-se mais a Deus e
progredir na virtude, pois não lhes
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faltou o “azeite” necessário para en-


frentar as provações.
Foi o que se deu, por exemplo,
com Vécio Epagato, o qual “tinha
atingido a plenitude do amor a Deus
Os cristãos de Vienne e Lyon descrevem a crueldade com que eram e ao próximo. Sua conduta era de tal
tratados, numa famosa carta reproduzida por Eusébio de Cesareia modo perfeita que, apesar de sua ju-
Cripta construída no cárcere onde foram encerrados os mártires de Lyon ventude, merecia o testemunho do

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      21


ancião Zacarias, porque havia ob- Maior é a cruz de quem entregou a alma a Deus alguns dias
servado irrepreensivelmente todos Deus mais ama depois.
os Mandamentos e preceitos do Se- Todos os homens devem sorver
nhor: diligente em todo serviço ao nesta vida o trago amargo da dor,
Deus escolhe os fracos
próximo, tinha um grande zelo por da qual nasce a verdadeira glória.
para serem modelo de fortaleza
Deus, ardente do Espírito”.6 Ao tratar sobre o sofrimento, Mons. Dentre todos desperta especial ad-
Junto com alguns companheiros, João Scognamiglio Clá Dias afirma miração e piedade a Bem-aventura-
fora ele levado a juízo em praça pú- até que “houve quem ousasse apro- da Blandina, pertencente à classe dos
blica, debaixo de insultos, golpes e ximá-lo ao gênero dos Sacramen- escravos e, entretanto, possuidora de
pedradas do povo furibundo. O go- tos, quiçá um ‘oitavo sacramento’ – uma alma cheia de nobreza. Frágil
vernador usou de tanta crueldade acrescentando de forma analógica mulher, enfrentou os tormentos com
contra um deles, que Vécio, indig- um novo componente ao definitivo destemor varonil. “Branda” no nome,
nado, levantou-se em sua defesa. In- septenário que a doutrina católica demonstrou uma vontade rigorosa e
capaz de refutar seus argumentos, o nos ensina”.8 persistente ao defender sua Fé.
tirânico magistrado pretendeu ven- Ora, àqueles que Nosso Senhor Seu testemunho nos mostra como
cê-lo pelas torturas. Proporcionou- mais ama Ele reserva uma porção Deus, muitas vezes, escolhe o que
-lhe, assim, a maior das glórias: a maior de sua Cruz, para que sejam mundo considera fraco não só para
palma do martírio. também dignos de maior glória. Po- confundir os poderosos, como diz
dem ser considerados entre os mais São Paulo (cf. I Cor 1, 27), mas so-
Duplo castigo para os amados, portanto, os principais már- bretudo para servir de modelo do
que renegaram tires da perseguição de Lyon, pois, que é possível alcançar quando al-
No entanto, a outros a tribula- se cruéis foram os tormentos supor- guém se põe com total flexibilida-
ção surpreendeu com a lamparina tados pelos demais, nem sabemos de nas mãos de seu Criador. O fato
apagada, pois faltava-lhes o “azei- como qualificar os suplícios aplica- de ter sido eleita pela Providência
te” da fé e da coragem quando o dos ao diácono Santo, ao recém-bati- não a eximiu de passar por terríveis
“noivo” chegou: renegaram o Divi- zado Maturo, ao nobre lutador Átalo e prolongadas torturas. Blandina foi
no Redentor e queimaram incen- e à jovem Blandina. martirizada aos poucos, tornando-
so aos ídolos! Se sobre os fiéis pai- Não podemos nos esquecer, ade- -se uma torre de fortaleza, ponto de
rava a promessa de Cristo, “quem mais, do santo Bispo Potino, guia referência para todos aqueles que,
der testemunho de Mim diante dos e cabeça destes eleitos. Em sua ju- débeis como ela, passariam por tre-
homens, também Eu darei testemu- ventude fora discípulo de São Poli- mendas e duradouras situações de
nho dele diante de meu Pai que está carpo, de quem aprendera não só a sofrimento pela Santa Igreja.
nos Céus” (Mt 10, 32), sobre os lap- ortodoxia da doutrina, como a irre- Além dos tormentos físicos, pesou
si não arrependidos recaía a espan- preensibilidade dos costumes. E na sobre ela um tormento moral ainda
tosa sentença: “Também Eu os ne- hora da tormenta não abandonou mais difícil de suportar: o do instin-
garei diante de meu Pai que está nos suas ovelhas; pelo contrário, anteci- to de sociabilidade contrariado. O
Céus” (Mt 10, 33). pou-se a abrir-lhes o caminho. ver seus irmãos na Fé partirem para
Os acontecimentos demonstra- Potino ultrapassara os noventa a eternidade, um a um, enquanto ela
ram, contudo, que sua opção não ha- anos e se as décadas haviam consu- permanecia com vida, cada vez mais
via sido acertada, nem sequer do pon- mido o vigor de seu corpo, um amor isolada e sem apoio colateral, era
to de vista humano. “Durante a pri- incandescente o animava, levando-o cruel! Apesar disso se manteve per-
meira detenção, os que haviam re- a comparecer ante o governador com severante, aceitando com paciência
negado sua Fé foram encerrados na admirável intrepidez. Este, ao vê-lo, mais esta prova enviada por Deus.
mesma prisão e compartilhavam os perguntou quem era o Deus dos cris- Com os olhos voltados para o futu-
mesmos sofrimentos, porque a apos- tãos. Sem titubear, o ancião respon- ro e certa da vitória da Igreja imortal,
tasia, nesta ocasião, não lhes servi- deu com altaneria: “Tu O conhece- não cedeu em nenhum momento ao
ra de nada. Enquanto os que tinham rás, se disso te tornares digno”.9 desânimo nem à insegurança.
confessado ser cristãos eram presos Arrastado para fora da cidade e Os verdugos submeteram seu cor-
como tais, e nenhuma outra acusação com o corpo ferido pelos golpes da po a tantos suplícios que seus compa-
pesava sobre eles, aqueles foram deti- odiosa corja pagã, que nem sequer nheiros temiam, não sem motivo, que
dos como homicidas e devassos, e sua respeitava sua ancianidade, foi no- ela não tivesse forças para ser fiel.
punição era duas vezes mais pesada”.7 vamente lançado ao cárcere, onde Por muitos dias foi torturada desde

22      Arautos do Evangelho · Junho 2018


o nascer até o pôr do sol, a ponto de mais mártires, muitos cristãos rene-
seu corpo ser todo ele uma só chaga. gados se arrependiam e recebiam
Não obstante, “como generoso atle- forças para proclamar a Fé, entre-
ta, se rejuvenescia em sua confissão; gando também sua vida por Cristo.
era para ela uma renovação de suas Com o corpo erguido ao Céu e
forças, um repouso e um término dos a fisionomia sofrida, mas serena e
sofrimentos suportados o dizer: ‘Sou confiante, Blandina figurava para
cristã e entre nós nada há de mal’”.10 os demais como um elo entre a terra
Conduziram-na, juntamente com e o Paraíso, pois parecia já estar vi-
Maturo e o diácono Santo, a um es- vendo nele. E como as feras não a to-
tádio, para serem entregues às feras cassem, levaram-na de volta ao cár-
num espetáculo público. Os carras- cere, onde ela ficou à espera de no-
cos chicotearam com açoites de ferro vos combates e maiores vitórias.
os dois varões; seu sangue encharca- Tendo sido consumados mais de
va a arena, e os assistentes, longe de se quarenta martírios, no último dia
comoverem ante tão impiedosa cena, de lutas entre gladiadores envia-
uivavam nas arquibancadas, ávidos ram Blandina outra vez às feras, em
de mais sensações fortes. Foram am- companhia de Pôntico, um jovem de
bos, então, lançados às feras e obriga- quinze anos. Nossa heroína enfren-
dos a lutar contra elas, para divertir o tou mais um ciclo de torturas, em
público. Depois disso, colocaram-nos meio às quais confortava Pôntico e
sobre cadeiras de ferro em brasa, de o estimulava, pelas palavras e pela
onde se desprendia o odor de carne própria valentia, a enfrentar com
queimada, que inebriava a assistência. bravura a dor e da morte.
Por fim, os mataram. Após submeterem-na aos açoites
e outros suplícios, os algozes a envol-
Como um elo entre a terra veram numa rede elevada acima do
e o Paraíso solo, expondo-a, por longo tempo, à
E Blandina? Para ela estava re- fúria de um touro, que a lançava ao

Gérald Gambier (PD)


servado um tormento não menos ar. “Permanecia a Bem-aventurada
duro: foi pendurada num madeiro, Blandina, a última de todos, como
onde ficou exposta às feras. “O vê- uma nobre mãe que acabava de exor-
-la assim atada em forma de cruz e tar seus filhos e os enviar vitoriosos
ouvi-la rezar em alta voz dava aos ao Rei; por sua vez, ela atravessa de
atletas uma grande coragem: nes- novo toda a série de suas batalhas e
se combate, com os olhos corporais corre para junto deles, plena de gozo Deus muitas vezes escolhe os fracos
lhes parecia ver, em sua irmã, Aque- e alegria nesta partida”:12 por fim foi para torná-los modelos de fortaleza
le que foi crucificado por eles”.11 ela decapitada, voando pressurosa Santa Blandina - Vitral da Igreja
Contemplando-a, bem como aos de- aos Céus. ² de Santo Irineu, Lyon (França)

1
RICHARD, François; PEL- tiano. Madrid: BAC, 2004, 4
EUSÉBIO DE CESAREIA. 8
CLÁ DIAS, EP, João Scog-
LETIER, André. Lyon et v.VI, p.47. História Eclesiástica. L.V, namiglio. No sofrimento, a
les origines du Christianisme c.1, n.4. raiz da glória. In: O inédito
3
Os longos trechos desta carta
en Occident. Lyon: Éditions sobre os Evangelhos. Città del
foram recolhidos por Eusé- 5
Cf. LLORCA, SJ, Bernardi-
Lyonnaises d’Art et d’His- Vaticano-São Paulo: LEV;
bio de Cesareia em sua His- no. Historia de la Iglesia Ca-
toire, 2011, p.35. Lumen Sapientiæ, 2012, v.V,
tória Eclesiástica e são a úni- tólica. Edad Antigua. La Igle-
p.325.
2
RIBER, Lorenzo. San- ca fonte primária de que se sia en el mundo grecorroma-
tos Mártires de Lyón. In: dispõe sobre o assunto. É, no. 7.ed. Madrid: BAC, 1996, 9
EUSÉBIO DE CESAREIA,
ECHEVERRÍA, Lamber- portanto, neste famoso histo- v.I, p.194. op. cit., n.31.
to de; LLORCA, SJ, Bernar- riador paleocristão que nos 6
EUSÉBIO DE CESAREIA, 10
Idem, n.19.
dino; REPETTO BETES, basearemos para a narração
op. cit., n.9.
José Luis (Org.). Año Cris- dos fatos deste artigo.
11
Idem, n.41.
7
Idem, n.33. 12
Idem, n.55.

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      23


O encontro com
o Sagrado Coração
de Jesus
Reprodução

Ao admirar a pulcritude de um monumento, um vitral ou um órgão,


o pequeno Plinio procurava com avidez o arquétipo do qual toda
essa beleza deflui. E ele o encontrou na mais tenra idade, enquanto
contemplava uma imagem do Sagrado Coração de Jesus.
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

Q uantas multidões encon-


traram o Divino Mestre
andando pelas praças
ou pelas estreitas ruas
de Jerusalém e Cafarnaum, prodi-
moçar na casa de Lázaro, estar com
eles a sós no Mar da Galileia e dor-
mir na barca, pouco Se importando
em acomodar-Se sobre uma almofa-
da usada por pescadores. E depois,
Os Apóstolos, e especialmente São
João, tiveram esta experiência de se
aproximarem de Deus, apalparem-
-No, sentirem as mãos d’Ele se apoia-
rem sobre seus ombros, e receberem o
galizando milagres e curando os do- na tempestade… acalmar os ventos influxo de graças que d’Ele saía.
entes pelo simples contato com a e o mar com uma só palavra. Entretanto, isso que ao Discípu-
orla de seu manto! Aquele convívio intenso causa- lo Amado foi revelado há quase dois
Os Apóstolos, sem dúvida, fo- va-lhes ao mesmo tempo estupefa- mil anos, um menino viu no momen-
ram os mais privilegiados, pois vi- ção, admiração, certo temor, grande to em que cruzou as portas do San-
veram três anos com Nosso Senhor confiança! Viam Deus? Não. Viam tuário do Sagrado Coração de Je-
Jesus Cristo e presenciaram as si- um Homem que não tinha persona- sus, em São Paulo, e pela primeira
tuações mais emocionantes, vendo- lidade humana, pois era o próprio vez seus olhos se detiveram na ima-
-O andar sobre as águas, multiplicar Verbo, a Luz do mundo, que “Se fez gem do Salvador. Deparamo-nos,
os pães e os peixes, pregar às mul- carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14). portanto, com um dos mais belos es-
tidões, ressuscitar o filho da viúva, São João, logo nos versículos ini- petáculos de nossa época: a histó-
curar dez leprosos de uma vez, liber- ciais de sua primeira epístola, afir- ria desse menino completamente in-
tar dos demônios os possessos, ab- ma: “O que era desde o princípio, o comum, Plinio Corrêa de Oliveira,
solver a adúltera e confundir os fa- que temos ouvido, o que temos vis- que não viu Nosso Senhor como tan-
riseus, perdoar os pecados ao para- to com os nossos olhos, o que temos tos em Israel, mas, séculos depois
lítico e ordenar-lhe que se levantas- contemplado e as nossas mãos têm de Ele ter nascido, vivido e morrido
se, apanhasse a própria cama e fosse apalpado no tocante ao Verbo da na Cruz, olhando para uma imagem
embora… Admiraram-No, cheio de vida – porque a vida se manifestou, pôde conhecê-Lo!
cólera, tecer um chicote e expulsar e nós a temos visto; damos testemu- E, ao tratar a respeito do Sagrado
os vendilhões do Templo, derrubar nho e vos anunciamos a vida eterna, Coração de Jesus, Dr. Plinio explica-
as bancas de câmbio e espalhar o di- que estava no Pai e que se nos mani- va com impressionante propriedade
nheiro pelo chão. Ou, ainda, con- festou –, o que vimos e ouvimos nós aquilo que “viu e ouviu”, como acom-
templaram-No, na intimidade, al- vos anunciamos” (1, 1-3). panharemos ao longo deste artigo.

24      Arautos do Evangelho · Junho 2018


“Este é quem eu procurava!” E como, por causa do discerni- do a Alma que correspondia àque-
Aos cinco anos de idade, tendo mento dos espíritos e do profun- la figura. Com o passar dos anos,
conhecido o pai, a mãe, os tios, a go- do dom de contemplação com que a Dr. ­Plinio se deu conta de que a pró-
vernanta e muitas outras pessoas, Providência o dotara, ele via mais as pria configuração da imagem era in-
Plinio já havia constituído com elas almas do que as fisionomias, não di- ferior àquilo que via, pois acontece-
uma coleção em sua mente, dando- visou logo a escultura, mas primei- ra de ele, como com muitos outros
-se conta da hierarquia existente en- ro penetrou na Alma do Divino Sal- objetos, “‘arquetipizá-la’ involunta-
tre as almas: “Este é diferente da- vador. Ali estava a síntese, o modelo riamente por efeito da inocência”.1
quele. Aquele podia ser protótipo mais elevado, reunindo toda a bon- Assim, o segredo não estava naquela
deste porque é mais do que o ou- dade e a verdade que ele via nas ou- obra de gesso idealizada por um ar-
tro, mas também não é completo…” tras almas, todas as belezas esparsas tista, mas numa graça de contempla-
Em certo momento, ávido à procu- em torno de si! As virtudes que as ção infusa que lhe mostrava quem
ra do arquétipo, pôs-se o problema: pessoas deveriam ter e não tinham, era Nosso Senhor.
“Quem está no auge da coleção? ou que algumas possuíam de forma Para bem apreciarmos o valor e a
Onde está o pináculo que represen- incompleta, encontravam seu unum substância das explicações de Dr. Pli-
ta todo o resto? Porque eu vejo o em Nosso Senhor Jesus Cristo. Os nio e melhor aproveitá-las, é-nos útil
bem em mamãe, vejo qualidades nos palácios, as catedrais, os órgãos, os considerar a doutrina clássica da
demais, mas de onde isso deflui?” vitrais; enfim, todo o resto que ad- Igreja sobre a contemplação, na qual
Depois, admirando a ­pulcritude mirava, apresentava um nexo lógico agem os dons do Espírito Santo, em
de um monumento, um móvel, um com Ele porque só se explicava em especial o de sabedoria, aplicando-a
vaso, um vitral, um órgão, dizia de função d’Ele, e estava coadunado e depois ao caso concreto de Dr. Plinio.
si para consigo: “Esses objetos são harmonizado em torno d’Ele. En- “Dos diversos artigos de São To-
muito belos, mas tem que haver um tão, concluiu: “Ah, aqui está o ar- más sobre este assunto, pode-se con-
ponto de onde tudo parte. Onde quétipo da humanidade e de tudo o cluir que a contemplação é uma vi-
está a ‘arquetipia’?” que existe, o ponto monárquico de são simples e intuitiva de Deus e das
Ele obteve a resposta aproximan- todo o universo material e espiritual coisas divinas que procede do amor e
do-se da imagem do Sagrado Cora- criado! Este é quem eu procurava!” tende ao amor”.2
ção de Jesus que está no altar lateral Causa impacto a expressão “vi-
esquerdo, à frente da igreja de mes-
Um discernimento profundo de são simples e intuitiva”, porque sig-
mo nome em São Paulo. Pode-se di-
quem é e como é Nosso Senhor nifica ser esta uma percepção dire-
zer que aí se deu o fiat lux, a fagulha Não se trata de afirmar que a ta, que não vem do raciocínio, mas
inicial, já efetiva e não só afetiva, da imagem se animasse, mas de res- do amor, pela qual se sente as coisas
união dele com Nosso Senhor. saltar o fato de ter ele discerni- sobrenaturais.

O convívio com
Jesus causava
nos Apóstolos
estupefação, amor,
certo temor e grande
confiança, mas eles
não viam Deus
Reprodução

Jesus e seus discípulos no Lago de


Genesaré, por Carl Wilhelm Friedrich
Oesterley - Coleção particular; na página
anterior Plinio aos 4 anos, em Paris

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      25


“É Deus quem chama a alma à profundas. E enquanto alcance de so Senhor para fazer uma análise
contemplação: de fato, todos os mís- visão, que depois me faria crescer psicológica d’Ele e descrever sua
ticos são unânimes em asseverar em explicitações, foram graças de mentalidade:
que esta é um dom essencialmente uma profundidade tal que, salvo um “Ele era de uma elevação de co-
gratuito. […] É Ele só, efetivamen- fenômeno da vida mística, que não gitações e de vias absolutamente
te, que põe a alma no estado passi- tive, duvido que eu pudesse conhe- excelsa, pela qual os critérios com
vo ou místico, assenhoreando-se das cer, como menino, mais do que co- que Ele considerava todas as coisas
suas faculdades, para atuar nelas, e nheci”. eram de uma superioridade que dei-
por elas, com o livre consentimen- Deus quis Se manifestar a Pli- xava qualquer outra pessoa sem ne-
to da vontade; é uma espécie de pos- nio como a Moisés na sarça ardente, nhum paralelo possível. Ele estava,
sessão divina; e, como Deus é o so- mas com a particularidade de que desde logo, numa altura inacessível
berano senhor dos seus dons, inter- essa visão, fruto de sua vida mística, ao homem”.
vém quando e como quer”. 3 sempre o acompanhou. Não houve O primeiro elogio a Nosso Se-
Portanto, Deus é quem toma a um momento, quer fosse na aridez, nhor que sai espontâneo dos lábios
iniciativa, elevando a alma por essa quer na consolação, que ele se apro- de Plinio é a respeito da “elevação
experiência interior, sem, contudo, ximasse daquela imagem para re- de cogitações”. Portanto, esses al-
tirar-lhe a liberdade. É preciso res- zar e não visse a Alma de Nosso Se- tos pensamentos, que ele chega-
salvar sempre: uma vez que existe o nhor. Estava lá… permanentemen- va a discernir com tão pouca idade,
livre-arbítrio, ela poderia rechaçar te. E, finda a vida terrena, ele partiu eram um aspecto que muito o atraía.
aquela graça. para a eternidade com esse discer- E também a elevação “de vias”, ou
No caso de Plinio, Deus Se asse- nimento… seja, a virtude praticada com intei-
nhoreou de sua inteligência e von- ro amor, impossível de existir maior,
tade logo no início da infância e, de
Analisando a mentalidade de o pináculo dos pináculos. Continua
fato, essa “possessão divina”, para
Nosso Senhor Jesus Cristo Dr. Plinio:
usar as fortíssimas palavras do teó- O que via Plinio nessa Alma? “Olhando para Ele enquanto Ho-
logo francês, é o que se percebe nas Ele sabia que Aquele era o Ho- mem, compreendia-se o que, no Ho-
fotografias dele em pequeno. Veja- mem-Deus, pois sua mãe, Da. Luci- mem, resplandecia de divino. De
mos agora, pela sua própria narrati- lia, havia explicado isso com clare- fato, eu entendia que aquela eleva-
va, como isso se passou: za, mas a noção teológica ficava-lhe ção era inerente a Deus, e que a hu-
“As graças que recebi quando pe- meio brumosa. No entanto, aquela manidade d’Ele estava numa atitu-
queno na Igreja do Sagrado Cora- convicção bastava para suas refle- de permanente de contemplação e
ção de Jesus foram, apesar de eu ser xões de menino, e a partir daí ele adoração da sua própria divindade e
menino, como uma visão de quem é aplicava o discernimento dos espí- das três Pessoas da Santíssima Trin-
Ele e de como Ele é, muito, muito ritos e o dom de sabedoria em Nos- dade”.

“O órgão, os
vitrais... Tudo isso
é muito belo, mas
tem que haver um
ponto de onde tudo
parte. Onde está
a ‘arquetipia’?”
Stephen Nmai

Interior do Santuário do Sagrado


Coração de Jesus, em São Paulo

26      Arautos do Evangelho · Junho 2018


É uma afirmação de assombrar, perfeição e de modo profundamente
se considerarmos que eram as im- harmônico não podia deixar de ser
pressões de uma criança: Jesus, per- Deus!”
feito em sua humanidade, com inte-
ligência, vontade e sensibilidade, re-
“Como Ele é amigo da
flete a Santíssima Trindade através
ordem universal!”
da voz, do olhar e do porte, ao mes- Havia, entretanto, um ponto na
mo tempo que presta um ato de ado- Alma de Nosso Senhor para o qual
ração permanente a Deus Pai, Deus todas essas luzes convergiam, en-
Filho e Deus Espírito Santo. cantando o pequeno Plinio, pois era
Chamado pela Providência a con- como um sol para as demais virtudes.
templar a “arquitetonia” da ordem Ali ele sentia a peculiar consonância
do universo, Plinio procurava, an- de sua alma com a de Nosso Senhor
tes de tudo, formar uma ideia do Jesus Cristo, encontrando a plenitu-
todo de Nosso Senhor Jesus Cristo, de substancial daquilo que fora espe-
nas suas reversibilidades. Ele per- cificamente chamado a espelhar, isto
cebia que as mais variadas virtudes, é, a ordem do universo, ressaltada,
aparentemente contrárias, se con- dentro desta, a grandeza sábia:
jugavam em sua Alma, revertendo- “Qual é esse ponto? Eu gosto de
-se umas nas outras e centradas num figurar que é uma grandeza que con-
equilíbrio harmônico: tém todos os abismos de perfeição
“Desde o ponto mais fundo do d’Ele. De maneira que Ele é gran-
qual O poderia compreender, eu díssimo na sabedoria ao considerar
percebia uma elevação prodigiosa, toda a criação e aquilo que nós po-

João Paulo Rodrigues


com a característica de uma fusão demos chamar o ponto alfa da cria-
harmônica, em nível indizivelmen- ção, o ponto mais alto, que, em úl-
te alto, das virtudes mais opostas. tima análise, é Ele mesmo. Porque
Por exemplo, uma força incompará- Ele é Homem-Deus e, enquanto
vel e uma bondade também incom- Deus, está infinitamente acima da
parável. Uma severidade inquebran- criação; mas, enquanto Homem, Ele
tável e um perdão de uma doçura é o píncaro de toda a criação. Então,
sem fim. Uma superioridade divi- como vê-Lo? Ele é a sabedoria, com Imagem que preside a nave lateral do
Santuário
na, mas ao mesmo tempo uma pos- uma seriedade infinita, olhando to-
sibilidade de descer não só à última das as coisas pelos seus mais altos e
pessoa, mas até a um cachorrinho. mais profundos aspectos, pela orde-
Estou certo de que se um cachorri- nação que elas têm entre si, e aman- Ali estava a
nho se aproximasse, Ele Se alegra- do-as porque são assim, porque de-
ria com isso e faria um benefício ao vem ser assim”. síntese, o modelo
animal. […] Um poder de tranquili-
zar e, de outro lado, de mover para
E, numa reação de maravilha-
mento, concluía:
mais elevado,
a luta e para a batalha! Imaginem “Oh! Oh! Como Ele é amigo da or- reunindo toda
tudo se unindo e formando uma dem universal! Como Ele é coerente
harmonia. Nessa harmonia estaria com a ordem universal! Todas as coi- a bondade e a
o que de melhor o meu olhar podia sas Ele as ama na ordem própria e no
alcançar na natureza humana d’Ele mais belo aspecto que elas podem dar
verdade que ele via
como transparência da divindade”. de si mesmas. E com que carinho Ele nas outras almas
“Eu não era capaz de explicitar as ama! […] Ele é afim com tudo o
totalmente, mas o que estava na mi- que é reto e em que não há pecado”.
nha cabeça com muita força é que Elevação de cogitações, bonda- são de Nosso Senhor Jesus Cris-
está acima da capacidade humana de, grandeza, seriedade, ordem uni- to, que diante de sua distinção e no-
reunir virtudes tão diversas, e que versal… Tudo isso ele apreendia num breza, considerava-O não só como
quem as conciliava em tal grau de voo de intuição. Tão rica era essa vi- Deus, mas até como um aristocrata:

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      27


“Eu passava diante da imagem do bito de mandar, nem porque os ou- divisar, pois o que ele diz não se de-
Sagrado Coração de Jesus, nobre, tros reconheçam n’Ele habitual- duz a partir de uma imagem:
em pé, sorridente, […] olhava e di- mente esse direito de mando, mas “Ele era apresentado com um
zia: ‘Como Ele é bonito! […] Se um régio por essência. Independente do manto de uma cor que me atrai so-
dia eu quisesse analisar a ideia de que os outros achem ou não achem, bremaneira, o vermelho, com uma
beleza, viria aqui olhar para o rosto queiram ou não queiram, Ele é Rei!” discreta bordadura dourada que
d’Ele, porque bonito é só Ele. Mais Dr. Plinio chegava a fazer uma parecia indispensável à grandeza
nada é bonito. Este é o padrão: é um correlação entre a limpeza da túni- d’Ele. Sem ouro Ele não teria sabi-
bonito mais de alma do que de cor- ca e a Alma. Percebe-se, mais uma do reverenciar sua própria grandeza
po. Mas, que Corpo! E por trás des- vez, contemplar ele muito mais do como devia. E a consciência que Ele
se Corpo, que Alma!’” que numa visão comum se poderia tinha de sua grandeza era uma coi-
“Todas as regras da estética do sa que me encantava. A túnica dava
universo estão contidas no ros- a ideia de estar Ele perpetuamen-
to d’Ele! […] Não se pode conceber te limpíssimo, sem mancha nenhu-
que Ele não fosse formosíssimo! Mas
Discernindo a Alma ma, nem na Alma, nem na indumen-
esse é o vidro através do qual se vê o de Nosso Senhor tária. Essa limpeza se manifestava
resto muito mais alto, que é uma be- ainda mais no Corpo d’Ele, que não
leza de alma e um modo de ser extra- naquela imagem, só nada tinha de ensebado ou de do-
ordinário. Por exemplo, eu tenho cer- ente, mas parecia emitir luz. Depois,
teza que n’Ele se apresentavam, num como não amá-Lo? as boas maneiras d’Ele: como está
reluzimento perfeito e reversível, o
esplendor do raciocínio e a perfeição
Plinio aderiu, em pé com distinção, como o modo
com que Ele segura o coração é o de
da intuição. E de um modo harmôni- amou e se entregou uma pessoa bem-educada, como a
co como não se pode imaginar”. impostação da cabeça é de alguém
“De outro lado, muito distinto, por inteiro! que teve boa formação, como a bar-
fino, régio. Não porque tenha o há- ba está bem arranjada sem faceiri-

UM PROFETA PARA OS NOSSOS DIAS

N
MONS. JOÃO S COGNAMIGLIO C LÁ DIAS,
0
EP

0,0 inguém mais indicado do que Mons.


Mons. João
Scognamiglio Mons. João
MONS. JOÃO S

2
Clá Dias, EP Scognamiglio
COGNAM IGLIO
Clá Dias, EP
C LÁ DIAS,

R$
EP

João Scognamiglio Clá Dias para ofe-


recer uma visualização completa de Plinio
M uitos já empr
Corrêa de Oliveira sob o único ponto de
Um profeta para os nossos dias

eende
dedicados à figura ram a tarefa de publicar
Um profeta
Plinio Corrêa de Oliveira

eenderam a tarefa de publicar escritos de Plinio Corrê escritos


Plinio Corrêa

existirem nume a de Oliveira,


ura de Plinio Corrêa de Oliveira, além de em tantos outro rosas referências além de

vista pelo qual merece ser considerado, isto


s. Em alguns se à sua pessoa e
erosas referências à sua pessoa e atuação abrangente perso
nalidade, por
encontra uma
concepção parcia
atuação
se encontra uma concepção parcial de sua secundário, na abord
maioria das vezes ar apenas um de seus aspec
l de sua
or abordar apenas um de seus aspectos, sua imagem,
apresentando-a . Em outros tos,
para os nosso

se procura defor
vezes. Em outros se procura deformar Sobretudo, nenhu por um prism mar

é, o do desígnio de Deus sobre ele. O leitor


m deles oferec a distor
a por um prisma distorcido ou irreal. mostre este varão e uma visualizaçã cido ou irreal.
ímpar do único o completa,
oferece uma visualização completa, que merece ser consi ponto de vista que
de Oliveira

derado, isto é, pelo qual realm


único ponto de vista pelo qual realmente Ora, ninguém o do desígnio ente
parece ser mais indica de Deus sobre ele.
é, o do desígnio de Deus sobre ele. acreditada para do, nem possu
tal encargo, do

poderá comprová-lo na obra O dom de sabe-


que Mons. João ir voz mais
er mais indicado, nem possuir voz mais Afinal, os quase
quarenta anos Scognamiglio
s dias

Clá Dias.
do que Mons. João Scognamiglio Clá Dias. julho de 1956,
quando o conhe
de convívio com
Dr. Plinio, desde
de
nos de convívio com Dr. Plinio, desde 7 alma a Deus,
sendo nos últim
ceu, até o dia
em que ele rende 7 de
os vinte anos
onheceu, até o dia em que ele rendeu sua e imediato colab
orador nos assun seu secretário u sua

doria na mente, vida e obra de Plinio Corrêa de


de seus discíp particular
imos vinte anos seu secretário particular ulos, fazem dele tos que o ocupa
assuntos que o ocupavam e na formação de todas, para uma testemunha, vam e na formação
se pronunciar e a mais autor
testemunha, e a mais autorizada pensamento sobre a vida, izada
ele uma de seu mestr a atuação, as
o O dom de sabedo e. O leitor poder virtudes e o
ar sobre a vida, a atuação, as virtudes e ria na mente, á comprová-l
o na obra
publicada em vida e obra de
e. O leitor poderá comprová-lo na obra

Oliveira, publicada em cinco volumes pela


cinco volumes Plinio Corrêa
de Oliveira,

PLINIO CORRÊ A DE OLIVEI RA


este opúsculo pela Libreria
e, vida e obra de Plinio Corrêa de Oliveira, é uma pequena Editrice Vatica
na, da qual
síntese.
es pela Libreria Editrice Vaticana, da qual
na síntese. PLIN IO CORR
ÊA DE OLIV EIR
ULibreria PAR A Editrice Vaticana, da qual o opús-
UM PROFETA PARA OS NOSSOS DIAS A
M PROFETA
OS NOSSOS
DIAS
culo que hoje oferecemos é uma pequena
Brochura, 24 x 16 cm, 288 páginas síntese.

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28      Arautos do Evangelho · Junho 2018


ce; que supremo aristocratismo na- afasta do pecado mortal ou venial,
tural do cabelo! Tem-se a impres- cortando os maus hábitos do pas-
são de que Ele nem pensa no cabelo, sado; a iluminativa, na qual vai ad-
mas não há um cacho, não há um fio quirindo luzes e começa a compre-
que não esteja inteiramente no lugar ender mais a fundo todas as ver-
para dar uma ideia perfeita d’Ele dades da Fé; e, no último plano, a
mesmo”. unitiva, em que atinge um conhe-
cimento e um amor em relação a
A troca de corações Deus Pai, Deus Filho e Deus Es-
com Nosso Senhor pírito Santo presentes em si, como
Ora, discernindo a Alma de Nos- antes não possuía. Sua oração se ci-
so Senhor Jesus Cristo naquela ima- fra não mais em pedir, nem em fa-
gem, podia ele não amá-Lo? É evi- zer longos colóquios, mas é a ora-
dente que no momento em que teve ção de simplicidade ou de quietude,
o conhecimento intelectual, Plinio que consiste no completo abandono
também aderiu, amou e se entregou nas mãos de Deus.
Reprodução

a Ele por inteiro! Os lábios humanos Esse fim do processo daquele que
não conseguem exprimir qual é o passou pelas vias purgativa, ilumi-
amor de quem teve uma experiência nativa e unitiva e adquiriu a oração
Plinio em Águas da Prata,
mística do Bem Supremo; é indizí- aproximadamente em 1920
de simplicidade é o que Plinio des-
vel, inefável. Continua sua narração: creve sobre sua relação com o Sa-
“À medida que eu ia vendo, […] grado Coração de Jesus nos primei-
com a intuição de uma criança, me ros passos de sua existência.
sentia impregnado por aquilo, de Fica patente aqui Fica patente aqui o que era a alma
fora para dentro. Quer dizer, essas de um menino chamado a um altís-
coisas não tinham sua sorgente em
o que era a alma simo grau de união com Nosso Se-
mim, mas Ele as comunicava. E daí de um menino nhor Jesus Cristo, e que se desenvol-
o desejo evidente de me unir a Ele. veu dentro dessa perspectiva desde
Não só de me unir, mas de morar chamado a um o uso da razão, de tal forma que ela
n’Ele!” foi o substratum para aguentar a ca-
Plinio era transformado por es- altíssimo grau de minhada até os oitenta e sete anos.
sas graças místicas e nunca impediu
seus efeitos na própria alma. Deve
união com Nosso Apesar dos vales e montes de aride-
zes que teve de atravessar, ele não
ter-se dado, provavelmente, um fe- Senhor Jesus Cristo descolou dessa visão e desse amor;
nômeno pelo qual Nosso Senhor por esse modelo entregou-se sem re-
como que pediu licença ao coração- servas, por ele sofreu. E andou de
zinho da criança e disse em seu inte- bolo da mentalidade, pode-se dizer plenitude em plenitude, até atingir
rior: “Meu filhinho muito querido, que a mentalidade de Nosso Senhor um cume que já não estava mais no
Eu te escolhi para ser o reflexo da penetrou nele, e o seu coração pas- tempo… era a eternidade! ²
ordem do universo criado, dentro da sou a pulsar segundo Aquele a quem
qual estou Eu também; que teu co- amava. Extraído, com adaptações, de:
ração ceda lugar ao meu, porque Eu Sabemos que quando alguém “O dom de sabedoria na mente, vida
quero agora habitar dentro de ti”. abraça a vida sobrenatural costu- e obra de Plinio Corrêa de Oliveira”.
Conclusão: ele fez uma troca de ma passar por três vias até chegar Città del Vaticano-São Paulo: LEV;
corações com Jesus. Não num senti- à santidade: a purgativa, quando se Lumen Sapientiæ, 2016,
do físico, mas, sendo o coração sím- dá conta das próprias misérias e se v.I, p.233-256

1
Nota do editor: salvo indicação Dr. Plinio, ou durante exposi- das pode-se consultar o livro Ascética e Mística. 5.ed. Por-
em contrário, as citações en- ções feitas por este para os seus original. Aqui omitimos por to: Apostolado da Imprensa,
tre aspas correspondem a gra- discípulos. Para conhecer a brevidade essas referências. 1955, p.748.
vações realizadas pelo Autor ocasião e data exata em que es- 2
TANQUEREY, PSS, Adol-
3
Idem, p.749-750.
durante suas conversas com sas palavras foram pronuncia- phe. Compêndio de Teologia

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      29


William Iven (CC 0)

Mundo real, mundo virtual


Vivemos submersos nas redes sociais, corremos o risco de sair
da vida real e nos afogarmos na “vida” virtual… Abandonaremos o
convívio humano, a oportunidade de nos olharmos e nos querermos
bem, para afundarmos no mundo virtual?
Pe. Fernando Néstor Gioia Otero, EP

N ão se pode negar que,


como ferramenta mul-
tiuso, os aparelhos ce-
lulares oferecem nu-
merosas vantagens para além da sim-
Ora, segundo a Dra. Stella Ma-
ris Valiensi, neuróloga do Hospital
Italiano de Buenos Aires, o apare-
lho celular ligado à noite traz como
primeira consequência uma redu-
A Dra. Valiensi acrescenta outro
inconveniente provocado pelo hábi-
to de dormir com o celular ligado à
mesa de cabeceira: o dos “microdes-
pertares”. Eles provocam “um sono
ples comunicação telefônica. Usa- ção das horas de sono: “Uma enque- não reparador, fracionado, que no
mo-los para receber e enviar e-mails, te realizada com dez mil adolescen- dia seguinte repercute em diminui-
fotos, vídeos e notícias. Através deles tes entre dezesseis e dezenove anos ção da qualidade de vida e dificul-
interatuamos eletronicamente a todo revelou que eles usavam dispositi- dades no trabalho, entre outros as-
momento com outras pessoas das vos eletrônicos por mais de quatro pectos. Se isso não for compensado
mais variadas formas. Até de lanter- horas antes de dormir; em cinquen- nos dias subsequentes, pode trans-
na e de despertador eles nos servem! ta por cento dos casos, isto atrasava formar-se em algo crônico”. 3
Suas indubitáveis vantagens sob em uma hora a conciliação do sono;
o ponto de vista prático têm, entre- tinham, além disto, três vezes mais
O “medo de ficar por fora”
tanto, pesadas contrapartidas, e não possibilidades de dormir cinco ho- E se fosse só isso!… O celular pe-
faltam médicos, psicólogos e até jor- ras ou menos por noite”.2 netrou também num momento que
nalistas a alertar sobre os riscos que
elas acarretam.

Sono mais curto e menos


reparador
Um colunista do jornal portenho
La Nación põe em realce, por exem-
plo, quão grande é o número de pes-
soas que se acostumaram a dormir
com o smartphone ligado, ao alcan-
Ant Rozetsky (CC 0)

ce da mão: “Hábito de adolescentes,


sim, para os quais as redes sociais
são esse lugar de interação que não
admite recreio nem descanso, mas
também para os adultos”.1

30      Arautos do Evangelho · Junho 2018


uma articulista não hesitou em qua- -lhes que ter tudo nas redes sociais contínuo de vidas editadas que dis-
lificar de “sagrado”, o do despertar. não significa nada na vida real. Dei- torce nossa percepção da realida-
Foram-se infelizmente os tempos xei-me ser definida pelos números e de”, afirmam seus autores. O resul-
em que se costumava fazer uma bre- a única coisa que realmente me fa- tado deste estudo levou uma articu-
ve oração ao sair da cama. Hoje, a zia sentir bem era conseguir mais lista à seguinte conclusão: “Menos
primeira preocupação de muitos ao seguidores, mais ‘gostei’, mais re- estresse, mais satisfação pessoal e
iniciar o dia é… verificar o celular. percussões e visitas. Nunca era su- melhores relações sociais: são estes
Como mudaram os tempos e as ati- ficiente”. 5 os efeitos positivos que muitos sen-
tudes humanas! Ela parecia ter muitos amigos no tiriam se deixassem de utilizar o Fa-
O pequeno aparelho transfor- Instagram e no Youtube, mas, na re- cebook”.7
mou-se numa parte importante da alidade, levava uma vida solitária, E notem que o Facebook, nascido
vida das pessoas. Ora, comenta a mesmo quando rodeada de familia- em 2004 na Universidade de Har-
articulista Martina Rua: “Quando res ou de colegas de trabalho. Seu vard e destinado inicialmente ape-
lhe damos tanto poder, isto controla “amigo” era o pequeno aparelho de nas aos estudantes dessa institui-
nossa experiência mais do que pode- comunicação. ção, ultrapassou já a casa dos dois
mos perceber. Por exemplo, impul- bilhões de usuários ativos.
siona a síndrome de FOMO (sigla de
Ficção feita de elementos Analisando o mesmo estudo de
Fear of Missing Out – Medo de ficar
do cotidiano Happiness Research Institute, co-
por fora), a angústia que experimen- Penetrando como uma desper- menta Diego Levis, doutor em Ci-
tamos por tudo o que perdemos, ou cebida radioatividade, “as redes so- ências da Comunicação da Univer-
imaginamos ter perdido, por não ve- ciais estendem silenciosamente uma sidade de Buenos Aires: “Facebook
rificar de modo permanente as men- cadeia que se infiltra sob nossa pele: é uma ficção feita de elementos do
sagens”.4 impõem-nos a obrigação de estar cotidiano, tudo quanto nele está é
Como governar este singular permanentemente ali, conectados, a ‘estilização’ da vida do usuário.
“convidado”? Como livrar-nos do disponíveis”, comenta outro articu- É uma realidade filtrada porque se
estresse de viver on-line? Haverá al- lista, acrescentando que vários fi- ressalta o bom e se oculta o vergo-
gum meio de nos libertarmos desta lósofos e sociólogos as consideram nhoso. Causa a sensação de que ali
pressão anticultural do mundo mo- uma “coação da comunicação”,6 que cada qual constrói seu próprio espe-
derno? pode chegar a se transformar em táculo”.8
Essena O’Neill, uma “bloguei- uma patologia. Em outros termos, o usuário,
ra” australiana que chegou a ter Ocorre que plataformas como na condição de artista de sua pró-
quinhentos mil seguidores no Ins- Facebook e similares “refletem ape- pria personalidade ou aparência,
tagram e duzentos e cinquenta mil nas uma parte da vida: a positiva”, vai esculpindo sua “imagem” na
no Youtube, resolveu facilmente seu conforme um estudo realizado na rede social de modo a ressaltar o
problema. Com um só clique, apa- Dinamarca pelo Happiness Rese- que julga mais impactante. No afã
gou suas imagens, e escreveu: “Sou arch Institute. “São um canal inin- de apresentar de si uma “persona-
a jovem que tive tudo e quero dizer- terrupto de boas notícias, um fluxo lidade virtual” diferente da real,

O pequeno aparelho
controla nossa
experiência mais
do que podemos
perceber

Ilustrações: pexels.com e unsplash.com

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      31


­errapa para o plano do
d aceitos pelos outros, cen-
fantástico, do quimérico, trando-se em si mesmos
do ilusório. e esquecendo-se de tudo
quanto os rodeia.
Novo significado para Um estudo realizado na
o adjetivo “virtual” Universidade de Palermo,
Até poucas décadas de Buenos Aires, consta-
atrás, entendia-se por real ta o fato de que a comuni-
simplesmente aquilo que cação instantânea se tor-
existe de fato; e por v­ irtual nou uma necessidade para
aquilo que tem uma exis- o homem hodierno, dando
tência apenas potencial, em origem à “criação de per-
oposição à existência efe- sonalidades alternativas à
tiva, real. Na era da infor- nossa realidade social”. E
mática, o adjetivo virtual conclui que, nesse contex-
ganhou um novo significa- to, as redes sociais “dão-nos
do que se manifesta bem na oportunidade de melhorar
expressão realidade ­virtual, ou piorar nosso ‘eu’ com
hoje muito em voga. Eis base em mundos artificiais
como a define um filóso- criados nesses sistemas de

Jones Salvador Alves


fo espanhol de nossos dias: imersão”.10 Os usuários aca-
“Sistema informático usado bam elaborando uma vida
para criar um mundo artifi- ­v irtual que nada tem a ver
cial no qual o usuário tem a com sua vida real.
impressão de estar em dito Que transformação esta-
mundo, sendo capaz de na- mos vivendo! Até onde che-
vegar através dele e de ma- Imagem Peregrina do Imaculado Coração de Maria gará ela? Abandonaremos a
nipular os objetos que ali se realidade da vida, o conví-
encontram”.9 vio humano, a oportunidade de nos
Facebook, Instagram e outras olharmos uns aos outros, de nos
redes sociais são espaços que es-
Os vínculos querermos bem, e nos afundaremos
timulam a comparação com os de- impessoais nunca no mundo virtual? Se isto aconte-
mais? A cada momento cresce em cesse, seria propriamente uma des-
seus usuários a tendência a com- poderão substituir graça, pois os vínculos impessoais
partilhar com outros a sua própria nunca poderão substituir um olhar,
vida. Contudo, numa muito grande
um olhar, uma uma palavra, um gesto, uma ex-
porcentagem, acabam inventando palavra, um gesto, pressão fisionômica de alegria ou
uma realidade não real, mas vir- de tristeza.
tual. Escolhem ou retocam fotos uma impressão Deus e a Virgem Maria não per-
para divulgar, ressaltam aspectos mitam essa desgraça que nos trans-
de suas qualidades reais ou imagi- fisionômica formaria em meros robôs, com seu
nárias; em resumo, procuram ser “convívio” mecânico, sem vida. ²

1
RÍOS, Sebastián. Adiós al coló el celular. In: www.lana- 7
MORENO, Gloria. Una se- 9
ECHEVERRÍA, Javier. Un
sueño corrido: el celular ganó cion.com.ar. mana sin Facebook quita el mundo virtual. Barcelona:
la mesita de luz. In: www.la- 5
VELASCO, Irene Hernán- estrés. In: www.lavanguar- Plaza & Janés, 2000, p.37-38.
nacion.com.ar. dez. Desconectados: la nue- dia.com. 10
VIDA REAL VS. VIDA
2
Idem, ibidem. va tribu urbana que abandona 8
DE MASI, Victoria. Prue- VIRTUAL en Facebook. In:
internet para abrazar la vida ban que sin redes sociales se http://fido.palermo.edu/ser-
3
Idem, ibidem. real. In: www.elmundo.es. vive con más satisfacción. In: vicios_dyc/blog/docentes/tra-
4
RUA, Martina. El último mo- 6
KUKSO, Federico. Apología www.clarin.com. bajos/2230_23178.pdf.
mento sagrado en el que se de la desconexión. In: www.
lanacion.com.ar.

32      Arautos do Evangelho · Junho 2018


Por que o Direito
e o Direito Canônico?
A aplicação do Direito requer estudo, competência, paixão pela verdade
e pelo bem da pessoa. Exige o cultivo da virtude da prudência, muito
bom senso e, sobretudo, honestidade intelectual e moral!

Pe. Bruno Esposito, OP

N os centros acadêmicos
eclesiásticos de Roma,
circula uma anedota
bastante conhecida so-
bre a diferença entre aqueles que es-
tudam Filosofia, Teologia e Direi-
Obviamente e antes de tudo, note-
mos que, ao nos interrogarmos sobre
o sentido do Direito para nós, coloca-
mo-nos na perspectiva própria à Fi-
losofia e, dessa forma, como gostava
de repetir Paul Ricœu (1913-2005),
acontecer, por trás dela escondem-
-se chavões, mas há também um fun-
do de verdade. Em torno da realida-
de do Direito manifestam-se diferen-
tes abordagens e comportamentos,
por vezes em aberto conflito entre si.
to Canônico: os primeiros acabarão na disposição de seguir o convite da Certamente um desses chavões
por perder um pouco da razão; os Filosofia a questionar-se, a pensar. é o de enxergar o Direito como um
segundos, a fé; e os terceiros… sim- Convidamo-lo, portanto, a pen- conjunto de regras, normas e leis
plesmente o tempo! sar, a fazer-se as perguntas certas. que limitam as legítimas aspirações
Certa vez, porém, instantes de- Paradoxalmente, o mais importan- de liberdade plena e de realização
pois de que os presentes rissem e ca- te para quem não quer desperdiçar de cada um. Por outro lado, há tam-
çoassem de um pobre estudante de a sua existência é confiar, não em ter bém a concepção generalizada do
Direito Canônico, vítima-foco do todas as respostas, mas em saber fa- Direito como instrumento arbitrá-
gracejo, este respondeu, calmamen- zer a pergunta certa. rio de quem detém o poder, que o
te, tomando emprestadas e parafra- Segundo outro jurista e filóso- usa como, quando e com quem con-
seando as palavras do salmista: “As- fo do Direito, Giuseppe Capograssi vier: mero instrumento de um poder
sim falaram os ímpios e insensatos!” (1889-1956), o filósofo é aquele que arbitrário.
(cf. Sl 9, 25; 52, 2). detém a solitária tarefa de recolher A esse respeito permanece triste-
as lições secretas da vida e exprimi- mente atual a resposta que Giovan-
Convite a questionar-se e a pensar -las. Nesse sentido, pode-se compre- ni Giolitti (1842-1928) deu à pergun-
Profundamente convictos da ve- ender quanta razão e bom senso ti- ta que ele mesmo se punha. “O que
racidade da resposta desse estudan- nha aquele estudante que designava é a lei?”: a lei é aquilo que se inter-
te, não achamos inapropriado convi- como ímpio e insensato quem acre- preta para os amigos e se aplica para
dar a quem lê este artigo – que terá ditava que estudar Direito Canôni- os inimigos! Ou ainda sua versão cle-
decidido fazê-lo pelos mais varia- co era apenas uma perda de tempo. rical, que explica do seguinte modo
dos motivos, mas certamente atraído as posições diversas das estátuas dos
pela possibilidade de encontrar uma
Mero instrumento de um Príncipes dos Apóstolos na Praça de
resposta sensata à questão – a refle-
poder arbitrário? São Pedro: a de São Paulo estaria
tir sobre a importância, para o nos- Procuremos, primeiramente, veri- lendo “aqui se fazem leis”, e a de São
so cotidiano, do Direito em geral e ficar até que ponto é verídica a ane- Pedro, que aponta para o Tibre, afir-
do Direito Canônico em particular. dota da qual partimos. Como sói maria “ali elas são observadas”!

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      33


Fisiologia e patologia do Direito ser e sentir-se irmão de seus seme-
Estamos profundamente conven- lhantes, e não simplesmente “com-
cidos que esse modo de sentir e ver o panheiro”. E evitemos, assim, fa-
Direito nasce do pouco conhecimen- zer passar por direito aquilo que no
to do âmbito jurídico e daquilo que fim se revela como um desejo egoís-
lhe concerne, que não permite dis- ta que não leva em conta a natureza/
tinguir entre fisiologia e patologia do realidade e a dignidade da pessoa e
Direito, entre o Direito como porta- dos outros.
dor de justiça e o direito como mero Dessa forma, em qualquer so-
arbítrio. ciedade civil e na Igreja Católica, o
Além de todas as teorias sobre o único e verdadeiro problema não é
Direito e a justiça, qualquer um po- o de haver ou não haver leis ou nor-
derá saber no que eles realmente mas jurídicas, mas o de haver boas
consistem quando, lamentavelmen- leis e boas normas jurídicas. Redes-
te, for vítima de injustiça. Nesse ins- cobrindo que leis e normas devem
Gustavo Kralj

tante, não precisará de nenhuma te- ser observadas com consciência


oria ou explicação! não porque estão escritas em um
Quando, no convívio social, se é código, mas porque são justas (ius-
forçado a invocar e a suplicar como tum) e permitem a realização do
graça aquilo que é um verdadeiro di- São Tomás de Aquino bem comum foi decidido escrevê-
Angelicum, Roma
reito; ou quando se é vítima de uma -las em um código e, portanto, são
“justiça” sumária, apresentada como estabelecidas pela autoridade legí-
justiça suprema e necessária naquele tima (iussum). Por isso, justamente,
momento (mas já Terêncio [185-159 A. Kaufmann (1872-1938) escreveu
a.C.] e Cícero [106-43 a.C.] recorda-
São Tomás afirma, que o Estado não cria o Direito; o
vam que summum ius, summa iniu- sem nenhuma Estado cria leis, e Estado e leis es-
ria – excesso de direito, excesso de in- tão abaixo do Direito!
justiça), e que nega o direito natural hesita­ção, que uma
de conhecer a acusação e o acusador;
O bom governo exige
ou, ainda, quando se experimenta a
eventual lei humana poucas leis
frieza de um aparato administrativo discordante da lei Nessa perspectiva, salvo aquilo
ou judiciário que se limita a não res- que epikeia e equitas exigem a fim
ponder ou a responder em tempo bí- natural não é lei, de que a justiça se realize hic et nunc
blico, significa que nos encontramos (e instituições legais caracteristica-
diante de um governo enfermo. mas corrupção da lei mente canônicas, como a dispen-
sa e o privilégio, não são mais que
Dimensão jurídica do instrumentos atuantes de tal justi-
convívio social Essa dimensão jurídica do conví- ça), perde seu significado a tenta-
Por essas razões, é importante vio social é própria também à socie- ção a que parece ceder quem gover-
voltar ao sentido e ao significado do dade que é a Igreja desejada e fun- na em qualquer época, e da qual nos
Direito enquanto dimensão impres- dada por Cristo, e o seu Direito par- lembra Ulpiano (170-228) na famo-
cindível da natureza humana, que ticipa, ainda que de modo particular sa máxima “Princeps legibus solu-
gere as relações intersubjetivas se- e original, como toda a parte visível e tus – O príncipe está desobrigado de
gundo a justiça, entendida como me- social, do ser instrumento para a sal- todas as leis”. O fato é que, no fim,
dida daquilo que é devido, por ser vação das almas.1 esse comportamento e essa forma
capaz, segundo a mensagem evan- Não esqueçamos jamais, à luz de de governar nunca compensaram,
gélica, de abrir-se à caridade, enten- uma sã antropologia, que a primeira nem compensam!
dida por sua vez como além da me- justiça devida ao outro é a de reco- A realização de um bom governo,
dida e que, enquanto tal, pressupõe nhecer a veracidade daquilo que ele em qualquer âmbito, requer que haja
sempre a existência e a realização da é: pessoa criada à imagem e seme- poucas leis (Corruptissima re publica
medida e, portanto, da justiça (nulla lhança de Deus, redimida pelo San- plurimæ leges, advertia o grande Tá-
est charitas sine iustitia). gue de Cristo e, por isso, chamada a cito [55-120]) e que estas sejam ob-

34      Arautos do Evangelho · Junho 2018


servadas por todos não porque man- uma escolha: a verdade objetiva (ob- tra os fariseus são uma verdadeira
dadas pelas autoridades que detêm o viamente, não a processual!). acusação contra a impiedade: com a
poder, mas porque a justiça (enten- desculpa de observar as leis, eles traí-
dida como o dar a cada um a sua par-
Dois grupos contrapostos am a justiça, desrespeitando o homem
te, para São Tomás uma verdadeira Assim, se conseguimos provocar em suas necessidades básicas.
e própria res; “ius est obiectum iusti- uma reflexão mais aprofundada so- Até mesmo o termo “insensa-
tiæ”2) assim o exige a fim de que a bre a necessidade do Direito e de to”, mais do que indicar uma pessoa
sociedade possa viver realmente em haver poucas e boas leis, podemos pouco inteligente, é usado na Bíblia
paz (“et erit opus iustitiæ pax, et cultus esperar que muitos dos nossos leito- para definir genericamente aqueles
iustitiæ silentium, et securitas usque in res estejam de acordo com a respos- que não agem de modo razoável e
sempiternum” [Is 32, 17]). ta daquele bem preparado estudan- seguem uma conduta em desarmo-
Tanto isso é verdade, que o Aqui- te, da qual partimos. nia moral com as justas normas da-
nate afirma, sem nenhuma hesita- De fato, conforme a Bíblia afirma, das por Deus com a criação.
ção, que uma eventual lei humana o povo de Israel considerava “ímpio” Nos Livros Sapienciais em parti-
discordante da lei natural “iam non aquele que não se reconhecia como cular, a humanidade é dividida em
erit lex sed legis corruptio – não será criatura e, portanto, não reconhecia duas classes: a dos sábios e a dos in-
mais lei, mas corrupção da lei”. 3 Não a Deus como Criador nem O cultua- sensatos. “A glória será o prêmio
esqueçamos que a hiperprodução va, e agia em consequência como pe- do sábio, a ignomínia será a heran-
injustificada de documentos jurídi- cador, sobretudo sendo injusto com o ça dos insensatos” (Pr 3, 35). Esses
cos sempre os distorce e deprecia, órfão e a viúva. Os repetidos e fusti- dois grupos são e serão sempre con-
a ponto de desautorizar esses docu- gantes posicionamentos de Jesus con- trapostos.
mentos e a própria autoridade que Os estudiosos e profissionais ho-
os produz.4 nestos do Direito não perdem, por-
Como se percebe, o uso e a apli- Os estudiosos e tanto, o seu tempo. Sim o fazem,
cação do Direito requerem estu- pelo contrário, aqueles que o des-
do e competência, requerem tempo profissionais conhecem ou desprezam, pois des-
e paixão pela verdade e pelo verda- ta forma rejeitam a oportunidade de
deiro bem da pessoa (cf. Mt 7, 12).
honestos do Direito edificar a sociedade dos homens e a
Exigem o cultivo da virtude da pru- não perdem o seu sociedade dos fiéis. ²
dência, a posse de muito, muito bom
senso e, sobretudo, de honestidade tempo; mas sim
intelectual e moral! Dentre tantos, 1
Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Lumen
um exemplo apenas: na eterna e sen-
aqueles que o gentium, n.8; CIC/83, can.1752.
sível problemática entre “verdade” e desconhecem ou 2
SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teo-
lógica. II-II, q.57, a.1.
“formalidade” na administração da
Justiça no âmbito administrativo e desprezam 3
Idem, I-II, q.95, a.2.
judiciário, o canonista terá somente 4
Cf. Idem, q.97, a.2; ad 1.

Pe. Bruno Esposito, OP


Nascido em Terracina, Itália, a 17 de julho de 1959, Pe. Bruno Esposito, OP,
desempenha atualmente em Roma as seguintes funções:
• Professor ordinário na Faculdade de Direito Canônico da Pontifícia Universidade
São Tomás de Aquino – Angelicum.
• Professor convidado na Faculdade de Teologia da mesma universidade.
www.padrebruno.com

• Consultor e comissário junto à Congregação para a Doutrina da Fé.


• Consultor e comissário junto à Congregação para o Clero.
• Membro referendário do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica.
• Membro da Comissão Jurídica da Conferência Italiana dos Superiores Maiores.
• Capelão Magistral da Soberana Ordem de Malta.

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      35


Testemunhos

“O Mestre está aí e te chama”


Quem conhece pode vir a amar, e quem ama por certo deseja
servir. A comprovar esta verdade estão os numerosos grupos de
“martinhas” que, a partir das aulas de catequese, se formaram
organicamente na Paróquia Nossa Senhora das Graças.

Ir. Isabel Cristina Lins Brandão Veas, EP

E ncontrava-Se Jesus mais


uma vez na confortável
herdade de Betânia, pro-
priedade dos irmãos Láza-
ro, Marta e Maria. Enquanto esta se
entretinha sentada aos pés do Mes-
Não é difícil, portanto, compre-
ender a razão pela qual se resolveu
chamar de “martinhas” as meninas
que colaboram de formas diversas
no apostolado da Paróquia Nossa
Senhora das Graças. Presentes em
des do incipiente grupo de coroinhas.
Faltava, entretanto, algo especialmen-
te direcionado às meninas, sobretudo
àquelas que, tendo já recebido os Sa-
cramentos de iniciação cristã, pediam
com insistência para continuar partici-
tre, embevecida em ouvi-Lo e con- maior ou menor medida nas quator- pando das programações.
templá-Lo, Marta se ocupava nos ze capelas que a integram, elas com- Não tardou muito para o surgimen-
afazeres domésticos, empenhada em põem hoje um numeroso, variado e to, mais ou menos espontâneo, de um
proporcionar a Nosso Senhor a me- alegre conjunto. pequeno coral composto por algumas
lhor acolhida possível. das jovens. As irmãs se encarregaram
E havia trabalho suficiente para
Saudável problema de apostolado dos treinos e da organização geral, o
as duas… Marta não receou exter- Em meados de 2010, os sacerdo- que deu ensejo à elaboração de um
nar seu apuro ao Divino Hóspede: tes e religiosos responsáveis por uma belo vestido como uniforme do novo
“Senhor, não Te importas que minha das capelas da mencionada paróquia coral, ideia recebida por todas as jo-
irmã me deixe só a servir? Dize-lhe se viram diante de um saudável proble- vens com notável entusiasmo. Ressal-
que me ajude” (Lc 10, 40). Pene- ma de apostolado. Não havia ainda se tando a importância desse pormenor,
trando a fundo naquela alma dileta, completado um ano do início das ativi- Juliana de Oliveira Torres, de quator-
Jesus respondeu-lhe com uma afe- dades dos Arautos do Evangelho junto ze anos, recorda sua impressão ao to-
tuosa repreensão: “Marta, Marta, àquele grupo de fiéis e já um conside- mar contato com o movimento: “O
andas inquieta e te preocupas com rável número de crianças e adolescen- que mais chamou minha atenção fo-
muitas coisas…” (Lc 10, 41). tes, alunos da catequese, passara a fre- ram os uniformes, que são super bo-
Por ser virtuosa, ela aceitou com quentar as Missas dominicais, manifes- nitos. Quando os vi, logo quis ser uma
alegria e amor a correção e, orde- tando um contínuo e crescente interes- martinha. Eu já frequentava a capela,
nando o espírito conforme a von- se por conhecer mais a Religião. mas foi só nessa ocasião que me senti
tade do Mestre, continuou a ser- Era evidente a necessidade de verdadeiramente atraída pela Igreja”.
vi-Lo com toda diligência, porém, proporcionar àqueles meninos e me-
sem nenhuma febricitação. Santa ninas, na sua maioria de condição
Nasce o primeiro grupo
Marta passou assim para a Histó- humilde, uma formação religiosa e
de martinhas
ria como exemplo de dedicação no cultural mais completa. Foi assim, de maneira muito or-
cuidado das coisas práticas relati- No caso dos meninos, a questão se gânica, que nasceu o primeiro gru-
vas a Deus. resolveria incrementando as ativida- po de martinhas da Paróquia Nossa

36      Arautos do Evangelho · Junho 2018


­enhora das Graças, composto
S Tauyer, de dezessete anos e mar-
inicialmente por meninas de oito tinha desde os doze, afirma: “Foi
a quinze anos. com esses primeiros passos que
Tamires da Silva Lourenço, pude experimentar o amor de
hoje com dezesseis anos, tes- Nossa Senhora e de Jesus Cris-
temunha: “Com os Arautos do to por mim, e comecei a buscar
Evangelho aprendi a rezar, a va- a santidade, na alegria de cami-
lorizar a Santa Missa, a contem- nhar na verdadeira Fé. Tenho
plar nossa Mãe e Rainha e, aci- profunda admiração por Mons.
ma de tudo, a amar a Deus so- João Scognamiglio Clá Dias,
bre todas as coisas. Fiz a Pri- pelo seu grande exemplo e por
meira Comunhão e a Crisma, ter fundado essa obra, onde en-
consagrei-me a Nossa Senhora, contramos sacerdotes e irmãs
aos Anjos e a São José, tudo gra- sempre dispostos a anunciar com
ças à formação dos Arautos. Re- alegria a beleza da mensagem de
cebi muitos ensinamentos sobre Cristo, a devoção eucarística e o
Nosso Senhor Jesus Cristo, so- amor a Nossa Senhora”.
bre a vida dos Santos e o mundo O testemunho da jovem Melis-
dos Anjos, e também pude reali- sa Cunha de Brito ilustra o quan-

Leandro Souza
zar cursos de artesanato, confec- to são sólidos os vínculos que se
ção de terços, bordado e pintu- estabelecem por meio desse apos-
ra. As meninas que fazem parte tolado: “Há oito anos comecei a
do grupo e eu somos muito gra- amar a Igreja como uma mãe.
tas por tudo o que nos vem sendo Martinhas da Igreja São Judas e da Capela
Quando tinha dez anos de idade,
proporcionado ao longo de todos São José fazem o cortejo das oferendas na ouvi falar da capela através de um
esses anos”. Igreja Nossa Senhora do Carmo, 9/12/2017 padre que levava a Santa Comu-
nhão para meus avós. Ele me con-
“Por mim, faria isso todos vidou para ir à Missa e preparar-me
os dias da minha vida” para receber os Sacramentos. Num
O bom êxito dessa experiência le-
“O que mais chamou domingo, acordei mais cedo e tomei
vou os Arautos a estender o proje- minha atenção a decisão de ir. Senti-me tão feliz que
to às demais capelas da paróquia. A nunca mais faltei. Inscrevi-me na ca-
perseverança dessas jovens é uma foram os uni­formes, tequese, fui batizada e fiz minha Pri-
das notas características de tal apos- meira Comunhão. Guardo com cari-
tolado. Narra uma delas, de treze
que são super nho o vestido que usei naquele dia,
anos: “Em alguns momentos, pen- bonitos; quando que foi, com certeza, o melhor da mi-
sei em desistir de ser martinha, mas nha vida. Tenho um apreço enorme
perseverei, graças aos ensinamentos os vi, logo quis ser por essa capela – que é de fato uma
de Religião que recebi, às orações de ‘Mãe do Perpétuo Socorro’, como diz
minha mãe e à grande proteção de uma martinha” a invocação de Nossa Senhora que
Nossa Senhora, e tenho confiança de lhe dá o nome –, e sou muito grata
que continuarei neste caminho”. aos padres que com seus conselhos
Concorre para a constância na Almeida Ferreira, de treze anos, co- me ajudaram nos momentos mais di-
prática da Religião o fato de as jo- menta: “Gosto muito de poder aju- fíceis que passei até hoje”.
vens receberem responsabilidades dar assim os sacerdotes e me sinto E prossegue: “Fico muito con-
na organização, limpeza e decoração bem quando estou no meio das irmãs. tente quando as irmãs me chamam
da capela. Trabalhando em conjun- Quero muito, e espero conseguir, tra- para cuidar desse lugar abençoado.
to com as irmãs, muitas vezes é a elas zer mais meninas para a capela, para Por mim, faria isso todos os dias da
que cabe a função de providenciar os elas também se tornarem martinhas”. minha vida, com um prazer enorme.
arranjos de flores para o altar, cuidar Lembrando com saudades o iní- Enfim, minha vida se resume nesta
do material da sacristia e preparar o cio de sua participação no grupo das capela. Enquanto Deus me der saú-
necessário para as celebrações. ­Nicoli martinhas, Ana Karolina D ­ esideri de, quero frequentá-la sempre. Peço

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      37


a Nossa Senhora a graça de, na hora por ter enviado sacerdotes tão bon-
em que Ele me chamar a Si, eu esteja dosos e apostólicos para cuidar das
aqui, assistindo à Santa Missa”. capelas, pois eles abriram nossos
olhos para o sobrenatural, ajudan-
Catequese, cultura e apoio do-nos em todas as dificuldades e
na prática da Fé provações e fazendo-nos começar
À maneira da semente que ger- uma vida nova seguindo verdadeira-
mina em solo pedregoso, sem con- mente a Igreja. Sei que eles são as-
dições de aprofundar as raízes, mui- sim por causa do senhor, pela forma-
tas vezes os bons propósitos nascidos ção que receberam”.
nas almas dos jovens fenecem rapi-
damente. Considerando esse fator,
“Como mãe, sinto-me
no trabalho com as martinhas pro-
privilegiada”
cura-se incentivá-las nas práticas de Cabe mencionar aqui o reconhe-
piedade, ensinando-lhes a necessi- cimento daqueles que seguiram de
dade imprescindível da graça divina perto os passos dessas meninas no a organização das coisas pessoais de-
para se manterem firmes na Fé. Mas decorrer do tempo. Exemplo entre las melhorou muito”.
há também um outro auxílio impor- muitos é o relato de Jandira Neri de
tante com o qual as martinhas po- Souza, cujas filhas, uma de dezesse-
Testemunho de uma experiente
dem contar sempre que precisam, te anos e outra de treze, participam
pedagoga
como atesta Priscila Vieira Trindade, do coral das martinhas desde 2015: Observadora atenta da realidade
de quinze anos: “O apostolado feito “O apostolado feito com as meninas das crianças e adolescentes da Serra
pelos sacerdotes e pelas irmãs é in- trouxe um forte incentivo para que da Cantareira, a Profa. Carmen Ra-
comparável. Deles tenho recebido elas não ficassem na rua. Além do chas acumulou experiência na área
não só os ensinamentos da cateque- conhecimento da doutrina católica, da Educação, e testemunha com
se, como também cultura e uma for- passeios e entretenimentos, desco- grande satisfação: “Fui coordenado-
mação para toda a vida. Além de me briu-se que elas têm dom para a mú- ra da Creche Municipal Nair Mon-
ajudarem a aproximar a minha famí- sica. Como mãe, sinto-me privilegia- teiro Arnoni e professora durante
lia da Igreja, eles me apoiaram quan- da e gratificada por tamanha dedica- quase três décadas na Escola Esta-
do sofri dificuldades no colégio por ção para com os nossos filhos. Que dual Dr. Ozilde Albuquerque Passa-
praticar a Religião”. Deus dê ao padre e às irmãs paci- rella. Por isso, conheço praticamen-
Ketlyn Divina Simões Rocha, de ência, ânimo, coragem e força para te todas as famílias da região. Hou-
dezesseis anos, agradece por estar re- continuarem essa missão!” ve alunos que ficaram comigo desde
cebendo aulas de espanhol com uma Semelhante é o teor do testemu- os três anos de idade até os dezoito.
das irmãs, oportunidade oferecida às nho de Rosângela Carvalho Arau- “Certo dia, fui surpreendida pela
martinhas de sua capela neste ano. jo, também mãe de duas martinhas: chegada dos Arautos do Evangelho.
No entanto, reconhece que é objeto “Apesar de terem sido sempre boas fi- Logo de início percebi que eles eram
de um desvelo ainda maior quando se lhas, hoje elas estão muito melhores, um reflexo do amor divino e traziam
trata de sua vida espiritual: “Além de se desapegaram das coisas do mundo, para nós aquela caridade sem limi-
semanalmente ter a graça de me con- ficaram mais compreensivas com as tes, aquela fraternidade que deve im-
fessar, um dos maiores benefícios que dificuldades e problemas da família, perar entre as criaturas humanas. E
recebo na capela é o auxílio e o em- mais carinhosas e prestativas em casa quando eles começaram o trabalho
penho que os padres e irmãs têm em e com os outros e, principalmente, se junto às crianças, vi que eram verda-
me ajudar a praticar a virtude e fazer tornaram pessoas de fé. Começaram deiros agentes transformadores.
com que eu fuja do pecado. Com con- a se interessar por música, por leitu- “Aos poucos, fui notando a mu-
selhos e até correções, eles me mos- ra religiosa; mudaram a maneira de dança. Maior fé, maior comprome-
tram que a verdadeira felicidade está se vestir, passando a usar roupas mais timento… a alegria transparecia nos
em ser virtuosa”. adequadas a uma filha consagrada a olhos das crianças, que agora tinham
No mesmo sentido são as pa- Maria, sem que eu precisasse fazer outro brilho. Cresceu o interesse
lavras de Maria Luísa da Silva, de nenhuma observação a esse respeito, pela catequese, pela Missa aos do-
doze anos, numa carta dirigida a e estão sempre dispostas a participar mingos, e a harmonia passou a rei-
Mons. João: “Agradeço ao senhor dos eventos e trabalhos da igreja. Até nar entre elas.

38      Arautos do Evangelho · Junho 2018


Sergio Miyazaki

Lucio Alves
Plinio Veas
Jogos na Capela Monte Calvário; aula de música na Igreja São Judas; martinhas das Capelas Nossa Senhora
de Lourdes e Nossa Senhora de Fátima cantando durante uma Missa na Igreja Nossa Senhora do Carmo

“Tal mudança é mérito dos sem- breve se formará numa universidade


pre dedicados Arautos do Evange- de São Paulo, apanha com acerto o
lho, nos quais as crianças puderam “O apostolado feito que há de mais profundo nas ativida-
ver o que é a fé vivida e praticada.
Por meio deles, a educação tornou-
com minhas filhas des das martinhas: “Participando do
coral, eu e minha irmã não só apren-
-se algo mais presente, uma reali- trouxe um forte demos cantos gregorianos, como
dade acessível. Consequentemen- também as histórias dos Santos, e
te, o saber e o aprendizado tam- incentivo para elas; recebemos bons exemplos de reti-
bém melhoraram. Sou infinitamente dão, dignidade, seriedade, honradez.
grata ao nosso mestre maior, aque-
até se descobriu Agradeço aos Arautos do Evangelho
le que está na origem de tudo isso, que elas têm dom e especialmente ao Mons. João Clá
oR­ evmo. Mons. João Scognamiglio Dias por tudo isso, pois em um mun-
Clá Dias”. para a música” do tão deficiente de coisas boas, me
sinto abrigada em um oásis onde há
Formação para toda a vida uma verdadeira fonte do que é bom
Talvez os testemunhos que ates- lhes agradeço muitíssimo, principal- e correto. E uma fonte que, ao invés
tem com mais certeza o quanto esse mente por terem me ensinado a ver- de se manter dentro nos limites desse
empreendimento é acompanhado dadeira devoção a Nossa Senhora”. oásis, se expande e torna o solo árido
de especiais bênçãos do Céu sejam Jéssica Nascimento Santana, de e estéril do mundo em terra feraz e
os fornecidos por aquelas que, por vinte anos, sempre foi uma menina frutífera, pois aproxima as pessoas de
razões circunstanciais, já não parti- muito ativa na capela à qual perten- Deus, nessa época em que tudo pare-
cipam dos grupos de martinhas. Tal ce. Casou-se em 2016, e mantém vi- ce cada vez mais distante d’Ele”.
é o caso de Daniela da Silva Men- vas recordações: “Eu gostava muito Com efeito, ser martinha não sig-
des, de dezenove anos, que recente- de fazer os cortejos, de ajudar no ce- nifica apenas buscar a santidade e
mente ingressou numa universidade rimonial, mas, acima de tudo, de ser- servir à Igreja com despretensão e
do interior do País e de lá enviou-nos vir tão de perto a Nosso Senhor na alegria. É isso, mas não só isso. Tra-
algumas palavras: “Infelizmente não Eucaristia. Até hoje, quando estou ta-se de uma missão que compor-
há igrejas dos Arautos por aqui, mas na capela, procuro ver se está tudo ta também atrair ao redil de Nosso
continuo indo à Missa em minha em ordem, do jeito que me ensina- Senhor Jesus Cristo os que se afas-
nova paróquia, todos os domingos, e ram. Quero agora transmitir à mi- taram. O belo exemplo dessas me-
rezando o Santíssimo Rosário. Leva- nha filha todos esses tesouros que os ninas ecoa em muitas almas repe-
rei sempre comigo todos os ensina- Arautos do Evangelho me concede- tindo o convite que Marta um dia
mentos que recebi durante os cinco ram com tanta generosidade”. fez a Maria, “dizendo-lhe baixi-
anos em que estive com as irmãs e Já o depoimento de Gabriela nho: ‘O Mestre está aí e te chama’”
demais arautos na capela, pelo que Araujo, vinte e quatro anos, que em (Jo 11, 28). ²

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      39


Nuno Moura
Encontro multitudinário em Fátima
N o dia 21 de abril, membros do Apostolado do Ora-
tório vindos de todos os cantos de Portugal reuni-
ram-se em Fátima para, mais uma vez, agradecer a Maria
samente da Itália, da Espanha, do Brasil e de diversas
paróquias do País.
A proximidade do encontro com o Centenário das
Santíssima todas as bênçãos e favores recebidos ao longo Aparições conferiu-lhe uma profundidade toda espe-
deste último ano. cial. Diante da situação em que o mundo se encontra,
O evento, como já é costume, constou de Missa Sole- as palavras de Maria, “Por fim meu Imaculado Coração
ne, Adoração Eucarística, com recitação do terço e pro- triunfará ”, ressoam mais do que nunca cheias de espe-
cissão, e cortejo até a Capelinha das Aparições para o rança e de fé.
sempre emotivo “adeus a Maria”. “Sei que não pode ser, mas este encontro deveria se
Nesta ocasião, os atos litúrgicos foram presididos por repetir mais vezes por ano, porque é uma coisa que nos
Dom Francisco Senra Coelho, Bispo Auxiliar de Braga, transcende”, comentou uma das participantes. “É muito
que esteve acompanhado por sacerdotes vindos expres- bom para os jovens”, acrescentava outra, emocionada. ²

Fotos: Andre Morisson

Missa e Adoração na Basílica – Logo após a Missa, presidida por Dom Francisco Senra Coelho, Bispo Auxiliar
de Braga e concelebrada por dezenas de sacerdotes, teve lugar a Adoração Eucarística, que incluiu a recitação do
terço e a muito aguardada procissão com o Santíssimo Sacramento pelo interior da imensa basílica.

40      Arautos do Evangelho · Junho 2018


Oscar Makoto Motitsuki
Nuno Moura

Nuno Moura

Solene coroação – A cerimônia teve início com a solene entronização e coroação da Imagem Peregrina do
Imaculado Coração de Maria. Ela entrou em cortejo na Basílica, portada e acompanhada por arautos do setor
feminino de Portugal e da Espanha, que viajaram para participar da solene celebração.

Nuno Moura
Numerosa participação – Cerca de 12 mil fiéis vindos de todos os pontos do país, alguns dos quais
acompanhados pelos respectivos párocos, lotaram a gigantesca Basílica da Santíssima Trindade. Grupos de
peregrinos vindos expressamente da Itália e da Espanha também se associaram à comemoração.

Andre Morisson
Nuno Moura

Cortejo até a Capelinha das Aparições – Terminada a Santa Missa, os fiéis se reuniram junto à Cruz Alta e dali
partiram em cortejo, ao som de cânticos marianos, até a Capelinha das Aparições onde teve lugar o já tradicional
“adeus a Maria”, presidido por Dom Francisco Senra.

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      41


Fotos: David Domingues
Brasil – Após meses de cuidadosa preparação, dezenas de participantes do Apostolado do Oratório do Estado
de São Paulo fizeram, no dia 6 de maio, sua solene consagração a Maria Santíssima. O compromisso foi assinado
durante uma Missa Solene na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, em Caieiras (SP).

Fotos: Maria Furtado


1 2 3

Cabo Verde – Uma cooperadora dos Arautos residente em Rotterdam decidiu visitar em abril seu país de origem
levando um Oratório do Imaculado Coração de Maria. Com ele percorreu escolas (2) e comunidades religiosas (3).
Também participou de uma Missa privada celebrada pelo Cardeal Arlindo Gomes Furtado (1).

Fotos: Aida de Mérida

1 2 3

Guatemala – Sempre preocupados em levar conforto espiritual para os que sofrem, cooperadores da Guatemala
visitaram o orfanato Madre Anna Vitiello (1), a residência de anciãos Margarita Cruz (2) e o Hospital Geral San Juan
de Dios (3), onde foram entregues 70 cobertores e kits de higiene para famílias carentes.

42      Arautos do Evangelho · Junho 2018


ma de vida”. A norma vale para to- uma cilada. Enquanto atravessava
das as repartições públicas, cartó- um bosque utilizando um sendeiro,
rios, escolas e hospitais do estado. foi atacado por um grupo de crimi-
Até essa data, o Governo da Bavie- nosos e morto com trinta e duas pu-
ra prescrevia a presença de cruzes nhaladas. Pisotearam-no e o golpe-
apenas nas salas de aula das escolas aram com tanta violência que uma
estaduais e nos tribunais. das vértebras do pescoço estava
quebrada. Ao ser encontrado no dia
Beatificação do seguinte, tinha o Santíssimo Sacra-
Pe. Janos Brenner mento nas mãos, pelo que é chama-
No dia 1º de maio foi beatifica- do de “São Tarcísio Húngaro”, em
do o Pe. Janos Brenner, no peque- referência ao pequeno mártir roma-
Cruzes nos prédios no povoado húngaro de Szomba- no da Eucaristia.
públicos da Baviera thely, sua cidade natal. A cerimônia O Pe. Brenner, que viveu numa
Numa reunião realizada em fi- foi presidida pelo Cardeal Angelo piedosa família católica, recitava o
nais de abril, o Governo da Baviera Amato, SDB, Prefeito da Congre- Santo Rosário diariamente. No seu
decretou que a partir do dia 1º de gação para as Causas dos Santos, diário se pode ler: “Meu maior de-
junho todos os prédios públicos e acompanhada por mais de trinta sejo é ser santo, ser abençoado e
desse estado, o maior da Alema- mil fiéis. abençoar outros”. Ainda estudan-
nha, deverão ostentar uma cruz na Nascido em 1931, o Pe. Brenner te, interpretou justamente o papel
entrada, como “sinal visível dos va- sofreu o martírio no dia 15 de de- de São Tarcísio numa obra teatral
lores fundamentais, do direito e da zembro de 1957, aos vinte e seis anos organizada no colégio.
ordem social da Baviera e da Ale- de idade, com apenas dois anos e
manha”. meio de sacerdócio. Numa época de
Um milhão de peregrinos
O comunicado, dado a conhe- grande perseguição contra a Igre-
visitaram Liébana no Ano Santo
cer no dia 24 de abril, frisa que a ja, ele foi chamado para administrar No dia 22 de abril foi encerrado
cruz é um símbolo inegável “de nos- à noite os Sacramentos a um mori- o Ano Santo Lebaniego, no Mos-
sa identidade bávara e de nossa for- bundo, num povoado retirado. Era teiro de São Turíbio de Liébana, na

Vitória honra
a Padroeira

André Sobral - Prefeitura de Vitória


P or ocasião das festividades de Nossa Senhora da
Penha foi realizada em Vitória, no dia 7 de abril,
a 60ª Romaria dos Homens, também chamada de Ro-
maria das Famílias, por dela participarem crianças e
esposas dos peregrinos. O percurso de quatorze quilô-
metros da catedral até Vila Velha teve início às deze-
nove horas do sábado, sob chuva fraca, que logo parou
dando lugar a um tempo firme. A romaria dos homens partindo da
No dia seguinte, Domingo da Misericórdia, foi a Catedral Metropolitana
vez da Romaria das Mulheres, que contou com per-
to de sessenta mil participantes. A caminhada par- As comemorações em honra a Nossa Senhora da
tiu às dezesseis horas do Santuário do Espírito San- Penha, padroeira do Estado do Espírito Santo, se
to e chegou às dezessete horas e quarenta minutos iniciam no dia 1º de abril, que neste ano coincidiu
ao Parque da Prainha, onde o Arcebispo, Dom Luiz com a Páscoa da Ressurreição. Durante esse perío-
Mancilha Vilela, SSCC, presidiu uma Missa campal do, ocorreram onze romarias oficialmente registra-
concelebrada pelos frades do Convento da Penha e das e calcula-se que mais de dois milhões de fiéis te-
do Santuário do Divino Espírito Santo. nham visitado o histórico santuário.

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      43


Espanha, onde é venerada uma das a ideia que fazem sobre a vida con- ção da capela da Universidade Es-
maiores relíquias da Santa Cruz de ventual”. tadual de Faisalabad, primeira a ser
Nosso Senhor. A maior parte das ordens religio- inaugurada num centro de ensino
Durante o Ano Santo, uma mé- sas masculinas da Alemanha assu- superior do Paquistão. Ela está de-
dia de dois mil e setecentos fiéis mem o trabalho pastoral em paró- dicada a Nossa Senhora e se encon-
visitaram por dia o pequeno mos- quias. Ainda segundo os organiza- tra no átrio da Faculdade de Agri-
teiro, que desde 1512 celebra seus dores do evento, a principal curio- cultura.
anos jubilares quando a festa de sidade dos visitantes era saber mais A iniciativa partiu de estudan-
São Turíbio, comemorada no dia sobre o carisma e forma de vida das tes e profissionais de diversas á­ reas.
16 de abril, cai em um domingo. O comunidades. O vice-chanceler da universidade,
próximo será em 2023. Esse tipo de Muhammad Iqbal Zafar, explicou
privilégio para a celebração do Ano que “esta igreja foi construída com
Santo é compartilhado pelos santu- a finalidade de atender as necessi-
ários de Roma, Jerusalém e Santia- dades dos estudantes e funcionários

radiocatolica.org
go de Compostela. cristãos” e sublinhou que “é a pri-
meira vez na história do Paquistão
Inusitado interesse pela vida que uma igreja é construída no ter-
monástica na Alemanha reno de uma universidade estadual”.
No sábado 21 de abril foi reali-
zado na Alemanha o Dia dos claus- Bolívia renova consagração aos Pedem para o som dos sinos ser
tros abertos, durante o qual duzentas Corações de Jesus e de Maria Patrimônio da Humanidade
e cinquenta abadias de todo o país No dia 15 de abril realizou-se, na Mais de onze mil sineiros e car-
abriram aos visitantes algumas par- catedral de Cochabamba, a consa- rilhadores de toda a Europa se
tes da própria clausura. Os organi- gração da Bolívia aos Sagrados Co- uniram para pedir que o som des-
zadores tinham por objetivo mostrar rações de Jesus e de Maria. Com ses instrumentos seja reconheci-
mais de perto o dia a dia nos mos- ela se renovam as consagrações fei- do como Patrimônio Imaterial da
teiros e a grande variedade de for- tas no dia 7 de agosto de 1925 ao Humanidade pela UNESCO. E,
mas de vida religiosa existentes no Sagrado Coração de Jesus, e no dia para reforçar a petição, no sábado
país, que possui atualmente trezen- 12 de outubro de 1948 ao Imacula- 21 de abril foram tocados simulta-
tas e quinze comunidades femininas do Coração de Maria. neamente os sinos de mil e trezen-
e cento e cinco masculinas. O ato foi presidido por Dom Ri- tas igrejas da Espanha e outros paí-
Este é o segundo ano em que cardo Centellas, Bispo de Potosí e ses europeus. A iniciativa partiu da
é levada a cabo essa iniciativa, da Presidente da Conferência Episco- associação cultural Hispania Nos-
qual se beneficiaram mais de trin- pal Boliviana, acompanhado por tra e dos Campaners d’Albaida, ins-
ta mil pessoas. Constava no progra- numerosos Bispos e sacerdotes. Ele tituição que reúne os sineiros dessa
ma a participação na Missa domi- faz parte das festividades que co- cidade espanhola onde desde o sé-
nical e na recitação da Liturgia das memoram a iminente canonização culo XIII os sinos são tangidos ma-
Horas. Os monges também promo- da primeira Santa boliviana, Nazá- nualmente.
veram palestras e momentos de me- ria Ignacia March Mesa, fundadora Os organizadores lembraram
ditação. Em alguns locais, as visi- das Missionárias Cruzadas da Igre- que o sino era “o encarregado de
tas foram organizadas pela prefei- ja, e o início do processo de canoni- comunicar as emoções dos povos.
tura e faziam parte das atividades zação da Venerável Virgínia Blan- Até não muito tempo atrás, era o
escolares. co Tardío. som que regulava a vida das pesso-
Nas palavras do Pe. Hermann- as. Ele tocava a rebate, a defuntos e
-Josef Kugler, OPraem, Presiden-
Inaugurada capela o glória, entre outros”. Eles infor-
te da Conferência Alemã de Supe-
em universidade estadual maram também os países que par-
riores de Ordens Religiosas e supe-
do Paquistão ticiparam do evento: Espanha, Bél-
rior do convento premonstratense No dia 15 de abril, o Arcebis- gica, Dinamarca, Alemanha, Fran-
de Windberg e Roggenburg, na Ba- po de Islamabad-Rawalpindi e Ad- ça, Reino Unido, Irlanda, Lituânia,
viera, “percebe-se com frequência ministrador Apostólico da Diocese Suécia, Ucrânia, Suíça, Portugal,
que basta apenas uma visita para as de Faisalabad, Dom Joseph Arshad, Polônia, Áustria, Noruega, Holan-
pessoas mudarem completamente presidiu a cerimônia de consagra- da e Itália.

44      Arautos do Evangelho · Junho 2018


Nicarágua se consagra solenemente
à Santíssima Virgem Maria
U ma multidão de fiéis participou da cerimônia de
consagração da Nicarágua ao Imaculado Cora-
ção de Maria, realizada no dia 28 de abril, em frente à
Antes do ato de consagração, presidido pelo
Bispo Auxiliar, Dom Silvio Báez, OCD, foi reza-
do o Santo Rosário e o Arcebispo Metropolitano,
Catedral Metropolitana de Manágua. ­C ardeal Leopoldo Brenes, oficiou uma Liturgia da
Palavra.
Na fórmula de con-
sagração podia-se ler:
“A Vós, Virgem Pu-
ríssima, em vossas
mãos maternais e vos-
so Coração Imacula-
do, consagramos nes-
ta tarde nosso país. A
Vós, Mãe Santíssima,
CEN Nicaragua

consagramos nossas
famílias, nossas co-
munidades e nossas
instituições”.

Relíquia de São Pio de Pietrelcina


atrai milhares de argentinos

P ara comemorar os cin-


quenta anos do faleci-
mento de São Pio de Pietrel-
cina e o centenário do apa-
recimento dos estigmas da
Paixão em seu corpo, foi or-
ganizada uma peregrinação
Marko Vombergar-ALETEIA

de suas relíquias pela Argen-


tina, entre os dias 19 e 25 de
abril.
A urna contendo o co-
ração do Santo capuchinho
veio do Paraguai, onde ha-
via permanecido por oito
dias. Seu percurso na Ar- Centenas de fiéis veneram a relíquia em Luján
gentina iniciou-se na Cate-
dral Metropolitana da Santíssima Trindade, em Bue- como nas maiores festas marianas. Em todos os ou-
nos Aires. A seguir, a valiosa relíquia foi levada à tros lugares onde ela foi venerada, a afluência de fiéis
Basílica de Nossa Senhora de Luján, que se encheu superou as melhores expectativas.

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      45


História para crianças... ou adultos cheios de fé?

Bem-aventurados
os puros de coração…
Pedrinho entrou em casa cabisbaixo, abatido e com certo ar de dúvida,
deixando aflita sua mãe. O que se passava com o pequeno? Uma nota
baixa? Um mal-entendido entre amigos? Ou, pior, uma repreensão
vinda do Pe. Antônio?!…
Ir. Giovana Wolf Gonçalves Fazzio, EP

O
dia despontava naquela ra, mas prometo que, se meu plano der Por volta da uma e meia da tarde,
manhã de primavera na certo, contarei tudo para a senhora! Da. Amélia costumava interromper
aldeia. As imensas plan- Após deixar Pedrinho na escola, seus trabalhos para esperar Pedrinho
tações de uva pareciam Da. Amélia voltou para casa meio chegar do colégio, levado por um cari-
carregadas de pedras preciosas, pois intrigada com a história do bolo… doso senhor que morava pela região e
os raios do sol se refletiam nas go- Contudo, não pensava ser uma tra- trabalhava na escola. Ela ficava vigian-
tas de orvalho que as cobriam. Um vessura ou algo errado, pois seu filho do, na sacada do segundo andar da
cheiro de pão quente saía das ca- sempre fora muito piedoso e obe- casa, a fim de vê-lo dobrar a esquina.
sas e pelas janelas era possível ver diente, um verdadeiro exemplo para O horário era um pouco tardio
as crianças, vivíssimas, que se pre- os amigos e companheiros. E como porque, ao término das aulas, Pedri-
paravam para a escola. Alguns ven- entrara no colégio naquele ano, tal- nho ajudava o Pe. Antônio, servindo-
dedores ambulantes percorriam as vez fosse um agrado que desejasse -o como coroinha na Igreja de São Pe-
ruas para oferecer suas mercadorias fazer ao profes-
e uns quantos fiéis saíam da matriz, sor…
depois da Missa matutina. O dia esta-
Dentro deste pitoresco cenário, va aprazível e ela
entramos em uma casa de família e queria aprovei-
nos deparamos com um curioso di- tar para concluir
álogo… seus afazeres do-
— Pedrinho?! mésticos. Porém,
— Sim, mamãe! como mãe extre-
— Já está pronto para o colégio? mosa que era, ao
Seu uniforme de coroinha está na chegar a casa diri-
mochila? giu uma prece ao
— Sim, senhora! Só preciso ter- Sagrado Coração
minar de embrulhar este bolo, o que de Jesus, pedindo
está um pouco complicado… que Ele guardas-
— Bolo? Para que vai levar um se seu pequenino
bolo? Vai dá-lo a alguém? Ao pro- de qualquer mal,
fessor? e encomendou-
— Não, mamãe, é uma longa histó- -o também à sua “Para que vai levar esse bolo, Pedrinho?
ria! Vou chegar atrasado se contar ago- Mãe Santíssima. Vai dá-lo ao professor?”

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dro. Quando chegava, como já era tra-
dição, ele entrava correndo para abra-
çar a mãe, antes de se deliciar com o
almoço preparado por ela com todo
amor e esmero.
Entretanto, neste dia Da. Amélia
percebeu algo diferente na fisionomia
do filho: ao invés de correr pressuroso
para seus braços e, em seguida, para a
mesa, andava lento e cabisbaixo, sem
o costumeiro sorriso que trazia nos lá-
bios. Ele, que sempre fora um menino
alegre e expansivo, agora estava abati-
do e com certo ar de dúvida.
Aflita, a boa senhora desceu para
ver o que se passava com o pequeno:
uma nota baixa? Um mal-entendido

Ilustrações: Edith Petitclerc


entre amigos? Ou, pior, uma repre-
ensão vinda do Pe. Antônio?!…
Ao aproximar-se viu que dos olhi-
nhos do menino corriam algumas lá-
grimas: ele estava chorando!
— Pedrinho – disse-lhe a mãe –, o
que aconteceu com você, meu filho?
“É que, ao ajudá-lo na Missa,
— O Pe. Antônio, mamãe… várias vezes tenho visto um lindo Menino...”
— O que há com o senhor padre?
Ele o repreendeu? fome, pois se o Menino está escondi- recebê-Lo também em seu coração.
— Não, mamãe! É outra coisa… do na Hóstia ele não poderia consu- Agradeça a Deus e a seu Anjo da
Eu tentei ajudá-lo hoje, mas meu mi-la! Por isso levei o bolo para ele! Guarda por lhe terem dado tão gran-
plano não deu certo!… Da. Amélia sorria e chorava ao mes- de privilégio de poder contemplar o
Da. Amélia lembrou-se do bolo mo tempo, compreendendo tudo… Menino Jesus!
que o filho levara para o colégio e do — Hoje ele passou pelo colégio no Pedrinho, boquiaberto, ficou tão
“plano” que ele havia mencionado recreio – continuou Pedrinho – e fui cheio de entusiasmo que, naquela
de manhã. Então perguntou: correndo para entregar-lhe o bolo, noite, nem conseguiu dormir à espe-
— O bolo era para o Pe. Antônio? dizendo que era o mais delicioso da ra da Missa do dia seguinte.
Ele gostou? aldeia, para ver se lhe dava vontade Como nunca, ele auxiliou o padre
— Sim, mamãe – disse o menino de comer. E ele comeu! Disse que es- com inteira compenetração e pieda-
entre soluços –, o bolo era para ele. tava bem agradado com o presente e de, na esperança de ver outra vez o
Só que meu plano não deu certo! Eu que, realmente, estava excelente. No “Menino lindo”, que agora sabia ser
pensei que, comendo o bolo, ele não entanto, qual não foi minha surpre- Deus!
teria mais fome… sa quando, durante a Missa, aconte- Oh, alegria! Eis que na hora da
— Como assim, meu filho? O se- ceu de novo! Consagração o milagre ocorreu no-
nhor padre está passando fome? A mãe conhecia bem a virtude e vamente diante daqueles inocentes
— Eu não sei explicar o que se santidade do Pe. Antônio, e cheia de olhos! Cheio de veneração, Pedrinho
passa… É que, ao ajudá-lo na Missa, espírito sobrenatural disse: agradeceu a Jesus por tão grande dá-
várias vezes tenho visto um lindo Me- — Não tema, meu filho, é o Me- diva e se inclinou para adorá-Lo.
nino, muito lindo mesmo, nas mãos nino Jesus que está na Sagrada Hós- O Santo Infante, então, Se voltou
dele, em lugar da Hóstia, na hora da tia! E todos os que temos a graça de para Pedrinho e deu-lhe uma sole-
Consagração. Depois o Menino fica comungar O recebemos como ali- ne bênção, dizendo com um misto de
pequenininho e se esconde dentro mento, para que Ele nos transforme voz pueril e majestosa: “Bem-aven-
da Hóstia que o padre comunga! Ma- e santifique. Por isso você começou turados os puros de coração, porque
mãe, acho que o padre está passando o catecismo para preparar-se para verão a Deus” (Mt 5, 8)! ²

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Os Santos de cada dia  ________
1. São Justino, mártir (†c. 165 7. Beata Maria Teresa de Soubi- 10. X Domingo do Tempo Comum.
Roma). ran La Louvière, virgem (†1889). Beato João Dominici, Bispo
Santo Íñigo, abade (†c. 1060). Fundou as Irmãs de Maria Auxi- (†1419). Religioso dominicano
A pedido de Dom Sancho III, rei liadora, em Toulouse, França. Foi eleito Bispo de Ragusa da Dal-
de Navarra, abandonou a vida injustamente expulsa de sua obra mácia. Faleceu em Budapeste,
solitária para assumir o cargo de e passou o resto de sua vida em Hungria, para onde foi enviado
abade do mosteiro de Oña, em profunda humildade. a fim de combater a heresia de
Burgos, Espanha. João Huss.
8. Solenidade do Sagrado Coração
2. Santos Marcelino e Pedro, márti- de Jesus. 11. São Barnabé, Apóstolo.
res (†304 Roma). Santo Efrém, diácono e Dou- São Páris, presbítero (†1267).
Beato Sadoc, presbítero, e com- tor da Igreja (†378 Edessa Sacerdote camaldulense que
panheiros, mártires (†1250). Su- - Turquia). morreu aos cento e oito anos
perior do convento dominicano de em Treviso, Itália. Por ordem do
Beata Maria Teresa Chira-
Sandomierz, Polônia, foi trucida- Prior Geral, dedicou-se durante
mel Mankidiyan, virgem (†1926).
do pelos tártaros, junto com outros setenta e sete anos a dar direção
Fundou em Kerala, Índia, a Con-
quarenta e oito religiosos, enquan- espiritual às monjas do Mosteiro
gregação das Irmãs da Sagrada
to cantavam a Salve Regina. de Santa Cristina.
Família.
3. IX Domingo do Tempo Comum. 12. Beato Lourenço Maria de São
9. Imaculado Coração de Maria. Francisco Xavier, presbítero
São Carlos Lwanga e doze
companheiros, mártires (†1886 São José de Anchieta, presbí- (†1856). Religioso da Congrega-
Kampala - Uganda). tero (†1597 Reritiba - Brasil). ção da Paixão, difundiu a devo-
São Pedro Ðông, mártir São Ricardo de Andria, Bispo ção ao Menino Jesus em diversas
(†1862). Pai de família vietnami- (†séc. XII). Sacerdote de origem regiões da Itália.
ta submetido a terríveis torturas inglesa, eleito Bispo de Andria, 13. Santo Antônio de Pádua, pres-
e por fim decapitado, por recu- Itália. Atribuem-se-lhe numero- bítero e Doutor da Igreja (†1231
sar-se a pisar numa cruz. sos milagres. Pádua - Itália).
4. Beatos Antônio Zawistowski, Santo Eulógio, Bispo (†c.
presbítero, e Estanislau Staro- 607). Patriarca de Alexandria,
wieyski, mártires (†1942). Mor- combateu vigorosamente as he-
reram no campo de concentra- resias de seu tempo, sobretudo o
ção de Dachau, Alemanha, após monofisismo.
sofrerem atrozes tormentos. 14. Santo Eliseu, profeta.
5. São Bonifácio, Bispo e mártir São Fortunato de Nápoles,
(†754 Dokkum - Holanda). Bispo (†séc. IV). Preservou sua
diocese da heresia ariana, procla-
São Franco, eremita (†séc.
mando o quanto pôde a divinda-
XII). Levou uma vida de con-
de de Jesus Cristo.
templação e penitência numa
estreita gruta, perto de Asser- 15. Beato Luís Maria Palazzolo,
gi, Itália. presbítero (†1886). Fundou em
Bérgamo, Itália, a Congregação
6. São Norberto, Bispo (†1134
das Irmãs Pobrezinhas e a dos Ir-
Reprodução

Magdeburgo - Alemanha).
mãos da Sagrada Família.
Beato Inocêncio Guz, presbí-
tero e mártir (†1940). Sacerdo- 16. Beato Antônio Constante Au-
te polonês morto no campo de riel, presbítero e mártir (†1794).
concentração de Sachsenhau- São Tomás Moro, por Pieter Paul Negando-se a assinar a Consti-
sen, Alemanha. Rubens - Museu do Prado, Madri tuição Civil do Clero, durante a

48      Arautos do Evangelho · Junho 2018


______________________ Junho
Revolução Francesa, foi en- Wilibrordo, ajudou-o a evan-
carcerado numa sórdida ga- gelizar a região de Egmond,
lera onde morreu prestando Holanda.
assistência aos seus compa-
26. São José Maria Robles
nheiros de prisão.
Hurtado, presbítero e mártir
17. XI Domingo do Tempo (†1927). Fervoroso propagador
Comum. da devoção ao Sagrado Cora-
ção de Jesus. Foi enforcado du-
Beata Teresa de Portugal,
rante a perseguição anticatólica
rainha (†1250). Filha do Rei
no México.
Sancho I de Portugal, casada
com Afonso IX, rei de Leão. 27. Nossa Senhora do Perpétuo
Após a morte do marido, in- Socorro.
gressou no mosteiro cister- São Cirilo de Alexandria,
ciense de Lorvão, por ela Bispo e Doutor da Igreja (†444
fundado. Alexandria - Egito).
São Tomás Toán, mártir
18. São Gregório Barbarigo,
(†1840). Catequista e adminis-
Bispo (†1697). Generoso
Francisco Lecaros

trador da missão de Trung Linh,


com todos e severo consigo
morreu de fome e de sede na
mesmo, empenhou-se na for-
prisão de Nam Ðinh, Vietnã.
mação do clero, ensinou ca-
tecismo às crianças e abriu 28. Santo Irineu, Bispo e mártir
várias escolas na sua Diocese (†c. 202 Lyon - França).
de Pádua, Itália. Santo Eliseu - Igreja do Carmo,
Santa Vicência Gerosa, vir-
Antequera (Espanha)
gem (†1847). Junto com Santa
19. São Romualdo, abade
São João Fisher, Bispo, e São Bartolomea Capitanio, fundou
(†1027 Marcas - Itália).
Tomás Moro, mártires (†1535 o Instituto das Irmãs da Caridade
Beato Gerlando, religioso (†c. em Lovera, Itália.
Londres).
1271). Cavaleiro da Ordem de
São João de Jerusalém, protetor São Nicetas de Remesiana, 29. Solenidade de São Pedro e São
das viúvas e dos órfãos. Bispo (†c. 414). Elogiado por São Paulo, Apóstolos (No Brasil,
Paulino de Nola por seu trabalho transferida para o domingo, 1º
20. Beata Margarida Ball, már- de evangelização dos bárbaros. de julho).
tir (†1584). Viúva septuagenária São Cássio, Bispo (†558). São
23. Beata Maria Rafaela Cimat-
que acolhia em sua casa sacerdo- Gregório Magno exaltou a vida
ti, virgem (†1945). Religiosa da
tes perseguidos. Denunciada por exemplar deste Bispo de Narni,
Congregação das Irmãs da Mi-
seu próprio filho, foi submetida a Itália, bem como sua abnegação,
sericórdia para os Enfermos, de-
torturas na prisão em Dublin, Ir- sua vigilância pastoral e sua ge-
monstrou grande caridade na as-
landa, onde morreu. nerosidade para com os pobres.
sistência aos doentes e aos pobres.
21. São Luís Gonzaga, religioso 30. Santos Protomártires da Igreja
24. Natividade de São João Batista.
(†1591 Roma). Romana (†64 Roma).
São Teodgaro, presbítero (†c.
São Leufredo, abade (†738). São Basílides, soldado e mártir
1065). Evangelizou a região de
Fundou em Évreux, França, a (†c. 202). Tendo procurado prote-
Vestervig, Dinamarca, e cons-
Abadia da Santa Cruz e a regeu ger Santa Potamiena dos ultrajes
truiu ali a primeira igreja, toda
por quase quarenta e oito anos. de homens impudicos enquanto a
de madeira.
conduzia ao suplício, acabou por
22. São Paulino de Nola, Bispo 25. Santo Adalberto, diácono e aba- se converter a Cristo e receber
(†431 Nola - Itália). de (†séc. VIII). Discípulo de São também a palma do martírio.

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      49


Voz misteriosa da graça
Não há dia em que a graça não nos fale. Não há dia em que Deus
não nos convoque a dar um passo a mais na união com Ele. Para
escutar com clareza essa voz misteriosa e discreta, basta nos
afastarmos um pouco da voragem do mundo hodierno.

Ir. Aline Karolina de Souza Lima, EP

Q uem, estando imerso nas


ocupações diárias, no
meio da labuta cotidiana,
não se sentiu tocado algu-
ma vez por uma voz discreta e miste-
çá da visão de um mar cristalino e
translúcido, com a cor da água-ma-
rinha, que nos arranca da vulgari-
dade e agitação hodiernas.
Pode manifestar-se também por
tange a Deus e detesta tudo o que a
Ele se opõe”.
Não há dia em que a graça não
nos fale; não há dia em que Deus
não nos convoque a dar um passo
riosa a lhe dizer: “Se hoje ouvires a meio de uma pedra preciosa, cujo a mais na união com Ele. Para ou-
minha voz, não endureças teu cora- esplendor evoca a ação da Provi- vir essa voz misteriosa e discreta
ção”? Quem nunca escutou sussurrar dência sobre certas almas muito não é necessário possuir dons mís-
em seu interior: “Vem a mim e te da- escolhidas. Rudes e opacas no iní- ticos extraordinários. Basta nos
rei paz de alma, serenidade no com- cio, elas são lapidadas pelo sofri- afastarmos um pouco da voragem
bate, forças quando tua fragilidade mento e polidas pela ação do Espí- do mundo hodierno à procura dos
clamar por ajuda, e vitória nos teus in- rito até atingirem uma beleza ru- valores mais altos. Paremos por al-
tentos”? Quem jamais se sentiu assu- tilante, reflexo da inefável Luz do guns instantes junto ao Santíssimo
mido por palavras de suave bálsamo, Criador. Sacramento, aos pés de uma ima-
que penetram a fundo no coração? O sereno voo de uma águia rumo gem piedosa ou diante do retrato
A presença dessa íntima e enig- ao cume das montanhas, bem junto de algum Santo. Sem dúvida a gra-
mática voz é muito mais comum do às nuvens do céu, fala-nos também ça se fará ouvir ali com maior niti-
que se pode imaginar. Ao longo do ao espírito com força. Admira-nos dez do que no meio das ocupações
dia, embora de forma quase imper- a enorme distância que a separa da do dia a dia.
ceptível, ela fala, adverte, aconse- mediocridade das coisas terrenas, O ser humano é um composto
lha, corrige. Em meio às tribula- sobre as quais parece lançar um substancial de matéria e forma, de
ções, costuma tranquilizar; dian- olhar de sobranceira indiferença. corpo e alma e, por isso a graça se
te de uma ocasião próxima de pe- Quem a contempla deslizando nas utiliza de algo ou alguém para agir
cado, nos previne; após uma falta, alturas logo é tocado por aquela voz sobre nós. A matéria produz uma
nos repreende. É a graça falando misteriosa, que diz: “Vem tu tam- influência benéfica sobre o homem
em nosso interior. bém singrar os altos panoramas da quando ligada a Deus e lhe ser-
Ela pode entrar em contato co- criação, saboreia os voos sobrenatu- ve de obstáculo quando ligada ao
nosco de maneiras diversas: através rais do espírito, não te prendas aos mal. Quanto maior contato tenha-
de uma música que nos equilibra e vazios e efêmeros objetos da terra. mos com lugares, objetos ou pes-
eleva; da contemplação de um vasto Foste chamado a ultrapassar em ou- soas que Lhe pertencem por intei-
e belo panorama, imagem da gran- sadia essa ave insigne. Ama com to- ro, mais perto d’Ele conseguire-
deza e dadivosidade divinas; ou qui- das as forças de tua alma tudo o que mos estar.

50      Arautos do Evangelho · Junho 2018


Valentin Sabau (CC0)
Juan Lacruz (CC by-sa 3.0)
Leandro Souza

Outono nos bosques da Romênia; nascer do sol na Praia da Caçandoca, Ubatuba (SP);
águia real voando sobre a Serra de Guadarrama (Espanha)

Uma rutilante pedra preciosa, Deus, como julgam muitos insensa- da alma, para que no dia do Juízo
ou ainda uma alma preciosa, quan- tos e ignorantes, senão um instru- possamos escutar com gáudio Nos-
do considerada nos seus aspectos mento que nos conduz até o Céu. so Senhor nos dizer: “Essa ovelha
mais nobres e admirada enquan- Ouçamos atentamente essa voz escutou a minha voz. Eu a conhe-
to reflexo do Altíssimo, jamais será da graça que a todo momento nos ço e agora ela há de Me seguir para
instrumento de afastamento de fala, mesmo na insensibilidade sempre!” ²

Junho 2018 · Arautos do Evangelho      51


Justiça e misericórdia
U ma humanidade perseverante na sua impieda-
de tudo tem a esperar dos rigores de Deus. Mas
Deus, que é infinitamente misericordioso, não quer a
morte desta humanidade pecadora, mas sim “que ela
se converta e viva”. E, por isto, sua graça procura in-
sistentemente todos os homens, para que abandonem
seus péssimos caminhos e voltem para o aprisco do
Bom Pastor.
Se não há catástrofes que não deva temer uma hu-
manidade impenitente, não há misericórdias que
não possa esperar uma humanidade arrependida.
E para tanto não é necessário que o arrependi-
mento tenha consumado sua obra restaurado-
ra. Basta que o pecador, ainda que no fundo
do abismo, se volte para Deus com um sim-
ples início de arrependimento eficaz, sério e
profundo, que ele encontrará imediatamente
o socorro de Deus, que nunca se esqueceu
dele. Di-lo o Espírito Santo na Sagrada
Escritura: ainda que teu pai e tua mãe
te abandonassem, eu não me esquece-
ria de ti. Até nos casos extremos em
que o paroxismo do mal chega a esgotar
a própria indulgência materna, Deus não
se cansa. Porque a misericórdia de Deus beneficia o
pecador até mesmo quando a Justiça divina o fere de
mil desgraças no caminho da iniquidade
Estas duas imagens essenciais da justiça e da mi-
sericórdia divina devem ser constantemente postas
diante dos olhos do homem contemporâneo. Da justi-
ça, para que ele não suponha temerariamente salvar-
-se sem méritos. Da misericórdia, para que não de-
sespere de sua salvação desde que deseje emendar-se.
E, se as hecatombes de nossos dias já falam tão clara-
mente da justiça de Deus, que melhor visão para com-
pletar este quadro, do que o sol da misericórdia, que é
Timothy Ring / Leandro Souza

o Sagrado Coração de Jesus?

Plinio Corrêa de Oliveira. Nossa Senhora do


Sagrado Coração. In: Legionário. São Paulo.
Sagrado Coração de Jesus -
Ano XIV. N.410 (21 jul., 1940); p.2. Casa Rei Davi, Caieiras (SP)

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